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FACULDADE MULTIVIX VILA VELHA

CURSO DE PSICOLOGIA

JÉSSICA OLIVEIRA DOS REIS


JOCIENE SILVA DA CRUZ

RESENHA CRÍTICA SOBRE GRUPOS TERAPÊUTICOS COM AGRESSORES


CONJUGAIS

VILA VELHA/ES

2023
JÉSSICA OLIVEIRA DOS REIS
JOCIENE SILVA DA CRUZ

RESENHA CRÍTICA SOBRE GRUPOS TERAPÊUTICOS COM AGRESSORES


CONJUGAIS

Trabalho acadêmico apresentado ao curso superior de


Psicologia da Faculdade Multivix Vila Velha, como
requisito parcial na disciplina de Psicologia de Grupos.

Profª Mest. Débora Pérsio Gonçalves

VILA VELHA/ES

2023
CORTEZ, Mirian Béccheri; PADOVANI, Ricardo da Costa; WILLIAMS, Lúcia Cavalcanti
de Albuquerque. Terapia de grupo cognitivo-comportamental com agressores conjugais.
Estudos de Psicologia, Campinas, v. 22, n. 1, p. 13-21, jan./mar. 2005

A presente resenha crítica objetiva discorrer por meio de um breve ensaio


científico avaliativo a temática da agressão conjugal sob a ótica de um grupo
psicoterapêutico, a princípio, por meio da terapia cognitivo-comportamental,
apresentando as principais características e contribuições da intervenção para este
fenômeno social complexo e multifacetado. Reconhecidamente, a violência é um
fatídico acontecimento que rodeia o cotidiano das cidades urbanas e rurais, sobretudo,
dentro dos lares domésticos e das vidas familiares.
É de se imaginar que o homem ao exercer a figura paterna e conjugal, dotada de
privilégios e prestígios sociais, exerce um poder dominante e estrutural na nossa
sociedade. Contudo, quando o homem exerce o domínio da força para agredir suas
companheiras, o seu papel e a função exercida por este sujeito passa a ser
questionada pelos familiares e amigos no derredor. Neste ensaio, a figura do homem
será objeto de problematização, haja vista a sua dupla figuração central como agressor
e familiar da vítima, o que abrange uma complexa relação de afetos e desafetos, que
estão para além do relacionamento conjugal - e que nem sempre são percebidos pelas
mulheres, vítimas de agressão doméstica e/ou conjugal.
Em “Dominação Masculina”, Pierre Bourdieu (1998/2018) retrata como a
masculinidade é elemento e objeto de poder, instrumentalizando a dominação da figura
feminina e configurando inúmeras desigualdades sociais, que denotam superioridade
aos homens e inferioridade as mulheres.
Na sociedade patriarcal, a dominação masculina é inquestionável, é fonte
material e imaterial de um ciclo de privilégios aos homens, em sua maioria, "provedores
do lar", que ocupam diversos espaços e posições sociais de prestígio, exercendo poder
sob a figura feminina, que destoa no outro lado da balança: o de servilidade,
desprestígio, silenciamento, fragilidade ou de irrelevância.
Estes fatos constituem o pressuposto de que há uma legitimação de contextos
hostis e agressivos na qual as mulheres estão sujeitas, independente do ambiente, pois
dentro ou fora do lar, há uma condição subalterna de discrição e submissão do
feminino, que, de certo modo, normaliza a violência de gênero praticada por agressores
conjugais.
No texto “Terapia de grupo cognitivo-comportamental com agressores conjugais”,
artigo produzido por Mirian Béccheri Cortez, Ricardo da Costa Padovani e Lúcia
Cavalcanti de Albuquerque Williams, publicado no ano de 2005, apresenta-se uma
proposta de grupo psicoterapêutico a agressores conjugais e avalia-se a eficácia dessa
intervenção para eliminar ou reduzir a violência de homens que agridem as suas
esposas.
Ao abordar a teoria da aprendizagem social de Bandura, os autores discutem a
relação indivíduo-ambiente, haja vista que, essa relação dual é interdependente, pois o
ambiente transforma o sujeito, ao mesmo tempo que, o sujeito transforma o ambiente.
No entanto, em que momento o ambiente contribui para a aquisição, manutenção e
modificação do comportamento agressivo?
Em outras palavras, como o ambiente corresponde às respostas de agressão e
tende a repercutir esses comportamentos na sua aprendizagem (como os indivíduos
aprendem e/ou tornam-se agressivos?), no controle e na reprodução desses (como os
ambientes podem contribuir ou não para o comportamento agressivo?); ou então, na
modificação desses comportamentos (quando os indivíduos diminuem ou deixam de se
comportar agressivamente?).
Ao suplantar um modelo de masculinidade, a aprendizagem do comportamento
violento (ou agressivo) pode ser transmitido por meio de modelos culturais e familiares,
nas quais as crianças estão propensas, constituindo uma reprodução de um histórico
de agressões intrafamiliares na vida adulta. Segundo a teoria de Bandura e outros
autores1, num estudo experimental com crianças, atestou-se que a aprendizagem da
violência por meio de modelos agressivos aponta a uma tendência a imitar modelos e
aumentar a frequência da violência a partir da influência de modelos do mesmo sexo,
sendo os meninos mais violentos que as meninas. Historicamente, esta dinâmica de
poder e influência parte de um modelo mais aceito socialmente, que credibiliza ao
homem o uso da força para a resolução de conflitos. Sendo assim, à medida que, os
1
Ver mais em: Bandura, A., Ross, D., & Ross, S.A. Transmission of aggression through imitation of
aggressive models. Journal of Abnormal and Social Psychology, v. 63, n. 3, p. 575-82, 1961.
homens experienciam e presenciam brigas entre os pais durante a infância, existe 3 a 4
vezes mais probabilidade destes reproduzirem esse comportamento e agredirem suas
esposas.
Em contrapartida, os autores não buscam se esgotar da temática, isso é, não
pretendem fornecer respostas robustas e extensas acerca do fenômeno da agressão
conjugal, ou mesmo, da violência e dominação masculina no ambiente doméstico. Mas,
sim, apresentar os resultados originais de uma pesquisa desenvolvida no seio do
Programa de Intervenção a Vítimas de Violência Doméstica nas Delegacias de Defesa
da Mulher (DDM) e no Conselho Tutelar de São Carlos/SP, viabilizando alternativas de
tratamento aos agressores e as vítimas.
Deste modo, a literatura especializada destaca que há algumas características
comuns aos agressores conjugais, tais como, sentimentos de ciúme, possessividade,
inferioridade, insegurança e baixa auto-estima, associada a visões de mundo
estereotipadas de gênero, histórico de violência ou negligência familiar na infância, uso
abusivo de álcool e drogas, somadas a culpabilização da vítima e minimização e/ou
negação da agressão/comportamento agressivo.
Dentre os fatores estressores estão as dificuldades financeiras, o desemprego,
os conflitos intrafamiliares ou judiciais. Muitas vezes, são fatores associados à agressão
por representarem o estopim do ato, e não as causas principais ou unilaterais, isso é, a
agressão nem sempre se justifica por meio dessas intercorrências, mas podem
promover ou potencializar, ainda mais, o comportamento agressivo.
Essa realidade também é contínua e ininterrupta, pois, há uma conivência da
sociedade no estímulo e a exibição da força e da agressividade masculina, que
reforçam a ideia de que tais comportamentos e atos perversos (e criminosos) são
aceitos e/ou normalizados pela sociedade, permanecendo impunes. Portanto, se
reproduzem continuamente.
Com a criação e o desenvolvimento de programas de curto e a longo prazo de
tratamento aos agressores e atendimento psicológico e jurídico as vítimas, torna-se
evidente a necessidade do uso de técnicas, ferramentas e instrumentos psicológicos
para o acompanhamento e a intervenção dos casos denunciados de violência física,
psicológica, moral, sexual e patrimonial.
A contramão da proposta grupal são as múltiplas possibilidades de trabalhar o
manejo da responsabilização e da ressignificação da culpabilização da vítima,
tornando-a responsabilidade moral e efetiva do agressor, o que possibilita o repensar
sobre o ato violento e, consequentemente, criminoso. Outra justificativa está no fato de
que os grupos são mais efetivos, se comparados aos atendimentos individuais, pois
garantem a identificação entre pares e contribui para a desinibição e a diminuição do
desconforto da exposição pública.
Por meio de uma avaliação empírica, nota-se que os agressores possuem
dificuldades de assertividade, atitudes relacionadas às intimidade, redução da eficácia
profissional, baixa auto-estima, além de níveis crescentes da hostilidade, culpa,
ansiedade e depressão. Neste contexto, tornam-se propícios os espaços jurídicos, seja
no sistema prisional, em específico, nas penitenciárias de regime fechado ou
semi-aberto, ou mesmo, nas DDM e Conselhos Tutelares.
No que tange as técnicas para condução e desenvolvimento do grupo,
destacam-se, a responsabilização da agressão, o controle da raiva, o domínio da
assertividade para comunicação e comportamento não violento através do role-playing,
que trata-se de uma encenação com psicoeducação, e a técnica de time-out, que
consiste na retirada voluntária e consciente do indivíduo do local e/ou contexto
estressor para manejar a raiva e controlar suas emoções internamente.
Outro fator relevante é o treino de relaxamento e de assertividade, em conjunto a
auto-observação, pois o posicionamento crítico e consciente do agressor perante a um
contexto que probabiliza a violência pode ser indispensável para a identificação e
controle das emoções mais impulsivas e, por conseguinte, mais explosivas. No
aprendizado da comunicação assertiva, o sujeito passa a atribuir a uma classe de
respostas um conjunto de características que podem ser compreendidas e
internalizadas ao casal, podendo ser passiva (conveniente), assertiva (adequada) e
agressiva (inadequada), eliminando ou reduzindo o comportamento violento.
Utilizou-se também a Escala de Táticas de Conflito Revisada (Conflict Tactics
Scale Revised -CTS-2), de Straus, Hamby, Boney-McCoy e Sugarman (1996), que visa
medir a extensão dos diferentes tipos de violência (física, psicológica e sexual) e as
estratégias dos indivíduos de lidar com conflitos, contendo cinco itens: negociação,
violência psicológica, violência física, coerção sexual e ferimentos. Essas avaliações
psicológicas se deram em três diferentes períodos de acompanhamento (follow-up), Isto
é, o acompanhamento dos casos com base nos intervalos de tempo dos grupos, sendo
3, 6 e 12 meses pós-grupo, respectivamente.
Diferentemente do feedback, este conceito oriundo da administração/marketing
visa um acompanhamento progressivo, que busca informações específicas dos
usuários, e não apenas uma avaliação da performance ou do processo do grupo. Pode
ser feito de múltiplas formas, a citar, via telefone (ligação), email, Whatsapp,
videochamada, chat, etc.
Contou-se também com outras estratégias de avaliação, tais como, as
entrevistas individuais com os agressores, que permitiu traçar o perfil psicossocial,
histórico familiar, dinâmica do relacionamento conjugal, entre outros dados pessoais e
do estado emocional/saúde; o auto-relato semanal: Durante a participação grupal, o
terapeuta é capaz de recolher as estratégias utilizadas pelos participantes (que foram
transmitidas previamente como tarefas de casa), visando, não apenas a avaliação da
eficácia da intervenção grupal, mas também, o feedback e o desenvolvimento dos
participantes a respeito das técnicas e tratativas repassadas pelos profissionais durante
a prática grupal; o Questionário de Satisfação com o Tratamento (Larsen, Attkinson,
Hargreaves & Nguyen, 1979), que mede o grau de satisfação do participante em
relação ao tratamento ofertado durante a prática grupal; a Entrevista de Avaliação da
Intervenção Psicológica (Williams, 2001), que avalia a motivação e satisfação a respeito
de sua participação no grupo, estando aberto para sugestões e outros pontos; além da
Entrevista de Acompanhamento sobre o Relacionamento Conjugal (Williams, 2001)
voltada para as parceiras antes, no final do grupo e pós-grupo (nos períodos de
follow-ups), com uma descrição do relacionamento pós-intervenção ou recolher novas
denúncias ou práticas, isto é, a reincidência da agressão, propriamente dita.
Embora a intervenção tenha alcançado o seu objetivo, entende-se que é de
difícil e complexa mensuração a reincidência da agressão conjugal, visto que o espaço
privado é um campo em constante disputa, impossibilitando uma visão mais parcial da
realidade, uma vez que, dois casos reincidiram as agressões e um deles resultou na
separação do casal, imperando um discurso de que a única alternativa e desfecho
possível é a restauração do matrimônio a qualquer custo. Ao passo que, os autores
poderiam explorar de outras estratégias, como penalidades jurídicas mais rigorosas, a
criação positiva e a reeducação da masculinidade nos homens na infância, o
empoderamento feminino e a dinâmica do divórcio (ou o término do relacionamento
conjugal), bem como políticas de suporte emocional e financeiro a mulheres em
processo de divórcio ou separação.
Há de se considerar também que pelo ano de publicação e pelo objeto de
estudo, a matriz heterossexual elegia-se com uma presença atuante e marcante. Ainda
que bastante relevante e incipiente - acadêmica e socialmente -, a violência intrafamiliar
entre casais homossexuais, ainda não era um objeto de investigação com muito
destaque na época, considerando os estigmas e preconceitos que estão presentes na
sociedade brasileira, fazendo com que muitas destas temáticas caiam no
esquecimento. É injusto, por outro lado, classificar os autores como preconceituosos,
considerando as políticas públicas nos anos 2000 a 2010, em específico, que
desenvolveram programas e iniciativas jurídicas de defesa dos direitos das mulheres e
de combate a violência de gênero, em destaque, a Lei Maria da Penha (Lei n.º
11.340/2006). Ademais, nos anos posteriores, pode-se postular que houve uma onda de
pesquisadores voltados para as temáticas dissidentes, isto é, que contemplava e
analisava a realidade social de outras minorias políticas.
Por fim, compreende-se que a problemática da agressão conjugal inicia-se
quando a desigualdade social entre homens e mulheres sobrepõem-se a luta de direitos
políticos e de igualdade e emancipação das mulheres. Para a mudança deste cenário,
urgem-se políticas públicas mais eficientes no acompanhamento dos casos e que
oportunizam o atendimento psicológico e jurídico adequado as vitimas, assim como
medidas penais alternativas para a intervenção com os agressores.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. Tradução de Maria Helena Kühner. 6ª


ed. Rio de Janeiro: BestBolso, 2018 [1998].

CORTEZ, Mirian Béccheri; PADOVANI, Ricardo da Costa; WILLIAMS, Lúcia Cavalcanti


de Albuquerque. Terapia de grupo cognitivo-comportamental com agressores conjugais.
Estudos de Psicologia, Campinas, v. 22, n. 1, p. 13-21, jan./mar. 2005.

SILVEIRA, Regina Célia Pagliuchi da. Uma contribuição para o estudo do ensaio
científico. Letras & Letras, Santa Maria, 1991.

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