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Nem Testamento de Adão, nem Tordesilhas – O Tratado de Madri, de 1750

“O sol brilha para todos e desconheço a cláusula do testamento de Adão que dividiu o
mundo entre portugueses e espanhóis”, declarou Francisco I, Rei da França,
inconformado com as resoluções do Tratado de Tordesilhas, de 7 de Junho 1494, que
garantia a posse das terras descobertas e ainda por descobrir, do então chamado “Novo
Mundo”, à Portugal e Espanha.

O Tratado de Tordesilhas foi ratificado pelo Papa Julio II, em 1506, através da bula Ea
quae pro bono pacis. A soberania da Igreja Católica naquela época conferia ao Papa o
poder de designar as terras dos “infiéis” e as missões cristianizadoras aos chamados
“Príncipes Católicos”. Originalmente intitulado “Capitulação da partição do mar
Oceano”, o Tratado de Tordesilhas traçava uma linha imáginária e concedia à Portugal a
posse das terras à 370 léguas das Ilhas de Cabo Verde. Foram nomeados representantes
de Portugal e Espanha, cosmógrafos, que deveriam desempenhar a missão de demarcar
as terras. Porém essa missão acabou sendo adiada e, posteriormente, esquecida por
conveniência dos dois países. Enquanto Portugal assegurava sua expansão para
territórios além da linha a ser demarcada, a Espanha se interessava pelas Ilhas Molucas
(atual Indonésia) e Filipinas, as chamadas “Ilhas das Especiarias” que pertenciam a
Portugal.

A permanência durante sessenta anos da União Ibérica, isto é, período em que o Rei da
Espanha era também Rei de Portugal , explica o fato das duas coroas não terem tido
graves conflitos decorrentes da disputa territorial. A questão da partilha só foi retomada,
então, anos mais tarde, quando os limites que foram estabelecidos no Tratado de
Tordesilhas já haviam se tornado completamente obsoletos.

O novo tratado foi conduzido pelo Secretário Particular de D. João V, Alexandre de


Gusmão, “avô dos diplomatas brasileiros”. O Tratado de Madri, de 1750, marcou o fim
de uma longa fase de expansão do domínio português que ocorria na prática, mas fora
da lei, para muito a oeste da linha imaginária estabelecida em 1494 no Tratado de
Tordesilhas. Reconheceu internacionalmente uma configuração, que já era quase a
atual, dos limites do que viria a ser o Brasil. No Tratado de Madri, a posse dos
territórios não seguia as linhas tradicionais. Foi introduzido, por Alexandre de Gusmão,
o princípio de uti possidetis que estabelecia a posse, por lei, de territórios onde a
ocupação e povoamento fossem inquestionáveis. A expressão advém da frase uti
possidetis, ita possideatis, que significa "como possuís, assim possuais". Foi
estabelecido, também, que os limites de demarcação do território seguiriam os acidentes
geográficos naturais, como rios e montanhas, para evitar futuros problemas de fronteira,
baseado no chamado Mapa das Cortes. E que a navegação em rios seria comum quando
as margens pertecessem às duas nações, e exclusiva quando pertencessem apenas a uma.

É notável o espírito conciliador de Alexandre de Gusmão pela condução pacífica do


Tratado de Madri principalmente, no que diz respeito à determinação - artigo XXI do
Tratado de Madri - que ordenava, caso Portugal e Espanha estivessem em guerra, que os
vassalos dos dois países continuariam em paz como se não existisse o conflito europeu.
Embora o que foi decidido em 1750 não estivesse destinado a durar, os princípios que
inspiraram o Tratado de Madri de 1750 eram tão fortes que, mesmo anulados pelo
Tratado do Pardo em 1761, ressurgiram definitivamente no Tratado de Santo Idelfonso
de 1777, prevalecendo até hoje em nossa política de fronteiras. Como diria, ainda mais
tarde, definitivamente o julgando, o Barão do Rio Branco: “O estudo do Tratado de
1750 deixa a mais viva e grata impressão de boa fé, lealdade e grandeza de vistas que
inspiraram esse ajuste amigável de antigas e mesquinhas querelas, consultando-se
unicamente os princípios superiores da razão e da justiça e as conveniências da paz e da
civilização da América.”

Ana Paula Marcelino Nunes

Referências Bibliográficas

Editora Abril S.A. (2009), Almanaque Abril 2010. São Paulo: Editora Abril S.A.

Linhares, Maria Yedda et al (orgs.), (1990), História Geral do Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier.

Thesaurus Editora (2007), O Livro Na Rua 1, Alexandre de Gusmão. Série Diplomacia ao alcance de
todos. Brasília: Theasaurus Editora.

Vianna, Hélio (1958), História Diplomática do Brasil. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército.

Viana, Hélio (1977), História do Brasil. São Paulo: Melhoramentos.

Legenda das Figuras

Fig.1 - Capa do Bullarium que contém a bula papal "Ea, quæ pro bono pacis", de 26/1/1506.

Fig. 2 – Alexandre de Gusmão e Mapa das Cortes

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