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1
Neste momento Ouro Preto integrava, o Bispado de Mariana. Criado em 1745, o bispado de Mariana se
limitava com os bispados do Rio de Janeiro e de São Paulo, a prelazia de Goiás, a arquidiocese de São
Salvador da Bahia e o bispado de Pernambuco. A jurisdição do bispado de Mariana não correspondia
exatamente à Capitania de Minas Gerais. Seu território foi delimitado pelos rios: Jequitinhonha, ao Norte;
São Francisco, a Oeste; Rio Doce, a Leste; Rio Paraíba, ao Sul”. Apud. ROCHA, Dom Geraldo Lyrio
Rocha (Arcebispo Emérito de Mariana). "Breve História da Arquidiocese de Mariana". Texto da
conferência de abertura do Simpósio Acadêmico Filosófico-Teológico "A história da Igreja Particular de
Mariana: Memória e Testemunho, promovido pela Faculdade Dom Luciano Mendes em parceria com o
Instituto Teológico São José da Arquidiocese de Mariana, no período de 02 a 04 de fevereiro de 2019.
Disponível em: http://inconfidentia.famariana.edu.br/wp-content/uploads/2019/12/1. Acessado em 05 de
maio de 2023.
2
"Em Minas Gerais, a demanda por escravos foi abundante. Entre o início da década de 1720 e meados
da década de 1730, foram arrastados para o interior do país mais de 50 mil africanos. Somente em Vila
Rica, o contingente de cativos saltou de 6.721 em 1716 para 20.863 em 1735. As condições de vida dessa
população eram, de modo geral, muito duras. Sua jornada de trabalho era longa, árdua e frequentemente
perigosa, sua moradia era precária, desconfortável e insalubre, e sua vestimenta insuficiente, inadequada e
imunda. Por isso, sua vida era geralmente breve." Apud. Obra de 1735 revela mazelas dos escravos em
Minas Gerais. Blog de História, Ciências, Saúde – Manguinhos. Disponível
em: http://www.revistahcsm.coc.fiocruz.br/obra-de-1735-revela-mazelas-dos-escravos-em-minas-gerais/
Acessado em 05 de maio de 2023.
3
DE MAGALHÃES, Sônia Maria. Outro olhar sobre Mariana no século XIX. História Revista, v. 4, n. 1,
1999. pp. 4.
observa que é fundamental termos referenciais particulares sobre esses emigrantes, pois
cada comunidade deve ser percebida como um microcosmos, visto que cada família
constitui um grupo afetivo, social e econômico, que possuíam diferentes respostas
comportamentais, mesmo em situações semelhantes.4
Creio que neste contexto, insere-se o caso da família Silva Freire. Constituída
por Antonio da Silva - um senhor natural de Braga, distrito localizado no norte de
Portugal - e Marcelina Maria, sua esposa - nascida da freguesia de Santa Catharina
Coutos, de Alcabaça, região central de Lisboa.5 Quando Antonio e Marcelina Maria
emigraram para o Brasil trouxeram o seu único filho de nome Caetano. 6 Essa família,
assim como várias outras, atravessou o atlântico em busca de melhores condições de
vida econômica e social.
Para além desta breve apresentação, neste capítulo, buscarei também observar os
desafios vivenciados por Caetano da Silva Freire, filho de Antonio da Silva e Marcelina
Maria. Nessa pesquisa, se procura entender as redes e as conexões estabelecidas na
freguesia de Guarapiranga, então Capitania de Minas Gerais, desta família e ainda,
abordar as atividades produtivas a partir da sua fixação naquela região. Nossas
observações procuram apontar as razões que poderiam ter levado a família de Caetano a
deixar a respectiva freguesia mineira, local que alcançou certo reconhecimento social,
em direção a região denominada como Novas Minas do Sertão do Macacu, na Vila de
Santo Antonio de Sá, situada no sertão fluminense.
Para entender a trajetória da família Silva Freire a partir de Portugal até sua
fixação no Sertão da capitania do Rio de Janeiro, neste primeiro capítulo vamos
acompanhar o rastro documental desse grupo familiar. Para isso, no subtítulo a seguir
nossa investigação terá como data inicial o ano de 1711, momento em foi realizado o
casamento de Antonio da Silva e Marcelina Maria, pais de Caetano da Silva Freire e
português de origem. A partir daí cabe analisar a trajetória na América Lusa, dessa
composição familiar.
4
ALVES, Jorge Fernandes. Os Brasileiros. Emigração e Retorno no Porto Oitocentista. Porto, 1997.
pp.26.
5
Caetano da Silva Freire – Árvore Familiar. Disponível em:
https://www.familysearch.org/tree/pedigree/landscape/KHZV-G89. Acessado em 01 de fevereiro de
2023.
6
Livro de Registro de Batismo – Disponível em: https://digitarq.arquivos.pt/viewer?id=4821433.
Acessado em 02 de fevereiro de 2023.
Em dezoito de setembro de mil setecentos e onze anos, de[...]nesta S. Sé
em minha presença e das testemunhas abaixo assinadas, com banhos
corridos, e Licença do Reverendo Provicor dos Cazamentos por estar o
contraente há pouco tempo nesta freguesia se receberão por marido e
mulher na firma do Sagrado Concílio Tridentino e Confesso deste
Arcebispado Antonio da Silva filho Antonio da Silva e de Maria Carvalho
natural da freguesia de Santa Maria de Moreira Castelho de Cerolico de
Basto, Arcebispado de Braga e de presente morador de São Julião, com
Marcelina Maria filha de Manoel Freire e Maria Delgada natural da
freguesia de Santa Catharina, Coutos de Alcabaça, desse Arcebispado e
moradora nesta freguesia: forão testemunhas Antonio da Costa e Manoel da
Silva moradores nesta freguesia na rua das Canastras. Registro fiz esse
termo e com eles assinei.7
22
Livro de Registro de Batismo – Disponível em: https://digitarq.arquivos.pt/viewer?id=4821433.
Acessado em 02 de fevereiro de 2023.
23
"O batismo estava inserido no primeiro estágio do processo de expansão do cristianismo, assim a
prática ou a devoção era mais importante que a fé, ou que o conhecimento sobre a religião cristã. Um
indivíduo batizado era considerado oficializado como um cristão, sem ter ao menos qualquer convicção
religiosa da sua fé ou conhecimento apurado sobre ela. Neste aspecto, o cristianismo atuava como um
“modelo eclesial de poder” e a relação íntima entre Igreja Cristã e sociedade civil era mediada pelo
Estado, “seja atuando como um aparelho ideológico ou burocrático do Estado (instituição Moderna)
(estando sujeito aos contextos históricos) e neste contexto já existia certa sujeição da Igreja ao Estado.
Apud. OLIVEIRA, Carlos Augusto Ferreira de. A CRISTANDADE: um modelo eclesial de poder.
Fragmentos de Cultura, Goiânia, v. 21, n. 4/6, p. 309-318, abr./jun. 2011." Apud AMANTINO Marcia;
FRANCO. M. da Conceição Vilela & SCHETTINI, Vitória. Entre os Sertões de Macaé e
Cantagalo. 2023. (mimeo)
24
Ver MARCÍLIO, Maria Luiza. Os Registros Paroquiais e a História do Brasil. VARIA HISTORIA, nº
31. Janeiro, 2004, pp. 13-20; PINSKY, Carla Bassanezi; LUCA, Tania Regina de (Orgs.). O Historiador
e suas fontes. São Paulo: Contexto. 2009; GUEDES, Roberto. Macaé em Fontes Paroquiais. In:
AMANTINO, Márcia. RODRIGUES Claudia e Outros. Povoamento, Catolicismo e escravidão na Antiga
Macaé (século XVII ao XIX). Rio de Janeiro: Apicuri, 2011.Apud. FRANCO, M. da Conceição Vilela.
CONEXÕES HISTÓRICAS REGIONAIS: a partir de processamentos de dados das Fontes Primárias
dos municípios fluminenses de Cantagalo e Macaé (séculos XVIII- XIX). AMANTINO Marcia;
FRANCO. M. da Conceição Vilela & SCHETTINI, Vitória. Entre os Sertões de Macaé e Cantagalo.
2023. (mimeo)
25
MARCÍLIO, Maria Luiza. “Os registros eclesiásticos e a demografia histórica da América Latina”. In:
Memórias da Primeira Semana de História. Franca, 1979. pp. 260
atributo dos registros paroquiais destacada pela autora é sua natureza individual. Neste
sentido, observa que,
cada indivíduo é registrado com suas características pessoais e em cada
momento vital de sua existência; e cada um deles integra uma série
cronológica de eventos, guardados em livros especiais e que cobrem
uma localidade fisicamente bem demarcada – a paróquia. 26
28
DE PAULA, João Antônio. Raízes da modernidade em Minas Gerais. Autêntica Editora, 2005. pp.56.
29
Inicialmente surgiam como arraias, pousos e ranchos até constituírem-se em uma aglomeração
humana estável com capela e casas de morada. FONSECA, Claudia Damasceno. Arraiais e vilas d´el-rei:
espaço e poder nas minas setecentistas. Trad. Maria Juliana Gambogi Teixeira. Belo Horizonte: Editora
UFMG, 2011.
30
SAMPAIO, A. C. J. de. Na encruzilhada do império: hierarquias sociais e conjunturas econômicas no
Rio de Janeiro (c. 1650- c. 1750). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2003, pp.128.
31
SANTOS, Raphael Freitas. Redes sociais e atividade mercantil na América portuguesa (Minas Gerais,
século XVIII). Dimensões, n. 37, pp. 156-177, 2016.
32
Segundo Douglas Cole Libby, neste ínterim, a agropecuária e a indústria têxtil foram os grandes
sustentáculos econômicos após a crise da mineração; pp.135, 1988.
1.2 Guarapiranga: A paisagem geográfica de freguesia mineira em transição
Antes de adentrarmos debruçarmo-nos sobre a freguesia de Guarapiranga,
considero necessário uma breve introdução sobre a capitania de Minas Gerias
representava na da América portuguesa de uma forma global, no século XVIII, período
em que passou por diversas mudanças, embora o destaque aqui seja o da passagem da
família Silva Freire por esta capitania, e assim sendo cabe uma referência a geografia
desta área e um breve síntese deste contexto histórico.
A forma como se apresentava, o relevo em boa parte da Zona da Mata, em
particular em sua área Central, pode ser definida pela expressão “mares de morros”,
uma zona que se estende por aproximadamente 650 mil quilômetros quadrados, ao
longo do Brasil Tropical Atlântico , , que segundo Aziz Ab’Sáber, era uma área
constituída pela "presença de mais forte decomposição de rochas cristalinas e de
processos de convexização em níveis intermontanos, fato que faz suspeitar uma
alternância entre a pedimentação33 e a mamelonização34 nesses compartimentos".35
Um dos primeiros arraiais a surgir ao longo dos vários caminhos que
conectavam a capitania de São Paulo às recém-descobertas minas foi o de Piranga.
Através do relato contido no Códice Costa Matoso, percebe-se que participantes das
bandeiras saídas de São Paulo e Taubaté, no início da década de 1690, faziam pouso à
beira de um rio onde encontraram ouro, o que culminou na instituição de uma capela e
logo um pequeno arraial.36 Neste caso, cabe estabelecer uma breve correlação entre o
processo de ocupação e a instituição de ermidas, igrejinhas ou oratórios, erguidos e
sustentados pelos moradores, que faziam referência a sua expressão de fé "e a
necessidade de sacralizar o espaço ocupado com os signos católicos da cruz, do sino e
33
Assim como, João José Bigarella, Maria Regina Mousinho e Jorge Xavier da Silva, o termo
sedimentação é usado aqui para definir "uma superfície aplainada, ligeiramente inclinada, encontrada ao
sopé de maciços montanhosos ou embutida nos vales. O pedimento trunca diferentes formações rochosas,
constituindo o resultado da operação de processos de degradação lateral ligados à morfogênese mecânica
(pedimento rochoso)." Apud BIGARELLA. João José; MOUSINHO. Maria Regina e SILVA. Jorge
Xavier. Pediplanos, Pedimentos e seus Depósitos Correlativos no Brasil. Espaço Aberto, PPGG - UFRJ,
V. 6, N.2, p. 165-196, 2016.
34
Já o termo mamelonização refere-se a um fenômeno oposto a “pedimentação". De acordo com AB’
SÁBER, " Mamelonização está designando um conjunto de processos fisiográficos e ecológicos, em que,
a par com a formação generalizada de vertentes arredondadas e solos tropicais, processa-se a instalação
de ambientes tropicais úmidos, incluindo o revestimento da rain forest." Apud SOUZA. Rosemeri Melo
e. RESENHA do livro AB’SÁBER, A.; MARIGO, L. C. Ecossistemas do Brasil/Ecosystems of Brazil.
São Paulo, Metalivros, 2009, 300p. Sociedade & Natureza, Uberlândia, 22 (2): 419-422, ago. 2010.
35
AB’SÁBER, Aziz. Os domínios de natureza no Brasil: potencialidades paisagísticas. São Paulo: Ateliê
Editorial, 2007, pp. 16
36
FIGUEIREDO, Luciano Raposo de Almeida; CAMPOS, Maria Verônica (coord.) Códice Costa
Matoso. Coleção das notícias dos primeiros descobrimentos das minas na América que fez o doutor
Caetano da Costa Matoso sendo ouvidor-geral das do Ouro Preto, de que tomou posso em fevereiro de
1749 & vários papéis. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 1999. pp:257
do altar, receber os sacramentos". Desta forma, “nos primórdios da colonização, as
capelas antecediam as paróquias e constituindo-se no núcleo original dos povoados".37
Atenta-se, como bem fez Cláudia Damasceno Fonseca, para o fato de que há de
se problematizar a história administrativa e os espaços de poder que deixaram suas
marcas na história de Minas Gerais.38 Contudo, é possível aventar a possibilidade de
que a "Coroa portuguesa não ter muito interesse em gastar com bispados," paróquias,
igrejas e côngruas, principalmente em locais que não se constituíssem em núcleos
urbanos e com população a quem se poderia cobrar dízimo." Este fato pode
exemplificar essa questão como o afrouxamento da malha paroquial, diante da
relutância com que o padroado régio assumia a responsabilidade pelo sustento material
do culto divino em terras ultramarinas. Portanto, creio que esta pode ser um exemplo
explicativo devido a "extensão desmensurada das paróquias, pela lonjura das matrizes e
sobretudo pelas distâncias dos núcleos urbanos".39
Porém, no princípio do século XVIII, o volume de ouro extraído, ou a notícia de
que este avultava por aqueles lados, atraiu para o território uma grande circulação de
pessoas. Dessa forma, Clóvis Ramiro Jucá Neto lembra que a estratégia adotada pela
Coroa para fixar o povoamento foi a fundação de vilas, afirmando que, com o território
ocupado por essas povoações, garantia-se e confirmava-se o estabelecimento da
autoridade e da soberania lusitana nas áreas ocupadas. Não se pode esquecer, contudo,
que a presença de instituições religiosas é, na maior parte das vezes, anterior ao
estabelecimento das instituições civis (câmaras municipais e juízo ordinário); no caso
das povoações de colonos de origem portuguesa, verifica-se, em geral, a criação de vilas
em freguesias já existentes. 40 O que ocorreu no "contexto que culminou com a expulsão
dos jesuítas da América portuguesa, em 1759," e sucessivamente dar-se-á o processo de
37
TORRES-LONDOÑO, Fernando. Paróquia e comunidade na representação do sagrado na colônia In:
________ (org.). Paróquia e comunidade no Brasil: perspectiva histórica. São Paulo: Paulus, 1997, p.
51-53. Apud FRANCO, M. da Conceição Vilela. A MORTE CONTA A VIDA: sentenciamento,
assassinatos e sepulturas na construção da memória no município de Macaé (Rio de Janeiro, 1855-1910).
Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Salgado de Oliveira, Niterói, 2009.
38
FONSECA, Claudia Damasceno. Arraiais e vilas d´el rei: espaço e poder nas minas setecentistas. Trad.
Maria Juliana Gambogi Teixeira, Claudia Damasceno Fonseca. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2011.pp:
164.
39
FRANCO, M. da Conceição Vilela. A MORTE CONTA A VIDA: sentenciamento, assassinatos e
sepulturas na construção da memória no município de Macaé (Rio de Janeiro, 1855-1910). Dissertação
(Mestrado em História) – Universidade Salgado de Oliveira, Niterói, 2009. Para uma maior compreensão
destes processos ver TORRES-LONDOÑO, Fernando. Paróquia e comunidade na representação do
sagrado na colônia In: ________ (org.). Paróquia e comunidade no Brasil: perspectiva histórica. São
Paulo: Paulus, 1997, p. 57; ver também CHAHON, Sérgio. Os convidados para a ceia do senhor: as
missas e a vivência leiga do catolicismo na cidade do Rio de Janeiro e arredores (1750-1820). São Paulo:
EDUSP, 2008, p. 138.
40
JUCÁ NETO, Clóvis Ramiro, A urbanização do Ceará setecentista: as vilas de Nossa Senhora da
Expectação do Icó e de Santa Cruz do Aracati. Tese de Doutorado em Arquitetura e Urbanismo, Salvador,
Universidade Federal da Bahia, 2007, pp:115.
transformação das aldeias indígenas em paróquias e ou freguesias e a subsequente
elevação destes espaços à condição de vila, onde está "promoção vinha responder ao
crescimento econômico de uma determinada região." Anteriormente a expulsão dos
padres da Companhia de Jesus "D. José I fizera baixar as instruções de 08/05/1758 –
determinando ao arcebispo da Bahia que substituísse os jesuítas por padres seculares e
de 28/09/1758 – mandando elevar os aldeamentos à vilas".41
Como enfatiza Antonio Manuel Hespanha, o Estado Português e a Igreja
Católica sempre estiveram profundamente interligados.42 Através de medidas de
consentimento régio e o direito do padroado, a Coroa conseguiu estabelecer constante
intervenção no plano espiritual. Segundo, Caio César Boschi, essa autoridade foi
estendida para o território ultramarino de forma que a Igreja passou a ser instrumento
importante para a consecução de objetivos colonizadores. E essa forma de autoridade se
amplifica neste local onde antes havia índios. 43
Situada ao sul de Mariana, a freguesia de Guarapiranga “foi um dos primeiros
povoados a surgir em meio à mata virgem e densa dos sertões da então capitania do
Rio de Janeiro, quando as Minas Gerais ainda não existiam juridicamente como
capitania autônoma”.44 Esta região onde estabeleceu-se a família Silva Freire, no
século XVIII, tornando-se no lugar que contribuiu para o processo de mobilidade
social da família. Este foi um mecanismo consequente do processo de emigração, e
da presença massiva de portugueses tanto nas regiões mineradoras quanto nas áreas
de transição45.
Resultantes de regiões de colonização primária da América Portuguesa
(Nordeste e São Paulo), do norte de Portugal e de outras colônias lusitanas, o número
de imigrantes que iam para as minas era enorme. Estes sempre que chegavam tinham
por esperança o acúmulo de riqueza e a ascensão social. 46
Claudia Damasceno
41
FRANCO, M. da Conceição Vilela. A MORTE CONTA A VIDA: sentenciamento, assassinatos e
sepulturas na construção da memória no município de Macaé (Rio de Janeiro, 1855-1910). Dissertação
(Mestrado em História) – Universidade Salgado de Oliveira, Niterói, 2009. Ver RUPERT, Arlindo. A
Igreja no Brasil: expansão territorial e absolutismo estatal (1700-1822). Rio Grande do Sul: Editora
Pallotti, 1988, vol. III, p. 113.
42
HESPANHA, António Manuel (Coord.). Antigo Regime (1620-1807): História de Portugal.José
Mattoso (Dir.), vol. IV. Lisboa: Estampa, 1998. pp 21.
43
BOSCHI, Caio César. Os leigos e o poder: irmandades leigas e política colonizadora em Minas
Gerais. São Paulo: Ática, 1986. pp:02
44
LOPES, Luiz Fernando Rodrigues. Vigilância, Distinção e Honra: os familiares do Santo Ofício na
Freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Guarapiranga, Minas Gerais, 1753-1801. Dissertação
(Mestrado em História) – Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora. 2012, pp 84.
45
LEMOS, Gusthavo. Minas da Terra – Família, produção da riqueza e dinâmica do espaço em zona de
fronteira agrícola, minas gerais, 1800-1856. São Paulo, Annablume, Belo Horizonte: PPGH-UFMG,
2014. pp. 72
46
RAMOS, Donald. Teias sagradas e profanas: o lugar do batismo e compadrio na sociedade de Vila
Rica durante o século do ouro. Revista Varia História, Belo Horizonte, n. 31,2004, pp. 44.
Fonseca, aponta que para além da importância destas roças que surgiam em Minas
Gerais, os pousos se tornam pontos de encontros de tropeiros, viajantes e agricultores,
e ao seu entorno surgiram pequenos povoados que eram chamados de arraiais. 47
47
FONSECA, Cláudia Damasceno. Arraiais e vilas d'el rei: espaço e poder nas Minas setecentistas.
Editora Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), 2011, pp.127.
48
LAMAS, Fernando Gaudereto; SARAIVA, Luiz Fernando; ALMICO, Rita de Cássia da Silva. A Zona
da Mata Mineira: Subsídios para uma historiografia. In: Anais do V Congresso Brasileiro de História
Econômica e 6ª Conferência Internacional de História de Empresas. ABPHE-Associação Brasileira de
Pesquisadores em História Econômica (Brazilian Economic History Society). 2003. pp.8
49
SANCHES, Marcos Guimarães. Proveito e negócio. Regimes de propriedade e estruturas fundiárias: o
caso do Rio de Janeiro entre os séculos XVIII e XIX. Tese de doutorado. Rio de Janeiro: Instituto de
Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IFCS/UFRJ), 1997.
50
CUNHA, Alexandre Mendes. O Urbano e o Rural em Minas Gerais entre os séculos XVIII e XIX. Cad.
Esc. Legisl., Belo Horizonte, v. 11, n. 16, p. 66, jan./jun. 2009. Disponível em:
http://www.almg.gov.br/opencms/export/sites/default/consulte/publicacoes_assembleia/periodicas/
cadernos/arqu ivos/pdfs/16/alexandre_mendes.pdf
51
SANCHES, Marcos Guimarães. Proveito e negócio. Regimes de propriedade e estruturas fundiárias: o
caso do Rio de Janeiro entre os séculos XVIII e XIX. Tese de doutorado. Rio de Janeiro: Instituto de
Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IFCS/UFRJ), 1997.
52
ANDRADE, Mateus Rezende de Compadrio e família em zona de fronteira agrícola: as redes sociais
da elite escravista, freguesia de Guarapiranga (c1760-c1850). 2014. Dissertação (Mestrado) -
Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. pp. 36.
pequenos arraiais e capelas como as de Bacalhau, Pinheiro, Oliveira, Espera, São
Caetano do Xopotó, São José do Xopotó, Brás Pires e Dores do Turvo, a serra
servindo de limite com os municípios de Presídio e Pomba53.
De acordo com Mateus Resende de Andrade, Guarapiranga se tornou uma
região mineradora. A região foi ocupada paulatinamente e não subsistiu apenas com
atividades de mineração, mas também de atividades voltadas para a produção de
alimentos para o consumo interno e de criação de animais. 84 No século XIX, com a
queda da mineração e a intensificação das atividades agropastoris, a região vai ampliar e
se transformar. Como observa Andrade,
53
Coleção das Leis Mineiras, Lei Provincial 1.249, de 17 de novembro de 1865, Lei Provincial 1.537,
de 20 de julho de 1868. Disponível em:
http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br/modules/fundos_colecoes/brtacervo.php?cid=80
54
ANDRADE, Mateus Rezende de. Compadrio e família em zona de fronteira agrícola: as redes sociais
da elite escravista, freguesia de Guarapiranga (c1760-c1850). Dissertação (Mestrado) - Universidade
Federal de Minas Gerais, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. 2014. pp. 34.
55
"As paróquias instituídas por intermédio da Coroa portuguesa, no âmbito do padroado régio e
designadas de coladas; ou seja, mantidas pela Coroa em caráter vitalício. De modo geral, este tipo de
paróquia indicava o reconhecimento por parte das autoridades coloniais e metropolitanas da consolidação
de áreas de ocupação com certa representatividade econômica ou expressão política, que deveria se
expressar na capacidade demonstrada pelos colonos para levantar uma igreja e aparelhá-la
adequadamente ao culto, além do pagamento do dízimo por parte dos fregueses que, pelo direito do
padroado, pertencia à Coroa." FRANCO, M. da Conceição Vilela. A MORTE CONTA A VIDA:
sentenciamento, assassinatos e sepulturas na construção da memória no município de Macaé (Rio de
Janeiro, 1855-1910). Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Salgado de Oliveira, Niterói,
2009, p. 27. Ver BOXER, Charles R. A Igreja e a expansão Ibérica. Lisboa: Edições 70, 1989, p. 98-101;
TORRES-LONDOÑO, Fernando. Op. Cit., p. 55; SERRÃO, Joel e MARQUES, A. H. de Oliveira (dir.).
SILVA, Maria Beatriz Nizza da. (coord.). Nova História da Expansão Portuguesa: O império Luso-
Brasileiro (1750-1822). Lisboa: Editora Estampa, 1986, vol. VIII, pp. 309.
centro minerador", Marcos Ferreira Andrade, reforça a ideia de que não se deve
“esquecer que toda delimitação geográfica não deixa de simplificar uma realidade mais
complexa, além de a relação entre homem e espaço estar em contínua transformação".56
Nas décadas de 70 e 80, do século XVIII, ocorreu o declínio da produção
aurífera. Neste contexto, é importante referendar a interpretação clássica de Roberto
Simonsen no livro “História Econômica do Brasil”, publicado no ano de 1937, em
que defende a existência de uma involução da economia mineira após o declínio da
produção aurífera, isso já nas décadas de 70 e 80 do século XVIII. Para esse autor, a
crise era fruto das estruturas da economia colonial que após,
cessada a mineração, mergulhou o Centro-Sul na sua primeira grande
crise por falta de uma produção rica e exportável, numa organização
social em que o atraso de seus habitantes, a falta de aparelhamentos
técnicos e a alta proporção da população escrava não permitiam um
comércio interno suficientemente rico para o seu progresso. 57
59
ESTEVES, Albino Álbum do Município de Juiz de Fora. Imprensa Oficial, Belo Horizonte, 1915.
60
LAMAS, Fernando Gaudereto; SARAIVA, Luiz Fernando; ALMICO, Rita de Cássia da Silva. A Zona
da Mata Mineira: Subsídios para uma historiografia. In: Anais do V Congresso Brasileiro de História
Econômica e 6ª Conferência Internacional de História de Empresas. ABPHE-Associação Brasileira de
Pesquisadores em História Econômica (Brazilian Economic History Society). 2003. pp:6.
61
RODARTE, Mario M. S. O trabalho do fogo: perfis de domicílios enquanto unidades de produção e
reprodução na Minas Gerais Oitocentista. Belo Horizonte: Cedeplar/UFMG, 2008. pp.54
62
Carta de Sesmaria concedida a Caetano da Silva Freire, 1760-1787. Arquivo Nacional do Rio de
Janeiro, Fundo: Sesmarias, Notação 151.205, 29 f., pp. 02.
63
DE ANDRADE, Mateus Rezende. Compadrio e família em zona de fronteira agrícola: as redes sociais
da elite escravista, freguesia de Guarapiranga (c1760-c1850). 2014, pp.25.
64
Registro de Casamento – Disponível em: https://www.familysearch.org/tree/person/sources/GWZ7-
7QV. Acessado em 05 de fevereiro de 2023.
Setecentista e pertencente ao no ano de 178165, trouxe a possibilidade de estabelecer a
data de início e final da presente pesquisa que demarca a temporalidade entre o
casamento e a morte de Caetano.
Ainda com relação ao sacramento do matrimônio de Caetano da Silva Freire
com Catarina Maria da Encarnação, pode-se constatar uma aproximação com o proposto
por Sergio Nadalin, ao observar que “o casamento era socialmente valorizado na
Colônia, porque o status de casado e o apego aos ritos exteriores das núpcias conferiam
legitimidade social”. Apesar disso, o mesmo autor afirma que o controle social era mais
rígido em relação às famílias de "elites" e que havia uma tendência a tolerar as uniões
consensuais estáveis66.
Os documentos eclesiásticos, no caso dos assentos matrimoniais, tinham o
objetivo de conduzir as informações sobre os nubentes Para Vanessa Bivar, o
casamento era um acontecimento de repercussão social, dando início a um núcleo de
solidariedade, a começar pelo casal, culminando entre as famílias, além de fundir uma
nova organização econômica ou consolidar aquela que já existe67. Numa sociedade
pautada na família e em suas redes de sociabilidade e de auxílio mútuo, a origem
portuguesa do noivo, era fator de prestígio e certamente agradou ao sogro do Cetano,
que também era português, tendo assim um fator a mais para reforçar os laços com
Portugal, bem como, a sua disposição para os negócios, devem ter sido um fator que
contribuiu para este enlace matrimonial. Como observa Riva Gorenstein, o mais
comum era o casamento entre famílias de negociantes que desta maneira, asseguravam
a continuidade dos negócios da família.68
Neste aspecto, é importante reconhecer nas alianças matrimoniais, as
características dos processos de formação e os modos de enraizamento social de uma
parentela.
Para tal, pós se fixarem em terras da América Lusa, esses homens procuravam
casar-se com mulheres descendentes de famílias afortunadas da região, esforçando-se
para inserir o rol dos principais senhores de terras e escravizados, o que realmente
verificamos no caso do Caetano da Silva Freire. Para tanto, empenhavam-se em
65
ARQUIVO HISTÓRICO DA CASA SETECENTISTA DE MARIANA (AHCSM). 1º ofício, códice
73, auto 1552, 1781. Inventário post-mortem de Caetano da Silva Freire.
66
NADALIN, Sérgio O. História e demografia: elementos para um diálogo. 1ª Edição. Campinas: ABEP,
2004, pp. 42
67
BIVAR, Vanessa dos santos Bodstein. Além das Fronteiras: o cotidiano dos imigrantes na São Paulo
oitocentista: vestígios testamentais. São Paulo: Humanitas, 2008, pp. 91.
68
GORENSTEIN, Riva. Comércio e Política: o enraizamento de interesses mercantis portugueses no Rio
de Janeiro (1808-1830). In. MARTINHO, Lenira Menezes; GORENSTEIN, Riva. Negociantes e
caixeiros na sociedade da Independência. Rio de Janeiro: Prefeitura do Rio de Janeiro, 1993, pp. 195.
constituir previamente ao matrimônio, cabedal econômico e social suficiente para que
fossem admitidos como candidatos promissores.
Ter acesso a cargos e privilégios possibilitava ao indivíduo, conforme ressaltou
Joaquim Romero Magalhães, reconhecimento social e ascendente, no qual se assumia o
valor, o padrão de conduta e o viver ao estilo e lei da “nobreza”. eram características
fundamentais, como honra, prestígio, reconhecimento público, insígnias, precedências e
aparato nos exercícios de suas funções.69 Esses preceitos estiveram imersos na “ideia de
uma sociedade organizada em função do privilégio e da honra, cujo ethos social via na
prestação de serviços à Coroa uma forma de adquirir qualidade social”.70
Nessa trajetória familiar, o casamento de Caetano da Silva Freire com Catarina
Maria da Encarnação,71 é um bom exemplo da condição de reconhecimento social.
Catarina Maria da Encarnação era filha de João Batista Torres, um senhor português,
nascido na freguesia de São João Batista, Comarca da Torre de Moncorvo, Arcebispado
de Braga, conterrâneo de Antonio da Silva, o pai do Caetano. A sua mãe Anna Nunes
Vidal, era brasileira, natural da Freguesia Camargos, Mariana - em Minas Gerais.
Certamente, João Batista Torres, assim como, Antonio da Silva eram minhotos, homens
que migraram e tinham supostamente o objetivo de adquirir fortunas no além-mar, de
uma forma ou de outra, aparentados ou possivelmente construindo laços de afinidade,
na colônia portuguesa da América.
O quadro 1 mostra o número de imigrantes portugueses que se estabeleceram
em Guarapiranga e que se autodeclararam na comunidade em foco.
Quadro I
Origem do grupo que se autodeclararam portugueses (1740-1775)
Portugueses Arcebispado Ilhas Lisboa Porto Outras Dados
de Braga atlânticas regiões incompletos
305 108 127 21 39 7 3
100% 35% 42% 7% 13% 2% 1%
Fonte: Registros Paroquiais – Batismos – Cúria de Mariana e Cúria de Juiz de Fora.
72
A descoberta de ouro criou um surto emigratório mais amplo, a ponto de decretos régios tentarem
impedir o fluxo sem muito êxito. A política do reino português se modificou em 1746 com vistas a ocupar
as estratégicas áreas ao sul da América Portuguesa contra o avanço espanhol. Foi dada a preferência aos
casais para garantir uma colonização de famílias já estáveis nas áreas praticamente vazias de colonização
branca. Saíram, porém, muitas pessoas clandestinamente, estimuladas não só pelos fatores de dispersão
nas ilhas, mas também pelos fatores de atração: acesso a terras minerais, agricultura e criação, disponíveis
no centro-sul da América Portuguesa e, especialmente, a presença de uma população lusa já residente, de
primeira ou segunda geração, entranhada no território.
73
Para uma bibliografia mais completa acerca da imigração portuguesa para a América Portuguesa,
consultar: SCOTT, Ana Sílvia Volpi. Famílias, formas de união e reprodução social no noroeste
português (séculos XVIII e XIX). Guimarães: NEPS-Universidade do Minho, 1999; GONZÁLEZ,
Francisco Garcia. (coord.) La Historia de la familia en la península ibérica, balance regional y
perspectivas: homenaje a Peter Laslett. Cuenca: Edición de la Universidad de Castilla-La Mancha, 2008;
ALVES, Jorge Fernandes. Os brasileiros, emigração e retorno no Porto oitocentista. Porto: Faculdade de
Letras da Universidade do Porto, 1993; LEITE, Joaquim da Costa. O Brasil e a emigração portuguesa
(1855-1914). In: FAUSTO, Boris. Fazer a América. (org.) São Paulo: Editora da Universidade de São
Paulo, 2000, pp.177.
74
BACELLAR, Carlos Almeida Prado. Os senhores da terra. Famílias e sistema sucessório entre os
senhores de engenho do Oeste Paulista, 1765- 1885. Campinas: Centro de Memória da Unicamp, 1997.
pp.158
Levando-se em consideração os aspectos acima mencionados, esses portugueses,
empenhavam-se em constituir previamente ao matrimônio, aos bens econômicos e
social suficiente para que fossem admitidos como candidatos promissores. Ser
reconhecidamente um indivíduo com distinções e privilégios nas possessões
ultramarinas poderia ser obtido por diferentes estratégias descritas ao longo da análise.
Um viver conforme os preceitos nobres foi essencial para diferenciar os indivíduos,
principalmente, em regiões recentemente habitadas e em formação como a América
Lusa. As redes familiares, as relações de amizade e de laços afetivos inseriam os
indivíduos em uma teia estruturada de atos de gratidão e serviço, em uma economia de
favores em que o polo dominante (credor) concedia a prerrogativa e aguardava uma
contrapartida do polo dominado (devedor) em prestação de serviços, retribuindo o favor
dispensado75.
As parcerias e sociedades para novas empreitadas na exploração aurífera
deveriam ser uma estratégia comum para ampliar nesse período, posterior aos
casamentos. Portanto, os investimentos de forma oportuna dividiam as incertezas
do garimpo, como no caso do Caetano da Silva Freire que tinha fábrica e
plantações de milho, fonte que encontramos no inventário do referido Caetano e
seu sogro João Batista Torres, após o casamento de Caetano e Catarina Maria. Suas
ações são de extrema importância para a análise concreta reativa à disposição de
bens, da família, à manutenção e à transmissão aos herdeiros. A família se mostra
de extrema importância para análise e compreensão de nossa temática de pesquisa.
Por este motivo, a Igreja era forte incentivadora das uniões legítimas. E o
Estado português também, apoiava o surgimento de famílias para garantir a
segurança e o controle do crescimento populacional. Assim, o Estado e a Igreja,
unidos, batalharam para incentivar as uniões legítimas.79
Através do Concílio de Trento a Igreja Católica produziu um documento
chamado “Doutrina do Sacramento do Matrimônio”, com regras estabelecidas
para o casamento, condenando a poligamia e estabelecendo o celibato sacerdotal.
Este documento também dava à Igreja Católica, poderes para cancelar casamentos,
e impedir uniões fora dos padrões estabelecidos pela Igreja, tais como casamento
entre parentes consanguíneos ou afinidade espiritual. Essa normatização foi
estabelecida visando dar um caráter sacramental ao casamento, tentando coibir as
uniões ilegítimas e os adultérios.80
Débora Cristina Alves, transcreve um trecho do título LXIII, número 265
das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia que estabeleceram as normas
de concessão para os casamentos no Brasil Colonial. Sendo:
77
LEWKOWICZ, Ida. Vida em família: caminhos da igualdade em Minas Gerais (séculos XVIII e XIX).
Tese de Doutorado. USP. São Paulo. 1992. pp. 144-145.
78
FLANDRIN, Jean-Louis. Apud: LEWKOWICZ, Ida. Vida em família: caminhos da igualdade em
Minas Gerais (séculos XVIII e XIX). Tese de Doutorado. USP. São Paulo. 1992. pp. 145.
79
LEWKOWICZ, Ida. Vida em família: caminhos da igualdade em Minas Gerais (séculos XVIII e XIX).
Tese de Doutorado. USP. São Paulo. 1992. pp. 146
80
MACHADO, Cacilda. A trama das vontades. Negros, pardos e brancos na construção da hierarquia
social do Brasil escravista. Tese (doutorado em História) – Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Rio de Janeiro, 2006. pp. 226
os coabitantes tem de liquido contra o que aqui ordenamos: e o mesmo foram os
mais Ministros nossos para se proceder contra os culpados.81
81
CONCILIO ECUMENICO DE TRENTO – Sessão XXIV. ALVES, Débora Cristina. Alianças
Familiares: estratégias de uma elite de Antigo Regime – (Guarapiranga 1715 a 1790). Dissertação
apresentada ao Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal de Juiz de Fora. Juiz de
Fora, 2013. pp. 51
82
MACHADO, Cacilda. A trama das vontades. Negros, pardos e brancos na construção da hierarquia
social do Brasil escravista. Tese (doutorado em História) – Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Rio de Janeiro, 2006. pp. 225
83
MACHADO, Cacilda. A trama das vontades. Negros, pardos e brancos na construção da hierarquia
social do Brasil escravista. Tese (doutorado em História) – Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Rio de Janeiro, 2006.pp. 226
84
MACHADO, Cacilda. A trama das vontades. Negros, pardos e brancos na construção da hierarquia
social do Brasil escravista. Tese (doutorado em História) – Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Rio de Janeiro, 2006. pp. 233
casamento para o desenvolvimento da família neste mesmo período, baseada no
trabalho de Muriel Nazzari. Para a autora, em suas pesquisas sobre o dote em São
Paulo no século XVIII, “as famílias proprietárias de terras constituíam elas
mesmas, a estrutura da qual se realizavam as atividades econômicas”85. O dote
recebido pelo casamento, por exemplo, seria um artifício de extremo valor para o
jovem casal adquirir seus próprios recursos.
Com esta dimensão investigativa e a partir das disponibilidades das fontes e
dos dados, creio que todas estas abordagens historiográficas, ligadas ao estudo do
matrimonio, valem-se, de um tipo específico de fontes compostas pelos registros
paroquiais. Para o estudo da região de Guarapiranga não seria diferente de São Paulo ou
Portugal, afirma D é b o r a Alves, pois “através dos casamentos e das alianças
matrimoniais formadas entre as famílias, grandes aquisições poderiam ser alcançadas,
como poder econômico, social e político”.86
Em seu trabalho, sobre a mulher em São Paulo, Eni de Mesquita Samara
faz uso dos documentos jurídicos e religiosos, referentes ao Brasil e a Portugal, que
regularizam as questões referentes à família, onde levanta um ponto importante: o das
atribuições e obrigações que cabem ao casal no casamento. Nas uniões legítimas, ao
menos de modo aparente, o poder de decisão formal se concentrava nas mãos do
marido como provedor e protetor dos filhos e da esposa.87
Na presente pesquisa dissertativa darei também uma especial atenção as
nomeações de herdeiros, que são os filhos e a viúva do casal, através do inventário
post-mortem de Caetano da Silva Freire. Neste caso, precedido por seu Testamento um
documento produzido por ocasião do falecimento de um indivíduo, neles poderão
constar, por exemplo, informações mais detalhadas acerca dos membros da família,
bem como de seus bens, e também o nome e a idade de seus possíveis herdeiros.
Eventualmente, podemos rastreadas informações sobre casais em outros registros
documentais. Como hipótese, de quando tiveram filhos e optaram por batizá-los e a
partir daí, sabemos o ano de nascimento da criança, o que permitirá, então, a busca de
seus registros de batismo e de informações decorrentes como, por exemplo, a escolha
dos padrinhos. Potencialmente após essa etapa, teremos acesso dentro da pesquisa
85
NAZZARI, Muriel. Apud: ALVES, Débora Cristina. Alianças Familiares: estratégias de uma elite de
Antigo Regime – (Guarapiranga 1715 a 1790). Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação
em História da Universidade Federal de Juiz de Fora. Juiz de Fora, 2013. pp.48
86
ALVES, Débora Cristina. Alianças Familiares: estratégias de uma elite de Antigo Regime –
(Guarapiranga 1715 a 1790). Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em História da
Universidade Federal de Juiz de Fora. Juiz de Fora, 2013. pp.50
87
SAMARA, Eni Mesquita. As Mulheres, o Poder e a Família: São Paulo, século XIX. São Paulo:
Marco Zero, 1989. pp. 107.
buscar-se-a informações sobre compadrio com o objetivo de descortinar as redes de
solidariedades e sociabilidades estabelecidas pela família estudada.
Tambem, a partir das informações contidas nestes inventários post-mortem,
será possível identificar as estratégias utilizadas para gerir o patrimônio da família
Silva Freire. Do mesmo modo, verificar o rol de privilegiados senhores da região,
obtendo para si e aos descendentes, casamentos promissores e diferentes comendas,
mercês ou benesses. Além da viúva Catarina Maria da Encarnação, os seis filhos de
Caetano da Silva Freire. Eram filhos e herdeiros do casal Valentim Escolástico da
Silva, Caetano da Silva Freire, Manoel Estevão da Silva, Miguel Felix da Silva, Josefa
e Teresa Maria de Jesus88. Caetano da Silva Freire era homem de certo prestígio,
possuía sesmarias, joias em ouro e pedras preciosas, 8 escravos de 608$000 e era
irmão da Ordem Terceira de Nossa Senhora do Monte Carmo89.
Sheila de Castro Faria também apresenta um rico panorama das características e
possibilidades dos inventários, pois os mesmos arrolam detalhadamente bens, objetos,
ativos e passivos financeiros, e representam uma janela para a realidade da vida material
para a vida no período colonial. De maneira que, por representar um balanço da riqueza
material legada por um indivíduo ao fim da sua vida produtiva, os inventários podem
oferecer uma imagem distorcida da concentração de riqueza de certo indivíduo ou
grupo, ao registrar (potencialmente) o ponto limite de um ciclo doméstico de
acumulação. Os conjuntos inventariais que permitem reconstruir uma longa série são
particularmente promissores para apreender os processos de mudança social.90 Por isso
mesmo, farei uso dos inventários em todos os capítulos desta dissertação
Soma-se a isto o fato de os inventários e testamentos serem fontes serial. Neste
aspecto, é necessário estabelecer alguns cuidados com as generalizações, pois trazem
elementos de uma parcela da sociedade, aqueles que tem bens a deixar. Foi por meio
dos inventários e testamentos, que pude estudar à mencionada freguesia (estes foram
encontrados na Casa Setecentista de Mariana e no Fórum da Comarca de Piranga e o
que tornou possível estes e s t u d o s de caso ou trajetórias familiares. Neles foi
possível identificar as localidades, as ocupações de algumas famílias e o seu modo de
transmissão de herança. Consequentemente, as atividades produtivas e comerciais que
elas realizavam no interior de seus lares contribuindo para a dinâmica da produção de
alimentos, a criação de animais e até mesmo em atividades de mineração, permitindo
levantar hipóteses sobre a cultura material da região.
88
https://www.familysearch.org/tree/pedigree/landscape/KHZV-G89> Acesso em: 11 fev. 2022.
89
Inventário post mortem: Caetano da Silva Freire.
http://www.lampeh.ufv.br/CasaSetecentista/iipmooviewer/gallery.php?ID=622> Acesso em: 15 set. 2022.
90
FARIA, Sheila de Castro. A colônia em movimento. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. 1998. pp.58
Foi possível também identificar a diversidade econômica, através da criação
de animais e na produção de alimentos, existente em Minas Gerais no decorrer do
século XVIII e que foi acarretou de grande importância para a economia da capitania.
Além disso, a Freguesia de Guarapiranga, como dito anteriormente, foi uma região
que passou por um valioso momento de reconfiguração e crescimento de sua
economia a partir da segunda metade do século XVIII. Neste aspetos, cabe ressaltar a
importância de identificar a trajetória da família Silva Freire, assim como a
conservação de seu patrimônio, fato que levou a sua descendência a permanecer com
a mesma condição social, algo que não os empedia de quererem espandir mais a sua
condição economica e social.
Levando-se em consideração tais evidência, os inventários são fontes que
apresentam uma estrutura básica de informações padrões, embora com alguma variação.
Neles estão presentes, quase sempre, nome, lugar e data de falecimento, a listagem dos
herdeiros, o arrolamento dos bens e a determinação dos valores, a lista nominal dos
débitos e créditos e a partilha. Acompanham os inventários também, documentação
anexa sobre discordâncias em determinadas avaliações, explicações sobre a venda de
bens anteriores, dívidas e doações, processos judiciais contra o defunto, pedidos de
antecipação da maioridade dos herdeiros e outros, o que torna estes autos documentos
bastante complexos.
A partir do inventário post-mortem do Caetano da Silva Freire, é possível
identificar o que foi arrolado e a diversificação das suas atividades em vida. Também
consta para além de suas sesmarias “terras minerais com seu sogro e casas de moinho e
casa de farinha o forno de cobre e paiol”. Caetano, investia na agricultura, porém sem
ter deixado a mineração. Visto que, nos bens arrolados no inventário post-mortem de
Caetano, estão arroladas peças de ouro, como 1 par de brincos com diamantes, 1 anel
com sua pedra de topázio, 1 cordão, assim como, 1 taxo de cobre, 1 pequena balança e
um pequeno “dito pequeno ouro”, que, provavelmente, fizeram parte do tempo que
tivera terras minerais em sociedade. Além disso, constam “3 alqueires de planta de
milho”91, que demostra o investimento em agricultura, e na mineração, como
mencionado anteriormente.
Contudo, não seria possível entender a formação da família Silva Freire sem
analisar melhor a sua posse de sesmarias, terras concedidas pela Coroa aos novos
povoadores que tivessem condições de cultivá-las. No enfoque para onde havia a
diversificação da economia mineira observa-se, na descrição com maior clareza, a trajetória de
91
http://www.lampeh.ufv.br/CasaSetecentista/iipmooviewer/gallery.php?ID=622> Acesso em: 08 fev. 2022.
Caetano da Silva Freire em Guarapiranga, ao requerer sua Carta de Sesmaria do ano de 1760, do
Ribeirão Turvo92:
“Faço saber aos que esta minha carta de sesmaria virem, que tendo
respeito a me representar por sua petição Caetano Silva Freire morador da
Freguesia de Guarapiranga termo da cidade Mariana, que junto ao
ribeirão chamado o Turvo estavam terras, e matos virgens devolutos que
da parte do norte confrontavam com terras de Domingos Dantas de
Miranda, e Domingos Rodrigues Airão correndo Ribeirão a cima e das
mais partes com o sertão, e porque o Suplicante possuía suficiente fabrica
para cultivar lhe pedia por fim de sua petição lhe concedesse carta de
sesmaria na dita paragem de meia légua de terra compreendendo está uma
com outra banda do dito Ribeirão; fazendo-se o Pião dessa dele de
qualquer das bandas o qual, corria do Sul para o Norte e desaguava no
Rio da Guarapiranga abaixo do Arraial do Bacalhau.”
O que dialoga diretamente com o que tratarei a partir da ocupação deste espaço
de sertão, como a construção dos bens materiais da família Silva Freire que foi
ampliada.
92
Carta de Sesmaria concedida a Caetano da Silva Freire, 1760-1787. Arquivo Nacional do Rio de
Janeiro, Fundo: Sesmarias, Notação 151.205, 29 f., pp. 02.
93
DE ANDRADE, Mateus Rezende. Espaço e sociedade na ocupação dos sertões das minas–vale do rio
Piranga, Minas Gerais, séculos XVIII e XIX. Revista Geografias, p. 8-24, 2018. pp.11.
94
ANDRADE, Francisco Eduardo. A Invenção das Minas Gerais: Empresas, descobrimentos e entradas
nos sertões do ouro (1680-1822). Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas, Departamento de História, 2002, p.289-290, 294-296. (Tese de Doutoramento)
A criação da Freguesia da Pomba deve ser compreendida como conquista para a
civilização dos “sertões do Leste” visando prover o erário com a implementação de uma
exploração econômica da área, arregimentando fiéis vassalos para a grandeza do Rei.
“Libertar as diversas tribos errantes do infame jugo da estupidez e inércia” era a tarefa
do “Bom Vassalo e Bom cristão”.95 A política pombalina procurava integrar o índio ao
universo cultural dos colonos, tornando-os agentes da colonização. Protótipos de
vassalos de sua majestade, os colonos e o Padre Manoel de Jesus Maria, que foi a figura
central perante a colônia para essa região do Pomba, configuraram redes de clientela,
incutindo a moral cristã e regras civilizadoras do comportamento nos bárbaros do
sertão.
Além da sesmaria do ano de 1760, do Ribeirão Turvo, aparece no seu inventário
post mortem, mais outras duas sesmarias pertencentes a Caetano da Silva Freire. Uma
citada “que requerida em nome de Valentim da Silva, filho do falecido, situada nas
vertentes do Turvo Xopotó Cabeceiras do Córrego” que se encontrava na Freguesia de
São Manoel do Pomba, um local em que ficou explicitado a cima e a outra sesmaria na
mesma freguesia, “nova de meia légua de terras com matos virgem dita no Ribeirão do
Turvo Limpo”, na qual confrontavam com “com terras de sesmaria de Domingos
Dantas, com terras do Capitão Manoel Rodrigues Ayrão, com Leão Correia Campos, e,
com que mais deva e haja de partir e confrontar”
De todo modo, este trabalho lança mão da problematização da fronteira instigada
por José de Souza Martins: um lugar de descoberta e desencontro. Segundo ele,
desencontro de temporalidades históricas entre grupos diversamente situados no tempo
da História. Em suas palavras,
99
FRIDMAN, Fania. Cartografia fluminense no Brasil imperial. SIMPÓSIO BRASILEIRO DE
CARTOGRAFIA HISTÓRICA, v. 1, pp. 1-22, 2011.
100
Como ressaltou Heinz, o conceito de elite também pode ser empregado em sentido amplo e descritivo,
no qual é possível fazer referências a categorias ou grupos que parecem ocupar o “topo” de “estruturas de
autoridade ou de distribuição de recursos. HEINZ, Flávio M. Por uma outra história das elites. Rio de
Janeiro: Ed. FGV, 2006, pp. 9.
101
CARRARA, Ângelo Alves. Contribuição para a História Agrária de Minas Gerais. (séculos XVIII e
XIX). Mariana. LPH/ UFOP, 1998, p.74.
espera daqueles que acreditam ser possível recuperar parte do passado para respeitar
mais o presente”.102
Sabe-se ainda que os movimentos da família Silva Freire dentro da Zona da
Mata mineira provavelmente seguiram uma lógica econômica, foi através da
acumulação de capital que essa família foi se espalhando por várias localidades, sendo o
Sertão Leste fluminense onde eles se estabeleceram, como nas Novas Minas do Sertão
do Macacu. Com as fontes existentes pode-se identificar os membros dessa família e
observar como se deram os processos de sucessão e herança após a partilha.
Isto posto, deve-se pensar, o que significa a entrada nos Sertão do Leste
Fluminense. Pode-se pensar na possibilidade desses homens terem a clareza de estarem
diante da possibilidade de construírem, no longo prazo, uma rede de estratégias e,
portanto, ampliarem seu prestígio social.
No próximo capítulo, buscarei mapear o local em que estes atores sociais
viveram, de modo a entender melhor não só a influência da dinâmica socioeconômica
das Novas Minas do Sertão do Macacu, o qual é o local onde se estabelece Caetano da
Silva Freire (filho) e perpassar o Arraial até a formação da Freguesia do Santíssimo
Sacramento de Cantagalo e posteriormente, Vila de São Pedro de Cantagalo. Assim
como, observar a vida cotidiana desses atores sociais, e o impacto das mudanças
experimentadas pela família entre os séculos XVIII e XIX nas relações forjadas nesse
espaço geográfico.
102
AMANTINO, Marcia. A escravidão em Cataguases e os cativos da família Vieira. In: Sousa, Jorge
Prata de e ANDRADE, Rômulo Garcia de (Orgs). Zona da Mata mineira: escravos, família e liberdade.
Rio de Janeiro: Apicuri, 2012.pp:153