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É difícil agradecer todas as pessoas que de algum modo, nos momentos bons
ou apreensivos, fizeram ou fazem parte da minha vida, por isso primeiramente
agradeço a todos de coração.
Agradeço à minha mãe, por tudo; somente ela sabe o que foi chegar até o
final dessa história. Como de costume, mas não pelo costume, não haveria espaço
suficiente para agradecê-la. Ao meu pai, por mostrar como posso ser, e ainda quero
ser como pessoa. À minha irmã, porque nela sempre encontrei todo apoio que em
tantas situações eu precisei; em você há certeza de companheirismo, cumplicidade e
amor incondicional.
Agradeço à minha querida e amável orientadora Leiliane, que me conduziu
com paciência, autenticidade e amizade, sempre mostrando como ser uma excelente
professora e profissional, a qual me espelho.
Agradeço aos meus amigos pela amizade e paciência, especialmente a turma
do fundão, da qual tive orgulho de fazer parte, agradeço convivência destes 5 anos,
que serão infindáveis.
E finalmente agradeço a Deus, por proporcionar estes agradecimentos a todos
que tornaram minha vida melhor, principalmente àqueles colocados cuidadosamente
por Ele. Deus, que a mim atribuiu alma e missões pelas quais já sabia que eu iria
batalhar e vencer, agradecer é pouco. Por isso lutar, conquistar, vencer e até mesmo
cair e perder, e o principal, viver é o meu modo de agradecer sempre.
EPÍGRAFE
The present work is dedicated to studying the work of Zigmund Bauman, especially his theory
of modern liquidity, which unlike many scholars, understands postmodernity as a "liquid"
modernity, that is, without definite, inconstant and fluid form . These would be the essential
features of social relations today. "Solid" confidence in a future planned by reason has been
replaced by uncertainty. We criticize the world, we are never satisfied, but we seldom know
what to do with our criticisms. " Unsure of the future, postmodern men replace projects for
the future with instant pleasure, have a constant search for the new, replacing dreams with
ambitions. Within this net society, the science of law was presented under the prism of post -
positivist legal thinking, emphasizing the urgency of the return of the dialogue between ethics
and law. This dialogue between ethics and law is based on the institute of Neo-
constitutionalism, which presents the dignity of the human person as the matrix value of the
legal system.
Introdução ..................................................................................................................... 12
Conclusão ..................................................................................................................... 50
Referências ................................................................................................................... 58
INTRODUÇÃO
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renunciar sua nacionalidade. Emigrou para Israel a fim de lecionar na Universidade
de Tel-Aviv, mas logo foi para a Universidade de Leeds, na Inglaterra, onde
desenvolveu a maior parte de sua obra. (BITTAR, 2010)
Bauman, vivendo em uma sociedade moderna falida, onde todas as
promessas de certeza e verdades não foram adimplidas, buscou respostas. Destas,
surge o conceito de sociedade liquida que, conforme melhor explanado no decorrer
do trabalha, é a sociedade contrária aos sólidos, isto é, tudo é passageiro, fugaz,
temporário.
Neste contexto, valores são deixados para trás, pertencem ao mundo sólido.
Com isso em mente, a presente pesquisa teve como objetivo geral apresentar o
referencial teórico de Bauman, precisamente, na conceituação de mundo/sociedade
líquido.
Como objetivo específico, apresentou como o ordenamento jurídico tem se
portado em uma sociedade líquida, restando comprovado que o retorno do
relacionamento entre direito e ética foi necessário, conforme demonstrado via o
pensamento jurídico juspositivista. E, para atingir a esse diálogo entre a ética e o
direito, dentro desta sociedade líquida, o neoconstitucionalismo foi apresentado
como instrumento.
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I - “MODERNIDADE LÍQUIDA”: A PÓS-MODERNIDADE PARA
ZYGMUNT BAUMAN
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violência da racionalidade chegam no seu topo. Com esse livro, o autor começa a
pensar se a modernidade, na realidade, não deveria de fato fracassar.
Nesse sentido, Bauman considera que a era moderna atingiu o apogeu com a
exaltação da ordem como principal fator de construção de um mundo estável,
seguro, coerente e sólido; todos os aspectos da vida são passíveis de descrição,
definição, organização e classificação, como uma das pretensões mais importantes
modernas. A partir dos resultados, as chances de intervirmos e modificarmos a
realidade para devolver uma ordem pura e inquestionável são maiores, pois o ideal
mundo moderno seria aquele sobre o qual pudéssemos ter o máximo de controle
possível. (COUTINHO, 2001)
Apoiado nessa ideia, surge em 1999 o livro “Modernidade Líquida”, que
retrata essa sociedade moderna e sua mudança para a pós-modernidade. É nele a
correlação criada entre a sociedade sólida para a sociedade líquida. Sua liquides faz
com que ela seja mais bem adaptada aos meios, e que com a mesma facilidade se
esvai para tomar outra forma. Ao contrário da solidez, que não consegue preencher
um ambiente que não seja de sua forma.
Os fluidos, por assim dizer, não fixam o espaço nem prendem o tempo.
Enquanto os sólidos têm dimensões espaciais claras, mas neutralizam o
impacto e, portanto, diminuem a significação do tempo (resistem
efetivamente a seu fluxo ou o tornam irrelevante), os fluidos não se atêm
muito a qualquer forma e estão constantemente prontos (e propensos) a
mudá-la; assim, para eles, o que conta é o tempo, mais do que o espaço
que lhes toca ocupar; espaço que, afinal, preenchem apenas “por um
momento”. Em certo sentido, os sólidos suprimem o tempo; para os
líquidos, ao contrário, o tempo é o que importa. (p. 45)
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significa “mudar compulsivamente”. Aliás, “a mudança é a nossa única
permanência. E a incerteza, a nossa única certeza” (Bauman, 2011).
Bauman também traz em seus livros, como em “Amor Líquido: Sobre a
Fragilidade dos Laços Humanos” (2003), sua própria vida em correlação entre a
teoria da liquidez sobre as relações pessoais. Diante de tantos amores líquidos, o
autor conta que teve um casamento que não foi liquefeito, mesmo diante de crises.
Ele aponta desafios e reconhece que foi preciso muito mais do que aquele convite
imediato de casamento para que o amor amadurecesse ao longo dos anos (SANTOS,
2013):
“...um amor “até segundo aviso”, o amor a partir do padrão dos bens de
consumo: mantenha-os enquanto eles te trouxerem satisfação e os
substitua por outros que prometem ainda mais satisfação. O amor com um
espectro de eliminação imediata e, assim, também de ansiedade
permanente, pairando acima dele. Na sua forma “líquida”, o amor tenta
substituir a qualidade por quantidade — mas isso nunca pode ser feito,
como seus praticantes mais cedo ou mais tarde acabam percebendo.”
(Bauman, 2010).
O que foi separado não pode ser colado novamente. Abandonai toda esperança de
totalidade, tanto futura como passada, vós que entrais no mundo da modernidade
fluida. Chegou o tempo de anunciar, como fez recentemente Alain Touraine, “o fim
da definição do ser humano como ser social, definido por seu lugar na sociedade,
que determina seu comportamento e ações”. Em seu lugar, o princípio da
combinação da “definição estratégia da ação social que não é orientada por normas
sociais” e a “defesa, por todos os atores sociais, de sua especificidade cultural e
psicológica” “pode ser encontrado dentro do indivíduo, e não mais em instituições
sociais ou em princípios universais.( Bauman, p. 29)
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No capitalismo líquido também há a prática de repassar imagens de pessoas
famosas usando aquilo que o consumidor quer ser, ou seja, como modelo de
influência. Entretanto, quando o indivíduo se espelha em outras pessoas, e se baseia
nas atitudes delas, perde toda sua essência e toma forma de um novo ser, não sendo
nem o próprio indivíduo, nem o modelo a ser seguido.
Assim, têm-se o fim da era do indivíduo. Mesmo que o novo capitalismo não
tenha abolido as autoridades ditadoras de leis, também não fez com que estas
fossem dispensáveis, mas apenas abriu caminho para um maior número de
ditadores. Assim, cada um tem seu reino por um curto período de tempo, até não ser
mais “novidade”, além de nem todos poderem reinar neste período por muito
tempo.
Nós somos responsáveis pelo outro, estando atento a isto ou não, desejando ou não,
torcendo positivamente ou indo contra, pela simples razão de que, em nosso mundo
globalizado, tudo o que fazemos (ou deixamos de fazer) tem impacto na vida de
todo mundo e tudo o que as pessoas fazem (ou se privam de fazer) acaba afetando
nossas vidas.(p. 177)
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acontecer faz-se necessário um ambiente civil, promovido por espaços públicos. No
decorrer do texto, Bauman exemplifica algumas categorias de espaços que são
públicos, sendo ele social e/ou cultural, mas principalmente sem ter a necessidade da
interação com outros indivíduos, tendo cada um o seu momento e seu espaço. Se
esse espaço não for preenchido, não há significado, até o momento que é tomado
por um que lhe dará sentido, até mudar de forma novamente. Esta fluidez moderna
gerou o fenômeno do multitasking, que é habilidade de realizar múltiplas atividades
no mesmo tempo e ambiente, com agilidade e sem perda de tempo.
Bauman acreditava que este momento no trabalho coloca o indivíduo no
controle daquilo que quer, podendo mover o mundo para frente. Também debate
sobre a diferença entre os indivíduos que se culpam por todos seus fracassos, e
aqueles que conseguem ter controle de suas vidas e ações, para alcançar o destino
desejado.
Diante da libertação do indivíduo, o que importa é o momento presente. A
“instantaneidade” do tempo desvalorizou o espaço. O conceito de tempo na
sociedade moderna está relacionado a rapidez, expansividade e flexibilidade. As
pessoas que se movem e agem com rapidez, mandam nas que resistem em fixar-se
em um só espaço. A permanência e a durabilidade na modernidade líquida são
valores que não preponderam mais.
Porque a modernidade exige a flexibilidade, abre-se espaço para o trabalho
mais fluído, necessitando de um novo estilo que fica em constante movimento,
sempre de olho no futuro. Com isso, o trabalhador recebe mérito por um trabalho
que traz entretenimento e criatividade. Em contrapartida, esse mesmo trabalhador
quer um trabalho que proporcione sensações e novas experiências. É esse
trabalhador que o novo capitalismo procura: nada que seja para longo prazo, pois
funcionários podem ser substituídos rapidamente, assim como os objetos. Porém,
um preço a pagar são os laços transitórios e a transitoriedade por aqueles que
perseguem seus objetivos individuais, tornando as responsabilidades pessoais em
grau excessivo.
No último capítulo, Bauman apresenta o termo das cloakrooms communities,
ou comunidades cabide. Nesses termos:
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simultaneamente separa a visita como uma ‘ocasião especial’ e faz com que
os frequentadores pareçam enquanto durar o evento, mais uniformes do que
na vida fora do teatro. É a apresentação noturna que leva todos ao lugar –
por diferentes que sejam seus interesses e passatempos durante o dia. Antes
de entrar no auditório, deixam os sobretudo ou capas que vestiram nas ruas
no cloakroom da casa de espetáculos ... Durante a apresentação, todos os
olhos estão no palco; e também a atenção de todos. Alegria e tristeza, risos
e silêncios, ondas de aplauso, gritos de aprovação e exclamações de
surpresa são sincronizados – como se cuidadosamente planejados e
dirigidos. Depois que as cortinas se fecham, porém, os espectadores
recolhem seus pertences do cloakroom e, ao vestirem suas roupas de rua
outra vez, retornam a seus papéis mundanos, originários e diferentes,
dissolvendo-se poucos momentos depois na variada multidão que enche as
ruas da cidade e da qual haviam emergido algumas horas antes. Cloakroom
communities [comunidades cabide] precisam de um espetáculo que apele a
interesses semelhantes em indivíduos diferentes e que os reúna durante
certo tempo em que outros interesses – que os separam em vez de uni-los –
são temporariamente postos de lado, deixados em fogo brando ou
inteiramente silenciados (Bauman, p. 228).
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1.2. Principais características da sociedade atual: “Entrando
corajosamente no viveiro das incertezas”.
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democracia voltada para o bem estar das pessoas e não da economia, será difícil
constituir uma sociedade de plena “liberdade”. (ROVER; MEZZAROBA, 2012)
Diante dessas incertezas e insegurança, Bauman abordou em “Tempos
líquidos”, cinco principais mudanças ligadas, direta e indiretamente, da sociedade
atual.
“A vida líquido-moderna e seus medos” é o título do primeiro capítulo da
obra, e como o nome já demonstra, aborda a instituição do medo na sociedade
contemporânea. Como diz Tavares (2007), o ambiente de incertezas gerado pelas
fragilidades, principalmente políticas (enfraquecimento do papel do Estado e
vulnerabilidade deste perante as lógicas do mercado), e valorizado pelos indivíduos
cada vez mais isolados e vulneráveis à ação do outro (individualismo e redução da
solidariedade social), o medo desponta como grande elemento cotidiano, instaurando
novas práticas e novas angústias. Nesta parte abordam-se os medos individuais,
relacionados ao trabalho e à segurança pessoal, e os medos coletivos, principalmente
para um dos grandes temores da atualidade mundial: o terrorismo. Bauman ainda
deixa claro os mecanismos e as causas, não só do surgimento e crescimento do medo
na sociedade, mas também desvendar os mecanismos que o alimentam e a geração
deste próprio medo. Porém, diz que caberá à sociedade encontrar as ferramentas para
vencê-lo.
Ainda sobre a temática do medo na sociedade, Bauman escreve o livro “Medo
líquido” descrevendo alguns aspectos do medo na modernidade líquida. Nesse
sentido:
De acordo com Bauman (apud Siqueira, 2013), existem três formas de o medo
atormentar as pessoas na sociedade líquida:
1) medo de não conseguir trabalhar e ter qualquer tipo de sustento, a fim de
garantir o futuro;
2) medo de perder a posição na estrutura social;
3) o medo em torno da integridade física.
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Continuando com o livro “Tempos líquidos”, o segundo tópico trata “A
humanidade em movimento”, analisando o fluxo de imigrantes e refugiados,
inclusive a vivência nos campos de concentração, ou “microcosmo” em sua visão.
Bauman também fala sobre a perversidade e as contradições que permeiam hoje as
relações políticas internacionais e as relações de poder, servindo ainda como reflexão
para entender as políticas recentes sobre a imigração em países europeus e nos EUA.
“Estado, democracia e a administração dos medos” é o assunto abordado no
terceiro capítulo, onde são analisados os medos gerados pelos novos papéis sociais e
as modificações no tratamento do tema da insegurança. Segundo Siqueira (2013),
uma espécie de “terceirização da administração” do medo passa a ocorrer,
aumentando consequentemente a exclusão dos menos providos de recursos tanto
econômicos quanto políticos. Por isso, coloca-se em questão a necessidade de uma
reformulação sobre os direitos políticos e sociais, propondo-se uma distribuição no
uso conjunto dos mesmos nas diversas camadas da sociedade. Os medos que nos
cercam – “a fragilidade perante a vida, à morte e ao tempo” e “a inadequação dos
regulamentos que ajustam as relações dos seres humanos na família, no Estado e na
sociedade” – são apresentados e diferenciados pelo autor. Aqueles que dizem
respeito propriamente ao indivíduo, aos limites do próprio ser, sempre nos
acompanharão e farão parte dos desafios da psique humana, uma referência a Freud.
Já os medos coletivos, ligados à família e ao Estado, tratam outro âmbito de
insegurança, no que diz respeito a medos sociais. Finaliza dizendo que estes, hoje,
encontram-se numa situação limite ao ser refletido nos medos individuais,
No quarto capítulo, denominado “Fora de alcance juntos”, o autor trata da
dicotomia social vivida nas grandes cidades, envolta a incerteza e o medo,
características centrais da era líquido-moderna. Basílio (2008) explica que Bauman
reflete sobre a distância cada vez maior entre os mundos das duas categorias de
habitantes: “o espaço da camada superior geralmente está conectado à comunicação
global e a uma vasta rede de intercâmbio, aberta a mensagens e experiências que
envolvem o mundo inteiro. Na outra extremidade, redes locais segmentadas,
frequentemente de base étnica, recorrem a sua identidade como o recurso mais
valioso para defender seus interesses e, em último instância, sua existência.” Assim,
os membros da “camada superior” não pertencem ao lugar que habitam, pois suas
preocupações estão em outro lugar. Segundo Bauman, mesmo livres para se
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dedicarem a seus passatempos e terem serviços de conforto diário assegurados, não
têm interesses investidos na cidade em que residem. Por outro lado, os cidadãos
urbanos da camada inferior são “condenados a permanecer locais”, em que a batalha
pela sobrevivência, e por um lugar decente no mundo, é travada e por vezes vencida,
mas na maioria das vezes perdida. O acirramento desta segmentação social pode ser
observado pelo aumento dos condomínios fechados, a exemplo. Desta forma, as
cidades, que originalmente construídas para fornecer proteção a todos os seus
habitantes, hoje se associam com mais frequência ao perigo do que à segurança.
“A utopia na era da incerteza” encerra a obra, onde o autor trata da utopia
diante a incerteza do mundo contemporâneo. Para Bauman, uma utopia na era da
incerteza é fundamental: sonhamos com um mundo seguro no qual possamos confiar
e acreditar. O sonho dos utopistas necessitava de duas condições para nascer:
1. Um sentimento irresistível de que o mundo não estava atuando de maneira
adequada; e
2. A confiança na capacidade humana de realizar essa tarefa.
Neste sentido, Basílio (2008) explica a ideia o autor ao apresentar três
metáforas diferentes entre si, mais relacionadas por interagir com o mundo. A
primeira refere-se ao guarda-caça, que tem por princípio defender, proteger e
preservar a terra contra toda interferência humana. A segunda diz respeito ao
jardineiro, o qual presume que não haveria nenhuma espécie de ordem no mundo se
não fosse por sua atenção e esforços constantes. Essas duas metáforas tipificam a
autoridade investida aos Estados-Nações. Além disso, são estes últimos que tendem a
ser os mais zelosos e hábeis construtores da utopia. No nosso tempo a postura do
jardineiro está cedendo vez à do caçador. Diferente dos dois tipos que prevaleceram
este não dá a menor importância ao “equilíbrio” geral “das coisas”, seja ele “natural”
ou planejado e maquinado. A única tarefa que os caçadores buscam é outra
“matança”, suficientemente grande para encherem totalmente suas bolsas. Esses são
produtos da globalização e do enfraquecimento do Estado-Nação. Contudo, nem
todos podem tornar-se caçadores, mas os mais abastados.
Moreira (2017) diz que agora todos são caçadores ou forçados a agir como
eles, e por isso é que há pouco espaço para ideais utópicos. O sonho de tornar a
incerteza menos assustadora e a felicidade permanente mudando o próprio ego, e de
mudar o ego trocando de vestido, é a “utopia” dos caçadores.
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Por fim, pode-se perceber a importância dada pelo autor no planejamento das
políticas públicas. Basílio (2008) coloca que muitas vezes somos tentados o produzir
estratégias locais para resolução de problemas que, na verdade, não compreendemos.
Talvez esta seja a razão de continuarmos tentando. Um caso interessante são os EUA,
que lideram uma campanha ao combate de drogas nos cartéis colombianos, mas
todavia, não são tão impetuosos no comércio de venda de armas. São essas
incongruências que nos circundam, como construir estratégias para essas questões, se
não controlamos os insumos de tais processos. O sentimento que advém desta análise
é o de impotência, mas o autor nos incentiva a continuar visionando um mundo
melhor.
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II - OS SUJEITOS DE DIREITO NA MODERNIDADE LÍQUIDA
A vida em sociedade é baseada em relações, mas não são todas deste mundo
fático que são interessantes para o mundo jurídico. Nessa área de estudo, são
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relevantes os fatos ocasionados do processo social de adaptação, que darão origem à
regra jurídica.
De acordo com Taisa Maria Macena de Lima (1999):
Como conclusão, a autora dispõe que “adjetivo jurídico qualifica tudo o que é
disciplinado pelo Direito e não apenas a conduta tolerada ou imposta pela norma
(conduta lícita)”. (pág. 209).
Assim, percebe-se que a personalidade conferida ao homem é a aptidão para
titularizar direitos e obrigações, tornando-se sujeito das relações jurídicas. Por isso,
o livre-arbítrio humano é delimitado neste sujeito que se relaciona dentro do
regramento jurídico.
Para Kelsen (2006, pág. 191), “A teoria tradicional identifica o conceito de
sujeito jurídico com o de pessoa. Eis sua definição: pessoa é o homem enquanto
sujeito de direitos e deveres.”
Entretanto, o conceito de pessoa não é o mesmo que sujeito de direito, porque
ser pessoa pressupõe ser sujeito de diretos e deveres. Existe parte da doutrina afirme
que quando se referem a mesma figura tem o mesmo significado, uma análise mais
profunda mostra ser institutos distintos. Kant (2001, pág. 94) escreveu em seu livro
Crítica a Razão Pura, que a concepção de pessoa foi incorporada ao direito da
seguinte forma “pessoa é um sujeito dotado de razão e vontade livre”. Assim, o
significado de pessoa é estudado dentro do campo da personalidade e o significado
de sujeito no campo das relações jurídicas.
Fábio Ulhôa Coelho (2006, apud Costa) explica essa diferença em que
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Sujeito de direito é conceito mais amplo que pessoa: nem todos os sujeitos
são personalizados. Em outros termos, os titulares de direitos e obrigações
podem ou não ser dotados de personalidade jurídica. Se se considerarem
todas as situações em que a ordem jurídica atribui o exercício de direito ou
(o que é o mesmo, visto pelo ângulo oposto) o cabimento de prestação, o
sujeito será o titular do primeiro ou o devedor da última. No conceito de
sujeito de direito encontram-se, assim, não só as pessoas, físicas ou
jurídicas, como também algumas entidades “despersonalizadas”.(p. 8-9)
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o intuito de que sejam compreendidas no interior de um “sistema de conhecimento”,
baseado em outra tradição. Esta última ideia busca facilitar a comunicação,
impedindo distorções de significado no processo de comunicação. A manutenção do
equilíbrio, entre as duas tradições que interagem, é indispensável para que não haja
distorção de significados em relação a comunicação.
Com as ideias de Barroso (2011), no campo jurídico-constitucional é
possível identificar os movimentos intelectuais, ao retomarmos os três grandes
marcos teóricos pelas quais passou a doutrina jurídica-constitucional:
a. o reconhecimento de força normativa à Constituição;
b. a expansão da jurisdição constitucional;
c. o desenvolvimento de uma nova dogmática da interpretação constitucional
Assim, uma das grandes mudanças de paradigma ocorridas ao longo do
século XX, foi a atribuição à norma constitucional do status de norma jurídica,
reconhecendo sua força normativa, seu caráter vinculativo e obrigatório de seus
dispositivos. Observa-se, portanto, que esse primeiro marco teórico apontado por
Barroso (2011) conforma-se à ideia de produção intelectual moderna, justificada e
ilustrada por Bauman em sua doutrina, através da metáfora do “legislador”.
Há que se destacar que a consolidação do constitucionalismo democrático e
normativo, bem como a expansão da jurisdição constitucional, provocaram um
grande impacto sobre a hermenêutica jurídica de maneira geral, sobretudo no
aspecto da interpretação constitucional. Além disso, a complexidade da vida
contemporânea, tanto no espaço público como no espaço privado; o pluralismo de
visões, valores e interesses que marcam a sociedade atual; as demandas por justiça
e pela preservação e promoção dos direitos fundamentais; as insuficiências do
processo político majoritário – que é feito de eleições e debate público; enfim, um
conjunto vasto e heterogêneo de fatores influenciaram decisivamente o modo como
o direito constitucional é pensado”. (BARROSO, 2011, p.287-288)
Em meio a esse processo de ampliação de paradigmas, foram descobertas
novas perspectivas, desenvolvidas novas teorias de interpretação constitucional que
se coadunaram àquelas tradicionais existentes e aos princípios de interpretação
lógico-sistemática. A norma passou a ser questionada quanto ao seu papel, suas
possibilidades e limites, e não obstante a figura do intérprete, sua função e suas
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circunstâncias, passaram a ganhar destaque em debates doutrinários acalorados.
(HÄBERLE, 2002)
Se de um lado, observa-se a atuação do legislador limitada por sua
“submissão“ ao império da Constituição, de outro, o modelo tradicional dedutivista
de aplicação da lei, pelo julgador, característico da operação lógico-formal da
subsunção, revela-se insuficiente no contexto de ampliação da margem de
apreciação judicial, especialmente na concretização de princípio, abrindo margem
para o recurso da operação argumentativa da ponderação, o que não raro nos faz
questionar acerca do papel “criativo” de juízes e tribunais. (HÄBERLE, 2002)
Moderno (legisladores) e Pós-Moderno (intérpretes), expressões que antes
tinham demarcação em relação a sua atuação, hoje se confundem, num espaço de
incertezas.
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São esses padrões, códigos e regras que poderiam ser pontos estáveis de
orientação, mas estão cada vez mais em falta. Isso não quer dizer que os
intérpretes, devam ser livres para construir segundo sua vontade (seja pela omissão
do poder legislativo, ou ao “custo” político que determinadas decisões causariam ao
poder executivo). A atividade de construir uma nova ordem em substituição a velha
ordem defeituosa, está cada vez menos programada, não do ponto de vista do
intérprete, por nós definidos como cientistas e produtores do saber jurídico, – mas
sim, daqueles em que se supõe que a ação política resida (poderes executivo,
legislativo e infelizmente de uma boa parcela do poder judiciário). O “derretimento
dos sólidos”, traço permanente da modernidade, adquiriu um novo sentido, e foi
redirecionado a um novo alvo, e um dos principais efeitos desse redirecionamento
foi a dissolução das forças, dos poderes que poderiam ter mantido a questão da
ordem e do sistema na agenda política constitucional. (BARROSO, 2011)
Estamos passando de uma era de “grupos de referência” predeterminados a
uma outra de “comparação universal”, em que o destino dos trabalhos de
autoconstrução individual, podem e devem influenciar de forma positiva e
significativa no processo de interpretação da norma, fomentando à participação da
sociedade na condição de destinatários da norma, como co-intérpretes, assim já
dispunha o doutrinador Haberle Pater, em sua obra sobre Hermenêutica
Constitucional, ao propor uma hermenêutica democrática, fazendo valer a “vontade
de constituição". Cabe aos produtores do conhecimento científico apontar
mecanismos que disseminem a “vontade de constituição” como inclusão, e
instrumentalizem a hermenêutica como garantia e acesso aos Direitos consagrados
em nossa Constituição. ( T EIXEIRA, 2013)
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do juiz tem relação direta com o nascimento das civilizações, e com a ideia de que
um terceiro, tido como neutro, seria essencial para a resolução de conflitos. Além
de exigir muito conhecimento jurídico, a função ainda pede comprometimento e
aptidão psicológica.
Baltazar (2005) ilustra que o magistrado contemporâneo encontra-se
fortemente associado ao exercício do poder judiciário. Os países cuja estrutura
legal é baseada no Direito Romano (Itália, França, Alemanha, Espanha ou Portugal)
têm no seu corpo de magistrados juízes e procuradores ou promotores. Tal noção de
magistratura é desconhecida nos países que adotam a common law. No Brasil, os
magistrados são somente os juízes, apesar de magistrados e membros do Ministério
Público gozarem das garantias constitucionais.
No art.125, do Código de Processo Civil, os deveres do juiz são: assegurar
igualdade de tratamento às partes, garantir a rapidez da solução, prevenir e reprimir
atos que atentem contra a Justiça, além de conciliar as partes.
Ao longo da história, houve uma evolução de grande importância na
jurisdição. No entanto, a formação, a importância, a responsabilidade e o respeito
permaneceram com o decorrer do tempo, gerando cada vez mais a grandeza da
função da magistratura em consonância com a imparcialidade e a busca pela
organização da sociedade. Nesses termos, Calamandrei (2000, p. 11) explica que “O
juiz é o direito feito homem. Só desse homem posso esperar, na vida prática, aquela
tutela que em abstrato a lei me promete”, demonstrando a importância da
magistratura e a imprescindibilidade do seu papel para o meio social.
A incumbência principal da magistratura surge quando se ultrapassa o mero
interpretar das leis e passa-se a garantir tanto a normatividade, quanto a efetividade
da norma, transformando o Direito em algo mais democrático a ponto de alcançar a
realidade social. Assim, há a possibilidade de garantir a promoção da justiça
levando-se em consideração a pluralidade da sociedade contemporânea, que impõe
ao intérprete da lei uma análise crítica a fim de que seja assegurada a resolução dos
conflitos sociais – conforme as normas previstas no ordenamento. (DALLARI, 1996)
Não é difícil perceber porque o magistrado é figura central para a realização
da justiça. O processo é o instrumento por excelência da tutela do direito. O direito
se realizará, ou não, através do processo. O juiz, por sua vez, é o protagonista do
processo, está em suas mãos fazer com que a justiça seja independente, eficaz,
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acessível e confiável. Como responsável pelo processo, o magistrado acaba sendo o
último garantidor de um mundo mais justo e quem deve fazer do Poder Judiciário
algo confiável e cristalino (GERLERO, 2006. P. 379).
Durante o exercício do cargo, é imprescindível o respeito aos princípios
impostos pela Lei Orgânica da Magistratura Nacional - LOMAN e pela jurisdição.
Ao discorrer sobre as funções do juiz na sociedade contemporânea, Freddie Didier
explica que o Juiz não decide a “lide” com base na lei, mas com base no “direito”,
que se compõe de todo o conjunto de espécies normativas, regras e princípios.
(PERTSCHI, 2014)
A missão do juiz, portanto, não pode esgotar-se no processo, compreendendo
hoje a defesa do regime democrático, dos direitos fundamentais, a redução das
desigualdades sociais. O juiz possui uma função social que vai muito além de
realizar o direito entre as partes e recompor o status quo ante. O juiz deve ter seus
olhos voltados para o futuro. A função social do juiz e os fins sociais do Direito
libertam a lei de seu texto fincado no momento de sua feitura ou de sua
promulgação. A democratização do Direito passa pela efervescência judicial e pela
ampliação funcional do Judiciário (ROCHA, 1998).
Jean-Claude Javillier (2007, pág. 735) diz que “não há nenhuma sociedade
democrática sem uma independência da magistratura: ela é a garantia de uma
efetividade das normas protetoras dos direitos essenciais do homem”.
O juiz, no contexto do Estado Democrático de Direito, não pode mais ser
aquele operador do direito inerte e passivo, o novo modelo social não aceita mais
essa postura do Poder Judiciário, que sai da sua posição de distanciamento para
aproximar-se da sociedade. Além disso, a decisão do magistrado em um processo não
possui mais seus efeitos restritos apenas às partes litigantes, as decisões acabam por
influenciar outras causas e outras esferas de poder, gerando transformações na
sociedade. (DALLARI, 1996)
Um resultado desse novo contexto vivido é o Novo Código de Processo Civil
(NCPC) de 2015. Superando a razão positivista que condenava qualquer juízo de
valor dentro do direito, o NCPC é elaborado sob a égide do pós-positivismo, de
matiz essencialmente principiológica, resgatando a moral para dentro da ratio
decidendi. O legislador contemporâneo reconhece o Direito como técnica, uma vez
que os operadores precisam ter padrões e critérios para aplicação das normas
37
jurídicas, mas também como Ética, visto que as pessoas recorrem ao Judiciário em
busca não somente de normatividade, mas principalmente de dignidade. (ARAÚJO,
2014)
As normas fundamentais do NCPC demonstram que as decisões tomadas não
deverão ser apenas logicamente válidas, mas baseadas em valores, buscando seu
fundamento último de validade na Constituição Federal. Portanto, o formalismo
legalista do Estado Liberal não interessa mais ao Estado Democrático de Direito. O
juiz, antes visto como mero aplicador da lei, passa também a criar o direito, e não
somente colocá-lo em prática. Muitas questões novas se apresentarão ao juiz, que
nem sempre terão o amparo da lei. Caberá ao julgador a tarefa de responder a tais
questões de forma inovadora, ponderando as normas existentes e os princípios de
direito, produzindo direito, ao invés de somente aplicá-lo. (PERTSCHI, 2014)
O momento atual pede um novo modelo de magistrado, conectado a seu
tempo, conhecedor dos anseios da sociedade. A respeito dos modelos de juiz, existe
um famoso artigo do professor belga, François Ost (OST, 1993), em que este
relaciona os modelos de julgador aos modelos de jurisdição no tempo. O primeiro
deles seria o juiz Júpiter, o modelo liberal-legal, que obedece ao padrão piramidal-
dedutivo, é o julgador que diz o direito, a partir do alto, distanciado das partes,
isolado do convívio social. Esse juiz é legalista, formalista, fundamenta seu
entendimento nas leis ou códigos, inadmitindo a influência de fatores externos. É o
juiz que aplica automaticamente a lei, sem qualquer juízo de valor. Há também o
juiz do Estado Democrático de Direito, o magistrado que os tempos atuais pedem, o
juiz Hermes. Nem tanto ao céu, nem tanto a terra. É o juiz conciliador, mediador
universal, o bom comunicador. Ele pratica novas ideias, escuta opiniões e aprende
com experiências externas. Ost vê o direito pós-moderno como uma estrutura em
rede, que possui infinitas informações à disposição do magistrado. Sua decisão,
assim, não será tão somente baseada na lei, ou na práxis, mas o resultado de um
banco de dados com uma variedade de inputs externos e internos. .(ARAUJO, 2014)
O magistrado pós-moderno, portanto, vive num modelo de Estado em que
existem direitos e garantias. É tarefa dele assegurar a eficácia desses direitos,
concretizando os enunciados constitucionais, a fim de que possa, sob esta
perspectiva, analisar a validade das normas emanadas do Legislativo. O juiz não é
mais um mero cumpridor de leis e não faz mais sentido sua aplicação automática e
38
irrestrita. O magistrado deve questionar sua coerência e conformidade com a
constituição, ponderar os valores imbuídos em cada dispositivo legal. O Juiz, claro
que sem extrapolar o marco jurídico-constitucional, deverá procurar dirimir os
conflitos do modo socialmente mais justo. (ROCHA, 1998).
O juiz, assim, passa a ser também produtor de normatividade, não está apenas
submetido ao Legislativo, mas também o submete. O magistrado faz a lei do caso
concreto e, para isso, deve estar conectado às transformações que constantemente
ocorrem na sociedade moderna, que leva em considerações fatores sociais,
econômicos, históricos e políticos das causas que lhes são submetidas. (ROCHA,
1998).
Note-se que tratamos de um agente politizado, e não político. A Constituição
Federal de 1988, ao dispor acerca das vedações à atividade do magistrado coloca
nesse rol a dedicação a qualquer atividade político-partidária (CF, art. 95, parágrafo
único, inc. III) ou de pertencer a partidos políticos. Ao proceder desta forma, a
Constituição não deixa dúvidas de que a legitimação que pretende conferir à função
jurisdicional não é a legitimação representativa, mas sim a legitimação racional ou
legal. Esse tipo de legitimação dada ao juiz impede que este se utilize, na sua tarefa
de solução de conflitos, de fundamentos que vão de encontro ao ordenamento
jurídico. (DALLARI, 1996)
Oriana Piske, em artigo intitulado “A Função Social da Magistratura na
Contemporaneidade”, assim se posiciona a respeito dessa legitimação racional dos
magistrados:
O desafio do juiz contemporâneo está em julgar com justiça, eis que ele deve
valer-se dos princípios jurídicos num balanceamento dos interesses em conflito,
observando sempre os fins sociais da lei e as exigências do bem comum na
fundamentação de suas decisões. É indispensável que o magistrado tenha prudência,
39
pois ao aplicar a lei em cada caso, ele interpreta o fenômeno jurídico. A interpretação
e aplicação possuem um conteúdo eminentemente prático da experiência humana, vez
que se espera uma decisão não apenas jurídica, mas também de conteúdo social.
Afinal, muda a sociedade, a forma de pensar o Estado, surgem novas tecnologias, a
globalização econômica passa a ser uma realidade; tudo isso conduz à emergência de
novos direitos que merecem a sua proteção. (PISKE, 2010)
Piske (2010) ainda fala que o juiz deve estar atento às transformações do
mundo moderno, porque, ao aplicar o Direito, não pode desconhecer os aspectos
sociais, políticos e econômicos dos fatos que lhe são submetidos. Cabe ao juiz
exercer a atividade recriadora do Direito através do processo hermenêutico, bem
como adaptar as regras jurídicas às novas e constantes condições da realidade social
e, com responsabilidade, deve buscar soluções justas para os conflitos, sempre com a
observância dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da
proporcionalidade e da razoabilidade. Finalmente, temos que a prestação
jurisdicional deve ser exercida como instrumento de pacificação social e afirmação
da cidadania, o que é facilmente verificado quando da ocorrência de sua aplicação
célere e justa, consubstanciando-se, dessa forma, como um poderoso instrumento a
serviço da população. Esta sim, é a razão primordial da existência do Poder
Judiciário. Esse é o papel social que, historicamente, lhe é reservado.
40
III - O MUNDO LÍQUIDO E O RETORNO AOS VALORES NO
ORDENAMENTO JURÍDICO
41
Dentro desse pressuposto de igualdade, a pessoa tinha dignidade
fundamentada na propriedade. O ser é por que possui. A dignidade não existia pelo
simples fato de existir. Após as grandes guerras mundiais, o pressuposto de
igualdade cai por terra e surgem os sujeitos de direito hipossuficiente.
Cada fase histórica foi marcada por uma teoria do pensamento jurídico. Com
efeito, na antiguidade tinha – se a teoria do pensamento jurídico jusnaturalista. Esta
foi dividida em três esferas. A primeira compreendeu o jusnaturalismo
cosmológico, onde a lei somente seria justa se refletisse as leis da natureza. Já a
segunda esfera foi o jusnaturalismo religioso, no qual a lei somente seria legítima
se coadunasse com a vontade divina. No período iluminista, com o homem no
centro do universo, o jusnaturalismo deu causa a terceira vertente, qual seja, a
racional, em que a razão humana é a fonte de todo direito justo.
Com o surgimento do Estado Moderno, a teoria do pensamento jurídico em
voga foi o juspositivismo. Nesta, o Estado tinha o monopólio de fabricação da
norma e, consequentemente, direito e norma eram sinônimos. Neste momento da
ciência jurídica, a justiça não era objeto de estudo do direito. Logo, houve um
afastamento do direito e da ética.
Ora, esse afastamento do direito e da ética já foi narrado nesta pesquisa ao se
explanar a modernidade líquida de Bauman. Neste mundo fugaz, não há espaço para
análises valorativas.
Ocorre que a modernidade não cumpriu com suas promessas de estabilidade,
concretude, surgindo a liquidez e, além dessa decepção, o ser humano entendeu que
sistemas ditatoriais tinham leis, eram Estados de Direito e, outrossim, viram que
pressupor igualdade entre os sujeitos de direito não é garantia de igualdade no
mundo dos fatos.
Logo, imperativo era uma nova teoria do direito onde justiça voltasse para o
campo do direito e valores como igualdade material e formal fossem objetivos dos
ordenamentos jurídicos.
É exatamente aqui que surge essa pesquisa em leitura, uma vez que se torna
fácil indagar como reunir direito e ética em um mundo líquido? Onde um
ordenamento estaria fundamentado para garantir a dignidade dissociada da
propriedade?
42
Pois bem, a reunião do direito e da ética atualmente está fundamentada na
teoria do pensamento jurídico pós-positivista. E o ordenamento jurídico pós-
positivista busca fundamento no denominado neo-constitucionalismo que
posteriormente será perscrutado.
Para tanto, segue –se análise da ética no mundo líquido, conforme Bauman.
Após, a necessidade de se retomar os estudos do direito e da ética de forma
conjunta será apresentada por meio da teoria do pensamento jurídico pós-
positivista.
43
autoridade necessária para impor o que deve ser feito, de modo igual, por todos. A
ética na modernidade é uma regra capaz de enunciar quais condutas são possíveis
ou não dentro de um grupo, a fim de manter sua coesão e promover a convivência.
Na descrição de Bauman, a ética designa o esforço da Idade Moderna em
antever e prescrever, com maior grau de certeza, a ocorrência de determinados
fenômenos e diminuir, ou eliminar, as alternativas de resolução para essas
dificuldades. Numa expressão: na medida em que surge a dificuldade, ter-se-á
apenas uma resposta para sua solução. Essa resposta precisa ser enunciada (senão,
imposta) pela autoridade ética a partir do conhecimento guiado pela razão lógica.
A estrutura da ética proposta pela modernidade elabora cada alicerce a partir
daquilo que as suas autoridades prescrevem como verdades. O poder desses peritos
é legislativo e judiciário ao mesmo tempo. As condutas humanas serão julgadas
como aptas ou não conforme a previsão da norma ética. O homem da vida de todos
os dias não tem capacidade intelectual para orientar suas próprias ações. Não
conhece o “bom” para disseminar o “bem”.
Essa depreciação sobre a incapacidade das pessoas escolherem o que é mais
razoável para suas vidas tem significado, qual seja, a de que os seus juízos éticos
não sejam fundamentados, em outras palavras, não podem ser racionalmente
demonstráveis ou mensuráveis. A não-racionalidade a fim de tornar sólido e
obrigatório uma conduta para todos implica na necessidade de pessoas especialistas
a fim de direcioná-las a algo “bom”.
O “aparente” abandono sobre a escolha de nossas decisões e delegar essa
tarefa para aos gestores éticos, já produziu desastres históricos, tais como a
Segunda Guerra Mundial. Naquele momento, procedimentalizou-se, de modo
racional, a indiferença, estampando-a como “normal” ou “racional”. Não havia
espaço para reflexão pessoal sobre o que se mostrava como razoável. Essa ação
pertencia apenas aos peritos. A eficiência, precisão das normas racionais e a
especificação de seus papéis, rememora Bauman, permitiu que a violência fosse
autorizada e as vítimas desumanizadas, especialmente por definições e doutrinas
ideológicas. Eis a negação de autoridade à consciência moral. No intuito de se
ilustrar a afirmação anterior, veja-se o comportamento de Ohlendorf na descrição
de Bauman:
44
[...] Quando instado a explicar, no julgamento de Nuremberg, por que não
renunciou ao comando Einsatzgruppe cujas ações pessoalmente
desaprovava, Ohlendorf invocou precisamente este senso de
responsabilidade: se expusesse as ações de sua unidade para se ver livre
de obrigações que, garantiu, o indignavam, estaria deixando que seus
homens fossem ‘erroneamente acusados’. Obviamente, Ohlendorf
esperava que a mesma responsabilidade paternalística em relação a ‘seus
homens’ seria praticada por seus superiores para com ele; isso o eximia
da preocupação com a avaliação moral de suas ações, que poderia com
segurança deixar a cargo dos que o comandavam. (p. 141)
46
Hoje, explica Ricardo Lobos Torres (2002, p. 3), que essa mudança de
paradigma jurídico reaproxima o direito, a ética e a justiça, além da preeminência
dos princípios jurídicos na estrutura do ordenamento. O modelo pós-positivista
consagra os direitos fundamentais elencados pela principiologia constitucional,
abrangendo representações de valores da liberdade, igualdade e dignidade de todos
os humanos.
O pós-positivismo tem como expressão no direito constitucional o
neoconstitucionalismo, visando designar um novo modelo jurídico-político que
representa o Estado Constitucional de Direito da atualidade.
Nas palavras de Soares (2013, p. 2013):
48
Neste sentido, Eros Roberto Grau (1981, p. 113) aponta: “[...], a revanche da
Grécia sobre Roma, da filosofia sobre o direito: a concepção romana, que justifica a
propriedade pela origem (família, dote, estabilidade dos patrimônios), sucumbe
diante da concepção aristotélica, finalista, que a justifica pelo seu fim, seus
serviços, sua função” (GRAU, 1981, p.113).
Barroso (2008, p.129) consigna: “[...] Ontem os Códigos; hoje as
Constituições. A revanche de Grécia contra Roma [...]”, e através dessas palavras,
está o neoconstitucionalismo, com a Constituição sendo a base do sistema jurídico,
servindo como filtro axiológico pelo qual se deve ler o direito privado.
A retomada do direito sob o prisma dos valores morais será de fundamental
importância para o fortalecimento dos direitos humanos que assumiram, dentro da
aplicabilidade das normas constitucionais, a feição de normas vinculantes em vez
de normas programáticas.
As teorias neoconstitucionalistas apresentam, portanto, um denominador
comum, qual seja: a superação da ciência jurídica que apenas descreve o direito,
atividade neutra de valores sociais e sem a preocupação com a efetividade do
sistema jurídico.
Com o constitucionalismo atual, a natureza política do jurista surge, uma vez
que a tarefa de determinar o que o direito regulamenta não pode ser reduzida a uma
atividade totalmente científica ou objetiva quando padrões de moralidade são
introduzidos às Constituições mediante os princípios ético-jurídicos.
Em suma, o neoconstitucionalismo, expressão do pós-positivismo jurídico,
engloba ampla mudanças ocorrida no Estado Democrático de Direito e no direito
constitucional, reaproximando as Constituições do substrato ético dos valores
sociais e estampando a força normativa da Constituição e de uma nova
hermenêutica constitucional de fundo principiológico.
49
Na busca de proteção aos grupos vulneráveis, quer sejam minorias quer
hipossuficientes, houve o aprimoramento do constitucionalismo, chegando-se ao
neoconstitucionalismo.
O neoconstitucionalismo defende a compreensão jurídico-filosófica de que
todo conhecimento está sujeito à interpretação. Logo, esse novo paradigma é válido
para o Direito, onde a matéria-prima são as normas, palavras, significantes e
significados. (BARROSO, 2008, p. 8-9).
Por isso, dentro desta interpretação, o princípio da dignidade da pessoa
humana é apresentado como valor fonte de todo o ordenamento jurídico brasileiro,
norteando a exegese e a aplicação da norma ao caso concreto.
Neste sentido, Barroso continua (2008, p. 9):
50
transformações ocorridas no Estado e no direito constitucional, em meio
às quais podem ser assinalados, (i) como marco histórico, a formação do
Estado Constitucional de direito, cuja consolidação se deu ao longo das
décadas finais do século XX; (ii) como marco filosófico, o pós-
positivismo, com a centralidade dos direitos fundamentais e a
reaproximação entre Direito e ética; e (iii) como marco teórico, o
conjunto de mudanças que incluem a força normativa da Constituição, a
expansão da jurisdição constitucional e o desenvolvimento de uma nova
dogmática da interpretação constitucional. Desse conjunto de fenômenos
resultou um processo extenso e profundo de constitucionalização do
Direito. (BARROSO, 2008, p.113).
51
gera um dever de observância introspectivo, bem como de conquista dos direitos do
próximo em constante “relação” valorativa em nossa sociedade.
De relevo no constitucionalismo que surge a partir da segunda metade do
Século XX é a característica de força vinculante da norma constitucional. Barroso
(2008, p.114) aponta que “[...] a ideia de constitucionalismo do Direito aqui
explorada está associada a um efeito expansivo das normas constitucionais, cujo
conteúdo material e axiológico se irradia, com forma normativa, por todo o sistema
jurídico [...]”. (BARROSO, 2008, p. 114). Essa vinculação deu causa à
disseminação do direito constitucional por todos os ramos do direito, surgindo o
Estado Social Democrático.
A Constituição, portanto, não é simplesmente uma Carta com normas
programáticas instrumentalizadas pela retórica vazia, mas sim um autêntico
documento político de concretização de vida digna de todo ser humano sem
distinção de qualquer natureza.
Barroso (2008, p. 129) explica que a fase atual do constitucionalismo tem a
constituição no centro do sistema jurídico-político. Deste modo, de acordo com os
ensinamentos do autor, a constituição, no centro do sistema jurídico, provoca a
assunção do direito social, obrigando, a título de exemplo, que a propriedade
privada cumpra a função social, impulsionando o surgimento de princípios que
repercutiram por todo o ordenamento jurídico, dentre eles: princípio da
solidariedade, da igualdade, da razoabilidade.
Miguel Carbonell (2009, p. 9-10), referente ao conceito de
neoconstitucionalismo:
53
Barroso (2007, p. 400) explica:
54
Os aspectos filosóficos do referido movimento são a saída para questões
lacunosas do positivismo jurídico. Já quanto ao marco teórico, o direito
constitucional engloba três conjuntos de alteração de paradigmas. O primeiro
conjunto está ligado com o reconhecimento da força normativa às disposições
constitucionais com aplicabilidade imediata e direta. O segundo, com a expansão da
jurisdição constitucional. O terceiro conjunto encontra-se no âmbito da
hermenêutica jurídica, com o surgimento da nova interpretação constitucional,
onde, por meio da aplicabilidade imediata dos direitos sociais e da normativização
do princípio da dignidade da pessoa humana, as pessoas alijadas dos direitos
garantidos aos humanos, agora, fazem parte do termo “todos”. Todos são iguais em
direitos.
55
CONCLUSÃO
56
e formal, na lei e perante a lei. Volta-se ao clássico, onde se desiguala para igualar;
há o sujeito de direito hipossuficiente. Já a função judicial mudou o foco que antes
era dogmático e passou a primar pela zetética na busca pela decisão mais justa ao
caso concreto.
Por fim, destaque-se que esse intercâmbio entre o direito e a ética é
materializado em um contexto denominado neoconstitucional, onde o fundamento
do ordenamento não está pautado no rei e na clássica ideia de um Estado
personificado. Atualmente, a norma fundamental, a Constituição Federal, apresenta
como fundamente do Estado brasileiro a dignidade da pessoa humana,
demonstrando a nítida comunicação entre direito e valor.
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