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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ - UFPA

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA

GIANE SILVA SANTOS SOUZA

Linha de Pesquisa: Psicologia, sociedade e saúde

O DISCURSO SOBRE A VIOLENCIA SEXUAL CONTRA A MULHER


NOS JORNAIS FOLHA DE SÃO PAULO E O LIBERAL

Belém-Pará
2022
SUMÁRIO

1- Problema de pesquisa........................................................................................... 03

2. Justificativa...........................................................................................................07

3.Objetivos..................................................................................................................11

3.1. Objetivo principal................................................................................................11

3.2. Objetivos específicos...........................................................................................11

4.Metodologia ............................................................................................................12

4.1-Análise Documental.............................................................................................15

5- Cronograma de atividades..................................................................................... 15

6- Referências .........................................................................................................16

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1. Problema de Pesquisa

A tese deste doutoramento compreende que as várias formas de violência têm


preponderado sob a insígnia de uma pedagogia do castigo e da vingança de homens
contra suas parceiras mulheres, resultante de uma manifestação da possessividade e
objetivação dos corpos de mulheres, disseminando e perpetuando dominações e
opressões seculares que têm afetado a saúde física e mental de mulheres, e têm nos
meios de comunicação parte do paradoxo tanto de prevenção e combate a esta realidade,
quanto de reprodução e difusão de preconceitos e discriminações. Analisar o discurso
nos jornais Folha de São Paulo e O Liberal sobre a violência na perspectiva da análise
do discurso do filosofo Michel Foucault, possibilitará problematizar a construção
política da verdade nessas produções.
As inquietações presentes nesta pesquisa estão diretamente relacionadas à minha
implicação com a temática da violência sexual que teve início na graduação de
Psicologia, em 2008, quando realizei o estágio no Centro de Referência Especializado
de Assistência Social – CREAS.
Entre as várias demandas da população a de maior incidência no Centro era a
violência sexual, apesar da alta rotatividade nos atendimentos. A alta incidência de caso
de estupros com crianças e adolescentes nos instigava a estudar esta temática e a
compreender a dinâmica em que esses fatos ocorriam e se tornaram um problema de
saúde pública.
Ao terminar a graduação, realizei a Especialização Lato Sensu em Terapia
Familiar Sistêmica, desenvolvendo na monografia com a temática sobre o abuso sexual
e os impactos na relação familiar. A partir de 2009, iniciei a minha participação no
Grupo de Estudo e Pesquisa Transversalizando, coordenado pela Profa. Dra. Flávia
Cristina Silveira Lemos, o qual me possibilitou aproximação com os estudos
foucaultianos, proporcionando um suporte teórico para analisar os jogos de poder,
apoiados pelas ferramentas de saber que produzem os efeitos de subjetivação e sujeição
dos corpos.
A partir de 2010, passei a integrar o grupo de Pesquisa “A Construção Social da
Vitimização: Perfil das Mulheres Vítimas de Violência no Sistema de Justiça Criminal –
uma análise comparada São Paulo e Pará”, coordenado pelo Prof. Dr. Luís Antônio
Francisco de Souza – UNESP / Marília – SP, financiado pelo CNPQ.

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A partir de 2012 desenvolvi neste programa a pesquisa de mestrado “Análise na
perspectiva genealógica do inquérito policial sobre estupro, nos arquivos da
delegacia especializada no atendimento à mulher, em Belém/Pa”. Nestes trabalhos,
pude vivenciar experiências relevantes de análises dos discursos e das práticas sociais
de proteção, defesa e garantia dos direitos de mulheres vitimizadas pelo Estado, pelas
suas famílias e pela sociedade.
Como psicóloga, mestre em Psicologia, docente e coordenadora do curso de
Psicologia da UNAMA Ananindeua, especialista em Terapia Familiar Sistêmica, tendo
participado da Diretoria do Conselho Regional de Psicologia/CRP-10 nas gestões 2013-
2016 e 2016-2019 e ao longo dos anos de atuação em trabalhos com a temática da
violências contra mulheres, pude acumular uma importante história profissional e como
pesquisadora que me habilita a fazer o doutorado em Psicologia, sobretudo, no tema
proposto neste projeto de pesquisa, apresentado como requisito à seleção para o
Doutorado em Psicologia, no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da
Universidade Federal do Pará.
Segundo Coulouris (2004), apesar das crescentes conquistas sociais obtidas
pelas mulheres, algo ainda continua imutável, a prática de violência doméstica e sexual
contra este segmento. A violência é um acontecimento mundial, social e histórico, que
vem tomando proporções cada vez mais preocupantes, passando a ser objetivado como
um problema de saúde pública. Constitui-se, assim, como um tema complexo, intrigante
e que desperta o interesse de vários estudiosos.
A violência sexual contra a mulher configura-se como uma grave violação de
direitos humanos, não escolhe raça, cor, credo religioso, cultura, condição social,
nacionalidade. Ela é um fato constante nos mais diversos grupos sociais, que a coloca
como um tema atual que está sendo debatido e analisado em várias áreas do
conhecimento (COULOURIS, 2004).
A partir de levantamento prévio de estudos sobre o tema, verificamos que pesquisas
sobre as mulheres vítimas de violência sexual no Brasil existem em pequena
quantidade, no geral, os trabalhos de pesquisa nessa área centram-se na violência
doméstica de modo mais geral e pouco específico das diferentes modalidades de
violência e da raridade dos modos delas se expressarem e das ações midiáticas e do
Estado face a esta problemática.

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As definições utilizadas para conceituar os diferentes tipos de crimes sexuais
apresentam dificuldades na adequação quanto aos aspectos médicos, éticos,
psicológicos, legais e jurídicos que eles frequentemente envolvem. Com efeito, é
necessário pensar a complexidade do Direito Penal e do Sistema de Justiça Criminal, em
uma sociedade capitalista neoliberal na relação com a produção da subjetividade, com
as disputas de valores de uma cultura e com uma determinada organização da economia
política. A criminologia feminista vem apontando os preconceitos de gênero e sexistas,
racistas e classistas no Direito e nos usos feitos dele bem como dos modos das mídias
divulgarem os crimes. São importantes contribuições para analisar os direitos de
mulheres e questionar as criminologias que sustentam discriminações e seletividade
penal.
Do ponto de vista legal e jurídico, o conceito de violência sexual varia de acordo
com o país, embora a maioria das definições inclua o uso da força física ou de
intimidação, o contato sexual e o não consentimento da vítima (CORREA, 2009).
No Brasil, a violência sexual é crime de acordo com o Código Penal Brasileiro
vigente, que traz nos artigos:
 Artigo 213: Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter
conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato
libidinoso.
 O artigo 214 foi revogado, passando assim o artigo 213 a englobar também as
prerrogativas do artigo 214, podendo ser vítima de estupro tanto mulheres como
homens, pois o tipo penal é expresso em se referir a “alguém” e não tão somente
fala em mulher.
A Lei nº 12.015/09 deu nova redação ao artigo 1º, inciso V, da Lei n. 8.072/90
(Lei dos Crimes Hediondos), deixando claro que o estupro (213, "caput"), também é
hediondo. Diante dessas inquietações a presente pesquisa deseja investigar: Qual ou
quais discursos são produzidos nos jornais impressos Folha de São Paulo e O Liberal
sobre a violência sexual contra mulheres no Brasil.
A “Folha de São Paulo” é um jornal dirigido às classes médias e abastadas com
um perfil erudito, sendo liberal tanto na economia quanto nos costumes da política.
Representa a ideia de um padrão jornalístico atual e marcado pela modernidade. O perfil
da “Folha” é apresentar as controvérsias e divulgar notícias por meio de uma vertente

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das conflitualidades, explicitando interesses variados e plurais. Seus colunistas são
jornalistas experientes, atentos e atualizados, bem formados e com estilo denso e crítico.
Já, “O Liberal” tem setenta e três anos, sendo que cinquenta e seis deles como
uma propriedade da família Maiorana (MALCHER, SEIXAS, LIMA e AMARAL
FILHO, 2011). Este jornal tem boa distribuição, moderno projeto gráfico e representa a
classe média e alta paraense, Seu rival, no estado do Pará é o Diário do Pará.
Portanto, trata-se de um jornal de difusão nacional e outro de comunicação
estadual/regional. Ambos, com grande circulação e que abordam o objeto deste estudo
de formas diferentes. Um, relatando mais as políticas públicas e descrevendo com
detalhes ligados ao acontecimento em diversas perspectivas; o outro, trazendo mais os
aspectos policiais e criminais, construindo a vítima em um olhar mais ligado à
criminologia etiológica e da vitimologia.
Vale destacar que a imprensa produz realidades e discursos, disseminando valores
e imagens cristalizadas da sociedade e das relações sociais bem como forja
subjetividades e modos de viver, sentir, pensar e agir. Deste modo, um jornal impresso é
agente construtor e difusor de saber poder, criando uma memória e agenciando uma
cultura política com sentidos específicos, em um dado tempo e espaço. A “Folha” é o
jornal de maior circulação no Brasil, na atualidade e faz parte de um conjunto de
empresas, formando um conglomerado midiático de alto padrão jornalístico, no país
(KANNO & BRANDÃO, 1998).
O jornalismo exerce função importante na sua prática por “levantar dados,
apurar informações, visibilizar histórias, confrontar autoridades, cobrar providências e
apontar soluções coletivas”. A mídia ao atuar como agente de informação de forma
episódica e factual, pode propagar ou combater a violência. O papel central que a mídia
ocupa neste processo é possibilitado, em grande medida, pelo fato de que ela aparece
aos olhos do público como sendo imparcial, ou seja, como tendo a função de apenas
transmitir a informação sem influenciar a capacidade reflexiva das pessoas (LERMEN
& CÚNICO,2018).
Diante destas considerações, a presente proposta de pesquisa questiona: Que
mulheres têm composto as matérias jornalísticas e qual a cobertura midiática são
expostas? Qual a incidência deste tipo de violência no Brasil? Quais as vulnerabilidades
sociais e institucionais que compõem este quadro de violência sexual em nosso país?
Como analisar a produção da subjetividade das vítimas de crimes sexuais em relação às

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práticas que as cercam? Como romper as relações sociais de violência e proporcionar a
mulher uma política pública mais eficiente no combate à violência sexual?

2. Justificativa
A prática ou o uso da violência contra a mulher se constitui em um elemento
fundamental para se entender as desigualdades que caracterizam homens e mulheres em
nossa sociedade. Segundo a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e
Erradicara Violência Contra a Mulher – a “Convenção de Belém do Pará” - de 1994, a
violência contra a mulher pode ser entendida como “qualquer ato ou conduta baseada no
gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher,
tanto na esfera pública como na esfera privada”.
No Brasil, as políticas públicas direcionadas às mulheres caminham lado a lado
com os movimentos sociais de mulheres, de grupos feministas e pela entrada em cena
da categoria analítica de gênero, no campo das pesquisas universitárias, anexas a outros
dispositivos analíticos importantes, como: raça, etnia, geração, classe social e orientação
sexual.
Segundo Machado (1998), os estudos sobre as mulheres apresentados no cenário
mundial, não eram suficientes para as feministas discorrerem sobre a condição, situação
e posição das mulheres, já que estes estudos não passavam de modelos descritivos, não
atendendo as pretensões e desafios de um pensamento analítico e teórico.
Para Scott (1995), o termo “gênero” teve início com as feministas americanas
que rejeitavam a utilização do biológico para determinar as diferenças entre os sexos,
para elas era necessário levar em conta o aspecto social. Houve também as que
utilizaram o termo “gênero” como vocabulário analítico, tentando, desta forma,
aproximar os estudos das mulheres ao contexto dos homens, pois ambos deveriam estar
embrincados nesta análise.
Desta forma, Scott (1995) enfatiza que gênero é uma categoria de análise que
certifica a historicidade das distinções sociais entre os sexos. Nessa perspectiva, a
autora define o gênero como um elemento obrigatório nas relações sociais baseada nas
diferenças percebidas entre os sexos, e o gênero é a primeira forma de constituir as
relações de poder. O uso do “gênero” coloca a ênfase sobre todo o sistema de relações
que pode incluir o sexo, mas que não é diretamente determinado pelo sexo nem
determina diretamente a sexualidade.
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Segundo Correa (2009), a violência praticada contra as mulheres é conhecida
como violência de gênero porque se relaciona a condição de subordinação da mulher na
sociedade, revelando a desigualdade entre homens e mulheres, sobretudo nas relações
domésticas e familiares, sendo está influenciada pelos fatores sociais, como
escolaridade, desemprego, uso de álcool ou drogas, estando presente em todas as classes
sociais.
Segundo Lima (2009), as relações históricas e culturalmente construídas
carregam uma forte marca de patriarcado e da desigualdade racial, que tiveram na
violência sexual contra as mulheres negras e pobres as principais vítimas fatais da
violência.
Já para Romeiro (2007), a denominação “violência doméstica e familiar contra a
mulher”, utilizada na Lei “Maria da Penha”, procura formular e recuperar os termos que
historicamente o feminismo procurou qualificar a “violência de gênero”, incorporando
ao mesmo tempo as ambiguidades que residem sob o termo “família” e “doméstica”.
Assim, delimita-se quem é o “agressor” (sempre o homem) e quem é a “vítima” (sempre
a mulher), ao mesmo tempo, que em princípio, permite expandir esse tipo de conflito
para todos aqueles que fazem parte das relações familiares.
Ainda tratando a questão da violência sexual cometida contra mulheres, Silva
(2009) discorre que o estupro cometido pelo marido/companheiro/ex-marido, ex-
companheiro pode ser mais traumáticos do que aqueles cometidos por um estranho uma
vez que provoca na vítima sentimentos de quebra de confiança, culpa e rejeição.
No Pará, as pesquisas apontam que a violência sexual em muitos casos é vista
como “natural”, já que os que cometem essa violência contra crianças, jovens e
mulheres, fazem parte da própria família ou possuem alguma forma de intimidade, esta
naturalização acaba por oprimir as denúncias, embora aliada aos aspectos culturais,
encontramos outros fatores que contribuem para o alto índice de violência sexual no
Pará, tanto na região metropolitana como nas cidades do interior, entre ela está a prática
de venda de menores pela própria família, prostituição infanto-juvenil, fatores
socioeconômicos e a omissão do estado. Tais aspectos, por mais que venham sendo
intensamente debatidos há anos por diferentes movimentos sociais (em especial o
movimento de mulheres), nas universidades, em alguns setores do Estado, continuam
ainda sendo questão de amplos debates. Apesar da Lei Maria da Penha ter completado
quinze anos e os avanços terem sido significativos, vemos na escassez de dados sobre a

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ocorrência de tal violência uma enorme lacuna a ser preenchida. Isto é, antes de pensar
em ações, devemos conhecer a realidade na qual está problemática está inserida.
O Anuário Nacional de Segurança Pública de 2021, demonstra que 1 em cada 4
mulheres brasileiras (24,4%) acima de 16 anos afirmam ter sofrido algum tipo de violência
ou agressão nos últimos 12 meses. Esses dados revelam que 17 milhões de mulheres sofreram
algum tipo de violência no Brasil . Não podemos deixar de levar em conta que esses dados
não compõem toda a realidade, já que uma grande quantidade de mulheres acaba não
denunciando.
O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), na pesquisa de Tolerância à
violência contra mulher, revelou que 61,5% dos entrevistados concordam com as
afirmações de que a culpa do estupro é da mulher “por não saber se vestir”, “não saber
se comportar adequadamente”, dentre outras. Dos entrevistados, 58,5% concordam com
a afirmação de que se as mulheres soubessem se comportar haveria menos estupro no
Brasil.

As inúmeras transformações nos diversos campos sociais, das ciências,


tecnologias, relações humanas e políticas, promoveram inquietações significativas em
muitas concepções, antes tidas como verdadeiras e imutáveis. Dentro desse campo de
mudanças ocorridas no seio social, um dos exemplos mais significativos é a alteração do
papel tradicional da mulher que, se antes estava restrito ao âmbito doméstico, em
decorrência das lutas políticas, tem se ampliado aos espaços públicos, os quais
historicamente se configuravam como de privilégio do homem (MAUÉS, 2003).

A análise do discurso torna-se um importante mecanismo de análise na produção


da subjetividade que regulam funcionalmente os processos patológicos, as necessidades,
as significações, as estratégias e as normalizações atribuídas ao papel da mulher na
esfera social, instituindo assim efeitos de poder que atravessam os corpos
(FOUCAULT, 2009, p. 19).
A relação entre discurso e o autor, pressupõe a compreensão “não como indivíduo
falante que pronunciou ou escreveu um texto, mas como princípio de agrupamento do
discurso, como unidade e origem de suas significações, como foco de coerência”
(FOUCAULT, 2009, p. 22). Quem fala o faz de um lugar e perspectiva, de um ângulo e
viés, pois, o poder é um campo estratégico e não um local fixo.

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Os discursos são instrumentos que veiculam, circulam e produzem poder no
âmbito das relações de força, sejam distintos ou contrários, em sua representatividade e
legitimidade construída socialmente. Não há discurso sem relações de poder e sem
fabricação de um campo de saber. Ambos andam juntos e estão articulados em
entrecruzamentos de práticas múltiplas, heterogêneas e materiais, no cotidiano da
sociedade.
As multiplicidades dos discursos permitem problematizar às táticas e variantes
que articulam poder e saber em contextos institucionais, análise sobre a posição de
quem fala sua composição, sua utilização, deslocamento e as formas de referências e
resistências que produzem subjetividades. Toda prática de poder gera resistências e
produz realidades, em que correlaciona saberes e forma modos de viver, de sentir, de
pensar, de agir, de se relacionar, de gerir e organizar o trabalho e as políticas sociais
(FOUCAULT, 2009, p. 24).
As regularidades dos discursos incluem formas de disciplinar os corpos e sistemas
de coerção que ordenam, veiculam, excluem e justificam o posicionamento e
formulação de enunciados voltados para apropriação de ações, condutas e circunstâncias
que os indivíduos assumem na sociedade. Nesta relação entre mídia e público, o que não
aparece na grande imprensa é como se não tivesse ocorrido, assim como, o que ganha
corpo no coro midiático é produzido como verdade (FOUCAULT, 2009, p. 42).
Portanto, esta pesquisa se justifica e traz contribuições para a análise das práticas
discursivas face à violência sexual contra as mulheres, tanto no contexto da Amazônia
paraense quanto no nacional, assinalando as tensões entre os valores, as apropriações
realizadas em termos dos discursos. Estudar como as mídias representam a violência
contra as mulheres é algo muito importante, em especial, nas tensões e paradoxos deste
veículo de comunicação na sociedade em que se materializa.

3. Objetivos

3.1- Objetivo Geral

Analisar os discursos produzidos nos jornais A Folha de São Paulo e o jornal O


Liberal, no período de 2016 a 2021 sobre a violência sexual contra mulheres.

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3.2 -Objetivos Específicos

a) Problematizar que efeitos de subjetivação são produzidos pelas práticas discursivas e


não discursivas presentes nos discursos dos jornais impressos A Folha de São Paulo e O
Liberal.

b) Investigar se ocorre a culpabilização das vítimas nas matérias dos jornais citados.

c) Problematizar a violência sexual contra as mulheres nas referidas mídias a partir dos
marcadores de classe, de raça/etnia, de gênero, de territorialidade, do capacitismo e
etarismo.

4. Metodologia

Optou-se como metodologia desta tese uma pesquisa de caráter documental,


elencada na pesquisa histórico-genealógica proposta por Michel Foucault. Utilizando-os
como ferramentas de análise e discussão para interrogar os regimes de verdades
dispostos nos jornais impressos: A Folha de São Paulo e O Liberal, de 2016 a 2021. A
seleção dos conteúdos se dará nas edições impressas disponibilizadas na plataforma
digital dos jornais, limitando-se ao caderno Cotidiano da Folha e no caderno Polícia de
O Liberal.

Os documentos jornalísticos são fontes importantes para estudos sobre a cultura


na relação com a produção de subjetividades. A montagem deste arquivo é constituída
por: seus cadernos, colunas, escopos editoriais, financiamentos, acordos políticos,
segmentos de leitores(as), seleção de jornalistas e fotógrafos(as), modos de editar as
matérias e, por fim, os efeitos da história de famílias que criaram e administraram os
jornais na política destas mídias.

Ao selecionar a metodologia nos preocupamos não apenas com as implicações


técnicas, mas também com as implicações políticas e éticas que compõem uma
pesquisa. O saber é uma produção social, formada por uma articulada rede de relações
de poder. Assim, buscaremos não verdades fechadas ou inquestionáveis nos jornais
impressos sobre violência contra mulher, mas sim, analisaremos como se articula os
discursos na construção da verdade nestas produções. Como trata Foucault:

[...] Há efeitos de verdade que uma sociedade como a sociedade


ocidental, e hoje se pode dizer a sociedade mundial, produz a cada

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instante. Produz-se verdade. Essas produções de verdade não podem
ser dissociadas do poder e dos mecanismos de poder, ao mesmo tempo
porque esses mecanismos de poder tornam possíveis, induzem essas
produções de verdades, e porque essas produções de verdade têm, elas
próprias, efeitos de poder que nos unem, nos atam. São essas relações
de verdade/poder, saber/poder que me preocupam (FOUCAULT,
2012, p.224).

Sobre esta analítica, Foucault (2010) destaca que nesses jogos de saberes o que
encontramos são práticas discursivas e de poder que produzem “verdades”, discursos
classificados como verdadeiros ou falsos, já que essas forças estão em embates
constantes, em luta, em confronto e vence o que possuir melhores dispositivos 1
estratégicos.

Ao revelar sua hipótese em “A ordem do discurso”, Foucault nos mostra que o


poder está relacionado ao processo de produção do discurso, tomando como uma prática
social, um acontecimento de inclusão e exclusão do sujeito em nossa sociedade, através
de discursos proferidos por instituições como da medicina, da psiquiatria e da política.
Para Foucault, “o discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas
de dominação, mas aquilo por que, pelo que se luta o poder do qual nos queremos
apoderar” (FOUCAULT, 2009, p.10).
Foucault (2009) nos leva a problematizar as diversas manifestações do poder que
é proferido pelo discurso, o poder circula através das palavras no discurso do sujeito,
produzindo regimes de verdades, que ora exclui, reprime, ora o torna “dono” do saber
poder, fato esse percebido nos processos externos ou internos de controle e delimitação
do discurso. As mídias são discursos e geram efeitos de poder-saber, trazem falas
autorizadas e podem também desqualificar outras, na medida em que fazem parte de um
jogo estratégico da disputa de memórias, no plano da produção histórica e política da
verdade a respeito dos acontecimentos narrados.
Os discursos para Foucault (2009) são relações entrelaçadas, com posições de
surgimento e materialidade próprias, destacando o lugar em que o sujeito está
autorizado a falar, ou seja, o discurso passa a ter um status de acontecimentos 2.
1
O conceito de dispositivo empregado por Foucault é a conexão entre um saber – a
sexualidade, por exemplo, e as relações de poder. Reunindo um “conjunto heterogêneo de
forças que se encontram que agrega discursos, instituições, organizações arquitetônicas,
decisões regulamentares, leis, medidas administrativas, enunciados científicos, proposições
filosóficas, morais e filantrópicas” (FOUCAULT, 2010, p. 244). O dispositivo está ligado
estrategicamente com as relações de poder e saber, não sendo, desta forma, naturais e sim
um efeito desses embates que produzem subjetividade.
2
Para Foucault o acontecimento não é nem substância e nem acidente, nem qualidade, nem
processo: o acontecimento não é da ordem dos corpos. Entretanto ele não é imaterial; é
12
Portanto, o discurso é uma série de acontecimentos, não existindo nada por traz das
cortinas nem sobre o cenário que pisamos. O que existe na realidade, são relações de
poder que o próprio discurso põe em funcionamento.

Atrelada à constituição da singularidade, Foucault (2010a) também trabalhou


com o termo acontecimento, vinculado a um objeto de saber de uma época, ou seja, este
saber está diretamente relacionado a um momento sócio-histórico. Eles são “as lentes
através das quais, a cada época, os homens perceberam todas as coisas, pensaram e
agiram; elas se impõem tanto aos dominantes quanto aos dominados” (VEYNE, 2011,
p. 50).
Nesse sentido, o importante é analisar as práticas discursivas como objetos,
como formação de uma materialidade, que não se descola de suas amarras formais, mas
dá visibilidade a singularidade histórica em interpretar o processo de sujeição. O
entendimento de um discurso, de uma prática discursiva, “consistiria pessoas faziam
[fazem] ou diziam [dizem], em compreender o que supõem seus gestos, suas palavras,
suas instituições” (VEYNE, 2011, p. 26). As mídias são práticas de poder, de saber e de
subjetivação, circulam, geram efeitos, fazem incidência política, constroem modos de
vida e modulam valores.

4.1 - Análise Documental

Conseguir, então, analisar as fontes, neste caso, fontes documentais, perpassa


por conseguir verificar estes aspectos pertinentes à análise genealógica. Perpassa por um
olhar crítico e atento às possibilidades de investigação, e não tratá-las (as fontes) como
verdades, nem tampouco em fazer delas espaço para interpretações, de apropriações, de
circulações e usos, de significados e pluralidade dos acessos e repercussões destas
práticas.
Para Albuquerque Júnior (2009) não devemos interrogar quais informações ela
nos traz do passado, mas nos instigar como estes discursos foram produzidos. Os
discursos e pronunciamentos, ao serem vistos como monumentos, se tornam fontes,
matéria de análise do historiador que descobre que todos os documentos ou testemunhos
são formas de discurso, que os objetos e sujeitos não preexistem aos discursos que deles
falam, mas constituem o próprio objeto.
sempre no âmbito da materialidade que ele se efetiva, que é efeito; ele possui seu lugar e
consiste na relação, coexistência, dispersão, recorte, a cumulação, seleção de elementos
materiais, não é um ato nem a propriedade de um corpo; produz-se como efeito de e em uma
dispersão material (FOUCAULT, 2011, p.57,58).
13
Todo trabalho documental coteja fontes e forja uma trama discursiva como uma
rede de práticas entrecruzadas, materializadas como acontecimentos que formam
arquivos com maneiras de ser armazenados e consultados, especificidades de usos e
abordagens teóricas e metodológicas diversas. Por meio da análise do discurso é
possível interrogar e descrever que relações de poder e saber o autor daquele discurso
está envolvido. Como nos traz o autor:
A análise dos discursos deve ser tomada não apenas como algo
que remete a um acontecimento que lhe é exterior e do qual é um
testemunho, um documento, um resto, uma pista, um sinal, mas como
sendo em si mesmo um acontecimento. O discurso não é transparente,
não é uma lente ou um espelho através do qual vemos o que esta fora ou
para além dele simplesmente (...) devemos nos atentar para o que há de
singular, de diferente, que tipo de ruptura, de descontinuidade, de
deslizamento o discurso traz. (ALBUQUERQUE JÚNIOR,2009
p.238,239).

Desta forma, ao problematizar os documentos, buscar-se-á levar em


consideração as descontinuidades onde os discursos operam, a emergência de práticas
de saber/poder, analisando-se a forma como os sujeitos são e vão se subjetivando.
Pensar o papel das mídias na violência contra as mulheres é extremamente relevante,
tanto regionalmente quanto nacionalmente diante do fato da crescente ampliação da
violência de gênero e da coisificação dos corpos das mulheres pela cultura do estupro e
pela produção da mulher com objeto sexual e oferta de uma sociedade classista, racista,
sexista, misógina, etarista, com preconceitos e disparidades territoriais e capacitista.

5. Cronograma de atividades

1º ano de 2º ano de 3º ano 4º ano


2022 2023 2024
Atividades / Período 2025

1 Disciplinas obrigatórias X X

2 Revisão bibliográfica X

14
Levantamento dos jornais
impressos
3 X

Levantamento de dados
estatísticos nas bases
4 X
brasileiras.

5 Análise dos documentos. X X

6 Elaboração da tese. X X

7 Revisão Final da tese. X X

6. Referências

ALBUQUERQUE JÚNIOR, D. M. “A dimensão retórica da historiografia”, in: Durval


Muniz de Albuquerque Júnior, O historiador e suas fontes. São Paulo, Ed. Contexto,
2009.

BRASIL. Lei Maria da Penha. Lei nº 11.340/06, de 22 de Setembro de 2007. Disponível


em: http://www.contee.org.br/secretarias/etnia/lei_mpenha.pdf. Acessado em
12.12.2021.

BRASIL. II Plano Nacional de Políticas para as Mulheres. Conselho Nacional dos


Direitos da Mulher – Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres. DF. 2008.
Disponível em http://200.130.7.5/spmu/docs/Livreto_Mulher.pdf. Acessado em
12.12.2021.

15
COULOURIS, D. G. Violência, Gênero e Impunidade: A construção da verdade nos
casos de estupro. 237p. Dissertação de mestrado apresentado ao programa de pós-
graduação em ciências sociais da faculdade de Ciências Sociais da Universidade
Estadual Paulista. Marília, 2004.

CORRÊA, L. R. A necessidade da Intervenção Estatal nos Casos de Violência


Doméstica e Familiar contra Mulher. In LIMA FR, SANTOS C. coordenadores.
Violência Doméstica vulnerabilidades e Desafios na intervenção criminal e
multidisciplinar. . 1ª Ed. Rio de Janeiro: Lumes Juris; 2009.p.51-62.

FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. 19ª Ed. São Paulo: Loyola. 2009.
___________. História da Sexualidade – A vontade de saber. 13ª Ed. Rio de Janeiro:
Graal, 1988.
___________. Microfísica do Poder. 28ª Ed. Rio de Janeiro: Graal, 2010.
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