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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

Faculdade de Psicologia

Rafaela Pereira de Souza

O CASAL CONTEMPORÂNEO:
os desafios da co-existência da individualidade e da conjugalidade

Belo Horizonte
2017
Rafaela Pereira de Souza

O CASAL CONTEMPORÂNEO: os desafios da co-existência da individualidade


e da conjugalidade

Monografia apresentada à Faculdade de Psicologia da


Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como
requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em
Psicologia.

Orientadora: Profª Stella Maria Poletti Simionato Tozo

Belo Horizonte
2017
Rafaela Pereira de Souza

O CASAL CONTEMPORÂNEO: os desafios da co-existência da individualidade


e da conjugalidade

Monografia apresentada à Faculdade de Psicologia da


Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como
requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em
Psicologia.

____________________________________________
Orientadora: Profª Stella Maria Poletti Simionato Tozo

____________________________________________
Banca Examinadora: Profª Paula Maria Bedran

Belo Horizonte, maio 2017


AGRADECIMENTO

A Deus, por ser minha fonte de força e fé.


Aos meus pais e familiares por transmitirem boas energias, pela dedicação e
apoio que sempre me deram.
Aos meus colegas de turma que, com bom humor, deixaram minhas manhãs
mais leves.
Agradeço imensamente aos professores que contribuíram para minha
formação.
Em especial, agradeço duas pessoas que se colocaram a todo o momento,
disponíveis para me ajudar e contribuíram significativamente para a realização deste
trabalho. À minha orientadora Stella, pela leveza ao conduzir as orientações,
paciência, atenção, bom humor e pelos ensinamentos transmitidos. À minha leitora
Paula, sempre atenciosa, que levarei ao longo de toda a minha trajetória como
sendo exemplo de profissional e ser humano.
“De acordo com a nossa tradição,
uma palavra pode proteger ou destruir uma pessoa;
o poder de uma palavra na boca
é o mesmo de uma flecha no arco…”
(JECUPÉ, 1998)
RESUMO

O presente trabalho apresentou, baseado em pesquisas bibliográficas, um estudo


sobre a interferência da individualidade na vida conjugal e os conflitos que podem
surgir a partir daí. Foram utilizadas referências de sociólogos, antropólogos e
psicólogos em sua maioria, autores sistêmicos. O Pensamento Sistêmico traz que, a
partir do momento em que se adota uma visão de sistema, a ciência destina-se a
deixar de isolar os fenômenos de seus contextos, passando a estudar e analisar
unidades cada vez maiores. Assim, foram levantadas questões acerca de como o
casamento é visto na contemporaneidade e como os indivíduos lidam com as
diferenças. Dessa forma, apresenta-se a importância da família de origem e suas
interferências na vida de cada sujeito e consequentemente, na relação conjugal.
Pôde ser observado que os mitos familiares presentes em cada família têm uma
determinada importância e interferem de forma significativa na maneira de ver o
mundo de cada sujeito, bem como no significado que dão ao casamento. Os
desafios da co-existência da individualidade e da conjugalidade traz aos indivíduos
questionamentos sobre o casamento e a vida conjugal. A partir disso, destaca-se a
importância da terapia de casal, que propõe reflexões para a construção de
alternativas diante dos conflitos apresentados. A terapia de casal deve ter como
objetivo a construção de laços sem que se perca a singularidade de cada indivíduo
que se envolve nesse processo.

Palavras-chave: Casamento. Individualidade. Mitos. Terapia de casal.


ABSTRACT

The current paper presents, based on the literature, a study on the interference of the
individuality in marital relationships, and the problems that could arise from that
interference. References by sociologists, anthropologists and psychologists where
used, most of which are systemic authors. .The Systemic Thought approach
suggests that once a systemic view is adopted, science stop isolating phenomena
from its contexts and aims to analyze them in the context of increasingly larger units.
Thus, questions about how marriage is viewed in the contemporary world and how
individuals deal with differences were addressed. Hence, the importance of the family
of origin and its influences on the life of each individual and consequently, on the
marriage life, are discussed. Research indicates that family myths, that might differ
from family to family, have a certain importance and have a significant impact in
shaping the way individuals see the world, as well as the meaning marriage itself
carries to them. The challenges brought up by the coexistence of the individuality and
the conjugality makes individuals question marriage and the marital life. Taking that
into consideration, the importance of couples’ therapy is highlighted, proposing
reflections for building alternative approaches to the conflicts described above.
Couples’ therapy should aim on building connections without losing the uniqueness
of each individual involved in the process.

Keywords: Couple’s therapy. Individuality. Marriage. Myths.


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 15

2 A INDIVIDUALIDADE E A CONJUGALIDADE: UMA VISÃO CONTEMPORÂNEA


E SOCIAL ................................................................................................................. 17

3 COMPREENDENDO TEORICAMENTE OS PADRÕES FAMILIARES


TRANSGERACIONAIS ............................................................................................ 23

4 POSSIBILIDADES PSICOTERAPÊUTICAS NA TERAPIA DE CASAL ............... 31

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................... 41

REFERÊNCIAS ............................................................................................................ 43
15

1 INTRODUÇÃO

Este trabalho parte do pressuposto de que cada sujeito traz consigo


influências e questões familiares que tendem a aparecer durante a vida conjugal. As
relações amorosas estão mais superficiais e os indivíduos têm dificuldades de
diferenciarem-se de suas famílias de origem, trazendo conflitos para a relação.
Vivem-se tempos de grande exaltação da individualidade, que muitas vezes
confunde-se com individualismo.
O interesse pelo estudo foi despertado após atendimentos realizados na
Clínica de Psicologia da PUC Minas, onde se evidenciou em alguns casos, a
importância que as relações amorosas tinham na vida dos sujeitos e como, muitas
vezes, havia uma repetição em relação às questões amorosas de suas famílias de
origem, além da dificuldade em se diferenciarem do parceiro.
O problema levantado foi compreender como o casal contemporâneo lida com
tais questões que envolvem a individualidade, a conjugalidade e as influências
familiares.
O objetivo é investigar através de pesquisas bibliográficas, questões acerca
da individualidade e influências familiares na vida dos sujeitos, bem como a forma
em que estas afetam a relação conjugal na contemporaneidade.
O trabalho baseou-se, em sua maioria, em autores sistêmicos e abordando
pensamentos trazidos a partir do pensamento sistêmico, que adota uma visão de
sistema em que se deixa de isolar os fenômenos de seus contextos, passando a
estudar e analisar unidades cada vez maiores. Este pensamento se faz essencial
para o desenvolvimento deste trabalho, que se apresenta em três capítulos.
A princípio destaca-se a origem da ideia de liberdade, que fomenta a noção
de individualidade. Estudar questões acerca da individualidade dos sujeitos e como
esta traz implicações nas relações conjugais e torna-se importante, tendo em vista
que a contemporaneidade vem a fomentar cada vez mais a noção de
individualidade, ocorrendo então maior chance de uma relação amorosa entrar em
conflito, com o que é esperado de uma relação conjugal. Cada sujeito idealiza o
casamento de uma forma, esperando que o parceiro amoroso satisfaça suas
vontades e lhe proporcione prazer.
16

As características pessoais de cada sujeito são importantes no momento da


escolha do parceiro e essas características advêm do contexto familiar em que cada
um está inserido.
Destaca-se a ideia de casamento, sua função, e pontua-se que a postura que
cada cônjuge deve adotar um para com o outro e ambos para com a sociedade
dependem de diversos fatores da vida de cada sujeito, como classe social, religião e
outros.
Como já dito anteriormente, a história que cada um traz para a relação
conjugal e as famílias de origem possuem influência sobre os cônjuges. Sendo
assim, apresenta-se o mito como sendo o que organiza as relações sociais a partir
de maneiras de ser implícitas em cada sujeito. Cada cultura possui um contexto,
uma história e diferentes mitos, e cada família também.
Bowen contribui para com o desenvolvimento desse trabalho trazendo
conceitos essenciais. Entre eles estão a diferenciação do self, triangulação e outros,
que auxiliam na compreensão de arranjos feitos pelos casais para que possam lidar
com as questões advindas da relação conjugal.
Por fim, com os desafios trazidos entre individualidade e conjugalidade, se faz
importante pensar na forma de trabalho para com os casais. A noção de terapia de
casal é apresentada no terceiro capítulo que ressalta a importância da terapia
propiciar aos cônjuges reflexões acerca de suas questões, fortalecendo o laço sem
que a individualidade de cada um se perca. Além disso, a terapia de casal deve ter
como um de seus objetivos ajudar o casal a perceber que eles criaram padrões de
funcionamento juntos e que ambos têm participação ativa no relacionamento.
17

2 A INDIVIDUALIDADE E A CONJUGALIDADE: UMA VISÃO CONTEMPORÂNEA


E SOCIAL

Para melhor entender o individualismo e a relação conjugal, faz-se necessário


à compreensão de características pela ótica de diferentes autores.
Para Giddens (1991), temos como resultado direto da globalização uma
ordem social pós-tradicional emergente. Ou seja, certas tradições que eram tidas
como exemplo de conduta começam a perder espaço e os sujeitos passam a ter
mais autonomia para escolher sobre seus destinos, sem a obrigação que antes era
imposta, de seguir os valores tradicionais. Entende-se que a autonomia é,
sobretudo, exigida dos indivíduos na sociedade atual. De acordo com Giddens
(1991), uma ordem pós-tradicional não é uma ordem onde não exista uma tradição,
mas é onde essa tradição muda de status.
Para tentar compreender a ideologia do individualismo, Dumont (2000) traça
uma diferença entre as sociedades holistas e a sociedades individualistas. Nas
sociedades holistas o corpo social é tido como supremo e nas sociedades
individualistas o próprio indivíduo é valorizado, sendo o foco do universo social.
A sociedade contemporânea traz o indivíduo como um ser especial e
supremo, ressaltando a liberdade de escolha, realização pessoal, obtenção de
prazer, sem que este dependa de outra pessoa para tal. De acordo com Dumont
(2000), o Cristianismo enfatizou a questão do individualismo no Ocidente, onde
surgiu a partir daí uma cisão entre o que era tido como mundano e as revelações
divinas. Nas sociedades tradicionais há uma predominância da hierarquia sobre o
plano ideológico, enquanto nas sociedades modernas uma ênfase na igualdade e
liberdade. Nas sociedades modernas e/ou individualistas, acredita-se que a
sociedade deve estar a serviço do indivíduo e, caso não esteja, subentende-se que
há uma injustiça ou muitas vezes, opressão.
Em meados do século XVIII, houve um clamor por igualdade e liberdade,
onde os indivíduos queriam se libertar dos laços políticos e religiosos, e que, nesta
época, eram vistos como laços violentadores e opressores. Ao se libertarem desses
laços, acreditava-se que, a partir daí, teriam um lado bom do ser humano, que havia
sido deturpado pela sociedade. Com o surgimento do Romantismo, a partir do
século XIX, após libertos dos laços tradicionalistas, a ideia de que os indivíduos
pudessem se diferenciar um dos outros veio à tona (VIEIRA; STENGEL 2012, p.
18

348). Com isso, buscava-se uma singularidade que tornava cada indivíduo como um
ser único, não passível de comparações.
Quando se pensa no Brasil, com as revoltas estudantis, movimentos
feministas, entre outros, o ano de 1960 foi tido como o marco da pós-modernidade, o
que significava que as pessoas deveriam estar em movimento, estar em uma busca
pela construção da identidade (BAUMAN, 2004 apud VIEIRA; STENGEL 2012, p.
349). Há uma valorização da liberdade individual, onde o individuo é livre para viver
da forma que quiser, com liberdade de escolha dentre várias opções que lhes são
apresentadas. No entanto, o indivíduo tem de se responsabilizar pelo bem estar
próprio, pelos seus objetivos e projetos de vida. Para isso, faz-se necessário um
grande investimento por parte dos indivíduos, e não são todos que se dispõe a isso.
Assim, viver com liberdade pressupõe viver com angustia mediante tantas opções.
Mediante essa angústia, os indivíduos buscam fazer laços sociais fortes. Singly
destaca que:

A multiplicação das pertenças gera uma diversidade de laços que, tomados


um a um, são menos sólidos, mas que, juntos, unem os indivíduos e a
sociedade. É podendo deslocar-se de um grupo para outro, podendo ter
distância das pessoas próximas de si, que o indivíduo individualizado pode
simultaneamente definir-se como membro de um grupo e como dotado de
uma personalidade independente e autônoma (SINGLY, 2006, p. 24).

Um dos laços fortes que os indivíduos fazem, são os laços amorosos, tidos a
partir de relações amorosas, conjugais. A vida conjugal pode ser entendida como
uma relação que o casal estabelece entre si, no qual, através dessa relação o
casamento pode ser efetivado.
O casamento tende a ter padrões diferentes em cada sociedade e em cada
uma aproximar-se de padrões da matriz social, o que estabelece, por exemplo, o
número de cônjuges que cada indivíduo pode ter. No caso do Brasil, a família é de
estrutura monogâmica. De acordo com Gandra Júnior (1983) o casamento se
enquadra em uma resposta social, no que diz da necessidade humana de ligar-se a
algo e alguém, onde se faz presente um sentimento de união. As relações conjugais
podem ser uma forma de realização do amor, não necessariamente o amor
romântico. Há uma busca pela completude que não se tem (na maioria das vezes).
Os indivíduos, em qualquer sociedade, possuem uma ideia sobre o que é o
casamento, seja por viverem uma relação conjugal ou por assistirem a realidade
19

dessa relação a partir da vivência de outros cônjuges. Gandra Júnior (1983) ressalta
que:

Assim, em qualquer sociedade cada indivíduo possui uma visão particular


do “que é” e do que “deveria ser” o casamento. Com frequência, esta
dimensão de “deveria ser” é utilizada como referência para a própria
observação do seu casamento ou dos demais. Por exemplo, ao apreciar o
próprio casamento ou observar o que acontece com as pessoas casadas,
um indivíduo comum de qualquer sociedade sempre traça um paralelo entre
o que é e o que deveria ser, ou emite juízos de valor, condenando ou
aprovando a maneira de ser e agir de algum ou de todos os cônjuges.
(GANDRA JUNIOR, 1983, p. 51).

A partir da visão acima pode-se dizer que membros de classes sociais


diferentes terão ideias distintas sobre o casamento. A ideologia do casamento
abrange ideias, sentimentos, além de questões econômicas e religiosas. Logo,
Gandra Júnior (1983) ressalta que as divergências entre as condições de vida das
camadas sociais também dirão sobre diferenças de conduta entre os cônjuges.
É importante ressaltar a ideia que Gandra Júnior (1983) traz de que o
casamento, antes de ser um fenômeno individual, é um fenômeno coletivo. Ao se
casarem os indivíduos estarão cumprindo com objetivos pessoais e também,
realizando um objetivo da sociedade. O casamento acontece a partir de normas
estabelecidas de antemão e com finalidades, sendo a principal, a finalidade de
assegurar a organização da vida coletiva.
No amor romântico há um adiamento do desejo sexual, pois a satisfação
emocional é tida como mais importante. Giddens (1991) diz de uma característica
trazida pelo amor romântico, onde há uma problematização da vida amorosa e dos
sentimentos próprios em relação ao outro. A partir disso pensam, por exemplo, como
cada um sente-se em relação ao outro. Com isso, levanta-se a possibilidade da
criação de um vínculo duradouro, em que a vida conjugal passa a ser prioridade na
organização familiar, adquirindo importância significativa diante das demais relações
sociais. O amor romântico evidenciou também a questão da intimidade, bem como a
importância da troca de sentimentos.
O casamento, na visão de Gandra Júnior (1983), é uma instituição que
autentica a forma em que a sociedade trata como legítima as relações entre homem
e mulher. O casamento é tido como algo institucionalizado para regulamentar a
forma com que os cônjuges devam se relacionar entre si e do mesmo modo, a forma
com que eles devam relacionar com outras pessoas da sociedade após a união.
20

Sabe-se que as características pessoais podem ser importantes e


determinantes na hora da escolha de um parceiro amoroso e mudanças na relação
muitas vezes são justificadas como consequência de mudanças de características
pessoais. A partir daí, quando os casais se deparam com problemas tendem a
romper a relação ou buscam por alternativas para modificações nas características
pessoais. “O casamento é uma realidade que deve ser vista como estrutura de
relação onde as características pessoais dos cônjuges aparecem, permanecem, se
modificam ou desaparecem. ” (GANDRA JUNIOR, 1983, p 18).
Entende-se a partir de Krom (2000) que hoje, quando os casais pensam em
casamento, pensam em um sistema de lealdade, com relações profundas e
duradouras, tendo como uma de suas funções, a procriação. Muitos casais buscam
parceiros amorosos para que juntos possam gerar filhos, formar uma nova família e
dar continuidade à suas famílias de origem, assim, dando significado a sua própria
existência. Contudo, tal realidade tem mudado em comparação a outras gerações,
pois muitos casais se casam sem esse ideal, buscando apenas realizações
pessoais.
Gandra Júnior (1983) ressalta sobre a função do casamento no que diz
respeito à regulação da atividade sexual, pois o casamento ainda é a instituição que
regulamenta a prática sexual. Mesmo que existam e sejam toleradas práticas pré-
conjugais e extraconjugais, a relação sexual só é legitimada através do casamento.
De forma geral, o casamento cumpre para a sociedade funções através da relação
entre os casais e entre estes e a sociedade.
Atualmente estabeleceu-se um dilema sobre como manter o casamento e a
individualidade numa sociedade cada vez mais competitiva e que confunde
individualidade com individualismo. Muitas vezes as finalidades do casamento se
perdem meio às finalidades pessoais, pois algumas pessoas buscam por satisfazer
suas carências, elevar a autoestima e buscam também por uma autoafirmação
perante outros. Nesse sentido, Gandra Júnior (1983) ressalta que os casamentos
podem se estruturar dentro de três alternativas básicas, onde: as relações conjugais
são estruturadas no sentido de realizar determinadas finalidades bem definidas e
compartilhadas pelo casal, mesmo que estas não se disponham de modelos sociais
bem definidos; as relações conjugais estruturadas a partir de finalidades vagas e/ou
não muito definidas, não sendo capazes de se construir num referencial concreto
que orienta as relações entre o casal; e as relações conjugais estruturadas com
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finalidades definidas de forma estereotipada dentro de uma estrutura social que


quando não abrangem objetivos individuais do casal, substituem de forma abstrata a
falta de objetivos individuais concretos.
Entende-se que, na contemporaneidade, as formas de relacionamento
sofreram algumas mudanças, estando cada vez mais superficiais, prezando-se pela
liberdade individual e o desapego. Bauman (2004) em seu livro “Amor líquido”
exemplifica esse fato citando que, na Pós-modernidade, os livros, programas de
televisão e outros meios de comunicação, investem cada vez mais em palavras de
ordem que pregam frases como “seja feliz consigo mesmo”, “invista em você” e
outras que indicam para o sujeito que ele deva olhar para si a todo o momento. Nas
relações amorosas, os parceiros amorosos são julgados pelo prazer que podem
proporcionar um ao outro. Sendo assim, quando há a necessidade de renúncias
pessoais para um melhor funcionamento da relação, o parceiro amoroso é tido como
um problema. Essas relações amorosas são tidas como forma de realização pessoal
e forma de alcance à felicidade meio às inseguranças e dúvidas presentes, contudo,
há também um sentimento de obstrução à liberdade, pois os indivíduos não querem
que a individualidade seja colocada sob ameaça. Deseja-se uma relação amorosa
prazerosa e satisfatória sem que seja necessário olhar para além do próprio mundo.
O casamento contemporâneo “se institui na interdependência das relações
familiares e das relações do contexto social mais amplo, sendo assim, sofre a
influencia das mudanças histórias, políticas e sociais” (AUN; VASCONCELLOS;
COELHO, 2005, p. 187). A sociedade contemporânea é tida como ambivalente
tendo em vista os estímulos contraditórios presentes, que estimulam tanto a
permanência como a dissolução do casamento, onde se valoriza uma sexualidade
livre, um ideal de relação monogâmica e um apelo ao novo. Gandra Júnior (1983)
ressalta que, mesmo em uma sociedade em transformação, alguns aspectos da
relação conjugal continuam sendo vistos como naturais, como a questão da
monogamia nas sociedades ocidentais.
Os conflitos conjugais são inevitáveis e suas origens estão na própria relação
e não no exterior. De acordo com Gandra Júnior (1983), o conflito conjugal pode ser
caracterizado por intervir na estrutura afetiva da relação conjugal. Os conflitos
podem se estabelecer a partir de alguns eventos da vida conjugal ou até a partir da
imaginação, fantasias de ambos os indivíduos ou apenas um.
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Em uma relação conjugal, os indivíduos que já a constituírem imaginando e


idealizando suas finalidades, terão maior probabilidade de tornar dificuldades
simples em grandes conflitos, pois de acordo com Gandra Júnior (1983) esses
indivíduos utilizam o outro, a relação conjugal e suas idealizações como formas de
superar e amenizar questões pessoais, como falta de segurança e percepção de
valores pessoais. Alguns casais têm como objetivo na vida conjugal esquivar-se de
conflitos. Gandra Júnior (1983) pontua que, com isso, os cônjuges poderão deparar-
se com um conflito maior, onde há um vazio afetivo pela possível falta de um
conteúdo para a vida conjugal.
Antes de casar cada cônjuge possui aspirações referentes ao casamento, à
vida conjugal. Além disso, cada um apresenta características pessoais, sendo
essas, consequências de referencias familiares e relações sociais. O casamento é
considerado, por Cerveny (1998) um processo natural no ciclo de vida de uma
família onde ocorre uma separação dos sujeitos de suas famílias de origem, para
que possam seguir novos caminhos.
De acordo com Gandra Júnior (1983) o que se faz considerável destacar é a
propensão dos casais em dirigir os conflitos da relação para características pessoais
do outro cônjuge. Sendo assim, após destacar os principais pontos que dizem da
individualidade dos indivíduos, da importância do casamento na sociedade e na vida
das pessoas, o capítulo seguinte tratará de questões da história de cada indivíduo
considerando a importância das famílias de origem de cada um e dos mitos
familiares que fazem parte das mesmas. Além disso, mostrar o quanto as famílias de
origem são importantes na constituição de um novo sujeito e de uma nova família.
23

3 COMPREENDENDO TEORICAMENTE OS PADRÕES FAMILIARES


TRANSGERACIONAIS

Após discutidas as ideias de liberdade e individualidade, bem como a noção


de casamento, apresenta-se nesse capítulo questões acerca da família de origem e
dos mitos presentes.
Philliphe Ariès citado por Krom (2000) ressalta que em meados do século XV,
na Europa, a família era tida como uma realidade e não tratada com
sentimentalismo. Naquela época, as pessoas conviviam e se misturavam umas com
as outras, sejam senhores, criados, crianças ou adultos. Além disso, nas casas, não
havia espaço para a intimidade e não separavam a vida privada da vida social.
Dessa forma, a família constituía-se em busca de uma ascensão do patrimônio e
honra ao nome. Segundo Krom (2000) no Brasil, a sociedade era dividida em
escravos e senhores, com isso, o conflito em busca da propriedade e em prol da
subsistência era imanente, enquanto a preservação do patrimônio se dava pela
capitalização de forças vindas de todos os membros da família.
Na Europa, por causa das condições médicas e sanitárias precárias, boa
parte das crianças não vivia por muito tempo. Além disso, não havia uma
conscientização por parte dos pais de métodos anticonceptivos e nem valorização
das crianças. Entretanto, Krom (2000) ressalta que, ainda no século XV houve uma
revolução que, embora lenta, promoveu grandes mudanças quanto à forma de ver e
lidar com a família.
Krom (2000) ressalta que a ideia de união se faz presente para que a família
sobreviva e a escola tornou-se parte importante nessa mudança de pensamento,
pois a papel paternal foi evidenciado a partir do momento em que os pais passaram
a ter como função o encaminhamento e acompanhamento dos filhos. Outro fato
histórico importante se deu a partir do século XVIII, com a industrialização e com a
chamada Idade das Luzes, onde a parte econômica consolidou-se como mais
autônoma. Com esse processo há um esvaziamento do feudo e a família se
nucleariza. A partir dessas mudanças surge o homem burguês, que por sua vez,
valoriza o ambiente familiar e valoriza o casamento.
Krom (2000) ressalta que o amor passou a ser algo importante na hora da
escolha do cônjuge. No Brasil, o contrato conjugal se dava para o intercâmbio de
riquezas. O dote, onde o marido recebia de sua esposa parte dos bens de sua
24

família de origem era um exemplo disso. A movimentação contínua dos bens era o
que dava condições para que houvesse a circulação das mulheres e para isso,
apartava-se do amor para se efetuar.
Ao longo do século XX, torna-se mais sólido um modelo cristão de vida
conjugal, onde o amor é base do sacramento do matrimônio. A forma como o casal
constrói seu casamento vai de acordo com determinadas mitologias, onde a díade
traz as influências de suas famílias de origem.
O casamento assinala a concepção de uma nova família e as pessoas fazem
uso de alguns eixos para nortear a organização e funcionamento da relação.
Nichols e Schwara (2007) trazem noções importantes vindas de Murray
Bowen, que era psiquiatra e em meados de 1940 interessou-se pela família. Bowen
se voltava à teoria sistêmica como forma de pensar e apresentou conceitos e
pensamentos acerca da observação de padrões de relacionamento repetitivos. Para
ele, existem duas forças que se contrabalançam, sendo elas as que ligam as
personalidades na união familiar e aquelas que lutam para libertar-se se voltando à
individualidade. Bowen considera como ideal que essas forças estejam em
equilíbrio.
De acordo com Murray Bowen citado por Marilene Krom (2000, p. 61), a
capacidade de diferenciação dos pensamentos e sentimentos se faz importante para
uma maturidade emocional, onde nessa maturidade pode-se encontrar graus de
fusão e diferenciação distintos. Com isso, emerge o conceito de marca familiar que,
para Bowen, diz de um fator determinante para a autonomia da família, pois assim,
se pode prever o decorrer da vida do indivíduo de acordo com o grau de
diferenciação dos pais. Dessa forma, presume-se que, quanto mais diferenciados
forem os pais, melhores as condições para os filhos. Da mesma forma, o sucesso do
casamento também se liga ao grau de diferenciação do casal.
Nichols e Schwara (2007) ao citarem Bowen diz da diferenciação do self, que
de acordo com ele, é a capacidade do indivíduo de ser flexível e agir de forma
racional mesmo diante da ansiedade, não respondendo a pressões emocionais
internas ou externas. A pessoa diferenciada assume uma posição em qualquer
assunto, conseguindo refletir sobre as coisas e decidir no que acredita e, assim, agir
em função dessas crenças. Segundo essa teoria de Bowen, os relacionamentos
humanos são fomentados pelo equilibro de duas forças: individualidade e
proximidade, onde mostra-se a importância de companhia e de um determinado
25

grau de independência. Contudo, a família continua conosco onde quer que


estejamos.
Guerin citado por Nichols e Schwara (2007) explica a diferenciação como
sendo o processo de liberar-se parcialmente do caos emocional da própria família.
Com isso, pode-se colocar a ideia do processo de projeção familiar, que é processo
pelo qual os pais transmitem sua falta de diferenciação aos filhos. Ou seja, os pais
que fixam nos seus filhos suas preocupações fazem com que eles se limitem ao
conformismo diante de situações ou se rebelem. Esses filhos ao saírem de suas
casas, criarão uma expectativa de que serão autores de suas próprias vidas e
assim, diferentes de seus pais. Todavia, mesmo que lutemos em busca de nossa
individuação e lutemos contra a semelhança com nossa família de origem, ela
geralmente nos alcança.
Entende-se a partir de Krom (2000) que, os casais apresentam dificuldades
para lidar com o vazio que é inerente ao ser humano. Com isso, buscam por
recompensas materiais a si mesmas e o sofrimento presente nesse momento é
projetado no relacionamento, havendo a ideia de que a felicidade de um depende do
outro, e da mesma forma, a infelicidade de um se da pela falha do outro.
Expectativas são criadas por ambas as partes gerando sentimentos de tristeza,
alienação, entre outros. Com as dificuldades que aparecem no decorrer do
relacionamento, o casal pode vir a triangular com os pais.
A triangulação de acordo com Nichols e Schwara (2007) pode ser entendida
como algo que ocorre quando duas pessoas não conseguem lidar com os problemas
que as envolve diretamente. Não havendo sucesso no diálogo entre duas pessoas,
uma terceira é procurada por uma das partes para que elas possam relatar os
acontecimentos entre ela e seu par. Esse triângulo pode se tornar fixo ou não,
dependendo do quanto a terceira pessoa estiver envolvida. Os "triângulos" são tidos
como uma estrutura de relacionamento, da "triangulação", um processo reativo
(GUERIN apud NICHOLS; SCHWARA, 2007, p. 131). Nesse processo em que
ocorre a triangulação, uma terceira pessoa entra como forma de diminuir a
ansiedade de um casal, oferecendo uma segurança e/ou para acalmar as coisas.
Nichols e Schwara afirmam que:

Um grupo de três não é, necessariamente, um triângulo. Em um trio viável,


cada dupla pode interagir um a um, e cada um pode assumir "posições-Eu",
sem tentar modificar os outros dois. Em um triângulo, por outro lado, a
26

interação de cada dupla está ligada ao comportamento da terceira pessoa;


cada pessoa é movida por formas reativas de comportamento, nenhuma
delas consegue assumir uma posição pessoal sem sentir necessidade de
modificar as outras duas, e cada pessoa se envolve no relacionamento
entre as outras duas. (NICHOLS; SCHWARA, 2007, p. 132)

Os indivíduos tendem a distender em suas famílias de origem determinados


vícios emocionais em forma de expectativas e reatividade a outros indivíduos e ao
relacionamento. A partir de um exemplo dado por Krom (2000) entende-se que, uma
esposa pode vir a se queixar do marido por ele deixar de fazer algo, porque seu pai
sempre o fez e por serem ambos do sexo masculino. Dessa forma, quando os
padrões emocionais com os pais não forem reavaliados na fase adulta, os potenciais
reativos serão passados para o casamento, havendo a ideia de que o parceiro
venha a facilitar tudo. Com isso, criam-se expectativas fora da realidade e um
aumento de ansiedade na relação.
Sabe-se que as famílias de origem possuem grande influência na
configuração e formação de novas famílias. McGoldrick e Carter citados por Krom
(2000, p. 200) afirmam que, o aumento da ansiedade na família pode se dar através
de duas direções: na vertical, incluindo os tabus, os mitos e as expectativas e na
horizontal, que diz das transições evolutivas.
Entende-se como mito aquilo que configura as organizações sociais e que fica
implícito na maneira de ser de cada pessoa. Cada cultura possui uma determinada
história e assim, diferentes mitos.
A partir do momento em que duas pessoas se casam aonde cada uma vêm
de uma estrutura familiar diferente, há um encaixe entre dois mitos. De acordo com
Marilene Krom:

O casal constrói o próprio espaço, alcança significados comuns e partilham


aspectos da mesma realidade, troca histórias familiares e confidências
individuais, toma a perspectiva do outro. As pautas passam a ser
compartilhadas e os rituais tornam-se comuns. Ao mesmo tempo, é
estabelecido um espaço. O casal começa a delimitar um espaço individual
no casamento, necessita promover negociações e rever acordos iniciais. Os
problemas não resolvidos com as famílias de origem dificultam a passagem
do casal por este momento. (KROM, 2000, p. 73).

Marilene Krom (2000) diz de figuras míticas familiares, por exemplo, os pais,
que são tidos como líderes naturais, e que são como modelos e/ou pontos de
referência para os filhos e netos. Geralmente, essa figura mítica familiar é uma
27

pessoa que determina caminhos e da origem a um mito. Os pais, líderes naturais,


apropriam-se desse lugar e são cultuados pelos filhos. Pode-se dizer então que,
algumas pessoas são tidas como modelos e atuam como ponto de referência
instaurando um percurso mítico.
O casamento traz a ideia de construção de uma nova família e nessa ocasião,
as pessoas passam a fazer uso de alguns eixos como norte para a organização do
relacionamento. Krom (2000) ressalta que, os mitos familiares envolvem todo o
relacionamento.
Krom (2000) diz de um modelo epigenético que emergiu a partir da
preocupação de pesquisadores para com a qualidade das relações, servindo
também como forma de proferir um pensamento e determinar de qual forma o mito
se comporta quando se investiga por meio da qualidade do apego as questões
relevantes à comunicação, à união e à mutualidade.
Na construção mítica subentende-se a presença de modelos de comunicação,
onde esses podem beneficiar ou não a passagem da família por determinados
processos.
Para Wynne, a mutualidade origina-se a partir de experiências e
habitualidades relacionais. Engloba também a complacência às divergências e
prospera sobre o reconhecimento dessas divergências. O relacionamento sofre
reajustes e pode ser reorganizado sem que se percam as contribuições de cada
pessoa implicada na relação. A mutualidade integra afastamento, ruptura e
reencontro (WYNNE apud KROM 2000, p. 68).
Alguns mitos podem estar implicitamente presentes nos sujeitos e na forma
com que estes se relacionam com o outro, podendo servir de sustentação para a
vida conjugal ou gerando conflitos quando as culturas se esbarram.
Krom (2000) traz o Mito da União como sendo o que favorece a preservação
de padrões afetivos e o que assegura a perpetuação da família. O Mito da
Propriedade é reconhecido nas antigas famílias e pode aparecer nas famílias atuais,
tendo os bens e a estabilidade familiar, significados importantes para a manutenção
do casamento. O Mito da Religião aparece em cada família com significados
diferentes podendo ter ligação desde o nome dado aos filhos até aos rituais
religiosos presentes na família. O Mito do Sucesso e da Conquista dizem da forma
com que as famílias agem para que possam conquistar bens e outras coisas.
Geralmente, a família tende a seguir o que faz a figura mítica, explicada
28

anteriormente. O que diferencia o Mito do Sucesso e da Conquista é que, no Mito do


Sucesso, além da conquista, é importante o reconhecimento e que as pessoas se
sobressaiam com aquilo que foi conquistado. O Mito da Autoridade diz de
hierarquias de poder que garantem a pais e outros parentes, autoridade e respeito,
onde os demais membros da família acatam suas opiniões e sugestões.
Para Krom (2000) o casal diz de uma parte do sistema social mais amplo em
que recebem influências. Sendo assim, Krom ressalta que:

As pessoas quando se casam trazem de suas famílias de origem as suas


mitologias que, ora se assemelham, ora se diferenciam da família do
cônjuge. A maneira como o casal vai construir o seu casamento ocorre
dentro e de acordo com essas mitologias. Para aprofundar a compreensão
a respeito dessa construção, é possível acompanhar alguns casais pelos
processos afetivos e relacionais, que ocorrem no casamento, tendo como
fio condutor do nosso olhar as mitologias familiares. (KROM, 2000, p. 58).

Na fase em que o casal reconhece suas diferenças a ansiedade e agitação se fazem


presentes na vida conjugal. Com isso, Krom (2000) aponta para a existência de três
direções que os casais podem escolher que são: a separação, a institucionalização
das diferenças e a de reflexões para que os cônjuges vejam por um lado positivo
essas diferenças.
Krom (2000) destaca que a separação ocorre quando o casal se encontra em
um momento crítico a partir do reconhecimento de suas diferenças e assim, não
conseguem entender o outro e nem a si próprios. Destaca-se também, que a
separação pode propiciar reflexões e gerar nos indivíduos um aumento do senso de
self. A institucionalização das diferenças é quando o casal tem uma definição sólida
de si. Contudo, algumas limitações internas podem surgir, como a rigidez e a
competitividade e/ou a dependência de um para com o outro.
Os mitos e seus respectivos significados devem ser analisados em um
contexto maior.
A partir de Krom (2000) o genograma foi visto como um instrumento
importante para a identificação de padrões transgeracionais familiares. Com isso,
buscou-se a leitura de McGoldrick. Gerson e Petry (2012) que se dedicaram a
estudar o mesmo. De acordo com os autores, a construção do genograma deve
fazer parte de um processo onde ocorre a reunião de informações na medida em
que o indivíduo relata sua história. Utiliza-se de símbolos que representam a
29

composição familiar, seus relacionamentos significativos e mais informações que


surgem quando se observa outras gerações.
Com essas questões que acabam por gerar conflitos entre os casais, assim
como o genograma, outros instrumentos podem ser utilizados por terapeutas para
maior compreensão do casal, suas famílias de origem, suas relações e padrões
relacionais. Tendo em vista a possibilidade de que o casal passe por um processo
terapêutico, o capítulo seguinte trará a noção de terapia de casal, seu objetivo e
importância.
31

4 POSSIBILIDADES PSICOTERAPÊUTICAS NA TERAPIA DE CASAL

Após o que foi descrito nos capítulos anteriores, partindo de uma visão
sistêmica, se faz necessário pensar a forma de trabalho com casais, tendo em vista
as influencias familiares e a individualidade de cada um.
Entende-se de acordo com a visão de Krom (2000) que cada um de nós ao
longo da vida pode ser influenciado por nossos antepassados através das
experiências vividas por eles e seus significados atribuídos. É importante que as
pessoas entrem em um processo de enfrentamento com essas concepções para
que possam construir um sentido próprio de vida, tomando consciência de que
podem dar continuidade a determinadas questões construídas em sua história, mas
tendo, também, de reconstruir a própria história. Identificar e reconhecer os rituais
presentes na vida dos casais viabiliza um trabalho terapêutico e a reorganização
familiar, o que contribui para que haja uma mudança no que tiver relação com os
mitos presentes.
A partir de um determinado momento em seu ciclo de vida, o indivíduo busca
por um outro com quem possa unir-se para construir uma vida conjugal, sem que se
perca sua individualidade, sua autonomia, pois de acordo com Marum (2006), cada
indivíduo traz para o seu casamento sua história pessoal que abrange suas crenças
familiares, expectativas, metas e objetivos de vida e por fim, sua visão de mundo. Os
casais ao decidirem viver juntos têm de criar um espaço em comum onde um
respeite o sistema de crenças do outro, permitindo a criação de um novo sistema,
que fará parte da vida conjugal.
Marum (2006) afirma que o casamento não deve ser visto e entendido de uma
única forma, pois nele, sempre haverá influências sociais, psicológicas, religiosas e
outras. Desse modo, sabe-se que tornar-se casal não é questão simples, pois vários
aspectos são envolvidos.
Na fase inicial do casamento o casal passa por um momento de adaptação da
nova vida, o que exige de cada indivíduo tolerância, para que saibam lidar melhor
com as mais variadas redes que constituem o universo do casal, como a família de
origem, amigos, entre outras. Da mesma forma, os casamentos mais longos também
possuem seus problemas, que podem ser ou não os mesmos do início da relação.
32

Polity (2006) trata a linguagem como instrumento básico para a compreensão


das narrativas e histórias que os indivíduos empregam em suas práticas discursivas.
Eco afirma que:

O que me constitui como sujeito é minha pergunta. O que busco na fala é a


resposta do outro. Definimo-nos e nos formamos pelo outro, pelo olhar e
pela resposta do outro. [...] Sem a mediação da palavra, que nos possibilita
ser reconhecido pelo outro, somos seres isolados, incomunicáveis,
irreconhecíveis. Nessa estrutura de percepção, a possibilidade de nos
fazermos reconhecer é conseguir que o outro seja tocado pela nossa
palavra. [...] Perco-me se o outro fica com ela e não me retorna. É preciso
que me devolva a palavra mediante um sentido que me faça compreender
que minha palavra o tocou e ele me reconheceu. Quando lanço minha
palavra é a mim mesmo que lanço. Só ela pode trazer o reconhecimento
que me nutre, que me constitui. Ela diz de mim, porque ela sou eu. (ECO
apud POLITY, 2006, p. 102).

Muitos casais quando se encontram em um determinado grau de sofrimento e


conflito, resolvem investir na terapia com a ideia de que ali conseguirão resolver
seus problemas. Alguns indivíduos se casam sem antes conhecerem suas próprias
questões, sejam elas emocionais, cognitivas, de base familiar ou outras. Da mesma
forma, casam-se sem que tenham um bom conhecimento de questões que
envolvam o parceiro. Polity (2006) afirma que isso faz com que os casais tenham a
impressão de estarem falando em línguas diferentes e, de fato, nesses casos,
estarão. Com a falta de conhecimento sobre questões próprias e do parceiro, as
discussões e conflitos entre os casais tendem a aumentar e a comunicação ser
insuficiente para que possam chegar a um entendimento. Assim, levam o
relacionamento a um caminho que causa dor e sofrimento, pois estão carentes de
compreensão mútua.
Polity (2006) afirma que os cônjuges não possuem manual de instruções e
por isso, demandam tolerância e melhora na escuta por parte de cada um, pois
ambos estarão “pisando” em um terreno desconhecido e que, para conhecê-lo,
dependerão da autorização de seu habitante.
Entende-se a partir de Polity (2006) que os casais visam corresponder às
expectativas do outro, sejam eles físicos, emocionais, culturais, dentre outros, e que
em comum, ambos criam a expectativa e a responsabilidade de fazerem com que o
casamento dê certo. Entende-se que, os casais têm de lidar com dilemas
existenciais que podem surgir a partir de suas diferenças, quando os desejos não
33

estão em sintonia. Com isso, algumas crises podem surgir e nem todas serão ruins,
pois às vezes elas poder servir como um passo para a evolução do casal.
Pontes (2006) ressalta a importância de a terapia propiciar ao casal reflexões
para a construção de alternativas diante dos conflitos. De acordo com ele, os casais
chegam acuados, sem produzir pensamentos criativos perante a realidade e com
discursos empobrecidos. Sendo assim, buscam na terapia uma oportunidade para a
elaboração de novos sentidos e significados a partir de suas histórias. A terapia de
casal pode ser vista como um ritual, onde cada indivíduo se permite pensar sobre si,
sua origem e de seus caminhos a percorrer. Sobonfu Somé citado por Pontes (2006,
p. 59) afirma que nos relacionamentos é importante a prática de rituais que visam
manter a paz e melhorar a comunicação.
O diálogo, o que está sendo comunicado, diz de uma história de vida
individual, daquele que está falando, e de casal, dizendo daqueles que estão
envolvidos. Para Pontes (2006) o terapeuta não deve focar apenas no conteúdo e
deixar de lado o contexto e a história da relação. É importante que o terapeuta
elabore contextos propícios a levar cada indivíduo a olhar sobre si e sobre sua
relação, pois assim, serão estabelecidos espaços para que o casal abra a bagagem
que cada um traz para o casamento, a qual é responsável por suas escolhas
amorosas. O terapeuta também possui uma autorreferência, uma visão de mundo
própria e é colocado para compreender e rever melhor seus valores e preconceitos
ao lidar com o outro. Colombo (2006) ressalta que o terapeuta não deve se colocar
no lugar de alguém que está ali para prescrever o melhor caminho, dar conselhos,
mas sim, ser responsável na construção de um contexto reflexivo que move e cria
alternativas.
A linguagem é tida como ação e essa, por sua vez, gera consequências.
Pontes (2006) traz essa noção ao dizer que a linguagem, a palavra, não é ingênua.
Ou seja, ao falar o indivíduo produz nele e no outro, diversas emoções. Quando o
casal modifica as ideias da conversação em que se encontra envolvido e passa a
gerar um novo sentido para sua história, o que era tido como problema e gerador de
dor e conflito passa a ser redefinido.
A terapia de casal deve ter como objetivo a construção de laços sem que se
perca a singularidade de cada indivíduo que está envolvido. Os terapeutas devem
fazer um movimento visando a co-construção de alternativas para os casais, para
34

que estes possam pensar e negociar um projeto de vida juntos, em comum, ou


separados.
Severino (1996) ressalta um período importante na vida de cada sujeito, onde
alguns questionamentos são feitos, levando a uma busca de sentido. De acordo com
ele, na adolescência a crise de identidade se faz presente fazendo com que o jovem
busque por ser um adulto independente, o que não significa que esse adolescente
não seja sentimentalmente apegado às pessoas que fizeram parte de sua vida até
esse período, que são seus pais. Com isso, alguns questionamentos são feitos por
parte desse jovem, que busca realizações para dar sentido a própria existência.
Assim, sem que necessariamente se deem conta, esses jovens passam a
compartilhar com um parceiro uma nova construção da realidade. Esse parceiro é
para o jovem um outro diferente, com quem ele se reafirma em um novo existir.
O casamento retrata um meio de enriquecimento pessoal pela interação em
que ali se estabelece e também pelo crescimento, desenvolvimento e
aprofundamento de questões sexuais, afetivas e sociais. Severino (1996, p. 72)
relembra noções trazidas por Minuchin, onde pontuava que, nos primeiros anos de
seu casamento, houve transformações de um “eu” para um “eu-e-você”. Essa
mudança para o “eu-e-você” não fez com que Minuchin se perdesse de si, pois o
casal é uma caixa de ressonâncias onde as experiências trazidas por cada um
refletem na relação e retornam amplificadas.
De acordo com Severino (1996) quanto mais cedo se dá um casamento,
maior é a chance do processo de separação e individuação em relação à família de
origem não ter sido completado. Nesse caso, o cônjuge poderá tornar-se para esse
sujeito um ponto de sentimentos negados e reprimidos em relação aos próprios pais.
O casamento, na visão de alguns autores, pode configurar para os parceiros
uma oportunidade terapêutica. Isso será possível se os casais compreenderem as
diferenças existentes entre eles forem capazes de fazer com que essas diferenças
favoreçam a convivência ao invés de dificultá-la. Dessa forma, não irão atribuir ao
outro suas próprias insatisfações.
Existe um sistema de crenças que pode interferir na forma com que os
homens e as mulheres lidem com as diferenças existentes no casamento. Severino
(1996) destaca que, na contemporaneidade, o pedido de divórcio advindo de
mulheres teve um aumento significativo e da mesma forma, há um aumento na
35

insegurança e ansiedade por parte dos homens que estão tendo de lidar com a
condição de autonomia e independência dessas mulheres.
Como foi trazido no primeiro capítulo, na nossa cultura, o caminho do amor
romântico até o amor em sua realidade traz um momento crítico para os primeiros
anos de casamento. Severino (1996) pontua que na fase inicial da união do casal, os
parceiros têm de compreender que além de satisfazer o outro afetivamente, cada um
terá de buscar por outras fontes de satisfação para o que demanda a vida pessoal
de cada um, como a vida profissional e o espaço em que a família de origem e os
amigos ocupam em suas próprias histórias.
Retomando outro ponto importante para a compreensão da importância da
família de origem no casamento, Severino (1996) ressalta que é dentro da família
que o indivíduo irá aprender sobre a circunstância de estar separado e unido em
relação à mãe, ao pai e aos irmãos. O contexto familiar é importante para que cada
sujeito possa ter experiências relacionais, onde os afetos são desenvolvidos e
experimentados. Sendo assim, cada sujeito pode usar a relação dos pais para
espelhar-se ou como modelo de algo que não querem.
Severino (1996) enfatiza que terapeutas de família e casal percebem que
quando há algum problema, o que está em jogo são as emoções não vividas e,
muitas vezes, não expressas por parte de cada sujeito ou por parte do casal em
relação à suas famílias de origem. Contudo, as experiências passadas poderão ser
modificadas no futuro e mesmo que as histórias se repitam, ao passo que os adultos
estabeleçam um bom nível de diferenciação, poderão construir outra realidade.
Assim, os terapeutas que trabalham com casais podem ter como objetivo auxiliá-los
a identificar suas possibilidades em fazer com que seja alterada sua história atual,
da mesma forma, trabalhar para que haja uma libertação de cada sujeito com suas
famílias de origem, fazendo com que cada parte envolvida aprenda a lidar com suas
questões de amor e ódio não resolvidos.
Severino (1996) diz da utilização de recursos diversos para trabalhar com os
casais, estejam esses recursos nos níveis verbais ou não verbais. Isso engloba
respectivamente, escutar o casal no que ambos consideram importante mencionar e
assim, construir de forma conjunta, suposições a respeito de suas situações atuais
e/ou passadas, e também fazer uso de fotografias da infância de cada um, do
casamento, técnicas do psicodrama, dentre outras. Embora existam recursos a
36

serem utilizados vale ressaltar que o self do terapeuta é seu principal instrumento de
trabalho.
Na visão de McGoldrick, Gerson e Petry (2012) o genograma pode ser
construído pelo terapeuta e ser um instrumento útil para uma melhor análise da
família, pois os padrões familiares são transmitidos de geração para geração e
através do genograma diversos fatores podem ser identificados. Deve-se destacar
que a construção do genograma deve se dar de forma individual ou na terapia de
casal, com os dois envolvidos, de forma que um escute o outro.
Ao levantar questões advindas da família nuclear e extensa o terapeuta pode
perceber dados de diversos membros da família como a origem étnica, idade, data
de nascimento e morte, ocupação, nível de instrução e outras informações. De
acordo com McGoldrick, Gerson e Petry (2012) todos esses dados podem se
conectar a outros eventos presentes no sistema, ampliando a visão da família por
parte do terapeuta. McGoldrick, Gerson e Petry (2012) afirmam que:

O genograma é uma ferramenta visual prática para avaliação de padrões e


contextos familiares, como também é uma intervenção terapêutica em si. Os
genogramas permitem que os terapeutas conceitualizem rapidamente o
contexto do indivíduo dentro da crescente diversidade de formas e padrões
familiares em nossa sociedade. Por sua natureza, o processo de construir
um genograma envolve a narração de histórias e enfatiza o respeito pela
perspectiva do cliente, enquanto encoraja múltiplas visões dos diferentes
membros da família. (McGOLDRICK; GERSON; PETRY, 2012, p. 62).

Tomar consciência de padrões repetitivos pode auxiliar os casais a evitar os


comportamentos indesejados e/ou impróprios e de consequentemente, evitar que
eles se propaguem no futuro.
A terapia deve ter como um de seus objetivos ajudar o casal a perceber que
eles criaram padrões de funcionamento juntos, pois muitos indivíduos tendem a
acreditar que apenas um é responsável pelas dificuldades do relacionamento.
Assim, cada um irá se empenhar para que haja uma mudança não esperando
somente que a mudança parta do outro.
Severino (1996) diz que a frequência e a duração da terapia variam, devendo
o terapeuta analisar aspectos no caso a caso e diz da utilização de um espaço maior
entre uma sessão e outra, por exemplo, um intervalo de quinze dias, pois assim, a
probabilidade de algo novo acontecer na interação do casal será maior. O que pode
ser analisado também no caso a caso é a necessidade do terapeuta realizar
37

sessões individuais com cada indivíduo, principalmente em casos que exista a


suspeita de uma relação extraconjugal. É importante ressaltar que, muitas vezes, a
entrada de um terceiro, a existência de uma relação extraconjugal, pode expressar o
desejo e a necessidade de mudança no casamento. Nesse caso, Severino (1996)
pontua que, pelo menos de início, a terapia de casal com a existência de um terceiro
no relacionamento, se torna inviável. Quando um segredo se faz presente no
casamento, este pode ser um fator complicador no processo terapêutico e na vida
familiar. A questão da infidelidade requer manejos terapêuticos variáveis segundo
terapeutas distintos, pois são situações muito complexas, que englobam, entre
outros aspectos, desde o se pensar em quem é nosso cliente até a questão do
sigilo.
A relação extraconjugal pode também dizer de questões anteriores ao
casamento daquele que a praticou. Severino (1996, p. 84) exemplifica tal fato, com
um homem que em seu desenvolvimento não se sentiu reconfirmado em sua
circunstância de dependência emocional com sua mãe. Sendo assim, ao não
receber o suporte emocional necessário, este homem pode passar a evitar envolver-
se emocionalmente em relações que exijam intimidade. De tal forma, irá manter
relações extraconjugais como forma de defesa. Muitas vezes, quando a triangulação
se desfaz, o casal busca a terapia, pois nem sempre a saída é a ruptura do
casamento.
Pode-se compreender como casamento onde há uma união estável entre dois
indivíduos, onde ambos assumem compromissos no que diz respeito às
necessidades sociais, sexuais e afetivas. Severino (1996) ressalta que um ponto
importante para que o terapeuta se atente ao lidar com casais é a compreensão de
que, atualmente, há várias formas de convivência entre os casais, como por
exemplo, casais que não moram juntos.
Os casais, na maioria das vezes, não tornam explícito o que cada um espera
do casamento. Nesse caso, há um contrato matrimonial individual, onde cada
indivíduo opera como se o seu programa matrimonial próprio fosse um acordo
conveniente e assinado mutuamente, por ambos. Apoiados nisso, os casais tendem
a elaborar expectativas de serem satisfeitos no que almejam mediante o que se
dispõe a dar ao outro. Com isso, Severino (1996) ressalta que o terapeuta deve
fazer com que o casal tome consciência do contrato feito no início do casamento,
38

fazendo questionamentos acerca das regras explícitas e implícitas, incentivando a


cumplicidade do casal.
Severino (1996) destaca a utilização de jogos, humor e metáforas para
trabalhar com casais. De acordo com o autor, fazer uso do humor na terapia de
casal pode propiciar a criação de um contexto de união, onde as pessoas se voltam
para o mesmo objetivo, onde podem estar num mesmo “time”, jogando com estilos
distintos. Esses métodos podem ser utilizados também com casais que se mantêm
resistentes à terapia, como forma de mover conflitos para um campo neutro onde
tudo se faz possível. O humor e o brincar podem estabelecer uma porta de entrada
na família. Severino (1996, p. 86) ressalta que “desenvolver metáforas nas sessões
representa um outro recurso poderoso. A metáfora condensa um conteúdo simbólico
e um conteúdo real tornando mais perceptível a compreensão de comportamentos
sintomáticos.”
Os filhos também podem ser incluídos na terapia de casal, visto que, com
frequência, as crianças indicam pontos importantes para nortear a terapia. Severino
(1996, p. 87) cita Andolfi que se referiu à inclusão dos filhos na terapia como algo
que possa expandir o sistema terapêutico, pois trabalhar somente com a díade há o
risco de uma paralisação e trabalhando diretamente com os filhos, o terapeuta
estará trabalhando indiretamente com o casal.
A co-terapia também é um recurso indicado para o trabalho com casais. De
acordo com Severino (1996) pode haver a necessidade de dois terapeutas para que
haja uma dissolução de alianças e para que se evite o emaranhamento com o casal.
É indicado em determinados casos que o cada terapeuta seja de um sexo, evitando
assim, que hajam alianças ligadas ao gênero.
É valido ressaltar que nem todo casal que busca a terapia está buscando a
salvação do casamento, podendo estar um ou ambos, buscando apenas uma forma
de que isso aconteça de forma que cause menos sofrimento ou que tal separação
seja aceita mais facilmente. Da mesma forma, o terapeuta não deve ter como
objetivo essa salvação.
Alguns casais não conseguem encontrar formas de terminarem a relação,
mesmo que estejam separados física e/ou geograficamente. Com isso, adiam o
processo de separação por anos e isso passa a ter um significado para cada um.
Para Polity (2006) faz parte do ritual do casamento a ideia de que o casal terá de
39

permanecer unido até a morte, pois associam a separação à destrutividade, ao


fracasso.
Polity (2006) pontua que, o que não se pode fazer com os pais, na primeira
infância, o indivíduo faz com seu cônjuge. Ou seja, cada indivíduo tem em sua
infância emoções despertadas com questões ligadas ao apego, cobrança,
descontrole e outras, e faz com que essas questões e emoções se façam presentes
em seu relacionamento, trazendo mais uma vez a ideia de que os indivíduos sempre
levarão para o relacionamento algo que diz de sua interação com sua família de
origem.
Assim, após a compreensão de ideias trazidas nos capítulos apresentados,
faz-se prudente discorrer e ressaltar o que Polity (2006) afirma sobre a postura dos
terapeutas que trabalham com casais. De acordo com a autora, é importante
promover algumas desconstruções de conceitos vindos das famílias de origem,
convidando os casais a descobrirem coisas novas que o outro traz para o
casamento, onde os casais conversem entre si e negociem sobre o que deve ficar e
sair da relação, bem como quem é ou não bem vindo ao sistema, além de fazer com
que o casal repense aspectos rejeitados no cônjuge. Esse olhar é tido como
primordial para reconstruções e ressignificações das queixas apresentadas que,
consequentemente, irão possibilitar a construção de novos sentidos.
Vale destacar a partir de Nichols e Schwara, (2007) que é importante na
terapia boweniana a experiência de relacionamento, onde estão presentes
perguntas que visam ajudar os membros da família para a percepção de que não é
apenas o que os outros fazem, mas também como eles reagem ao que os outros
fazem que faz com que seus problemas perdurem. Assim, Nichols e Schwara
afirmam que:

Contrariamente à crença popular, os casais não resolvem seus problemas


apenas conversando a respeito. Entregues a si mesmos, eles tendem a
discutir improdutivamente, projetar a responsabilidade no outro e se queixar
em vez de negociar. A mudança requer falar e escutar. Devido à tendência
universal de enxergar apenas a contribuição dos outros para os problemas,
são necessárias técnicas especiais para ajudar os membros da família a
enxergar o processo, não apenas o conteúdo de suas interações.
(NICHOLS; SCHWARA, 2007, p. 145).

A partir de experiências na clínica de Psicologia foi possível perceber


também, a importância do terapeuta lidar com prudência – não somente – com
40

casais, tendo cautela ao realizar intervenções sem que um indivíduo sinta-se


privilegiado no processo terapêutico, tornando o outro acuado. Se a infidelidade,
casos de triangulação e um baixo nível de diferenciação se fizerem presentes na
vida dos casais, pode haver a indicação da terapia individual após o término do
processo terapêutico do casal. É importante pontuar que a terapia de casal, às
vezes, também é utilizada como recurso temporário em parceria com a terapia
individual de um ou dos dois parceiros.
41

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Atualmente aprende-se muito sobre o amor próprio e a autovalorização,


tornando os sujeitos cada vez mais individualistas, que acabam por confundir
individualidade com individualismo, o que traz consequências para a vida conjugal.
Trabalhar e estudar a conjugalidade torna-se relevante e importante visto que
a relação conjugal, o modelo ou não de casamento, e outras questões, de alguma
forma podem aparecer nas sessões terapêuticas, seja com a do próprio cliente, ou
com o que ele traz a partir de casais que fazem parte de seu contexto social. Mesmo
que a queixa e a demanda inicial não partam diretamente de problemas ligados a
um casal e ao modo com que este se relaciona, de alguma forma, em algum
momento, um conflito ligado a este pode surgir mostrando-se responsável pelo
surgimento de um determinado sintoma em um ou mais membros do sistema
familiar. É comum na clínica com famílias que uma criança apresente sintomas e
que se perceba questões psicológicas a serem trabalhadas com os pais e sua
relação de casal.
É importante pensar e estudar as relações conjugais, como foi observado a
partir de experiências na Clínica de Psicologia e após as leituras realizadas, pois os
relacionamentos podem ser considerados determinantes para a saúde mental das
pessoas, que muitas vezes, buscam realizar-se a partir do outro, do que o outro
pode oferecer. Ou seja, os sujeitos criam expectativas direcionadas ao cônjuge e em
relação ao casamento. Quando não satisfeitos, os conflitos aparecem e as
diferenças do casal são colocadas como problema.
A grande dificuldade nos casamentos atuais é de saber conviver com um
outro diferente de si e preservar a individualidade sem que o outro seja anulado. A
Psicologia enquanto ciência traz o sujeito como sendo sua unidade básica de estudo
e, mesmo que os grupos sejam estudados, o sujeito permanece como sendo o
centro de atenção, e a teoria sistêmica pensa no sujeito e suas relações. Sendo
assim, pensar no casal é também pensar no sujeito, mas sem excluir ou
desconsiderar suas relações, pois o sujeito estará sempre inserido em um sistema e
subsistemas onde as relações e as formas de relacionar-se são expressivamente
consideráveis.
As famílias e as culturas se esbarram no modo de ver e viver a vida. Busca-se
mais o igual e tolera-se menos o diferente. Tudo isso se reflete quando dois sujeitos
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resolvem se unir, pois cada um traz de sua família de origem, do sistema onde estão
inseridos, padrões relacionais distintos.
Atualmente a sociedade fomenta o sujeito a cada vez mais olhar para si, ter
seus desejos satisfeitos e a qualquer custo, buscar a felicidade. Com a criação dos
mais diversos meios de comunicação as pessoas têm se falado mais, porém de
forma mais superficial. Dialogar torna-se um desafio que pode impulsionar alguns
casais pela busca de um terceiro que possa ouvi-los e intervir na relação.
É necessário que os casais percebam que relacionar com o outro abrange
uma série de valores, necessidades e desejos que podem ser negociados. A terapia
pode contribuir para que o casal perceba que juntos criaram padrões de
funcionamento e então, deixem de acreditar que apenas um, com suas diferenças, é
responsável pelos conflitos presentes.
Tendo em vista o que foi observado a partir desse estudo, pode-se levantar
outras questões importantes para estudos futuros. Entre eles estão: pesquisar como
os desafios da co-existência da individualidade e da conjugalidade explicam o
surgimento de novas formas de conjugalidade, em que o casal pode optar ou não
por morar junto e/ou que não se pense em uma oficialização. Também os casais que
optam por não ter filhos, com uma visão diferenciada do casamento em contraste
com uma visão tradicional de criação de família e filhos, pois estes devem trazer
novas concepções sobre o “ser casal” e suas especificidades na
contemporaneidade.
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