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CURSO D E FILOSOFIA
Ananindeua – PA
2019
EDINEL WILISON DA SILVA
Ananindeua – PA
2019
EDINEL WILISON DA SILVA
Banca examinadora
_________________________________________
Orientador: Prof. Dr. Mário Tito Almeida
Faculdade Católica de Belém
_________________________________________
Avaliador: Prof. Msc. Vladian Silva Alves
Faculdade Católica de Belém
Dedico este trabalho acadêmico aos
meus familiares, em especial ao meu
irmão Francisco, a minha Cunhada
Cristiane e meu sobrinho João Arthur, à
minha comunidade do seminário, aos
meus amigos e a todos os que me
incentivaram no desenvolvimento desta
monografia.
AGRADECIMENTOS
Jacques Maritain
RESUMO
This academic work approches the Jacques Maritain's neo-thomistic thought, highlighting the
Integral Humanism, which this philosopher defends as the base for everyone that desires a
more human and transcent society, in social, political, cultural anda religious projects, with
the purpose of letting grow in contempory people the ethical love to the human being's dignity
and integral rights, especially concerning about cronically sick people that feel terrible pain,
who, in life's end, are adviced by health professionals to engage an assisted suicide or to
continue the suffering with unuseful treatments. However, this ideology of death proposed by
the "imediate society" which thinks of getting ride of the problem by eliminating the life of
somebody that is about to reach death is not a human act, but is, instead, an unhuman act, that
hurts person dignity while takes off freedom. Therefore, considering this large problem, it's
suggested as material for reflection is that there are possibilities of palliative care that can
make booth the sick person and relatives accept death's mistery as an unavoidable thig for
everyone.
INTRODUÇÃO.................................................................................................. 09
CONCLUSÃO..................................................................................................... 61
REFERÊNCIAS................................................................................................. 63
9
INTRODUÇÃO
O ser humano, como ser capaz de dar significado ao mundo, confere valor às coisas
que o circundam, valores éticos, morais, estéticos, políticos, sociais, econômicos, e, até
mesmo, valor a si mesmo. Assim, no decorrer da história evidencia-se um processo de
valoração do mundo e do homem, valores esses que ora se justificam como socialmente
construídos, ora fundamentam-se com cunho ontológico. Dentro dessa dinâmica encontra-se
um valor determinante para a relação interpessoal humana, a chamada dignidade do homem.
A dignidade entende-se como um valor moral, que implica necessariamente num
conjunto de condutas em relação ao ser humano, ou seja, uma postura que os homens
assumem mediante aos seus semelhantes sob a consciência da dignidade do outro. Como
valor moral a dignidade do homem confere ao ser humano o caráter de finalidade, isto é, as
ações do homem devem promover ao ser humano a realização plena, meta última para a qual
todos galgam.
Entretanto, mesmo com o valor da dignidade da pessoa humana estabelecido como
primordial para as relações sociais, na contemporaneidade emerge o contra valor da eutanásia,
que tende a inibir o desenvolvimento pleno da vida humana interrompendo esta antes de seu
fim natural. A eutanásia, vista como solução para pôr fim aos sofrimentos dos moribundos
acometidos por doenças incuráveis, na verdade anula a dignidade da pessoa humana uma vez
que sustenta que há uma justificativa para interromper a vida.
Assim, tendo em vista tais considerações sobre a dignidade da pessoa humana e sobre
a eutanásia apresentada como contrária a tal valor, busca-se compreender por que os valores
morais vigentes na sociedade contemporânea são incapazes de sustentar o direito à vida do ser
humano em sua totalidade até a sua morte natural, objetivando demonstrar o agravante da
desumanização da pessoa, acentuando a crise dos valores que sustentam o direito à vida e as
reverberações, que tal crise assume no que diz respeito à eutanásia, a luz do pensamento
neotomista de Maritain que se refere ao conceito da dignidade humana.
Além do mais, este trabalho acadêmico também objetiva demonstrar como se
estabelece o processo de eutanásia no decorrer da história, e como ele se dá na sociedade
contemporânea, assim como buscar compreender a crise ética-moral que se estabelece entre
os profissionais de saúde, a pessoa com doença incurável e seus familiares que vivenciam o
dilema da “boa morte” e o morrer com dignidade, e de que forma esta relação interpessoal
influencia a pessoa humana diante de sua finitude temporal.
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CAPÍTULO 1
O PENSAMENTO E A ATUALIDADE DE JACQUES MARITAIN
O presente capítulo tem como objetivo levar o leitor a uma compreensão da grande
importância que tem o pensamento de Jacques Maritain desde o século XX até os séculos
futuros atentando, assim, para uma transcendência da humanidade ao mais alto grau de sua
essência que implica na relação com o outro e com o Divino. Esta relevância se dá, uma vez
que as ideias deste grande filósofo cristão são fundadas na sua obra Humanismo Integral,
trazendo assim, uma reflexão filosófica acerca dos problemas que desafiam o mundo, que
instiga a sociedade contemporânea a qual, por sua vez, demonstra a necessidade de se buscar
um compromisso humano e cristão que é o de valorizar e respeitar os direitos intrínsecos do
ser humano, como o direito de uma morte natural.
A respeito disso, o próprio pensador Jacques Maritain explicita em sua obra, já citada
acima, que a dignidade da pessoa humana seja, de fato, garantia de uma vivencia onde “o
Homem todo e todos os homens” possam ser humanizados e dignificados. Este capítulo será
dividido em cinco tópicos, a saber: um apanhado histórico de Jacques Maritain; Maritain e a
neoescolástica; o humanismo integral de Maritain; o valor e a dignidade da vida; conceitos
importantes para a abordagem da temática. Deste modo, o capítulo ajudará o leitor a ter uma
visão abrangente do objetivo central do mesmo, neste caso, refletir acerca da eutanásia e
buscar compreender a melhor forma de tratarmos este processo nos dias atuais.
O filósofo Jacques Maritain, neotomista, nascido em Paris no ano 1882, vem de uma
família protestante e bem-sucedida, uma vez que seu pai, Paul Maritain, é advogado e sua
mãe, Geneviève Favre, é filha de um político republicano e liberalista. 1Almeida, 2016, em
um de seus artigos enfatiza que Jacques inicia seus estudos no Liceu Henri IV, instituição de
ensino muito famosa em Paris, anos depois o jovem Maritain estudou filosofia na
Universidade Sorbonne por volta do ano de 1905.
1
Renato Rua de Almeida é presidente do Instituto Jacques Maritain do Brasil
13
Se nós somos anti-modernos certamente não é para o gosto pessoal, mas sim porque
o moderno fora da revolução anti-cristã nos força com seu espírito, porque ele
mesmo faz oposição para o patrimônio humano sua própria especificidade, ele odeia
e despreza o passado, ama a si mesmo e porque nós abominamos e desprezamos
esse ódio e esse desprezo e esta impureza espiritual. Mas se temos que salvar e
assimilar todas as riquezas de ser acumulado ao longo do tempo moderno, e amar o
esforço daqueles que procuram e desejam renovações, então não desejamos nada
quão ultramodernas elas são (MARITAIN apud VIOTTO, 2000, p. 7-8).
Jacques Maritain evidencia seu desprezo às ideias modernistas que visa somente os
interesses próprios à medida que crescia uma democracia puramente liberal e fora do padrão
revolucionário que tanto ele, Maritain, almejava, ou seja, uma unificação do humanismo ao
cristianismo. Desta forma, torna-se possível pensar em um meio do qual se visa corresponder
aos desafios do ser humano da sociedade contemporânea.
Ainda com este propósito é que, depois dos estudos de biologia e já casado com
Raissa, Jacques Maritain, ao retornar para Paris, torna-se professor de filosofia no ensino
universitário. Entretanto, segundo Hubert, 1974, em um período em que muitos se
encontravam em volto ao desespero e falta de sentido da vida, em plena expansão da segunda
guerra mundial, também Maritain e sua esposa, em uma tentativa obsessiva da busca pela
verdade, tiveram o desprazer de pensar o suicídio se caso eles não encontrassem as respostas
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para suas inquietudes existenciais, mas é graças ao convite de seu amigo e mestre dos quais
sempre esteve próximo, C. Péguy, que o casal participa da palestra, com ênfase ao Ser,
organizada pelo professor Bergson no Collège de France.
É nesta palestra que Maritain e sua esposa ficam muito entusiasmados com o método
persuasivo do palestrante, assim como de sua forma de argumentar filosoficamente. É
também neste ambiente e com Bergson que os dois “apreendem o sentido do absoluto”, ou
seja, eles encontram aí uma luz que os ajuda a superar o que estava faltando neles, o sentido
da vida. Diante destes fatos, Maritain passou a ser seguidor de Bergson que, por sua vez,
utilizava-se de meios como a intuição, a consciência e a duração em suas lições, para
discursar sobre o ser.
A intuição, segundo Bergson apud Abbagnano (2003, p. 582), “é a visão do espírito
por parte do espírito. Intuição significa principalmente consciência, mas consciência imediata,
visão que mal se distingue do objeto visto, conhecimento que é contato e até coincidência”.
Enquanto à consciência, Bergson diz que “[...] a consciência mostra-se proporcional à
possibilidade de opção de que o ser vivo dispõe [...] mas é preciso observar que as coisas se
passariam do mesmo modo se a consciência, em vez de efeito, fosse causa [...]” (BERGSON
apud ABBAGNANO, 2003, P. 191).
Sobre a duração diz Bergson apud Abbagnano (2003, p. 296), “[...] meu estado
d’alma, avançando no caminho do tempo, vai-se dilatando continuamente com a duração que
recolhe: pode-se dizer que faz uma avalanche consigo mesmo [...]”. Bergson procura explicar
a relação do corpo e da alma, assim invocada como memória, pela duração que é princípio de
sua filosofia da qual busca explicar também o desenvolvimento das sociedades humanas e sua
caminhada rumo ao misticismo.
Assim, Bergson faz da duração uma eternidade, considerando-se que sua primeira
descoberta psico-metafísica foi o da duração ao invés da intuição. Com isto, a descoberta da
duração de Bergson, fez com que Maritain e sua esposa Raissa, em estado de
deslumbramento, pudessem, na verdade, passar por um processo de dinamismo, do qual
Raissa o denomina, em um de seus escritos autobiográficos conhecido como “As grandes
amizades” de 1958, de “introspecção psicológica”.
Jacques Maritain se lançou em seu próprio desejo de compreensão da metafísica em
Bergson, e Raissa Maritain em seu escrito, segundo Viotto (2000) expõe claramente como seu
marido vai perceber esta metafísica de seu antigo mestre:
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enxergar na sua pesquisa psicológica o processo metafisico. É neste sentido que Viotto (2000)
afirma:
Maritain percebe o surgimento da metafísica na pesquisa psicológica de Bergson,
mas eles também estão cientes de sua fraca base filosófica. Naquela época eles
conhecem o Bergson do Sábio nos dados da consciência imediata (1889) e Matéria e
Memória (1896) e ainda não a Evolução Criativa (1907), mas já então eles vão se
distanciar de seu professor, por chegar de fato em uma justa posição quando eles se
encontram com a filosofia de S. Thomas de Aquino (VIOTTO, 2000, p. 7, tradução
nossa).
Na verdade, o motivo deste distanciamento se deu por que Maritain e sua esposa
Raissa se deram conta de que houve da parte do seu antigo mestre Bergson uma insuficiência
filosófica, eles queriam ir além do ôntico, queriam uma transcendência à verdade, almejavam
uma progressão à dignidade da pessoa humana e a melhoria da sociedade contemporânea.
Em vista desta aderência ao transcender, no ano de 1932, Jacques Maritain passa a ter
contato com o pensamento personalista de Emmanuel Munier, isto por que, necessariamente,
o filosofo Maritain busca aprofundar-se no pensamento social e político de seu amigo, visto
que, logo mais, este pensamento será manifesto em sua obra “Humanismo Integral”. Ainda
nesta época, Jacques Maritain, ajudara a promover vários manifestos políticos contra a guerra
que se alastrava na Espanha e, também, a favor da não invasão das tropas italianas no país da
Etiópia. Com tudo, o esforço do filósofo foi sempre em prol dos princípios morais e não para
defender interesses pessoais de um determinado grupo, quis manter, desta forma, sua
independência como filósofo tal qual ele foi.
Jacques Maritain, segundo Almeida, 2018, torna-se um homem de grande integridade
cristã, no qual transpira a paixão pelo direito e igualdade, como também, o interesse pelo que
é cívico, além de não ser favorável a nenhum partido. É neste clima que este extraordinário
filósofo contemporâneo, com sua teoria, terá forte desejo de que haja um movimento
democrata-cristão como forma de uma possível transcendência aos partidos católicos, pois a
esse respeito Jacques era bastante crítico.
Apesar disso, o pensamento de Maritain se expandiu em toda a América Latina e,
sendo famoso, muitos adeptos, entre eles, Mário de Andrade e Gabriel Mistral, fizeram deste
modo de pensar uma contribuição para seus escritos, além do mais, as ideias do filósofo foram
muito úteis para as democracias-cristãs do país e para dar suporte à história de diversas
gerações. Maritain, neste aspecto, recupera o conceito de “pessoa” no sentido que a pessoa
humana é livre perante a sociedade e, por ser de tal forma, ela tem direitos e deveres iguais,
neste caso, ela torna-se protagonista, sujeito que participa de modo mais direto da vida
política, social e religiosa.
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morais e éticas. Dito isto, cabe ressaltar aqui o que afirma Queiroz (2018)2 sobre a questão do
neotomismo no começo de seu desenvolvimento.
Um ponto alto que se pode destacar ainda é como a escolástica foi se desintegrando na
medida em que não teve tamanho ascensão no campo intelectual na modernidade e, diante
disso, os resultados não atingiram grandes expectativas na sociedade deste período, a não ser
nas casas de formações presbiterais e escolas religiosas. Por isso, Queiroz reitera sobre esta
questão.
2
J. Maritain e o humanismo integral, 2018.
20
Este processo que na modernidade era tão comum, nos dias de hoje deveria ser muito
mais. Visto que neste período da história, por volta do século XIX, houve grande agravamento
da sintonia da pessoa humana com o Divino, uma vez que o homem passou a aderir a “um
espírito antropocêntrico”, levando, deste modo, a modernidade ao egocentrismo, onde o
homem afasta-se de Deus e torna-se centro de si mesmo, impõe sobre si o julgo do
sofrimento.
Além do mais, segundo Maritain (1942), o homem da modernidade esquece da
primazia que tem o Criador, sendo assim, o ser humano vive em uma constante dualidade que
o separa cada vez mais do Ser Divino e, em seu egocentrismo, colabora para a devastação de
sua própria espécie.
Esquece que na ordem do ser e do bem, Deus é que possui a primeira iniciativa e
que vivifica nossa liberdade, quis o homem fazer de seu movimento próprio de
criatura o movimento absolutamente primeiro, dar à sua liberdade de criatura a
primeira iniciativa de seu bem. Era necessário pois que seu movimento de ascensão
fosse desde então separado do movimento da graça, e por isto a era em questão foi
uma época de dualismo, de dissociação, de desdobramento, uma época de
humanismo separado da Encarnação, na qual deveria o esforço de progresso tomar
um caráter fatal e contribuir para a destruição do humano (MARITAIN, 1942, p.
26).
Ainda neste mesmo víeis, Maritain surpreende ao afirmar que o erro do homem foi de
ter se colocado como centro de si mesmo ao invés de aceitar os princípios divinos como meta
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próprio Deus o respeita e o deixa livre para requerer sua atitude diante de tal liberdade, bem
como nos propõe Maritain no seu Humanismo Integral:
Para o pensamento medieval, o homem era também uma pessoa; e se deve notar que
esta noção de pessoa é uma noção [...] de índice cristão [...]. Uma pessoa é um
universo de natureza espiritual dotado da liberdade de escolha e constituído,
portanto um todo independente em face do mundo, não podendo nem a natureza
nem o Estado tocar este universo sem a sua permissão. E Deus mesmo, que está e
age no seu íntimo, age de um modo particular e com uma delicadeza [...] respeita sua
liberdade, no coração da qual habita, entretanto; solicita-a, e jamais a obriga
(MARITAIN, 1942, p. 10).
Aqui é possível destacar que o homem, como ser capaz de escolha e ciente do que é
certo e errado, é livre para fazer tudo que deseja e que o apraz, porém, as escolhas que o ser
humano faz nem sempre é uma escolha moralmente eficaz. Por isso, cada um é livre para
fazer, com cautela e discernimento, bom uso de sua liberdade para escolhas que o torne uma
pessoa mais humana. E é nesta busca por um humanismo integral que Maritain demonstra o
desejo de uma possível transcendência do ser humano em prol de uma sociedade capaz de
promover grandes e virtuosos progressos sejam eles políticos, sociais e religioso, afim de
garantir igual direito para todos.
A proposta de J. Maritain é que haja uma infusão do antropocentrismo ao
teocentrismo, ou seja, que a pessoa humana tome consciência de que estando presente no
mundo, ela se torna, ou pelo menos deveria se tornar, responsável pelos seus atos e, a partir de
si mesmo, optar por uma sincera mudança de atitudes, onde possa deixar para traz o “homem
velho”, o “homem burguês” e fazer aparecer o “homem novo”, o homem envolvido no amor
de Deus, afim de favorecer o seu próprio destino perante a sociedade e o destino dos diversos
grupos nela existente, como grupo familiar, o grupo de amigos entre outros. No entanto, isto
se torna possível se cada indivíduo tomar para si esta responsabilidade, esta consciência,
tendo presente os princípios de virtudes morais e os valores éticos.
Em relação ao humanismo novo [...] é preciso mudar o homem burguês, sim; e por
isto é mesmo também necessário mudar o homem, sim, e é o que no fundo somente
nos importa: quero dizer, no sentido cristão, fazer desaparecer o “homem velho” e
dar lugar ao “homem novo”, que se forma lentamente – na história do gênero
humano como em cada um de nós – até a plenitude do tempo, e em quem se efetuam
os votos mais profundos de nossa essência. Exige, contudo, essa transformação, de
um lado, que se respeite as exigências essenciais da natureza humana, e esta imagem
de Deus, e este primado dos valores transcendentes que permitem justamente e
escorvam um renovamento; de outro lado, que se compreenda que tal modificação
não é obra do homem sozinho, mas de Deus em primeiro lugar e do homem com ele,
e que não é o efeito de meios extrínsecos e mecânicos, mas de princípios vitais e
internos [...] essa transfiguração – pela qual o homem, consentindo em ser mudado e
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sabendo que está sendo mudado pela graça, trabalhe em tornar-se e em realizar o
homem novo que já é, em Deus – essa transfiguração deverá atingir realmente, e não
somente de maneira figurativa, as estruturas da vida social da humanidade
(MARITAIN, 1942, p. 90-91)
Neste sentido, é necessário que esta fundação seja um caminho que leva os mais
fortes, incluído os legisladores, a valorizar as diretrizes dos direitos universais das pessoas
humanas, uma vez que estes direitos pertencem a elas por ordem natural, e por que é parte
intrínseca de sua natureza, ela deve usufruir de forma livre e consciente. Entretanto, José
Alves (1996), salienta:
Uma justificação racional dos direitos humanos só é possível [...] pela descoberta da
lei natural, entendida nas suas conotações realmente metafísicas e no seu dinamismo
realista, isto é, uma noção de lei natural conotada simultaneamente com a natureza e
com a experiência. Por outro lado, é necessário considerar o homem enquanto
pessoa: aqueles direitos são direitos da pessoa humana (ALVES,1996, p. 226).
E por que estes direitos, aos quais foram mencionados acima, são intrínsecos da
pessoa humana, Maritain considera de suma importância que a pessoa humana, em sua
totalidade, seja valorizada, respeitada e compreendida como tal. Mas também, seja cada
pessoa, responsável por ser solícito ao Supremo Criador para que, desta forma, se tenha uma
ampla relação entre criatura e Criador de modo a contribuir no processo de uma
autotranscedência dos valores e virtudes em prol da construção de uma sociedade mais
fraterna e igual em seus direitos.
Deste modo, o filósofo neotomista e cristão, Jacques Maritain, considera que seu
humanismo integral propõe ao ser humano uma integralidade total de si mesmo à missão
árdua que lhe garanta seus direitos, assim como, o compromisso de buscar na sua essência o
verdadeiro ideal de valorização da dignidade da pessoa humana. Sendo assim, é notório que
com tais displicência, torna-se possível alcançar os direitos denominados “exigências
integrais”.
Mediante isto, pode-se destacar também que o Estado, como criação humana, está aí
para garantir seus direitos de pessoa humana, seus direitos integrais. Como é bem salientado
por Maritain (1967), a pessoa humana tem em si a capacidade de auto transcender as mazelas
que a sociedade lhe apresenta no aspecto político, no qual se destaca como sendo impropria
ao reconhecimento da pessoa toda em sua essência. Então, superar isto, deve ser para o ser
humano uma chance de demonstrar o seu real caráter de pessoa supra-humana.
Esta busca pelo transcendente, segundo Luiz Vaz (1998) se traduz na contínua busca
que a pessoa humana tem em todo o período da história. É o desejo por saber quem, de fato, é
o ser humano, para onde ele deve ir, o que deve fazer e como fazer para se chegar à
compreensão da essência da natureza humana. Com isso, a pessoa humana em toda sua
dimensão, consegue racionalmente desenvolver sentimento de relação consigo, com a pessoa
do outro e com a própria natureza sempre objetivando a transcendência do que é
materialidade, tudo que é corpóreo, logo, busca alto transcender-se.
Nesta transcendência da pessoa humana há a possibilidade de se compreender a sua
realidade de ser-no-mundo, assim como a sua experiência de vida e os valores que a torna
mais humana e digna, capaz de, em sua autonomia, fazer escolhas de cunho religioso, cultural,
social e político do qual o ser humano manifesta sua essência e expressa o direito de se alto
realizar como um ser ético.
Dentro desta perspectiva, pode-se frisar que o ser humano, como um ser corpóreo e
sendo essa a condição de sua existência, é racional, pois é capaz de construir sua vida e o seu
futuro, ele também é um ser espiritual, ou seja, é um ser transcendente e, finalmente, é afetivo
visto que, mesmo em seu cansaço, demonstra profunda satisfação em cumprir seu oficio
diário e, por conseguinte, perpassa o tempo conforme se esforça para uma progressão de sua
natureza finita à natureza Divina.
Diante disso, tem-se o ser humano que, em uma dimensão do desejo, busca satisfazer
sua necessidade de sentido da vida e, mediante este processo, dispõe deste sentimento
objetivando preencher o vazio que há em si, deixando, assim, ser tomado pelo ato da vontade
que o permite desfrutar os prazeres que o torna, por ora, uma pessoa realizada.
No entanto, o ser humano não sacia sua aptidão pelo que o realiza e se lança na busca
de transcender a materialidade, a sua corporeidade que, segundo Lima Vaz (1998), emerge
uma verdade que provem da racionalidade a qual induz a pessoa humana a dar mais valor a
vida do ser humano. Além disso, a pessoa em plena consciência de seus atos busca avaliar
suas ações éticas, estéticas, morais e religiosas com o intuito de galgar para uma realização
plena.
26
Ainda dentro desta perspectiva, o ato de transcender da pessoa humana denota de sua
espiritualidade a qual favorece ao ser humano, como ser mortal, o interesse pelo eterno, pela
finitude. Daí a realização concreta do homem que supera os desafios da vida contemporânea
sabendo que há um “[...] agir a qual corresponde o paradoxo da livre necessidade da aceitação
de um universo de normas reguladoras desse agir [...]” (VAZ, 1998, p. 17).
Neste viés, segundo Sgreccia (1996), ressalta-se que à toda pessoa humana é
reclamado pelo personalismo uma transcendência, no sentido de uma realidade na qual é
indigna ao ser humana, ou seja, uma transcendência infra-humana, que possa ir além dos
interesses sociais e políticos. Esta, porém, é uma transcendência que requer um valor
inviolável, cujo possa rememorar os valores existentes na sociedade.
Neste aspecto, Sgreccia (1996) acentua que o ser humano, com sua capacidade de auto
conhecer-se e, por conseguinte, ser determinada se lança além das perspectivas metafísicas e
adquire novo significado à pessoa humana. Nesta mesma perspectiva, pode-se considerar que
toda pessoa humana tem seu valor intrínseco, do qual é consciente e, por isso mesmo, sabe
que tal valor lhe afirma em dignidade. “O conceito de pessoa enquanto categoria espiritual,
possuidora de valor em si mesmo, eivada de subjetividade e com fins absolutos, sendo, por
via de consequência, detentora de direitos fundamentais ou subjetivos e consubstanciada de
dignidade” (FURTADO, 2005, p. 105).
É válido ressaltar aqui a noção de pessoa humana, visto que a pessoa emana em si
mesma o valor transcendente e espiritual, como foi elencado acima por Emmanuel Teófilo
Furtado, e neste mesmo viés podemos concordar com Sgreccia (1996) ao realçar que não é a
pessoa humana que encontra significado no mundo, mas é o próprio mundo que contrai este
significado do ser humano.
Logo, por mais que o humano tenha suas delimitações diante a sociedade, mesmo que
ela seja frágil em aspecto físico, por mais que sua saúde não esteja tão bem a ponto de
desempenhar-se ao trabalho, apesar desta pessoa ter ou não uma estabilidade financeira,
mesmo assim, esta pessoa é um todo, como é bem evidenciado por Maritain (1997), com
intuito de demonstrar que o ser humano, por ser pessoa, existe e é autônoma de si mesma, de
suas escolhas. Por isso, se faz necessário ratificar com Maritain, a seguinte questão:
Ao afirmar que um homem é uma pessoa, queremos significar que ele não é somente
uma porção de matéria […] O homem é um indivíduo que se sustenta e se conduz
pela inteligência e pela vontade; existe não só fisicamente, pois há nele um existir
mais rico e mais elevado, uma superexistência espiritual no conhecimento e no
27
amor. É assim, de certo modo, um todo e não apenas uma parte […] por meio do
amor pode se dar livremente a outros seres, que são para ele como que outros ele
mesmo, relação esta cujo equivalente não se pode encontrar em todo o universo
físico. Em termos filosóficos, isso quer dizer que na carne e nos ossos humanos há
uma alma que é um espírito e que vale mais que o universo todo. A pessoa humana,
por mais dependente que seja dos menores acidentes da matéria, existe pela própria
existência de sua alma, que domina o tempo e a morte (MARITAIN, 1967, p. 16).
Visto que a criatura humana tem seu valor perante a sociedade em que vive, é cabível
destacar que o ser humano é, sem sobra de dúvidas, em si mesmo um todo, como subscreve
Queiroz (2018), e é um todo que se abre às novas realidades, como regra para saber bem viver
em comunidade, ou seja, viver um bem comum, visto que esta é uma característica própria da
pessoa humana capaz de se relacionar com o outro e com o mundo em que vive.
Maritain (1967) nesta mesma linha de pensamento, frisa que as qualidades valorativas
da pessoa humana, assim como sua liberdade e direitos, fazem parte da lei naturalmente
divina. Assim, por ser uma necessidade natural, a pessoa humana adquire para si valores
inigualáveis inerentes a ela, concedidos pela Ordem Suprema e Divina.
Diante desta realidade natural do ser humano, entende-se que o seu valor e a sua
dignidade de pessoa são conceitos que surge ainda na antiguidade, mas que se torna nova na
contemporaneidade e, consequentemente, está incorporada nos status e não na pessoa em si. E
por se tratar de status em grupos ainda com características burguês, torna-se um fato
lamentável, uma vez que quem sofre as consequências disso é a pessoa humana ao perder aí
uma parcela de sua dignidade.
E isto é perceptivo nas atitudes predominantes das pessoas, dentre elas os políticos,
que tentam todas as formas implantar ideologias decadentes a sociedade contemporânea, mas
estes são, na verdade, valores imorais e atos corruptos, como a morte de inocentes e indefesos,
como no caso da eutanásia.
Feita esta exposição, podemos nos indagar: como admirar este tipo de “humanidade”
que gera destruição e desvalorização dos bens do Sumo Criador? Não é este tipo de dignidade
que se espera de um ser racional, do ser humano. Antes, deveria ele, tomar como exemplo
para si, a própria humanidade do Verbo Divino e, sem hesitar, buscar imitar as atitudes deste
ilustre Mestre, como nas bem-aventuranças ao passo de se alcançar as virtudes que o
transcende ao Sumo Bem e, por consequência disso, imprimir em seu coração o amor a ele
doado, doando-o também aos outros como parte de uma dignidade natural a si mesmo e ao
próximo.
28
Entretanto, como salienta o Papa São João Paulo II 3 (2002, p. 2), “A pessoa humana,
com a sua razão, é capaz de reconhecer tanto esta dignidade profunda e objetiva do próprio
ser, como as exigências éticas que delas derivam. Por outras palavras, o homem pode ler em si
o valor e as exigências morais da própria dignidade”.
Afinal, não é nisso que consiste a dignificação do homem? Fazer que o admirável seja
percebido através das suas boas escolhas e, através delas, as boas atitudes? Sim. E é, portanto,
desejável que o mal, o egocentrismo e qualquer sinal de libertinagem que possa haver no
coração do homem, possa ser extinto e seja infundido em sua alma o sentimento de amor,
compaixão e misericórdia, pois quem ama cuida e, além do mais, quem cuida do outro e de si,
está à um passo de tornar-se, de fato, uma pessoa humana capaz de dignificar a si mesmo e ao
próximo, atribuindo-lhe digno valor, e não um valor qualquer, más “um valor que não tem
preço”, o preço já foi pago pelo Ser mais que Digno.
3
Discurso do Santo Padre João Paulo II aos Participantes na VIII assembleia geral da pontifícia academia para a
vida, 27 de fevereiro de 2002.
29
O direito natural, além de princípio formador de qualquer lei que exista, uma vez
que é constituído pelos “princípios fundamentais” de que se serve o direito positivo,
também é a base dos direitos humanos, terceiro conceito fundamental. A força dos
direitos humanos reside no seu fundamento, que é a igual dignidade de todos os
seres humanos, desde sua concepção até sua morte natural. E o Humanismo é, em
última análise, o respeito aos direitos do ser humano. Tudo derivando da ordem
superior que é o direito natural. Os direitos humanos se referem à interpretação que
as leis humanas tentam fazer da lei natural. É preciso, pois, que a sociedade, ao
promover as leis que regularão as relações entre as pessoas, atente para que elas não
estejam em desacordo com o direito natural. E, por fim, o quarto conceito humanista
aqui abordado é o de bem-comum. Por bem-comum entende-se a própria vida feliz
em comunidade. Em termos humanistas, pode-se afirmar que o bem-comum é o
próprio objetivo de uma sociedade orientada para os princípios humanos, é o
resultado prático da aplicação dos direitos naturais. O bem-comum implica respeito
aos seres humanos (QUEIROZ, 2018, p. 5).
São estes direitos humanos e o bem comum que garantem à pessoa humana sua
autonomia, liberdade e a vida como valor intrínseco ao ser humano, assim como a sua
dignidade. Estes são outros conceitos que nos deparamos diariamente na sociedade
contemporânea e que são, muitas vezes, esquecidos de ser colocados em prática por muitos
cidadãos.
A palavra dignidade deriva do latim “dignitas” e é algo inerente à pessoa humana. É
uma exigência imperativa retratada por Kant na seguinte proposição: “[...] age de tal forma
que trates a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre
também como um fim e nunca unicamente com um meio [...]” (KANT apud ABBAGNANO,
2003, p. 276).
Segundo Abbagnano (2003) esta forma de pensar de Kant é um meio do qual a pessoa
humana determina como sendo um “fim em si mesmo”. Portanto, a dignidade é intrínseca a
pessoa humana e tem seu determinado valor. A dignidade é característica da pessoa humana
que possui “[...] um valor moral intrínseco, um status moral básico ou ambas as coisas, que é
possuído igualmente por todas as pessoas [...]” (CAMBRIDGE, 2011, p. 233).
Com relação a autonomia da pessoa, Abbagnano (2003) ressalta que é um “[...] termo
introduzido por Kant para designar a independência da vontade em relação a qualquer desejo
ou objeto de desejo e a sua capacidade de determinar-se em conformidade com uma lei
própria, que é a da razão [...]” (ABBAGNANO, 2003, p. 97). Então, a autonomia implica na
capacidade que a pessoa humana tem, em sua liberdade, de escolher realizar ações, sejam elas
de acordo com seu caráter ético e moral.
O conceito de liberdade é um ato de escolha, próprio da pessoa humana e, segundo o
dicionário Aurélio (2010), este termo deriva do latim “libertate” e consiste em levar o ser
30
CAPÍTULO 2
O DESAFIO DA EUTANÁSIA NA CONTEMPORANEIDADE
Neste capítulo será abordado a questão da eutanásia em seu aspecto jurídico,
existenciais e de saúde a fim de esclarecer este conceito que está em voga na sociedade
contemporânea e que causa nas pessoas o medo de encarar a morte como processo natural de
um ciclo inerente ao ser vivente, assim como será elucidado sobre a eutanásia e a liberdade
individual e, por fim, os argumentos favoráveis à eutanásia enfatizando a temática que se quer
fazer ser compreendida pelo leitor.
Nasce daí o ‘tabu’ da morte e de tudo o que a acompanha; nasce daí a necessidade
social de uma medicina que assegure ‘o pleno bem-estar físico, psíquico e social’ e
também a morte indolor. A morte se torna um ‘tabu’, uma coisa inominável e, como
era com o sexo no passado, não se deve nomeá-la em público (SGRECCIA, 1996, p.
607).
O que Sgreccia evidencia é, de fato, uma sociedade contemporânea que tem medo de
falar da morte, e demonstram isso pelo simples ato de se refugiar através da ciência para não
ter que enfrentar a realidade temporal, isto, denota-se de uma certa incompreensão que se dá
do fato real do processo de morrer de todo ser vivente. Como se não bastasse, para a
sociedade torna-se mais acessível falar em sexo do que tocar no assunto acerca da morte,
como se ela fosse um tormento para sua consciência e, diante disso, cria-se uma forte repulsa
e reprovação moral e social nas pessoas.
Como diz Sgreccia (1996, p. 607) “[...] a eutanásia, como fuga da dor e da agonia,
acontece primeiro no espírito e depois na sociedade e no direito [...]”. Desta forma, torna-se
possível à sociedade contemporânea, representada pelo poder legislativo, manter projetos que
possam determinar o limite da vida humana, quando este limite se tratar de uma doença
incurável, aconselhando-lhe o suicídio assistido. Isto é, se o enfermo requerer antes de
adentrar em um estado vegetativo ou sua família expressar o desejo, alegando, assim, o alívio
do sofrimento do enfermo.
A questão que se frisa a respeito do que acima foi citado é que muitos profissionais de
saúde se encontram em completo despreparo para lhe dar com determinadas situações do
paciente e, sendo assim, torna-se um descaso com o mesmo que ao invés de pessoa é tratada
como algo qualquer, ou seja, um objeto do qual se pode manipular como queira sem, antes,
lhe dar satisfações do protocolo de atendimento ou as informações necessárias sobre o estado
de sua saúde. Por isso, o medo transparece no médico que acompanha tal situação de paciente
com doença terminal e, com isso, prefere não descrever em sua caderneta o procedimento
feito com a pessoa, uma vez que se o fizer, ele poderá responder as consequências perante o
poder judicial.
A partir destas questões, Siqueira, Pessini e Motta (2013, p. 111) ainda enfatizam que
“a legislação brasileira não faz distinções entre eutanásia passiva e ativa, tampouco faz
referência literal às expressões “eutanásia”, “distanásia” ou “ortotanásia”. São [...] crimes pelo
Código Penal Brasileiro elaborado em 1940 e passíveis de persecução penal 24, 25”. Neste
sentido, se denota o que motiva a reação dos profissionais de saúde mediante a lei que rege o
CP do Brasil, no entanto, estes ainda necessitam de melhor preparo, necessitam estar cientes
das consequências advindas da lei para, assim, poder lhe dar com as situações acima
mencionadas.
Ao se falar em eutanásia ativa e passiva, assim como em distanásia e ortotanásia, faz-
se necessário uma distinção entre elas, uma vez que se diferem do conceito de eutanásia.
Segundo Bottega e Campos (2011), a eutanásia ativa se dá quando os profissionais de saúde
administram drogas letais no paciente em estado avançado de uma doença incurável ou
desligam o aparelho que o mantem vivo. Então, o termo eutanásia ativa, através de uma ação
médica, elimina a vida do enfermo conforme seu desejo ou sem que ele esteja ciente do ato,
denominado morte sem sofrimento.
Enquanto eutanásia passiva é um ato por omissão. Segundo Batista e Schramm (2004),
a eutanásia passiva leva o moribundo a óbito após o procedimento médico de retirar o
paciente do aparelho que o permite respirar. Ainda segundo a autora, há também a eutanásia
de duplo efeito que possibilita a morte do paciente em um ritmo mais avançado, porém, “não
visando ao êxito letal, mas ao alívio do sofrimento de um paciente” (BATISTA; SCHRAMM,
2004, p. 34).
Feita a distinção de eutanásia ativa e passiva, seguida da eutanásia de duplo efeito, nos
atenuaremos ás diferenças entre “distanásia” e “ortotanásia”. Como salienta Bottega e
Campos (2011), as duas se diferem de modo que uma, a “distanásia”, adia a morte do
35
A distanásia ocorre por meio de exercícios técnicos levados a efeito para adiar a
morte, empregando recursos para que ela chegue lentamente, oferecendo mais
chances de observação em torno do enfermo, ainda que cominado em situação
irreversível ou em estado meramente artificial. Também conhecida como
“obstinação terapêutica” ou “futilidade médica”, pela distanásia, tudo necessita ser
feito ainda que cause sofrimento bárbaro ao paciente. Isso porque a distanásia é a
morte lenta e com muito sofrimento. Trata-se da prorrogação exagerada da morte de
um paciente terminal ou tratamento inútil. Não visa prolongar a vida, mas sim o
processo da morte.
A ortotanásia ou paraeutanásia consiste no auxílio dado pelo médico ao processo
natural da morte, uma justificação ao morrer com dignidade, edificada em razões
científico-humanitárias. Necessário esclarecer que ortotanásia consiste no ato de
suspender medicamentos ou medidas que aliviem a dor, ou de deixar de usar os
meios artificiais para prolongar a vida de um paciente em coma irreversível, por ser
intolerável o prolongamento de uma vida vegetativa sob o prisma físico, emocional
e econômico, acatando solicitação do próprio enfermo ou de seus familiares
(BOTTEGA; CAMPOS, 2011, p. 48).
4
Constituição da República Federativa do Brasil, 1988.
36
b) o Código Civil de 2002 que dispõe em seu artigo 13: “salvo por exigência
médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição
permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes”; por outro lado,
lemos no c) Código Penal a tipificação do crime de homicídio, previsto no artigo
121 e a figura do “auxílio ao suicídio” no artigo 122. Ainda, o artigo 135, estabelece
a figura da “omissão de socorro” São, portanto, essas as normas legais vigentes, que
regulamentam essa questão no Brasil (SIQUEIRA; PESSINI; MOTTA SIQUEIRA,
2013, p. 111).
É parte intrínseca da pessoa humana a busca de sentido da vida e, neste mesmo viés, a
pessoa passa interrogar-se a respeito de si mesma, das coisas que a rodeia, dos seus
sentimentos e, acima de tudo, questionam-se acerca dos males que o atinge e, ao se tratar de
uma doença incurável, o paciente ao ser diagnosticado passa por um processo de negação da
doença.
A esse respeito, Maranhão (1985), enfatiza que os profissionais de saúde e os
familiares devem entender este processo de negação como princípio de um estágio
psicológico não preparado para tal aceitação e que o melhor a se fazer é cuidar do enfermo, de
modo a se cuidar de um ser humano e, consequentemente, o último estágio que o moribundo
vai chegar será o da aceitação de sua enfermidade.
Essas posturas tão díspares, parecem mostrar que não mais se considera o
ensinamento contido no antigo aforismo que enunciava como função do médico
“curar as vezes, aliviar muito frequentemente e confortar sempre”. Em lugar de
cuidar da pessoa doente, passou-se a privilegiar o tratamento da doença da pessoa,
desconsiderando que a missão essencial dos profissionais de saúde deve ser o de
respeitar a dignidade do paciente em sua integralidade biopsicossocial e espiritual
(SIQUEIRA; PESSINI; MOTTA SIQUEIRA,2013 p.108).
5
Declaração da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, 05 de maio de 1980.
39
degenerativa ou aqueles desenganados pelos médicos com doença incurável, como o câncer, a
AIDS, e em fase terminal de suas vidas. Como afirma Pessini e Bertachini (2006, p. 14),
“tradicionalmente, os cuidados paliativos eram [...] aplicáveis exclusivamente no momento
em que a morte era eminente. Hoje, [...] são oferecidos no estágio inicial do curso de uma
determinada doença progressiva, avançada e incurável”.
É interessante que no Código de Ética Médica 6, 2019, esclarece que “[...] nas situações
clínicas irreversíveis e terminais, o médico evitará a realização de procedimentos diagnósticos
e terapêuticos desnecessários e propiciará aos pacientes sob sua atenção todos os cuidados
paliativos apropriados [...]” (CONSELHO FEDERAL DE MEDICAINA, 2019, p. 16) 7.
Segundo Pessini e Bertachini (2006), se entende por cuidados paliativos o processo de
aceitação da morte natural como parte inerente ao ciclo da vida.
Este termo “paliativo” remete aos cuidados que se deve ter para com os doentes em
fase última da vida. O dicionário Aurélio (2010) denomina o conceito paliativo da seguinte
forma: “serve para paliar; terapia que serve para acalmar, atenuar ou aliviar
momentaneamente um mal; anódino: remédio paliativo. Qualquer tratamento que apenas
fornece alívio, de duração variável, a um doente”.
Neste sentido, é importante salientar que os cuidados paliativos busca cuidar bem da
pessoa doente com a finalidade de respeitar os direitos e a dignidade, assim como de fazer
com que o ser humano possa perceber o valor que ele tem diante da sociedade. Neste sentido,
também os seus familiares entram no quadro desses cuidados para que, desta forma, seja
possível uma interação dos mesmos com o enfermo e, conscientes, possam aderir a finitude
que se aproxima do ente familiar.
Com intuito de dar um sentido valorativo para a pessoa em fase terminal da vida e
sabendo que a esta ainda é conferida a observância de seus direitos de pessoa humana, Pessini
(1990, p. 88) destaca que “todo profissional de saúde deve compartilhar, junto com a equipe
assistencial, uma autentica preocupação para salvaguardar, com o máximo respeito, a
dignidade da pessoa”.
O cuidado da pessoa em fase terminal deve ser cauteloso de modo a propiciar ao
doente o máximo possível de atenção, pois este momento para ele é único, onde ele confronta
as atitudes de um viver antes e a sua realidade agora. Aí entra a questão da solidariedade para
com o enfermo a fim de contribuir com seu processo de crescimento espiritual e de superação
6
Daqui em diante utilizaremos a sigla CEM fazendo referência ao Código de Ética Médica.
7
A partir de agora utilizaremos a sigla CFM para nos referirmos ao Conselho Federal de Medicina (organizador
do CEM).
40
Diante desta perspectiva de, com responsabilidade, se doar para desenvolver uma boa
aceitação do ato de negar os tratamentos fúteis e se dispor a receber os cuidados paliativos é
para aquele que, de fato, já experiência uma autotranscedência da vida à morte sem perder a
esperança de um futuro liberto do sofrimento e da dor.
modo a hora da morte, se saiba aceitá-la com plena responsabilidade e com toda a dignidade”
(IURA ET BONA, 1980, p. 6).
A eutanásia desperta na pessoa com doença incurável e já no estágio avançado, o
desejo de não mais sofrer e de passar pelo processo de morte sem dor. O problema é que
diante desta proposição, o doente sente-se na liberdade de desfrutar de sua autonomia para
abraçar a “boa morte”.
É importante ressaltar que, apesar de a negação frente à morte ser uma atitude básica
do homem, é também uma falácia supor que a reconciliação com a morte e a
preparação para a morte são impossíveis. A atitude de aceitação também é parte
integrante do processo de morrer. Entretanto, aceitação não é sinal de capitulação e
42
A pessoa humana é envolvida em muitos medos e entre estes está o medo da morte da
qual não se encontra preparada para aceitar tal presságio da existência de todo ser humano.
Perante isto, a pessoa em plena finitude da vida se deixa angustiar e o seu sofrimento só
aumenta cada vez mais e, deste modo, sem muito esforço o pesar referente aos seus atos
morais tomam conta de sua consciência.
Então, como alternativa para uma libertação de tamanho destreza dos seus erros, em
uma transcendência, se envolve no processo de arrependimento na busca de tornar-se uma
pessoa melhor para, assim, alcançar a liberdade de se deixar aceitar a morte e permitindo-se
perseverar na esperança da vida futura da qual se transcende a morte temporal para chegar a
vida atemporal.
Aceitação e esperança são conceitos básicos que implicam perceber a morte como
uma dimensão da vida e não apenas como ponto final que tudo cancela. A morte é
um processo de crise que envolve uma passagem e necessidade de reajustamento.
Pacientes terminais estão em um estágio de nova transformação, com possibilidades
de evolução em termos de experiência de vida. Desta forma podemos entender por
que o processo de morrer pode ainda significar enriquecimento e crescimento
(GUEDES; TORRES, 1984, p. 110).
Ao ser diagnosticado com uma doença degenerativa, o câncer, entre outras que estão
inclusas no processo de fase terminal do enfermo, são tomadas por aqueles que passam a
aceitar a morte em seu processo natural como motivo de transformação interior, daí a
possibilidade, como citado a cima, deste enfermo dispor de sua experiência de vida em uma
partilha do bem mais precioso que se pode ter, avida, mesmo nos momentos finais. Assim,
tudo se renova e se torna motivo de autotranscedência da vida sobre a morte.
de que se um animal, como um cachorro, adquire uma doença que o remete ao sofrimento,
este deve ser abatido para o alívio de sua dor.
Do mesmo modo, querem tratar o doente em fase terminal com o processo de aliviar
seu sofrimento, pois esta é, para os pró-eutanásia, uma forma de sentir compaixão. Diante
deste processo, empregam um forte sentimentalismo usurpando as leis Divinas. E o mais
lamentável ainda, é que tirar a vida de uma pessoa humana, para estes que são favoráveis a
“boa morte”, é um ato humanitário em defesa dos direitos humanos.
No entanto, matar uma pessoa humana é, de fato, uma atitude em respeito a pessoa em
fase terminal de sua doença, da valorização de sua autonomia, ou prevalece aqui somente os
caprichos do profissional de saúde em prol dos interesses do Estado e até mesmo da própria
unidade de saúde? A esse respeito Martin (1998), afirma:
Como se pode notar, Martin coloca uma questão que todos os partidários da eutanásia
deveriam rever se, de fato, o método que eles transmitem para as pessoas é o melhor para seus
parentes que passam por impetuosos sofrimentos e dores, tanto do corpo como da alma, e
chegar a uma conclusão de que não são os contra a eutanásia que fazem vista grossa para os
valores da pessoa humana, a ponto de desprezar seus direitos e ferir sua dignidade.
Mas, são justamente os prós-eutanásia que, invertendo os valores, tratam as pessoas já
atormentadas pela doença corporal e espiritual como qualquer outro animal, mesmo sabendo
que o processo de eutanásia administrado ao doente em fase terminal, além de eliminar as
suas dores e sofrimentos, elimina também a pessoa que vive o dilema da doença.
Ao que se pode entender acerca do que Martin enfatiza é que para os que defendem a
eutanásia como sendo a solução para o sofrimento e a dor da pessoa com doença grave não se
esforçam em compreender que os valores que se devem assegurar são os que tratam do
respeito à dignidade da pessoa integral e não às consequências que a vida se incube de
oferecer a pessoa humana, como as doenças. Portanto, a eutanásia não será a solução para
determinado problema, mesmo porque se trata de um suicídio assistido e, para aqueles que
são cristãos, se trata de um grave pecado.
Então, o mais coerente seria colaborar com o enfermo a fim de lhe dispor os devidos
cuidados paliativos. Neste sentido, os profissionais de saúde, observando o CEM devem se
colocar à disposição do enfermo a fim de proporcionar a ele condições necessárias para seu
bem-estar e nunca atentar contra sua dignidade integral, pois assim, o CEM de 2019, no
capítulo I, disserta a respeito.
VI - O médico guardará absoluto respeito pelo ser humano e atuará sempre em seu
benefício, mesmo depois da morte. Jamais utilizará seus conhecimentos para causar
sofrimento físico ou moral, para o extermínio do ser humano ou para permitir e
acobertar tentativas contra sua dignidade e integralidade (CFM, 2019, p. 15).
Assim como estes países, outras nações tratam o ser humano como objetos
descartáveis que tem serventia para a sociedade contemporânea até seu desgaste físico,
psíquico e estrutural, quando, porém, cada Estado se vê ameaçado por tantas despesas com os
doentes, principalmente os de estágio mais avançado e vulneráveis, preferem optar por dispor
aos pacientes terminais o ato da morte indolor objetivando, desta forma, a solução rápida de
seus problemas.
A ação que é citada acima é um meio pelo qual se leva o paciente a terminalidade de
sua vida, o governo dispõe de medidas, a ele favoráveis, segundo a consciência e desejo do
doente. Entretanto, se vê um aproveitamento da fragilidade do paciente em face da gravidade
do seu problema como meta para aliviar não a dor do enfermo em si, mas os gatos
econômicos do país. Assim como estas nações defendem a morte assistida, também os
Estados Unidos, a Holanda, entre outros.
Em 1997, a Suprema Corte dos Estados Unidos considerou as leis dos Estados de
Nova Iorque e Washington que proíbem médicos de ministrarem drogas a pacientes
terminais em perfeito estado de lucidez, a fim de os assistirem em seus desejos de
pôr termo as suas vidas. Por outro lado, a Corte deixou subentendido que não há
barreiras constitucionais que proíbam a um Estado aprovar uma lei que permita o
suicídio assistido por médico. A campanha “pró-vida” trabalha com a meta de
impedir que qualquer Estado aprove tal lei (ROTMAN apud BOTTEGA; CAMPOS,
2011, p. 54).
46
A Holanda foi o primeiro país no mundo a legalizar a eutanásia sob certas condições
em uma lei que entrou em vigor em 1º de abril de 2002, embora a prática já fosse
tolerada desde 1997. A lei concede proteções legais aos médicos desde que eles
usem de estritos critérios. Em 2003, autoridades médicas registraram mais de 1.800
casos de pessoas que tiveram a vida terminada desde a adoção da lei (ROTMAN
apud BOTTEGA; CAMPOS, 2011, p. 54 - 55).
O que se pode compreender com este tipo de atitude, como a legalização da eutanásia,
por parte de um governo é que sobressai o descaso com os sentimentos do doente em fase
terminal, pois este em plena condição frágil e mediante a dor, tanto do corpo como do
espírito, se vê diante de uma proposta como “solução” para o alívio da tormenta que sua
doença lhe causa.
Diante desta situação é viável a ideia de se dispor de uma boa preparação de
profissionais que possam oferecer aos enfermos e a seus familiares os cuidados necessários
para uma boa vivencia dos dias que restam ao paciente como forma de uma possível
aceitação, dele e de sua família, da morte naturalmente destinada a todo ser humano, uma vez
que, segundo Gomes e Menezes (2007, p. 85), “a delimitação do processo natural de morrer é
passível de discussão em âmbito médico e jurídico”.
sua utilidade biológica, e pode assumir dimensões tais que gerem o desejo de
eliminar a mesma dor, custe o que custar (IURA ET BONA, 1980, p.4).
É por isso que é importante uma boa preparação aos que acompanham pacientes
terminais e seus familiares, pois dessa forma se estabelece uma relação com o outro que sofre,
que experiência a dor, muitas vezes, insuportável e martirizante. Neste encontro com o dente,
surge a certeza de uma progressão verdadeira no sentido de viver, de fato, os últimos dias com
esperança em realizar-se plenamente e aguardar com firme consciência a sua própria morte.
Neste viés, Maranhão (1985, p. 71), salienta que “a única maneira de o homem se
realizar autenticamente, assumindo a responsabilidade da própria vida, é enfrentar fria e
corajosamente a sua finitude e contingência, isto é, a sua inevitável morte”. Esta premissa
expressa a realidade de todo ser humano, uma vez que todos passam pelo mesmo ciclo da vida
à morte. Então, é de suma importância compreender que a vida é finita para esta realidade
temporal, mas que a esperança deve permanecer arraigada no coração do ser humano de
forma a leva-lo a transcender para uma realidade atemporal.
Até aqui percorreu-se sobre os vários pontos referentes ao desafio que a sociedade
contemporânea tem ao se tratar do processo de eutanásia como solução para o sofrimento e
dor da pessoa humana acometida de doença incurável e já nos últimos momentos de
existência.
Elucidamos, assim, que a ação deferida ao doente não é uma opção que surte efeito
beneficente a pessoa em sua integralidade, pois se tratando de curar a enfermidade do doente
ou de eliminar a sua vida, mesmo que seja por piedade ou compaixão, para os cristãos, até
mesmo para os que não creem em Deus, mas acreditam em uma ordem superior, este
procedimento não cura a doença que está na alma e, tão pouco, permite esta alma, livremente,
transcender a morte para galgar a realização plena da vida eterna.
No próximo capítulo será feito uma análise à luz dos argumentos neotomistas-
maritainianos acerca do processo da eutanásia tendo como viés o conceito de humanismo
integral e a importância que se tem na construção do amor pela vida e a dignidade da pessoa
na fase final de sua existência.
48
CAPÍTULO 3
HUMANISMO INTEGRAL COMO BASE DE ANÁLISE DA EUTANÁSIA
Neste capítulo, será desenvolvido uma breve análise a respeito da eutanásia trazendo
como base o próprio conceito de humanismo integral. Contudo, para melhor compreensão do
leitor, faz-se necessário realizar uma discussão sobre a importância da construção da
humanização entendida como amor pela vida e analisar o tema à luz dos argumentos
neotomistas-maritainianos contra a eutanásia.
cuidado de pacientes em fase terminal, assim como salienta Pessini (1990), de modo a
compartilhar com os demais colegas assistentes uma maior atenção às pessoas vítimas da dor
e sofrimento causado pelo processo da doença.
Neste caso, não caberia aos médicos e seus assistentes sugerir ao doente propostas
fúteis com a finalidade de querer “aliviar a dor” e antecipar a morte com o suicídio assistido
ou querer, por piedade e compaixão, proporcionar ao doente o prolongamento da vida. Aqui o
respeito à dignidade da pessoa deve prevalecer para que a pessoa enferma, com o apoio de
seus familiares, aceite a finitude da vida, sendo esta parte inerente ao ser humano.
Em conexão com esta proposta, podemos destacar o ideal de amor pela vida, ond e
amar é ir além da dor e do sofrimento aceitando, assim, as indiferenças do outro. Então, é de
grande importância para este ato o humanismo integral que Jacques Maritain propõe à
sociedade contemporânea que se encontra imbuída na inversão de valores.
Por esse motivo, a humanização de toda pessoa, seja em estado físico perfeito e
saudável, seja em estado de doença terminal ou não, depende unicamente do próprio ser
humano que pode transformar a realidade em que se encontra a sociedade em possibilidades
de rever seus ideais e atitudes éticas em prol de um futuro melhor e mais humanizado.
Nesta perspectiva, o que torna possível uma compreensão do que seja amor pela vida é
a capacidade de demonstrar, através do cuidado paliativo que nos dias atuais é posto como
prioridade ao paciente com doença irreversível, que há um sentido valorativo à pessoa que
está recebendo os devidos cuidados. E nesta ocasião, perceber o quão a pessoa se sentirá
motivada a querer viver os seus últimos dias com ênfase na aceitação do fim temporal que lhe
aguarda.
Diante desta preposição, podemos tomar aqui a base do pensamento de Maritain, o seu
Humanismo Integral, 1942, do qual ele frisa bem que o ser humano tem necessidade de ser
amado e, para satisfazer tal necessidade, recorre aos seus direitos. E é na liberdade e com
consciência de seus atos que a pessoa humana adquire para si as virtudes que a leva a
progredir na dimensão humana integralmente, ou seja, na área intelectual, espiritual e afetiva
em relação consigo mesmo e com o outro.
De certo modo, tomando como exemplo a atitude da modernidade, a pessoa humana
deveria voltasse ao Supremo Criador e Amor que imprime em sua criação a bondade. Neste
contexto, o ser humano, envolvido por este amor Divino, será propenso a uma atitude
reflexiva acerca do seu papel no mundo contemporâneo.
Além do mais, como é enfatizado por Jacques Maritain (1942), esta atitude “se trata de
uma tomada de consciência e de uma descoberta prática da dignidade própria do que está
50
escondido no mistério do ser humano” (MARITAIN, 1942, p. 26) que é um ser capaz de dar
significado ao mundo, que confere valor às coisas que o circunda, ou seja, valores éticos,
morais, estéticos, políticos, sociais, econômicos, e, até mesmo, o valor relacionado a si
mesmo.
A dignificação do homem consiste em fazer que o admirável seja percebido através
das suas boas escolhas e, através delas, as boas atitudes. E é, portanto, desejável que o mal, o
egocentrismo e qualquer sinal de libertinagem que possa haver no coração do homem, possa
ser extinto e seja infundido em sua alma o sentimento de amor, compaixão e misericórdia,
pois quem ama é capaz de cuidar da pessoa do outro, entendendo-se aqui a pessoa
diagnosticada com doença crônica, degenerativa e em fase final de sua vida, atribuindo-lhe a
valorização que contribui para sua dignificação.
E um gesto bonito de se demonstrar o amor pelo outro é justamente a descentralização
do amor próprio para atribuí-lo a pessoa do outro e, neste caso, a pessoa que mais está
necessitando deste princípio de compaixão e verdadeiro amor é a pessoa acometida de doença
incurável e já próximo de sua via terrena. Este amor verdadeiro, no entanto, “passa pela
inteligência e a inteligência, – falo da inteligência integral [...] – penetra no ser, e apreende,
como um ser subsistente válido por si mesmo, não apenas eu, mas aquele que não é eu”
(MARITAIN, 1964, p. 369).
Um amor que, segundo Maritain (1999), transforma e renova os mais diferentes
humores e transcende a humanidade de todo ser humano, é o mais belo e verdadeiro amor
provindo das pessoas que traçam suas vidas no caminho que os elava a santidade, ao Divino.
Este cristão é capaz de unir todo ato de bondade e virtude que brota do mais profundo de seu
ser.
Agora, portanto, a pessoa humana é sujeita a encontrar a felicidade e realizar-se
plenamente, fazendo com que o outro, também, realize-se e seja feliz. O homem, na verdade,
só consegue auto realizar-se e, como consequência disto, realizar o outro, quando ele
mergulha, verdadeiramente, em uma profunda reflexão e interiorização em seu ser e, com
humildade, deixa-se iluminar e conduzir pela força Divina, da qual emana a milagrosa
essência do existir humano e para a qual deve persistir a esperança da transcendência.
Mas qual a importância do humanismo para a nossa atualidade? Avaliando o termo
humanismo, podemos perceber que ele está tomado em toda sua extensão, pois quando soa
em nossos ouvidos a palavra humanidade, nos remete logo ao humano e, sem dúvida, há aí
um grande significado para nós, principalmente, porque deste conceito podemos destacar o
51
sentido e o valor que toda pessoa humana tem perante a sociedade. Além disso, estabelece as
condições necessárias para uma melhor vivencia entre os seres humanos.
Então, o humanismo integral tem sua eficaz importância para a sociedade
contemporânea, onde o homem deveria voltar-se para os princípios morais e éticos em virtude
da experiência de vivenciar a prática do amor pelo seu semelhante. Sendo assim, na atitude de
cada pessoa humana necessita florescer o sentido da vida, levando-os a plena realização do
seu “ser-no-mundo”.
Contudo, o ser humano já não aprofunda tanto o seu temor a Deus, posto que a atitude
da pessoa contemporânea se encarrega de fazê-la pensar em si própria, onde o satisfazer suas
vontades é o princípio de seu egocentrismo, de seu afastar-se de Deus. Por conseguinte, a
sociedade atual é considerada um campo de ideias fúteis dispersadas às pessoas que
contribuem para a inversão dos valores e princípios humanos e cristãos, como a aceitação da
eutanásia que é um suicídio assistido da pessoa no âmbito de dor e sofrimento.
Diante destas premissas, o ser humano precisa usar da razão e, por que não da fé, para
dar sentido as suas escolhas, usufruindo de sua liberdade com responsabilidade e, de fato,
como ser pensante que valoriza a sua dignidade e a do outro, onde perdure o sentimento de
compaixão pelo que sofre e se angustia com o fim próximo e, em virtude disso, adentra no
paradigma da depressão, perdendo, assim, o sentido de viver.
Nesta linha de pensamento, podemos, com convicção, dizer que o humanismo tem sim
sua eficácia na atualidade, onde cada pessoa busca não usar o outro como coisa, como objeto,
mas alguém que merece respeito à sua dignidade e ao seu direito de viver, de ser assistida
com a filosofia dos cuidados paliativos que não mata, mas incentiva a pessoa enferma e seus
familiares a aceitar a finitude como parte do ciclo da existência do ser humano e, ante isto,
esperar a morte naturalmente.
Por fim, é através da humanização do amor que se busca um caminho necessário para
se construir um mundo mais fraterno, onde o ser humano, verdadeiramente, demonstra o seu
lado solidário e se torna, de fato, um ser humano capaz de humanizar a pessoa do outro. Além
do mais, é também por essa via que demonstramos o real valor que a pessoa, no termino de
sua vida, tem para nós e para a sociedade da qual faz parte.
ora fundamentam-se com cunho ontológico. Entretanto, pode-se encontrar dentro dessa
dinâmica um valor determinante para a relação interpessoal do homem, a chamada dignidade
da pessoa humana da qual se deve respeito e cuidado para não violar a vida sagrada do outro.
A dignidade como valor intrínseco da pessoa humana é, sem dúvida, o ponta pé inicial
para que a pessoa, na finalidade de sua existência, possa compreender o sentido da vida,
mesmo nas proximidades da morte, e suprir a necessidade de preparar-se bem para o
momento final. Isto é possível se houver, por parte dos médicos e seus colaboradores, uma
colaboração, ou seja, ações que possam ajudar tanto o doente como os seus familiares a
superar a angustia, o desespero, a dor e sofrimento causados pelo processo que se dá do
próprio tratamento e, a partir daí, possam aderir a aceitação da realidade da morte natural.
E assim, mediante o pensamento de autores que são contra a eutanásia, podemos
corroborar com Pessini e Bertachini (2004), que toda pessoa humana merece, em seu leito de
morte, viver seus últimos dias de vida dignamente. Isto, porém, se trata de respeitar seu direito
de liberdade em seu último momento de existência terrena. E é com base neste princípio de
observância dos valores morais que podemos salientar que, na sociedade contemporânea, há
ainda inúmeras possibilidades que envolvem tanto o poder legislativo, como profissionais de
saúde e familiares incapacitados de promover o direito à vida do ser humano em sua
totalidade, até a sua morte natural.
Neste contexto, vê-se a família do doente em fase terminal e até o próprio enfermo
entrar em profunda angústia e desespero que os motiva a querer um processo imediato do
problema com o intuito de aliviar a dor e sofrimento e, com isso, lhes resta tomar a drástica
decisão de consentir a antecipação da morte ou o seu adiamento ocasionando, assim, o
processo de eutanásia. Esta medida implica, como enfatiza Sgreccia (1996), em uma evasão
da tristeza e, ao mesmo tempo, da angústia dos responsáveis pelo tratamento, dos familiares e
da própria sociedade.
Este comportamento se dá na medida em que não há contribuição das autoridades
vigentes em dispor de profissionais de saúde preparados para acompanhar a pessoa enferma e
seus familiares com os cuidados paliativos. Sendo assim, se nota que a dignidade da pessoa
humana com doença crônica e degenerativa, em sua fase terminal, é ferida e sua humanidade
é desumanizada a ponto de sua vida tornar-se, nas mãos dos médicos e seus colaboradores,
mero objeto ou coisa do qual dispensa os mesmos cuidados que se tem com um animal
irracional que, por compaixão, é sacrificado se este apresentar um mal incurável.
Além do mais, mediante a fragmentação dos valores éticos e morais em meio à
sociedade contemporânea a pessoa tende a ficar desprovida de seus direitos e, por
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conseguinte, com a sua dignidade ferida, a sua autonomia arrancada, a pessoa se tornar
passiva perante tal desvalorização dos direitos humanos. No entanto, este direito deve ser
observado a todos, mesmo por que, conforme salienta Sgreccia e Bertachini (2004, p. 57), “a
pessoa, independentemente do estado de saúde, tem valor e não deve ser utilizada como meio
e sim tratada com dignidade”.
Então, a pessoa humana não deve ser desnudada de seus direitos e tão pouco de sua
autonomia. Por isso, é importante que o profissional de saúde, antes de aplicar ações como a
eutanásia ou distanásia no enfermo, possa consultá-lo ou aos seus familiares de modo a
respeitar os princípios éticos e os valores que regem a pessoa acometida de alguma doença
incurável.
Partindo deste princípio, os profissionais de saúde poderão garantir aos doentes os
cuidados paliativos necessários e dignos de um ser humana e ao mesmo tempo possibilitará a
estes o bem-estar, a esperança e o sentimento de amor pela vida com o intuito de sustentá -la
até a sua morte natural. A final, “paralelamente, a filosofia de cuidados paliativos mostra que
se pode estabelecer uma relação mais saudável com a realidade de final da vida, superando os
medos e tabus que apresentam a morte sempre como inimiga, um fracasso ou revelação de
incompetência profissional” (PESSINI, 2010, p. 557).
Os cuidados paliativos surgem como princípio de humanização da pessoa que sofre
com doenças incuráveis, como também de seus familiares, possibilitando a estes os meios
necessários para se obter uma morte digna ao enfermo e de tornar possível a esperança de
uma vida futura, transcendental e eterna, como afirma São João Paulo II (1997, p. 886) “o
homem é chamado a uma plenitude de vida que se estende muito para além das dimensões da
sua existência terrena, por que consiste na participação da própria vida de Deus”.
A dignidade entende-se como um valor moral, que implica necessariamente num
conjunto de condutas em relação ao ser humano, ou seja, uma postura que os homens
assumem mediante aos seus semelhantes sob a consciência da dignidade do outro. Como
valor moral a dignidade da pessoa humana, confere a sua espécie o caráter de finalidade, isto
é, as ações do homem devem promover ao ser humano a realização plena, meta última para a
qual todos galgam.
Ao que Jacques Maritain enfatiza acima, pode-se comentar aqui um fato indigno de
qualquer pessoa humana de forma a ilustrar o pensamento do filósofo. Trata-se, pois de um
episódio verídico ocorrido em um município do Pará, em que uma senhora idosa acometida de
um grave acidente teve como consequência fratura em um de seus membros. Levada à UPA
(unidade de pronto atendimento) mais próximo, defrontou-se com a incapacidade de
atendimento, provocando uma sequência de deslocamentos, desdobrando-se em uma série de
infortúnios, entre os quais, uma interminável via crucis por diversas outras unidades de
atendimento, sem sucesso.
De volta à UPA, sem um atendimento adequado e cuidados necessários para o
determinado caso, dona Epitássia 8, que adquiriu outras patologias nos ambientes porque
passou, as quais foram negligenciadas pelo ambiente hospitalar último, foi em seguida
encaminhada de volta para sua residência. Como consequência, seu estado de saúde se
agravou e a senhora perdera diversas funções orgânicas, entre as quais a capacidade de se
alimentar.
Diante de tal situação, seus familiares resolveram levá-la novamente para o hospital,
local de onde foi enviada novamente para a UPA de outra cidade, onde permaneceu a mais de
vinte dias na espera de um leito com UTI. Diante da necessidade frequente de mobilidade
entre os ambientes hospitalares, o responsável legal da paciente foi informado pela equipe de
atendimento que não teria seu membro fraturado recuperado em razão de não suportar um
procedimento cirúrgico, haja vista a idade ser avançada e o estado de saúde estar fragilizado.
Assim, a situação grave da paciente, transcorrido o tempo descrito, permanecia em evolução.
Com tamanha espera por um tratamento digno e um leito adequado a gravidade de seu
quadro, dona Epitássia adquiriu pneumonia e foi levada à ala de emergência da UPA, onde
ficou em observação até ser transferida para um hospital onde foi disponibilizado um leito.
Esta ilustração faz menção ao que o filósofo Jacques Maritain (1952) enfatiza a
respeito do dever do Estado em promover o bem comum entre as pessoas na sociedade e não
ao contrário. Como podemos perceber no descaso que o poder legislativo, juntamente com o
profissional de saúde têm para com os menos favorecidos.
Diante deste destaque, deixa-se transparecer a desumanização, a desvalorização e o
desrespeito para com os direitos do cidadão e pessoa humana, então, o que se pode fazer para
8
Pseudônimo para preservar a paciente entrevistada.
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melhorar o desempenho da saúde em um País cujo os políticos e políticas têm como maior
interesse o dinheiro ao invés da pessoa humana em si?
Uma proposta a esta indagação é de se rever os valores e os princípios cristãos e
humanitários a se estabelecer como meta de preocupação e cuidado para com o outro, no
sentido de tornar os estabelecimentos de saúde e os próprios funcionários mais humanizados e
capazes de humanizar, perpassa pelo bem comum promovido pelo Estado e por todos que se
compromete com o dever de respeitar a pessoa humana, principalmente os idosos e doentes
em estados avançado já no ocaso de suas vidas.
Neste sentido, é cabível salientar aqui a afirmação de Sgreccia (1996, p. 619)
“respeitar o homem em sua fase final quer dizer respeitar o encontro do homem com Deus, o
seu retorno ao criador, excluindo [...] o poder de antecipar essa morte (eutanásia), seja
excluindo [...] uma forma de tirania biológica (insistência terapêutica) ”. Sendo assim, o
sofrimento da pessoa no estágio final de sua doença é uma fase na qual se deve haver um bom
acompanhamento, dos profissionais de saúde para que haja maior progressão do paciente,
como de seus familiares, no sentido de aceitar a morte como algo inevitável ao ser humano.
Além do mais, poderá se excluir qualquer possibilidade da pessoa enferma e seus
parentes, solicitarem ao médico a eutanásia como subterfugio da dor e do sofrimento.
Tendo presente o valor de toda pessoa humana, gostaria de lembrar que cabe ao
médico estar sempre ao serviço da vida e dar-lhe assistência até o fim, sem aceitar
jamais a eutanásia, nem renunciar ao dever perfeitamente humano de ajudá-la a
realizar com dignidade a sua caminhada terrena (SÃO PAULO VI apud
SGRECCIA, 1996, P. 614 – 615).
A questão salientada por Maritain nos ajuda a perceber o quanto a pessoa em fase
terminal sofre espiritualmente, por vezes fica confusa devido a perca de sentido da vida e, por
consequência disso, as motivações para tal decisão frente ao problema da doença é tomada
sem um comprometimento sério de si mesmo. Então, aceita se submeter a procedimentos que
não são favoráveis a vida e dignidade da pessoa, mas contra todos os princípios éticos, social,
religioso e humana.
Daí é proposto a toda pessoa que desenvolve algum trabalho com os idosos, crianças e
outras pessoas que passam por tratamentos terapêuticos a fim de cuidar da doença incurável,
como câncer, HIV, AIDS e outras doenças degenerativas, seja essa pessoa cristã ou não, que
adote o amor como viés para que haja mais humanização e desempenho por parte do
profissional de saúde, doente e familiares, afim de estabelecer meios, como os cuidados
paliativos, que torne o sofrimento e dor menos maleável possível e se chegue a uma aceitação
dos mesmos em relação a finalidade da vida temporal.
E para que, de fato, haja a concretização deste amor humanizante, a liberdade e o
direito da pessoa humana é crucial que todo gênero humano se abra à graça transformadora do
Divino Mestre que nos aponta, em sua filosofia, qual o caminho que devemos percorrer para
alcançar qualquer meta, seja ela política, religiosa, social e humanitária. Neste último,
prevalece o método da partilha e do diálogo objetivando a progressão dos valores éticos e
morais sem interesses próprios. Assim, com certeza, o homem sai do centro, deixa de quer ser
deus, e devolve o lugar ao Altíssimo de onde a graça superabundante o impulsiona a aderir
um humanismo integral, como destaca o filósofo Jacques Maritain (1942, p. 70) “humanismo,
57
mas humanismo teocêntrico, enraizado lá onde o homem tem suas raízes, humanismo integral,
humanismo da Incarnação”.
Diante desta afirmação podemos também colocar em evidencia aquilo que o filósofo
Jacques Maritain já havia diferido em sua reflexão acerca do respeito às diferenças, como
também o pluralismo religioso para que desta maneira se crie cada vez mais, em prol da
promoção da igualdade, do direito à vida e do morrer com dignidade a morte natural.
E do mesmo modo, como nos comunica o Papa São João Paulo II na Evangelium
Vitae, 19979, toda pessoa humana tem sua grandeza e é digna de valo perante a graça da vida
que vai além da existência terrena. Neste sentido, salienta São João Paulo II (1997, p. 886), “a
vida temporal é condição basilar, momento inicial e parte integrante do processo global e
unitário da existência humana: um processo que [...] é iluminado pela promessa e renovado
pelo dom da vida divina”.
Com efeito, a pessoa humana não chega ao seu fim último, mas apenas do penúltimo
momento da existência dentro da realidade temporal. No entanto, trata-se de uma questão de
fé na Ordem Superior que nos favorece a plenitude e a perfeição em si, ou seja, em sua
plenitude.
Sendo assim, garantir os cuidados paliativos dos nossos doentes com quadro
irreversível é um meio de ajudá-los a enfrentar os desafios de sua enfermidade,
proporcionando-lhes a devida atenção e respeito a sua autonomia de pessoa, digna de valores
inerente a todo ser humano que almeja através da construção de uma humanidade, de fato,
mais humanizada, mais ética e cristã que seja capaz de transcender a vida para uma existência
atemporal.
Se, por um lado, a vida é um dom de Deus, pelo outro, a morte é inelutável; é
necessário, portanto, que, sem antecipar de algum modo a hora da morte, se saiba
aceitá-la com plena responsabilidade e com toda a dignidade. É verdade que a morte
marca o termo da nossa existência terrena, mas, ao mesmo tempo, abre também a via
para a vida imortal. Por isso, todos os homens devem preparar-se cuidadosamente
para este acontecimento, à luz dos valores humanos, e os cristãos mais ainda à luz da
sua fé.
Aqueles que exercem profissões destinadas a cuidar da saúde pública, nada hão de
negligenciar para colocar ao serviço dos doentes e dos moribundos toda a sua
competência; mas lembrem-se de lhes prestar também o conforto muito mais
necessário de uma bondade imensa e de uma ardente caridade (DECLARAÇÃO
IURA ET BONA, 1980, p. 6)
Como enfatizado acima, toda pessoa humana tem seu valor diante da sociedade em seu
sentido valorativo, principalmente a pessoa em fase terminal da vida. Pois como se sabe, a
9
Encíclicas de João Paulo II, 1997, p. 886
58
A ortotanásia permite ao doente que já entrou na fase final de sua doença, e àqueles
que o cercam, enfrentar seu destino com certa tranquilidade porque, nesta
perspectiva, a morte não é uma doença a curar, mas sim algo que faz parte da vida.
Uma vez aceito este fato que a cultura ocidental moderna tende a esconder e a negar,
abre-se a possibilidade de trabalhar com as pessoas a distinção entre curar e cuidar,
entre manter a vida _ quando isto for o procedimento correto _ e permitir que a
pessoa morra _ quando sua hora chegou (MARTIN, 1998, p. 190 – 191).
Neste ponto destacado por Martin (1998) se entende que feito uma integração do
conhecimento científico, da experiência do profissional de saúde e a praticidade ética do
médico é possível reconhecer na pessoa enferma o seu valor de ser humano.
E neste viés se compreende ainda que o serviço prestado pela junta médica deve ser
assistido pelo Estado como possibilidade de promover melhorias nas redes públicas de saúde
com o intuito de favorecer toda a sociedade que depende do pronto atendimento e do bom
proceder do médico para cuidar de suas dores e sofrimentos físico, mas também cuidar de
seus problemas psíquico-espirituais, nada que um bom tratamento paliativo não possa
resolver.
Respeito pela sua autonomia: ele tem o direito de saber e o direito de decidir; direito
de não ser abandonado; direito a tratamento paliativo para amenizar seu sofrimento e
dor; direito de não ser tratado como mero objeto cuja vida pode ser encurtada ou
prolongada segundo as conveniências da família ou da equipe médica são todas
exigências éticas que procuram promover o bem-estar global do doente terminal e,
consequentemente, sua saúde enquanto não morre (MARTIN, 1998, p. 190 – 191).
Na realidade, o que Martin destaca é que este modo de proceder é o melhor que a
sociedade contemporânea pode oferecer às pessoas em estágio avançado de sua doença
incurável. Afinal, a ortotanásia trata de conferir ao paciente uma forma menos dolorosa de
enfrentar o sofrimento e a angústia na eminência do morrer, uma vez que se dispõe de uma
terapia conhecida por todos como amor, carinho, atenção e bem-estar em virtude de uma
autêntica preparação desta pessoa e de seus familiares para enfrentar a morte serenamente e
com dignamente.
Pena que em muitos casos este ideal não é bem trabalhado pelos profissionais de saúde
e por quem deveria garantir o direito de viver do cidadão. Por esse motivo, cabe-nos a
esperança no bom censo de todos os seres humanos e na sua abertura à proposta de humanizar
o modo de cuidar do outro tendo como princípio cristão um olhar além da realidade em prol
da concretude de um amor solidário e, acima de tudo, evangélico e humanístico.
Deste modo, se houver por parte dos profissionais de saúde e da sociedade
contemporânea uma valorização da pessoa humana, certamente, haverá maior disponibilidade
e serenidade em oferecer ao paciente em faze terminal, bons cuidados paliativos que lhe
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assegure o direito à vida em sua totalidade até a sua morte natural, pois conforme o artigo 41
do código de ética médica não é licito ao médico “abreviar a vida do paciente, ainda que a
pedido deste ou de seu representante legal” (CEM, 2018, p. 28).
E, do mesmo modo, no parágrafo único do documento em questão, é frisado que no
caso de doença incurável e terminal, ao paciente deve ser dispensado pelos médicos os
devidos cuidados paliativos “sem empreender ações diagnosticas ou terapêuticos inúteis ou
obstinados, levando sempre em consideração a vontade expressa pelo paciente ou, na sua
impossibilidade, a de seu representante legal” (CEM, 2018, p. 28). Logo, não cabe a nenhuma
pessoa humana tirar a vida de outra, no entanto, é dever de todo ser humano cuidar da pessoa
com doença terminal perante sua fragilidade.
Este, portanto, é uma atitude que exige de todos os seres humanos, em especial os
profissionais de saúde, uma consciência ética capaz de gerar melhor comprometimento com
sua profissão em cuidar do doente, como está explícito no código de ética médica (2018, p.
25) “é vedado ao médico tratar o ser humano sem civilidade ou consideração, desrespeitar sua
dignidade ou discriminá-lo de qualquer forma ou sob qualquer pretexto”.
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CONCLUSÃO
de sua morte, será capaz de compreender o significado de viver e deseja para si a morte
natural como mistério do ciclo da existência do ser vivo.
Por isso, é importante que a sociedade contemporânea não se esqueça de amar o seu
semelhante com amor incondicional de modo que se transcenda aos modismos desmedidos
impostos pela sociedade contemporânea que esquece de praticar os valores que edificam a
pessoa humana.
Por fim, que o ser humano seja, de fato, humano capaz de humanizar a pessoa do outro
e proporcionar a pessoa acometida de doença grave, cuidado, afeto, carinho em uma relação
interpessoal com o enfermo e seus familiares onde possa surgir o compromisso de respeito e
solidariedade oriundos da filosofia dos cuidados paliativos.
Esta é uma ação que exige consciência de todos os envolvidos com os cuidados
necessários para garantir um pouco mais de vida aos que estão à beira da morte natural. Este
gesto é proposto por Jacques Maritain (1942) em seu humanismo integral e por todos os
neotomistas deixando a possibilidade de se refletir sobre qualquer problema existente na
sociedade contemporânea.
Afinal, a dignidade da pessoa humana, independente em que estado ela se encontre,
deve ser valorizada e respeitada em sua integridade. Do mais, este é um campo que sempre
necessita de pessoas que se interesse em realizar reflexões a fim de fazer com que a sociedade
progrida sempre mais no âmbito da humanização e dignificação da pessoa humana. Pois quem
é a ser humano para ferir a dignidade da pessoa do outro?
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