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Violência nos Relacionamentos de Lésbicas e Associações

com Rede de Apoio e Suporte Social

October 17, 2023 14:00 , Leave a Comment , Paidéia

Letícia Yuki de Araujo Furukawa, Doutoranda em Psicologia, Universidade Federal de


São Carlos (UFSCar), São Carlos, SP, Brasil.
Alex Sandro Gomes Pessoa, Docente do Departamento de Psicologia e do Programa
de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar),
São Carlos, SP, Brasil.
André Vilela Komatsu, Professor Visitante em Max-Planck-Institut für
Bildungsforschung (MPIHD), Berlin, Alemanha.

A violência em relacionamentos consiste em um subtipo de violência interpessoal, cujas


condutas causam danos físicos, psicológicos ou sexuais e podem envolver ações
controladoras direcionadas à parte considerada mais vulnerável da relação (Messinger,
2011). A falta de diálogo sobre a violência dentro da própria comunidade de Lésbicas, Gays,
Bissexuais, Transsexuais e Queers (LGBTQ+) reforça a omissão, entre outros motivos, pelo
medo de fortalecer estereótipos negativos sobre a comunidade.
Mulheres lésbicas vítimas de violência em relacionamentos enfrentam uma dupla
discriminação, pois, além de sofrerem preconceito por se relacionarem com outras
mulheres, sofrem com o impacto do fenômeno intitulado “duplo armário” (Topa, 2010). O
primeiro armário se refere ao termo popular conhecido como “estar no armário”, quando
lésbicas ou qualquer pessoa da comunidade LGBTQ+ escondem, ou negam, sua orientação
sexual por medo de represálias. Já o “segundo armário” seria a conduta desta mulher de
omitir do seu grupo social a violência sofrida no relacionamento íntimo (Topa, 2010).
O estudo Violência entre Parceiras Íntimas e Percepção de Suporte Social propôs dar
visibilidade a um tema pouco estudado no contexto brasileiro: a violência em
relacionamentos de mulheres lésbicas. Na pesquisa, de natureza empírica, buscou-se
avaliar a prevalência da violência nos relacionamentos de mulheres brasileiras lésbicas, bem
como verificar se a percepção de suporte social recebido é uma variável mediadora na
exposição à vitimização.
O estudo foi realizado durante a pandemia da COVID-19, entre 2020 e 2021. Participaram
634 mulheres lésbicas, com idades entre 18 e 58 anos, que responderam três questionários:
(i) variáveis socioeconômicas; (ii) uma escala sobre a presença de conflitos e violência nos
relacionamentos; (iii) acerca da percepção do suporte social que recebiam.
Decorrente da dissertação de mestrado em Psicologia de Letícia Yuki de Araujo Furukawa,
sob orientação dos Professores Alex Sandro Gomes Pessoa e coorientação de André Vilela
Komatsu, a pesquisa foi realizada junto ao Laboratório de Análise e Prevenção da Violência
(LAPREV), que reúne pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento. Neste coletivo
são desenvolvidas inúmeras ações de pesquisa e intervenção direcionadas a grupos que
são mais recorrentemente vitimados por situações de violência familiar ou comunitária. O
laboratório está vinculado ao Departamento de Psicologia e ao Programa de Pós-Graduação
em Psicologia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

Imagem: Istock.

Os resultados da pesquisa indicaram a existência de quatro grupos: Grupo 1 (23% da


amostra) caracteriza-se por baixa probabilidade de sofrer violência e alta probabilidade de
apoio social, indicando ser o grupo de mulheres com o relacionamento mais saudável e com
melhor rede de apoio. O Grupo 2 (50%) também possui baixa prevalência de violência,
porém, possuem baixo apoio social, o que as coloca em uma condição de vulnerabilidade.
O Grupo 3 (5%) consiste em mulheres que possuem alto apoio social, mas ainda assim
sofrem violência, denotando a possibilidade de o apoio social atuar como fator protetivo em
alguns estratos, mas não em outros. Por último, o Grupo 4 (22%) foi composto por mulheres
com altos indicadores de violência em seus relacionamentos e baixa rede de apoio,
representando o grupo com maior vulnerabilidade para a violência em relacionamentos.
Os Grupos 1 e 4 corroboraram com a hipótese inicial do estudo. No caso do Grupo 4,
confirmou-se que lésbicas com menor apoio social sofrem mais violência. Pode-se afirmar
que este grupo é o mais vulnerável, pois o baixo acesso a apoio social pode interferir
diretamente na probabilidade dessas vítimas procurarem por ajuda ou continuarem em
relacionamentos abusivos. No Grupo 1, as relações interpessoais são mais encorajadoras
e podem mobilizar essas mulheres a buscarem relacionamentos mais construtivos. Os
Grupos 2 e 3 apresentaram outras possibilidades da relação entre violência e apoio social
que não eram esperados. No Grupo 2, outros fatores de proteção parecem estar operando;
já no Grupo 3, questões como o estigma e o duplo armário (Topa, 2010) podem estar
interferindo nos desfechos.
Este estudo cumpriu com o objetivo de identificar as diferentes particularidades da relação
entre Percepção de Suporte Social e Violência em relacionamentos homossexuais de
mulheres. A constatação dos quatro agrupamentos, que denotam a diversidade de padrões
de manifestação dessas duas variáveis, mostra a complexidade e heterogeneidade do
fenômeno.
Esses achados demonstram a importância de especializar os programas e políticas de
prevenção primária e secundária, visto que as pessoas (e seus relacionamentos íntimos)
apresentam características de funcionamento e necessidades específicas. O presente
estudo mostrou que o Suporte Social pode atuar como um importante fator de proteção
contra a Violência, mas também evidenciou que nem sempre é suficiente para impedir a
violência nos relacionamentos entre mulheres.
Pesquisas futuras devem se debruçar na análise de outras variáveis, como a influência de
habilidades sociais, resiliência, características de personalidade, disparidade econômica
entre o casal, histórico de agressão no passado da vítima e da agressora e nível de
informação da vítima sobre violência nos relacionamentos. A inclusão de novas variáveis
relevantes para o fenômeno vai contribuir para o melhor entendimento da etiologia da
violência entre mulheres lésbicas que se relacionam afetiva e sexualmente.

O contexto brasileiro apresenta inúmeros desafios para a publicação de periódicos


científicos, o que implica na necessidade constante de adaptação e aprimoramento. Nesse
sentido, a Paidéia encontra-se em um processo de evolução contínua, realizando um
conjunto de ações em duas direções principais.
A primeira delas consiste em aprofundar o processo de internacionalização, iniciado com a
publicação de manuscritos em inglês. Para isso, o periódico tem integrado editores de
universidades estrangeiras ao seu corpo editorial, além de buscar sua indexação em outras
bases de amplo alcance pela comunidade científica internacional.
Imagem: Freepik.

A segunda está relacionada ao compromisso do periódico com os princípios da ciência


aberta. A Paidéia já vem adotando uma série de medidas, como a divulgação dos editores
que atuam no processo de tramitação de artigos e a criação de um regimento que explicita
os processos editoriais.
Além disso, outras práticas estão sendo implementadas, dentre elas o incentivo
aos preprints e à disponibilização dos bancos de dados dos estudos publicados, juntamente
com a adoção de um sistema de pareceres compartilhados entre os avaliadores de cada
manuscrito.

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