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Faculdade de Psicologia
O CASAL CONTEMPORÂNEO:
os desafios da co-existência da individualidade e da conjugalidade
Belo Horizonte
2017
Rafaela Pereira de Souza
Belo Horizonte
2017
Rafaela Pereira de Souza
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Orientadora: Profª Stella Maria Poletti Simionato Tozo
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Banca Examinadora: Profª Paula Maria Bedran
The current paper presents, based on the literature, a study on the interference of the
individuality in marital relationships, and the problems that could arise from that
interference. References by sociologists, anthropologists and psychologists where
used, most of which are systemic authors. .The Systemic Thought approach
suggests that once a systemic view is adopted, science stop isolating phenomena
from its contexts and aims to analyze them in the context of increasingly larger units.
Thus, questions about how marriage is viewed in the contemporary world and how
individuals deal with differences were addressed. Hence, the importance of the family
of origin and its influences on the life of each individual and consequently, on the
marriage life, are discussed. Research indicates that family myths, that might differ
from family to family, have a certain importance and have a significant impact in
shaping the way individuals see the world, as well as the meaning marriage itself
carries to them. The challenges brought up by the coexistence of the individuality and
the conjugality makes individuals question marriage and the marital life. Taking that
into consideration, the importance of couples’ therapy is highlighted, proposing
reflections for building alternative approaches to the conflicts described above.
Couples’ therapy should aim on building connections without losing the uniqueness
of each individual involved in the process.
1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 15
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................... 41
REFERÊNCIAS ............................................................................................................ 43
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1 INTRODUÇÃO
348). Com isso, buscava-se uma singularidade que tornava cada indivíduo como um
ser único, não passível de comparações.
Quando se pensa no Brasil, com as revoltas estudantis, movimentos
feministas, entre outros, o ano de 1960 foi tido como o marco da pós-modernidade, o
que significava que as pessoas deveriam estar em movimento, estar em uma busca
pela construção da identidade (BAUMAN, 2004 apud VIEIRA; STENGEL 2012, p.
349). Há uma valorização da liberdade individual, onde o individuo é livre para viver
da forma que quiser, com liberdade de escolha dentre várias opções que lhes são
apresentadas. No entanto, o indivíduo tem de se responsabilizar pelo bem estar
próprio, pelos seus objetivos e projetos de vida. Para isso, faz-se necessário um
grande investimento por parte dos indivíduos, e não são todos que se dispõe a isso.
Assim, viver com liberdade pressupõe viver com angustia mediante tantas opções.
Mediante essa angústia, os indivíduos buscam fazer laços sociais fortes. Singly
destaca que:
Um dos laços fortes que os indivíduos fazem, são os laços amorosos, tidos a
partir de relações amorosas, conjugais. A vida conjugal pode ser entendida como
uma relação que o casal estabelece entre si, no qual, através dessa relação o
casamento pode ser efetivado.
O casamento tende a ter padrões diferentes em cada sociedade e em cada
uma aproximar-se de padrões da matriz social, o que estabelece, por exemplo, o
número de cônjuges que cada indivíduo pode ter. No caso do Brasil, a família é de
estrutura monogâmica. De acordo com Gandra Júnior (1983) o casamento se
enquadra em uma resposta social, no que diz da necessidade humana de ligar-se a
algo e alguém, onde se faz presente um sentimento de união. As relações conjugais
podem ser uma forma de realização do amor, não necessariamente o amor
romântico. Há uma busca pela completude que não se tem (na maioria das vezes).
Os indivíduos, em qualquer sociedade, possuem uma ideia sobre o que é o
casamento, seja por viverem uma relação conjugal ou por assistirem a realidade
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dessa relação a partir da vivência de outros cônjuges. Gandra Júnior (1983) ressalta
que:
família de origem era um exemplo disso. A movimentação contínua dos bens era o
que dava condições para que houvesse a circulação das mulheres e para isso,
apartava-se do amor para se efetuar.
Ao longo do século XX, torna-se mais sólido um modelo cristão de vida
conjugal, onde o amor é base do sacramento do matrimônio. A forma como o casal
constrói seu casamento vai de acordo com determinadas mitologias, onde a díade
traz as influências de suas famílias de origem.
O casamento assinala a concepção de uma nova família e as pessoas fazem
uso de alguns eixos para nortear a organização e funcionamento da relação.
Nichols e Schwara (2007) trazem noções importantes vindas de Murray
Bowen, que era psiquiatra e em meados de 1940 interessou-se pela família. Bowen
se voltava à teoria sistêmica como forma de pensar e apresentou conceitos e
pensamentos acerca da observação de padrões de relacionamento repetitivos. Para
ele, existem duas forças que se contrabalançam, sendo elas as que ligam as
personalidades na união familiar e aquelas que lutam para libertar-se se voltando à
individualidade. Bowen considera como ideal que essas forças estejam em
equilíbrio.
De acordo com Murray Bowen citado por Marilene Krom (2000, p. 61), a
capacidade de diferenciação dos pensamentos e sentimentos se faz importante para
uma maturidade emocional, onde nessa maturidade pode-se encontrar graus de
fusão e diferenciação distintos. Com isso, emerge o conceito de marca familiar que,
para Bowen, diz de um fator determinante para a autonomia da família, pois assim,
se pode prever o decorrer da vida do indivíduo de acordo com o grau de
diferenciação dos pais. Dessa forma, presume-se que, quanto mais diferenciados
forem os pais, melhores as condições para os filhos. Da mesma forma, o sucesso do
casamento também se liga ao grau de diferenciação do casal.
Nichols e Schwara (2007) ao citarem Bowen diz da diferenciação do self, que
de acordo com ele, é a capacidade do indivíduo de ser flexível e agir de forma
racional mesmo diante da ansiedade, não respondendo a pressões emocionais
internas ou externas. A pessoa diferenciada assume uma posição em qualquer
assunto, conseguindo refletir sobre as coisas e decidir no que acredita e, assim, agir
em função dessas crenças. Segundo essa teoria de Bowen, os relacionamentos
humanos são fomentados pelo equilibro de duas forças: individualidade e
proximidade, onde mostra-se a importância de companhia e de um determinado
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Marilene Krom (2000) diz de figuras míticas familiares, por exemplo, os pais,
que são tidos como líderes naturais, e que são como modelos e/ou pontos de
referência para os filhos e netos. Geralmente, essa figura mítica familiar é uma
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Após o que foi descrito nos capítulos anteriores, partindo de uma visão
sistêmica, se faz necessário pensar a forma de trabalho com casais, tendo em vista
as influencias familiares e a individualidade de cada um.
Entende-se de acordo com a visão de Krom (2000) que cada um de nós ao
longo da vida pode ser influenciado por nossos antepassados através das
experiências vividas por eles e seus significados atribuídos. É importante que as
pessoas entrem em um processo de enfrentamento com essas concepções para
que possam construir um sentido próprio de vida, tomando consciência de que
podem dar continuidade a determinadas questões construídas em sua história, mas
tendo, também, de reconstruir a própria história. Identificar e reconhecer os rituais
presentes na vida dos casais viabiliza um trabalho terapêutico e a reorganização
familiar, o que contribui para que haja uma mudança no que tiver relação com os
mitos presentes.
A partir de um determinado momento em seu ciclo de vida, o indivíduo busca
por um outro com quem possa unir-se para construir uma vida conjugal, sem que se
perca sua individualidade, sua autonomia, pois de acordo com Marum (2006), cada
indivíduo traz para o seu casamento sua história pessoal que abrange suas crenças
familiares, expectativas, metas e objetivos de vida e por fim, sua visão de mundo. Os
casais ao decidirem viver juntos têm de criar um espaço em comum onde um
respeite o sistema de crenças do outro, permitindo a criação de um novo sistema,
que fará parte da vida conjugal.
Marum (2006) afirma que o casamento não deve ser visto e entendido de uma
única forma, pois nele, sempre haverá influências sociais, psicológicas, religiosas e
outras. Desse modo, sabe-se que tornar-se casal não é questão simples, pois vários
aspectos são envolvidos.
Na fase inicial do casamento o casal passa por um momento de adaptação da
nova vida, o que exige de cada indivíduo tolerância, para que saibam lidar melhor
com as mais variadas redes que constituem o universo do casal, como a família de
origem, amigos, entre outras. Da mesma forma, os casamentos mais longos também
possuem seus problemas, que podem ser ou não os mesmos do início da relação.
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estão em sintonia. Com isso, algumas crises podem surgir e nem todas serão ruins,
pois às vezes elas poder servir como um passo para a evolução do casal.
Pontes (2006) ressalta a importância de a terapia propiciar ao casal reflexões
para a construção de alternativas diante dos conflitos. De acordo com ele, os casais
chegam acuados, sem produzir pensamentos criativos perante a realidade e com
discursos empobrecidos. Sendo assim, buscam na terapia uma oportunidade para a
elaboração de novos sentidos e significados a partir de suas histórias. A terapia de
casal pode ser vista como um ritual, onde cada indivíduo se permite pensar sobre si,
sua origem e de seus caminhos a percorrer. Sobonfu Somé citado por Pontes (2006,
p. 59) afirma que nos relacionamentos é importante a prática de rituais que visam
manter a paz e melhorar a comunicação.
O diálogo, o que está sendo comunicado, diz de uma história de vida
individual, daquele que está falando, e de casal, dizendo daqueles que estão
envolvidos. Para Pontes (2006) o terapeuta não deve focar apenas no conteúdo e
deixar de lado o contexto e a história da relação. É importante que o terapeuta
elabore contextos propícios a levar cada indivíduo a olhar sobre si e sobre sua
relação, pois assim, serão estabelecidos espaços para que o casal abra a bagagem
que cada um traz para o casamento, a qual é responsável por suas escolhas
amorosas. O terapeuta também possui uma autorreferência, uma visão de mundo
própria e é colocado para compreender e rever melhor seus valores e preconceitos
ao lidar com o outro. Colombo (2006) ressalta que o terapeuta não deve se colocar
no lugar de alguém que está ali para prescrever o melhor caminho, dar conselhos,
mas sim, ser responsável na construção de um contexto reflexivo que move e cria
alternativas.
A linguagem é tida como ação e essa, por sua vez, gera consequências.
Pontes (2006) traz essa noção ao dizer que a linguagem, a palavra, não é ingênua.
Ou seja, ao falar o indivíduo produz nele e no outro, diversas emoções. Quando o
casal modifica as ideias da conversação em que se encontra envolvido e passa a
gerar um novo sentido para sua história, o que era tido como problema e gerador de
dor e conflito passa a ser redefinido.
A terapia de casal deve ter como objetivo a construção de laços sem que se
perca a singularidade de cada indivíduo que está envolvido. Os terapeutas devem
fazer um movimento visando a co-construção de alternativas para os casais, para
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insegurança e ansiedade por parte dos homens que estão tendo de lidar com a
condição de autonomia e independência dessas mulheres.
Como foi trazido no primeiro capítulo, na nossa cultura, o caminho do amor
romântico até o amor em sua realidade traz um momento crítico para os primeiros
anos de casamento. Severino (1996) pontua que na fase inicial da união do casal, os
parceiros têm de compreender que além de satisfazer o outro afetivamente, cada um
terá de buscar por outras fontes de satisfação para o que demanda a vida pessoal
de cada um, como a vida profissional e o espaço em que a família de origem e os
amigos ocupam em suas próprias histórias.
Retomando outro ponto importante para a compreensão da importância da
família de origem no casamento, Severino (1996) ressalta que é dentro da família
que o indivíduo irá aprender sobre a circunstância de estar separado e unido em
relação à mãe, ao pai e aos irmãos. O contexto familiar é importante para que cada
sujeito possa ter experiências relacionais, onde os afetos são desenvolvidos e
experimentados. Sendo assim, cada sujeito pode usar a relação dos pais para
espelhar-se ou como modelo de algo que não querem.
Severino (1996) enfatiza que terapeutas de família e casal percebem que
quando há algum problema, o que está em jogo são as emoções não vividas e,
muitas vezes, não expressas por parte de cada sujeito ou por parte do casal em
relação à suas famílias de origem. Contudo, as experiências passadas poderão ser
modificadas no futuro e mesmo que as histórias se repitam, ao passo que os adultos
estabeleçam um bom nível de diferenciação, poderão construir outra realidade.
Assim, os terapeutas que trabalham com casais podem ter como objetivo auxiliá-los
a identificar suas possibilidades em fazer com que seja alterada sua história atual,
da mesma forma, trabalhar para que haja uma libertação de cada sujeito com suas
famílias de origem, fazendo com que cada parte envolvida aprenda a lidar com suas
questões de amor e ódio não resolvidos.
Severino (1996) diz da utilização de recursos diversos para trabalhar com os
casais, estejam esses recursos nos níveis verbais ou não verbais. Isso engloba
respectivamente, escutar o casal no que ambos consideram importante mencionar e
assim, construir de forma conjunta, suposições a respeito de suas situações atuais
e/ou passadas, e também fazer uso de fotografias da infância de cada um, do
casamento, técnicas do psicodrama, dentre outras. Embora existam recursos a
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serem utilizados vale ressaltar que o self do terapeuta é seu principal instrumento de
trabalho.
Na visão de McGoldrick, Gerson e Petry (2012) o genograma pode ser
construído pelo terapeuta e ser um instrumento útil para uma melhor análise da
família, pois os padrões familiares são transmitidos de geração para geração e
através do genograma diversos fatores podem ser identificados. Deve-se destacar
que a construção do genograma deve se dar de forma individual ou na terapia de
casal, com os dois envolvidos, de forma que um escute o outro.
Ao levantar questões advindas da família nuclear e extensa o terapeuta pode
perceber dados de diversos membros da família como a origem étnica, idade, data
de nascimento e morte, ocupação, nível de instrução e outras informações. De
acordo com McGoldrick, Gerson e Petry (2012) todos esses dados podem se
conectar a outros eventos presentes no sistema, ampliando a visão da família por
parte do terapeuta. McGoldrick, Gerson e Petry (2012) afirmam que:
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
resolvem se unir, pois cada um traz de sua família de origem, do sistema onde estão
inseridos, padrões relacionais distintos.
Atualmente a sociedade fomenta o sujeito a cada vez mais olhar para si, ter
seus desejos satisfeitos e a qualquer custo, buscar a felicidade. Com a criação dos
mais diversos meios de comunicação as pessoas têm se falado mais, porém de
forma mais superficial. Dialogar torna-se um desafio que pode impulsionar alguns
casais pela busca de um terceiro que possa ouvi-los e intervir na relação.
É necessário que os casais percebam que relacionar com o outro abrange
uma série de valores, necessidades e desejos que podem ser negociados. A terapia
pode contribuir para que o casal perceba que juntos criaram padrões de
funcionamento e então, deixem de acreditar que apenas um, com suas diferenças, é
responsável pelos conflitos presentes.
Tendo em vista o que foi observado a partir desse estudo, pode-se levantar
outras questões importantes para estudos futuros. Entre eles estão: pesquisar como
os desafios da co-existência da individualidade e da conjugalidade explicam o
surgimento de novas formas de conjugalidade, em que o casal pode optar ou não
por morar junto e/ou que não se pense em uma oficialização. Também os casais que
optam por não ter filhos, com uma visão diferenciada do casamento em contraste
com uma visão tradicional de criação de família e filhos, pois estes devem trazer
novas concepções sobre o “ser casal” e suas especificidades na
contemporaneidade.
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REFERÊNCIAS
AUN, Juliana Gontijo; VASCONCELLOS, Maria José Esteves de; COELHO, Sônia
Vieira. Atendimento sistêmico de famílias e redes sociais. Belo Horizonte:
Ophicina de Arte e Prosa, 2005.
BAUMAN, Zygmunt. Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de
Janeiro: Zahar, 2004.
JECUPÉ, Kaka Werá. A terra dos mil povos: história indígena brasileira contada
por um índio. São Paulo, Petrópolis, 1998. (Série educação para a paz).
MARUM, Dilson. Vivendo entre laços comjugais. In: COLOMBO, Sandra Fedullo
(Org.). Gritos e sussurros: interseções e ressonâncias: trabalhando com casais.
São Paulo: Vetor, 2006. v. 1.
SINGLY, François de. Uns com os outros: quando o individualismo cria laços.
Lisboa: Instituto Piaget, 2006.