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Volume I V

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SEGUNDA PARTE

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1983

v.2.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS

DO URUGUAI
|
APR 4 1983

JESUÍTAS NO SUL DO BRASIL

VOLUME IV

H istória
das Missões Orientais
do Uruguai
, v
Por AURELIO PORTO

Segunda Edição revista e melhorada pelo


P. LUÍS GONZAGA JAEGER, S. J.

SEGUNDA PARTE

Edição da LIVRARIA SELBACH de Selbach & Cia.


RUA MARECHAL FLORIANO, 10 —
PÔRTO ALEGRE
Oficinas Gráficas à Bua D r. Timóteo n.° 416
IMPRIMI POTEST.

Porto Alegre, 11 de Fevereiro de 1954.

P. Edvino Friderichs, S. J.
Provincial da Companhia de
Jesus no Sul do Brasil.

NIHIL OBSTAT.

Porto Alegre, 17 de Março de 1954.

Mons. Dr. João Maria Balen.

IMPRIMATUR.

Porto Alegre, 17 de Março de 1954.

Mons. André Pedro Frank,


Vig. Geral.
PRÓLOGO
Oferecemos agora ao Leitor o presente volume segunda par-
,

te da HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI, vo-


lume IV da Série: JESUÍTAS NO SUL DO BRASIL.
Este já vai publicado sob os auspícios e a direção do recém
fundado INSTITUTO ANCHIETANO DE PESQUISAS, SECÇÃO
DE HISTÓRIA, mantido pelo Colégio Anchieta, de Porto Alegre.
O volume que tratará do palpitante problema da CULTU-
5",
RA DOS SETE POVOS do Rio Grande do Sul, complemento na-
tural dos dois volumes precedentes, estava apenas delineado em seus
traços gerais por Aurélio Porto, quando a impiedosa morte lhe ar-
rancou para sempre da mão a inca?isável pena.
Assim, o nosso patrício, R. P. Arnaldo Bruxel, S. J. de retor-
no da Europa, de cujos arquivos históricos trouxe um documentá-
rio opulentíssimo, vai incumbir-se de elaborar êsse 5 Ç volume. Po-
rém, em consequência do enorme acervo de fontes a serem consul-
tadas, máxime a monumental Coleção de Angelis, da Biblioteca
Nacional, de difícil acesso, a confecção dessa obra ainda requere-
rá longo prazo de estudos.

Mas para não interromper demais a publicação da nossa SÉ-


RIE, resolvemos abrir já agora o espaço para o volume 6 9 inti-,

tulado A FISIONOMIA DO RIO GRANDE DO SUL, segunda edi-


ção, cuidadosamente elaborada pelo Professor da Universidade de
Porto Alegre, R. P. B. Rambo, S. J., obra grandemente procurada
por leigos e militares.
Desta maneira, esperamos, com a graça de Deus, poder ofe-
recer ao menos de dois em dois anos, um novo volume da nossa
SÉRIE.

Porto Alegre, P de Novembro de 195-lf-

P. LUIS GONZAGA JAEGER, S. J.


CAPITULO I

ANTECEDENTES HISTÓRICOS DA FUNDAÇÃO

\. Ameaças de expansão portuguesa. — 2. Ser-


viços militares dos índios tapes. —
Motivos pre-
3.
dominantes da retrasladação dos Povos.

1. Ameaças de expansão portuguesa.

Medeia exactamente meio século entre a transmigração das


populações cristãs, que povoavam as reduções do Uruguai e do
Tape, acossadas pela invasão bandeirante e a volta, ao vale orien-
tal do Uruguai, dos primeiros Povos que se desprendem das Dou-
trinas a que se haviam agregado ou fundado em 1637.
«Que regressaram agora, e não antes nem mais tarde nem
todos são pontos que não têm fàcilmente resposta satisfactória»,
observa Teschauer, parecendo ser decisivo para isto, «o facto de
que os paulistas já não infestavam o Rio Grande do Sul para in-
comodar os seus habitantes». «De outro lado», acrescenta, «foi-
lhes concedido aos índios, definitivamente, o uso das armas de
fogo, a que, como demonstrou a experiência, não resistiram os
mamalucos. As terras, campinas e estâncias férteis do Rio Gran-
de, que agora entre menos habitantes iam ser repartidas, seriam
outro motivo de remigrar». 1 )
Com os novos elementos que escaparam à pesquisa do ilus-
tre historiador não será hoje difícil determinar os motivos da
retransmigração, precisamente nessa época, das colónias jesuíti-
cas que fundaram os Sete Povos de Missões.
Exclui-se, inicialmente, «o facto de que os paulistas já não

1) Teschauer. História do Rio Grande do Suh II, 4.


10 AURÉLIO PORTO
infestavam o Rio Grande do Sul», porque, estendendo-se para o
Prata, os colonistas fixavam-se já em núcleos de povoamento' es-
tável, aproximando-se do antigo território missioneiro; «o uso de
armas de fogo», permitido aos índios para sua defesa, vinha já
se generalizando desde a batalha de Mbororé, o que lhes permitiu
vencer e destroçar a última bandeira com que tiveram contacto,
e as primeiras estâncias que lhes são adjudicadas, na margem es-
querda do Uruguai, antecedem de 30 anos à fundação dos pri-
meiros Povos.
Outros seriam, pois, os motivos predeterminantes da volta,
em 1682, da primeira das colónias jesuíticas que se estabeleceu
na antiga região missioneira. Entre estes excelem os de ordem
económica e política que têm suas origens na efectiva ocupação
da região cisplatina, em que se ergue a Colónia do Sacramento,
em 1680. Destruída, neste mesmo ano, com a comparticipação
decisiva dos índios missioneiros, é reerguida, no seguinte, com
raízes mais fundas, porque se esteiam no povoamento regular que
nela se verifica com grande número de casais.
E o estabelecimento português, a que seria mister contrapor,
pelas armas, todos os meios tendentes a coibir a expansão terri-
torial,era ameaça constante e efectiva à economia missioneira,
fundada nas campanhas extensas pelas vacarias do mar. Já en-
tão, perdendo, por interesseira aproximação, para o lado portu-
guês, o índio cavaleiro que dominava as campanhas do Uruguai,
inimigo tradicional dos tapes, talava as estâncias jesuíticas, e es-
tabelecia vultoso intercâmbio comercial com os colonistas, devas-
tando as vacarias e hostilizando os índios cristãos.
Por outro lado, também os espanhóis, portenhos e correnti-
nos, que haviam cooperado no assédio de São Gabriel, desvendada
a riqueza pecuária da terra, ali se situavam, iniciando a destrui-
ção desse inapreciável valor económico.
Apreciemos os antecedentes históricos, de ordem política, an-
teriormente expostos, que dão origem à fundação das Missões
Orientais do Uruguai.
Em
1672, o Governador do Rio de Janeiro, que era então o
General João da Silva de Sousa, recebe um informe de Matias de
Mendonça, residente nesta cidade, que havia estado algum tempo
em Buenos Aires, sobre a excelência das terras de Maldonado, ri-
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 11

cas, como toda a costa, de infindáveis rebanhos de gado, em que


se podiam «fazer quantidades de couro sem necessitar deste Por-
to (Buenos Aires) e que por intermédio dos mesmos índios bár-
baros de ditas terras podiam abrir entrada por terra até a cidade
de Santa Fé, com a qual se poderia ter dito trato». E mais ainda
que até «essa cidade estavam ditas terras despovoadas de espa-
nhóis, e serem desertas, e também com embarcações pequenas se
poderá navegar por dito rio e ter toda a comunicação do Bra-
sil». 2)

Têm origem na informação sobre o valor económico com que


o gado opulentara essa terra completamente despovoada de espa-
nhóis, todos os acontecimentos de ordem
que virão se re-
política
fletir no Prata, e serão causa primária não só da expansão por-
tuguesa para o Sul, como da fundação dos Povos de Missões, na
bacia oriental do Uruguai.
Presente ao Conselho Ultramarino, que superintende os ne-
gócios da Colónia Portuguesa na América, é este de parecer que
o governador do Rio de Janeiro, cujo mandato é prorrogado por
mais três anos, especialmente para esse fim, promova o estabele-
cimento de uma povoação na margem setentrional do Prata, ocupan-
do assim esse território, cuja posse originara secular litígio, ainda
em suspenso entre ambas as Monarquias Peninsulares.
No ano seguinte chega a Buenos Aires notícia detalhada da
consulta e resolução do Conselho Ultramarino e dos aprestos que
se faziam no Rio de Janeiro para a efectivação da posse das ilhas
de Maldonado e terra firme. A expedição portuguesa, porém, por
motivos óbvios, como fica historiado, não se realiza. Aparelhada
de outros elementos, embora se assinalem várias tentativas, só
será levada a efeito, pràticamente, sete anos depois, sob a chefia
de D. Manuel Lobo, também Governador do Rio de Janeiro.
A
ameaça do expansionismo português para o Sul sugere, en-
tão, às autoridades espanholas de Buenos Aires, o -alvitre de ante-
ceder, nessa ocupação da banda cisplatina, com a fundação de uma
doutrina, dirigida pelos Padres da Companhia de Jesus, à fixa-
ção, ali de um núcleo lusitano de povoamento. Trata-se também

2) Campana dei Brasil, I, 30.


12 AURÉLIO PORTO
de erigir fortificações que ficariam a cargo de uma guarnição per-
manente para a defesa do porto. E seria de grande conveniência,
porque o móvel imediato da ocupação da terra pelos portugueses
é a riqueza pastoril, mandar «que todos os gados maiores de tou-
ros e vacas fossem retirados para a parte de Santa Fé, sem que
pudessem baixar mais de 100 léguas além de Maldonado, excepto
alguns bois de arado para seu serviço, para que tivessem ali o ne-
cessário a gente da guarnição». 3
)

Essa Doutrina ou Redução de índios- deveria ser uma das


muitas que os Padres da Companhia de Jesus têm sob a sua ju-
risdição no Paraná e no Uruguai, com 500 índios e suas famílias,
e dois ou três religiosos, sendo capelão e cura dos soldados. Os
índios deveriam ser armados de arcabuzes e ficariam sob as or-
dens de um comandante que os disciplinasse e ensinasse o mane-
jo das armas de fogo.
No ofício em que faz essa sugestão, datado de 13 de Junho
de 1673, o Governador José Martinez de Salazar diz ter mandado
reconhecer a terra. Em outro informe já citado vimos que o ofi-
cial disso encarregado fora às margens do Jacuí, de onde baixa-
vam inumeráveis gados. Observa, então, o Governador que disto
«se infere a superabundância de gado daquela parte, pelo muito
que multiplicou e se estendeu aos extremos e cercania do mar, de
que se infere que pela terra adentro haverá muito mais, que é o
engodo e chamariz mais prejudicial para que qualquer nação das
de Europa, amigos ou inimigos, procurem com o pretexto que
melhor lhes parecer ocupar aquela paragem e porto por desam-
parado e inabitável». 4 )
E que não era descabida essa observação atestam-no as en-
tradas de embarcações de bandeiras diversas que, naquele porto,
se abasteciam já de courama e carnes. No reconhecimento man-
dado fazer pelo Governador de Buenos Aires, a 30 de Abril de
1673, encontrou-se, em Maldonado, uma cruz com um letreiro, em
holandês, assinalando o túmulo de um súdito dessa nação, faleci-
do ali em 3 de Outubro de 1670. Como veremos, não tardará que

3) Campana dei Brasil, cit. 33.


4) Campana dei Brasil. Cópia no Arquivo Nacional do Rio de Janeiro
Vol. I, 55/64.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 13

mais amplo conhecimento das possibilidades económicas que a


pecuária cisplatina abria ao comércio internacional, faça rumar
para aquele porto navios de todas as nações que ali se vão abas-
tecer de efeitos do gado.
Abula Romani Pontíficis, de 16 de Dezembro de 1676, pela
qual o Papa Inocêncio XI erigiu o arcebispado do Rio de Janeiro,
estendendo a sua jurisdição até o Rio* da Prata, veio dar calor à
expansão portuguesa para o extremo Sul. Era mais um motivo
para justificar a ocupação efectiva desse território abandonado e
deserto, cujos campos povoados de rebanhos incontáveis consti-
tuíam fontes de inapreciável riqueza.
Frustradas as tentativas de povoamento, de carácter parti-
cular, do General Salvador Correia de Sá e Benevides e de seus
filhos, Viscondes de Asseca, que se estendem desde 1657, em tor-
no da donatária cujos limites vão morrer em Maldonado, resolve,
então, o governo português avocar a si o empreendimento. Daí a
expedição de Jorge Soares de Macedo, a que se segue, imediata-
mente, a fundação da malograda Colónia do Santíssimo Sacra-
mento.
Os Jesuítas, cujas doutrinas se erguem na margem ocidental
do Uruguai, fazem causa comum com os espanhóis na defesa do
território que já é um património valioso para sua economia.
A concessão do uso de armas de fogo, para a defesa das Dou-
trinas, ameaçadas constantemente pelas incursões bandeirantes, é
um longo capítulo da história das Missões. Havia, da parte das
autoridades espanholas, o receio de que isto aumentasse o poderio
da Companhia em detrimento do prestígio e acção daquelas auto-
ridades.
Como haviam conseguido, em 1637, algumas armas
vimos,
com que seopuseram à invasão de Raposo Tavares, nas reduções
do Tape 5 ) E, mais tarde, quando da batalha de Mbororé, em
1641, assinalam notável vitória com grande quantidade de armas
de fogo, que haviam obtido, às quais agregam as peças de artilha-
ria de taquaruçu, retovadas de couro, dispostas em balsas cou-

5) Não é bem exacto o que A. P. assevera aqui, como ficou explica-


do no volume anterior desta obra. p. 136/137. Ele próprio, nesta segunda
edição, riscou a palavra "Clandestinamente", com que principiara o perío-
do. (L.G.J.)
14 AURÉLIO PORTO
raçadas, devidas ao engenho do Irmão Domingos de Torres. O
Decreto Real de 21 de Maio de 1640 concedia-lhes o uso de armas
de fogo. E muito embora objecções de toda sorte sustassem sua
execução, a vitória de Mbororé influiu no sentido de que fosse
ratificado aquele decreto por outro datado de 21 de Novembro de
1642, dependendo de decisão final do Vice-Rei de Lima. Somente
em 19 de Janeiro de 1646 ^<é concedido o uso de armas de fogo
aos índios guaranis», aos quais se remetiam 150 bocas de fogo, com
seus apetrechos, pólvora e chumbo, e que «ficariam guardadas em
depósito a cargo dos missionários e usando-as na guerra e nos
exercícios militares que tinham de fazer sob a direcção de um
irmão leigo, antigo militar». •"'")

Em torno dessa concessão, que dá aos Jesuítas enorme po-


der, nos meios hispano-coloniais e vai-se reflectir na
levanta-se,
própria Corte de Madrid, enorme celeuma que dá origem a várias
indagações. E delas resultou a proibição do uso de armas de
fogo, por decreto de 16 de Outubro de 1661, sendo apreendidas
todas as que se encontravam em
poder dos Jesuítas, nas Redu-
ções. A concessão definitiva, por ordem real, que outorga aos
índios das Reduções o uso de armas de fogo, que seriam guar-
dadas pelos missionários, só é estabelecida por decreto de 25 de
Julho de 1679.
Oficializava o decreto uma providência já tomada pelo Go-
vernador do Paraguai que, atendendo às solicitações do Superior
e Provinciais das Doutrinas jesuíticas, mandara, em data de 18 de
Março de 1667, entregar aos índios, para a defesa das Missões,
não só as armas que haviam sido apreendidas em seu poder como
maior cópia de outras com seus apetrechos e munições respecti-
vas. í!
) E, ainda, 10 anos mais tarde, quando os índios já cons-
tituíam um exército ponderável pelo número e pela instrução mi-
litar,que recebem de Irmãos recrutados entre os que mais se
haviam distinguido nas guerras peninsulares e americanas, no-
vamente, o Governo do Paraguai entrega às Doutrinas quantidade
apreciável de bocas de fogo, pólvora e chumbo. Dessa providên-
cia levada ao conhecimento do Conselho das Índias, com as cir-

5») Teschauer, Hist. R. G. do Sul, I, 306/318.


6) B. N. Mss. I. 29, 2, 37.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 15

cunstâncias que a justificam, expostas em carta de 20 de Outu-


bro de 1677, resulta a concessão definitiva, já referida, de 25 de
Julho de 1679.
E os acontecimentos que se precipitam pelo recrudescimento
da acção bandeirante; pelo expansionismo geográfico dos portu-
gueses, que atingem o Prata, chantando aí os marcos extremos
de seu domínio, e a necessidade que se impõe aos espanhóis do
auxílio bélico dos missioneiros fazem desaparecer as prevenções
anteriores, dando aos Jesuítas o poder insuperável com que, do-
ravante, intervirão nos negócios atinentes à defesa cisplatina.
Fundamentalmente pacífico, como povo já sedentário e agri-
cultor na época da conquista, covarde mesmo ante a agressão de
cutras nações, o tape, sob o influxo jesuítico, evoluíra, tornan-
do-se um soldado combativo e disciplinado. O
fanatismo a que
atingira a sua fé religiosa, a educação cristã que lhe modificara o
carácter primitivo, e a certeza que lhe alicerçava a consciência de
que combatia pela maior glória do Senhor, para ganhar o reino
de Deus, davam-lhe a coragem que se reflete nas acções de seus
grandes heróis que tombam, no campo da luta, circundados de
um cheiro de santidade, como esse bravo Sepé, que o povo ca-
noniza.

2. Serviços militares dos índios tapes.

Larga a folha de bons serviços militares, prestados pelos ín-


dios tapes, que eram logo convocados pelos governadores quando
os índios bárbaros, principalmente os cavaleiros, ameaçavam o Pa-
raguai. Buenos Aires e outras cidades, ou quando as incursões
paulistas se estendiam à cata de índios. E, por isto, outorgou-lhes,
em 1649, o Vice-Rei do Perú, Conde de Salvatierra, o título de
«presidiários do presídio contra os portugueses», em que se erigia
a região missioneira.
Onde surgia uma ameaça contra os espanhóis ou contra a
própria segurança e tranquilidade das aldeias, no Paraguai ou no

7) Sobre o assunto há copiosa documentação inédita na B. N. ÍCol.


de Âng.) Mss. I, 29, 1, 24; I, 29, 2, 12 e mais 14, 16. 31, 38, 39, 40, 46, 47,

52, 65, 66.


16 AURÉLIO PORTO
Prata, era logo solicitada pelos Governadores a assistência dos
soldados missioneiros que, sob a direcção de Irmãos especializa-
dos na guerra, acudiam prontamente. E assim foi desde 1636 e
três anos mais tarde, quando socorrem Conceição, assolada pelos
calchaquis e frentones. 8
) Em 1645, a chamado do Governador,
vão até Assunção, onde se assinalam graves desordens suscitadas
pela acção do Bispo contra os Jesuítas; voltam no ano seguinte
para combater os guaicurús que procuram apoderar-se da cidade.
Em 1652 saem em defesa das reducções do Paraná e Uruguai,
invadidas novamente pelos bandeirantes. Em 1655 defendem Cor-
rientes, assaltada pelos índios hometes, e no ano seguinte vão a
Santa Fé, novamente hostilizada pelos calchaquis. Acodem a Bue-
nos Aires, ameaçada por uma flotilha de navios franceses. E são
os construtores das fortificações dessa capital, no período que vai
de 1663 até 1671. »)

.8) Mss. B. N. I, 29. 2. 10.


9) Idem, I. 29, 2, 27.Sobre os serviços prestados pelos índios das
Missões, em diferentes épocas, consulte-se o doc.mss. da B. N. (Col. de
Âng.) I, 29, 3, 24, além das Cartas Ânuas referentes a esse período. So-
breleva em importância a toda a documentação o depoimento, ainda iné-
dito, prestado pelo P. Bernardo Nusdorffer, da Companhia de Jesus, em
1735, em uma justificação que, perante o Governador Bruno Maurício de
Zabala, robre serviços prestados pelos índios, manda proceder o Provin-
cial P. Jayme de Aguilar. E' um volumoso manuscrito, original, em que
depõem várias testemunhas. Tem na B. N. (Colecção de Angelis) a in-
dicação 1-29, 4, 56 e intitula-se: "Informaclón y certificación acerca de vá-
rios puntos pertenecientes a los índios guaranies, mandados hacer por el
Padre Jayme de Aguilar, Provincial destas Províncias de Paraguay, etc."
Os serviços dos tapes aí referidos, em ordem cronológica pelo P. Nus-
dorffer, consoante documentos originais existentes no Arquivo da Com-
panhia, muitos dos quais se encontram na mesma colecção, atingem o
período de um século, isto é, desde 1637 até 1735. Não obstante a exten-
são desse documento achamos de bom alvitre, para estudo mais detalha-
do sobre o assunto, aqui registrá-lo, tradu2indo-o do original espanhol.
Sirva ele para mais detalhar e ilustrar as nossas notas, oriundas de ou-
tras fontes documentais citadas e escritas antes de conhecer essa pre-
ciosa cronologia dos serviços prestados pelos tapes. Além das que trans-
crevemos, existem no documento outras notícias referentes aos índios
do Paraná e observações avulsas, originais, sobre a guerra com os char-
ruas e outras de que nos serviremos oportunamente. E' a seguinte a
parte do depoimento do P. Bernardo Nusdorffer sobre os serviços presta-
dos pelos índios tapes:

1637 —
Sendo Governador de Buenos Aires D. Mendo de la Cueva
y Benevides quando os índios rebelados caracarás e cupesalos queima-
ram a igreja do povo de Santa Lúcia que estava a cargo dos R.R.P.P.
do V. ?. São Francisco, matar.do muitos índios e espanhóis, fazendo ou-
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 17

Mas é, exactamente, na fase inicial do expansionismo portu-


guês no Prata, o na defesa do território a que o gado, por eles in-
troduzido, dera incomparável valor económico, que os índios mis-
sioneiros, sob a direcção militar de jesuítas especialistas na arte
da guerra, destacam-se pela sua acção bélica. Além do portu-
guês que, em sua cidadela, domina as alturas de São Gabriel, ou-
tro inimigo terrível, feroz e indomável, terá de enfrentar no gue-
noa, índio cavaleiro, inimigo tradicional do tape que, com suas
toldarias, domina as extensas campanhas cisplatinas. A confe-
deração dos guenoas contra os tapes, aos quais levam a guerra,
por instigação dos portugueses, de quem se tornam aliados, é uma
das páginas mais interessantes dessa fase histórica da fundação
dos Sete Povos de Missões.
Em 1669, como historiámos detidamente, corre nas Doutrinas
a notícia de que uma grande bandeira se organiza em São Paulo
para a conquista definitiva das aldeias jesuíticas. «Capitão des-

tras atrocidades despovoando a redução, não obstante estarem nova-


e
mente reduzidos à nossa Santa Fé os índios tapes do Uruguai, dito Go-
vernador os convocou ao castigo dos rebeldes; obedeceram prontamente
e baixaram em 20 embarcações suas e à sua custa e indo com eles por
cabo D. Cristóvão de Garay que depois foi governador interino do Para-
guai, sujeitaram ditos índios rebeldes, castigaram e os tornaram a redu-
zir em seu povo, com grande valor, morrendo alguns na refrega e sain-
do outros muitos feridos, como certifica dito cabo, louvando a obediên-
cia, fidelidade e zelo ao serviço de S. Majestade.

1638 — Havendo mamalucos do Brasil destruído as províncias


os
de Guairá, levado cativa a gente de 13 povos que os religiosos da Com-
panhia haviam fundado, e outros que tinham os espanhóis de três cida-
des, dos quais mataram e levaram mais de 300.000 almas como consta
da Cédula Real de 17 de Setembro de 1639, na qual se referem todos es-
tes danos, tendo notícia os índios tapes do Uruguai que ditos mamelu-
cos vinham fazer o mesmo nesta província, saíram-lhes ao encontro na
paragem chamada Caaçapá-mirim, onde tiveram com eles várias refre-
gas e ultimamente conseguiram encerrá-los em uma paliçada alguns
dias, onde, vendo a resistência que lhes faziam os ditos índios e os as-
saltos que lhes davam, valendo-se de um mato áspero, desampararam o
forte e fugiram com grande perda, como certificam nove espanhóis, que
a pedido dos religiosos da Companhia iam ajudar aos índios, mas quando
chegaram já encontraram os ditos mamalucos encerrados pelos índios
que, com esta acção, conservaram nos domínios do rei de Espanha esta
província do Uruguai.

1639 -

Querendo ditos mamalucos continuar suas invasões, pre-
veniram-se os índios tapes para lhes sair ao encontro, e achando-se em
visita ao rio Paraná o Governador do Paraguai D. Pedro de Lugo y Na-
18 AURÉLIO PORTO /
sa jornada», impondo-se pelas suas tradições ao terror dos Jesuí-
tas, seria Fernão Dias Pais. Outros insignes paulistas, conheci-
dos sobejamente nas Missões, integrariam essa poderosa força que
não tardaria a descer, por via marítima, até a Lagoa dos Patos
(Laguna) e daí, por terra ao Jacuí, de onde rumaria para as Dou-
trinas, entrando nas missões por Japejú.
A notícia levada pelos fugitivos
de São Paulo não era des-
tituída de fundamento. Em seu já citado estudo sobre o Bandei-
rismo Paulista, o Dr. Ellis Júnior registra largas referências, na
década de 70, à organização de levas capitaneadas exatamente pe-
los capitães piratininganos referidos no depoimento prestado por
esses índios perante o corregedor de São Tomé, D. Cristóvão Ca-
piy. Entre os que tratavam da «dita jornada», além de Fernão
Dias, são apontados Pedro Vaz de Barros, João Pais, João An-
drade, Francisco de Camargo, José de Camargo, Bras Esteves e
outros. Desviado da preia de índios, que o fizera várias vezes, ru-
mar para o Sul, o grande Fernão Dias, a convite real, organiza

varra, lhe deram aviso os do Uruguai e lhe rogaram os fosse ajudar, ou


enviasse socorro de alguns espanhóis; marchando o Governador ao Uru-
guai e chegando soube que já os índios os haviam acometido e destroça-
do sozinhos matando muitos e fazendo 17 prisioneiros mamalucos e dois
escravos, que trouxeram logo ao Governador para que os castigasse.
Parte deles enviou o dito Governador a Buenos Aires e parte levou ao
Paraguai, e libertaram os índios a todos os cativos das cadeias em que
os tinham e aos demais do mesmo perigo delas, que passavam de 2.000,
o que tudo consta de autos feitos sobre isso.

1640 — Havendo -os índios rebeldes lagunas, homas, frentones e


calchaquis, despovoado a cidade de Concepción, que foi da jurisdição de
Buenos Aires, fizeram grandes danos nas fazendas de Santa Fé, matan-
do índios e espanhóis. E querendo o Governador do Porto, que foi o so-
bredito D. Mendo de la Cueva y Benevides, castigá-los, convocou para
este fim os índios das reduções dos Tapes que, obedecendo, baixaram
logo, e não podendo o dito governador fazer nada contra os rebeldes
por haverem-se já metido em seus matos e espessuras, entraram ai so-
mente os tapes e castigaram os que puderem encontrar; pelo que por en-
tão, se abstiveram de ocasionar mais danos, como tudo consta dos res-
pectivos testemunhos e autos.

1641 — Querendo o mamaluco do Brasil fazer-se novamente dono


das reduções do Paraná e do Uruguai, aí apareceu com grande força no
mês de Março de 1641. Eles próprios blasonavam que tinham somente
de brancos (assim intitulavam os portugueses) 900 e 1.000 tupis, índios
guerreiros do Brasil. Baixaram o rio Uruguai com 250 embarcações de
canoas, piráguas e balsas; saíram-lhes ao encontro os índios das redu-
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 19

essa memorável bandeira que o imortaliza, procurando atingir a


lendária Serra das Esmeraldas. Pedro Vaz de Barros e outros in-
tegram novas bandeiras que rumam para o desconhecido. Luís
Castanho, António Soares Pais, Manuel de Campos Bicudo e Ma-
nuel Dias da Silva, à frente de grandes levas se internam pelos
sertões, nessa mesma memorável década.

ções, ofereceram-lhes batalha e puseram ao fundo muitas canoas, mata-


ram muitos no rio e os obrigaram a fugir por terra, deixando muitas
embarcações e tudo quanto traziam. Ganhando a terra, os mamalucos
se fortificaram e os índios os tiveram cercados alguns dias, dando-lhes
contínuos assaltos até que, em uma noite escura de tempestade e chuva,
conseguiram fugir. Foram os índios a seu encalço voltando a acome-
tê-los e matando 83 deles. Das informações que disto se fizeram no
Brasil se soube que foram 120 os mortos portugueses e que dos tupis
poucos voltaram


16Jfl No mesmo ano, alguns derrotados que iam fugindo encon-
traram-se com socorro novo que vinha do Brasil e juntos voltaram por
outra parte e com outro modo a tentar fortuna: fizeram dois fortes, no
rio Uruguai, um chamado Tobati e outro A*piterebi, para sair daí, fazer
guerra às Reduções e cativar índios. Descobriram os espias dos índios
seu intento, saíram logo em seguida e acometendo o primeiro forte, os
destroçaram, matando muitos e libertando os cativos que já tinham.
Deram também sobre o segundo forte e os obrigaram a evacuá-lo, com
tudo quanto tinham de provisões, munições, víveres e cativos. Tudo isto
consta dos autos que fez o Governador D. Jerónimo de Cabrera, e das
informações que mandou fazer o Provincial da Companhia da Província do
Perú e desta. P. Francisco Lupércio Zurbano

, 1655— Rebelaram-se os índios hometes e juntos com os frentones


e lagunas, tratavam de invadir a cidade de Corrientes (que pertence ao
governo de Buenos Aires). Quis o Tenente dela prevenir o golpe e con-
vocou os índios guaranis e tapes das Doutrinas que acudiram logo a seu
apelo e anteciparam o inimigo, atirando-se sobre ele de improviso e fa-
zendo nele grande castigo, inclusive muitos prisioneiros, como consta do
testemunho que lhes deu dito Tenente, de seu valor e obediência.

1656 — Pretendendo os índios calchaquis rebeldes, fronteiriços a


Santa Fé, e com que os espanhóis dessa cidade se achavam em guerra
desde mais de 34 anos, acabar com esta cidade como haviam feito com
a de Concepción, e não tendo os espanhóis forças para resistir-lhes, o
governador do Porto, D. Pedro de Baygorri deu ordem aos tapes bai-
xassem em socorro, no que foi obedecido, saindo das Reduções 350 índios
armados que tinham por cabo o Mestre-de-Campo D. João Árias de Saa-
vedra. Conseguiram sujeitá-los, acabando com essa nação, de que res-
taram alguns que foram afastados de suas rapinagens e levados para
perto de Santa Fé como amigos e desde então não mais levantaram a ca-
beça. Demoraram nessa diligência cinco meses, morrendo alguns na
luta e padecendo intolerável fome. Tudo isto consta das informações
que deram o Governador e Cabo da tropa.
20 AURÉLIO PORTO
Ainformação dos índios fugitivos, reduzida a termo, impõe
providências urgentes no sentido de acautelar as povoações mis-
sioneiras. Convinha, preliminarmente, conhecer esse trato de ter-
ra abandonado ao Oriente do Uruguai, donde surgiriam os inimi-
gos. Convocados os doutrinantes, sob a presidência do Superior,
ficou resolvido se organizasse um corpo de exército, fortemente
armado para proceder ao reconhecimento da região
e municiado,
e prover, quanto possível, os meios de defesa que a expedição suge-
risse.
Reunidos os caciques de vários povos, sob cujas ordens, já
afeitos ao manejo das armas, se encontravam algumas centenas
de soldados missioneiros, veteranos de outras campanhas, ficou o
exército, que se dividiu em três troços, sob o comando geral do
P. Jacinto Marques. Em princípios de 1670, isto é, somente 32
anos depois de tercem abandonado as terras do Tape, vadeando
o Uruguai pelo passo fronteiro a São Tomé, depois denominado

1656 —
Neste mesmo ano veio uma bandeira de 50 portugueses
com muitos índios tupis dar sobre os índios catecúmenos que estavam
para reduzir-se na redução e povo de Japejú, de que foram presos alguns,
fugindo outros que deram aviso. Saíram 200 índios armados e alcan-
çaram-nos em caminho quando voltavam com as presas, e acometendo-os,
no primeiro encontro lhas tiraram, metendo-se eles no mato para fugir;
aí os cercaram e, embora alguns bastante maltratados, conseguissem
escapar, mataram Outros e prenderam cinco deles, três portugueses e
dois mulatos, e os levaram presos a D. Pedro Baygorri, Governador do
Porto, e havendo eles fugido os espias dos índios, que haviam saído, .no-
vamente os prenderam e os levaram ao Paraguai, entregando-os ao Sr.
D. João Blázquez de Valverde, como consta do testemunho e informação
que fez dito ouvidor e o Governador de Buenos Aires.

1657 —
Vendo- o dito Governador de Buenos Aires os danos que
causava uma esquadra de navios franceses que andavam infestando
aqueles mares e rio, e ameaçando aquela cidade, chamou das Reduções
certa quantidade de tapes armados, que baixaram prontamente a de-
fendê-la, acudindo por mais de oito meses a todas as funções militares
com grande obediência e fidelidade e causando admiração aos estran-
geiros que ali se encontravam, os quais diziam que o Rei de Espanha
tinha nestes índios uma grande defesa para estas terras, e em testemu-
nho de sua obediência e fedilidade disse dito Governador ao Capitão Luiz
de Payax, em uma ordem que lhe mandou pela ação militar, o que se se-
gue: "Use de toda diligência e cuidado com esses índios do Tape, tra-
tando-os como se deve, pois eles nos ensinam a sermos fiéis".

1658 —
No princípio do ano de 1658, havendo pedido dito Gover-
nador que da cidade de Corrientes baixasse ao Porto uma companhia de
soldados para a defesa do mesmo, e não podendo essa ir nem por terra
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 21

São Borja, entraram os índios em massa nas terras que foram de


seus pais e avós. Marchando para Leste percorreram larga ex-
tensão do território rio-grandense até o Jacuí, chegando às ime-
diações da tapera da antiga redução de S. Miguel e daí, trans-
pondo, rumo Sul, a coxilha do Tabuleiro, que dá origem às nas-
centes do Santa Maria e do Vacacaí, estacaram à entrada da Va-
caria do Mar, que se estendia até as raias estremadas de Maldo-
nado.
Era a primeira vez que se lhes revelava essa riqueza, opulen-
tando o tabuleiro dos Pampas que se perdia de vista. gado Um
forte, grande, quase uniforme na pelagem escura, povoava as cam-
panhas com seus incontáveis rebanhos.
É quando, na antevisão de acontecimentos futuros, a que a co-
biça dessa imensa riqueza económica dará origem, o P. Jacinto
Marques, apontando aos índios o gado que se perde de vista pelas

devido aos caminhos difíceis, nem por mar por falta de embarcações, ti-
veram disso aviso os índios tapes que, em serviço de Sua Majestade,
acudiram logo com suas embarcações e transportaram ditos soldados
desde Santa Fé.

1663 —
Mandou o Sr. Presidente e Governador do Porto, D. José
Martinez de Salazar fazer 40 taipas de quatro varas de comprimento e
duas de altura com suas comportas e 40 socadores de terras com seus
respectivos cabos, para as obras de fortificação de Buenos Aires, traba-
lho que foi executado pelos índios tapes que foram ao Porto para servir
com isto a Sua Majestade e a seus reais ministros.
1661+ — Foram, por ordem do mesmo, 150 índios trabalhar nas for-
tificações da mesma cidade, onde abriram e aprofundaram os fossos e
estiveram cinco meses, como consta de sua certificação.

1671 —
Por ordem do mesmo foram 500 índios que trabalharam e
fizeram um forte na outra banda do rio de Luján, 10 léguas distantes
do Porto de Buenos Aires, e como certifica dito Governador foram pon-
tuais e obedientes vassalos de Sua Majestade e merecedores de seu real
amparo.

1673 —
No ano de 1673, assolada a cidade de Corrientes pelos in-
fiéisfronteiriços, pediu o Cabildo socorro de quatro canoas para poder
sair ao castigo deles. Estas foram prontamente enviadas das Reduções
dos Tapes, para se poderem defender, do que deram públicos agradeci-
mentos em carta.

1680 —
Por ordem do Sr. Governador de Buenos Aires, D. José de
Garro, baixaram 3.000 índios armados para desalojar, pela primeira vez,
os portugueses da Colónia do Sacramento. Baixaram das Reduções com
4.000 cavalos seus, 200 bois, 37 balsas e provisões; obraram no assalto
22 AURÉLIO PORTO
coxilhas do Pampa, exclama: «Estas vacas que vedes não fo-
:*am postas aqui por Hernandárias», «mas, sim pelos Padres da
Companhia.» E, colocando ali uma cruz, como símbolo de posse,
voltou às Missões para dar notícia do que vira nessas campanhas
Jilatadas. «E essa cruz se conservaria ainda até o ano de 1680,
em que foi encontrada pelos primeiros índios que foram vaquear
ali e pelos que foram ao assédio de S. Gabriel». 10 )

Além de percorrer grande parte do território hoje rio-gran-


dense o Jesuíta explorou até o Prata a região uruguaia da antiga
Banda dos Charruas, chegando até o porto e ilha de Maldonado.
Encontrou aí, desarvorado e perdido, um navio estrangeiro, de que
eram aliviadas artilharia e courama de que estava carregado, pa-
recendo mesmo que prestou auxílio a esses náufragos, segundo se
depreende da observação do Conselho de Índias, a cujo conheci-
mento chegou essa notícia. E em Carta Real de 7 de Agosto de
1679, pareceu ao Conselho advertir o Provincial da Companhia
«não permita aos religiosos doutrineiros semelhantes acções», pois,
«quando for necessário hacer algunas jornadas a defender los
Pueblos que doctrinan, y a reconocer los inimigos con gente y

daquela fortaleza com não menos valor que os soldados espanhóis, assi-
nalando-se pela lealdade e zelo no real serviço. Morreram nesta acção
33 índios e tiveram 54 feridos, ficando vencidos os portugueses. Durou
a campanha ma,is de seis meses e para ali foram quase todos a pé, so-
mente para não maltratar seus cavalos e deles se poderem servir nas
acções militares. Fizeram o trajecto de 150 léguas, que distam dos Po-
vos mais próximos, em pleno rigor do inverno, com privações e condu-
zindo mais de 200 índios enfermos. Consta tudo isto da certificação do
Governador e Mestre-de-Campo deles, D. António de Vera.

1680 —
No mesmo ano, por ordem do mesmo, foram outros 300
armados e com seus cavalos, armas e provisões percorrer a
índios tapes
costa do mar e prenderam no cabo de Santa Maria 24 pessoas portu-
guesas e entre elas o Tenente-de-Mestre-de-Campo-General D. Jorge Soa-
res de Macedo, prisão que foi de grande importância para o desalojamento
dos portugueses da Colónia, porque vinha este como segundo chefe da
defesa. Consta da certificação do dito Sr. Governador o recibo que desse
prisioneiro deu o mesmo. Por este e pelos serviços antecendentes mere-
ceram se dignasse Sua Majestade dar-lhes agradecimentos em Cédula
Real de 9 de Maio de 1682.
A parte seguinte do depoimento do Padre Nusdorffer. que abrange
c período decorrente entre 1688 e 1735, e que se refere aos serviços pres-
tados pelos índios dos Sete Povos, será inserta adiante, ao tratarmos por-
menorizadamente sobre esses mesmos serviços.
10) B. N. Pleito cit.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 23

armas a contingência de pelear», será mediante licença e levando


por cabo da tropa pessoa para isto designada. )
' 1

Nada, porém, encontrou o P. Marques que denunciasse a exis-


tência de inimigos em todo esse território. Só 10 anos mais tar-
de, em 1680, numa expedição regular de povoamento, sob as or-
dens de D. Manuel Lobo, os portugueses se fixariam no litoral
cisplantino, fundando a Colónia do Sacramento.
Servira a incursão do Jesuíta para abrir caminho às vacarias
que são, desde então, exploradas pelos índios tapes, ainda parci-
moniosamente, em virtude das ordens dos Superiores que procu-
ram evitar o desperdício desse valor económico. Só de dois em
dois anos, afim de suprir às necessidades das Doutrinas, era
facultado aos índios entrar na Vacaria, donde extraíam algu-
mas tropas de gado Provêm dessa
escolhido para cria e corte.
permissão não só a vacaria do Rio Negro, formada com os gados
extraviados dos lotes que são conduzidos até o rio Uruguai, como
as estâncias, rodeios de pouso, que se vão erguendo no vale desse
rio. cujas terras são incorporadas, por doação dos Superiores da
Companhia, ao património dos Povos da Banda Ocidental que lhes
são fronteiros.
Com a década de 80 em que os portugueses se estendem até
às margens do Prata, fundando a Colónia do Sacramento; os pau-
listas, com os Brito Peixoto, lançando, na linha mais extremada
de Tordesilhas, a povoação de Laguna, e os Jesuítas, reocupando
com suas Doutrinas começa esse largo proces-
o vale do Uruguai,
so histórico que dará origem ao Rio Grande do Sul e ao Estado
Oriental do Uruguai, que surgirão do embate secular de que esse
território será o vasto cenário.
Historiámos largamente, no volume anterior, a missão de que
fora incumbido o Tenente-de-Mestre-de-Campo-General Jorge Soares
de Macedo, que precederia D. Manuel Lobo na expedição que deve-
ria fundar, no Prata, em «sítio cómodo», «uma fortificação para
a segurança tanto do porto, como do povoamento da terra». Em
5 de Agosto de 1678, Soares de Macedo, que se encontrava no Rio
de Janeiro, daí comunica a El-Rei que se aprestava para a dili-
gência que se lhe incumbira. Em Janeiro do ano seguinte, em

11» Campana dei Brasil, cit. I, 75.


24 AURÉLIO PORTO
São Paulo, convoca sertanistas de escol para a temerária em-
presa.
que se procura manter em gran-
Célere, entretanto, a notícia,
de voa de São Paulo ao Paraguai. Prestante amigo a trans-
sigilo,
mite ao Governador que por sua vez cientifica ao Superior das
Doutrinas Jesuíticas, P. Cristóvão Altamirano, que os paulistas
se aprestavam, por ordem real, para fundar em São Gabriel, ou
no litoral do Prata, uma povoação portuguesa.
Imediatamente leva o P. Altamirano ao conhecimento de D.
José de Garro, Governador de Buenos Aires, a comunicação rece-
bida, por meio de um correio que ali chega a 25 de Novembro,
confirmando outra de D. Felipe Rexe Corvalán, Governador do
Paraguai, datada de 22 de Outubro, já recebida por aquela auto-
ridade.
A fim de conhecer a exactidão da notícia, e obstar mesmo o
avanço português para o Prata, D. José de Garro dá ordem ao
Superior faça organizar um troço de tropa missioneira, bem ar-
mada e municiada, que percorrerá o litoral onde se presume de-
sembarque a expedição. i

Esse corpo que, segundo os documentos jesuíticos, constava


de mais de 400 índios, teve como chefe os Padres Domingos Rodi-
les e Jerónimo Delfim, de Japejú, e era composto de soldados de
todas as reduções, sob o comando geral do índio D. Cristóvão Ca-
piy, Alcaide-Mor de São Tomé. Comandavam as diversas com-
panhias os Capitães índios: D. Tomás Aracuye, da infantaria de
S. Tomé, D. Francisco Aguara, Alcaide ordinário de Conceição;
D. Luís Allerovi, de Conceição: D. Paulo Caraype, de São José;
D. João Nandarepi, de Japejú; D. Bernardo Carape, de Santo
Inácio, e D. Inácio Guairaye, de Santa Maria.
Organizado com toda a urgência, transpôs o exército missio-
neiro o Uruguai, no depois passo de São Borja, em Janeiro de
1680. Durante três meses, até 5 de Março de 1680, dia em que
foi preso Jorge Soares de Macedo, percorreu esse corpo todo o
12
litoral, até Maldonado, fazendo mais de 500 léguas. )

Conhecida a fundação da Colónia por D. Manuel Lobo, apela


novamente D. José Garro ao auxílio dos Jesuítas na organização

12) B. N. Coleção de Ângelis. Mss. I, 31. 32. 11.


HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 25

de um exército missioneiro de grandes proporções. E, como por


ordem real, era vedado o comando supremo dos Padres, foi desig-
nado por chefe o Mestre-de-Campo António de Vera Mújica, a
cujas ordens, sob a direcção de seus Padres, deveria o Superior
P. Cristóvão Altamirano pôr 3.000 índios recrutados nas Doutri-
nas do Uruguai.
Para a organização dessa força remeteram: Itapua 190, Can-
delária 200, São Miguel 235, Mártires 80, Santana 85, Santo Iná-
cio 150, Loreto 155, Corpus 60, São Carlos 235, São José 90, San-
ta Maria 235, São Xavier 160, Conceição 275, São Nicolau 275,
São Tomé 275, Assunção 150, Reyes 150, perfazendo assim o to-
tal de 3.000 soldados índios, Assèssoravam os catecúmenos,
1
)

divididos em três corpos de exército, sob o comando geral de Vera


Mújica, os Padres Pedro Jimenes, Jacinto Marques, João António
de Solinas, tendo por superior o P. João de Rojas. 14
)

Vera Mújica, que marchou em Agosto, deu o comando do pri-


meiro corpo ao cacique principal de Itapua, Mestre-de-Campo Fran-
cisco Coretu, assessorado pelo Capitão espanhol Alexandre Aguir-
re e alguns correntinos, compondo-se este de gente de Itapua, Lo-
reto, Corpus, La Cruz e Mártires. Comandava o segundo o ca-
cique principal e corregedor de São Tomé Cristóvão Capiy, assis-
tido pelos capitães espanhóis João de Aquillera e João Frutos, e
era composto pela gente de São Tomé, São Nicolau, São Miguel,
Santa Maria, Candelária e Conceição. E o terceiro, sob o coman-
do do cacique principal de São José, Sargento-Mor Inácio Aman-
daú, assistido pelo Capitão Gabriel de Toledo e vários correntinos,
compunha-se da gente de São José, Santana, São Xavier, Reyes
e São Carlos. Essa força, que marchou rapidamente, acampou
uma légua distante da Colónia, pondo-a em rigoroso assédio. 15 )
O depoimento do P. Nusdorffer detalha esse assédio que ter-
minou pela derrota de D. Manuel Lobo, sua prisão e destruição
da Colónia do Sacramento. Durante seis meses os soldados mis-
sioneiros estiveram nessa campanha, tendo perdido 33 mortos e

13) Antecedentes coloniales, cit. 57. Campana dei Brasil.


14) B. N. Mss. I, 31, 32, 13.
15) Campana dei Brasil. Antec. etc. LIII. Extracto em Correa
Luna. Sobre o assunto ver A Colónia do Sacramento, de Jónatas do Rego
Monteiro. I, página 80 e segs.
26 AURÉLIO PORTO
54 feridos. Seus serviços de guerra, nessa facção, estão parti-
cularizados pelo Mestre-de-Campo António de Vera Mújica, que
os comandou e constam dos documentos insertos por Correa Lu-
na, em Campana dei Brasil. 16 )
O Tratado Provisional de 1681 manda restituir a Portugal
as desmanteladas ruínas da Colónia. Em 1683 Duarte Teixeira
Soares as recebe das mãos do Governador de Buenos Aires, José
de Herrera Sotomayor. Trata-se então de reconstruir as suas
desmanteladas fortificações. Mas, em 1705, novamente assedia-
da pelos espanhóis, resolve Veiga Cabral, que a comandava, re-
tirar-se a fim de evitar um sacrifício inútil ante a desproporção
da força inimiga que a apertava em extremado cerco. E' nova-
mente destruída a Colónia do Sacramento, para que, no dizer do
Governador Inclán, «não fique memória do inimigo». 17 )

3. Motivos predetermihantes da retrasladação dos Povos.

Essas contínuas incursões de espanhóis e índios pelo terri-


tório da Banda Oriental do Uruguai; de portugueses que cruzam
entre Laguna e Colónia e o conhecimento mais exacto das gran-
des possibilidades económicas que as vacarias apontam à cobi-
ça de todos, determinam, naturalmente, meios mais eficientes de
defesa da parte dos Padres Jesuítas, temerosos de perderem um
património de inexcedível valor, já então, ante a ameaça da des-
truição das vacarias, onde haviam ficado remanescentes das tro-
pas correntinas e santafecinas de Vera Mújica, e este próprio co-
mandante com grande número de vaqueiros extraindo gados, pre-
nunciava-se o considerável desfalque que os tapes sofreriam em
seu rebanho, nessas extensas campanhas. Os povos ribeirinhos
*
do Uruguai apropriam-se de largos campos, na margem oriental
desse rio, fundando aí as suas estâncias com gados conduzidos das
vacarias.
Não era somente a Colónia, novamente entregue aos portu-
gueses pelo Tratado Provisional, que constituía grave perigo para
as Doutrinas jesuíticas do Uruguai. Temiam-se muito mais as

16) Campafia dei Brasil, LIII.


17) Rego Monteiro, Colónia, cit., 163.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 27

incursões das bandeiras paulistas que ainda perlustravam terras


de Espanha, alargando para Oeste a preia de índios infiéis e cris-
tãos. A província do Paraguai e mesmo até Santa Cruz de la
Sierra eram ainda taladas pelas razias bandeirantes. E o P. Dio-
go de Altamirano, que viera como procurador geral da Compa-
nhia, informava em 1683, «que outras esquadras de portugueses
s
de São Paulo» se aprestavam para penetrar os sertões. 1
)

Assim, para não serem tomados de improviso, era de mister


uma vigilância contínua. Informa o P. Nusdorffer, em seu cita-
do depoimento, que, todos os anos, contingentes de 80 Jiomens ar-
mados, das respectivas povoações jesuíticas do Uruguai, percor-
riam, como espias, não só as regiões rio-grandenses, como as do
AJto-Uruguai, até as proximidades da Laguna, donde poderiam
vir os portugueses maloquear índios e atacar as reduções cris-
1í)
tãs. )

Foram todas essas considerações, de ordem política, decor-


rente da defesa de sua própria economia vital, que induziram os
Jesuítas a «remudar quatro povos», da margem ocidental para a
oriental do Uruguai, o que ficaria definitivamente assentado no
ano de 1686. -") Além da defesa natural que suas forças regu-
lares oporiam à invasão dos mamalucos que, na Laguna, mais
próximos de suas aldeias tinham um entreposto, não era de menor
importância a assistência que prestariam às vacarias, que come-
çavam a ser assoladas pelos próprios espanhóis, e o cuidado efi-
ciente que precisavam dispensar às estâncias recém-fundadas no
vale do Uruguai, que eles projectavam estender ao coração do Rio
Grande do Sul, bem como a exploração intensiva dos ervais de
«yerba provechosa», não só para o consumo dos índios, mas para
o comércio florescente do mate, de que exportavam para Buenos
Aires quantidades apreciáveis.
Assentada definitivamente a retransmigração dos quatro pri-
meiros Povos, em 1686, por ordem do Provincial P. Tomaz Dom-
vidas, o P. Alonso de Castillo, Superior nesse tempo de todas as

18) Campana dei Brasil. 364.


19) B. N. Mss. 4, 56.
cit. I, 29,
20) Já em 1682, como veremos, havia sido fundada S. Francisco de
Borja, por uma colónia de São Tomé.
28 AURÉLIO PORTO
Reduções do Uruguai, em companhia de outros Padres designados
para fundar as novas Doutrinas, atravessou o grande rio a fim
de escolher os melhores sítios em que elas deveriam ser locali-
zadas.
Razoes ponderosas, decorrentes da mútua defesa, determina-
ram não excedessem as respectivas distâncias, de umas para ou-
tras, de dez léguas castelhanas, de 20 ao grau, e as mais distantes
de seis a quatro léguas. Haveria entre elas uma interdependên-
cia, de sorte que «as de São Nicolau, São Luís e São Miguel se

corresponderiam entre si e não com outras». A de São Borja se


conjugaria com a de São Tomé. 21 )
São Nicolau, que se separa de Apóstolos, como chave desse
novo sistema de povoações, escolhe local nas proximidades de sua
antiga redução, sobre o Piratini, três léguas distantes da embo-
cadura desse rio no Uruguai. No dia 2 de Fevereiro de 1687 re-
torna à Banda Oriental. Segue-se-lhe São Luís Gonzaga, no mes-
mo ano, ocupando o posto em que foi Candelária, no Caaçapá-mini,
donde mais tarde se traslada para o local que ainda hoje ocupa.
Desprendera-se de Conceição. O terceiro que se muda é o Povo
de São Miguel, antiga redução do Tape, ainda no mesmo ano de
1687. Localiza-se entre o Piratinizinho e o Santa Bárbara, afluen-
tes do rio Piratini, numa distância de dez léguas de São Luís que,
por sua vez, estava à igual distância de S. Nicolau. Cinco anos
antes, em 1682, uma colónia de São Tomé cruza o Uruguai e em
terras de sua estância fundara São Francisco de Borja, vinte lé-
guas ao sul de São Nicolau. São estes os quatro primeiros Povos
que vêm ocupar o território rio-grandense.
Três anos depois, em 1690, os resultados promissores da mu-
dança das primeiras Doutrinas, autorizam a aumentar o número
destas no território a oriente do Uruguai. Santa Maria Maior
concorre com magnífico contingente de população que toma o no-
me de São Lourenço Mártir e se coloca a meia distância entre os
Povos de São Luís e São Miguel, sendo seu fundador o P. Ber-
nardo de la Vega, que organiza e dirige essa missão.

21) Reglamento general de Doctrinas, etc. enviado por el Provin-


cial P. Tomaz Domvidas y aprobado por el general- P. Tirso, em 1689.
Teschauer, Hist. Rio Grande do Sul, I, 389.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 29

Dez anos depois da volta dos primeiros Povos, a fim de des-


congestionar o Povo de São Miguel, cuja população crescera, o
P. António Sepp, à frente de uma grande parte dela, funda São
João Baptista, que se torna um padrão para as outras povoações.
Deu-se a fundação dessa doutrina a 14 de Setembro de 1697, em
local que ficava a quatro léguas de S. Miguel e a vinte e quatro de
São Nicolau.
O último dos Povos fundados é o de Santo Ângelo Custódio
que, inicialmente, erguido entre os Ijuís, vai depois para o local
que hoje ocupa a cidade desse nome, uma das mais florescentes
da região missioneira do Rio Grande do Sul. A população que
funda Santo Ângelo provém de nova contribuição de Conceição,
encaminhada àquele posto em 1706. Com este último núcleo fe-
cha-se o ciclo fundacional das Missões, que perdura por vinte
anos, mas não o desdobramento de suas populações disseminadas
por toda a parte com o estabelecimento de estâncias e postos que
se desdobram por larga extensão do território rio-grandense, dan-
do origem a grande número de povoações, que ainda subsistem.
O primeiro geógrafo que determinou a posição dos Povos e
as distâncias existentes entre uns e outros, foi o sábio santafecino
Padre Ventura Suárez, uma das maiores glórias da ciência je-
suítica sul-americana, e de quem, mais tarde, nos ocuparemos a
largos traços. Existe na Biblioteca Nacional um trabalho inte-

COORDENADAS DISTÂNCIAS
1

Lat. S. Long. L. Em léguas de 20 ao grau

1 1

1 1

28» 13' 322»56' 1 S. Nicolau


28» 19' 323»12' 10 S. Luís
28» 22' 323«27' 16 |
6 S. Lourenço
28» 25' 323»45' |
20 10 ;
4 S. Miguel
28» 21' 323»51' |
24 14 |
8 |
4 S. João
i

28» 15' |
323«53' |
30 i 20 í 14 ] 10 4 S. Angelo
2S" 41' 321*41' |'
20 i
30 '
36 í 40 !
44 1 48 S. Borja.
!'.:.:"! ! , 1

30 AURÉLIO PORTO
ressante da autoria do P. Ventura, de que extrairemos os dados
principais a isso referentes. 22
)

22) Natural de Santa Fé, Argentina, nascido em 14 de Julho de


1679, foi o P. Ventura Suárez um dos maiores matemáticos e astrónomos
sul-americanos, tendo sido o primeiro a fazer observações meteorológicas
nas Missões. Imprimiu um lunário para um século e comunicava-se com
os maiores matemáticos do seu tempo. Fez várias observações de eclip-
ses, emersão e imersões de satélites, dedicando-se a variadas activida-
des artísticas e científicas que lhe deram larga projecção entre os sábios
de seu tempo. Faleceu em 1749. Existem na Biblioteca Nacional inte-
ressantes trabalhos, entre os quais a tabela de coordenadas e distâncias
dos Povos, de que extraímos pequena parte. Além desta, de autoria dos
demarcadores D. José Maria Cabrer e D. Félix de Azara encontram-se
outros trabalhos idênticos de que nos servimos para localização das dou-
trinas orientais. Para esse estudo são notáveis também os elementos
que nos fornecem os trabalhos dos demarcadores portugueses, entre os
quais sobrelevam os do Brigadeiro Francisco João Roscio e Dr. José de
Saldanha. As observações do P. Ventura Suárez constam do Ms. B. N.
I. 29, 5, 30. — Cabrer — —
Mss. I, 29, 5, 84. O Padre Quiroga em seu
mapa de 1749 adoptou as mesmas coordenadas do Padre Ventura Suárez
(Cart.) — Furlong — 16.
CAPITULO II

FUNDAÇÃO DOS SETE POVOS.


1. São Francisco de Borja. — 2. São Nicolau.
3. — São Miguel Arcanjo.— 4. São Luís Gonzaga.—
5. São Lourenço Mártir. — 6. São João Baptista.
— 7. Santo Ângelo Custódio.

1. São Francisco de Borja.

São Francisco de Borja é o mais antigo dos Sete Povos de


Missões. Teve origem em uma colónia de povoadores que São
Tomé em 1682, estabeleceu a oriente do rio Uruguai, ocupando
,

as terras da vasta estância que, entre os rios Camaquão e Butuí,


lhe haviam sido adjudicadas para a criação de gados vacuns. Des-
de tempos imemoriais, pelo passo de São Borja, no rio Uruguai,
fazia São Tomé a penetração no território rio-grandense, não só
para extracção de gados das vacarias recém-descobertas, como
para o encaminhamento dos soldados que, por ocasião da funda-
ção da Colónia do Sacramento, foram ao assédio de São Gabriel.
Em 1680, conforme documentos já estudados, um exército missio-
neiro, custodiado pelos Padres João de Anaya e José Texedas e
sob o comando geral do Corregedor de São Tomé D. Cristóvão
Capiy, transpôs aquele passo e atacou D. Manuel Lobo, destruindo
a praça portuguesa, fundada meses antes à margem meridional
do Prata.
A fundação de São Francisco de Borja, que se verifica dois
anos depois, tem origem nessas actividades militares que impõe a
São Tomé a criação de um posto de emergência para a defesa do
vasto território ameaçado pela expansão portuguesa, que ruma
para o Prata, acrescida pelas exigências de ordem económica que
a pecuária criara com a descoberta das Vacarias do Mar.
32 AURÉLIO PORTO
São Tomé, lançando essa colónia, retomava posse efectiva
das terras que pertenciam, por direito de hereditariedade, aos seus
primitivos fundadores de origem tape.
Fundada, como vimos, nas proximidades do rio Ibicuí, pelos
Padres Luís Ernot e Manuel Berthot, em 1632, São Tomé foi uma
das reduções mais florescentes do Tape, contando, quando trans-
migrou^para a margem ocidental do Uruguai, sob a pressão ban-
deirante, em Março de 1639, população superior a duas mil almas.
Rego Monteiro lhe dá para coordenadas, no Tape, 29° 22' de Lat.
S. e 11- 34' de Long. O. do Rio de Janeiro. Trasladada para a
margem direita do Uruguai, aí se localizou aos 28° 32' 49" de Lat. S.

e 321^ 43' 17"de Long. L. da ilha do Ferro, conforme Azara. A


colónia que funda São Borja, oriunda de São Tomé, se fixa, se-
gundo o P. Ventura Suarez na Lat. S. de 28" 41' e Long. L. de
321 9 41', posição que actualmente, consoante determinações pre-
cisas, se encontra a 28° 39' 44" de Lat. S. e 56" 00' 15" de Long.
0. Greenwich.

Teschauer dá para a fundação de São Borja a data de 1690. ) 1

Porém documentos por nós exumados da preciosa Colecção de Ange-


lis, fonte primacial deste trabalho, autorizam-nos a recuar essa data'

para 1682, o que dá a São Borja prerrogativas de pioneira da se-


gunda fase de civilização jesuítica na Banda Oriental. Cinco anos
depois, quando da fundação dos outros Povos, que se verifica em
1687, recebe então novo reforço de famílias que retransmigram de
São Tomé, assentando assim definitivamente alicerces mais fun-
dos de povoamento." Já também, anexo a São Borja, outro po-
voado, Jesus Maria dos Guenoas, congrega os índios infiéis desta
nação, que a catequese integra à civilização cristã.
A primitiva população de São Borja, «desde el ano de su di-

visión» de 1682, «compunha-se de 1.952 almas de índios baptiza-


dos, oriundos de São Tomé, que se radicaram ali. O documento
justificativo dessa asserção refere-se a baptismos do Povo de São
Borja, em cujos livros não existem notas sobre esses primeiros
povoadores, que constarão dos assentos de São Tomé, solicitando

1) Teschauer. Hist. R. O. Sul, II, 5. Azara dá a mesma data de


1690 para a fundação de São Borja. Descripción hist. física, polit. y geo-
gráfica de la Prov. dei Parag. Cood. Mss. B. N. I. 16, 2, 6.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 33

o cura de São Borja, em 1732, que seu colega de São Tomé, re-
vendo os livros respectivos, os extraia para fins estatísticos. E
diz: Estes 1952 são os que vieram na divisão e vieram a São Bor-
ja não estão incluídos na lista dos párvulos nem na dos adultos,
porque apenas vieram os seus nomes, mas não os anos do seu
baptismo ... E assim vão só desde o ano da sua transmigração
de 1687, donde se começou aqui o livro novo de São Borja. Sem
entrar nele os ditos 1.952 transmigrados, com que por todos os
transmigrados e baptizados aqui desde o dito ano de 1687, não mais,
são 12.963. 2
)

Em 1687 é determinada a fundação dos Povos de São Nico-


lau, São Miguel e São Luís Gonzaga que vão constituir, entre o
Piratini e o Ijuí, um sistema aparte de povoamento muito ao Nor-
te de São Borja, porque então já se visava a defesa desse territó-
rio mais acessível aos inimigos portugueses da capitania de São
Paulo, que tentavam estender-se até a Laguna. _E, na mesma oca-
sião, a fim de aumentar São Francisco de Borja, entreposto que
se abria para o embate contra a Colónia do Sacramento, cateque-
se dos índios do Pampa e aproveitamento dos gados das
infiéis
Vacarias do Mar, resolvem os Jesuítas encaminhar para ali maior
número de famílias de São Tomé, dando assim definitiva orga-
nização à doutrina, fundada havia cinco anos antes.
Até então, como posto avançado de São Tomé, dependera São
Bor ja dessa doutrina, de que se separa em 1687, constituindo um
Povo à parte, com livros de assentos que lhe são peculiares e com
economia própria. Anexa à povoação o P. Francisco Garcia, pri-
meiro cura de São Borja, fundara Jesus Maria dos Guenoas, al-
deia de índios cavaleiros infiéis que conseguira catequizar. E daí
a explicação do asserto do P. Domingos Calvo, cura de São Borja
em 1706, dizendo que «este Povo de São Francisco de Borja se
pôs do outro lado do Uruguai, que já são dezanove (anos) desde
o de mil seiscentos e oitenta e sete». 3 ) E isto coincide com a
declaração do P. Nusdorffer quando se refere à «remudança» de
quatro Povos, nessa ocasião.

2) "Baptismos dei Pueblo de S. Francisco de Borxa desde el ano


de su división de 1682 hasta el próximo pasado de 1732". B. N. Mss. I,
29, 1, 119.
3) Hostilidades dos guenoas, etc. B. N. I, 29, 3, 70.
História das Missões Orientais do Uruguai - 2.» Parte 2
34 AURÉLIO PORTO
Era São Tomé, quando da re transmigraçãoda maior parte
de sua população para a margem oriental do Uruguai, um dos Po-
vos mais populosos da margem oposta. O contingente com que
reforça a povoação de São Borja, em 1687, não excede de mil al-
mas, divididas em mais de trezentas famílias, ficando ainda ali
lima população bastante grande, como consta da Ânua de 1693,
que dá para São Tomé 3.493 almas em 941 famílias. Em 1690 a
população de São Borja orça por 2.396 almas, divididas em 658
famílias. E os baptismos anteriores a esse ano foram: em 1687
de 129 crianças e 1 adulto; em 1688, de 186 crianças e 10 adultos;
em 1689, de 235 crianças e 46 adultos e em 1690, de 233 crianças
e 19 adultos. Estes adultos são índios catequizados de Jesus Ma-
ria dos Guenoas.
O material humano com que foi fundado São Francisco de
Borja era o melhor possível. São Tomé fora o núcleo inicial da
cristianização do Tape, e quando os Padres penetraram nessa al-
deia em 13 de Junho de 1632, encontraram aí um povo dócil, pron-
to para receber a fé de Cristo, a «quem não faltava senão igreja
e cruz». Era cacique principal do povo um velho capitão que, per-
guntado pelo nome que queria receber no baptismo, respondeu que
lhe dessem o de Roque, em louvor do Padre que ali estivera por
amor deles. Substituiu-o no cacicado seu filho D. Roque Arazaí.
já educado pelos Jesuítas, cujo nome está ligado ao desbravamen-
to das campanhas rio-grandenses coberta das Vacarias do
'

Mar, onde penetra em 1671, trazer' té o local onde seria fun-


dado São Borja, quatrocentas cale as «para amostra do pano»
que aí foram visitadas pelo cura de São Trmé, P. Agostinho de
Aragon. Outro cacique não mero ável foi D. Cristóvão Ca-
.

piy, General das tropas que assed im a Colónia, e Corregedor


do Povo de São Tomé, ainda err 1

São esses os chefes principais de cadeados, ou grupos de fa-


mílias, que passaram para São Borja. No Livro de Baptismos
de 1790 constam ainda como caciques de São Borja D. Felix Capiy
e D. Ulderico Arazaí, seus descendentes e continuadores desses ca-
cicados hereditários. 4
)

4) "Libro de Baptismos de esta Parroquia de San Frnndaco de


Borja que comienza desde el dia veinte y tres de Mayo de r-Y " t -«cientos
y noventa" (1790-1796). Cód. da B. N. I, 7, 2, 20. —Este livro que ficou
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 35

Na organização social dos Povos cabia aos caciques a chefia


de grupos de famílias, em que eles se dividiam, direito que era
transmitido de pais a filhos, por gerações consecutivas. Confor-
me a respectiva população, havia de vinte até quarenta caciques
em cada Doutrina. E estes, com os cabildantes (espécie de Câ-
mara popular), músicos, sacristães, mordomos e oficiais mecâni-
cos, constituíam a nobreza do povo. Para os filhos dessa nobre-
za havia escolas de ler, escrever, música e dança religiosa, tendo
como mestres índios de esmerada instrução. Cardiel, que nos dá
estas notícias, acrescenta: «Aprendem a ler alguns com notá-
vel destreza e lêem línguas estrangeiras melhor do que nós. Deve
ser isto da vista que têm perspicaz e da memória que é ótima.
Também fazem letra muito boa e alguns que se dedicam à letra
de fôrma o fazem com tal perfeição que nos enganam julgando
ser a mesma de alguma boa imprensa». 5 )
Foi o P. Francisco Garcia, à sazão cura de São Tomé, o fun-
dador da Doutrina de São Francisco de Borja. Conhecendo per-
feitamente além do guarani a língua dos guenoas, que falava fluen-
temente, havia já feito várias entradas na Banda dos Charruas,
para catequizar, como veremos, aqueles índios com que fundou, no
Ibicuí, Jesus-Maria, depois anexada a São Borja. '') Natural da
Galícia, Castrodanta, nasceu a 4 de Outubro de 1649, entrando
como noviço para a Companhia em 10 de Fevereiro de 1672. Ter-
minando a sua formação em 1679 foi logo designado para traba-
lhar nas Missões, onde se conservou por espaço de dez anos, apren-
dendo não só o guarani como, principalmente, o idioma guenoa e

em poder de descendentes dos conquistadores de Missões, foi oferecido


ao Conde d'Eu que o fez recolher à Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
Constam do mesmo referências a vinte caciques do Povo de São Borja,
trazendo ainda nomes dos primitivos fundadores de São Tomé, cujos
descendentes conservam cacicados hereditários. Encontram-se ai D. Fe-
lipe Santiago Abaray, descendente de D. Inácio Abaray, que foi o Gene-
ral das forças índias no combate de Mbororé; D. Paulo Tabacacue e dona
Maria Marta Tabacambí, caciques, cujos nomes vêm de velhos troncos
originários de caciques do Tape. E muitos outros a quem oportunamente
faremos referências.
5) Cardiel. Relación verídica— Mss. da B. N. I, 5, 1, 52.
6) Gay. Rep. Jesuítica, 194 ss; 2* edição p. 269-284 reproduz uma
carta do P. Francisco Garcia datada de 10 de Dezembro de 1683, em que
este refere suas entradas na catequese desses índios, neste e nos anos
anteriores. Essa carta vem em Insignes Misioneros do Dr. F. Xarque.
2*
36 AURÉLIO PORTO
afins porque se dedicara com especial cuidado à catequese desse
gentio, de que se tornou um grande amigo. Os índios guenoas fa-
zem-lhe, no processo citado, várias referências. Um destes que
vai a Buenos Aires, declara ali «que não é cristão, mas que o P.
Francisco, de São Borja, deu-lhe o nome de Inácio», que conser-
vou. ") Um outro diz ter sido baptizado «pelo P. Francisco, que
já morreu». Este depoimento é de 1706; mas, o P. Francisco
Garcia deve ter falecido antes de 1701, porque o Catalogus desta
data não registra o seu nome que se encontra nos dois anteriores,
referentes a 1678 e 1681, em que consta estar já três anos nas
Missões.
Durante muitos anos, não só em São Borja de que era cura,
como em Jesus-Maria dos Guenoas que fundara, o P. Francisco
exerceu a sua actividade apostolar. Cuidando das almas dos ín-
dios não descurou do bem temporal deles, procurando dotar esses
povos de boas construções, chácaras bem providas e de uma igre-
ja que estivesse de acordo com a importância da doutrina a que
iria servir. O primeiro templo de exíguas proporções, coberto
de palha, não satisfazia às exigências do culto. E foi nessa oca-
sião, em Irmão José Brazanelli, a mandado superior,
1696, que o
foi assistirno Povo de São Borja, erguendo aí os primeiros esteios
de uma igreja bem traçada, além de superintender a construção
do povo. Muito demorada foi essa construção, pois, devido aos
sucessos militares e guerras com os guenoas e portugueses da Co-
lónia, em que os índios samborjenses tomaram parte activa, e dos
quais participou o Irmão Brazanelli, ainda em 1705 a igreja não
estava completamente pronta, como exporemos detalhadamente na
parte relativa à Arte Missioneira que constituirá o 59 volume des-
ta Série.
Por morte do assumiu a curato de São
P. Francisco Garcia
Borja e adjunta aldeia de Jesus-Maria o P. Tomás Bruno. Nas-
cera em Hibérnia (Irlanda) a 26 de Dezembro de 1635. tendo in-
gressado no noviciado da Companhia a 13 de Novembrb!..$é, 1654,
fazendo os 4 votos em 1695. Era formado em filosofia e teolo-
gia, e havia durante três anos exercido o cargo de Superior das
.

Missões. Começara os seus, trabalhos de catequese, posslvelmen-


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HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 37

te nessa mesma Doutrina de que foi cura, no ano de 1688. Em


1717, de cujo Catalogus são os dados acima, estava nas Missões
do ParagUai.
O Padre Tomás deixou São Borja em 1706, e, não obstante os
choques contínuos da guerra contra os colonistas e guenoas con-
federados, durante todo esse período de administração espiritual
procurou aumentar sensivelmente a sua Doutrina, tendo por com-
panheiro o incomparável Irmão José Brazanelli, que se desdobra
em todos os sectores de sua arte, construindo o templo, erguendo
o povo pelo risco que traçara, abrindo em talha magníficos altares
e adornando-os de estátuas formosíssimas, pois que era notável
escultor, e transmitindo a sua arte a índios que nela mais tarde
se notabilizaram.
Substituiu o P. Tomás o P. Domingos Calvo que, durante
quinze anos, foi cura de São Borja, e adjunto do Povo de Jesus-Ma-
ria. Natural de Tombre de Abajo, Astúrias, nasceu o P. Domin-
gos em4 de Agosto de 1657, tendo ingressado na Companhia, co-
mo noviço, em 18 de Junho' de 1679, sendo ainda em 1681 semi-
narista em Assunção, como refere o Catalogus desse ano. Em
1689, depois de um aprendizado de línguas, foi designado, como
operário missioneiro, para a catequese no Uruguai, assumindo o
curato de Apóstolos que exerceu até 1706. Em 15 de Agosto de
1696 fizera a profissão dos quatro votos. Consta do Catalogus
de 1717 que exercitava, havia 28 anos, a catequese nas Missões,
o que confirma um depoimento que presta em Assunção, onde se
encontra em 1722. 8 )
Sob a administração do P. Domingos assinalam-se aconteci-
mentos de vulto na vida incipiente de São Francisco de Borja.
Pela sua posição, como o mais meridional dos povos jesuíticos, e
aproximação das extensas campanhas em que agem os índios ca-
valeiros, inimigos naturais dos tapes, e contribuição de soldados
para os assédios da Colónia do Sacramento, cabe a essa doutrina
um ónus elevado na defesa comum aos Povos da Banda Oriental
do Uruguai. Adestrados na arte da guerra e tendo como instru-
tor e cabo principal o Irmão Brazanelli que aliava às suas habili-
dades de artista o conhecimento da carreira das armas, inúmeras

8) Tanto autorizado, cit. B. N. I, 29, 3. 43.


38 AURÉLIO PORTO
vezes os samborjenses terçaram suas armas, obtendo assinaladas
vitórias.
Mau grado esse período de graves perturbações na vida da
comuna, com o recrutamento dos operários de mais préstimo,
que são soldados de postos destacados, o povo se desenvolve, cons-
truindo suas casas de material, cobertas de telha, e terminam-se
as obras da igreja que, embora não consagrada ainda, em 1708, já
é aproveitada para as funções do culto, como detalhadamente se
dirá.
Providência aconselhada, que importa na tranquilidade da
Doutrina, a extinção da aldeia de Jesus-Maria dos Guenoas, ane-
xa a São Borja. A luta contra os índios confederados, parentes
e afins dos daquela nação, impunha essa medida que deu em re-
sultado a mudança para N. S. de Loreto, no Paraná, dos antigos
habitantes de Jesus-Maria.
Em um
poderoso exército de 2.000 homens que se or-
1708,
ganizou em São Borja, sob o comando geral do P. Jerónimo Her-
rán, depois de uma perseguição tenaz, caiu sobre as toldarias dos
índios confederados e os destroçou completamente, no dia 14 de
Fevereiro. Morreram centenas de índios de todas as nações, fi-
cando também inúmeros prisioneiros que foram levados para a
Doutrina de Santo Ângelo que, dois anos antes, havia sido fun-
dada nas longínquas paragens do Ijuí.
Pôde assim São Borja retomar o ritmo de sua evolução pro-
gressiva, tornando-se uma das mais importantes Doutrinas das
Missões Orientais do Uruguai.
A população de São Borja, no período estudado, assim se dis-
crimina, segundo as Ânuas já referidas:

óbitos
Anos Almas Famíl. Baptism. i
Cresci- Casa- Viúvos
!

Adultos Crianças mento mentos

1690 .. 2.396 658 188 27 110 51 23 9


1694 .. 2.888 701 224 23 119 82
1698 . . 2.688 695 208 20 118 70 -
1702 . . 2.600 780 200 30 114 56 65
1705 .. 2.572 755 209 49 95 55 38
1707 . . 2.814 757 235 26 77 132 36
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 39

a) Jesus-Maria dos Guenoas.


0

Desde os tempos iniciais da catequese que abria a Banda dos


Charruas, com a fundação de Reyes (Japejú), à sua conquista
espiritual, procuraram os Jesuítas atrair os belicosos guenoas, que
assim eram designados os vários ramos de guaicurús do sul que,
assenhoreando-se do cavalo, depredavam as campanhas aquém e
além -Uruguai.
Intenso foi o trabalho nesse sentido, ficando porém sem re-
sultado prático todas as tentativas feitas. Indomáveis e livres,
refractários à civilização, esses índios, que se dividiam em char-
ruas, iarós, minuanos, mboanes e chanás, fugiam a todo contacto
pacíficocom os Padres e, principalmente, com os tapes, de quem
tinham fundas queixas. E quando se aproximavam das Redu-
ções era sempre em carácter hostil, a fim de combater os tapes,
roubando-lhes gados bovinos e cavalares.
Historiámos, páginas atrás, um m
desses primeiros contactos
com nas proximidades de Japejú, em 1636.
os vaqueiros tapes,
Eram os iarós que iam combater os charruas, pois, não obstante
o próximo parentesco entre todas essas parcialidades, viviam em
guerras contínuas, de que resultou mesmo a extinção de algumas
delas.
Dez anos antes procura o Governador D. Francisco de Céspe-
des uma aproximação amistosa com os aborígenes que domina-
vam a Banda dos Charruas, cujas hostilidades cortra os espanhóis
retardavam o aproveitamento dessas terras. Essa missão foi con-
fiada a Frei João de Vergara, da ordem de São Francisco, em 1625.
Em companhia de outro religioso, Frei Pedro d
^érrez, do Capi-
tão Salvador Barbosa de Aguilar, protector ger 1 dos índios de
Buenos Aires, o Franciscano cruzou o estuárir «provavelmente
na altura de São João ou São Gabriel, e se diri para o Nortei

até uma distância de vinte e cinco a trinta légu: da capital, on-


de sfchou duas cruzes colocadas em sítios distant es como seis lé-
guas uma da outra, por dois espanhóis que o ha iam precedido
na viagem, por ordem do Governador». 9 )
O erudito Azarola Gil assim hostoria essa entrada: «Bem

9) L. E. Azarola Gil. Los orígenes de Montevideo, cit., 37.


10 AURÉLIO PORTO
recebido pelos aborígenes, conseguiu o Franciscano vários cente-
nares da baptismos e deixou estabelecidas duas Reduções que de-
nominou São Francisco de Olivares dos Charruas e Santo António
dos Chanás. Em um de seus informes à Corte, Céspedes chama
esta última de São João de Céspedes. Sustenta-se que a primeira
delas foi o núcleo inicial de São Domingos Soriano, em oposição às
versões conhecidas até hoje, embora é evidente que o missionário
não permaneceu em nenhum desses pontos, regressando a Buenos
Aires em companhia de alguns índios». 10 )
Em data de 4 de Julho de 1626, ainda D. Francisco de Céspe-
des, no intuito de dilatar a catequese, outorgou à Companhia de
Jesus a conversão dos índios das províncias do Uruguai, «vendo
que se abria porta para entrar nas grandes províncias de Uruguai,
Tapes e Biaça ...» 11 )

Referem as Ânuas jesuíticas várias tentativas de aproxima-


ção, intentadas pelos Padres, que entravam nas campanhas do
Uruguai, com o intuito de atrair os belicosos guenoas. Entre es-
tas é conhecida uma entrada que, em 1674, fizeram os índios de
São Tomé e Japejú, em companhia dos Padres para catequizar
os guenoas que demoravam com suas toldarias, ou esteiras, ao sul
do rio Ibicuí.
Conseguiram ser atendidos pelos guenoas, que prometeram
constituir uma aldeia na estância de São Tomé, provavelmente no
Ibicuí, local em que mais tarde encontraremos a povoação de Je-
sus-Maria, que se anexa a São Borja em 1682. Nessa ocasião,
além dos guenoas sempre mais acessíveis do que os outros infiéis,
foi possível entrar os missioneiros em contacto com os iarós, mais
belicosos e refractários à civilização. Depois de um trabalho mui-
to intenso de catequese e de haverem sido baptizados muitos dos
principais caciques do bando encontrado, ofereceram-se setenta
iarós a reduzir-se junto às Doutrinas da Companhia.
Foi, porém efémera essa redução, pois, seduzidos novamente
pela vida livre e selvagem, desertaram quase todos os índios, vol-
tando às suas toldarias nas campanhas do Uruguai. estes da-A
vam os Padres o apodo de apóstatas, segundo as crónicas da épo-

10) Idem, ibidem, 37.


11) Idem, Doe. 213, 214.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 41

ca. Encontram-se assim muitos guenoas eque conserva-


iarós
ram de seu baptismo, embora voltando à vida nómade das estei-
ras, os nomes cristãos que os Padres lhes haviam dado. Entre
estes conhecem-se os caciques guenoas Inácio, D. Gregório e D.
José, que foram baptizados pelo P. Francisco Garcia. As parcia-
lidades de que se compunha a nação guenoa tinham como caciques
os índios Jaguaretê, Cloiam, Guaiancai, Nocuibilen, Mazadar e To-
moí, ou D. José, Mazelo, D. Gregório. Estendiam-se em doze tol-
darias e era chefe principal de todos o cacique Zavati. Andavam
em constante com as
conflito outras nações, atacando também
espanhóis e portugueses da Colónia que se aventuravam a fazer
vacarias na campanha. Numa dessas ocasiões mataram um Fra-
de português que estava fazendo couros, vindo daí o topónimo
uruguaio de «Frayle Muerto». 12 )
Foi o P. Francisco Garcia o verdadeiro apóstolo dos guenoas.
Depois de um bom curso de filosofia e de ter sido professor de gra-
mática no seminário de Assunção, 13 ) foi designado cura de S.
Tomé. donde passou o Uruguai à frente da colónia desse Povo que
ia fundar São Borja, em 1682. Antes, porém, já exercera a sua
actividade nas campanhas da Banda Charrua, em que fez várias
entradas. Dedicou-se principalmente ao estudo da língua gue-
noa e das outras nações, cujos dialectos pouco diferiam dessa lín-
gua. Segundo Hervás «os índios iarós são tribo da nação gue-
noa e se crê que também o sejam as nações dos minuanos, boanes
e charruas. Os minuanos e charruas têm a língua um pouco di-
ferente da que falavam as tribos de nação guenoa». 14 ) Quando
da expulsão dos Jesuítas, informa o autor do Catálogo de línguas,
ficaram na doutrina de São Borja alguns manuscritos em língua
guenoa, falada por esses índios que os Padres incorporaram à sua
missão de guaranis.
Ao P. Francisco Garcia deve-se a fundação, junto ao rio Ibi-
cuí, da aldeia de Jesus-Maria dos Guenoas que provàvelmente pre-
cedeu por pouco à de São Francisco de Borja, fundada com índios
tapes da antiga São Tomé, retransmigrados para a banda orien-
tal, à qual depois se agrega.

12) Hostilidades dos índios guenoas. B. N. Mss. I, 29, 3, 69 e 70.


13) Catalogus publicus, cit, 1783.
14) Lorenzo Hervás. Catálogo de lengua-s. Madrid. 1800. Vol. I, 197.
42 AURÉLIO PORTO
A Ânua de 1693 nos informa sobre as actividades do P. Fran-
cisco entre os guenoas. «Outras missões fizeram-se também este
ano da Doutrina de Jesus-Maria, que é de gente nova guenoa, mui-
to diferente das mais e de idioma mais difícil que o guarani e a
cuja conversão, há muitos anos, por saber seu idioma, se tem apli-
cado com não pequeno afã e fadiga o P. Francisco Garcia, indo
por dilatadas campanhas, sofrendo frios e sóis, e outras incle-
mências do céu a procurá-los e solicitar a sua conversão e às ve-
zes com perigo da vida». 15 )
Em todas as Ânuas desse período dão os Superiores notícias
sobre o trabalho intenso dos Padres, nessa conversão, e o pouco
resultado obtido. «Esta nação é vagabunda e não tem ponto per-
manente, vivendo em qualquer parte onde encontra a sua conve-
niência, debaixo de umas esteiras que quando vão de uma para
outra parte, levam sobre os cavalos e com umas varas amarram
logo as esteiras que lhes servem de casa e habitação». E, em
1690, dizia o Superior: «Várias saídas se fizeram em busca de
infiéis, mas estes não corresponderam ao intenso trabalho e gasto,

que por bem de suas almas se tem feito. N. S. se apiade de tão


duros corações e os abrande, que já tantos anos avultam todas as
diligências e suores de tantos Padres».
Nessa ocasião três iarós, «de nação diferente e inimiga dos
guenoas, mas hoje em paz com
vieram ver o Povo que lhes
eles»,
pareceu bem. Um foram dar notícias a seus
ficou e os outros
parentes, havendo esperanças de que voltem. Em 1693, numa
das saídas do P. Francisco, conseguiu ele trazer maior número,
que teria sido mais promissor se não se tivesse dado um incidente
com um tape, pelo que fugiram alguns guenoas. «Trouxe o Pa-
dre só sete infiéis e um cristão novo (apóstata) que com outros
dois ou três, lembrando-se da liberdade que em sua gentilidade
gozava, sem o cuidado e as obrigações de cristão, voltou aos cam-
pos. São 28 ao todo os que desta nação se trouxe este ano». ,r> )
Jesus-Maria havia sido fundada pelo P. Francisco com 300
almas, mais ou menos, divididas em cerca de 70 famílias. Difícil

15) B. N. Mss. I, 29, 7, 63. A carta referida de 1683, do P. Garcia,


[Gay, 1981 dá o relato de suas actividades anteriores a esse ano, junto
aos charruas.
16) Anua I, 29, 7. 63. cit.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 43

foi a conversão desses guenoas, muito contribuindo para este re-


sultado o cacique dessa toldaria que recebeu no baptismo o nome
de Xavier. Morreu o Capitão Xavier em 1691, sendo grandemen-
te considerado pelos Padres e índios. .Além de ser um cristão per-
feito pelas suas virtudes e exemplos, concitava sempre os seus a
perseverarem na religião. Devoto e obediente foi o elemento prin-
cipal da aldeia e mereceu os maiores elogios como cristão e exem-
plar catecúmeno.
O cura de São Borja superentendia a aldeia de Jesus-Maria.
Como vimos, substituiu ao P. Francisco o P. Tomás Bruno e, em
1706, o P. Domingos Calvo. Muito auxílio prestou também a essa
povoação o Irmão José Brazanelli que, desde 1696 assistia em São
Borja, não só como construtor de sua igreja, mas fazendo várias
entradas nas vacarias e nos assédios contra os portugueses.
Não prosperou, como esperavam os Jesuítas, a aldeia dos gue-
noas. Sua população que era em 1690 de 334 almas, ao ser ex-
tinta, em 1708, não atingia a 200, pelas defecções diárias de seus
habitantes. A origem principal desse insucesso encontra-se na
inadaptação desses aborígenes à vida policiada dos cristãos e no
trabalho feito pelos portugueses da Colónia do Sacramento que
conseguiram atraí-los e associá-los às vacarias do Pampa. Todas
as tribos de índios cavaleiros, principalmente os minuanos, liga-
ram-se logo aos colonistas, fazendo largas transacções de gados,
couro, sebo, cavalos e éguas, recebendo por isto vantajosas pro-
pinas. E industriados, mais tarde, pelos seus aliados portugue-
ses, promoveram uma confederação para destruir as aldeias dos
Jesuítas e atacar os postos castelhanos.
Ao reocuparem a Colónia, após o in-
restituída a Portugal,
sucesso de D. Manuel Lobo, compreenderam os portugueses a ne-
cessidade de atraírem a si as parcialidades de selvagens que do-
minavam as campanhas da Banda dos Charruas. Nesse sentido
envidaram todos os esforços conseguindo que os principais caci-
ques minuanos se aproximassem do real, enchendo-os de mimos e
dos presentes que eles mais apreciavam. Em 1702, organizada a
confederação dos guenoas, que tinha por fim hostilizar os Padres
das Doutrinas e os castelhanos, ofereceram-se minuanos, charruas,
chanás, mboanes e serranos para se localizarem na Colónia e se
baptizarem. Levada essa pretensão ao ''Conselho Ultramarino foi
44 AURÉLIO PORTO
este de parecer que se reduzissem no sítio denominado Riachuelo,
sob a direcção de Padres portugueses da Companhia, pedindo-se
ao Provincial do Brasil encarregasse dessa direcção ao P. «Luís
de Amorim, sujeito digno pelo seu talento». 17 )
Não se realizou essa fundação em virtude dos acontecimentos
que sobrevieram com o novo ataque à praça e sua evacuação em
1705. Entre os assentos de baptismos da Colónia do Sacramento,
(1690-1705) constam os de vários gentios da terra, especialmente
minuanos que mais se aproximaram dos colonistas. 1S ) Quando
o Governador Veiga Cabral se retirou da praça portuguesa em
1705 «levou consigo para o Rio de Janeiro uma índia minuana,
irmã do cacique Loya (Cloyan), que havia sido baptizada e se
tornara cristã. Ao chegar o Governador Barbosa, à Colónia, em
1718, foram ter com ele os caciques Macadar, D. Francisco e Loya,
este último capitão de 1.200 índios, pedindo-lhe fosse devolvida a
irmã e que eles também queriam ser baptizados, tornando-se ami-
gos dos portugueses». Informa o Governador ao Conselho que os
minuanos contam mais de 5.000 índios, sendo somente mais avul-
tados do que eles os Tapes das Reduções jesuíticas. Barbosa con-
seguiu captar-lhes as simpatias, ficando eles ainda mais amigos
dos portugueses. 19 )
Outros Governadores da Colónia e os lagunistas que penetra-
vam no território em que existiam as suas toldarias continuaram
essa amizade, dando-lhes mesmo, aos principais caciques, varas
de autoridade, e ao chefe da nação a de capitão-mor.
Foi à instigação dos colonistas que se organizou a Confedera-
ção dos Guenoas, nome genérico que abrangia todas as parciali-
dades de índios campeiros que perambulavam pelo Pampa. Os
próprios iarós, os mais selvagens de todos, aderiram à rebeldia
geral e foram os primeiros que assolaram a estância de Japejú,
depredando-a, matando vários índios cristãos e roubando cavalha-
das e gados que vendiam na Colónia. Há sobre o assunto copio-
sa documentação na Colecção de Ângelis, da Biblioteca Nacional
do Rio de Janeiro.

17) Inst. Hist. Brás. Livros do Cons. Ult. Vol. 23 fls. 67.
18) Assentos' de Baptismos etc. da Colónia do Sacramento (1690-
1705 ) 3' L. Casamentos da Sé. fls. 137. Câmara Ecles. Rio de Janeiro.
19) Cons. Conselho Ultram. Cod. Mss. Inst. Bras. L. 25' fls. 50 v.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAI S DO URUGUA I 15

Durou essa guerra causando aos Povos jesuíticos


oito anos,
grandes prejuízos em gados e em homens, organizando os Padres
verdadeiros exércitos de catecúmenos para batê-los.
Em 1701 iniciaram os confederados as suas hostilidades, cain-
do sobre o povo de Japejú, onde mataram 140 catecúmenos cris-
tãos, saquearam e queimaram a igreja, destruindo as imagens e
objectos sagrados. Transpondo novamente o Uruguai, situar am-se
na estância de São José, daquele Povo, que ficava ao sul do rio
Ibicuí, apropriando-se dos gados que nela existiam e prejudican-
do a todas as Doutrinas que ali se supriam de carne para alimen-
tação.
Ciente o Governador desses sucessos determinou aos Padres
organizassem um corpo de 2.000 índios que, no ano seguinte, sob
o comando do Mestre-de-Campo D. Alexandre Aguirre, saiu for-
temente armado, «para castigar os infiéis iarós, mboanes, char-
ruas e seus confederados», 20 ) que talavam aquelas campanhas.
Levaram os índios cristãos 4.000 cavalos seus, 2.000 mulas e 2.000
vacas. Percorreu o exército mais de 150 léguas, indo afinal en-
contrar o inimigo com suas esteiras nas margens do rio Yi, a 6
de Fevereiro de 1702. Renhido e sangrento foi o combate tra-
vado, retirando-se o inimigo para as matarias próximas onde se
fortificou e durante cinco dias combateu valentemente o exército
missioneiro. Tinha este a vantagem de armas de fogo com que
pôde dominar e vencer os infiéis que em sua maior parte foram
mortos, caindo em poder dos atacantes número superior a 500
mulheres e crianças que foram distribuídas pelas Reduções.
Além de grande quantidade de feridos, perderam os cristãos
12 soldados e capitães, contando-se entre os últimos um de São To-
mé e outro de São Lourenço.
Em 1704 houve novamente incursões de guenoas, saindo para
combatê-los uma tropa de índios e espanhóis, tendo aqueles por
comandante o Irmão José Brazanelli. 21 ) Coincidiu isto também
com a organização de um exército de 4.000 tapes, que pôs cerco
à Colónia do Sacramento, obrigando os portugueses a evacuar a

20) Padre Nusdorffer. Relação de serviços, cit.


21) Pleito sobre Vacarias, cit. Dep. Irmão Brazanelli.
46 AURÉLIO PORTO
praça. Sobre essas novas depredações «dos índios bárbaros, a
que chamavam Frentones, e que eram compostos de guenoas, ia-
rós, mboanes e charruas», existe na Biblioteca Nacional copiosa
documentação, em volumosos autos de um processo intentado con-
tra os mesmos índios, em data de 16 de Fevereiro de 1705. 22 )
Enquanto o exército cercava a Colónia, os infiéis, fazendo di-
versão pela campanha, atacavam as sentinelas espanholas, ma-
tando bàrbaramente os índios que encontravam. Ainda em 1706
continuavam essas tropelias, com a morte de muitos cristãos e
depredações das estâncias dos Povos. Além disso, roubaram 400
cavalos de El-Rei acusando os tapes dessa façanha. Resultou daí
um longo processo contra os índios cristãos, intentado pelas auto-
ridades de Buenos Aires.
Xo ano seguinte recrudece a guerra dos Confederados, tendo
os cristãos um encontro com 12
conseguindo matar o
toldarias,
cacique Mazelo, chefe da maior parcialidade de minuanos. Domi-
navam os bárbaros toda a região de Japejú, cuja estância e Povo
assolavam continuamente, matando índios, mulheres e crianças, e
levando presos para suas toldarias muitos cristãos. Em virtude
desses acontecimentos resolveu o P. Salvador de Rojas, Superior
das Missões, que estava em São Borja, organizar um novo exér-
cito para exterminar definitivamente esse inimigo cruel dos ta-
çes. Foram designados para comandá-lo o P. Jerónimo Herrán
e o Irmão José Brazanelli. Acampava o corpo já nas proximida-
des das toldarias dos infiéis quando um parlamentário trouxe ao
P. Jerónimo «uma declaração do Governador de Buenos Aires que
esses infiéis estavam sob a sua protecção». 23 ) Mas, inevitável
foi o choque entre as duas forças e em 14 de Fevereiro de 1708 o
P. Herrán comunicava ao Provincial a exterminação completa de
todos os guenoas e afins, de que morreram a maior parte, ficando
muitos prisioneiros. Por essa vitória mandou o Provincial se re-
zassem solenes Te Deum laudamus em todos os Povos. 24 )
Em 1707 a situação não se modifica. Sob o comando do ca-
cique Cloyan os guenoas caíram sobre os índios vaqueiros das Mis-

22) B. N. I, 69 a 71.
29, 3,
23) Ânua 1708. N. I. 29, 7, 83.
B.
24) Sobre la guerra con los guenoas, etc. B. N. I, 29, 3, 71.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 47

fcões, que transportavam das vacarias uma


tropa de 22.000 cabe-
ças de gado, 500 cavalos e 200 mulas. Depois de desbaratá-los,
matar e ferir a muitos catecúmenos, apropriaram-se desses ani-
mais que conduziram para seus campos. Por outro lado os iarós
e mboanes atacaram o Povo de Japejú, matando e ferindo alguns
moradores dali e aprisionando mulheres e crianças.
Procuraram os Padres pacificá-los, mandando que os guenoas
cristãos de Jesus-Maria fossem falar com seus parentes e os atraís-
sem àquela Redução. Atendeu o cacique Cloyan, chefe principal
dos índios confederados, indo à aldeia de Jesus-Maria falar ao P.
Provincial Salvador de Rojas que o esperava. Tratado com to-
do o carinho, e cumulado de presentes, não acedeu, entretanto, às
solicitações do Provincial, mas, pelo contrário, reafirmou a von-
tade dos índios campeiros de continuar a guerra contra os tapes
e os Padres.
Isto afectou profundamente os moradores de Jesus-Maria.
Muitos fugiram para se reunirem a seus parentes e outros deram
a entender que essa situação havia sido criada pelos Jesuítas, que
não souberam atrair os guenoas.
Temeram, então, os Padres uma revolta em Jesus-Maria, que
importaria na destruição do Povo de São Borja e com habilidade
procuraram extinguir aquela redução. Precedeu esse acto a de-
claração de que eram livres os que, rompendo com os laços da
religião, quisessem voltar à vida nómade de seus parentes. Mui-
to pequeno o número dos que abandonaram a aldeia. A maior
parte, passante de 150 almas, foi removida para o Paraná, sendo
Jesus-Maria dos Guenoas anexada à Doutrina de N. S. de Loreto,
donde, ainda muitos anos depois, as Ânuas jesuíticas trazem re-
ferências. 25
)

A
população de Jesus-Maria dos Guenoas até a sua mudança
para o Paraná, em 1708, foi a seguinte:

25) Ânua do Padre Salvador de Rojas. 1708. B. N. Mss. I. 29, 7, 83.


48 AURÉLIO PORTO
-

Óbitos
Anos Almas Famil. Baptism. Cresci- Casa- Viúvos
Adultos Crianças
|
mento mentos
i

1690 .. 334 74 51 20 | i 20
— -6
1694 .. 298 89 44 9 32 |
3
1698 . 200 80 30 8 16 1 6
1702 .. 200 79 32 10 19 1

3
1705 .. 288 97 41 5 12 |
24 8
1

2 — São Nicolau.

Originário da própria região para que retorna, no dia 2 de


Fevereiro de 1687 20 ) o Povo de São Nicolau, como historiámos,
foi um dos mais prósperos e o mais antigo das reduções jesuíticas,
devendo a sua fundação aos Padres Roque González e Miguel de
Ampuero, em 1626, 27 ) mais ou menos na situação de 289 26' de
lat. S. e a 12 ç 24' de long. O. do Rio de Janeiro, conforme deter-

minação de Rego Monteiro. 28 )


Em 1637, ante a iminência da invasão bandeirante, que che-
gou a talar os seus campos, emigrou para a banda ocidental do
Uruguai, lccalizando-se entre as antigas reduções de Conceição e
Santa Maria Maior. Em 1651 fundiu-se com a redução de Após-
tolos, também procedente do Tape, antiga Santos Apóstolos São
Pedro e São Paulo, que ficaria, segundo D. Félix de Azara, entre
27« 54' 43" lat. S. e l 9 51' 41" de long. Voltou para o Rio Gran-
de do Sul, como já se disse, em 1687, indo ocupar, segundo Azara,
o ponto de origem, isto é, a situação de 28" 12' 0" de lat. S. e 2
o

21' 7" long. o que coincide, mais ou menos com a actual posição
desse povoado, hoje pertencente ao município de São Luís.
Da data de sua fusão até trasladar-se para a banda oriental
do Uruguai, conserva essa redução o nome de Apóstolos, na anti-

26) C. Teschauer. História do Rio Grande do Sul. Biblioteca Vati-


cano. Cod. vatic. ex latinis mss. 8.215. Há, nas Anuas da Col. de Ang.
uma solução de continuidade, sendo a primeira que se refere às Missões
a de 1690.
27) L. G. Jaeger, Os Três Mártires Riograndenses, cap. 20.
28) Antigas reduções, etc. cit.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 19

ga cartografia jesuítica, só retomando o de São Nicolau ao se fi-


xar novamente na região missioneira do Rio Grande do Sul.
Em 1661 constava essa doutrina de 919 famílias. Sob a di-
recção dos Padres eram os índios aplicados, profundamente reli-
giosos, dedicandc-se à lavoura em suas chácaras, e às artes. En-
tre estas, como mais detidamente apreciaremos, destacavam-se a
música, a escultura e a pintura, de cujas escolas saíram elemen-
tos aproveitáveis que vêm, mais tarde, constituir, na nova Missão,
um núcleo artístico de grande valor. Em 1671, terminavam os
índios um notável retábulo para o altar-mor «que foi feito com
grande aplicação e gosto pelos oficiais deste Povo». 29 ) E que
esses artistas prosperaram, irradiando daí a sua arte, nos mos-
tra o P. António Sepp, fundador de São João Baptista, em 1697,
que informa ter sido construído na redução de São Nicolau um
altar lateral para aquele Povo, dedicado a Santo António de Lis-
boa, e que custou mil pesos. Ali «se achavam os escultores mais
hábeis».
Ocupando, em 1687, o antigo posto em ruínas, qué havia sido
a primeira S. Nicolau, à margem do não muito dis-
rio Piratini e
tante do rio Uruguai, consagraram -se, imediatamente, à restau-
ração das taperas, cinquenta anos antes abandonadas pelos seus
maiores. Eram em número de 3.000 pessoas as que retransmi-
gravam, trazendo cada família as suas carretas, móveis, roupas
e utensílios, além de grande cópia de semoventes. Um ano de
trabalho exaustivo, na povoação e nas lavouras, havia já dado um
aspecto melhor à Doutrina que se reerguia sobre velhos escom-
bros, quando uma desgraça caiu implacàvelmente sobre a aldeia.
Um furacão desvastador «destruiu todo o povo, estragando no-
tàvelmente a igreja, casa dos Padres que a ladeava, com morte
de alguns índios, índias e crianças, que chegaram a 24». 30 ) Ao
furacão sucedeu a queda de granizos de tamanho descomunal que
matou, nos campos, mesmo distantes, grande quantidade de gado,
como informa o P. Alonso dei Castillo. 31
)

No ano seguinte, ainda não refeito dessa cruel provação, ex-

29) B. N. Mss. I. 29, 7. 50.


30) B. N. Mss. I, 29, 7, 63.
31) B. N. Mss. I, 29, 3, 43.
50 AURÉLIO PORTO
perimentou o povo outra mais desoladora ainda. Um grande in-
cêndio, que teve origem numa casa coberta de palha, alastrou-se
por toda parte, devorando a igreja, casa do Padre e a maior par-
te da povoação. Na Ânua de 1690, o provincial Padre Salvador
de Rojas, dando notícias dessas duas calamidades que abateram
sobre São Nicolau, informa que «com todas essas desgraças não
desanimaram os índios e vão recompondo o seu povo e reduzin-
do-o da mélhor forma ao estado em que se encontrava antes des-
sas desgraças». 32
)

Ã
entrada do Povo, no caminho que conduzia para as suas
chácaras e lavouras, erguia-se uma pequena ermida consagrada
a Santo Isidro Lavrador, em cujo altar se via uma imagem desse
protector da agricultura, lavrada em madeira pelos próprios ín-
dios. Tinham estes, pelo santo, particular devoção. Quando as
secas ameaçavam destruir as suas colheitas, ou quando as in-
tempéries as prejudicavam, ou ainda quando as pragas abatiam
sobre as plantações, apelavam para Santo Isidro Lavrador, con-
duziam-no em procissão até à porta da igreja e rara era a vez em
que o Santo não intercedesse por eles, «pois faltando por duas
vezes as chuvas, levaram a imagem do Santo
até à porta da igreja,
rezando todos os seus rosários e logo conseguiram a graça impe-
trada». 33 ) E não só pelas colheitas o Santo intercedia. «Tam-
bém tem velado pela saúde das crianças enfermas, cujas mães as
levam ante a imagem do Santo, cuja ermida, à ida e volta de suas
chácaras, visitam constantemente».
Em vez de desanimá-los, essas desgraças que abatiam sobre
o Povo mais serviam para lhes retemperar a fé. As novas gera-
ções, cujo carácter fora plasmado pelo Jesuíta, eram profunda-
mente piedosas e crentes. Numa evolução constante para o bem,
pela glória do Senhor, haviam contraído hábitos de trabalho, e
sólidas virtudes cristãs. Trabalhavam. Lavradores, artistas, va-
queiros, soldados eram, na afirmação unânime dos Padres, admi-
ráveis propulsores de uma civilização cristã construída sobre a
primitividade de uma vida simples que lembrava as origens do

32) B. N. Mss. I, 29. 7. 50.


33) B. N. Mss. Ânua do Padre Salvador de Rojas para o ano de
1690. I. 29, 7. 63
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 51

cristianismo. Nas páginas das Ânuas, cheias de um intenso fer-


vor religioso e em que tudo se envolve num doce e suave encanto
de fé inexaurível, respigam-se factos demonstrativos de virtudes
que vão até o sacrifício. As mulheres, principalmente, reves-
tem-ue de um halo de pureza. Não cedem às tentações do pecado.
Muitas e muitas, solicitadas a pecar, preferem a morte ou a se-
rem brutalmente espancadas, como várias vezes sucedeu, antes
que quebrar os laços fortes da castidade que as prendem à prática
da virtude.
Reconstrói-se ràpidamente o povo de São Nicolau. Na Ânua
de 1691 aparecem já largas referências ao trabalho de reedifica-
ção da Doutrina. Para isto os índios, homens, mulheres e crian-
ças, sob a direcção dos Padres, fabricam grandes quantidades de
telhas de barro com que são cobertas as casas de paredes de ado-
bes. Os carpinteiros trabalham exaustivamente nas obras que
lhes correspondem, trazendo a madeira dos matos do rio Ijuí, e
até os escultores abrem, nas colunas para a igreja, ou nas traves
que encimam as portas das casas, relevos de motivos religiosos.
A povoação é traçada a cordel. As ruas já são mais largas.
Ocupam-nas, de lado a lado, 23 casas muito compridas, de muitos
compartimentos, todas cobertas de telha. Nesse ano, já estava
muito adiantado o trabalho de reconstrução, esperando o Padre
que, com mais dois anos, todas as obras ficariam completamente
prontas e São Nicolau uma das mais belas povoações missioneiras.
A casa do Padre, que mereceu cuidado especial dos índios era,
pela arquitectura e pelo conforto que apresentava, já concluída, a
mais linda do povo. Compunha-se de dois lanços e estava ao lado
da igreja, em frente à praça e bem aparelhada.
Erguida a igreja, que já era um templo apreciável, tratou-se
logo de adorná-la de alfaias, estátuas ç pintura^. Os índios artis-
tas, cada qual no seu género, procuravam esmerar-se na execução
de obras para embelezamento do templo. Um púlpito lavrado, al-
tares de talha, grandes imagens de Santos e dois retábulos late-
rais, já em 1708, enriqueciam o templo, afervorando a religiosida-
de dos catecúmenos.
Terminara a fase fundacional das reduções com o erguimen-
to do último dos Sete Povos, que era o de Santo Ângelo, e as Mis-
52 AURÉLIO PORTO
soes Orientais iniciavam os passos para atingir o fastígio de seu
esplendor, como diremos, apreciando-as mais tarde em conjunto.
Dão-nos os documentos referentes a esse período sugestivas
estatísticas relativas ao crescimento das populações missioneiras.
Os dados referentes a São Nicolau, extraídos das respectivas
Ânuas, assim podem ser resumidos:

1
óbitos
Anos Almas Famíl. Baptism. Cresci- Casa- Viúvos
Adultos Crianças mento mentos

1687 .. 3.000 -
1690 .. 3.648 870 25 49 47 80 89 10
1694 .. 5.315 1.040 243 97 102 84 56
1698 .. 5.819 1.066 259 52 84 123 136
1700 .. 5.279 1.119 315 42 117 156 85 54
1702 .. 4.699 1.216 335 74 151 110 61
1705 .. 4.927 1.208 350 48 124 178 13
1707 .. 5.386 1.262 327 61 150 116 99 -

Era Superior das Missões, em 1687, por ocasião da retrans-


migração dos Povos, o Padre Alonso de Castillo que, em pessoa,
escolhido o local em que eles se deveriam fixar, acompanhou os
colonos que fundaram São Nicolau e, mais tarde, os de São Luís
até o Caaçapá-mini, onde ainda se encontravam vestígios da an-
tiga redução de Candelária, que florescera entre o Ijuí e Piratini.
Decorrem essas informações de um bilhete datado de 29 de Maio
de 1699, em que esse sacerdote, no pleito de terras entre São Xa-
vier e Conceição, faz interessantes referências à mudança dos dois
primeiros Povos que cruzam o Uruguai. 34 )

A
primeira notícia que se tem relativamente à direcção espi-
ritual de São Nicolau refere-se ao cura P. Anselmo de la Mata,
que ali esteve até 1698. E' possível que tenha sido o fundador
do Povo. Certo, entretanto, é que foi construtor da sua igreja,
pois, em 1696, segundo informa o P. Avendano, cura de São Luís,

34) Pleito de São Xavier. Depoimento do Padre Alonso de Castillo.


B. N. I, 29. 3. 43.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 53

o P. Anselmo tinha «no outro lado do Ijuí grande quantidade de


cedros cortados e por cortar para edificar a sua igreja». 35 )
Nasceu o P. Anselmo de la Mata em Sevilha, Híspalis, a 30
de Novembro de 1658, tendo ingressado na Companhia em 13 de
Junho de 1673. Filho de pais nobres preferiu ao conforto
do lar as gloriosas agruras das missões entre selvagens e solicitou
passar da Andaluzia para o Paraguai, em cujas missões trabalhou
mais de 12 anos, consagrando outros tantos aos colégios de San-
ta Fé e Buenos Aires, tendo sido também Reitor do colégio de
Corrientes. A São Nicolau, que fundou è deu magnífica organi-
zação, dedicou o Padre as suas melhores actividades, provendo
com incansável esforço não só às necessidades espirituais como
as temporais, construindo-lhe igreja, delineando o povo e compar-
tindo com seus fregueses de todas as calamidades que desencadea-
vam sobre a nascente povoação. Depois de uma vida de edifican-
tes exemplos, o P. Anselmo faleceu na redução de Candelária,
para onde se recolhera, no dia 10 de Dezembro de 1732, com a
idade de 74 anos, 59 de Companhia e 40 de profissão de quatro
votos. 37
)

Deve ter substituído ao P. Anselmo que, em 1698, já se en-


contrava em
Assunção, o P. Matias de Perea que, no primeiro
lustro do século XVIII, se encontra dirigindo a curazia de São Ni-
colau. Nasceu o P. Perea na Beócia a 24 de Fevereiro de 1660,
tendo ingressado na Companhia a 2 de Março de 1676. Tinha o
curso de filosofia e teologia e fora durante muitos anos emprega-
do na catequese do gentio. Consta seu nome ainda do Catalogus
de 1715, que nos fornece outras indicações. Iniciara seu minis-
tério em 1685 e no ano seguinte seguiu para as Missões onde as-
sistia, em 1715, desde 29 anos. Fizera os quatro votos a 15 de
Agosto de 1695.

3 — São Luís Gonzaga.

Pouco depois da fundação de São Nicolau, no mesmo ano de


1687. estabeleceu-se, 10 léguas a Oriente daquele, o segundo dos

35) Idem, ibidem. Depoimento do Padre Francisco de Avendafio,


36) Catalogus. 1681 e seguintes.
37) B. N. Ânua de 1735. I. 29, 7, 106.
AURÉLIO PORTO
povos missioneiros, que tomou o nome de São Luís Gonzaga. Pro-
cedia de Conceição, de que mais tarde sairia outra colónia — San-
to Ângelo — que se fixaria no vale do Uruguai.
Era Conceição a mais antiga das reduções ocidentais desse
rio. Fundada pelo P. Roque González de Santa Cruz, a 8 de De-
zembro de 1619, estava situada a 27 9 58' 44" lat. S. e 2<? 3' 47"
da long., segundo Azara. Foi daí que partiu o P. Roque, como
fica historiado, para a conquista espiritual do Uruguai e do Tape.
Aí nasceram os dois Nicolau Nenguirú, cujos nomes ficaram na
história das Missões como símbolos de fé e de bravura, e daí par-
tiram os pioneiros da civilização jesuítica que, unicamente com a
cruz na mão e um alto ideal de fraternidade humana no ooração,
fizeram de povos infiéis esteios admiráveis de cristandade.
Conceição acolheu desde o princípio todos os outros Povos
que a invasão bandeirante obrigava a desamparar as terras em
que viviam. Os do Guairá, em grande parte, foram recolhidos a
essa redução quando, em memorável êxodo, tiveram que baixar de
suas primitivas aldeias. E assim sucedeu com os índios do Tape,
em 1637, sob a pressão da bandeira de Raposo Tavares e, mais
tarde, com os de Caaguaçú, em Itatines, quando também acossa-
dos pelos paulistas, que destruíram as suas Reduções. Foi assim
um centro de miscigenação das duas grandes nações — tape e
guarani — que dominaram os vales do Uruguai e do Paraná, aí
se fundindo, em meio século de vida comum.
Contribuiu Conceição com o maior contingente de índios cris-
tãos para o repovoamento das Missões Orientais, fundando as co-
lónias de São Luís e de Santo Ângelo num período de 20 anos que
decorre de 1687 a 1706, fornecendo para isso 5.801 almas, sendo
2.922 para São Luís e 2.879 para Santo Ângelo. Contava essa
doutrina, quando mandou a primeira leva de povoadores de São
Luís, 5.000 almas aproximadamente. Em todas as ocasiões em
que se fazia mister destacar um corpo de tropa para a defesa das
reduções e, mais tarde, para o assédio da Colónia, contribuía Con-
ceição com os maiores destacamentos, sob o comando de chefes
experimentados, como aconteceu em 1680 em que forneceu um
esquadrão de 275 índios, que obedeciam às ordens do Alcaide-Mor,
Capitão D. Francisco Aguara.
Foi também um centro de grandes actividades artístico-in-
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 55

dustriais e empório de tecidos, erva-mate e gados. Em 1650, o


P. Pedro Canigral estabeleceu escolas e oficinas de pintura, es-
cultura e obras de talha, industriando nessas artes os índios que
se tornam habilíssimos artistas. A música mereceu também des-
taque apreciável entre os índios dessa redução.
Foi, como dissemos, em 1687, que uma colónia de mais de
2.500 almas, desligando-se de Conceição, foi-se localizar no Caaça-
pá-mini, passando depois para o local, em ponto ameno, à margem
do arroio Chimbocú, afluente do rio Piratini, a 260 metros de al-
titude, assinalado pelas coordenadas de 28° 23' 53" lat. S. e 54-
58' 18" long. O. Greenw., onde ainda actualmente se encontra a
cidade de São Luís. Dessa colónia constavam descendentes das
antigas reduções do Tape, São Joaquim e Santa Teresa, cujos re-
tirantes haviam sido acolhidos em Conceição,
mudança e estabelecimento de São Luís Gonzaga
Presidiu à
o Superior das Reduções P. Alonso de Castillo, como consta do
depoimento já citado, em que diz textualmente referindo-se a ter-
ras que tocavam a São Xavier: «O Padre Silvério Pastor tinha
ali algumas lavouras e eu estive nelas também e com essa tenção

quando se passavam os índios de São Luís ao Caaçapá-mini, 38 )


sempre andei eu com esse cuidado de que as terras que se lhe da-
vam não tocassem até ali; e também soube tinham sua estância
de vacas os de São Xavier em um campo detrás desses matos,
por sinal que as maltratou uma furiosa tempestade que destruiu
o Povo de São Nicolau recém mudado e com o granizo perece-
ram algumas e isto há quase 12 anos 39 ) de sorte que jamais
Tnivi tivesse outro Povo domínio algum nessas terras, matos e
estância, . torno a dizer que eu não consenti jamais que nem
. .

os índios de São Nicolau ou outros passassem seus limites além


da outra banda do Ijuí». 40 )

38) Antiga redução de Candelária, entre o Ijuí e Piratini, com as


coordenadas prováveis íRego Monteiro) de 28' 32' lat. S. e 11* 52, long.
O. Rio de Janeiro. Conforme a referência, secundada por Cardiel, parece
ter S. Luís sido fundado no Caaçapá-mini e transladado para o posto em
que está. Em "Breve notícia de las Misiones" diz Cardiel: "Se fueron
ros de São Luís) al Caaçapa-mini, despues en el sítio junto de onde hoy
están", Teschauer. Hist. L 396.
39) O depoimento do Padre Castillo é de 29 de Maio de 1699, coin-
cidindo os 12 anos antes com a data de 1687, da fundação dos Povos.
40) Depoimento citado. B. N. I. 29, 3, 43.- O Padre Alonso de Cas-
56 AURÉLIO PORTO
Acompanhou a mudança como primeiro cura de São Luís o
P. Miguel Fernández, que foi também depois cura de São Louren-
ço. No depoimento que presta no mesmo pleito citado, depois de
dizer «que foi a outra banda na ocasião da mudança do povo de
São Luís», informa que, nesse tempo, «cuidando eu do Povo de
São Luís, e pedindo ao P. Alonso de Castillo, Superior então das
Doutrinas, me concedesse os matos da outra banda do Ijuí-guaçu,
me respondeu S. R. 9 que não podia dar ditos matos por serem de
São Xavier, e assim só concedia aos de S; Luís pudessem tirar as
madeiras de que necessitassem».
A Ânua de 1735, que consigna seu necrológio, diz que o P. Mi-
guel «foi fundador de São Luís Gonzaga em que padeceu com
muita alegria grandes trabalhos que são a colheita ordinária des-
sas novas fundações». 41 ) Nasceu o P. Miguel Fernández em As-
sunção do Paraguai a 1 de Julho de 1659 e tinha 18 anos quando
em 12 de Julho de 1677 ingressou na Companhia como noviço. Em
1684, depois de receber o grau de formatura em filosofia e retó-
rica, foi destinado às missões do Uruguai e estava em Conceição,
quando acompanhando a colónia dessa doutrina até Caaçapá-mini,
fundou ali São Luís Gonzaga. Durante mais de oito anos esteve
à testa da povoação, «tratando carinhosamente os índios, e como
conhecia maravilhosamente o seu idioma em que tinha notável
eloquência, mereceu de todos as maiores demonstrações de amor
e respeito. Por este privilégio de cativar os índios, resolveram
os superiores que, de São Lourenço, para cuja curazia havia sido
removido, passasse para Japejú em 1720, onde serviu 10 anos até
a data de seu falecimento. Japejú, devido à peste que sobre essa
redução se desencadeou, decrescera consideràvelmente, ficando
quase deserta, motivo por que para essa doutrina foram man-
dadas muitas famílias de São Xavier que entraram logo em con-
flito com os japejuanos, conseguindo o P. Miguel com muito tra-
balho harmonizá-los, pois tinha grande caridade e paciência com

tillonasceu em Granada, a 19-W-1633 e entrou para a Companhia em


formando-se como coadjutor em 2-II-1670 e fazendo os quatro
5-II-1657,
votos em 15-VTII-1673. Em 1681, cf. Catalogas, tinha 17 anos de cate-
quese. Foi leitor de gramática e superior das reduções do Uruguai em
1687.
41) B. N. Ânua de 1735. I, 29, 7, 107.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 57

todos, principalmente com os infiéis, que catequizou. Vítima de


uma pulmonar, que havia muito lhe minava a existência,
tísica
faleceu Japejú aos 25 de Outubro de 1730 com 72 anos de
em
4 ->
idade, 53 de Companhia e 31 de incorporação».
Substituiu esse sacerdote, o P. Francisco de Avendano, que
foi o segundo cura de São Luís. Também natural de Assunção,
onde nascera em 3 de Maio de 1663, entrou para a Companhia em
14 de Janeiro de 1679, constando do Catálogo de 1681 o seu nome
como seminarista no colégio de Assunção. Terminado o seu cur-
so de filosofia foi destinado às Missões, pois também como todos
os Padres sul-americanos, especialmente do Paraguai, tinha como
língua materna o guarani. Em 1696 já estava o P. Francisco em
São Luís, e entre os seus trabalhos avulta a melhor disposição do
povo, cujas casas, conforme a Ânua de 1698, vão sendo termina-
das, fabricando-se telhas de barro para sua cobertura. A cons-
trução da igreja só mais tarde se inicia, servindo ainda a primi-
tiva, como detalhadamente estudaremos. Em 1706 já era cura
de São Luís o P. Francisco Medrano 4H como consta dos depoi-
)

mentos prestados no processo dos guenoas.


Das Ânuas referentes a São Luís Gonzaga, nesse período fun-
dacional, podem-se coligir os dados estatísticos que registramos
sobre seu crescimento humano. E, mais tarde, como assinala
Teschauer, «tornou-se um dos mais populosos dos Sete Povos
Orientais», sendo hoje uma das cidades mais importantes da re-
gião missioneira.

Óbitos
Anos Almas Famil. Baptism. i
Cresci- Casa- Viúvos
Adultos Crianças mento mentos

1687 . . 2.800
1690 . . 2.922 840 165 44 82 32 141 5
1694 . . 3.280 886 221 48 119 54 37
1698 . . 3.582 920 200 34 68 98
1702 .. 3.473 943 269 58 116 95 29
1705 .. 3.935 998 223 43 80 100 32
1707 . . 3.997 1.017 263 46 72 145 77

4£> Ânua cit.I, 29, 7, 107. Catalogus, 1681, 1715.


43) O P. Francisco Medrano era natural de Murcia, onde nasceu
\

58 AURÉLIO PORTO
4 — São Miguel Arcanjo.

A volta do Povo de São Miguel ao território rio-grandense


coincide, mais ou menos, com a de São Luís Gonzaga, em fins de
1687. Era esta, como vimos, uma das antigas reduções do Tape,
pois foi fundada em 1632 pelos Padres Cristóvão de Mendoza e
Paulo Benavides, no lugar denominado Itaiacêcó. e segundo Rego
Monteiro à margem direita do Tbicuí. no rincão de S. Pedro, nas
pontas da serra de São Pedro, na situação geográfica de 29" 36'
lat. S. e IO 54' long. O. Rio de Janeiro. 44 )

Fugindo ante a invasão bandeirante, São Miguel passou o


Uruguai, localizando-se nas imediações de Conceição, cerca de uma
légua e um quarto desta, onde permaneceu até seu retorno ao vale
oriental do Uruguai. Nesse novo posto levantaram os miguelis-
tas suas casas e igreja, dedicando-se ao amanho das terras. Mas,
em 1642, um vendaval destruiu completamente a aldeia, ficando
a igreja em escombros. Estava ali, na ocasião, o irmão Domin-
gos de Torres, cuja acção como soldado já estudámos detidamen-
te, pois foi o vencedor da batalha de Mbororé. «Não sendo ar-
quiteto, mas sempre realizador de tudo em que se hava, le-
i
;

vantou outra (igreja) coberta de telhas, que ficou 'i^da como


as igrejas de Espanha». 44? )

Todas as Ânuas referentes a essa redução ^stes em


afirmar a obediência, devoção e contração ao t os habi-
tantes de São Miguel, que são apontados como le civili-

zação cristã. Bons soldados contribuíram sem 7


us con-
tingentes disciplinados em todas as ocasiões cr ei m solici-

tados os seus serviços.

Em 1675 contava a Doutrina 854 famílias 1 340 almas,


tendo nascido 204 e falecido 154 pessoas entre í ianças.
E já contava perto de 4.000 almas quando í olvida sua
trasladação para a margem esquerda do Urugu do um dos

em 19 de Janeiro de 1653, tendo entrado para a Companhia em 8 de Abril


de 1672.
44) José Hansel. A Pérola das Missões Jesuíticas, p. 9.
44") B. N. I, 29, 7, 35.

X
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 59

principais motivos não poder mais expandir suas lavouras por


falta de terras cultiváveis.
Segundo Cardiel, os de São Miguel, «depois do ano de 1687,
se puseram em direcção ao Uruguai, onde estão agora.» 40 ) Aza-
ra e outros historiadores confirmam a asserção que vem desauto-
rizar a versão de que São Miguel se teria primeiro localizado nas
proximidades de Jaguari, onde os demarcadores de 1750 4 en- ' ;

contraram sua tapera, «em que havia ainda laranjas». Provém


esse engano do ofício datado de 19 de Abril de 1758, em que o
general Gomes Freire de Andrada informa ao Marquês de Valde-
lírios, seu concorrente espanhol na Demarcação, «que o Povo de

São Miguel era no monte em que ainda há sinais antes de fazer


a sua mudança para onde hoje está». Já na concessão de terras
para a estância de São Miguel, em 1698, se faz referência a esse
local, pois as divisas desta iam «até o retangué de São Miguel,
paragem bem conhecida, em que até agora há laranjas». 4T A )

resposta do Marquês de Valdelírios confirma também a informa-


ção do demarcador português. O Visconde de São Leopoldo acei-
ta também oriunda possivelmente dos documentos
essa versão,
relativos à controvérsia sobre o verdadeiro rio Ibicuí, que lhe dá
origem. 4v )

O
motivo dessa mudança de São Miguel que, das margens
do Jaguari, onde teria sido fundado, passara para o posto que
actualmente ocupa, antes de 1690, teria sido o aparecimento de
pragas de tigres que, vindo das matarias do rio Jaguari, haviam
assolado a Doutrina, pondo em contínuo perigo a vida dos cate-
cúmenos que não se podiam afastar da aldeia para ir às suas la-
vouras. O Padre que dirigia a aldeia fora até a margem do rio,
e, «levando seus livros esconjurou as feras», mudando o nome

desse rio para Jesus-Maria-José, que não subsistiu. 4 ') A versão

45) Breve Notícia, cit.


46) Controvérsia sobre o rio Ibicuí. Doe. Dem. Anais Biblioteca,
Vol. LIII, 247 a 261.
47» Doação de terras de S. Miguel cit.
48) Vise. de São Leopoldo. Anais da Prov. do R. G. de São Pedro.
86, n. 1.
49)
. Jaguari, ant. Jaguarú, Nhaguarú, provém exactamente dessas
feras que infestavam as margens, assolando a redução de São Miguel.
Na cartografia antiga tem êste último nome. mas é figurado como afluen
60 AURÉLIO PORTO
dessa mudança, conservada na tradição de velhos índios que a
transmitiram aos demarcadores, refere-se à primitiva redução de
São Miguel, se bem que, em nossas demoradas pesquisas nas
Ânuas daquela época nada encontrássemos a respeito, embora ne-
las a todo momento se façam referências às pragas de tigres
que infestavam outras aldeias. Verifica-se também que, já na-
quele tempo, iniciavam os Padres a plantação de árvores frutífe-
ras, que nos são reveladas pela existência de laranjais na tapera
da redução de S. Miguel. E mais ainda a origem do topónimo
Jaguarí, que na concessão de terras desse povo tem a designação
de Jaguarú ou Nhaguarú, figurado na cartografia antiga como
afluente do Toropí. 50 )
Desfeito esse engano, vê-se que S. Miguel, em sua volta à
bacia do Uruguai, situou-se ao Norte do rio Piratiní, em apra-
zível rincão formado pelo Piratinizinho e Santa Bárbara, afluen-
tes desse rio. -Ficava assim a 20 léguas de S. Nicolau, 10 de S.
Luís, já fundados, e segundo o P. Ventura Suárez entre as coor-
denadas de 28? 21' lat. S. e 323 45' de long. L. da Ilha do Ferro.
'

Azara dá para este povo a localização de 28° 32' 36" de lat. S. e


323" 22' 24" de long. L. divergindo da lat. S. observada pelo de-
marcador José Maria Cabrer, que encontrou 28 9 33' 13", e a mes-
ma long. L. de Azara.
Realizada a mudança, consta já da Ânua do P. Salvador de
Rojas, correspondente ao ano de 1690, que os índios estavam
construindo uma ampla casa de seis aposentos para os Padres,
estando, nessa ocasião bastante adiantadas outras 100 casas des-
tinadas aos índios, todas cobertas de telhas de barro, que fabri-
cavam na Doutrina. Era a mais populosa de todas as reduções,
pois contava, quando se estabeleceu aí, 4.195 almas, divididas em
1.057 famílias. Sete anos depois, como veremos, procurando este
povo resolver o problema de seu crescimento doméstico, funda a
Colónia de São João Baptista, com 2.832 almas.
Não consta das demoradas pesquisas a que procedemos o no-
me do Padre que fundou São Miguel e foi seu primeiro cura. Se-

te do Toropí (Tamburini, 1722).Neste mesmo mapa S. Miguel já figura


em seu posto actual. de Llsle (1703) está à margem direita
No mapa
do Ibicui, mas refere-se à redução antiga.
50) Jaguarí-guar. —
Rio dos jaguares, ou dos tigres.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 61

ria talvez o próprio director espiritual da Doutrina que se muda-


va integralmente de seu antigo posto à margem direita do Uru-
guai.
Num gados da estância de São Miguel, que
pleito relativo a
teriam passado para as invernadas de São Luís, contíguas àquela,
em meiados do decénio de 1690, se fazem referências ao P. José
de Vargas. Existe, outrossim, documento em que o mesmo, em
nome do corregedor e mais oficiais do Povo, reclama contra a
apropriação desses gados, exigindo providências do Superior das
Reduções. ni ) Refere-se também o pleito às 42.000 vacas, já men-
cionadas em outra passagem, levadas pelo P. João de Yegros para
as estâncias de São Luís, por várias vezes, durante o mesmo de-
r>2
cénio. )

Não poderia, entretanto, ser fundador do povo de São Miguel,


mas, um de seus primeiros curas o P. José de Vargas, que ali se
encontrava em fins do decénio desse período primordial. Era o
P. José de Vargas natural de Assunção do Paraguai, cidade que
entra para a fundação dos Sete Povos do Uruguai com um largo
coeficiente de sacerdotes. 5S) Nasceu o P. Vargas a 19 de Março
de 1679 e entrou para a Companhia, como noviço no Colégio de
Assunção, em 14 de Setembro de 1694. Formou-se em filosofia
e teologia, sendo logo mandado para as Doutrinas em que iniciou
seus trabalhos de catequese, pois conhecia magnificamente a lín-
gua geral. Em 2 de Fevereiro de 1713 fez profissão de quatro
votos. 54
)

51) Documento de 1698. B. N. I, 29, 3. 32.


52) V. Estaturas dos Povos, no vol. anterior pág. 319.
53) Além do P. José de Vargas aparecem nesse período prestando
seus serviços às Doutrinas como fundadores dos Povos ou auxiliares
directos, o P. Miguel Fernández, nascido em Assunção, que foi fundador
de São Luis e cura de São Lourenço; o P. Francisco de Avendaiío. que
foi cura de São Luís, natural de Assunção e o P. João de Yegros, soldado
e tropeiro, que também prestou serviços a São Luís, sendo o primeiro in-
trodutor do gadoVacarias nas estâncias das Missões. Nasceu o
das
P. Yegros em Assunção em
9 de Julho de 1651, entrando para a Compa
nhia em 9 de Junho de 1685. Formou-se em teologia e filosofia e. em
1715. tinha 16 anos como operário e 10 como catequista. Em 15 de Agos-
to de 1711 foi incorporado definitivamente na Companhia.
54) Catalogvs de 1715. E' este o primeiro Catálogo específico da
Província jesuítica do Uruguai que compreendia 15 Povos, dos quais sete
na Banda Oriental. Em 1698, segundo a respectiva Ânua, havia 14 Po-
62 AURÉLIO PORTO
Foi companheiro no povo de São Miguel, ou sucedeu ao P.
Vargas, que ali esteve pouco tempo, o P. Bernardo Casero, ou
Cubero, conforme Pastells. O P. Bernardo fez parte da leva de
Jesuítas que veio da Europa em 1698 e já no ano seguinte há
referência a seu nome no pleito sobre o gado de São Luís. So-
mente o índice do Catalogus de 1701 traz o nome do P. Bernardo
Casero, que não se encontra mais nos seguintes, tendo provàvel-
mente falecido antes de 1715. Diz Pastells que era natural de

vos (pois não fora fundado Santo Ângelo) em que trabalhavam 32 sa-
cerdotes e três irmãos coadjutores. Infelizmente os catálogos existentes
são somente os correspondentes aos anos de 1670, 1678, 1681. Do de 1701
só se encontra o respectivo índice. Continua a colecção com os de 1715,
e outros mais modernos. O de 1681, que mais se aproxima da fundação
dos Povos Orientais, dá englobadamente a Província paraguaia. O Ca-
tálogo de 1715 conserva os 32 sacerdotes e 2 irmãos coadjutores, que são
os célebres José Brazanelli. estatuário e escultor, que construiu o templo
de São Borja, e o Irmão Pedro Montenegro, enfermeiro, o mais notável
dos médicos de seu tempo. Figuram aí os Padres Sepp e Petragrazza,
arquitectos e fundadores de Reduções; Diogo Claret, apóstolo entre os
guenoas e profundo conhecedor das línguas dos Pampas; José de Arce
e Bartolomeu Blendes, martirizados pelos índios payaguás e quase todos
os fundadores dos Povos de Missões. Desses 34 sacerdotes missioneiros,
29 eram europeus e 5 americanos, dividindo-se pelas seguntes nações: es-
panhóis 19, italianos 4, flamengos 4, alemão 1. francês 1, paraguaios 3 e
argentinos 2.
Assim os pormenoriza o Catalogus Publicus de 1715:

1 Nomen — P. Franciscus Ximenes. Patria —


Fons mayor in Cas-
tilla. Aetas 4 oct. 1639. Ftres-Debiles. Ingres, in Societ. 26 oct.
1656. Sfndio-casus cons. Minist. exerc. Operar, hispan. In Miss.
50. Gradas in Societ Formatus 15 aug. 1673. (D.) (*).
2 P. Joannes Ramos — P. Herrerudos in Cast. —
Ae. 28 mar. 1642
— V. Integra. — /. 15 aug. 1660 —S. Phil. 3, Theol. 4 — M. Ope-
ra. 42, in Miss. Indi. 38 —
G. Prof. 4 vot. 2. febr. 1678.
3 P. Franciscus Venzoni —
P. Gennua —
Ae. 16 mar. 1645 — V.
Debiles — /. 25 jan. 1662. —
S. Ph. 3, Th. 4 —
M. Lectr. Gram.
2, Rect. 3, opera 40, in Miss. Ind. 30. G. Prof. 4 vot. 15 aug. 1628.
(us Conf. confess. (D.).
— — —
I

4 P. Blasius de Silva P. Assumpt. Ae. 3 febr. 1647. V. In-


tegra. — /. 30 jul. 1664. —
S. Ph. 3 th. 4. —M. Prof. 3. Proc. 3,
Prov. 3. Prov. 7. Op. 39. (D.).
5 P. Josephus de Arce —P. Palma in Canárias — Ae. 9 nov. 1651
— V. Integra — /. 3 jul. 1669. —
S. Ph. 3. Th. 4, Lectr. Sem. 1,
Phil. 3, Rector 3, Sup. Miss. 3, Opera. 34. in Miss. Ind. 26. —
G.
Prof. 4 votos. 15 aug. 1686. (D).

(*) Os assinalados com (D), têm os nomes riscados da lista com


uma cruz, significando haverem falecido e não aparecem nas listas se-
guintes. Os algarismos apostos ao estudo e ministério referem-se aos
anos que exercitaram cada um -deles. (N. do A.).
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 63

Fresno, diocese de Tarazona, Aragão, e que tinha em 1698 a ida-


de de 29 anos. 55 )
Revelam os documentos do pleito citado que um ano antes de
fundar São João Baptista, que se desprende do Povo de São Mi-
guel e vai constituir nova doutrina modelo, estava o P. António
Sepp naquela povoação, intervindo na questão do desaparecimen-
to de milhares de cabeças de gado da estância de São Miguel e
que se presumia terem passado para a de São Luís. Há mesmo,
nesse sentido, acrimoniosas referências do P. Avendano que diz,
entre outras cousas, que P. Sepp e outros que ali estão (em S.
Miguel) prestam mais atenção a «um índio velho, cantor, que con-
ta o gado pelas contas dos seu rosário», do que ao P. João de
Yegros, velho vaqueiro, que foi o introdutor desse mesmo gado e
que o contou auxiliado por 14 cantores e índios vaqueiros práticos
nesse mister. 5e )

Na mesma ocasião aparece também o nome do P. Henrique


Matheis, assistindo em São Miguel. Pastells o assinala entre os

6 P. Gregorius Albarez. —
P. Santa Maria. —
Ae 9 nov. 1657. —
V. Integra. —
7. 3 dec. 1684. —
G. Formatus 3 dece. 1698.
7 P. Joannes Antonius Solalinde —
P. Carredo in Catai. Ae. 24
jan. 1650. —
V. Medíocre. —
7. 2 mar. 1670. —
S. Ph. 3, Th. 4,
Lectr. gram. 2, Mortis 3, Operar. 35, in Miss. 21. —
G. Prof. 4
vot. 15 aug. 1690.
8 Didacus Michaei Sazan —
P. Lucronium. in Cast. —
Ae. 25 jan.
1654. —V. Debiles. —
7. 1 aug. 1671. —
S. Ph. 3, Th. 4, M. Operar.
Miss. Ind. 36. —
G. Prof. 4 vot. 15 aug. 1690. (D.).
9 Didacus Claret. —
P. Namur in Flandre. —
Ae. 27 sept. 1651. —
V. Integra. I. 28. sept. 1672. Ph. 3, Th. 4. —
M. Operar, in Miss.
— G. Format. 15 aug. 1685.
10 P. Angelus Camillus Petragr zza. P. Patania. — — Ae. 6 mar.
1656. —V. Mediocre. —
7. 13 april 1673. S. Ph. — 3.Th. — 4.
M. Lect. gram. 4, Operar. 22, ex his in Miss. 23. — G. Prof. 4
vot. 15 aug.
11 P. Antonius Sepp. —
P. Candalia in Tirol. —
Ae. 22 nov. 1655.
V. Integra. 7. 8 sept. 1674. —
S. Ph. 3. Th. 4. —
M. Lectr. gram.
5. — Oper. 32. —
in Miss. Ind. 23. —
G. Formatus 15 aug. 1689.
12 P. Joannes Maria Pompeyo P. Benevente. —
Ae. 24 jan. 1661.
— V. Debiles. —
7. 24 jan. 1676. —
S. Ph. 3, Th. 4 —
M. Lectr.
gram. 4, —Operar. 28, in Miss. Ind. 22. —
G. Prof. 4 vot. 15
aug. 1695. (D.).
13 P. Mathias de Perea. —
P. Beócia in Betica —
Ae. 24 febr. 1660.
— V. Integra. —
7. 2 mar. 1676. —
S. Ph. 3, Th. 4. —
M. Operar.
30, ex his in Miss. 29. —
G. Prof. 4 vot. 15 aug. 1695.

55) Pastells. IV, 404.


56) B. N. Mss. I, 29, 3, 41. (A Citação é duvidosa. L. G. J.).
64

Padres que vieram da Europa em companhia do procurador P.


Diogo Altamirano, em 1684. Era o P. Matheis natural de Mali-
nas, Flandres, e veio juntamente com seus companheiros de Mis-
sões Padres Pompeyo, Petragrazza, Sepp, e Irmão José Braza-
nelli. 57)

Terá sido rápida sua passagem pela Doutrina, pois seu nome,
que se encontra no índice de 1701, desaparece depois dos catálo-
gos seguintes. Deve ter falecido antes de 1715.
Em 1706 dirige São Miguel o P. José Francisco de Arce, mais
tarde integrado ao martirológio da Companhia. Nasceu o P. Arce
em Palmas, Canárias, a 9 de Novembro de 1651, tendo entrado pa-
ra a Companhia em 3 de Julho de 1669. Formado em filosofia e

14 P. Josephus de Tegedas. — P. Perpignan in Vald." —


Ae. 5 nov.
16. — V. Integra. —/. 16 dec. 1678. — S. Ph. 3. Th. 4. —
M. Lectr.
gram. 3, — Operar. 26, ex his in Miss. 22. —G. Prof. 4 vot. 27
sept. 1705.
15 P. Domenicus Calvo. — Conf. ad agrav. — Confes. —P. Tom-
— — —
<

brum in Astúrias. Ae. 4 aug. 1657. V. Integra. /. 18 jan.


1679. — S. Ph. 3, Th. 4. — M. Oper. in Miss. Ind. 28. —
G. Prof.
4 vot. 15 aug. 1696.
16 P. Antonius Ximenes — Conf. ad agrav. — Confes. —
P. Murcia.
— Ae. 14 febr. 1662. — V. Integra. — /. 12 nov. 1679. —S. Ph.
3, Th. 4. — M. Lectr. gram. 2 Oper. 23, ex his in Miss. Ind. 19.
— G. Prof. 4 vot. 2 febr. 1697.
17 P. Joannes Vela. —P. Berlanga in Cast. — Ae. 28 febr. 1660. —
V. Integra. — /. 30 juli. 1679. — S. Ph. 3, Th. 4. —
M. Operar.
24. — G. Prof. 4 vot. 15 aug. 1696. (D.).
18 P. Martinez de Yegros — P. Assumpt. in Paraq.- 1

Ae. 1 apr.
1665.— V. Integra. —/. 21 mart. 1680. — S. Ph. 3. Th. 4. —
M.
Lectr. gram. 4, Operar. 26, ex his in Mis*s. Ind. 18. —
G. Prof. 4
vot. 10 oct. 1698.
19 P. Gabriel Patino — P. Assumpt. in Paraq." —
Ae. 2 nov. 1662.
— V. Integra 16, in Miss. Ind. — G. Prof. 4 vot. 15 aug. 1699.
20 P. Petrus Alvear. — P. Navarrete in Cast. —
Ae. 10 oct. 1665.
— V. Integra. — /. 25 oct. 1683. — S. Ph. 3, Th. 4. - M. Oper.
in Miss. Ind. 21. — G. Formatus 4 oct. 1699.
21 P. Antonius Ligotti. —P. Consensa in Catai. —
Ae. 1 sept. 1664.
— V. Integra. —/. 14 nov. 1683. — S. Ph. 3, Th. 4. —
M. Operar.
33, in Miss. 5. G. Prof. 4 vot. 21 nov. 1700.
22 Joannes Augustus de Alamaraz. — P. Hispalis. Ae. 30 jun.
1670. — V. Debiles. — /. 30 jun. 1685. — S. Ph. 3, Th. 4. —
M.
Operar, in Miss. 18. — G. Formatus 8 sept. 1702.
23 Didacus Garcia. —
P. Cassa Rubeli, Regno Toletis. —
Ae. 17 jul.
1666. — V. Integra. — /. 7 dec. 1686. S. Ph. 3, Th. 4. —
Af.
Operar. 19, ex his in Miss. 12. — G. Prof. 4 vot. 15 aug. 1712.

57) Pastells. III, 67. (Transcrito quase ao pé da letra para o belo


livro de José Hansel, "A Pérola das Reduções Jesuíticas", p. 13 ss. L. G. J.)
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 65

teologia, ocupou vários cargos de destaque, entre os quais o de


leitor do Seminário de Assunção, reitor do mesmo durante três
anos, superior das Missões por igual tempo, sendo operário du-
rante 34 anos, dos quais 26 empregado na catequese dos índios,
segundo notas do Catalogus de 1715, o que induz a crer tivesse
iniciado sua gestão nas Doutrinas em 1690. Em 1716, mandado
catequizar os payaguás, que demoravam no alto Paraguai, em
companhia de P. Bartolomeu Blendes, aí encontrou a morte, sen-
do martirizado por esses índios.
A Ânua de 1700, referindo-se à Doutrina de São Miguel Ar-
canjo informa que «o especial que há nesta Doutrina é que agora
começa a abrir os alicerces de uma igreja que desejam fazer para
glória e honra de Nossa Senhora e de seu santo Arcanjo, para

24 P. Franciscus Rivera. —
P. Colleria in Regno Toletis. —Ae. 8
nov. 1668. —
V. Integra. —/. 3 sept. 1690. - S. Ph. 3, Th. 4 —
M. in Miss. Ind. 12. —
G. Prof. 4 vot. 15 aug. 1711.
25 P. Didacus Valcarcel. —
P. Villafranca. —
Ae. 2 febr. 1670. —
V. Integra. — I. 8 sept. 1693. —
S. Ph. 3, Th. 4. — M. in Miss.
Ind. 7. — G. Form. 15 aug. 1711.
26 P. Bernardus de Villanueva. —
P. Corrientes in Argentina. —
Ae. 20 oct. 1677. —
V. Integra. —
/. 14 sept. 1694. —S. Ph. 3,
Th. 4. — M. in Miss. 8. —
G. Vota bienn.
27 P. Bartolomaeus Blend. —
P. Bruxae in Fland. —Ae. 24 aug. 1675.
— V. Integra. —7. 1 oct. 1694. —
S. Ph. 3, Th. 4. — M. In Miss.
— —
i

Ind. 3. G. Prof. 4 vot. 4 oct. 1711. (D.).


28 P. Petrus de RamKa. —
P. Boni aeris in Argentina. —Ae. 1
nov. 1678. — V. D^biles. —
I. 7 mart. 1695. -- S. Ph. 3, Th. 4. —
M. Operar. 6, in Miss. Ind. 4. — G. Prof. 4 vot. 15 aug. 1711.
29 P. Jacobus Waucuthen. —
P. Bruxela. — Ae. 7 mart. 1677. —V.
Integra, —L 3 oct. 1695. — —
8. Ph. 3, Th. 4. M. In Miss. Ind. 3.
— G. Formatus, 16 mart. 1710.
30 P. Josephus Gallardo. —
P. Hispalís. - Ae. 15 jan. 1680. —
V
Integra, —/. 15 jan. 1697. — —
S. Ph. 3, Th. 4. M. In Miss. Ind.
4. — G. Vota bienn.
31 P. Josephus de Astorga. —
P. Gades. — Ae. 13 sept. 1681. —
V.
Mediocre. — /. 15 jan. 1701. — —
S. Ph. 3, Th. 4. M. Casus cons.
Lectr. gram. In Miss. 3. —G. Vota bienn.
32 P. Onufrius Carpini —
P. Firmum. — Ae. 30 nov. 1688. —
V. In-
tegra. — I. 1 sept. 1703. — —
S. Ph. 3, Th. 4. M. In Miss. Ind.
3. — G. Vota bienn.
33 Fr. Josephus Brazanelli. — —
P. Mediolanum. Ae. 6 jan. 1659.
— V. Debiles. — I. 29 dec. 1680. — —
S. Coadj. M. Statuarius
et sculptor. — G. Formatus 15 aug. 1690.
34 Fr. Petrus Montenegro. —
P. S. Marina, in Gallecia. —
Ae. 14
mai 1663. — V. Mediocre. — —
I. 6 apr. 1691. S. Coadj. —
M. In-
firmarius. 22. —G. Formatus 15 aug. 1703.
História das Missões Orientais do Uruguai - 2.* Parte 9
66 AURÉLIO PORTO
cujo fabrico se aplicam ao trabalho com grande fervor buscando
os materiais necessários para isso.» 58 ) Não é ainda este o mo-
numento artístico e histórico, hoje reconstruído pelo Serviço do
Património Histórico e Artístico Nacional, e de que foi arquitecto
o inigualável Irmão João Baptista Prímoli, pois a Ânua de 1708
diz que a «igreja de São Miguel está ameaçando ruína e iniciou-se
a construção de uma sala que servirá provisoriamente para as so-
lenidades do culto. 59 ) O Irmão Prímoli faz parte da missão que
no ano de 1717, chefiada pelos Padres Bartolomeu Jimenez e José
Aguirre, chega da Europa. Outros artistas notáveis a integram,
e entre estes o admirável Domingos Zípoli, que entrara na Com-
panhia como noviço a 1 de Julho do ano anterior, com 28 anos de
idade, mas, já aureolado pela glória de ser um dos maiores com-
positores da época, e que havia sido organista da igreja dos Je-
suítas em Roma. 60 )
No período que estudamos foi o seguinte o movimento esta-
tístico da população de São Miguel:

Óbitos
Anos Almas Famll. Baptism. Cresci- Casa- Viúvo»
Adultos Crianças mento mentos

1687 .. 3.500
1690 .. 4.195 1.057 165 76 65 24 47 6
1694 .. 4.592 1.290 138 47 159 68«2) 98
1698 .. 1.885 63061) 138 30 88 20
1702 .. 2.197 636 197 40 95 62 27
1705 .. 3.107 695 192 20 79 93 40
1707 .. 3.100 791 145 52 78 15 65

58) Ânua de 1700. B. N. Mss. I, 29, 7, 72.


59) Anua 1708. B. N. Mss. I, 29, 7, 83.
60)Catalogus. Missão 1716. —
Veja-se Domênico Zipoli. Lauro
Ayesterán. Rev. Hist. Montevideu, 1941. Ano XXXV, pág. 49 a 74.
61) Diminuição devida a uma peste que assolou o povo, nesse ano.
62) No ano anterior fora fundada São João Baptista, colónia do
Povo de São Miguel, para a qual contribuiu com" 2.832 almas, em 765 fa-
mílias.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 67

5 — São Lourenço Mártir.

Santa Maria Maior, que, com uma colónia, em 1690, funda


o Povo de São Lourenço Mártir, na bacia oriental do Uruguai, fez
parte das antigas reduções do Paraná, onde à margem do Iguaçu
fora estabelecida em 1626 pelos Padres Diogo de Boroa e Cláudio
Ruyer. Assolada pelos paulistas, em 1633, trasladou-se para as
imediações do antigo Povo dos Mártires, donde passou para me-
lhor situação, à meia légua da m. d. do Uruguai, aos 27« 53' 14"
de lat. S. e 3 o 14' 56" de long.
Exerceu Santa Maria notável influência na história das Mis-
sões, não só sob o aspecto económico como entreposto do gado
lanar, segundo vimos, mas também cultural, pelas belas artes e
indústrias em que foram exímios os seus habitantes entre os quais
músicos, pintores e escultores índios que honram a civilização je-
suítica, no século XVII, e que foram discípulos do insigne Irmão
Luís Vergel, como detalhadamente se estudará.
Em sua Ânua de 1691 o P. António Jiménez, Superior das
Doutrinas do Uruguai, diz que «no ano passado (1690) se divi-
diu a Doutrina de Santa Maria em duas partes, devido à sua gran-
de multiplicação, ficando no povo antigo a parte menor que man-
tém o nome antigo e dando a este outro o de São Lourenço Már-
tir,que consta de 3.512 almas em 823 famílias». 63 )
Conduziu esse Povo e fundou São Lourenço o P. Bernardo de
la Vega, que foi o organizador da povoação e seu primeiro cura,
como informa o P. Salvador de Rojas em Ânua de 1708. 64 ) O
P. Bernardo esteve em São Lourenço até 1695, tendo sido substi-
tuído pelo P. Miguel Fernández, que deixara o Povo de São Luís,
de que fora o fundador e primeiro director espiritual.
Escolhido o local, numa planície, nas pontas do arroio Uru-
quàzinho, entre São Luís e São Miguel, ficou o Povo na situação
que Cabrer determinou de 28* 27' 51" de lat. S. e 323? 14' 29" de
long. ° 5 ) a seis léguas (de 26 %
ao gráu) de São Luís, e a três

63) Ânua de 1691. Mss. B. N. I, 29, 7, 64.


64) Ânua de 1708. Mss. B. N. I, 29. 7, 83.
65) B. N. Col. de Ângelis. Distâncias dos Povos de Missões, qua-
dro organizado por José Maria Cabrer, na Demarcação de Limites de
1783, I, 29, 5, 54.
3*
*

68 AURÉLIO PORTO
de São Miguel, que lhe ficava a Sudeste. Grande foi o trabalho
dos lourencistas desde os primeiros dias do seu estabelecimento.
Enquanto as mulheres se dedicavam afanosamente às roças, aran-
do e plantando sementes de milho, mandioca e grãos, os homens
cuidavam da edificação do Povo. A Ânua referida do P. Jiménez
acrescenta que «essas roças, com um ano de trabalho, já são as
melhores de todas as Doutrinas». Assim a casa, que estavam edi-
ficando para o Padre, que, terminada, «será também a melhor de
todas as Doutrinas.»
A tudo preside com seu espírito organizador o P. Bernardo,
que não conhece canseira nem sacrifícios. E, como em São Nico-
lau, no caminho para as roças, erguem os índios uma ermida a
Santo Isidro, para que o protector da lavoura abençoe e multipli-
que os seus trabalhos. Saint-Hilaire, em sua viagem às Missões,
em 1820, ainda encontrou essa ermida em «que havia uma ima-
gem do Santo grosseiramente esculpida». 66 )
Nasceu o P. Bernardo de la Vega em Castela a Velha, lugar
denominado São João de Redondo, em 1649 tendo entrado como
noviço para a Companhia em 2 de Janeiro de 1673. 67 ) A par
de seus estudos de filosofia e teologia, em que apresentou magní-
ficos resultados, como pretendia consagrar-se à catequese do gen-
tio estudou e praticou a língua guarani, procurando também do-
minar a dos infiéis, em cujas terras logo depois fez várias en-
tradas, passando as maiores privações e trabalhos.
Em 1690 estava em Santa Maria Maior quando, pelo Supe-
rior das Missões, foi designado para acompanhar os índios dessa
Doutrina que atravessavam o Uruguai para fundar o quarto dos
Povos na região entre o Ijuí e o Piratiní, à meia distância entre
São Luís Gonzaga e São Miguel Arcanjo, transmigrados três anos
antes.
Organizado o Povo que se tornara já florescente foi o P. Ber-
nardo escolhido, pela obediência, Superior das Doutrinas do Uru-
guai, cargo que desempenhou por algum tempo, indo em 1699
para a Doutrina de São Carlos, de que foi cura. Tinha 62 anos

66) Auguste de Saint Hilaire. Viagem ao Rio Grande do Sul. (1820


1821). Trad. Ariel Editora Ltda. Rio 1930. — 210.
67) Catalogus publicas. 1681. B. N.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 69

quando, sentindo-se bastante doente, foi mandado recolher ao Co-


légio de Buenos Aires, onde faleceu a 4 de Abril de 1700. 68 )
Substituiu-o o P. Miguel Fernández, fundador de São Luís,
que logo teve como sucessor o P. Paulo Cano, grande amigo do
P. Bernardo e cuja vida, por uma série de coincidências notáveis,
está estreitamente ligada à daquele sacerdote, como observa a
Ânua citada. Nasceu o P. Paulo Cano em Bienservida, Murcia,
aos 25 de Novembro de 1649, entrando para a Companhia em 15
de Janeiro de 1673. Recebendo sua ordenação foi enviado às Mis-
sões, emque serviu 30 anos.
Em1700 deixou a Doutrina de São Lourenço, indo para a de
Santa Maria, onde se conservou por alguns anos, e apesar de ser
solicitado pelo «cabildo» de São Nicolau para cura deste Povo, re-
solveu recolher-se a Japejú, onde ia para morrer, conforme res-
pondeu aos solicitantes. Efectivamente, pouco depois de chegar
a essa Doutrina, a 10 de Abril de 1707, falecia ali, seis dias após
a morte do P. Bernardo, encerrando assim a sua missão na terra,
cercado pelas bênçãos de seus catecúmenos e pela admiração dos
outros Padres, a quem legava exemplos de sólida virtude. 69 )
Sucedeu-o no curato de São Lourenço, em 1700, o P. João
Maria Pompeyo, nascido em Benevente, a 24 de Janeiro de 1661,
e que ingressou na Companhia de Jesus, como noviço, em 24 de
Janeiro de 1676. Feito o seu curso de teologia e filosofia e apren-
dizado da língua guarani durante quatro anos, professor de
foi,

gramática no colégio de Assunção, sendo admitido aos quatro


votos em 15 de Agosto de 1695. Em 1698 foi designado para a
catequese do gentio, indo logo para São Lourenço. Em 1715 era
Vice-Superior das Doutrinas do Uruguai, constando ainda seu no-
me do Catalogus de 1717.
Os dados estatísticos sobre a população de São Lourenço, no
período que estudámos, mostra-nos a importância dessa Doutrina,
que foi uma das mais florescentes entre os Povos de Missões.

68) B. N. Mss. I, 29, 7, 83.


69) Idem, ibidem. V. Caiai. puMi. 1681.
70 AURÉLIO PORTO

Óbitos
Anos Almas Famíl. Baptism. Cresci- Casa- Viúvos
Adultos Crianças mento mentos

1690 .. 3.512 823 84 27 36 21 29


1694 3.769 896 258 19 79 160 77
1698 .. 4.140 953 131 35 87 9 23 6
1702 .. 4.427 990 262 46 105 112 45
1705 .. 4.544 1.027 196 40 110 46 85
1707 .. 4.519 1.022 283 25 106 152 96

6 — São João Baptista.

São João Baptista, desdobramento do Povo de São Miguel,


fundada em 1697 pelo P. António Sepp, é a doutrina de que se
conhecem mais amplas notícias legadas à história pelo seu pró-
prio fundador, 70 ) de cuja autoria se encontra também um plano
do Povo, padrão pelo qual se pode reconstituir todos os outros,
mais ou menos, idênticos em suas proporções arquitecturais 71 ).
Além desses trabalhos, fornece-nos mais elementos sobre a vida
e obras do P. Sepp o elogio necrológico que, por ocasião de sua
morte em 1733, lhe fez na respectiva Ânua o Padre Provincial. 72 )
António Sepp von Reinegg nasceu de pais nobres em Kaltern
(Candália), condado de Tirol, aos 21 de Novembro de 1655. Com
19 anos, depois de estudos preliminares, obedecendo aos impulsos
de sua vocação, entrou na Companhia, na província da Germânia
Superior, em 28 de Setembro de 1674. Fez magníficos estudos e,
tendo recebido os graus de filosofia e teologia, professou a cadei-
ra de retórica em vários colégios de sua Província com grande
aceitação.
Mas, atraído por trabalhos apostólicos de maior vulto em
que pudesse expandir seu espírito construtor, resolveu o P. Sepp
passar para a América juntamente com muitos outros sacerdotes
notáveis que integravam a missão levada ao Paraguai pelo P. Dio-

70) Sepp. A. Fortsetzung e outros. V. nota bibliográfica.


71) José Torre Revello. Mapas y planos (Arquivo de Simancas) Bue-
nos Aires, 1938. Pueblo de S. Juan Bautista. N" XI.
72) B. N. Mss. I, 29, 7, 106.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 71

go Altamirano e de que fizeram parte elementos de escol. A mis-


são organizou-se em 1688, mas só chegou a Buenos Aires em
1691. 73 ) Em 15 de Agosto de 1689 o P. Sepp fez a incorporação
definitiva na Companhia.
De chegada destinou-se às Doutrinas do Uruguai, em que,
como coadjutor espiritual, trabalhou 41 anos continuados. «Foi
o P. António Sepp, diz o necrológio, 74 ) religioso de sólida virtu-
de, a qual se acrisolou mais em várias atribuições que lhe permi-
tiu o Senhor como prova. Na obediência procedeu com tanta
exactidão que não se sabe houvesse proposto nunca, nem se ex-
cusado de disposição alguma, senão que, em uma ocasião, em seus
últimos anos de vida, propôs não ir a uma viagem de 300 léguas
por sentir-se falto de forças. Sua pobreza se manifestou bem em
sua morte, pelos exemplos de sua vida, pois suas camisas e bati-
nas se achavam tão cheias de remendos que se duvidou houvesse
nelas retalho do pano primitivo. Sua pureza se revelava na mo-
déstia de todo o seu porte. . Antes do toque de levantar, ia
.

orar ao Senhor muito devagar e o mesmo fazia durante o dia fre-


quentissimamente e, tendo grandes ocupações por haver sido cura
de vários Povos, que governava no espiritual e no temporal, con-
tudo, sempre, cada dia, tinha pela metade uma hora de lição es-
piritual e outra de oração de joelhos, prática que observava inde-
fectivelmente na oração da manhã, exames e prolixa acção de
graças. Sua humildade bem se revelou quando, recem-vindo da
Europa, quiseram os Superiores se submetesse ao segundo exame
por conhecer sua grande capacidade para a profissão. Mas, o
humilde Padre não compareceu a ele, dizendo que se o 4 9 voto
era para ir às Missões já o havia conseguido e, assim, a que mais
poderia aspirar? Teve a graça especial de tratar com os índios
guaranis, fazendo deles o que queria. Cuidava com singular su-
cesso dos Povos, tendo-os sempre muito assistidos e abundantes
no temporal e muito ajustados no espiritual, de sorte que causa-
va consolo aos Padres, que por eles passavam, a frequência aos
confessionários e comunhões e a assistência na igreja à missa,

73) Vieram nessa missão os Padres Pompeyo, Petragrazza, Haze, Ma-


theis e Irmão Brazanelli, nomes que, com o do Padre Sepp, estão estreita-
mente ligados à vida dos Sete Povos de Missões.
74) Ânua citada.
72 AURÉLIO PORTO
rosário e outras funções.Foi muito devoto das almas do purga-
tório:todas as noites as encomendava particularmente a Nosso
Senhor sem interrompê-lo qualquer embaraço. Se morria algum
Padre em sua Redução, cada mês, por todo um ano, lhe rezava
uma missa e nos enterros tanto de crianças como de adultos, in-
variavelmente as rezava».
Ao chegar à América, foi o P. António mandado para uma
das Reduções do Uruguai, provàvelmente Japejú, até onde vinham
os charruas, sobre cuja catequese dá amplas notícias na carta
que dirige ao P. Guilherme Stinglhaime, provincial na Alta Ale-
manha. 75 ) Conta-nos o P. António que estando nessa redução
foram mandados à catequese desses índios os Padres António
Bõhm, alemão e Hipólito Datilo, italiano, aos quais se oferecera
para intérprete um índio cristão charrua, de nome Moreyra, que
os atraiçoou, pondo em perigo a vida desses Padres. Mais tarde,
este mesmo índio foi à povoação em que estava o P. Sepp que,
tratando-o muito bem, conseguiu catequizá-lo e torná-lo um ver-
dadeiro cristão. Trouxe ele depois para a Doutrina não só a sua
como mais 10 famílias que o acompanharam.
Dessa redução passou o P. António para a de Nossa Senhora
da Fé que ficava à margem do Paraná, indo auxiliar o cura, um
velhinho de 80 anos, que o recebeu com grande demonstração de
carinho. De chegada esperavam-no as maiores provações, pois
foi o Povo contaminado por uma violenta peste que ceifou dezenas
de vidas. Aí, organizando um hospital e atendendo a todos os
enfermos, o Padre desvelou-se e tanto trabalhou que contraiu
também uma grave enfermidade. Foi nessa ocasião, por ser mais
saudável o clima do Uruguai, mandado para o Povo de São Xa-
vier, onde deve ter chegado no ano de 1696.
Aí estava restabelecendo-se quando, por ordem do Provincial,
passou a São Miguel para executar a árdua tarefa que este lhe
destinara. E' o próprio P. António Sepp quem historia pormeno-
rizadamente a fundação de São João Baptista, na carta citada.
«O Senhor concedendo-me a vida quando pensava estar no
fim de minha carreira, me destinava para outros trabalhos. O

75) B. N. Mss. I, 29, 4, 105. Tradução espanhola do texto da mesma


carta publicada em Lettres Edifiantes. Veja-se Nota bibliográfica adiante.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 73

Povo de São Miguel, o mais populoso do Uruguai, chegou a ser tão


grande que não cabia mais em sua missão e nem se podia instruir
tantas almas. A igreja, embora de grande capacidade, não era
mais suficiente para contê-las, e as terras de cultura só davam
metade dos grãos necessários à manutenção do Povo. Isto deu
origem à resolução de dividir a gente que ali havia, transportando
uma colónia dela para outro local. Fui encarregado da execução
dessa empresa, cujas dificuldades eu não ignorava. Tratava-se
de levar quatro a cinco mil pessoas a um campo limpo, edificar
choças para todos e aproveitar terras completamente incultas pa-
ra tirar delas a subsistência do Povo. Sabia eu, por outro lado,
quão apegados são os índios ao lugar em que nasceram e sua
grande aversão a todo o género de trabalho.
«Sem embargo, tendo em vista somente a ordem de meus Su-
periores como se fosse do próprio Deus, quanto mais motivos ti-
nha de desconfiar das minhas forças, tanto mais confiava no
socorro do céu, e de momento se desvaneceram todas as minhas
repugnâncias. Reuni os índios principais a quem chamam caci-
ques, e que são os chefes de famílias de que dependem 40, 50 e
até 100 índios, sobre os quais mandam como donos absolutos.
Pus-lhes diante dos olhos a necessidade que havia de dividir o
Povo, devido ao número excessivo de habitantes. Deviam sacri-
ficar a Deus sua natural inclinação de não desejarem abandonar
a pátria que amavam; nada lhes pedia senão o que eu próprio
havia feito, deixando minha Pátria, meus parentes e amigos, para
viver entre eles e lhes ensinar o caminho do céu e, finalmente,
que poderiam estar certos de que eu não os abandonaria, e que
me veriam seguir à sua frente e compartir com eles dos mais pe-
nosos trabalhos.
«Estas palavras, pronunciadas com ternura, fizeram tal im- 4

pressão em seus ânimos que logo 21 caciques e 150 famílias se


uniram a mim e me prometeram seguir para onde eu os quisesse
levar. E quando chegou o Padre Provincial renovaram junto a
ele sua promessa, dizendo-lhe em sua língua: «Payguaçú, agui,
yebeti, yebi, oro enyche, angandebe». O que significa: «Pai gran-
de (assim designam o Provincial) damos-lhe graças pela visita
que nos fazeis e iremos de boa vontade para onde quiserem».
«Só mesmo Deus poderia inclinar tão prontamente o coração
74 AURÉLIO PORTO
dos índios para a realização do nosso projecto. Desde aquele ins-
tante tive esperança de conseguir esse intento e não pensei senão
em me pôr a caminho, para procurar sítio que conviesse à nova
colónia. Acompanhavam-me os principais caciques. Marchámos
todo o dia para o Oriente por fim, ao anoitecer, descobrimos
e,

um amplo terreno, rodeado de colinas e bosques espessos. No


alto das coxilhas achámos duas fontes muito claras, cujas águas,
serpenteando com declividade pelos campos, baixavam a um vale
profundo onde formavam um aprazível arroio. 76 ) Os rios são
necessários a um povo de índios, porque sentem eles muito calor
e precisam banhar-se muitas vezes ao dia. Não foi pouca a es-
tranheza quando vi que, se comiam demasiadamente, era o banho
o único remédio para lhes curar a indigestão.
«Entrámos logo nos bosques, onde vimos saltar veados e ou-
tras caças. A situação da paragem era tão cómoda que ficou
assentado fundássemos ah mesmo a povoação. No dia seguinte,
festa da Exaltação da Santa Cruz, 77 ) fomos ao ponto mais alto
da colina, e plantámos ah uma cruz muito grande, tomando posse
dessa terra em nome de Jesus Cristo. Adoraram-na todos os ín-
dios, prostrando-se em terra e depois cantaram o Te-Deum em
acção de graças.
«Em seguida levei ao Povo de São Miguel a agradável notí-
cia da descoberta que acabávamos de fazer. Todos os índios des-
tinados a povoar a nova colónia se dispuseram a partir, proven-
do-se dos instrumentos de que podiam dispor para cortar madei-
ras e preparar as terras de cultivo. Conduziram também muitos
bois para o trabalho. Não achei conveniente que fossem juntos
suas mulheres e filhos, até que se começasse a fazer o Povo e que
a terra tivesse produção com que mantê-los.

76) O local escolhido distava quatro léguas de São Miguel, além da


serra do Urubucaru, e o arroio referido é o Ibicuá, afluente da m. e. do
Ijuí. Nasce também nas proximidades o arroio do Moinho, que verte suas
águas no I juizinho. O P. Ventura Suarez determinou para São João Bap-
tista as —
coordenadas de 28"? 21' lat. S. e 323* 51' de long. L. Azara deter-
mina na posição de 28' 26' 56" de lat. S. e 323' 12' 20" de long. Cabrer dá
28' 27' 51" lat. S. e 323' 37' 22" de long. diferindo ainda de Saldanha que
encontra para lat. S. de S. João 28' 28' 3".
77) A fundação de São João Baptista foi a 14 de Setembro de 1697,
que é o dia da Exaltação da Cruz, cf. Teschauer. Hist. n, 6.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 75

«Começaram os caciques pela repartição das terras que ca-


beriam a cada família, semeando logo muito algodão. Dá muito
bem essa planta nos campos do Paraguai. . .

«Quando chegou aos outros Povos a notícia de que haviam


fundado uma colónia, cada qual à porfia nos quis ajudar. Uns
nos mandavam bois, outros nos traziam cavalos, e alguns nos le-
vavam milho, grãos-de-bico e favas para que as semeássemos.
Veio a tempo esse socorro que aumentou o brio dos índios. Re-
partiram eles entre si todo o trabalho. Uma parte se dedicava
à lavoura, semeadura de grãos; outra a cortar árvores para cons-
truir a igreja e as casas. Meu primeiro cuidado foi escolher ter-
reno para a construção da igreja e casa do Padre. Daí tracei
algumas linhas paralelas, que seriam as ruas nas quais se deviam
edificar casas para cada família, de sorte que a igreja seria como
que o centro de todo % Povo, ou o término de todas as ruas. De
acordo com este plano ficava o missionário alojado no meio de
seus neófitos e, por conseguinte, em melhores condições para ve-
lar sobre a conduta deles e exercer os ofícios próprios a seu mi-
nistério.
«Havia quase um ano que se ocupavam em edificar o Povo;
estavam já construídas igreja e casas e a colheita excedia as
melhores expectativas quando julguei conveniente transportar pa-
ra ali as mulheres e crianças que haviam ficado em S. Miguel.
«Foi um espectáculo empolgante ver tão grande multidão de
índias caminhar pelos campos, carregadas de filhos, que levavam
às costas, e os utensílios caseiros que conduziam nas mãos. Logo
que chegaram ao Povo, cada qual foi para sua casa e logo se es-
queceram das fadigas padecidas para chegar à nova terra.
«Nada mais nos faltava senão dar forma de governo à nova
colónia. Elegeram-se para isto os índios de maior autoridade, e
experiência para administrar a justiça, e outros para os cargos
militares com que se defende o país ante as correrias que, de quan-
do em quando, fazem nestas terras os povos do Brasil. Os de-
mais foram destinados às artes mecânicas. 78 ) ~

78) Carta citada. Mss. B. N. I, 29, 4, 105. —


Sobre a mesma fun-
dação veja Padre António Sepp, S. J. Viagem às Missões Jesuíticas e Tra-
balhos Apostólicos, cap. XXXI, p. 222. S. Paulo, Lavraria Martins Edito-
ra. (L.G.J.).
76 AURÉLIO PORTO
O elogio necrológico nos revela aspectos inéditos e sugesti-
vos da fundação de São João, que valem por um atestado da imen-
sa fé em que esses homens admiráveis alicerçavam a sua vontade.
E' dessa fé miraculosa que lhes vinha o poder extraordinário com
que puderam criar uma civilização cristã que até hoje nos causa
acmiiração e respeito.
Registemo-los na íntegra para que não percam o sabor ori-
ginal: «Foi (o Padre Sepp) devotíssimo da Virgem Santíssima,
e de Santo António de Pádua, seu especialíssimo advogado, por
cujo patrocínio lhe sucederam alguns casos mais que naturais.
Estando o P. António fundando o Povo de São João Baptista
aconteceu um dia prender fogo em um monte de palha recolhida
para cobrir as casas dos índios, em cujas imediações se havia
amontoado grande quantidade de madeira para as construções
e da qual o fogo se aproximava, ameaçando gravíssimo dano.
Avisado do acontecimento saiu o Padre de seu aposento, levando
nas mãos uma imagem da Virgem,, que havia trazido de sua pro-
víncia e conservava sempre diante de si. Com ela abençoou o
fogo, cheio de fé, e de repente se apagou o incêndio, livrando as-
sim a madeira. Em outra ocasião, em que fazia um pálio rico
para levar o Viático aos enfermos, sucedeu que a tela não alcan-
çava as dimensões da guarnição que devia prendê-la. O Padre
companheiro mediu-a quatro vezes, juntamente com os índios que
o auxiliavam, e vendo que era escassa, avisou disto ao P. António.
Acudiu este prontamente e depois de medir muitas vezes o pano,
chegou à conclusão de que era realmente escasso. Mas não per-
deu a confiança em seu portentoso advogado; encomendou o caso
a Santo António e tornando a medi-la ia dizendo em voz alta:
«S. António! S. António!». Ao chegar ao ponto em que o Padre
companheiro notara a falta da fazenda, viu o P. António que em
suas mãos se multiplicara milagrosamente por intercessão do San-
to, de sorte que não somente alcançou a medida necessária como
sobrou ainda, motivo pelo que o Padre companheiro e os índios,
que ali estavam, ficaram pasmados e o P. António, vendo isto,
se recolheu para dar graças a seu benfeitor.
«Sucedia, algumas vezes, que faltavam alguns índios do povo
que, por sua natural inconstância, procuravam fugir. Escrevia
então o Padre num papel o nome de algum lugar e mandava a
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 77

outro índio que fosse àquela paragem em busca do fugitivo. Ia


o índio, que anteriormente havia percorrido aquela mesma para-
gem sem encontrar o fugitivo, mais para cumprir a ordem do que
na esperança de encontrá-lo e com grande admiração, no local
que o papel designava, descobria o fugitivo, por inspiração do
.

Santo a quem ia o negócio encomendado.


«Tinha o P. António muita confiança em alcançar de Deus,
pelas orações das inocentes crianças guaranis, quanto necessita-
va, especialmente chuvas, quando as secas ameaçavam a perda
das sementeiras. Nesse caso se dirigia às mães índias e lhes di-
zia dessem uns leves açoites em seus filhos inocentes, avisando-
lhes antes oferecessem a N. Senhor e à Virgem Santíssima aque-
la mortificação, pedindo-lhes chuva. As índias obedeciam, as
crianças sofriam e N. Senhor concedia pela inocência penitencia-
da, o que solicitavam. Um caso sucedido no Povo da Cruz foi
especial e teve por testemunhas a todosos moradores daquele
numeroso Povo. Havia seca que durava já muito tempo. O mi-
lho estava apendoado, que é a ocasião em que mais necessita de
chuva, com cuja falta se perde infalivelmente. Sucedeu, nesse
ínterim, a morte de uma criança e o P. António convocou todos
os músicos para enterrá-la com excepcional solenidade. Quando
entregava o corpinho à sepultura, o tomou o Padre em suas mãos
e em presença de todos começou a falar com o inocente defunto,
pedindo-lhe rogasse a Deus por chuva para que se não perdes-
sem as sementeiras. Dizia-lhe olhasse que seus irmãozinhos e
irmãzinhas inocentes necessitavam de comida na terra, que não
os esquecesse quando fosse gozar das delícias do céu. A estas
palavras o Povo inteiro enterneceu-se e o próprio Padre não pôde
represar as lágrimas, prognóstico sem dúvida de outra água mais
copiosa que durou toda a noite seguinte com admiração de todos
os índios.
«Era o P. António um bom músico e, quando menino, por
sua boa voz, foi levado à capela imperial de Viena. Nas Missões
empregou essa arte em serviço de N. Senhor, ensinando os índios
a compor em seu idioma guarani muitas canções religiosas para
incutir-lhes piedade, e eles se alegravam muitíssimo com louvor a
N. Senhor em sua língua nativa. Não obstante o zelo das almas o
ter trazido da Europa para as Missões, estando entre os índios, em-
78 AURÉLIO PORTO
pregado no bem deles, não esqueceu as almas dos que ali ficaram,
especialmente as dos hereges da Alemanha, pois o tempo que tinha
disponível de suas muitas ocupações e alguns momentos da noite
empregava em escrever vários exemplos e casos de edificação que
sucederam aqui entre os índios, para que se tornassem conhecidos
e lhes abrandassem a indiferença. Dedicou esses trabalhos aos
hereges da Alemanha, cidade onde, antes de vir às índias, havia
ensinado Retórica, e cujos originais estão guardados na província
da Germânia superior. Além disto, em língua francesa, se im-
primiu uma carta sua que é a última do Tomo XI das Lettres Edi-
fiantes». 79
)

Delineado e construído o Povo, do que faremos, oportuna-


mente, detalhada descrição, erguida a igreja, cuja edificação co-
meça em 1708, é o P. António vítima de acusações infundadas
que afectam a sua própria honra de sacerdote, devido a intrigas
que se tecem em torno de sua acção enérgica em benefício dos
índios.
E' ainda o seu necrológio que registra o acontecimento: «Os
trabalhos e perseguições que por seu zelo sofreu o P. António não
foram poucos, mas um excedeu a todos: foi um falsíssimo e gra-
víssimo testemunho com que o demónio tentou impedir o grande
fruto que colhia entre estes pobres índios, tirando muitas almas
de suas garras. Pôs uma mancha em sua pureza angélica, e pas-
sou o caso tão adiante que, com deshonra, foi afastado do Povo
em que era cura, mas não permitiu N. Senhor que o inferno tives-
se mais poder do que a verdade, que logo se descobriu, graças à
prudência dos Superiores, sendo o Padre reintegrado com honra

79) A bibliografia do Padre António Sepp é vasta e interessantíssi-


ma. Sommervogel (Compagnie de Jesu VII, — verb. 1129) assinala três
obras principais, havendo, entretanto, outras, que só agora estão sendo
divulgadas. Consta dessa bibliografia: V> — Brief R. Padre Antonii Sepp
S. J. an dessen Bruder Herr Sepp von Reinegg geschrieben zu Japeyú in
Paraquaria, der letzte zwar dem 24 jun. 1692. Dans le Neue Welt bott, du
P. Alõcklein. Tom. II. n» 48, pág. 40-60.
2» Lettres du Padre Antonie Sepp au P. Guillaume Stinglhaim, Pro-
vincial de la même Compagnie dans la Province de la haute Allemagne;
dans les Lettres Edifiantes — 11' recueil pág. 390-428, ed. 1843. T. II, p. 242,
3' R. R. P. P. AntoniiSepp und Antonii Bõhm der Societãt Jesu
Priestern Teutschen Nation etc. Núrnberg. In Verlegung Joh. Hoffmans
— 1697. 12' pp. 333. Passau —
1698. 12».
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 79

ao mesmo posto de que a mentira o tirara. E neste e nos demais


trabalhos teve o Padre tal resignação que nunca se lhe ouviu quei-
xa alguma nem antes nem depois, e nem mesmo a ninguém con-
fiou os seus padecimentos, pois a todos dizia que se sentia grato
aos que haviam contribuído para as suas mortificações, porque
a eles devia muito. Prosseguiu depois com a mesma aplicação
ao trabalho dessa vinha do Senhor como se nada houvesse suce-
dido, e dizem os missionários seus confidentes que inquerido se a
causa desses sofrimentos poderia modificar o seu zelo, respondeu
que por nada deixaria de praticar o que parecia agradar a Deus».
Tendo deixado São João Baptista, que transformara em Povo
que serviu de modelo a outros mais pela sua organização material
e pelos resultados espirituais, traduzidas em fervorosa religiosi-
dade e rígidos costumes cristãos, o P. António Sepp foi ainda pres-
tar os seus serviços como cura do Povo da Cruz.
Após longo e dedicado sacerdócio, consagrador de uma vida
de apostolado incomparável, faleceu aos 16 de Janeiro de 1733,
com 77 anos de idade, 58 de Companhia e 45 de incorporação.
Procurando, acima de tudo, elevar-se «até à Divina Majestade,
na hora de sua morte disse, com toda verdade a um Padre que
o assistia: — «Graças ao Senhor! —
parece-me que todos os meus
trabalhos, de qualquer espécie, nenhum outro motivo tiveram se-
não o amor de Deus». De sua Divina Majestade, nos persuadi-
mos, terá recebido já o prémio de todas essas obras que são as
que se puderam observar em sua vida, já que sua muita humilda-
de nos privou da notícia de muitas outras e maiores que nos po-
deriam servir de exemplo». 80 )
A vida do P. António Sepp é a própria história da fundação
de São João Baptista. Sua actividade multiforme, sua inteligên-
cia privilegiada, suas profundas virtudes cristãs e sua fé inaba-
lável, ficam ali assinalando as raízes da alta civilização que o seu
espírito criador soube imprimir aos destinos de seu Povo, nas
obras que executou.
Em São João Baptista jorra, de fornos primitivos, o primei-
ro ferro que se fundiu nas Missões; tempera-se* o aço que vibra
na sonoridade dos sinos; sobem aos céus os sons harmoniosos do

80) Anua de 1735. B. N. Mss. I, 29, 7, 107.


80 AURÉLIO PORTO
primeiro grão que se fabrica; edifica-se uma cidade modelar, cujo
casario, alinhado e bem posto, abriga exemplares famílias cris-
tãs ao serviço de Deus e da sociedade primitiva; ergue-se um
templo majestoso, rico de alfaias e de artísticas ornamentações
com seus altares de talha dourada, e um púlpito com estátuas
douradas e embutidas de madrepérolas; e se estendem as vastas
oficinas onde os artistas de toda a espécie burilam retábulos fa-
mosos, pintam quadros notáveis, esculturam estátuas magníficas,
lavram as colunas do templo, e fabricam os mais variados instru-
mentos musicais, enquanto os calígrafos, prestimosos e hábeis,
copistas inimitáveis, nos legam os seus trabalhos que honram a
civilização jesuítica.
Por outro lado, proliferam as sementeiras, plantam-se ex-
tensos pessegueirais e laranjais, adornam-se as hortas de varia-
das espécies vegetais, cultivam-se ervais hortenses, e pelos cam-
pos das estâncias os gados constituem o mais alto património
económico do Povo, a que fornece carne, leite e seus derivados.
Toda esta organização reflecte a actividade do P. António,
as suas iniciativas em todos os sectores do trabalho material, in-
telectual e moral, orientadas pela fé profunda que o afasta mes-
mo da órbita traçada pelo tempo à acção jesuítica, o que o leva
aos maiores dissabores, sofridos resignadamente por amor de Deus
e desses filhos que amou carinhosamente.
Não cabe aqui detalhar a acção do Padre Sepp e sua influên-
cia para o apogeu da civilização artístico-industrial dos Povos de
Missões, que serão oportunamente estudadas. Mas, de sua vida
e obras ressaltam qualidades tão excepcionais de inteligência, cul-
tura e virtudes cristãs que se o pode, nessa segunda fase da vida
missioneira, erguer à altura dos grandes apóstolos Boroa, Tano,
Cristóvão de Mendoza, Roque González, e outros, que constituem
essa galeria que exorna de glórias e virtudes, em seus primeiros
tempos, a Companhia de Jesus em terras do Rio Grande do Sul.
A população de São João Baptista, conforme as estatísticas
conhecidas, durante o primeiro decénio de sua fundação, foi a
seguinte
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 81

Óbitos
Anos Almas Famíl. Baptism. Cresci- Casa- Viúvos
Adultos Crianças mento mentos

1698 .. 2.832 765 56 8 18 30 24 77


1702 .. 2.650 724 190 42 90 58 28
1705 .. 2.929 755 290 49 95 65 38
1707 .. 3.361 776 194 59 65 70. 50

7 — Santo Ângelo Custodio.

Tem o Povo de Santo Ângelo a mesma origem como o de São


Luís Gonzaga, que lhe antecede vinte anos na fundação, provin-
do, como este, de uma colónia que se desprende de Conceição, em
1706. O crescimento populacional de Conceição, confinada entre
outras Doutrinas que lhe não permitiam a expansão devida, de-
terminou esse novo desdobramento de seu povo, atraído pelas
informações de seus parentes, havia largo tempo radicados nessa
região, cujas possibilidades económicas lhe abriam maiores pers-
pectivas de bem-estar e fartura.
Como vimos, quando da emigração das Reduções assoladas,
em 1637, Conceição, antiga missão do Uru-
pelos bandeirantes,
guai, fundada em
1619 pelo P. Roque González, recebeu a maior
parte das populações de São Joaquim, São Pedro e São Paulo,
Caaçapá-mini, Jesus Maria do Ibiticaraí e São Carlos do Caapi,
que demoravam ao Norte da região missioneira. 81 ) E daí o di-
reito que tinha às ricas terras de ervais nativos do Nhucorá até
o rio Conceição, que lhe foram adjudicadas, revertendo, mais tar-
de à propriedade de Santo Ângelo que as irá explorar intensiva-
mente. 82 )

81) D. Felix Azara. Descripcion hist. cit. Mss. B. N. I, 16, 2, 6.


82) No inventário de Santo Ângelo constam os seguintes ervais que
pertenciam a Conceição: no Uruguai —
Nazareno, Santa Maria, Conceição,
São Miguel, São João, Santos Mártires, Quirigui, Corá, Yeruati, Payndé;
em Nhucorá —
Santa Ana, Santo Ângelo, São José, São Pedro e São Pau-
lo, Santo António, Santo Inácio, São Francisco Xavier; e no Ijuí Con- —
ceição, São Miguel, São Francisco Xavier e Santa Tereza. (F. X. Brabo.
Inventários. Madrid, 1872. Cf. Teschauer, Hist. TJ, 14.
82 AURÉLIO PORTO
Não obstante a contribuição de colonos com que entrara para
a fundação de São Luís Gonzaga, em 1687, sua população que de-
crescerá até 3.000 almas, duplica nos vinte últimos anos, atingin-
do em 1706 a 6.449 almas, num total de 1.535 famílias. Nesse
mesmo ano funda o Povo de Santo Ângelo com 737 famílias, com-
postas de 2.879 almas, e fica ainda com uma população de 3.334
habitantes com 781 famílias. 83
)

Foi no ano de 1706 que essa nova colónia de Conceição, va-


deando o rio Uruguai, depois da escolha prévia do local em que
se ia estabelecer, chegou até a uma altura nas proximidades da
forqueta entre os rios Ijuí Grande e Ijuizinho, lançando aí os fun-
damentos do Povo de Santo Ângelo. Documento interessante da
Colecção de Angelis, até agora inédito, precisa mesmo a data do
primeiro baptismo que ah se fez e que se pode aceitar como a da
fundação dessa doutrina: 12 de Agosto de 1706. E' o que se de-
preende da «numeración de los baptismos assi de párvulos como
de adultos que a ávido en esta doctrina dei San Angel de la Guar-
dia, desde 12 de Agosto de 1706 inclusive hasta 18 de Enero de
1733 inclusive, sacados por ano segun su orden como se sigue en
esta lista». 84 ) Nesse ano foram baptizadas 3 crianças; em 1707,
181; em 1708, 223; em 1709, 188; e em 1710, 78. 85 )
O local escolhido não tinha, porém, as condições exigidas
para a expansão do Povo, ficando entre dois rios copiosos e, no
ano seguinte (1707), como veremos, Santo Ângelo se transporta
mais para o Norte, ocupando o lugar em que ainda hoje se en-
contra.
Era cura de Conceição, em da fundação de San-
1706, quando
to Ângelo, o P. Diogo de Haze. Em 1708 aparece novamente o
nome desse sacerdote numa questão de terras e ervai3 que inte-
ressa aos Povos de São Miguel, São Luís e Santo Ângelo, o que
induz a crer fosse nessa época o director espiritual desta última
Doutrina. Pode-se, pois, presumir, com mínimas probabilidades

83) Estado de las Doutrinas.N. Mss. I, 29, 1. 19.


B.
84) Estado de B. N. I, 29, 1, 119.
las Doutrinas, cit.
85)Em 1708 recebe Santo Ângelo grande número de mulheres e
crianças infiéis, minuanos, charruas, guenoas e outras, que foram apri-
sionadas, depois da destruição desses Índios, e daí o aumento de baptis-
mos verificados nesse ano.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 83

de erro, tivesse sido o fundador de Santo Ângelo e seu primeiro


cura. 86
)

Nasceu o P. Diogo de Haze em Bruxelas, Flandres, aos 6 de


Janeiro de 1655, entrando para a Companhia de Jesus em 10 de
Outubro de 1675. Fez seu noviciado com óptimo aproveitamento,
formando-se em filosofia e teologia. Mas, querendo consagrar-se
à catequese dos índios, fez parte da missão trazida para a Amé-
rica pelo P. Diogo de Altamirano, já referida, que chegou a Bue-
nos Aires em 1691. Depois de um proveitoso aprendizado da
língua guarani, foi o P. Diogo mandado para as missões do Uru-
guai. Em 1706 encontramo-lo em Conceição, onde exerce as fun-
ções de cura. Daí passa ao Ijuí à frente da colónia que funda
Santo Ângelo. Em 1715 exerce a reitoria do Colégio de Assun-
ção, passando mais tarde ao de Santa Fé, e em 1721 está em Bue-
nos Aires, de onde faz uma entrada na Banda Oriental, indo até
São Domingos Soriano e mais Reduções do Uruguai, e no ano se-
guinte depõe como testemunha no Pleito sobre Vacarias. Con-
forme o Catalogus de 1715, havia naquela data sido professor de
gramática durante quatro anos e trabalhado como operário nas
Missões 21 anos, tendo feito a profissão dos 4 votos em 21 de
Fevereiro de 1713. 87 )
Ao transportar-se para a bacia oriental do Uruguai ocupa o
Povo de Santo Ângelo Custódio um local entre o Ijuí Grande e o
Ijuizinho, logo abandonado, pois, transpondo aquele rio se radica
à sua margem direita entre os arroios Taquarichim e Santa Bár-
bara, isto é, na posição que actualmente ocupa essa cidade. O
P. Ventura Suárez encontrou para coordenadas dessa missão 28*
15' de lat. S. e 323 9 53' de long. L. da Ilha do Ferro, diferindo de
Cabrer que lhe dá mais 3' da lat. S. e para long. 323 9 47' 15".
Saldanha encontra para lat. S. a mesma de Cabrer, aproximan-
do-a mais de 22" i/ó, o que quase coincide com as coordenadas
actuais que situam Santo Ângelo a 289 18' 14" de lat. S. e 549 15'
52" de long. O. de Greenwich, » 8 )
Santo Ângelo prosperou grandemente tornando-se um dos Po-

Questão de terras entre São Luís e São Miguel, cit.


86)
Catalogus de 1715.
87)
Azara difere em suas coordenadas: 28» 1T 19" Lat. S. e
88) 3" 20*
48" Long. L.
84 AURÉLIO PORTO
vos mais ricos de toda a região missioneira. Grande empório de
erva mate, dedicou-se logo à sua industrialização, sendo o maior
exportador desse precioso artigo. Ainda em 1768, consoante es-
tatísticas da época, a produção de erva-mate era de 5.000 arrobas,
superando a de todos os outros Povos. Era também o maior
produtor de algodão num total de 4.000 arrobas. Pouco, porém,
se dedicava à criação, pois só tinha em seus campos 2.000 vacas,
100 cavalos e 1.000 ovelhas. 89 )
Congregara magníficos artistas, trazidos de Conceição que
desde os primeiros tempos, em suas escolas de pintura e estatuá-
ria, criara uma plêiade notável de índios consagrados a essas ar-
tes. Azara, que visitou Santo Ângelo em fins do século XV 111,
observa «ter o Povo de particular uma multidão admirável de
estátuas, que encerra seu templo, mas todas com asas, não ha-
vendo uma só sem elas». 90 ) Sobre esse aspecto artístico e sobre
sua igreja e construções, em outro volume, se dirá com mais par-
ticularidade.
O movimento da população de Santo Ângelo de 1707 a 1720
foi o seguinte:

Óbitos
Anos Almas Famll. Baptism. Cresci- Casa- Viúvoa
Adultos Crianças mento mentos

1707 .. 2.879 737 181 50 93 38 37


1708 .. 3.074 740 223 37 101 75 11
1711 .. 3.088 632 482 39 70 373 131
1714 .. 2.899 683 264 77 130 47 198
1716 .. 3.194 765 371 48 90 233 150
1719 .. 3.470 881 210 25 55 130 46
1720 .. 3.592 911 246 66 119 61 273

Terminada a guerra, levada contra os guenoas e índios con-


federados, que, sob o comando do cacique Cabari, assolaram as
Reduções de Japejú e Cruz, e feita a paz com a intercessão do P.

89) Mss. Padre Oliver, 1768. Teschauer, Hist. U, 38.


90) Azara, Descripción, cit.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 85

José de Arce, que, arrostando a morte, conseguiu pacificar esses


índios, foram distribuídos pelos Povos, em 1708, muitos prisio-
neiros, principalmente mulheres e crianças. Santo Ângelo, re-
cém-fundado, recebe nessa ocasião grande reforço para sua po-
pulação. Diz o historiador Bauzá, comentando o acontecimento
que «desta maneira mesclava-se o sangue charrua ao dos guara-
nis, injectando naquelas povoações e estendendo pela zona que

deviam ocupar outras, o ardimento varonil e a tenacidade persis-


tente que herdara com o correr do tempo». 91 )

91) Bauzá. Hist. de la dominación espanola, I, 1, 5.


capítulo m
RIO GRANDE DE SÃO PEDRO.
1. Projectos de Colonização e Povoamento do
Rio Grande. — 2. Antecedentes da Fundação do
Presídio. —3. Missão do Brigadeiro Silva Pais.—
4. O Regimento de Dragões. — 5 Comandância mi-
.

litar.

1 — Projectos de Colonização e Povoamento do Rio Grande.

Entendido entre Laguna e Colónia do Sacramento e estreita-


do ante o avanço expansionista das Missões, que pouco a pouco
levavam as suas estâncias até as margens ocidentais do Taquari,
o Rio Grande de São Pedro cingia-se, nos albores do século XV LU,
à estreita faixa territorial compreendida pelos então chamados
«Campos do Viamão» ao centro e, no litoral, ao caminho aberto
pelos colonistas que demandavam a Laguna, de que nos dá notí-
cia em seu Roteiro já referido, de 1703, Domingos Filgueira.
Vários os projectos conhecidos de colonização do Rio Gran-
de. O primeiro, constante dos arquivos do Conselho Ultramari-
no, códice manuscrito da Biblioteca Nacional, é de Manuel Jor-
dão da Silva. Pesquisando notícias desse povoador, que se pro-
põe colonizar o Rio Grande do Sul em 1695, chegámos à presunção
de ter sido ele um dos acusados pelo assassínio do Provedor do Rio
de Janeiro e, mais tarde, Administrador das Minas de Paranaguá,
Pedro de Souza Pereira, ocorrido em 1686. Diz Jordão ter vasto
conhecimento da terra do Rio Grande. E' provável que, para fu-
gir à devassa, que foi rigorosamente feita naquela ocasião, se hou-
vesse internado pelos sertões do Continente. Mas tarde, como diz,
para completar esse conhecimento, gastou «muita fazenda sua».
Em 7 de Junho de 1695, Manuel Jordão da Silva dirige uma
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 87

carta ao Governador da Capitania do Rio de Janeiro, Sebastião de


Castro Caldas, na qual propunha colonizar grande parte do Rio
Grande de São Pedro que conhecia por ter várias vezes cruzado o
seu território. Diz, nessa carta, ter muitos filhos e netos para ser-
vir a Sua Majestade. Faria o povoamento inicial, criando uma
vila, para o que se lhe deveria conceder 50 casais de índios das al-
deias reais de São Paulo e 30 índios solteiros. Pedia como ajuda de
custo 6.000 cruzados, dando em garantia a sua fazenda e o paga-
mento de dois engenhos. Salvante «mar e corsário» se comprome-
tia a levar a cabo esse intento. *)
Os papéis referentes ao assunto, até hoje inéditos, foram, pelo
Governador, encaminhados ao Conselho Ultramarino provocando
uma Carta Régia, de 13 de Outubro de 1695, mandando tomasse
o Conselho conhecimento da proposta.
Em sua sessão de 1 de Fevereiro de 1696, estudando o assun-
to, a que se referia a Carta Régia acima citada, dá o Conselho o
seu parecer. Reconhecida, preliminarmente, a idoneidade de Ma-
nuel Jordão, «homem de idade, com tanto vigor e esperteza como
se fosse 25 annos». Para conhecer com ampla individuação o ter-
ritório que se propunha colonizar, «gastara nessas deligências mui-
ta fazenda sua». «E daí o taxarem de louco, mas não tinha nada
disso» e dizia que «essa ânsia e desejo de fundar colónia procedia
da fertilidade que achava naquelas terras, que tinha fazenda com
que assegurar o que pedia, com cuja quantia não seria dificultoso
assistir-lhe, por não fazer falta com o crescimento do contrato no-
vo, que começa em
Agosto, e satisfazendo o que devia era suave
e barato o se fundar uma vila, e quando não satisfizesse
modo de
tinha por onde pagasse, quando perdesse a quantia que pedia e os
índios tirados de diversas aldeias não podiam fazer falta».
Depois de larga discussão sobre o assunto foi o Conselho de
parecer que era de momento impraticável a fundação dessa coló-
nia que poderia dar azo aos castelhanos para novas hostilidades,
sendo motivo para que ah fundassem nova vila. 2 )
E assim, com receio dos castelhanos e sem coragem e meios
para enfrentá-los, na sua política sempre tergiversante, o Conselho

1) B. N. Anais — XXXIX — 227.


2) B. N. Actas do Cons. Ultram. Cod. mss. I, 8, 4, 17, fls. 30 v.
88 AURÉLIO PORTO
Ultramarino não compreendeu que a Colónia do Sacramento só po-
deria subsistir se tivesse a ampará-la um outro núcleo de povoa-
mento e socorro em suas proximidades.
Só 24 anos mais tarde, quando se tratou de fundar Montevi-
déu, lembrou-se o Conselho da necessidade de criar uma povoação
ou uma fortaleza no Rio Grande.
Em consulta de 25 de Setembro de 1720 projectou-se fundar
uma povoação em Montevidéu ou Maldonado, com fortaleza, para
garantir a estabilidade da Colónia. «E suposto que a edificação
desta fortaleza seja já um dos remédios para o futuro, como não
é o que baste, será preciso que para aquela parte se mande uma
colónia com a frota que no ano que vem há de partir para o Rio,
que conste de 60 casais, porque sendo aquele sítio na garganta do
Rio da Prata, é preciso segurá-la e nos anos subsequentes em ca-
da um deles mandar outros tantos casais para se estabelecerem
colónias, uma em Montevidéu, dentro do mesmo Rio da Prata, e
três fora dele naquela costa e nos portos do Rio de São Pedro do
Rio Grande e enseada das Garoupas, porque sendo tão bons aque-
les portos que se reputam pelos melhores da nossa América e o seu
terreno com tanta abundância de gados e esperanças palpáveis de
grandes riquezas de minas de prata e ouro é sem dúvida que se
não ocuparmos por este modo aquela costa, as mais nações da Eu-
ropa hão de ir ocupá-la e os casais para estas colónias se podem ti-
rar das ilhas, onde a multidão deles serve de gravame». 3 )
Daí em diante sucedem-se, nos arquivos do Conselho Ultra-
marino, consultas várias sobre a fortificação e povoamento do Rio
Grande que só 17 anos mais tarde o Brigadeiro José da Silva Pais
torna efectivos com a fundação do Presídio de São Pedro do Rio
Grande, em
19 de Fevereiro de 1737.
Em Outubro de 1725 parte da Laguna, para escolher
fins de
sítio para uma povoação, em substituição do Capitão-Mor Francis-
co de Brito Peixoto, seu genro João de Magalhães, acompanhado
de 30 pessoas. Em um local situado ao Sul do canal fundou po-
voação que serviria de entreposto do gado extraído do Pampa e

3) Inst. Hist. Bras. Cons. Ultram. Cópias manuscritas. Vol. 25*,


fls. 280.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 89

que ao mesmo tempo seria um marco de ocupação da terra. Aí


vai, para dar calor à povoação, o Tenente-de-General David Mar-
ques Pereira, adiante ainda citado. Para velar sobre esse posto
nomeou David Marques os Capitães João da Costa e Estácio Pires,
que superintenderiam a passagem dos gados para o Norte. Reti-
rou-se João de Magalhães, indo mais tarde sediar-se em Viamão,
tendo o entreposto efémera duração. 4 )
Em consulta de 26 de Novembro de 1728, apreciando a carta
do Governador do Rio de Janeiro, de 30 de Agosto, e outra do Go-
vernador da Capitania de São Paulo, dá o Conselho o seguinte pa-
recer :

«Vendo-se neste Conselho a carta inclusa do Governador do


Rio de Janeiro Luís Vahia Monteiro, feita em 30 de Agosto deste
presente anno, em que se representa a V. M. o quanto se torna
preciso que se execute com a maior brevidade a resolução que V.
M. terá tomado de se edificar uma Colónia do Rio Grande, pelas
razões que na dita carta vinhão: Pareceo ao Cons 9 fazer presente
.

a V. Magest. o que expõe o Governador do Rio de Janeiro nesta


sua carta e pelo que delia se mostra se reconhece, como elle insinua
a conveniência que ha de se mandar fundar a Colónia que V. M.
tem determinado se faça no Rio Grande de São Pedro, o que acres-
ce as notícias que dá o Governador da Capitania de São Paulo,
como se colhe do capítulo da carta que com este sobe às reaes
mãos de V. Mag. sobre o descobrimento do morro que fica no Rio
Grande, de que se prometeu tão avultados interesses, os quaes se
seguram com esta Colónia na foz do Rio Grande. E se vê este
Conselho obrigado a representar a V. Mag. que toda a dilação em
negocio tão importante, será mui prejudicial, não só em se perder,
(o que pode resultar de se tardar esta expedição e edificação da
dita colónia), mas também em não poderem se conservar as mi-
nas de Cuyabá e Paranapanema, que ficão visinhas, e por estas
considerações que se faz mui preciso que se escolha para este ef-
feito uma pessoa de toda a suposição, valor e actividade, para
que estabeleça a dita colónia p ? que não suceda o que aconteceo
.

4) Vejam-se para mais detalhado estudo: Aurélio Porto. Rev. Inst.


Hist. R. G. do Sul. Ano 1926, 610 e General J. Borges Fortes. Rev. I. H.
R. G. dó Sul, 1934. 1» Trim. 63.
90 AURÉLIO PORTO
em Montevideo. — Lisboa, 26 de Novembro de 1728. Costa —
Azevedo — Souza — Vargas». 5
)

E essa «pessoa de toda a suposição» aparece em seguida.


Mandara Rodrigo César, afim de «dar calor» à povoação de que
fora incumbido João de Magalhães, que o Tenente-de-General Da-
vid Marques Pereira fosse ao Rio Grande. Esse oficial aí esteve
e levou óptimas notícias sobre a terra que visitara e suas rique-
zas extraordinárias. E vendo neste negócio um magnífico em-
prego, fezConselho circunstanciada representação. Delineia
ao
então o Conselho, em sua consulta de 19 de Abril de 1730, um
largo plano de povoamento do Rio Grande. E' o seguinte, na ín-
tegra, o inédito parecer dessa entidade que superintendia os ne-
gócios da Colónia Portuguesa, na América:
«E sendo tudo visto —
Pareceu ao Conselho representar a V.
Mag. que pelas razões que representa o Governador que foi da
Capitania de São Paulo, Rodrigo Cezar de Menezes, e o Governa-
dor do Rio de Janeiro, e adverte o Procurador da Corôa, se mos-
tre evidentemente o quanto é conveniente que V. Mag. se sirva
mandar fortificar o porto do Rio Grande de São Pedro da banda
do sul, porque por esta parte poderemos ficar senhores dos gran-
des campos que ha até a Serra de Maldonado, que fica na boca
do Rio da Prata, o que se não conseguirá se fundarmos a Colónia
da parte do Norte, nomeando V. Mag. para esta empreza ao Te-
nente de General David Marques Pereira, não só por ser elle o
que foi estabelecer o mesmo posto, fazendo-se pratico naquellas
campanhas, mas também por ser de conhecido valor e capacidade
para esta expedição, fazendo V. Mag. a mercê da patente de Co-
ronel de Infantaria, a que está a caber, e de uma ajuda de custo
competente para se preparar e por logo prompto para a viagem; e
porque é preciso que leve comsigo um oficial subalterno que o
ajude e seja capaz de o pudçr substituir em sua falta, aponta o
Conselho a V. Mag. para este effeito ao Capitão Jeronymo de Lei-
ria, da Guarnição da Província do Algarve, dando-lhe a patente

de sargento-mór e uma ajuda de custo competente, o qual official


propoz o mesmo David Marques havia servido em toda a guerra
com muita distincção e valor, sendo grande operário de fortifiea-

5) Inst Hist. Bras. Arq. Cons. Ult. Cod. Mss. 26', íls. 49.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 91

ção: e por convir muito que estes officiais vão servidos, que am-
bos por uma carta somente, sem mais outra patente os mande
V. Mag. embarcar na fragata que está para partir para o Brasil
dando-lhes serradas as ordens que bão de executar, as quaes não
abrirão senão no Rio de Janeiro, ordenando V. Mag. ao Governa-
dor daquela praça lhe dê um official Engenheiro com quinze pe-
ças de artilharia e um official para ella, e dois Capitães de Infan-
taria, com cento e oitenta soldados dos melhores que houver na
mesma praça e todo o dinheiro e o mais que for necessário para
esta operação e factura da fortaleza, e que o Governador de São
Paulo lhe mande também dar vinte soldados dos melhores que
tiver o Presidio de Santos por serem muito práticos naquelles ca-
minhos e oitenta indios das Aldeias daquella capitania para fa-
zerem a dita fortaleza, indo tudo embarcado em sumaca até á
povoação da Laguna e dahi que vá a guarnição por terra até o
Rio Grande, que são noventa léguas, e os mais petrechos que se
conduzão por mar até o mesmo Rio Grande, com práticos que la
tenhão entrado, e chegado que seja tudo ao dito porto que se for-
tifique nelle da banda do sul, 6 ) na melhor paragem com tal bre-
vidade que no tempo do estio, que naquellas campanhas é de Se-
tembro até Fevereiro, estejão fortificados, e que sendo-lhe neces-
sária alguma gente se possão valer na que ha nas duas vilas de
Laguna e Santa Catarina, que são as mais visinhas, ficando a di-
ta fortaleza sugeita ao Governador do Rio de Janeiro, na forma
que o é a praça da Nova Colónia, porque por aquella Provedoria
hão de ser pagos, e por ella lhe devem ir os soccorros necessários,
emquanto o Governo de São Paulo não tiver a possibilidade neces-
sária para soccorrer esta colónia com gente, munições e dinheiro,
a qual possibilidade não tem ao presente; e entende o Conselho
que esta é a forma mais segura de fundar esta Colónia livre de
todo o embaraço e impedimento que se lhe possa fazer porque se
não conhecerá o intento de a fundar senão depois que estiver es-

6) O coronel Rego Monteiro, em seu brilhante trabalho—Domi-


nação espanhola no Rio Grande, é de parecer que João de Magalhães
esteve situado à margem norte do canal. Discordamos completamente
desse asserto Opinando que essa povoação fosse nas proximidades de
Torotama. Conforma, ainda, o nosso modo de ver, a recomendação aci-
ma a David Marques.
92 AURÉLIO PORTO
ir para o mesmo Rio
tabelecida, e para a frota futura que tiver de
de Janeiro se poderão mandar os officiais que forem precisos pa-
ra este novo Presidio e o mais que para elle for necessário e a
todo tempo podem também ir os cazaes que V. Mag. tinha reso-
luto fossem da Ilha do Pico para povoarem a Ilha de Santa Ca-
tarina e a Nova Colónia do Sacramento, porque por este meio se
pode não só segurar melhor o dito Presidio, mas também povoa-
rem aquellas terras, que promettem de si tão abundantes inte-
resses, assim para a Fazenda Real, como também para utilidade
e beneficio dos vassallos de V. Mag. continentes naquele paiz, e
de todo o Brasil, e deste Reino, na extração dos géneros que delle
podem sahir, podendo-se seguir outras maiores conveniências que
o tempo pode descobrir, circumstancias todas que devem fazer
grande pendor na alta e soberana ponderação de V. Mag. Lisboa
Occidental —
19 de Abril de 1730. Costa, Abreu, Vargas, Sou-
za, Metello». 7
)

Não obstante todo o empenho que se percebe dessa consulta,


não foi posto, ainda, em execução o plano de colonização e fortifi-
cação do Rio Grande. Note-se, porém, que sete anos mais tarde,
o plano delineado para fundação do Presídio, que Silva Pais
leva a efeito, é o mesmo contido na consulta.
Mas, o temor dos
castelhanos, ainda perdurava nas resoluções reais, muito embora
aconselhasse o Conselho todo o sigilo na fundação do Rio Grande.
E fora também esse temor que obstara outra tentativa de colo-
nização, a que se propusera Frei Agostinho da Trindade.
Era este religioso da Ordem de N. S. do Carmo da Província
do Rio de Janeiro, natural de São Paulo. Em 1714 fora para a
Uha de Santa Catarina, onde exercera a capelania da mesma. Daí
passou à Laguna, tendo feito várias entradas nos sertões do Rio
Grande, afim de catequizar os índios. Em 1724 passou a atender
à capela do Desterro, sendo, por solicitação dos oficiais da Câma-
ra dessa confirmado vigário da mesma, em 1730.
vila,

Em 1728 Frei Agostinho da Trindade ao Reino so-


foi o P.
licitar a protecção real não só para seus paroquianos da Uha,
como sugerir a criação de uma colónia no Rio Grande.
Em Carta Régia de 27 de Março desse ano, El-Rei D. João

7) Inst. Hist. Bras. Cod. Mss. cit. Vol. 26», fls. 142 v.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 93

manda-lhe dar uma ajuda


de custo para, voltando a Santa Cata-
rina, dali onde devia criar uma
se transportar ao Rio Grande,
povoação que fosse o núcleo inicial da colonização que pretendia
levar a efeito.
Luís Vahia Monteiro, que então governava o Rio de Janeiro,
em ofício de 3 de Agosto de 1728, informa para a Corte que ha-
via cumprido as determinações da Carta Régia. Dera a Frei Agos-
tinho a ajuda de custo de 50$ a fim de que fosse executar a sua
pretensão de povoar o Rio Grande. O Padre já partira para aque-
le destino, indo muitíssimo satisfeito. Sobre essa resolução real
Vahia Monteiro aduz considerações que merecem registro.
Diz o governador do Rio de Janeiro que lhe «é preciso pôr na
sua real notícia que esta expedição se execute com a maior bre-
vidade, porque a campanha que corre do Rio Grande até a parte
de São Miguel, e Rio de Martim Affonso é de campos dilatadíssi-
mos e povoada de muito gado vaccum e ao meu ver tem mais ga-
do que a campanha da Colónia. E agora entrou aqui uma su-
maca que entrou pela barra adentro do Rio e vem carregada
acima de 600 couros que o mestre Manuel Antonio fez naquella
campanha e me declarou que nella andavam ja cousa de 30 por-
tuguezes e 60 castelhanos e supposto diz que estes são gente cri-
minosa em Buenos Aires e bandoleiros, comtudo será motivo pa-
ra os castelhanos queiram allegar que aquella campanha lhes
pertence por ser habitada por seus vassalos, sem embargo de se
achar nos domínios de V. M. posto que V. M. se ache com bas-
tantes noticias daquelle paiz, para não deixar de dizer que além
de sua extensão ao longo da costa, tem 60 léguas de largo, da
praia até as serras para o sertão, detraz do qual se acham situa-
das infinitas aldeias dos índios Tapes, administradas pelos P. P.
da Companhia, castelhanos, os quaes chegão até á altura do mes-
mo Rio Grande com suas aldeias de Santo Angelo, de São Lou-
renço, de São Miguel e de São João as quaes distão do Rio Gran-
de, passando-se as serras, 15 dias de viagem, e como estas e mui-
tas outras aldeias ficão nas cabeceiras do Rio da Prata e outras
que se vão metter nelle nas campanhas da Colónia, entendo se
poderia fazer muito negocio no Rio Grande a por via
dos P. P. da Companhia e índios Tapes, e por todas essas cir-
cumstancias se faz preciso que o fundador dessa Colónia seja su-
94 AURÉLIO PORTO
jeitode sólidos fundamentos para que alguma accelerada ambi-
ção não destrua o fructo». 8 )
Como todas
as outras tentativas, que vimos assinalando, fra-
cassou também
a de Frei Agostinho, parecendo que o temor dos
castelhanos determinasse a inexequibilidade do intento.
Outro projecto que se conhece para povoar o Rio Grande, um
ano antes da fundação do Presídio, remete-o ao Conselho Ultra-
marino o Brigadeiro José da Silva Pais, então Governador do Rio
de Janeiro. Organizara-se uma companhia povoador a que se pro-
punha, mediante certas condições, criar núcleos de população, no
Continente. Apreciando essa proposta, em sua sessão de 2 de
Janeiro de 1736, em consulta dessa data, assim se pronuncia aque-
le órgão dos negócios de ultramar:

«Que V. Mag. se sirva passar as ordens necessárias para que


este estabelecimento se faça, pois parece próprio a este fim a con-
junctura presente, para que tenha effeito o que nesta matéria tem
o Conselho representado a V. Mag. ou a despeza seja feita pela
Fazenda Real, o que faria mais prompta a execução deste pro-
jecto, o que portanto seria mais conveniente, ou por uma com-
panhia como se propõe no papel que o dito brigadeiro remette
copia.
«Os povoadores desta Colónia devem sempre ser assistidos de
força necessária para a sua defesa, no caso de serem invadidos,
porque supposto os castelhanos disputavão a esta Corôa o esta-
belecimento da Colónia, no arbitrio dos commissarios nomeados
por El-Rey de Hespanha, ficará pertencendo este sitio ao Conti-
nente de Vossa Magestade, comtudo sempre é justo precaver con-
tra qualquer idéia que possa formar aquella nação contra este
estabelecimento e que elle se acompanhe da força necessária para
sustentar-se no sitio que eleger».
Convém mandar com urgência casais das Ilhas para aquela
povoação forem erguendo na costa «porque a con-
e outras que, se
tinuação dessas povoações será o que melhor decida a questão
de limites que ha entre as duas coroas». 9 )
Mas, ainda este projecto não é posto em execução. Outras

8) Arquivo Nacional. Cartas Régias. Col. 80. Livro 2°, As. 144.
9) Inst. Hist. Bras. Cod. Mss. Cons. Ultr. Vol. 26', fls. 248.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 95

intenções presidiam à real vontade. O estabelecimento do Rio


Grande não poderia ser de carácter particular. O inimigo tenaz
e forte, na estacada das largas campanhas, teria destruído qualquer
tentativa que, nesse sentido, sem amparo de força, ali se fizesse.
O «temor do castelhano», como veremos não era simplesmente
uma ameaça longínqua.
A última tentativa, de carácter particular, de que se tem no-
tícia, no intuito de estabelecer uma colónia no Rio Grande do Sul,

consta da consulta do Conselho Ultramarino, de 28 de Janeiro


de 1736.
Ao Brigadeiro José da Silva Pais, que governava o Rio de
Janeiro na ausência de Gomes Freire de Andrada, apresentou-se
Francisco dos Santos, propondo fundar uma colónia no Rio de
São Pedro. Solicitava o proponente fossem-lhe concedidas lar-
gas sesmarias que pudesse doar aos povoadores, cobrando-lhes
certos impostos, como fazia a Fazenda Real. E mesmo, já pas-
sara ao Rio Grande, para «onde mandara gente e effeitos», a fim
de comprar aos lagunistas o gado que eles estavam passando do
Pampa para a banda do Norte. 10 ) Silva Pais, que compreendia
a necessidade do estabelecimento dessa povoação, «deu calor»
àquela tentativa, acoroçoando as pretensões de Francisco dos San-
tos. 11 Tendo, porém, conhecimento do assunto, Gomes Freire,
)

que estava em Minas, desaprovou o acto do Governador que o


substituía, sendo os papéis referentes ao assunto presentes ao
Conselho Ultramarino.
E' interessante a consulta, que procura, sofisticamente, fir-
mar jurisprudência sobre o secular assunto da jurisdição territo-
rial das duas monarquias, além Tordesilhas.
«Ao Conselho parece que o Governador e Capitão-General
Gomes Freire de Andrada obrou bem em fazer suspender o esta-
belecimento que algumas pessoas pretendião fazer no Rio de São
Pedro, pois, entrando, como entra, na duvida de se achar este si-

10)Arq. Nacional. Publicações. VWL, 62.


11) Em
carta de 29-X-735 diz Silva Pais a Gomes Freire que cha-
mara Francisco dos Santos e Gaspar de Caldas propondo mandarem por
sua conta algumas embarcações ao Rio Grande "com gente e efí eitos pa-
ra comprar os gados que os lagunistas estão passando". Arq. Nac.
Corresp. Gov. —
Vol. V. —
286.
96 AURÉLIO PORTO
tio no território que os Castelhanos nos contestão, não devia con-
sentir nesse estabelecimento, sem ordem de V. M., nem o Briga-
deiro José da Silva Paes que governa o Rio de Janeiro devia dar-
lhe calor, porque além da razão referida, havia também a de ter
ele dado conta desta matéria e devia esperar pela resposta.
«Como, porém este sitio não está comprehendido no território
que os Castelhanos nos contestão, pois no parecer que seus cos-
mographos derão, em virtude do tractado provisional de 7 de
maio de 1681, não estendião a sua pretensão mais que até a dis-
tancia de 38 léguas ao norte do cabo de Santa Maria e o Rio de
São Pedro fica em distancia de 60 léguas do mesmo Cabo, para
a nossa parte não pode esta consideração embaraçar o estabeleci-
mento desta colónia: o qual será muito util, como o Conselho mais
vezes tem representado a V. M. pedindo-lhe queira ser servido or-
denar se ponha em execução o que agora parece se faz quasi ne-
cessário, por terem já passado aquelle sitio alguns portuguezes o
que pode despertar a cobiça dos Castelhanos para virem desalo-
jal-os e preoccupar aquele fértil terreno que convida a muitos Por-
tuguezes hirem estabelecer-se nele, conforme o que accuza o Bri-
gadeiro José da Silva e assim também se faz conveniente não dei-
xar esfriar o desejo com que estes Portuguezes se achão.
«Mas como não basta a notória justiça que nos assiste para
termos por certo que os Castelhanos deixem de pretender emba-
raçar o estabelecimento desta Colónia, vendo que com ella have-
mos de disfructar aquela Pampa, e podem tomar algum sofistico
pretexto para desalojar delia os Portuguezes: parece que as fa-
mílias que passarem a estabelecer-se naquele sitio devem ir assis-
tidas da força necessária para defender-se de qualquer violência
que se lhe intente fazer, deixando-se no arbitrio dos referidos 2
governadores, assim o numero de soldados e cabos, como a quan-
tidade de munições de guerra e boca, de instrumentos e petrechos
de guerra e mechanicos, e officiaes necessários que se devem trans-
portar para se fortificarem logo no sitio que for mais a propósito
e em que acharem requisitos de sitio defensável, com agua, lenha,
bom porto, para communicação por agua, terreno fértil para a
produção dos fructos e o mais que se requer em semelhantes ca-
sos, ou em que concorrem as circumstancias mais necessárias que
se poderem achar; bem entendido que deve ser o estabelecimento
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 97

da parte do sul do Rio, porque não convém fazer-se da parte do


norte, porque da parte do sul se achão as mais férteis campa-
nhas, as quaes são do dominio de V. M. sem que até agora se con-
travertesse este dominio e não seria acertado fiquem estas livres
para os Castelhanos as virem reocupar, obrigando-os a uzar da
força para os desalojar ou tolerar a uzurpação em os consentir-
mos; porque em qualquer acontecimento he mais util a reoccupa-
ção do sitio, principalmente, não sendo este, como não tem sido,
terreno contestado.
«He também digna de attenção a circumstancia de ser o ter-
reno da parte do sul pela sua fertilidade muito capaz de susten-
tar todos os moradores que ali se estabelecerem, com os fructos
que produz e pela quantidade de gados e cavallos de que he pro-
vida, com o que se facilita a conservação da terra e de hum cor-
po de cavalaria que com pouca despeza ali se pode manter. Os
armazéns do Rio de Janeiro se achão sufficientemente providos
de munições e petrechos de guerra e de instrumentos de mover
terra, com as remessas que o Conselho, por ordem de V. M. tem
feito e vae fazendo, e delle se pode tirar todo o necessário para
esta expedição, sem que desta Corte se remetta mais do que o
necessário para reencher os mesmos armazéns, conforme os avi-
sos que fizer o Brigadeiro que ah governa; porem será convenien-
te se remetta para a dita praça 40 sellas para servirem nos ca-
vallos de que na Campana (Pampa) ha bastante quantidade, e
também se remettam 150 ou 200 tendas de campanha, que o Con-
selho pode pedir para mandar o Governador Gomes Freire, a quem
podem ser necessárias para a marcha que deve fazer das Minas
ao Rio com os regimentos que tem formado para o socorro da-
quella Praça no caso de ser atacada ou invadida, pois não tem
no caminho povoações em que se possão aquartelar os regimentos
nas marchas. Destas tendas que se remetterem podem uzar os
que passarem a estabelecer esta Colónia para se abrigarem en-
quanto não fizerem algum género de casa, em que se recolhão; e
sempre he preciso para a construção da fortificação, que se hou-
ver de fazer; e porque o Brigadeiro tem dado conta a V. M. de
que necessita de 2 engenheiros para a fortificação do Rio de Ja-
neiro como o Conselho tem representado a V. M. por consulta de
outubro do anno passado, nesta pode V. M. resolver o que for ser-
História das Missões Orientais do Uruguai - 2. a Parte 4
98 AURÉLIO PORTO
vido, porque dos engenheiros que forem se podem os governado-
res valer para mandar para construir a fortificação da Colónia
de São Pedro. Mas sempre convém que deste Reino va o com-
mandante para esta Colónia, nomeado por V. M., oficial militar
com talento e capacidade para saber suavizar com o seu exemplo
os encommodos que hão de soffrer os primeiros habitadores, e que
possa com seu respeito, inteireza, modo e rectidão impedir as
desordens, que acontecem quando não há expontânea obediência e
que tenha o valor e perícia militar necessária para instruir os
seus súbditos e doutrinalos para a defensa no caso de serem ata-
cados, porque não será fácil achar-se naquellas partes sogeito
destes predicados e pode V. M. escolher neste Reino emandallo
com a mesma cautela com que foi para o Rio o Brigadeiro José
da Silva Paes.
«Pelos avisos dos governadores das Minas, Rio de Janeiro e
Nova Colónia do Sacramento, consta que este pede, como cousa
precisa, maior número de tropas para a sua guarnição, como o
Conselho tem representado a V. M. e entende que, para a segu-
rança desta nova Colónia do Rio de São Pedro se faz mais pre-
ciso o augmento da do Sacramento, porque vendo os Castelhanos
que nesta se acha com forças bastantes não se hão de mover a
atacar a do Rio de São Pedro e a hir a numa larga distancia das
suas terras deixando Montevideo exposto a ser atacado pelas tro-
pas da guarnição da Colónia do Sacramento. E sendo V. M. ser-
vido mandar para a Colónia do Sacramento hum conveniente nu-
mero de soldados, com estes podem hir mais 200 que sirvão para
a defensa do Rio de São Pedro ou para prehencher os Terços do
Rio de Janeiro, dos quaes se podem tirar por destacamento os sol-
dados que forem mais a propósito para este novo Presidio, dei-
xando este ponto no arbítrio dos 2 governadores, os quaes pela
sua capacidade, o farão com mais acerto e mais certeza do que
desta corte se pode permitir, que querendo alguns soldados casa-
dos no Rio passar com suas mulheres a viver neste novo presi-
dio lhes possão os governadores dar as ajudas de custo que en-
tenderem, e o que aos mais se lhe prometta, que assistindo no
presidio 3 annos, poderão recolher ao Rio de Janeiro. A despe-
za que se fizer na fortificação não será grande e pode V. M. ser
servido ordenar se tire o dinheiro da 4" caixa, que he aonde en-
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 99

trão as sobras de todo rendimento da Capitania, e quando nella


se não ache todo o dinheiro necessário, se pode supprir com o ren-
dimento da Casa da Moeda, que se tem augmentado considera-
velmente pela extinção da de Minas Gerais.
«Para a despeza do transporte dos cazaes que devem povoar
esta Colónia, construcção das suas casas, e provimento dos mo-
veis mais precisos para ellas, e mais que se ha de fazer com ci-
rurgião, boticário e sacerdotes, se pode ajustar com Francisco dos
Santos, que se offerece a fazer este estabelecimento ou com qual-
quer outro contratador, que os governadores julgarem capaz de
satisfazer ao assento que com elle se fizer, na forma que melhor
parecer aos Governadores, para se evitar a larga despeza que fa-
ria a Fazenda Real, se por sua conta se transportassem estes ca-
zaes ou das Ilhas ou do Rio de Janeiro, e se fizesse pela mesma
os seus precisos commodos, ordenando-se que em seu real nome
ajustem este contracto concedendo elles ao contractador algumas
terras naquelle sitio, como não sejão com titulo de donatário ou
Capitão delias, nem outro com que se permitta jurisdição e con-
cedendo-lhe alguma mercê que pretenda, excepto a de cobrar as
suas dividas como se cobra a Fazenda Real, que he huma das que
pede o dito Francisco dos Santos no papel do seu projecto.
«Ao commandante da guarnição se deve ordenar que reparta
as terras e as dê em sesmarias aos povoadores que as pedirem,
não excedendo a data de cada morador a huma légua de terra em
quadro, e reservando para logradouro público a terra que bastar,
que fique junto da fortificação, como também a que fôr necessá-
ria para o sustento dos gados mansos e cavalhadas dos morado-
res, na mesma forma que tem a Colónia do Sacramento, recom-
mendando-se-lhe que tenha particular cuidado de estabelecer hu-
ma boa harmonia com os indios Minuanes, que habitão aquellas
campanhas, o que lhe não será muito difficultoso, pela inclinação
que tem aos Portuguezes e aversão aos Castelhanos, por estes
favorecerem os indios Tapes, irreconciliáveis inimigos dos Minua-
nes; e para atrahir a estes deve o mesmo commandante hir pro-
vido de géneros próprios a este fim, que todos são muito pouca
despeza». 12
)

12) B. N. Anais. Vol. XLVT, 233-235.

4*
100 AURÉLIO PORTO
Como se verifica da preciosa consulta, transcrita na íntegra,
a Corte não poderia protelar por mais tempo o estabelecimento
do Rio de São Pedro. Era uma questão de vital interesse para a
estabilidade da Colónia do Sacramento. E avocava a si o intento
de fundá-la. E é dentro destes mesmos itens que, oferecendo-se
oportunidade, como historiaremos, o Brigadeiro José da Silva Pais,
em 19 de Fevereiro do ano seguinte, entra pela barra do Rio Gran-
de, lançando, na margem sul, os fundamentos do Presídio.
Todas essas iniciativas particulares, que não lograram efeito,
tiveram a vantagem de levar ao governo português a certeza de
que se descurasse o estabelecimento que se impunha, a sua linha
externa ao Sul voltaria novamente ao velho e discutível marco
de Tordesilhas. E enquanto vacilava, premido pelos temores do
choque castelhano, os lagunistas, heróicos e denodados, iam abrin-
do as veredas impérvias das matas, cruzando os rios caudalosos,
e fincando os esteios das estâncias, células admiráveis dos futuros
clãs que solidif içariam a conquista.

2 — Antecedentes da Fundação do Presídio.

Precederam à escolha do local em que deveria ser erguido o


estabelecimento da povoação do Rio Grande de São Pedro varias
averiguações, de que nos dá notícias a correspondência copiosa
e quase desconhecida dos Governadores do Rio de Janeiro, exis-
tente em códices manuscritos, no Arquivo Nacional.
Para isso muito contribuíram os «Padres matemáticos», Dio-
go Soares e Domingos Capassi, mandados para o Brasil, em 1730,
«a fim de cartear o sertão de Minas» e levantar mapas topográ-
ficos de várias regiões da Colónia Portuguesa.
Por solicitação do governo da Colónia, ainda nesse ano, se-
guiram esses Padres para aquela praça a fim de levantar as suas
fortificações e fazer plantas de seus arredores. Em 18 de Janei-
ro de 1731, em carta dirigida ao P. Diogo Soares, lembrava Vahia
Monteiro a conveniência «de desembarcar em Maldonado e La-
guna e na boca do Rio Grande» para fazer observações nesses
lugares.
O P. Capassi teve, no entanto, uma desinteligência com seu
colega «o roupeta», deixando a Colónia em Maio desse ano. Em
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 101

Dezembro do mesmo ano ambos estavam no Rio, devendo Capassi


demarcar a costa dali para o Norte, e Diogo Soares seguir para
as Minas. Devido a essa divergência que separou os dois geó-
grafos, só muito mais tarde, por determinação de Silva Pais, vai
um e logo após, outro, estudar as condições topográficas do Rio
Grande, sondar a barra e procurar fazer levantamentos do curso
desse rio.

Entre as providências que urgiam para o estabelecimento de


uma povoação no Rio Grande, achava Silva Pais imprescindível
uma demorada averiguação das condições da terra, e a sinaliza-
ção do local em que se pudesse assentar a futura fortaleza. E'
nessa ocasião, 9 de Outubro de 1735, que se dirige ao P. Capassi,
que estava em São Paulo, dizendo-lhe que «se até agora era ne-
cessária cautela para sondar o Rio Grande e procurar segurar
aquelle Passo, por geito, agora se o pudermos fazer por força nos
ficará melhor visto que os Castelhanos se tem declarado, e rota
a guerra pela nossa Colónia, como me diz o governador daquella
praça, e o aviso ao senhor conde a quem escrevo sobre esse par-
ticular, e digo a V. R. quanto nos seria conveniente conservar a
entrada do Rio naquelle rincão donde se achão alguns Portugue-
zes nossos e se ainda pudéssemos passar a mais de lhe rebanhar
para a nossa parte todos os gados que eles tiverem no Pampa,
nos seria muito conveniente, não só por fertilizar a nossa terra,
como por tirar a subistencia aos sitiadores e ainda a guarnição
de Montevideo: eu não só procuro que vá o lanxão como V. R. me
diz para sondar o Rio senão tão bem embarcações que levem gen-
te para, por essa parte lhes fazer diversão, de tudo avisarei a V.
R. e espero me responda». 13 )
Em 5 de Janeiro, em carta ao Conde de Sarzedas, Governa-
dor de São Paulo, diz Silva Pais que segue a lancha para condu-
zir ao Rio Grande o P. Capassi, afim de «continuar as suas obser-
vações». Com a lancha remete o Brigadeiro, em data de 5 de
Janeiro, a seguinte carta: «Vae a lancha que V. R. pediu e o
pratico Antonio da Cunha, por mestre delia. Nunca mais que
agora nos são necessárias todas as averiguações que se puderem

13) Arq. Nac. Corresp. dos Governadores do Rio de Janeiro. Vol.


V, 255.
102 AURÉLIO PORTO
fazer no Rio Grande, e as circunstancias todas do paiz, porque
além de que os Castelhanos se acaso nos tem roto a guerra por es-
sas partes doPampa a hão de valer para a subsistência do gentio
com que a fazem, se acaso pudermos segurar gados e cavalhadas,
passando os para a parte do Norte, lhe tiramos um grande soccor-
ro, como também nos utilisamos destas vantagens». 14 )

O «Padre matemático» esteve durante algum tempo fazendo


observações e sondando o Rio Grande. Referindo-se a essa pro-
vidência de Silva Pais, Gomes Freire a classifica «bela e inteli-
gente ordem». Mais tarde, já em 1738, determina Silva Pais que
o P. Diogo Soares siga para o Rio Grande, a fim de levantar as
suas cabeceiras e fazer carta com individuação do território do
Presídio. Auxiliaram grandemente nesse trabalho topográfico, de
que existem mapas, que são os primeiros dessa parte, João de
Távora e Francisco da Barbuda, dois desbravadores do território
rio-grandense.
ACarta Régia que determina ao Brigadeiro Silva Pais passe
ao Rio Grande, a fim de fundar o Presídio, tem a data de 24 de
Março de 1736 e foi conhecida em Junta do Governo do Rio de Ja-
neiro, de 9 de Junho desse mesmo ano. Essa determinação fora
consequência das próprias sugestões do Brigadeiro, que bem com-
preendia a necessidade de se fortificar e povoar o porto do Rio de
São Pedro, como se declara na Carta Régia.
Previdente, antevendo que a agressão castelhana levada à
Colónia do Sacramento poderia ter repercussão fatal no territó-
rio rio-grandense, conjugando seus esforços com Gomes Freire,
que estava em Minas e com o conde Sarzedas, que dirigia a capi-
tania de São Paulo, o Governador do Rio de Janeiro antecipara
outras providências que se impunham para a defesa do ambicio-
nado território.
A arma de guerra principal, com que os inimigos, aliados aos
Tapes das Missões, poderiam contar, era, inegàvelmente, a quan-
tidade enorme de cavalhadas e boiadas que povoavam a parte sul
das campanhas rio-grandenses. Convinha privá-los do aproveita-
mento dessa vantagem. E Silva Pais procurou logo agir nesse
sentido. «A passagem do gado do Pampa para a nossa terra»,

14) Idem. Vol. VI, 5.


HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 103

diz ao conde das Gálveas, Vice-Rei do Brasil, em carta de 20 de


Dezembro de 1735, «é a maior guerra que lhe poderemos fazer,
para o que ha aqui particulares que disso se encarregão». E em
data de 5 de Janeiro do ano seguinte, ao conde de Sarzedas: «O
mais sendo certo o rompimento, e a hostilidade que se
efficaz,
pode fazer no Pampa pelo Rio Grande, buscando alguns paulistas
aquele sertão e os Alagonistas a hostilizarem aquella campanha,
roubando e regeteando os gados e cavalhadas, e aqui me seguram
entraram já algumas tropas dos taes Alagonistas a arrebanharem
gados e cavallos». ir>) Confiava muito na acção dos lagunistas:
«Sei que os Lagunezes são próprios para estas hostilidades. V.
Exa. os anime, para que entrem», diz ao Conde de Sarzedas, em
23 de Janeiro, «e eu daqui mandarei alguma parte para que os
ajudem».
E assim, penetrando em todas as direcções e indo até às por-
tas de Montevidéu arrebanhar gado e conduzi-lo para a parte do
Norte do Rio Grande, os lagunistas varejaram o Pampa todo per-
dendo, de uma feita, cinco homens que os castelhanos mata-
ram. 16 ) Os gados que não podiam ser conduzidos eram rege-
teados, morrendo desta forma, pelos campos, milhares de reses.
Essas hostilidades obrigaram violenta reacção por parte dos
castelhanos. E o Comandante Esteban dei Castillo, com uma par-
tida de dragões espanhóis, saindo de Montevidéu, teve ordem de
talar os campos rio-grandenses, destroçando as partidas inimigas
que aí encontrasse.
E' o primeiro choque entre portugueses e castelhanos que se
registra no Pampa. Apenas referido por um ou outro historia-
dor, tendo dado margem a controvérsias internacionais desfigu-
radas à feição dos interesses de ambas as nações, esse episódio
não foi ainda relatado nas suas devidas proporções.
Em carta de 29 de Outubro de 1735, o Brigadeiro Silva Pais,
do Rio de Janeiro, informa ao Governador de São Paulo, «que se
me offerece hum Domingos Fernandes de Oliveira não só trazer
os avisos por terra senão também convocar alagonistas para com
alguns desertores que se poderem juntar, passarem ao Pampa e

15) Arquivo Nacional. Corresp. Gov. Vol. VI.


16) Idem. Carta ao Conde das Gálveas, 6-1-736.
104 AURÉLIO PORTO
rebanharem todos os gados a nossa parte, regetear o outro e não
deixar de que se possam valer os sitiadores (da Colónia) e ainda
poderem subsistir os de Montevideo; bom seria termos agora a
entrada do Rio Grande occupada e ainda fortificado aquelle rin-
cão que daqui forão a descobrir e lá se conservão algumas pes-
soas, e sem embargo da que eu escrevi a V. Exa. lhe dizia devia-
mos esperar ordens da Corte, agora me pareceu que visto rompe-
rem os castelhanos, vejamos com a maior força que pudermos
se lhes podemos fazer por esta parte numa forte diversão, etc».
Congregando os elementos que pôde conseguir, principalmen-
te no Rio Grande, onde algumas dezenas de lagunistas e deser-
tores já se encontravam, em fins desse ano, Domingos Fernandes
de Oliveira, organizou uma pequena força com que percorreu gran-
de parte da campanha. Quando voltava de uma das incursões
que levara ao Sul do Rio Grande, nas imediações de São Miguel,
encontrou a força do Comandante Esteban dei Castillo. Depois
de rápida escaramuça, vencido pelo número do inimigo, foi por
este destroçado e aprisionado com mais 24 companheiros, segun-
do comunicação de D. Miguel de Salcedo a António Pedro, Gover-
nador da Colónia, datada de 3 de Janeiro de 1736. 17 )
Essa pequena escaramuça é referida pelo marquês de Grimal-
di em sua Memória, por Machado de Oliveira e pelo barão de Rio
Branco, que veiculam notícias não autorizadas por documento al-
gum dos que nos foi dado consultar em pesquisas muito demora-
das sobre o assunto.
Diz o marquês de Grimaldi que «o Governador da Colónia D.
António Pedro Vasconcelos, já fosse por aliviar de gente inútil a
praça, já por conservar a Portugal, em caso de perder, algum es-
tabelecimento em algumas partes, enviar em segredo ao Rio Gran-
de de S. Pedro, em navios menores, uma porção de famílias que,
unidas com os Paulistas que haviam voltado a ele, e assistidas de
víveres e socorros que lhes ministravam os habitantes da Ilha de
Santa Catarina e do Brasil, principiaram ali uma povoação ilegí-
tima onde o Mestre de Campo Português Domingos Fernandes,
por obrigação que fez com o Governador da Colónia, congregou
500 homens armados, que estes foram derrotados no decur-

17) Biblioteca Nacional. Mss. I, 6, í, 6.


HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 105

so daquela guerra por D. Estêvão dei Castillo, que retrocedeu


para contê-los, havendo ficado preso em consequência disso o cau-
dilho português Domingos Fernandes e frustrada por sua demora
a idéia de levar a um logro efetivo o estabelecimento do Rio Gran-
de». 18 ) E, ainda que, no ano de 1733, «estabelecendo-se indevi-
damente os paulistas ou mamelucos para a banda setentrional do
Jacuí», se foram aproximando pela parte que deixa aquele nome
para tomar o de Rio Grande, e por fim passaram a sua -margem
meridional donde foram afugentados pela partida de D. Estêvão
dei Castillo.
Machado de Oliveira, contrariando Grimaldi, dá outra versão
datando de 1733 a entrada de famílias povoadoras, trazidas por
D. Estêvão dei Castillo, a que se fossem reunir alguns paulistas
e portugueses, fundando «a hoje Vila de Cachoeira e doze léguas
mais abaixo, a de Rio Pardo, que em 1737 já ostentava progresso
em seu fundamento». 19 )E o douto Rio Branco, com sua autori-
dade de pesquisador: «Cumpre notar que em 1735, uma colónia
militar, fundada no Rio Grande em fins do ano precedente, pelo
Mestre-de-Campo Domingos Fernandes, enviado da Colónia do Sa-
cramento, fora destruída pelo comandante espanhol Estêvão dei
Castillo». 20
)

Como vimos das cartas de Silva Pais, nada disso se deu. Do-
mingos Fernandes de Oliveira, reunindo um pequeno corpo de la-
gunistas, colonistas e aventureiros, que percorriam as campanhas
do Rio Grande, procurava passar para a banda do Norte do canal
os gados que ia arrebanhar até às alturas de Montevidéu e Mal-
donado. Perseguido pelo comandante espanhol, D. Estêvão dei
Castillo, foi por este derrotado, nas proximidades de São Miguel.
Quando do assédio da Colónia, por D. Miguel Salcedo, em
1735, realmente, algumas famílias se retiraram daquela praça,
mas foram para o Rio de Janeiro, sendo mais tarde recambiadas
para a Colónia ou mandadas, depois da fundação do Presídio, co-
mo veremos, para o Rio Grande.
Domingos Fernandes de Oliveira foi o primeiro posseiro da

18) Revista Histórica de Montevidéu. Tom. V. n. 15, 18.


19) J. Machado de Oliveira. Quadro histórico da Província de São
Paulo.
20) Barão do Rio Brando. Efemérides Bras. — 1918 — 116.
106 AURÉLIO PORTO
Estância Grande, que abrangia vasta parte do hodierno município de
Viamão, onde tinha inúmeras cabeças de gado. Mais tarde fez
doação desses campos a António José Pinto, também colonista
casado com uma filha de António de Souza Fernando, povoador de
Sapucaia. Oliveira era solteiro, nasceu em 1701, e residia ainda
em 1749 na Colónia do Sacramento, onde era Sargento-Mor. Ti-
nha também terras em Palmares, entre o rincão de Frei Sebastião
e aquele arroio, lindando com Francisco Pinto Bandeira e João Di-
niz Alvares. E' a fazenda da Cidreira que vendeu depois a Ma-
nuel Franco e este a Manuel Jorge. Em 1763, quando da devas-
sa da entrega do Rio Grande aos castelhanos, foi uma das teste-
munhas da mesma, dizendo que houvera tido grande prejuízo com
a tomada daquela praça, onde tinha propriedades. Por falecimen-
to do Sargento-Mor do Rio Grande, José Silveira de Bitencourt,
em 1769, Domingos Fernandes de Oliveira, que era capitão de or-
denanças foi indicado para aquele posto.
Surge, então, no cenário do Pampa, dominando-o com sua
bravura e possibilitando a fundação do Presídio, a figura máscula
de Cristóvão Pereira de Abreu. Maior do que todos, projectan-
do-se na história com traços inconfundíveis; cantando a terra com
suas expressões de enamorado dela; abrindo-a a todas as energias
que nela pudesse brotar; cortando-a, palmo a palmo, pelas vere-
das íngremes da serra, ou voando pelas campanhas extensas; sol-
dado e tropeiro, Cristóvão Pereira é o símbolo perfeito de todos
os povoadores do Rio Grande. Deu-lhe larga parte da vida e, no
fim dela foi ainda a essa terra, a que entregou as cinzas preciosas.
Começa a lhe ser feita a justiça tardia da história, e sua vida já
foi brilhantemente lembrada por um dos nossos historiadores, 21 )
a quem pedimos vénia para acrescentar os dados inéditos que, so-
bre o herói, carinhosamente, por largo tempo, andamos colhendo.
Eram os Pereira de Abreu da mais velha linhagem portugue-
sa com brazões e cota darmas nos nobiliários antigos. Os Pe-
reira, da Ponte de Lima, descendem de D. Maria Pereira, filha na-
tural do condestável D. Nuno Álvares Pereira, da qual procede,
entre outros cavaleiros que se ilustraram por feitos valorosos, a
casa dos Bertiandos. O nome Cristóvão é comum nesse ramo

21) General João Borges Fortes. Cristóvão Pereira. Rio — 1931.


HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 107

dos Pereira, vindo das mais velhas gerações. No Nobiliário de


Afonso Torres encontram-se vários, dos quais um, D. Cristóvão
Pereira, casado com uma Abreu. 22 )
Outro, do mesmo nome, foi moço fidalgo da Casa Del-Rei
D. João III,sendo filho de Francisco Pereira, um dos mais des-
tacados cavaleiros de Ponte de Lima. 23 ) Vinha dos mesmos
troncos Cristóvão de Orneias de Abreu, que teve, em 1681, pa-
tente de Tenente-de-Mestre-de-Campo-General para servir na Co-
lónia do Sacramento, de que foi, em 1685, Governador, em subs-
tituição de Duarte Teixeira Chaves.
Cristóvão Pereira de Abreu, o desbravador do Rio Grande
do Sul, nasceu em 1680, mais ou menos, em Ponte de Lima, don-
de eram também oriundos seus pais, que ali tinham velhas proprie-
dades. Cursando os melhores colégios dessa cidade, adquiriu
óptima instrução, como se verifica de suas cartas e informações
que revelam muita observação e conhecimentos acima do nível co-
mum da época. Conhecia também noções de topografia, pois, nos
informa que levantou vários traçados de rios e outros mapas do
Continente do Rio Grande.
Deve ter vindo bem moço para o Brasil, pois, as primeiras
referências que dele se têm datam do ano de 1704, já como trata-
dor de impostos e citado numa consulta do Conselho Ultramari-
no, vista em 16 de Dezembro desse ano, «sobre queixas que os ofi-
ciais da Câmara do Rio de Janeiro tinham exposto em várias re-
presentações contra diversos actos praticados pelo Governador D.
Álvaro de Siqueira de Albuquerque». 24 )
A Provisão Régia de 9-11-1701, concedeu a Sebastião da Vei-
ga Cabral, governador da Colónia do Sacramento, «poderem os
couros e mais mercadorias procedentes desta, ser carregados para
os portos do Brasil e Reino». 25 )
Essa concessão que abria amplas possibilidades ao desenvol-
vimento comercial da praça, intensificou, nas campanhas, a «ca-
çada de gados» e o aumento de compras de courama feitas aos

22) Nobiliário de Afonso Torres — B. N. —I, 22, 1.


23) D. António Caetano de Souza. História Gen. de Portugal.Ca-
sa de João III.
24) B. N. Anais. XXXIX. Verb. 2818 a 32, 3060 e 61, 3250-52, 3316.
25) Arquivo Nacional. Public. XI —
211.
108 AURÉLIO PORTO
castelhanos e índios. Pagavam esses couros os quintos reais, de
acordo com a ordem de 24-DC-1699, sendo permitido que os Go-
vernadores e outros que exploravam o negócio, «que naquele tem-
po era um dos maiores daquela conquista», tirassem dele, «gran-
des conveniências e interesses», «por V. M. lhes permitir a caçada
de couros naquela campanha, pagando eles os quintos e dizima
e donativos, etc.» Com a permissão dada a Veiga Cabral de se-
rem exportados os couros, tornou-se este óptimo negócio, resol-
vendo a Fazenda Real «pôr por contrato a «caçada de couros»
nas campanhas da Colónia. Esta «caçada» foi arrematada «por
70.000 cruzados cada ano para sua Real Fazenda». Teve lugar
em 1702, sendo seu contratador Cristóvão Pereira de Abreu, que
assim ficava com o monopólio de toda a courama «caçada» nas
vastas campanhas do Prata. 26 )
Veio isto ferir altos interesses do Governador da Colónia, que
tinha como procurador no Rio de Janeiro, Manuel Mendes Pereira.
Este, defendendo a causa de seu constituinte, moveu pleito contra
Cristóvão Pereira de Abreu, e excedendo-se «por atrevimento»,
foi mandado prender pelo Governador do Rio de Janeiro. Inter-
vindo no assunto, o Juiz de Fora, suspeito por simpatia ao Pro-
curador, mandou prender, em represália a Cristóvão Pereira. Mas
logo ambos foram soltos, e o contratador dos couros requereu a
penhora de bens de Manuel Mendes, a fim de salvaguardar seus
direitos, prejudicados com a do Procurador. E' o que
atitude
nos informa a correspondência do Governador do Rio de Janeiro,
em cartas de 5 e 6 de Junho de 1704. 27 )
A C. R. de 6 de Fevereiro de 1705 ordena «que se guardas-
sem ao contratador dos couros Cristóvão Pereira de Abreu as
condições de seu contrato, com declaração de que os tributos só
eram devidos nas Alfândegas depois que fossem despachadas as
fazendas e as partes as quisessem retirar». Diminuindo, com a
evacuação da Colónia em 1705, a extração de couros, foi permiti-
do, por C. R. de 28-11-1706, ao contratador dos couros da Nova
Colónia, pelo que tocava aos que iam das capitanias de baixo e

26) B. N. Anais. XXXIX. Cons. Ultram. Verb. 2554, pág. 272.


27) Arquivo Nacional, Public. XI, 175.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 109

das vizinhanças do Rio de Janeiro a espera de dois meses para


entrega de quartéis. 28 )
No ano seguinte, na queixa que o bacharel João Mendes de
Almeida oferece contra o Juiz de Fora do Rio de Janeiro, Fran-
cisco Leitão de Carvalho, provàvelmente o mesmo com quem ti-
vera atrito, aparece também citação a Cristóvão Pereira.
Decrescera, entretanto, a «caçada de couros», pelo fechamen-
to de seu grande empório que era a Colónia do Sacramento, aban-
donada pelos portugueses em 1705 e reocupada em 1716. Posto
em contrato o dízimo dos tabacos, arrematou-o, em 1710, o antigo
contratadorTTos couros, como se evidencia da C. R. de 29-X-1710,
e de referências a seu nome entre os contratadores de diversos
impostos em uma relação de «letras e importâncias remetidas
para Lisboa». A C. R. de 14 de Novembro de 1715, nos dá notí-
cia das contas que prestara e a de 10-111-1716 fala «sobre a pe-
tição de Cristóvão Pereira de Abreu, residente no Rio de Janeiro,
contratador de tabaco, relativa à execução de seu contrato». 29 )
Vamos encontrá-lo, agora, figurando num dos momentos mais
excepcionais da vida do Rio de Janeiro. Em 1711 o almirante
francês Duguay-Trouin investe contra a cidade, dela se apossa e
a saqueia, impondo para seu resgate forte soma em dinheiro. E
entre os homens de mais responsabilidade e mais alta representa-
ção, que se reúnem para tomar conhecimento da imposição do che-
fe francês, e resolver a situação criada, está o futuro desbrava-
dor do Rio Grande.
Consta da acta lavrada a 30 de Setembro desse ano, na reu-
nião efectuada no sítio do Engenho Novo dos Padres da Compa-
nhia, «aonde se acha acampado o Governador desta Capitania
Francisco de Castro Morais» que convocou «as pessoas da nobre-
sa e comércio», que se achavam presentes, que «o general da Ar-
mada do Rey de França que tinha entrado na cidade, lhe havia
feito presente a queimaria, e ao Paiz, se acaso os moradores delia
a não quizessem resgatar, contribuindo com o presso em que os
Deputados de hua e outra parte concordassem», e os signatários
da acta indicaram o «doutor Juiz de Fora Luiz Forte Bustamante

28) Arquivo Nacional. Public. I, 194, 200.


29) B. N. Anais. XXXIX. Verb. 3474.
110 AURÉLIO PORTO
e o Mestre de Campo João de Payva Sotto Mayor aos quaes con-
cedião os poderes em direito necessários para affeituar este res-
gate, assim da cidade como das fazendas e omais que lhes tocas-
se». Assinam a acta o Governador Francisco de Castro Morais,
o Juiz de Fora, Dr. Luís Forte Bustamante, Manuel Barbosa da
Silva e Cristóvão Pereira de Abreu.
Novamente, em 2 de Outubro, afim de tomar conhecimento
das negociações do resgate da cidade, entre as pessoas convoca-
das para votarem sobre as condições impostas pelo almirante fran-
cês, e que «uniformemente accentarão que pela cidade conventos
Fortificações edifícios monições sem reserva alguma se podia dar
athé dois milhões, está Christóvão Pereira, que é um dos signa-
tários delia».
Em 10 de Outubro oferece o Governador «seiscentos mil cru-
zados em doze ou quinze dias», pagos com 100 caixas de açúcar,
200 bois e 10.000 cruzados em dinheiro, o que é aceito por Du-
guay-Trouin. 30 )
Não se conformando o governo português com a falta de re-
sistência dos responsáveis pela defesa da cidade, quando da ocu-
pação francesa, promove, em 1713, a responsabilidade dos mes-
mos e o sequestro dos bens do Governador Francisco de Castro
Morais, e dos Mestres-de-Campo João de Paiva Souto Maior e
Francisco Xavier de Castro. A devassa procedida faz várias re-
ferências ao futuro tropeiro dos campos rio-grandenses, pela sua
actuação nestes acontecimentos. 81 )
Recebera já, por valiosos serviços prestados e pelos seus fo-
ros de antiga nobreza, o hábito de cavaleiro professo da ordem
de Cristo.
Documentos datados de 1719 ainda se referem a Cristóvão
Pereira, como residindo no Rio de Janeiro.
Casara-se nessa capital, com D. Clara de Amorim, pertencen-
te a umadas mais distintas famílias da cidade, da qual, ele, ao fa-
lecer, era viúvo, não tendo deixado filhos. Era parente muito
próximo dos Távoras, pois tratava por sobrinho a Francisco Ma-
nuel de Souza e Távora, filho do fidalgo João de Távora, também

30) Arquivo Nacional. Public. Vol. VII —14 a 18.


31) B. N. Anais — XXXTX — Verb. 3316.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 111

seu companheiro no desbravamento do Rio Grande, e cujos servi-


ços assinalados o distinguem entre os homens daquele tempo.
E' bem possível que a morte de sua mulher determinasse os
novos rumos que daria as suas actividades no vasto campo que
a Colónia do Sacramento, pela «caçada de couros», agora lhe
abriria.
Em 1722, Cristóvão Pereira já está na Colónia do Sacramen-
to. Com os casais Sargento-Mor António Rodri-
trazidos pelo
gues Carneiro, em 1718, tomara esse estabelecimeneto um grande
impulso. Tornara-se também um vasto empório de exportação
de couros, suprindo largamente Lisboa e outros mercados consu-
midores. Em 1732, António Pedro, que governava a praça, em
carta ao Conselho Ultramarino, diz «ser admirável o consumo de
fazendas que de Lisboa, Pernambuco, Bahia e Rio, ali se tem da-
do. Em 19 navios entrados de diversos portos, foram exporta-
dos, no ano anterior 17.729 couros, «não obstante a dificuldade
no transporte dos couros pela infinita distância em que se acha
o gado». 32 ) No ano seguinte, só o bergantim «Sto. António e
Almas» tinha carregado para Lisboa 5.484. E subiria essa ex-
portação até à fantástica cifra de perto de quinhentos mil couros
exportados dois anos depois pela Colónia. 33 )
Uma das armas usadas pelos espanhóis contra os portugue-
ses, que se haviam estabelecido à margem do Prata, era dificul-
tar-lhes a subsistência. Não obstante haver também gado nas
imediações da Colónia, quando de sua fundação, procuraram os
castelhanos, com o auxílio dos índios afugentá-lo dali, quer to-
cando grandes boiadas para paragens distantes, quer prendendo
fogo aos campos para que os animais deles fugissem. Era, assim,
necessário penetrar pelo Pampa, dezenas de léguas, afim de fazer
as vacarias para extração de couros, que eram transportados em
carretas até o porto da Colónia. Ãs vezes, porém, castelhanos ou
índios, com fortes partidas, aguardavam os portugueses, tirando-
Ihes os efeitos, ou destroçando-os em guerrilhas sangrentas. Eram
precisos valor, coragem, desprendimento pela vida, para o exercí-
cio desse difícil comércio que tentava os génios aventureiros.

32) Inst. Hist. Brás. Atas. Com. Ultram. Cod. Mss. Vol. 26», 193.
33) Rego Monteiro. Colónia do Sacramento. Documento citado.
112 AURÉLIO PORTO
A primeira vez que Cristóvão Pereira nos aparece na Coló-
nia do Sacramento, como extraidor e exportador de couros, em
1722, é num gesto heróico, demonstrativo de seu alto valor. Não
queremos tirar o sabor gongórico da prosa de Simão Pereira de
Sá, que, em seu livro, nos relata o acontecimento.

«256 — A prudência com que se toleravão alguns insultos


foianimando o atrevimento até q cega e descomedida a ambição
chegou a empreender nas vizinhanças da Praça, o delírio de nos
tomarem sete carros, e quatorze escravos, q se recolhião com fru-
tos da Campanha. Conseguirão a preza sem resistência por um
Alferes e dez Soldados, q rondavão todo aquelle districto, mas po-
derão de entre as maons escapar alguns negros, q chegando como
fugitivos a carreira de cavallo, noticiarão a perda com todas as
circumstancias sucedidas. Pertencião aquelles bens a Cristóvão
Pereira de Abreu o qual instigado da violência congregou oito ami-
gos de rezolução, e montados em suberbos brutos sahirão ao Cam-
po (sem vénia do Governador) a restaurar o furto q acharão in-

tacto na posse dos agressores.

257 —
Estavão os Castelhanos tão pouco avantejados na
marcha q parecião desprezar o perigo caminhando sem receio, ou
marchando sem sobresalto: mas aquella mesma ufania do valor
os destinava ao precipício detendo-os com vagarosos passos para
q custasse menos diligencia a pertendida restauração dos Portu-
guezes: os quaes com distimido impulso os investirão e carrega-
rão de sorte que largarão a preza antes q perdessem as vidas.
Com o temor da morte não duvidarão restituir os bens q havião
repartido sem inventario dando-lhes os preços segundo o gosto
estimando-os mais pela quantidade, q pelo valor; porem, julgan-
do por boa partilha a mesma ambição, e sem esperança de minima
controvérsia veio a espada do legitimo senhorio a embarassar a
força, recuperar os bens.

258 —
Mas como o delito não tinha vozes para o perdão se-
não motivos para o suplicio, forão com as espadas dando antes de
receberem. Fugio o Alferes e os Soldados fizerão o mesmo por
onde os levou o medo. Depois de restituídos os libertadores da
preza, e passados tres dias, escreve o Alferes a Cristóvão Pereira
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 113

pedindo-lhe humildemente os armamentos de que os havia despo-


jado, e com juntamente a capa, e espada q havia largado no
elles
conflicto, e como temia o castigo pela fraqueza, rogava pelo q não
pudera defender a cobardia.

259 —
Foi atendida a suplica por não ficar dezairosa a gene-
rosidade Portugueza, tirando a honra e a capa, a quem se valia
dos mesmos q havião ofendido. Excedeo o favor a petição dan-
do se gratuitamente a liberdade a dous prizioneiros porq nos sol-;

dados Portuguezes em cessando a peleja, cessa a ira, e não trans-


cende o agravo, a crueldade, porquanto vestindo as armas contra
os inimigos, também se ornão de benevolência para os rendi-
:í4
dos». )

Mais trinta anos que deverá viver, irá passá-los o ser-


e três
tanista heróico cruzando os Pampas extensos, na extracção do
gado, no fogão das vacarias, ou tangendo cavalhadas, muladas,
boiadas, por estradas que abriu e aperfeiçoou, levando-os a So-
rocaba ou às Minas; ou, à frente de esquadrões ligeiros, escara-
muçando no Rio Grande, de que é o desbravador e o fundador.
Com grande número de escravos, carros de bois e índios de
que se fez amigo, Cristóvão Pereira se internava pelas campanhas
da Colónia, donde trazia quantidades apreciáveis de couro, cebo
e mais efeitos, para exportar por todas as embarcações que apor-
tavam àquela praça. Travara relações de amizade com os índios
minuanos, que dominavam a bacia da Lagoa Mirim e deles recebia
cópia considerável de gado para abater.. Mais tarde, ainda, eram
esses silvícolas os fornecedores de cavalhadas que transportava
para as feiras do Norte. E foi ainda quem, já na ermida de Je-
sus-Maria-José, do Presídio do Rio Grande, levou à pia dezenas de
minuanos, que ali receberam o baptismo em 1738.
Fazendo largos negócios, era natural que seus interesses co-
lidissem com os do fisco insaciável e arbitrário do tempo. Come-
çam essas colisões em 1723. A Fazenda Real lhe confisca, como
a outros, uma partida de couros, que tinha pronta para exportar.
E dirigindo um memorial ao governo, solicita Cristóvão Pereira

34) Simão Pereira de Sá. Hist. Topog. e Bélica da Nova Colónia


do Sacramento. Rio —
1900, 104-105.
114 AURÉLIO PORTO
permissão para tentar uma acção contra a Fazenda, o que lhe é
concedido.
, Proibia a legislação vigente o comércio com os estrangeiros,
havendo para seus transgressores penas severas. Fim 1728 apor-
taram à Colónia do Sacramento alguns navios ingleses, que pro-
curaram comprar fortes partidas de couros. Cristóvão Pereira
e um Frade do Carmo 35 ) que também vivia pela campanha ex-
traindo couros para exportação, venderam aos ingleses grande
quantidade de couros. Chegando o facto ao conhecimento do Go-
vernador, mandou este tirar larga devassa da transação.
Resultando apurado o delito, determinou o Governador fos-
sem presos Cristóvão Pereira e o Religioso do Carmo. O primei-
ro, invocando a sua qualidade de cavaleiro do hábito de Cristo,
que lhe dava imunidades, obteve fosse relaxada a respectiva or-
dem; mas o segundo, que só tinha o «hábito do Carmo», pagou,
na cadeia da praça, a contravenção cometida. Dá notícia do fac-
to ao Governador Vahia Monteiro, do Rio de Janeiro, o da Colónia.
E aquele aconselhava a António Pedro que não os prenda mas
que os expulse dali, como contraventores da lei. Mas, como já
havia castigado o religioso, era de estranhar, interroga, fazendo
espírito: «Se um professo do hábito do Carmo pode ser casti-
gado, por que não o pode um do hábito de Cristo?». 36 )
Parece, porém, que não foi levada a efeito essa expulsão.
Em Maio de 1731 ainda reside na Colónia, dedicando-se ao comér-
cio de couros. Nessa data, o Governador mandou prender um ne-
gro, escravo de Cristóvão Pereira, fazendo depois uma oferta pela
Uberdade do mesmo, que o sertanista recusa. Levado o assunto
ao conhecimento de Vahia Monteiro, este aprova a atitude de Cris-
tóvão Pereira, contrariando a do Governador. No ano seguinte,
em Novembro, já a serviço do Governador da Colónia, veio a Mon-
tevidéu entregar ao Governador daquela praça, Tenente-Coronel

35) O "Fraile muerto", que ficou na toponímia uruguaia, é um


desses tantos religiosos que se empregavam na extracção de couros e ex-
portação dos mesmos. No doe. Mss. da B. N. "Hostilidades dos Guenoas
contra os Tapes" (1-29-3, 69), datado de 1705, existe depoimento de uma
índia guenoa que diz: "Mataron los índios un frayle português que
hacía cueros en la campana". E eis aí a origem de "Frayle muerto".
36) Arq. Nac. Corresp. dos Governadores, cit.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 115

D. Francisco Martin Lobato, umacavalhada que lhe mandara An-


tónio Pedro. O Governador de Montevidéu pede a Cristóvão Pe-
reira lhe faça um presente,ao que anuiu o sertanista. Sabedor
do facto, o Secretário de Estado António Guedes Pereira deter-
mina ao Brigadeiro Silva Pais, já no governo do Rio de Janeiro,
que indenize Cristóvão Pereira da importância do regalo. 37 )
Negócio muito melhor, porém, se lhe antolhava a condução
de gado em pé, que seria colhido no Pampa e levado para os gran-
des mercados consumidores da capitania de São Paulo, e as bes-
tas muares de que as Minas eram ávidas para o transporte do
ouro. Mas, só se poderia realizar esse comércio vantajosíssimo
mediante a melhoria dos piques quase intransitáveis que, cortan-
do a serra, se dirigiam para os Campos Gerais, ligando as campa-
nhas do sul às serranias do norte. E é nesse empenho, de que
surgiu maior conhecimento do Rio Grande, a que veremos dedi-
car, desde 1727, toda a sua energia formidável o sertanista emé-
rito, cujo nome deve merecer do Rio Grande uma gloriosa auréola

de admiração.
Em 1720, com data de 23 de Maio, o paulista Bartolomeu Pais
de Abreu oferece seus serviços a El-Rei para abrir uma estrada
que ligasse a capitania de São Paulo ao Rio Grande. Em com-
pensação pedia terras, a patente de Capitão-Mor do distrito do
Rio Grande e Guarda-Moria das Minas que se descobrissem, tendo
direito à isenção de impostos, por nove anos, para os animais que
ele e seus sócios exportassem. Não obstante a carta do Cons=
Ultram. de 18 de Abril de 1722, esperar se levasse a efeito a dili-
gência, não foi ela posta em prática.
Só em 1727 iniciaria a realização do projecto Francisco de
Souza de Faria, amigo e companheiro de Cristóvão Pereira e, co-
mo este, exportador de couros, tropeiro de gado e, mais tarde seu
lugar-tenente na fundação do Rio Grande.
Estudando a abertura do caminho, diz Borges Fortes: «Em
20 de Setembro de 1727 o Governador Caldeira outorgava a Faria
nina Carta Patente em que, atendendo aos relevantes serviços que
a S. M. ia fazer, na abertura do caminho do Rio Grande de São

37) Arq. Nac. Ordens Régias. V. 228.


116 AURÉLIO PORTO
Pedro para os Campos Gerais da Vila de Curitiba, e as grandes
utilidades que interessavam a Real Fazenda, pelos quintos dos ga-
dos e cavalgaduras que pelo dito caminho se iriam transportar
para toda a capitania de São Paulo, e atendendo também aos ou-
tros muitos serviços prestados em sua carreira militar, outorga-
va-lhe, repito, o posto de Sargento-Mor da vizinhança do Rio Gran-
de e seus sertões». 38 )
Extenso regulamento acompanhava essa patente, e ao qual
se deveria cingir Souza e Faria, para a abertura da estrada. Or-
ganizada a expedição, chegou à Laguna em fins de 1727, levando
consigo 96 pessoas, para iniciar o trabalho que lhe havia sido co-
metido. Recebeu-o mal o Capitão-Mor Francisco de Brito Pei-
xoto. Em sua «prática» ao P. Diogo Soares, informa, a respeito,
Cristóvão Pereira, então já Capitão de Milícias: «A esta diligên-
cia foram sempre oppostos vários moradores da Villa de Santos,
Paranaguá e Curityba, e da mesma sorte os da Villa da Laguna
e Santa Catharina, estes porque vivendo retirados, ou por crimes
ou por outros iguaes motivos, como régulos sem obediência nem
temor algum de justiça, receiosos de que com a abertura do novo
caminho, perderiam as suas liberdades o fizeram impossível; e
aqueles porque sendo senhores de algumas limitadas fazendas
que ha nos Campos de Curityba, temiam o ficar sem muito me-
nos valor, e por seguirem a sua opinião publicando com arestos
falsos de Paulistas antigos serem aquelles sertões impraticáveis,
querendo também persuadir-nos por genelas aldeiados».
Dois meses depois da chegada de Souza e Faria à Laguna, ali
apareceu Cristóvão Pereira, cuja presença «veio resolver as difi-
culdades, pois que conseguiu ele restabelecer a harmonia entre os
dois chefes, o local e o da expedição, e, de tal modo agiu que pôde
Faria em 11 de Fevereiro de 1728 abrir o primeiro rasgão na ma-
ta, próximo à barra do rio Araranguá, no sítio denominado doa
Conventos». 39 ) Dois anos depois, em 8 de Fevereiro de 1730,
chegava Souza e Faria, com este caminho, à vila de Curitiba.
Cristóvão Pereira, informa ainda Borges Fortes, voltara à Co-
lónia, onde, organizando uma tropa de oitocentas cavalgaduras,

38) General J. Borges Fortes. Cristóvão Pereira, clt. 7.


39) General J. Borges Fortes. Cristóvão Pereira, cit 9.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 117

entre cavalos e bestas, transpôs o canal do Rio Grande, intentan-


do, pelo novo caminho, levá-la a São Paulo. Deixando a tropa no
Norte do canal, onde outros tropeiros já se achavam receiosos de
seguir avante, pelo temor dos índios missioneiros, em Setembro
de 1731, acompanhado de três pessoas, foi percorrer o caminho
que Souza e Faria abrira. Atingiu os campos de Cima da Serra
e aí se demorou dois dias, não encontrando índios.

Em seu magnífico estudo diz ainda Borges Fortes: «Cristó-


vão Pereira tinha consigo cartas do Provincial das Missões para
o Capitão-General de São Paulo e dirigiu-se logo depois desse re-
conhecimento a Santos e à sede da Capitania onde obteve auxílios
liberais para regressar ao Sul e os recursos que lhe permitiram
melhorar as condições do nosso caminho.
«Entrou com um piloto e sessenta e tantas
ele pessoas, re-
montando o curso do mesmo Araranguá, seguindo o trajecto do
Sargento-Mor e foi aperfeiçoando o caminho que este abrira.
«Saindo, alfim, no planalto, mandou que seguissem escalona-
damente as tropas de animais que haviam sido retidas no Rio
Grande. Entre a sua e as dos demais tropeiros alcançavam essas
tropas o número aproximado de 3.000 cavalgaduras, conduzidas
por mais de cento e trinta pessoas.
«Prosseguiu em sua tarefa com inteligência e actividade e,

verificando os erros com que fora traçado o primeiro caminho,


ora embrenhando-se pela Serra, ora atravessando terríveis pan-
tanais, desviou no sítio chamado Boa Vista, onde Souza e Faria
se detivera por seis meses, atirando-o para Oeste, percorrendo me-
lhores terrenos e indo muito adiante encontrar o primeiro cami-
nhamento.
«Nesse trabalho despendeu Cristóvão Pereira treze meses e
construiu mais de 300 pontes, deixando preparada uma estrada
que «gente escoteira percorria em menos de um mês e em que ele
levara tanto tempo para deixá-la nas melhores condições.
«Não foram somente esses trabalhos materiais que Cristó-
vão teve de enfrentar. Outros se lhe depararam. Devia ele es-
tar assoberbado de dívidas resultantes de seus negócios e dessa
empresa, pois, absorvido por tão longo tempo pela tarefa a que
metera peito, embrenhado no interior do país, era-lhe impossível
118 AURÉLIO PORTO
atender também aos seus compromissos pecuniários, dependentes
da venda de suas alimárias.
«Valeu-o nessas aperturas o Conde de Sarzedás, já novo Go-
vernador de São Paulo. Em 1732, mandou este dar-lhe a prece-
dência na passagem da nova estrada, para que a sua tropa fosse
a primeira a percorrê-la e no ano seguinte expediu uma outra or-
dem para que Cristóvão não fosse molestado por seus credores
enquanto não se recolhesse a São Paulo, para evitar, diz a ordem,
prejuízos dele, de seus credores e da Fazenda Real, pela não co-
brança das entradas pela cavalaria que conduzia. Foi de dez mil
cruzados o rendimento que deu à Fazenda Real a tropa de Cris-
tóvão Pereira». 40 )
Continuou o desbravador a sua vida heróica de tropeiro. Em
1733, de São Paulo, aonde chega com sua tropa, encaminha-se para
as Minas Gerais. Outras tropas teria levado àquele destino, pois,
quando, em 1735, a Colónia do Sacramento sofreu o assédio das
forcas castelhanas, Cristóvão Pereira se encontrava nas Minas.
Começa aqui a nova etapa da sua vida heróica, consagrada,
durante mais vinte anos, até o dia de sua morte, à fundação e de-
fesa do Rio Grande de São Pedro. Inicia-a já com mais de cin-
quenta anos de idade, dos quais uma dezena se passara palmilhan-
do, pelos recantos todos da terra, os. seus maravilhosos rincões.
Conhecendo-a profundamente, acostumara-se a amá-la por tudo
que ela tinha de grandioso e de belo. Ao P. Diogo Soares, que
lhe pede informações do Rio Grande, expõe o que tem «visto, e
palpado em onze anos que tenho de experiência destas campanhas
e o que sente a rudez do meu discurso, e me ficará grande glória
e desvanecimento se limitado, e aperfeiçoado no util engenho
de V. Rv*. tirar delle algum proveito. Compõe-se este Paiz dum
clima muito ameno, saudável e criador de riquíssimas e férteis
terras em que produz em grande maneira, e com vantagem mui
crescida todos os fructos da Europa, assim Trigos, como vinhos,
linho e toda a casta de fructas, que pode causar inveja aos de qual-
quer parte do mundo, com perto de cento e cincoenta léguas de
campanha até o Rio Grande toda cruzada de rios, revestidos de

40) General J. Borges Fortes, op. cit. 13.


.

HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 119

soberbos e vistosos arvoredos, que servem de sombra às suas cor-


rentes, compostas de riquíssimas e salutiferas águas, nascidas du-
ma serra que começando do Maldonado vai cortando a campanha,
correndo ao nordeste até à altura de Castilhos, a qual com riquis-
aimos e amenos vales por meio dá generoso lugar a que se possa
cruzar, e comunicar duma e outra parte. E tornando ao Rio
Grande não digo uma
das mais vistosas cousas, que criou a na-
é
tureza, por não parecer encarecido, ou cair na censura de ignoran-
te; mas expondo a sua grandeza deixei o louvor à ponderação de
V. Rev*.». 41
)

Fracassada, como vimos, a «diversão» pelo Rio Grande, aos


castelhanos, com o desbarato e prisão do Sargento-Mor Domin-
gos Fernandes de Oliveira, infligidos pelo Comandante de Dra-
gões D. Esteban dei Castillo, cuidou o valente António Pedro que,
na Colónia, resistia heroicamente de sugerir a organização de um
corpo que agisse eficientemente na campanha, e conseguisse sua-
vizar as aperturas do cerco. Um
só homem se lhe apresentava
capaz de levar a bom termo a difícil empresa, «por lhe conhecer
agilidade e préstimo com o muito conhecimento do país e gen-
tio, o que não haverá em nenhum dos pagos desta guarni-
oficiais
ção». 42 )
Este homem era Cristóvão
Pereira. E assim se diri-
giu António Pedro ao Conde de Sarzedas, Governador de São Pau-
lo, sob cuja jurisdição ficavam aquelas campanhas. E assim o
reconhecia Gomes Freire de Andrada que, em carta ao Conde das
Gálveas. Vice-Rei do Brasil, datada de 24 de Julho de 1736, dizia
do sertanista: «Cristóvão Pereira he homem de grande espirito
e posto que paisano encontro em elle admiráveis disposições para
lhe encarregar o governo da Fortaleza do Rio Grande, não só pela
actividade que tem, mas pelo grande tracto e amizade que conser-
va com os gentios minuanes». 43 )

41) Notícia —
2* Pratica —
"que dá ao P. M. Diogo Soares, o ca-
pitão Cristóvão Pereira". O
documento não tem data, mas, deve ter sido
entregue ao Padre Diogo Soares em 1738, quando esteve no Rio Grande,
fazendo levantamentos e "carteando" o sertão. Verifica-se, assim, tam-
bém, que a primeira entrada de C. Pereira na campanha foi em 1727,
como fica historiado
42) Arq. S. Paulo. Doe. Interessantes para a história e costumes
de S. Paulo. Vol. XL.
43) Arq. Nac. Correspondência dos Gov. do Rio. Vol. VT.
120 AURÉLIO PORTO
Recebendo a sugestão de António Pedro e tendo como melhor
serviço que poderia prestar à defesa da Colónia a organização de
um corpo para operar nas campanhas do Rio Grande, o Governa-
dor de São Paulo, que em 17 de Janeiro de 1736, conferira ao ser-
tanista uma patente de Capitão das Ordenanças de Paranaguá, co-.

munica ao Brigadeiro Silva Governador do Rio, e este a Go-


Pais,
mes Freire, em data de 27 de Fevereiro do mesmo ano que «es-
perava chegasse das Minas Cristóvão Pereira para lhe dar uma
patente maior que os outros e o comando de alguns paisanos que
se pudessem juntar no Rio Grande, que é o socorro que podia
dar à Colónia e ordem para que nos postos de seu governo pudes-
sem carregar farinha». 44 )

Realmente, em seguida, com a patente de Coronel de Orde-


nanças e já à frente de alguns amigos e dedicados companheiros
sai Cristóvão Pereira de Minas com direcção ao Rio Grande, como
noticia Silva Pais em carta de 13 de Abril. Quando passou por
São Paulo, além de receber cartas de Silva Pais autorizando-o a
comprar cavalos e fazer as despesas que fossem necessárias, en-
tregou-lhe o Conde de Sarzedas munições e fazendas na impor-
tância de 800$0, o que foi aprovado por C. R. de 19 de Agosto de
1738.
Em todos os lugares em que passava conseguia o Comandante
aumentar a sua recruta. Trazia consigo o bando, datado de 20
de Maio, do Conde de Sarzedas, que oferecia vantagens a todos
os que o acompanhassem, ou com suas famílias fossem povoar o
Rio Grande. «Toda a pessoa q' quizer hir em defença da refe-
rida Praça farão seus livres os saques do q' em guerra tão justa
tomarem aos Inimigos, tanto de caualgaduras, boyadas, como de
ouro e prata, e o mais que tudo farão seu sem controvérsia algua
de q' conseguirão grandes. util. tles e couiniencias, e alem disso se-
.

rão premiados com todas as honras que merecer o avultado da


ação cada hum obrar, etc». «E outrossim toda a pessoa q'
q'

quizer com sua familia ou por si pouoar o R ç Gr


de de S. P ç da . .

mesma Camp*. desta pte. lhe darei as sesmarias q' pedir» etc. 45 )
Acrescenta Galvão, o qual ainda teve a sorte de pesquisar o

44) Idem, ibidem.


45) Arq. S. Paulo. Doe. Inter. Vol. XXII — 105.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 121

precioso arquivo da Laguna, hoje destruído, que naquela vila le-

vantou o Coronel grande número de pessoas, e «tanto foi assim


que em 5 de Novembro, viu-se obrigada (a Câmara) a pedir ao
ouvidor Santos Lobato espaçamento para a factura da cadeia,
obra para a qual marcara o praso de dous annos, allegando que
todas as pessoas capazes de trabalhar tinham ido soccorrer a pra-
ça da Colónia, levadas por aquelle official, ficando na freguezia
só alguns homens velhos e estes mesmos obrigados a fazer peixe
e farinha para abastecimento delia». 46 )
Organizando um corpo de 160 aventureiros, seguiu Cristóvão
Pereira para o Rio Grande, chegando ao porto segundo documen-
to da época, 47 ) em 27 de Setembro de 1736.
«Dividiam-se em quatro companhias, de que eram Capitães
Francisco Pinto, João de Mendonça, José de Mello, e Nuno Álva-
res Pereira, Tenentes Francisco Manuel de Souza, Valério de Men-
donça, Manuel Tavares e Francisco Tavares, e Alferes Anselmo
Gonçalves, Manuel Pinto, Antônio Gonçalves, e Manuel Pinto Ban-
deira, os quaes reconheciam por seu superior o sobredito Chris-
tóvão Pereira e seguiam as vozes do Sargento-Mor Francisco de
Souza (e Faria)». 4S
)

46) M. N.
F. Galvão. Apont. sobre a Laguna, cit. 45.
47) Arq. Hist. R. G. do Sul. Entre os poucos livros da fundação
do Presídio há um interessantíssimo, Datas de terras, de que extraímos
várias notas, como essa data e lugares em que acampou o Cel. Cristó-
vão Pereira com sua gente.
48) Simão Pereira de Sá. Hist. Top. e Bel. da Nova Col. do Sa-
cramento, parte inédita. Em
1900 publicou o Liceu Literário Português
um códice incompleto da Biblioteca Nacional do Rio, que termina exacta-
mente na parte em que o autor se referia à fundação do Rio Grande.
Um outro códice mss. completo existia em Londres, na livraria de Magg
Broters, tendo sido adquirido pelo extinto e saudoso historiador Félix Pa-
checo. E são desse códice inédito ainda as referências acima sobre o
corpo de Cristóvão Pereira e a acção que desenvolveu na defesa do Rio
Grande. Quase todos os oficiais acima nomeados ficaram no Rio Gran-
de, como seus povoadores. O Sargento-Mor Francisco de Souza e Faria,
grande amigo do Coronel, como salientámos, além de povoar um rincão
de terras com gados, foi o primeiro que fez casa na povoação; o Capitão
Francisco Pinto Bandeira, logo depois nomeado Tenente de Dragões e
casado com Clara Maria de Oliveira, filha de António de Souza Fernando
que, com a família veio da Colónia do Sacramento, é o pai do primeiro
General rio-grandense, Rafael Pinto Bandeira; o Capitão José de Melo
Tavares, em Junho de 1737, povoou o rincão do Mercador, juntamente
com seu irmão Tenente José Tavares de Melo; o Tenente, Francisco Ma-
nuel de Souza e Távora, filho de João de Távora, e sobrinho de Cristo-
122 AURÉLIO PORTO
Entrando no rio-grandense, com sua pequena for-
território
ça, acampou no designado Xarqueadas, 49 ) junto ao Quin-
local
tão, r>0 ) à espera de que do Rio lhe chegariam armas e novos re-
crutas que pedira, «para multiplicar as tropas veteranas e alevan-
tar outras de novo para auxiliar a surpresa de Montevidéo, com-
prou alguns cavallos mais domésticos e promptificando mil e qui-
nhentos, achou numero sufficiente para talar a campanha, resistir
às forças contrárias e atacar o mesmo Presídio; porem nas maio-
res esperanças e quando se fazia mais precisa a gente, que havia

vão Pereira, casou-se com outra íilha de António de Souza Fernando,


sendo o desbravador do Rio Pardo e tronco de uma das mais ilustres fa-
mílias rio-grandenses; o Tenente Valério de Mendonça sentou depois pra-
ça no Regimento de Dragões, era natural de Lisboa, filho de Bartolomeu
Henriques, e viera da Colónia do Sacramento onde era casado, e faleceu
na vila do Rio Grande, como Cabo de Dragões, em 16 de Novembro de
1751; o Tenente Manuel Tavares, que ainda o era de Ordenanças, em
1738, requereu uns chãos na povoação do Rio Grande, nesse ano, tendo
ali construído casas de moradia; provavelmente irmão do precedente
como aquele da Colónia do Sacramento, o Tenente Francisco Tavares
casou naquela praça, em 1700, e foi um dos retirantes quando da eva-
cuação dela, em 1705; o Alferes Anselmo Gonçalves Ribeiro, natural da
Laguna, era filho de Manuel Gonçalves Ribeiro, português, povoador da
Laguna e de sua mulher Maria dos Passos Duarte, e cunhado do Capi-
tão-Mor João Rodrigues Prates, e foi casado com Josefa Rodrigues de
Jesus, que faleceu na Laguna em 1819, deixando larga descendência tan-
to naquela vila como no Rio Grande do Sul, onde tinha sesmarias e ga-
dos; o Alferes António Gonçalves Chaves, depois Capitão de Ordenan-
ças e Guarda-Mor, foi um dos povoadores do Rio Grande, tendo reque-
rido sesmarias de campo em que tinha suas fazendas de gado, na borda
da Mirim, o Alferes Manuel Pinto Bandeira, irmão do Capitão Francisco
Pinto Bandeira, e como este natural da Laguna e filhos de José Pinto
Bandeira, fundador dessa vila, teve suas fazendas de criação no Rio
Grande do Sul, deixando também larga descendência. De João de Men-
donça e Nuno Álvares (*) não encontrámos referência alguma em nos-
sas notas relativas aos fundadores do Rio Grande; Manuel Pinto deve ser
o colonista Manuel Pinto Santiago, povoador da Colónia, que depois, no
posto de Capitão, encontramos no Rio Grande como tronco de uma das
grandes famílias colonizadoras do Viamão.
(*) (Geneal. Arq. Nac. Public. XXXIX) Nuno Álvares Pereira do
Amorim que deve ser parente da mulher de Cristóvão Pereira, segundo
o livro de Expedição, era, em Dezembro de 1737, Capitão de uma compa-
nhia no Presídio.
49) O próprio designativo do local— Xarqueadas — anterior à en-
trada de Silva Pais, vemdesfazer a lenda veiculada pelos nossos histo-
riadores, de que foi um cearense o fundador da primeira xarqueada, nos
princípios do século XLX, quando em princípios de 1700 Laguna já ex-
portava xarque fabricado no Rio Grande.
50) Deve seu nome a João da Costa Quintão, que foi Almoxarife
da Colónia e teve aí uma estância de criação de gados.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 123

pedido para augmento de seus esquadrões, veiu achar-se com os


companheiros que sustentava, com a lembrança da hora, com in-

certesa do premio». 51 )
Mas, os auxílios não chegaram e o Coronel teve de se valer
de seu reduzido corpo para agir contra os tapes que, sob as or-
dens dos Padres da Companhia talavam os campos do Rio Grande,
afugentando os gados e cortando as comunicações com a Colónia,
sitiada pelas forças castelhanas. O próprio Cristóvão Pereira, em
carta a Gomes Freire, historia esses acontecimentos. Documen-
to inédito de alto valor que aqui reproduzimos:

«Oficio de Christovão Pereira a Gomes Freire de Andrada,


1737.

«Tenho dado conta a V. Ex. do estado da diligencia de que


estou encarregado e sem embargo do pouco que fio dos capitães
mores ou mestres de campo das Villas a quem forão encarrega-
das, como forão repetidas, entendo chegaria alguma as mãos de
V. Ex. Na ultima dizia a V. Ex. que com a chegada dos próprios
que mandei a Colónia me rezolvi a mandar dar nas Tropas dos
Padres da Companhia, que andavão no campo para me refazer de
cavallos e gado e carregar de carnes huma lanxa que aqui se acha-
va e mandala ao Brigadeiro, dando-lhe conta do Estabelecimento
e forças com que me achava por escripto e para que verbalmente
o fizesse melhor mandei nella hum sobrinho meu e duas pessoas
praticas na Campanha para que com maior brevidade me trou-
xessem por terra a resposta, que fiquei esperando em hum rincão
da parte do Sul, com a melhor providencia que era possivel, no
caso que o inimigo me buscasse e huma guarda de 12 homens
avançada adonde chamão Chuy todos os dias sahem espias emthé
Castilhos. Passados 15 dias da sahida da lanxa me rezolvi a hir
2 mais para diante assim por falta de pastos e agoadas como por
me avizinhar mais, e passado hum mez, vendo não chegavão os
próprios passei a guarda a despachar outros que me prometterão
de entrar na Colónia dentro de 4 ou 5 dias.

51) Simão Pereira de Sá. Hist. Top. e Bel. da Nova Colónia do


Sacramento. Parte inédita cit.
124 AURÉLIO PORTO
No gado que se tomou ao inimigo se acharão menos 400 ca-
beças, ou por engano na conta ou por perdido e como delle se fez
a carga da lanxa e como a gente, me pareceo mandar 30 pessoas
ao Campo colher mais algum emquanto voltavão os próprios em
cuja diligencia gastarão 21 dias e se recolherão com 1260 vacas
somente, assim por terem hum susto em que perderão 500, como
por faltas de cavalgaduras, porque por não aniquilar a cávalhada
levarão a maior parte egoas. No mesmo dia em que chegarão
entrou também neste porto huma lanxa ou sumaca com carta de
José da Silva Pais que logo se me remetteo, em que me diz que
as cousas da Colónia e Monte vidio com a chegada das naus de
Espanha tinhão tomado differente côr do que tinhamos premedi-
tado em Santa Catharina, encarregando-me a carga da dita su-
maca com toda a brevidade, e a de outra que partiria logo e cui-
dasse muito em refazer-me de gados e cavalhadas e conservar-me
em parte segura athé o dito chegar ou ordem sua, para que com
o dezengano de que os socorros do mar não conduzião o fim que
dezejamos sem os da terra. Nestes termos pela pouca confian-
ça que faço da gente que aqui se acha, tomei por melhor acordo
retirar-me outra vez ao passo deste Rio e fortificar-me no porto
da parte do Sul, com trincheira e 4 pessas cavalgadas por segurar
o posto que hé o único para passar animaes e por a cavalhada e
gado da parte do Norte, deixando só ficar o que baste para a car-
ga desta sumaca a que hoje se dá principio para se continuar com
a brevidade que for possivel e tãobem alguns cavallos para a guar-
da que sempre conservo e para mandar colher mais gado, depois
de despachada a sumaca.
Tãobem tomei a rezolução de despachar gente às estancias
com ordem para reconduzir assim a que se me ocultou, como to-
dos os cavallos mansos que se acharem e tomar por lista os potros
que estiverem capazes de amansar e seos donos obrigados a dar
conta delles quando se lhe pedirem.
Como a ociosidade hé baze de novidades tem havido algumas
nesta gente principalmente quando virão a tardança dos avizos da
Colónia, que assim por estarem serenados com a chegada da su-
maca como por não ser enfadonho deixo em silencio o que só me
não permitte a dezerção de alguns e o dezembaraço com que an-
dão passeando na prezença do mestre de campo da Laguna e fal-
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 125

lando descomedidamente contra as ordens do Conde e contra mim


sem mais culpa que ser executor delias, de que tãobem conta ao
dito e ao Governador de Santos para que na sua ausência faça
executar as suas ordens e castigar aos que o merecerem e vivem
sem conhecimento de Deus, nem d'El Rey.
Tãobem fico na diligencia de mandar fundar a Barra, e o Ca-
nal do meio que ainda se não vio, e fazer hum mapa delia e do
Rio athé o passo donde me estou fortificando, que mandarei a V.
Ex. brevemente.
Como aqui não há farinha, nem pão, nem outro género de
legume mais que a carne se estraie muita o que podia suprir a mui-
ta abundância de peixe que ha neste Rio se houvesse meios de o
pescar pelo que mando a Laguna comprar hum a rêde mas sem-
pre se faz precizo alguma providencia de forma principalmente
quando chegar a gente, porque o peixe não soffre tanto a falta
delia como a carne.
Se a V. Ex. lhe parecer pode mandar ordem a qualquer das
Villas para que se conduza aqui alguma embarcação, o que se pode
conseguir tomando pratico na Uha de Santa Catharina.
A Martinho de Mendonça não escrevo o que farei depois e no
entanto peço a V. Ex. se digne de fazer-lhe prezente o que tenho
obrado com a copia desta.
Deus Guarde a pessoa de V. Ex., como todos os seos creados
desejamos. Rio Grande de São Pedro. A esta hora chegão os
últimos próprios que mandei a Colónia, que não entrarão por se-
rem sentidos das sentinellas e rondas e se virão obrigados a tirar
os freios aos cavallos e largal-os com os lombilhos, para poderem
escapar a pé por entre massegas donde estiverão hum dia e di-
zem virão chegar ao Arrayal hum corpo de cousa de 50 homens
e pegar-se em armas e tocar caixa, como se fosse cabo mayor que
vinhão da parte de Montevidéo. Ainda a pé sempre se refizerão
de cavallos e trouxerão 50». 52 )

52) Esta carta de Cristóvão Pereira a Gomes Freire, que é a única


encontrada, foi exumada da B. N. pelo pesquisador emérito General
Rego Monteiro, a quem devemos cópia. Tem ela somente indicação do
ano, mas, pelos sucessos que narra e referências a Silva Pais, pode-se
assegurar que é de fins de Janeiro de 1737. António Pedro em carta de
19-1-37 refere-se a esse sucesso: "Esta madrugada apanharão 7 bons
126 AURÉLIO PORTO
Refere-se Cristóvão Pereira às que promovera
hostilidades
contra os tapes. Um desses encontros é relatado por Simão Pe-
reira de Sá:

«717 — Os Tapes mais escandalizados que temerosos entra-


rão por vingança a afugentar e debandar o gado vaccum, que co-
bria a fertilissima campanha, mas por êste insulto consultando
Christovão Pereira com o valor o castigo, mandou justiçar a bar-
bara nação por 16 alentados companheiros, os quaes achando
preoccupados os indios no denunciado trabalho, começarão de per-
to a intimal-os com as armas, e com tanta fortuna que cabendo
mais de cem Tapes a cada portuguez, largarão de mão a tarefa
e desampararão o campo; imaginando que à sombra daquelles
poucos soldados havia outros de escolta para os passaram, à es-
pada, porem cahindo depois no engano a que precipitadamente os
levava a temida phantasia, tornarão a procurar o lugar para nos
fazer na resistência, mais decorosa Victoria: reputando o valor
por injuria o retirar-se da multidão, aceitando o desafio e se pro-
metterão huns aos outros morrer antes que fugir.
718 —
Abalizarão meia légua de terra a seu costume bárba-
ro para a escaramuça, e com todas as vantagens, brandindo as lan-
ças, entrarão na peleja, que não foi refutada dos nossos, por não
perderem fugindo, o que havião ganho pelejando. Depois de du-
rar largas horas a batalha, perderão o terreno e, feridos das nos-
sas espadas, conhecerão o perigo e se retirarão com tanto medo
e confusão que nos deixarão com os mortos hum importante des-
pojo de cavallos, gado e bestas muares, o que tudo foi conduzido
com muitos prisioneiros ao alojamento do coronel, o qual honrou
o valor com boas palavras e estimou a victoria por nos custar o
excesso, e desigualdade, só sete feridos e nenhum morto.
719 —
Não quiz o coronel seguir a lisongeira fortuna con
estes tropheus, temendo que, como varia e inconstante, virasse
o rosto a tantas felicidades, offuscando as adquiridas glorias en-
tre as surprezas e poderosas armas do inimigo. Quando experi-

cavallos no Passo do Rosario, arreados por 2 homens que fugirão da


partida que deo sobre elles, porém não se pôde averiguar se era gente
nossa, que julgo traria noticia ou aviso de Christovão Pereira". B. N.
Anais XLVI, 287.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 127

mentava os sucessos mais prósperos acautelou-se para os desgra-


çados, porque sustentando-se a mesma fortuna na paz e guerra,
sobre globos de vidros, ao mesmo passo que felicita, desapparece;
negando-se sem fixar o pé em lugar algum, considerou-se por esta
causa pouca gente para offender e sustentar a honra, e bastante
para se conservar onde os bárbaros receassem chegar com as for-
ças. Com os alentados paisanos se intrincheirou no porto do Rio
Grande de São Pedro, tres léguas distantes da barra, mantendo
para maior respeito da débil fortificação quatro peças de artilha-
ria de pequeno calibre.
720 —Para maior segurança das vidas avançou duas guar-
das nos suspeitos e estreitos passos, por onde os espanhóes e bár-
baros podião facilmente accomettel-o, e disputar o esquecido do-
mínio da nossa indissolúvel geografia. Assentou numa distancia
de duas léguas e outra de 60; aquella no logar do Arroio com
hum Tenente e dez soldados e esta em São Miguel, com hum ca-
pitão e quarenta homens. Com esta singular e militar disposição
logrou respeitosa immunidade sem jámais o inimigo atrever-se a
disbaratarem forças pequenas, espíritos tamanhos. Merecia com
a fortaleza do braço o socego da paz, a tempo que mais brandos
os accidentes da campanha, podia o soberbo castelhano virar as
armas contra quem havia descoberto e adjudicado hum Império à
Corôa Portugueza, franqueando juntamente a mais admirável por-
ta para futuras felicidades e subsistência da Nova Colónia do Sa-
cramento». 53 )
Estava Cristóvão Pereira sediado na parte Sul do canal do
Rio Grande, como detalharemos oportunamente, quando o Briga-
deiro José da Silva Pais entrou à barra, em 19 de Fevereiro de 1737,
lançando, naquele local, os fundamentos do Presídio.
Facilitando o êxito da missão de Silva Pais, tornara-se o Co-
ronel um benemérito soldado. Gomes Freire, em carta de 28 de
Abril, a Silva Pais, reconhece esses serviços: «Foi grande felici-
dade encontrar V. S. sem opposição o estabelecimento da parte do
sul, e sempre o trabalho e zelo de Christovão Pereira é muito
apreciável e a sua conservação de essa parte, maiormente quando

53) S. P. de Sá. Hist. Topog. e Bel., parte inédita, cit.


128 AURÉLIO PORTO
os homens que o acompanharão estavão tão arrumados, ainda que
se lhes pague pelo justo preço o que elle despendeu, e disso tirasse
alguma conveniência por ter trazido géneros que vender aos pai-
sanos, sempre he digno da Real attenção de S. Magestade». r 4 ) '

E
a Cristóvão Pereira escrevia em 21 de Março de 1737 o fu-
turo Conde de Bobadela: «Snr. Meu. Querendo dizer a V. M.
mais do que agora posso me falta o tempo para a quantidade de
matérias que aqui ocorrem; assim muito breve direi a V. Mce. a
grande satisfação que eu tenho do bom serviço que V. M. tem
feito a S. M. o que eu puz na sua Real Presença e creio hade at-
tender ao requerimento de V. M. recommendando a fidelidade e o
zelo com que o serve». Inúmeras outras referências atestam o
reconhecimento de Gomes Freire e Silva Pais aos serviços de Cris-
tóvão Pereira.
E eles não param aí com a fundação do Presídio. Mais quin-
ze anos que lhe restam de vida serão consagrados ao Rio Grande
do Sul. Estabelecido o Presídio, sempre à frente de seus vetera-
nos, ou mesmo só, Cristóvão Pereira penetra nos Pampas, ora
arrebanhando gados, ora tangendo tropas, ora entretendo guer-
rilhas com os tapes, ora vivendo a trocar com os minuanos, seus
leais e devotados amigos, o «amargo» da amizade. Acompanha-
do pelo Cabo Manuel Saraiva e por Francisco de Barbuda Maldo-
nado, que faleceu no Rio Grande, levanta um mapa de recôncavo
do Rio. Com Silva Pais vai estabelecer a fortaleza de S. Miguel,
além da Guarda do Chuí. Costeia a Lagoa Mirim, de que faz
reconhecimentos e descobre magnífica cal de mariscos, nos sam-
baquis da costa. Multiplica-se em actividades. Escreve a Silva
Pais, que já regressara ao Rio, dando exacta notícia dos espa-
nhóis; que trouxera de uma excursão feita a Montevidéo. Re-
medeia o posto de Taím, tornando defensável o passo desse ar-
roio.
Em 16 de Março de 1738 escreve-lhe Silva Pais: «Agora é
preciso passar para a parte do Norte todos os gados do Pampa e
V. M. pode passar todas quantas vaccas quizer para sua estancia,
pagando os quintos de S. Mag. e aproveitarmo-nos dessa grande

54) Corresp. dos Gov. Arq. Nac. Livro VT-1737.


HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 129

vantagem em que deixei esse terreno». Em Junho desse ano Cris-


tóvão Pereira empreende uma viagem de amizade e de negócio
aos minuanos, com que faz transações de avultadas tropas de ca-
vâlos, muares e bovinos. A Silva Pais, que lhe escreve em' 9 de
Julho, «dava-lhe cuidado a demora, e é com prazer que sabe da
amizade daquelles bárbaros que chegão a convir que se lhes bap-
tizem os filhos. Essa amizade convém também muito ao com-
mercio de éguas e gados». Queria Cristóvão Pereira passar às
Minas com uma tropa de cavalos, más Gomes Freire informa a
Silva Pais não ser conveniente, pela falta que há de animais para
o Regimento de Dragões.
Tendo o Comissário da Expedição se excusado do serviço, em
15 de Setembro de 1738 é Cristóvão Pereira designado para exer-
cer esse cargo. Pouco, porém, nele se demora, para atender a
outros encargos.
Povoara suas duas estâncias de grandes quantidades de gado
que, regjularmente, fazia subir para as feiras de Sorocaba e para
as Minas. A primeira dessas fazendas estava localizada entre os
rios Tainha Camizas, no rio das Antas. Essa fazenda tinha o
e
designativo de Menino Diabo. A outra ficava no rincão que de-
pois tomou o seu nome, no hodierno município de S. José do Norte.
Quando da demarcação de limites da América Meridional, de
que foi comissário o General Gomes Freire, apelou este para o seu
velho amigo e leal servidor Coronel Cristóvão Pereira. Desen-
volvendo larga actividade organizou o sertanista um corpo de 200
homens, quase todos paulistas, que se foi postar nas alturas do
Rio Pardo, depois de ter percorrido largo trecho da linha a de-
marcar, até a Colónia do Sacramento, em 1752. Até 1754 gran-
des foram os serviços prestados pelo velho desbravador à Demar-
cação de Limites.
No ano seguinte recolheu-se ao Rio Grande. Estava velho,
cansado de tanto esforço heróico, devendo orçar pelos seus 75 anos
de idade. E ali na «Cidade» que fundara, cercado de todo o con-
forto espiritual, entregou a alma ao Criador, a 22 de Novembro
de 1755. Seu assento de óbito que nos foi dado encontrar no bis-
pado de Pelotas, nas pesquisas que ali realizámos, diz o seguinte:
«Aos vinte e dois dias do mez de novembro do anno mil sete-
centos e cincoenta e cinco faleceo da vida presente com todos os
História das Missões Orientais do Uruguai - 2. B Parte 5
130 AURÉLIO PORTO
Sacramentos Christóvão Pereyra de Abreo natural da Villa de
Ponte de Lima e casado que foy com Dona Clara de Amorim da
qual ficou viuvo. Fez seu Testamento e deixou por testamentei-
ros a Manuel Lobo dos Santos, a Manuel de Araujo Gomes e ao
coronel Francisco Antonio Cardoso de Menezes e Souza. Sepul-
tou-se na Capella de N. S. da Lapa desta Freguezia do Rio Gran-
de de São Pedro se lhe fez por sua alma os suffragios costumados
e hum officio de Corpo presente. Por ser verdade de tudo fiz
este assento. O Vigr p Manuel Franc". da Silva». 55 )
.

Como recompensa de seus grandes serviços recebera mercê


de D. João V «da metade dos direitos que pagam os gados e ca-
valgaduras que entram na capitania de São Paulo, pelo Registro
de Coritiba, por tempo de doze annos, que seriam cobrados pela
Provedoria de Santos, tributo de Christóvão Pereira receberia tri-
mestralmente». 56 ) E não obstante isso morreu pobre, crivado
de dívidas, e quase ignorado pelo Rio Grande, «Império» que ad-
judicara «à Coroa Portuguesa».

3. — Missão do Brigadeiro Silva Pais.

Era o Brigadeiro José da Silva Pais homem de qualidades ex-


cepcionais, «bom commandante de notória capacidade, sciencia e
experiência, ) sendo um dos oficiais mais ilustres de seu tem-
1

po. Tendo sido designado para governar Minas Gerais, tempora-


riamente, o General Gomes Freire de Andrada, Governador do Rio
de Janeiro, foi Silva Pais, por Carta Régia de 14 de Janeiro de
1735, incumbido de substituí-lo em seu impedimento. Assumiu o
governo da Capitania em 12 de Março deste mesmo ano. 2 )
Em momento de extrema responsabilidade coube-lhe a ges-
tão dos negócios da Capitania. Superintendia o Governo do Rio
de Janeiro os assuntos da Colónia do Sacramento que, não obs-
tante ter direcção governamental própria, prestava obediência à
daquela Capitania. Com o rompimento das relações entre Por-

55) L* 1»de óbitos-Jesus-Maria-José, (1738-1763). Fls. 69.


56) Gen. Borges Fortes. Crist. Per. cit. 30.
1) Arq. Nac. Public. Vol. VTI, 138.
2) Idem, 57.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 131

tugal e Espanha, sentiria a Colónia, como sempre, o reflexo das


dissenções peninsulares. E como soía acon-
nesse ano repetir-se-ia,
tecer, a tragédia sangrenta de um novo assédio posto àquela pra-
ça pelo Governador castelhano de Buenos Aires, D. Miguel de Sal-
cedo.
Em ano de 1735, no intuito de socorrer a Colónia, que
fins do
se via em sérias aperturas, apesar do valor incontrastável e da
heróica resistência de seu Governador António Pedro de Vascon-
celos, que multiplicava actividades defensivas, organizou Silva Pais
o primeiro socorro àquela praça, lutando com dificuldades de toda
ordem pela carência absoluta de meios. E ao mesmo tempo, com
notável previsão dos acontecimentos, compreendendo a eficiência
da defesa, pelos Pampas do Rio Grande, determinava ás providên-
cias já historiadas, que teriam por complemento necessário a fun-
dação de um núcleo de povoamento no litoral rio-grandense.
Repercutiram logo na Corte portuguesa os acontecimentos que
se desenrolavam no Prata. Compreendendo a gravidade da situa-
ção, e a perda fatal da Colónia e territórios circunvizinhos, resol-
veu o Governo de Portugal organizar eficiente socorro, determi-
nando partisse sem demora uma esquadra, sob o comando do
Capitão-de-Mar-e-Guerra Luís de Abreu Prego, conduzindo gente
de desembarque que deveria obedecer ao mando do Brigadeiro
José da Silva Pais, tendo por imediato ao Mestre-de-Campo André
Ribeiro Coutinho.
Tinha a expedição, por móvel principal, atacar Montevidéu,
mas, «ainda que se não faz criuel q' o Governo Espanhol reconhe-
cendo a justiça e má fé com que deo principio as hostelidades, as
procure suspender, comtudo como he precizo prevenir todos os
casos vos advirto, que se no tempo em que chegardes ao Rio de
Janeiro constar que com efeito tem os Espanhoes suspendido as
ditas hostelidades, restituhido os navios que reprezarão, e repa-
rado inteiramente qualquer outro damno, que hajão causado aos
meus vassalos, se não deve intentar couza algua contra elles, mas
só tratar-se da expedição do Rio grande de São Pedro pelas re-
zõens q' ficão ponderadas». 3 )
Resolvia-se, finalmente, condícionando-se às circunstâncias do

3) Idem, 144.

132 AURÉLIO PORTO
momento, e ao critério de Silva Pais, a execução de uma funda-
ção no Rio Grande de São Pedro, afim de sustar o avanço castelha-
no e erigir ali um posto permanente de defesa daquelas vastas cam-
panhas que começavam a ser povoadas de estâncias portuguesas.
A Carta Régia citada dava providências no caso dessa reali-
zação: «Da mesma forma nomeareis outro Official para ficar
por Governador do Rio Grande de São Pedro, no cazo q' se exe-
cute o projecto desta noua Colónia, e da Fortaleza à qual deveis
mandar levantar da parte do sul no sitio que se julgar mais van-
tajoso, e por ella mandareis a Artelharia, armas, barracas e mais
moniçoens e petrechos necessários, algum dinheiro miúdo para
pagamento dos Officiaes, que trabalharem na Obra, hum Enge-
nheiro para assistir a ella, e dous Religiosos Barbadinhos dos que
se achão no Rio de Janeiro, e na falta destes quaesquer outros
sacerdotes de vida exemplar, q' possão celebrar Missa, e admi-
nistrar os Sacramentos aos nouos Pouadores, aos quaes manda-
reis também prover de instromentos q' se vos remetem para cor-
tar e laurar madeiras, mqver terra, manter gado, e cultivar os
Campos, como também das sementes necessárias, pa. a dita cul-
tura, e de viveres, e tudo mais que se julgar precizo, para o esta-
belecimento de huma nova Colónia, segundo as informações q' fa-
cilmente podereis adquirir de pessoas praticas». 4 )
Seguiu o socorro da Colónia, sob o comando de Silva Pais,
que ia a bordo da nau capitânea, N. S. da Vitória e em 5 de Ja-
neiro de 1737, reunido um conselho de guerra, ficou resolvido não
fosse levado a efeito o projectado ataque a Montevidéu, pela in-
certeza de êxito, não só pelas condições climatéricas impróprias,
como pelo fortalecimento do inimigo. E assim, resolveu Silva
Pais fazer um desembarque em Maldonado, afim de fortificar aque-
le posto, e, deixando ah o Mestre-de-Campo André Ribeiro Cou-
tinho, «passar ao Rio Grande, diz, com a gente que me restar,
pois chegou já a da Bahia, e ver se posso montar 300 homens,
com mais 100 de pé, fazendo corpo suficiente, tentar que vão a
esta praça (Colónia) com cavalhada, donde se lhe pode unir mais
gente, ou arrimar-se a Maldonado e ali fazerem as suas entradas,
a ver se por qualquer destas partes se pode meter hum lote de

4) Idem, 139.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 133

gado que nos faça commodidade ou ao menos diversão». 5 ) E


pedia, na mesma carta de 15 de Janeiro a António Pedro, que fi-
zesse embarcar na galera Bonita, alguns carros para a condução
de munições, do que teria necessidade, nas campanhas do Rio
Grande.
Na execução desse projecto demandou a barra do Rio de
São Pedro, onde chegou dias depois.
Compunha-se a expedição da galera capitânea Leão Dourado,
por invocação N. S. de Nazareth, de que era mestre o Capitão Pe-
dro de Siqueira Abreu, que trouxe o Brigadeiro, oficiais e alguns
soldados, e que chegou à barra a 10 de Fevereiro, ficando ali an-
corada nove dias; galera Bonita, por invocação N. S. das Mercês
sob o comando do Capitão-de-Mar-e-Guerra António Carvalho da
Silva, trazendo oficiais e soldados, e que ficou ancorada fora da
barra 36 dias; bergantim Bella Cadela, por invocação N. S. da Pie-
dade, do Mestre António Ferreira de Carvalho, que trouxe solda-
dos, petrechos de guerra e ficou ancorada, até entrar à barra, 12
dias; e a balandra del-rei, por invocação N. S. da Conceição, do
Mestre-João Rodrigues do Nascimento.
Vieram nessas embarcações: Brigadeiro José da Silva Pais,
Comandante geral das tropas e chefe da expedição; Comissário
de mostras António de Noronha da Câmara; Tesoureiro da Fa-
zenda Real, Pedro Jacques da Silva; Ajudante Tenente Manuel
dos Santos e Parreiras; Capitão João de Almeida e Souza, do Rio
de Janeiro; Capitão Manuel do Vale Pereira, da Bahia; Ajudante
Pedro de Matos, da infantaria do Rio de Janeiro; Alferes João
Baptista Ferreira, do Rio de Janeiro; Alferes Domingos Borges
de Barros, da Bahia; Alferes António de Morais, da Bahia. Fa-
ziam parte da tropa dois Sargentos de número do Rio de Janeiro,
e um da Bahia; dois Sargentos supra e um da Bahia; 90 solda-
dos de infantaria do Rio de Janeiro, 56 soldados de infantaria da
Bahia, 37 soldados dragões, 1 soldado de Pernambuco, 1 soldado
da Armada, 1 condestável da artilharia do Rio de Janeiro, 16 sol-
dados artilheiros, 21 artilheiros da Bahia, 8 tambores, 3 pagens,

5) B. N. Anais, XLVI, 285-286.


134 AURÉLIO PORTO
2 embandeir adores. Ficaram ainda mais 5 marinheiros, e escra-
vos de oficiais e soldados, num total de 260 pessoas. 6 )
Esse número é logo acrescido com a entrada de outras em-
barcações que, desgarradas da esquadra, só mais tarde entram
à barra do Rio Grande. São elas: a sumaca N. S. da Conceição,
de que era Mestre José da Costa, com diversos petrechos de guer-
ra, que entrou a 27 de Fevereiro, tendo-se desgarrado da esqua-
dra; no mesmo dia entrou também a balandra del-Rei, por invo-
cação N. S. da Conceição, de que era Mestre João Rodrigues do
Nascimento, que viera na conserva do Brigadeiro Pais e que, par-
tindo do Rio com a esquadra, fora à Colónia e tornou ao Rio
Grande. Em 9 de Abril entram as últimas embarcações compo-
nentes da esquadra: corveta del-Rei, por invocação São Francisco
Xavier e SantfAna, do Mestre Manuel Gonçalves Ramos, que acom-
panhou a esquadra à Colónia e voltando desgarrou da barra a 19
de Fevereiro, indo até Santa Catarina. Trazia alguma infantaria.
No mesmo dia chegou o iate del-Rrei, Assunção de N. Senhora,
Santo António e Almas e N. S. da Abadia, do comando do Capitão
António Teles de Bittencourt, trazendo infantaria e víveres. Não
consta, porém, que fizesse parte da esquadra.
Devemos ao precioso Simão Pereira de Sá, na parte inédita
citada, pormenores muito interessantes da fundação do Presídio.
Copiemo-los na íntegra:
«722 —Averiguada finalmente a penosa e desconhecida bar-
ra, que pelos grandes parceis de areias tem tres differentes en-

6) Arq. Hist. R. G. do Sul — Livro de Mostras da Expedição.


Simão P. de Sá na Parte cit. da Hist. Top. diz que Silva Pais chegou ao
Rio Grande com 420 homens, entre oficiais e soldados»- o Visconde de
São Leopoldo, que aliás faz referências ao Livro de Mostras, que con-
sultou, diz que o Brigadeiro "pojou na praia ao Sul delia em o dia 19 de
fevereiro de 1737, com uma companhia de dragões de Minas Gerais, e
alguma infantaria, que ao todo montavão a duzentos homens, além de
povoadores". —
Anais da Prov. de S. Pedro. 2» ed. 43. E' do próprio
Livro de Mostras a relação acima que nos dá 260 pessoas, além de alguns
escravos e mais algumas pessoas". Nessa ocasião, como se dirá mais
detalhadamente, não veio povoador algum o que só se dá com outras
embarcações que entram depois à barra. Há, no mesmo Livro, como
assinala S. Leopoldo, uma certidão de Silva Pais de ter desembarcado a
10 de Fevereiro. E' a data, como vimos, em que o Leão Dourado, capi-
tânia da Expedição, chegou à barra, ficando aí ancorado nove dias, isto
é, até 19 de Fevereiro em que pôde entrar, desembarcando o Comandante.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 135

Iradas, huma ao sul e outras ao norte e suéste, derão fundo neste


por mais capaz, e segura, mandando o brigadeiro que o ajudante
Pedro de Matos saltasse na costa com a gente de sua embarcação
e marchasse por terra, buscando na distância de tres léguas o alo-
jamento do coronel. Com alguns officiaes embarcou no escaler
da Náu e passou o banco com notável risco, chegando perto da
noite à estacada, onde foi recebido com a descarga de tres peças
de campanha e trinta e seis armas, que unicamente existiam com
Cristóvão Pereira naquelle sitio.

723 — Bastou o resto da noite para descançar, e se informar


das operações que havia feito o coronel na defença do domínio;
e sem admittir mais tréguas ao descanço, montou no dia seguinte
a cavallo, examinou o circuito de tres léguas os estreitos passos
da Mangueira e do arroio; achando entre os mares só 270 braças
de terra para commumcação do amplíssimo território. Rompen-
do toda a comitiva os trabalhos e silvados caminhos para conhe-
cimento do paiz, admiraram nelle o simples encanto e toda a va-
riedade de caças silvestre e volátil, que nunca perseguida e acos-
sada dos destros e importunos caçadores, parece que amavão o
racional pelo instincto, sem fugirem de outro género mais nobre
que a sua espécie.
724 — Approvadas todas as disposições de Christovão Perei-
ra, como se das armas fosse antigo professor, mandou o Briga-
deiro reforçar com mais gente os mesmos passos, pondo em ou-
tros que estabeleceu de novo avantajadas guardas, ordenando jun-
tamente aos paisanos que com fouces e outros instrumentos de
cultivar alimpassem da erva e mattos os terrenos assinalados pa-
ra as delineadas fortificações, as quaes todas postas nas mar-
gens de crystalino ribeiro, para commodidade dos homens, guar-
neceu huma com trinta infantes e outra com vinte, intrincheiran-
do os cavallinhos de frisa, emquanto se não levantavão os para-
peitos de faxina.
725 — Com esta precisa segurança entrou com maior activi-
dade a fortificar o posto com o titulo de Jesus-Maria-José, fabri-
cou uma fortaleza regular com fossos, pontes levadiças, e quar-
téis, para a gente paga de sua guarnição; nelles se aquartelou to-

da a soldadesca sem detrimento nos commodos. Levantou na


Mangueira um reducto e outros mais no sitio do Arroio e Taim,
136 AURÉLIO PORTO*
dando ao mesmo tempo principio à importante fortificação do Es-
treito, meia légua distante do Porto, para residência das Tropas e
governador do Presidio. E todos estes fortes montou sufficiente
artilhariacom destacamentos competentes a defender e conservar
o que já fazia temor aos índios e ciúmes aos castelhanos.
726 — Para mostrar que era tão soldado como catholico, sem
embaraçarem as operações militares os exercícios divinos, erigiu
para os actos da christandade templo dedicado à Senhora Sant' An-
na, ministrando nelle os sacramentos, por ordem real, os padres
capuchinhos missionários, frei Francisco de Prussa e frei Ansel-
mo do Monte Vecterano, os quaes lançarão a primeira pedra a
este edifício e exerceram as obrigações parochiaes emquanto o
exmo. Bispo do Rio de Janeiro, D. frei Antonio de Guadalupe não
deu pastor a estas novas ovelhas, que se estabeleciam e criavão
em terras de sua jurisdição episcopal, mas constando que care-
ciam já de cura próprio, posto -que summamente contente o povo
da caridade e zelo dos religiosos, fez eleição no padre José Carlos
da Silva, que aceitou o emprego, estimou o benefício.
727 — Não foi menos util para guia dos navegantes levantar
nos pontaes da barra dois madeiros de extrema ordinária gran-
desa com cataventos nos remates para conhecimento dos rumos
e facilitar com estas balizas o perigoso e quotidiano ingresso das
embarcações ligeiras, evitando-se por este modo o naufrágio e
precipicio que ameaçavão os grandes parceis, os quaes antes de
singulares metas intimidavão ainda mais os práticos pilotos da-
quella costa. Com esta advertência hoje tanto parece aos dis-
cretos como aos ignorantes marítimos, que fora sonho aquele ris-
co, que tantas vezes fez naufragar a uns e recear a todos.»
Largos meses ficou o Presídio sem comunicações marítimas,
escassamente recebendo da Laguna, por terra, minguado auxílio.
Havia já falta de coisas essenciais à subsistência. Acabando-se
a farinha de guerra via-se a tropa na iminência de dias de fome,
porque a carne só a que ainda se não acostumaram, causava doen-
ças em grande parte do pessoal. Mesmo assim, apesar do mal
que ocasionava, o churrasco rio-grandense, imposto pelas circuns-
tâncias e introduzido pelos tropeiros de gado e antigos aventurei-
ros da campanha, ia ganhando os foros que o tornaram o prato
regional. Já havia desespero quando, no dia 1 de Novembro sur-
:

HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 137

ge na barra do Rio Grande a sumaca del-rei Santo António e Al-


mas, que trazia víveres, petrechos de guerra e alguns casais.
Uma carta que, em Junho, Silva Pais dirigira a Gomes Freire,
dá uma ideia precisa das aperturas em que se teria visto aquela
gente
«Rendo a V. Exa. as graças pelas remessas que me dis faz de
tudo que lhe pedi para a subsistência desses pobres soldados, que
estão todos miseráveis de roupas, e a não os ter eu remediado
com algumas baetas, andariam nús porque as repetidas passagens,
mudanças e precipitados desembarques que tem tido, fez com que
fossem roubados muitos uns dos outros, e os marinheiros nestas
aguas envoltas fizeram o que costumam; eu os tenho modificado
fazendo-lhes promptos os seus pagamentos, e o que ganham no
serviço da fortificação ganhavam nessa praça, por menos, pois
lhes não dou mais que um tostão por dia de trabalho vou os ani-
mando a que brevemente teremos farinha, que é pelo que suspi-
ram». 7 )
A Santo. António e Almas sucedem-se, até Dezembro, outras
embarcações, segundo o Livro de Mostra. Em 2 de Novembro
entra a barra a sumaca N. Senhora da Conceição, do Mestre Ma-
nuel Pestana dos Santos, com petrechos de guerra e soldados vin-
dos de Santa Catarina; em 28, o barco latino d'El-Rei R ) N. S. do
Bom Sucesso, do Mestre Romualdo dos Santos, com petrechos
de guerra e casais, vindo do Rio de Janeiro; em 29, a sumaca S.
António e Almas, do Mestre João Baptista Grau, com alguns sol-
dados de infantaria e víveres de Santa Catarina. Em Dezembro,
24, entra o bergantim N. S. de Nazareth, do Mestre António Pe-
reira da Silva, vindo do Rio, com alguns negócios de particula-
res, 9 ) petrechos e víveres, e a 30 a balandra del-Rei N. S. do Ro-

7) Arq. Nac. Corresp. dos Governadores. Livro VTI.


8) Esse "barco latino del-Rei", destacado, depois, para fazer son-
dagens na Lagoa Mirim, pelo próprio Silva Pais, encalhou em um dos
bancos de areia que formam ali, aos 32» 45 lat. S. e 9' 56' 29" long. O.
o pontal também conhecido por Fanfa. Muitos anos ficou ali encalhado
o Latino, provindo desse facto a denominação local que tem.
9) Em1738 existiam os seguintes negociantes no Presídio: Antô-
nio Vieira de Mendonça, vindo do Rio de Janeiro; José Ribeiro Gomes,
Manuel Jorge, Jerónimo Ferreira, Manuel da Silva Thomé, Domingos
Pereira, José Pinheiro Soares, Paulino da Costa, Manuel Francisco Dias,
José de Freitas Guimarães, Lourenço António e Bernardo Furtado de
Vasconcelos.
138 AURÉLIO PORTO
sário, S. António e Almas, do Mestre João Rodrigues do Nasci-
mento, trazendo também víveres.
Vinham, como vimos, os primeiros casais povoadores. Mui-
to se interessara por isto o previdente Silva Pais. Em carta a
Gomes Freire rogava que fossem remetidos alguns para povoa-
rem a terra, pois, eram, dizia, «as mais fortes raizes para a sua
conservação e ainda para delles se tirarem recrutas para o Regi-
mento de Dragões». Gomes Freire atendera à justa solicitação,
conseguindo no Rio e nas aldeias de São Gonçalo e outras próxi-
mas vários casais que quisessem povoar o nascente estabelecimen-
to que, em 1738, já chamavam «a Cidade».
Confiantes na força que constitui o Presídio, *P) começam
os povoadores a se estender pelos rincões da terra, com suas es-
tâncias de gado, ao mesmo tempo que se vai erguendo, com suas
casas em volta da capela erecta, a incipente povoação. O Briga-
deiro concede vários chãos para a construção de casas e, em 1738,
avultados eram já os «casais de número», ali estabelecidos. O
primeiro templo para as necessidades espirituais dos povoadores
foi construído no Porto, com a invocação de Jesus-Maria-José e
outro no Estreito, dedicado a Senhora Santana, de especial devo-
ção do fundador. Atendem-no os Padres Capuchinhos (barbadi-
nhos) Freis Francisco da Prússia e Anselmo do Monte Veterano
que chegaram no dia 6 de Abril. Funda-se mais tarde a de N. S.
da Lapa. Mas, os Frades Barbónios, ainda em 37, começam a
^promover desordens» não atendendo devidamente aos seus fre-
gueses, pedindo Silva Pais que sejam retirados, e mandado para
o estabelecimento um Padre secular. E' escolhido o Padre José
Carlos da Silva que, em 8 de Janeiro de 1738, pede guizamentos
e passagens para si e para os escravos que o acompanham. E
J

este quem realmente instala a paróquia de Jesus-Maria-José, pois


o primeiro assento dos livros dela é de um óbito de Rosa, filha
dos povoadores António Pinto e Isabel de Lima, casal da Colónia
do Sacramento, e lançado em 3 de Maio desse ano. O primeiro
baptismo é de 16 de Junho, do párvulo Albano, filho de António

10) Segundo a acepção da época. Presídio não era um lugar de


Morais Silva, em seu Dicionário informa: "Gente
prisão, desterro, etc.
de guarnição de uma praça", "socorro, auxilio, etc", "o que serve de
guarda, apoio e de conservar".
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 139

Coelho e Maria do Rosário, casal do Rio de Janeiro. Não existe,


no Bispado de Pelotas, onde se encontram os outros livros, o 2
de casamentos; mas, por carta de Silva Pais a Gomes Freire, da-
tada de 18 de Junho de 1738, sabe-se que «aquelle porto já está
mui povoado, e cada vez mais augmentado e abundante e já se
vão fazendo alguns casamentos».
Em carta de 15 de Setembro o Coronel Ribeiro Coutinho tam-
bém se queixa do novo vigário. O Padre José Carlos, que ali che-
ga, procura tratar mais dos seus próprios interesses do que das
obrigações do sacerdócio. Requer terras para estância, povoa-a
de gados, e faz largos negócios. «Parece infelicidade daquela ter-
ra, diz Silva Pais, que os Ecclesiasticos perturbem o socego delia».
Em Julho desse ano encontramos também, baptizando na er-
mida do Porto, o Padre Manuel Henriques. José Carlos tratava
de sua estância. Comprara larga sesmaria de que se apossara
José de Andrade Batalha, em Santo António da Guarda Velha
(Patrulha), e que mais tarde vendeu ao Capitão António Teixei-
ra da Cunha, e nela criava gados, que eram vendidos para Lagu-
na e outros pontos. Quando os espanhóis entraram no Rio Gran-
de, em 1763, o P. José Carlos desertou para eles não mais voltando
ao Rio Grande do Sul.
Manuel Francisco da Costa, casal da Colónia, foi o primeiro
que, em 1737, construiu casa no Estreito, perto da ermida de San-
tana. Os primeiros povoadores chegam, como vimos, a 1 de No-
vembro. Eram retirantes da Colónia que tinham ido ao Rio de
Janeiro e voltam com escala por Santa Catarina, ao todo 67 pes-
soas, em que entram 12 escravos.
Em carta de 11 de Maio de 1737, encaminhando-os diz Go-
mes Freire a Silva Pais que seguem «as familias que contem a lis-
ta junta e na segunda expedição irão mais; vão providas do que
lhe consta e por ajuste feito comigo lhe hade V. S. continuar com
ração de farinha até fazerem a primeira colheita, sendo esta a
forma que se praticou com os povoadores da Colónia, e dar-lhe
alguns bois para principiarem as suas lavouras; fazem viagem à
Ilha de Santa Catarina de adonde seguirão ás ordens de V. S. ou
passarão logo se o sargento-mór entenda conveniente. Em esta
praça tenho feito alguma diligencia e não tenho descoberto logo
moradores que queiram ir com estes da Coloma, assim é bom que
140 AURÉLIO PORTO
se por essa se encontraram os que V. S. me diz. . . pois serão mais
úteis e de menor despeza. Aos novos povoadores mandará V. S.
dar grãos, lentilhas e feijão que remeto para suas próximas se-
meaduras e a S. Paulo aviso remetam á ordem de V. S. alguns
moyos de trigo para se repartirem na mesma forma». Acompa-
nhava o ofício a seguinte «Lista dos Officiaes e Soldados que se
acham com guia passada para o Rio Grande e numero de casaes
que para elle vão:Dragões de Minas —
1 capitão, 1 alferes, 1 tam-
bor e 38 soldados. Desta praça —
56 soldados e 31 de artilharia
— Total 128. Casaes 67 pessoas em que entram 12 escravos
e receberão: 2 machados, 1 enchó de ribeira, 1 enchó de mão, 3
enchadas, 2 verrumas, 1 trado, 1 martelo, 1 goiva, 1 serra de mão,
2 escalpelos, 2 ferros de arado, 1 compasso, 1 plaina, 2 alqueires
de cal, e 12$000 rs. de ajuda de custo a cada um>. ")
Com o casco do Regimento de Dragões, que vinha de Minas,
chegaram algumas famílias de oficiais e soldados, entre os quais
a de João Carneiro da Fontoura, tronco dos deste nome no Rio
Grande do Sul.
Até fins de 1738 haviam sido distribuídos chãos para constru-
ção de casas, na povoação, aos seguintes casais de número, pro-
venientes, em sua quase totalidade, da Colónia do Sacramento e
que, por ocasião do assédio da praça, se haviam retirado para o
Rio de Janeiro: Luiza Fernandes, viúva; Lucas Fernandes da Cos-
ta, Maria Coelho, viúva de Valentim Quaresma; Maria de Assun-
ção, viúva de Teodósio Soares, António de Souza Fernando, Ma-
nuel Moreira Belo, vindo de Minas; António Pinto, da Colónia;
Miguel Moreira, Alexandre de Magalhães, Manuel Jorge, Manuel
Gonçalves da Costa, Miguel da Costa, Álvaro Pessoa de Carvalho,
Jorge de Souza Costa, Gervásio Dias, Manuel da Silva Vargas,
Ana da Fonseca, vinda do Rio com 5 filhos; António de Araujo
Vilela, João Gonçalves Francês, vindo da Laguna; Inácia da Sil-
va, do Rio de Janeiro; Maria da Encarnação com seu filho Felipe
de Abreu, da Colónia; Ana Maria da Conceição, Francisco de Sei-
xas, espanhol, vindo da Laguna; António Pais Sardinha, Inácia
Maria de Ramos, do Rio; João Garcia Dutra, da Colónia; Vicente
Avogado, Miguel Cardoso Ferreira, Bartolomeu dos Santos, Se-

11) Arq. Nac. Corresp. Govern. L. VI. Col. 84.


HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 141

bastião do Canto Ribeiro, José da Costa, José da Cruz Cabral, Pe-


dro da Costa Neves, da Bahia; Francisco Manuel de Souza e Tá-
vora, Manuel Duarte, da Laguna; Manuel de Jesus, Dionísio do
Couto, Francisco Xavier Luís, Alexandre Francisco de Campos.
Em Abril de 38, manda Silva Pais, que já está no governo
do Rio de Janeiro, «varias marzuelas que vão ahy buscar estado
e aqui o tinham de desenvoltas». 12 ) Deu este informe margem
à célebre citação de São Leopoldo, em sua 1* edição dos Anais,
quanto à procedência menos .digna dos primitivos povoadores do
Rio Grande, asserção rebatida por Gonçalves Chaves, em sua Me-
mória-Ecónomo-Política. Em nossas demoradas pesquisas, nas con-
cessões de chãos e nos assentos eclesiásticos, encontramos somen-
te 10 dessas «marzuelas». Ao princípio, no Presídio, aparecem
com filhos naturais, que logo são legitimados por casarem-se elas,
depois, constituindo, assim, família regular.
Muitos oficiais e soldados vindos com Silva Pais e outros que
vão chegando, até 1738, em chãos que lhes são concedidos, fazem
as suas casas de moradia. Em sua petição, diz o cirurgião do
presídio Sebastião Gomes de Carvalho, ter sido ele o primeiro po-
voador da «cidade». Entre esses povoadores encontramos: José
da Cunha, Sargento supra do Terço de artilharia do Rio de Ja-
neiro, e oficial de curtidor; José da Silva Pacheco, Cabo do des-
tacamento da Bahia; Inácio da Costa, soldado dragão e carpin-
teiro; Estêvão Ferreira, idem; João Carneiro da Fontoura, inferior
de dragões; Tenente José Mascarenhas Figueiredo, Tenente Fran-
cisco Barreto Pereira Pinto, dragões; José da Silveira Bittencourt,
soldado; Inácio Pereira da Rosa, soldado; Sargento-mor Francis-
co de Souza e Faria; José Machado, soldado; Manuel da Silva, sol-
dado de dragões; António Gonçalves, soldado de dragões; Pedro
de Almeida, soldado de dragões da Colónia; Tenente Manuel Ta-
vares de ordenanças; José de Souza, condestável; Elias do Ama-
ral Pereira, soldado de artilharia; Manuel dos Santos, marinheiro;
Alferes de cavalaria Manuel Saraiva Cabral; Alferes de dragões
Manuel Pereira Roriz; João Nogueira Beya, furriel de dragões;
António Francisco de Aguiar, soldado do destacamento da Bahia;
António Pires, cozinheiro de Silva Pais; Manuel do Rego, oficial

12) Arq. Nac. Corresp. dos Gov. Vol. VTI.


/
/
142 AURÉLIO PORTO
de ferreiro; Pantaleão Pedroso, peão do Cap. João de Távora;
Marcos Pereira Machado, capataz dos carros; Silvestre Domin-
gues, mestre calafate; António Gomes Homem, marítimo; João
Coelho, mestre carpinteiro; Manuel Costa, oficial de carpinteiro;
Pedro Jaques da Silva, tesoureiro da Fazenda Real.
No litoral, até o Chuí, foram concedidos vários rincões para
criação de gados, sendo estabelecidas as estâncias seguintes: An-
tónio Rodrigues Sardinha, rincão no Estreito; Manuel Francisco,
entre Frei António e José da Silva; Capitão José de Mello Tavares
e Tenente José Tavares de Melo, rincão do Mercador; José Ferrei-
ra Chaves, junto a Francisco de Souza e Faria, Tenente António
Gonçalves Chaves, capão junto a Francisco Xavier Luís; Padre
Manuel Henriques, capão de mato junto à Olaria; Domingos Mar-
tins, rincão; João Diniz Álvares, rincão dos Palmares; Manuel de
Souza, lagoa de Cuiabá; Sargento-mor Francisco de Souza e Fa-
ria, rincão do Albardão; João da Silva Souza, na Torotama; An-
tónio Coelho, rincão no Estreito; João Carneiro da Fontoura, rin-
cão; José da Silva Valadares e Lucas Fernandes da Costa, na
borda da Mirim; Domingos Fernandes de Oliveira, Palmares; An-
tonio de Souza Fernando, rincão do Carro, junto a João Rodrigues
Prates; Gervásio Dias, na Torotama; José dos Santos, junto a
Souza e Faria; Coronel Cristóvão Pereira de Abreu; Gaspar dos
Santos, capão na boca da Mangueira; Francisco Ribeiro Gomes,
rincão dos Palmares; capitão António Gonçalves dos Anjos, Uha
dos Marinheiros; João Antunes da Porciúncula, capão; Manuel
Jorge estância da Xarqueada Velha (Agosto de 1738)
, tenente ;

António José de Figueiroa e capitão António José da Gama Lobo,


3 léguas na Xarqueada junto à João da Costa Quintão; José Fer-
reira Chaves, no Pontal; João Garcia Dutra, capão e Capitão João
de Távora, um rincão. 13 )
Coube ao Capitão João de Távora, que presumimos ser cunha-
do de Cristóvão Pereira, importante coparticipação no desbrava-
mento e fundação do Presídio de Jesus-Maria-José. Depois de ter
percorrido, por diversas vezes, largos trechos do território rio-
grandense com o Coronel, foi designado para ir à Laguna buscar

13) Arq. Hlst. R. G. do Sul. Datas de chãos. Registros de Sesma-


rias.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 143

índios e brancos, destinados a trabalharem nas obras de fortifi-


cação da barra. Em 4 de Dezembro de 1737 desobrigou-se dessa
missão, trazendo duas dezenas de homens que foram aplicados na-
quele trabalho. Mais tarde, por ordem de Ribeiro Coutinho, vai
a Santos, trazendo de S. Paulo perto de 200 índios casados das al-
deias del-rei.
Estando na ilha de S. Catarina, quando do desembarque, ah,
de marinheiros e soldados castelhanos que se sublevaram, não
querendo seguir para os domínios de Castela, agiu João de Távo-
ra com energia. O mesmo sucedeu em Laguna, por outra oca-
sião, quando os próprios dirigentes da Vila se atemorizaram, ante
nova sublevação, o povo o elegeu por Capitão-Mor, cargo que
ocupou, depois, por determinação do Governador de São Paulo.
Alguns desses espanhóis sublevados na Laguna foram, por
Silva Pais, mandados internar no Rio Grande, constituindo, desse
modo, troncos da família rio-grandense.
E' incalculável o esforço despendido por Silva Pais na orga-
nização do Presídio. Sua larga correspondência existente no Ar-
quivo Nacional é um copioso repositório de informes sobre a sua
acção admirável de estadista, soldado e organizador. «Atenden-
do pessoalmente a tudo, prevendo tudo, quase sem meios de sub-
sistência; percorrendo largos trechos da terra, de tremedais,
donde milagrosamente se safava, numa região deserta e desco-
nhecida; atento aos manejos dos castelhanos, às incursões dos
tapes e minuanos; desfalcado de gente, sentindo latente, quase a
irromper a desordem e a insubordinação do pessoal, o Brigadeiro
José da Silva Pais deve ter tido uma força moral fora do comum,
para conter essa pequena tropa sem disciplina, sem soldo, sem
mantimentos, quase nua, enfrentando a grandeza soberana do mar,
entre a verdura exuberante dos capões rio-grandenses e a exten-
sa planura dos areais candentes». 14 )
Depois de ter permanecido nove meses no Rio Grande e de ter
realizado esse projecto havia largos anos alimentado por todos quan-
tos se interessavam pelo povoamento do Sul, Silva Pais seguiu, em
11 de Dezembro de 1737, para a Laguna, onde também tratou de

14) Aurélio Porto. Regimento de Dragões. Rev. Inst. Hist. Ano IV.
Trim. IV.
. 144 AURÉLIO PORTO
reparar as suas fortificações, dando várias providências para a
defesa e administração daquela vila. Em 5 de Março de 1738,
chegando ao Rio de Janeiro, reassumiu o cargo de Governador da-
quela Capitania. De lá, atendendo a tudo quanto se referia ao
Rio Grande do Sul e voltando mesmo a ele num momento crítico
para a sua vida, quando do levante dos dragões, o fundador do
Presídio jamais esqueceu a sua obra.

4. — O Regimento de Dragões.

Numa admirável antevisão que lhe sugeriram a terra e os


primitivos habitantes do Pampa, correndo pelas vastas planícies
povoadas de gado, nos cavalos velozes, o Brigadeiro José da Silva
Pais, desde o primeiro contacto com o Rio Grande, compreendeu
a necessidade de entregar a defesa do Presídio a tropas de cava-
laria, únicas eficientes para agir na campanha. «Emquanto não
estiverem acostumados todos como se serve a cavallaria naquel-
las partes, diz, que é muito differente do que nas outras, por mais
infantaria que tenhamos não poderemos empreender ação nenhu-
ma que nos seja favorável».
Foi atendendo a esse critério que teve lugar a organização
do Regimento de Dragões do Rio Grande, que vai ser, durante una
século, a grande escola formadora dos heroísmos gaúchos e a an-
temural formidável em que serão aniquilados todos os embates da
bravura castelhana, na contínua competição em que vai-se cons-
tituir a existência do próprio Rio Grande do Sul.
Depois de fazer a campanha demarcadora de 1752, sob a di-
recta inspecção desse soldado ilustre que foi o General Gomes
Freire de Andrada, o Regimento de Dragões ficará definitiva-
mente sediado no Rio Pardo, como núcleo constitutivo de toda a
organização militar do Continente. Por sua tarimba passarão
todos os heróis. Oficiais e soldados, disciplinados ou desertores,
receberão aí o seu baptismo de fogo e de sangue. Serão, mais
tarde, os fronteiros intimoratos, os gaúchos audazes, os integra-
dores da terra.
Com o Brigadeiro Silva Pais, como vimos, vem o casco do
Regimento. São os primeiros 37 dragões que, procedentes do Re-
gimento das Minas Gerais, pisam a terra rio-grandense. Desti-
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 145

navam-se à Colónia do Sacramento, onde se pretendia organizar


esse corpo. Mas, era vista dos acontecimentos supervenientes que
determinaram a fundação do Rio Grande, resolveu o Brigadeiro
sediá-lo em o novo Presídio, embora destinando-o a agir e socor-
rer àquela praça. Em carta dirigida a António Pedro, datada de
29 de Agosto de 1737, o General Gomes Freire dá disso ciência ao
Governador da Colónia:
«E como o instrumento da campanha he o novo
principal
Regimento de Dragões, pelas cartas e copias que seu coronel Dio-
go Osorio Cardoso entregaria a V. S. ficaria sciente da real deter-
minação de S. M. e da prevenção que foi servido tomar na forma-
tura do dito Regimento no Rio Grande de São Pedro, considerando
a dificuldade com que ao presente se poderão introduzir e conser-
var os cavallos em essa praça, pelo que não encontrando V. S. al-
guma razão que me participe por adonde seja mais conveniente
formar-se o Regimento em essa praça, que levantal-o no Rio Gran-
de, mandará V. S. embarcar em tres transportes ou nos que a
V. S. melhor parecer o dito coronel, armamento, officiaes, muni-
ções e fardas para as tres companhias, para que passando áquella
fortaleza, se unão com o sargento-mór Manuel de Barros e com
os officiaes que ali se achão a acabar de as formar, de setenta
soldados cada hua e no tempo que se faz preciso para esta exe-
cução discorrerá V. S. pelo que D. Miguel de Salcedo obrar se se
pode introduzir as companhias em essa praça com cavallos para
montar as duas que ahy estão, ou comprarem-se aos castelhanos
e também encontrar a forma de se conservarem ainda estando
embaraçada a campanha». 15 ).
As duas companhias que já existiam na Colónia, mas que não
podiam agir eficientemente por falta de cavalhada, haviam sido
para ali mandadas, também de Minas, em Dezembro de 1735, no
socorro saído do Rio no dia 15. Fora por cabo dessa gente o Ca-
pitão Domingos da Luz. Silva Pais, que passara revista a esse
destacamento que seria o casco dos Dragões do Sul, informa a
Gomes Freire: «O corpo de Dragões de 45 homens, todos bem
fardados e de boa idade, com seus corriões largos de anta fingida
e cartucheiras em bandoleiras, boas espingardas, bayonetas e es-

15) Arq. Nac. Corresponâ. Gov. Livro VII (1737-38).


146 AURÉLIO PORTO
padas largas, alem de seu par de pistolas que levam quando mon-
tarem os officiaes, dos destacamentos com boa cara e tudo boa
gente pelo que parece».
O corpo a ser formado no Rio Grande seria de oito compa-
nhias de setenta cavalos, cada uma, tendo sido nomeado para seu
Tenente-Coronel José de Morais e Sargento-Mor Manuel de Bar-
ros Guedes. Este traria 40 dragões de Minas a que se juntariam
mais 66, tirados dos três batalhões do Rio, «capazes de se exerci-
tarem na cavallaria; estes soldados darão corpo ao Regimen-
to». 16
)

Com os elementos que estavam na Colónia teve o Regimento


organização em Agosto de 1737. Compunha-se esse casco dos
seguintes" oficiais e inferiores: Coronel Diogo Osório Cardoso, 1T )
Capitão Tomaz Luís Osório, Capitão António de Sá Pereira, Aju-
dante Francisco António Cardoso de Menezes 18 ), Tenente José
Freire de Andrada 19 ), Tenente António José Cardoso, Alferes
Manuel de Vidigal, Alferes António Nunes, Alferes Joaquim Fran-
cisco, Alferes António Borges Figueiroa, Sargento Manuel da
Cunha 20 ), Sargento Felipe Teixeira, Sargento José Vaz, Sargen-
to Gaspar Nunes de Miranda 21 ), Sargento João Nogueira Beya,

16) Idem. Todas as notas e citações são da Corresp. dos Gover-


nadores do Rio de Janeiro, vol. VTI. Col. Arq. Nac. 84.
17) A família Osório, que se perpetua no Rio Grande do Sul, as-
sinalada por fastos heróicos de sua história, tem aí os seus troncos. Era
o coronel Diogo Osório, natural de Cartaxo, Portugal, Capitão de Dra-
gões no Reino quando foi designado para servir no Brasil. Vêm com ele
os três irmãos, seus sobrinhos, Capitão Tomaz Luís Osório, que entregou
a praça do Rio Grande aos castelhanos, sofrendo por isso justiçamento
em Lisboa, e que deixou descendência no Rio Grande; Francisco Coelho
Osório, que foi depois Capitão-Mor do Rio Grande, e o Tenente António
José Cardoso. Deste último é filho Tomaz José Luís Osório, avô ma-
terno do General Manuel Luís Osório, glorioso Marquês do Herval.
18) Mais tarde General e Governador de Santa Catarina. Era sol-
teiro, mas teve, no Presídio, de uma lagunense, filhos naturais reconhe-
cidos, que ocuparam posições de destaque, sendo troncos de importantes
famílias rio-grandenses.
19) Sobrinho de Gomes Freire. Casou-se no' Rio Grande, tendo
algumas filhas que foram em Rio Pardo e Cachoeira ramos de ilustres
famílias daquelas cidades.
20) Manuel da Cunha e Souza casou-se com Maria Gomes Ferrei-
ra, natural da Colónia do Sacramento, tendo filhos que se constituíram
troncos de famílias de Cachoeira.
21) Casou-se com .uma descendente de Nunes Miranda o Coronel
Demétrio Ribeiro, de Alegrete, provindo, daí, essa conhecida família.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 147

eCabo de esquadra Luís de Figueiredo. Ainda em 1737, foi o


Regimento acrescido com a nomeação dos Tenentes Francisco Bar-
reto e Francisco Pinto Bandeira, lagunista, que já encontrámos,
com patente da mesma da-
entre os oficiais de Cristóvão Pereira,
ta; do Alferes António Pinto Carneiro, também dos Dragões de
Minas e Alferes Manuel Pereira Roriz, furriel de Minas e Alferes
António José da Gama, que estivera prisioneiro dos castelhanos.
A organização definitiva do Regimento no Rio Grande teve
lugar por Portaria datada de 9 de Dezembro de 1737, mas só em
Março do ano seguinte, com a chegada do Coronel Diogo Osório
Cardoso, vindo da Colónia, com efectivo completo de oficiais, se
lhe dá definitiva organização. Nesse mesmo mês chegara, com o
Sargento-Mor Manuel de Barros Guedes, mais um destacamento
de 130 praças.
Destinado ao serviço de fronteiras, depois de ter servido na
Demarcação de Limites e guerra subsequente, destacou o Regi-
mento em Castilhos e Chuí, sendo daí retirado com a invasão do
Rio Grande, em 1762. E' quando vai, definitivamente, se inte-
grar ao destacamento sediado em Rio Pardo, onde fica até sua
extinção.
Uma página que reproduzimos dar-nos-á ideia dos trabalhos
que presidiram à formação dessa célula fundamental da vida he-
róica do Rio Grande:
«Não é difícil fazer uma ideia dos sacrifícios impostos àque-
les homens, atirados num recanto da terra deserta, privados até
do próprio alimento, desacostumados como estavam de comer car-
ne, sem outro qualquer condimento. Lá, de ano em ano, e às vezes
mais, aparecia na barra uma sumaca tardia, trazendo parcos man-
timentos que mal davam para minguados dias de subsistência. Em
fardamento, nem era bom pensar. Em 1742, três anos havia que
os pobres soldados não recebiam roupa alguma. Pelo trabalho
exaustivo das guardas, pelos serviços das rondas, pelo arrebanha-
mento de gados, que era o seu sustento único, as fardetas recebi-
das, logo depois da organização do Regimento, estavam em farra-
pos, muitos havendo que cobriam sua quase nudez com trapos
conseguidos a muito custo».
«Faltando pão de monição pela pouca prevenção que houve
se mandarão dar a cada soldado 15 espigas de milho para 15 dias.
148 AURÉLIO PORTO
e uma abobra para outros tantos assegurando-se-lhe na frente do
Regimento que em chegando farinhas se lhe inteiraria tudo sem
desconto, e se lhe faltou inteiramente, e querendo entrar nesse re-
querimento não se lhe admitiu mas se passarão ordens para se
dar com um páo a morrer no que falasse nisso». Era esse o re-
gime do Presídio. Além das privações de fome, dos serviços do-
brados, sob as invernias cruéis, e do castigo imediato pela mínima
falta, e de vinte meses de soldo atrasado, ainda o azorrague avil-
tante, as maiores afrontas, os maiores doestos. «Escandalizados
também de serem maltratados (dizem eles em sua representação
ao Comandante da praça), com palavras injuriosas, acotilados
como succedeo ao cabo de esquadra José da Costa de Vasconcel-
los, ficando aleijado das mãos, e ao soldado João Vaz da Silva e

Antonio" da Costa Soeiro, ficando também um de um pé e outro


de uma mão, estes promovidos pelo alferes Antonio José da Gama
Lobo, e affrontados como succedeo ao soldado Ignacio da Costa,
eendo chamado à casa do capitão Thomaz Luiz Osorio donde a
portas fechadas por dois mascarados com saccos de areia e cala-
brotes foi tão maltratado que o levarão para o hospital. Na mes-
ma forma o alferes Rodrigo de Mendonça Furtado que comanda-
va a guarda do corpo mandou abordoar o soldado infante Chris-
tovão de Albuquerque rodeado de soldados com baunetas caladas
e ao soldado Sebastião Ruiz Pina fechando-o no corpo da guarda
e com páo fez o mesmo».
Pela simples exposição desses factos, cuja lista longe iria, se
o espaço nos permitisse, é de ver que seriam necessários muita
dedicação, muito espírito de sacrifício, muita disciplina, para que
não irrompessem em justa revolta esses homens, dos quais mui-
tos haviam sido enganados que iriam somente para a Colónia, por
poucos meses, voltando para os seus lares, onde vários deixaram
família.
A revolta estalou, no Presídio, em 5 de Janeiro de 1742. En-
cebeçou-a o Regimento de Dragões. Entre si nomearam oficiais,
continuando a fazer regularmente os serviços da praça e sem mo-
lestar a nenhum dos chefes, dos quais tinham amargas queixas.
Foi um gesto de alta nobreza que honra os revoltosos. Debalde
o Coronel Diogo Osório Cardoso, comandante do Presídio, quis
chamá-los à ordem. A nada atenderam, mantendo-se firmes no
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 149

propósito de repulsa a seus legítimos oficiais. Ouçamos o que a


esse respeito escreveu a Gomes Freire o próprio Diogo Osório, re-
ferindo-se à primeira guarda que, com oficiais seus, deram os re-
voltosos :

«Chegada que foy a guarda hua vista composta de 40 ho-


mens e 3 officiaes, mandou pedir licença ao seu nomeado ajudan-
te ao qual preguntey si trazia premissão do corpo para montar
a guarda, com seus verdadeiros officiaes, respondeume que não pois
a guarda trazia capitão, alferez e sargentos nomeados pelo seo
corpo e vinha também o sargento mayor nomeado por elle man-
dou com o mesmo ajudante, o alferes de dragões Francisco Bar-
reto dizer aquella guarda fizesse alto emquanto passava ao cor-
po representar-lhe daminha parte quizesse aceitar os seus legíti-
mos officiaes para governar a guarda como dantes que era só o
que lhe estava bem visto ter determinado continuar o serviço co-
mo delle se esperava, respondeo que a guarda se havia de metter
com os officiaes que levava elegidos pelo mesmo corpo, e como
o não poude despresuadir mandey dizer adita guarda marchasse,
e chegando alvorada e a cavallo ao pé do corpo da guarda refiz
as preguntas, quem eram, responderam que portuguezes, que eu
muito bem conhecia que queriam, responderam tornar entregue
d aquella guarda, si eram vassalos dei Rey Nosso Senhor respon-
deram q' sim; se estavam promptos a dar a vida pelo mesmo Sr.
Na defeza desta fortaleza, e de seu continente, responderam an-
eiosos, que assim o promettiam fazer athe a ultima pinga de seu
sangue, o que lhe agradeci muito, advertindoos e segurando que
pa. o mesmo fim estávamos todos os officiaes da guarn. que pre-
sentes se achavam e dando as tres vezes de viva El Rey as re-
petiram tanto de coração q' foy o único alivio que tive nesse la-
berinto de pezares que me serviam a vista das promessas e das
resoluções que tínhamos tomado no cone. 9 que fizemos, encarre-
guey o corpo de defença daquella moralha e chaves de seu portão
e me recolhi com os meus officiaes ao meu quartel adonde manda-
ram buscar a senha ahora costumada, depois de fechada a porta
trazer as chaves e buscar o santo, e o amanhecer buscar as cha-
ves tudo na forma costumada».
Dando imediatas providências, por ter reconhecido a justiça
das pretensões dos infelizes comandados, o Coronel Diogo Osório
150 AURÉLIO PORTO
Cardoso conseguiu na praça algum dinheiro com que atendeu ao
pagamento de alguns meses de soldo, propondo espontaneamente,
à Junta do Governo do Rio de Janeiro, a confirmação do perdão
que dera aos revoltosos. Essa confirmação não se fez esperar.
Em Junta presidida por Gomes Freire, em 16 de Fevereiro desse
mesmo ano, considerando a impossibilidade de enviar tropas para
reduzir os amotinados, foi acordado se ratificasse o perdão dado
pelo Comandante do Presídio.
Essa ratificação foi levada pessoalmente aos amotinados pelo
Brigadeiro Silva Pais, em Março». 22 )

5. — A Comandância Militar.

Retirando-se Silva Pais, assumiu a 11 de Dezembro de 1737


a Comandância do Presídio o Mestre-de-Campo André Ribeiro
Coutinho. Era este homem de grandes méritos intelectuais, ver-
sando elegantemente a língua, quer em prosa, quer em verso.
Existem na Biblioteca Nacional diversos trabalhos seus, que lhe
atestam as qualidades literárias.
Uma das primeiras preocupações do novo Comandante foi tor-
nar mais eficiente a defesa do Rio Grande. Fundou o estabele-
cimento do Estreito, onde erigiu a capela de Santana, e erguendo
novas fortificações, em torno dele, para lá transportou guarnição
e artilharia. Silva Pais, já do Rio, manda-lhe as suas sugestões:
«Já deve estar arrojado aquelle pedaço de cortina que servia de
padrasto ao Baluarte de Bandeira, que procurasse com alguns tor-
rões o segurar para ficar como o baluarte do Arroio». Manda-lhe
tabuado para as fortificações e plataformas, não esquecendo a
feitura de uma ponte levadiça, devendo aproveitar as figueiras
que são admiráveis. E remete artilharia, reparos, munições e
gente para aumentar a povoação.
Esta vai crescendo com novas levas de povoadores que chegam
do Rio, da Laguna e da Colónia. Coutinho procura incrementar
a incipiente indústria de carnes. Aos tropeiros que fazem pelas
campanhas grandes arreadas de gado, paga, para o consumo das
tropas, 800 réis por cabeça de vaca. E a Manuel Gomes Pereira,

22) Aurélio Porto. Regimento de Dragões, cit. 617.


HISTÓRIA DAS MISSÕES ORÍENTAIS DO URUGUAI 151

que estabelece uma xarqueada, compra, por ordem de Silva Pais,


toda a produção para municio da força. Como reserva imprescin-
dível ao sustento da praça havia-se fundado a Estância Real de
Bojurú. Em 1738 contavam-se já nesse estabelecimento, que abran-
gia larga área de campos, mais de 1.500 éguas, de 2.000 vacas
«que já se achavam corridas», e mais de 8.000 para completar
as 45.000 cabeças de gado que deveria ter a estância. Era con-
siderável a quantidade de couros que anualmente exportava o
Bojurú, enchendo todas as embarcações que demandavam a barra
do Rio Grande. Não obstante Gomes Freire apostrofá-la de «bar-
ra diabólica», dos últimos dias de Novembro de 1737 aos últimos
de 38 «por ela haviam entrado 26 embarcações de vários portos, o
que basta para provar a sua bondade», dizia o Brigadeiro Silva
Pais, em carta de 30-VTI-1738.
Pelo Brigadeiro havia sido nomeado Administrador da Es-
tância Real do Bojurú, Cosme da Silveira e Ávila. Interessante
a figura desse aventureiro, tão pouco conhecido ainda, a quem os
historiadores, como também a Cristóvão Pereira, dão a natura-
lidade de São Paulo, quando, como este, era português.
Nasceu Cosme da Silveira na Vila Nova de Tousso, ilha de
São Jorge, Açores, sendo filho legítimo do Capitão-Mor da mesma
Vila, António da Silveira e Ávila e de sua mulher Catarina Ma-
chado de Azevedo. Vindo muito moço para o Brasil, depois de
permanecer pouco tempo na Laguna, internou-se nas campanhas
rio-grandenses, dedicando-se, como outros aventureiros, à passa-
gem de gados para aquela vila. Quando o Brigadeiro Silva Pais
penetrou a barra, fundando o Presídio, travou conhecimento com
o tropeiro e apreciou-lhe as qualidades que o distinguiam, a sua
energia e espírito de iniciativa. Organizada a Estância de Boju-
rú escoíheu-o o Brigadeiro para dirigi-la. Aí fabricou Cosme da
Silveira os primeiros queijos de que mandou amostras muito apre-
ciadas a Silva Pais. André Ribeiro Coutinho, não estando de acor-
do com providências tomadas no estabelecimento, pelo Adminis-
trador, mandou prender Cosme da Silveira. Este leva sua queixa
ao Brigadeiro que, em expressiva carta, lhe responde dizendo-lhe
do grau de consideração em que o tem: «Recebo sua carta e sinto
muito que o M e
. de campo André Rib 9 tivesse causa para o met-
.

ter em prisão tão apertada, pois estou certo que elle obraria com
152 AURÉLIO PORTO
justiça e não com seg. tenção como imagina, eu lhe escrevo e lhe
peço attenda em o que for de just., e me persuado (caso tenha
peccado) sobre daqui por diante de sorte q' o mesmo e M
de cam- .

po que agora o castiga venha depois a ser seu mayor amigo. Vejo
que ainda não tem passado todo o gado que eu desejava houvesse
em Bojurú, como também as Egoas, mas me persuado que em Tu-
riritama já se acham mais de mil para passarem e completarem
as duas mil que é o menos que deve andar no rincão do Carro.
Espero que sempre que haja ocasião me avise do gado e Egoas
que vão passando, pois tenho disto muito gosto. Agradeço-lhe
muito os queijos que são admiráveis e com elles regalei a algumas
pessoas que não podião crer se fizesse lá tão bons. Ao e de M .

campo escrevo que o favoreça em tudo quanto couber na Just».


com que obra e tenho por sem duvida não deixará de attender e
em mim achará sempre hua boa vontade para o servir. Deus
guarde etc. Rio, 22 de agosto de 1738». 23 )
Deve-se também a Cosme da Silveira os primeiros ensaios
da cultura do trigo, com resultados magníficos. Descontente com
o procedimento de Ribeiro Coutinho, deixa o açoriano a Estância
de Bojurú e interna-se pela campanha de Viamão, ocupando cam-
pos com gados que traz dos Pampas e é um dos fundadores da-
quela capela, em 1747. Quando da penetração para Rio Pardo,
onde é também um dos primeiros que ah se estabelece com estân-
cia de criação de animais vacuns, é Cosme da Silveira encarrega-
do da «Estancia do Rincão del-Rei», onde se juntam as cavalha-
das reúnas.
Em Rio Pardo, de que foi um dos fundadores, casou-se com
D. Rita Josefa da Silveira, também açoriana, viúva do Capitão
Francisco Machado Fagundes, dos casais povoadores dessa vila.
Teve Cosme da Silveira duas filhas nascidas no Rio Pardo, Joana
e Inocência. Cosme faleceu ali, com testamento, em 1767.
Profícua e afanosa foi a administração do Coronel André Ri-
beiro Coutinho na obra de consolidar a fundação do Presídio. E
um dos trabalhos em que mais se empenhou foi a organização da
defesa no caso de ataque dos castelhanos, ameaça constante que
lhe vinha por notícias da Colónia e da campanha. Nesse intuito,

23) Arq. Nac. Correspond. dos Gov. Livro VlLÍ, 97 v.


HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 153

além de fortificar o porto e o Estreito, dotando-os de obras darte


e artilharia, estendeu sua acção ao Taim, tendo muito em conta
também vigiar pelo forte de São Miguel, nas proximidades do
Chuí. Os passos dos arroios foram tomados por guardas vigi-
lantes. Por intermédio de Cristóvão Pereira, grande amigo dos
minuanos, conseguiu o comandante militar que esses índios se
fossem situar nas proximidades de São Miguel, para ocorrer à de-
fesa dessa fortaleza. Tinham, ao mesmo tempo, a incumbência
de correrem gados e cavalhadas pelo Pampa, os quais eram com-
prados pelos portugueses.
O comércio de couros tinha tomado um forte incremento.
Havia milhares de couros depositados à borda da Mirim, esperan-
do que houvesse água para subir. Vários povoadores estabele-
ceram xarqueadas.
Durante três anos, até 22 de Dezembro de 1740, em que es-
teve comandando o Pesídio, dedicou Ribeiro Coutinho toda a sua
actividade a esse empreendimento, dando todas as providências
cabíveis afim de consolidar a obra de Silva Pais. Não obstante
as grandes dificuldades que teve de enfrentar para levar a cabo
a sua missão, fez um governo digno de suas altas qualidades de
homem culto, tendo deixado de si, no Rio Grande, mais do que a
lembrança de sua acção. 24 )
Substituiu-o, naquela data, o coronel Diogo Osório Cardoso,
Comandante do Regimento de Dragões.
Cheio de contrariedades e sem brilho algum se apresenta esse
período de 12 anos, que assinala o governo de Diogo Osório. Foi
durante a sua gestão, como já historiámos, que se deu a subleva-
ção dos Dragões devido aos maus tratos dos oficiais de seu Regi-
mento, principalmente aos do^ Capitão Tomaz Luiz Osório, seu
sobrinho, que foi preso por esse facto.
Em 1742 aportou ao Rio Grande uma armada inglesa que se
destinava aos mares do Sul. Estava no Presídio o Brigadeiro

20) Consta do L* 1* de nascimentos do Rio Grande o assento de


baptismo de uma filha de André Ribeiro Coutinho, registrado a 29 de
Março de 1740. "Euf razia — filha natural do Mestre-de-Campo André
Ribeiro Coutinho e de Ana Maria da Conceição, chamada a Mineira, ca-
sada com Manuel de Almeida. O dito Mestre-de-Campo é casado em Lis-
boa. Padrinhos licenciado Sebastião José de Carvalho e sua mulhpr D.
Maria de Oliveira".
154 AURÉLIO PORTO
Silva Pais que viera expressamente tomar várias providências pa-
ra sanar as consequências da sublevação.
Vinham nessa armada muitos casais, cujos filhos foram bap-
tizados na igreja de Jesus-Maria-José, segundo assentos constan-
tes do L° I o de Baptismos do Rio Grande. Em 20 de Maio rece-
beu o baptismo, Roberto Elias, filho de João Elias e sua mulher
Sara Cuff, natural de Londres, sendo padrinhos o brigadeiro J. da
Silva Pais e D. Eufrásia de Oliveira; em 27, António Edmunds,
filho de Roberto Edmunds e Joana Pax, de Inglaterra; em 27, João
Guilherme, filho de Mateus Guislioor e de Penélope Barber, na-
turais de New- York, do reino de Inglaterra; em 27, Manuel Cár-
ter, filho de João Cárter e sua mulher Marta Daubsch, naturais
de . Ingl.
. Diogo Lomax, filho de Tomaz Lomax e sua mulher
;

Fuies Ley, de Manchester; em 3 de Junho, Guilherme Low, filho


de Tomaz Low e sua mulher Maria Sonicz, da Ingl. e Diogo Buter,
filho de João Buter e sua mulher Maria Tute, naturais de Dublin.
Mais tarde, em 1744, na praia da Xarqueada, naufragou uma
nau francesa, a Duc de Chartres, em que vinham, além de outros
passageiros, 30 Jesuítas, de várias nacionalidades, que se destina-
vam às províncias do Paraguai e do Chile. Destes morreram 24,
sendo os que se salvaram levados pelo Padre Melchor Strasser,
alemão, a pé, até o Presídio, onde receberam socorros do Gover-
nador Esse naufrágio traz consequências, de que resulta o vila-
mento do Rio Grande.
Em carta do P. Strasser encontram-se mformes muito inte-
ressantes sobre o Rio Grande. 25 ) O Jesuíta e seus cinco com-
panheiros salvos do naufrágio, depois de uma caminhada de mui-
tos dias, com sérias privações, chegaram ao porto de São Pedro,
a 28 de Janeiro. «Em São Pedrt», diz, nos recebeu cavalheires-
camente o Comandante do Porto, dando muitas mostras de co-
miseração por nossos náufragos, e nos ofereceu generosamente
albergue durante a noite. Como manifestássemos o grande de-
sejo que tínhamos de visitar aquele dia o Governador Diogo Osó-
rio Cardoso, que vivia a meia légua portuguesa dali, um carro ti-

25) A carta do Padre Strasser é datada de Buenos Aires, 15-IX-1744.


Foi-nos sua cópia gentilmente mandada pelo ilustre e provecto historia-
dor uruguaio, Dr. Felipe Ferreiro, que a encontrou no Arquivo do Ins-
tituto Histórico do Uruguai.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 155

rado por bois nos conduziu ao Governador que, com incrível ale-
nos obsequiou como aos melhores hós-
gria, carinho e afabilidade,
pedes.
Para que pudéssemos descansar e recobrar as forças perdidas,
nos destinou uma casa que havia sido habitada antes por dois Pa-
dres Capuchinos, e em que havia, na ocasião, um capelão castren-
se com dois soldados. Todos os dias se nos punha na mesa carne
fresca e bom peixe que comíamos com apetite, mas não nos far-
tavam, porque quanto mais comíamos mais fome sentíamos. A
causa disso poderá ser o clima, ou que a comida daqui não seja
tão nutritiva como a de Espanha.
Devemos essa boa acolhida, em parte á liberalidade de S. M.,
o Rei de Portugual e, em parte, à do Governador daqui. S. M.
tem ordenado a todos os seus oficiais destas regiões, que a todo
o náufrago se dê gratuitamente carne, farinha e peixe, como su-
cedeu conosco e antes com uns ingleses que há dois anos naufra-
garam no Estreito de Magalhães, cabo de Hornos, os quais, de-
pois do naufrágio, construindo com os restos de sua nave uma
embarcação, arribaram aqui em extrema necessidade, sendo so-
corridos com abundância de toda a espécie de víveres.
Ao Governador, entretanto, devemos agradecer tão amplo e
cortez acolhimento, porque com bondosa solicitude para com nos-
sa Companhia nos enchia todos os dias, especialmente aos missio-
nário;";, com exquisitas gentilezas e dádivas, sem olhar as ordens

reais. Pouco depois de nossa partida para Buenos Aires nos


adiantou 500 pesos para que pudéssemos nos refazer de vestimen-
tas e provisões necessárias para a viagem. Interpôs também seu
valimento por nosoutros junto ao Visitador Episcopal que, por
sorte nossa, se achava em São Pedro, afim de que nos permitisse
celebrar missa, o que em vão havíamos solicitado ao pároco da
povoação. Sob severas penas eclesiásticas havia sido proibido,
pela Senhoria Ilustríssima de seu Bispo do Rio de Janeiro, per-
mitir a sacerdote algum estranho, religioso ou secular, a celebra-
ção do santo sacrifício em sua igreja, sem licença escrita do Bispo.
Foi a 1 de Fevereiro, sábado, o ditoso dia em que pela vez
primeira, na América, subi a um altar, o que não esquecerei ja-
mais na vida. Como a nossa partida daqui se atrasou ainda mais,
enviámos dois dos nossos companheiros ao sítio do naufrágio para
156 AURÉLIO PORTO
ver se as ondas haviam arrojado à praia todo o carregamento, es-
pecialmente o que estava encerrado no porão, que se destinava à
missão do Chile. Voltaram, porém, eles com a triste notícia de
que, provàvelmente, jazia, na desventurada nave, no fundo do mar.
Bendito seja o nome do Senhor! Ainda mais lutadores expeditos,
continuaremos agora nossa viagem.
Enquanto nossos dois expedicionários iam e voltavam do lo-
cal do naufrágio, entretive-me em estudar com exactidão, com in-
formes de pessoas entendidas, o Rio Grande, as povoações e tri-
bos situadas em suas margens e toda a costa que se estende des-
de os 309 até ali; e sinto imensamente ter perdido a oportunidade
que tive de copiar um mapa novo e perfeito de todos os dois rios:
Rio Grande e Rio de Janeiro, que tive o prazer de ver na casa do
senhor Governador. As cartas que escrevi para a Europa nos
primeiros dias depois de minha chegada, tiraram-me o tempo que
necessitava para copiar esse formoso mapa e acondicioná-lo para
remetê-lo a Lisboa, não me sobrando depois o tempo para isso.
Oxalá a Corte portuguesa publique esse mapa em benefício de to-
dos os navegantes.
Os habitantes da povoação de São Pedro contaram-me que a
região em que vivem actualmente era, há sete anos, uma clareira
de mato emaranhado, em que se refugiavam atém de inumeráveis
papagaios, grande número de ferocíssimos tigres. Os primeiros
aninham ainda nas copas das altas árvores os tigres refugia-
;

ram-se terra adentro, e em quase todas as casas, dos moradores


encontram-se uma ou duas peles de tigres, que colocam em suas
cadeiras e assentos.
Junto a este Rio Grande, para o Norte, há mais outra po-
voação, mas formada toda de gente pobre, a qual sendo somente
de cristãos, e não podendo, por sua pobreza, manter um pároco,
é atendida no espiritual pelo sacerdote de São Pedro; este ouve
anualmente, durante a quaresma, suas confissões, trasladando-se
para ah, com uma viagem de oito dias, à moda portuguesa, isto é,
a todo o galope do cavalo.
Do outro lado dessa povoação estão os limites das Reduções
do Paraguai, das quais a mais próxima é a de São Miguel. Mas
elas não têm comércio algum entre si, porque tudo o que passa
de um lado para outro lado do fío é considerado por ambos como
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 157

uma hostilidade. Para o Sul há outro São Miguel, chamado tam-


bém Chuí, que dista somente três léguas da povoação espanhola
de Castilhos. Desse ponto até Montevidéu, que está na parte do
Rio da Prata, há uma distância de quase 100 léguas; na outra
parte, a umas 40 léguas de distância, está Buenos Aires, para on-
de, se Deus quiser, seguiremos breve em uma caravana de carre-
tas, tiradas por bois.
A cidade de São Pedro, chamada também Rio Grande de São
Pedro, devido ao rio sobre o qual está, foi recém-fundada há uns
sete anos, e por ocasião da guerra entre portugueses e espanhóis,
que combateram nestas regiões, foi fortificada com baluartes, pa-
liçada e canhões. Conta 1.400 almas e da embocadura do rio ao
mar distam duas léguas. O sítio é saudável, a terra fecunda, e
tudo cresce fácil e ligeiro, sem grande trabalho do lavrador. En-
contrámos uvas maduras, melões, e outros muitos frutos ameri-
canos que comemos todos os dias, sem perigo algum de contrair
febre ou outra qualquer enfermidade. As casas são muito mise-
ráveis, e piores que as das aldeias da Baviera, e quer o palácio do
Senhor Governador, como a nossa capela, são todas cobertas uni-
camente de palha. Seus infelizes moradores, mesmo nelas não
estão seguros, por serem quase sepultados pela grande quantida-
de de areia que o vento forte acumula em derredor.
Toda a costa entre este Rio Grande e o sítio em que naufra-
gámos não tem denominação alguma nos mapas terrestres ou ma-
rítimos, por ser desconhecida, mas sem ofensa alguma se poderia
chamar Costa Brava e Desastrosa, por ser em todo o tempo mui
borrascosa, e haver posto a pique muitas naves. Em São Pedro
ouvíamos o rugir e o bramir do mar, não obstante estarmos a
duas léguas de sua costa». Até aqui a relação do P. Strasser.
Foi durante o governo do coronel Diogo Osório Cardoso que
o Rio Grande do Sul recebeu as primeiras levas de casais açoria-
nos, que nos vieram das ilhas. De 1749 a 1751, encontram-se já,
nos livros de baptismos, assentos de um ou outro filho de casal
Mas, é exactamente no ano de 1752 que se registram baptismos
em grande escala, começando do mês de Janeiro. Nesse ano bap-
tizam-se, na igreja de Jesus-Maria-José, 25 filhos de açorianos.
O primeiro baptismo é o do párvulo Inácio, filho do casal Antó-
nio Francisco Xavier e Maria Teresa de Jesus, naturais de São
158 AURÉLIO PORTO
Miguel. Em 1753 já sobem a 40; em 1754, 82; em 1755, 87; em
1756, 124, e assim por diante. Apurámos, em pesquisas detidas
que realizámos nos livros paroquiais, que entraram no Rio Gran-
de (vila), de 1749 a 1763, 446 casais, predominando os de São
Jorge, Faial e Terceira respectivamente em 167, 94 e 78 casais.
Para o Porto dos Casais, (Porto Alegre) que fundaram, entraram,
de 1752 a 1774, 104 casais.
Pelos livros de assentos de baptismos, com exclusão dos 5 9
e 6 9 de nascimentos do Rio Grande, de que não tomámos notas,
(1777 a 1800), encontrámos a entrada, em
todo o Continente, até
1800, de 814 casais açorianos, que baptizaram, como melhor de-
talhámos em outro trabalho, nas 12 povoações em que se disse-
minaram, 2.449 filhos. Esses dados referem-se só aos casais vin-
dos das Uhas, estando excluídos da relação os solteiros, embora
ilhéus que, no Continente, tomaram estado. Faltando mais de
20 anos, correspondentes aos livros de baptimos, 5 Ç e 6 9 do Rio
Grande, para onde voltaram, depois da expulsão dos espanhóis, os
casais que tinham interesses e os que foram prisioneiros para
ali

Maldonado, pode-se elevar a 1.000 o número dos originários dos


Açores, entrados no Rio Grande do Sul. E pela média de cresci-
mento natural, de 3 unidades encontradas no cômputo anterior,
pode-se também elevar a 3.000 o número de nascimentos de filhos
de casais. Os que se encontram ainda procriando atingem a so-
ma de 2.000 indivíduos, mas vieram também centenas de casais
velhos, combalidos, estropeados, segundo se verifica pelos docu-
mentos da época, e que poderá representar um terço dos válidos.
Cada um destes já traria, em média, dois filhos, o que representa,
pelo menos, mais 2.000 indivíduos. Por estas razões, parece-nos
poder assegurar que, de 1752 a' 1800, recebeu o Rio Grande do
Sul mais de 2.000 casais açorianos, que com 3.000 indivíduos de
seu crescimento natural, dão-lhe um aumento de mais de 8.000
unidades à sua população. Esta não atingiria a 2.000 almas em
1744, tendo em vista que o único núcleo maior de população era
o Rio Grande (porto) com 1.400 almas. Em 1746, numa ates-
tação, declara o P. Mateus Pereira da Silva que «nos campos de
Viamão há 50 fogos com 200 moradores, e 82 pessoas com 9 fo-
gos, no Tramandaí». Demonstra isto o que foi, para o Rio Gran-
de do Sul, o coeficiente açoriano, classificado por muitos dos nos-
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 159

FAC-SIMILES DE ASSINATURAS DOS COMANDANTES


DO PRESIDIO DE JESUS-MARIA-JOSÉ DO RIO
GRANDE DE SÃO PEDRO.

Andrí Ribeiro Couiinbo

D»ogo Osório Cardoso


160 AURÉLIO PORTO
sos historiadores de quase nulo! Em 1804, a população do Con-
tinente já orçava por 36.721, e dez anos depois em 70.656.
Em Casais, magnífico trabalho com que enriqueceu as letras
históricas do Rio Grande, o provecto General Borges Fortes es-
tuda detidamente a entrada dos primeiros açorianos que se es-
tabeleceram no Continente. Foram, diz, 106 famílias das 263 que
chegaram até Abril de 1752, à Laguna. A estas se agregam mais
.75 que, em 26 de Agosto, perfaziam o total de 181 famílias com
833 pessoas. 26 ) Mas, já anteriormente, em 1749, como verificá-
mos, assinalam os livros de baptismos, casais, procedentes dos
Açores, no Presídio do Rio Grande. Neste ano houve dois baptis-
mos de filhos de terceirenses no de 1750, um casal do Pico; em
;

1751, um, de casal da Terceira. Em 1752, em Janeiro, houve 2


baptismos; em Fevereiro, 2; em Abril, 3; em Maio, 1; em Junho,
4; em Julho, 5; em Agosto, 6; em Setembro, 1 e em Novembro,
2, num total de 25.

Pelo Tratado de 1750 deveriam os Povos de Missões passar


à Coroa Portuguesa, em troca da Colónia do Sacramento. Para
povoá-los vieram das Ilhas muitos casais que ficaram no Rio Gran-
de, na mais cruel das misérias. Somente com a chegada de Go-
mes Freire foram esses infelizes destinados ao Porto do Dorneles,
posteriormente Porto dos Casais (Porto Alegre). Ã proporção da
penetração que a Demarcação de Limites possibilitou, eram estes
e outros casais que chegavam, continnuamente, designados para
povoarem novos pontos ocupados pelos portugueses. Passando to-
dos pelo Rio Grande, em 1752, estabeleciam-se em Porto Alegre;
em 1755, os destinados às Missões estacionavam em Rio Pardo;
em 1757, são arranchados em Santo Amaro. Com a invasão es-
panhola em Rio Grande, são, os daquela vila, internados pelo Con-
tinente. O Porto dos Casais recebe grande incremento de novos
povoadores. Os primeiros retirantes vão-se estabelecer no Es-
treito, em 1763; Triunfo, em 64, Taquari, em 66, recebem funda-
dores açorianos. Só mais tarde, em 1772, funda-se Santana das
Lombas, perto de Porto Alegre, que tem vida efémera; e no ano
seguinte os livros de baptismo de Santo António da Patrulha e
de Mostardas acusam a existência de casais açorianos.

26) General Borges Fortes. Casais. Ed., Cent. Farroupilha. 1932.


.

HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 161

De Rio Pardo eles se espalham pela Encruzilhada e Cachoei-


ra,mas já não são lavradores. Estendem-se em largas sesmarias
de campos e criam gados. Pequeno número se destina à lavoura
e esse pequeno número consegue realizar o milagre de uma inten-
siva produção de trigo que opulenta a campanha nos fins de sé-
culo xvm.
Ainda no governo do Coronel Diogo Osório Cardoso põe-se
em execução o Tratado de 1750 que virá mudar a face do Conti-
nente, dando-lhe novos horizontes, com a penetração das forças
desse soldado e estadista emérito que foi Gomes Freire de Andra-
da, futuro Conde de Bobadela. E com o vilamento do Rio Gran-
de e fundação de novas povoações, inicia-se a fase do municipa-
lismo rio-grandense.
Coronel Diogo Osório Cardoso o Tenente-Co-
Substituiu ao
ronel Pascoal Azevedo, nomeado Comandante do Presídio por Car-
ta Régia de 28 de Junho de 1752.
Segundo o registro de óbito, que encontrámos, faleceu o Co-
ronel Diogo Osório Cardoso a 4 de Outubro de 1752 nas proximi-
dades do Chuí, onde se encontrava, depois de rápida enfermidade,
e com todos os sacramentos. Era solteiro, natural de Pero de
Régua, bispado do Porto, e seu corpo transportado dali para o
Rio Grande teve sepultura condigna na capela de Santana. 2 ~)

OBSERVAÇÃO. José Honório Rodrigues, em seu nupérrimo opúscu-


lo O CONTINENTE DO RIO GRANDE, Rio, 1954, tratando magistralmente,
da procedência dos povoadores iniciais do nosso Rio Grande do Sid, escreve
A página 45: «O povoamento do Rio Grande se faz no período colonial com
mazombos de vária origem e açorianos. Dominaram o açoriano e o lagurdsta,
d*' origem paulista, mas influi também o carioca de origem minhota. Em
proporções equivalentes menos significativos, indígenas e negros. A ligação
com a índia é dos primeiros tempos, mas o negro também aparece desde
Silva Pais.» Posteriormente, o mesmo J. H. Rodrigues, pelas colunas de «O
Jornal», do Rio, transcrito em «Província de São Pedro», n.° 19, 1954, p.
181-183, prova, contra A. Porto, que a contribuição carioca para o povoamen-
to gaúcho foi bem maior do que a baiana. (L. G. J.)

27) L* 1' de óbitos de Jesus-Maria-o osé (1738-1763). Bispado de


Pelotas

História das Missões Orientais do Uruguai - a farte


J!.
6
CAPITULO rv

FLORESCIMENTO DOS SETE POVOS.

1. Serviços prestados pelos índios dos Sete Po-


vos. — 2.
Organização social e religiosa. — 3. Ea>
pansão económica das Missões. — 4. Desdobramen-
to das Populações Missioneiras.

1. — Serviços prestados pelos Índios dos Sete Povos.

Cumprindo os imperativos de ordem política e económica que


determinaram a sua retransmigração para a bacia do Uruguai, ca-
beria aos Sete Povos, desde a hora de sua fundação, o ónus inte-
gral da defesa da extensa regiãp circunscrita entre o Uruguai, o
Prata e o litoral atlântico.
O gado, factor precípuo de sua economia, exercendo alta fun-
ção civilizadora, criara novas modalidades de vida social, com a
sua expansão geográfica, atraindo homens de toda a parte, para
a fácil e proveitosa extracção de seus efeitos. E não só os por-
tugueses, que se fixam nos lindes extremos do grande estuário,
como outros povos europeus, notadamente franceses, dinamarque-
ses, ingleses e outros, abicam para essas praias as naus de suas
esquadras, na factura de grandes provisões de courama, graxa,
sebo, charque e línguas. O «gado, cevo e ciiiuelo» ') das ambições
dos povos mais distantes e diversos, chamando o homem, que o
abatia nas próprias margens do Prata ou o recebia» nas arreadas
dos índios infiéis, teria de impor elevados sacrifícios aos índios
missioneiros, seus primitivos e naturais detentores.
"
Feita a mudança dos Povos, ainda não bem fixados em seu

1) Cevo - engodo; cifluelo — cincerro. (L. G. J.)


HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 163

novo habitat, movimentam-se contingentes armados que percor-


rem em reconhecimento «toda a costa até Castilhos», onde se pre-
sumia houvesse estrangeiros em «faenas de Vacarias». E' ainda
o P. Bernardo Nusdorffer quem nos fornece, em sua exposição
inédita, os dados principais sobre a actuação dos tapes, em mais
de cinquenta anos de constante vigilância e luta. u )
A defesa do território contra os portugueses e índios infiéis e
?. vigilância constante exigida pela ameaça de novas bandeiras
paulistas; a contribuição, «pi outros sectores da governação do
Prata/ e mesmo da do Paraguai, ameaçadas por contínuas desor-
dens, que tinham de prestar, com homens, armas e animais, en-
chem de lutas esse meio século de vida missioneira. Além disto,
os trabalhos de fortificação exigidos pela defesa de Buenos Aires,
e depois pela de Montevidéu, em que os índios são os artífices,
enchem largas páginas da vida das Doutrinas do Uruguai, quer

1*) Ver cap. I nota 9 deste volume: Serviços cios índios. D^noimen-
todo P. Bernardo Nusdorffer, em 1735, B. N. Mss. I, 29, 4, 56, (1637-1680),
que aqui se termina com as informações relativas a outros serviços —
(1688-1735):
1688 —
Por ordem do Sr. Governador de Buenos Aires, D. Joseph
de Herrera y Sottomayor, foram 150 índios com uma pessoa de sua con-
fiança, que veio de Buenos Aires, revistar toda a costa e litoral até Cas-
tilhos, com seus cavalos, armas e víveres, o que executaram com indizí-
vel carinho, e vontade ao serviço real, sem olhar o trabalho e a fragosi-
dáde dos caminhos, nos quais padeceram muitas privações", como consta
das próprias palavras do certificado do dito Governador.
1688— Certifica o mesmo que, nessa ocasião, os índios tapes fize-
ram a S. M. um donativo gratuito de duzentos e cinquenta cavalos para
a Guarda de São João, o que naquelas circunstância por falta de animais
cavalares foi serviço de inestimável valor.
1698— Neste ano, o Governador do Porto, D. André Augustin de
Robles, chamou dois mil índios armados para a defesa do Porto e cidade
de Buenos Aires contra uma esquadra de navios franceses e certificou a
S. M. que de suas doutrinas, em suas próprias embarcações, quinze dias
após terem recebido o aviso, chegaram àquele Porto vencendo incríveis
dificuldades e contratempos. Consta do certificado e Cédula Real de 12
de Nov. de 1716.
1698— Consta da mesma Cédula haverem cedido com liberalidade,
em benefício da Fazenda Real, noventa mil pesos que era o que lhes to-
caria de soldo, correspondente a um real e meio por dia.
1100— Neste ano, por ordem de D. Manuel do Prado, baixaram
2.000 índios armados para a defesa de Buenos Aires, contra uma esqua-
dra de navios dinamarqueses e estiveram tanto tempo nas cercanias do
rio de Hurtado que fizeram ali suas sementeiras, até que o dito Sr. Go-
vernador lhes deu licença para voltar às suas casas, louvando sua fi-
delidade e constância no tocante ao real serviço, tendo eles se conservado
fora de suas casas mais de oito meses.

6*
164 AURÉLIO PORTO
de uma quer de outra banda, pesando, porém, mais fortemente
sobre os índios dos Sete Povos, mais próximos do local em que se
desdobravam as suas actividades de toda espécie. Sem remune-
ração de qualquer forma, agindo unicamente por obediência a seus
Padres, maltratados pelos espanhóis, sem roupas de agasalho e
muitas vezes com fome, tudo provendo à sua própria custa, os
serviços por eles prestados têm uma grande significação na vida
micsioneira. Muitas vezes, para atender essas contínuas solicita-
ções, abandonavam meses a fio e anos inteiros as suas casas, as
suas mulheres e seus filhos, perturbando também consideràvel-
mente a vida económica dos Povos, de que se arrancavam os me-
lhores braços das lavouras. As casas e os templos ficavam, como

1700 —Em tempo do mesmo Sr. D. Manuel do Prado Maldonado,


foram 154 índios tapes espiar os portugueses e correram até às cerca-
nias de São Paulo, caminhando mais de quinhentas léguas e vencendo
imensas dificuldades de bosques, pântanos e serranias, em cuja diligên-
cia levaram cinco meses.
1702— Por ordem do Governador de Buenos Aires e sob o coman-
do de D. Alexandre de Aguirre foram dois mil índios armados guerrear
e castigar os infiéis jarós, mboanes, charruas e seus confederados, e le-
varam 4.000 cavalos, 2.000 mulas e 2.000 vacas de sua propriedade. Ca-
minharam quase dois meses até encontrá-los, por rios caudalosos e pân-
tanos penosíssimos, e brigaram cinco dias prendendo mais de quinhentos
infiéis. Morreram dois índios entre capitães e soldados 12 e houve gran-
de número de feridos.
170^— Por ordem do Governador do Porto de Buenos Aires, D. J.
Alonso Valdez y Inclan, baixaram no ano de 1704 para o segundo desa-
lojamento dos portugueses da Colónia 4.000 índios armados e levaram
6.000 cavalos, 2.000 mulas e muitas embarcações em que conduziram
seus viveres de grãos, erva e tabaco para ida, estadia e volta, tudo por
sua conta, e trouxeram ao real, enquanto durou o cerco, com seus ca-
valos mais de 30.000 vacas, para sustento de todos, quer índios, quer es-
panhóis. Durou a facção oito meses, nos quais perseveraram com mui-
ta constância, fazendo suas guardas nos ataques e trincheiras e como os
demais trazendo fachinas e artilharia a força de braços. Nessas acções
ficaram 130 índios mortos e 200 gravemente feridos, até que os portu-
gueses desampararam a praça em 15 de Março. Caminharam desde seus
Povos à sobredita paragem uns 150, outros 200 e outros 300 léguas em
caminhos penosos e tempo de grande seca. Consta tudo isto dos certi-
ficados e informações do mesmo Governador e dos do cabo principal de
todo o exército, D. Baltazar Garcia Ros, e da Cédula Real de 12 de No-
vembro de 1716.
1704 — E>a mesma certificação consta que depois de tantos e afa-
nosos trabalhos, libertos de qualquer interesse, reconhecendo o alcance
em que estava a Caixa Real. fizeram graciosa e livre cessão de todo o
soldo ou estipêndio que lhes cabia em virtude da Cédula Real de 29 de
Novembro de 1679. soldo que importava só desta vez em mais de 80.000
pesos em prata.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 165

vimos, paralisados longos períodos em suas construções. E é de


admirar que, não obstante esse ónus elevado imposto aos índios,
tivessem as Missões Orientais atingido nesse período o fastígio
de seu florescimento económico, cultural e religioso.
Outro aspecto prejudicialíssimo, sob o ponto de vista moral
e religioso, resultavadessas longas ausências dos índios, pela que-
bra de disciplina e maus exemplos que os espanhóis e outros lhes
davam, nos lugares em que exerciam a sua actividade. Muitas
vezes o Padre, que sempre os acompanhava, tornava-se impoten-

17 Ok —
No mesmo ano ainda estiveram trabalhando no forte de
Buenos Aires outros 300 índios, como consta das cartas do mesmo gover-
nador D. Alonso. Nos anos seguintes, trabalharam no mesmo forte,
outros 400 índios, como consta de informações apresentadas ao Real Con-
selho em 1705.
1718 —
Neste ano, por ordem do Governador D. Bruno de Zavalla,
foram com suas armas, cavalos e avios 500 índios a uma correria pelas
campanhas da Vacaria para a Colónia, a fim de expulsar delas os por-
tugueses que se aproveitavam ali com grande exploração de courama, gra-
xa, charque e línguas; queimaram nessas correrias milhares de couros
pertencentes aos portugueses, tendo nessa ocasião morrido alguns Índios
e foi ferido e preso pelos portugueses um irmão leigo que andava com
eles. Nestas correrias demoraram três meses.
1721 —
Por ordem do mesmo Governador foram às mesmas cam-
panhas mais 200 índios armados para conter os portugueses nos limites
assinalados que haviam passado. Foram munidos de armas, cavalos e
viveres de seus Povos.
1721 —
Achando-se infestada a cidade de Corrientes de infiéis paia-
guás, que pelo rio, fiados na velocidade de suas canoas, cometiam roubos
e mortes nos cristãos, tanto índios como espanhóis, seu Tenente-de-Gene-
ral, D. Francisco de Noguera, pediu socorro às Doutrinas de guaranis e
tapes que logo baixaram em oito chalupas com 163 índios bem armados,
e achando-se a cidade sem uma carga de pólvora para municiar aos sol-
dados espanhóis, os índios socorreram a estes com um quintal, conse-
guindo-se com este socorro livrar do perigo em que se achavam, afugen-
tando os inimigos que por muito tempo não mais o molestaram.
1724 —
Por ordem do dito Governador D. Bruno de Zavalla alis-
taram-se 4.000 índios tapes para expulsar os portugueses que queriam
povoar Montevidéu. Começaram a marchar esses 4.000, mas os portu-
gueses desistiram do intento, em vista desse contingente de reforço. Por
ordem do mesmo Governador, retornaram, então, 2.000 desses índios a
seus Povos, no que gastaram um mês entre ida e volta. Os outros 2.000
com suas armas, cavalos e viveres, foram até Montevidéu para erguer
um forte, como fizeram, trazendo com seus cavalos e mulas, fachinas
e sustento de todos eles e lenha para seu uso, de distância de seis léguas,
com grande trabalho. Levaram esses 2.000 índios um ano entre ida, es-
tadia e volta aos seus Povos. A eles não se deu mais do que tabaco e
erva, tendo sido considerável a perda de cavalos e mulas que sofreram.
Depois destes foram para ali mais 400 índios que se revezaram com ou-
tros 400 que os substituíram e, ainda por duas vezes, mais 200 de cada
166 AURÉLIO PORTO
te para coibir certos abusos e vícios que prejudicavam todo o tra-
balho de catequese jesuítica. Muitos índios, imbuídos de um cer-
to espírito de rebeldia, que sentiam na desorganização moral da
colónia, voltavam aos seus Povos, tornando-se aí verdadeiros dís-
colos.
De um deles, o índio Mbaiguá que tivera largo contacto com

vez, de sorte que esse trabalho se estendeu até o ano de 1729, revezan-
do-se sempre por novos contingentes de índios. A
este se deu, no fim do
ano, apenas seis varas de pano para roupa. Sobre essa fortaleza diz o
Governador em seu informe: "Se não tivéssemos os índios (das Dou-
trinas) seria impossível prosseguir o trabalho começado para acautela-
mento e defesa de Montevidéu".

Neste mesmo ano e seguintes (1725 e 1726) estiveram ou-
tros 160 índios trabalhando no forte e castelo de Buenos Aires por alguns
anos, revezando-se os índios por diversas vezes como é notório em toda
a cidade. Assistiu-os nesse trabalho o Capitão D. Inácio Gari.
172b —
No mesmo ano, por ordem do Sr. Vice-Rei destes Reinos,
tomou conta do governo do Paraguai D. Baltazar Garcia Ros. Levou por
ordem de s. exa. mais de 3.000 índios armados, com seus cavalos e à sua
custa, quando D. José de Antiquera, resistindo à dita entrada acometeu
traiçoeiramente com os do Paraguai ditos índios, estando a maior parte
desarmados e não tendo os cavalos consigo. Foi no dia 25 de Agosto
festa de São quando estavam desarmados em uma festa militar co-
Luís,
memorando o aniversário dei rei D. Luís I, que Deus haja. Pereceram
nessa refrega e se afogaram no rio Tibiquari 300 índios. Perderam-se
também nessa infeliz acção mais de 3.000 animais entre cavalos e mulas
e muitas armas, que foram levados pelos paraguaios. Depois disto se
alistaram mais 4.000 índios que iam para ali se encaminhando quando
a imediata retirada dos paraguaios para suas terras não tornou mais
necessário e os índios não passaram dos rios Paraná e Uruguai.
1725 —
Neste ano estiveram os índios empenhados no cerco da
cidade de Santa Fé, para atender o pedido que lhes fez o Tenente desta
cidade, em nome de Sua Majestade para defendê-la dos índios infiéis
abipones e mocobis que a tinham em cerco. Aí estiveram por espaço de
um mês.
1732 —
Neste ano os infiéis guenoas insurgiram-se contra os es-
panhóis de Buenos Aires e haviam já morto 50 moradores no Porto, além
de outros que procuraram contê-los. Foi no tempo do Exmo. Sr. D. Bru-
no de Zavalla que, para castigá-los e apaziguá-los convocou os índios
guaranis. Vendo, porém, o perigo decorrente dessa guerra, o Padre Mi-
guel Ximénez, cura da doutrina de São Borja, com alguns caciques gue-
noas, parentes dos infiéis insurrectos, que estão no dito Povo, e outros
índios cristãos, que eram por todos 87, adiantaram-se e foram com pro-
postas de paz aos infiéis, apresentando fortes razões para que se con-
servassem em paz com os espanhóis. Resistiram por espaço de seis dias,
mas, por fim, vendo que forçosamente os tapes, de quem tinham muito
receio e a quem muito temem pela experiência que eles têm da guerra,
iriam cair sobre eles, renderam-se e baixaram a Montedivéu para celebrar
paz, motivo que levou o Governador a agradecer aos índios guenoas cris-
tãos e ao Provincial da Companhia. Nesta empresa caminharam mais
r.e 200 léguas, nela se demorando por espaço de dois meses.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 167

os espanhóis de Buenos Aires, ficou notícia, relativa a uma cons-


piração para sacudir o domínio jesuítico das Reduções do Uru-
guai. Alastrou-se a revolta, pondo em perigo a vida dos Padres.
Só com muito trabalho e persuasão, depois de ter sido fortemen-
te castigado o revoltoso e expulsos os seus cúmplices, consegui-


1732 Neste ano, para defender os Povos da invasão dos comu-
neros de Paraguai que ameaçavam levar a efeito depois de se apoderar
do Pântano de Neembocu, impossibilitando houvesse ordem na província,
alistaram-se novamente os índios que à sua custa se aprestaram para
a luta, com armas, cavalos, marchando cerca de 6.000 para o rio Tibi-
quari, onde estiveram quase oito meses. E depois, em Santo António,
pouco distante do Tibiquari, se mantiveram por ordem de seu Governa-
dor e o Sr. Vice-Rei de Lima e espera do Sr. Ouvidor Mirones e depois
do Sr. Governador Rui Loba, ficando ali ainda depois da morte deste até
Fevereiro de 1734, mais de 3.000 índios. Perderam-se nestes dois anos
2.500 cabeças entre cavalos e mulas e gastaram as Doutrinas para ma-
nutenção desses índios em campanha a importância de 78.850 pesos.
1734— No fim deste ano e princípios de 1735 foram pedidos pelo
Sr. D. Bruno de Zavalla 12.000 índios armados para a pacificação do
Paraguai, sendo 6.000 para o Tibiquari e outros 6.000 para qualquer emer-
gência. Saíram de seus Povos os 6.000 que foram para o Tibiquari, em-
bora 600 destes tivessem voltado das cercanias daquele rio, sem ter che-
gado a ele, obedecendo assim a ordens de D. Bruno de Zavalla que achou
isso desnecessário. Caminharam eles muitas centenas de léguas e per-
deram nessa ocasião mais de 2.000 cavalos e mulas, devido à peste ori-
ginada em contínuas chuvas. Acrescente-se que nessa expedição quase
tudo quanto executaram os soldados do Presídio, trazidos por S. Exa. de
Buenos Aires, se fazia com os cavalos dos índios, pois os que trouxe D.
Bruno, pertencentes a El-Rei não puderam servir, porque vinham de mui-
to longe, por maus caminhos, rios crescidos, enfraquecendo logo. Gas-
taram os povos nessa ocasião, 37.941 pesos e dois reais, como consta das
respectivas contas.
1785— Estando o Sr. D. Bruno na campanha do Tibiquari, neste
mesmo ano, despachou S. Exa. quatro espanhóis presos no Paraguai que
passariam às Doutrinas afim de serem custodiados pelos índios em cuja
lealdade confiava. Foram com quatro soldados espanhóis e índios e os
corregedores a quem exortara os receberam em serviço de sua majesta-
de e ficaram ali os espanhóis durante seis meses, sendo mantidos pelos
índios com tudo quanto era necessário.
1735— Nesse mesmo ano, ainda não bem concluída a campanha
do Tibiquari, quando o Governador de Buenos Aires, D. Miguel de Salce-
do, pediu 3.000 índios armados para as cercanias de São João. Saíram
em Agosto no cumprimento dessa ordem, não obstante a grande miséria
que os Povos padeciam pela fome e falta de cavalos, que era tal que a
maior parte teve de marchar a pé para servir El-Rei Nosso Senhor. Saem
agora outros 1.000 a pedido do mesmo Governador para que juntos com
os 3.000 primeiros ponham sítio à Colónia dos portugueses.
Além do que acima fica referido, tem-se mandado espias pelos luga-
res por onde podem vir os portugueses de São Paulo, como também para
as campanhas do mar do Brasil, rio Uruguai acima. Isto se fez e se faz
todos os anos, remudando-se quatro povos do mesmo rio e outros quatro
168 AURÉLIO PORTO
ram os Padres restabelecer a ordem e manter o prestígio que sen-
tiam já fortemente abalado. 2 )
Além do relatório do P. Bernardo Nusdorffer, que alcança
até o ano de 1735, há ainda, referentes aos serviços prestados
pelos índios do Uruguai, centenas de outros documentos na Co-
lecção de Ângelis, da Biblioteca Nacional de que procuraremos
fazer sintética exposição.
Pode-se afirmar, sem receio de contestação, que, unicamente,
aos índios missioneiros devem os espanhóis, na fase inicial da con-
quista, a posse e manutenção dos vastos territórios que ocuparam
na banda oriental do Prata, onde hoje floresce a república irmã
do Uruguai. Coube aos tapes, que fundaram os Sete Povos, a
maior parcela de esforços no choque terrível levado contra os por-
tugueses em sua expansão e fixação no Prata. Os Governadores
de Buenos Aires, por várias vezes, apelaram a este decisivo refor-
ço, sem o qual não poderiam fazer face à invasão portuguesa. E
temerosos mesmo de que outras nações, tentadas pela riqueza da
terra, nela estabelecessem colónias, vezes sem conta solicitaram a
assistência dos Missioneiros, quer como soldados, quer como ope-
rários, em suas obras de fortificação. Convinha mesmo que se
localizassem em posto mais próximo da sua cidade, onde poderiam
melhor atender às necessidades que a defesa impunha, ante a fun-
dação da Colónia do Sacramento.
Deu isto origem à carta do Governador D. José de Garro, ao
Superior dos Jesuítas, datada de 12 de Agosto de 1681, em que
solicitava determinasse a remessa para as imediações de Buenos
Aires de 1.000 índios com suas famílias para fundar uma aldeia.
Deveriam esses índios encontrar-se nas proximidades do Porto
em Janeiro de 1682. Ao mesmo tempo seriam destacados mais
500 índios destinados a trabalhar nas fortificações daquela pra-
ça. a
) Não foi atendida essa requisição pelos inconvenientes que
resultariam à própria religião e disciplina dos catecúmenos, mas
como o objectivo principal seria vigilância mais efectiva contra

por outra espia que vai rio Paraná acima. Estas espias se compõem de
80 índios, cada ano e caminham pelo menos 50 léguas. São estes os ser-
viços dos nossos índios no tocante ao governo de Buenos Aires".
2) B. N. Mss. I, 29,7, 49.
3) B. N. Mss. I, 29, 3, 10.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUÁI 169

os inimigos comuns, ficou assentado ocupassem 2.000 índios, 4 )


tirados da doutrina de São Tomé, como sucedeu, um posto avan-
çado, aquém Uruguai, de onde procedeu São Francisco de Borja,
que seria também um núcleo de catequese para atrair os infiéis
guenoas.
Além dos Padres que dirigem espiritualmente esse reduto ini-
cial de defesa missioneira assiste aí, permanentemente, um Irmão
leigo, a quem fica afecta a instrução militar dos índios, disciplina
e manejo das armas. Em São Borja, por muitos anos, com este
encargo, residiu o Irmão José Brazanelli, que abava aos seus
grandes méritos de escultor e arquitecto conhecimentos de técnica
militar.
Sob a ameaça de ataques de uma esquadra francesa, em 1698,
e de uma dinamarquesa, em 1700, o Governador de Buenos Aires
requisitou a assistência dos exércitos missioneiros, que com pres-
teza acudiram àquela praça. Da primeira vez foram 2.000 em
33 balsas, cabendo às Doutrinas do Uruguai mandar 1.000 homens
sob o comando do P. Domingos Rodiles e às do Paraná mais ou-
tros 1.000 dirigidos pelo P. Francisco Acevedo. Em contínuos
exercícios militares, à moda da Europa, haviam os Padres disci-
plinado de tal forma esse contingente que, passado em revista pelo
Governador e autoridades portenhas, causaram admiração invul-
gar. 5
) O mesmo
aconteceu em 1700 quando sob a direcção do
P. Bernardo de la Vega, cura de S. Lourenço, outros 1.000 índios
dos Povos, que obedeciam ao comando de seu instrutor Irmão
Egídio Estais, foram estacionar em São Domingos Soriano, donde
acorreriam em defesa de Buenos Aires. 6 )
Uma das maiores preocupações no assédio contra os portu-
gueses, que se haviam situado nas ilhas de São Gabriel, fundando
a Colónia do Sacramento, foi privá-los de elementos de subsistên-
cia que encontravam fàcilmennte nas campanhas circunvizinhas,
onde o gado proliferava, e também no auxílio que, como vimos,
lhe era prestado pelos índos cavaleiros do Pampa. Evitar, de
qualquer modo, essas facilidades, foi a providência tomada pelas

4) Doe. cit. I, 29, 1, 119. Compunha-se essa colónia de 1.952 al-


mas.
5) B. N. I, 29, 7, 69.
6) B. N. I, 29, 7, 71.
170 AURÉLIO PORTO
autoridades espanholas, incumbindo aos Padres a organização de
fortes patrulhas e de vaqueiros que afastassem quanto possível
das imediações da Colónia os gados que ah existiam. Essa de-
terminação remonta aos primeiros dias da fundação do presídio
português, como se verifica de documentação já estudada. E as
ordens nesse sentido se repetem. Ainda em 1701, por mandado
do Governador D. Manuel do Prado Maldonado, de 4 de Março, se
determina que «os Padres saiam com o maior número de índios
e se encaminhem, revistem, e vão às terras comarcãs das ditas
Reduções, cujas campanhas consecutivamente andam conjuntas
em terra firme e incorporadas sobre a costa do rio da Prata, e
paragens de São Gabriel, povoação dos portugueses, rio de San-
ta Luzia, São Francisco, e ilhas de Maldonado, cabo de Santa Ma-
ria e Lagoa dos Patos, e seu território e campanhas tão distantes
da terra firme, sem impedimentos de embaraço de rios caudalo-
sos, e promovam a reunião e incorporação de gados vacuns uns
com outros e de todos os que acharem nessas paragens, terra
firme e costa do mar, disponham e solicitem tudo quanto lhes for
possível e ditos índios das ditas Doutrinas os retirem das ditas cos-
tas e os examinem e conduzam as terras imediatas e povoadas de
sua assistência e reduções, para que domestiquem ditos gados va-
cuns e sirvam às suas mulheres, filhos, etc». 7 )
Dez anos mais tarde repetem-se as mesmas ordens, mandan-
do-se afastar do litoral os gados que ah existiam, a fim de que
não servissem aos portugueses que os recebiam por intercessão
dos índios infiéis confederados. E, nesse sentido, são contínuas
as referências dos documentos portugueses da Colónia, obrigan-
do a seus povoadores a tomá-los, nas amplas campanhas do Sul,
à força de armas, para sustento da praça. Mas não obstante os
entraves opostos, os portugueses, como Cristóvão Pereira e ou-
tros, estabeleciam em plena campanha entrepostos de industriali-
zação pecuária, extraindo couros, cebo, línguas, etc. de gados que
caçavam a tiros de mosquete.
Nas lutas que se sucedem desde a fase inicial das investidas
bandeirantes, expugnação da Colónia do Sacramento, até os dias
últimos de entrechoques com os rio-grandenses, todas as vezes

7) B. N. I, 29, 3, 51.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 171

que era quebrada a paz entre portugueses e castelhanos, coube


sempre aos índios missioneiros a maior parcela de esforços e um
tributo elevado de sangue.
A história da Colónia do Sacramento, toda feita de sacrifícios
de vidas, quer de uma parte quer de outra, está estreitamente li-
gada à história das Missões Orientais, até esse momento último
que marca a decadência da civilização jesuítica com a chacina de
Caibaté. Assim sucede com a história do Rio Grande, que se
sedimenta na economia missioneira e se entrechoca com os índios
dos Sete Povos e, mais tarde, os integra à sua própria civilização,
não só pelo contingente que recebe dos Povos, em meados do sé-
culo XVIII, como pela integração territorial dos mesmos ao alvo-
recer do século XIX.
Montevidéu, e com ela todo o território oriental do Uruguai,
tem origem nessa defesa dos índios das Missões, em seu trabalho
de fortificações e em sua assistência pronta e decisiva em todas
as ocasiões em que eram chamados para defendê-la, erguendo-lhe
as fortificações, ou construir as suas primeiras casas.
Aí ficam nessas páginas os serviços prestados pelos índios
de que o Padre Nusdorffer nos dá suas preciosas e documentadas
notas.
Não termina com a expulsão dos Jesuítas, em 1768, a contri-
buição nos serviços de paz e guerra dos índios missioneiros. Nos
32 anos que decorrem até a conquista das Missões, muitos outros
prestaram aos governos espanhóis, avultando entre eles:
1772 —
Construção do forte de Santa Teresa por 300 índios
tirados de todos os Povos, substituídos, no ano seguinte por 600
que ali se conservaram até 1778. Neste ano dispôs o Governador
D. Pedro de Cevallos «que regressassem estes naturais a seus es-
tabelecimentos, o que só se verificou com uma parte deles, por
haverem morrido muitos enquanto estavam no Real Serviço, e
outros se dispersaram tomando novos rumos diferentes de seus
Povos». 8
)

1772 — Ainda neste ano um novo contingente tirado dos


Povos foi mandado a construir a fortaleza de Santa Tecla, asse-

8) Relatório do Administrador Geral dos Povos, em 28 de Setem


bro de 1796. B. N. Mss. I, 29, 5, 80.
172 AURÉLIO PORTO
diada e tomada pelos portugueses. Continuando a guerra, no
campo de São Miguel foi organizado um
exército sob o mando do
Governador D. Francisco Bruno de Zavalla, de que faziam parte
2.000 índios. Em outro campo volante, na estância de São Borja,
sob as ordens de D. Juan de San Martin, mais de 250 índios for-
maram um corpo especial.
1775 —
Com a invasão dos portugueses, pela guarda de São
Martinho, sofreram as Missões prejuízos de monta, perdendo tam-
bém muitos habitantes em várias refregas.
1779 —
Por ocasião da guerra com a Inglaterra foram mobi-
lizados 600 índios de guerra e mais 300 para serviços de reparo
das defesas de Montevidéu.
Outros sacrifícios e trabalhos de menor monta, afastando-os
de suas casas em detrimento da produção económica de seus Po-
vos, assinalam a vida missioneira nestes últimos anos de sua de-
cadência.

2. — Organização social e religiosa.

Desde os primeiros momentos de organização de suas Redu-


ções, nos tempos iniciais da catequese, procuraram os Jesuítas
dar-lhes as linhas fundamentais da sociedade humana. Vindo de
terras policiadas, de grandes centros de cultura e detentores, eles
próprios, do mais alto saber do tempo, intentaram estabelecer, nes-
ses aglomerados selvagens, uma civilização quase impossível de
atingir com o elemento de que dispunham. O índio tape, já se-
dentário e agricultor, com que fundam as suas primitivas Redu-
- ções, estava ainda numa escala muito baixa na civilização aboríge-
ne do Continente Sul- Americano porém, ainda assim, sobreleva-
;

va a outros pelas suas condições de docilidade e submissão à ca-


tequese jesuítica. «São eles», diz Cardiel, «de génio humilde, pue-
ril e apoucado. Reconhecem-se por inferiores a todas as demais
castas».
Recebem os primeiros Padres sem grandes hostilidades, salvo
algumas revoltas promovidas pelos seus pagés e feiticeiros, numa
defesa natural contra os homens que lhes vinham modificar os
seus costumes e as práticas de feitiçaria que constituíam seus ri-
tos religiosos. Mesmo assim, ante a serena atitude dos Padres,
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 173

que traçam para suas directrizes linhas seguras de virtudes cris-


tãs, de que se não afastam, os índios vão pouco a pouco aceitando
essa dominação espiritual, que estão longe de compreender em
suas finalidades precípuas. Incutir no espírito dessas velhas ge-
rações arrancadas à barbaria uma leve noção dos princípios cris-
tãos, de dogmas religiosos, de concepções abstractas, e criar-lhes
na consciência um ambiente de fé, deve ter sido trabalho sobre-
-humano para esses apóstolos admiráveis que formaram os primei-
ros núcleos cristãos.
Mais fácil se lhestornou a empresa com as gerações que su-
cediam. Como passo inicial para o angariamento de almas ao
redil de Cristo, junto a cada igreja que se elevava, os Padres fun-
davam uma escola de ler, contar, música e danças religiosas, for-
mando, destarte, almas mais aptas a recepção da fé. Maravilho-
sos pricólogos compreenderam, desde o primeiro instante, o valor
das artes na penetração dessas consciências simples a que se im-
punham pelas melodias de instrumentos musicais que eles pró-
prios fabrica vem, ou com as danças litúrgicas que empregavam
em suas festas religiosas. Difundindo esses conhecimentos, em-
bora rudimentarmente, abriam ao génio imitativo dos índios mag-
níficas oportunidades a concretização do sentimento de religiosi-
dade que se intensifica nas gerações porvindouras. Auxiliares ad-
miráveis da catequese, as artes jesuíticas exerceram acção pre-
ponderante na formação cultural e cristã dos ameríndios.
Erguendo suas aldeias, procuraram os Padres dar-lhes, em
linhas fundamentais, a organização social, política e religiosa, de
que era padrão a família cristã da época. E não faltou mesmo,
9 essas incipentes sociedades humanas, divisão das castas que
compunham, no século, os aglomerados sociais. Encontram, para
isto, na própria organização das tribos primitivas os elementos
iniciais para a formação de uma nobreza hereditária, que parte
dos caciques e se desdobra por gerações continuadas através de
tempos imemoriais. Nos últimos anos ainda, como já salientá-
mos, ercontram-se nos livros de baptismos de São Borja nomes
de vários caciques, que são descendentes directos de outros, fun-
dadores das reduções do Tape. A esses, como a outros que mais
se distinguem por acções relevantes, concedem os governadores
espanhóis, em nome Del-Rei, o uso do designativo de Dom, que
174 AURÉLIO PORTO
lhes antecede os nomes. Cabe-lhes, principalmente, a direcção pes-
soal de umgrupo de famílias, de que são os chefes naturais. 9 ) .

São também, na organização pohtico-administrativa dos Povos, os


elementos representativos que ocupam as mais salientes posições,
ou cabos de guerra, como essa família dos Nenguirú, que enchem
século e meio da história das Missões, como Capitães-Generais,
em seus fastos guerreiros.
Cardiel, em sua preciosa Relación Verídica, nos dá um pu-
nhado de interessantes informes sobre a organização social, po-
lítica e religiosa dos Povos, com cujos elementos jogaremos nesta
exposição.
Os Povos eram governados por autoridades civis recrutadas
entre os índios de mais merecimento e prestígio. A administra-
ção de cada Povo compunha-se de um Corregedor, dois Alcaides-
Mores, de l 9 e 2* votos, um Tenente de Corregedor, um Alferes
Real, quatro Regedores, um Aguazil-Mor, um Alcaide da Irman-
dade, Procurador e Escrivão, os quais constituíam o Cabildo ou
Ajuntamento. Os Cabildos eram electivos, procedendo-se à es-
colha no primeiro dia de cada ano, sob a direcção do Cura que di-
rigia os respectivos trabalhos e examinava as conveniências de
sua organização, com o aproveitamento dos melhores elementos
da povoação. Realizada a eleição era a acta respectiva remetida
ao Governador que a aprovava, confirmando assim o voto popular.
Revestia-se de excepcional solenidade a posse dos cargos de
achninistração da comuna. Em dia determinado toda a popula-
ção se reunia junto ao pórtico da igreja, onde se colocava uma
cadeira para o Padre e uma grande mesa, sobre a qual se viam
o bastão do Corregedor, as varas dos Alcaides e as mais insígnias
dos outros membros do Cabildo. Figuravam ainda sobre a mesa
o simbólico compasso do Mestre da Música em uma bandeirinha
de seda, as chaves da porta da igreja que pertencem ao Sacristão,
as dos armazéns que cabem ao Mordomo e outras insígnias de ofi-

9) Ainda no Livro de Baptismos de São Borja (1790-1796), encon-


tram-se os pais dos baptizandos como pertencentes aos cacicados de D.
Estanislao Ayarú, D. Ulderico Arazaí, D. Felipe Santiago Abaray, D.
Amâncio Abaeraquá, D. Inácio Abaverá, D. Henrique Apaguay e mais
quatorze caciques entre os quais figura dona Maria Marta Tabacambi,
cujo nome vem do cacique que recebeu no Tape, em 1627, o Padre Roque
González e foi um dos pioneiros da catequese jesuítica.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 175

ciais económicos, além das bandeiras, bastões e outros distinti-


vos dos oficiais de guerra, que todos também são confirmados em
cada ano ou mudados, como os componentes do Cabildo. Em duas
filas de bancos, que ficam fronteiros aos lados da mesa, à propor-
ção que vão sendo chamados, tomam assento os membros da ad-
ministração e cabos militares que foram eleitos.
A tudo preside o Cura com seu Companheiro e outros Padres
que se encontram no Povo, porque em cada um há dois ou mais
conforme a necessidade. Faz aquele uma prelecção, depois de ler
textos do Evangelho, em que explica a significação do acto, e os
males que advirão da falta de cumprimento desses deveres fun-
cionais, e termina por chamar o primeiro dos eleitos, isto é, o Cor-
regedor para que tome posse de seu cargo. A cada posse os mú-
sicos com suas charamelas e clarins tocam alguns compassos de
uma marcha festiva, enquanto os chamados vão tomando assento
nos bancos que lhes são destinados. A tudo preside o contenta-
mento do povo em geral. A estes sucedem na chamada os que
fazem parte da administração da igreja, sacristão, etc, e por úl-
timo os cabos e mais oficiais militares, componentes da milícia
missioneira, aos quais, como aos primeiros, são entregues os seus
distintivos. v

Todos os Povos dividem-se em classes, tendo cada uma delas


os seus Alcaides privativos. Assim os tecedores, os ferreiros, os
carpinteiros, pedreiros e mais ofícios de monta e de maior neces-
sidade. As mulheres têm também os seus Alcaides: são velhos
de conduta exemplar e de grande devoção, que cuidam de todos
os seus trabalhos e avisam em suas desordens. O mesmo aconte-
ce com os rapazes de sete anos para cima, cujos alcaides os obri-
gam a ir juntos para a doutrina, actos de devoção, e outros que
importam em seu bem espiritual e temporal, assim como traba-
lhar nas lavouras do Povo, para que desde pequenos aprendam a
prover a sua subsistência e se acostumem ao trabalho. As mu-
lheres, desde sete até quinze anos, idade em que costumam casar,
têm também as suas aias, espécie de Alcaides, que as acompa-
nham à igreja, ensinam e fiscalizam os trabalhos que lhes são
peculiares.
Cada Povo está dividido em várias parcialidades que levam
nomes de santos: Santa Maria, São José, Santo Inácio, etc, e que
176 AURÉLIO PORTO
constam de oito a dez, conforme a população de cada Doutrina, e
cada uma dessas parcialidades têm quatro a seis cacicados, de que
são chefes membros do Cabildo. Os caciques constituem a casta
nobre do Povo, reconhecidos pelo Rei e têm o tratamento de Dom.
Cada cacique tem trinta, quarenta ou mais vassalos, que o acom-
panham ao trabalho, prestando-lhe obediência e respeito, auxilian-
do-o a fazer a sua casa, lavouras e serviços da comunidade, mas
não prestam vassalagem de tributos especiais, porque os caciques,
embora considerados como nobres, não se eximem de trabalhar
como qualquer um de seus vassalos. Os índios que se destacam
pela prática de qualquer ofício, como sucede com os carpinteiros,
estatuários, pintores e outros, ficam logo colocados em plano su-
perior, que lhes dá certas prerrogativas de nobreza.
Desde o Corregedor até o último vassado se confundem no
trabalho. Cultivando as terras da comunidade ou as suas pró-
prias; fazendo as colheitas que são ali de Junho a Dezembro de
cada ano; beneficiando a erva do Paraguai, ou carregando, para
transportar madeiras dos matos a fim de fazer as construções de
casas, etc. e em .todos os mais trabalhos vão sempre conduzidos
pelo seu chefe ou maioral.
Há todo género de ofícios mecânicos necessários a uma po-
voação de boa cultura. Vêem-se ali ferreiros, carpinteiros, tece-
dores, estatuários, pintores, decoradores, fabricantes de rosários,
torneiros, mateiros (que são os que fabricam o mate), cuias (va-
silha em que se toma a erva do Paraguai), e até fabricantes de
sinos e chapeleiros existem em alguns Povos. Alfaiates o são to-
dos os índios para sua própria roupa. Mas, para os ornamentos
da igreja, vestidos de gala dos «cabildantes», cabos militares, etc.
são os sacristães, havendo também sapateiros especiais para fa-
bricar o calçado destes. O índio, propriamente, de pouco neces-
sita para si, porque como a terra é quente e só nos meses de Ju-
nho e Julho há algum frio, usam pouca roupa e nada ajustada ao
corpo. Esta se compõe de camisa, colete de cor ou branco, de
algodão, ceroulas e calções, e um poncho que, no inverno, é de
lã e no verão (que é quase todo o ano), de algodão. Poncho é
uma peça de duas varas e meia de comprimento por duas de lar-
gura, com uma abertura no centro por onde enfiam a cabeça, e
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 177

que lhes serve de capa. Seu uso está generalizado por toda par-
te, principalmente no Chile e Peru até pelos espanhóis que não se

desdenham de tê-los dos mais ricos, cheios de bordados e ador-


nos, chegando a atingir a mais de trezentos a quatrocentos pesos
o seu preço. Os índios, em sua pobreza, usam os mais simples.
Na cabeça trazem comumente um gorro, e outros, de mais posses,
dão-se ao luxo de usar chapéu, sendo frequente também o uso de
um lenço com que cobrem a cabeça. Não suportam meias, nem
sapatos, e quando calçam aquelas trazem-nas sempre caídas, sem
atar; mas, sapatos, por mais que se lhos recomendem não há
forma de que os ponham nos pés. Somente nas festividades ou
funções públicas, quando compreendem que o calçado faz parte
da indumentária de gala, é que se animam a calçá-lo. 10 )
A instrução de fundo religioso foi, desde os primeiros tempos,
uma das grandes preocupações dos Padres da Companhia, vendo
nela a base de toda a sua organização social e religiosa. Já sa-
lientámos, no primeiro volume deste trabalho, a fundação de es-
colas de ler, escrever e contar com que os Jesuítas dotavam as
suas primitivas Reduções, na fase inicial da catequese. Era por
meio da infância, educada em princípios rigorosos da moral cristã,
que os fundadores dessas aldeias ainda selvagens procuravam pe-
netrar no coração dos índios. E eram as crianças, como se disse
que, ao retornar à casa, levavam aos pais uma pequena parcela
do que haviam aprendido nessas escolas em que a par de outras
disciplinas ensinava-se o catecismo na própria língua materna.

Já citámos o testemunho do P. Berthot que foi um dos fun-


dadores de São Tomé, em 1632, informando que essa redução em
pouco tempo «atingiu a 1.400 e mais famílias e entraram para a
escola 900 crianças». E a todas as outras sucede o mesmo, pois,
juntamente com a igreja que atendia às necessidades do culto, os
Padres faziam erguer um amplo aposento para a escola, cuja fre-
quência era obrigatória para as crianças com idade escolar. O
exemplo de S. Tomé, que apresenta para matrícula de crianças
em sua escola uma percentagem de 1,5%, sobre a população da
aldeia é bastante sugestivo, advertindo «um escritor moderno que

10) Cardiel. Relación Verídica, cit.


178 AURÉLIO PORTO
esta é admirável percentagem que seria uma ilusão para um
uma
Ministro de Instrução Pública». xl )
Na organização dos Sete Povos as escolas de ler, escrever e
de música ocupam um lugar de destaque na praça principal, ao
lado dos aposentos dos Padres. Ficam elas no primeiro pátio,
que é o dos Padres, a fim de que possam ser melhor fiscalizados.
Não são os Padres os seus mestres, porque têm de atender a ou-
tros múltiplos afazeres e ministérios, mas, sim, alguns índios es-
pecializados no ensino que conseguiram cultura superior à comum,
e demonstram notável vocação para o ensino. Frequentam essas
escolas em que, além de ler, escrever e contar, ensinam-se música
e dança religiosa, principalmente aos filhos dos Caciques, dos Ve-
readores dos Sacristães, dos Mordo-
(cabildantes), dos Músicos,
mos, e dos Oficiais Mecânicos, que constituem a nobreza do Povo,
e também aos mais índios, quando solicitados pelos pais.
Com seu génio imitativo principalmente na recópia caligráfica
essas crianças são inimitáveis. Há trabalhos inexcedíveis em le-
tras de forma, de que existem originais na Colecção de Angelis, de
que reproduzimos algumas páginas que demonstram a perfeição
com que são feitos. E note-se que esses originais são de ex-alu-
nos dos Padres, feitos muitos anos depois da expulsão dos Jesuí-
tas. Admirando esses trabalhos dizia o P. Cardiel que faziam tão
boa letra de forma e com tal perfeição que levavam os Padres,
muitas vezes, a julgar que se tratasse de algum trabalho tipográ-
fico de alguma boa imprensa.
Além do guarani, que os Padres reduziram a língua escrita,
organizando gramática e vocabulários, aprendiam as crianças o
espanhol e muitos o latim, o que levou Cardiel a afirmar que «al-
guns lêem com notável destreza língua estranha melhor do que
nós». Exímios na imitação, não tinham, no entanto, qualidades
criadoras. Os que tinham melhor registro de voz eram, desde a
escola, destinados à música e ao canto. Mas toda a sua perícia
estava em ler a música que se lhes dava, o que faziam com incrível
destreza e precisão absoluta. Não iam, porém, além das expres-

11) F. Lérida. Cartas y datos. B. Aires, 1919, pág. 13. Cf. Guiller-
mo Furlong. Los Jesuítas y la Cultura rioplatense, nueva edición, Buenos
Aires, pág. 228.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI .
179

sões musicais que a pauta traduzia. E pela mesma razão de não


terem génio criador, jamais se conseguiu que se dedicassem à poe-
sia. Tocavam, entretanto, com execução perfeita, vários instru-
mentos, entre os quais se destacavam o órgão e o violino.
Notáveis as bandas e orquestras que tinham em cada Povo,
constituídas de trinta, quarenta e mais figuras, executando em to-
dos os instrumentos da época. Eram os mais comuns aos Povos:
violinos, de que havia, em cada um, quatro ou seis; baixos e chiri-
mias (uma espécie de oboé), seis ou oito; violões, dois ou três;
harpas, três ou quatro; clarins, dois ou três, e um ou dois órgãos.
«Em todas as missas de cada dia», informa ainda Cardiel,
«sempre estão os músicos cantando e tocando até o fim, sob gran-
de silêncio e veneração do povo. Ao princípio, até o evangelho,
tocam órgão, chirimias, harpas e violinos. Do evangelho até à
consagração cantam algum salmo das vésperas com todos os ins-
trumentos juntos. Depois cantam qualquer motivo em latim, ou
castelhano, ou em seu próprio idioma, ou algum hino, variando
todos os dias a letra ou a composição. E isso até o fim, em que
tangem os seus instrumentos».
Complexa e difícil, ao princípio, a organização religiosa das

Reduções. Só a larga experiência no convívio diário com os ín-


dios, o conhecimento exacto de suas tendências nativas e a com-
preensão dos meios mais eficazes para chegar até a consciência
rudimentar que se lhes formava com o exemplo, poderiam conse-
guir atraí-los e iniciá-los nos mistérios da Fé. Formando esse
ambiente muito superficial, a que a menor contrariedade poderia
desfazer, pela sua ingénita incompreensão das coisas imateriais,
mister era mantê-lo e alimentá-lo para que não se perdesse o tra-
balho precioso da catequese. Mesmo as crianças, já de formação
jesuítica, mais acessíveis, portanto, à percepção dos ensinamentos
de inteligência criadora, e pelo seu
religiosos, pelo seu baixo nível
carácter em que predominavam traços acentuados de indolência e
apatia, não constituíam material humano fácil de amoldamento
intelectual.
E' ainda o precioso P. José Cardiel, que tinha sido, nos dias
tempestuosos da Demarcação, Cura de São Nicolau, quem nos for-
nece dados muito precisos e interessantes sobre a capacidade do
180 AURÉLIO PORTO
índio em confronto com as outras raças, por mais baixas que fos-
sem as suas origens.
Conta-nos Cardiel que conheceu um mulato, filho de espanhol
e de uma preta, que sendo muito moço foi para as Missões. Nu-
ma das Doutrinas casou-se com uma cacique, cujo cacicado per-
dera a linha varonil. Parece que o caso era único nas Missões,
porque os índios nunca se casam senão com os seus semelhan-
tes. 12 ) Ficou ele residindo no Povo para cuidar dos seus vassa-
los. Sabia ler e escrever e porta va-se muito bem e por isto foi
mordomo da casa dos Padres, o que é o mesmo que ser de todo o
Povo. Logo não só os Padres, como os administradores de outros
Povos o chamavam para visitar as estâncias, que é encargo de
monta, valendo-se dele como de um irmão coadjutor. Num rin-
cão da estância tinha esse mulato grande criação de vacas, cava-
los e mulas, de sua própria casa, de que cuidava com muito acerto.
Fez ainda uma boa lavoura de fumo, tinha canavial fazendo algu-
mas arrobas de tabaco e açúcar que vendia, por intermédio do Ir-
mão procurador da Companhia, para Buenos Aires, ou para as
próprias necessidades do Povo. E assim tinha vida próspera e far-
ta. Reconhecia-se nele capacidade, espírito económico, e honra
de espanhol de mediano entendimento. Seu cura e demais Padres
o judavam para que sempre assim se mantivesse. Mas, esse exem-
plo de nada servia aos índios, que jamais o imitavam.
Os filhos desse mulato, que viveu longos anos, saíram mais
capazes e económicos do que os demais índios, mas, ainda inferio-
res a seu pai. E' o que sucede com essas gerações. Casa-se uma
índia, das que fogem aos espanhóis, com um índio de sua nação e
ainda que os filhos e netos vivam no meio dos espanhóis, não se

12) Parece isto demonstrar a inferioridade dos tapes sobre os gua-


ranis, cujo entrelaçamento com espanhóis se deu largamente nas origens
do povoamento do Paraguai e do Prata, criando uma raça forte de con-
quistadores e sendo a origem das famílias de grande projecção continen-
tal. O mesmo sucedeu no Brasil que nos mamalucos tem origens nobilís-
simas trazendo de grandes caciques, no Norte e no Centro, um sangue
magnífico que enche de fulgor, bravura e inteligência largas páginas da
nossa história. E, mais modernamente na formação primitiva do Rio
Grande, é exactamente o carijó, nessa grande família dos Brito Peixoto,
.

que se desdobra e funda os alicerces da genealogia rio-grandense. Vêm


daí os Pintos Bandeiras, os Guterres, e os troncos mais notáveis da fa-
mília gaúcha.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 181

erguem de seu nível de incapacidade, incúria, estupidez e falta de


habilidade para a vida prática. Casa-se com um espanhol, o que
raras vezes sucede, por circunstâncias especiais, e seus filhos saem
mais hábeis, pelo que participam de seu pai. Os netos são ainda
melhores e os bisnetos já não se distinguem dos outros espanhóis.
Esse entrelaçamento seria a única solução para levantar o nível
intelectual e de capacidade de trabalho para os índios, mas o es-
panhol considera o índio tão vil e baixo que mais fàcilmente se ca-
sará com uma bastarda, com uma mulata ou uma negra do que
com uma índia. Erra nessa apreciação, porque o índio é tão livre
como o branco e pelo que concerne ao sangue não tem ele impedi-
mento para função política ou eclesiástica, mas o bastardo, o mu-
lato e o negro, são incompatíveis para todos os cargos. Mas, co-
mo vêem a pobreza dos índios, insistem os espanhóis em perseverar
nesse erro. 13
)

Como se deduz da demonstração, deveria ter sido bastante di-


fícila missão a que se propusera o Jesuíta para trazer à civiliza-
ção e incutir no ânimo desses pobres indígenas, de uma primiti-
vidade infantil, princípios abstractos que consubstanciavam a sua
fé imensa. De muito lhes valeram para isto, como meios mais
práticos, as exterioridades do culto. Vêm daí as festas suntuo-
sas, que causavam admiração e respeito; as grandes catedrais
que se erguiam, impondo, às suas consciências em formação um
sentimento quase inexplicável de beleza, e as artes, todas elas,
tocando uma sensibilidade que despertava para a vida. Admirá-
vel o trabalho desses homens que teriam de fazer de um barro quase,
inamoldável, entes humanos tocados pela fé divina, que só se
percebe e recebe pela inteligência e pela formação moral.
O Cura de cada aldeia, o seu Companheiro e os Irmãos que
o assistiam, deveriam ter qualidades excepcionais e altas virtu-
des cristãs. Um deslize, um pequeno senão moral, uma falha de
carácter e tudo estaria perdido pela tendência natural dos cate-
cúmenos, a quem só poderia refrear a vida ilibada e exemplar dos
seus Padres. Sem grande fiscalização directa eles só tinham para
guiá-los, ao princípio, a fé e a consciência de que tudo, sem medir

13) Cardiel. Relación Verídica, Cod. Mss. cit. fls. 50.


182 AURÉLIO PORTO
do Senhor. E
sacrifícios de qualquer espécie, era feito pela glória
excederam-se a si próprios, na consecução de colherem os frutos
mais sazonados da vinha que cultivavam.
Mais tarde, além das regras em que enquadravam as suas
acções, dentro dos postulados gerais da Companhia, e das pres-
crições indeclináveis da mesma religião, baixou o P. Tomaz Don-
vidas, em 1689, um Regulamento Geral das Doutrinas, aprovado
pelo Geral Padre Tirso González. Estão nele codificados os pre-
ceitos de ordem espiritual e temporal que presidem à acção dos
Padres doutrineiros e de seus Companheiros, em cada um dos Po-
vos dirigidos pela Companhia. Traçam-se em Unhas gerais, nor-
mas rígidas de conduta moral, de assistência e de fiscalização mú-
tua, entre os Padres, e dependência de seus Superiores. Além do
Provincial, que superintendia os negócios de toda a Província, ha-
via no Paraná um Superior auxiliado por quatro Consultores, e
o Vice-Superior no Uruguai, por outros quatro, tendo cada um
dos Superiores um Monitor. «Para os casos urgentes de guerra
havia quatro Superintendentes nomeados pelo Padre Provincial:
um no Uruguai acima, outro no mesmo rio para baixo, outro na
outra banda (oriental) do Uruguai e outro no Paraná acima. E
cada um deles terá dois Consultores para as coisas da guerra». 14 )
Em cada Pòvo assistiriam dois Padres sendo um o Cura e ou-
tro o Companheiro, subordinado àquele, como também os Irmãos
Coadjutores que se tornassem de mister, encarregados da assis-
tência temporal da Doutrina. O Regulamento, que é extenso, pre-
vê todos os casos relativos ao trabalho dos índios, suas obriga-
ções para com os Padres e o Povo, estipêndio quando em serviços
de outras Doutrinas, laços de família, e castigos pelas faltas co-
metidas que iam da reclusão em cárcere, com grilhetas, até três
mêses, aplicando-se-lhes nesse espaço de tempo «quatro vueltas
de azotes de a veinte e cinco por cada vez». Os crimes de homi-
cídio importavam na pena de prisão perpétua. Os Caciques, Cor-
regedores e Alcaides não poderiam ser castigados sem ordem ex-
pressa do Superior e isto mesmo somente com admoestações em
carácter particular. Atende o Regulamento aos mais variados

14) Padre Tomaz Donvidasr. Reglamento general. Tesch. I, 389.


HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 183

aspectos da vida administrativa, económica e espiritual das Re-


duções, e deveres dos sacerdotes e dos índios.
Não tinha residência fixa o Vice-Superior dos 7 Povos de
Missões, mas durante anos o encontramos em São Borja. Aí
esteve muito tempo o P. Salvador de Rojas, que exerceu esse car-
go. Ao tempo da fundação dos Povos era Vice-Superior do Uru-
guai o P. Alonso de Castillo, a quem sucede o P. António Ximénez.
Mais tarde, em 1730, aparece o nome do P. Jerónimo Herrán, co-
mo Superior.
Poucas são as indicações sobre os Padres que dirigiram os
Povos, como Curas e Companheiros, desde a sua fundação até o
início de sua decadência com a guerra da Demarcação. Em pes-
quisa assaz trabalhosa foi possível dar, mais ou menos, os nomes
dos seus fundadores. Muitos outros vultos de alta significação
da Companhia passaram por ali, deixando magníficos atestados
de virtude cristã e de afanosos trabalhos. Humildes e desconhe-
cidos seus nomes desapareceram na voragem do tempo. Apensa
ao Catalogus de 1744 ficou, no entanto, uma relação preciosa so-
bre os Jesuítas ,que nesse ano dirigiam os 7 Povos, que são os se-
guintes

lp — São Nicolau — Cura, P. Rafael Genestar, professo;


Companheiro, _P. Miguel Starimon;

2* — São Luís — P. Sigismundo Aperger, prof. : Companhei-


ro, P. Lourenço Daff, prof.;

39 — S. Lourenço —
Cura, P. Francisco Xavier Limp, prof.;
Comp. P. Jerónimo Zacarias, prof.;

4P — São Miguel — Cura, P. Diogo Palácios, form. ;


Comp.
P. Francisco Rivera, prof.;

5* — São João Baptista —


Cura, P. Luis Charlet, prof.;
Comp. P. João Baptista Marquesetti, prof.;
6° — Santo Ângelo Custódio —
Cura, P. José Martin, prof.;
Comp. P. André Fernández, prof.;

79 — São Francisco de Borja —


Cura, P. José Guinet, form.;
Comp. P. Jacob Tankuntsen, form.
184 AURÉLIO PORTO
3. Expansão Económica das Missões.

A criação de gados constituiu uma das maiores preocupações


dos Jesuítas na fase inicial de fundação dos Sete Povos. Orga-
nizadas as estâncias, depois de destruídas as vacarias, é delas que
os Padres vão tirar os elementos essenciais à subsistência de seus
catecúmenos. À profissão de vaqueiro dão desde logo uma gran-
de importância, considerando-a uma
das primeiras entre as diver-
sas classes em que se divide a organização social das Missões. Ao
princípio ;
o custeio do gado estava a cargo de índios que, acom-
panhados de Padres ou de Irmãos leigos, iam às estâncias fazer
rodeios, trabalho que consistia em reunir o gado em lugares pre-
determinados, a que depois se acostumava. Citámos já várias
vezes o nome do P. João de Yegros que foi o fundador da estân-
cia de S. Luís e um dos primeiros vaqueiros dos Povos, conseguin-
do transportar para aquela estância, em duas vezes, quarenta
mil vacas. A contagem do gado cabia aos índios cantores, ha-
vendo alguns, como um velho já citado anteriormente, que o con-
tava pelas contas do rosário.
Mais tarde, a necessidade de maior vigilância e efectiva assis-
tência determinou a fundação de postos nas diversas invernadas
em que se dividia cada estância, além da própria sede, que se tor-
nou residência de um Padre e um Irmão, que nelas assistiam.
Como já dissemos têm origem nessas estâncias e postos as mais
antigas povoações do Rio Grande do Sul. São fundações dessa
época, São Pedro, Tupãciretã, Santa Maria, Santa Tecla, e gran-
de número de cidades e vilas que hoje florescem no território rio-
grandense.
No esboço de geografia económica atrás inserto vê-se a ex-
tensão que abrangiam essas estâncias desde a actual Vacaria, que
foi primitivamente estância de São Luís, Rio Pardo, até o Cama-
quão, a entestar com a Vacaria do Mar.
No apogeu de seu florescimento chegaram os Povos a contar
em suas estâncias número aproximado a um milhão de cabeças
de gado de toda a espécie, principalmente bovinos. Duas estân-
cias, as de Japejú e São Miguel, pela sua grande extensão territo-
rial, substituíam as vacarias que haviam sido extintas devido à

desordenada exploração de seus incontáveis rebanhos. Além dis-


HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 185

to,as constantes arreadas de espanhóis, portugueses e índios con-


tribuíam para completar essa destruição.
Em 1725, com o estabelecimento do Capitão João de Maga-
lhães, que ao Sul do canal do Rio Grande ergueu um entreposto
para a passagem dos gados do Pampa, intensificou-se grandemen-
te a extracção de tropas de animais vacuns que subiam para a
Laguna pelos caminhos do litoral a fim de abastecer não só esta
vila como Curitiba, São Paulo e Rio. Antes mesmo dessa data
já os espanhóis, que exploravam as campanhas das vacarias, man-
tinham largo comércio de gado com Laguna. Em carta datada
de 22 de Janeiro de 1723, o Capitão-Mor Francisco de Brito Pei-
xoto comunica ao Governador de S. Paulo que, nessa data, alguns
espanhóis, trazendo 800 cabeças de gado para serem vendidas na-
quela povoação, aguardavam na parte Sul do canal a licença res-
pectiva. 15 ) Além desse fornecimento, como já vimos, não era
menos notável a contribuição de Cristóvão Pereira, o grande des-
bravador das campanhas do Rio Grande do Sul.
Fundado o entreposto de João de Magalhães acorrem logo
João da Costa e Estácio Pires, Capitães das campanhas da Va-
caria que, com mais oito companheiros, perante o Tenente-de-Ge-
neral David Marques, no sítio em que estava localizado João de
Magalhães, assinam uma obrigação de «fazer com cavalos nossos
todo o gado vacum e cavalar que pudermos no Pampa da Vaca-
ria, o qual amansaremos e conduziremos a este Porto do Rio Gran-

de de São Pedro e o passaremos o dito rio e depois marcado o


deitaremos nas campanhas desta parte para S. M. que Deus Guar-
de e pela Páscoa faremos a primeira entrada e chegados que se-
jamos dali um mez faremos outra e nesta forma iremos seguindo
as mais, etc». Assinam a obrigação feita pelo Escrivão Lázaro
de Lemos, além desses dois Capitães, Inácio Duarte, Custódio Pe-
droso, Inácio Valhacari, Aniceto de Brito Gaspar, índio tape, Hi-
lário Machado, José Varire e Francisco Medina, a que logo se
reúnem Francsco Pinto (Bandeira) e a Manuel Braz (Lopes), mais
tarde fundadores de Viamão. 1<! )
João de Magalhães, cumprindo determinações que recebera,

15) Documentos Interessantes para a História de São Paulo. Vol. 32.


16) Arq. Nac. Col. 453-1*. Ordens régias de São Paulo.
186 AURÉLIO PORTO
secundava «o trato e amizade com os índios minuanos», dos quais
recebia grande quantidade de gado que esses selvagens iam arre-
banhar nas estâncias das Missões.
Poucos anos depois, esgotados os campos da Vacaria dos Pi-
nhais, onde se apossam de perto de uma centena de milhar de ca-
beças de gado vacum, os tropeiros lagunistas estendem os seus
currais nos campos de Viamão, indo até às alturas de Sapucaia,
quase a entestar com a Serra. Em 1734, três anos antes da fun-
dação do Presídio, entre os rios Tramandaí e Rio Grande, já se
contavam 27 estâncias «assim de éguas como de vacas», que re-
presentavam enormes latifúndios. 17 )
No ano seguinte, novamente os castelhanos assediam a Coló-
nia do Sacramento, de cujas proximidades haviam retirado todo
o gado, com o intuito de privar essa praça de meios de subsistên-
cia. Apela a Colónia ao socorro dos criadores rio-grandenses,
que fornecem 850 cabeças de gado vacum, além de 500 que são
retiradas das estâncias d'El-Rei. 18
)

Em pesquisas realizadas no Arquivo dePaulo o General


S.
João Borges Fortes encontrou interessantes documentos sobre a
actividade dos primeiros tropeiros que exploraram as campanhas
rio-grandenses. É uma «Lista dos Fronteiros que se acham no Dis-
trito desta Vila da Laguna, nas campanhas do Rio Grande».
Constam dela sessenta e quatro nomes, um terço dos quais iremos
mais tarde encontrar entre os grandes troncos genealógicos da
família rio-grandense. 19
)

Além dos minuanos, que são os grandes fornecedores de gado


aos tropeiros e estancieiros do Continente, aparecem também inú-
meros tapes, egressos das Reduções, que mantêm largo comércio
de tropas não só com a Colónia do Sacramento como também com
os primitivos povoadores do Rio Grande. Êstes últimos se inte-
gram definitivamente às origens do nosso povoamento e os vamos
encontrar, quando, fundado o Presídio, registrando ali os primei-
ros baptismos, em 1737, de «filhos de tapes das Missões da Com-
panhia».

17) Borges Fortes. Povoamento do R. G. do Sul, 124.


18) Fonseca Galvão. Notas geográficas e históricas sobre a Lagu-
na. Pág. 45.
19) Gen. Borges Fortes. Tropeiros. Sep. Anais II Congres. Hist., 8.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 187

O avanço dos tropeiros no território até então ocupado pelas


estâncias dos Sete Povos determina o recuo dos Jesuítas, que es-
tremam a exploração da sua pecuária a linhas menos acessíveis à
invasão dos portugueses. Além da Vacaria dos Pinhais, de que
os tropeiros extraem inúmeras tropas que vão constituir o núcleo
das primitivas estâncias que se estendem do Nordeste até os cam-
pos do Viamão, vadeando o Rio Grande, entram na Terra dos Ta-
pes, onde ficam as grandes estâncias de S. Luís e S. Lourenço, de
que retiram numerosos rebanhos. E à pressão, cada vez mais
forte dos tropeiros, recuam os Jesuítas os seus estabelecimentos
de criação até a parte ocidental do Jacuí e Vacacaí, linha que ta-
citamente demarca, pela expansão portuguesa, os limites entre
o Continente e as Missões. Pelo mesmo motivo de insegurança
os ervais de São Borja, que se estendem até às margens ociden-
tais da Lagoa dos Patos são completamente abandonados pelos
índios missioneiros.
Não obstante as contínuas depredações dos índios infiéis, que
iam até às proximidades dos Povos fazer grandes arrebanhamen-
tos de gado para vender aos portugueses, tal era a quantidade
existente nas estâncias das Doutrinas que a quebra era logo com-
pensada pela produção. Entre as maiores, a estância de Japejú
que ocupava extenso trato de terra estendido entre os rios Ibicuí,
Uruguai e Quaraí dentro do actual território rio-grandense e deste
último até o Arapeí, no Estado Oriental, ainda em 1768, quando
da expulsão da Companhia, segundo inventário da época, conta-
va em suas extensas invernadas quantidade superior a 500.000
cabeças de gado vacum, 4.000 cavalos e 70.000 ovelhas. E a da
Cruz que lhe ficava contígua, tinha 40.000 vacas e 60.000 cavalos.
São Miguel, em cuja estância, por ser mais próxima da raia por-
tuguesa mais se fazia sentir a pressão dos tropeiros do Rio Gran-
de, ainda tinha em
suas invernadas 30.000 vacas e 300 cavalos. 20 )
Excluindo a estância de São Borja, cuja população pecuária não
consta da citada estatística, mas que outra 21 ) orça em 11.962
cabeças, vemos que o gado existente, segundo aqueles dados nas
estâncias das Missões, era o seguinte: vacas, 605.148; cavalos,

20) Invent. cit. Teschauer, I, 38.


21) Estatística dos Povos. 1768. B. Mss. I, 29, 5, 42.
188 AURÉLIO PORTO
70.484 e ovelhas 85.083. Mais completo e especificado o inven-
tário, na Colecção de Angelis, do Administrador geral
existente
espanhol que recebe dos Jesuítas, em 1768, os Povos de Missões.
Consta aí que havia nas estâncias dos 7 Povos 967 vacas lei-
teiras, 65.083 cabeças de gado de rodeio, 7.859 bois, 3.307 éguas,
58 potros, 3.419 cavalos, 1.037 mulas, 67 burros e 37.930 ovelhas,
Pelos respectivos Povos assim se discriminam essas quanti-
dades :

Povos Vacum Cavalar Muar Ovelhum

São Nicolau 20.376 1.031 195 18.471


São Luís 7.579 838 174 1.966
São Lourenço 4.824 441 67 1.056
20.288 2.095 164 1.691
São João 4.235 313 200 713
Santo Ângelo 3.685 436 138 408
11.922 1.630 166 13.245

Não estão aí incluídas as grandes estâncias de Japejú e La


Cruz, ainda em território rio-grandense e respectivamente com:
Japejú: vacum, 62.679; cavalar, 8.998; muar, 2.140 e ovelhum,
46.118. Cruz: vacum, 33.600; cavalar, 5.800; muar, 140; ovelhum,
2.700 e caprino, 340.
Mau grado a incúria e a natural indolência dos índios, a la-
voura e a exploração dos ervais dos Povos representam-se na es-
tatística citada com 16.300 arrobas de algodão e 14.700 arrobas
de erva-mate, cabendo a Santo Ângelo respectivamente com 4.000
arrobas de algodão e 5.000 de mate a maior produção. E isto se
verifica quanto ao mate porque, enquanto os outros Povos ex-
ploravam ervais que ficavam distantes e os hortenses plantados
junto às povoações, Santo Ângelo era detentor dos antigos ervais
nativos de Concepción, no Nhucorá e Conceição, que ficavam pró-
ximos à sua sede.
Mas, não era sem grande esforço que os Jesuítas conseguiam
esse resultado. Com mais de um século de educação e de exem-
plos, não haviam conseguido modificar a tendência dos índios à
indolência fundamental da raça. Trabalhavam porque se viam
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 189

compejidos a isso pela vigilância contínua dos Padres e pelo te-


mor de castigos corporais que lhes eram aplicados se não atin-
giam as tarefas designadas. E jamais excediam aos limites em
que estas se enquadravam.
Observa o Padre Cardiel «que se conseguissem trabalhar qua-
tro semanas teriam o suficiente para comer todo o ano, como su-
cede com os mais capazes e diligentes. A terra é muito fértil,
mas geralmente é tal a desídia do índio que para os amanhos da
lavoura se marcam seis meses para preparar a terra, semear, lim-
par e fazer a colheita. Com tudo isto o maior trabalho que têm
os Curas é obrigá-los a que lavrem e semeiem o necessário para
o sustento, todo o ano, de sua família, e é preciso com muitos
usar de castigo para que o façam, para seu próprio bem. Pro-
curam os Curas visitar com frequência as suas lavouras e man-
dam também a elas índios fiéis que lhes dão conta de tudo. Mui-
tos marcam mesmo com um cordel o terreno que o índio deve
lavrar e plantar a fim de que consiga colher o suficiente para a
subsistência de sua casa, durante um ano, impondo-lhe penas de
um certo número de açoites se não cumprir essa tarefa. O índio
se cifra ao dia que transcorre, porque seu espírito acanhado e
percepção limitada não alcança o futuro. Não há razão que o
convença, nem mesmo a experiência da fome que experimentou
no ano anterior, por haver lavrado e colhido pouco. Outros Pa-
dres tomamo alvitre de fazer lavrar o terreno por turmas, isto é,
todos os índios que estão sob a direcção de um cacique, ou os
de uma parcialidade inteira. 22 )
As suas principais lavouras consistem em milho, batatas,
mandioca e legumes e outros grãos em menor escala. A mandio-
ca, de que fazem uma espécie de pão, é o seu principal alimento.
«Não se dedicam muito ao plantio do trigo, e poucos são os
que o semeiam e comem cozido ou moído, e uma espécie de torta
sem levedo, como sucede com os pratos que preparam com o mi-
lho. Alguns sabem fazer um bom pão, porque foram padeiros
na casa dos Padres onde se faz pão para eles e para os enfermos,
duas ou três vezes por semana. A esses padeiros substituem ou-
tros que se aplicam ao fabrico do pão e assim há muitos que o

22) Cardiel. Relaàón, cit.


190 AURÉLIO PORTO
sabem fazer, mas para si só o fazem em suas festas principais.
E' muito trabalho para o índio plantar o trigo, colhê-lo, prepará-lo,
deitar o sal, o levedo, e esperar que esteja em condições de levá-lo
ao forno, etc.
Não Plantam também canas de açú-
faz isto senão obrigado.
car, em pequenaquantidade e algumas árvores frutíferas. Muito
custa conseguir que cada um plante o algodão necessário para
vestir-se. O linho dá bem nestes terras, mas seu preparo exige
muito trabalho e cuidado, de sorte que excede a capacidade dos
índios.
Além da lavoura particular de cada família que denomina-
vam ambabae (aba-índio, mbae-coisa), havia também a lavoura
da comunidade, o tupambae (coisa, propriedade de Deus). E a
esta organização pertenciam também as grandes estâncias dos
Povos e os ervais nativos que exploravam em conjunto.
E' ainda Cardiel quem informa sobre o assunto.
A maior colheita conseguida pelos índios não ultrapassava
de 3 a 4 fanegas de milho, (fanega =
55,5 litros) quando seria
possível colher mais de vinte se trabalhassem como era devido.
Mesmo, assim, apesar de colher tão pouca quantidade, se a leva
para a casa, desperdiça sem cuidado tudo quanto tem, comendo
sem regra, presenteando aos outros os grãos que colheu, ou «ven-
dendo aos outros por um o que realmente vale dez». Para evitar
isto obrigam-nos os Padres a guardar nos celeiros da comunidade,
em sacos rotulados com seus nomes, o excesso de um saco que fica
em sua casa. Ã proporção que esta vai acabando se lhe fornece
outro e assim por diante, dentro da mais rigorosa fiscalização de
consumo, o que se impõe devido à sua incalculável desídia.
Estas e outras providências sobre a economia temporal dos
índios dão aos Padres maior trabalho do que as de ordem espi-
ritual. E' necessário ter muito cuidado com ela, porque depende
do bem-estar material do povo, maior facilidade para as coisas
espirituais, pois, quando bem providos e alimentados, assistem
com alegria e maior fervor às obrigações do culto, frequentando
a igreja e assistindo com pontualidade aos sacramentos. Mas, se
têm fome ou outro trabalho, descuram eles também de Deus e
de seus deveres religiosos, ao contrário do que sucede com a gen-
te culta.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 191

Nessas ocasiões deserta o Povo, fugindo para os matos, onde


vão procurar o que comer, ou dando sobre os rebanhos, nos pas-
toreios ou campos de criação a que chamam estâncias, matando
vacas e bezerros novos, pelos quais têm especial predilecção.
Em vista dessa incapacidade económica para se abastar a si
próprio com o produto de suas lavouras, organizaram os Jesuí-
tas o tupambae, ou lavoura da comunidade. Plantam-se aí man-
dioca, milho, feijões, algodão e várias espécies de leguminosas.
O mesmo sucede com os gados maiores e menores que têm suas
grandes estâncias, dando-se, porém, a cada família uma junta de
bois para lavrar as suas terras particulares, aos quais matam,
muitas vezes, para comer.
Durante seis meses são obrigados a trabalhar nas lavouras
da comunidade às segundas e sábados, estando disto isentos os
tecedores, ferreiros e outros oficiais mecânicos, durante o ano in-
teiro, revezando-se por outros quando é necessário mandá-los às
suas roças particulares. Estes oficiais não trabalham em suas
casas e sim nas oficinas que ficam nos pátios junto à casa dos
Padres, e o seu pagamento é feito em produtos retirados dos bens
comuns.
Os frutos da comunidade são destinados à distribuição de se-
mentes aos que não as têm, quer por haver consumido toda a
sua produção ou por haver perdido, devido a causas independen-
tes de sua própria vontade; às recolhidas, que são mulheres aban-
donadas pelos maridos, ou outras que numa casa especial ficam sob
a guarda da comunidade; aos que viajam em benefício da Doutri-
na; às crianças, e aos transeuntes e hóspedes que a todos de qual-
quer nação ou cor se dá guarida e facilita todos os meios de trans-
porte, sem indenização por estes serviços.
Os algodoais comuns concorrem com a sua produção para
vestir os jovens de um e outro sexo, o que é feito pelo Padre, por-
que sem esta providência andariam todos nus. Serve o algodão
também para estipendiar os que vão extrair e preparar a erva,
como para as roupas das viúvas, recolhidas, velhos e impedidos, e
é o prémio comumente conferido, nas festas, aos que melhores
serviços de carácter militar ou político prestam ao Povo. Gran-
de parte da produção do algodão é vendida em Buenos Aires e
192 AURÉLIO PORTO
Santa Fé e com o resultado da venda se adquirem utilidades ne-
cessárias como ferro, panos, ferramentas para uso comum, e se-
das e adornos para as igrejas.
Fazem-se tecidos de algodão branco e de cores, fios de toda
a qualidade e panos de listras coloridas. O processo adotado é
o seguinte: A cada índia se dá meia libra de algodão no sábado
para que traga preparado na quarta-feira seguinte uma terça
parte desse peso, porque dois terços são levados à conta de se-
mente. Neste dia se lhe dá mais meia libra para que a traga no
sábado seguinte. Nos dias designados todas essas mulheres se
apresentam no corredor externo da casa do Padre e ali seus Al-
caides velhos recebem e pesam as tarefas que todas trazem em
novelos, pondo em cada um deles um pequeno pedaço de cana em
que escrevem o nome da fiandeira. Feito isto vão dispondo em
lotes de cem novelos, que são pesados mais uma vez em conjunto.
Se houve fraude no peso, é imposta à índia uma penitência cor-
respondente à sua falta. O Padre a quem é entregue toda essa
produção manda-a ao Mordomo por escrito a fim de ser armaze-
nada. Não assistem os Padres a essa reunião, devido ao recato
que guardam nas relações com o outro sexo.
Diz Cardiel que, em Japejú, onde assistiu como Cura, tinha
sob as suas ordens, diàriamente 38 tecelões, havendo mais ainda
em outros Povos. Destes, oito eram especializados na tecedura
de panos listrados. Dava-se a cada um quatro arrobas de fio
que correspondia a 200 varas de pano com uma de largura. Pelo
seu trabalho cada tecedor ganha seis varas de pano. Sucede às
vezes encontrar no trabalho alguns novelos de fio em que ardi-
losamente as índias puseram pequenos pedaços de pedra ou terra,
procurando aumentar o peso para diminuir a tarefa. Pelo nome
que identifica o novelo de fio é conhecida a fraudadora que re-
cebe a adequada penitência. O algodão produzido nas lavouras
particulares, depois de fiado pelas índias, era mandado para a te-
celagem por intermédio do Mordomo, que o devolvia em pano aos
agricultores.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 193

4. Desdobramento das Populações Missioneiras.

A copiosa documentação estatística do movimento das popu-


lações dos Sete Povos Orientais do Uruguai, que abrange o século
que medeia entre^sua fundação e a expulsão dos Jesuítas, existente
na Colecção de Ângelis, 2:! ) e de que adiante se inscreve detalha-
do quadro, servir-nos-á de base para a apreciação do florescimen-
to e decadência dos Povos missioneiros. Outros elementos com-
pletarão esse estudo.
No primeiro meio século, que decorre desde a fundação de
São Francisco de Borja, em 1682, até o apogeu do florescimento
das Miasões, em 1732, a curva ascensional do crescimento huma-
no não apresenta soluções de continuidade. Foram, como vimos,
em número de 1.952 índios, oriundos de São Tomé, os primeiros
que, naquela data, transpondo o rio Uruguai, se fixaram em sua
margem oriental, para fundar São Borja. Cinco anos mais tar-
de, resolvida a transladação de mais três Povos, São Nicolau, São
Luís e São Miguel, que vão repovoar a região do Piratiní, recebe
também São Borja novo contingente de colonos, que não excede
de mil almas. Os outros Povos, como se refere, teriam sido fun-
dados com três mil índios, em
média, cada um, dando assim para
o povoamento inicial dessas fundações uma população máxima de
dez mil almas que, em 1690, com o crescimento vegetativo já se
eleva a 16.673 almas desdobradas em 4.284 famílias. Para dar
uma idéia desse crescimento assinale-se que o total dos baptis-
mos realizados no período de 1690 a 1707, nos seis Povos então
fundados, atinge a 7.578, cabendo a maior parcela a São Nicolau
com 2.054 baptismos.Seguem-se São Luís com 1.341, São Borja,
1.264, São Lourenço, 1.218 e São Miguel, que concorre com parte
de sua população para fundar São João, 975 e este último com
730.
O decénio de 90 marca acontecimentos de monta que influem
directamente sobre o movimento das populações missioneiras. En-
tre elesavultam a contribuição dos Povos para a defesa do porto
de Buenos Aires, e uma peste de varíola que dizimou, em 1698,
as Doutrinas do Uruguai, fazendo-se sentir com mais intensidade

23) B. N. Mss. I, 29, 1, 119.

História das Missões Orientais do Uruguai — 2.» Parte 7


194 AURÉLIO PORTO
em São Nicolau, cuja população ainda quatro anos depois acusa-
va o decrescimento de 1.200 almas; São Luís e São Miguel que
mostram rio balanço entre nascimentos e óbitos uma diferença
para menos de 68 unidades. A população nesse ano já era de
20.946 almas e o obituário registra 632 unidades^ correspondendo
a 5% de seu total. Quatro anos depois, em 1702, ainda se 'faz
sentir esse decréscimo, pois a cifra da população deste ano, 20.086,
ainda ,não atingira a daquele, sendo de notar que só neste último
ano os baptismos se elevam a 1.453.
Santo Ângelo, fundado em 1706, concorre já para a estatís-
tica da população do ano seguinte com 2.879 almas, corresponden-
tes a 737 famílias, elevando o total da população para 26.126.
Desta data em diante até 1732, ponto culminante da curva ascen-
sional, não obstante serviços de guerra, trabalhos de campo, obras
de fortificações e outros, que desviam momentâneamente os ín-
dios, acentua-se o aumento gradativo dos Povos missioneiros.
E' exactamente neste ano que as Missões atingem o máximo
de florescimento de sua estatística demográfica, industrial e ar-
tística. Contam então com uma população de 39.343 almas, sen-
do São Nicolau o mais populoso dos Sete Povos com 7.751 habi-
tantes, seguindo-se São Lourenço com 6.513, São Luís com 6.182,
São João com 5.274, Santo Ângelo com 5.085, São Miguel com
4.859 e, finalmente, São Borja com 3.679 habitantes.
Quase um decénio de paz, de trabalho, de recolhimento aos
seus lares, cuidando de suas lavouras, dedicando-se à indústria e
às artes em
que eram exímios, assinalaram os índios com o au-
mento da população dos Povos, uma era de riqueza e bem-estar
geral. Mas não tarda lhe sejam impostos novos sacrifícios que
vão influir, de forma decisiva, sobre o estado geral de sua popu-
lação. Em 1733 começa o declínio - 4 ) que se acentua fase por
fase da vida dos Sete Povos. Nos documentos referidos encon-
tram-se os dados estatísticos que limitam o apogeu do crescimen-
to e que aqui se registram para estudo mais circunstanciado:

24) Estado dos Povos. B. N. I, 29, 5, 42.


HISTÓRIA DAS MISSÕES ORI ENTAIS DO URUGUAI 195

Em 1731: 8.274 famílias com 37.896 almas;


em 1732: 9.835 famílias com 39.343 almas;
em 1733: 8.083 famílias com 37.151 almas.

E' exactamente no ano de 32, quando as Missões se prepara-


vam para atingir etapas de mais alto desenvolvimento que come-
ça a série de sacrifícios que lhe são impostos por acontecimentos
imprevisíveis de profunda repercussão na vida missioneira. Nes-
se mesmo ano, os minuanos sublevados, que atacaram Montevi-
déu, tiveram para combatê-los, até obrigá-los a aceitar a paz, um
forte contingente de índios dos Sete Povos que, por espaço de
dois meses, foram mobilizados. Para a guerra dos Comuneros,
no Paraguai, são destacados quase dois mil índios, durante oito
meses, ficando destes um apreciável reforço que só recolheu em
1734. Nesse ano, ainda para a pacificação do Paraguai, solici-
tou o Governador 12.000 soldados, metade dos quais foi recruta-
da nos Sete Povos. Ficaram ali até o ano seguinte de 1735. E'
quando se dá o novo assédio da Colónia, em que mais 3.000 índios
tomam parte destacada, além de outros contingentes que perma-
nentemente percorrem as campanhas rio-grandenses, e «lugares
por onde podem vir os portugueses de São Paulo». Em 1740 a
população das Missões Orientais baixara para 21.106 almas, isto
é, menos 18.237 almas, apenas em oito anos.
- 4
)

Essa primeira fase vai até a guerra das Missões que culmina
no ano de 1757. Dezessete anos de paz refaziam já as popula-
ções missioneiras que haviam crescido de 26.403 habitantes em
1745 para 29.305 em 1753. A Demarcação de Limites corta no-
vamente o surto ascensional da população que, em 1757, baixa
a. 20.350 almas.Conhecidas as causas determinantes desse de-
créscimo que referiremos com maior minúcia. E entre elas avul-
tam: a tentativa de mudança dos Povos para que fossem ocupa-
dos pelos portugueses, de acordo com as cláusulas do Tratado de
1750; a guerra contra os demarcadores até a batalha de Caibaté,

24*) Segundo a Relação oficial do Provincial da Paraguai, P. Ma-


nuel Querini, em 1750 numeravam os Sete Povos 26.374 habitantes. (Mis-
sionália Hispânica, Madrid, 1949, n" 18 p. 547/48, publicado por F. Ma-
teos) . (L. J.G.)
196 AURÉLIO PORTO
em 1756, em que são trucidados, aproximadamente, 1.500 índios,
e, finalmente, a passagem para o território do Rio Grande de 600
famílias que, aldeadas junto ao Butucaraí, vão mais tarde consti-
tuir a Aldeia dos Anjos, nas proximidades de Viamão. A De-
marcação de 1750 marca o início dessa fase de decadência, de que
não mais se refazem os Povos missioneiros. E' quando também
começa a destruição dos monumentos artísticos, como essa admi-
rável igreja de São Miguel, a que os próprios índios lançam fogo,
num gesto de desespero e de protesto.
Anulado o Tratado de 1750, há ainda um surto de vida nas
Missões até a extinção da Companhia em 1768, quando a popula-
ção já atingira 22,349 almas. Daí, para diante, confiados a ad-
ministradores leigos, e Frades de diversas ordens, que não tinham
a força moral e autoridade dos Jesuítas, as Missões entram em
franca dissolução, revivendo todos os vícios, principalmente, a em-
briaguez, a desordem, a relaxação dos costumes cristãos, e dura
escravização dos índios compelidos a trabalhar em proveito dos
espanhóis. Em quando por própria solicitação dos mais
1801,
influentes elementos dos Povos são, pela Conquista, integrados
à Colónia Portuguesa, contavam as Missões unicamente 14.010
aabitantes. Os mesmos males e, quiçá, mais corrupção e desme-
dida ganância, encontraram os índios sob o regime português.
Ao ser proclamada a independência do Brasil, a população das
Missões orçava por 2.350 almas e, em 1827, quando o seu último
administrador brasileiro nos dá um quadro geral de sua popula-
ção, verifica-se que esta não passa de 1.874 habitantes índios.
Ção Luís e São Nicolau, com mais de 400 habitantes, eram ainda
os mais populosos, seguindo-se São Miguel com 271, São Louren-
ço com 258, São João com 212, e São Borja e Santo Ângelo com
180 e 103, respectivamente.
Além do péssimo regime administrativo, por várias vezes,
neste último período, viu-se a região missioneira talada por for-
ças orientais e brasileiras, nas contendas de que foi teatro duran-
te mais de vinte anos. Andresito Artigas, Rivera e outros, car-
regados de despojos e levando grande número de índios, contri-
buíram para a extinção dessas populações aborígenes. Mais tar-
de, Chagas Santos e outros completam a destruição, e as riquezas
artísticas dos Povos, alfaias, pratarias custosas, sinos e adornos
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 197

das igrejas, levados em carretas, vão constituir patrimônio de ou-


tras terras nacionais e estrangeiras. Algumas índias velhas, re-
manescentes das antigas civilizações jesuíticas, às escondidas, co-
mo um roubo, conseguem ocultar imagens e adornos, em ranchos
quase abandonados, a que montam guarda, como se fossem pre-
ciosos tesouros.
Foi este o fim melancólico do ciclo bissecular da civilização
jesuítica das Missões do Uruguai. Sentiu-o Saint-Hi-
Orientais
laire que visita todos os Povos em 1820 e nos dá, através de sua
dolorosa impressão, no seu livro admirável, um reflexo da melan-
colia de suas ruínas, atestadoras de uma grandeza extinta.
CAPITULO V

DECADÊNCIA DA CIVILIZAÇÃO JESUÍTICA i)

1. O Tratado de
Limites de 1750. — 2. A Guer-
ra das Missões. — Expulsão dos Jesuítas.
3. — 4.
A Nova Administração dos Sete Povos. — 5. De-
cadência das Missões Orientais do Uruguai.

1. O Tratado de Limites de 1750.

O Tratado de Madrid, celebrado a 13 de Janeiro de 1750 entre


as Cortes de Portugal e Espanha, assinala o início da fase de deca-
dência da civilização jesuítica nas Missões Orientais do Uruguai.
v

Necessário se tornava às duas potências detentoras das vastas co-


lónias sul-americanas dirimir os conflitos que as linhas impreci-
sas de Tordesilhas e os avanços ulteriores da penetração do po-
voamento haviam originado. Vinha ele consolidar, em parte, o
princípio do uti possidetis, determinando «que cada parte há de
ficar com o que actualmente possui», revogando-se «então todos
os actos que no convénio inicial tinham fundamento: a escritura
de venda outorgada em Saragoça, de 22 de Abril de 1529, o Tra-

1) Sobre este tão importante assunto publicou o P. Francisco Mateos.


S. J.,abalizado continuador da festejada "Historia de la Compafiía de Je-
sus en la Província dei Paraguay", do P. Pablo Pastells, S. J., um admirá-
vel trabalho de 59 páginas na MISSIONALIA HISPÂNICA, de Madrid.
1949, N v 17, p. 319 378.
- E' a última palavra acerca dessa questão. Te-"

remos oportunidade de nos referirmos diversas vezes a esse escrito. Esta


mesma História de Pastells Mateos é uma das fontes mais ricas e puras
-

de história do antigo Rio Grande do tempo das Missões. Sobre o mesmo


assunto publica o Prof. Manoelito de Orneias um notável artigo, subor-
nado ao título "O Tratado de Madrid e a Companhia de Jesus", em ESTU-
DOS, Porto Alegre, n° 3, 1953, pág. 75 100. (L. G. J.)
MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI
ESTATÍSTICA DA POPULAÇÃO DOS SETE POVOS DE MISSÕES DE 1690 A 1827

TOTAL DOS 7
BORJA NICOLAU LOURENÇO MIGUEL C M BATISTA
POVOS S. S. S. LUIS S. S. 1 1 ) í
SANTO ANGELO
ANOS v •)
Famílias Almas Famílias Almas Famílias Almas Famílias Almas Famílias Almas Famílias Almas Almas Famílias Almas

4 248 10 673 658 2 396 870 3 048 840 2 922 823 3.512 1.057 4 195 —
4 813 19 814 701 2 888 .040 315 880 3 280 890 3. 769 1.290 4 592 —
5 031 20 9 IO 097 2 088
1

l .066 r-
890 920 3 582
')
953 4. 140 630 885 705 2 832 _
281) 20 080 780 2 000 1.210 4 099 943 473 990 4. 427 036 2 197 724 2 690
a 280 26 i ur> 757 2 884 1 .202 380 1.017 3 997 1.022 4. 519 715 3 11)0 770 3 361 737 2.879
810 27 ggg 771 4 284 1 .300 5 909 787 3 339 992 4. 271 673 3 2.") 1 589 ;) 088 032 3.100
1715 596 28 338 834 3 391 1.523 058 900 3 830 1.085 4. 700 097 2 823 825 3 850 732 3.020
1719 1 18 28 407 524 2 073 1 .228 729 1 .043 4 532 1 .045 4. 880 835 3 1 1 892 3 722 881 8.470
1724 200 32 495 574 •>
900 1.455 g 007 1.144 045 1.240 5. 224 890 3 972 907 4 029 924 4.052
1729 7 Hs:í 35 287 609 3 297 1.310 5 984 1.380 6 215 1.388 6. 225 993 4 710 905 1 111 938 4.715
1782 *») 9 835 39 343 919 3 079 1 .938 7 751 1 .515 6 182 1 .028 6. 513 1 .21 1 4 859 1.31 5 274 1.272 5.085
6 538 32 807 549 3 277 1.113 6 594 1.011) 4 089 939 4. 548 940 4 073 1 .012 5 129 945 4.557
1740 4 736 21 106 570 3 291 546 2 194 504 2 391) 242 1. 173 1.122 4 710 484 2 171 1.208 5.228
1745 5 947 26 403 728 3 924 910 3 531) 738 2 908 101 1. 563 1 .31 1 6 675 088 2 925 1 .1199 1.818
1749 6 12!) 27 254 630 3 541 980 3 913 812 3 354 480 S42 1 335 6 695 803 3 271 1.122 1 838
.

6 556 29 305 622 3 232 1 .028 4 724 814 3 783 510 2. '191 K372 6 229 900 3 892 1 , 18(1 5.417
1757 3 512 20 350 160 1 934 542 2 542 832 3 802 387 l. S52 444 2 972 796 3 8811 351 3.308
1702 4 530 25 083 298 2 714 624 4 429 859 4 239 344 1. 782 1.020 4 038 940 4 017 445 3.803
1766 4 747 20 117 499 2 546 843 3 939 843 3 177 276 1. 205 710 3 011 912 3 829 658 2.710
1808 M) 4 766 22 349 420 2 761 708 4 194 828 3 500 324 1. 112 786 3 556 930 4 1110 710 2.820
1781 ") 4 183 16 731 485 1 942 917 3 607 877 3 500 318 1. 275 493 1 973 597 2 388 496 1980.

1704**) 3 908 15 421 649 2 154 797 2 984 791 3 312 324 1. 171 585 2 334 481 2 018 341 1 .448
1X01 21» 3 177 11 010 325 T 300 985 3 940 587 2 350 240 960 500 1 900 400 1 11(10 440 1 .900
1814 ») 1 614 6 395 356 1 424 386 1 545 370 1 412 108 134 176 7(10 138 554 80 320
1822 <") 586 2 350 100 400 62 250 50 200 62 250 150 000 75 300 50 350
1827 »-') 467 1 874 45 180 101 404 111 446 64 258 68 271 53 212 25 103

25) Esta população consta de Teschaucr, Hist. II, 14, que dá só o número de almas, sendo o das famílias calculado pelo índice da média geral. Outros dados encontram-se na Col. de Angelis,
B. N. Mss. I, 29, 1, 119.
26) Estado dos Povos. 1708. Quadro estatístico. B. N. Mss. I, 29, 5, 42.
27) Azara. Gcograf. física, cit. Cálculo médio quanto às famílias.
28) Estados dos Povos- Mss. I, 29, 1, 119.
29) Gonçalves Chaves. Memórias ecónomo-políticas. Rev. Ins. R. G. S. 1032. 100.
30) S. Leopoldo. Anais. 2.' ed. 262.
31) G. Chaves. .l/em. cit. Esta é a lista de famílias, de 1801, calculadas pela média conhecida de 4 pessoas por família.
32) Mapa geral dos bens dos Povos, em 26-VII'1827. f ltima estatística conhecida da Administração Geral das Missões. Rev. Arquivo Público R. G. Sul, 1 pág. 76. Pôrto Alegre, 1921.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 199

tado de Lisboa, de 13 de Fevereiro de 1668, e o de Utrecht, de 6


de Fevereiro de 1715».
Estipulava o Tratado de 1750 que a demarcação tivesse «por
balizas as paragens mais conhecidas, para que em nenhum tem-
po se confundam, nem dêem ocasião a disputas, como são a ori-
gem, e curso dos rios, e os montes mais notáveis». «Na aplica-
ção dessa regra, observa o Dr. Rodolfo Garcia, os diversos artigos
do Tratado estipularam, entre outras disposições, que a bacia do
Prata ficava pertencendo à Espanha, emquanto a do Amazonas
permanecia com Portugal. Do lado do Brasil, a fronteira devia
buscar em linha recta os cumes dos montes, cujas vertentes des-
cessem por uma parte para a costa, que corre ao Norte do rega-
to, ao pé do monte de Castilhos Grande, ou para a Lagoa Mirim;

e pela outra parte para a costa, que corre do mesmo regato ao Sul,
ou para o Rio da Prata, de sorte que as cumieiras dos montes ser-
vissem de raia dos domínios das duas Coroas. Todas as verten-
tes que descessem para a Lagoa Mirim, ou para o Rio Grande de
São Pedro ficavam para Portugal e para a Espanha as que bai-
xassem aos rios tributários do Prata. O mesmo sistema vigora-
va com relação ao Amazonas: «pertencerá à Coroa de Portugal
tudo o que tem ocupado pelo rio das Amazonas, ou Maranón aci-
ma e o terreno de ambas as margens deste rio». No que respeita
à demarcação mais precisa desse território do lado das possessões
espanholas, estipulou-se que a fronteira descesse o Javari até sua
junção com o Amazonas e prosseguisse por este rio abaixo até
a boca mais ocidental do Japurá, que nele deságua pela mar-
gem setentrional; que continuasse a fronteira pelo álveo do rio
Japurá e pelos demais rios que a ele se juntam e que mais se
chegam ao rumo Norte, até encontrar o alto da cordilheira de
montes, que medeiam entre o rio Orinoco e o Amazonas; e prosse-
guisse pelo cume desses montes para o Oriente, até onde se esten-

1*) Rodolfo Garcia — Documentos sobre o Tratado de 1750. I, 3.


Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. L II. 1930. Precede essa
preciosa colectânea de documentos mandados copiar por Francisco Adolfo
de Varnhagen no Arquivo de Simancas, e que se encontram no Arquivo
do Itamarati, magnífica introdução do douto historiador e mestre Dr. Ro-
dolfo Garcia, de quem são também as notas preciosas que ilustram a par-
te documental. Deste trabalho nos socorreremos bastas vezes, fazendo
de sua documentação e notas os fundamentos deste capítulo.
200 AURÉLIO PORTO
desse o domínio de uma e outra Monarquia. Ainda quanto à ba-
cia do Amazonas mais especialmente, como português,
território
devia abranger todas as vertentes que baixassem para o grande
rio, entre ele e o Orinoco: «pelo que toca aos cumes da Cordilheira
que hão de servir de raia entre o rio das Amazonas e o Orinoco,
pertencerão à Espanha todas as vertentes que caírem para o Ori-
noco e a Portugal todas as que caírem para o rio das Amazonas
ou Maranón». 2 )
Três artigos do Tratado de 1750 interessam especialmente este
estudo, e merecem transcrição integral:

«Art. XIV —
Sua Majestade Católica em seu nome e de seus
Herdeiros e Sucessores cede para sempre à Coroa de Portugal. . .

todas e quaisquer povoações e estabelecimentos, que se tenham


feito por parte de Espanha no ângulo de terras compreendido en-
tre a margem setentrional do rio Ibicuí e a oriental do Uruguai.

Art. XVI — Das Povoações ou Aldeias que cede Sua Majes-


tade Católica na margem oriental do Uruguai, sairão os Missioná-
rios com todos os móveis, e efeitos, levando consigo os índios para
aldear em outras terras de Espanha; e os referidos índios pode-
rão levar também todos os seus bens móveis e semoventes, e as
Armas, Pólvora e Munições, que tiverem; em cuja forma se entre-
garão as Povoações à Coroa de Portugal, com todas as suas Ca-
sas, Igrejas e Edifícios e a propriedade e posse do terreno. . .

Art. XXII —
Determinar-se-á entre as duas Majestades o dia
em que se hão de fazer as mútuas entregas da Colónia do Sacra-
mento com o Território adjacente, e das Terras e Povoações com-
preendidas na cessão, que faz Sua Majestade Católica na margem
oriental do rio Uruguai; o qual não passará do ano, depois de se
firmar este Tratado ...»

Como se vê, em troca da Colónia do Sacramento, que sempre


fora umpeso morto na expansão portuguesa para o Prata e a cau-
sa originária de secular conflito, dava-se a Portugal o território
missioneiro onde floresciam os Sete Povos com suas «trinta mil

2) Idem, ibidem. 5.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 201

almas, velhos, mulheres, crianças, e setecentas mil cabeças de ga-


do», 3
) cujo êxodo deveria ter lugar dentro de um ano. «O ódio
originário — escreve Capistrano de Abreu — tornara-se heredi-
tário; e era a estes inimigos de mais de três gerações que ingénua
ou perversamente se entregavam, não a terra e a gente, mas a
terra sem a gente? A gente havia de deixar as suas igrejas que
ainda hoje causam a admiração dos viajantes, suas lavouras, suas
casas, chácaras fertilizadas indefessamente em labuta se-
suas
cular; tinha de emigrar em condições muito piores que da primei-
ra vez, quando fugiram dos mamalucos, pois ao menos então es-
tavam atreitos ao viver no mato e andavam alheios às comodida-
des da cultura. ?» 4 )
. .

Feita, dentro de um ano, a mudança dos Tapes de seus Po-


vos de Missões para outras terras pertencentes à Espanha, iriam
ocupar as terras dos mencionados Povos os moradores da Colónia
do Sacramento e um certo número de casais açorianos, cuja re-
messa se intensificou com esse intuito para o Presídio do Rio
Grande.
«Ratificado o convénio por parte de Portugal, em 26 de Ja-
neiro, e por parte de Espanha em 8 de Fevereiro, foram em 17
de Janeiro de 1751 assinados três outros Tratados, em Madrid, pe-
los quais, respectivamente, se regulavam as instruções dos Comis-
sários que deviam passar ao Sul da América, se formulavam ar-
tigos separados sobre as mesmas instruções, e se prorrogava o
termo das entregas mútuas para se estenderem por todo o ano
de 1751. Para presidirem à execução do pactuado a Corte de Lis-
boa nomeou Comissários principais Gomes Freire de Andrada, Go-
vernador e Capitão-General do Rio de Janeiro, Minas Gerais e São
Paulo para a divisão do Sul, e Francisco Xavier de Mendonça Fur-
tado, Governador do Estado do Maranhão, para a divisão do Nor-
te, este substituído depois por D. António Rolim de Moura, Go-

vernador de Mato Grosso. A Corte de Madrid, por sua vez, no-


meou seus Comissários principais para a divisão do Sul o Mar-
quês de Valdelírios, D. Gaspar de Munive León Garabito Telo y

3) Capistrano de Abreu. Nova Colónia do Sacramento. XXX.


4) C. Abreu. Nova Colónia, XXX.
202 AURÉLIO PORTO
Espinosa, natural do Perú, e para a divisão do Norte o Chefe de
Esquadra, D. José de Iturriaga». 5 )
Para assumir suas funções o General Gomes Freire de An-
drada deixou o Rio de Janeiro em 10 de Fevereiro de 1752, che-
gando ao Presídio do Rio Grande de São Pedro a 6 de Abril; mas
só em 9 de Outubro encontrava-se pela primeira vez com o Mar-
quês de Valdelírios em Castilhos Grande.
Antes mesmo de deixar o Rio de Janeiro, entre os vários
aprestos para boa execução de suas funções, determinou o Gene-
ral Gomes Freire que o Coronel Cristóvão Pereira de Abreu pas-
sasse a São Paulo onde deveria recrutar duzentos paulistas esco-
lhidos para constituir um corpo de batedores que precedesse no
conhecimento prático do terreno a Comissão Demarcadora. Sa-
tisfez Cristóvão Pereira o encargo e em 1752 ia-se reunir a esse
alto Comissário à frente do contingente que trouxera. E foi um
de seus aventureiros o paulista João Pais Floriano «o primeiro
que penetrou e descobriu o Rio Grande (Jacuí)», segundo Simão
Pereira de Sá. 6 ) Foi este em companhia de Luís Garambeu,
também paulista e tronco, mais tarde, de uma das famílias rio-
grandenses. Descoberta a navegação desse rio que aproximava
Viamão das Missões, determinou Gomes Freire que Cristóvão Pe-
reira à frente de seus soldados fosse ocupar posição estremada
nas proximidades dos Povos de Missões, indo este situar-se em
Rio Pardo, antiga estância do Povo de São Luís. T )

5) R. Garcia. Anais B. N. Tratado de 1750. I, 8.


6) Nova Colónia do Sacramento. Parte inédita, cód. mss. hoje per-
tencente ao Museu Paulista adquirido em Londres pelo Dr. Félix Pacheco.
Parece ser cópia feita pelo Coronel Sá e Faria. Sobre a primeira explo-
ração do Rio Pardo, "que penetra na Gaíba coisa de trinta léguas acima
da barra", e que foi levada a efeito pelo furriel Francisco Manuel de Sou-
sa e Távora, filho de João de Távora, com alguns paulistas, veja-se o
verb. 19.224, Inventário de Documentos. Anais da B. N. Vol. L. 514. Rio
Pardo, logo ocupado por um destacamento de Dragões, será daí em dian-
te o extremo ocidental da raia portuguesa e terá definitiva actuação no
avanço para as Missões e povoamento do Rio Grande do Sul, conhecida
pela designação de Tranqueira do Rio Pardo.
7) Encontram-se no Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul, (Mu-
seu Júlio de Castilhos) as Folhas de mostra desse corpo de paulistas or-
ganizado por Cristóvão Pereira, dos quais muitos ficaram no Rio Pardo,
constituindo troncos da família rio-grandense. Pertencem, em sua maior
parte, a antigas famílias bandeirantes, cujos nomes figuram entre os
mais assinalados da Era das Bandeiras.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 203

Ficara acordado na conferência preliminar dos dois altos Co-


missários que caberia aos portugueses presidir à evacuação de
três e aos espanhóis a de quatro dos Sete Povos, sendo Rio Pardo,
como mais próximo das Missões, o ponto escolhido para concen-
tração das forças portuguesas.
A
Demarcação de Limites de 1750, se por um lado assinala o
inícioda decadência da civilização jesuítica, com os primeiros as-
somos da rebeldia dos índios em defesa de suas terras, por outro,
marca a fase estrutural da vida rio-grandense. «Este tratado de
1750 e esta guerra das Missões, que custaram ao Estado mais de
vinte e seis milhões de cruzados, encarados pelo lado político não
trouxeram resultados favoráveis aos dois povos europeus. Mas,
forçoso é reconhecer que o Rio Grande retirou benefícios reais
desses dois factos. O Tratado, por intermédio das Comissões De-
marcadoras, tornou conhecido o interior do país, determinou em
cartas geográficas a posição e direcção de todos os acidentes fí-

sicos do seu solo e desbastou o terreno que mais tarde tinha de


ser percorrido por outras comissões. A
guerra, por intermédio
das marchas do exército, abriu e aplanou as primeiras estradas
da campanha, desenvolveu o comércio pela necessidade do forne-
cimento às tropas e finalmente iniciou o povoamento dos campos
criadores mediante os soldados que pediam baixa e que por lá se
estabeleceram». 8
)

Do Tratado de 1750 decorrem as fundações do Porto dos Ca-


sais (Porto Alegre), em Novembro de 1752; 9 Rio Pardo e Santo
)

8) História, Popular do Rio Grande. Rio, 1882.


Alcides Lima.
9) A
fundação de Porto Alegre se dá com o estabelecimento, no
Porto de Dorneles, dos primeiros casais açorianos que o povoam. Come-
morou-se o segundo centenário da concessão oficial da sesmaria de Jeró-
nimol de Orneias de Meneses e Vasconcelos em cujos campos foi estabele-
cida a actual cidade, mas não a sua fundação que decorre da data do iní-
cio do povoamento. A 28 de outubro de 1752 determina Gomes Freire, de
Castilhos Grande, passe o cirurgião do Regimento de Dragões "a escoltar
as famílias que vão para as Missões". (Doe. 6, Exp. Arq. Hist. R. G. do
Sul.) Em 28 de Novembro de 1752, em Viamão, registra-se o óbito de Jo-
sefa Maria, ocorrido no Porto de Dorneles, de um pau que lhe caiu em
cima, estando o marido (Manuel Cardoso, casal açoriano) cortando o mes-
mo pau", (óbitos de Viamão. 1752.) Fica, assim, determinada precisa-
mente a data em que chegaram ao Porto do Dorneles os primeiros casais,
que pode ser fixada em meados de Novembro de 1752. O primeiro filho
de ilhéu baptizado em Viamão e nascido no Porto do Dorneles é Mateus,
204 AURÉLIO PORTO
Amaro, que recebem, em 1755, os seus primeiros povoadores aço-
rianos. Eram todos destinados às Missões.
Para cumprir as determinações do Tratado, junto aos Padres
da Companhia, designara o Rei de Espanha, por indicação do Ge-
ral Inácio Visconti, o Padre Lope Luís Altamirano que veio para
a América juntamente com o Comissário Marquês de Valdelírios.
Difícil e profundamente antipática a missão que fora confiada a
esse sacerdote, logo recebido em meio da desconfiança geral que
o impopularizou não só nas Doutrinas que deveriam sofrer o duro
golpe da evacuação de seus Povos, como em toda a região missio-
neira até o Paraguai.
Sentindo a repugnância latente que se exteriorizava em vá-
rias representações de Cabildos e Governadores sobre a inexequi-
bilidade do Tratado, o Padre Altamirano procurou cercar-se da
influência do Padre Bernardo Nusdorffer, 10 ) sacerdote provecto,
cuja actuação entre os índios, como Cura e como Provincial, lhe
havia dado inigualável prestígio. Seria o P. Bernardo o coorde-
nador principal das diligências concernentes à escolha de terreno
para novas instalações de aldeias e o encarregado de dirigir a
trasladação dos respectivos Povos. Mais tarde, também com esse
objectivo, o Padre José Cardiel, 11
cujo nome está profundamen-
)

te vinculado à história das Missões, é mandado à região ao Sul do


Ibicuí, onde deveriam ser sediados alguns Povos, legando-nos des-
se trabalho um interessante mapa. 12 )
Ao mesmo tempo, por intermédio do Padre Nusdorffer, diri-

íilho de Manuel Pereira Soares e Mariana da Silveira, naturais de São


Jorge. Foi levado à pia em 8 de Dezembro desse ano e tem como padri-
nhos Manuel e Teresa de Orneias, filhos do sesmeiro Jerónimo de Orneias.
10) Bernardo Nusdorffer nasceu em Plattling, Baviera, em 17 de
Agosto de 1686, entrando para a Companhia em 17 de Outubro de 1704.
Professo de 4 votos em 2 de Fevereiro de 1722, partiu para o Paraguai
em 1730. Foi Reitor, Superior do Paraná e Provincial do Paraguai, co-
nhecedor profundo da língua e alma dos guaranis. (F. Mateos em Missio-
nalia Hispânica, 1949, n ç 17, pág. 321.)
11) José Cardiel. Nasceu em La Guardia, Rioja, em 8 de Março de
1704, e entrou na Companhia em 8 de Abril de 1720. Em 1730 foi enviado
ao Paraguai. Fez os 4 votos em 15 de Agosto de 1737. Prestou relevan-
tes serviços às Missões. Escreveu vários trabalhos de alto valor, cujos
originais se encontram na B. N. e deles nos temos amplamente servido.
Expulso em 1768, foi para Faenza, onde em 1772 escreveu a Relacrón Ve-
ridica. Ver G. Furlong, José Cardiel y su Carta-Relación (1747). B.A. 1953.
12) Furlong. Cartografia.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 205

giu-se o Comissário a todos os Curas dos Sete Povos, mostrando-


Ihes a conveniência de cumprir as determinações reais, e estra-
nhando «o zelo indiscreto» que os movia na obstinação que alguns
mostravam antepondo-se ao cumprimento dessas ordens.
Embora demonstrando grande descontentamento e protestan-
do mesmo contra os inconvenientes da mudança como fez o P.
Cardiel,em carta que dirigiu ao P. Altamirano, os Curas dos
Povos, curvando a cabeça à obediência, procuraram convencer os
seus catecúmenos que cumprissem com essa determinação. Era
Superior das Missões o P. Matias Strobel, ]4que percorreu os
)

Sete Povos e escreveu ao Comissário que «nem emcinco anos


seria possível fazer a mudança». E acrescentava que a traslada-
ção dos índios não se faria sem um milagre, dada a indisposição
que havia notado nas Missões.
Não obstante o P. Altamirano, em fins de Novembro de 1752,
já conseguira que os três Curas de São Lourenço, São Luís e São
Borja «saíssem com parte de seu povo antes do dia assinalado 3
de Novembro para formar ranchos em seus respectivos e escolhi-
dos terrenos». ir') Mas, os outros protelavam qualquer providên-
cia nesse sentido, sendo duas as causas principais da oposição a
essa mudança na opinião do suspeito Altamirano: «A primeira
sua demasiada e cega confiança, fundada em muitas representa-
ções, que o Tratado não será efectivado», e a segunda «o errado
preceito» de que não os obrigam as ordens do Padre Geral, «por-
que elas mandam cooperar para uma notória injustiça, pois jul-
gam e dizem que é grave o prejuízo que padeceriam os índios com
sua mudança e perda de suas igrejas e Povos, não se lhes dando
como não se lhes dá igual recompensa». 1S )
Por ocasião da execução do Tratado, dirigiam os Sete Povos,
como Curas, Companheiros e Auxiliares os seguintes Padres: São

13) Anais B. N. Vol. LII. p. 211.


14) Murberg, em 18 de Fevereiro de
P. Matias Strobel. Nasceu em
1694 entrando para a Companhia em 28 de Outubro de 1713. Fez os 4 vo-
tos em 19 de Abril de 1733. Durante 50 anos trabalhou nas missões do
Paraguai. (Cat. publ.).
15) Anais cit. LU, 215. — Furlong, J. Cardiel y su Carta-Relación,
p. 28 ss.
16) Idem, ibidem, 225.
206 AURÉLIO PORTO
Borja, P. Miguel Amengual, 17 Companheiros Padres Antó-
e os
)

nio Planes 1S )
e P. Jaime Mascaró; 19 ) São Nicolau, os Padres
Carlos Tux, 20 ) e João Gilge; 21 ) São Luís, os Padres Inocêncio
Erber 22 ) e Jacinto Marques; 23 ) São Lourenço, os Padres Tadeu
Enis, 24 ) Francisco Xavier Limp 25 ) e José Unger; 26 ) São Mi-
guel, os Padres Lourenço Balda, 27 ) Miguel de Sotto 28 ) e Diogo
Palácios; 29 ) São João, os Padres Luís Charlet, 30 ) Pedro Vied-

17) Miguel Amengual. Nasceu na ilha Maiorca em 12 de Maio de


1716 e entrou na Companhia em 6 de Outubro de 1740. (Cat. publ.).
António Planes, natural de Palma, Maiorca, nasceu em 21 de
18)
Novembro de 1713, entrou na Companhia em 24 de Setembro de 1732, e
fez os 4 votes em 1 de Novembro de 1745. (Catai. cit.). Veja também
Notas do dr. R. Garcia sobre Doe. Tratado. Anais LII e LIII.
19) Jaime Mascaró. Natural de Palma, na Maiorca, nasceu em 17
de julho de 1717 e entrou na Companhia em 6 de Outubro de 1740. (Cat.
cit.).
20) Carlos Tux, natural de Peters Walden, na Silésia, nasceu em
13 de Agosto de 1700, entrou na Companhia em 24 de Outubro de 1718;
professo de 4 votos em 23 de Junho de 1736. (Cat. cit.).
21) João Gilge, natural de Schwiebussen, Silésia, nascido em 20 de
Agosto de 1713, entrou na Companhia em 20 de Outubro de 1738; professo
de 4 votos em 28 de Outubro de 1755. (Cot. cit.).
22) Inocêncio Erber, natural de Leibach, na Áustria, nasceu em 8
de Outubro de 1694 e entrou para a Companhia em 6 de Janeiro de 1715.
Professo dos 4 votos em 19 de Abril de 1733. Morreu em 1766. (Cat. cit.).
23) O Padre Jacinto não consta do catálogo respectivo.
24) Tadeu Xavier Enis, natural da Boémia, nasceu em 29 de Julho
de 1711, entrou na Companhia em 20 de Outubro de 1732; professo dos 4
votos em 15 de Agosto de 1747. (Cat. cit.).
25) Francisco Xavier Limp, natural de Buda, na Hungria, nasceu
em 25 de Maio de 1695, entrou na Companhia em 18 de Outubro de 1713.
Professo dos 4 votos em 15 de Agosto de 1739. Faleceu em 1768. (Cat.
cit.).
26) José Unger, natural da Boémia, nasceu em 24 de Maio de 1717,
entrou na Companhia em 9 de Outubro de 1737; professo dos 4 votos em
24 de Junho de 1752. (Cat. cit.).
27) Lourenço Balda, natural de Pamplona, nasceu em 16 de Julho
de 1704, entrou na Companhia em 7 de Novembro de 1726; professo dos 4
votos em 5 de Fevereiro de 1744. (Cat. cit.).
28) Miguel de Sotto, natural de Madrid, nasceu em 8 de Maio de
1718, entrou na Companhia em 8 de Maio de 1733; professo dos 4 votos
em 25 de Agosto de 1752. (Cat. cit.).
29) Diogo Palácios, natural de Tarazona, Espanha, nasceu em 11
de Maio de 1705, entrou na Companhia em 13 de Maio de 1720, professo
dos 4 votos em 1736. (Cat. cit.).
30) Luís Charlet, natural de Sabóia, nasceu a 15 de Setembro de
1694, entrou na Companhia em 1 de Julho de 1716; professo dos 4 votos
em 14 de Maio de 1734. Servia de Provincial em 1752. (Cat. cit.).
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 207

ma 81 e Adolfo Skal; 32 )
Santo Ângelo, os Padres Bartolomeu
Pisa 33 )e José Garcia. 34
Muitos outros aparecem dirigindo
)

momentaneamente os Povos ou sendo capelães de suas estâncias.


Logo que chegou ao conhecimento dos Jesuítas a ordem para
a mudança dos Povos, trataram eles de procurar terrenos em con-
dições de alojar as novas aldeias. Uma das grandes dificuldades
que se opunham a isto estava na escassez de localidades próprias
para estabelecer as suas grandes estâncias de criação de gados,
que acarretaria aos Povos da Banda Ocidental a perda das suas,
que seriam ocupadas pelos transmigrados.
Mesmo assim fizeram-se os preparativos iniciais para a mu-
dança. «Ordenou-se», diz Teschauer, «nos Povos de São Xavier
e Santa Maria Maior se fizesse em cada um 50 carretas para aju-
dar o transporte da fazenda dos Sete Povos; semelhante ordem se
deu a Conceição e Apóstolos, que todos tivessem prontas suas
canoas e quantas carretas pudessem preparar aos Povos que de-
viam transmigrar.
«Só o Povo de São Miguel possuía território para mudar-se
em uma distância de duzentas léguas ao Norte de Queguai, mas,
sem uma venda nem pousada e ainda em cima com grande parte
da área duvidosa, se era terra realenga ou de um cidadão de Bue-
nos Aires, porque poucos anos antes tivera ali gado como em ter-
reno próprio.
«Fizeram-se sair outros exploradores e para a outra banda,
onde se descobriram sítios que, se não eram muito bons, ofereciam
ao menos os requisitos indispensáveis a estes estabelecimentos.
«Concordou-se que o Povo de São Luís se retirasse para a
região entre a lagoa Iberá, o Mirinaí e o rio Santa Lúcia.

31) Pedro Viedma, natural de Jaén, Andaluzia, nasceu em 11 de Ja-


neiro de 1718 e entrou para a Companhia em 8 de Maio de 1740; professo
dos 4 votos em 15 de Agosto de 1754. (Cat. cit.).
32) Adolfo Skal, natural de Grosskunzendorf, em Silésia, nasceu em
27 de Junho de 1700, entrou na Companhia em 27 de Setembro de 1719;
professo dos 4 votos em 13 de Junho de 1736. (Cat. cit.).
33) Bartolomeu Pisa, natural de Palma, na Maiorca, nasceu em 24
de Fevereiro de 1710, entrou na Companhia em 23 de Fevereiro de 1733;
professo dos 4 votos em 15 de Agosto de 1743. (Cat. cit.).
34) José Garcia, natural de Andaluzia, nasceu em 19 de Março de
1710, entrou na Companhia em 31 de Março de 1726; professo dos 4 votos
em 4 de Março de 1745. (Cat. cit.).
208 AURÉLIO PORTO
«Para o Povo de São Lourenço propôs-se uma ilha grande
do Paraná que principiando acima das cachoeiras estendia-se até
abaixo delas; mas ele preferiu volver a Santa Maria Maior donde
se tinha antigamente desmembrado como colónia.

«O de São João obteve terras entre o Paraná e o Paraguai,


perto do pantanal de Nembucú.
«Ao Povo de Santo Ângelo designou-se um distrito ao Norte
do Povo de Corpus, e aos demais marcaram-se distritos; um era
evidentemente insalubre, os outros expostos às correrias dos char-
ruas, cujas depredações de gado seriam maiores do que as hosti-
lidades directas.

«Logo que o Cura de São Miguel foi cientificado de que os


borjistas queriam mudar-se para o rio Queguai, escreveu ao Su-
perior P. Nusdorffer, segundo este mesmo relata, protestando con-
tra tais vizinhos; o mesmo fez oCura de Japejú, porque ninguém
gostava de tê-los perto e eles haviam feito contínuos danos na
estância de Japejú»; 35 )
Como se vê deram-se todas as providências no intuito de cum-
prir as determinações do Tratado de 1750, se bem que iníquo, pre-
ferindo os índios passar com suas terras ao domínio da coroa por-
tuguesa, conforme solicitação feita, de que nos dão notícia os do-
cumentos do Tratado. 3tí
)

Mais tarde, ante a impossibilidade da mudança de alguns Po-


vos que retornaram das proximidades dos lugares em que se iam
estabelecer, resolveram os Padres, com anuência das Autoridades,
escolher terrenos ao Sul do Ibicuí, ocupado pelas estâncias de
Japejú, São Miguel e São Nicolau,em que se deveriam erigir no-
vas povoações. Fez o levantamento do terreno o P. José Cardiel,
que nos deixou desse trabalho um interessante mapa. ;!7 )
Tratavam os Povos de efeituar a mudança e muitas famílias
haviam já transposto o Uruguai para tomar conta de suas novas
terras, quando surgiu um movimento de rebeldia, que partiu dos

35) Teschauer. Hist. R. G. S. Vol. II. 211. Nusdorffer. B. N. Mss.


F. Mateos, em Mission. Hisp. 1949, n» 17, p. 323 ss.
36) Anais B. N. LU.
37) Cartografia jesuítica.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 209

índios de São Nicolau. Um índio ladino, Cristóvão Paicá, que ha-


via estado longos anos fugido entre os portugueses do Brasil, con-
trariando as insinuações dos Padres para que cumprissem a or-
dem real, lhes fez ver a injustiça que se lhes fazia, arrancando-os
de suas casas. Lavrou logo a rebeldia que se comunicou a outros
Povos. 37»).
Em 27 de Fevereiro de 1753 o P. Comissário Luís Altamira-
no, que tinha a sua sede em Japejú, sentindo-se até ameaçado em
pua vida, pois crescera o boato de que «estava a serviço dos por-
tugueses» e que era objecto do ódio que lavrara nos Povos, resol-
veu seguir para Buenos Aires, incumbindo ao P. Francisco Xavier
Limp, Cura de São Lourenço, para proceder à mudança dos Sete
Povos. Segundo comunicação do P. Lourenço Balda, Cura de São
1

Miguel, os índios alvorotados estavam convencidos que o P. Alta-


mirano «não era sacerdote e sim português disfarçado de padre»
e que iriam expulsá-lo de suas terras «y asy que lo echaran rio
abajo». 38
)

OBSERVAÇÃO. Após a fuga de Altamirano, Andonaegui fez promul-


gar em Buenos Aires a sua próxima ida aos 7 Povos para lhes impor a obe-
diência se não fosse por meios pacíficos seria pelas armas. Antes, porém, ten-
tou ainda amedrontá-los com ameaças mediante uma carta que enviou ao P.
Strobel para ser transmitida aos 7 Povos. (Missionalia Hispânica. N9
23, p.
245 ss.). Mas os guaranis mais se obstinaram, dando um resultado contra-
producente.
Recorreu Altamirano a novo expediente: tirar os curas dos 7 Povos afim
de privá-los de toda assistência espiritual. Calculavam os senhores lá de Bue-
nos Aires que os índios cederiam, sendo quase certo que não os deixariam par-
tir. Mas nem o Bispo de Buenos Aires, nem Andonaegui aceitaram esse alvitre.
Os Superiores da Companhia fizeram tudo para evitar a guerra que ha-
veria de ser funesta. Escreveram ao Rei da Espanha. Mas o ministro Carva-
jal confiscava cuidadosamente toda a correspondência jesuítica, mantendo ao
monarca numa total ignorância da realidade missioneira.
Alvitrou o P. Comissário um «assalto teatral», em que os missionários
mostrassem patèticamente a seus neófitos a necessidade de transmigrarem.
Mas todos os Curas votaram unanimemente contra essa medida. Então Alta-
mirano ordenou que todos os Padres abandonassem os 7 Povos, levando apenas
o breviário. Para este efeito passou toda a sua autoridade ao P. Alonso Fer-
nández, Reitor do Colégio de Buenos Aires, como Vice-Comissário. O prazo
marcado para a fuga dos missionários devia ser o dia 15 de Agosto de 1753.
Partiu Fernández, acompanhado de mais dois padres jesuítas com faculdade
de até expulsar da Companhia ao missionário que de qualquer forma se opu-
sesse às ordens reais, ou então de suspendê-lo das ordens sacras.

37') F. Mateos, Mission. Hisp. cit. p. 349 ss.


38) Doe. Trat. Vol. LII, 362.
210 AURÉLIO PORTO
Mau grado todo o sigilo, os índios, por seus espiões, já sabiam em Ju-
lho de 1753 da aproximação do P. Fernández e seus companheiros, sobre os
quais foram informados que eles eram vendilhões dos 7 Povos aos portugueses,
e que lhes vinham tirar os venerados Curas. Resolveram pois os de São Mi-
guel, os mais exaltados, apoderar-se dos 3 forasteiros já em São Tomé, antes
de terem atravessado o Uruguai. Os Padres porém lhes escaparam. Rigorosa
vigilância foi posta em todos os passos do rio, impedindo sem consideração a
entrada de qualquer pessoa suspeita e de todo e qualquer escrito ou carta, que
eram queimados sem piedade. Mais ainda: Fizeram saber a todos os Missio-
nários dos 7 Povos que ninguém deles se atrevesse a arredar o pé do lugar
onde estavam, que Deus os fizera Padres e os tinha enviado para assisti-los,
como o haviam feito os velhos missionários do século passado.
O empenho de Fernández de ele mesmo penetrar nos 7 Povos, como
ainda 14 tentames de ao menos avisar aos Curas por escrito e lhes impor os
seus preceitos, se desmoronaram perante a fiscalização dos guaranis. Uma
única carta que chegou ardilosamente às mãos do P. Tux, Cura de São Nico-
lau, foi arrancada das mãos do Padre ao começar a lê-la, com grave desres-
peito a sua pessoa. (Mateos, Mission. Hisp. N ? 23, p. 270). A suspensão da
Missa não só escandalizou aos indígenas como ainda os irritou mais, sabendo-
se quanto estimavam o Santo Sacrifício. A tal ponto já lavrava o facho do
descontentamento que chegaram a incitar à rebeldia es próprios irmãos de
raça da Banda Ocidental, onde de facto começou a reinar a oposição. Como
fracassara a missão de Altamirano, não foi mais feliz o P. Fernández, perse-
guido de morte pelos índios. Os próprios Padres dos 7 Povos começaram a
ser tão rigorosamente custodiados que não lhes foi possível fugir e nem se-
quer comunicar-se com os outros Curas. Um deles, manifestando que já não
podia rezar missa, ouviu que, neste caso, nem lhe davam mais nada de comer.
Os meios pacíficos estavam esgotados.
Onde esteve a culpa? O P. Mateos, que estudou a fundo toda a docu-
mentação relativa a todos esses sucessos, reduz todo o fracasso a três erros
fundamentais: 1." ignorância absoluta da realidade americana nas cortes euro-
peias; 2." falta total do necessário tacto para realizar a transmigração; 3. ? o
incrível atropelo e pressa na execução. Houvesse mais tacto, mais calma e o
tempo indispensável, os Jesuítas teriam levado a bom termo a mudança. Mas
como os culpados não quiseram reconhecer o seu erro, os governantes luso-
hispanos limparam as mãos à parede, lançando a culpa aos Jesuítas. (Pastels-
Mateos, VIII, 2/ parte, p. 1065-1081, carta do P. João de Escandón, testemu-
nha ocular e autor da maior parte dos sucessos que refere; —Mateos, apud
Mission. Hisp. n." 23, p. 290). Também a ideia alvitrada de deixar os índios
dos 7 Povos onde estavam, mudando apenas de soberano, teve pronta repulsa
da parte espanhola porque não lhes convinha ter na vizinhança um núcleo tão
poderoso. — Toda essa documentação ainda não era conhecida ao autor da
primeira edição desta obra. (L. G. J.)

E' quando surge, no cenário das Missões, a figura malsinada


do P. Lourenço Balda, sobre cuja memória pesam responsabili-
dades tremendas pelo trágico desenvolvimento dos negócios mis-
sioneiros. Louvaminheiro e injusto, entre outros, dominados pelo
ódio que a muitos inspirou a Companhia, Basílio da Gama, no
poema Uraguai, anatematiza a memória do Padre, insinuando mes-
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 211

mo que um a quem «chamaram Baldetta por memória, S9 )


índio,
seria filho desse sacerdote, porque «os Jesuítas da América não
eram tão escrupulosos como afectavam ser os da Europa». 40 ) Em
nota ao Uraguai o douto Rodolfo Garcia observa ser «calúnia que
a resposta Apologética, págs. 121-124, rebate com justa indigna-
ção». 41
)

Os «Documentos sobre o Tratado de 1750», publicados nos


dois magníficos volumes dos Anais da Biblioteca, lançam luz so-
bre os acontecimentos da época. Ante a insurreição geral dos
índios, que não se importavam de pertencer a esta ou aquela Co-
roa, mas que agiam em legítima defesa de suas terras e bens, os
Padres dos Sete Povos nada mais fizeram do que reproduzir o
gesto antigo de seus predecessores e tudo arriscar para os socor-
rer, material e espiritualmente, nessas horas de sofrimento, em
que jogavam os destinos de sua secular organização.
Não há duvidar do empenho que puseram na mudança dos
Povos, embora isto lhes fosse o mais cruel de todos os sacrifícios.
Mas, sentindo-se desprestigiados, quase anulados ante a descon-
fiança dos índios, quando estes se organizaram para combater for-
ças disciplinadas e superiores, num acto de desespero, não os
abandonam à mercê da própria sorte e, num gesto que não os
deprime, preferem assistir a seus filhos e com eles receber o peso

39) Basílio da Gama. O Uraguay. Publ. da Academia Brasileira


Rio de Janeiro. 1941. Os versos referidos são os seguintes:

"Gentil mancebo, presumido e néscio,


a quem a popular lisonja engana,
vaidoso, pelo campo discorria,
fazendo ostentação de seus penachos.
Impertinente, e de família escura,
mas que tinha o favor dos santos padres.
Contam, não sei se é certo, que o tivera
a estéril mãe por orações de Balda.
Chamaram-no Baldetta por memória." (Pág. 37-38)
40)Uraguay. Nota pág. 38.
41)Idem. Nota de Rodolfo Garcia, pág. 138. Quem conhece a or-
ganização jesuítica das Missões e o fundo moral que preside em todos os
tempos a acção desses Padres, não pode absolutamente dar guarida à fal-
sidade e à infâmia que distilam versos tão belos. Os documentos da Co-
lecção de Ângelis nos revelam a austeridade moral desses homens, que
eram advertidos, castigados e mesmo expulsos da Companhia, pelos me-
nores deslises que praticavam.
212 AURÉLIO PORTO
do golpe tremendo. Além do P. Balda, considerado a alma da
resistência, os Padres Adolfo Skal, Tadeo Enis e Miguel de Sotto
assumem maiores responsabilidades. Acusam-nos os documentos,
inspirados em ódio aos Jesuítas, de serem os organizadores da re-
sistência armada, «y especialmente Balda y Enis, mandaron ha-
cer las baterias y les ensefiaban la formación». 42 ) Conhecida

42) Doe. sobre o Tratado. Anais. LU. 444.

OBSERVAÇÃO. Entrementes, conforme F. Mateos, no artigo citado de


MISSIONALIA HISPAXICA, 1949, N.« 17, página 364 e seguintes, num luga-
rejo denominado S. António, distante 70 léguas de São Miguel, alguns migue-
listas toparam com 4 portugueses, que os confirmaram na mentira de os lusi-
tanos virem brevemente tirar-lhes as viúvas, os meninos e as meninas e todos
os gados dos 7 Povos, porque os Padres lhos haviam vendido a eles, como
provava uma carta que mostraram aos índios. Foi suficiente essa balela para
os missionários jesuítas perderam o resto de influência sobre os seus neófitos.
Em São Miguel o furor cresceu ao ponto de o tão caluniado P. Lourenço Balda
se ver impotente para conter a ira de mais de 600 homens dispostos a matar
a «esse português disfarçado», o Comissário Altamirano, que demorava então
em São Tomé, na outra margem do Uruguai. Conseguiu Balda avisar a toda
a pressa aos Curas dos Povos e ao próprio Comissário. Por fortuna, pôde o P.
Altamirano pôr-se a salvo, saindo imediatamente de São Tomé em 28 de Ja-
neiro de 1753, descendo até Japejú, donde, bem escoltado, alcançou são e salvo
a capital portenha. A impressão causada por essa retirada foi péssima nas
autoridades luso-castelhanas. Significava o fracasso total de realizar a trans-
migração por meios pacíficos e só restava ainda a ameaça da guerra para inti-
midar os indígenas.
Foi o que tentou Andonaegui, Governador de Buenos Aires, segundo as
instruções secretas recebidas de Madrid. Neste sentido escreveu uma carta
veemente, em 12 de Maio de 1753, dirigida ao P. Matias Strobel, Superior das
Missões, para ser lida e explicada nas igrejas das Doutrinas em sua própria
língua. (Aparece na «Historia de la Compartia de Jesús de la Província dei
Paraguay» de Pastells-Mateos, Vin, Prim. Parte, N.» 4659, p. 81).
Inicialmente manda dizer aos índios que o Bei da Espanha daria a cada
um dos Sete Povos terras e o adjutório de 4 mil pesos; louva a seguir os san-
borjenses que já haviam começado a mudança. Logo, tomando um tom enér-
gico, qualifica os renitentes como réus de lesa majestade, rebeldes e traidores;
intima-lhes uma guerra de extermínio, asseverando que procederá contra eles
com todo o rigor das armas; que fará quantos danos puder em suas vidas e
fazendas até exterminá-los e acabar com eles inteiramente para que não fique
memória de uma gente tão perversa, e que marchará contra eles com força
capaz de destruir não apenas 6 e sim até 600 Povos, sobretudo aliando-se com
as tropas portuguesas.
Apesar de não ser semelhante oficio de molde a socegar ânimos descon-
tentes e exaltados, os missionários jesuítas deram-lhe a necessária promulga-
ção.
Responderam por escrito seis Povos, salvo o de São Borja, mais Nicolau
Nenguirú, chefe da Conceição, em cartas redigidas em guarani, mandadas
traduzir por Andonaegui e remetidas à Corte de Madrid. Ali, porém, estavam
de atalaia dois inimigos figadais da Companhia, os ministros Carvajal e Wall,
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 213

a organização militar das Doutrinas, ver-se-á que esses aprestos


guerreiros vinham de épocas bastante remotas. Santos como
. .

Cristóvão de Mendoza, Boroa, Romero e outros haviam resistido,


à mão armada, em defesa dos seus pobres catecúmenos, ante a
agressão das bandeiras. Outros, mais tarde, a serviço dos espa-
nhóis, haviam defendido a terra contra a expansão portuguesa.
A história reproduzia-se, agora, em proporções maiores. Diz o
P. Tadeo Enis, em uma declaração, jurando in verbo sacerdotis,
«que habia procurado la transmigración dei mismo modo que los

que arquivaram cuidadosamente esses papéis sem que Fernando VI chegasse


a conhecer o seu conteúdo, como tão pouco as demais justificações e informa-
ções dos missionários dos Sete Povos. Tentaram estes renunciar diversas ve-
zes aos seus cargos de Curas, sobretudo para desfazer a perniciosa fábula do
fantástico «Império Jesuítico do Paraguai», fabricado pelo libelo antijesuítico
«Relação abreviada», espalhado pela Europa por Pombal e seus comparsas vol-
tereanos e jansenistas.
Nessas sete cartas, descobertas e publicadas em primeira mão pelo P,
Mateos, em MISSIONALIA HISPÂNICA, Madrid 1949, N.« 18, p. 547 a 572
em castelhano, redigidas por caciques em linguagem primitiva e por vezes mis-
turadas com erros históricos, resplandece antes de tudo mais o grau de cultu-
ra que já haviam atingido os Sete Povos. Suas expressões aehâm-sé repassa-
das de profunda fé e boa vida cristã. Lembram ao Governador que eles são
cristãos e não causaram mal aos espanhóis. Mas se a Providência dispôs que
eles pereçam na guerra morrerão de bom grado junto dos seus missionários,
aos pés do Santíssimo Sacramento nas suas igrejas. Revelam que essa trans-
migração é pura trama de portugueses, seus inimigos seculares. Recordam
claramente ao destinatário que eles têm repetidas promessas dos «santos reis»
da Espanha, de que não seriam incomodados nem despojados dos seus territó-
rios como o estava a provar a recente «Cédula Grande» de Felipe V de 28 de
Dez. de 1743 (publicada na íntegra por Pablo Hernández, «Organización So-
cial de las Doctrinas Guaranies, Barcelona 1913, I, 445-495); advertem que
eles, os índios missioneiros, não haviam sido subjugados pelos espanhóis por
meio das armas, mas que se tinham submetido voluntariamente ao Evangelho
e o domínio dos Reis da Espanha; chamam à memória de Andonaegui os gran-
des serviços prestados por eles às forças castelhanas durante longos anos;
dizem que lhes era muito duro abandonar seus Povos, suas magníficas igrejas,
levantadas por suas próprias mãos, as suas ricas estâncias e fazendas e ser
jogados à ventura das selvas e montes para procurar novo lar. Se o Rei que-
ria dar terra aos portugueses tinha muitas por Corrientes, Santa Fe e ao sul
de Buenos Aires. Portanto não podiam crer que o «santo Rei», sem delito
deles, os expulsasse dos seus Povos e lhes arrebatasse sem a devida irtdenização
os seus bens. O Rei devia de estar mal informado e o Governador tinha a
obrigação de lhe abrir os olhos e conceder-lhes a devida protecção. Final-
mente, num arrebatamento de explicável altivez, levantam a luva que lhes ati-
rara com a intimação da guerra e respondem que aceitam a guerra e lembram
que até os animais atacam quando alguém os quer expulsar das suas que-
rências. Quanto mais o farão eles, pobres índios. —(Como espécime, publica-
remos no Apêndice as cartas de Santo Ângelo e São Luís.) (L. G. J.)
214 AURÉLIO PORTO
santos padres y verdaderos pastores de los rebanos de Cristo
en la primitiva Iglesia, licita y santamente animaban a los cris-
tianos a desamparar sus tierras y haciendas, irse a los desiertos
y sufrir con paciência la pérdida de sus bienes por los mandatos
de los Emperadores». 43 )
Em fins de 1753 já todos os Povos, mesmo os da Banda Oci-
dental, davam mostras de sua rebelião, não atendendo mais às pró-
prias determinações de seus Curas. Abalava-se o prestígio dos
Padres e alguns mesmo tiveram de fugir, como o Vice-Comissário
e alguns Curas que se viram em perigo de vida. A desordem la-
vrou por toda a parte. E a resistência armada, que não tardaria,
iria socavar os velhos alicerces da civilização jesuítica das Mis-
sões. 43? )
Enquanto nos Sete Povos sucediam-se esses acontecimentos,
prosseguiam os trabalhos da Demarcação que tiveram início a 9
de Outubro de 1752 com a primeira conferência entre os altos re-
presentantes das duas Nações, realizada junto ao monte de Cas-
tilhos, em que foi chantado o primeiro marco. O segundo ficou
junto ao local índia Muerta, 44 e o terceiro, que foi levantado a 6
)

de Janeiro de 1753, recebeu a designação de Reis. Desse ponto


em diante foi incumbida a primeira partida de Demarcação, che-
fiada por parte dos portugueses pelo Coronel Francisco António
Cardoso de Menezes, e pela dos espanhóis por D. Juan de Eche-
varria, que deveria fazer a demarcação até a foz do Ibicuí. Os
Comissários chefes, General Gomes Freire de Andrada e Marquês
de Valdelírios recolheram-se, respectivamente, à Colónia do Sacra-
mento e Monte vidéu.
Prosseguiam esses trabalhos, e a 27 de Fevereiro encontra-
va-se a partida demarcadora nas proximidades de Santa Tecla,
quando apareceram ali alguns índios intimando-os a não entrarem
nas terras de suas aldeias, sob pena de serem atacados por 8.000
homens armados que tinham já mobilizados. E no dia 1 de Mar-
ço, à frente de um troço de soldados, apresentou-se, renovando a
intimação, o Alferes real do Povo de São Miguel José Tiarayú, o

Idem, ibidem.
43)
F. Mateos, Mission. Hisp., cit. p. 358 ss. e 367 ss.
43')
44) Provém essa designação toponímica de uma "índia morta", meio
devorada por um tigre, que os demareadores aí encontraram.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 215

lendário Capitão Sepé, que também disse não consentiria passas-


sem adiante. Ante essa ameaça de rebelião e vendo que iriam fal-
tar mantimentos, devido à hostilidade dos índios, em Junta de Ofi-
ciais ficou resolvido sustar os respectivos trabalhos até ulterior
deliberação, retirando-se os demarcadores para Montevidéu e Co-
44!?
lónia do Sacramento. )

A
15 de Julho de 1753, reunidos os altos Comissários na ilha
de Martim Garcia, resolveram se levasse a guerra às Missões, se
dentro de um mês não fosse dado início à mudança dos Povos.
Para isso D. José Andonaegui, Comandante do exército espanhol,
ocuparia o Povo de São Borja e o português, sob as ordens do Ge-
neral Gomes Freire, marcharia para Santo Ângelo. Dando cum-
primento a esta parte, o Comissário português, que já se havia
recolhido à vila do Rio Grande, em 28 de Julho de 1754, iniciou a
marcha de seu exército para Rio Pardo, donde deveria atingir o
Povo de Santo Ângelo. Mas, o Comandante espanhol, protelando
a execução do convénio de Martim Garcia, estacionara com seu
exército a mais de sessenta léguas de São Borja, no salto grande
do Uruguai, desanimado pelo intenso frio e as repetidas chuvas. 45 )
E assim se passou todo o ano de 1755, em que as forças estiveram
recolhidas a quartéis. Somente em 16 de Janeiro do ano seguinte,
depois de várias marchas, uniram-se os dois exércitos no campo
das Mercês, que ficava nas cabeceiras do Rio Negro.
Cessado o interregno da campanha contra os índios que fo-
ram totalmente batidos e subjugados, reiniciam-se os trabalhos da
Demarcação em Maio de 1758. Nesse ínterim o Comissário espa-
nhol fora substituído por D. Pedro de Cevallos que se mostrou hos-
til ao cumprimento do Tratado, tomando o partido dos Jesuítas.

Vendo Gomes Freire que seria inútil continuar esse trabalho, re-

44') F. Mateos, Mission. Hisp., cit. p. 367. Nesse encontro de S.


Tecla, Echevarria, quiçá no intuito de acalmar a irritação dos índios mis-
sioneiros, lhes revelou que cada um dos 7 Povos seria indenizado com 4
mil pesos, e que o rei ,Fernando VI já havia mandado pagar os 28.000 pe-
sos aos Jesuítas de Buenos Aires. Esta revelação foi desastrosa: conven-
ceram-se os indígenas de que o boato 'que se espalhara entre eles de os
seus Curas os tererem traído, vendendo os seus Povos aos portugueses,
era verdadeiro. Daí se explicava toda a insistência desse "português ca-
muflado" Altamirano e do velho Nusdorffer de transmigrarem quanto an-
tes. F. Mateos, cit. p. 371. (L. G. J.).
45) F Mateos, Mission. Hisp. n° 23, p. 295 ss.
216 AURÉLIO PORTO
^

gressou ao Rio de Janeiro em 20 de Abril de 1759. Foi substituí-


do pelo Tenente-Coronel José Custódio de Sá e Faria, na ausência
do Coronel Cardoso de Menezes. O Tratado de 12 de Fevereiro
de 1761 anulou o de 1750, terminando assim a Demarcação de Li-
mites na América Meridional.

2. A Guerra das Missões. 1


)

A Guerra das Missões, se assim pode ser classificada essa se-


quência de bárbaras chacinas, em que dois exércitos disciplinados
e aparelhados com as melhores armas do tempo se atiram contra
chusmas de índios quase indefesos, é uma das páginas mais dolo-
rosas da história das Missões.
Não se pode ainda, de sã consciência, pesar a responsabilidade
que cabe aos Jesuítas nesse transe que destrói a sua própria obra
e arrasta, consequentemente, à queda a mesma Companhia. Con-
forme Capistrano de Abreu, a maior culpa que pesaria sobre os
Padres seria a de «acreditarem-se poderosos» para ajudarem as
duas Cortes a «consumar fàcilmente esse ultraje à humanidade»
e «bem caro pagaram este excesso de fraqueza ou de vaidade:
quando os índios se levantaram, desmentindo ou antes engrande-
cendo seus Padres, mostrando que a catequese não fora mera do-
mesticação e a vida interior vibrava-lhes na consciência, aos Jesuí-
tas foi atribuída a responsabilidade exclusiva em um movimento
natural, humano e por isto mesmo irresistível» u)
O seguem até à cha-
relato dos encontros e combates que se
cina de Caaibaté, que tombam milhar e meio de índios, é um
em
atestado vivo da incúria desses infelizes, que lavram com o seu
sangue um dos maiores protestos da história sul-americana contra
a iniquidade que pesou sobre os seus destinos. Acompanharam-
nos os Padres. Ingénuos, ou intencionalmente votando-se a um
sacrifício que seria superior às suas forças, não poderiam desertar

1) Remetemos o leitor a um novo trabalho "La Guerra Guarani-


txca y las Misiones de Paraguay". Primera Campana (1753-1754), publi-
cado em Missvonalia Hispânica, Madrid, 1951, n' 23, p. 241 316, do espe-
-

cialista em história sul-americana, R. P. Francisco Mateos, S. J.


1*) Capistrano de Abreu. Capítulos, cit. 204.
.

HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 217

nessas horas amargas que lembravam as primeiras arremetidas


dos bandeirantes sobre as primitivas aldeias cristãs do Tape.
Mais interessante, porém, do que essa sucessão de refregas,
que é a Guerra das Missões, será a fixação dos dois caudilhos,
cujos nomes ficam aureolados pela lenda: Sepé e Nenguirú.
Nicolau Nenguirú, o primeiro de nome, era cacique principal,
no Uruguai e no Tape, quando até ali, em princípio do século XVII,
chega notícia da acção dos Padres e dos trabalhos de catequese
que o P. Roque González de Santa Cruz iniciava junto aos índios
do Paraná. E logo, reunindo outros caciques e índios, à frente
deles, em Setembro de 1619, vai a N. S. da Encarnação de Itapúa,
onde o P. Diogo de Boroa tinha o seu assento. Recebidos com
mostras de muito carinho, levou-os o P. Boroa à igreja, onde se
maravilharam e ficaram como absortos vendo os ornamentos e
imagens, e a que mais lhes causou admiração foi a imagem dos
quatro Novíssimos, de autoria do Irmão Luís Berger. Ficou as-
sentado que, dentro de poucos dias, o P. Roque, que estava em
Jaguapoa, iria às terras do Uruguai. Foi a 25 de Outubro que
o Padre partiu para o Uruguai, em cuja vinha seria o primeiro a
2
trabalhar. )

Nenguirú o esperava à frente dos caciques do Uruguai. E


é pela sua mão que o Padre Roque atravessa o grande rio e pisa,
pela vez primeira, as terras em que mais tarde seriam plantados
os marcos da acção civilizadora dos Jesuítas, no hoje território
rio-grandense. E «foi ele quem ajudou os Padres a levar o pri-
meiro Evangelho às Reduções de Piratini, Caaçapamini e Caró;
foi ele quem os levou por todo este Uruguai; foi ele a cujas pala-
vras se abriu a porta da estendida província do Tape e da Serra
e por quem os índios daquelas províncias pediram Padres e os al-
cançaram.» Dele dizia o capitão Guaimica, que foi, na província
do Tape, um dos mais assinalados caciques cristãos: «Todo bem
que gozamos devemos nós ao Capitão Nenguirú: por suas pala-
vras temos Padres e por suas palavras somos cristãos. 3 )

2) Ânua do Padre Boroa, 16-X-1619. Mss. B. N. I, 29, 7, 9. Jaeger


Os Bem-aventurados cap. 15 . . .

3) Ânua de 1643. Morte do Capitão-General Nicolau Nenguirú.


Mss. B. N. I, 29, 7, 37.
218 AURÉLIO PORTO
Quando o P. Roque fundou São Nicolau do Piratiní, depois de
apreciar largamente as virtudes, a ação e a fé de Nenguirú, le-

vou-o à água do baptismo, dando-lhe o nome de Nicolau.


E nunca um só momento periclitou a fé no coração desse ín-
dio, pois até o dia de sua morte acompanhou os Padres em seus
trabalhos, em seus sofrimentos, ora combatendo heroicamente con-
tra índios infiéis, ora contra os bandeirantes e sempre aconselhan-
do para o bem e praticando as mais altas virtudes cristãs.

Quando o P. companheiros são martirizados em


Roque e seus
Caró, e toda a terra se rebela contra os Padres é Nicolau Nengui-
rú quem consegue socegá-la, aquietando os selvagens; e quando os
paulistas cairam com suas bandeiras sobre as reduções do Tape é
ainda ele que, à frente de um milhar de índios, que houvera indus-
triado na arte da guerra, que as socorre e protege os sacerdotes
que se retiram com as suas chusmas inermes; e é, finalmente, co-
mo Capitão-General de todos os índios, por patente dos Governa-
dores de Buenos Aires, quem comanda, na batalha de Mbororé, e
vence a última bandeira que penetra no território das Missões.
Morre dois anos depois, 1643, na redução da Conceição, para
onde se havia transladado com seu povo. E muitas cousas «se
poderiam dele dizer como no dia de seu enterro em que pregou um
Padre que o havia conhecido bem e outro Padre que o havia tra-
tado muito e sido seu assistente alguns anos. Quis o Senhor que
passassem em trânsito por ali e lhe cantassem missa seis religio-
sos da Companhia; compareceram a seu enterro dois Capitães do
Povo de São Miguel e outros muitos Caciques e se o soubessem em
outros Povos, de todos acorreria muita gente a honrá-lo, como era
de justiça. Fez-se-lhe o enterro mais solene que era possível fa-
zer por aqui, e tudo bem o mereceu o bom Capitão, quer por sua
boa vida, como por sua boa morte, que foi com todos os Sacramen-
4
tos e com grandes mostras de Predestinado». )

Chorou-o largamente o povo, que bem


Era mise-
o merecia.
ricordioso com todos, dando-lhes tudo quanto tinha; por suas boas
palavras se compunham, fundavam e remediavam povos inteiros;
sob a sua sombra e amparo consolavam-se Caciques e Capitães e

4) Anua cit. I, 29, 7, 37. i


HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 219

não se enganavam porque a todos ajudou, a muitos povos deu de


comer. _
Conhecendo «o bom coração de que Deus o havia dotado, to-
dos os índios do Uruguai e demais Reduções, embora distantes,
vinham a Conceição trazidos pela grande fama de Nenguirú, que
a todos agasalhava com extraordinário agrado e lhaneza, humi-
lhando-se ainda ante os índios mais humildes. Dava quanto ti-
nha, e tinha muito como índio, porque trabalhava continuamente
com suas mãos todos os dias e até na velhice e, assim, armazenara
muitos mantimentos e tinha muitas canoas. Em matéria de ho-
nestidade, nestes oito anos em que o conheci, jamais se lhe notou
falta grave, nem leve por mais informações que se tivesse de sua
vida e modo de proceder. Nunca de sua boca saiu uma palavra
menos digna que o confessaram muitos anos, afir-
e vários Padres,
mam que não lhe achavam pecados para absolver. 5 ) Bom, cari-
tativo, humano, valente e digno, foi Nicolau Nenguirú um exem-
plo admirável de afirmação de capacidade do índio para receber,
compreender e praticar as virtudes cristãs.
Nicolau Nenguirú, o terceiro, que aparece um século depois,
nas Missões Orientais do Uruguai, e se torna notável pela intriga
que se tece em torno de seu nome, e pela bravura que demonstra
como Capitão dos índios que vão até a chacina de Caaibaté, deve
ser descendente do primeiro. )
,;

Conheceu-o P. José Cardiel, que dele nos dá notícia, pois foi


seu freguês, em Conceição, onde viveu, depois de expulsos os Pa-
dres pelos bandeirantes, e morreu o primeiro Nenguirú.
Uma das acusações que pesaram sobre os Jesuítas era a de

5) Ânuá cit.
6) A Ânua de1708, de Conceição, (B. N. I, 29, 3, 69) faz referên-
cia a Nicolau Nenguirú, segundo, e provàvelmente pai do terceiro, que
recebeu, nesse ano, a patente de mestre-de-campo, que íhe foi conferida
pelo governador de Buenos Aires.

OBSERVAÇÃO: Ê certo que Nicolau Neenguirú, ou melhor Nenguirú, era


neto do primeiro, como êle próprio o afirma no final duma carta que dirigiu em
Julho de 1753 a José de Andonaegui, Governador de Buenos Aires, represen-
tando enèrgicamente contra a iníqua transmigração dos Sete Povos. Foi publi-
cada em primeira mão pelo P. F. Mateos, S. J. continuador da História de la
Compania de Jesús en la Província dei Paraguay, de P. Pastells, na revista
«Missionalia Hispânica», Madrid, 1949, N.^ 18, p. 569 ss. (L.G.J.)
220 AURÉLIO PORTO
que haviam fundado um império teocrático, na antiga província
do Paraguai, e que o soberano desse vasto domínio seria o índio
Nicolau Nenguirú. O império, dizia-se, contava com riquezas fa-
bulosas e minas de prata e ouro, que os Padres defenderiam com
seus exércitos aguerridos, negando, assim, o preito que deviam ao
Rei de Espanha. E, para que não faltasse uma prova concreta
dessa afirmativa, até moeda se fez cunhar, com a efígie do impe-
rador Nicolau I que, na Europa, era apresentada aos governos in-
teressados. Diz, entretanto, o Padre Carlos Gervasoni, Procura-
dor do Paraguai, em Madrid, em carta ao Procurador Geral da
Companhia, na Itália que, por mais diligências que fizesse, não
conseguiu ver tal moeda. «Não tivemos a sorte de encontrá-la,
nem sequer a quem dissesse que a viu, senão que só dizem, que
tal e qual a hão visto: assim serão as que o Papa e outros em
Roma dizem ter...» 7 ) E mais adiante: «Finalmente, consegui
ter em minhas mãos uma que pela parte n. 1 tem o Jesus com a
coroa encimada e pela outra n. 2, tem as armas de Espanha; mas
é batida no ano de 1632, e está tão gasta que não se distingue
toda, como V. Rma. pode examinar nos dois selos juntos que com
toda a diligência procurei imprimir com dita moeda para lhe re-
meter pelo menos sua efígie. Este é o único cunho que de Sua
Majestade Nicolau I se há espalhado até agora, e havendo-me in-
formado destes Padres para que servia este cunho, no século pas-
sado em Espanha, me responderam que era para colocar nos ali-
cerces das nossas igrejas quando se edificavam». 8 )
E tal era a crença que se espalhara pela Europa da existên-
cia desse império e o terror que infundia o imperador Nicolau que
o próprio General Pedro Cevallos quando, em 1756, trouxe tropas
em sua expedição, não permitiu que estas desembarcassem sem,
antes, «averiguar se estaria o rei Nicolau de posse dá cidade. 9 )
Mas, logo se desfez o temor do General castelhano. Esse rei po-
deroso, de cujas acções corriam lendas maravilhosas, nada mais
era do que um índio valente, Corregedor do Povo da Conceição a
quem o próprio General Ceballos, em 1753, encontrara, trabalhan-

7) Madrid. Janeiro 1756. "Anais da Biblioteca Nacional — Do-


cumentos sobre o Tratado de 1750". Vol. LII, 323.
8) Idem, ibidem.
9) P. Carlos Teschauer. Hist. do Rio Orande do Sul. I, 350.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 221

do na horta da redução, onde era Cura o P. Tux, sem recear-se


de algum risco que só na imaginação poderia existir».
O P. José Cardiel, que conheceu o pretenso rei, em seu magní-
fico trabalho, de que muitas vezes nos serviremos, conta-nos como
se originou a fábula do rei Nicolau.
E
não foi este o primeiro rei que se atribuiu ao Império Jesuí-
tico que se dizia pretenderem os Padres da Companhia fundar no
Paraguai. No século anterior (XVII), ao P. João António Mar-
guiondo, Procurador no Paraguai, que agiu no pleito contra o Bis-
po Cárdenas, em libelo que mandaram ao Perú, atribuíram os ini-
migos da Companhia a mesma lenda. Nesse libelo se acusava ao
P. Marguiondo de se proclamar Rei do Paraguai, estando à frente
de um grande exército de índios, e que tendo casado sacrilega-
mente com uma cacica que repudiara, convolara a outras núpcias
com u'a monja paraguaia. Mandou o Vice-Rei proceder a averi-
guações, desfazendo-se o embuste, pois o Padre era um varão apos-
tólico de inigualáveis virtudes cristãs.
«A origem do Era Corregedor do Povo
rei Nicolau foi esta:
da Conceição um chamado Nicolau Nenguirú, que havia
índio
sido um grande músico. Era loquaz e de grande facilidade em fa-
zer arengas e de muita capacidade. ,Nomearam-no Comissário-
General da praça do Povo de São João, no tempo em que os ín-
dios resistiram aos espanhóis. Isto me
afirmou o Major-General
do exército espanhol, que tomou informações de uns índios prisio-
neiros, assegurando que não testemunharam que havia sido Rei,
mas simplesmente Comissário General. Ele jamais foi meu Capi-
tão-General, nem ainda Comissário-General em exercício, porque,
na resistência que fizeram, que foram índios de seis ou sete Povos,
só obedeciam os de cada Povo a seu próprio chefe e não a outro.
E assim houve grande desordem e desconcerto, sem ter uma ca-
beça para todos, senão muitas e bastante más.
Os espanhóis que entendiam um pouco da língua dos índios,
que era a gente mais baixa do exército, perguntar-lhes-iam com
instância pelo que se havia rebelado como rei. E, como os índios
viam que se desejava tanto que lhes dissesse que havia um rei, e
'
o índio geralmente diz o que o espanhol deseja que ele diga, por-
que, sendo de génio infantil, pouco lhes importa mentir, e como o
dito Nicolau tinha fama e algum séquito, lhes teriam dito que este
222 AURÉLIO PORTO
era o Rei. Estes diriam aos Capitães e a outros oficiais que os
prisioneiros asseveravam a existência de um Rei chamado Nicolau
Nenguirú, e daí a notícia voou à Espanha. Não sabemos que de
outra causa haja nascido essa fábula. Depois de ter entrado o
exército e deixado os índios dos Sete Povos, Nicolau ficou quieto
e sossegado no seu, que não pertence à Linha Divisória, e assim
perseverou por 10 anos até a expulsão dos Padres. Neste tempo,
tive-o eu quatro anos por meu freguês. Quanto às moedas de
ouro, e que o rei era um Jesuíta, foram imposturas urdidas em
Espanha, que na América jamais se disse isto. O que cunhou as
moedas, na Espanha, para mais caluniar os Jesuítas, ouvimos di-
zer que foi preso em Toledo e que por solicitação dos Jesuítas, que
perdoaram a injúria, o soltaram». 10 )
Quando, ante o Tratado de Madrid, se rebelam os índios e or-
ganizam a resistência armada, à frente deles, concitando-os por
carta, impondo-se com seu prestígio, aparece D. Nicolau Nengui-
rú. Para se opor à rebelião, a que aderem quase todos os índios,
marcham as tropas aliadas para dar cumprimento às determina-
ções reais, e o chefe missioneiro à frente do exército que apres-
tara, composto de elementos de todas as Reduções, morto Sepé,
dá combate ao exército, na coxilha de Caaibaté. Sem disciplina,
sem organização eficiente, foram logo «vencidos e desfeitos sem
ter combatido», pois, conforme Teschauer, «então se viu que os
guaranis, desprovidos de comandantes europeus não eram propria-
mente tropas mas antes uma multidão indisciplinada de meninos
que resistiam porfiadamente a abandonar seus lares» ll )
Pouco durou a batalha, que melhor se pode classificar de cha-
cina, pois ao terminar se contaram no campo cerca de 1.500 mor-
tos. Os aliados tiveram quatro mortos e alguns feridos!
D. Nicolau Nenguirú, que conseguiu se salvar, voltou a seu
Povo da Conceição, não sendo inquietado pelos vencedores. Só,
mais tarde, quando se executa a ordem de expulsão dos Jesuítas
é que seu nome torna a aparecer nas crónicas missioneiras.
Ao Governador de Buenos Aires, Tenente-General D. Francis-
co de Paula Bucarelli y Orsua, coube a execução dessa ordem. E

10) José Cardiel. Relación Verídica. Cód. Mss. B. N. I, 5, 1. 52.


11) Teschauer. Hist. cit. II, 267.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 223

até ele chegou a notícia do prestígio do famoso pretenso impera-


dor dos Mamalucos. Receoso de que Nenguirú, novamente, se
opusesse às determinações reais, mandou chamá-lo, e «sabendo
este que Bucarelli desejava vê-lo, fugiu de sua redução, apresen-
tando-se ao Governador; este escreveu uma carta a Aranda sobre
o incidente, e ao ver que Nenguirú levava criado para lhe segu-
rar o cavalo e que outros morubixabas o tratavam com respeito,
chegou a formar a ideia receiosa que talvez pudesse suceder algo
desagradável ou perigoso, se tal homem continuasse em liberdade;
por isso o associou aos demais morubixabas que se achavam na
honrada prisão, dando-lhe como aos outros trajo de cavaleiro à
usança espanhola». 12 )
E assim termina a história do imperador, Nicolau I. Ã dinas-
tia dos Nenguirús estava reservada a glória de presidir os desti-
nos das Missões, que o primeiro fundara, e o último assistira nos
derradeiros momentos. 12í? )
José Tiarayú, o Capitão Sepé, Alferes-Real e Corregedor do
Povo de São Miguel, deixou o nome ligado aos acontecimentos da
Guerra da Demarcação. A lenda que se forma em torno de seu
nome o consagra popularmente como santo: São Sepé fica assi-
nalando um rio, afluente do Vacacaí Grande, em cujas proximida-
des foi morto o herói missioneiro. Sepé, ou Çapé, como escreve
o brigadeiro Roscio, é um designativo de «condutor de homens»
ou caudilho. Encontram -se na história das Missões outros dois
Sepés, índios valentes, que foram chefes guerreiros. A própria
etimologia está indicando: sapé (ça-pé), cf. Batista Caetano 13 ),
tem no guarani duas significações, pois é gramínea que serve, para
cobrir casas (saccharum sape), ou para fazer fachos (o que alu-

12*) A Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro reeditou, fascimilar-


12) Idem, ibidem. II, 35.
mente, em 1944, a "Histoire De Nicolas I Roy Du Paraguay Et Empereur
des Mamelus" com prefácios de Rubens Borba de Morais e Augusto Meyer
(Livraria-Editora Zélio Valverde, Rio de Janeiro). À base desta edição
facsimilar foi feita por Arnaldo Bruxel (Colégio Anchieta, Porto Alegre)
uma investigação e crítica interna sôbre a identidade do autor anónimo
da Histoire, e sua atitude frente aos problemas essenciais da história das
Reduções, chegando-se com surpresa a conclusões bem diversas das que
geralmente seguem os autores amigos e inimigos da Companhia de Jesus.
Oportunamente se dará publicidade a estes resultados interessantes.
13) Batista Caetano. Vocabulário. Anais da B. N. Vol. VII. 1879.
224 AURÉLIO PORTO
mia), donde lhe vem a verdadeira origem porque, originàriamente,
é o verbo alumiar, esclarecer, deitar luz sobre, fazer ver, e outros
significados correlatos (teçapé).
Em torno do valente índio, morto num recontro com espa-
nhóis, forma-se logo a lenda santificadora. Dezoito anos depois
desse acontecimento, isto é, em
quando Roscio escreve o
1774,
Compêndio, já o rio é designado por São Sepé 14 ).. Cantam -no,
envolto nesse halo de santidade, os poetas anónimos do folclore
gaúcho. O Lunar de Sepé e outras modalidades de lenda vêm
desses dias longínquos do martírio dos pobres missioneiros expul-
sos de suas terras e casas, e da destruição de seus Povos. São
Sepé, o valente Capitão Sepé, como o designam os Jesuítas contem-
porâneos, 15 )
seria o intercessor pelas almas dessas 1.500 vítimas
que tombaram, trucidadas, na chacina de Caaibaté. 1G )
A história é simples. Nada de sobrenatural no homem san-
tificado por um processo de canonização popular, nem nos suces-
sos que deram lugar à sua morte.
Foi a 26 de Fevereiro de 1753 que as Partidas avançadas da
Demarcação de Limites da América Meridional tiveram, transpos-
to o rio Camaquão, o primeiro contacto com os índios das Missões.
Avistaram, ao longe, alguns ranchos abandonados e, mais adian-
te, maior número de habitações em que se encontrava gente. Era
um posto avançado de Santa Tecla, denominado São Tiago, da es-
tância de Santo António, pertencente ao Povo de São Miguel. No
dia seguinte vieram ao acampamento 20 homens armados, pergun-
tando pelo Capitão de Dragões espanhol Francisco Bruno de Za-
vala, que um deles já conhecia. Foi o Capitão ter com os índios,
voltando desanimado pela resistência que neles encontrou, pois
informaram-lhe que tinham ordens para embargarem os passos,
não consentindo que entrassem as partidas demarcadoras em suas
terras. No dia 28, tornaram ao acampamento 8 índios acompa-
nhados do Cacique principal e Alcaide-Mor de São Miguel, não ten-
do vindo o Alferes-Real (Capitão Sepé), Corregedor daquele povo,
por estar enfermo. Apesar de todo o empenho feito pelos demar-

14) F. J. Roscio. Compêndio noticioso. Mss. B. N. I, 5, 2, 3. — Anti-


go Guacacaigua.
15) Anais da Bibliot. Nacional. Vol. LII. 377. pass.
16) Idem, ibidem, passim.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 225

cadores, de mimos com que tentaram nada atendeu


obsequiá-lo, a
o Alferes-Real que, no dia seguinte, ali se apresenta em companhia
de 80 índios armados. Disse ter ordem de não deixar ninguém
passar àquelas terras que pertenciam aos índios, encontrando os
demarcadores forte hostilidade se tentassem ir adiante. Compre-
endendo que seria impossível demovê-los desse propósito, e que já
lhes escasseavam a carne e outros víveres, resolveu a Partida De-
marcadora retroceder, voltando às suas bases a 3 de Fevereiro de
1753. 1T
)

Vendo que impossível seria cumprir as determinações do Tra-


tado de Madrid, em face da resistência formal dos índios das Mis-
sões, resolveram os altos comissários das duas potências declar-
rar-lhes guerra, apresentando para isto um exército, e ocupando
o General Gomes Freire o passo do Jacuí, com as forças sob seu
mando.
Com a notícia de que as duas Coroas iam-lhe fazer guerra, José
Tiarayú que, como D. Nicolau Nenguirú, gozava de largo presti-
gio entre os índios, e que tinha indiscutíveis qualidades de mando,
congregou os seus bisonhos jurisdicionados e com eles intentou
opor-se à marcha do exército.
Como ardil de guerra, para atrair os inimigos, fez conduzir
algum gado até à margem direita do Jacuí, o que, visto pelos sol-
dados do exército, tentou-os a irem repontar o mesmo. Caindo
sobre eles, por várias vezes, destroçou pequenos grupos que se
aventuravam a essas incursões. E' nessa ocasião, que, mandado
chamar por Gomes Freire, o Capitão Sepé a ele se dirige, tendo
lugar a entrevista que, já revestida de fantasia, é relatada por
Teschauer. 1S ) Mais tarde, novamente atraído a campo portu-
guês, Sepé é preso com outros índios que o acompanham, conse-
guindo evadir-se.
Crescia a audácia dos guerrilheiros de Sepé e, para castigá-los,
determinou o comando do exército aliado, passasse àquela margem

Diário de Demarcación. 1752. Cód. Mss. B. N. I, 1, 1, 20.


17)
Teschauer. Hist. R. G. do Sul. II, 249. Foi intérprete dessa
18)
entrevista o P. Tomaz Clarque, Capelão da Demarcação e depois vigário
do Rio Pardo que relatou o facto, em documento existente na B. N., Mss.
sem o aparato e fantasias em que se ressalta o orgulho com que Sepé te-
ria tratado a Gomes Freire.

História das Missões Orientais cio Uruguai — 2. a Parte 8


226 AURÉLIO PORTO
do rio, com 300 homens de ambas
as nações, o Governador de Mon-
tevidéu D. J. Mais tarde, constando ser numerosa a
J. Viana.
força das Missões, determinou o mesmo comando fosse enviado
um destacamento composto de 500 homens.
Este último, porém, não havia chegado, quando se deu o cho-
que com os índios. Ã primeira escaramuça, estes, desorientados,
procuram retirar, perseguindo-os o comandante Viana, a todo ga-
lope, ao princípio com 75 homens e, depois com 20, ao que se re-
duzira a sua escolta, e assim atingiu o capão em que os índios
haviam feito alto. Aí estava José Tiarayú, o Capitão Sepé, que
chamava atenção pelo seu belo porte e pela atitude garbosa de
seu natural. Um cavaleiro português, armado de lança o atingiu,
e o derrubou juntamente com o cavalo, depois de um rápido com-
bate em que também ficou ferido. Sepé, mal ferido, procurava er-
guer-se quando o Governador D. J. J. Viana, alvejou-o com sua
pistola, matando-o. Novo contingente de índios vem reforçar a
partida missioneira, cujo chefe jazia morto à beira do capão, e
neste choque 8 índios mais perdem a vida e dos aliados ficam, no
campo, 2 mortos e 2 feridos. Isto se deu a 7 de Fevereiro de
1756. 18 *)

A 10 do mesmo mês, sob o comando de Nicolau Nenguirú,


como se disse, em que
dá-se o encontro e a chacina de Caaibaté,
perdem a vida Povos e a mais
1.500 índios pertencentes aos Sete
dois da margem ocidental do Uruguai, que haviam acorrido ao
chamamento de Nenguirú.
Afundação do Rio Pardo, tranqueira in ) que, na foz desse
rio, a cavaleiro do Jacuí, é mandada construir pelo Capitão de

Dragões Francisco Barreto Pereira Pinto, Comandante de Viamão,


e para cuja defesa é destacado o Tenente Francisco Pinto Bandei-
ra, decorre não só da necessidade de defesa desse ponto avançado,
lindeiro às Missões, como também do aproveitamento das tropas
que por aí deveriam transitar para atingir os Povos.
Para essa diligência foi designado o Cabo João Gomes de

18*) Os episódios de José Tiarayú foram aproveitados literàriamen-


te por Manoelito de Ornellas na bela epopéia "Tiarajú", Livraria do Globo,
Porto Alegre, 1945.
19) Tranqueira. Cerca de madeira para fortificar e fazer defensá-
vel algum posto, ou para corro, estacada. "Moraes Silva. Dic. Port."
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 227

Melo, engenheiro, que construiu na eminência, depois chamada Alto


da Fortaleza, um forte que mais tarde recebeu o nome de Jesus-
Maria-José. Constava de 60 praças, paulistas e aventureiros, esse
destacamento, de que um terço ficou guarnecendo Rio Pardo, en-
quanto o restante, 40 praças, acampara na forqueta do Jacuí.
Passando o rio para a outra margem, um dos paulistas foi
atacado por dois índios tapes que ali estavam de alcateia, no úl-
timo dia de Janeiro de 1754. E isto determinou se procedesse com
maior cautela, pois era certo que o pequeno destacamento seria
atacado pelos indígenas, recolhendo-se assim à Tranqueira os qua-
renta soldados que estavam destacados na forqueta.
«Passados 23 dias do encontro dos paulistas e os 2 tapes na
madrugada do dia 23 de Fevereiro foram os nossos atacados por
um grande número de índios que, segundo se julgou, passavam de
1.000 ,e persuadidos talvez a nos apanharem descuidados, com
efeito nos investiram, mas com tão mau sucesso, que depois de um
combate vigoroso, que durou até às nove horas da manhã, se reti-
raram deixando 19 mortos e à proporção muitos feridos, cujo nú-
mero se não pode até o presente averiguar. 20 ) dos portugueses
. .

morreu tão somente um paulista, ficando feridos o Tenente de


Dragões (Pinto Bandeira) de uma flecha em um braço, um Cabo
de esquadra de infantaria passado por ambas as nádegas com uma
bala e mais dois paulistas de flechas». 21 )
Segundo o P. Enis compunha-se a força missioneira de 110
índios de São Luís, e quase 200 de São João. Conseguiram entrar
no povoado de surpresa e entregavam-se já ao saque quando os
portugueses, refeitos, voltaram a atacar, inflingindo-lhes uma der-
rota.
Tendo ciência desses acontecimentos destacou o General Go-
mes Freire para Rio Pardo o Regimento de Dragões, sob o coman-
do do Tenente-Coronel Tomaz Luís Osório, que se transferiu para
aquele posto em Março de 1754. Impunha-se essa providência

20) Diz o P. Tadeo Enis, em seu Diário, que dos índios morreram
vinte e dois, e entre eles o alferes real do povo de S. Luís, além de 26 que
ficaram feridos. Anais. B. N. Vol. LII, 478 — F. Mateos, Mission. Hisp.
1951, n p 23, p. 305 ss.
211 Invent. de documentos. Anais da B. N. Vol. L. Verb. 19.224,
pág. 514.
8*
228 AURÉLIO PORTO
porque, já sob a direcção de um Padre Jesuíta, os índios não tar-
dariam a voltar para nova facção, com melhor organização e maior
número de combatentes.
Os documentos portugueses e jesuítico-espanhóis, principal-
mente o precioso Diário do P. Tadeo Enis, historiam detalhada-
mente esse encontro, que procuraremos resumir.
A 9 de Abril, o primeiro esquadrão de índios que se organiza-
ra, em princípios de Março, acampou entre os rios Vacacaí-gran-
de e mirim, nas proximidades do rio Jacuí. Havia uma certa dis-
senção entre os Povos, que procurou se dirimir para que todos uni-
dos acorressem à defesa de suas terras, ameaçadas pela invasão
do inimigo. Estender-se-ia a confederação de todos os Povos até
os que ficavam à margem direita do Uruguai, convidados a parti-
cipar da acção. Os primeiros que se incorporaram ao esquadrão
inicial foram os de São Miguel, tendo à frente o seu Tenente-de-Go-
vernador e mais o Alferes Real do mesmo Povo, José Tiarayú, um
de seus mais famosos Capitães. A 17 de Abril, depois de concer-
tar vários dissídios que haviam surgido, finalmente a tropa, com-
posta mais ou menos de 400 índios e quatro peças de artilharia,
se pôs em marcha, atingindo o Araricá (Guacacaí-mirim), e no
dia 20 começou a vadear o rio Jacuí. A 27 de Abril todo o exér-
cito estava à frente do rio Azul, --) próximo à forqueta que faz
com o dos Faisões, -''•) onde se encontrou um vau que deveria ser
transposto, e no seguinte, que era domingo, todos os soldados se
ocuparam em lançar uma ponte.
A 29, o índio Alexandre, Capitão-General de todo o exército,
mandou que, pela madrugada, a força investisse contra a forta-
leza, favorecida pela cerração. Pressentidos os índios, travou-se
duro combate e «por espaço de quase duas horas sofreram (os
índios) mais de 1.000 tiros de fuzil e 100 de oito peças de artilha-
ria, duas delas de grande calibre, embora sem receber notável da-

no, pois nunca avançaram de todo, porque como o Capitão-Gene-


ral de todos, Alexandre, do Povo de São Miguel, à frente dos seus
os comandasse destramente e os animasse, sairam de repente, por

22) Rio Yobí, guar. Verde, ou Azul, como traduz o Padre Enis. Os
portugueses deram-lhe mais propriamente o designativo de Pardo, devido
à cor de suas águas. Mais conhecido por Yeqni, rio sujo.
23) Jacuí, rio dos faisões ou jacús.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 229

um oculto paredão de terra três negros, dos quais um feriu o Co-


mandante no peito. Mas dois dos matadores pagaram com a mor-
te sua ousadia». 24 )
Ante o ímpeto dos portugueses, retrocede-
ram em número de 200 ho-
os índios e o inimigo saiu da fortaleza
mens, trazendo consigo duas peças de artilharia, o que aumentou
a confusão entre os sitiantes que fugiram, deixando no campo uma
peça de artilharia. Concertou-se, em seguida, uma conferência em
que procuraram os chefes da fortaleza convencer os índios desis-
tissem dessa resistência armada que só lhes poderia ser prejudi-
cial, e que devolvessem os cavalos que haviam tirado. 25 )

Nessa ocasião, José Tiarayú, o Capitão Sepé, que comandava


a artilharia dos índios, composta principalmente de peças de ta-
quarussú recobertas de couro, foi preso e recolhido à fortaleza do
Rio Pardo, donde dias depois, a título de procurar cavalos que ha-
viam sido roubados aos portugueses, saiu com uma escolta de sol-
dados, conseguindo fugir e incorporar-se à sua gente. Pretende-
ram os índios, para a defesa da terra, levantar uma fortaleza nas
proximidades do Rio Pardo, o que não levaram a efeito. Acos-
sados pelos soldados portugueses, repassaram o Jacuí a primeiro
de Maio e no dia oito já se encontravam de volta ao Povo de São
Miguel.
Certos de que encontrariam obstinada resistência dos índios,
que se oporiam, à mão armada, à continuação dos trabalhos da
Demarcação, acordaram os dois chefes levar a guerra às Missões.
Aprestaram-se para isto os respectivos exércitos. O português,
sob o comando de Gomes Freire, contava 1633 homens, 10 peças
de artilharia de campo. 40 barris de pólvora e grande trem de
guerra e transporte. A 24 de Agosto se pôs em marcha para Rio
Pardo, ionde deveria atingir o Povo de Santo Ângelo. Andonaegui,
à frente do exército espaniiol, deveria entrar pelo Povo de São
Borja, conseguindo atingir as alturas de Daymã. Aí se lhe opu-
seram 300 índios de Japejú e de La Cruz, armados de lanças, fle-
chas,espadas e três canhões de taquarussú, que obedeciam ao
mando do Cacique D. Rafael Paracatú. Contra estes mandou Ando-

24) Diário do Padre Enis, cit. Foi este Padre quem acompanhou
o exército índio nesse assédio do Rio Pardo.
25) Diário cit. Doe. sobre o Trat. Anais Bibliot. Nacional, Rio.
LII, 489.
230 AURÉLIO PORTO
naegui um destacamento de 400 homens, sob o comando do Coro-
nel Hilson. Empenhado o combate, perderam os índios 230 mor-
tos, 72 prisioneiros, 8 estandartes, 1 bandeira, os canhões e grande
cópia de armamento, munições e cavalhadas.
Com a acção de Daymã compreendeu Andonaegui a gravidade
da situação e convocando conselho de guerra achou este mais pru-
dente retirar para o antigo acampamento do Rio Negro, o que
foi logo levado a efeito.
No acampamento do Jacuí, onde chegara a 7 de Setembro,
via-se o exército de Gomes Freire assediado a todos os momentos
pelos índios, que escondidos na mataria caçavam os soldados,
obrigando-os a se refugiarem junto às árvores para não serem
atingidos pela fuzilaria certeira dos índios.
Foi nesta ocasião que o General português recebeu comuni-
cação dc Andonaegui, participando-lhe que sustara a marcha do seu
exército e que o português se retirasse para Rio Pardo até ulterior
deliberação. Não era das melhores a situação a que ficava expos-
to o exército de Gomes Freire. Assediado continuamente por pe-
quenas partidas de índios, mal sediado em várzeas inundáveis, sen-
tindo mesmo dificuldades sérias no aprovisionamento de suas for-
ças, procurou o General português entrar em entendimentos com
os índios, com a assinatura do armistício de 18 de Novembro de
1754, que constava de dois itens: 1° — que nenhuma parte faria
dano à outra, enquanto o exército português não voltasse à cam-
panha, e 2" — que ambas as partes voltariam a ocupar as suas
terras e que nenhuma nem outra passasse o Jacuí, que seria o li-
mite natural entre as Missões e o Rio Grande.
Retiraram-se assim Gomes Freire para o Rio Pardo e os ín-
aios para as suas Reduções.
No ano nada fizeram os dois exércitos, reco-
seguinte, 1755,
lhidos a quartéis, ou destacados em vários pontos, entregues a
absoluto ócio. Aproveitou-o Gomes Freire para firmar a posse
portuguesa até o São Gonçalo, mandando erigir ali um forte, a tí-
tulo de armazenar víveres para a segunda expedição que seria
levada a efeito. Por sua parte, Andonaegui procurava recompor
seu exército que fora licenciado nesse interregno, convocando para
uma consulta de guerra o Governador de Montevidéu, D. José Joa-
quim Viana, a quem apresentou um plano de campanha, convidan-
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 231

do-o para assumir o comando de 400 homens, destinados a ocupar


a estância de S. Tecla.
Só em fins deste ano, refeitos, os dois exércitos começaram
a se mover de suas bases para levar a guerra às Missões. O es-
panhol, que se pôs em marcha em direcção a Aceguá, ponto de
junção combinado com o comandante português, constava de 1.670
homens de tropa regular, 500 gastadores, 26 ) 9 canhões de cam-
panha e um parque bem provido de víveres e munições. E o por-
tuguês, que levantou seus quartéis do Rio Grande, contava 1.606
homens, 10 bocas de fogo, 152 carretas, 14 carros manchegos para
condução de palamenta e munições, 3 carros de pólvora, 3.670 ca-
valos, 2.823 rezes de abasto, 1.816 bois para tracção e 375 bestas
muares.
Totalizavam essas forças mais de 3.700 combatentes que se
iam enfrentar com menos de 1.700 índios, mal armados, incapazes
de arrostar a terrível máquina de guerra movida pelo inimigo, que
entrava em acção com 19 canhões dos mais aperfeiçoados do
tempo.
Incorporados os dois exércitos nas imediações do Sarandi, ca-
beceiras do Rio Negro, em 16 de janeiro de 1756, romperam a
marcha seis dias depois. No dia 21 foi assinalado um destaca-
mento de índios, mais ou menos 200, que se retiravam entre S.
Tecla e S. António Velho. No dia seguinte, preso, é remetido ao
General Gomes Freire um espião dos índios que declarou «que os
Sete Povos unidos aos da costa do Uruguai estavam prontos para
a resistência; pois o índio D. Nicolau, natural do Povo da Concei-
ção, os tinha convocado com a notícia de se acharem próximos os
espanhóis para sair à campanha; e também que na estância de
S. António estava o índio Sepé fortificado com quatro canhões e
400 homens de guarda e desde este posto despachava os bom-
beiros a correr o campo». 27 )
Entre os índios dos Sete Povos e mesmo entre estes e os da
Banda Ocidental lavraram contínuas discórdias. D. Nicolau Nen-
guirú, Corregedor da Conceição, que assume o comando dos ín-
dios, como Superior-Maior de todos eles, «por mandamento do Re-

26) Gastador =gente de serviço que trabalha na fortificação.


27) Diário da Demarcação. R. da Cunha. B. N. I, 1, 1, 20.
232 AURÉLIO PORTO
verendo Padre Provincial e Superior das Doutrinas (P. Teodoro
Valenchana), foi obedecido, reconhecido e admitido neste (São Lou-
renço) e nos demais Povos por corregedores, cabidos e caciques
ao exercício e uso do dito superiorado, e com a missão de súdi-
tos, todos desde então, obedeceram ao citado Nenguirú, e que
acabada esta junta os caciques acompanharam ao dito Nenguirú
até o seu Povo (Conceição) e passados alguns dias escreveu car- -

tas a todos os Povos desta banda, assinalando a gente que de


cada um devia sair para formar exército e opor-se ao do Rei Nos-
so Senhor, e como já o tinham reconhecido por Superior lhe obe-
deceram em tudo». 28 )
Voltando a Conceição, recrutou Nicolau Nenguirú 400 índios
dos Povos da Banda Ocidental do Uruguai, à frente dos quais
transpôs esse rio, indo sediar-se no Povo de São João onde se de-
veria dar a concentração de todos os mais, já convocados. Mas,
os infiéis aliados (charruas, minuanos, etc.) bem como os índios
de São Tomé, La Cruz e São Borja, contingente do Sul, deveriam
marchar para a paragem de Santa Catarina 2Í) ) afim de se incor-
porarem ao grosso do exército. Mais demorada a organização
do contingente que deveria ser fornecido pelos Sete Povos, «que
umas vezes queriam marchar, outras não», devido à dissenção que
entre eles havia. Mas, «assim que se teve notícia exacta» de que
o exército hispano-português se avizinhava de suas terras, apres-
taram-se os missioneiros para marchar. E assim, no dia 21 (Ja-
neiro), depois de realizada uma prece na igreja de Nossa Senhora
de Loreto, «sairam do Povo de São Miguel 350 homens de cavala-
ria que, juntos aos que estavam de guarda, passariam de 400. No

28) Doe. sobre o Tratado. Anais, LII. 415. Depoimento de índios


prisioneiros em Caaibaté. Como já salientámos, páginas atrás, D. Nico-
lau Nenguirú, por direito de hereditariedade, reconhecido pelos Gover-
nadores de Buenos Aires, *»ra como seu pai e avô, Capitão-General de to-
dos os índios tapes das duas bandas do Uruguai. Não poderia, pois, o tí-
tulo a aue se refere o depoimento provir da designação do Superior das
Missões. Descendente de nobres avós, dotado de inteligência, músico no-
tável e de grande loouacidade. como afirma Cardiel, Nenguirú se impôs
a todos os índios que o reconheceram por chefe, com o beneplácito dos Pa-
dres. Daí também a lenda, já referida, de D. Nicolau I, imperador das
Missões.
Proximidades do actual arroio de Santa Catarina, afluente do
29)
\7~^ CPpxtrpmo norte do município de São Gabriel. Foram convidados
\

também os índios das reduções do Paraná. Cf. Enis.


HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 233

mesmo Povo de Santo Ângelo 200 e de São Louren-


dia sairam do
ço, 50. Um haviam saído de São Luís 150, e 200 de São
dia antes
Nicolau e um dia depois 150 de São João e 200 da Conceição». ")
O total desses contingentes não excederia de 2.150 homens, arma-
dos de lanças, espadas e de um pequeno número de armas de fogo,
além de duas peças de ferro e algumas outras de taquarussú reco-
bertas de couro que ao primeiro disparo se tornavam inser viveis.
Não ignoravam os chefes missioneiros o poderio do exército
inimigo que lhes era revelado pelos seus «bombeiros». Mas, ingé-
nuos e confiantes, esperavam que suas orações e ladainhas e os
santos que carregavam processionalmente, até no fragor dos com-
bates, os protegessem, conduzindo-os à vitória.
Mais inteligente e precavido do que os outros comandantes
indígenas, o Capitão José Tiarayú, Alferes Real do Povo de São
Miguel, que foi mandado pelo Comando em chefe fazer o reconhe-
cimento das forças inimigas, compreendeu desde logo a inutilida-
de de um choque definitivo contra o exército aliado que esmagaria
inevitàvelmente as forçás das Missões. E recomendou com insis-
tência que fosse sustada qualquer acção até que melhor se apare-
lhassem para evitar uma derrota fatal. «Prevaleceu, não obstan-
te,a opinião do novo Capitão Nicolau que votou que se havia de
combater em caso forçado e de nenhum modo retroceder», 31 ) ou
organizar guerrilhas, para inquietar o inimigo, segundo opinara
Sepé.
Em 7 de Fevereiro, depois de algumas escaramuças em que o
Capitão José Tiarayú, por duas vezes acometeu os espanhóis «ma-
tando dezesseis com seu Alferes, que sairam a reconhecer a ter-
ra» e de outra feita mais 20 nas proximidades de Bato vi, «acome-
teu com os seus, que eram poucos, uma partida de soldados espa-
nhóis, cujo grosso estava emboscado nas matarias das nascentes
do rio Guacacaí-igua, que depois foi denominado pelos próprios ín-
dios de São Sepé. Comandava o troço espanhol o Governador de
Montevidéu D. J. J. Viana que perseguiu, ao princípio com 75
homens e depois com 20, os índios da escolta de Sepé. O chefe
missioneiro, cujo cavalo tropeçara em «uma toca de tatu, de que

30) Diário do P. Enis. Doe. Anais LU, 524.


31) Idem, ibidem, 525.
234 AURÉLIO PORTO
hA muitas naqueles campos», foi derrubado por um golpe de lança
que lhe deu um cavaleiro rio-grandense, e morto, finalmente, com
um tiro de pistola pelo próprio Comandante Viana. Conseguiram
os companheiros do Capitão missioneiro fugir, ficando no campo
somente um morto e outro ferido.
Ocorpo de Sepé foi atirado ao mato que margina o rio. À
noite,voltaram os índios que o acompanhavam para dar sepul-
tura ao cadáver. Cavaram junto ao rio uma sepultura e o «enter-
raram com a dor correspondente ao amor que lhe devotavam, ce-
lebrando suas exéquias com os hinos e cânticos que acostuma a
Igreja, embora sem assistência de sacerdotes». 32 )

«E o lunar de sua testa


tomou no céu posição». 33 )

Morto Sepé, «em cuja prudência, valor e habilidade» tinham


os índios «posta toda a sua esperança», depois de pequena esca-
ramuça «que travaram no outro lado do rio Vacacaí (Guacacaí) e

32) Diário do P. Enis, cit. 258.


33) O Lunar de Sepé é uma das gemas do folclore rio-grandense.
Simões Lopes Neto recolheu-o, em 1902, numa picada que atravessa o rio
Camaquão, da boca de velha mestiça missioneira. E' longa a rapsódia,
publicada em Lendas do Sul, de que reproduzimos as últimas estrofes:

"E já rodavam ginetes


sobre os corpos dos infantes
das Sete Santas Missões,
que pareciam gigantes!
Na peleja tão sozinhos . .

Na morte tão confiantes...

Mas, o lunar de Sepé


era o rastro procurado
pelos vassalos dos Reis,
que o haviam condenado:
ficando o povo vencido...
e seu haver... conquistado...

Então Sepé foi erguido


pela mão Deus.Senhor
de
que lhe marcara na testa
o sinal de seu penhor:
o corpo ficou na terra . .

a alma subiu em flor...


HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 235

que durou até a noite, retiraram, reconhecendo a inferioridade de


suas forças, e seguindo a idéia de seu defunto Capitão». 34 )
No dia seguinte, o exército missioneiro retirou para acampar
nas proximidades da lagoa do Crocodilo, lugar que chamam de
Yacarapitú, onde havia algumas sangas formadas pelas chuvas.
Para maior segurança começaram a cavar um fosso e erguer trin-
cheiras que não conseguiram concluir. «Ao romper do dia 10 de
marchou (o exército aliado), formado em batalha con-
Fevereiro,
tomando as armas e passando o fosso, se opuse-
tra os índios que,
ram com denodo ao contrário, embora não estivessem bastante
prevenidos, pois todos, à excepção de uns cinquenta estavam a pé,
e enganados pela última, expedição, pensavam que a solução se
daria mais por palavras escritas do que pelas armas». 35 )
Mandaram os índios à presença do exército, que avançava, um
parlamentário, um Fernando, natural de São Miguel, com a
tal
incumbência de solicitar ao General espanhol retrocedesse, pois do
contrário os índios iriam ao extremo de brigar «para defender o
que era seu». Nessa ocasião o emissário dos missioneiros expôs
ao General «o que seus Padres e seus patrícios haviam já padeci-
do» e quanto já haviam «arriscado a vida para cumprir» em todos
os tempos, «as ordens de El-Rei». Respondeu o General que, a
despeito de tudo, marcharia para ocupar os Povos, e que «sabia
muito bem que em certo lugar da freguesia de São Miguel esta-

E subindo para as nuvens,


mandou aos povos benção! —
que mandava o Deus-Senhor
por meio de seu clarão . .

E o lunar de sua testa


tomou no céu posição...

Eram armas de Castela


que vinham do mar de além,
De Portugal também vinham,
dizendo por nosso bem:
Sepé Tiarayu ficou santo
Amen! Amen! Amen!

34) P. Enis. Diário, cit. Nusdorffer. Diário da Demarcação, cit.


35) P. Enis. Diário, cit. 528.
236 AURÉLIO PORTO
vam três Padres 3e ) e que fosse até eles e lhes dissesse que dentro
de três dias» viessem eles pessoalmente, com as Justiças de seu
lugar, render obediência a ele, General, que fazia as vezes Del-Rei
e se sujeitassem à sua determinação. Saiu Fernando e foi directa-
mente» até o lugar de São Xavier, onde se achavam os ditos três
Padres, em parte para precaver os danos dos gados e em parte
especialmente para cuidar do bem das almas dos soldados que se
dispunham a combater.»
Suspeitaram os que já haviam perdido a fé em seus
índios,
Padres, e com eles os Capitães dos outros Povos, que a missão de
Fernando seria uma traição maquinada pelos Sacerdotes, e mais
os índios de São Miguel, e mandaram quatro soldados em perse-
guição de Fernando, ameaçando-o de morte, se cumprisse essa co-
missão. A muito custo, depois de quatro dias de viagem, conse-
guiu o emissário chegar a Santiago, onde estavam os Padres. Era
tarde demais, pois, mal sairá esse emissário do campo aliado,
aprestava-se o exército para marchar contra os índios se lhe dis-
putassem a passagem, que «quatro Capitães a cavalo» intimavam
deixassem livre, para os exércitos espanhol e português.
Estavam os índios, desprezando os mais elementares precei-
tos de táctica, aglomerados no alto da colina de Caaibaté, exposto
de todos os lados, e mal defendidos pelas sangas circunjacentes,
cuja entrada não tinham conseguido fortificar.
Ante essa intimação alguns se dispunham a retirar, outros
concitavam a resistir, dizendo os mais animosos que não poderiam
mais retroceder e mais «valia morrer brigando que fugindo».
«Por isto, sem obedecer a ninguém, segundo costume de sua
nação, retrocedem uns, outros persistem firmes, e havendo um
destes disparado seu fuzil feriu a bala, passando-o de lado a lado,
a um dos quatro Capitães. Dado o sinal, começam então os espa-
nhóis a batalha, disparando seis canhões carregados de metralha,
embora com pouco resultado, porque alguns índios, ao primeiro
disparo, vendo que a corpo descoberto não estavam bem resguar-
dados, se arrojaram aos fossos que haviam feito o dia antes, en-

36) Os Padres de São Miguel eram o celebrizado Lourenço Balda,


dado como principal culpado desses acontecimentos, e os seus Companhei-
ros Miguel de Sotto e Diogo Palácios.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 237

quanto outros retrocederam. Então a cavalaria inimiga, vendo o


exército dos índios dividido em três corpos, separou com um movi-
mento rápido o que retrocedia do outro que combatia, e uma parte
dela perseguiu, pôs em fuga, e passou à espada os que retroce-
diam, e a outra acometeu pela retaguarda os que brigavam com a
infantaria, fazendo neles uma cruel carnificina, e enfim detidos
com dificuldade pelo seu General, fizeram prisioneiros cento e cin-
quenta índios, que ficaram dos que brigavam. Reputaram-se por
quase seiscentos os que ficaram no campo. Os restantes, postos
em fuga, se derramaram por todas as partes». 37 )
Célere corre a notícia dolorosa entre os Povos mais próximos.
Em São Xavier, onde estavam os Padres, convocam uma Junta
em que se determina fugir ao inimigo que avança, pois a fama
«que cresce com o medo» proclamava a aproximação de um esqua-
drão com dois canhões para levar à força os Padres. O povo re-
solveu também seguir os sacerdotes a que outros se juntaram.
Chegando a Santiago, onde resolveram aguardar mais precisas no-
tícias dos acontecimentos, foram aí os Padres mal recebidos por
um grande número de índios de São Paulo e outros lugares que
os increparam de os trair para entregar aquelas terras aos portu-
gueses. Outros que vêm chegando, fugidos do campo de batalha,
como alguns de São Luís, nem sequer cumprimentam os Padres,
a quem também acusam de traição.

37) Seguimos nessa exposição da chacina de Caaibaté o relato do


P. Tadeo Enis, no Diário citado. Os diários da Demarcação trazem o re-
lato da pretensa batalha. São Leopoldo, nos Anais, como todos os auto-
res antigos, portugueses e espanhóis, emprestam cores de epopéia a essa
matança de pobres índios; Basílio da Gama deturpa os factos, pondo seus
versos admiráveis a serviço da mentira louvaminheira e ingrata; São Leo-
poldo diz que "acende-se porfiadíssima batalha, sem que a vitória quises-
se por largo tempo propender para este ou para aquele lado", e acrescenta
que "em poucas horas ficaram juncadas (as planícies) de mil e duzentos
destes malfadados e de infinidade de lanças, flechas, arcos e prisioneiros
cento e vinte e sete." O Padre Tadeo diz que foram "quase seiscentos"
os que ficaram no campo, no que é confirmado pelo Padre Nusdorffer e
Escandón que baixa esse número para 400 mortos. Rectifica porém Nus-
dorffer essas baixas que os espanhóis disseram ser mais de 1.000, ele-
vando o Governador para 1.700. O Diário de R. Cunha dá 1.400. Mas,
Southey eleva esse número para 1.500 e Bauzá precisa-o em 1.511. Dos
portugueses houve um morto e um ferido e dos espanhóis três mortos e
dez feridos, o que perfaz o total de quatro mortos e onze feridos. E isto
confirma a observação de Escandón: — "Vencidos e desfeitos sem ter
combatido."
238 AURÉLIO PORTO
Novos contingentes de índios que haviam sido convocados e
que vão aparecendo, ao princípio, meio receosos por não saber o
destino que tomaram as forças inimigas, que se dirigiam para São
Luís, vão até os campos de Caaibaté. Os primeiros que chegam
são os guenoas, gentios confederados, em número de 130, que, ven-
do o campo semeado de seus parentes, prorrompem em choro e
gemidos; tropas de São Tomé e de São Borja, e de quase todos os
Povos do Uruguai, em número considerável que atingiria a quase
4.000 combatentes, vão até ali, para enterrar os mortos. E D. Mi-
guel Mayrá, novo Corregedor do Povo de São Miguel, faz erguer
sobre o campo, a 4 de Março, uma grande cruz que os soldados
haviam feito. Nela se lia esta inscrição: «Ano de 1756. A 7—
de Fevereiro morreu o Corregedor José Tyarayu em uma batalha
que houve em dia de sábado. A 10 do mesmo, em uma terça, hou-
ve uma grande batalha' em que morreram, neste lugar, 1.500 sol-
dados e seus oficiais, pertencentes aos 9 Povos do Uruguai. A 4
de Março mandou D. Miguel Mayrá, fazer esta cruz pelos solda-
dos». 38 )
Com este grande reforço de índios, que vão até o campo de
Caaibaté, julgavam todos ser possível reorganizar um forte exér-
cito afim de se contrapor ao avanço dos aliados que seguiam já
para as Missões. Mas, a discórdia lavrava entre eles e a descon-
fiança entre uns e outros Povos não permitia se unissem nova-
mente para combater o inimigo comum. Sem a assistência^ ime-
diata de seus Padres, a quem não mais obedeciam e trabalhados
pelo espírito de intriga que fervilhava em suas hostes e terror
pânico de contemplar a grande mortandade de irmãos estendidos
pelo campo da carnificina, os pobres índios regrediam a esse es-
tado de consciência colectiva que lhes era peculiar. O assomo de
liberdade que, por momentos, os congregou para a luta, desvane-
ceu-se de pronto. Nascidos para escravos, pouco lhes importava
agora fosse o Rei de Espanha, os Padres, ou outra qualquer enti-
dade o senhor a quem obedeceriam. Logo que não abandonassem
suas terras, melhor fora ficarem, juntamente com elas, pertencen-

38) Diário da Demarcação citado. B. N. I, 1, 1, 20. Ayres de Ca-


sal, na Corografia Brasílica, pág. 100, reproduz meio em caracteres lati-
nos, m«io em guarani, essa inscrição.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS D O URUGUAI 239

do também à Coroa de Portugal. Famílias de todos os Povos, em


número superior a 500, entram em acordo com Gomes Freire, pas-
sando ao domínio de Portugal, como veremos depois.
Os primeiros que abandonam o campo são os de São Borja,
juntamente com os seus vizinhos de São Tomé. Os de Santo Ân-
gelo, inimigos dos de São Miguel, onde encontram estes últimos
os despojam de armas e cavalos, para vingar antigos agravos, se
recusam a combater ao lado de seus desafectos. Procuram des-
truir tudo quanto encontram, matando ovelhas, roubando e des-
truindo a casa do Padre, única que no Povo ainda se encontrava
intacta por ser construída de pedra e telhas de barro. Os de São
Miguel irritados atacam os seus vizinhos de Santo Ângelo, ferindo
alguns num encontro que tiveram. Os moradores dos demais Po-
vos, retiram-se para as suas aldeias, depois de dar sepultura aos
seus mortos, em Caaibaté.
A Corte Espanhola e os Superiores Jesuítas reiteram, entre-
mentes, aos Padres Curas dos Povos, novas determinações no sen-
tido de promoverem de qualquer modo a mudança dos índios.
Acusa-se, mesmo, os Padres de serem culpados da matança de 10
.de Fevereiro, «porque havendo, em outras ocasiões conseguido
dos índios quanto queriam, nesta que interessava à palavra e fa-
zenda nada haviam feito».
real, 39 )
Ante essa acusação procura-
ram demover os seus fregueses. Conseguiram de al-
os Padres
guns Povos a promessa de se mudarem para novos postos. São
Luís, São Lourenço, Santo Ângelo já se dispunham a isto quando
«dez moradores nobres de Conceição»', indo a eles novamente os
induziram à resistência.
Uma deputação dos Povos foi ao Governador solicitar a liber-
dade dos presos, não sendo atendida, o que alvorotou os índios.
«Voltaram eles à sua primeira obstinação, diz o P. Enis, mobili-
zaram logo novas tropas contra o inimigo, que chegaram a quatro
mil homens». Construiu-se um forte que ficou logo guarnecido
pelos soldados de Santo Ângelo, enquanto os de São Lourenço, ame-
drontados pelas notícias que lhes trouxeram os seus patrícios
que haviam estado em Caaibaté, recuaram da nova empreitada.
O exército aliado achava-se então nos campos de São Luís,

39) Doe. Demarcação cit. Anais. B. N.


240 AURÉLIO PORTO
donde procurava atingir os Povos. Algumas escaramuças de me-
nor importância detinham, às vezes, a marcha. Duas de maiores
consequências assinalaram-se a primeira, ao transpor um peque-
:

no bosque, uma fuzilaria inesperada dos índios, que numa paliçada


se opunham à penetração dos aliados; a segunda, a investida de
um índio a cavalo que atacou um esquadrão de vanguarda, e não
obstante cerradas descargas de fuzilaria, conseguiu voltar indene
para junto dos seus.

Em três de Maio de 1756, nas proximidades de Santo Inácio,


jurisdição de São Miguel, mais de 2.000 índios, que ali estavam
emboscados, apareceram pelas colinas e, numa formação de meia
lua, tendo ao centro a infantaria, acometeram o exército invasor.
A cavalaria, sob o comando dos capitães gentios (charruas e mi-
nuanos confederados) despejou -se a toda brida sobre as forças da
vanguarda que formou quadrado, resguardando seus carros e os
recebeu a tiros de fuzilaria e artilharia. O combate se reduziu a
escaramuças, e durou até o anoitecer. Morreram alguns espa-
nhóis e dos índios perderam a vida seis de Santo Ângelo, um de São
Nicolau e outro de São Miguel. À noite ainda tentaram dar sobre
os aprovisionamentos e carros do inimigo, mas, pressentidos logo,
foram rechaçados, ficando morto somente um charrua.

A 10 de Maio junto ao arroio Churieví, a cinco léguas de São


Miguel, dá-se o último recontro. Haviam os índios fortificado o
passo do arroio com algumas paliçadas, transportando para ali
dois pequenos canhões de feYro existentes em São Miguel, e mais
cinco «que fizeram apressadamente com uma madeira muito dura
chamada Taxivo e pelos índios Tay ítagiba)», defendendo o posto
os moradores de São Miguel. Recebidos a tiro de canhão os alia-
dos, não obstante as perdas que tiveram, conseguiram o imediato
desbarato dos inimigos.

Apreciando este último capítulo da resistência dos missioneí-


ros, diz o Diário da Demarcação: «Se o espaço deste rio fora de-
fendido por tropas regulares, como as nossas, e tivessem aquelas
trincheiras, que suposto eram toscas e mal obradas, não foram
mal ideadas, bastavam 100 homens de armas e duas peças de ar-
tilharia para que ninguém chegasse a passar por semelhante pa-
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 241

ragem, pois a mesma natureza o defende com bem pouco arti-


fício». 40
)

Sempre assediados pelos soldados missioneiros, em pequenas


escaramuças, avançou o exército aliado ocupando o Povo de São
Miguel, em 17 de Maio. Os índios, movidos pela desesperação,
haviam ateado fogo à maior parte de suas casas e ao magnífico
templo, que felizmente escapou às chamas. Outros que haviam
entrado na povoação quase abandonada pelos seus moradores, pu-
seram-na a saque, levando até o próprio sino. E observa Southey
que se não «fosse a característica morosidade dos espanhóis, fácil
seria obstar essa destruição, pois bastaria um só cavaleiro para
evitá-la». 41 )

Ante o avanço das tropas fugiram também os Padres atemo-


rizados. Mais tarde, os Padres Tadeo e Xavier Limp foram pre-
sos e conduzidos ao exército. Os outros, de quase todos os Povos,
foram se apresentar ao comando de exército alguns dias depois.
Terminava assim a Guerra das Missões. Os índios, abando-
nando os seus Povos, as suas casas, dispersavam-se, fugindo por
todas as direções. Os campos talados, os rebanhos desfalcados,
as colheitas perdidas, as alfaias dos templos e até os sinos rouba-
dos, eram o atestado do declínio de uma civilização que desabava
nas ruínas das próprias aldeias desertas e destruídas em parte.
E
tudo isto sem um resultado prático, porque, nas Cortes lon-
gínquas procurava-se resolver sobre a fixação de fronteiras inde-
cisas de que se enxotavam os donos primitivos da terra, contra
todas as leis da humanidade e da própria economia das incipientes

povoações que floresciam, sobre os alicerces da vida cristã. Se-


jam quais forem as culpas que cabem aos Padres das Missões nes-
sa dolorosa tragédia, pela resistência dos índios, o que parece não
apurado ainda, apreciando com serenidade essa sequência de de-
sastrosos acontecimentos, *pode-se afirmar com isenção de ânimo
que se houve réus passíveis da pena que a História, tribunal infle-
xível e justo, deve cominar, estes serão os fautores do Tratado de
1750 e jamais os Padres dos Sete Povos, julgados ainda hoje pelo

40) B. N. Diário cit. I, 1, 1, 20.


41) Hist. do Brasil.
242 AURÉLIO PORTO
travor das paixões, do ódio e da injustiça. Sabiam que seriam
vencidos pelo poder do inimigo, mas preferiram cair com seus fi-
lhos porque certamente ressurgiriam nas alvoradas da Posterida-
de, quando a justiça da História, como a de Deus, os tivesse de
julgar definitivamente.

3. Expulsão dos Jesuítas.

Não comporta este trabalho estudo mais detido sobre as cau-


sas predeterminantes da extinção da Companhia de Jesus, nota-
bilizada na América por dois longos séculos de catequese, de civi-
lização cristã e de trabalhos apostólicos.
Mesmo antes de deflagar a insubordinação dos índios missio-
neiros contra a injusta aplicação do Tratado de 1750, uma trama
insidiosa se tecia na Europa para envolver em suas malhas o que
a política reacionária da época chamava de «poderio jesuítico».
E, realmente, dominando grande número de países, especialmente
os da Península Ibérica, detentores da América do Sul, os Jesuítas
exerciam a maior influência política e social, que já foi dada ob-
servar, partida de uma comunidade religiosa. E isto afectava até
o próprio clero, repercutindo nos príncipes da igreja católica, que
se julgavam diminuídos em sua mesma autoridade eclesiástica.
Por outro lado, ainda tímido e indeciso, mas fundando suas
raízes numa consciência malsã, abria-se para a humanidade um ho-
rizonte mais largo onde se adivinhavam já os primeiros albores do
liberalismo, cuja eclosão não tardaria. A Companhia de Jesus,
pela sua própria essência e pela rigidez de seus princípios, estava
destinada a colidir com a nova ordem, que a evolução dos destinos
humanos impunha às sociedades que deveriam surgir desse emba-
te formidável de que se adivinhavam os primeiros fragores. E to-
das as causas, ocultas ou ostensivas, que se possam enumerar co-
mo determinantes da extinção da Companhia, cifram-se unicamen-
te nessa «alta razão de estado», que impeliram Espanha e Portu-
gal à acção de que resultou esse golpe injusto, mas determinado
por um imperativo da própria evolução social.
Carlos III e Pombal não são mais do que executores implacá-
veis de uma sentença irrevogável das tendências modernas que
iriam modificar a fisionomia do mundo. E as suas vítimas, os
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 243

Jesuítas, cujas acções eram afeadas pelos contemporâneos, deve-


riam ser expulsos e extintos, não porque tivessem cometido crimes
que os tornassem passíveis de pena, mas porque eram ainda os es-
teios já meio abalados de uma época, cuja transição se processava.
A tragédia das Missões, na América, e outras causas osten-
sivas e secretas, forneceram o material explosivo, cuja deflagração
consumiria a Companhia de Jesus. Em vários países se fariam
sentir de diversas formas, que Teschauer procura sentetizar: «Em
Portugal, foi o suposto atentado contra o rei, que se fez crer ao
débil José I; na França, a influência de uma cortezã; em Nápoles,
a política do rei de Espanha; em Roma, o receio de um cisma; na
Espanha, em tempo de Fernando VI, foi o reino jesuítico do Para-
guai, ameaçando a soberania das colónias espanholas, e ao tempo
de Carlos III, a nota de infâmia assacada à pessoa de El-Rei pelos
Jesuítas na carta supositicia», 1 ) isto é, em carta em que se dizia
ser Carlos III fruto de adultério da rainha D. Isabel de Farnésio
e, por conseguinte, intruso no trono de Espanha, de que seria le-

gítimo herdeiro seu irmão, o infante D. Luís.


Precisava a Espanha de um forte motivo para coonestar a
sua acção tendente à expulsão da Companhia de seus domínios co-
loniais. E este seria a participação dos Jesuítas na insurbordi-
nação dos índios missioneiros. Nesse sentido determina a Corte
ao Governador D. Pedro de Cevallos instaure processo para apu-
rar a culpa desses sacerdotes. Foi encarregado de organizar o
pleito D. Florêncio Moreira, que desistiu de o encaminhar, sendo
substituído por Diogo de Salas. Provecto historiador moderno,
Enrique M. Borba, biografando D. Pedro de Cevallos, à luz de co-
piosos documentos inéditos, nos dá notícia desse processo.
«Para comprazer o ministro e calar a garrulice de seus de-
tractores, deu (Cevallos) a mencionada comissão a Diogo de Sa-
las, que iniciou sua tarefa em São Borja. Tomou o processo pro-
porções gigantescas — o que não assombra dado o complexo me-
canismo de burocracia de então —
e as declarações favoreceram

1) —
Teschauer.' Hist. II, 338. Veja ainda ESTÚDIOS, n' 349 e 350,
p. 35 e 125 ss. ( Julio
y Agosto de 1940), onde A Gordillo Gomez, publicou
dois magníficos artigos, subordinados ao título: Los "Crímenes" Jesuíticos.-
P. Pablo Hernandez, S. J.: El Extranamiento de los Jesuítas dei Rio de
la Plata y de las Misiones dei Paraguay." Madrid, 1908, pág. 23 ss. (L.G.J.>
244 AURÉLIO PORTO
os Jesuítas. Umadas testemunhas, o engenheiro João Francisco
Sobrecasas, respondendo ao formulário de perguntas, disse que não
viu sinal algum de que os missionários houvessem concorrido com
os índios à oposição que estes fizeram às tropas de Sua Majestade.
Que as operações dos indígenas «foram umas bobices e asneiras»,
pelo que considerava que nenhum homem de juízo podia dirigi-los.
Em Por isto Ceval-
essência coincidiam todas as declarações.
los comunicava a Ricardo Wall em 30 de Dezembro de 1759 que,
«havendo-se concluído o processo, vi por ele que não somente não
resulta que algum dos Padres da Companhia, ainda os onze no-
meados em minha Instrução, haja tido parte alguma, nem influído
de qualquer modo na desobediência dos índios, antes, pelo contrá-
rio, consta dos depoimentos de todos estes que os Padres fizeram

quantos esforços lhes foram possíveis para contê-los na devida


obediência, e fidelidade às ordens de S. M.». 2
)

Cevallos foi acoimado de parcial no julgamento dos Jesuítas.


Nada fez que lhes fosse prejudicial. «Assim, em 7 de Outubro de
1758, dirigindo-se a Ricardo Wall, passa em revista sua actuação
.pessoal desde que chegou a Buenos Aires, pondo em evidência
quanto devia seu êxito aos Padres da Companhia de Jesus. Agre-
gava que, chegando a São Pedro, pôde observar a paixão com que
alguns oficiais da tropa discorriam acerca da conduta dos Padres.
Que havia observado nestes as mostras mais inequívocas de um
profundo respeito, amor e fidelidade a Sua Majestade, que se con-
firmaram ainda mais quando viu o zelo e pontualidade com que
deram as ordens concernentes ao abastecimento e subsistência do
exército. Ao exortar naquele Povo os índios para que passassem
à Banda Ocidental do Uruguai, censurando-lhes não havê-lo feito
antes, responderam submissamente que reconheciam sua culpa e
que se não o haviam executado, desobedecendo ao pedido de seus
Missionários, foi por amor ao solo natal». ) Não interessava à
:i

política de Cevallos comprometer os Jesuítas, caso não fosse sin-


cero o seu modo de ver. Anos depois, o próprio Diogo de Salas
que presidiu o processo, declara a Valdelírios que recebera com

2) Enrique M. Barba. Don Pedro de Cevallos. Bibliot. Humani-


dades. T. XIX. La Plata. 1937. 85.
3) E. Barba. Op. cit.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 245

repugnância essa missão, «pois lhe constava que os Jesuítas eram


os únicos responsáveis pelo levante guarani». Para Cevallos o 4
)

único inimigo era o português. E não contra


seria contra este e
os Jesuítas que se deveria proceder. A culpa de não se executar
o Tratado estaria no modo de proceder de Gomes Freire, «que
tratava de ficar com o maior número de índios, com todo o terre-
no que reconhecia ser mais útil a seu monarca e, por último, não
entregar jamais a Colónia». 5
) E descarregava também sobre
Valdelírios o peso de tremendas responsabilidades.
O Tratado de Madrid, de 12 de Fevereiro de 1761, e os acon-
tecimentos dos anos subsequentes, em que esse chefe espanhol
aparelha um exército para reconquistar os terrenos que estão em
poder dos portugueses, desde Rio Pardo até a Colónia do Sacra-
mento, que assedia e toma, bem como o Rio Grande de São Pedro,
mostram claramente a intenção de restringir a acção portuguesa
em sua expansão para o Prata. Pelo «Pacto de Família», que se
firmou em Paris em 10 de Fevereiro de 1763, em que se determi-
nava que a Espanha restituiria a Portugal todas as praças con-
quistadas na Europa, América e África, ou índias Orientais, vol-
tava a Colónia do Sacramento ao domínio da Coroa lusitana. O
mesmo não sucedeu com o Rio Grande, que só em 2 de Abril de
1776 foi reconquistado, à força de armas, pelos exércitos portu-
gueses. 11
)

Não empenho de Cevallos de inocentar por


obstante, porém, o
completo os Jesuítas da pecha de promotores da insubordinação
dos índios missioneiros, a sorte da Companhia periclitava na Es-
panha. Inimigos poderosos e fortes esperavam o momento opor-
tuno em que sobre a sua cabeça cairia a clava pesada do extermí-
nio. Cevallos sobrestara o golpe.
Em Portugal não era melhor a situação. O caso do P. Mala-
grida, a quem se inculpava injustamente de conivência na conju-
ração dos Távoras, condenado e queimado pelo Santo Ofício, em
20 Setembro de 1761; os acontecimentos anteriores, resultantes

4) Idem. Nota à pág. 85.


5) Idem, 29.
6) Sobre esse período da nossa história veja-se o brilhante traba-
lho de pesquisa documental de Jonas da Costa Rego Monteiro. A domi-
nação espanhola do Rio Grande do Sul.
246 AURÉLIO PORTO
da Demarcação, cujo fracasso era atribuído unicamente aos Jesuí-
tas que haviam promovido o levante dos índios missioneiros, e obs-
tado o prosseguimento dos trabalhos da comissão demarcadora do
Norte, e a campanha, larga e intensiva, em panfletos e acusações,
que se fazia aos Jesuítas, inspirada pelo próprio Pombal, induzi-
ram o Rei D. José I a tomar decisiva deliberação.
«Na da abolição da Ordem El-Rei refere o facto de have-
lei

rem os Jesuítas ousado atentar contra sua fama a cara descober-


ta, maquinando e difundindo por toda a Europa, em causa comum
com seus sócios de outras regiões, os infames agregados de disfor-
mes e manifestas imposturas». 7 ) E a 3 de Setembro de 1759
abolia Portugal de seus domínios a Companhia de Jesus.
Só oito anos mais tarde, Carlos III, conformando-se com o
parecer em consulta do Conselho Extraordinário, expediu o Real
Decreto de expulsão, que é datado de 27 de Fevereiro -de 1767.
Cabe a execução da lei, nas Missões Jesuíticas, ao Tenente-Ge-
neral D. Francisco de Paula Bucareli y Orsua, que substituirá co-
mo Governador de Buenos Aires a D. Pedro de Cevallos, tomando
posse do governo em Agosto de 1766.
Em 7 de Junho do ano seguinte recebia o Governador a ordem
de expulsão dos Jesuítas, que deveria transmitir às outras Gover-
nações espanholas da América do Sul, tendo marcado o dia 21 de
Julho para a publicação do Decreto Real em todas as cidades de
seu Governo. Antes disso, porém, a tripulação de um navio que
aportou a Montevidéu divulgou a notícia, obrigando Bucareli a agir
com mais presteza na execução dessa ordem.
Na madrugada do dia 3, numa noite tormentosa, o Governa-
dor, à frente de um forte contingente de tropas, assaltou o Colégio
de Santo Inácio, de Buenos Aires, e pôs todos os Padres sob cus-
tódia, na casa de exercícios do mesmo, cominando pena de morte
aos que tentassem romper a incomunicabilidade dos Jesuítas. Pro-
cessou-se a expulsão sem acontecimentos dignos de nota. Os Pa-
dres submetiam-se às determinações reais com o alto espírito de

7) Visconde de Porto Seguro. Hist. Geral, 3* ed. IV. 174. Veja-se —


ainda sobre o assunto o brilhante artigo de A. Gordillo Gómez, in ESTÚ-
DIOS, Buenos Aires, Julio y Agosto de 1940, n* 349 e 350, intitulado Los
"Crímenes" Jesuíticos. (L. G. J.)
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 247

resignação e sacrifício que fora o apanágio, durante dois séculos,


na América, da poderosa Companhia de Jesus.
Em 12 de Outubro, em alguns transportes capitaneados pelo
Vénus, deixa as costas americanas, destino ao Velho Mundo, a
primeira turma atingida pelo decreto. O P. Gaspar Suarez, um
dos expulsos, depois de historiar detidamente todos esses aconte-
cimentos, tem ainda um grito de amor pelos seus índios e uma vi-
bração melancólica de saudade da terra: «O dia 12 de Outubro,
consagrado pela Igreja à festa da Rainha dos Céus e Terra, N. S.
a Virgem do Pilar, soltaram todas as velas ao vento os cinco
transportes que conduziam os Jesuítas desterrados, à vista de Mon-
tevidéu que foi a última terra da América que perdemos de vista,
mas não do coração, nem da memória, porque temos sempre pre-
sente toda a América para amá-la como centro das apostólicas
fadigas da Companhia de Jesus, e como o evangélico campo onde
está escondido o tesouro de memoráveis almas em cuja redenção
entrou o sangue do próprio Deus e por cuja salvação todos os Je-
suítas estamos prontos a derramar o nosso». R )
Os Povos das Missões do Uruguai, de uma e outra banda, são
os últimos a ser atingidos pela expulsão. Em Maio de 1768, .em
toda a vasta Província do Paraguai estava terminada a expulsão.
Um ano transcorrera já quando os Padres dos Sete Povos recebe-
ram ordem de abandonar os seus índios e se aprestarem para se-
guir o destino de seus sócios.
Determinara a demora o receio, manifestado pelas autorida-
des espanholas, de que os índios se rebelassem e reagissem contra
a ordem de expulsão. Não longe estava o exemplo dessa atitude
nos acontecimentos sangrentos por ocasião da execução do Trata-
do de 1750. Compreendeu Bucareli o perigo que disso poderia re-
sultar. Escreveu cartas ao Provincial P. Manuel Vergara, solici-
tando se dirigisse aos Padres das Missões afim de que estes em
seus sermões e conselhos preparassem o ânimo de seus fregueses,
e que obedecessem aos Padres que viriam substituir os Jesuítas.
Era então Superior das Missões o P. Lourenço Balda, cujo nome

8) B. N. Mss. I, 29, 5, 48. "Relación de la expatriación de los Je-


suítas escrita en Roma por el padre Gaspar Suárez, uno de los expulsos".
Original e autógrafo.
248 AURÉLIO PORTO
se celebrizarana guerra da Demarcação. Escreve-lhe o Governa-
dor determinando que faça ir a Buenos Aires os caciques de mais
prestígio de cada um
dos 30 Povos. Queria, assim, Bucareli ex-
perimentar o P. Balda, conhecer-lhe os intuitos e ao mesmo tempo
reter como reféns esses índios, que ali ficaram detidos um ano in-
teiro. Acompanharam esses caciques outros nobres dos
índios
Povos, de sorte que, em vez de 30, foi de 60 o número dos que
Bucareli tinha em suas mãos.
Entre estes, sabendo que era procurado, apresentou-se tam-
bém, pondo-se às ordens do Governador, o famoso Capitão-General
D. Nicolau Nenguirú, Corregedor de Conceição. Traçando-lhe o
perfil, páginas atrás, referimos o receio que suas atitudes de chefe
prestigioso incutiram no ânimo de Bucareli, que o reteve e «deu-lhe
como aos outros trajos de cavaleiro, à usança espanhola».
à época da expulsão dirigiam os Sete Povos os seguintes Pa-
dres:

São Nicolau Cura — —


P. Domingos Perfetti, natural de Ro-
ma, nascido em 7 de Agosto de 1725. Entrou para a Companhia
em 23 de Abril de 1740 e professou em 15 de Agosto de 1758.
Formado em filosofia e teologia; havia nove anos trahalhava como
missionário entre os índios. Companheiro —
P. Felipe Árias, na-
tural de Madrid, onde nasceu em 1 de Maio de 1705, entrou para a
Companhia em 23 de Setembro de 1728 e professou a 2 de Feve-
reiro de 1745. Era formado em filosofia e teologia e havia 28
anos que trabalhava como missionário.

São Lourenço — Cura — P. João Caetano Ibarguren, natural


de Salta, Tucumã, nascido em 7 de Agosto de 1715, tendo entrado
para a Companhia em 14 de Novembro de 1734 e ficou professo
dos quatro votos em 2 de Fevereiro de 1749. Servia como operá-
rio nas Missões havia 11 anos e fora professor de gramática dois
anos, filosofia três e teologia quatro anos. Companheiro: P. An-
dré Balquerai !)
e coadjutor Irmão leigo Wenceslau Kosqui, 10
) )

natural da Alemanha, de 45 anos de idade, boticário.

9) Teschauer dá-lhe o nome de Botelre, natural de Ellwanger, na


Alemanha, com 62 anos. (Hist. II, 357). O documento de que nos servi-
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 249

São Luís — Cura — P. João Fabrer, natural de Maiorca, nas-


cido 19 de Março de 1721, entrou para a Companhia em 6 de
em
Outubro de 1740, professo dos quatro votos em 28 de Outubro de
1753. Formado em filosofia e teologia. Companheiro: P. Matias
Cano, natural de Orizie, na Sardenha, nascido em 9 de Agosto de
1726, entrou para a Companhia em 12 de Junho de 1752, professo
dos quatro votos em 15 de Agosto de 1759. Era formado em filo-
sofia e teologia e exercia a catequese nas Missões havia 28 anos,
em 1763.

São Miguel Cura: — —


P. José Inácio Umeras, natural de
Santa Fé, Argentina, nascido em 10 de Agosto de 1724, entrou
para a Companhia em 8 de Fevereiro de 1747, tendo somente votos
de biénio. Era formado 'em filosofia e havia 10 anos estava nas
Missões. Companheiro: P. Isidro de Rojas, natural do Paraguai,
com 38 anos, e coadjutor P. José Rivarola, natural de Santa Fé,
na Argentina, nascido em 13 de Abril de 1696 e tendo entrado para
a Companhia em 6 de Junho de 1712. Professo dos quatro votos
em 19 de Abril de 1733, havia já 32 anos que servia nas Missões.
São João Cura:— —
Pedro Biedma. 12 ) Companheiro: Mi-
guel de Sotto, 13
que já se encontravam nas Missões por ocasião
)

da execução do Tratado de 1750, em que eram respectivamente


Curas de São João e São Miguel.

Santo Ângelo Cura: — —


P. João Baptista Gilde, que em 1752
era Cura de São Nicolau. 14 )

São Borja Cura:— —


P. Carlos Pérez, natural de Mora, Cas-
tela, nascido em 10 de Abril de 1715, entrou para a Companhia

em 20 de Dezembro de 1732, formando-se em 2 de Fevereiro de

mos é o quadro de Estatística dos Povos em que vêm os nomes dos Padres
expulsos em 1768 e seus substitutos franciscanos, capuchinhos e mercedá-
rios (Mss. B. N. I, 29, 5, 42). Os dados biográficos são do Catalogus
publicus de 1763.
10) Teschauer dá o Irmão Kosqui em São Nicolau, mas consta estar
em São Luís.
11) Catalogus de 1763.
12) Dados biográficos em nota anterior.
13) Idem, ibidem.
14) Dados biográficos em nota anterior.

y
250 AURÉLIO PORTO
1750. Em 1763 havia 14 anos que exercia a catequese nas Mis-
sões. Companheiro: P. António Planes, que desde 1752 servia
nesse mesmo Povo. 15
)

Pelas suas nacionalidades eram esses Padres: espanhóis 5, ale-


mães americanos 4 e italianos 2. ie )
4,

Não obstante o receio que tinha o Governador Bucareli de


que os índios dos Sete Povos se opusessem a mão armada contra
a expulsão de seus Padres, nenhum acontecimento digno de nota
se registrou nas Missões ao chegar ali o conhecimento dessa notí-
cia. Somente o Povo de São Luís Gonzaga fez ao Governador uma
representação, em termos respeitosos, mostrando a injustiça desse
acto, pois estavam acostumados a ser dirigidos pelos Jesuítas, os
únicos Padres que haviam conhecido e respeitado.
Essa representação aumentou os receios do Governador de
que os índios promovessem uma insurreição geral nas Missões. E
para executar as determinações do Decreto de expulsão organizou
um exército que marchou em direcção ao salto do Uruguai a 24
de Maio de 1768, ali chegando em 16 de Junho. «Dali destacou
Bucareli dois corpos de exército sob o comando de dois Capitães que
tinham de executar a expulsão nos extremos das Reduções: D. J.
Francisco Herrera, no Tebiquari, onde tinha ordem de incorporar-se
ao destacamento de milícias do Paraguai; e D. Francisco Bruno de
Zavala nas Sete Missões, onde também tinha ordem de reunir-se ao
destacamento da fronteira do Rio Grande do Sul, nas vizinhanças
de São Miguel. Bucareli em pessoa reservou-se o centro». 1T )
Antes de marchar havia solicitado ao Superior das Missões
que lhe mandasse, ao Salto, um certo número de carretas com pro-
visão de víveres, e em vez do exército missioneiro que pensava ali
encontrar para se opor à sua penetração, somente achou, no lu-
gar determinado, as provisões que pedira e que excediam à própria
solicitação. Saiu dali em 27 de Junho a primeira divisão, em 28
a segunda, e a terceira em que ia o Governador a 29, chegando
em 15 de Julho à vista de Japejú.
Desta Doutrina foi enviado o Dr. António Aldao com um des-

15) Idem, ibidem.


16) Eram os americanos três argentinos e um paraguaio.
17) Teschauer. Hist. II, 351.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 251

tacamento comandado pelo Capitão D. Nicolau Elordouy, para


cientificar os Jesuítas de sua expulsão. Convocados estes, depois
de lido o respectivo Decreto, perguntou o Comissário ao Padre
Provincial qual a atitude dos Jesuítas ante essa ordem, ao que
respondeu o interpelado: «Em meu e em nome dos missionários,
meus subordinados, declaro sujeitar-me absolutamente a esse pre-
ceito real que acato e ponho sobre minha cabeça». Comovido, o
Dr. Aldao respondeu-lhe que não esperava menos do Padre Pro-
1 s
vincial. )

Consumava-se, assim, sem perturbações nem revoltas por par-


te dos índios, a expulsão dos Jesuítas dos Sete Povos de Missões.
Anteriormente haviam eles procedido a inventários circunstancia-
dos de todos os bens pertencentes às Reduções que deveriam ser
entregues a seus substitutos, escolhidos entre Frades de diversas
ordens, principalmente os que conheciam o guarani.
E com os últimos Jesuítas que se afastavam das costas ame-
ricanas, abandonando definitivamente os seus índios, e levando a
consciência de tudo terem sacrificado no cumprimento de sua mis-
são admirável, começaria a decadência das Reduções e abaixamen-
to do nível moral dos catecúmenos jesuítas, pois somente os Pa-
dres da Companhia sabiam entendê-los e guiá-los para o bem e
para a civilização.

4. A nova Administração dos Sete Povos.

A expulsão dos Jesuítas das Missões criou para estas um sé-


rio problema de difícil solução. O Governador Bucareli, a quem
estava afecta a implantação de um novo regime, em 14 de Outu-
bro de 1768, em carta ao Conde de Aranda, acusava os Jesuítas
cie se terem durante um século locupletado com o suor dos índios

sem, todavia, «tê-los catequizado ou convertido». E, expondo lon-


gamente as razões dessa acusação, informa que os Jesuítas redu-
ziam os índios à escravidão, e à miséria «dando-lhes uma escassa
ração de carne e um pouco de milho». Por outro lado «constante
foi o despotismo com que os dominaram sem permitir-lhes conhe-

18) Padre Manuel Vergara.


252 AURÉLIO PORTO
cer mais Deus, rei nem santos que os da Companhia». 19 ) E os
próprios sacramentos eles os administravam de «modo contrário
à ordem que pratica a igreja católica». E, assim sendo, o ponto
capital da reforma que o Governador se propunha fazer seria «im-
plantar nesses índios um verdadeiro conhecimento dos adoráveis
mistérios da nossa santa fé».
Não há necessidade de nos alongarmos em razões para defen-
der o sistema colonizador do regime jesuítico. Toda a história das
Missões, o conhecimento do carácter indolente dos índios, a sua
inaptidão para a liberdade, e a incompreensão dos princípios abs-
tractos da poderiam justificar essas acusações que pesavam
fé,

sobre o regime de catequese dos Padres da Companhia de Jesus,


aos quais não é possível negar, de sã consciência, a incalculável
soma de benefícios de que lhes é devedora a civilização sul-ame-
ricana.
E, não obstante, a nova organização que Bucareli e seus su-
cessores procuraram dar às reduções, mostra-nos a história que,
nos 60 anos que decorrem da expulsão dos Jesuítas até a extinção
total das Missões, já sob o domínio português, cada vez mais se
acentuou a decadência das populações missioneiras. Sem o regi-
me moral e religioso dos Jesuítas, sem os elos sociais por eles im-
postos à família cristã que fundaram, os pobres índios resvalaram
pelo plano inclinado dos vícios, espoliados pelos espanhóis que mais
os escravizaram e, mais tarde, pelos portugueses, que completa-
ram a obra de destruição iniciada por aqueles.
Tomando posse do território missioneiro, em Agosto de 1768,
o Governador Bucareli procurou dar-lhe nova organização admi-
nistrativa. Para isto dividiu as Missões em duas administrações
gerais, cabendo à primeira 20 Povos da mesopotâmia párano-uru-
guaia, para que foi designado D. João Francisco de la Riva Herre-
ra, como Administrador Geral, e a segunda, que se compunha dos
Sete Povos da Banda Oriental e mais três da ocidental, foi posta
sob a administração de D. Francisco Bruno de Zavala. estes A
funcionários deu o Governador uma Instrução que, em original,
se encontrana Biblioteca Nacional, Colecção de Ângelis. Era um
novo plano de governo, complexo e difícil, cujos resultados práti-

19» Teschauer. Hist. II, 359.


HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 253

cos provaram ser inexequível, ameaçando logo de ruína total os


Povos sob esse regime. E compreendendo isto o próprio Bucareli
dá nova instrução, intitulada Adição, que tem a data de 15 de Ja-
neiro de 1770. Mas, de nada valeu o novo regulamento. O mal
não advinha das leis, mesmo inadequadas à situação dos índios, e
sim da voracidade de rapina dos Administradores, do choque que
se estabelece com os curas, que não têm autoridade alguma e mes-
mo da imoralidade com que a maior parte desses ministros agem
junto aos índios, perdendo toda a força para dirigi-los espiritual-
mente.
Além de um
Administrador especial de cada Povo, que dava
obediência ao Administrador Gerai" da região, havia neles dois ou
mais Padres de diversas ordens religiosas.
Substituíram os Jesuítas, nos Sete Povos, os seguintes Admi-
nistradores e Padres:

São Nicolau: Administrador, Lucas Cano; Curas, Frei Pas-


qual Ernández e Frei José Gaona, Dominicanos;

São Luís: Administrador António Quiros; Curas, Frei Manuel


Ernández e Frei Pedro Ernández, Franciscanos;

São Lourenço: Administrador João Flores; Curas, Frei Ro-


mán Aquino e Frei João Aquino, Mercedários;
São Miguel: Administrador Esteban Vergara; Curas, Frei
Sebastião Mareco e Frei Pedro Mayan, Dominicanos;

São João: Administrador Eugénio Mesa; Curas, Frei João


Fretes e Santiago Encinas, Franciscanos;

Santo Ângelo: Administrador João Berón; Curas, Frei I. Mar-


tin e Frei João Espinosa, Mercedários;

São Borja: Administrador António Ávila; Curas, Frei José


Aguero e Lorenzo Echenique, Franciscanos. 20 )

Pela nova organização que dera em 1770, ante a inexequibili-

20) B. N. Mss. Estatística dos Povos. I, 29, 5, 42.


254 AURÉLIO PORTO
dade da anterior, resolveu o Governador Bucareli dividir todo o
território missioneiroem quatro departamentos, ficando o de São
Miguel como cabeça das Reduções rio-grandenses. Por essa oca-
sião, descobrindo várias irregularidades, Bucareli demitiu todos os
Administradores, substituindo-os por outros que continuaram, da
mesma forma, os processos da rapacidade e brutalidade de seus
antecessores.
D. Francisco Bruno de Zavala que, reunidos os dois governos,
ficaracomo Administrador Geral das Missões, logo em seguida
tem vários atritos com os Padres, em virtude de um conflito de
jurisdição de poderes, «e veio a confusão que se seguiu provar
quão acertadamente haviam obrado os Jesuítas, reunindo a auto-
ridade temporal à espiritual». 21 ) Formaram-se, então, correntes
de opinião, dividindo os Povos; mas, os índios, em sua quase tota-
lidade, tomaram o partido dos Padres que, embora maus e sem
moral, eram, no entanto, melhores do que os tiranos civis que tudo
lhes roubavam, e constantemente os castigavam pelas menores
ocorrências.
Southey, numa página vibrante, estuda esse período da do-
lorosa história das Missões. «Terminou, assim, diz, a prosperida-
de desses celebrados aldeamentos, acabando-se a tranquilidade e
o bem-estar dos guaranis. Famintos velhacos do Prata ou re-
cém-chegados da Espanha, nem conheciam os Administradores a
língua indígena, nem tinham paciência para aprendê-la, bastan-
do-lhes para intérprete de suas ordens o chicote». --)
Copiosa a documentação que sobre o assunto se encontra na
Colecção de Angelis. Representações dos Curas, processos, quei-
xas dos Corregedores, assomos de rebeldias dos índios, e muita
miséria, muita desumanidade, latrocínios, e o relaxamento com-
pleto das velhas tradições cristãs que os Jesuítas haviam imposto
com o seu exemplo, o seu desinteresse e o seu amor a gerações e

gerações de índios.
Começa o êxodo das populações missioneiras. Famílias e fa-
mílias, que tinham parentes no Rio Grande, em cujas aldeias os

21) Southey. Hist. do Brasil. Cap. 42.


22) Idem, ibidem.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 255

índios recebiam melhor tratamento, fugiam das Missões, internan-


do-se nos domínios portugueses.
Em 1772, em vista da desorganização que lavrava por toda
a parte e a decadência sensível dos Povos, foi feita nova substitui-
ção de Administradores. E são de um destes as observações que
tarnscrevemos, registadas por Teschauer: «Entregou-se-me o Po-
vo, faz agora um ano, um mês e vinte dias, só com o nome de
Povo, porque na realidade estava despovoado, as estâncias deser-
tas e abandonadas; os armazéns com o nome, porém o interior com
uns quartos e uns vestidos velhos e uma pouca de roupa. Até . .

os Curas apenas podem sustentar-se; também o Sacramento fica


muitas vezes sem luz porque não voltam mais ao Povo. .» 2:! ) .

Dando cumprimento a uma ordem do governo no sentido de in-


formar sobre a sua gestão na administração geral dos Sete Povos,
no período decorrido de 1776 a 1784, relata um desses administra-
dores interessante relatório existente na Colecção de Angelis. 24 )
Começa o Administrador fazendo o histórico dos sacrifícios impos-
tos aos índios com serviços de guerra, já por nós referidos em ou-
tro capítulo e que abrangem todo o lapso de tempo em que admi-
nistrou os Povos. Deviam estes somente de tributos reais, que
não puderam satisfazer, quantia superior a 66.604 pesos. Refere
a seguir os prejuízos decorrentes do decréscimo das populações
desviadas para os domínios de Portugal e para serviços e constru-
ções militares, que haviam privado os índios de atender às suas
lavouras, artes e manufacturas, com que mantinham as suas famí-
lias e pagavam outros tributos, como o adorno do culto divino,
soldo do Administrador, mestre de primeiras letras «e demais ocor-
rências precisas que origina e prepara a subsistência e permanên-
cia de um povo».
Há sobre esse período um punhado de documentos interessan-
tes que longo fora recapitular. Todos eles nos mostram a deca-
dência em que vão se submergindo os Povos de Missões. As de-
serções já se dão quase em massa. Os índios abandonam as po-
voações e vão perambular pelas estâncias quer de rio-grandenses,
quer de correntinos e paraguaios. «Em 1772 eles já estavam acos-

23) Teschauer. História, II, 369.


24) B. N. Mss. I, 29, 5, 80.
256

tumados a uma vida tão independente que começaram as deserções


que até agora não têm parado; pois vão-se e voltam quando e co-
mo lhes parece, trazendo quanta miséria e maus costumes podem
adquirir na província de Paraguai e Corrientes, onde os aqueren-
ciam e ainda os Vendem como escravos». - )
Parte considerável das populações abandonando os Povos iam
para as estâncias, onde tinha assegurada a alimentação na grande
quantidade de animais vacuns que ali havia. Mas, esta mesma ia
aos poucos se consumindo, de sorte que estâncias povoadíssimas
em pouco tempo estavam quase desertas. Informa um Adminis-
trador, em 1776, que «o Corregedor do Povo, Cabildo e Morubixa-
bas. .começaram a dar nas estâncias, consumiram quarenta mil
.

cabeças de gado no tempo de quatro anos». 26 )


Sem mais assistência e entregues à sua própria sorte, recaí-
ram na indolência primitiva, roubando gados e outros produtos da
lavoura para vender em troca de bebidas alcoólicas, vício a que se
entregaram. Quatorze algodoais, dos mais preciosos e ricos dos
Povos, que os Jesuítas haviam deixado, perderam-se completa-
mente.
O Administrador Geral Cassero, em seu relatório, informa que,
em pouco tempo, abandonada a indústria e a agricultura, consu-
miram o que com desvelo produziram seus antecessores, destruí-
ram as estâncias de gado, aniquilaram os ervais de cultivo». 2T )
A decadência moral dos índios acompanhou de perto a queda
de sua economia. Vícios de toda ordem, embriaguez, prostituição,
roubo, insolência, transformaram o caráter antes dócil dos índios.
Os Administradores referem factos de toda ordem, reveladores do
abastardamento em que se afundava a vida social, religiosa e mo-
ral desses infelizes. O de São Miguel, J. Gramajo, informa que
«também este Corregedor, Cabildo e Caciques abandonaram a prá-
tica da perdendo os bons costumes que os expulsos incon-
religião,
dicionalmente mantinham». Outro Administrador, D. Colodrero,
observa que «disto se segue a ruína das casas, os roubos, não en-
trar na igreja à missa, nem ao rosário, não fazer caso do que se

25) Teschauer. Hist. cit. II, 370.


26) Idem, ibidem, 370.
27) Idem, ibidem, 371.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 257

lhes manda, porque não acodem ao trabalho da comunidade, nem


cuidam de suas chácaras particulares; entregues à ociosidade e
tramando para destruir de uma vez o que ainda existe».
Desde os primeiros momentos da implantação desse regime,
começaram os atritos entre os Administradores e os Curas. Com
poucas excepções, quer uns quer outros, só tinham em vista explo-
rar os índios e tirar do trabalho desses infelizes o maior proveito.
Vindos do regime jesuítico, em que nada faziam sem consultar o
Padre, procuravam em seus novos mentores espirituais encontrar
o mesmo conforto e o mesmo conselho amigo. Mas, se o faziam,
atentavam contraia autoridade dos Administradores a quem cabia
atender, no temporal, às necessidades do Povo. Daí os atritos con-
tínuos entre os Curas e os Administradores. Mas, quem levava a
pior parte era o índio. Tentara o Governador Bucareli abolir a
pena de açoite com que os Jesuítas, dentro da sua autoridade mo-
ral e justiça, castigavam os faltosos. Mas, «agora vinha o açoite
de três partes: açoitava o Administrador quando se obedecia ao
Cura; açoitava o Cura porque se obedecia ao Administrador, e
açoitava o Corregedor ou qualquer do Cabildo. quando o índio . .

não lhe fazia roça a seu gosto». - s )


A intriga lavrava entre os habitantes dos Povos, os Curas e
as autoridades civis. À pressão dos espanhóis que invadiam as
Missões e se locupletavam com o trabalho dos índios, explorando-os
a troco de ninharias, de tabaco e de álcool, e se apropriando de
suas chácaras, obrigavam estes infelizes a fugir de seus Povos,
abandonar suas famílias e quebrar os laços morais com que os Je-
suítas os haviam ligado na comunhão social.
O mal era geral. Havia nos 30 Povos guaranis, segundo do-
cumento da época, - ) em 1763, uma população de 98.879 almas,
>!)

quatro anos depois, em 1767, baixara para 88.796 almas e em 1799


estava esta reduzida a 40.000 almas. A dos Sete Povos, de que
se insere detalhada estatística, baixara de 25.000 para 14.000 que
era a população indígena integrada ao Brasil pela Conquista daa
Missões.
O Tenente de Governador, D. Gonzalo Doblas, em interessante

28) Ugarte. Informe. Cit. Teschauer. Hist. II, 380.


29) B. N. Mss. I, 29, 5. 42.
História diis Missões Orientais do Uruguai — 2. a Parte 9
258 AURÉLIO PORTO
memória, publicada por D. Pedro Angelis, informa que «os bens
dos índios são tratados como suas pessoas; distribuem-se aqueles
com a maior escassez entre os índios necessitados e até enfermos,
enquanto se gastam com a maior profusão, não tão somente entre
os empregados espanhóis, senão também com quantos passageiros
chegam detêm talvez sem motivo algum, os dias que querem,
e se
facilitando-lhes quantas comodidades se lhes antolham e rece-
bendo-as estes como coisa a que têm direito e que se lhes deve . . .

e ainda que o governo tenha dado algumas ordens sobre isto, ne-
nhum efeito tem surtido». 30 )
Por sua vez, muitos Curas, recrutados entre elementos menos
escolhidos, completavam com o exemplo de uma moral duvidosa
e com a cupidez de bens terrenos, o quadro do aviltamento geral
dos índios. Outros, entanto, mais virtuosos e dignos, reagiam, mas
o resultado era contraproducente, pois ou teriam de fugir das suas
curazias ou se tornarem vítimas da intriga insidiosa, da persegui-
ção e dos maus tratos que lhes eram infligidos pelos espanhóis e
pelos próprios índios, cujo relaxamento de costumes profligavam
com palavras e até com castigos corporais.
A Colecção de Ângelis, da Biblioteca Nacional, está cheia de
reclamações, representações, e azedas controvérsias desses curas
sobre questões de dinheiro e outras deprimentes do carácter e da
moral desses Sacerdotes.

30) Public. Angelis. Documentos. 1836. Tesch. História, II, 380.


CAPITULO VI

INTEGRAÇÃO TERRITORIAL DAS MISSÕES

1. A Conquista das Missões. —2. Os conquis-


tadores. — 3. Administração dos Sete Povos.

1. A Conquista das Missões.

A conquista das Missões, levada a efeito em 1801 pelos rio-


giandenses, e consequentemente integração de seu vasto território
ao património nacional, restabelecendo e ampliando as antigas fron-
teiras traçadas pelo Tratado de 1750, não está ainda bem esclare-
cida em suas origens.
OTratado de 12 de Fevereiro de 1761 anula o de 1750, destrói
a soma enorme de sacrifícios que ele representa, porque este «tem
dado e daria no futuro muito e muitos frequentes motivos de con-
trovérsia e de contestações opostas a tão louváveis fins», ficando
estabelecido «que todas as coisas pertencentes aos limites da Amé-
rica e da Ásia se restituam aos termos dos Tratados, Pactos, e
Convenções» existentes antes de 1750. 1 )
Fica assim recuada a raia portuguesa outra vez até o Jacuí.
Não se conformam com isto os espanhóis, que querem impor limi-
tes mais extremados, levando suas pretensões à desocupação de
todo o território além dos antigos campos de Viamão. Decorre
daí a dominação espanhola de 1763 a 1777, no Rio Grande, e os
assédios consecutivos a Rio Pardo, que se defende galhardamen-
te, sob o comando do Coronel José Marcelino de Figueiredo. Este

1) Tratado de 1761.
9*
260 AURÉLIO PORTO
período da nossa história está magnificamente estudada pelo Co-
ronel Jonatas da Costa Rego Monteiro. 2
)

O Tratado de de 1 de Outubro de 1777, procura


S. Ildefonso,
então dirimir as dificuldades oriundas dos pactos anteriores, que
não consultavam os interesses gerais, assinalando em seu artigo
IV que «para evitar outro motivo de discórdias entre as duas mo-
narquias qual tem sido a entrada da Lagoa dos Patos ou Rio Gran-
de de São Pedro, seguindo depois por suas vertentes até o rio Ja-
cuí, cujas duas margens têm pretendido pertencer-lhes ambas as
coroas convieram agora em que a dita navegação e entrada fiquem
privativamente para a de Portugual» e que «continuará o domí-
nio de Portugal pelas cabeceiras dos rios que correm até o mencio-
nado Rio Grande e Jacuí até que passando por cima das dos rios
Araricá e Coiaquí que ficarão da parte de Portugal, e as dos rios
Piratiní e Abimini que ficarão da parte da Espanha, se tirará uma
linha que cubra os estabelecimentos portugueses até o desemboca-
douro do rio Peperi-guaçú, no Uruguai». "•)
Consequência imediata deste Tratado, na região que defronta
as Missões Orientais, é a penetração que fazem os primitivos po-
voadores de Rio Pardo e Cachoeira, povoado que tem por origem
uma aldeia de índios das Missões, para o sul e oeste do Jacuí, ex- -

cedendo mesmo com seus estabelecimentos de criação as raias pre-


fixadas.
Para a ocupação desses campos acrescidos pelo novo Tratado,
c Comandante do Rio Pardo, Coronel Patrício José Correia da Câ-
mara, dá instruções declarando que os limites indicados «são da
Guarda do Jacuí, do último Irapuá até sua foz no Jacuí, e das ver-
tentes do mesmo Irapuá a rumo directo até encontrar no Camaquã
t. deste e da serra que custeia a Lagoa para a parte da Campa-
4
nha». )

São assim acrescidas para o Sul, tendo como limite extremo


a Oeste o rio Jacuí e o rio Irapuá, as raias da fronteira, que eram as
mesmas da freguezia de N. S. da Conceição da Cachoeira, erecta

2) J. C. Rego Monteiro, Dominação espanhola no Rio Grande do


Bui. Imprensa do Estado Maior do Exército. Rio, 1937.
3) Tratado de 1777.
'
4) Arq. Públ. R. G. Sul. Instruções do Coronel Patrício, de 4-8-1780.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 261

em 10 de Julho de 1779. O alargamento para Oeste só se dá dois


ancs depois, isto é, em 1782, com a concessão oficial de sesmarias
de campos entre os Vacacaís, Santa Bárbara e Irapuá, antigo ter-
ritório em que ficavam as estâncias jesuíticas de S. Luís, S. Lou-
renço e parte da de S. Miguel.
Nessa ocasião se estabelece mais íntimo contacto entre os pio-
neiros da penetração rio-grandense, que aí têm as suas estâncias
e os índios das Missões que lhes veem vender gados e ajudá-los
como peões no amanho dos campos. Inicia-se, então, uma fase de
deserção de inúmeras famílias dos Povos, que vêm aumentar a
população das estâncias rurais, criando-se, assim, do confronto en-
tre o trabalho livre o das Missões, uma tendência forte no sentido
de se libertarem da tutela dos gananciosos administradores que
sucederam aos jesuítas.
A conquista dos Sete Povos, levada a efeito pelo soldado de-
sertor de dragões José Borges do Canto e logo secundada pelo es-
tancieiro Manuel dos Santos Pedroso teve como inspirador o Te-
nente-Coronel Patrício da Câmara. Não há documento que autorize
afirmar houvesse Patrício recebido qualquer sugestão nesse sen-
tido. Entretanto, parece, que além de um entendimento prévio
com os principais caciques missioneiros para não se oporem à con-
quista dos Povos, recebera o Comandante do Rio Pardo, por in-
termédio de Xavier da Veiga Cabral da Câmara, Governador do
Continente, instruções sobre o plano de expulsão dos espanhóis de
toda a região compreendida pelo rio Uruguai e rio da Prata. A
curta duração da guerra não permitiu a execução completa do
plano, sendo somente anexado à coroa de Portugal o território
missioneiro. Só quinze anos mais tarde, culminando a política ex-
pansionista do Prata, os exércitos veteranos do General Carlos
Frederico de Lecor, ocupando Montevidéo, proclamam a anexação
da Cisplatina, complemento necessário da conquista das Missões.
A idéia da expansão do império americano, que as gerações
anteriores não souberam consolidar com a manutenção da posse
da Colónia do Sacramento, ao dealbar do século XIX estava viva
ra consciência dos estadistas portugueses que a associavam, sob
a pressão dos acontecimentos da Europa, à trasladação da monar-
quia para a América.
262 AURÉLIO PORTO
Ante o descalabro da guerra de 1801, que seccionara o terri-
tório da Metrópole com a perda de Olivença e se reflectira na Amé-
rica com a de parte da Guiana, essa ideia tomara maior consistên-
cia sendo mesmo enunciada pelo Marquês de Àlorna que, nestes
termos, se dirigia ao Príncipe, em carta de 10 de Maio de 1801:
«V. A. R. tem um grande império no Brasil e o mesmo inimigo que
ptaca agora com tanta vantagem talvez que trema e mude de
projecto se V. A. R. o ameaçar de que dispõe a ir ser imperador
naquele vasto território, adonde pode fàcilmente conquistar as co-
lónias espanholas e aterrar em pouco tempo as de todas as po-
tências da Europa». •"')

Houve, não há duvidar, conjugando a documentação hoje co-


nhecida, uma insinuação partida do alto, que tinha em vista ane-
xar às possessões portuguesas do Brasil o território de Missões e
quiçá a própria região depois denominada Província Cisplatina, ao
menor choque entre Portugal e Espanha. Os acontecimentos an-
teriores que se desenrolavam na Península Ibérica, reflexo da tor-
menta que se desencadeara na França e ameaçava convulsionar as
duas Monarquias, já dera motivo a um demorado inquérito, dois
anos antes, sobre as possibilidades de defesa do Vice-Reinado do
Prata.
Dois nomes, que mais tarde encontraremos ligados à execução
do expansionismo português no Prata, inspirando um, executando
outro, parecem se ligar à cadeia dos acontecimentos que se vão
desenrolar na América, nos albores do século XLX: D. Rodrigo
de Souza Coutinho, Ministro do Príncipe Regente, e o Tenente-Co-
ronel, depois Brigadeiro, Joaquim Xavier Curado, cujas missões ao
Prata merecem pormenorizado destaque.
Estarão talvez aí os fios iniciais dessa teia invisível que se
desdobra largamente desde a conquista das Missões, até envolver
de todo. em suas malhas pacientemente tecidas, a Província Cispla-
tina quando a ela chegam as luzidas e aparatosas tropas veteranas
de Lecor.
Historiemos os acontecimentos consoante documentação ori-

ginal da época.

5) Oliveira Lima. D. João VI no Brasil. Rio, 1908, I vol. 40.


HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 263

O panorama político da Europa, nos fins do século XVIII,


ameaçava desencadear sobre Portugal a cólera francesa, que se
faria sentir através da Espanha, não obstante os esforços de An-
tónio Araújo, que tudo envidou no intuito de que fosse ratificado
por Portugal o tratado de Paris, de 20 de Agosto de 1797. Opu-
nha-se, porém, a essa ratificação a Inglaterra, que declarara con-
siderar semelhante ajuste um acto de hostilidade, ante o qual, por
previsão, a esquadra britânica ocupou o forte de São Julião da
Barra.
Rumou, então, Portugal, definitivamente para a corrente in-
glesa,destacando a Inglaterra para Portugal seis mil soldados, em
1797, e, por outro lado, parte da esquadra lusitana foi combater
ao lado da esquadra inglesa, tomando parte na batalha naval de
São Vicente, em que os ingleses derrotaram os espanhóis. Era,
assim, fatal o desencadeamento de uma guerra com a Espanha,
muitos anos antes de 1801.
Qualquer hostilidade na Europa deveria, naturalmente, re-
flectir-se na América, havendo necessidade de se conhecer com to-
da a individuação os elementos de que pudessem dispor ali os na-
turais inimigos do Prata.
Com a vitória da influência inglesa nos negócios políticos do
reino, é remodelado o gabinete português, entrando para o minis-
tério D. Rodrigo de Souza Coutinho, ministro em Turim, que ocupa
a pasta da marinha em substituição a Martinho de Melo, que ha-
via falecido. E em 1799 passa D. Rodrigo para a fazenda.
Em ofício de 2 de Janeiro de 1799, ratificado pelo de 30 do
mesmo mês e ano, dirige-se o futuro Conde de Linhares ao vice-rei
do Brasil, Conde de Rezende, recomendando-lhe que escolha um
oficial capaz de desempenhar importante missão no Rio da Prata.
O motivo ostensivo da missão seria a entrega de uma carta ao
Vice-Rei do Prata, Marquês de Avilez, sobre o transporte para
Lisboa de cabedais pertencentes a S. M. C. que, conforme ajuste
feito pelas duas cortes, deveriam ser, por navios de guerra por-
tugueses, comboiados àquele destino. Para evitar o ataque dos
piratas franceses conviria que as naus de guerra comboiassem a
frota de navios mercantes que iriam ao Prata a título de trans-
portar artigos de comércio. Mas o objectivo principal, secretíssi-
264 AURÉLIO PORTO
mo, da missão, estaria na indagação minuciosa dos elementos que
contavam as colónias espanholas em caso de guerra. Em carta
de 20 de Abril de 1800, do Conde de Rezende a D. Rodrigo de Sou-
za Coutinho, dando solução ao assunto, diz aquele que usou de
todos os meios para satisfazer os vários objectos da comissão,
«sendo um deles o segredo, e outro o reconhecimento das forças
de rnar e terra do Rio da Prata, indagação tão necessária para a
combinação das nossas forças com as dos Espanhóis».
Foi escolhido pelo Vice-Rei, para o desempenho dessa missão,
p Tenente-Coronel Joaquim Xavier Curado, oficial ilustre, cujo no-
me mais tarde se ligará indelèvelmente aos negócios da Cisplatina,
como se verá do decorrer destas notas.
Àincumbência levada pelo Tenente-Coronel Curado é cercada
de absoluto sigilo. Em 7 de Junho o Conde de Rezende oficia ao
Governador de Santa Catarina dizendo que passa àquela ilha e dali
ao Rio Grande um oficiai que não deve ser visto na cidade e nem
sequer identificado. A horas insólitas, somente, quando a embar-
cação estiver atracada no porto, deverá ser conduzido ao quartel
de residência do Governador, com quem tratará de assuntos que
dizem respeito a essa comissão. Para o Governador do Rio Gran-
de, Brigadeiro Sebastião da Veiga Cabral da Câmara, em carta de
28 de Julho, faz o Vice-Rei as mesmas recomendações, acrescen-
tando que não deve ser ali conhecida a graduação do oficial que
segue em serviço secreto. Mas era de absoluta necessidade que
esse oficial se avistasse com o Governador, pois, não obstante de-
morar de muitos dias a volta que teria de dar para ir a Porto Ale-
gre, residência do Governador, o emissário foi até aquela cidade
porque, como diz, «contudo era preciso dar essa volta».
Curado chegou à ilha de Santa Catarina a 10 de Agosto e
com pouca demora seguiu para o governo do Rio Grande e, depois
de conferir em Porto Alegre, com o Governador, os assuntos de
sua missão, seguiu sempre por terra para a cidade do Rio Grande,
chegando a 18 de Setembro ao forte espanhol de Santa Teresa, de
onde se dirigiu a Montevidéo e Buenos Aires.
Levava o oficial português, para seu governo, as seguintes
instruções secretas que lhe haviam sido entregues pelo Vice-Rei:
«Em todo o decurso da viagem até o lugar de seu destino
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 265

deve procurar todos os meios que forem possíveis para deixar de


quem de necessida-
ser visto, ocultando constantemente àquelles a
de deve apparecer qual he o paiz a que se dirige, e o objeto da
sua diligencia.
No paiz a que se destina deve evitar todas as ocasiões de fi-
gurar ou de representar, procurando por em prática todos os mêios
imagináveis para se conseguir o seu disfarce. Para este fim será
muito conveniente dizer somente que he hu official de quem se faz
toda a confidencia e por isso se lhe encarregou a entrega daquelle
officio, occultando a sua graduação. Igualmente será muito util
não andar effectivamente fardado nem tão bem vestido sempre de
particular, mas conservar nesta parte hua tal regularidade que ao
mesmo tempo que consiga o seo disfarce, se evite toda a ocasião
de suspeita, ou desconfiança.
Logo que entre no paiz a que se dirige deve com a maior cau-
tela e segredo tomar sobre o Rio da Prata e estado de seus portos
todos os conhecimentos, que for possivel conseguir, afim de adquirir
todas as noções necessárias a qualquer projecto.
Deve examinar se há embarcações de Guerra, quantas são e
& sua força distinctamente. A quanto tempo ali se achão e se ef-
fectivamente se conservão naquelles Portos ou se ha alguas que
de novo viessem e quando chegarão. Se se esperão mais alguas
da Europa, quantas são, a sua força e em que tempo pouco mais
ou menos poderão chegar, e se com a sua chegada se retirarão
para a Europa alguas das que ali se achem, ou se todas deverão
ficar existindo no sobredito Rio. Do mesmo modo deve averiguar
se fora dos Portos andão alguas embarcações de Guerra cruzando,
quantas são e sua força.
Da mesma forma examinará as Fortificaçoens que ha, o seu
Estado e sua Artilharia, as suas Guarniçoens e os Portos em que
se achão, tudo com a maior distincção, clareza que seja possivel.
Que quantidade de Tropas ha assim de Infantaria, Artilharia e
Cavalaria, como Milicias, e o estado de sua disciplina, declarando
distintamente, o mesmo de cada Corpo. Igualmente deve averi-
guar que numero de pessoas se poderão ajuntar em cada hua das
Fortificaçoens, ou Portos quando seja preciso. Se ha noticia de
que se esperem da Europa mais alguns Regimentos e se com a
266 AURÉLIO PORTO
chegada destes se retirarão outros ou se ficarão todos ali existin-
do. E finalmentte tudo mais que possa concorrer para completa
satisfação deste importante objecto». )

O Coronel Curado demorou seis meses nessa comissão, só vol-


tando ao Rio de Janeiro a 7 de Fevereiro de 1800. Entregou, en-
tão, ao Vice-Rei o memorial a que adiante nos referiremos, em
que faz um estudo completo sobre as possibilidades de defesa do
Rio da Prata.
Mas, o objectivo de carácter ostensivo da comissão não foi
realizado, dando-se como motivo o receio do ataque de piratas
franceses à frota que conduzisse para Lisboa os cabedais de S. M.
C, como se verifica da documentação referida, existente no Ar-
quivo Nacional. O Conde de Rezende, em ofício ao Ministro D.
Rodrigo de Souza Coutinho, datado de 20 de Abril desse ano, co-
munica que usou dos meios necessários para satisfazer os vários
objectos da comissão, «sendo um
deles o segredo e outro o reco-
nhecimento das Forças de Mar e Terra dos Portos do Rio da Pra-
ta, indagação tão necessária para a combinação das nossas For-

ças com
as dos Espanhóis».
Encontra-se na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro a «In-
formação» do Coronel Joaquim Xavier Curado «sobre a povoação
e Forças dos Estabelecimentos espanhóis». ") Nesse longo e mi-
nucioso documento estuda esse oficial a situação de Buenos Aires,
de Montevidéo e outras povoações da Banda Oriental, meios de
transporte, fortes, baterias e baluartes que defendem essas cida-
des, sua eficiência e número de peças que os guarnecem. Esten-
de-se longamente sobre o povo dessas cidades, suas inclinações,
carácter e pontos vulneráveis. No fim dessa detalhada exposição
chega à conclusão de que existem 19.000 homens aptos a pegar
em armas, sendo 15.000 em Buenos Aires, 3.000 em Montevidéo e
1.000 em S. Fernando e S. Carlos.

6) Arquivo Nacional. Col. 107. Santa Catarina, 176-180. (Documen-


tos Anexos. Primeira missão Curado), 1799-1800.
7) B. N. Cod. Mss. I, 4, 3, 23. Contém 20 fls. sem data nem assi-
natura formato 32x24 em papel de linho. Acompanham vários quadros
estatísticos sobre forças das povoações, população, embarcações, e distân-
cias entre essas povoações. Traz as seguintes plantas: Forte de Buenos
Aires, Forte de S. José (Montevidéu), Maldonado e Santa Tereza.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 267

Essa «Informação» de que foi remetida cópia a D. Rodrigo


de Souza Coutinho e a outros interessados, entre os quais o Go-
vernador do Rio Grande de São Pedro, Sebastião X. da Veiga Ca-
bral da Câmara, orientou, naturalmente, um ano depois, os pro-
motores da Conquista das Missões e o avanço para as fronteiras
da Banda Oriental, o que anteciparia, provàvelmente, de 15 anos
a anexação da Cisplatina, se as operações não fossem sustadas
pela notícia do Tratado de Paz de Badajoz.
Complemento natural da anexação dos Sete Povos, que a con-
quista realiza em 1801, seria o domínio sobre a vasta extensão
territorial que morria no estuário do Prata. A trasladação da fa-
mília real para o Brasil reaviva a idéia expansionista que viria
completar, no Sul, aquela conquista.
Chegou o Príncipe D. João ao Rio de Janeiro a 8 de Março de
1808, e ao organizar o seu primeiro ministério no Brasil confiou
o regente a D. Rodrigo de Souza Coutinho, mais tarde Conde de
Linhares, as pastas de estrangeiros e da guerra. A política ex-
pansionista na América, onde se vinha fundar um grande império,
tinha no ministro do Príncipe Regente um dos mais decididos e
fervorosos apóstolos. Inspirador da conquista das Missões, que
fora um fácil episódio da história colonial, sugerira mesmo, em
1803, que «em caso de hostilidades na Europa, se desenvolva no
Sul do Brasil «um ataque que possa expelir de toda a margem
setentrional do Prata os Espanhóis». 8 )
Sete dias depois da chegada da família real ao Rio de Janeiro,
isto é, a15 de Março de 1808, dando-se a uma pressa verdadeira-
mente notável, D. Rodrigo de Souza Coutinho incumbja novamen-
te ao brigadeiro Joaquim Xavier Curado, de missão idêntica à que
já desempenhara no Rio da Prata.
Três objectivos, o primeiro de carácter ostensivo e os dois úl-
timos secretos, eram confiados à argúcia e à inteligência do pres-
timoso oficial brasileiro. O primeiro dizia com «a continuação do
comércio que se está praticando com bandeiras simuladas das duas
nações» e pela maior aproximação dos dois países «que se deseja

8) B. N. Gol. Unhares. I, 29, 13, 22.


268 AURÉLIO PORTO
continuem em boa harmonia». O segundo seria «tentar os gover-
nadores para o fim de unir aqueles países ao Real Domínio, o que
geria muito feliz, pois evitaria toda e qualquer ulterior contenda».
O terceiro seria «o exame, e conhecimento do verdadeiro voto da
nação espanhola e da opinião pública sobre entregarem-se ao go-
verno português e em qualquer caso o conhecimento do estado
da Força Pública, em soldados, oficiais e munições, que tem e
ocupa o Rio da Prata, pois é muito essencial se desgraçadamente
se houver de chegar a vias de facto, que se conheça a força real
dos espanhóis sobre todos os pontos do Rio da Prata». ) !)

Deu cumprimento o Brigadeiro Curado a essa árdua missão,


de que não cabe aqui pormenorizado estudo. O Relatório que
apresenta, peça inédita e valiosa existente no Arquivo do Itama-
rati, é um admirável atestado de sua capacidade de soldado e de

diplomata. Estuda a situação do Prata, os seus homens, virtudes


e defeitos, traços íntimos de seu carácter o modo de interessá-los
a favor da coroa portuguesa, chegando à conclusão de que «entre
as dificuldades de obter um consentimento voluntário do povo de
Buenos Aires para unir-se com os portugueses», sobrelevavam os
seguintes itens:
«1 M —
A infinidade de empregados que absorvem todo o pro-
duto do Estado e que essa «união» faria perder os proventos de
sua subsistência;
2" —
O comércio do Rio da Prata sem o Perú não é compa-
rável com o do Rio Grande, e a união, interceptando esse comércio,
reduziria a cidade à miséria. Porém, uma cidade de 70.000 almas
não pode sujeitar-se voluntàriamente a uma nulidade absoluta;
3' —A classe dos militares que têm- altos soldos, e que é mui-
to orgulhosa da supremacia que exerce e que preferirá a luta, pois
c resulutado em todo o caso não pode ser outro para eles senão
aqueles se lhes ofereça não pelejando;
4" —
Mais de 5.000 famílias que vivem dos gastos e desperdí-

9) Memória sem data nem assinatura, mas fàcilmente identificá-


vel como sendo do brigadeiro Curado, relativa à sua missão ao Prata em
1808. Inédita e desconhecida dos nossos historiadores, encontrava-se en-
tre Velhos Papéis relativos ao Prata, no Arquivo do Itamaratí e será re-
produzida na íntegra nos Anais do Itamaratí, vol. V. em elaboração.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 269

cios dos negociantes, militares e empregados que com a desgraça


destes ficarão reduzidas à fome».
Mas, entre as «circunstâncias que poderiam favorecer a união»,
estava a da existência de «um partido da Independência, francês no
fundo, e republicano, porém que pode unir-se aos nossos interesses
mudando a idéia da democracia na de um Estado monárquico, se-
parado do Brasil».
O autor da Memória, depois de uma larga exposição de moti-
\os, chega à conclusão da inexequibilidade de «uma união volun-
tária;». E faz um esboço de projecto de que resulta, esgotados os
meios persuasivos, só restar um recurso: o emprego da Força. Im-
punha-se, para isto, a «necessidade de fazer ocupar pelo seu exér-
cito uma posição que assegure a obediência» dessa província. Com
6.000 homens poder-se-ia «tomar Montevidéo e guardar todo o país
compreendido entre Maldonado e arroio da China, até a frontei-
ra de Portugal».
E será esta, anos depois, ainda, a solução única para
oito
a incorporação da Cisplatina ao Brasil. Consegue-a Lecor mais
com sua política de sedução do que com a própria força, abatido o
único espírito revel que se levantou com a bandeira da liberdade
na mão em defesa da Pátria e dos altos ideais de americanismo, de
que foi um dos maiores precursores — D. José Artigas.
Precedeu à conquista das Missões um entendimento prévio
com os principais caciques dessa região, cansados já da desorga-
nização administrativa e social desses infelizes povos. Espolia-
dos em seus haveres, trabalhando como escravos, padecendo tor-
mentos e fome, ouviam de seus parentes do Rio Grande, com quem
tinham contacto muito assíduo, que sorte melhor lhes estaria re-
servada sob o domínio português. E era o próprio Vice-Rei, Mar-
quês de Avilez, que, em sua «Relación de Gobierno», reconhecia
esse estado de coisas quando informava que «todos se julgam com
direito de oprimir (os índios), chegando a tal estado que a parte
oriental do Uruguai, que é indiscutivelmente sua, vão os espanhóis
se apoderando dela, porque nestes só reina o espírito de cobi-
ça». 10
)

10) Marquês de Avilez. Relación de Gobierno. 1801. B. N. Mss. I,


15, 5, 5.
270 AURÉLIO PORTO
Noticiando ter empreendido a execução da comissão que re-
cebera, Borges do Canto escreve ao Coronel Patrício, em data de
12 de Agosto: «Respeitável Sr. axeime em Çaõ Martinho p
:
'
adeli-
gencia q' vm ce
., medetreminou Con Cuarenta Omenis» etc. Em
carta de 21 do mesmo
mês, dirigindo-se aos corregedores e Cabil-
dos dos Povos, o Coronel Patrício informa que «tendo chegado
am a prez', por differentes partes avoluntaria saptisfação comq'
.

vom ces ecada hum de seus Povos sequerem sugeitar aobediencia


.

do Príncipe Regente Fmo. emeu Sor. protestando guardarem fide-


lidade em união com os Vassalos Portuguezes domesmo Soberano
esacudindo o jugo em q' athe opresente se tem concervado debaixo
das Leys de S. Mag. C. separando consequentem. esses Domínios
da Auctoridade q' nelles tinha aquelle memo. Monarca:» etc, o
que induz a crer que houvesse da parte dos Povos um entendimen-
to anterior com o comandante do Rio Pardo. X1 ) Noticiando o
resultado obtido com a invasão dos Povos, ao Governador Sebas-
tião Xavier da Veiga Cabral da Câmara, Patrício nos abre uma
ponta do véu misterioso, em ofício datado de 23 de Agosto: «Cor-
respondendo os meus dez os ao bom desempenho das emprezas pa-
.

ra com toda a gloria, e satisfação comonicar a V. Exa. depoder


contar no seo felis Governo com os sette Povos da Ribeira Oriental
do R°. Uruguay rendidos voluntariamente aobdiencia do Príncipe
Regente N. Sr. epor conseguinte sugtos. ao Comando desta Frontr-.
q' V. Exa. me confiou. Não me adiantei Exmo ? Sr. em alterar .

Ords. de que inda não me achava munido por V. Ex ? mas seguin- .

do o Spirito, eobdiencia delias fiz entrar naquelles Povos os Sug tos .

q' se me aprezentavão para hostilizar oinimigo eseguraram aCava-

lhada q' fosse possível pa. o emprego do RI. Serv". Entre os ditos
Sug.tos foi hu delles o Sold". dezertor do Regmo. do meo Comando
Joze Borgs. do Canto q' premeditando na sua ideia, valor, e des-
embarasso os progectos mais acertados em vantagem dos Domí-
nios, e serv* donosso Augusto Príncipe e Sr. aventura o favoreceo
1
.

com a boa proteção q' teve da fiel, eanciosa vontade com q' estavão
aquelles Povos de Sacudirem as Leys, etributario jugo da Sugei-
ção q' prestavão a S. M. C.» etc.

11) Rev. Arq. Hist. R. G. do Sul — 1' — 21.


HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 271

Os dois períodos que acima grifamos melhor esclarecem as


origens dessa conquista. Houve um trabalho prévio de entendi-
mento com os povos para sacudirem o jugo espanhol, o que justi-
fica a facilidade com que foi realizada a tomada das Missões. «O
Spirito eobdiencia» das ordens do governador do Continente su-
geriam e autorizavam esse procedimento.
Referindo-se a Borges do Canto, acentua Patrício que «elle
guiando-se com espirito das minhas ordens soube também respei-
f alas
que quando me achava vacilante em algua falta delias pelo
seu discurço as não poder combinar executou deforma, q' athe as
fez aumentar no ponto mais elevado, eenteressante ao serv 9 . do
Príncipe N. Sr.»
Quando, mais tarde, em carta de 2 de Fevereiro de 1802, o
comandante de Missões, sargento-mor Joaquim Félix da Fonseca,
atribui ao Tenente Francisco Barreto o mérito da iniciativa da con-
quista, o Coronel Patrício, restabelecendo a verdade dos factos, diz
que Barreto agiu com as instruções «q' eu lhe havia dado para a
mencionada empreza», sendo, entretanto, que a seu zelo e activi-
dade se deve a facilidade com que foi a mesma realizada, «apoiado
já da ampla vontade com que aqueles naturais se achavam dispos-
tos para uma rebelião, com a qual procuravam a sua prenaturali-
dade e insurreição às leis, e obediência da S. M. C. apenas fossem
socorridos». 12 )
Incumbido de parlamentar com os índios das Missões a pas-
sarem para o domínio português, Manuel dos Santos Pedroso nos
informa, em sua Memória, que, após o ataque que levou à guarda
de São Martinho, fazendo retirar os espanhóis que ali se achavam,
Jevou a notícia ao Capitão Comandante, Francisco Barreto, o qual
«me ordenou que visto falar eu o idioma guarani me avançasse com
os mesmos vinte homens, para os estabelecimentos dos índios das

12) Rev. do Arq. Púb. do Rio Grande do Sul —


N* 1 —
Janeiro,
1921, 21-75. Capistrano de Abreu desconhecia essa documentação quando,
em Capítulos da Hist. Col. 212, diz que "José Borges do Canto, desertor
do Regimento de Dragões, e Manuel dos Santos Pedroso, sem ordem de
ninguém, congregaram um troço de aventureiros e atiraram-se contra os
Sete Povos do Uruguai".
272 Al \ÉLIO PORTO
Missões, afim de os persuadir a que se revoltassem em nosso favor,
e serem vassalos portugueses, para o que nós os auxiliaríamos.
Passei às estâncias dos Povos de São Lourenço e São Miguel nas
quais falei aos índios que, além de me auxiliarem com as cavalga-
duras de que precisei, me asseguraram que todos desejavam pas-
sar ao Domínio Português, para o que necessitavam o nosso so-
corro, e participando eles os meus avisos aos seus respectivos Cor-
regedores, escreveram estes, sem demora, ao mesmo Capitão Co-
mandante, assegurando-lhe o desejo e boa vontade que todos ti-
nham do nosso socorro para serem vassalos de Sua Alteza
Real». 12»)

Informa «Noticia abreviada» que no caminho para Missões


«encontrou José Borges do Canto hum indio de seo conhecimento,
que fugindo da Espanha, se passava a Portugal: com elle se infor-
mou o Canto, e soube o estado das Missões, e que os indios saben-
do da guerra, nenhuma dúvida tinhão de dar obediência a Portu-
gal. Capacitou-o Canto, a que voltasse com êle, para persuadir
melhor os seus Patriotas a que deixassem o jugo que os opprimia
pelo suave governo que elle lhes oferecia. Com effeito, voltou o
indio e foram caminhando juntos até quasi à vista da Missão de
São Miguel», mandando de madrugada «Canto adeantar o seu Lín-
gua por desvio» para o dito Povo. 1 ')

Por uma embarcação procedente da Baía, que chegou ao Rio


Grande em 15 de Junho de 1801, soube-.se que a Espanha havia de-
clarado guerra a Portugal. Sete dias mais tarde um navio de Per-
nambuco trouxe a confirmação da declaração de guerra, que já
havia sido publicada oficialmente naquela cidade. Antes mesmo
de ter recebido comunicação oficial, o Tenente-General Governador
do Continente Sebastião Xavier da Veiga Cabral da Câmara man-
dou tornar público, por um edital afixado no Corpo da Guarda,
«se reconhecesse por inimiga aquela nação, enquanto não fazia es-

12*) Relação dos Serviços que pratiquei na Conquista dos Sete Po-
vos... Manuel dos Santos Pedroso — Bibliot. Nacional —I, 31, 26, 2.

13) Noticia abreviada dos principais sucessos da guerra de 1801...


Col. Linhares, 311 — B. N. Mss. I, 29, 13, 29. Sem nome de autor, mas
podendo se identificar como sendo escrita pelo Dr. José de Saldanha.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 273

sa declaração com as devidas formalidades»,)


11
o que dependia
do aviso que esperava da Corte.
Pelo espírito incendido de ardor marcial dos- rio-grandenses,
que não se conformavam com tal estado de coisas, passou célere
a idéia de arrancar a zona missioneira da posse dos espanhóis.
«Não há palavras com que se explique o alvoroço de todos os ha-
bitantes daquela capitania, na esperança de imporem, com as ar-
mas na mão, uma demarcação de limites mais vantajosa», informa
Gabriel Ribeiro de Almeida. t5
)

O Governador da Capitania do Rio Grande providenciou logo


no sentido de aparelhar o exército para entrar imediatamente em
campanha, apelando para o patriotismo dos rio-grandenses. Indo
no encontro desse chamamento, dentro em breve, de todos os re-
cantos do território, surgiram elementos combatentes, e o «espí-
rito de patriotismo», de que se achavam os continentinos anima-
dos, «fez com que, em poucos dias, se vestisse a tropa, pois os que
não podiam dar dinheiro davam panos, bois, cavalos, carros, escra-
vos, oferecendo tudo em benefício da tropa e do Estado, e isto
continuaram a praticar em toda a guerra». 16 )
Organizado o exército, Veiga Cabral da Câmara o dividiu em
dois corpos, sob o comando, respectivamente, do Coronel Manuel
Marques de Souza e do Tenente-Coronel Patrício José Corrêa da
Câmara. O primeiro marchou para a fronteira do Rio Grande e
o segundo foi guarnecer a do Rio Pardo. 17 )
Antes mesmo do início das hostilidades, várias pessoas se
spresentaram às autoridades com o intuito de, à sua custa, orga-
nizarem partidas para combater o inimigo. Entre estes salienta-se,
(•orno veremos, o estancieiro Manuel dos Santos Pedroso que, com
40 homens, investiu contra a guarda espanhola de São Martinho,
tomando-a depois de ligeira escaramuça.

14) Notícia abreviada dos principais sucessos da guerra de 1801...


— B. N. Mss. t, 29, 13, 29. Publ. em Varnhagen —
V vol. em nota do
Dr. R. Garcia.
15) Memória sobre a tomada dos Sete Povos de Missões. Gabriel
Ribeiro de Almeida. Hemetério Velloso. As Missões Orientais. 87. Porto
Alegre, 1910. Rev. -Inst. Hist. Bras. T. VIII.
16) Gabriel R. de Almeida. Memória, cit. 4.
17) Idem, ibidem.
274 AURÉLIO PORTO
«José Borges do Canto e eu, com 40 homens, fizemos a gran-
de conquista dos Sete Povos de Missões», diz Gabriel Ribeiro de
Almeida. Sabendo que havia perdão geral aos desertores, se apre-
sentou (Canto) ao Tenente-Coronel Patrício José Corrêa da Ca-
mara, e pediu licença para sair a fazer alguma hostilidade ao ini-
migo e, obtida que foi esta, saiu por entre as fazendas, convocando
ls
alguns seus conhecidos, e encorporou consigo" 14 homens» ) a
que se agregaram outros, completando o número de 40.
A primeira etapa foi longa e penosa. Dez léguas de percurso,
sob o rigor de um frio intenso e, à calada da noite, de inopino, cai-
ram esses valentes sobre a guarda de S. Pedro, comandada por
um oficial espanhol, que tinha às suas ordens trinta índios. Des-
baratados os inimigos, o posto foi tomado pela força de Canto.
Sobre ser o mais preparado e inteligente de todos, Gabriel
Ribeiro aliava a essas qualidades a vantagem de conhecer perfei-
tamente a Ingua guarani. Borges do Canto, com desprendimento
digno de nota. investe este companheiro do comando da expedi-
ção, combinando se consultassem mutuamente sobre as dificulda-
des que surgissem de momento.
Depois de surpreenderem e tomarem alguns redutos fortifica-
dos, Santo Inácio e São João Mirim, este último comandado por
D. José Manoel de las Canas, que nesta acção perdeu quatorze ho-
mens dos 100 castelhanos e 300 índios que guarneciam a praça,
conseguiram Canto e Gabriel que estes índios se lhes juntassem, e
com esse reforço se dirigiram para S. Miguel, a velha capital das
Missões, a que puseram sítio em 8 de Agosto.
«Cinco dias depois que tinha principiado o sítio, capitulou o
Tenente Governador sajndo ele e a guarnição da praça com
as honras de guerra, levando a artilharia, armamento e equipa-
gens; mas cabo português se empenhava, principalmente, em
o
;:poderar-se doarmamento e dos armazéns, nos quais ainda achou
cento e sessenta espingardas, nove pistolas, um parque de dez pe-
ças de calibre um e trez, cento e noventa lanças, etc. Óptima

18) Idem. ibidem. 6.


19) D. Francisco Rodrigo.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 275

aquisição nessa circunstância. Isso se passava em 13 de Agosto


de 1801». 20
)

«Ao formalizar os artigos da capitulação», diz Ayres de Cazal,


<.ficou perplexo o comandante, quando Canto, perguntado pela gra-
duação de sua patente, lhe respondeu que era o menor soldado
da tropa portuguesa». 21 )
Depois da tomada de São Miguel, Canto, como já o fizera an-
teriormente, deu parte dos acontecimentos ao capitão Francisco
Barreto Pereira Pinto e ao tenente-coronel Patrício, pedindo refor-
ços que eram necessários ao prosseguimento da acção. - 2 )

Atendendo prontamente à solicitação, o comandante Corrêa


da Câmara determinou, em 21 de Agosto, que seguisse para Mis-
sões, com valiosos socorros, o Sargento-Mor de Dragões José de
Castro Morais e o Capitão José Anchieta de Mendonça, coman-
dante da Cavalaria Auxiliar (milicianos), de Cachoeira. Coman-
.lando um esquadrão de oitenta homens, marchou com o mesmo
destino o valente Francisco Carvalho da Silva que, com seus irmãos
Felipe Carvalho e Luiz Carvalho, todos filhos de Cachoeira, te-
riam larga actuação na conquista e acontecimentos posteriores que
se desenrolaram nas Missões.
Antes mesmo da chegada dessas forças mandadas pelo Tenen-
te-Coronel Patrício, Canto e Almeida, com admirável actividade,
tinham acrescentado à já valiosa folha de serviços a conquista de
outros Povos.
Gabriel Ribeiro, com tomara posse dos Povos
vinte homens,
de São Lourenço, São João, São Luís Gonzaga e Santo Ângelo,
nos quais arrecadou grande cópia de armamento e munições, es-
tandartes dos cabildos, troféus estes que mais tarde, pessoalmen-
te, entregou ao Governador do Continente.

Com a partida de quarenta homens que comandava, entrara

20) P. Gay. Rep. Jes. cit. 276.


J.
21) Ayres de Cazal. Corografia Brasílica. Vol. I, 173.
22) Diz Hemetério V. da Silveira. Miss. Orien. n. 3. 94, que "foi bal-
dado esse apelos pois o chefe português não se capacitava de que- esses
aventureiros voltassem com vida dessa empresa". Destroem essa asser-
ção documentos existentes no Arquivo Público do R. G. do Sul, pelos quais
se vê que Patrício, oito dias depois da tomada de S. Miguel, mandou for-
ças de Cachoeira para Missões.
276 AURÉLIO PORTO
nessa ocasião em Missões o Capitão Manuel dos Santos Pedroso.
Sabendo este que Canto havia aceitado a capitulação do Comandan-
te espanhol de São Miguel, que sairá da praça com as honras de
guerra, pôs-se com a sua gente de alcateia e, surpreendendo o ex-
governador da Província de Missões, desbaratou a força que leva-
va, aprisionando-o. Os valores conduzidos pelo comandante es-
panhol foram distribuídos pelos soldados de Pedroso. 23 ) Em se-
guida, marchou este para S. Miguel, onde já estavam os reforços
capitaneados pelo Sargento-Mor José de Castro Morais e Canto,
aquartelados com seus homens.
Ecoou mal entre aqueles valentes a insólita acção de Pedroso.
O Capitão Manoel Carneiro da Fontoura e o Tenente-Francisco Car-
valho conseguiram, entretanto, fossem devolvidos ao ex-governa-
dor os objectos que lhes haviam sido tirados pelos soldados do cabo
de guerra miliciano.
Coma chegada a S. Miguel do Sargento-Mor Castro Morais,
que assumiu o comando das forças ali estacionadas e a direcção do
governo militar, começaram, dentro em breve, pequenos dissídios
entre os conquistadores e comandante.
esse Almeida formula
amargas queixas contra Morais, que quisera empanar o brilho da
e mpresa e escurecer o valor dos serviços prestados por Canto e
seus companheiros. O Sargento-Mor, «lembrando-se de ser Canto
soldado de seu regimento, quis puxá-lo para o^ esquadrão e tirá-lo
<io comando daquela conquista», informa Gabriel Ribeiro. Em vis-
ta dessa atitude injustificável do Comandante, Canto quis reagir a
mão armada, mas Gabriel, previdente, obstou o golpe, seguindo
para Porto Alegre, onde foi inteirar o governo 'do Continente dos
serviços relevantes prestados pelo ex-soldado desertor.
Levava também uma carta do ex-governador castelhano, pre r
po por Pedroso, na qual aquele se queixava amargamente do modo
por que se conduzira o chefe miliciano, não respeitando as condi-
ções da capitulação aceitas por Canto.

23) "Retirando-se os capituladores", diz Ayres de Cazal. Cor. Bra.s.,


experimentaram o infortúnio de cair nas mãos de outra partida semelhan-
te, que os aprisionou com tudo o que se lhes concedera;
por mais que o
comandante protestasse pelo cumprimento da capitulação".
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS D O URUGU A I 277

Ciente do que se passava, Veiga Cabral nomeou a José Bor-


ges do Canto, Capitão de milícias, a Gabriel Ribeiro de Almeida
Tenente da mesma companhia, determinando que fosse escolhido
Alferes o que, entre os companheiros de Canto, tivesse maior soma
de serviços de guerra. Foi eleito para esse posto Francisco Gomes
de Matos que, mais tarde, é promovido a capitão de milícias.
Pedroso foi mandado recolher preso a Porto Alegre pelo pro-
cedimento que tivera para com D. Francisco Rodrigo, sendo, mais
tarde, nomeado capitão de milícias.
A conquista^ tinha sido relativamente fácil. O heroísmo dos
aventureiros de Canto suprira a deficiência do número resumido
de valentes que haviam integrado ao território brasileiro a vasta
Província de Missões.
Entre os poucos oficiais espanhóis que reagiram, não se con-
formando com o facto consumado, tem notável destaque o valente
Rúbio Dulce, Tenente das forças castelhanas, que deu ensejo a po-
dermos hoje registar alguns feitos heróicos.
Em fins de Agosto de 1801, o Tenente Francisco Carvalho da
Silva, que fazia parte das forças de Cachoeira, com nove compa-
.

nheiros, desalojou os inimigos do Passo da Cruz, em que tinham


uma guarnição de 150 praças, comandadas pelo tenente Rúbio Dul-
ce. Completamente batidos, debandaram os espanhóis, deixando
como presa dos nossos 414 cavalos mansos. Francisco Carvalho
teve um soldado ferido. Voltando, mais tarde, o esforçado tenen-
te castelhano, com dois saveiros, cada um com oitenta praças, para
atacar o passo de S. Borja, encontrou ainda pela frente o bravo
Francisco Carvalho que, com 30 companheiros, lhe opôs tenaz re-
sistência. Sabendo, ainda, o intrépido miliciano que Rúbio Dulce
em retirada no passo de
forçara o passo de Butuí, foi encontrá-lo
Itacuim e atacou-o de madrugada, derrotando-o. Rúbio Dulce te-
ve de lamentar a morte, de sete de seus soldados e onze feridos.
Dos nossos ficaram um morto e outro levemente ferido. 24 )
Coube ao Tenente Felipe Carvalho da Silva a glória de ter sido
o comandante da partida que deu o último combate pondo fim à

24) Visconde de São Leopoldo, Anais da Província de São Pedro do


Rio Grande do Sul.
278 AURÉLIO PORTO
conquista das Missões. Em 23 de Novembro de 1801, 25 ) com 30
praças, desbaratou uma partida de Rúbio Dulce, que perdeu sete
homens. Os brasileiros tiveram um homem morto e vários feri-
dos. Acudindo o Capitão José Borges do Canto, Tenente Gabriel
Ribeiro de Almeida e outros oficiais elevaram a pequena força a
110 homens e esperaram o embate de Rúbio, que reconstituirá sua
partida.
«Às dez horas da manhã», diz Souza Docca, 2G ) «foi o combate
iniciado pelos nossos que, em número
de 40, às ordens do Tenente
Gabriel Ribeiro de Almeida atacaram o flanco esquerdo do inimi-
go, que foi ao mesmo tempo atacado pela frente, por frações de
forças rio-grandenses, às ordens dos Alferes João Machado e An-
dré Ferreira e pelo flanco direito por 30 cavalarianos ao mando
dos Alferes Felipe Carvalho, Manoel Carvalho e João António da
Silveira».
Fugindo à impetuosidade do ataque, deixaram os castelhanos
no campo da luta 60 mortos, 73 prisioneiros, 200 armas de fogo,
espadas e grande cópia de munição. Os rio-grandenses tiveram
três mortos e quatro feridos. E assim terminou a conquista das
Missões.

2. Os Conquistadores.

Tendo por inspirador o Tenente-Coronel Patrício José Corrêa


da Câmara que, à sazão, comandava o Regimento de Dragões, no
Rio Pardo, a conquista das Missões é levada a efeito por partidas
irregulares de civis a que se agregam alguns milicianos. «Homens
campeões», os cognomina o governador Francisco João Róscio, ao
apreciar os feitos de José Borges do Canto e Manuel dos Santos Pe-
droso, que são as figuras centrais da façanhuda empresa. «Os sol-
dados, tanto pagos como auxiliares, acrescenta, representam uma
'

coragem extraordinária; vão contentes avistar-se com o inimigo,


mas há falta de quem os comande com acerto». ) Daí o valor n

25) V.S. Leopoldo. Ann. cit.


26) Conquista das Missões. Último Combate. Almanaque, 1914.
1) Arquivo Nacional. Correspondência dos governadores do R. G.
do Sal. Vol. XIV, (1803-1806). Ofício do governador F. J. Roscio.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 279

desses «homens campeões», obscuros heróis que, nos momentos


de exaltação patriótica, coordenam as energias vitais do povo e
se sobrepõem às tropas regulares. E para que, em todo o tempo,
constassem notícias de seus feitos, fez Róscio «com que todos os
principais conquistadores de Missões escrevessem ou ditassem me-
mórias circunstanciadas delas». 2 )
Mas, não obstante essas páginas que ficam assinalando uma

2) Arquivo Nacional. Col. 104 —Corresp. dos Gov. do Rio G. do


Sul. Vol. 13" 1801, fls. 164 seg. Constam dessa Col. as seguintes Memó-
rias, ditadas ou escritas pelos conquistadores:
1* "Relação dos acontecimentos mais notáveis da Guerra próximo
passada, na entrada e conquista dos Sete Povos de Missões Orien-
tais do Rio Uruguai, por José Borges do Canto e Manuel dos San-
tos Pedroso". Datada de Porto Alegre, 8 de Maio de 1802. De
José Borges do Canto, com o cf. de F. J. Róscio. Publ. no Vol. 77,
2' P. Rev. Inst. Hist. Bras.
2* "Relação dos serviços que pratiquei na Conquista dos Sete Povos
Guaranis das Missões Orientais do Uruguai, desde o princípio até
o fim da guerra próximo passada". Datada de Porto Alegre, 9 de
Setembro de 1802. (Ass.) Manuel dos Santos Pedroso. Cf. de F.
J. Róscio.
3- "Instrução dos ataques mais notáveis que na próxima pretérita
guerra foram praticados no Departamento de Missões na Costa do
Uruguai, e Povo de São Borges, entre o Espanhol e Portugueses,
oferecido ao Brigadeiro governador interino Francisco João Rós-
cio, pelo tenente de Auxiliares Francisco Carvalho da Silva, efeti-
vo comandante da Partida Portuguesa que actualmente cruzava
aquele campo, depois da retirada dos capitães". Sem data, (ass.)
Tenente Francisco Carvalho da Silva.
4" "Noticia abreviada dos principais sucessos da Guerra de 1801, na
campanha do Rio Grande de São Pedro, na América Meridional".
Esta Memória, sem data nem assinatura, consta também da mes-
ma Colecção referida, havendo cópia na B. N. (I, 29, 13, 29) e foi
publicada modernamente pelo Dr. Rodolfo Garcia em nota ao 5'
vol. da Hist. Geral, de Varnhagen. Parece se poder identificar co-
mo de autoria do Dr. José Saldanha, não só pelo estilo como prin-
palmente pelas notas que. com as mesmas palavras, ocorrem no
Diário Resumido. Anais da B. N. cit.
5' A Memória mais interessante é, sem dúvida, a de Gabriel Ribeiro
de Almeida, escrita em Lisboa em 18 de Setembro de 1806 e ofere-
cida ao Príncipe Regente, a quem queria fazer patente os seus e
os serviços de seus companheiros, já espoliados da própria glória
de seus feitos. Foi publicada pelo Inst. Hist. Bras. Vol. V. Fase.
17, de Abril de 1843, pág. 3, do original existente no Instituto.
(Cat. Hist. 10.823) Intitula-se: "Memória da tomada dos Sete Po-
vos de Missões da América de Espanha, que hoje se acham anexos
aos Domínios do Príncipe Regente de Portugal. Nosso Senhor;
escrita em Lisboa, no ano de 1806, por Gabriel Ribeiro de Almeida"
Os volumes 13 e 14 da Corresp. dos Govern. trazem ainda, além das
280 AURÉLIO PORTO
época, em que se sucedem acções gloriosas e acontecimentos trans-
cendentais que desviam o curso da história do Brasil, ficam esses
pobres «homens campeões» relegados ao esquecimento, e tão mal
conhecidos que um dos nossos historiadores clássicos, referindo-se
a Canto, tem dúvidas quanto ao seu próprio nome. ) :;

Traçar-lhe o perfil, inédito ainda, é obra que «tenta a quem se


propõe estudar as Missões Orientais que esses precursores herói-
cos integraram ao Brasil, num dos gestos mais audaciosos que
registam as crónicas antigas, José Borges do Canto, Manuel dos
Santos Pedroso, Gabriel Ribeiro de Almeida e Francisco Carvalho
da Silva, principais executores da empresa e outros de menor pro-
jecção histórica, cujos nomes ressaltam dessas páginas, ficarão
aqui, neste rápido esboço biográfico, ressurgindo, mais gloriosos
ainda, da obscuridade em que largo tempo jazeram.

a) JOSÉ BORGES DO CANTO

Nasceu José Borges do Canto no Rio Pardo, sendo baptizado,


na igreja matriz dessa vila, aos 17 de Fevereiro de 1775, como
consta do respectivo assento. ) Foram seus pais Francisco Bor-
4

ges do Canto, natural da ilha de São Miguel, Açores, e Eugênia


Francisca de Souza, natural da Colónia do Sacramento, sendo aque-
le filho legítimo de José Caetano Pereira, também natural da ilha

de São Miguel, filho legítimo de João Botelho e Josefa do Canto,

memórias citadas, lar"ga cópiade documentos, informações e partes rela-


tivos à Campanha de Missões, tão pouco ainda estudada pelos nossos his-
toriadores .
-

3) Rocha Pombo.
História do Brasil. Vol. VI, 564 n. 1.
Liv. 3 V de
4) Baptismos do Rio Pardo. (1774-1783) Bispado de San-
ta Maria. Fls. 12. "JOSÉ —
Aos dezessete dias do mês de Fevereiro de
mil setecentos e setenta e cinco, nesta Matriz de Nossa Senhora do Rosá-
rio do Rio Pardo, Bispado do Rio de Janeiro; baptizei e pus os Santos
Óleos a José filho legítimo de Francisco do Canto natural da cidade e ilha
de São Miguel, bispado de Angra: e de sua mulher Eugênia Francisca,
natural e baptizada na freguesia da Vila de São Pedro do Rio Grande do
Sul, neto pela parte paterna de José Caetano e de sua mulher Eugenia
Maria, e não ouve mais notícias. E forão padrinhos José Bernardes de
Meireles e sua mulher Josefa Maria de Aguiar, por seus procuradores por
procuração que me apresentaram Manuel Inácio Bessa e Eugênia Maria
todos . moradores nesta freguesia e para constar fiz êste assento, que
. .

assino. O Padre José Antonio de Mesquita".


HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 281

ilhéus, que casado com Maria Eugênia de Figueiredo, natural


foi
de Lisboa. Além de
Francisco, teve o casal de José Caetano Pe-
reira, na Laguna, de onde se transportou para Rio Pardo, vários
filhos, entre os quais se destacam Joaquina Perpétua, que casou
no Rio Pardo com o português Alexandre Manuel da Cunha, tron-
co da família Cunha
Souza; Josefa Bernarda, casada com José
e
Bernardo de Meireles; Miguel Inácio do Canto que, casado com Ca-
tarina da Câmara Corte Real, é tronco da família Câmara Canto;
João Inácio do Canto, casado com Francisca Rosa Gomes, que são
pais do Padre-mestre João de Santa Bárbara (João Inácio Pereira)
notável professor e primeiro deputado rio-grandense às Cortes
Constituintes, e de Ana Joaquina Gomes, casada com António Gon-
çalves Borges, avós maternos do Dr. António Augusto Borges de
Medeiros que foi presidente do Estado do Rio Grande do Sul. 5 )
Quando, em 1777, o brigadeiro José Casimiro Roncali, coman-
dante do Rio Pardo, autorizou fossem os campos que se estendiam
ao Sul do Jacuí éntre Pequerí, Capané e Irapuá, no actual municí-
pio de Cachoeira, ocupados por indivíduos que quisessem dedicar-se
à criação de gados, entre outros apresentou-se àquele comandante
Francisco Borges do Canto, que tomou posse de uma sesmaria,
junto ao Capané. Esse campo em que se construíram casa de mo-
radia, currais, lavouras e mais bemfeitorias, tinha duas léguas de
comprimento por uma de largura, e foi-lhe concedido por despa-
cho de José Marcelino, de 3 de Abril de 1780. Nessa estância, ti-
nha Francisco do Canto, em 1784, para mais de 650 animais de
cria. Vendeu, mais tarde, essa propriedade a Francisco de Olivei-
ra Porto, retirando-se para Rio Pardo, em cuja povoação tinha ca-
sa, residindo aí em 1801. 11
)

Em Viamão casou Francisco Borges do Canto com Eugênia


Fancisca de Souza, nascida na Colónia do Sacramento e filha legí-
tima de José da Costa Luís, natural do Valongo, bispado de La-
mego, filho legítimo de Manuel Luís e Izabel Simões, e de sua mu-
lher Inocência Francisca Pereira, filha legítima de Silvestre Do-

5) V. Public. Arquivo Nacional. Vol. XXXI, pág. 529. Notas de


Aurélio Porto ao "Processo dos Farrapos". Rio, 1935.
6) Distribuição de terras. Correspondência dos Governadores. Arq.
Nac. cit. Arq. Hist. R. G. do Sul. Terras.
282 AURÉLIO PORTO
mingues, português, e de sua mulher Antónia Pereira, da Colónia
do Sacramento. Teve o casal de Borges do Canto, além de José,
mais os filhos: Rosaura Francisca, que foi casada com Manuel
José de Azevedo e por morte deste com Plácido Rodrigues Souto;
Bernardo José do Canto, Francisco Margarida, casada com José
Maria da Silveira Peixoto; Joaquina Francisca, casada com Joa-
quim José Ferreira Guimarães; Esméria, casada, com José Luís
da Silva; Francisco Borges do Canto, nascido em 1782, mais tarde
estancieiro em São Borja; ") João Borges do Canto, nascido em
1785; Manuel Borges do Canto, nascido em 1786; Vicente Borges
do Canto, nascido em 1789; Manuel, Ana e Maria Francisca, casa-
da com Albino Francisco de Bem, cujos filhos Gaspar, Belchior e
Baltazar, constituíram ramos da família Bem, muito conhecida no
Estado. 8 ) Faleceu Eugênia Francisca no Rio Pardo em 1801,
tendo, no ano seguinte, Borges do Canto convolado a segundas
núpcias com Feliciana Rosa de Jesus, de cujo matrimónio houve
uma filha: Alexandrina. Faleceu Francisco Borges do Canto, no
Rio Pardo, em 1809. !l
)

Como a maior parte dos rapazes de seu tempo, José Borges


do Canto não tivera, pela escassez de meios educativos, nem se-
quer uma instrução rudimentar. Diz mesmo Gabriel Ribeiro que

7) O Dr. Alfredo Varela (Duas grandes intrigas — II, 162) refe-


rindo-se a Francisco Borges do Canto que, em São Borja, no ano de 1829,
presidira uma assembleia convocada pelo general Frutuoso Rivera, para
"efetuar o solene ato declaratório de separação e reptura com o Brasil",
da Província das Missões, estranha que presidisse os trabalhos do con-
gresso "pessoa cujo nome é idêntico ao de um dos famosos conquistadores
da zona que se destacava de nós". Era o próprio irmão do conquistador
que, com um grupo de brasileiros, como se dirá aderira a Rivera, na luta
para a emancipação da futura República Oriental do Uruguai, a que pre-
tendia anexar as Missões. Francisco devia sua situação de estancieiro,
em São Borja, ao próprio irmão que, "com seus companheiros conquista-
dores, tinham sido remunerados por S. M. Fidelissima que lhes mandou
o título do grande rincão chamado Camaquã, sito entre o rio do mesmo
nome, o Uruguai e o Piratini, até às estâncias que pertenciam aos Povos
Orientais, "mais tarde 3* distrito de São Borja, como refere J. P. Gay —
Rep. Jes. 279. Por morte de Canto essas terras passaram a seu irmão
Francisco.
8) Inventário de Eugênia Francisco. Arq. Públ. R. G. do Sul, 1801.
9) Inventário de F. B. do Canto. Rio Pardo, idem. 1909. Assentos
ecles. do Rio Pardo. Bisp. de Santa Maria.
H ISTÓRIA DA S MISSÕES OR IENTAIS DO URUGUAI 283

«nem ler nem escrever sabia», 10 ) o que parece não se confirmar,


pois existe de seu próprio punho a carta autografa, cujo fac-simile
publicamos. Entretanto, releva notar que a Memória por ele di-
tada e conferida pelo Brigadeiro Róscio traz a sua assinatura de
cruz. A primeira notícia que se tem do futuro conquistador de
Missões data de 1791, quando deveria ter 16 anos. 11 ) Seu no-
me consta, nessa data, da plana da 8- Companhia do Regimento
de Dragões, do Rio Pardo como soldado da mesma. l2 ) Pouco
tempo, porém, aí serviu, pois, dois anos depois, desaparece seu no-
me das relações de praças dessa companhia, por ter desertado
para as campanhas do Rio Grande. «Viveu, diz Gabriel Ribeiro,
muitos anos naquela vasta campanha, povoada de gentios charrúas
e minuanos, couto e refúgio de criminosos de ambas as nações. O
dito José do Canto ora entrava na capitania do Rio Grande de São
Pedro, donde era natural, ora nas terras dos espanhóis, a traficar
contrabandos: em uma e outra parte passeava oculto, pois se ti-
nha feito célebre com a sua vida extravagante e odiosa a ambas
as nações». 1S ) E mais adiante, completando o perfil de Canto,
acrescenta o cronista: «Eu e meus camaradas bem conhecíamos
a José do Canto, que era homem intrépido e valoroso; porém, há
muitos anos, desertor, e por consequência indisciplinado, não sa-
bia do terreno, ignorava a língua, embaraçado em manobra, e era
destes homens determinados, mas sem deliberação em ação; con-
tudo a fama que tinha adquirido nas suas extravagâncias fez com
que o preferíssimos no comando, porque também não tínhamos as-
saz conhecimento de suas qualidades, pois, nem ler, nem escrever
sabia, e assim o tenente 14 ) e eu não duvidamos ceder-lhe, para
evitar desordens, e ultimar o fim de nossa carreira». 15
)

Muito comuns eram as deserções nesse tempo. As planas das


f ompanhias de Dragões estão cheias de observações nesse sentido.

10) Memória cit. 12.


11) Consta do inventário de 1801 ter 26 anos, e na Memória citada
(Said.) se diz "que entre os desertores veio Canto, rapaz de 26 anos".
12) Arq. Hist. R. G. do Sul. Reg. de Dragões. Planas de Compa-
nhias. 1791.
13) Memória, cit. 5.
14) António de Almeida Lara, paulista, parente de Gabriel Ribeiro.
15) Memória, cit. 12.
284 AURÉLIO PORTO
Tentava-os a vida aventurosa das fronteiras, onde dominavam os
índios minuanos, em cujos toldos eram acolhidos indistintamente
portugueses e espanhóis. O contrabando de gado, ou a extração
de seus sub-produtos, isto couro, língua, graxa, etc. constituía
é,

rendoso negócio de contrabando. O fumo, a erva-mate, a aguar-


dente eram outros artigos apreciadíssimos, de que se fazia largo
comércio. Companheiro de Canto, na 8- Companhia do Regimen-
to, o porta-estandarte Alexandre Luís de Queiroz e Vasconcelos,

cuja bravura vai até a raias inconcebíveis, nas suas revoltas con-
tínuas, assinala a primeira deserção em Janeiro de 1796. l6 )
Lon-
ga a nominata desses desertores, em
todos os tempos coloniais.
Movidos por interesses, pela misteriosa aventura da vida heróica
das Campanhas, entre índios e lutas; por ideologias em formação;
seguindo, nas auroras do pan-americanismo, os pendões revéis de
Artigas, ou contribuindo com Lavalle ja e Rivera, para a forma-
ção da Banda Oriental, sob a forma republicana, encontram-se de-
zenas de nomes de rio-grandenses entre esses desertores. E até
o velho autor da Memória, esse admirável Gabriel Ribeiro de Al-
meira, inteligente, patriota, que fora a' alma da Conquista das
Missões, um
seduzido pela liberdade, que via surgir das pro-
dia,

messas de Artigas, pela confraternização dos povos americanos,


deserta também a sua bandeira e vai-se incorporar às hostes livres
rio caudilho. . .

Em
suas correrias de contrabandista, nas campanhas, assina-
la-se Canto entre os gaúches, de que nos fala o Dr. José de Sal-
danha. 17 ) Em 17 de Dezembro de 1797 o comandante do Regi-
mento de Dragões faz baixar uma portaria, mandando levantar a
nota de deserção de José Borges do Canto, por ter-se apresentado
voluntàriamente ao mesmo Regimento, sendo incorporado à 1*
Companhia, sob o comando do sargento-mor José de Castro Mo-
rais. ls
)

Aurélio Porto. Processo dos Farrapos. Notas. Publ. Arq. Nac.


16)
Vol. XXIX.pág. 510.
17) Diário Resumido, cit. 181 "Gaúches" — —
palavra espanhola,
usada neste país para expressar os vagabundos, ou ladrões do campo,
quais vaqueiros, costumados a matar os touros chimarrões e sacar-lhes os
couros e a levá-los ocultamente às povoações, para a sua venda ou troca
por outros géneros." Gaudérios, em outros documentos.
18) Arq. Hist. Rio Grande do Sul. Pasta cit. 1791.
.

HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 285

E fossem os maus tratos recebidos no quartel, ou a sua pró-


pria insubordinação e costumes não mais afeitos à vida disciplinar
da tropa, certo é que meses depois José Borges do Canto deserta-
va de novo, reunindo-se aos seus antigos companheiros de aventu-
ras nas largas fronteiras de Espanha. Viveu, assim, mais três
anos até que um acontecimento de ordem afectiva o trouxe ao Rio
Pardo, onde vivia oculto e disfarçado. Sua mãe, D. Eugênia Fran-
cisca, enfermando gravemente, faleceu em Janeiro de 1801.
E Canto ainda se encontrava nessa vila quando, ante a ameaça de
guerra, faz-se publicar o decreto de anistia aos desertores, datado
de 27 de Fevereiro de 1801.
Diz a tradição oral, recolhida de recordações de família, que
o tenente-coronel Patrício Corrêa da Câmara, conhecendo a vida
extravagante de Canto, mandara-o chamar à própria casa, insi-
nuando-lhe o meio de se tornar célebre nas diversões que poderia
fazer nas Missões, se bem que não julgasse possível^ conquista
integral daquele território. Não assumia, porém, a responsabili-
dade daquela empresa. José Borges do Canto, sem auxílio oficial,
com os meios próprios de que pudesse dispor, intentaria a empre-
sa. Somente lhe daria certa quantidade de pólvora, balas e armas.
E' significativo o facto de no título de herdeiros do inventário
procedido por morte de sua mãe, D. Eugênia Francisca de Figuei-
redo, iniciado em 19 de Agosto de 1801, figurar já «o capitão José
Borges do Canto, soldado de Dragões», seis dias depois da tomada
de São Miguel (13 de Agosto), o que faz presumir que Patrício
antecipadamente houvera-lhe conferido esse posto de comando, pa-
ra a organização dos elementos de que se serviria.
Antes da declaração oficial da guerra, que só chega ao Rio
Grande em 16 de Agosto, já em 15 de Junho, por notícias parti-
culares, vindas da Baía, era conhecida a quebra da paz com a co-
roa de Espanha. Agia, pois, Patrício, antes da comunicação oficial,
atirando para os ombros de Canto as responsabilidades da facção.
Recebidas as instruções do comandante, seguiu Canto imediata-
mente para a campanha de Cachoeira, em cujas estâncias tinha

19) Arq. Publ. R. G. do Sul. Invent. de Eugênia Francisca. Rio


Pardo . 1801
286 AURÉLIO PORTO
companheiros dedicados e, possivelmente, sócios em suas arrea-.
das de gado e tráfico de contrabando. Congregou aí um pugilo de
homens valentes e formando logo um pequeno desta-
dispostos,
camento de 13 cavalarianos, de que assumiu o comando. Foram
esses companheiros, que o autor das Missões Orientais conseguiu
identificar: João do Cabo Frias, mais tarde capitão; José Gomes
Centurião, José Joaquim Barbosa, António Lopes Pacheco, José
Joaquim Domingues, 20 ) Raimundo Santiago, José da Silva Ávila,
Francisco Fernandes, Joaquim Ferreira Machado, Januário Bar-
bosa, e Manuel Gomes Leite de Siqueira. - Faltam nessa rela-
1
)

ção mais dois que pudemos identificar em declarações que fizeram


de terem companheiros de Canto, desde a primeira hora:
sido
Francisco Gomes de Matos e José Agostinho dcs Santos. --)
Em caminho para São Martinho se encontra Canto com o te-
nente de capitania de São Paulo António de Almeida Lara «que
por seu negócio vivia naquela capitania», e que trazia consigo 12
homens. Dizendo-lhe o conquistador qual a intenção que levava,
Lara se lhe incorporou com sua gente, chegando assim a São Mar-
tinho, entrada das Missões, onde havia uma guarda sob as ordens
do alferes André Ferreira de Andrade 2â ) pertencente ao destaca-
mento de que era comandante o capitão Francisco Barreto Pereira
Pinto, composto de milicianos. Estava nessa guarda como furriel

20) José Joaquim Domingues nasceu no Rio Pardo, em 21 de Mar-


ço de 1774, sendo filho legítimo de Euzébio Domingues -da Silva, natural
de São Paulo, e de sua mulher Josefa Maria, nascida em Viamão. Neto
pat. de João da Silva Ribeiro e de sua mulher Mariana Domingues e n. m.
de Manuel Caetano da Fonseca e s-m. Ana Maria Branca, todos de São
Paulo. Casado com Ana Antónia da Silveira, filha do Tenente João An-
tónio da Silveira, outro herói das Missões, teve vários filhos, entre os quais
Prudenciana Maria Branca, casada com João da Fonseca e Souza, natural
de Minas, e foram pais de Josefina Felisbina da Fonseca, casada com o
Sargento-mor José Plácido de Castro. Filho desse casal é o Capitão Pru-
dente da Fonseca e Castro que, casado em segundas núpcias com D. Zefe-
rina de Oliveira, são os pais de outro heróico conquistador rio-grandense,
o coronel José Plácido de Castro, o integrador do Acre.
21) Hemetério Veloso. As Missões Orientais, 310.
22) Arq. Hist. R. G. do Sul. Requerimentos. 1800.
23) André Ferreira de Andrade, pai de Vicente Ferreira de Andra-
de, o Andrade da Tipografia, que teve grande actuação na Revolução Far-
roupilha. V. Public. Arq. Nac. Vol. XXX. O Colono Alemão. Aurélio
Porto. Rio. 1934, 59.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 287

da mesma Gabriel Ribeiro de Almeida que, seduzido pela aventura,


resolveu com mais seis homens de seu comando integrar-se àque-
la força. No São Martinho com des-
dia 3 de Agosto, saindo de
tino às Missões, encontraram «8 homens, comandados por Antó-
nio dos Santos, que andavam explorando a campanha, e unindo-se
também a nós, com estes completaram 40 homens de armas, com
as quais se fez a conquista que vou descrevendo», diz Gabriel Ri-
beiro.
Historiadas ficam as etapas principais dessa marcha vitorio-
sa de Canto, «que achou os índios muito favoráveis, oferecendo
cavalos, mantimentos e suas próprias pessoas». 24 ) Tomado São
João-mirim por Gabriel Ribeiro, ali também os índios seguiram
em companhia dos invasores, e, assim, quando marchou para a ca-
pital, que era o Povo de São Miguel, onde estava D. Francisco Ro-

drigo, tenente de governador espanhol das Missões, contava o ca-


bo rio-grandense com número superior a 300 índios, engrossando a
sua força.
No dia 10 de Agosto, refere Canto em sua Memória: «fiz
montar a cavalo 400 índios, à frente dos quais marchei com a
nossa Partida uma pequena distância e mandei intimar por escrito
ao sobredito tenente de governador que se evacuasse quanto an-
tes o Povo eu lhe admitiria uma favorável capitulação, e que, do
contrário, sofreria o rigor da guerra; respondeu-me que se lhe con-
cedesse três dias para resolver no que convinha. Ao seguinte dia
com 10 ho-
encarreguei ao furriel Gabriel Ribeiro de patrulhar
mens para a estrada de São Lourenço em cuja diligência aprisio-
nou um correio mandado pelo governador de Missões, para o re-
ferido tenente de governador; ao qual recomendava em uma car-
ta, fizesse toda a diligência por se defender, entretanto que ele
próprio governador o socorria com a maior brevidade. Com esta
nota enviei as cartas ao tenente de governador fazendo-lhe saber
que eu não podia já convir na espera dos três dias e que se não
capitulasse sem demora, o atacava; respondeu-me que logo na ma-
nhã do dia seguinte me remeteria as condições da capitulação, pe-
dindo-me que o não atacasse antes». 25 )

24) Memórias de Canto, cit. Arq. Nac. Col. 104, Corresp. Vol. 13', 164.
25) Idem, ibidem.
288 AURÉLIO PORTO
No dia 15, depois da retirada de D. Francisco Rodrigo, com
160 espanhóis, armamento e petrechos de guerra, conforme os
itens da capitulação, fez Canto saber aos Povos circunvizinhos de
São João e Santo Ângelo que se deviam submeter à obediência de
S. A. Real, o que aceitaram sem repugnância.

Ante esses sucessos de Canto, que recebe também a ajuda de


Manuel dos Santos Pedroso, o capitão Francisco Barreto coman-
dante de São Martinho, manda «um dos cadetes seus filhos»,
com um capitão de cavalaria miliciana, ->T que com 15 homens
)

se juntassem ao comandante e seguissem as suas disposições».


Foram estes mandados ao Povo de São Borja que também se en-
tregou. Em fins de Agosto dá-se a heróica resistência de Rúbio
Dulce, mas a conquista das Missões estava praticamente feita e
incorporada ao Rio Grande do Sul uma das maiores partes de seu
território.
José Borges do Canto, que a realizara, sofre perseguições e
injustiças. O major de dragões José de Castro Morais, «que olha-
va tudo com refinada política, estudando os meios de escurecer os
nossos serviços, diz Gabriel Ribeiro, e lembrando-se ser o Canto
soldado de seu Regimento, quis puxá-lo ao esquadrão e tirá-lo do
comando daquela conquista, não fazendo apreço dos nossos ser-
viços». Canto quis reagir e se não fora Gabriel Ribeiro, que in-
terveio na ocasião, dar-se-ia um conflito de consequências impre-
visíveis.

Para dar conhecimento ao governador, da conquista realiza-


da, Gabriel vai ao Rio Grande, onde estava Cabral da Câmara que,
reconhecendo o valor e os serviços daqueles bravos, confere a Can-
to o posto de capitão de milícias, a Gabriel Ribeiro de Almeida o
de tenente daquela companhia, ficando o de alferes para que Bor-
ges do Canto galardoasse aquele de seus 40 companheiros que, a

26) Sebastião Barreto Pereira Pinto, nascido no Rio Pardo em 14


de Setembro de 1780, cadete de dragões e mais tarde Marechal do Impé-
rio. Seus pais foram o Coronel Francisco Barreto Pereira Pinto, filho do
Coronel do mesmo nome, fundador do Rio Pardo, e D. Eulália Joaquina
de Oliveira, filha do Tenente Manuel Pereira Roriz, português e de Bri-
gida de Oliveira, da Colónia. .

27) José de Anchieta Furtado de Mendonça, de Cachoeira.


HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 289

-eu critério, tivesse prestado mais serviços na campanha, com o


qual foi galardoado Francisco Gomes de Matos.
Terminada a conquista e feita a paz, foi, como vimos, adjudi-
cado aos conquistadores o rincão de Camaquã, em São Borja, to-
cando a José Borges do Canto uma sesmaria de terras.
Não se haviam, entretanto, delimitado exactas fronteiras ao
Sul, havendo vários entrechoques de patrulhas espanholas e portu-
guesas, que percorriam essas alturas. Mas, tàcitamente, deconhe-
ciam os primeiros o domínio português até às campanhas do Ja-
rau, que ficavam a Oriente do Quarupá, afluente do rio Quaraí.
Em uma informação datada de 20 de Outubro de 1805, o Dr. José
de Saldanha, depois de historiar o avanço português até aí, acha-
va que essa linha divisória deveria ser mantida, pois era respei-
tada pelas patrulhas espanholas que percorriam as campanhas
adjacentes. Houvera, é certo, um encontro entre forças coman-
dadas pelo tenente Francisco Barreto, dos dragões, e D. José Ron-
deau, que sairá a castigar os índios infiéis, um ano antes, mas,
v

«nem a desordenada peleja com a nossa partida foi motivada pela


violação de terrenos, nem oficialmente a estribam nesta causa co-
mo primária e fundamental».
«Ã vista do referido, acrescenta, me persuado que temos todo
o direito de conquista na fronteira do Sul de Missões pelo menos
f.té à serra dos infiéis, inclusos todos os terrenos entre a dita ser-
ra e o Ibicuí-guaçú, estâncias de São Luís e Santo Ângelo; aos
intermédios desde o arroio Issaca até o Santa Maria, transitados
quase diàriamente, no tempo da guerra, pelos nossos combatentes,
destacamentos e patrulhas, e na paz pelos nossos viajantes e co-
merciantes, além de estabelecimentos portugueses que logo ali se
colocaram. E ao Ocidente do Ibirapuitã com um jus de preferên-
cia, em que ficámos, desde a mesma guerra, a toda a campanha,

que estendeu da barra do próprio Ibicuí-guaçú, até o Jarau, ponta


ocidental da mencionada serra». - s ) Mais tarde, um pouco acres-
cidas ao Sul, isto é, até o rio Quaraí e contrafortes da coxilha de

28) Aurélio Porto, Biog. do Dr. J. Saldanha. Diário Resumido.


Anais da B. N. Vol. LI, pág. 156.
História das Missões Orientais do Uruguai — 2. a Parte 10
290 AURÉLIO PORTO
Haedo, foram as linhas definitivas dos nossos limites com a Repú-
blica Oriental do Uruguai.
Somente dentro dessas divisas permitiam os comandantes de
Missões que «os naturais, auxiliados dos portugueses», penetras-
sem «com o fim de se utilizarem dos gados alçados, oriundos de
suas antigas fazendas».
Mas, transpondo essa linha, ao Sul, os missioneiros interna-
vam-se pelas campanhas além Quaraí, ricas de gados alçados, que
pertenciam às antigas estâncias de Japejú. Por várias ocasiões o
governador de Monte vidéu, em ofício dirigido ao do Rio Grande,
levou-lhe queixa da invasão desse território, em que habitavam
índios minuanos e churruas, por portugueses que, associados a es-
tes, depredavam a campanha, cometendo vários insultos.
Ainda, em comunicação de 17 de Julho de 1804, esse gover-
nador levava ab conhecimento de Paulo da Gama, governador do
Continente, que «uma patrulha espanhola» havia preso seis ho-
mens que tomavam parte em «quatro vacarias estabelecidas dou-
tro lado do Rio Negro para faina, ou faturas de couros, cebo, gra-
xa, cujas vacarias, segundo os ditos dos referidos presos, entre
eles três portugueses, pertencendo ou sendo formadas destes e dos
índios dos Povos de São Nicolau, São Borja e São Lourenço, era
uma delas mandada pelo capitão José do Canto, com cem homens
também portugueses, os quais, pela declaração das referidas tes-
temunhas, diziam ter saído com as correspondentes licenças». "-*)
Saíra, realmente, Canto com mais cem companheiros e índios
amigos, com licença do Comandante Dr. José de Saldanha, que go-
vernava as Missões, para «vaquear» dentro dos limites considera-
dos portugueses. Transpondo os mesmos, invadira o território
além Quaraí. E, por este motivo, mandava o governo, em data
de 6 de Agosto que, por exorbitar a concessão, fosse o Capitão
Canto recolhido preso ao quartel do Rio Pardo, juntamente «com
todos os sujeitos que se achassem como ele compreendidos na
queixa dos espanhóis». Ao mesmo tempo mandava-se abrir a res-
pectiva devassa.

29) Arq. Hist. R. G. do Sul. Carta do ajudante José Inácio da Sil-


va ao Tenente Coronel Patrício. Doe. Pasta Missões, 1804.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 291

Não poderiam, infelizmente, ser cumpridas essas providên-


cias. Surpreendidos por uma
patrulha de forças do comando do
Ten. Cel. espanhol D. Roque Moira, o Capitão José Borges do Can-
to, que estava nas imediações dos Arapeís, foi com seus compa-
nheiros preso, sem poder opor resistência de qualquer espécie, pelo
descuido com que estavam entregues aos trabalhos da vacaria.
Cinco dias depois, marchando, custodiados pela força, procuraram
fugir, à noite, para um pequeno capão, mas, foram novamente
capturados, com excepção de dois homens que, ocultando-se em
ocos de paus, conseguiram atingir São Luís, levando ao governa-
dor a notícia desses sucessos. 30 )
Procurou o Dr. Saldanha libertá-los «por meios amigáveis e
políticos, pois que, sendo apreendidos em tais alturas, se reputa-
riam por vagabundos e gaúchos do campo, comboiados com os in-
fiéis». Por outro lado aproveitando «o revmo. cura que foi de
São Loureço, frei Bernardino Montanhez, que regressou estes dias,
e passa a Buenos Aires, faço praticar este assunto, para o qual
ele mesmo se ofereceu, pelo afecto e obrigações que devia ao dito
Capitão Canto». 31
)

Não havia, porém, o Comandante das Missões, no primeiro in-


forme, tido pleno conhecimento dos factos. Na ocasião da fuga
que intentavam os presos, o Capitão José Borges do Canto tentou
resistir, sendo morto nessa emergência por um dos soldados espa-
nhóis. O acontecimento teria tido lugar em princípios de Julho
de 1804. Tinha Canto vinte e nove anos de idade.

30) "Confirmou-se ser certa, diz o Dr. Saldanha, a apreensão do


Capitão de milícias José Borges do Canto pelos espanhóis que tinham
saído em partida contra os charruas, do acampamento do Tenente-Coronel
D. Roque de Moira, sito nos galhos dos Irapeís. distante daqui mais de
cem léguas, em frente às extremidades meridionais da fronteira do Rio
Grande. A dita apreensão foi feita na costa dos referidos Arapéis, para
o norte da barra no Uruguai, a igual distância daqui, até onde se resol-
veu seguir o mencionado Capitão e a gente do serviço que o acompanha-
va, contra as insinuações e faculdades que eu lhe havia dado, as quais
só se limitavam até às cabeceiras do Jarau, sete léguas ao Sul do Ibicuí,
e à distância de coisa de cinquenta léguas deste Povo, porém, somente
vinte e duas de São Borja".
31» Ofício acima, datado de São Luís, 16 de Agosto de 1804, ao aju-
dante de ordens do Governo Sargento-mor José Inácio da Silva, assinado
pelo Dr. José de Saldanha, Major e comandante das Missões. Arquivo
Hist. do Rio Grande do Su). Pasta Missões, 1804.
10*
292 AURÉLIO PORTO
Desaparecia assim o Conquistador. Seu nome, relegado à pe-
numbra do esquecimento, só era conhecido por um ou outro es-
tudioso da História, que perquiria esse longínquo passado. Inte-
grara, no entanto, à Pátria, uma das mais belas porções de seu
território.

«Soldado desertor, capitão de dragões!


à terra do minuano, aos seus verdes rincões,
onde amaste e sofreste, o teu corpo pertence.
Tu foste o integrador da gleba rio-grandense,
em que passou, qual sopro forte do pampeiro,
teu gaúcho valor de campeão guerrilheiro.
Morre, sim, pouco importa, humílimo soldado!
Ressurgirá teu nome, um dia. aureolado
de glória. Fundador de uma estirpe de eleitos,
teus filhos cercarão com muralhas de peitos
a Pátria que alargaste. E tua alma, a pairar
no alto, ficará luminosa, a marcar
a porta que se abriu como um jacto de luz
à da Cruz.
civilização jesuítica
Renovarás também as bravuras de antanho
dos ginetes gentis, com teu poder estranho,
de heroísmo, de amor, pelos pagos sagrados
no grande coração dos gaúchos soldados.

Soldado desertor, capitão de dragões!


à terra do minuano, em seus verdes rincões
banhados de luar, o teu corpo amortalha.
Mas tua alma pertence aos campos de batalha,
será som nos clarins anunciando alvoradas,
ou vento sacudindo as bandeiras rasgadas,
a golpes de metralha, erguidas para o céu
com um grito de glória». :52
)

Tardiamente lembrou-se o Príncipe Regente de galardoar os

32) Aurélio Porto. A morte do Conquistador . Farrapiada. Rio. 1938.


HISTÓRIA DAS MISSÕES OR IENTAI S DO UR UGUAI 293

serviços relevantes de José Borges do Canto. Por decreto de 20


de Fevereiro de 1809, determinou fosse adjudicada à pessoa do pai
do glorioso miliciano o soldo do posto de Capitão de dragões a que
seria ele promovido se não houvesse falecido. Era também, tar-
de, porque o velho Francisco Borges do Canto, em princípios de
1809. havia falecido no Rio Pardo.
Mandando executar o decreto de 18 de Fevereiro, baixou o
Governo da Capitania o seguinte acto, em 30 de Maio: «Que o
Príncipe Regente Nosso Senhor, em atenção à Memória dos servi-
ços que lhe havia feito o falecido José Borges do Cantos, Capitão
de Milícias desta Capitania; Houve por bem verificando em seu
Pai a remuneração dos ditos serviços: Fazer-lhe mercê, na confor-
midade do Decreto de cópia inclusa, assinado por António Mariano
de Azevedo, Contador Geral da Segunda Repartição do mesmo
Real Erário da metade do soldo do Posto de Capitão de Dragões a
que teria sido promovido o dito seu filho se não falecesse. Poi Lo
Alegre, 30 de Maio de 1809». 3S )
No ano seguinte, Vicente Borges do Canto, um dos irmãos
mais moços do Capitão, requereu lhe fosse adjudicado o posto e
soldo do irmão falecido, informando D. Diogo de Souza para a Cor-
te, em resposta à consulta do Príncipe Regente, que o peticioná-

rio não era merecedor dessa regalia. 14 )

José Borges do Canto não foi casado, mas de uma índia teve
um filho, de igual nome, cuja descendência ainda existe no Rio
Grande do Sul, honrando a memória heróica do Conquistador.

b) MANUEL DOS SANTOS PEDROSO


Manuel dos Santos Pedroso, pai do Conquistador das Missões,
nasceu em 1738, na vila de N. S. da Luz de Curitiba, sendo filho
legítimo de Miguel Luís Correia e de sua mulher Maria Alves Pe-
droso 35 ). Muito moço, ainda, como grande número de curiti-

33) Arquivo Hist. do R. G. do Sul. Pasta Missões. 1809.


34) Idem, ibidem. Corresp. de D. Diogo de Souza. Ofício de 28 de
Abril de 1810.
35) Test. de Manuel dos Santos Pedroso. 1» Liv. de óbitos de Ca-
choeira. (1779-1826) Cam. Ecl. do Bisp. de Santa Maria.
294 AURÉLIO PORTO
banos de seu tempo, transferiu-se para o Rio Grande, em cujas
campanhas, como tropeiro, exerceu a sua actividade. Percorren-
do esse vasto território, adquiriu grande conhecimento prático do
Continente, sendo, por este motivo, quando da Demarcação do
Tratado de Santo Ildefonso, em 1783, designado com o posto de
alferes de milícias, juntamente com Bernardo Antunes Maciel,
para o lugar de prático, ou vaqueano, da 1' divisão demarcadora
de que era comissário o Brigadeiro Sebastião Xavier da Veiga Ca-
bral da Câmara.
Manuel dos Santos, que acompanhou toda a campanha da De-
marcação, iniciada em 5 de Fevereiro de 1784, junto ao arroio
Chuí, fez parte da 1- Partida que, sob a direcção do Dr. José de
Saldanha, ficou incumbida de «reconhecer a linha divisória desde
Monte Grande até à entrada do rio Peperi-guaçú, no Uurguai». 3e )
Determinado pelos demarcadores de 1750, depois de exausti-
va controvérsia, que deu lugar a dúvidas sobre sua localização
exacta, foi o Peperi-guaçú descoberto e localizado por Manuel dos
Santos Pedroso, que prestou com isto relevante serviço à Demar-
cação, por ser esse o limite, no rio Uruguai, entre as possessões
portuguesas e espanholas, de acordo com o artigo oitavo do res-
pectivo Tratado.
Terminada a Demarcação, pelos serviços relevantes que pres-
tara, foi-lhe concedida uma sesmaria de terras, no distrito do
Acampamento de Santa Maria da Boca do Monte, erguido em 1787.
Nessas terras teve Manuel dos Santos uma estância grandemente
povoada de gado, tornando-se um dos estancieiros mais ricos da
região. Faleceu em 18 de Maio de 1798, com 60 anos de idade, dei-
xando testamento transcrito no livro citado. Diz, nesse testamen-
to, ser solteiro, mas que deixava «por herdeiros os três rapazes

António, Manuel e Salvador, filhos de uma mulher por nome Isa-


bel Maria, aos quais se deve entregar o que ficar, depois de cum-
prido o testamento; os constitui por herdeiros por haver criado
em sua casa, e eles o terem acompanhado e feito as suas vonta-
des. •"•") Como se vê, não os reconhecia por filhos; mas, nos di-

36) Diário Resumido. Dr. José de Saldanha. 147, Diário Geral. cit.

37) Test. cit. 1* L. de óbitos de Cachoeira.


HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 295

versos assentos de baptismo dos filhos do conquistador' Manuel dos


Santos Pedroso, existentes nos livros respectivos de Cachoeira, en-
contra-se a filiação deste, como no de «Isabel, nascida a 25 de Se-
tembro de 1804, do Tenente Manuel dos Santos Pedroso e de
filha
Micaela Maria, guarani, neta paterna de Manuel dos Santos Pe-
droso e de Isabel Maria, china das Missões». 38 )
Três anos após a morte do pai, Maneco Pedroso, como era
conhecido, sabendo que fora declarada guerra contra os espanhóis,
à frente de 20 homens, na maior parte peões de sua própria es-
tância, apresentou-se «voluntàriamente na guarda avançada de S.
Pedro ao Capitão de Dragões Comandante Francisco Barreto Pe-
reira Pinto, oferecendo-se para o serviço de guerra». Sendo por
este mandado «atacar a guarda fronteira de São Martinho», o
executou prontamente «fazendo retirar os espanhóis que ali se
achavam». 39 ) Expulsos os inimigos daquele posto, mandou o
capitão Barreto ocupar a mesma guarda por um destacamento
português. E como Pedroso falasse correntemente o guarani, in-
cumbiu-o ainda o capitão Barreto que, com os mesmos 20 homens
de sua partida, seguisse até Missões, para persuadir os índios se
revoltassem, tornando-se vassalos portugueses. Indo a vários po-
vos, conseguiu que se manifestassem favoráveis a esse projecto
até os próprios corregedores que hipotecaram sua adesão, por car-
tas, ao Capitão Francisco Barreto.
Terminadas essas diligências, Maneco Pedroso voltou à sua es-
tância, tendo deixado de patrulha na estância de São Pedro, sete
de seus companheiros. Aliciando mais gente, quatro dias depois,
em princípios de Agosto, voltou à guarda de São Pedro, tendo aí o
Capitão Barreto posto sob o seu comando uma partida de 40 ho-
mens com a qual deveria auxiliar José Borges do Canto, que mar-
chara para a conquista de Missões.. Ao chegar ali, já Canto, no
dia anterior, havia tomado o acampamento espanhol, esperando
a capitulação do Tenente de Governador, D. Francisco Rodrigo,
que se deu no dia 13 de Agosto. Não sendo necessários os seus
serviços, mandou Canto que Maneco Pedroso, com sua gente fos-

38) 2* Liv. de baptismos de Cachoeira. (1799-1810) Bisp. S. Maria.


39) Memórias de M. dos Santos Pedroso. B. N. I, 31, 26, 2, n 9 3.
296 AURÉLIO PORTO
se guarnecer os passos do Rio Uruguai, não só para forçar essa
capitulação, como para evitar viessem ao governador recursos que,
em carta interceptada do governador geral de Missões, eram pro-
metidos a D. Rodrigo.
Evitou Pedroso fossem enviados esses auxílios, apreendendo
algumas carretas carregadas de alfaias da igreja de São Nicolau
e géneros dos armazéns que o administrador do Povo pretendera
passar para a margem ocidental do Uruguai.
Nesse meio tempo, tendo capitulado, com todas as honras da
guerra, e levando consigo «140 espanhóis de armas, 10 peças de
artilharia e uma carreta com petrechos de guerra», seguia D. Ro-
drigo para o Uruguai, tendo-se a ele já incorporado um grande
número de espanhóis de outros Povos. Temendo, o que era muito
provável, «que este corpo de gente armada chegasse ao Uruguai
e se reunisse a outro número de espanhóis, cuja passagem para o
lado de cá poderia favorecer, abusando do indulto da mesma ca-
pitulação», e que «seríamos obrigados a evacuar as Missões e per-
dermos o trabalho desta conquista, que tínhamos conseguido com
tanta felicidade, visto a pouca gente nossa que então lá havia, diz
Maneco Pedroso em sua Memória 40 ) «me pus em marcha com 20
homens, afim de lhe tomar o armamento e fazê-lo retroceder, o
que pratiquei no Povo de São Luís, aonde a encontrei, sem embar-
go da capitulação, que alegava o mencionado Tenente-de-Governa-
dor haver ajustado com o citado José Borges do Canto».
Doeu aos bravos de Canto esse gesto de Pedroso, aliás funda-
do em justos receios, que vinha quebrar a palavra empenhada
«pelo dragão desertor, capitão da conquista». «Esta acção, diz Ga-
briel Ribeiro,nos foi muito sensível». D. Rodrigo, conduzido pri-
sioneiro até São Miguel, onde já se achava o Sargento-Mor Castro
Morais, teve a sua prisão confirmada, «porque quem tinha feito
aquela capitulação não eram os oficiais, e por consequência o dito
Santos mandava preso para o Rio Pardo ao dito Tenente-Coro-
nel». 41
) Dando parte da conquista e levando uma carta de D.

40) Memória, cit. B. N. —I, 37, 2, n< 3' Arq. Nac. Corresp. Gov.

41) Memória, cit. Gabriel Ribeiro de Almeida. Rev. Inst. H. Bras.


Vol. V.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 297

Rodrigo para o Governador Cabral da Câmara, seguiu Gabriel Ri-


beiro para o Rio Grande, onde encontrou já doente o Governador,
que faleceu meses depois. Mesmo assim, mandou este «que fosse
preso Manuel dos Santos Pedroso pelo insulto feito ao dito D.
Francisco, Governador que tinha sido daqueles Povos, o que não
se efetuou com a morte do dito Governador, que foi dali a poucos
dias; mas antes, depois de ter dado esta ordem, o mesmo Gover-
nador o condecorou com o posto de Tenente de Milícias, «conforme
prbposta de Patrício da Câmara, em reconhecimento aos relevan-
tes serviços prestados por Mãneco Pedroso. 42 )
Tomou o Tenente Pedroso a defesa do sector do rio Uruguai,
destacando em São Borja, de onde socorria a toda a região, tendo
vários encontros com os espanhóis. Numa série sucessiva de com-
bates, ora num, ora noutro ponto da costa e, passando mesmo para
a margem oposta, a combater os inimigos. Pedroso até o fim da
guerra foi um dos mais fortes elementos para a consolidação da
conquista. Terminada a guerra e publicada a 24 de Dezembro a
proclamação da paz, voltou à sua estância, entregando-se à cria-
ção de gados, em que se tornou abastado. Fora promovido a Ca-
pitão de Milícias.
Na campanha de 1811-1812, já com o posto de Sargento-Mor
de Milícias, Manuel dos Santos Pedroso, que organiza uma partida
de veteranos da guerra das Missões, põe-se à disposição do Mare-
chal Joaquim Xavier Curado, que comanda as forças brasileiras, e
que a 1" de Janeiro de 1811 se encontra no acampamento de São
Diogo, à margem direita do rio Ibirapuitã. Pedroso é designado
pelo Comando Geral para fazer parte do corpo do Coronel Fran-
cisco das Chagas Santos, que chefia as Missões Orientais, tendo
seu quartel-general em São Borja. Da partida de Pedroso fazem
parte seu irmão Tenente António dos Santos Pedroso, Manuel Car-
valho da Silva e Bento Manuel Ribeiro, então Furriel e depois Ma-
rechal do Império, e irmão de Gabriel Ribeiro de Almeida. 43 )

42)Idem, ibidem.
43)Seguimos no relato dos acontecimentos da campanha a documen-
tação publicada pela Rev. do Arq. Públ. do Rio Grande do Sul. (24 volu-
mes) .Celso Schroeder, operoso pesquisador rio-grandense, servindo-se
dos mesmos elementos, assina interessantes efemérides dessa campanha,
#

298 ^LU_R ÉL I 0_POR_T_0


A 7 de Agosto acampou Pedroso com a sua força em São Xa-
vier, costa do Quaraí, e 10 dias depois ocupava a praça de Belém,
sem grande Deste posto mandou várias patrulhas as-
resistência.
solar o território do inimigo. Bento Manuel, com cinco homens,
vai à coxilha do Lunarejo e toma 400 cavalos aos platinos, mas
perseguido por força superior, abandona a presa e regressa ao
acampamento. António dos Santos, irmão do Sargento-Mor, em
24 de Agosto, segue até as proximidades de Corrientes, onde co-
mete várias depredações, e o Capitão Joaquim Félix da Fonseca,
da mesma partida, ocupa Mandizobí.
A 30 de Agosto, o Furriel Bento Manuel e o Ajudante Manuel
Carvalho, mandados por Pedroso, atacam a praça de Paisandú,
que heroicamente defendida pelo Capitão Francisco Bicudo, na-
é
tural do Rio "Pardo, e mestiço de paulista e de índia de Missões.
Levam consigo 55 homens, entre os quais António Padilha, cogno-
minado, pelos chefes, de «Valentão». Contava a praça 200 uru-
guaios, sob o comando de Bicudo que, depois de uma hora de de-
fesa verdadeiramente heróica, foi morto por Padilha. Perderam
os defensores de Paisandú 30 mortos e 30 feridos e a partida de
Bento Manuel três mortos e um ferido, apreendendo quatro ca-
nhões, 50 clavinas e cavalhada.

Em
Setembro, ainda em Belém, manda Pedroso destacamen-
tos seus que atacam Curuzú-quatiá, e que, não obstante uma guar-
nição argentina de 600 homens, foi tomada, pela segunda vez, pela
força desse Sargento-Mor. No dia 19 «os 72 homens que ocupam
Curuzú-quatiá são atacados por 700 argentinos e dois canhões e
entrincheiram-se num forte, onde lutam 1 1 L hora, repelindo os
>

assaltantes e fazendo-lhes vinte e tantos mortos, com a perda so-


mente de três mortos; os atacantes retiram-se a uma légua de dis-
tância da vila. O Major Pedroso, sabendo dessas ocorrências, pas-
sa nesta mesma data o. rio Uruguai com o Tenente Polycarpo Pi-

res Machado e 50 e tantos homens para socorrer os sitiados, po-


rém no mesmo dia 19 já os encontra de regresso. Com a retirada

que facilitam a pesquisa. Celso Schroder. A Campanha do Uruguai.


(1811-1812) Rev. Inst. Hist. R. G. Sul. Ano XIV. 1° Trim. 1934, pág. 115.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 299

dos brasileiros a força argentina, reforçada por mais 300 homens,


reocupa Curuzú-quatiá». 44 )
Pedroso, em 28 de Setembro, ocupa Paissandú, com uma força
de 200 homens. Voltando novamente a Belém, deixa aquela pra-
ça sob o comando do Tenente-Coronel uruguaio Benito Chain, que
a abandona à aproximação de 1.500 argentinos, que a ocupam.
Em 20 de Outubro é assinada uma convenção de paz em Mon-
tevidéu, entre o governo argentino e os delegados do Vice-Rei Elio,
que declara que o auxílio português fora prestado por solicitação
sua. Não concorda, porém, com a convenção, o Conde de Rio Par-
do, Comandante em Chefe da forças brasileiras, que ocupa Mal-
donado.
Entre os oficiais gravemente feridos no ataque de Curuzú-
quatiá contava-se o Tenente António dos Santos Pedroso, irmão
de Maneco Pedroso, que ficou prisioneiro dos argentinos. Quando
estes souberam que era irmão do Sargento-Mor, o degolaram em
Corrientes. 45
)

Vários acontecimentos de vulto, centralizados pela acção de


Pedroso transcorrem ainda em 1811. O valente D. José Artigas
que, daíem diante, encarnará a alma livre de seu povo, procuran-
do lançar os alicerces de uma Pátria, realiza o êxodo histórico,
tentando passar o Uruguai com 1.900 famílias, com que fundará
Purificación. No Pedroso tenta impedir essa passagem,
Salto,
mas diante da superioridade do inimigo retira-se sem combater.
Dias depois, em 19 de Dezembro, Manuel Pinto Carneiro da Fon-
toura, 4,i ) rio-grandense, ao serviço de Artigas, ataca no Arapeí

44) Celso Schroeder. Campanha, cit.


45) Rev. Arq. Públ. R. G. do Sul. Vol. 19, pág. 94.
46) O Capitão Manuel Pinto Carneiro da Fontoura nasceu no Triun-
fo, em 20 de Setembro de 1771, sendo filho legítimo do Capitão Miguel Pe-
droso Leite, natural de São Paulo, um dos quatro Capitães paulistas da
leva de 1762, e de Inocência Pereira Pinto, filha legítima do Coronel Fran-
cisco Barreto Pereira Pinto, Comandante do Rio Pardo. Grande amigo
e compadre do chefe dos Orientais, Manuel Pinto combateu sob suas or-
dens, comandando uma coluna de orientais em que havia grande número
de riograndenses, entrando em vários combates, entre os quais o acima
referido. Mais tarde deshouve-se com Artigas, de cujo exército era Te-
nente-Coronel. e foi degolado, por ordem do chefe dos Orientais, a 22 de
.

Fevereiro de 1814. Era casado com Ana Joaquim de Jesus, natural de


Santa Catarina e deixou uma filha de nome Inocência, nascida no Rio
Pardo a 2 de Março de 1802.
300 AURÉLIO PORTO
o Capitão Joaquim Félix da Fonseca, que é socorrido por Pedroso.
Contava Carneiro da Fontoura 952 homens e a força brasileira só
dispunha de 190. Situando-se no passo de Itapevi foi aí Pedroso
atacado pelos uruguaios que o transpõem depois de duas ho-
ras de luta. O Major Pedroso, procurando observar o armis-
tício, parlamentou com os atacantes. Nessa ocasião foi assi-
nada uma convenção em que se estatuía que as forças uruguaias
acampassem em Belém, até passarem à outra margem do Uruguai,
enquanto as brasileiras se situariam junto ao arroio do Espinilho.
Não obstante essa convenção, foi Pedroso novamente atacado, mas
depois de um hora e meia de luta, ficou senhor do campo com a
retirada do inimigo, que teve 40 homens mortos. Pedroso teve
seis mortos e nove feridos, retirando depois da acção para as cer-
canias do Jarau, onde estabeleceu o seu quartel.
Destacado ora em um, ora em outro ponto, onde eram exigi-
das a sua assistência e vigilância, Pedroso esteve muito tempo
guarnecendo Paissandú, de onde em Junho de 1812 se retirou fa-
zendo junção com o Coronel Joaquim de Oliveira Álvares, no arroio
de Santo António. Publicado o convénio de paz, a que se seguiu
o armistício Rademaker, assinado a 26 de Maio de 1812, contra a
vontade do D. Diogo de Souza, que não queria reconhecê-lo, por
haver aquele emissário, na própria opinião de Dom João VI, exor-
bitado das ordens que recebera, quando seu exército se preparava
para obter decisiva vitória, acatando, no entanto, a deliberação do
conselho de oficiais generais, retirou a 13 de Julho. Dividido em
duas colunas de observação, as tropas portuguesas foram postar-se
parte em Bagé e outra em Conceição.
Terminada a campanha, Manuel dos Santos Pedroso, cujos fei-

tos se tornaram memoráveis, e que foi citado com os maiores lou-


vores emordens do dia do quartel general do exército, teve a sua
promoção a Tenente-Coronel de milícias. Voltando novamente à
sua estância de criação, ali estava quando, em 1816, é chamado
pelo governador do Rio Grande, marquês de Alegrete, para a cam-
panha levada contra D. José Artigas, de que resultou a incorpora-
ção da Cisplatina.
Em fins de 1815, convocado pelo Tenente-General Patrício da
Câmara, Pedroso apresta-se para a nova campanha, mobilizando
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 301

seus veteranos companheiros de milícias que, nas folgas da paz,


eram licenciados para entregar-se aos amanhos do campo e da
lavoura. Recebe para isto grande cópia de armamento e muni-
ções. E' designado para auxiliar imediato o Capitão Gabriel Ri-
beiro deAlmeida que, em princípios de Março de 1816, juntamente
cem Pedroso, que se encontra em Porto Alegre, recebem ordens
do próprio Marquês de Alegrete. Em caminho, quando se diri-
gia a seu acampamento, contraiu varíola, falecendo poucos dias
depois, isto é, em meados de Março de 1816. 47 )
Maneco Pedroso não foi casado, mas deixou nove filhos na-
turais que houvera, em sua estância, de várias índias guaranis,
«chinas das Missões», com quem convivera. Constam os respecti-
vos batismos dos livros de Rio Pardo, Cachoeira e Santa Maria.
De Manuela Francisca Noghay, guarani, são filhos: Maria, baptiza-
da em Santa Maria em 10-1-1801, e Maria, em 6-10-806; de mãe
incógnita: Manuela, baptizada no Rio Pardo, em 8-7-1801; de Mi-
caela Maria, guarani: Isabel, baptizada em Cachoeira, em 25-9-804;
de Maria Simão, guarani: Manuel dos Santos Pedroso, de conhecida
descendência no Estado, baptizado em S. Maria em 8-8-806, e outro
Manuel baptizado em Cachoeira em 15-7-809; de Tomasia Maria,
guarani, as filhas: Maria, baptizada em 10-9-807, Emerenciana, em
15-8-808 e Maria em 15-7-809, todas em Santa Maria. 4S )

c) GABRIEL RIBEIRO DE ALMEIDA

Os do bispado de Santa Ma-


livros de assentos eclesiásticos
ria, referentes a Cachoeira, fornecem elementos que, conjugados

47) Em
Efemérides Brasileiras, pelo Barão do Rio Branco, ed. re-
vista pelo prof. Basílio de Magalhães, Rio, 1938, registra-se a morte de
Pedroso a 5 de Abril de 1816. Em
nota manuscrita do punho do próprio
Rio Branco, em poder do erudito mestre Dr. Rodolfo Garcia, consta que
o falecimento se deu em 26 de Abril. A carta acima referida de Gabriel
Ribeiro a Patrício (Arq. Públ. R. G. do Sul, pasta 1816), é datada da fre-
guesia da Cachoeira em 24 de Março desse ano. Diz Gabriel que "marchei
de Porto Alegre a servir na partida de que era Comandante o falecido
Tenente-Coronel Manuel dos Santos, e por vir por outro caminho diferen-
te do que ele seguiu, nesta freguesia é que vim a saber de seu falecimen-
to". Pode-se, assim retificar as datas acima.
48) Cam. Ecl. do bispado de Santa Maria. 2" Livro de baptismos
de Cachoeira Í1799-1810).
302 AURÉLIO PORTO
4!l
à Genealogia Paulistana, serviram para identificar as origens
)

de Gabriel Ribeiro de Almeida.


A Demarcação de 1750, que fixou as raias do Continente até
as margens orientais do Jacuí, possibilitando o aproveitamento de
campos extensos para a criação de gados, intensificou o comércio
de tropas que se destinavam aos mercados e feiras paulistas, prin-
cipalmente à de Sorocaba, que logo se tornou um grande entre-
posto da pecuária do sul.

Entre os tropeiros que vão até aí, na década de 1760, contam-se


os irmãos Euzébio Pedroso de Almeida "") e Manuel Ribeiro de
Almeida, naturais de S. Paulo, filhos legítimos do capitão Inácio
Taques de Almeida e de sua mulher Margarida da Silva, filha le-
gítima do capitão José Martins Leme e de sua mulher Antónia
Ribeiro da Silva. .Era o Capitão Inácio Taques filho legítimo
do Capitão Lourenço Castanho Taques, nobre cidadão de São Pau-
lo, «herdeiro das virtudes de seu pai» Lourenço Castanho Taques,

(o moço) «varão santo por antonomásia», filho de outro de igual


nome, cujo pai Pedro Taques foi o fundador dessa nobre família,
em São Paulo. 52 )
Manuel Ribeiro de Almeida nasceu na freguesia de Juqueri,
São Paulo, e era muito moço ainda quando em companhia de seu
irmão Euzébio Pedroso iniciou, nas campanhas do Sul, a vida de
tropeiro. Em suas contínuas viagens, na povoação de Santa Ana

49)Silva Leme. Genealogia Paulistana. Vol. IV, 237.


50)Euzébio Pedroso não consta da Gen. Paul., onde aparecem seus
irmãos José Pompeu de Almeida. Ana de Arruda Coutinho e Manuel Ri-
beiro de Almeida, pai de Gabriel Ribeiro. Euzébio Pedroso casou em 3
de Março de 1772, no Rio Pardo, com Clara Maria dos Santos, filha legí-
tima de Romualdo Correia, natural de Faro, e de sua mulher Euzébia Pi-
res Monteiro, natural da Laguna, filha de José Pires Monteiro, um dos
fundadores dessa vila. Outra filha de Romualdo Correia, Faustina Cor-
rea, como veremos, casou com Manuel Carvalho da Silva, e são pais de
Francisco Carvalho e outros valentes conquistadores de Missões. Teve
Euzébio Pedroso, baptizados em Rio Pardo e Cachoeira, os filhos: João
Pedroso de Almeida, nascido em 1773; Escolástica, em 1775; Ana, em 1778;
José Pedroso de Almeida, em 1781, e Maria que consta do livro de óbitos
ter falecido em Cachoeira em 1784. Euzébio Pedroso faleceu em 1785 e
sua mulher, com 40 anos, em 1794, ambos em Cachoeira.
51) Gen. Paul. Veja-se a ascendência no título Martins Bonilha.
Vol. VII, pág. 259.
52) Gen. Paul. Título Taques Pompeo. Vol. IV. pág. 222 e seg.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 303

do Yapó, Vila Nova de Castro, dos Campos de Curitiba, mais ou


menos em 1764, teve de Maria da Silva, natural daquela aldeia, e
«índia da terra», o filho Gabriel Ribeiro de Almeida, que ali passou
os primeiros anos de sua infância, sendo em tenra idade trazido
pelo pai para a povoação de Cachoeira, onde aprendeu as primei-
ras tetras. Acompanhava-o em suas viagens de tropeiro até So-
rocaba.
Em casou Manuel Ribeiro de Almeida com
1781, nesta vila,
Ana Maria Bueno, filha legítima de Pasqual Delgado de Morais
e de Maria de Almeida Bueno 53 ) naturais, respectivamente, de Itú
e de Sorocaba. Desse consórcio, em Sorocaba, tem os filhos Ben-
to Manuel Ribeiro, nascido em 1782, e que pelo seu valor se eleva
até a Marechal do exército brasileiro, e Maximiliano Ribeiro de
"
,4
Almeida. )

Antes de 1788 já havia transferido residência para Cachoeira,


onde nasce e é baptizado o filho José Ribeiro de Almeida, em 17 de
Julho de 1788, o qual, em 1839, na Revolução Farroupilha, Coronel
de legião, é assassinado em Alegrete por uma partida republi-
cana. Tem ainda o casal de Manuel Ribeiro de Almeida, todos
nascidos em Cachoeira, os filhos Manuel, em 1790, Escolástica em
1793 e Auristela em 1796.
Em 1788, Gabriel Ribeiro de Almeida, com 24 anos de idade,
casou com Florinda Rodrigues de Aguiar, natural de Mogi das
Cruzes, São Paulo, filha legítima de Manuel Rodrigues de Aguiar,
natural de Mogi e de Isabel Maria Cardoso, de Mariana, Minas, re-
sidentes, em 1756, na fazenda de Mascarenhas, rio Caí, hoje ci-
dade de Montenegro. Teve desse consórcio dez filhos, sendo qua-
tro homens e seis mulheres, entre as quais se contam Luzia Ma-
ria de Almeida, nascida em Cachoeira em 19 de Fevereiro de 1792
e que, em 12 de Agosto de 1813, na mesma vila, casou com José

53) Idem. Título Morais. Cap. II, § 5'.


54)Conta a tradição que Bento Manuel, com 5 anos, e seu irmão
Maximiliano, foram trazidos pelos pais em umas bruacas, pendentes de
cangalhas, em muar, que era conduzido por Gabriel Ribeiro. Daí decorre
o apodo com que os farroupilhas brindaram, no período revolucionário,
a Bento Manuel, de Cangalheiro. (O Povo).
304 AURÉLIO PORTO
Gomes Porto, Tenente de Milícias, 55 )
Ana Florinda de Almeida,
casada com António Rodrigues Penteado; Manuela Joaquina de
Almeida, casada com o Sargento-Mor Germano Severiano da Silva:
Felicidade, Maurícia e Teresa, solteiras, falecidas em avançada ida-
de, em Cachoeira. Foram
homens: Leonel Ribeiro de Almeida,
os
Francisco Ribeiro Lourenço Ribeiro de Almeida e
de Almeida,
Tristão Ribeiro de Almeida, que se destacaram na política provin-
cial e na guerra contra o Paraguai.
Organizado o Regimento de Milícias do Rio Grande do Sul,
e criada a Companhia, que teve Cachoeira por sede, e de. que era
Comandante o Capitão Manuel Carneiro da Silva e Fontoura, que
depois foi Marechal de Campo, nela se alistou como soldado Ga-
briel de Almeida. Em 1796 era Furriel dessa Compa-
Ribeiro
r" ;
nhia, de que faziam parte Manuel dos Santos Pedroso, os ir-
)

mãos Carvalho, e muitos outros conquistadores de Missões.


Ao se declarar a guerra, em 1801, tendo Pedroso atacado e
posto em fuga a guarda de São Martinho, posto avançado das
Missões, mandou o Capitão Francisco Barreto Pereira Pinto des-

55) José Gomes Porto era filho do alferes de cavalaria paga Ma-
nuel Gomes da Fonseca, que adotou o nome de Porto, por ser natural des-
sa cidade, e esteve na guerra da Demarcação, tomada do forte de Santa
Tecla e Rio Grande. Era filho legítimo de Amaro da Fonseca e de Ma-
ria Gomes, naturais do Porto. Casou Manuel Gomes Porto em Viamão.
em 1763 com Teresa Antunes Maciel, filha de Francisco Rodrigues Macha-
do, de Santo Amaro, São Paulo e de sua mulher Ana Barbosa Maciel, na-
tural de Sorocaba e filha do capitão Gabriel Antunes Maciel, bandeirante
paulista. De seu consórcio com Luiza Maria de Almeida, teve o Capitão
José Gomes Porto vários filhos, entre os quais José Gomes Porto Filho,
mais tarde, José Gomes Portinho, que foi insigne farroupilha e brigadeiro
do exército brasileiro, na campanha do Paraguai, e o Capitão Delfino Go-
mes Porto, também notável farroupilha que casou com Delfina Mariana
de Carvalho, filha do capitão Luís Carvalho da Silva e de sua mulher
Maria Francisca de Aragão, adiante referidos. E' filho de Delfino Gomes
Porto e de Delfina Mariana, que viveram em Cachoeira. Júlio Gomes Por-
to, que casou com Aurélia Guedes da Luz, filha legítima do Capitão Faus-
tino Guedes da Luz e Joaquina de Moura, neta paterna do Coronel Ja-
cinto Guedes da Luz. Do casal de Júlio Porto é filho o autor deste traba-
lho, trineto do Sargento-mor Gabriel Ribeiro de Almeida, e bisneto do Ca-
pitão Luís Carvalho da Silva, conquistadores das Missões, a cujas memó-
rias rende seu tributo de admiração que vem do fundo de antigas tradi-
ções avoengas, engrandecidas pela lenda consagradora, nos velhos serões
de distante torrão gaúcho.
56) B. N. Verbete biográfico. 548. 10. Gabriel Ribeiro de Almeida.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 305

tacar ali o Alferes André Ferreira de Andrade com um contingen-


te de milicianos de Cachoeira e de que fazia parte como Furriel
Gabriel de Almeida. Foi nessa .ocasião, fins de Julho, que José
Borges do Canto, com seus treze companheiros, a que já se incor-
porara o Tenente António de Almeida Lara 57 ) com mais 12 ho-
mens, apareceu na guarda de São Martinho, de onde seguiria para
conquistar os Sete Povos de Missões, a eles se reunindo Gabriel
com mais seis homens de sua guarda. No primeiro dia da mar-
cha, 3 de encontram os conquistadores a António dos
Agosto,
Santos 58 que, com 8 homens que andavam explorando
a cam-
)

panha, integra-se à força que totaliza assim «quarenta homens


de armas, com os quais se fez a conquista». 5B )
Desse momento em diante torna-se o furriel miliciano a alma
da temerária expedição. Impõe-se logo pelas suas qualidades de
soldado já veterano, pelo conhecimento que tem da língua dos
aborígenes, desconhecida por Borges do Canto, e mais ainda pelos
seus dotes de inteligência, energia e decisão. Por várias vezes
Canto quis confiar-lhe o comando, a que Gabriel não anuia por co-
nhecer o valor do bravo companheiro. Ao iniciar a campanha
pediu-lhe Canto «que houvesse de tomar parte no comando e di-
recções daquela empresa, pois se confundia com o não entender a
língua daqueles índios, e eu os entendia perfeitamente; consenti
na proposição, diz Gabriel, e tratamos consultar mutuamente em
tudo quanto nos fosse preciso». Dando público testemunho do
que devia a Gabriel Ribeiro, em sua Memória, diz Canto: «Não
posso deixar de confessar que o feliz sucesso de tudo quanto eu

57) O tenente António de Almeida Lara era filho do Capitão Lou-


renço Castanho de Araujo, natural de Itú, e de sua segunda mulher Ma-
ria de Almeida de Siqueira, neto paterno do Capitão Lourenço Castanho
Taques, já referido, irmão de Inácio Taques de Almeida, avô paterno de
Gabriel Ribeiro. (Gen. Paul. 4 Ç 236). "O Tenente Lara, diz Gabriel, ape-
,

sar de suas virtudes não tinha nascido para a guerra: a sua constituição
e talvez educação o desviavam da campanha: essa a razão porque não
aparece nos combates, e se oculta nesta Memória".
58) Não é possível identificar com exactidão esse António dos San-
tos, mas de demoradas pesquisas genealógicas chega-se quase à conclusão
de que seria António dos Santos Pedroso, irmão de Maneco Pedroso, de
heróica actuação nas campanhas de 1811, ferido e degolado após o com-
bate ae Curuzú-quatiá, já referido.
59) Gabriel Ribeiro, Memória, 14.
306 AURÉLIO PORTO
pratiquei devo ao notório valor, acerto e atividade do referido
Gabriel Ribeiro, meu Tenente que muito me ajudou».
Não é necessário detalhar os serviços
que prestou nessa cam-
panha, de que foi, sem escurecer os de Canto, o cabo principal.
Eles ressaltam de todas as páginas dessa história memorável, de
todas as Memórias escritas pelos combatentes e principalmente
desse relato admirável, conciso e precioso, que é a sua própria
Memória, emque revela qualidades de cronista e de escritor.
Tomados os primeiros Povos, até a capital, São Miguel, em
que capitulou D. Francisco Rodrigo, cuidou logo Gabriel de prover
à administração dos mesmos. Maneiroso e político, o Conquista-
dor «falava um dia em cada Povo e fazia por contentar o público,
assistindo aos seus festejos, empenhando-se em contentar os re-
verendos Curas das Igrejas, mostrando-lhes muita benignidade, e
capacitando-os de que seriam respeitados das nossas tropas; ro-
guei-lhes juntamente que não desamparassem as suas igrejas».
Conseguiu, assim, que os Curas espanhóis ali se conservassem até
1805, quando se retirou das Missões.
Depois de realizada a conquista dos Povos determina o Coro-
nel Patrício que, com sua força de dragões, se deslocava de Rio
Pardo para a Coxilha da Linha Divisória, na Estância de São Pe-
dro, em data de 21 de Agosto, que o Sargento-Mor de Dragões
José de Castro Morais seguisse para as Missões, afim de assumir
o comando geral daquela conquista. E, em seguida, destaca o Ca-
pitão José de Anchieta Furtado de Mendonça, Capitão da compa-
nhia de auxiliares do distrito de Santa Vitória, Cima da Serra,
para com o maior número de homens e armas que pudesse juntar,
incorporasse sua companhia àquele Sargento-Mor. ,i0 )
Nesse ínterim, em São Miguel, reuniam-se Gabriel Ribeiro,
que tomara posse dos Povos; Pedroso que trazia preso o gover-
nador espanhol, desrespeitando a capitulação assinada por Canto;
o Sargento-Mor Castro Morais, que assumira o comando da con-

60) José de Anchieta nasceu no Rio de Janeiro, sendo filho de An-


tónio Furtado de Mendonça e sua mulher Maria Jacinta da Trindade. Ca-
sou com Maria Cândida da Fontoura, filha do brigadeiro Francisco Pinto
de Souza e Angélica Veloso da Fontoura. E' José de Anchieta bisavô
paterno do Dr. João Neves da Fontoura.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 307

quista, perante o qual Canto e Gabriel protestaram contra o acto


de Maneco Pedroso que assim desrespeitara todas as leis da guer-
ra. «Examinada a causa daquela prisão, foi respondido que quem
tinha feito aquela capitulação não eram os oficiais e por conse-
quência o dito Santos mandava preso para o Rio Pardo ao dito
Tenente-Coronel». 6 1) Canto protestou enèrgicamente contra essa
decisão e Castro Morais, para diminuir o valor do Conquistador,
que fora soldado de dragões, e desertor de sua companhia, quis in-
corporá-lo novamente ao seu esquadrão; mas, Canto, com energia,
pondo-se à frente de seus homens, se dispôs a atacar o Comandan-
te, cujo insólito procedimento ecoou mal entre aqueles bravos. In-
terpôs-se Gabriel, prudentemente, evitando as consequências desas-
trosas desse choque. E para dar a conhecer ao governador Ca-
bral da Câmara os serviços prestados na conquista, em fins de
Agosto seguiu para o Rio Grande, onde se encontrava aquela au-
toridade. Além de uma carta de D. Francisco Rodrigo, protes-
tando quanto à quebra da capitulação, levava o furriel de milícias
os estandartes que tomara dos Povos de Santo Ângelo, São João,
São Lourenço e São Luís, chaves dos arquivos e padrões dos Po-
vos e remates dos ditos estandartes. O governador se encontra-
va gravemente doente, vindo a falecer poucos meses depois. -) (;

Reconhecendo os serviços desses valentes, em seu leito de morte,


assinou portarias promovendo Canto a Capitão e Gabriel Ribeiro
a Tenente de Milícias.
Voltando às Missões, assume o Tenente Gabriel Ribeiro o co-
mando do destacamento de Canto, que se encontrava doente, e
sai em socorro do Furriel Vitor Nogueira da Silva 63 ) que se
contrapunha no passo de São Marcos ao valente Rúbio Dulce, que
encarnou nesse momento a honra castelhana na defesa das Mis-
sões.

Gabriel Ribeiro de Almeida, Memórias, cit.


61)
Sebastião Xavier da Veiga Cabral da Câmara .faleceu em 5 de
62)
Novembro de 1801, na vila do Rio Grande, sendo substituído pelo Briga-
deiro Francisco João Róscio.
63) Vitor Nogueira da Silva, furriel e valente conquistador das
Missões, era natural de Minas Gerais e filho legítimo de Aleixo da Silva
Barros, de S. João del-Rei e de Maria da Conceição, de Ouro Preto. Ca-
sou com Maria Francisca Cardoso, natural do Rio Pardo, e filha de João
Manuel Cardoso e sua mulher Luzia Francisca.
308 AURÉLIO PORTO
Em 23 de Novembro, 150 homens, transpondo o passo nas ime-
diações do Camaquão, tentaram envolver a força de Gabriel que ali

organizara «um serviço de segurança, afim de evitar surpresa por


parte do inimigo, que do outro lado dispunha de um reduto com
artilharia e forte guarnição». (i4 ) Recebendo reforços solicitados
urgentemente a São Borja, onde estava Canto, acudiu este elevan-
do a força a 112 homens. Acharam-se presentes à acção, além
de José Borges do Canto, que assumiu o Comando, os Tenentes
João Machado e Felipe Carvalho e os Alferes André Ferreira de
Andrade, Manuel Carvalho e João António da Silveira. 6 P) Reu-
nido um conselho de guerra, ficou resolvido que o ataque, «por
proposta de Ribeiro de Almeida, consistiria numa acção frontal de
fixação com um mínimo de homens sob João Machado, um ataque
envolvente sobre a retaguarda dos 150 inimigos, onde o proponente
exerceria o esforço principal, após se ter reunido ao flanco direito
amigo è destruído as embarcações contrárias». (:6 )
Decisiva foi a acção de Gabriel Ribeiro nessa emergência. Diz
o Coronel José de Abreu, em um atestado que «no ato de Cama-
quão, dende se achavam os espanhóis emboscados em um grande
mato», o tenente Gabriel Ribeiro nele entrou e atacando os inimi-
gos,determinou «o bom êxito do ataque, livrando os portugueses
do grande risco da emboscada». 67 )

64) Tenente H. O. Wiederspahn. A Conquista das Missões. Rev.


Inst. Hist. R. G. do Sul. Ano XIV. 1» Trim. 1934. pág. 108.
65) O Alferes João António da Silveira, um dos consolidadores da
Conquista, nasceu na povoação do Rio Grande, em 18-VI-1758, e era filho
legítimo do casal de açorianos António da Silveira e Ávila, falecido no
Rio Pardo, e sua mulher Angélica Rosa. sendo neto paterno de António
d'Ávila e de Paula de Santo António, e materno de Francisco da Costa
Matos e Rosa Maria. Casou João António com Rosa Angélica do Nasci-
mento e teve um filho Severino António da Silveira, notável farroupilha,
que casou com Felisberta da Costa Prates, irmã do 1" bispo de Rio Grande
do Sul. D. Feliciano. João António assentou praça na 1* companhia de
dragões em 6X1773, sendo promovido a cabo em 6-VIII-1780, a furriel
pm 1-II-1791 e a alferes em 22X1801. Em outro trabalho (Publ. Arq. Nac.
Vol. XXXI, 467) publicámos interessante carta em que agradece a promo-
ção e detalha o combate acima referido. Teve ainda as promoções se-
guintes: Tenente de dragões, em 14-XI-1802; Capitão, em 25-VII-1808; Sar-
gento-mor, em 5-VII-1812. reformado em 20-1-1813. reverteu ao serviço acti-
vo, sendo promovido a Tenente-Coronel e reformado em 1843.
66) Wiederspahn. Conquista, cit.
67) Arq. Hist. R. G. do Sul. Doe. 70-A. Pasta 1814. Atestado de
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 309

«Acabada esta gloriosa acção, recolhemo-nos para São Borja,


diz Gabriel Ribeiro, com 73 prisioneiros, ficando no campo de ba-
talha 60 mortos, e da nossa parte houve três mortos e quatro fe-
ridos: o despojo consistiu em 200 armas de fogo, algumas espa-
das, bastante munição de guerra. Este foi o último ataque que
tivemos naquela fronteira de Missões; logo depois nos chegou a
paz, e na declaração dela vi grande sentimento e desgosto das tro-
pas. Desta forma ficaram aqueles Sete Povos e o seu grande ter-
ritório anexo ao domínio de S. A. R., ficando por divisa o rio Uru-
guai, tomados e defendidos sem despesa do Estado; mas sim à
custa de seus vassalos, não obstante ter-se reunido naquela fron-
teira mais de dois mil homens, comandados pelo Coronel Espíndo-
la vindos da cidade de Assunção de Paraguai». GS )
Terminada a campanha, ficou o Tenente Gabriel Ribeiro pres-
tando serviços às Missões, para onde fez trasladar a sua família.
Comandou o Povo de São Nicolau, onde nasceu um de seus filhos,
Lourenço Ribeiro de Almeida, passando depois para o de São Bor-
ja, em cujo distrito, juntamente com outros conquistadores, rece-

beu uma sesmaria de campos, cuja doação foi confirmada por D.


Diogo de Souza, em 1814. ,if*) Nasceu aí sua filha Felicidade e
casou-se em 1805, outra filha, Maria, com o Tenente Germano Se-
veriano da Silva. 70 )
Não obstante os serviços relevantes que prestara, preterido
pelos adventícios, que obtinham os melhores quinhões e os mais

José de Abreu sobre os serviços de Gabriel Ribeiro de Almeida, datado de


P. Alegre. 9 de Dezembro de 1814.
68) Gabriel Ribeiro. Memória, cit. 20.
69) A sesmaria concedida a Gabriel Ribeiro de Almeida tinha a
extensão de uma légua de frente por três de fundo e estava sita no dis-
trito de São Borja, nos campos denominados São João. Dividiam-se es-
ses campos pelo Norte com o rio Ibicuí e parte com os campos que povoou
Raimundo Santiago, também conquistador; pelo Sul com um banhado que
deságua no Uruguai, dividindo com os de José de Abreu; pelo Leste com
a estrada que passa do Povo de São Borja para o Passo da Cruz e pelo
Oeste com o dito Uruguai". (Rev. Arq. Públ. R. G. do Sul. 4», 156). Não
aproveitou esses campos por não ter meios de povoá-los, vendendo-os mais
tarde. Na mesma ocasião, como fica referido, no rincão de Camaquão, re-
cebem sesmarias, em que o mesmo foi dividido, os 13 companheiros com
que Borges do Canto iniciou a campanha das Missões.
70) Assentos de baptismos e casamentos de São Borja. Bisp. Uru-
guaiana. (!• Bapt., 1797-1816, 1' Cas. 1790-1820).
310 AURÉLIO PORTO
rsndosos empregos, ficara o Tenente miliciano relegado à plana
inferior, esquecido de todo, e apenas com um soldo miserável, que
nem sempre lhe era pago, não podendo assim prover às necessida-
des da família. Estava na miséria quando, em 1805, quis, pes-
soalmente, apresentar seus requerimentos de serviços ao Príncipe
Regente. Paulo da Gama, que governava a Capitania, anuiu à pre-
tensão, sem ónus para os cofres públicos. E lembrou-se de que
os quatro estandartes dos Povos, tomados por Gabriel Ribeiro, que
se achavam na Secretaria do Governo, desde 1801, deveriam ser
remetidos ao Ministro de Estado do governo português, encarre-
gando de sua entrega ao Conquistador. 7 )

Em fins de 1805, conseguindo algum dinheiro para a longa


viagem Gabriel seguiu para Lisboa, onde na Corte, recebido
pelo Príncipe, entregou com solenidade os estandartes da Conquista.
Interpôs vários requerimentos e escreveu a Memória da Tomadia
T3
rios Sete Povos, que tem a data de 18 de Setembro de 1806. )

Retorna em fins desse ano, tendo alcançado ali o posto de Tenen-


te efectivo com o soldo de sua patente, passando ao serviço activo,
adido à 1» Linha.
Em São Borja, onde passou a residir, por ordem do Brigadei-
ro João de Deus Mena Barreto, chefe do 1" Regimento de Cavala-
ria Miliciana da Província, assumiu e desempenhou, durante dez
meses, o comando «de todos os milicianos portugueses da Provín-
cia de Missões», e estava no exercício desse comando quando «mar-
chando o Exército Pacificador a fazer a primeira campanha, ele

71) Consta do oficio de Paulo da Gama a remessa para o reino des-


ses estandartes, cf. doe. Arq. Hist. R. G. do Pui, Maco 3. 46.
72) Ficou nas tradições da família, envolta em lenda, essa viagem
de Gabriel à Corte de Lisboa. Conseguiu com vários amigos e à força
de economias reunir oito doblas de ouro e com esse dinheiro fez a sua
viagem a Lisboa, onde permaneceu mais de ano.
73) O original da Memória conserva-se nos arquivos portugueses,
e uma cópia, trazida por Gabriel, foi doada ao Instituto Histórico Brasi-
leiro, e publicada no Vol. V. da Revista Trimersal fase. 17, de Abril de
1843, tendo figurado no Catai, de Hist. sob o n. 10.823. Hemetério Veloso
publicou em Missões Orientais outra cópia que pertenceu ao coronel Pai-
xão. Estudo fundamental para o conhecimento exacto dessa fase inte-
ressante da história nacional, seria interessante, reeditar essa e todas as
mais Memórias e documentos relativos à Conquista das Missões, ainda
não estudados devidamente.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 311

se ofereceu voluntàriamente vendo que ficavam os milicianos da-


juela Província que naquela ocasião se desmembravam de meu Re-
gimento», 74
) atesta o mesmo brigadeiro. Nessa ocasião, «tive
ordem, acrescenta esse chefe, do limo. e Exmo. Sr. General para
n empregar debaixo do meu comando, e serviu com muita exatidão
até Maldonado; pela actividade e zelo do Real Serviço lhe dei exer-
cido de mandante em Saboatí por ter dado parte de doente o Sar-
gent-Mór e deu inteiro cumprimento às ordens no tempo desse
exercício. Voltando de Maldonado para o Acampamento de São
Diogo, tendo licenciado alguns oficiais que se me apresentaram
no dito Acampamento, quando o governo de Buenos Aires declarou
guerra. E' bem constante o sobredito Capitão ter-se distinguido
no Real Serviço em
operações perigosas contra o inimigo, e não
fez a segunda campanha debaixo de meu comando pelo valor in-
trépido que tem, pois vendo a guerra declarada se ofereceu no dito
Acampamento para ir servir na fronteira de Missões pois supunha
naquela fronteira haver alguns choques, despachei-o com cartas
ao Brigadeiro Comandante daquela Província e foi assistir ao ata-
que do Povo de São Tomé». 7r')
Por decreto de El-Rei de 26 de Outubro de 1808, havia sido
Gabriel Ribeiro de Almeida promovido a Capitão de Milícias, com
meio soldo de Capitão de Dragões, a razão de 16$000 mensais. 7(1 )

PJ quando, por proposta do coronel Francisco das Chagas Santos,

Comandante das Missões, for reorganizado um corpo composto de


três companhias de portugueses dessa Província, de 64 praças
cada uma, foi Gabriel Ribeiro nomeado Capitão da 1- compa-
nhia. 77
)

Feita a campanha de 1811, voltou o Capitão Gabriel Ribeiro


às Missões, onde se apresentou ao Coronel Francisco das Chagas
Santos que, em ofício de 13 de Maio de 1812, dirigido de São Bor-
p a D. Diogo de Souza, assim historia a parte que nesses suces-
sos coube ao veterano oficial:

74) Atestado do brig. João de Deus. Doe. 70 B. 1814. Arq. Hist.


Rio Grande do Sul.
75) Idem, ibidem.
76) B. N. Verb. biog. cit. 548-10.
77) Rev. Arq. Publ. R. G. do Sul. Vol. IV, 64.
312 AURÉLIO PORTO
«Reunindo eu aqui 100 Melicianos Portuguezes Cassadores,
acs quaes armei de Clavina, e Espada, encarreguei ao Capitão Ga-
briel Ribeiro a 2 do corrente que marchasse com 150 homens in-
cluzos 100 Lanceiros a passar o Uruguay no Passo de Sta. Anna.
e que deixando no Passo do Arroyo Quay 5 legoas abaixo do d .

Povo huma Patrulha, afim de obstar a communicação para o da


Cruz marchasse pela Costa do Uruguay a surprehender as Goar-
das, que encontrasse até a de S. Borja, fazendo sinal no Passo que
ekgi abaixo desl^. 1/2 legoa, para onde marchei com 260 homens,
'> pessas de 1, e 10 Canoas ao anoitecer do mmo. dia. Na madru-
gada do dia 4 chegou o dito Capitão com 100 homens à margem
oposta, para a qual principiei logo a passar, não obst e a enchente
.

do R°. que retardava a passagem dos Cavalos. Ãs 3 horas da tar-


òe deixando o Porto e canoas com huma boa goarnição, me puz
em marcha com 4 das ditas pessas, e 300 homens incluzos 80 Cas-
sadores, e 52 Artilheiros para o Povo de Sto. Thomé 1 legoa dis-
tante. O Inimigo pretendia atrahir nos a huma emboscada por
meio de varias pequenas Partidas acavalo; mas vendo que nos des-
viamos, derão 1 tiro de pessa; seguimos aproximando-nos ao Povo,
para o qual mandei fazer fogo d'Artilharia,e dando-nos outro tiro
de pessa em menor distancia, ordenei ao Capitão Ribr". que huma
partida de Cassadores a fosse tomar; o q' prontamte. se executou;
mas com tal excesso, que forão quase todos os Cassadores, e dei-
xando a pessa que devião conduzir, perseguirão os Hespanhoes a
f
iros de Clavina pela Praça, Colégio, Orta em cujo conflito assegu-
ião todos, q' matarão mais 30 Hespanhoes incluzos 1 Capitão, q'
hera portuguez, e desertor da Legião, alem dos feridos; mas dos
nossos morrerão 4, e houverão 6 feridos; cujos nomes vão decla-
rados na Relação junta: fiz então reunir os Cassadores, e tendo os
Hespanhoes ganhado a Igreja onde se achava muita gente, nos
fazião d'ali grande fogo de Clavina, e d'outros lugares encobertos;
portanto mandei sem demora acestar em hú dos cantos da praça
duas pessas dirigidas pelo Capitão Franc". de Castro, e o Cadete
João Franc ç portador d'esta; os quaes se destinguirão pela cora-
.

gem com que fizerão o mais acertado e violento fogo que logo
fez cessar o dos Hespanhoes, cauzando-lhe grande estrago, e mor-
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 313

tandade e sendo já quase noite, me puz em retirada para o nosso


Porto das Canoas, sem a menor opozição. No dia segte. mandei
para rodeio, e arrebanhar os animais vacuns, e cavalares dos su-
búrbios d'aquele Povo, e se lançarão mais de 2$000 no Uruguay.
No dia 6 tornei ao mesmo Povo com 300 homens tendo feito antes
trocar 2 pessas de 1 por duas de 4 com as quaes batemos o Quar-
tel q'estava cheio de gente, e matamos dous de seus Artilheiros.

Os muros da Quinta onde havia algum gado estavão goarnecidos


de Hespanhoes armados de Clavina; os quaes fazião baste, fogo
sobre os q' se aproximavão ao d', muro donde sahirão feridos dous
milicianos nossos: pela parte da mm^. Quinta batemos o Colégio,
no qual parece que se achava muita gente pela gritaria, e confu-
zão cauzada pelo nosso fogo: mandei queimar todas as chácaras,
cazas de campo, e de goardas desde o Povo até o Uruguay, e jun-
tamte. apanhar» o gado e cavalos, que ainda restava para se lan-
çar no Uruguay; o que logo se poz em execução, e voltei vagaro-
zamte. para o nosso Porto das Canoas, dando lugar a q' se ajun-
tassem os ditos animais. Tendo-se apanhado hum espia do Ini-
migo, dice: que no Povo Sto. Thomé havião 200 Hespanhoes der-
mas, e 150 de Lanças, e que esperavão socorro de gente que ha-
vião pedido. Nesta noite huma Partida de 20 homens continuou
a queimar as cazas, e carretas que houvessem para baixo na Costa
do Uruguay; o qual passamos a 7 e me regressei a este Quartel,
deixando d'outro lado 80 homens com o Capitão Gabriel Ribr".
encarregado de se reunir a nossa Patrulha do Quay, fazendo quei-
mar no seu tranzito todas as chácaras, e Estancias, e ajuntar os
cavalos q' encontrasse, o que havendo executado chegou a este
Povo no dia 10 do corrte. com todos os Melicianos restantes, ten-
do-se queimado no território Hespanhol 11 Carretas mais de 150
estabelicimtos. alguns com mtos. mantimtos. entre chácaras, es-
tancias, e cazas de Goardas na extenção de 5 legoas de campanha
da qual se ajuntarão 3$000 animaes cavalares, e vacuns pouco
mais ou menos, que se botarão no Uruguay, onde morrerão a maior
parte em razão da grande cheia e corrente do Rio, alem dos es-
tragos referidos e mortandade em S. Thomé: A canôa do Passo
314 AURÉLIO PORTO
do Quay sendo mui pezada se fez em pedaços, e chegando a 22 o
~
s
n° dos prizioneiros mandei-os repartir pelos Povos do interior». )

Voltando dessa campanha em que procedera como sempre


com lealdade e bravura, Gabriel deixa-se arrastar na onda envol-
vente da ideologia americanista de Artigas. E como dezenas de
outros rio-grandenses, que servem às ordens da Pátria, fascinados
pelos princípios de liberdade pregados pelo caudilho, o Conquista-
dor, à frente de um grupo de «8 ou 9 paulistas ou curitibanos, to-
dos armados e mais um paulista com 2 cargueiros de fazenda,
«que havendo S. A. Real perdoa-
«ia-se unir a Artigas, pois, dizia,
do o crime de deserção, não fora atentado» o acto que pratica-
va. 79 )

Estava Gabriel com parte de doente, em sua casa de São Bor-


ja, quando no dia 20 de Agosto de 1812, em companhia de dois mi-

licianos: José Gomes Porto, que um ano depois seria seu genro e
Manuel Correa de Carvalho, desertou, passando a 23 pelo distrito
de São Francisco, onde o Capitão Joaquim Cardoso, a quem de-
clarou que ia desertado, deu-lhe voz de preso, que não poude tor-
nar efectiva pela reação que encontrou da parte do Capitão de Milí-
cias. «Pouco antes dessa notícia, informa Chagas Santos a D.
Diogo de Souza, 80 ) ouvi dizer em São Borja que o mesmo Ga-
briel Ribeiro tinha ido apresentar-se a Artigas e que sendo por
este ou por um Coronel da Campanha bem recebido, lhe dissera
que voltasse a levar consigo os portugueses, que pudesse ajuntar
ou reduzir; e que a ele Gabriel se lhe daria uma estância em Be-
lém».
Durante um
ano esteve Gabriel Ribeiro nos arraiais de Arti-
gas. Em 12 de Agosto de 1813, na vila de Cachoeira, realizava-se
o consórcio de sua filha Luzia Maria de Almeida com José Gomes
Porto, miliciano, que fora seu companheiro de deserção. Nessa
ocasião volta Gabriel Ribeiro, e sendo preso em Cachoeira é reco-
lhido à Prisão Militar de Porto Alegre, em 30 de Setembro. Em

78) Rev. Museu e Arq. Públ. R. G. do Sul. 1927. N. 19, pág. 177.
79) Arq. Publ. R. G. S. Ofício de Chagas Santos a D. Diogo de Sou-
za, datado de São Luís. 16 de Setembro de 1813.
80) Idem, ibidem.
315

22 de Fevereiro do ano seguinte é mandado para o hospital mili-


sl
tar daquela guarnição, tendo alta em 17 de Outubro de 1814. )

Nessa mesma data informava o General Curado ao Governador


D. Diogo de Souza que não obstante ter este determinado a forma-
ção de «processo verbal militar ao Capitão de Milícias Gabriel Ri-
beiro de Almeida, «até então nada se havia feito pela dificuldade
de conduzir até ali as respectivas testemunhas e outras diligências
necessárias para a organização do processo. Não consta dos do-
cumentos do Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul, nem de ou-
tros, tenha-se ultimado esse processo de deserção. Em 9 de De-
zembro de 1814 o coronel José de Abreu, como em data anterior
o brigadeiro João de Deus Mena Barreto, (26 de Junho) em ates-
tados apensos ao ofício do General Curado, fazem as mais elogio-
sas referências ao Capitão Gabriel Ribeiro e aos serviços que pres-
tou quer na Conquista das Missões, quer nas campanhas que se
sucederam. s -)
Em princípios de 1816 encontramo-lo novamente em serviço
activo do Exército, sendo designado por ordem do General Curado
para fazer parte do corpo de milícias que sob o Comando do Tenen-
te-Coronel Manuel dos Santos Pedroso estava em organização em
Cachoeira. Ao chegar à freguesia, 8S ) em 24 de Março, tendo
notícia do falecimento de Maneco Pedroso, em ofício ao Tenente-
General Patrício Correia da Câmara, solicitando providências para
recolher o armamento que fora distribuído pelos milicianos, de
que algum já se perdeu. «Marchei de Porto Alegre, diz, a servir
na Partida de que era comandante o falecido Tenente-Coronel Ma-
nuel dos Santos, e por vir por outro caminho diferente do que
ele seguiu, nesta freguesia é que vim a saber de seu falecimento;
esperava a chegada do Exmo. Tenente-General Joaquim Xavier
Curado que foi quem me ordenou a minha vinda para a dita Par-

81) Arq. Hist. R. G. do Sul. Doe. 429.


82) Idem, ibidem. Doe. 70 e anexos A e B. Pasta 1814.
83) Primitivamente uma capela e aldeia de índios, que tomou o no-
me de São Nicolau, pela procedência missioneira dos seus habitantes, foi
criada freguesia, no Passo do Fandango, por carta de José Marcelino, de
10 de Julho de 1779. Por alvará de 26 de Abril de 1819, foi criada vila,
solenidade que teve lugar a 5 de Agosto de 1820. Em 15 de Dezembro
de 1859 é elevada à cidade, inaugurando-se em 10 de Janeiro de 1860.
316 AURÉLIO PORTO
tida, agora me dizem que já não vem por estar a fronteira em
mais socego». s4
)

Em 15 de Novembro desse mesmo ano, foi o Capitão Gabriel


Ribeiro nomeado pelo General Curado comissário de transportes
do exército, com 32$000 por mês, cargo que exerceu até 1" de
rs.

Outubro de 1818, recolhendo-se ao Acampamento da Real Bra-


gança, no Rincão de Haedo. Adoecendo gravemente, foi recolhido
ao hospital do* Acampamento, onde veio a falecer no dia 28 de
Junho de 1819. Pouco depois de falecer chegava sua promoção
a Major de Milícias do Rio Grande do Sul, pelos serviços extraor-
dinários que prestara.
Deixou a família na mais extrema miséria. Só em 1822 con-
seguiu a viúva D. Florinda Rodrigues de Aguiar lhe fosse adjudi-
cada metade do soldo do marido, que percebeu até seu falecimen-
to em 10 de Abril de 1831, deixando ainda três filhas solteiras: Fe-
licidade, Cândida e Teresa, que morreram em Cachoeira em avan-
çada idade.

d) FRANCISCO CARVALHO DA SILVA

A família Carvalho da Silva, cujo nome está estreitamente li-


gado à Conquista de Missões e lutas subsequentes, tem origem
em Cachoeira, em Manuel Carvalho da Silva, que nasceu em 1733,
na freguesia de São Nicolau, cidade do Porto, sendo filho legítimo
de Domingos Carvalho da Silva e sua mulher Escolástica da Sil-
va Carvalhaes. Foi para Rio Pardo onde, em 2 de Julho de 1760,
v-asou com Faustina Correia Pires, irmã de Clara Maria dos San-
tos, já referida, que casara com Euzébio Pedroso de Almeida, ir-
irão de Manuel Ribeiro de Almeida, pai de Gabriel Ribeiro de Al-
meida. Era Faustina Correa filha legítima de Romualdo Correa
e de sua mulher Euzébia Pires e por esta neta de José Pires Mon-
teiro, fundador da Laguna, e de sua mulher Custódia Lopes. 8e )
Foi Manuel Carvalho da Silva o sesmeiro das terras em que se

84) Arq. Hist. R. G. do Sul. Pasta 1816.


85) B. N. Verb. biog. 548, 10.
86) Aurélio Porto. Genealogia Riograndense. Em preparo.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 317

f andou a cidade de Cachoeira, sendo um dos maiores criadores de

gado da região, e como Tenente de auxiliares prestou assinalados


^prviços de guerra. Nascidos em sua estância e baptizados no
Rio Pardo, teve o casal de Manuel Carvalho nove filhos, dos quais
sete homens e duas mulheres. Todos os homens pertenceram aos
corpos de auxiliares e milicianos, chegando a oficiais pelos serviços
<ie guerra que prestaram, mas entre eles, particularmente na Con-

quista das Missões e campanhas que tem por teatro esse territó-
rio, destacam-se o Capitão Carvalho da Silva, o Sargento-Mor Fe-

i.pe Carvalho da Silva, o Tenente Manuel Carvalho da Silva e o


Capitão Luís Carvalho da Silva.
Francisco Carvalho da Silva nasceu em 1767, sendo baptizado
no Rio Pardo. Dedicou-se como todos os homens de seu tempo
aos trabalhos de campo e aos de guerra, no Regimento de Milícias
de Rio Pardo, em que era Alferes, sendo promovido a Tenente em
data de 21 de Julho de 1801, na mesma ocasião em que era pro-
movido a Alferes, em sua vaga o soldado Manuel Carvalho da Sil-
va, outro irmão, Felipe Carvalho da Silva, nascido em Cachoeira
a 20 de Julho de 1769, era Alferes da companhia de cavalaria au-
xiliar do distrito de Pequeri (Cachoeira), tendo sido promovido a
Tenente em 18 de Junho de 1799. E, finalmente, Luís Carvalho
a Silva, nascido em
Cachoeira a 13 de Novembro de 1773, sentou
praça em 1792, passando de soldado de milícias a Tenente de or-
denanças, posto que exercia por ocasião da Conquista.
Em fins de Agosto de 1801, o Tenente Francisco Carvalho,
convocando seus irmãos e amigos, organizou uma partida de nove
homens com a determinação de atacar o Passo da Cruz, no Uru-
guai, ordenando a Raimundo Santiago, 87 ) um de seus mais valen-
tes soldados que, com 14 homens dos muitos que em caminho se
haviam agregado à partida, marchasse para o Passo de São Borja,
afim de impedir a passagem do inimigo. Enquanto isto, Carva-

87) Raimundo Santiago é natural da Cachoeira e um dos mais as-


sinalados conquistadores. Foi promovido, na organização do corpo de ca-
valaria miliciana de Missões, em 1811, a Alferes da 1* companhia, de que
era Capitão Gabriel Ribeiro de Almeida. Na campanha desse ano, no pri-
meiro ataque ao Povo de Santo Tomé, recebeu um ferimento de que fale-
ceu em São Borja, em Agosto de 1812, conforme comunicação de Chagas
Santos. (Rev. Arq. Rio Grande do Sul. 17 v 115;.
,
318 AURÉLIO PORTO
lho, que avançara até o Passo da Cruz, atacou 150 homens que

rechaçou, não tendo perdido, na ocasião, mais do que um soldado
ferido, conseguido a presa de 417 cavalos mansos. Por sua vez,
Raimundo Santiago, que atravessara o rio, indo até Santo Tomé,
pressentido pelo inimigo travou combate, retirando, depois de ma-
lar cinco e ferir três espanhóis.
Nesse entretanto o valente Rúbio Dulce, com dois saveiros
e 80 homens em cada um, tenta desembarcar no Passo de São Bor-
ja, no que é impedido pelo Furriel Vitor Nogueira da Silva, que

ali se encontra com alguns soldados e que é prontamente socorri-

do pelo Tenente Francisco Carvalho. «Sendo o dito Rúbio Dulce


assim rechaçado, passou ao outro lado do rio com 80 homens de
cavalo, e veio atacar a pequena guarda que o dito Tenente Carva-
lho havia deixado no dito Passo de Batoví, cuja guarda constava
de sete homens: sendo comandante dela o Furriel de auxiliares
Joaquim Ferreira, em cujo ataque foi tanto o fogo e durou este
mais de três horas, morrendo quatro espanhóis e feridos sete.
Cos portugueses só um baleado, do que veio a morrer; e retiran-
do-se a partida espanhola esta conduziu todos os animais dos na-
tarais que havia naquele circuito. Tendo o dito Tenente Francis-
co Carvalho notícia do sucesso pelo mesmo Furriel, logo se pôs
pm marcha com 30 homens para o Passo da Cruz, para onde se
encaminhavam os espanhóis e animais que haviam caído no pre-
cedente ataque e encontrou-os no Passo do Taquari, imediato ao
da Cruz os atacou de madrugada, com a pouca gente que continha
a sua Partida e elevou a vitória tomando outra vez todos os ani-
mais que logo que chegou ao lugar de seu destino fez entregar a
seus respectivos donos; morreram sete espanhóis e baleados 11, e
os mais ganharam a costa do dito rio por onde se poderam esca-
par, não consentindo o dito Tenente que seus camaradas se utili-
zassem de alguma cousa dos prisioneiros e mortos». ss )
Tendo o Sargento-Mór Joaquim Félix assumido o comando
da conquista e Povos, o Tenente Francisco Carvalho foi a São Ni-
colau receber ordens, deixando a partida sob o comando do Te-

88) Instruções dos ataques mais notáveis, etc. Francisco Carva-


lho, Memória cf. brig. F. J. Róscio. Arq. Nac. Col. 104.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 319

nonte Felipe Carvalho. Nessa ocasião intentou uma força caste-


lhana cair sobre a guarda de São Nicolau, numèricamente inferior'

e a teria desbaratado se providencialmente, no momento, não tives-


se chegado o Tenente Carvalho com 30 homens de socorro.
No encontro já referido do Passo de São Borja, coube ao Te-
nente Francisco Carvalho, com 17 homens, prestar assinalados
serviços. Nesse encontro já referido, em que cabem a Gabriel Ri-
beiro as honras do dia, e em que estavam presentes todos os prin-
cipais conquistadores, deixaram os inimigos no campo 84 mortos
e 75 feridos, não havendo baixas da parte portuguesa.
Depois desse ataque foi publicada a paz. Foram vultosas as
presas feitas ao inimigo, principalmente em gado pelo Tenente
Francisco Carvalho, as quais se elevaram a 7.700 cabeças de ani-
mais de toda espécie, que foram conduzidos para a Boca do Monte
a postos sob a administração de um capataz. Além do gado foi
mais aprezado o seguinte: 6 carretas, mil e tantas varas de pano
de algodão, 12 terços de erva mate, e mais 4.000 reses, que entre--
gou no Povo de São Borja para municio das tropas e 4.000 éguas
aue o Tenente Carvalho entregou ao Capitão José do Canto e Rai-
mundo Santiago, para que as distribuissem com sua gente.
Terminada a campanha das Missões, Francisco Carvalho tor-
nou à freguesia de Cachoeira, afim de cuidar de seus interesses
particulares. Pelos seus serviços de guerra foi promovido a ca-
pitão de milícias. Residia na estância que, em sobras de terras
de Manuel e José Carvalho da Silva e Nicolau Inácio, lhe fora con-
cedida em 1781, entre os rios Capané e Irapuá, ao Sul do Jacuí. Aí
faleceu Francisco Carvalho da Silva em 10 de Julho de 1810, com
43 anos de idade. Fora casado com Tomásia António de Aquino,
filha legítima de Francisco António Ramos de Oliveira e sua mu-
lher Gertrudes Maria de Jesus, na freguesia de Cachoeira, e deixou
desse consórcio seis filhos, sendo quatro homens e duas mulheres.
Felipe Carvalho da Silva, terminada a campanha, teve sua
promoção a Capitão de Milícias de Cachoeira, de cuja freguesia
foi Comandante. Chegou a Sargento-Mor de Milícias, tendo feito
ms campanhas de 1811-1812. Casou em Cachoeira com Josefa Ma-
ria Branca, viúva de Euzébio Domingues da Silva, já referido, pai
do Conquistador de Missões, José Joaquim Domingues, companhei-
320 AURÉLIO PORTO
ro de José Borges do Canto. O major Felipe Carvalho faleceu
em 10 de Fevereiro de 1827, não deixando descendência.
Manuel Carvalho da Silva, cujos serviços militares se esten-
dem pelas campanhas de 1811-1812, casou com Flaubiana Fausta
da Costa Prates, em 31 de Julho de 1809, sendo tronco da família
Carvalho Prates, do Rio Grande do Sul.
Luís Carvalho da Silva, que sentou praça em 1792, com 19
anos de idade, 89 ) tendo nascido em Cachoeira a 13 de Novembro
de 1773, excede a todos os seus irmãos em relevantes serviços de
guerra, prestados durante as campanhas que sucedem. Rece-
se
beu seu baptismo de sangue na guerra da Conquista das Missões,
fazendo parte das forças comandadas por Francisco Ca: "alho.
Terminada a campanha passou de soldado de milícias a Tenente
de ordenanças, e em 1809 comandava a freguesia de Cachoeira.
Rompidas as hostilidades da guerra de 1811-1812, Luís Car-
valho foi destacado para as Missões, onde assistiu, tomando par-
te com apreciável destaque, a vários encontros com os inimigos.
Mas é na campanha subsequente, que vai de 1816 a 1820, em
que se realçam as suas qualidades de bravo soldado, estando as
ordens do dia dessa guerra cheias de referências a seus feitos ver-
k

dadeiramente heróicos. No sítio de São Borja e em outros recon-


tros, em que se empenha é assombroso de coragem, de decisão, ca-
bendo-lhe sempre os postos de mais destaque.
Em 19 de Janeiro de 1817 é mandado com um pequeno desta-
camento cobrir a passagem das forços do General Chagas Santos,
no Uruguai. Pressentido pelo inimigo e atacado por forças muito
superiores em número, trava combate, conseguindo apreciável van-
tagem que se transforma em vitória à chegada de um reforço de
infantaria, que lhe manda o General, pondo o inimigo em fuga

89) Fé de ofício do cap. Luís Carvalho. Certidão datada de São


Borja, 12 de Janeiro de 1822; "Capitão Luiz Carvalho da Silva, filho de
Manuel Carvalho da Silva. Idade dezenove anos ao sentar praça. Altura
cinco pés e quatro polegadas. Cabelos pretos, olhos pardos. Natural da
vila do Rio Pardo. Casado. Passou de soldado de milícias a Tenente de
ordenanças e a Tenente da terceira companhia deste Regimento (Reg. n.
4 de Cav. de Milícias) em 12 de Agosto de 1819. A Capitão na dita por
despacho de S. Exa. no mesmo dia. Achou-se em dez ataques e quatorze
destacamentos de Fronteira". (Arq. Hist. R. G. do Sul. Pasta 1822).
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 321

desordenada. No dia seguinte, com 50 homens, sai em reconheci-


mento das posições contrárias e regressa a 10 de Fevereiro com
a presa de 600 animais, além de gado vacum, tendo atacado várias
partidas do inimigo, que desbaratou e embaraçou que se reunis-
sem às tropas de André Artigas, no dizer de um seu contempo-
râneo, o Capitão Diogo Arouche. ;)0 ) Em 2 de Fevereiro retorna
ao campo com 125 homens, destroçando todas as partidas que
encontra entre as quais, em combate travado no dia 8, uma for-
ça inimiga que põe fora de acção 38 homens. Na noite desse mes-
mo dia marcha 25 léguas e na madrugada de 9 surpreende outra
partida de insurgentes que desbarata.
Chegam esses sucessos ao conhecimento do valente chefe mis-
sioneiro Mbaivé, que resolve atacar Luís Carvalho à frente de um
destacamento de 100 homens. O choque foi violento. Depois de
meia hora de combate, o inimigo é posto em fuga, ficando no cam-
po de acção 33 mortos, inclusive dois oficiais. Luís Carvalho os
persegue ainda cinco léguas. Mbaivé se refaz e reúne no acam-
pamento de Ybiratingaí 270 homens "para enfrentar a reduzida
força do heróico brasileiro. «Neste lugar, diz Diogo Arouche, o
valor do Tenente Carvalho excedeu a tudo quanto havia praticado,
e não hesitando, principiou a meter-se em ordem para atacá-lo.
Então Mbaivé, desanimado à vista da temerária resolução que o
ameaçava, empreendeu a retirada e começou a fazê-la; mas o Te-
nente Carvalho atacou-o tão vigorosamente que logo se decidiu o
inimigo à completa fuga, e dispersão, na qual foram perseguidos
pelos portugueses que lhes mataram 72 e finalmente foram essas
tropas de Mbaivé completamente dispersas e atropeladas por vá-
rias direções, e o comandante salvou-se com poucos dos seus no
território de Corrientes, sendo perseguidos até as guardas corren-
tinas de Ybiratingaí e Santa Luiza. 91 )
O
valente cabo, depois de acossar e destruir as partidas inimi-
gas, que infestavam as Missões ocidentais, desde o Uruguai até
o Paraná; retirou-se para São Tomé onde se reuniu ao General

90) Diogo Arouche de Morais Lara. Campanha de 1816. Rev. I. H.


B., Vol. 1".
91) Idem, ibidem.
História das Missões Orientais do Uruguai — 2.* Parte \\
322 AURÉLIO PORTO
Chagas Santos, era 26 de Fevereiro com um acervo tomado ao ini-
migo, de 714 cavalos, 130 mulas, e 308 cabeças de gado vacum.
São ainda do Tenente-Coronel Diogo Arouche de Moraes Lara as
palavras que reproduzimos de sua Memória: «O extraordinário
comportamento, a valorosa conduta do referido Tenente de Milí-
cias Luís Carvalho, nesta campanha, foi superior a tudo quanto
pede haver de acerto, valor e prudência e não se precisa para prova
disto mais do que os seus mesmos feitos gloriosos: feliz o Gene-
ral a cujas ordens numa campanha existe um oficial de tão ex-
tensa capacidade como este; e ainda mais feliz se sabendo aprovei-
to r-se de tanto préstimo (como praticou o Brigadeiro Chagas San-
tos) que dêle resulte todo o proveito e vantagem do soberano e
do Estado».
Nas campanhas seguintes avultam mais e mais os memorá-
veis serviços de Luís Carvalho. Nos principais recontros que se
sucedem, na região missioneira, até 1820, é o seu heróico esforço
que centraliza a vitória.
Em 1817, à frente de um destacamento de cavalaria miliciana,
juntamente com o major Gama Lobo d'Eça, que comanda um con-
tingente de granadeiros de Santa Catarina, Luis Carvalho encon-
tra, à margem direita do Uruguai, ao passo do Itaqui, onde é hoje
a cidade argentina de Alvear, uma força de Artigas, comandada
pelo valente Capitão Vicente Tiraparé, que, na organização do Re-
gimento de Milícias guaranis, fora nomeado Capitão da Companhia
de São Borja. Deu-se o encontro no dia 19 de Janeiro e depois
de um duro combate foi derrotado o inimigo, com grande perda
de vidas e de um canhão tomado pelos brasileiros.
No ano seguinte, em Abril, depois de quatro dias de assédio,
as forças do General Chagas Santos, de que fazia parte o Tenente
Luís Carvalho da Silva, investem contra a igreja e o colégio de
São Carlos, onde o inimigo estava entrincheirado, rendendo-se,
quando a infantaria começava a derrubar o telhado da igreja,
323 oficiais e soldados correntinos que ficaram prisioneiros. Nes-
te assédio, que teve lugar no dia 3 de Abril e no combate do dia

92) Diogo Arouche. Memóriá Histórica da Campanha de 1816. Rev.


Inst. Bras.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 323

anterior, que juntamente com o esquadrão do Tenente-Coronel Joa-


quim Ferreira Braga, levou Luís Carvalho contra Aranda, que con-
duzia um reforço de 300 correntinos, com que esperava romper o
cerco de São Carlos, o valente miliciano obrou prodígios de va-
lor, e foi em pessoa quem, terçando armas com o valoroso caudilho

artiguenho, matou Aranda, em plena acção.


Em 1819, nos combates de 1 e 9 de Maio, Luís Carvalho tem
destacada actuação, combatendo junto às forças do Tenente-Co-
ronel Arouche. Nesse último combate, que se dá em São Nico-
lau, em cujo ataque é repelido o General Chagas Santos, Luís Car-
valho estava ao lado de Arouche, a quem recomendava tivesse cui-
dado, pois o silêncio que se observava nas trincheiras inimigas era
de mau preságio. Valente e disposto o jovem oficial paulista ex-
pôs-se de tal sorte à frente de seus soldados que uma das primei-
ras descargas inimigas atingiu-o de cheio, vitimando-o. 0:1
)

Comandava Luís Carvalho em toda a campanha uma ala do


regimento de milícias guaranis, obedecendo outra ao comando do
Capitão Manuel José de Melo. Citado em várias ordens do dia,
do comando em chefe do Exército, então exercido pelo conde da
Figueira, Luís Carvalho é promovido a Tenente de Milícias para
a 3* Companhia, do 4 9 Regimento de Cavalaria, em 12 de Agosto
de 1819, e, no mesmo dia, a Capitão dessa mesma companhia e re-
gimento de milícias. Em 1820 recolhe-se às Missões, tendo toma-
do parte em 10 combates e 14 destacamentos na fronteira.
Foi Luís Carvalho administrador do Povo de São Miguel, car-
go que ocupou durante cinco anos e nove meses, não recebendo três
anos de vencimentos a que tinha direito e de cuja dívida, em seu
testamento, perdoa a Fazenda Real. Faleceu Luís Carvalho em
1836, em Cachoeira, onde residia, ocupando cargos de destaque
político e social e sendo um dos chefes do partido liberal que, em

93) O Tenente-Coronel Diogo Arouche de Moraes Lara, natural de


São Paulo, um dos heróis das campanhas platinas. Casou em Porto
foi
Alegre com Maria Angélica Sampaio, filha legítima de Francisco José
Sampaio e Úrsula Maria das Dores. Deixou o casal filhos menores: Ma-
ria, Francisca, Joana e Úrsula. A primeira foi casada com Francisco de
Azambuja Cidade, deixando um filho, Diogo Arouche Cidade.
11*
324 AURÉLIO PORTO
1835 deflagrara a Revolução Farroupilha, em que tomou ainda
parte ativa.
Fora casado em primeiras núpcias com Rosa Joaquina da En-
carnação, natural da ilha de Santa Catarina, filha do capitão Ma-
nuel José Machado e de sua mulher Maria Antónia da Encarna-
ção, e viúva do Tenente José Francisco da Cunha. Faleceu a pri-
meira mulher em 3 de Julho de 1802, deixando dois filhos, tam-
bém falecidos em tenra idade. Convolou a segundas núpcias, em
Cachoeira, a 13 de Maio de 1803, com D. Maria Francisca de Ara-
gão, filha legítima de D. José de Aragão, último governador es-
panhol do Povo de São Nicolau, natural de Cádix, e de sua mulher
D. Teresa de Subiurra, natural do Povo de São Cosme e S. Da-
mião, das Missões do Paraguai. Teve Luís Carvalho desse con-
sórcio os filhos Manuel Carvalho de Aragão e Silva (Manduca Car-
valho) um dos grandes heróis da Revolução Farroupilha, S4 ) Ma-
ria Delfina, casada com Delfino Gomes Porto, neto de Gabriel Ri-
beiro de Almeida, já referido 9r> ) e Teresa, Josefa, Maria José,
Francisca, José e Luís, ramos de várias famílias com descenden-
tes na cidade de Cachoeira.


3. Administração da Província de Missões.

Integrada à colónia portuguesa, pela conquista, a considerá-


vel região missioneira, cujo território aumentava de um terço o
Rio Grande do Sul, surge de momento para o governo do Conti-
nente o problema de organização administrativa. Além de sua
complexidade e dos abusos que esse acto, pela sua própria origem,
deveria determinar, coincidiu a conquista com a enfermidade e
morte do governador Sebastião Xavier da Veiga Cabral da Câma-
ra, falecido na vila do Rio Grande no dia 5 de Novembro de 1801.
Substituiu-o, interinamente, nesse alto posto, o brigadeiro Fran-
cisco João Róscio, carácter ilibado e austero, que dirigiu os des-
tinos do Rio Grande de São Pedro até a chegada do chefe-de-e#-

94) Aurélio Porto. Notas ao Processo dos Farrapos. Arq. Nae.


XXXI e seguintes. Farroupilha. Rio, 1938.
95) Nota anterior. Avós paternos do autor.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 325

quadra Paulo José da Silva Gama, governador do Continente de


1803 a 1809.
Tomando conhecimento do que se passava em Missões ainda
sob a devastação da mais desenfreada cobiça, profliga o governa-
dor a rapina que ali houve determinando o estado miserável a que
chegaram aqueles Povos. Em Maio de 1802, denunciando abusos
praticados naquela província, diz que foram os dragões e os auxi-
liares que os praticaram. Fizeram ali verdadeiras devastações.
Mas, ao tomar conta do governo, em Fevereiro, não era mais opor-
tuno impor-lhes o merecido castigo. Melhorou a situação com a
ida para ali dos Majores José de Saldanha e Joaquim Félix, porque
o Major que ali comandava, pela sua avareza, cometeu graves de-
satinos. *)
E a Paulo da Gama, que vem assumir o governo, Róscio, pro-
curando orientar nos negócios públicos do Continente, verbera ain-
da a «desbragada rapina» que atirou à miséria a região missionei -
ra. «Difícil seria desmaranhar tal e tão intrincado e espinhoso
com que em poucas semanas ou em breves dias, um certo
labirinto
número de indivíduos, com obrigação de proceder honesta e hon-
radamente, transmutaram aqueles Sete Povos, e a todos os espa-
nhóis ali encontrados, da fartura, abundância e tráfico vantajoso
em que viviam, ao mais desgraçado estado e infeliz miséria, que
não é fácil compreender e menos fazer-se crivei em maior distân-
cia, sem que por isto seus autores e cúmplices representassem
grandes vantagens». 2 )
À conquista das Missões presidiu a acção de duas correntes
perfeitamente distintas que ali se vão chocar. Canto, Gabriel Ri-
beiro e seus companheiros, impelidos por um idealismo patriótico,
ou por um espírito aventureiro que foi o substratum da sub-raça
heróica que surgia do Pampa ao fragor dos árduos entrechoques
fronteiros, —
dragão desertor e miliciano humilde, com seus ban-
dos de peões de estâncias, não trabalhados pela cobiça, aspira- —
vam, quiçá, a modestas recompensas compatíveis com suas posi-

1)Carta de F. J. Róscio ao Sargento-mor Joaqui m


Félix, de 15 de
Maio de Arq. Nae. Col. 104. Corresp. Gov. Vol. Xm.
1802.
2) Oíicio de Róscio a Paulo da Gama, de 2% de Dezembro de 1802.
Col. 104. Arq. Nac. Vol. 13.
326 AURÉLIO PORTO
ções sociais. A outra, que se integra à conquista, que não a rea-
liza, propriamente, mas que se locupleta de seus benefícios, é cons-
tituída pelos estanciemos que avançam e que, procurando deprimir
os verdadeiros conquistadores, estendem as farsas ávidas e inte-
resseiras a todos os bens de qualquer espécie que lhes ficam ao
alcance. Manuel dos Santos Pedroso, estancieiro, com a dirimen-
te do heroísmo com que combateu e, depois, Castro Morais, «que
por sua avareza comete graves desatinos», todos procurando au-
mentar as suas fazendas de criação com os gados que arrebanham
em Missões, integram a corrente dos que se atiram à conquista
por interesses individuais. Pedroso, depois de atacar e tomar São
Martinho, «passou a saquear algumas fazendas», e voltou para a
sua estância «com mais de 100 animais vacum e cavalar, deixando
em abandono E foi, novamente, o desejo de aumentar
aquele».
)
:!

a sua fazenda depois da conquista realizada por Canto, que o fez


voltar, atacar o governador espanhol D. Francisco Rodrigo, «fi-
cando senhor de toda a equipagem», tirando-lhe quanto trazia de
precioso.
De 1801 em
que pràticamente se extinguem as
a 1828, ano
Missões Orientais do Uruguai, com a despovoação completa de
seus Povos, cujos moradores acompanham D. Frutuoso Rivera e
fundam Bela IJnión, dirigiram as Missões, como governadores mi-
litares e administradores gerais, vários oficiais de tropas regu-
lares ou de milícias.

Entre os primeiros contam-se oficiais brilhantes, de elevada


cultura técnica, engenheiros que terminavam os trabalhos da De-
marcação de Limites, com Joaquim Félix, José de Saldanha e
Chagas Santos, que poderiam ter dado rumos precisos à reorgani-
zação daquelas desmanteladas aldeias. Mas, os dois primeiros,
passando ligeiramente pela administração, procuraram dela se afas-
tar ante a avalanche de interesses particulares que iam destruindo
a vida económica dos pobres índios, cujas propriedades, imóveis
e semoventes, constituíam já apreciável patrimônio de explorado-
res sem consciência. Chagas Santos foi, durante mais de um de-

3) Gabriel Ribeiro de Almeida. Memória. 5.


HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 327

cénio. com incontrastável autoridade, o senhor absoluto das Mis-


sões. Não faltavam cultura, inteligência, prestígio para a
lhe
execução de um
programa de governo que pudesse elevar a vasta
e rica região que lhe fora entregue. Mas, é exactamente em seu
período administrativo que se processa a grande revolução eman-
cipadora, que mudará a face política das antigas colónias ibéro-
americanas. E o seu reflexo fatal nas Missões transformará as
suas aldeias, os seus campos em cenários sangrentos de lutas.
Surge aí, iluminado pelos clarões de uma nova idade, a figura sin-
gular de Artigas. E os índios das Missões recebem de seu irmão
Andresito a faísca com que se procura reacender a chama de
energias já quase mortas pelo servilismo, pelos vícios e pela apa-
tia da própria raça.
Durante esse período governaram as Missões, como coman-
dantes militares e administradores gerais, os seguintes oficiais:

a) Sargento-Mor de Dragões José de Castro Morais —


Filho
legítimo do Brigadeiro Gregório de Morais Castro Pimentel, que
fez parte da Demarcação de Limites de 1750 sob as ordens de Go-
mes Freire, nascido no Rio de Janeiro. Consta da respectiva Fo-
lha de Serviços 4 ) que, em 1789, era «casado, sem filhos, 43 anos
e 8 meses de idade, e de serviço 29 anos. Serviu em Alferes e Te-
nente na cidade do Rio de Janeiro, neste último posto passou para
o Regimento da Ilha de Santa Catarina, e no mesmo posto para o
meu Regimento (Dragões do R. G. Sul), onde foi nomeado Capi-
tão a 23 de Agosto de 1775 e Sargento -mor a 13 de Maio de 1789».
Em data de 21 de Agosto de 1801, o Coronel Patrício, coman-
dante do Regimento de Dragões e da fronteira do Rio Pardo, re-
cebendo notícias da conquista dos Povos determinou a esse Sar-
gento-mor que seguisse para São Miguel, afim de regularizar a
capitulação do ex-governador espanhol, arrecadar armas e muni-
ções, respeitando as bagagens, etc. e que assumisse o comando
dos diversos grupos irregulares que ali se encontravam, para tor-
nar efectiva assim a defesa dos terrenos conquistados. Devia

4) B. N. Cod. Mss. I, 5, 4, 17. Vol. X. Folha de serviços do Re-


gimento de Dragões do R. G. do Sul, 30 de Setembro de 1789.
328 AURÉLIO PORTO
também dar organização eficiente à administração, conservando os
Cabildos e Corregedores e Curas que quisesse submeter-se ao novo
regime português.
Foi de pouca duração o comando desse oficial. De chegada a
São Miguel, procurou diminuir o valor de Canto e seus compa-
nheiros de conquista, tentando «puxá-lo» para a sua companhia,
a que antes da última deserção pertencia o valente soldado. Ia
isto determinando um choque à mão armada entre os aventureiros
de Canto e os dragões do Sargento-Mor, o que foi evitado pela
calma e ponderação de Gabriel Ribeiro.
Castro Morais é acusado não só pelos conquistadores, em suas
Memórias, como pelos próprios chefes, como Patrício Câmara e
Róscio, de haver-se aproveitado da oportunidade afim de se lo-
cupletar com os bens dos Povos e presas feitas ao governador
D. Francisco Rodrigo, a quem foram restituídos alguns objectos,
graças à intercessão do Tenente Francisco Carvalho e Manuel Car-
neiro junto a Maneco Pedroso.
Para a sua estância, entre os Capanés, distrito de Cachoeira,
mandou o Sargento-mor grandes tropas de gado.
Ao se apresentar ao governo, Gabriel Ribeiro levou ao conhe-
cimento das autoridades o procedimento desse comandante que,
em Setembro, era destituído e mandado recolher ao regimento pelo
Coronel Patrício. Em Rio Pardo, onde se encontrava servindo, fa-
leceu o Sargento-mor Morais Castro no dia 13 de Novembro de
1803. Não deixou descendência de legítimo matrimónio e somente
uma Castro de Morais, nascida de mãe
filha natural, Francisca de
incógnita no acampamento do Boqueirão, e baptizada em Cachoei-
ra a 17 de Dezembro de 1798.

b) Sargento-mor Joaquim Félix da Fonseca. Em 30 de


Agosto, do Rio Grande determinou o governador Cabral da Câma-
ra, ao ter conhecimento, naquela vila, da anexação dos Sete Po-
vos ao domínio português, que o Sargento-mor Joaquim Félix da
Fonseca, mandado recolher a Porto Alegre com a partida de demar-
cação que chefiava, seguisse para as Missões. Lembrava o gover-
nador que «ninguém melhor que Vme. pelos seus conhecimentos e
larga experiência dos ditos Povos, é capaz de os comandar e re-
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 329

duzir ao estado tranquilo e de bom regime de que assaz necessi-


tam infundindo-lhes o amor e fidelidade que devem prestar ao
Principe Regente N. Senhor...» etc. °)

Em 23 de Setembro chegava Joaquim Félix da Fonseca 6 ) às


Missões, tomando o comando das mesmas das mãos do Sargento-
mor Castro Morais. Oficial culto e inteligente, tendo vivido nes-
sa região, como chefe de serviço da Demarcação de Limites, es-
taria o novo comandante em condições de atender às necessidades
que lhe seriam impostas pela hora presente.
Mas teve ao chegar uma impressão decepcionadora. Além
dos espanhóis expulsos, os portugueses haviam cometido ah os
maiores excessos. Os Povos estavam exauridos, as suas estân-
cias desbaratadas e despovoadas de gados, falta que «se entrou
desde logo a experimentar, sendo difícil de remediar». 7 )
Mas o momento não admitia outras providências senão as de
carácter militar, dada a escassez da tropa que ali estava e dos
ataques que os espanhóis, refeitos da surpresa, intentavam, trans-
pondo o Uruguai. «Desde que eu cheguei até o dia 8 do corrente,
diz Joaquim Félix, em ofício de 22 de Novembro, em que êles de-
ram um último assalto a uma capela, abaixo do Povo de São Bor-
ja, onde eu então estava, tem havido cinco sucessivamente: a sa-
ber, no Passo da Conceição, no de São Lucas, no de São Marcos,
que fica fronteiro ao de S. Tomé, no de Santa Maria e o último
naquela capela».
Para enfrentar esses ataques de um inimigo que agora trazia

5) Arq. R. G. S. Rev. 1921. N. 1. 35.


6) Joaquim Félix da Fonseca Manso nasceu na freguesia do S. S.
Sacramento de Lisboa, e era filho de Francisco António da Fonseca e de
sua mulher Joana Joaquina Vieira da Silva, ambos naturais daquela ci-
dade. Sentou praça, destinando-se à escola de Bombeiros, de onde saiu
Tenente, depois de um curso distinto. Promovido a Capitão de artilharia
foi designado para servir na Demarcação de Limites do Sul, iniciada em
1783. Em 1801, recolhia com sua partida a Porto Alegre, quando foi de-
signado Comandante das Missões. Casou com D. Eulália Joaquina Perei-
ra Pinto, filha do Coronel Francisco Barreto Pinto. Teve desse consórcio
os filhos: Francisco Félix Pereira Pinto, que foi Marechal do Exército
Brasileiro, João, Joaquim e José. Atingiu o posto de Coronel, falecendo
no Rio de Janeiro em 12 de Maio de 1814. Teve um filho natural, o Ca-
pitão Joaquim Félix, que faleceu em ll-IV-1820.
7) Rev. Arq. Publ. R. G. S. Vol. I, 50.
3S0 AURÉLIO PORTO
à frente um bravo espanhol, o Tenente Rúbio Dulce, escassa era
a gente de que dispunha o Comandante. Marchara «com 18 pra-
ças militares, que havia de resto no Acampamento donde saí,
para este destino, no qual toda tropa que havia pouco excedia a
120 homens de todas as classes, isto é, de dragões, auxiliares e
aventureiros, e perto de um mês depois chegaram 33 praças de
granadeiros e artilheiros». Havia promessa de mais gente, prin-
cipalmente de Cima da Serra, que já estava em marcha, e depois
de muita espera, nos primeiros dias de Novembro chegaram o
Tenente João Machado da Silva com 47 auxiliares, e a gente de
Cima da Serra, que formava um corpo de 120 homens entre au-
xiliares e aventureiros, comandados pelo Capitão de Cavalaria Au-
xiliar João da Costa Varela e cinco subalternos.
Dando uma nova organização à tropa que ali se encontrava,
resolveu o Coronel Patrício Câmara, comandante da fronteira do
Rio Pardo, determinar a ida para as Missões do Sargento-mor José
de Saldanha, que assumiria o comando geral, e que chegou a São
Nicolau a 26 de Novembro. Encontrou ali pouco mais de 350
homens, número irrisório de combatentes, em sua maior parte mi-
licianos, «muito poucos nesta conjuntura para guarnecer e defen-
der uma Província tão extensa». s
)

Ficava ao cuidado do Dr. José de Saldanha a parte militar, en-


cargo que exerceu até 5 de Março de 1802, quando foi mandado
recolher ao quartel de Rio Pardo ), cabendo a Joaquim Félix a
!)

administração, propriamente dita, dos Povos de Missões, tendo de-


signado para sede, civil e militar, o Povo de São Borja, mais ex-
posto às incursões inimigas.
Proclamada a paz a 25 de Dezembro, procurou Joaquim Félix,
empenhadamente, restituir aos Povos a sua tranquilidade e antigo
progresso. Mas, tudo foi baldado. A desorganização lavrava em
toda a parte; o latrocínio campeava, despovoando as estâncias de
gados; a lavoura sofrera as consequências da guerra e os índios
entregues a si mesmos caíam no relaxamento e nos vícios.
Além de pouco numerosa e mal paga, a tropa, segundo comu-

8) Rev. Arq. Publ. Vol. I, 50.


9) A. Porto. Diário Resumido. Anais B. N. Vol. LI, 152.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 331

nicação de Joaquim Félix ao governador, havia cinco meses não


recebia vencimentos. comandante, para atenuar um pouco essa
O
situação, mandara entregar aos soldados, principalmente auxilia-
res, algumas varas de algodão. No ano seguinte, 1803, a situa-
ção se agravara, por falta de farinha nas Missões, não obstante
custar a carne, que já escasseava devido às grandes arreadas fei-
tas, duzentos réis a arroba. Mais sensível ainda a escassez de
couro para surrões, o que determinara a demora na remessa das
farinhas.
Aumentavam diariamente as deserções de milicianos e até de
dragões, que se internavam pelas campanhas, entregando-se à ca-
ça de gados chimarrões e invadindo mesmo as estâncias espanho-
las sitas além da linha divisória ainda não fixada ao sul do Ibicuí.
Felizmente parecia, no ano que seguira ao da conquista, que oe
espanhóis, conformados com a situação, acatavam a paz estabe-
lecida. Em Fevereiro de 1802, o sargento-mor comandante Joa-
quim Félix, tendo conhecimento de que os espanhóis haviam dei-
xado unicamente poucas guardas nos passos, e que o próprio go-
vernador das Missões Ocidentais se havia retirado para Candelá-
ria, resolveu licenciar os milicianos, ficando unicamente com a tro-

pa paga, aliás diminuta. Em Abril, com a ordem de se recolher,


recebida pelo sagento-mor José de Saldanha, ficava a praça sem
comandante militar, urgindo viesse para substituí-lo um oficial
competente. Saldanha merecia os maiores elogios pela sua acção,
«tanto nas funções de seu cargo, como também no suprir eficaz-
mente a falta de facultativo, dos quais não há nenhum nestes po-
vos». 10 ) Em Maio, Saldanha é substituído pelo alferes de dra-
gões João António da Silveira que, como já vimos, fora também
um dos bravos conquistadores das Missões. Manda Joaquim Fé-
lix que se transporte para São Borja onde reunirá as praças des-

tacadas em vários lugares.


No ano seguinte, porém, chegam às Missões certos rumores
de guerra. A de atacar os índios minuanos e churruas, que
título
têm os seus toldos ao Sul do Ibicuí, preparam-se fortes contingen-

10) Rev. Arq. Publ. R. G. do Sul. 3' Cat. Doe. Hist. (1801-1803) 90
a 172.
332 AURÉLIO PORTO
tes espanhóis que, segundo voz corrente, ao mando do novo go-
vernador das Missões, substituto de D. Bernardo Lecocq, aprovei-
taria a ocasião de intentar a reconquista dos Sete Povos.
Joaquim Félix, ao ter conhecimento, em Janeiro de 1803, des-
sas notícias, não obstante estar seu comando directamente subor-
dinado ao governador do Continente, apela para o comandante
da fronteira do Rio Pardo, coronel Patrício da Câmara, afim de
que lhe forneça auxílio, «pedindo o maior número de tropa, ainda
que de todas as classes», com cavalhada, armamento e cartuchame.
Manda ao mesmo tempo chamar os capitães José Borges do
Canto, Manuel dos Santos Pedroso e tenente Gabriel Ribeiro de
Almeida, os quais, com os companheiros que os assistiram na úl-
tima guerra, assumem a defesa das Missões. E a Maneco Pedro-
so e Gabriel Ribeiro incumbe de irem a Rio Pardo trazer os refor-
ços ali já arregimentados pelo coronel Patrício. Felizmente, não
se realizaram as previsões de um ataque por parte dos espanhóis
que se limitaram a levar a guerra aos índios infiéis.
Em meados de 1803, ante a desordem que lavrara nas Mis-
sões,por falta de auxílio do governo, e compreendendo ser inútil
todo o seu esforço, solicitara Joaquim Félix da Fonseca sua reti-
rada desse comando. Atendido em Agosto desse ano, é designado
para substituí-lo o sargento-mor José de Saldanha, que só em Ou-
tubro, por falta de condução e devido às grandes enchentes que
tornavam invadeáveis os rios, pôde seguir do Rio Pardo, onde se
encontrava.
Joaquim Félix, dentro das possibilidades do momento, fize-
ra um governo honesto e digno, e fora o consolidador da conquis-
ta pelas providências de ordem militar com que procurara evitar,

com os recursos miseráveis de que dispunha, uma invasão dos es-


panhóis, que com forças consideráveis se conservavam a espreita
de ocasião oportuna para reconquistar os Sete Povos.

c) Sargento-mor José de Saldanha. 11


) Assumindo o coman-

11) Nasceu José de Saldanha em Lisboa, presumivelmente em 1758,


sendo seus pais o Dr. Duarte Rebelo de Saldanha e sua mulher Leonor
Teresa da Silva. Ingressou, depois de completa sua instrução preliminar,
na Universidade de Coimbra, bacharelando-se em filosofia e matemática e
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 333

do das Missões, solicitara Joaquim Félix da Fonseca, ao governa-


dor do Continente, «para ajudá-lo nesse trabalhoso exercício um
oficial inteligente que lhe foi remetido na pessoa do major enge-
nheiro José de Saldanha». 12 ) Chega este ali a 26 de Novembro
de 1801, a título de comandar a tropa, revelando nessa difícil ta-
refa qualidades de verdadeiro soldado que se aliavam aos seus al-
tos conhecimentos profissionais como engenheiro. Além de pro-
ver às necessidades de defesa daquelas vastas fronteiras, Saldanha
percorreu quase todo o território missioneiro, afim de coligir ele-
mentos para um estudo sobre a delimitação de suas raias extensas.
Por motivo de ordem pessoal, expostos em outro trabalho, 13 )
é mandado, em Abril do ano seguinte, recolher a Rio Pardo, onde
chega em Setembro, apresentando-se ao comandante da fronteira
de quem recebe os mais calorosos elogios não só pelos serviços de
guerra que prestara, como pelos seus trabalhos de geógrafo. Nes-
sa vila, onde se conservou um ano, entregou-se Saldanha a seus
estudos de gabinete, aperfeiçoando a carta geográfica do Rio Gran-
de do Sul, já acrescida da parte missioneira, para a qual fizera
trabalhos de levantamento em suas excursões pela nova província
anexada à colónia portuguesa.
Para substituir o sargento-mor Joaquim Félix, que solicitara,
por enfermo, sua retirada do comando geral das Missões, o go-
nernador Paula da Gama designou a Saldanha, em Agosto de 1803.

especializando-se em geografia e astronomia, que praticou na fragata S.


João Baptista, onde realizou valiosas determinações de coordenadas geo-
gráficas e observações inerentes à sua profissão. Escolhido para fazer
parte da Demarcação resultante do tratado de S. Ildefonso, veio para a
América em 1782 e no ano seguinte iniciava no Rio Grande os trabalhos
de Demarcação, chefiando a 1* Partida em companhia do engenheiro Eloi
Porteli, ficando a 2* a cargo de Joaquim Félix e Chagas Santos, cujos no-
mes estão também ligados à vida das Missões. Saldanha casou no Rio
Pardo com Ana Joaquina Tomázia, filha do Tenente Joaquim Tomaz de
Andrade e Siqueira, não obstante ser casado em Lisboa com D. Mariana
Efigênia da Fonseca (Diário Resumido). Do consórcio com Ana Joaquina
teve três filhos, só subsistindo Leonor Quirina, casada com Vasco Pereira
de Macedo, de onde procede a família Saldanha Pereira de Macedo, do
Rio Grande do Sul. Faleceu o Dr. José de Saldanha em Porto Alegre,
em 28 de Maio de 1808, no posto de sargento-mor do Real Corpo de En-
genheiros.
12) Carta de Elói a seu irmão Joaquim Porteli B. N. I, 29, 13, 20.
13) Aurélio Porto. Diário Resumido. Biog. Anais B. N., 157.
334 AURÉLIO PORTO
E ao mesmo tempo, para evitar os inconvenientes de subordinação
desse comando ao governo do Continente, determinou que as Mis-
sões fossem atendidas pelo comando de Rio Pardo, do qual fica-
riam dependentes.
O Dr. Saldanha, que fez seu quartel general em São Luís,
governou Missões pouco mais do que um ano. Não obstante to-
das as suas solicitações, nada conseguia para a desolada provín-
cia. Ali faltava tudo. Soldados, armas, munições, até víveres.
Havia, mesmo, dias de fome e de privações, porque a lavoura fora
abandonada, a carne escasseava e as farinhas, cujo transporte era
não chegavam a tempo. O estado de saúde não era bom.
difícil,

E conseguiu então que fosse para ali o cirurgião Félix Joaquim,


para atender aos Povos em casos de emergência.
Em vista de precariedade da situação, autorizou o comandan-
te saissem os índios pelas campanhas, sob as ordens até de ofi-
ciais,para fazer «vacarias», dentro das raias indecisas dos «cam-
pos avançados», que se estendiam até as coxilhas do Jarau. Mas,
transpondo os limites, supostamente portugueses, essas partidas,
a que se ligavam os índios minuanos e charruas, entravam além,
originando queixas das autoridades espanholas. Em 1804, havia
«quatro vacarias estabelecidas do outro lado do Rio Negro para
faenas ou faturas de couros, cebo, graxa, «de índios dos Povos de
São Nicolau, São Borja e São Lourenço, sendo «uma delas man-
dada pelo capitão José do Canto, com 100 homens também portu-
gueses» que haviam saído com licença do comandante de Mis-
sões. 14
)

Mandou o governo fossem presos Canto e seus companheiros,


o que não se chegou a executar porque, colhidos de surpresa pelos
castelhanos, como já historiámos, foram presos e, mais tarde, que-
rendo fugir, foram novamente atacados, contando-se entre os mor-
tos o conquistador.
A falta de individuação da linha divisória era causa constante
de choques e atritos que punham em perigo a própria paz entre
castelhanos e portugueses. Cita-se mesmo um encontro sangren-

14) Arq. Hist. R. G. S. Doe. Carta ao Coronel Patrício do ajudan-


te de ordens do governo, J. Inácio da Silva, 6-VTII-1804. Pasta, 1804.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 335

to entre partidas comandadas pelos tenentes Rondeau, castelhano


e Francisco Barreto, brasileiro, que se chocaram em território que
cada um julgava pertencer à sua nação.
Por outro lado, estendendo as suas estâncias pela região con-
quistada, os rio-grandenses, militares e civis, transpunham com
seus estabelecimentos as raias tacitamente aceitas e tomavam pos-
se dos chamados «campos avançados», povoando assim larga ex-
tensão, que mais tarde se ampliou além Quaraí, indo até o rio
Arapeí.
Para obviar as desvantagens daí provindas, o governador Pau-
lo da Gama determina ao Dr. Saldanha «informe por escrito até
que sitios e lugares se possa propriamente dizer conquistaram nos-
sas armas na fronteira de Missões». E em resposta, em Porto
Alegre, onde se achava em 15 de Outubro de 1805, apresentou Sal-
danha extenso memorial ao governador. Depois de historiar as
várias fases da conquista, sua defesa e consolidação, e assinalar as
providências tomadas para manter o território conquistado, as-
sinala as linhas já anteriormente referidas quando relatámos a
morte do capitão José Borges do Canto.
São essas, acrescidas' mais tarde até o Quaraí, as fronteiras
que se tornarão definitivas entre o Brasil e o Estado Oriental dò
Uruguai, com a paz de 1828.
Doente, e vendo a improficuidade de todos os seus esforços
no intuito de dar às Missões uma administração condicente aos de-
sejos que alimentava, pediu o Dr. José de Saldanha sua retirada
das Missões, no que foi atendido por ordem do governador, data-
da de 18 de Abril de 1805.

d) Capitão João de Deus Mena Barreto. Substituiu o Dr.


José de Saldanha, no governo geral das Missões, o capitão de dra-
gões João de Deus Mena Barreto, 15 ) que exerceu esse cargo de
18 de Abril de 1805 a 4 de Abril de 1807.

15) João de Deus Mena Barreto nasceu no Rio Pardo em 2 de Julho


de 1769, sendo filho legítimo do Coronel Francisco Barreto Pereira Pinto,
Coronel de dragões, e de sua mulher D. Francisca Veloso da Fontoura,
neto paterno do Capitão-mor Manuel dos Santos Barreto e de D. Madalena
Maria Pereira Pinto, ambos naturais de Feira, Portugal; e neto materno
/
/

336 AURÉLIO PORTO


A
administração do bravo capitão de dragões, que terá sin-
gular destaque na história do Rio Grande do Sul, não apresehta
nada de notável, nessa gestão de dois anos, para a vida das Mis-
sões, senão uma tentativa de reconstruir o templo de S. Nicolau.
Dela só fica um facto de ordem passional, relegado para as cró-
nicas galantes da vida aventureira e romântica do tempo.
Desde a conquista lutou a administração com a falta de sa-
cerdotes para atender às necessidades espirituais, não só dos an-
tigos catecúmenos jesuíticos, como dos brancos, espanhóis e portu-
gueses, que viviam nas Missões.
Conseguiu, a princípio, Gabriel Ribeiro que os frades espa-
nhóis, curas dos Povos, ali, ficassem ainda sob o domínio portu-
guês, o que se justificava plenamente, pois só, alguns anos depois,
passou essa província eclesiástica, que pertencia ao bispado de Bue-
nos Aires, à jurisdição do Vigário Geral do Rio Grande do Sul. 16 j
Alguns Padres ficaram mesmo até 1803 dirigindo a curazia de seus
Povos. Urgia, porém, dar uma providência pela falta de Padres
que se fazia sentir.
Conseguiu o Dr. José de Saldanha levar para São Borja, afim
de assumir a administração espiritual das Missões, o Padre Euzé-
bio de Magalhães Rangel e Silva, que fora capelão de dragões e
acompanhara durante toda a campanha da Demarcação de limi-
tes de 1783 a partida chefiada por aquele facultativo, sendo o fun-
dador da capela do Acampamento da Boca do Monte, hoje cidade
de Santa Maria.

de João Carneiro da Fontoura e Francisca Veloso, naturais de Chaves, Por-


tugal. Sentando praça no Regimento de Dragões, João de Deus vê trans-
correr ai, entre feitos de épica bravura, toda sua carreira militar. Atinge
todos os postos, eleva-se às mais altas condições sociais, sendo tronco de
uma larga progénie de heróis e de soldados valorosos e dignos. Marechal
de exército, barão e visconde de São Gabriel, com grandeza, conselheiro
do Império, detentor das mais altas dignidades das ordens portuguesas e
brasileiras, lega à posteridade um dos maiores nomes entre os maiores
soldados brasileiros. Faleceu em 27 de Agosto de 1849. Foi casado com
D. Rita Bernarda Cortes de Figueiredo Mena, deixando desse consórcio
treze filhos entre os quais José Luis, Gaspar Francisco e João Propício
Mena Barreto, o 2* visconde de São Gabriel, e quatro ilegítimos em que
sobressai o heróico João Manuel Mena Barreto.
16) Só em 1813 o Bispo D. José Caetano criou o Vigariado Geral,
entregando sua administração ao P. António Vieira do Soledade.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS PO URUGUAI 337

Em 18 de Maio de 1803 lança o Padre Euzébio os primeiros


assentos eclesiásticos nos livros de casamentos e baptizados de
São Borja. 17 ) Bondoso e indulgente, fez o Padre Euzébio, nesse
meio difícil de administrar espiritualmente, quer os índios já em
decadência, quer os brancos de toda a espécie que vinham das lu-
tas da conquista,boa e profícua gestão religiosa. Faleceu em Ju-
nho de 1806, em São Borja, cercado do respeito e do amor de seus
paroquianos.
Em princípios de 1807 vai para as Missões, em substituição
ao Padre Euzébio, Frei João Baptista dos Prazeres, mandado pelo
Vigário Geral que, de chegada, se indispõe com João de Deus. Re-
sulta dessa indisposição a denúncia que, deixando as Missões, apre-
senta ao governo contra o capitão João de Deus Mena Barreto
pelo irregular procedimento como comandante daqueles Povos. Re-
cebida esta pelo governador Paulo da Gama, determina este, em
10 de Agosto de 1808, se proceda inquirição de testemunhas a res-
peito dessas acusações feitas por Frei Prazeres. 18 )
Dizia o cura em sua representação que o comandante João de
Deus, cuja família não estava nas Missões, mantinha em São Ni-
colau, sede do governo missioneiro, relações ilícitas com a «china»
Maria Salomé, moça, bastante formosa, e filha de uma das antigas
famílias nobres daquele Povo. Para servi-la e cercá-la de todo
conforto, determinara o comandante que os índios levassem para
a casa de Salomé tudo quanto havia de melhor, para ela traba-
lhando, sem remuneração de espécie alguma. Nas festas religio-
sas, missas e outras solenidades que se realizavam no templo, com
escândalo geral, fazia a «china» sentar em uma grande cadeira
de espaldar, reservada às autoridades e pessoas gradas, que man-
dara colocar debaixo do arco central do templo. E outras acusa-
ções do mesmo teor fazia ao capitão comandante. As testemu-
nhas inquiridas confirmaram as acusações de Frei Prazeres.

17) Bisp. de Uruguaiana. Livros de assentos de casamentos, bapti-


zados e óbitos de São Borja (1790-1820). O 1" de bapt. abrange os anos
de 1797 a 1816 e o anterior, já referido, até 1797, está na Biblioteca Nacio-
nal, e foi oferecido ao Conde d'Eu.
18) Arq. Hist. R. G. do Sul. Volumoso processo com vários apen-
sos. Pasta 1808. Doe. 69 e 70. •
338 AURÉLIO PORTO
Desse romance de João de Deus procede mais um valente sol-
dado mestiço que ele doa à defesa da Pátria: o capitão João Bap-
tista Barreto, «havido em estado de casado com mulher desempe-
dida e reconhecido na Côrte do Rio de Janeiro e Desembargo do
Paço». 19 ) O capitão João Batista já era falecido quando o vis-
conde de São Gabriel fez seu testamento, em data de 23 de Fe-
vereiro de 1845. Casado com Claudina Arminda Freire, filha de
José Paim de Azevedo, João Baptista deixara duas filhas de legíti-
mo matrimónio: Maria de Deus e Deolinda e uma ilegítima: Ma-
ria Salomé, em memória da índia missioneira, que fora sua mãe.

e) Tenente-coronel Tomaz da Costa Correia Rabelo e Silva.


Pela sua importância, principalmente estratégica, como região fron-
teiriçasempre ameaçada, impunha^se a necessidade de confiar o
comando das Missões a oficiais superiores de comprovados méri-
tos. Foi essa sugestão do brigadeiro Patrício da Câmara, a quem
estava afecto o comando do Rio Pardo, aprovada pelo governo do
Continente que, desde então, designou, para essas funções, oficiais
de patente elevada. Iniciou essa série de administradores milita-
res de Missões o tenente-coronel Tomaz da Costa Correia Rabelo
e Silva, mais tarde elevado ao generalato no Exército brasilei-
ro. 20 )

Em Maio de 1808 assumiu o tenente-coronel Tomaz da Costa


o comando das Missões, que exerceu durante cinco meses, isto é,
até Outubro do mesmo ano. Oficial inteligente, com a visão pre-
cisa das excelências da. terra e da penúria que sobre ela baixara,
tenta Tomaz da Costa fazer alguma coisa pelas Missões, dirigindo

19) Testamento do Visconde de São Gabriel. Rio Pardo. 23-11-1845.


Arq. Publ. Rio Grande do Sul.
20) Tomaz da Costa Correia Rabelo e Silva era filho de Belchior
da Costa Correia Rabelo e de sua mulher D. Ana Joaquina da Silva. Em
8 de Julho de 1805, sendo Sargento-mor da brigada de artilharia da legião
dos Voluntários Reais de São Paulo, e lente da mesma legião, foi promo-
vido a Tenente-Coronel agregado ao Regimento de Dragões e lente das
tropas, que se encontravam no Rio Pardo. Em22 de Setembro de 1810
teve sua promoção a Coronel; em 13 de Maio de 1813, a Brigadeiro gra-
duado, e em 6 de Fevereiro de 1818 a Brigadeiro efectivo. Faleceu no Rio
de Janeiro em 21-XII-1818. (Leurênio Lago. Brigadeiros e Generais...
no Brasil. 146)
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 339

ao governo vários relatórios em que propunha os meios de melho-


rar a precaríssima condição dos índios e dos Povos. E, além des-
ses relatórios, escreveu interessantíssima Memória em que expõe
suas adiantadas observações, oferecendo-a ao conde de Linha-
res. -1
)

«Em cinco meses do meu comando, diz, quis examinar os


meios de tirar estes desgraçados da miséria em que viviam. Pre-
tendi conhecer as coisas na sua origem, e não existindo nos arqui-
vos dos Cabildos assentos, nem o mais pequeno apontamento sobre
os negócios e bens dos Povos, pois que com a invasão dos portu-
gueses nem os papéis escaparam, recorri à tradição e por ela me
regulei nos meus detalhes e em tudo quanto escrevi e se acha na
Secretaria deste governo. Vi com satisfação os naturais princi-
piarem a levantar a cabeça, porém tão curto espaço de tempo não
deu lugar ao desenvolvimento de minhas ideias». 22 )
Nessa interessante Memória traça Tomaz da Costa em linhas
fortes e precisas o panorama da miséria que envolvia as Missões,
cujos «principais povoadores, os índios guaranis, são por todos os
princípios os entes mais desgraçados: e de tão dilatado espaço de
terreno não resulta ao Estado a mais pequena utilidade». Para
conhecer as causas dessa decadência estuda detidamente as três
fases principais da vida das Missões: o florescimento da civiliza-
ção jesuítica, cujos atestados se impunham nas ruínas ainda cheias
de beleza de seus templos e casas, nas artes, nas indústrias, na
lavoura e na pecuária que promoveram a felicidade dos índios; a
decadência que começa com as administrações espanholas, rapaces
e aviltadoras do carácter desses infelizes, escravizados a adminis-
tradores insaciáveis e corruptos; e a «terceira época, a mais des-
graçada dos Sete Povos orientais». Fora esta conquista, «feita
por gente sem disciplina», de que «teve princípio a destruição dos
Povos». A boa fé dos comandantes, a má escolha dos administra-
dores e a gente de toda espécie que afluiu àquela província, foram

21) Memória sobre a Província de Missões. Oferecida ao Exmo.


Sr.Conde de Linhares por Tomaz da Costa Correia e Silva. Sem data,
mas presumivelmente escrita em Missões em 1808. Publicada na Rev.
Inst. Hist. Bras, Vol. II, 1840, pág. 155.
22) Memória, cit. Rev. Inst. Hist. n, 164.
340 AURÉLIO PORTO
as causas essenciais dessa desordem. As suas grandes estâncias
foram taladas e os gados desapareceram, ficando reduzidos a nada
esses estabelecimentos, «os campos, que eram seus bens patrimo-
niais foram uns, concedidos e outros, mal vendidos aos portugue-
ses. 23
)

Para reerguer a província deveria aproveitar-se a indústria


de seus moradores, pois «sendo os guaranis hábeis para se empre-
garem com sistema aos diferentes serviços da agricultura e artes,
está claro que nenhuma parte deste Continente, ou talvez do Bra-
sil, seja mais própria para o estabelecimento de fábricas. As suas
vastas campanhas nos oferecem a facilidade das lãs; as muitas
águas que banham aquela província, as suas muitas matas, os seus
naturais, mui hábeis para todas as manufacturas, dão todas as
proporções para esses estabelecimentos. Logo que mais há que
desejar? O anil é fácil fabricar-se neste país, acham-se outras
muitas tintas, pois que vejo obras de lã feitas naquela província
com boas e fixas cores. O linho ordinário e o cânhamo podem ser
objectos de consideração, logo é fácil o estabelecimento de fábri-
cas de lanifícios, de panos de linho e algodão, uma vez que estes
estabelecimentos tenham a fortuna de ser apoiados por V. Exa.» 24 )
Esboça Tomaz da Costa um plano admirável de progresso, que
atinge a todos os ramos da agricultura, da indústria, da pecuária,
nada escapando à sua observação acurada e ao seu elevado desejo
de acertar. Organiza uma estatística dos dízimos que poderiam re-
sultar à Fazenda Real, em seu plano de aproveitamento das acti-
vidades dos naturais.
Infelizmente, as suas conclusões são relegadas aos arquivos.
Pesava sobre as Missões a mão impiedosa da fatalidade. Não tar-
dam as convulsões políticas do Prata e a sequência dolorosa de
acontecimentos que irão até à destruição completa da civilização
jesuítica. Artigas, Chagas Santos, Rivera serão os demolidores
sombrios dessa obra admirável que de seus próprios escombros
avulta, impondo à Posteridade a glorificação de seus fundadores.
Na galeria de seus administradores contam as Missões, entre ho-

23) Idem, 162.


24) Memória, cit.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 341

mens ilustres que muito poderiam ter feito, Tomaz da Costa, que
se destaca pela visão de altos ideais de progresso para a infeliz
terra missioneira.

f) Tenente-coronel Joaquim Félix da Fonseca Manso. Subs-


tituiu o tenente-coronel Tomaz da Costa, no comando das Missões,
o tenente-coronel Joaquim Félix que, pela segunda vez, ia gerir a
administração daquela província. Poucos meses demorou, aí se
sendo logo substituído pelo coronel Francisco das Chagas Santos
que, em 4 de Agosto de 1809, assumia em São Luís aquele co-
mando.

g) Coronel Francisco das Chagas Santos. - r>


) Foi a admi-
nistração do coronel Chagas Santos a mais demorada que teve a
província de Missões. Nomeado em Maio para exercer essas fun-
ções chegava a São Luís a 4 de Agosto de 1809, tendo governado
aqueles Povos até fins de 1820. Oficial ilustre, companheiro de
Joaquim Félix e Saldanha, nos trabalhos da Demarcação, servi-
do por uma inteligência e uma cultura superiores, poderia Chagas
Santos, nesse lapso de dilatado de tempo, ter promovido o engran-
decimento material e social da terra a que servia.

25) Francisco das Chagas Santos nasceu no Rio de Janeiro em 17


de Setembro de 1763, sendo seus pais António Manuel dos Santos e D. Joa-
quina Maria de Jesus. Destinou-se ao estudo de matemáticas, concluindo
o seu curso em Lisboa. Foi promovido a ajudante de infantaria em
5-II-1781, a Capitão em 12-XII-1791, a Sargento-mor de engenheiros em
9-1-1800, a Tenente-Coronel em 25-VHI-1804, a Coronel graduado em
13-V-1808, a Coronel efectivo em 4-VIII 1809, a Brigadeiro grad. em
20-VIII-1813, a Brigadeiro efectivo em 24-VI-1817, a Marechal de campo
grad. 6-II-1818 e a Marechal de campo 8-XI-1822. Serviu na Demarcação
de limites de 1781 até 1790, ocupando mais tarde os cargos de maior des-
taque, tendo sido presidente da província do Rio Grande do Sul, em 1837.
Solicitou reforma no posto de Tenente-General, em ll-IX-1832, a qual foi
melhorada no posto de Marechal do Exército em 5-XII-1837. Faleceu em
12 de Outubro de 1840, no Rio de Janeiro. Chagas Santos casou em Por-
to Alegre com Joana Matilde, filha de Tomaz José da Costa e Sousa e sua
mulher D. Ana Joaquina da Costa. Deixou desse matrimónio seis filhos,
dois homens e quatro mulheres: Capitães Francisco de Assis Chagas e
Sebastião Francisco de Oliveira; Francisca Cândida, casada com o cons.
Manuel Felizardo de Sousa e Melo; Ana Matilde, com o cons. Cândido
Baptista de Oliveira; Maria José com Francisco Xavier Bomtempo e Joa-
quina Matilde, com João Hipólito Fernandes Lima.
342 AURÉLIO PORTO
Infelizmente, porém, tal não sucedeu. Premido pelas circuns-
tâncias, entre as guerras que se desencadeiam, de que as Missões
serão o teatro principal, nada mais lhe é dado fazer, senão defen-
der as suas fronteiras e levar também a destruição e a morte às
Missões ocidentais do Uruguai.
Desde o dia de sua chegada às Missões preocupou-se o coronel
Chagas Santos com a defesa desse vasto território, cujo limite ao
Sul, tàcitamente aceito pelos espanhóis, se estendia do Quaraí até
a sua desembocadura no Uruguai. Mas, os platinos não esquece-
riam nunca a conquista das Missões. E os movimentos de Arti-
gas, que talava os campos orientais, era uma ameaça constante à
tranquilidade da região. Urgia, pois, promover meios de repelir
pelas armas o embate dos inimigos que se aproximavam das raias
da conquista.
Em Julho de 1810, ante a iminência de um choque com a in-
vasão da fronteira de Missões pelos castelhanos, foi mandado des-
tacar ali, com as tropas da Legião de São Paulo, o marechal Joa-
quim Xavier Curado. Fora designado para esse acampamento o
Povo de São Luís que, por ser central demais, não convinha aos
interesses da defesa, escolhendo-se então o Ibirapuitã, onde depois
foi a Capela Queimada (Alegrete). Em Janeiro de 1811 chegava
ali o marechal Curado com um contingente de mil homens que em

Março se elevava a 1.437, contando a infantaria e artilharia de


São Paulo, o Regimento de dragões e cavalaria de milícias.
No mês seguinte o capitão-general D. Diogo de Souza, que
vai até o acampamento, já designado por São Diogo, em sua aten-
ção, informa que há ali «uma companhia de guaranis a cavalo
que guerreiam com lanças» e que já pode ser empregada. Em
Maio, ampliando o concurso dos índios missioneiros à defesa da
província, organiza D. Diogo um regimento de guaranis a cavalo,
e mais três companhias de milícias formadas pelos moradores bran-
cos dos Povos. 26 ) Do regimento e companhias foram providos
os postos até capitão, constando do mesmo ofício os figurinos de
seus uniformes.

26) Rev. Arq. Publ. R. G. S. Vol. XI, 50.


HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 343

O regimento composto pelos naturais teve a seguinte organi-


zação:

1* Companhia no Povo de São Borja:

Capitão Vicente Tiraparé que, mais tarde, aderindo a Andre-


sito Artigas, com toda um
dos mais temí-
a sua companhia, será
veis e valentes guerreiros contra os portugueses; tenente Ismael
Baré e alferes Pasqual Chucuí.

2^ Companhia no Povo de São Borja:

Capitão João da Cruz, tenente António Prepi e alferes Felipe


Santiago.

3 ? Companhia no Povo de São Nicolau:

Capitão Francisco Bairupá, tenente Lourenço Curapá e alfe-


res Domingos Barijú.

* 4? Companhia no Povo de São Luís:

Capitão Estêvão Aramani, tenente Pedro Crisóstomo Arama-


ni e alferes Salvador Cabuçú.

*5 ? Companhia nos Povos de São Nicolau, São Luís e São


Lourenço

Capitão Evaristo Jaguarí, natural de São Nicolau; tenente


João José, natural de São Luís e alferes João da Cruz Jangói, na-
tural de São Lourenço.

6? Companhia no Povo de São Miguel:

Capitão José Límaco Boroné, tenente Pedro Arassage e alfe-


res Miguel Ibarí.

7* Companhia no Povo de São João:

Capitão Miguel António, tenente Isidro Tanhuma e alferes


João Francisco Ibage.
t

344 AURÉLIO PORTO


8- Companhia no Povo de Santo Ângelo:

Capitão José Guarupuí, tenente João Boti e alferes Francisco


Xavier Baraja.

Quartel mestre: Ventura Cabuçu. 27


)

As companhias de Cavalaria miliciana, compostas de 64


três
praças cada uma
e formadas por brasileiros moradores nas Mis-
sões tinham os seguintes oficiais, veteranos da conquista:

Ia Companhia:

Capitão Gabriel Ribeiro de Almeida, tenente Joaquim Ferrei-


ra Braga 28 ) e alferes Raymundo Santiago.

2 ? Companhia:

Capitão Joaquim Cardoso de Souza, 20 ) tenente Francisco de


Paula Monteiro e alferes Manuel Marques Viana.

3- Companhia:

Capitão Vítor Nogueira da Silva, tenente Jacinto José de Oli-


veira e alferes João José Amado. 30
)

Mais tarde, como havia excesso de praças arroladas, organi-


zou-se outro regimento de cavalaria miliciana. São ambos os 24>
e 25" regimentos milicianos de Missões, que irão sob o comando
do coronel José Luís Mena Barreto até o combate do Rincão das
Galinhas e com o marechal José de Abreu sofrer o embate for-
midável na batalha do Passo do Rosário. Esses regimentos de
guaranis, pela sua bravura, escreveram páginas admiráveis na his-
tória das nossas campanhas platinas. Na campanha de 1816, se-

27) Rev. cit. IV, 62.


28) Ferreira Braga, que atinge o posto de Coronel de milícias, será
mais tarde, como veremos, Governador da Província de Missões.
29) Cardoso de Souza fez parte da conquista e presta nas guerras
platinas serviços de alta valia.
30) Rev. Arq. Publ. R. G. do Sul. Vol. IV. 64.

r
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 345

duzidos por Andresito, heróico samborjense, ao serviço de Arti-


gas, grande parte do primeiro desertará com o capitão Vicente Ti-
raparé à frente, e será, nas Missões, um núcleo de forte resistên-
cia contra os brasileiros.
Dando notícia da organização desse regimento, o coronel Cha-
gas Santos, em ofício de 14 de Agosto informava a D. Diogo de
Sousa que «além das evoluções de cavalaria em que se exercitam
os milicianos, duas ou três vezes por semana as primeiras três com-
panhias se vão também adestrando no exercício da Artilharia que
muito bem o aprendem, assim como as praças que aqui ficaram da
Legião, às quais tenho agregado 25 rapazes guaranis, solteiros, de
18 anos pouco mais ou menos, bons recrutas e estão a chegar mais
vinte afim de formar um corpo de 70 até 100 artilheiros a cavalo,
para os quais se estão fazendo aqui os arreios competentes».
A campanha de 1811-12 repercutiu fundamente no território
missioneiro, a cujos soldados, sob o comando geral do coronel Cha-
gas Santos, foram impostos duros ónus de guerra. Ora guarne-
cendo as extensas fronteiras, ora travando sangrentos combates
ou se entrechocando nas guerrilhas, os índios dos regimentos aí
organizados, tiveram larga participação nos acontecimentos da
campanha. Ficam "historiados, além de outros encontros, o de 4
de Maio de 1812, transposto o Uruguai, no Passo de São Borja,
pelas forças de Chagas Santos, e o ataque de São Tomé, em que
se distinguiram os oficiais missioneiros Gabriel Ribeiro, Joaquim
Cardoso e Raimundo Santiago, este último morto dias depois em
consequência de ferimentos recebidos. O ataque de São Tomé, em
que é ferido o alferes Manuel Marques Viana, do mesmo regimento.
Segue-se um interregno de paz que vai até 1816. Em 13 de
Novembro de 1814 assumia o governo da capitania, em substitui-
ção a D. Diogo de Souza, conde de Rio Pardo, o general Luís Teles
da Silva, marquês de Alegrete, que governou até 18 de Outubro
de 1818, quando foi substituído pelo conde da Figueira, D. José
de Castelo Branco.
Quatro anos de lutas terríveis ensanguentaram os campos mis-
sioneiros, levando seus Povos à destruição e à morte.

31) Rev. Arq. Públ. R. G. do Sul. Vol. IV. 85.


346 AURÉLIO PORTO
Em 1815 era proclamada a independência das Províncias Uni-
das do Rio da Prata, tendo Buenos Aires como capital. Mas, a
Banda Oriental, em que se levantou D. José Artigas, insurgindo-se
contra o governo de Buenos Aires, proclamou a vontade de se cons-
tituir em país livre, gesto que repercutiu entre os orientais, tendo
o cabildo de Montevidéu, em data de 22 de Julho de 1816, secun-
dado o grito de uberdade de Artigas.
Por outro lado, coonestando sua atitude com esse movimento
libertador que surgia da revolução platina, o governo português,
que jamais abandonara a ideia do domínio do Prata, pondo em exe-
cução as sugestões já referidas do general Curado, mandou orga-
nizar uma divisão de forças veteranas que, sob o comando do ge-
neral Carlos Frederico de Lecor, em 20 de Janeiro de 1816, dei-
xava Portugal com destino ao Brasil. Denominara-se inicialmen-
te Divisão de Voluntários Reais do Príncipe, recebendo por oca-
sião do falecimento de D. Maria I, por dec. de 13 de Maio, a desig-
nação de Voluntários Reais dei Rei.
Depois de demorar algum tempo no Rio de Janeiro, a divisão
demandou o Sul em 12 de Julho de 1816, chegando a Santa Cata-
rina a 25, e fazendo por terra o percurso até o Rio Grande, após
uma lenta travessia e de um encontro em índia Muerta, com Fru-
tuoso Rivera, a quem derrotou; ocupou, em princípios de Janeiro
de 1817, a praça de Maldonado. Em 20 de Janeiro entrava o ge-
neral Lecor em Montevidéu. Estava assim realizada a ocupação
da Cisplatina.
Abre-se então para a região missioneira esse largo e sangren-
to período de lutas, desumanas e bárbaras, que enche o resto do
governo de Chagas Santos, pois é exactamente nesse território
onde se irão entrechocar, em combates consecutivos e arremetidas
heróicas, os próprios índios que se dividem em correntes antagó-
nicas. E
surge então essa expressão formidável de bravura, de
tenacidade, que lembra os índios antigos, os Nenguirús e os Tya-
rayús, nesse heróico índio samborjense, capitão de blandéngues,
Dom Andrés Guacurarí, mais conhecido por Andresito Artigas.

32) De Maria e outros historiadores platinos e brasileiros dão-lhe


também a designação de Taqiiari, que nunca assinou, por confusão de Gua-
curarí. Era mais conhecido por Andresito, Artiguinhas, etc.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 347

Encherá todo o período dessa luta gigantesca em que revela qua-


lidades de um grande general, combatendo sob as ordens de Ar-
tigas, pela liberdade de seu povo.
Nasceu André Guacurarí em São Borja, provavelmente antes
de 1790. :!:!
) D. José Artigas conheceu-o em 1811 quando, nessa
campanha, se aproximou da fronteira rio-grandense, tendo o fu-
turo caudilho dele se acercado. «Herdara de seus maiores o ódio
à dominação portuguesa, e desde muito jovem, por sua vivaci-
dade e instintos belicosos, cercou-se de uma aura de prestígio en-
tre os missioneiros. Órfão de pai, vivia em sua terra sujeito ao
trabalho que os portugueses impunham aos índios reduzidos e do
qual tiveram ele e sua mãe os recursos imprescindíveis para se
manterem, quando a aproximação de Artigas à fronteira de Mis-
sões, em 1811, lhe deu a oportunidade de apresentar-se. Artigas
se impressionou pela sua vivacidade e adesão, adotou-o por filho,
permitindo que usasse seu apelido e incutiu em seu ânimo a ideia
de libertar aquele pedaço da pátria comum, tão violentamente ar-
rancada aos orientais». ::4 )
Acompanhando Artigas e recebendo lições do chefe dos orien-
tais, Andresito torna-se dentro de pouco tempò a figura central

em torno da qual giraram os acontecimentos da época, no terri-


tório das Missões. Em Março de 1815, D. José Artigas o investe
do cargo de comandante das Missões de um e de outro lado do
Uruguai. Em comunicação de 13 desse mês e ano, recomenda-lhe
que, como «comandante de las Misiones» exerça «severa vigilân-
cia com o fim de evitar um avanço das tropas portuguesas», e bem
assim que reforce os Povos de La Cruz e São Tomé, situados na
banda ocidental do Uruguai, na fronteira das Missões.
Nessa ocasião dando a conhecer aos índios a intenção de li-
bertar as Missões, Artigas lança uma proclamação que é subscrita

33) No L" de baptismos de S. Borja, que começa em 1790, encon-


tra-seum Andrés, nascido em 30-XII-1792, filho de pai desconhecido e de
Cecília Cuyay, viúva, do cacicado de D. Maria Marta Tabacacue. (Assento
564, pág. 55). Caso fosse este o futuro caudilho, teria ele 19 anos quando
foi adotado por Artigas; mas na incerteza, preferimos recuar o seu nasci-
mento para antes de 1790.
34) Setembrino Pereda. Artigas. Montevidéu, 1931. Tomo V, 8.
Veja-se também Bauzá. Hist. de la Dominación Hesp. Tomo III.
I

348 AURÉLIO PORTO


por Andresito: «Andres Guacurarí y Artigas ciudadano capitán
de blandengues y Comandante general de la Província de Misiones
por el supremo gobierno de la Libertad, a todos los naturales de
la Banda Oriental, etc.» Subscrevem também a mesma procla-
mação os irmãos Vicente, Cecílio e Inácio Tiraparé, 35 ) Justo e
Fernando Tuebay.
Andresito organiza ràpidamente uma força ponderável, com-
posta de missioneiros de todos os Povos e de uma e outra banda
do Uruguai. A companhia do capitão Tiraparé, de veteranos das
campanhas de 1811-1812, adere em massa ao caudilho. Como
mentor espiritual e sub-chefe desse exército surge uma figura in-
teressante de sacerdote, a quem Andresito chama de «mi com-
panero»: é o Padre Frei José Acevedo. «Prestigiado por seu há-
bito, comovia a fibra patriótica dos indígenas, assegurando-lhes
que era sacrifício digno da recompensa divina combater pela Pá-
tria e morrer pela sua liberdade; enquanto Andresito, disciplinan-
do aqueles recrutas imbuídos de fervor por seu capelão e compa-
nheiro, constituía um
núcleo militar que, durante muito tempo,
seria incontrastável». 36 )
Durante todo o ano de 1815 e parte do de 1816, Andresito
Artigas não hostilizou a Banda Oriental, operando nas Missões
ocidentais, contra os paraguaios, com os quais teve vários encon-
tros. Aconselhava-o Artigas que, em vez de atacar São Borja,
procurasse atrair os seus índios. «Mas atacá-los não convém, em
quanto não façam movimentos mais ofensivos. Aproveite-se da
boa disposição desses ânimos para tirar disto todas as vantagens
possíveis». 37
)

Inicia-se essa campanha que durante quatro anos irá ensan-

35) Os Tiraparé pertenciam a uma das mais importantes famílias


indígenas de São Borja. Vicente Tiraparé. pelo seu valor e prestígio,
fora como vimos nomeado, em 1811, Capitão da 1' companhia do Regi-
mento de Missões. Era casado com Justa Teubay, sendo assim os outros
subscritores da proclamação seus parentes próximos por cunhadio. Per-
tencia ao cacicado de D. Félix Capiy e em 5-IV-1791 registrara no L* de
São Borja o baptismo de uma filha: Vicência. Foi um dos mais valentes
comandantes de Andresito, morrendo mais tarde em combate contra os
brasileiros.
36) Bauzá. Dominación. Pereda. Artigas, V, 9.
37) S. Pereda. Artigas, V. 39.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 349

guentar o solo missioneiro, principalmente, com a proclamação de


Artigas, datada de 22 de Julho de 1816, concitando a população
da Banda Oriental a reagir com as armas na mão contra a ocupa-
ção iminente da Cisplatina, cujo fim se propunha o exército do ge-
neral Carlos Frederico Lecor.
Ao brigadeiro Francisco das Chagas Santos cabe a defesa das
Missões, onde irá repercutir com mais intensidade esse choque for-
midável das forças organizadas por Artigas e em que o valente
Andresito centraliza a resistência missioneira.
Estudando a vida heróica de Luís Carvalho da Silva, que se
destaca nesses acontecimentos de modo notável, fizemos já largo
esboço dessa campanha. A invasão das Missões pelo exército de
André Artigas, forte de dois mil homens de armas, ao qual se de-
veria juntar o de Sotel, que passaria o Uruguai no distrito de
Entre-Rios, e mais tarde os de Artigas e Verdum, deu-se pelo
Passo de Itaqui, em Setembro de 1816.
O primeiro contacto com os brasileiros tem Andresito, a 12
desse mês, na estância de São João Velho, onde se entricheirara o
furriel Atanásio Lopes e mais 13 milicianos, que recusam render-se
e morrem todos combatendo. No dia 16, à frente de 200 homens,
destacado para um reconhecimento no Rincão da Cruz, o major
Joaquim Ferreira Braga empenha-se em combate com Andresito,
sendo destroçado pela sua força, composta de 1.000 homens.
No dia 21 de Setembro, Andresito Artigas, à frente de 2.000
correntinos e guaranis, avançara até São Borja, cercando esta
praça que estava sob o comando do general Chagas Santos, apoia-
do em 10 peças de artilharia e 220 homens, dos quais 130 milicia-
nos rio-grandenses e guaranis e 90 homens do Regimento de Sta.
Catarina. O cerco durou até 3 de Outubro com vários assaltos do
caudilho missioneiro e heróica resistência dos sitiados. Tendo co-
nhecimento da situação de São Borja, o general Curado determi-
nara ao coronel José de Abreu que, com as forças de que dispu-
nha, marchasse em defesa da praça. Depois de dois encontros que
teve com o inimigo, em 21 na foz do Ibicuí, com a divisão Panta-
leão Sotelo, e em 27 do Itapurai, chegou José de Abreu, na manhã
de 3 de Outubro, à vista de São Borja. Dispunha o oficial brasi-
leiro de 693 homens das três armas, rio-grandenses e paulistas e
350 AURÉLIO PORTO
duas peças de artilharia. Investindo contra os sitiantes, sob o
comando de Andresito, desbaratou-os completamente. Deixaram
eles no campo de acção 470 mortos e prisioneiros, duas peças de
artilharia, toda a bagagem e mais 2.000 cavalos. Os inimigos fu-
giram, uns pelo passo de São Borja e outros em direcção ao Butuí.
Perseguiu-os uma coluna de cavalaria, sob o comando do capitão
Paula Prestes. Mandou também Chagas Santos que alguma ar-
tilharia, sob o comando do tenente Luz, de São Paulo, afugentasse
as canhoneiras que tentavam atravessar o rio. Com esse comba-
te e expulsão do inimigo do território missioneiro, em menos de
um mês, estavam as Missões completamente limpas de invaso-
^ s
res. :

Em 19 de Outubro, o general João de Deus Mena Barreto, no


Ibirocaí, destroçava as forças do coronel José António Verdum,
um dos oficiais mais distintos de Artigas e no dia 27 do mesmo
mês, no combate de Carumbé, contra o próprio D. José Artigas,
assinalou o brigadeiro Joaquim de Oliveira Álvares notável vitória.
EmJaneiro do ano seguinte, por ordem do marquês de Ale-
grete, capitão-general do Rio Grande do Sul e comandante em che-
fe do exército, o brigadeiro Francisco das Chagas Santos invade
o território ocidental das Missões para hostilizar o inimigo e des-
truir as suas povoações.
Em com 550 homens e
14 de Janeiro de 1817, 5 bocas de fogo,
saiu esse general de São Borja e dirigiu-se a La Cruz, tendo va-
deado o Uruguai em 11 canoas. No dia 19 destacou o coman-
dante um corpo avançado sob o mando do tenente Luís Carvalho
da Silva, cuja actividade já estudámos em páginas anteriores.
Centraliza Luís Carvalho toda a acção dessa coluna, em combates
consecutivos que se contam por verdadeiros rasgos de heroísmo.
No dia 20, o brigadeiro Chagas Santos, que transpusera o
Uruguai no dia anterior, marchou com sua força em direcção ao
passo da Cruz que os artiguenhos em número de 400 haviam aban-
donado no dia anterior com destino a Japejú. Destacou para ali

38) Diogo Arouche. Campanha de 1816. Rev. Inst. Hist. Bras. To-
mo VII, 145. Rio Branco. Efemérides.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 351

o capitão Gama Lobo que também não mais encontrou o inimigo,


em franca retirada.
Inicia, então, o brigadeiro, em La Cruz, esse bárbaro processo
de destruição integral dos povos jesuíticos da margem ocidental
do Uruguai, como represália às hostilidades de Andresito. Nada
escapou a essa destruição, que pesa sobre a memória de Chagas
Santos, aliás um oficial de elevada cultura e engenheiro de mérito.
Além de La Cruz, destruída à sua vista, são saqueadas e demolidas
até os alicerces as povoações de Jepejú, São Tomé, Santa Maria,
São Xavier, Mártires e Conceição, sitas à margem direita do Uru-
guai, e saqueados os Povos de São José, Apostoles e São Carlos.
«Saqueada e talada toda a campanha na distância de mais de oi-
tenta léguas, de que resultou a rica presa de sessenta arrobas de
prata, muitos e riquíssimos ornamentos das igrejas, muitos sinos,
6.000 cavalos e éguas, e outros géneros, importando tudo pelos
valores ínfimos, em cincoenta contos de réis». '"')
Em 13 de Março de 1817 estava Chagas Santos de volta de
sua excursão às Missões ocidentais, findando assim essa campa-
nha, em que, a título de tirar ao inimigo elementos de acção, des-
truiu aqueles infelizes Povos.
A perda total do exército brasileiro em toda a campanha
não ultrapassou de 135 mortos e 267 feridos, contra 3.190 mor-
tos e 360 prisioneiros feitos ao inimigo.
Ainda nesse ano, em 2 de Julho de 1817, comandando as for-
ças missioneiras, empenha-se o brigadeiro Chagas Santos em com-
bate contra o coronel correntino Aranda, que defendia a praça de
Apostoles. Enquanto se empenhava nesse combate, o major Lo-
bo d'Eça destroçava alguns esquadrões que, sob o comando de
Andresito, procuravam levar socorro a Aranda. Depois de mui-
tas horas de fogo contra os inimigos que se haviam entrincheira-
do na igreja e no colégio, às 11 horas da manhã seguinte, ordenou
© general Chagas Santos a retirada, feita em ordem. Chagas
Santos foi ferido nesse combate.
Novas actividades multares enchem o ano de 1818. Em 31

39) Diogo Arouche. Campanha de 1816. Rev. Inst. Hist. Bras.


Vol. Vn, 175.
352 AURÉLIO PORTO
de Março, as forças missioneiras, sob o comando do general Cha-
gas põem cerco e atacam o Povo de São Carlos, nas Missões oci-
dentais, defendido pelo coronel Serápio Rodriguez à frente de tro-
pas correntinas. No dia 2 de Abril trava-se um combate de ca-
valaria, entre o tenente-coronel Joaquim Ferreira Braga e o co-
ronel Aranda, que trazia aos sitiados um reforço de 300 correnti-
nos, com o qual contava levantar o cerco. Nessa ocasião, como
já historiámos, depois de praticar inexcedíveis actos de bravura,
o tenente Luís Carvalho da Silva,em combate singular, mata o
comandante Aranda. No dia seguinte, quarto do assédio a São
Carlos, «o general Chagas Santos ordenou o ataque da igreja e
colégio onde o inimigo estava entrincheirado. Tendo nossa in-
fantaria começado a derrubar o telhado da igreja, renderam-se
os contrários, ficando prisioneiros 323 oficiais e soldados corren-
entre os quais tenente-coronel Serápio Rodriguez. 40
tinos, o )

Morreu, em
consequência de ferimentos recebidos nesse combate,
o major Camilo Machado de Bittencourt, do Regimento de Santa
Catarina. Foi tomada uma bandeira e a povoação incendiada.
Em 20 de Abril, com as tropas que haviam tomado parte no com-
bate de São Carlos, o general Francisco das Chagas Santos re-
gressava novamente a São Borja, estabelecendo aí os seus quar-
téis de inverno.
O ano de 1819 encerra as actividades do valente Andresito
Artigas que, em 25 de Abril, passa novamente o Uruguai com o
intento de invadir a região missioneira à frente de suas forças.
Entrando pelo Norte, o chefe missioneiro vai-se sediar junto ao
rio Piratiní, nas imediações do Povo de São Nicolau, onde se for-
tifica e em 1" de Maio tem contacto com as forças brasileiras,
sob o comando do tenente-coronel Diogo Arouche de Morais Lara.
Determinara Chagas Santos que Diogo Arouche, à frente de
600 homens de cavalaria, fosse impedir o progresso da invasão do
cabo missioneiro, que talava os campos dos Sete Povos. Andre-
sito, com mais de 1.200 homens, depois de entreter algumas guer-
o
rilhas e dar um combate em Piratini, no dia I recuou para S.
,

Nicolau, em cuja praça se entrincheirou fortemente. Em 9 de

40) Rio Branco. Efemérides. 269.


-

HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 353

Maio, à frente de seu regimento de milícias de Missões, reforça-


do por mais cem homens, resolveu Arouche investir contra essa
praça. Tinha junto a sí o tenente Luís Carvalho, que o acon-
selhava tivesse a necessária prudência, pois era enganador o si-
lêncio que se guardava nas trincheiras inimigas. Moço, valente
e audacioso, Diogo Arouche, num ímpeto de intrépido valor, pôs-se
à frente de seus homens, a pé, de espada em punho, e investiu,
seguido pelos seus, contra o Povo, em que penetrou sem resis-
tência, ocupando a praça. Mas neste instante, quando parecia
ter-se ultimado esse feito de armas «cairam sobre ela (coluna de
Arouche) fortes descargas de fuzilaria partidas dos curralões e
um chuveiro de balas que a muitos derribou e fez sucumbir, sendo
do número destes o bravo tenente-coronel Arouche, que conduzido
dali ao campo de exército ainda pôde abraçar o seu general e fa-
zer-lhe importantes advertências que foram profícuas para o bom
êxito daquela campanha». 41 )
Em
11 de Junho, parte dessas forças que se conservavam
em São Nicolau o abandonaram à aproximação do exército co-
mandado pelo conde da Figueira, capitão general do Rio Grande
do Entrou este no dia seguinte em São Nicolau, mandando
Sul.
perseguir os fugitivos pelo major José Maria da Gama Lobo,
qúe alcançou e destroçou no passo de Santo Isidro a retaguarda
das forças correntinas, que deixaram em poder dos brasileiros
uma peça, 54 mortos e muitos feridos. Outra partida ao mando
do tenente Fabiano Pinto encontrou em Santo Cristo outra força
comandada por Vicente Tiraparé, já referido, destroçou-a e ma-
tou o seu comandante, um dos mais valentes companheiros e che-
fes das forças de Artigas.
Andresito Artigas, que se dirigia com sua divisão ao Itacuru-
bi,é aí encontrado no dia 6 de Junho pelo tenente-coronel José de
Abreu, que o derrota fragorosamente. Além de Andresito, que
é gravemente ferido, mas consegue fugir, ficam no campo da acção
430 correntinos mortos e prisioneiros, constando entre os últimos
o segundo comandante tenente-coronel Pedro Sanchez. E, assim,

41) Arouche. Memória, cit.

História das Missões Orieutais do Uruguai — 2.* Parte 12


354 AURÉLIO PORTO
com esta e a consequente derrota infligida por Gama Lobo no
encontro de Santo Isidro os inimigos* evacuam as Missões.
O coronel André Guacurarí y Artigas, cujo nome enchera
esses tempos agitados das Missões, procurou fugir pelo passo de
São Lucas, que julgava não guarnecido, ali chegando a 24 de Ju-
nho. Mas, havia ali uma guarda comandada pelo sargento Joa-
quim António Santiago, que o prendeu, entregando-o depois ao
conde da Figueira, sendo por este conservado preso até seu re-
gresse a Porto Alegre. Em Outubro de 1819 foi Andresito re-
metido para o Rio de Janeiro e recolhido à fortaleza de Santa
Cruz, onde morreu algus meses depois. 42 )
Com a batalha de Taquarembó, dada pelo conde da Figueira
em 22 de Janeiro de 1820, no território da Banda Oriental, pro-
ximidades da fronteira de Santana do Livramento, contra forças
de D. José Artigas, que são vencidas e desbaratadas, termina a
guerra de quatro anos, desde 1816, em que o chefe dos orientais
se empenhara contra o Brasil. Vencido aí, mais tarde, tendo
contra si os próprios companheiros que se rebelam, Artigas vai-se
acolher à protecção de Francia, ditador do Paraguai, onde termi-
na seus dias.
Cifram-se nessas lutas tremendas que convulsionaram as Mis-
sões, sacrificando milhares de índios que acompanharam quer uns,
quer outros contendores, a longa administração do general Fran-
cisco das Chagas Santos. Pelo próprio carácter dessas lutas que
atirou irmãos contra irmãos, dividindo a população indígena das
Missões; pela devastação cruel com que destruiu os Povos oci-
dentais levando a eles o incêndio, o saque, a morte, Chagas San-
tos criou em torno de si uma atmosfera de ódios e de malsina-
ções à sua memória. Mas não se lhe pode negar a heróica resis-
tência com que amparou e defendeu o território que lhe fora
confiado. Foi, nessas horas amargas, o consolidador do domínio
português no território missioneiro, graças à sua bravura, tena-
cidade e qualidades excepcionais de soldado intrépido e valoroso.

42) Não obstante as mais acuradas pesquisas que foram procedidas,


nada se conseguiu sobre a data exacta da morte de Andresito na fortaleza
de Santa Cruz. Parece ter sobre esse valente General samborgense desci-
do um véu impenetrável de mistério que cerca seus últimos dias...
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 355

Uma das preocupações administrativas do general Chagas


Santos, emseu governo nas Missões, consistiu em atender às ne-
cessidades do culto, com a conservação de sacerdotes que pudes-
sem desempenhar dignamente ali as suas funções. Não havia
mesmo uma delimitação das diversas freguesias acrescidas com
a conquista desse vasto território missioneiro, que ficara eclesiàs-
ticamente, ainda por muito tempo, subordinado ao bispado de Bue-
nos Aires, e os Povos dirigidos por Padres espanhóis ali conser-
vados a instâncias dos conquistadores. Como vimos, porém, já
em 1803, tendo passado a jurisdição eclesiástica das Missões ao
bispado do Rio de Janeiro, se encontrava como pároco de São
Borja o Padre Euzébio de Magalhães e Silva.
Com a elevação do Rio Grande a Capitania Geral, sob a de-
signação de —
Capitania de São Pedro do Sul —
por decreto de
25 de Fevereiro de 1807 e nomeação de D. Diogo de Sousa, que
tomou posse, em Porto Alegre, a 9 de Outubro de 1809, foi bai-
xado a 27 de Abril deste mesmo ano um decreto real que dividia
a capitania em quatro municípios que foram Porto Alegre, Rio
Grande, Santo António da Patrulha e Rio Pardo. As Missões
Orientais do Uruguai, ficaram compreendidas dentro do extensís-
simo território do município do Rio Pardo.
Quando o coronel Chagas Santos assumiu a administração
das Missões, e antes mesmo de seguir para o seu posto, já de Por-
to Alegre, em data de 29 de Março de 1809, se dirigia ao governo
solicitando Padres para aqueles Povos, onde se fazia sentir gran-
demente essa falta, e bem assim uma divisão mais precisa entre
as sete freguesias que deveriam constituir a região missioneira.
Atendeu essa solicitação a provisão do Vigário Geral do Rio Gran-
de do Sul, datada de 8 de Março de 1816, que dividia a Província
das Missões, designação por que era conhecido esse território, em
sete freguesias. Estava a Província das Missões entre os limites
compreendidos, ao Norte, pelo sertão do Uruguai; a Leste, pelo
rio Jacuí; ao Sul, o rio Ibicuí, e a Oeste, o rio. Uruguai. E eram
as sete frequesias constituídas pelos Sete Povos de Missões, cujos
limites são traçados nessa provisão.
Era, porém, necessário erigiruma capital que fosse a sede do
governo administrativo e militar da dilatada província, propondo
12*
356 AURÉLIO PORTO
o general Chagas Santos para esse fim o Povo de São Luís Gon-
zaga que, pela sua posição e importância e por ter mesmo sido
quase exclusivamente a residência dos administradores, estaria em
condições magníficas como cabeça de governo.
Essa exigência foi atendida pelo alvará de 13 de Outubro
de 1817, que criava a vila de São Luís da Leal Bragança, cuja
jurisdição abrangia todo o território missioneiro. A guerra que
se abrangendo o período de 1816 a 1820, não permitiu
seguiu,
fosse instalada essa vila. Bem assim as necessidades da defesa
aconselhavam a mudança da sede do governo administrativo e
militar para ponto mais estratégico e daí o aproveitamento de
São Francisco de Borja, que ficou sendo cabeça das Missões. E
o Conselho Geral da Província, efectivando essa mudança, criou
a vila de São Borja, que foi instalada em 21 de Maio de 1834.
Em 1820, depois de prestar relevantes serviços às Missões,
por espaço de quase 12 anos ininterruptos e de ter sabido defen-
der com heróico e abnegado esforço esse património territorial do
Brasil,o já marechal de campo graduado Francisco das Chagas
Santos recolheu-se a Porto Alegre e daí, ao ano seguinte, era.
designado para comandar o porto, vila e fronteira do Rio Grande..

h) Coronel António José da Silva Paulet. Como oitavo co-


mandante das Missões, em substituição ao marechal Chagas San-
tos, ocupou esse cargo, administrativo e militar, o coronel Antó-
nio José da Silva Paulet que, por pouco tempo, permaneceu ali.

Em de Agosto de 1822 era o coronel Paulet nomeado pelo go-


1"

verno do Rio Grande do Sul intendente interino da Marinha e de-


putado da Junta de Fazenda Nacional. 43 )
O coronel Paulet fora oficial de marinha e servira, no Ceará,
como ajudante de campo do brigadeiro Manuel Inácio Sampaio,
visconde de Lançada, que fora governador daquela capitania e
mais tarde, em 1820, da de Goiaz.
Nada pôde fazer em seu curto período administrativo, de que
se tem, no entanto, notícias no livro admirável de Saint-Hilaire

43) Rev. Arq. Públ R. G. do Sul, VII, 150.


HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 357

que precisamente nessa época visitou as Missões. 44 ) O provecto


botânico-historiador informa, em 19 de Fevereiro de 1821, «que
nessa data apresentara seu passaporte ao coronel Paulet, na po-
voação de São Borja. E acrescenta que «descontente com a ad-
ministração do marechal Chagas, pela sua fraqueza e apatia», o
conde da Figueira mandou substituí-lo pelo coronel Paulet, «re-
conhecido como mais capaz». Estava ali havia pouco tempo, não
conhecendo ainda a região. «Pareceu-me frio, diz Saint-Hilaire.
Entretanto, recebeu-me muito bem, mandando-me reservar um
quarto junto ao seu, no velho convento dos jesuítas. Fez con-
duzir meus animais a uma estância das vizinhanças, convidou-me
a fazer refeições em sua companhia, prometeu mandar fazer novo
eixo e nova coberta para minha carruagem, além de mandar for-
necer carne aos meus empregados». 45 )
Em l 9 de Março de 1821 Saint-Hilaire deixava São Borja, le-
vando do coronel Paulet as melhores impressões. Conhecera-o
mais intimamente, apreciara o seu carácter, a justeza de seus con-
ceitos, a ideia que formava sobre os índios e as providências de
ordem administrativa que pretendia tomar no interesse das Mis-
sões. De suas palestras com o administrador concluiu o botâ-
nico ser este «homem sensato, inteligente e de nobres sentimen-
tos». Durante a permanência de Saint-Hilaire em São Borja o
administrador estabelecera um correio, o primeiro que houve en-
tre Missões e Porto Alegre.
Tem o viajante francês, em contacto com as Missões, interes-
santíssimas observações sobre os índios que «acha comparáveis
às crianças da nossa raça», com a diferença ainda de que jamais
despertara desse estado de ingenuidade infantil. Reproduz, nes-
se sentido, váriasconsiderações do coronel Paulet:
«Sabemos, dizia-me o Sr. Paulette, como a Província das Mis-
sões era florescente sob o governo dos jesuítas, e que somente sob
a égide desses Padres ela podia florescer. Se quisermos esperar
bons resultados teremos de procurar imitá-los na medida do possí-

44) Auguste de Saint-Hilaire. Viagem ao Rio Grande do Sul.


(1820-1821). Trad., Rio, 1935.
45) Idem, ibidem, 173.
358 AURÉLIO PORTO
vel.Mas na prática as coisas mudam. O sistema jesuítico for-
mava um todo, do qual não é possível que se conservem umas
partes suprimindo-se outras. Era apoiado sobre bases não mais
existentes e por conseguinte impraticáveis. Tais bases eram as
poucas ideias que os índios tinham do resto do mundo, sua se-
paração de todos os brancos que não pertencessem à Ordem dos
Jesuítas e enfim a profunda veneração que tinham pelos Padres,
olhados como seres de uma espécie superior, enviados de Deus
especialmente para governá-los.
«Sob a égide jesuítica os índios viviam em comunidade, mas
não se acredita que trabalhassem para gozar um dia. Trabalha-
vam porque tal era a vontade dos Padres. Os interesses desses
confundiam-se com os dos guaranis e por isso eles deviam pro-
curar torná-los felizes. O espírito previdente dos sacerdotes de
Cristo supria o que a natureza recusara aos índios. Eles eram
para os selvagens o que são os pais para os filhos —
a tribo gua-
rani formava um corpo do qual os jesuítas eram a alma.
«Se os guaranis pertencessem a uma tribo possuidora de en-
tusiasmo pela virtude, o regime de comunidade talvez fosse ainda
possível, mas onde achar entre os portugueses homens capazes
de desinteressadamente aceitar o encargo de dirigir um povo se-
mi-bárbaro, em região distante das cidades, onde nada se faz se-
não a peso de ouro? O cidadão encarregado de administrar os
índios somente o fará com intenção de se enriquecer à custa dos
selvagens, como tem acontecido até agora, e os índios trabalha-
rão de má vontade, visto reconhecer estarem trabalhando para
os outros. Além disso, eles sabem que nas estâncias serão re-
cebidos como peões, tendo abundância de carne e recebendo algum
salário. Como, pois, não preferirem esse último estado de coisas,
muito menos fatigante que um trabalho regular, repetido diària-
mente, sob a guarda de um feitor que os castiga a cada falta.
«Hoje eles sabem que o mundo não se limita às suas aldeias;
contrariados, nada os impede fugir e um grande número deles
dispersando-se, já, pela capitania, constitui forte exemplo a ser
seguido por outros mais.
«Ã saída dos índios das Missões corresponde a entrada de no-
vos brancos; as raças confundem-se e mestiços sem virtudes e sem
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 359

amor ao trabalho terminarão por tomar o lugar dos brancos e dos


índios. Mas os primeiros serão em parte renovados pela chega-
da de europeus, de paulistas e mineiros, sendo possível o desapa-
recimento dos guaranis ao fim de uma ou duas gerações. Dan-
do-se aos índios a mesma liberdade auferida pelos brancos eles
continuarão a se dispersar, mas evitar-se-á constrangê-los». 4,1
)

O naturalista francês viu as Missões com seus olhos de ob-


servador atento. Há em suas observações aqui e ali uma nota
flagrante de vida, um subsídio de interesse histórico, um traço
de psicologia, catalogados, cuidadosamente, como as espécies bo-
tânicas que enumera. Ora nos dá uma paisagem familiar à re-
gião missioneira, os seus campos, a riqueza pecuária, a variedade
de suas produções, o regime de suas águas, de sua orografia, de
tudo enfim que constitui o fácies físico dessa terra, em contraste
absoluto com a miséria, a destruição, e decadência dos Povos em
ruínas.

Entrando nas Missões, por São Borja, Auguste de Saint-Hi-


laire atravessa, em 1821, a região missioneira. Visita os templos,
percorre as ruínas, entra em contacto com índios e com os bran-
cos, que vão avassalando as estâncias e as povoações. Mais tar-
de, quando tratarmos mais demoradamente da arte das Missões
e das realizações jusuíticas, esse trabalho magnífico nos servirá
de guia para estudo mais detido.

Em
São Borja tem ocasião de observar o soldado miliciano
do regimento dos guaranis. Formado havia 12 anos esse corpo,
que contava 500 praças, era, à excepção do coronel e do major,
todo composto de índios, inclusive a oficialidade. Bom soldado,
valente, sóbrio, devia-lhe o país assinalados serviços de guerra, e
«parte dos sucessos obtidos na batalha de Taquarembó». A mú-
sica exercia sobre eles uma
sedução extraordinária e pode-se atri-
buir às marchas militares o garbo e disciplina com que se apre-
sentam. Achou o conde da Figueira que se assemelhavam mui-
to aos cossacos do Don, e «admirado dessa semelhança, melho-

46) Obra cit., 176.


360 AURÉLIO 'PORTO
rou-a dando-lhes uniforme azul com golas vermelhas, mais ou me-
nos do feitio do dos cossacos». 47 )
Trata o viajante de estudar as condições económicas e de
produção da zona que vai atravessando. Quando a província pu-
der gozar de paz, é possível que o trabalho se desenvolva e no-
vamente a terra possa prosperar. No algodão consistia antiga-
mente uma das principais culturas da região. Mas tudo foi des-
truído pelas invasões espanholas. Os homens, mobilizados no
exército, e as mulheres, privadas de meios para desenvolver esse
trabalho, haviam-no abandonado quase completamente. Também
o gado das estâncias mal dava, pela destruição dos rebanhos,
para prover às necessidades locais. «As terras estão incultas e
os moços são hoje estranhos aos trabalhos do campo, não apren-
dendo nenhum ofício». Já não havia em São Borja senão um
pequeno número de índios descendentes dos que outrora compu-
nham essa aldeia.
De São Borja dirigiu-se Saint-Hilaire a São Nicolau, onde
chegou a 10 de Março. Achou o Povo, pela sua localização, mais
alegre do que o de São Borja, apreciando também as suas cons-
truções jesuíticas. Três dias depois estava em São Luís. E' aí
que completa as suas notas sobre São Nicolau. A regularidade
da aldeia causara-lhe «admiração e respeito» quando considerou
que tudo aquilo era obra de um povo semi-selvagem, guiado por
alguns religiosos. «Mas, quanto amargor invadia tal sentimento
ao deparar ruínas onde, há pouco demorava numerosa popula-
ção». São Nicolau estava em deplorável estado de decadência,
quando em 1819 os insurgentes ali entraram e acabaram de des-
truí-la. Os habitantes fugiram, dispersaram e, em sua maior par-
te, não mais voltaram à sua terra. Poucos índios encontrou ali
o viajante e estes mesmos na maior indigência. O número de
casas habitadas não excedia de duas dúzias, e estas constituídas
de velhos, mulheres e crianças.
Em São Luís tem o naturalista a mesma impressão dolorosa
que lhe causam suas ruínas e decadência. Visita depois São Lou-
renço, São Miguel, São João Baptista e Santo Ângelo, dando-nos

47) Viagem, cit, 183.


HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 361

as características de cada povoação, um traço interessante de seus


últimos remanescentes de população aborígene. São Miguel era
a mais conservada das aldeias até o momento Encon-
visitadas.
travam-se aí várias ruas. A Igreja, cuja torre fora abatida por
um raio, ainda se conservava, tendo o capitão João de Deus, quan-
do governador das Missões, reunido material e gasto algumas so-
mas para sua reconstrução; mas, afastado do cargo, ficaram as
obras paralisadas, não levando seu sucessor avante esse projecto.
A praça, ou curralão, ainda estava em boas condições. Havia ali
alguns tecelões, um curtidor, um serralheiro, cada qual com seu
aprendiz, entregues a seus ofícios. Em São João percorre as plan-
tações, que são imensas, e feitas exclusivamente por velhos e mu-
lheres. Servem-se de uma charrua primitiva, tirada a bois, e pro-
duzem mandioca, milho, algodão, feijão, favas e outras es-
trigo,
pécies de legumes. São João é uma aldeia diferente das demais
pelo seu aspecto material. Santo Ângelo é a última das povoa-
ções visitadas por Saint-Hilaire, no dia 22 de Março. «Os jesuí-
tas, observa, parece terem querido demonstrar, de modo simbóli-
co, a sua intenção de não ir mais longe, pois sendo as igrejas de
todas as aldeias voltadas para o norte, a de Santo Ângelo olha
para o sul». Tudo está em ruínas e das numerosas habitações
do Povo, apenas seis estão em condições de habitabilidade. A
população não excede de 80 pessoas, e dessas somente 10 homens
estão em condições de trabalhar, dedicando-se a fazer erva-mate
para o que caminham diariamente quatro léguas de ida e volta
aos ervais.
Augusto de Saint-Hilaire deixa as Missões, levando do que
vira uns traços acentuados de melancolia. Assistira aos últimos
momentos dessa velha civilização jesuítica que falava ainda das
suas ruínas majestosas, dos templos derruídos, e pelos restos de
uma moral cristã, relegada à idolatria das imagens, nesse avilta-
mento do carácter dos índios que os Padres haviam elevado até os
limites da possibilidade de seu esforço, mas que os homens, cúpi-
dos e sem moral, pela força de seus interesses, tinham compelido à
baixeza ao despudor e aos vícios mais degradantes.
,

(X coronel Paulet, administrador das Missões, pouco tempo


mais teve para pôr em execução as boas ideias de que estava ani-
362 AURÉLIO PORTO
mado. Em fins desse mesmo ano deixava essa administração,
entregando-a ao marechal José de Abreu, que comandava aquela
fronteira. Em Porto Alegre, para onde se transfere, é em segui-
da aproveitado nos cargos de intendente de Marinha e deputa-
do à Junta da Fazenda Nacional.

i) Marechal José de Abreu. Exercia o marechal José de


Abreu o comando geral das forças da fronteira quando, em subs-
tituição do coronel Paulet, determinou o governo da província as-
sumisse o comando das Missões. Foi rápida a passagem de Abreu
nessa missão, pois, os acontecimentos da Independência, que se
desenrolaram logo após, exigiram os seus serviços em sector de
maior importância para os destinos do País.
Em 20 de Agosto de 1821, sucedendo ao governo interino do
triunvirato 48 ) que assumiu as rédeas da capitania, em substitui-
ção ao conde da Figueira, tomava posse do governo do Rio Gran-
de do Sul o brigadeiro João Carlos de Saldanha Oliveira e Daum,
nomeado por Carta Régia de 26 de Março desse ano. O movi-
mento nacional pela independência do Brasil extinguiu as capita-
nias, sendo criado, por decreto de 1" de Outubro de 1821, um go-
verno provisório, que, tendo por presidente ainda o brigadeiro
Saldanha, tomou posse, em Porto Alegre, em 25 de Fevereiro de
1822. Em virtude, porém, de se conservar fiel a Portugal, renun-
ciou o brigadeiro Saldanhá, sendo eleito para substituí-lo o mare-
chal João de Deus Mena Barreto, que assumiu essas funções em
29 de Agosto do mesmo ano.
Deu-se o choque inevitável entre os nacionalistas e os portu-
gueses, sendo o brigadeiro Saldanha preso e remetido para a Cor-
te. Exercia também o cargo de governador das armas da pro-
víncia, de que foi destituído. E' nessa ocasião que a Junta Go-
vernativa, procurando cercar-se de elementos de prestígio e com-
provado patriotismo, solicita a nomeação do marechal José de

48) Compunha-se o triunvirato dos seguintes cidadãos: Tenente Ge-


neral Manuel Marques de Sousa, ouvidor Joaquim Bernardino de Sena Ri-
beiro da Costa e vereador António José Rodrigues Ferreira. Assumiu o
governo em 26 de Setembro de 1820.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 363

Abreu, que, por Carta Régia de 8 de Agosto, é nomeado general


das armas interino, cargo que assume em Setembro seguinte, sen-
do efectivado em 12 de Outubro de 1824.

j) Tenente-coronel de milícias Joaquim Ferreira Braga. Na-


tural do Rio Pardo e filho de Manuel Ferreira Braga e sua mulher
Sebastiana das Cândeas, Joaquim Ferreira Braga foi um dos con-
quistadores das Missões. Por valorosos serviços de guerra atin-
giu todos os postos da milícia, passando de furriel, em 1811, a
tenente da Companhia de Milicianos Guaranis, de que era coman-
t dante o capitão Gabriel Ribeiro de Almeida. Várias vezes cita-
do neste trabalho, em todas as campanhas platinas, era, ao assu-
mir o comando das Missões, interinamente, tenente-coronel, «ofi-
cial honrado, hábil e de conhecimentos práticos daquela frontei-
ra», diz a portaria que o nomeou, em 25 de Agosto de 1822, para
aquele comando. 49 )
Exerceu esse cargo unicamente três meses, pois, por ordem
do governo da Província, datada de 8 de Novembro do mesmo
ano era substituído na administração das Missões pelo coronel
José Pedro Cesar.

k) Coronel José Pedro Cesar. Natural de Leiria, Portugal,


era filho legítimo de José Pedro Cesar de Azevedo e de sua mu-
lher D. Ana Joaquina Rosa de Almeida, neto paterno do desem-
bargador Félix da Fonseca de Azevedo Cesar e de sua mulher
D. Ana Teresa do Nascimento, e bisneto paterno do conde de Va-
ladares, D. Miguel Luís de Menezes, de quem era filho natural o
desembargador Félix da Fonseca Cesar.
José Pedro Cesar, depois de um curso distinto na Academia
Militar, veio para o Brasil, onde em 1812 era sargento-mor de
milícias da capitania do Piauí, tendo nessa ocasião, por serviços
já prestados, recebido uma tença de 12$000 e um hábito de Cristo,
por decreto de 10 de Setembro. Em 1815 está no Rio de Ja-
neiro, onde empresta ao governo, sem juros, a importância de
400$000. Apresenta nessa ocasião um projecto de balizamento

49) Arq. Públ. R. G. do Sul. Rev. n. 7, 81.


364 AURÉLIO PORTO
do rio Guaíba e Lagoa dos Patos e de abertura dos canais de Can-
guçu e Estreito, na capitania do Rio Grande do Sul, afim de me-
lhorar as condições de navegabilidade daquele estuário. Aceito
pelo governo, inicia os respectivos trabalhos que seriam feitos sem
ónus para o Estado e mediante uma quota das embarcações que
demandassem a barra e vice-versa. Houve, no entanto, um desen-
tendimento com o capitão-general da capitania marquês de Ale-
grete, ficando assim sustados os trabalhos.
Por decreto de 24 de Setembro de 1817 era José Pedro Cesar
encarregado de organizar e administrar a primeira linha de cor-
reios que se estabelecia entre o Rio Grande do Sul, Santa Cata-
rina e a Corte, o que levou logo a efeito, instalando esse serviço
em l 9 de Janeiro de 1818.
Neste mesmo ano, o conde da Figueira, novo capitão-general,
apreciando a competência desse oficial, encarrega-o de vários ser-
viços de levantamento, urbanização, abertura de ruas, praças e
construção do trapiche de Porto Alegre. Deve-se-lhe a abertura
da rua da Várzea até o riacho e o alinhamento de outras da capi-
tal do Estado.
Por decreto de 22 de Dezembro de 1820, era José Pedro Ce-
sar designado para servir às ordens do governo da capitania, sen-
do promovido, no ano seguinte, a coronel graduado do Regimento
de Milícias de Porto Alegre.
Ao assumir o governo das Missões, em 1821, desejando ter
junto a si um oficial competente que o auxiliasse naquela comis-
são, solicitou o marechal José de Abreu fosse para ali o coronel
José Pedro Cesar, designado por ordem de 15 de Julho de 1822.
Os acontecimentos subsequentes e a retirada de Abreu sustaram
a ida desse auxiliar que, no entanto, é designado efectivamente
em 8 de Novembro de 1822 para substituir o tenente-coronel Joa-
quim Ferreira Braga, no comando das Missões.
Procurou o coronel Cesar administrar de modo inteligente
aquela província, caída no mais cruel abandono e decadência, não
poupando os maiores esforços, afim de atender às necessidades
prementes de seu reerguimento. Em Fevereiro de 1823 procura
estabelecer, por terra, comunicações com o Paraguai, conseguin-
do enviar uma mensagem, que foi bem recebida pelo ditador Dr.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 365

Francia. Mas seus foram novamente reclamados pelo


serviços
governo, em outro sector de actividade; e em 8 de Março de 1823
deixa o comando das Missões.
Indo para Porto Alegre dedica-se a vários trabalhos de en-
genharia. E' designado para comandar a vila da Cachoeira e,
em 1826, recebe ordens para levantar o campo de acampamento
do exército em Bagé. Pelo presidente Gordilho de Barbuda, nesse
mesmo ano, a 16 de Março, é designado para dirigir a Repartição
de Estatística do Rio Grande do Sul, organizando trabalhos no-
mapa topográfico da província
táveis, entre os quais se destaca o
que termina nesse ano. 50 ) Esse mapa é o que, reduzido pelo
autor, acompanha a 1* edição dos Anais da Província de São Pe-
dro, do visconde de São Leopoldo, e impresso por Th. Duvotenay,
geog. Paris.
Depois de uma vida de trabalho inteligente e de prestar rele-
vantes serviços ao Rio Grande do Sul, faleceu o coronel José Pe-
dro Cesar em 27 de Abril de 1831, em Porto Alegre. Casara nes-
ta cidade com Maria Bernardina, filha legítima *de Francisco José
da Costa e de sua mulher Bernardina de Jesus Pinto, natural da
Aldeia dos Anjos (Gravataí), deixando vários filhos e descenden-
tes de grande projecção nas letras da província. Procede do co-
ronel José Pedro Cesar essa conhecida família rio-grandense que
até hoje tem seus representantes em vários Estados do Brasil.

1) Coronel João José Palmeiro. Em 8 de Março de 1823,


em substituição ao coronel Cesar, era nomeado comandante das
Missões e seu administrador geral, o coronel João José Palmei-
ro. 51
)

Esse oficial, que foi tronco da grande família desse apelido,


no Rio Grande do Sul, nasceu na vila Franca de Xira, patriarcado
de Lisboa, em 31 de Março de 1774, sendo filho legítimo de Luís
José da Silva Pereira e de D. Maria Herculana Margarida da Sil-
veira; neto paterno de Manuel da Silva Pereira e de Maria de Je-

50) B. N. Verb. biog. 512, 8-769, 13-739, 9.


51) Rev. Arq. Públ. R. G. do Sul. Vol. 7*.
366 AURÉLIO PORTO
sus e materno do capitão-mor Diogo José Palmeiro e de D. Maria
Caetana de Oliveira. Seguiu a carreira naval, sendo promovido a
aspirante em 6 de Maio de 1796, guarda-marinha a 22 de Outubro
do mesmo ano, 2" tenente a 19 de Dezembro de 1798. Era oficial
da armada portuguesa quando em 1801 vai ao Rio Grande do
Sul e em São José do Norte conhece D. Maria José da Fontoura,
com quem se casa, conseguindo para isto transferência para o
Regimento de dragões em que vai servir como capitão por paten-
te de 10 de Setembro de 1801.
Oficial de valor, inteligente e activo, o capitão Palmeiro atin-
ge os postos superiores, sendo sargento-mor de dragões, por pa-
tente de 21 de Junho de 1813, tenente-coronel e coronel, em cujo
posto se reforma. Faleceu em Porto Alegre em 2 de Março de
1830. Como veremos comandava o 24 9 Corpo de Milícias de Mis-
sões quando em
1828 se dá ali a invasão de D. Frutuoso Rivera.
D. Maria Josefa da Fontoura, com quem casou o capitão Pal-
meiro, era filha legítima do capitão João Carneiro da Fontoura e
de sua mulher D. Josefa Bernardina da Cunha Menezes, neta pa-
terna de João Carneiro da Fontoura, o fundador da família no
Rio Grande do Sul e de D. Isabel da Silva e neta materna do ca-
pitão João da Cunha, um dos fundadores do Presídio do Rio Gran-
de e de sua mulher Antónia Maria de Jesus. Teve o coronel Pal-
meiro vários filhos que se destacaram pela sua actuação liberal
na Revolução Farroupilha e que são ramos de notáveis famílias
do Estado. 52 )
Foi sob a administração do coronel João José Palmeiro, em
1824, que o presidente da província, Fernandes Pinheiro, resolveu
aproveitar a região missioneira para nela estabelecer uma coló-
nia de alemães.
O lugar em
que mais convinha iniciar a colonização incipiente
que se projectava, por menos exposto aos insultos dos irrequietos
vizinhos, que periodicamente talavam aquela região, seria o anti-
go Povo de São João, terras férteis, onde a agricultura poderia
florescer notàvelmente.

52) Aurélio Porto. Genealogia. Jorge Felizardo. Genealogia rio-


grandense, 114 e seg.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 367

Quando recebeu a primeira notícia do estabelecimento de ale-


mães no Rio Grande, o presidente da província, em ofício ao mi-
nistro Carvalho e Melo, diz que vai proceder à medição que lhe
era recomendada, da Feitoria, para nela acomodar os primeiros
imigrantes. E acrescenta na mesma comunicação de 22 de Abril
de 1824:
«A par porém desse interessantíssimo projeto releve V. Exa.
que proponha também outro que vai tocar o mesmo fim, e o qual
revolvo e combino desde que fui empossado da governança desta
província. Aquela deliciosa habitação dos jesuítas, o extenso ter-
ritório que adquirimos em 1801, conhecido pela denominação de
«Província dos Sete Povos de Missões do Uruguai» existe um,
devastado já por delapidações e vícios do regime interno, com
que o foram definhando desde a época da conquista, o que seria
longo aqui expender, como pelas frequentes incursões, que nestes
últimos tempos sofreu dos Insurgentes Espanhóis; a penúria dos
infelizes índios, que restam, chega neste momento a absorver os
meus mais sérios cuidados, e hei dado várias providências para
prover nos meios de sua mantença, fazendo uma partilha propor-
cionada do gado de suas estâncias, e mandando tirar suprimen-
tos, para as que se achão despovoadas, da de São' Vicente que é
mais abastada. Sem violência pois, sem injúrias desses miserá-
veis indígenas, já reduzidos a mui poucos pelas incessantes emi-
grações, se poderiam todos reunir no Povo de São Miguel, a quem
pertence a Estância de São Vicente, que se calcula em 18.000 re-
ses, e por conseguinte tinha ele já esse património, que bem cus-
teado e administrado, e com os outros adminículos da sua indús-
tria, daria suficientemente para a sua subsistência. Nos outros
seis Povos despizados, e campos comarçãos, se acomodarião mi-
lhares de colonos Alemães, os quais principiarão por saborear logo
grandes Hospícios com magníficos templos, quintas e hortas que
pertencião aos Jesuitas, hum clima ameno onde as produções da
agricultura são as mais variadas, e exhuberantes. São incalculá-
veis as vantagens que de semelhante passo resultarião, as quais
por certo não escaparão à perspicácia de V. Exa., não me pare-
cendo menor a de tornar com tais povoadores mais formidável a
Linha da Fronteira do Uruguai. Escrupulizaria omitir aqui, que
368 AURÉLIO PORTO
o marechal José de Abreu, actual Governador das Armas da Pro-
víncia, que tem tanto de bravo, como de zeloso do bem publico,
encantado dos proveitos, que se antolhão neste Projecto, se ofe-
rece para hir pessoalmente arranjar os novos colonos; e de certo
desempenhará, porque ninguém tem mais conhecimento daquele
lugar, nem possue mais a confiança daqueles índios».
Em 18 de Agosto insiste ainda no seu projecto. Mas este
só se torna viável irai pouco mais tarde, pelas circunstâncias es-
pecialíssimas que vieram i-ef orçá-lo. Em ofício de 23 de Novem-
bro, o futuro visconde de São Leopoldo, comunica a monsenhor
Miranda, inspetor geral da Colonização, que tomou «o expedien-
te de os dividir em duas Colónias, com o escolhido deles, diz, for-
mei a Colónia de São Leopoldo, pouco distante desta cidade, com
o resto mais imorais, vou levantar outra colónia na deserta mis-
são de São João, próxima à fronteira do Uruguai, adotando esta
medida não só a requerimento dos primeiros que mal se combi-
navão com os últimos, porém até por não os apinhoar em dema-
sia naquela Colónia».
Mas só por portaria de 10 de Maio aprovou o monarca o pro-
jecto de estabelecimento de uma colónia de alemães, nas Missões.
E, em boa ocasião recebeu o presidente essa autorização, que re-
putou medida salvadora para a situação que se ia desenhando em
São Leopoldo.
Das sumacas Ligeira e Delfina, despejava Schaeffer, no Rio
Grande do Sul, parte dos elementos indesejáveis, que angariara
na Alemanha. Eram indivíduos de toda a espécie. Datam daí
os atritos e dissídios que convulsionam a família germânica que
fundara São Leopoldo. Quando penetra ali essa vasa de colo-
nização, irrompem logo as maiores desordens. Os primeiros co-
lonos, elementos de ordem e de trabalho, vendõ-se, de momento,
envolvidos em lamentáveis questiúnculas, e quebrada a tranqui-
lidade que tinha existido até aquele instante, dirigem-se às auto-
ridades, apelando, em nome da boa harmonia da Colónia, separa-
rem os recém-vindos, que não lhes mereciam apreço, por serem
homens que não sabiam se conduzir.
E' quando José Feliciano Fernandes Pinheiro, a cuja alta

autoridade é levada a queixa, resolve «não só por apinhoá-los em


HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 369

demazia na Colónia de São Leopoldo, mas porque entrando de


mistura, nesta última remessa gente mais imoral, senti repugnân-
cia nos primeiros em se associarem a ela, estremei-os portanto,
depois de informado, e os fiz seguir para aquele distrito, desig-
. nando para seu assento a antiga Povoação de São João, a qual
bem situada, he hum pouco mais central, não tem os inconvenien-
tes dos que colocados mais à beira do Uruguai ou são mais ex-
postos às invasões dos nossos visinhos, ou proporcionarão me-
lhor a emigração».
Logo que recebeu ordem para acomodar as oitenta e tantas
pessoas, de que secompunha a leva destinada àquele local, tratou
o comandante coronel Palmeiro, de demarcar os terrenos necessá-
rios para chácaras «os mais cómodos», e quando ali chegaram,
«derão-lhes ferragens agrícolas, e animais vacuns, e cavalares,
em número «comunidade do Povo». Fez-se lhes algumas
suficiente, à
casas de capim, e foram fornecidos com rações suficientes de car-
ne, farinha, (pão, legume), e sal correspondente ao valor de 160
réis por tempo de um ano».
Terrível a odisséia dessa travessia de Porto Alegre a São
João de Missões. Saindo da Capital a 26 de Novembro de 1824,
só chegaram em 6 de Janeiro do ano seguinte ao ponto do desti-
no. Até Rio Pardo foram transportados em grandes canoas de
tolda, arrostando com mulheres e crianças os perigos que consti-
tuíam as viagens fluviais daquele tempo. Ao chegarem a Rio
Pardo, depois de cometerem as maiores tropelias, tentaram insu-
bordinar-se contra o oficial que os conduzia, capitão Alexandre
José Bernardes, que teve de agir com grande energia. Quer ho-
mens, quer mulheres embriagavam-se continuamente e brigavam
uns com os outros, chegando a ferirem-se mutuamente. Um dos
mais insubordinados, João Frederico Walfarth «morreu em via-
gem», mas chegámos à conclusão que a causamortis consistiu em
pauladas que lhe foram aplicadas como promotor de arruaças.
Dominada a rebelião, deixaram Rio Pardo, rumando para seu des-
tino longínquo e ignorado. Iam em carretas de bois, morosa-
mente, por estradas péssimas, sob torreiras de sóis causticantes,
levando a opressão dos degredados nos corações, em que o ódio
mais e mais avultava. Homens, mulheres e crianças, numa pro-
370 AURÉLIO PORTO
miscuidade horrível, quando as carretas paravam, à hora das ses-
tas, se engalfinhavam, sob o excesso das bebidas alcoólicas que
conseguiam, apesar da vigilância, nas povoações, ou vendas que
cruzavam nas estradas solitárias.
Chegaram enfim, ao velho Povo de Missões. Tudo desolado
e morto. Só a paisagem triste das taperas, velhos pessegueiros
que não davam mais flor e ruínas de grandezas idas, na praça
ampla, onde o templo silencioso, de velhas arcadas de pedra, guar-
dava reminiscências de opulência passada. Alguns índios, dege-
nerados pelo vício da embriaguês, trôpegos, cansados, indolentes
eram os únicos seres vivos entre aqueles escombros silenciosos.
E, além, por toda parte, o deserto.
Sem coragem para vencerem em primeiro lugar, a si pró-
se
prios, sem o amparo de quem quer que
fosse, não poderiam lançar
fundas raízes naquela terra, que lhes era o degredo. Então, mais
forte, sem o controle preciso, ressurgiu neles o pendor para a va-
diagem e para o vício. Pouco lhes importava a terra prodigiosa
e fértil que os cercava. Não eram agricultores. Vinham talvez
das ruas movimentadas das grandes cidades: Hamburgo, Bremen,
Darmstadt; haviam-se quilotado às misérias dos grandes aglome-
rados humanos, e não seria o deserto que lhes havia de abrir as
portas da redenção.
Em pouco tempo estavam reduzidos à miséria. Venderam,
um a um, os animais que tinham recebido para os amanhos da
lavoura. Davam-se-lhes rações diárias de comida, e tudo quanto
possuíam empregavam para adquirir aguardente, andando em cons-
tante estado de embriaguez. Depois venderam as ferramentas e
os utensílios de trabalho, virgens ainda de qualquer contacto com
a terra. E tudo consumia o vício. Por fim abandonaram as ca-
sas. Um hoje, amanhã, foram-se indo, foram-se disper-
outro
sando, fugindo. Os que ficaram viviam unicamente das rações
diárias, sem que nada produzissem.
Comunicou o coronel Palmeiro ao presidente da província o
estado deplorável a que ficou reduzida a Colónia de São João, em
que tantas esperanças pusera Fernandes Pinheiro. Não convinha
agravar o mal abandonando os últimos remanescentes dessa leva.
Mandou então essa autoridade que os fizesse transportar para São
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 371

Borja, sede do comando do distrito e Povo mais florescente do


que os outros.
Transferidos para o quartel de São Borja, naquele meio não
recobraram as energias perdidas. Debalde o comandante conci-
tava-os ao trabalho sem nada obter deles. A embriaguez os do-
minava e a ociosidade lhes havia arrancado os últimos resquícios
da vontade. Estavam irremediàvelmente perdidos e, quando fin-
dasse o ano, no qual ainda recebiam 80 réis diários para a sub-
sistência, morreriam, fatalmente, de fome, se não fossem mendi-
gar pelas ruas.
E assim foram desaparecendo. Uns, atraídos pelos caudilhos
que passavam, foram viver, na desolação dos pampas, vida de ra-
pina e de vícios; outros, mudando os nomes de origem numa tra-
dução aproximativa de nomes portugueses, tornaram-se inidenti-
ficáveis, desaparecendo na massa da população brasileira de Mis-
sões; outros ainda, arrostando todos os perigos, foram dar em
Porto Alegre, sendo depois reincorporados à Colónia de São Leo-
poldo.
E assim termina a história da colonização de Missões, «apon-
tos de q'hoje não exitem aqui mais do q'hum homem e huma mu-
lher com duas creanças», informa em 16 de Abril de 1827 o co-
mandante de São Borja.

m) Tenente-coronel Cláudio José de Abreu. Foi o substi-


tuto no comando da fronteira e governo das Missões do coronel
João José Palmeiro, em princípios de 1826. 53 )

53) O Coronel de milícias Cláudio José de Abreu nasceu na Cachoei-


ra em 1802, sendo filho legítimo do marchai José de Abreu e de sua mu-
lher Maria Feliciana de Abreu. Era neto paterno de João de Abreu e de
sua mulher Ana Bernarda de Jesus, casal açoriano, fundador do Povo
Novo, e materno de António da Silveira e Maria Inácia da Conceição,
naturais de Santa Catarina. Atingiu na Milícia em que serviu desde os
tenros anos, ao lado de seu valoroso pai, todos os postos até o de Coronel
em que faleceu em Alegrete, onde residia. Casou-se duas vezes. Do pri-
meiro matrimónio com D. Manuela Funes, argentina, teve uma filha.
Claudina, que casou com Apolinário de Sousa Trindade, de Quaraí, e do
segundo com Beatriz Joaquina de Oliveira, teve também uma filha Rea-
silva, que casou com Firmino de Carvalho Prates, tronco da família Abreu
Prates, e avós do conhecido linhagista Tenente Égon Prates.
372 AURÉLIO PORTO
A administração do coronel Cláudio José de Abreu, como as
dos que lhe sucedem no comando das Missões, até 1828, é curta
e sem interesse para essa província.
A 19 de Abril de 1825, à frente de 33 orientais, o general
Juan Antonio Lavalleja passou o Uruguai, na Agraciada, procla-
mando a independência do Estado Oriental do Uruguai. Essa
guerra que termina com o reconhecimento desse Estado, e cujo
ponto culminante é a batalha do Passo do Rosário, em 20 de Fe-
vereiro de 1827, estende-se até 27 de Agosto de 1828, quando é
reconhecida, pelo tratado de paz dessa data, a independência da-
quele Estado.
Esses acontecimentos que culminaram para as Missões com a
invasão do general Frutuoso Rivera naquela região, o que resul-
ta na extinção prática do período da civilização jesuítica missio-
neira ali, como o êxodo em massa
das populações de remanescen-
tes das famílias que acompanham o invasor e depois
indígenas,
são destruídas num impiedoso morticínio, em Bela Unión que fun-
daram, serão adiante estudados com mais particularidade.

n) Coronel Francisco António Olinto de Carvalho. Sucedeu


ao coronel Cláudio de Abreu o coronel, depois brigadeiro refor-
mado, Francisco António Olinto de Carvalho, entrelaçado à famí-
lia Fontoura, pois era casado com D. Antónia Carneiro .da Fon-
toura.
poucos meses depois de assumir esse comando,
Substituído
nada foi dado a fazer ao coronel Olinto em proveito das Missões
senão cuidar de sua defesa sob a premência dos acontecimentos
da guerra que se desenrolava.

o) Coronel José Maria da Gama Lobo Coelho d'Eça. Foi


o penúltimo governador das Missões nesse período. Era natural
de Portugal e radicara-se em Santa Catarina, prestando relevan-
tes serviçosnas guerras platinas do Sul. Casado com D. Maria
Joaquina da Conceição Coimbra, foi pai dos barões de Saican e
Batoví.
Comandava eventualmente forças que destacaram em Missões
quando, por curto período, exerceu essa administração.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 373

p) Coronel Manuel da Silva Pereira do Lago. Foi sob a


administração do coronel Lago, em 1828, que se deu a invasão
de Rivera nos Sete Povos de Missões. Nos documentos referen-
tes à sua gestão e no quadro estatístico que nos deixou, o coronel
Lago assina como «administrador geral dos Povos» em Julho de
1827
CAPITULO VII

EXTINÇÃO DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI

1. Invasão das Missões. — 2. Bela Unión. —


3. O índio missioneiro na formação étnica e his-
tórica do Rio Grande do Sul.

1. Invasões das Missões.

O ano de 1825 marca o início da campanha que termina com


a constituição de mais um Estado sul-americano. A antiga Ban-
da Oriental, cuja formação histórica se desdobra desde a fase ini-
cial da penetração portuguesa no Prata, com a Colónia do Sacra-
mento, dando origem à cidade de Montevidéu, pelas injunções de
sua própria organização étnica e pelo processo evolutivo de sua
mesma formação, entrava em coalizão com o domínio que a política
expansionista portuguesa estendera até ela.
O sonho de Artigas, momentaneamente desfeito pela pressão
das circunstâncias, ia-se concretizar na acção dos patriotas orien-
tais, que pisaram o solo nativo, na praia de Agraciada. Suave, em-

bora, pela prática de uma aproveitamen-


política conciliadora, pelo
to de elementos representativos do país, o governo do general Car-
los Frederico Lecor, não consultava à livre determinação do povo
cisplatino, que aspirava a constituir-se em Estado independente.
Ao primeiro grito de rebeldia encontra o general Juan Antó-
nio Lavalleja o eco que alvoroça os seus patrícios. Os mais pres-
timosos auxiliares de Lecor, de origem oriental, como Julian La-
guna e depois o brigadeiro Frutuoso Rivera, deixam-se deliberada-
mente surpreender, aprisionar, acabando por aderir à causa que,
no fundo, vinha ao encontro de seus interesses de toda a ordem.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 375

E' curta a história militar desses três anos. Deflagrada a luta,


como sempre acode, na primeira hora, o velho marechal José de
Abreu, que vai estacionar em Mercedes. Em 7 de Maio Montevi-
deu é posta em sítio. Entrementes, Abreu faz marchar Bento
Manuel que, em Arbolito, se choca contra Rivera, a quem derrota
e persegue. E enquanto Bento Manuel segue para Montevidéu
afim de aliviar a pressão que se fazia sentir sobre aquela praça,
Rivera, procurando, num golpe espectacular, atenuar o despres-
tígio do insucesso anterior, tenta apoderar-se da cavalhada de re-
serva, que o general Abreu tinha no Rincão das Galinhas. Des-
baratando a diminuta guarda que ali havia, apoderara-se desse
importante elemento de guerra, quando foi informado de que uma
força brasileira se aproximava. Era o coronel José Luís Mena
Barreto que, à frente dos batalhões de milícias guaranis, ns. 24
e 25, com pequeno efectivo, chegava àquela paragem. «Obser-
vando mais de perto, verificou o atilado oriental que os cavalos
estavam estropiados. O acaso proporcionava-lhe um triunfo. Aguar-
dou a aproximação dos incautos e sobre eles caiu de chofre. A
maior parte dos atacados procura a salvação na fuga. Apenas há
aqui e acolá pequenos grupos de 8 ou 10 homens que se congre-
gam, que lutam em desespero até cair o último. O bravo coronel
Mena Barreto, acompanhado de meia dúzia de valentes, abate com
golpes vigorosos seus atacantes. Admirado o inimigo de tanta
bravura, reconhecendo o chefe brasileiro, convida-o a render-se,
que será tratado com o respeito devido aos bravos. O jovem co-
ronel responde com golpes mais furiosos ainda e assim se bate
até cair sem vida, crivado de ferimentos». *)

Sucede a este o insucesso do Sarandi, em que se batem Ben-


to Manuel e Lavalleja, a 12 de Outubro, sendo vencido o chefe
brasileiro. Agravou-se a situação da Cisplatina, cujos melhores
elementos de defesa ficavam dessa forma sacrificados. Por ou-
tro lado, prestigiando francamente os insurrectos, o governo de
Buenos Aires, rompendo com o Brasil, reincorpora a Província

1) General E. F. Souza Docca. Notas aos Anais de Livia e Silva.


Rev. Inst. Hist. R. G. do Sul. 1927.
376 AURÉLIO PORTO
Cisplatina. «Os trinta e três já eram um exército», observa um
dos nosso historiadores. 2
)

O ano de 1826 transcorre em pequenos recontros entre for-


ças brasileiras e orientais, de pouca importância, destacando-se
somente o combate de Mirinai, travado em Novembro entre Ben-
to Manuel e o tenente-coronel Félix Aguirre, com a vitória dos
brasileiros.
Em fins deste ano, umcomposto de argentinos e
exército
orientais,sob o comando do general Carlos de Alvear, inicia a sua
marcha com o intuito de penetrar em território brasileiro, encon-
trando-se no Rio Negro, proximidades de Bagé, em lç de Janeiro
de 1827, povoação que atinge em 27 desse mês. Orçava o exérci-
to platino em 10.000 homens, enquanto o brasileiro, sob o coman-
do do marquês de Barbacena, não atingia à metade desse efectivo.
Sucedem-se os combates preliminares do Vacacaí, em 13 de
Fevereiro, em que a brigada ligeira de Bento Manuel se choca
com as avançadas do exército platino; e do Umbú, no dia 15, em
que se encontra com forças do general Mansilla, sem consequên-
cias apreciáveis.
Em 20 de Fevereiro fere-se a batalha do Passo do Rosário,
ponto culminante dessa luta, em que se empenharam os dois po-
vos, sem que um ou outro pudesse assinalar aí uma vitória de-
cisiva. Retiraram-se ambos os exércitos, indo o brasileiro apoiar-
se no Jacuí, passo de São Lourenço, enquanto o platino rumava
para São Gabriel e Los Currales, onde permaneceu um mês.
Houve ainda pequenos recontros sem importância, assinala-
dos no Camaquã, com o general Sebastião Barreto e no Serro
Largo, e no Herval, com forças do coronel Bonifácio Calderon,
depois brigadeiro do exército do Brasil.
Em27 de Agosto de 1828, no Rio de Janeiro, firmava-se uma
convenção preliminar de paz, que tinha por principal objectivo a
independência da Cisplatina que se constituía em Estado sobera-
no, formando a República Oriental do Uruguai.
Interessa-nos para este estudo a parte que destes aconteci-

2) Coronel F. Paula Cidade. Resumo Histórico da Campanha de


1825-1828. Diário de Notícias. Porto Alegre, 1928.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 377

mentos foi reservada às Missões. A campanha em si, propriamen-


te, não influenciou na vida missioneira, senão pela contribuição

prestada em homens que fizeram parte do exército brasileiro, no-


tadamente das forças do barão do Serro Largo que, à frente de
seus comandados, foi gloriosamente abatido na batalha do Passo
do Rosário.
O 24° de milícias guaranis, que combatera no Rincão das Ga-
linhas, sob o comando do valente coronel José Luís Mena Barreto,
fora ali quase destroçado. Recebendo, porém, novos elementos,
reconstituiu-se, sofrendo novamente na batalha do Passo do Ro-
sário pesado ónus de sangue, que importa em outro desbarato.
Nessa batalha, o 24. (guaranis de Missões) estava sob o comando
(
'

do major Severino de Abreu. 3 ) O 25" que, sob o comando do


coronel Jerónimo Gomes Jardim, também fora derrotado no Rin-
cão, já refeito, tomara parte na batalha do Passo do Rosário.
Sob o comando do mesmo coronel, compunha-se de 127 lanceiros
quando, neste choque, guardava as bagagens. Compunha-se o 24°
de 134 homens, quase todos guaranis, oriundos das Missões. Mor-
to em combate o comandante, major Severino de Abreu, foi lan-
çada essa unidade fora do campo de batalha.
Reorganizados, novamente, esses dois corpos, cujos efectivos
alcançariam a 400 praças, cada um, recrutadas nas Missões, foram
destinados a guarnecer aquela fronteira, ficando sediados em São
Borja. Longe do teatro da guerra, que se desenvolvia ao Sul, não
imaginaram as autoridades militares que as fronteiras das Mis-
sões pudessem ser alvo de qualquer agressão do exército regular
que, sob o comando de Alvear, operava em Melo. E tanto é as-
sim que, em Fevereiro de 1828, o 25" de milícias tinha sido reti-
rado da fronteira de São Borja e mandado reforçar o exército
acampado em Jaguarão. «Só tínhamos, então, em Missões, guar-
dando toda a fronteira do Uruguai até o Quaraí e Arapeí, o regi-
mento 24" de milícias, composto principalmente de guaranis e cuja
força alcançaria a 400 homens». 4 ) Comandava esse regimento

3) Rio Branco. Efemérides,' 159.


4) Rio Branco. Nota aos Anais do Exército Brasileiro, de Lima
e Silva.
378 AURÉLIO PORTO
o coronel João José Palmeiro, antigo comandante das Missões,
como fica relatado. O comando geral da fronteira estava a car-
go do coronel Joaquim António de Alencastre, 5 ) em cuja fé de
ofício, entre outras brilhantes acções, constava que, preso pelos
inimigos no combate de Sarandi, e mandado em uma embarcação
para Santa Fé, com o auxílio de um grupo de 49 oficiais, 70 infe-
riores e soldados, conseguira dominar a tripulação do barco ini-
migo e desembarcar na praça da Colónia. A administração geral
das Missões, com sede em São Borja, fora confiada ao tenente-co-
ronel Manuel da Silva Pereira do Lago, que já exercia esse cargo
em 26 de Julho de 1827. 6 )
Alcides Cruz, que fez demorada pesquisa, encontrou para o
24 de milícias 411 homens, para o 25", 397, mais 35 lanceiros a ca-
ç

valo, e o destacamento de marinha sob o comando do tenente Jus-


to Yegros com 75 embarcações, além de dois canhões de calibre
três. 7 ) Excluído o 25 9 que, em Fevereiro, fora reunido à coluna
,

do general Sebastião Barreto, não atingiria a força estacionada nas


Missões a 500 homens, em sua maior parte distribuídos por desta-
camentos em pontos distantes da sede, no Povo de São Borja.
Era essa a situação militar dessa região, compreendida em

5) Joaquim António de Alencastre nasceu na Aldeia dos Anjos


(Gravataí), sendo filho legítimo de António José de Alencastre, natural
de Guimarães, português, e Rosa Joaquina de Jesus, de Santa Catarina;
neto paterno de José Bernardo de Carvalho e de sua mulher Catarina Fe-
lícia e materno de Manuel da Mota Matos, e sua mulher Catarina Tomá-
sia, casal açoriano. Aos 14 anos, em 15 de Novembro de 1796 assentou
praça no regimento de dragões. Fez a campanha das Missões, como cabo
de esquadra a que fora promovido a 16 de Fevereiro de 1801, passando a
furriel em 16 de Agosto de 1805. Promovido a alferes em 12 de Julho
de 1811, sendo por serviços prestados comissionado em tenente quartel-
mestre em 24 de Junho, confirmado em 5 de Julho de 1812. Capitão gra-
duado em 24 de Junho de 1817 e efectivo a 22 de Janeiro de 1818. Maior
graduado em 1 de Março de 1820 e efectivo a 14 de Agosto de 1822. Te-
nente-ooronel em 1* de Dezembro de 1824 e coronel graduado em 72 de
Outubro de 1825 e efectivo a 12 de Outubro de 1827. Reformado no posto
de brigadeiro em 27 de Junho de 1831
6) Rev. Arq. Publ. R. G. do Sul. Mapa Estatístico das Missões,
1\ 76.
7) Alcides Cruz. Incursão do general Frutuoso Rivera às Miisões.
'

Memória apresentada ao 1*Congresso de Hist. Nac. em 7-IX-1914. Porto


Alegre, 1914. Há uma magnífica tradução desse precioso trabalho, para
o espanhol, de Dorotéo Márouez Valdez. Montevidéu, 1916. Inoursión dei
general Frutuoso Rir^ra a In-s Misvmes, enriquecido de notas elucidativas.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 379

mais de 100 léguas de fronteira, quando o general Frutuoso Ri-


vera, em 21 de Abril de 1828, nela penetrou com o intuito de con-
quistá-la, num golpe audacioso e violento. Reabilitando a me-
mória do coronel Alencastre, acusado de não haver resistido à in-
vasão, observa o coronel Álvaro de Alencastre que «de São Bor-
ja ao Arapeí deve mediar uma distância de 100 léguas. Calcule-se
um regimento de índios guaranis para cuidar essa zona toda! Se
era possível um caso de necessidade defender coisa alguma». 8 )
A invasão das Missões pelo general Rivera; as facilidades que
encontrou na posse e domínio dessa vasta região por mais de oito
meses; as circunstâncias em que se retirou sem ser molestado por
forças superiores; as consequências do êxodo das populações mis-
sioneiras que o acompanharam e, sobretudo, a defecção de ele-
mentos valiosos, de bravos soldados rio-grandenses, que aderiram,
inexplicavelmente, à organização de um pretenso novo Estado re-
publicano, estariam exigindo um estudo detalhado e amplo que
os limites restritos deste trabalho não podem comportar. O in-
signe historiador Dr. Alfredo Varela vislumbra em tudo isso ger-
mes latentes da grande revolução que não tarda, com seu decénio
heróico, a conturbar a paz, no Rio Grande do Sul.
A invasão das Missões por um exército argentino, que secun-
dasse as operações que o general Alvear desenvolvia no Sul, ata-
cando pelo Norte o flanco do exército brasileiro, e levando até o
centro do Rio Grande do Sul uma divisão que obrigasse a distrair
forças imprescindíveis naquele momento, fazia parte, desde 1826,
das cogitações do governo argentino, sob a presidência do coro-
nel Manuel Dorrego. A ideia, porém, não se corporizara pela di-
ficuldade material de organizar uma força expedicionária bastan-
te eficiente e sob o comando de um homem resoluto e de prestí-
gio. Encontrou-o Dorrego no general Frutuoso Rivera. Incom-
patibilizado com o general Lavalleja, ao iniciar-se a campanha
pela libertação do Uruguai, o caudilho afastara-se das hostes
orientais, sendo mesmo acusado de ter secretas ligações com a
política brasileira.

8) Coronel Álvaro Alencastre. As Missões Orientais do Uruguai


e o coronel Joaquim António de Alencastre. Rev. Inst. Hist. Geog. do Rio
Grande do Sul. 1933. 1* sem. 233.
380 AURÉLIO PORTO
Seria,no entanto, na opinião do próprio governador das Pro-
cíncias Unidas do Rio da Prata, o homem que mais probabilidades
de êxito teria para essa facção. E em data de 5 de Agosto de
1827, o coronel Dorrego escrevia ao general Rivera uma carta
em que insinuava a realização dessa empresa, pois, dizia, «se pre-
sentemente não se realiza a expedição dessas províncias sobre os
Povos de Missões, pois então não deveria perder V. S. a oportu-
nidade de distinguir-se em tal empresa, agregando esse novo ser-
viço aos muitos 'que tem prestado à causa pública e à liberdade
de sua Pátria». 9 )
Mais tarde, em 27 de Outubro, celebra Buenos Aires com En-
tre-Rios e Santa Fé um tratado em que estes Estados se compro-
metem «a levantar uma força militar que ocupe os Povos das Mis-
sões Orientais, que estão em poder do tirano do Brasil». 10 ) Para
a organização dos elementos essenciais a essa empresa, recomen-
davam os governos ao de Buenos Aires o brigadeiro D. Frutuoso
Rivera. Secundando a recomendação, ainda o governo de Entre-
Rios o fazia «merecidamente a V. E. sua pessoa (brigadeiro Ri-
vera) para o desempenho das funções esclarecidas de general em
chefe da expedição projectada sob o título de Exército de opera-
ções do Norte». Fazendo largo elogio das qualidades pessoais e
militares de Rivera, dizia esse governador que ele «organizará
uma força inesperada unicamente com seu nome e influência de
seus amigos, a que contribuirá eficazmente o governo que subs-
creve». 1J
)

Em Buenos Aires, para onde se dirige, tem o antigo brigadei-


ro do exército brasileiro uma larga conferência com Dorrego. A
invasão no Rio Grande do Sul deveria estender-se até Rio Pardo,
e realizada a conquista passaria Rivera ao Paraguai, onde o Dr.
Francia, isolado do convívio sul-americano, tentava construir uma
pátria indene do vírus caudilhesco da época.
Teve D. Juan Antonio Lavalleja conhecimento do projecto,
que seria executado por um homem «cuja ingerência se deve sem-

9) Alberto Palomeque. El general Rivera y la Campafut de Mi-


siones. Buenos Aires, 1914. 37.
10) Idem, ibidem, 40.
11) Revista Histórica. Montevidéu. T. 15-1912, pág. 90.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 381

pre recear», e que «era incapaz de um serviço desinteressado e


generoso». E
terminava sua exposição considerando que «creria
atraiçoar os interesses nacionais e, principalmente, os da Provín-
cia que tinha a honra de mandar, se não resistisse por quantos
meios pudesse a uma empresa que o inimigo deve celebrar como
uma vitória». Qualificava assim, de «funesto o projecto, contra
o qual protestava como governador da Província Oriental, como
general em chefe do Exército e como cidadão argentino». 12 )
Em seguida Lavalleja, para obstar à acção de Rivera, deter-
mina seja o mesmo perseguido, pois, segundo ficara assentado
com Dorrego, essa expedição deveria caber a D. Estanislau Lo-
pez, governador de Santa Fé, um dos grandes amigos de Rivera
e instigador dessa invasão. Manda para este fim que uma força
sob o mando de Oribe, persiga o caudilho e realize a projectada
invasão. Sabendo, por comunicação deste, a ordem que recebe-
ra, o general Balcarce, ministro da guerra argentino, mandou que
suspendesse a execução dessa ordem e regressasse ao assédio de
Montevidéu, no que não foi obedecido, pois Oribe, acampou à
margem do Ibicuí, ali se conservando.
Embora desajudado dos poderes públicos que, inicialmente,
haviam acoroçoado a sua acção, o valente caudilho oriental, con-
fiando em seu prestígio individual, não desanimou na prossecução
do intento colimado. Convocou amigos, acenou para a riqueza
pastoril das vastas estâncias missioneiras, cujos gados poderiam
ressarcir certas e prementes aperturas financeiras. Ao lado da
bandeira da Pátria outra se ergueria, talvez mais convincente, a
do saque livre. Aquela ficaria reservada aos sentimentos in-
. .

desmentíveis do chefe da montonera, esta às ambições dos fali-


dos que teriam nas Missões meios fáceis de reconstituir os cré-
ditos abalados. um dever de justiça his-
Mister, no entanto, por
tórica, Rivera era no fundo um idealis-
se torna esta ressalva.
ta, um desprendido, cuja acção, muitas vezes escura, abre claros

de humanidade e de inexcedível patriotismo. Pobre sempre, ora


nos esplendores de um apogeu, ora nas misérias do ostracismo,

12) A. Palomeque, obra cit. 92.


382 AURÉLIO PORTO
espírito revel e combatente, mas profundamente humano; tergi-
versando nas suas opiniões políticas, o caudilho é bem o símbolo
da formação cavalheiresca, varonil e brava dessas pátrias que se
fundiam na argamassa das nacionalidades nascentes. Êmulo de
Artigas, talvez fosse, na Banda Oriental, o único que desfraldava
ainda a bandeira do heróico chefe dos orientais.
Atirou-se à empresa por conta própria. Temendo fosse obs-
tado, em vista da pressão de Lavaljeja, de levar a cabo a invasão
de Missões até pelo seu grande amigo general Estanilau López,
resolveu precipitar os acontecimentos, saindo a campo, às escon-
didas, com 80 homens, a que logo vieram reunir-se mais 20. 1 :

A riqueza com que acenara engrossaria a diminuta força de


que dispunha. «Uma das coisas 'curiosas desta campanha, obser-
va o Dr. Palomeque, foi que homens distintos como Mariano Gain-
za, Mariano Escalada, Mr. Raquin, Blas Despouy, Pedro Espino

e outros, creram que podiam impunemente arrabatar o gado des-


sas comarcas. O próprio Rivera participava dessa opinião e com
a perspectiva desse negócio atraía a si muita gente». E Pueyr-
redon referindo-se ao facto dizia que «aquela campanha foi de
puros manejos, para que o general Rivera era sumamente des-
tro. 14
)

Sobre esse aspecto ainda o Dr. Palomeque nos fornece dados


interessantes. Seis meses antes de realizar a invasão, em carta
datada de 24 de Novembro de 1827, D. Mariano Escalada escrevia
a Rivera dizendo que «um revés em minhas especulações de co-
mércio me fez perder num dia o fruto de meus afãs de muitos
anos: nesta situação tenho de apelar àqueles amigos cujos senti-
mentos não seguem o rumo da fortuna». E continuava: «Asse-
guraram-me que o senhor deve marchar à frente de uma expedi-
ção militar pelos Povos de Missões. O objecto dessa expedição
será provàvelmente extrair o maior número possível de gados, ba-
tidos que sejam os portugueses. Se sob o amparo e protecção
sua me fosse permitido tirar alguma quantidade de vacas, capaz
de contribuir para formar um capital regular não só eu teria mo-

13) Alcides Cruz. Incursão, cit. nota de Marquez Valdez.


14) A. Palomeque. El general Rivera y la campana, etc. 79.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 383

tivo de gratidão para com o senhor, como também a numerosa


família que pesa sobre meus ombros». Terminava: «poderei le-
var alguns homens em minha companhia e partilharei de sua sor-
te com tanto mais prazer quando creio ser considerado pela ami-
zade de um cavalheiro que já provou as vicissitudes da fortu-
na». 15
)

Ao general Estanislau Lopez, que o acolhera, quis o caudi-


lho mostrar a sua gratidão com um presente de 4.000 vacas mis-
sioneiras. «O senhor governador López, diz o Dr. Palomeque,
contestou de maneira honrosa. Sua resposta é um contraste com
a atitude de D. Mariano Escalada, Blas Despouy e outros, se se
recorda que Pueyrredon chega até relatar-nos que D. Pedro Es-
pino fugiu com uma arreada de 15.000 cabeças, de cuja condução
lhe havia encarregado o general Rivera, que queria persegui-lo e
fuzilá-lo». 10
)

Fácil e rápida foi para o general Frutuoso Rivera a posse da


região das Missões Orientais. Além do gesto heróico de Maria-
no Pinto, que sela com seu próprio sangue, como protesto à inva-
são, a terra que defendia, nada mais se regista nessa hora amar-
ga, senão covardia e inexplicáveis traições à bandeira que havia
tremulado gloriosa em feitos memoráveis de guerra.
O general Souza Docca, em suas brilhantes Notas aos Anais
do Exército Brasileiro, de Lima e Silva, resume nos seguintes itens
a causa principal do êxito de Rivera:
a) A convicção geral da população da zona invadida, de
que aquele caudilho agia como aliado do Brasil;
b) O facto de estar a região missioneira entregue exclusi-
vamente à força de 2' linha;
c) A circunstância de se achar mesclada a população dos
Sete Povos de Missões e contar com grande número de indígenas
ignorantes e nutrindo ojeriza pelo dominador do dia, em que viam
sempre um intruso. Estiveram por isso ao lado de Rivera, como
haviam estado, há 27 anos, com Borges do Canto e Santos Pe-
droso.

15) Idem, ibidem, 80.


16) Idem, ibidem, 159.
384 AURÉLIO PORTO
A todas essas circunstâncias se deve acrescentar o desapego
è terra, por falta de vínculos com ela, da maioria dos indivíduos
ali residentes e o fetichismo que em geral nutriam pelos caudi-
lhos». 17
)

A, essa causa não seria estranho um aspecto ainda não bem


estudado, que tinha fundas raízes na consciência democrática do
povo rio-grandense que, sete anos mais tarde, se atira à revolu-
ção republicana. Os defensores das Missões, como esse Boaven-
tura Soares, os Palmeiros, os Alencastres, e outros, cujos nomes
ressaltam destas páginas, serão, poucos anos depois, os próceres
do farroupilhismo que invade o Rio Grande do Sul. O Dr. Alfre-
do Varela, embora combatido em suas conclusões, jogando com
documentos irrespondíveis, abre a ponta desse véu que oculta ver-
dades que às vezes ferem nossas susceptibilidades patrióticas. . .

Alcides Cruz aflora o assunto, origem da defecção de pseudo-co-


vardes, traidores da bandeira imperial que, sob o pavilhão trico-
lor dos republicanos, agigantam-se em bravuras inconcebíveis no
amplo cenário do Rio Grande heróico.
Mas, este relato não comporta explanações. A incursão de
Rivera, o êxodo dos remanescentes das populações indígenas que
seguem o caudilho em sua retirada, o despovoamento completo
dos Sete Povos de massas dessa origem, marcam inegàvelmente
o fim do regime missioneiro. Acaba-se difinitivamente a influên-
cia jesuítica que nos propusemos estudar. Populações brancas
farão dessa região o núcleo de novas civilizações. São Borja,
São Luís e Santo Ângelo constituirão germes de cidades magnífi-
cas onde somente ruínas de templos, escombros desolados, lem-
brarão vagamente eras perdidas na voragem dos tempos.
Esta é a última página das Missões. O crepúsculo doloroso
de uma raça que, acompanhando o caudilho, marcha para Bela
Unión, que será a derradeira etapa de sua destruição total. E é
esse mesmo Rivera, que os arranca de seus lares, de suas terras
avoengas, acenando com a liberdade, que esses infelizes não com-
preendiam que, três anos depois, os manda exterminar em Salsi-

17) E. F. de Souza Docca. Notas aos Anais do Exército Brasileiro


de Luis Manuel de Lima e Silva. Rev. Inst. Hist. R. 6. S: 1927. II, 250.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 385

puedes, onde tombam 40 índios, e 300 prisioneiros que são distri-


buídos como escravos pela população oriental, juntamente com
mulheres e crianças missioneiras.
Como já se observou, em Fevereiro de 1828, por ordem do
comando geral do Exército em operações no Sul, foi mandado re-
tirar de Missões e adir ao corpo do general Sebastião Barreto o
25° de milícias guaranis que, juntamente com o 24°, guarnecia

aquela fronteira. Ficava ali unicamente este corpo, sob o coman-


do do tenente-coronel João José Palmeiro e mais uma companhia
de lanceiros guaranis, não atingindo toda essa guarnição a 500
homens de armas. O comando geral da fronteira era exercido
pelo coronel de 1* linha Joaquim António de Alencastre.
Respigando os vários documentos conhecidos e citações dé
trabalhos referidos, pode-se com aproximação organizar a lista
de oficiais dessa guarnição. Contavam-se entre eles os capitães
Boaventura Soares da Silva, 18 )Fabiano Pires de Almeida, Antó-
nio Castanho de Araujo, 19 ) Mariano Pinto de Oliveira, 20 ) todos

18) Boaventura Soares da Silva nasceu na vila do Rio Grande, sen-


do filho legítimo do tenente-coronel Manuel Soares da Silva e de sua mu-
lher D. Clara Maria de Menezes; neto paterno do capitão Simão Soares
da Silva, natural do Rio Grande e filho de Manuel Soares e Páschoa do
Nascimento, e de Joaquina Rosa, filha legítima do guarda-mor João An-
tunes da Porciuncula e sua segunda mulher Josefa Maria Barbosa, fun-
dadores do presídio do Rio Grande. Por sua mãe Clara Maria de Mene-
zes era o capitão Boaventura neto de José Sampaio e Silva, natural de
Facão, São Paulo, e de Cristina Barbosa de Meireles, filha de José Fer-
nandes Petim e Clara Barbosa de Menezes, filha de Jerónimo de Orneias
de Menezes e Vasconcelos e de sua mulher Lucrécia Leme Barbosa, fun-
dadores do Porto do Dorneles, que deu origem a Porto Alegre. Era Boa-
ventura irmão do futuro coronel farroupilha Ismael Soares da Silva, em-
baixador dos republicanos junto a Caxias, em 1844, para a propositura da
paz. Revolucionário da primeira hora, Boaventura, no posto de tenente-
coronel da República, é no dizer do Dr. Alfredo Varela "uma das mais
belas figuras da brigada de Guedes", e conta vitórias em vários comba-
tes em que se empenhou. Em 1842, sob o regime republicano, comandava
a guarnição de São Borja.
19) António Castanho de Araujo residia em São Borja, onde em
1814 e 1815 baptizou os filhos, ali nascidos, Sezefredo e Francisco. Era
natural de Castro, São Paulo, e filho legítimo de Luís Castanho de Arau-
jo, natural de Marjana, Minas e de sua mulher Rosa Maria de Castro.
Casara em Viamão com Maria Antónia Pinto, filha legítima de António
Antunes Pinto, filho de João Antunes da Porciuncula, acima referido e de
sua primeira mulher Antónia Pinto. Cf. o inv. de António Antunes. Cas-
tanho era furriel de milícias em 1819.
20) Mariano Pinto, morto heroicamente na defesa das Missões, pro-
História das Missões Orientais do Uruguai — 2. a Parte 13
386 AURÉLIO PORTO
do 24" de milícias; tenentes António Pereira Pavão, Serafim de
tal 21 ) e alferes Bráulio Ferreira Bicca, 2 -) José da Silveira, e o
alferes de São Paulo Francisco de Paula Xavier, que comandava
o distrito de São Miguel. 23 )
Em Março chegava ao conhecimento do coronel
princípios de
Alencastre que alguns grupos de inimigos talavam as campanhas
ao sul do Ibicuí. Destacou, então, o capitão Boaventura Soares,
com um esquadrão do 24" de milícias, para atacar esses invaso-
res. Encontrou logo um esquadrão sob o comando do major So-
telo que, com 60 correntinos, se achava nas pontas do Toropasso.
O capitão Boaventura deu-lhes combate aprisionou o comandante
da partida e mais 10 correntinos, além do alcaide de Belém, que
- fazia parte do bando. Teve o inimigo nesse encontro 22 mortos,
inclusive quatro desertores brasileiros, sendo dois do 24 9 e dois
do 25" de milícias que acompanhavam os correntinos. 2i )
Outros destacamentos foram mandados para diversos luga-
res, entre os quais Mariano Pinto que, com 20 homens foi guar-
necer o passo do Ibicuí, que depois recebe seu nome, o alferes
José da Silveira, com 24 homens e o tenente Pavão com 35 mi-
licianos. Em São Borja teria ficado como guarnição um capitão
com 122 soldados, cujo nome não é designado, mas que se pre-
sume ser Castanho de Araujo, pois Fabiano Pires de Almeida co-
mandava a guarda de Itaqui.
Em de Fevereiro o brigadeiro Rivera está em Japejú,
fins
donde a 25 dirige uma carta ao general em chefe do exército em
operações D. Juan António Lavalleja, comunicando que preten-
de executar «seu antigo plano» de invadir as Missões e solicitando
a aprovação de seu acto que tem por fim «ferir de morte o cora-

cede dosmesmos troncos que têm como origem António Pinto, da Colónia
do Sacramento, e sua mulher Felícia Maria de Oliveira.
21) Serafim, "hoje alferes". Deve ser o alferes, adiante nomeado
José da Silveira —Serafim José da Silveira, um dos signatários da Acta
de 16 de Dezembro de 1837, da Câmara de Piratiní, que dá posse ao ge-
neral Bento Gonçalves como presidente da República. V. "Proc. Farra-
pos" Arq. Nac. Vol. XXIX, 397.
22) Deve ser Basílio Ferreira Bicca, também notável prócer farrou-
pilha, e tronco de importante família rio-grandense.
23) Alcides Cruz, cit. Rio Branco. Efemérides e Varela, Rev. Cispl.
24) Alcides Cruz. Incursão, cit. 22.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 387

ção do Império». 25 ) E logo, a seguir, penetra em território uru-


guaio, à frente do bando que organizara. Lavalleja conhece o
caudilho e as felonias de que é capaz. Compreende o perigo que
poderá decorrer para seu próprio prestígio com um sucesso de
armas de seu antigo companheiro, suspeito ainda de entendimen-
tos com o inimigo. E determina ao comandante Oribe e Manuel
Lavalleja que, com um forte contingente, seguissem a sustar o
passo de Rivera que constava estar a «serviço do Brasil».
Afim de reforçar o destacamento com que se pusera a cam-
po, solicita Oribe o auxílio do governo de Corrientes que, aten-
dendo prontamente, põe à sua disposição o brasileiro José Lopes,
ou López Chico, caudilho ao serviço desse governo. López Chico,
à frente de 500 homens, se integra às forças de Oribe, oferecen-
do-se em seguida para parlamentar com Rivera «no intuito de
convencer-lhe, por meios suasórios, de que desistisse da incursão».
Oribe cedeu e o seu delegado, com os 500 correntinos, fez causa
comum com Rivera, com quem se pôs de «acuerdo comprometién-
dose abandonar el servício de Oribe a cambio de 10.000 vacas que
le entregaria Rivera». (Baldrich, obra cit, 465). O Dr. Alber-
to Palomeque declara que López Chico se pôs ao serviço de Ri-
vera por ter verificado que este não agia como aliado dos portu-
gueses, segundo se dizia, e que não era, como fora oficialmente
declarado, um traidor. Os dois autores citados não comprovam
as suas afirmativas. Conhecido porém o modo pelo qual Rivera
reuniu adeptos, se é levado a dar crédito à primeira versão». 26 )
Acossado por Oribe, Rivera penetra no território rio-granden-
se. No dia 2 de Abril 27 ) o alferes José Silveira, que percorria
a campanha com 24 praças milicianas do 24 9 encontrando com
,

as avançadas do invasor, a elas se incorpora com todos os seus


soldados. A 21 chega ao passo do Ibicuí, guarnecido por Maria-
no Pinto de Oliveira com 40 homens, do 24 Q Um emissário de
.

Rivera, falando português, apresentou-se ah como amigo, solici-

25) Rev. Hist. Montevidéu. N. 15, pág. 105.


26) Sousa Docca. Notas cit. 250.
27) Deve haver equívoco na citação de quase todos os historiadores
o depoimento de Canete, adiante transcrito, dá a entender que foi no dia
21 de Abril que se deu a defecção do alferes Silveira.
13*
«

388 AURÉLIO PORTO


tando facilidades na passagem. Deu resultado o ardil. Mas, des-
coberto o embuste do traidor, mesmo compreendendo que seria
aniquilado pela superioridade numérica do inimigo, valorosamen-
te, Mariano Pinto, à frente de poucos companheiros, resiste ao<

choque dos invasores até cair morto, com mais seis milicianos.
Foi este o único gesto de protesto. O caudilho oriental contami-
nara com a sua felonia esses bravos soldados brasileiros que lhe
entregavam, manchada de sangue heróico, a bandeira nacional.
Transposto o Ibicuí, penetrava Rivera na Província de Missões.
No dia 25 o tenente António Pereira Pavão com seu destacamen-
to de 25 milicianos aderia ao exército invasor; dois dias depois-
chegava a vez de Boaventura Soares que, com seu destacamento
de 122 praças, ia engrossar as fileiras inimigas; mais tarde os
capitães Fabiano Pires de Almeida e António Castanho de Arau-
jo, com os restos do corpo de milicianos, completavam essa inex-
plicável série de defecções. Mais de 200 portugueses, diz o Cons-
titucional rio-grandense, citado por Varela, já se tinham unido
a Rivera «quando este invadiu as Missões».
Tendo conhecimento da entrada de Rivera em território bra-
sileiro o coronel Alencastre, de São Borja, comunicou ao comando
em chefe do Exército «que não tinha meios nem forças para ba-
tê-lo e se poria em retirada até encontrar recursos que inconti-
nenti tinha pedido ao comandante da fronteira do Rio Pardo, o
visconde de Castro». 2S )
Nesse meio tempo Alencastre adoece
gravemente, passando o comando ao tenente-coronel Palmeiro, co-
mandante do 24°.
Entrando nas Missões, depois de receber o reforço desses con-
tingentes brasileiros, Rivera divide a sua força em três colunas:
a primeira, sob o comando de Felipe Caballero, operaria sobre
São Francisco de Assis; a segunda, tendo como comandante Ber-
nabé Rivera, marcharia para São Borja, sede do comando geral
brasileiro e a terceira, ao mando do próprio general Frutuoso Ri-
vera, destinava-se a perseguir o coronel Alencastre, que se dirigia
a Cruz Alta.
A 23 de Abril, tendo já o inimigo às portas, os coronéis Alen-

28) Lima e Silva. Anais. 96.


HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 389

castre unicamente com seis homens que lhe ficaram fiéis: Pal-
meiro e Lago que levavam algumas famílias que se retiravam,
abandonaram a praça, por caminhos diferentes, fugindo à inva-
são. Alencastre teve as suas bagagens ainda apresadas pelas
avançadas do inimigo «inclusive 5.000 patacões e 500 pesos de
sua fortuna particular». 20 ) Conseguiu, entretanto, chegar a São
Martinho, donde passou a Boca do Monte, distrito comandado pelo
tenente André Ribeiro de Córdova. Palmeiro foi directamente a
Cruz Alta, e Lago, com o pessoal que custodiava, atingiu Passo
Fundo, donde se transportou para Vacaria. Levava o adminis-
trador geral, em carretas, as alfaias das igrejas, e outros diversos
objectos dos Povos, que tentara salvar, mas atácado em caminho
pelos índios, tomaram estes tudo quanto levava, fazendo voltar
as carretas para o Povo de São Miguel. 30 ) O comandante da
flotilha de Itaqui, capitão Justo Yegros com o destacamento naval
ali sediado, abandonou também o seu posto, fugindo à aproxima-

ção do inimigo.
Rivera chegou com sua coluna até Cruz Alta, mas, daí, con-
tramarchando, entrou em Itaqui, 31 ), onde estabeleceu o seu quar-
tel general, comunicando então às autoridades argentinas e orien-

tais, em 17 de Maio de 1828, «que a Província goza hoje de sosse-

go e satisfação e a prova mais autêntica é o considerável número


de oficiais, tropa e moradores que todos os dias se me apresen-
tam, ambicionando todos encorporar-se às fileiras republicanas, e
que a Província faça parte das da República Argentina». 32 )
Tendo chegado ao exército do sul algumas notícias sobre o
preparo da expedição de Rivera às Missões, mandou o general
Lecor, em Fevereiro, que o tenente de Estado-maior Francisco Xa-
vir Canete fosse até São Borja em comissão junto ao coronel Joa-

29) Álvaro Alencastre. Obra cit. 263.


30) Foi o alferes Silveira que apreendeu as carretas cf. Canete.
31 > Itaqui teve origem em 1821, em uma guarda de 150 homens,
que sob o comando do capitão Fabiano Pires de Almeida, acampou na
barra do arroio Cambai. Sobreveio grande enchente, que obrigou a mu-
dar essa guarda para o local onde hoje se ergue a cidade. Nesse mesmo
ano, 50 correntinos e várias íamílias fugindo ao caudilho Aguirre, às or-
dens do capitão Camilo Justiniano Ruas e Fernando Pires, irmão de Fa-
biano, ali se estabeleceram, fundando a povoação.
32) Palomeque. Obra cit.
390 AURÉLIO PORTO
quim António de Alencastre. Não chegou esse oficial ao seu des-
tino, no caminho, soube dos acontecimentos e juntamente
pois,
com o major Ricardo, 33 ) sem ter encontrado o coronel Alencas-
tre, mas perseguido tenazmente pelo alferes Silveira, foi até Por-
to Alegre, onde em 8 de Maio, perante o presidente da Província,
prestou seu depoimento, que foi a primeira notícia levada ao Go-
:{4
verno. )

Sediando no Itaqui o seu quartel general, procurou o general


Frutuoso Rivera dar organização à Província que conquistara, de-

Major Ricardo José de Magalhães, oficial de milícias.


33)
Esse documento existente no Arquivo Histórico do R. G. do Sul,
34)
(Pasta Missões-1828) é em sua íntegra o seguinte: "Aos oito dias do mez
de maio de mil oitocentos e vinte e oito, no Palacio do Exmo. Snr. Presi-
dente se aprezentou o Tte. do Estado Maior Francisco Xavier Canete que
tinha vindo por ordem do Exmo. Snr. General em Chefe em comissão ao
Cel. Com. de Missoens Alencastro, tendo fugido por cauza do inimigo o
qual sendo perguntado sobre alguns objectos tendentes ao inimigo.
Respondeo que tendo sahido do exercito no dia vinte quatro de Feve-
reiro do corrente anno em commissão ao Cel. Alencastro, chegando a S.
Francisco no dia vinte dous de Abril teve ali noticia de haver D. Fructo
passado o passo do Marianno Pinto, e matado toda a guarda que ali se
achava, e nesse mesmo dia as duas horas da tarde soube que tinha passado
para o inimigo o Alferes Silvr". com 24 homens, no dia vinte e cinco a tar-
de fez o mesmo o Alferes Pavão com trinta e seis, e no dia vinte e seis
fizeram amesma passagem um Capitão, e 2 Subalternos cujos nomes não
se lembra o n ç de homens que se seguirão, no dia vinte sete o Capitão
Boaventura com cento e vinte quatro passou-se igualte. pa. o inimigo, po-
rem destes homens só vinte e dous não quizerão seguir o d". Cap. não
obste, as suas persuaçoens. Dice mais que o Capitão Boaventura sabendo
que elle Canete se achava em Guarajaça foi ali com huma partida de oito
homens para prendelo, e não conseguio por elle Canete adiantando-se
mais huma legoa receando alguma traição nessa mesma noite foi perse-
guido pelo Alf. Silveira the o Loreto. No dia vinte oito pela manhã sa-
bendo o Major Ricardo, que também tinha vindo em comissão do exer-
cito pa. São Borja, que elle Tte. Canete se achava em Guarajaça, veio
auxilial-o com cinco homens armados afim de que junto com ele fossem ao
encontro do Coronel Alencastro depois de terem caminhado cinco ou seis
Quadras diste, do campo inimigo encontrarão com o Alf. Silveira que vi-
nha de volta, e tendo parado para falar com o Major Ricardo aquelle
lhe perguntou o que andava fazendo, lhe respondeo o Major que hia junto
com elle Tte. Canete em procura do Cel. Alencastro, e perguntando o d".
Major Ricardo ao Silveira o que também andava fazendo respondeo, que
andava fazendo voltar as Carretas, Cavalhadas, e Gados para que fossem
a Guarajaça onde se achva o Snr. Gal. D. Fructo, que era quem as man-
dava voltar para aquelle lugar, e depois disso se despedio e foi dar conta
a D. Fructo, que nos hiamos fugidos, e que lhe desse immediatamte. tro-
pa para perseguir-nos, enós caminhamos todo o dia sem parar the chegar
a Loreto donde tiramos Cavallos thé a mesma reunada que tinha man-
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 391

terminando sobre a comandância dos Sete Povos que foram con-


fiados, em parte, aos oficiais brasileiros que haviam aderido ao
invasor. Nessa ocasião o capitão Boaventura Soares foi nomea-
do comandante de São Borja, posto que exerceu até Outubro quan-
do se apresentou, aproveitando o indulto que, por ocasião da reor-
ganização, no Rio^Pardo, do 24" de milícias, oferecia o governo
aos que tinham desertado e se haviam posto às ordens do inimi-
go. Procurou o capitão Boaventura justificar-se de sua traição,
dizendo ter sido compelido por intimação de Rivera, visto ser im-
possível resistir à invasão. Voltou novamente à milícia e foi um
dos primeiros oficiais que aderiram à Revolução Rio-grandense,
ocupando aí o posto de coronel. Outros oficiais seguiram a sorte

dado voltar o ditto Silveira. Saindo dali as Ave Mas. dicemos ao Capa-
taz da Cavalhada que hiamos para as Tunas, tendo tomado a mesma
estrada passamos huma coxilha muito extença e eambeamos o caminho
para Jaguari, as oito horas dessa mesma noite chegou o d p Alferes Silvr*.
.

com a partida a Loreto em nossa procura, e tendo alli chegado pergun-


tou por nós, lhe respondeo o Capitão que "nós tínhamos seguido para as
Tunas, para onde immediatamente seguiram em nossa procura, e não nos
tendo encontrado por termos mudado de caminho ali se demorou the o
outro dia a tarde,— que então souberão por hum homem que vinha com
uma carga de Sal que nos tinha encontrado ao romper do dia passando
o Jacui, e deste modo podemos sem perigo seguir o nosso caminho the
São Martinho, onde chegamos no dia 29 de Abril pela manhã, e nesse
mesmo dia baixamos ao Campestre, onde ficou o Major Ricardo, e eu se-
gui o meu destino the esta Capital de Porto Alegre. Dice mais que sou-
be no dia 5 de Maio pelo morador Padilha, que no dia tres o inimigo tinha
entrado no acampamt*. de Santa Maria da Bocca do Monte. Dice mais
que o Cap. Boaventura no mesmo dia que se passára ao inimigo man-
dara saquear os Cofres da Nação pelos seus próprios Soldados apezar da
resistência do Off. encarregado delles, dice mais o ã". Cap. Boaventura aos
seos camaradas que aquelle que o quizesse seguir, o seguisse, porque tan-
to fazia servir à Patria, como ao Império, e que elle se hia passar ao
inimigo para desse modo segurar todos os seus interesses e que elles fizes-
sem o mesmo, pelo que o acompanharão cento e dous homens. Dice mais
o Tte. Canete que toda a força inimiga que elle tinha visto era de qui-
nhentos a seiscentos homens não entrando nesse numero duzentos que
tmhão ido a S. Francisco e quatrocentos que hião em seguimt". do Coronel
Alencastro por S. Xavier; porem que ouvio dizer que toda a Força do Ini-
migo era de tres mil homens, entrando nesse numero Correntinos, Orien-
taes, Charruas e Minuanos. Dice mais que os principaes Offes. erão D.
Fructo, e D. Bernabé, Lopes Xico, e Laguna, e mais não dice e assignou
commigo o Tte. Cel. Pedro Luiz de Menezes que por ordem do Exmo. Snr.
Prezte. fiz este depoimento.
Porto Alegre 8 de Maio de 1828. Francisco Xavier Canete. Tte. do
Est*. Maior do Exercito. — Pedro Luiz de Menezes. Tte. Cel.
392 AURÉLIO PORTO
dos exércitos da Pátria (orientais), retirando com Rivera e indo
residir no Estado Oriental. Só mais tarde voltaram ao Brasil,
quando o Rio Grande levantou a bandeira da República.
Nada autorizava a crer que tão facilmente esses oficiais de-
sertassem à sua bandeira. No dia 4 de Abril, tendo já Rivera
às portas das Missões, o coronel Alencastre, em ofício ao presi-
dente da Província, dando notícias dos acontecimentos de Mis-
sões, tinha para seus subordinados as seguintes palavras: «Não
devo deixar de ponderar a V. Exa. que as minhas partidas daque-
le lado tem privado ao inimigo de levarem muitas mil reses, além

dos assassínios que deviam praticar e por isso não posso deixar
de repetir e recomendar à proteção de V. Exa. os bons serviços
prestados pelo capitão do Regimento 24? Boaventura Soares da
Silva, comandante daquela força, o tenente do Regimento 23° Fran-
cisco Telles de Souza, o alferes do Regimento 24 9 António Pereira
Pavão, e o alferes Basílio Ferreira Bicca e José Silveira». 35 )
Enquanto se desenrolavam esses acontecimentos que culmi-
naram com a tomada da Província de Missões, processavam-se
negociações de paz entre os plenipotenciários do Império e os das
Províncias Unidas do Prata. «Esta paz, diz Palomeque, já era
um facto consumado e não poderia voltar-se atrás. Desde 18 de
Março de 1828 estava consignado na Convenção enviada pelo im-
perador e entregue a Dorrego que a aceitou com o conhecimento
dos orientais. Em prova disto este designou a respectiva missão
em 17 de Junho; e em 12 de Julho partiam os plenipotenciários
que concluíam o tratado de 27 de Agosto de 1828».
Impunha-se ela de modo taxativo para a Argentina. Mina-
da por dissenções internas, que ameaçavam quebrar os laços que
uniam as suas províncias, a grande nação do Prata, orientada por
espíritos patrióticos que viam nessa atitude a solução única a seus
complexos problemas de ordem económica e política, não poderia
sacrificar à acção caudilhesca de Rivera essa oportunidade que se
lhe deparava para retomar os rumos de sua marcha ascensional.
Por outro lado, a desagregação das Missões do território brasi-

35) Arq. Hist. R. G. do Sul — Pasta Missões — 1828.


36) Palomeque. Obra cit. 104.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 393

leiro, nem sequer entraria nas cogitações dos negociadores do Im-


pério. Compreendeu Dorrego a gravidade da situação que se de-
senhava. Se Rivera se negasse a disistir de sua fácil conquista,
que o Brasil jamais poderia reconhecer, a luta se reacenderia no-
vamente em detrimento da unidade argentina. Colimada estava
a aspiração de ambos os contendores: a independência da Banda
Oriental.
Ante a atitude do caudilho que não se resignava ao imperati-
vo da solução, impunha-se ao presidente das Províncias Unidas
«limitar a autoridade e poder», que os acontecimentos haviam ou-
torgado a D. Frutuoso Rivera com a posse das Missões. Outro
seria o destino do Exército do Norte, «pois a única coisa em que
Dorrego pensava era arrancar Rivera do país para lançá-lo sobre
o Paraguai, não o querendo de maneira alguma na guerra contra
o Império». 37
)

Foi quando, para «limitar essa autoridade», se deu a desig-


nação do general Estanislau López que deveria assumir o coman-
do em chefe desse exército. Sentiu o caudilho com este gesto do
governo argentino o mais profundo desgosto. Grande amigo de
Rivera, o general López procurou atenuar as consequências desse
golpe, entrando em um acordo com o caudilho. Feito isto, resig-
nou o mandato, entregando novamente a Rivera a chefia desse
exército.
Agindo por conta própria, procurou Rivera consolidar a con-
quista, estabelecendo nas Missões um governo regular. Tentou
atrair, com o engodo de princípios liberais e republicanos arrai-
gados na consciência dos rio-grandenses, os próceres do liberalis-
mo gaúcho. Realizar-se-ia o sonho almejado, proclamando-se a
República Rio-grandense. Bento Manuel, uma das maiores figu-
ras do cenário heróico, recebe os emissários de Rivera: D. Manuel
Pueyrredon e o Dr. Lucas José Obes. 38 )
E enquanto Rivera estende seu raio de acção além do Ibicuí,
determinando ao comandante Felipe Caballero ocupe com 200 ho-

37) Palomeque. Obra cit.


38) Alcides Cruz. Incursão, cit. (trad.) 37.
39) Varela, Hist. Grande Revolução. I, 330. Carta de Lago.
394 AURÉLIO PORTO
mens a capela de Alegrete, sugere o Dr. Obes a realização de um
congresso de elementos missioneiros, de origem brasileira, cujas
resoluções pensava poderiam pesar no tratado de paz.
Este congresso teve a adesão de alguns estancieiros da re-
gião, entre os quais destacou-se Francisco Borges do Canto, irmão
do heróico conquistador das Missões, a quem foi dado o cargo de
presidente. Outros ainda dele tomaram parte, salientando-se o
cirurgião Marcelino Lopes, Alexandre de Abreu Vale, Francisco
Fernandes, José de Sousa Nunes, Vicente Alves de Oliveira e
Albino de Lima. 39 ) Reunido em São Borja, teve como escopo
inicial libertar a Província de Missões do domínio brasileiro e rein-
corporá-la ao Estado Oriental. Mas, o principal objectivo a que
o Dr. Lucas José Obes pretendia atingir, com esse pseudo movi-
mento de opinião que, no fundo, nada mais era do que o temor das
arreadas de gado, por parte desses estancieiros, seria que ele in-
fluísse no tratado de paz com as Províncias Unidas. Baldado o
intento, pois a incursão das Missões nem sequer fez parte das cogi-
tações do tratado. Observa Sousa Docca que «pretendeu o ilustre
caudilho (Rivera) fazer pesar na balança por ocasião do tratado
de paz a sua pretendida conquista. Tal" não se deu. Pedro I não
permitiu que de tal coisa se cogitasse. Romperia as negociações.
Foram os plenipotenciários argentinos notificados por Ponsomby
da atitude inabalável de Pedro I». 4 ")
' Mais tarde, como se dirá, já à margem do Ibicuí, evacuando
as Missões os corregedores e mais autoridades missioneiras, que
acompanham Rivera, nomeiam seus deputados ante o governo do
Estado Oriental o Dr. Lucas José Obes e os índios D. Fernando Ti-
raparé e D. Vicente Yatuy. 41 )
O tratado de paz de 27 de Agosto de 1828 recebe a ratifica-
ção imperial em 30 desse mês e em 29 de Setembro seguinte a do
governo das Províncias Unidas do Prata. Em 17 o presidente Dor-
rego comunicava ao general Rivera ter recebido das mãos do se-
cretário D. Pedro Feliciano Cávia, para a devida ratificação, esse
instrumento «altamente honroso para a República».

40) Sousa Docca. Missão Ponsomby, cit.


41) Angel H. Vidal. La Leyenda de la destnirción de los Char-
ruas... Rev. Ins. Hist. Montevideu. Tomo IX, 1932. (Apartado) 5.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 395

moderno 42
Não há «a menor dúvida, assinala historiador, )

que a primeira impressão de Rivera a de


foi resistir ao tratado.
O mesmo em carta desses dias ao Dr. Lucas José Obes lhe manifes-
tava que o limite ao norte do território oriental era o rio Quaraí
e a este a angustura de Castilhos, e agrega estas palavras: «pare-
ce impossível que os orientais sejam tão tolos que consintam nessa
demarcação». Os amigos, porém, insistiram respeitasse as deter-
minações do tratado de paz, que importariam na desocupação ime-
diata das Missões. Esta, consoante ordem do governo argentino,
deveria ser efectivada, no máximo, até 4 de Dezembro.
Procurou Rivera ainda protelar a evacuação do território bra-
sileiro. Mas logo compreendeu os riscos da aventura à pressão do
governo argentino, e, mais ainda, à convergência das forças bra-
sileiras que se aproximam das Missões. Dias depois empreende
a marcha, rumo ao Estado Oriental. A 25 de Dezembro estancia
pelo Ibicuí e três dias depois do Itú se dirige ao governo provisó-
rio oriental dizendo que em consequência do Tratado de Paz está
assegurada «a soberania da Província oriental. Esta é a base do
Tratado e este era o único objectivo da invasão das Missões em sua
origem e a do Continente quando se concebeu que (a empresa)
não era difícil. A guerra, pois, cessou para o Exército do Nor-
te.» 43
)

Como sempre, o caudilho tergiversava. Não era este o «úni-


co objectivo da invasão das Missões em sua origem ...» Outros
que realizou merecem registo. A arreada de milhares de cabeças
.

de gado vacum que foram reconstituir as finanças abaladas de seus


sócios na empresa; o saque desmedido que não poupou objecto de
espécie alguma e a transmigração, voluntária de alguns e obrigada
da quase totalidade dos índios que desertaram os povos, com a sua
destruição: são fundamentais para a história da civilização jesuí-
tica das Missões Orientais do Uruguai. E, mais tarde, ainda a ex-
terminação total desses últimos remanescentes indígenas, na pró-

42) Pablo Blanco Acevedo. La mediación de Inglaterra en la con-


venciam, de Paz de 1828. Montevideu. 1928. 52.
43) Idem, ibidem, 55.
396 AURÉLIO PORTO
pria povoação que fundara, fechará, num gesto trágico, a página
sombria e última da história missioneira.
Frustrado o intento da incursão, ao imperativo das circunstân-
cias, o general Frutuoso Rivera, depois de oito meses de domínio
sobre as Missões, evacua calmamente o território brasileiro. Já
então, mandado para bater o caudilho, o marechal Sebastião Bar-
reto Pereira Pinto, deslocara-se de Bagé, à frente de 1.600 homens
de cavalaria. Entrando em contacto com o invasor, que retira pe-
jado de vultoso espólio e de milhares de cabeças de gado, «em vez
de romper em hostilidade, abriu negociações. 44 ) O mesmo suce-
de com Bento Manuel que, no Alegrete, com força suficiente para
sustar-lhe a marcha, «não o incomodou em sua retirada». «So-
mente depois que este tinha passado além do Alegrete, tratou de
lhe tomar a dianteira em Touropasso, o que fez deixando a infan-
taria na referida vila». 45 ) Ainda, segundo Gay, o coronel brasi-
leiro, aproximando-se do chefe oriental, mandou-lhe solicitar forne-

cesse «umas reses magras para municio; e pela meia noite, mandou
marchar de retirada a tropa de Missões que não enchergava aonde
ia, dispersou as outras e ele mesmo se retirou para Alegrete».

Dessas «negociações» entre o marechal Barreto e general Ri-


vera, que se encontram nas proximidades do Ibicuí, «campo de Ire-
re-ambá», fica. um documento interessante, quase inexplicável em
sua significação histórica. Barreto que recebera ordem de bater
o caudilho e que para isto estava aparelhado de elementos, entra
em um «acordo» com o chefe do Exército do Norte, fixando as
raias do novo Estado, e permitindo que o general Rivera continue
a sua marcha até o Quaraí, que será «a linha divisória provisional
entre ambas as forças, com as famílias e animais» e espólio abun-
dantíssimo, produtos do saque imposto às Missões.
O documento merece registo e é o seguinte em sua íntegra:
«Los abajo, Sebastian Barreto Pereira Pinto, mariscai de campo,
comandante de l 9 caballeria dei ejército imperial dei Sur, y el sehor
* coronel don Eduardo Trolé, ingeniero en jefe y comandante gene-
ral de artilleria dei ejercito argentino dei Norte, completamente

44) Alfredo Varela. Hist. da Grande Vevolução. I, 354.


45) J. P. Gay. República Jesuítica, 621.
:

HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 397

autorizados por el excelentísimo senor don Fructuoso Rivera, ge-


neral en jefe dei mismo
ejército, deseando cortar las dificultades
que se presenten y que podrian dar lugar a males irreparables, si
no ocurriesen ambas partes a los gobiernos interesados respectivos,
y solos competentes para decidir sobre cuestiones relativas a la
evacuación dei território entre el Ibicuí y Arapey por el ejército dei
Norte, lleva de ganados y famílias que le siguen; han acordado lo t

siguiente
Artículo l n El ejército republicano dei norte, al mando dei
excelentísimo senor general en jefe don Fructuoso Rivera, conti-
nuará su marcha hacia Cuareim, llevando consigo el ganado que
el

tiene y que lo acompanan: comprometiéndose


las famílias indígenas
el general de las fuerzas imperiales a no poner embarazo alguno en

su marcha ni en de los demás indivíduos que lo siguen, asi como


en el trânsito de los animales que lleva; menos intentar ninguna
via de hecho en contra de él.

Dicho ejército se situará sobre la margen izquier-


Artículo 2?
da dei Cuareim en el lugar que eligiera el excelentísimo senor ge-
neral en jefe don Fructuoso Rivera, entre el Cuareim y el Arapey,
siendo el primero la línea divisória provisional entre ambas fuer-
zas con las famílias y animales ya mencionados, hasta la resolu-
ción de los gobiernos interesados en las cuestiones pendientes.

Artículo 3 9 La fuerza imperial poderá situarse sobre la mar-


gen derecha dei mismq Cuareim, línea divisória provisional entre
ambas fuerzas, debiendo distar siempre sus avanzadas en la más
próxima de diez léguas de hasta la re-
las dei ejército republicano,
solución de los gobiernos interesados sobre dichas cuestiones pen-
dientes ya mencionadas.
Artículo 4 ? Serán remitidos de ambas partes por los genera- *

les de las fuerzas respectivas, rehenes, por garantia de la presente


convención provisional.
Artículo 5 P Dicha convención provisional será redactada en
Castellano y português y firmada de puno y letra de cada uno de
los arriba expresados.
En fe de lo que la firmaron a los 25 de diciembre de 1828, en
el campo de Irere-ambá.
398 AURÉLIO PORTO
Sebastián Barreto Pereira Pinto.
Es copia: Eduardo Trolé.
Firmado: Fructuoso Rivera». 46 )
Ainda no Ibicuí, antes de entrar em território oriental, por ins-
piração de Rivera, coagido a abandonar as Missões, em uma acta
que ali firmam, corregedores e caciques dos Sete Povos, deixam
, formulados seus votos no sentido de reincorporar a região missio-
neira à Banda Oriental. E nomeiam para pugnar pelos seus inte-
resses deputados que pleiteariam o restabelecimento das Missões.
E' o seguinte o documento em apreço:
«Los Corregidores, Tementes Corregidores, y caciques de los
Siete Pueblos de las Misiones Orientales, reunidos en las márgenes
dei Ybicui, bajo la protección dei Ejército dei Norte, y con ânimo
resuelto de trasladarse al Estado Oriental y someterse a sus ins-
tituciones, dijeron: Que habiendo elevado a estos objetos la súpli-
ca conveniente al Exmo. Sr. General en Jefe D. Fructuoso Rivera,
y obtenido a sua retirada el permiso de tomar todas las medidas
que se creyesen oportunas, y especialmente como una de ellas el
nombrar personas que, investidas dei carácter conveniente, puedan
personarse ante el Gobierno dei dicho Estado Oriental, prestarles
homenaje a nombre de dichos pueblos, y promover la aceptación
dei pacto con que desean hacer efectiva (en q. to hoy pueda serio)
la reincorporación por que se pronuncian expontáneamente, ante
el Congreso de la Província reunido em S. Borja para este efecto,

venian en nombrar a los Sres. Dr. Lucas José Ovez, diputado D.


Fernando Tiraparé, y al de igual clase D. Vicente Yatuy, a quienes
confieren todo el poder y facultad que más necesario fuese, así
para los fines aqui expresos, como para todo lo que en su ejecución
demandara, principal o acidentalmente, siendo su deseo que pro-
ceda a la mayor brevedad, a formar impacto que sirva de base a la
dicha reincorporación y establecimiento de los Siete Pueblos, en el
território dei Estado Oriental, sin renuncia o menoscabo de sus de-

* ' * è
46) Rev. Hist. Montevidéu. N. 20. O coronel Álvaro Aleneastre re-
produz no trabalho citado esse documento (Missões, 281), acrescentando
não ter encontrado o original brasileiro no Arquivo Público Nacional, onde
realizou pesquisas.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 399

rechos, al que dejan en las Províncias de Misiones, y deseando se


miren siempre como una propiedad de la nación indígena que las
pobló, cultivo, mantuvo y governo hasta 1801 en conformidad de
las leyes dei caso, porque asi en esto, como en las conservaciones
de aquellos privilégios que fueren conciliables con las instituciones
dei Estado Oriental, quieren los Pueblos que los Sres. Representan-
tes, nada pacten que pueda ofender a la felicidad de sus venide-
ros».
Y en cumplimiento, nos, los que suscribimos sacamos la presen-
te que es conforme al original de su contexto».
«José Francisco Tuapá. Corregidor — Egidio Teximante. Cor-
regidor. — Eugénio Aragefú. Corregidor. — Fernando Virapane.
Teniente Corregidor. — Francisco Anapoti. Teniente Corregidor.
— Esteban Abouc. — D. Justino Acatú. — Cacique Cipriano Atavi.
Teniente Corregidor. — D. Leandro Mendone. Corregidor. — Ma-
riano Chembo. Teniente-Corregidor». 47 )
Certo de que não poderia mais permanecer no território mis-
sioneiro, Rivera prepara-se para deixá-lo. Antes, porém, que leve
a efeito a retirada, manda a todos os recantos da terra os seus con-
tingentes de latrocínio para o saque sistemático dos bens dos po-
vos e dos proprietários brasileiros da região. Voltam das arrea-
das, aboiando milhares e milhares de cabeças de gado vacum. Ras-
pavam-se assim todos os rincões da terra missioneira. E os só-
cios da empresa recebiam os seus quinhões de pirataria. Outros
emissários percorriam os Povos. Não escapara uma alfaia de igre-
ja, de cujas torres se despojavam os próprios sinos. «Para cima
de 60 carretas, diz Gay, com estátuas de santos, com ornamentos
e sinos das igrejas, com todo o trem caseiro dos habitantes, com
os escravos acolá existentes, «com todos os artigos de comércio»,
em suma, «con el gran arreo, de las haciendas entrosadas» trans-
puseram o Ibicuí, comenta Varela, seguindo um relatório de Ben-
to Gonçalves. 48 )

47) Archivo General de la Nación. Montevidéu. Legajo 1828. Pu-


blicado por D. Angel H. Vidal em seu interessante estudo La Leyenda de
la destnicción etc. cit. 5.
48) A. Varela. Hist. da Grande Rev., cit. I, 356.
400 AURÉLIO PORTO
Conhecida a relação dessa presa, que aqui se consigna. 4! ')
Valioso o espólio que foi enriquecer os próprios particulares parti-

49) Relação das alfaias das Igrejas e mais bens pertencentes aos
Sete Povos de Missões saqueados por Frutuoso Riveira, e que os condu-
ziu por ocasião da publicação da Paz: três salvas de prata com seus véus,
três relicários de prata em que vai o Santíssimo, dois purificadores de
prata, uma chave de prata do Sacrário, duas cancelas de prata, seis cáli-
ces de prata e suas patenas, sete pares de galhetas de prata, seis pratos
de prata das mesmas galhetas, sete colheres pequenas de prata, três tu-
ríbulos com navetas e colheres de prata, um turíbulo com corrente de
prata, dois turíbulos de latão com correntes e colheres de prata, duas pe-
dras d'Ará, uma caldeirinha de estanho, um hissope de prata, dois res-
peitos do Sacrário, duas custódias grandes e ricas de prata, uma naveta
de prata, um vaso sagrado de prata encravado de pedras, um vaso de
prata com seu prato, uma tijela de prata, dois vasos que servem de lâm-
pada, um jarro de prata, duas cruzes de prata, três coroas de prata, uma
cruz de prata que pertence ao Guião, um vaso de prata para comunhão,
dois castiçais galvanizados de prata, dois crucifixos de latão, uma espada
e diadema de prata de N. S. das Dores, uma estante forrada de prata, dois
rosários de ouro com cruzes do mesmo ouro, um rosário grosso de ouro
com um crucifixo, dois pares de brincos de grisólitas, 13 casulas riquíssi-
mas de tisso de prata, 49 casulas de todas as cores — maiores e menores,
62 cordões, 26 alvas boas e medianas, cinco âmbulas de prata para Santos
Óleos, oito amitos, 43 sanguinhos, 14 capas de Asperges, 13 véus de om-
bros, 22 corporais, uma coroa de prata do Divino, quatro dalmáticas, seis
palas de cálice, 20 bolsas dos corporais, 18 véus de cálice, 7 véus compri-
dos de estante, 3 mangas de Cruz de Veludo com franjas de prata, 1
guião, 53 frontais bons e medianos, 12 estolas boas e medianas, 12 ma-
nípulos, dois panos de damasco das Credências, cinco pálios bons e me-
dianos, 8 missais, 48 toalhas finas e medianas, 68 opas e roquetes, 47 so-
brepelizes, 25 túnicas de algodão, uma túnica de baetãc preto, duas tiras
de baeta com galão falso, 10 cortinas grandes de algodão, 35 campainhas,
19 sinos grandes e medianos, 10 espelhos dos altares, oito lanternas de
vidro, quatro castiçais de latão, quatro panos de estante, uma porta coli,
um pano verde grande, cinco mantos de veludo do Senhor, uma coberta
de seda do Santo Sepulcro, oito lâminas, seis cóvados de pano azul fino,
seis varas de franja de prata, quatro sacras prateadas, cinco palmas pra-
teadas, um estandarte com renda de ouro, duas bandeiras de tafetá do
Divino, uma sobremesa de damasco, quatro cobertas de veludo carmesim
das cadeiras, duas capas de veludo, dois sercais de prata, 16 ferros de fa-
zer hóstias e obreas, três ferros de engomar, 55 rabecas e violinos, 14
rabecões, sete zabumbas, sete flautas, três serpentões, duas coroas de
prata de Nossa Senhora do Rosário e Espírito Santo, uma chave grande
do Sacrário, duas bandejas do Espírito Santo, três estolões, seis almofa-
das.
Consta ainda da mesma relação o saque feito aos povos e estâncias
missioneiras de que se destacam 1.830 varas de pano de algodão branco,
1.050 arrobas de algodão em rama, 20 varas de riscado de algodão, 29 ar-
robas de fio de algodão, 1.000 arrobas de erva-mate, 1.420 couros vacuns,
e muitos outros artigos. Além dos animais dos Povos o saque feito às
estâncias constava de 31.696 gados de criar, 2.213 éguas de rodeio, 479
cavalos mansos e redomões, 390 ovelhas e 216 bois mansos.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 401

cipantes da façanha. Um dos sinos perdeu-se à passagem do rio.


Outros foram distribuídos pelas igrejas orientais.
Consoante o informe de António Diaz, seguiu na cauda do
exército retirante, «parte aliciada, parte forçada, a povoação intei-
ra das Sete Missões». 00 ) E agrega o historiador da Grande Re-
volução que «conquanto fosse de seduzir a índios a aventura em
perspectiva, enfeitada com as galas de que sabia usar o laborioso
Rivera, que lhes falava a eles em sua língua nativa; certo é que
muitos o acompanhavam constrangidos, qual atesta o valioso do-
cumento supra. «Resignavam-se a segui-lo com a esperança de
recuperarem a sua propriedade» mesclada a de uns com a de outros
no saque universalíssimo que ninguém da parte do império nem de
leve obstara». E à luz de outros informes, apreciando a atitude de
Bento Manuel que, à frente de forças superiores, deixa passar li-
vremente o caudilho com seu farto botim, contentando-se em soli-
citar-lhe algumas «magras vaquinhas para municio da tropa», diz
que «os oficiais e tropas de sua majestade «ardiam» na ânsia de
«atacar o caudilho invasor, por causa das mulheres e seus filhos,
que levava, porque muitos índios missioneiros se achavam incorpo-
rados às tropas brasileiras, segunlo me têm narrado vários oficiais
que se achavam presentes, debaixo de cuja responsabilidade faço
esta narração». 51 )

MAPA geral dos bens e propriedades dos Sete Povos das Missões
Brasileiras com especificação do estado actual dos edifícios, núme-
ro dos naturais, receita e despesa, dívidas e crédito, produções e
ramos de indústria, oferecido ao limo. e Exmo. Sr. Salvador José
Maciel, Presidente da Província do Rio Grande de São Pedro do Sul,
pelo tenente-coronel Manuel da Silva Pereira do Lago,
administrador geral. (Em 1827)

População — Santo Ângelo: Varões: 21 úteis, 7 menores, 11 inválidos.


Mulheres: 46 úteis, 10 menores, 8 inválidos, total 103. São Borja: Varões:
17 úteis, 3 menores, 22 inválidos. Mulheres: 66 úteis, 38 menores, 34 in-
válidas, total 180. São João: Varões: 24 úteis, 21 menores, 27 inválidos.
Mulheres: 64 úteis, 34 menores, 42 inválidas, total 212. São Lourenço:

50) A. Varela. Obra cit. I, 354.


51) Idem, ibidem, 355.
402 AURÉLIO PORTO
Varões: 31 úteis, 38 menores, 26 inválidos. Mulheres: 81 úteis, 44 meno-
res, 38 inválidas, total 258. São Luís: 21 úteis, 44 menores, 75 inválidos.
Mulheres: 157 úteis, 55 menores, 91 inválidas, total 446. São Miguel: Va-
rões: 16 úteis, 28 menores, 39 inválidos. Mulheres: 58 úteis, 38 menores,
92 inválidas, total 271. São Nicolau: Varões: 27 úteis, 52 menores, 62 in-
válidos. Mulheres: 95 úteis, 37 menores, 121 inválidas, total 404. —
To-
tal geral 1.874.

Edifícios e Prédios —Santo Ângelo: 1 templo, 1 colégio, 6 quadras,


1 curralão, 1 casa de teares, 1 quintal, 1 pomar, 1 cemitério — São Borja:
1 templo, 1 colégio, 6 quadras, 1 curralão, 1 hospital, 1 casa de roça, 1
casa de teares, 1 quintal, 3 pomares, 1 cemitério. — São João: 4 cape-
ias, 1 colégio, 9 quadras, 1 curralão, 1 hospital, 1 casa de roça, 1 casa
de teares, 1 quintal, 1 pomar, 1 cemitério. — São Lourenço: 1 templo,
1 colégio, 6 quadras, 1 curralão, 1 hospital, 1 casa de roça, 1 casa de
tear, 1 quintal, 1 pomar, 1 cemitério. — São Luís: 1 templo, 1 colé-
gio, 1 cabildo, 6 quadras, 1 curralão, 1 casa de roça, 1 casa de teares,
1 quintal, 4 pomares, 1 cemitério. — São Miguel: 3 capelas, 1 co-
légio, 1 cabildo, 8 quadras, 1 curralão, 1 hospital, 1 casa de roça, 1 casa de
teares, 1 quitai, 2 pomares, 1 cemitério. — São Nicolau: 1 templo, 2 capelas,
1 colégio, 1 cabildo, 10 quadras, 1 curralão, 1 hospital, 1 casa de roça, 1
casa de teares, 1 quintal, 4 pomares, 1 cemitério.

Santo Ângelo —
Animais: 20 cavalos mansos, 20 bois, 24 éguas, 50
ovelhas; Produções anuais: 60 alqs. trigo, 150 ar. algodão, 7 alqs. feijão,
40 alqs. milho, 300 ar. erva mate. — São Borja: 40 cavalos mansos, 86
éguas, 6.000 éguas alçadas, 5.400 reses de criar. 69 ovelhas; Produções
anuais: nenhuma. —
São João: Animais: 10 cavalos mansos, 30 bois, 300
éguas, 40 ovelhos; Produções anuais: 11 alqs. trigo, 125 ar. algodão, 85
alqs. milho, 360 alqs. favas, 70 alqs. cevada, 760 ar. erva mate. — São Lou-
renço: Animais: 300 éguas: Produções anuais: 100 ar. algodão, 125 alqs.
milho, 140 alqs. fava, 30 alqs. cevada, 300 ar. erva mate, 347 couros de
gado crú. —São Luís: Animais: nenhum; Produções anuais: 104 alqs.
trigo, 20 ar. algodão, 7 alqs. feijão, 250 alqs.' milho, 450 alqs. fava, 6 alqs.
cevada, 3 alqs. arroz, 2 alqs. lentilhas, 8 alqs. ervilhas. — São Miguel: Ani-
mais: 200 cavalos mansos, 40 bois, 400 éguas, 16.000 reses de criar, 40 ove-
lhas; Produções anuais: 300 ar. erva mate. — São Nicolau: Animais: 40
cavalos mansos, 40 bois, 1.000 éguas, 3.000 reses de criar, 100 ovelhas;
Produções anuais: 140 alqs. trigo, 160 ar. algodão, 24 alqs. feijão, 40 alqs.
milho, 130 alqs. favas, 306 couros de gado crú.

Ramos deIndústrias — Santo Ângelo: 580 v* pano de algodão, 58 v»


bicharás, 93 V
picote riscado. — São Borja: nenhum. —
São João: 2.129
v' pano de algodão, 507 % v* picote riscado. —
São Lourenço: 1.480 V
pa-
no de algodão, 148 % pano de lã. —
São Luís: 400 v» pano de algodão, 100
meia solas. —
São Miguel: nenhum. —São Nicolau: 4.171 V
pano de
algodão.

Soldos Anuais —
Santo Ângelo: 144.000 adminitradores, 144.000 capelão,
144.000 cirurgião. —
São Borja: 144.000 administradores, 153.600 capataz São
Gabriel, 144.000 capelão, 144.000 cirurgião. —
São João: 144.000 adminis-
tradores, 144.000 capelão, 144.000 cirurgião. —
São Lourenço: 144.000 ad-
ministradores, 1444.000 capelão, 144.000 cirurgião. —
São Luís: 240.000,00
administradores, 144.000 capelão, 144.000 cirurgião. —São Miguel: 144.000
.

HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 403

administradores, 307.200 capataz São Vicente, 144.000 capelão, 144.000 ci-


rurgião. —São Nicolau: 144.000 administradores, 153.600 capataz Itaro-
quem. 144.000 capelão. 144.000 cirurgião.

Ornamentos e Alfaias das Igrejas —


24 capas de asperges, 52 casulas,
6 dalmáticas, 4 alvas, 3 amitos, 20 cíngulos, 9 estolas, 12 manipulos, 8
véus de ombros, 22 corporais, 27 sanguinhos, 4 véus de cálice, 4 panos de
estante, 77 sobre-pelizes, 5 pálios, 75 frontais, 74 sotainas, 20 bolsas de cor-
porais, 2 panos de credências, 51 toalhas, 14 opas, 6 almofadas, 3 docéis,
11 cortinas, 2 pano verde, 9 véus, 8 cobertas de seda, 13 missais antigos,
1 ritual, 1 breviário, 11 cadeiras de veludo, 2 idem de espaldar, 10 assentos
rasos,4 bancos de pau, 3 mesas de pau, 42 campainhas, 56 sinos, 4 custó-
dias de prata, 9 cálices de prata, 11 vasos sagrados de prata, 6 âmbulas
de prata, 3 Relíquias de prata, 2 Purificadores de prata, 2 cruxificos de pra-
ta, 4 cruz de prata, 6 coroas de prata, 7 chaves do Sacrário, 6 Sacras de
prata, 1 portacoli de prata, 3 resplandores de prata, 1 cetro de prata, 1 Es-
tante chapeada, 1 perfumado chapedo, 1 rosário de ouro, 4 cercais de pra-
ta, 10 palmas chapeadas, 2 bacias de prata, 1 caçarola de prata, 12 casti-
çais de prata, 4 caixas de hóstia, 4 porta-paz de prata, 3 jarros de prata,
1 tijela de prata, 8 galhetas de prata, 3 turibulos de prata, 5 navetas de
prata, 1 sucena de prata, 3 caldeirinhas de prata, 1 cruxifico de latão, 1
turíbulo de latão, 4 castiçais de latão, 10 espelhos, 8 lanternas, 4 ceras
chapeadas, 1 pomba de prata »e 11 pedras d'ara.

Terras de criar:

Santo Ângelo: 20 cavalos, 24 éguas, total 44 cabeças.


São Borja: Denom. da terra S. Gabriel: 1 terra, 5.400 reses, 40 cavalos,
86 éguas, total 5.526 cabeças.
São João: Denom. das terras Conceição, 1 terra, 10 cavalos, 300 éguas, to-
tal 310 cabeças.
São Lourenço: Denom. da terra Passiretã, 1 terra, 300 éguas, total 300 cab.
São Luís: nenhuma.
São Miguel: Denom. da terra S. Vicente, 2 terras, 16.000 reses, 200 cavalos,
400 éguas, total 16.600 cabeças.
São Nicolau: Denom. da terra Itaroquém, 1 terra, 3.000 reses, 40 cavalos,
1.000 éguas, total 4.040 cabeças.

Santo Ângelo: 1 terra, 1 légua em roda; Terras incultas: 1 terra, 1/8 lé-
gua em roda; Terras usurpadas dos Povos: 6 estâncias, 3 potreiros,
2 invernadas
São Borja: 1 terra, % légua em roda; Terras usurpadas dos Povos: 1 es-
tância, 10 rincões.
São João: 1 terra, 4 léguasem roda; Terras incultas: 1 terra, % léguas em
roda; Terras cultivadas: 1 invernada, 1 légua quadrada; Terras usur-
padas dos Povos r 2 rincões.
São Lourenço: 1 terra, 6 léguas em roda; Terras incultas: 1 terra, J s lé-
gua em roda; Terras cultivadas: 1 invernada, 1 % légua quadrada;
Terras usurpadas dos Povos: 1 estância, 2 rincões.
São Luís: 1 terra, 6 léguas em roda; Terras incultas: 1 terra, % légua em
roda; Terras cultivadas: 1 invernada, 2 léguas quadradas; Terras
usurpadas dos Povos: 1 estância.
São Miguel: 1 terra, 3 léguas quadradas; Terras incultas: 1 terra, % lé-
gua em roda; Terras cultivadas: 1 invernada, 1 % légua quadrada;
Terras usurpadas do Povos: 5 rincões.
404 AURÉLIO PORTO
São Nicolau: 1 terra, 21 léguas quadradas; Terras incultas: 1 terra, Ys lé-
gua em roda; Terras cultivadas: 1 invernada, 1 légua quadrada; Ter-
ras usurpadas dos Povos: 6 potreiros, 12 rincões, 8 chácaras.
Total para todos os povos de vacas e cavalos: 24.710.

Crédito a favor dos Povos — Em animais e vários géneros:

Santo Ângelo: 60 alqs. trigo, 150 ar. algodão, 400 v* panos de algodão,
7 alqs. feijão, 40 alqs. milho.
São Borja: 92:051 em dinheiro.
São João: 240:000 em dinheiro.
São Lourenço: 100 ar. erva mate.
São Luís: 4.489:155 em dinheiro, 30 alqs. trigo, 20 ar. algodão, 200 v* pa-
no de algodão, 10 alqs. milho, 9 alqs. favas. 50 meias solas, 110 cou-
ros, 2 cavalos, 5 mulas, 1 vaca.
São Miguel: 2.320:475 em dinheiro, 86 vacas.
São Nicolau: 1.165:060 em dinheiro, 30 ar. algodão, 207 v* pano de algodão,
24 alqs. feijão, 117 couros.

Dívida dos Povos — Em vários géneros.

Santo Ângelo: 180:000 em dinheiro; 454 v* pano, 246 ar. erva.


São Lourenço: 300:000 em dinheiro; 20 ar. algodão, 130 ar. erva, 12 vacas.
São Luís: 2.127 v* pano.
São Nicolau: 170:000 em dinheiro.

Receita e despesa anual dos Sete Povos:


Receita: 27.274$520; Despesa; 29.216$880; Dif. contra os Povos: 1.942$360.

Alfaias e Utensílios dos Povos —


1 chapeado de prata, 4 estribos de
prata, 4 bocais de prata, 2 coldres de prata, 2 peitorais de prata, 1 freio
de copas, 23 talheres de prata, 7 relógios solares, 21 armários, 106 mesas,
123 catres, 32 castiçais, 28 panelas de ferro, 11 chocolateiras, 230 pratos,
13 copos de cristal, 4 sopeiras, 4 jarros, 7 bacias, 7 terrinas, 22 tijelas, 5
canecas, 3 caldeiras, 1 peneira, 4 moinhos de mão, 20 romanas, 15 taxos,
1 lambique, 49 caixões. 72 talheres de cabo de osso, 11 cadeiras de palha,
18 cadeiras de jacarandá, 196 cadeiras de pau, 6 caixas, 3 placas doura-
das, 4 lampiões de vidro, 9 toalhas de mesa, 34 colchões, 46 lençóis, 3 col-
chas, 5 fronhas, 24 travesseiros, 2 toalhas de algodão de mão, 4 toalhas
de paninho de algodão, 24 toalhas de paninho de mesa, 28 grilhos, 10 mar-
cas, 7 pás de ferro, 111 enxadas, 65 machados, 51 foices de roçar, 54 foi-
ces de trigo, 43 serras, 16 alavancas, 10 serrotes, 6 escrópulos, 17 marte-
los, 336 formões, 3 compassos, 15 enxós, 4 trados, 3 safras de ferro, 9 ma-
lhos, 1 torquês, 8 bigornas, 1 forja, 9 limas, 9 tenazes, 1 prumo, 11 pi-
caretas, 10 picões, 21 colheres de pedreiro, 65 bancos, 1 tafona, 15 teares,
10 carretas.

Povo de S. Luís, 26 de Julho de 1827. Manoel da Silva Pereira do Lago,


tenente-coronel e administrador geral. —
Conforme, Antonio Jozé Pedrozo.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 405

2. Bela Unión.

Não se pode ainda, precisamente, à mingua de informações


exactas, apreciar o vulto do êxodo das populações missioneiras que
transmigram com o general Rivera. O informe oficial sobre a po-
pulação das Missões consta do precioso Mapa estatístico que o te-
nente-coronel Manuel da Silva Pereira do Lago, em data de 26 de
Julho de 1827, levantou em São Luís e existe do Arquivo Histórico
do Rio Grande do Sul, documento precioso sobre todos os as-
pectos da vida missioneira, reproduzido páginas atrás.
Como se verifica, nesse ano, a população das Missões constava
em que residiam. Se-
de 1.874 naturais, aí arrolados pelos Povos
rão exactos esses dados fornecidos em informação oficial pelo ad-
ministrador geral dos Povos? E' de crer que sim.
O Dr. Alfredo Varela debate longamente o assunto chegando
à conclusão de que maior seria o número dos expatriados. Não
obstante nos cingirmos ao documento deixamos aqui, como
oficial,

elemento para estudo, transcrita na íntegra, essa página do douto


historiador, com as respectivas notas ilustrativas:
Berra eleva os expatriados a 5.000 famílias, 10 a 12.000 o to-
tal dos indivíduos. ?) Há exagero, porque o censo de 1814, feito
com um relativo esmero, os computou em 7.951. ) Se no cálculo
;!

demográfico, somos forçados a jogar com um coeficiente de au-


mento notável, as novas imigrações, também temos que conside-
rar um muito importante, de descréscimo, as guerras, que dizima-
ram os homens válidos. Artigas atraiu talvez a metade deles e
a outra metade muito concorreu para os resultados da campanha,
junto dos portugueses, estando em armas, ainda em 1821, «toda a
juventude guarani». 4 ) O efeito de categoria oposta foi em ver-
dade extraordinário. Em consequência da tirania de Ramirez, os

1) Pasta 1928. Reproduzido na Rev. Arq. Públ. Vol. I, 1921. Va-


rela dá, provavelmente por equívoco, a data de 28 de Outubro para essa
estatística do tenente-coronel Lago. (Grand. Revol. I, 357).
2) Bosquejo histórico de la República Oriental dei Uniguay, 680.
O cálculo, segundo António Diaz (I, 353), é de que foram de 8 a 10.000
almas.
3) S. Leopoldo, Anais, 262.
4) Saint-Hilaire, 356.
406 AURÉLIO PORTO
«Povos» obtiveram um poderoso reforço, de origem argentina: «to-
dos os habitantes das aldeias de Entre-Rios passaram» «a este lado
do Uruguai», disseminando-se entre as províncias oriental e conti-
nentista, constando a Saint Hilaire que montavam os retirantes a
pouco mais ou menos 7.000». O incremento da nossa população
pode avaliar-se por isto: só pelo vau do Quaraí, de Agosto de 1820,
a Janeiro de 1821 entraram «mais de 3.000» aborígenes, havendo
«muitos outros» penetrado em nossas Missões, pelo alto Uruguai,
e não ficando a Oriente do mesmo rio, senão «alguns velhos e en-
fermos absolutamente impossibilitados de trasladar-se ao estran-
geiro». 5 ) Ora, apesar de que o censo de 1821 tinha verificado
na dita «Província uma população índia de 3.000 indivíduos», ) '

admissível é que a proveniente das zonas ocidentais do rio repuses-


sem o nível do total, no que era sete anos antes. Desta maneira,
podemos concluir que a raça, desfalcada de alguns centos de com-
batentes pela guerra de 1825 a 1828, formava, quando no fim do
segundo ano a seduziu e arrastou o ex-tenente de Artigas, um com-
plexo que, tudo persuade, andaria pela metade da cifra maior que
consigna Berra. Pelo último grande êxodo, a massa dos guaranis
pode ser contada, com muita probabilidade, em uns 6.000 indíge-
nas, cuja perda é imputável à evidente inexação ou misteriosa cum-
plicidade do comandante da divisão brasileira, destacada em nosso
território de Entre-Rios.
Uma estatística de 28 de Outubro de 1827 manifesta apenas
um total de 1.847 habitantes, dos quais eram em número de 436
as pessoas do sexo masculino, contadas dos 10 aos 70 anos. Há
indubitável deficiência neste antigo trabalho, como há no anterior,
porquanto é impossível que Rivera conseguisse o efeito que conse-
guiu em sua Pátria, entrando ali com as escassas duas centenas de
primitivos legionários e com aquelas quatro mais, de índios aptos
pela idade, para o exercício das armas. Devia ter ele regressado
com um grande séquito, multidão de facto imponente em seu con-
junto, porque sabemos que o governo até então adverso, o governo
que o tentara prender, pelo braço de Oribe, transigiu com o prófu-

5) Saint-Hilaire, 346.
6) Idem, 284, Aperçn, 376.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 407

go, sob o império da necessidade: revogado o decreto de infâmia e


banimento, o brigadeiro que estava fora da lei, se viu coberto de
prémios, sendo adido ao exército nacional, o do feliz guerrilheiro
aventuroso. Não podiam ser tão poucos, qual se depreende do re-
censeamento de 1827, é de repetir-se. Os apontadores parece co-
ligiram em listas somente os habitantes aldeados, não os rurais,
porque os índios constituíram a força principal do caudilho, nas
posteriores revoluções, como «seus soldados mais fiéis», sobrevi-
vendo poucos à fortuna de Rivera, declinante com a derrota do Ar-
roio Grande e empalidecida de todo com a de índia Muerta, em
1845, no próprio sítio do seu revés de 1816.
Alguns dos retirantes de Missões voltaram, tocados pela nos-
talgia ou no reponte de infortúnios, que lhes fizeram doce o pas-
sado, com a desaprazível vida em solo estrangeiro. T ) Poucos se-
riam. «Os Sete Povos que formavam as Missões (diz um papel
oficial) estão quasi extintos. Sto. Ângelo, S. João, S. Luís e S.
Nicolau não têm um só índio. S. Borja, S. Lourenço e S. Miguel
apenas têm 38. Os templos, os colégios, as casas dos antigos
cabildos, as dos antigos teares, são tantos monumentos, que ates-
tam a decadência, ou para melhor dizer, a total ruína de povoa-
ções em outro tempo ricas, florescentes e populosas». Malgrado
tamanho desastre, «existiam ainda, nas estâncias de Itaroquém,
v
S. Vicente e S. Gabriel, 15.040 rezes de criar». ) Poucos seriam
os aborígenes que
restaram depois destes acontecimentos, visto
como a certeza de que em 1833 compartiam da nossa comunhão
apenas 377, porção cujo exíguo número atesta a magnitude la-
mentável do despojo e a responsabilidade dos que o toleraram.
O caudal étnico de que a sua grave falta nos privou é de tama-
nho que o espírito deslembra a verba do prejuízo material.
valor,
Entretanto, a cifra era indesprezável nada menos que tudo o que
;

restava da civilização jesuítica se viu reduzido a botim ou a des-

7) Afirma Bento Manuel, na citada carta, que a maior parte dessa


gente regressou aos lares, mas dizem o contrário òs dados oficiais cons-
tantes do texto.
8) Fala do presidente Lopes Gama, em 1-XII, no "Constitucional
rio-grandense" de 29X11-30. Vide ainda sobre essa catástrofe, a mesma
folha, ns. de 31-X-28, 25-11-29, 10X11-31.
408 AURÉLIO PORTO
troços! Feito o inventário, a herança usurpada subia a milhões
de boa moeda, industriosamente acrescida com o saque da co-
marca -do Alegrete, às barbas do impassível fronteiro que tinha
por ali o Império!» ,J
)

O gado e, por extensão, além deste o da raspa-


missioneiro
gem de todos os campos que puderam ser atingidos, foi o princi-
pal objectivo da pilhagem do caudilho. Consigna Varela que va-
dearam o Ibicuí, «seguindo as viaturas», «20.000 animais vacuns
quase todos pertencentes às estâncias ou burgos guaranis. O co-
lossal rebanho, ao cruzar os limites meridionais do distrito de
Entre-Rios, montava a mais de oitenta milhares, no cômputo de
Gay, a perto de 90, no de Bento Gonçalves, a «100.000 animais»
no dizer de António Diaz». 10 )
Nos primeiros dias de Janeiro de 1829, transposto o Quaraí,
antes de atingir o Arapeí, em local que lhe pareceu apropriado,
acampou a caravana extensa. Aí fundou o general D. Frutuoso
Rivera, com esses elementos arrancados às Missões, o povo de
Bela União. Mandou traçar os lineamentos de uma cidade, com
praça, ruas, igreja, que não passou, porém, da planta inicial.

Acampados em ranchos primitivos, numa promiscuidade indizível,


como se houvessem tornado aos tempos bárbaros de sua infância,
os pobres índios entregues a si próprios, sentiram cair sobre as
suas cabeças a maldição dos proscritos. Pouco gado lhes restara
para a subsistência. Os rebanhos copiosos, continuando a mar-
cha para o Sul, iam enriquecer estancieiros falidos, que hauriam
na montonera novos alentos para o reerguimento de suas fortu-
nas . . .

Dentro em pouco a miséria, a fome, a «natural tendência dos


indígenas para a rapina, a particularidade de terem pertencido
ao território do Império, donde desertaram e outras circunstân-
cias mais, tudo anunciava de antemão que tínhamos de lutar con-
tinuamente com uma cabilda de salteadores, colocada frente a
frente: os factos justificam os receios e apesar das repetidas
agressões só nos desassombramos de um mal tão iminente depois

9) Varela, Grande Revol. I, 358.


10) Idem, ibidem, I, 353.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 409

que voltaram as armas contra o próprio governo da República do


Uruguai», dizia o presidente da Província em nota ao governo do
Uruguai. 1 )
Os índios de Bela União, ao princípio, premidos pela fome,
mais tarde, por essa «natural tendência para a rapina» organiza-
ram-se em bandos armados, invadindo o território brasileiro, desde
o Quaraí até o Alegrete, donde roubavam as fazendas, «a ponto
de quase deixarem desertos os campos mais próximos do Qua-
raí». 12
)

E foram as depredações e os assaltos que levavam à


tais
propriedade brasileira que, depois de várias reclamações não aten-
didas, resolveu o tenente de 1 ? linha Manuel Luís Osório, que co-
mandava uma guarda postada no Quaraí, agir na repressão des-
ses latrocínios. Passando o rio Quaraí, o tenente Osório, à fren-
te de sua guarda, atacou um bando de índios que estavam pro-
cedendo a uma encerra de éguas, matando todos quantos encontra-
ra. «Osório, diz o seu biógrafo, 13 ) vendo quase diariamente as
tropelias dos índios selvagens da Bela União; contemplando as
vítimas que o buscavam pedindo protecção, vindo-lhe umas feri-
das pelos índios, outras chorosas, já com as casas incendiadas, e
expostas às intempéries, já sem alimentação alguma, porque os
ladrões lhes arrebataram tudo: presenciando Osório o desamparo
das esposas, das filhas e das crianças rio-grandenses, em conse-
quência das atrocidades praticadas pelos índios assassinos de seus
esposos e pais; indignado Osório contra a atitude inerte do gover-
no que se limitava a dar ordens por ofícios, recomendando vigi-
lância e a trocar notas diplomátcas de mera cortesia, enquanto
que as vítimas gemiam desprotegidas, —
um dia esperou que os
salteadores atravessassem a fronteira e foi-lhes ao encontro. Eram
numerosos. Achou-os ainda conduzindo a propriedade roubada,
caiu sobre eles apenas com 20 praças, travou luta renhida e os
desbaratou completamente».
Para o próprio governo da República Oriental do Uruguai,

11) Anais do Itamarati. Memória Histórica. XXXI, 180.


12) Idem, ibidem, XXXI. 181.
13) Fernando Luís Osório. História do General Osório. Vol. I, 271.
4x0 AURÉLIO PORTO
então sob a presidência do general D. Fructuoso Rivera, esse es-
tabelecimento de índios se tornara uma constante ameaça à tran-
quilidade e segurança. Compreendeu o caudilho o erro terrível
que cometera, aliciando elementos que não poderiam subsistir por
si próprios, dadas as condições de sua mesma natureza e incapa-
cidade para a vida livre e para o trabalho.
Em 1831 os índios de Bela União estavam completamente
sublevados o governo de seu protector.
contra Tentou Rivera
desfazer-se importunos moradores, entrando em negocia-
desses
ções com o governo de Corrientes, afim de que voltassem nova-
mente ao território missioneiro, e nesse sentido em ofício de 16
de Maio de 1831, ao presidente daquela Província, propunha um
«convénio amigável entre ambas as partes», «negociando a devo-
lução de seu antigo território» aos índios das Missões. 14 ) Mas,
essas negociações não tiveram a solução desejável.
Nesse ínterim, assumindo o comando dos sublevados Gaspar
Tacuabé, tenente-coronel de cavalaria, seduzido pelas insinuações
do general Lavalleja, à frente de 400 índios de Bela União, sai a
campo contra o governo do presidente Rivera. Para submetê-los
determina o governo da República que o coronel Bernabé Rivera,
irmão do general, com força equivalente, dê combate aos revolu-
cionários. Dá-se o choque em Salsipuedes, em 11 de Abril de
1831, sendo os índios destroçados, ficando no campo mais de 40
cadáveres e o resto, 300 homens, mulheres e crianças, prisioneiros.
Rivera foi acusado de mandar passar a fio de espada os re-
manescentes de Bela União, destruindo assim completamente esse
foco de insurreições. Angel Vidal, que estuda em documentada
monografia esse sucesso, prova que tal não se deu. Extinta Bela
União, foram os antigos missioneiros distribuídos pelos moradores
de Montevideu e outras cidades do Uruguai que «se obrigariam
a tratá-los bem, educá-los e cristianizá-los».
Quatro desses índios, de origem tape e não charrua, como
comprova Angel Vidal, são os que, dados ao francês Francisco de
Curei, foram levados para Paris, onde ainda hoje figuram seus

14) Angel Vidal. La Leyenda, cit. 12.


HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 411

bustos no Museu do Louvre. Sobre estes pseudo-charruas fez o


etnólogo Paul Rivet um
magnífico estudo, publicado na Revista
de la Sociedad Amigos de Arqueologia, de Montevidéu, Tomo IV.
Ficaram ainda alguns índios de Bela União, que foram man-
dados, em Abril de 1834, para as imediações de Durazno, fundan-
do ali um povo que teve a denominação de São Borja, de efémera
duração.
Termina aqui o
ciclo da civilização jesuítica das Missões Orien-
tais do Uruguai. Quando o coronel Olivério José Ortiz, com a
retirada de Rivera, assume ~o comando das Missões, em fins de
1828, nada mais encontra ali. Um ou outro índio, como a som-
bra vagabunda e errante de uma raça que se extinguia, assoma
pelas ruínas dos templos e das casas, medrosamente, como o ates-
tado último de velhas tradições que se apagam na voragem dcs
tempos. Não mais soavam as cantilenas dolorosas das liturgias
cristãs nos desvãos das igrejas derruídas. Mas a glória dos je-
suítas, emergindo desses escombros, ainda os cercava, e os cer-
caria, pelos tempos afora, de um halo imortal. Construtores de
um mundo novo, para pedestal dessa glória, bastar-lhes-iam as
ruínas desse próprio mundo.

3. O índio missioneiro na formação étnica e histórica do Rio


Grande do Sul.

Oproblema étnico da nossa formação, no extremo Sul do país,


é aindauma equação histórica. Pretendemos traçar os funda-
mentos de uma sociologia quando mal vamos carreando os ele-
mentos inda brutos sobre que assentarão as linhas mestras das
nossas origens. E como não nos é dado ainda lançar mão de uma
contribuição honesta, baseada em pesquisa sistemática, vamo-nos
servindo da velha prata dos antigos, eivada, muitas vezes, da liga
não muito pura de velhos preconceitos sociais. E na falta de ele-
mentos precisos de caracterização sociológica, não raro fazemos
literatura para disfarçar claros impreenchíveis.
412 AURÉLIO PORTO
As pesquisas genealógicas que ora se iniciam; 1
) estudos etno-
gráficos e históricos, baseados em documentação exumada mo-
dernamente dos arquivos nacionais; achegas documentais que se
vão difundindo, contribuem notavelmente para apreciação mais
aproximada da verdade sobre a formação étnica do sul. Mas,
tudo o que se possa fazer, ainda não passará de um simples esbo-
ço, pela carência de elementos definitivos mal vislumbrados em
fundos arquivais inacessíveis às nossas pesquisas, em países es-
trangeiros, notadamente Portugal e Espanha.
O que ressalta, porém, de uma larga pesquisa para fins ge-
nealógicos em todos os arquivos eclesiásticos do Rio Grande do
Sul, sobre as bases estruturais da nossa formação, já autoriza a
estabelecer rumos mais precisos nessa direcção.
As primeiras famílias que se estabelecem no Continente, ocu-
pando estâncias que se estendem desde Tramandaí até os campos
de Viamão, são todas de origem mestiça. Contam-se entre eátas
oito filhos do capitão-mor da Laguna, Francisco de Brito Peixoto,
que não foi casado, mas, que de várias índias da terra, de nação
carijó, teve esses filhos que foram os primeiros povoadores do
Rio Grande do Sul. Além de Vitor e Sebastião Francisco, que
morreram solteiros, deixaram larga descendência, que se desdo-
bra até os dias de hoje, em troncos notáveis da família rio-gran-
dense. São o capitão Domingos Leite Peixoto, que teve estância
nos campos de Tramandaí; Ana da Guerra, casada com Diogo da
Fonseca Martins, que foi a fundadora da Capela de Viamão; Ana
de Brito, casada com João de Magalhães, o velho, desbravador do
Continente; Maria de Brito, casada com Agostinho Guterres, es-
panhol, e Catarina de Brito, casada com José Pinto Bandeira, por-
tuguês. Procedem desses troncos as famílias mais importantes

1) Iniciadas pelo autor destas linhas, essas pesquisas tiveram por


continuadores, no Rio Grande do Sul. três estudiosos de escol, cujos traba-
lhos honram a nossa cultura: João Pinto da Fonseca Guimarães, roubado
pela morte em pleno florescimento de um esforço inteligente e tenaz;
Jorge Godofredo Felizardo que publicou um volume precioso —
Genealo-
gia Rio-grandense, Porto Alegre, 1937 — com a colaboração do primeiro;
e Mário Teixeira de Carvalho, que nos dá em Nobiliário Rio-grandense,
Porto Alegre, 1937, magníficos elementos de pesquisas sobre as nossas
origens.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 413

do Rio Grande e que se desdobram até a actualidade em elemen-


tos altamente representativos, cujos nomes estão ligados a todos
os fastos históricos do passado.
Fundada por José da Silva Pais, em 1737, a povoação de Je-
sus-Maria-José, do Presídio do Rio Grande, foram para ali leva-
das algumas famílias de índios de São Paulo e Rio de Janeiro,
principalmente das aldeias de São Miguel, Maruí e São Gonçalo.
A povoação, porém, atrai logo grande número de famílias das
Missões, que ali vão-se estabelecer. Nos primeiros cinco anos da
fundação, como se depreende dos respectivos assentos de baptis-
mos, são levados à pia batismal 28 filhos de índios que assim se
dividem: Tapes das Missões jesuíticas, 19; índios de São Paulo,
3; minuanos, 2; e sem indicação de procedência, 4. Como se vê,
desde o primeiro momento, são as aldeias dos padres da Compa-
nhia que oferecem a maior percentual de povoamento indígena
do Presídio com 67 % de baptismos. Em Viamão, também nos
primeiros cinco anos de seus registos baptismais, isto é, de 1747
a 1752, em 14 baptismos de filhos de índios, encontram-se 6 de
mulheres carijós, oriundas da Laguna, administradas das famílias
fundadoras; 4 das Missões da Companhia; 1 de caiapó; 1 do gen-
tio da terra, e 2 sem indicação. No mesmo período registava
Viamão o baptismo de 96 filhos de brancos e 15 de pretos, sendo
o total dos baptismos de 125, o que daria, respectivamente, em
números índices, para 1.000 baptismos: brancos 768, índios 112
e pretos 120. Com mais detalhe adiante estudaremos esse aspecto
do nosso povoamento inicial.
Excelentes vaqueiros, fundadores da pecuária rio-grandense,
foram os missioneiros, desde o estabelecimento das primeiras es-
campo quer
tâncias, solicitados a prestar nelas os seus serviços de
para o transporte de grandes tropas de gados, quer para o cus-
teamento dos rebanhos em currais que se fixavam mesmo além
das linhas fronteiriças. Os lagunistas procuram logo um enten-
dimento amistoso com esses aborígenes, conseguindo os auxilias-
sem nas grandes arreadas que faziam de gados que iam arreba-
nhar nas próprias estâncias dos jesuítas.
Os fundadores da Laguna já haviam, entretanto, seiado com
os índios minuanos um pacto de amizade que perdurou por muito
414 AURÉLIO PORTO
tempo, e a que já fizemos largas referências. O minuano, porém,
mais afeito à criação de animais cavalares, não interessava tanto
às estâncias do Continente como os tapes, grandes conhecedores
das vacarias jesuíticas. Estabelece-se intenso comércio entre con-
tinentinos e missioneiros quer nas campanhas do Rio Grande, quer
na própria Colónia do Sacramento, de que são os supridores de
gado. Castigados severamente pelos jesuítas e pelos espanhóis,
nem assim deixam o intercâmbio rendoso. E, para evitar, muitas
vezes, o castigo que os espera, desertam para as estâncias ou para
os povoados, onde continuam como vaqueanos nessas arreadas.
Quando se funda a Tranqueira do Rio Pardo, por ocasião da
Demarcação de Limites, são os tapes das aldeias dos padres os
fornecedores principais de gados para suprimento das tropas por-
tuguesas que ali estacionam. Mesmo, em plena guerra, partidas
de índios suspendiam as hostilidades para entrar em entendimen-
tos comerciais com os inimigos.
Na interessante informação do sargento-mor Luís Manuel de
Azevedo há referências sobre o comércio dos índios com o exérci-
to de Gomes Freire, que acampara no Passo do Jacuí. O general
Gomes Freire, «os pôs tão domésticos, que nos últimos dias dos
que ocupamos aquele passo, vindo os índios a fazer um pobríssi-
mo negócio de bexigas de graxa, sabão, copos de chifre e outras
bagatelas mais, obedeciam as ordens de se retirarem quando se
dilatavam muito, porque vinham logo de manhã e durava a feira
até 2 a 3 da tarde, e duraria até à noite se não fosse o impedir-se
a dita feira por mais tempo». -)

Em Maio de 1756 entram os exércitos aliados nos primeiros


Povos de Missões. Gomes Freire vai aquartelar com suas tropas
em Santo Ângelo. Aí por um
tratamento excepcional, procura
atrair a simpatia dos índios, que «tratados com amizade e atraí-
dos até com mimos pelos portugueses, mudaram inteiramente a
sua opinião a respeito destes», chegando «a preferi-los aos espa-
nhóis». ::
)

2) B. N. Mss. II. 35, 36, 25. Publ. Rev. Inst. Hist. R. G. do Sul.
I. 1937, pág. 75.
3) Teschauer. Hist. II, 285.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 415

Escandón, citado por Teschauer, 4 ) observa: «Os portugue-


ses fizeram uma pública e fanfarrona renúncia dos móveis em fa-
vor dos índios e trataram a estes com tanto carinho e agasalho,
na intenção de levar muitos consigo para o Rio Grande, que estes
começaram a olhar os portugueses com outros e mais favoráveis
olhos; ainda que os antigos portugueses tinham sido inimigos
imortais de seus avós, os modernos, diziam, eram diferentes, eram
mui bons e amantes dos índios e até melhores que os espanhóis;
aquartelados estes em São João e São Lourenço, não tratavam
os índios senão com altivez e desprezo sem vestígio de compaixão
com sua desdita, antes lha aumentaram tirando-lhes o pouco que
possuíam. Os portugueses de facto não os trataram com a supe-
rioridade de vencedores senão com a igualdade de amigos, tanto
que os iam visitar mui de propósito em suas casas. não gosta-. .

vam dessa terra diziam os portugueses, porque era terra verme-


lha, sua poeira lhes manchava a roupa branca já no primeiro dia
que a punham».
Nessa nova catequese empenharam os soldados de Gomes
Freire os melhores esforços e, entre outras coisas, diziam aos ín-
dios que não tinham intenção de fazer com que eles abandonas-
sem a sua bela redução de Santo Ângelo, «e que perto de sua es-
tância ficavam o Rio Pardo e o Rio Grande e assim mudando-se
para lá não precisavam sair de suas terras», e isto os foi ganhan-
do e despertando confiança nos índios. Essas notícias correram
logo por todo o território missioneiro, impressionando profunda-
mente as seus moradores o contraste entre o modo por que eram
tratados pelos portugueses e o desprezo que sentiam dos espa-
nhóis. E uma forte corrente de simpatia os foi aproximando de
seus antigos inimigos.
Começara também entre paulistas, continentinos e portugue-
ses mais íntimo contacto com o elemento feminino das Missões.
Iniciava-se já, nessa fase de ocupação dos Povos, o caldeamento
entre brancos e índios, que deram aos tempos heróicos do Rio
Grande mestiços de valor como Maneco Pedroso, um
inigualável,

4) Escandón, Transmigración § 23 Cf. Tesch. cit. 285.


416 AURÉLIO PORTO
dos conquistadores de Missões; Francisco Bicudo, filho de paulis-
ta e missioneira, que ao serviço de Artigas morre heroicamente
na defesa de Paissandú, e muitíssimos outros que se destinguem
no largo cenário das campanhas platinas.
Quando o exército de Gomes Freire deixa o Povo de Santo
Ângelo, com forma a cauda do mesmo um
destino a Rio Pardo,
outro exército de famílias missioneiras que acompanham, com mó-
veis e semoventes, a retirada dos portugueses. E' um largo êxo-
do de gente de todas as Doutrinas que se vêm reunir a seus pa-
rentes e amigos, que transmigram para os domínios portugueses.
Informa Teschauer que seriam mais ou menos em número
de 700 as famílias que acompanham o exército português, locali-
zando-se no Rio Grande, o que não é fora de propósito como vere-
mos no decorrer destas notas. E que a propaganda fora intensa
e coroada de êxito, demonstra o facto de terem acompanhado o
exército português famílias de todos os Sete Povos, como se ve-
rifica mais tarde pelos assentos de baptismo da Aldeia dos Anjos,
fundada, junto ao Gravataí, imediações de Porto Alegre, em
1763. •')

Em 1757, voltando da campanha das Missões,


determina o
general Gomes fossem essas famílias arranchadas junto
Freire
ao rio Botucaraí, nas proximidades do Rio Pardo. Além dessas,
que acompanharam a retirada dos portugueses, muitas outras, de
diversos Povos, chegam diàriamente ao acampamento.
Substituindo o governador Andonaegui, no governo de Bue-
nos Aires, aportava ali, em 4 de Novembro de 1756, o general D.
Pedro de Cevallos. Sabendo, por comunicação do próprio chefe
das forças portuguesas, que muitas famílias de índios haviam vo-
luntàriamente acompanhado o exército, internando-se em territó-
rio rio-grandense, procurou evitar a continuação do êxodo, man-
dando pôr três guardas nos passos dos rios Ijui-mirim e uma de
50 homens na entrada de Monte Grande, «lugar de trânsito para

5) Câmara Ecles. do Arcebispado de Porto Alegre, l 9 Livro de


Baptismos da Aldeia dos Anjos (1765-1781). A aldeia foi fundada em
1763 e os dois primeiros anos de assentos de baptismos de filhos de mis-
sioneiros constam do livro respectivo de Viamão.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 417

o Jacuí». ) Mesmo, assim, não conseguiu pôr um paradeiro à


,;

fuga dos índios que, temerosos dos espanhóis, seguiam os seus


parentes para os domínios de Portugal. Os que haviam ficado
nos Povos, receosos do mau tratamento que lhes davam os espa-
nhóis, quando o exército português se pôs em marcha, «fugiam,
escondendo-se nos bosques», onde «ficavam expostos à fome e à
miséria». ")

Conseguiu o governador espanhol, usando da maior brandura,


recuperar em parte a confiança dos fugitivos, fazendo recolher
aos Povos alguns milhares que se haviam dispersado à aproxima-
ção do seu exército.
No intuito de repatriar as famílias que haviam passado ao Rio
Pardo, designou Cevallos o coronel Eduardo Wall que deveria en-
tender-se com o general Gomes Freire para que este restituísse
às Missõs aquela gente. Em companhia de Francisco Graell, com
150 homens de tropa e 12 carretas com provisões, foi o emissário
até o Monte Grande, entabolando com o quartel general portu-
guês as negociações nesse sentido. Gomes Freire, porém, não es-
tava de acordo com a devolução desses índios que constituiriam
núcleos de população de futuras aldeias rio-grandenses. E os
próprios missionei ros opunham-se formalmente a retornar a seus
Povos, atraídos pelo modo com que eram tratados pelos portu-
gueses.

Em longo ofício, constante de troca de correspondência com


Cevallos, expõe Gomes Freire não ser possível obrigá-los à força
a retornar às Missões, competindo isto ao general espanhol que,
por meios persuasivos, deveria tentar a empresa. Resolve, então,
este governador, ante o insucesso das negociações do coronel Wall,
fossem ao Rio Pardo dois Padres da Companhia para aconselhar
aos índios a volta a suas terras. Quando estes têm conhecimento
da vinda dos jesuítas, fugindo em massa para as matas do Butu-
caraí, «preferem morrer à fome a voltarem para os domínios de

6) Enrique M. Barba.../). Pedro Cevallos, cit. 63.


7) Idem, ibidem.
História tias Missões Orientais do Uruguai — 2.* Parte 14
418 AURÉLIO PORTO
Espanha». 8 ) E é a esses índios fugitivos que, com grande difi-
culdade, voltam ao Rio Pardo, que se dá a denominação de butu-
carís, que alguns historiadores ainda insistem em designar como
tribo selvagem inexistente, conforme salientámos.

Empenhadíssimo o governador Cevallos, insiste novamente


junto a Gomes Freire nessas negociações, terminando o chefe por-
tuguês por declarar que sem ordem de seu rei, já que esses ín-
dios haviam-se refugiado sob a bandeira portuguesa, não poderia
obrigá-los a voltar a seus Povos. E assim terminou a contenda,
com a incorporação definitiva dessa população indígena ao domí-
nio português.

Parte dessas famílias ficaram arranchadas nas imediações do


Rio Pardo, constituindo aí a aldeia que recebeu a invocação dè
São Nicolau, em lembrança de um dos Povos de Missões que for-
neceu maior número de casais para a sua fundação e, mais tarde,
com outro contingente não menor de índios foi também criada
outra aldeia da mesma invocação, junto ao Passo do Fandango,
à margem esquerda do rio Jacuí, nas imediações da actual cidade
de Cachoeira do Sul.

Coma distribuição de sesmarias, que logo se inicia, vão os


povoadores restringindo as terras dos índios, que dentro em pou-
co se vêem reduzidos à maior penúria. Procura-se então resolver
essa situação, localizando-os em região mais adequada e central,
em que pudessem ser mais úteis à economia geral do Continente.
Foi escolhido para isto um rincão de terras junto ao rio Gravataí,
«em sítio levantado e vistoso», no dizer de Ayres de Cazal e dis-
tante do Porto dos Casais (Porto Alegre) 33 quilómetros.

Foi a 8 de Abril de 1763 que o capitão António Pinto Car-


neiro, conduzindo mais de 1.000 índios, procedentes das aldeias
do Rio Pardo ali chegou, fundando a aldeia, a que se deu a de-
,

signação de Nossa Senhora dos Anjos. Em ofício de 6 de Maio


desse ano, o encarregado dessa nova povoação se dirige à Junta*
Governativa do Rio de Janeiro, dando a notícia da transladação,

8" Ofício de Gomes Freire, datado do Rio Pardo, a Cevallos. B.


N. Cod. Mss. I, 6. 20, 40.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 419

que havia sido determinada pelo conde de Bobadela: «A 8 de


Abril, informa Pinto Carneiro, me recolhi do Rio Pardo com mais
de 1.000 almas dos Povos de São Miguel e de São Borja, destes
mui pouca porção, ) porém acham-se com sossego e satisfeitos
!l

da passagem, mas mui faltos de vestuários, que causam compai-


ção e merecem toda a piedade. Rogo a V. Exas. atender a estes
miseráveis e juntamente com os socorros para a conservação des-
te pequeno terreno em que me acho, do qual não me pretendo apar-
tar sem motivo para fazê-lo». 10 ) Em ofício posterior, no mes-
mo ano, diz Pinto Carneiro, a cujo cargo estão essas famílias, que
há necessidade extrema de socorrê-las, em seu sustento, pois vi-
vem à mingua, e também que lhes mandem mestres que os ensi-
nem a ler e escrever, e oficiais mecânicos para aproveitar as suas
habilidades. Estavam eles edificando as suas casas.
Infelizmente, o descaso dos governos portugueses, a centrali-
zação burocrática da época e o pouco caso que os governadores
faziam desses infelizes, arrancados aos seus Povos, iam contri-
buindo para a relaxação dos velhos costumes jesuíticos. Ainda
em 1768, o governador José Custódio de Sá e Faria, espírito inte-
ligente e solicitava providências ao vice-rei Conde
progressista,
da Cunha. Informava que empregara esses índios em diversas
obras, convindo entretanto arbitrar-lhes algum jornal para que se
pudessem vestir e manter as suas famílias. «Ordenou-me, a jun-
ta (o vice-rei) apontasse eu o quanto se lhes devia dar, o que fiz;
porém resultou tornar a ordenar-me o mesmo senhor se lhes não
desse nada, e mandasse eu dizer os géneros que precisavam para
se vestir, o que executei em 18 de Julho do ano passado, porém
não tive resposta, do que se tem seguido estarem todos nus por se
lhe haverem consumido os vestuários que sua majestade lhes
mandou». 11 )
Cabe ao coronel José Marcelino de Figueiredo (Manuel Jorge
Gomes de Sepúlveda), que por duas vezes governou o Continen-

9) Como se verá, além destes, outros Povos contribuíram para a


fundação da Aldeia dos Anjos.
10) Registo de Ofícios. B. N. Cod. cit. I, 6. 20, 40.
11) Rev. Inst. Hist. Bras. V. 31, pág. 285.

.
'
14* •
420 AURÉLIO PORTO
te, 12 ) a organização da Aldeia dos Anjos que, como acentua o
Padre Geraldo Pauwels, foi «a menina de seus olhos».
Nobre figura de realizador, desenvolvendo iniciativas próprias
e superpondo-se ao seu tempo, a actividade administrativa de José
Marcelino de Figueiredo não conhece óbices nem entraves. Rom-
pendo o círculo estreito que constringia a administração, dentro
das formas de uma centralização de poderes que não permitia
desdobrar quaisquer realizações individuais; autoritário, mesmo,
para a consecução de seus objectivos administrativos ou políticos,
tendo em vista, precipuamente, os interesses do bem público e a
sorte do governo que lhe havia sido confiado, o nobre Sepúlveda
soube-se impor à história do Continente, se bem que combatido,
mal visto e caluniado pelos seus coetâneos, cujos interesses pes-
soais contrariou e feriu.
Fundador do municipalismo rio-grandense, povoador do Con-
tinente, fez dashumildes aldeias que encontrou, faltas de tudo, o
germe de cidades futuras, prósperas e belas. Porto Alegre de-
ve-lhe a sua fundação. Haviam sido aí arranchados em Novem-
bro de 1752 os primeiros casais açorianos destinados às Missões.
Com a invasão dos espanhóis no Rio Grande, em 1763, passara a
capital para Viamão. Assumindo o governo do Continente, em
1769, compreendeu José Marcelino, com sua alta visão de estadis-
ta, as vantagens que oferecia, para erigir capital do Continente,
o Porto dos Casais, onde já havia, erecta poucos anos antes uma
pequena capela consagrada a São Francisco. O primeiro documen-
to sobre a criação de Porto Alegre e que lhe dá oficialmente o
nome com que foi baptizada por José Marcelino, em seu primeiro
período governamental, é de 2 de Agosto de 1773. 14 ) Entretan-

12) Nomeado em 6 de Março de 1769, para substituir no governo


do Continente ao coronel José Custódio de Sá e Faria, tomou posse em
23 de Abril de 1769, administrando até 26 de Outubro de 1771. Afastou-se
com licença, voltando a reassumir em 3 de Abril de 1773, e tomando pos-
se em 11 de Junho, governou o Rio Grande do Sul até 31 de Maio de 1780,
sendo nesta data substituído pelo brigadeiro Sebastião Xavier da Veiga
Cabral da Câmara.
13) Processo Pinto Bandeira. Rev. Arq. Público R. G. do Sul. Vol. 23.
14) Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. (Pasta 1773). Regis-
to-Criação da Vila de Porto Alegre. —Com expreção das Reays ordez. de
El Rey meu Senhor q trate necesa. medidas o estabelecimento do Cont.»
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 421

to pode-se afirmar que antes de se afastar do governo em 26 de


Outubro de 1771 já havia resolvido mudar a capital de Viamão
para o Porto dos Casais, nessa data, já denominado Porto Ale-
gre. i: ) Um dos primeiros actos de seu governo foi fundar um
estaleiro, na Ribeira do Porto dos Casais, para construções na-
vais, encarregando o mestre. Baltazar Manuel Ângelo, em 26 de
Dezembro desse ano. da construção de uma fragata de guerra, a
Belona, por invocação São José, que foi lançada daquele estaleiro
em 6 de Janeiro de 1770 para comemorar o 56' aniversário del-rei
"

D. José I.

Jcsé Marcelino desdobrou sua actividade de povoador, cons-


trutor e defensor das fronteiras do Continente deum modo digno
de verdadeiros encómios. Apreciando em magnífico trabalho o
seu governo cheio de realizações, Florêncio de Abreu nos dá as
linhas mestras de sua compleição de homem público. «Injustos,

do R. Grde. pa. o cum.t" daquelas ordenz. criar a Freg".. Nesta Villa já


com a denominação de N. S. Madre de Ds. para donde ordeno o G°'\ pas-
se a rezidir e faça mudar a Provedoria e nesta Conformid e ordenará ao
.

C te e Offes. da Camara daquelle Conte, que passem a residirem na mes-


.

ma yilla para nella exercitarem as obrigaçoens de seo OO". Ds. Ge. a v.


m. R 9 de Jan'., a 2 de Agto. de 1773. Marquez de Lavradio. Snr. Ouvid.
.

da Com ca da Ilha de Sta. Catna. Duarte de Almeyda e Sam Payo. E


.

não se continha mais em dita carta q. passei bem e fielmte, regito." Et..
Registada em Viamão pelo escrivão Bento de Almeida, aos 24 de Fevereiro
de 1776.
15) O próprio José Marcelino, em 24 de Julho de 1773, diz ter mu-
dado sua residência para Porto Alegre, sendo de 18 de Janeiro do mesmo
ano, antes de reassumir o governo, o acto de elevação de São Francisco
dos Casais à paróquia que passou a denominar-se Nossa Senhora Madre de
Deus de Porto Alegre. Justifica-se. assim, que o nome fora dado à futura
capital por José Marcelino antes de sua retirada de Viamão, em 26 de Ou-
tubro de 1771. Realmente, o último documento conhecido em que o go-
vernador faz alusão ao Porto dos Casais (Doe. 40-Pasta 1771), é datado
de 11 de Outubro de 1771, 15 dias antes de abandonar o governo. Mas,
a 3 de Dezembro desse mesmo ano, quando José Marcelino já havia par-
tido, o provedor da Fazenda, Osório Inácio Vieira, dando providências para
o recolhimento de um preto ao hospital real de Viamão, data seu despa-
cho de Porto Alegre, 3 de Dezembro de 1771. (Doe. n. 77. Portarias do
Provedor. Pasta 1771). O novo governador vai porém residir no Via-
mão e só ao reassumir o governo, em 1773, é que José Marcelino põe em
execução a mudança da Capital. O documento inédito do Provedor vem
restabelecer a verdade sobre a data em que José Marcelino baptiza a fu-
tura capital do Rio Grande do Sul
16) Arq. Hist. do R. G. do Sul. Pasta 1770.
422 AURÉLIO PORTO
em geral, diz, foram os contemporâneos de José Marcelino; mas,
a história o reabilita de modo lucilante, sagrando-o entre os
mais notáveis, senão o mais notável e eficiente dos governadores
que o Rio Grande possuiu na fase colonial. Ã proporção que o
tempo vai passando para as sucessivas gerações, com quem se
vai afastando, a pouco e pouco, para mais distante de uma serra-
nia, mais detidamente se contornam e destacam os seus elevados
píncaros. Na cordilheira da sucessão dos factos da história da
capitania do Rio Grande do Sul, José Marcelino de Figueiredo é
» uma dessas cumíadas que mais vão avultando e dominando o
grandioso cenário histórico». 17 )
Uma das maiores preocupações desse governador consistiu
em dar modelar organização à aldeia incipente de índios missio-
neiros, que o capitão António Pinto Carneiro, retirando do Rio
Pardo, arranchara junto ao rio Gravataí, e a que fora dada a in-

vocação de N. S. dos Anjos.


O «sua natural volubilidade»,
carácter desses ameríndios, a
tornava difícil a incorporação da massa, como pretendia o gover-
nador, à civilização ocidental. E' o próprio José Marcelino quem
nos diz: «A natural volubilidade destes índios guaranis, e os de
Missões, é muito prejudicial ao governo e civilidade deles, que
tanta caridade têm recebido dos nossos clementíssimos monarcas.
Sucede, como digo, todos os dias fugirem por exemplo de cá para
as Missões quatro índios que ordinariàmente voltam de Missões
com outras tantas mulheres e cavalos furtados, e o mesmo suce-
de todos os dias vindos de Missões, por exemplo, seis voltarem
com o número dobrado dessas aldeias e com isto e com a facili-
dade de seus vigários, há muitas índias casadas cá, que têm ou-
tros maridos vivos em Missões, e pelo contrário outras em Mis-
sões casadas com maridos vivos cá. O meu parecer era Exmo.
Sr. fazer convéniocom o general ou governador de Missões, para
se entregarem reciprocamente os índios fugidos de lá e de cá,
porque com este receio de entrega parariam logo as deserções, e

17) Desembargador Florêncio de Abreu. Governo de José Marceli-


no de Figueiredo no Rio Grande de São Pedro. Anais do II Congresso de
História e Geografia Sul-riograndense. Porto Alegre. 1937. III, 177.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 423

se sujeitariam ao trabalho, como é conveniente, ou aliás será sem-


pre a ruína do Continente. Eu falo a V. Exa. nesta matéria, por-
que tenho trabalhado com estes infelizes, com muito zelo, e tenho
conseguido pô-los em alguma ordem de trabalho, de sujeição e de
civilidade». 18
)

Quer a Aldeia dos Anjos, como as aldeias de São Nicolau do


Rio Pardo e São Nicolau de Cachoeira, recebiam continuamente
levas de famílias missioneiras que fugiam dos Povos e ali vinham
engrossar as populações primitivas, intercâmbio esse que perdu-
rou até a Conquista das Missões.
Trabalhou muito José Marcelino para dar à Aldeia dos An-
jos uma organização modelar, não poupando sacrifícios de esfor-
ços e de dinheiro. Fez construir boas casas, uma igreja apre-
sentável, escolas para meninos e meninas e um Recolhimento em
que se ensinavam às meninas as artes manuais, costura, etc. Os
índios, em uma espécie de aprendizado agrícola que organizou,
nas imediações do povo, aprendiam os rudimentos da agricultura.
Uma escola —Colégio das Servas de Maria —
ficou a cargo de
D. Gregória Rita Coelho de Mendonça, que foi assim a primeira
professora pública do Rio Grande do Sul.
Apreciando esse esforço de José Marcelino, em seu Relatório
de 1784, ao governo de Lisboa, dizia o vice-rei Luís de Vasconce-
los e Souza: «Naquela (aldeia) de Nossa Senhora dos Anjos tam-
bém há índios de Nação Guarani; à qual aplicou o governador
Manuel Jorge Gomes de Sepúlveda toda a sua actividade forman-
do uma formosa Povoação com Caixa e seu administrador, mes-
tres de escola, gramática e solfa, erigindo um Recolhimento para
nele se ensinarem às índias a coser, e estabelecendo uma grande
estância para se irem economizando as despesas da Fazenda real,
no vasto terreno situado entre São Simão e os Palmares em dis-
tância da Aldeia perto de 30 léguas no caminho para a parte do
Rio Grande. Para se fazer este estabelecimento se gastaram mui-
tas somas tanto com a compra de terreno, de que se achava em-
possado em particular, como com a construção dos edifícios e sus-

18) Corresp. dos Gov. do R. G. do Sul B. N. — Public. Florêncio


de Abreu. Governo cie J. Mare, cit. 197.
424 AURÉLIO PORTO
tento de muitos indivíduos que formam aquela aldeia; mas ainda
que os projectos mostravam a encaminhar-se a civilizar aqueles
povos e a evitar para o futuro as grandes despesas da Fazenda
"
real, nada se tem conseguido, por precisa regularidade, que ante-
cede ao fim principal do mesmo estabelecimento e precavesse as
consequências que poderiam frustrar a boa ordem que só se fi-
gurava, mas que na idealidade não existia». 10 )
Achava Luís de Vasconcelos que deveria ter-se reunido a esta
a aldeia de São Nicolau do Rio Pardo, em que se «acham aldeados
400 índios, pouco mais ou menos, de Nação guarani, dirigidos por
um cura, religioso de Santo António, que, satisfeito em ter subor-
dinados estes poucos indivíduos, não se embaraçará, segundo o cos-
tume, com o mais que é da sua obrigação». A estância deveria .

ter sido localizada nas imediações da Aldeia dos Anjos, «pois sen-
do-lhes necessário largar o próprio domicílio, bem depressa tor-
narão a viver a seu modo, esquecendo-se do que há pouco se lhes
ensinou, e abraçando a mesma vida dissoluta que há pouco se
lhes procurou desterrar, quando estavam todos congregados na
dita aldeia». Faz outras observações procurando criticar a obra
de José Marcelino que, se não surtiu o efeito desejado, foi mais
pela inconstância dos índios do que pela organização que lhe pro-
curou dar esse notável realizador.
De mais distante, no tempo, e com mais serenidade, aprecia
São Leopoldo esse empenho de José Marcelino de bem acertar,
«Deixando saudosa memória entre povos que ele soube reger com
um sistema criador, com uma integridade e desinteresse a toda
a prova: a natural firmeza de carácter lhe suscitou intrigas, calú-
nias e dissabores, com os mesmos vice-reis de Estado; com tudo.
os próprios desafeiçoados jamais puderam escurecer suas exce-
lentes virtudes, sua actividade e zelo pelo bem geral: sem trans-
curar o militar, de tal sorte vigiava a administração pública, que
se lhe deve a fundação das freguesias de Porto Alegre. Santo Ama-
ro, Santa Ana, Conceição da Serra, São Luís de Mostardas, São

19)Relatório do vice-rei Luis de Vasconcelos ao governo de Lisboa


1784. Arq. Nac. Col. 67. Liv. 9 Public. «Rev. Inst. Hist. R.
o
em Outubro de
G. do Sul. 1929. I e II Trim. Ano IX.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 425

Nicolau do Jacuí (Cachoeira) e N. S. dos Anjos da Aldeia; nesta


última empregou especial esmero em e educar os índios
civilizar
guaranis, mostrando em breve o ensaio do que eram suscetíveis,
avesando-os ao trabalho, fomentando a agricultura, e levando-os
a tal ponto de ordem e economia, que conseguiu aliviar a fazenda
da despesa de 15.000 cruzados cada ano a mantença deles». 20 )
Foi em 8 de Abril de 1763, como fica referido, que o capitão
António Pinto Carneiro, à frente de mais de 1.000 índios proce-
dentes de Rio Pardo, onde haviam estado arranchados durante
seis anos, chegou ao Gravataí, fundando a Aldeia de N. Senhora
dos Anjos. Já nesse mesmo ano, erecta uma pequena capela, co-
meçaram ali a ser praticados os actos religiosos, com permissão
do vigário de Viamão, que superintendia a freguesia. Os primei-
ros baptismos de índios e brancos que ali se estabelecem, constam
dos livros de assentos eclesiásticos dessa vila. 21 ) Só em 1765
tem a Aldeia pároco próprio que abre o seu primeiro livro de bap-
tismos (1765-1781). São aí consignados os nomes dos índios fun-
dadores da povoação, e sua procedência, o que nos dá a conhecer
as suas origens étnicas e a contribuição que recebeu de cada um
dos Povos de Missões. A grande massa dessa população era de
origem tape-guarani mas encontram-se muitas famílias cujos no-
;

mes são genuinamente de índios cavaleiros (charruas, minuanos


etc), que contribuíram para a formação de São Borja e outros
povos.
Uma ligeira estatística dos primeiros quatro anos de assentos
baptismais nos revelam que foram levados à pia em 1765 21 —
crianças; em 1766 — 46; em 1767 — 32 e em 1768 — 23. Eram
os pais (homens e mulheres) oriundos de: São Nicolau, 60; São
Borja, 42; São Miguel, 40; São Lourenço, 22; Santo Ângelo, 21;

20) José Feliciano Fernandes Pinheiro. Anais da Província de S.


Pedro. Paris, 1839. 176.
21) 1* Liv. de Bapt. de Viamão. O primeiro baptismo de branco
que se realiza na capela da Aldeia, tem a data de 27 de Julho de 1763,
e é de um filho do casal de Manuel Ferreira Porto, e de sua mulher An-
tónia de Jesus, ele português e ela do Rio de Janeiro, os quais tinham es-
tância de criação nas imediações da Aldeia. Baptizou a filha do casal,
que recebeu o nome de Teodora, o Padre de Viamão, sendo padrinhos
Euzébio Álvares e Inácia de Afonseca.
426 AURÉLIO PORTO
São João, 8; São Luís, 2; São Borja Novo, 6; São Miguel Novo,
2 e Japejú, 1, num total de 122 baptismos. 22
)

Segundo os dados existentes em vários documentos, quer de


origem espanhola, quer de portuguesa, o número de famílias que
acompanharam o exército de Gomes Freire, indo-se localizar no
Rio Pardo, oscila entre 600 a 700, isto é, mais de 2.000 almas, se
dermos a média de quatro unidades por família, menor do que a
encontrada em estudo anterior sobre a população missioneira. A
esses 1.000 índios que se estabelecem na Aldeia dos Anjos deve-
mos agregar mais 800 que ficam nas aldeias de São Nicolau do
Rio Pardo e São Nicolau do Jacuí, a que já fizemos referência.
Além disso, a fuga constante de índios missioneiros que posterior-
mente se vêm juntar a seus parentes internados no Continente,
aumenta de várias centenas a população indígena daquela pro-
cedência.
De Dezembro de 1747 a Dezembro de 1758 foram registados
nos livros de Viamão 350 baptizados, que assim se discriminam:

ANOS Brancos |
índios Pretos Total

» j~

1747 7 |
2 6

15
1748 14 6 4 -J 24
1749 20 |
2 3 25
1750 13 1 1 15
1751 . . 17 1 1 19
1752 25 2 0 27
1753 38 2 2 42
1754 56 1 2 59
1755 37 0 0 37
1756 36 1 0 37
1757 21 '
! 1 0 22
1758 : 24 2 2 28
j

308 21 21 350

22) Câmara Ecl. do Arceb. de Porto Alegre. 1' Livro de Baptismos


da Aldeia dos Anjos. 1765-1781.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 427

Teríamos, em número para 1.000 baptizados, 880


índices,
brancos, 60 índios e 60 pretos. Nestes 350 se nota que 5 eram
filhos de branco com índia, 4 de branco com preta e 3 de índio
com preta, o que demonstra que o caldeamento inicial se fazia
vagarosamente, como melhor se verifica pelo livro de casamen-
tos. Em cem casamentos realizados de 1747 a 1770, em Viamão,
encontram-se 41 de branco com branca, 36 de preto com preta,
10 de índio com índia, 6 de preto com índia, 4 de branco com
índia e 3 de branco com preta. E em 50 óbitos, de 1747 a 1753
existem, brancos 37, pretos 12 e índio 1.

Estão equiparados os baptismos de filhos de ameríndios e de


pretos, mas, convém notar que só mais tarde, com a fundação da
Aldeia dos Anjos (Gravataí), é que recebe o Continente uma gran-
de leva de famílias, que são transportadas para ali, com proce-
dência de Missões, de onde foram retiradas por ordem de Gomes
Freire. Aos chefes dessas famílias,como já se observou, são da-
dos nomes portugueses, fazendo com que se confundam com os
povoadores brancos.
Em 1780, graças ao mapa do tenente Córdova, que traz o
primeiro censo da população rio-grandense, já temos elementos
para apreciar, com mais detalhe, esse aspecto interessante de nos-
sa formação étnica, mal vislumbrada ainda, por falta de elemen-
tos documentais é estatísticos, até agora completamente desco-
nhecidos.
O censo de Córdova dá para a população do Rio Grande do
Sul, em 1780, um total de 17.923 almas.
não está detalhado o coeficiente indígena que
Infelizmente,
entrou na formação desse total. Mas, sabemos quais as fregue-'

sias em que eles predominavam. Temos Aldeia dos Anjos, em


que a população, trazida das Missões, era constituída quase to-
talmente de índios. Depois da do Rio Pardo era a maior do Con-
tinente, com 2.355 almas; a de Cachoeira, então unicamente uma
aldeia de índios: São Nicolau, e várias estâncias, com 662 almas;
Rio Pardo, cuja aldeia de índios também como a de Cachoeira,
remanescente das famílias missioneiras, contaria em sua popula-
ção 25 ( 'r dessa origem. Dando 10 r r, excluídos os escravos, para
a população indígena, nas outras freguesias, menos as constituí-
428 AURÉLIO PORTO
das por elementos açorianos, teremos para provável cálculo de
coeficiente indígena, em 1780, 3.388 almas e o coeficiente branco
9.433 indivíduos. Em
cada 1.000 habitantes teremos, com esse
resultado, para números índices: Brancos 526, Pretos 285, índios
189.

Ficaria assim distribuída a população do Continente, em 1780:

FREGUESIAS 1)1 ! 1 1
1
Pretos Total
1

Madre de Deus 871 96


;
545 1.512
Rio Grande 1.643 182 596 2.421
E treito 880 97 277 1.254
Mostardas 360 |
40 191 591
Viamão 1.028 114 749 1.891
Santo António 828 91 270 1.189
Conceição do Arroio . 234 25 158 417.
|

Anjos da Aldeia 210 1.890 255 2.355


|

Vacaria |
291 32 248 571
Triunfo 637 0 640 1.277
Taquari 580 0 109 689
512 0 208 720
Rio Pardo 1.317 438 619 2.374
Cachoeira
1

42 383 237 662


j

9.433
1

3.388 5.102 17.923

O resultado a que chegámos sobre a população indígena do


Continente está, provàvelmente, aquém da realidade. Além das
600 famílias guaranis que, em 1763, são conduzidas pelo capitão
António Pinto Carneiro e se localizaram na Aldeia de N. S. dos
Anjos, em 1784, depois de uma série de negociações, fixaram-se
em toldos pelas proximidades de Santa Maria, 1.000 índios minua-
nos, dos quais 300 homens de lança, 270 mulheres e 420 crianças.
E' este índio, mais do que o tape, que entra com parcela consi-
derável na formação do gaúcho-do-campo, que depois é o peão
preferido das estâncias pelas suas qualidades de cavaleiro. Não
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 429

obstante os cuidados do governador José Marcelino de Figueire-


do, que, como vimos, faz da Aldeia dos Anjos a «menina de seus
olhos», decresce consideràvelmente a população desse núcleo que,
em fins de 1779, contava 2.563 almas, mas que em 1784 não pas-
sava de 1.362 indivíduos, já dispersos por diferentes lugares. A
população da Aldeia não atingia a mais de 1.000 índios, segundo
estatística da época. Quando da incorporação das Missões ao Rio
Grande, 180.1, havia ali uma população de 14.010 almas, consoan-
te Aires de Casal, mas tal foi a dissídia das administrações que
esse número estava reduzido, em 1822, a 2.350 almas.
Em Gama, a população
1804, pelo recenseamento de Paulo da
do Rio Grande havia duplicado, em confronto com a de 1780, pois
constava de 36.721. Dez anos mais tarde, em 1814, encontramos
elementos mais detalhados para estudar o aumento da contribui-
ção do sangue indígena no Continente:
Existiam 35.991 brancos, 20.611 negros, 8.655 índios e 5.399
mestiços, sendo a população total de 70.656 almas.
De 1814 até 1823, segundo o provecto Chaves, entraram mais
no Rio Grande 15.000 escravos, sendo a população, neste ano, de
106.196.
Em 1835, chega Salis Goulart à conclusão de que havia, num
total de 150.500 almas 92.000 brancos, 30.500 negros, 10.000 ín-
dios e 18.000 mestiços, reproduzindo, assim, asde observações
Alfredo Varela, que deduz o cálculo pelo recenseamento de 1847.
Importa-nos, para o estudo, a mescla da mestiçagem. Qual
o coeficiente de cruzamento afro-caucásico, ou af ro-indígena ? Não
obstante a considerável entrada de pretos no Rio Grande do Sul,
parece-nos que assaz diminuto foi o caldeamento quer de uns, quer
de outros. Maior, muitíssimo maior, o cruzamento entre o bran-
co e o índio. Aliás, esse caldeamento vem de fase inicial do po-
voamento. As velhas famílias do Rio Grande do Sul, cujos tron-
cos procedem da Laguna, acusam largas percentuais de sangue
aborígene. Os Pinto Bandeira, os Magalhães, os Guterres, os Pei-
xotos, enfim, quase todos os primeiros povoadores do Continente
eram casados ou já descendentes de «índias da terra», carijós, das
quais algumas filhas naturais de Francisco de Brito Peixoto. Os
açorianos, porém, não se caldearam nem com o índio nem com o
430 AURÉLIO PORTO
preto. Procede daí a observação de Saint-Hilaire quando diz que
«a população era sem mistura quase».

Dá-nos o recenseamento de 1814, por mil, 509 brancos, 291


pretos, 122 índios e 78 mestiços, ousejam estes últimos, 7,8 r r da
população total. Não temos elementos definitivos para estabele-
cer o «quantum» de cada origem; mas, pelos dados que vamos
coligindo, vê-se que a mestiçagem deveria orçar por três quartas
partes para o branco com o índio e uma quarta parte para o bran-
co com o preto, o que nos daria 58,5 por mil para os primeiros, e
19,5 por mil para os segundos. E teríamos, assim, aceitando essa
base, para 1835, 13.500 mestiços de branco com índio e 4.500 de
branco com preto.
Sob o amparo desses elementos ainda deficientes, não se pode
negar a influência étnica, social e religiosa, que o índio missionei-
ro exerceu largamente sobre as nossas populações rurais. As
^

estâncias até bem pouco tempo ainda, na vasta campanha rio-gran-


dense, acolhiam inúmeros mestiços, cujos descendentes se espa-
lham por toda a parte.
Xas gemas do nosso folclore, nas nossas lendas do campo,
em todas as tradições da vida gaúcha, ficou a lembrança do ín-
dio missioneiro. Carinhosa expressão de amor, nas bravatas he-
róicas do pago, a china, a chinoca, ainda vive na sua beleza imor-
tal de «flor da estância».
Inúmeros são os mestiços, cujos nomes ilustrados por feitos
admiráveis na guerra, nas lides da inteligência e da arte, passa-
ram até os nossos dias. A própria religião conta com sacerdotes
virtuosos, cujas origens vêm de procedência. O primeiro desses
sacerdotes de que se tem notícia é o Padre José Inácio da Silva
Pereira, filho de pais guaranis. Hafkemeyer, que regista a orde-
nação desse índio sem mescla de sangue, transcreve um interes-
sante documento, em que se vê «como um índio tinha arrumado
uma modesta fortuna que deu ao filho para patrimônio». Cons-
tava ele de uma chácara com seu mato e cultivada, com 347 pés
de marmeleiro, 26 macieiras, 200 pessegueiros, 1 oliveira, 39 ár-
vores de espinho, 3 grandes latadas de parreiras, 1 grande bana-
nal, com casas de moradia e seu armazém, tudo de madeira, com
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 431

terras para milho ou qualquer mantimento. O valor desse patri-


mónio era de 500$000 23 ) E assim, no ano de 1783, a igreja
rio-grandense contava com o seu primeiro Padre guarani.
E fique o nome desse padre, que ainda traria no espírito for-
mado pelos jesuítas, através de seus ascendentes, como traço de
ligação entre a nova civilização que se abria aos seus irmãos e o
cicloque se encerrava com a derrocada das Missões Orientais do
Uruguai, onde o jesuíta procurara criar uma civilização cristã.

23) J. B. Hafkemeyer. A primitiva igreja rio-grandense. Rev. Inst.


Hist. R. G. do Sul. 1929, 301.
APÊNDICE
(Desconhecido a Aurélio Porto)

Carta do Povo de São Luís ao Governador de Buenos Aires, José de


Andonaegui. São Luís, 18 de Julho de 1753.

Bendito e louvado seja o santíssimo Sacramento. Senhor Governa-


dor: Dizemos-te, em nome de Deus, todos os caciques, de São Luís, o ca-
bido e também até as crianças inocentes, que gozes de muito boa saúde.
Recebemos já a tua carta em nossas mãos e, tendo-a lido, nos humilhá-
mos a Deus sõ e também ao santo Rei; porque esta tua carta nos en-
tristeceu muito e nos deixou muito pensativos. Também o mudar-nos é
muito difícil para nós, e também a guerra, porque não fica bem que nós,
todos cristãos e pertencentes a Deus, pelejemos uns contra os outros.
Nós não fizemos mal algum ao santo Rei, por tanto não necessitamos
de guerra; mas se vierem para encontrar-nos e buscar-nos, vingaremos
a nossa pobre vida.
Nós os de São Luís, estando ao par de que nos mudássemos, fomos
a uma terra muito longínqua, cumprindo a vontade de nosso santo Rei:
tendo ido duas vezes todos nós nos cansámos muito e perdemos todos
os nossos bens; mas não gostando os caciques e os índios juntamente,
e não querendo os infiéis Charruas e Mojanes que fundássemos naquela
terra, dizendo-nos: Não há terra para vós que não tenha dono, não fez
agora Deus nosso Senhor as terras para vós, se quereis entrar nelas há
de ser com guerra e à ponta de lança; voltámos a nosso povo e nos fi-
cámos, não havendo mais terra que se possa buscar. Vês aqui como te-
mos andado para cumprir a vontade do Rei. Por tanto só nos humilha-
mos a nosso santo Rei e lhe pedimos que, segundo o que se nos tem ofe-
recido como a vassalos seus, nos mantenha em nossa terra onde nos cria-
mos, porque tu, senhor Governador, estás constituído para cumprir a von-
dade de Deus e do Rei. Por tanto em nome de nosso Rei faze-nos justi-
ça, porque não fica bem que tu faças guerra contra nós, uns pobres ín-
dios cristãos. Nem J:ão pouco está bem que apartes e tires de nós os
Padres da Companhia de Jesus, nossos santos mestres, porque a estes
o mesmo filho de Deus Padre, Jesus Cristo, desde antigo no-los deu a nós.
Por tanto já te avisámos o que executámos, e temos pedido que não
nos tires de nossa terra, antes sim que nela nos estabeleças e confirmes.
Porque nós pobres índios, sempre que tem havido um mandado de nosso
Rei, o temos cumprido: sempre que mandou que desçam soldados a Coló-
nia, temos ido: se disse estejam todo um ano inteiro na Paraguai, e o
temos cumprido, mostrando sempre que somos vassalos de nosso Rei.
Mas agora temos este aviso tão difícil e desagradável de mudar-nos, que
nos tira do juízo, e dizemos: Pois quê, assim nosso Rei santo, depois de
termos cumprido muito bem seus mandados, nos quer tirar de nossa ter-
ra, nos quer perder, e nos quer acabar?
Embora não queiramos a guerra, mas se a houver só dizemos aos
nossos: Preparem-se só para ela, componhamos bem as armas, busque-
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 433

mos nossos parentes que nos hão de ajudar, e confiando em Jesus Cristo
nosso ajudador dizemos: Salvemos nossas vidas, nossa terra e nossos
bens todos, porque não nos convém que com a mudança fiquemos po-
bres e afligidos em vão, nem que nos percamos em vão por esses cam-
pos, pelos rios e água, e por esses montes. E assim dizemos que aqui
só queremos morrer todos se Deus nos quer acabar, nossas mulheres e
nossos filhos pequenos juntamente. Esta é a terra onde nascemos e
nos criámos e nos baptizamos, e assim só aqui gostamos de morrer.
Este é só nosso pensamento; e Deus, senhor Governador, te conceda sem-
pre boa saúde. Aos 18 de Julho de 1753 anos. Isto é o que dizem os
caciques e todo o cabido. (Missionalia Hispânica, 1949, n" 18, p. 567-569).

II

Os índios do Povo de Santo Ângelo ao Governador de Buenos Aires,


José de Andonaegui. Santo Ângelo, 20 de Julho de 1753.

Senhor Governador, dom José Andonaegui. Recebemos a tua carta


nós os caciques de Santo Ângelo, beijando-a todos os índios, por seres tu
quem muito nos ama. Ouvimos o conteúdo da tua carta, mas não nos
persuadimos nem cremos sejam palavras do santo Rei, porque nosso
senhor Jesus Cristo pôs na terra, em seu lugar, a nosso santo Rei, por
amante fino das palavras de Jesus Cristo, e por rei dos cristãos que
Deus criou e estão por toda a terra, fazendo que fosse muito amante de-
les na terra.
Isto que Deus lhe mandou, cumpriu-o muito bem conosco o santo Rei
Felipe V. Assim nos disse então pelo ano de 1716 enviando sua carta:
Envio o meu governador para que cuide de vós, para que vos ame e
represente a minha pessoa. Disse-nos então o santo Rei Felipe V: Cui-
dai de minha terra que é habitada de meus vassalos, sem dá-la nunca,
ainda que seja a outro rei. Isto sim que disse o santo rei Felipe V, di-
zendo-nos também então: Enviò-vos Padres da Companhia de Jesus para
que vos façam filhos de Deus para sempre até o dia do juízo. Disto
sim que nos lembramos sempre muito. Sendo isso assim, o Rei é que
cumpre a vontade de um só Deus, sua vontade não discorda da de Deus.
Olhando, pois, para não perder sem razão o amor de Deus que temos,
por amor das virtudes que têm nossas almas, não executaremos a mu-
dança, lembrando-nos das palavras do rei nosso senhor Felipe V, e do
que nos escreveu. Por tanto, senhor governador dom José Andonaegui,
cumpre isso para conosco, sendo vontade de Deus. Todos somos criatu-
ras de um só Deus. Por ventura ama Deus mais aos espanhóis do que
aos pobres índios? A quem lançará Deus nosso senhor a culpa pela
perda dos pobres índios? Ao que os quis lançar de suas terras. O Rei
nosso senhor Dom Fernando VI não sabe o despreso e burla que fazem
dos seus vassalos, e quanto os molestam os portugueses. Até os ai-.imais
mais brabos. afligindo-os alguém se viram e acometem contra ele. Quan-
to mais nós que somos cristãos, amamos mui muito o povo que Deus
nos deu; quanto mais a nossa grande e formosa igreja, sendo de pedra
toda ela até as suas colunas; quanto mais a casa do Padre e as dos índios
que também são de pedra. Vês aqui a mpstra de nosso bem obrar, o
que nos temos empenhado, e o que temos vencido e feito com muitíssimo
suor e grandes trabalhos. Isto é o que Deus nos deu. desde que nos
criou, deu-nos a cada um de nós terras onde viver. Isto temos feito nes-
te povo de Santo Ângelo onde estamos. Oxalá estivesse aqui em nossa
presença Dom Fernando VI nosso rei, vendo como nos humilhamos mui
História das Missões Orientais do Uruguai — 2.» Parte 15
434 AURÉLIO PORTO
muito a ti; mas ainda que não te vemos, beijamos a tua santa mão, te
veneramos, cumprimos sempre as tuas santas palavras, tendo em lugar
de Deus a ti, e a teu governador que está em Buenos Aires.
Pois que, não sabes tu por ventura que quando veio por governador
dom Miguel Salcedo no ano de 1736, nos trouxe e deu a nós uma boa
nova, dizendo-nos então o que o santo Rei lhe havia mandado, e que
tinha vindo por amor de Deus, por amor dos santos Padres, e por amor
de nós que éramos uns desvalidos índios? Disse-nos também então fa-
zendo-nos saber boa nova: Cuidai da terra onde viveis; essa terra a
vós sós Deus a deu, logo que sentirdes algum dano, avisai-me logo. De-
pois dom Miguel, como temos dito, nos fez saber tão boa nova; tu ainda
que és o seu sucessor governador, em vão agora nos envias nova tão
má e difícil, porque confias nos teus canhões e artilharia. Em boa
hora a trazes, sendo na que tu grandemente confias. O dizes muito bem
em vão a nós. Por que, pois. dás sete formosos Povos em paga da Co-
lónia que é um e pobre povo? O seu valor não é suficiente paga nem
de um só povo nosso. Por tanto, não temeremos do mal que nos que-
res fazer: ainda que tragas os teus canhões não temeremos. Deus nos-
so senhor somente, sendo nós uns pobres índios, nos ajudará muito, e o
santo Anjo também será nosso ajudador e protector. Quiçá Deus nosso
senhor te porá em nossas mãos. Nós, não temos cuidado pelos espa-
nhóis: não errámos nem fizemos mal aos de Montevidéo, nem aos de
Buenos Aires, nem de Santafé, nem aos de Corrientes, nem Paraguai;
quanto mais nem aos portugueses. Não erramos em coisa alguma, nem
desejamos, nem cuidamos de espanhol algum: estamos sós em nosso
povo, onde estamos bem. Por isso se vieres teremos guerra. Isto que-
remos nós se tu vieres, e nós sós nos animaremos e nos mandaremos
contra ti até vencer- te. Isto só podes saber. Sabemos já, Senhor, que
hás de vir: não se acha alguém que te haja de temer; em chegando tu,
Deus cuida de nós pobres índios. Deus só é sempre em quem confiamos
grandemente. A Deus sim que tememos mais do que a ti, sendo o dono
das nossas vidas. O que tu farás não é coisa.
Dizemos-te isso, senhor Governador. Que Deus te guarde e dê saú-
de. Santo Ângelo, Julho, 20 de 1753 anos. (Missionalia Hispânica, Ma-
drid 1951, N v
18, p. 556-558). — (L. G. J.)

As sete cartas mencionadas à págs. 212 e 213 encontram-se em seu ori-


ginal guarani e na tradução espanhola no "Arquivo Histórico Nacional"
de Madrid, legajo 1201, e publicadas em castelhano por F. Mateos na re-
vista MISSIONALIA HISPÂNICA, Madrid, 1949, N' 18, p. 551-572. —
(L. G>JJ.

FIM
da
Segunda Parte
da
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI
.

BIBLIOGRAFIA
i

DOCUMENTOS
ARCHIVO GENERAL DE ÍNDIAS. — Apud Groussac. Anales.
ARCHIVO GENERAL DE LA NACIÓN. — Montevidéu.
ARCHIVO DEL INSTITUTO HISTÓRICO DEL URUGUAY. — Montevidéu.
ARCHIVO DE SIMANCAS. — Valhadolid. — Espanha.
ARCHIVO HISTÓRICO NACIONAL. — Madrid.
ARQUIVO HISTÓRICO — Porto Alegre, R. G. do Sul.
Códices:
Livfo da Expedição de 1737. Cópias de ordens e resoluções do briga-
deiro José da Silva Pais e outros comandantes do Presídio de Je-
sus-Maria-José do Rio Grande de São Pedro;
Sesmarias —Registo de concessão de terras. 1782.
Datas de chãos — Registo de terrenos no Presídio.
Documentos:
Colecções várias, planas de mostra de paulistas, correspondência ofi-
cial, campanhas cisplatinas, etc.
ARQUIVO DO INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO BRASILEIRO —
Códices:
Consultas do Conselho Ultramarino.
ARQUIVO NACIONAL —
Rio de Janeiro.
Colecção de Cartas Régias, original.
Colecção da Provedoria de Fazenda, códices originais.
Correspondência dos vice-reiv.
Correspondência do Rio Grande do Sul.
Correspondência de Santa Catarina. 1723-1808.
ARQUIVO PÚBLICO DO RIO GRANRE DO SUL —
Inventários e Testamentos
Documentos administrativos avulsos .

BIBLIOTECA NACIONAL, Rio de Janeiro.


Secção de Manuscritos:
r Colecção de Angelis. 1-28, 34 a 36 e 1-29, 1 a 12. Pertenceu essa im-
portante colecção a d. Pedro de Angelis, historiador e pesquisa-
dor, que a organizou na Argentina e a vendeu ao governo brasi-
leiro. Além de centenas de códices preciosos e documentos de
toda a ordem sobre o Paraguai, o Prata e toda a América do Sul,
constam dessa colecção os arquivos jesuíticos de Córdova e outros
colégios, em originais e cópias, em sua maior parte inéditos. Co-
mo se verifica do texto deste livro é sobre esses documentos que
calcamos todo o trabalho que nos foi dado realizar, aproveitando
as Cartas Ânuas originais constantes da Colecção. Citam-se. tam-

15*
436 AURÉLIO PORTO
bém, da mesma colecção, vários códices referidos em notas de pé
de página, de vários trabalhos de historiadores jesuítas e outros
existentes em manuscrito na mesma Colecção.
Códices diversos:
Acuerdos dei Cábildo de Buenos Aires —
1-16, 1, 16.
Azara — d. Felix de... Descripción Histórica y Geográfica dei Para-
guai. 1-16, 2, 6 —
A Colecção Lamas publicou Geografia Física,
com notas de R. Schuller, diferente em parte desse códice, que
deve ser cópia primitiva e original.
Diários da Demarcação da América Meridional. Códices diversos.
Diário de la Demarcación. 1752 —
I. 1, 1, 20.
Cardiel. P. José —
Relaciôn verídica de las Misiones de la Comp. de
Jesús en la Prov. que fué dei Paraguai. Faenza. 1772. Cód. 1-5,
1, 52.
Cardiel, P. José —
Declaración de la Verdad. Buenos Aires — 1900.
Manuscritos diversos citados no texto.
Rodero. Padre Gaspar. Vendicación de la verdad y de la inocência
. .

perseguidas. Cód. 1-29, 1, 100.


Correspondências diversas:
Governadores do Rio Grande do Sul, 12 volumes 1,5, 4, 1 a 12. —
Vice-reis da Bahia, I, 4, 3, 57.
CÂMARAS ECLESIÁSTICAS: *
Arquivo da Câmara Eclesiástica do Rio de Janeiro — Casamentos da
Sé Velha —
(Colónia do Sacramento) 1690-1705.
Arcebispado de Porto Alegre. Assentos.
Bispado de Pelotas.
Bispado de Santa Maria.
Bispado de Uruguaiana.

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ÍNDICE ONOMÁSTICO
A Joaquim António de: 378, 379. 385. 386,
388. 389
Abaeraquá. Amâncio: 174 Alexandre. índio: 228
Abaray, Felipe Santiago: 35, 174 Algarve: 90
Inácio : 35 Alleroví. Luís: 24
Abaverá, Inácio 174 : Almeida. Ana Florinda: 304
Abimini. rio: 260 Ana Joaquina Rosa de 363 :

Abone, Esteban 399 : Auristela Ribeiro de: 303


Abreu. Capistrano de: 201. 216. 271 Bento de: 421
Cláudio José de: 371, 372 Escolástica Ribeiro de: 303
Cristóvão de Orneias de: 107 Euzébio Pedroso de: 302. 316
Cristóvão Pereira de: 106. 107. 108. 109, Fabiano Pires de: 385. 386. 388. 389
110, 111, 112, 113, 114, 115, 116, 117, Felicidade de: 304
118. 119, 120, 121, 122, 123. 125. 126, Francisco Ribeiro de 304 :

127. 128, 129, 130, 135. 142. 147 . 202 Gabriel Ribeiro de: 273. 274. 275. 276,
Felipe de: 140 277. 278 279, 280. 283. 284. 287.
, 288 . 296.
Florêncio de: 421, 422. 423 297301. 303. 304. 305
. 306. . 307. 308.
João de : 371 309. 310. 311. 312. 313. 314, 315. 316,
José de: 308. 309. 315, 344. 349, 353. 362, 317. 319, 324. 325, 326. 328. 332. 336,
363. 364, 368. 371, 375 344. 345, 363
Pedro Siqueira de: 133 Inácio Taques de: 302. 304
Severino de 377 : João Mendes de: 109
Academia Brasileira. Rio: 211 João Pedroso de: 302
Acatú. Justino: 399 José Pedroso de: 302
Aceguá 231 : José Pompeu de: 302
Acevedo. P. Francisco: 169 Leonel Ribeiro de: 304
Frei José: 348 Lourenço Ribeiro de: 304. 309
Pablo Blanco: 395 Luiza Maria de: 303. 304 314 .

Açores. Ilhas: 158. 160. 280 Manuel Ribeiro de: 153. 302. 303. 316
Acre: 286 Manuela Joaquina de: 304
Afonseea. Inácia da: 425 Maurícia 304 :

Africa: 245 Maximiliano Ribeiro de: 303


Agraciada: 372, 374 Pedro de: 141
Aguara. Francisco: 24. 54 Teresa 304 :

Aguero. Frei José: 253 Tristão Ribeiro de: 304


Aguiar. António Francisco de: 141 Alocklein, P. 78 :

Florinda Rodrigues de: 303. 316 Altamirano. P. Cristóvão: 24, 25


Josefa Maria de: 280 P. Diogo: 27. 64. 71. 83
Manuel Rodrigues de: 303 P. Lope Luís: 204. 209. 210, 212. 215
Aguilar. P. Jaime de: 16 Alto da Fortaleza. 227
Salvador Barbosa de: 39 Alto Uruguai: 27
Aguillera, Juan de: 25 Alvear, cidade: 322
Aguirre. Alexandre de: 25. 45, 164 Carlos de: 376. 377. 379
Félix: 376. 389 P. Pedro: 64
P. José: 66 Alvares. Joaquim de Oliveira: 300, 350
Alamaraz. P. João Augusto: 64 Euzébio 425 :

Albardão, rincão: 142 Alvarez, João Diniz: 106. 142


Albarez. P. Gregório: 63 P. Gregório: 63
Albuquerque, Alvaro de Siqueira: 107 Amado. João José: 344
Cristóvão de 148 : Amandau. Inácio: 25
Aldão. António: 250 Amazonas 199. 200 :

Aldeia dos Anjos, veja Gravataí 196. : Amengual. P. Miguel: 206


365. 378. 416. 419. 420. 423. 424. 426, América: 70. 83. 155.
88. 211. 222. 242.
427. 428, 429 243. 245. 247. 259. 261. 262. 263. 267
Alegrete: 146. 303. 371. 394. 396. 408. 409 Meridional: 129. 172, 201. 204 . 216. 242,
Alemanha: 72. 78.-248. 368 246. 279
Alencastre, Família* 384 Amorim. Clara de: 110. 130
Álvaro de: 379. 389. 398 Luis de : 44
António José de: 378. 379. 390. 392 Nuno Álvares Pereira de: 122
444 AURÉLIO PORTO
Ampuoro. P. Miguel de: 48 Arias. P. Felipe: 248
Anais da Biblioteca Nacional. Rio: 199. Ariel. Editor: 68
202 Arouche, (veja Lara)
do Itamarati. Rio: 268. 409 Arquivo Histórico do R. G. do Sul : 121,
da Província de São Pedro: 265 134. 142. 202. 283. £84. 290. 291. 293,
Anapoti. Francisco. 399 308. 309. 311. 315. 316. 320. 337. 390.
Anaya. P. João de: 31 392. 420. 421
Anchieta. Colégio. Porto Alegre: 7 do Itamarati: 268
Andaluzia: 53. 207 Nacional. Rio: 12. 107. 108. 109. 143,
Andonaegui. José: 209. 212. 213, 215. 219. 145. 146. 152. 185. 266. 278. 279. 281.
229. 230. 416. 432. 433 284. 286. 287. 296. 308. 324. 325. 334,
Andrada. Gomes Freire: 59. 97. 103. 110, 338 386 398
120. 123. 125. 127. 128. 129. 137. 138. Público do R. G. do Sul: 260. 275. 282,
139. 144. 145. 146. 149. 150. 151. 160. 285. 286. 299. 301. 314. 363
161. 203. 2C2. 203. 214. 215. 225. 227. Arreio, baluarte: 150
229. 230. 231. 245. 327. 414. 415. 416. sítio: 135
417. 418. 426. 427 Arroio Grande 467 :

José Freire de: 146 Artigas. André: 321. 327. 349. 354. 406
Andrade. André Ferreira de: 286 . 305. Andresito: 196. 327. 343. 345. 346. 348.
308 350. 351. 352. 353
João : 18 Artiguinhas : 346
Vicente Ferreira de: 286 José: 269. 284. 299. 300. 314. 322. 340.
Angelis. Pedro d": 258 342. 345. 346. 348. 350. 354 . 374 . 382.
Colecção de: 7. 15. 16. 32. 44. 48. 67. 82. 405. 416
168. 178. 188. 193. 211. 252. 254. 255. Ãsia: 259
258 Asseca. Viscondes de: 13
Ângelo. Baltazar Manuel 421 :
Assunção de N. Senhora, iate: 134
Angra, bispado: 280 Maria da: 140
Anjos. António Gonçalves dos: 142 do Paraguai: 16. 37. 41. 56. 57. 61. 64,
Antas, rio das: 129 65. 69. 309
Antiquera. D. José de: 166 Colégio de Ass. do Par. 83 :

António. Frei: 142 redução 25. 53 :

Lourenço : 137 Astorga. P. José de: 65


Miguel : 343 Astúrias: 37
Apaguay. Henrique: 174 Ataví. Cipriano: 399
Aperger. P. Sigismundo : 183 Av^ndano. P. Francisco de: 52. 53. 57,
Apiterebi. forte: 19 61. 63
Apóstolos (Red. de São Pedro e São Ávila. António: 253. 308
Paulo): 28. 37. 48. 207. 351 António da Silveira e: 151. 308
Aquillera. João de: 25 Cosme da Silveira e: 151. 152
Aquino. Frei João: 253 José da Silva: 286
Frei Roman : 253 Avilez. Marquês de: 263. 369
Tomásia Antónia de: 319 Avogado. Vicente: 140
Aracuye. Tomás 24 :
Ayarú. Estanislau: 174
Aragão, província 63 :
Avsterán. Lamo: 66
José de 324 :
Azara. Félijc de: 30. 32. 48. 54. 59. 60,
.Maria Francisca de: 304. 324 74. 81. 83. 84
Aragefú. Eugênio: 399 Azevedo. António Mariano de: 293
Aragon. P. Agostinho: 34 Catarina Machado de: 151
Aramani. Estêvão: 343 José de: 282
Pedro Crisóstomo: 343 Jo?é Paim de: 338
Aranda. Conde de: 223. 251 José Pedro Cesar de: 363
Coronel: 322. 351. 352 Luís Manuel de: 414
Arapeí: 187. 291. 299. 335. 377. 379. 297. Pascoal: 159. 161
408 Azul. rio: 228
Araranguá: 116. 117
Ararica (Guacacai-mirim) : 228. 260 n
Arassage. Pedro: 343
Araújo. António Castanho de: 263. 385. Bacacai-Guaçú (veja Vacacaí-guaçú)
386. 388 -Mirim (veja Vacacaí-mirim)
Lourenço Castanho de: 305 Badajoz 267 :

Luís Castanho de: 385 Baeé: 300. 365. 376. 396


Arazaí. Roque: 34 Baía: 111. 132. 133. 141. 272. 285
Ulderico: 34. 174 Bairupá. Francisco: 343
Arbolito: 375 Balcarce. general 381 :

Arce. Francií-co de: 64 3alda. P. Lourenço: 206. 209. 210. 211,


P. José Francisco de : 62. 85 212. 248
236. 247.
Archivo General de La Nación. Monte- Baldetta. índio: 211
vidéu: 399 Baldrich: 387
de Simancas : 70 fialem. Mons. Dr. João Maria: 36
Histórico Nacional. Madrid: 434 Balquerai. P. André:- 248
dei Instituto Histórico dei Uruguay: Baluarte de Bandeira: 150
154 Banda dos Charruas: 22. 35. 39. 41. 43
Argentina: 30. 389 . 392 Oriental: (veja Uruguai)
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 445

Bandeira. Francisco Pinto: 106. 122, 147, Bica. Basílio


Ferreira: 386. 392
185, 420, 429
226, Bicudo, Francisco: 298. 416
José Pinto: 122, 412 Manuel de Campos 19 :

Manuol Pinto: 121. 122 Biedma, P. Pedro: 249


Rafael Pinto: 121. 227 Bienservida. Murcia. Espanha: 69
Rafael Pinto (família) 180 : Bittencourt. António Teles de: 134
Baraja, Francisco Xavier: 344 Camilo Machado de: 352
Barba, Enrique M. 243. 244. 417 : José Silveira de: 106. 141
Barbónios. Frades 138 : Blendes, P. Bartolomeu: 62. 64, 65
Barbosa, Januário 286 : Boa Vista: 117
José Joaquim: 286 Boca do Monte: 319. 336
Barbadinhos. Capuchinhos: 132, 138 Boémia: 206
Barbuda. Francisco de: 102 Bohm. Antônio: 72. 78
P.
Gordilho de: 365 Bojurú. Estância Real de: 151, 152
Barber. Penélope: 154 Bomtempo. Francisco Xavier: 341

Barcelona: 213 Bonilha, Martins: 302
Baré, Ismael 343 : Bonita, galera: 133
Barijú. Domingos : 343 Boqueirão: 328
Barreto. Francsico: 147. 149. 271. 288, Borges, António Gonçalves: 281
289. 295 Boroa. P. Diogo de: 67, 80, 213, 216
Gaspar Francisco Mena : 336 Boroné, José Límaco 343 :

João Baptista: 338 Botelho. João: 280


João de Deus Mena: 310. 315. 335, 337, Botelre. Padre: 248
350. 362 Boti. João: 344
João Manuel Mena: 336 Brabo. F. X.: 81
João Propício Mena: 336 Braga. Joaquim Ferreira: 323. 244 , 349,
José Luís Mena: 336. 344. 375. 377 352. 363, 364
Manuel dos Santos: 335 Manuel Ferreira: 363
Sebastião: 376. 378. 385 Bianco. José de Castelo, Conde da Fi-
Barros. Aleixo da Silva: 307 gueira: 345
Domingos Borges de : 133 Brasil: 11. 19. 75, 91, 92, 100, 104, 107,
Manuel de: 145 146. 151. 167. 180. 196. 199, 209, 257,
Pedro Vaz àe: 18. 19 262. 267. 269, 282, 335, 340, 346, 354,
Batalha. José de Andrade: 139 356. 362. 363, 375, 376, 383, 387, 392,
Batoví, barão de: 372 393
lugar: 232 Brazanelli, Irmão José: 36, 37, 43, 45,
Bauzá, Francisco de: 85, 237, 347, 348 46. 62. 64. 65. 71. 169
Baviera: 157 Bremen : 370
Baygorri. Pedro de: 19, 20 Bruno, P. Tomaz: 36. 37, 43
Bela Cadela, bergantim: 133 Bruxel. P. Arnaldo: 7. 223
Bela União: 326. 372. 384. 405. 408. 409. Bruxelas: 65. 83
410. 411 Bucarelli y Orsua, Francisco de Paula:
Belém, praça: 298. 300. 314. 386 223. 246, 247. 248. 250. 251, 252, 253,
Belo. Manuel Moreira: 140 254, 257
Belona, fragata: 421 Buda. Hungria: 206
Bem. Albino Francisco de: 282 Bueno. Ana Maria: 303
Baltazar de: 282 Maria de Almeida. 303
Belchior de: 282 Buenos Aires: 10, 11, 12, 15, 16. 18, 19,
Gaspar de 282 : 20. 21, 27, 36, 39. 40. 46. 53. 65, 69,
Benavidez, P. Paulo: 58 71, 83. 131. 154. 155, 157, 163, 164, 165,
Benevente: 63. 69 166. 167. 168. 169. 178. 180, 191, 193,
Benevides. Salvador Correia de Sá e: 13 207. 209. 212. 213. 215. 218, 219. 223,
Benevidez, Mendo de la Cueva y: 16. 18 224. 232. 244. 246. 248. 264. 266. 268,
Beócia 53, 63
: 291. 311. 355. 375. 380, 416. 432, 433,
Berger. Irmão Luís: 216 434
Berlanga, Castela 64 : Bustamante. Luís Forte: 109. 110
Bernardes. Alexandre José 369 : Buter. Diogo: 154
Bérón, Juan: 253 João 154:

Berra : 405. 406 Butucaraí: 196. 416, 417


Berthot. P. Manuel: 32. 177 Butuí. passo 277, 350 :

Bertiandos: 106 ,

Bessa. Manuel Inácio: 280


Bética: 63
Beyas. João Nogueira: 141. 146 Caaçapamini (ou mirim) : 17, 28, 52, 56,
Biaca 40:
81, 216
Biblioteca Nacional. Rio: 7. 14, 15, 16, Caaibaté, coxilha: 216. 219. 222. 224, 226.
22. 25, 27. 28. 30, 32, 33. 34. 35. 41, 232. 236. 237. 238
.42. 44. 46, 50. 53. 55. 56. 58. 59. 63, Caaguaçú : 54
69. 72. 79. 81, 86, 107. 108. 109, 121, Caballero. Felipe: 388. 393
125. 126. 133. 168, 169. 171. 193. 194, Cabari. cacique: 84
205. 216. 219, 220. 223. 225. 227, 229. Cabral. José da Cruz: 141
231. 238. 241. 247, 249. 252. 253. 258, Manuel Saraiva: 141
266. 267. 269. 272. 279. 296. 304. 311 Sebastião Xavier da Veiga: 26. 44, 107,
327. 337. 365. 414. 418. 419 108. 277
446 AURÉLIO PORTO
Cabrer, José Maria: 30, 60, 67. 74, 83 Cardiel. P. José: 35. 55. 59. 172, 174, 177.
Cabrera, Jerónimo 19 : 178. 179. 180. 181. 189. 190. 192. 204.
Cabuçu, Salvador 343 : 208. 219. 221. 232
Ventura : 344 Cardoso. António José: 146
Cachoeira, vila: 105. 146. 161. 260, 275, Diogo Osório: 145. 146, 147. 148. 149,
277, 281, 285, 288, 293. 294, 295, 301, 150. 153. 154. 157. 159, 161
302, 303, 304, 315, 316. 317, 319. 320, Isabel Maria: 303
322, 324, 328, 365, 418, 427 João Manuel : 307
Cádix: 324 Joaquim, capit. : 314. 345
Caetano. Baptista: 223 Maria Francisca : 307
Caí. rio: 303 Manuel: 203. 307
Caibaté: 171 Carlos III: 242. 243. 246
Caldas. Sebastião de Castro: 87 Carneiro, António Pinto: 147. 418. 419.
Gaspar de 95 : 422. 428
Caldeira. Francisco Luís: 115 António Rodrigues: 111
Calderon.' Bonifácio: 376 Manuel: 328
Calvo. Domingos: 33. 37. 43, 64 Caró: 216. 218
Camaquão. rincão: 282, 289, 309, 376 Carpini. P. Onofre: 65
rio: 31. 184, 224. 234. 260. 308 Carredo. Castela: 63
Câmara. António de Noronha da: 133 Carro. Rincão do: 142. 152
Patrício José Corrêa da: 260, 261, 270. Cartaxo. Portugal 146 :

273. 274. 275, 278, 285. 290. 297, 300. Cárter. João : 154
306. 315. 327. 328. 330. 332. 334. 338 Manuel 154
:

Sebastião Xavier da Veiga Cabral da: Carumbé: 350


261. 264, 267, 270, 272, 273. 288, 294, Carvajal: 209. 212
297, 307. 320. 324, 328 Carvalhaes. Escolástica da Silva: 316
Camargo. Francisco de: 18 Carvalho. Álvaro Pessoa de: 140
José de: 18 António Ferreira de: 133
Cambai, arroio: 389 Delfina Mariana de: 304
Camizas, rio: 129 Felipe: 278. 308. 320
Campestre : 391 Francisco: 302. 328
Campos. Alexandre Francisco de: 141 Francisco António Olinto de: 3*2
Gerais: 115. 116 Francisco Leitão de: 109. 276
Canárias 62 : José Bernardo de: 378
Canas. José Manuel de las: 274 Manduca: 324
Candália. Tirol: 63 Manuel 278 :

Candelária: 25. 28, 52. 53 Manuel Corrêa de: 298. 308, 314
Canete. Francisco Xavier: 387, 390. 391 Mário Teixeira de: 412
Canguçu : 364 Sebastião Gomes de: 141
Canigral, P. Pedro: 55 Sebastião J«sé de: 153
Cano. Lucas 253 : Casal. Ayres de: 238. 429
P. Matias: 349 Casero. P. Bernardo (ou Cubero) : 62
P. Paulo: 69 Cassa Rubeli. Toledo: 64
Canoas, porto das: 313 Cassero. admin.: 256
Canto, Ana Borges do: 282 Castanho, Luis 19 :

Bernardo José do: 282 Castela: 68. 143


Esméria Borges do: 282 Castillo, P. Alonso de: 27. 49. 52. 55. 56.
Francisca Margarida Borges do: 282 183
Francisca Rosaura: 282 Esteban dei: 103. 104. 105. 119
Francisco Borges do: 280, 281. 282, 293, Castilhos. Júlio de (Museu) : 202
294 Castilhos. Monte de: 119. 147. 162. 199.
Francisco Borges do (Filho) 182 : 202. 203. 214. 395
João Borges do: 282, 293. 335 povoação 157 :

João Inácio do: 281 Castro. São Paulo: 385


Joaquina Francisca Borges do: 282 Castro. Francisco de: 312
José Borges do: 261. 270, 272, 274. 275. Francisco Xavier de: 110
276. 277. 278. 279, 280. 284. 285. 287. José Plácido de: 286
288. 289. 290. 295. 296. 305. 307. 308. Prudente da Fonseca e: 286
319. 320. 325. 328. 332. 334. 383 Castrodanta: 35
José de Castro Morais e: 276 Cavia. Pedro Feliciano: 394
Josefa do: 280 Caxias, barão de: 385
Manuel Borges do: 282 Cazal. (Veja Casal. Ayres de)
Maria Francisca Borges do: 282 Centurião. José Gomes: 286
Miguel Inácio do: 281 Cesar, Félix da Fonseca de Azevedo: 363
Vicente Borges do: 282, 293 José Pedro de: 363. 364. 365
Capané: 281, 319. 328 Céspedes. Francisco de: 39. 40
Capassi. P. Domingos: 100. 101 Cevallos. Pedro de: 171. 215. 220. 243.
Capela Queimada. Alegrete: 342 244. 245. 246. 416. 417. 418
Capiy. Cristóvão: 18. 24. 25, 31, 34 Chagas. Francisco de Assis: 341
Félix: 34, 348 Chain. Benito: 299
Capuchinhos: 155 Charlet. P. Luís: 183. 206
Carape. Bernardo: 24 Chaves. Portugal 336 :

Caraype, Paulo: 24 estatística: 429


Cárdenas. bispo: 221 António Gonçalves: 122. 141. 142
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 447

Duarte Teixeira: 107 Coretu, Francisco: 25


José Ferreira: 142 Corpus, red. 25. 208 :

Chumbo, Mariano : 399 Corrêa. Miguel Luís: 293


Chile: 154. 156. 177 Faustina: 302
Chimbocú 55
: Romualdo : 302, 316
China, arroio da: 269 Corrientes: 16. 1J. 20, 21, 53, 65. 165.
Chi:ia. Chinoca: 430 213. 256. 298. 299. 387. 410. 434
Chu uí. Pascoal : 343 Corvalán. Felipe Rexe 24 :

Chui. arroio. 142. 147, 153. 157. 161. 294 Costa. Francisco José da 365 :

Churievi. arroio 240 : Inácio da: 141. 148


Cidade. Diogo Arouche: 323 João da: 89. 185
Francisco de Azambuja: 323 Joaquim Bernardino de Sena Ribeiro
Francisco de Paula: 376 da: 362
Cidreira, fazenda da: 106 Jorge de Souza 140 :

Cima da Serra: 117. 306. 330 José da: 134, 141


Cisplatina: 261. 262. 264, 269, 300, 346. Lucas Fernandes da: 140. 142
349. 375. 376 Manuel 142 :

Claret. D. Diogo: 62. 63 Manuel Francisco da: 139


Clarque. P. Tomaz: 225 Manuel Gonçalves da: 140
Cloiam. cacique: 41, 44. 46. 47 Miguel da: 140
Coelho. António. 139. 142 Paulino da: 137
João: 142 Coutinho. Ana de Arruda: 302
Maria 140 : André Ribeiro: 131. 132, 139. 143. 150,
Coiaquí. rio: 260 151. 152, 153. 159
Coimbra. Maria Joaquina Conceição: 372 Rodrigo de Souza: 262, 263. 264. 266,
Colégio da* Servas de Maria: 423 267
Colleria, Toledo: 64 Couto. -Dionísio do: 141
Colodrero. D. 256 : Crocodilo, lagoa: 235
Colónia do Sacramento: 10, 13. 21. 22. Cruz. Alcides: 378. 382, 386. 393
23. 24. 25. 26, 31. 33, 34, 37, 41. 43. João da: 343
44. 45. 46. 54. 86. 88. 94. 98, 99. 100. Cruz Alta: 388. 389
102. 104. 105. 106. 107. 108, 109. 111. Cruz. La (estância) 25, 187, 188. : 229,
112. 114. 118. 120. 121. 122. 124. 125. 232. 347. 350. 351
129. 130. 139. 145. 147. 150. 160. 164, Redução ou Povo da: 76, 79, 84
165. 168. 169, 170. 171. 186, 195. 200, Cuareim 397 :

201. 214. 215. 245. 261. 280. 282. 288. Cuff. Sara: 154
374. 378. 386. 414. 432. 434 Cuibá. lagoa: 142
Colónia Nova: 91. 92. 108. 127. 134 138, Cunha. Alexandre Manuel da: 281
140. 145. 202 António da: 101
Companhia de Jesus: 12, 22, 23 26, 11, António Teixeira da: 139
27, 33. 34. 35. 40. 41. 43. 44 50. 56. .
João da: 366
69. 83. 93. 109. 123, 154. 155. 172, 177. José da 141 :

181. 182. 183. 196. 204 209 216 239, . José Francisco da 324 :

242. 243. 244. 245. 246. 247. 25l' 254. Manuel da: 146
256. 413. 432, 433 R. da: 237
231.
Conceição. Ana Maria da: 140, 153 Cunha e Souza, família: 281
erval: 81. 188. 403 Curado. Joaquim Xavier: 262. 264. 266,
da Serra: 424 267. 297. 315. 316. ' 346. 349
rio : 81 Curapá. Lourenço: 343
passo da: 300. 329 Curei. Francisco de: 410
redução da: 16. 18. 19, 24. 25. 28. Curitiba. Campos Gerais de: 116. 130, 185,
48. 52. 54. 55. 56. 58. 81. 82. 83. 303
207. 212. 216 Curuzú-quatiá: 298. 299. 305
Concepción. erval : 188 Cuyabá. minas de: 89
Conde de Bobadela: 128. 419 Cuyay. Cecília: 347
da Cunha: 419
da Figueira: 323. 345. 353. 354. 357. 359.
362. 364
. das Gálveas: 103, 119 Daff. P. Lourenço: 183
de Rio Pardo: 299. 345 Darmstadt. Alemanha: 370
de Sarzedas (veja Sarzedas) Datilo. P. Hipólito: 72
Eu: 35. 337
d Daubsch. Marta: 154
de Valadares: 363 Daum, João Carlos de Saldanha de Oli-
Conselho de índias: 14. 22 veira e: 362
Conselho Ultramarino: 11. 43. 86. 87, Daymã : 229, 230
90. 94. 95. 107. 111. 115 Delfim. Jerónimo: 24
P.
Consensa. Catai. 64 :
Delfina, sumaca: 368
Constitucional Rio-grandense. jornal Despouy. Blas: 382. 383
388 De Maria: 346
Continente de São Pedro: 160 Desterro, capela: 92
Conventos: 116 Diaz. António: 401. 405, 408
Corá. erval : 81 Gervásio : 140. 142
Córdova. André Ribeiro de: 389 Manuel Francisco: 137
tenente: 427 Divisão de Voluntários Reais do Príncl-
448 AURÉLIO PORTO
pe: 346 sítio: 138. 139. 160, 364
Doblas. Gonzalo: 257 Estúdios, revista: 243, 246
Docca, Emílio Fernandes de Souza: 278, Estudos, revista 198 :

375. 383. 384. 387, 394 . Eufrázia (Coutinho): 153 . I

Domingues. José Joaquim: 286. 319 Europa: 12. 62. 64. 66. 88, 156. 169. 211.
Silvestre: 142, 281. 282 213. 220. 242. 245. 246. 261. 262. 263,
Don, rio: 369 265, 267
Donvidas, P. fomaz: 27. 28. 182
Dorrego, Manuel: 378. 380, 392, 393, 394 F
Doutrinas: 23. 25, 38. 43
Dragões de Minas: 134. 140. 144, 146, 147 Fabrer, J. João: 249
Regimento de: 138. 143, 144, 145. 147, Facão. São Paulo: 385
148. 150. 153, 203. 226, 227. 271, 278. Faenza: 204
327
283. Fagundes. Francisco Machado: 152
Duar-te, Inácio: 185 Faial: 158
Manuel 141 :
Faisões. rio Jacuí: 228
Maria dos Passos, 122 Fanfa. pontal: 137
Dublin 154 :

Faria. Francisco de Souza e: 115, 116,


Duc de Chartres, nau: 154
117, 141. 142
Duguav-Trouin 109. 110 :

Dulce, Rubio: 277. 278. 288. 307, 318, 330 José Custódio de Sá e: 202, 216 . 419.
Dutra. João Garcia: 140, 142 420
Durazno. vila: 411 Farnésio. Isabel de: 243
Duvotenay, Th. : 365 Faro: 302
Feira. Portugal: 335
Feitoria: 367
Felipe V: 213. 433
Eça, José Maria da Gama Lobo Coelho Felizardo. Jorge Godofredo: 366. 412
d': 322, 351, 372 Félix. Joaquim: 318. 325. 326, 330. 331,
Echenique, Frei Lourenço: 253- 334. 341
Echevarria, Juan de: 214, 215 Fernandes. Domingos: 104. 105
Edmunds. António: 154 Fernandez. P. André: 183
Roberto 154 : Francisco: 286, 394
Elias. João 154 :
Luiza 140:

Roberto 154 :
Fernandez. P. Alonso: 209. 210
Elio (Vice-Rei J. Xavier) : 299 P. Miguel: 56. 61. 67. 69
Ellis Júnior: 18 Fernando VI: 213. 215, 243. 433
Ellwanger: 248 António de Souza: 106. 121. 122. 140. 142
Elordouy. Nicolau: 251 índio: 235. 236
El-Rei. barco latino: 137
Ferreira. André: 278
Encarnação. Maria da: 140
Maria Antónia da: 324 António José Rodrigues: 362
Maria Rosa Joaquina da: 324 Estêvão: 141
Encinas. Santiago. 253 Jerónimo: 137
Encruzilhada: 161 Joaquim: 318
Engenho Novo: 109 Maria Gomes: 146
Enis. P. Tadeu: 206. 212, 213. 227, 228, Miguel Cardoso: 140
229. 232, 233, 234, 235, 237, 239 Ferreiro. Felipe: 154
Entre-Rios: 380, 406 Ferro, ilha: 32. 60
Erber. P. Inocêncio: 206 Figueiredo. Eugênia Francisca: 285
Ernández, Frei Manuel 253 : José Marcelino de (veja Sepúlveda) -

Frei Pascoal: 253 259. 419. 420. _422. 423. 424. 429
Frei Pedro: 253 José Mascarenhas: 141
Ernot. P. Luís: 12 Luís de: 147
Escalada, Mariano: 382. 383 Maria Eugênia de: 281
Escandón, P. João de: 210. 237, 415 Figueiroa. António Borges: 146
Esmeraldas. Serra das: 19 António José de: 142
Espanha: 17, 58. 94. 131. 155. 198. 199. Filgueira, Domingos: 86
200, 201. 204. 209. 220. 222. 238. 242. Firmum : 65
243, 245, 254 , 260. 262, 263, 272, 285, Flandres: 83
412. 418 Flores. João 253 :

Espíndola, coronel 309 : Floriano. João Pais: 202


Espinilho: 300 Fons Mayor. Castela: 62
Espino, Pedro: 382, 383 Fonseca: Amaro da: 304
Espinosa. Gaspar de Munive León Gara- Ana da: 140
bito Telo y: 201, 202 Francisco António da: 329
Frei Juan: 253 Joaquim coronel: 271, 298,
Félix, 300.
Estado Oriental: 394. 395. 398. 399 328. 329. 332. 333
Estais. Irmão Egídio: 169 Josefina Felisbina da: 286
Estância Grande: 106 Manuel Caetano da: 286
Esteves. Bras 18 : Manuel Gomes da: 304
Estreito, fortificação: 150 Manuel Pinto Carneiro da: 299
de Magalhães: 155 Mariana Efigênia da: 333
rincão: 142 Fontoura. Angélica Veloso da: 306
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 449

António Carneiro da: 372 Goulart, Jorge Salis: 429


João Carneiro da. 140. 141, 142, 336 Graell, Francisco: 417
João Neves da: 306. 366 Gramajo, J 256 . :

Maria Cândida da: 306 Granada: 56


Maria Josefa da: 366 Grau. João Baptista: 137
Manuel Carneiro da Silva e: 276, 304 Gravataí, rio: 416, 418. 422
Fortes, João Borges: 89, 115. 116. 117, 118. Greenwich: 55, 83
. 130. 160, 186 Gross kunzendorf, Silésia: 207
Fraile Muerto: 41. 114 Gregório, cacique 41 :

Fi ança 243. 262


: Guacacaí, rio: 234
Francês. João Gonçalves: 140 Mirim. (Ararica) 228 :

Francia. Gaspar Rodrigues de: 354, 365, Guacacaiguá. rio: 224, 233
380 Guacurari, André: 346. 347, 348. 354
Francia, José Gaspar de (ditador) 334 Guadalupe, Frei António de: i36
Francisco, Joaquim 146 : Guaiancai. índio: 41
Manuel: 106. 142 Guaíba: 364
Francisco, cacique: 44 Guairá: 17. 54
João. capitão: 106. 212 Guamica, capitão : 216
Frank. Mons. André Pedro: 6 Guarajaça. lugar 390 :

Freire, Claudina Arminda 338 : Guaraye. Inácio 24 :

Fresno: 63 Guarda do Jacuí: 260


Fretes. Frei João: 253 do Chuí: 128
Frias. João do Cabo: 286 Guarupuí, José: 344
Friderichs, Edvino, S.J.: 6 Guedes. M. Manuel de Barros: 146, 147
Frutos, Juan 25 : brigada de-. 385
Furlong, Guillermo. P.: 30. 178 204 , Guedes. Manuel de Barros 146 :

Furtado Rodrigo de Mendonça: 148 Guenoas. Confederação dos: 44


Francisco Xavier de Mondonça: 201 Guerra, Ana da: 412
Guiana: 262
G Guimarães, João Pinto da Fonseca: 412
Joaquim José Ferreira: 282
Gades: 65 José de Freitas: 137
Gainza. Mariano: 382 lugar: 378
Galícia: 35 Guinet. P. José: 183
Gallardo. P. José: 65 Guisloor. Mateus: 154
Galvão. Manuel do Nascimento da Fonse- João Guilherme: 154
ca: 120, 121. 186 Guterres. Agostinho: 412
Gama. António José da: 147 família: 180. 429
Basílio da: 210. 211. 237 Gutiérrez, Frei Pedro: 39
José Maria Lopes: 407
Paulo José da Silva: 290. 310. 325, 333, H
335. 337. 429
Gaona. Frei José: 253 Haedo, coxilha do: 290
Garambeu. Luís: 202 rincão de: 316
Garay. Cristóvão de: 17 Hafkemeyer. P. João Baptista: 430. 431
Garcia. P. Diogo: 64 Hamburgo : 370
P. Francisco: 33. 35. 36. 41. 42 Hansel. José: 58. 64
P. José: 207 Haze. P. Diogo de: 71. 82. 83
Martim: 215 Henriques. Bartolomeu: 122
Rodolfo: 199. 202. 211. 273. 279. 301 P. Manuel: 139, 142
Gari. Inácio: 166 Hernández. P. Pablo: 213. 243
Garoupas. enseada: 88 Herran. P. Jerónimo: 38. 46. 183
Garro. José de: 21. 24. 168 Herrera. João Francisco de la Riva: 250.
Gaspar. Aniceto de Brito: 185 252
Gaúches: 284 Herrerudos. Castela: 62
Gay. João Pedro: 35. 42. 275. 282. 396. Herval 376:

408 Hervás. P. Lourenço: 41


Genester. P. Rafael: 183 Hibérnia: 36
Génova: 62 Hilson. coronel 230 :

Germânica, província: 70. 78 Híspalis (Sevilha): 53. 64, 65


Gervasoni. P. Carlos: 220 Hoffmans. Joh.: 78
Gil. Luís Enrique de Azarola: 39 Homem. António Gomes: 142
Gilge (Gilde). P. João Baptista* 206. 249 Hornos, cabo de 155 :

Goiaz. capitania: 356 Hurtado, rio: 163


Gomes. Ana Joaquina: 281
Francisco Ribeiro: 142 I
José Ribeiro: 137
Manuel de Araujo: 130 Ibage. João Francisco 343 :

Maria: 304 Ibarguren. P. João Caetano: 248


Gómez. A. Gordillo: 243. 246 Ibari. Miguel: 343
Gonçalves. António: 121, 141 Ibicuá. arroio : 74
Bento: 386. 399. 408 Ibicuí. rio: 32. 35. 40. 41. 45, 58. 59. 60,
González de Santa Cruz. R. Roque: 34, 187, 200 . 204 . 208. 299. 309, 331. 349,
48. 54. 80. 81. 174. 216. 218 355. 381
450 AURÉLIO PORTO
guaeú: 289. 386. 387. 388, 393, 394. 395, rio: 12, 18, 21, 104, 1S7, 202, 227, 228.
396. 397. 398, 399, 408 229. 260, 281, 302, 355, 376. 417. 418
Ibirapuitã: 289. 297, 342 Jaeger, P. Luís Gonzaga (L.G.J.): 7.
Ibirocai: 350 13. 48. 63. 64. 75, 161. 162. 195, 218,
Iguaçú: 67 215, 216, 219. 243, 246, 434
Ijuí. rio: 33. 38. 51. 52. 53, 55, 56, 68, 74, Jaen, Andaluzia: 207
81. 82. 83 Jaguarão : 377
Ijuís: 29 Jaguareté: 41
Ijuizinho: 74. 82. 83. 416 Jaguari, Evarista 343 :

Ilha do Ferro: 83 Jaguari, rio: 59, 60, 391


Inácio, cacique: 36. 41 Jaguarú (ou Nhaguarú), rio: 59, 60
Inclan. Alonso Juan de Valdez y: 26. 164 Jangói. João da Cruz: 343
índia Mueita: 214. 346 407 . Japejú. estância: 46. 184. 187, 188, 290
índias Orientais: 245 redução (Reis Magos): 18, 20, 24, 25,
ÍNDIOS: 40, 45. 47. 56. 57, 72. 78. 84, 192. 208.
calchaquis: 16. 18. 19 212. 229. 250. 350. 351. 386
campeiros : 44 Japurá, rio: 199
carijós: 180. 412. 413, 429 Jarau. rio 291 :

cavaleiros : 43. 425 Jarau. campos do: 289. 334


chanás : 39 43 Jardim. Jerónimo Gomes: 377
charruas: 39. 41. 42, 43. 45, 46, 82, 164. Javarí, rio: 199
232. 240. 290, 291. 331: 334, 391. 394, Jesuítas (veja Companhia de Jesus) : 13,
410. 425. 432 15, 18
frentones: 16. 18. 19. 46. 209. 342 JESUS CRISTO: 74, 432. 433
guaicurús : 16, 76 JESUS: 220
guaranis: 16. 19. 41. 42. 165. 180. 254, Jesus. Ana Joaquina: 299
344. 245. 358. 359. 323. 424. 425 Jesus, Alexandrina de: 282
s
guenoas: 17. 36. 37. 40. 41. 42. 43. 45. 46, Feliciana Rosa de: 282
47. 62. 82. 114, 166. 238 Jesus. Josefa Rodrigues de: 122
hometes: 16. 19 Manuel de:. 141
hornas: 18 Maria Teresa de: 157
jarós-: 40. 41. 42. 44. 45, 46. 164
39, Jesus Maria, red.: 81
lagunas: 18. 19 dos Guenoas: 32, 33. 34. 35. 36, 37. 39,
niboanes: 39. 43. 45, 46. 164 40, 41. 42. 43. 47
minuanos: 39. 41. 43. 46. 82. 99. 128, 153. Jesus-Maria-José. red 59 . :

195. 232, 240. 284. 290. 331. 334. 391. Jesus-Maria-José (presidio e igreja do
413. 414. 425. 428 Rio Grande): 113. 130. 135. 138. 142.
mojanes: 432 154. 157. 159. 161
payaguás: 62. 64 Jimenes. P. Pedro: 25
sambor jenses : 36 Jiménez. António: 67, 68
serranos: 43 P. Bartolomeu: 66
tapes: 9. 15. 16. 17. 19. 21. 22. 23. 26. 42. João José: 343
44. 45. 46. 93. 99. 102. 114. 123. 126. João III: 107
128. 163. 165. 168. 172. 180. 186. 201. V: 92. 130
232. 410. 413. 414. 425. 428 VI: 300
tupis: 18. 19. 20 João. Dom (Príncipe): 269. 292. 293. 310
vaqueiros: 46 Jorge. Manuel: 106, 137. 140. 142
Inglaterra: 154. 172. 263 José. índio 41 :

Inocêncio XI: 13 José I: 243. 246. 421


Instituto Anchietano de Pesquisas: .7 Juqueri: 302
Instituto Histórico e Geográfico Brasilei-
ro: 44. 88. 90. 94. 111. 310
Irapuã: 260. 281. 319
Irene-ambá. campo: 396. 397 Kalt.-rn (Candália) : 70
Irlanda: 36 Kosqui. Irmão Wenceslau: 248. 249
Issaca. arroio: 289
Itacuim. passo: 277
Itacurubi: 353
Itaiacecó. 58 Lago. Laurênio: 338
Itália: 220 Manuel da Silva Pereira do: 373, 378.
Itamarati. (veja Arquivo) 199 : 389. 401. 405
Itapevi: 300 Lagoa Iberá: 207
Itapuá: 25. 216 Lagoa Mirim 113. 122. 128. 137. 142. 153.
Itapurai: 349 199
Itaqui: 386. 389. 390 dos Patos: 170. 187. 260. 364
Itaroquém: 403. 407 Laguardia 204 :

Itatines. província: 54 Laguna (Lagoa dos Patos) 18 :

Itú: 305. 395 Laguna, vila: 23. 26. 27. 33. 86. 88. 91. 92,
Iturriaga. José de 202 : 100, 116. 121. 122. 124. 125. 136. 139.
140. 141. 142. 143. 150. 151. 160. 185.
186. 281. 316. 374. 412. 413. 429
Lamego. Portugal : 281
La Plata 244 !

Jacuí. passo: 225. 226. 230. 391. 414 Lara. António de Almeida: 286. 305
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 451

Diogo Arouche de Morais: 321, 322, 323. M


350. 351. 352. 353
Lavalleja. João António: 372. 374. 375. 379. Macadar. cacique: 44
380. 381. 382. 386. 387. 410 Macedo, família Saldanha Pereira de: 333
Manuel: 284. 387 Jorge Soares de: 13. 22. 23. 24
Leão Dourado, nau: 133. 134 Vasco Pereira de: 333
Lecor. Carlos Frederico: 261. 269. 346, 349. Machado, Francisco Rodrigues: 304
374. 389 Hilário: 185
Legião de São Paulo: 342 Jo"ão: 278. 308
Leibach-. Áustria: 206 Joaquim Ferreira: 286
Leiria. Jerónimo: 90 José: 141. 324
Leiria. Portugal: 363 Marcos Pereira 142 :

Leite. Miguel Pedroso: 299 Polycarpo Pires: 298


Leme. José Martins: 302 Maciel, Ana Barbosa: 304
Luís Gonzaga da Silva: 302 Maciel. Bernardo Antunes: 294
Lemos, Lázaro de 185 : Salvador José: 401
Lendas do Sul. livro: 234 Teresa: 304
Lérida. F. 178 : Madrid: 14. 81. 198. 201. 206, 212, 213, 216.
Ley*.Fuies: 154 219. 220. 243
Liceu Literário Português: 121 Tratado de: 198. 201. 222. 225
Ligeira, sumaca: 368 Magalhães. Alexandre de: 140
Ligotti. P. António: 64 Basílio de: 301
Lima. cidade: 167 João de: 88. 89. 90. 91. 185. 412
Lima. Albino: 394 Ricardo José de: 390
Alcides: 203 Família: 429
Isabel de: 138 Magg Broters, livraria: 121
João Hipólito Fernandes: 341 Maiorca 249
:

Oliveira: 262 Malagrida. Padre 245 :

Limp. P. Francisco Xavier: 183. 206. 209. Maldonado. Francisco de Barbuda: 128
241 ilhas de: 10. 11, 21. 22. 24. 88. 105. 132.
P. Tadeo: 241 158. 170. 311
Linhares. Conde de: 263. 267. 339 lugar: 100. 269. 292, 346
Col 272
. :
Manuel do Prado: 164. 170
Lisboa: 90. 92. 109. 111. 122. 146. 153, 156. serra de: 90. 119
199. 201. 263. 266. 281. 310, 329. 332, * Malinas. Flandres: 64
333. 341. 365. 423. 424 Manchester: 154
Loba. Rui: 167 Mandizobi: 298
Lobato. Francisco Martin: 115 Mangueira, passo da: 135. 142
Santos: 121 Mansilla, general : 376
Lobo. António José da Gama: 142, 148, Manso. Joaquim Félix da Fonseca: 329.
351. 354 341
José Maria da Gama: 353 Manuel António: 93
Manuel: 11. 23. 24. 25. 31. 43 Maranhão 201 :

Lomax. Diogo: 154 Maranón Amazonas) f : 199. 200


Tomaz: 154 Mareco. Frei Sebastião: 253
Londres: 121. 154. 202 Marguiondo. P. João António : 221
Lopes. Atanásio 349 : Maria I: 346
Custódio: 316 Maria Micaela: 301
Estanislau: 381. 382. 383. 393 Mariana. Minas 303 :

José (Lopes Chico) : 387 Marinheiros, ilha dos: 142


Manuel Braz : 185 Marques. David: 91. 185
Marcelino: 394 P. Jacinto: 20. 21. 23. 25. 206
Loreto: 25. 38. 390. 391 Marquesetti. P. João Baptista 183 :

Los Currales. lugar: 376 Marquês, de Alegrete: 300. 301. 350. 364
Louvre, museu do: 411 de Alorna: 262
Loya. cacique: 44 de Barbacena: 376
Low, Guilherme: 154 de Grimaldi: 104
Tomaz: 154 de Lavradio (Sampaio) 421 :

Lucrónio. Castela: 63 Martim Affonso. rio: 93


Luis, Dom (infante) 243 : Martin. Frei I. 253 :

Luís I. rei: 166 P. José: 183


Luís Francisco Xavier: 141. 142 Martins. Diogo da Fonseca: 412
Luís,'José da Costa: 281 Domingos : 142
Lujan, rio: 21 Martins, livraria. São Paulo: 75
Luna. Corrêa: 25. 26 Mártires, povo: 25. 67. 351
Lunar de Sepé. livro: 234 Maruí. aldeia: 413
Lunarejo, coxilha do: 298 Mascaró. P. Jaime: 206
Luz. tenente 35Ò :
Mata. P. Anselmo de la: 52. 53
Aurélia Guedes da: 304 Mateos. P. Francisco: 195. 198 204 . . 208.
Domingos da: 145 209 210 212. 213. 214. 215.
. . 216. 219.
Faustino Guedes da: 304 227. 434
Jacinto Guedes da: 304 Matheis. P. Henrique: 63. 64
Mato Grosso: 201
Matos. Francisco da Costa: 308
452 AURÉLIO PORTO
Francisco Gomes de: 277, 286. 289 Montenegro. Irmão Pedro: 62, 65
Manuel da Mota: 378 Montenegro, cidade: 303
Pedro de: 133, 135 Montevideu: 88, 90. 98, 101. 103, 104, 105,
Mayan, Frei Pedro: 253 114. 115. 122, 124, 125, 128, 131, 132,
Mayrá, Miguel 238 : 157, 163, 165, 166, 171, 172, 195, 214,
Mazadar, índio: 41 215, 226 . 230, 233, 246, 247, 261, 264.
Mazelo. índio: 41. 46 266, 269, 290, 299, 346, 374, 375, 378.
Mbaivé. índio: 321 381, 395, 398. 399. 410. 411, 434
Mbororé : 10. 13. 35, 58, 218 Mora. Castela: 249
Medeiros. António Augusto Borges de: Morais. António de: 133
281 Francisco de Castro: 109, 110, 307, 326,
Medina. Francisco: 185 328
Mediolanum : 65 José de: 146
Medrano, P. Francisco: 57 José de Castro: 275, 288, 296, 306. 327,
i-eireles.Bernarda Josefa de: 281 328, 329
José Bernardes de: 280 Pasqual Delgado de: 303
José Bernardo de: 281 Rubens Borba de: 223
Josefa Bernarda de: 281 Moreira. Florêncio: 243
Melo. lugar: 377 Miguel: 140
Melo. José de 121 : Moreyra. índio: 72
João Gomes de: 226. 227 Mostardas: 160
José Tavares: 142 Moura. António Rolim de: 201
Manuel Felizardo de Souza e: 341 Joaquina de: 304
Manuel José de: 323 Mujica. António de Vera: 25, 26
Martinho de: 263 Murberg, 205
Mena Barreto, família: 336 Murcia 57. 64 :

Mena, Rita Bernarda Figueiredo: 336 Museu Paulista: 202


Anchieta Furtado: 306
Mendonça, António Furtado de: 306
António Vieira de: 137 N
Gregória Rita Coelho de: 423
João de: 121. 122 Namur, Flandres: 63
José de Anchieta Furtado d 275, 288 Nápoles 243 :

Martinho de: 125 Nascimento, Ana Teresa do: 363


Matias de: 10 João Rodrigues do: 133, 134, 138
Valério de: 121. 122 Navarra, Pedro de Lugo y: 17
Mendone, Leandro: 399 Navarrete, Cast. 64 :

Mendoza, P. Cristóvão de: 58. 80. 213 Nazareno, erval 81 :

Menezes, Francisco António Cardoso de: Neembocú, pântano 167, 208 :

146. 214. 216 Nenguirú, Nicolau: 54. 174, 222, 225, 226,
Josefa Bernardina da Cunha: 366 231
Miguel Luís. de (Conde de Valadares) I: 216, 218
363 II: 212, 219
Pedro Luís de: 391 •
III. 219. 220. 223. 232. 233. 24$, 346
Rodrigo Cezar de: 90 Neto. Simões Lopes: 234
Menino Diabo, fazenda: 129 Neves. Pedro da Costa: 141
Mercador, rincão do: 121. 142 New York: 154
Mercedes, cidade: 375 Nhucorá: 81. 188
Mercês, campo daa: 215 Nicolau I: 220. 221, 223
Mesa, Eugénio: 253 Nocuibilen, índio: 41
Mesquita, P. José António de: 280 Noghay, Manuela Francisca: 301
Meyer, Augusto: 223 Noguera, Francisco de: 165
Minas Gerais: 95. 98. 100. 101 113. 115, NOSSA SENHORA: da Abadia, nau: 134
118. 120. 129. 130. 134, 140, 145, 201 dos Anjos: 418. 422
286. 307 dos Anjos da Aldeia: 425
Miranaí: 207 da Bom Sucesso, nau: 137
Miranda, Monsenhor: 368 da Conceição, nau: 133. 134, 137
Gaspar Nunes de: 146 da Conceição da Cachoeira: 260
Mirinai: 376 da Fé: 72
Mirones, ouvidor: 167 da Lapa: 130. 138
Missionalia Hispânica, revista, Madrid: da Luz de Curitiba: 293
195. 198. 204, 208, 209, 210, 212. 213, da Madre de Deus de Pôrto Alegre:
214, 215, 216, 219. 227, 433. 434 421
Missões (veja Província de) das Mercês, nau: 133
Mogi das Cruzes: 303 de Nazareth, nau: 133, 137
Moira. Roque: 291 da Piedade, nau: 133
Montanhez. Frei Bernardino 291 : do Rosário, balandra: 137
Monteiro, Francisco de Paula: 344 da Vitória, nau: 132
Euzébia Pires: 302 Nunes, António: 146
Jonatas da Costa Rego: 25, 26, 32, 48 José de Sousa: 394
55. 58. 91. 111. 125. 245. 260 Nurnberg: 78
José Pires: 302 Nusdorffer: 16. 22. 25. 27. 33. 45. 163. 168.
Luís Vahia: 89. 93. 100, 114 171. 204. 208. 235
Monte Grande: 294. 416. 417
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 453

0 Paraná, rio: 17, 47, 54, 72, 166, 168, 169,


182, 208, 216, 321
Obes, Lucas José: 393. 394, 395 Reduções do: 18. 67, 182, 204. 220, 232,
O Jornal: 161 324
Olaria. 142 Província do: 16, 38
Oliveira. Brígida de: 288 Paranaguá: 86. 116. 120
Cândido Baptista de: 341 Paranapanema. minas de: 89
Clara Maria de: 121 Paris: 245. 263. 365. 410
Domingos Fernandes de : 103, 104, 106, Parreiras. Manuel dos Santos e: 133
119 Passau: 78
Eufrásia de: 154 Passiretã: 403
Eulália Joaquina de: 288 Passo do Fandango: 315. 418
Francisco António Ramos de: 319 da Cruz: 277. 309. 317, 318. 350
J. J. Machado
de: 104, 105 Fundo 389 :

Jacinto José: 344 de Itaqui: 322. 350


Maria de: 153 do Rosário: 126. 344, 376, 377
Maria Caetana de: 366 de Santo Isidro: 353
Mariano Pinto de: 385, 387 Pastells. P. Pablo: 62. 63, 64. 198
Sebastião Francisco de: 341 Pastells-Mateos: 210. 212
Vicente Alvares de 394 : Pastor. Silvério P. 55 :

Zeferina de: 286 Patamia: 63


Olivença: 262 Patino P. Gabriel: 64
O Povo. jornal: 303 Paulet. António José da Silva: 356, 357,
Oribe. José: 381. 387, 406 361. 362
Orinoco, rio: 199. 200 Pauwels. P. Geraldo: 420
Orizie. Sardenha: 249 Pavão. António Pereira: 386, 388. 392
OrntUas. Manuelito de: 198, 204, 226 Pax. Joana 154 :

Teresa de: 204 Payax. Luís de: 20


Jerónima de: 204 Pavendé. erval 81 :

Ortiz. Olivério José: 411 Pedro. António: 104, 111. 114, 115. 119,
Osório. Fernando Luís: 409 120. 125. 133
Francisco Coelho: 146 Pedro I: 394
Manuel Luís. marquês do Herval : 146, Pedroso. António: 145
409 António dos Santos: 294. 297, 299, 305
Tomaz Luís: 146. 148. 153, 227 Custódio: 185
Ovez. Lucas José : 398 Euzébio 302 :

Isabel: 295. 301


Isabel Maria: 295
Manuel dos Santos: 271. 272. 273 275
278. 279. 280. 288. 293, 295, 296, 297^
Pacheco. António Lopes: 286 298 300. 301, 304. 305. 306
.
. 315. 326,
Félix: 121. 202 328. 332. 383. 415
José da Silva: 141 Maria : 293
Padilha. António: 298. 391 Micaela Maria: 295. 301
Paicá. Cristóvão: 209 Pantaleão: 142
Pais. António Soares: 19 Salvador: 294
Fernão Dias: 18 Peixoto. Domingos Leite: 412
João R. 18 :
Francisco de Brito: 88. 116. 185 412
José da Silva: 86. 88, 94, 95. 96. 98. 100. 429
101. 102. 103. 105. 115, 120, 122, 124. José Maria da Silveira: 282
125. 127. 128. 129. 130. 131. 132. 133, Família Brito: 23. 180. 412, 429
134. 137, 138. 139, 141. 143. 144. 150. Pelotas: 129. 139
151. 153. 154. 159. 161 Península Ibérica: 242. 262
Paissandíi: 298. 300. 416 Penteado. António Rodrigues: 304
Paixão, coronel : 310 Peperi-Guaçú: 260. 294
Palácios. P. Diogo: 183. 206. 236 Peperi: 281. 317
Palma. Maiorca: 206. 207 Perea. P. Matias de: 53, 63
Palmas. Canárias: 62. 64 Pereda. Setembrino: 347. 348
Palmares: 106. 142. 423 Pereira. Antónia: 282
Palmeiro, família: 384 António de Sá: 146
Diogo José: 366. 369, 370 António Guedes: 115
João José: 365, 371. 378, 385, 388. 389 Cristóvão: 107. 153. 170. 185
Palomeque. Alberto: 380. 381. 382, 383. David Marques: 89. 90
387. 389. 392. 393 Domingos: 137
Pampa: 21. 33. 43. 44, 62. 88. 97. 102. 103, Elias do Amaral: 141
111. 113. 131. 144. 152. 153. 169. 185 Francisco 107 :

Pamplona: 206 Inocência Francisca: 281


Papa: .220 Joaquina Perpétua: 281
Paracatú. Rafael: 229 João Inácio: 281
Paraguai: 14. 15. 16. 17. 20. 24. 27, 53. 57. José Caetano 280 :

65. 70. 75. 78. 154, 156, 163. 166. 167, P. José Inácio da Silva: 430
176. 180. 195. 204. 208. 221. 243. 247. Josefa Bernarda 281 :

249. 250. 256. 304. 354. 364. 380. 393, Luís José da Silva: 365
432. 434 Manuel Gomes: 150
454 AURÉLIO PORTO
Manuel Mendes: 108 Porto. Aurélio: 7. 13. 89. 150. 161. 181.
Manuel da Silva: 365 281. 284, 286, 289. 292. 316. 324. 330.
Manuel do Vale: 135 333. 366
Maria: 106 Delfino Gomes: 304. 324 .

Nuno Álvares, capitão: 121 Francisco de Oliveira 281 :

Nuno Álvares, condestável 106 : José Gomes 304 :

Pedro de Sousa: 86 José Gomes Filho: 304 314 .

Pérez. P. Carlos: 249 JúlioGomes: 304


Perfetti. P. Domingos: 248 Manuel Ferreira: 425
Pernambuco: 111. 133. 272 Porto Novo: 371
Pero de Régua: 161 Porto Seguro (veja Varnhagen): 246
Perpignan in Vald.: 64 Portugal: 26. 43, 104. 131. 155. 198. 199.
Peru: 19. 177, 202. 221. 268 200. 201. 235, 239. 242. 243. 245. 246.
Peters "Walden. Silésia: 206 254. 260. 261. 262, 263. 269. 272. 346.
Petim. José Fernandes: 385 362. 417
412.
Petragrazza. P. Angelo Camilo: 62. 63, Prado. Manuel do: 163
64. 71 Prates, ten. Egon: 371
Pianó: 363 Carvalho, família: 320
Pico. ilha do: 92, 160 D. Feliciano Rodrigues: 308
Pilar, Virgem do: 247 Felisberta da Costa: 308
Pimentel. Gregório de Morais Castro: 327 Firmino de Carvalho: 371
Pina. Sebastião Ruiz: 148 Flaubiana Fausta da Costa: 320
Pinheiro. José Feliciano Fernandes, vis- João Rodrigues: 122
conde de São Leopoldo: 366. 368. 370. Prazeres. Frei João Baptista: 337
425 Prego. Luís de Abreu: 131
Pinto. António: 138. 140. 386 Prepi. António: 343
António Antunes: 385
António José: 106
Prestes. Francisco de Paula: 350
Prímoli. Irmão João Baptista: 66
^
Bernardino de Jesus: 365 Província de Missões 10. 11, 37. 160. 187.
Eulália Joaquina Pereira: 329 202. 219. 226. 230. 231, 233. 247. 252.
Fabiano: 353 254. 259. 267. 271. 277. 285. 329. 335.
Francisco 329 :
336. 337. 338. 339. 340. 342. 347. 355.
Francisco Barreto: 329 357. 361. 362. 365. 372. 380. 383. 392.
Francisco Barreto Pereira, coronel: 394. 395. 411. 429. 431
288.
299. 335 Província Oriental 381 :

Francisco. Barreto Pereira, capitão Província de São Pedro, revista: 161


: 141.
226. 275. 295. 304 Províncias Unidas do Rio da Prata: 346.
Inocência Pereira: 299 380. 392. 393. 394
Manuel : 121 Prússia. Frei Francisco de: 136. 138
Mariano: 383. 386. 388. 390 Pueyrredon: 382. 383. 393
Sebastião Barreto Pereira, marechal Purifación: 299
288. 396. 398
Rosa: 138 Q
Piratini. red . : 193. 216
rio: 28. 33. 40. 52. 55. 60. 68.
Quaraí. rio: 187. 289. 290. 298. 335 342.
260. 282,
352 371. 377. 395. 396 408. 409 .

vila: 386 Quaresma. Valentim 140 :

Piratininzinho: 28. 60
Ouarupá. rio: 289
Pires. António: 141 Ouay. Arroyo, passo do: 312
Estácio: 89. 185 Ouee-uai: 207. 208
Faustina Corrêa: 316 Querini. P. Manuel 195 :

Fernando 389 :
Quintão, luear: 122
Pisa. P. Bartolomeu: 207 João da Costa: 122. 142
Planes. P. António: 206, 250 Ouirisrui. erval: 81
Plattling. Baviera: 204 Quirós. António: 253
Pombal, marquês de: 213. 242, 246 367
Pombo. Rocha: 280
Pompeo. Taques: 302
Pompeyo. P. José Maria: Rabelo. Belchior da Costa Corrêa: 338
63. 64. 69 71 Rademacker: 300
Ponsombv : 394
Pontal: 142 Rambo. P. Balduíno: 7
Ponte de Lima: 106. 107. 130 Ramita. P. Pedro: 65
Porciúncula. João Antunes da: 142 Ramirez: 405
385 Ramos. Inácia Maria de: 140
Posteli, Joaquim Eloy: 333
Portinho. José Gomes: 304 P. João: 62
Porto, cidade:
Manuel Gonçalves: 134
161. 304. 316
Pôrto Alegre: Raquin. Mr. 382 :

160, 198. 2Q3,


7. 264 276 Real Bragança 316 :
277. 279. 301. 309, 314, 315, 328, 329'
333.
Real. Catarina da Câmara Corte: 281
335. 341. 354. 355. 356. 357. 362'
364
Rego. Manuel do: 141
365. 369. 371. 390. 391. 412. 416 Reis Magos. N. S. dos: 25
.

420. 421. 424


dos Casais: 158. Reis: 214
203. 418. 420. 421
do Dorneles. Porto Alegre: República Rio-grandense 393 :

160. 203. 385


do Uruguai : 409
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 455

Revello. José Tonos: 70 Frutuoso: 196. 282. 284 326 . . 340. 346,
Rezende, Conde de:. 263, 264. 266 366. 372. 373. 374. 375, 378, 379. 380,
Riachuelo: 44 381. 382. 383. 387. 38S. 389. 390. 391.
Ribeira do Porto dos Casais (Porto Ale- 392, 393. 394. 396. 397. 398. 399. 400,
gre): 421 405, 406. 407, 408, 410 411 ,

Ribeiro. Anselmo Gonçalves: 122 Rivet. Paul: 411


Bento Manuel: 297. 375. 376, 393. 396, Robles. Andrés Augustin de: 163
407 Rodiles. P. Domingos: 24. 169
Demétrio 146 : Rodrigo. Francisco: 274, 277 295. 296. 306. ,

João da Silva: 286 307, 326, 328


Manuel Gonçalves: 122 Rodrigues, José Honório: 161
Sebastião do Canto: 141 Rojas, P. Isidoro de: 249
Rincão del-Rei, estância: 152 João de: 25
Rincão da Cruz: 349 P. Salvador: 46, 47. 50. 60. 67. 183
das Galinhas: 344, 375, 377 Roma: 66. 220. 247. 248
Rio Branco, barão do: 104. 105. 301. 352, Romani Pontificis, bulia: 13
377. 386 Romero. P. Pedro: 213
Rio da Prata: 10. 11. 13. 14. 16, 17, 23, Roncalli. José Casimiro: 281
24, 31. 88. 90, 93, 131. 157, 162, 163, Rondeau. José: 289, 335
168. 170, 180. 199. 200. 245. 254. 261. Roriz, Manuel Pereira: 141. 147. 288
262. 263. 264, 265, 266, 267. 268. 346. 374 Ros. Baltazar Garcia: 164. 166
Rio de Janeiro: 10. 11. 13, 23. 32. 44. 48, Rosa. Inácio Pereira da: 141
55. 58. 89. 90. 91. 93, 94. 95. 96, 97, 98, Angélica: 308
99, 100, 101. 102, 103. 105. 108. 109. Rosário, Maria do: 139
114. 115, 122. 155, -185. 201. 202. 216, Roscio. Francisco João: 30. 223 224 , . 278,
266. 267. 280. 306. 327. 338. 341, 346, .307. 318. 324. 325. 328
354. 355. 363. 376, 413. 418. 421. 425 Ruas, Camilo Justiniano 389 :

capitania: 87, 111, 128, 130, 132. 133, 134, Ruyer. P. Cláudio: 67
137. 138, 139. 141. 144, 145, 150. 156
Rio de São Pedro do Rio Grande 95, : S
96. 133. 280
Rio Grande de São Pedro, colónia: 86, Sá, Simão Pereira de: 113, 121, 123, 127,
- 87, 88. 89, 98, 100, 104. 115, 118, 125, 134. 202
132, 145, 155, 156, 157, 159, 245, 279, Saavedra, Hernandarias 22 :

283 Juan Arias de: 19


"Rio Grande, fortaleza: 88. 119, 231, 259, Saboati: 311
304 Sabóia: 206
porto: 90, 102, 121, 127, 154. 185 Saican: 372
presídio: 88, 100. 105. 106, 127, 128, 136, Saican. barão de: 372
138, 141, 143, 145, 148, 151, 154, 160, Saint Hilaire, Augusto de: 68, 197. 356,
186, 202, 245. 267, 273, 366, 413 357, 359, 361, 405, 406. 430
vila: 90. 122, 130, 153. 158, 215. 308. 328, Salas. Diogo de: 243. 244
355. 385. 420 Salazar. José Martinez de: 12. 21
Rio Grande do Sul. barra: 100. 101, 125, Salcedo. Miguel de: 104. 105, 131. 145.
133. 137, 139, 151. 260 167, 434
campos: 27. 95, 103, 107. 108, 111, 113, Saldanha. Duarte Rebelo de: 332, 362
120. 123, 185. 186. 294 José de: 30, 74, 83, 279. 283. 284, 289,
canal: 102. 104. 117. 127. 185. 186. 187 290 . 291. 294. 325. 326, 330. 331. 332,
cidade: 91, 93, 94. 95, 128. 129. 134, 150. 333. 334.335. 336. 341
'
154. 254. 269. 297, 307. 333, 346, 368. Salomé. Maria: 337, 338
416. 423 Salsipuedes: 410
continente: 107, 115, 116, 140, 144, 156, Salta: 248
161, 186, 202, 355, 364, 401, 422 Salvatierra, conde de: 15
Rio Grande do Sul. Estado: 9, 10, 23, 141, Salto: 299
143. 146, 147. 171, 184, 196, 203, 250, Sampaio. Francisco José: 323
264. 268. 281. 288. 291. 293. 324. 333, Maria Angélica: 323
335, 341. 356, 365. 366. 367. 379. 380, Manuel Inácio (visconde de Lançada) r
384, 392, 411. 412, 413, 414. 415, 427 429 356
Rio Grande, região Missioneira : 29, 48, Sam Payo. Duarte de Almeida e: 421
80 Sánchez. Pedro: 353
Rioja: 204 San Martin. Juan de: 172
Rio Negro: 23. 215, 230, 231, 290. 334, 376 Santana, erval 81 :

Rio Pardo, rio: 228 das Lombas: 160


fortaleza: 229, 245, 259, 296. 332. 334, 338 do Yapé: 303
lugar: 105, 122. 129, 144. 146, 147, 152. Santana do Livramento: 354

160. 161, 184, 202, 203. 215. 225. 226, Santana, capela: 25. 138. 150
227. 230, 260. 270, 273, 278. 280. 281. ermida, templo: 136, 139
286, 288, 290. 293. 298. 301, 302, 306. freguezia: 424
307. 308. 316. 317. 320, 327. 328. 330. passo de: 312
333. 335. 355. 369. 380. 388. 391, 415, Santa Bárbara, P. João de (João Inácio
416, 417, 418, 422. 423. 426. 427 Pereira) : 281
Rivarola. P. José: 249 rio: 28, 60. 83. 261
Rivera. Barnabé: 386. 410 Santa Catarina, arroio : 232
P. Francisco: 65. 183 Regimento de: 352
456 AURÉLIO PORTO
ilha do: 91. 92, 93. 104, 116. 124, 125, Manuel Pestana dos: 13J7
134. 137. 139. 143. 146. 264. 266. 299, Romualdo dos: 137
322. 324, 327. 346, 364. 371. 372, 378 Santos, cidade: 91. 116. 117, 125. 130. 143
Santa Cruz, festa da exaltação da : 74 Santos Mártires, erval 81 :

Santa Cruz de la Sierra: 27 São Borges: 279


Santa Cruz. fortaleza: 354 São Borja, estância: 27, 29, 172. 187. 188.
Santa Fé. Argentina: 11, 12. 18. 19. 30, 282. 311
53. 83. 166. 192, 213, 249. 3p8. 280. passo de: 21. 24. 277, 317. 318. 320. 345,
381. 434 350
Lúcia, povo 16 : São Borja, redução: 31. 32. 33. 34. 35. 36.
Luzia, rio 170 207. 321 : . 37. 38. 40. 41. 43. 46. 47, 166, 173, 174.
Santa Maria, cabo de: 22, 96 183. 194. 196. 205. 206, 212, 215, 229,
erval : 81 232. 238. 239. 243. 249, 253. 288. 289.
ilha: 63 290. 291. 297. 308. 309. 310. 312. 314,
passo: 329 317. 319. 322. 329. 330. 331. 334. 336.
povo: 24. 25. 175. 184. 351. 428 337. 343. 348. 349. 350. 352. 355. 356.
Maior: 28. 48. 67. 68. 69. 207. 208 357. 359. 360. 371. 377. 378. 379. 384.
da Boca do Monte: 282. 293. 294. 301. 385. 386. 388. 390. 391. 394. 398. 401,
336. 389. 391 402. 403. 404. 407. 419. 425
rio: 21. 289 São Borja Novo: 426
Santa Marina, Galiza: 65 São Carlos, povo: 25. 28. 68. 81. 266. 322.
Santa Tecla, estância: 184. 224. 231 323. 351. 352
fortaleza: 171. 214. 215. 304 São Cosme São Damião: 324
e
Santa Teresa, forte: 171. 264. 266 São Cristóvão. Gapiy: 34
de los Pifiales: 55. 81 São Diogo, acampamento: 297. 311. 342
Santa Vitória: 306 São Domingos Soriano, povo: 35. 83. 169
Santiago. Felipe: 343 São Fernando, posto: 266
Joaquim António: 354 São Francisco, distrito: 314. 390. 391
Manuel Pinto: 122 São Fsancisco de Assis: 16. 170. 388
Raimundo: 286. 309. 317. 318. 319. 344. São Francisco de Borja: 169. 193. 356
345 São Francisco dos Casaes. capela: 420
Santiago do Boaueirão: 237 São Francisco de Olivares dos charruas.
Santo Amaro- 160. 204. 304 424 .
redução: 40
Angelo, estância: 188. 289 São Francisco Xavier, povo: 81. 207»
Ângelo Custódio: 29. 31. 38. 51. 54. 62.
São Francisco Xavier e SanfAna. corve-
81. 82. 83. 84 85. 93. 183. 194. 196. 207.
.
ta: 134
208. 213. 215. 229 233, 239. 240.
. 249.
São Gabriel, povoação: 10, 22. 24. 31. 39,
253 275. 288. 307. 344 360. 361. 384.
170. 232. 376. 403. 407
. .

401. 4C2. 403. 404. 407. 414. 415. 425.


Ilhas de: 169
433 São Gonçalo: 138. 230. 413
Santo António o Alma<=. bergantim: 111.
138
São João (Baptista), redução: 29. 31. 39.
134.
49 60. 63. 66. 70. 72. 74. 76. 79. 80.
Santo António de Lisboa: 49
.

. 81. 93. 183. 193. 194. 196. 206. 208. 221.


de Pádua- 76. 424 227. 232. 233. 249. 253. 275. 288. 307.
arroio : 300
343. 360. 361. 366. 401. 403. 404 407. .

dos chanás: 40 415. 426


erval: 87
estância 224 :
do Céspedes: 40
estância: 188. 274. 309
lugar: 212
fragata: 333
da Guarda Velha (da Patrulha): 139 Mirim- 287
de Paula: 308
da Patrulha, vila: 160. 355 de Redondo: 68
dei Rei: 307
Velho: 231
Santo Cristo: 353
do Norte: 366
Velho: 349. 368. 369. 370
Santo Ildefonso. Tratado de: 260. 294. 333
Santo Inácio. Colégio em Buenos Aires: São Joaquim: 55. 81
246 São Jorge, ilha dos Açores: 151. 158 . 204
erval : 81 São José, estância: 45
redução: 24. 175. 240 274 .
forte (Montevidéu) 266 :

Santo Isidro, lugar: 354 povo: 24. 25. 81. 175. 351
Isidro Lavrador, ermida: 50. 68 São José do Norte: 129
Santos. António Manuel dos: 305. 341 São Julião da Barra, forte: 263
Bartolomeu dos: 140 São Leopoldo (veja Visconde de)
Clara Maria dos: 302. 316 São Leopoldo, colónia: 368. 371
Francisco dos: 95. 99 SãoLourenço, estância: 187. 188. 261. 376.
Francisco das Chagas: 196. 297. 311. 314. 401. 402. 403. 404. 415. 425
317. 320. 322. 323. 326. 333. 340. 341. São Lourenço Mártir, redução: 28. 29. 31.
342. 345. 346. 349. 350. 351. 352. 354. 45. 56. 61. 67. 69. 93. 169. 183, 193. 194.
355. 357 196. 205. 206. 208 209. 232. 233. 239,
.

Gasnar dos: 142 248. 253, 272. 275. 287. 290. 291. 307.
.Tosé dos: 142 334. 343. 360
José Agostinho dos: 286 São Lucas, passo: 329. 354
Manuel dos: 141 São Luis. cidade: 314 341. 342, 356. 360. .

Manuel Lobo dos: 130 384. 405


:

HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 457

São Luís Gonzaga, estância: 61. 62. 184. Schwiebussen, Silésia: 206
187. 188. 193, 261. 289 Sebastião, rincão de Frei 106 :

município: 48 Seixas. Francisco de: 140


redução: 28. 29. 31, 33. 52. 53. 54, 55, 56. Sepé, ou Çapé (Veja Tiara vú) : 223, 225,
57. 58, 60. 63. 67. 68. 69. 81. 82. 183, 226. 229. 231. 233, 234
194. 196, 202. 205. 206. 207. 213. 227. Sepés: 223
233, 237, 238, 239. 249. 250. 253. 275, Sepúlveda. Manuel Jorge Gomes de: 419,
291, 296, 307. 334 343. 402. 403 404.
, . 420. 423
407. 426 Sepp. P. António (von Reinegg) : 29, 49,
São Luís da Leal Bragança, vila : 356 62, 63. 64. 70. 71. 72. 75. 76. 78. 79, 80
São Luís de Mostardas: 424 Seria, província da: 216
São Marcos, passo: 307, 329 Serra de São Pedro: 58
São Martinho, guarda: 172. 270. 271. 273, Serro Largo: 376
286. 288. 295, 305. 326 barão do: 377
vila: 389, 391 Serviço do Património Histórico e Artís-
São Miguel, estância: 61. 172, 1S4. 187. tico Nacional 66 :

188. 261 e Povos 9. 17, 22. 31, 51. 54. 61. 71,
forte: 93, 128. 153. 157 162. 164. 168. 178, 183. 184 187, 193,
igreja: 66. 196 194. 195. 200. 203. 205. 207 209. 210,
ilha de: 105, 280 211. 212. 213. 214. 215. 219 222. 231,
São Miguel Arcanjo, povo: 29, 31. 58, 59, 232. 237. 241. 247. 248, 249 251, 252,
60. 63. 64. 65. 66. 67, 68, 70, 72.
62. 73. 253. 254. 257. 261. 267. 270 271. 273,
216. 274, 275. 276. 296. 306 274. 279. 305. 309. 325. 328 332. 339,
São Miguel, redução: 21, 25, 28. 33, 74. 352. 367. 373. 382. 383. 391 398. 400,

75. 82. 93. 104. 127, 156. 157. 158, 183, 401. 407. 416
193, 194. 196. 206. 207, 208. 209. 210. Sevilha: 53
212. 223. 224. 228. 229, 232, 233. 235. Silva. P. Blasius: 62
236, 239. 240, 241, 249, 250. 253, 254. Silva. António Carvalho da: 133
256. 272. 285. 287. 323, 327. 328 . 343. António Pereira da: 137
360. 361. 367. 386. 389. 402. 403. 404.
Antónia Ribeiro da: 302
407. 413. 419. 425
Boaventura Soares da: 385. 392
São Miguel Novo: 426
São Nicolau, estância: 188 Domingos Carvalho da: 316
da Cachoeira: 423 Euzébio Domingues da: 286. 319
P. Euzébio de Magalhães Rangel e: 336,
do Jacuí: 315. 425. 426
do Rio Pardo: 423. 424. 426 337. 355
Felipe Carvalho da: 275. 279. 317. 319
São Nicolau do Piratini. redução: 25,
Francisco Carvalho da: 275. 277. 280,
28, 29, 31. 33. 48. 49, 50, 51, 52. 53. 55,
68. 69. 179, 183, 193. 194. 196. 206. 208.
316. 317. 318. 319
209. 210. 218. 233. 240. 248 249. 290. .
Germano Severino da: 309
296 309. 316. 318. 319, 323
Inácia da: 140
. 324. 330. .

334. 337. 338. 343. 352. 353. 360. 402,



Isabel da: 366
403, 404, 407, 418. 423. 425. 427
Ismael Soares da: 385
São Paulo, capitania: 17. 18, 24. 27. 33. 87. João Machado da: 329
89. 90, 91. 92. 101. 102, 103. 115. 116. -
João Vaz da: 148
117. 118. 119. 120. 130. 140. 143. 151.
José da: 142. 392
164. 167, 185. 195. 201. 202. 237. 253.
P. José Carlos da: 136. 138. 139
286. 299. 302. 413
José Carvalho da: 304. 319
São Pedro do Sul. capitania: 355 José Inácio da: 290. 291. 334
São Pedro, estância: 295. 306 José Luís da. 282
guarda: 274, 295 José Sampaio e: 385
povoação: 184, 204 Luís Carvalho da: 275. 304. 317, 320,
rincão 58 :
321. 322. 323. 349. 350. 352. 353
São Pedro e São Paulo, redução : 81
Luís Teles da (Marquês de Alegrete):
São Sepé. rio: 223. 224 345
São Simão: 423 Luís Manuel de Lima e: 383, 384, 388
São Tiago, estância: 224 Manuel Soares da: 385
São Tomé: 18, 20, 24, 25, 27. 28 31, 32. .
Manuel da: 141
33. 34. 35, 40.
41. 45. 169, 177. 193. Manuel Barbosa da: 110
210, 212, 232. 238. 239. 311. 312. 313, Manuel Carvalho de Aragão e: 324
317, 318, 321, 329, 345. 347, 351 Manuel Carvalho da: 297. 302. 316, 317,
São Vicente, batalha naval 263 :
319. 320
São Vicente, estância: 367, 403, 407 Manuel Dias da: 19
São Xavier: 25. 52, 55, 72, 236. 237. 351, Manuel Jordão da: 86, 87
391 Margarida da: 302
Sapucaia: 106. 186 Maria da: 303
Saraiva. Manuel 128 : Morais da: 138. 226
Sarandi, rio: 231. 375, 378 P. Manuel Francisco da: 130
Sardinha, António Pais: 140 P. Mateus Pereira da: 158
António Rodrigues: 142 Pedro Jaques da: 142
Sarzedas, conde de: 101. 102. 103. 118. Simão Soares da: 385
119. 120 Tomaz da Costa Corrêa Rabelo e: 338,
Schaeffer. Jorge António: 368 339. 341
Schroeder. Celso: 297. 299 Vitor Nogueira da: 307. 318, 344
458 AURÉLIO PORTO
•Silveira,Ana Antónia da: 286 Tankuntsen. P. Jacob: 183
António da: 371 - Tafio. P. : 80
Hemetério Veloso da: 273. 275, 286, 310 Tape. província: 13. 18. 19, 21
9. 28 32
Inocência da: 152 34. 35. 40, 48. 54. 55. 58. 173. 174. 187.
Joana da: 152 216. 218
João António da: 278, 286. 308, 331 Taquarenibó. rio: 354. 359
José da: 186. 387 Taquari. rio: 86, 160
Mariana da: 204 Taquari. passo: 318
Rita Josefa da: 152 Taquari (Andresito) 346 :

Serafim José da: 386, 390 Taquarichim. arroio: 83


Severino António da: 308 Taques. Lourenço Castanho:
Simancas. arquivo: 199 302. 305
Tarazona. Espanha: 63. 206
Simões. Isabel 281 :
Pedro: 302
Manuel Luís 281 :
Inácio: 3C2
Siqueira. Joaquim Tomaz de Andrade e: Tavares. Francisco: 122
333 José de Melo: 142
Manuel Gomes Leite de: 286 Manuel: 122. 141
Maria de Almeida: 305 A. Raposo: 13. 54
Skal. P. Adolfo: 207, 212 Távora. Francisco Manuel de Souza e
-

Soares. P. Boaventura: 384, 386, 388, 391


110. 121. 141. 202
Duarte Teixeira: 26 João de: 102. 110. 121.
P. Diogo: 100, 101, 102. 116, 118. 119 142. 143. 202
Távoras. família: 245
José Pinheiro: 137 Tegedas. P. José: 31. 64
Manuel 385 :
Teixeira. Felipe: 146
Manuel Pereira: 204 Terceira, ilha: 158. 160
Mateus Pereira: 204 Teschauer, P. Carlos: 9. 14. 28. 32. 48 55
Teodósio: 140 57. 74. 81. 182, 187. 207. 208. 220, 222
Sobrecasas. Juan Francisco: 244
225. 243. 248, 249. 250, 252. 255. 256.
Soeiro, António da Costa: 148
257. 258. 414. 415. 416
Solalinde, P. João António: 63 Teubay. Justa: 348
Soledade, P. António Vieira da: 336 Teximande. Egídio: 399
Solinas. P. João António: 25
Thomé. Manuel da Silva: 137
Sommervogel 78 :
Tiarayú. José (Sepé)
Sonicz, Maria: 154
: 214. 215. 216 222
223. 225. 226, 228. 229. 233. 235, 238.
Sorocaba: 113. 129, 303. 304 Tibiquari. rio: 166. 167, 250
Sotelo, Pantaleão: 349. 386
Tiriparé, Cecílio: 348
Sotomayor, José de Herrera: 26, 163 Fernando: 394, 398
Sotto. P. Miguel de: 206, 212. 236, 249 Inácio: 348
Sotto Mayor. João de Payva: 110 Vicente: 343. 345, 348. 353
Southey. Roberto: 241. 254 Tirol: 70
Souto, Plácido Rodrigues: 282
Tirío. P. (Gonzalez): 28. 182
Souza. Diogo de: 293, 300. 309, 311, 314.
Tobati. forte: 19
315. 345
Toledo. Gabriel de: 25
Eugênia Francisca de: 280. 281
cidade: 222
Francisco António Cardoso de Menezes Tombre de Abajo: 37
e: 130
Francisco Pinto de: 306
Tomai. índio: 41
Francisco Teles de 392 :
Tombrum. Astúrias: 64
Tordesilhas: 23. 95. 100. 198
João de Almeida e: 133 Toropasso: 386
João da Fonseca e:286
Toropi. rio: 60
João da Silva e: 10. 142
Torotama. ilha: 91. 142
Joaquin* Cardoso de: 344 Torres. Afonso: 107
José de : 141
Torres. Irmão Domingos de:
Luís de Vasconcelos e: 423 14, 58
Touropasso 396
Manuel de: 142 Tousso. Vila Nova de: 151
:

Manuel de: 121


Manuel Marques de: 273. 362 Tramandaí. rio: 158. 186. 412
Tomaz José da Costa e: 341 Tranqueira: 227
Starimon do Rio Pardo: 414
183
:

Stinglhaime. P. Guilherme: 72
Tratado Provisional: 26
Strasser. P. Melchor: 154. 157
Trindade. Frei Agostinho da: 92. 93. 94
Strobel. P. Matias: 205, 212 Apolinário de Sousa: 371
Suárez, P. Gaspar: 247 Maria Jacinta da: 306
P. Ventura: 29. 30. 32. 60. 74.
Triunfo: 160
83
Trolé. Eduardo: 396. 398
Subiurra, Teresa de: 324
Tuapá. José Francisco: 399
Tucbay. Fernando: 248
Tucumã, província: 248
Tabacacue. Paulo: 35 Justo: 348
Tabacambi. Maria Marta: 35, 174 Tunas: 391
Tacuabé. Gaspar: 410 Tupãciretô: 184
Tadeo, P. 241 :
Turim: 263
Taim. arroio. 128, 135. 153 Turiritama: 152
Tainhas, rio: 129 Tute, Maria: 154
Tanhuma. Isidro: 343 Tux, P. Carlos: 206. 210, 221
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 459

Veloso, Francisca 336 :

Ugarte: 257 Vénus, nau: 247


Umbu: 376 Venzoni. P. Francisco 62 :

Umeras, P. José Inácio 249 :


Vera. D. António: 22
Unger. P. José: 206 Verdum. José Antônio: 349, 350
Uraguai, poema: 210, 211 Vergara. Esteban: 253
Urubucarú, arroio e serra: 74 Frt-i João: 39
Uruguai. Banda Oriental do: 11, 26, 28. P. Manuel: 247, 251
32, 34, 37. 39. 48, 61. 67, 73, 83. 169. Vergel. Irmão Luís: 67
171. 182, 200, 266. 267, 269. 270, 326, Vianião. campos de: 86. 89. 152. 158. 186,
346. 348, 354, 374, 392, 393. 398. 410 187, 202. 259
Banda Ocidental do: 23, 32, 39. 207, 210. vila. município: 106. 122. 185, 196 , 203,
212. 214. 226. 228, 232. 244. 284. 331, 226. 281. 286 . 304. 385, 412. 413. 420,
342. 348, 349, 350, 351, 352, 382 421. 425. 426. 427
Estado Oriental do: 10. 17, 23. 168, 282, Viana. José Joaquim: 226. 230. 233. 234
290, 335. 368. 371. 376. 377. 379 Manuel Marques: 344
Missões Orientais do: 52, 54, 62, 71. 81, Vidal. Angel H: 394. 399. 410
83. 165. 168. 171, 183. 195. 197. 198, Vidigal. Manuel do: 146
280. 297. 355 Viedna. P. Pedro: 206
Povos do: 17, 37, 40. 72, 163, 216. 238 Vieira. Osório Inácio: 421
Reduções do: 9. 12. 16. 18, 27, 56. 61. Viena 76
:

69. 72, 83. 169. 182. 193 Vilaf rança 65 :

Rio: 10. 19. 20, 23, 24. 26. 28. 41, 45 49. .
Vila Franca de Xira: 365
52, 54, 58. 59, 60. 68. «2, 162. 166. 167. Vilela. António de Araujo: 140
187. 193. 208. 219. 231. 260. 261. 282, Villanueva. P. Bernardo: 65
291. 294. 296. 297. 298. 300. 309. 312. Virapane. Fernando 399 :

313. 317, 320. 322. 329. 342. 345. 347. VIRGEM SANTÍSSIMA: 76. 77
348. 349. 350. 352. 368. 369. 372 Visconde de Lançada: 356
Salto do: 250 de São Gabriel: 338
Uruguaiana: 309 de São Leopoldo: 59. 134, 141. 237. 277,
Uruquázinho, arroio: 67 365. 368. 405, 424
Utrecht, tratado de: 199 Visconti. P. Geral Inácio: 204
Voluntários Reais dei Rei: 346

Vacacaí-Guaçú, ou Grande, rio: 21, 187, W


223, 228. 232, 234, 261, 376
Walfarth. João Frederico: 369
Mirim, rio: 228, 261 Wall. Eduardo: 417
Vacaria, Nossa Senhora da Oliveira, vila: Ricardo 212, 244 :

184, 389
Wancuthen. P. Jacob: 65
dos Pinhais: 185, 186. 187 Weltbott. Neue: 78
do Mar: 21, 23. 31. 33. 34. 165. 184 Wiedei spahn. H. O. 308 :

Valadares. José da Silva: 142


Valcarcel, P. Diogo: 65
Valdelirios, Marquês de: 59. 201. 202, 204. Xarque. Francisco : 35
214 244 245 Xarqueada: 122. 154
Valdez,' Dorotéo Marques: 378. 382 Velha: 142
Alexandre Abreu do Vale: 394 Xavier, António Francisco: 157
Valenchana. P. Teodoro: 232 v Capitão 43 :

Valhacari, Inácio: 185 Francisco de Paula: 386


Valongo, Lamego 281 :
Inácio 157 :

Valverde. João Blasquez: 20 Xico. Lopes: 391


Zélio, editora: 223 Ximénez P. António: 64. 183
Varela, Alfredo: 282, 379. 384. 385. 386, P. Francisco: 62
388. 393, 396, 399. 401, 405. 408, 429 P. Miguel 166 :

João da Costa: 330 P. Pedro (veja Jiménez)


Vargas, P. José de: 61, 62
Manuel da Silva: 140.
Varire. José 185 :
Yacarapitu. rio 235 :
,

Varnhagen, Francisco Adolfo de: 199, Yatuy. Vicente: 394. 398


246, 273, 279 Ybiratingaí. rio: 321
Várzea, rua da: 364 Yegros, P. João de: 61. 63. 184
Vasconcelos, Alexandre Luís de Queiroz Justo 378.
: 389
e: 284 P. Martinez de: 64
António Pedro de: 104, 131 Yeruati. erval: 81
Bernardo Furtado de: 137 Yequi. rio: 228
• Jerónimo de Orneias de Menezes -
e: Yi. rio: 45
203, 385 Yobi. rio: 228
José da Costa de: 148 Z
Luis de 424 :
Zacarias. P. Jerónimo: 183'
Vaz. José 146 :
Zavala. Francisco Bruno de: 16, 165, 166
Vecterano, Frei Anselmo do Monte : 136, 167. 172, 224, 250, 252, 254
138 Zavati. cacique: 41
Vega. P. Bernardo de la: 28. 67. 68. 169 Zípoli. Irmão Domingos: 66
Vela. P. João: 64 Zurbano. P. Francisco Lupércio 19 :
\
Índice geral
Prólogo 7

Capítulo I. — ANTECEDENTES HISTÓRICOS DA FUNDAÇÃO.


1 Ameaças de expansão portuguesa 9
2. Serviços militares dos índios tapes 15
3. Motives predeterminantes da retrasladação dos Povos 26

Capítulo II. — FUNDAÇÃO DOS SETE POVOS.


1. São Francisco de Borja 31
a) Jesus-Maria dos Guenoas 39
2. São Nicolau 48
3. São Luís Gonzaga 53
4. São Miguel Arcanjo 58
5. São Lourenço Mártir 67
6. São João Baptista 70
7. Santo Ângelo Custódio 81

Capítulo III. — RIO GRANDE DE SÃO PEDRO.


1. Projectos de Colonização e Povoamentos do Rio Grande 86
2. Antecedentes da Fundação do Presídio 100
3. Missão do Brigadeiro Silva Pais 130
4. O Regimento de Dragões 144
5. A Comandância Militar 150

Capítulo IV. — FLORESCIMENTO DOS SETE POVOS.


1. Serviços prestados pelos índios dos Sete Povos 162
2. Organização social e religiosa 172
3. Expansão Económica das Missões 184
4. Desdobramento das Populações Missioneiras 193

Capítulo V. — DECADÊNCIA DA CIVILIZAÇÃO JESUÍTICA.


1. O Tratado de Limites de 1750 198
2. A Guerra das Missões 216
3. Expulsão dos Jesuítas 242
4. A nova Administração dos Sete Povos 251

Capítulo VI. — INTEGRAÇÃO TERRITORIAL DAS MISSÕES.


1. A Conquista das Missões 259
462 AURÉLIO PORTO
2. Os Conquistadores 278
a) José Borges do Canto 280
b) Manuel dos Santos Pedroso 293
c) Gabriel Ribeiro de Almeida 301
d) Francisco Carvalho da Silva 316
3. Administração da Província de Missões 324
a) José de Castro Morais 327
b) Joaquim Félix da Fonseca 328
c) José Saldanha 332
d) João de Deus Mena Barreto 335
e) Tomaz da Costa Correia Rabelo e Silva 338
f) Joaquim Félix da Fonseca Manso 341
g) Francisco das Chagas Santos 341
h» António José da Silva Paulet 356
i) José de Abreu 362
j) Joaquim Ferreira Braga 363
k) José Pedro Cesar 363
1) João José Palmeiro 365
m) Cláudio José de Abreu 371
n Francisco António Olinto de Carvalho
i 372
o) José Maria da Gama Lobo Coelho d'Eça 372
p) Manuel da Silva Pereira do Lago 373

Capítulo VII. — EXTINÇÃO DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI.


1. Invasões das Missões 374
2. Bela Unión 405
3. O índio missioneiro na formação étnica e histórica do Rio Gran-
de do Sul ,.- 411
APÊNDICE 432
BIBLIOGRAFIA 435
ÍNDICE ONOMÁSTICO 443
Série JESUÍTAS NO SUL DO BRASIL

Volumes já publicados:

I. Os Três Mártires Rio-Grandenses, pelo P. Luís Gonzaga Jae-


ger, S. J., 391 páginas. Segunda edição melhorada.

II. Biografia Completa do P. João Baptista Reus, S. J., pelo P.


Léo Kohler, S. J., 399 páginas.

III. História das Missões Orientais do Uruguai, por Aurélio Por-


to. Segunda edição revista e melhorada pelo P. Luís Gon-
zaga Jaeger, S. J. —
Primeira Parte, 434 páginas.

IV. História das Missões Orientais do Uruguai, por Aurélio Por-


to. Segunda edição revista e melhorada pelo P. Luís Gon-
zaga Jaeger, S. J. —
Segunda Parte, 462 páginas.

Volumes em prepáro:

A Cultura dos Sete Povos.

A Companhia de Jesus rediviva no Rio Grande do Sul e San-


ta Catarina.

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