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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

KARINA BONETTI BADAWI

SEPARAÇÃO DOS PODERES NO BRASIL


E A TEORIA DE BRUCE ACKERMAN

São Paulo
2014
UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

KARINA BONETTI BADAWI

SEPARAÇÃO DOS PODERES NO BRASIL


E A TEORIA DE BRUCE ACKERMAN

Tese de Doutorado apresentada à banca


examinadora do Programa de Pós-Graduação em
Direito Político e Econômico da Universidade
Presbiteriana Mackenzie, como requisito parcial à
obtenção do título de Doutora em Direito Político e
Econômico.

Orientador: Prof. Dr. José Carlos Francisco

São Paulo
2014
UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

KARINA BONETTI BADAWI

BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. José Carlos Francisco


Universidade Presbiteriana Mackenzie

Prof. Dr. Gianpaolo Poggio Smanio


Universidade Presbiteriana Mackenzie

Profª. Drª. Clarice Seixas Duarte


Universidade Presbiteriana Mackenzie

Prof. Dr. José Levi Mello de Amaral Júnior


Faculdade de Direito do Largo São Francisco - USP

Prof. Dr. Walter Claudius Rothenburg


Instituição Toledo de Ensino - ITE

Profª. Drª Zélia Luiza Pierdoná - suplente


Universidade Presbiteriana Mackenzie

Prof. Dr. Paulo Adib Casseb - suplente


Faculdades Metropolitanas Unidas - FMU
DEDICATÓRIA

Ao meu pai Olímpio,


exemplo de vida.

À minha mãe Maria,


por suas lições de força, coragem e fé.

Ao meu marido Fabiano,


por tudo que você representa em minha vida.

Ao meu querido filho Pedro, amor da minha vida,


por me mostrar o sentido da vida.

Ao meu irmão Alex,


por me fazer acreditar que devemos sempre recomeçar.

À família e aos amigos,


pela dedicação e amizade.

Aos professores,
pelos ensinamentos.
AGRADECIMENTOS

Não farei os agradecimentos pela forma tradicional, quando citamos pessoas


que, de algum modo, participaram ou apoiaram na realização do trabalho.

Faço isso porque gostaria de reservar esta parte do trabalho para agradecer a
uma só pessoa, meu orientador, Prof. Dr. José Carlos Francisco.

Agradeço por sua coragem, por sua determinação, por sua bondade, sua
franqueza e por sua humanidade. Qualidades que possui com intensidade.

Agradeço a atenção e a alegria ao me encontrar, agradeço a força nos


momentos difíceis e agradeço por não desistir de mim.

Agradeço por seus conhecimentos e por ter aceitado este desafio.

Agradeço, por fim, a sorte de tê-lo encontrado em dias de grande


intranquilidade.

Meus mais profundos agradecimentos.


RESUMO

Este presente estudo propõe uma nova estrutura da separação dos poderes no

Brasil. A estrutura que se desenvolve encontra apoio na obra “A Nova Separação

dos Poderes” de Bruce Ackerman, o qual desenvolve uma estrutura de separação

dos poderes denominada de ‘parlamentarismo limitado’. O modelo apresentado

neste trabalho faz a quebra da estrutura clássica da tripartição dos poderes,

inspirada em Montesquieu, e a abertura para inúmeras outras instâncias de controle,

além da redistribuição das funções já existentes. O trabalho apresenta uma proposta

de alteração da Constituição Federal para inserção do novo modelo de separação

dos poderes. E, por fim, analisa-se a validação deste novo modelo no Brasil, por

meio de emenda constitucional. O objetivo que se busca com esse novo modelo é a

legitimidade democrática como exercício de democracia, a eficiência da atuação do

Estado e a proteção e a ampliação dos Direitos Fundamentais.

Palavras-chave: separação dos poderes; nova separação dos poderes; nova

separação dos poderes de Bruce Ackerman.


ABSTRACT

This study proposes a new structure of separation of powers in Brazil. The structure

that develops finds support in the work "The New Separation of Powers" Bruce

Ackerman, which develops a framework of separation of powers called 'limited

parliamentarism'. The model presented in this work is the breakdown of the classical

structure of the tripartite powers, inspired by Montesquieu, and opening for numerous

other instances of control, beyond redistribution of existing functions. The work

presents a proposal to amend the Federal Constitution to insert the new model of

separation of powers. Finally, we analyze the validation of this new model in Brazil,

through a constitutional amendment. The goal that we seek with this new model is

the democratic legitimacy as an exercise in democracy, the efficiency of state action

and the protection and expansion of Fundamental Rights

Keywords: separation of powers; new separation of powers; new separation of

powers of Bruce Ackerman.


SUMÁRIO RESUMIDO

INTRODUÇÃO...................................................................................................................... 10
CAPÍTULO I – A TEORIA DA SEPARAÇÃO DOS PODERES.............................................11
1.1 O SURGIMENTO DA TEORIA DA SEPARAÇÃO DOS PODERES.............................11
1.2. A TEORIA DA SEPARAÇÃO DOS PODERES E O ESTADO MODERNO..................11
1.3 DELIMITAÇÃO DOS CONCEITOS: Separação de Funções E SEPARAÇÃO de
Poderes............................................................................................................................. 11
1.4. As diferentes experiências da teoria clássica da separação dos poderes: os casos
americano e inglês............................................................................................................ 11
Capítulo II – A teoria de Bruce Ackerman – parlamentarismo limitado..........................13
2.1 - AS JUSTIFICATIVAS DE ACKERMAN PARA O NOVO MODELO............................13
2.2. O modelo de BRUCE Ackerman: o parlamentarismo limitado....................................13
2.3 – ALGUNS MODELOS DE PARLAMENTARISMO LIMITADO JÁ EXISTENTES........14
2.4 A CONCLUSÃO DE BRUCE ACKERMAN..................................................................14
CAPÍTULO III – A SEPARAÇÃO DOS PODERES NO BRASIL E a TEORIA DE BRUCE
ACKERMAN......................................................................................................................... 15
3.1. A FORMULAÇÃO DA TEORIA DA SEPARAÇÃO DOS PODERES NO HISTÓRICO
DAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS............................................................................15
3.2 – A ATUAL ESTRUTURA DA SEPARAÇÃO DOS PODERES NO BRASIL.................17
3.3. O ARTIGO 2º da CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988 e o plebiscito de 1993.....19
3.4. A APLICAÇÃO Da nova estrutura da separação dos poderes no brasil.....................20
3.5 - A VALIDADE JURÍDICA DA NOVA SEPARAÇÃO DOS PODERES NO BRASIL......23
CONCLUSÃO....................................................................................................................... 24
ANEXO................................................................................................................................. 25
bibliogrAFIA......................................................................................................................... 29
bibliogrAFIA......................................................................................................................... 29
SUMÁRIO ANALÍTICO

INTRODUÇÃO...................................................................................................................... 10
CAPÍTULO I – A TEORIA DA SEPARAÇÃO DOS PODERES.............................................11
1.1 O SURGIMENTO DA TEORIA DA SEPARAÇÃO DOS PODERES.............................11
1.2. A TEORIA DA SEPARAÇÃO DOS PODERES E O ESTADO MODERNO..................11
1.3 DELIMITAÇÃO DOS CONCEITOS: Separação de Funções E SEPARAÇÃO de
Poderes............................................................................................................................. 11
1.4. As diferentes experiências da teoria clássica da separação dos poderes: os casos
americano e inglês............................................................................................................ 11
1.4.1. A Separação dos Poderes ao estilo norte-americano..........................................11
1.4.2. A não separação dos poderes ingleses...............................................................12
Capítulo II – A teoria de Bruce Ackerman – parlamentarismo limitado..........................13
2.1 - AS JUSTIFICATIVAS DE ACKERMAN PARA O NOVO MODELO............................13
2.1.1 – Críticas de Ackerman ao modelo de separação dos poderes americano na
comparação com o modelo de não separação inglês....................................................13
2.2. O modelo de BRUCE Ackerman: o parlamentarismo limitado....................................13
2.2.1. O Parlamento limitado: solução de “casa e meia”................................................13
2.2.2. O Referendo........................................................................................................14
2.2.3. A Corte Constitucional.........................................................................................14
2.2.4 – Instâncias de Controle.......................................................................................14
2.2.4.1 – Instância Regulatória..................................................................................14
2.2.4.2 – Instância de Integridade..............................................................................14
2.2.4.3 – Instância Democrática................................................................................14
2.3 – ALGUNS MODELOS DE PARLAMENTARISMO LIMITADO JÁ EXISTENTES........14
2.4 A CONCLUSÃO DE BRUCE ACKERMAN..................................................................14
CAPÍTULO III – A SEPARAÇÃO DOS PODERES NO BRASIL E a TEORIA DE BRUCE
ACKERMAN......................................................................................................................... 15
3.1. A FORMULAÇÃO DA TEORIA DA SEPARAÇÃO DOS PODERES NO HISTÓRICO
DAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS............................................................................15
3.2 – A ATUAL ESTRUTURA DA SEPARAÇÃO DOS PODERES NO BRASIL.................17
3.2.1 – O Poder Executivo.............................................................................................17
3.2.1.1 – Situações de desequilíbrio..........................................................................17
3.2.2 – O Poder Legislativo...........................................................................................18
3.2.3 – O Poder Judiciário.............................................................................................18
3.2.2.1 – Questões relevantes...................................................................................18
3.2.4 – Instrumentos e órgãos de controle das atividades dos Poderes em âmbito
federal........................................................................................................................... 19
3.3. O ARTIGO 2º da CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988 e o plebiscito de 1993.....19
3.4. A APLICAÇÃO Da nova estrutura da separação dos poderes no brasil.....................20
3.4.1 – Objetivos da aplicação da nova estrutura de separação dos poderes no Brasil 20
3.4.1.1 Legitimidade democrática para o exercício da cidadania...............................20
3.4.1.2 Eficiência do Estado......................................................................................20
3.4.1.3 Proteção e ampliação dos direitos humanos fundamentais...........................20
3.4.2 – O modelo Brasileiro à luz da Teoria do Parlamentarismo Limitado de Ackerman
...................................................................................................................................... 21
3.4.2.1 O Parlamento.................................................................................................21
3.4.2.1.1 Câmara Federal......................................................................................21
a) Governo Central................................................................................................21
3.4.2.1.2 – Conselho Federal.................................................................................21
3.4.2.2 Referendo Sequencial...................................................................................21
3.4.2.3 – Centros de Controle....................................................................................21
3.4.2.3.1 – Centro de Regulação...........................................................................21
3.4.2.3.2 – Centro de Integridade..........................................................................22
3.4.2.3.3 - Centro Democrático..............................................................................22
3.4.2.4 – Corte Constitucional....................................................................................22
3.4.2.5 – Sistema de Organização Judiciária.............................................................22
3.4.3 - Organograma da nova estrutura de separação dos poderes no Brasil:..............23
3.5 - A VALIDADE JURÍDICA DA NOVA SEPARAÇÃO DOS PODERES NO BRASIL......23
3.5.1 – Existência de cláusulas pétreas.........................................................................23
3.5.2 - Necessidade da alteração constitucional............................................................23
3.5.3 – A proposta de Emenda Constitucional...............................................................23
CONCLUSÃO....................................................................................................................... 24
ANEXO................................................................................................................................. 25
bibliogrAFIA......................................................................................................................... 29
bibliogrAFIA......................................................................................................................... 29
11

INTRODUÇÃO

O objetivo do presente estudo consiste em reformular a separação dos


poderes no Brasil, partindo da ideia de “A Nova Separação dos Poderes 1” de Bruce
Ackerman2.

Trata-se, por várias razões, de uma questão complexa. A teoria clássica de


Montesquieu, da Separação dos Poderes em Legislativo, Executivo e Judiciário, sob
o influxo da Constituição Norte-Americana, é tida como um dogma jurídico 3.
Também, porque se deve obter justificativas razoáveis para pretender uma alteração
tão profunda na sistemática constitucional. E, ainda, pela própria questão da
viabilidade da proposta, haja vista a exigência de elaborar mecanismos de alteração
da norma constitucional, a fim de validar o novo modelo.

Assim, a tese apresentada neste trabalho consiste em dar à organização dos


poderes no Brasil uma ‘nova estrutura de separação’ dos mesmos, para inserção na
Constituição brasileira, por meio de uma proposta de Emenda Constitucional,
rompendo a barreira imposta pela Constituição de que modelo de separação dos
poderes não pode ser objeto de emenda constitucional.

Contudo, para inserção deste novo modelo, há a necessidade de inúmeras


alterações a serem realizadas na nossa atual forma de separação dos poderes. Cito
algumas mudanças essenciais: a transformação do sistema de governo de

1 ACKERMAN, Bruce. A nova separação dos poderes. Trad. Isabelle Maria C. Vasconcelos e Eliana Valadares
Santos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.

2 Bruce Ackerman é professor de Direito Constitucional e Ciência Política na Universidade de Yale e autor de
inúmeras obras nas áreas de Filosofia Política, Direito Constitucional e Políticas Públicas. Suas principais obras
incluem: Nós, o povo soberano – Transformação do Direito Constitucional (1998); Nós, o povo soberano –
Fundamentos do Direito Constitucional (1991), além da obra referenciada nesta tese: A Nova Separação dos
Poderes (1990). His most recent books are (2010), (2005), and (2006). Seus livros mais recentes são: The
Decline and Fall of the American Republic (2010), The Failure of the Founding Fathers (2005) e Before the
Next Attack (2006) – estes sem tradução em português. His book, (with Anne Alstott), served as a basis for Tony
Blair's recent introduction of child investment accounts in the United Kingdom.Seu livro The Stakeholder
Society (com Anne Alstott) serviu de base para Tony Blair implantar o Fundo da Criança no Reino Unido.
Professor Ackerman is a member of the American Law Institute and the American Academy of Arts and
Sciences.Ackerman é membro do American Law Institute. He received his BA from Harvard University and his
LL.B from Yale Law School.Ele recebeu seu BA da Universidade de Harvard e seu LL.B da Yale Law School.
Disponível em: http://www.law.yale.edu/faculty/BAckerman.htm. Acesso em: 16 maio 2012.

3 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Princípios fundamentais do direito constitucional. São Paulo:
Saraiva. 2009. p. 247.
12

presidencialismo para parlamentarismo; o desmembramento das funções do


Supremo Tribunal Constitucional, transformando-o em Corte Constitucional; a
criação de instrumentos de efetivação e controle do referendo, bem como a criação
das instâncias de controle.

Fato inédito trazido neste trabalho é a quebra do dogma ao repensar a


separação dos poderes. Trazida por muito tempo como sendo a única ou a principal
forma de limitação do poder estatal, agora, abre-se à discussão o tema para
inserção de uma nova modalidade de contenção daquele poder estatal.

Com isso pretende-se, mediante o modelo desenvolvido e os mecanismos


para sua efetividade, apresentar três objetivos que se quer alcançar com a proposta.

O primeiro tem como pressuposto a legitimidade democrática como exercício


da cidadania. Com a presença do referendo sequencial se busca a efetiva
participação popular.

O segundo objetivo é a eficiência da atuação estatal. Um Estado mais


organizado requer competência profissional. O modelo atual não corrobora para a
eficiência das ações públicas. Tenciona-se proporcionar mais controle e auxílio às
atividades públicas para que se aprimore a utilidade e dos limites da burocracia.

E, por fim, e o mais importante, é reflexo dos dois primeiros: a proteção e


ampliação dos Direitos Fundamentais. Por óbvio, um Estado cuja finalidade
democrática é o bem comum, que tenha um organismo técnico e político
competente, é justamente a finalidade da sobrevivência do Estado.

Para tanto, o presente trabalho encontra-se dividido em três capítulos, além


da introdução e da conclusão, obedecendo à seguinte estruturação:

O primeiro capítulo trata do surgimento da teoria da separação dos poderes,


traçando em linhas gerais seu desenvolvimento ao longo do tempo. Em especial,
remonta à separação dos poderes em Montesquieu, que a estruturou em três
funções estatais distintas e autônomas entre si. Em seguida, propõe-se uma
delimitação sobre os conceitos de “separação de poderes” e “separação de
funções”. Abre-se, também neste capítulo, uma análise da teoria da separação dos
poderes no Estado moderno, a qual racionaliza a aplicação dessa estrutura tripartite
13

na complexa estrutura dos Estados na atualidade. Não obstante, têm-se as


diferentes experiências da aplicação da teoria da separação dos poderes: a
separação dos poderes ao estilo norte-americano e a não separação dos poderes
ingleses.

No segundo capítulo é apresentada a teoria de Bruce Ackerman, chamada


por ele de ‘parlamentarismo limitado’. Examinando o modelo proposto, encontramos
nesta parte as justificativas que levaram o autor a pensar em um novo modelo.
Sendo um cientista político e constitucionalista norte-americano, traz do
conhecimento daquele país – sob a separação dos poderes independentes e sob
forte influxo do sistema de governo presidencialista – as críticas a tal modelo. A
estrutura de Ackerman é inserida neste capítulo a partir de quatro elementos
básicos: o Parlamento, o Referendo, a Corte Constitucional e as Instâncias de
Controle. Ackerman não deixa de mencionar que algo parecido com o modelo que
ele propõe já existe, e é disso que se tratará em seguida.

Por fim, no terceiro capítulo examina-se a teoria da separação dos poderes no


histórico das Constituições brasileiras. Na sequência, passa-se a explanar sobre a
atual formação dos poderes no Brasil. Neste momento, vê-se que a separação dos
poderes no Brasil não consegue seguir uma estrutura de poderes equilibrados,
tendo sempre o Poder Executivo se sobrepondo aos demais. Por conseguinte, far-
se-á a identificação de alguns fatores que contribuem para essa predominância de
poderes, o que também fica evidente no começo do capítulo, quando se apontará,
nos históricos das constituições, os fortes períodos autocráticos na história
brasileira, e a constatação de que o controle dos poderes no Brasil é realizado por
órgãos que estão submetidos na própria estrutura dos órgãos que serão objeto de
controle.

Ainda no terceiro capítulo, será apresentada a nova estrutura de separação


dos poderes no Brasil, trazendo os objetivos que se quer alcançar com a proposta. A
nova estrutura da separação dos poderes que se propõe faz uma redistribuição das
funções aos órgãos já existentes, altera o sistema de governo presidencialista para o
parlamentarismo, redefine o instrumento do referendo e insere um centro de
controle. Desta forma, tem-se o Parlamento, composto pela Câmara Federal e pelo
Conselho Federal. Da Câmara Federal sairá o Governo Central para condução da
14

administração pública federal. O instrumento mais importante é o referendo, que


aqui assume a forma sequencial, ou seja, múltiplas votações para formular uma
decisão política ou administrativa; os Centros de controle, composto pelos Centros
de Regulação, de Integridade e Democrático; também uma Corte Constitucional e
um sistema de Organização Judiciária. Para elucidar a proposta, é inserido um
organograma do modelo proposto.

No último item deste capítulo, passa-se à validade jurídica da proposta frente


à Constituição brasileira. Enfrenta-se o problema da cláusula pétrea, pois a
separação dos poderes é um dos seus assuntos, e analisa-se a proposta no âmbito
de uma Emenda Constitucional.
15

CAPÍTULO I – A TEORIA DA SEPARAÇÃO DOS PODERES

Este primeiro capítulo analisa traços da teoria da separação dos poderes


desde a Idade Moderna até nossos dias e estuda a delimitação das expressões
separação dos ‘poderes’ e separação de ‘funções’. Por fim, traz uma exposição dos
dois modelos de aplicação da teoria da separação dos poderes: a norte-americana e
a inglesa.

1.1 O SURGIMENTO DA TEORIA DA SEPARAÇÃO DOS PODERES

A significação histórica do princípio da separação dos poderes encontra-se


precisamente no fato de que ele opera antes contra uma concentração do que a
favor de uma separação dos poderes. Isso porque sua origem tem assento na ideia
de tirar das mãos do monarca os poderes absolutos do estado.

O desenvolvimento da teoria da separação dos poderes se estendeu durante


todo o período que compreende a Idade Moderna, período este em que se formou a
teoria clássica4, em especial, o Iluminismo, sendo ainda hoje objeto de atenção,
juntamente com o início da Idade Contemporânea.

Vale destacar que, desde a Antiguidade grega, com Aristóteles 5, foi assinalado
o inconveniente da concentração dos poderes nas mãos de uma só pessoa, não
apenas pelo fato de ser arriscado e perigoso, mas também porque dificilmente uma
única pessoa conseguiria conhecer todas as necessidades dos governados e
atendê-las. Esta dificuldade, na descrição de Dalmo de Abreu Dallari 6, também foi
abordada no livro “O Príncipe”, de Maquiavel, em 1513.

4 O momento histórico em que se encontrou fortemente a presença da ideia da separação dos poderes é a
passagem do Estado absolutista (séculos XVI e XVII) para o Estado liberal (século XVIII). O Iluminismo, poder
da razão, foi o instrumento propulsor da quebra de um regime absolutista, que tinha como ideal a luta contra a
intolerância e os abusos da Igreja, fazendo com que seus principais adeptos pensassem em reformulação do
Estado.

5 ARISTÓTELES. A política. Trad. Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret, 2003. (Coleção obra prima de
cada autor). p.32.

6 DALLARI, Dalmo de Abreu. A constituição na vida dos povos: da Idade Média até o século XXI. São Paulo:
Saraiva, 2010. p. 261.
16

John Locke, em 1689, afirmou em sua obra, “Segundo Tratado sobre o


Governo Civil” 7, a existência de quatro poderes diferentes no Estado, ou, para
alguns doutrinadores, como Sahid Maluf 8, aconselhou a divisão do poder em quatro
funções. A primeira delas seria o Poder Executivo, exercido pelo rei com as
limitações estabelecidas pelo Parlamento e pelas normas costumeiras tradicionais;
passando pelo Legislativo, que seria exercido pelo Parlamento; a Prerrogativa,
exercida pelo rei e consistente no poder de fazer o bem público sem se subordinar a
regras, e, por fim, o poder Federativo, consistente no poder de decisão sobre a
guerra e a paz, confiado ao rei. O Poder Judiciário não aparece na concepção de
Locke.

Mas foi em Montesquieu que a questão envolvendo a separação dos poderes


exerceu maior influência sobre a organização do Estado. Montesquieu distinguiu, em
nível funcional, vários poderes, mas optou por uma divisão tripartida: Legislativo,
Executivo e Judicial. Em um âmbito institucional distinguiu Parlamento, Governo e
Tribunais. No plano socioestrutural, Montesquieu referiu a Coroa, clero e nobreza e o
povo.

A divisão segundo o critério funcional é a célebre “separação dos poderes”,


que consiste em distinguir três funções estatais, quais sejam, legislação,
administração e jurisdição, que devem ser atribuídas a três órgãos autônomos entre
si, que as exercerão com exclusividade.

Montesquieu separa os Poderes Legislativo e Executivo dando direito de veto


do monarca. Para ele, quando uma só pessoa comanda não há liberdade, ou “em
um mesmo corpo de magistratura, o Legislativo reunido no Executivo, não pode
existir liberdade, pois se poderá temer que o mesmo monarca ou o mesmo senado
crie leis tirânicas para excutá-las tiranicamente” 9. Igualmente o poder de julgar não
pode estar “absorvido pelos outros, sob pena de arbítrio e opressão sempre em

7 LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo. Tradução E. Jacy Monteiro. São Paulo: Abril Cultural, 1983.
(Coleção pensadores). p. 72.

8 MALUF, Sahid. Teoria geral do estado. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 210.
9 MONTESQUIEU, Charles de Secondat. O espírito das leis. Tradução Jean Melville. São Paulo: Martin Claret,
2002. p. 166.
17

prejuízo da liberdade e da vida” 10. Afinal, conclui afirmando que “tudo estaria perdido
se o mesmo homem, ou o mesmo corpo de principais ou dos nobres, ou do povo,
exercesse estes três poderes: o de criar leis, o de executar as resoluções públicas e
o de julgar os crimes e as querelas dos particulares” 11.

Sobre a separação dos poderes em Montesquieu, as diferenças básicas em


relação ao modelo de John Locke12 residiam na autonomização do Poder Judiciário
e na inclusão dos Poderes Federativo e Prerrogativo, no âmbito do Executivo 13.

Georg Jellinek ressalta que:

A pesar de haberse inspirado en las concepciones de algunos autores


anteriores, fue Montesquieu el primeiro que hizo dar un paso decisivo para a
teoría de que venimos ocupándonos, por cuanto no sólo diferencia, como
había acontecido hasta entonces a menudos, las funciones objetivas del
Estado conforme a las constituciones existentesm sino que quiere atribuir
aquéllas a órganos separados entre sí. Hay en todo Estado tres clases de
poderes: el legislativo, el ejecutivo y el judicial14.

Ainda em Georg Jellinek, a distinção mais importante entre Mostesquieu e


seus antecessores consiste na diferença subjetiva e objetiva entre a participação do
sujeito em uma ou outras funções: “Neste sentido: Según Aristóteles, las mismas
personas pueden sentarse en el senado, en el gobierno, en el tribunal, y según Lock,
el monarca participa de todas las actividades del Estado 15”.

E termina:

De todo esto se deduce la necesidad de separar las funciones en materiales


y formales, esto es, distinguir las grandes direcciones de la actividad del
estado y las de determinados grupos de órganos.

[...] Si, pues, no coincide la posición material (objetiva) de la legislación,


administración y jurisdicción, con la actividad formal (subjetiva) de los
órganos legislativo, administrativo y judicial, sobre la base del conocimiento

10 Ibidem.
11 MONTESQUIEU, op. cit.
12 LOCKE, op cit., p. 72.
13 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. Coimbra: Edições
Coimbra, 2000. p. 580-1.

14 JELLINEK, Georg. Teoría general del estado. México: Fondo de Cultura Economica, 2000. p. 535.
15 Ibidem.
18

de la distinción de las funciones materiales, se sigue de aquí su progressiva


distribución de las funciones materiales, se sigue de aquí su progresiva
distribución en los órganos correspondientes cada vez con una exigencia
mayor.16

Já em 1789, com a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão 17 o


princípio da Separação de Poderes foi transformado em dogma constitucional ao
disciplinar em seu art. 16 que “toda sociedade na qual a garantia dos direitos não
estiver assegurada, nem determinada a separação dos poderes, não tem
Constituição”. Esta Declaração coloca a separação dos poderes como ponto
fundamental à liberdade do homem contra a tirania do Estado.

Em 1848, a Constituição francesa reafirmou tal princípio: “a separação dos


poderes é a primeira condição de um povo livre”. Mas antes disso, esse ideal foi
trazido no processo de independência americana, sob influência da filosofia
francesa, especialmente na Seção V da Declaração de Direitos da Virgínia, de 16 de
junho de 1776, e ainda nos artigos I, II e III da Constituição americana de 17 de
setembro de 1787.

1.2. A TEORIA DA SEPARAÇÃO DOS PODERES E O ESTADO MODERNO

Atualmente, este tema se instala como fonte de discussão, ao se verificar que


a aplicação do modelo clássico da separação dos poderes é incompatível com o
Estado moderno atual.

Tal incompatibilidade ocorre porque o Estado atual necessita de uma


dinâmica própria, um sistema que atenda o imperativo de uma sociedade complexa.
Isso porque o Estado tornou-se o centro da organização econômica, social e, por
certo, política, da sociedade moderna, o que fez com que se despertasse para outra
discussão: a eficiência ou, ainda, a eficácia de sua atuação 18.

16 JELLINEK, op. cit.


17 Na história da Revolução Francesa, primeira fase, em Assembleia Nacional, é aprovada em 4 de agosto de
1789 a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Tal diploma garantiu as liberdades fundamentais e
proclamou a soberania da nação, o primado da lei e a divisão de poderes do Estado.

18 HIRSCH, Joaquim. Teoria materialista do estado. Tradução Luciano Cavini Martorano. Rio de Janeiro:
Revan, 2010. p. 53.
19

Desta forma, há o questionamento de como conviver com um Estado


engendrado numa estrutura simples, que remonta ao século XVIII, com
Montesquieu19, com necessidades de uma sociedade extremamente complexa
diante de fenômenos como a globalização 20, superestados21, diversidades culturais22,
comunicação de massa, quebra de Estados teocráticos etc.

Ao longo dos séculos 23, as teorias sobre a separação dos poderes foram se
desenvolvendo e servindo de modelo para algumas formações de Estado, como os
Estados Unidos da América, o Reino Unido da Grã-Bretanha e, especialmente, o
Brasil.

Em 1945 Hans Kelsen publica “Teoria Geral do direito e do Estado”, em que


analisa o princípio da Separação dos Poderes. Na obra, declara que, compreendido
literalmente ou interpretado como um princípio de divisão de poderes, este não é,
por si só, essencialmente democrático. Para ele, a ideia de democracia é a noção de
que todo o poder deve estar concentrado no povo, e, onde não é possível a
democracia direta, mas apenas a indireta, que todo o poder deve ser exercido por
um órgão colegiado cujos membros sejam eleitos pelo povo e juridicamente
responsáveis para com o povo. Enfatiza que a democracia exige que ao órgão
legislativo seja dado controle sobre os órgãos administrativo e judiciário. Kelsen
considera, ainda, que a existência da separação das funções legislativas,
administrativas e judiciárias numa constituição só se justifica por motivos históricos 24.

19 MONTESQUIEU, op. cit., não foi o único pensador político a traçar teorias; também LOCKE, op. cit.,
considerou importante a distinção entre as funções do Estado.

20 SANTOS, Milton. Por uma globalização do pensamento único à consciência universal. 13. ed. Rio de
Janeiro: 2006. p. 159, e VIEIRA, Liszt. Cidadania e globalização. Rio de Janeiro: Record, 2009. p. 84.

21 HIRSCH, op. cit., p. 223.


22 DOMINGUES, José Maurício. Aproximações à América Latina: desafios contemporâneos. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2007. p. 168.

23 O recorte temporal terá início no século XVI, com a Idade Moderna, em MAQUIAVEL, Nicolau – O
Príncipe (1539), LOCKE, John – Os Dois Tratados do Governo Civil (1689), MONTESQUIEU, Charles
Secondat – O Espírito das Leis (1748), as Declarações da Virgínia e dos Direitos do Homem e do Cidadão (1776
e 1789), entrando na Idade Contemporânea com KELSEN, Hans – Teoria Geral do Direito e do Estado (1920),
CONSTANT, Benjamin – Princípios de Política Aplicáveis a Todos os Governos (1931), LOEWENSTEIN, Karl
– Teoría de la Constitución (1965).

24 KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do estado. Trad. Luiz Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes,
2005. p. 404-5.
20

Paulo Bonavides, criticando ser a separação dos poderes um princípio que


deve ser mantido na atualidade, afirma:

Esse princípio – que nas origens de sua formulação foi, talvez, o mais
sedutor, magnetizando os construtores da liberdade contemporânea e
servindo de inspiração e paradigma a todos os textos de Lei fundamental,
como garantia suprema contra as invasões de arbítrio nas esferas da
liberdade política – já não oferece mais, em nossos dias, o fascínio das
primeiras idades do constitucionalismo ocidental. Representou um papel
histórico. O constitucionalismo democrático tem por ele a mais justa e
irresgatável dívida de gratidão. Merece, com efeito, a homenagem e o
reconhecimento dos que, na doutrina política, consagram sua luta aos ideais
de liberdade e democracia. Ajudou a implantar na consciência ocidental o
sentimento valorativo dos direitos e garantias individuais, de que foi, no
combate aos déspotas do absolutismo, a arma mais eficaz. Quando
cuidamos dever abandoná-lo no museu da Teoria do Estado queremos, com
isso, evitar apenas que seja ele, em nossos dias a contradição dos direitos
sociais, a cuja concretização se opõe de certo modo, como técnica
dificultosa e obstrucionista, autêntico tropeço, de que inteligentemente se
poderiam socorrer os conservadores mais perspicazes e renitentes da
burguesia, aqueles que ainda supõem possível tolher e retardar o progresso
das instituições no rumo da social-democracia25.

Nessa crítica, Bonavides26. entende que conservar o princípio da separação


dos poderes como um dogma, em justificações descabidas para atualidade, parece
inaceitável.

Vale destacar a expressão utilizada por Canotilho 27, ao disciplinar que a teoria
da separação dos poderes engendrou um mito, uma vez que os três poderes nunca
funcionaram com plena independência, sem qualquer interferência dos outros, razão
pela qual Sahid Maluf28 diz que seria melhor falar em separação de funções. A
divisão é formal, não substancial. O poder é um só; o que se triparte em órgãos
distintos é o seu exercício.

De qualquer forma, há sempre a preocupação com o equilíbrio entre os


poderes, em oposição à centralização e concentração de atribuições públicas,
vivenciadas no chamado Estado absolutista. Assim, importa relacionar o princípio da
separação dos poderes, tal qual a teoria da clássica separação, como uma força

25 BONAVIDES, Paulo. Do estado liberal ao estado social. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 1996. p. 63.
26 Ibidem.
27 CANOTILHO, op.cit., 2009. p. 114.
28 MALUF, op. cit., p. 211.
21

capaz de limitar o poder estatal, se ele estiver alinhado com a realidade


constitucional contemporânea.

Neste sentido, Nuno Piçarra afirma que

[...] na sua dimensão orgânico-funcional, o princípio da separação dos


poderes deve continuar a ser encarado como princípio de moderação,
racionalização e limitação do poder político-estadual no interesse da
liberdade29.

Para ele, as funções estatais devem ser divididas e atribuídas a órgãos


diversos, e devem existir mecanismos de controle recíprocos entre eles, de modo a
proteger os indivíduos contra o abuso potencial de um poder absoluto.

A separação, seja de poderes, seja de funções, é fundamental para se evitar


o abuso de poder, impedindo o Estado de agir apenas sobre suas necessidades, de
modo a relevar seus representados.

Portanto, nas sociedades modernas não é mais possível mecanizar a


eficiente ação estatal com o modelo clássico de separação de funções, até porque
legislar e executar leis não são funções separadas, mas diferentes técnicas de
liderança política ou ação governamental. Não haveria evidente separação dos
poderes, já que, nos Estados modernos, o governo lidera politicamente os dois
poderes, conformando a vontade popular e impondo sua política mediante a
aprovação parlamentar das leis e de sua execução.

1.3 DELIMITAÇÃO DOS CONCEITOS: SEPARAÇÃO DE FUNÇÕES E


SEPARAÇÃO DE PODERES

Uma questão importante é a delimitação conceitual dos termos “função” e


“poder”.

O Estado tem como concepção jurídica ser uma unidade de poder. Um poder
dividido pressupõe o desmantelamento do Estado.

29 PIÇARRA, Nuno. A separação dos poderes como doutrina e princípio constitucional: um contributo para o
estudo das suas origens e evolução. Coimbra: Coimbra editora, 1989. p. 26.
22

De fato, como advertido há muito por José Afonso da Silva 30, o poder político
é fenômeno sociocultural indivisível e indelegável, razão pela qual se mostra
tecnicamente questionável falar em divisão, separação ou mesmo delegação do
poder.

Igual cuidado teve Paulo Bonavides 31 ao afirmar a incongruência de se


pretender dividir o poder estatal:

Vale, entretanto, notar que, qualquer que seja a forma ou o conteúdo dos
atos do Estado, eles são sempre fruto de um mesmo poder. Daí ser
incorreto afirmar a tripartição de poderes estatais, a tomar essa expressão
ao pé da letra. É que o poder é sempre um só, qualquer que seja a forma
por ele assumida. Todas as manifestações de vontade emanadas em nome
do Estado reportam-se sempre a um querer único, que é próprio das
organizações políticas estatais.

Para Bonavides a separação dos poderes é, antes de tudo, mecanismo de


repartição de funções, de tal forma que cada um dos poderes, a seu turno,
especialize-se em sua matéria. Afirma que

[...] o princípio da separação de poderes vale unicamente por técnica


distributiva de função, e não em termos de incomunicabilidade, antes sim de
íntima cooperação, harmonia e equilíbrio, sem nenhuma linha que marque
separação absoluta ou intransponível32.

Assim, mostra-se oportuno destacar a maior precisão de expressões, como


função do Estado ou função do poder político, que dizem respeito ao exercício da
presumível vontade do Estado por meio de seus órgãos constitucionalmente
instituídos. As funções, estas sim, são elementos discerníveis de maneira material e
finalística (ainda que não subjetivamente, com base apenas no órgão que as exerce)
e, portanto, divisíveis (bem como, ainda que hipoteticamente, delegáveis).

De fato, não se pode falar em divisão do poder, pois isso simplesmente o


destruiria como unidade de dominação, de vigor e capacidade de agir ou de impor
obediência, e sim de controle do poder, de organização do poder, da fragmentação
prudente das diferentes funções decorrentes do poder. Quando há referência ao

30 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 8. ed. São Paulo: Malheiros 2012. p. 20.
31 BONAVIDES, Paulo. Constituinte e constituição: a democracia, o federalismo e a crise contemporânea. 3.
ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p.30.

32 BONAVIDES, Paulo. Ciência política. 10. ed. São Paulo: Malheiros. 2001.
23

fenômeno da divisão do poder está-se perante a divisão dos encargos e das


responsabilidades daqueles que o exercem, no âmbito da arquitetura das funções
estatais típicas.

O conceito de “separação de poderes” designa um princípio de organização


política33. Pressupõe que os chamados três poderes podem ser determinados como
três funções distintas e coordenadas do Estado, e que é possível definir fronteiras
separando cada uma dessas três funções.

Para Sahid Maluf é melhor falar em separação de funções, porque essa


divisão – separação de poderes – é formal, não substancial. “O poder é um só; o
que se triparte em órgãos distintos é o seu exercício” 34. Essa observação mostra que
o apego à necessidade da presença da “separação dos poderes” 35, como a única
forma de controle – check and balances –, cria uma inusitada sensação de
insegurança quando ela não é encontrada em textos constitucionais.

1.4. AS DIFERENTES EXPERIÊNCIAS DA TEORIA CLÁSSICA DA SEPARAÇÃO


DOS PODERES: OS CASOS AMERICANO E INGLÊS

A teoria clássica da separação dos poderes, como já mencionado, foi


empregada de modo diferente em vários países. Isso porque as estruturas políticas,
em cada um deles, tiveram suas origens em diversos fatores, tais como forma de
colonização, presença de revoluções, o desenvolvimento da economia etc.

Ressaltam-se aqui duas experiências diferentes da aplicação da separação


dos poderes: a americana – com a Constituição de 1789 – e a inglesa. Estas se
revestem de importância porque demonstram ser as mais sólidas e duradouras no
Estado moderno.

33 KELSEN, op. cit., 2005. p. 384.


34 MALUF, op. cit., p. 211.
35 Considerando a necessidade da presença dos três poderes, com suas respectivas funções típicas.
24

1.4.1. A Separação dos Poderes ao estilo norte-americano

A Constituição federalista norte-americana de 1787 36 sedimentou a


organização dos Estados37 neste modelo de separação dos poderes. O Estado
federal foi criado em 1787, com a sua adoção pelos Estados Unidos, recém-
independentes da Inglaterra. O regime até então em vigor era o confederativo.

A Confederação, em suma, não passava de uma soma dos componentes


políticos das antigas colônias inglesas, gerando um governo extremamente instável
devido aos constantes impasses políticos. Essa instabilidade fez com que se
procurasse dotar o novo país de um governo efetivamente nacional.

Representantes dos Estados se reuniram na Filadélfia, em 1787, para


deliberar sobre a reforma dos Artigos da Confederação. O resultado foi uma
Constituição que instituía um novo modelo de Estado, o modelo federal, visto como
capaz de garantir a unidade norte-americana. O federalismo reconheceu a
identidade e a autonomia das treze ex-colônias e ofereceu um esquema de solução
de eventuais conflitos ou controvérsias.

A desconcentração do poder político deu-se com a existência de duas esferas


de poder político: a federal e a estadual. Uma esfera não é superior à outra. O que
prevalece sobre ambas é a Constituição. Entretanto, a inexistência de hierarquia
entre os entes federados não é absoluta. Em determinadas circunstâncias, o poder
federal prevalece.

De fato, a separação dos poderes na Constituição norte-americana é prevista


pelas várias seções dos artigos I ao III, e determina que todos os poderes
legislativos conferidos pela Constituição serão confiados ao Congresso

36 Entre 25 de maio e 17 de setembro de 1787 foi discutida e aprovada pela Convenção Constitucional de
Filadélfia, na Pensilvânia, entrando em vigor em 1789.

37 A importância da presença deste modelo de organização de Estado fica evidente quando se observa que outro
assunto importante, os Direitos básicos do cidadão face ao poder do Estado, não foi incorporado ao texto
original. Apesar de discutidos e aprovados pela Convenção Constitucional da Filadélfia – na Pensilvânia, entre
25 de maio e 17 de setembro de 1787, esses direitos só foram inseridos por meio do Bill of Rights em 1791. A
inserção posterior por emendas ocorreu porque não havia consenso para aprovação no texto original da
Constituição de 1787; já o tema separação dos poderes era ponto seguro para configuração.
25

estadunidense, que é composto de um Senado e de uma Câmara de


Representantes.

O único ente titular da soberania é a União. O Estado-membro é dotado


apenas de autonomia, compreendida como governo próprio dentro do círculo de
competências traçadas pela Constituição Federal.

Na Federação norte-americana, como em todas as demais, prevaleceu o


critério jurídico-formal no estabelecimento da estrutura federal, delimitando-se as
esferas de atuação dos Estados-membros e da União. Essa delimitação, chamada
de repartição de competências, é o ponto central do federalismo, pressuposto da
autonomia dos entes federados.

Assim, segundo Jorge Miranda:

Nos Estados Unidos viria a surgir um sistema constitucional diferente do


inglês, mas não menos nítido foi o influxo da Constituição inglesa entre os
descendentes de ingleses que fizeram a Constituição de 1787: primeiro, na
concepção de separação dos poderes vinda da leitura de Montesquieu que,
por seu lado, referia essa concepção à experiência constitucional britânica;
segundo, na ideação do Presidente dos Estados Unidos a partir da figura do
Rei da Inglaterra, um Rei dotado ainda de poderes substanciais 38.

O parlamentarismo britânico, como se verá, serviu de modelo aos autores da


Constituição norte-americana (Filadélfia, 1787), os quais, por necessidades
específicas, aumentaram a importância das funções do presidente norte-amerciano,
criando um Poder Executivo forte.

Isso fica caracterizado no Artigo II, Seção 1, daquela Constituição, que


determina que no Executivo seja investido um Presidente, com mandato fixo de
quatro anos, juntamente com o Vice-Presidente.

O sistema presidencialista39 surgiu com a Constituição norte- americana de


1789. A figura do presidente, investido nas funções de Chefe do Poder Executivo,

38 MIRANDA, Jorge. Preliminares: o estado e os sistemas constitucionais. In: ______. Manual de direito
constitucional. 8. ed. tomo 1. Lisboa : Editora Coimbra, 2009. p.131.

39 O sistema presidencialista, exatamente como ocorreu com o parlamentarismo, não foi produto de uma
criação teórica, não havendo qualquer obra ou autor que tivesse traçado previamente suas características e
preconizado sua implementação. DALLARI, Damo de Abreu. Elementos da teoria geral do estado. 25. ed. São
Paulo: Saraiva, 2003. p. 240.
26

unipessoal e independente dos demais poderes, trouxe implementação da Teoria da


Separação dos Poderes para firmar o princípio dos freios e contrapesos 40.

Com relação ao presidencialismo na república, Kelsen 41 afirma que, se há um


chefe do Executivo eleito pelo povo, a estrutura é modelada como na monarquia
constitucional. O poder do presidente é igual ou maior que o de um monarca
constitucional. Para ele, apenas no domínio da legislação o presidente é menos
poderoso que o monarca. Refere-se à monarquia constitucional e a república
presidencial como democracias em que o elemento autocrático é relativamente
forte. Na república com governo de gabinete e na república com governo colegiado,
o elemento democrático é comparativamente mais forte.

Nessa esteira, vale ressaltar que o Presidente norte-americano é escolhido


por eleição direta e independente dos demais órgãos do governo. O mandato é fixo
de quatro anos, possuindo recondução limitada a mais um mandato subsequente.
Outra característica importante é a possibilidade de responsabilização política do
Presidente, que ganhou contornos específicos com a análise pelo Legislativo por
meio de um julgamento político.

A estrutura montada pelos constituintes americanos que adaptaram a teoria


da Separação dos Poderes de Montesquieu inserindo a figura do Presidente como
Chefe de Estado e de Governo, com uma independência funcional, e ainda
caracterizado por sua unipessoalidade, fortaleceu sobremaneira o Poder Executivo
em detrimento dos demais poderes citados por Montesquieu.

Karl Loewenstein classificou esta posição autônoma do Presidente como


chefe do Poder Executivo como interdependência por coordenação, em que “há
diversos órgãos políticos que atuam com autonomia uns perante os outros nas suas
esferas respectivas, mas que devem colaborar para a prática de certos atos pré-
estabelecidos”. Para ele, em contraposição a esse sistema, o sistema
parlamentarista de governo é de interdependência por integração: “governo e

40 Adaptação do checks and balances do dieito norte-americano.


41 KELSEN, Hans. Democracia. Trad. João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 430.
27

Parlamento estão indissoluvelmente unidos, não podendo exercer as suas funções


sem harmonia recíproca42”.

A Constituição norte-americana atribui ao Presidente dos Estados Unidos, no


Artigo II, Seções 2 e 3 poucas atribuições, mas, por serem concretas, se
transformaram em um poder imenso. No dizer de Horácio Sanguinetti:

Con el tiempo sumó una serie de tareas que no pertenecían originaria y


específicamente a ninguno de los tres brazos. Este “factos de iniciativa”, un
tanto residual y supletorio, fue muy visible en ciertas presidencias, como las
de Jefferson, Jackson, Lincoln, Wilson y ambos Roosevelt y la conferido al
presidente norteamericano una autorid de extraordinaria proyección43.

O Poder Legislativo é confiado ao Congresso, composto de um Senado e de


uma Câmara de Representantes. E o Poder Judiciário, especifica que será investido
em uma Suprema Corte e em tribunais inferiores 44, funcionando estes três poderes
com base no sistema de checks and balances45.

Esse sistema de controle e a dependência recíproca dos poderes, uns em


relação aos outros, os dotaram dos meios necessários para garantir a sua
autonomia. A fórmula dos freios e contrapesos nunca precisou ser alterada no texto
constitucional norte-americano, pois pôde ser adaptada a todas as mudanças
econômicas e sociais da história dos Estados Unidos 46. O modelo estadunidense
percorreu Estados afora, não sendo raro encontrar tal configuração em diversas

42 LOEWENSTEIN, Karl. Teoria de la constitución. Barcelona: Ariel, 1965. p. 132.


43 SANGUINETTI, Horácio. Curso de derecho político. 4. ed. Bueno Aires: Editorial Astrea, 2001. p. 436.
44 A organização dos Poderes de Estado norte-americana em poder Legislativo, Executivo e Judiciário está
inserida na Constituição dos Estados Unidos da América, entre os artigos I e III, e suas seções.

45 Sistema de freios e contrapesos.


46 BERCOVICI, Gilberto. Separação dos poderes no estado federal norte-americano. Disponível em:
<http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/692/r150-16.pdf?sequence=4>. Acesso em: 14 mar. 2014.
28

constituições47, o que fez com que houvesse a sedimentação da teoria de


Montesquieu.

Na análise da projeção do Direito Constitucional norte-amerciano, Jorge


Miranda enfatiza:

Muito significativas e frutuosas, diversamente, as transplantações para


algumas Constituições dos principais institutos originários dos Estados
Unidos. [...] – Do presidencialismo para a França na Constituição de 1848,
para as Filipinas e a Coreia do Sul e – mas sem conteúdo efetivo – para a
maior parte dos países da América do Sul48.

A teoria da Separação dos Poderes, bem como vários outros instrumentos


democráticos, destacou a Constituição norte-americana como um exemplo a ser
copiado.

1.4.2. A não separação dos poderes ingleses

A teoria clássica da separação dos poderes não foi seguida pelo regime de
governo parlamentarista, sendo o modelo de maior notoriedade o regime
parlamentarista britânico, que optou pela não separação dos poderes 49.

No Direito constitucional inglês há uma predominância do costume. Diz-se por


vezes que a Constituição da Grã-Bretanha é não escrita. Isso significa que grande
parte das normas sobre organização dos poderes é consuetudinária. Mas isso é
apenas em parte verdade, visto que o funcionamento do Parlamento, as relações

47 The failure of presidential democracy, (Ed.) LINZ, Juan J e VALENZUELA, Arturo. Editora The
Johns Hopkins University Press. ARRUMAR A ORDEM DA CITAÇÃO. Disponível em:
http://books.google.com.br/books?
id=e5dkxDhDjCoC&pg=PA178&lpg=PA178&dq=The+failure+of+presidential+democracy&source=bl&o
ts=q6Z4UR13DB&sig=DA8b1jxRzHHf8L42tXDiUnAXOeI&hl=pt-
BR&sa=X&ei=AN23T7e9D4GE8ASBh4i4Cg&sqi=2&ved=0CIABEOgBMAk#v=onepage&q=The
%20failure%20of%20presidential%20democracye. Acesso em: 13 mar. 2013. Este texto retrata a
Separação dos Poderes na opção do sistema de governo presidencialista e parlamentarista.

48 MIRANDA, op. cit., p. 149.


49 Reforçando esta ideia, Manoel Gonçalves Ferreira Filho trata da separação dos poderes no parlamentarismo
como um sistema de “confusão” de poderes, que para ele, em verdade, não segue o modelo da separação.
Denomina-o de sistema de governo de assembleia. FERREIRA FILHO, op. cit., 2009. p. 257.
29

entre as Câmaras e entre Governo e Oposição ou o exercício dos poderes do Rei


estão inseridos na Convention of the Constitution50.

Pode-se dizer que a supremacia da Constituição inglesa reside na sua


função, e não em outros postulados51.

A organização judicial britânica atual é composta pela Câmara dos Lordes


(House of Lords) e o Tribunal de Apelação (Court of Appeal), que apreciam,
normalmente, questões de direito. As questões de fato são apreciadas pelos outros
tribunais. O Tribunal Superior (High Court), o Tribunal da Coroa (Crown Court) e o
Tribunal de Apelação (Court of Appeal) formam o Supremo Tribunal de Inglaterra e
País de Gales (Supreme Court of Judicature).

A Câmara dos Lordes é presidida pelo Lorde Chanceler, que representa


nessa Câmara o Governo, de que também é Ministro. Acumula as funções de
Presidente da Associação dos Magistrados (Juízes de paz dos Magistrate’s Courts),
dos Comitês de Apelação da Câmara dos Lordes, do Comitê Judicial do Conselho
Privado, do Supremo Tribunal de Inglaterra e País de Gales.

A pessoa investida no cargo do Lorde Chanceler é, ao mesmo tempo, Ministro


e membro da Câmara dos Lordes, com funções executivas, judiciais e legislativas.
Por outro lado, os presidentes das seções do Tribunal de Apelação, o Lord Chief
Justice e o Master of the Rolls, são também membros da Câmara dos Lordes, tendo
assim funções legislativas e judiciais. Os Lordes Judiciais, outrossim, exercem
funções legislativas, ao lado dos Lordes Temporais e Espirituais 52.

Além disso, o Judiciário, na Inglaterra, há pouco tempo ganhou força como


poder independente. O parlamento britânico promulgou a Lei dos Direitos Humanos
de 1998 (Human Rights Act), que entrou em vigor em 1º de outubro de 2000. Esta lei
surgiu para adequação do Reino Unido à Convenção Europeia de Direitos Humanos,

50A convenção constitucional é um acordo, um procedimento informal. Em alguns estados, como é o caso do
Direito Constitucional britânico, seguem-se essas convenções cujos sistemas políticos retiram a maioria das
funções do governo. Isso é usual em países que não possuem uma Constituição escrita, codificada.

51 Miranda, op. cit., p. 124.


52 SILVA, Maria de Fátima Araújo da. O sistema judicial britânico e o princípio da separação dos poderes.
Disponível em: <http://www.fatimaaraujo.com/pdfs/lordes.pdf>. Acesso em: 14 mar. 2014.
30

apesar de não ser obrigatória, para a incorporação dos países membros, essa
adaptação.

Outra mudança significativa na estrutura dos Poderes no Reino Unido foi a


edição, em 2005, da Constitutional Reform Act, que implementou mudanças no
Poder Judiciário Inglês instalando a separação orgânica do Poder Judicário em
relação ao Parlamento.

A partir de então, foi criada uma Corte Constitucional fora do Parlamento e


independente em relação a ele.

Pela maneira como os direitos foram inseridos na Lei dos Direitos Humanos
naquele país houve a necessidade de criar, entre os tribunais e o Parlamento,
equilíbrio institucional, com responsabilidade conjunta para aplicação e proteção dos
direitos fundamentais. Essa nova maneira de equilibrar os poderes do Estado inglês
fez romper com a concepção britânica tradicional da soberania popular de que
nenhum tribunal tinha o poder para questionar a validade de uma lei parlamentar,
considerada como supremo direito nacional.

Porém, neste modelo, o equilíbrio dos poderes aos moldes da teoria clássica
da divisão de funções em poderes independentes ainda é anulado pela
concentração do poder no Parlamento, que detém duas funções:

[...] a de legislar e a de executar/administrar. O Poder Executivo, tal qual se


instalou no sistema norte-americano, deixa de existir, pois a função
executiva ou administrativa, como se viu, fica a cargo do próprio Poder
Legislativo, que indica dentre os seus aquele que exercerá esta função.

A separação dos poderes no sistema parlamentarista baseia-se no princípio


da soberania popular. O Parlamento representa o povo, e o governo representa o
Parlamento. Isso, para Ingerborg Maus, “nada mais é que a indivisibilidade da
soberania (do povo), a qual é identificada pelos contratualistas com a competênca
para a legislação”53. Assim, para ela há uma forma de controle ideal, no qual o povo
controla o parlamento, e o parlamento controla o governo.

53 MAUS, Ingeborg. Separação dos poderes e função judiciária: uma perspectiva teórico democrática.
Organizador Antônio Carlos Alpino Bigonha. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 28.
31

Desta maneira, no sistema parlamentarista, em relação à teoria da separação


dos poderes, pode se dizer que há três funções, mas apenas dois poderes.
32

CAPÍTULO II – A TEORIA DE BRUCE ACKERMAN – PARLAMENTARISMO


LIMITADO

Este capítulo apresenta o modelo de Bruce Ackerman sobre a separação dos


poderes, intitulado por ele de ‘parlamentarismo limitado’ 54. Ackerman começa a
construir seu modelo pela análise da separação dos poderes norte-americana.
Numa avaliação sobre este modelo, diz que o mesmo se mostra adequado àquele
país, mas rejeita sua adoção por outros. Em seguida, remete seus estudos ao
modelo inglês de composição dos poderes. Com relação ao modelo britânico,
conclui que é o mais apróximo do ideal democrático - sem deixar de criticar, no
entanto, a falta de limitação do Parlamento.

2.1 - AS JUSTIFICATIVAS DE ACKERMAN PARA O NOVO MODELO

Bruce Ackerman, como já mencionado, inicia sua construção traçando um


paralelo entre os dois maiores modelos existentes: o norte-americano e o inglês.

Refere-se ao parlamentarismo inglês indicando a presença de três funções:


Legislativa, Executiva e Judiciária. Constata que neste modelo há a junção de duas
delas, a Legislativa e a Executiva, num mesmo poder: o Poder Legislativo.

Para ele, o modelo concentra na Casa dos Comuns a autoridade do Primeiro-


Ministro e a do seu Gabinete, concedendo-lhe controle efetivo sobre a agenda
legislativa55. Percebe a falta de limitação da soberania do Parlamento e, além disso,
aponta dificuldades que podem coabitar o modelo de Westminster, conforme
destacado acima, pois este pressupõe uma compreensão falsa da relação entre os
cidadãos modernos e o seu governo, uma vez que os interesses próprios passam a
prevalecer sobre os interesses do povo.

Ao analisar o modelo americano, o autor relata que ele se espelha na teoria


de Montesquieu, dividindo em três os poderes de Estado: Legislativo, Executivo e

54 ACKERMAN, op. cit., p. 37.


55 Ibidem.
33

Judiciário56. E, ainda, um sistema que atribui autonomia a cada um deles,


funcionando como controladores recíprocos, num sistema de equilíbrio de “freios e
contrapesos”. Ackerman critica este modelo como sendo de exportação e propenso
a ser copiado57.

A estrutura da separação dos poderes desenvolvida nos Estados Unidos, a


partir da teoria de Montesquieu, foi se adequando ao longo do tempo às
necessidades políticas, sociais, econômicas, históricas etc., daquele país. Ao ser
exportado, foi aplicado como um modelo pronto, capaz de fazer com que as
necessidades internas se adequassem a ele. Isso impediu que cada Estado
exportador realizasse uma construção genuína e gradativa a partir daquele modelo
de Montesquieu. Por isso, Ackeman acredita que a eficácia do modelo está somente
no âmbito doméstico.

2.1.1 – Críticas de Ackerman ao modelo de separação dos poderes americano


na comparação com o modelo de não separação inglês.

Bruce Ackerman destaca vários problemas relacionados à estrutura da


separação dos poderes norte-americana, sendo eles: a) acomodação; b) culto à
personalidade; c) crise de governabilidade; d) falta de autoridade plena; e) simetria
no bicameralismo; e f) burocracia – os quais são descritos a seguir:

a) acomodação:

Segundo a concepção de Ackerman sobre acomodação, os parlamentares


opositores realizam uma ou outra combinação de raciocínio e barganha que podem
resultar em um conjunto atraente de resultados – mais atraentes para muitos
cidadãos que qualquer outro arranjo que fosse alcançado pelo sistema de
Westminster, ou seja, o “vencedor leva tudo 58”. Ackerman chama isso de “a
Esperança Madisoniana”59.
56 ACKERMAN, op. cit., p. 14.
57 Ibidem, p. 7, 14.
58 Ibidem, p. 51.
59 Ibidem, p. 14.
34

b) culto à personalidade:

A questão relacionada ao culto à personalidade 60 tem uma maior relevância


ao se tratar de uma presidência independentemente eleita, uma vez que o
Presidente é eleito pelo povo por um período de mandato fixo, e sua remoção é algo
extremamente difícil, diferentemente do que ocorre no parlamentarismo.

Para Ackerman, “a grande virtude do governo parlamentar é criar um estímulo


para a liderança”61, já que seu foco é construir um partido de princípios capaz de
colocar o governo em um melhor curso. Já quando se fala em presidencialismo, os
esforços devem se concentrar no carisma de um candidato presidencial.

c) crise de governabilidade:

A crise de governabilidade é outra análise que Ackerman realiza. No


presidencialismo há uma disputa ocasionada pela possibilidade de composição de
Presidência e Câmara com partidos diferentes e com objetivos diversos, o que pode
levar ao que Ackerman denomina “crise de governabilidade” 62.

Os Presidentes quebram impasses legislativos “resolvendo” problemas


urgentes com decretos unilaterais que, muitas vezes, vão muito além da sua
autoridade constitucional formal. Em vez de protestar, os representantes ficam
aliviados por livrar-se da responsabilidade política de tomar as decisões difíceis. Os
presidentes subsequentes usam tais procedimentos para ampliar ainda mais o seu
poder; além disso, essa prática nascente pode até ser sistematizada por emendas
constitucionais posteriores.

Cada vez mais, a Câmara é reduzida a um fórum para posturas demagógicas,


enquanto o Presidente toma as decisões unilateralmente, sem considerar os
interesses e as ideologias representadas pelos partidos políticos principais no
Congresso. “Este ciclo triste já é visível em países como a Argentina e o Brasil, que

60 ACKERMAN, op. cit., p. 28.


61 Ibidem, p. 17.
62 Ibidem, p. 16.
35

apenas recentemente emergiram de ditaduras militares. Mas também nos Estados


Unidos isso acontece, embora de forma menos patológica”63.

Em um esforço de destruir o seu concorrente, Ackerman 64 salienta que um ou


outro Poder investe no sistema constitucional e instala-se como o único legislador,
com ou sem a graça redentora de um plebiscito que sirva como sustentação. Diante
da competição que pode se formar entre o Executivo e o Legislativo, chega-se a um
cenário de crise de governabilidade. O Presidente acaba realizando decretos para
resolver problemas tidos urgentes, os representantes ficam aliviados por não
precisarem participar das decisões relevantes. O Presidente ganha uma importância
bem superior à câmara, que fica reduzida a um fórum para postura demagógica.

d) falta de autoridade plena:

A legitimidade democrática para o autor não é encontrada no sistema


presidencialista, mas, ao contrário, para ele, esse sistema de governabilidade
individual, que se apoia constantemente no sistema legislativo parlamentar, traz
inúmeras consequências desastrosas ao governo, gerando diversas crises. Aponta
dificuldades como a acomodação, o colapso constitucional e a crise de
governabilidade, já mencionados, resultantes da falta de legitimidade plena.

Ackerman65 entende que a legitimidade plena traz aos governantes uma ânsia
maior de concretizar as suas propostas para melhoria da sociedade ao invés de
apenas focar o seu mandato na obtenção de votos para novamente se reeleger. A
mantença da legitimidade plena faz com que o eleitorado veja resultados concretos
antes que votem.

A diferença entre um governo de poderes separados ou não sob autoridade


plena parece estar no poder de “entrincheirar” ou não as suas decisões na estrutura
jurídica por um longo período.

Um governo não separado, pelo tempo que está sob autoridade plena, ao
estilo de Westminster, terá suas decisões fortemente respeitadas. Porém, esse
63 Ibidem, p. 114.
64 ACKEMAN, op. cit., p. 24.
65 Ibidem, p. 25.
36

governo está consciente de que suas iniciativas podem ser apagadas na próxima
eleição ou na posterior. Por conseguinte, isso pode funcionar como um estímulo
para cuidar das questões de eficácia imediata. O governante quer ver seus
programas aprovados e em aplicação o mais rapidamente possível, para
impressionar os eleitores pragmáticos na eleição seguinte.

Em um governo não separado com autoridade plena pode-se abrir caminho


para ausência de oposição partidária para governo de coalizão e até caminhar para
ditaduras.

Desta forma, realizam uma combinação de raciocínio e barganha que pode


resultar em um conjunto atraente de resultados, inclusive para muitos dos cidadãos
que não se sentem seguros para endossar quaisquer das direções ideológicas
oferecidas pelos grandes partidos.

e) simetria no bicameralismo:

Outra situação levantada por ele é a simetria existente entre a Câmara dos
Deputados e o Senado Federal no sistema bicameral americano, uma vez que os
nós de legitimidade gerados nesse sistema trazem a necessidade de adoção de um
Presidente independente, o que inviabiliza o chamado “governo do povo”.

E ainda, quanto à falta de uma segunda casa legislativa forte para


composição do parlamento, Ackerman indica que a presença da segunda casa forte
serve apenas para proteger as classes superiores. Segundo ele, os esforços dos
teóricos modernos para justificar uma segunda casa denotam certo grau de
desespero intelectual, oferecendo racionalizações forçadas, como, por exemplo,
exigir apoio da supermaioria para as medidas legislativas. Mas se a regra da
supermaioria foi desejável, a construção de uma segunda câmara parece um
instrumento embaraçoso para sua obtenção.

f) burocracia:

Sobre a burocracia, Ackerman diz que ela pode chegar a ser considerada
como a quarta instância do Estado e que seu problema é a falta de especialização
funcional sob o aspecto humano e a inexistência de especialistas bem treinados.
37

Para ele, a especialização funcional é tão importante quando da escolha do


modelo de separação ou não separação dos poderes do Estado, que chega a
afirmar que neste a burocracia é neutra e naquele há margem para o surgimento do
que denomina “profissionalismo politizado”.

Com relação à análise comparativa entre o parlamentarismo inglês e o


presidencialismo americano, Ackerman também a faz na obra “Nós, o povo
soberano. Fundamentos do Direito Constitucional”, em que descreve três termos
essenciais de interrelacionamento entre as funções legislativas e executivas.

O primeiro termo é a “responsabilidade”. O autor vê o problema da


responsabilidade do Parlamento inglês e a irresponsabiliade americana nessa
intersecção. Inicia afirmando que em períodos normais, no sistema parlamentarista,
a “Câmara dos Comuns não é um centro de poder independente, e sim a junta de
representação, por meio da qual os partidos pretendem organizar a opinião pública
para o apoio nas próximas eleições gerais” 66. Para ele o Primeiro-ministro, e o seu
partido, não podem fugir da responsabilidade pela sua conduta em ofício. Se um
fracasso acontece, eles são responsabilizados por ele; o mesmo ocorre quando há
êxito no seu exercício do poder. São eles que detêm o poder e esse é um fato
notório.

Quanto ao sistema presidencialista norte-americano Ackerman afirma que há


a possibilidade de transferência de responsabilidades: “o Presidente culpa o
Congresso, a Câmara culpa o Senado, a Suprema Corte condena todos eles,
apenas para serem severamente criticados novamente” 67. Ackerman descreve como
“irresponsável a não imputação a alguém; todos reivindicam o crédito pelo êxito e
culpam a todos pelos insucessos”68.

Sob o segundo termo essencial comparativo, “transparência” Ackerman afirma


que um representante deseja convencer os eleitores a reelegê-lo,
independentemente da sua opinião sobre o chefe do Executivo. Em condições

66 ACKERMAN, Bruce. Nós, o povo soberano: fundamentos do direito constitucional. Belo Horizonte: DelRey.
2006. p. 353.

67 Ibidem.
68 Ibidem.
38

normais, isso significa que o partido congressional fará afirmações bastante diversas
daquelas proferidas pelo partido presidencial. Em contrapartida, a estrutura
centralizada do governo britânico o autor assevera ser transparente:

Como não há uma separação de poderes entre o Executivo e o Legislativo,


a única maneira que um eleitor pode expressar sua preferência pelo
Primeiro-ministro é votando no parlamentar que concorre em seu nome no
distrito. Desta forma, os parlamentares podem apenas esperar vencer
centrando-se nos programas e nas personalidades apresentadas pelos
Primeiros-minsitros em potencial. Enquanto os partidos dos Estados Unidos
normalmente se dirigem ao eleitorado com uma cacofonia de vozes, cada
candidato que concorre ao Parlamento busca defender o representante
máximo69.

E por último, o poder de decisão. Para o autor “não é de se admirar, então,


que os ingleses consigam concretizar o que propõe” 70. Isso porque o Primeiro-
ministro é investido em um mandato eleitoral; ele pode esperar que a Câmara apóie
seus projetos de lei sem a pressão infinita das exceções e do tratamento especial. E
continua:

Em vez de lidar com a agressão dos opositores, que buscam provar ao povo
sua ‘competência’ no desempenho do poder, o Primeiro-ministro pode
confiar nos especialistas burocráticos que serão encarregados da
implementação do seu programa71.

Já no presidencialismo, Ackerman 72 afirma que o presidente, em pleno vigor


do seu mandato, apresenta um projeto de lei apenas para vê-lo ser rejeitado
inteiramente no Congresso. Mesmo quando um projeto de lei presidencial surge dos
comitês congressionais, ele perda parte do seu conteúdo programático, sendo
rebatido por congressistas que demandam concessões ad hoc para seus interesses
e idiossincrasias ideológicas73. Até o momento em que ambas as Casas tenham feito
deliberações, o Presidente pode ver o seu projeto de lei ser transformado em um
complexo caótico de compromissos intersticiais. Para agravar ainda mais a situação,
o projeto de lei não responderá às necessidades da administração efetiva.
Legislação incoerente implantada incoerentemente.
69 ACKERMAN, op. cit., 2006. p. 353.
70 Ibidem, p. 354.
71 Ibidem.
72 Ibidem.
73 Ibidem, p. 355.
39

Na comparação desses dois modelos da separação, ao estilo norte-


americano e ao estilo inglês, para se saber qual o melhor para garantir a
manutenção da democracia, Ackerman aponta para o modelo de Westminster. E, por
isso, quando da análise da teoria de Bruce Ackerman sobre a separação dos
poderes, vê-se um traçado muito próximo desse modelo.

2.2. O MODELO DE BRUCE ACKERMAN: O PARLAMENTARISMO LIMITADO

O novo modelo de separação de poderes proposto por Ackerman é chamado


por ele de “parlamentarismo limitado”.

O Parlamentarismo limitado de Ackerman possui alguns órgãos que são


responsáveis pelas funções estatais e outros que funcionam como órgãos
controladores.

O objetivo da engenharia constitucional proposta por Ackerman é fazer com


que não haja uma entidade superior à outra e também atribuir, às que são
responsáveis pelo controle, independência administrativa, política e financeira de
modo que não fiquem submetidas ou subordinadas aos órgãos que devem
controlar74.

Ackerman utiliza quatro bases para desenvolver seu modelo: o parlamento, o


referendo, a Corte Constitucional e as Instâncias de Controle, todos submetidos a
uma Constituição.

2.2.1. O Parlamento limitado: solução de “casa e meia”

O parlamento no modelo de Ackerman é composto por duas casas, porém


não funciona de maneira complementar como no bicameralismo americano.

No parlamento proposto por Ackerman há a Câmara Federalista


democraticamente eleita75, responsável pela seleção de um governo e pela
74 ACKERMAN, op. cit., 2009. p. 63.
75 Ibidem, p. 47.
40

aprovação da legislação ordinária, e uma segunda casa com funções consultivas


específicas, denominada de Câmara Consultiva76. Esta é a construção de “uma casa
e meia”. Ao comparar o bicameralismo com duas casas fortes, trata de denominar
“uma casa e meia” a junção de duas casas legislativas – uma forte e outra fraca.
Assim, há uma casa legislativa eleita democraticamente e uma segunda casa cuja
composição poderia sair da própria Câmara Federativa ou por outro modo de
composição que não seja por eleição direta.

Para ele, a ausência de um senado forte não prejudica a forma federalista de


Estado, pois os valores federalistas devem ser incorporados ao sistema legislativo,
após referendos, para obter a aprovação de uma supermaioria especificada dos
estados constitutivos da federação77.

Os compromissos federalistas podem ser resguardados por meio de


alterações apropriadas do seu sistema de referendo. A distribuição do voto popular
entre os Estados é considerada importante na determinação do resultado de
referendos sequenciais para uma alteração legislativa. Assim, não é possível, para
obtenção de uma supermaioria nacional, a tomada de decisão a menos que ela
obtenha o apoio substancial da maior parte dos estados constituintes.

Ackerman trata da solução de “uma casa e meia” como indispensável na


construção da sua teoria. Até porque, para ele, este é o instrumento que define a
opção da separação ou da não separação dos poderes como sendo ideal para a
democracia.

Outro ponto sensível dessa alternativa de “casa e meia” é a possibilidade de


dar unicidade às funções legislativas. O autor justifica que, por meio dela, haverá a
legitimidade plena para o governo, a garantia do equilíbrio entre as funções do poder
e o afastamento dos perigos de uma presidência independente.

No "parlamentarismo limitado" proposto por Ackerman, o parlamento é


limitadamente soberano porque seus poderes legislativos são restritos por uma

76 ACKERMAN, op. cit., 2009, p. 55.


77 Ibidem, p. 47.
41

Constituição escrita e uma Corte Constitucional 78. Além disso, esse poder é freado e
equilibrado por uma série de instâncias com propósito especial, cada uma motivada
por um ou mais dos três temas básicos da teoria da separação dos poderes.

Tal sistema de controle é composto por uma instância de integridade 79 que


escrutina o governo por corrupção e abusos semelhantes, bem como uma instância
regulatória80 que força a burocracia a explicar como o seu legislador poderá melhorar
de fato os resultados gerados pelo sistema de controle.

Aperfeiçoando a legitimidade democrática, o centro de poder é também


limitado pelas decisões prévias do povo, participação popular, expressas por
referendos sequenciais e implementadas por uma corte constitucional.

2.2.2. O Referendo

Ackerman cita o referendo como forma de legitimidade democrática, mas quer


afastar desse conceito a técnica atual que, segundo ele, está desacreditada. Para
ele o referendo pode ter perdido sua função, tendo em vista que os cidadãos
dificilmente têm tempo, ou energia, de estudar as implicações das propostas, e o
resultado muitas vezes foi determinado por campanhas publicitárias enganosas e
pela capacidade de os interesses especiais mobilizar os seus pequenos exércitos de
crentes verdadeiros81.

Vale ressaltar que o referendo é uma forma de democracia direta, na qual a


participação popular é de suma relevância para alterações legislativas ou
administrativas. A ideia de referendo proposta por Ackerman vai de acordo com os
dizeres do termo.

Cumpre mencionar que Ackerman, ao disciplinar a respeito do referendo


popular, não o diferencia do que hoje é conhecido como plebiscito. Para ele, os

78 Ibidem, p.113.
79 ACKERMAN, op. cit., 2009, p. 47.
80 Ibidem, p. 74.
81 Ibidem, p. 39.
42

institutos são correlatos ao menos para a implantação de sua intenção, qual seja, a
participação popular.

No modelo de Ackerman, a participação popular faz parte de um sistema de


controle de decisões. As decisões mais importantes no âmbito nacional são
submetidas à análise popular, com exigência de múltipla votação, o que é essencial,
conforme se verifica na Suíça82.

Ackerman cita que, naquele país, a ideia de referendo com vistas a uma
participação popular ativa é de grande valia, e que o sistema adotado é democracia
semidireta, uma vez que mescla representação e participação direta.

O autor firma sua ideia no referendo sequencial, que é, em resumo, um


esforço para aplicar o princípio deliberativo à estrutura das instituições legislativas
mais altas, interessante para a efetividade da participação popular.

Para ele, antes de dividir a autoridade legislativa entre câmara, senado e


Presidente, deve-se procurar dividi-la entre o parlamento e o povo: o parlamento
tomando as decisões governamentais rotineiras de gestão, e o povo exprimindo a
sua vontade por um processo cuidadosamente construído de referendos
sequenciais83.

2.2.3. A Corte Constitucional

Outro organismo importante na construção da teoria da separação dos


poderes de Bruce Ackerman é a corte constitucional, necessária para o controle da
supremacia constitucional, uma vez que, se assim não for, os princípios ordenados
pelo povo poderão não ser observados pela maioria parlamentar ou pelo próprio
plebiscito.

82 ACKERMAN, op. cit., 2009, p. 57. Ackerman cita que na Suiça ainda sobrevive a democracia direta em um
cantão e em um semicantão do país (Glaurus e Appenzell Rhodes-Interiores, respectivamente). Referida
participação direta do povo é chamada, na Suíça, de “Landsgemeinde”.No século XIII, os suíços já realizavam a
“Landsgemeinde”. Trata-se de uma assembleia anual, aberta a todos os cidadãos com direito de voto dos
Cantões, na praça principal da cidade. Eles aprovam as decisões levantando os braços. Ela existia nos pequenos
Cantões da Suíça central e oriental. Sua abolição começou no século XIX. O seu procedimento se assemelha
quase totalmente ao das assembleias existentes na Antiguidade Clássica.

83 Ibidem, p. 41.
43

O autor acredita que a atuação da Corte Constitucional pode ser realizada por
meio de valiosos instrumentos, como o judicial review84, por um conselho
constitucional, ou ainda por uma corte de constitucionalidade única 85, a qual,
segundo Ackerman, só terá efetiva validade se for forte.

Vários critérios devem ser empregados para tornar uma Corte forte. Alguns
deles são: o modo de escolha dos membros, sua nomeação e o período pelo qual
servirão. Ackerman cita o exemplo da Alemanha como um modelo de êxito 86.

Naquele país, a Lei Fundamental determina que quem pretende ser indicado
ao Tribunal Constitucional deve obter a aprovação de dois terços dos parlamentares,
concedendo poder de veto para partidos importantes que compõem a minoria. Os
partidos integrantes da menor classe têm o poder de fato de designar um número
relevante de juízes. Igualmente, a regra de votação também afeta o caráter dos
juízes, pois neste sistema é admitido o veto da nomeação. Ainda, a estabilidade
obtida pelo juiz eleito é de doze anos, sem possibilidade de recondução. Diante
dessa forma de seleção, dificulta-se a soberania dos membros perante a população
e reforça-se a formação de uma corte constitucional efetiva 87.

Por fim, com relação aos direitos fundamentais, o centro de poder teria sua
limitação baseada na procura da salvaguarda de direitos participativos de cada
cidadão, dedicada à proteção de direitos humanos fundamentais.

2.2.4 – Instâncias de Controle

Do lado de um centro de órgãos com funções estatais ligadas à separação de


poderes, há outra limitação, além dos tribunais independentes e da Corte
Constitucional, que permeia a estrutura do Estado, chamado de instâncias.
Ackerman prevê três figuras de controle, ou melhor, ele cria três instâncias de

84 Os norte-americanos concedem esta função a todos os tribunais, tendo a Suprema Corte no topo da
hierarquia.

85 Alemanha e França possuem a legitimidade única para invalidação à legislação.


86 ACKERMAN, op. cit., 2009. p. 42.
87 Ibidem, p. 43.
44

controle, cada uma com atuação específica. São elas: Instância Regulatória,
Instância de Integridade e Instância Democrática.

2.2.4.1 – Instância Regulatória

A Instância Regulatória88 força a burocracia a demonstrar como seu legislador


trará melhorias para o funcionamento do Estado, sendo capaz de produzir legislação
suplementar de normas voltadas ao empreendimento regulatório contínuo, que
tomaria medidas para assegurar que as pretensões burocráticas atinentes à técnica
não sejam simples mitos legislativos, mas que se configurem avanços duramente
auferidos.

Essa instância produz medidas construtivas para relevar as dimensões


cruciais do juízo burocrático normativo e disciplinar o seu exercício, por uma
variedade de técnicas, que vão desde a participação pública ao controle judicial 89.

Aqui formar-se-ia um organismo técnico que prepararia a legislação emanada


do órgão legislativo à execução. Seria uma espécie de Direito Administrativo oriundo
de um órgão eminentemente técnico para a execução da lei.

2.2.4.2 – Instância de Integridade

A Instância de Integridade90 escrutina o governo por corrupção e abusos


semelhantes. Sobre a corrupção, Ackerman acredita que

A falta de controle sobre a corrupção mina a própria legitimidade do estado


democrático. Se o ganho imotivado fizer parte da rotina, as pessoas em geral vão
desistir da ideia de que elas e os demais cidadãos podem controlar seus destinos
por meio do estado democrático de direito. Essa situação prevalece em vários
lugares do mundo. Mas o alastramento da corrupção não significa que o Direito

88 ACKERMAN, op. cit., 2009, p. 74.


89 Ibidem, p. 75.
90 Ibidem, p. 72.
45

Constitucional deve fazer “vista grossa”. Ao contrário, sugere que a luta pelo
constitucionalismo genuíno está ainda na sua fase inicial91.

2.2.4.3 – Instância Democrática

A Instância Democrática se dedica a organizar e garantir o processo de


referendo sequencial. Os poderes delegados a esta instância dependerão, para
Ackeman, do conceito de democracia que será adotado pela assembleia constituinte
e dos mecanismos capazes de assegurar sua vigência92.

As instâncias permeiam a atuação do Governo Central, da Câmara


Legislativa, da Câmara Consultiva, mas também analisam se o sistema de referendo
está sendo respeitado. Porém, há a necessidade destas instâncias estarem fora de
qualquer base estrutural dos poderes. Assim, encontrar um lugar na nova separação
dos poderes é necessário para não a tornar altamente poderosa 93.

Aos membros das instâncias devem ser pagos salários elevados, com
proteção, plano de carreiras, para não haver subordinação àqueles que devem
investigar. A Constituição deve, ainda, garantir a elas um percentual fixo da receita
para não ficarem reduzidas a órgãos simbólicos.

Como se vê, para construção do modelo de “parlamentarismo limitado”,


Ackerman94 destaca um número de funções especiais do controle parlamentar direto,
o que para ele tende a acabar com as difundidas rupturas burocráticas

2.3 – ALGUNS MODELOS DE PARLAMENTARISMO LIMITADO JÁ EXISTENTES

Antes de iniciar sua teoria, Ackerman ressalta que alguns países, como Japão
e Alemanha, foram construídos sob uma espécie de “parlamentarismo limitado” – ou

91 Ibidem.
92 ACKERMAN, op. cit., 2009. p. 102.
93 Ibidem, p. 74.
94 Ibidem, p. 79.
46

“solução de uma casa e meia”, porque não tinham forças para construir uma
plataforma de separação dos poderes sob o sistema de governo presidencialista.

Segundo ele, no Japão do pós-guerra, americanos apresentaram um projeto


de Constituição. Porém os elaboradores do projeto não propuseram uma separação
dos poderes ao estilo estadunidense. Neste momento surge uma espécie de
“parlamentarismo limitado”95. Em tal modelo o Primeiro-Ministro 96 e o seu Gabinete
devem conservar a confiança do Parlamento para permanecer no poder. Mas o
Parlamento japonês, diferentemente do inglês, não é totalmente soberano. Os seus
poderes legislativos são limitados por uma Constituição escrita, uma declaração de
direitos e uma suprema corte.

Sem a soberania do Parlamento e sem um legislativo bicameral a Casa dos


Representantes desempenha o papel dominante na escolha do Gabinete. Embora a
Casa dos Conselheiros tenha poderes significativos, não é constitucionalmente
equivalente à Casa dos Representantes. Chama-se isso de “solução de casa e
meia”. O Art. 67, por exemplo, diz que a “Casa dos Representantes” tem o poder de
escolher o Primeiro-Ministro unilateralmente quando as duas casas não chegam a
um consenso. Também, pelo artigo 69 da Constituição japonesa, ela tem o poder
exclusivo de remover o governo por meio do voto de desconfiança 97.

A Casa dos Conselheiros não é mero símbolo; tem poder importante de


bloquear a legislação aprovada pela Casa dos Representantes, a não ser que esta
possa reunir uma maioria de dois terços. Porém, apesar da ideia de
parlamentarismo limitado pela solução de “casa e meia”, a figura do Imperador, que
é Chefe de Estado, é detentora do poder soberano, restando infrutífera a tentativa
de contenção dos poderes.

95 Ackerman cita que a equipe de juristas do General MacArthur apresentou um esboço de uma constituição aos
japoneses. ACKERMAN, op. cit., 2009. p. 2.

96 A Constituição japonesa, afora o regime imperialista, traz nos artigos 41 a 64 um longo regramento sobre os
Poderes do Estado, firmando um sistema de soberania do órgão legislativo. Prevê que o primeiro-ministro é
subordinado à Direita Nacional. Informações disponíveis em <http://pt.scribd.com/doc/5523356/A-
Constituicao-do-Japao>. Tradução livre de Oswaldo J. Takahara L.

97 ACKERMAN, op. cit., 2009. p. 44.


47

Quanto à Alemanha98, que com a Lei Fundamental99 criou um presidente forte,


eleito por toda a nação e independente do controle parlamentar, o qual deveria ser
neutro para não fortalecer um dos poderes existentes – uma vez que ninguém
estava disposto a uma presidência eleita após a experiência última com Adolf Hitler
–, novamente foi utilizado o modelo do “parlamentarismo limitado”, com a solução de
uma casa e meia.

Os legisladores do pós-guerra da Lei Fundamental da Alemanha 100


estabeleceram o Bundestag101 no parlamento alemão. Esta lei não teve precedentes
na história constitucional alemã porque assegurou ao Parlamento controle total
sobre o governo e a burocracia.

Estes modelos são importantes para o estudo da proposta de Ackerman


porque neles podem-se observar alguns instrumentos essenciais que o autor utiliza
na sua teoria e que lá já se encontram efetivados. Cita-se, como exemplo, a solução
de casa e meia.

2.4 A CONCLUSÃO DE BRUCE ACKERMAN

Bruce Ackerman vê, nesta estrutura, uma possibilidade “de nos empurrar para
além dos encantamentos ritualistas de Madison e Montesquieu” 102. A separação dos
poderes para ele é uma boa ideia, mas acredita que não há nenhuma razão para
supor que escritores clássicos esgotaram a sua excelência. Pelo contrário, ele
98 Os Estados Unidos da América insistiram para que a Alemanha fosse uma estrutura federal.
99 BERCOVICI, Gilberto. Carl Schmitt e a Constituição de Weimar: breves considerações. Revista Latino-
Americana de Estudos Constitucionais, n. 2, p. 371, jul./dez. 2003. p. 371.

100 Constituição alemã: A Alemanha adotou um sistema de solução de “Uma casa e meia” ao prever um
Parlamento Federal (art. 38 a 49), um Conselho Federal (art. 50 a 53) e um Presidente Federal (art. 54 a 61).

101 O Bundestag é o corpo legislativo federal. O Bundesrat (Conselho Federal) é um órgão constitucional da
República Federal Alemã. Representa a ordem federal na Alemanha, nos termos da chamada cláusula
pétrea do Artigo 79, parágrafo 3, da Constituição alemã. O Bundesrat participa das decisões concernentes a leis
federais e às competências dos Länder, bem como a matérias relativas à União Europeia. Sua sede é o prédio
da antiga Preußisches Herrenhaus (Câmara dos Senhores Prussianos) em Berlim. O Bundesrat é integrado por
69 representantes dos governos dos 16 Länder (estados federados) – cada estado tendo direito a entre 3 e 6
representantes, proporcionalmente à sua população. Esses representantes são eleitos indiretamente pelos
governos estaduais e, muitas vezes, são os próprios chefes do Executivo dos estados ou seus ministros.

102 ACKERMAN, op. cit., 2009. p. 113.


48

afirma que “na medida em que exploramos cada uma das três bases lógicas da
separação dos poderes, encontramos abundantes razões para duvidar da sabedoria
estadunidense herdada”103.

Em relação ao seu modelo, menciona que, à primeira vista, parece uma


estrutura demasiadamente complicada, mas diz que isso é fruto apenas de ser o
esquema novo. E relata: “A questão crucial não é sobre a complexidade, mas se
(nós) norte-americanos estamos separando o poder pelas razões certas” 104.

E continua indagando se há uma boa razão para supor que um governo


moderno razoável deve dividir o poder entre somente três ou quatro instâncias. Para
ele a discussão apenas começou.

Sobre seu modelo, o autor espera o ceticismo por parte de historiadores, que
acreditarão que o estilo da abstração da engenharia constitucional é sem valor; por
parte de deterministas econômicos, que insistirão que é uma luta contra
epifenômenos imaginários e que os constitucionalistas deveriam estar fixando a sua
atenção na dinâmica interna da estrutura de classes ou nos imperativos supremos
do sistema econômico mundial.

103 Ibidem.
104 Ibidem, p. 114.
49

CAPÍTULO III – A SEPARAÇÃO DOS PODERES NO BRASIL E A TEORIA DE


BRUCE ACKERMAN

Desde a concepção do Estado brasileiro, a teoria da separação dos poderes


sempre foi uma opção à organização do Estado. Com exceção da primeira
Constituição brasileira, de 1824, que trouxe em seu texto um quarto poder, o Poder
Moderador, todas as que se seguiram optaram pela tripartição clássica inspirada em
Montesquieu e formatada pelos norte-americanos.

Porém, a história, os determinantes econômicos e militares e o acontecimento


de inúmeros fatos políticos trouxeram uma dinâmica muito específica ao nosso país,
transformando-o em um modelo de Estado muito diferente daquele em que a teoria
de Montesquieu foi cultivada e realizada.

Da análise da teoria da separação dos poderes nas Constituições brasileiras,


constata-se que somente a Constituição de 1988 conseguiu efetivamente
implementar esta teoria em seu objetivo precípuo: a limitação do poder estatal.

Apesar disso, a estrutura inserida na Constituição brasileira de 1988 necessita


de aprimoramento, pelos motivos que à frente se exporá. Nesse sentido, nesta parte
do trabalho, é inserida a proposta de uma “nova separação dos poderes” no Brasil,
partindo da teoria de Bruce Ackerman – Parlamentarismo Limitado, e, em seguida,
sua a validade jurídica frente à Constituição Federal de 1988.

Para tanto, faz-se necessário um relato da presença da separação dos


poderes no histórico das Constituições brasileiras e na atual Constituição, bem como
a análise dos problemas decorrentes da atual estrutura da separação dos poderes
nesta Constituição.

3.1. A FORMULAÇÃO DA TEORIA DA SEPARAÇÃO DOS PODERES NO


HISTÓRICO DAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS

A análise das Constituições brasileiras possibilita uma visão das razões que
levaram à conservação da separação dos poderes na Carta Magna de 1988.
50

Ao longo de sua história o Brasil experimentou vários períodos ditatoriais,


fortemente autocráticos, nos quais a presença de poderes separados,
independentes e harmônicos era apenas formal. Isso fica evidente quando se
observa a distribuições de funções aos poderes nos textos constitucionais. Em
outros momentos, instala-se o regime democrático, mas sem grandes chances de
permanência, tendo em vista a constante preponderância do Poder Executivo,
dentre outros motivos.

O relato histórico-político aqui tem início no ano de 1808, com a ocupação das
terras portuguesas pelas tropas napoleônicas. A Família Real Portuguesa se
transfere para o Brasil, passando a colônia brasileira a ser designada Reino Unido a
Portugal e Algarves. Em razão da Revolução do Porto e por exigência dos nobres
portugueses, o Rei Dom João VI, rei de Portugal, retorna a Lisboa em abril de 1821,
deixando no Brasil Dom Pedro, seu filho.

A principal característica política da independência brasileira foi a negociação


entre a elite nacional, a Coroa Portuguesa e a Inglaterra, tendo como figura
mediadora o princípe D. Pedro. Do lado brasileiro, o principal negociador foi José
Bonifácio, que vivera longos anos em Portugal e fazia parte da alta burocracia da
metrópole105. O radicalismo popular manifestava-se, sobretudo, no ódio aos
portugueses, que controlavam as posições de poder e o comércio nas cidades
costeiras. Parte da elite brasileira acreditou até o último momento ser possível uma
solução que não implicasse a separação completa de Portugal. Foram as tentativas
das Cortes portuguesas de reconstituir a situação colonial que uniram os brasileiros
em torno da ideia de separação106.

Esses acontecimentos intensificaram os movimentos pela independência do


Brasil, sendo que em 09 de janeiro de 1822, conhecido como “Dia do Fico”, D.
Pedro, em desrespeito às ordens portuguesas que exigiam seu retorno, decidiu
permanecer no País107. Em 07 de setembro do mesmo ano, declarou a
Independência do Brasil. Em 1824, outorgou a Constituição Política do Império do
105 CARVALHO, José Murilo. Cidadania no Brasil: o longo caminho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2009. p. 25.

106 CARVALHO, op. cit., p. 27.


107 Ibidem, p. 25.
51

Brasil, que, apesar da gênese autocrática, trazia em seu bojo princípios liberais
baseados na legislação francesa, marcada por um centralismo administrativo e
político, tendo em vista a figura do Poder Moderador constitucionalizado e também
do unitarismo e do absolutismo.

O Artigo 3º dessa Constituição firmou o poder do Estado como uma


Monarquia Constitucional ao prescrever que “O seu governo é monárquico,
hereditário, constitucional e representatativo 108”.

Tratava-se de forma unitária de Estado, com nítida centralização político-


administrativa. Com relação ao território, este era dividido em províncias 109 (antigas
capitanias hereditárias), as quais eram subordinadas ao Poder Central e tinham um
“Presidente”, nomeado pelo Imperador e que poderia ser removido a qualquer tempo
em nome do “bom serviço do Estado”110.

O Brasil, naquela época, tinha duas opções a seguir: o modelo norte-


americano, repúblico, e o modelo europeu, monárquico. Segundo José Murilo
Carvalho111, do lado europeu, havia a tradição colonial portuguesa, as pressões da
Santa Aliança, e, sobretudo, a influência mediadora da Inglaterra, o que facilitou o
modelo de monarquia constitucional.

Não era mais possível um país sem constituição e sem uma separação dos
poderes, ainda que formal. Era o que afirmava o Artigo 9º daquela Constituição:

Art. 9. A Divisão, e harmonia dos Poderes Politicos é o principio


conservador dos Direitos dos Cidadãos, e o mais seguro meio de fazer
effectivas as garantias, que a Constituição offerece.

Art. 10. Os Poderes Politicos reconhecidos pela Constituição do


Imperio do Brazil são quatro: o Poder Legislativo, o Poder Moderador, o
Poder Executivo, e o Poder Judicial.

Art. 11. Os Representantes da Nação Brazileira são o Imperador, e a


Assembléa Geral.

108 Depois da restauração da Europa com retomada de poder pelas monarquias que haviam perdido suas coroas
para Napoleão, não era mais possível para um rei afirmar que o Estado era dele.

109 A divisão em províncias está contida no Artigo 2º da Constituição Política do Império do Brazil de 1824.
110 Expressão utilizada no Art. 165 da Constituição Política do Império do Brazil de 1824.
111 CARVALHO, op. cit., p. 34.
52

Art. 12. Todos estes Poderes no Imperio do Brazil são delegações da


Nação.

Assim, a separação foi feita112 e, como se viu, a monarquia113 foi mantida.

Para Flávia Lages de Castro 114 a Constituição Imperial indicava uma divisão
de poderes, como era de se esperar de uma monarquia que desejava ser
constitucional nos moldes dos Iluministas; entretanto, indo além de Montesquieu,
que apontava serem três poderes, a primeira Constituição brasileira interpõe um
quarto poder, o Moderador115, que para ela é a chave para a compreensão da
pseudo-independência dos poderes no Brasil monárquico.

Tanto é assim, que os artigos 98 e 99 da Constituição Imperial descreviam o


Poder Moderador como aquele que detém a chave de toda a organização política e
é delegado privativamente ao Imperador, como Chefe Supremo da Nação, e seu
Primeiro Representante, para que incessantemente vele sobre a manutenção da
Independência, equilíbrio e harmonia dos demais poderes políticos. E mais:
descrevia que a pessoa do Imperador é inviolável e sagrada, não estando sujeita a
responsabilidade alguma.

Importa, em particular, observar que a figura do Imperador exercia a chefia de


três Poderes: o Executivo, o Moderador 116 e, ainda, o Legislativo, até a fase da
regência.

O surgimento da figura do Poder Moderador tem base na ideia de Benjamin


Constant, que indicava haver a necessidade não de três, mas de cinco poderes:

112 Graças à intermediação da Inglaterra, Portugal aceitou a independência do Brasil mediante o pagamento de
uma indenização de dois milhões de libras esterlinas.

113 A opção pela figura da monarquia, e não da República, deveu-se pela convicção da elite de que só a figura
de um rei poderia manter a ordem social e a união das províncias que formavam a antiga colônia. In:
CARVALHO, op. cit., p. 46.

114 CASTRO. Flávia Lages de. História do direito geral e do Brasil. 6. ed. Rio de Janeiro: Lumn Juris, 2008. p.
355.

115 Seguindo as ideias de Benjamin Constant: os poderes políticos chegariam a quatro – o poder real
(imparcial), o poder ministerial (governamental), o poder representativo (Senado e Câmara Baixa) e o poder
judiciário. In: CONSTANT, Henri-Benjamin. Princípios políticos constitucionais. Rio de Janeiro: Freitas Bastos.
2013. p. 75

116 BUENO, José Antônio Pimenta. Direito público brasileiro e análise da Constituição do Império. Rio de
Janeiro: Nova Edição, 1958. p. 48.
53

[...] distingo cinco [poderes], de naturezas diferentes, numa monarquia


constitucional: primeiro, o poder real; segundo, o poder executivo; terceiro, o
poder representativo da continuidade; quarto, o poder representativo da
opinião; quinto, o poder de julgar117.

Na ideia de Benjamin Constant, o poder representativo da continuidade


residia numa assembleia hereditária, e o poder representativo da opinião era
composto de uma assembleia eleita, responsável pela produção de leis. O poder
executivo era confiado aos ministros que cuidavam da administração geral e
execução das leis, e o terceiro, com a função de julgar, era atribuição dos tribunais.
O poder real estava acima desses poderes.

Entretanto, esta construção de Benjamin Constant 118 não foi aplicada de forma
absoluta na Constituição de 1824. Importante esclarecer que ele indicava haver um
quarto Poder, além dos três convencionais: o Poder Moderador, que se coloca numa
posição capaz de dirimir conflitos entre os demais poderes, evitando crises
institucionais.

Depois da fase de regência 119, já no segundo reinado, foi criada uma espécie
de parlamentarismo monárquico. Com o novo sistema, o Imperador escolhia o
Presidente do Conselho de Ministros, dentre os seus, para a Chefia do Legislativo,
sob suas ordens.

Nessa época, do Segundo Reinado, por força dos partidos e seus homens, o
sistema de monarquia limitada deu lugar ao regime de feição parlamentar 120. Isso
significou que até a República Velha, viveu-se um parlamentarismo, mas um
parlamentarismo em que a interferência, embora espaçada, do Imperador, se fazia
sentir121.

117 CONSTANT, op. cit., p. 74.


118 Ibidem, p. 73.
119 No período monárquico há uma divisão entre o primeiro e o segundo império. O segundo império é relativo
ao tempo de D. Pedro II (1840-1889), iniciando-se pela fase das Regências (1831-1840).

120 Decreto Imperial n. 523, de 20 de julho de 1847, redação original da ementa: “Crea hum Presidente do
Conselho dos Ministros”.

121 FERREIRA FILHO, op. cit., 2009. p. 260.


54

O Poder Legislativo era exercido pela Assembleia Geral, constante no Título


4º, arts 13 e 14 da Constituição de 1824, com a sanção do Imperador, composta de
duas câmaras: a Câmara dos Deputados (eletiva e temporária 122) e a Câmara de
Senadores, ou Senado (vitalícia e composta por membros nomeados pelo Imperador
dentre uma lista tríplice enviada pela Província).

Salienta-se que a figura do Deputado eleito não pressupõe que eles estavam
livres da ingerência imperial. Isso porque o Poder Moderador podia fechar a Câmara
dos Deputados e convocar novas eleições:

Art. 101. O Imperador exerce o Poder Moderador:

[...]

V. Prorogando, ou adiando a Assembléa Geral, e dissolvendo a Camara dos


Deputados, nos casos, em que o exigir a salvação do Estado; convocando

immediatamente outra, que a substitua.

O processo legislativo, a cargo da Câmara dos Deputados e do Senado,


terminava com a sanção ou veto do Imperador. É o que apregoava o art. 66 da
Constituição de 1824. E, ainda, o art. 67 determinava que o silêncio do Imperador no
prazo de um mês implicaria o veto do projeto de lei.

A função do Poder Executivo, como se viu, era realizada pelo Imperador, por
intermédio de seus Ministros de Estado. Em um primeiro momento, estes não
dependiam da confiança do Parlamento, porém, quando da assunção do Poder por
D. Pedro II, foi instituído o parlamentarismo monárquico no Brasil, criando-se o cargo
de Presidente do Conselho de Ministros (o membro ocupante era escolhido pelo
Imperador – parlamentarismo às avessas), o qual escolhia os demais Ministros que
deveriam ter a confiança dos Deputados e do Imperador, sob pena de ser dissolvido.

Com relação ao Poder Judiciário, conhecido como Poder Judicial, o art. 151
tratava de compô-lo com juízes e jurados. Os primeiros aplicavam a lei; os jurados,
por sua vez, se pronunciavam sobre os fatos. Os juízes eram dotados da
característica da vitaliciedade e nomeados pelo Imperador, como uma das suas
atribuições como chefe do Poder Executivo. Para julgar causas em segunda e última

122 Artigo 35 da Constituição Política do Império do Brasil, 1824.


55

instância, nas Províncias do Império, foram criadas as “Relações”. Na Capital foi


estabelecido, como órgão de cúpula do Poder Judiciário, o Supremo Tribunal de
Justiça, composto por juízes togados e provenientes das “Relações” das Províncias
e pelo critério de antiguidade, conforme art. 163 daquela Constituição.

O Poder Moderador era o poder que sustentava a estabilidade do trono. O art.


98 da Constituição já dizia que o Poder Moderador é a chave de toda a organização
política, delegado privativamente ao Imperador, como Chefe Supremo da Nação e
seu Primeiro Representante, para que incessantemente vele sobre a manutenção da
independência, equilíbrio e harmonia dos demais Poderes Políticos. Como
depreende José Murilo Carvalho123, a principal atribuição deste poder era a livre
nomeação dos ministros de Estado, independentemente da opinião do Legislativo, e
essa atribuição fazia com que o sistema não fosse autenticamente parlamentar,
conforme o modelo inglês. Poderia ser chamado de monarquia presidencial, uma
vez que no presidencialismo republicano a nomeação de ministros também
independe da aprovação do Legislativo.

Desta forma, apesar da pretensa formação de poderes separados, o que se


tinha eram meras divisões de funções distintas, submetidas ao único Poder existente
à época, o Poder do Imperador.

Assim, a Constituição brasileira de 1824, imposta por D. Pedro I, representou


um compromisso entre as ideias liberais do Iluminismo e a tradição monárquica
europeia. Trouxe as teses de Benjamin Constant de um poder real, aqui tranformado
em poder moderador e a Carta francesa de 1814. Posteriormente surgiu o sistema
parlamentar inglês, mas que sempre sofreu com a intervenção do Imperador,
ocasionando o seu declínio.

Neste sentido, Jorge Miranda ressalta que:

O regime tentou evoluir para um sistema parlamentar de estilo inglês, com


dois partidos a alternar o poder (o liberal e o conservador). Mas foi sempre
afetado pela falta de base social e política e pela constante intervenção, de
tipo orleanista, do Imperador fazendo e desfazendo governos (apesar de ter
sido criado em 1847 o cargo de Presidente do Conselho de Ministros). 124

123 CARVALHO, op. cit., p. 29.


124 MIRANDA, op. cit. p. 74
56

A partir de 1860, a monarquia começa a enfraquecer. Em 1889, a República é


proclamada por Marechal Deodoro da Fonseca 125, afastando-se do poder D.Pedro II
e toda a Dinastia Bragança. As províncias do Brasil, reunidas pelo laço da
Federação, passam a constituir os Estados Unidos do Brasil.

Com a queda da monarquia, a proclamação da República foi feita em 15 de


novembro de 1889, seguida pela instalação da Assembleia Constituinte em 1890 e a
promulgação da primeira Constituição republicana em 24 de fevereiro de 1891.

A partir desta Constituição, todas que se seguiram tinham como esboço a


divisão tradicional usada na tripartição de Poderes em: Legislativo, Executivo e
Judiciário.

Porém, apesar de essa estrutura permanecer expressamente nas demais


Constituições brasilerias, a longa história de alternância de regimes políticos
ditatoriais e democráticos atribuiu ao modelo um desequilíbrio entre os poderes,
conferindo ao Poder Executivo uma supremacia em relação aos demais.

É que se percebe a seguir.

Antes da proclamação da Constituição Federal de 1891, se instala no Brasil o


Governo Provisório, presidido pelo Marechal Deodoro da Fonseca e que tinha a
importante missão de consolidar o novo regime e promulgar a primeira Constituição
da República.

O Governo Provisório era eminentemente centralizador. Isto fica provado no


Decreto126 que instalou a República e no pacto federativo que autorizava que
enquanto os Estados não organizassem seus constituintes, ele é que indicava os
governadores das províncias127, legislava e detinha o comando das forças armadas
para a defesa do novo regime128.

125 Decreto Revolucionário n. 1, expedido pelo Marechal Deodoro da Fonseca em 15 de novembro de 1889.
126 Decreto n.1 da República Federativa do Brasil, de 15 de novembro de 1889.
127 Artigo 4º do Decreto n.1 da República Federativa do Brasil, de 15 de novembro de 1889.
128 RONALDO, Leite Pedrosa. Direito em história. 6. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2008. p. 369.
57

A Assembleia Constituinte foi eleita em 1890. Em 1891, a primeira


Constituição da República do Brasil é promulgada, vigorando até 1930. A influência
da Constituição norte-americana de 1787 fica mais acentuada, consagrando o
governo presidencialista, a forma de Estado federal, abandonando o unitarismo e a
forma de governo republicana em substituição à monárquica.

Com efeito, Jorge Miranda, a propósito da nova organização dos poderes no


Brasil, ressalta que:

Fundamentalmente, a Constituição de 1891 adaptou ao Brasil o sistema


constitucional de modelo norte-americano, à semelhança do que já tinham
feito o México e a Argentina. Foi reorganizado o poder, distribuído entre a
União e os Estados federados, e substituiu-se à tendência parlamentar um
princípio de governo presidencialista129.

E ainda traz em nota que:

De resto, não foi apenas por imitação dos Estados Unidos, mas também por
terem consagrado o federalismo que os autores da Constituição tiveram que
consagrar o presidencialismo: para que um poder central forte, ligado ao
Presidente da República, preservasse a unidade do país130.

Já sob a forma de Estado federado, e com a extinção do Poder Moderador,


estabeleceu-se no Artigo 15 da nova Constituição: “são órgãos da soberania
nacional o Poder Legislativo, o Executivo e o Judiciário, harmônicos e
independentes entre si”.

Porém, apesar da mudança significativa no contexto da ordem constitucional


no Brasil, na realidade a primeira Constituição republicana trocou a monarquia por
uma ditadura militar. Aliás, no dizer de Flávia Lages de Castro, “a proclamação da
República foi portanto e de fato (sendo redundante) apenas uma proclamação 131.

Jorge Miranda ressalta que o ambiente da república de 1889-1891 não era


muito diverso do Império, cujos hábitos ainda permeavam as instituições políticas 132.

129 MIRANDA, op.cit., p. 206.


130 Ibidem.
131 CASTRO, op.cit., p. 407.
132 MIRANDA, op cit., p. 147.
58

Também José Murilo de Carvalho 133 salienta que esse período foi marcado
pelo forte domínio das oligarquias e pela fraude eleitoral institucionalizada.

Contextualizando essa narrativa, Pedrosa menciona, com relação ao início da


República, que “os dez primeiros anos foram marcados pelos governos de militares,
inúmeras revoltas, agitações, descontentamento de toda ordem, incluindo
verdadeiras guerras civis”134.

Nesse período vários presidentes militares emergiram ao poder, sendo eles:


Marechal Deodoro da Fonseca (1889-1891), Marechal Floriano Peixoto (1891-1894),
Prudente de Moraes (1894-1898), Campos Sales (1898-1902), Rodrigues Alves
(1902-1906), Afonso Pena (1906-1909), Nilo Peçanha (1909-1910), Hermes da
Fonseca (1910-1914), Venceslau Brás (1914-1918), Delfim Moreira (1918-1919),
Epitácio Pessoa (1919-1922), Artur Bernardes (1922-1926), Washington Luís (1926-
1930) e, pondo fim ao rodízio de Presidentes 135 do Brasil, Getúlio Vargas (1930-
1945).

Destaca-se aqui o formalismo da Constituição de 1891, que a par da


realidade brasileira à época, mantinha a organização dos Poderes sob uma estrutura
altamente especializada, prevista nos art. 16 a 62.

O Poder Legislativo federal era exercido pelo Congresso Nacional, com a


sanção do Presidente da República, sendo este composto por duas Casas: Câmara
dos Deputados, formada por representantes do povo eleitos pelos Estados e pelo
Distrito Federal, mediante sufrágio direto e garantida a representação da minoria,
pelo mandato de três anos, e o Senado Federal, o qual representava os Estados e o
Distrito Federal, sendo eleitos três senadores por Estado e três pelo Distrito Federal,
do mesmo modo que os Deputados, pelo mandato de nove anos, fixando-se, assim,
o bicameralismo federativo. O Poder Legislativo também foi estabelecido em alguns
Estados, os quais possuíam duas casas, caracterizando a ideia de bicameralismo
estadual.

133 CARVALHO, op. cit., p. 45.


134 PEDROSA, op. cit., p. 370.
135 Conhecido como política do café-com-leite.
59

O Poder Executivo era exercido pelo Presidente da República dos Estados


Unidos do Brasil, o chefe eletivo da Nação, eleito junto com o Vice-Presidente por
sufrágio direto, para mandato de quatro anos, não podendo ser reeleito para um
período subsequente. O Presidente era auxiliado pelos Ministros de Estado, agentes
de sua confiança que lhe subscreviam os atos e eram nomeados e demitidos
livremente. Havia também a figura do Executivo local: os chamados “governadores”
eram os “presidentes estaduais”.

No Poder Judiciário, o órgão máximo passou a chamar Supremo Tribunal


Federal, composto de quinze juízes. Estabeleceu-se a hipótese dos crimes de
responsabilidade. Houve expressa previsão da garantia da vitaliciedade para os
juízes federais e para os membros do Supremo Tribunal Militar. Para os primeiros
também houve previsão expressa da garantia de irredutibilidade de vencimentos. A
Justiça Federal foi criada nesta Constituição e exercida pelo Supremo Tribunal
Federal e por juízes inferiores intitulados Juízes de Secção.

A Revolução de 1930 põe fim à República Velha, que instituiu o Governo


Provisório136, levando Getúlio Vargas ao poder. Alguns dos fatores primordiais para a
queda da República Velha, como já mencionado, foram: o domínio das oligarquias e
a fraude eleitoral institucionalizada, a crise econômico-financeira de 1929, a
burguesia em ascensão, o tenentismo e o surgimento de uma classe operária
descontente em razão do processo de industrialização estimulado pela Primeira
Guerra.

Em 1934, houve a promulgação da Constituição com forte influência da


Constituição de Weimar da Alemanha de 1919. Restou a República como forma de
governo, a Federação como forma de Estado, o presidencialismo como sistema de
governo e a tripartição de poderes.

Assim, a teoria clássica de Montesquieu foi mantida pela Constituição da


República dos Estados Unidos do Brasil, conforme o “Art 3º - São órgãos da
soberania nacional, dentro dos limites constitucionais, os Poderes Legislativo,
Executivo e Judiciário, independentes e coordenados entre si”.

136 O Decreto n. 19.398 de 11 de novembro de 1930 instalou o Governo Provisório.


60

Entretanto, a ingerência pessoal de Vargas, eleito pela Assembleia


Constituinte logo após137 a vigência da Constituição de 1934, fez com que ele
permanecesse no poder. Diante disso, a Constituição que acabara de entrar em
vigor sofreu com o flagrante desrespeito ao sistema representativo que firmava.
Além do fato de Vargas permanecer no Poder por eleições indiretas, estas foram
realizadas por escrutínio secreto, sem possibilidade de qualquer interposição de
incompatibilidades.

Os argumentos utilizados para justificar flagrante afronta ao texto


constitucional de 1934 foram da seguinte ordem:

A Assembleia Nacional Constituinte, sufragando o nome do Sr. Getúlio


Vargas, para o exercício da suprema magistratura da República, no primeiro
período presidencial [...], não fez mais do que obedecer à lógica [...]. A
prática de qualquer instituição política, mesmo quando elaboradas com a
preocupação de tornar seu funcionamento o mais independente possível
do fator pessoal, representado pela mentalidade e pelo caráter dos
estadistas colocados nos postos de suprema direção, fica sempre
adstrita a esses elementos imponderáveis que decorrem da personalidade
dos homens de governo138. (grifo nosso)

Contrariamente, o texto constitucional firmava que o Presidente da República,


ao exercer o Executivo, é eleito junto com o vice por sufrágio universal, direto,
secreto, para mandato de quatro anos.

O poder exercido por Vargas, desde que assumiu o Governo provisório, foi
discricionário, chegando, por diversos motivos, a decretar o estado de sítio, que
perdurou por mais de um ano e serviu de pretexto para mantê-lo no poder.

Pedrosa ressalta que, ao lado de uma Constituição bem escrita, adequada à


época, “na verdade, houve uma acomodação de vários interesses, desde o retorno
das elites ao cenário político, o reconhecimento de direitos para classes operárias, a
satisfação a grupos militares, com um Estado fortalecido”139.

137 Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição de 1934 dizia em seu artigo 1º
“Promulgada esta Constituição, a Assembleia Nacional Constituinte elegerá, no dia imediato, o Presidente da
República para o primeiro quadriênio constitucional”.

138 Trecho da publicação dos motivos para eleição, pela Assembleia Constituinte, de Getúlio Vargas. Citação
extraída em apud CAMPANHOLE, Adriano, CAMPANHOLE, Hilton Lobo. Constituições do Brasil. 6. ed. São
Paulo: Atlas, 1983. p. 562.

139 PEDROSA, op. cit., p. 390.


61

O Poder Legislativo era exercido pela Câmara dos Deputados com a


colaboração do Senado Federal. Rompia-se com o princípio do bicameralismo
rígido, no qual as duas casas exerciam funções básicas idênticas. Estabelecia-se
um bicameralismo desigual.

Foram estabelecidos como órgãos do Poder Judiciário a Corte Suprema, os


Juízes e Tribunais federais, os Juízes e Tribunais militares, os Juízes e Tribunais
eleitorais, estabelecendo-se aos juízes as garantias da vitaliciedade, inamovibilidade
e irredutibilidade de vencimentos. Contudo, este texto de 1934 foi abolido com o
golpe de 1937.

Com o golpe de 1937140 o Congresso foi fechado e houve a decretação de


uma nova Constituição para o estabelecimento do Estado Novo. Esta Constituição
sofreu influência dos ideais autoritários e fascistas 141, instalando a ditadura, que só
teria fim com a redemocratização pelo texto de 1945 142, e se declarando, em todo o
País, o estado de emergência.

A Constituição de 1937 veio sob a denominação de “Constituição dos Estados


Unidos do Brasil”, que, apesar de não mais constar no título, manteve a forma de
governo republicana; a forma de Estado federado também foi mantida.

Havia a previsão dos três poderes, permenecendo a teoria clássica de


Montesquieu, porém, na prática, deixou de ser observada. Esta Constituição
centralizou muito poder no Presidente da República, atribuindo-lhe, por exemplo, a
faculdade de apresentar projeto de lei 143 ao mesmo tempo em que negou essa
possibilidade ao Senado.

Embora a Constituição firmasse que o poder emana do povo, este era


representado exclusivamente pelo Presidente da República, que é descrito pelo art.
140 De 1937 a 1945 o Brasil viveu sob o regime ditatorial civil. Era um regime autoritário, não totalitário ao
estilo do fascismo, do nazismo e do comunismo. In: CARVALHO, op. cit., p. 109.

141 Esta Constituição foi apelidada de “Polaca” em razão da influência da Constituição polonesa fascista de
1935.

142 Em 1945 foi publicada a Lei Constitucional 13, de 12 de novembro de 1945, que em seu art. 2º atribuía à
Câmara dos Deputados e ao Senado Federal Poderes Legislativos ordinários.

143 Artigo 174, §1º da Constituição de 1937 com alteração dada pela Lei Constitucional n. 9 de 28 de fevereiro
de 1945.
62

73 como autoridade “suprema” do Estado, instalando um forte governo autocrático, o


segundo na história do Brasil. Assim o texto original do artigo 73 descreve a
autoridade do Presidente:

Presidente da República, autoridade suprema do Estado, coordena a


atividade dos órgãos representativos, de grau superior, dirige a política
interna e externa, promove ou orienta a política legislativa de interesse
nacional, e superintende a administração do País.

Essa condição de autoridade não se esgota com a característica da


supremacia do executivo; vale destacar que o art. 73 também atribui ao Poder
Executivo a coordenação da atividade dos órgãos representativos de grau superior,
a direção da política interna e externa, promovendo e orientando a política
legislativa de interesse nacional.

Desta forma, o Presidente governava por decreto, a política foi eliminada, e


tudo era discutido como assuntos puramente técnicos, a serem decididos por
especialistas144.

Ainda, era concedida ao Presidente a escolha e nomeação de interventores


nos Estados federados, atribuindo-lhes as competências do Executivo local, de
acordo com as conveniências e necessidades de cada caso, conforme consta no art.
9º da Constituição de 1937.

Nesta época, o mandato do então Presidente, Getúlio Vargas, foi renovado


automaticamente, e ele manteve-se no poder até que fosse realizado o plebiscito
previsto no art. 175, que nunca ocorreu, porque o art. 178 das Disposições
Constitucionais da Constituição de 1937 dissolveu a Câmara dos Deputados, o
Senado Federal e as Assembleias Legislativas.

Desta forma, o Poder Legislativo, que seria exercido pelo Parlamento


Nacional com a colaboração do Conselho da Economia Nacional 145 e do Presidente
da República, foi esvaziado.

144 Vargas inverteu a ordem dos direitos, colocando os sociais à frente dos políticos e, mais ainda, sacrificando
os últimos em detrimento dos primeiros. CARVALHO, op. cit., p. 126.

145 Composto por técnicos para substituir o Congresso, com a participação de representantes dos empresários e
especialistas do próprio governo.
63

Os membros do Supremo Tribunal Federal eram escolhidos pelo Presidente


da República, maculando sua função de analisar a lei ou os atos do Presidente da
República.

A entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial fez com que Getúlio Vargas
perdesse importante apoio das Forças Armadas. Em 1945, Vargas tentou substituir o
chefe de polícia do Distrito Federal por seu irmão e nomeou João Alberto como
prefeito do Rio de Janeiro, fatos que precipitaram o fim do Estado Novo, já que
davam a entender a vontade de Vargas permanecer no poder, e culminaram em sua
expulsão do Governo146. Assim, a Constituição de 1946 foi promulgada.

Inicia-se a redemocratização147 do país. O texto da Constituição de 1946 se


baseou nas ideias liberais da Constituição de 1891 e nas ideias sociais da
Constituição de 1934.

Em 1946 surge, então, a Constituição dos Estados Unidos do Brasil que, em


seu art. 36, descreve a organização dos poderes: “São Poderes da União o
Legislativo, o Executivo e o Judiciário, independentes e harmônicos entre si”.

A presença dos três poderes não foi, nesta Constituição, somente textual,
como ocorrido na Constituição anterior; houve aqui o reestabelecimento substancial
da teoria clássica da tripartição dos poderes.

A forma de governo republicana, a forma de estado federativo, bem como o


sistema de governo presidencialista foram preservados.

Com a manutenção do presidencialismo, o Presidente da República passa a


ser eleito de forma direta para mandato de cinco anos148. O Vice-presidente era
simultaneamente eleito, mas em pleito separado. Curiosamente, o primeiro Vice-
presidente da Constituição de 1946 foi eleito pelos próprios constituintes. Outra

146 CASTRO, op. cit., p. 401.


147 Processo de Redemocratização com a deposição de Getúlio Vergas, dando fim a uma ditadura
que se iniciou com o golpe de 1937.

148 Artigo 82 da Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946. Só em 1964, pela Emenda Constitucional
n. 9, o mandato do Presidente da República e do Vice passou para quatro anos.
64

questão em relação ao Vice-presidente era a atribuição definida no art. 61, que o


indicava como Presidente do Senado Federal.

De qualquer forma, o Poder Legislativo que era exercido pelo Congresso


Nacional, composto pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal,
reapareceu com bicameralismo igual, readquirindo funções importantes, inclusive de
controle do Poder Executivo e do Judiciário149.

O Poder Judiciário era exercido pelo Supremo Tribunal Federal, Tribunal


Federal de Recursos, Juízes e Tribunais militares, Juízes e Tribunais eleitorais e
Juízes e Tribunais do trabalho, conforme art. 94.

Outro fator importante foi a renúncia do Presidente Jânio Quadros, ocorrida


em agosto de 1961. Tal ato teria sido uma estratégia para conseguir poderes
especiais do Congresso para governar de forma discricionária, pois supostamente a
renúncia não seria aceita, e o presidente se manteria no cargo com poderes
especiais. Para contornar essa crise governamental, instituiu-se uma fórmula
semiparlamentarista pelo Ato Adicional de 2 de setembro de 1961. Mas a
experiência falhou por defeitos institucionais e falta de elemento humano para levá-
la a bom termo150.

A solução dada pelo Congresso, porém, foi a de aceitar a renúncia e adotar


um sistema parlamentarista de governo em substituição ao presidencialismo,
alterando o sistema de governo.

Depois de uma série de primeiros-ministros que não conseguiram governar, o


Congresso marcou um plebiscito para janeiro de 1963, que decidiu sobre o retorno
ao sistema de governo presidencial. O parlamentarismo foi rejeitado por mais de 10
milhões de votos151.

149 Cita-se como exemplo o Art.39, parágrafo único: “O Congresso Nacional só poderá ser convocado
extraordinariamente pelo Presidente da República ou por iniciativa do terço de unia das Câmaras”.

150 MALUF, op. cit., p. 277.


151 http://www12.senado.gov.br/noticias/materias/2013/12/10/veja-a-biografia-de-joao-goulart/table.
Acesso em: mar. 2014.
65

Assim, o sistema presidencialista é fortalecido e volta a compor a organização


do Estado152, permanecendo a tríade de Poderes. Este período, no dizer de Flávia
Lages de Castro153, “não foi democrático de forma absoluta, como poderia parecer
ao se passar os olhos pela Constituição de 1946”. Ressalta que os destinos do
Brasil estavam incorporados aos interesses internacionais e nacionais, que não
tinham por objetivo o engradecimento do país, a qualquer custo, para que a elite
nacional, aliada a interesses internacionais – econômicos e estratégicos – não
tivesse que abrir mão deles.

E assim, entre 31 de março e primeiro de abril de 1964, “o país dobrou o cabo


da democracia em direção a uma ditadura” 154, que se tornaria cada vez mais violenta
e disposta a não reconhecer a linha divisória entre a legalidade e a ilegalidade”.

Com a renúncia do Presidente Jânio Quadros e a impossibilidade do então


Vice-presidente João Goulart assumir, por ter sido acusado de estar a serviço do
“comunismo internacional155”, o General Costa e Silva, o Brigadeiro Correia de Melo
e o Almirante Augusto Rademaker, constituíram o chamado Supremo Comando da
Revolução e baixaram o Ato Institucional n.1, com restrições à democracia. E, em
seguida, vieram os Atos Institucionais n. 2, 3 e 4. Este último tinha como finalidade a
aprovação da Constituição de 1967, a qual foi outorgada.

Com a edição do terceiro Ato Institucional, boa parte da Constituição de 1946


foi anulada. E com a surgimento do quarto Ato Institucional convocou-se o
Congresso Nacional para votar a Constituição Federal de 1967.

Os Atos Institucionais eram documentos expedidos pelo Governo Militar e


estavam acima da Constituição. Por meio deles, os militares legislavam, e, segundo
Flávia Lages Castro,

152 Posteriormente, com o segundo mandato de Vargas, a presença do Executivo nas negociais da classe
operária e seus sindicatos para reconhecimentos dos Direitos Sociais foi o ponto crucial para a escolha do
presidencialismo ou parlamentarismo. CARVALHO, op. cit., p. 135.

153 CASTRO, op. cit., p. 690.


154 CHIAVENATO, Júlio José. O Golpe de 64 e a Ditadura Militar. São Paulo: Moderna. 2012. p. 126.
155 Ibidem.
66

[...] a legitimidade assim avocada não vinha do Congresso Nacional, legal e


constitucionalmente institucionalizado. Os Atos mantinham como prova –
segundo eles, de não intenção de radicalização – a Constituição de 1946,
até porque podiam modificá-la sempre que desejassem156.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1967, outorgada em 24


de janeiro de 1967, iniciou o terceiro período autocrático na história do Brasil.

Trouxe, em seu texto, a separação dos poderes no Art 6º - “São Poderes da


União, independentes e harmônicos, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”, mas,
seguindo uma prática histórica, só existia um só poder, o Executivo.

Por conseguinte, a concentração de poder ficou no âmbito federal,


esvaziando os Estados e os Municípios e conferindo amplos poderes ao Presidente
da República.

A Constituição de 1967 manteve a forma de governo republicana, como nas


anteriores, preservando ainda a forma de estado federada.

Assim, o Presidente da República era eleito indiretamente pelo Congresso,


art. 76. O Congresso Nacional tinha uma estrutura bicameral - Câmara dos
Deputados e Senado Federal. O Presidente comandava por decretos-leis, que
poderiam ser editados em casos de urgência ou de interesse público relevante.

A Constituição de 1967 suprimiu os pontos democráticos e inseriu o conteúdo


dos Atos Institucionais até então editados. Com o advento desta Constituição, o
Poder Executivo surge com mais força, com muito mais poder, a exemplo dos
arrolados no art. 83. Vislumbra-se aqui um verdadeiro regime autocrático 157.

Outro exemplo importante sobre a predominância do Presidente da República


é trazido pelo próprio Ato Institucional n.5, que atribuia à Presidência da República a
possibilidade de decretar o recesso do Congresso Nacional, das Assembleias
Legislativas e das Câmaras de Vereadores. Assim, decretado o recesso, o Poder
Executivo ficava autorizado a legislar em todas as matérias. Ao Presidente também
competia a cassação de mandatos e a suspensão dos Direitos Políticos.

156 CASTRO, op cit., p. 408.


157 Regime autocrático é aquele conhecido quando a ordem jurídica, em todos os seus estágios, é criada e
aplicada diretamente pelo monarca. In: KELSEN, op. cit. p. 428.
67

Em 1968, houve a baixa do Ato Institucional n. 5, conhecido com o mais


violento ato de repressão da ditadura. No mesmo dia do AI-5, o Congresso Nacional
foi fechado158, passando o presidente Costa e Silva a governar ditatorialmente.

O Poder Judiciário era composto pelo Supremo Tribunal Federal, Tribunais


Federais de Recursos e Juízes Federais, Tribunais e Juízes Militares, Tribunais e
Juízes Eleitorais, Tribunais e Juízes do Trabalho. Havia previsão da Justiça
Estadual.

Em 1969, os militares baixaram a Emenda Constitucional n. 1, que ficou


conhecida como um ‘Novo Poder Constituinte Originário’, outorgando uma nova
Carta que constitucionalizava a utilização dos Atos Institucionais. Apesar das
grandes modificações trazidas por essa Emenda Constitucional, o texto original do
art. 6º, que se referia a separação dos poderes, não foi modificado.

Sobre a essência das modificações dessa Emenda Constitucional, Manoel


Gonçalves Ferreira Filho159 escreve que o texto de 1969 não trouxe nenhuma
modificação substancial em relação ao texto de 1967 – isso porque as principais
modificações que encontramos no texto de 1969, em confronto com o texto de 1967,
já tinham sido estabelecidas nos Atos Institucionais anteriores.

Desta forma, Constituição de 1967 e suas Emendas dividiam espaço


hierárquico com os Atos Institucionais e com os Atos Complementares que também
apareceram disciplinando relações jurídicas devido à atuação do Executivo
desrespeitando toda sistemática jurídica.

Em 1978, foi revogado o AI-5 pelo então Presidente Ernesto Geisel, que
conseguiu fazer seu sucessor – o então futuro Presidente João Baptista de Oliveira
Figueiredo. Nessa época, a sociedade brasileira tinha sofrido muitas

158 Durante o período de 1964 a 1985, salvo curtas interrupções, o Congresso permaneceu aberto e em
funcionamento. Expurgados de seus elementos mais combatentes, Câmara e Senado cumpriram as tarefas que
lhes eram dadas pelos presidentes militares, aprovando, pelo sistema bipartidário – Aliança Renovadora Nacional
- Arena e MDB – Movimento Democrático Brasileiro– o partido do governo era sempre majoritário, aprovava os
projetos, mesmo os mais repressivos. Este partido legitimou com seu voto todos os candidatos a presidente
impostos pelos militares. O Ato Institucional 16, de 1969, reabriu o Congresso Nacional, que estava fechado
havia 10 meses.

159 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. O poder constituinte. 5. ed. São Paulo: Saraiva. 2007. P. 74.
68

transformações. A repressão havia diminuído, as oposições políticas, o movimento


estudantil e os movimentos sociais começaram a se organizar.

No período de João Figueiredo, ocorreu o processo de redemocratização, o


qual pôs fim ao governo militar – que permaneceu no poder por vinte anos.
Figueiredo acelerou o processo democrático com a aprovação da Lei da Anistia 160, a
qual permitiu o retorno ao país de milhares de exilados políticos.

Em 15 de janeiro de 1985, o Colégio Eleitoral escolheu Tancredo Neves como


novo Presidente da República, que adoeceu, assumindo em seu lugar José Sarney,
com a missão de firmar a democracia no Brasil. Para tanto, convocou a uma
assembleia constituinte para elaborar a Constituição Federal de 1988.

Assim, a Constituição de 1988 foi editada por uma Assembleia Constituinte


convocada pela Emenda n. 26, de 27 de novembro de 1985, à Constituição de 1967.
Esta Emenda estabeleceu normas de funcionamento da Assembleia Constituinte.

A Assembleia Nacional Constituinte, porém, não foi capaz de fortalecer


vínculos partidários, nem de se colocar independentemente, de fato, do Poder
Executivo. Desde a sua instalação a pressão do Presidente se fazia presente,
principalmente através da legislação ditatorial que ainda existia 161.

Nesse sentido, Manoel Gonçalves Ferreira Filho critica a composição da


Constituinte, composta pelos membros da Câmara dos Deputados e do Senado
Federal:

Isto queria dizer, na prática, que a integrariam os deputados eleitos em fins


de 1985, os senadores eleitos nessa mesma ocasião, mas também os
senadores que haviam sido escolhidos em 1981 e que ainda gozavam de
mandato. Portanto, ninguém pode sustentar que haviam recebido do
eleitorado o poder constituinte originário, mas simplesmente que detinham,
como membros do Congresso Nacional, poder derivado162.

160 Lei da Anistia – Lei n. 6.683 de 28 de agosto de 1979, que concedida anistia a todos quantos, no período
compreendido entre 02 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexo com
estes, crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos políticos suspensos e aos servidores da Administração
Direta e Indireta, de fundações vinculadas ao poder público, aos Servidores dos Poderes Legislativo e Judiciário,
aos Militares e aos dirigentes e representantes sindicais, punidos com fundamento em Atos Institucionais e
Complementares, art. 1º”

161 CASTRO, op. cit., p. 562


162 FERREIRA FILHO, op. cit., 2007. p.163.
69

Desta forma, percebe-se que até a Constituição de 1988, o Estado brasileiro e


suas respectivas constituições expressamente descentralizavam o poder utilizando-
se da teoria da separação dos poderes. Por outro lado, percebe-se, também, que a
presença da separação dos poderes não foi suficiente para que o país conseguisse
manter o equilíbrio, a independência e a harmonia entre os poderes separados. Isso
corrobora a afirmação de Carls Schmitt de que o princípio da separação dos poderes
“se identifica com a Constituição e constitui seu conceito” 163 visto que, ao longo da
história brasileira, o Poder Executivo sempre foi predominante, quebrando a
finalidade da clássica teoria de Montesquieu.

Em 1988, foi promulgada a Constituição Cidadã, vigente atualmente. A forma


de governo adotada permaneceu a republicana; a forma de Estado, a federativa; o
sistema de governo, presidencialista. A teoria da separação dos poderes volta a
delinear a estrutura dos poderes no Brasil, aos moldes de Montesquieu.

3.2 – A ATUAL ESTRUTURA DA SEPARAÇÃO DOS PODERES NO BRASIL

A Constituição brasileira de 1988 prevê a separação dos poderes em três


momentos distintos. O primeiro está no artigo 2º, que expressamente declara a
presença dos três poderes na União, aos moldes da teoria clássica de Montesquieu:
Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário.

Depois, tem-se a separação dos poderes no Título IV “Da Organização dos


Poderes”, entre os artigos 44 e 135 da CF, que regulamenta e disciplina as
competências e o funcionamento dos poderes. E, por fim, no artigo 60, §4º, III, do
texto constitucional, instituindo, nesta previsão, a separação dos poderes como
cláusula pétrea.

Vale lembrar que pelo princípio da simetria, adotado no sistema constitucional


brasileiro, e sob a forma de Estado federado, a tripartição de poderes também está

163 SCHIMITT, Carls. Die geistesgeschichtliche lage des heutigen parlamentarismus (1923) Berlin: Duncker &
Humblot, 1969. Apud DIMOULIS, Dimetri. Significado e atualidade da separação dos poderes. In: ______.
Constitucionalismo: os desafios no terceiro milenio. Belo Horizonte : Editora Forum, 2008. p. 143.
70

presente nos entes federados: estados-membros (art. 25 e seguintes), o Distrito


Federal (art. 32) e os municípios164 (art. 29), todos artigos da Constituição de 1988.

A Constituição Federal de 1988 caracterizou os poderes como independentes


e harmônicos.

Sobre isso, José Afonso da Silva 165 diz que a independência dos poderes
significa que a investidura e a permanência das pessoas num órgão do governo não
dependem da confiança nem da vontade dos outros, e que, no exercício das
atribuições que lhes sejam próprias, não precisam os titulares consultar os outros
nem necessitam de sua autorização. Mais à frente José Afonso da Silva afirma:

A harmonia entre os poderes verifica-se primeiramente pelas normas de


cortesia no trato recíproco e no respeito às prerrogativas e faculdades a que
mutuamente todos têm direito. Para ele, por outro lado, nem a divisão de
funções entre os órgãos do poder nem a sua independência são absolutas.
Assim, há interferências, que visam ao estabelecimento de um sistema de
freios e contrapesos, à busca do equilíbrio necessário à realização do bem
da coletividade e indispensável para evitar o arbítrio e o desmando de um
em detrimento do outro e especialmente dos governados166.

Sob um sistema de governo presidencialista, a Constituição Federal


desenvolveu a estrutura de três poderes, indicando, em cada um deles, a presença
de funções típicas. Assim, para o Poder Executivo atribuiu a função de adminstrar,
gerir, os negócios públicos; ao Poder Legislativo indicou a competência da produção
legislativa e a fiscalização do erário público; e ao Poder Judiciário o exercício da
jurisdição.

Contudo, como se verá nos itens que se seguem, a estrutura dos poderes e
as suas respectivas funções não se mostram adequadas à condução da
organização estatal, que se possa pretender em um Estado Democrático de Direito.
Muitos são os entraves gerados pela atual disposição dos poderes no sistema
constitucional brasileiro.

164 O Constituinte brasileiro não atribuiu aos municípios a autonomia de criar e organizar o Poder Judiciário
local.

165 SILVA, op. cit., 2012. p. 40.


166 Ibidem.
71

Por conseguinte, volta-se a mencionar aqui, como uma das principais


‘disfunções’ da estrutura da separação dos poderes no Brasil, encontra-se a
predominância do Poder Executivo sobre os demais poderes e, ainda, a forte
dependência dos órgãos de controle existentes na Constituição Federal de 1988 aos
poderes onde eles estão inseridos. Ou seja, os órgãos de controle ficam submetidos,
de alguma forma, aos órgãos sujeitos ao controle.

Assim, passa-se à análise da separação dos poderes na Constituição de


1988.

3.2.1 – O Poder Executivo

A posição do Poder Executivo depende do sistema de governo adotado:


presidencialista ou parlamentarista. No presidencialismo o Executivo possui uma
maior independência dos demais poderes do Estado porque sua constituição é por
eleição direta. Os candidatos ao cargo de Presidente se submetem a um processo
de escolha cujo sistema eleitoral indicará aquele que representará a vontade da
maioria da população. Já no sistema parlamentarista o Executivo é composto por
membros do Poder Legislativo, ou seja, o condutor da administração pública é eleito
pelos parlamentares eleitos pelo povo.

Assim, a diferença principal desses dois sistemas é a autonomia do


Presidente da República perante o Congresso Nacional, não necessitando o
presidente de apoio do Congresso Nacional para manter-se no poder 167, como
ocorre no sistema parlamentar.

A Constituição brasileira optou por continuar 168 com o sistema de governo


presidencialista, apesar do art. 2º do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias prever o plebiscito para alteração deste sistema.

167 MORAES, Alexandre de. Presidente da república: a força motriz do presidencialismo. 2003. 387 f. Tese
(Titular). Faculdade de Direito da USP. São Paulo. p. 83.

168 Todas as Constituições brasilerias, exceto a de 1824, adotaram o sistema presidencialista de governo.
72

Paulo Bonavides afirma, ao escrever sobre a evolução do presidencialismo no


Brasil, que os primeiros republicanos no Brasil eram parlamentaristas e não lhes
passava pela cabeça a consagração do sistema presidencial. Segundo o autor,

Não havia tampouco tradição presidencialista no País nem primeiros


republicanos, autores do célebre Manifesto Republicano de 1870 e
partícipes da Convenção de Itu de 1873, se havia identificado com o
presidencialismo169.

E ainda relata que:

A ignorância acerca da natureza do sistema presidencial de governo era tão


espessa e profunda entre os autores da derrubada do trono que o Marechal
Deodoro, segundo relata Aureliano Leal, ao receber das mãos de Rui
Barbosa o Anteprojeto de Constituição elaborado em nome do Governo
provisório e após folhear algumas páginas do documento, foi logo
perguntando ao principal redator constituinte, isto é, ao próprio Rui, onde
estava o artigo que lhe consentia dissolver o Congresso 170.

Para o autor, decorridos mais de cem anos de presidencialismo, o País se


acha acorrentado às mesmas inseguranças e incertezas dos republicanos de 1889 –
eis a singularidade desta crise.

Porém, contrário à clareza da escolha pelo presidencialismo, José Afonso da


Silva indica a impropriedade da expressão do Poder Executivo. Para ele “a
expressão Poder Executivo é de conteúdo incerto, porque ora exprime a função (art.
76), ora o órgão (cargo e ocupante (art.2º”) 171.

O texto constitucional traz a figura do Presidente da República, atribuindo-lhe


o exercício conjunto da Chefia de Estado e de Governo. Como se sabe, a função
executiva do Estado compreende a atividade política, aquela que se refere não aos
interesses particulares e específicos, mas à direção-geral do Estado e à proposição
e execução de políticas públicas; compreende também a função administrativa, que
diz respeito à manutenção da segurança pública e ao atendimento das
necessidades físicas, econômicas, sociais, morais e intelectuais da população.

169 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 25. ed. São Paulo: Malheiros. 2010. p. 222.
170 BONAVIDES, op. cit., 2010. p. 223.
171 SILVA, op. cit., 2010. p. 543.
73

Os artigos 76 e seguintes da Constituição Federal trazem as regras do


sistema presidencialista brasileiro; dentre elas destacam-se: o mandato fixo de
quatro anos, o sistema eleitoral por maioria absoluta em primeiro turno e, na
impossibilidade em obtê-lo, a previsão da utilização do segundo turno de votação
com maioria relativa, bem como as suas atribuições e responsabilidades.

O modelo presidencialista no Brasil recebeu vários estímulos no sentido de


reforçar seu poder sobre os demais, não seguindo à risca o modelo norte-
americano, que possui um controle rígido sobre a atuação do Presidente. Ademais,
pode-se dizer que algumas características, inseridas no texto da Constituição de
1988, serviram para dar ao Poder Executivo, mais precisamente, ao Presidente da
República, uma ascenção sobre os demais poderes. Isso gerou no Brasil um
desequilíbrio entre os poderes.

Numa crítica ao presidencialismo, Paulo Bonavides assevera:

Quando ao Presidencialismo, é modelo malogrado que ao longo de cem


anos de república demonstrou ser a mais nociva e inidônea das formas
usuais de governo, pelo menos no atual grau de desenvolvimento da
sociedade brasileira. Outra coisa ele não fez aqui senão gerar no ventre de
suas crises a ditadura, a sedição militar, o tumulto social, a rigidez
oligárquica e uma sensível atrofia do sentimento de responsabilidade
pública nos titulares do poder172.

3.2.1.1 – Situações de desequilíbrio

Para aclarar esta afirmação, podemos citar algumas situações que ativaram
esse desequilíbrio: a) o regime de urgência do processo no legislativo; b) a edição
de medidas provisórias; c) competências individuais de bastante importância; d) o
sistema eleitoral para sua eleição; e) crise de governabilidade gerada pela sua
independência administrativa em relação ao legislativo, bem como a não
obrigatoriedade de vinculação da sua atuação ao plano de governo e as eleições
nacionais simultâneas – todas elas listadas a seguir:

a) O pedido de urgência no processo legislativo:

172 BONAVIDES, op. cit., 2010. p. 220.


74

O Poder Executivo participa da produção legislativa sancionando ou vetando


um projeto de lei. Além disso, foi-lhe atribuída competência para iniciar o processo
legislativo, propondo um projeto de lei. Apesar dessas atuações ocorrerem dentro do
processo legislativo, função típica do Poder Legislativo, não há interferência
substancial do Presidente da República em tal processo, uma vez que a decisão
final sobre a aprovação do projeto de lei e sobre a permanência do veto cabe ao
próprio Poder Legislativo.

Porém, há o regime de urgência, de competência do Poder Executivo, que


interfere sobremaneira no processo legislativo.

A Constituição Federal não estipulou prazo para que um projeto de lei tramite
no Congresso Nacional, e isso ocorre porque o parlamento tem discricionariedade –
conveniência e oportunidade – para o exercício da função legiferante. Contudo, o
texto constitucional facultou ao Presidente da República exigir que um projeto de lei,
de sua iniciativa, seja analisado num determinado prazo.

Assim, os parágrafos 2º e 3º do art. 64 da CF indicam que o prazo de análise


para os projetos de iniciativa do Presidente da República, sob o regime de urgência,
tramite em até quarenta e cinco dias, em cada casa legislativa, e em dez dias no
caso de ele sofrer emendas. A não observância deste prazo, determina aquele
diploma legal, traz a figura da obstrução de pauta, que nada mais é do que a
suspensão de todas as demais deliberações da casa legislativa até que se ultime a
análise do projeto gravado com o regime de urgência, declarando-se
inconstitucionais, por decumprimento de ordem constitucional, os projetos
posteriormente aprovados com a pauta obstruída.

Tem-se então que, instalado o regime de urgência em um determinado projeto


de lei, as casas legislativas, sucessivamente, devem incluí-lo na pauta para
discussão e votação, dentro do prazo estipulado. Isso retira do Poder Legislativo sua
discricionariedade em relação ao exercício de sua função típica – legislar. Há, neste
caso, um redirecionamento forçado da pauta legislativa.

Para esclarecer, pauta legislativa, também chamada poder de agenda, no


dizer de Marco Aurélio Sampaio pode ser definida como
75

a capacidade de determinar não somente quais propostas serão consideradas


pelo Congresso Nacional, mas também quando o serão, o que indica serem os
poderes legislativos do presidente determinantes de seu funcionamento já que se
trata de meios que servem à influência do processo legislativo 173.

Desta forma, a discricionariedade do Poder Legislativo, como uma das


características da sua independência, no comando de sua função legislativa, resta
comprometida.

b) A edição de medida provisória

A medida provisória, originária do antigo decreto-lei 174, está prevista nos art.
59, V, e 62 da Constituição Federal. É uma espécie normativa editada pelo Poder
Executivo que, em caso de relevância e urgência, entra provisoriamente em vigor no
ordenamento jurídico com força de lei.

Pelo princípio da legalidade, basilar do Estado de Direito, a medida provisória


deve ser submetida à análise do Poder Legislativo para se transformar em lei.
Ocorre que, até que essa análise aconteça, fica o Presidente da República na
função de legislador. Além disso, da mesma forma que o regime de urgência acima
citado, a edição de uma medida provisória tem o condão de modificar a agenda
legislativa inserindo-a na pauta no prazo constitucionalmente previsto.

Com efeito, a medida provisória não é apenas um mecanismo inserido no


sistema de freios e contrapesos, é sim uma interferência no comando da função
legislativa pelo Poder Legislativo. Tanto é que o próprio Poder Constituinte Derivado
restringiu a atuação do Chefe do Poder Executivo para editar medidas provisórias
quando editou a Emenda Constituicional n. 32 de 2001. Essa alteração à
Constituição fez diminuir, mas não eliminou, a ingerência do Poder Executivo no
Poder Legislativo.

173 SAMPAIO, Marco Aurélio. A medida provisória no presidencialismo brasileiro. São Paulo: Malheiros,
2007. p. 129.

174 O Decreto-lei foi instituído no Brasil sob a égide da Constituição de 1967, mais especificamente com a
Emenda Constitucional 1/69. Este ato era editado pelo Presidente da República, em caso de urgência e relevante
interesse público, e tinha vigência de sessenta dias. Caso o Congresso Nacional não apreciasse neste prazo, o
decreto-lei, que já estava em vigor de forma provisória, permanecia definitivamente no ordenamento jurídico.
76

Nesse sentido, Andre Ramos Tavares indica que o Presidente da República é


poderoso não porque usurpe funções primárias do Poder Legislativo, mas porque a
Constituição de 1988, em sua partilha de funções, concebeu um modelo de
exacerbação presidencial.

A exceção à tese está no uso abusivo das medidas provisórias que se


converteram em uma nova e oblíqua via de controle, manipulação e inviabilização da
pauta legislativa própria do Parlamento. Mas, indubitavelmente, a pauta legislativa
não pertence mais com exclusividade ao Parlamento 175.

Vale destacar ainda, que a medida provisória encontra legitimidade no


sistema parlamentarista. Neste sistema, o chefe do governo é, antes de sê-lo, um
parlamentar. Rassalta Luiz Pinto Ferreira que

[...] as medidas provisórias são mais específicas do regime parlamentarista,


em que o gabinete é uma dependência do corpo legislativo, podendo tal
gabinete cair em face de desacordo com este. No regime presidencialista, o
Chefe do Executivo não está sujeito a censura que provoque sua demissão,
e assim a medida provisória é uma forma de concentração do poder no
Executivo176.

No mesmo sentido, Uadi Lammêgo Bulos observa que a medida provisória é


um instrumento ligado ao sistema parlamentarista de governo e que em “países de
estrutura parlamentar, com a Alemanha, a França e a Itália, a espécie normativa
participa de um contexto político-constitucional diverso do brasileiro” 177. Desta forma,
se a medida provisória criar um impasse entre o Gabiente e a Câmara Legislativa há
uma solução prevista no próprio sistema parlamentar, que é a dissolução da Câmara
ou a queda daquele.

Desse modo, a utilização da medida provisória torna-se um instrumento de


amplificação do poder do Executivo.

c) Decisões de maior relevância

175 TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 12. ed. São Paulo: Saraiva. 2014. p. 1054.
176 FERREIRA, Luiz Pinto. Direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 337.
177 BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal Anotada. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 737.
77

No Brasil, como se observa, há um Executivo com amplos poderes. Outra


justificativa para essa assertiva são as competências atribuídas ao Presidente da
República, que possuem maior relevância, com relação à estrutura do Estado.
Dentre as previstas no art. 84 da CF estão: decretar o estado de defesa e o estado
de sítio; decretar e executar a intervenção federal; exercer o comando supremo das
Forças Armadas; nomear os Comandantes da Marinha, do Exército e da
Aeronáutica, promover seus oficiais-generais e nomeá-los para os cargos que lhes
são privativos; nomear, após aprovação pelo Senado Federal, os Ministros do
Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores, os Governadores de
Territórios, o Procurador-Geral da República, o presidente e os diretores do banco
central e outros servidores, quando determinado em lei e os Ministros do Tribunal de
Contas da União, além de exercer o direito do veto, estabelecer o regime de
urgência, expedir medidas provisórias, conforme já mencionado 178.

Nota-se ainda que algumas competências podem levar o Presidente da


República a se sobrepor ao Poder Judiciário, tornando insubsistente seus julgados,
pela iniciativa da lei de anistia 179, bem como pela prerrogativa de conceder graça ou
indulto e comutar penas180.

Por se tratar de uma condução unipessoal, as competências atribuídas ao


Presidente tornam-se ainda mais significativas. Não por acaso, Maluf assevera que
o governo presidencialista é o reflexo da individualidade 181 e Dallari afirma ser o
presidencialismo “uma ditadura a prazo fixo182”.

Para Manoel Gonçalves Ferreira Filho 183, o ponto central da diferença entre a
realidade da separação dos poderes e a doutrina que se ensina é o predomínio do
Executivo.

178 Competências privativas do Presidente da República arroladas nos incisos artgos 84 da Constituição Federal
179 Iniciativa de projeto de lei sobre anistia, art. 165, §6º da Constituição Federal.
180 Competências privativas do Presidente da República arroladas nos incisos XII, artgos 84 da Constituição
Federal.

181 MALUF, op. cit., p. 249.


182 DALLARI, op. cit., 2003. p. 207.
183 FERREIRA FILHO, op. cit., 2009. p. 262-3.
78

d) O sistema de eleição majoritário

O Presidente da República é eleito, juntamente com seu Vice-presidente, pelo


sistema eleitoral majoritário. Isso quer dizer que é declarado eleito o candidato que
obtiver a maioria absoluta dos votos válidos. Por conseguinte, se nenhum candidato
obtiver, em primeiro turno de votação, a maioria absoluta, tem-se a necessidade de
uma segunda votação.

O objetivo do sistema de maioria absoluta é encontrar o candidato que tenha


representatividade para, pelo menos, mais da metade de todos os eleitores. Ocorre
que, em países cujo princípio de representatividade política é a pluralidade
partidária, as eleições contarão, por consequência, com uma pluralidade de
candidatos. Isso dificulta, sobremaneira, a obtenção da maioria abosoluta em
primeiro turno. Este é o motivo que leva a Constituição a buscar o subterfúgio do
segundo turno. Dalmo de Abreu Dallari 184 salienta que essa é uma manobra artificial,
porque, na maioria das vezes, a vontade da maioria vai ser artificialmente deslocada
para os dois candidatos que forem lançados numa segunda votação.

Tem-se então que a eleição do Presidente da República por meio do segundo


turno não é genuinamente a representação da vontade da maioria, contrapondo-se
ao princípio da legitimidade democrática.

e) Crise de governabilidade: vinculação ao plano de governo e eleições


simultâneas

Como vimos anteriormente, Ackerman cita o problema da “crise de


governabilidade185” como uma das consequências de se ter um Executivo
independente do Parlamento.

Sahid Maluf observa que

Os conflitos entre os poderes estatais e as crises de governo são fatos


comuns e previsíveis em todas as formas de organização política, e, por
isso mesmo, deveriam encontrar remédio imediato na Constituição. No
sistema parlamentarista tais fatos se resolvem primeiramente na câmara
representativa da soberania nacional, e em última instância pelo supremo

184 DALLARI, op. cit., 2003. p. 209.


185 Ackerman, op. cit., 2006. p. 16.
79

árbitro, que é o corpo eleitoral. No sistema presidencialista não há solução,


porque nem a própria nação se sobrepõe ao arbítrio do chefe do poder
Executivo. Daí porque as crises governamentais, no sistema
presidencialista, são sempre prelúdio de revolução ou ditadura186.

A administração pública, atribuição do Poder Executivo, necessita da lei para


sua atuação, pois dela retira sua vontade política; ao Legislativo cabe produzi-la.
Forma-se, nesta intersecção, um grande embaraço ao Poder Executivo realizar os
projetos contidos no plano de governo, pois sua atuação fica condicionada a
autorização legislativa. Muitas vezes é impossível a execução dos programas de
governo por falta de apoio parlamentar; em outras, o apoio transforma-se numa
arma do Parlamento contra o Executivo, que fica dependente daquele. De qualquer
forma, a falta de implementação dos programas e projetos políticos por parte do
Executivo retira-lhe a credibilita-se e mesmo a legitimidade, pois as propostas no
seu plano de governo fazem parte dos atributos que lhe garantem a vitória. Então, o
Executivo não medirá esforços para conseguir base parlamentar para aprovar seus
projetos.

Isso gera a irresponsabilidade politica, pois com o jogo de atribuição de culpa


entre os governantes, torna-se extremamente difícil para o cidadão comum saber
quem é o verdadeiro responsável por um programa específico. Enquanto esse é um
problema especial nos períodos em que partidos políticos diferentes dominam áreas
diversas, a separação de poderes aumenta a opacidade do governo ainda quando
um mesmo “partido” goza de domínio pleno. Como os deputados e senadores
ganham as eleições independentemente do Presidente, eles terão projetos de leis
próprios e poderes que se diferenciarão dos apelos provenientes do Executivo.

Uma das soluções para esse conflito dá-se com a edição de medida
provisória, já citada anteriormente, pelo Poder Executivo, para justamente contornar
a dificuldade de administrar sem base legislativa.

Outra situação que gera impasse entre os poderes legislativo e executivo


independentes é a eleição simultânea. Pedro Abramovay cita a eleição do Chefe do
Executivo conjuntamente com os parlamentares como uma situação grave:

186 MALUF, op. cit., p. 247.


80

Afinal, não é possível imaginar que o eleitor escolha no mesmo dia projetos
diferentes ao votar para o parlamento e para Presidente da República. O
que ocorre é que as questões que levam o eleitor a decidir por um candidato
em uma eleição são diferentes das que o fazem decidir na outra 187.

Para o autor, o Presidente eleito não consegue implementar seus projetos


discutidos nacionalmente porque segundo ele há resistências que aparecem em um
“Congresso normalmente eleito em função de ‘pautas paroquiais’” 188.

Esses são alguns apontamentos que sinalizam a superioridade do Poder


Executivo em relação aos demais órgãos, criando um desequilíbrio entre os
poderes.

3.2.2 – O Poder Legislativo

A Constituição Federal brasileira prevê um legislativo bicameral, composto


pela Câmara dos Deputados e do Senado Federal, formando o Congresso Nacional.
O bicameralismo compõe a estrutura do Poder Legislativo da União porque nele está
imbuída a ideia de dupla representação. Assim, a Câmara dos Deputados compõe-
se de representantes do povo, eleitos, pelo sistema proporcional, em cada Estado,
em cada Território e no Distrito Federal, e o Senado Federal compõe-se de
representantes dos Estados e do Distrito Federal, eleitos segundo o princípio
majoritário. Cada Estado e o Distrito Federal elegerão três Senadores, com mandato
de oito anos.

A Constituição Federal, dando sustentação ao chamado bicameralismo igual,


aponta atribuições específicas do Congresso Nacional e competências privativas a
cada uma das Casas.

O Poder Legislativo na transposição aos entes da federação mostra-se


unicameral, sendo que nos estados federados é exercido pela Assembleia
Legislativa (art.27), Câmara Legislativa (art. 32) e, na esfera municipal (art. 29), pela
Câmara de Vereadores, segundo preveem os artigos da Constituição Federal.

187 ABRAMOVAY, Pedro. Separação dos poderes e medidas provisórias. Rio de Janeiro: Elsevier; Faculdade
de Direito da FGV, 2012. p. 43.

188 Ibidem.
81

Dos Poderes da União, o Poder Legislativo foi o único que recebeu da


Constituição brasileira duas funções típicas: legislar e fiscalizar. Assim, ao passo que
é responsável pela produção legislativa é tambem de sua atribuição a fiscalização
do Poder Executivo e demais órgãos que gerenciam dinheiro público. Essa função
fiscalizadora é exercida diretamente pelos próprios parlamentares, e, de forma
externa, pelo Tribunal de Contas.

Com a predominância do Poder Executivo, pelas razões anteriormente vistas,


o Poder Legislativo no Brasil restou enfraquecido. Podem-se indicar uma outra
questão que contribui para esse enfraquecimento.

É a atuação do Poder Judiciário, que recentemente vem se destacando pelo


seu exercício de jurisdição constitucional, por meio do controle de
constitucionalidade das leis e dos atos normativos, emanados do Poder Legislativo,
que invalida. Neste sentido, José Carlos Francisco nota que o Judiciário também
modificou suas funções clássicas, exercendo maior influência na ativiade
governamental mediante mecanismos de controle concentrado de
constitucionalidade, a denominada interpretação política (de que fala Larenz e
outros)189.

Vale lembrar que o Supremo Tribunal Federal pode alterar, sensivelmente, o


exercício do governo, por meio da invalidação dos atos e contratos administrativos, e
a prática democrática do País, por meio da interpretação das normas constitucionais
ou por meio do controle de constitucionalidade.

3.2.3 – O Poder Judiciário

Por fim, completando a tríade de poderes na Constituição brasileira tem-se o


Poder Judiciário.

O Poder Judiciário tem como principal função garantir o cumprimento das leis,
constituindo o elemento realizador das liberdades civis e das normas constitucionais.
O Poder Judiciário compreende a judicatura, isto é, julgar, dirimir controvérsias,

189 FRANCISCO, José Carlos. Emendas constitucionais e limites flexíveis. Rio de Janeiro: Forense. 2003. p.
41.
82

exigindo a aplicação da lei e estabelecendo punições previstas para aqueles que se


negarem a cumpri-la espontaneamente.

O texto constitucional disciplinou o Poder Judiciciário entre os artigos 92 a


126, tendo o Supremo Tribunal Federal como órgão de cúpula.

Além dos tribunais e juízes da justiça especializada 190, há o Conselho


Nacional de Justiça, responsável pelo controle da atuação administrativa e financeira
do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, conforme
consta no art. 103-B, §4º da Constituição Federal.

3.2.2.1 – Questões relevantes

Com relação ao Poder Judiciário brasileiro algumas questões podem ser


levantadas a respeito da atual estrutura, tais como:

a) Acúmulo de competências do Supremo Tribunal Federal

A Constituição Federal atribuiu ao Supremo Tribunal Federal uma dupla


função. A primeira é sua atuação como guardião da Constituição. Aqui sua atribuição
é analisar as leis e os atos normativos que estão no ordenamento jurídico e que não
se coadunam com as normas previstas na Constituição Federal. Na inadequação
daquelas com o texto constitucional, cabe ao Supremo Tribunal Federal suspender a
sua eficácia. A segunda função é figurar como a mais alta corte no sistema
jurisidicional, com competência originária e recursal.

Nota-se que esse acúmulo de funções atribuídas ao Supremo Tribunal


Federal acarreta uma morosidade da sua prestação jurisdicional. Neste sentido
pondera Diogo de Figueiredo Moreira Neto:

Encabeça a relação das cortes federais e estaduais o Supremo Tribunal


Federal, um órgão notoriamente assoberbado de atribuições e afogado em
acervo que cresce à razão de quase sessenta mil novas distribuições por

190 Outros órgãos compõem o Poder Judiciário no Brasil atribuindo-lhe competência especializada,
sendo eles o Superior Tribunal de Justiça; os Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais; os
Tribunais e Juízes do Trabalho; os Tribunais e Juízes Eleitorais; os Tribunais e Juízes Militares; os
Tribunais e Juízes dos Estados do Distrito Federal e Territórios. Mais recentemente criou-se o
Conselho Nacional de Justiça.
83

ano, um problema a que se imagina ter dado solução com a criação do


Superior Tribunal de Justiça, que lhe repartiu a carga191.

b) Nomeação dos membros do Supremo Tribunal Federal

Com relação ainda ao Supremo Tribunal Federal, o art. 101 da Constituição


Federal traz os critérios de nomeação de seus membros e indica ser onze o número
de ministros. Além do critério etário, os canditados ao cargo de ministro deverão ter
entre trinta e cinco e sessenta e cinco anos; outros dois são mencionados como
“notável saber jurídico” e “reputação ilibada”.

Os candidatos que se enquadrarem em tais condições se submeterão à


escolha do Presidente da República, após serem aprovados pelo Senado Federal.

Em linhas gerais, o sistema adotado no Brasil convoca a participação


integrada do Poder Executivo e do Legislativo, com o objetivo de proporcionar maior
segurança e legitimidade à investidura dos mais altos magistrados do País 192.

Porém, em virtude dos critérios indicados na Constituição Federal conterem


alto grau de subjetividade, não se consegue estabelecer a origem, nem mensurar a
capacidade técnica, muito menos assegurar a imparcialidade – tão importante para a
composição dos órgãos de julgamento, entre outros requisitos.

Na atual configuração, dos onze ministros do Supremo Tribunal Federal, oito


foram nomeados nos mandatos de um único partido 193. Isso pode resultar numa
desconfiança sobre a independência do Supremo Tribunal Federal com relação ao
partido que está no comando do país.

Ainda sobre a participação política na nomeação dos membros do Supremo


Tribunal, Newton Tavares Filho levanta algumas situações sobre o processo de

191 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. O Sistema Judicário Brasileiro e a Reforma do Estado. São
Paulo: Celso Bastos Editor; Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, 1999. p. 37.

192 MORAES, Alexandre de. Jurisdição constitucional e tribunais constitucionais. São Paulo: Atlas, 2000. p.
77.

193Informações obtidas no site: <http://www.stf.jus.br/portal/ministro/ministro.asp?


periodo=stf&tipo=quadro> Sob a presidência do Ex-Presidente Luis Inácio Lula da Silva, foram
nomeados oito ministros e de nomeação da atual Prediente Dilma Roussef foram quatro. Totalizando
12 ministros, dois quais 4 já deixaram os cargos.
84

nomeação dos ministros do Supremo. Ressalta que a histórica inércia do Senado na


aprovação dos nomes muitas vezes torna apenas protocolar o exame da indicação:

Frequentemente a Câmara Alta não toma para si uma responsabilidade


fundamental do parlamento, em descompasso com seu papel constitucional,
aprovando de modo automático o nome que lhe é submetido pelo
Presidente194.

Também indica a influência de laços de amizade e compromisso entre os


indicados e o Presidente da República ou sua base parlamentar por não serem
estranhas à nossa prática constitucional.

O autor lembra que, por outro lado, a influência da política no processo de


composição dos tribunais constitucionais não é tida como maléfica per se, sendo ao
contrário considerada necessária. ”Por essa via, atribui-se legitimidade democrática
à justiça constitucional e se permite refletir, dentro dos tribunais, as legítimas
inflexões políticas e ideológicas expressas pelo eleitorado nas urnas 195”. A influência
dos órgãos de governo não pode, desse modo, ser abandonada a pretexto de se
evitar desvios, mas deve, ao invés disso, ser aprimorada.

c) Ativismo Judicial

O Poder Judiciário, no exercício de suas funções e competências, age por


intermédio de seu agente (político): o magistrado. Cuida da atuação do próprio
Estado (soberano) na plena concretização dos objetivos constitucionais e afirmação
dos direitos fundamentais na sua dimensão individual e social, esta última,
expressão máxima dos objetivos constitucionais (“a construção de uma sociedade
livre, justa e solidária”).

Neste sentido, e somente neste sentido, o magistrado (ao expressar e exercer


a Jurisdição) confunde-se com o Poder soberano do Estado. Para Sarlet e outros,

194 TAVARES FILHO, Newton. Democratização do processo de nomeação dos ministros do


Supremo Tribunal Federal. Biblioteca Digital Câmara. 2006. Disponível em:
<http://bd.camara.gov.br/bd/bitstream/handle/bdcamara/1596/democratizacao_processo_tavares.pdf?
sequence=3>. Acesso em: mar. 2013. p.8-9.

195 TAVARES FILHO, Newton. Democratização... op. cit.


85

Tal situação conduziu a uma teorização, possível, de um protagonismo do


magistrado na condução e concreção dos anseios da cidadania (única soberana de
fato, pois dela decorre o poder: “todo poder decorre do povo, que o exerce por
representantes eleitos ou diretamente”), que foi denominado, entre outras acepções
possíveis, de ativismo judicial, aliás, expressão tomada de empréstimo da filosofia
moral: o denominado “atualismo”, e que significa aceitar o lugar imediato, observar o
passado que opera de uma maneira distinta e sucessiva sobre nós, e colocar-se do
ponto de vista do presente, do atual, para justificar plenamente o mundo
percebido196.

d) Conselho Nacional de Justiça

Com a criação do Conselho Nacional de Justiça, pela Emenda Constitucional


n. 45 de 2004, foi inserido no texto da Constituição Federal brasileira o art. 103-B,
que disciplinou a composição do Conselho. Como se verá adiante, o surgimento
deste órgão foi objeto de ação de inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal
Federal sob o questionamento de ser uma ofensa ao princípio da separação dos
poderes.

Não obstante suas atribuições serem importantes para o bom funcionamento


do Poder Judiciário, pois estão ligadas à supervisão administrativa e financeira de
suas atividades, resta indagar sobre sua competência para expedir Resoluções que
se revelam concretos atos de força normativa. Ademais, na concepção do princípio
da separação dos poderes e no Estado Democrático de Direito,

“é inconcebível permitir-se a um órgão administrativo expedir atos


(resoluções, decretos, portaria etc.) com força de lei, cujos reflexos possam
avançar sobre direitos fundamentais”197.

Ainda, para Lênio L.Streck, Ingo W. Sarlet e Clemerson M. Clève,

196 SARLET, Ingo Wolfgang; MOLINARO, Carlos Alberto. Democracia: separação de poderes, eficácia e
efetividade do direito à saúde no judiciário brasileiro. Belo Horizonte: Observatório do direito à saúde.
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, 2010/2011. Disponível em:
<http://democraciaejustica.org/cienciapolitica3/sites/default/files/democracia_-
_separacao_de_poderes_eficacia_e_efetividade_do_direito_a_saude_no_judiciario_brasileiro.pdf>.
Acesso em: 15 maio 2014. p. 28.

197 STRECK, Lenio; Sarlet, Ingo W.; CLÈVE, Clemerson Merlin. Os limites constitucionais das resoluções do
Conselho Nacional de Justiça e Conselho Nacional do Ministério Público. Disponível em: <
http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br> . Artigo Publicado em 18 de novembro de 2005. Acesso em: mar 2014.
86

[...] com efeito, parece um equívoco admitir que os Conselhos possam,


mediante a expedição de atos regulamentares (na especificidade,
resoluções), substituir-se à vontade geral (Poder Legislativo) e tampouco ao
próprio Poder Judiciário, com a expedição, por exemplo, de “medidas
cautelares/liminares”. Dito de outro modo, a leitura do texto constitucional
não dá azo à tese de que o constituinte derivado tenha “delegado” aos
referidos Conselhos o poder de romper com o princípio da reserva de lei e
de reserva de jurisdição198.

André Ramos Tavares199 nota que hoje o Judiciário tem a tarefa (poder) de
controlar os demais poderes do Estado, podendo-se falar, assim, de uma função de
controle, inclusive tendo como parâmetro máximo a Constituição. Isso representa
um desequilíbrio entre os poderes do Estado, atribuindo ao juiz um poder além do
indicado em sua competência constitucional.

Do relato sobre a atual separação dos poderes no Brasil, tem-se que, em


suma, o Poder Executivo passa a exercer, inclusive, funções legislativas, na medida
em que a urgência e a relevância de determinados assuntos impõem a edição
imediata de atos normativos capazes de criar direitos e obrigações. O Poder
Legislativo passa a ter uma função de controle político e financeiro, e o Judiciário
começa a exercer maior influência na atividade governamental mediante os
mecanismos de controle concentrado e constitucionalidade, bem como uma função
legislativa.

Dimitri Dimoulis200 faz várias críticas à teoria da separação dos poderes no


Brasil, em especial cita-se a ineficiência. Dimitri afirma que na realidade política das
últimas décadas o sistema de freios e contrapesos se baseia nas relações entre as
forças políticas e, particularmente, nos conflitos (e acordos) entre governo e
oposição. Para ele, isso indica que a divisão formalista de funções jurídicas não
corresponde à realidade, havendo, em particular, tendências de abolição das
separações entre o Legislativo e o Executivo. Posiciona-se indicando que essa
crítica é procedente, mas que não se pode esquecer que a separação dos poderes é
um imperativo constitucional que vigora independentemente da configuração da vida
partidária e das reais alianças políticas.
198 STRECK, op. cit.
199 TAVARES, Andre Ramos. Curso de direito constitucional. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 929.
200 DIMOULIS, Dimitri. Significado a atualidade da separação dos poderes. In: AGRA, Walter de Moura;
CASTRO, Celso Luiz Braga de; TAVARES, André Ramos (Coord.). Constitucionalismo: os desafios no terceiro
milênio. Belo Horizonte: Fórum, 2008. p. 158-9.
87

3.2.4 – Instrumentos e órgãos de controle das atividades dos Poderes em


âmbito federal.

A Constituição brasileira prevê órgãos para controle da atuação dos poderes


do Estado. Esses órgãos compõem a estrutura dos poderes estatais. São alguns:

a) Tribunal de Contas da União

O Tribunal de Contas é um órgão administrativo, de atuação técnica, que


auxilia o Poder Legislativo. Tem competência para a fiscalização contábil, financeira,
orçamentária, operacional e patrimonial da União e outras entidades mencionadas
no caput do art. 70 da Constituição Federal, levando em consideração a legalidade,
legitimidade, economicidade, aplicação de subvenções e renúncia de receitas,
portanto um órgão de natureza jurídica técnica.

A sua composição é de nove ministros, sendo seis indicados pelo Congresso


Nacional, um, pelo Presidente da República e dois escolhidos entre auditores e
membros do Ministério Público, que funciona junto ao Tribunal. Suas deliberações
são tomadas, em regra, pelo Plenário – instância máxima – ou, nas hipóteses
previstas, por uma das duas Câmaras.

Sua atuação resulta na emissão de parecer conclusivo sobre os processos


em que realiza a fiscalização. A depender da autoridade que está sob investigação
ou fiscalização, sua competência é “apreciar” contas, a exemplo das contas do
Presidente da República, conforme art. 71, I da CF, o que significa que ele analisa,
examina. Nesse caso, o julgamento fica a cargo do Poder Legislativo, conforme
previsão no art. 49, IX, da CF, do qual o Tribunal de Contas é seu auxiliar. Pode-se
também encontrar a competência para “julgar”, a qual se vê no art. 71, II da CF.

Nesse caso, o Tribunal de Contas pode aplicar penalidades aos responsáveis,


conforme consta nos incisos VIII a XI do art. 71 da Constituição Federal, em caso de
ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas. As sanções estão previstas na
Lei nº 8.443/92 e podem envolver desde aplicação de multa e obrigação de
devolução do débito apurado, até afastamento provisório do cargo, o arresto dos
bens de responsáveis julgados em débito e a inabilitação para o exercício de cargo
88

em comissão ou função de confiança no âmbito da administração pública. As


sanções penais e administrativas podem ser aplicadas independentemente das
punições realizadas pelo Tribunal de Contas.

b) Corregedoria Geral da União

De acordo com o art. 17 da Lei 10.683/2003, à Controladoria-Geral da União


compete assistir direta e imediatamente ao Presidente da República no desempenho
de suas atribuições quanto aos assuntos e providências que, no âmbito do Poder
Executivo, sejam atinentes à defesa do patrimônio público, ao controle interno, à
auditoria pública, à correição, à prevenção e ao combate à corrupção, às atividades
de ouvidoria e ao incremento da transparência da gestão no âmbito da
administração pública federal. Assim, a Corregedoria é órgão auxiliar do Executivo
Federal e tem como titular o Ministro de Estado Chefe da Controladoria-Geral da
União.

Em sua estrutura encontramos o Conselho de Transparência Pública e


Combate à Corrupção201 de formação paritária entre representantes da sociedade
civil organizada e representantes do Governo Federal. No exercício de sua
competência, cabe dar o devido andamento às representações ou denúncias
fundamentadas que receber, relativas a lesão ou ameaça de lesão ao patrimônio
público, se podendo dar o devido encaminhamento legal em casos que configurem
improbidade administrativa e todos quantos recomendem a indisponibilidade de
bens, o ressarcimento ao erário e outras providências a cargo daquele órgão.

c) Processo de impeachment do Presidente da República

O processo de impeachment tem por objetivo apurar as condutas do


Presidente da República quando estas atentarem contra a Constituição ou forem
contrárias aos interesses da Administração Pública, culminando nos chamados
crimes políticos. Diferentemente dos crimes comuns praticados por ele, que são
julgados pelo Poder Judicário, mais especificamente pelo Supremo Tribunal Federal,
os atos submetidos ao processo de impeachment são julgados pelo Senado Federal,

201 §2º do art. 17 da Lei 10.683/2003


89

após juízo de admissibilidade pela Câmara dos Deputados, conforme consta no


caput do art. 86 da Constituição Federal.

Observa-se que o Presidente da República fica submetido a julgamento pelos


parlamentares quando no exercício das funções de Chefe de Governo, porque,
enquanto Chefe de Estado, é considerado irresponsável, só prestando contas ao
cidadão, e não ao Poder Legislativo202.

Ainda nessa esteira, André Ramos Tavares assevera:

Nota-se essa vasta prática presidencialista deve-se, em parte, à tradição de


política brasileira, que é mercadamente centralizadora. Vislumbra-se a
necessidade de, no sistema brasileiro, o Presidente da República ser mais
responsável e prestar contas efetivas ao Parlamento, mas, ao mesmo
tempo, observam-se dificuldades diante de uma Casa Legislativa onde os
Ministros são inoperantes, corruptos e sem responsabilidade, o que obriga a
barganhas políticas com seus partidos dominantes203.

d) Comissão Parlamentar de Inquérito

A Constituição Federal, no art. 58, §3º, prevê as comissões parlamentares de


inquérito e sua atuação está disciplinada na Lei 1.579/52.

Para Nelson de Souza Sampaio a CPI não é um fim em si mesma 204, pois ela
é um mero instrumento de atuação do próprio órgão a qual ela está ligada.

No dizer de André Ramos Tavares:

[...] as CPIs não julgam pessoas, nem tampouco as denunciam ou


condenam. Não há como pretender confundir as funções institucionais de
cada órgão constitucional próprio (Ministério Público e Parlamento) 205.

Para ele o inquérito parlamentar é um instituto público típico, que pode ser
usado pelo Parlamento para exercer o controle que se encontra sob sua
competência.

202 TAVARES, op. cit., 2014. p. 1043.


203 Ibidem, p. 1046.
204 SAMPAIO, Nelson de Souza. Do inquérito parlamentar. Rio de Janeiro: FGV Edições, 1964. p. 5.
205 TAVARES, op. cit., 2014. p. 969.
90

Deve-se observar que estas comissões não receberam competência para


julgar as irregularidades encontradas no curso de suas investigações, e isso porque
há em nosso sistema o que se convencionou chamar de “postulado de reserva
constitucional de jurisdição”. Celso de Mello, em decisão proferida no STF, no
julgamento MS 23452, definiu este princípio:

[...] importa em submeter, à esfera única de decisão dos magistrados, a


prática de determinados atos cuja realização, por efeito de explícita
determinação constante do próprio texto da Carta Política, somente pode
emanar do juiz, e não de terceiros, inclusive daqueles a quem se haja
eventualmente atribuído o exercício de "poderes de investigação próprios
das autoridades judiciais”206.

Daí se pode concluir que as Comissões Parlamentares de Inquérito não


podem prescrever sanções, ficando sua atuação adstrita ao encaminhamento das
eventuais irregularidades para apuração aos órgãos competentes.

3.3. O ARTIGO 2º DA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988 E O PLEBISCITO DE


1993.

Conforme consta no artigo 2º da Constituição brasileira de 1988, o sistema da


tripartição dos poderes é composto por Poder Legislativo, Poder Executivo e Poder
Judiciário. Ao longo do Título IV, declinou sobre suas competências, sobre o seu
funcionamento, sobre sua estrutura e, ainda, sobre seus funcionários.

Porém, o próprio Poder Constituinte Originário, que formulou e promulgou a


atual Constituição brasileira, permitiu que esta estrutura, de três poderes, pudesse
sofrer alterações.

Por ocasião da promulgação da Consituição Federal de 1988, o Poder


Constituinte Originário, no texto original do artigo 2º do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias, determinou que a “forma” república ou monarquia
constitucional e o “sistema” de governo parlamentarismo ou presidencialismo fossem
postos para escolha popular, por meio de plebiscito, que acabou acontecendo no dia
21 de abril de 1993. O resultado foi que a forma de governo continuaria a ser a

206 http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/visualizarEmenta.asp?
s1=000020700&base=baseAcordaos.
91

republicana e que o sistema de governo também continuaria sendo o


presidencialista.

Deixando de lado a imprecisão das expressões “forma” e “sistema” de


governo, o importante será fazer essa discussão porque dela surgirão inúmeros
questionamentos importantes no momento da análise de implementação da teoria
de Ackerman no Brasil.

Os questionamentos serão da seguinte ordem:

 Como ficaria a separação dos poderes se a forma de governo fosse pela


monarquia e, em especial, se o sistema continuasse presidencialista?
 Ter-se-ia um retorno à figura do Quarto Poder ou um sistema
semipresidencialista ao estilo francês?
 Ou, ainda, mesmo com a manutenção da forma republicana, como ficaria
o sistema parlamentarista, quem representaria o Estado?

Nessa linha de raciocínio, tem-se que a escolha pelo parlamentarismo, como


forma de governo, implicaria a alteração do modelo de separação dos poderes
adotados pela Constituinte de 1988, pois, como foi visto, a estrutura do
parlamentarismo inclui a função executivo-administrativa sob o domínio do Poder
Legislativo, e, desta forma, haveria duas funções unidas num mesmo poder: funções
legislativas e administrativas/executivas dentro do Poder Legislativo, e a supressão
do Poder Executivo como um poder independente e autônomo.

Conclui-se, portanto, que as alterações por conta de uma possível opção pela
monarquia também seriam em nível da separação dos poderes. Mas aqui haveria
uma divisão das funções mantidas por um único poder. Assim, o Poder Executivo
que até então reunia duas funções, chefia de governo e de Estado, perderia uma
delas. A chefia de Estado passaria a ser exercida pelo monarca, e somente a chefia
do governo ficaria com um presidente ou um primeiro-ministro. E na hipótese da
presença de um primeiro-ministro, a função de chefia de governo migraria para o
Poder Legislativo.
92

Converge-se novamente para aqueles questionamentos que se iniciaram


acima: como explicar que um Estado estruturado em uma Constituição sob o modelo
da teoria clássica da separação dos poderes – em Poderes Legislativo, Executivo e
Judiciário, autônomos e independentes, expressamente postulados em seu artigo 2º
– pudesse sofrer alteração? E o que dizer sobre o artigo 60, parágrafo 4º, inciso II,
que veda qualquer emenda à Constituição tendente a abolir a Separação dos
Poderes, colocando o tema sob “cláusula pétrea”?

3.4. A APLICAÇÃO DA NOVA ESTRUTURA DA SEPARAÇÃO DOS PODERES NO


BRASIL

Em pleno século XXI não mais são autorizadas as articulações que


promovam uma rígida separação de poderes, funções e competências cometidas ao
Estado, aos órgãos estatais ou seus agentes.

Neste sentido Marcelo Figueiredo assevera:

A doutrina da separação dos poderes, tal como concebida nos séculos


passados, em sua formação original, não tem mais serventia. Realizadas as
necessárias adaptações à estrutura do Estado moderno, com todas as
dificuldades que o procedimento encerra, poderemos aproveitar algumas de
suas ideias e ideais207.

Ademais, a separação de poderes na atualidade está submetida por variantes


multidimensionais: contexto global, nacional, regional e local, pois os poderes se
comunicam e precisam cada vez mais de interação e velocidade no tráfico das
informações necessárias para as articulações políticas nesses diversificados
cenários.

No dizer de André Ramos Tavares,

[...] a inclusão de novos “poderes”, ou mais propriamente, a constatação da


existência de funções outras, atribuíveis a certos “poderes” (órgãos de
soberania”) por insuficiência absoluta dos “poderes” tradicionalmente
aceitos, pode-se dizer, é uma constante no pensamento mais recente de
todos quantos se ocuparam detidamente do tema, o que infirma a
possibilidade de uma construção teórica das funções estatais208.

207 FIGUEIREDO, Marcelo. Teoria geral do estado. São Paulo: Atlas. 1993. p. 22.
93

Em qualquer caso, observa-se que o objeto imediato da “separação de


poderes” tem como núcleo duro a proteção e promoção da liberdade, bem maior da
cidadania e condição indispensável para pensar-se uma sociedade democrática,
ordenada por fins que promovam a dignidade da vida na sua dimensão individual,
social e ecológica, afastada, desta forma, toda pretensão ao absolutismo, opressão
e ocultação dos direitos humanos e de direitos fundamentais.

Para Lenio L. Streck e Fabio de Oliveira, analisando o art. 2º da Constituição


Federal:

Como se percebe, a separação dos poderes abarca diversos desenhos.


Varia se em sistema presidencialista ou parlamentarista, bem como dentro
de cada qual. Sem prejuízo dos seus muitos padrões, o princípio da
separação dos poderes se consolida como um princípio geral do Direito
Constitucional, postulado básico e aglutinador da Teoria da Constituição,
evocado sempre a responder aos desafios da atualidade. Vai, assim, se
reorganizando, ensejando leituras, se renovando209.

Diante do quadro vivido, em que a separação dos poderes teria a finalidade


precípua de legitimidade do poder, conforme se verifica nos estudos históricos das
constituições anteriores, a adoção de um novo modelo de separação dos poderes é
uma ideia de relevo e importância para que atenda ao desenvolvimento dos direitos
e garantias fundamentais.

É possível traçar várias combinações sobre a separação dos poderes na


engenharia da construção de um Estado, mas o objetivo de qualquer uma delas
deverá conter elementos essenciais que justificam sua aplicação.

Inúmeros são os objetivos que se poderiam pretender alcançar com a


aplicação de uma nova separação dos poderes no Brasil. Porém, opta-se aqui por
traçar três objetivos primordiais com a mudança proposta. São eles: a legitimidade
democrática, a eficiência do Estado e a proteção e ampliação dos Direitos
Fundamentais.

208 TAVARES, André Ramos. A superação da Doutrina Tripartite dos Poderes do Estado. Cadernos de Direito
Constitucional e Ciência Política, ano 7, v. 29, p. 71, out. 1999.

209 SARLET, Ingo W.; BRANDÃO, Rodrigo. Comentário ao artigo 60. In: CANOTILHO, J. J. Gomes (Ciord.)
et al. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva; Almedina, 2013. p. 146.
94

3.4.1 – Objetivos da aplicação da nova estrutura de separação dos poderes no


Brasil

3.4.1.1 Legitimidade democrática para o exercício da cidadania

Ainda na perspectiva da cidadania modelando o Estado, passa-se a destacar


como se dá a relação entre a cidadania e a legitimidade democrática.

O conceito de cidadania remonta à Antiguidade Clássica, na Grécia, em que


eram considerados cidadãos todos aqueles que estivessem em condições de opinar
sobre os rumos da sociedade. Desde aquela época, a cidadania pode ser entendida
como o conjunto de direitos, sejam eles civis, políticos ou sociais, sendo que os
direitos políticos se referem à relação entre os indivíduos e o governo.

Vale destacar que a democracia e a cidadania caminham interligadas. A partir


do momento em que o poder emana do povo e a sociedade tem os seus direitos
resguardados, os dois institutos estão cumprindo a sua função.

Até o século XVIII, a palavra democracia sugeria imagens das cidades-


estados gregas. A democracia era possível em uma sociedade face a face na qual
todos os cidadãos poderiam participar diretamente nos assuntos de ordem pública.
Somente por meio dela o povo poderia governar de forma significativa.

Modernamente, a democracia reveste-se legítima quando o povo é fonte do


poder soberano do Estado e titular do exercício da democracia. Nesta concepção,
José Afonso da Silva descreve:

[...] a democracia, em verdade, repousa sobre dois princípios fundamentais


ou primários, que lhe dão a essência conceitual: (a) o da soberania popular,
segundo o qual o povo é a única fonte de poder, que se exprime pela regra
de que todo o poder emana do povo; (b) a participação, direta ou indireta,
do povo no poder, para que este seja efeiva expressão da vontade
popular210.

210 SILVA, op. cit., 2010. p. 131.


95

Bruce Ackerman, em sua obra, “Nós – o povo soberano” 211, disciplina que, na
democracia, o cidadão comum tem sempre essas questões em mente: o que é bom
para mim? O que é bom para o país? O cidadão não supõe, como o faz o chamado
perfect privatist, que o bem comum simplesmente não existe, que há algo além da
satisfação dos interesses pessoais.

Com a ideia de maior participação popular, através do referendo sequencial


trazido pela proposta de Ackerman, tem-se que a legitimidade democrática necessita
da governabilidade com autoridade plena que deve ser entendida como um único
órgão de direção estatal, visto comumente no sistema parlamentarista.

Ackerman indaga:

[...] quantas eleições um movimento deve ganhar antes de ganhar


autoridade legislativa plena? De quais maneiras uma constituição federalista
deve organizar as instituições democráticas do centro para exprimir os
interesses constituintes de estados membros de periferia? 212

A obtenção da legitimidade democrática na atuação estatal é, sem dúvida, um


dos maiores desafios para a separação dos poderes. Importante destacar que o
conceito de legitimidade tomado aqui é aquele que se reveste de um atributo do
Estado de buscar o consenso em uma parcela da população capaz de assegurar a
obediência sem a necessidade de recorrer ao uso da força 213.

A mudança no sistema de governo presidencialista para a parlamentarista é


fundamental para se obter a autoridade plena. O parlamentarismo limitado supre
essa legitimidade democrática com a autoridade plena indicando que as funções
legislativas e administrativas estão reunidas num único poder.

Robert Dahl afirma que em países onde as condições para a democracia não
são significativamente favoráveis, um sistema parlamentar possivelmente contribuirá

211 ACKERMAN, op. cit., 2006.p. 409-44.


212 Ibidem, p. 23.
213 BOBBIO, Norberto; MATEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. 4. ed. Brasília:
Universidade de Brasília, 1992. v. 2. p. 675.
96

mais que o presidencialismo para a estabilidade das instituições democráticas


básicas214.

Ademais, o sistema eleitoral deve ser adequado para obtenção da


legitimidade democrática. Um corpo de representantes que assuma as funções de
Estado faz a essência da própria democracia. Para Montesquieu:

Num Estado livre, todo homem que supõe ter uma alma livre deve governar
a si próprio; é necessário que o povo, no seu conjunto, possua o poder
legislativo. Mas como isso é impossível nos grandes Estados, e sendo
sujeito a muitos inconvenientes nos pequenos, é preciso que o povo, por
intermédio de seus representantes, faça tudo o que não pode fazer por si
mesmo215.

Não há dúvidas de que a busca por um sistema de democracia direta, dada a


complexidade da organização social, seja extremamente difícil, mas a presença de
mecanismos que assegurem uma legítima representatividade e de instrumentos que
abram espaço para uma efetiva democracia direta, devem corresponder ao objetivo
de uma democracia.

3.4.1.2 Eficiência do Estado

O aperfeiçoamento funcional do aparelho estatal é o segundo ideal adotado


para aplicação desse novo modelo.

A atual competição entre câmara, senado e presidência pelo controle do


aparato administrativo tem criado um estilo excessivamente politizado de governo,
transformando o Poder Executivo em um inimigo do Estado de Direito, o que gera,
conforme Ackerman, uma fraqueza congênita de políticos diretamente eleitos.
Quanto mais estes intervêm na implementação de leis, menos imparcial e mais
alheia à realidade se torna a implementação. Outrossim, aqueles passarão a criar
uma “miniburocracia hiperpolitizada”; suas decisões serão tomadas por “agregados”
inexperientes, com o objetivo de agradar o seu superior e obter bons resultados em
prol dos interesses específicos de quem os apoia.

214 DAHL, Robert A. Sobre a democracia. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2001. p. 31.
215 MONTESQUIEU, op. cit., p. 168.
97

Isso pode ficar contido com a introdução de dois centros de controle no novo
modelo. Tanto o Centro de Integridade quanto o Centro de Regulação atuam para
assegurar que o governo burocrático resgate as suas pretensões fundamentais à
integridade e excelência no regulamento do interesse público, respectivamente.

Mas o Centro de Regulação teria um papel importante na busca pela


eficiência e no contínuo aperfeiçoamento do aparelho administrativo estatal. O papel
fundamental desse Centro será o de normatizar os atos para a administração
pública. Desta forma, após a produção legislativa, o Centro de Regulação atuará
para que as instruções legais possam ser efetiva e tecnicamente bem aplicadas.

Aqui um aspecto importante é a corrupção, que não deve ser tratada apenas
como um problema social, uma vez que sua existência obstrui a própria legitimidade
do Estado democrático. Deste foco, nasce a ideia de se construir um centro de
integridade, o qual deve ser provido de poderes e cuja contínua fiscalização deve
ser encorajada.

3.4.1.3 Proteção e ampliação dos direitos humanos fundamentais

Por fim, o terceiro e maior objetivo é a proteção dos direitos fundamentais,


impondo limites à autoridade legiferante de políticos democraticamente eleitos.

Os Direitos Humanos são os direitos subjetivos do homem. Pérez Nuño 216


define e caracteriza os Direitos Humanos como:

[...] aquellos derechos subjetivos que tienen su origen en el propio hombre


por la especial dignidad de la especie humana, que son universales,
inalienables, instransferibles e irrenunciables; y que permiten al hombre
exigir al estado ciertas garantías para el desarrollo de los mismos.

Dentro desse contexto, um Estado pode prescrever em um texto


constitucional um rol de Direito Humanos, instituindo-os, assim, como Fundamentais.

Há uma classificação da doutrina moderna sobre os Direitos Humanos que os


coloca de forma a integrar uma ordem de importância e reconhecimento. Esta ordem
é apresentada por direitos de primeira até a quinta dimensão. Os de primeira,

216 PÉREZ NUÑO, Antônio. Derechos humanos, estado de derechos y constitucion. Madrid: Tecnos. 2009. p.
497.
98

segunda e terceira dimensões são dogmas herdados da Revolução Francesa:


liberdade, igualdade e fraternidade – podendo hoje ser indicados como liberdades
individuais, direitos sociais e direitos ligados à ideia de solidariedade ou fraternidade,
respectivamente. Quanto aos direitos de quarta e quinta dimensões, na classificação
de Paulo Bonavides217, são: o direito à democracia, o direito à informação e o direito
ao pluralismo, atinentes aos de quarta geração, e o direito à paz, como de quinta
geração.

A maior ou menor proteção dos Direitos Fundamentais está diretamente


ligada ao maior ou menor grau de democracia. E o modelo de democracia toma
forma em meio à estrutura dos poderes utilizados pelo Estado.

O conceito de democracia está atrelado ao conceito de cidadania. Vale


destacar que a independência dos Estados Unidos e o processo revolucionário
francês levantaram a bandeira da liberdade e da igualdade, embora tivessem uma
origem propriamente burguesa, e contribuíram para a inclusão de um maior número
de indivíduos no corpo político das sociedades. Cidadania passa a significar o
relacionamento entre uma sociedade política e seus membros.

Nessa esteira, Marshall218 ressalta a questão da desigualdade de classes e


mostra como o desenvolvimento da cidadania até o século XIX esteve imensamente
submetido à questão das relações entre classes sociais antagônicas. Tal
diferenciação seria inerente à própria relação entre os direitos e a camada que os
teria fomentado. Assim, a cidadania aparece dividida em distintas categorias, com o
intuito de demonstrar o desenvolvimento desigual de cada uma delas e a quais
setores pertenciam.

E, propõe, em 1949, a primeira teoria sociológica de cidadania, ao


desenvolver os direitos e obrigações inerentes à condição de cidadão. Marshall
estabeleceu a seguinte tipologia dos direitos de cidadania: os direitos civis,
conquistados no século XVIII; os direitos políticos, alcançados no século XIX, e os
direitos sociais, conquistados no século XX219.
217 BONAVIDES, op. cit., 2010. p. 581.
218 MARSHALL, Thomas Humprey. Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro: Zahar, 1967. p. 63.
219 MARSHALL, op. cit., p. 63.
99

Para Marshall, os direitos civis são aqueles necessários à liberdade individual


– liberdade de ir e vir, liberdade de imprensa, de pensamento e de expressão, o
direito à propriedade, de realizar contratos e o direito à justiça. Os direitos políticos
compreendem o de votar e ser votado como membro de um organismo investido da
autoridade política. Os direitos sociais, por sua vez, compreendem a participação na
“herança coletiva”, de modo que se possa assegurar um mínimo de bem-estar
econômico e segurança. Esses três elementos seriam garantidos e viabilizados por
instituições correspondentes, que são os tribunais de justiça, o Parlamento e as
instituições de governo local e o sistema educacional e serviços sociais,
respectivamente220.

Na obra de Marshall221, a cidadania foi concebida como a participação integral


do indivíduo na comunidade política e social. Desde as suas concepções, o conceito
de cidadania vem sendo consideravelmente ampliado. Deixou de abranger apenas
os direitos e deveres políticos, para incorporar também os direitos civis, sociais e
econômicos. Hoje, o conceito de cidadania está associado à participação integral
dos cidadãos na comunidade.

Nessa perspectiva, a participação popular nos movimentos sociais, políticos e


econômicos do Estado se tornou parte principal no processo de desenvolvimento da
cidadania. Significa que, como princípio constitucional fundamental, a cidadania
deve ser respeitada em favor dos interesses dos cidadãos, com o objetivo de se
concretizar um verdadeiro Estado Democrático de Direito.

Quando se trata de liberalismo laissez-faire ou liberalismo econômico,


conhecido como a mão invisível do mercado, supõe-se que o status quo fornece
uma base aceitável para a elaboração de direitos fundamentais e considera o
governo hiperativo como a única ameaça à liberdade. Para que tal ameaça seja
contida, destaca-se a importância do “parlamentarismo limitado”, pelo qual uma
corte constitucional funcionaria como guardiã desses direitos pelo exercício da
judicial review.

220 Ibidem, p. 63-4.


221 Ibidem.
100

E, neste sentido, José Augusto Delgado reforça as razões do trabalho em


questão:

Filio-me à corrente daqueles que pregam ser a democracia, com todos os


seus defeitos, um regime muito melhor do que a mais perfeita das ditaduras.
A Democracia, mesmo ferida, homenageia, pelo menos, a esperança de um
povo e simboliza o modelo de liberdade, de segurança e de
desenvolvimento cultural e econômico pretendido pelo cidadão, diferente do
que acontece com qualquer outro tipo de regime. Aperfeiçoar a atuação do
regime democrático para o século XXI não é tarefa das mais fáceis. Uma
série de obstáculos deve ser enfrentada e regulada, sem se falar nas
resistências que serão impostas por clones conservadores e resistentes a
mudanças, por serem beneficiados com a situação atual. O certo é que algo
precisa ser feito e com ousadia222.

A ênfase dada no texto citado está na necessidade de enfrentar os problemas


e sugerir soluções com posições que se integrem no atuar do homem encarregado
de pensar e de fazer ciência, o que deve ser exercido sem temor. Se, para tanto, os
objetivos forem alcançados e contribuições essenciais forem consolidadas, “evita-se
a mais temida revolução que pode ser feita pelo ser humano, que é a revolta interna
e silenciosa contra as instituições, com força até de extinguir, caso se realize, a
entidade tradicional do Estado”223.

3.4.2 – O modelo Brasileiro à luz da Teoria do Parlamentarismo Limitado de


Ackerman

3.4.2.1 O Parlamento

O Parlamento deve ser composto por duas casas, mantendo-se o


bicameralismo. A primeira, chamada de Câmara Federal, tem a função de produzir a
legislação federal e de formar o Governo Central. A segunda, chamada de Conselho
Federal, tem a função de acompanhar a produção legislativa da Câmara Federal,
numa atuação de consultoria e assessoramento.

222 DELGADO, José Augusto. A evolução conceitual dos direitos fundamentais e a democracia. Informativo
Jurídico da Biblioteca Ministro Oscar Saraiva, v. 12, n. 2, p. 165, jul./dez. 2000.

223 Ibidem.
101

Com relação à inserção do parlamentarismo, a par do que foi dito


anteriormente, o sistema constitucional deve se adaptar a um novo sistema eleitoral
para construção da Câmara Federal.

O federalismo está mantido; assim, os estados federados, os muncípios e o


Distrito Federal continuam com autônomia, trazendo a ideia da descentralização de
poder que transcende a tripartição de poderes em um nível apenas. Há que se
pensar em vários níveis de separação de poderes para contemplação dos entes
federados, a separação dos poderes ‘vertical’.

Pode parecer que há uma verdadeira e necessária conexão entre a


separação dos poderes e o federalismo, exigindo-se a presença de uma casa
legislativa para compor os interesses dos estados federados. Mas pode-se
vislumbrar que talvez isso não seja obrigatório, como ocorre em Estados a exemplo
do Canadá224.

Então, se não há a necessidade de uma segunda Câmara para representar


as partes federadas, pode-se assim fazê-lo por outros instrumentos.

Apesar de Jeremy Bentham225 dizer que uma segunda casa é “desnecessária,


inútil, pior que inútil”, pode-se admitir a presença de uma segunda casa só
consultiva, num sistema de conselheiros nomeados que representam os entes
federados, convocados de forma específica.

Assim, não há a necessidade de romper com a autonomia dos Estados-


membros. Estes seriam representados no Conselho Federal. Em observância à
estrutura, apontada por Ackerman, de uma casa e meia, este modelo poderia ser
repetido nos Estados-membros – ao menos a “meia casa”, que teria a função
consultiva – e, ainda, estes governos estaduais poderiam designar seus

224 Há no Canadá um Senado, mas é mais fraco que a Câmara dos Comuns. Ele é nomeado pelo governador-
geral e indicado pelo primeiro-ministro. Tem meramente poderes consultivos. Conforme art. 21 a 36 da
Constituição canadense. O Canadá, apesar de possuir uma forma de estado federado, teve sua estrutura montada
de forma a ter somente uma casa forte. Os interesses dos Estados são defendidos por meio da seleção de sua
fração de membros na casa federal dos Comuns.

225 BENTHAM, Jeremy. Entre o esquecimento e o retorno às ideias de um visionário. Disponível em:
<http://www2.senado.gov.br/bdsf/item/id/496628>. Acesso em: nov. 2013.
102

representantes para assentos na instituição federal, o que Ackerman nomeou de


“opção diplomática”.

Nesse enfoque, as eleições estaduais ganhariam destaque, uma vez que os


eleitores não passariam a vislumbrar apenas as promessas e realizações dos seus
governos, mas também sinalizariam a sua satisfação com a coalizão governante em
âmbito nacional, aumentando a importância da ligação entre os Estados-membros e
a União.

3.4.2.1.1 Câmara Federal

A Câmara Federal tem atribuição de produzir a legislação ordinária e constituir


do Governo Central para funções administrativas federais.

Os membros da Câmara Federal devem ser eleitos pelo povo, pelo voto
direto, pelo sistema eleitoral proporcional, em cada Estado-membro e no Distrito
Federal. O número total de Deputados, bem como a representação por Estado e
pelo Distrito Federal, será estabelecido por lei complementar, proporcionalmente à
população.

Cada legislatura terá a duração de quatro anos, sendo que o mandato dos
membros da Câmara Federal será de quatro anos, permitida sua recondução uma
única vez subsequente.

As decisões na Câmara Federal serão tomadas por maioria absoluta, nas


hipóteses de sua competência privativa, e por maioria simples nas hipóteses de
competência com prévia deliberação referendária.

Assim, como se observa, há dois tipos de atribuições, uma privativa,


dependendo exclusivamente da atuação da Câmara, e outra que contará com a
deliberação popular por meio de referendo sequencial.

Os membros da Câmara Federal são responsáveis, perante os Centros de


Integridade, por atos de corrupção e abusos semelhantes; perante o Centro de
Regulação, por inobservância das normas administrativas e por escolhas políticas
lesivas ao erário público; perante o Centro Democrático por desrespeito e fraude ao
103

sistema de referendo, também perante os órgãos judiciários e a Corte


Constitucional, nas competências indicadas em lei.

a) Governo Central

A composição do Governo Central é atribuição da Câmara Federal, cuja


função é realizar a administração pública federal. A Chefia do Governo Central será
exercida por um dirigente, juntamente com seu vice, que serão declarados eleitos,
dentre os membros da Câmara Federal, quando obtiverem a aprovação de dois
terços dos votos dos seus pares. Assim, o dirigente do Governo Central é um
membro da Câmara Federal.

Poderão candidatar-se aos cargos de dirigente e vice do Governo Central os


deputados eleitos para aquela sessão legislativa, sendo que a eleição dar-se-á no
final do primeiro trimestre da legislatura. O mandato será de quatro anos, permitida
recondução por um período subsequente, caso consiga se reeleger à Câmara
Federal para o cargo de deputado.

O dirigente do Governo Central terá dois tipos de competências. A primeira é


e sua competência privativa, na qual suas decisões serão tomadas de forma
autônoma, a depender somente do seu plano de governo. Na segunda suas
atribuições ficam condicionadas à prévia autorização da Câmara Federal. E, por fim,
tem a terceira classe de competência, que só poderá ser exercida após o referendo
sequencial.

O dirigente do Governo Central é responsável, perante os Centros de


Integridade, por atos de corrupção e abusos semelhantes, e de Regulação, por
inobservância das normas administrativas e por escolhas políticas lesivas ao erário
público; ao Centro de Referendo, por desrespeito e fraude ao sistema de referendo,
e também perante os órgãos judiciários e a Corte Constitucional, nas competências
indicadas em lei.
104

3.4.2.1.2 – Conselho Federal

O Conselho Federal será composto por representantes dos governos


estaduais, sendo nomeados entre representantes do Governo Central estadual e da
Câmara Legislativa estadual.

Os membros oriundos do Governo Central estadual serão indicados pelo


Governador de Estado, depois de ouvido seu respectivo Conselho estadual. Já os
membros originários da Câmara Legislativa estadual serão por eles indicados, após
aprovação por maioria de seus membros. Cada Estado pode designar quatro
membros, sendo que os votos de cada Estado só poderão ser considerados se
dados por unanimidade.

O Conselho Federal tem a função de zelar pelo pacto federativo e a


autonomia dos entes da federação, bem como participar dos debates no processo
legislativo federal, pedir vistas desses e solicitar a convocação de sessão
extraordinária para aprofundamento dos debates em relação aos projetos de leis que
versem sobre assuntos relacionados à federação.

A participação do Conselho Federal será consultiva, mas garantida de ampla


publicidade de sua opinião aos cidadãos. Também deve ser informado
constantemente sobre a evolução dos negócios públicos, bem como dos projetos de
leis.

Os membros do conselho também são responsáveis, perante os Centros de


Integridade, por atos de corrupção e abusos semelhantes, e de Regulação, por
inobservância das normas administrativas e por escolhas políticas lesivas ao erário
público. Responderão ao Centro de Referendo, por desrespeito e fraude ao sistema
de referendo, também os órgãos judiciários e a Corte Constitucional, nas
competências indicadas em lei, da mesma forma que a responsabilidade prevista ao
primeiro-ministro.
105

3.4.2.2 Referendo Sequencial

O referendo sequencial é um instrumento de consulta popular sobre assuntos


relacionados à administração dos negócios públicos e à produção legislativa, de
forma permanente.

O referendo, como atuação popular, reforça a ideia de que estar sob um


regime democrático não é simplesmente se submeter a um processo de escolhas de
representantes. A força deste instrumento é exatamente ligar o representante eleito
e sua atuação à vontade daquele que escolheu.

Portanto, o referendo sequencial tem a finalidade de aferir se as decisões


políticas tomadas estão de acordo com a vontade do povo, pois a ideia de
legitimidade democrática é a de que todo poder é do povo e pode ser exercido por
ele.

O referendo sequencial é obrigatório nas competências da Câmara Federal e


do Governo Central quando indicado pela Constituição. Com essa obrigatoriedade
da participação ativa do povo, quer-se a construção de condições favoráveis para
que a conduta da autoridade pública se vincule de maneira direta, não apenas de
forma teórica, à vontade popular.

As proposições submetidas ao referendo sequencial passarão por uma série


de votações e serão consideradas aceitas e vinculativas se houver dois terços de
aprovação dos eleitores, e submetidas a novo referendo se obtiverem a aceitação de
maioria absoluta, após novo período de explicação, e ainda consideradas não
aceitas, se não obtiverem maioria absoluta.

Não serão submetidas ao referendo sequencial as alterações à Constituição.

O referendo sequencial se dará por iniciativa da Câmara Federal, do Governo


Central, bem como por iniciativa do eleitor. No caso de iniciativa do eleitor, o
referendo só será instalado por aprovação da maioria dos membros da Câmara
Federal.
106

A participação do eleitor no referendo se dará por meio eletrônico, devendo a


Lei Complementar regulamentar o procedimento e o controle de legitimidade.
Poderão participar do referendo todos aqueles com capacidade eleitoral plena. A
proposta recusada em referendo só poderá ser objeto de nova análise na sessão
legislativa seguinte à da sua recusa.

Sendo o referendo um instrumento de democracia direta já existente na


Constituição Pátria, por que não aplicá-lo com maior intensidade, inserindo o povo
como um integrante de fato do Estado Democrático de Direito?

Assim, este ponto a comparar poderá ser adaptado ao País, observadas as


normas vigentes, pois um aumento na realização de referendos ocasionará uma
proximidade do povo com a política, auxiliando-a na tomada de decisões mais
centradas no bem-querer da população, alcançando a democracia.

Atualmente, o modo como o referendo é utilizado o transforma em máscara


para a valoração das propostas dos governantes, contrariando a função
estabelecida quando de seu ingresso.

O instrumento do referendo proposto traz a exigência de múltipla votação,


com o intuito de reprimir a tentação da coalizão governante de usar o instituto de
democracia direta para ganhar impulso e, ainda, afirma que múltiplos referendos
também impedirão os parlamentares de explorar a ignorância popular.

Em suma, discorrendo sobre os impasses do sistema de separação de


poderes, o referendo sequencial é um ponto fundamental onde há a divisão da
autoridade legislativa entre os parlamentos e povos, no qual os últimos exprimirão
suas vontades por meio de pleitos atenciosamente formulados pelo Centro
Democrático, que deverá organizar e fiscalizar este instrumento de consulta à
população.
107

3.4.2.3 – Centros de Controle

A estrutura dos poderes está submetida a controle de diversas naturezas, em


especial de natureza administrativa – pelo Centro de Regulação, natureza política-
administrativa – pelos Centros de Integridade e Democrático e de natureza jurídica –
pelo Sistema de Organização Judiciária e pela Corte Constitucional, que também
realizará controle de natureza político-constitucional.

Os Centros de Controle terão, em sua estrutura, representantes das


entidades de auxílio aos poderes como o Ministério Público, a Defensoria Pública, a
Advocacia e os órgãos de defesa de direitos etc.

3.4.2.3.1 – Centro de Regulação

O Centro de Regulação tem a função de controlar e fiscalizar as escolhas


políticas realizadas por autoridades públicas por meio de normatização de
procedimentos, emitindo regulamentos, indicando procedimentos adequados em
casos concretos, sempre com o intuito de assegurar transparência e eficiência,
podendo anular atos considerados ilegais e abusos, bem como responsabilizar os
praticantes de atos ilegais ou abusivos.

Este Centro atuará preventivamente, auxiliando a produção legislativa, a


confecção de processos administrativos, por meio de consultas e normas
regulatórias. Também, terá atuação de forma repressiva, fiscalizando, analisando e
julgamento procedimentos inadequados e ilegais.

Pode-se dizer que este controle, de natureza administrativa, impõe às


autoridades a estrita obediência à lei, que deriva do seu comprometimento enquanto
poder público. Sem esquecer que cada órgão terá uma organização de controle
interno, que atuará em conjunto com o Centro de Regulação.

Com relação ao objeto do controle do Centro de Regulação, todos os atos das


autoridades públicas são suscetíveis, em princípio, de serem controlados em relação
a sua adequação com o ordenamento jurídico, sem deixar áreas isentas a esse
108

controle. Esta ideia, sem embargo, deve respeitar os atos que necessitam de
discricionariedade para serem eficazes e para cumprirem com as obrigações
constitucionalmente impostas. Nesse caso, o controle só será realizado se decorrer
de atuação abusiva, caso em que haverá apreciação pelo Centro de Integridade.

Dentro de Centro de Regulação pode ser incluído o Tribunal de Contas já


existente, pois sua atuação é de natureza administrativa. Nesse caso, ficará ao seu
encargo a fiscalização das atividades financeiras dos órgãos e autoridades.

Para complementar a legislação ordinária, o Centro de Regulação contará


com um setor para desenvolver regulamentos técnicos necessários dar efetividade à
norma legal, porque, invariavelmente, a legislação exige conhecimento técnico e
científico para sua produção e seu desenvolvimento, seja ele ambiental, de obras,
relacionados à saúde etc.

Os membros do Centro de Regulação pertencem ao quadro de servidores


permanentes, de investidura por concurso público.

3.4.2.3.2 – Centro de Integridade

O Centro de Integridade é composto por unidades com propósito específico,


relacionados com a distribuição das funções dos poderes que integram a União e
tem a função de fiscalizar, controlar e punir as autoridades e servidores do governo
por corrupção e abusos semelhantes.

A improbidade administrativa será o objeto da fiscalização do Centro de


Integridade. Sem embargo da fiscalização e da sanção de natureza penal, que fica a
cargo do controle jurisdicional, os atos abusivos ou lesivos ao patrimônio público
serão julgados pelo Centro de Integridade.

As sanções impostas dependem do cargo que o agente público ocupa; assim,


se o agente for político, sanções de natureza política, como a perda de mandato e
as inelegibilidades; se for agente público, sanções do tipo funcional, suspensão das
atividades, perda do cargo, perda da aposentadoria etc. Além das sanções de
natureza jurídica e administrativa.
109

Os membros do Centro de Integridade também pertencem ao quadro de


servidores permanentes, de investidura por concurso público.

3.4.2.3.3 - Centro Democrático

O Centro de Referendo é responsável pela organização e a fiscalização do


processo de referendo sequencial e atua para garantir a efetividade da participação
popular nas decisões políticas e administrativas, nas situações previstas na
Constituição Federal, por meio do referendo sequencial, principal instrumento de
participação popular.

Este Centro cuidará das formalidades dos processos referendários, tais como:
prazos, quantidade de votos, publicidade, garantia de acesso e sigilosidade na
votação e, ainda, esclarecimentos sobre os assuntos chamados em referendo. Terá
atribuição também de fiscalizar o processo eleitoral para preenchimentos dos cargos
eletivos.

3.4.2.4 – Corte Constitucional

A Corte Constitucional é órgão colegiado único com a competência de


guardar a Constituição Federal.

A composição da Corte Constitucional é de onze ministros, escolhidos dentre


membros das carreiras jurídicas, da seguinte forma: dois terços escolhidos pelo
Parlamento – Câmara e Conselho Federais, e um terço escolhido pelos Centros de
Integridade e de Regulação. A duração do mandato será de 12 anos, proibida sua
recondução.

As decisões da Corte serão dadas no âmbito de ações específicas para o


controle de constitucionalidade da legislação federal e estadual que contrariar a
Constituição Federal.

Os componentes da Corte são responsáveis por seus atos perante os Centros


de Integridade, por atos de corrupção e abusos semelhantes, e de Regulação, por
inobservância das normas administrativas, bem como aos órgãos judiciários e a
Corte Constitucional, nas competências indicadas em lei.
110

3.4.2.5 – Sistema de Organização Judiciária

Dentro da lei de organização judiciária, tem-se a atuação jurisdicional por


meio das ações específicas.

A presente proposta tem a intenção de contextualizar a teoria trazida nesta


tese no corpo da Constituição brasileira, sem a pretensão de primar pela técnica
legislativa e sem querer conjugar todos os assuntos de natureza constitucional.
111

3.4.3 - Organograma da nova estrutura de separação dos poderes no Brasil:

3.5 - A VALIDADE JURÍDICA DA NOVA SEPARAÇÃO DOS PODERES NO BRASIL

Para validar juridicamente a proposta de alteração da estrutura da separação


dos poderes frente à Constituição brasileira faz-se necessária a aprovação de uma
emenda constitucional.

Ocorre que o Art. 60, §4º, III da Constituição Federal inseriu a separação dos
poderes no rol da cláusula pétrea: “Não será objeto de deliberação a proposta de
emenda tendente a abolir:” [...], “III - a separação dos Poderes”.
112

Tem-se então que, a priori, a separação dos poderes não pode ser objeto de
alteração por emenda constitucional; não pode, assim, ser “abolida”, expressão
utilizada no texto constitucional, ou ainda, no dizer de Manoel Gonçalves Ferreira
226
Filho, a separação dos poderes no Brasil, é “inabolível” .

Porém, diz-se a priori, pois tem-se que as “previsões como as do art. 60, §4º,
da Constituição de 1988 “visam assegurar determinados princípios, e não os
dispositivos (ou a forma dos preceitos) que os expressam”227.

Assim, por “princípio” da separação dos poderes não se deve entender a


distribuição de funções estatais a três órgãos – Executivo, Legislativo e Judiciário,
mas sim deve-se entender como a necessidade de se evitar a concentração de
funções estatais nas mãos de um único órgão. Desta forma, separar as funções em
três órgãos é a normativa; impedir a concentração de poder é o objetivo, o princípio
da separação dos poderes.

Portanto, para validação jurídica da proposta e sua inserção no texto


constitucional por meio de uma Emenda, deve-se analisar o real alcance dessa
limitação.

3.5.1 – Existência de cláusulas pétreas

A existência de cláusula pétrea na Constituição justifica-se pela necessidade


de preservar as decisões fundamentais do constituinte, evitando que uma reforma
ampla e ilimitada possa desembocar na destruição da ordem constitucional, de tal
sorte por detrás da previsão desses limites materiais se encontra a tensão dialética e
dinâmica que caracteriza a relação entre a necessidade de preservação da
Constituição e os reclamos no sentido de sua alteração 228.

226 FERREIRA FILHO, op. cit., 2009. p. 247.


227 FRANCISCO, op. cit., p. 83.
228 SILVEIRA, José Neri da. A reforma constitucional e o controle de sua constitucionalidade. Revista da
Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (Ajuris), n. 64, p. 207.
113

A intenção do constituinte originário ao estabelecer que certas cláusulas


estejam ao abrigo de mudanças foi a de aumentar a estabilidade, assegurando-lhe
“maior sobrevida, por meio do agravamento do processo da sua substituição” 229.

Da análise sobre a intangibilidade dos assuntos inseridos na “cláusula pétrea”


pode-se dizer que ela não se consubstancia em um dogma 230; ela é sim uma
estratégia para limitar o Poder Constituinte Derivado Reformador na sua atribuição
de elaborar as Emendas Constitucionais.

Ingo Sarlet231 esclarece que as cláusulas pétreas não estabelecem a absoluta


intangibilidade do bem constitucional por ela alcançado. Para Sarlet, o que se deve
preservar é o núcleo essencial dos bens constitucionalmente protegidos, isto é,
desde que a essência do princípio permaneça intocada. Nessa esteira, Flávio
Novelli232 diz que a Constituição repele não toda emenda capaz de afetá-los, mas tão
somente a que intente suprimi-los ou alterá-los substancialmente, afetá-los no seu
conteúdo essencial. Acrescenta ainda que “a mais categorizada doutrina rejeita hoje,
incisivamente, uma apriorística identificação entre inviolável e inemendável ou
irresistível”, afirmando que dar uma nova disciplina aos assuntos protegidos pela
claúsula pétrea não seria por si só transgressão ao conteúdo essencial.

Manoel Gonçalves Ferreira Filho, em “O Poder Constituinte”, observa que:

É frequente, no Brasil contemporâneo, toda vez que se encara uma


proposta de reforma constitucional, levantar-se o “veto” das “cláusulas
pétreas”. Aceitando-se a posição de alguns, o Direito Constitucional estaria,
quase por inteiro, “petrificado” em razão das referidas cláusulas que enuncia
o art. 60, §4º, da Lei Magna vigente. Consequência lógica disto seria a
necessidade de uma “revolução” (no sentido de quebra da ordem jurídica
em vigor) para a maior parte das mudanças que a experiência e o evolver
dos tempos mostrarem necessárias para o País233.

Ressalta ainda que essas proibições – “cláusulas pétreas” – não têm o peso e
o sentido que a elas querem dar certos juristas, e afirma que “elas não ‘petrificam’ o
229 MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 139.
230 FERREIRA FILHO, op. cit., 2007. p. 169.
231 SARLET, op. cit., 2014. p. 357.
232 NOVELLI. Flávio Bauer. Norma da constitucional inconstitucional? A propósito do Art. 2º, § 2º, da
Emenda Constitucional nº 3/93. Revista da Faculdade de Direito UERJ, v. 2, p. 11-53, 1994.

233 FERREIRA FILHO, op. cit., 2007. p. 168.


114

Direito Constitucional positivo e, por meio dele, o ordenamento jurídico do país” 234.
Neste sentido, a ideia da cláusula pétrea ter como garantia a imutabilidade tem
levado a doutrina e a jurisprudência a advertir “contra o perigo de um congelamento
do sistema constitucional, que, ao invés de contribuir para a continuidade da ordem
constitucional, acabaria por antecipar sua ruptura”235.

O Supremo Tribunal Federal, em julgado de Ação Direta de


Inconstitucionalidade, ADI 3.367, se pronunciou sobre a criação do Conselho
Nacional de Justiça afirmando não haver ofensa à cláusula pétrea da separação dos
poderes, porque não afeta o núcleo político, mediante a preservação da função
jurisdicional típica do Judiciário e das condições materiais do seu exercício imparcial
e independente.

José Carlos Francisco cita duas correntes doutrinárias sobre a possibilidade


ou não de se transpor os limites materiais impostos pelo Poder Constituinte
Originário ao Poder Constituinte Derivado. A primeira, conservadora, carrega em si
uma visão tradicional do constitucionalismo, considerando insuperáveis os limites
impostos no texto positivo das Constituições, chegando a considerar “fraude à
Constituição” procedimentos que alterem a identidade dos princípios formalizados
nos textos constitucionais. A segunda nega a existência de limites materiais. Nesse
caso, “não há diferença entre matérias constitucionais, afirmando-se que todas têm
o mesmo nível e igual valor, desde que constem formalmente nos textos
constitucionais236”.

Mas além dessas duas posições, há uma outra situação 237 que é descrita
pelo autor em que essas limitações materiais (expressas ou implícitas) se
converteriam em obstácuos flexíveis ou relativos (e não absolutos, como os têm a
visão tradicional sobre o tema), aceitáveis e justificáveis em um dado momento, mas
sujeitas às naturais transformações que o processo social impõe 238.

234 FERREIRA FILHO, op. cit., 2007. p. 169.


235 MENDES, Gilmar Ferreira Mendes. Revista Trimestral de Direito Público, v. 7, n. 105, p. 118, 1994.
236 FRANCISCO, op.cit., p. 7.
237 O Autor adverte que não se trata de posiçãointermediária à defesa e à negação das limitações materiais.
238 FRANCISCO, op. cit., p. 9.
115

Sob este aspecto, deve-se perceber que os limites materiais ou os assuntos


gravados como cláusulas pétreas podem, num determinado momento social, exigir
alterações, sendo que a falta dessa percepção pode resultar na ruptura de um
sistema constitucional, o que poderia levar ao surgimento de um novo texto
constitucional, algo muito mais ruidoso à sociedade. Imperioso observar que, neste
caso, tratando-se de alterações, assuntos com “dispositivo de proteção” exigiriam
“uma reflexão muito profunda, envolvendo a concordância de significativa parcela da
opinião pública”239.

Nesse sentido, Ives Grandra Martins, ao se referir às cláusulas pétreas como


limitação ao Poder Constituinte Derivado, percebeu a dificuldade de delimitar o seu
conteúdo: “a definição e contornos se tornam cada vez mais difíceis, no Texto atual,
na medida em que sua amplidão genérica transferiu ao intérprete estabelecer suas
reais e jurídicas fronteiras”240.

Especificamente em relação ao princípio da separação dos poderes estar


inserido no rol da cláusula pétrea da Constituição brasileira, Dimitri Dimoulis
ressalta:

Cabe à doutrina constitucional verificar quantas e quais funções jurídicas


existem em cada ordenamento jurídico. Possível ampliação do esquema da
tripartição não invalida as finalidades e a estrutura do princípio da
separação dos poderes, tal como uma família que não se torna “superada”
ou “abolida” após o nascimento ou a adoção de mais de um filho241.

Neste mesmo sentido, Luís Roberto Barroso 242 diz ser evidente que a cláusula
pétrea de que trata o art. 60, § 4º, III não mobiliza os quase cem artigos da
Constituição que, direta ou indiretamente, delineiam determinada forma de
relacionamento entre Executivo, Legislativo e Judiciário. Para ele, muito
diversamente, apenas haverá violação à cláusula pétrea da separação de poderes
se o seu conteúdo nuclear de sentido tiver sido afetado. Isto é: em primeiro lugar, se
239 FRANCISCO, op. cit., p. 23.
240 BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra da Silva. Comentários à Constituição do Brasil. São
Paulo: Saraiva. 2002. p. 365.

241 DIMOULIS, op. cit., p. 157.


242 BARROSO, Luís Roberto. Direito constitucional contemporâneo. São Paulo: Saraiva, 2011. p.
175.
116

a modificação provocar uma concentração de funções em um poder ou consagrar,


na expressão do Supremo Tribunal Federal, uma instância hegemônica de poder; e,
secundariamente, se a inovação introduzida no sistema esvaziar a independência
orgânica dos Poderes ou suas competências típicas.

Ingo Sarlet243 descreve, sobre o inciso III, §4º do art. 60 da Constituição de


1988, que juntamente com outras carcterísticas, como a independência dos poderes,
não podem ser suprimidas por emendas constituicionais, ainda que se admita que
as normas que as constituem possam ser, pontualmente, alteradas ou suprimidas,
desde que não se verifique, de forma direta ou oblíqua, um “monismo de poder”, ou
seja, um fortalecimento ou um enfraquecimento desmedido de um “poder”, criando-
se uma relação de subordinação entre os poderes onde deveria haver vínculo de
coordenação harmônica.

Diante disso, verifica-se que o princípio da separação dos poderes, como


cláusula pétrea, rejeita a ideia de “concentração de poderes”, que proporcionará o
surgimento do arbítrio e a violação a direitos fundamentais.

A proposta apresentada sugere exatamente o contrário: que haja a


“desconcentração dos poderes”, dividindo-os em tantos quantos forem necessários
para o melhor funcionamento do Estado. E esse é o sentido que se tem que
entender na expressão da Constituição “tendente a abolir”: possibilitar que “projetos
de emendas venham para ampliar as previsões constantes desse preceito
constitucional, ou seja, não levem prejuízo (mas sim reforço) aos institutos tratados
nesse mesmo §4º” 244.

3.5.2 - Necessidade da alteração constitucional

A Constituição brasileria requer alterações, como documento fundamental na


organização do Estado, pois deve acompanhar a evolução da sociedade sob pena
de perder sua eficácia.

243 SARLET, Ingo W.; BRANDÃO, Rodrigo. Op.cit. p. 1134.


244 FRANCISCO, op.cit., p. 83.
117

Para Konrad Hesse, a Constituição Jurídica não significa simples pedaço de


papel, indicando ser essa uma ideia caracterizada por Lassalle. E continua: “Ela não
se figura impotente para dominar, efetivamente, a distribuição de poder, tal como
ensinado por Georg Jellinek e como, hodiernamente, divulgado por um naturalismo e
sociologismo que se pretende cético”. A Constituição, para Hesse, não está
desvinculada da realidade histórica concreta do seu tempo 245.

Hesse ainda afirma:

A Constituição jurídica está condicionada pela realidade histórica. Ela não


pode ser separada da realidade concreta de seu tempo. A pretensão de
eficácia da Constituição somente pode ser realizada se se levar em conta
essa realidade. A Constituição jurídica não configura apenas a expressão de
uma dada realidade. Graças aos elementos normativos, ela ordena e
conforma a realidade política e social. As possibilidades, mas também os
limites da força normativa da Constituição, resultam da correlação entre ser
(Sein) e dever ser (Sollen) 246.

Para ele uma Constituição jurídica deve conferir forma e modificação à


realidade. Assim:

O fundamento da Constituição não é e nem pode ser, portanto, nenhuma


norma jurídica prévia ou superior. [...] A norma constitucional
(Constituição), que serve de base a todo o sistema jurídico, apoia-se, em
última instância, em "algo superior e anterior a todo direito estabelecido",
sobre um "fenômeno real de existência política". A base, o fundamento
último de um sistema de normas jurídicas não é, portanto, em última
análise, algo normativo, mas algo real: a vontade social, que dá integração à
comunidade política, imprimindo-lhe certas diretivas. Esta "vontade social"
não é aquela entidade misteriosa, metafísica, do romantismo político, mas
um simples "processo", uma resultante, um equilíbrio das vontades
individuais existentes no interior do Estado247.

Karl Loewenstein248 diz que, em geral, seria de assinalar que as disposições


de intangibilidade incorporadas a uma constituição podem supor em tempos
modernos uma luz vermelha útil frente à maioria parlamentar que almeja emendas
constitucionais, e, segundo a experiência, tampouco existe para isto uma garantia
completa, mas com eles em absoluto se pode dizer que ditos preceitos estão

245 HESSE, Konrad. A força normativa da constituição. Tradução: Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre:
Editora Sérgio Antônio Fabris Editor, 1991. . p. 25

246 Ibidem, p. 24.


247 BONAVIDES, op. cit., 1996. p. 391.
248 LOEWENSTEIN, op. cit., p. 162.
118

imunizados contra toda revisão. E continua: “Em um desenvolvimento normal da


dinâmica política pode ser que até certo ponto se mantenham firmes, mas em
épocas de crises são tão somente pedaços de papel varridos pelo vento de uma
realidade política”249.

José Carlos Francisco250 justifica ser necessária a compatibilidade entre o


texto constitucional e a realidade social, pela preservação das virtudes oriundas de
textos duradouros (em especial, o sentimento de respeito coletivo pela Constituição
e o aperfeiçoamento doutrinário e jurisprudencial decorrente da aplicação da parte
que não carece de modificação) e pela frequente instabilidade institucional presente
nas manifestações do Poder Constituinte Originário (quando produz inteiramente um
novo documento).

3.5.3 – A proposta de Emenda Constitucional

A proposta de Emenda Constitucional que deverá introduzir esse novo modelo


de separação dos poderes na Constituição Federal de 1988 tem o objetivo de
delimitar as funções estatais em poderes já existentes, redirecionando-os em suas
funções precípuas típicas, mas esses poderes estarão inseridos em uma nova
estrutura constitucional, conforme visto anteriormente.

De qualquer forma, as três funções básicas, identificadas na clássica


separação dos poderes, restam preservadas.

As alterações necessárias partem da função legislativa que estará a cargo da


Câmara Federal, cujos membros são eleitos pela população de forma direta. A
Câmara Federal compõe o Parlamento juntamente com o Conselho Federal,
mantendo-se, desta forma, o sistema bicameral, porém essas duas casas não estão
em equilíbrio, como ocorre no bicameralismo tradicional, simétrico, complementar.
Isso porque a Câmara Federal receberá a atribuição da produção legislativa e a
construção do Governo Central; já o Conselho Federal, cuja composição é formada

249 Ibidem.
250 FRANCISCO, op. cit., p. 170.
119

por representantes nomeados pelas autoridades dos estados federados, tem


atribuições estatais de assessoramento.

Com relação à função executiva, está fica a cargo do Governo Central, que é
extraído da Câmara Federal, tendo por competência a administração dos negócios
públicos.

Para tanto, há a transferência do sistema de governo presidencialista para o


parlamentarista.

E, por fim, a função judiciária, que continua com os órgãos do próprio Sistema
Judiciário. Aqui há um desmembramento das atuais funções do Poder Judiciário.
Haverá a formação de uma Corte Constitucional independente do Sistema
Judiciário. Ambos, Sistema Judiciário e Corte Constitucional, estão embuídos de
poderes constitucionais, independentes, porém cada qual dotado de autonomia no
desenvolvimento de suas atribuições. Não haverá mais acúmulo dessas duas
funções, o julgamento de demandas e a guarda da Constituição, respectivamente,
concentradas num só órgão.

Contudo, as mudanças mais profundas ficam por conta da criação de órgãos


de controle do funcionamento das funções estatais que são independentes dos
demais órgãos de poder. Diferentemente das instituições de controle existentes hoje
na Constituição Federal, eles não estarão inseridos nas estruturas dos próprios
órgãos controlados.

São três órgãos com funções de controle específicos, além da Corte


Constitucional: Centro de Regulação, Centro de Integridade e Centro Democrático.

Com relação ao referendo popular, que também é tema da Emenda, a


proposta inova o seu funcionamento. O referendo já é previsto na atual Constituição,
no art. 14, II, e regulamentado pela Lei 9.709/98. O referendo, trazido na proposta da
nova separação dos poderes, agora é sequencial, atuando como um instrumento de
construção de decisões políticas. Assim, deverá haver vários referendos sobre uma
mesma proposta. A cada referendo a proposta vai sendo delineada até que se
chegue a uma decisão política final.
120

Como se vê nesta síntese do conteúdo da proposta de Emenda à


Constituição, não há um enfraquecimento ou um esvaziamento das funções estatais.
A alteração trata somente da nova posição dessas funções e seus órgãos dentro da
ordem constitucional e da criação de outros órgãos que ganharão funções não
classificadas como típicas na tradicional separação dos poderes.

Assim, o projeto de Emenda à Constituição não encontra barreira na limitação


material imposta na cláusula pétrea, pois não elimina ou atenta contra a separação
dos poderes. O que propõe é a ampliação dos poderes estatais prevista na atual
Constituição brasileira.

Para uma melhor compreensão da Emenda Constitucional necessária para


validação jurídica do modelo da nova separação dos poderes no Brasil, este trabalho
apresenta, em Anexo, uma proposta de Emenda Constitucional.
121

CONCLUSÃO

Este trabalho partiu da ideia de reformular a teoria da separação dos poderes,


porque se avaliou que era necessária uma nova estrutura de poderes para dar
suporte às complexas atividades estatais. Isso é resultado da constatação de que as
atuais organizações dos Poderes de Estado são as mesmas daquelas utilizadas
séculos atrás.

Diante disso, com o objetivo de combater as deficiências da teoria clássica,


trouxeram-se novas discussões para a Teoria Geral do Estado e para o Direito
Constitucional, abrindo-se a possibilidade de montar um novo sistema para
reorganizar os Poderes do Estado para o Brasil.

Tratou-se de discorrer sobre a separação dos poderes pela teoria clássica;


em especial utilizou-se Montesquieu, em sua obra o “Do Espírito das Leis”. Porém,
viu-se que esta teoria foi mantida ao longo do tempo como sendo a única forma de
organizar os poderes do Estado. Percebe-se que isso ocasionou um verdadeiro
engendramento do Estado Moderno naquele modelo cuja origem nos remete, no
mínimo, ao tempo de Montesquieu.

Como se viu, esta pesquisa foi baseada em Bruce Ackerman, em sua obra “A
nova separação dos poderes”, que afirma a necessidade de uma nova roupagem
para a organização do Estado.

Das considerações realizadas neste trabalho, dois aspectos iniciais se


destacam. O primeiro é de que a formatação do novo modelo deve conter elementos
de ordem estrutural, como os trazidos por Ackerman – a exemplo do referendo, e
organismos e instâncias capazes de desenvolver mecanismos de contenção,
formando um sistema único. E o segundo é ter cautela ao criar esta ordem estrutural
com os elementos circundantes de contenção para que não se estabeleçam rupturas
burocráticas, que forcem a estagnação das atividades estatais.

Viu-se que, pelo histórico das Constituições brasileiras, e que ainda ocorre na
realidade brasileira, o relacionamento entre os três poderes nunca foi estável e
equilibrado. Esse desequilíbrio denota que sempre houve uma forte concentração de
122

poder na figura do Poder Executivo, o que desfavorece o regime democrático,


fazendo emergir ditaduras e enfraquecendo os direitos fundamentais.

Desta forma, prova-se que a proposta de mudança é valida porque há


inúmeras questões que devem ser excluídas, outras revistas e outras ainda incluídas
na Constituição brasileira. Um exemplo de disso, é a questão do referendo, visto no
trabalho – o referendo sequencial, que deve ser revisto para ampliar e aprimorar o
regime democrático no Brasil, em especial a questão da participação popular, que é
muito pequena em nossa democracia. Salientando que os institutos do plebiscito e
do referendo, inseridos atualmente no texto constitucional brasileiro, e que serviriam
à participação popular, não são efetivos em seus propósitos. E vale ressaltar
também que o exercício da soberania popular está sendo cada vez mais exigido em
Estados sob o regime democrático.

Por fim, mostra-se possível validar e aplicar esta nova estrutura na


Constituição Federal, porque, como se vê no trabalho, o modelo da tripartição dos
poderes não é cláusula pétrea. A mudança na divisão de poderes não afeta o
conteúdo material de restrições impostas ao legislador ao produzir emendas
constitucionais. Pode-se sim reformular a divisão de poderes, redistribuindo funções
entre os órgãos já existentes e criando outros que sejam necessários para a
aplicação da proposta desta tese.
123

ANEXO

PROPOSTA DE EMENDA A CONSTITUIÇÃO FEDERAL PARA IMPLANTAÇÃO DA


NOVA SEPARAÇÃO DOS PODERES.

TÍTULO _

CAPÍTULO _
DOS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS

Art. _ - Integra a estrutura de Poderes da União, o Parlamento, o


Referendo, a Corte Constitucional e os Centros de Integridade, de Regulação e
Democrático.

TÍTULO _

DA ESTRUTURA DE PODERES DA UNIÃO

Art. _ - Integra a estrutura de Poderes da União, o Parlamento, o Referendo, a


Corte Constitucional, os Centros de Integridade, de Regulação e Democrático.
I - O parlamento, composto por uma Câmara Federal e um Conselho
Federal.
II – O referendo, como expressão da vontade popular.
III – A Corte Constitucional, para guarda desta Constituição.
IV – Os Centros de Integridade, de Regulação e Democrático, como
órgãos de controle.
124

CAPÍTULO I

DO PARLAMENTO

Art._ O Parlamento é composto pela Câmara Federal, com funções legislativas e


constitutivas do Governo Central, e pelo Conselho Federal, com funções consultivas.

Seção I

CÂMARA FEDERAL

Art._ - A Câmara Federal tem atribuição de produzir a legislação ordinária e a


constituição do Governo Central para o exercício a administração pública federal.

Art._ - A Câmara Federal compõe-se de representantes do povo eleitos, pelo


sistema proporcional, em cada Estado e no Distrito Federal.

Art._ - O número total de Deputados, bem como a representação por Estado e


pelo Distrito Federal, será estabelecido por lei complementar, proporcionalmente à
população.

Art._ - Cada legislatura terá a duração de quatro anos.

Art._ - O mandato dos membros da Câmara Federal será de quatro anos,


permitida sua recondução uma única vez subsequente.

Art._ - Compete à Câmara Federal, após consulta referendaria sequencial,


legislar sobre:

I – [...]

Art. _ - Compete privativamente à Câmara Federal legislar sobre:


125

I – [...]

Art._ - As decisões na Câmara Federal serão tomadas por maioria absoluta, nas
hipóteses de sua competência privativa, e por maioria simples nas hipóteses de
competência com prévia deliberação referendária.

Art._ - Os membros da Câmara Federal são responsável por seus atos perante
os seguintes órgãos:

I – Centro de Integridade, por atos de corrupção e abusos semelhantes;

II – Centro Regulatório, por inobservância das normas administrativas e


escolhas políticas lesivas ao erário público;

III – Centro Democrático, por desrespeito e fraude ao sistema de referendo;

IV – Os órgãos judiciários, nas competências indicadas em lei.

Seção II

DO CONSELHO FEDERAL

Art._ - O Conselho Federal será composto por representantes dos governos


estaduais.

Art._ - A nomeação dos membros do Conselho Federal será realizada de forma


paritária entre representantes do Governo Central estadual e da Câmara Estadual.

§_ - Os membros oriundos do Governo Central estadual serão indicados pelo


Governador de Estado, depois de ouvido seu respetivo Conselho estadual.

§_ - Os membros originários da Câmara Estadual serão por eles indicados, após


aprovação por maioria de seus membros.
126

Art. _ - Compete ao Conselho Federal, precipuamente, zelar pelo pacto


federativo e a autonomia dos entes da federação, e ainda:

I - participar dos debates no processo legislativo federal.

II - solicitar a convocação de sessão extraordinária e pedir vista dos processos


legislativos para aprofundamento dos debates em relação aos projetos de leis que
versem sobre assuntos relacionados à federação.

Parágrafo único - Toda participação do Conselho Federal será consultiva, mas


garantida de ampla publicidade de sua opinião aos cidadãos.

Art._ - Cada Estado pode designar quatro membros para compor o Conselho
Federal.

Art._ Os votos de cada Estado só poderão ser considerados se dado por


unanimidade.

Art._ - O Conselho federal deve ser informado constantemente sobre a evolução dos
negócios públicos, bem como dos projetos de leis.

Art._ - Os conselheiros são responsáveis por seus atos perante os seguintes órgãos:

I – Centro de Integridade, por atos de corrupção e abusos semelhantes;

II – Centro Regulatório, por inobservância das normas administrativas e


escolhas políticas lesivas ao erário público;

III – Centro Democrático, por desrespeito e fraude ao sistema de referendo;

IV – Os órgãos judiciários, nas competências indicadas em lei.

Seção III

DO GOVERNO CENTRAL
127

Art._ - A Administração Pública federal é atribuição do Governo Central.

Art._ - A Chefia do Governo Central será exercida por um dos membros da


Cãmara Federal, juntamente com seu substituto legal.

Art._ - O dirigente do Governo Central será eleito se obtiver a aprovação de dois


terços dos votos dos membros da Câmara Federal.

Art._ - Poderá ser candidato ao cargo de dirigente do Governo Central os


parlamentares eleitos para aquela sessão legislativa.

Art. _ - A escolha do dirigente do Governo Central dar-se-á no final do primeiro


trimestre da legislatura.

Art._ - O mandato do dirigente do Governo Central será de quatro anos,


permitida recondução por um período subsequente.

Art._ - O dirigente do Governo Central tomará posse em sessão conjunta do


Parlamento, prestando o compromisso de manter, defender e cumprir a Constituição,
observar as leis, promover o bem geral do povo brasileiro, gerir os negócios públicos
federais dentro dos valores de probidade e firmados nesta Constituição.

Art._ - Compete ao dirigente do Governo Central:

I – [...]

Art._ - Compete ao dirigente do Governo Central, após autorização por maioria


dos membros da Câmara Federal:

I – [...]

Art._ - Compete ao dirigente do Governo Central, após consulta referendaria


sequencial:

I – [...]
128

Art._ - O dirigente do Governo Central é responsável por seus atos perante os


seguintes órgãos:

I – Centro de Integridade, por atos de corrupção e abusos semelhantes;

II – Centro Regulatório, por inobservância das normas administrativas e


escolhas políticas lesivas ao erário público;

III – Centro Democrático, por desrespeito e fraude ao sistema de referendo;

IV – Os órgãos judiciários, nas competências indicadas em lei.

CAPÍTULO II

DO REFERENDO

Art._ - O referendo sequencial é o processo de consulta popular sobre decisões


políticas indicadas nesta constituição que devem ser observadas pela Câmara
Federal e pelo Governo Central.

Seção I

SISTEMA DE REFERENDO

Art._ - As consultas referendárias sequenciais serão realizadas sempre que a


Câmara Federal ou o Governo Central exercer suas atribuições condicionadas ao
referendo sequencial.

Art. _ - As proposições submetidas em referendo sequencial passaram por


múltiplas votações e serão:
129

I - Consideradas aceitas e vinculativas se houver dois terços de aprovação dos


eleitores;

II – Submetidas a novo referendo sequencial se obter a aceitação de maioria


absoluta, após novo período de explicação;

III – Consideradas não aceitas as proposições que não obtiverem maioria


absoluta.

Art._ - Estão excluídas do âmbito do referendo sequencial as alterações à


Constituição.

Seção II

DO PROCESSO REFERENDÁRIO

Art. A organização e a fiscalização do processo de referendo sequencial é de


competência do Centro Democrático.

Art._ - Poderão participar do referendo sequencial todos aqueles com capacidade


eleitoral plena.

Art._ - O referendo sequencial se dará por iniciativa da Câmara Federal, do


Governo Central, bem como por iniciativa do eleitor.

Parágrafo único – No caso de iniciativa do eleitor, o referendo só será instalado


por aprovação da maioria dos membros da Câmara Federal.

Art._ - A participação do eleitor no referendo sequencial se dará por meio


eletrônico, devendo a Lei Complementar regulamentar o procedimento e o controle
de legitimidade.
130

Art._ - A proposta recusada em referendo sequencial só poderá ser objeto de


nova análise na sessão legislativa seguinte a da sua recusa.

CAPÍTULO III

Seção I

CORTE CONSTITUCIONAL

Art._ - Compete à Corte Constitucional a guarda da Constituição Federal.

Art._ - A Corte Constitucional é órgão colegiado único.

Art._ - A composição da Corte Constitucional é de onze ministros, escolhidos


dentre membros pertencentes das carreiras jurídicas, da seguinte forma:

I - Dois terços dos membros escolhidos pelo Parlamento, e.

II - Um terço escolhido pelo pelos Centros de Integridade e Regulatório.

Art._ - As decisões da Corte serão dadas no âmbito de ações específicas para o


controle de constitucionalidade da legislação federal e estadual que contrariar a
Constituição Federal.

Art. _ - A duração do mandato será de 12 anos, proibida sua recondução.

Art._ - Os componentes da Corte serão responsabilizados por seus atos perante os


seguintes órgãos de controle:

I – Centro de Integridade, por atos de corrupção e abusos semelhantes;

II – Centro Regulatório, por inobservância das normas administrativas e


escolhas políticas lesivas ao erário público;
131

III – Centro Democrático, por desrespeito e fraude ao sistema de referendo;

IV – Os órgãos judiciários, nas competências indicadas em lei.

Seção II

DA ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA

Art._ - Será composto por uma estrutura de tribunais independentes:

I - o Superior Tribunal de Justiça;

II - os Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais;

III – os Tribunais Administrativos e Juízes Administrativos;

IV - os Tribunais e Juízes do Trabalho;

V - os Tribunais e Juízes Eleitorais;

VI - os Tribunais e Juízes Militares;

VII - os Tribunais e Juízes dos Estados e do Distrito Federal e Territórios

Art._ - Os Tribunais e juízes terão competência para julgamento de acordo com


a regras estabelecidas em lei.

Art._ - Os membros dos órgãos judiciais serão responsáveis por seus atos
perante as seguintes instituições de controle:

I – Centro de Integridade, por atos de corrupção e abusos semelhantes;

II – Centro Regulatório, por inobservância das normas administrativas e


escolhas políticas lesivas ao erário público;
132

III – Os órgãos judiciários, nas competências indicadas em lei.

CAPÍTULO _

SISTEMAS DE CONTROLE

Seção I

CENTRO DE INTEGRIDADE

Art._ - O Centro de Integridade tem a função de fiscalizar os membros que


compõem a estrutura dos Poderes da União.

Art._ - O Centro de Integridade tem a função de fiscalizar, controlar e punir as


autoridades e servidores que compõem a estrutura dos poderes da União por
corrupção e abusos semelhantes.

Art._ - Os membros do Centro de Integridade pertencem ao quadro de servidores


permanentes, de investidura por concurso público.

Seção II

DO CENTRO DE REGULAÇÃO

Art._ - O Centro de Regulação tem a função de controlar e fiscalizar das escolhas


políticas realizadas por autoridades públicas e, ainda:
133

I – emitir regulamentos.

II - indicar procedimentos adequados em casos concretos, com o intuito de


assegurar transparência e eficiência.

III - anular atos considerados ilegais e abusivos.

IV – responsabilizar os praticantes de atos ilegais ou abusivos.

Art._ - Os membros do Centro de Regulação pertencem ao quadro de servidores


permanentes, de investidura por concurso público.
134

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CDD 341.233

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