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Fiscalização das fronteiras

Data do documento: 6 de novembro de 1779


Local: Rio de Janeiro

"Em observância dos reais tratados preliminares de paz, e de limites da


América[1] meridional relativo aos estados, que nela possuem as Coroas de Portugal, e de
Espanha, e de aliança defensiva entre os muitos altos e poderosos senhores d.
Maria[2] rainha de Portugal, e d. Carlos III[3] de Espanha: mando ao governador do Rio
Grande de São Pedro[4], que depois de solenemente publicados, faça praticar a disposição
dos seguintes Artigos:
I-Devendo os governadores, e comandantes de ambas as fronteiras procurar todos os meios
de evitar nelas os contrabandos[5], roubos, assassinos, e outros quaisquer delitos, terão
um eficacíssimo cuidado em reconhecer, e examinar quaisquer pessoas desconhecidas,
pondo não só nas ditas fronteiras, mas ainda nos sítios mais próximos a elas, espiãs para
lhas denunciarem, pessoas de grande zelo, e desinteresse.
II - E como na forma do artigo 19 do sobredito tratado preliminar fica proibida reciprocamente
a entrada no espaço do dito território neutro, que não deve servir de asilo aos delinqüentes,
estabelecerão os ditos governadores e comandantes das fronteiras ambas patrulhas, que
possam livremente divagar pelo dito território, chegando de cada uma das ditas fronteiras
até certos lugares proporcionados, em que se avistem para apreenderem os referidos
delinqüentes, ou evitarem a facilidade de conseguirem semelhante asilo ...

IV - Sucedendo o caso de ser apreendido pela patrulha de uma das fronteiras algum
delinqüente, que pertença ao domínio da outra, sem que tivesse saído a mesma patrulha
com esse determinado fim, e encontra-se com a patrulha da outra fronteira, mostrando-se
que esta saiu ... para apreender aquele mesmo delinqüente, se lhe deverá entregar,
precedendo a reclamação do mesmo oficial, que o procurava, sendo o delito dos
especificados no artigo sexto do sobredito tratado de aliança defensiva , ou dos tratados, e
concordatas antigas, a que aquele artigo se refere.

V - Só se passarão semelhantes passaportes, além das ditas patrulhas, a quem levar algum
ofício, ou aviso do Real Serviço, declarando-se assim nos mesmos passaportes; porque a
ninguém fica permitido passar à fronteira estranha, nem ainda com o pretexto de prosseguir
demandas, que só devem tratar-se por meio dos governadores, comandantes ou
magistrados; antes a toda a pessoa, que for apreendida na dita fronteira, serão sequestrados
seus bens, avisando-se prontamente não só o próprio governador da fronteira estranha, a
que o apreendido pertence, mas também o oficial, ou magistrado mais vizinho da mesma
fronteira com declaração de todos os sinais, e confrontações, que possam dar um verdadeiro
conhecimento da pessoa apreendida, para poder ser reclamada com toda a brevidade
possível se o delito for dos indicados no artigo antecedente...

VII - Igualmente terão efeito as sobreditas requisitórias para a remissão dos escravos, que
houverem desertado para os limites do domínio estranho; mas, quando confessarem o plano
a sua servidão, e por consequência o furto, que de si mesmos cometeram, fugindo de seus
senhores, bastará esta sua confissão para logo prontamente se entregarem.

E todas estas providências serão observadas com toda a diligência, cuidado, e boa-fé, que
pede matéria tão importante, e tão recomendada nos sobreditos reais tratados, para que
com a impreterível execução deles se estabeleça com toda a firmeza entre
os vassalos[6] de um, e outro domínio aquela paz, boa harmonia e tranqüilidade; a que se
dirigem os mesmos reais tratados, e que devem ser frutos da estreita união, e amizade
felizmente estabelecida entre os augustíssimos soberanos, por quem foram celebrados. Rio,
6 de novembro de 1779. Luiz de Vasconcelos e Souza.[7]"

[1]LIMITES: a demarcação dos limites na América passou pela legitimidade dos domínios
de Espanha e Portugal, provocando confrontos diretos entre as potências europeias, que
buscaram, através da diplomacia, resolver as disputas existentes. As duas Coroas tiveram
a necessidade de acordar entre si partilhas territoriais por meio de tratados, os quais
apresentavam como aspecto inovador a instituição do rigor científico para uma melhor
elaboração das delimitações, valendo-se de conhecimentos de astronomia e instrumentos
matemáticos. A disputa pelos territórios da região do rio da Prata pelas metrópoles ibéricas,
por exemplo, resultou numa série de tratados internacionais ao longo do século XVIII, entre
eles o de Madri em 1750 e Santo Ildefonso em 1777, embora nenhum deles tenha
solucionado efetivamente a questão dos limites. Em meio a estas disputas, os interesses da
Inglaterra atuaram como obstáculo para a resolução das querelas territoriais na América,
afetando a neutralidade lusa em relação à Espanha, pressionando a região do Prata com
uma possível invasão, lembrando-se ainda a importância da colônia de Sacramento para o
comércio inglês nessa área.
[2] MARIA I, D. (1734-1816): Maria da Glória Francisca Isabel Josefa Antônia Gertrudes Rita
Joana, rainha de Portugal, sucedeu a seu pai, d. José I, no trono português em 1777. O
reinado mariano, época chamada de Viradeira, foi marcado pela destituição e exílio do
marquês de Pombal, muito embora se tenha dado continuidade à política regalista e
laicizante da governação anterior. Externamente, foi assinalado pelos conflitos com os
espanhóis nas terras americanas, resultando na perda da ilha de Santa Catarina e da colônia
do Sacramento, e pela assinatura dos Tratados de Santo Ildefonso (1777) e do Pardo
(1778), encerrando esta querela na América, ao ceder a região dos Sete Povos das Missões
para a Espanha em troca da devolução de Santa Catarina e do Rio Grande. Este período
caracterizou-se por uma maior abertura de Portugal à Ilustração, quando foi criada a
Academia Real das Ciências de Lisboa, e por um incentivo ao pragmatismo inspirado nas
ideias fisiocráticas — o uso das ciências para adiantamento da agricultura e da indústria de
Portugal. Essa nova postura representou, ainda, um refluxo nas atividades manufatureiras
no Brasil, para desenvolvimento das mesmas em Portugal, e um maior controle no comércio
colonial, pelo incentivo da produção agrícola na colônia. Deste modo, o reinado de d. Maria
I, ao tentar promover uma modernização do Estado, impeliu o início da crise do Antigo
Sistema Colonial, e não por acaso, foi durante este período que a Conjuração Mineira (1789)
ocorreu, e foi sufocada, evidenciando a necessidade de uma mudança de atitude frente a
colônia. Diante do agravamento dos problemas mentais da rainha e de sua consequente
impossibilidade de reger o Império português, d. João tornou-se príncipe regente de Portugal
e seus domínios em 1792, obtendo o título de d. João VI com a morte da sua mãe no Brasil
em 1816, quando termina oficialmente o reinado mariano.
[3] CARLOS III (1716-1788): sasumiu o trono espanhol quando seu irmão, o rei Fernando
VI, morreu sem deixar descendentes. Apreciador da cultura, durante seu reinado (1759-
1788) foram fundados a Biblioteca Nacional de Madrid, o Observatório Astronômico, o
Jardim Botânico, o Conservatório de Música e Declamação, o Museu de Ciências Naturais
e a Academia de Belas Artes. No seu governo, foi assinado o terceiro pacto de família,
apoiando a França contra a Inglaterra na Guerra dos Sete Anos. Com a derrota da aliança
entre os Bourbons, a Espanha perderia a Colônia do Sacramento para Portugal, tradicional
aliado dos britânicos.
[4] RIO GRANDE DE SÃO PEDRO: situado ao sul do estuário do rio da Prata, foi uma região
descoberta ainda no século XVI, quando Martim Afonso de Souza realizou expedições para
assegurar a manutenção dos territórios sob o domínio português, expulsando corsários
franceses e fixando novos núcleos de povoamento. A capitania do Rio Grande de São Pedro
do Sul teve sua ocupação estabelecida tardiamente e ao longo do período colonial viveu sob
intensas disputas territoriais, por se tratar de uma região limítrofe do império português na
América, era uma base de operações militares e motivo de preocupação aos
administradores do reino. Em agosto de 1736, foi criada a freguesia de São Pedro,
pertencente a capitania de Santa Catarina, subalterna ao Rio de Janeiro. No ano seguinte,
deu-se oficialmente o início de sua colonização, com o estabelecimento de fortificações
militares para resguardar a região, sob o comando do brigadeiro José da Silva Paes. Em
1750, com a vinda de colonos provenientes dos Açores e Ilha da Madeira, o povoado de
São Pedro foi elevado à condição de vila. Inicialmente, propunha-se que esta imigração se
baseasse na agricultura familiar de pequena propriedade, em convivência estreita com as
grandes estâncias pecuaristas. As dificuldades enfrentadas pelas famílias, contudo (pragas,
falta de segurança, escasso mercado para seus produtos) empurraram a grande maioria
delas para uma integração com o sistema predominante. Dez anos mais tarde, devido ao
crescimento populacional, é criada a capitania do Rio Grande de São Pedro, ainda sob a
dependência do Rio de Janeiro. As relações socioeconômicas do Rio de Janeiro com o
território do Rio Grande de São Pedro referem-se a todo um esforço de manutenção da
Colônia do Sacramento como entreposto do comércio luso-brasileiro, os comerciantes do
Rio de Janeiro eram os mais interessados na manutenção daquele porto no rio da Prata.
Apenas em 1807, o governo do Rio Grande se separou do Rio de Janeiro como divisão
administrativa subalterna, tornando-se capitania geral e assumindo o comando da capitania
de Santa Catarina. A capitania aderiu a causa brasileira pela independência, e ao longo do
período imperial foi palco de importantes disputas territoriais e questões de limites.
[5] CONTRABANDO: na América portuguesa, o contrabando consistia no comércio ilegal,
sem que esse tráfico fosse autorizado ou reportado as autoridades coloniais. Seu
desenvolvimento deveu-se, principalmente, ao monopólio do comércio, às pesadas
taxações e à falta de regularidade no abastecimento da colônia. Este tipo de comércio fazia
circularem mercadorias nacionais e estrangeiras, recebendo destaque o ouro, diamantes e
pedras preciosas. O contrabando constituía ainda um dos poucos meios para escravos
alcançarem a liberdade, daí muitos deles dedicarem-se ao garimpo clandestino. O fluxo de
mercadorias contrabandeadas envolvia países como Inglaterra, Holanda e França, tendo
alcançado tal vulto que parcela significativa do mercado colonial era abastecida por esta
prática. [Ver também DESCAMINHOS]
[6]VASSALO: súdito do rei, independentemente de sua localização no Império. Até o século
XV, o título “vassalo” era empregado para designar homens fiéis ao rei, aqueles que o
serviam na guerra, sendo, portanto, cavaleiros ou nobres de títulos superiores. Em troca do
apoio e serviços realizados, recebiam tenças (pensões), dadas, inicialmente, a todos os
vassalos e seus filhos varões. Na medida em que se pulverizaram as distribuições destes
títulos, principalmente por razões de guerra (a conquista de Ceuta foi a mais significativa
nesse processo), e que eles começaram a ser mais almejados, principalmente pelos plebeus
e burgueses em busca de mercês e de aproximação com a realeza, o rei diminui a
concessão dos títulos, e, mais importante, das tenças. A esta altura, as dificuldades
financeiras da monarquia também empurraram para a suspensão da distribuição dos títulos
e benefícios. O rei passa, então, a conceder mercês e vantagens individuais, e o termo
vassalo se esvazia do antigo significado de título, passando a indicar homens do rei, súditos
e habitantes do reino, de qualquer parte do Império.
[7] SOUZA, LUÍS DE VASCONCELOS E (1742-1809): nasceu em Lisboa e se formou em
bacharel em cânones pela Universidade de Coimbra. Ainda em Portugal, ocupou
importantes cargos da magistratura. Entre os anos 1779 e 1790, foi vice-rei do Brasil,
sucedendo o 2º marquês do Lavradio. Em seu governo criou uma prisão especial destinada
à punição dos escravos, como alternativa aos violentos castigos impostos pelos seus
senhores; promoveu a cultura do anil, do cânhamo e da cochonilha; apoiou as pesquisas
botânicas realizadas por frei José Mariano da Conceição Veloso e patrocinou a criação de
uma sociedade literária no Rio de Janeiro em 1786. Entre as melhorias realizadas na cidade
do Rio de Janeiro durante sua administração, destacam-se a reforma do largo do Carmo; o
aterro da lagoa do Boqueirão; a construção do Passeio Público – primeiro jardim público do
país – em 1783 e de novas ruas para facilitar seu acesso, como a rua do Passeio e das
Bellas Noutes – atual rua das Marrecas. Foi um incentivador das obras de Mestre Valentim
– um dos principais artistas do período colonial – responsável pelo projeto do Passeio
Público e de outras obras públicas na cidade. Destacou-se, ainda, na repressão à
Inconfidência Mineira [conjuração mineira], sendo um dos interrogadores de Joaquim
Silvério dos Reis. Pelos serviços prestados à Coroa portuguesa, recebeu a honraria da Grã-
Cruz da Ordem de Santiago e o título de conde de Figueiró.

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