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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

Faculdade de Psicologia

Julia Duarte Bidu Ferreira

Thaís Melo Mota Tavares de Souza

RELACIONAMENTOS ABUSIVOS: Como essas relações se dão na perspectiva


da mulher

Belo Horizonte

2023
Julia Duarte Bidu Ferreira

Thaís Melo Mota Tavares de Souza

RELACIONAMENTOS ABUSIVOS: Como essas relações se dão na perspectiva


da mulher

Monografia apresentada à Faculdade de


Psicologia da Pontifícia Universidade Católica
de Minas Gerais como requisito para obtenção
do título de Bacharel em Psicologia.

Orientador(a): Profª. Dra. Bruna Coutinho Silva

Belo Horizonte

2023
Julia Duarte Bidu Ferreira

Thaís Melo Mota Tavares de Souza

RELACIONAMENTOS ABUSIVOS: Como essas relações se dão na perspectiva


da mulher

Monografia apresentada à Faculdade de


Psicologia da Pontifícia Universidade Católica
de Minas Gerais como requisito para obtenção
do título de Bacharel em Psicologia.

Orientador(a): Profª. Dra. Bruna Coutinho Silva

Prof ª. Dra. Bruna Coutinho Silva - PUC Minas (Orientadora)

Prof ª. Dra. Fernanda Simplício de Faria - PUC Minas (Banca Examinadora)

Belo Horizonte, 03 de novembro de 2023


RESUMO

A presente monografia teve como objetivo investigar a concepção de


relacionamento afetivo e amoroso em mulheres que vivenciaram relacionamento
abusivo. A pesquisa foi conduzida com a participação de três mulheres que
ingressaram ou permanecem em relações amorosas abusivas, mas que já
conseguem identificar as problemáticas da relação. Neste estudo, exploramos uma
série de tópicos cruciais, incluindo o ciclo de violência e os aspectos da dinâmica de
abuso que permeiam esses relacionamentos. Além disso, buscamos compreender a
perspectiva dessas mulheres, dando voz às suas experiências e narrativas,
desvendando os eventos e emoções que permearam suas vidas antes, durante e após
os dolorosos períodos de relacionamento tóxico com seus cônjuges. A abordagem da
pesquisa foi qualitativa e o instrumento de pesquisa utilizado, a entrevista
semiestruturada. Os dados foram analisados através da análise temática. Obtivemos
resultados sobre como a família desempenhou um papel importante na concepção de
relacionamento e até mesmo no avanço da relação; a autoestima das vítimas que foi
gravemente afetada; prejuízos também em suas carreiras, estudos e relações
interpessoais. Ademais, foi constatado que o que as manteve na relação foi a
validação que recebiam do parceiro amoroso, a dependência emocional e, no caso de
umas das entrevistas, os filhos e situação financeira também. Ao longo deste trabalho,
mergulhamos profundamente nas histórias individuais dessas mulheres, a fim de
arremessar luz sobre as complexas camadas que envolvem o abuso emocional e
psicológico, e assim contribuir para uma compreensão mais abrangente deste
problema que afeta inúmeras vidas.

Palavras-chave: relacionamentos abusivos; violência contra a mulher; violência de


gênero; ciclo da violência.
ABSTRACT

The aim of this monograph was to investigate the concept of affective and loving
relationships in women who have experienced abusive relationships. The research
was conducted with the participation of three women who have entered or remain in
abusive love relationships, but who can already identify the problems of the
relationship. Additionally, we sought to understand these women’s perspectives, giving
voice to their experiences and narratives, uncovering the events and emotions that
permeated their lives before, during, and after the painful periods of toxic relationships
with their spouses. The research approach was qualitative and the research instrument
used was a semi-structured interview. The data was analyzed using thematic analysis.
We obtained results on how the family. We obtained results on how family played an
important role in the conception of the relationship and even in its advancement, the
victims’ self-esteem that was severely affected, damages also in their careers, studies,
and interpersonal relationships. Furthermore, it was found that what kept them in the
relationship was the validation they received from their romantic partner, emotional
dependence, and in one of the interviews, children and financial situation as well.
Throughout this work, we delved deeply into these women’s individual stories to shed
light on the complex layers that involve emotional and psychological abuse and thus
contribute to a more comprehensive understanding of this problem that affects
countless lives.

Keywords: abusive relationships; violence against women; gender violence; cycle of


violence.
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 6

2 RELAÇÕES DE GÊNERO, PATRIARCADO E HETEROSSEXUALIDADE ......... 10

3 O QUE SE ENTENDE POR RELACIONAMENTO ABUSIVO? ............................. 14

3.1 Motivações e consequências de um relacionamento abusivo para a


mulher ................................................................................................................... 17

4 METODOLOGIA .................................................................................................... 21

5 ANÁLISE DE DADOS ............................................................................................ 24

5.1 Categorização das mulheres entrevistadas................................................. 24

5.2 Contexto familiar e relações interpessoais ................................................. 25

5.3 Visão das mulheres sobre uma relação ideal e relação abusiva ............... 29

5.4 Os ciclos do relacionamento abusivo .......................................................... 33

5.5 Prejuízos causados pela relação abusiva .................................................... 36

5.6 Permanência e Encerramento da Relação ................................................... 41

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 46

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 48

APÊNDICE A - Roteiro da Entrevista Semiestruturada ........................................ 52

ANEXO A - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido .................................. 53


6

1 INTRODUÇÃO

Esta monografia buscou entender questões em torno das mulheres e


relacionamentos abusivos, partindo de um problema norteador: “Investigar a
concepção de relacionamento afetivo e amoroso em mulheres que vivenciaram
relacionamento abusivo”. As participantes da pesquisa foram mulheres que
ingressaram ou permanecem em relações amorosas abusivas, mas que já
conseguem identificar as problemáticas da relação.
Dentre os objetivos da pesquisa, enfatiza-se a necessidade de verificar motivos
que as tornaram mais vulneráveis a essa relação, analisando a história de vida das
mulheres, para compreender quais são as possíveis interseções de suas
interpretações sobre relação e afeto, que podem ter as deixado mais suscetíveis a
relacionamentos desse teor.
Considerando que a natureza de uma relação abusiva, possui como
característica um vínculo hierárquico de um sujeito que detém o poder e outro que se
torna objetificado (BARRETTO, 2015 apud BARRETTO, 2018), existem várias
maneiras em que se executa esse poder, como em formas de manipulação e controle
que estão dentro das manifestações mais sutis, comumente antecedendo ações mais
graves como a violência física. Logo, analisar a experiência de vida de cada mulher,
como ela interpretou cada ação abusiva, dês das mais sutis às mais severas, contribui
para o entendimento dos comportamentos que, apesar de nocivos, são mais toleráveis
as mulheres, assim como compreender as dimensões psicossociais e como podem
ter influenciado na inserção, permanência e finalização de um relacionamento tóxico.
Com o intuito de atingir os objetivos do trabalho, foi realizado levantamento
bibliográfico sobre o assunto, aliado a entrevistas semiestruturadas com mulheres que
já passaram ou que ainda estão em um relacionamento abusivo e já identificam isso,
buscando compreender as razões que levaram elas a entrar e permanecer nesse tipo
de relação. Essas entrevistas foram fundamentadas sob a abordagem qualitativa.
Esse tipo de abordagem permite identificar e analisar o fenômeno e suas
características sob a concepção das pessoas envolvidas, humanizando o processo e
considerando a particularidade de cada caso, identificando pontos em comum que
auxiliaram no estudo do fenômeno. Sendo assim, a análise de dados será feita a partir
da combinação do estudo bibliográfico e relato de cada participante entrevistada.
7

Diante do exposto, o objetivo geral deste estudo foi investigar de que forma
mulheres que passaram por um relacionamento abusivo construíram a concepção de
relacionamentos afetivos e amorosos no decorrer da vida e quais pontos recorrentes
podem ser interpretados como um indicativo de maior vulnerabilidade. Em vista disso,
os objetivos específicos se consistiram em investigar a caracterização sóciohistórica
e conceitual de questões de gênero, patriarcado e heteronormatividade, averiguar a
violência de gênero, verificar o que mulheres entendem por relacionamento abusivo,
investigar as razões que levaram mulheres a ingressar e permanecer em uma relação
abusiva, analisar os sinais que fizeram com que a relação abusiva fosse identificada,
verificar as consequências de uma relação abusiva, indagar como e se o
relacionamento abusivo foi finalizado e apurar a interseção da psicologia e
relacionamento abusivo.
O tema escolhido para a pesquisa, tornou-se uma opção de estudo para nós
discentes devido à nossa trajetória na graduação, vivências pessoais e nossa
sensibilidade ao cenário atual em torno das relações amorosas e questões intrínsecas
a suas potencialidades em tornar-se nocivas, em especial para as mulheres. Com
isso, indagações a respeito dessa temática, faz justificável a importância e relevância
do trabalho.
As vivências e interesses que cada sujeito possui, constroem suas
particularidades e subjetividade, o que interfere na sua escolha de um(a) parceiro(a)
para um relacionamento amoroso e na forma como será estabelecida essa relação.
Nessa perspectiva, evidencia-se o interesse em saber como se dão os
relacionamentos abusivos, priorizando a visão das mulheres vítimas desses
relacionamentos e buscando identificar convergências de experiências e concepções
comuns entre elas que podem as ter tornado mais vulneráveis, além das motivações
que as manteve neste relacionamento.
Com isso, o presente estudo faz-se relevante na medida que poderá verificar
fatores de riscos que podem desencadear no ingresso da mulher em um
relacionamento abusivo. Ademais, identificar promotores intrínsecos da sociedade
atual que influenciam os comportamentos da vítima e do abusador, como construção
de gênero e papéis impostos, condições socioeconômicas e questões raciais.
De acordo com os dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2020,
o Brasil registrou 1.350 casos letais de feminicídio, além disso, divulgou que os índices
de boletins de ocorrência decorrentes da violência doméstica tiveram um declínio em
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2020, quando comparado com o ano anterior, mas apresentou crescimento nos
números de atendimentos pelo mesmo crime, por meio de denúncias do 190 (telefone
de emergência policial) (AUTONOMIA [...], 2021). Logo, esses dados corroboram com
a preocupação mostrada pela Organização das Nações Unidas (ONU) no mesmo ano,
em prevenir e combater a violência doméstica, visto que, neste período o mundo
estava enfrentando o início da pandemia da covid-19, onde as pessoas encontravam-
se isoladas em casa, o que levou ao aumento dessa violência em questão. Neste
sentido, é notável a importância da presente pesquisa para compreender como as
relações abusivas se iniciam, para assim contribuir na construção de meios para
prevenir e combater esse tipo de violência, já que mulheres são os principais alvos
dessas agressões, pois, na maioria das vezes, dormem com os seus abusadores e
potenciais assassinos.
Além disso, motivações pessoais decorrentes de experiências de estágios
durante a graduação em Psicologia fez com que o interesse por essa temática sobre
relações disfuncionais aumentasse, assim como a vontade em dar voz às mulheres
inseridas nesse cenário. Com o trabalho desenvolvido em mediação de conflitos, no
Serviço de Assistência Judiciária (SAJ) promovido pela Pontifícia Universidade
Católica (PUC), nos deparamos de maneira recorrente com demandas em que as
mulheres se encontravam ou tinham passado por relacionamentos disfuncionais.
Assim como, nossa vivência em atendimentos psicoterapêuticos na Associação de
Proteção e Assistência ao Condenado (APAC) feminina, em que nos deparamos com
várias recuperandas que estavam em um relacionamento violento antes de serem
submetidas ao julgamento, inclusive em muitos casos elas eram cúmplices de crimes
realizados por esses parceiros, mas foram abandonadas por eles quando privadas de
liberdade.
Sendo assim, essas práticas somaram ao nosso descontentamento já
existente, das intensas representações em obras cinematográficas e livros e até
mesmo da retratação midiática, sobre relacionamentos nocivos de forma romantizada.
Dessa maneira, tornando-se presente no cotidiano das pessoas e assim, colaborando
para a propagação de discursos sexistas e fortalecendo um imaginário social sobre o
papel da mulher em um relacionamento afetivo e como ela “deve ser”, sendo capaz
de ser machucada, mas ainda assim, tolerar e mudar seu agressor. Com isso,
perpetuando narrativas problemáticas e machistas, que constrói uma ideia equivocada
sobre amor e relação, dificultando a prevenção e combate das relações abusivas.
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Este assunto se conecta à psicologia na medida em que o abuso envolve


questões da organização psicológica e da história de vida tanto da vítima, quanto do
agressor. Além disso, dinâmicas sociais em torno de aspectos econômicos, de gênero
e raça, fazem parte do vasto campo de interesse e estudo da psicologia.
Outro ponto seria os dados alarmantes de homicídios contra mulheres no
Brasil, conforme aponta o Mapa da Violência de 2015, elaborado pela Faculdade
Latino-Americana de Ciências Sociais (WAISELFISZ, 2015), o Brasil ocupa o quinto
lugar no ranking mundial, sendo 55,3% desses crimes cometidos no meio doméstico
e em 33,2% dos casos os crimes foram cometidos por parceiros ou ex-companheiros
das vítimas. Neste mesmo estudo é mostrado como questões raciais agravam ainda
mais esse cenário crítico, já que mulheres negras se encontram em condição de maior
vulnerabilidade, com aumento em 10 anos de 54%. Portanto, diante desse panorama
lamentável que atravessa várias camadas da constituição do sujeito e da sociedade
como um todo, a temática necessita ser discutida e pesquisada pela perspectiva da
psicologia.
Com a constatação preocupante sobre a vulnerabilidade da mulher, leis e
ações são criadas. Umas das principais medidas criadas foi a Lei elaborada a partir
da história trágica de Maria da Penha, que sofreu violência doméstica de seu marido
e maus tratos recorrentes de um relacionamento abusivo. A lei declara a violência
doméstica e familiar contra a mulher como crime e garante o desenvolvimento de
mecanismos para prevenir e punir esse tipo de agressão, além de medidas para
fornecer assistência a essas vítimas (BRASIL, 2006). Entretanto, tais medidas são
falhas em diversos aspectos, tanto no seu cumprimento, quanto na efetivação da
denúncia, portanto, estudar a temática e investir em sua prevenção é o melhor
caminho.
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2 RELAÇÕES DE GÊNERO, PATRIARCADO E HETEROSSEXUALIDADE

Ao se pensar em questões em torno de gênero, patriarcado e


heterossexualidade, é imprescindível compreender o denominador em comum desses
fenômenos, que é a dominação masculina. Saffioti (2001) corrobora com Bourdieu
(1998) a respeito de uma pontuação relevante ao discorrer sobre a dominação
masculina. O sociólogo entende essa dominação simbólica como um poder dado a
ordem masculina sem justificativa plausível, que busca validar posições do
funcionamento social em torno de atividades atribuídas a cada sexo, divisão do
trabalho entre outros fatores que fortalecem a violência simbólica de gênero, o
patriarcado, a heterossexualidade compulsória e papeis assumidos em uma relação
heteroamorosa (BOURDIEU, 1998; SAFFIOTI, 2001).
Segundo a perspectiva de Saffioti (2015), o gênero é uma construção social
que se refere às expectativas, papéis e comportamentos associados às categorias
masculino e feminino em uma determinada sociedade. Essas expectativas são
moldadas por fatores culturais, históricos e políticos, e podem variar ao longo do
tempo e entre diferentes culturas e sociedades. Assim, as expectativas e papéis de
gênero que são impostos pela sociedade podem limitar as possibilidades e
oportunidades dos indivíduos com base em seu sexo biológico.
Considerando a existência de uma hierarquização social de gênero e se
abstendo de uma visão binária do assunto, entende-se o gênero masculino como
detentor do poder sobre diversas categorias sociais ou ao menos maior tolerância à
prática de exploração e violência, enquanto as outras expressões de gênero
competem pela hegemonia. Dessa forma, percebe-se uma visão enraizada baseada
em dominação-exploração, em que até dentro de uma mesma categoria de identidade
de gênero e entre os gêneros marginalizados, nota-se uma hierarquização utilizando-
se de critérios como etnia, raça, classe social entre outros discriminantes.
Esse sistema hierárquico estabelecido socialmente, o patriarcado, segundo
Saffioti (2015, p. 60), “[...] configura um tipo hierárquico de relação, que invade todos
os espaços da sociedade; tem uma base material; representa uma estrutura de poder
baseada tanto na ideologia quanto na violência”. Não se trata apenas de uma
construção ideológica, estende-se a normas, valores, regras, instituições e âmbito
material, sendo sustentado principalmente pela ideologia, dominação e opressão. A
mulher é objetificada nesse sistema, tendo como papel social a satisfação do homem,
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seja no contexto sexual, na geração de herdeiros, utilizada como mão de obra barata
em trabalhos, que apesar de essenciais, consideram ter menor prestígio na hierarquia
social, refletindo inclusive na inserção da mulher no mercado de trabalho e na
discriminaçao salarial e ocupacional.
Logo, evidencia-se como está enraizado aquém da consciência social, papéis
de dominantes e explorados. Exemplos desses cenários é a naturalização do
patriarcado, em que podemos pensar nas mulheres vítimas dessa opressão, mas que
também podem desempenhar um papel de contribuição para essa violência, visto que
estão inseridas nesse modelo de sociedade de funcionamento machista, sendo
apenas nesse contexto que elas assumem essa função ambivalente de vítima e
cúmplice dessa opressão.
Neste sentido, apresentado por Saffioti (1989) na obra “Mulher e Dignidade dos
Mitos da Libertação”, a violência e a ideologia se complementam, pois o patriarcado
construiu uma ideologia de gênero intensamente enraizada e naturalizada
socialmente. No entanto, quando há uma resistência por parte do grupo oprimido -
neste caso, mulheres - a violência é muitas vezes usada como uma forma de manter
a lógica de exploração. Nesta ideologia, o poder é entregue ao homem assim que
nasce, apesar de questões raciais e econômicas ditarem o nível desse poder, uma
mulher sempre estará em uma posição inferior ao homem em relação ao poder nessa
dinâmica social sexista. Além disso, para compor essa lógica opressora, verdades e
inverdades a basearam, a fim de lhe atribuir credibilidade. Apontamentos sobre a
anatomia da mulher e sua fisiologia são usados como argumentos, no entanto, eles
são frágeis ou até mesmo se tornaram irreais, conforme os avanços tecnológicos e
científicos da sociedade atual, portanto, não possuindo justificativas coerentes para a
ausência de poder a mulher.
Segundo Saffioti (1989), a ideologia não é sempre absoluta para assegurar a
superioridade do sexo masculino sobre o sexo feminino, no entanto, muitas vezes os
homens usam a força física para impor seu domínio, tendo em vista que a violência
física colabora para a supervalorização do poder masculino. Assim, as relações de
dominação-subordinação entre os dois diferentes tipos de sexo são sempre mediadas
pela violência, seja ela simbólica, que é mais sutil e direcionada a um sujeito
específico, ou física, utilizada para reforçar a ideologia.
Sendo assim, considerando que os comportamentos e as consequências
provenientes desse tipo de relações de dominação-subordinação nem sempre são
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facilmente identificáveis, principalmente devido ao fato de que esse tipo de situação


foi tão naturalizado e reforçado ao longo do tempo, tornando invisível as problemáticas
dessa hierarquização que se apresenta em diversos âmbitos sociais como relações
no mercado de trabalho, professores e alunos e pais e filhos, essa naturalização e
invisibilidade evidencia a importância de se expor a problemática sobre o assunto,
para inserir e fomentar cada vez mais a discussão com o intuito de elucidar sobre o
desequilíbrio, problemática desse padrão social pré-estabelecido socialmente, e para
que ocorra uma mudança é necessário alterar as estruturas sociais e culturais que
sustentam essa ideologia opressora.
Para Foucault (2005) existem os dispositivos históricos que são constituídos
por uma rede de práticas e discursos que moldam a maneira como os indivíduos vivem
e se relacionam em sociedade. Esses dispositivos são meios de produzir
conhecimento e subjetividade. Eles são estratégias de saber e poder que moldam a
forma como os indivíduos se veem e se relacionam com o mundo ao seu redor.
Embasado nessa ideia de dispositivo pelo campo da sexualidade e partindo do
ponto em que o autor considera que a família desempenha um papel fundamental na
produção das normas sexuais, Navarro-Swain (2012) acredita que esse dispositivo é
um gerador específico do masculino, em que coloca o sexo como o epicentro da
sexualidade humana, porém somente aquele que se aplica a norma social, em que
favorece a heterossexualidade, enquanto outras formas de sexualidade são
frequentemente estigmatizadas. Enquanto isso, o feminino é moldado em termos de
um dispositivo amoroso, que constitui o feminino como um ser destinado ao cuidado,
ao dom e, sobretudo, à necessidade do amor. Essa ideia é baseada no imaginário
social que associa o corpo sexuado feminino à uma postura de submissão, cuidado e
entrega ao outro. Essa construção coloca a maternidade como ápice da natureza
feminina, o objetivo maior da mulher compondo esse cenário com a presença,
considerada fundamental, de um homem e da existência, presença, força, vida e
status a essas mulheres.

A naturalização da heterossexualidade é parte das estratégias e da produção


do saber na construção do feminino no dispositivo amoroso. De fato,
edificados e representados pelo e no discurso amoroso, os excessos
cometidos na relação heterossexual aparecem como “naturais”, e aí estão as
raízes do perdão, da aceitação e do assujeitamento a situações inenarráveis
de abuso e de violência física e psicológica. (NAVARRO-SWAIN, 2012, p.
49).
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Essa naturalização da heterossexualidade acaba por justificar e normalizar


comportamentos abusivos e violentos dentro da relação heterossexual, pois acaba
levando mulheres a perdoar e aceitar determinados comportamentos, pois são
ensinadas a acreditar que isso faz parte da relação amorosa heterossexual e que elas
devem se submeter a isso.
Isso acontece porque a cultura e o discurso amoroso tratam como algo natural,
dificultando que a sociedade e as próprias mulheres questionem ou denunciem
possíveis violências. O relacionamento heterossexual e sua naturalização foi pautado
na relação de dominação-exploração baseado na relação de gênero e patriarcado
preestabelecido pela sociedade e fomentado para manter essa dinâmica social.
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3 O QUE SE ENTENDE POR RELACIONAMENTO ABUSIVO?

Relacionamentos abusivos foram descritos por Barretto (2015 apud BARRETO,


2018, p. 143) como uma relação cercada de poder e controle, presente por um
sentimento e demonstração de posse, culminando em uma objetificação do outro. São
características desses relacionamentos, sentimentos e comportamentos se
apresentarem inicialmente de forma sutil e aos poucos transgredir os limites de uma
relação saudável.
Pereira, Camargo e Aoyama (2018) discorrem sobre esse controle que o
agressor exerce sobre a vítima, responsabilizando-a pela violência, coagindo e
anulando a vítima para que se torne indefesa e submissa perante a ele e assim
exercendo o controle sobre ela. Para Arendt (1985 apud BARRETTO, 2018, p. 143)
nas relações abusivas o poder é o ponto principal da dinâmica do relacionamento,
deixando evidente que existe uma desigualdade entre as partes. Ressalta que o poder
é então uma via pela qual a força física ou simbólica será aplicada, no intuito de atingir
determinado objetivo. A violência surge com um último recurso para manter essa
posição de poder do agressor sobre a pessoa agredida.
Conforme exposto por Barretto (2018) embasado por concepções de Foucault,
em todas as relações o poder é algo que permeia, muitas vezes acompanhado por
manifestações violentas para obrigar a submissão e a passividade daqueles que
sofrem. Essas relações de poder são complexas e inconstantes, e não é possível
mantê-las inalteradas a longo prazo. Logo, isso provoca uma tomada de consciência
daqueles que estão sendo chamados à submissão e à passividade, à medida que
percebem as dinâmicas da relação.
A respeito da violência como conceito pode ser compreendido como a agressão
que tem como objetivo causar danos à vítima, ou seja, uma agressão não
necessariamente física, mas como o intuito de causar sofrimento. É uma ação
intencional que fere e constrange a vítima, podendo causar lesões físicas,
psicológicas e até mesmo a morte (MARQUES, 2005 apud CRUZ et al., 2018, p. 440).
Marques (2005 apud CRUZ et al., 2018, p. 440) ainda discorre sobre a violência
conjugal, caracterizando-a como aquela que ocorre entre cônjuges, parceiros
incluídos os ex-parceiros, pessoas que possuem ou já possuíam algum tipo de
relacionamento íntimo que foi marcado de violências, independentemente do tipo,
destacando que é comum o agressor ser alguém que consiga conhecer e identificar
15

os hábitos, sentimentos e comportamentos do parceiro, possibilitando que ele consiga


agir da melhor forma. Esse conhecimento sobre a vítima permite que o abusador se
planeje para que seu comportamento atinja o outro da forma mais nociva possível, de
uma maneira que vá realmente atingir o parceiro, exercendo assim um controle sobre
ele.

Ao analisar a violência conjugal, verifica-se que se trata de um fenômeno


complexo e multideterminado. Diversos fatores são considerados como de
risco para sua ocorrência, dentre eles a experiência de violência na infância,
tanto como vítima direta ou como testemunha de agressão entre os pais.
(ROSA; FALCKE, 2014, p. 19).

Ainda de acordo com Rosa e Falcke (2014), outros elementos podem


desencadear esse tipo de violência em uma relação, como por exemplo traços de
personalidade dos cônjuges, dinâmicas de relacionamento, como dificuldades na
comunicação e na gestão de conflitos, fatores contextuais como nível educacional,
situação socioeconômica. Ademais, esse comportamento pode aparecer como uma
repetição de padrão de comportamento violento no ambiente familiar, que podem ter
sido marcadas por tratamento abusivo, maltrato, negligência durante a infância,
abandono e situações de abuso sexual. Outro ponto que se destaca é mulheres que
acabam em um casamento como tentativa de escapar de um lar problemático,
comportamentos depressivos, sensação de responsabilidade pelo comportamento
agressivo do parceiro e carência de uma rede de apoio adequada. Esses fatores então
podem aumentar o risco de ocorrência de comportamentos abusivos e violentos no
relacionamento.
Logo, a violência doméstica (física, sexual e psicológica) está estritamente
ligada a desigualdade de gênero e as esferas interpessoais que a cercam, conforme
descrito por Schraiber e D'Oliveira (1999). Neste sentido, são diversas violências
cometidas contra a mulher, que podem ser consideradas como “pequenos
assassinatos diários”, que vão além de prejuízos à saúde física e mental, trazendo
também déficits na sua produtividade, trabalho, autoestima e educação, impactando
de forma considerável e negativa a sua qualidade de vida. Para esse tipo de violência,
foi criado o termo Feminicídio, segundo o Tribunal de Justiça do Estado de Minas
Gerais (2019) surgiu para denominar os assassinatos de mulheres cometidos em
razão do gênero. A palavra vem do termo “femicídio”, usada pela socióloga sul-
africana Diana Russell, em 1976, ao sentir necessidade de diferenciar o homicídio de
16

mulheres em razão do gênero. No Brasil atualmente existe na legislação um Lei contra


a violência contra a mulher, conhecida como “Lei do Femicidio” onde o feminicídio
passa a ser classificado como crime hediondo, homicídio qualificado que envolve
violência doméstica e familiar, menosprezo ou discriminação à condição de mulher
(BRASIL, 2015). Esse tipo de medida aumenta a seriedade dos casos perante a lei,
fomenta discussões na sociedade, fundamental para problematizar o tema
contribuindo para uma mudança de valores que cercam esse tipo de violência, além
de evidenciar o problema demonstrando a necessidade do desenvolvimento e
aplicação de soluções.
Possuindo o desígnio de proteger a mulher, a Lei n. 11.340, intitulada “Lei Maria
da Penha” (BRASIL, 2006) considera várias espécies de violências intrínsecas a um
relacionamento abusivo, como: a) a violência física; b) a violência patrimonial; c) a
violência sexual; d) a violência moral; e) a violência psicológica. Cada tipo de violência
é caracterizado por comportamentos específicos e pode ter efeitos graves e
duradouros na saúde e bem-estar da vítima. A violência física é a mais visível e pode
incluir agressões como tapas, socos, chutes e até mesmo atos de homicídio. A
violência patrimonial envolve a destruição ou danificação de bens materiais da vítima,
como roupas, móveis e documentos. A violência sexual ocorre quando o agressor
obriga a vítima a manter relações sexuais não desejadas ou a participar de outras
atividades sexuais sem o seu consentimento. A violência moral é caracterizada por
comportamentos que difamam, injuriam ou caluniam a vítima, como insultos,
xingamentos e humilhações. Por fim, a violência psicológica é a mais difícil de detectar
e pode incluir comportamentos como controle, manipulação, coação, desvalorização
e humilhação. Esse tipo de violência pode deixar marcas profundas na vítima e causar
problemas de saúde mental como depressão, ansiedade e traumas
psicológicos (BRASIL, 2006).
Segundo a pesquisa realizada por Fonseca, Ribeiro e Leal (2012), a violência
psicológica e a física são as formas mais comuns de violência em relacionamentos
abusivos. A violência psicológica é especialmente prevalente nas formas de
humilhações, xingamentos e desprezo, sendo que esse tipo de violência ocorre
primariamente e persiste durante todo o ciclo de violência. Ao longo do tempo, outras
formas de violência são introduzidas. Como resultado, a violência psicológica é
frequentemente considerada mais angustiante do que a violência física,
principalmente porque ela vem sempre antes da física, tendo em vista que a agressão
17

é um dos últimos mecanismos que será utilizado para manter o controle e quando ela
ocorre, enquanto a manipulação psicológica já está estabelecida na relação.
O agressor usa a violência psicológica para desacreditar a imagem da mulher
e fazê-la sentir-se desvalorizada e desprezada. Esse tipo de violência é um processo
gradativo e cumulativo e cria um vínculo psicológico que, ao longo do tempo, pode
levar a uma perda da autoestima da vítima e à construção de crenças distorcidas
sobre si mesma, resultando em autodepreciação. Isso pode ter um efeito prejudicial
sobre o bem-estar emocional e a saúde psicológica geral da mulher.
Ademais, dados apurados em uma pesquisa pelo Datafolha (ACAYABA; REIS,
2017) evidenciam que ter leis que apoiam juridicamente as mulheres que são vítimas
dessas violências e que visam punição aos seus agressores não se faz suficiente para
promover denúncias e zelar pela segurança e qualidade de vida delas, já que em 2016
a cada uma hora 503 mulheres sofrerem algum tipo de violência física, mas 52% delas
não fizeram nada após a agressão.
Diante disso, podemos considerar que o fato de 26% delas ainda conviverem
com o agressor e em 49% dos casos serem o marido ou companheiro autores da
violência, influenciam a decisão de não denunciar e até mesmo manter o convívio com
eles. Esse fato ainda elucida a complexidade de fatores inerentes da história de vida
e contexto dessas mulheres que vão além do “agir pela razão”, para conseguir se livrar
do abusador, tendo em vista que o Senado Federal (2013) relata que quase 100% das
mulheres sabem da existência da Lei Maria da Penha, mas ainda assim, questões
emocionais e socioeconômicas mantém essas mulheres como vítimas silenciadas.
Com isso, entender características e aspectos de um relacionamento abusivo é
necessário para a sua prevenção e encerramento.

3.1 Motivações e consequências de um relacionamento abusivo para a mulher

O relacionamento abusivo é uma forma de violência que afeta inúmeras


mulheres em todo o mundo, causando traumas e mortes em mulheres jovens e
adultas. Sendo assim, o abuso emocional e físico, em relacionamentos íntimos é uma
manifestação da violência de gênero, que é construída e mantida por padrões culturais
e sociais que subjugam as mulheres.
As motivações subjacentes a um relacionamento abusivo são profundamente
complexas e multifacetadas, enraizadas em dinâmicas de poder e controle. A violência
18

física frequentemente se torna a ferramenta de escolha para os agressores, quando


a violência simbólica, mais sutil, revela-se ineficaz, conforme ressaltado por Saffioti
(1989) em sua obra “Mulher e Dignidade: dos mitos à libertação”. Dentro desse
contexto, o abusador emprega uma série de táticas, como manipulação, intimidação,
ameaças, humilhação e violência física, a fim de manter um domínio absoluto sobre a
vítima. É comum que o agressor explore sentimentos de culpa e vergonha na vítima,
fazendo-a acreditar erroneamente que é a responsável pela violência infligida e que
merece o tratamento degradante. Adicionalmente, é frequente que o agressor
mantenha uma ilusória promessa de mudança, alimentando esperanças na vítima de
que a violência cessará.
Entretanto, a vítima enfrenta uma série de barreiras, tornando difícil o
reconhecimento de que está presa em um relacionamento abusivo. Ela muitas vezes
racionaliza ou minimiza o comportamento abusivo do parceiro, movida pelo temor de
retaliação, pela debilitação de sua autoestima e pelo desespero de abandonar uma
situação de violência. Adicionalmente, diversos fatores externos e subjetivos
impactam a decisão da mulher abusada, incluindo a estigmatização que a sociedade
impõe, a ausência de uma rede de apoio confiável, o isolamento social, o desemprego
e a dependência financeira e emocional. Portanto, é um erro conceber que apenas
mulheres de determinada classe social, cultura ou etnia estão sujeitas a esse tipo de
relacionamento, como Bijos (2004, p. 118) enfatiza:

O fenômeno desconhece qualquer fronteira: de classes sociais, de tipos de


cultura, de grau de desenvolvimento econômico, podendo ocorrer em
qualquer lugar - tanto no espaço público como no privado - e ser praticado
em qualquer etapa da vida das mulheres.

A violência de gênero e, por extensão, os relacionamentos abusivos, não se


limitam a fronteiras, sejam elas sociais, culturais ou econômicas. Conforme aponta
Saffioti na obra citada anteriormente, esse fenômeno ignora quaisquer divisões,
ocorrendo em qualquer contexto, seja público ou privado, e em qualquer fase da vida
das mulheres. Além disso, a violência de gênero não é um fenômeno isolado, mas
está profundamente enraizada em uma estrutura social que perpetua o poder
masculino.
Assim, a compreensão da violência doméstica como uma vertente da violência
de gênero requer o reconhecimento de sua complexidade estrutural, que transcende
19

os aspectos individuais das relações. Torna-se claro que a mulher envolvida em um


relacionamento abusivo enfrenta um caminho intrincado e desafiador, caracterizado
por ciclos de saída e retorno à relação.
Dentro desse contexto, é fundamental explorar as consequências
avassaladoras que um relacionamento abusivo pode ter para a mulher. A violência
emocional e física infligida durante essas relações destrutivas não se limita apenas ao
período em que ocorre, mas suas repercussões podem perdurar por anos, senão por
toda a vida.
Em termos emocionais, as vítimas de relacionamentos abusivos
frequentemente enfrentam traumas profundos. Essas experiências traumáticas
podem resultar em distúrbios psicológicos, como depressão, ansiedade, transtorno de
estresse pós-traumático e baixa autoestima. Além disso, a manipulação constante e
a humilhação podem deixar cicatrizes psicológicas duradouras, afetando a
capacidade da mulher de confiar em si mesma e nos outros.
As consequências físicas também são alarmantes. A violência física pode levar
a lesões graves e, em casos extremos, à morte. Além disso, as vítimas muitas vezes
negligenciam sua saúde física e bem-estar, já que estão presas em um ciclo de abuso
que as impede de buscar tratamento adequado ou proteção. A negligência com a
saúde pode levar a condições médicas graves e à deterioração geral da qualidade de
vida.
A vida social e econômica da mulher também pode ser profundamente afetada
por um relacionamento abusivo. O isolamento social, frequentemente imposto pelo
agressor, pode resultar na perda de conexões com amigos e familiares, tornando a
mulher cada vez mais dependente do agressor. Além disso, a dificuldade em manter
um emprego devido ao estresse constante e à necessidade de se esconder da
violência pode levar à dependência financeira do agressor, tornando ainda mais difícil
a saída do relacionamento.
Portanto, as motivações e consequências de um relacionamento abusivo para
a mulher são intrincadas e abrangentes. O reconhecimento da gravidade desse
problema e a implementação de medidas preventivas e de suporte são passos cruciais
para que as mulheres possam encontrar a dignidade e a libertação tão merecidas.
Além das consequências emocionais, físicas, sociais e econômicas, é
importante também destacar que os relacionamentos abusivos têm implicações de
longo prazo na vida das mulheres e podem afetar sua capacidade de estabelecer
20

relacionamentos saudáveis no futuro. A experiência traumática vivenciada em um


relacionamento abusivo pode deixar cicatrizes profundas e desencadear um ciclo de
padrões de relacionamento prejudiciais.
Muitas vezes, as mulheres que saem de relacionamentos abusivos enfrentam
desafios significativos para reconstruir suas vidas. Elas podem lutar para recuperar
sua independência financeira, reconstruir sua autoestima e aprender a confiar em si
mesmas novamente. A recuperação pode ser um processo longo e difícil, e algumas
mulheres podem precisar de apoio psicológico para superar o trauma e se recuperar
plenamente.
Em conclusão, os relacionamentos abusivos têm motivações complexas e
causam uma ampla gama de consequências negativas para as mulheres envolvidas.
A compreensão da gravidade desse problema, juntamente com a implementação de
medidas de prevenção, apoio e recuperação, é fundamental para ajudar as mulheres
a escapar desse ciclo de violência e construir vidas mais saudáveis e seguras. É uma
jornada árdua, mas uma que é essencial para garantir a dignidade e a libertação das
mulheres.
21

4 METODOLOGIA

Neste estudo foi desenvolvido uma pesquisa qualitativa, para analisar as


circunstâncias que levam as mulheres a entrar e permanecer em relacionamentos
abusivos, tendo em vista a complexidade do assunto e compreendendo que essa
abordagem é pautada na compreensão da organização mental do ser humano e
permite um maior entendimento das diversas particularidade que permeia a vivência
de uma mulher inserida nessas nesse fenômeno.
De acordo com Godoy (1995), esta abordagem ainda permite o pesquisador ir
a campo buscando “captar” o fenômeno em estudo a partir da perspectiva das
pessoas nele envolvidas, considerando todos os pontos de vista relevantes. Vários
tipos de dados são coletados e analisados para que se entenda a dinâmica do
fenômeno. Godoy (1995) ainda destaca que por a abordagem qualitativa, enquanto
exercício de pesquisa, não se apresentar como uma proposta rigidamente
estruturada, permite que a imaginação e a criatividade levem os investigadores a
propor trabalhos que explorem novos enfoques, o que para essa pesquisa permitirá
que sejam acolhidas e consideradas as diferentes perspectivas encontradas.
A técnica pela qual os dados sobre o tema foram levantados é a entrevista
semiestruturada. Um roteiro breve foi criado para abordar questões pertinentes à
pesquisa, realizando um planejamento para que se atinja os objetivos pretendidos no
processo, além de possuir maior flexibilidade para o surgimento de elementos não
previstos, auxiliando na observação das percepções e perspectivas das entrevistadas,
o que traz grande enriquecimento para a pesquisa.
Este modelo de entrevista possui como característica a formulação de
perguntas básicas, que são embasadas em teoria e possíveis problemáticas acerca
do tema, favorecendo, segundo o autor Triviños (1987, p.152 apud MANZINI, 2004,
p. 2), “[...] não só a descrição dos fenômenos sociais, mas também sua explicação e
a compreensão de sua totalidade”.
Já segundo Manzini (1990/1991), a entrevista semiestruturada pode ser
descrita como a produção de um roteiro com questionamentos principais, mas nas
quais o entrevistador não se limita, pois pode fazer novas perguntas à medida que
manifestar-se novos elementos e informações intrínsecos à entrevista.
Entretanto, alguns cuidados devem ser tomados ao adotar a técnica, como o
planejamento das perguntas, que devem ser usadas para atingir finalidades
22

específicas, adequando o roteiro de acordo com o que busca saber, calculando de


forma estratégica a ordem das perguntas, dentre outros cuidados que vão além do
que antecede o processo de entrevistar, como a influência que intervenções do
entrevistador pode causar no percurso do discurso do entrevistado, conforme
abordado por Manzini (2004). Além disso, é importante considerar que devido a
sensibilidade do assunto, isso pode interferir na disposição das participantes em
relatar suas vivências, e consequentemente na abrangência dos dados coletados.
A respeito da seleção das participantes, a busca foi por mulheres adultas que
já tenham passado por uma relação abusiva, para realizar a entrevista. A captação
ocorreu através da divulgação da pesquisa em mídias sociais, como Instagram,
grupos de WhatsApp e comunidades onlines, e dentro de instituições e projetos que
trabalhem com esse público. A amostragem foi feita até que a coleta de dados fosse
suficiente para garantir informações abrangentes que trouxessem validade ao
trabalho. Ademais a ética foi rigorosamente seguida, incluindo a obtenção de
consentimento através do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE)
assegurando as participantes, confidencialidade, anonimato e a possibilidade de
desistência a qualquer momento
A metodologia utilizada para a análise dos dados foi a análise temática dos
dados obtidos a partir das entrevistas, articulados com outras fontes de pesquisa. A
Análise Temática (AT), segundo Souza (2019), é um método de análise qualitativa de
informações, cujo objetivo está na identificação, avaliação, interpretação e reportagem
de padrões ou temas extraídos de dados qualitativos. Neste método, o pesquisador
se empenha em examinar os dados em busca de padrões de significado e questões
que possam ser pertinentes à pesquisa em questão. Essa análise é definida como um
processo que se inicia pela familiarização dos dados, envolvendo a transcrição e
revisão dos mesmos. Posteriormente, segue-se a busca por temas, que inclua a
classificação de diferentes códigos em possíveis temas e a categorização dos trechos
relevantes sobre esses temas, a revisão e aprimoramento destes temas, a
organização deles em uma estrutura lógica, a análise minuciosa de cada um deles e,
por fim, a criação do relatório final. Este relatório tem como propósito apresentar
evidências dos temas identificados nos dados e construir um argumento relacionado
à pergunta de pesquisa.
Sendo assim, de acordo com Souza (2019), a Análise Temática possibilita que
os participantes desempenhem um papel ativo na análise. Isso ocorre porque a AT é
23

um método flexível que os pesquisadores podem ajustar conforme a pesquisa se


desenvolve. Esse ajuste permite dar voz às experiências dos participantes,
contemplando sua subjetividade. Todo esse processo pode provocar insights que não
estavam previstos pelos pesquisadores, enriquecendo a análise. Neste trabalho, essa
abordagem contribuiu para uma compreensão mais profunda das experiências das
mulheres em relacionamentos abusivos, aumentando a validade e a confiabilidade do
estudo.
24

5 ANÁLISE DE DADOS

Neste capítulo, foi realizada uma análise dos dados obtidos por meio de
entrevistas semiestruturadas com três mulheres que já haviam passado por um
relacionamento abusivo e eram capazes de identificar que já vivenciaram tal situação.
Esses dados foram comparados com materiais de estudo de casos sobre a temática,
com o objetivo de aprofundar a compreensão sobre a vivência das mulheres em
relacionamentos abusivos. Através da análise dessas informações, foram
identificados padrões e tendências, proporcionando assim, uma compreensão mais
ampla sobre a complexidade das dinâmicas envolvidas nesse tipo de relação e sobre
o sofrimento das mulheres.
A análise foi desenvolvida a partir das seguintes categorias: categorização das
entrevistadas; contexto familiar e relações interpessoais; visão das mulheres sobre
uma relação ideal e relação abusiva; os ciclos do relacionamento abusivo; prejuízos
causados pela relação abusiva; e permanência e encerramento da relação.

5.1 Categorização das mulheres entrevistadas

Esta categoria abordará as principais características das mulheres


entrevistadas. O Quadro 1 apresenta as características das participantes do estudo.

Quadro 1 - Caracterização das mulheres entrevistadas


IDADE (NO TIPOS DE
NOME IDADE TEMPO DA TEMPO DE
INÍCIO DA ESCOLARIDADE VIOLÊNCIA
FICTÍCIO RELAÇÃO AFASTAMENTO
RELAÇÃO) SOFRIDA

Superior em
Física; Moral;
Clarice 27 26 andamento - 3 Meses 7 Meses
Psicológica
Psicologia

Superior em Física; Moral;


Sarah 41 14 andamento - 10 Anos 15 Anos Psicológica;
Pedagogia Patrimonial

Física;
Pós - Graduada 2 Meses (Ainda Psicológica;
Jenyfer 26 22 em Pedagogia 3 Anos vive a dinâmica da Verbal;
Relação abusiva) Emocional;
Financeira
Fonte: elaborada pelas autoras.
25

No contexto de nosso estudo, analisamos três casos de mulheres que


passaram por relacionamentos abusivos na fase dos 20 anos, apesar de Sarah ter
iniciado o relacionamento ainda na adolescência. Apesar da diferença de duração
desses relacionamentos, todas sofreram principalmente violência física, moral e
psicológica. Duas entrevistadas conseguiram encerrar a relação com o Homem
violento, e outra apesar de estar separada do abusador há alguns meses, ainda
permanece na dinâmica abusiva da relação, reconhecendo que precisa sair dela. A
três vieram de famílias de classe média baixa, com pais casados apesar de relatarem
relacionamentos disfuncionais entre os genitores. Essas histórias exemplificam a
diversidade de experiências das mulheres em relacionamentos abusivos, ressaltando
a importância de uma análise abrangente dessas dinâmicas para compreender essa
temática.

5.2 Contexto familiar e relações interpessoais

A pesquisa desenvolvida por Zancan, Wassermann e Lima (2013) aborda os


fatores de risco que um ambiente familiar pode gerar, levando mulheres a entrarem e
permanecerem em uma relação abusiva. Os padrões de sofrimento e violência
presenciados na família de origem, seja da figura paterna contra a mãe ou dos pais
com a (o) filha (o), pode levar à formação de um indivíduo mais vulnerável a agressões
dos seus parceiros. Além disso, o modelo de relação e dinâmica familiar aprendidos
durante a infância e adolescência tendem a ser repetidos pelo sujeito, já na fase
adulta. Logo, pode gerar o fenômeno da violência transgeracional, em que as
heranças do contexto familiar, como as humilhações, traições, manipulações, pressão
psicológica, agressão verbal, sexual, física e emocional serão projetadas nas relações
dos indivíduos, e, assim repetindo o ciclo de violência.
Neste sentido, nas entrevistas realizadas com as vítimas de relações abusivas,
o contexto familiar foi mencionado e condizente com os fatores de riscos citados
anteriormente. A primeira entrevistada, relata a respeito do relacionamento dos seus
progenitores e diz sobre como a mãe era depreciada pelo pai e não era tratada como
uma prioridade pelo mesmo, além de ser uma relação marcada por chantagem
psicológica. Em outro momento, a entrevistada diz que apesar de buscar uma relação
oposta da dos pais que era funcional, mas não saudável, acabou repetindo o modelo
tóxico de relação, que apesar de saber que não a faria bem, era uma dinâmica
26

conhecida por ela. Entretanto, atualmente Clarice se encontra em uma relação


saudável e diferente da dos seus progenitores.
Neste momento, é notória a reprodução do modelo e da dinâmica de relação
aprendida por Clarice, assim como também é possível romper com o ciclo de relações
violentas.
Já na segunda entrevista, com Sarah, ela conta que possui uma família de
origem humilde, machista, tradicional, onde não tinha diálogo com os pais sobre
namoro, sexo, menstruação, entre vários outros tábus. O seu contexto familiar foi
repleto de violências, tendo o pai agredir a mãe, além de ter sofrido assédio pelo pai
que, a partir dos seus 13 anos, começou a "olhar diferente" para ela, a perseguindo e
tentando espiá-la nos banhos, o que fez com que sua relação com os pais se tornasse
mais distante. Ademais, a mãe trabalhava e o pai não, fato com que Sarah não
concordava, pois o pai não assumia papel de cuidador da casa e dos filhos. Com 16
anos, ela engravidou e viu nisso uma oportunidade de sair de casa. Casou com o hoje
ex-marido, com quem iniciou a relação quando tinha 14 anos e ele 24, vivendo uma
relação abusiva. Sarah também relata:

Na minha família, ninguém queria que eu casasse com ele, mas também
ninguém fazia nada. Meus pais falaram que queriam que eu não casasse com
ele, mas não faziam nada. Meus pais sabiam (dos abusos) porque as pessoas
falavam, porque eu não tinha diálogo, então eu não conversava. E outra coisa
também, eu queria sair de dentro da minha casa, porque dentro da minha
casa, meu pai me via com outros olhos. De uns treze anos para lá ele
começou a me perseguir, tentou me olhar no banheiro, aconteceram algumas
coisas que eu me fechei para a minha família e queria sair de casa.

Em outro momento, quando questionada se sentiu-se negligenciada, já que a


relação e os abusos iniciaram com ela ainda na adolescente, ela relata que se
estivesse na posição da mãe dela, faria diferente, que se sentiu muito negligenciada,
mas que apesar disso busca não culpar a mãe, pois entende que ela não tinha
consciência que poderia ter feito mais, que a mãe acreditava estar fazendo o melhor
para ela.
Nesta declaração, é possível perceber como a violência transgeracional se
constitui e que características de um relacionamento, mesmo que ruins, são aceitas e
naturalizadas por essas mulheres, pois é o que se conhece por relacionamento.
Entretanto, tal relacionamento também pode ser rompido. Sarah, apesar de ter
repetido o ciclo de relações violentas que a mãe também sofreu, conta que interviria
27

caso seus filhos estivessem em situação semelhante, além de ponderar que conversa
muito a respeito com os filhos, a fim de preveni-los.
Já a terceira entrevistada, Jenyfer, descreve sua família como: pais casados há
mais de 40 anos, 3 irmãos todos do mesmo pai e mãe, sendo ela a caçula da família.
Relata que os pais sempre tiveram um casamento normal, que a mãe já passou por
cima de muitas mágoas para continuar o casamento com o pai, incluindo traições. E
assim como Sarah, seu contexto familiar a influenciou a sair de casa, apesar de ser
por razões diferentes. Jenyfer expõe que se casou com 18 anos por pressão da sua
mãe, que nem ela e seu falecido marido queriam dar aquele passo naquele momento,
mas por não desejarem romper com o namoro, se casaram. Já na relação abusiva,
com apenas 3 meses de namoro, mesmo não morando mais com a mãe, também
sofreu pressão para dar um passo a mais na relação, e, assim, o abusador foi morar
com Jenyfer logo no início do namoro.
Jenyfer também narra sobre o casamento dos pais, destacando que eles estão
a 40 anos juntos, já que a mãe passou por cima de muita coisa como traições e outras
mágoas para manter o casamento. Diz que apesar dos problemas nunca houve
agressão física entre eles e que hoje em dia é difícil um relacionamento durar tanto,
pois as mulheres não aceitam mais algumas situações como antigamente.
A entrevistada pontua algo que também deve ser levado em consideração,
que é a cultura em que o casal está inserido. A cultura machista que há 40 anos atrás
era ainda mais forte, é um fator que manteve muitas mulheres em casamentos, já que
mães solos e divorciadas sofriam mais intensamente com a exclusão social antes.
Neste sentido, a dinâmica de uma relação amorosa, pode ser entendida com profunda
influência das heranças familiares e culturais, que podem ocasionar em obstáculos
para modificações nas relações amorosas e levando à reprodução de características
disfuncionais de um envolvimento amoroso.
Foi levantado também nas entrevistas sobre como a família pode ser uma
rede de apoio, com potencialidade de ser um ator que favorece ou dificulta o
movimento de sair de uma relação abusiva. Isso se deve, pois, a que as pessoas
constroem respostas a cenários estressantes com base em seus recursos sociais,
como reconhecimento e valorização das suas qualidades, autoestima, senso de
controle sobre a própria vida e enfrentamento a situações traumáticas, podendo ser
compreendido também como atos de afeto e zelo direcionados ao sujeito pela sua
rede de apoio. Portanto, não por acaso uma das manobras mais comuns do abusador,
28

é afastar sua vítima de familiares, amigos e tentar impedir quaisquer outras relações
interpessoais.
Todas as entrevistadas relataram afastamento ou tentativa do abusador em
afastá-las de familiares e/ou amigos. Sarah vivenciou isso, já no início da relação com
seus 15 anos na época: “A primeira coisa que a pessoa faz é te isolar, da família, dos
amigos. Ele começou a cortar minhas amizades, dava argumentos, e com quinze anos
você não tem muito conhecimento”. Em outro momento diz: “Ele cortava, não deixava
eu fazer amizade. Queria fazer as coisas sempre sozinho, nunca no coletivo, nem com
a família. Depois começou a ser violento.” Entretanto, sua família foi um elemento
significativo para conseguir romper com a relação e se reerguer após anos de
violência.

Peguei só os meus filhos, só as nossas roupas e saí de casa, com a cara e


com a coragem. Por que eu saí? Porque eu tinha família. Eu saí e voltei para
a casa dos meus pais. Não queria, né, mas voltei. Minha família me ajudou.
Fui me reerguer, porque nessa altura eu não estava bem psicologicamente.

Assim como Sarah, Clarice também reconhece que foi levada a se afastar
de seu potencial rede de apoio, neste caso, seus amigos. Aponta que seu agressor
teria tirado eles dela, pois, deixava de estar com seus amigos para estar com ele e se
tornou uma pessoa mais fechada e irritada e seus amigos conseguiam perceber isso,
mesmo que ela na época não reconhecesse.
Clarice ressalta a importância da sua rede de apoio, para romper e se recuperar
dessa relação abusiva, como sua mãe e amigos que apontavam a ela
comportamentos do agressor que não eram legais, assim como também acesso a
psicoterapia, que destacou ter sido algo fundamental para sua recuperação.
Já Jenyfer, reconhece que quando reata com seu abusador, seus familiares por
saberem o teor da relação e não aceitarem a presença dele, faz com que ela se afaste
ao estar com ele. Além disso, a vítima acredita que os episódios de agressão
aumentaram após sair da casa próxima à da sua família, pois ela crê que o agressor
se sentia mais confiante em ser violento, sem ter alguém que interviesse, como já
ocorreu antes, quando morava perto dos seus pais. Em contrapartida, apesar da
intervenção da família em alguns episódios, Jenyfer não relatou a agressão física que
sofreu para os pais, sendo apenas alguns familiares próximos cientes disso:
29

Depois da agressão física ele disse que era pra eu chamar a polícia, mas eu
estava assustada e só queria que ele saísse da minha casa. Eu tinha medo
de chamar a polícia pela reação dele, tem casos que o homem mata depois
disso a mulher, tinha a vergonha da minha família saber, tanto que até hoje
meus pais não sabem disso, eu tinha vergonha, não por medo do julgamento
da minha família, mas porque eu me senti pequena. Apesar de tudo, eu tinha
mais receio de prejudicar ele.

Jenyfer também se recorda da opinião de pessoas próximas, quando iniciou a


relação com ele e os motivos que a levou a não considerar as críticas.

Ele já tem três filhos de mães diferentes com 29 anos, na época ele estava
muito emocionado comigo, então eu tampei meus olhos, não raciocinei na
época, será que o problema não era ele? Por que não deu certo com
nenhuma ex? Mas nunca tinha vivido isso, ele me tratava na palma da mão,
na época tinha até pessoas que falavam pra eu prestar atenção, porque ele
não deu certo com nenhuma ex, na época ele tinha 26 anos, será que todas
elas são doidas mesmo como ele falava? Eu ignorava isso, porque estava
frágil e o que ele podia fazer pra me agradava ele fazia e colocava as exs
como doidas.

Diante dos dados colhidos nas entrevistas e pesquisas sobre a temática de


abuso nas relações, é possível concluir que a família é um agente de influência na
maneira como os indivíduos se relacionam e se são mais vulneráveis ou não a
sofrerem agressões. Além disso, como as relações interpessoais podem executar um
papel relevante em sinalizar os abusos para a vítima, que, envolvida na relação, não
percebe, é um componente que pode impactar na redução ou contenção das
agressões, assim como ser uma rede de apoio para romper o ciclo de abusos.
Entretanto, muitas mulheres como Jenyfer não relatam e se afastam das pessoas do
seu convívio, por vergonha de reatar com o parceiro ou pela vergonha de estar em
uma relação de natureza violenta.

5.3 Visão das mulheres sobre uma relação ideal e relação abusiva

O estudo de Freitas e Sales (2019) explana como a violência em relações


amorosas são vistas como um problema individual e particular do casal e não como
uma questão social a ser combatida. Apresenta também como o casamento, união
estável ou namoro, ainda hoje é tratado pelas pessoas como uma forma de
desenvolver suas aptidões individuais, assim como, encaram a relação como algo
capaz de fornecer afeto, suporte e proteção, entretanto, não é sempre assim.
30

Não é incomum que a mídia, produções artísticas, religião, família, condição


social dentre outros elementos constituintes da construção do eu da mulher,
romantizem relações problemáticas e prejudiciais a ela ou retratem idealizando e
superestimando uma relação amorosa. Neste sentido, ao longo da vida, a mulher em
contraste ao homem, não é incentivada a sonhar e buscar ter interesse por conquistas
acadêmicas, profissionais ou hobbies, mas sim a conquistar um homem ou se moldar
até ser escolhida por um. Mesmo que seja incentivada a ter outras conquistas, elas
ainda sim são mais motivadas a encontrarem um parceiro para constituir família, do
que eles.
Clarice descreve o motivo que levou ela a romper um namoro de dois anos e
meio, para iniciar um relacionamento com seu abusador, validando a construção
problemática das relações amorosas:

É muito complicado isso, porque a gente que é mulher, às vezes a gente


busca algo que a gente não sabe. Quando alguma coisa vira rotina na vida
da gente, a gente tem a tendência a se entediar muito quando a gente não
sabe o nosso propósito final. Às vezes, por ainda ter os meus problemas, eu
ainda estou lidando com algumas coisas. Eu sempre achei que um
relacionamento tinha que ter conflito. E aí quando eu namoro uma pessoa
que resolve tudo na conversa, que não briga por absolutamente nada, que
me escuta e leva as minhas opiniões em consideração, eu falei “Eu não quero
isso, eu quero conflito.” E eu acho que foi justamente isso que aconteceu, eu
pensei “Está pouco, está muito raso isso.” Eu estava procurando o famoso
chifre na cabeça de cavalo. Eu comecei a me relacionar muito cedo, com 13
anos e meio, e depois disso foi um atrás do outro e cada vez pior.

Neste relato de Clarice, é importante destacar sua crença de que um


relacionamento amoroso envolve conflitos e turbulências. Isso a levou a se sentir
incomodada com um relacionamento tranquilo que ela tinha na época, mas que hoje
ela valoriza. Essa concepção foi influenciada pelas experiências de relacionamento
que vivenciou em sua infância e adolescência, e fomentada pela construção de
relacionamento heteronormativo imposta pela sociedade, mídia, religião e obras
artísticas que frequentemente retratam a ideia de que brigas e discussões constantes
são normais em relacionamentos. Isso inclui a percepção de que um homem pode se
envolver em brigas por ciúmes ou fazer comentários negativos sobre a aparência de
uma mulher, ditando por exemplo seu comportamento, sem que outros interfiram,
seguindo o ditado comum de que "em briga de marido e mulher, ninguém mete a
colher.”
31

Em contrapartida, aborda a visão sobre a idealização de um parceiro romântico,


em que diz acreditar ser um consenso entre as mulheres a espera por um príncipe em
cavalo branco que tem o poder atribuído de escolhê-las.
Clarice se sentiu validada por ser escolhida e decidida que precisava conquistar
ele:

Nesse ponto eu já comecei a entender que era tudo muito lindo, muito
sedutor, que era tudo muito maravilha, que ele não tinha defeito e, pasmem,
ele era muito bonito, isso eu não posso deixar de falar. Eu, uma mulher,
negra, gorda, eu não tinha aquela autoestima de falar assim “Eu mereço isso
e eu mereço aquilo”, então, quando eu me deparei com aquela situação de
ser escolhida por um cara lindo, eu pensei: “eu preciso ficar com esse cara
lindo”. [...] ele já tinha se relacionado com uma amiga minha, e essa amiga
minha falou comigo assim: “Não, porque ele é assim, assim, assim, assado”
e eu falei “Nossa, eu tenho que pegar esse cara”.

Além disso, Clarice corrobora com a pontuação levantada anteriormente, sobre


como as mulheres se moldam para ter e manter um relacionamento: “eu era o projeto
dele”, ela afirmou. Em outro momento retoma a essa narrativa: “Ele foi podando e eu
deixando, e aí eu vi que o preço que eu paguei para ficar com essa pessoa foi me
abandonar de mim mesma para poder ficar como ele queria que eu fosse”.
Já Sarah, discorre sobre como compreende uma relação amorosa, sendo
composta por pessoas que se respeitam, que elevam a autoestima um do outro e que
vão dar aquilo que o outro precisa, o parceiro deve dar o que o outro necessita.
Convergindo com Sarah, Jenyfer também ressalta a importância do respeito na
relação, além de salientar as influências que teve sobre sonhar e ter uma relação
amorosa conforme os exemplos de familiares e pessoas que a cercam, em que se
deve namorar, casar e ter filhos. Sendo assim, também pontuou a lealdade como algo
fundamental.
A violência contra a mulher dentro de uma relação amorosa é normalizada
socialmente, o que dificulta a identificação da mulher se está ou não sofrendo um
abuso, ou até mesmo em receber apoio para enfrentar a situação, já que ainda hoje,
muitos possuem o pensamento antigo de Jenyfer, que achava que a agressão física
era o único determinante se a relação era abusiva ou não: “Só fui saber mesmo depois
de passar por um, nunca tinha ouvido falar assim sobre, pois agressão eu achava que
era só física, agora sei que tem psicológica, emocional, moral, achava que era só uns
tapas na cara.”
32

Assim como Jenyfer, Sarah também não tinha conhecimento sobre


relacionamento abusivo, relatou que na época em que vivenciou o abuso, não se
falava a respeito e nem tinham acesso a informação como hoje em dia. Além disso,
também citou a falta de conscientização que deveria ter tido em diversos âmbitos,
como em escolas.
Notabiliza-se, portanto, a importância de se trabalhar com a prevenção contra
relações de caráter violento, assim como compartilhar as diferentes formas com que
a violência pode se manifestar na relação. Entretanto, infelizmente saber sobre a
temática não isenta ninguém de passar por abusos, como no caso de Clarice que tinha
conhecimento sobre relacionamento abusivo, principalmente por trabalhar
voluntariamente atendendo mulheres que sofriam o mesmo. “Eu estava no nono
período de psicologia, faço terapia há cinco anos, faço supervisão das minhas sessões
de terapia, então é uma coisa que a gente não está imune, de verdade.”
Com seu conhecimento acadêmico, profissional e após vivenciar uma relação
desse teor, Clarice concluir sobre relacionamento abusivo:

Relacionamento com jogos psicológicos, estar em uma relação em que


precisa ter cuidado com o que vai falar e fazer porque qualquer coisa pode
ferir o ego do outro, ter sempre que “pisar em ovos”. Viver com alguém que
sempre apontava todas as suas atitudes simples, como um absurdo e como
se ele fosse um coitadinho. Estar em uma relação que te levava a questionar
sempre suas ações, mesmo que você não tivesse fazendo nada demais.

Sarah define como relacionamento abusivo:

É aquele relacionamento 100%, onde a pessoa não entrega os 50%, não


entrega o que ela tem que entregar. Esse é um relacionamento abusivo. Até
60%, para mim, é um relacionamento abusivo. O que não é um
relacionamento abusivo é um relacionamento 50/50, que é um
relacionamento onde a pessoa entrega aquilo que você merece e que você
precisa, e você entrega também para o outro lado.

Já Jenyfer compreende como: “Tudo o que ultrapassa os limites, tenho muito a


dizer e não sei explicar, mas seria tudo que ultrapassa a falta de amor, respeito e
empatia. Tudo em excesso faz mal, é quando a pessoa ultrapassa o limite das coisas.”
Diante de tudo exposto, sobre as perspectivas de relacionamentos dessas
vítimas, reitera-se a importância em elucidar as características e possíveis formas de
manifestação das violências em relacionamentos, atuando na prevenção destas.
33

Assim como compreender elementos que fortalecem a cultura de violência contra a


mulher, para buscar caminhos de mudança.

5.4 Os ciclos do relacionamento abusivo

Os relacionamentos abusivos seguem um certo padrão de comportamento. O


início desse tipo de relação pode ser marcado por uma fase de idealização e
encantamento, na qual o homem, disposto a conquistar, pode se mostrar
extremamente atencioso, carinhoso e apaixonado. De acordo com Santos e Almeida
(2020), o relacionamento abusivo se inicia frequentemente com idealizações
românticas e expectativas altas em relação ao parceiro, porque ele se mostra dessa
forma. Gradativamente, o agressor começa a demonstrar certos tipos de
comportamentos que resultam na entrada do ciclo da violência. Segundo o estudo
“Análise do ciclo da violência doméstica contra a mulher” (LUCENA et al., 2016), o
ciclo de violência se manifesta nos relacionamentos inicialmente em uma fase de
tensão, caracterizada por insultos, humilhações e conflitos que geram uma crescente
apreensão entre o abusador e a vítima. Em seguida, com o acúmulo de tensão o
abusador parte para a agressão, podendo se apresentar em diversos tipos de
violência; essa é a fase explosiva. Após esses episódios violentos, ocorre a fase do
suposto arrependimento, reconciliação, culpabilização da vítima, promessas de
mudança por parte do agressor, o que temporariamente acaba ocorrendo,
restaurando uma aparente harmonia no relacionamento. No entanto, esse ciclo tende
a se repetir, com a aparição da fase de tensão, e consequentemente as outras.
Nesta pesquisa foi possível identificar os ciclos da violência em cada relação.
Começando pelo início da relação, o testemunho das três entrevistadas revelou um
aspecto comum: a fase de idealização e encantamento. Jenyfer, em sua narrativa,
compartilha que, devido ao momento emocionalmente delicado que estava vivendo,
ter ficado viúva aos 21 anos há pouco mais de um ano, quando voltou a conversar
com esse homem que era seu amigo no passado, não conseguiu analisar a situação
completa:

Ele é uma pessoa intensa em demonstrar as coisas, então me enchia de


presentes, me dava buquê, chocolates, me enchia de mensagens, ele
demonstrava demais. Como era uma coisa nova que eu estava vivendo,
nunca tinha vivido isso em relacionamento nenhum, a gente fica cega,
começa a ocultar coisas reais. Ele já tem três filhos de mães diferentes com
34

29 anos. Na época, ele estava muito emocionado comigo, então eu tampei


meus olhos, não raciocinei na época: "será que o problema não era ele? Por
que não deu certo com nenhuma ex?". [...] Na época, tinha até pessoas que
falavam pra eu prestar atenção, porque ele não deu certo com nenhuma ex.
"Será que todas elas são doidas mesmo como ele falava?". Eu ignorava isso,
porque estava frágil e o que ele podia fazer pra me agradava ele fazia e
colocava as exs como doidas.

O relato da Clarice se assemelha à história de Jenyfer, especialmente no que


diz respeito aos elogios, carinho excessivo e preocupação constante, bem como a
referência a ex-namoradas descritas como problemáticas. No caso dela, destaca-se
ainda que consegue reconhecer agora como ele se aproveitou de suas inseguranças
para conquistá-la. Sendo uma mulher preta e gorda, pertencente a uma minoria
oprimida no país, e ela relata que se sentiu validada ao ser escolhida por ele um
homem padrão perante a sociedade, e ele estava ciente disso, principalmente porque
as meninas com quem ele se relacionava eram sempre nesse mesmo padrão. Nas
duas narrativas, eles ainda utilizavam-se da história de que ela era a única que
compreendia ele, que não havia outra igual, como forma de manipulá-las.
Já na história de Sarah, ela aponta que como era muito nova quando o
conheceu na igreja, ela tinha 14 e ele 24, lembra-se de que no início ele já começava
a, por exemplo, isolar ela dos amigos, família, mas que por ser muito nova não tinha
muito discernimento.
Passando para a fase da tensão, onde começa aparecer o controle de
comportamento na relação, intrigas, Clarice relata esse tipo de comportamento: “até
que as coisas começaram a ficar assim: 'Eu vou mexer no seu telefone, mas você não
pode mexer no meu’; ‘Você não pode ir em tal lugar se eu não estiver’; ‘Se você vai
trabalhar, você não precisa de passar perfume'”. Além disso, conta que ele começou
a criticar a forma como ela gerenciava suas finanças, argumentando que gastava em
coisas supérfluas, o que a obrigou a justificar sua administração financeira e a sentir-
se culpada por trabalhar e gastar seu dinheiro da forma que quisesse.
Na entrevista da Sarah, ela também narra que, após ser isolada de amigos e
familiares por ele, começou também a impor restrições e exercer controle sobre ela.
Especialmente, quando foram morar juntos durante sua primeira gravidez, quando
ainda era menor de idade, passou a proibi-la de sair, chegando a ficar quase dois anos
sem sair de casa para fazer algo que quisesse. Depois passou a não permitir que
trabalhasse ou tivesse outras ocupações.
35

Ainda nesse tema, Jenyfer relata uma das primeiras vezes que notou um
comportamento problemático, após irem morar juntos com poucos meses de
relacionamento, por pressão da mãe:

Os primeiros sinais eram soco na parede, gritar, me desafiava a fazer as


coisas, me chamava de burra, dizia que não era capaz de fazer as coisas.
Eram coisas que não tinha vivido e achava que era do temperamento dele, a
forma dele se expressar, achava que era normal.

Tratando-se agora da fase da explosão, em que a relação passa por episódios


de violência, podendo ser psicológica, moral, física, patrimonial, entre outras, a
entrevistada Clarice, apesar do curto tempo de relação, vivenciou esse tipo de
episódio. Felizmente, conseguiu sair da relação antes que as coisas piorassem mais,
mas não sem consequências negativas. Em um dos principais incidentes, relata que,
quando eles estavam em um restaurante, ele a enforcou diante de outras pessoas,
alegando que era uma brincadeira. Entretanto, ela se sentiu constrangida com a
situação e, ao conversar com ele de forma privada a respeito dos seus sentimentos,
os dois brigaram e ela se percebeu naquele momento novamente pedindo desculpas
por algo que estava machucando ela.
Essa fase do ciclo aparece também na relação de Jenyfer, que comenta que o
ex-companheiro já chegou a agredi-la fisicamente com socos, tapas, queimar objetos
pessoais como o celular e inclusive ameaçá-la de morte.
Na história de Sarah, ela relata diversos episódios em que era agredida pelo
marido, inclusive na frente dos filhos; e, em um desses episódios chegou a fazer
boletim de ocorrência.

O ponto mais difícil que eu passei com ele foi uma vez que, porque ele não
deixava eu sair, e eu frequentava a igreja. Eu fiquei dois anos em casa sem
sair para nada. Enfim, aí eu falei: “vou voltar a ter minha vida, eu não posso
ficar presa”, e comecei a sair, ir para a igreja, levar os meus meninos para
sair e tal. A primeira vez que eu saí, ele me bateu com um pedaço de pau que
eu ainda tenho a marca no meu braço até hoje. Da segunda vez, eu fui
espancada literalmente, ele me espancou com um fio de luz. Foi a pior
agressão física dele. Eu cheguei a ir na polícia, fazer boletim de ocorrência,
fazer corpo delito e exame médico.

Após os atos violentos, é possível observar na narrativa das três participantes


padrões de comportamento semelhantes por parte dos agressores, onde eles
prometiam mudanças de atitudes, agiam de forma diferente, mais próximo ao que era
36

o início do relacionamento, entravam em um período conhecido como "lua de mel",


mas eventualmente voltavam a agir da mesma maneira. No caso de Clarice e Sarah,
elas ainda mencionam que, após discussões ou atos violentos, agiam de forma
indiferente e depois começaram a prometer mudanças. Outro ponto importante
apontado por Jenyfer é como o abusador agia como se compreendesse o medo dela
e reconhecesse suas ações erradas. Por exemplo, após um episódio de agressão
física, ele sugeriu que ela chamasse a polícia, admitindo seu erro, dizendo que
causava mal a ela, e, mesmo assim, não a deixava livre.
Diante do exposto, é possível perceber que o homem autor da violência utiliza-
se de abusos psicológicos, manipulação para camuflar seus atos nocivos, revertendo
a situação, provocando questionamentos das mulheres sobre suas percepções e
valores. Essa complexidade em distinguir comportamentos saudáveis dos tóxicos
acaba levando as mulheres a terem dificuldades de se reconhecer em uma situação
abusiva, e mesmo após o reconhecimento, por estarem nessa confusão em
diferenciar comportamentos, a encerrar essa relação. Segundo Guimarães, Diniz e
Angelim (2017), essa ambiguidade contribui para a permanência das mulheres na
relação, principalmente porque a repetição de um ciclo faz com que a mulher se
adapte e naturalize essa oscilação de comportamentos e continue na relação.

5.5 Prejuízos causados pela relação abusiva

No texto "A Capacidade Para Estar só”, de Winnicott (1958/1983), o psicanalista


expõe que todo sujeito em determinados níveis dependerá dos outros do seu meio,
mas quando sem o outro, o sujeito se sente desamparado e dependendo do outro
para se validar como indivíduo, o que torna-se um problema. Logo, uma das principais
manobras do abusador em exercer a dominação sob a vítima é controlando ela e
demandando da mesma atenção, presença e energia, buscando estabelecer relação
de dependência, seja financeira, emocional, dentre outras formas que esse fenômeno
se manifesta.
Portanto, as entrevistadas relatam outras consequências enfrentadas pela
relação abusiva intrínseca ao controle operado na relação por seus ex-cônjuges.
Clarice e Jennifer relatam os prejuízos que sofreram no seu desempenho nos estudos
e no trabalho, assim como Sarah relata ter sido privada do âmbito acadêmico e
profissional.
37

Ao questionada sobre como fazia para se dedicar ao trabalho e aos estudos, já


que seu ex exigia atenção, satisfações e buscava controlar seus passos, Clarice relata
que fazia tudo mal feito, para ter mais tempo com seu agressor. Evidenciou ter
negligenciado seus estudos e que apenas seus atendimentos com suas pacientes
eram algo que ela priorizava e se dedicava.
Semelhantemente a ela, Jenyfer também relatou estar muito abalada
emocionalmente, não conseguindo se concentrar nos estudos e no trabalho, até
exemplificou contando sobre um episódio que chorou no emprego, que está instável
emocionalmente. Vale ressaltar que a entrevista foi feita em um período próximo do
último término de Jenyfer com o abusador, além disso, durante a entrevista a mesma
ainda recebeu uma mensagem do ex, que, apesar de ter partido dele a decisão de
separação, busca se manter presente na vida da vítima.
Já Sarah conta sobre como foi privada não só de estudar e trabalhar, mas
coagida a se isolar socialmente: “Não deixava eu trabalhar, mas deixou eu concluir o
segundo grau. Não deixava eu sair, não deixava eu fazer nada”. Em outro momento,
conta que atualmente com 41 anos ela realiza o sonho de cursar o ensino superior,
desejo esse que foi interrompido por seu agressor que não deixava ela estudar. A
entrevistada relata um episódio que tentou participar de um pré-vestibular, mas que
foi coagida pelo seu abusador a parar, após escândalo que realizou na instituição de
ensino a envergonhando e reforçando a proibição.
Sarah aponta ter vivido o pior momento com seu abusador, quando ficou dois
anos sem sair de casa e ao tentar confrontá-lo e ter liberdade para ir a igreja, sofreu
agressões, citando inclusive uma delas como a pior que sofreu.

O ponto mais difícil que eu passei com ele foi uma vez que, porque ele não
deixava eu sair, e eu frequentava a igreja. Eu fiquei dois anos em casa sem
sair para nada, enfim, aí eu falei “vou voltar a ter minha vida, eu não posso
ficar presa” e comecei a sair, ir para a igreja, levar os meus meninos para sair
e tal. A primeira vez que eu saí ele me bateu com um pedaço de pau que eu
ainda tenho a marca no meu braço até hoje. Da segunda vez, eu fui
espancada literalmente, ele me espancou com um fio de luz. Foi a pior
agressão física dele. Eu cheguei a ir na polícia, fazer boletim de ocorrência,
fazer corpo delito e exame médico.

Agressões assim, que fizeram as vítimas temerem pela própria vida, também
foram narradas por Clarice, quando percebeu que outras vítimas de violência em
namoros do seu abusador, sofriam perseguições e agressões. Já Jenyfer conta ter
38

temido por sua vida após a primeira agressão física em que o namorado na época,
ameaçou jogar fogo nela, após atirar álcool em seu corpo.
No que se refere à influência que a relação trouxe para a autoestima das
mulheres, na pesquisa “Mulheres que vivenciaram violência conjugal: concepções
sobre suas ações, o homem autor e a experiência”, desenvolvida por Galeli e Antonini
(2018) com mulheres que denunciaram a situação de violência conjugal e se
separaram dos companheiros, foi possível perceber como as vivências do
relacionamento abusivo tiveram impacto negativo na autoestima dessas mulheres,
principalmente porque o olhar do outro e a validação do outro tinha influência
fundamental no seu autoconceito.
De acordo com Hutz e Zanon (2011), a autoestima é um componente
fundamental do modo como nos enxergamos, compreendendo um conjunto de
pensamentos e emoções que dizem respeito ao próprio indivíduo, representando a
visão pessoal dos sentimentos de auto valor. Geralmente, é uma percepção
relativamente constante ao longo da vida adulta e está positivamente relacionada à
satisfação com a vida. Pessoas com alta autoestima tendem a acreditar que vivem em
um mundo onde são respeitadas e apreciadas, experienciando um senso de
valorização em relação a si mesmas. Em contraponto, pessoas com baixa autoestima
podem experimentar sentimentos de tristeza, humor negativo, sentimento de
inadequação e incapacidade, depressão, ansiedade social.
Nesta pesquisa foi possível identificar a influência dos relacionamentos
abusivos na autoestima das mulheres e visualizar o impacto antes e depois do
término. A primeira participante, Clarice, narra que durante o relacionamento começou
a dar importância e se incomodar com questões que antes não a atingiam. Começou,
por exemplo, a se questionar sobre a forma que se vestia, e a se vestir e preocupar-
se com a opinião do ex-companheiro: “Chegou em um ponto em que eu colocava
roupas e pensava “O que será que ele vai achar? Será que ele vai achar curto? Será
que ele vai achar que está aparecendo muito o busto? Será que ele não vai gostar?”.
Relata ainda sobre essa mudança ao longo do relacionamento e como o
comportamento dele foi mudando, o que consequentemente impactou seu autovalor:
“No início, seu corpo é maravilhoso, seu cabelo é bonito, você é isso, você é aquilo,
e, no final, você tem que emagrecer, você come demais, você precisa mudar o seu
cabelo. E aí você vê necessidade de se moldar através do que aquela pessoa pediu
para você”.
39

O relato de Sarah corrobora com esta narrativa, evidenciando o quão mal


estava se sentindo.

A pessoa abusadora te põe muito para baixo, ela põe você um lixo. Ela faz
você se sentir um lixo. Teve uma vez que eu estava tão para baixo, me
sentindo a mulher mais feia do mundo, do universo, até de Marte; até os ETs
ganhavam de mim. [...] Ele falava que eu tinha o corpo de velha, falava que
eu estava larga. Falava uns absurdos, que eu não era bonita, que as outras
meninas que eram princesas, fazia comparações. E você ficar ouvindo aquilo
todo dia acaba acreditando naquilo.

Apenas quando ao passar na rua e receber um elogio de um outro homem, começou


a ter outra visão de si mesma. “Aquilo me deu uma força, me deu autoestima. Eu
pensei ‘Eu sou bonita? Eu sou isso que ele está falando? Então meu marido está
mentindo para mim’, porque ele só falava coisas feias comigo”. Neste momento, é
possível identificar como a autoestima feminina está intensamente reduzida em sua
aparência, sendo além disso, necessária a validação de um homem a respeito dela,
para que se torne algo significativo para a mulher. Dessa forma, podemos associar o
pensamento de Sarah com uma construção social machista que subjuga as mulheres
as objetificando e supervalorizando sua imagem em detrimento de suas outras
qualidades e valores. Logo, como as estruturas patriarcais fazem com que as
mulheres sejam incentivadas a buscarem a aprovação masculina, acabam por tomar
como verdade as percepções deles, não sendo muitas vezes questionadas se são
reais ou não. É como se buscassem ser legitimadas como mulheres pelo parceiro ou
até mesmo por um estranho do sexo masculino, infelizmente essa problemática torna
a autoestima da mulher frágil e facilmente abalada e manipulada, como fizeram seus
abusadores.
Já Jennifer, a terceira entrevistada, além de compartilhar experiências que
evidenciam impactos semelhantes, menciona ter desenvolvido inseguranças em
relação ao seu próprio corpo e acredita que isso poderia ter sido um dos motivos pelos
quais o abusador buscou outros relacionamentos. Descreve como essa relação teve
um efeito adverso em sua saúde mental, relatando dois pontos importantes: o primeiro
é que, devido às traições e envolvimentos paralelos dele com outras mulheres,
começou a se sentir insuficiente; o segundo se relaciona a ter perdido seu ânimo e
brilho devido a tudo o que vivenciou.
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Eu acho que eu era uma pessoa que tinha muita luz sabe, uma pessoa
iluminada, que você sentia que você estava iluminado, era uma pessoa
disposta, era uma pessoa mais alegre. E aí hoje em dia, tipo assim, eu longe
dele eu me sinto em paz, mas eu não sou completa ainda, entendeu? Eu tô
meio tipo apagada, eu não tenho a mesma luz que eu tinha antes de
conhecer, não é a mesma felicidade, sabe? É uma coisa estranha, tipo opaco
por dentro, estranho.

Na dinâmica de dominação-opressão, mesmo quando o agressor faz


comentários depreciativos sobre a aparência ou comportamento das mulheres,
utilizando de mecanismos de manipulação, comparando elas com outras pessoas, as
vítimas ainda permanecem no relacionamento. Essa dinâmica pode contribuir
significativamente para a persistência da violência, pois leva as vítimas a
questionarem seus próprios valores e começarem a acreditar no que os agressores
diziam, mudando seus comportamentos para adequarem às suas expectativas, bem
como desenvolvendo uma percepção negativa de si mesmas. Isso é particularmente
influenciado pela memória do comportamento inicial do agressor no início do
relacionamento, quando ele agia de forma oposta, levando as mulheres a se
manterem na relação.
Dessa forma, mesmo após o fim do ciclo de violência com o encerramento da
relação, as vítimas carregam marcas do abuso, que podem deixá-las mais suscetíveis
a entrarem novamente em uma relação abusiva. Apesar de aversivos, os padrões são
familiares e mais toleráveis para elas, caso não se dediquem e enfrentem um processo
de reflexão e compreensão sobre a violência conjugal vivida.
Portanto, umas das consequências causadas pela relação abusiva são as
cicatrizes que elas deixam nas mulheres e interferem na maneira com que elas se
relacionam futuramente. Clarice declara ter investido em um período só, que pudesse
refletir sobre suas atitudes e o que a levou a ter e manter uma relação tão prejudicial
a ela, mesmo desejando retornar à sua relação anterior da com seu agressor, ela
optou em pensar e tentar amenizar as dores sofridas pelo abuso, antes de iniciar a
relação que vive hoje. Ainda que manifeste inseguranças adquiridas no abuso, ela
consegue se expressar e resolver conversando com seu cônjuge atual.
Apesar de viverem uma relação nociva, o término da relação não resulta em um
ponto final no sofrimento. Sarah deixa transparecer isso ao relatar sobre a fase após
o divórcio:
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Eu chorava de dia e chorava de noite, foi um período de lágrimas, foram dois


anos. Meu período de recuperação foi de dois anos depois da separação. É
como se a sua alma fosse rasgada ao meio, então eu demorei dois anos para
me recompor. Então, um divórcio, uma separação, por mais que não esteja
em um contexto de violência, ele prejudica bastante a vida da pessoa. O
emocional da pessoa fica dilacerado.

Sarah também reconhece a fase de carência e vulnerabilidade que a mulher


passa após término da violência, ela descreve como um processo mental de
mudanças, em que a mulher fragilizada e que ainda não se recuperou dos abusos,
pode acabar entrando em uma relação igualmente ou mais prejudicial a ela e não
conseguir sair.
Em relação à Jenyfer, não se encontra namorando seu agressor, mas ainda está
presa na dinâmica de abusos e em contato com ele. Sendo assim, ainda não teve
nenhuma relação posterior ao seu abusador, mesmo achando que a ajudaria a não
voltar para ele, como já aconteceu outras vezes. Ela reconhece que tem traumas e
gatilhos da relação tóxica, o que a faz acreditar que se machucaria ou machucaria
outra pessoa em uma futura relação.
Diante do exposto, conclui-se que os prejuízos da violência conjugal permeiam
várias áreas da vida da vítima, que sofre agressões emocionais, físicas, tem sua vida
acadêmica e profissional prejudicadas e até mesmo são privadas de liberdade. Tais
abusos causam impactos incontáveis na vida dessas mulheres, que tiveram sua
autoestima e autoconceito dilacerados, indicando que o término do ciclo de violência
não corresponde ao fim dos impactos do abuso sofrido.

5.6 Permanência e Encerramento da Relação

A pesquisa “A Permanência de Mulheres em Relacionamentos Violentos:


Desvelando o Cotidiano Conjugal” (GOMES et al., 2022) aborda a compreensão da
permanência das mulheres em relacionamentos marcados pela violência. Logo,
muitas mulheres permanecem por anos em relacionamentos abusivos, mesmo cientes
de estarem vivendo situações de violência. Essa realidade complexa é influenciada
por diversos fatores psicológicos e sociais.
No início do relacionamento, muitas mulheres não percebem que estão sendo
vítimas de abuso, pois é difícil identificar os sinais de violência. Além disso, elas
acreditam que podem controlar os episódios de agressão, na esperança de manter a
42

estabilidade do relacionamento, seja reagindo às agressões, seja pela expectativa de


que, por elas, os abusadores vão mudar. Sarah relata que começou a reagir às
agressões físicas, acreditava que assim faria ele parar:

Eu comecei a arranhar, a minha defesa eram minhas unhas. Teve uma vez
que ele me agrediu e eu arranhei o rosto dele com a minha unha. Eu comecei
a falar que se ele me agredisse de novo eu ia arranhar a cara dele todinha e
para todo mundo ver que ele era um espancador de mulher.

Apesar de seus esforços, Sarah continuava sendo espancada frequentemente


por seu marido na época. Além dela, Jenyfer conta que, depois de várias agressões,
em que apenas se assustava e ficava paralisada, começou a reagir jogando objetos
na direção do agressor, sempre como uma forma de defesa e acreditando que isso
faria o abusador encerrar a agressão. No entanto, além de acreditar que poderiam
controlar os comportamentos de violência reagindo a eles, Jenyfer também tinha
esperança que seu namorado da época fosse mudar.

Ele falava que ia mudar. Então aí no início era tudo lindo quando a gente
começava a se envolver de novo era tudo lindo, era tudo maravilhoso que ele
faz podia fazer para me agradar ele fazia, só que quando ele via que já tava
tudo sob controle, ele começava de novo.

A expectativa de mudança do abusador é um motivador que influenciou todas


as mulheres a se manterem na relação. Ademais, observa-se também que as
entrevistadas tinham uma percepção romantizada sobre a relação até mesmo quando
sofrem as agressões, pois se colocavam em um papel de serem a “mulher certa” para
o abusador e que por elas serem trabalhadoras, companheiras, amorosas dentre
outras características que as qualificarem como tal, eles iriam mudar.
Dessa forma, o adoecimento psicoemocional decorrente da vivência da
violência também contribui para a permanência, gerando vulnerabilidades emocionais.
Clarice que nunca chegou a reagir de forma física às agressões, relata que buscava
conversar, mas que acabava em discussão e mesmo possuindo razão, ela quem pedia
desculpas no fim da briga. Outro ponto abordado pela entrevistada é que, mesmo
quando reconhecia que o abusador estava errado e agindo de maneira violenta, ela
justificava o comportamento do parceiro, que a convencia que sabia o que era melhor
para ela, que mesmo as atitudes de violência eram atos de cuidado com ela.
43

Para compreender melhor esses fatores, é necessário conhecer a história de


vida das mulheres em seu contexto social e afetivo. Logo, Sarah aponta questões
familiares, algumas já citadas anteriormente, que a influenciaram a permanecer em
sua relação e casando-se de forma precoce ainda na adolescência, visto que acredita
ter tido uma família desestruturada. Com isso, Sarah aponta como um dos
motivadores de permanência na relação a falta de orientação e de uma rede de apoio.
Além de ter sido negligenciada pela família, Sarah também foi por um profissional da
saúde, que, após uma agressão física realizando corpo de delito, foi influenciada pelo
médico a retirar o B.O contra seu marido na época. Adicionalmente, Sarah, que foi
proibida pelo ex-cônjuge de estudar e por muito tempo trabalhar, também tinha a
dependência financeira como grande fator de influência em não encerrar a relação.
Tanto Jenyfer quanto Clarice, além de acreditarem ser possível controlar as
agressões e mudarem os parceiros, estavam presas ao ideal de relacionamento
ofertado inicialmente pelo ex-companheiro, no momento de conquista e estabilização
da relação. Além disso, o pessimismo de Jenyfer sobre vivenciar uma relação
amorosa a fez acreditar que estar com seu agressor poderia ser a melhor opção, já
que, apesar de saber que ele a fazia mal, tinha receio de encontrar alguém “pior”.
Clarice complexifica esse sentimento de medo à rejeição ao abordar que pertence a
grupos de minorias, sendo uma mulher preta e gorda, carregando inseguranças. Logo,
sentia-se validada por estar em uma relação com um homem pertencente aos padrões
de beleza ditados pela sociedade. Assim como ela, as outras entrevistadas também
mencionam a autoestima e senso equivocado de valor próprio como interferências
significativas em manter a relação.
No contexto da pesquisa "Como Ocorre o Término e a Continuação de
Relacionamentos Abusivos em Mulheres?" (MALVEIRA, 2020), que se baseia em uma
revisão bibliográfica sobre o assunto, é abordada a complexidade do rompimento em
relacionamentos, bem como as dificuldades em encerrá-los de maneira definitiva. A
pesquisa discute como o primeiro término costuma estar relacionado à escalada da
violência, ao medo da vítima, à necessidade de superar esse medo, à primeira
agressão física ou à ocorrência de episódios mais intensos, bem como à presença de
filhos durante a agressão. Entretanto, a dependência emocional e financeira, o medo
e a persistente sensação de esperança exercem forte influência para que o ciclo do
relacionamento não seja encerrado e resulte em uma relação marcada por idas e
vindas.
44

Sobre esse aspecto é perceptível nesta pesquisa quando, no relato de Jenyfer,


ela discorre sobre como o primeiro término ocorreu após o primeiro ataque de fúria,
em que seu ex-companheiro quebrou objetos da casa toda, deixando-a acuada, após
ela ter esquecido de avisar que estava voltando para casa. Entretanto, o agressor
nunca deixou de se fazer presente e eles acabaram retornando. Uma situação
semelhante é observada na história de Clarice, em que, após uma ação que seu
parceiro considerou uma brincadeira, quando ele a enforcou em público, eles não
romperam a relação, mas tiveram uma briga significativa que a fez enxergar
problemáticas na relação.
No caso de Sarah, ela alega que um dos principais pontos que a levou a
repensar o relacionamento com seu então marido, e, consequentemente terminar e
voltar com ele, foi quando ele começou a agredir fisicamente seus filhos:

Eu falava “olha, se você não mudar e parar com essa droga, violência, eu vou
te largar, porque os meninos estão crescendo e eu não vou deixar os meus
filhos crescerem vivendo isso”, porque até quando era só eu sofrendo, tudo
bem, mas quando eu comecei a ver meu filho mais velho sofrer, apanhar
também, e ver aquela violência [...]. Ele virava para o pai dele e falava: “eu
quero que você pare de bater na minha mãe”. Pior do que qualquer soco e
pontapé que eu levei, foi ver o meu filho sofrer.

Um ponto a se observar sobre as entrevistadas que conseguiram encerrar esse


relacionamento e sair desse ciclo é que, apesar de o primeiro término ou briga mais
séria ter sido após um ato violento, principalmente físico, o encerramento da relação
ocorreu mesmo após elas se sentirem sozinhas na relação.
O término definitivo de Clarice ocorreu depois que ela apresentou-o aos seus
amigos, os quais não o apreciaram devido ao seu comportamento grosseiro, e ela
levou essas opiniões em consideração. Após a discussão resultante, ela adoeceu,
mas ele não demonstrou preocupação ou a apoiou. O fim do relacionamento só
demonstrou como ela estava sozinha na relação, tendo em vista que, após expressar
sua insatisfação e falar sobre o término por mensagem, ele ficou dias sem responder.
Mesmo quando ele finalmente entrou em contato, ela já havia percebido que não
desejava mais manter a relação, e ele começou a persegui-la nas redes sociais.
No relato da Sarah essa solidão fica ainda mais evidente quando a mesma
relata o estopim para o rompimento definitivo da relação, após o nascimento da sua
filha caçula.
45

Eu percebi que esse tempo todo eu estava sozinha, porque as pessoas me


levaram [para o hospital], ele não estava presente. Eu fui ganhar a [nome da
filha] e ele não pôde ter condições de buscar. Eu cheguei em casa, estava
chovendo muito e ele estava se drogando. Aquela situação me deixou muito
mal. Ali eu já não estava aguentando. Quando eu saí da licença maternidade
e voltei a trabalhar, eu olhei aquela situação, eu estava remando para um
lado e ele remando para o outro, e coloquei um ponto final.

Conforme os depoimentos, é possível estabelecer conexões com o estudo de


Gomes e colaboradoras (2022), que revelou que a permanência nesses
relacionamentos é complexa e envolve negação inicial, falsas expectativas de
controle, fragilidades emocionais e esperanças infundadas. Ademais, esses relatos
enfatizam a importância de não apenas reconhecer a violência nos relacionamentos,
mas também compreender os desafios enfrentados pelas vítimas ao tentar se
desvincular de relacionamentos abusivos, além de demonstrar como a mulher está
condicionada a aceitar a violência e a agressão, mas a solidão pesa mais para o
encerramento da relação.
46

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente monografia teve como intuito explorar o complexo e delicado tema


das relações abusivas sob a perspectiva da mulher. Ao longo desta pesquisa,
examinamos aspectos que nos permitiram aprofundar nossa compreensão sobre
características revoltantes e destrutivas que afetam a vida de inúmeras mulheres.
Primeiramente, ressaltamos a importância de considerar a gravidade das
relações abusivas e a necessidade urgente de abordar essa questão de forma
relevante em nossa sociedade. O sofrimento físico, emocional e psicológico que as
vítimas de abuso enfrentam é inaceitável e requer uma resposta multifacetada,
envolvendo não apenas o indivíduo, mas também a comunidade, instituições e
políticas públicas.
Durante nossa investigação, ficou evidente que as mulheres que vivenciam
relações abusivas enfrentaram barreiras significativas para denunciar, buscar ajuda e
romper com seus agressores. As razões para essa resistência são complexas e
incluem medo, dependência financeira, isolamento social e distúrbios da construção
social das normas de gênero. Portanto, é fundamental que as estratégias de
intervenção considerem não apenas a assistência imediata, mas também o apoio a
longo prazo para ajudar as mulheres a se recuperarem e reconstruírem suas vidas.
Também observamos a importância da educação e da conscientização pública
sobre relações saudáveis e o reconhecimento de sinais de abuso. A prevenção
desempenha um papel indispensável na redução da incidência de relações abusivas,
e a educação é essencial para promover valores de respeito e igualdade de gênero
para construção de relações saudáveis.
Neste estudo, escutamos a perspectiva e narração das mulheres que
compartilharam suas histórias de sobrevivência e superação. Suas experiências são
testemunhos vivos de resiliência, diante a violentas problemáticas da sociedade
adoecida pela misoginia.
Em suma, a pesquisa apresentada nesta monografia dá ênfase à urgência de
enfrentar as relações abusivas de forma sistemática e abrangente. A mudança requer
esforços coordenados em todas as camadas da sociedade, desde a educação até à
legislação e aos serviços de apoio. Esperamos que este estudo contribua para uma
conscientização mais ampla sobre o problema das relações abusivas e inspire ações
47

concretas para promover a segurança, a igualdade e o bem-estar das mulheres em


nossas comunidades.
Diante de tudo exposto, foi possível concluir que a frequente abordagem dessa
temática é importante para promover entendimento, provocar comoção, empatia e
estimular debates que despertem a consciência da sociedade, gerando mudanças que
impulsionam mudanças que contribuam para o avanço da sociedade. Além disso, ao
lançar luz sobre esse assunto, propagando essa narrativa, é possível regiões onde as
mulheres têm acesso limitado a informações, apoio e orientação, conscientizando elas
acerca de seus relacionamentos e perspectivas, ajudando-as a evitar ou encerrar
relacionamentos tóxicos.
48

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52

APÊNDICE A - Roteiro da Entrevista Semiestruturada

IDENTIFICAÇÃO: IDADE:

1. Qual a sua concepção sobre amor em um relacionamento romântico?


2. O que busca em um companheiro?
3. Ao longo da vida, quais exemplos de relacionamento você teve? Algum acredita ser
um modelo ideal?
4. O que você entende por relacionamento abusivo?
5. Antes de passar pela relação abusiva, já tinha escutado a respeito da temática?
6. Já esteve em mais de um relacionamento amoroso abusivo?
7. Como era esse relacionamento no início?
8. Quando e como você identificou que estava em um relacionamento abusivo? Quais
foram os primeiros sinais?
9. Quais tipos de violência você identifica que sofreu?
10. Como seu agressor se comportava após cometer um ato violento?
11. Quais fatores você considera que te manteve no relacionamento?
12. Você já reagiu a alguma agressão dele? Se sim, como fez e se sentiu?
13. Houve tentativas de término antes do encerramento de fato da relação? Se sim,
como ele reagia? Se sim, algum acontecimento específico te levou a isso? Se sim, o
que te levava a retomar a relação?
14. Quais providências você tomou para encerrar a relação?
15. Como seus amigos e familiares enxergavam a sua relação?
16. Se afastou de amigos e/ou familiares por causa do relacionamento?
17. Acredita que teve prejuízos acadêmicos ou na carreira, devido a relação?
18. Como descreveria sua autoestima antes, durante e após o relacionamento
abusivo?
19. Quais prejuízos a relação te trouxe?
20. Considera que obteve traumas que refletem nas suas relações atualmente?
21. Você gostaria de acrescentar ou comentar algo que não abordamos?
53

ANEXO A - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

Título do Projeto: RELACIONAMENTOS ABUSIVOS – Como essas relações se


dão na perspectiva da mulher

Prezada Sra,

Você está sendo convidado a participar de uma pesquisa tem o objetivo de


Investigar de que forma mulheres que passaram por um relacionamento abusivo
construíram a concepção de relacionamentos afetivos e amorosos no decorrer da vida
e quais pontos recorrentes pode-se interpretar como um indicativo de maior
vulnerabilidade. Essa pesquisa está sob orientação da professora Bruna Coutinho
Silva.
Você foi selecionado (a) porque se encaixa no público – alvo que consiste em
mulheres que ingressaram ou permanecem em relações amorosas abusivas, mas que
já conseguem identificar as problemáticas da relação. A sua participação nesse
estudo consiste em participar de uma entrevista semiestruturada com as
pesquisadoras do projeto, que será gravada, transcrita e incluída no projeto final junto
há uma análise, acerca das suas vivências ao longo da vida em relacionamentos
românticos hétero-abusivos.
Os riscos (e/ou desconfortos) envolvidos nesse estudo são a dificuldade de
partilhar aspectos de sua história, o constrangimento e a vergonha. Se isso ocorrer,
podemos interromper a entrevista, bem como a gravação, sem nenhum prejuízo para
você.
Sua participação é muito importante e voluntária e, consequentemente, não
haverá pagamento por participar desse estudo. Em contrapartida, você também não
terá nenhum gasto.
As informações obtidas nesse estudo serão confidenciais, sendo assegurado
o sigilo sobre sua participação em todas as fases da pesquisa, e quando da
apresentação dos resultados em publicação científica ou educativa, uma vez que os
resultados serão sempre apresentados como retrato de um grupo e não de uma
pessoa. Você poderá se recusar a participar ou a responder as questões a qualquer
momento, não havendo nenhum prejuízo pessoal se esta for a sua decisão.
Todo material coletado durante a pesquisa ficará sob a guarda e
responsabilidade do pesquisador responsável pelo período de 5 (cinco) anos e, após
esse período, será destruído.
Os resultados dessa pesquisa servirão para elaborar na construção de dados
preventivos para alertar mulheres sobre o relacionamento abusivo e seus indícios,
assim como colaborar socialmente para uma formação de sujeitos mais atentos e
comprometidos com a luta contra o machismo e suas consequências.
Para todos os participantes, em caso de eventuais danos decorrentes da
pesquisa, será observada, nos termos da lei, a responsabilidade civil.
Você deve guardar uma cópia deste termo onde constam os dados de contato
do pesquisador responsável, podendo tirar suas dúvidas sobre o projeto e sua
participação, agora ou a qualquer momento.

Pesquisadoras responsáveis:
Julia Duarte Bidu Ferreira
54

Endereço: Rua do Carmelo, 453 - Santa Branca, Belo Horizonte - MG, 31565-260
Telefone: (31) 98694-0136
-
Thais Melo Mota Tavares de Souza
Endereço Rua Azaléia, 186 - Jardim Vitória, Belo Horizonte - MG, 31974-024
Telefone: (31) 996852-4237

Ao selecionar a opção abaixo, a Senhora concorda em participar da pesquisa de


acordo com as informações registradas neste Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido (TCLE).

O presente termo será assinado em 02 (duas) vias de igual teor.


( ) autorizo gravação em áudio ( ) autorizo gravação em vídeo ( ) não autorizo
gravação

Belo Horizonte, de de 20 .

____________________________________________
Nome do participante (em letra de forma)

____________________________________________ _____________
Assinatura do participante ou representante legal Data

( ) Declaro que li e concordo em participar desta pesquisa.

Nós, Julia Duarte Bidu Ferreira e Thais Melo Mota Tavares de Souza, comprometemo-
nos a cumprir todas as exigências e responsabilidades a nós conferidas neste termo
e agradecemos pela sua colaboração e sua confiança.

____________________________________________ _____________
Assinatura – Julia Duarte Bidu Ferreira Data

____________________________________________ _____________
Assinatura – Thais Melo Mota Tavares de Souza Data

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