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Capítulo I –Família Silva Freire: de Portugal para o Brasil

A proposta deste primeiro capítulo é tratar sobre alguns aspectos envolvendo a


chegada da família Silva Freire, o que ocorreu em meados do século XVIII, na
Freguesia de Guarapiranga - na época pertencente a Comarca de Ouro Preto. 1 Neste
aspecto, entender as motivações que impulsionaram a vinda da família Silva Freire para
essa colônia, assim como, apontar algumas questões relacionadas ao desenvolvimento
populacional nas zonas mineradoras. Para tal, cabe ressaltar que a região de Mariana,
teve grande relevância para o estabelecimento da mencionada família na América
Portuguesa, pois além do seu perfil minerador, Minas Gerais apresentava ampla
potencialidade de expansão territorial e com uma vasta fronteira aberta.
Num primeiro momento, é importante destacar alguns aspectos sobre a
dinâmica da descoberta do ouro nas Minas Gerais. Em 1695, ocorreu uma grande
circulação de pessoas provenientes de toda colônia brasileira e também da metrópole
portuguesa. Estas pessoas foram atraídas para a região aurífera – sem mencionar o alto
número de escravizados trazidos da África que para lá foram levadas.2 Em 1780, quando
a extração do ouro se tornou mais difícil e dispendiosa, essa população tendeu a migrar
para área de sertão, ocupadas por indígenas ou ainda não ocupada, em busca de locais
propícios a outras atividades, em especial, a pecuária e a uma produção de alimentos
voltada para o mercado interno.3 Dessa maneira, a chegada de colonos, europeus e
africanos tornou possível a formação de comunidades muito específicas e que merecem
uma atenção cuidadosa. Com relação a formação de tais comunidades, Jorge Alves,

1
Neste momento Ouro Preto integrava, o Bispado de Mariana. Criado em 1745, o bispado de Mariana se
limitava com os bispados do Rio de Janeiro e de São Paulo, a prelazia de Goiás, a arquidiocese de São
Salvador da Bahia e o bispado de Pernambuco. A jurisdição do bispado de Mariana não correspondia
exatamente à Capitania de Minas Gerais. Seu território foi delimitado pelos rios: Jequitinhonha, ao Norte;
São Francisco, a Oeste; Rio Doce, a Leste; Rio Paraíba, ao Sul”. Apud. ROCHA, Dom Geraldo Lyrio
Rocha (Arcebispo Emérito de Mariana). "Breve História da Arquidiocese de Mariana". Texto da
conferência de abertura do Simpósio Acadêmico Filosófico-Teológico "A história da Igreja Particular de
Mariana: Memória e Testemunho, promovido pela Faculdade Dom Luciano Mendes em parceria com o
Instituto Teológico São José da Arquidiocese de Mariana, no período de 02 a 04 de fevereiro de 2019.
Disponível em: http://inconfidentia.famariana.edu.br/wp-content/uploads/2019/12/1. Acessado em 05 de
maio de 2023.
2
"Em Minas Gerais, a demanda por escravos foi abundante. Entre o início da década de 1720 e meados
da década de 1730, foram arrastados para o interior do país mais de 50 mil africanos. Somente em Vila
Rica, o contingente de cativos saltou de 6.721 em 1716 para 20.863 em 1735. As condições de vida dessa
população eram, de modo geral, muito duras. Sua jornada de trabalho era longa, árdua e frequentemente
perigosa, sua moradia era precária, desconfortável e insalubre, e sua vestimenta insuficiente, inadequada e
imunda. Por isso, sua vida era geralmente breve." Apud. Obra de 1735 revela mazelas dos escravos em
Minas Gerais. Blog de História, Ciências, Saúde – Manguinhos. Disponível
em: http://www.revistahcsm.coc.fiocruz.br/obra-de-1735-revela-mazelas-dos-escravos-em-minas-gerais/
Acessado em 05 de maio de 2023.
3
DE MAGALHÃES, Sônia Maria. Outro olhar sobre Mariana no século XIX. História Revista, v. 4, n. 1,
1999. pp. 4.
observa que é fundamental termos referenciais particulares sobre esses emigrantes, pois
cada comunidade deve ser percebida como um microcosmos, visto que cada família
constitui um grupo afetivo, social e econômico, que possuíam diferentes respostas
comportamentais, mesmo em situações semelhantes.4
Creio que neste contexto, insere-se o caso da família Silva Freire. Constituída
por Antonio da Silva - um senhor natural de Braga, distrito localizado no norte de
Portugal - e Marcelina Maria, sua esposa - nascida da freguesia de Santa Catharina
Coutos, de Alcabaça, região central de Lisboa.5 Quando Antonio e Marcelina Maria
emigraram para o Brasil trouxeram o seu único filho de nome Caetano. 6 Essa família,
assim como várias outras, atravessou o atlântico em busca de melhores condições de
vida econômica e social.
Para além desta breve apresentação, neste capítulo, buscarei também observar os
desafios vivenciados por Caetano da Silva Freire, filho de Antonio da Silva e Marcelina
Maria. Nessa pesquisa, se procura entender as redes e as conexões estabelecidas na
freguesia de Guarapiranga, então Capitania de Minas Gerais, desta família e ainda,
abordar as atividades produtivas a partir da sua fixação naquela região. Nossas
observações procuram apontar as razões que poderiam ter levado a família de Caetano a
deixar a respectiva freguesia mineira, local que alcançou certo reconhecimento social,
em direção a região denominada como Novas Minas do Sertão do Macacu, na Vila de
Santo Antonio de Sá, situada no sertão fluminense.
Para entender a trajetória da família Silva Freire a partir de Portugal até sua
fixação no Sertão da capitania do Rio de Janeiro, neste primeiro capítulo vamos
acompanhar o rastro documental desse grupo familiar. Para isso, no subtítulo a seguir
nossa investigação terá como data inicial o ano de 1711, momento em foi realizado o
casamento de Antonio da Silva e Marcelina Maria, pais de Caetano da Silva Freire e
português de origem. A partir daí cabe analisar a trajetória na América Lusa, dessa
composição familiar.

1.1. As raízes da família Silva Freire

4
ALVES, Jorge Fernandes. Os Brasileiros. Emigração e Retorno no Porto Oitocentista. Porto, 1997.
pp.26.
5
Caetano da Silva Freire – Árvore Familiar. Disponível em:
https://www.familysearch.org/tree/pedigree/landscape/KHZV-G89. Acessado em 01 de fevereiro de
2023.
6
Livro de Registro de Batismo – Disponível em: https://digitarq.arquivos.pt/viewer?id=4821433.
Acessado em 02 de fevereiro de 2023.
Em dezoito de setembro de mil setecentos e onze anos, de[...]nesta S. Sé
em minha presença e das testemunhas abaixo assinadas, com banhos
corridos, e Licença do Reverendo Provicor dos Cazamentos por estar o
contraente há pouco tempo nesta freguesia se receberão por marido e
mulher na firma do Sagrado Concílio Tridentino e Confesso deste
Arcebispado Antonio da Silva filho Antonio da Silva e de Maria Carvalho
natural da freguesia de Santa Maria de Moreira Castelho de Cerolico de
Basto, Arcebispado de Braga e de presente morador de São Julião, com
Marcelina Maria filha de Manoel Freire e Maria Delgada natural da
freguesia de Santa Catharina, Coutos de Alcabaça, desse Arcebispado e
moradora nesta freguesia: forão testemunhas Antonio da Costa e Manoel da
Silva moradores nesta freguesia na rua das Canastras. Registro fiz esse
termo e com eles assinei.7

O assento de casamento de Antonio da Silva e Marcelina Maria acima transcrito 8


nos permite conjecturar uma série de elementos para a compreensão da família que
recebe o sacramento do matrimonio. Notamos que os nubentes são naturais de regiões
distintas de Portugal. Antonio da Silva é um minhoto, do Norte, especificamente da
freguesia de Celorico de Basto, Arcebispado de Braga. Sua esposa, Maria Marcelina é
natural da freguesia de Santa Catarina, Leiria, local em que foi também batizada, 9 no
ano de 1683. Leiria se localiza na região central portuguesa, situada, geograficamente,
entre Lisboa e Coimbra.
Em relação a esposa, não foi possível localizar nas fontes consultadas nada além
da naturalidade dos seus pais, bem como seus nomes: Manuel Freire e Maria Delgada.
Ambos também naturais de Leiria, como sua filha, conforme consta no registro de
casamento. Antonio da Silva, seu marido é homônimo do seu pai, também chamado
Antonio da Silva e tinha como esposa Maria Carvalho. Os pais do noivo eram naturais
de Celorico Basto, Arcebispado de Braga. Em relação as testemunhas, Antonio da Costa
e Manoel da Silva, nada além dos nomes constavam na fonte consultada.
A partir deste registro de matrimônio será possível acompanhar a trajetória de
Antonio da Silva, pai do nosso personagem principal, deste primeiro capítulo. Trata-se
de um caso característico de migração interna, pois este senhor abandonou sua terra
natal com destino a Lisboa, em busca de melhores condições de vida. Esse fato
permitirá uma reflexão sobre os movimentos demográficos, os sistemas familiares, de
7
Registro de Casamento – Livro de Registro de Casamentos C10, datado, de 1710-1721, foram obtidos
no disponível no site do Family Search [www.familysearch.org], em que se pode encontrar diversos
conjuntos documentais, como por exemplo testamentos, inventários post mortem e especialmente
registros eclesiásticos. Disponível em: https://www.familysearch.org/tree/person/sources/GWZ7-7QV.
Acessado em 02 de fevereiro de 2023.
8
Para este caso, a sua cópia física desse assento encontra-se no arquivo na Torre do Tombo, e é
relacionada a Catedral da Sé, localizada em Lisboa. Esse registro eclesiástico é um valoroso aporte
documental para a reconstituição da trajetória familiar dos citados, pois, conforme consta, nos apresenta
além dos nomes de seus pais, as testemunhas e os locais de residência dos recém-casados.
9
Livro de Registro de Batismo – Disponível em: https://digitarq.arquivos.pt/viewer?id=4821433.
Acessado em 10 de março de 2023.
herança e a organização do agregado doméstico, conforme citam os autores: Ana Silvia
Volpi Scott, Clara Garcia de Carvalho Silva, António Manuel Hespanha, Eduardo José
Santos Borges, Margarida Durães, entre outros.9not0
Neste aspecto, considero pertinente tecer algumas considerações sobre o passado
da família, ou seja, à História da Família. Para Ana Silvia Volpi Scott, para entender o
modelo de família brasileira é necessário perpassar pela matriz Lusa, “que através da
dominação colonial impôs modelos a uma população profundamente heterogênea, tanto
do ponto de vista étnico, socioeconômico quanto cultural". Há de ressaltar também "a
diversidade dos sistemas familiares na metrópole, bem como a dificuldade de enquadrá-
los em modelos gerais". Para tanto, Scott ainda atesta, que "no caso português, além da
diversidade regional interna, devemos acrescentar a questão da emigração, que introduz
variáveis vitais para a compreensão dos sistemas familiares vigentes no passado
português".10 Contudo, para Scott em alguns aspectos da sociedade portuguesa, os
padrões de casamento, herança e migração era um dos fatores intrínseco aos sistemas
familiares e de herança, naquele período.11
Clara Garcia de Carvalho Silva, defende a hipóteses de que o fenômeno da
migração interna de Portugal era recorrente em diversas regiões do país. 12 Além disso,
a autora, chama a atenção para a existência de diferentes estratégias de manutenção da
família e de proteção de seu patrimônio, como a sucessão igualitária entre todos os
herdeiros; sucessão única e herança indivisa ou ainda um herdeiro beneficiado. Para
Clara Garcia, a densidade populacional foi também uma opção à divisão das terras do
Minho que fez da emigração uma opção para os membros excluídos da sucessão das
propriedades rurais.13
Desta forma, foi no norte de Portugal, região lusa que a emigração mais se
acentuou, como foi o caso do próprio Antonio da Silva emigrante daquela região. Cabe
esclarecer que ele era oriundo da província do Minho, localidade que englobava os
distritos de Braga, Porto e Viana do Castelo14. Contudo, cabe observar que a constante
10
SCOTT, Ana Silvia Volpi. Aproximando a Metrópole da Colônia: família, concubinato e ilegitimidade
no Noroeste Português (século XVIII e XIX). Anais, 2016, pp. 01-23.
11
SCOTT, Ana Silvia Volpi. Aproximando a Metrópole da Colônia: família, concubinato e ilegitimidade
no Noroeste Português (século XVIII e XIX). Anais, 2016, pp. 01-23.
12
SILVA, Clara Garcia de Carvalho. "Quantas noivas ficaram por casar para que fosses nosso, ó mar!": O
comportamento socioeconômico de famílias formadas por portugueses em comunidades rurais das Minas
setecentistas. Dissertação de Mestrado em História. Juiz de Fora: Universidade Federal de Juiz de Fora,
2016, pp. 26.
13
SILVA, Clara Garcia de Carvalho. "Quantas noivas ficaram por casar para que fosses nosso, ó mar!": O
comportamento socioeconômico de famílias formadas por portugueses em comunidades rurais das Minas
setecentistas. Dissertação de Mestrado em História. Juiz de Fora: Universidade Federal de Juiz de Fora,
2016, pp. 26.
14
Diversos estudos apontam para a presença expressiva dos minhotos no processo de ocupação das Minas
e outras regiões do sudeste colonial, dentre eles, ver: FARIA, Sheila de Castro. A Colônia em
emigração não se fez de modo igual em todo o território português pelo fato de ser a
província do Minho a região mais densamente povoada de Portugal, desde sua
fundação, no século XII.15
Nuno Gonçalo Monteiro confirma o dito ao afirmar que a emigração se dava
de forma espontânea em Portugal, sobretudo e particularmente na região do Minho. E
complementa que a maioria dos emigrantes eram formados por jovens do sexo
masculino, alfabetizados ou remediados, dotados de dois capitais valiosos: saber ler e
escrever, o que lhes garantiriam uma colocação conveniente no local de destino.16
Donald Ramos, constata que o contexto social do norte de Portugal (províncias do
Minho, Douro e Trás-os- Montes) era caracterizado por uma tendência de mobilização
interna dos homens, mas isso não significava uma perda da mão de obra, já que as
propriedades rurais eram insuficientes para alimentarem famílias numerosas.17
Na imagem 1 pode-se verificar a vila de Celorico de Basto, localizada no
Arcebispado de Braga, local de referência na trajetória dos membros da família Silva
Freire. Antonio, ao procurar se casar com uma mulher de outra região de Portugal,
como era o caso de Marcelina Maria, procurava ascensão social e econômica através da
inserção em círculos relacionais e com isso poderia trazer uma visão da dinâmica
migratória dentro do próprio país. Portanto, esta é uma maneira de constatar o fenômeno
migratório no interior da metrópole.
Considerando os aspectos mencionados, António Manuel Hespanha chama a
atenção para o fato de que na época moderna, a mobilidade social não estava
relacionada as variações em relação às fortunas. Portanto, para Hespanha, do ponto de
vista da categorização social, o enriquecer ou o empobrecer não se configuravam como
um fator social decisivo, mas sim, como vias de aquisição de status para uma a riqueza
considerada honesta, resultante de uma gestação prudente do que é seu. Assim a
construção de uma reputação familiar que poderia durar no tempo; a posse de
qualidades espirituais enraizadas por tradição familiar; a realização de obras, os estudos
e os negócios; e o recebimento da graça régia, principal mecanismo de mobilidade,
Movimento: fortuna e família no cotidiano colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998; BRÜGGER,
Silvia M. Jardim. Minas Patriarcal: Família e Sociedade (São João del-Rei – Séculos XVIII e XIX). São
Paulo: Annablume, 2007; ANDRADE, Marcos Ferreira de. Op. Cit. (2008); OLIVEIRA, Monica Ribeiro
de Oliveira. Negócios de Família: Mercado, terra e poder na formação da cafeicultura mineira – 1780-
1870. Bauru, São Paulo: EDUSC; Juiz de Fora, Minas Gerais: FUNALFA, 2005 OLIVEIRA, Hilton
César de. “Minho Gerais”. Dinâmicas familiares e alianças políticas dos minhotos na Comarca do Rio das
Velhas. Niterói: UFF, 2007. (Dissertação de Mestrado).
15
BRETTELL, Caroline B. Homens que Partem Mulheres que Esperam: consequências da emigração em
uma freguesia minhota. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1991, pp72.
16
MONTEIRO, Nuno Gonçalo. A circulação das elites no império dos Bragança (1640-1808): algumas
notas. In: Tempo, v.14. n. 27, Niterói, 2009, pp. 77.
17
RAMOS, Donald. Do Minho a Minas. Revista do Arquivo Público Mineiro. Belo Horizonte, v.
44, n. 1, jan./jun., 2008, pp. 135.
eram os principais mecanismos de legitimação social do agraciado e/ou dos
agraciados.18
Figura 01: Freguesia de Celorico de Basto, 1800.

Fonte: Biblioteca Nacional de Portugal. Cartografia. Vianna do Castelo, Braga: cartas


chorographicas / cuidadosamente executadas por pessoal technico sob a direcção do capitão de
engenheiros do exército hespanhol D. Benito Chias y Carbó. 1800.

Como pode se observar na Figura1, destacamos a região de origem de


Antonio da Silva. Margarida Durães em suas pesquisas indica que o fenômeno da
emigração do Minho, ocorreu mediante as necessidades econômicas de produção
agrícola, que determinaram as estratégias adotadas para a transmissão de herança. Esta
pode ter sido uma hipótese plausível para Antonio da Silva, ou seja, procurar outra
freguesia para viver. Para além da questão da hierarquia dos herdeiros, Durães assegura
que a densidade populacional na região minhota exerceu forte pressão em relação a
divisão das terras em Portugal. Apesar dos esforços dos senhores para evitar a
fragmentação das terras a serem exploradas, elas foram fracionadas com o objetivo de
atender a necessidade de um número cada vez maior de famílias. Com o que se seguiu,
as propriedades assumiam um tamanho cada vez mais reduzido, dificultando a divisão
de herança, - que deveria ser igualitária – o que, consequentemente, ocasionou a
fragmentação e a falência do patrimônio da família.19
Em relação aos jovens portugueses que ficavam excluídos da sucessão
hereditária e/ou ao acesso ao casamento restavam poucas opções e alternativas sociais.
Alguns deles poderiam seguir a carreira eclesiástica, para outros a saída seria buscar
alternativas temporárias em Castela, Lisboa ou Alentejo ou, finalmente, a emigração
18
HESPANHA, António Manuel. A mobilidade social na sociedade de Antigo Regime. In: Tempo, v.11,
n.21, Niterói, 2006, pp. 128-143.
19
DURÃES, Margarida. A posse da terra na região rural de Braga no século XVIII. In: Ler História. n. 43.
Lisboa, 2002. pp. 57-83.
para a colônia portuguesa da América. 20 Tal perspectiva, pode justificar a vinda de
Antonio da Silva e sua mulher para o Novo Mundo, após o nascimento do seu primeiro
filho e aventurar-se em busca de novas oportunidades econômicas e sociais.
Dito isto, considero pertinente traçar algumas considerações sobre a dinâmica
da família e de representação da prática de reparação dos laços familiares, que Antonio
da Silva e sua mulher vivenciaram após a sua travessia no Atlântico e que,
consequentemente, proporcionaram a fixação da família em terras brasileiras. Para
tanto, é importante traçar uma breve exposição sobre as questões materiais e cotidianas
por meio do reconhecimento dos bens que compunham os espaços de produção e
sociabilidades, principalmente, as reais oportunidades encontradas pela família Silva
Freire.
Ao consultar o livro de registros de passaportes do Arquivo Histórico
Ultramarino de fins do século XVIII, Rosana Barbosa, constatou que “havia um
pequeno, porém, constante fluxo de pessoas que, independentemente, migravam para o
Brasil naquele período. Estas pessoas não faziam parte de nenhuma iniciativa de
estímulo a colonização, promovida por um estado patrocinador, mas, ao contrário estas
pessoas vinham em busca de um futuro melhor. A questão levantada por Rosana
Barbosa é a que mais se aproxima da situação vivida pela família Silva Freire, pois creio
que a vinda da família para o Brasil tenha sido em busca de melhoria da vida financeira
e social.
É recorrente a existência de inúmeros casos de imigrantes que após fixar-se em
terras brasileiras, tornaram homens bem-sucedidos e ali permaneceram. Desta maneira,
Jorge Miguel Viana Pedreira, atesta que “os percursos de mobilidade social ascendente
não terminavam sempre pelo regresso a Portugal. Alguns dos mais bem sucedidos
ficavam no Brasil”.21 Contudo, para Pedreira, ainda se faz necessário desenvolver uma
investigação que avance sobre a condição social dessas famílias.
Cabe ressaltar que antes de seguir para as Minas Gerais, os pais batizam seu
único filho em Lisboa, conforme conta o assento abaixo,

Em quinze do mês de agosto de mil sete centos e treze anos, batizei


nesta Santa Sê o Caetano filho de Antonio da Sylva, natural da
freguesia de Moreira Castelho de Cerolico de Basto, Arcebispado de
Braga e de sua mulher Marcelina Maria natural da freguesia de Santa
20
CAVAZZANI, André Luiz. Tendo o sol por testemunha: População portuguesa na Baía de
Paranaguá (c. 1750-1830). São Paulo: Alameda, 2015, pp. 130.
21
PEDREIRA, J. M. V. Os homens de negócio da praça de Lisboa de Pombal ao Vintismo (1755-1822):
diferenciação, reprodução e identificação de um grupo social. Dissertação (Doutoramento em Sociologia)
- Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade de Nova Lisboa, Lisboa, 1995, pp.61.
Catharina Couto de Alcabaça. Foi padrinho Manoel Martins.22

De acordo com o registo de batizado de Caetano, contata-se que o nascimento se


dá dois anos após o casamento de seus pais. Conforme visto no documento, seu
padrinho foi Manoel Martins. Porém, não encontamos nenhuma referência sobre este
senhor nas fontes documentais da família Silva Freire. Segundo as leis portuguesas
deveria haver um padrinho e uma madrinha no modelo de assentamentos paroquiais, o
que não acontece na celebração anotada.
Mas, sobre os assentos de batismos em Portugal cabe salientar que em algumas
dioceses europeias, antes do século XVI, "a doutrina sacramental de instituição do
batismo23 e do casamento é muito anterior ao Concílio de Trento (1545-1563), que só
reforçou, padronizou e estabeleceu a obrigatoriedade desses registros."24
O assento de casamento de Antonio da Silva e Marcelina Maria, bem como o
registro de batismo de Caetano, pertencem ao arquivo da Torre do Tombo, em Lisboa,
que disponibiliza o acervo de forma digital por meio da internet. Estes dados
possibilitaram a pesquisa e a verificação inicial da trajetória da família analisada. Neste
aspecto, os assentos paroquiais são fontes preciosas para o estudos das populações, das
famílias, da escravidão, ddas relações de compadrio, da demografia histórica, entre
outras temáticas. Maria Luíza Marcílio25 destaca que a prescrição eclesiástica da prática
de coleta de informações pormenorizadas de forma padronizada e obrigatória para toda
a população católica, deu a essa documentação um caráter serial e universalidade. Outro

22
Livro de Registro de Batismo – Disponível em: https://digitarq.arquivos.pt/viewer?id=4821433.
Acessado em 02 de fevereiro de 2023.
23
"O batismo estava inserido no primeiro estágio do processo de expansão do cristianismo, assim a
prática ou a devoção era mais importante que a fé, ou que o conhecimento sobre a religião cristã. Um
indivíduo batizado era considerado oficializado como um cristão, sem ter ao menos qualquer convicção
religiosa da sua fé ou conhecimento apurado sobre ela. Neste aspecto, o cristianismo atuava como um
“modelo eclesial de poder” e a relação íntima entre Igreja Cristã e sociedade civil era mediada pelo
Estado, “seja atuando como um aparelho ideológico ou burocrático do Estado (instituição Moderna)
(estando sujeito aos contextos históricos) e neste contexto já existia certa sujeição da Igreja ao Estado.
Apud. OLIVEIRA, Carlos Augusto Ferreira de. A CRISTANDADE: um modelo eclesial de poder.
Fragmentos de Cultura, Goiânia, v. 21, n. 4/6, p. 309-318, abr./jun. 2011." Apud AMANTINO Marcia;
FRANCO. M. da Conceição Vilela & SCHETTINI, Vitória. Entre os Sertões de Macaé e
Cantagalo. 2023. (mimeo)
24
Ver MARCÍLIO, Maria Luiza. Os Registros Paroquiais e a História do Brasil. VARIA HISTORIA, nº
31. Janeiro, 2004, pp. 13-20; PINSKY, Carla Bassanezi; LUCA, Tania Regina de (Orgs.). O Historiador
e suas fontes. São Paulo: Contexto. 2009; GUEDES, Roberto. Macaé em Fontes Paroquiais. In:
AMANTINO, Márcia. RODRIGUES Claudia e Outros. Povoamento, Catolicismo e escravidão na Antiga
Macaé (século XVII ao XIX). Rio de Janeiro: Apicuri, 2011.Apud. FRANCO, M. da Conceição Vilela.
CONEXÕES HISTÓRICAS REGIONAIS: a partir de processamentos de dados das Fontes Primárias
dos municípios fluminenses de Cantagalo e Macaé (séculos XVIII- XIX). AMANTINO Marcia;
FRANCO. M. da Conceição Vilela & SCHETTINI, Vitória. Entre os Sertões de Macaé e Cantagalo.
2023. (mimeo)
25
MARCÍLIO, Maria Luiza. “Os registros eclesiásticos e a demografia histórica da América Latina”. In:
Memórias da Primeira Semana de História. Franca, 1979. pp. 260
atributo dos registros paroquiais destacada pela autora é sua natureza individual. Neste
sentido, observa que,
cada indivíduo é registrado com suas características pessoais e em cada
momento vital de sua existência; e cada um deles integra uma série
cronológica de eventos, guardados em livros especiais e que cobrem
uma localidade fisicamente bem demarcada – a paróquia. 26

Nas atas de batismo deveriam constar: a data do evento, o nome completo do


fiel, o nome e local de residência dos pais, a filiação (se era legítima ou não), o nome de
pelo menos um padrinho, mas o recomendado eram dois, e, por fim, a assinatura do
sacerdote, como consta no assento de batismo de Caetano. E concluía com outras
informações acerca da criança, que deveriam ser acrescentadas em casos especiais,
como menção a ilegitimidade ou se a criança era exposta. 27 Em Portugal acrescenta-se a
esses dados uma vez ou outra, alguma uma ligação parental e/ou laços de afinidade.
Além disso, Antonio Silva e Marcelina Maria tinham algum tipo de afinidade,
entendimento ou rede de apoio na América Lusa, especialmente, na região de
Guarapiranga, onde se fixaram com o filho ainda pequeno. Cabe ressaltar ainda que
muitas das famílias que emigravam estavam à procura de moradias em localidades
cada vez mais distantes do litoral, possivelmente por uma dinâmica mercantil. Pela
escassez de documentos para avaliar com certeza a chegada da família de Antonio da
Silva e Marcelina Maria à região das Minas, é possível apenas aventar a ideia isso
tenha ocorrido no período anterior ao ano de 1756. Este foi um fator limitador para
uma avaliação mais detalhada dos investimentos e escolhas logo após chegada destes
emigrantes ao Brasil. Contudo, ao chegar em Minas Gerais, o enfoque da família
Antonio da Silva e Marcelina Maria era garantir melhores condições e oportunidades
para prover suas necessidades. Assim, a possibilidade de uma vida melhor que em
Portugal não era possível mas que existia na América portuguesa, creio que já
esperado pelo do casal em terras na América Portuguesa.
Segundo, João Antonio de Paula, naquele tempo Minas Gerais era um território
de novas atividades produtivas. Esta sociedade viu o começo de relações que
proporcionaram a mobilidade social, a expansão urbana e demográfica. Pois apesar da
conturbação social vivenciada no momento, a sociedade que neste espaço se fixava
vivenciava novas perspectivas e diversas possibilidades, aos habitantes deste universo
que ainda não era bem definidoNeste contexto histórico, ocorreu a ascensão do
comércio, da agricultura e o surgimento de mercados, além de uma complexa
26
MARCÍLIO, Maria Luiza. “Os registros paroquiais e a história do Brasil”. In: Varia História, n° 31, jan.
2014, pp.14.
27
LOPES, Janaina Christina Perrayon. Nós, enlaces e.; de interação, casamento como meio;
sociabilidade-freguesia, vínculo.2020. pp.30.
burocracia estatal.28
Claudia Damasceno Fonseca, ao tratar sobre a história de ocupação da região das
Minas Gerais identifica a existência de roças e afirma que os pousos se tornaram pontos
de encontros de tropeiros, viajantes, agricultores e comerciantes, e ao seu entorno
surgiram pequenos povoados que eram chamados de arraiais. Deste modo, o
povoamento deu-se de modo “organizado”, partindo dos principais centros mineradores
às áreas circunvizinhas. A partir desta expansão territorial, novas matrizes de
colonização eram legitimadas. 29
Antônio Carlos Jucá de Sampaio, observa que o ouro, foi a criação rápida de um amplo
mercado consumidor. O adensamento populacional no interior da colônia, incentivado pela
corrida do ouro, conferiu a atividade comercial um papel até então sem precedentes na história
da América de colonização portuguesa. 30
Uma localidade com um número considerável de
pessoas livres, libertas e escravas, ligadas direta ou indiretamente às regiões auríferas, que
tiveram a possibilidade de acessar o mercado; taxas crescentes de ocupação do território foram
percebidas e em consequência disso, houve uma integração sem precedentes entre alguns
espaços econômicos no interior da Colônia.31
Com base na documentação disponível sobre a família Silva Freire - do século
XVIII- foi possível - no presente capítulo, também observar o “período de crise da
mineração no Brasil”, isto é, os anos posteriores à década de 1770, quando a produção
aurífera inicia seu declínio e a família Silva Freire já se encontra estabelecida em
Minas Gerais.
Se por um lado, o extremo da “crise da mineração” nos auxilia no cerceamento
desta pesquisa do outro deve-se aqui ressaltar a grande contribuição da produção
historiográfica mineira que vem apontando outros caminhos para analisar o período
de declínio da produção aurífera e uma rearticulação econômica dando-se inicio a um
processo de “acomodação evolutiva”, no qual o setor agrícola foi o que mais se
destacou.32 Assim, Minas Gerais passou por uma “ruralização” de sua economia,
sendo a freguesia de Guarapiranga um espaço privilegiado para o seu estudo e
compreensão.

28
DE PAULA, João Antônio. Raízes da modernidade em Minas Gerais. Autêntica Editora, 2005. pp.56.
29
Inicialmente surgiam como arraias, pousos e ranchos até constituírem-se em uma aglomeração
humana estável com capela e casas de morada. FONSECA, Claudia Damasceno. Arraiais e vilas d´el-rei:
espaço e poder nas minas setecentistas. Trad. Maria Juliana Gambogi Teixeira. Belo Horizonte: Editora
UFMG, 2011.
30
SAMPAIO, A. C. J. de. Na encruzilhada do império: hierarquias sociais e conjunturas econômicas no
Rio de Janeiro (c. 1650- c. 1750). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2003, pp.128.
31
SANTOS, Raphael Freitas. Redes sociais e atividade mercantil na América portuguesa (Minas Gerais,
século XVIII). Dimensões, n. 37, pp. 156-177, 2016.
32
Segundo Douglas Cole Libby, neste ínterim, a agropecuária e a indústria têxtil foram os grandes
sustentáculos econômicos após a crise da mineração; pp.135, 1988.
1.2 Guarapiranga: A paisagem geográfica de freguesia mineira em transição
Antes de adentrarmos debruçarmo-nos sobre a freguesia de Guarapiranga,
considero necessário uma breve introdução sobre a capitania de Minas Gerias
representava na da América portuguesa de uma forma global, no século XVIII, período
em que passou por diversas mudanças, embora o destaque aqui seja o da passagem da
família Silva Freire por esta capitania, e assim sendo cabe uma referência a geografia
desta área e um breve síntese deste contexto histórico.
A forma como se apresentava, o relevo em boa parte da Zona da Mata, em
particular em sua área Central, pode ser definida pela expressão “mares de morros”,
uma zona que se estende por aproximadamente 650 mil quilômetros quadrados, ao
longo do Brasil Tropical Atlântico , , que segundo Aziz Ab’Sáber, era uma área
constituída pela "presença de mais forte decomposição de rochas cristalinas e de
processos de convexização em níveis intermontanos, fato que faz suspeitar uma
alternância entre a pedimentação33 e a mamelonização34 nesses compartimentos".35
Um dos primeiros arraiais a surgir ao longo dos vários caminhos que
conectavam a capitania de São Paulo às recém-descobertas minas foi o de Piranga.
Através do relato contido no Códice Costa Matoso, percebe-se que participantes das
bandeiras saídas de São Paulo e Taubaté, no início da década de 1690, faziam pouso à
beira de um rio onde encontraram ouro, o que culminou na instituição de uma capela e
logo um pequeno arraial.36 Neste caso, cabe estabelecer uma breve correlação entre o
processo de ocupação e a instituição de ermidas, igrejinhas ou oratórios, erguidos e
sustentados pelos moradores, que faziam referência a sua expressão de fé "e a
necessidade de sacralizar o espaço ocupado com os signos católicos da cruz, do sino e

33
Assim como, João José Bigarella, Maria Regina Mousinho e Jorge Xavier da Silva, o termo
sedimentação é usado aqui para definir "uma superfície aplainada, ligeiramente inclinada, encontrada ao
sopé de maciços montanhosos ou embutida nos vales. O pedimento trunca diferentes formações rochosas,
constituindo o resultado da operação de processos de degradação lateral ligados à morfogênese mecânica
(pedimento rochoso)." Apud BIGARELLA. João José; MOUSINHO. Maria Regina e SILVA. Jorge
Xavier. Pediplanos, Pedimentos e seus Depósitos Correlativos no Brasil. Espaço Aberto, PPGG - UFRJ,
V. 6, N.2, p. 165-196, 2016.
34
Já o termo mamelonização refere-se a um fenômeno oposto a “pedimentação". De acordo com AB’
SÁBER, " Mamelonização está designando um conjunto de processos fisiográficos e ecológicos, em que,
a par com a formação generalizada de vertentes arredondadas e solos tropicais, processa-se a instalação
de ambientes tropicais úmidos, incluindo o revestimento da rain forest." Apud SOUZA. Rosemeri Melo
e. RESENHA do livro AB’SÁBER, A.; MARIGO, L. C. Ecossistemas do Brasil/Ecosystems of Brazil.
São Paulo, Metalivros, 2009, 300p. Sociedade & Natureza, Uberlândia, 22 (2): 419-422, ago. 2010.
35
AB’SÁBER, Aziz. Os domínios de natureza no Brasil: potencialidades paisagísticas. São Paulo: Ateliê
Editorial, 2007, pp. 16
36
FIGUEIREDO, Luciano Raposo de Almeida; CAMPOS, Maria Verônica (coord.) Códice Costa
Matoso. Coleção das notícias dos primeiros descobrimentos das minas na América que fez o doutor
Caetano da Costa Matoso sendo ouvidor-geral das do Ouro Preto, de que tomou posso em fevereiro de
1749 & vários papéis. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 1999. pp:257
do altar, receber os sacramentos". Desta forma, “nos primórdios da colonização, as
capelas antecediam as paróquias e constituindo-se no núcleo original dos povoados".37
Atenta-se, como bem fez Cláudia Damasceno Fonseca, para o fato de que há de
se problematizar a história administrativa e os espaços de poder que deixaram suas
marcas na história de Minas Gerais.38 Contudo, é possível aventar a possibilidade de
que a "Coroa portuguesa não ter muito interesse em gastar com bispados," paróquias,
igrejas e côngruas, principalmente em locais que não se constituíssem em núcleos
urbanos e com população a quem se poderia cobrar dízimo." Este fato pode
exemplificar essa questão como o afrouxamento da malha paroquial, diante da
relutância com que o padroado régio assumia a responsabilidade pelo sustento material
do culto divino em terras ultramarinas. Portanto, creio que esta pode ser um exemplo
explicativo devido a "extensão desmensurada das paróquias, pela lonjura das matrizes e
sobretudo pelas distâncias dos núcleos urbanos".39
Porém, no princípio do século XVIII, o volume de ouro extraído, ou a notícia de
que este avultava por aqueles lados, atraiu para o território uma grande circulação de
pessoas. Dessa forma, Clóvis Ramiro Jucá Neto lembra que a estratégia adotada pela
Coroa para fixar o povoamento foi a fundação de vilas, afirmando que, com o território
ocupado por essas povoações, garantia-se e confirmava-se o estabelecimento da
autoridade e da soberania lusitana nas áreas ocupadas. Não se pode esquecer, contudo,
que a presença de instituições religiosas é, na maior parte das vezes, anterior ao
estabelecimento das instituições civis (câmaras municipais e juízo ordinário); no caso
das povoações de colonos de origem portuguesa, verifica-se, em geral, a criação de vilas
em freguesias já existentes. 40 O que ocorreu no "contexto que culminou com a expulsão
dos jesuítas da América portuguesa, em 1759," e sucessivamente dar-se-á o processo de

37
TORRES-LONDOÑO, Fernando. Paróquia e comunidade na representação do sagrado na colônia In:
________ (org.). Paróquia e comunidade no Brasil: perspectiva histórica. São Paulo: Paulus, 1997, p.
51-53. Apud FRANCO, M. da Conceição Vilela. A MORTE CONTA A VIDA: sentenciamento,
assassinatos e sepulturas na construção da memória no município de Macaé (Rio de Janeiro, 1855-1910).
Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Salgado de Oliveira, Niterói, 2009.
38
FONSECA, Claudia Damasceno. Arraiais e vilas d´el rei: espaço e poder nas minas setecentistas. Trad.
Maria Juliana Gambogi Teixeira, Claudia Damasceno Fonseca. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2011.pp:
164.
39
FRANCO, M. da Conceição Vilela. A MORTE CONTA A VIDA: sentenciamento, assassinatos e
sepulturas na construção da memória no município de Macaé (Rio de Janeiro, 1855-1910). Dissertação
(Mestrado em História) – Universidade Salgado de Oliveira, Niterói, 2009. Para uma maior compreensão
destes processos ver TORRES-LONDOÑO, Fernando. Paróquia e comunidade na representação do
sagrado na colônia In: ________ (org.). Paróquia e comunidade no Brasil: perspectiva histórica. São
Paulo: Paulus, 1997, p. 57; ver também CHAHON, Sérgio. Os convidados para a ceia do senhor: as
missas e a vivência leiga do catolicismo na cidade do Rio de Janeiro e arredores (1750-1820). São Paulo:
EDUSP, 2008, p. 138.
40
JUCÁ NETO, Clóvis Ramiro, A urbanização do Ceará setecentista: as vilas de Nossa Senhora da
Expectação do Icó e de Santa Cruz do Aracati. Tese de Doutorado em Arquitetura e Urbanismo, Salvador,
Universidade Federal da Bahia, 2007, pp:115.
transformação das aldeias indígenas em paróquias e ou freguesias e a subsequente
elevação destes espaços à condição de vila, onde está "promoção vinha responder ao
crescimento econômico de uma determinada região." Anteriormente a expulsão dos
padres da Companhia de Jesus "D. José I fizera baixar as instruções de 08/05/1758 –
determinando ao arcebispo da Bahia que substituísse os jesuítas por padres seculares e
de 28/09/1758 – mandando elevar os aldeamentos à vilas".41
Como enfatiza Antonio Manuel Hespanha, o Estado Português e a Igreja
Católica sempre estiveram profundamente interligados.42 Através de medidas de
consentimento régio e o direito do padroado, a Coroa conseguiu estabelecer constante
intervenção no plano espiritual. Segundo, Caio César Boschi, essa autoridade foi
estendida para o território ultramarino de forma que a Igreja passou a ser instrumento
importante para a consecução de objetivos colonizadores. E essa forma de autoridade se
amplifica neste local onde antes havia índios. 43
Situada ao sul de Mariana, a freguesia de Guarapiranga “foi um dos primeiros
povoados a surgir em meio à mata virgem e densa dos sertões da então capitania do
Rio de Janeiro, quando as Minas Gerais ainda não existiam juridicamente como
capitania autônoma”.44 Esta região onde estabeleceu-se a família Silva Freire, no
século XVIII, tornando-se no lugar que contribuiu para o processo de mobilidade
social da família. Este foi um mecanismo consequente do processo de emigração, e
da presença massiva de portugueses tanto nas regiões mineradoras quanto nas áreas
de transição45.
Resultantes de regiões de colonização primária da América Portuguesa
(Nordeste e São Paulo), do norte de Portugal e de outras colônias lusitanas, o número
de imigrantes que iam para as minas era enorme. Estes sempre que chegavam tinham
por esperança o acúmulo de riqueza e a ascensão social. 46
Claudia Damasceno

41
FRANCO, M. da Conceição Vilela. A MORTE CONTA A VIDA: sentenciamento, assassinatos e
sepulturas na construção da memória no município de Macaé (Rio de Janeiro, 1855-1910). Dissertação
(Mestrado em História) – Universidade Salgado de Oliveira, Niterói, 2009. Ver RUPERT, Arlindo. A
Igreja no Brasil: expansão territorial e absolutismo estatal (1700-1822). Rio Grande do Sul: Editora
Pallotti, 1988, vol. III, p. 113.
42
HESPANHA, António Manuel (Coord.). Antigo Regime (1620-1807): História de Portugal.José
Mattoso (Dir.), vol. IV. Lisboa: Estampa, 1998. pp 21.
43
BOSCHI, Caio César. Os leigos e o poder: irmandades leigas e política colonizadora em Minas
Gerais. São Paulo: Ática, 1986. pp:02
44
LOPES, Luiz Fernando Rodrigues. Vigilância, Distinção e Honra: os familiares do Santo Ofício na
Freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Guarapiranga, Minas Gerais, 1753-1801. Dissertação
(Mestrado em História) – Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora. 2012, pp 84.
45
LEMOS, Gusthavo. Minas da Terra – Família, produção da riqueza e dinâmica do espaço em zona de
fronteira agrícola, minas gerais, 1800-1856. São Paulo, Annablume, Belo Horizonte: PPGH-UFMG,
2014. pp. 72
46
RAMOS, Donald. Teias sagradas e profanas: o lugar do batismo e compadrio na sociedade de Vila
Rica durante o século do ouro. Revista Varia História, Belo Horizonte, n. 31,2004, pp. 44.
Fonseca, aponta que para além da importância destas roças que surgiam em Minas
Gerais, os pousos se tornam pontos de encontros de tropeiros, viajantes e agricultores,
e ao seu entorno surgiram pequenos povoados que eram chamados de arraiais. 47

Deste modo, o povoamento deu-se de modo centrífugo, partindo dos principais


centros mineradores às áreas circunvizinhas. Cabe mencionar que a Coroa portuguesa
não negligenciava as atividades agropecuárias, pois era necessário para manter e
continuar a extração do ouro. Essas atividades eram o meio de manter a crescente
população e manutenção da escravidão, com uma produção voltada para o mercado
interno.48
Marcos Guimarães Sanches que também analisou parte do processo de
reorganização da economia colonial ao avaliar a apropriação agrária nas margens
fluminenses do médio Paraíba do Sul, visto que, essa região manteve intenso
intercâmbio com as regiões auríferas e de produção de gêneros de subsistência em
Minas Gerais do século XVIII.49 As atividades agropecuárias foram intensificadas,
por diversos fatores, entre eles, o aumento do contingente populacional e com a vinda
da Família Real portuguesa para a América, em 1808 50, impulsionou a criação
novos núcleos urbanos contribuindo para o processo de “ruralização”. 51
Com esta
dinamização nas produções agropastoris, a organização e com características
socioeconômicas próprias, Guarapiranga se transformou em uma localidade, onde a
sociedade, no final do século XVIII e ao longo do século XIX, consolidou-se como
uma região rural com características socioeconômicas. 52
Ao longo do rio Guarapiranga, existiam 11 arraiais e freguesias; a saber: os arraiais
de Calambau, Tapera e Barra do Bacalhau, com suas roças e engenhos de aguardente.
Rio acima, às margens dos rios Pirapetinga, Bacalhau, Turvo, Embrajaúbas e existiam

47
FONSECA, Cláudia Damasceno. Arraiais e vilas d'el rei: espaço e poder nas Minas setecentistas.
Editora Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), 2011, pp.127.
48
LAMAS, Fernando Gaudereto; SARAIVA, Luiz Fernando; ALMICO, Rita de Cássia da Silva. A Zona
da Mata Mineira: Subsídios para uma historiografia. In: Anais do V Congresso Brasileiro de História
Econômica e 6ª Conferência Internacional de História de Empresas. ABPHE-Associação Brasileira de
Pesquisadores em História Econômica (Brazilian Economic History Society). 2003. pp.8
49
SANCHES, Marcos Guimarães. Proveito e negócio. Regimes de propriedade e estruturas fundiárias: o
caso do Rio de Janeiro entre os séculos XVIII e XIX. Tese de doutorado. Rio de Janeiro: Instituto de
Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IFCS/UFRJ), 1997.
50
CUNHA, Alexandre Mendes. O Urbano e o Rural em Minas Gerais entre os séculos XVIII e XIX. Cad.
Esc. Legisl., Belo Horizonte, v. 11, n. 16, p. 66, jan./jun. 2009. Disponível em:
http://www.almg.gov.br/opencms/export/sites/default/consulte/publicacoes_assembleia/periodicas/
cadernos/arqu ivos/pdfs/16/alexandre_mendes.pdf
51
SANCHES, Marcos Guimarães. Proveito e negócio. Regimes de propriedade e estruturas fundiárias: o
caso do Rio de Janeiro entre os séculos XVIII e XIX. Tese de doutorado. Rio de Janeiro: Instituto de
Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IFCS/UFRJ), 1997.
52
ANDRADE, Mateus Rezende de Compadrio e família em zona de fronteira agrícola: as redes sociais
da elite escravista, freguesia de Guarapiranga (c1760-c1850). 2014. Dissertação (Mestrado) -
Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. pp. 36.
pequenos arraiais e capelas como as de Bacalhau, Pinheiro, Oliveira, Espera, São
Caetano do Xopotó, São José do Xopotó, Brás Pires e Dores do Turvo, a serra
servindo de limite com os municípios de Presídio e Pomba53.
De acordo com Mateus Resende de Andrade, Guarapiranga se tornou uma
região mineradora. A região foi ocupada paulatinamente e não subsistiu apenas com
atividades de mineração, mas também de atividades voltadas para a produção de
alimentos para o consumo interno e de criação de animais. 84 No século XIX, com a
queda da mineração e a intensificação das atividades agropastoris, a região vai ampliar e
se transformar. Como observa Andrade,

Devido à sua localização geográfica, no limite entre a urbe e o sertão, o


arraial de Piranga tornou-se uma porta de entrada para as incursões de
conquista e povoamento das zonas fronteiriças a leste do centro minerador.
Deste modo, teve grande importância econômica, figurando entre os
principais núcleos auríferos fiscalizados pela Câmara de Mariana. Esta
proeminência lhe conferiu a elevação à condição de freguesia e vigaria com
título colativo, conforme consta em carta régia de 1724.22 A matriz de
Piranga teve diversas capelas filiais que foram essenciais no delineamento
do espaço pesquisado. Eram capelas os seguintes distritos de paz que
posteriormente foram citados nas listas nominativas de 1831: Santo
Antônio do Bacalhau, Nossa Senhora do Rosário do Brás Pires, Santo
Antônio do Calambau, Conceição do Turvo, Dores do Turvo, Nossa
Senhora da Conceição do Manja Léguas, Mestre Campos, Nossa Senhora
da Oliveira, Pinheiro e Tapera. 54
Como já tratado o crescimento demográfico e a projeção econômica da região
de Guarapiranga aconteceu com a descoberta e extração aurífera e com isso a sua
transformação em freguesia "colativa" 55 e posteriormente foi elevada a condição de vila.
Quanto a observação sobre geografia da região e a sua importância como "porta de
entrada para as incursões de conquista e povoamento das zonas fronteiriças a leste do

53
Coleção das Leis Mineiras, Lei Provincial 1.249, de 17 de novembro de 1865, Lei Provincial 1.537,
de 20 de julho de 1868. Disponível em:
http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br/modules/fundos_colecoes/brtacervo.php?cid=80
54
ANDRADE, Mateus Rezende de. Compadrio e família em zona de fronteira agrícola: as redes sociais
da elite escravista, freguesia de Guarapiranga (c1760-c1850). Dissertação (Mestrado) - Universidade
Federal de Minas Gerais, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. 2014. pp. 34.
55
"As paróquias instituídas por intermédio da Coroa portuguesa, no âmbito do padroado régio e
designadas de coladas; ou seja, mantidas pela Coroa em caráter vitalício. De modo geral, este tipo de
paróquia indicava o reconhecimento por parte das autoridades coloniais e metropolitanas da consolidação
de áreas de ocupação com certa representatividade econômica ou expressão política, que deveria se
expressar na capacidade demonstrada pelos colonos para levantar uma igreja e aparelhá-la
adequadamente ao culto, além do pagamento do dízimo por parte dos fregueses que, pelo direito do
padroado, pertencia à Coroa." FRANCO, M. da Conceição Vilela. A MORTE CONTA A VIDA:
sentenciamento, assassinatos e sepulturas na construção da memória no município de Macaé (Rio de
Janeiro, 1855-1910). Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Salgado de Oliveira, Niterói,
2009, p. 27. Ver BOXER, Charles R. A Igreja e a expansão Ibérica. Lisboa: Edições 70, 1989, p. 98-101;
TORRES-LONDOÑO, Fernando. Op. Cit., p. 55; SERRÃO, Joel e MARQUES, A. H. de Oliveira (dir.).
SILVA, Maria Beatriz Nizza da. (coord.). Nova História da Expansão Portuguesa: O império Luso-
Brasileiro (1750-1822). Lisboa: Editora Estampa, 1986, vol. VIII, pp. 309.
centro minerador", Marcos Ferreira Andrade, reforça a ideia de que não se deve
“esquecer que toda delimitação geográfica não deixa de simplificar uma realidade mais
complexa, além de a relação entre homem e espaço estar em contínua transformação".56
Nas décadas de 70 e 80, do século XVIII, ocorreu o declínio da produção
aurífera. Neste contexto, é importante referendar a interpretação clássica de Roberto
Simonsen no livro “História Econômica do Brasil”, publicado no ano de 1937, em
que defende a existência de uma involução da economia mineira após o declínio da
produção aurífera, isso já nas décadas de 70 e 80 do século XVIII. Para esse autor, a
crise era fruto das estruturas da economia colonial que após,
cessada a mineração, mergulhou o Centro-Sul na sua primeira grande
crise por falta de uma produção rica e exportável, numa organização
social em que o atraso de seus habitantes, a falta de aparelhamentos
técnicos e a alta proporção da população escrava não permitiam um
comércio interno suficientemente rico para o seu progresso. 57

Apesar de reconhecer que a visão Roberto Simonsen esta vinculada ao


tempo de sua produção, considero que este foi um ensaio interpretativo que
apresenta "uma narrativa bastante detalhada das etapas econômicas (ou ciclos)
do Brasil Colonial". Cabe ressaltar, que do ponto de vista econômico a
perspetiva da ocorrência de uma crise com tais proporções desarticuladoras após a
etapa de produção do ouro, como observado por Roberto Simonsen, esteve presente
em muitos estudos sobre a economia brasileira. Contudo, nas últimas duas décadas é
possível referendar trabalhos mais recentes. Dentre estes, o de Alcir Lenharo que
desloca a ênfase, dada anteriormente por Simonsen e outros, de que a produção de
alimentos nas Minas do final do século XVIII e ao longo da primeira metade do
século XIX, era de “subsistência” para uma perspetiva cuja finalidade era o
“mercantil”. 58
Do mesmo modo, a expansão de uma agricultura comercial – de mercado
interno, voltada para a produção de alimentos e de mercado externo e o Caminho Novo,
zona de passagem das tropas que se dirigiam da região mineradora – carregadas de ouro
– para o porto do Rio de Janeiro. Todo o tipo de artigos e escravizados eram levados
para abastecer a região das minas. A partir deste caminho, inicia-se na Mata mineira os
primeiros ranchos e pousos, sendo doadas sesmarias ao bandeirante Garcia Paes e seus
56
ANDRADE, Marcos Ferreira de. Apud: SILVA, Guilherme Augusto do Nascimento e Silva. Os laços
da escravidão: população, reprodução natural e família escrava em uma vila mineira. Piranga, 1850-
1888. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de São João Del – Rei. Departamento de Ciências
Sociais, Política e Jurídicas. 2014, pp.122.
57
SIMONSEN, Roberto C. História Econômica do Brasil: 1500-1820. Brasília: Senado Federal,
Conselho Editorial, 2005. pp.377.
58
LENHARO, Alcir. As tropas da moderação: o abastecimento da Corte na formação política do Brasil,
1808-1842. São Paulo: Símbolo, 1979. pp.109
filhos, que vão se constituir nos primeiros núcleos que temos notícia de ocupação e
colonização da região.59 Dessa forma, esta primeira forma de ocupação estava ligada
diretamente ao abastecimento das tropas e a produção de alimentos para a região
mineradora.60
Tudo isso corroborou para uma ocupação efetiva dos territórios mineiros, ao
longo do século XVIII, e como já tratado neste capitulo 1, ocorreu devido ao trabalho de
comerciantes, ultrapassando os limites dos núcleos mineradores principais.61
Mario Rodarte, na sua escrita demosntra que o período de 1789 a 1814, nas
Minas Gerais, foi marcada pelo surgimento de vilas com vocação agrária. Nesse
contexto, é devido reconhecer a importância no pedido de sesmaria feita por Caetano da
Silva Freire, onde sua intenção de plantio, estava explicito na sua solicitação para a
concessão de terras no Ribeirão do Turvo. Onde “o Suplicante possuía suficiente fábrica
para cultivar lhe pedia por fim de sua petição lhe concedesse carta de sesmaria na dita
paragem de meia.”62 Estas visando à prática e o desenvolvimento da atividade agrícola
que foi constante durante o século XVIII em Minas Gerais.
A diversificação da economia mineira é mais bem observada nas descrições de
algumas propriedades rurais da região. Matheus Rezende de Andrade demonstram
novas possibilidades interpretativas, onde localizava no centro ou na periferia desta
rede de relações, ora densas ou, em determinados casos, escassas.63
As fontes pesquisadas posteriormente, ao batismo de Caetano e o casamento do
casal Antonio da Silva e Marcelina Maria, como já dito, o que ocorreu em Lisboa,
Portugal. Porém, no assento de matrimônio de Caetano da Silva Freire com Catarina
Maria da Encarnação, realizado no dia 27 de abril de 1756, em Guaraciaba 64 o que foi
possível estabelecer alguns elementos relacionados chegada da família em
Guarapiranga; o primeiro fator foi a data do casamento do Caetano com Catarina Maria
e posteriormente, o inventário post-mortem, sendo estes acontecimentos ocorridos na
região de Guarapiranga. Outro documento que foi encontrado no Arquivo da Casa

59
ESTEVES, Albino Álbum do Município de Juiz de Fora. Imprensa Oficial, Belo Horizonte, 1915.
60
LAMAS, Fernando Gaudereto; SARAIVA, Luiz Fernando; ALMICO, Rita de Cássia da Silva. A Zona
da Mata Mineira: Subsídios para uma historiografia. In: Anais do V Congresso Brasileiro de História
Econômica e 6ª Conferência Internacional de História de Empresas. ABPHE-Associação Brasileira de
Pesquisadores em História Econômica (Brazilian Economic History Society). 2003. pp:6.
61
RODARTE, Mario M. S. O trabalho do fogo: perfis de domicílios enquanto unidades de produção e
reprodução na Minas Gerais Oitocentista. Belo Horizonte: Cedeplar/UFMG, 2008. pp.54
62
Carta de Sesmaria concedida a Caetano da Silva Freire, 1760-1787. Arquivo Nacional do Rio de
Janeiro, Fundo: Sesmarias, Notação 151.205, 29 f., pp. 02.
63
DE ANDRADE, Mateus Rezende. Compadrio e família em zona de fronteira agrícola: as redes sociais
da elite escravista, freguesia de Guarapiranga (c1760-c1850). 2014, pp.25.
64
Registro de Casamento – Disponível em: https://www.familysearch.org/tree/person/sources/GWZ7-
7QV. Acessado em 05 de fevereiro de 2023.
Setecentista e pertencente ao no ano de 178165, trouxe a possibilidade de estabelecer a
data de início e final da presente pesquisa que demarca a temporalidade entre o
casamento e a morte de Caetano.
Ainda com relação ao sacramento do matrimônio de Caetano da Silva Freire
com Catarina Maria da Encarnação, pode-se constatar uma aproximação com o proposto
por Sergio Nadalin, ao observar que “o casamento era socialmente valorizado na
Colônia, porque o status de casado e o apego aos ritos exteriores das núpcias conferiam
legitimidade social”. Apesar disso, o mesmo autor afirma que o controle social era mais
rígido em relação às famílias de "elites" e que havia uma tendência a tolerar as uniões
consensuais estáveis66.
Os documentos eclesiásticos, no caso dos assentos matrimoniais, tinham o
objetivo de conduzir as informações sobre os nubentes Para Vanessa Bivar, o
casamento era um acontecimento de repercussão social, dando início a um núcleo de
solidariedade, a começar pelo casal, culminando entre as famílias, além de fundir uma
nova organização econômica ou consolidar aquela que já existe67. Numa sociedade
pautada na família e em suas redes de sociabilidade e de auxílio mútuo, a origem
portuguesa do noivo, era fator de prestígio e certamente agradou ao sogro do Cetano,
que também era português, tendo assim um fator a mais para reforçar os laços com
Portugal, bem como, a sua disposição para os negócios, devem ter sido um fator que
contribuiu para este enlace matrimonial. Como observa Riva Gorenstein, o mais
comum era o casamento entre famílias de negociantes que desta maneira, asseguravam
a continuidade dos negócios da família.68
Neste aspecto, é importante reconhecer nas alianças matrimoniais, as
características dos processos de formação e os modos de enraizamento social de uma
parentela.
Para tal, pós se fixarem em terras da América Lusa, esses homens procuravam
casar-se com mulheres descendentes de famílias afortunadas da região, esforçando-se
para inserir o rol dos principais senhores de terras e escravizados, o que realmente
verificamos no caso do Caetano da Silva Freire. Para tanto, empenhavam-se em

65
ARQUIVO HISTÓRICO DA CASA SETECENTISTA DE MARIANA (AHCSM). 1º ofício, códice
73, auto 1552, 1781. Inventário post-mortem de Caetano da Silva Freire.
66
NADALIN, Sérgio O. História e demografia: elementos para um diálogo. 1ª Edição. Campinas: ABEP,
2004, pp. 42
67
BIVAR, Vanessa dos santos Bodstein. Além das Fronteiras: o cotidiano dos imigrantes na São Paulo
oitocentista: vestígios testamentais. São Paulo: Humanitas, 2008, pp. 91.
68
GORENSTEIN, Riva. Comércio e Política: o enraizamento de interesses mercantis portugueses no Rio
de Janeiro (1808-1830). In. MARTINHO, Lenira Menezes; GORENSTEIN, Riva. Negociantes e
caixeiros na sociedade da Independência. Rio de Janeiro: Prefeitura do Rio de Janeiro, 1993, pp. 195.
constituir previamente ao matrimônio, cabedal econômico e social suficiente para que
fossem admitidos como candidatos promissores.
Ter acesso a cargos e privilégios possibilitava ao indivíduo, conforme ressaltou
Joaquim Romero Magalhães, reconhecimento social e ascendente, no qual se assumia o
valor, o padrão de conduta e o viver ao estilo e lei da “nobreza”. eram características
fundamentais, como honra, prestígio, reconhecimento público, insígnias, precedências e
aparato nos exercícios de suas funções.69 Esses preceitos estiveram imersos na “ideia de
uma sociedade organizada em função do privilégio e da honra, cujo ethos social via na
prestação de serviços à Coroa uma forma de adquirir qualidade social”.70
Nessa trajetória familiar, o casamento de Caetano da Silva Freire com Catarina
Maria da Encarnação,71 é um bom exemplo da condição de reconhecimento social.
Catarina Maria da Encarnação era filha de João Batista Torres, um senhor português,
nascido na freguesia de São João Batista, Comarca da Torre de Moncorvo, Arcebispado
de Braga, conterrâneo de Antonio da Silva, o pai do Caetano. A sua mãe Anna Nunes
Vidal, era brasileira, natural da Freguesia Camargos, Mariana - em Minas Gerais.
Certamente, João Batista Torres, assim como, Antonio da Silva eram minhotos, homens
que migraram e tinham supostamente o objetivo de adquirir fortunas no além-mar, de
uma forma ou de outra, aparentados ou possivelmente construindo laços de afinidade,
na colônia portuguesa da América.
O quadro 1 mostra o número de imigrantes portugueses que se estabeleceram
em Guarapiranga e que se autodeclararam na comunidade em foco.
Quadro I
Origem do grupo que se autodeclararam portugueses (1740-1775)
Portugueses Arcebispado Ilhas Lisboa Porto Outras Dados
de Braga atlânticas regiões incompletos
305 108 127 21 39 7 3
100% 35% 42% 7% 13% 2% 1%
Fonte: Registros Paroquiais – Batismos – Cúria de Mariana e Cúria de Juiz de Fora.

No quadro 1 pode-se verificar a mesma tendência já atestada anteriormente, que


consolidam os dados específicos para a década de 1750 e já apresentados no início deste
capítulo, ou seja, constata-se a maior presença daqueles portugueses naturais das
províncias do norte, da região do Minho, especialmente do arcebispado de Braga, Porto.
Muitos destes indivíduos são originários das ilhas atlânticas, principalmente do
69
MAGALHÃES, Joaquim Romero. O Algarve Econômico: 1600-1773. Lisboa: Estampa, 1988, pp. 334
70
BORGES, Eduardo José Santos. Viver Sob as Leis da Nobreza. A casa dos Pires de Carvalho e
Alburqueque e as estratégias de ascensão social na Bahia do século XVIII. 2015. Tese (Doutorado em
História) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, pp.30.
71
Registro de casamento de Caetano da Silva Freire e Catarina Maria da Encarnação. Disponível em:
https://www.familysearch.org/tree/pedigree/landscape/KCMR-NFM > Acesso em: 11 fev. 2022.
arquipélago dos Açores.72 Como já referendado em outros trabalhos, apesar de ter sido
constatado indícios da presença de imigrantes das ilhas atlânticas em outras povoações
da região aurífera, o número encontrado na região de Guarapiranga supera as previsões
anteriores. Considera-se que é importante aludir que não foram apenas lusos, mas
inicialmente, por todo o período investigado, muitos paulistas, além de outros grupos e
indivíduos da própria Capitania de Minas Gerais, além do Rio de Janeiro migraram para
a mencionada região. Nesta região existe uma combinação de grupos, que se
diferenciavam por sua ascendência mais ou menos longeva em relação a Portugal.73
Diversos pesquisadores, entre eles Carlos Bacellar, identificaram como foi
habitual, no período colonial, os casamentos de moças “arranjados” com indivíduos que
atribuíssem à família algum tipo de benefício, o amor seria o último item a determinar
uma relação. Já os homens, buscavam suas futuras nubentes nas localidades
em que se estabeleciam ou em paragens próximas à propriedade do genitor.
Comumente, eram senhoras de famílias de condição igual ou superior a sua. O
matrimônio, portanto, era definido como “negócio” e tinha como finalidade primeira, o
interesse familiar e econômico que proviriam desta ligação. Segundo Carlos Bacellar,

Na verdade, o casamento de filhos de famílias abastadas não era nada


simples. Cada cônjuge tinha por trás de si uma ampla carga de
responsabilidade, sobre as quais devia prestar contas à sua família.
Carregava consigo um patrimônio econômico, político e social, herdado
dos pais, e que não poderia ser desperdiçado, mas sim acrescido a outro,
pelo matrimônio. Assim, um casamento poderia significar o reforço de
uma aliança política ou econômica, ou mesmo a criação de uma nova
aliança.74

72
A descoberta de ouro criou um surto emigratório mais amplo, a ponto de decretos régios tentarem
impedir o fluxo sem muito êxito. A política do reino português se modificou em 1746 com vistas a ocupar
as estratégicas áreas ao sul da América Portuguesa contra o avanço espanhol. Foi dada a preferência aos
casais para garantir uma colonização de famílias já estáveis nas áreas praticamente vazias de colonização
branca. Saíram, porém, muitas pessoas clandestinamente, estimuladas não só pelos fatores de dispersão
nas ilhas, mas também pelos fatores de atração: acesso a terras minerais, agricultura e criação, disponíveis
no centro-sul da América Portuguesa e, especialmente, a presença de uma população lusa já residente, de
primeira ou segunda geração, entranhada no território.
73
Para uma bibliografia mais completa acerca da imigração portuguesa para a América Portuguesa,
consultar: SCOTT, Ana Sílvia Volpi. Famílias, formas de união e reprodução social no noroeste
português (séculos XVIII e XIX). Guimarães: NEPS-Universidade do Minho, 1999; GONZÁLEZ,
Francisco Garcia. (coord.) La Historia de la familia en la península ibérica, balance regional y
perspectivas: homenaje a Peter Laslett. Cuenca: Edición de la Universidad de Castilla-La Mancha, 2008;
ALVES, Jorge Fernandes. Os brasileiros, emigração e retorno no Porto oitocentista. Porto: Faculdade de
Letras da Universidade do Porto, 1993; LEITE, Joaquim da Costa. O Brasil e a emigração portuguesa
(1855-1914). In: FAUSTO, Boris. Fazer a América. (org.) São Paulo: Editora da Universidade de São
Paulo, 2000, pp.177.
74
BACELLAR, Carlos Almeida Prado. Os senhores da terra. Famílias e sistema sucessório entre os
senhores de engenho do Oeste Paulista, 1765- 1885. Campinas: Centro de Memória da Unicamp, 1997.
pp.158
Levando-se em consideração os aspectos acima mencionados, esses portugueses,
empenhavam-se em constituir previamente ao matrimônio, aos bens econômicos e
social suficiente para que fossem admitidos como candidatos promissores. Ser
reconhecidamente um indivíduo com distinções e privilégios nas possessões
ultramarinas poderia ser obtido por diferentes estratégias descritas ao longo da análise.
Um viver conforme os preceitos nobres foi essencial para diferenciar os indivíduos,
principalmente, em regiões recentemente habitadas e em formação como a América
Lusa. As redes familiares, as relações de amizade e de laços afetivos inseriam os
indivíduos em uma teia estruturada de atos de gratidão e serviço, em uma economia de
favores em que o polo dominante (credor) concedia a prerrogativa e aguardava uma
contrapartida do polo dominado (devedor) em prestação de serviços, retribuindo o favor
dispensado75.
As parcerias e sociedades para novas empreitadas na exploração aurífera
deveriam ser uma estratégia comum para ampliar nesse período, posterior aos
casamentos. Portanto, os investimentos de forma oportuna dividiam as incertezas
do garimpo, como no caso do Caetano da Silva Freire que tinha fábrica e
plantações de milho, fonte que encontramos no inventário do referido Caetano e
seu sogro João Batista Torres, após o casamento de Caetano e Catarina Maria. Suas
ações são de extrema importância para a análise concreta reativa à disposição de
bens, da família, à manutenção e à transmissão aos herdeiros. A família se mostra
de extrema importância para análise e compreensão de nossa temática de pesquisa.

1.3 O que falam as fontes sobre a família no período XVIII

A família é peça fundamental para coordenar a vida econômica, social e os


vínculos estabelecidos pelos membros pertencentes a ela, como veremos em nosso
estudo de casos, pois o procedimento de transmissão patrimonial contribuiu para a
organização da vida em Guarapiranga. Uma conduta sempre ligada à vida familiar ou a
"cabeça de casal," responsável em administrar as posses da família. Gusthavo Lemos,
revela que “sob o auspício de um casal ou de um cônjuge remanescente, o patrimônio
familiar passava por certos períodos, seguindo o ciclo de vida do casal e definidos de
acordo com as especificidades de cada caso”. 76
No enfoque sobre o casamento em Minas Gerais, é o trabalho de Ida
75
HESPANHA, António Manuel; XAVIER, Ângela Barreto. As Redes Clientelares. In: MATTOSO, José
(org.). História de Portugal. Vol. 4: O Antigo Regime (1620-1807). Lisboa: Estampa, pp. 340, 1998.
76
LEMOS, Gusthavo. Minas da Terra – Família, produção da riqueza e dinâmica do espaço em zona de
fronteira agrícola, Minas Gerais, 1800-1856. São Paulo, Annablume, Belo Horizonte: PPGH-UFMG,
2014. pp. 56
Lewkowicz, que apresenta uma sociedade mineira propícia a uniões de concubinato,
mas que tinha por ideal as uniões legítimas77. Sendo assim, a Igreja se posicionava a
favor do casamento. Para Jean-Louis Flandrin,

“(...) a Igreja posicionou-se favoravelmente ao casamento,


considerando-o como um remédio providenciado por Deus para evitar
que os homens cometessem pecados maiores, em face de sua natureza
incontinente.” 78

Por este motivo, a Igreja era forte incentivadora das uniões legítimas. E o
Estado português também, apoiava o surgimento de famílias para garantir a
segurança e o controle do crescimento populacional. Assim, o Estado e a Igreja,
unidos, batalharam para incentivar as uniões legítimas.79
Através do Concílio de Trento a Igreja Católica produziu um documento
chamado “Doutrina do Sacramento do Matrimônio”, com regras estabelecidas
para o casamento, condenando a poligamia e estabelecendo o celibato sacerdotal.
Este documento também dava à Igreja Católica, poderes para cancelar casamentos,
e impedir uniões fora dos padrões estabelecidos pela Igreja, tais como casamento
entre parentes consanguíneos ou afinidade espiritual. Essa normatização foi
estabelecida visando dar um caráter sacramental ao casamento, tentando coibir as
uniões ilegítimas e os adultérios.80
Débora Cristina Alves, transcreve um trecho do título LXIII, número 265
das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia que estabeleceram as normas
de concessão para os casamentos no Brasil Colonial. Sendo:

Exortamos e mandamos aos esposos de futuro, que, antes de serem recebidos


em face da Igreja, não (12) coabitem com suas esposas vivendo ou conversando,
sós em casa, nem tenham copula entre si: e fazendo o contrário pagará cada um
sendo nobre pela primeira vez dez mil réis, e sendo menos qualidade cinco mil
réis para o Meirinho, e acusador, e sendo parente (13) haverão as mais penas de
incesto, segundo a prova, e escândalo, que houver. E encarregamos a seus pais
(14) e mais os não consistam em estar de portas adentro sob a pena de um marco
de prata. E os nossos visitadores (15) terão cuidado particular de inquirirem, se

77
LEWKOWICZ, Ida. Vida em família: caminhos da igualdade em Minas Gerais (séculos XVIII e XIX).
Tese de Doutorado. USP. São Paulo. 1992. pp. 144-145.
78
FLANDRIN, Jean-Louis. Apud: LEWKOWICZ, Ida. Vida em família: caminhos da igualdade em
Minas Gerais (séculos XVIII e XIX). Tese de Doutorado. USP. São Paulo. 1992. pp. 145.
79
LEWKOWICZ, Ida. Vida em família: caminhos da igualdade em Minas Gerais (séculos XVIII e XIX).
Tese de Doutorado. USP. São Paulo. 1992. pp. 146
80
MACHADO, Cacilda. A trama das vontades. Negros, pardos e brancos na construção da hierarquia
social do Brasil escravista. Tese (doutorado em História) – Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Rio de Janeiro, 2006. pp. 226
os coabitantes tem de liquido contra o que aqui ordenamos: e o mesmo foram os
mais Ministros nossos para se proceder contra os culpados.81

Para a Igreja o matrimônio constitui um vínculo indissolúvel e motivo de


diversos impasses como o divórcio, que era muito difícil de conseguir. Casar
novamente na condição de divorciado era praticamente impossível aos olhos da
Igreja Católica. O que muitas vezes acontecia eram novas núpcias, essas ocorriam
muitas vezes devido a morte precoce de um dos cônjuges. Para Cacilda Machado,
isso era comum devido às altas taxas de mortalidade, se tornando práticas
habituais, porém se as novas núpcias fossem por motivo de viuvez ou adultério e
concubinato com pessoa desigual em riqueza poderia haver reclamações na
comunidade.82
Na Colônia outra proibição da Igreja, eram os casamentos entre parentes
próximos, mas que não deixavam de acontecer e em um número elevado de casos
relatado por diversos documentos e autores, através das dispensas matrimoniais.
Havia inúmeros pedidos de dispensas, por ser uma prática comum entre as famílias,
mas que a Igreja tentava impor sua proibição. Indicando que possivelmente as
famílias tinham interesses comuns na realização desses matrimônios, sendo um
recurso para a ascensão social ou preservação da unidade patrimonial.83
Apesar de a Igreja Católica determinar normas de igualdade para a
realização dos casamentos entre pessoas iguais (livres com livres, preto forro com
preto forro, escravos com escravos). Para Cacilda Machado em suas pesquisas
voltadas para o estudo da região de São Paulo, encontrou dados significativos de
uniões que não seguiam as normas de igualdade estabelecidas pela Igreja, nos
quais casamentos entre escravos e livre, escravos e forros eram situações
rotineiras.84
Débora Cristina Alves levanta algumas questões sobre a importância do

81
CONCILIO ECUMENICO DE TRENTO – Sessão XXIV. ALVES, Débora Cristina. Alianças
Familiares: estratégias de uma elite de Antigo Regime – (Guarapiranga 1715 a 1790). Dissertação
apresentada ao Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal de Juiz de Fora. Juiz de
Fora, 2013. pp. 51
82
MACHADO, Cacilda. A trama das vontades. Negros, pardos e brancos na construção da hierarquia
social do Brasil escravista. Tese (doutorado em História) – Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Rio de Janeiro, 2006. pp. 225
83
MACHADO, Cacilda. A trama das vontades. Negros, pardos e brancos na construção da hierarquia
social do Brasil escravista. Tese (doutorado em História) – Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Rio de Janeiro, 2006.pp. 226
84
MACHADO, Cacilda. A trama das vontades. Negros, pardos e brancos na construção da hierarquia
social do Brasil escravista. Tese (doutorado em História) – Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Rio de Janeiro, 2006. pp. 233
casamento para o desenvolvimento da família neste mesmo período, baseada no
trabalho de Muriel Nazzari. Para a autora, em suas pesquisas sobre o dote em São
Paulo no século XVIII, “as famílias proprietárias de terras constituíam elas
mesmas, a estrutura da qual se realizavam as atividades econômicas”85. O dote
recebido pelo casamento, por exemplo, seria um artifício de extremo valor para o
jovem casal adquirir seus próprios recursos.
Com esta dimensão investigativa e a partir das disponibilidades das fontes e
dos dados, creio que todas estas abordagens historiográficas, ligadas ao estudo do
matrimonio, valem-se, de um tipo específico de fontes compostas pelos registros
paroquiais. Para o estudo da região de Guarapiranga não seria diferente de São Paulo ou
Portugal, afirma D é b o r a Alves, pois “através dos casamentos e das alianças
matrimoniais formadas entre as famílias, grandes aquisições poderiam ser alcançadas,
como poder econômico, social e político”.86
Em seu trabalho, sobre a mulher em São Paulo, Eni de Mesquita Samara
faz uso dos documentos jurídicos e religiosos, referentes ao Brasil e a Portugal, que
regularizam as questões referentes à família, onde levanta um ponto importante: o das
atribuições e obrigações que cabem ao casal no casamento. Nas uniões legítimas, ao
menos de modo aparente, o poder de decisão formal se concentrava nas mãos do
marido como provedor e protetor dos filhos e da esposa.87
Na presente pesquisa dissertativa darei também uma especial atenção as
nomeações de herdeiros, que são os filhos e a viúva do casal, através do inventário
post-mortem de Caetano da Silva Freire. Neste caso, precedido por seu Testamento um
documento produzido por ocasião do falecimento de um indivíduo, neles poderão
constar, por exemplo, informações mais detalhadas acerca dos membros da família,
bem como de seus bens, e também o nome e a idade de seus possíveis herdeiros.
Eventualmente, podemos rastreadas informações sobre casais em outros registros
documentais. Como hipótese, de quando tiveram filhos e optaram por batizá-los e a
partir daí, sabemos o ano de nascimento da criança, o que permitirá, então, a busca de
seus registros de batismo e de informações decorrentes como, por exemplo, a escolha
dos padrinhos. Potencialmente após essa etapa, teremos acesso dentro da pesquisa

85
NAZZARI, Muriel. Apud: ALVES, Débora Cristina. Alianças Familiares: estratégias de uma elite de
Antigo Regime – (Guarapiranga 1715 a 1790). Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação
em História da Universidade Federal de Juiz de Fora. Juiz de Fora, 2013. pp.48
86
ALVES, Débora Cristina. Alianças Familiares: estratégias de uma elite de Antigo Regime –
(Guarapiranga 1715 a 1790). Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em História da
Universidade Federal de Juiz de Fora. Juiz de Fora, 2013. pp.50
87
SAMARA, Eni Mesquita. As Mulheres, o Poder e a Família: São Paulo, século XIX. São Paulo:
Marco Zero, 1989. pp. 107.
buscar-se-a informações sobre compadrio com o objetivo de descortinar as redes de
solidariedades e sociabilidades estabelecidas pela família estudada.
Tambem, a partir das informações contidas nestes inventários post-mortem,
será possível identificar as estratégias utilizadas para gerir o patrimônio da família
Silva Freire. Do mesmo modo, verificar o rol de privilegiados senhores da região,
obtendo para si e aos descendentes, casamentos promissores e diferentes comendas,
mercês ou benesses. Além da viúva Catarina Maria da Encarnação, os seis filhos de
Caetano da Silva Freire. Eram filhos e herdeiros do casal Valentim Escolástico da
Silva, Caetano da Silva Freire, Manoel Estevão da Silva, Miguel Felix da Silva, Josefa
e Teresa Maria de Jesus88. Caetano da Silva Freire era homem de certo prestígio,
possuía sesmarias, joias em ouro e pedras preciosas, 8 escravos de 608$000 e era
irmão da Ordem Terceira de Nossa Senhora do Monte Carmo89.
Sheila de Castro Faria também apresenta um rico panorama das características e
possibilidades dos inventários, pois os mesmos arrolam detalhadamente bens, objetos,
ativos e passivos financeiros, e representam uma janela para a realidade da vida material
para a vida no período colonial. De maneira que, por representar um balanço da riqueza
material legada por um indivíduo ao fim da sua vida produtiva, os inventários podem
oferecer uma imagem distorcida da concentração de riqueza de certo indivíduo ou
grupo, ao registrar (potencialmente) o ponto limite de um ciclo doméstico de
acumulação. Os conjuntos inventariais que permitem reconstruir uma longa série são
particularmente promissores para apreender os processos de mudança social.90 Por isso
mesmo, farei uso dos inventários em todos os capítulos desta dissertação
Soma-se a isto o fato de os inventários e testamentos serem fontes serial. Neste
aspecto, é necessário estabelecer alguns cuidados com as generalizações, pois trazem
elementos de uma parcela da sociedade, aqueles que tem bens a deixar. Foi por meio
dos inventários e testamentos, que pude estudar à mencionada freguesia (estes foram
encontrados na Casa Setecentista de Mariana e no Fórum da Comarca de Piranga e o
que tornou possível estes e s t u d o s de caso ou trajetórias familiares. Neles foi
possível identificar as localidades, as ocupações de algumas famílias e o seu modo de
transmissão de herança. Consequentemente, as atividades produtivas e comerciais que
elas realizavam no interior de seus lares contribuindo para a dinâmica da produção de
alimentos, a criação de animais e até mesmo em atividades de mineração, permitindo
levantar hipóteses sobre a cultura material da região.
88
https://www.familysearch.org/tree/pedigree/landscape/KHZV-G89> Acesso em: 11 fev. 2022.
89
Inventário post mortem: Caetano da Silva Freire.
http://www.lampeh.ufv.br/CasaSetecentista/iipmooviewer/gallery.php?ID=622> Acesso em: 15 set. 2022.
90
FARIA, Sheila de Castro. A colônia em movimento. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. 1998. pp.58
Foi possível também identificar a diversidade econômica, através da criação
de animais e na produção de alimentos, existente em Minas Gerais no decorrer do
século XVIII e que foi acarretou de grande importância para a economia da capitania.
Além disso, a Freguesia de Guarapiranga, como dito anteriormente, foi uma região
que passou por um valioso momento de reconfiguração e crescimento de sua
economia a partir da segunda metade do século XVIII. Neste aspetos, cabe ressaltar a
importância de identificar a trajetória da família Silva Freire, assim como a
conservação de seu patrimônio, fato que levou a sua descendência a permanecer com
a mesma condição social, algo que não os empedia de quererem espandir mais a sua
condição economica e social.
Levando-se em consideração tais evidência, os inventários são fontes que
apresentam uma estrutura básica de informações padrões, embora com alguma variação.
Neles estão presentes, quase sempre, nome, lugar e data de falecimento, a listagem dos
herdeiros, o arrolamento dos bens e a determinação dos valores, a lista nominal dos
débitos e créditos e a partilha. Acompanham os inventários também, documentação
anexa sobre discordâncias em determinadas avaliações, explicações sobre a venda de
bens anteriores, dívidas e doações, processos judiciais contra o defunto, pedidos de
antecipação da maioridade dos herdeiros e outros, o que torna estes autos documentos
bastante complexos.
A partir do inventário post-mortem do Caetano da Silva Freire, é possível
identificar o que foi arrolado e a diversificação das suas atividades em vida. Também
consta para além de suas sesmarias “terras minerais com seu sogro e casas de moinho e
casa de farinha o forno de cobre e paiol”. Caetano, investia na agricultura, porém sem
ter deixado a mineração. Visto que, nos bens arrolados no inventário post-mortem de
Caetano, estão arroladas peças de ouro, como 1 par de brincos com diamantes, 1 anel
com sua pedra de topázio, 1 cordão, assim como, 1 taxo de cobre, 1 pequena balança e
um pequeno “dito pequeno ouro”, que, provavelmente, fizeram parte do tempo que
tivera terras minerais em sociedade. Além disso, constam “3 alqueires de planta de
milho”91, que demostra o investimento em agricultura, e na mineração, como
mencionado anteriormente.
Contudo, não seria possível entender a formação da família Silva Freire sem
analisar melhor a sua posse de sesmarias, terras concedidas pela Coroa aos novos
povoadores que tivessem condições de cultivá-las. No enfoque para onde havia a
diversificação da economia mineira observa-se, na descrição com maior clareza, a trajetória de

91
http://www.lampeh.ufv.br/CasaSetecentista/iipmooviewer/gallery.php?ID=622> Acesso em: 08 fev. 2022.
Caetano da Silva Freire em Guarapiranga, ao requerer sua Carta de Sesmaria do ano de 1760, do
Ribeirão Turvo92:
“Faço saber aos que esta minha carta de sesmaria virem, que tendo
respeito a me representar por sua petição Caetano Silva Freire morador da
Freguesia de Guarapiranga termo da cidade Mariana, que junto ao
ribeirão chamado o Turvo estavam terras, e matos virgens devolutos que
da parte do norte confrontavam com terras de Domingos Dantas de
Miranda, e Domingos Rodrigues Airão correndo Ribeirão a cima e das
mais partes com o sertão, e porque o Suplicante possuía suficiente fabrica
para cultivar lhe pedia por fim de sua petição lhe concedesse carta de
sesmaria na dita paragem de meia légua de terra compreendendo está uma
com outra banda do dito Ribeirão; fazendo-se o Pião dessa dele de
qualquer das bandas o qual, corria do Sul para o Norte e desaguava no
Rio da Guarapiranga abaixo do Arraial do Bacalhau.”

A dita sesmaria situava-se “junto ao ribeirão chamado o Turvo [...]”, sabemos


então, que do ponto de vista geográfico são áreas de nascentes e córregos que desaguam
em afluentes do Rio Pomba. A região, onde Caetano possuía sesmarias tinha
proximidade com a Freguesia do Pomba. Esta era de grande extensão, correspondendo à
porção sul e central da atual Zona da Mata, confrontando-se ao norte com o município
de Mariana, na Serra dos Arrepiados, prolongando-se até a Freguesia de Guarapiranga,
na sua capela filial de São José do Xopotó. A leste correspondia à barra do Rio Pomba
até sua foz no Rio Paraíba.93
Com a centralização da administração régia na colônia, na segunda metade do
século XVIII, a fim de reanimar as forças econômicas e de mercado, o “Estado assumiu
o papel de único e verdadeiro protagonista das descobertas e conquistas”. Como aponta
o autor Francisco Eduardo de Andrade,

“associado a administração ativa do poder público, o crescimento


populacional e ampliação de redes mercantis na capitania tornavam
imprescindível a ocupação dos sertões, para atender as necessidades de
encontrar novas jazidas minerais, o valimento das fronteiras e necessidade
de uma ruralização em curso”.94

O que dialoga diretamente com o que tratarei a partir da ocupação deste espaço
de sertão, como a construção dos bens materiais da família Silva Freire que foi
ampliada.

92
Carta de Sesmaria concedida a Caetano da Silva Freire, 1760-1787. Arquivo Nacional do Rio de
Janeiro, Fundo: Sesmarias, Notação 151.205, 29 f., pp. 02.
93
DE ANDRADE, Mateus Rezende. Espaço e sociedade na ocupação dos sertões das minas–vale do rio
Piranga, Minas Gerais, séculos XVIII e XIX. Revista Geografias, p. 8-24, 2018. pp.11.
94
ANDRADE, Francisco Eduardo. A Invenção das Minas Gerais: Empresas, descobrimentos e entradas
nos sertões do ouro (1680-1822). Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas, Departamento de História, 2002, p.289-290, 294-296. (Tese de Doutoramento)
A criação da Freguesia da Pomba deve ser compreendida como conquista para a
civilização dos “sertões do Leste” visando prover o erário com a implementação de uma
exploração econômica da área, arregimentando fiéis vassalos para a grandeza do Rei.
“Libertar as diversas tribos errantes do infame jugo da estupidez e inércia” era a tarefa
do “Bom Vassalo e Bom cristão”.95 A política pombalina procurava integrar o índio ao
universo cultural dos colonos, tornando-os agentes da colonização. Protótipos de
vassalos de sua majestade, os colonos e o Padre Manoel de Jesus Maria, que foi a figura
central perante a colônia para essa região do Pomba, configuraram redes de clientela,
incutindo a moral cristã e regras civilizadoras do comportamento nos bárbaros do
sertão.
Além da sesmaria do ano de 1760, do Ribeirão Turvo, aparece no seu inventário
post mortem, mais outras duas sesmarias pertencentes a Caetano da Silva Freire. Uma
citada “que requerida em nome de Valentim da Silva, filho do falecido, situada nas
vertentes do Turvo Xopotó Cabeceiras do Córrego” que se encontrava na Freguesia de
São Manoel do Pomba, um local em que ficou explicitado a cima e a outra sesmaria na
mesma freguesia, “nova de meia légua de terras com matos virgem dita no Ribeirão do
Turvo Limpo”, na qual confrontavam com “com terras de sesmaria de Domingos
Dantas, com terras do Capitão Manoel Rodrigues Ayrão, com Leão Correia Campos, e,
com que mais deva e haja de partir e confrontar”
De todo modo, este trabalho lança mão da problematização da fronteira instigada
por José de Souza Martins: um lugar de descoberta e desencontro. Segundo ele,
desencontro de temporalidades históricas entre grupos diversamente situados no tempo
da História. Em suas palavras,

o que há de sociologicamente mais relevante para caracterizar a definir a


fronteira no Brasil é, justamente, a situação de conflito social. [...] nesse
conflito a fronteira é essencialmente o lugar da alteridade. É isso que faz
dela uma realidade singular. [...] A fronteira só deixa de existir quando o
conflito desaparece, quando os tempos se fundem, quando a alteridade
original e mortal dá lugar à alteridade política, quando o outro se
torna parte de nós.96

Notadamente esta vasta região vivenciou em diferentes temporalidades o


processo de ocupação dos sertões mineiro e fluminense. Não distante, em todos estes
momentos, um enorme contingente populacional, projetava-se a esta fronteira aos
95
SILVEIRA, Marco Antônio. O Universo do Indistinto: Estado e sociedade nas Minas Setecentistas
(1735-1808). São Paulo: Hucitec, 1997, pp.50.
96
MARTINS, José de Souza. O tempo da fronteira. Retorno à controvérsia sobre o tempo histórico da
frente de expansão e da frente pioneira. Tempo Social. Revista de Sociologia. USP, São Paulo, v. 8, nº1,
p.25-70. 1996.pp: 27
próprios custos e riscos, havendo acesso aos mercados regionais, redes de comunicação,
sociais e transporte. Assim, Caetano em Guarapiranga, como dito anteriormente, estava
em uma região que passou por um valioso momento de reconfiguração e crescimento de
sua economia a partir da segunda metade do século XVIII. Poderemos, dentro de nossos
limites, com as fontes e com base na historiografia, averiguar através da pesquisa as
hipóteses econômicas para essa região, e assim, observar as a trajetória da família Silva
Freire nas diferentes estratégias adotadas para a conservação de seu patrimônio, fato que
levou ao menos permanecerem com a mesma condição social, algo que não os impedia
de quererem expandir mais a sua condição econômica e social.
Ao longo da vida do Caetano, acompanhamos também a Freguesia
Guarapiranga, que proporcionou a exploração de terras minerais, que gradualmente
foram substituídas por uma economia voltada à agricultura que, posteriormente,
tornaram-se uma das principais fontes de renda dos habitantes da região. Todos estes
aspetos demonstram a importância do Caetano da Silva Freire e sua possibilidades de
composição e mobilidade social, bem como a região e o período.
A título de compreensão, visto que, os personagens centrais de nossa análise se
pertencem a família de Caetano da Silva Freire, assim como, um de seus filhos
homonimo, e irei diferenciá-los o nome Caetano da Silva Freire como pai e como
filho.97 Com a morte de Caetano da Silva Freire (pai), pudemos constatar que alguns de
seus descendentes vão se aventurar em novas áreas de exploração, como é o caso de
Miguel Felix da Silva e Caetano da Silva Freire (filho), que estabelecerem-se nos
sertões fluminense das Novas Minas do Macacu e em pouco tempo solicitaram outras
concessões de sesmarias. A múltipla abertura de novas fronteiras agrícolas, decorrente
da sociedade escravista, imprimiu movimento dos homens no “período colonial”. Estas
áreas transformaram-se ora em uma região voltada para a exportação, ora para o
mercado interno e subsistência. A historiografia atualmente tem argumentado que um
“sistema econômico possue sua lógica e dinâmica própria”, não se encaixando, portanto
nos modelos clássicos de capitalismo comercial e de modo de produção escravista
colonial. Desta forma, como argumenta Cláudia Maria das Graças Chaves98, a
construção de um espaço econômico colonial não deve prescindir de uma analogia com
“mercados perfeitos”, pois eram isolados e fragmentados, baseado no trabalho escravo,
na agro-exportação, submetido ao controle burocrático e político metropolitano.
Um processo contínuo de apoderamento territorial através de uma estratégia de
97
A título de compreensão, visto que os personagens centrais de nossa análise se chamam Caetano da
Silva Freire, iremos diferenciá-los com o nome Pai e Filho.
98
CHAVES, Cláudia Maria das Graças. “O mercado Colonial: a construção de um mercado interno”.
Revista de História Econômica e Empresas. V.6, 2003, pp. 76
domínio não limitada às características materiais, pois os projetos de construção do país
previam a definição de fronteiras, a manutenção da ordem, a gerência do espaço interno,
a arrecadação tributária. Observando que estes objetivos ultrapassavam o marco
econômico assentado na produção agrícola, apontamos para o papel preponderante
desempenhado pelos povoados que se tornaram centros do exercício daquelas
atribuições e nós na rede de comunicações.99
No capítulo 2, relacionarei sobre os herdeiros de Caetano e Catarina Maria, que
foram em busca de novas terras minerais, e agricultáveis, no qual evidenciaram através
de fontes documentais que ascenderem socialmente e financeiramente através de novas
experiências fora do conforto da sua localidade de origem. E juntos seus filhos,
possibilitam a reprodução social, em fase à dinâmica social vivenciada, privilegiando as
experiências dos seus em uma outra região. Para compreender os mecanismos de
ascensão social e distinção empregado por esses indivíduos e suas famílias. Para
definição destas famílias estabelecemos algumas características principais para inseri-
las entre os grupos de elites da região que estava se formando, como: a participação de
um ou mais membros na Câmara Municipal da Vila de São Pedro de Cantagalo, como
vereador, Juiz e permanência física, financeira e política desses grupos na região, a
participação de alguns membros na Irmandades da Matriz do Santíssimo Sacramento de
São Pedro de Cantagalo e por fim, a riqueza material dessa parentela100.
Ângelo Alves Carrara afirma que a organização regional e as articulações
internas da economia mineira oitocentista, em especial das áreas de fronteira e de
crescimento são convites a ser estudados pela historiografia. Portanto, desvendar a
dinâmica social, econômica e demográfica das áreas de fronteira agrícola no leste da
capitania mineira é um dos principais objetivos deste projeto em curso, no qual
apresentamos neste trabalho resultados parciais. 101
Por fim, o que se pode concluir de forma parcial sobre a trajetória de Caetano da
Silva Freire, no Piranga foi apenas o começo para os estudos que virão a evidenciar a
sua contribuição para a construção da história da família. Ainda assim, buscarei outras
fontes documentais que irão se somar a estas, para uma construção mais esclarecedora
desta trajetória. “[...] a documentação, assim como outros arquivos e fontes, estão à

99
FRIDMAN, Fania. Cartografia fluminense no Brasil imperial. SIMPÓSIO BRASILEIRO DE
CARTOGRAFIA HISTÓRICA, v. 1, pp. 1-22, 2011.
100
Como ressaltou Heinz, o conceito de elite também pode ser empregado em sentido amplo e descritivo,
no qual é possível fazer referências a categorias ou grupos que parecem ocupar o “topo” de “estruturas de
autoridade ou de distribuição de recursos. HEINZ, Flávio M. Por uma outra história das elites. Rio de
Janeiro: Ed. FGV, 2006, pp. 9.
101
CARRARA, Ângelo Alves. Contribuição para a História Agrária de Minas Gerais. (séculos XVIII e
XIX). Mariana. LPH/ UFOP, 1998, p.74.
espera daqueles que acreditam ser possível recuperar parte do passado para respeitar
mais o presente”.102
Sabe-se ainda que os movimentos da família Silva Freire dentro da Zona da
Mata mineira provavelmente seguiram uma lógica econômica, foi através da
acumulação de capital que essa família foi se espalhando por várias localidades, sendo o
Sertão Leste fluminense onde eles se estabeleceram, como nas Novas Minas do Sertão
do Macacu. Com as fontes existentes pode-se identificar os membros dessa família e
observar como se deram os processos de sucessão e herança após a partilha.
Isto posto, deve-se pensar, o que significa a entrada nos Sertão do Leste
Fluminense. Pode-se pensar na possibilidade desses homens terem a clareza de estarem
diante da possibilidade de construírem, no longo prazo, uma rede de estratégias e,
portanto, ampliarem seu prestígio social. 
No próximo capítulo, buscarei mapear o local em que estes atores sociais
viveram, de modo a entender melhor não só a influência da dinâmica socioeconômica
das Novas Minas do Sertão do Macacu, o qual é o local onde se estabelece Caetano da
Silva Freire (filho) e perpassar o Arraial até a formação da Freguesia do Santíssimo
Sacramento de Cantagalo e posteriormente, Vila de São Pedro de Cantagalo. Assim
como, observar a vida cotidiana desses atores sociais, e o impacto das mudanças
experimentadas pela família entre os séculos XVIII e XIX nas relações forjadas nesse
espaço geográfico.

102
AMANTINO, Marcia. A escravidão em Cataguases e os cativos da família Vieira. In: Sousa, Jorge
Prata de e ANDRADE, Rômulo Garcia de (Orgs). Zona da Mata mineira: escravos, família e liberdade.
Rio de Janeiro: Apicuri, 2012.pp:153

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