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UNIVERSIDADE AGOSTINHO NETO

FACULDADE DE DIREITO

O FACTO E A NORMA – TEORIA DA FORÇA


NORMATIVA DOS FACTOS

Autor:

Manuel Jorge Cazua António

Orientador:

Prof. Féliz Bazabana (Lic.)

Trabalho a apresentar ao Professor de Metodologia de Investigação


Cientifica (MIC), para efeitos de avaliação parcelar.

Luanda, 2021
UNIVERSIDADE AGOSTINHO NETO
FACULDADE DE DIREITO

O FACTO E A NORMA – TEORIA DA FORÇA


NORMATIVA DOS FACTOS

Autor: Manuel Jorge Cazua António

Trabalho a apresentar ao Professor Féliz


Bazabana para efeitos de Avaliação
parcelar, na Disciplina de Metodologia
de Investigação Cientifica (MIC)

Luanda, 2021
Epígrafe

Um Estado só é bem governo por homens ricos não em ouro mais


sim em virtude e sabedoria
-Pitágoras
Índice
DEDICATORIA ................................................................................................................ i
AGRADECIMENTOS ..................................................................................................... ii
SIGLAS E ABREVIATURAS ........................................................................................ iii
RESUMO ........................................................................................................................ iv
ABSTRACT ..................................................................................................................... v
I – INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 1
Problematização/Pergunta de partida ............................................................................... 2
Hipótese ............................................................................................................................ 2
Objectivos da pesquisa ..................................................................................................... 2
Justificativa ....................................................................................................................... 3
Metodologia ...................................................................................................................... 3
Estrutura do trabalho ........................................................................................................ 3
I – Breve abordagem sobre a Teoria da força normativa dos factos ................................ 5
1.1– Facto e norma (Descritivo e preceptivo). Teoria da força normativa dos factos...... 5
1.2– Aspecto histórico da teoria da força normativa dos factos ................................... 6
1.3 – O Antagonismo sobre o facto e norma (Eugen Ehrlich e Hans Kelsen) ................. 7
1.3.1 – Eugen Ehrlich ................................................................................................... 7
1.3.2 – Hans Kelsen ...................................................................................................... 8
1.3.3. – Ehrlich X Kelsen ........................................................................................... 10
II – O FACTO ENQUANTO FONTE DE DIREITO. ................................................... 12
2.1. – Primeira aproximação à questão. Do costume, praxe e factos jurídicos .......... 12
III – O DIREITO DO URBANISMO ANGOLANO ENQUANTO RAMO ESPECIAL
DO DIREITO ADMINISTRATIVO .............................................................................. 13
3.1. – Conceito de urbanismo e breve resenha histórica: o urbanismo como facto
social ........................................................................................................................... 13
3.2. – Teoria da força normativa dos factos no ordenamento jurídico angolano ....... 15
IV – CONCLUSÃO ....................................................................................................... 18
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................... 19
DEDICATORIA
Dedico esse trabalho a minha familia em especial meu irmão Josué António, em
memoria.

i
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente a Deus pela vida e proteção, vivemos em tempos
dificies tantas mortes e acidentes mas de todos o Senhor me guardou, devo tudo
especialmente a Ele.
Em seguida agradecer a minha familia em particular minha querida mãe dona
Imaculada Manuela que muito me tem apoiado, se continuo estudando é graças ao
esforço dessa Senhora incansavel; agradecer também de uma forma especial a minha
namorada Sarah Pambo por todo o apoio e o carinho incansável que sempre me dá, aos
ii
meus amigos em especial: Adilson Germano, Edmilton Fontes e Limas Nzamba, pela
força muito significante o apoio que me dão, aos ilustres colegas-amigos (Miguel,
Adriano, José, Edson Killer) e todos outros que direita indireitamente me apoiam para
que eu continue intacto nessa etapa da vida.
Por fim não menos importante agradecer ao ilustre professor Féliz Bazabana,
primeiro pelas aulas ministradas e a forma com que são ministradas, mediante a
siituações de infelicidade e depois enfermidade foram poucas mais as que assisti foram
de facto magnificas e agradecer também pela oportunidade da realização desse trabalho
foi uma viagem cheia de experiências academicas.
Aesses e outros quanto não mencionei o meu:
Muito Obrigado!
SIGLAS E ABREVIATURAS

CC – Código Civil
CRA – Constituição da República de Angola
Cfr. - Confrontar
CPA – Código do Procedimento Administrativo
CPC – Código do Processo Civil

iii
RESUMO
Subordinada ao tema “O facto e a norma – Teoria da força normativa dos
factos ” a presente dissertação visa analisar o impacto dessa teoria no modo de ser do
Direito. Partindo da tese que o Direito serve para regular o facto e não pode ignorar a
factualidade, portanto fizemos uma abordagem em detalhes da mesma mesma teoria da
força normativa dos factos, considerando que doutrinalmente podemos afirmar que essa
teoria é aquela que defende que há factos que ditam normas juridicas, teve duas
correntes ideologicas que tiveram na genese dessa teoria isso apartir dos anos 1913 que
iv
surgiu a obra de um Jurista classico na epoca Ehrlich – Fundamentos da Sociologia do
Direito, onde o mesmo entende que grande parte do direito não tem sua origem no
Estado e boa parte não é por ele criada é criado com base nas condutas aceitas na
sociedade, defende a factualidade como regulador e criador de normas jurídicas; alguns
anos depôs essa teoria foi combatida severamente por Kelsen em 2009; o mesmo separa
os simples factos dos factos jurídicos e acrescenta essencialmente diz que a
factualidade por si só não pode ditar o normativo, mediante esse antagonismo que no
fim se balança bem os dois lados vimos também o desenvolvimento do ponto de vista
doutrinal dessa teoria e como é encarada nos dias de hoje, sua força e aplicabilidade em
especial no ordenamento jurídico angolano.

PALAVRAS-CHAVE: Teoria, Facto, Norma, Ordenamento juridico, positivismo.


ABSTRACT

Subordinated to the theme “The fact and the norm - Theory of the normative
force of facts” this dissertation analyzes the impact of this theory on the way of being of
Law. Starting from the thesis that the Law serves to regulate the fact and cannot ignore
the factuality, therefore, respond to an approach in detail of the same theory of the
normative force of facts, considering that doctrinally we can say that this theory is the
one that defends that there are facts that dictate legal norms, there were two ideological
currents that had in the genesis of this theory, starting in the 1913s, when the work of a v
classic jurist at the time Ehrlich appeared - Fundamentals of Sociology of Law, where
he understands that a large part of law does not have its origin in the State and a large
part is not created by it, it is created based on the conducts accepted in society, it
defends factuality as a regulator and creator of legal norms; a few years after this theory
was severely opposed by Kelsen in 2009; it separates the simple facts from the legal
facts and essentially adds that it says that factuality alone cannot dictate the normative,
through this antagonism that in the end balances well on both sides, we have also seen
the development of the doctrinal point of view of this theory and how is seen today, its
strength and applicability, especially in the Angolan legal system.

KEYWORDS: Theory, facts, norms, jurical system, positivism.


I – INTRODUÇÃO

Uma análise às primeiras aulas de Introdução ao Direito, com certeza iremos


observar que o Direito foi acompanhando a evolução da Humanidade, e que existiu
desde que existiram as primeiras sociedades organizadas. Quiçá nos recordemos,
inclusive, da referência a que o Direito só existe porque o Homem vive em sociedade e,
consequentemente, torna-se necessário regular as suas relações intrapessoais e
interpessoais. Em abstracto, numa espécie de alegoria da caverna1, conseguimos 1
conceber que se o Homem vivesse completamente isolado, não seria necessário Direito.
O presente artigo busca tratar dos pressupostos de validade da norma jurídica
pela teoria da força normativa dos factos, uma teoria que merece a devida observação
do ponto de vista socio-jurídico sendo este o ponto de análise dessa abordagem. Pesa
embora voltada na realidade do ordenamento jurídico angolano, é de suma importância
observar que a teoria da força normativa teve sua relevância científica através da obra
“Fundamentos da Sociologia do Direito”, de Eugen Ehrlich, em contraposição ao
normativismo jurídico de Hans Kelsen, delineado em sua “Teoria Pura do Direito”.
Tanto que este trabalho revisita a centenária controvérsia acerca do estudo científico do
direito que foi protagonizada por Eugen Ehrlich (1862-1922) e Hans Kelsen (1881-
1973), no contexto do Império Austro-húngaro de princípios do século XX. O livro
Fundamentos da sociologia do direito2, publicado por Ehrlich em 1913, simboliza um
dos marcos inaugurais de um projecto científico voltado ao estudo sociológico do
direito. Tal projecto científico, todavia, acabou por sucumbir logo em seu nascituro,
diante da reacção crítica de Kelsen e do posterior sucesso da Teoria pura do direito 3,
obra lançada em 1934, que acabaria por convertê-lo em um dos maiores nomes da
escola do positivismo jurídico.
Ainda sobre a teoria, os professores Teodoro Bastos de Almeida e António
Vicente Marques4 debruçam que: “A teoria da força normativa dos factos sustenta que
há factos que ditam normas jurídicas. Quando aparece um novo facto social, surgira na
consequência social um novo valor ou uma nova ordenação de valores, a que
logicamente se sucederão consequências sobre o sistema das normas jurídicas”.

1
Platão em A República
2
No título original, Grundlegung der Soziologie des Rechts (EHRLICH, 1913).
3
No título original, Reine Rechtslehre (KELSEN, 1934).
4
Professores da faculdade de direito da Universidade Agostinho Neto, no livro O Direito Introdução e
Noções Fundamentais pág. 75
Para o presente trabalho procederemos a uma análise da histórica, social e
jurídica da teoria da força normativa, que, de um modo geral, podemos considerar que é
um fenómeno presente nos ordenamentos jurídico da maioria dos Estados modernos.

Problematização/Pergunta de partida

Sendo assim, de modo a definirmos um fio lógico que melhor situe a nossa
pesquisa, para o presente trabalho, vamos analisar a seguinte pergunta de partida: «será
que uma conduta que de facto se generaliza entre os membros de uma sociedade se 2
transforma em nova norma jurídica?

Hipótese

Para respondermos a pergunta levantada, formulamos a seguinte hipótese:


H1: No que tange à questão levantada é inegável que os factos têm, por vezes,
relevante papel na constituição e modificação de normas jurídicas. Mas, é de realçar que
a factualidade por si mesma não determina o normativo, uma conduta de facto
generalizada só conduzirá a uma modificação do sistema de normas, quando igualmente
se generalizar a convicção que é justa, correcta, legítima e vinculante a máxima a
máxima que preside aquela conduta.

Objectivos da pesquisa
O trabalho tem os seguintes objectivos:
Objectivo Geral:
 Contribuir para o desenvolvimento do conhecimento jurídico no que
tange a Teoria da força normativa dos factos.

Objectivos Específicos:
 Apresentar as ideias que contribuíram para o desenvolvimento da teoria
da força normativa dos factos;
 Mostrar a estrutura da teoria da força normativa dos factos numa
perspectiva actualista, bem como sua importância na estrutura da ordem
jurídica;
 Fazer o enquadramento da teoria no ordenamento jurídico angolano
Justificativa

O presente trabalho foi elaborado com bases pesquisas académicas ainda que
incipiente e desenvolvido numa perspectiva avaliativa, este trabalho pode ser encarado
como parte de um esforço da formação e acréscimo ao entendimento que se deve ter
sobre a teoria da força normativa dos factos. Portanto é de suma importância ao jurista,
estudante, apreciador do Direito e aos profissionais das ciências auxiliares saber dessa
mesma teoria, contando que é uma realidade presente em muitos ordenamentos
jurídicos, tanto que retrata de criação de normais através da factualidade. 3
Face a isso, consideramos que o trabalho apresenta duas (2) relevâncias:
1.ª Relevância científico-académica: servir como um instrumento de pesquisa quando se
falar sobre O facto e a Norma – Teoria da força normativa dos factos, embora cientes de
obras de autor com reconhecida idoneidade também já tenham abordado sobre o mesmo
tema;
2.ª Relevância social: prestar um contributo à sociedade com vista à aquisição do
entendimento sobre esta mesma teoria, saber como uma conduta sendo ela generalizada
entre membros de uma determinada sociedade pode ser positivada tornando-se uma
norma, (como também não poderá).

Metodologia

As pesquisas que pretendemos realizar são de carácter qualitativo e descritivo,


baseado na observação dos factos, na recolha de informações a partir de trabalhos ou
investigações já realizados, como por exemplo, livros, jornais, internet e em artigos
científicos que debruçam sobre a referida temática.

Estrutura do trabalho

Para a concretização dos objectivos do presente trabalho dividimo-lo em três


capítulos, sendo que o primeiro capítulo é dedicado à BREVE ABORDAGEM SOBRE
A TEORIA DA FORÇA NORMATIVA DOS FACTOS, nomeadamente: Facto e
norma (Descritivo e preceptivo). Teoria da força normativa dos factos, Aspecto
histórico da teoria da força normativa dos factos, O Antagonismo sobre o facto e
norma (Eugen Ehrlich e Hans Kelsen)
Como não é possível falar-se de uma teoria e do seu processo evolutivo, sem
antes tecer-se uma abordagem sobre o seu aparecimento do posto de vista histórico e
seus progenitores, então, aproveitamos fazê-lo de igual modo nesse capítulo,
sublinhando a posição que o papel que tiveram para o desenvolvimento e aplicação
dessa mesma teoria.
Já no segundo capítulo, obedecendo a sequência da abordagem que fizemos no
primeiro, buscamos descrever sobre O FACTO ENQUANTO FONTE DE DIREITO,
destacando, nesse aspecto, Primeira aproximação à questão. Do costume, praxe e
factos jurídicos. Assim nesse capítulo observamos a importância que tem o facto no 4
Direito, considerando que muitos desses factos chegam a ser positivados tornando-se
uma norma jurídica.
Por fim dedicamos o terceiro capítulo ao DIREITO DO URBANISMO
ANGOLANO ENQUANTO RAMO ESPECIAL DO DIREITO ADMINISTRATIVO,
onde destacamos Conceito de urbanismo e breve resenha histórica: o urbanismo como
facto social e Teoria da força normativa dos factos no ordenamento jurídico angolano.
I – Breve abordagem sobre a Teoria da força normativa dos factos

1.1– Facto e norma (Descritivo e preceptivo). Teoria da força


normativa dos factos

É, portanto, certo para qualquer jurista que o Direito parte do facto e existe para
regular o fáctico. Nas palavras de J. BAPTISTA MACHADO, refere o ilustre Professor
relativamente à teoria da força normativa dos factos: “Esta teoria afirma que há factos
que ditam as normas jurídicas, designadamente factos que ditam mudanças de regimes 5
5
legais . (…) Pelo que a indagação empírica exaustiva dos factos sociais poderia vir
eventualmente a tornar supérfluas as decisões fundadas em juízos de valor: o direito
deveria ser lido no facto social”.
Há, contudo, que refrear este entendimento, continuando na esteira do Professor,
tendo em conta dois limites:
1) Que uma conduta generalizada na sociedade, só poderá influenciar o Direito
vigente, se esta for tida pela sociedade como justa e correcta;
2) No fundo, que esta conduta seja compatível o “sistema normativo global”
institucionalizado, ou caso contrário, seja relevante ao ponto de mudar as concepções
base deste sistema normativo.
A este propósito, a Doutrina distingue os simples factos dos factos jurídicos.
ANA PRATA define os factos jurídicos enquanto “Qualquer facto, natural ou humano,
que produz efeitos de direito. Em sentido estrito, facto jurídico, por contraposição a
acto jurídico, é aquele que não consiste num acto de vontade humana”.6 BAPTISTA
MACHADO refere que “o facto jurídico é na verdade o elemento dinâmico que produz
alterações na vida jurídica ou no mundo do direito. É a tais factos que se referem as
hipóteses ou factispecies legais.”. O Professor distingue igualmente os puros factos
jurídicos – independentes da vontade do Homem, quer os exteriores a ele, leia-se os
factos naturais, quer os internos, como o conhecimento e a intenção; dos actos jurídicos
– que são actos dependentes da vontade humana.7 Assim, o tempo é seguramente
reconhecido enquanto o facto jurídico natural mais relevante. Os efeitos da sua
passagem urgem adaptar do Direito à realidade, o que se traduziu em institutos como a

5
Cfr. MACHADO, J. Baptista – Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador. 4.ª reimp. Coimbra:
Livraria Almedina, 1990. Pp. 44 e 45.
6
Cfr. PRATA, Ana – Dicionário jurídico. 5.ª ed. reimp. Coimbra: Almedina, 2011. Vol. I. P. 652.
7
Cfr. MACHADO, J. Baptista – Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador. op. cit. Pp.82
e 83.
prescrição ou a caducidade. Mas também levaram ao estudo da aplicação da lei no
tempo, e ao desenvolver de princípios como o da não retroactividade ou da protecção da
confiança e do existente. Com o evoluir do estudo do Direito, originaram inclusive o
acautelar de situações contra legem, que se consideram consolidadas pela mera
passagem do tempo – como a usucapião e a acessão; bem como, no Direito Público, da
protecção dos direitos adquiridos, que não podem ser retirados, por via da tutela das
expectativas jurídicas, e da confiança, criadas pela actuação da Administração, graças à
passagem do tempo. Remetemo-nos, no fundo, às sempre sapientes palavras de
COLAÇO ANTUNES: “O Direito transforma o tempo, porque tem necessidade de 6
existir num presente que é passado”.8
Na Filosofia do Direito, variadíssimas são as teses que, levando a teoria da força
normativa do facto ao seu exponente máximo, compreendem o Direito como uma
qualquer ciência natural, resultante de um método indutivo. Vejam-se as palavras de
MIGUEL RAELE a este propósito: “(…) a questão se resumia no programa já
enunciado por Augusto Comte ao vaticinar a substituição da «metafísica dos fazedores
de leis» pela «ciência positiva dos descobridores de leis». Foi essa a direcção seguida
por todas as formas de sociologismo jurídico, isto é, pelos naturalistas e realistas do
direito (…). A essa luz, direito só pode ser o direito em sua eficácia social, do qual as
regras jurídicas seriam signos, como sínteses explicativas de uma classe de resultados
cientificamente previsíveis”.9
Claro que também nos convém passar pelos pioneiros do assunto, para o efeito
de forma detalhada estaremos falando no ponto seguinte em forma de subtítulo:

1.2– Aspecto histórico da teoria da força normativa dos factos

A génese do paradigma dogmático remonta à escola histórica do direito, que se


desenvolveu na Europa continental durante o século XIX, concomitantemente ao
processo de consolidação do modelo de Estado liberal. Nessa época, discussões sobre as
condições e possibilidades de uma ciência do direito pautada pela distinção entre direito
positivo e direito natural ganharam força. O jus positivismo historicista alemão, que
teve em Friedrich von Savigny (1779-1861) seu mais conhecido expoente, foi pioneiro
ao se preocupar em conferir status científico ao pensamento jurídico, estabelecendo

8
6 Cfr. ANTUNES, Luís Filipe Colaço; colab. COUTINHO, Juliana Ferraz – A ciência jurídica administrativa:
noções fundamentais. Coimbra: Almedina, 2012. Pp. 356. 7
9
Cfr. RAELE, Miguel – Teoria Tridimensional do Direito: Teoria da Justiça, Fontes e Modelos de Direito.
5.ª ed. Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 2003. Pp. 37 e seguintes.
como tarefa da ciência do direito descrever o conteúdo do sistema de direito positivo
vigente. A escola histórica está estreitamente associada à ascensão dos doutrinadores, o
corpo de professores das faculdades de direito que, actuando com certa independência
em relação aos poderes políticos, passou exercer o protagonismo na produção e
disseminação da ciência do direito, contribuindo para a racionalização do trabalho
prático-profissional dos juristas.
Como foi apresentado a título de nota introdutória a teoria da força normativa
dos factos teve sua génese com base nos trabalhos de Eugen Ehrlich (1862-1922) e
Hans Kelsen (1881-1973). Todavia para maior compreensão vamos considerar nesse 7
próximo ponto aspectos relevantes de suas obras:

1.3 – O Antagonismo sobre o facto e norma (Eugen Ehrlich e Hans


Kelsen)
1.3.1 – Eugen Ehrlich

Eugen Ehrlich (1862-1922), jurista e sociólogo austríaco, dedicou-se ao estudo


da sociologia do direito como ciência do direito, destacando-se entre suas obras
“Fundamentos da Sociologia do Direito”. Ao considerar as relações que se desenvolvem
entre os homens no seio de dada sociedade e os fenómenos sociais que delas derivam (e
não apenas as regras prescritas pelo direito posto), Ehrlich desenvolveu a chamada
“Teoria do Direito Vivo”, uma construção teórica decorrente das respostas que obteve
quanto ao auto questionamento sobre “de onde surgem as regras jurídicas, quem lhes
dá vida e eficiência”?10 Segundo o autor, grande parte do direito não tem sua origem no
Estado e boa parte não é por ele criada. A lei positivada, produto da tarefa do legislador,
para Ehrlich não é e nem pode ser tida como origem do direito. O agir humano não
encontra vinculação directa a ameaça de coação oficial imposta pelos tribunais. Antes
pelo contrário, considera que em todo tempo o homem está submetido à coação
psicológica situada fora do campo do direito, decorrente das relações estabelecidas pelo
regramento social (e não legal) no qual está inserido:
A própria intuição lhe ensina que cada pessoa se encontra numa infinidade de
relações jurídicas e que, com muito poucas excepções, ela faz aquilo que estas relações
lhe determinam. Ela cumpre suas obrigações como pai e filho, como esposo ou esposa,
não prejudica seus vizinhos no gozo de sua propriedade, paga suas dívidas, [...]. O

10
(EHRLICH, 1986, p. 16)
jurista naturalmente pode replicar que todos cumprem seus deveres somente porque
sabem que podem ser obrigados a cumpri-los através dos tribunais. Mas se ele se desse
ao trabalho de observar as pessoas em seu agir no dia-a-dia, facilmente se convenceria
de que estas pessoas nem pensam numa coação que lhes possa ser imposta por
tribunais. Via de regra agem como que por instinto e, quando este não é o caso, suas
justificativas são bem outras: poderiam ter problemas com seus parentes, perder seu
posto, perder sua clientela, ser estigmatizados como encrenqueiros, desonestos,
irresponsáveis. [...] o que as pessoas nesta situação fazem ou deixam de fazer, mesmo
que seja por obrigação jurídica, frequentemente é bem outra coisa, e em geral muito 8
mais do que consegue a coação oficial. 11
Na teoria desenvolvida por Ehrlich, fundado na sociologia, o direito não se
aprisiona nos códigos, não se resume em mera prescrição jurídica ou no chamado direito
legislado/positivado. Ao contrário, surge do agir humano, cuja eficácia pode ser aferida
todos os dias e independe da coerção estatal, Ehrlich entendeu que o Direito Vivo no
conteúdo de um documento não é aquilo que os tribunais no caso de uma disputa
jurídica declaram como obrigatório, mas somente aquilo que as partes, na vida real, de
fato observam.

1.3.2 – Hans Kelsen

Hans Kelsen (1881-1973), jurista e filósofo austríaco, dedicou-se à construção


de um método científico para o conhecimento jurídico que fosse livre de ideologias,
destacando-se entre suas obras a “Teoria Pura do Direito” e a “Teoria Geral das
Normas”. Para Kelsen, na “afirmação evidente de que o objecto da ciência jurídica é o
Direito, está contida a afirmação – menos evidente – de que são as normas jurídicas o
objecto da ciência jurídica”12, de tal maneira que a conduta humana importaria apenas a
partir do momento em que estabelecida no conteúdo da norma. A ciência jurídica é uma
ciência normativa, porquanto toma a norma como seu objecto. Significa afirmar que se
está no plano do dever porque a norma pode ser conceituada como o sentido de um ato
por meio do qual uma conduta é prescrita, permitida ou facultada. O normativismo
sustentado por Kelsen reclama entender que proposições jurídicas não se confundem
com normas jurídicas, tal como ciência jurídica se distingue de direito. Proposição
jurídica, como produto da ciência jurídica, tem por escopo descrever, enunciar o Direito
prescrito nas normas jurídicas. Equivale dizer que proposição jurídica se distingue da
11
(EHRLICH, 1986, p. 23).
12
(KELSEN, 2009, p. 79)
norma jurídica tal como se distingue a função do conhecimento jurídico da função da
autoridade jurídica. Nas palavras de Cunha: A norma jurídica seria um imperativo posto
pela autoridade competente, um comando por ela estabelecido, uma permissão, ou
ainda uma atribuição de competência. Ainda que se tenha em mente que tais
imperativos sejam expressos por meio de fórmulas linguísticas, certo é que não se trata
de um mero enunciado, uma mera proposição, mas de um comando, de um ato produtor
do Direito, seja ele um ato posto pelo legislador, pela Administração Pública, seja pelo
juiz [...]. Por sua vez, a proposição jurídica é um enunciado formulado pela Ciência do
Direito visando à descrição do seu objecto. Portanto, trata-se de uma distinção 9
qualitativa (prescrição/descrição), em que a norma jurídica é um ato da autoridade que
produz o Direito e a proposição jurídica, um juízo hipotético da ciência jurídica que
descreve o sistema posto, [...].13
As proposições normativas formuladas pela ciência jurídica descrevem o direito
e não atribuem quaisquer deveres ou direitos, de tal forma que podem ser verídicas ou
inverídicas. Já, as normas de dever, porquanto atribuem deveres e direitos aos sujeitos
jurídicos, só podem ser consideradas válidas ou inválidas. Ou seja, as proposições
representam juízos enunciativos de determinado objecto posto ao seu conhecimento, tal
como o faz, por exemplo, um tratado de direito civil ou de qualquer outra área do
direito. Não há um comando, uma ordem, e sua confirmação se situa no campo da
veracidade. Por verídica é possível representar a conformação da proposição jurídica
com a norma jurídica, esta considerada o objecto que será descrito pela ciência jurídica.
Ao descrever a norma jurídica a ciência jurídica formula a proposição jurídica. A norma
jurídica, contudo, por não representar um enunciado (descrição), mas um comando
(prescrição), apenas pode ser válida ou inválida. Será válida se seguiu o regramento
legal de sua elaboração, pois de uma norma superior é que se extrai seu fundamento de
validade. O direito tido como ciência normativa, um sistema de normas que limita a
ciência jurídica ao conhecimento e descrição de normas jurídicas, difere-se das outras
ciências que buscam o conhecimento pela “lei da causalidade, de processos reais”. As
leis naturais demandam o estabelecimento da relação entre causa e efeito, causalidade.
As proposições jurídicas são orientadas por outro princípio, qual seja o da imputação.
Kelsen assim descreve): “Na proposição jurídica não se diz, como na lei natural, que,
quando A é, então B é, mas que, quando A é, B então deve ser, mesmo quando B
porventura efectivamente não o seja”14. O autor traz, ainda, outro elemento para

13
Cunha (2008, p. 281)
14
(KELSEN, 2009, p. 8487).
distinguir causalidade de imputação, Uma outra distinção apontada por Kelsen (1999) é
que, na relação de causalidade, os elos que unem os eventos se desdobram em uma
cadeia infinita, ou seja, a consequência produzida por uma determinada causa é, por sua
vez, causa produtora de outro evento e assim sucessivamente. Da mesma forma, se
percorrermos esse trajecto em sentido inverso, a causa de um determinado evento é, por
sua vez, consequência provocada por uma causa mais remota e assim sucessivamente.
Com o princípio da imputação, tal não ocorre, já que a regra de “causação” é fruto da
vontade humana, pelo que a série de imputação é limitada, existe um ponto terminal.
10
1.3.3. – Ehrlich X Kelsen

Ehrlich se opôs ao normativismo jurídico e sofreu severas críticas de Hans


Kelsen, que afirmou ocorrer um sincretismo metodológico, decorrente da confusão
estabelecida por Ehrlich entre ser e dever-ser. A despeito da divergência entre os
autores, Ehrlich inovou na compreensão do direito como ciência e fenómeno social.
Dedicar-se ao estudo da ciência jurídica e para ela desenvolver uma teoria limpa,
despida de quaisquer ideologias, foi o grande objectivo de Kelsen. A Teoria Pura do
Direito não deve representar o nome de uma obra, mas um projecto de Kelsen em busca
de elevar o direito à condição de verdadeira ciência jurídica. Tal pode ser a explicação
para a acentuada divergência entre Ehrlich e Kelsen ter principiado antes mesmo da
publicação da mais conhecida obra deste último, a Teoria Pura do Direito. É que, para
condenar a teoria de Ehrlich, revelada em 1913 na obra “Grundlegung der Soziologie
des Rechts” (Fundamentos da Sociologia do Direito), Kelsen escreveu, ainda em 1915,
no Archiv für Sozialwissenschaft und Sozialpolitik (Revista Arquivo para Ciências
Sociais e Política Social), a crítica Eine Grundlegung der Rechtssoziologie. Contudo,
contra as incisivas acusações de Kelsen, “Ehrlich respondeu no mesmo periódico com
seu Entgegnung (1916), sucedido pelo Replik (1916) de Kelsen; e a este a Replik (1916)
de Ehrlich; e, finalmente, o Schlusswort (1916). Embora o esboço da Teoria Pura do
Direito tenha aparecido ainda em 1911, na obra denominada “Hauptprobleme der
Staatsrechtslehre entwickeltaus der Lehre von Rechtssatze” (Principais Problemas da
Teoria Jurídica do Estado Desenvolvidos com Base na Doutrina da Proposição Jurídica)
e a despeito de nele já se encontrar traçada a matriz filosófico-jurídica da Teoria Pura do
Direito, foi em 1934 que se deu a publicação da primeira edição da “Reine Rechtslehre”
(Teoria Pura do Direito), representando uma revisão de um ensaio publicado por Kelsen
em 1933, denominado “Methode und Grundbegriff der Reine Rechtslehre” (O método e
os conceitos fundamentais da Teoria Pura do Direito). Em 1960 teve vez a segunda
edição, que incorporou resultados de investigações posteriores à primeira edição, mas
manteve praticamente intacto o núcleo da doutrina. Ainda que a divergência entre
Ehrlich e Kelsen possa ser retratada a partir da análise do debate estabelecido entre eles
nos anos de 1915 e 1916, esta não é a opção do presente artigo. Busca-se aqui descrever
o normativismo jurídico com assento na obra “Teoria Pura do Direito” (tal como se deu
em relação ao Direito Vivo de Ehrlich, a partir do livro “Fundamentos da Sociologia do
Direito”), de tal forma que a digressão aqui realizada tem por escopo apenas situar o
leitor quanto ao corte temporal e o referencial teórico adoptado. 11
Como afirma Castro15, em Kelsen o objecto da ciência do direito é a norma
jurídica, sendo que a realidade social e económica só poderá interessar à ciência do
direito quando estiver prescrita, ou seja, não deve se preocupar com a análise da
realidade, dos fatos como eles acontecem. Diferentemente, para Ehrlich a ciência do
direito deve se valer da observação, das experiências empíricas, da forma como o
homem se comporta na sociedade, mesmo porque esses fatos importaram na validade
das prescrições jurídicas. A relevância dada por Ehrlich é retratada por Carlotti.
Analisar o comportamento das pessoas em dada sociedade, a maneira como cumprem
ou não as normas estabelecidas (lembrando que para Ehrlich norma jurídica não se
confunde com prescrição jurídica – esta representa a positivarão da primeira) o fazia se
opor ao direito estatal que parecia criar um mundo alternativo ou um mundo ideal de
„deveres‟ que não correspondia aos comportamentos regulares observáveis quase que
empiricamente. Em Kelsen a ciência do direito opera por deduções a partir de um
objecto ideal, resultado de uma operação intelectual: a norma jurídica. A ciência do
direito, para Ehrlich é descritiva e indutiva; para Kelsen é normativa e dedutiva. Ao
tratar da pureza axiológica proposta e defendida por Kelsen, Larenz afirma,
resumidamente, que a ciência do direito “ não tem a ver com a conduta efectiva do
homem, mas com o prescrito juridicamente. Não é, pois, uma ciência de fatos, como a
sociologia, mas uma ciência de normas; o seu objecto não é o que é ou o que acontece,
mas sim um complexo de normas”16. Purificar a ciência do direito foi o objectivo de
Kelsen na obra “Teoria Pura do Direito”, em que a depurou de qualquer elemento
estranho ao seu objecto, uma pureza epistemológica (corte que exclui da ciência jurídica
qualquer objecto a ela estranho) e também uma pureza valorativa (corte axiológico).
Nas palavras de Kelsen, a ciência do direito, como ciência, “não se considera obrigada

15
Castro (2016, p. 53-54)
16
(1997, p. 93 apud SPAREMBERGER, 2003, p. 117-118)
senão a conceber o Direito positivo de acordo com a sua própria essência e a
compreendê-lo através de uma análise da sua estrutura”, sendo que a Teoria Pura do
Direito, por surgir em forte contradição com a ciência jurídica tradicional, revestida de
um carácter ideológico, revela-se “como verdadeira ciência do Direito”. Ao resumir os
pressupostos em que se fundam a Teoria Pura e o Direito Vivo, a pureza proposta por
Kelsen é uma delimitação da actividade de descrição do direito, sendo que Ehrlich se
permite “descrever a realidade social tendo objecto de estudo regularidades de
comportamento e abstrair, a partir destes comportamentos observados, regras que
comporiam o direito „vivo‟...”. 12
Oposto ao que se vê em Ehrlich, a sociologia como ciência do direito e a
necessidade da observação empírica do comportamento humano, em Kelsen o Direito
seria um conjunto de regras abstractas que se determinam mutuamente e, portanto, não
teria nenhum tipo de correspondência com a realidade empírica, nem com
comportamentos regulares observáveis. Se de um lado o Direito Vivo não se limita ao
texto legislado, positivado, mas que pode ser encontrado pela observação empírica do
comportamento humano, do agir das pessoas independentemente da ameaça de coação
estatal e que, por isso, permite reconhecer a existência de normas não prescritas, mas
observadas/cumpridas; de outro o normativismo jurídico, depurado de quaisquer
ideologias, dita uma ciência do direito cujo conhecimento se limita à análise de sua
própria estrutura em busca de desvendar seu objecto

II – O FACTO ENQUANTO FONTE DE DIREITO.


2.1. – Primeira aproximação à questão. Do costume, praxe e factos
jurídicos

O facto jurídico assume, consequentemente, uma importância inquestionável nos


diversos ramos do Direito Privado. No domínio contratual, o princípio de que os
contratos são para cumprir – pacta sunt servanda – é o reverso da moeda do princípio
da liberdade contratual. Pois, tendo as partes a liberdade para não contratar, ao escolher
fazê-lo, têm de honrar o compromisso celebrado, sob pena de sofrer as consequências
jurídicas do incumprimento. Contudo, encontramos importantes válvulas de escape, que
têm por base, nada mais, nada menos, que um facto juridicamente relevante – veja-se o
instituto da resolução ou modificação do contrato por alteração superveniente das
circunstâncias, dos artigos 437.º a 439.º, do CC. Mas também o regime da caducidade,
enquanto facto extintivo da obrigação contratual, por factos para além o decurso do
prazo – como a morte de uma das partes, a destruição ou perda do objecto do contrato,
ou a verificação da condição ou termo a que as partes subordinaram o contrato, nos
termos dos artigos 1051.º e 270.º e seguintes, do CC.
Por outro lado, o costume, enquanto fonte de Direito, assume igualmente uma
relevância primordial. Tendo presente que o costume é uma prática reiterada com
convicção geral de obrigatoriedade por quem a pratica, ao contrário da praxe, que se
trata apenas de uma prática reiterada. Veja-se, neste sentido, o que nos ensina
CASTANHEIRA NEVES: “Todas estas características em que se evidencia a imediata
«socialidade» do jurídico consuetudinário, e pela qual uma normatividade parece 13
legitimar-se na sua mera subsistência real ou tão-só como socialmente factual (…) tem
levado a compreender o costume jurídico como simples factum, identificando a sua
normatividade com uma factualidade e reconhecendo nela comprovada a «força
normativa do facto» (…): «facto normativo» que na sua própria factualidade se
fundamentaria (…) e que, enquanto modo originário da constituição do direito,
17
demonstraria inclusivamente que em último termo «o direito deriva do facto».”
Sendo certo, inclusive, que grande parte da Doutrina europeia aceita actualmente a
validade de costumes contra legem. Deixamos o contributo de JOHN GILISSEN: “O
problema do costume contra legem foi muito controverso durante o séc. XIX, ainda o
sendo hoje. Segundo a Escola da Exegese, bem como segundo o Gesetzespositivismus
alemão, o costume não pode derrogar a lei, (…). Mas, desde o início do séc. XX, a
doutrina tende a admitir cada vez mais o princípio de que o costume tem o mesmo valor
que a lei como fonte de direito e que, consequentemente, pode derrogar uma disposição
legislativa caída em desuso.”18

III – O DIREITO DO URBANISMO ANGOLANO ENQUANTO


RAMO ESPECIAL DO DIREITO ADMINISTRATIVO
3.1. – Conceito de urbanismo e breve resenha histórica: o urbanismo
como facto social

O dicionário on-line da Porto Editora apresenta a seguinte noção de


Urbanismo:“urbɐˈniʒmu. Nome masculino. 1. GEOGRAFIA conjunto das questões

17
Cfr. NEVES, A. Castanheira – Fontes do Direito: Contributo para a revisão do seu problema. Separata
do número especial do Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra – Estudos em
homenagem aos Professores Manuel Paulo Merêa e Guilherme Braga da Cruz. Coimbra, 1985. Pp. 19 e
20.
18
Cfr. GILISSEN, JOHN – Introdução Histórica ao Direito. 8.ª ed. Trad. HESPANHA, António Manuel;
MALHEIROS, Manuel Macaísta. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2016. Pp. 487 e 488.
relativas à organização e ao planeamento das cidades e à sua evolução, incluindo a
adaptação destas às necessidades dos seus habitantes.
2. Arquitectura urbana. 3. Modo de vida característico das grandes cidades. De
urbano+-ismo.”. 116 De forma eloquente, FERNANDO ALVES CORREIA qualifica o
urbanismo “como facto social [que] expressa o fenómeno secular do crescimento da
cidade, devido à atracão que a vida desta exerce sobre as populações rurais”. Pese
embora o Professor considere que o sentido da palavra urbanismo é ainda compreendido
como técnica, ciência e política.117 Por sua vez, MANUEL DA COSTA LOBO,
distingue os conceitos de “urbanologia” e “urbanístisca”, reconduzindo o primeiro à 14
“ciência que trata da análise e compreensão do espaço urbano, (…) quando visa o seu
estudo fundamentalmente retrospectivo de análise”, por contraposição ao urbanismo,
que “intente formular uma teoria sobre os planos e a sua condução”, ou seja, mais do
que o estudo das cidades, o estudo dos planos das cidades. Já a “urbanístisca” seriam
“as políticas e estratégias do domínio do planeamento urbano e regional (…) o que
permitirá usar a expressão planeamento urbanístico para o processo de intervenção a
uma escala tanto urbana como regional.”. 118 COLAÇO ANTUNES começa por
defender o entender do urbanismo como ciência ou arte de ordenação, relembrando que,
no Renascimento, o urbanismo era reconduzido à ideia de “ordenação estética da
cidade”. Contudo, com o desenvolver das cidades, foi ultrapassada a dimensão
meramente artística, e o urbanismo passou a ser entendido como técnica e ciência.
Atualmente caminhamos para um urbanismo “funcional-racionalista”, assente na
pluralidade de funções da cidade, que justifica o que o Professor qualifica, na esteira de
Stella Richter, a “urbanoplanocracia” atual. Ao que se seguiu, o urbanismo como
técnica: “com destaque para o alinhamento, o zonamento ou a cidade-jardim”.
Defendendo, em suma, uma nova conceção de urbanismo, que não descura o contexto
envolvente da cidade, e a sua expansão racional e sustentada, pese embora o Professor
descarte igualmente a noção mais ampla de “orbenismo” que defendemos infra.119
Considerando a raiz etimológica da palavra, urbanismo vem de urbe ou urbis, a
palavra latina para cidade, não podemos deixar de considerar que a concessão mais
correcta do ponto de sentido histórico-etimológico será a mais restrita. Contudo,
actualmente a evolução deste ramo do Direito, tem sido no sentido de ordenar o
território tout court, independentemente de se tratar uma cidade, vila ou aldeia, como
veremos infra, pela análise das normas que regulamentam este ramo de Direito.
Em termos históricos, FREITAS DO AMARAL começa por explicar que a
política urbanística, entendida como uma política pública, é tão velha como a história da
humanidade. Assim, normas de matriz urbanística, para garantir a segurança das
edificações, salubridade dos edifícios, qualidade estética e ordenamento racional do
território urbano são características, desde logo e sem surpresa diríamos, da “polis
grega” e da “civitas romana”. O Professor esclarece, ainda, que a intervenção do Estado
nestas matérias se verificou durante toda a Idade Média e Moderna e atingiu o seu
apogeu, com as cidades dos Estado Absoluto e da era do crescimento urbano
desenfreado do século XIX e XX, potenciado pela Revolução Industrial.126 A este
propósito, FREITAS DO AMARAL distingue o conceito de ordenamento do território –
com raiz francesa, na década de 50 do século passado, enquanto “procura de uma 15
melhor repartição geográfica, num dado país, da localização dos homens e das suas
actividades” – ou seja, repartição geográfica mais racional das actividades económicas,
descentralização dos serviços públicos, travagem do crescimento desenfreado das
grandes cidades, criação de novos pólos de crescimento urbano e industrial, entre
outros. Em suma, o Professor avança a definição de “acção desenvolvida pela
Administração Pública no sentido de assegurar, no quadro geográfico de um certo país,
a melhor estrutura das implantações humanas em função dos recursos naturais e das
exigências económicas, com vista ao desenvolvimento harmónico das diferentes regiões
que o compõem”. Pelo contrário, o urbanismo é de matriz urbana, ou seja, não há no
entender do Professor, urbanismo nacional ou regional – pelo que o urbanismo será o
“sistema de normas jurídicas que, no quadro de um conjunto de orientações em matéria
de Ordenamento do Território, disciplinam a actuação da Administração Pública e dos
particulares com vista a obter uma ordenação racional das cidades e da sua expansão.”

3.2. – Teoria da força normativa dos factos no ordenamento jurídico


angolano

Resta-nos notar, que, a constituição da república de Angola reconhece no seu


artigo 7º a validade e a força do costume que não seja contrário a Constituição nem
atende contra a dignidade da pessoa humana. Pesa embora ser positivada19 a força e a
validade do costume no ordenamento jurídico angolano, a questão da positivação do
costume é um trabalho muito complexo, e difícil de tratar20 Tal facto nos remete a uma

19
Usa-se essa expressão para designar uma lei reconhecida, aprovada e posta em vigor. Trata-se do
conceito de Direito Positivo, que é dentre varios conceitos entende-se como sendo o atributo as normas
juridicas quando são são reconhecidas e postas a vigorar uma determinada sociedade.
20
A questão da positivação do costume é um trabalho muito complexo, e difícil de tratar talvez na
Europa seja fácil, mas nós em África em particular Angola em particular é muito complexo, porque o
elemento da convicção de obrigatoriedade torna tudo complicado uns pode consciencializar que o
suposto acto é obrigatório, mas outros não, a determinação do elemento convicção de obrigatoriedade
das problemáticas aqui abordadas nesse trabalho quanto ao antagonismo observado
entre as teorias defendidas por Ehrlich e Kelsen; neste caso contando naquilo que é a
hermenêutica jurídica com base aos cuidados métodos de interpretação jurídica, fazendo
assim uma interpretação subjectiva21. O presente artigo da constituição em observação
nos mostra que o legislador entende até um certo ponto o posicionamento de Ehrlich X
Kelsen. Primeiro quanto ao posicionamento de Ehrlich a quanto defende que grande
parte do direito não tem sua origem no Estado e boa parte não é por ele criada. A lei
positivada, produto da tarefa do legislador, para Ehrlich não é e nem pode ser tida como
origem do direito. O agir humano não encontra vinculação directa a ameaça de coação 16
oficial imposta pelos tribunais. Antes pelo contrário, considera que em todo tempo o
homem está submetido à coação psicológica situada fora do campo do direito,
decorrente das relações estabelecidas pelo regramento social (e não legal), nesse sentido
observa-se claramente que Ehrlich entende embora de uma forma radical que são os
factos que ditam as normas jurídicas e a primeira parte do artigo 7º CRA o legislador
entende que o costume enquanto um facto social, tem a sua devida observação na lei
magna partindo do princípio que são os factos que ditam as normas jurídicas mas dentro
de um limite onde observamos a parte de Kelsen que eu em particular entendo não
apenas como uma contradição mas sim uma parte complementar da teoria de Ehrlich a
quando defende que na afirmação evidente de que o objecto da ciência jurídica é o
Direito, está contida a afirmação – menos evidente – de que são as normas jurídicas o
objecto da ciência jurídica, de tal maneira que a conduta humana importaria apenas a
partir do momento em que estabelecida no conteúdo da norma. A ciência jurídica é uma
ciência normativa, porquanto toma a norma como seu objecto. Nesse sentido vemos
também claramente que a segunda parte do artigo em consideração observa o princípio

torna difícil a positivação, por isso para evitar possíveis discriminações, o Direito limita-se a reconhecer e
validar a força do costume desde que não seja inconstitucional. É um exemplo o caso do Alargamento, o
direito reconhece, mas como vimos não positiva, ou seja, não estabelece o facto como uma norma
jurídica para evitar choques, Ora imaginemos que seja positivado, com certeza a lei também teria que
regular; ou uniformiza-se os dotes do Alambamento? Seria muito conflituoso, porque cada etnia pede
de acordo as suas convicções. Logo lembrando nas palavras do Dr. Filipe Nbumbo (Jurista e Professor da
Faculdade de Direito UCAN) a positivação do costume em Angola é uma quase utopia, devido a
diversidade de costumes que existem, por isso muitas vezes, o legislador, para evitar conflitos étnicos e
não pensar que dá preferência uma em relação a outra, limita-se a reconhecer, desde que não atentam
contra a constituição e a dignidade da pessoa humana, daí resulta está dificuldade, muito dos costumes
que temos são sazonais e dificilmente temos costumes globais e positivar costume sazonais poderia
estar a ferir-se interesses de grupos, como disse não conheço nenhum costume positivada pelas razões
que apresentei, mas acho que pode haver algumas.
21
Também designada como MENS LEGISLATORIS termo derivado do latim que significa espírito do
legislador, é a interpretação em o intérprete busca entender não a lei mas a vontade do legislador ao
legislar a mesma
defendido por Kelsen, a quanto diz que os factos (costume) validos e considerados
desde que não vão contra a lei, tanto que Kelsen observa que não é bem assim que os
factos jurídicos ditam as normas, o facto importa desde o momento que é normativado,
estendendo assim um limite na teoria da força normativa dos factos. Nisso responde a
problemática ou pergunta de iniciativa que esta na base desse trabalho: «será que uma
conduta que de facto se generaliza entre os membros de uma sociedade se transforma
em nova norma jurídica?

17
IV – CONCLUSÃO

Aqui chegados, podemos concluir, em primeiro lugar, É, portanto, certo para


qualquer jurista que o Direito parte do facto e existe para regular o fáctico. Portando
vimos que esta teoria defende ao seu ponto inicial que há factos que ditam as normas ao
pensamento inicial de Ehrlich que depois foi combatida por Kelsen ao dizer que a
conduta humana importaria apenas a partir do momento em que estabelecida no
conteúdo da norma. Essas teorias tiveram também um desenvolvimento do ponto de
vista doutrinal por vários autores do saber jurídico dentre os quais destacamos o Exmo. 18
Professor João Baptista Machado e os Exmos. Teodoro Bastos de Almeida e António
Vicente Marques onde concordam sim que há factos que ditam as normas jurídicas,
todavia a um limite para tal conduta seja observada como norma tornando-se uma lei
positiva, a saber: que essa mesma conduta seja se generalize a convicção de que essa
conduta e justa e correcta; tanto que a factualidade, por si mesma, não determina o
normativo, por essa razão, Kelsen atribuiu enorme importância a distinção entre os
juízos de ser e juízos do dever ser. Uma coisa e dizer-se que os contratos são
normalmente cumpridos (ou não cumpridos); outra completamente diferente e afirmar-
se que os contratos devem por Direito ser cumpridos. A primeira frase contém um juízo
de facto, enquanto a segunda contem um juízo sobre o dever-ser, que deriva de um
preceito valido.
Por outro lado concluímos também que essa teoria tem uma extrema relevância
em muitas sociedades ao passo que mostra o facto (costume), como uma fonte de
Direito, a quando se perguntamos de onde surgem as normas jurídicas a mesma
pergunta feita por Ehrlich, logo observamos que muitas das normas jurídicas têm
fundamento no costume. Logo Angola não esta de fora nesse grupo de países tanto que
a força do costume (facto) e protegida pela a lei magna como mencionamos no seu
artigo 7º.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

MACHADO, J. Baptista – Introdução ao Direito e ao Discurso


Legitimador. 4.ª reimp. Coimbra: Livraria Almedina, 1990
Almeida T. Bastos e Maruques A. Vicente – O Direito Introdução e Noções
Fundamentais 1º edição, Luanda, 2017
EHRLICH, E. Fundamentos da sociologia do direito. Tradução de René
Ernani Gertz, revisão de Vamireh Chacon. Brasília: UnB, 1986. 19
KELSEN, H. Teoria pura do direito. Tradução de João Baptista Machado.
8. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2009.
BARACHO, J.A.O. Aspectos da teoria de kelsen. In: Revista da Faculdade
de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte:
Imprenta, v. 27, n. 21, maio.1979, p.9-50. Disponível em:
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CARLOTTI, D.P. O debate entre ehrlich e kelsen: a convergência
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século xx. In: Quaestio Iuris, Rio de Janeiro: v. 8, 2015, p. 2.287-2.303.
Disponível em:
<http://www.epublicacoes.uerj.br/index.php/quaestioiuris/article/download/
20928/15309>. Acesso em 26.fev.2018.

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