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Faculdade de Psicologia
Belo Horizonte
2023
Julia Duarte Bidu Ferreira
Belo Horizonte
2023
Julia Duarte Bidu Ferreira
The aim of this monograph was to investigate the concept of affective and loving
relationships in women who have experienced abusive relationships. The research
was conducted with the participation of three women who have entered or remain in
abusive love relationships, but who can already identify the problems of the
relationship. Additionally, we sought to understand these women’s perspectives, giving
voice to their experiences and narratives, uncovering the events and emotions that
permeated their lives before, during, and after the painful periods of toxic relationships
with their spouses. The research approach was qualitative and the research instrument
used was a semi-structured interview. The data was analyzed using thematic analysis.
We obtained results on how the family. We obtained results on how family played an
important role in the conception of the relationship and even in its advancement, the
victims’ self-esteem that was severely affected, damages also in their careers, studies,
and interpersonal relationships. Furthermore, it was found that what kept them in the
relationship was the validation they received from their romantic partner, emotional
dependence, and in one of the interviews, children and financial situation as well.
Throughout this work, we delved deeply into these women’s individual stories to shed
light on the complex layers that involve emotional and psychological abuse and thus
contribute to a more comprehensive understanding of this problem that affects
countless lives.
1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 6
4 METODOLOGIA .................................................................................................... 21
5.3 Visão das mulheres sobre uma relação ideal e relação abusiva ............... 29
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 48
1 INTRODUÇÃO
Diante do exposto, o objetivo geral deste estudo foi investigar de que forma
mulheres que passaram por um relacionamento abusivo construíram a concepção de
relacionamentos afetivos e amorosos no decorrer da vida e quais pontos recorrentes
podem ser interpretados como um indicativo de maior vulnerabilidade. Em vista disso,
os objetivos específicos se consistiram em investigar a caracterização sóciohistórica
e conceitual de questões de gênero, patriarcado e heteronormatividade, averiguar a
violência de gênero, verificar o que mulheres entendem por relacionamento abusivo,
investigar as razões que levaram mulheres a ingressar e permanecer em uma relação
abusiva, analisar os sinais que fizeram com que a relação abusiva fosse identificada,
verificar as consequências de uma relação abusiva, indagar como e se o
relacionamento abusivo foi finalizado e apurar a interseção da psicologia e
relacionamento abusivo.
O tema escolhido para a pesquisa, tornou-se uma opção de estudo para nós
discentes devido à nossa trajetória na graduação, vivências pessoais e nossa
sensibilidade ao cenário atual em torno das relações amorosas e questões intrínsecas
a suas potencialidades em tornar-se nocivas, em especial para as mulheres. Com
isso, indagações a respeito dessa temática, faz justificável a importância e relevância
do trabalho.
As vivências e interesses que cada sujeito possui, constroem suas
particularidades e subjetividade, o que interfere na sua escolha de um(a) parceiro(a)
para um relacionamento amoroso e na forma como será estabelecida essa relação.
Nessa perspectiva, evidencia-se o interesse em saber como se dão os
relacionamentos abusivos, priorizando a visão das mulheres vítimas desses
relacionamentos e buscando identificar convergências de experiências e concepções
comuns entre elas que podem as ter tornado mais vulneráveis, além das motivações
que as manteve neste relacionamento.
Com isso, o presente estudo faz-se relevante na medida que poderá verificar
fatores de riscos que podem desencadear no ingresso da mulher em um
relacionamento abusivo. Ademais, identificar promotores intrínsecos da sociedade
atual que influenciam os comportamentos da vítima e do abusador, como construção
de gênero e papéis impostos, condições socioeconômicas e questões raciais.
De acordo com os dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2020,
o Brasil registrou 1.350 casos letais de feminicídio, além disso, divulgou que os índices
de boletins de ocorrência decorrentes da violência doméstica tiveram um declínio em
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2020, quando comparado com o ano anterior, mas apresentou crescimento nos
números de atendimentos pelo mesmo crime, por meio de denúncias do 190 (telefone
de emergência policial) (AUTONOMIA [...], 2021). Logo, esses dados corroboram com
a preocupação mostrada pela Organização das Nações Unidas (ONU) no mesmo ano,
em prevenir e combater a violência doméstica, visto que, neste período o mundo
estava enfrentando o início da pandemia da covid-19, onde as pessoas encontravam-
se isoladas em casa, o que levou ao aumento dessa violência em questão. Neste
sentido, é notável a importância da presente pesquisa para compreender como as
relações abusivas se iniciam, para assim contribuir na construção de meios para
prevenir e combater esse tipo de violência, já que mulheres são os principais alvos
dessas agressões, pois, na maioria das vezes, dormem com os seus abusadores e
potenciais assassinos.
Além disso, motivações pessoais decorrentes de experiências de estágios
durante a graduação em Psicologia fez com que o interesse por essa temática sobre
relações disfuncionais aumentasse, assim como a vontade em dar voz às mulheres
inseridas nesse cenário. Com o trabalho desenvolvido em mediação de conflitos, no
Serviço de Assistência Judiciária (SAJ) promovido pela Pontifícia Universidade
Católica (PUC), nos deparamos de maneira recorrente com demandas em que as
mulheres se encontravam ou tinham passado por relacionamentos disfuncionais.
Assim como, nossa vivência em atendimentos psicoterapêuticos na Associação de
Proteção e Assistência ao Condenado (APAC) feminina, em que nos deparamos com
várias recuperandas que estavam em um relacionamento violento antes de serem
submetidas ao julgamento, inclusive em muitos casos elas eram cúmplices de crimes
realizados por esses parceiros, mas foram abandonadas por eles quando privadas de
liberdade.
Sendo assim, essas práticas somaram ao nosso descontentamento já
existente, das intensas representações em obras cinematográficas e livros e até
mesmo da retratação midiática, sobre relacionamentos nocivos de forma romantizada.
Dessa maneira, tornando-se presente no cotidiano das pessoas e assim, colaborando
para a propagação de discursos sexistas e fortalecendo um imaginário social sobre o
papel da mulher em um relacionamento afetivo e como ela “deve ser”, sendo capaz
de ser machucada, mas ainda assim, tolerar e mudar seu agressor. Com isso,
perpetuando narrativas problemáticas e machistas, que constrói uma ideia equivocada
sobre amor e relação, dificultando a prevenção e combate das relações abusivas.
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seja no contexto sexual, na geração de herdeiros, utilizada como mão de obra barata
em trabalhos, que apesar de essenciais, consideram ter menor prestígio na hierarquia
social, refletindo inclusive na inserção da mulher no mercado de trabalho e na
discriminaçao salarial e ocupacional.
Logo, evidencia-se como está enraizado aquém da consciência social, papéis
de dominantes e explorados. Exemplos desses cenários é a naturalização do
patriarcado, em que podemos pensar nas mulheres vítimas dessa opressão, mas que
também podem desempenhar um papel de contribuição para essa violência, visto que
estão inseridas nesse modelo de sociedade de funcionamento machista, sendo
apenas nesse contexto que elas assumem essa função ambivalente de vítima e
cúmplice dessa opressão.
Neste sentido, apresentado por Saffioti (1989) na obra “Mulher e Dignidade dos
Mitos da Libertação”, a violência e a ideologia se complementam, pois o patriarcado
construiu uma ideologia de gênero intensamente enraizada e naturalizada
socialmente. No entanto, quando há uma resistência por parte do grupo oprimido -
neste caso, mulheres - a violência é muitas vezes usada como uma forma de manter
a lógica de exploração. Nesta ideologia, o poder é entregue ao homem assim que
nasce, apesar de questões raciais e econômicas ditarem o nível desse poder, uma
mulher sempre estará em uma posição inferior ao homem em relação ao poder nessa
dinâmica social sexista. Além disso, para compor essa lógica opressora, verdades e
inverdades a basearam, a fim de lhe atribuir credibilidade. Apontamentos sobre a
anatomia da mulher e sua fisiologia são usados como argumentos, no entanto, eles
são frágeis ou até mesmo se tornaram irreais, conforme os avanços tecnológicos e
científicos da sociedade atual, portanto, não possuindo justificativas coerentes para a
ausência de poder a mulher.
Segundo Saffioti (1989), a ideologia não é sempre absoluta para assegurar a
superioridade do sexo masculino sobre o sexo feminino, no entanto, muitas vezes os
homens usam a força física para impor seu domínio, tendo em vista que a violência
física colabora para a supervalorização do poder masculino. Assim, as relações de
dominação-subordinação entre os dois diferentes tipos de sexo são sempre mediadas
pela violência, seja ela simbólica, que é mais sutil e direcionada a um sujeito
específico, ou física, utilizada para reforçar a ideologia.
Sendo assim, considerando que os comportamentos e as consequências
provenientes desse tipo de relações de dominação-subordinação nem sempre são
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é um dos últimos mecanismos que será utilizado para manter o controle e quando ela
ocorre, enquanto a manipulação psicológica já está estabelecida na relação.
O agressor usa a violência psicológica para desacreditar a imagem da mulher
e fazê-la sentir-se desvalorizada e desprezada. Esse tipo de violência é um processo
gradativo e cumulativo e cria um vínculo psicológico que, ao longo do tempo, pode
levar a uma perda da autoestima da vítima e à construção de crenças distorcidas
sobre si mesma, resultando em autodepreciação. Isso pode ter um efeito prejudicial
sobre o bem-estar emocional e a saúde psicológica geral da mulher.
Ademais, dados apurados em uma pesquisa pelo Datafolha (ACAYABA; REIS,
2017) evidenciam que ter leis que apoiam juridicamente as mulheres que são vítimas
dessas violências e que visam punição aos seus agressores não se faz suficiente para
promover denúncias e zelar pela segurança e qualidade de vida delas, já que em 2016
a cada uma hora 503 mulheres sofrerem algum tipo de violência física, mas 52% delas
não fizeram nada após a agressão.
Diante disso, podemos considerar que o fato de 26% delas ainda conviverem
com o agressor e em 49% dos casos serem o marido ou companheiro autores da
violência, influenciam a decisão de não denunciar e até mesmo manter o convívio com
eles. Esse fato ainda elucida a complexidade de fatores inerentes da história de vida
e contexto dessas mulheres que vão além do “agir pela razão”, para conseguir se livrar
do abusador, tendo em vista que o Senado Federal (2013) relata que quase 100% das
mulheres sabem da existência da Lei Maria da Penha, mas ainda assim, questões
emocionais e socioeconômicas mantém essas mulheres como vítimas silenciadas.
Com isso, entender características e aspectos de um relacionamento abusivo é
necessário para a sua prevenção e encerramento.
4 METODOLOGIA
5 ANÁLISE DE DADOS
Neste capítulo, foi realizada uma análise dos dados obtidos por meio de
entrevistas semiestruturadas com três mulheres que já haviam passado por um
relacionamento abusivo e eram capazes de identificar que já vivenciaram tal situação.
Esses dados foram comparados com materiais de estudo de casos sobre a temática,
com o objetivo de aprofundar a compreensão sobre a vivência das mulheres em
relacionamentos abusivos. Através da análise dessas informações, foram
identificados padrões e tendências, proporcionando assim, uma compreensão mais
ampla sobre a complexidade das dinâmicas envolvidas nesse tipo de relação e sobre
o sofrimento das mulheres.
A análise foi desenvolvida a partir das seguintes categorias: categorização das
entrevistadas; contexto familiar e relações interpessoais; visão das mulheres sobre
uma relação ideal e relação abusiva; os ciclos do relacionamento abusivo; prejuízos
causados pela relação abusiva; e permanência e encerramento da relação.
Superior em
Física; Moral;
Clarice 27 26 andamento - 3 Meses 7 Meses
Psicológica
Psicologia
Física;
Pós - Graduada 2 Meses (Ainda Psicológica;
Jenyfer 26 22 em Pedagogia 3 Anos vive a dinâmica da Verbal;
Relação abusiva) Emocional;
Financeira
Fonte: elaborada pelas autoras.
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Na minha família, ninguém queria que eu casasse com ele, mas também
ninguém fazia nada. Meus pais falaram que queriam que eu não casasse com
ele, mas não faziam nada. Meus pais sabiam (dos abusos) porque as pessoas
falavam, porque eu não tinha diálogo, então eu não conversava. E outra coisa
também, eu queria sair de dentro da minha casa, porque dentro da minha
casa, meu pai me via com outros olhos. De uns treze anos para lá ele
começou a me perseguir, tentou me olhar no banheiro, aconteceram algumas
coisas que eu me fechei para a minha família e queria sair de casa.
caso seus filhos estivessem em situação semelhante, além de ponderar que conversa
muito a respeito com os filhos, a fim de preveni-los.
Já a terceira entrevistada, Jenyfer, descreve sua família como: pais casados há
mais de 40 anos, 3 irmãos todos do mesmo pai e mãe, sendo ela a caçula da família.
Relata que os pais sempre tiveram um casamento normal, que a mãe já passou por
cima de muitas mágoas para continuar o casamento com o pai, incluindo traições. E
assim como Sarah, seu contexto familiar a influenciou a sair de casa, apesar de ser
por razões diferentes. Jenyfer expõe que se casou com 18 anos por pressão da sua
mãe, que nem ela e seu falecido marido queriam dar aquele passo naquele momento,
mas por não desejarem romper com o namoro, se casaram. Já na relação abusiva,
com apenas 3 meses de namoro, mesmo não morando mais com a mãe, também
sofreu pressão para dar um passo a mais na relação, e, assim, o abusador foi morar
com Jenyfer logo no início do namoro.
Jenyfer também narra sobre o casamento dos pais, destacando que eles estão
a 40 anos juntos, já que a mãe passou por cima de muita coisa como traições e outras
mágoas para manter o casamento. Diz que apesar dos problemas nunca houve
agressão física entre eles e que hoje em dia é difícil um relacionamento durar tanto,
pois as mulheres não aceitam mais algumas situações como antigamente.
A entrevistada pontua algo que também deve ser levado em consideração,
que é a cultura em que o casal está inserido. A cultura machista que há 40 anos atrás
era ainda mais forte, é um fator que manteve muitas mulheres em casamentos, já que
mães solos e divorciadas sofriam mais intensamente com a exclusão social antes.
Neste sentido, a dinâmica de uma relação amorosa, pode ser entendida com profunda
influência das heranças familiares e culturais, que podem ocasionar em obstáculos
para modificações nas relações amorosas e levando à reprodução de características
disfuncionais de um envolvimento amoroso.
Foi levantado também nas entrevistas sobre como a família pode ser uma
rede de apoio, com potencialidade de ser um ator que favorece ou dificulta o
movimento de sair de uma relação abusiva. Isso se deve, pois, a que as pessoas
constroem respostas a cenários estressantes com base em seus recursos sociais,
como reconhecimento e valorização das suas qualidades, autoestima, senso de
controle sobre a própria vida e enfrentamento a situações traumáticas, podendo ser
compreendido também como atos de afeto e zelo direcionados ao sujeito pela sua
rede de apoio. Portanto, não por acaso uma das manobras mais comuns do abusador,
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é afastar sua vítima de familiares, amigos e tentar impedir quaisquer outras relações
interpessoais.
Todas as entrevistadas relataram afastamento ou tentativa do abusador em
afastá-las de familiares e/ou amigos. Sarah vivenciou isso, já no início da relação com
seus 15 anos na época: “A primeira coisa que a pessoa faz é te isolar, da família, dos
amigos. Ele começou a cortar minhas amizades, dava argumentos, e com quinze anos
você não tem muito conhecimento”. Em outro momento diz: “Ele cortava, não deixava
eu fazer amizade. Queria fazer as coisas sempre sozinho, nunca no coletivo, nem com
a família. Depois começou a ser violento.” Entretanto, sua família foi um elemento
significativo para conseguir romper com a relação e se reerguer após anos de
violência.
Assim como Sarah, Clarice também reconhece que foi levada a se afastar
de seu potencial rede de apoio, neste caso, seus amigos. Aponta que seu agressor
teria tirado eles dela, pois, deixava de estar com seus amigos para estar com ele e se
tornou uma pessoa mais fechada e irritada e seus amigos conseguiam perceber isso,
mesmo que ela na época não reconhecesse.
Clarice ressalta a importância da sua rede de apoio, para romper e se recuperar
dessa relação abusiva, como sua mãe e amigos que apontavam a ela
comportamentos do agressor que não eram legais, assim como também acesso a
psicoterapia, que destacou ter sido algo fundamental para sua recuperação.
Já Jenyfer, reconhece que quando reata com seu abusador, seus familiares por
saberem o teor da relação e não aceitarem a presença dele, faz com que ela se afaste
ao estar com ele. Além disso, a vítima acredita que os episódios de agressão
aumentaram após sair da casa próxima à da sua família, pois ela crê que o agressor
se sentia mais confiante em ser violento, sem ter alguém que interviesse, como já
ocorreu antes, quando morava perto dos seus pais. Em contrapartida, apesar da
intervenção da família em alguns episódios, Jenyfer não relatou a agressão física que
sofreu para os pais, sendo apenas alguns familiares próximos cientes disso:
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Depois da agressão física ele disse que era pra eu chamar a polícia, mas eu
estava assustada e só queria que ele saísse da minha casa. Eu tinha medo
de chamar a polícia pela reação dele, tem casos que o homem mata depois
disso a mulher, tinha a vergonha da minha família saber, tanto que até hoje
meus pais não sabem disso, eu tinha vergonha, não por medo do julgamento
da minha família, mas porque eu me senti pequena. Apesar de tudo, eu tinha
mais receio de prejudicar ele.
Ele já tem três filhos de mães diferentes com 29 anos, na época ele estava
muito emocionado comigo, então eu tampei meus olhos, não raciocinei na
época, será que o problema não era ele? Por que não deu certo com
nenhuma ex? Mas nunca tinha vivido isso, ele me tratava na palma da mão,
na época tinha até pessoas que falavam pra eu prestar atenção, porque ele
não deu certo com nenhuma ex, na época ele tinha 26 anos, será que todas
elas são doidas mesmo como ele falava? Eu ignorava isso, porque estava
frágil e o que ele podia fazer pra me agradava ele fazia e colocava as exs
como doidas.
5.3 Visão das mulheres sobre uma relação ideal e relação abusiva
Nesse ponto eu já comecei a entender que era tudo muito lindo, muito
sedutor, que era tudo muito maravilha, que ele não tinha defeito e, pasmem,
ele era muito bonito, isso eu não posso deixar de falar. Eu, uma mulher,
negra, gorda, eu não tinha aquela autoestima de falar assim “Eu mereço isso
e eu mereço aquilo”, então, quando eu me deparei com aquela situação de
ser escolhida por um cara lindo, eu pensei: “eu preciso ficar com esse cara
lindo”. [...] ele já tinha se relacionado com uma amiga minha, e essa amiga
minha falou comigo assim: “Não, porque ele é assim, assim, assim, assado”
e eu falei “Nossa, eu tenho que pegar esse cara”.
Ainda nesse tema, Jenyfer relata uma das primeiras vezes que notou um
comportamento problemático, após irem morar juntos com poucos meses de
relacionamento, por pressão da mãe:
O ponto mais difícil que eu passei com ele foi uma vez que, porque ele não
deixava eu sair, e eu frequentava a igreja. Eu fiquei dois anos em casa sem
sair para nada. Enfim, aí eu falei: “vou voltar a ter minha vida, eu não posso
ficar presa”, e comecei a sair, ir para a igreja, levar os meus meninos para
sair e tal. A primeira vez que eu saí, ele me bateu com um pedaço de pau que
eu ainda tenho a marca no meu braço até hoje. Da segunda vez, eu fui
espancada literalmente, ele me espancou com um fio de luz. Foi a pior
agressão física dele. Eu cheguei a ir na polícia, fazer boletim de ocorrência,
fazer corpo delito e exame médico.
O ponto mais difícil que eu passei com ele foi uma vez que, porque ele não
deixava eu sair, e eu frequentava a igreja. Eu fiquei dois anos em casa sem
sair para nada, enfim, aí eu falei “vou voltar a ter minha vida, eu não posso
ficar presa” e comecei a sair, ir para a igreja, levar os meus meninos para sair
e tal. A primeira vez que eu saí ele me bateu com um pedaço de pau que eu
ainda tenho a marca no meu braço até hoje. Da segunda vez, eu fui
espancada literalmente, ele me espancou com um fio de luz. Foi a pior
agressão física dele. Eu cheguei a ir na polícia, fazer boletim de ocorrência,
fazer corpo delito e exame médico.
Agressões assim, que fizeram as vítimas temerem pela própria vida, também
foram narradas por Clarice, quando percebeu que outras vítimas de violência em
namoros do seu abusador, sofriam perseguições e agressões. Já Jenyfer conta ter
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temido por sua vida após a primeira agressão física em que o namorado na época,
ameaçou jogar fogo nela, após atirar álcool em seu corpo.
No que se refere à influência que a relação trouxe para a autoestima das
mulheres, na pesquisa “Mulheres que vivenciaram violência conjugal: concepções
sobre suas ações, o homem autor e a experiência”, desenvolvida por Galeli e Antonini
(2018) com mulheres que denunciaram a situação de violência conjugal e se
separaram dos companheiros, foi possível perceber como as vivências do
relacionamento abusivo tiveram impacto negativo na autoestima dessas mulheres,
principalmente porque o olhar do outro e a validação do outro tinha influência
fundamental no seu autoconceito.
De acordo com Hutz e Zanon (2011), a autoestima é um componente
fundamental do modo como nos enxergamos, compreendendo um conjunto de
pensamentos e emoções que dizem respeito ao próprio indivíduo, representando a
visão pessoal dos sentimentos de auto valor. Geralmente, é uma percepção
relativamente constante ao longo da vida adulta e está positivamente relacionada à
satisfação com a vida. Pessoas com alta autoestima tendem a acreditar que vivem em
um mundo onde são respeitadas e apreciadas, experienciando um senso de
valorização em relação a si mesmas. Em contraponto, pessoas com baixa autoestima
podem experimentar sentimentos de tristeza, humor negativo, sentimento de
inadequação e incapacidade, depressão, ansiedade social.
Nesta pesquisa foi possível identificar a influência dos relacionamentos
abusivos na autoestima das mulheres e visualizar o impacto antes e depois do
término. A primeira participante, Clarice, narra que durante o relacionamento começou
a dar importância e se incomodar com questões que antes não a atingiam. Começou,
por exemplo, a se questionar sobre a forma que se vestia, e a se vestir e preocupar-
se com a opinião do ex-companheiro: “Chegou em um ponto em que eu colocava
roupas e pensava “O que será que ele vai achar? Será que ele vai achar curto? Será
que ele vai achar que está aparecendo muito o busto? Será que ele não vai gostar?”.
Relata ainda sobre essa mudança ao longo do relacionamento e como o
comportamento dele foi mudando, o que consequentemente impactou seu autovalor:
“No início, seu corpo é maravilhoso, seu cabelo é bonito, você é isso, você é aquilo,
e, no final, você tem que emagrecer, você come demais, você precisa mudar o seu
cabelo. E aí você vê necessidade de se moldar através do que aquela pessoa pediu
para você”.
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A pessoa abusadora te põe muito para baixo, ela põe você um lixo. Ela faz
você se sentir um lixo. Teve uma vez que eu estava tão para baixo, me
sentindo a mulher mais feia do mundo, do universo, até de Marte; até os ETs
ganhavam de mim. [...] Ele falava que eu tinha o corpo de velha, falava que
eu estava larga. Falava uns absurdos, que eu não era bonita, que as outras
meninas que eram princesas, fazia comparações. E você ficar ouvindo aquilo
todo dia acaba acreditando naquilo.
Eu acho que eu era uma pessoa que tinha muita luz sabe, uma pessoa
iluminada, que você sentia que você estava iluminado, era uma pessoa
disposta, era uma pessoa mais alegre. E aí hoje em dia, tipo assim, eu longe
dele eu me sinto em paz, mas eu não sou completa ainda, entendeu? Eu tô
meio tipo apagada, eu não tenho a mesma luz que eu tinha antes de
conhecer, não é a mesma felicidade, sabe? É uma coisa estranha, tipo opaco
por dentro, estranho.
Eu comecei a arranhar, a minha defesa eram minhas unhas. Teve uma vez
que ele me agrediu e eu arranhei o rosto dele com a minha unha. Eu comecei
a falar que se ele me agredisse de novo eu ia arranhar a cara dele todinha e
para todo mundo ver que ele era um espancador de mulher.
Ele falava que ia mudar. Então aí no início era tudo lindo quando a gente
começava a se envolver de novo era tudo lindo, era tudo maravilhoso que ele
faz podia fazer para me agradar ele fazia, só que quando ele via que já tava
tudo sob controle, ele começava de novo.
Eu falava “olha, se você não mudar e parar com essa droga, violência, eu vou
te largar, porque os meninos estão crescendo e eu não vou deixar os meus
filhos crescerem vivendo isso”, porque até quando era só eu sofrendo, tudo
bem, mas quando eu comecei a ver meu filho mais velho sofrer, apanhar
também, e ver aquela violência [...]. Ele virava para o pai dele e falava: “eu
quero que você pare de bater na minha mãe”. Pior do que qualquer soco e
pontapé que eu levei, foi ver o meu filho sofrer.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
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<https://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/mais-de-500-mulheres-sao-vitimas-de-
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EVINCI – UniBrasil. Curitiba: 2018.
FONSECA, Denire Holanda da; RIBEIRO, Cristiane Galvão; LEAL, Noêmia Soares
Barbosa. Violência doméstica contra a mulher: realidade e representações sociais.
Psicologia & Sociedade, Belo Horizonte, v. 24, n. 2, p. 307–314, maio. 2012.
Disponível em:
<https://www.scielo.br/j/psoc/a/bJqkynFqC6F8NTVz7BHNt9s/abstract/?lang=pt>.
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FREITAS, Milene Faria Canuto de; SALES, Mara Marçal. Maria, Marias: Narrativas
De Mulheres Sobre Relacionamentos Abusivos. Pretextos. Revista da Graduação
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Perspectiva Sistêmica, São Paulo, v. 27, n. 61, p. 82-92, ago. 2018. Disponível em
<http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-
78412018000200007&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 03 out. 2023.
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<https://www12.senado.leg.br/institucional/datasenado/materias/pesquisas/a-
violencia-domestica-contra-a-mulher>. Acesso em: 20 set. 2022.
IDENTIFICAÇÃO: IDADE:
Prezada Sra,
Pesquisadoras responsáveis:
Julia Duarte Bidu Ferreira
54
Endereço: Rua do Carmelo, 453 - Santa Branca, Belo Horizonte - MG, 31565-260
Telefone: (31) 98694-0136
-
Thais Melo Mota Tavares de Souza
Endereço Rua Azaléia, 186 - Jardim Vitória, Belo Horizonte - MG, 31974-024
Telefone: (31) 996852-4237
Belo Horizonte, de de 20 .
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Nome do participante (em letra de forma)
____________________________________________ _____________
Assinatura do participante ou representante legal Data
Nós, Julia Duarte Bidu Ferreira e Thais Melo Mota Tavares de Souza, comprometemo-
nos a cumprir todas as exigências e responsabilidades a nós conferidas neste termo
e agradecemos pela sua colaboração e sua confiança.
____________________________________________ _____________
Assinatura – Julia Duarte Bidu Ferreira Data
____________________________________________ _____________
Assinatura – Thais Melo Mota Tavares de Souza Data