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“He, e será sempre hum dos primeiros deveres do homem social fazer quanto podér a favor da comunidade a que
pertence, e se os Portuguezes tivessem seguido esta máxima não chegarião ao estado em que se achão; porem mais
vale tarde do que nunca. Esqueçamos os erros passados, perdoemo-nos e abraçemo-nos mutuamente, unamo-nos
todos para nossos interesses e façamos neste sentido cada hum o que podér, que bem depressa teremos o prazer de
ver feliz a família Portugueza.”
Custódio Pereira de Carvalho, Londres 1834.
Resumo
Oculto propulsor de vitórias. Na verdade, estas curtas e enigmáticas palavras
são as que melhor descrevem Custódio Pereira de Carvalho. Este negociante por-
tuguês em Londres, assim se intitulava, foi um digno patriota, incansável liberal,
honrado negociante e um obscuro benemérito. Sem querermos descurar estes im-
portantes aspectos da sua vida, damos especial ênfase à sua veia humanitária, de
cariz pedagógica e filantrópica, no que respeita à fundação das primeiras Escolas
Primárias públicas gratuitas para crianças de ambos os sexos no concelho de Lousada
em meados de Oitocentos. Numa altura em que assistimos à reforma da Rede Es-
colar, procuramos refazer o percurso desta figura entre 1778 e 1854, desde a infân-
cia à consciência da obra cumprida.
Abstract
Occult victory propeller. In truth, these short enigmatic words are the best to
describe Custódio Pereira de Carvalho. This Portuguese tradesman in London, so
he called himself, was a dignifying patriot, tireless liberal, honourable tradesman
and an obscure benefactor. Although we don’t want to disregard these important
aspects of his life, we give emphasis to his humanitarian vein, of pedagogical and
philanthropic nature, concerning the first Primary fee-free public schools for children
of both sexes in Lousada, in the middle eight- hundreds. At a time when we watch
the reform of the schooling system, we try to redo this person’s course between
1778 and 1854, from his childhood to the conscience of a fulfilled work.
*
Técnico superior estagiário de museologia da Câmara Municipal de Santo Tirso.
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1. Oculto propulsor de vitórias vel trabalhador. Anos depois instala-se por conta
própria numa casa de comércio, onde o negócio flo-
1.1. Das Terras de Sousa para o Novo Mundo resce (Sousa, 1954:1). Segue-se a compra de uma
feitoria para a exploração do algodão, matéria-pri-
Contemporâneo de dois séculos, Custódio Pe- ma muito procurada na época, cujos lucros atingi-
reira de Carvalho nasceu na Casa do Hospital, fre- am valores altíssimos, tendo em conta os custos de
guesia de Santão, concelho de Felgueiras, a 12 de exploração e o preço de venda. É nesta altura que o
Maio de 1778. Estamos na época das Grandes Re- muito jovem Pereira de Carvalho se dedica com
voluções, quer na Europa através da Revolução grande força e vontade ao negócio da exportação
Francesa (1789), quer no continente americano, atra- de algodão, madeiras e matérias-primas várias
vés dos movimentos independentistas. Todos os (Sousa, 1954:1). Portugal e Inglaterra são os mer-
factos ocorridos ao longo do século XIX, são a pro- cados de escoamento de eleição de quase toda a pro-
va máxima dessas mutações iniciadas no final do dução, realizando por essa altura as primeiras via-
século anterior. A geografia política, social, econó- gens de negócios àquele país, onde realiza os pri-
mica e cultural já mais seria a mesma, era o início meiros contactos comercias. Na Europa vivia-se a
da época contemporânea! euforia, mas também a expectativa dos movimen-
Pereira de Carvalho era o oitavo dos 12 filhos tos revolucionários iniciados na capital francesa em
de Francisco Pereira de Oliveira e de Rosa Maria 1789. A coroa portuguesa revelou-se expectante
de Carvalho, família de proprietários rurais e de numa primeira fase, para logo depois alinhar a sua
grande prestígio no concelho de Felgueiras. Des- atitude pela da Inglaterra e pela da Espanha. E, en-
cendia por parte de seu pai, de Paulo Pereira, filho quanto afirmava uma neutralidade rigorosa em re-
de Diogo Pereira, 2.º Conde da Feira (Freitas, lação aos conflitos que a revolução já desencadea-
1981:374). Apesar do elevado número de filhos e ra, procurava convencer aqueles seus aliados, In-
seguindo as regras da época, todos os rebentos mas- glaterra e Espanha, a fazerem uma tripla aliança,
culinos tiveram acesso aos primeiros estudos, alia- que era do nosso interesse, pois nos garantiria a pro-
da de uma forte educação católica. O seu 3.º irmão tecção marítima da Inglaterra no Brasil e a cobertu-
mais velho, Frei Francisco de Carvalho, nascido a 2 ra da fronteira terrestre. A fragilidade da frota mer-
de Abril de 1776 na casa do Hospital da freguesia cantil e de guerra, a crise económico-social que o
de Santão do concelho de Felgueiras, doutor em país atravessava e a grande dependência económi-
Teologia pela Universidade de Coimbra em 1814, ca da metrópole em relação às colónias, principal-
religioso de Santo Agostinho e Vice-reitor do Co- mente o Brasil, levou Portugal a multiplicar-se em
légio da Graça na mesma cidade, terá desempenha- tratados e acordos com Espanhóis e Ingleses na ten-
do um importante papel nos primeiros passos do tativa de salvaguardar o seu império colonial, bem
irmão Custódio (Freitas, 1981:374). como, em última análise, a sua independência (Sa-
A segunda metade do século XVIII ficou mar- raiva, 1993: 376-380).
cada pela forte emigração, nomeadamente para o
Brasil, colónia portuguesa próspera, onde as opor- 1.2. Digno Negociante e Banqueiro
tunidades de negócio eram uma realidade. Por esse
motivo, e talvez beneficiando dos conhecimentos e No Brasil a onda revolucionária ganhou um cariz
contactos do seu irmão, fruto da forte implantação independentista. Na sequência da Inconfidência Mi-
dos Agostinhos em terras de Vera Cruz, bem como neira de 1789, seguiram-se anos de alguma tensão
das boas relações que a sua família gozava em toda política e social. Em 1792 o Príncipe herdeiro, D.João,
a parte, embarcou para o Brasil em 26 de Dezem- assume a regência, no impedimento por doença da
bro de 1790, com 12 anos de idade. Rainha D. Maria I. O ambiente na colónia brasileira
Fixa residência na cidade da Baía onde se em- não era o melhor, a abertura dos portos aos navios
prega numa casa de comércio. Desde logo revela mercantes ingleses motivou intensa agitação econó-
um forte sentido de responsabilidade e de incansá- mica e social. (Saraiva, 1993: 379-381).
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1
Segundo José Liberato Freire de Carvalho, sabemos que em Dezembro de 1828 Custódio Pereira de Carvalho “(…) morava
ainda na sua antiga casa , muito minha conhecida, no City Road, Alssofo´s Terrane (…)” (1982:183).
2
José Liberato Freire de Carvalho dedica as sus memórias ao próprio Custódio Pereira de Carvalho: “Estas Memórias da Minha
Vida oferece e dedica à memória do seu sempre constante e generoso amigo o Sr. Custódio Pereira de Carvalho falecido em 20
de Setembro de 1854 em Londres pelo que lhe deveu na vida, e na morte”. (1982:4).
3
O “Investigador Português em Inglaterra” fundado pelo Dr. Bernardo José de Abrantes, publicou-se em Londres entre Junho de
1811 e Fevereiro de 1819. Era o periódico de eleição de todos os exilados políticos e adeptos da causa Liberal Portuguesa
fixados em Inglaterra. O artigo a que se refere José Liberato, que chegou a ser director do jornal a partir de 1814, diz respeito a
um texto publicado no referido jornal, no qual o jornalista teceu duras críticas à política externa Portuguesa, em particular aos
Tratados Comerciais assinados pelos dois países nesse hiato de anos. O próprio Custódio Pereira de Carvalho chegou a escrever
vários artigos que foram publicados no Investigador.
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mingo pelas ruas de Londres, quando encontrando Os Tratados Entre Os Dois Paizes”, no qual anali-
este meu amigo, veio ele até mim, e me disse: “Dê- sou e comentou detalhadamente todos os Tratados
me cá um abraço; ainda em português se não escre- Comerciais realizados entre Portugal e Inglaterra,
veu um artigo como o seu. Em verdade, é preciso “Não se cuidem nossos Leitores que somos
não ter sangue português para não se indignar com impellidos a entrar neste trabalho por má vontade
o que se tem passado no Congresso de Viena! Não que tenhamos aos Ingleses, ou á memória dos
bastava ficarmos sem Olivença, e sem parte que Portuguezes que em tais Tratados figurarão; pois
conquistámos aos franceses no Guiana, o insultar- antes pelo contrário desejaríamos poder fazer isto
nos ainda com a mesquinha indemnização de dois sem mencionar os seus Authores, se isso fosse pra-
milhões de francos, é intolerável! (…) e que belos ticável, não havendo povo algum a quem tanto res-
negociadores lá temos, que tiveram mãos para assi- peitamos como os Inglezes. Tudo o que desejamos
nar esta vergonha, e tiveram faces, e coração para a e recommendamos aos nossos Compatriotas he, que
não sentirem!” Este foi o grande laço, que prendeu cuidem em seus interesses como os Inglezes cuidão
a nossa amizade, que tem durado até hoje, ano de nos delles, e nisso só os imitaremos.” (Carvalho,
1854" (Carvalho, 1982:92-93). 1834:3,4). Ainda sobre o mesmo tema, em várias
Foi como grande comerciante e posteriormente cartas critica de forma veemente os negociadores
como negociante e banqueiro, que Custódio Perei- portugueses pela forma como conduziram esses mes-
ra de Carvalho fez fortuna, destas nobres activida- mos tratados. Numa carta enviada ao sobrinho Cus-
des obteve grande honra e prestígio internacional. tódio Rebelo de Carvalho a 26 de Novembro de 1842
Este Negociante Português em Londres, assim se refere que “Escrevi-lhe nas semana passada (…) re-
intitulava, era um homem inteligente, astuto, expe- comendando-lhe a republicação dos meus dois fo-
riente, muito viajado e conhecedor da Europa de- lhetos; e esta é sobre o mesmo assunto (…) não basta
senvolvida: “Tenho em Calais uma bonita carrua- só a sua republicação, para a instrução da nossa
gem de viagem, e muito ligeira a qual comprei em gente sobre a economia política, principalmente
Paris, e nela viajei em França, nos Países Baixos, e quando se observa tanta ignorância a respeito do
algumas partes da Alemanha; não a quis trazer para que se passa com o tratado de 1842. Ocupam-se só
Inglaterra, porque me fariam aqui pagar pelos di- de política, enquanto os nossos mais antigos alia-
reitos de entrada tanto ou mais do que ela me cus- dos se aproveitam disso para usurparem tudo, in-
tou. Assim, peço-lhe, que se sirva dela, a leve para clusive a indústria fabril. Por isso julgo absoluta-
Paris, e ma venda lá pelo preço que puder.” (Carva- mente necessário que se mostre à nação os lucros
lho, 1982:102). que ela teve e a perda que vai sofrer com a ruína da
Pereira de Carvalho foi um incansável defensor indústria fabril…e isso deve ser feito sem a míni-
dos interesses nacionais, e um dos que mais se in- ma demora enquanto é tempo”. (APCV, 1842). Por
surgiu em Londres contra as injustiças que Portu- carta com data de 3 de Março de 1843, é ainda mais
gal era alvo por parte da “Velha Aliada”. Como ho- duro nas críticas, em particular para com alguns dos
mem frontal que era e porque não devia nem temia, seus compatriotas: “Pelo que pertence a políticas
foram igualmente alvo das suas críticas os diplo- relativas a esse desventurado país, é tamanho o des-
matas e negociadores portugueses presentes nos gosto que sinto por ver malogrados os maiores es-
Tratados Comerciais realizados entre as duas na- forços, incómodos e despesas de toda a minha vida
ções. São testemunho disso mesmo, os seus artigos – devido à ignorância de uns, maldade de outros e
publicados em vários jornais da época como “O In- apatia de quase todos os nossos ilustrados – que
vestigador Português em Inglaterra” e “A Revolu- ainda não li um único número do “Patriota” desde
ção de Setembro” sob o pseudónimo “Um Nego- que ele assumiu esse nome e raríssimas vezes leio
ciante Português em Londres”. Ainda sob o mesmo na imprensa inglesa correspondências datadas daí”
pseudónimo elaborou uma pequena monografia em (APCV, 1843).
forma de comentário intitulado “Posição Em Que Depois de ter recusado em 1817 o cargo de mem-
Se Acha Portugal Para Com A Inglaterra Segundo bro de uma Convenção Adicional entre Portugal e
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Inglaterra, para a qual fora nomeado, justificando de suavizar o saldo negativo da balança económica.
essa recusa com o facto de se achar na incumbência Em 1820 é implantado o Liberalismo em Portugal.
de reclamar as perdas sofridas por Portugal com os Seguiram-se anos de grande agitação e instabilida-
tratados de 1810 e 1815 (Sousa, 1954:2), acaba por de que culminaram com a aclamação de D. Miguel
desempenhar mais tarde um importante papel como como Rei de Portugal em 1828, vulgarmente co-
membro da Comissão da Agência Financial na Corte nhecido por Usurpação. D. Pedro reclama a Coroa,
de Londres, cargo que desempenhou durante largos dando início a um período de guerra civil que dura-
anos, até que se demitiu a favor do seu sobrinho ria seis longos e penosos anos, em que os Liberais
Francisco Rebelo de Carvalho, a 2 de Julho de 1836 acabariam por sair vitoriosos. Durante esse perío-
(APCV, 1836). do armado, em que D. Miguel assumiu o trono,
Foram quase 50 os anos que Pereira de Carva- muitos apoiantes da causa Liberal descontentes com
lho viveu em Londres. Depois de consolidar os seus a situação, mas principalmente perseguidos pelos
negócios, e dessa forma assegurar o seu futuro, toda absolutistas, acabaram por fugir do país, procuran-
a sua vida foi dedicada ao serviço da sua Pátria, do exílio político em várias nações europeias. Um
defendendo sempre de forma astuciosa e veemente dos países que mais refugiados liberais acolheu foi,
o interesse de Portugal.4 sem dúvida alguma, a Inglaterra.5
Pereira de Carvalho, que residia nessa altura em
1.3. Notável Patriota e Liberal Londres há já 20 anos, era um inflamado adepto da
causa de D. Pedro, e desde logo se mostrou dispo-
Durante os longos 46 anos que Pereira de Carva- nível para tudo que a causa Liberal necessitasse.
lho viveu em Inglaterra, Portugal viveu um dos pe- Segundo Patrício de Sousa, o ilustre escritor e polí-
ríodos mais conturbados da sua história. No alvorar tico Almeida Garret, aquando do exílio em Londres,
do novo século, e em virtude da 1ª Invasão Francesa terá tido o apoio e protecção do negociante portu-
ocorrida em 1807, a Família Real embarca para o guês, tendo nascido aí uma longa amizade (1954:1).
Brasil, onde permaneceria até 1822. Entre 1807 e Ainda segundo o mesmo autor, o famoso e ilustre
1818 o território português foi invadido e saqueado poeta romântico inglês Sir Lord Byron6 terá frequen-
por três vezes, deixando para trás um rasto de misé- tado a casa de Pereira de Carvalho beneficiando da
ria. Com a Corte ausente, Portugal encontrava-se mer- sua protecção, provavelmente, sob a forma de
gulhado num pântano político, social e económico. mecenato, tendo feito uma viagem a Portugal nessa
Se no seguimento da Convenção de Sintra a paz é altura (1954:1). Também o já citado José Liberato
alcançada por um lado, por outro, o país herda uma Freire de Carvalho, encontrou em Pereira de Car-
pesada herança de dívidas intermináveis à Inglater- valho protecção no seu exílio referindo-se a ele desta
ra, a que se seguiram acordos e tratados comerciais forma: “(…) tinha sempre os olhos sobre mim, e
altamente desvantajosos para Portugal, na tentativa tinha sua mão constantemente aberta para que não
4
Sabemos por documentos existentes no APCV, que em 1818 já tinha delegado a seu sobrinho a gerência dos bens que possuía
na Baía. Segundo Patrício de Sousa, por essa altura terá também “(…) reduzido a papeis bancários quase todos os demais (cuja
soma abrangia milhares de libras) que possuía nas cidades de Londres e Liverpool (…) (1954:2).
5
“Segundo uma informação publicada em Inglaterra em Março de 1929, o número de presos políticos era de 23 190, o de
pessoas escondidas de 40 000, o de assassinados e executados de 1122” (Saraiva, 1993: 381).
6
George Gordon Byron, 6º Barão Byron, mais conhecido como Lord Byron nascido em Londres a 22 de Janeiro de 1788 foi um
destacado poeta britânico, e uma das figuras mais influentes do Romantismo. Famoso pelas suas obras-primas, de que podemos
destacar: Childe Harold’s Pilgrimage e Don Juan, é considerado um dos maiores poetas europeus de todos os tempos. A fama de
Byron não se deve somente aos seus célebres escritos, também é recordado pelo seu estilo de vida, considerado extravagante e
boémio, Foi acusado de encesto e perseguido pelas dívidas que contraía. Das suas inúmeras amantes, uma chegou a descrevê-lo
como lougo, mau e perigoso de se conhecer. Morreu em 1824 eventualmente por febre depois de ter viajado e lutado ao lado das
tropas Gregas na Guerra da Independência da Grécia, motivo pelo qual é considerado herói nacional naquele país.
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Por documentos existentes no APCV, sabemos que a referida dívida ainda não tinha sido liquidada pelo Governo Espanhol no
ano de 1857, 3 anos depois da morte de Pereira de Carvalho.
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sia em que residir, dentro de um ano contado do dia 1849). Pereira de Carvalho resume nestas últimas
em que esta receberem, uma escola por via de subs- palavras o seu ideal de vida, é desta forma que fi-
crições nem qual se ensine a ambos os sexos gra- cou gravado na memória dos seus contemporâneos
tuitamente a ler, escrever e contar. bem como nos seus vindouros!
Sei bem que isto é uma coisa nova e que por
isso há-de custar a levar a efeito, mas nada de bom 2.2. Do sonho à realidade:
se consegue neste vale de lágrimas sem se empre- Escolas Públicas e gratuitas
ender, e como aí estão nossos sobrinhos Rebelos
foram educados neste país e que sabem que a edu- Segundo as ideias e regras previamente esta-
cação cá é tão geral que ninguém toma um criado belecidas por Pereira de Carvalho a partir de Ingla-
ou criada que não saiba ler e escrever, e contar, e terra, foram criadas a partir de subscrição pública,
que todos os pobres são educados à custa dos ricos com a excepção da escola da freguesia de Santão8,
por via de subscrições voluntárias e que a espanto- as escolas primárias de Santiago de Figueiró em
sa riqueza e grandeza deste país são devidas princi- Amarante, as de Caramos, Pedreira e Varziela de
palmente à boa educação geral de todos, os ditos Felgueiras, e as de Santiago de Cernadelo e Santa
nossos sobrinhos contribuirão com os seus conhe- Marinha de Lodares em Lousada. Este meio de subs-
cimentos e educação para levar tudo ao fim que eu crição pública era uma prática usual em Inglaterra,
desejo e para facilitar o meu projecto.” (APCV, que este visionário importou e adaptou à realidade
1849). portuguesa de uma forma inteligente. (Carvalho,
Não deve ter sido fácil a este ilustre benemérito 1849:9,10).
levar a bom porto tamanha obra. Em carta datada Não tendo chegado até nós nenhum Regulamen-
de 4 Agosto de 1949 ao seu sobrinho Custódio refe- to ou Estatuto referente às escolas criadas no con-
re que estimou muito “que se não desencaminhasse celho de Lousada, sabemos através do Regulamen-
a ordem do London West Minster Bank para o re- to de 23 de Dezembro de 1849 da Escola de Caramos
cebimento das duas mil e seiscentas libras, decla- no concelho de Felgueiras, que não será muito di-
rando a obrigação de cada um delles promover na ferente, para não dizer igual, dos restantes regula-
respectiva freguesia de sua residensia dentro de doze mentos das escolas vizinhas, que a instituição era
mezes contados da data dos recibos o estabeleci- destinada a crianças de ambos os sexos dos 6 aos
mento de huma Escola em cada huma das tais 14 anos onde se ensinava “ (…) gratuitamente a ler,
fregezias por meio de subescriçoes onde a mocida- escrever, contar, doutrina cristã, e maneiras de ci-
de de ambos os sexos podem aprender gratuitamente vilidade (…) bem como uma mestra que ensine as
(…) bem sei que tudo isto lhe vai dar muito traba- meninas a fazer meia, cozer e talhar roupas de mu-
lho, mas fará um grande serviço á humanidade e à lher (…)” (APCV, 1849). Os mestres eram selecci-
pátria” (APCV, 1849). Ainda por carta de 23 Abril onados conforme as suas capacidades, devendo ter
do mesmo ano refere que “ (…) talvez que o folhe- o cadastro limpo, bem como “comprovar o bom
to que lhe mandei da escola de caridade desta fre- comportamento moral, civil e religioso devidamente
guesia de “St. Mary the Bonne” lhe surgirá alguma attestado pelo reverendo Parocho (…)” (APCV,
ideia boa e não me parece convir de forma alguma 1849). Os rapazes entravam para a escola durante o
que eu figure nisso senão como subscritor, pois só Inverno às sete horas da manhã e saíam às dez ho-
desejo fazer bem e não figurar. (…) “. (APCV, ras. No verão o horário fazia-se uma hora mais tar-
8
A Escola Primária pública e gratuita da freguesia de Santão, Felgueiras, de onde era natural, foi idealizada e construída direc-
tamente pelo próprio Custódio Pereira de Carvalho, não tendo delegado em nenhum familiar subscrição alguma. Foi o próprio
que assumiu todas as despesas inerentes à construção e funcionamento da escola durante largos anos, acompanhando, a partir de
Londres, todas as operações relativas à criação da própria Escola com o auxílio do seu sobrinho Custódio Rebelo de Carvalho.
(APCV, 1847-1850).
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de, havendo também aulas da parte da tarde entre nologicamente a data aproximada da criação das
as 14 horas e as 16 horas. Já as meninas tinham Escolas nas freguesias de Santa Marinha de Lodares
somente aulas de manhã durante todo o ano, num e Santiago de Cernadelo, que se situará entre 1850/
total de três horas por dia. Aos Mestres cabia o en- 51. Dos três recibos que encontramos referentes a
sino sendo expressamente proibido “ (…) recebe- cada uma das Freguesias, dois deles fazem referên-
rem oferendas de alguém próximo dos alunos, sob cia à obrigação de “(…) promover nesta minha
pena de serem expulsos (…)” (APCV, 1849). As Freguezia dentro de um ano da data deste, o estabe-
subscrições eram anuais e deviam ser pagas adian- lecimento de huma Escola de ensino Primário e gra-
tadamente e nunca deviam ser inferiores a 120 reis. tuito da mocidade de ambos os sexos por meio de
De forma a manter a justiça social, o regulamento subscrições (…)”. (APCV, 1849). O donativo que
previa também que todos os habitantes das fregue- Pereira de Carvalho deu a cada sobrinho, numa pri-
sias que tivessem condições para subscrever o va- meira fase, cerca de 800 mil reis, destinava-se cla-
lor mínimo, deviam fazê-lo sob pena de não pude- ramente à fundação das escolas, ao nível da com-
ram inscrever os seu filhos na escola. A Comissão pra do terreno para a instalação da unidade de ensi-
Gestora da Escola era eleita no seio dos subscritores, no, a própria construção da escola, contratação de
num total de 12 membros. O mandato era de dois professores e aquisição de manuais, restando quase
anos, sendo que as eleições seriam realizadas por de certeza larga quantia de sobra para o pagamento
escrutínio secreto entre 8 e 31 de Dezembro. O car- da subscrição anual que os estatutos exigiam.
go de presidente era automaticamente atribuído ao
Pároco da respectiva freguesia, devendo ser ele que, 2.2.1. Escola de Lodares
juntamente com os restantes membros da comis-
são, seriam os responsáveis pela convocação e ela- Dos três recibos que possuímos respeitantes à
boração de todo o processo eleitoral. freguesia de Lodares, dois deles são assinados indi-
Como referimos anteriormente, o concelho de vidualmente pelas sobrinhas D. Joana e D. Rosa
Lousada não escapou à dávida generosa de Pereira Pereira de Carvalho, sendo que o que resta é assina-
de Carvalho. Santa Marinha de Lodares e Santiago do pelo Tesoureiro da Comissão da Escola.
de Cernadelo foram alvo de especial atenção por A 25 de Agosto de 1849, D. Joana Rita Pereira
parte deste ilustre benemérito, cujos sobrinhos aí de Carvalho, nascida a 10- 08- 1805 em Lodares,
residiam. onde faleceu a 15- 12- 1891, assina um recibo no
No APCV tivemos acesso a diversa documen- qual confirma a doação de 800 mil reis de seu tio
tação relativa à criação das Escolas, onde podemos para a criação de uma Escola na Freguesia de
destacar a inúmera correspondência, minutas, do- Lodares, na qual vivia, na Casa do Outeiro, com o
cumentos bancários e apontamentos elaborados e seu marido Manuel Pereira de Meireles, senhor da
redigidos pelo próprio Custódio Pereira de Carva- mesma casa, com quem casou a 1- 11- 1891, de
lho a partir de Londres. Nesse vasto e precioso es- quem teve 9 filhos (Freitas, 1981:426). D. Joana era
pólio estão compilados inúmeros Recibos de paga- uma das 5 filhas de D. Ana Joaquina Pereira de
mento comprovativos da entrega de dinheiro aos Carvalho, 2 irmã de Custódio, e de António José
referidos sobrinhos, para que dessa forma eles pu- Alves de Oliveira da Casa de Vilar, na mesma Fre-
dessem promover através de subscrições, cada um, guesia de Lodares (Freitas, 1981:373).
uma Escola na freguesia onde residissem. Para uma melhor percepção do conteúdo do do-
Através desses recibos podemos delimitar cro- cumento segue-se a transcrição do mesmo9: “Rece-
9
Vamos só proceder à transcrição deste recibo tendo em conta que os outros recibos que possuímos, quatro ao todo, são
exactamente iguais ao transcrito, variando apenas o nome do assinante do respectivo recibo. A sua escolha deve-se ao facto do
seu razoável estado de conservação.
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bi do meu Thio o Sr. Custódio Pereira de Carvalho período pela forma que ficou dita a restituição ao men-
por mão do meu primo Custódio Rebelo de Carva- cionado meu Thio, ou aquém elle ordenar a supra cita-
lho, a quantia de oito centos mil reis em metal, que da quantia de oito centos mil reis em metal. E para
o dito meu Thio me dá de presente gratuitamente clareza passo dous recibos do mesmo thior e data.
para meu uso, e de meus legítimos herdeiros e su- Casa do Outeiro Freguesia de Santa Marinha de
cessores descententes dos falecidos Pai e Mãe do Lodares
mesmo meu Thio, cuja quantia hé por saldo dos fun- 25 de Agosto de 1849
dos que gentilmente propoz vender, e repartir sem Joana Rita Pereira de Carvalho” (Fig. 3)
procucto por seus sobrinhos e sobrinhas; e por afim
ser por elle exigido obrigo-me a promover nesta mi- Como vimos anteriormente, residia também na
nha Freguesia de Santa Marinha de Lodares dentro de mesma freguesia de Santa Marinha de Lodares,
um ano da data deste o estabelecimento de hua Escola Rosa Rita de Carvalho que era filha da irmã mais
de ensino primário e gratuito para a mocidade de am- velha de Custódio, D. Maria Caetana Pereira de
bos os sexos por meio de subscrições, em cujo nume- Carvalho e de seu marido, Francisco José Teixeira
ro entrarei eu annualmente com a quantia de quatro Rebelo da Casa do Monte, em Santiago de Figueiró
mil reis em metal pulo menos, pertencendo a estes concelho de Amarante. Em 1819 casa com José
subscitores designar os elementos ou matérias que Caetano Coelho, senhor da Casa da Juía, em Lo-
devão ensinar na referida Escola. Outro sim me obri- dares, cujos filhos a venderiam mais tarde. Desses
go no cazo que esta se não estabeleça cá dentro daquelle 7 filhos nenhum teve descendência que se conheça
(Freitas, 1981:376). Também esta sobri-
nha foi contemplada igualmente por seu
tio com a doação de 800 mil reis pela
obrigação da criação de uma Escola na
dita freguesia de Lodares por recibo pas-
sado com a data de 30 de Agosto de 1849.
(APCV, 1849).
Também referente ainda à mesma fre-
guesia foi passado um Recibo com a data
de 27 de Maio de 1850 assinado pelo Te-
soureiro da Comissão da Escola, José Cae-
tano Coelho, referente ao pagamento da
subscrição, de oito mil reis, relativa ao ano
de 1850 feito pelo próprio Custódio Pe-
reira de Carvalho.
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Custódio Pereira de Carvalho está sepultado num Jazigo que mandou construir expressamente para o efeito junto à histórica
Igreja Românica de Santão, concelho de Felgueiras, onde estão inscritos os referidos versos.
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Bibliografia
Fontes manuscritas CARVALHO, C. P. de (1849) – Intrucção Primária.
APCV_ Arquivo Particular da Casa da Ventuzela, em Porto: Typographia Nacional.
Felgueiras.
APCS_Arquivo Particular da Casa do Souto, em Ama- Fontes impressas
rante. SOUSA, P. de (Pseudónimo de M. Antonino Fernandes)
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