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Miloca Neto Alberto

Análise das Implicações do Procedimento Disciplinar na Gestão de Recursos Humanos


na Função Pública Moçambicana: Estudo de Caso do Governo Distrital de Tambara
2013 à 2018

Licenciatura em Gestão de Recursos Humanos com Habilitações em Higiene e Segurança no


Trabalho

Universidade Púnguè
Chimoio
2021
Miloca Neto Alberto

Análise das Implicações do Procedimento Disciplinar na Gestão de Recursos Humanos


na Função Pública Moçambicana: Estudo de Caso do Governo Distrital de Tambara
2015 à 2018

Licenciatura em Gestão de Recursos Humanos com Habilitações em Higiene e Segurança no


Trabalho

Monografia Científica apresentada ao Departamento


de Contabilidade e Gestão, para obtenção do grau de
licenciatura em Gestão de Recursos Humanos com
habilitações em Higiene e Segurança no Trabalho.
O Supervisor
________________________
Mestre, Noé Eugénio Pina Gonçalves

Universidade Púnguè
Chimoio
2021
ii

INDICE

Índice
Declaração...................................................................................................................................iv

DEDICATÓRIA...........................................................................................................................v

AGRADECIMENTOS................................................................................................................vi

Resumo.......................................................................................................................................vii

Abstract.....................................................................................................................................viii

CAPITULO I – INTRODUÇÃO..................................................................................................9

1.1. Problematização.............................................................................................................10

2.1. Procedimento disciplinar........................................................................................13

2.2. Quebra de disciplina...............................................................................................14

2.2.1. Do poder disciplinar...........................................................................................14

2.3. Fundamento do poder disciplinar............................................................................14

2.4. Conceito de infracção disciplinar....................................................................................15

2.5. Noção de processo disciplinar.........................................................................................16

2.5.2. Sanção disciplinar: noção e vicissitudes.......................................................................16

2.5.2.1. Dos tipos de sanções disciplinares.........................................................................18

2.5.2.1.1. Sanções correctivas.............................................................................................18

2.5.2.1.2. Sanções expulsivas.............................................................................................19

2.6. Sanção de Demissão: noção.........................................................................................19

2.6.1. Aplicação e finalidade da sanção de demissão..........................................................20

2.7. Sanção de expulsão nos termos do novo EGFAE........................................................21

2.7.1. Efeitos de recursos........................................................................................................22

2.7.1.1. Efeito suspensivo...................................................................................................22

2.7.1.2. Efeito devolutivo...................................................................................................23

2.8. A recusa de readmissão com o princípio da proporcionalidade...................................23

CAPITULO III – METODOLOGIA..........................................................................................26

3. Metodologia aplicada.........................................................................................................26

3.1. Abordagem qualitativa...............................................................................................26


iii

3.2. Método de Abordagem...............................................................................................26

3.3. Método de Procedimento............................................................................................27

3.4. Técnica de Recolha de Dados.....................................................................................27

3.5. Técnica de Análise.....................................................................................................27

3.6. População em Estudo.................................................................................................27

CAPITULO IV – ANÁLISE E DISCUSSÃO DE DADOS.......................................................29

4.1. Do despacho punitivo para afastamento do funcionário ou agente do Estado.............29

4.2. Eficácia do recurso hierárquico contraposta ao órgão administrativo aquo................29

4.3. O efeito de recurso acolhido pela Lei.........................................................................30


4.4. Afastamento do funcionário do aparelho do Estado contraposta ao princípio de
presunção de inocência...........................................................................................................30

4.5. Provimento do recurso confrontado com prejuízos do Estado na readmissão.............31


4.6. A problemática da efectividade do efeito suspensivo no foro administrativo em
Moçambique...........................................................................................................................32

4.7. A natureza jurídica da demissão e sua distinção com a expulsão...................................32

CAPÍTULO V – CONCLUSÕES E SUGESTOES....................................................................34

5.1. Sugestões....................................................................................................................36

Referências bibliográficas..........................................................................................................38

ANEXO.....................................................................................................................................40

GUIÃO DE ENTREVISTA.......................................................................................................41
iv

Declaração
Declaro que esta Monografia, é resultado da minha investigação pessoal e das
orientações do meu supervisor, o seu conteúdo é original e todas as as fontes
consultadas estão devidamente mencionadas no texto, nas notas de e na bibliografia
final.

Declaro ainda que este trabalho não foi apresentado em nenhuma outra instituição para
obtenção de qualquer grau académico.

Chimoio, 20 de Agosto de 2021

_____________________________________
v

DEDICATÓRIA

A este trabalho, dedico aos meus pais, Neto Alberto e Aida


Agostinho, ao meu esposo Armando Sitoe, aos meus filhos,
Mané e Mimi. Aos meus professores e amigos. Que este
trabalho coroe a paciência e carinho de vocês.
vi

AGRADECIMENTOS

Esta conquista não é minha. Primeiramente dedico aos meus pais Neto Alberto e Aida
Agostinho, pela vida, amor e por esforços sobrenaturais para que eu pudesse chegar até
aqui. Ao meu amado esposo, Armando Sitoe, que tanto me apoiou quando pensava em
desistir. Aos meus familiares e outros que directa ou indirectamente contribuiram para o
sucesso deste trabalho.
Agradeço a Universidade Púnguè, por ter propiciado excelentes anos de aprendizado e
desenvolvimento, com métodos excelentes e modernos.
Levo comigo a gratidão aos meus esplêndidos professores, cuja paciência e inspiração
permitiram este trabalho. Agradeço especialmente aqueles que tanto me ensinaram e
participaram da minha formação: ao meu supervisor Mestre Noé Gonçalves, e aos
demais, pelas inúmeras oportunidades de desenvolvimento pessoal e profissional, pela
disposição e visão de mundo e pelas incríveis experiências em actividades de gestão de
recursos humanos e relações laborais.
Agradeço a todos que não os mencionei nesta página, pelos momentos incríveis.

Muito obrigada!
Maita bassa
vii

Resumo
Devido a ocorrência de várias situações de fraco desempenho dos funcionários e agentes
do Estado, com incidência no distrito de Tambara, onde por razões diversas são levados
a cabo a aplicação do procedimento disciplinar, tornou-se indubitável a controversa
questão de análise, deste acto administrativo com a gestão dos recursos humanos. Foi
nesta ordem de ideia que esta pesquisa se concentra a fazer uma abordagem mais
exaustiva das implicações do procedimento disciplinar na gestão de recursos humanos
no aparelho do Estado, por sua incidência no relacionamento com pessoal e
produtividade institucional. Visou ainda analisar as vicissitudes do papel do instituto
jurídico de procedimento disciplinar aplicável aos funcionários e agentes do Estado, no
seu dia a dia, e como este acto administrativo pode afectar a disciplina laboral e na
gestão de recursos humanos em atenção do que tem respaldo na legislação, EGFAE. A
pesquisa objectiva analisar de forma prática, as implicações do procedimento disciplinar
aplicados aos demais agentes administrativos em atenção ao resultado do seu
desempenho bem como o papel do sector de recursos humanos. Para tal, visando lograr
com este propósito, a presente pesquisa recorreu a metodologia empirica, que versou
sobre uma abordagem qualitativa e do estudo de caso. Nesta senda, com recurso a
pesquisa bibliografica, foi possivel apreciar, descrever e fundamentar com maior rigor
os aspectos relacionados com procedimento disciplinar e suas implicações na gestão de
recursos humanos. Com a pesquisa se alcançou resultados bastantes promissores que se
esperam que tragam melhorias no bom funcionamento e humanização das atribuições
dos gestores de recursos humanos, não só do distrito de Tambara, mas sim de um
sistema administrativo no seu todo. Indubitávelmente, o procedimento discipinar,
independentemente das penas impostas, este acto impacta negativamente na vida do
agente administrativo tanto como do sector que está afecto o agente.
Palavras-chave: Procedimento disciplinar; gestão de recursos humanos; sanções
disciplinares; actos administrativos.
viii

Abstract
Due to the occurrence of several situations of poor performance of State officials and
agents, with incidence in the district of Tambara, where for various reasons the
application of the disciplinary procedure is carried out, the controversial issue of
analysis of this administrative act has become undoubted. with the management of
human resources. It was in this order of idea that this research focuses on making a
more exhaustive approach to the implications of the disciplinary procedure in the
management of human resources in the State apparatus, due to its impact on the
relationship with personnel and institutional productivity. It also aimed to analyze the
vicissitudes of the role of the legal institute of disciplinary procedure applicable to State
employees and agents, in their daily lives, and how this administrative act can affect
labor discipline and the management of human resources in view of what is supported
by legislation, EGFAE. The research aims to analyze in a practical way, the
implications of the disciplinary procedure applied to the other administrative agents in
attention to the result of their performance as well as the role of the human resources
sector. To this end, aiming to achieve this purpose, the present research used the
empirical methodology, which was based on a qualitative approach and a case study. In
this way, using bibliographical research, it was possible to appreciate, describe and
substantiate with greater rigor the aspects related to disciplinary procedure and its
implications in the management of human resources. With the research, very promising
results were achieved, which are expected to bring improvements in the proper
functioning and humanization of the attributions of human resources managers, not only
in the district of Tambara, but in the administrative system as a whole. Undoubtedly, the
disciplinary procedure, regardless of the penalties imposed, this act has a negative
impact on the life of the administrative agent as well as on the sector to which the agent
is affected.
Keywords: Disciplinary procedure; human resource Management; disciplinary
sanctions; administrative acts.
9

CAPITULO I – INTRODUÇÃO
A presente pesquisa cingiu-se numa abordagem mais restritiva das implicações do
procedimento disciplinar na gestão de recursos humanos na Administração Pública, por
sua incidência no relacionamento com pessoal e produtividade institucional. Visou
ainda analisar as vicissitudes do papel do instituto jurídico de procedimento disciplinar
aplicável aos funcionários e agentes do Estado, no seu dia a dia, e como este acto
administrativo pode afectar a disciplina laboral e na gestão de recursos humanos em
atenção do que tem respaldo na legislação, EGFAE.

O presente trabalho tem como tema: Análise das Implicações do Procedimento


Disciplinar na Gestão de Recursos Humanos na Função Pública Moçambicana:
Estudo de Caso do Governo Distrital de Tambara 2015 à 2018.

Ao fazer esta abordagem, por um lado, parte-se de princípio que a sanção disciplinar,
seja ela qual for, tem implicações na integridade do funcionário e agente do Estado no
seu posto de trabalho, onde até pode assistir-se exclusão no beneficio de actos
administrativos, antes tido como um direito destes funcionários. E por outro lado,
reconhece-se que a sanção de demissão e expulsão são de facto uma sanção
caracterizada como expulsiva, razão do afastamento deste agente administrativo na
função pública, por vezes até em definitivo.

A disciplina laboral, conjugando com a avaliação de desempenho sofre


influências quando se verificar a quebra de disciplina, é neste diapasão que se notabiliza
o procedimento disciplinar, porquanto um meio de persuasão, intimidatório para que os
agentes administrativos se revejam na disciplina, na produtividade e no cumprimento
das normas institucionalizadas. Portanto, gestão de recursos humanos encarram esta
directiva legal onde aquelas medidas aplicadas aos funcionários e agentes do Estado que
por algum motivo desrespeitem ou violem os seus deveres estabelecidos na Lei, e que a
ordem jurídica se encarrega de os sancionar para manter a disciplina no relacionamento
entre os vários intervenientes na sua mais diversa relação laboral e no cumprimento dos
seus deveres impostos pela ordem jurídica

A aplicação destas medidas nestas relações estatutárias no Estado ou qualquer


pessoa colectiva pública e agentes administrativos, a estas entidades são conferidas
certos poderes, designadamente, o poder directivo, poder regulamentar e poder
10

disciplinar, tendo cada um o seu próprio alcance. Destes poderes, para o presente estudo
apenas abordaremos do poder disciplinar, como o mais importante para a matéria
controvertida em análise, visto que a aplicação de sanções disciplinares está
intrinsecamente ligado com o poder disciplinar para o caso de prática de infracções
disciplinares pelos agentes administrativos.

1.1. Problematização

O procedimento disciplinar é um acto administrativo que tem como fim último a


educação e socialização do funcionário público a pautar pela disciplina laboral, numa
relação com a Administração Pública, que se prende com a satisfação das necessidades
colectivas. Neste contexto, sucede que na gestão de recursos humanos, se verifica um
grande embaraço o para sector, pois de todos actos administrativos que devem ser
levados a cabo, torna-se complicados quando se deva avaliar e/ou abonar de actos
administrativos (bolsas de estudos, mudança de carreiras, progressão e promoção,
dentre outros) nos funcionários que tenham sido sancionados com o processo
disciplinares.

Os sectores de administração de pessoal (recursos humanos), que tem como atribuição e


competência trâmite vários actos administrativos nas carreiras dos funcionários, todos
acompanhados dos respectivos cabimentos, vagas, avaliação de desempenho e outros,
portanto, esta actividade fica obviamente comprometida quando se depara com
funcionário sancionado, visto que em alguns casos impedem o beneficio de tais actos
administrativos.

É neste contexto que surge, a seguinte pergunta de partida: Até que ponto o
procedimento disciplinar tem implicações na gestão de recursos humanos na função
pública moçambicana.

1.2. Justificativa

Cerca de 50 funcionários afectos ao distrito de Tambara, espalhados quase por todas


orgânicas viveram dificuldades na sua subsistência da relação empregatícia com o
Estado, pois estavam envolvidos na responsabilidade disciplinar. No período em
análise, verificou-se uma onda de reclamações dos funcionários e agentes do Estado que
11

não beneficiaram de actos administrativos, pois inocentemente alguns não souberam da


razão para o efeitos, mas foi notório que uma parte deste foi mesmo por motivos de
cumprimento de sanções disciplinares, outros por fraco desempenho, assiduidade e
pontualidade. A crescente sobra de cabimentos orçamentais e sucessivas reclamações
dos funcionários do Estado no distrito de Tambara, influenciaram significativamente na
escolha deste tema, pois a pesquisadora pretendia analisar de forma mais exaustiva para
compreender, o quão é relevante o procedimento disciplinar na gestão de recursos
humanos.

Neste caso em apresso, a compreensão deste fenómeno permitiria difundir com


elementos bastantes a necessidade de os funcionários incrementar a disciplina laboral e
aumentar a produtividade.

1.3. Delimitação de tema

A presente pesquisa aborda as relações existentes entre o procedimento disciplinar e sua


vicissitude na gestão de recursos humanos. Enquadra-se este tema na área temática de
Direito Administrativo porquanto o direito da função pública, no que tange a processos
disciplinares e, gestão de recursos humanos para os assuntos inerentes, atendendo e
considerando que a Gestão de Recursos Humanos e uma ciência multidisciplinar.
Mormente analisado num horizonte temporal de 2015 à 2018, sendo no horizonte
espacial o distrito de Tambara, Província de Manica.

1.4. Objectivos

1.4.1. Geral

Analisar as Implicações do Procedimento Disciplinar na Gestão de Recursos Humanos


na Função Pública Moçambicana, no Governo Distrital de Tambara 2015 à 2018.

1.4.2. Específicos

 Compreender como o procedimento disciplinar influencia na gestão racional de


recursos humanos no Aparelho do Estado;
12

 Verificar a relação existente entre avaliação de desempenho do funcionário do


Estado no distrito de Tambara com as sanções disciplinares impostas;

 Estudar a eficácia do procedimento discplinar no campo da responsabilidade


jurídica dos agentes administrativos.

1.5. Hipóteses da pesquisa

Na tentativa de dar resposta antecipada as questões que se fazem sobre as estratégias de


assegurar a demanda, colocam-se as seguintes hipóteses:

1.5.1. Hipóteses primárias


 Funcionários sancionados por medidas disciplinares influenciam negativamente
no desempenho do sector de recursos humanos;

 Os funcionários com procedimento disciplinar não beneficiam de actos


administrativos (progressões, mudanças de carreiras e outros).

15.2. hipóteses secundárias

 O procedimento disciplinar não tem implicações significativas na gestão de


pessoal;

 Os actos administrativos devem beneficiar qualquer funcionário


independentemente do procedimento disciplinar.
13

CAPITULO II – FUNDAMENTAÇÃO TEORICA

2. Noção de responsabilidade disciplinar

A responsabilidade do funcionário ou agente do Estado pode ser disciplinar, civil ou


criminal. Com efeito, o agente administrativo que não cumpre ou falte aos seus deveres,
abuse das suas funções ou qualquer forma prejudique a Administração está sujeita a
procedimento disciplinar ou a aplicação de sanções disciplinares (art.78 EGFAE), sem
prejuízo das demais.
Segundo SEMEDO (1971:11), a responsabilidade disciplinar constitui uma
prerrogativa da Administração Pública e situa-se no âmbito do exercício dos seus
poderes discricionários e é inerente as faculdades do superior hierárquico. Esta
discricionariedade não se relaciona com a enumeração das penas a impor, mas sim,
consiste apenas no juízo da oportunidade sobre a instauração do processo disciplinar, na
qualificação de determinados actos não previstos na lei como falta disciplinar e na
imposição de pena disciplinar.

2.1. Procedimento disciplinar


Segundo NEVES (2010:45) salienta que, a responsabilidade disciplinar apura-se
mediante um procedimento. Acrescenta ainda esta autora que, a justeza deste assenta,
no essencial, no princípio do contraditório, no princípio da publicidade, no princípio da
celeridade, no princípio da independência face aos processos de apuramento de outras
formas de responsabilidade, no princípio da presunção da inocência e no princípio do
inquisitório temperado.
É neste prisma que o procedimento disciplinar deve cingir-se, e comportando para si um
processo com a garantia de audiência e defesa, pois agindo assim a Administração
Pública estará a cumprir com todos os requisitos legais que de modo geral darão
legalidade e admissibilidade do referido processo disciplinar.

De acordo com FREITAS DO AMARAL (2000:154) violação ou inobservância


dum dos princípios e pressupostos podem conduzir este processo disciplinar a
anulabilidade ou nulidade conforme a gravidade do mesmo em termos de vícios. O
procedimento disciplinar sendo um complexo de formalidades para dar vida ao processo
e, revestindo esta grande importância no campo da responsabilidade disciplinar deve os
14

aplicadores da lei, ou os que tem competência para instauração do processo disciplinar


atender o seu carácter para se atingir a sua execução.

2.2. Quebra de disciplina

Segundo LEAL-HENRIQUES (2005:14), a responsabilidade disciplinar só existe


quando no relacionamento entre a Administração Pública e seus agentes administrativos
surge qualquer fractura que impede aquela de realizar, em toda a sua dimensão os
objectivos que lhes foram confiados.

2.2.1. Do poder disciplinar

Numa relação jurídico-administrativo, onde se impõe a rigor a existência de uma norma


estatutária, porquanto um dos sujeitos é o Estado ou outra entidade pública e o
funcionário e agente, daí que ao Estado ou este ente público lhe é conferido o poder
disciplinar.

Nesta perspectiva refere FREITAS DO AMARAL (1988:211) que, o poder


disciplinar consiste na faculdade que o superior tem de punir os subalternos, por meio
de sanções correctivas ou expulsivas, a fim de assegurar a conformidade da conduta dos
agentes com os interesses do serviço a que estão devotados. Segundo Ana Fernanda
Neves explicita que, o poder disciplinar não pressupõe a hierarquia, porque pode ser
exercido não existindo esta hierarquia e, existindo, não é cometido a todos os superiores
hierárquicos, daí que nem todos têm o poder de sancionar.

O poder disciplinar permite ao empregador estabelecer regras de conduta ao


trabalhador numa organização, conforme relata NEVES (2010:211).

2.3. Fundamento do poder disciplinar

Segundo LUIS LOPES NAVARRO (1999:99), o poder disciplinar tem como


fundamento essencial do exercício do poder disciplinar, que deve procurar-se ao próprio
desempenho dos serviços públicos, na necessidade de assegurar o seu bom
funcionamento e a continuidade. Os funcionários que comprometam o bom
15

funcionamento dos serviços, aqueles que por qualquer modo deixam de observar as suas
obrigações ou os seus deveres laborais, de qualquer forma prejudicam a Administração
Pública estão sujeitas a procedimento disciplinar.

2.4. Conceito de infracção disciplinar


Refere MARCELLO CAETANO (2001:155) que, infracção disciplinar ao facto
voluntário praticado pelo agente administrativo com violação de alguns deveres que
nessa qualidade lhe caibam. Deste modo João M. Franco e Herlander A. Martins,
consideram infracção disciplinar o facto, ainda que meramente culposo, praticado pelo
funcionário ou agente com violação de alguns dos deveres gerais ou especiais
decorrentes da função que exerce.

Segundo ANA FERNANDA NEVES (2010:75) refere que, constitui infracção


disciplinar a conduta ilícita e culposa, descrita nuclearmente na lei e, nos limites desta,
em regulamento ou em convenção colectiva. Esta autora diz ainda que, a infracção
disciplinar não se verifica apenas com a violação de dever ou obrigação laboral.
Delimita-se pela recondução a um padrão ou critério de ilicitude normativamente
definido.

Acrescenta ainda a autora supracitada que, a acção ou omissão juridicamente relevantes


tenham sido praticados com culpa, isto é, a imputabilidade e a censura ético-jurídica,
cuja modalidade concreta releva, sobretudo, em sede de determinação da sanção e da
sua medida. A identificação da prática de infracção disciplinar rege-se, pois, por um
princípio de tipicidade nuclear, que assegura uma correspondência razoável entre as
infracções e as sanções disciplinares.

Neste contexto, na infracção disciplinar se exige que se verifique um


comportamento culposo por parte do agente administrativo, isto é, exige-se que na
situação concreta seja possível censurar a sua conduta de tal modo que o funcionário ou
agente do Estado poderia e/ou deveria ter agido de modo diferente.
16

2.5. Noção de processo disciplinar


Fazer uma abordagem sobre o processo disciplinar sobretudo na função pública
constitui um tema de capital importância na medida que nos facilita a compreensão das
normas que o regem, tanto que das respectivas sanções que o comportam.

Nestes termos, MARCELLO CAETANO (1988:274) define o processo


disciplinar como um conjunto de actos e formalidades a serem observadas, tanto pelo
superior hierárquico com competência para aplicar sanções disciplinares como pelo
outros intervenientes no processo disciplinar por parte do Estado ou pessoa colectiva
pública e pelo funcionário ou agente infractor com a finalidade daquele aplicar uma
sanção disciplinar em virtude deste ter cometido uma infracção disciplinar.

Esta faculdade que o Estado representado pelo superior hierárquico do funcionário ou


agente, tem de ser aplicado aos subalternos sanções disciplinares quando a sua conduta
entre em conflito com os padrões de comportamento, ou se mostre desajustada para
correcta efectivação dos serviços públicos, palavras ditas por EGIDIO (2013:76).

Segundo o EGIDIO (2013:76), é imperioso e imprescindível ter um conhecimento


aturado do processo disciplinar, uma vez que o poder disciplinar conferido ao superior
hierárquico não deve ser exercido de forma arbitrária, mas sim deve ser exercido com
estrito cumprimento da forma exigida pela Lei.

2.5.1. Tipos de processo disciplinar

Segundo BALTAZAR DOMINGOS EGIDIO (2012:61), o processo disciplinar costuma


distinguir-se em processo comum e processo especial. A distinção entre estes dois tipos
de processo reside essencialmente no facto do processo comum observar a uma forma
em cujo âmbito de aplicação verifica-se em todos os casos em que não se encontra
previsto processo especial. E o processo especial por exclusão de partes é aquele que
tem um ritualismo próprio, em que se sujeitam e aplicam-se normas próprias.

2.5.2. Sanção disciplinar: noção e vicissitudes

Segundo BALTAZAR DOMINGOS EGIDIO (2012:97), entende por sanção


disciplinar, a toda a consequência normativa ou estatuição que provoca a aplicação de
uma regra sancionatória3 em virtude de uma determinada pessoa ou indivíduo ter
17

violado os seus deveres em regra profissionais. Referimos em regra, deve haver


violação de deveres profissionais porque entendemos que no caso dos funcionários e
agentes do Estado, a aplicação das sanções disciplinares nem sempre esta conexa com a
violação de deveres profissionais, podendo aplicar-se sanções disciplinares em virtude
de ter manifestado uma atitude ou comportamento inadequado na vida pública, pessoal
desrespeitando deste modo a sua qualidade de funcionário ou agente do Estado.

De acordo com ANA FERNANDA NEVES (2010:211), prefere intitular de


punição disciplinar, que corresponde a decisão do procedimento aplicativa de sanção.
Na determinação desta e da sua medida, relevam a moldura legal, as circunstâncias
agravantes e das circunstâncias atenuantes, a aferição das necessidades de prevenção
especial e geral e os limites legais por infracção e por ano no caso das sanções de multa
e suspensão.

A sanção disciplinar constitui uma censura, é uma interpelação formal ao agente


administrativo quanto a sua actuação no quadro da relação jurídica de emprego público.
A sanção disciplinar tem sobretudo um objectivo conservatório e intimidatório, isto é, o
de manter o comportamento do funcionário ou agente, no sentido adequado ao interesse
da instituição.

Em primeira linha, visa a prevenção especial e geral. Não pode ser conceituada como
uma reacção de sentido reparatório, destinada a autuar sobre certa situação material de
desacordo com a consecução do escopo económico dotado de trabalho.

É antes uma reacção que visa em primeira linha proceder de harmonia com as regras de
disciplina, integrando-o assim no padrão de conduta visado. Há ainda autores que
também dão contributo para a identificação preventiva do poder disciplinar, visto que
este e a sanção disciplinar são duas noções complementares, mas distintas.

Nesta perspectiva podemos dizer que poder disciplinar procura prevenir violações
aos deveres funcionais, mas também visa conseguir a aplicação das sanções
disciplinares, de modo a curar muito rápido os prejuízos causados a máquina
administrativa pelo seu mau funcionamento de uma das suas peças.
18

2.5.2.1. Dos tipos de sanções disciplinares

A doutrina ao ensinamento de MARCELLO CAETANO (1980:820), nos apresenta dois


principais tipos de sanções disciplinares na sua classificação, onde o mesmo distingue
sanções correctivas e sanções expulsivas. No mesmo sentido, PEDRO DE SOUSA
MACEDO (1990:41), também utilizam esta classificação de sanções disciplinares em
penas correctivas e em penas expulsivas.

Portanto, neste sentido ambos aos autores citados convergem na sua classificação em
distinguir as sanções (penas) correctivas e sanções (penas) expulsivas, e para efeito
deste trabalho, optamos por designá-las por sanções, por entendermos ser a expressão
que mais se adequada a uma situação jurídico-administrativa. Contudo o legislador
moçambicano nos apresenta um leque de sanções disciplinares no nº. 1 do artigo 81 do
EGFAE e do nº.1 do artigo 136 do REGFAE, e já agora encontra-se plasmado no artigo
93 EGFAE em vigor, onde constam as sanções de advertência; repreensão pública;
multa; despromoção; demissão e expulsão, respectivamente. Por via disso, concluímos
que são seis os tipos de sanções disciplinares que o legislador nos apresenta, que são
válidas na ordem jurídica moçambicana.

2.5.2.1.1. Sanções correctivas

São sanções correctivas, aquelas que podem traduzir-se em sancionar o agente


administrativo, de modo a corrigir o seu comportamento, cumprindo com os seus
deveres na qualidade de funcionário ou agente do Estado, conservando ou mantendo
deste modo o seu posto de trabalho, despertando o interesse do agente administrativo de
cumprir voluntariamente os seus deveres. Outrossim, pode concluir-se que as sanções
correctivas têm um fim conservatório. Fazendo uma integração destas sanções
correctivas tendo em conta as enunciadas nos artigos supra, podemos muito bem afirmar
que fazem parte deste tipo, as sanções de advertência, repreensão pública, multa e a
despromoção. Neste contexto, as aplicações destas sanções acima expostas não dão azo
do funcionário ou agente do Estado ser afastado do exercício das suas funções, mas sim
visam corrigir a conduta do agente administrativo de modo que se ajuste a disciplina da
Função Pública.
19

2.5.2.1.2. Sanções expulsivas

Relativamente as sanções expulsivas, são aquelas que visam extinguir o vínculo


entre o agente administrativo e o Estado, o que implica o seu afastamento do posto de
trabalho ou do Aparelho do Estado. Como refere Marcello Caetano (2001, 821), a
presença do funcionário do Estado se revela inconveniente aos interesses da Função
Pública, dignidade e prestígio.

As infracções disciplinar que merecem a aplicação de sanções expulsivas, como é o


caso de demissão ou expulsão do agente administrativo no Aparelho do Estado, são,
portanto, as circunstâncias que pela sua gravidade tornam (quase) impossível, seja sob
ponto de vista moral ou material a subsistência da relação de trabalho com o Estado.
Ainda segundo Marcello Caetano, as penas expulsivas são a aposentação compulsiva e a
demissão. Tendo em atenção a sanções enunciadas no nº. 1 do artigo 81 do EGFAE e
nº.1 do artigo de 136 do REGFAE, pode-se concluir que integram este grupo as sanções
de demissão e expulsão, como sanções expulsivas.

A que ter em conta um aspecto muito importante para este trabalho, como referiu
BALTAZAR DOMINGOS EGIDIO (2012:169) de que não se pode confundir ou
considerar a sanção de demissão como correctiva, uma vez que dá a faculdade do
infractor ser readmitido depois de ter sido afastado do Aparelho do Estado depois de ter
decorrido quatro anos contados a partir da data do despacho punitivo, conforme reza a
alínea e) do nº. 1 do artigo 82 conjugando com a alínea e) do nº. 1do artigo 137 do
REGFAE, respectivamente.

2.6. Sanção de Demissão: noção

De acordo com a alínea e) do nº. 1 do artigo 82 do EGFAE e alínea e) do nº. 2 do artigo


137 do REGFAE, a demissão consiste em:

“Um afastamento do infractor do aparelho do Estado, podendo ser


readmitido decorridos quatro anos sobre a data de despacho punitivo, desde
que, cumulativamente, se prove que através do seu comportamento se
encontra reabilitado, a reintegração seja do interesse do Estado, haja vaga
no quadro de pessoal e cabimento orçamental”.
20

Já a alínea e) do n°. 1 do artigo 94 novo EGFAE em vigor, estabelece:


“Afastamento do infractor do aparelho do Estado, podendo ser readmitido
decorridos quatro anos sobre a data do despacho punitivo, desde que
cumulativamente: haja vaga no quadro do pessoal; haja disponibilidade
orçamental e, se prove que através do seu comportamento se encontra
reabilitado.
Desde já importa salientar que no actual Estatuto, a sanção de demissão e expulsão são
semelhantes, visto ambas são expulsivas e prevê a readmissão do agente a
administrativo transcorrido um determinado período, de quatro anos para readmissão e
oito anos para expulsão respectivamente.

Segundo refere EGIDIO (2012:123) que, a demissão é uma sanção disciplinar que
se traduz na cessação do serviço do funcionário ou agente do Estado em virtude de
cometimento de uma infracção disciplinar grave. Este autor refere ainda que, a demissão
é uma sanção disciplinar que implica o afastamento do funcionário ou agente do Estado
da Função Pública em razão da prática de uma infracção disciplinar.

2.6.1. Aplicação e finalidade da sanção de demissão

Segundo ANA FERNANDA NEVES (2010:88), a censura disciplinar ou as medidas


disciplinar visam essencialmente a prevenção especial ou correcção, motivando o
agente administrativo que praticou uma infracção disciplinar para o cumprimento no
futuro, dos seus deveres, sendo as finalidades retributivas e de prevenção geral só
secundária ou acessoriamente realizadas, nunca podendo os funcionários e agentes
serem sujeitos a medidas disciplinares determinadas por fim que ultrapassem ou para
além do que é indispensável para reequilibrar o sistema (art. 81, nº.2 do EGFAE).

Pretende-se que não reitere na conduta, que actue no cumprimento dos deveres e
obrigações laborais que sobre o agente administrativo impendem. O fim é, pois
sobretudo, o da prevenção especial, negativa e positiva, sem deixar de envolver a
reprovação. A prevenção é, por vezes, referenciada como correcção. A locução é
equívoca, porque a necessidade de correcção abrange também a de aperfeiçoamento
profissional e esta pode ser autónoma ao cometimento de qualquer infracção. Importa
salientar que, nalguns casos, a prevenção negativa não comporta senão a cessação da
relação de trabalho, por motivos de aplicação de sanção disciplinar extintiva da relação
21

de emprego. A necessidade de punição não é indiferente o efeito de interpelação e


dissuasão geral, mas sim ela vem chamar atenção aos demais funcionários e agentes do
Estado para o desvalor funcional da conduta deste agente administrativo, demovendo-os
da prática de ilícitos disciplinares.

Em matéria de sanções disciplinares vigora o princípio da taxatividade, pois as


sanções só podem ser aplicadas quando estiverem previstas na lei. Dependendo das
sanções a aplicar, a sua finalidade em termos gerais é de educar, consciencializar e
impor aos agentes administrativos uma conduta positiva em relação as funções que
desempenha na Administração Pública, como advoga REBELO DE SOUSA (1995:56).

Em suma, a finalidade da sanção de demissão é educar e corrigir a conduta ilícita do


funcionário ou agente do Estado, pois presume-se que após o afastamento das suas
funções por um período de quatro anos, ele mude de comportamento, se reabilite para
poder ser readmitido.

2.7. Sanção de expulsão nos termos do novo EGFAE

Segundo BALTAZAR DOMINGOS EGIDIO (2012:182), a expulsão é uma sanção


disciplinar grave, e traduz-se na expulsão do infractor da comunidade dos funcionários e
agente do Estado. A sanção de expulsão como vimos anteriormente era caracterizada
por ser a punição mais grave, pois ditava o afastamento definitivo do funcionário ou
agente do Estado do aparelho e jamais poderia ingressar nesta pessoa colectiva publica.
Nos termos do art. 82, nº. 1, al. f) do EGFAE e art. 137, nº. 1, al. f) do REGFAE,
(ambos REVOGADOS) a expulsão traduz-se no afastamento definitivo do infractor do
aparelho do Estado, com perda de todos os direitos adquiridos no exercício das suas
funções.

Esta nuance era determinante no EGFAE ora revogado pelo novo Estatuto, aprovado
pela Lei nº. 10/2017, de 01 de agosto, visto extinguiu a medida expulsiva definitiva para
um período de oito anos, nos moldes que se verificam na demissão. Neste contexto,
podemos afirmar que o Estado em atenção ao preceito constitucional de proibição de
penas perpétuas, daí que o novo EGFAE veio a ditar a expulsão como medida
“provisória” que dependendo de alguns factores condicionantes pode concretizar a
reintegração do funcionário ora expulso.
22

As inovações constantes de novo dispositivo, trazem mais vantagens para o funcionário,


pois e dada ao agente administrativo uma possibilidade de poder concorrer a outras
instituições em caso de não ser readmitido na sua anterior instituição onde fora expulso.

Portanto, achamos que o mecanismo de reingresso e que devia ser regulado, pois não
basta afirmar que após o cumprimento, o funcionário ou agente do Estado poderá ser
reintegrado, pois continua ainda duvidas sobre esta matéria.

Baltazar Egídio, afirma em sua tese, sobre esta problemática que a previsão de
readmissão e lacunosa, pois poderão beneficiar disso, apenas aqueles que tenham
influencia com o sistema, caso contrario, o pedido de readmissão encontrara o
indeferimento fundado em falta de cabimento e/ou vaga no quadro.

2.7.1. Efeitos de recursos


Há determinados efeitos jurídicos que se produzem a partir da interposição de um
recurso. Assim, a interposição de um recurso pode produzir efeitos suspensivos ou
efeitos devolutivos.

2.7.1.1. Efeito suspensivo

O efeito suspensivo consiste na suspensão automática da eficácia do acto recorrido.


Com isto queremos dizer que, havendo um efeito suspensivo, o acto recorrido, mesmo
que fosse plenamente eficaz, vê a sua eficácia paralisada e fica suspenso até a decisão
final do recurso. Na decisão do recurso, se este for desfavorável ao recorrente,
configurando-se o acto recorrido, ele ganha toda a sua pujança paralisada, recobrando a
sua eficácia plena.

Nesta conformidade, um acto administrativo que tenha sido objecto de um recurso


hierárquico com efeito suspensivo, não pode ser executado contra o funcionário ou
agente do Estado até que o órgão competente ad quem o reaprecie e se pronuncie sobre
ele.
23

2.7.1.2. Efeito devolutivo

Ainda segundo FREITAS DO AMARAL (1988:44), o efeito devolutivo consiste na


atribuição ao superior hierárquico, da competência dispositiva que, sem o recurso,
pertence como competência própria ao subalterno. Isto equivale dizer que, estaremos
perante o efeito devolutivo, quando o órgão a que se interpôs um recurso, aprecia e
toma uma decisão favorável ao funcionário ou agente do Estado, que deve ser ressarcido
todos os direitos que ficou privado de usufruir aquando do seu afastamento.

O efeito devolutivo para processo administrativo, na nossa opinião não e eficaz, pois o
Estado por vezes não tem tido condições para indemnizar o particular prejudicado com
a sua decisão inoportuna.

2.8. A recusa de readmissão com o princípio da proporcionalidade

Segundo ALBANO MACIE (2013:56), o princípio de proporcionalidade é


considerado como limite à discricionariedade administrativa em prol dos direitos
fundamentais, pelo facto de se resumir num meio e fim, onde estão patentes a
adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido restrito.

Portanto, esta recusa viola o princípio de proporcionalidade, uma vez que estaríamos
aqui a considerar que o servidor público teria cumprido com a sua pena, estando
afastado da máquina administrativa num período de quatro anos, daí que presumimos
que após o cumprimento, deveria ser readmitido, supondo que estaria pronto, reabilitado
para retomar o seu posto de trabalho pelo qual foi afastado em virtude de prática de
infracção disciplinar.

Ora, seria totalmente compatível a readmissão do funcionário ou agente, se a


Administração observasse o princípio da proporcionalidade, visto que esta readmissão
não afecta a prossecução do interesse público, muito pelo contrário, estaria a
Administração a efectivar uma garantia de reintegração estabelecida no estatuto e nas
demais leis.
24

Conforme alude MARCELLO CAETANO (1996:76), o princípio da


proporcionalidade como uma vertente do princípio da razoabilidade pelo motivo de ser
necessária adequação entre os meios empregados pela Administração Pública para
atingir os fins pretendidos, se não houver adequação a desproporcionalidade acaba por
residir em tal medida empregada.

Com isto pretendemos dizer que, a decisão de recusa de readmissão do


funcionário e agente do Estado pode ser vista como uma medida contrária ao princípio
da proporcionalidade, isto porque a prossecução do interesse público e a satisfação das
necessidades colectivas sempre serão alcançados independentemente das infracções
disciplinares que tais servidores públicos possam cometer.

É verdade que a prática de infracções disciplinares e outras acções nocivas ao


funcionamento da Administração Pública devam ser exemplarmente sancionadas, não
há dúvida. Mas se a própria lei (EGFAE), previu quanto ao conteúdo da sanção de
demissão que, uma vez afastado por quatro anos, e “mostrar” mudanças do seu
comportamento reabilitado e outras condições reunidas pode ser readmitido.

A própria norma em alusão, não considerou a demissão como afastamento


definitivo deste servidor, assim como foi taxativamente estabelecido na expulsão, no
âmbito da lei antiga.

É nesta perspectiva onde discutimos para a necessidade da compatibilidade da


readmissão, visto que, recusar readmitir um funcionário ou agente do Estado, mesmo
quando se tenha cumprido na íntegra a sanção de demissão, onde o afastamento por
quatro anos que priva o agente administrativos dos salários, viola o princípio da
proporcionalidade, onde no mínimo a adequação deveria ser observada.

O princípio da adequação revela-se na utilização da medida adequada, idônea


para atingir o fim pretendido (conformidade com os fins), enquanto o princípio da
necessidade caracteriza-se na idéia de que a medida restritiva do direito fundamental é
necessária para antingir o fim proposto, não podendo ser utilizada uma medida menos
lesiva. De acordo com Gomes Canotilho “uma medida será então exigível ou necessária
quando não for possível escolher outro meio igualmente eficaz, mas menos coactivo,
relativamente aos direitos restringidos.”. Por isso, conclui-se que o princípio da
necessidade engloba o princípio da adequação.
25

Quanto ao princípio da proporcionalidade em sentido estrito (princípio da justa


medida), esse realça a idéia de equilíbrio entre valores e bens. Ainda em conformidade
com Canotilho, afirma que “uma lei restritiva, mesmo adequada e necessária, pode ser
declarada inconstitucional, quando adopte cargas coactivas de direitos, liberdades e
garantias desmedidas, desajustadas, excessivas ou desproporcionadas em relação aos
resultados obtidos.”

A diferença entre o princípio da necessidade e o da proporcionalidade em sentido estrito


consiste em que o primeiro é delimitado por uma relação de possibilidades fáctica; no
sentido em que o segundo é delimitado de possibilidades jurídicas.
26

CAPITULO III – METODOLOGIA


3. Metodologia aplicada
A metodologia básica usada nesta pesquisa foi empírica, cuja forma de abordagem
versou sobre o estudo de caso. Neste aspecto foram administradas as entrevistas como
uma das técnicas adoptadas para a colecta de informações, primeiramente na pesquisa
bibliográfica, fundamentada em análise de processos disciplinares e avaliação de
desempenho dos agentes administrativos, porquanto foco relacionado com o nosso
objecto de pesquisa.

Com vista a lograr com os objectivos estabelecidos para este estudo, a pesquisa baseou-
se, primeiramente, na pesquisa bibliográfica, que permitiu a formulação de hipoteses e
teorias que conduziram as conclusões sendo subsidiadas pela entrevista.

3.1. Abordagem qualitativa


O presente trabalho foi levado a cabo no campo das ciências sociais, mormente
aplicando uma abordagem qualitativa, pois é a que melhor se adaptou ao tipo de
informações que se visava obter. Por via desta abordagem tivemos acesso doutrina
(bibliografia), processos disciplinares e documentos normativos, varios actos
administrativos e avaliação de desempenho onde pode-se notar claramente a situação
constrangedora quando são aplicadas medidas disciplinares que podem ditar por vezes a
cessação da relação laboral entre as partes.

A abordagem qualitativa permitiu analisar e fazer estudos comparativos e críticos desde


a doutrina atinente até a lei (EGFAE) em vigor no ordenamento bem como as práticas
instituicionais que vigoram na Administração Pública.

3.2. Método de Abordagem

Com método indutivo, apoiada de pesquisa bibliográfica, foi possível descrever,


interpretar, apreciar e analisar a questão das implicações do procedimento disciplinar na
Administração Pública, onde foi possível demonstrar como este fenómeno pesquisa
influencia negativamente no desempenho das partes e seu impacto relativamente aos
actos administrativos, como é o caso de concessão de bolsas de estudos, mudança de
carreiras, progressões e promoções em particular.
27

3.3. Método de Procedimento

A pesquisa baseou-se no método monográfico ou de estudo de caso, que obviamente


permitiu finalizar de forma mais restrita em termos da explicação geral dos fenómenos
identificados sobre as implicações do procedimento disciplinar na gestão de recursos
humanos na função pública. .

3.4. Técnica de Recolha de Dados

Neste aspecto foi usado a observação directa intensiva, com principal incidência na
observação e entrevista como técnicas adoptadas para colecta de informações. A
entrevista consistiu nas conversações efectuadas face à face de forma metódica com
vista a obtenção de informação necessária, através de perguntas abertas aos diversos
profissionais de direito (juristas, juízes e magistrados junto do Tribunal Administrativo
Provincial de Manica) e restantes funcionários do Estados usou-se perguntas fechadas.

A observação de documentos, e processos nas instituições visitadas, foi possível apurar


determinados aspectos da realidade sobre a aplicação de procedimento disciplinar para
equilibrar a observância do comportamento adequado para o exercício da função
pública.

3.5. Técnica de Análise


Foi usado o método indutivo, já que se trata de uma pesquisa qualitativa, onde se
observou a sistemática do material documental e das fontes orais que induziram a
formulação dos resultados da pesquisa de forma literal.

3.6. População em Estudo

Neste trabalho foram pesquisadas pessoas de estratos diferentes, todos eles funcionários
e agentes do Estado, sendo que maior parte deles foi selecionada pelo facto destes ter
uma ligação profissional com a gestão de recursos humanos, ajuizamento de processos
disciplinares, tanto como a tramitação de diferentes actos administrativos. Importa
28

salientar que, usou-se um número um tanto quanto inferior, atendendo que trata-se de
uma pesquisa exploratória com método qualitativo no cerne da questão metodologica.
Em termos de população e tamanho fazem perfazem 15 pessoas entrevistadas,
distribuídas da maneira seguinte:

 Um juiz do Tribunal Administrativo Provincial de Manica;


 Dois funcionários do Estado (Guro) já sancionados disciplinarmente;
 Um professor;
 Um enfermeiro;
 Um policial afecto no distrito de Tambara;
 Três académicos da área de direito;
 Três juristas afectos nas instituições públicas;
 Dois funcionários afecto ao sector de recursos humanos (Função Pública) do
distrito de Tambara;
 Um inspector administrativo.
29

CAPITULO IV – ANÁLISE E DISCUSSÃO DE DADOS

Relativamente a esta secção, foi necessário fazer a análise e discussão de informações


relevantes inerentes a forma como obtivemos os dados e a respectiva interpretação para
consolidar os objectivos previamente traçados.

4.1. Do despacho punitivo para afastamento do funcionário ou agente do Estado


Metodologicamente para efeitos de colecta de dados, entrevistamos 15 pessoas, dentre
magistrados administrativos, advogados, académicos e funcionários do Estado, que a
priori nos importou questionar aos funcionários, se conheciam os mecanismos para
impugnar um despacho punitivo que põe termo a relação jurídico-laboral com o Estado.
O nosso entrevistado Torres Santana 1, afirmou que, normalmente quando os
funcionários são demitidos e/ou expulsos a única maneira para tentar reverter a decisão
da instituição é mover um recurso no Tribunal Administrativo, pedindo anulação
daquele acto administrativo.

Outros demais funcionários, demonstraram que não conhecem os meios legais a sua
disposição, porquanto constituindo um leque das garantias dos particulares, facto que
muitos sancionados perdem de vista os prazos para impugnações.

4.2. Eficácia do recurso hierárquico contraposta ao órgão administrativo aquo


Evidentemente que segundo o que vem consagrado na legislação (Vd. art. 141, 143
EGFAE), há lugar para que o funcionário ou agente do Estado possa socorrer-se das
garantias graciosas, isto é, recorrer ao hierarquicamente para conseguir outra decisão
favorável, que torne aquela decisão de afastamento em resultado do processo disciplinar
nulo, por tratar-se de uma medida mais grave. Ora, o recurso hierárquico consta do
leque das garantias graciosas que segundo alguns autores como Marcello Caetano,
refere que este meio de impugnação não é tecnicamente eficaz, visto que o órgão
administrativo que tomou a decisão faz parte da mesma pessoa colectiva pública.

1
Torres Santana, funcionário público em Tambara, entrevistado no âmbito deste trabalho, em 10 de
Novembro de 2020.
30

4.3. O efeito de recurso acolhido pela Lei


O recurso contencioso contra um órgão administrativo que proferiu o despacho punitivo
de demissão ou expulsão, tem as suas vicissitudes no que se refere a suspensão da
execução do acto e ou a continua enquanto se aguarda uma decisão definitiva do órgão
jurisdicional. Neste caso em apresso, segundo Pinto Nhamizinda Borge2, entende que
dos dois recursos disponíveis no sistema administrativo, sobretudo em Moçambique, o
EGFAE acolhe o efeito devolutivo, basta olhar para o vem plasmado no art. 107, nº.
2deste Estatuto. O art. 138 do Estatuto, faz menção da suspensão da execução, portanto
contradiz com o art. 107, quanto as sanções expulsivas. Ademais, ainda segundo a nossa
entrevistada, por causa da opção escolhida pelo nosso sistema administrativo, quanto ao
efeito da impugnação contenciosa que enfâse ao efeito devolutivo, em algum momento
tem custado muito caro para o Estado, ora vejamos, olhando atentamente para os casos
em que o funcionário ou agente do Estado, o seu recurso tenha provimento, dito em
outras palavras, ganhe a causa, o Estado fica com encargos avultados para indemnizar
ou pagar todos os vencimentos que o visado esteve privado de os usufruir.

Nos dias de hoje, em que o País enfrenta graves problemas financeiros e económicos,
porque colocaria o Estado em situação de penúria, porque por um lado, tem de cumprir
escrupulosamente a ordem judicial, de readmitir e pagar todos os vencimentos ao
funcionário ou agente do Estado recorrente, e por outro, este mesmo Estado sem
cabimento orçamental para fazer cumprir tal ordem judicial.

4.4. Afastamento do funcionário do aparelho do Estado contraposta ao princípio


de presunção de inocência
Em outras áreas de direito, como é o caso de penal, cível e outras, dependendo das
circunstâncias verifica-se o primado pela observância do efeito suspensivo sobre uma
decisão, sobretudo as jurisdicionais. No entanto, sabendo-se apriori que sobre decisões
administrativas só é aplicável o efeito devolutivo, como regra, há que questionar o
seguinte.

Quando perguntamos ao juiz3, se manter afastado um funcionário do Estado mesmo que


este tenha recorrido do despacho punitivo, não seria atropelo ao princípio da presunção
2
Pinto Nhamizinda Borge. Jurista na Secretaria distrital. Entrevistado no âmbito deste trabalho, em 15 de
Dezembro de 2020.
31

de inocência, que de forma clarividente consagra a ninguém poderá ser considerado


culpado antes da sentença final do tribunal competente, este respondente afirmou o
seguinte, realmente que analisada de forma não técnica, pode dar a entender que tal
manutenção do afastamento enquanto esta pendente um recurso no Tribunal
Administrativo, viola a presunção de inocência, no entanto deve-se perceber também a
génese e as características do nosso sistema administrativo, que inspirou-se do sistema
tipo francês ou executivo, onde reina o privilegio de execução previa e o poder de
execução forçada, independentemente do recurso em analise nos órgãos jurisdicionais.

Ainda segundo o nosso entrevistado supra, olhando para os ditames do Princípio de


privilégio de execução prévia, que prevê que os órgãos da administração podem
executar decisões mesmo que o particular tenha recorrido ao Tribunal, reservado para
todos os efeitos o efeito devolutivo, que resultara sempre em indemnizações pelos danos
causados pelo acto administrativo recorrido.

4.5. Provimento do recurso confrontado com prejuízos do Estado na readmissão


O afastamento do funcionário na Administração, privando-lhe os salários e vencimentos
pode trazer vários prejuízos para este Estado, quando o Tribunal dar provimento ao
pedido de tal funcionário. Todavia, para alguns entrevistados 4, seria mais fácil e de
menos prejuízos para o Estado, se o sistema administrativo pátrio optasse pelo efeito
suspensivo, como forma de dar lugar a decisão definitiva judicial, enquanto o
funcionário sancionado continue em funções.

Segundo o nosso entrevistado5, o efeito suspensivo apresenta ligeiras vantagens para


ambas as partes, que por um lado,

pois antes da decisão judicial definitiva as partes continuam com a sua situação jurídica
intacta, e por outro lado, só depois de se conhecer a decisão de recurso e que se torna
eficaz a permanência do funcionário no seu posto de trabalho sem prejuízos para o
Estado, e também, noutra vertente, o afastamento do funcionário.

3
Azarias Filomone. Juiz do Tribunal Administrativo. Entrevistado no âmbito deste trabalho em 18 de
Janeiro de 2021.
4
Alberto Sixpense. Professor secundário. Entrevistado no âmbito deste trabalho, em 15 de Junho de 2020
5
Ironeu Pina Marques. Jurista na UniPungue. Entrevistado no âmbito deste trabalho, em 10/10/2020.
32

4.6. A problemática da efectividade do efeito suspensivo no foro administrativo


em Moçambique
No ordenamento jurídico moçambicano as sanções expulsivas (demissão e expulsão)
tornaram-se um tanto quanto polémica em termos da sua pré-anunciada finalidade, se
atendermos que tem sido consensual que este reveste o carácter temporário, olhando
para os quatro ou oito anos que o agente administrativo ficará de fora ao Aparelho do
Estado.

Já o autor ALBANO MACIE (2013:56), faz uma persuasão de que o agente


administrativo sancionado disciplinarmente com a demissão, só pode regressar ao seu
labor transcorridos quatro anos após o despacho punitivo, e reunidos outros requisitos
estabelecidos na alínea e) do nº.1 do artigo 82 do EGFAE e da alínea e) do nº. 1 do
artigo 137 do REGFAE (nas condições do REVOGADO)

A problemática desta sanção prendia-se no após cumprimento da sanção, naquele


período de quatro anos, pois o ideal seria proceder com a readmissão deste agente
administrativo. As condições de reintegração deste funcionário e agente administrativo,
são itens que constituem o entrave para que o agente não consiga retomar a posição na
Administração Pública.

Este tem sido um dos problemas mais notáveis quando se discute acerca dos
mecanismos de reintegração dos funcionários e agentes do Estado que se encontram
numa situação de pôs cumprimento da sanção disciplinar. Aqui alguns autores
administrativistas preferem “culpar” a Administração Pública pela resposta negativa
e/ou inércia na readmissão do ora trabalhador arguido, pois os vários intervenientes têm
a noção de que após o cumprimento deveria ser readmitido, mas na prática o que se
verifica e uma outra realidade que também encontra suporte legal (MACIE, 2013).

4.7. A natureza jurídica da demissão e sua distinção com a expulsão


Há de facto que fazer uma abordagem que vai distinguir a sanção de demissão e
expulsão, onde a partida é inegável a que se recorra a legislação atinente a matéria.
Neste contexto, a doutrina considera a demissão e a expulsão como sendo ambas
sanções expulsivas, pelo facto de estas traduzirem em afastamento do funcionário da
Administração Pública.
33

No actual contexto, como se pode depreender, a demissão e a expulsão revela-se


a priori em afastamento “temporário” de quatro e oito anos respectivamente, isto é, o
funcionário ou agente poderá reingressar ao Aparelho do Estado, são reservados alguns
dos seus direitos que adquiriu durante o período em que esteve em exercício das suas
funções na Administração. Ora, no Estatuto anterior, a sanção de expulsão dava lugar ao
afastamento definitivo do agente administrativo no Estado e perda de todos os direitos
adquiridos, este facto, é que tornava nítida a distinção da expulsão com a demissão.
Com a entrada em vigor da Lei n°. 10/2017, de 01 de agosto a diferença reside
simplesmente no tempo do afastamento do funcionário e agente do Estado, ficando
ambas sanções quase com mesmas consequências.
Secundamos a noção de que a demissão, ainda é vista como uma medida correctiva,
porque o afastamento caracteriza-se por ser “temporário”, e esta medida conserva
alguns direitos, como é caso da aposentação, caso o demitido tenha uma antiguidade de
pelo menos quinze anos, e com a manutenção do direito de sete dias de licença.

4.8. Do confronto entre SIGEDAP e procedimento disciplinar: seu impacto


prático

O SIGEDAP, enquanto uma normal estatuida para avaliacao de desempenho dos


funcionário e agentes do Estado, são aplicados regularmente, de princípio de três e três
meses, sendo por cada ano civil, quatro vezes. Portanto, o procedimento disciplinar que
fora levado a cabo para um, seja ele concluso ou fase de instrução, vai afectar a
avaliação, sendo dificil o funcionário obter nota positiva do seu desempenho6.

CAPÍTULO V – CONCLUSÕES E SUGESTOES


5. Conclusões

6
Fernando Chiruca (ex Secretário Permanente distrital de Tambara). Entrevistado no âmbito deste
trabalho, em 20 de Maio de 2020.
34

O objectivo do presente estudo foi de fazer uma análise das implicações do


procedimento disciplinar na Administração Pública em Moçambique, destacando o
distrito de Tambara, no período de 2015 à 2018. Nesta perspectiva, são apresentadas
conclusões de acordo com os objectivos da pesquisa. As conclusões desta análise são
apresentadas, fundamentadas com a discussão dos resultados das evidências empíricas
do estudo.

Goradas as transcrições da revisão da literatura, tanto como das referidas análises de


informações colhidas através dos métodos previamente indicados supra, podemos de
forma sintetizada descrever as seguintes conclusões:

 O funcionário ou agente expulso ou demitido, é afastado de imediato das suas


funções, suspendendo assim a relação com Estado, sem direito a remuneração de
salários e nem direito a progressão e promoção na carreira.

 Há um peso muito grande do procedimento disciplinar na gestão de recursos


humanos, visto que muitos actos – benificios são direccionados para os
funcionários e agentes do Estado regulares e cumpridores das normas.

 O procedimento disciplinar exerce uma influência preponderante, pois permite a


socialização e harmonia dos funcionários a pautar pela disciplina, caso contrário
o sector de recursos humanos deverá ser accionada para tomar medidas
administrativas aos prevaricadores e destas operações resultarão certamente
muitos prejuízos para o Estado e complicações sistemáticas para os gestores de
recursos humanos, pois repor a situação actual não se vislumbra de fácil
execução.

 Concluímos também que no período em análise, o distrito de Tambara reportou


a extinção da relação laboral com o Estado, de cerca de 15 funcionários, por
motivos de abandono do lugar de trabalho, ausências (faltas) superiores a 60 dias
e fraco desempenho na sua avaliação (período probatório), mormente, estas
circunstâncias foram acompanhadas de procedimento disciplinar para legalizar o
seu afastamento.
35

 Nas entrevistas efectuadas concluíu-se que o sector de recursos humanos não faz
muito para advertir os funcionários, das implicações que o procedimento
disciplinar pode trazer para a esfera destes.
 Verificou-se também, que uma parte dos funcionários afastados do aparelho do
Estado naquele período em pesquisa, recorreram ao Tribunal Administrativo e o
seu pedido teve provimento, criando enormes problemas à gestão de recursos
humanos e as finanças do distrito.
 Desta feita, a fundamentação teórica criou bases da estruturação conceitual que
deu sustentação ao desenvolvimento deste trabalho, atendendo e considerando
que os termos conceituais são alicerces e bases de qualquer pesquisa científica.

 Conceitualmente, a sanção disciplinar é vista por vários académicos como um


“termo ambíguo” pois, “não existe uma definição universalmente aceite” tanto a
níveis regionais, de agências ou actores. Porém, da breve incursão à literatura
empírica sobre esta temática, pode se afirmar que, apesar de opiniões segundo as
quais não existe uma definição única e universalmente aceite, existem, no
entanto, convergências em alguns aspectos que formam a base teórica do
conceito. Dos estudos empíricos revistos ressaltam algumas metodologias
interessantes para esta pesquisa.
 Não obstante os problemas e desafios acima descritos, do estudo da literatura
pode-se concluir que há assuntos relacionados com a responsabilidade
disciplinar e garantia dos funcionários e agentes do Estado apesar de ser uma
realidade jovem em Moçambique, ela já emite sinais de ser irreversível e
catalisador na consolidação de uma Administração Pública justa e democrática.

 Porém, ficou também evidente que existe um leque de desafios por vencer, com
vista a tornar o processo de sancionamento e readmissão em Moçambique mais
justos e transparentes em todas vertentes, com destaque quando se aponta
questões de readmissão após cumprimento da sanção de Demissão, tendo em
conta o enorme potencial existente ainda por explorar.

 Em termos de contributo para esta pesquisa, notar-se-á que as grandes correntes,


metodologias, métodos de estudos bem como as conclusões da revisão de
literatura acima sintetizadas, serviram de base fundamental para este estudo.
Contudo, apesar desta pesquisa inspirar-se nas metodologias e métodos de
36

abordagem, ela é mais focalizada à finalidade do conteúdo da sanção


disciplinares, da sua efectividade confrontada com o princípio da prossecução do
interesse público e a discricionariedade.

 Conceitualmente o poder disciplinar consiste na faculdade que o superior tem de


punir os subalternos, por meio de sanções correctivas ou expulsivas, a finalidade
de assegurar a conduta dos agentes e a prossecução do interesse público. Nesta
senda, incluem a aplicação de sanções disciplinares pela prática de infracções
passíveis de um procedimento disciplinar.

 A conclusão geral obtida pelos estudos revistos foi de que a responsabilidade


disciplinar está inversamente relacionada à processo disciplinar e como tal muito
influi na consequência prática da sanção de demissão, ou seja, no afastamento
definitivo no lugar de afastamento temporário.
 Todavia, na esteira do debate da problemática da readmissão após sanção de
demissão quando se põe em questão a consequência prática desta sanção, a
literatura revista defende ainda que não basta a configuração formal/legal do seu
conteúdo e da probabilidade de reintegração, é necessário que se adopte na lei, a
imposição para que a Administração Pública readmite os funcionários após o
cumprimento da mesma. Um dos pontos fulcrais da finalidade de sanção de
demissão reside na vontade e capacidade dos órgãos administrativos.
 Outra grande conclusão é de que os poderes exorbitantes da Administração,
tendem a influenciar os órgãos administrativos ao abuso de direito,
fundamentando razões por vezes não reais, inoportunas em detrimento dos
funcionários e agentes do Estado que requerem reintegração.

5.1. Sugestões
Das abordagens supra, com vista a melhorar a disciplina laboral e a produtividade
institucional, a autora desta pesquisa traça uma linha de recomendações seguintes:

 O Governo do distrito de tambara, atraves do sector de recursos humanos


(Função Pública) deve promover as actividades de estudo de legislação para
cativar a disciplina laboral, mostrando vantagens e desvantagens de
responsabilidade disciplinar;
37

 Conotada indisciplina grave nos funcionários, os instrutores de procedimento


disciplinar devem estar devidamente capacitados para o efeito, de forma a evitar
que o funcionário ganhe o recurso no Tribunal, pois evita constrangimento para
a gestão de recursos humanos;
 No caso de instauração do procedimento disciplinar, o sector de recursos
humanos deve sempre chamar atenção aos instrutores para observância
escrupulosa dos prazos, sob risco de dar razão ao funcionário em sede de recurso
contencioso;
 A Administração Pública deve responsabilizar disciplinarmente o responsável
pela instrução do processo, que for alvo de provimento de recurso, e accionar o
direito de regresso, pelos prejuízos que são causados na indemnização do
funcionário ou agente do Estado readmitido por decisão do tribunal;
 A gestão de recursos humanos deve ser mais próxima dos funcionários
procurando sempre que possivel sensibilizar dos seus direitos e deveres;
 Devem ainda estudar criticamente a Secção relativa a responsabilidade
disciplinar, pois esta componente reveste maior importância na gestão de
recursos humanos;
 Na atribuição de notas na avaliação de desempenho, o sector de recursos
humanos deve comunicar aos avaliadores (superior hierárquico) do trâmite
quando se trata do funcionário sancionado ou fase de instauração de processo;
 Recomendar aos respectivos superiores hierárquicos que os funcionário com
procedimento disciplinar não sejam elegiveis para exercer cargos de direcção e
chefia;
38

Referências bibliográficas
 MOÇAMBIQUE, Assembleia da República (AR). Constituição da República,
(2004) in Boletim da República Iª Série nº 22 de 24 de Dezembro.
 MOÇAMBIQUE, Assembleia da República (AR). Lei n.º 14/2009, de 17 de
Março, EGFAE (revogado) in Boletim da República, Iª Série nº 10.
 MOÇAMBIQUE, Assembleia da República (AR). Decreto n.º 62/2008, de 08 de
Setembro, REGFAE (revogado) in Boletim da República, Iª Série n.º 35.
 MOÇAMBIQUE, Assembleia da República (AR). Lei n.º 10/2017, de 1 de
Agosto, Aprova o Estatuto Geral dos funcionários e Agentes do Estado, EGFAE
(em vigor) in Boletim da República, Iª Série nº 119.
 MOÇAMBIQUE, Assembleia da República (AR). Decreto n.º 5/2018, de 26 de
Fevereiro, Aprova o Regulamento do Estatuto, REGFAE (em vigor) in Boletim
da República, Iª Série nº 40.
 MOÇAMBIQUE, Assembleia da República (AR). Lei n.º 14/2011, de 01 de
Agosto, Aprova a Lei do Procedimento Administrativo in Boletim da República,
I Série nº 30.
 MOÇAMBIQUE, Assembleia da República (AR). Decreto n.º 30/2001, de 15 de
Outubro, Aprova as Normas de funcionamento dos Serviços da Administração
Publica, in Boletim da República, Iª Série, n.º 41 de 1 de Agosto.
 MOÇAMBIQUE, Assembleia da República (AR). Lei n.º 7/2014, 19 de
Fevereiro, Aprova Processo Contencioso Administrativo, in Boletim da
República, Iª Série, n.º 45
 REPÚBLICA DE ANGOLA, Decreto n.º 33/91, de 26 de Julho que consagra o
Regime Disciplinar dos Funcionários Públicos e Agentes Administrativos

 ALFAIA, João. Conceitos Fundamentais do Regime Jurídico do


Funcionalismo Público. Volume II. Coimbra. Almedina, 1988.
 ALMEIDA, José. Natureza Jurídica do Poder Disciplinar no Direito do
Trabalho. REDUMG, 1955
 AMARAL, Diogo Freitas do. Direito Administrativo. Volume I e II. Lisboa,
1988.
 AMARAL, Diogo Freitas do. Curso de Direito Administrativo: 3ªEdição.
Volume I. Edições Almedina. Coimbra, 2009.
 AMARAL, Diogo Freitas do. Princípios Gerais do Código do Procedimento
Administrativo. CEFA, 1993.
 AMARO, Sílvia de Lurdes M. Q. O Procedimento Disciplinar na
Administração Pública Portuguesa e Angolana. (in dissertação de mestrado)
UAL, 2013.
 ANDRADE, José Carlos Vieira de. Revogação de um Acto Administrativo.
Direito e Justiça. Volume VI, 1992.
 BANDEIRA DE MELO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo.
Editora Malheiros, 2002.
 CAETANO, Marcello. Manual de Direito Administrativo. 10ª Edição. Revista e
Actualizada. Tomo I Edições Almedina. Coimbra, 2001;
 CAETANO, Marcello. Princípios Fundamentais de Direito Administrativo.
Lisboa, Almedina, 1996.
39

 CAETANO, Marcello. Tratado Elementar do Direito Administrativo:


Introdução, Teoria Geral da Relação Jurídico Administrativa. Volume I.
Coimbra, 1945.
 CAETANO, Marcello. Poder Disciplinar. Editora Almedina. p. 181
 CADILHA, Carlos Alberto Fernandes. Dicionário de Contencioso
Administrativo. Lisboa. Almedina, 1932.
 CHAMBULE, Alfredo. As Garantias dos Particulares. Volume I. Maputo,
Imprensa Universitária da UEM, 2002.
 COMOANE, Paulo. A Aplicação da Lei de Trabalho nas Relações de Emprego
Público. Coimbra. Livraria Almedina, 2007.
 CORREIA, Sérvulo. Noções de Direito Administrativo. Volume I. 1982.
 EGIDIO, Baltazar Domingos. Manual do Processo Disciplinar: Função
Pública. Maputo, Escolar Editora, 2012;
 LAKATOS, Eva Maria & MARKONI, Marina de Andrade (1992). Metodologia
de Trabalho Científico. 4ª Edição. São Paulo. Editora Atlas.
 LAKATOS, Eva Maria & MARKONI, Marina de Andrade (1991a).
Metodologia Científica. 2ª Edição. São Paulo. Editora Atlas.
 LEAL-HENRIQUES, Manuel (2005). Manual de Direito Disciplinar. Centro de
Formação Jurídica e Judiciaria, p. 14-14
 MACIE, Albano (2013). Lições de Direito Administrativo Moçambicano em
Especial: Função Pública – Funcionários e Agentes do Estado. Volume II.
Maputo, .
 MOURA, Paulo Veiga. Função Pública: Regime Jurídico, Direitos e Deveres
dos Funcionários e Agentes. Volume I, 2ª Edição. Coimbra, 2001.
 NEVES, Ana Fernanda. O Direito da Função Pública: O Tratado do Direito
Administrativo Especial. Volume IV. Coimbra, Edições Almedina, 2010.
 NEVES, Ana. Da Relação Jurídica do Emprego Público. Movimento Fractais,
Diferença e Repetição. Coimbra: Ed. Coimbra, 1999.
 RAMALHO, Maria do Rosário. Do Fundamento do Poder Disciplinar
Laboral. Almedina, Lisboa, 1993.
 RIBEIRO, João Soares. Estatuto Disciplinar da Função Pública. Editora
Justiça e Paz, Porto, 1988.
 SOUSA, António Francisco. Código do Procedimento Administrativo: Anotado
e Comentado. Editora. Quid Júris, Lisboa, 2009.
 SOUSA, Marcelo Rebelo de. Lições de Direito Administrativo. Volume I.
Lisboa, 1994/5.
 TAVARES, José. Administração Pública e Direito Administrativo: Para o seu
Estudo e Compreensão. Coimbra. Almedina, 1992;
40

ANEXO
41

GUIÃO DE ENTREVISTA
A. Guião de entrevistas seguidas

Ex.mo Sr. ______________________________________________________________


Meu nome é Miloca Neto Alberto. Sou finalista do curso de Gestao de Recursos
Humanos na UniPungue. Estou já na fase da monografia. Pretendo falar sobre Análise
das Implicações do Procedimento Disciplinar na Gestão de Recursos Humanos na
Função Pública Moçambicana: Estudo de Caso do Governo Distrital de Tamabara
2015 à 2018.
No entanto, temos assistido uma série de situações que vislumbram a aplicação do
procedimento disciplinar em funcionários e agentes que demostram um comportamento
irregular que põe em risco a integridade da Administração Pública. Por isso, pretendo
conversar com Vexa (mais do que uma entrevista),por forma a apurar / obter de si
alguns elementos que me ajudarão a tomar uma posição relativamente a questão que
coloco na monografia (saber se a aplicação do procedimento disciplinar aos
funcionários tem alguma implicações práticas na gestão de recursos humanos). As
questões são as seguintes:

1. Respeito a privacidade:
a. Admite que eu grave a entrevista?
b. Admite que eu coloque seu nome no trabalho como uma das pessoas entrevistadas?
c. Admite que eu cite as suas ideias expressamente, ao longo da monografia/trabalho?

2. Identificação completa
Nome,____________________________________________________, idade_______,
formação_____________________________________, função/actividade que exerce
actualmente____________________________________________________________.

3. Anos de serviço na função.


+5anos _____, +10anos ______, 15 anos_______, 20+_______

6. Sente-se confortável para falar deste tema? Sim_________________________,


Não ____________________________________________________________
42

5. Partindo do artigo 128º do EGFAE, qual seria para si o alcance prático deste dispositivo
olhando para o alcance do efeito suspensivo?
6. Acha que esse alcance é atingido? Sim ______, Não ______ Porquê?
_________________________________________________________________________
___________________________________________________________________
7. Como Magistrado (como advogado, como académico, como funcionário do Estado),nota
algumas explicação doutrinaria, legal ou jurisprudencial que influencia o afastamento do
efeito suspensivo do recurso nas sanções expulsivas em respeito a presunção de inocência?
________________________________________________________________
8. Acha que o Estado sai prejudicado na decisão do Tribunal em dar razão ao funcionário?
Sim_______ , Não _________. Porquê?_______________________________________
_________________________________________________________________________
9. Tem alguns comentários sobre as implicações do procedimento disciplinar na gestão de
recursos humanos. Pode ou não o funcionário beneficiar de actos administrativos enquanto
cumpre sanções disciplinares?________________________________________________
10. A avaliação de desempenho dos funcionários no distrito de Tambara, pode estar
comprometido por causa da responsabilidade disciplinar?. Comente
_________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
11. Como é que funcionam os recursos hierárquicos e contenciosos na ordem jurídica
Portuguesa, em sede de direito comparado? Equipara-se a Moçambique. Sim _____,
Não_____ . Comente ________________________________________________________
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
12. Na sua opinião, qual seria o efeito de recurso mais eficaz nos casos de sanções
expulsivas (demissão e expulsão) a luz do EFGAE. Suspensivo ___________, Devolutivo
__________. Justifique a sua opção:____________________________________________
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
13. Como o sector de Recursos Humanos gere as projeções dos actos administrativos
(bolsas de estudos, mudança de carreiras, promoções, progressões, cabimentos) dos
funcionários sancionados ou com recursos pendentes. _____________________________
_________________________________________________________________________
43

B. Lista de pessoas/instituições entrevistadas

Grupos de Juízes Professor, Advogados Académico Funcionários Funcionários Inspector


pessoas policia e expulsos e em exercício administrativo
entrevistadas enfermeiro demitidos
Número de 1 3 2 3 2 3 1
pessoas

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