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Resumo: Este trabalho teve como objetivo principal analisar o fenômeno da permanência em
relacionamentos abusivos, buscando compreender as razões pelas quais algumas mulheres permanecem
em situações de violência e identificar os principais fatores que dificultam o rompimento desses
relacionamentos. Os objetivos específicos incluíram examinar os padrões de comportamento abusivo,
analisar as consequências psicológicas e sociais para as vítimas, investigar as formas de manipulação
utilizados pelos agressores. A metodologia adotada neste estudo consistiu em um olhar sistemático da
literatura, buscando artigos científicos, livros e relatórios que abordam o tema da permanência em
relacionamentos tóxicos. Foram considerados estudos de diversas áreas, como psicologia, sociologia e
direito. Além disso, foram analisados relatos de experiências de vítimas e depoimentos de profissionais
que atuam no enfrentamento da violência doméstica. Com base na análise realizada, concluiu-se que a
permanência em relacionamentos abusivos é influenciado por diversos fatores, tanto individuais quanto
sociais. As vítimas podem enfrentar obstáculos emocionais, econômicos, culturais e sociais que
dificultam o rompimento. Entre os fatores individuais, destacam-se a baixa autoestima, a dependência
emocional, o medo das consequências do rompimento e a esperança de que o agressor mude seu
comportamento. No âmbito social, fatores como a falta de apoio da família e amigos, a vergonha
associada ao término do relacionamento e a falta de recursos e suporte institucional também contribuem
para a permanência.
Palavras-chave: Violência doméstica. Dependência emocional. Dependência afetiva.
Relacionamento abusivo.
1 Introdução
Sabemos que a violência contra a mulher ocorre muito devido ao fato de que vivemos
em uma sociedade patriarcal, em que os homens têm predominância sobre as mulheres. Essa
sistemática de dominação cultural patriarcal é reproduzida pelas famílias, religiões, escolas,
ambientes de trabalho, mídias, músicas e muitos outros.
Esses princípios machistas são internalizados desde a infância, tornando esse
comportamento aceitável e naturalizando, assim, a violência contra a mulher. É uma questão
social complexa e assustadora que afeta mulheres de todas as origens, culturas, idades, etnias e
classes sociais em todo o mundo.
Dentre as violências de gênero, uma bem comum é a violência doméstica, na qual muitas
mulheres sofrem abusos físicos, emocionais e psicológicos de seus companheiros. Essa
problemática levanta questões importantes sobre o motivo que leva as mulheres a
permanecerem em relacionamentos abusivos mesmo enfrentando situações bem adversas. É de
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Trabalho de Curso apresentado à Faculdade UNA de Catalão, como requisito parcial para a integralização do
curso de Direito, sob orientação da professora Patrícia Fortes Lopes Donzele Cielo.
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Muitas vezes já ouvimos falar que é mais fácil uma pessoa do lado de fora do
relacionamento ver o quanto a relação está sendo tóxica do que a própria vítima. Isso porque
ela se acostuma com o modo abrupto e violento com o qual é tratada, como pouco a pouco é
impedida de fazer coisas que antes eram rotineiras, como é privada de sair, usar uma roupa que
gosta, ter amigos, postar fotos, trabalhar e até mesmo manter contato com familiares e, quanto
mais aumenta a sua submissão ao agressor, aumenta também a sua dependência por ele, muitas
não conseguem se desvencilhar dessa relação, mas há aquelas que se libertam.
Em seus livros, os autores Heather Demetrios (2018) e Sofia Silva (2018) escrevem
sobre como os relacionamentos abusivos levam a consequências irreversíveis na vida das
vítimas, em uma história onde cada um conta o desfecho de violência domésticas que as suas
personagens viviam, elas eram prisioneiras de seus companheiros, aos poucos eles as privavam
do mundo, da família, dos amigos, prisioneiras que no fim tiveram as vidas “ceifadas” pelos
agressores que as mataram por dentro, mas que como todos sabemos, também há grande indício
do que a Lei chama de feminicídio, porque essas vítimas não conseguem se desvencilhar a
tempo do lado do agressor.
Todos os dias vemos e ouvimos relatos de casos como os contados nos livros dos autores
citados anteriormente, mas há também desfechos felizes para mulheres que já viveram em um
relacionamento abusivo, mas que conseguiram se desvencilhar deste e até mesmo derrubar
qualquer bloqueio emocional para dar oportunidade a uma nova relação, como história parecida
na contada no livro da autora Sofia Silva (2018)
O patriarcado é um sistema social e cultural que atribui poder e autoridade aos homens,
enquanto domina e oprime as mulheres. A opressão feminina é uma realidade que persiste em
muitas sociedades, apesar dos avanços na luta pelos direitos das mulheres e da igualdade de
gênero.
Ao longo da história o patriarcado moldou as estruturas sociais, políticas e econômicas,
estabelecendo normas e expectativas que restringem o papel das mulheres. Essas normas têm
sido reforçadas por meio de instituições, leis, religiões e práticas culturais que perpetuam a
desigualdade de gênero.
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Conforme abordado por Simone de Beauvoir (1949) em sua obra "O Segundo Sexo", ao
longo da história, as mulheres têm sido constantemente confinadas a papéis de gênero
específicos, frequentemente restringidas a tarefas domésticas, cuidado dos filhos e trabalho
reprodutivo. Suas oportunidades de educação, participação política, acesso a recursos
econômicos e autonomia pessoal têm sido sistematicamente limitadas. Essa realidade tem como
consequência uma notável ausência de representatividade e voz das mulheres em posições de
poder e influência.
A obra "O Segundo Sexo" de Simone de Beauvoir apresenta contribuições significativas
para a educação, devido à sua análise das disparidades predefinidas entre os sexos masculino e
feminino, com o objetivo de compreender a identidade de homens e mulheres.
Embora a distinção entre sexo (biologia) e gênero (construção social) seja amplamente
aceita, a sociedade muitas vezes usa a biologia como uma justificativa para a opressão das
mulheres. Argumenta-se que as diferenças biológicas entre homens e mulheres determinam suas
capacidades e papéis na sociedade. E, nesse mesmo sentido, Bianchini e Gomes (2014)
argumentam que é essencial reconhecer que a disparidade no tratamento entre os sexos, com a
valorização de papéis atribuídos aos homens, é meramente uma construção social. Portanto,
essa disparidade pode e deve ser alterada.
Apesar dos avanços conquistados, a opressão contra as mulheres persiste em diversas
formas e contextos. Ainda se enfrentam desafios significativos no que se refere à igualdade de
oportunidades, acesso a recursos e representação política. Como afirmou Beauvoir (1960),
"Nada nos limita, nada nos define, nada nos subjuga - somos nós que definimos e criamos
nossos laços com o mundo". Essa citação permanece extremamente relevante nos dias de hoje,
ressaltando a importância contínua de combater o patriarcado e trabalhar em prol de uma
sociedade mais igualitária, onde todas as pessoas possam desfrutar plenamente de seus direitos
e viver livres de opressão.
Maria da Penha sofreu inúmeras agressões ao longo de seu casamento, mas enfrentou
obstáculos na busca por justiça. Seu caso foi emblemático, pois evidenciou a impunidade e a
negligência do Estado em lidar com a violência de gênero. Durante sua trajetória de luta, ela
recorreu a instâncias nacionais e internacionais para denunciar a violência que havia sofrido e
a falta de resposta efetiva das autoridades brasileiras.
O caso de Maria da Penha Maia Fernandes chegou à Comissão Interamericana de
Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), que condenou o Estado
brasileiro pela negligência no combate à violência contra as mulheres. Essa condenação
internacional foi um marco fundamental na pressão pela criação de medidas específicas para
enfrentar a violência doméstica no país.
A partir dessa pressão, o movimento feminista e outros grupos engajados na defesa dos
direitos das mulheres intensificaram suas ações e mobilizações, exigindo do Estado brasileiro
uma resposta efetiva à violência de gênero. Como resultado desse esforço conjunto, em 2006,
foi promulgada a Lei nº 11.340, conhecida como Lei Maria da Penha.
A finalidade da Lei Maria da Penha é estabelecer mecanismos para coibir e prevenir a
violência doméstica e familiar contra as mulheres. Além disso, a lei prevê a criação de Juizados
de Violência Doméstica e Familiar e estabelece medidas de assistência e proteção às vítimas.
Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a
mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão,
sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: (Vide Lei
complementar nº 150, de 2015)
I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio
permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente
agregadas;
II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos
que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por
vontade expressa;
III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha
convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.
Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de
orientação sexual. (BRASIL, 2006)
A Lei Maria da Penha aborda especificamente a violência contra a mulher que é baseada
no gênero. Essa limitação é estabelecida no dispositivo da lei, que define a violência doméstica
e familiar contra a mulher como qualquer ação ou omissão fundamentada no gênero.
De acordo com Teles e Melo apud Bianchini e Gomes (2014, p. 32) a violência de gênero
representa “um a relação de poder de dominação do homem e de submissão da mulher.
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Demonstra que os papéis impostos às mulheres e aos homens, consolidados ao longo da história
e reforçados pelo patriarcado e sua ideologia, induzem relações violentas entre os sexos”.
Conforme destacado por Bianchini e Gomes (2014), a Lei Maria da Penha requer não
apenas que a violência seja baseada em questões de gênero, mas também que ela ocorra no
âmbito doméstico ou familiar, ou envolva uma relação íntima de afeto entre as pessoas
envolvidas. Essas condições são elementos essenciais para a aplicação da referida Lei.
Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:
I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou
saúde corporal;
II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano
emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno
desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos,
crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação,
isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação
de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou
qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;
(Redação dada pela Lei nº 13.772, de 2018)
III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a
presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante
intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a
utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método
contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição,
mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o
exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;
IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure
retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de
trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos,
incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;
V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia,
difamação ou injúria. (BRASIL, 2006)
Conforme a Lei 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha, que aborda qualquer
forma de violência, sendo ela física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral, que foram
cometidas no âmbito das relações familiares, no âmbito das relações afetivas ou no âmbito das
relações de convivência domestica contra a mulher. Essa Lei trouxe uma notável ajuda no
combate desse grande problema, pois estabeleceu mecanismos de prevenção, assistência,
proteção e punição aos agressores.
De acordo com a Lei Maria da Penha, a violência doméstica pode acontecer de
diferentes formas, deixando marcas físicas, psicológicas e emocionais nas vítimas. Sendo a
violência física compreendida como qualquer ato que viole a integridade ou a saúde física da
mulher, já a violência psicológica que é definida por ações que causam danos emocionais,
diminuem a autoestima e afetam o pleno desenvolvimento da vítima que envolve degradação,
controle e manipulação por meio de ameaças, humilhações, isolamento, perseguição,
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De acordo com Lenore E. Walker, conforme citado por Almeida et al. (2020, p. 60), que
desenvolveu uma teoria sobre o ciclo da violência doméstica, ela chegou à conclusão de que
esses ciclos normalmente envolvem três fases principais: acumulação de tensão, explosão e lua
de mel. É importante ressaltar que nem todos os relacionamentos abusivos seguem esse padrão
diretamente, e a dinâmica pode variar de caso a caso.
Acumulação de tensão: Nesta fase inicial, a tensão e o estresse começam a se acumular
no relacionamento. O dialogo deixa de existir, e pequenos conflitos podem surgir. A vítima pode
sentir-se constantemente coagida, ansiosa e vigilante, tentando evitar qualquer atitude que possa
desencadear a violência do parceiro. Essa fase cria uma sensação de inevitabilidade e antecipa
a próxima explosão.
Explosão: A segunda fase é marcada por um surto de violência, que pode ser física,
emocional ou sexual. Nesse momento, o agressor perde o controle e expressa sua raiva e
agressividade. Pode haver episódios de violência física, abuso verbal, ameaças ou manipulação
psicológica. A vítima enfrenta uma situação de perigo e medo intenso.
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De acordo com Kist (2019), existem várias pesquisas que abordam as possíveis razões
pelas quais uma vítima de violência conjugal permanece em um relacionamento violento. Essas
pesquisas oferecem explicações para o comportamento da vítima em não denunciar o agressor
e para os frequentes movimentos que ela faz para interromper o processo punitivo quando a
denúncia.
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Essa questão tem sido objeto de diversas pesquisas, que resultaram em teorias
explicativas sobre as razões para a vítima permanecer em um relacionamento violento. E Kist
(2019) traz que essas teorias podem ser divididas em duas abordagens distintas: a primeira
enfoca o processo pelo qual a mulher maltratada passa para decidir se deve deixar ou não o
parceiro; a segunda se concentra na relação de dependência emocional entre o agressor e a
vítima, levando em consideração também as repercussões psicopatológicas decorrentes do
abuso, que interferem no processo de tomada de decisão.
Choice e Lamke, apud Kist (2019, p. 50), desenvolveram um modelo conceitual que
explora as razões pelas quais as mulheres maltratadas decidem continuar ou encerrar um
relacionamento abusivo, com base em duas perguntas principais: "Eu estarei melhor fora dessa
relação?" e "Eu serei capaz de sair dessa relação com sucesso?"
A resposta à primeira pergunta está condicionada a quatro fatores: a) o nível de
satisfação com o relacionamento conjugal; b) o "investimento" feito nesse relacionamento; c) a
qualidade das alternativas disponíveis; e d) a pressão ambiental e familiar para persistir ou sair
do relacionamento.
Já a resposta à segunda pergunta leva em consideração aspectos psicológicos, como
expectativas de autossuficiência e autocontrole, além de aspectos objetivos, como o apoio
comunitário em termos sociais, jurídicos e econômicos.
Se a resposta for negativa para qualquer uma dessas perguntas, a tendência da mulher é
permanecer no relacionamento violento. Segundo essas pesquisadoras, o modelo teórico sugere
que as decisões das mulheres abusadas sobre a continuidade ou término do relacionamento
ocorrem de forma gradual. Uma mulher pode desejar sair do relacionamento, mas ser impedida
de fazê-lo por falta de controle sobre as circunstâncias resultantes da separação. Da mesma
forma, uma mulher pode ter os recursos necessários para sair, mas optar por permanecer no
relacionamento.
Teoria da inversão de Rusbult, apud Kist (2019, p. 51), baseada na Teoria da
Interdependência, destaca a importância das dinâmicas interpessoais na determinação da
estabilidade dos relacionamentos. Nessa Teoria, o comprometimento de cada participante com
o relacionamento conjugal é considerado crucial. Por exemplo, uma mulher que está muito
satisfeita com seu relacionamento, percebe poucas alternativas e investiu muito nele, sentirá um
forte comprometimento e, consequentemente, estará mais inclinada a permanecer nele.
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De acordo com a Teoria do Castigo Paradoxal descrita por Kist (2019), a mulher
permanece em um relacionamento abusivo devido a um ciclo de interação estabelecido ao longo
do tempo. Esse ciclo é composto por cinco fases: formação da tensão, onde a tensão e a
hostilidade se acumulam no relacionamento; descarga da tensão pelo agressor, em que ocorre o
ato de violência; fuga da vítima, quando ela busca escapar da situação abusiva; arrependimento
por parte do agressor, em que ele demonstra remorso e pede perdão; e, por fim, o retorno da
vítima ao relacionamento, mesmo após o episódio de abuso. Essa sequência cíclica de eventos
contribui para a manutenção do relacionamento abusivo pois a vítima valoriza o amor e o
carinho recebidos do agressor, o que atenua o abuso sofrido. Além disso, o abuso aumenta a
necessidade da vítima em buscar amor e afeto, que, paradoxalmente, ela só encontra em seu
parceiro, especialmente devido ao isolamento que ele causou.
Essas teorias destacam como a intermitência entre comportamentos abusivos e
momentos de afeto, juntamente com a valorização que a vítima dá ao amor oferecido pelo
agressor, contribui para a persistência da mulher em um relacionamento violento.
Como aponta Kist (2019), a Teoria do Desamparo Aprendido, que fundamenta a
síndrome da mulher maltratada. Essa Teoria concentra-se nas repercussões psicopatológicas da
violência doméstica e conjugal. O desamparo aprendido se refere à incapacidade psicológica
da vítima de reagir diante da violência do agressor, seja na falta de habilidade para se defender
durante um ataque, seja na incapacidade de abandonar o agressor.
O desamparo aprendido ocorre quando a violência é utilizada como meio de exercer
controle e poder sobre a vítima, sem levar em consideração seus direitos. Com frequência, isso
leva ao desenvolvimento de traumas. Os sintomas associados ao desamparo aprendido incluem
fraqueza aprendida, depressão, flashbacks, distúrbios do sono e alimentares, sobressaltos
exagerados e vigilância constante diante de sinais de perigo.
Essa condição também resulta em isolamento social e dificuldade em confiar em outras
pessoas, o que restringe as opções percebidas pela vítima. Além disso, o desamparo aprendido
faz com que a vítima perca a crença na sua capacidade de alterar a situação. Resumindo, as
vítimas do desamparo aprendido sentem-se aprisionadas, vivendo em constante perigo e
incapazes (psicologicamente) de abandonar o parceiro, fugir, buscar ajuda policial, obter um
divórcio ou solicitar qualquer tipo de auxílio.
Como resultado, a vítima acaba permanecendo na relação abusiva, sem esperança de
que a violência irá acabar e sem visualizar alternativas disponíveis.
Nas palavras de Kist (2019), ao considerar as características da violência conjugal
mencionadas anteriormente, como a repetição cíclica dos episódios e suas consequências,
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especialmente para a saúde mental das vítimas, acredita-se que as teorias que abordam a
dependência emocional e as repercussões psicopatológicas do abuso têm a capacidade de
explicar a maioria dos casos em que a vítima não consegue romper o relacionamento violento.
Com base nas teorias mencionadas acima, podemos identificar uma série de fatores que
explicam a persistência da vítima em um relacionamento permeado pela violência conjugal.
Um desses fatores, conforme Kist (2019) destacou nas teorias do segundo grupo, está
relacionado ao aspecto emocional da vítima, como a dependência afetiva, a necessidade de ter
alguém como referência, o medo da solidão e o receio de enfrentar a vida sozinha. Essas
circunstâncias levam à submissão e à sujeição às agressões. Além disso, a falta de autoestima,
resultante do desamparo aprendido, contribui para a fragilidade e impotência da vítima.
Também é comum a presença de compaixão pela figura do agressor, já que muitas mulheres
simplesmente desejam que a violência acabe.
Outras motivações apontadas por Kist (2019) para persistência da vítima em um
relacionamento violento envolvem a valorização da família e a importância da figura paterna
na educação dos filhos, bem como a preocupação com o bem-estar das crianças. Também há a
idealização do amor e do casamento, juntamente com uma tendência a manter a relação de
acordo com os padrões tradicionais de socialização feminina, que enfatizam relações
duradouras para a vida toda. Além disso, a falta de apoio familiar e a pressão para que a vítima
se acomode ao conflito são fatores relevantes.
Kist (2019) também acredita que persistência da vítima em um relacionamento violento
envolvem a valorização da família e a importância da figura paterna na educação dos filhos,
bem como a preocupação com o bem-estar das crianças. Também há a idealização do amor e
do casamento, juntamente com uma tendência a manter a relação de acordo com os padrões
tradicionais de socialização feminina, que enfatizam relações duradouras para a vida toda. Além
disso, a falta de apoio familiar e a pressão para que a vítima se acomode ao conflito são fatores
relevantes.
Segundo Kist (2019), o isolamento imposto pelo agressor, proibindo amizades e contato
com familiares, assim como o cárcere privado, e as ameaças que a vítima enfrenta ao tentar
encerrar o relacionamento conjugal, também desempenham um papel significativo. Essas
ameaças podem envolver danos a si mesmo (suicídio), aos filhos ou à própria vítima e seus
familiares.
Para Kist(2019), não se pode ignorar a dependência econômica e a falta de capacitação
profissional da vítima para sobreviver sem o apoio financeiro do agressor. Também é
mencionado o medo de perder a guarda dos filhos, o constrangimento causado pela divulgação
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das agressões e da eventual separação perante amigos e familiares, a culpa por não conseguir
manter o relacionamento e a vergonha por não ter escolhido um parceiro melhor.
Em concordância, Cruz et al. (2019) (apud BACHENHEIMER, 2021) afirmam que
existem várias dificuldades envolvidas ao tentar sair de um relacionamento assim, e elas podem
estar relacionadas a diferentes aspectos, como questões financeiras, emocionais e afetivas, bem
como os obstáculos burocráticos envolvidos em um processo de separação, que tende a ser
demorado e desgastante. A opressão e submissão que as mulheres enfrentam nesse contexto
podem ser atribuídas, em grande parte, a fatores econômicos decorrentes da propriedade
privada, bem como às divisões de classes sociais e às condições em que vivem, que estão
intrinsecamente ligadas aos modos de produção e reprodução da sociedade.
Além disso, a esperança de que o parceiro possa modificar seu comportamento também
é um fator que contribui para a persistência da vítima, especialmente durante a fase da "lua de
mel" após os episódios de violência.
Portanto, para Kist (2019) existem várias motivações possíveis, muitas vezes
combinadas, que resultam em uma mistura de sentimentos, como medo, culpa, compaixão,
amor, vergonha e insegurança. Esse fenômeno é complexo e sua intensidade aumenta quando
há uma influência significativa do desamparo apreendido, o que afeta tanto a denúncia da
violência quanto a manutenção do relacionamento abusivo.
8 Redes de apoio
Segundo Alves e Apel (2021), é comum identificar três níveis que desempenham um
papel fundamental no combate ao problema da violência doméstica: redes primárias,
intermediárias e secundárias.
As redes primárias consistem em todas as relações que uma mulher estabelece em seu
cotidiano. Essas relações incluem familiares, vizinhos, amigos, colegas de trabalho e
participantes de organizações políticas, religiosas e socioculturais. Essas pessoas costumam ser
as primeiras a serem acionadas pelas mulheres em situação de violência e têm uma influência
significativa na tomada de decisão de denunciar. Quando as mulheres percebem que têm apoio
nesse primeiro momento, sentem-se encorajadas a fazer denúncias ou até mesmo a sair de um
relacionamento abusivo.
As redes intermediárias são compostas por pessoas que receberam treinamento para
atender mulheres em situação de violência. Esses indivíduos trabalham em áreas como saúde,
educação, igrejas ou são membros da própria comunidade. Todos desempenham um papel
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9 Educação e Informação
De acordo com um estudo conduzido pelo Senado Federal, a maioria das mulheres
desconhece os recursos disponíveis e os detalhes da Lei Maria da Penha.
Conforme Alves e Apel (2021), embora elas tenham ciência da existência da lei, muitas
não estão familiarizadas com seu conteúdo, seus direitos e as diferentes formas de violência
doméstica que são abrangidas por ela.
Para Alves e Apel (2021) a educação e a informação desempenham um papel
fundamental no combate à violência doméstica. No entanto, enfrentamos um desafio
considerável devido à persistência de uma sociedade patriarcal, na qual as mulheres ainda
sentem a pressão de tolerar diversos tipos de violência dentro de casa. Muitas vezes, elas
suportam o sofrimento por acreditarem que o casamento deve ser eterno e que qualquer
problema deve ser superado em prol do "bem-estar da família".
Por meio da educação e da informação, é possível conscientizar as mulheres sobre
situações de violência e, o mais importante, motivá-las a buscar formas de se libertar do ciclo
da violência doméstica.
10 Considerações finais
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gênero. Somente assim poderemos construir um futuro mais justo e igualitário para as mulheres
que enfrentam a dura realidade dos relacionamentos abusivos.
11 Referências bibliográficas
ALMEIDA, Dulcielly Nóbrega; PERLIN, Giovana Dal Bianco; VOGEL, Luiz Henrique;
WATANABE, Alessandra Nardoni. LEI FÁCIL VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER. 1. ed.
Brasilia: Edições câmara, 2020. E-book.
BEAUVOIR, Simone. O segundo sexo. 4. ed. São Paulo: Difusão europeia do livro, 1970.
BIANCHINI, Alice; et.al. Violência Doméstica 12 anos da Lei Maria da Penha. 1. ed. São
Paulo: Especial, 2018.
BIANCHINI, Alice; GOMES, Luiz Flávio. Lei Maria da Penha Lei n°11.340/2006: Aspectos
assistenciais, protetivos e criminais da violência de gênero. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2014
PAIXÃO, Rosa Maria F.de B. Falcão. Violência doméstica contra a mulher: Reflexões acerca
do cuidado. 1. ed. Garanhuns, 2018. E-book.