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RESUMO
Importância do Estudo: Os casos de estupros contra mulheres são decorrentes de uma
sociedade patriarcal, cujos costumes normalizavam ou atenuavam essa prática, fazendo incidir
sobre a vítima a responsabilidade por tal ato. Nesse sentido, a pesquisa científica, como
ferramenta de luta por justiça, é essencial no processo de mudança da visão social acerca da
violência sexual, e importante instrumento de apoio à construção de políticas públicas,
garantindo apoio às vítimas e gerado sobre o Estado a demanda de punição dos agressores.
Objetivo: Traçar o perfil das vítimas e dos delitos de estupro, praticados na Região
Metropolitana de Belém/Pará/Brasil, no período de 2010 a 2019. Metodologia: A pesquisa,
quanto à abordagem do problema, possui caráter quantitativo e, quanto ao objetivo, é
descritiva e exploratória, posto que, com base em dados oficiais, caracterizar-se-á o estupro de
mulheres ocorridos no período de 2010 a 2019, utilizando-se de gráficos, tabelas e medidas de
síntese. Resultados: Verificou-se que a maioria dos casos de estupros foram praticados em
residências particulares, cuja maioria dos agressores foi o padrasto. Além disso, observou-se
que Belém é a cidade da Região Metropolitana com maior percentual de estupro, com os
casos, em sua maioria, ocorrendo no período da noite. Conclusões: Faz-se necessário maior
aprofundamento de estudo acerca dos fatores causais deste tipo de violência, como também,
reavaliar as medidas públicas de enfrentamento pelos órgãos da segurança pública.
INTRODUÇÃO
MATERIAL E MÉTODOS
Isabel do Pará, Benevides, Santa Bárbara e Castanhal. A RMB demarca uma extensão
territorial de 3.566,203 km² e detém uma população de 2.547.756 habitantes (IBGE, 2021).
Os dados utilizados no estudo acerca dos estupros de mulheres, ocorridos na RMB no
período de 2010 a 2019, são referentes aos registros de Boletim de Ocorrência Policial
(B.O.P.) e foram extraídos do Sistema Integrado de Segurança Pública (SISP) e
disponibilizados por meio da Secretaria Adjunta de Inteligência e Análise Criminal (SIAC),
órgão esse vinculado à Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Estado do Pará
(SEGUP/PA).
Para compreensão das características dos estupros de mulheres, utilizar-se as seguintes
variáveis: (i) ano do fato: 2010, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016, 2017, 2018 e 2019; (ii)
mês do fato: janeiro, fevereiro, março, abril, maio, junho, julho, agosto, setembro, outubro,
novembro e dezembro; (iii) dia da semana do fato: domingo, segunda, terça, quarta, quinta,
sexta e sábado; (iv) turno do fato; madrugada, manhã, tarde e noite; (v) município de
ocorrência: Ananindeua, Belém, Benevides, Castanhal, Marituba, Santa Bárbara do Pará e
Santa Izabel do Pará; (vi) meio empregado: arma de fogo, arma cortante ou perfurante, objeto
contundente e outros meios; (vii) local de ocorrência: via pública, residência particular, bar e
outros (estabelecimento de ensino, casa comercial, edifício público, condomínio comercial,
habitação coletiva, logradouro público, prédio, terreno baldio, hospital, hotel, pensão, via
férrea e outros); (viii) situação civil da vítima: solteira, casada / união estável, viúva e
divorciada; (ix) faixa etária da vítima ou do agressor: 12 a 17, 18 a 24, 25 a 29, 30 a 34, 35 a
64 e >64; (x) nível de escolaridade: N.A.: não alfabetizada, EFI – ensino fundamental
incompleto, EFC – ensino fundamental completo, EMI – ensino médio incompleto, EMC –
ensino médio completo, ESI – ensino superior incompleto, ESC – ensino superior completo;
(xi) tipo de relação da vítima com o acusado: padrasto; pai; ex-companheiro; companheiro;
tio; conhecido; primo; cunhado; esposo; namorado; avô; irmão; ex-namorado; ex-cunhado;
genro; sogro; (xii) ocupação da vítima: estudante, dona de casa, domestica e outras profissões
(vendedor, atendente em geral, professora, balconista, cabeleireira, costureira, aposentada,
auxiliar em geral, camareira, comerciante, manicure, vendedora, administradora, auxiliar de
enfermagem, comerciaria, corretora, costureira, cozinheira, esteticista, estoquista, feirante,
medica, pedagoga, promotora de vendas, recepcionista, secretaria e zootecnista) e (xiii) causa
presumível: devassidão, ódio ou vingança, alcoolismo / embriaguez, entorpecentes, outras.
E, no que tange à análise dos dados, foi aplicada a técnica estatística de análise
exploratória de dados, a qual permite estabelecer a relação entre as variáveis estudadas, além
4
16 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019
15
14
12
10
Quantidade
8
6
4
2
0
Jan Jul Jan Jul Jan Jul Jan Jul Jan Jul Jan Jul Jan Jul Jan Jul Jan Jul Jan Jul
Mês
Quantidade Média
Fonte: Construção dos autores a partir de informações da SIAC (2021).
A 14ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública (FBSP, 2020), lançada sob o
contexto da pandemia da Covid-19, mostra mais uma vez que a violência de gênero não tem
freio, se na edição de 2015 do anuário os pesquisadores mostraram que havia um estupro a
cada 11 minutos no país (FBSP, 2015), a edição de 2020 mostra que esse tipo de crime foi
registrado a cada 8 minutos em 2019. Foram lavrados 66.123 boletins de ocorrência de
estupro e estupro de vulnerável, registrados em delegacias de polícia apenas em 2019 (FBSP,
2020).
Quarta-feira foi o dia da semana identificado com maior percentual de estupro de
mulheres (18,28%), ocorridos na Região Metropolitana de Belém (Figura 2).
10.00
8.00
6.00
4.00
2.00
0.00
Domingo Segunda Terça Quarta Quinta Sexta Sábado
Dia da Semana
Fonte: Construção dos autores a partir de informações da SIAC (2021).
28.68
30.00
25.38 25.38
25.00
20.56
20.00
Percentual
15.00
10.00
5.00
0.00
Madrugada Manhã Tarde Noite
Turno
Belém 65.74
Ananindeua 19.80
Castanhal 5.58
Município
Benevides 3.81
Marituba 2.54
Percentual
Fonte: Construção dos autores a partir de informações da SIAC (2021).
Belém ter o maior percentual entre as vítimas está ligado ao fato da capital paraense
ter uma população maior, o que possibilita maiores chances de casos registrados, além do
fácil acesso que as mulheres estupradas têm para denunciar os agressores. No ano de 2021,
foram registrados em Belém 593 casos de estupro com o percentual de 57,63%, levando em
consideração aos municípios que integram a Região Metropolitana (PARÁ, 2022).
O local onde acorreu a maioria dos estupros de mulheres da Região Metropolitana de
Belém – Pará – Brasil, foi em residência particular (77,41%) (Figura 5).
Residência
particular
77.41
O fato de haver constantes casos de estupros dentro das residências está justificado por
ser o lugar que impossibilita haver interferências de terceiros. Isso indica que quando o
agressor dorme ao lado, fica evidente a gravidade do problema de violência doméstica no país
ser refletido ao viés selecionado do universo que está sendo analisado (CERQUEIRA;
COELHO; FERREIRA, 2017). Dentro dos transportes coletivos, têm ocorrido práticas de
crime contra a dignidade feminina. São os crimes de importunação sexual, definido como
“praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a
própria lascívia ou a de terceiro”, de acordo com o Código Penal (BRASIL, 1940). Tal
tipificação foi inserida no Código Penal por meio da Lei N° 13.718 de 2018, a qual foi criada
após ser relatado diversos casos de assédio dentro dos transportes coletivos em São Paulo,
onde os autores do crime tinham comportamentos importunos ofensivos ao pudor, embora
essa prática não seja configurada ao estupro (FBSP, 2019). Dessa forma, houve uma iniciativa
para tentar criminalizar condutas não configuradas como estupro, porém são mais graves que
a importunação ofensiva ao pudor caracterizada de contravenção penal, como afirmam Lins
(2019) e Chakian (2019). Em 2019, foram registrados 8.068 casos de importunação sexual no
Brasil com taxa média em aproximadamente 6.600 vítimas por 100 mil habitantes (FBSP,
2019).
O meio empregado durante a ocorrência da maioria dos estupros de mulheres na
Região Metropolitana de Belém – Pará – Brasil (Figura 6) foi classificado como outros meios
n = 362), seguida por uso de arma cortante ou perfurante (n = 14). Esses outros meios são
exemplificados a partir do uso de força física por parte do agressor, a prática do estupro
coletivo, e além de dopar e embriagar a vítima.
Arma de fogo
11
Arma cortante ou
Outros meios perfurante
362 14
Objeto con-
tundente
7
Devassidão 33.50
Entorpecentes 0.76
Outras 45.44
Percentual
Fonte: Construção dos autores a partir de informações da SIAC (2021).
25.00
20.00
14.40
15.00 10.80
8.74
10.00
5.00 0.51
0.00
12 a 17 18 a 24 25 a 29 30 a 34 35 a 64 > 64
20.00 18.21
Percentual
15.00 13.10
10.22
10.00
4.15
5.00
0.96
0.00
N.A. E.F.I. E.F.C. E.M.I. E.M.C. E.S.I. E.S.C.
Escolaridade
Fonte: Construção dos autores a partir de informações da SIAC (2021).
Legenda: N.A: não alfabetizada, EFI – ensino fundamental incompleto, EFC – ensino
fundamental completo, EMI – ensino médio incompleto, EMC – ensino médio completo, ESI
– ensino superior incompleto, ESC – ensino superior completo.
maioria. Segundo Cerqueira e Coelho (2014), ao apontar que 70% das vítimas de estupro
eram crianças e adolescentes, configurando no estupro de vulnerável, abre um sinal de alerta,
pois as consequências psicológicas que atingem as vítimas são devastadoras, comprometendo
no processo de formação da autoestima.
Mulheres solteiras são as vítimas mais frequentes (81,54%) de estupros na Região
Metropolitana de Belém – Pará – Brasil (Figura 10).
Divorciada
0.92
Viúva
0.92
Solteira
81.54
Outras
profissões
32.74
Doméstica
11,03
Dona de casa
11.39
Estudante
44.84
Padrasto 22.63
14.13
Ex-companheiro 13.43
12.37
Tio 10.95
Relação com o Acusado
7.77
Primo 4.59
3.89
Esposo 2.83
2.12
Avô 1.77
1.41
Ex-namorado 1.06
0.35
Genro 0.35
0.35
0.00 5.00 10.00 15.00 20.00 25.00
Percentual
Fonte: Construção dos autores a partir de informações da SIAC (2021).
40.00
Percentual
30.00
20.00 15.29
12.94 12.94
10.00 4.71
2.35
0.00
12 a 17 18 a 24 25 a 29 30 a 34 35 a 64 > 64
Faixa Etária (anos)
17
Uma pesquisa feita em agosto de 2016 pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública,
informou que 91% (FBSP, 2016) dos entrevistados concordaram com a afirmação “Temos
que ensinar meninos a não estuprar”. Essa informação tem a necessidade de ser abordada pela
influência que as crianças recebem dos adultos, principalmente em função do ambiente
escolar e familiar que esteja vivendo como o espaço acessível às disputas ideológicas num
sistema patriarcal e cercado pelo machismo. Por isso, a importância de educar desde cedo os
meninos para o desenvolvimento social e alterando a cultura do machismo para futuras
gerações.
2.6. REFERÊNCIAS
BUSSAB, W.; MORETIN, P. Estatística Básica. 9.ed., São Paulo: Editora Saraiva. 2017.
CÂMARA, F.; LIMA, M. L.; CRUZ, C. Mulheres na rua: do “fiu-fiu” ao estupro. Rev Polis e
Psique, v. 9, n. 3, p. 114-132, Belém, 2019.
CUNHA, C. Cultura do estupro – Você sabe do que se trata? UOL, 2019. Disponível em:
<https://vestibular.uol.com.br/resumo-das-disciplinas/atualidades/discussao/-o-brasil-vive-
em-uma-cultura-do-estupro.htm>. Acesso em: fev 7, 2019.
FONSECA, K. R. Despertar o olhar: Até que ponto as políticas sociais definem o padrão da
mulher? Dignidade Re-Vista, v. 1, n. 1, p. 95-105, 2016.