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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI


PRÓ-REITORIA DE ENSINO DE PÓS-GRADUAÇÃO – PRPG
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS – CCHL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS – PPGPP

BRENNA GALTIERREZ FORTES PESSOA

FEMINICÍDIO:
INTERSECCIONALIDADE DE GÊNERO, RAÇA E CLASSE NO ÂMBITO
CRIMINAL

TERESINA-PIAUÍ
2022
BRENNA GALTIERREZ FORTES PESSOA

FEMINICÍDIO:
INTERSECCIONALIDADE DE GÊNERO, RAÇA E CLASSE NO ÂMBITO
CRIMINAL

Dissertação submetida ao Programa de Pós-Graduação em


Políticas Públicas da Universidade Federal do Piauí como
requisito para a obtenção do título de Mestre em Políticas
Públicas.
Área de concentração: Estado, Sociedade e Políticas
Públicas
Linha de pesquisa: Cultura, Identidade e Processos Sociais
Orientadora: Profa. Dra. Elaine Ferreira do Nascimento.

TERESINA-PIAUÍ
2022
BRENNA GALTIERREZ FORTES PESSOA

FEMINICÍDIO:
INTERSECCIONALIDADE DE GÊNERO, RAÇA E CLASSE NO ÂMBITO
CRIMINAL

Dissertação submetida ao Programa de Pós-Graduação em


Políticas Públicas da Universidade Federal do Piauí como
requisito para a obtenção do título de Mestre em Políticas
Públicas.
Área de concentração: Estado, Sociedade e Políticas
Públicas
Linha de pesquisa: Cultura, Identidade e Processos Sociais

Aprovada em: 31 de agosto de 2022.

BANCA EXAMINADORA

____________________________________________________
Profa. Dra. Elaine Ferreira do Nascimento (Orientadora)
Universidade Federal do Piauí

_____________________________________________________
Profa. Dra. Rosilene Marques Sobrinho França (Examinadora Interna)
Universidade Federal do Piauí

______________________________________________________
Profa. Dra. Marisol Alcocer Perulero (Examinadora Externa)
Universidad Autónoma de Guerrero
RESUMO

O feminicídio é um crime de gênero com motivação misógina, ou seja, ódio ao ser feminino.
Mulheres são assassinadas, simplesmente, por serem mulheres, não tendo outra razão para tal.
Além disso, na literatura criminal e nas pesquisas sobre o tema, o cenário definido para o seu
acometimento é o ambiente doméstico, com cerca de 65,6% dos assassinatos de mulheres
realizados em domicílio. Em razão disso, o crime ganha status de violência doméstica e
familiar, cometido em 95% por aqueles que figuram como o ser masculino em suas vidas,
podendo ter relações consanguíneas ou não (INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA
APLICADA; FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA, 2019). Todavia, é
necessário dizer que as definições experienciais do crime variam a depender do contexto sócio-
histórico-cultural. Como consequência disso, para além da criminologia, o crime ganhará ares
políticos ao se unir com o conceito interseccional. Portanto, esta dissertação teve como objetivo
analisar, a partir da interseccionalidade, como a cultura de gênero reverbera em um contexto de
racismo e classismo sobre a investigação e a nomeação do crime de feminicídio em inquéritos
no setor especializado no estado do Piauí. Trata-se de um estudo do tipo descritivoe analítico
com abordagem qualitativa para delineamento da pesquisa. Assim, utilizou-se técnica de
informantes-chave – indivíduos com notório conhecimento acerca do fenômeno –, a saber: a
delegada, a escrivã e os(as)agentes da policial civil do setor do Núcleo Policial Investigativo de
Feminicídio. O instrumento utilizado para realizar a coleta foi um roteiro semiestruturado,
envolvendo perguntas objetivas e subjetivas, com o objetivo descrever o perfil dos participantes
da pesquisa e obter a opinião dos entrevistados diante dos questionamentos postos pela
entrevistadora/pesquisadora, auxiliada também pela técnica de observação participante. Além
disso, utilizou-se os inquéritos policiais compreendidos entre os anos de 2015 e 2021 com o
intuito de permitir uma maior aproximação com a problemática de estudo: Como o feminicídio
é investigado e percebido, em um contexto de racismo e classismo, pela equipe do Núcleo
Policial Investigativo de Feminicídio? A metodologia se baseia na Interpretação de Sentidos
para trabalhar o sentido do discurso (entrevistas) e na Análise Crítica do Discurso, considerando
o conteúdo dos documentos (inquéritos policiais). Percorreu-se trabalhos correlatos ao
feminicídio e clássicos acerca das temáticas de gênero, de raça e de classe, e da união dos três
através da interseccionalidade para compreendê-los em todas as dimensões contextuais e
completude. Nesse sentido, a literatura tem como base o método materialismo histórico
dialético e do conceito de interseccionalidade para compreender como outras formas de
opressão (raça e classe), além do gênero, podem contribuir para potencializar o crime em
mulheres não brancas. Partindo do pressuposto da discussão do conhecimento que transcorra
com o diálogo e noção de difusão de coletiva, são nesses moldes que concluo e ofereço não só
à comunidade acadêmica, mas a outros âmbitos da sociedade, a fim de contribuir para mudanças
nas políticas públicas de gênero, pautada em trazer à luz as desigualdades de gênero que são
forjadas também não só no patriarcado, mas no colonialismo moderno e no capitalismo, através
das intersecções de gênero, raça e classe, abdicando das falácias do sentido único do mundo
que não transgride só gênero, mas em uma cor, em uma classe, com o cuidado com distopia
feminista que esquecem dos 99%, e que impedem outras de falarem, percebendo que raça,
gênero e classe existem enquanto eixos inseparáveis no crime gênero, como é caso do
feminicídio.

Palavras-chave: Feminicídio; Interseccionalidade; Políticas Públicas.


ABSTRACT

Femicide is a gender crime with misogynistic motivation, that is, hatred of being female.
Women are murdered simply because they are women, for no other reason than that. In addition,
in the criminal literature and in research on the subject, the scenario defined for its involvement
is the domestic environment, with about 65.6% of the murders of women carried out at home.
As a result, the crime gains the status of domestic and family violence, committed in 95% by
those who figure as the male being in their lives, and may or may not have consanguineous
relationships (INSTITUTO DE RESQUISA ECONÔMICA APLICADA; FÓRUM
BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA, 2019). ). However, it is necessary to say that the
experiential definitions of crime vary depending on the socio-historical-cultural context. As a
consequence of this, in addition to criminology, crime will gain political airs by joining with
the intersectional concept. Therefore, this dissertation aimed to analyze, from the
intersectionality, how gender culture reverberates in a context of racism and classism on the
investigation and naming of the crime of femicide in investigations in the specialized sector in
the state of Piauí. This is a descriptive-analytical study with a qualitative approach to research
design. Thus, the technique of key informants was used - individuals with notorious knowledge
about the phenomenon -, namely: the delegate, the clerk and the civil police agents of the
Feminicide Investigative Police Nucleus sector. The instrument used to carry out the collection
was a semi-structured script, involving objective and subjective questions, with the objective
of describing the profile of the research participants and obtaining the opinion of the
interviewees in the face of the questions posed by the interviewer/researcher, also aided by the
technique of participant observation. . In addition, police investigations between the years 2015
and 2021 were used in order to allow a closer approach to the problem of study: How femicide
is investigated and perceived, in a context of racism and classism, by the team of the Femicide
Investigative Police Nucleus? The methodology is based on the Interpretation of Meanings, to
work on the meaning of discourse (interviews), and on Critical Discourse Analysis, considering
the content of documents (police inquiries). Works related to femicide and classics were
covered on the themes of gender, race and class, and the union of the three through
intersectionality, to understand it in all contextual dimensions and completeness. In this sense,
the literature is based on the dialectical historical materialism method and the concept of
intersectionality, to understand how other forms of oppression (race and class), in addition to
gender, can contribute to potentiate crime in non-white women. Assuming the discussion of
knowledge that takes place with dialogue and the notion of collective diffusion, in these molds
I conclude and offer not only the academic community, but other areas of society in order to
contribute to changes in public gender policies, based on bring to light the gender inequalities
that are also forged not only in patriarchy, but in modern colonialism and capitalism, through
the intersections of gender, race and class, abdicating the fallacies of the one-way world, which
not only transgresses gender, but in a color, in a class, with the care with feminist dystopia that
forget the 99%, and that prevent others from speaking, realizing that race, gender and class exist
as inseparable axes in gender crime as is the case of femicide.

Keywords: Femicide; intersectionality; Public policy.


SIGLAS

ACD Análise Crítica do Discurso


BO Boletim de Ocorrência
CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CEP Comitê de Ética e Pesquisa
DHPP Departamento de Homicídio e Proteção à Pessoa
FBSP Fórum Brasileiro de Segurança Pública
GT Grupo de Trabalho
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
PPGPP/UFPI Pós-Graduação em Políticas Públicas da Universidade Federal do Piauí
RG Registro Geral
TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
UFPI Universidade Federal do Piauí
USP Universidade de São Paulo
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 9
1.1 PERCURSO METODOLÓGICO ...................................................................................... 13
2 OS CONTORNOS ESTRUTURAIS DO COLONIALISMO-PATRIARCALISMO-
CAPITALISMO NO BRASIL E A CONFIGURAÇÃO DO FEMINICÍDIO .................. 21
2.1 APRESENTAÇÕES DOS CONCEITOS E A ORGANIZAÇÃO DAS RELAÇÕES DE
GÊNERO .................................................................................................................................. 36
2.2 A LÓGICA CRÍTICA DA INTERSECCIONALIDADE E SEUS SEMELHANTES COM
RELAÇÃO À VIOLÊNCIA DE GÊNERO / FEMINICÍDIO NO ÂMBITO DO ESTADO .. 41
2.3 COMO O RACISMO SE OPERA EM TERMOS ESTRUTURAIS EM RELAÇÃO ÀS
MULHERES E ÀS BASES DA INTERSECCIONALIDADE ............................................... 56
2.4 AS INFLEXÕES DA RAÇA E DA CLASSE SOBRE O GÊNERO COMO
ATENUANTES AO CONTEXTO DO CRIME ...................................................................... 65
3 A ANÁLISE DO CONSTRUCTO SOCIAL DO CRIME DE FEMINICÍDIO PARA
ALÉM DO TÃO SOMENTE OLHAR ANACRÔNICO DOS INQUÉRITOS POLICIAIS
.................................................................................................................................................. 80
3.1 O RETRATO INVESTIGATIVO DOS CRIMES DE DO FEMINICÍDIO NO PIAUÍ .... 87
3.2 A PROBLEMATIZAÇÃO ACERCA DA NATUREZA DO CRIME OU INFRAÇÃO
PENAL DO FEMINICÍDIO ................................................................................................... 108
3.3 FEMINICÍDIO: HOMICÍDIO DOLOSO SIMPLES ....................................................... 111
3.4 LESÃO CORPORAL VERSUS TENTATIVA DE FEMINICÍDIO ............................... 116
3.5 FEMINICÍDIO ESTENDIDO .......................................................................................... 121
3.6 FEMINICÍDIO MANDATO ............................................................................................ 123
4 FEMINICÍDIOS PERIFÉRICOS E NÃO PERIFÉRICOS: PERFIS DAS VÍTIMAS E
DOS FEMINICÍDAS ............................................................................................................ 127
4.1 O PERFIL DA VÍTIMA ................................................................................................... 130
4.2 O PERFIL DO/A AGRESSOR(A)/FEMINICIDA CONFORME A POLÍCIA:
DESTAQUE PARA “OS DESAJUSTADOS” DENTRO DA ORDEM SOCIAL ............... 142
4.3 A ANÁLISE DO CONSTRUTO SOCIAL DOS INQUÉRITOS POLICIAIS DE
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA/ FEMINICÍDIO NO ESTADO DO PIAUÍ: ANÁLISE
TEXTUAL .............................................................................................................................. 154
4.4 O JUGO DA FIDEDIGNIDADE DOS TERMOS DE DECLARAÇÕES ...................... 165
4.5 OS JUÍZOS DE VALORES ESTABELECIDOS PELOS PROFISSIONAIS QUE
PARTICIPAM DA LINHA INVESTIGATIVA DOS INQUÉRITOS POLICIAIS E AS
INCOERÊNCIAS INVESTIGATIVAS ................................................................................. 166
5 ENTREVISTAS: REFORÇOS DIALÓGICOS COM OS INQUÉRITOS POLICIAIS
................................................................................................................................................ 175
5.1 DO PONTO DE VISTA DO GÊNERO E SUAS RELAÇÕES: O QUE PENSAM OS
INFORMANTES-CHAVE..................................................................................................... 178
5.2 A INTERSECCIONALIDADE E A EMPATIA SELETIVA ......................................... 188
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 199
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 202
APÊNDICES ......................................................................................................................... 221
APÊNDICE A - Roteiro de entrevista da pesquisa para a escrivã da polícia civil................. 222
APÊNDICE B - Roteiro de entrevista da pesquisa para a delegada da polícia civil .............. 223
APÊNDICE C - Roteiro de entrevista da pesquisa para o(a) policial da polícia civil ........... 224
9

1 INTRODUÇÃO

Esta dissertação, intitulada de Feminicídio: interseccionalidade de gênero, raça e classe


no âmbito criminal, foi desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da
Universidade Federal do Piauí (PPGPP/UFPI) com despesas custeadas pela Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Tem, como objetivo geral, analisar,
a partir da interseccionalidade, como a cultura de gênero reverbera em um contexto de racismo
e classismo sobre a investigação e a nomeação do crime de feminicídio em inquéritos no setor
especializado no estado do Piauí.
A partir desses objetivos gerais, a pesquisa foi desenvolvida considerando os seguintes
objetivos específicos: contextualizar, numa perspectiva interseccional, a violência de gênero
(doméstica e familiar) e o feminicídio; correlacionar o crime de feminicídio às relações culturais
de gênero, raça e classe em contextos sociais específicos do Piauí; identificar o perfil das
vítimas de casos de violência de gênero e feminicídio nos inquéritos do núcleo policial
investigativo de feminicídio do estado do Piauí; e caracterizar o perfil sociodemográfico do
feminicida no Piauí.
O feminicídio é um crime de gênero com motivação misógina, ou seja, motivado pelo
ódio ao ser feminino. Nesse sentido, mulheres são assassinadas simplesmente por serem
mulheres. Além disso, na literatura criminal e nas pesquisas quali-quantitativas acerca do tema,
o cenário definido para o seu acometimento é o ambiente doméstico, com cerca de 65,6% dos
assassinatos de mulheres realizados em domicílio. Em razão disso, o crime ganha status de
violência doméstica e familiar, cometido em 95% das vezes por aqueles que figuram como o
ser masculino na vida dessas mulheres, podendo ter relações consanguíneas ou não (IPEA;
FBSP, 2019). Entretanto, é necessário dizer que as definições experienciais do crime variam a
depender do contexto sócio-histórico-cultural, por isso precisa-se ir além da aparência singular
do fenômeno, percebendo todas as suas concretudes de mediações ou particularidades que o
potencializam, como, por exemplo, a raça e a classe, a fim de se ter um entendimento na sua
totalidade.
Na sua complexidade e em suas múltiplas relações sociais, aqui foi utilizado o método
do materialismo histórico dialético para entender o feminicídio e o conceito de
interseccionalidade, formulado por Crenshaw (2017) e outras autoras, para compreender como
outras formas de opressão (raça e classe), além do gênero, podem contribuir para potencializar
o crime em mulheres não brancas. Nesse sentido, o papel da(o) pesquisador(a) deve sero de
desvelar como o universal se concretiza na singularidade mediada pelas particularidades ou
conceitos para que se tenha a compreensão do todo. Conforme Kosik (1976), todo fenômeno
10

aparece de modo imediato na singularidade, todavia, é preciso ultrapassar tal perspectiva de


olhar, considerada por ele ilusória, para se enxergar o universal ou o todo, desvendando as
múltiplas dimensões e determinações do fenômeno concreto.
Através das pesquisas para referendar os capítulos, percebeu-se que ainda é incipiente
correlacionar feminicídio com o conceito de interseccionalidade, pois ainda configuram o crime
como democrático entre as mulheres (vídeo mito da democracia racial), o que é observado em
alguns artigos científicos, legislações, protocolos e em aparatos judiciais, bem como nos
movimentos feministas. Ocasionado pelas bases históricas do Estado brasileiro, trazidas pelo
mito da democracia racial e pelos falsos princípios meritocráticos, permeiam o modelo de bem-
estar social brasileiro, o meritocrático-particularista.
Esses princípios meritocráticos são inexistentes no Brasil ou em qualquer país de
mesmas características culturais societárias, em que tais concepções errôneas terminam por
recaírem nas políticas públicas, uma vez que a política pública é um constructo social, como
afirma Behring e Boschetti (2017). Assim, ao longo dos capítulos, verificou-se que tal
democracia racial é ilusória, na medida em que os dados comprovam as ocorrências do crime
de forma preeminente e crescente em mulheres negras. Em razão disso, para além de
criminologia, o crime ganhará ares políticos ao se unir com o conceito interseccional.
A dissertação buscou dar visibilidade às vidas ceifadas por esse crime, que são invisíveis
aos olhos das políticas públicas, e destacar que, apesar de o crime ser por uma única motivação
de gênero, é preciso ressaltar que as experiências femininas acometidas pelo mesmo crime não
são universais.
Atribui-se o feminicídio de mulheres negras à própria conformação do Estado, que tem
como bases eixos fundantes de dominação e opressão, como: o patriarcado, o colonialismo e o
capitalismo. Dessa forma, a produção desta dissertação é necessária também para compreender
a conformação do Estado, que é colonial, patriarcal e capitalista, e como isso reverbera em
relação à proteção de mulheres vítimas de feminicídio mediante as políticas públicas. As
categorias de abordagem para discorrer sobre isso foram: as relações de gênero; o racismo; as
mulheres plurais (mulherismo); o classismo; o feminicídio; as políticas públicas e a
interseccionalidade.
O momento atual político instiga ainda mais a discussão, pois é um governo que
explicitamente ignora as minorias e desconsidera suas lutas, principalmente daquelas e daqueles
que buscam políticas públicas mais específicas, entendendo-as como “privilégio” ou erro, por
acreditar que vivemos em uma democracia racial e que não há racismo no Brasil. Ainda que
negue, o governo tanto corrobora quanto é fruto de uma sociedade baseada nesses preceitos
racistas, classistas e sexistas. O momento é histórico, pois nas crises democráticas é que podem
11

insurgir as luzes para se pensar e se discutir as políticas públicas específicas para os grupos que
sofrem mais, uma vez que fazer ciência e formular políticas é uma oportunidade única de
possibilitar uma reflexão que leve a uma ação que transforme a sociedade para melhor.
Considerando que a pesquisa pretendeu compreender “Como o feminicídio é
investigado e percebido, em um contexto de racismo e classismo, pela equipe do Núcleo Policial
Investigativo de Feminicídio?”, foram levantadas as seguintes hipóteses: a não nomeação do
feminicídio nos inquéritos policiais implica em uma invisibilidade dos crimes de ódio voltados
às mulheres no estado do Piauí; a cultura racista, classista e patriarcal de aspectos machistas
obstaculiza na formulação de proteção à vida das mulheres, em específico das negras, que se
encontram em situação de risco de morte; o feminicídio é um assassinato de mulheres anunciado
e tolerado pela sociedade e pelo Estado.
O campo que compreende essa pesquisa é o Núcleo Policial Investigativo de
Feminicídio, sediado na capital de Teresina. O núcleo foi criado em 2018 e funciona no
Departamento de Homicídio e Proteção à Pessoa (DHPP) da polícia civil do estado, instituído
através da Portaria nº 064/GS/2015, no dia 2 de março de 2015, com a atribuição de apurar a
violência contra a mulher denominada de “Feminicídio”, investigando a morte de meninas,
mulheres cis, travestis e mulheres transexuais por motivação de gênero. A sua sede fica na
Avenida Pedro Freitas, Teresina- Piauí.
O Piauí, lugar do escopo da pesquisa, de acordo com o último censo demográfico
realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é um estado que tem como
extensão territorial o equivalente a 251.756,515 quilômetros quadrados. Está localizado na
região Nordeste e detém, aproximadamente, 3.281.480 habitantes, o que corresponde a 1,64%
da população total do país. A capital Teresina possui 868.075 habitantes: em dados percentuais,
49% desta população é do gênero masculino e 51% do gênero feminino (IBGE, 2020).
Ao analisar o quadro de feminicídio no Piauí, segundo o Atlas da Violência 2020, no
Piauí, foram, ao todo, 52 mulheres assassinadas em 2018, destas, 43 negras. Conforme o estudo,
o estado se encontra com a terceira menor taxa de feminicídio em 2018, estando atrás apenas
dos estados de São Paulo e Santa Catarina. Todavia, os dados mostraram que a situação
melhorou somente para mulheres não negras, visto que o total dos homicídios de mulheres
(86,6%) teve como vítimas mulheres negras. Com isso, a pesquisa evidenciou o abismo da
desigualdade racial entre as mulheres piauienses, constatados a partir de duas fontes de
informação: 1) inquéritos policiais compreendidos entre os anos 2015 e 2021; e 2) entrevistas,
com a delegada, a escrivã e 3 agentes da polícia civil que fazem parte diretamente do Núcleo
Policial Investigativo de Feminicídio, em razão de serem as pessoas que lidam diretamente com
a investigação do crime de feminicídio.
12

Na entrevista, o destaque foi para descobrir as reflexões dos entrevistados acerca do


tema feminicídio, sendo a/o policial a/o único(a) a sofrer adaptação ao contexto de gênero. No
caso da escrivã, é sabido que ela é a única profissional pertencente ao Núcleo Policial
Investigativo de Feminicídio do Estado do Piauí, assim como a delegada, de forma que não
houve necessidade de preocupação com a variação de gênero nas perguntas.
Para o entendimento de outras clivagens sociais que permeiam o crime, assumindo esta
pesquisa como sendo a ótica interseccional, foi perguntado para os três profissionais sobre a
razão de existirem mais mulheres negras vítimas de feminicídio, frisando, aqui, o contexto
racial. Para entender a questão do poder aquisitivo, foram buscados nos próprios inquéritos
policiais as profissões das vítimas, bem como informações sobre o perfil socioeconômico do
feminicida no Piauí. Por fim, também foi perguntado a caracterização, de modo geral, dos
profissionais, com o intuito de entender sobre quem está à frente nas investigações do crime,
obtendo detalhes, como: idade, cor de pele, orientação sexual e identidade de gênero.
O projeto de pesquisa obteve aceite pelo Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) da
Universidade Federal do Piauí (UFPI) ao cumprir com as diretrizes impostas pela Resolução nº
466/2012 do Conselho Nacional de Saúde em relação às questões éticas envolvendo pesquisas
com seres humanos (BRASIL, 2012) e pela Resolução nº 510/2016 do Conselho Nacional de
Saúde, que trata sobre a Ética na Pesquisa na área de Ciências Humanas e Sociais (BRASIL,
2016). Assim, a confidencialidade e a privacidade de todos os participantes permanecem
garantidas (CAAE: 51764421.2.0000.5214).
Em relação aos participantes, todos receberam esclarecimentos em relação à pesquisa,
ressaltando-se que foi feita uma explanação sobre os riscos e benefícios que implicou na
participação da mesma, bem como seu direito à desistência em qualquer momento e garantia
do sigilo, sendo feita a leitura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE)
juntamente com a pesquisadora e os indivíduos que aceitaram. Os participantes da pesquisa
assinaram duas cópias do TCLE: uma ficou com a pesquisadora e outra com o/a participante.
No momento da leitura do TCLE, os benefícios ficaram bem claros, informando o
objetivo da pesquisa – contribuir para gerar informação sobre a política de feminicídio (Lei nº
13.104/2015), visando estimular a redução desse crime. Sobre os riscos, informamos que não
haveria nenhum de ordem física, porém, caso ocorresse de algum participante fomentar
sensação de impotência e/ou constrangimento na hora da entrevista, poderia desistir. Para evitar
essas sensações desagradáveis, a pesquisadora estava comprometida em tentar na relação face
a face com o sujeito e refazer as questões novamente de modo que ele(a) não se sinta julgado,
se comprometendo a explicar de forma ética, a todo o momento, a importância da pesquisa.
Além disso, a entrevista foi realizada em locais reservados indicados por eles.
13

Os momentos de entrevista respeitaram todos os cuidados elencados na carta circular nº


1/2021-CONEP/SECNS/MS, que informa a adoção das diretrizes em decorrência da pandemia
causada pelo Coronavírus SARS-CoV- 2 (Covid-19), com o objetivo de minimizar os
potenciais riscos à saúde e à integridade dos participantes da pesquisa e da pesquisadora.
Quando em campo na coleta dos dados, a pesquisadora e os entrevistados fizeram o uso de
máscara, álcool em gel para esterilizar as mãos e quaisquer objetos utilizados na entrevista,
como canetas, por exemplo, além do distanciamento mínimo de 1 metro entre eles (BRASIL,
2021). Sobre a escolha dos participantes, os critérios de inclusão: maiores de 18 anos e
profissionais de segurança pública diretamente envolvidos no sentido de solucionar o crime de
feminicídio; e de exclusão: profissionais vinculados ao Núcleo Policial Investigativo de
Feminicídio do Departamento de Homicídio e Proteção à Pessoa (DHPP-Piauí) que não
aceitaram participar do estudo.

1.1 Percurso metodológico

Esta dissertação busca analisar, a partir da interseccionalidade, como a cultura de gênero


reverbera sobre a investigação e a nomeação do crime de feminicídio no setor especializado no
estado do Piauí a partir de duas fontes de informação: 1) inquéritos policiais de 2015 a 2021 e
2) entrevistas presenciais com a delegada, a escrivã e três agentes da polícia civil, em razão de
serem as pessoas que lidam diretamente com a investigação do crime de feminicídio.
Tratou-se de um estudo do tipo descritivo, analítico e exploratório com abordagem
qualitativa para delineamento da pesquisa (CRESWELL; CLARCK, 2011). A pesquisa
analítica é utilizada na apreensão e avaliação de informações dos dados qualitativos disponíveis
para desvelar e explicar o contexto do fenômeno, podendo ser classificados como históricos,
filosóficos, sociológicos, revisões e meta-análises. Já o estudo exploratório, conforme Gil
(2008), tem o objetivo de permitir uma maior aproximação com a problemática que se pretende
estudar a fim de torná-la mais explícita ou conceber novos pressupostos.
Aliado ao estudo descritivo, analítico e exploratório, apresenta-se a Interpretação de
Sentidos e Análise Crítica do Discurso enquanto metodologia para esta pesquisa (PÊCHEUX,
1990). O primeiro será utilizado para trabalhar o sentido do discurso (entrevistas) e o segundo
o conteúdo do texto para os documentos (inquéritos policiais). O método de Interpretação de
Sentidos é fundamentado nos princípios hermenêutico-dialéticos para interpretar os conceitos,
os motivos e as lógicas de diálogos, ações e inter-relações entre indivíduos ou grupos de
indivíduos e instituições.
A Análise Crítica do Discurso (ACD), em linhas gerais, é toda produção que gera
linguagem e uma prática social – nesta pesquisa, os inquéritos policiais. Conforme Orlandi
14

(2019), sua importância se dá em decodificar a ideologia no contexto de formação social, na


busca do deslocamento do óbvio. A ACD, em sua abordagem interdisciplinar, agrega conceitos
da linguística, do materialismo histórico e da psicanálise enquanto eixos fundantes: a linguística
contribui no estudo da língua enquanto questiona os sentidos na interpretação de um dado texto;
o marxismo questiona a junção história / língua enquanto produtora de efeitos de sentidos; e a
psicanálise, com o deslocamento da noção de ser homem para a de sujeito que se constitui e
contribui na relação com o simbólico. Dessa forma, a ADC contempla vários saberes científicos
das ciências humanas e sociais.
Para a interpretação das entrevistas, utilizou-se o método de Interpretação de Sentidos.
A consolidação desse método envolve quatro polos: o epistemológico (dimensão crítica que
avalia se uma produção é científica ou não, promovendo uma ruptura entre os objetivos
científicos e o senso comum); o teórico (com conceitos e princípios para orientar a
interpretação); o morfológico (associando as regras de estruturação do objeto de investigação);
e o técnico (com controle da coleta de dados e sua confrontação com a teoria que o suscitou).
Tal método é bastante utilizado pelas Filosofias e Ciências Sociais, que costumam analisar
palavras, ações, conjuntos de inter-relações, grupos, instituições, conjunturas. Uma das
referências dessa técnica é Geertz (1978), que se baseia em Max Weber quando diz que “o
homem é um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu” (1989, p. 15),
frisando que estas são socialmente estabelecidas.
Os caminhos para a realização do método de Interpretação de Sentidos envolveram 3
etapas, que não são sequenciais, podendo haver interpenetração entre elas: 1) Leitura
compreensiva do material selecionado, na qual se busca, de um lado, ter uma visão de conjunto
e, de outro, apreender a particularidade do material, seja da perspectiva dos autores, das
informações e das ações coletadas que serão ancoradas em uma fundamentação teórica e nas
especificidades do material; 2) Exploração do material, que procura ir além das falas e dos fatos,
caminhando do que está explícito para o implícito, do revelado para o velado e do que é texto
para o subtexto; e 3) Elaboração do material (o ponto de chegada da interpretação propriamente
dita na procura do caminhar em direção a uma síntese fazendo articulação entre os objetivos do
estudo, a base teórica adotada e os dados empíricos.
À primeira vista, a Análise de Conteúdo (BARDIN, 2011; CÂMARA, 2013) parecia o
mais lógico para este tipo de pesquisa. Entretanto, Gomes (2007) sugere o Método de
Interpretação de Sentidos enquanto tentativa de se avançar sobre as interpretações dando um
passo para além dos conteúdos dos textos na direção de seus contextos e revelando as lógicas e
as explicações mais totalizantes presentes numa determinada cultura acerca de um determinado
tema. O método é ancorado numa base tanto filosófica quanto das Ciências Sociais, caminhando
15

na compreensão (atitude hermenêutica) e na crítica (atitude dialética) dos dados gerados da


pesquisa qualitativa.
A técnica de captação de sujeitos foi o uso de informantes-chave, indivíduos
competentes por terem um notório conhecimento acerca do fenômeno, pois lidam diretamente
com ele e que, portanto, podem conceder informações úteis para a pesquisadora entender o que
está acontecendo (BISOL, 2012). O critério para escolha deles como participantes do estudo se
dá pelo fato de atuarem de forma direta com o crime de feminicídio, em específico, e as suas
cargas horárias serem em regime de plantão, o que facilitou a disponibilidade e o consentimento
para uma entrevista semiestruturada.
Procura-se entender os sentimentos desses indivíduos com relação ao crime e como eles
se sentem ao realizar seus respectivos trabalhos, buscando, inclusive, entender as alteridades
entre gêneros no exercício profissional. Não se pode esquecer que cada sujeito é único e que,
portanto, possui particularidades que o auxiliam na construção da sua individualidade, bem
como influenciam seu modo de compreensão dos fenômenos compartilhados e vivenciados
socialmente (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2009). Nesta pesquisa, buscou-se perceber as
percepções desses sujeitos através do diálogo, percebendo suas subjetividades e influências e o
que os diferenciam entre si, sobretudo, no que diz respeito ao gênero (homem e mulher).
Na entrevista, o destaque dado foi para descobrir as reflexões dos entrevistados acerca
do tema feminicídio. Para a escrivão, perguntou-se: 1-Como o feminicídio é investigado:
partem do pressuposto de que é homicídio ou feminicídio para analisar o caso? Qual
procedimento adotado quando encontram uma mulher assassinada? ; 2-Como você qualifica o
crime de feminicídio nos inquéritos policiais; 3- Como você se sente nesse trabalho em que
agressores comentem um crime no qual a vítima é sempre uma mulher?; 4- Você acha que seu
trabalho teria diferença se fosse feito por um homem?; 5- Em sua opinião, por que existem mais
mulheres negras vítimas de feminicídio?; 6- Todos os casos de feminicídio são tratados iguais?
Por exemplo, quando vão interrogar o feminicídio, é independente da condição financeira ou
atividade laboral dele ou dela?; 7- E os casos de transfeminicídio, como são tratados?; 8-
Quando o feminicídio é feito sob substância de álcool ou entorpecente (drogas)?; 9- Qual a
função do Estado perante o crime de feminicídio?; 10- Qual a sua interpretação sobre lesão
corporal grave e sobre tentativa de feminicídio?; 11- O que você entende por feminicídio?
As mesmas perguntas também foram realizadas com a/o policial, sendo a última
adaptada ao contexto de gênero caso a entrevistada seja uma policial mulher. Considerando que
a delegacia possui escalas policiais rotativas, além do fato de que os policiais passam muito
tempo fora desse ambiente, apenas retornando para efetuar prisões e apreensões, não se tinha
como precisar, de antemão, se, nesse caso em particular, a/o participante da pesquisa seria um
16

policial homem ou mulher. Em vista disso, para o caso de ser policial mulher, a pergunta que
será feita é: Você acha que esse seu trabalho teria diferença se fosse feito por um homem? Por
ser geralmente um dos primeiros profissionais a estarem in loco no cenário do crime, outra
pergunta que será feita à/ao policial civil é: Quando você chega à cena do crime de feminicídio,
qual o seu sentimento?
No caso da escrivã, é sabido que ela é a única profissional pertencente ao Núcleo Policial
Investigativo de Feminicídio do Estado do Piauí, igualmente à delegada, não necessitando de
preocupação com a variação de gênero nas perguntas. Para a delegada, as perguntas foram: 1-
Como o feminicídio é investigado: partem do pressuposto de que é homicídio ou feminicídio
para analisar o caso? Qual procedimento adotado quando encontram uma mulher assassinada?;
2- O fato de você ser mulher em uma delegacia de feminicídio é relevante?; 3- Em sua opinião,
se o delegado fosse homem, o trabalho seria igual ao que você faz ou teria alguma diferença?;
4- Você acha que as relações de gênero afetam o seu trabalho de alguma forma?; 5- Em sua
opinião, por que existem mais mulheres negras vítimas de feminicídio?; 6- Todos os casos de
feminicídio são tratados iguais?; 7- Porque você escolheu estar nesse cargo? O que a motivou?;
8- E os casos de transfeminicídio, como são tratados?; 9- Quando feminicídio é feito sob
sustância de álcool ou entorpecente (drogas)?; 10- Qual é a função do Estado perante o crime
de feminicídio?; 11- Qual a sua interpretação sobre lesão corporal grave e sobre tentativa de
feminicídio?; 12- O que você entende por feminicídio?; e 13- Quando você chega à cena do
crime de feminicídio, qual seu sentimento?.
O instrumento para a coleta de dados foi um roteiro semiestruturado que contemplava
tanto essas perguntas subjetivas quanto era precedido de uma caracterização do perfil (idade,
cor de pele, orientação sexual e identidade de gênero) dos participantes da pesquisa. Segundo
Gil (2008), esse modelo de entrevista se caracteriza por ter como objetivo primordial somente
a coleta de dados. Para a gravação das entrevistas, utilizou-se um software de gravação de áudio.
A entrevista semiestruturada, diferentemente das outras, pode ser feita em um ambiente
descontraído e sem muita pressão por ser menos estruturada, apenas se distinguindo de um
simples diálogo, pois tem, como intuito básico, a coletas de dados. No entanto, é importante
destacar que em estudos exploratórios e analíticos como este, o entrevistador deve sempre
manter o foco no seu objetivo, que é obter uma visão global do problema de pesquisa e ter
sempre em mente que não se trata de conversa “entre amigos”.
Foi utilizada a técnica de observação participante, que decorre do contato da
pesquisadora com o fenômeno observado, no caso o(a) entrevistado(a), para compreender um
conjunto de variantes de situações ou fenômenos que não puderam ser obtidos através de
perguntas. Os fenômenos foram observados na própria realidade, captando as falas dos sujeitos,
17

ao passo que se acompanhou seus comportamentos, nos quais eram percebidos sem qualquer
interrupção de diálogo. Essa é uma técnica usual em pesquisas de teor etnográfico, em que o(a)
pesquisador(a) anota além do que ouve e também registra o que vê (BOGDAN; BIKLEN,
1994).
Na observação participante foi necessário fazer uma autoanálise do que convinha estar
na história do estudo para refletir sobre a aprovação ou a recusa de um silêncio momentâneo
anotado simultaneamente durante a fala do entrevistado(a), por exemplo (VALLADARES,
2007). A Análise Crítica de Discurso contribuiu para esta pesquisa com o intuito de focalizar e
entender como o crime de feminicídio se apresenta nos inquéritos policiais e coletar
informações que poderiam ser complicadas de responder na hora da entrevista pelos
entrevistados. Conforme Fairclough (2013), é pautada pela ética, oferecendo ferramentas para
desvelar as relações de poder e o conhecimento, produzida com o objetivo de transformar a
sociedade ao permitir enxergar o viés ideológico de estruturas que se pensavam solidificadas,
como a de gênero, por exemplo, demonstrando todas as suas instabilidades e interpretando os
problemas advindos dela a fim se chegar à sua derrocada.
Neste sentido, Fairclough coloca a ADC como método que pode ser utilizado na
pesquisa social científica, promovendo margens para análises linguísticas ou semióticas em
reflexões ou escritos mais amplos da vida social. Além do mais, tem um diálogo com outras
teorias e métodos sociais, se engajando não somente de forma interdisciplinar, mas
transdisciplinar, compreendendo como coengajamento particulares sobre determinados
aspectos do processo social da vida, suscitando a necessidade de avanços teóricos e
metodológicos. A ADC é também a análise das relações dialéticas entre semioses (inclusive a
língua) e outros elementos das práticas sociais, como nos ditos dos atores sociais, no curso de
suas atividades, que produzem não só representações das práticas em que estão inseridos
(representações reflexivas) ao recontextualizar e incorporar às suas próprias, pois as identidades
de pessoas que conseguem se operar em certas posições são apenas parcialmente determinadas
pela prática em si. Ressaltando que as pessoas de diferentes classes sociais, gênero,
nacionalidades, raças/etnias ou culturas, com arcabouço de experiências de vida diversas,
produzem desempenho distinto (FAIRCLOUGH, 2013).
Em função disso, a Análise Crítica do Discurso se propõe, enquanto reflexo da teoria
social, contribuir para as pesquisas sociais ao trazer consigo a heterogeneidade e peculiaridade
com relação às formas de comunicação de atores e grupos sociais, neste caso, o problema do
feminicídio, mostrando todas as suas facetas discursivas e estudos discursivos críticos com o
objetivo de analisar concepções ideológicas articuladas em textos e mapear possibilidades
discursivas com intervenções. Para a ACD, qualquer que seja a ideologia, não é uma ocultação
18

ou máscara, mas, sim, a responsável pela produção dos efeitos de evidência, pela ideologia, se
naturaliza, assim, o que é produzido por meio da história social.
É preciso dizer que a ideologia não é dissimulação, mas interpretação do sentido
enquanto condição de sujeitismo. Somos condicionados a uma determinada ideologia
provocada por uma formação histórica social que determina a escolha que fazemos, tenhamos
nós consciência disso ou não. Com isso, a ACD sofre oscilação entre a ênfase na estruturação
da semiótica dada pelas ordens de discurso e a ênfase na ação, ou seja, no trabalho semiótico
produtivo que acontece nos textos e/ou interações, sendo destaque, sobretudo, o textual, ao
utilizá-lo, no caso desta pesquisa, para examinar os inquéritos policiais, pois os escritos são
também maneira de ser, identidade, em seu aspecto semiótico.
A partir da vivência da pesquisadora de Políticas Públicas e na avaliação dos inquéritos
sociais e as entrevistas com os informantes-chave, observou-se que, muitas vezes, os inquéritos
não deixam claro a raça/etnia das vítimas, nem do agressor e/ou feminicida. Nessa perspectiva,
foi incumbido de uma metodologia de heteroidentificação, respeitando a composição de gênero
e étnico/racial, bem como discutido que a identificação ético/racial nos Boletim de Ocorrência
(BO) quase sempre é heteroidentificada porque o/a escrivão nem sempre faz essa pergunta;
ele/ela avalia e insere a informação. Com isso, foi tomado como método utilizado nas
universidades para quem se autodeclara negro (a)/ preto (a) ou pardo (a)- e indígenas - para
concorrer às cotas que correspondem à questão étnico-racial, com a finalidade de se evitar
possíveis fraudes ao se basearem nos fenótipos da vítima e do agressor/ feminicida, observando
as características visíveis pelas fotos do Registro Geral (RG), pois é o documento que as pessoas
se apresentam na forma natural, sem maquiagem e acessórios, como boné, óculos escuros e
outros, como a cor de pele, caso a foto for preto/ branco, as que não deram para observar a pele,
tentando observar a estrutura do cabelo, a característica do rosto, lábios e nariz. Não levando
em conta ascendência da pessoa como avós, bisavós e pais, portanto, ainda que nas provas
testemunhais contenha o RG desses entes, não será contado como precedente de raça/etnia.
Considerado uma peça fundamental para a escrita desta dissertação, houve a
necessidade de contactar uma especialista para o diagnóstico de heteroidentificação, de forma
que o auxílio de Rosângela Hilário, Doutora e Pós-doutora em Educação pela Universidade de
São Paulo (USP) e professora do Departamento de Educação da Universidade Federal de
Rondônia, foi essencial. A escolha pela professora se deu porque, recentemente, na
Universidade que ela atua, instalou-se, no dia 18 de novembro de 2021, o Grupo de Trabalho
(GT) para serem feitas as heteroidentificações para a seleção de estudantes negros. O GT é
constituído por vários professores, dentre eles(as) a professora Rosângela Aparecida Hilário,
presidente do grupo, defendido na instituição como legado para as políticas públicas de
19

educação com vistas à ampliação da diversidade no âmbito da universidade (UNIR, 2021).


Foi enviada à professora Rosângela Hilário as fotos dos Registros Gerais (RGs) e
informações sobre os sujeitos (lê-se vítima e feminicida/ agressor). A pesquisadora afirmou que
esse tipo de análise, que denomina de “letramento racial”, tem a ver com tudo o que
conseguimos “ler” a partir do que vemos no sujeito. Então, nesse sentido, conforme ela, as
características contam muito, mas a maneira como a pessoa vive/viveu e até sua morte são
consideradas na hora de determinar raça/etnia, ou seja, socioeconômicas. Outra questão dos
inquéritos policiais é se suas análises não serão feitas de forma positivada, com datação
cronológica, pois isso seria antidialético devido ao grau de importância nos achados de
pesquisa, sem preocupação com ano que ocorreu o crime.
Espera-se que o estudo contribua para analisar, a partir da interseccionalidade, como a
cultura de gênero reverbera em um contexto de racismo e classismo sobre a investigação e a
nomeação do crime de feminicídio em inquéritos no setor especializado no estado do Piauí,
com o objetivo de ampliar a leitura para o crime além da questão de gênero, buscando romper
a visão universal do ser mulher na sociedade brasileira, que despreza suas trajetórias e
experiências singulares de suas vidas, bem como através da ampliação e discussão no âmbito
acadêmico acerca da importância do usufruto da interseccionalidade associado ao feminicídio.
A relevância da pesquisa se dá em razão de a temática de feminicídio constar sempre em
alta, nunca se esgotando, aparecendo, inclusive, outras ramificações, como a
interseccionalidade, através do estudo para além do gênero, na tentativa de explicar e entender
a razão de que, mesmo com dados que comprovam que mais mulheres negras morrem vítimas
de feminicídio, não há um olhar do Estado com objetivo de promover políticas públicas
específicas acerca do crime.
***

Parte da aventura intelectual de leitura de textos que guiaram este estudo percorre
escritos tanto sobre a interseccionalidade quanto de clássicos acerca da raça, do gênero e da
classe de forma intercalada entre um e/ou outro e de aportes teóricos sociais, Psicanálise,
Filosofia, bem como de outros da área das Políticas Públicas, Ciências Humanas e Sociais ao
mostrar como os três juntos, de forma interseccional, possuem motivos de existência na sua
forma não só política, mas teórica. Nesta perspectiva, também pode chamá-lo de “outro”
impulso intelectual de compreensão da ótica das mulheres mortas vítimas de feminicídio à
medida que consegue ver para além do gênero, bem como isso tem a ver com a certeza pessoal
de construir um estudo para fundamentar um contexto sócio-histórico-político de mudança de
paradigma de entendimento do crime ao possuir uma concepção universalista de mulher.
20

Para poder desenvolver essa ideia central de pesquisa, a dissertação foi constituída por
introdução, que apresenta, além da problemática e objetivos do estudo, o seu percurso
metodológico. O primeiro capítulo, intitulado Os contornos estruturais do colonialismo-
patriarcalismo- capitalismo no Brasil e a configuração do feminicídio, tem natureza teórica e
se subdivide em: a) Apresentações dos conceitos e a organização das relações de gênero; b) A
lógica crítica da interseccionalidade e seus semelhantes com relação à violência de
gênero/feminicídio no âmbito do Estado; c) Como o racismo se opera em termos estruturais em
relação às mulheres e às bases da interseccionalidade e d) As inflexões da raça e da classe sobre
o gênero como atenuantes ao contexto do crime.
O segundo capítulo leva o título A análise do constructo social do crime de feminicídio
para além do tão somente olhar anacrônico dos inquéritos policiais, baseado no que está
proposto nos objetivos específicos, trazendo os elementos ausentes como raça e classe para
torná-los emergentes e urgentes na sua forma interseccional junto com gênero a fim de se ter o
conhecimento total do crime e tratando da importância de os mesmos estarem presentes e de
forma concomitante na análise do feminicídio.
A proposta para o terceiro capítulo, Feminicídios periféricos e não periféricos: perfis
das vítimas e dos feminicidas, foi de dividir os crimes de feminicídio, dispondo-os em
feminicídios periféricos e não periféricos, dando ênfase em como as condições de raça e classe
para além do gênero causam inferência nas linhas investigativas e tamanho dos inquéritos
policiais, confirmando essa diferença nas entrevistas.
Propõe-se, no quarto capítulo, com o suporte das entrevistas, analisar as pessoas que
transcrevem os inquéritos em uma perspectiva freiriana, com uso das práticas dialógicas, como
objetivo de identificá-los e reforçar ou contrapor com o que foi analisado nos inquéritos
policiais.
21

2 OS CONTORNOS ESTRUTURAIS DO COLONIALISMO-PATRIARCALISMO-


CAPITALISMO NO BRASIL E A CONFIGURAÇÃO DO FEMINICÍDIO

Conforme o Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça – 1995 a 2015 – do Instituto


de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) do ano de 2017, gênero e raça são categorias
fundantes de promoção da desigualdade social do Brasil além da classe. Ainda que esta, em
última instância, não apareça intitulada no documento mais recente do estudo, consta na tese
discutida por Saffioti em muitas de suas obras. Em O poder do macho (1987), Saffioti explica
como a vida de pessoas do gênero feminino varia quando estas se encontram juntas na sua
trajetória até a sua morte e como a classe dominante (leia-se homens brancos, heterossexuais,
cisgêneros e de classe rica) se beneficia e se potencializa dessa tripla categoria mutuamente,
ainda que não fale teoricamente de interseccionalidade.
De acordo com Reis, Leite e Matos (2019), os homens não brancos (negros e índios)
também internalizam e reproduzem a lógica dos eixos advinda dos descendentes preeminentes
de seus ex-colonos (os portugueses e outros europeus que ocuparam o litoral e as terras
brasileiras, perseguindo, explorando, escravizando e matando indígenas e negros), mesmo sem
se beneficiar de nenhum deles. As mulheres brancas, apesar de inseridas na classe oprimida em
termos de gênero, todavia, por serem as mais próximas do grupo opressor devido à cor da pele,
conforme Hooks (2000), são separadas de outras mulheres não brancas (negras e indígenas) e
também ficam acima de homens não brancos na hierarquia racial, pois, em primeiro lugar, são
homens brancos e na base da pirâmide são mulheres negras e indígenas; quando as mulheres
brancas não estão na classe pobre, ganham a benesse de serem duplamente pertencentes à
hegemonia por raça e classe.
Munanga (2019) afirma que as pessoas que são vítimas de racismo, machismo, sexismo,
classismo e outras fobias vivem a discriminação no cotidiano. O autor alerta que esse fenômeno
é difícil de ser explicado pela Antropologia, pela Sociologia, ou mesmo combatido, pois o
racismo estrutural é permeado por várias nuances e camadas. Quando questionado sobre a razão
de os colonos não perceberem a diversidade humana como privilégio, Munanga (2019)
argumenta que não se faz ciência sem ter consciência do que é a sociedade/todo social,
comparando a diversidade da natureza (fauna, flora, animais, minerais e outros), que não
possuem classificações de superioridade e inferioridade, como os seres humanos fazem
consigo.
O racismo, ao qual Munanga (2019) destaca, foi reformulado de acordo com a estrutura
de poder de cada país. A colonização na região da África subsaariana foi justificada pelo
racismo científico com o apartheid e outros países com teorias racistas. Apesar de cada um
22

terem dinâmicas diferenciadas, todos são terríveis e fazem vítimas de várias formas, como a
falta de direitos às pessoas negras e indígenas, produzindo diversos tipos de violência, tanto
físicas como simbólicas. Em razão dessas dinâmicas, há várias leituras do racismo a serviço do
colonialismo dado pelas normas sociais taxativas etnocêntrica ao tratar os colonizados como
selvagens e agressivos, desprezando a rica cultura material e imaterial, por exemplo, dos povos
pré-colombianos e nativos no México e dos indígenas e dos negros sequestrados da África no
Brasil, justamente por não serem parecidos com os outros, os estrangeiros ou colonos.
Munanga (2019) afirma que a ideologia racista só pode ser adotada por poderosos, como
imperadores e reis, ao não resolverem quaisquer diferenças de forma racional, procurando se
“proteger” dos seus “inimigos”. Nesse sentido, as relações entre pessoas são definidas pela
cultura influenciada pelo etnocentrismo, que considera outros grupos inferiores, e a recorrente
necessidade de preservar a sua identidade. Todavia, nos dias atuais, a diferença cultural não
deveria ser mais uma justificativa plausível para o racismo, pois nenhum povo vive isolado.1
Em razão disso, vê-se que o problema não está na cultura, pois vivemos em um mundo
globalizado, convivendo e consumindo diversas culturas o tempo todo. Segundo Almeida
(2019), a dificuldade de conceituar o racismo se dá pelo fato de ele ser encontrado da mesma
forma que o sexismo e o classismo, de forma estrutural, alojados nas diversas estruturas
societárias. Por isso, é importante olhar o contexto social de cada país analisado.
Com isso, o marxismo também se esgota, pois existem comportamentos racistas pós-
imperialismo colonial que não se explicam facilmente somente pelo viés econômico. Os povos
judeus são economicamente estáveis e nunca foram explorados economicamente, mas são
vítimas do antissemitismo, por exemplo.
Um dos modos para não generalizar é o conceito de Mbembe (2020), a necropolítica,
para construir uma identidade sobre racismo, pois sempre se matou, sendo preciso especificar
porque se matou uma pessoa de raça/etnia diferente do branco, especialmente quando o racismo
deixa ser imperialista para ter escala global e de dominação de classe com particularidades
inter-humanas.
Nessa perspectiva, Moura (2021) trata o racismo como arma ideológica. Não só
etnia/raça, mas também ideologia e política, seriam pretextos para a conquista dos territórios
dos colonizados, bem como o racismo interno, fruto da miscigenação ou pigmetocracia que
configura no Brasil com as noções de pardo ou pardismo. A nomenclatura “pardo” consta até
nos cenários estatísticos na categoria cor de pele/raça, com o sentimento remanescente do “não

1
São raríssimas as exceções a essa afirmação, de forma que se tem notícia de aborígenes na Oceania e alguns
poucos indígenas que vivem isolados na América Latina.
23

lugar”. Devulsky (2021) usa esse termo para tratar do lugar da pessoa negra de pele mais clara,
que, no Brasil, por convenção, são aqueles intitulados autointitulados de pardo. O colorismo
também é denominado pela autora como pigmetocracia, que ocorre, particularmente, em países
que foram colonizados por europeus. Piedade (2019) afirma que quanto mais pigmento escuro
tem a pele da pessoa mais exclusão esta sofrerá, de forma que as classes dominantes, isso é
tanto no Brasil como em outros países de características, por meio da dominação, mantêm o
seu sistema de exploração da parcela da classe trabalhadora formada por negros e mestiços.
No Brasil, o processo colonial se deu com a vinda dos portugueses, que chegaram em
suas caravelas, tendo como comandante Pedro Álvares Cabral. Ao aportarem, depararam-se
com os povos originários, intitulados por eles de índios, sendo os seus primeiros escravizados
(1540 a 1580). Durante o processo de escravidão, diversas situações ocorreram, como os
indígenas que fugiam mata adentro e alguns nunca mais foram encontrados pelos seus feitores,
mortalidade em virtude de doenças trazidas pelos portugueses e morte em lutas travadas pelos
portugueses, que lutavam com armas de fogo, e eles, os índios, apenas com flechas e arcos,
gerando, assim, muitas dificuldades no processo escravista (SIQUEIRA, 2020).
Os indígenas contaram também com a pressão dos jesuítas, que acreditavam que
poderiam “salvar” as suas almas os catequisando. Os jesuítas os consideravam seres
“inocentes”, que precisavam ser resgatados através da fé, que poderia transformá-los em
homens “civilizados”. Ao contrário do que se pensavam dos negros, que, quando foram trazidos
no século XVI e permaneceram escravos até o século XIX, os jesuítas diziam que os índios não
tinham alma, e que, por isso, mereciam ser escravizados como penitência na terra, usando, até
mesmo, os trabalhos escravos deles nas suas obras paroquiais e plantações. É preciso reforçar
a força que tinha o catolicismo nas influências políticas e econômicas enquanto ideologia
dominante na época. O trato de “civilizado”, ou não, para os indígenas até hoje é um dilema,
pois ainda se tem dificuldade no Brasil de tratá-los como cidadãos em meio à sociedade,
principalmente aqueles que mantêm a sua cultura ancestral vivendo mata adentro, o que, para
muitos, é visto como algo folclórico e alheio à realidade da metrópole (RODRIGUES, 2020).
O caráter folclorístico transparece também na Constituição Federal Brasileira, que trata
do indígena na Seção II da Cultura como culturas populares, dando margem ao imaginário e ao
místico, assim com os afro-brasileiros (que só aparecem uma única vez na Constituição também
na secção II de cultura), pois o que se trata aqui não é de uma cultura popular, mas, sim, uma
cultura ancestral de um povo originário do país. A cultura popular, em linhas gerais, é definida
como qualquer manifestação que inclui dança, música, folclore, arte, festa e outros. Já a cultura
ancestral é rica em história cultural deixada por antepassados de civilizações antigas e povos
originários. No Brasil, existem os indígenas e os descendentes de africanos. Além disso,
24

percebe-se também pouca primazia no que tange ao capítulo VIII da Constituição Brasileira,
voltado somente para indígenas.
Sobre a população negra, nada consta na Constituição de modo específico. Gilberto
Freyre criou o mito da democracia racial que diz que, devido à miscigenação, não existe mais
nenhuma raça pura, todas sendo as pessoas consideradas mestiças. No caso brasileiro, a
miscigenação foi totalmente intencional, pois a elite dominante europeia acreditava que através
disso a “raça superior” absorveria as “raças inferiores”, principalmente as correspondentes às
negras (GÉMES, 2014). Sérgio Buarque de Holanda, em seu livro Raízes do Brasil, também
procura figurar esse homem nacional. Ao tratar da representação do homem cordial, o autor se
refere ao modo comportamental geral de como seria o povo brasileiro. Vainfas (2016) afirma
que o Sérgio Buarque tratou a escravidão de forma atenuada ao fazer um comparativo com
Gilberto Freyre, mas que Buarque visava a uma “Teoria da América”. A semelhança entre o
pensamento dos dois historiadores é teorizar a originalidade brasileira, destacando que eles
agem por óticas totalmente opostas para o mesmo tema: Freyre (2019) nos discursos raciais do
seu tempo, cuja carga preconceituosa era etnocêntrica; e, com Holanda (1995), a analogia está
no aprofundamento estrutural da escravidão, que merecia mais destaque na tentativa elaborativa
de tese de homem nacional.
No mundo, temos Kant (2010), com suas ideias mundializadas que influenciaram
autores como Gilberto Freyre, que também era leitor de Kant, especialmente o gosto pelo belo,
que debruçam por juízos de valores e da estética, visto isso na sua romantização de um período
tórrido da história do mundo, que foi a escravidão, e é seu defensor ávido encarando vertentes
que fugiam do kantianismo como regresso. Aqui, não é desmerecendo das obras de Immanuel
Kant, apenas ocorre a realização de um paralelismo histográfico por pertencerem à biblioteca
básica da época de muitos autores e um grande nome conhecido até hoje, sobretudo em matéria
de filosofia, destacando que os seus estudos sobre superioridade racial, que foram importantes
para fundamentar as justificativas para domínio via colonização de países localizados nos
continentes Africano e da América Latina pela Europa, mas que são importantes para entender
o racismo como fio condutor da história imbricada com outras estruturas estruturantes como a
misógina e classismo.
Assim, quanto à diferença das perspectivas de mulheres que têm maior índice de
feminicídio, pode-se atribuir à forma como os países foram colonizados. No contexto brasileiro,
apesar de existir a Lei de Feminicídio, esse é um crime visto como igual e universal, o que
25

rebate também em função do mito da democracia racial de Freyre (2019). 2 Essa concepção é
encontrada no art. 5° da Constituição Federal Brasil, que diz que: “Todos são iguais perante a
lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade” (BRASIL, 1988, p. 17).
Além disso, a falta de informação pela condição étnico-racial dos feminicídios de
mulheres representa, sem dúvida, um obstáculo para compreender as especificidades e as
vulnerabilidades, resultado da desigualdade em geral e do racismo histórico e estrutural das
pessoas racializadas em específico. Akotirene (2018) afirma que fazer autodeclarações
corretamente contribui fundamentalmente para vislumbrar a criação de políticas públicas,
incluindo a violência de gênero/feminicídio, tratando especificamente dele, pois o não
compreender as vulnerabilidades e pensar em todas como um sujeito universal, vítima somente
de discriminações e violência de gênero, contribui com o risco de produzir silenciamentos, bem
como dificulta a elaboração de políticas públicas adequadas para enfrentar as violências em
diversos contextos, como nos casos das indígenas no Brasil. Por isso, é necessário revisarem
criticamente as políticas implementadas e focadas em enfrentar o feminicídio.
Posto isso, Saffioti (1987) faz uma diferenciação de quais pessoas do gênero feminino
sofrem mais. A autora marxista afirma que os acontecimentos na vida de uma mulher são
suscetíveis à variação em suas configurações no que se refere às categorias de dominação-
opressão, a depender da posição em que ela se encontra nesta ocasião – tome nota por raça,
classe e gênero, não que aqui se omita outras clivagens de opressão, desenroladas, inclusive, no
conceito de consubstancialidade, criado e trabalhado pela socióloga Kergoat (2010). A
socióloga defende a necessidade de sintetizar para além desta tríade, abordando outros aspectos
como sexualidade, deficiência, religião, nação, dentre outros. Essa tripla categoria reverberada
pelos três eixos é intitulada de interseccionalidade e foi concebida por Crenshaw (2017).
Umas das defensoras e difusoras do conceito de Crenshaw (2017) no Brasil é a escritora
Akotirene (2019), que tece uma crítica em seu livro acerca da consubstancialidade, tomando
como base o que conceitua o termo interseccionalidade. No livro Interseccionalidade (2019), a
autora retrata a importância de conceituar desta forma, dentre muitas coisas, por impedir o
aforismo matemático, como no exemplo: mulher + negra + nordestina + lésbica + trabalhadora
+ gorda, por considerar uma visão interseccional inválida.
Nessa perspectiva, de acordo com Akotirene (2019), o raciocínio correto deve ser de

2
Freyre (2009) romantiza o encontro de negros e brancos que promoveram a mestiçagem, o que impede que
ocorram debates sobre as diferenças raciais. Esse mito considera todas as pessoas como iguais e sem distinção de
qualquer natureza, não observando quaisquer particularidades, incluindo dentro do ser mulher.
26

retirar o enfoque nas diferenças identitárias e se ater às desigualdades impostas pelos eixos de
dominação e opressão. Dessa forma, a escolha por um dos conceitos deveu-se aqui a partir de
uma perspectiva “situada” da problemática, de forma que se optou pela interseccionalidade
enquanto eixo para fornecer pistas de análise para a configuração do crime de feminicídio. A
consubstancialidade é muito ampla e acabaria por extrapolar a questão, uma vez que o conceito
interseccional já traz artifícios suficientes para que seja pensado em um patamar de igualdade
analítica. Além disso, faz com que não seja analisado pelo viés da branquitude, principalmente
daqueles que se dizem aquém do sistema, ainda, assim, são autoinvisibilizantes e bastante
dúbios, ora se travestem defendendo várias pautas de minorias, por vezes sem a devida
correlação, e ora de somente humanos, fazendo com que as categorias tão importantes, como
raça, terminem por cair em dubiedade ou inexistam no meio social.
Ademais, aqui não se faz necessário correlacionar temas como, por exemplo, religião,
nação ou, ainda, deficiência. O feminicídio é uma questão de gênero e muitas autoras, como
Saffioti (2004), são unânimes ao atribuir-lhe como único autor dessa violência o homem,
constituído pelo ódio sentido pelas mulheres, devido a serem do gênero feminino, portanto,
configura-se como crime misógino, estruturalmente histórico e legitimado em qualquer
sociedade do mundo que tenha como valor fundante e cultural o patriarcado. A diferença, de
acordo com Araújo (2019), está apenas na narrativa que circunscreve o ser mulher atingida por
esta violência secular e letal, que não pode ser entendida no singular, mas, sim, de forma plural,
pois cada uma tem a sua historicidade de vida e, portanto, não pode ser lida de forma universal
tal qual ocorre com o crime.
É por isso que autoras como Collins (2019), Crenshaw (2017) e Akotirene (2019), dentre
outras, reiteram constantemente em suas diversas obras e artigos a necessidade de abrangência
e valorização da interseccionalidade como conhecimento epistemológico para entender, de
maneira sistemática, as iniquidades causadas pela junção dos eixos colonialismo, patriarcado,
e capitalismo, salientando a necessidade de se fazer justiça tanto histórica quanto cognitiva na
sociedade acerca das variadas ações de violências acometidas a este grupo social de mulheres
negras e indígenas, dentre elas, o feminicídio. De acordo com dados o Atlas da Violência 2020,
codifica-se relatando a proporção de mulheres negras vítimas da violência letal de gênero como
sendo de 68% de um universo total das que sofrem homicídios femininos no Brasil. Com isso,
percebe-se que existe, de fato, uma considerável disparidade racial entre os assassinatos
femininos correspondentes ao contexto racial de mulheres.
No que se refere à população indígena, a situação piora, pois há uma escassez de dados.
O problema vai desde ter apenas uma delegacia com um corpo técnico reduzido que relata seus
crimes somente em atas manuscritas até o uso de justificativas culturais para defender a
27

violência, dificultando o registro da denúncia e, por conseguinte, a obtenção de dados


quantitativos.
Além disso, é preciso ressaltar que ambos os relatórios de pesquisas são categóricos ao
dizer que ainda não é possível definir, dentro das porcentagens, quais, de fato, são feminicídios,
por isso a manutenção da nomenclatura de assassinadas e homicídios mesmo depois da Lei nº
13.104/2015 ou Lei de Feminicídio. Todavia, há fortes indicativos de que, dentre esses dados,
encontra-se o crime de feminicídio, por revelarem também que 65,6% dos assassinatos
femininos foram realizados em domicílio e seu algoz, em 95% dos casos, foi um homem com
quem a vítima possui ou possuía laços afetivos, podendo ser consanguíneos ou não (IPEA;
FBSP, 2019).
Segato (2016) é outra grande defensora do recorte interseccional para o crime de
feminicídio. A autora renomeia o crime para femigenocídio a fim de lhe dar um caráter político
a mais e ampliar os caminhos deste para além da questão de gênero, com o objetivo de que se
faça uso da interseccionalidade no acompanhamento das constantes atualizações do patriarcado
junto com esses outros eixos (capitalismo e colonialismo), principalmente para dizer como este
atinge, de forma mais forte, as vidas de mulheres, em especial, negras e indígenas pobres, bem
como para debater sobre a falta de especificidades no poder público mediante políticas públicas
para elas.
Assim como Segato (2016), Romio (2019) também é defensora do uso, debate e
implementação de políticas específicas na segurança pública para as mulheres que sofrem mais,
tomando como base o conceito de interseccionalidade. A demógrafa atribui essa ausência ao
pacto de conivência firmado entre o racismo institucional e o social, que faz com que mulheres
negras e indígenas sejam invisibilizadas. A autora afirma, ainda, que tal situação ocorre
principalmente em países onde há historicamente alta concentração de riqueza nas mãos de
poucos, bem como daqueles que possuem concomitantemente um elevado grau de disparidade
racial, no que se refere aos assuntos de mortes por violência, como ocorre no Brasil. Conforme
o Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (2019), os negros são 75% entre os mais pobres,
em contrapartida, os brancos são 70% mais ricos.
Esse processo colonial ainda se encontra presente mesmo pós-escravatura no
capitalismo: Piedade (2017) chama de colonialismo moderno, ou como outros autores
costumam intitular, neocolonialismo, pois algumas atividades laborativas ou a inserção no
mercado de trabalho continuam sendo feitas pelos mesmos perfis de raça/etnia, cor de pele e
gênero. Percebe-se, ao longo da discussão, que a desigualdade entre mulheres não termina com
o fim do capitalismo ou do patriarcalismo. É preciso extinguir por completo o colonialismo,
solicitando que o Estado tenha um olhar sobre a história do próprio país de modo decolonial e
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interseccional, objetivando políticas públicas específicas a estes segmentos.


Karl Marx não se aprofunda nos proletários primitivos na época do escravismo. Em sua
obra e na dos demais seguidores da doutrina marxista em que a imagem de trabalhador se
encontra apenas na sua forma de assalariamento, desconsiderando o anteparo da formação do
capitalismo monopolista com a exploração da força de trabalho escravo. Depois de uma breve
introdução em seu célebre livro O capital, começa-se a ser contado no capitalismo monopolista
a fase posterior ao capitalismo concorrencial, que captura a lógica do Estado para desenvolver
e conquistar os seus superlucros, fruto da exploração de trabalhadores assalariados. O Estado,
na perspectiva de Marx (2015), é tido como comitê executivo da burguesia e também
responsável pela conservação física da força de trabalho ameaçada.
Ianni (2000) revela que há uma tendência de pensamento que esquece de outras
problemáticas, como gênero e a raça. Nessa perspectiva, Adichie (2019) alerta sobre “o perigo
de uma história única” ao escrever sobre as mulheres estupradas e mortas como meio de
dominação ao longo do período colonial. A autora nigeriana faz diversos questionamentos,
parafraseando um deles: “Como lutar contra a escravidão sem opinar em assembleias
públicas?”. Essa luta é considerada impopular, assim como o capitalismo.
Para se corrigir tal falha, é preciso que se fundamente uma justiça de transição àquelas
mulheres não brancas e pobres que têm a possibilidade maior de sofrer com o fenômeno social
através da construção de outra identidade acerca da política pública de combate ao crime que
as visibilizem por meio de um descentramento cognitivo universal de forma interseccional,
conhecendo e reconhecendo a inexistência da igualdade supostamente pregada pelo Estado no
âmbito das políticas públicas. Ao olhar os contornos, percebendo-os além do gênero e
englobando questões raciais e do classismo historicamente presente no país, antes de aplicar
uma política pública em forma de Lei, em razão desse endividamento histórico, em especial,
euromarxista, toma-se aqui de posse a palavra “mercadoria” para exemplificar como elas
podem ser consideradas uma forma de mercadoria inferior ao homem, uma vida que pode ser
mais facilmente descartada, reconhecendo a realidade dos países como historicamente desiguais
e diversos, como no Brasil.
Para discutir como a mulher se torna inferior em relação ao homem, é necessário pensar
que, apesar de a sociedade capitalista advir de um processo acumulativo através da venda de
mercadoria acrescida com o lucro, gerando, com isso, a desigualdade social, ela existe bem
antes dessa ordem fomentada pelo capital, de forma que a colonização resvala, primeiramente,
na questão de raça/etnia/cor de pele. Não obstante, foca-se, neste tópico, a questão do gênero
relacionando o ser homem em detrimento do ser mulher, afinal, mulheres morrem por conta
deles. Realizando uma analogia ao que Karl Marx prega como significado de mercadoria para
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entender como uma vida pode ser facilmente descartada em detrimento de outra tal qual uma,
em que mercadoria, para o sociólogo alemão, é tudo que se é produzido para o mercado,
objetivando a venda e não o usufruto imediato de quem a produz (MARX, 2015).
Apesar do paralelo de Marx (2015), a correlação feita é sobre a questão do capitalismo
e a sociabilidade e a sua interlocução encontra-se no movimento da realidade capitalista em
suas múltiplas dimensões: materiais, culturais, espirituais, assim comonas produções e
reproduções das relações sociais. Não existe produção de mercadoria sem um conteúdo moral,
intelectual, ideológico e simbólico que sustente as dimensões materiais, culturais, espirituais,
etc. Portanto, busca-se o olhar para as relações sociais, sejam elas materiais, da própria
conservação física da classe trabalhadora, do aspecto cultural, educativo, espiritual, moralista,
que garanta essa dominação. São essas dimensões que constituem a sociabilidade humana na
ordem capitalista. No livro Relações sociais e Serviço Social, Iamamoto (2005) traz elementos
como mercado, capital, exploração, mais-valia apresentando-os como fundamentos para a
relação social. Todo esse processo é dissecado por ela baseado na clássica obra de Karl Marx,
O Capital, ao mostrar que a ordem capitalista não é só produção de mercadorias.
Marx (2015) trabalha mercadoria de forma mais substancial no desenvolvimento do
capitalismo. É importante saber que, em sua obra, o autor tem uma justificativa ainda que pouco
aprofundada sobre a sua estrutura acerca da colonização. Na sua forma dialética, fala sobre o
assunto como sendo uma conquista militar por parte de uma metrópole com o objetivo de
dominar povos estrangeiros, visando sua exploração de forma econômica com a
mercantilização da vida humana com a compra e venda de escravos advindos das variadas
partes do continente africano. Portanto, sua concepção de mercadoria engloba também a vida
humana, que, aqui, será pautada em observância ao gênero, pois a maneira de tratar os
escravizados negros e as escravizadas negras foi diferente.
Conforme Gomes (2019), as mulheres negras escravizadas no Brasil eram as únicas a
ficar na casa-grande. Lá, cuidavam da cozinha e/ou eram “babás” dos filhos das matronas
brancas. As escravizadas sofriam abusos que não eram acometidos a nenhum homem negro
escravizado em razão do seu gênero, dentre elas, a perseguição de mulheres brancas por ciúmes
da predileção dos maridos por alguma mulher negra, situação que configura outro abuso, pois
a mulher escravizada era obrigada a ter relações sexuais com os senhores, sofrendo ameaças de
morte caso oferecessem resistência e violência de gênero por estupro. Por ciúmes, as mulheres
brancas se vingavam mandando maltratar, torturar e até tirar partes do corpo com o objetivo de
não ficarem mais tão agradáveis aos olhos dos senhores/maridos. As escravizadas negras
também atuavam fora da casa-grande como vendedoras de aguardente, leite, broas e fumos
advindos da fazenda nas ruas da cidade, sendo chamadas de quituteiras, ocupando importante
30

função no comércio local. Nesse sentido, mulheres negras escravizadas tinham um duplo
exercício laboral: exploração sexual e econômica, diferentemente dos escravizados negros, que
tinha basicamente a função de trabalho nas lavouras.
Os indígenas brasileiros foram escravizados por pouco tempo em comparação aos
negros sequestrados da África; na tribo, em si, a divisão sexual do trabalho era algo natural,
sem hierarquia de gênero. Todavia, as mulheres indígenas sofreram violência sexual dos
colonos, dando origem a muitos filhos inter-raciais. As indígenas também tentavam defender
seus territórios juntos com demais indígenas, de forma que eram mortas por feminicídio
(WENCZENOVICZ; SIQUEIRA, 2017).
As escravizadas africanas no Brasil também se prostituíam, mas não em premência, pois
tinham a cargo outras funções. No México, por exemplo, a mercadoria das mulheres negras não
era só a força de trabalho como também seus próprios corpos. Em menor número, existiam
aquelas que eram vítimas de prostituição involuntária. Os malgrados cometidos contra as
mulheres se estendiam até a sua morte quando se recusavam ser objeto de negociação e de
serem raptadas, no Brasil, ao rejeitarem os senhores, podendo serem mortas também a mando
desses e sofrerem torturas a mando das senhoras brancas; no caso das indígenas, em guerras
travadas pelos colonos. Tempos depois, foi abolida a escravatura no Brasil, em 13 de maio de
1888, sendo o último país do mundo a abolir essa condição.
Com relação às mulheres brancas, Soujouner (1998) afirma que, no preâmbulo, todas
são mulheres, mas com realidades distintas, pois as mulheres brancas, no Brasil, por mais que
tivessem privilégios e vivessem uma vida confortável na casa-grande, eram sujeitas aos mandos
do marido, ficando boa parte da vida no âmbito privado com quase nenhuma liberdade,
correndo risco de serem mortas por eles, especialmente, em caso de traição (COELHO, 2008).
De acordo com Lugones (2008), como todos os descendentes de europeus, eram igualmente
vítimas da dominação, primeiro pelo pai, depois ao contrair matrimônio. Nisso, percebe-se que
as mulheres brancas são mais afetadas pelo patriarcado do que por colonialidade.
Lugones (2008) mostra interseccionalmente como isso recai nos demais eixos, além da
raça, gênero e classe, traz a questão da sexualidade com objetivo de aprofundar acerca das
indiferenças advinda dos homens brancos e não brancos, que, apesar de vítimas desses eixos
sofrerem discriminações e explorações de forma violenta, tornam-se cúmplices ao efetivar a
violência das mulheres de sua cor, sendo, assim, uma forma de não órbita apenas em gênero
pautas feministas e não apenas em classe pauta marxista.
Nesta perspectiva, o autor Quijano (2005) tem como máximo propósito em seus estudos
o oferecimento de uma teoria histórica da classificação social em troca do que autor chama de
“teorias eurocêntricas sobre as classes sociais”, tendo em vista que as relações humanas e a
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humanidade continuam sendo pautadas pelos termos apenas biológicos na sua proposta, assim
como propõe Lugones (2008), que sua análise está centrada na classificação das pessoas por
raças no cenário do capitalismo mundial, na qual ela acrescenta nos seus estudos feministas
gênero e sexualidade, de como isso enseja na violência de gênero que perpassa pelas históricas
disputas por espaço, trabalhos, do gênero, lutas de longa duração e desejo de mulheres de não
serem mortas pelo gênero oposto, mostrando que não se pode ser separado um do outro.
Essa discussão que se encontra com o sociólogo Quijano (2005), dada no estudo sobre
a sistemática da colonialidade do poder, tendo como escopo a América Latina e o seu
capitalismo colonial/ moderno condicionado ao padrão eurocentrado, que tem como
classificação social da população mundial a raça, esta que pautada pela construção mental não
superada no atual momento de globalização, esta que se expressa para além de ser um fenômeno
que integra economia, cultura e o social em escala mundial à Terra intensificadas pelos fluxos
de dinheiro, mercadorias, informações, mas, principalmente, de pessoas, dada pelo avanço
técnico-tecnológico da comunicação e nos transportes que tem por base a densa experiência da
dominação colonial que respalda várias dimensões do poder mundial, como a racionalidade
“universal”, eurocêntrica.
Da mesma forma, são importantes as abordagens de Curiel e Generoso (2019), que
reforçam esses ditos ao tratar sobre gênero ao dizer que não se deve trabalhá-lo como categoria
universal, única, estável e descontextualizada, na qual, assim como os demais autores, reforça
os ditos de que a globalização reforçou e que é complexa, e essa complexidade se constitui nas
relações sociais e que esse sistema de alteridade é alimento para o mercado, sendo, ainda, sua
matéria-prima para um colonialismo moderno, não assexuado, mas que segue os ritos
patriarcais, mas, sobretudo, racista.
É importante destacar que as ideias dos tempos coloniais persistem na América Latina.
O que torna essas mulheres mais vulneráveis à coação de violência são seus corpos
interseccionais entre raça, gênero e classe, como mulheres negras e mulheres indígenas de
forma distintas entre os países. A desigualdade e hierarquia de raça e classe tende a se
aprofundar com o passar da idade, pois, ao nascer com a cor preta/parda (negra), são “jogadas”,
de imediato, para a base da pirâmide social. Conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), 75% entre os mais pobres são negros enquanto 70% entre os mais ricos são
brancos (IBGE, 2019). Dados como estes comprovam que a base da pirâmide social é
compreendida pela classe e pela cor. A população negra é explorada como sustentáculo de uma
cadeia de produção e reprodução da vida, do trabalho e da sociedade. É a engrenagem e a força
motriz composta pela massa trabalhadora para ofertar a realização e o acúmulo de riquezas ao
grande capital dominado massivamente por brancos através de trabalhos que constituem em
32

força física e/ou manuais (MARX; ENGELS, 2006; CARNEIRO, 2003).


Conforme Carneiro (2003), os trabalhos oferecidos às mulheres negras normalmente são
aqueles não preteridos por mulheres brancas e de classe alta em razão da baixa remuneração e
de status, como de bens e serviços, por exemplo, serviços domésticos ou no comércio. Esses
serviços lembram as negras quitandeiras de tabuleiro (mulheres escravizadas) que eram
colocadas pelos senhores para vender na rua no período da escravidão. De acordo com Carneiro
(2003), só é possível realizar tal paralelismo quando se observa pela ótica da
interseccionalidade, que permite entender a questão de gênero, raça e classe juntos enquanto
eixo fundante de opressão e dominação, bem como outros que os potencializam, como a questão
etária.
O avanço da idade adicionado ao desgaste corporal torna essas mulheres descartáveis
para o sistema racista-patriarcal-capitalista, fazendo com que a morte de quem pertence às
classes mais baixas e negras não faça tanta diferença, como no caso das mulheres negras mortas
por feminicídio. Tal fato não ocorre com quem possui profissões elitizadas como a medicina,
que, ao contrário daquelas (comerciante e vendedora), são encaradas como uma notória perda
pela sociedade, pois esta é vista, sob a ótica da sociedade racista-patriarcal-capitalista, como
mais necessária do que as outras.
Nesse sentido, o gênero é um fio condutor, mas não suficiente para compreender a
relação que recai nas leis, discursos e instituições, que perpassam pela imagem vigente de
influência colonial, sendo necessário romper com a hegemonia do ser mulher, que costuma ter
narrativas androcêntricas, nas quais os homens atingem as mulheres de forma clássica até os
dias de hoje, pois a violência de gênero, dentre elas o feminicídio, é um crime de desprezo ao
ser feminino, acrescentando a discriminação às mulheres no mesmo sentido de posse e
tratamento de mercadoria. Apesar da globalização, ainda há muitos resquícios históricos e
culturais, sendo preciso observar o particular de muitas situações, pois muitas coisas
simplesmente não mudaram, apenas foram incorporadas à modernização. Autoras como
Piedade (2017) chamam de colonialismo moderno devido aos resquícios encontrados na
sociedade capitalista, bem como relacionados ao patriarcado vigente.
Essa simbiose, ideia trazida por Saffioti (1987) ao falar do colonialismo- patriarcalismo-
capitalismo, tem um eixo principal no qual o colonialismo engloba os dois eixos de dominação
e opressão (capitalismo e patriarcalismo), por isso, mesmo saindo da escravidão, ele ainda
persiste nos demais, uma vez que não foi superado (KILOMBA, 2020). A divisão sexual do
trabalho escravo já existia, sendo aperfeiçoado no modelo capitalista para a mão de obra
assalariada, subalternizando agora o gênero na diferença do banco de horas e o trabalho pago,
em que muitas mulheres fazem as mesmas funções que o homem, ganhando menos.
33

Quanto às formas de trabalho, ainda são as mesmas na modernidade: babás, empregadas


domésticas e vendedoras, em sua maioria feito por mulheres predominantemente negras no
Brasil. De acordo com o IBGE (2019), mulheres negras são responsáveis pelos afazeres
domésticos com cerca de 94,1%. A pesquisa remete esse elevado dado ao fato de mulheres de
cor preta terem a menor participação do mercado de trabalho, fruto da historicidade
(colonialismo) e a falta de opção/oportunidades para elas, sendo uma profissão que passa de
mães para filhas, formando um ciclo vicioso na questão trabalhista, o que revela uma alarmante
desigualdade de oportunidades de inserção ao mercado de trabalho, concentração de renda e
racismo estrutural associado a gênero no Brasil. As mulheres se destacam como vendedoras em
comércios e mercados com 59%. Apesar de mulheres brancas fazerem parte deste rol, a
pesquisa afirma que os rendimentos salariais de mulheres que são pretas e pardas são inferiores
aos delas, na qual mulheres brancas ficam abaixo somente dos homens brancos nesse requisito.
Na pirâmide social que engloba os eixos da interseccionalidade (raça + classe + gênero)
construída por Carneiro (2003), mulheres negras ficam na base na pirâmide, acima dela homens
negros, acima, mulheres brancas e, no topo da pirâmide, o homem branco.
O estigma das empregadas domésticas do Brasil: são profissões associadas à mulher de
cor da pele preta e pobre, refletindo as desigualdades econômicas e educacionais. Ao fazer um
paralelismo com o colonialismo, percebe-se que quase nada mudou depois que o mundo
ascendeu sob a ótica do capitalismo. Em relação à empregada doméstica e às vendedoras,
mudou apenas o fato de que agora são profissões que possuem um extenso exército industrial
de reserva e que, apesar de atuarem, quase sempre, de forma assalariada, muitas vezes, estão
sob condições precarizadas e até sem a assinatura de carteira de trabalho, de forma que o patrão
negocia sozinho a forma de pagamento e suas horas de trabalhos diretamente com sua/seu
trabalhador(a).
Autores como Gomes (2019) afirmam que, para traçar um perfil realista de países que
foram colonizados, é preciso dizer que deixaram de ser escravistas, mas não escravocratas.
Nesse sentido, pode-se perceber que o capitalismo apenas intensificou algo que já existia no
colonialismo junto com o patriarcado, que causa a hierarquização entre os gêneros,
principalmente quando mulheres têm salários e funções considerados mais baixos do que os
homens, especialmente para aquelas mulheres que sofrem mais ao serem percebidas do ponto
vista racial, como mulheres negras e indígenas. Nessa sociedade, há resquícios fortes de
desigualdade, ainda mais severos, aumentando o grau de subordinação das mulheres na busca
por sua sobrevivência quando são sozinhas e quando tem companheiros ao buscar trabalho para
empoderar-se, mesmo que, para isso, realizem trabalhos precários e mal remunerados a fim de
não ficar à mercê apenas do dinheiro do seu companheiro, pois uma das violências que se
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encontra nesse ciclo é a patrimonial, ou seja, o controle da vida de uma outra pessoa em função
de prover o seu sustento.
É preciso que o feminicídio seja visto do ponto de vista colonial, mostrando que não há
uma única forma de ser mulher. Percebê-las através do diálogo com a decolonialidade faz com
que mulheres negras em países colonizados como o Brasil sejam mais assassinadas por seu
gênero e mulheres indígenas sejam ocultadas dos dados estatísticos, situação que é diferente
para a imensa maioria das mulheres brancas que não experienciam essa vida. A decolonialidade
também auxilia a interpretar outras formas de trabalho, como as domésticas e as vendedoras,
ao não considerá-las profissões de importância, sendo rapidamente substituídas pelo exército
industrial de reserva que se amplia continuamente, benéfico somente para o capitalismo, pois
oferece uma grande quantidade de trabalhadores de baixo custo salarial que trabalhem com uma
grande carga horária e de forma precarizada.
O feminicídio, é fato, é um crime de gênero. No entanto, é necessário que seja
compreendido que há vários caminhos que levam até ele, tendo como suporte a ótica da
colonialidade como resquícios na modernidade (lê-se neocolonialismo ou colonialismo
moderno) de uma sociedade não escravista, mas que ainda mantém profissões com as mesmas
mulheres racializadas, acrescentando a situação das prostitutas que não entram na divisão
sociotécnica do trabalho, mas são trabalhos que sustentam muitas mulheres não brancas, através
do olhar para diversidade, que fará com que lutamos por uma sociedade justa.
É muito importante compreender essa relação imbricada entre o capitalismo e o
colonialismo por oferecer entendimento da conformação ou natureza do Estado moderno e suas
reformulações política, ideológica e econômica que influenciam nas políticas públicas. Esse
Estado moderno se encontra com a classe dominante lhe dando todas as condições para que
mantenha o status quo, diferentemente da época do capitalismo concorrencial em que se tinha
a mão invisível do mercado e o Estado como coadjuvante em situações que a lógica do mercado
não conseguia resolver, sendo preciso frisar que, com o método de Marx, o olhar dado para
entender a conformação histórica atual do Estado moderno brasileiro tem como base o
econômico (PAULO NETTO, 2009).
Nessa perspectiva, o olhar do marxismo em sua linha sociológica é sempre pós-
feudalismo, tratando os anos anteriores tão somente como acumulação primitiva, e não tendo
trabalho, ainda que seja o não-pago. É preciso ter reflexão decolonial acerca da dependência
epistemológica experienciada nas academias de Ciências Sociais da América Latina, que
renegam saberes interinos decoloniais em favor de outros que respondam por metade, ou de
forma alguma, o objeto de estudo que se pretende analisar. A sociedade latino-americana é
relacionada estruturalmente por um passado colonial. Esse fato não deve ser percebido somente
35

como fato social. Ele culmina no silenciamento e apagamento de um grupo específico de


raça/etnia (lê-se negros(as) e indígenas) que se manteve estruturalmente marginalizado nessa
evolução temporal, mas que continua amarrado a um passado não superado e reinventado com
neocolonialismo experienciados.
Com isso, é preciso destacar como as Ciências Sociais latino-americanas têm o seu
poder analítico reduzidos em face da única valorização de conhecimento localizado em ponto
geográfico do planeta, que se mostra como único, universal e absoluto. Tendo em vista que as
bases são históricas e fundantes, é difícil contemplá-las sem uma visão inicial do princípio que
orquestrou os conflitos e desordenou os nativos da terra, os indígenas, e os povos desenraizados
africanos sem levar em conta o colonialismo e seu principal fio condutor, o racismo, que separa
os brancos (europeus) dos não brancos de forma piramidal.
A antropóloga brasileira Lélia González, em seu pensamento amefricanizado, afirma
que o feminismo visa a recuperação dos pensamentos historicamente apagados de mulheres
negras e indígenas, atrelando essa ocultação à negação do racismo existente em países
colonizados. No México, a antropóloga Marcela Largade y de los Ríos visa, assim como
González, à construção de um pensamento feminista latino-americano. O conceito de
“cativeiros” foi criado pela mexicana para se pensar as condições de mulheres na sociedade
com uma vida sem direitos, sem consciência de cidadania e nem laboral, e com grandes
assimetrias de deveres e formas de dominação com legitimidade individual e coletiva no
mundo, construção sócio-histórica que resulta em privilégios que só a partir de uma consciência
crítica e emancipatória se revela como é: paradoxal (LAGARDE Y DE LOS RÍOS, 2015).
A mexicana Carmen Cariño Trujillo costuma ser associada a outras autoras, como
Lagarde y de los Ríos (2015) e outras, como aquela fomentadora do pensamento feminista
decolonial, procurando entender a participação ativa da raça e do gênero na epiderme moderna
colonial que faz a diferença no contexto do colonialismo e neocolonialismo. Com isso, defende-
se aqui que é preciso olhar o mundo na sua totalidade social, na sua complexidade, na sua
diversidade e nas suas particularidades, e dar fim aos ditames que abarcam apenas um ponto de
vista epistemológico ou, pelo menos, englobam conceitos que contemplem mais coisas que ele
comporta, como a questão da luta de classes.
Moura (2021) contradiz Marx ao dizer que os quilombos no Brasil são as expressões
máximas da luta de classes antes do chão de fábrica. Pode-se adicionar a luta das terras
indígenas em face ao contexto agrário e as conspirações dos povos escravizados no México
contra a questão da escravidão, superada apenas formalmente, tornou-se parte do processo da
modernidade, pois a subalternização e a exploração por classe continuam acontecendo,
ocorrendo de forma mais forte com a população negra em ambos países por dilemas como
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assassinato de mulheres por serem mulheres, no caso o feminicídio. A decolonialidade vem


justamente para desconstruir os padrões, comportamentos, conceitos e perspectivas, criticando
diretamente a modernidade e o sistema capitalista.
As pesquisadoras sobre feminicídio, Romio (2017), do Brasil, e Pelulero (2020), do
México, são unânimes em dizer que a lei só funciona se articulada com políticas públicas. No
Brasil e em outros países de características semelhantes, a implementação efetiva das políticas
públicas que tenham um recorte interseccional é um grande desafio. O que fica explícita é a
fragilidade dessas políticas, especialmente em cidades pequenas, interioranas e próximas de
aldeias indígenas. Um dos motivos para o acometimento do feminicídio é a falta de políticas
públicas, espaços que permitam levar adiante as denúncias. Assim, os dados são invisibilizados,
o que reflete na falta de políticas públicas ainda mais específicas.
Portanto, fazer qualquer discussão descolada desses eixos é equivocado e quaisquer
políticas públicas reivindicadas a partir do conceito de interseccionalidade são cabíveis, ainda
que desenvolvidas para um crime que tem como uma única motivação o gênero, como o
feminicídio. Logo, o fim do patriarcado não se dará sem o fim do capitalismo e do colonialismo
e, portanto, nesta perspectiva, está justificado o uso da interseccionalidade.

2.1 Apresentações dos conceitos e a organização das relações de gênero

Historicamente, os primeiros estudos de gênero apareceram nos anos 1990 com as


teóricas feministas pós-estruturalistas, como a francesa Simone de Beauvoir e a estadunidense
Judith Butler. Ambas consideram gênero, sexo e corpo como sendo construídos culturalmente,
não apenas de forma biológica, mas, principalmente, dando centralidade à categoria gênero em
seus estudos enquanto principal regulador das normas societárias.
Outra bem conhecida estudiosa de gênero e as suas distinções culturais é a historiadora
americana Scott (1995), que rebate as concepções totalmente biológicas perpetuadas pelo senso
comum. Para além disso, Scott apresenta novas visões para essas questões ao tratar das
simbologias que trazem os conceitos normativos (gênero, sexo e corpo) através do método de
interpretação de sentidos. Conforme a autora, esses conceitos limitam e fazem com que as
pessoas pensem de forma equivocada o que é o ser mulher e o ser homem e suas relações de
gênero, expressas nas diversas estruturas e doutrinas religiosas (igrejas), educativas (escolas),
políticas ou em ordenamento jurídico (delegacias, legislações), discussão que pode ser
entendida de forma mais aprofundada, associando as ideias do filósofo Althusser (1980) em sua
obra Ideologia e aparelhos ideológicos do estado. Scott (1995) afirma também que gênero,
sexo e corpo sempre agem de forma hierárquica e assimétrica, pois é assim que a sociedade
patriarcal ordena que se comportem.
37

Nesse sentido, as relações de gênero são inferidas como sendo ordenamento do


estabelecimento de poder entre os gêneros feminino e masculino, que estão sujeitos às estruturas
da sexualidade e da reprodução biológica em razão da concepção cultural proposta pela
sociedade patriarcal vivida no Brasil e em outros países do mundo. Por conta disso, têm-se
problemas de entendimento por pessoas acerca dessa relação mostrada em diversos estudos,
pois o pensamento adverso gerado pelo senso comum faz com que muitos indivíduos vinculem
o conceito de gênero a sexo como se fosse a mesma coisa, bem como o faz com seus outros
associados (sexualidade, identidade de gênero e orientação sexual), compreendendo-os como
iguais.
No entanto, ao contrário do que diz o senso comum, esses conceitos são bastante
distintos; eles podem se correlacionar, mas, claro, sem perder as suas especificidades. Nessa
perspectiva, conforme Grossi (1998), a sexualidade, de forma ampla, são as práticas eróticas
humanas que podem ser culturais à medida que alguns atos são legitimados (leia-se os
heterossexuais) pela sociedade em que se vive, no caso patriarcal, denotado como “instinto” do
ser humano cuja razão única é a de perpetuar sua espécie via reprodução.
A identidade de gênero, conforme Jesus (2012) em seu guia técnico sobre pessoas
transexuais, travestis e demais transgêneros, intitulado Orientações sobre identidade de gênero:
conceitos e termos, nada tem a ver com a realidade posta pelo social (leia-se sociedade
patriarcal), que diz que todas as pessoas são naturalmente cisgêneras, apesar de deixar claro que
não há explicações científicas do porquê de alguns seres humanos se identificarem com um
gênero diferente do seu de nascimento. Todavia, é de suma importância para as pessoas travestis
e transexuais essa aceitação para se viver integralmente em sociedade, por isso, luta-se para o
uso do gênero que identificam tanto na vida profissional como social – dentre essas lutas, as
mais conhecidas são o direito de usar o banheiro destinado ao gênero que se identificam, além
da utilização do nome social.
Já a orientação sexual configura-se em o indivíduo ser bissexual ou monossexual. O
monossexualismo, na sua forma erótica, pode ser atribuído ao homossexual ou heterossexual,
enquanto bissexual dimensiona para ambos. Mais recentemente houve o aparecimento da
nomenclatura pansexual, dada àquele que se atrai sexualmente ou emocionalmente por outra
pessoa independente de qual seja o seu gênero ou identidade de gênero, e têm-se ainda aqueles
que não possuem atração sexual por ninguém, ou seja, sem interesse no que se refere às
atividades sexuais, denominados assexuais.
Por último, gênero e sexo juntos, além dos outros, são os que costumam ser mais
erroneamente discutidos. Conforme Beauvoir (1980), o conceito de gênero foi se definindo ao
longo do tempo como homem ou mulher. Através da sua identificação e sexo, diz respeito a
38

alguns elementos do corpo humano, como genitálias e aparelhos reprodutivos, sendo que
algumas pessoas possuem tanto vagina como pênis, os chamados intersexuais.
Todos esses conceitos são estudados por diversas áreas das Ciências Humanas e Sociais
por serem assuntos que possuem tanto um caráter individual como político e social no que tange
às formas de como as pessoas se entendem no mundo e o vivenciam no que se refere aos seus
desejos e prazeres. Gênero e sexo, muitas vezes, não expressam o real. Em O poder do macho,
Saffioti (1987) retrata como as relações de gênero não são tão naturais quanto parecem, pois
são pré-determinadas por uma sociedade patriarcal de aspectos machistas em que a sexualidade
masculina se reduz simbolizada como naturalmente ativa e agressiva (remetendo a sua suposta
força em contrapartida às mulheres) e a feminina é colocada enquanto passiva e restritiva tão
somente à questão da maternidade (e maternal), bem como à emoção.
Entretanto, quando se estuda autoras como a filósofa Butler (2015), que questiona esses
tipos de representações acerca tanto do que corresponde ao gênero quanto sobre a sexualidade,
é preciso ressaltar que elas podem, sim, se completar em uma discussão, mesmo não sendo
iguais. Butler faz isso, em seus estudos, com o objetivo de causar uma ruptura com o suposto
binarismo e suas concepções lineares de sexo e gênero (masculino-feminino) e o
heteronormativismo presente na sociedade. Dessa forma, Safiotti (1987) e Butler (2015)
buscam desmistificá-los, por meio de leituras críticas, para explicar as problemáticas situadas
na realidade, como o caso da violência de gênero. Conforme as autoras, esta violência é
engendrada pelo processo imperativo do sistema patriarcal ao reduzir o ser mulher em
favorecimento do ser homem na sociedade, dando um suposto poder a ele, histórico e social,
gerando as desigualdades de gênero, dominação de gênero e opressão de gênero, que são
denunciadas diariamente por movimentos feministas e outros de caráter minoritário, bem como
pesquisadora(e)s da área, defendendo, dentre muitas coisas, a não colocação puramente
biológica de fenômenos que são sociais e culturais.
Indubitavelmente, pode-se perceber o quão complexo é o estudo de gênero e suas
relações, que se estendem tanto no âmbito social quanto no individual. Isso ocorre em razão de
a estrutura organizacional de dominação hierárquica simbólica que existe e coexiste na
sociedade. Essas correlações desiguais de construção cultural causam os mais diversos tipos de
violência de gênero, como o estupro e o feminicídio, este último tema desta dissertação.
Assim, percebe-se a importância do estudo do gênero e suas relações enquanto
categorias de análise de estudo para as pesquisadoras das Ciências Humanas e Sociais, como
Saffiotti (1987), Butler (2015), dentre outras. Outra vertente do feminismo que reforça essa
teoria é a do feminismo negro, na qual se pode listar dentre autoras expoentes bell hooks,
Kimberlé Crenshaw e Angela Davis, em uma perspectiva global e, no Brasil, Lélia Gonzalez,
39

Carla Akotirene e Sueli Carneiro, que reforçam tanto o teor cultural, alimentando as teorias de
gênero, quanto incluem fortemente outros elementos-chave de raça e classe enquanto
condicionantes.
Crenshaw advoga o uso do seu conceito de interseccionalidade, que consiste em pensar
nos vários eixos do sistema de opressão, especificamente raça, classe e gênero, enquanto
articuladores que possibilitam que certas pessoas sejam discriminadas e experimentem as
violências de gênero de maneira singular, tanto por conta da sua cor não branca quanto pela
classe em que se encontram, pois, quando são pobres, tais violências triplicam. Conforme outra
estudiosa de gênero, Akotirene (2019), isso só reflete a importância do seu uso do conceito de
interseccionalidade enquanto instrumento pelos movimentos feministas negros, movimentos
antirracistas e de direitos humanos, também para ampliar as políticas públicas existentes
visando mais às mulheres negras, bem como a criação de outras específicas a elas no que se
refere à violência de gênero.
É importante fazer essa reflexão, pois, dentro das relações de gênero, enquanto as
mulheres do feminismo clássico perguntam “Quem desafiamos quando colocamos a questão de
gênero enquanto problema social?”, a pergunta das mulheres negras é “Quem desafiamos
quando colocamos a interseccionalidade nas relações de gênero?”. Desse modo, percebe-se que
quem está no topo da desvalorização sócio-histórica brasileira são as mulheres negras, pois são
as maiores vítimas da violência mais fatal de gênero. Segundo o Atlas da Violência 2020, 68%
do universo total de mulheres vítimas de feminicídio são negras. Nessa perspectiva, torna-se
uma das principais controvérsias para aqueles que acreditam que o crime tem a questão de
gênero como única justificativa, já que o feminicídio acontece, exclusivamente, por razões
misóginas. No entanto, quando se traz a perspectiva “situada” de um país como o Brasil, logo
se traz também a reflexão de Kerner (2012), parafraseando o título do seu artigo “Agora tudo é
interseccionalidade?”.
Hirata (2014), no artigo “Gênero, classe e raça: interseccionalidade e
consubstancialidade das relações sociais”, traça como foram desenvolvidos esses conceitos
teóricos. Aqui, o destaque será dado à interseccionalidade pela razão já pautada no texto de
apresentação desse capítulo, na qual a autora historiza o termo afirmando que tal conceito faz
parte de uma herança anglo-saxônica denominada de Black Feminism, surgida em meados da
década de 1990, viabilizado pelo estudo interdisciplinar elaborado por Crenshaw (2017) e
outras autoras de origens inglesa, estadunidense, canadense e alemã.
A pesquisadora Crenshaw (2017) trabalhou especificamente as questões de raça, classe
e gênero de modo focalizado, com o objetivo de entender como essas estruturas de opressão e
dominação perpassam a vida e a morte de mulheres negras – aqui se estende também às
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indígenas – subdividindo esse conceito em duas esferas: a “interseccionalidade estrutural” e a


“interseccionalidade política”. A primeira consiste em identificar a posição em que se
encontram as mulheres de cor (leia-se negras e indígenas) nos intercruzamentos de raça e gênero
nos vários tipos de violência de gênero advindos da sociedade patriarcal (estupros, feminicídios
e outros tipos de violência conjugais e familiar). Na “interseccionalidade política” são
desenvolvidos ordenamentos, intitulados de axiais (gênero, raça e classe), dentro das políticas
feministas com o objetivo de fomentar o antirracismo para entender de que forma a sociedade
marginaliza as mulheres de cor (HIRATA, 2014).
Dessa forma, a interseccionalidade entra nas relações sociais como uma teoria
transdisciplinar que visa compreender o contexto e o teor de desigualdade em qualquer âmbito
social pelo enfoque dos eixos integrados pelo patriarcado-colonialismo-capitalismo. As autoras
brasileiras Rios e Sotero (2019) fazem uma reflexão nos seus estudos de gênero e suas relações
para compreender como a interseccionalidade vem se estabelecendo enquanto paradigma
irrefutável nas Ciências Humanas e Sociais, ou seja, pensando epistemologicamente o gênero
em uma perspectiva interseccional.
Essa abordagem tem como proposição o usufruto de outras categorias, como raça e
classe, para além do conceito de gênero, como mencionado anteriormente, bem como busca
realizar interpelações críticas acerca das formas analíticas mais tradicionais existentes de
construção de conhecimento, mas sem desmerecê-lo, pois engloba conceitos já preexistentes,
como classe e gênero, acrescentando apenas a raça. Ademais, representa uma ferramenta de
emancipação política para aquelas socialmente excluídas e que se encontram abaixo da
pirâmide hierárquica tanto em relação aos homens (brancos e não brancos) quanto em relação
às mulheres brancas.
Outros autores clássicos de gênero, como Biroli e Miguel (2014), conhecidos por suas
inúmeras obras, dentre elas o Feminismo e Política: uma introdução, têm recepcionado bem o
conceito interseccional enquanto princípio norteador para entender as desigualdades raciais e
sociais existentes e salientam que, assim como gênero, o conceito de interseccionalidade foi
marginalizado nas Ciências Humanas e Sociais durante muito tempo, considerando seu usufruto
bastante tardio. A autora Saffiotti (1976), pesquisadora clássica de gênero no Brasil, apesar de
não tratar do conceito de interseccionalidade em si, sempre procurou, em seus estudos e tese de
gênero e suas relações, trazer, de forma empírica, as mulheres negras e pobres que sofrem
violência de gênero de forma descritiva.
No entanto, somente mostrar a violência de gênero de forma empírica não basta, era
preciso teorizar através de um conceito que fundamentasse essa concepção. No Brasil, uma das
autoras que fez isso foi Carneiro (2003), trazendo para o centro analítico de seus estudos e suas
41

pesquisas acerca da perspectiva interseccional, que engloba três formas de dominação e


opressão vinculadas ao processo colonial, patriarcalismo e capitalismo. Essas formas de
dominação e opressão são duradouras e resistentes, pois têm como natureza possuírem
hierarquias desiguais, o que faz com que mulheres não brancas sofram triplamente uma
discriminação por raça, classe e gênero, e também discutindo o apagamento dessas mulheres
historicamente oprimidas por esses três eixos. Há, ainda, outras autoras, como Sardenberg
(2015), que traça a interseccionalidade na relação de gênero, elencando a necessidade de pensar
ferramentas conceituais como estas para permitir identificar como essas estruturas de
privilégios e opressão atuam e perpassam em diferentes graus e condições manifestados na vida
das mulheres no que tange à construção do seu ser em sociedade e suas relações, incluindo as
políticas públicas.
Nesse sentido, a pesquisa de campo tomou como referência os estudos de gênero e suas
relações, buscando ter acesso à compreensão de todo o processo de produção que estão
envoltos. Aqui, subentende-se as supostas subjetividades masculinas e femininas com objetivo
de enfrentar essas formas estereotipadas de ser, tradicionalmente, impostas sobre os gêneros
(feminino e masculino). É importante salientar que todas as teóricas citadas neste tópico são
unânimes ao concluir que estas relações socioculturais desiguais e hierarquizantes que
permeiam o ser feminino e o ser masculino precisam ser urgentemente modificadas para que se
promova a construção das relações de gênero com moldes mais democráticos, em que se
prevaleça a igualdade e a equidade (referindo dentre aquelas mais vulneráveis entre as
mulheres), além do olhar mais interseccional nessas questões em países como o Brasil, onde o
aprofundamento e as desigualdades de raça e classe são extremas e latentes. Objetiva-se retirar
as pedras das diferenças e das ideias promovidas pela sociedade não só patriarcal, mas colonial
e capitalista, que mata e invisibiliza as mulheres, especialmente aquelas de cor.

2.2 A lógica crítica da interseccionalidade e seus semelhantes com relação à violência de


gênero / feminicídio no âmbito do Estado

A interseccionalidade (conceito anglo-saxônico) surge na década de 1990, como dito


anteriormente, durante a modernidade, ao mesmo tempo em que se chegava também à
Sociologia das Ausências, termo criado pelo sociólogo português Boaventura Sousa Santos. O
conceito de Santos (2002) tem sentido semelhante à proposta interseccional: promover
discussões pautadas na pluralização da modernidade. Tal ótica passa, primeiramente, pela
Sociologia das Ausências dentre muitas categorias, como as de classe, de raça e de gênero, ao
representar a importância de se ampliar o repertório analítico a fim de produzir um
conhecimento mais frutífero no campo teórico, trazendo um olhar para além de um ponto de
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vista histórico ou de facticidade social (SANTOS, 2002).


O aporte teórico na Sociologia tem importância por ser uma ciência considerada
comparativa, mas, sobretudo, por ser ela a matéria responsável em desvendar as estruturas
sociais e de poder. A sociologia tem o objetivo de pensar em formas de transformar as bases de
uma sociedade, nesse caso, com um olhar interseccional, ao combater alguns mitos existentes
na sociedade, como o mito da democracia racial e dos princípios meritocráticos. Autores como
o economista Marshall (1967) tinham consciência da importância de se elencar a Sociologia em
seus estudos, pois é importante tratar de temas como a igualdade para além do econômico.
Assim, a contribuição da Sociologia é construída, na sua origem, pela própria Economia,
Psicologia, Ciência Política, Filosofia e outros.
Com relação à Sociologia das Ausências, Santos (2002) faz uma importante provocação
no artigo “Para uma Sociologia das Ausências e uma Sociologia das Emergências”, no qual
propõe que haja, para o presente, a Sociologia das Ausências e, para o futuro, a Sociologia das
Emergências. Ao reconhecer que no Brasil se vive em meio a uma grande diversidade de
experiências, não pode ser totalmente explicada em uma “teoria geral” ou fundamento absoluto.
Nesta perspectiva, o autor português realiza a proposta de que, ao invés de uma teoria geral,
ter-se um instrumento capaz de criar uma inteligibilidade de forma mútua entre as prováveis
experiências disponíveis sem destruir a identidade de cada uma delas. Portanto, opta-se nesta
dissertação o conceito analítico da interseccionalidade como instrumento.
A Sociologia das Ausências tem relação intrínseca com a Sociologia da Emergência
porque consiste em substituir o vazio futuro após a ruptura com velhas bases através de
possibilidades concretas e plurais, que vão se organizando em utopias e realismo do presente.
Neste sentido, realizando um comparativo com a interseccionalidade, a Sociologia das
Ausências mostra que o que não existe é, na verdade, ativamente colocado como se existissem,
com isso, busca-se transformar questões impossíveis em possíveis, de ausência para a presença,
como a discussão de raça e de classe na violência de gênero. A Sociologia das Ausências existe
na contradição do presente e no desperdício de não se trabalhar em torno da experiência,
visando, sobretudo, à superação de totalidades universalistas. O ponto de vista das Ciências
Sociais tornou-se transgressor ao lidar com um mapa cognitivo, no que se refere sobre
perspectiva situada de cada ponto do planeta, em que a interseccionalidade fica sempre a um
passo da sua desvalorização ou excludência de uso, pois ambos contribuem para ruir o que
sustenta o capitalismo mundial (lê-se que são suas bases patriarcal e colonial).
Para Santos (2002), a primeira ruptura é com o colonialismo, tido por ele como a base
de tudo, reverberando a necessidade de se ter uma ordem para os eixos de dominação-opressão
colonialismo-patriarcalismo-capitalismo. Mbembe (2020) também corrobora com Santos
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(2002) ao dizer que tais ausências são uma violência de base colonialista, legitimadas por uma
classe de brancos criollos que se implantou e estabilizou essas questões, uma elite
principalmente, fundiária, que só se preocupa com a manutenção do seu poder, esquecendo
propositalmente dos demais grupos étnicos/raciais e estabelecendo um lugar entre o “nós” e
“eles”, como aborda Fanon (1979) acerca da própria violência colonial.
É preciso estabelecer continuidade por essa reflexão analítica, política, social, teórica,
política-intelectual e outros que trazem a interseccionalidade, a Sociologia das Ausências e a
Sociologia Emergências com estímulos e comentários escritos duros, a fim de desprender de
qualquer linha objetivada, tolerante, pacifista ao extremo, regular/ linear, altruísta, e,
principalmente, universal, defendendo o não uso de apanhados intuitivos e de opiniões, pois
correm riscos se aglutinarem nessa base, atuando de forma densificada e concreta apresentando
as novas perspectivas, ressaltando que não é a matematização ou aforismo da sociedade, como
diz Akotirene (2019), e nem no sentido de mudança do que já está escrito acerca do gênero e
as suas relações, portanto, não é um englobamento de contrários ou uma concepção
antiepistêmica.
Toma-se a analogia dos instrumentos telescópio e caleidoscópio como forma de
caracterizar a discussão a que este texto se pretende. O telescópio é um instrumento óptico
utilizado para obter imagens de forma ampliada em objetos localizados em longa distância focal
e linear. O caleidoscópio, outro tipo de instrumento óptico, é constituído por três espelhos em
formato de prismas. Por meio do reflexo da luz, ele apresenta combinações de diversas formas,
criando encantadores efeitos visuais, uma vez que, quanto mais se gira, mais aparecem novas
conformações ou configurações visuais. Logo, a discussão aqui proposta jamais terá como
ponto de partida um instrumental telescópio, mas, sim, caleidoscópio. Nesse modo, ao mudar a
abordagem e a perspectiva, surgem novas consequências, complementares (raça + classe +
gênero) entre si.
Essa pluralidade de perspectiva se completa com a interseccionalidade ao considerar a
questão das mulheres plurais ou mulherismos.3 A tríplice raça, classe e gênero é necessária para
conjugar sua realidade social e histórica, para se pensar e agir tendo como objetivo fazer o
estabelecimento com a realidade e fazer entender como funciona o mundo, tornando-se o meio
para o fim ou um instrumento propriamente dito, que é também uma ação política de
intervenção da realidade.
Analisando a sua história e o desenvolvimento que conduz o hiato entre a realidade e o

3
Mulherismo se difere do que é entendido como feminismo clássico, que tem como única preocupação de
opressão o sexismo. Ao considerar as mulheres como plurais, há o reconhecimento da tripla opressão sofrida
pelas mulheres não brancas: raça, classe e gênero.
44

que se espera (o ideal-políticas públicas ampliadas e específicas para mulheres não


brancas),orientar, a priori, a ação do governo, buscando o refinamento empírico da análise da
violência acometida as mulheres, que não se remete ao rompimento radical das concepções
existentes, mas sendo um englobamento que rejeita as causas universalistas e as reduções
políticas e acadêmicas para o tema, tendo a visão do conjunto que abarca raça, gênero e classe.
É preciso entender a lógica estrutural do país em que se vive, onde, na prática, cada uma
das mulheres vivencia uma mesma experiência de modo específico, o “lugar de fala”, para situar
no mundo e agir com contraposição à generalidade a qualquer ponto de vista através das teóricas
e do conceito, provocando simpatias e sinergias de ideias, sem se subordinar às bases
(colonialismo-patriarcalismo-capitalismo), enquanto transdisciplinaridade e comprimir o
egoísmo travestido de universalismo, não ter unidade e homogeneidade acerca do gênero. Isso
pode ser visto na obra Ó pa í, prezada, de Akotirene (2020), que diz que todo conhecimento é
carregado de valor, carregado de empatia, de emoção, pois a emoção passada valida o
argumento.
A ciência nessa ótica requer conhecimento de todo o fenômeno observado, não podendo
agir com egoísmo, pois o ser humano é um ser social e histórico. A questão e condição na sua
totalidade histórica não pode ser desprezada nem a experiência vivida de cada corpo, pois a
história não é passado, presente e futuro, ou seja, um traço linear, mas, sim, uma transmissão
de traços sociais, estruturais de pensamento, na qual pode-se exemplificar a violência de gênero.
A violência contra a mulher ocorre dos mais diversos tipos (psicológica, patrimonial,
moral, sexual e física) no Brasil e no mundo. No que diz respeito especificamente às que são
acometidas em âmbito doméstico, essas violências têm um caráter sócio-histórico-cultural e
estão fundamentadas tanto em discursos como em condutas machistas, sobretudo, sob o
estímulo do poder simbólico que, apesar de ser invisível aos olhos, consegue construir esta
sociedade fundamentada no patriarcalismo e em outros eixos de dominação e opressão
(colonialismo e capitalismo), orquestrada através do estabelecimento de uma ordem
gnoseológica, ou seja, no sentido imediato do mundo (em específico, o mundo social), fazendo
com que ações advindas do poder pátrio (na pessoa que figura o masculino e/ou figura paterna)
tornem habitus no viver e pensar pelas pessoas, portanto, resvala, inclusive, na psiqué, pois,
conforme Lacan, a psicologia de cada indivíduo depende do entorno social, pois abarca uma
rede de relações sociais, dependendo da história de cada sociedade. Essa concepção é tratada
por Bourdieu (1998) no livro O poder simbólico e é assentada no que Durkheim chama de
“conformismo lógico”, ressaltando que isso só ocorre, de fato, quando o poder instaurado está
estabelecido de forma integrada em toda a sociedade e legitimado por ela em tempo e espaço
na vida social.
45

Desse modo, o poder simbólico - que pode ser expresso na arte, na religião, na política,
na língua, na educação e outros - não pode ser entendido apenas no campo das ideias ou na
abstração (BOURDIEU, 1998). Essa ideia é retomada pelos pensadores neo-hegelianos.
Habermas (2003) argumenta que, antigamente, era facilmente mantido de forma coesa nos
conceitos da filosofia hegeliana e, na sua forma e conteúdo, material e simbólico, pelos agentes
e/ou instituições, que correspondem, respectivamente, pela forma marxista e a estruturalista de
ser, em que são os personagens e as estruturas que acumulam os simbolismos vindos desse
poder simbólico que contribuem para a dominação de uma classe sobre a outra ou, no sentido
trazido aqui, de homem sobre mulher, pois o poder pátrio é dado a ele e a ela só resta aceitar,
sem questionar a sua posição de dominada (pois a dinâmica da sociedade patriarcal permite que
assim seja). “Domesticação dos dominados” é como Weber chama essa característica, e aqui se
coloca no feminino “domesticação das dominadas”, afirmando também que, atualmente, se
exigem pluralismos de procedimentos metodológicos, dentre eles, a Sociologia do Direito, a
História do Direito e a Teoria da Sociedade.
O feminicídio é o resultado final de todas essas violências (leia-se psicológica, moral,
sexual, patrimonial e física) acometidas às mulheres, especialmente quando ela procura se
libertar da condição de dominada. Além disso, o feminicídio enfrenta os entraves de não ser
reconhecido enquanto crime, sendo utilizado o termo “homicídio” como suficiente para
caracterizá-lo, fato observado nos inquéritos policiais analisados nesta pesquisa.
Nessa perspectiva, defende-se que não há motivo de particularizá-lo por gênero, o que
pode tendenciar mais facilmente a culpabilização da vítima. Os mais conservadores não querem
tratar da possibilidade do feminicídio ser potencializado pela interseccionalidade por acharem
que corrompem mais ainda a “igualdade” jurídica. Em virtude desse tipo de conceito, essas
pessoas podem ser desde os humanistas até os que se beneficiam do sistema que mata mulheres
cotidianamente no colonialismo-patriarcado-capitalismo. (ÁVILA et al., 2020).
A própria história também revela uma relação intrínseca com o feminicídio, mostrando
que o crime não ocorre de forma igual entre as mulheres. Deve-se buscar relação entre os
fenômenos e tomar cuidado com qualquer verdade ou ciência absoluta, visando o não-
reducionismo travestido de igualdade. É necessário, ainda, desenvolver uma maturidade
intelectual para investigar a sociedade humana nos seus aspectos mais específicos e propor
medidas adequadas para a solução do problema, com a luta para que essas ações sejam ofertadas
pelo Estado, uma vez que ele é único fomentador de políticas públicas e leis.
O Estado e suas leis, para alguns autores, sobretudo os positivistas, não são uma
expressão notadamente explosiva de lutas, mas, sim, um artifício lógico de linguagem para
acesso ao governo e à justiça. O jusnaturalista Hobbes (2019), em seu livro Leviatã, diz que o
46

governo trabalha somente pela força, já para Aristóteles não existe sociedade sem governo e
Gramsci que, na sua dialética marxista, diz que não existe governo sem sociedade e sem
sociedade não existe governo. O filósofo grego Aristóteles também tem preocupação em saber
do tipo de governo que está no poder naquele momento, se ele é mais ou menos legítimo, se
promove a paz, se ele promove a guerra ou se ele promove melhorias nas condições de vida,
pois o poder é temporal, em especial na democracia, no Brasil, por exemplo, a presidência é de
4 em 4 anos. Neste sentido, conforme Aristóteles, torna-se imprescindível conhecer quem
maneja o poder.
A filosofia política há muito tempo discute a necessidade de haver uma fundamentação
teórica acerca dos elementos de conformação ou natureza social do Estado moderno. Alguns
notáveis pensadores, como os hegelianos, tentaram compreender a sua conformação por meio
dos espíritos das ideias, analisando no que ele possui de mais diferente em termos ideológicos
e intelectuais. Apesar disso, a dissertação optou-se pela lógica marxista para se pensar e
entender a conformação do Estado moderno brasileiro, precisamente o método do materialismo
histórico-dialético de Karl Marx, no qual autores marxistas são unânimes em afirmar que o
Estado, além de ter uma conformação própria (econômica, política e ideológica), tem a função
única de servir apenas para mediar os conflitos na sociedade em favor de uma classe dominante,
no caso a burguesa, a fim de aumentar tanto o tempo de rotação do capital quanto a
superexploração do trabalho através da mais-valia relativa, com usufruto de novas tecnologias,
e a mais-valia absoluta, por meio do prolongamento do trabalho para além da sua subsistência
(MARX; ENGELS, 1984; MARX, 1989).
É nesse perfil de conformação histórica que o Estado moderno brasileiro tem como
ideologia o neoliberalismo, vigente também em outros países, como os Estados Unidos, tido
como cimento social, que faz com que fatores como, por exemplo, o desemprego, seja
naturalizado, tendo, atualmente, como economia o capitalismo mundializado ou globalizado e
a política enquanto uma superestrutura constituída por leis, lutas de classe e pelo próprio Estado.
Este contribui tanto para construir quanto para conformar o elemento político, ideológico e
econômico enquanto norma com o objetivo de tornar comum e essencial à vida dos indivíduos
em sociedade. Poulantzas et al. (1977) consideram o político como o elemento mais importante
entre os três, no entanto, o autor salienta para a necessidade de se entender o todo (lê-se
ideológico, político e econômico). Como o método é o de Marx, o olhar dado para entender a
conformação histórica atual do Estado moderno brasileiro terá como base o econômico
(PAULO NETTO, 2009).
Em vista disso, será analisado o contexto histórico: econômico, político e ideológico,
desde a derrocada do sistema feudal, a fim de fazer uma analogia a outro sistema brasileiro
47

semelhante, às capitanias hereditárias, tidas como primeiro sistema econômico na perspectiva


da linha do método marxista, até o início da transição para o sistema capitalista no século XV
enquanto modelo econômico adotado por quase todo o mundo.
Nesse sentido, começa-se pelo feudalismo, explicando como se deu a sua conformação
política, ideológica e econômica. Ele que foi um sistema político ordenado pela figura do senhor
feudal (nobre) como classe dominante e os servos ou escravos como classe dominada –
camponeses que trocavam a sua mão de obra e produtos que produziam pela “proteção” dos
feudos. O ideológico era dado pela Igreja Católica, que agiam sobre a sua égide, e o econômico
condicionado pela agricultura escravista através das posses de terras e estamentos
(estratificação social formada por classes sociais sem mobilidade, ou seja, pessoas nasciam e
morriam na mesma classe), sendo esse o modelo econômico bastante presente especificamente
na Europa Ocidental no período da Idade Média (SALUDJIAN, 2014).
Já, no Brasil, existiram as capitanias hereditárias ou donatárias, que muitos autores
afirmam que a conformação seria a mesma que a feudal, sendo elas uma das primeiras medidas
tomadas pelo rei de Portugal D. João III, na época colonial do país, que compreendia um sistema
administrativo descentralizado de distribuição de terras em troca de impostos à coroa
portuguesa. As doações de terras eram feitas aos donatários ou capitães-donatários que, de
maneira geral, eram homens portugueses que faziam parte da pequena nobreza, da burocracia
ou eram comerciantes importantes, tendo por principal característica ser de caráter inalienável,
podendo ser herdado apenas por sucessão hereditária ao filho primogênito do dono da capitania,
sem o compartilhamento com os demais herdeiros. Sua conformação política era gerenciada
pelos capitães donatários como classe dominante e os negros escravizados correspondiam à
classe dominada com a ideologia regida também pela Igreja Católica e a economia dada pela
agricultura escravista, apesar de algumas terem extração mineral de ouro, porém não de uma
forma preeminente (SILVA, 2010).
Com a imigração europeia para além das experiências trabalhistas, trouxeram também,
junto com eles, as teorias sociais e as ideias anarquistas, fundamentadas em um sindicalismo
revolucionário que agia enquanto resistência ao capitalismo, influenciando notavelmente
muitos trabalhadores nascidos no Brasil, plantando as primeiras ideias sobre consciência de
classe, bem como promovendo sucessivas greves, de 1905 a 1917, que abarcaram desde os
ferroviários até os trabalhadores da indústria têxtil e alimentícia formando, assim, os primeiros
sindicatos (OLIVEIRA, 2018).
Assim, somente nas décadas de 1980 e 1990, através dos progressivos processos de
transformação com a reestruturação produtiva, determinada pela desregulamentação e
flexibilização do trabalho, que as empresas ou indústrias deixam de ser localistas e pequenas e
48

passam a ganhar amplitude como efeito da Acumulação Flexível e das inovações tecnológicas
advindas da Terceira Revolução Industrial ocorrida em meados do século XX, no ano de 1950.
Com isso, começa-se a disputa pelo aumento ainda mais crescente do lucro pelas vias das
jornadas de trabalho cada vez mais exaustivas, com condições de trabalho precárias e
desoneramento do capital, retirando direitos trabalhistas, super tributando o trabalhador e
rebaixando os seus salários (FARAH JÚNIOR, 2000).
Diante disso, nos anos 1990, sindicatos se uniram procurando propor alternativas com
o objetivo de se contrapor a esses efeitos expressivos, que muitos autores denominam de
“modernização ou reestrutura negociada”, realizados principalmente pelos trabalhadores(as) da
Ford e da Volkswagen de metalúrgicos do ABC Paulista, que passaram a reivindicar por
melhores condições de trabalho, de salários, por ampliação dos direitos trabalhistas, dentre
outros, processo ordenado pela Central Única dos Trabalhadores (CUT), tendo a figura de Luís
Inácio Lula da Silva como agente político emblemático da luta sindical dessa época. As greves
foram promovidas pelos sindicatos com o intuito de redimensionar a jornada de flexibilização
do trabalho em conjunto com o banco de horas, que se encontrava fundido no salário pago, e
que nada mais é do que tentar ressignificar a relação capital e trabalho promovido pela
“liberdade” dos trabalhadores em vender sua força de trabalho e dos capitalistas de comprá-la
(SANTANA; COSTA, 2017).
Contudo, mesmo com as correlações de forças, fruto das lutas sindicais, muitas das suas
conquistas dos trabalhadores têm parâmetros já predeterminados, condicionados e
redimensionados conforme os donos dos capitais, que têm no Estado o papel mínimo de atuar,
dentre algumas coisas, como interventor de conflito entre a massa trabalhadora e o capitalista,
bem como contribuindo no seu processo de acumulação de capital. Este é atendido pela
flexibilização da jornada de trabalho e o adicional de tecnologias, sendo viabilizado pelo
processo de produção da mais-valia ou trabalho não pago, na garantia da propriedade privada,
cumprimento da lei e da ordem na resolução de problemas econômicos como dívida pública e
gastos públicos, cristalizados como norma pela ideologia neoliberal. É essa ideologia que
funciona como cimento social ao colocar os fundamentos das atividades econômicas como
processos subjacentes à sociedade, graças à superestrutura política que age assegurando a
acumulação de capital pelo mercado que precisa disso para sobreviver dentro do seu próprio
jogo político, ideológico e econômico (MARX, 1989; PRZEWORSKI, 1995).
As políticas públicas têm vários pensamentos que as abordam de diversas maneiras,
como: o Marxismo, a Cidadania, o Neoliberalismo e outros, que aqui continuarão sendo tratados
pelo ponto de vista marxista, em que autores que seguem a doutrina as definem como aquelas
que servem apenas para mitigar as consequências da acumulação desenfreada do capitalismo
49

ao gerar riqueza para as mãos de poucos e pobreza para as mãos de muitos. Essa pobreza é
“resolvida” de forma focalizada e individualizada, como prega a ideologia neoliberal, apesar de
pesquisadores alegarem que muitos problemas advindos do capitalismo têm caráter coletivo e
não individuais. Os autores marxistas criticam isso, trazendo a necessidade de se pensar muitas
dessas questões no coletivo (pensamento socialista) com objetivo de garantir políticas públicas
de forma universal para todos, o que é bastante expresso por Karl Marx ao fomentar a sua ideia
de solidariedade e cooperação para que todos sejam atendidos em suas necessidades
(ABRUCIO, 1999).
No mundo atual, tem-se uma terceira via que tenta proporcionar isso, que é a
socialdemocracia, especialmente em países nórdicos, como Dinamarca, Islândia, Noruega,
Suécia e Finlândia, através da coletividade, considerados os países que possuem o sistema mais
avançado de Welfare State. Ressalta-se que a socialdemocracia é diferente da defendida por
Karl Marx, por estar vinculada ao viés de cidadania condicionada ao emprego. No entanto, na
sociedade capitalista, é sabido que não há pleno emprego, pois há a necessidade de se manter
um extenso exército industrial de reserva a fim de coagir, de maneira simbólica, aqueles que
estão no mercado de trabalho a não lutarem por mais direitos, com a penalidade de perderem
seus empregos. Por isso, torna-se tal concepção a partir da ideia dos direitos, só para quem é
formal no trabalho (muitos direitos) e informal (poucos direitos), infundada, principalmente, a
reprodução para países como Brasil, que contém desigualdades sociais extremas e profundas,
bem como combatê-las, no caso da pobreza, com políticas públicas sociais focalizadas de renda,
através do Bolsa Família, que apenas mitiga, mas não resolve o problema devido ao pouco valor
de R$ 41,00 reais, sendo que cada família pode acumular até cinco benefícios por mês,
totalizando R$ 205,00 reais, que é quantia fixa, isto é, não variável, que, conforme os críticos
marxistas, só serve para trazer uma falsa harmonia social (ROSAVALON, 1981; COIMBRA,
1987; VAZ, 2020; ARRECHTE, 2020).
Para os pensadores marxistas, políticas sociais como essa não trazem emancipação nem
transformação, apenas servem de paliativo para manter a coesão social, ainda que se tenham
outras políticas de caráter universal, como o Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil. Todavia,
também é sabido que a utilização deste não é igual para todos, por isso, reforçam em seus
estudos a necessidade de entender o todo para não cair nas armadilhas de falsas harmonias e
superar de uma vez o modo de produção capitalista através da divisão da riqueza socialmente
produzida para todos e na viabilização de ações cooperativas e solidárias. Dessa forma, não
haveria necessidade de políticas públicas específicas que apenas mitigam conflitos, mas não
tem eficiência em resolver problemas, pois, segundo os marxistas, estas só existem para impedir
uma revolução – como a que Karl Marx almejava com o objetivo fundar uma nova base
50

societária, que só poderia ocorrer com a união dos trabalhadores (HUWILER; BONNET, 2018;
LENIN, 2007).
Dessa forma, muitos autores argumentam que é preciso reforçar o interesse da
população pela gestão pública do orçamento público enquanto um pontapé inicial para a
mudança dessa lógica que beneficia uma classe em detrimento da outra, já que os impostos são
regressivos e pagos, em sua maioria, pela classe trabalhadora, objetivando desenvolver um novo
modelo de distribuição dos gastos públicos que os favoreçam de verdade e solucionem os seus
problemas, e não apenas os mitiguem (CREPALDI; CREPALDI, 2017). Todavia, quando se
fala em Estado que mitiga conflitos, é importante destacar que não se refere apenas às questões
econômicas, também existem outras nuances, como o caso de violência, tão estrutural quanto a
pobreza, portanto, atrelada também à conformação ou natureza do Estado, também não são
resolvidas em definitivo, apenas mitigadas, como o caso do Feminicídio, em que se tem uma
política pública, a Lei 13.104/2015.
O crime de feminicídio foi transformado em projeto de lei e depois, efetivamente, na
Lei nº 13.104/2015 (MARTINS; CERQUEIRA; MATOS, 2015; BRASIL, 2015). A Lei
13.104/2015 altera o artigo 121 do Código Penal para prever o feminicídio como crime
qualificado de homicídio, considerando que as razões de condição para sua ocorrência
envolvem a violência doméstica e familiar; e o menosprezo ou discriminação à condição de
mulher. Cabe destacar que a inovação legislativa não promoveu alteração só na legislação penal
especial, como também na Lei nº 8.072/1990, incluindo o feminicídio no rol dos crimes
hediondos. Dessa forma, o parágrafo 7 do artigo 121 aumenta a pena em 1/3 (um terço) se o
crime for praticado “durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto; contra pessoa
menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos ou com deficiência; ou na presença de
descendente ou de ascendente da vítima” (BRASIL, 2015).
Outro dado importante é que, conforme o Anuário Brasileiro de Segurança Pública,
menos de 10% das cidades do país têm delegacias especializadas em crimes contra a mulher e
que só em seis anos 6.393 mulheres morreram, apesar de já terem procurado atendimento na
rede de proteção e atendimento à mulher, não obtendo efetividade destas, voltando para suas
casas junto aos agressores e futuros feminicidas (BUENO; LIMA, 2019). Nesse sentido, as
mortes de mulheres por feminicídio acontecem pela negligência e tolerância para o crime,
conforme já dito no Mapa da violência 2012 (WAISELFISZ, 2012). Por esse motivo, muitos
autores, como Pessoa e Nascimento (2020), concluem, com base nestes dados, que as políticas
públicas são insuficientes para acolher de forma íntegra as denúncias de violência contra a
mulher, pois, mesmo realizando denúncia e obtendo os aparatos, sofrem feminicídio.
Essa negligência ocorre no âmbito jurídico (delegacias e tribunais, por exemplo), ou
51

seja, nos lugares onde essas mulheres deveriam ser acolhidas e salvaguardadas, mas que,
infelizmente, costumam ser culpabilizadas, até mesmo, quando morrem por ele. Em vista disso,
foi oferecido um protocolo mais eficiente no âmbito da segurança e justiça com base no Modelo
de protocolo latino-americano de investigação das mortes violentas de mulheres por razões de
gênero preparado pela ONU Mulheres, adaptado para a realidade cultural, social, política e
jurídica brasileira, através do documento Diretrizes Nacionais Feminicídio: investigar,
processar e julgar com perspectiva de gênero as mortes violentas de mulheres, organizado pela
socióloga Pasinato no ano de 2016 e assinado pela presidente Dilma Rousself (PASINATO,
2016).
Essas diretrizes se fazem necessárias à medida que pensamentos e comportamentos
machistas arraigados são expressos em vários locais da sociedade, incluindo o sociojurídico
(delegacias e tribunais).É importante contextualizar a Lei que antecedeu a Lei de Feminicídio,
como a Lei Maria da Penha, que, embora não tenha especificado as mulheres negras, contribuiu
para dar visibilidade à violência e formatar uma rede de enfrentamento da violência contra as
mulheres, com a ampliação de Delegacias Especializadas, de casas de acolhimento, campanhas,
etc. É importante apontar essas diretrizes institucionais e jurídico-normativas que se constituem
em arcabouço de enfrentamento da violência de gênero no Brasil e suas confluências e
tensionamentos em tempos de neoliberalismo e de conservadorismo.
Recentemente, o governo ultradireitista de Bolsonaro lançou outro protocolo para
padronizar ainda mais as investigações e as perícias nos crimes de feminicídio, com o objetivo
de fortalecer o enfrentamento à violência contra a mulher, iniciativa realizada no dia 24 de
junho de 2020. Nele, consta uma espécie de Protocolo Nacional de Investigação e Perícias nos
Crimes de Feminicídio para que os profissionais se padronizem desde o registro da ocorrência
até a investigação criminal, garantido as diligências necessárias na hora da coleta de evidências
para entender a dinâmica e a autoria do crime, dando prioridade aos exames periciais (BRASIL,
2020). Diferente do anterior, de Pasinato (2016), esse não é de domínio público e somente as
autoridades policiais têm acesso a ele.
No presente governo (2018-2022), não houve muitas ações referentes à violência contra
mulher para evitar o feminicídio durante da pandemia de Covid-19. O contexto pandêmico
aumentou ainda mais as diferenças e mostrou casos notórios de racismos e transfobias. O ano
de 2020 colocou em pauta as mortes da população negra em números absolutos, de forma
especial as mulheres negras, vítimas de feminicídio. Mesmo contando com dados abismais em
comparação às mulheres brancas – conforme o Atlas da Violência (2020), mulheres negras
contam com 68% dos casos de feminicídio –, o poder público opta por não olhar para as
mulheres negras, não tratando suas especificidades e particularidades, bem como ignorando a
52

intensificação do crime no contexto pandêmico, mesmo com dados do Fórum Brasileiro de


Segurança Pública, afirmando que cerca de 48,8% das mulheres sofreram violência em seus
lares no período da pandemia da Covid-19.
A negligência vigente é fruto de uma política ultraconservadora no que tange às questões
de gênero, raça/etnia e nos atenuantes de classes. No governo presidido por Bolsonaro (com a
política estruturada no neoliberalismo), verifica-se um retrocesso em diversos cenários, dentre
eles a política pública do feminicídio. A política neoliberal visa ao mínimo para a grande massa
da população socioeconomicamente vulnerável que, por conseguinte, é também a racialmente
vulnerável, pois a população negra representa os 75% mais pobres no Brasil, enquanto os 70%
mais ricos são brancos, conforme o IBGE (2019).
Ao não enxergar nenhuma política energética para este momento que aplaque e evite
quaisquer tipos de violências e, por conseguinte, o feminicídio, a solução ofertada foi apenas
um aplicativo. A medida não considerou que somente uma pequena parcela significativa da
população brasileira tem tecnologia – relembramos o fato de que 75% dos pobres no Brasil são
negros e 70% dos brancos são ricos, tornando sabido que terão acesso ao aplicativo de
denúncias majoritariamente as mulheres brancas (PESSOA; NASCIMENTO, 2020).
De acordo com o relatório da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua -
Tecnologia da Informação e Comunicação (PNAD Contínua TIC) em conjunto com o IGBE de
2018, 92,2% da população brasileira possui aparelho de celular e 48,1% possuem
microcomputadores em seus lares. Os sobrantes não possuem esses aparelhos em razão do alto
valor, sendo da população negra, majoritariamente pobre. Outra solução à moda neoliberal para
evitar o crime é “jogar” a responsabilidade para a sociedade civil como uma denúncia feita em
farmácia ou outro estabelecimento que só dará certo se a mulher conseguir permissão do
parceiro para frequentar e fazer uma marcação com um “X” na palma da mão para que o
atendente a identifique como uma mulher que sofre violência e chame a polícia. Nisso, percebe-
se que a lógica enxergada pelo Estado é do mínimo, em que há pouco esforço estatal e mais da
sociedade, seguindo a lógica do neoliberalismo clássico e ortodoxo (MISOCZKY; ABDALA;
DAMBORIARENA, 2017).
Além disso, depois do lançamento desse novo protocolo, no dia 24 de junho de 2020, o
Ministro da Justiça e Segurança Pública, André Mendonça, afirmou que o objetivo do novo
protocolo está imbuído pelo compromisso do Governo Federal de combater o feminicídio e
destacou que nele há mudanças na forma de se fazer comunicação com os crimes contra a
mulher (CARVALHO, 2020). Nesse sentido, a pergunta dessa pesquisa é: Como o feminicídio
é investigado e percebido, em um contexto de racismo e classismo, pela equipe do Núcleo
Policial Investigativo de Feminicídio?
53

O novo protocolo, lançado em 24 de junho de 2020, com publicização vedada para além
da autoridade policial, torna-se ainda mais pertinente para responder a esse questionamento,
visto que o lançamento do primeiro Protocolo de Pasinato (2016) tinha como fator maior evitar
tais práticas machistas em ambientes que deveriam atuar na defesa da mulher e na sua
salvaguarda, principalmente no que se refere a evitar e combater a sua culpabilização. Com
isso, valida a preocupação de Aristóteles sobre quem maneja o poder, apesar do filósofo
considerar a família como principal realidade social dos seres humanos. Mas, ao colocar para
além da família, na forma de gênero, é tornar importante o reconhecimento histórico do
indivíduo mulher e de modo interseccional na sua pluralidade e das suas lutas feministas e na
afirmação da moral da sua existência, procurando ruir com as bases fundantes do colonialismo-
patriarcado-capitalismo na sociedade.
Dessa forma, Behring e Boschetti (2017) reforçam a necessidade de se formar um novo
constructo social do Estado, mas, para isso, as autoras salientam que é preciso que se forme
uma nova consciência cívica, a qual pode ser definida filosoficamente como a compreensão de
forma racional e crítica da gestão e eficiência do Estado, correlacionando com a necessidade de
conhecimento dos cidadãos sobre a sociedade no que se refere a direitos e deveres, bem como
das suas estruturas políticas, econômicas, ideológicas e sociais estabelecidas, para que, assim,
consigam promover mudanças efetivas.
Este anseio pela consciência cívica ou crítica é longínquo desde Aristóteles e de Platão,
reverberando em seus escritos a necessidade do que eles chamam de homem político
(biospolitikos) devido à formação das primeiras cidades-estados que estavam insurgindo na
Grécia Antiga. Em A condição humana, Arendt (1999) afirma que, com a mudança na
conformação do Estado, foi se modificando tal prática, sendo essa ideia de consciência cívica
também vista na sociologia política, que procura investigar os medos e os problemas que
cercam a sua falta no âmbito público. No Brasil, esse conceito ficou muito defasado devido aos
longos períodos de Ditadura Militar (1964-1985), mantido, até então, pelos governos
neoliberais desde o final da década de 1980 até o cenário vigente.
Apesar dos Governo Lula e Dilma (2003-2015), ambos do Partido dos Trabalhadores
(PT), terem orquestrado mudanças significativas, lançando em novembro de 2004 o Portal da
Transparência, esta ferramenta sem uma consciência cívica do que se trata e da sua importância
é apenas uma falsa conscientização e sensação de controle da gestão pública. Através da
internet, o cidadão pode verificar a execução financeira de programas, informativos sobre os
fundos públicos federais e dados sobre os gastos públicos dos governos, o que possibilita a
fomentação de discussão sobre esses gastos, quebrando um pouco a hegemonia neoliberal,
porém, alguns autores discordam, afirmando que somente a ferramenta não é o suficiente
54

(BARBOSA, 2012; GALDINO, 2013).


Nessa perspectiva, a aposta que se faz de mudança é a realização de um processo
pedagógico cívico profundo, pois, no país, há grandes níveis de desigualdades em vários
âmbitos, incluindo os educacionais, constituído por um contexto de conformação estatal
marcado pelos gastos mínimos nesta área, o que impossibilita essas discussões com uma boa
parcela da população. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), de 2019,
mostrou que a taxa de analfabetismo das pessoas de 15 anos ou mais de idade foi de 11 milhões,
estimada em 6,6%, sendo para homens 6,9% e para mulheres 6,3%. O índice de analfabetismo
das pessoas pretas e pardas (8,9%) é mais que o dobro de pessoas brancas (3,6%) (IBGE, 2019).
Contudo, no mesmo ano, o Governo Federal enviou um projeto propondo corte de 30% do
orçamento direcionado à educação básica, contribuindo, assim, para reforçar ainda mais este
fosso social e a impossibilidade do fomento de uma consciência cívica a todos os brasileiros
(POYARES, 2020).
Esse corte de orçamento é proposital, para que a população brasileira não entenda,
dentre muitas coisas, a real disputa do capital versus trabalho sobre o fundo público, em que a
gestão pública tira recurso do trabalhador para enviar ao capitalista, negando a ampliação de
direitos e para deixar o Estado em constante austeridade fiscal. Esse discurso econômico
globalizado associado à ideologia neoliberal tem um significado político diferente daquelas
falas “virtuosas” que os políticos neoliberais costumam dizer ao decretar estado de austeridade
fiscal, de que serviria para reduzir um possível déficit orçamentário e controlar a economia para
que “não falte o de amanhã”. A exemplo disso, foi ampla defesa com esse tipo de argumento
pelo ex-presidente Michel Temer (2016-2018) a fim de aprovar os tetos de gastos, que tem
como objetivo impedir gastos públicos até o ano 2038, limitando, assim, as despesas do
governo. O texto-base consistia em impor limites em despesas obrigatórias, como salário-
mínimo e gastos públicos com saúde e educação, implicando na eficiência dessas áreas, ficando
de fora as transferências constitucionais aos estados e municípios, os créditos para casos de
calamidade pública, as despesas para realizações de eleições e os gastos com aumento de capital
das chamadas empresas estatais não dependentes (SANTANA; COSTA, 2017).
Nessa lógica, pode-se perceber que uma proposta como esta nem de longe beneficia a
classe trabalhadora, mas, sim, atua no objetivo de manter a estrutura de injustiça social
fomentada pela concentração de renda nas mãos de poucos. Em se tratando da história, esta
estratégia para justificar a diminuição dos gastos públicos e do salário-mínimo é usada desde o
final da década de 1980, começo do neoliberalismo no Brasil, nas figuras, respectivamente, do
ex-presidente Fernando Collor de Mello (1990-1992) e do ex-presidente Fernando Henrique
Cardoso (1994-2002). Atualmente, no contexto mais recente da pandemia Covid-19, que
55

promove o mesmo terrorismo de fazer recessão “para não faltar o de amanhã”, argumenta-se
como única saída a austeridade fiscal como resposta para a crise sanitária, ideia defendida com
muita veemência pelo então ministro da economia e grande aliado do mercado financeiro, o
economista Paulo Guedes, através da diminuição dos gastos públicos e das privatizações
(BLYTH, 2018).
Pode-se entender que o Estado, na perspectiva crítica marxista, é um ente de uma classe
dominante, que é a burguesa, constituída e consolidada nas suas diversas frações de classe
(agroindustrial, financeira e outras), aqui, atualmente, em mais vigência o capital financeiro,
conforme Martins (2011) e Fattorelli (2019), bem como influenciado por ela, na qual a classe
subalterna constituída pela massa trabalhadora só consegue algum benefício, neste contexto de
conformação do Estado, travando várias lutas de classe para que o governo acabe acatando a
fim de manter a coesão social e a legitimidade do sistema.
A necessidade de entender o todo para não cair em armadilhas da falsa harmonia com
políticas públicas específicas consideradas mitigatórias pelos marxistas objetivando, com isso,
devolver um novo modelo de gestão pública que solucione, de verdade, os seus problemas e
não apenas mitigue, que tem rebatimento não só na pobreza, mas, inclusive, na violência de
gênero. Apesar da solução se dar pelo novo constructo, é preciso que se forme uma nova
consciência cívica acerca dos direitos e deveres e da sua estrutura política, econômica e social
para promover uma mudança efetiva, principalmente no Brasil, onde há grandes desigualdades
em diversos âmbitos, inclusive educacionais, o que faz que com, mesmo que se tenha criado
um Portal da Transferência em 2004, nada mude e que continuem reduzindo os gastos públicos
com as políticas públicas das quais os trabalhadores em suas frações são os únicos beneficiários.
Aqui, buscou-se uma reflexão para saída disso através da pedagogia cívica para que
desmascarem discursos de “austeridade fiscal” e outras questões para amenizar a injustiça
tributária na gestão pública.
O Estado moderno político que contribui para que tenham efeitos contraditórios nas
políticas públicas, estas que só existem para proteger as bases de sustentação da elite dominante
formada por homens brancos, ricos, heterossexuais e cigêneros, que são as propriedades
privadas e a exploração da massa trabalhadora em suas frações (urbanas da classe média,
operária, agrícola, comercial e serviços) e categorias (mulheres, negros (as), indígenas,
LGBTQIA+ e outros). As políticas públicas, bem como as leis e os ordenamentos jurídicos
neste sistema encontram-se como consensos do Estado para evitar uma barbárie entre classes,
e por ter também bases fundantes no colonialismo e no patriarcalismo para além do capitalismo,
é que muitas políticas públicas, leis e ordenamentos jurídicos não abarcam certas categorias da
classe trabalhadora, como o caso das mulheres negras na questão do feminicídio, que colocam
56

todas as mulheres enquanto iguais e não as observam nas suas particularidades e nas suas
diferenças.
Nesta situação, é preciso trazer a sociedade como grão ser baseados ditos da
interseccionalidade (raça, classe e gênero), reiterando a Sociologia das Ausências e a Sociologia
das Emergências, os colocando na lógica de ciência e promovendo a não dissonância cognitiva,
no caso aqui aplicado aos seres mulheres, em especial às mulheres não brancas, baseando-se no
preceito de Santos (2002) ao dizer que o colonialismo vem em primeira instância como eixo
fundante das bases estruturais dos eixos de dominação. Uma vez que a colonialidade nega
muitos saberes epistemológicos dos não criolos e suprimem, portanto, deve-se começar para
romper por ele com as diversas fissuras de mapas cognitivos das que sofrem mais os resquícios
coloniais enquanto elemento frutífero da primeira base do eixo, que é de onde advém o racismo,
e usá-lo para perceber na singularidade como se opera em termos estruturais em relação às
mulheres, especialmente nas políticas públicas.

2.3 Como o racismo se opera em termos estruturais em relação às mulheres e às bases da


interseccionalidade

No livro de Davis (2016) Mulheres, raça e classe, que é um clássico da autora, ela
trabalha através do feminismo negro com as nuances de opressão baseadas na
interseccionalidade como o próprio título já remete, na qual ela lançou luz sobre os personagens
esquecidos da história estadunidense de 1960 a 1970, discutindo o fato de termos sempre um
único imaginário, contado por um historiador branco em que, parafraseando uma das suas
célebres frases, que consta em seu livro “Não estou mais aceitando as coisas que não posso
mudar. Estou mudando as coisas que não posso aceitar”, tratando o fato de não existirem livros
sobre mulheres escravas, rebatendo isso em seus escritos argumentando que o processo de
escravidão não foi linear, teve-se várias leis, no Brasil pode-se citar Lei do Ventre Livre (fim
da escravidão para as crianças nascida a partir de 1971), dentre outras, até chegar a “abolição”
com a Lei Áurea, mas, principalmente, trazendo as lutas de teor estratégico do povo negro
escravizado, que são desqualificados na história tendo como os únicos temas a da “salvadora
branca” na figura da princesa Isabel em 1888, no Brasil.
Nestas perspectivas, autoras como Adichie (2019) alerta sobre “o perigo de uma história
única” ao escrever sobre as mulheres estupradas e mortas como meio de dominação ao longo
desse período colonial, tendo como vários questionamentos, dentre eles “Como lutar contra a
escravidão sem opinar em assembleias públicas?”, por ser uma luta considerada impopular, pois
tal qual o capitalismo, que, conforme Mézários (2011), fazendo comparativo de modo
parafraseado do que ele pensa sobre o início do sistema do capital em XIX, na qual diz que tais
57

tendências e aspectos da vida colonial dos povos negros, tratando especialmente de mulheres
negras, podiam ser ignorados e, realmente, assim eram, e com bastante segurança, a não ser
pelas próprias mulheres negras que sofriam os castigos e sofrimentos por serem mulheres
negras e desprovidas de poder econômico, depois os quilombolas (eram pessoas escravizadas
que fugiram no tempo da escravidão) e alguns abolicionistas dotados de perspectiva de longo
prazo alguns conhecidos como Luiz da Gama (jornalista e negro) e outros abolicionistas
brancos que eram, em geral, filhos de senhores vindo das universidades da Europa com ideias
de liberdade, mas estes, em últimos, viam os negros na totalidade, não interseccionando por
gênero, uma vez que a questão essencial aqui era a luta contra a escravidão.
Gama é filho de Luiza Mahin, escrava e quituteira, na qual tal fato foi importante para
que se articulassem entre ela e os escravos e não escravos comunicação para que se
orquestrasse, em 1835, a Revolta dos Malês, através das trocas de bilhetes ao fingir que somente
compravam os seus quitutes. Neste sentido, a emancipação negra surgiu por baixo através dos
oprimidos. O recontamento da história faz perceber os seres negros como não inferiores e nem
incapazes de progressos intelectuais, mostrando as suas expertises e pensamento lógico para
sair da escravatura, como foi na Revolta do Malês. A figura Mahin é muito importante enquanto
representatividade para mulheres negras que lutam pelo reconhecimento intelectual e de luta
experiência, retirando, conforme Gonzalez (2020), a impressão que só homem, homem branco
e socialmente economicamente privilegiado, e mulher branca (ainda que menos privilegiada
sob ótica do gênero) foram os únicos a construir a história do Brasil. E situações como essas
foram benéficas para o feminismo negro, que é um movimento social que tem base pensar o
feminismo plural ou uma gama de feminismos.
Esse apagamento, conforme Carneiro (2003), é dado justamente por essa tríplice, que
dá pelo racismo, sexismo e elitismo. Da mesma forma, os trabalhadores assalariados do século
XIX que não abraçaram as causas do sufrágio feminista com entusiasmo (considerada a
primeira onda do feminismo), em especial as trabalhadoras, pois os assalariados na época
viviam em miserabilidade e as mulheres negras e indígenas sempre trabalhavam como a “mão”
que faz a limpeza ou em lavouras, resquícios sólidos do colonialismo que se perpetua até os
dias atuais, pois a elas necessitam de pão e não de voto, como requeriam naquele instante
mulheres brancas, a essência nessa época é a questão trabalhista.
Mas que, mesmo assim, percebe-se, com isso, que as opressões de raça e de classe estão
conectadas e nessa época a “escadinha” dos privilégios apenas invisibilizavam, bem como a
ótica essencial discursiva do momento (lê-se primeiro a questão escravista e depois a questão
do trabalho) e, assim, colocava em dubiedade as intersecções e o entendimento que o coletivo
resvala na interseccionalidade, pois fica-se o questionamento “Se você é livre politicamente,
58

mas tem comida?”, depois da conquista do voto feminino. Não obstante, é preciso compreender
que uma luta não anula outra (fome e voto), que a invisibilização é errônea com as próprias
mulheres que nunca vão sair da condição de subordinação do patriarcado, pois, ao ignorar
vicissitudes de mulheres negras e indígenas, estão agindo de forma esquizofrênico/ ilusória ao
criar “boas condições” apenas para aquele 1% de mulheres brancas, esquecendo dos 99%, que
poderiam lutar de forma conjunta com ações integradas contra os três eixos depressão-
dominação, colonialismo–patriarcado-capitalismo (ARRUZZA; BHATTACHARYA;
FRASER, 2019).
SIESS (2016) diz que isso tem relação direta com a Revolução Francesa, mais
precisamente com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, e 10 anos
depois com base de lutas mulheres não conformadas apenas com essa declaração, lutando pela
Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã, de 1791, ambos na França, para se pensar o
mundo pelo viés da igualdade, liberdade e fraternidade, nas quais tais lemas foram pensados
visando, a princípio, o homem branco e francês. Não se falava de mulheres, a priori, nem em
pessoas negras ao lembrar-se do Haiti, país que foi por muito tempo colônia da França no século
XIX, dando início à primeira forma de feminismo, o feminismo liberal com sua ascendência
durante a luta pela declaração das mulheres e cidadã, tendo essa ótica de trazer homens e
mulheres como iguais, não tendo nenhuma mudança revolucionária para além do teor de
igualdade.
São mulheres brancas do lado de homens brancos focando em mudança individual para
eles mesmos, com propósito de chegar ao padrão de vida (lê-se do homem branco e rico), e não
coletivamente. Neste sentido, tem-se uma linha que vai se centralizando e o feminismo negro
está na contramão do que estava acontecendo dentro do feminismo branco/liberal, que é tratado
isso por hooks (2018), em seu livro “O feminismo é para todo mundo”, ao mostrar o quanto o
feminismo branco/liberal é limitante, na qual a autora pensou sob a ótica da experiência de
mulheres negras e, em razão disso, coloca raça enquanto elemento fundamental ao mostrar que
é inconcebível fazer a dissociação do contexto racial, portanto, a autora, em sua obra, salienta
a necessidade de políticas feministas, retirando qualquer tipo de barreiras feministas que temo
objetivo de “ rivalizar mulher com mulher” e, para isso, a autora solicita a educação ao afirmar
que ninguém nasce feminista, é um processo educacional construído para ser feminista, pois
não tem como ser feminista, sem estudar.
Com cuidado com a ideia de sororidade, que é abstrato, tipicamente hegeliana, pois,
como diz González (2020), o feminismo advém de tensões sociais, afirmando em seus artigos
como muitas vezes mulheres negras são infantilizadas e as brancas tomadas como fossem as
“salvadoras” das mulheres, sem observar as experiências das mesmas. Na Ditadura Militar
59

brasileira, teve-se um movimento de mulheres político, cujo slogan era “a minha experiência é
politizada”, mas que foi ignorado por um lado ou, como argumenta Kilomba
(2020),outremizado (referência direta à Audre Lorde sobre o outsider), pois ouviram apenas
um padrão de mulher elitizada. Neste sentido, centraliza uma experiência, universaliza e coloca
uma única mulher, na qual a ideia de igualdade vai se tornando falaciosa ao passar uma lixa na
diferença.
Isso fez com que esse grupo de mulheres não refletissem sobre mulheres que já
trabalhavam (lê-se negras e indígenas), que viam seus filhos e homens não brancos passando
fome, sem uma percepção do recorte de classe e de raça, não desfazendo do feminismo clássico,
até mesmo liberal, mas percebendo as suas limitações, por isso a defesa do feminismo negro e
de uma ferramenta metodológica diferente, na qual prega-se aqui a interseccionalidade, pois o
que tem hoje são políticas públicas apenas pensadas em mulheres negras.
Nascimento (2018), autora do livro “Quilombola e intelectual”, ao tratar da Sociologia
do Exótico de como a mulher negra era tratada na década de 70 e da década 50, que realiza uma
crítica sobre a Sociologia enlatada que remete à toda Sociologia que vem do exterior (Europa)
e que se projeta enquanto uma verdadeira conserva cultural onde tudo é ortodoxo e excelente,
na qual termo enlatada ou “conserva” cultural é uma Sociologia Crítica de Guerreiro Ramos
(1953), ambos ocorridos antes mesmo da interseccionalidade.
Neste sentido, as bases que formulam a interseccionalidade vêm de longe (lê-se
Sociologia do Exótico e a Sociologia enlatada) e de perto (Sociologia das Ausências e
Sociologia das Emergências). E do marxismo, que também tratou das mulheres negras, pois
dizer o inverso é fazer o apagamento de mulheres negras, pois bell hooks, Lelia González e
Angela Davis são socialistas/ marxistas. E isso também é uma estratégia liberal para tirar o
caráter revolucionário de escritos de mulheres negras que faziam críticas ao capital em conjunto
com aspecto raça e gênero. Isso é que Fanon (1979) chama de “O encarceramento de raça”.
Segundo o psicanalista marxista, as pessoas negras são racializadas ao serem condenadas a uma
raça negra enquanto pessoas brancas são racializadas na branquitude de forma individualizada.
Crenshaw (2020), em seus estudos, afirmava da necessidade de ter um nome para isso,
que é a interseccionalidade, na qual estudou o que houve na General Motors, mostrando
didaticamente a encruzilhada de ser mulher negra a partir da interseccionalidade e de como essa
forma analítica de olhar a realidade de mulheres irá redimensionar a expectativa de vida e nos
locais de trabalho. A estudiosa estadunidense percebeu que mulheres negras ocupavam
empregos subalternizados, igualmente àqueles dos tempos coloniais, assim como percebeu a
diferença na escolaridade em comparativo com as mulheres brancas. No Brasil, quem fez esse
comparativo na década de 70, tida como os anos do progresso da mulher, segunda onda
60

feminista com o slogan “O pessoal é político”, foram mulheres que estavam nas lutas e
decididas a eliminar todas desigualdades e diferenças entre homens e mulheres. A autora
Gonzalez (2020) diz que nele só se beneficiaram as mulheres brancas.
Gonzalez (2020) mostra, nessa época, o quanto o movimento negro é machista, pois os
homens negros ocupavam o lugar de opressores das mulheres negras. Apesar disso, é dentro do
movimento que mulheres começam a fomentar as suas lutas, exemplificando o caso de Luíza
Mahin e a participação de muitas células de mulheres que vão perceber problemas tanto no
movimento negro quanto no movimento feminista. Nesta perspectiva, em 1988, foi criado I
Encontro Nacional de Mulheres Negras em Valença- Rio de Janeiro, não obstante muitas dessas
mulheres negras que participaram foram acusadas, de um lado, de trair a raça e, de outro, o
gênero, apesar do evento tratar da tripla opressão. A autora disse que na época isso era
plenamente compressível, visto que o entendimento era bastante dualista.
Bairros (1995) diz que nessa época mulheres brancas se baseavam para rebater o
discurso desse encontro sob a lógica racista- colonial- paternalista ao afirmarem que mulheres
negras eram agressivas, já o movimento negro sob ótica da traição ao movimento.Com isso, foi
um processo de conflitos e lutas para mudar esse modo de pensar a realidade, pois, de acordo
com autora, “Somente à luz da dimensão do racismo [classismo] e do sexismo conjuntamente,
pode-se conferir significados às diferenças percepção de ser negro [e indígenas]”. (Autor com
página da citação)
É preciso historicizar os contextos que permeiam países como o Brasil, que têm como
elo fundante o colonialismo-patriarcalismo-capitalismo, por conta desses contornos estruturais
ainda vigentes, onde não há a existência da igualdade entre mulheres, ainda que sejam
acometidas por um crime de gênero. Foi constatado que o fenômeno social não causa somente
assimetrias de gênero, mas entre gênero (leia-se entre mulheres), por isso nomes, como o da
autora Enriquez (2010), afirmam que, apesar da Lei de Feminicídio apresentar no seu teor uma
perspectiva universal no que tange às mulheres, não é universalizante, pois a sua qualificação
defronta bastante com a singularidade de quem ela nomeia provando, assim, que há um grande
hiato entre a Lei e a realidade a que se oferece.
Segato (2016) também valida essa discussão advertindo sobre a necessidade de discutir
essa política pública em forma de Lei, incluindo outras desigualdades, como raça e classe, ou
seja, em perspectiva interseccional. O livro Mulheres, raça e classe, de Davis (2016), como
observado anteriormente, tornam-se bem importante para se compreender as nuances de
opressões nesse sentido, pois, ao longo dos seus escritos, a autora traz a todo o instante a
importância de se discutir a interseccionalidade de raça, classe e gênero, visando a uma nova
realidade através das inquietações promovidas por estas ao interpretar para além da questão de
61

gênero ou conformismo fomentado pelos eixos fundantes para que se expresse, assim, um novo
modelo de pensar e agir no âmbito societário.
Nesse sentido, traz-se a importância de tirar a máscara da “diplomacia secreta”, como
diz Luxemburgo (2018) em sua célebre obra A crise da social-democracia, frisando que essa
frase nada tem a ver com contexto de feminicídio ou com a questão da interseccionalidade, mas,
sim, em relação à guerra mundial, que já havia sido preparada dezenas de anos atrás, com
publicidade às claras. Assim, denota-se ironia por parte da filósofa e economista marxista.
Apesar disso, é possível trazer para reflexão de sentido parecido ao correlacionar com o
“mito da democracia racial”, do sociólogo brasileiro Freyre (2006), em seu livro Casa-Grande
& Senzala, de 1933, visto que ambos são enganos da sociedade. Dessa forma, de acordo com
Fanon (2008), é preciso, nesta perspectiva, defrontar sobre os postulados que permeiam sobre
qualquer questão societária para que se tenha, de fato, entendimento notório acerca da realidade
que se vive, evitando, desse modo, um real imaginário esquizofrênico e dissonante na ação e
no pensamento, como ocorreu com a guerra mundial e ocorre ainda no Brasil, reconhecendo,
assim, a necessidade de estabelecer o rito de passagem da fantasia para a realidade, conforme
Kilomba (2020), na qual Lacan corrobora com os autores ao dizer que a experiência humana
não é um área de condutas pautadas por imagens ordenadoras (imaginário), mas por estruturas
simbólicas que têm como potenciais apenas de garantir identidades e colocada como real
(SAFATLE, 2017).
Dito isso, pode-se perceber que desconsiderar fatores interseccionais causa uma grande
distopia do real contexto, pensamento formulado por Fanon (2008). Em sua obra Pele negra,
máscaras brancas, o autor compartilha sua indignação acerca da sociedade, entre outros
motivos, por tratar o negro como se não fosse negro. Estende-se, aqui, essa indignação para
outras etnias minoritárias, como o caso dos indígenas, ao promover um notório esquecimento
de todas as vicissitudes que os permeiam, por estarem em uma sociedade que tem como eixos
centrais o colonialismo- patriarcado- capitalismo. Ainda que não fale de interseccionalidade,
termo criado, a posteriori, pela autora afro-estaduniense Crenshaw (2017), Fanon ressalta bem,
pelo menos, duas questões que considera excludentes nas discussões societárias: a raça e a
classe, discutidas juntas ao longo do texto.
Pele negra, máscaras brancas (2008) tem como origem a sua tese de doutorado, na qual
Fanon oferece uma crítica incisiva à negação desses eixos (raça e classe) no contexto francês,
utilizados para explicar as problemáticas acometidas, que o autor chama de deserdados da
população, àqueles que não ou pouco usufruem da lógica do sistema capitalista de produção.
Kilomba (2020), em seu livro Memórias da Plantação, criou diálogo com teoria psicanalista de
Fanon, retratando a negação imposta pelo sistema (leia-se eixos dominantes) de como eles
62

impedem notadamente que novas linguagens sejam criadas para um entendimento de qualquer
problemática social e a sua responsabilização. De acordo com a autora, não é de forma moral,
mas, sim, de modo que abarque novos conhecimentos e reflexões, visando construir novos
moldes de configurações de poder, sem opressão, dominação, exploração de classe, raça/etnia
e gênero.
Nesse sentido, o psiquiatra francês marxista defende com veemência a necessidade de
que a sociedade reveja o modo de ver o mundo em que se vive e encoraja que isso ocorra por
meio do engajamento social das pessoas para conhecer e reconhecer a existência de certas
problemáticas em todas as suas vicissitudes (subentende-se classe e raça) (FANON, 2008).Com
isso, conforme o filósofo italiano marxista Gramsci (1996), tal engajamento social deve ser
estabelecido mediante um pacto entre o Estado e a sociedade para que a necessidade expedida
por quaisquer grupos sociais entre na sua agenda pública e transforme-se, por conseguinte, em
políticas públicas, enquanto resposta de combate a tal problemática que os afligem. Apesar
disso, Gramsci não esquece que o Estado tanto o atende quanto é responsável por legitimar e
manter uma ordem (leia-se racismo, patriarcado e capitalismo) que causam este (leia-se
feminicídio) e outros problemas, também por vias administrativas.
Nessa perspectiva, é preciso desmascarar as políticas públicas universais que pseudo
ajudam, pois agem como invisibilizadoras de todo um fator estruturante que coexistem no meio
social com o único objetivo de favorecer a continuidade e a não ruptura desta hegemonia
dominante que é racista, patriarcal/machista, capitalista e que tem um Estado genocida aos
povos negros e indígenas. Dessa forma, é preciso romper com essa lógica do Estado interventor
que invisibiliza outros eixos a fim de manter esse poderio. Para isso, o feminicídio não pode ser
pensado politicamente, ignorando as outras causas interconectadas com gênero, que aumentam
a possibilidade de certas mulheres serem acometidas por ele, em especial, àquelas pertencentes
a grupos socialmente vulneráveis (leia-se não brancas e pobres). Desta maneira, muita(o)s
pesquisadora(e)s defendem, em seus estudos, o uso, ainda que de forma transversal, dos eixos
raça e classe nas estratégias para políticas públicas de combate a essa violência historicamente
invisibilizada através da não associação somente com a questão de gênero, mas também se
lembrando de outros eixos hegemônicos que o agravam.
Ademais, os elevados índices de feminicídios para estas mulheres de grupos vulneráveis
já provam a necessidade de se fazer pensar na revitalização desta política pública através do
oferecimento de novos arranjos protetivos como estratégia nas formulações, tanto para apoiá-
las quanto para contribuir para a verdadeira democratização do país, respeitando não somente
aos princípios da igualdade, pois este por si só é insuficiente, mas também a interseccionalidade.
É preciso evidenciar a necessidade das políticas públicas no combate ao feminicídio para além
63

da questão de gênero, trazendo à tona as experiências vivenciadas do nascer, viver e morrer


dessas mulheres.
Por esta razão, priorizar o fator interseccional na análise das formulações de políticas
instituídas para mulheres é destinar um tratamento equânime e distinto para cada uma delas,
enquanto primeiro passo para se diminuir as diferenças abissais que perpassam suas vidas e
mortes, bem como promover o respeito ao grau de vulnerabilidade na qual estão inseridas, como
afirma Farah (2007), principalmente no Brasil, berço histórico de várias desigualdades sociais
e raciais, pois fazer qualquer discussão no país que não tenha como ponto de partida central o
racismo estrutural nem as questões do capitalismo envolto é um erro que deslegitima quaisquer
argumentos no âmbito de Estado, ou qualquer outro de mesmas características. Assim, é preciso
fazer uma análise crítica para as formulações de políticas públicas de combate ao feminicídio
no Brasil, que vai para além da criminologia, pois também se refere a uma discussão ontológica
e epistêmica política.
Collins (2014) evidencia bem em seus ditos a necessidade de um olhar plural da
sociedade a fim de que qualquer medida contra uma problemática tenha o poder de ser, ao
mesmo tempo, um “projeto de conhecimento” do real e uma instrumentalidade política. É
visando este olhar que Fanon (2008) corrobora com Farah (2007) e Collins (2014) ao dizer que
é preciso enfrentar de forma epistemológica e ontológica, identificando tanto as razões por
ocorrerem tais questionamentos na sociedade quanto o modo como acontecem. Esse olhar deve
ser voltado para conhecer e reconhecer o entorno que transcorre a problemática a fim de não se
ter uma falsa sensação de revolução, como ocorreu na luta pela legitimação do termo
feminicídio e outros fenômenos correlatos mundo afora.
Para se corrigir tal falha, é preciso que se fundamente uma justiça de transição àquelas
mulheres não brancas e pobres que têm a possibilidade maior de sofrer com o fenômeno social
através da construção de outra identidade acerca da política pública de combate ao crime que
as visibilizem por meio de um descentramento cognitivo universal de forma interseccional,
conhecendo e reconhecendo a inexistência da igualdade supostamente pregada pelo Estado no
âmbito das políticas públicas através do olhar para além da percepção de gênero, englobando
questões raciais e do classismo historicamente presentes no país, antes de aplicar uma política
pública em forma de Lei.
Afirma-se, ainda, que, para além disso, a violência fatal pode ser evitada se for
desinvisibilizado o contexto que ela ocorre, pois ela tem uma frequência e os agressores atuam
sempre da mesma forma, podendo-se observar isso utilizando o ciclo de violência (tensão,
explosão e lua de mel) da psicóloga norte-americana Walker, bem como vendo outros
marcadores, como raça e classe, apresentados em muitos estudos da demógrafa Romio (2019).
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A utilizar como exemplo o protocolo de Pasinato (2016), encontram-se algumas


prerrogativas, incluindo a falta da interseccionalidade como potencialidade para o crime,
usando o conceito apenas para justificar a dificuldade de mulheres não brancas para acessar os
meios jurídicos. Apesar disso, o protocolo é de grande importância para colaborar como
orientador na investigação policial até o processo de judicialização, por razões de gênero,
principalmente no que se refere a evitar a culpabilização da vítima utilizando-se de
“moralismo”, que tira o foco investigativo ao levar em conta comportamentos e questões
íntimas das vítimas para defender o agressor e/ou feminicida e também agrega bastante para
que não se retome aquele passado recente da legítima defesa da honra, vigente até o ano de
2005, vinculando o crime a motivações passionais.
Pois, como diz Cavalcanti (2021), em seu livro Sub-humana: o capitalismo e a
metamorfose da escravidão que na conformação estatal existente, muitas vezes só possível
escutar as vozes de súplicas de alguns, pois o ouvir o outro é uma atividade teológica
condicionalmente humana, trazendo para a reflexão Arendth (1999) e Luckás (2015), que
denotam como sendo uma individualidade que não é universal, mas, sim, seletiva, e a depender
do contexto que estão inseridos, a súplica é vazia e sem amparo ou sem resposta para quem são
mais afetados.
Dada aqui pelo disfarçamento causado pelas máscaras universal de direitos
considerados universalistas e inalienáveis, lembrando-se da crítica ao fundamento absoluto de
Bobbio (2004), que diz que, na finalidade de buscar fundamento absoluto, é perpetrada pela
ilusão de acumular e elaborar razões e argumentos para tal, que seja irresistível e que não tenha
recusa de ninguém pela adesão, o que, conforme o autor, é perigoso, uma vez que o fundamento
absoluto não pode mais ser questionado e quem resiste a ele é posto para fora das comunidades
das pessoas “ racionais”.
O Atlas da Violência de 2021 mostra que o feminicídio de mulheres negras cresceu nos
últimos dez anos, ou seja, o quadro não diminuiu, e, sim, agravou, enquanto de mulheres não
negras caiu. A pesquisa contém dados entre 2009 e 2019, em que aos assassinatos das mulheres
brancas diminuíram 26,9%, caindo de 1.636 para 1.196 casos. Já em mulheres negras teve um
crescimento de 2%, foram de 2.419, em 2018, para 2.468,em 2019. Nesta perspectiva, é que
tais lutas por direitos, como Calcanti (2021) diz, pode contribuir fortemente para o que ele
chama de metamorfose de uma exclusão abismal ao carregarem a perpetuação dos vários tipos
de violência sem um fim. Portanto, é nesse sentido que Souza (2020) reitera em seus estudos o
quão é importante pensar políticas públicas eficazes no enfrentamento ao feminicídio, tendo
um recorte racial e de classe.
65

2.4 As inflexões da raça e da classe sobre o gênero como atenuantes ao contexto do crime

Tanto a violência contra a mulher quanto o feminicídio são pautas de diálogos por vários
profissionais, principalmente aqueles que lidam diretamente com esta violência na saúde e no
sociojurídico, e pelos acadêmicos em suas pesquisas e outros agentes políticos sociais que
procuram atuar no seu enfrentamento, como os movimentos sociais feministas. Tendo em vista
o tema da dissertação ser o feminicídio, este será o enfoque central, pois o Mapa da Violência
da Organização das Nações Unidas (ONU) de 2015 informou que o país ocupa a 5ª posição no
ranking mundial no crime em que mulheres são mortas por serem mulheres.
Não se tem ainda ranking mais recente, mas as informações do Atlas da Violência 2020
relataram um aumento do crime de feminicídio, em específico de mulheres negras, com 68%,
e uma queda significativa nas mortes por esse crime às mulheres brancas, e que continua nos
mesmos moldes no Atlas da Violência de 2021.
No seu artigo “Feminicídios: conceitos, tipos e cenários”, para além dos determinantes
sócio-históricos que colaboram para que mortes de mulheres por gênero aconteçam, Meneghel
e Portella (2017) procuram caracterizar o tipo de cenário brasileiro onde o crime ocorre.
Conforme as autoras, as mulheres mortas são, em grande maioria, adolescentes e jovens adultas
e, em grande parte do país, as vítimas são não brancas e pobres que vivem em lugares urbanos
com pouca ou quase nenhuma segurança. Outro levantamento ainda mais agravante dado pelas
pesquisadoras é que a maior parte das denúncias não são investigadas pelas instituições de
polícia, havendo apenas um arquivamento dos processos.
Isso reforça a teoria de que o feminicídio pode ser atribuído como um crime de poder e
dominação de agentes (indivíduos ou grupos de indivíduos) e instituições. Desse modo,
conforme Meneghel e Portella (2017), é possível perceber que os feminicídios ocorrem em
zonas urbanas onde a qualidade de vida é precária, apresentando-se como diferenciais riscos
tanto os fatores sociais como os raciais para além do gênero, que é continuum, à medida que se
mantém a desigualdade no que tange ao direito à vida no país (PASINATO, 2016).
Em razão disso, teve início no dia 30 de outubro de 2012, na cidade de Porto Alegre, e
depois se estendeu para o Brasil todo para atender mulheres que já denunciaram e vivem em
regiões com elevado grau de vulnerabilidade social, com ação intersetorial, fazendo parte das
secretarias da segurança pública e de políticas para as mulheres com o objetivo de fiscalizar o
cumprimento de medidas protetivas vigentes no Brasil denominadas de Patrulha Maria da
Penha (SPANIOL; GROSSI, 2014).
É preciso salientar que a Patrulha Maria da Penha foi conquista dos movimentos sociais
que lutam pela causa junto com o âmbito jurídico, dando origem à intervenção policial baseada
66

na Lei Maria da Penha , trazida por um movimento feminista de mulheres na voz da Maria da
Penha, esta que precisou fazer uma denúncia no tribunal internacional para que a Lei nº
11.340/2006 fosse implantada no Brasil e foi importante, pois gerou diversas discussões
políticas, sociais e acadêmicas, o que suscitou uma notória ruptura nas bases de igualdade
jurídica, fazendo uma contextualização/historicidade do que a Lei Maria da Penha existe, é uma
das legislaturas mais importantes no nosso arsenal de leis e é, inclusive, um instrumento
extremamente moderno e referenciável em países no mundo.
Essa é uma lei que serviu para sanar um abismo que se tinha na nossa legislatura no que
confere à violência de gênero contra a mulher, apesar do contexto da história da Maria da Penha,
no Ceará, em que ela foi barbaramente torturada pelo companheiro dela, ficando
permanentemente em cadeira de rodas, ela teve que recorrer às várias instâncias e mecanismos
internacionais para poder, assim, responsabilizar o seu ex-marido pelos danos causados, pois
ora ele era dado como inocente, ora como culpado, mas não sofrendo nenhuma sanção punitiva,
e isso era algo comum no Brasil, os agressores ficarem impunes. Um outro exemplo foi o que
ocorreu em dezembro de 1976, a socialite Ângela Diniz foi assassinada por seu marido Raul
Fernandes do Amaral Street, que utilizou no tribunal o argumento de crime passional e de
legítima defesa da honra.
O caso mais conhecido relacionado a essa tese de legítima defesa da honra é o da mineira
Ângela Diniz que, em 1976, foi morta aos 32 anos pelo companheiro Raul Amaral Street (Doca
Street). Ele afirmou, em julgamento, que a matou por “amor” devido à crise de ciúmes que
sentiu ao vê-la sugerindo um convite íntimo a uma jovem alemã para a sua casa, com isso, o
advogado de defesa alegou legítima defesa da honra. O uso da legítima defesa da honra
enquanto atenuante e redutora de pena para com este crime se fundamenta em falas torpes
aglutinadas em argumentos moralizantes acerca da vitimada.
Ele afirmou em julgamento que a matou por “amor”, devido à crise de ciúmes que sentiu
ao vê-la sugerindo um convite íntimo a uma jovem alemã para a sua casa, com isso, o advogado
de defesa alegou legítima defesa da honra. O argumento utilizado fez com que o movimento de
mulheres “Quem ama não mata” se unisse a fim de que a justiça brasileira o invalidasse. Essa
ação, articulada com outros populares e com ampla cobertura da mídia, resultou em um segundo
julgamento, que condenou Doca Street a 15 anos de prisão. Ressalta-se que Ângela Diniz era
uma mulher branca, da alta sociedade, ligada às mais influentes rodas sociais, políticas e
elitistas da época, elementos-chave que contribuíram para que, mesmo no contexto de Ditadura
Militar, o caso obtivesse tanta repercussão (ANDRADE; MATOS, 2017).
No entanto, o argumento de legítima defesa da honra, que se pensava superado, voltou
a ser utilizado em julgamentos recentes. Em 2020, a tese ressurgiu no julgamento de uma
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mulher em Brusque (SC), no dia 30 de dezembro de 2020. Conforme o inquérito da Polícia


Civil, Amaral, marido da vítima, teria ficado com ciúmes ao ver sua mulher Elisiane (branca,
38 anos, classe média) dançando com outras pessoas, o que gerou uma discussão entre os dois,
estendendo-se até chegar à casa deles. Após Elisiane ignorá-lo durante suas falas, Amaral foi
até o armário e, de posse de uma corda, a enforcou, e, em seguida, com a vítima já falecida,
jogou o seu corpo seminu em cima de entulhos, perto da casa em que moravam juntos. A defesa
argumentou que Ademar se sentiu humilhado pela esposa e, por isso, agiu de tal modo, em
legítima defesa da sua honra. No dia 29 de setembro de 2020, a 1ª Turma do Supremo Tribunal
Federal (STF) acatou a absolvição por “legítima defesa da honra” em um caso de feminicídio
ocorrido em Belo Horizonte no ano de 2017, que consistiu na tentativa de feminicídio de uma
mulher por suspeita de traição.
Nesse sentido, é importante historizar que houveram uma luta de mulheres há décadas
que lutaram pela dignidade de se manterem vivas, isso é importante para constatar que a Maria
da Penha, apesar de ser um caso extremamente emblemático, não foi um caso particular que
levou a essa lei, mas ele e outros que tiveram menos repercussão que se juntaram por
aglomeração em índices, trazendo a perspectiva interseccional, certamente mulheres que até
hoje não sofrem empatia da mídia e, por conseguinte, não chegam a clamores populares como
mulheres negras ou indígenas pobres. Não obstante, a Lei Maria da Penha fez com que criasse
um instrumento legal que abordasse com recorte de violência doméstica e familiar. É uma das
leis que funciona nesse quesito, mas, claro, tem-se muitos problemas acerca da aplicabilidade
como ocorre com várias outras leis.
A Lei Maria da Penha ajudou, sim, no combate da violência. Ela foi o prenúncio na
mudança cultural da realidade das mulheres vítimas de violência familiar e doméstica enquanto
mecanismo que, de fato, vem mudando a cultura da sociedade brasileira, na qual um dos fortes
mecanismos que abrange o contexto societário está na denúncia da violência que qualquer
pessoa pode fazer por diferentes mecanismos: telefone ou presencialmente, não
necessariamente a mulher, constada isso em alguns inquéritos de tentativa de feminicídio
encontrados no Núcleo Investigativo Policial de Feminicídio, bem como a criação de Juizados
da Violência Doméstica e estabelecimento de medidas de assistência e proteção às mulheres
em situação de violência doméstica, ressaltando que foi apenas pelo gênero: masculino e
feminino, não tendo como, até hoje, bases interseccionais, acrescentando raça e classe, e não
visto isso também com a Lei de Feminicídio(ROMIO, 2013).
No entanto, quando se leva em conta as afirmativas das autoras Meneghel e Portella
(2017) e os números crescentes de mulheres mortas por feminicídio, entre mulheres brancas e
não brancas, mostrados nos dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2019,
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observa-se que a Patrulha Maria da Penha não é tão eficiente assim. Foram registrados cerca de
1.206 casos de feminicídios no Brasil em 2018, com um crescimento de 11,3% com relação à
2017. Dessa totalidade, 61% das mulheres eram negras e o feminicida, em 88,8% dos casos, foi
o companheiro ou ex-companheiro da vítima.
Mais tarde, a Lei Maria da Penha tornou-se também o prenúncio da luta pela lei de
feminicídio, que foi acompanhada pelos debates trazidos de outros países América Latina, como
Argentina, Bolívia, México. Foi esse debate que permitiu seu enquadramento no Código Penal.
Foi necessário que o feminicídio fosse posto como crime qualificador do homicídio porque era
preciso uma separação entre homicídios comuns e os crimes cometidos contra as mulheres pelos
seus parceiros – 95% desses crimes cometidos por homens conhecidos das vítimas, podendo
ter laços consanguíneos ou não, em grande maioria em ambiente doméstico – e também para
fomentar políticas públicas para atuação na sua prevenção (AGUIRRE, 2021).
Mediante esses dados, significa que, ainda que se tenha mecanismos, planos, programas
e políticas, os Estados não são capazes de prevenir o feminicídio, restando a se ater o que
delimita aquele primeiro protocolo da Pasinato (2016), que é de investigar, processar, julgar,
pois o julgamento não diz mais sobre a violência, mas sobre a morte dela, por feminicídio. Não
se pode dizer muito sobre o segundo protocolo do ano de 2020, pois não é aberto ao público, o
que impossibilita a busca dos pesquisadores da área para fazer qualquer discussão acerca do
tema e se a nova modalidade irá conseguir efetivar e cumprir adequadamente com as obrigações
que consistem na prevenção, investigação, julgamento e punição no feminicídio de mulheres,
bem como se evitariam erros, desde uma investigação omissa, que contribui para que não haja
evidências suficientes e falta de assistência às sobreviventes, até evitar a culpabilização da
vítima. Nesse sentido, parafraseando a coordenadora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
(2018), Samira Bueno, questiona-se: “Que políticas públicas são essas que protegem mulheres
brancas e não são capazes de proteger não brancas?”.
Conforme uma pesquisa realizada pelo Instituto Patrícia Galvão e o Data Popular no
ano de 2013, antes mesmo da lei, a população já avaliava os riscos de feminicídio como algo
real, sendo que 85% dos entrevistados pensam que as mulheres agredidas que denunciam seus
companheiros ou ex-companheiros têm grandes chances de serem mortas. Contudo, a pesquisa
se contrapõe afirmando que o silêncio da mulher não seria caminho seguro para evitar sua
morte, pois 92% das agressões às esposas e/ou às companheiras podem terminar em assassinato
(PESQUISA..., 2013).
Neste sentido, de forma teórica, podemos começar ao realizar uma análise crítica das
formulações de políticas públicas no combate ao feminicídio, bem como na sua
instrumentalidade, partindo da premissa que o feminicídio é um crime que acontece quando a
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mulher tenta romper com o ciclo de dominação masculina (leia-se de violência física,
psicológica, patrimonial, sexual e moral). Bordieu (2012) procura estabelecer um elo entre o
comportamento feminino e o masculino, sobretudo deste, considerado dominante na sociedade,
para compreender sua sobrevivência até os dias mais atuais. Através da sua tese, é possível
perceber que tal modo de ser não é puramente biológico, mas social/ cultural.
Ainda que Bourdieu trate pouco sobre a violência física em seus escritos, o conceito de
dominação masculina, pelo viés da violência simbólica, já dá uma ideia de como a maioria dos
crimes de feminicídio acontece, pois a sua veia criminológica perpassa também por esta,
principalmente quando a mulher não quer mais se sujeitar aos mandos do homem. Após incutir
simbolicamente que ela é inferior a ele, menosprezando-a de todas as formas (promovendo,
assim, a desigualdade de gênero), e perceber que esta violência não surte tanto efeito, pelo
ímpeto da possessão de vê-la como sua propriedade, o homem a mata (BOURDIEU, 2012).
Todavia, foi observado ao longo da revisão de literatura desse capítulo que as violências
não acontecem de modo igual a todas as mulheres, pois as formas como são violadas em um
mesmo tipo de crime são diferentes, percebidas ao correlacionar com a perspectiva
interseccional, portanto, para além do gênero, principalmente em países que há traços visíveis
e profundos de desigualdade racial e de classe, como no Brasil. A partir disso, é preciso
confrontar com a universalidade imposta a determinados crimes, como o de feminicídio, que
costuma se travestir de fenômeno democrático e social. Por considerar esse estudo complexo,
foi dado um olhar do universal para as singularidades, verificado na dialética marxista, para
entender a razão de algumas mulheres morrerem mais do que outras, no caso as mulheres negras
em relação às mulheres brancas, bem como discutindo acerca da invisibilização delas com uso
da interseccionalidade no âmbito das políticas públicas, mesmo com dados crescentes e
agravantes.
Segundo os estudos de Durkheim (2019) sobre criminologia, o crime, se fosse estudado
por ele, seria visto como um fato social normal que faz parte da sociedade à medida que é
realizado por indivíduos que ferem a consciência coletiva ou o contrato social; outrossim, o
autor o entenderia como sendo apenas um fato inevitável, nada mais para além disso. Conforme
sua obra As regras do método sociológico, a pena para tal delito serviria para reavivar os valores
sociais, postos e transcritos via leis, com o objetivo de reaver a coesão social existente. Nesse
sentido, as legislações funcionariam como mecanismos sociais aplicados àqueles que
desobedecem e ameaçam a ordem socialmente imposta.
Tal concepção tem como base o estruturalismo/funcionalismo vinculados ao
positivismo de Auguste Comte, que, até os dias atuais, (os) Juízes(as) e demais funções no
âmbito do direito (escrivão(ã), delegado(a) e outros) utilizam ao expressar suas sentenças, sendo
70

a punição estabelecida por eles (elas) dada por esta perspectiva, ou seja, enquanto afirmativas
dos valores sociais tratados na forma de lei, compreendendo, assim, que a função estatal é
meramente coercitiva. Ainda assim, o Comte trata o crime apenas enquanto desvios à medida
que naturaliza que tais práticas ocorram na sociedade, sem maiores explicações plausíveis de
sua origem. (SILVA; GUGLIELMETTI; FAZIO, 2020).
Com base nisto, Nuñez (2018), problematiza uma análise comparativa acerca do que
Durkheim diz sobre sua teoria do suicídio e os casos de feminicídios ocorridos no Peru. Nesse
estudo, a pesquisadora observou que o discurso jurídico, bem como sua doutrina e a sua ética,
tem a função de ratificar o dever, com o objetivo de manter a ordem pública dominante e a
regulação das vidas daqueles que habitam o âmbito societário, portanto, é positivista à medida
que traz uma única verdade e um único caminho a se seguir.
Já para Habermas, com relação à ética, dirá com base nos seus estudos acerca da
democracia da moralidade pública, denominada por ele de ética dos discursos. Esta ética esta
transcrita não só em leis, mas também em outros instrumentos jurídicos de inquisição de crimes,
como os inquéritos policiais. Estes podem ser conceituados como um conjunto de práticas
investigativas efetuadas pela polícia civil e federal com o intuito de investigar as infrações
penais e colher provas para que se viabilize a proposta de ação penal. Nessa perspectiva, com
base no que diz o filósofo alemão acerca da proposição dos discursos e moralidade pública,
pode ser que esse tipo de protocolo produza um discurso à medida que é feito por pessoas e
que, aqui, se entende pela escrivã, delegada, agentes da polícia civil e perito criminal, trazendo
o inquérito de feminicídio como escopo de pesquisa.
Além disso, outro ponto que se deve destacar é que, quando se diz sobre termos e
instrumentos jurídicos, como o caso dos inquéritos policiais, deve-se pensar que eles são
provenientes do Direito, tido como espectro dos conceitos advindos das Ciências Sociais, que
se fixa na linha do que é injusto e justo, do permitido e não permitido, o que está transcrito
conforme as normas da sociedade e o que não, o que é aceitável socialmente ou não, o que deve
ser sancionado ou não. É importante, no âmbito jurídico, tirar esta maneira objetivada de olhar
a realidade. Visa-se com isso não se desfazer da perspectiva durkheimiana, mas é preciso
salientar que existem várias outras vertentes metodológicas dentro e fora das Ciências Sociais
para estar também como ponto de partida além deste. Faz-se necessário ter pluralidade,
dependendo da região do mundo em que se esteja, sendo a perspectiva deste situada no Brasil
e suas políticas públicas e leis voltadas para o feminicídio.
Nesse sentido, a forma durkheimiana consiste em um exercício bastante simples ao
ponderar o direito e a justiça enquanto fatos unicamente sociais que, conforme o sociólogo,
podem ser percebidos através dos seus efeitos sociais. Para além do positivismo, proposto por
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Durkheim (2019) e pelo antropólogo Marcel Mauss, que é também uns dos precursores na busca
por perceber como tais representações são compartilhadas em normas, discursos, falas, escritos,
leis, instituições, correlacionando com a existência dos indivíduos, tendo por base a coesão da
sociedade e o estudo da moralidade e dos mecanismos sociais que fazem com que eles aceitem
de uma forma ou de outra as regras estabelecidas, não procurando outra explicação lógica para
além dos fatos sociais já postos. Dessa forma, no âmbito do Direito, deve-se mover para além
dessa fronteira reducionista e ampliar o olhar agregando novos modelos, pois o fenômeno social
não é restrito, mas global e, a depender do lugar, pode-se constituir com diversas características
(LOPES, 2019).
Um exemplo é o objeto de estudo em questão, o feminicídio, considerado por muitos(as)
pesquisadoras(es) como um crime de fácil e rápida comprovação, pois, quando ocorre, já se é
sabido quem cometeu. Todavia, a dificuldade está em relação à sua prevenção para que não
ocorram mais casos, portanto, daí parte a necessidade do olhar para além tão somente do fato
social, como infere Durkheim (2019).
O documento Diretrizes Nacionais do Feminicídio: investigar, processar e julgar com
perspectiva de gênero as mortes violentas de mulheres ressalta a importância da
interdisciplinaridade, pois as etapas da investigação se desenvolvem em locais diferentes: a
análise pericial é realizada nas cenas do crime e na sala de necropsia; na investigação forense,
há a troca de informações com o corpo pela polícia civil (delegada, escrivã(ãos) e policiais),
envolvida tanto na investigação quanto na conduta do inquérito policial, dando suporte aos
trabalhos do judiciário. O destinatário de todo esse trabalho é o Ministério Público, que irá
configurar o inquérito enquanto ação penal pública, cabendo ao(à) promotor(a) o seu
recebimento em qualquer tempo, bem como requisitar novas provas e diligências ou, ainda, seu
arquivamento referente à falta de provas que demonstre a autoria do acusado (PASINATO,
2016).
Ainda conforme o documento orientador, a motivação do gênero deve prevalecer como
prova da morte violenta de mulheres e emergir enquanto resultado da investigação perpetrada
até a fase final do inquérito, informando também acerca das aquisições de novas evidências, na
qual o(a) promotor(a) pode solicitar ao(à) juiz(a) a quebra do sigilo telefônico de ambos, vítima
e indiciado, de acordo com Lei 9.296/1996, busca e apreensão, conforme prevê artigo 240 do
Código de Processo Penal, como arma do crime, documentos e objetos (cartas, bilhete,
fotografia e dentre outros). A colaboração da vítima sobrevivente e de outras vítimas indiretas
do feminicídio é necessária para acareação de provas e informações a fim de salvaguardar suas
integridades com a prisão cautelar do agressor de forma legal, baseada no artigo 20 da Lei Maria
da Penha (Lei 11.340/2006), em qualquer fase do inquérito. Já na consumação com feminicídio,
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tenta-se pelas vias dos familiares e testemunhas entender a dinâmica do agressor e seus hábitos
(PASINATO, 2016).
Durante o interrogatório, o documento traz instruções para o (a) juiz (a) não ler o
inquérito no início do julgamento a fim de que o acusado não simule uma autodefesa, bem como
orienta para que atente às tentativas do mesmo de responsabilizar a vítima pela violência sofrida
através de termos pejorativos e depreciativos para com ela. Dessa forma, isso deve ser visto
como estratégias de escape de culpa pelo crime, em que tais expressões devem servir apenas
para qualificar o crime, ainda mais nesta lógica de crime de gênero (PASINATO, 2016).
O documento também traz outros recortes para a orientação dos inquéritos policiais
voltadas ao feminicídio, como o uso da interseccionalidade, porém não o traz enquanto
potencializador para acometimento do crime, mas, sim, a fim de não se fazer nenhum tipo de
discriminação, nem racial, nem social às mulheres vítimas. O documento o trata como uma
“violência baseada no gênero [...] reconhecida como um fenômeno social perversamente
democrático e que permeia a sociedade desconhecendo as barreiras de classe com seus limites
econômicos e culturais” (PASINATO, 2016, p. 35). Apesar de reconhecer que as experiências
das mulheres são diferentes, o mesmo atribui esses agravantes somente à questão do acesso à
justiça e aos direitos, não ao crime de feminicídio em si.
O feminicídio de mulheres não brancas enquanto fenômeno social e histórico do ponto
de vista, sobretudo, colonial remete ao racismo estrutural que tem como luz a desumanização e
o sofrimento sócio-histórico original das pessoas não brancas, em três eixos racial- gênero-
classe, na qual o contexto racial/etnia e não pertencimento de classe com o gênero faz com que
sejam condicionalmente potencialidades para o seu feminicídio, pois a necropolítica, termo
usado por Mbembe (2020) para definir, dentre muitas coisas, como ações por parte do Estado
faz com que elas continuem sendo as mais vulneráveis entre as mulheres, uma vez que mulheres
brancas são as que, de fato, se beneficiam das políticas públicas de enfrentamento ao crime de
motivação misógina. Com isso, a ausência a categoria de raça, bem como classe, faz com que
essa crescente estatística nunca diminua e cause morte de mulheres negras por feminicídio.
Em 2013, por exemplo, o Dossiê Mulheres Negras, um retrato das condições de vida
de mulheres negras no Brasil, revelou que o assassinato de mulheres negras era crescente e com
diferenças abissais em comparativo às mulheres não negras. O Estado brasileiro adota em suas
leis uma perspectiva de igualdade eurocêntrica em que todos os “homens” são considerados
iguais. Essa ideia se replica em relação às questões de gênero, que, como nas questões étnico-
raciais, em função do mito da democracia racial, de Freyre (2019), a mestiçagem é romantizada
com o encontro de negros e brancos.
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Nessa perspectiva, os brancos têm a função de produzir relações raciais solidificadas,


impedindo que ocorram debates sobre as diferenças raciais, pois, neste mito, todas as pessoas
são iguais e sem distinção de qualquer natureza, não observando quaisquer particularidades,
incluindo o ser mulher. Essa concepção é encontrada no art. 5° da Constituição Federal Brasil,
que diz que: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se
aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País, a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade” (BRASIL, 1988, p. 17).
A exceção a essa perspectiva eurocêntrica veio com as Lei de Feminicídio e a Lei Maria
da Penha, percebidas pela questão do gênero depois de muita luta de mulheres, em especial do
feminismo clássico, diga-se branco. O feminismo clássico é um tipo de feminismo que não
abarca as mulheridades, ou seja, as mulheres em toda as suas diversidades e pluralidades. É
necessário reivindicar o olhar entre as mulheres e, para mudar esta situação, é preciso que o
Estado lance luz sobre a sistemática de vulnerabilidades delas.
O primeiro ponto seria mudar a constituição “cidadã”, todavia, isso seria impossível,
uma vez que não há nada ainda de primeira ordem que possa lançar tal feito, visto que a
Constituição de 1988 advém de um contexto histórico forte que necessitou disso para reviver a
verdadeira “democracia” devido aos longos períodos de Ditadura no Brasil de 1964 a 1985
(CARVALHO, 2003).
A Constituição de 1988 tem o nome de “cidadã” por ter sido constituída por muitos
movimentos sociais, dentre eles o de mulheres, como o “Lobbydo batom”, em 1985.4 Esse
movimento percebia as mulheres em sua universalidade e reivindicava pautas que garantissem
e ampliassem os direitos civis, sociais e econômicos das mulheres, a erradicação do preconceito
e da discriminação por sexo (na época, era sexo não tendo uma perspectiva de gênero). Tal
definição retira do âmbito mulheres transexuais e travestis, uma vez que sexo se pauta na
definição do ser como feminino ou masculino a partir do órgão sexual de nascimento, ao
contrário de gênero, que é uma construção, como pauta a autora Simone de Beauvoir – “Não se
nasce mulher, torna-se mulher” –, bem como a igualdade de direitos e a responsabilidade na
família, o veto à discriminação da mulher no mercado de trabalho, a igualdade no âmbito
jurídico para homens e mulheres, etc. (BRANDÃO, 2009).
O discurso de igualdade é bem presente no contexto de luta dessas mulheres, pois é fruto
do contexto sócio-histórico e político-econômico do liberalismo clássico. Parafraseando Dartot
e Laval (2016) em “O neoliberalismo é uma razão de ser no mundo”, troca-se o termo para

4
O “Lobbydo batom” foi composto por professoras, médicas e jornalistas, dentre outras mulheres que possuíam
outras profissões.
74

adequá-lo à época do processo da nova constituinte: “o liberalismo como uma razão de ser no
mundo”, uma vez que o neoliberalismo (sendo a adaptação dos princípios do liberalismo
clássico existente) só surgiu no Brasil nos anos 1990.
A expressão “igualdade de gênero” entra em desuso com a palavra “equidade”, pois não
basta apenas igualdade entre os homens, já que, ao tratar assim, esquece-se que as mulheres não
são iguais e que há pluralidade entre elas. A autora Akotirene (2019) percebe isso e desenvolve
o conceito da interseccionalidade no Brasil ao dizer que ele se origina a partir do acúmulo da
desigualdade entre homem e mulher, mas também entre mulheres, procurando se ater a uma
cidadania de forma democraticamente equânime e a destruição das bases estruturantes formadas
pelo colonialismo-patriarcalismo-capitalismo.
Ainda sobre a construção da Constituição de 1988, na questão das travestis e
transexuais, houve o Movimento Homossexual Brasileiro. O discurso sob o título de “O
homossexual e a Constituição” teve como tema a proibição da discriminação por orientação
sexual, apresentando um relatório retratando a situação jurídica e a vida cotidiana, incluindo os
preconceitos contra as pessoas afeminadas, as travestis, a palavra transexual (não era tão usual
na época) e a prostituição. O discurso reivindicava que não os usassem como sinônimo ao
“atentado ao pudor” e/ou “atendado à moral e aos bons costumes”, que os deixavam vulneráveis
à violência policial, especialmente aquelas que fossem de “classe baixa” em que muitos deles
utilizavam do termo jurídico de “legítima defesa da honra” para conseguirem a absolvição de
muitos assassinatos a pessoas LGBTQIA+ (HOWES, 2003).
As mulheres indígenas entravam nas questões gerais da sua população, excluindo-se
pautas específicas relacionadas à violência de gênero. Nessa perspectiva, o segundo ponto de
opção é seguir lutando até chegar a instâncias internacionais, como o caso da Lei Maria da
Penha, a fim de, pelo menos, furar o enquadramento dentro da lógica de igualdade que perpassa
as leis constitucionais para se vigorar a equidade entre as mulheres na sua pluralidade através
de adição de leis ou emendas na Constituição de 1988 com um feminismo menos segmentado
e mais interseccionalizado para que todas as mulheres sejam contempladas em suas pautas.
É necessário que o Brasil revise criticamente as políticas implementadas e focadas em
enfrentar o feminicídio e que o próprio movimento feminista não veja mais a mulher universal,
mas se una para que as ideias neste contexto sejam alcançadas. Que saia de pautas tão somente
generalistas dos movimentos de orientação ou raça/etnia a que pertencem, que não visam,
especificamente, à violência de gênero.
Para isso, é preciso lutar contra a falta de informação pela condição étnico-racial. O
feminicídio representa, sem dúvida, um obstáculo para compreender as especificidades e as
vulnerabilidades que são resultados da desigualdade em geral e do racismo histórico e estrutural
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das pessoas racializadas em específico. Akotirene (2019) afirma que fazer autodeclarações
corretamente contribui fundamentalmente para vislumbrar a criação de políticas públicas,
incluindo a violência de gênero/feminicídio, tratando especificamente dele, pois não
compreender as vulnerabilidades e pensar em todas como um sujeito universal, vítima somente
de discriminações e violência de gênero, contribui com o risco de produzir silenciamentos, bem
como dificulta a elaboração de políticas públicas adequadas para enfrentar as violências em
diversos contextos, como no caso das indígenas e negras, e marcadores de cisgneridades, que
exclui mulheres transexuais e travestis desse rol de mulheres mortas por seu gênero. Que os
movimentos feministas se articulem e tenham um eixo interseccional voltado em direção ao sol
para que todas as sementes possam germinar, a primavera possa chegar e as mulheridades
florescer.
A aposta que se faz aqui é a união dos movimentos feministas, assim como Karl Marx
requer com a classe trabalhadora para furar os bloqueios do enquadramento. As pautas já
existem e estão postas de forma visível, como o transfeminicídio recorrente, o feminicídio negro
com dados e a luta pela produção dos dados da situação das mulheres indígenas, mostrando que
é possível, pois há tecnologia para registrar, produzir e socializar as informações mostrando
que o que falta é o Estado querer, mas é sabido que este é racista-classista-misógino. Para
reverter essa situação é preciso luta: a segmentação do feminismo veio para mostrar as
problemáticas. Agora, é necessário haver união para que se fure este enquadramento e se
implante políticas específicas para cada tipo de mulher, se possível, indo a instâncias
internacionais, como a exemplo da Lei Maria da Penha, montando um verdadeiro caminho de
emancipação de existência e (re)existência contra o enquadramento estatal.
Nesse sentido, a separação dos entes da epistemologia (raça+ classe+ gênero) em textos
sobre políticas públicas não pode existir, muito observado a sua falta quando faz-se a chamada
“escuta de textos” seja em textos acadêmicos, protocolos, leis e outros, tendo o cuidado com os
objetivismos já postos, sem ter algo que aprofunde a subjetividade existente que emana na vida
social. É preciso analisar as raças, as classes, nossa espécie em comparativo ao “padrão”
masculino (homem, branco, cis, heterossexual e rico), mas também entre mulheres, pois, assim,
poderá ser trabalhada a destruição de alguns mitos relacionados ao gênero. O tomar cuidado ao
calcar em dogmas, percebendo como nossas escolhas, em geral, por vezes, são próprios e
carregados de interesses, bem como com disfarce da realidade sobre a perspectiva de mundo.
A interseccionalidade não tem disfarce tal qual a Sociologia da Ausência, Sociologia
das Emergências e outras citadas ao longo do texto. É vista a olhos nus, mas é preciso ter a
possibilidade de desenvolvê-la. O cuidado de não separar o mundo da sua subjetividade, pois a
separação e pode contribuir para a promoção de um autoengano ou apagamento coletivo de um
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determinado grupo. É importante tratar disso, pois esse material científico (elemento raça,
gênero e classe) tão essencial para esse entendimento interseccional não está bem hoje em dia
no país, que segue apedrejada como outros conceitos e outros das Ciências Sociais e Humanas,
na qual a ignorância dos dias atuais reverbera ainda mais de forma significativa no
entendimento totalizante das políticas públicas e na compreensão da importância delas.
Nessa perspectiva, torna-se necessário traçar “Planos necessários para reorganizar a
sociedade”, não como a de Comte, com a finalidade de reorganizar a sociedade pós-revolução
francesa. Pois, nesta época, Saint-Simon acreditava que a sociedade europeia se encontrava
desorganizada pela Revolução Francesa que aconteceu em vários momentos, não só em 1889,
que, inclusive, é pauta de tema para Tocqueville, que vai na direção contrária do autor
positivista ao dizer que o problema está em não aceitar o que é subjetivo, o que é da psique, o
que é singular no social, ao rebater ao dizer que não existe objetividade sem subjetividade por
detrás (COMTE, 2019; TOCQUEVILLE, 2004).
O ter entendimento do Estado, como diz autores marxista como Gramsci e filósofos
como Aristóteles, é imprescindível para compreender como as pessoas são capturadas pela
lógica do Estado corporativista que luta contra as minorias, sendo de emergência entender isso
sob os aspectos estrutural, histórico material e até psicanalítico, mas, em especial, o social
estrutural, e arraigado que nos condiciona, de certo modo, a ser ludibriado por um único
discurso acerca até de um fenômeno social, como o feminicídio. Com o cuidado com a ordem
do afeto, pois é preciso existir diálogo sem fervorar possíveis paixões ou conceito ou político
em razão de tratar de vida e mortes de mulheres por razões misóginas, pois o que estão matando-
a para além do seu agressor é a falta do ouvir, do diálogo, este que é tão importante quanto o
choque, um diálogo profícuo, na qual tal diálogo ou, como diz Habermas (2003), o agir
comunicativo, que, conforme o autor, é frequentemente ignorado.
Pensando que a autonomia dos vários feminismos, a priori, partiu-se da falta de
diálogos, entendendo também que os Estados ou nações foram criadas de maneira artificial,
incluindo o Brasil, conforme Benoit (2013), só depois desenvolveu para algo como “povo
brasileiro”, cheios de simbologias especialmente trazidas da Europa, já que desprezavam e
colocavam como selvagem tudo que advinha dos povos originários que os mesmos
colonizaram. Com isso, solicita as inflexões, que são mudanças de convenções que podem ser
maiores ou menores, no caso, aqui, de grande grau devido à profundidade que é uma morte de
mulher por seu gênero de maneira consubstancial às que vivenciam suas experiências nos três
eixos fundantes e, assim como Kant (2020), despertar do sono dogmático ou sono filosófico,
não igualmente ao autor pelas lentes de Hume.
Kant (2020) percebe que a única coisa absoluta é que tudo é relativo ao começar a nutrir,
77

por conta disso, em seus escritos, uma “paciência histórica” de que ainda não há para ter algo
novo ou sociedade nova. Apesar de entender que preciso reorganizar a sociedade, mas diferente
dele, pensasse aqui sem nenhuma forma de generalização dentro das Ciências Humanas e
Sociais. É no sentido de uma refundação total da sociedade, pois o que se funda agora não tem
relação boa com certo grupo, tratando, de forma especial, de mulheres negras e indígenas
pobres, pensando em outras concepções para além do estado “normal” da humanidade que veja
o social, os corpos e todos os elementos sociais dos seres humanos. E perceber se aquilo que
foi descoberto está bom. Se caso sim, manter ou fazer diferente.
Para isso, é preciso adquirir olhares de sujeitos com uma consciência mais subjetiva
para objetivar um sistema mais totalizante das concepções, na qual aqui foi desempenhado por
meio das inflexões da raça e da classe sobre o gênero no crime através do científico, filosófico,
sociológicos e outros, e, principalmente, analítico, pois questões como o feminicídio não pode
ficar apenas na forma teórica, mas também com a prática, passando pela educação, que
consegue juntar o social e fazer, finalmente, uma síntese de como seria no real ou prática
(práxis), e nesse ínterim percebe que o ser mulher na sua pluralidade é fomentado por
experiências pessoais, egocêntricas, sociocêntrica (lê-se no não sentido egoísta ou
egocentrismos das palavras) e sociais, portanto, não tem como fazer uma sociedade melhor
paras as mulheres, em específicos as mulheres negras e indígenas sem essa análise, afirmando
que não é uma repetição de nuances (raça+ classe+ gênero) preexistentes em conceito.
Neste sentido, encaminha-se como destino a interseccionalidade enquanto conceito
científico e ser possível moldadora, sendo uma ontologia para entender e ensinar sobre social,
partindo do pressuposto do que Aristóteles diz homem animal político e adicionando o que
pensa Arendt (1999) homem animal social e político. Com isso, o sujeito pode completar
lacunas que a objetividade não atinge, na qual ele pode fabricar (homo faber) uma utopia para
subjetividade completa e da objetividade, sendo interessante esta construção de subjetividade,
pois visa reviver ações de cunho mais reflexivo e colocar as questões e pensamentos no seu
fazer na práxis, na ação que pode ser em forma de Lei, políticas públicas e outros.
O materialismo histórico dialético faz isso da origem à realização. Nesta mesma
perspectiva, junto com as inflexões da raça e da classe sobre o gênero no crime, bem como
prováveis resultados que aparecem com eles, objetiva-se a diminuição dos crimes enquanto
geração de informativo sobre uma política, o feminicídio (Lei 13.104/ 2015),pois é possível
fazer o relativismo e trazer o devir histórico de diferenças das experiências entre mulheres e
poder desenvolver na sociedade, buscando um futuro societário desenvolvido em que esses
dilemas poderão ser totalmente resolvidos, saindo da utopia ou do tão somente paliativo, como
é o caso das políticas públicas específicas vinculadas ao Estado-nação de conformação histórica
78

fundante colonial-patriarcal-capitalista.
Toma-se, para isso, como gancho os ditos de Poulantzas (1985) em seu livro “O Estado,
o poder e o socialismo”, que trata de como seria a teoria do Estado, na qual o autor afirma que
não pode se construir tomando por referência somente as relações de produção, como se as lutas
de classes só intervissem nas questões das formações sociais enquanto simples variação ou para
concretização desse Estado, o Estado concreto, pois, caso for assim, a teoria seria um simplório
percurso ou traçado da genealogia do Estado capitalismo, só podendo explicar a historicidade
deste, desprezando o que veio anterior, ou seja, as outras formas de Estado que deram origem
ao colonialismo e ao patriarcalismo no Brasil.
Pensar o contexto da universalidade é um projeto que pode ser filosófico, político e
outros, a depender da sua ambição e ideal de projeto, na qual a ótica aqui é pensar no objeto ou
tema (lê-se feminicídio) dentro de um todo mais amplo, incluindo a raça e classe de forma mais
aprofundada, o que alarga mais essa discussão, deixando o gênero ser tão somente central,
englobando, a partir dos demais contornos profundos e existentes, sendo eixos integrados, como
os que existem no Brasil, que pode ser destituída. Nesta perspectiva, é uma forma de
organização do conhecimento sobre uma dada realidade, que não é contingente, mas uma
universalidade.
Muitos teóricos não são abordados como clássico, ou seja, não estão no canônico. No
que tange ao pluralismo metodológico, torna-se um fator que deslegitima o conhecimento dado
pela categoria histórica ou marco histórico, da qual uma geração esquecida ou invisibilizada
pertence, especialmente quando suas obras foram realizadas, que o objetivo não é ser inventor
de algo novo ou diferente, mas, sim, somar dentro dos estudos acadêmicos, na qual a presença
da interseccionalidade enriqueceria na forma como abordar os fatos e origens de questões como
a violência de gênero, dialogando com outros autores clássicos, pois a interseccionalidade, ao
meu ver, torna-se o texto mais palatável para o público que mora no país com característica
igualmente à do Brasil.
O racismo é central para necropolítica e a biopolítica, e pensar que a sociedade
“racional”, pois, conforme Bobbio (2004), quem resiste ao fundamento absoluto que põe para
fora as pessoas que o questionam. Mas, sim, fundamentar em muitos dilemas e limites que, na
verdade, são irracionais, com as limitações de raça, classe e gênero para poder pensar essa
sociedade moderna, pois o não estudo da interseccionalidade e outros semelhantes deve ser não
como curiosidade, mas realmente para pensar como processo dentro das Ciências Sociais e
Humanas e, principalmente, no foco, aqui, com a violência de gênero/ feminicídio. Vale à pena
pensar por essa visão profícua.
E esperar que o conceito seja tão importante e interessante quantos outros conceitos já
79

vistos nas áreas, despertando novos interesses e ótica na pesquisa. Martineau, a primeira
socióloga mulher no mundo, traz a necessidade de se ter uma sinergia e simpatia do pesquisador
do objeto, discutindo a sua posição no mundo. Não é uma crítica de fora, mas com valores
imanente da sociedade em que se vive, com valores próprios e específicos do tema do objetivo
que se quer estudar, e fazer uma crítica interna aos povos que vivem aqui e trabalhar na
contradição que se prega entre a política pública e a realidade de mulheres na sua pluralidade,
com destaque nessa dissertação, não é um manifesto não etnocêntrico, mas a autora adverte da
importância de não cair no relativismo cultural, não aceitando outras culturas patriarcais, como
ocorre, por exemplo, em outros países também colonizados (ALCÂNTARA, 2021).
Dessa forma, prega-se, aqui, ter um parâmetro mais transcendental do que é bom ou
ruim e rever a sociedade que atua na morte a um grupo de mulheres ao invés de garantir que
vivam bem e paz com os seus corpos. Tal perspectiva dada por Martineau contribuiu para que
ela pudesse criticar as mulheres e as mulheres escravas nos Estados Unidos, sendo um debate
ainda contemporâneo, que é mais do que observar coisas postas ou discursos postos, não com
objetivo de gerar, aqui, uma grande teoria de olhar o mundo, mas mostrar as questões incorretas,
adiantando o debate da contemporaneidade.Com essas inflexões juntas se pode ajudar no debate
e nas resoluções de problema da sociedade que, até agora, está agindo em funcionalidade e em
conjunto com a forma de pensar até os dias de hoje (colonial- patriarcal- capitalista).
80

3 A ANÁLISE DO CONSTRUCTO SOCIAL DO CRIME DE FEMINICÍDIO PARA


ALÉM DO TÃO SOMENTE OLHAR ANACRÔNICO DOS INQUÉRITOS POLICIAIS

Ao analisar o constructo social do crime de feminicídio nos inquéritos policiais,


percebeu-se que a metodologia deles consiste em anacrônicas e da finalidade da busca pela
verdade dos fatos, ou seja, nas contradições dos fatos trazidos pelos principais personagens,
sobretudo, o acusado, expressos na sua falta de alinhamento em consonância com as provas
apresentadas. Advém de eventos, objetos, sentimentos, pensamentos, hábitos, costumes, dentre
outros, que não correspondem à data/ época do ocorrido ao serem narrados de forma errônea
como aconteceu.
Não obstante, aqui, neste capítulo, propõe-se ir além do que é comum há décadas por
aqueles que contribuem na observância das leis e da “ordem social” acerca dos inquéritos
policiais. A proposta parte em analisar o construto social do crime de feminicídio para além do
seu olhar anacrônico, na qual esta é a infração/natureza penal tema de pesquisa da dissertação,
amplificando, assim, a proposta, buscando suas falhas e faltas, principalmente o seu
deslocamento diante de uma sociedade que é colonial-patriarcal-capitalista, na qual tal forma
de investigação dos inquéritos policias é posta, até os dias atuais, como a ideal e acima de
qualquer possibilidade de refutação.
Assim como era, conforme Bobbio (2004), para os jusnaturalistas que viveram durante
muitos séculos a ilusão comum sobre certos direitos absolutos que são reavivados diretamente
da natureza do homem, salientando que a natureza do homem se revelou muito frágil assim
como ideal do fundamento absoluto, na qual, se baseando nessa perspectiva, a refutação de boa
parte do que ocorre metodologicamente nos inquéritos policiais se deu aqui em mostrar que
eles não observam a interseccionalidade do Brasil e na região do Piauí, pois, ainda que muitos
deles incorporem o gênero, devido à localização ser o Núcleo Policial Investigativo de
Feminicídio do Piauí, esquecem ou se supõe “inocência negligente” o esquecimento notório
acerca da classe da vítima e da raça, que já são bem definidas e mostradas em relatórios como
do Atlas da Violência de 2020 e reverberado novamente em 2021, e a provável realidade em
2022, pois nada ainda foi feito para mudar acerca daquelas mulheres entre as mulheres que
morrem mais vítimas de feminicídio. De Acordo com a última pesquisa do Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada:

Em 2019, foram registrados 1.246 homicídios de mulheres nas residências, o


que representa 33,3% do total de mortes violentas de mulheres registradas.
81

Este percentual é próximo da proporção de feminicídios em relação ao total


de homicídios femininos registrados pelas Polícias Civis no mesmo ano.
Segundo o “Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2020”, 35,5% das
mulheres que sofreram homicídios dolosos em 2019 foram vítimas de
feminicídios (FBSP, 2020). No entanto, o mesmo Anuário aponta que, entre
2018 e 2019, a taxa de feminicídios por 100 mil mulheres cresceu 7,1%;
enquanto este Atlas indica que a taxa de homicídios femininos dentro das
residências diminuiu 10,2% no mesmo período. Esta divergência contribui
para corroborar a hipótese da subnotificação dos homicídios registrados pelo
sistema de saúde em 2019 relacionado ao incremento das MVCI (IPEA, 2021,
p. 41).

A notória explicação sobre esse esquecimento se dá em recordar que muitos direitos,


utilizando fundamento absoluto, mesmo que seja na opinião de quem os/as defendem, como no
caso de mulheres, reivindicam a nomenclatura de feminicídio associado a apenas à questão de
gênero, bem como isso ocorre com outros direitos que são vinculados à igualdade, seguimento
este buscado por estas e por muitas outras feministas que não levam em consideração a
pluralidade do ser mulher ou mulherismo, como mulheres do feminismo negro e indígena
gostam de autodenominar o conjunto de mulheres, trazendo, assim, a proposta interseccional.
Em experiência empírica pude perceber como funciona o anacronismo dos inquéritos
policiais na questão do termo de declaração testemunhal, com a oportunidade de observar o
trabalho da Delegada em vigência no Núcleo Policial Investigativo de Feminicídio do Piauí, na
qual notei o medo e o receio de um homem negro de ser achar cúmplice em um dos inquéritos
policiais. Ele tem como profissão gari, averiguado isso, por intermédio da fala da delegada e
pelo mesmo, e em razão dele trajar o uniforme que corresponde ao seu ofício, este estava
servindo de testemunha de um suposto homicídio da sua vizinha, na qual a filha dela apontava
o mesmo enquanto culpado. A delegada, antes da gravação do depoimento, reiterou que pensa
ser a filha da mulher morta a provável assassina, no objetivo de ele ficar calmo na hora de
gravar o depoimento. A atitude do gari é aceitável ao refletir sobre contexto, por meio dos dados
do Datafolha do ano de 2019, que afirma que 51% dos brasileiros possuem mais medo da polícia
que confiança, já para 47% apontam confiança para instituição polícia.
De forma mais específica (lê-se interseccional), o Datafolha (2019) informa que, por
gênero, são os homens (52%), de com cor branca (51%) e com renda maior que 10 salários-
mínimos (58%) que são os que mais confiam nos policiais. Não obstante, mulheres (55%),
adolescentes e jovens adultas de 16 e 24 anos (53%), pessoas negras (55%), amarelas (56%) e
indígenas (60%), e os que possuem renda de até 2 salários-mínimos (54%) têm medo da polícia
mais do que confiança. Apesar disso, o autor de violência e segurança pública Misse (2011),
em seu artigo, salienta a importância dos inquéritos policiais, mostrando eles enquanto um
potente dispositivo de poder nas mãos dos (as) delegados (as) por ser um instrumento
82

prevalecente durante toda a instância processual, salientando em seus estudos o quanto são
desconhecidos e restritos ainda para a sociedade acerca das verdadeiras práticas que compõem
as diferentes etapas dele, talvez, por isso, o autor denota-se como uma das explicações para o
medo de certos grupos de pessoas, bem como acrescenta-se aqui a sua explicação para as
questões problemáticas do racismo e classismo estrutural.
Misse (2011) afirma, em seus estudos, que, apesar de o campo ser ainda restrito, torna-
se aberto a muitas reflexões que contribuíram, conforme o autor, com a abertura de novos
pensamentos sociológicos acerca da violência de ordem da segurança pública, que serão
realizadas de acordo com ele nos próximos anos, principalmente, em saber como ocorre a
questão da incriminação no Brasil. A condição moderna de tal processo de incriminação no
Brasil é chamada de “criminalização”, como diz Saad (2019), tendo como a superestrutura de
sustentação para isso a justiça. Esta é uma das várias superestruturas controlada e administrada
pelo Estado moderno, como instauram em seus estudos Mandel (1982) e Poulantzas (1985),
detendo, assim, a ele o monopólio legitimado do uso da violência (lê-se diligências,
cerceamento da liberdade e outros) para fins de controle da ordem social (lê-se da sociedade).
Nesse sentido é que autores, como Poulantzas (1985), são enfáticos sobre a importância
de relacionar certas temáticas com arcabouço institucional do Estado. Não obstante, é preciso
lembrar-se do que o historiador Carvalho (2003) diz ao tratar sobre as instituições brasileiras,
ao dizer que elas surgem devido ao auge do entusiasmo cívico em decorrência da Constituição
Federal do Brasil de 1988, também chamada de Constituição Cidadã, na qual ele atribui esse
momento o caracterizando como de extrema ingenuidade, pois havia a crença que a
democratização das instituições traria rapidamente a felicidade nacional por deixar de lado as
raízes profundas que estruturam o Brasil e que permanecem em constante rebatição em muitos
temas importantes. Aqui traz-se o próprio feminicídio.
Além das instituições, tem-se as pessoas que as compõem e as que se utilizam dos
serviços, que são os intitulados sujeitos sociais, na qual a suposta euforia coletiva recai por terra
ao tratar da questão do regramento social, que é um conceito do autor Fanon (1979), que, apesar
de não ser costumeiro em seus escritos discorrer sobre o significado desse conceito, o mesmo
é passível de entendimento, até mesmo, exemplificando com outros autores clássicos, como
próprio Bobbio (2004), na qual tal regramento social, em suma, é utilizado para pôr “certas”
pessoas para fora das comunidades das pessoas “racionais, boas e justas”, estabelecendo assim
a ordem social.
Este não existe na forma transcrita em lei, sendo-o percebido nas tratativas do vigiar e
punir do Estado como reverbera em suas obras clássicas do intelectual francês Foucault (1996),
isso incluem as diligências policiais, seja enquanto autor ou vítima do crime, sendo importante
83

salientar que, conforme Misse (2011), há uma diferença entre inquérito policial (a ferramenta
e/ou instrumento metodológico) e investigação policial (autoridade policiais incumbida de
realizar a investigação para verificar a existência de contravenção penal ou crime), pois o uso
competente e crítico do instrumental (lê-se inquérito policial) permite que respostas sejam
dadas, mas que ele não se confunde nem pode ser confundido com as respostas dos profissionais
em razão das ações profissionais terem uma abrangência que expressam o fazer profissional:
diligências, isolamentos de área para perícia, coleta de informações e provas materiais,
intimações, análise cadavérico e perícias em armas do crime e ambientação, etc, que é
desenvolvido no âmbito da polícia civil.
No mundo moderno, tais tratativas são chamadas, principalmente, pelas minorias sociais
que lutam contra essa forma de diligências de “criminalização” do Estado instituído na forma
do poder policial, tendo isso relação com pessoas ou coisas relacionadas às pessoas,
desfavorecendo certas lutas, tendo, como exemplo, a criminalização que inviabiliza a
legalização da maconha e do aborto, por exemplo. O Documento entregue no dia 09 de
novembro de 2019, que tem como signatário o Sr. Governador do Estado do Piauí, acerca de
uma “ Propostas e Reflexões sobre o Sistema de Segurança Lato Sensu”, é um documento
bastante denso, elaborado pelo Jorge da Silva, um integrante do Grupo de Trabalho (GT)
constituído no Ministério da Justiça/ Secretária Nacional dos Direitos Humanos pela Portaria
369/97 para avaliar o sistema de segurança pública do país, na qual Silva, ressalta que o GT foi
construindo partindo do princípio de que os serviços desse setor se encontram em situação
crítica, necessitando de reforma profunda, frisando que não seriam ajustes cosméticos ou
estéticos, ou seja, não é algo aparencial acerca da instituição justiça brasileira e seus segmentos.
O autor solicita para começar a analisar isso no seu sentido lato, ou seja, de forma ampla,
e não restritiva pelos eixos: polícia, justiça criminal e o ministério público. Estes que
configuram, segundo o documento, pelo menos na teoria, uma rede linguante de vasos de
comunicação a serviço da paz dos cidadãos. De forma dialética, o GT afirma que ainda que isso
não seja a realidade, é importante leva em conta esta prerrogativa. O primeiro tópico do
documento trata da “1. Desmilitarização (ideologicamente) a Segurança Pública”, cujo objetivo
possuem 03 processos centrais: a) Desatrelando as atividades de segurança pública da visão
militar de “guerra ao inimigo”, substituindo por uma filosofia de trabalho técnico, em que a
comunidade deixa de ser vista como objeto passivo para ser sujeito ativo, como figura
fundamental da ação dos operadores do meio de comunicação, tendo como modelo países de
primeiro mundo, como os Estados Unidos; b) Desenvoltura de amplo programa de revisão
curricular e metodológica em todas as escolas e academias de polícia, centrando valores
democráticos, exortando os policiais à reflexão (não de forma mecânica) frente à diversidade e
84

à complexidade do ambiente social em que atuam; c) Realizando cursos de atualização para os


policiais civis e militares, de todos os níveis, com o objetivo de desconstruir os paradigmas
maniqueístas dentro dos quais foram formados, servindo de exemplo o curso realizado em
Fortaleza, entre abril e junho de 2018, financiado pelo Ministério da Justiça, para majores e
capitães das Polícias Militares do Norte-Nordeste.
Ao tomar nas mãos esse documento que constava em uma das caixas dos inquéritos
policiais, em sua leitura, percebe-se que o foco principal estava na mudança sobre a visão que
a sociedade tem dos policiais civis e militares. Vale destacar que esse documento aparentemente
não é de domínio público, pois foi feita uma busca pela internet e não se encontrou nada igual.
O documento estava em envelope de cor amarela endereçado, na época, à delegada em vigência
do Núcleo Policial Investigativo de Feminicídio.
Ao contrário do que trazia escrito o documento encontrado, aqui, não foi feito nenhum
comparativo com atribuições e modelos de outros países, na qual nele foi frisado bastante o
modelo de polícia comunitária dos Estados Unidos, pois, aqui, se compactua com uma
perspectiva diáspora, que não crê que o racismo e classismo sejam iguais, apesar de poder se
combinar no viés de dar vigor à base de estruturação do mundo do capitalismo e do racismo,
batendo-se na tecla de que é um fenômeno global, mas não homogêneo. E, como dito no começo
dessa dissertação, o objetivo não é mudar o valor dado ao homicídio de mulheres que possui
como principal e única motivação a condição de gênero, na qual tal fato é transcrito no que
precede às leis e às políticas públicas de enfrentamento ao crime de feminicídio e da suposta
capacidade institucionalizar, pois, de fato, essa é a única motivação ao crime: ódio ao ser
mulher, na qual isso é bem quisto, sobretudo, na fundamentação teórica de todos os inquéritos
policiais do Piauí. A ideia é fundamentar com esse estudo um olhar mais interseccional,
entendendo o ser mulher em sua pluralidade.
Isso é dado pela suposta capacidade de institucionalizar, pois o Ministério Público, por
exemplo, em um dos casos de feminicídio encontrados, mostrou-se dúvida com a colocação
policial de feminicídio enquanto natureza do crime, mesmo com a fundamentação teórica da
delegada da época que dizia: “mostra um cenário de Feminicídio bastante claro” (p.82,
INQUÉRITO POLICIAL, 2021).Essa clareza, a meu ver, foi comprovada no Relato/ Histórico
encontrado no Boletim de Ocorrência encontrada na primeira página do processo, nos dizeres,
interpelado pelo noticiante do crime e transcrito por uma agente da lei não identificado: “QUE
a Josefa disse que viveu união instável por anos com ele [...], [e] que ele tentou atropelar”.
O Ministério Público é considerado o órgão máximo em autarquia do judiciário. Foi
percebido que muitas vezes intervém na natureza que é posta ao crime, sua falta de acreditação
revelou-se, nesse caso, na requisição de mais provas, ou seja, o seu poder se estender a poder
85

fazer toda uma linha investigativa traçada pela delegada e os demais agentes policiais. Não
obstante, é preciso informar que as divergências não são encontradas somente nas hierarquias
instituições, mas entre sujeitos de poder, representadas pela figura da delegada anterior e a
delegada atual, por exemplo, na qual esta foi revelada em diálogo informal por esta última, da
sua preferência em colocar a natureza do crime quando não houver morte em virtude dele como
“lesão corporal” em vez de “feminicídio tentado”, divergindo da delegada anterior.
Segundo a Delegada atual, ela faz isso por ter a percepção de que o advogado de defesa
culpabilizará a vítima a ponto de refutar a possibilidade de tentativa de feminicídio para
direcionar que o crime seja tratado enquanto lesão corporal, pois este teria uma penalidade
menos agravante para o réu, considerando isso como uma forma de adiantamento de algo que
poderá ocorrer nos tribunais. A mesma me exemplificou o seu argumento com uso da baladeira/
estilingue (instrumento utilizado para disparo de projéteis como pedra, lançado por intermédio
de força mecânica manual, com amparo de elástico, construído com um galho de árvore em
formato de “Y”), na qual a autoridade argumentou que, nem sempre, o acusado quer matar a
vítima, apesar de poder culminar no feminicídio. O instrumento seria apenas para feri-la, por
isso, não vê como indicativo de feminicídio.
Nesse sentido, a delegada em questão considera que nem todas as lesões são para levar
a vítima definitivamente a óbito, nem ter essa intencionalidade, por isso, não utiliza com
frequência a termologia “feminicídio tentado”, como a delegada anterior a ela, desenhando-se
os inquéritos para que seja visto dessa forma, sendo isso, a prova cabal do ponto de vista da
Análise Crítica do Discurso, que o inquérito policial definitivamente é um instrumento de
poder. Ao analisar com mais profundidade, percebi que as mudanças nos termos culmina no
mascaramento do feminicídio ao encontrar inquéritos policias que, claramente, pareciam estar
se tratando de tentativa de feminicídio, mas continha, ao invés do termo, “Crimes contra a
liberdade (3400)/ Ameaça (3402)”. Isso ocorreu em um caso do ano de 2020, concluído em
2021.
Outro fato, é que a vítima do crime também pode ser a própria Sociedade, descrito em
inquéritos policiais, devido à posse irregular/regular de arma de fogo dos feminicidas, àqueles
associados ao tráfico de drogas e ao serem eles pegos dirigindo sob entorpecentes ou
substâncias análogas. Quando é nesses parâmetros, de acordo com as palavras constadas nos
inquéritos policias, é ministrada uma responsabilidade moral, que é quando há questões
criminais para além da morte dela. Não obstante, foi percebido que questões como drogas eram
perguntadas estritamente ao agressor/feminicida pelo que alcunhei de “feminicida periférico” e
a vítima que alcunhei também de “vítima periférica” por serem pessoas de áreas sociais menos
abastadas e longe dos centros e zonas nobres da cidade que possui um ganho de renda
86

considerado baixo e que é a nomenclatura que usarei bastante neste capítulo sobre inquéritos
policiais e entrevistas.
Além disso, a nomenclatura “feminicídios periféricos” foi dada devido à criminalização
que há de pessoas que moram nas zonas periféricas de cidades que tem sempre mesma cor de
corpo, mesmo endereço, ou seja, baseado nos ditos encontrados na Lei Maria da Penha
(11.340/06) que resvala acerca do local do crime, na qual ela destaca os âmbitos que ocorrem
a violência doméstica e familiar contra ação ou omissão baseada no gênero que cause na vítima
morte, lesão, sofrimento físico, sexual, psicológico e dano moral ou patrimonial. A lei, em seu
primeiro inciso, destaca o âmbito da unidade doméstica, compreendida como espaço de
convívio permanentes das pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive, esporadicamente
agregadas. Estende-se à comunidade o que a lei chama de unidade da família, compreendida
como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por
laços naturais, por afinidades ou por vontade expressa. O entendimento desse contexto faz-se
expressar que, apesar de ser um crime por motivo de gênero, defende-se que a forma como ele
ocorre é diferente devido à localização geográfica da cidade, se são zonas mais centrais/ nobres
e pobres da cidade.
A presença da droga, principalmente a maconha, considerada barata de se consumir por
pessoas com menor poder aquisitivo, termina por ser figura central em muitos inquéritos
policiais. Neste sentido, a “guerra contra as drogas” se estende até em crimes de gêneros,
tornando-se até marco presente. Também foi percebida a falta de mulheres transexuais e
travestis nos inquéritos, sendo esses questionamentos explanados nos tópicos subsequentes
deste capítulo.
Nisso, abre-se esse capítulo parafraseando Marx (2015), que diz que no seu saber
ontológico de mundo, o que se mostrava rarefeito antes, agora pode ter uma possibilidade maior
e uma identificação maior. Nesse sentido, buscar-se-á convergir o tema com os clássicos de
gênero, raça e classe que eles são importantes para constar em nossa caixa de ferramenta e
ampliação com outros que pautem na proposta interseccional a fim de possibilidade de
perpetuar na sociedade um norte de prevenção e combate ao crime, com o olhar para além dos
cânones dos direitos, estudando nos inquéritos policias sobre o processo de exclusão seletiva e
enxugamento visualizados, especialmente no que denominei de feminicídios periféricos. Não
só por classe, mas por raça/etnia também, ao partir do pressuposto histórico do processo
criminal que é longínquo, pois sempre se matou mulheres na história.
No Brasil, o extermínio de negros (homens e mulheres) e indígenas (homens e
mulheres), lembrando-se que os indígenas sofreram racismo não pela cor de sua pele, mas por
sua identidade étnica, que é constantemente ameaçada e invisibilizada, tratando praticamente
87

de forma folclorizada, aqui, no Piauí, há a crença de que os indígenas já foram extintos, sendo
que, conforme o IBGE (2010), o estado do Piauí consta com 2.944 pessoas que se autodeclaram
indígenas, dentre esses, 1.333 somente em Teresina. No total, há cinco nações indígenas já
identificadas no Piauí: Tabajara, Tabajara Ipy, Tabajara Tapuio, Itamaraty, Kariri e Gamela.
Também propomos trazer, através da interseccionalidade, o caminho para a
interpretação dos achados de pesquisa nos inquéritos policiais e, a posteriori, nas entrevistas
com os informantes-chave dado pela figura da delegada, da escrivã e dos agentes policiais,
percebendo que o crime de feminicídio no país Brasil e no Estado do Piauí não tem só gênero,
como também endereço, classe e raça bem definidos. Esse pode ser considerado uma visível
nova forma de visualizar o crime e poder ajudar na proteção dessas mulheres mais suscetíveis
à morte por feminicídio.
Não é tarefa fácil, uma vez que o crime tem como texto-base o gênero e com argumentos
irresistíveis, mas, aqui, será feito e mantido um debate crítico-dialético vivo, acadêmico e
político até à conclusão dessa dissertação para podemos entendê-lo sob o novo olhar para o
crime de gênero com a ótica interseccional, partindo-se também dos pressupostos freiriano de
que é muito importante o olhar ao contexto social, no caso aqui Brasil- Piauí, dado pelos
inquéritos policiais e, a posteriori, com o terceiro capítulo através das entrevistas com os
informantes-chave, na qual são eles os responsáveis por abordar como o crime de feminicídio
deve ser visto, provando que o requinte de crueldade não é só de gênero, de médico, mas social,
aprofundado com as nuances profundas de classe e de raça, que deve ser visto não como
motivação (friso), mas, sim, atenuantes.

3.1 O retrato investigativo dos crimes de do feminicídio no Piauí

Ao perguntar, em linhas gerais, o que é o crime de feminicídio, a delegada diz que:

“Em linhas gerais, por feminicídio, eu acredito que é aquilo que está no código
penal, eu não posso me distanciar dele, é o crime de homicídio, a morte de
uma mulher, que ela é determinada pela violência de gênero, pela
discriminação de gênero e também pela questão do menosprezo pela questão
feminina e também a relação familiar, seja de coabitação ou não coabitação.
É isso que eu entendo pela questão do que é um feminicídio, da mulher
menosprezada, mas é como eu digo a gente nunca pode se afastar muito
daquilo que está no direito”.

Ela continua a dizer:


88

“Às vezes, por exemplo, não sei se você pode pegar nos inquéritos que você
fez, mortes de mulheres por facções criminosas, [e falar que é] feminicídio, às
vezes a gente negligencia muito o termo utilizado, morreu mulher, pois foi
feminicídio, calma. Cadê a questão da violência de gênero, cadê o menosprezo
por ser mulher, então, assim é... a gente tem que ter cuidado com a
nomenclatura, mas também a gente não pode partir do pressuposto de... de
diminuir tanto aquela situação. Então, assim às vezes tem colega que diz
assim: não, se não foi o marido que matou a mulher não é feminicídio, porque
eu não vejo aí, questão de gênero”.

A delegada critica tal ação do colega, exemplificando com os casos de facções, que são
organizações criminosas que têm relação intrínsecas aos faccionados que se encontram em
presídios. A maior facção do Brasil é o Primeiro Comando da Capital (PCC), iniciada nos
presídios em São Paulo, capital, mas que já estendeu para outros estados da federação tanto
capital quanto interiores. No Estado do Piauí, essa facção é conhecida por rivalizar com outra
facção denominada de Bonde dos 40, originada nos presídios de São Luís-Maranhão, estado
vizinho ao Piauí. Ela, em continuidade sobre o assunto, diz que:

“Se você pega uma questão de facções, um exemplo, não vou dizer que
aconteceu.... peguei uma briga de facção, ele vai matar uma mulher, ele pode
dar um tiro na cara dela, ele pode é... matar ele com a arma branca... Mas
vamos lá! Vai dizer que teve toda uma tortura inicial, vai ter um menosprezo,
vai fazer vídeo dela, vai tirar foto, vai enterrar com cova rasa, [vão] mandar
para a mãe dela, ela fez isso que ela tava namorando com não sei quem que
ela não podia namorar, isso e aquilo... será se a forma dessa morte dessa
mulher, não está envolvendo o menosprezo da mulher? Então, assim a gente
não pode minimizar o crime de feminicídio, a ponto de uma relação afetiva
entre marido e mulher, se mata dentro de casa...A gente também tem que ter
cuidado para não estender demais e às vezes esvaziar o significado, (pensou)
mas eu acho assim que tudo que tiver dentro da perspectiva que o direito
coloca é valido ser o feminicídio, desde que eu prove aquela qualificadora, ela
é uma qualificadora como qualquer outra.”

Já o agente policial de número 3- gênero masculino, acerca do que entende em linhas


gerais sobre feminicídio, diz que: “O que eu aprendi aqui no meu tempo de trabalho, é que é
um crime relacionado a gênero, onde o homem quer ter o controle só a mulher, o fato dela ser
mulher ela tem que se submeter a ele, se não pertencer a ele, ele vai tentar matar”. O outro
agente policial- gênero masculino 2 também corrobora com seu colega o agente policial de
número 3- gênero masculino, não obstante percebe que desconhece a diferenciação de gênero
e sexo, já percebido nas primeiras perguntas sobre sua identificação, e agora voltado para
pergunta: Em linhas gerais, o que se entende por feminicídio? Sua resposta foi:

“Que eu entendo é só aquela própria definição de uma mulher que é


assassinada por razões não necessariamente ser do sexo feminino, mas por
razões de que a sua é situação de mulher lhe deixou mais fragilizada e esse é
89

agressor, esse executor o fez exatamente por entender que ele tinha o direito
de fazê-lo sob aquela mulher, ou se ele não acha que tinha o direito mas ele
tinha ódio o suficiente pra cometer aquele fato ali, está entendendo? E o que
eu entendo de feminicídio dessa forma.”

Para a agente policial de número 2- gênero feminino, acerca do tema feminicídio, ela
retrata:

“O feminicídio é a morte de uma mulher pelo simples fato... eu acho que até
meio redundante, é a morte da mulher simplesmente por ela ser mulher, não
necessariamente às vezes você tem a tendência de relacionar, não foi cara que
teve um relacionamento com ela, às vezes a mulher morre, por exemplo, o
cara esfaqueou a mulher porque estava em uma festa, o cara convidou ela pra
dançar e ela não foi, por que na verdade na cabeça dele, ele achou aquilo uma
desconsideração muito grande, sentir vergonha... Existem várias coisas que
você só vai enxergar as coisas na própria investigação.”

A escrivã considera:

“o feminicídio ele é um crime muito sério, que às vezes dependendo das


circunstâncias pode sim ser evitado, é um crime que na investigação [..] que
pode acontecer com qualquer pessoa, mas quando ela já vem sofrendo esse...
essas sucessivas, é... agressões psicológicas, enfim e... a questão dela ser
dependente do companheiro, seja emocionalmente, seja financeiramente e
meio que dificulta esse desprendimento dela e... é isso, eu acho que é um crime
que precisa muito ainda ser lapidado assim”.

Devido à última fala da escrivã sair do roteiro de perguntas estabelecido a ela, por ser
uma entrevista semiestruturada, perguntei: Você acha que não é um crime muito claro para a
polícia e para a sociedade? Ela afirmou que sim e, em seguida, questionei o que ainda precisa
ser lapidado. A escrivã disse que é “pela questão a prevenção sabe, [deve] ser dado mais atenção
a isso, ter mais dados”. Ela também toca na diferenciação dos crimes do interior para capital de
forma espontânea ao dizer, em continuidade à sua fala, da falta de dados e contatos:

“Da própria condução da investigação né, aqui a gente trata só Teresina né,
mas no interior por exemplo, a gente... eu num tenho acesso de como é lá, mas
pode ser que tenham se... tenham... é condições poucas ali pra apurar aquele
crime, [por] questões de investigação, questão de servidores, entendeu, aqui
eu falo pela capital né, então pelo interior eu acho que é bem... bem complexo
assim a questão.”

A perguntei se ela considerava mal investigado no interior por não ter o Núcleo Policial
Investigativo de Feminicídio. Ela respondeu que pode ser que sim. Argumentei que vi alguns
casos do interior do Piauí que são encaminhados ao Núcleo. Ela confirmou que sim e disse que
são:
“os casos de repercussão, eles vêm pra cá por conta daquela agilidade porque
90

às vezes tem uma central de flagrantes pra várias cidades, é um exemplo de


onde eu trabalhava, em caso lá de feminicídio não tem aquele aprofundamento
né, e a equipe não é especializada pra fazer aquilo, ela é especializada pra...
ela é de uma maneira geral, ela trata casos de roubo, de... de tráfico, de furto,
de briga né”.

Perguntei quais são os casos de maior repercussão que vinha para o Núcleo. Ela disse
que: “Um caso de repercussão pra vir pra cá eu acho que aqueles casos que precisam ser... ali...
a mídia contribui né pra essa divulgação. Em seguida, perguntei: Quais são os casos que a mídia
geralmente coloca como relevância? A escrivã respondeu que: “como relevância, são os casos
que tem, é... que são é... com bastante crueldade, sabe”. Senti um pouco de nervosismo em sua
reposta, mas reforcei a pergunta para ajudá-la a responder, perguntando: Qual é o tipo de perfil
da vítima? A escrivã disse: “Ah agora eu num sei te reportar assim, mas... essa informação
num... num sei te responder ao certo, se é...” . Melhorei a perguntar, pois senti que, enquanto
instituição, não falaria o perfil, mas se adicionasse a mídia, como já havia apontado, diria, por
isso, refiz a pergunta novamente: Qual o perfil que a mídia dá destaque para o inquérito que
vem do interior para capital? Ela disse: “Aí sim, a mídia de uma... de pessoas né, que tem pele
clara que tem melhores condições, ganha repercussão mais rápido”.
Ao ser perguntado como o feminicídio é investigado e qual o procedimento adotado
quando encontram uma mulher assassinada, a delegada informa que:

“Bom, como a delegacia de feminicídio, aqui o Núcleo, ele investiga todas as


mortes violentas de mulheres, então, assim quando a gente vai para um local
de crime, aconteceu um local de crime de mulher, quando a gente chega lá,
normalmente não, não é um generalidade, claro que acontecem exceções, mas
normalmente os locais de crime de feminicídio, eles possuem sinais muitos
marcantes, a forma como a vítima é deixada, normalmente vai ter uma
violência sexual, às vezes a forma como a vítima é morta, por
estrangulamento, então, assim existe algumas características que são mais
marcantes no feminicídio. Embora uma vítima de feminicídio pode ser morta
como uma execução, com tiro na cabeça, tiro no tórax, mas assim a gente parte
da perspectiva do que a investigação vai mostrar para a gente, quando tem um
local de crime de mulher, que nunca saio daqui “ah, foi um feminicídio”, “ah,
foi um latrocínio”, porque quando a gente vai investigar, as vezes as nossas
preconcepções, as nossas ideias iniciais podem tanto ajudar quanto
atrapalhar”.

Ela continua dizendo o quanto pode ser errônea:

“Por exemplo, se eu saio sempre com a ideia que é sempre um homicídio pode
atrapalhar de que eu entenda que é um feminicídio, se eu saio sempre com a
ideia que é um feminicídio pode atrapalhar que eu entenda que aquilo foi um
91

latrocínio, a gente tenta. Mas nem sempre a gente consegue, porque nem
sempre a gente consegue esvaziar totalmente a mente. Você lembra de todas
as suas preconcepções, mas nós tentamos ao máximo ser neutro, imparciais,
analisar a cena do crime, e deixar a cena do crime mostrar para gente o que
pode ser, mas a gente nunca elimina de cara nenhuma possibilidade”.

Eu retruquei com base nos inquéritos policiais analisados dizendo a ela que percebia
que em alguns inquéritos a ideia que passa é que começa como um homicídio e são
encaminhados para o Núcleo de feminicídio e neles continham a assinatura do delegado geral
da DHPP nos encaminhamentos. A delegada disse que:

“É porque isso aí faz parte da organização do departamento. Não é porque


começa com homicídio não. No departamento aqui a gente tem o que é o
plantão e ele atende todas as ocorrências de morte, morreu o departamento de
Homicídios é chamado, seja homem, seja mulher. Achou uma ossada é o
departamento que vai achar. Então, vamos lá, o Plantão vai até o local do
crime, juntamente com a equipe do Plantão, a equipe do plantão pode ser a
delegacia de feminicídio, pode ser a delegacia de homicídios sul, o certo é que
vai uma equipe”.

Ela desenvolve sua fala tratando sobre os procedimentos, nos dizeres:

“E quando essa equipe vai até o local, ela fotografa corpo, manda os indícios,
pede cadavérico, ouve as primeiras pessoas que estão no local, identifica os
policiais militares, faz a primeira chegada, não tem como o Núcleo de
Feminicídio ficar de plantão de segunda a segunda, de domingo a domingo,
então faz parte da administração para que sempre tenha uma equipe policial
que vá atender esse local. Então, por exemplo, hoje é segunda-feira, e o
Núcleo Investigativo de Feminicídio está de Plantão a gente está de plantão
de 8h da manhã as 17h da tarde, se por acaso uma mulher vier a morrer hoje
19h da noite, quem vai atender esse local de crime o Plantão do Departamento
de Homicídios, então, os policiais vão lá eles vão fazer toda aquela questão de
isolamento do local, fazer os levantamentos, chamar pericia, chamar IML, e
depois que fazem tudo isso eles elaboram um relatório com tudo que você
deve ter visto nos inquéritos.”

E tratando sobre a função do chefe geral da DHPP, ela diz que são feitos relatórios a
partir disso e “encaminhados para o Cartório geral do Departamento quem responde é o a ele
que é o coordenador. Então, o Delegado e chefe geral identificando que é a morte de uma
mulher, o que ele faz. Despacha encaminhando para o Núcleo Policial de Investigação de
Feminicídio. Quando ele despacha encaminhando para a gente ele não faz nenhum juízo de
valor, se é feminicídio, homicídio, ele só vê que é uma morte violenta de mulher e encaminha”.
Nesse sentido, a delegada diz que:
92

“Essa questão do Departamento de homicídio atender o local de crime de


mulher, não significa que se entende que é um homicídio não. Na verdade, é
homicídio, porque o feminicídio é uma qualificadora dentro do homicídio,
então toda vez que eu falar que é um feminicídio é um homicídio qualificado
pelo feminicídio”.

E conclui afirmando que isso é uma questão institucional ao dizer que é “uma divisão
administrativa realmente do departamento para dar conta de todos os casos que acontecem,
porque você viu não tem hora para acontecer, é de madrugada, de manhã... então não tem
condição da nossa equipe está acompanhando todos”. E acerca dos procedimentos adotados
diante de mulheres assassinadas, ela diz que sempre busca ver:

“[...] se tem pertences? Esses pertences foram levados? Que pertences eram
esses? Como foi essa forma dessa morte? Se era só para matar, por que
estuprou? Por que estrangulou? Se tinha outra forma? Será que tem
testemunhas? Tem câmeras? Cadê o companheiro dessa mulher? Ele está aqui
por perto? Cadê os filhos dela? Cadê os pais dela? O que os pais dizem? Então,
a gente sempre tenta se cercar do maior número de informações possíveis para
que a gente tenha conclusão mais certa, né?!.”

Para o agente policial - gênero masculino de número 3, em relação à pergunta se partem


do pressuposto que é homicídio ou feminicídio, ele manifestou-se com uma resposta
diferenciada da delegada ao dizer que: “Bem a gente parte do homicídio, quando não está bem
evidente, e quando for investigar o caso se tiver relacionamento... e identifica a questão de
gênero, a gente classifica como feminicídio”. Perguntando a ele se alguma vez partem do
pressuposto que é feminicídio, o agente policial de número 3, diz: “Sim. Quando está bem claro
que é feminicídio, o próprio local de crime, o autor, geralmente a gente fala o suicida, a gente
já vê que aquele foi um caso de feminicídio”. Sobre o suicídio, perguntei “Para deixar claro que
é um feminicídio, quando o cara se mata, você já deduz que é um feminicídio?”. Ele respondeu
que:
“Sim, geralmente fica bem evidente quando a gente vê a vítima, a pessoa que
se matou, geralmente tem testemunhas próximas, né? E fica aquela coisa bem
evidente que aquilo é um feminicídio”, ressaltando que nos inquéritos
policiais que observei os suicídios de autores do crime foram encontrados em
feminicídio não periféricos, em que o autor/ feminicida provinham de boas
condições financeiras e era de cor de pele branca. E sobre o procedimento
adotado quando encontra uma mulher assassinada? É bem parecido com que
a delegada disse que “ quem vai ao local de crime é o plantão, eles chegam
fazem os procedimentos básicos de isolamento, ouve as testemunhas, chama
a perícia, é feito todo o procedimento de colheita de materiais, vestígios da
perícia. Aí antes daí tem a investigação de seguimento que parte com a equipe
de investigação do feminicídio, que sou eu, mais os dois colegas, e ai a gente
vai atrás das câmeras se tiver, das testemunhas, é... familiares da vítima, a
93

gente tenta levantar todos os elementos que possam provar a autoria”.

“Ou seja, em primeira instância quem realiza esse procedimento são os


policias de plantão do Departamento Pessoal e Proteção à Pessoa de
Homicídio (DHPP). A agente policial número 2- gênero feminino diverge da
delegada e do agente policial de número 3- gênero masculino no que tange do
pressuposto que parte do crime, ao dizer que com relação ao procedimento:
“Nós sempre partimos do princípio que é feminicídio- a morte de mulher, e
depois com as investigações vai direcionando para que sim ou que não”. E
acerca do procedimento ela trata de forma parecida com os dois, a dizer que
com relação ao procedimento adotado quando encontra uma mulher é
assassinada, ela diz de forma bem objetiva que é basicamente “ Pegar imagens,
verificar com a família informações sobre a vida daquela mulher, se já tem
identificação da autoria, ver traços no local que indiquem foi um homicídio
ou feminicídio de mulher”.

Já a escrivã, ao ser perguntada de como partem do pressuposto que é feminicídio ou


homicídio, em resposta, ela começa parecida com a delegada ao dizer que:

“o feminicídio ele tá dentro do homicídio, o homicídio abrange vários


aspectos, então a gente trata primeiro como homicídio para investigar e avaliar
as causas, as consequências, os detalhes desse... desse crime pra poder
realmente é, confirmar a natureza dele mas a gente inicia de forma geral por
homicídio” .

Disse a ela que nos inquéritos eu vi até uma própria delegada anterior à que está agora
dizendo que via o cenário de feminicídio de forma bastante clara: você consegue observar que
o feminicídio é bastante claro? Ela disse: “em alguns casos sim, principalmente quando o
suposto autor é o ex-companheiro ou companheiro da vítima”.
A indaguei: E por que não começa por feminicídio? Ela disse que:

“Porque... eu acho que o feminicídio não é só entre uma morte mulher né”,
exemplificando a questão com “ um acidente de trânsito - uma mulher morreu,
pode ter sido um acidente de trânsito realmente ou o cara por ter tentado matar
ela né por ela ser mulher, por ela tá atravessando a rua, ele pode não ter
convivência com ela, ele pode ter convivência com ela então são vários fatores
- mesmo que você veja uma cena característica a gente não pode bater o
martelo sem antes investigar”, conclui a mesma.

Ao agente policial 1- gênero masculino, sobre as duas perguntas, disse:

“Bom, quando uma mulher é encontrada assassinada aqui na capital Teresina,


o procedimento se inicia lá desde o acionamento da polícia militar - que é a
polícia ostensiva, que fica aí em patrulha 24 horas - né, diuturnamente, e
quando a polícia militar chega no local e confere que há realmente um crime
ali já consumado de uma pessoa morta, de uma pessoa no geral assim; então
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é acionado, a central da polícia militar aciona, é a delegacia de homicídios, no


qual vamos ter os plantonistas que estão sempre né, se deslocando para o local
do crime e acionar perícia de local de crime e acionar o instituto de medicina
legal, o IML, a partir daí é feito lá no local de crime tanto a perícia como as
primeiras investigações da delegacia de homicídio - que é um documento que
se produz aqui, que é a recogniçãovisuográfica com fotografias,
geolocalização (Google Maps)” , testemunhas e outras questões já frisado
pelos outros entrevistados.

Ao ser perguntada sobre indícios de que pode ter ocorrido o crime de feminicídio, o
agente policial de número 3- gênero masculino - cita como exemplo o fato da mulher ser
encontrada dentro de casa ou em lugares isolados, suas vestimentas, celular quebrado da vítima,
faca usada no cotidiano encontrada fora do local e com sangue e os comentários dos próprios
vizinhos. Ele ainda diz:

“É… a mulher ter sido encontrada por exemplo, dentro da própria casa e o
companheiro não ter sido encontrado, a gente já parte pra uma linha de
investigação, por que essa mulher foi encontrada dentro de casa e o marido
não está por exemplo? Então já tem um indício muito grande de que ele possa
estar com alguma culpabilidade, em relação ao corpo da mulher os indícios
pode aparecer em relação a esses objetos que eu acabei de falar, como por
exemplo, é… dei o exemplo da faca da casa… a faca que se usa em casa, é…
como por exemplo ela ter sido morta dentro do quarto, é… como por exemplo
ela ter histórico de violência doméstica, como por exemplo, com testemunhas,
com isso, com aquilo, a gente percebe que ela tinha um relacionamento
abusivo”.

Eu argumentei com ele que perguntei isso porque percebi que há um processo que entra
na delegacia como homicídio e depois para o Núcleo como feminicídio. Ele diz: “É isso!”. E o
reiterei, perguntando: Se a cena do crime tem bastantes índices de feminicídio, porque que não
vem logo pro departamento de feminicídio? A agente policial conta que é porque:

“Na verdade nós não estamos aqui 24 horas todo dia da semana, a gente tá
aqui no horário de expediente pra fazer essa parte de investigação no … dia a
dia, de manhã a tarde, de segunda a sexta, quando a gente pega os dias que
tem plantão a gente também não fica aquelas 24 horas, toda semana a gente
pega um plantão, agora se durante o horário do nosso expediente tiver um
local de crime que seja uma mulher, mesmo a gente estando aqui no
expediente, a gente se dirige ao local pra fazer nosso primeiro levantamento,
mas é porque ainda assim tem que obedecer essa sequência… essa sequência,
ela é uma sequência lógica, ela é procedimento que ta em sei lá, um avião
quando vai decolar, o avião quando ele vai decolar tem todo um procedimento,
tem toda aquela pessoa que faz isso, aquela que faz aquilo, aquela que faz
aquilo até que o avião toma sua partida e voa, é uma equipe. Aqui também
funciona assim, a polícia militar é acionada, vai ao local, depois o plantão da
delegacia de homicídios vai ao local e por fim, a parte que investiga de fato o
crime vai ser a nossa equipe, porque a nossa equipe num vai chegar no local
de crime sozinha, a gente num vai chegar lá e fazer toda o levantamento, nesse
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ponto aí o plantão da delegacia de homicídios é importante pra nos dar já essa


base, a gente se baseia no trabalho inicial deles e no que a gente pode levantar
a partir dali”.

Eu perguntei se é procedimento coerente esse dado pela polícia na sua investigação ao


agente policial de número 3- gênero masculino. Ele diz que: “Sim, com certeza. Se a gente
tivesse sempre à disposição pra ir em local de crime toda vez que tiver uma mulher morta, nós
teríamos que ter pelo menos 8 policiais aqui só pra isso”. Com isso, perguntei se a causa de não
começar a investigação por feminicídio é em razão dos números de pessoas que compõem o
núcleo de feminicídio. Ele disse:

“Também, a gente precisaria de pelo menos mais um pra completar a equipe


com 4 investigadores pelo menos mais, um que às vezes um precisa tirar
férias, alguém pode adoecer, como já teve casos aqui de tá dois afastados e aí
só um sozinho, não tem como ele fazer diligência, não tem como ir pra rua
sozinho em alguns locais, fazer intimação sozinho, coisas do tipo.”

Foi perguntado se o feminicídio é crime evitável, fato já mencionado espontaneamente


pela escrivã, mas que foi trazido sob forma de pergunta, como já dito por ela, será tratado aqui
apenas pelos outros. Todos foram bem consoantes em suas respostas, não obstante, a delegada
foi um pouco mais detalhista nos seus ditos e realizando críticas sobre as formas de prevenção
realizadas acerca do crime na entrevista ao dizer que:

“vê hoje em dia muitas pessoas dizendo assim: ah, a mulher tem que
denunciar, a violência não para, faça um x na mão e denuncie, (respira fundo)
a maioria dos casos que você pega aqui, a mulher ela teve várias oportunidades
de ir numa delegacia, ligar para o 180, então a questão não é a forma de
denunciar, não é um x na mão que vai resolver. Não ligar para o 180 que vai
resolver, a questão ela está muito mais na dependência emocional, para você
ver: ah, dependência financeira, as vezes dependência emocional... a violência
doméstica é você denunciar alguém que você tem um vínculo bastante íntimo,
é o pai dos seus filhos, é o cara que você mora com ele há 10 anos, você vai
denunciar ele, mas lá no íntimo fica: eu poderia lutar mais um pouco por ele,
quando eu conheci ele era uma boa pessoa”.

Ela traz como uma das soluções a educação ao dizer que:

“A mulher se apega as boas memórias, as promessas, a questão educativa é


importante, porque eu só posso denunciar... tomar uma atitude daquilo que eu
sei, que eu conheço, então para isso eu acho que sim. A questão educativa nas
escolas é sobre a questão da violência psicológica, sobre a dependência
emocional, as várias formas de abuso, [mas] a questão educativa é importe
mais não é tudo”.
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Para Freire (1992), a educação, em geral, é uma forma de intervenção no mundo, mas,
em seu livro Pedagogia da Esperança, o educador diz que sua fala parte do pressuposto de que
a educação não resolve tudo, mas tampouco sem elas mudam as coisas. Nessa época, ele rebatia
a tese do positivismo liberal que surgiu no Brasil República que dizia que, se investissem em
educação, as coisas se resolveriam. Ele defende tal qual dito pela delegada, que é só um
elemento que contribui para mudança em sociedade, mas que só ela, sozinha, as coisas não
mudam, pois, como diz o educador, o patrono da educação no Brasil, a educação também é
espaço de disputa de poder dos dominantes contra os dominados.
Como as políticas públicas, como a de educação, de segurança e outras são advindas do
Estado, outro apontamento questionado a eles foi de saber: Qual é a responsabilidade do Estado
perante o crime de feminicídio? Para a delegada:

“A função do Estado ela é (gagueja), o estado está à frente da repressão, da


prevenção, por que assim, (gagueja) a partir do momento que as mulheres
passam a denunciar a violência doméstica, o Estado ele atua de forma incisiva,
de uma forma como tem que ser mesmo dura, você vê que... não adiante eu
fazer uma propaganda pra mulher denunciar e ela chegar na delegacia da
mulher e não encontrar ninguém para fazer um B.O ou ela pedir uma medida
protetiva judicial e demorar 2 meses para dar”. Bem, na perspectiva
gramsciana ela reforça que “Então, assim o Estado ele tem o trabalho dele de
prevenção e o trabalho de repressão, porque quando acontece, né!? O processo
ser feito, o inquérito ser feito, a ação penal andar e ele ser preso e ir para uma
penitenciaria cumprir”. Para agente policial 2- gênero feminino- A função do
Estado para o crime de feminicídio? É de “punir e prender o agressor pelo
crime, [por meio] da prisão” . De forma divergente o agente policial 3- gênero
masculino diz que a função do Estado sobre o crime de feminicídio é de:
“tentar reprimir e evitar que isso venha a acontecer [e] que não é só a força
policial ela não vai impedir o feminicídio e outras coisas que faltam”.

Ao ser perguntado ao agente policial de número 3 –gênero masculino - sobre o que falta
mais, ele diz que: “Falta cultura, educação, oportunidade para todos iguais, tanto para homens
como para mulheres, independente de classe, cor, falta isso”, no caso dele, apesar do gênero
masculino, ele tem maior sensibilidade a certas questões societárias que existe ao redor do
crime, o que difere do agente policial de número 1 – gênero masculino -, que tenta demostram
em todas as suas falas uma suposta neutralidade mesclada com o funcionalismo, que é
ramificação do positivismo ao dizer que:

“A função do estado que é a função de.. de praxe é garantir a segurança do


cidadão e a minha função aqui como investigador é só colaborar na hora de
montar as peças da investigação e fazer a minha parte como eu te disse, como
aquele peão que está lá no tabuleiro”. E para escrivã a função do Estado
perante um crime de feminicídio é de “ tentar investigar né, tentar elucidar os
crimes que já aconteceram né, os homicídios que ocorreram e no caso da...
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nesses homicídios e no caso das tentativas eu acho que tentar também alertar
a população, as mulheres que sofrem esse tipo de violência pra meio que
abrirem os olhos”

As drogas e a questão do álcool são figuras que apareciam de forma preeminente nos
inquéritos, principalmente no que denominei de feminicídio periférico ou feminicídio que
ocorria de periferias, quase enquanto praxe saber isso tanto sobre agressores /ou feminicídio
quanto a vítima, conseguindo perceber que, provavelmente, a “guerra” contra as drogas se
encontrava também em um crime de gênero. Relatei à escrivã que percebi que alguns inquéritos,
principalmente aqueles que eram de periferia, que uma das primeiras perguntas antes mesmo
de saber do feminicídio em si, era se a vítima usava drogas. Nisso, questionei a ela a razão de
isso ser relevante? Ela disse:

“Porque assim é. aqui a gente tem a nossa delegacia ela pega Teresina toda
né, então tem alguns pontos da cidade que a questão do tráfico de drogas é
bem intenso, é bem frequente, inclusive as outra delegacias ela são divididas
por zonas, então quando ocorre um caso ,por exemplo, no bairro tal a gente
tem contato com as outras equipes pra saber como é a região lá - o tráfico
domina e tal - enfim, porque assim, não que não exista o tráfico, o uso de
drogas na zona leste na zona nobre mas eu acho que estar ali, morar ali no
meio de onde”.

Com isso, interroguei a ela se o local que a vítima mora já é um indício para poder ser
usuária. Ela retruca e diz que: “Não indicio mas eu acho que... é a possibilidade dela ser eu acho
que é maior”. A mesma pergunta feita ao agente policial de número 1 – gênero masculino - de
como a questão da droga tomava corpo central dos inquéritos investigativos de feminicídio. Ele
me respondeu minha indagação com exemplo, ao dizer:

“Porque aí é o seguinte... quando e um caso que é uma pessoa que mora na


rua [...] Como é que a pessoa chegou naquela vida, pra morar na rua, pra ser
usuária de droga, ela num... pra ela num existia mais família, num existia mais
amor... a família também da mesma forma, praticamente assim foi uma pessoa
que eu vou botar aqui entre aspas, que a família de certa forma abandonou já
sabendo que ah ela não tem mais jeito, vai morrer lá na rua, vai morrer lá nas
drogas e a família já num tá mais aí pra ela né, então... certas diligências vão
ficar extremamente comprometidas, porque ela só vai se restringir a quê? Ao
local do crime e ao corpo da vítima e câmeras se tiver.”.

Indaguei a ele se não achava que uma usuária de drogas não poderia ser vítima de
feminicídio. O agente policial 1 respondeu dizendo: “Geralmente até são vítimas de feminicídio
se for realmente um cara que encontre ali motivos pra estar vivendo aquela mesma vida que
ela, dando exemplo novamente hipotético”. À delegada, foi perguntado se perguntam se a
vítima usa drogas e ela respondeu que:
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“Sim, dependendo da questão da vítima, por que local de crime diz muito [...]
nos perguntamos pela questão do uso de drogas pela questão de justamente
para tentar verificar se tem algo com o envolvimento com a questão do
tráfico”. Porque a gente sabe que hoje principalmente quando se trata de
execução, pronto a mulher foi executada. A execução hoje em Teresina está
ligada a que: envolvimento com facções e tráfico de drogas. Então, a disputa
por território de tráfico, ela gera morte por tipo de execução e a questão
também de facções criminosas tem gerado execuções.”

A questão das drogas para além de ser encontrado no perfil psicológico/social, para
testemunhas que foram intimidades pela policial. Foi perguntado a agente policial 2- feminino,
disse simplesmente que não sabe o porquê isso ocorre, mas pensou um pouco e disse que
acredita que seja em razão de que “a maioria desses casos que nós pegamos agora, a grande
maioria tem muita moradora de rua, nós já sabemos que é por envolvimento com isso, né?
Então, às vezes, é uma pergunta até obvia, a gente normalmente já sabe que tem envolvimento
com drogas”. Indaguei a ela questionando se ela não achava que essas perguntas sobre drogas
não tira o viés do feminicídio, fica só pontuando a droga, às vezes, até tratando como tema
central mais do que o próprio feminicídio.
Com relação a isso, a agente policial 2- gênero feminino, disse que “Não, porque a
investigação é feita da mesma forma (gagueja), acho que é mais para preencher mais o perfil
da vítima e do agressor”. Foi perguntada sobre quando o agressor/feminicida está sob efeito de
álcool ou drogas: como vocês tratam? Ela disse que “Não atenua não, em momento nenhum,
vai tratar da mesma forma, a gente tem muito caso aqui que o usuário estava sob o efeito de
álcool ou efeito de drogas, mas não tem nenhuma relevância significativa no ponto de... no
sentido de atenuar a culpa dele não”. Ao agente de polícia 3- gênero masculino, perguntado
sobre a relação da droga com o crime, diz que, para o caso do agressor, “A droga ela encoraja
o uso de drogas vai encorajar aquela pessoa cometer um crime”. O indaguei perguntando: “Mas
se ela está com aquela substância de drogas porque ele atinge só aquela mulher, invés de atingir
qualquer pessoa aleatória na rua?” Ele diz que: “Isso aí é atrelado ao machismo e com o uso da
droga e aquele momento... a droga vai potencializar, aquela questão do machismo”.
Sobre o jugo da fidedignidade dos inquéritos policiais, em especial acerca dos termos
de declaração testemunhais, disse a ela que percebi que as transcrições dos inquéritos dos
escrivães não são de forma fidedigna à fala das pessoas. Citei, como exemplo, os jargões
policias encontrados em declarações testemunhais de uma pessoa analfabeta. Em razão disso,
perguntei à escrivã: Você acha que os escrivães podem modificar a linha de raciocínio do/a
depoente? A escrivã responde que:
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“A gente agora pelo menos aqui, quando eu comecei a trabalhar aqui eu


percebi que ultimamente os depoimentos são mais feitos em forma de vídeo.
A gente acha mais fidedigno ali ao que a vítima quer falar né, o que as
testemunhas querem falar e a gente pega também os detalhes né, os... os, os
pormenores, as entrelinhas, então como é bem mais detalhado a gente pode
até tomar um rumo diferente na investigação e eu acho que quando o
depoimento é a termo, que você escuta a pessoa e você digita eu acho que...
existem dois fatores, primeiro o fato de ser um homem, eu acho que ele
podem… pode entender de maneira diferente né, reduzir a termo de uma
forma diferente e assim o nosso trabalho a gente coloca lá, é... é prestando as
declarações - disse que - , a gente escuta a vítima e quando é reduzida a termo
a gente digita o que a vítima falou só que a gente num, a maioria das vezes
depende de escrivão pra escrivão, a gente tem escrivão que fala que coloca o
depoimento na terceira pessoa, tem escrivão que coloca no geral mesmo né, [
e existem] os jargões que tu falou né. Eu acho que depende muito de servidor
pra servidor”.

Contei a ela que um dos inquéritos policiais que li, que foi feito por escrivão (gênero
masculino), me senti lendo um conto romântico, daqueles típicos de radionovela, dizendo que
a enforcou sob juras de amor eterno. Perguntei a ela se esse modo de escrita pode, de algum
modo, facilitar para o agressor ao dizer que ele fez por amor e reforçar a tese de crime passional
e, assim, amenizar de alguma forma. Ela disse:

“É bem complexo porque pode ter acontecido uma coisa ou outra mas tem
agressores que realmente dizem isso [...] ou pelo fato mesmo dele querer
amenizar a situação não sei”, bem como perguntei como é a sua atuação
profissional quando transcreve depoimentos, ela conta que “é bem direta com
a informação que eu preciso. A gente realiza perguntas, deixa a vítima contar
a história toda e depois eu vou montando termo para ficar meio cronológico,
pergunta é... quanto tempo a vítima tá naquele relacionamento, como é o
relacionamento, se tem filhos, no… na o momento da agressão... da agressão
o que houve, quem viu, então... tenho esse cuidado de pegar o máximo de
detalhes possível mas na voz da vítima”.

E, com relação a isso, em último, foi perguntado à escrivã se ela considera o seu trabalho
de transcrição dos inquéritos policiais como instrumentos de poder. A mesma respondeu que:

“No andamento do inquérito acho que sim porque você pega ali tudo depende
do que você escuta, do que você tem de depoimento [para] a gente pode partir
pra uma investigação mais, [...] de acordo com os depoimentos que a gente
vai colhendo a gente vai tomando o rumo da investigação”

Sob égide da mesma pergunta, a delegada respondeu que:

“ O inquérito é um instrumento de prova, de poder não, de prova. Porque tudo


que está ali dentro tem que ser a realidade, se fosse um instrumento de poder
era instrumento para criar aquilo que eu quero, e eu não posso criar, eu só
100

posso colocar o que existe.. Então, eu acredito que o inquérito não é


instrumento de poder, ele é um instrumento de justiça, é um instrumento de
prova. Quando eu te digo que eu não que ele pro juiz poder aumentar a pena
base dele, eu estou dizendo que ele tem uma deficiência e que naquele
momento que ele recebe uma pena menor, quando ele deveria receber uma
pena maior, a pena é injusta”.

Indaguei que reparei que existem perguntas prévias nos depoimentos que presenciei e
ela argumentou que:

“Quando eu estudei psicologia jurídica, nem me lembro mais se era essa


matéria mesmo psicologia, mas acho que sim, você aprende que algumas
perguntas, inclusive é bastante utilizado isso no júri, tribunal do júri, quando
você assiste série na Netflix, você vê que tem perguntas que elas direcionam e
que elas te induzem a uma resposta, eu, eu tento ter cuidado, (respira fundo)
[todavia de] controlar minhas emoções pra as vezes não ficar afoita no sentido
de induzir de fazer aquela pessoa responder aquilo que eu quero”.

Os demais informantes-chave não foram perguntados de forma direta nos inquéritos


policiais. Outro elemento considerado bastante importante no crime de feminicídio que é
relevante é a arma do crime. Eu perguntei à delegada e disse a ela que “uma coisa que eu percebi
é que vocês olham muito o instrumento, vocês se preocupam muito em procurar, cadê a faca,
cadê a arma, porque é o instrumento de uma prova”. Nesse sentido, gostaria que caracterizasse
a arma associando ao perfil de quem a utiliza, por exemplo, militares? Ela disse que: “É (Riu e
respirou fundo) vamos lá1! Um feminicídio ele é um crime mais questão doméstica e tudo mais
lá, então. Quando você pensa assim, que você está em casa e você está numa discussão com um
familiar, qual é o objeto mais fácil de você agredir uma pessoa que está mais a mão?”. Ela
continuou e disse:

“Então, quando é que (gagueja) ou você já tem o porte de arma, como você
disse se ele é um militar. Mas normalmente o que pessoa vai usar para matar
outra? Aquilo que estiver mais fácil a mão, o que que está mais fácil a mão
em uma casa? Que não tem ninguém que tem uma arma de fogo/ uma faca,
uma arma branca. Então, normalmente, realmente, é... quando é algum
policial, quando é alguém já envolvido no crime que tem uma arma, aí que vai
ser uma arma de fogo, mas maioria dos casos realmente, vítima de feminicídio
vai ser aquela arma que está mais fácil dentro de casa, que é uma arma branca
ou um pedaço de madeira, uma pedra... é aquilo que aparece. Porque as vezes
não sei se você verifica, alguns feminicídios são premeditados são, mas outros
são aqueles crimes de ímpetos, acontece aquele momento de ímpeto, na
impulsividade mata, e naquele momento de ímpeto é o que está a mão, é a
pedra, é o tijolo, é a faca, é uma peixeira”.

O agente policial 3- gênero masculino - com relação à arma de fogo, disse que já viu
“alguns casos que forma envolvidos a gente de segurança usaram a arma da instituição, né? Nos
101

casos que não são agentes de segurança... o uso de arma de fogo, logo o autor se suicida, em
poucos casos o autor não se suicida, né? As armas são compradas clandestinamente”. E quando
perguntado se as armas conseguidas de forma clandestina tinham associação ao tráfico, ele
respondeu que “Não, não. Os feminicídios não”. E pormenorizar o feminicídio, percebi que não
há tipo único e universal. A delegada foi a única a tratar do feminicida em formato de leque,
não delegando a responsabilidade de ser um feminicídio apenas do homem, e, sobretudo, de ter
comprometimento de ser companheiro ou ex-companheiro da vítima.
Na própria pergunta que a fiz sobre: Como o feminicídio é investigado? Ela diz como
atua ao dizer que “na verdade a gente amplia bastante o leque de feminicídio, a gente não tenta
colocar ela apenas encaixar ela na relação de companheiro e companheira, a gente sempre tenta
abranger o máximo essa questão do feminicídio”. Nesta perspectiva, perguntei: O que é esse
leque? Ela disse que:

“É às vezes uma questão familiar de um tio, de uma sobrinha, as vezes o pai,


a filha, as vezes até uma questão uma relação de vizinhança a gente pode tentar
encaixar dentro do feminicídio, quando eu digo tentar encaixar não é na
situação de forçar a barra, porque a gente vai colocar uma qualificadora que
vai aumentar a pena do crime, mas não é identificar que mesmo aquelas
relações que não são tipicamente de... relacionamento efetivo, mas de relação
de proximidade, por exemplo, de vizinhos, muitas vezes a questão da
descriminalização da violência de gênero ela existe”.

Eu contei a história de um dos inquéritos que o policial matou duas meninas que não
conheciam após elas pedirem carona ao mesmo. Perguntei se ela via como feminicídio. A
mesma disse que:

“Sim, sim! Porque nesse caso o feminicídio como é descrito na lei, não é
apenas a questão da condição da convivência... (gagueja) e nem da coabitação,
inclusive uma das coisas do feminicídio a discriminação do gênero, é ele
enxergar a vítima inferior a ele, unicamente pelo fato de ser mulher, o
desprezo pela condição de ser mulher, é uma das condições do feminicídio
que pode ser tão só ela ou conjugadamente, com a questão da afetividade, do
vínculo”

Todavia, a relatei que, quando o crime é causado por amigos ou vizinhos, era colocado
como homicídio e ela argumentou que acha que isso:

“Depende muito vezes da perspectiva da pessoa que investigou, no caso eu


cheguei na feminicídio em setembro, talvez fosse a questão da (gagueja) visão
da delegada anterior que teve essa visão [...] não sei se ela localizou algum
outro elemento, ou talvez porque as provas não estivessem tão fortes, por que
assim não adianta eu entender aquela perspectiva e não conseguir provar que
102

o que motivou aquilo foi aquela relação. No caso que você falou do policial
que sequestrou a menina, deu a carona e tentou estuprar e matou e se durante
a investigação a autoridade policial, a delegada, tiver imaginado... que as
provas tenham sugerido que ele a matou para que ela não o denunciasse, e que
não... e que talvez ele talvez não tenha matado ela pela condição de desprezo,
condição de mulher”.

E, por último, tratei das diferenças entre lesão corporal grave e feminicídio tentado.
Acerca disso, foram percebidas muitas discordâncias, mas também reflexões dialógicas que
suscitaram dúvidas entre os informantes-chave. A delegada, em uma das minhas perguntas que
não tratava de lesão corporal, nem tentativa de feminicídio, deu indícios de como funciona a
colocação da natureza do crime por ela, nos dizeres argumentou que nas:

“ Técnicas de investigação são as mesmas, talvez pudesse houver alguma


diferença na questão da tratativa na tentativa de feminicídio que é assim, não
se você já reparou nisso, ela tem assim uma zona limítrofe, que eu posso
enxergar uma faca como lesão corporal, mas posso tentar enquadrar ela como
tentativa de feminicídio, porque tudo vai depender do que eu entendo que o
autor daquele crime queria praticar”.

Ela exemplificou para que pudesse entender o seu discurso ao dizer que “Eu posso pegar
uma faca, passar no seu braço de leve, eu não quis te matar com isso, eu quis só te lesionar
superficialmente, ou eu posso te furar para tentar te matar e tu pode se esquivar e só ralar seu
braço, e aí foi uma tentativa de feminicídio ou foi lesão corporal?”; realizou um comparativo a
si mesma com a delegada anterior nos dizeres “Por exemplo, teve caso da delegada anterior
classificar como tentativa de feminicídio e, quando retornou para mim, eu entendi que não foi,
eu entendi que foi apenas um descumprimento de medida protetiva”. E acerca das diferenças
entre instituições Núcleo Policial Investigativo de Feminicídio e Ministério Público ao
perguntar se ela acha que instituição poderia desqualificar sua linha de raciocínio e quando ela
sente com isso, ela diz que:

“ Bom! É... (pensa) como um profissional do direito eu entendo assim que a


gente faz o nosso trabalho, mas que todo nosso trabalho é uma instrução para
lá na frente gerar uma ação penal, quando a gente estuda a questão do direito,
o dono da ação penal, é promotor de justiça, ele que vai sustentar a tese, vai
sustentar a acusação, eu trabalho para provar um crime, mas na verdade eu
trabalho para formar a consciência daquele promotor, se ele na visão dele, que
é quem vai defender a ação, está entendendo que uma tentativa de feminicídio
ou o contrário que é uma lesão corporal. Ou eu trabalho para provar que o que
estou entendendo ou eu vou ter que adequar a minha investigação ao que ele
está falando. Porque na verdade é ele [o promotor] que vai sustentar lá na
frente.”

E quando ocorre o pedido do Ministério do Público em discordância com a natureza/


103

infração do crime, ela contou que o que faz normalmente é: “cumpri a diligência que ele
determina, por exemplo, uma lesão corporal, ele acha que é uma tentativa de feminicídio e ele
diz”:

“Oh, delegada procure mais imagem de câmeras que eu acho que é uma
tentativa de feminicídio, o que que eu vou fazer, eu vou cumprir a diligência
dele, se ele disser para procurar câmeras eu vou procurar câmeras, se ele disser
para procurar testemunha, eu vou buscar testemunhas”

Ela conta que há casos que as diligências não dão para serem cumpridas, na qual
exemplifica dizendo que:

“Algumas diligências que ele pede não tem mais como ser cumpridas, por
exemplo, uma tentativa de feminicídio de setembro do ano passado, não tem
mais imagens, se ele me pedir imagem, mas eu posso dizer pra ele: não tem
mais imagens, mas eu vou ouvir outra testemunha que surgiu, mas eu vou isso
e aquilo... entendeu? Eu vou nesse sentido, mas eu não sinto que é uma
desqualificação do trabalho, eu sinto que são diferentes pontos de vistas”.

Mas ela, por vezes, pode ocorrer de discordar do Ministério Público, como nesses ditos:

“Mas digamos assim, ele entendeu que foi uma lesão corporal e eu tive contato
direto com a vítima, senti que foi uma tentativa de feminicídio, eu posso
procurar mais provas para mostrar pra ele: olha doutor, não é só lesão corporal,
é uma tentativa de feminicídio, olha aqui. Vou buscar mais provas e posso
insistir na minha conclusão: doutor, oh, foram colhidas mais provas, que não
sei o que mais lá, eu solicito que vossa senhoria pense, análise, se realmente
não poderia se enquadrar em tentativa de feminicídio. Mas vamos lá! O
promotor, a gente tem que olhar que ele sempre pensa no que ele vai sustentar,
não adianta, por exemplo, ser uma lesão corporal leve, não ter nenhuma
testemunha... e vê que não tá lá muito bom, não tem outras provas... então, o
promotor tem que pensar, e vou levar esse caso aqui para um tribunal do júri,
que vai ter sete pessoas sentadas, sempre vai ser homens e duas mulheres”.

Apesar de cogitar tentativa de feminicídio, isso não é preeminência de sua parte, que
justifica a entrevista o porquê de optar por dizer que é lesão corporal ao dizer que prefere colocar
lesão corporal a tentativa feminicídio, exemplificando o que, segundo ela, acontece nos
tribunais. Ela diz que:

“Ao tentar explicar para o tribunal do júri que este homem tentou matar essa
mulher, mas eu não tenho uma prova, o que vai acontecer lá, [é que ele] vai
ser absolvido. Agora se eu mostrar que é uma lesão corporal, eu não preciso
de júri. Vai andar mais rápido e com exame de corpo de delito, [e] eu vou
conseguir uma condenação”. E conclui que faz o que pensa ser mais efetivo
para essa mulher.

Perguntei se, quando ela coloca lesão corporal, não estaria, de algum modo, favorecendo
104

o agressor, pois a pena de lesão corporal é menor que a de tentativa de feminicídio. Ela pensa
e diz:
“Assim, eu entendo que tudo vai depender, se a gente olhar da perspectiva da
condenação: olha você está sendo processado por tentativa de feminicídio,
realmente é bem mais gravoso. Mas eu tenho que olhar o arcabouço probatório
também, é o que eu digo sempre, nós não podemos numa investigação nos
deixar levar pela emoção. Quando eu penso assim: ah, eu vou tentar empurrar
uma tentativa de feminicídio nele, eu vou empurrar uma tentativa de
feminicídio nele, como quem diz assim, eu vou ‘lascar’ ele, mas a minha prova
é fraca, o que vai acontecer para ele lá na frente, ele não vai... dificilmente ele
vai esperar esse tempo para ir para o tribunal do júri demora muito, não sei
aqui em Teresina quanto tempo, mas acaba ficando com excesso de prazo, vai
solto, vai ser absolvido”.

Em continuidade à pergunta, a delegada diz:

“ [Nisso] te pergunto o que que dói mais para uma mulher, ter sido agredida e
ter o agressor ser absolvido e dizer na cara dela e dizer: deu em nada. Ou
chegar lá no final e pegar a pena dele mesmo que não seja aquela pena alta,
de tentativa de feminicídio: você foi condenado, você me bateu, você me
lesionou, você foi condenado. Então, assim, eu acho assim, que o direito e o
inquérito não podem ser baseados só na questão da emoção, ele tem que ter as
provas, tudo na questão do processo penal são provas. Se eu acho que é uma
tentativa de feminicídio, mas eu não tenho prova suficiente para condenar ele,
é melhor ir logo pela lesão corporal. Tudo é circunstancial, porque as vezes
eu não posso não ter a prova, mas se eu sou um promotor que tenha lábia, eu
faço o júri condenar ele, mesmo sem prova, já pensou. Então, assim, tem uma
teoria do processo penal, que é a teoria dos jogos que ela é utilizada no
processo penal, porque no tribunal do júri, você vai jogar com as provas, isso
é feito bastante, principalmente pela defesa”.

Ao perguntar qual a sua interpretação de lesão corporal ao agente policial de número 3-


gênero masculino – diz, de forma bem simplista, que “lesão corporal grave [é] quando você tem
a perda de membros, a lesão que causa problemas físicos”. E depois o perguntei: E qual a
diferença para tentativa de feminicídio? Ele disse que: “Bom, a tentativa de feminicídio a pessoa
tenta matar e de alguma forma é impedida por terceiros ou força alheias, vai do dolo, se tem a
intenção de matar. E a lesão corporal não, você tem a intenção só de lesionar”.
Em seguida, questionei se ele consegue ver diferença entre lesão corporal grave e
tentativa de feminicídio. Ele disse, de forma bem incisiva, que “ Sim, sim. Eu consigo”.
Igualmente à delegada, perguntei se ele achava que, ao colocar no inquérito lesão corporal grave
ao invés de tentativa de feminicídio, poderia estar favorecendo o agressor. Ele disse que “De
certa forma se for lesão corporal grave vai ser favorável para ele, mas claro que é feito a
investigação, perícia, faz todo levantamento para esclarecer os fatos, se foi lesão corporal grave
ou tentativa de feminicídio”.
Refiz novamente a pergunta se ele vê diferença entre as duas naturezas de crime a fim
105

de colher resposta mais aprofundada. Ele pensou e disse:

“- Vejo, dá pra ver a diferença. Os exames periciais, câmeras, testemunhas,


você tem que trabalhar, uma pessoa imputada em crime de feminicídio a
liberdade dele vai ser cessada ele tem uma pena maior. Então a polícia trabalha
para esclarecer os fatos, se foi lesão corporal grave ou tentativa de
feminicídio”.

Perguntei a ele se o fato dele estar armado e ir para cima dela já não denota uma tentativa
de feminicídio e ele deu uma resposta mais extensa, exemplificando que:

“Se ele está armado foi para cima dela e só ameaça e não fez os atos
executórios, que é procedimento de executar a pessoa, ou seja, eu estou só
com a arma, não estou brigando, não estou ameaçando isso não vai ser uma
tentativa de feminicídio. A tentativa de feminicídio é quando você começa
matar aquela pessoa e não conclui por forças alheias, ou a pessoa já começa a
esfaquear ou estrangular. Ou seja, ela esfaqueou, te cortou, disparou a arma
em você, mas só o fato da pessoa estar com a arma de fogo, e tá ameaçando a
vítima ou apenas lesionou a vítima na perna ou braço, ou socou, ai vai ser as
análise dos fatos, a investigação que vai dizer se ele tentou matar ou lesionou”

Mas que acrescentou que a:

“Tentativa de feminicídio que vejo quando a vítima começa a matar,


esfaquear, atira contra vítima, ou tenta estrangular a vítima... você ver que
uma pessoa de fora ou a vítima conseguiu se desvencilhar da pessoa, aí dá pra
analisar uma tentativa de feminicídio”. E, por último sobre esse assunto
perguntei se eles costumavam perguntar para vítima se foi tentativa de
feminicídio, se ela se sentiu ameaçada. Ele disse que “ A gente pergunta vítima
como foi, como ele tentou matar ela, é muito importante, a vítima é bastante
esclarecedora nessa parte aí, a gente pergunta não tentando induzir a vítima
que foi tentativa de feminicídio, mas pergunta: como foi? Como ele lhe
agrediu? De que forma? Aí ela vai dizer e vai esclarecer bastante”.

As mesmas perguntas foram feitas ao demais também. Perguntei à agente policial 2-


gênero feminino acerca da sua interpretação sobre lesão corporal grave. Ela disse que acha que
é “aquilo lhe impossibilita de fazer coisas básicas como trabalhar, as vezes até andar”. E
questionada sobre a tentativa de feminicídio, qual seria a diferença? A mesma disse que:

“ a tentativa de feminicídio é quando alguém tenta te matar e ele não consuma


o fato porque é impedido por alguém, por alguma situação. Aqui nós temos
muitos casos que não são tentativas de feminicídio que nós atendemos, por
exemplo, já pegamos aqui mulher com a mão cortada, que o cara ele mesmo
para, não é impedido por ninguém. Mas, ao pé da letra a tentativa de
feminicídio é dessa forma, é quando um homem tenta lhe matar por razão de
gênero e ele não consuma o fato, porque ele é impedido por outra pessoa”.
106

Ela atende pela mesma perspectiva do agente policial 3 - gênero masculino - ao dizer
que a diferença entre as duas naturezas seria impedimento de uma terceira pessoa que não
permita que crime origine a morte ou que agressor mesmo pare com a ação, com relação a esse
em último não encontrei em nenhum dos inquéritos policias esta ação dada pelo próprio
agressor/ feminicida de parar com a agressão. Nisso, perguntado novamente a ela se a diferença
é que tenha uma terceira pessoa que impeça ou que agressor mesmo pare, ela diz “em via de
regra outra pessoa. Mas ele tinha a intenção e porque alguém pediu ou sei lá por acaso do
destino”. Perguntado ao agente policial 1- gênero masculino - sobre qual sua interpretação sobre
lesão corporal grave, ele também é sucinto ao dizer que é “Quando o cara num teve intenção de
matar de fato, ele num quis matar ela”. E a tentativa de feminicídio interpreta como sendo
quando “ele tenta matar e ele não conseguiu matar.”.
Pedi ao agente policial 1- gênero masculino - um exemplo de lesão corporal grave e ele
disse:

“Ah... veja em, posso te dizer se é lesão corporal; sim, o cara teve um corpo
que sofreu né, uma lesão aparente mas se é grave, gravíssima eu num vou
poder te dar essa definição... é uma definição muito técnica, tanto jurídica
como na medicina, certo, agora... se o cara foi matar a mulher e alguém
impediu... ou ela conseguiu fugir... ou.... ela conseguiu se defender, ou por
algum motivo ele não conseguiu seja lá como for, qual o motivo, ele não
conseguiu matá-la mas ele queria matá-la... então é uma tentativa de
feminicídio”. Em continuidade ele diz que é tudo “o feeling da investigação
que tem muitos fatores que envolvem essa investigação aí pra gente perceber
isso... digamos que a mulher já chega aqui...de já... já nos dá um depoimento
que estava em casa... com o marido que ele tava usando droga, que eles
começaram a brigar, que o cara pegou a faca e disse assim, eu vou te matar é
agora e quando ele foi tentar esfaquear, ela colocou a mão, ele só conseguiu
furar ela no peito ou no braço e ela conseguiu jogar ele no chão e correu...
então quando ele disse isso - ah, eu vou te matar - e ela se defendeu”.

Nesse caso, eu indaguei se não poderia ser uma tentativa de feminicídio. Ele diz que
“Poderia... tudo é possível... poderia ser, o que vai diferenciar muito aí é... é esse.. é esse fato
que eu tô te dizendo o cara poderia ter dado 20 facadas nela e, no entanto, ele ter socorrido ela,
por exemplo”. Também perguntei a ele se a natureza do crime ser lesão corporal ao invés de
tentativa de feminicídio pode favorecer. O agente policial disse que:

“É capaz de favorecer na justiça por conta de que se a punição da tentativa é


maior que a de lesão corporal ele vai ser beneficiado sim, mas aqui os
criminosos sempre são beneficiados mesmo [que] a justiça sempre vai ver pelo
lado melhor do agressor [...], se eu não conseguir provar que ele teve a
intenção de matá-la, então quando eu digo eu, eu falo aqui a instituição, né, a
polícia civil; se nós aqui não conseguimos provar que ele teve a intenção de
107

matá-la, o que a justiça vai aceitar ou não, então isso aí já não vai ser um papel
nosso depois”.

E sobre o papel do Ministério Público de, muitas vezes, pôr em dúvidas acerca da
natureza do crime, como ele se sente. Ele diz que:

“A gente se sente normal. Eu me sinto normal, continuar fazendo o que tem


que fazer, porque se eu for. achar que é injusto, eu num trabalho se eu for
pensar, rapaz eu só vou fazer o que é justo aqui num tem, é sempre o criminoso
é beneficiado, tá entendendo? Pois, dentro de que punição aí já não cabe mais
a mim avaliar não”. A escrivã relatou sobre situações que ocorre pelo fato de
elencar o crime como lesão corporal ao dizer que “a gente teve até um caso
recente que é... ela...a mulher levou uma facada nas costa e ela não quer
denunciar o marido só que por ser uma lesão corporal”

Perguntei à escrivã: como vocês medem o grau de doloridade do crime para dizerem se
lesão corporal grave ou tentativa de feminicídio? Ela respondeu que é pelo laudo pericial e disse
também:

“Dependendo da gravidade da lesão, sei lá, a grosso modo falando, se ela


levou... se ela teve um corte, se aquilo não ofereceu risco de vida pra ela é uma
lesão grave por exemplo, se ela tem é... debilidade permanente de um membro
ou então, são vários quesitozinhos que tem até no laudo pericial quando eles
enviam pra gente né... os quesitos que a gente pergunta pra avaliar o grau dessa
lesão e ele envia pra gente, oh a lesão foi um grau tal então é... co... ela correu
risco de vida então é uma tentativa de... de homicídio, no caso sendo o caso
clássico de homem, de companheiro com companheira seria de feminicídio,
no caso, a tentativa”.

E sobre a sua interpretação sobre lesão corporal. Para ela, a definição de lesão corporal
é:
“Lesão corporal grave é aquela lesão, é como eu falei pra ti, quem delimita se
é grave ou se não é, é a questão da perícia né, do laudo pericial, a lesão grave
é a lesão que... é uma lesão séria mas que não apresentou risco de vida pra
mulher ou pro homem né, no caso é... a partir do ponto que oferece risco passa
pra ser uma tentativa de homicídio né, no caso de feminicídio”.

Já a sua interpretação sobre feminicídio quando perguntada sobre a diferença para


tentativa de feminicídio, ela diz que em razão do nível da lesão, se for uma mais séria, que
ofereça risco de morte para ela, é uma tentativa de feminicídio. Eu pedi um exemplo de lesão
corporal grave, a mesma disse que poderia ser “Lesão corporal grave pode ser um... num sei...
um... um soco que machucou o olho, eu não sei”. Perguntei o que o uso de um estilingue
provoca, uma lesão corporal grave ou uma tentativa de feminicídio? Ela disse que:
108

“Dependendo de onde pegar eu acho”. Perguntei se ela acha que falta


conversa com legista para ter mais entendimento na parte técnico- científico.
Ela disse que sim”. A perguntei se sucessivas lesões não poderia caracterizar
como tentativa de feminicídio? Em especial aqueles que se findou no
feminicídio. Ela disse que “sim, mas no caso, é... é... aí contradição né” .

Por último, a escrivã, em meio ao diálogo, finaliza com uma reflexão sobre o que foi
tratado e falado ao dizer:

“ Isso parece complexo, porque é aquela questão que eu falei pra ti, não é só
da lesão, é da situação, né eu acho que... que por exemplo uma discussão no
bar de pessoas que não se conhece, ali é uma lesão e eu acho que pode não vir
a ser agravante né, a se agravar no caso, pessoas que não se conhecem, que
não... mas dentro de uma casa, uma... é agora revendo melhor a lesão corporal
na relação é bem complexa, de no fim é feminicídio né, porque eles estão ali
em convivência e a agressão pode vir a aumentar, aumentar, aumentar, a
mulher ela denuncia e acaba morrendo... é um ótimo ponto de vista esse seu”.

3.2 A problematização acerca da natureza do crime ou infração penal do feminicídio

Aqui será trabalhado acerca da problematização da natureza ou infração penal do crime


de feminicídio, sendo que a prerrogativa de infração penal é vista apenas quando o acusado é
um menor de idade. Advindo do conceito de infração penal de Menor Potencial ofensivo, que
consta no art. 61 do Código Penal brasileiro, usado para considerar o(s) crime (s) e/ou
contravenções penais para que culmine a pena máxima de 1 ano, com exceções a casos que
tenham como relevância procedimentos especiais, na qual este e outros fatos serão
aprofundados ao longo desse tópico, exemplificado, sobretudo, com os casos reais analisados
nos mais 160 inquéritos do Núcleo Policial Investigativo de Feminicídio do estado do Piauí.
Outras problemáticas, como a declaração de óbito da vítima feita pelo (a) médico (a)
legista sobre as causas externas ou prováveis circunstâncias, as opções de assinalação sobre o
óbito se restringem em quatro opções que são: 1. Acidente, 2. Suicídio, 3. Homicídio e 4.
Outros, e se coloca sempre enquanto homicídio, pois a parte médica ainda não considera, de
fato, o crime feminicídio, na qual busquei justificativa para isso no conceito que diz que o
feminicídio é um fenômeno social, ensejado em vários artigos científicos, dissertações e teses
sobre o assunto, vinculado a nomeação crítica feminista do crime e a crítica do pensamento
feminista que discutiram acerca da tipificação da qualificação das mortes de mulheres por
motivos misóginos.
O social vem da obviedade dada pela mescla dos estudos de gênero representado o ser
mulher e suas diferenciações com os homens, inicialmente dissolvidas pela Diana Russel e Jane
Caputi, duas sociólogas, portanto, não podendo ser diferente nesse ínterim a junção direta com
109

a Sociologia, pois é a área que estuda a sociedade e os fenômenos que ocorrem advindos dela,
que é também onde se localiza o crime, este que advém de padrões de relações sociais entre a
vítima e o agressor, que, por ser fundada e culturalizada na vida cotidiana, torna-se habitus
estrutural da interação social, mesclando, aqui, o conceito da Sociologia com o crime de gênero,
trazendo, assim, determinismo histórico, que o feminicídio é um fenômeno sociológico e o que
é preciso mudar a cultura machista perpetrada pelos homens, conforme as autoras inglesas
(RUSSEL; CAPUTI, 1990),o que recai no conceito de que feminicídio tido como um fenômeno
social, nas quais as autoras de língua inglesa referem-se como femicide, e que o focalismo
médico não consegue alcançar para além desses moldes para respaldar a nomenclatura de
feminicídio sobre crime.
Com isso, percebe-se que a biopolítica da medicina, que é o tema presente na obra de
Foucault, possui um extenso estudo acerca disso, dentre elas: Crise da medicina ou crise da
antimedicinae o O nascimento da medicina social, trabalhado através dos seus famosos
conceitos de biopoder e de biopolítica. O filósofo francês diz que a medicina, no começo, era
feita para ser algo social e para social, não obstante, quando o saber científico começou a ser
entregue, as questões econômicas e políticas mescladas juntas houve-se, em razão disso, uma
estagnação desse caráter exclusivamente social que trabalha enquanto benfeitora para
sociedade, isso retirou da medicina a capacidade social até para fins que autor intitula de
“sombrias”, como o caso de morte.
O autor usa como exemplo o que foi o Nazismo com a medicina sendo usada em campos
de concentrações, das suas experiências com seres humanos, realizando coisas terríveis, uma
vez que se existissem os Direitos Humanos naquela época, estariam sendo feridos todos os seus
princípios. Nessa época, a medicina deixa de ser algo relacionada à manutenção à vida para ter
nenhum sentimento em relação aos terceiros ao ponto de descartá-los pós-inutilidade da vida
cotidiana daquela época. Temos, com isso, a face obscura da medicina e a sua frieza diante as
situações em prol da pura relação médica, que não se deixa observar muitos fenômenos sociais,
nem cogitar a possibilidade que está corroborando para a não visualização de crimes,
escondendo-se na sua margem focalizadoras biológicas.
Nos tempos atuais, para além dos legistas, é possível observar esse caráter
desumanizado com a medicina do trabalho ou da previdência social, não sendo difícil na
realidade brasileira ouvir os dizeres “Os médicos brasileiros da previdência social são
desumanos” ao passar pelo calvário da necessidade que distancia a massa de trabalhadores
brasileiras da sua aposentadoria seja ela por idade, por invalidez ou por acidente para que se
mantenha o capital humano ativo na reserva ou o famoso exército industrial de reserva, termo
marxista. Estes preferem adicionar altivez aos trabalhadores ao delegarem suas merecidas
110

aposentadorias, seja pelo tempo de serviço, perca de um membro humano ou acidentes que
levaram à permanência de incapacidade motora. Não sendo o objetivo de estudo em questão,
porém tratando que isso ocorre em outros âmbitos da medicina e tratando da clara relação entre
a política (especificamente liberal e neoliberal) e o capitalismo, hoje, contamos com a Reforma
da Previdência ou Nova Previdência, sendo posta em pauta o tempo todo pela figura do Ministro
da Economia, Paulo Guedes, do Governo Bolsonaro, que inspira no modelo neoliberal de
previdência do Chile.
Recentemente, observando essa associação de exemplos de medicina fatal e nada social
na conjuntura pandêmica, com atual política neoliberal na figura presidenciável de Jair
Bolsonaro, que propôs propagar agendas negacionistas com discursos fomentados por alguns
profissionais de saúde, como a Médica Nise Yamaguchi, tida como conselheira do atual
presidente, com informações acerca da covid-19 totalmente contrárias às passadas pela
Organização Mundial de Saúde, que são usadas em todo o mundo para evitar o agravamento da
pandemia com esse vírus, sendo essa situação inevitável para que pesquisadores (as) e
estudiosos (as) em seus estudos científicos fatalmente articulem esse momento com a ideia de
Achille Mbembe sobre necropolítica e seu principal impulsionador, a política neoliberal, com
a sua “política da morte”, que fez com que muitos brasileiros e brasileiras falecessem em
decorrência do vírus da covid-19 em grande número até o momento com cerca 661 mil mortos.
Essa pequena discussão serve para mostrar que a medicina deve ser voltada mais para o
social, até mesmo no cuidado de pessoas não vivas, como caso dos médicos legistas, na qual a
falta dessas mudanças Foucault atribui de “somotocracia” que a autoridade médica nos impõe
para que a vejamos como conjunto de regras estabelecidas e codificadas apenas pelos saberes
biológicos e médicos. Neste sentido, advogava-se aqui que a medicina tenha competência de
atingir e compreender os indivíduos em seus vários campos físico e saúde, estes que já são
correlatos no mundo da medicina desde os primórdios dos estudos medicinas, mas também
corporal-social, entendendo esse corpo no meio social, da sociedade.
É inegável que por muito tempo asCiências Biológicas e da Natureza, que atuam de
forma positivista, quiseram colocar suas regras metodológicos no fazer ciência, nas chamadas
áreas das Ciências Humanas e Sociais e agora nos casos de feminicídios, solicito que o inverso
aconteça, não como imposição, como eles fizeram durante muito tempo e ainda o fazem, mas
como complementaridade necessária, pois nenhuma área deve aceitar passivamente as
desigualdades sociais seja ela de qual tipo for, de maneira passível, na qual lutar e resistir a
esses amálgamas sociais é obrigação na contemporaneidade.
Também foi tratado do acréscimo de palavras ao termo Feminicídio. Esse fato causou-
me também questionamentos ao vê-los nos inquéritos policiais, a exemplo “Feminicídio
111

Doloroso”. Me vinha na mente: mas todo feminicídio não é doloroso? É possível medir grau de
dor do feminicídio? Em continuidade, será utilizada a argumentativa de que o feminicídio não
é só crime claro, como anunciado. – Testemunha interlocutor, disse que Assis ainda ameaçou
de morte dizendo “se eu te pego com algum, eu te mato” e planejado como o caso do feminicida
que talhou um pedaço de madeira durante alguns dias para transformar em um instrumento
perfurocortante. Parafraseando os ditos da autora Arendt (1999), o homem transforma a
natureza em seus instrumentos, inclusive para matar, não só enquanto ferramentas para
usufrutos trabalhistas.
Ao tratar da resistência acerca da clareza do crime em outra figura, o Ministério Público
(MP) solicita, em muitos casos, novas diligências ao Núcleo Policial Investigativo de
Feminicídio, como ocorreu nesse caso, sendo a mãe a vítima e o acusado como sendo o filho,
na qual o MP argumentou que:

“por se apresentar indícios de violência doméstica e familiar, tendo em vista


que o indiciado é filho da vítima, são necessários maiores esclarecimentos
acerca da motivação do crime e do relacionamento familiar existente,
razões pelos quais o Ministério Público requer novas diligências [...]
descrevendo o fato criminoso em todas suas circunstâncias seguindo da
classificação do crime, sob pena de rejeição de sua pretensão por inépcia”.

É importante ressaltar que o inverso de clareza da natureza do crime, com a investigação


se dirigindo para o não feminicídio, e, ao final, sofrendo rebatimento do Ministério Público,
argumentando que se trata, sim, de um feminicídio, mostrando, assim, as correlações de forças
entre instituições e suas dúvidas enquanto a clareza do crime e a natureza do crime. Neste
sentido, o primeiro subtópico começa trabalhando acerca da natureza do crime.

3.3 Feminicídio: homicídio doloso simples

Foi percebido enquanto habitus traçado pelos agentes da polícia civil que seu modo de
tratar o crime em que a vítima é uma mulher é de começar os trabalhos investigativos tratando
como causa o homicídio, promovendo, assim, uma linha investigativa verticalizada, não
transcrita em regulamento do Departamento Pessoal de Homicídios (DHPP), espaço este onde
localiza as duas salas do Núcleo Policial Investigativo de Feminicídio, sendo uma
correspondente à equipe composta pela escrivã e três agentes policiais, sendo 2 homens e 1
mulher, e uma outra que corresponde à sala interina da delegada do núcleo.
A pessoa que figura como grande autoridade e atuando como o chefe geral de todo o
departamento da DHPP, que inclui o Núcleo, tem o poder de designar os crimes que vão para
112

cada setor, incluindo o próprio Núcleo Policial Investigativo de Feminicídio, bem como em
seus mandos e desmandos, outro chama bastante atenção, que é de ser responsável por vários
rodízios, sobretudo de delegados(as), em vários setores dentro DHPP, como Núcleo
Investigativo Policial de Feminicídio, bem como de outros como agentes das policias civil e
escrivã(o), que vivem sempre na eminência de serem retirados dos setores do qual pertencem
para serem deslocados para outros lugares dentro da unidade ou fora. O critério para isso não
foi bem aparentado, mas há sinal de respeito em demasia com sua pessoa pelos profissionais,
inclusive pelos próprios delegados (as) que lá atuam.
Porém, mesmo delegando os inquéritos policiais, em muitos deles, percebeu-se a
manutenção da nomenclatura “Homicídio Qualificado”, abdicando do termo Feminicídio
dentro do âmbito do Núcleo Investigativo Policial de Feminicídio, talvez por achar que já se
contemplou para descrever crime ou esquecimento de retirar conforme o crime foi ganhando
força para caso de feminicídio. A essa suposta resistência, que supostamente contemplaria o
cenário do crime, atribuí a isso uma frase parafraseando o psicanalista Freud (1996), que diz
que as palavras perdem o sentido ou parecem inúteis e, por mais que a gente pense numa forma
de empregá-las, elas parecem não servir. Quanto a isso, me refiro à resistência do uso do termo
feminicídio, por esta razão é costumeiro tratar crimes como homicídio em suas interfaces doloso
ou simples, e somente depois por feminicídio ou dar continuidade ao termo homicídio, mesmo
que o crime se desenrole claramente para feminicídio.
Como nesse caso que o termo feminicídio aparece apenas no final do inquérito policial
ao afirmarem que sim, que houve um feminicídio, como no famoso caso das meninas de Castelo
do Piauí, que das 5 meninas que sofreram estupro coletivo, 1 morreu. A que morreu teve
afundamento da face, várias lesões na cervical e no aparelho toráxico. Esse caso teve
repercussão nacional e cogitaram até denominar a Lei do Feminicídio com nome da vítima que
morreu, Danielly Rodrigues, para que a barbárie que culminou em um feminicídio de uma das
meninas no município de Castelo do Piauí não seja esquecido pela sociedade (IBIAPINA et al,
2019).
Nesta perspectiva, o ato da escrevivência, termo este fundamentalmente conhecido na
literatura para designar os escritos de Conceição de Evaristo ao escrever sobre o seu cotidiano
vivenciado de mulher preta, em que a autora frisa em seus escritos a necessidade de “dar nomes
às coisas”, com o objetivo de refletir sobre o autoconhecimento da nossa realidade, defende que
o não uso de termos que estão consolidados ou que precisam de mais consolidação causam
apagamentos irreparáveis e distorções de visões futuras da realidade conforme Bispo e Lopes
(2018), pois a falta deles em documentos importantes, como a exemplo destes, os inquéritos
policiais fomentados pelo próprio Núcleo especializado em feminicídio causa o
113

desmerecimento pela própria instituição física adquirida depois das lutas essencialmente de
mulheres para dar nome ao seu morrer nas mãos de pessoas com quem elas tinham ou tem laços
afetivos, podendo ser consanguíneos ou não, por motivos misóginos, ou seja, gênero, ou para
que no curso dos inquéritos policiais sirva para as proteger do real perigo quando ainda não
ocorreu, por exemplo, o termo feminicídio tentado ou ainda para que sociedade saiba que
matam-se mulheres simplesmente por serem mulheres.
A falta do termo foi notada especialmente nas análises dos inquéritos policiais advindos
de delegacias do interior, ressaltando-se que o Núcleo especializado existe apenas na capital
Teresina, como o próprio caso do município de Castelo do Piauí, que teve dificuldades em dizer
que o crime é feminicídio, onde jugo que, por esta razão, deva haver muitas subnotificações de
feminicídio no interior.
Em um dos inquéritos, na página 82, a delegada anterior vigente afirma, de forma
transcrita em um dos casos, dizendo que “mostra um cenário de Feminicídio bastante claro” —
então, por que não começa por feminicídio se é claro? Mesmo tendo todas as características
nesse caso e com o inquérito se encaminhando para o feminicídio? O Ministério Público
escreveu ao Núcleo em carta que tem dúvida acerca deste, ressaltando que o inverso também
ocorre, mesmo com toda uma fundamentação teórica que comprova que o agressor é ex-
companheiro da vítima e que as perseguições ocorreram principalmente quando a vítima
decidiu proibir qualquer tipo de aproximações do agressor, inclusive com medida protetiva,
bem como continham ameaças que a vítima vinha sofrendo por parte de seu ex-companheiro,
além da própria violência física doméstica.
Muitas vezes, os motivos como ciúmes e traição já indicam obviedade de que o crime
se trata de um feminicídio, bem como é visto essa suposta falta de clareza em casos que se trata
de triângulo amoroso (no caso em questão são duas mulheres e um homem). Pergunta-se: Por
que não é considerado feminicídio? Constando como homicídio simples, o leque sobre o
feminicida não se abre ao ponto de reconhecer que uma mulher pode ter ódio por outra ao ponto
de matá-la e tratar dos 5% dos 95% que comentem feminicídio que são gênero masculino e
perceber que mulheres também podem agir como feminicida? Que mulheres também matam
mulheres por ódio e por sentimento de posse ainda que seja de outrem (IPEA; FBSP, 2019). A
exemplo deste, em que os DOS FATOS consta que:

CURUMIM, este por várias vezes foi buscar a vítima para sair com ela,
para usar drogas e se prostituir com o mesmo. [...] Populares informaram
quem matou Sandra foi a atual companheira de Curumim de nome
Graciele”. O termo de declaração testemunhal de Sheila (vizinha da vítima)
prova que se trata de feminicídio, na qual ela diz “Que teve informações
que CURUMIM e Graciele estariam, escondidos [pós-crime] na casa de
114

MAIARA uma mulher com quem Curumim também já teve


relacionamento, QUE Graciele tem ciúmes de Sandrine porque a mesma
era bem relacionada e tinha mais intimidade com Curumim”.

Conforme o termo de declaração testemunhal, Carlos (vizinho) declarou: “Que a


motivação da briga seria ciúmes [motivação típica de feminicídio]; Que Sandra não aceitava o
relacionamento entre o depoente e Graciele. Que no dia do ocorrido não deu droga [enfoque na
droga- situação perguntada para feminicídio periféricos] para Sandra”. De acordo com delegada
que estava nesse inquérito policial, ela mantinha um relacionamento com CURUMIM há cerca
de 5 anos, que ele costumava ir à residência da vítima para pegá-la para irem a motéis e usar
drogas”. A minha tese é de que, quando é constatada que a vítima é usuária de drogas ou já
praticou algum delito como furto, afasta-se de forma automática a prerrogativa de feminicídio,
o fator drogas é bem presente no que denominei de feminicídios periféricos (mulher negra e/ou
parda pobre e realizado por homens/ mulheres de mesmas características, como nesse caso),
bem como o próprio dispositivo legal que enquadra o “em razão de gênero”, pensando nessas
possibilidades.
Nesse caso, com a vítima Lucimar e autor João Paulo, consta como Homicídio Simples
no bairro Todos Santos. Conforme testemunhas, o vizinho Fábio disse:

“Que era vizinho da Lucimar […] Que estranhou o crime pois João Paulo
sempre andava junto com Boneca e andava juntos desde a infância inclusive
o mesmo frequentava a casa dos familiares de Boneca [apelido da vítima],
Que não sabe de certo o motivo das brigas deles porém as pessoas
comentaram que seria porque ela teria acusado de ter furtado a bateria de
um carro”.

As testemunhas, de modo geral, deram o depoimento de que eles amigos de infância,


portanto, é feminicídio, já que teoria e leis para ser feminicídio precisam existir vínculos e,
como a maioria dos feminicídios periféricos se deram em via pública, em uma praça do bairro,
no perfil do crime se encontra o autor como traficante. Ela foi morta com arma de fogo por João
Paulo, que atuava enquanto traficante de drogas na região.
Como também no exemplo da vítima Marilene e do adolescente infracional P. T. O.,
tido como autor infracional do Homicídio (Qualificado pela traição, de emboscada ou mediante
dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido Art. 121;
§ 121, INC. IV do CB (Hediondo). Ele efetuou quatros disparos na vítima, sendo que dois
acertaram a vitimada. A delegada titular [na época desse crime]do Núcleo de Feminicídio do
Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) não descartou a possibilidade de
Marilene ter sido vítima de Feminicídio. Ela tinha vínculo com ele por ter incendiado a casa
115

dele em represália à morte de um amigo dela, não obstante, no caminhar das páginas dos
inquéritos, o fato da polícia ter tomado conhecimento dela ser compradora de drogas de
traficante e por não pagar as drogas e que, por conta disso, era constantemente ameaçada. Tal
descoberta fez com que eu percebesse que culminaria na retirada quase que automática da
hipótese de feminicídio para a polícia, frisa-se depois da descoberta de tal fato (lê-se usuária de
drogas).
Que assim como este remete ao feminicida, tratando ainda dos 5% que não configura
aqueles com que a vítima tem ou teve laços afetivos, existe uma expressão chamada feminicídio
não íntimo, da autora Russel e Caputi (2021), que pode ser claramente aplicada a esse caso de
2018, da vítima Lívia e do Autor, o policial militar Andersson, infração penal: homicídio
simples. Conforme o Relato/Histórico, foi um caso que chegou ao conhecimento do Núcleo
Policial Investigativo de Feminicídio que, “na madrugada de hoje, duas jovens de nome Jéssica
e Lívia encontravam-se no Bar ‘Barraquillas’, localizado na avenida Jerumenha, bairro Buenos
Aires, quando já por volta das 02:40 horas, após tentarem contactar mototáxi, sem sucesso,
pediram carona para dois homens que tiveram chegado ao bar há poucos instantes em uma
motocicleta; que no caminho, já próximo à praça principal do bairro Poty Velho, o motorista
da motocicleta entrou em um rua de calçamento próximo ao cemitério, justificando que iria
fazer “xixi’ [urinar]; Que as jovens desceram da moto e saíram andando, momento no qual
foram abordadas pelo motorista em tom de ameaça e pegando um objeto na cintura falou: ‘o
negócio agora é o seguinte...’Nesse momento as jovens saíam correndo e o motorista passou a
efetuar disparo de armas de fogo e um desses atingindo Lívia. Que Jéssica conseguiu se evadir
e pedir socorro; Que Lívia foi socorrido pelo SAMU e encaminhada para o HUT”. A vítima
Jéssica, a única sobrevivente, disse que nenhuma das duas conheciam o policial militar e
acredita que o homem queria estuprar as duas e, como não conseguiu, efetuou os vários
disparos.
Nos casos celebridades, como das vítimas Ana Luzia (mulher branca) e Viviana (mulher
branca) e o agressor Paulo (homem branco), ocorrido em 2017, em nenhum momento é
começado por homicídio, sendo investigado direto como feminicídio, idem da Médica Carla
Naira (mulher branca), morta em 2020 pelo ex-marido, ambos os casos ganharam grande
proporção midiática na sociedade piauiense, sendo lembrado até hoje pelas pessoas e grandes
mídias.
Além disso, foi percebido que o crime de feminicídio é planejado como caso em que
feminicida passou dias lapidando a madeira a fim de torna-se em forma pontiaguda que tem
como vítima Maresia e ao autor Danilo com a infração penal intitulada de feminicídio, o
logradouro foi no bairro Porto Alegre, encontrada pelos policias bastante ferida, especialmente
116

na cabeça. Em depoimento, Maresia diz:

“Que em relação ao pedaço de madeira apresentado nesta central, como


objeto com qual DANILO agrediu a declarante, esta confirma que foi com
este objeto que DANILO lhe agrediu e ainda ressalta que esse pedaço de
madeira (tipo ripa) ficava no quintal da casa, no entanto, não tinha essa
ponta lapidada (pontiaguda), e acredita que DANILO lapidou a ponta da
madeira para matar a declarante, pois recentemente tinha visto esse pedaço
de madeira, e até o usava para escorar o portão, e ele não tinha essa ponta”,
e anunciado tendo-se como exemplo o caso de da vítima CHICA e do autor
Alex, como dito nesse Relato/ Histórico: “Que Alex já estava perseguindo
a vítima a aproximadamente 2 semanas, [...] Que mandava mensagem no
WhatsApp da vítima, da depoente e do pai da vítima, ameaçando a mesma.;
que Alex também posava no facebook e no status do WhatsApp ameaça que
fazia para a vítima [...]”.

Que ameaça de morte tanto a vítima como seu atual namorado (Sílvio); que em razão
de ser o seu namorado, pode se atribuir como caso de feminicídio estendido, pois em
depoimentos de testemunhas, ele começou os ataques a Sílvio, configurando casos de
feminicídio estendido e que será visto nos próximos tópicos. Com isso, com todas as descrições
de fácil clareza, não deveria ter conflitos sobre a natureza do crime.

3.4 Lesão corporal versus tentativa de feminicídio

Para o caso dos inquéritos policiais, percebi que diferenciar se foi lesão corporal ou
tentativa de feminicídio pode ser uma grande dificuldade que muitos se utilizam do contexto
do crime para tentar sanar essa dúvida, pois os médicos legistas, responsáveis por aferir o
ocorrido a partir do corpo encontrado em seus laudos periciais, respondem unicamente com
relação a isso “sem convicções” em relação a quanto foi cruel. O laudo cadavérico, este que
dentre muitas coisas dentro da investigação policial serve para observar o quão violenta foi a
morte daquela vítima, constata isso ao verificar as partes que foram atingidas e a quantidade de
vezes, sendo anexada enquanto provas e mais um agravante ao crime. No entanto, não é
possível, por meio dos (as) médicos (as) legistas, obter uma conclusão se foi uma lesão corporal
ou tentativa de feminicídio, já que o termo tentativa de feminicídio nessa problemática fica
como mais prejudicado, pois, quando a mulher não morre, por vezes, o inquérito policial
continua na delegacia da mulher por alegarem que o caso se trata de lesão corporal, e outro
ponto a ser salientando é o termo “lesão corporal”, que é bem genérico, servindo para todos os
tipos de crimes e independe de gênero, o que retira-se facilmente a possibilidade de se ter um
agravante específico.
117

O crime de lesão corporal está localizado no art. 129 do Código Penal Brasileiro,
podendo acarretar até 12 anos de prisão à pessoa que, de que alguma maneira, prejudique a
saúde ou integridade física de outra pessoa. Conforme a lei, essas agressões podem ser desde
temporárias, de caráter permanente e, até mesmo, levando à morte, conta-se também agressões
psicológicas. Contudo, a lesão corporal é tida como crime material, ou seja, necessita de exame
de corpo e delito para que seja comprovada, possuindo vários níveis como lesão simples: uma
agressão que deixe alguma vermelhidão ou dores não permanente e desmaio, gerando detenção
de 3 meses a 1 anos; lesão corporal grave, que são ações que incapacitem a vítima a realizar
simples tarefas domésticas até trabalhistas por 30 dias ou mais e que possibilite que ela corra
sérios risco de vida, para esse caso, a pena é de 1e 5 anos de reclusão; Lesão corporal
gravíssima, incapacidade ou deformação permanente, inutilização ou perca de membro e
aborto, detenção de 2 a 8 anos; e lesão corporal seguida de morte: aplicado quando o agressor
não continha o objetivo de gerar a morte da pessoa por meio da agressão, na qual a lei faz o
parênteses em dizer que tal circunstância precisa ser evidenciada por laudos médicos, para essas
ocorrências, a punição varia de 4 a 12 anos de detenção. Salientando que quando são acometidos
a menores de 14 anos há um aumento da pena de um terço no instante da condenação.
Apesar de constar em leis, é possível verificar dúvidas acerca do informativo do delito
como lesão corporal em suas interfaces e o feminicídio tentado ou tentativa de feminicídio, este
tem como pena inicial 12 anos em regime fechado de reclusão. E a confusão em qual termo ser
posto entre as instituições: Núcleo Policial Investigativo Feminicídio e Ministério Público sobre
a diferença entre lesão corporal e tentativa de feminicídio, mesmo que em um dos exemplos
encontrados nos inquéritos policiais no escopo do Relato/Histórico no Boletim de Ocorrência,
na qual a noticiante afirma “Que Josiane disse que viveu em união estável por 15 anos [...] e
ele tentou atropelar”. Nesse caso, a delegada titular da época teve como conclusão para
feminicídio tentado, mas que foi posto em dubiedade pelo Ministério Público (MP), na parte do
inquérito policial denominado de Novas Diligências, figurado pelo promotor (gênero
masculino), que disse: “Cuidam-se os presentes autos [...] cuja as circunstâncias ainda não
constam esclarecidas por completo, por motivo pelo qual o Ministério Público quer novas
diligências”. É sempre importante lembrar que isso ocorre de maneira invertida entre as
instituições com relação aos termos Feminicídio Tentado e Lesão Corporal.
Entre delegadas, é notável, através dos inquéritos policiais, que a delegada anterior à
vigente, em maioria, prefere dar margem para que os inquéritos em que a vítima não morre,
seja visto como tentativa de feminicídio em muitos casos destinados ao seu nome. Já a delegada
a atual como lesão corporal, encontrado em inquéritos policiais e em suas falas informais
comigo, ocorridas tanto no período de coleta de dados, quanto na entrevista, partindo do
118

pressuposto de que nem sempre o agressor quer, de fato, matar a vítima, ou seja, o objetivo
dele, conforme a delegada, seria apenas de atingir, sem culminar na sua morte fatal, ou seja, em
um feminicídio. Nesse sentido, cogitei a hipótese de que alguns inquéritos policiais possuem
como natureza a lesão corporal ou lesão corporal dolosa e que poderia se tratar, na verdade, de
tentativa de feminicídio. Outros tipos de nomenclaturas encontradas nos inquéritos policias que
julguei que poderiam mascarar a tentativa de feminicídio foram encontradas, como, por
exemplo, nesse caso, que tem como natureza “Crimes contra a liberdade pessoal (3400)/
Ameaça (3402)”.
Neste comparativo, penso que a pior forma de expressar algo tentado contra a vida de
uma mulher em virtude do seu gênero foi visto ao analisar um inquérito policial cuja infração
constava “Lesão corporal de natureza grave”. E em outros inquéritos pude perceber a confusão
que acarreta a denominação da natureza do crime por gênero quando a mulher não morre, pois,
nesse caso, denominado de “Lesão corporal grave”, a delegada que estava à frente, Vilma, que
é da delegacia da mulher, designava em uma parte do inquérito de “tentativa de feminicídio”.
Isso me suscitou uma pergunta para ser feita nas entrevistas com os informantes-chave, que foi:
Como diferenciar uma lesão corporal dolorosa/grave da tentativa de feminicídio?
Em um caso do interior do Piauí, o delegado do gênero masculino, que estava à frente
desse, em áudio transcrito dentro do inquérito policial, realizou uma crítica ao promotor que
desqualificou o crime de lesão corporal para tentativa de feminicídio, portanto, é muito comum
o promotor/ Ministério Público achar por bem também alterar a natureza do crime, inclusive
durante o processo investigativo, não só na conclusão, como visto nos exemplos anteriores.
Nesse sentido, acontece da lesão corporal ou lesão corporal dolorosa ser trocada por tentativa
de feminicídio, ou vice-versa, tendo em única mão do poder judiciário o poder de desqualificar
o inquérito policial desse modo, visto de forma preeminente nesses dois tipos de natureza ou
infração penal.
Como no caso da vítima Sabrine e o conduzido/infrator Martins, cuja infração consta
apenas: Violência Doméstica contra a mulher. Nas narrativas desse caso, frisa-se que a infração
penal tem, como dito anteriormente, a violência doméstica contra a mulher, no entanto, o termo
de oitiva do Policial João Carvalho diz que ele e os demais policias:

“Foram recebidos pela mulher [a vítima] Sabrine, que declarou que havia
sofrido uma tentativa de feminicídio, assim como, havia sido ameaçada de
morte e humilhada moralmente com palavras pelo ex-cunhado Martins. A
vítima disse ainda nos termos de declarações testemunhais “Que após ser
preso seu cunhado Martins continuou ameaçando de morte sua pessoa
prometendo que iria assassiná-la tão logo saísse da cadeia”.
119

Em depoimento, informou que Martins é usuário de maconha. E, ao longo desse


inquérito, por várias vezes, troca a palavra violência doméstica por feminicídio tentado e, por
fim, colocaram somente feminicídio como natureza do crime, mesmo a vítima estando viva,
argumentando que: “ O dolo de matar está caracterizando tanto pelo depoimento das
testemunhas quanto da vítima e o “modus operandi” do agressor, pegou a faca e tentou golpeá-
la por diversas vezes, mostra de forma clara que a intenção do suspeito realmente era de tirar a
vida da vítima”.
Nesse caso, foi posto feminicídio mesmo com a vítima viva, ignorando-se a
possibilidade, a meu ver, mais viável e mais humana que seria o termo feminicídio tentado.
Ocorrido novamente em outro exemplo, a da vítima Mariana e o autor José Francisco, que
colocaram como natureza do crime o feminicídio. No Relatório/ Histórico, a irmã da vítima,
Eurení, disse:

“QUE a vítima relatou para comunicante que ALEX estava muito alterado
e quebrou alguns objetos de casa; QUE depois de ver como ele estava, a
vítima correu para o quintal, sendo perseguida pelo agressor que a pegou e
“esfregou” no muro; Que ainda tentou enforcar ERENI, mas foi contido por
sua cunhada IVANILDE e seu enteado e em seguida ALEX disse a seguinte
frase “ Foi pouco, eu era para ter te matado”.

Pelos inquéritos foi percebido que muitos feminicidas possuem ciência da variação de
pena que reveste a tentativa de feminicídio para lesão corporal, visto isso nas próprias falas do
autor, como nesse caso em que o Francisco, autor do crime, tipicamente como ocorre em
feminicídio periférico, não se exime da culpa, mas tenta amainar a pena em depoimento ao dizer

“QUE as acusações que lhe são imputadas são verdadeiras; Que é usuário
de Crack juntamente com Dayse, com quem convive há três anos na mesma
casa; Que na última quarta-feira 12/09/2018 na madrugada, depois de
passarem dois dias usando drogas, álcool e crack, que ela queria sair de casa
onde tentou impedi; Que nesse momento ela passou agredi-lo, onde reagiu
com pedaço de madeira onde a golpeou; Que não se lembra dos detalhes
porque estava sob efeitos de drogas; Que acredita que não tenta tentado
matá-la, apenas se defender das investidas da mesma; Que teve outras
brigas com ela porém nunca a agrediu fisicamente, apesar de ser sempre
agredido”.

Algumas justificativas para se basear para feminicídio tentado causam estranheza, bem
como contribui para o fechamento do leque de quem seria o tipo de feminicida, configurando
apenas na figura do agressor masculino e com quem tem laço afetivo do gênero relacionamento
amoroso, que se encontra no imaginário, excluindo aqueles 5% não íntimos e de outro gênero,
como mostrado no caso da vítima Francisca e do autor Alessandro, em que a polícia em sua
120

linha investigativa diz:

“Vale destacar que o crime aparado, a princípio, está sendo classificando


como feminicídio, na modalidade tentado, visto que a vítima e o agressor
tiveram um relacionamento amoroso, gerando um filho desse
relacionamento e em razão das ameaças feitas e de toda a agressividade
realizada durante a empreitada criminosa, vislumbrar-se a possibilidade de
se querer alcançar um resultado mais grave que lesão corporal, não
alcançado seu feito em razão da vítima gritar por socorro e sua mãe chegar
para ajudá-la”.

No caso de 2018, com a vítima Maria José e autor João Luís, o local do fato foi o Parque
Vitória, com infração penal: Lesão corporal, conforme o laudo do médico no seu Histórico
Clínico escopo dados clínicos: Paciente vítima de agressão física há, aproximadamente, 1 hora,
refere espancamento com repetidos golpes em região da cabeça, refere à perda da consciência
no momento do trauma”. A vítima, em testemunha à polícia, contou “Que agressor, seu filho,
colocou também uma corda no seu pescoço e pendurou essa corda no teto para matar que a
vítima contou que só não morreu, porque conseguiu fugir de casa e pedir socorro, mas que
mesma assim, o João Luís ainda agrediu a vítima na rua”. Pelo exame clínico e essa última fala
da vítima, pode-se observar que não se trata apenas de uma lesão corporal como consta no
inquérito policial.
Neste sentido, não seria o caso da própria vítima ser indagada se ela sofreu tentativa de
feminicídio ou lesão corporal também? Não obstante, percebe-se que a palavra da vítima não é
levada em conta em muitas situações no transcorrer dos inquéritos policiais, como nesse caso,
que consta a natureza do crime: injúria, ameaça e lesão corporal. O autor é Leandro e a vítima
Alessandra. Conforme o Relato/Histórico, a vítima estaria desparecida desde a noite da última
terça-feira (07/08/2018) e mantinha um relacionamento com Leandro há, aproximadamente,
três meses. Dentro do inquérito policial, havia um print de WhatsApp da vítima que dizia: “ele
tentou me matar”. Em perguntas a ele, no seu interrogatório, não foi perguntado se ele tentou
matá-la.
Essa falta de firmamento é vista em vários inquéritos policiais que contém como
natureza o feminicídio, lesão corporal e tentativa de feminicídio, este último é bastante ignorado
na foto de capa dos inquéritos, não tendo tanto respaldo ao longo dos investigados, ignorando
o seu uso em vítimas vivas, sendo posta o crime como feminicídio. A defesa pela fala da vítima
a fim de findar o dilema advém da fala da segunda delegada, que presidiu o Núcleo, que se
coloca dentro inquérito policial por ela investigado argumentando que:

“Ao tempo em que o cumprimento, venho por meio deste encaminhar o


Registro de Ocorrência, uma vez que pelo discurso oral da genitora da
121

ofendida no primeiro atendimento realizado nesta unidade, percebeu-se que


a dinâmica dos fatos tendem ao vislumbre da prática de um feminicídio
tentado, uma vez que as agressões só cessaram quando a criança, filha do
casal, gritou a uma vizinha chegou ao local, tendo a ofendida sido socorrida
desmaiada e levada ao HUT”.

Segundo relatos testemunhais da mãe dessa vítima, disse: “Que os médicos afirmaram
que Emanuele estava com coágulos embaixo da pele e uma pequena abertura na região fontal
do crânio [...]; Que Emanuelle [a vítima] afirmou para a declarante que todas as lesões tinham
sido provocadas por Daniel”. Também nesse inquérito continha fotos das supostas graves
agressões físicas perpetradas pelo autor do fato, Daniel, em face da filha menor do casal,
Daniela, quando a mesma era bebê, podendo ser interpretado como tentativa de feminicídio
estendido (alcunha da pesquisadora mestranda em políticas públicas).

3.5 Feminicídio estendido

Ao investigar os inquéritos policiais percebi que a morte de um homem atrelado ao


feminicídio poderia ser uma nova tipificação. Pensei, a princípio, em “Chacina em função de
feminicídio”, pois deduzi que pudesse ser melhor do que constava nos autos dos inquéritos
policiais que eram “4 Homicídios Qualificados”, que inclui a mulher morta pelo ex-
companheiro, vítima de feminicídio, e mais 3 mortes em decorrência da tentativa de impedi-lo,
visando que, dessa forma, evitaria o apagamento da nomenclatura feminicídio, mas poderia
correr o risco da policial terminar por reduzir o termo a somente a “Chacina”. Também
verifiquei outros inquéritos de situação parecida como a titularidade de “Homicídio- duplo”,
causando apagamento novamente da nomenclatura feminicídio.
A diferença entre eles está no peso da pena por matar no quesito homicídio. Conforme
o Art. 121, é de reclusão de seis a vinte anos, aumentando a depender do total de vítimas e a
gravidade. Já para feminicídio, estipula-se a pena de em regime fechado de 12 a 30 anos, além
de contar com os agravantes já mencionados ao longo dos escritos desta dissertação como:
quando a vítima é menor de 14 anos ou maior de 60 anos ou com deficiência; na presença de
descendente ou de ascendente da vítima, podendo ser virtual ou física; e durante o período
gestacional, durante a gestação ou nos três meses posteriores ao parto; e da própria visibilidade
social do caso, este em último não consta em leis, mas é visível e notório no meio social.
Ocorre também em outros casos em uma tentativa de feminicídio que, dentro do
inquérito policial, houve um notório esquecimento da vítima “indireta” do crime, no caso a filha
da vítima, conforme a própria mãe, Raquel, conta no seu depoimento ao dizer: “Que o autor
ainda tentou desferir uma facada na região do pescoço, porém a filha da vítima entrou no meio
122

[quase sendo] atingida”. Diferentemente do que ocorreu em caso celebridade, colocando tanto
a vítima principal quanto a vítima secundária com a infração, constou-se desde o princípio
como, respectivamente, tentativa de feminicídio (Ana Luzia) e feminicídio (Viviana), como
nesse caso celeridade das vítimas Ana Luzia (namorada do feminicída) e Viviana (amiga de
Ana Luzia) e o autor Paulo (o feminicida).
Ao realizar a leitura desse respectivo inquérito, é notável que a problemática sentida por
Paulo a Ana Luzia se estendia à sua amiga Viviane, como consta no inquérito da testemunha
Lara, amiga das duas mulheres, que disse:

“Que Paulo achava que Ana Luzia ficava muito cheia de si, mais segura
quando estava com Viviana QUE Paulo queria Ana Luzia vulnerável,
isolada e somente na companhia dele [...] QUE lembra que quando leu uma
reportagem de um feminicídio que ocorreu no Bar do Bento [refere-se a
caso celebridade da Ianca e do tenente do exército José Ramalho] em
Teresina, que rapaz matou a namorada e ainda deu tiro nas amigas”.

O dito de Lara para Viviana tinha como objetivo fundamental afastar Viviana de sua
amiga Ana Luzia, pois ela temia que essa violência sofrida por Ana Luzia - de abusos físicos,
psicológicos e até uma provável morte provocado pelo namorado dela na época - respingasse
na Viviana. Tal raciocínio foi também reforçado no termo de declaração testemunhais de Grace,
conhecida das vítimas, ao dizer: “Que Viviana comentava que era visível o incômodo que Paulo
sentia da proximidade com Ana Luzia”. Nesse sentindo, é possível entender que ódio se estende
para além da vítima principal do agressor e que a própria polícia, nesse caso, compreendeu essa
relação para além da vítima, apesar de não ter um nome para isso, condensando em feminicídio
por se tratar também de uma mulher. A partir desses casos, traz-se solicitude para que não haja
o apagamento de um termo tão importante que é o feminicídio quando se tem com vítimas
fatais, ou não, outras pessoas em virtude do mesmo, sugerindo aqui “feminicídio estendido”.
O conceito de feminicídio estendido se subscreve, primeiramente, ao pensar nas vítimas
secundárias na hora do crime de feminicídio acometido a vítima-mulher, nem sempre essas
pessoas são mortas de forma intencional -, outrossim, são tomadas de uma total
intencionalidade com um ódio cultivado quase em equivalência à vítima que quer atingir e é
nesse sentido que defendo aqui o uso da nomenclatura de feminicídio estendido para que não
se apague normativa do crime de feminicídio em homicídio-duplos e outros derivados, nas quais
essas vítimas estão com seus corpos estendidos próximos ou ao lado da vítima com o objetivo
que seja mais agravante ao crime.
123

3.6 Feminicídio mandato

O feminicídio mandato (nomenclatura da pesquisadora/mestranda de políticas públicas)


achado de pesquisa foi pensando a partir do primeiro caso que encontrei, que atendia esse modo
de pensar. A realidade da natureza do caso constava como homicídio doloso, tendo como vítima
Leila e a autoria dado por Renato e um adolescente infrator P.D.S- vulgo bebê. A Autuação foi
feita “As vinte e três (23) dias do mês de junho (06) do ano de dois mil e dezesseis (2016), nesta
cidade Teresina, capital do Estado do Piauí, na Delegacia de Homicídio. O local do fato no
bairro Santo Antônio, próximo a Bar do Francisco.”.
Com relação a esse crime, o termo de oitiva do condutor declarou que “o declarante
estava de plantão do local de crime no dia na Delegacia de Homicídios no dia de ontem, 22/06/
2016 quando foi acionado via COPOM sobre uma ocorrência de homicídio na Rua São Paulo,
próximo ao Bar do Francisco” e que a:

“[...] vítima estava de decúbito ventral e um ferimento na cabeça, parte


posterior; Que nas costas da vítima havia lesões provocadas aparentemente
por faca; Que além destas lesões nas costas a vítima apresentava lesões nos
seios; Que logo em seguida o declarante soube que o mandante do crime
era o nacional Lúcio vulgo Zódic que está preso no Presídio de BANGU no
Estado do Rio de Janeiro [...] e o executor eram o Renato vulgo Cobra e o
menor Lucas de alcunha Neném [...]”.

O declarante policial militar soube que Renato e o menor estavam escondidos no Bairro
Itaperu, em Teresina-Piauí; Que o declarante deslocou na companhia de mais dois policiais;
Que eles estavam em um suposto casebre; Que o declarante adentrou a residência e logo avistou
Renato; Que próximo a [ele] estava um revólver calibre 38 TAURUS municiado; Que o
declarante deu voz de prisão [...]; Que Renato fez menção de pegar o revólver; Que então o
declarante gritou para ele não pegar a arma, mas ele insistiu; Que o declarante efetuou disparo
contra ele que o atingiu de raspão a perna esquerda; Que então o conduzido se rendeu; Que o
menor Lucas estava com ele e em poder do menor estava um simulacro de arma de fogo; Que
apenas o adolescente confessou o crime, mas o conduzido RENATO negou.
É uma prática comum e recorrente no âmbito do judiciário brasileiro, o menor assumiu
o crime em favorecimento do adulto, que participou do ato, assumindo integralmente a sua
culpabilidade por ter uma penalidade mais branda que outrem, começando pelo fato de que o
menor em conflito com a lei não é preso, mas, sim, apreendido e a depender do crime não
ultrapassa 3 anos de prisão. No AUTO DE APREENSÃO DE ADOLESCENTE NÚMERO:
000219/7- LUCAS, o informante menor de idade diz que:
124

“ [...] pertence à gangue da Vila São José e ela Laura do Lourival Parente
[...]; Que o informante no dia de ontem marcou um encontro com ela
LAURA nas proximidades do Bar do Francisco; Que o informante ficou
aguardando-a armado com revólver; Que o informante estava sozinho; Que
assim que a viu em cima da moto se aproximou e deu um tiro na cabeça
dela; Que assim que ela caiu o informante deu mais um disparo; Que o
informante puxou uma faca que portava e começou a esfaqueá-la; [...] Que
perguntado se o maior Renato estava presente, respondeu que: não!; Que
perguntado o que informante tem a dizer sobre o envolvimento amoroso da
vítima com o Lúcio vulgo Zódic, respondeu que: “não tenho nada a dizer
sobre isso não! Num sabia que o Zódic ficava com ela não!”.

Já a amiga da vítima conta, e com detalhes, o vínculo da vítima com o que considero
aqui como mandante do feminicídio. TERMO DE DECLARAÇÃO QUE PRESTA: TAIS. Aos
vinte e três (23) dias do mês de junho (06) do ano de dois mil e dezesseis (2016), disse:

“QUE a declarante era amiga de LEILA, pois estudou com ela por três anos
no mesmo colégio; Que recentemente LEILA vinha confidenciando a
declarante que estava namorando um rapaz conhecido como Lúcio vulgo
Zódic; Que a declarante chegou a ver, inclusive, fotos dele dois juntos no
facebook dela; Que o Zódic foi preso no Estado do Rio de Janeiro e, depois
desta prisão, a Leila resolveu terminar o namoro com o Lúcio vulgo Zódic;
Que, no entanto, o Zódic não aceitava o término do namoro e ele ficava
mandando mensagens para ela Leila através dos amigos dela e de um amigo
do Zódic por nome Renato; ou seja, Zódic tem celular no presídio; Que a
família confidenciou dela Leila confidenciou para a declarante que o Zódic
estava ameaçando a Leila de morte; Que ontem, por volta das 14h:30 min,
a declarante foi até a casa da Leila na Vila da Paz: Que, quando chegou lá,
a Leila disse: “Thaís! Vamos passar no Bar do Francisco e pegar um celular
com Renato!”; [...] Que ao chegar no final da rua, no alto da ladeira, a
declarante parou a moto e ficou com a frente virada para o Bar do Francisco;
Que então três rapazes saíram de dentro do mato; Que a declarante viu um
deles puxando um revólver da cintura e já foi logo puxando o cabelo dela
Leurilene; Que então um deles deu um tiro na cabeça de Leurilene; Que
este mesmo rapaz que deu o tiro botou o revólver na cabeça da declarante
e falou: “ Cadê o celular dela?”; Que a declarante disse: “eu num sei!”; Que
então um deles puxou o celular da Leila que estava dentro da calça dela, na
parte da frente, e disse “achei! Tá aqui!”; Que então eles mandaram a
declarante ir embora; Que a declarante seguiu empurrando a moto e, quando
olhou para trás, viu que um deles estava esfaqueando a Leila; [...] Que a
declarante alertou muitas [vezes] a Leila sobre este namoro dela com o
Zódic; Que Zódic era possessivo e não deixava Leila andasse com ninguém;
[...] que nunca viu Zódic pessoalmente, somente por fotos e facebook; Que
sob perguntas disse: que ele Zódic ficava insistindo para ela Leila ir visitá-
lo no Rio de Janeiro, mas ela não queria; Que a declarante acredita que eles
levaram o celular dela para ninguém ver as conversas dela; Que, com
certeza foi Zódic que mandou matar a Leila. [...] Renato foi o que chegou
por trás e puxou o cabelo dela! Foi ele (Renato) que deu tiro na cabeça dela!
Esse daí (o Neném) tava lá também! Esse infeliz (Zódic) mandou matar ela!
Não sei como não morri!”

No segundo depoimento dado pelo adolescente Lucas (vulgo, Neném), resolve mudar a
125

sua primeira versão e confessar a verdade, como segue nesse trecho aqui: “QUE Lúcio tomou
conhecimento que LEILA estava lhe traindo aqui em Teresina com um [dos seus] desafetos”.
É importante salientar que a policial manteve como mandante do crime o Lúcio, vulgo “Zódic”,
com quem a vítima manteve um relacionamento no inquérito policial. Ele, que já possui
condenação por roubo, como consta no processo n° 001816-27.2015.8.18.0140, foi indiciado
por crime de homicídio, conforme Inquérito Policial n ° 0005.654/2015/DH.
A polícia também conseguiu mensagens “prints” no Facebook de Lúcio direcionado à
vítima no dia 14 de junho às 04:39. Nele, o mandante diz que “Quando fui preso meu castelo
na hora caiu, quem me dizia ser amigo na hora sumiu, e aquela mina [linguagem coloquial para
menina] que dizia que me amava na hora do sofrimento só a minha mãe fechava [...] muita bala
nela”. Nos TERMO DE DECLARAÇÕES QUE PRESTA A TIA DA VÍTIMA, DEUSA, NA
FORMA ABAIXO: “afirma que tem certeza de que ZÓDIC que mandou matar a sua sobrinha”,
confirmando a versão da amiga da vítima. TERMO DE DECLARAÇÕES QUE PRESTA A
PRIMA DA VÍTIMA, CHICA, NA FORMA ABAIXO: “ [...] QUE duas semanas antes da
morte Leila confessou para a declarante que estava com medo de morrer, pois ZÓDIC a estava
ameaçando e todas as provas das ameaças estariam no celular”.
DO INDICIAMENTO, consta: “Dessarte, verifico, através de todos os elementos acima
explanados, a fundamentação acima delineada, além dos demais indícios observados no
decorrer da construção probante, a ocorrência do crime de FEMINICÍDIO (Art. 121, § 2°, VI,
§2º.A, I do CP), portanto indicio RENATO, pela prática do crime supramencionado”. Zódic, o
mandante, não sofreu nenhuma sanção penal. Fica-se, por minha parte, o questionamento: o
mandante do crime de feminicídio não seria feminicida também? Ao menor de idade, nada foi
reportado sobre o seu destino na conclusão do inquérito policial.
Outro exemplo que poderia ser o feminicídio mandato é o da vítima Maria Claúdia (avó
do autor do crime) e do autor Marcelo, que consta no inquérito policial como infração penal:
lesão corporal dolorosa- Violência doméstica. Partindo-se da tese do feminicídio mandato,
realizando a leitura desse inquérito policial, extrai como sendo “tentativa de feminicídio
mandato” (termo alcunhada pela pesquisadora/mestranda) com base nas testemunhas. O
TERMO DE DECLARAÇÕES DE LÚCIA, vizinha da vítima: “QUE TÂMARA [MULHER
DE MARCELO] é mandante de todos os crimes praticados por Marcelo” e a outra testemunha
também confirma tal ato no TERMO DE DECLARAÇÃO [...] MARIA DE CARVALHO diz
“Que TÂMARA a todo tempo mandava MARCELO matar MARIA CLAÚDIA [...] Que
Tâmara atiçou Marcelo”. A observação que faço é que Tâmara não foi intimada e nem
denunciada, apenas citada pela Delegada da época no Termo de Qualificação do Interrogado,
no qual a autoridade policial pergunta: “Se a esposa da declarante ficava instigando o
126

interrogado a matar à vítima?” Ele disse “não”. As demais provas testemunhais apontam que
Tâmara, companheira de Marcelo, não é uma boa pessoa e, em seguida, o acusado afirma que
ela fugiu do local tão somente para evitar ser agredida pela vítima do crime, ambos impunes,
tanto o primeiro caso, com o mandante do feminicídio, quanto a suspeita de mandante de
feminicídio.
O conceito de feminicídio mandato na jurisprudência brasileira existe a nomenclatura
“crime por encomenda”, onde se carrega um cenário de violência e pistolagem, sendo, aqui,
uma variação disso na morte atribuída por gênero quando o homem, enquanto mandatário,
solicita a execução da mulher que possui laços afetivos quando este não pode ou não consegue
realizá-lo, salientando que o mandatário também é feminicida devido à sua ação de mandar
matá-la ser movida pelo ódio ao ser feminino, ou seja, a misoginia.
127

4 FEMINICÍDIOS PERIFÉRICOS E NÃO PERIFÉRICOS: PERFIS DAS VÍTIMAS E


DOS FEMINICÍDAS

Ao longo das análises dos inquéritos policiais, percebi que daria para dividir os crimes
de feminicídio, nos quais dispus em: feminicídios periféricos e não periféricos e verifiquei que
condições de raça e classe, para além do gênero, causavam interferências nas linhas
investigativas e na robustez dos inquéritos, confirmando essa diferença nas entrevistas que
consta no terceiro capítulo dessa dissertação. No Brasil, a população socioeconomicamente
vulnerável que, por conseguinte, é também a racialmente vulnerável, é a população negra, visto
que representa os 75% mais pobres no Brasil, enquanto os 70% mais ricos são brancos,
conforme o Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE) de 2019. Nos inquéritos
policiais, em si, foi constatado com auxílio da pesquisadora da Universidade Federal de
Rondônia, Dra. Rosângela Hilário, que a maior parte das vítimas de feminicídio são mulheres
negras e de classes pobres, corroborando, assim, com o Atlas da Violência e outros relatórios
de violência. A questão da raça foi determinada pelas características e feições que caracterizam
as faces de pessoas negras, dentre elas: boca grande, cabelo afro, cor de pele, nariz largo e
outras, por meio das fotos encontradas no Registro Geral. Em alguns casos, as fotos desse
documento estavam borradas ou sem nitidez, apelando para análise serem feitas nas fotografias
tiradas nos locais do crime da vítima já morta.
As condições socioeconômicas também são importantes para realizar a
heteroidentificação, dada pelas definições territoriais de onde vivem as vítimas, ou seja,
mulheres que moram longe dos centros urbanos e de áreas nobres da cidade, bem como as suas
profissões. No caso dos feminicídios periféricos, em geral, são trabalhadores comércios,
informais, desempregados e até em prostituição. Nos dias atuais, esta sofre um dilema, pois
muitos dizem que não é profissão e outros que sim. No Brasil, inclusive, há vários debates em
torno da regulamentação da prostituição, bem como níveis de escolaridades, e raros são os que
possuem ensino superior completo ou incompleto.
Na observância de verificar se beneficiário de algum programa social para as pessoas
vulneráveis dentre vulnerários, sendo o famoso dele o Bolsa Família, hoje, configura como
“Auxílio Brasil” em 2022, pois, muitas vezes, na falta do Registro Geral em mãos, os policiais
civis solicitam outros tipos de documento que possam identificá-los, entregando o cartão do
Bolsa Família, que são feitas cópias e anexadas atrás do termo de declaração testemunhais e
outras análises que podem dar uma ideia sobre a classe da vítima, fotos da casa, por vezes
parecidos com o que ocorre nas entrevistas da população beneficiária deste programa do Centro
de Referência de Assistência Social (CRAS).Claro que no caso policial diferente dos
128

entrevistadores sociais é visando ao local do crime, e não conjecturando para montar o perfil
socioeconômico da vítima ou do agressor, como exemplo, nos dizeres transcritos em um dos
inquéritos policias “casa de chão batido” para referir à casa da vítima.
A questão da “casa de chão bastido” tem nascente histórica, conforme Reis Filho (1978),
em seu livro Quadro da arquitetura no Brasil, que realizou nele uma pesquisa sobre pavimentos
na realidade brasileira, mostrando as diferenças entre casas do perfil sobrado e térreas, no qual
o professor e arquiteto tratou das simbologias que é residir em assoalho no sobrado para uma
casa térrea de “chão batido”. O autor usa a argumentação com base na histografia de que morar
em um sobrado tem teor significativo de riqueza e já habitar uma casa de “chão batido” é
predicativo de pobreza, realizando um paralelismo profundo com a contemporaneidade. Ele diz
que é por isso que os pavimentos térreos dos sobrados, quando não usados como lojas, no
período do Brasil-Colônia, eram destinados para acomodação de animais e pessoas
escravizadas na época.
Nas análises dos inquéritos policiais, consegui perceber o quão a questão racial e de
classe não tem relevância, apenas para relatórios de pesquisa como o Atlas da Violência (2021),
que todos os anos mostram como mulheres negras sofrem gradativamente o aumento de, pelo
menos, 2% em comparativo às mulheres não negras, que caiu 27%. Nos dados de 2021, que
correspondem a 66%, inclui dentro o número de mulheres que morreram em razão do seu
gênero. A negligência da questão racial percebe-se na descrição da vítima ao colocar raça/etnia
“morena”. Para Sousa (2022), na sua escrevivência, explica como a militante Valcirana Maia,
integrante do coletivo de mulheres negras, chamado Esperança Garcia, pauta em suas falas da
importância de tratar dos corpos e vidas de mulheres negras de forma interseccional- em que a
autora diz era e são negras, sim, e não existe “morena” e fala para que mulheres tenham orgulho
da sua negritude e solicita que a sociedade não apague a palavra “negro (a)” em seus históricos.
A diferenciação entre os crimes de feminicídios também está no período de dilatação do
prazo investigativo dado em maior número aos feminicídio não periféricos. A depender da
situação, pode ser benefício para somativa de provas contra o feminicídio para quem o cometeu,
visto isso, precisamente em casos celebridades, como a vítima Ianca (mulher branca e estudante
de arquitetura), mas que traz sofrimento à vítima e com a sensação de impunidade ao crime, já
que o caso perdura por 6 anos em trânsito e ainda sem uma condenação em definitiva do
acusado, o ex-tenente do exército José Ricardo. Por isso, em geral, são mais robustos os
inquéritos policias. O oposto ocorre com feminicídios periféricos, a exemplo deste: “No caso
em tela, trata-se de um inquérito policial instaurado em razão de Auto de Prisão em Flagrante
realizado no dia 20/02/2020, em que, portanto, tendo como prazo final o dia 29/02/2020
(sábado), então, tendo que ser entregue ao Poder Judiciário no dia 28/02/2020” para julgamento.
129

E outra forte problemática que diferenciam consubstancialmente é o assunto das drogas


dentro dos inquéritos policiais, aparecendo preeminente nos feminicídios de periferias ou
feminicídios periféricos, onde foi possível constatar que a “guerra” contra drogas também se
encontra no crime de gênero, em grande parte tomando-se o foco do crime e criminalizando a
própria vítima quando há suspeita de ser usuário ou traficante (ou associada), e para os
feminicídios não periféricos, as vítimas são deixadas para morrer, sem ajuda de terceiros, como
vizinhos, como nesse caso de feminicídio Não Periférico, o depoimento do Roberto, funcionário
do feminicida, disse: “Que na casa estavam Roberto e Amélia, que não respectivamente
funcionário de José Carlos e Amélia é namorada de Roberto, Que os dois estavam no último
quarto da casa, Que Amanda não a ajudou por medo e Roberto por ser funcionário de José
Carlos”. Diferente dos feminicídios em zonas periféricas da cidade, como pode-se visualizar
nesse caso do ano de 2018, com a vítima Maria de Lourdes e autor José Raimundo, cujo local
do fato foi Parque Vitória, zona bastante empobrecida da cidade, a infração penal foi lesão
corporal. No termo de oitiva do condutor, o policial militar disse:

“Que ao chegar, visualizou com demais policiais, um indivíduo deitado, com


sinais de agressões e várias pessoas ao redor; Que, segundo populares no local
tratava de José Raimundo; [...] sendo informado pela Sra. Clarisse, filha de
Maria de Lourdes, que José Raimundo havia sido espancando por populares
em virtude dele ter lesionado gravemente seu companheiro”.

De tal forma, nesse outro exemplo com a vítima de lesão corporal, Dayanna, causado
pelo autor Reinaldo, que, no Relato/Histórico, apresenta que “ no dia 12/09/2018 por volta das
02:00 horas, a declarante encontrava-se em sua residência na companhia de seu companheiro
Reinaldo; que se encontrava drogado e em uma crise de ciúme começou a xingar a declarante
de vagabunda; Que, Reinaldo pegou um pedaço de madeira e começou a espancar a declarante
[...] deixando a declarante quase desmaiada; Que Reinaldo pegou uma faca em sua residência
para atingir a declarante, que a mesma encontrou forças e saiu correndo; ele também correu
atrás da declarante; Que, Reinaldo não conseguiu seu intento devido os vizinhos ter ajudado a
segurá-lo.”.
Diferente do que ocorre em caso de feminicídio Não Periférico, como no caso da médica
Carla Naira, percebi que as vítimas do feminicídio Não Periféricos são deixadas para morrerem,
como mostra nesse depoimento: “ Também falarmos com o vizinho da vítima, senhor José
Fabiano do apto. 230 B, [...], este relatou que por volta das 19h escutou uma pancada forte e
logo em seguida gemidos e gritos; Que tentou sair mas sua esposa não permitiu”, e a vítima
esconde da própria família, testemunha Ana, irmã da médica, vítima de feminicídio: “Que tem
desconfiança de histórico de agressão, porém Carla Naira sempre negava, apenas uma única
130

vez relatou a família um desentendimento com Kairo”, ou amigos sabem ou apenas suspeitam
de agressões, falta a acreditação no fato de que sua ente é agredida, bem ressalvo que nesse
caso nada foi perguntado sobre drogas ou bebidas como fazem com feminicídios periféricos.
Os inquéritos policias não trabalham com a perspectiva interseccional
(gênero+raça+classe), restringindo, em tese, em favor da questão de gênero, não conjeturando
o conceito presente no feminismo não branco. Em uma decisão de mandado de prisão constava
algo que pudesse se assemelhar à proposta interseccional nos dizeres: “2. A violência contra a
mulher, muito mais que um problema cultural, como outras formas de violências, é, também,
um problema social”, pautando no que a própria polícia civil disse, nos embates teóricos
dialéticos e mais fortemente com as novas conceituações aqui propostas dadas pelos feminicídio
periférico e Não Periféricos, assim, irão ser usados para trabalhar acerca do perfil da vítima e
do agressor/feminicida dado pela polícia.

4.1 O perfil da vítima

Através dos tipos de feminicídio, solicito que se faça um esforço de compreender que,
muitas vezes, o crime pode se estender para além da vítima, configurando em novo tipo de
perfil de vítima, que não convencional, ou seja, uma vítima indireta, conclusão que obtive após
averiguar mais de 160 inquéritos de 2015 a 2016 do Núcleo Policial Investigativo de
Feminicídio. Em um dos casos, a filha da vítima diz “QUE teme por sua vida e pede garantias
do Estado” em razão das ameaças do seu pai, que é ex-companheiro de sua mãe, mesmo já
separada, mostrado nos termos de declaração testemunhais, a filha da vítima complementa
também para fomentação do perfil da vítima principal, sua mãe, ao dizer “Que a mãe da
declarante era muito bondosa, não merecia tanta dor. A filha, também vítima e outros parentes
e amigos da mãe da filha”. Perguntados se viram as agressões da vítima de forma direta
disseram “Que nunca presenciou o Moura agredir fisicamente, mas já a viu manchada no
corpo”, ou seja, visualizaram apenas as consequências das agressões físicas.
De forma unânime, foi percebido que a vítima ainda cogita estabelecer um grau de
confiança ao ex-parceiro, pois a maioria deixa o autor do crime entrar nos seus lares, mesmo
com tudo o que já sofreu, ou seja, no feminicídio não existe arrombamento (Art. 155, $ 4°,
inciso, do Código Penal), é furto qualificado por romper obstáculos, causando danos ao
patrimônio, com isso, no caso do crime, a vítima deixa entrar, pois ainda conta com a falsa
ilusão de que o agressor não fará nada, mesmo aquelas que detinham medidas protetivas por
estarem desprevenidas e ,com a certeza de que não acontecerá, a vítima não tem reação de
defesa, como consta nos laudos. O feminicida não tem nenhum arranhão, é ela quem recebe o
primeiro golpe em lugares fatais, primeiramente, e, depois de morta, muitas vezes, há
131

continuidade em lugares femininos (seios, vagina, este, em último, para o caso de mulheres cis).
Estas que conseguem sobreviver, em sua maioria, relatam em testemunho: “Que a
vítima nunca acreditou que ele pudesse tentar matá-la”. Nos casos que a vítima sobrevive, com
raras exceções, não se abarca a possibilidade de que a vítima viva para realizar as queixas contra
o agressor/ feminicida quando esta foi agredida ou sofreu tentativa de feminicídio. Em geral,
são as mulheres brancas que conseguem ir à delegacia fazer os procedimentos de denúncia
contra tentativas de feminicídio; mulheres indígenas não chegam nem a fazê-la, pois qualquer
tipo de violência contra elas é tratado como cultural.
As mulheres negras, sobretudo as pobres, mesmo vivendo em áreas urbanas, muitas
vezes, não possuem transporte ou recursos financeiros para ir a esses pontos de ajuda, como a
delegacia. É preciso considerar, também, o racismo institucional sofrido por aquelas que
conseguem acesso a esses serviços: elas não são ouvidas, são desrespeitadas e são menorizadas
em razão da sua cor de pele. Com isso, suas queixas não costumam obter respaldo e relevância,
de forma que outras vítimas de perfil semelhante e advindas do mesmo contexto racial se
sentem desestimuladas a procurar proteção institucional (ROMIO, 2013).
Ocorrendo, assim, muitos casos como estes em que a vítima desiste em dar
continuidade, como visto nesse Histórico em um dos inquéritos policiais abertos no dia 03 de
março de 2016, onde a própria vítima afirma “Que algumas pessoas ainda chegaram a
aconselhar a vítima a vir a esta delegacia de polícia para prestar queixa contra o companheiro,
mas a mesma recusava”. De um modo geral, foi percebido que são terceiros que fazem a
denúncia, parentes diretos da vítima, como pais ou filhos, quando estes já são adultos e são
noticiantes do crime.
Nesse sentido, é possível compreender por essa perspectiva que há muitas
subnotificações no contexto de violência contra as mulheres negras e indígenas. Como abarco
pela concepção interseccionalidade que tratar do ponto de vista dos mulherismos, apesar de
encontrar mulheres negras e/ou parda, pobres, mulheres brancas, mas todos em comum eram
cisgêneros sentindo bastante falta de mulheres transexuais e travestis. Não tem mulher trans e
travestis, mas, na fundamentação teórica dos inquéritos policias, dá para ter noção do porquê
não tenha nos ditos:

Feminicídio é uma expressão utilizada para denominar as mortes violentas de


mulheres em razão de gênero, ou seja, que tenham sido motivados por sua
condição de sexo feminino”, ou seja, não sabem diferenciar gênero de sexo, e
isso é visto com demais preposições: identidade de gênero e orientação sexual
ao colocar homem/ mulher em todos elementos. Como no exemplo dado
Requisição de Exame Pericial- Lesão Corporal IP N°1434/2014. “Tem sexo:
masculino e Identidade de Gênero: Homem.
132

Eles claramente não sabem identificar, visto isso no cabeçalho informativo das
testemunhas, e nem realizar heteroidentificações, como percebido em análises em conjunto
coma Dra. Hilário. Tal falta de conhecimento ou negligência o retira do âmbito mulheres
transexuais e travestis, uma vez que sexo se pauta na definição do ser como feminino ou
masculino a partir do órgão sexual de nascimento, ao contrário de gênero, que é uma construção,
como pauta da autora Simone de Beauvoir – “Não se nasce mulher, torna-se mulher” –. Ainda,
segundo o Atlas da Violência de 2019, mulheres transexuais e travestis que sofrem violências
praticadas por companheiros e ex-companheiros têm seus registros documentados como
agressões comuns ou homicídios comuns, desconsiderando-se o caráter de gênero envolvido
nessa situação, pois não são vistas como mulheres que sofreram crimes misóginos em conjunto
com a transfobia ao serem mulheres não cisgênero. O único caso transexual encontrado não
será discorrido no perfil da vítima (mulher), mas trata de um homem trans, que, por diversas
vezes, sua identidade de gênero foi negligenciada e ignorada, colocando o seu nome feminino,
na qual sua companheira, em depoimento, afirmou que seu nome na documentação é Brenda,
mas ele se reconhecia como Benjamim. Foi um homicídio consumado em virtude de uma
confusão na qual a vítima desconfiou de suposto roubo em sua casa causado pelo amigo, que,
não gostando da atribuição da acusação, o matou em uma praça perto da sua casa.
Todavia, na maioria das vezes, as medidas protetivas não trazem proteção à vítima. A
exemplo desses feminicídios periféricos, dado pelo bairro que mora a vítima e suas condições
socioeconômicas de desempregada. No primeiro Boletim de Ocorrência, a vítima, quando viva,
contou no escopo do Relato Histórico “QUE o Paulo Ricardo já me agrediu outras vezes, que
eu já tinha até medida protetiva, que eu já tinha até medida protetiva, ele estava proibido de se
aproximar de mim QUE fez B. O contra o Paulo Ricardo esse ano QUE já parte deu parte dele
3 vezes QUE uma vez a irmã de Paulo Ricardo pagou fiança e ele saiu.” Ela foi morta por Paulo
Ricardo. De fato, o agressor só foi preso quando o feminicídio foi consumado nesse outro caso,
mesmo com a Medida Protetiva de Urgência contra o ex-marido, como pontuado no
Relato/Histórico: “Chico ainda lhe fez ameaças de morte dizendo: “VOU TE MATAR HOJE”.
Ela morreu vítima de feminicídio, com facadas, que essas atingiram a região da sua vagina.
As mulheres que são idosas e vítimas por pessoas com elas tinham laços afetivos
consanguíneos, ou não. São configurados também homicídio tal qual quando as vítimas são
crianças. No Brasil, não se tem uma nomenclatura para mortes de meninas, trabalhando na
perspectiva de gênero, utiliza-se o termo infanticídio, termo trabalhado pela autora mexicana
Perulero (2012) em sua tese de doutorado intitulada “Representación de lasvíctimas de
feminicídio en la prensa guerrerense, 2005- 2009”, em que meninas-crianças tornou-se seu
133

objeto de identificação devido aos elevados índices desse crime no México, sendo superior aos
números de casos a mulheres adultas no seu país, tratando em sua pesquisa do sistema
adultocêntrico, que são assassinadas por serem meninas e seriam futuras mulheres, também
tratando das que são negras que sofrem sem apoio da mídia, pois sua ótica é relacional meninas-
mulheres, ou seja, como bem diz seu estudo, é feminicídio por conexão, que pode-se relacionar
aos termos por mim tipificados como feminicídio periférico e feminicídio Não Periférico devido
às facetas estereotipadas.
Neste sentido, tudo é suscetível, pois, conforme a autora mexicana Perulero (2012), o
universalizar, seja por idade ou o próprio indivíduo criança, é cair em uma mesmice e falta de
mudança no âmbito das políticas públicas que se encontra imbricada na cultura patriarcal do
adultocentrismo contextualizado raça e classe. Apenas um caso foi encontrado como principal
suspeito o pai da menina, mas que, ao final, descobriram que o mesmo era inocente e que, na
verdade, a mãe e avó inventaram isso para prejudicá-lo.
Não entanto, é interessante a percepção dos extremos de idade do gênero feminino, no
caso das meninas, apesar de não ter encontrado nenhum, é imprescindível politicamente e
socialmente não invisibilizar o tema e afirmar que os casos existem sim, muitos noticiados em
jornais locais e nacionais. Conforme o 13º Anuário Brasileiro de Segurança Pública do ano de
2020, o Brasil foi recorde da violência sexual desde o primeiro estudo realizado em 2007.
Verificaram-se cerca de 66 mil vítimas de estupro no país em 2018, sendo a maior parte das
vitimadas (53,8%) meninas até 13 anos, foram 180 estupros por dia no Brasil. Já as crianças e
adolescentes que sofreram a violência de estupro seguido de morte nos últimos 5 anos foram
de 35 mil, de acordo com a UNICEF em parceira do Fórum Brasileira de Segurança Pública.
Nos 18 estados investigados, dentre eles o Piauí, as mortes violentas com crianças até 4 anos
tiveram um aumento de 27 % de 2016 a 2020; as crianças de até 9 anos que foram mortas de
forma violenta, 56% eram negras, 33% constituída por meninas negras, sendo 86% dos autores
eram conhecidos das vítimas. Realizando um paralelismo com feminicídio com questão de raça
igual à do feminicídio.
É preciso dizer que, no contexto brasileiro, foi somente com a instauração do Estatuto
da Criança e do Adolescentes (ECA), em 1990, que, de forma midiática, trouxe à tona diversos
crimes acometidos a essa faixa etária, incluindo assassinatos e situações de riscos, como no
caso de “crianças de rua”, em que, na falta de políticas públicas, pode-se observar muitas
Organização Não Governamentais (ONGs) ou terceiro setor, como costuma referendar
Montaño (2002) em seu livro Terceiro setor e questão social, nas quais essas ONGs se
apropriam de temáticas como essa, realizando a divulgação a fim de obter recursos da própria
sociedade civil com campanhas com olhar apelativo de crianças e de compaixão, especialmente
134

se forem negras, que são maioria. Tal medida é necessária, pois, no Brasil ou em qualquer
Estado-Nação de características estruturantes semelhantes (lê-se colonialismo moderno-
patriarcado-capitalismo), necessita disso, pois, parafraseando o título do artigo de Oliveira
(2016), que tem como base o trecho da música “Negro Drama”, da banda Racionais MC, “ Me
ver negros (as), pobre, preso ou morto, já é cultura”, mas que, ao mesmo tempo, se esconde
isso, trazendo a contradição dialética de que vivemos em democracia racial, tal qual o próprio
capitalismo que também reproduzimos a sua contradição elementar entre socialização da
produção e a apropriação privada da riqueza.
É nesta perspectiva que trata o pensar de Leroy (2021) em seu artigo “Capitalismo
Racial e Filosofia da História”, que traz a contradição elementar do racismo que destitui na
perpetuação e extensão da escravidão na sociedade contemporânea e a pregação de uma
igualdade. Ele que tem perspectiva semelhante de Franz Fanone que objetiva formular um
estudo filosófico para que, assim, suporte o peso da vida negra sob o capitalismo racial, e
colocando-se aqui o gênero de forma interseccional, estendendo-se ao patriarcal. Conforme o
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 75% entre os mais pobres são negros,
enquanto 70% entre os mais ricos são brancos (IBGE, 2019). Dados como estes comprovam
que a base da pirâmide social é a classe e a cor.
A população negra é explorada como sustentáculo de uma cadeia de produção e
reprodução da vida, do trabalho e da sociedade. É a engrenagem e a força motriz composta pela
massa trabalhadora para ofertar a realização e o acúmulo de riquezas ao grande capital
dominado massivamente por brancos através de trabalhos que constituem em força física e/ou
manuais (MARX; ENGELS, 2006; CARNEIRO, 2003).
Conforme Carneiro (2003), os trabalhos oferecidos às mulheres negras normalmente são
aqueles não preteridos por mulheres brancas e de classe alta em razão da baixa remuneração e
de status, como de bens e serviços, por exemplo, serviços domésticos ou no comércio, como
muitas ocorrências encontrados nos inquéritos do feminicídio periféricos. Ambas lembram as
negras quitandeiras de tabuleiro (mulheres escravizadas) que eram colocadas pelos senhores
para vender na rua no período da escravidão. De acordo com Carneiro (2003), só é possível
realizar tal paralelismo quando se observa pela ótica da interseccionalidade, que permite
entender a questão de gênero, raça e classe juntos enquanto eixo fundante de opressão e
dominação, bem como outros que os potencializam com o passar da idade, como a questão
etária.
Esse fato é relevante, pois os corpos velhos já são “corpos abjetos”, ou seja, quando são
negras, são singulares por exclusão (BUTLER, 2015). No entanto, quando se funda na questão
do etarismo, é preciso deixar claro que ele não entra enquanto eixo fundante de opressão e
135

dominação, tal como ocorre com gênero, raça e classe, mas, sim, como condicionante
potencializador por ter a capacidade de agir de forma crescente acerca da promoção da
discriminação e da excludência destes corpos, concepção dada por Butler (2015). Nessa
perspectiva, é impossível não lembrar em uma das principais discussões públicas sobre
feminismo negro, realizada por Sojourner Truth, pronunciado o famoso discurso em tom
político acerca dessa discussão de mulheres negras singulares por exclusão em Ohio, referente
à ajuda que as mulheres brancas tinham para subir nas carruagens e atravessar poças d’água,
enquanto as negras, como Truth, tinham que lutar sozinhas, lembrando como os seres humanos
podem tratar uns aos outros de modo bastante diferenciado (PARADIS, 2020). Ela tinha 54
anos quando realizou esse discurso, portanto, não fugiu desta regra de exclusão e discriminação
de corpos negros que ocorre desde o nascer, do desenvolver e que se potencializa conforme o
seu envelhecer.
Esmiuçando a proposta de Butler (2015), Truth envolve entender o envelhecer de
mulheres negras em uma sociedade racista-patriarcal-capitalista e consegue explicitar como a
desigualdade e hierarquia de raça e classe tende a se aprofundar com o passar da idade, pois, ao
nascer com a cor preta/parda (negra), são “jogadas” de imediato para a base da pirâmide social.
O avanço da idade adicionado ao desgaste corporal torna essas mulheres descartáveis para o
sistema racista-patriarcal-capitalista, fazendo com que a morte de quem pertence às classes mais
baixas e negras não faça tanta diferença, como o caso das mulheres negras mortas por
feminicídio. Tal fato não ocorre com quem possui profissões elitizadas, como a medicina, que,
ao contrário daquelas (comerciante e vendedora), é encarada como uma notória perda pela
sociedade, pois esta é vista, sob a ótica da sociedade racista-patriarcal-capitalista, como mais
necessária do que as outras.
Para que a miopia social se resolva, Piedade e Tiburi (2018) afirmam que o primeiro
passo é conhecer as bases históricas do povo do Brasil, originado a partir da miscigenação entre
diferentes etnias, sendo os principais grupos constituídos por indígenas, africanos, europeus
(em sua maioria de origem portuguesa) e asiáticos. Juntos, esses grupos formaram a sociedade
brasileira, cuja base possui ideias dominantes eurocêntricas de liberdade e igualdade norteadas
pelos princípios liberais escravocratas, individuais, contratualistas e de supremacia de gênero
que ainda permanecem na democracia vigente.
O segundo passo é entender como isso reflete, até os dias atuais, a dinâmica social,
econômica e política do país e, além disso, como proporcionou para que se tenha uma cultura
de sociedade de castas, que limita a ascensão de alguns grupos considerados historicamente
minoritários e os violentam constantemente, por razões étnicas/ raciais, gênero e classe, bem
como os inviabilizam, a exemplo do caso das mulheres negras, que sofrem por estes três eixos
136

fundantes de opressão e dominação, citados anteriormente (PIEDADE; TIBURI, 2018).


Por fim, é preciso erradicar violência contra a mulher através da desnaturalização da
invisibilidade e da desconstrução das múltiplas formas de violência contra as mulheres,
sobretudo, as negras, para que se construa uma sociedade fundamentada com novas bases
fundantes que as oportunizem terem, de fato, o pertencimento no meio social, prevalecido este
através da solidariedade e da justiça social ofertada por meio de políticas públicas específicas
a elas e da irmandade, colocada acima da cultura empática seletiva. No entanto, é sabido que
esta realidade é distante para as mulheres negras, pois as raízes sócio-históricas fundantes são
bastante profundas. Giacomini (1988) destaca que a luta cotidiana de mulheres negras pela sua
sobrevivência perpassa relações sociais de raça e classe, sendo notório também o
desconhecimento sobre interseccionalidade, portanto, nos inquéritos, jamais existe a palavra
equidade, apenas igualdade, pois atribuem a raça morena a uma vítima, denota o completo
desconhecimento com a luta pelos mulherismos, causando um notório apagamento da raça
negra.
Outro dado importante é que as vítimas, no geral, são agredidas com objetos domésticos
ou, até mesmo, uso das mãos, com exceção ao feminicídio mandato, que é arma de fogo.
Lembraram-se bastante dos crimes de pistolagem, que, por definição, são criminosos que
possuem arma de fogo e matam em troca de favor, podendo ser dinheiro ou não, mas sempre
com um mandatário por trás. A vítima também pode ser literalmente a sociedade, em que, além
da própria vítima do feminicida, é colocada mais uma, que é a sociedade. Como o caso do
feminicídio periférico de Arodo e Maria, cuja da natureza do crime foi colocar como “Estatuto
do desarmamento” em virtude da “Posse irregular de arma de fogo, tendo como vítima A
SOCIEDADE”, como nesse caso “Que Max de Sousa em razão das suas atividades ilícitas
sempre portou arma de fogo”. Todavia, são exceções mulheres serem mortas por armas de fogo,
nesse caso, tudo dependerá do perfil do feminicida, sendo detalhado no tópico subsequente.
Por haver drogas na cena do crime – “4 substâncias petrificadas amareladas,
supostamente crack” –, nesse caso, refere-se de acordo com a polícia. Sobre a questão das
supostas drogas, foi perguntado ao pai da vítima, Luciano, que “ [...] informou a sua filha teria
saído no período da tarde da casa de sua mãe dizendo que iria visitar uma amiga [...] e que a
filha sabia que Arodo era envolvido com drogas e mesma assim mantinha o relacionamento
com a mesma”. Observa-se uma culpabilização da vítima, no caso, corresponde ao Arodo e à
Maria, com grande enfoque em todos os depoimentos testemunhais e coletas de provas no
enfoque do uso de drogas “crack”. É também ter como vítima a sociedade, o agressor e/ou
feminicida ao dirigir sob influência de álcool ou substância análoga. O local onde a vítima foi
encontrada, observado por transcritos e fotos tiradas no local por policiais, é diferente entre os
137

feminicídios periféricos e não periféricas.


A vítima foi encontrada na calçada “Crime; muito sangue escorrendo pela calçada”, ou
seja, se estende do lar para o meio público, percebendo que feminicídio periférico é, em sua
maioria, exposto em espaços públicos. Já os feminicídios Não Periféricos, com frequência, é
dentro de casa (oikos), ficando somente no âmbito. Com exceções, transita para fora do limite
da casa. Essa relação entre público x privado é uma questão antiga e é vista de forma
preeminente nas obras de Arendt (1999), que ela analisa com uso da Filosofia e da História as
relações entre essas esferas (lê-se pública e privada), trançando conceitos sobre as duas
dicotomias.
A esfera privada, para autora, é a casa, ou oikos, da família, propriedade do homem,
com relações baseadas principalmente no parentesco. A autora também caracteriza como reino
de violência, onde só a figura paterna exercia o papel de chefe da família, exercendo poder
absoluto frente aos seus subordinados, que são a sua mulher, filhos e escravos, não havendo
nenhum tipo de agir comunicativo livre e racional. É um cenário de pura desigualdade, com o
seu poder totalitário sobre a vida e a morte deles, que não era atribuído politicamente leis ou
ordenamentos jurídicos, mas algo “natural”, da natureza humana ou condição humana, fazendo
referência à sua célebre obra.
Não obstante, conforme a filósofa, apesar de todo poder que continha o homem, no
âmbito da esfera privada, ele encontrava-se privado da mais fundamental capacidade humana,
que é a ação política, pois, sem ela, o homem não seria inteiramente humano, não realizando
ultrapassagem do domínio “instintivo e natural” da vida privada, na qual, aqui, ao contrário da
autora, serão adotados os termos em aspas em virtude das leituras teóricas sobre gênero e
desigualdade da modernidade e contemporaneidade estudadas por mim. Nesta perspectiva, o
homem teria de começar a adentrar a esfera pública ou esfera comum (komum), onde era
exercida a vida política através da participação em assuntos referentes à polis. Nela, toda a
violência advinda da esfera privada seria substituída pela igualdade (estas exercidas somente
por homens-gênero masculino, excluindo mulheres) e o livre exercício das suas opiniões e da
persuasão apenas pela oratória. O homem é ser social por socializar com terceiros e é político.
Arendt (1999), a partir disso, tentava entender, dentre muitas coisas, a compreensão do espaço
feminino em sua clássica obra “A obra condição humana”.
Outro autor é Habermas (2003), que, apesar de não tratar do universo do espaço privado,
tal qual Arendt (1999), analisa em seus estudos acerca da esfera pública. Ele é importante pelo
pressuposto de que, apesar da autora tratar da desigualdade e da violência tão apenas no espaço
privado, não tendo nenhum olhar sobre quão é opressora os espaços públicos também para
mulheres, conforme a filósofa, se direcionada como lugar de liberdade ainda que seja somente
138

para homens e o lócus do seu agir somente político. Já, para o sociólogo, a esfera pública não
se restringe apenas a isso, mas também às demandas do mundo da vida cotidiana, aportando-se
enquanto conciliadora entre Estado e sociedade. Isso é importante que, em geral, ocorre nos
feminicídios periféricos, é sempre exposto em calçadas e quintais de muros baixos visíveis para
os moradores e população que esteja passando e vendo as mulheres mortas em frente de
calçadas, quebrando, assim, o paradigma de que mortes violentas de mulheres acontecem
apenas em espaços privados do lar ou em apenas âmbito doméstico e que as que ocorre nesse
âmbito preeminente doméstico têm classe e tem cor, são brancas e classes altas.
Questão racial essa que é negligenciada pela polícia, tendo o fenômeno do pardismo,
que colocam mulheres negras como pardas ou mulheres claras, por não ser retinta, como caso
da Silvana. Mulher negra, confirmada pela professora Rosângela Hilário, intitulava ora de
parda, ora de “pele clara”. É uma dinâmica sistematizada pela autora Devulsky (2021), em seu
livro intitulado de Colorismo, que, apesar de tema considerado emergente devido à falta de
publicação sobre a temática, é muito importante para entender as bases históricas brasileiras e
suas relações.
Conforme a autora, no Colorismo, as pessoas são classificadas de acordo com grau de
negritude, por vezes, a pessoa consegue se passar por branca, especialmente em lugares onde a
presença de negros não é bem-vinda de modo voluntário, como em contratações trabalhistas.
Isso ocorre em pessoas, como Silvana, que, apesar da cor, entre cartela de cor de pele se
aproximar da negra, por ter traços físicos que se aproxime do padrão branco, estes são pessoas
que, de modo geral, conseguem ascender na sociedade, que é racista, e provocar camuflagem
da sua verdadeira origem em favorecimento ao racismo vigente no país. Por isso as não brancas
sofrem crises identitárias em sua raça em razão do colorismo no país, que isso é histórico, pois,
ao longo da história do Brasil, o modo de classificar as raças sofreram diversas mudanças, para
isso, tem que tratar sobre miscigenação e censo no Brasil.
O primeiro censo demográfico brasileiro foi datado em 1872, em que a forma de
categorizar consistia em branco, caboclo (junção de indígena com branco), preto e pardo. O
pardo era dito por falta de escolha entre esses, sendo considerado sobrante até os dias atuais.
Depois desse censo, houve outros e com substituições significativas como a mudança do termo
raça parda para mestiço, sendo, a posteriori, retirado, recolocado e renomeado em vários censos
no Brasil. Em 1940, a categoria parda mostra toda sua flexibilidade ao incluir a população
indígena, sendo apenas, em 1991, que os indígenas apareceram, bem como nesse mesmo ano o
censo adota a categoria amarela para a população que tem como origem a asiática. Atualmente,
a classificação se concentra em pretos, brancos, pardos, amarelos ou indígenas.
Apesar de todas essas mudanças e modificações nos eixos categóricos de raça para o
139

pardo, mas com único sentimento remanescente o do “não lugar”. A historiadora Koschnik
(2018) usa esse termo para tratar do lugar da pessoa negra de pele mais clara, que, no Brasil,
por convenção, é intitulado e se autointitula pardo. O colorismo também é denominado de
pigmetocracia. A presença dessa distinção de pigmentação ocorre particularmente porque
foram colonizados por europeus e perpetuaram o colonialismo moderno como Brasil, como diz
Piedade (2019), uma vez que quanto mais pigmento escuro tem na pele de pessoa mais exclusão
sofrerá, podendo ser visto na forma de como o país foi colonizado.
No Brasil, o processo colonial se deu com a vinda dos portugueses, que chegaram em
suas caravelas, tendo como comandante Pedro Álvares Cabral. Ao aportarem, depararam-se
com os povos originários, que foram intitulados por eles de índios, sendo os seus primeiros
escravizados de 1540 a 1580. Durante este processo de escravidão, diversas situações
ocorreram, como os indígenas que fugiam mata adentro e alguns nunca mais foram encontrados
pelos seus feitores devido à mortalidade em virtude de doenças trazidas pelos portugueses e por
não terem um sistema imunológico adaptado para aquelas enfermidades, além de mortes em
lutas travadas pelos portugueses, que lutavam com armas de fogo, e os índios apenas com
flechas e arcos, gerando, assim, muitas dificuldades no processo escravista (SIQUEIRA, 2020).
Os indígenas contaram também com a pressão dos jesuítas, que acreditavam que
poderiam “salvar” as suas almas com a catequização, ao considerá-los como seres “inocentes”,
que precisavam apenas ser resgatados através da fé, que, ao cristalizá-la dentro deles, poderiam
transformar-se em homens “civilizados” ao denominá-los também como seres “selvagens” por
não ter os mesmos habitus e costumes dos portugueses. Ao contrário do que se pensavam dos
negros, que, quando foram trazidos no século XVI, permaneceram escravos até o século XIX,
os jesuítas diziam que os índios não tinham alma, e que, por isso, mereciam ser escravizados
como penitência na Terra, usando até mesmo os trabalhos escravos deles nas suas obras
paroquiais e plantações. É preciso reforçar a força que tinha o catolicismo nas influências
políticas e econômicas enquanto ideologia dominante na época. O trato de “civilizado”, ou não,
para os indígenas, até hoje, é um dilema, pois ainda se tem dificuldade no Brasil de tratá-los
como cidadãos em meio à sociedade, principalmente aqueles que mantêm a sua cultura ancestral
vivendo mata adentro, o que, para muitos, é visto como algo folclórico e alheio à realidade da
metrópole (RODRIGUES; SANTANA 2020).
O caráter folclorístico advém também na Constituição Federal Brasileira ao colocar o
indígena na Seção II da Cultura como culturas populares, o que dá margem ao imaginário e ao
místico, tais quais os afro-brasileiros (que só aparecem uma única vez na Constituição também
na secção II de Cultura), pois o que se trata aqui não é de uma cultura popular, mas, sim, de
uma cultura ancestral, de um povo originário do país. A cultura popular, em linhas gerais, é
140

definida como qualquer manifestação que inclui: dança, música, folclore, arte, festa e outros,
em que um povo produz e participa ativamente. Já a cultura ancestral é rica em história cultural
deixada por antepassados de civilizações antigas e povos originários. No Brasil, existem os
indígenas e os descendentes de africanos. Além disso, percebe-se também pouca primazia no
que tange ao capítulo VIII, voltado somente para indígenas, capítulo este que sugere, conforme
Cabral Júnior e Véras Neto (2018), atuar apenas uma transversalidade a comunitário-
participativo ao reconhecer como povos que precisam proteger sem uma dimensão que denote
cidadania, nem interesses políticos-eleitorais, por exemplo, que remete muito à questão de
cidadania no Brasil em relação ao exercício do direito ao voto.
E, sobre a população negra, nada consta na Constituição de modo específico, em razão
do mito da democracia racial existente no país, que diz que todos são iguais. Este, que é um
termo criado por Gilberto Freyre, que diz que, devido à miscigenação, não existe mais nenhuma
raça pura e, por serem todas as pessoas consideradas mestiças, o racismo inexiste. No caso
brasileiro, é bom falar que a miscigenação foi totalmente intencional, pois a elite dominante
europeia acreditava que, através disso, a “raça superior” absorveria as “raças inferiores”,
principalmente as correspondentes às negras. Devido a esta ideia nascente europeia ainda se
vive este mito (GÉMES, 2014).
Nessa perspectiva, como resultado da examinação, Dra. Rosângela Hilário constatou
que, apesar de ser leiga na temática do feminicídio, no qual ela afirma ousar dizer que a maneira
como essas investigações acontecem, criou uma nova categoria, a parda, mestiça de branco que
tem aparato, sentimentos e ação diferenciada. Conta com compaixão e cuidado na hora da
descrição e culpabilização do sujeito que a assassinou. Não é o caso das mulheres pretas e
mestiças com características físicas de preta: nariz, textura do cabelo e boca. A própria
descrição do crime (do que a pesquisadora/ professora conseguiu ler) parece dizer nas palavras
de compaixão dos ausentes: já era esperado. Então, o racismo está presente até na descrição/
elucidação, ou não, de mortes violentas. O que, para Dra. Rosângela Hilário, é lastimável. Foi
percebido por ela que, em grande medida, mulheres são negras, as mulheres brancas são em
número reduzido.
A Dra. Rosângela Hilário afirma que jamais pode-se deslocar a questão racial da
socioeconômica para trazer tanto o perfil da vítima como o perfil do agressor. O local de
moradia pode-se ver classe e a sua profissão, como nessa descrição de feminicídio periférico
em que relata que “ela era vendedora de roupas, negra e moradora da invasão ao lado do Jacinto
Andrade”. No Boletim de Ocorrência consta “Que a vítima por várias vezes foi agredida pelo
acusado, inclusive apresentou vários B.O’s registrados que noticiam estes fatos delituosos”. Em
continuação ao perfil psicológico da vítima, a polícia consultou a Sra. Daniela, irmã da vítima,
141

residente no Monte Horebe, informando “que a vítima era vendedora, não era usuária de drogas,
não respondia à processo criminal sofria ameaça do ex-companheiro Dorival”. A pergunta
clássica em feminicídio periférico sobre a questão das drogas com conjectura de criminalização
da vítima consta que ela ficou internada por um bom tempo e morreu.
Muitas das informações elencadas até advêm dos termos de declarações testemunhais,
mas é muito importante tratar do escopo dos inquéritos do perfil da vítima, realizados pelos
policiais ao perguntar às pessoas próximas no exato momento do crime. O transcrito, por vezes,
tomam apenas um (01) pequeno parágrafo, como nesse caso “ 5. Perfil Psicológico/ Social da
vítima: Segundo informação do Sr. Paulo Brito, filho da vítima, relatou que sua mãe era
aposentada, não tinha companheiro, nem fazia uso de bebida alcoólica e que tinha vícios de
cigarro do tipo arapiaca”. Em feminicídio de periferias é comum conter no perfil questões de
drogas e bebidas, bem na parte referente às testemunhais em “que a vítima vivia bêbada, que
só queria visitar o filho bêbada [...] que usa o filho com objetivo de ver Dorival e reatar”.
Domingos é o feminicida, no qual foi relatado que, quando a vítima tinha 12 anos, foi estuprada
por ele e desse estupro nasceu o seu filho, que é alvo constante de disputas judiciais entre os
dois.
O foco em drogas e bebidas é constante em feminicídio periféricos, a exemplo de mais
um caso com a vítima Josilene e do autor Zeca. Apesar do crime constar na capa do inquérito e
dentro, por vezes, como feminicídio, a vítima não morreu como consta no termo de declaração
testemunhais da própria vítima. No termo, Josilene diz:

“Que ao chegar em sua residência, o casal começou a ingerir bebida


alcoólica; Que em um dado momento, o telefone de Zeca tocou e o mesmo
se recusou atender a ligação, já que o relacionamento deles já tinha acabado,
QUE ZECA, ficou muito irritado com afirmação e começou a proferir
xingamentos contra a vítima, chegando a dizer que ela não poderia deixá-
lo, e se isso acontecesse, a mataria”. Sobre esse caso o foco foi bastante na
bebida em um dos depoimentos, o vizinho Josimar diz “ “Que durante a
noite ele Raquel e uma amiga de Raquel tomaram um litro de whisky depois
um litro de vodka”.

Em casos celebridades e não periféricos, as drogas, quando aparecem, é apenas uma


vez, como no depoimento da testemunha Yara, que se encontrava no local onde ocorreu o
feminicídio e uma tentativa de feminicídio, que relatou “Que ouviu falar que Ana Luzia era
usuária de cocaína e era muito barraqueira”. Ana Luzia é mulher de classe média e era bem
relacionada com as pessoas de níveis sociais altos, o seu feminicida era seu namorado e
empresário”.
Para entender isso, é importante entender a história da cocaína, que começou pela horda
142

dos países desenvolvidos da época e sua introdução advém do contexto médico,


especificamente para a psiquiatria. No entanto, o que seria específico da área médica ao tomar
o contexto social de forma amplificada, tornando um problema de toxicomania, no Brasil,
começou nas áreas urbanas em grandes metrópoles, como Rio de Janeiro, provocando
transformações profundas do tecido social, vulgarizando o consumo, tratando como crime e
condenação pelo Estado.
A cocaína durante muito tempo era consumida pelas elites, impondo “limites” na
autoridade policial na sua apreensão do entorpecente e prisão dos acusados, transcritos no livro
de Pernambuco Filho e Botelho (1924), intitulado de Vícios sociais elegantes, mas que hoje
encaminham para casas menos abastadas ou as proletárias, se concentrando, primeiramente, nas
zonas de prostituição. Conforme o seu livro, informa que os registros de ocorrências policiais
que se tinha era somente das vítimas das circunstâncias ao serem patrocinadas por terceiros, por
ser uma droga de alto valor de custo e, quando encontrada em prostíbulos, que, conforme eles,
eram descritos como mais um elemento causador de desordem pública.
Apesar disso, é considerado de droga “ética”, por ser fabricada sem violência, ao ser
droga predominante sintética e com quase zero impacto ao meio ambiente. Na literatura, o autor
brasileiro Oswald de Andrade, a chamava de “Madame Xavier” ou a “Senhora Cocaína”, em
referência a “Paris”, que chegava ao Brasil. Ana Luzia foi umas das exceções que recebeu
auxílio psicológico em casa para além de fomentação das provas dos crimes. No relato da
psicóloga, o estado de saúde psíquica que a vítima trazia tinha momentos de tristeza e euforia.

4.2 O perfil do/a agressor(a)/feminicida conforme a polícia: destaque para “os


desajustados” dentro da ordem social

Em muitos casos, o agressor e/ou feminicida tenta se defender do seu crime. Isso ocorre
bastante em feminicídios não periféricos, visto isso em prints enviados às vítimas via
WhatsApp, quando ela diz que vai denunciá-lo, alegando a descoberta de problemas
psiquiátricos. Algumas são prováveis simulações por não terem laudos médicos que
comprovem isso anexado às juntadas dos inquéritos, sendo rapidamente desmentidas pelas
testemunhas, pelo Hugo, como irmão do acusado que diz no termo declarações testemunhais:
“Que seu irmão Vinícius não era doente mental, que Vinicius não usava drogas, mas consumiam
bebidas alcoólicas”. Esse crime fora praticado contra a própria mãe.
O agressor/feminicida de poder aquisitivo teme mais ser preso, ameaçando inclusive
matar a si mesmo, o que pôde ser comprovado em falas informais em conversas entre a
pesquisadora e um dos agentes da policial civil, este do gênero masculino. A exemplo disso, o
caso da escrivã e seu ex-namorado engenheiro e empresário: foi percebido que, enquanto ele
143

estava em posição “confortável” intimidando a vítima para ela voltar, em nenhum momento
relatava ideações suicidas, isso até a vítima dizer que levaria às vias de diligências policiais e
cumpriria com o que dizia. Com isso, o agressor falou que: “Vou me matar, polícia não prende
morto”. Diferente do feminicida periférico, que, quando cogita a possibilidade de se matar, não
é por medo da prisão, mas de perder a mulher, como nesse caso de uma transcrição de áudio do
celular da vítima: “em que Daniel se ameaça a se matar” caso ela não volte para ele; e logo em
seguida o engenheiro e empresário diz em mensagens à escrivã “estraguei a minha vida”.
De outro lado, homens sem condições financeiras em caso de autores de feminicídios
periféricos não demonstram arrependimento, chegando, em muitos casos, a apresentarem-se à
polícia espontaneamente, como em um dos casos no interior do Piauí, em que o feminicida
pediu para que o vizinho o levasse de moto até a delegacia, e outros que são capturados pela
polícia e logo depois assinam nota de culpa sem muito esforço policial para consegui-lo. Não
sendo visto isso em feminicídio Não Periférico, em que o que se encontra é um notório
arrastamento para solucionar, mediante o pagamento de fiança e a fácil aquisição de habeas
corpus este em último dado ao engenheiro e empresário, pela justificativa de que ele não faça
nada contra a vítima, mostrando, assim, que há uma diferenciação institucional acerca dos autos
do controle penal do Estado.
Este inquérito policial, cuja vítima foi uma escrivã de policial, como a maioria dos
feminicídios ou tentativas não periféricas, estão inconcludentes, pois não fica claro se o habeas
corpus teve efeito ou se o acusado foi preso, e inexiste nota de culpa assinada por ele em virtude
da lesão corporal a sua ex-namorada, a escrivã. Consta, tão somente, como se tivesse ficado
estacionado. Muitas vezes, os feminicidas com poder aquisitivo, quando não se matam, a
conclusão dos inquéritos é estendida bastantemente, como em casos de celebridades como da
Ana Luzia e Ianca. Os feminicidas periféricos admitem mais fácil o crime, poucos são os que
usam artifícios da alegação de problemas de mentais e logo são transferidos para a penitenciária,
como em um dos casos que constava ao final do inquérito policial “Transferido
automaticamente para Penitenciária Regional de Esperantina-PI”, ou seja, muito rápida a
prisão.
Em outro caso, em seu perfil destaca-se como estudante de ensino superior e, conforme
a pesquisadora Dra. Rosângela Hilário, o agressor da vítima é branco. Na parte do inquérito
policial consta: (II- Do direito – Vale destacar que os crimes apurados, a princípio, estão sendo
classificado como Lesão corporal (Violência Doméstica, Ameaça e Injúria, vistos que todos os
detalhes das empreitadas criminosas serão esclarecidos durante o prosseguimento das
investigações). No entanto, as investigações ainda estão em andamento e nos ditos transcritos
o que se encontra é que: “se busca é garantia de ordem pública e o livre deslinde processual,
144

sem nenhum empecilho como fuga do investigativo, ou seja, é uma pessoa que não transgride
a ordem e pode voltar ao convívio policial”, conforme a polícia civil.
Os poucos casos que referem-se à saúde mental do agressor em casos de feminicídios
periféricos encontrados pressupõem a “inocência” ao acreditar em crendices populares, como
nesse caso que é um dos poucos de modo geral em que pode ser visto um interrogatório na
íntegra de um feminicida, este de nome Augusto, que declarou:

“Que Mariana [ a vítima morta por ele] pediu dinheiro ao pai do interrogado
para ir a um rezador, pois acreditava que o interrogado não estava em seu
estado normal, o rezador que se chama Reginaldo disse que o interrogador
estava dominado [pelo] boi encaretado transformado em demônio, que além
disso o interrogado disse que precisa de no mínimo 10 (dez) consultas, que
o interrogado não sabe informar o nome do psicólogo, nem o endereço, pois
que agendou a consulta foi sua irmã”.

Os pressupostos psíquicos foram vistos com relação às drogas no caso da vítima de


Feminicídio Ariana e do autor Pedro, em que testemunhas diziam que ele se “transformava”
quando usava cocaína, no sentido de amenizar o crime, transformando como razão a ser
“ponderada” com relação ao feminicídio.
Nesse depoimento, é possível verificar que o autor do crime, Augusto, joga também a
culpa na vítima ao dizer que:

“[…] ela [a vítima] disse ao interrogado que ele estava com outra mulher
em Batalha [município do Piauí] bebendo cachaça, que o interrogado disse
que não é verdade, que Mariana disse que quando recebesse dinheiro iria
mandar matar o interrogado”. Ele conclui em seu depoimento que a vítima
costumava com frequência chamá-lo de “corno”, é um aditivo informal
brasileiro para dizer que foi traído, em outro caso o feminicida tenta
desqualificar o modo de ser da vítima, atentando contra a sua moral, visto
isso em outros como o do feminicida Gabriel, autor do crime, disse: “QUE
Guta posta foto com arma na mão e diz que vai matar o interrogado; Que
Guta estava bebendo com muitos homens postando fotos dizendo que ia
matar o interrogado recentemente”, mas sem prova diretas.

O feminicida não é um monstro. A grande maioria tem vida pregressa limpa, buscando
estes através do Themis Web (é um ferramenta prática e de possível consulta pública de
processos criminalista que estão arquivados ou em ainda em análise no tribunal de justiça do
estado correspondente) e não faz nenhum mal à população em volta, sendo este um dos motivos
pelos quais as pessoas não acham algo virá a acontecer, sequer a própria vítima considera isso,
pois, em geral, os infratores nunca demonstram diretamente, uma vez que agem de modo natural
até mesmo com a vítima quando se tem contato antes de cometer o crime de feminicídio. Há
145

relatos testemunhais que afirmam que o feminicida se encontra feliz horas ou minutos antes de
cometer o crime e outros casos em que o/a testemunha conhece o feminicida de forma mais
longínqua, o que pode ser observado na fala a seguir, em que o vizinho Joaquim diz:

“QUE conhece o Italo desde quando era criança; QUE ele sempre conheceu
Italo com uma pessoa do bem [...] que Italo nunca se mostrou uma pessoa
agressiva em sua frente”. O amigo da vítima a médica Carla Naira que diz
“QUE a declarante confiava no Kairo, pois sempre via como uma pessoa
equilibrada”, e outra testemunha que disse, Sales declarou que “durante o
relacionamento dos dois QUE não sabe dizer se Kairo era agressivo com
Carla, a família nunca presenciou nenhuma cena de agressividade em
ambos”.

De um modo geral, no ato de cometer o crime, os feminicidas que têm laço direto com
a vítima sempre insistem mais uma vez antes de matá-la, como última oportunidade dada a ela
de viver e com ele. Encontra-se facilmente a clássica frase nos inqueridos, proferidas pelos
feminicidas, em que ele diz, conforme uma testemunha do caso: “se tu não vai ser minha, tu
não vai ser de mais ninguém” e começou a desferir diversas facadas na vítima.
Outra diferença, dada por redes sociais, a qual a polícia utiliza bastante para montar o
perfil da vítima e do agressor, são as postagens deste e futuro feminicida. Nos perfis não
periféricos muitos amigos mostram comentários de carinhos frente aos desabafos, referindo
indiretamente à vítima, ao contrário dos feminicidas periféricos, que são mais diretos e com
poucas respostas de amigos da rede social e de modo geral são acessados o Facebook para essa
parte da investigação.
Outra questão é o cuidado de aumentar o leque do que seria o feminicida, que por vezes
pode se tratar do filho, ou pode ser uma mulher, lembrando dos 5% dos casos, conforme o termo
de declaração de um vizinho que diz: “QUE as pessoas da rua estavam comentando que quem
tinha matado a Sandra tinha sido a Graciele, que no dia do fato não viu nenhuma confusão entre
Graciele e a Sandra”, pois igualmente a maioria dos feminicidas tem o perfil da vida pregressa
vasculhada pela polícia acerca de crimes ou indiciamento, o que em sua maioria não existe
formalmente, com os ditos na parte da visa pregressa em pergunta se “1) Já foi preso ou
processado” a resposta da Graciele é não.
A morte de Sandra foi provocada pela disputa de um homem em frente ao mercado
público às 14h da tarde, sendo perfil de feminicídio periférico serem locais públicos, podendo
ser extensão da casa, por exemplo a calçada, ao contrário deste em um feminicídio não
periférico que foi em condomínio fechado em que o porteiro que foi testemunha do caso disse
que :“eles [o casal] receberam a pizza, pagaram a contra e foram embora, que não via algo de
anormal entre Érica e Eduardo”, logo após Eduardo mata Érica no apartamento. Realizando
146

apreciação da teoria da Arendt (1999), é destacado para cada perfil de feminicida verificado a
não importância de uns em publicizar a violência de gênero e outros que relegam às sombras
do espaço/vida privada em seus lares. Neste sentido, a zona de litígio entre os dois caminhos
perversos, a qual o feminicídio de uma mulher apresenta, depende muito do perfil de quem a
mata e a desventura entre o espetáculo público ou algo mais interno, não vistos, apenas
escutados, às cegas; e, quando são mulheres que cometem crime, não há nenhuma oportunidade
delas ficaram vivas, pois o caso não é a volta da posse dessa mulher, mas a eliminação dela.
Sobre as armas, de modo geral, elas são instrumentos domésticos que ele consegue no
próprio lar onde vivia com a vítima. Como dito no tópico anterior, a depender do objeto, pode
ser considerado pela policial tentativa de feminicídio para lesão corporal. O objeto envolvido
no exemplo desse crime na Vila irmã Dulce, baseado nos ditos da Delegada atual, foi um pedaço
de pano. Talvez não ache esse objeto suficiente para matá-la. De acordo com o Relato da
Ocorrência, a noticiante disse que estava indo para casa da sua filha, quando o seu atual
companheiro, Santiago, que lhe abordou na rua embriagado e com ciúmes, começou a gritar
com ela, afirmando que se ela fosse ou ele iria matá-la. A noticiante continuou indo, contudo,
Santiago passou a agredi-la, acertando golpes na cabeça e costas. Derrubou-a no chão e
começou a chutá-la, sendo que, em determinado momento, o autor pegou um pedaço de pano e
começou a enfocar a noticiante, afirmando que iria matá-la.
Santiago só não conseguiu matar a vítima porque foi impedido por um vizinho da filha
da noticiante, que o segurou. Essa não foi a primeira vez que Santiago ameaçou a noticiante de
morte. Em outro exemplo do Inquérito Policial nº 002.316/2016 - enforcada com um fio elétrico
ou como nesse caso encontrado no escopo do inquérito intitulado de II- DA AUTORIA DA
MATERILIDADE - o interrogado disse que “ficou cego de raiva” e correu para dentro de casa,
pegou uma faca e foi à procura de Jaqueline, que se escondeu dentro do bairro”. Ademais,
apenas com o uso de partes do seu próprio corpo, como mãos, procedeu o enforcamento da
vítima e, com meio de transporte, usou carro em que trabalhava no SEDEX para atropelar sua
ex-mulher. As armas de fogo foram usadas pelos seguintes perfis de feminicidas: os que
possuem um poder aquisitivo alto, os que possuem associação tráfico de drogas e os utilizam
de armas de fogo para fins trabalhistas, como policiais da segurança pública ou pessoas que
trabalham em realizando segurança privada. As armas de pessoas com poder aquisitivo
encontradas foi a TAURUS, que em média custa de R$ 4.490,00 a R$ 6.000,00. No caso do
policial, foi encontrada em seu poder uma arma, fato evidenciado no inquérito. Um detalhe é
que em crimes provocados por policiais estando ou não em serviço a apuração e a investigação
são realizadas pela corregedoria de polícia e as informações, quando acham pertinentes, são
repassadas para os outros âmbitos, no caso o Núcleo Investigativo Policial de Feminicídio.
147

Na hipótese de o crime ser cometido por um policial, é importante salientar, com bases
nos inquéritos policiais, que muitos usam de habilidade investigativa para favorecerem-se na
tentativa de apagamento de provas, como nesse episódio do policial militar Fábio, que segundo
Relato/Histórico:

“Que o noticiado sacou uma arma e tentou efetuar os disparos contra a


noticiante; que a noticiante não foi atingida porque arma falhou; Que a
declarante ameaçou de chamar a polícia sendo que Fábio recolheu às
cápsulas de munição tentando encobrir o crime; que a declarante conseguiu
recolheu uma das cápsulas sendo que entregou a mesma à corregedoria de
polícia militar”.

Ou da sua posição para intimidar a vítima de tentativa de feminicídio em que a mesma


relatou que o marido “dizia para a mãe da declarante tomar cuidado pois ele era da polícia”.
Esse em último caso ela era moradora da Nova Teresina e essa foi uma das exceções que vi em
feminicídios periféricos que não teve ajuda de terceiros. Conforme a testemunha Raysa, disse
que mora na rua aos fundos da casa do policial Rivanildo, que por volta de 07 horas no dia
19/06/2018 a filha da declarante chamou-a dizendo que havia uma pessoa gritando por socorro;
que a declarante começou a escutar gritos dizendo; ‘Me socorra! Chamem a polícia, não deixe
me matar’; que a porta da casa estava trancada e já havia algumas pessoas na porta, mas
ninguém tomava atitude.
Não se tem testemunhas para dizer a razão de não intervirem. A hipótese dedutiva que
trago é o fato de que, por ser policial, possa ter contribuído, bem como o fato de estar armado.
Mas, o que se percebe é que, via de regra, os feminicídios ocorridos em periferias têm ajuda de
terceiros e algumas vezes utilizam de atitudes violentas para com agressor, como nesse termo
de oitiva que contém o depoimento do cabo da Polícia Militar que diz:

“Que foram acionados para atender uma ocorrência de feminicídio e ainda


que a população estava querendo linchar o autor na Vila São José; o
suspeito autor Henrique estava sentado em uma calçada e a população
estava e, cima dele para fazer o linchamento”. Como nesse a caso no termo
de declaração da testemunha Ana Lis, mãe da vítima relata como era o
relacionamento da sua filha com seu feminicida, ela relata “Que a mesma
manteve um relacionamento de aproximadamente 01 (um) ano com João
Roberto, Que passaram a morar juntos, que João Roberto é Policia Militar
no Piauí e já responde vários processos na corregedoria de violência; Que
o relacionamento com [sua] filha Karine, ele demonstrava ser um homem
sedutor, sempre usava palavras de carinho que a envolvia emocionalmente
[...] Que João Roberto anda armado com pistola e toda vez que chegava na
casa do depoente deixava a vista das pessoas”.

O irmão da vítima, Chico, relata em seu depoimento “Que quando sua irmã começou o
148

relacionamento com o mesmo tentou avisá-la sobre o histórico de problemas que João Roberto
era envolvido e que apesar de ser policial o mesmo tinha envolvimento com crimes, inclusive
violência contra as mulheres”. A coleta dos depoimentos foi feita pelo tenente, pelo advogado
e por um sargento da polícia militar na Corregedoria de Polícia como é de praxe em delitos
cometidos por policiais.
Outro caso o feminicida que trabalha com segurança privada na capital Teresina é o de
Mariano, o qual efetuou com um revólver calibre 38 vários disparos contra a vítima Marcela,
em tentativa de feminicídio, mas não a atingiu, pois a vítima conseguiu fugir, a qual informa
que:

“Que Mariano trabalha com segurança privada de maneira informal, Que o


mesmo tem vários vigilantes e alguns deles andam armado de revólver, que
ele agencia homens para trabalhar em segurança privada irregular em
Teresina; Que faz segurança em Picos, União, Timon e traz pessoas de
Alagoas para isso, Que o mesmo tem vários funcionários aqui em Teresina,
Que o autor não tem sua arma, um revólver calibre trinta e oito registrado e
não tem posse ou porte regular de arma, Que o mesmo já foi preso por porte
ilegal de arma de fogo e violência doméstica no ano de 2018, Que o mesmo
tem vários imóveis aqui Teresina e tem conhecimento com vários policias
[amizades com policiais]”.

O assunto do armamento é uma dialética de prós e contras que nunca se retrai em


nenhum dos lados. Tal problemática, que sempre existiu, ganhou ainda mais força com a
eleição do presidente Bolsonaro, sendo a posse de arma de fogo aos cidadãos comuns uma das
questões abordadas em sua campanha, sob alegação que seria a solução para combater a
criminalidade. Isso veio por meio de decreto que facilita a aquisição de armas de fogo. Os
especialistas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada Cerqueira Filho et al (2012) abrem
um texto para discussão intitulado de “Menos armas, menos crimes”, no qual analisam duas
óticas de entendimentos: a favor e contra a posse de arma de fogo. Para argumentos em desfavor
das armas nesse artigo, dizem que:

i) o indivíduo que possui uma arma de fogo fica encorajado a dar respostas
violentas para a solução de conflitos interpessoais; ii) o possuidor de armas
fica com poder para coagir; iii) do ponto de vista do criminoso, a posse da
arma de fogo faz aumentar a produtividade e diminuir o risco de o perpetrador
cometer crimes; e iv) o aumento da facilidade e do acesso às armas significa
diminuição do custo da arma pelo criminoso no mercado ilegal (p. 7).

Esta linha de raciocínio foi pautada em anos de estudo do IPEA acerca da questão do
desarmamento e, como efeito causal dos estudos, criou-se a lei nacional do Estatuto do
Armamento, que:
149

i) restringiu substancialmente a possibilidade de o cidadão ter acesso a arma


de fogo;4 ii) aumentou o custo de aquisição e registro da arma fogo;5 e iii)
aumentou substantivamente o custo esperado pelo indivíduo para circular em
vias públicas portando uma arma de fogo em situação irregular. A instituição
do Estatuto do Desarmamento (ED) funcionou, portanto, como uma variação
exógena na demanda por armas no Brasil e constitui a pedra angular da
estratégia de identificação aqui formulada (p. 8).

Votou-se contra o armamento em 2003. No mandato do presidente Luís Inácio Lula da


Silva, a aprovação do Estatuto do Desarmamento enfrentou inclusive uma bancada de
parlamentares da “bala” no Congresso. No ano seguinte, o governo, atrelado ao exército
brasileiro, recebeu milhares de armas entregues espontaneamente pela população. Esta ironia
de ótica societária política tem a ver com o já referenciado aqui, dos ditos do filósofo
Aristóteles, acerca de estar atento sobre quem maneja o poder, sendo que o objeto, nos dias
atuais, considerado até bem pouco tempo obsoleto para se ter em casa, voltou a ser item de
desejo de alguns brasileiros, o que, de acordo com Antunes (2018), voltou a ser fetichizada
como mercadoria, baseado no conceito de Karl Marx. É preciso frisar que tal desejo não
comporta em estar em um país racista-machista-classista, forjado na violência, onde a arma de
fogo teve enorme contribuição no extermínio de etnias e de povos negros até os dias atuais,
onde se matam pessoas de cor e de classe, associando automaticamente a zona marginal da
sociedade e mulheres por serem mulheres e de cor não branca.
O noticiante/vítima do crime diz no Relato/Histórico: “Que a declarante ficou sabendo
que Fábio [agressor] beija sua pistola dizendo que a pistola é para declarante; Que outras
pessoas já presenciaram o fato”.
O fetiche retomado com nova roupagem nem de longe lembra a bancada da bala com os
ternos e arma na cintura; ela se encontra conectada com apelo religioso de “liberdade” de
expressão e condensada ao direito do cidadão, enfatizando com gestos, ao realizar o sinal de
armas com os dedos em eventos evangélicos, no qual o desejo de tirar vida não mais é oriundo
das “mãos” de Deus, mas dos seres mortais da terra, como dizem na psicanálise, ocorrendo,
assim, o trasmudar o foco das coisas, transformando o sentimento de morte não acidental e/ou
natural em gozo. O apelo de poder em formato fálico, como já diz Freud recai mais na figura
do homem, este que é persona central de sustentáculo da família, imaginário reforçado no
evangelho por aqueles que pregam o revestimento a custo menor para posse de armas
(CIOCCARI; PERSICHETTI, 2018).
O desejo e apego pela arma e o seu poder pode ser bem desenhado nesse trecho de um
dos inquéritos policiais, cujo fetiche não é mais somente de uma elite, mas também da classe
pobre trabalhadora. Nesse inquérito policial o amigo do feminicida disse: “Que o Leonardo só
falava nesse ponto 40”. Ele trabalhava em um pequeno comércio e era homem negro. A arma
150

do crime é componente importante da investigação dos inquéritos policias e de grande


preocupação quando não encontrada, conclusão esta baseada na vivência que tive dentro no
núcleo policial investigativo de feminicídio, em que muitas vezes o feminicida/agressor não é
ouvido em forma de interrogatório, pois para a polícia os fatos falam por si ou provas, tornando-
se prova cabalística ou cabal, não deixando dúvidas sobre aquelas matérias, portanto o número
de casos que contam com depoimentos do feminicida/agressor é ínfimo, pois as provas,
conforme a polícia, já falam por si.
Sabendo disso é que muitos feminicidas, pós-crime, empenham-se em eliminar as
principais provas cabais do crime de maior interesse para a polícia na sua investigação, que é a
arma do crime, como nesse outro caso ocorrido no dia 03 de março de 2016, conforme o escopo
encontrado no Histórico do inquérito policial que diz: “QUE em seguida, o acusado Otávio
evadiu-se do local em disparada com o facão na mão, sendo o mesmo jogou a arma do crime
dentro de um riacho [...] QUE a polícia ainda efetuou diligências mas não foi possível prender
o acusado”, impossibilitando o mesmo de ser preso em razão disso. Igualmente a outro caso
dessa vez com cidadão comum, e não policial.
Outro fato: quando o feminicídio foi realizado por um menor de idade, é separado em
casos em que além dele teve a participação do um adulto, para o qual é produzido outro
inquérito policial separado deste, no qual ele encontra-se enquanto indiciado. Como no caso
célebre no município de Castelo do Piauí. O Abel foi o único adulto do crime. Taxado pela
policial civil de “Mentor Intelectual”, ele que ao longo da investigação se escondeu atrás do
quatro menores alegando sua inocência, foi o último a ser preso, tendo como natureza do crime:
Associação Criminosa; Corrupção de menores; Tentativa de homicídio; estupro.
Apesar disso, é preciso salientar que em nenhum momento a palavra feminicídio
aparecia no inquérito policial que estava sendo investigado por delegado do gênero masculino
na delegacia civil do município de Castelo do Piauí. O perfil desses agressores e feminicidas
era de grande menosprezo às vítimas. Foi tudo planejado. Como prova, disseram eles entre si
quais iriam cometer o estupro pelo fenótipo loira ou morena. No momento do crime, os garotos
e o adulto estavam sob uso de entorpecentes, isso que em muitos casos abranda o olhar de
perversidade dos agressores/feminicidas. Não obstante, é possível verificar que quando
planejaram o crime estavam sóbrios, mesmo assim a questão das drogas predominou nos
inquéritos policias. A mãe de um dos menores, Gerson, afirmou que ele era usuário de drogas.
Essa questão da droga é pertinente ao Núcleo Investigativo da Policial, cuja delegada atual
chegou a dizer que até leva para o lado patológico a questão do álcool e das drogas, e que
considera como potencializador, mas nunca a causa.
No perfil do feminicídio, advindo, em geral, da periferia, é notável a centralidade que
151

há em seus depoimentos acerca das drogas: “Que Tônico sempre foi muito violento; Que o
mesmo é usuário de drogas, foi cocaína”; igualmente este outro trecho de depoimento
encontrado de Francisco, vizinho do acusado de feminicídio, que diz “QUE o Murilo
[feminicida] é usuário de drogas e já agrediu outras pessoas da comunidade, para roubar
dinheiro que acredita que o Murilo tenha matado a tia para roubar dinheiro para comprar a
drogas”. Dentro dos inquéritos, para além do feminicídio, que Murilo é uma pessoa muito
temida na comunidade, é usuário de drogas, e já agrediu outras pessoas [...]”. Essa generalização
corre o risco de descaracterizar o crime.
Outro depoimento de feminicídio ocorrido em conjunto habitacional em que a vítima e
o feminicida são pessoas negras, no termo de declaração testemunhal, um conhecido da vítima
e do feminicida disse que: “ Leonardo já começava a olhar a Silvana de forma estranha, com
um olhar doentio [...] Ela já sabia que ele tinha usado pó QUE Silvana sempre pedia para Luiz
Carlos parar de usar drogas, mas ele nunca largou o vício”. A pergunta não transparente da
policial acerca se “Ela sabia que ele já tinha usado pó”. O investigado Leonardo confessou que
matou a vítima por ciúmes, pois a vítima “estava malhando e ficando bonita”, disse ele em
depoimento. Nesse caso, encontrado o álcool, Maria Clara, a vítima, disse “QUE toda vez que
o atuado faz o uso álcool, espanca a declarante”.
A droga torna-se duplo crime, tentativa de feminicídio de Kátia e o autor, Aldenor, em
que se pesou a acusação de tráfico de Drogas:

“Que hoje, por volta da 15h30 min, estava em casa quando policiais da
DEPRE entravam em sua casa, QUE os policias se identificaram e pediram
para entrar; QUE encontravam maconha prensada dentro de uma bolsa de
guardar óculos que estava em cima do guarda-roupas em seu quarto; Que
comprou a droga por R$ 500,00 ( quinhentos reais); Que comprou ‘pra’
usar mesmo, pois é usuário há 10 anos, QUE nega que seja traficante; QUE
quanto a balança de precisão, usava apenas ‘pra’ conferir quando compra,
‘pra’ não ser enrolada”.

Nesse caso, a vítima de tentativa feminicídio é também indiciada por venda de


entorpecentes a um menor. Com isso, a guerra contra drogas travada pela polícia encontra-se
também no crime de gênero com bastante frequência e nos feminicídios periféricos. Outro
exemplo com bebida alcoólica entrada no termo de oitiva (testemunho do policial que estava
no local) foi, Paulo, que declarou “Que a senhora MARIA é idosa e tem vários problemas de
saúde; QUE JOSUÉ é alcoólatra e estava sob efeito da bebida alcoólica”.
Acerca do efeito explosivo sobre andar bêbado e armado, as testemunhas disseram que
o feminicida Cabo da Policia Militar do Piauí (PM/PI) Zildo, desta capital, “andava bêbado e
armado no suposto delito”, disse a testemunha Marjorie, vizinha do acusado. Outros casos: -
152

Relatório da Ocorrência “QUE CHAGAS tem ciúme doentio e quando ingere bebida alcoólica
fica transtornado.”; Termo Ana Clara “ Marcelo passou a ingerir bebidas alcoólicas
descontroladamente aonde se inicia as brigas”; Termo Ruth [...] “ Relato da vítima o agressor
estava bebendo com colegas e iniciaram uma discussão que veio a obrigá-la sair de casa e
dormir na casa de uma colega ao retornar pela manhã para pegar os seus pertences o agressor
pegou uma faca que estava em cima da geladeira, correu atrás da vítima e ao alcançá-la desferiu
dois golpes”; Termo o [...] Ivanilda diz que: “Que todavia JONAS e usuário de drogas e com o
passar do tempo a dependência dele foi afetando o relacionamento [...] Que nesse momento
JONAS visivelmente drogado começou uma briga”; - TALITA [...] “Que quando ingeria bebida
alcoólica se transformar”;- Termo [...] José [agressor- coloca culpa na bebida] “Que neste dia
23/06/2019 para o dia 24/06/2019 brigou com sua esposa já em casa quando chegou em sua
casa, Que neste dia começou a ingerir bebida alcoólica com sua esposa ficou com ciúmes
pensando que o interrogado estava ligando para sua exposta que mora no estado de Alagoas”. -
“Dj” (agressor/ menor- matou uma mulher) - Termo “Que, diz ser usuário de maconha”.
Diferente da droga ilícita, como maconha, que culmina em mais um agravante penal, o
caso da bebida alcoólica pode beneficiar, como no caso do ano de ano, com a vítima Hilza e o
autor Douglas, com a infração penal discriminada como Lesão corporal dolorosa - Violência
Doméstica (Lei Maria da Penha), causada por arma branca, uma foice enferrujada. Em Relato/
Histórico, a vítima disse: “Que é casada com Douglas há mais de 30 anos; que na data de hoje
no início da manhã o mesmo, como faz diariamente passou a ingerir bebidas alcoólicas; que
sem nenhum motivo passou agredir moralmente, que ao se aproximar, Douglas deu golpe com
a foice tentando atingir a vítima na altura do pescoço, [...] que a vítima para não morrer saiu em
disparada e se abrigou na casa da vizinha que ligou para polícia militar”. Este em último é
característica dos feminicídios periféricos, cuja ajuda de vizinhos impede que a vítima seja
morta.
Acerca do autor do fato: “Trata-se do nacional Douglas, pessoa supostamente com sérios
problemas relacionados ao consumo exagerado de álcool (alcoólatra) e tornando-se bastante
violento após o consumo da substância”. Nesse caso em especial, não houve nenhum laudo
médico que atestasse isso, apenas a polícia. O autor do crime recebeu uma liberdade provisória
após o ocorrido, após a qual me veio a pergunta de: Será que o fato de ser supostamente
alcoólatra abrandou ou amainou o crime, por conseguinte, favoreceu essa liberdade provisória?
Isso foi colocado em discussão e perguntado para todas as testemunhas, como a testemunha
Janaína, vizinha, que disse “Que é Alcoólatra e sofre de várias doenças; Que Hilza por vezes
relatava a forma agressiva que era tratada pelo marido Douglas quando esse estava sob efeito
de álcool; Que apesar disse conhece Sr. Douglas e sabe que o mesmo quando não está sob efeito
153

de álcool é uma boa pessoa”.


A Organização Mundial da Saúde (OMS) considera álcool como uma droga e, apesar
dos problemas que seu uso em excessivo acarretam, o estigma de criminalização pelo álcool é
bem mais brando que com as consideradas lícitas. Conforme um estudo psiquiátrico de Pedroso
et al (2006) ao realizar um comparativo em relação a substâncias como maconha, bebida
alcoólica e tabaco, estas são similares, ou seja, a diferença entre as substâncias psicoativas é
feita apenas pela sociedade.
Para Fanon (1979), a violência não é só física, é ver alguém como possível realizador
de algo delituoso. A violência é própria do sistema: a violência não é a ordem e a própria ordem.
Da violência mística. Tem a dimensão da violência da ordem, que pode ser violência legítima,
fruto da colonização, pois se matam mulheres desde esses tempos. Desse ponto de vista, até
Hegel considera que parar uma violência é tanto quanto à própria violência, esta que é
estabelecida dentro do Estado da ordem. Com base nisso, não estou defendendo a não punição
dos acusados de feminicídios/agressores de mulheres, mas é importante considerar que há
ordem social seletiva, que precisa ser desmantelada na sua raiz, pois percebe-se que a ordem
social só serve para quem é pobre, pardo e preto. E o seu combate perpassa também pelas
questões de gênero, uma das principais sofisticações do debate jurídico de igualdade, prendendo
e deixando livre as mesmas pessoas.
Fanon defende a interdição do colonialismo ou ele vai levar a uma catástrofe social, pois
o crime vai ser perpetuar, cujos culpados sairão impunes a ele. Em contradição, destituir a
ordem pode ser violento, porém a fórmula posta acerca da ordem social é não ver ações desta
como violenta, apenas nomear como violenta a interdição da ordem social, pois os culpados e
os que, de fato, vão cumprir prisão por ferir a ordem são negros e pardos, além de pobres. Então,
o que se pode ter aqui é uma má-fé que delega um tipo de caráter punitivo a um tipo de
específico, com isso tem-se que pensar a ordem social como violenta e injusta. Na construção
social dentro do processo colonial, o outrem (pessoas marginalizadas da sociedade, periferias -
lembrando-se do constructo das favelas) é animal ou problema que precisa ser combatido, e tal
forma de pensar é histórica, inclusive em ciências médicas, como mostrado nos próximos
tópicos, fruto do racimo colonial (FAUSTINO, 2013).
As decisões finais do inquérito policial é sempre baseada em justificativas com vistas à
garantia da ordem pública, a despeito da qual compartilho na íntegra a fundamentação teórica
encontrada de forma unânime, dado pela perspectiva do jurista brasileiro Guilherme de Sousa
Nucci para dizer< o objetivo é “garantia da ordem pública” e essa fundamentação serve para
embasar a prisão preventiva do acusado que será levado à penitenciária enquanto garantia da
ordem pública ou para assegurar aplicabilidade da lei penal no momento em que houver a
154

existência do crime ou indício suficiente de autoria. Assim, de maneira geral, os levados são
aqueles por mim taxados de feminicídios periféricos.

4.3 A análise do construto social dos inquéritos policiais de violência doméstica/


feminicídio no estado do Piauí: análise textual

Ao analisar textualmente o construto social dos inquéritos policiais de violência


doméstica/feminicídio no Piauí, umas das primeiras coisas que chamaram a minha atenção foi
o uso do pronome relativo universal “QUE”. Pelas normas gramaticais, devido a sua amplitude
e flexibilidade e forma empregatícia em palavras, ele pode ser usado inclusive em substituição
a nomes de pessoas ou coisas que estão no plural ou singular. O pronome relativo “QUE” em
letra maiúscula torna-se um estilo linguístico dos policiais para escrever os inquéritos,
indicando, sobretudo, a ação do fato, do que fez, do depois e do que fez o quê. Como nesse
exemplo: “[...] QUE autorizasse, abriria a porta dos fundos usando uma faca, QUE a declarante
abrir, QUE entrou na casa [...] e lá viu sua mãe caída com o fio do ferro enrolado em seu
pescoço, já sem vida”. Essas e outras características dotadas de debates entre doutrinadores, em
especial nas partes mais sociojurídicas, como em Távora (2014), esta é uma palavra bastante
encontrada para fundamentar todos os inquéritos policiais do Núcleo Investigativo Policial de
Feminicídio. Do mesmo modo, Guilherme Nucci, Maria Amélia Teles e Mônica de Melo
afirmam que estas e outras características têm relação direta com a normatização com objetivo
de trazer uma uniformidade desde o começo até o término da investigação policial, mas, ao meu
ver, acarreta em redução de elementos textuais de provas.
Todavia, essa é forma de conformação da escrita dos inquéritos policiais e tem como
base legal artigo 9º do Código Penal, “Todas as peças do inquérito policial serão, num só
processado, reduzidas a escrito ou datilografadas e, neste caso, rubricadas pela autoridade”.
Constando enquanto obrigatório o agir comunicativo dessa forma, através da Análise Crítica
do Discurso, pude reconhecer o seu padrão e até a torpeza, este em último serão mostrados nos
tópicos subsequentes intitulados de: o jugo da fidedignidade dos termos de declarações; e os
juízos de valores estabelecidos pelos profissionais que participam da linha investigativa dos
inquéritos policiais e as incoerências investigativas.
Não obstante, o inevitável diante da era tecnológica acontece pois são os CDs players
de gravação, o que foi verificado em 2021 com a atuação da delegada em vigência, em que
pude presenciar cerca de dois depoimentos por ela gravados, tornando-se tal ato curioso mesmo
no mundo de tecnologia, daqueles que seguem risca as leis, decretos, regimentos e artigo, como
art. 9° que trata apenas de peça escrita, pensando no quanto isso poderia afetar a função da
escrivã, uma vez que a delegada mesma grava os depoimentos e anexa o CD player aos
155

inquéritos policiais, pois o/a escrivão trabalha com documentação, isso inclui a formalização
das documentações dentre eles os termos de declarações testemunhais, uma das provas
comprovação do crime, que só perde para provas materiais. Aqui refere-se as armas usadas no
crime, conforme percebido nos inquéritos policiais e nas falas ouvidas durante o tempo
decorrido que passei dentro da delegacia, especificamente no Núcleo Policial Investigativo de
Feminicídio.
Partindo do pressuposto da importância da imagem das feições para além das noções
imaginativas dos papéis, percebi muitos CDs em situações precárias com arranhaduras e soltos
no meio as páginas dos inquéritos policiais. Isso é problema para histografia dos casos, mas
para visão do direito positivista não é tão importante, uma vez que foi percebido que as provas
materiais são mais importantes que as testemunhais, estas servem apenas para confirmar o que
já é sabido por eles.
A pergunta é: onde eles se salvaguardam para começar a gravar? Conforme os autores
Moraes e Ortiz (2018), a resposta pode estar no art. 405, $ 1 do Código Penal, que diz que: “§
1º Sempre que possível, o registro dos depoimentos do investigado, indiciado, ofendido e
testemunhas será feito pelos meios ou recursos de gravação magnética, estenotipia, digital ou
técnica similar, inclusive audiovisual, destinada a obter maior fidelidade das informações. Com
este aparo não há ilegalidade nessa forma colheita de depoimento que os inquéritos policiais
são sempre sigilosos.
Sobre esse modo de aplicabilidade, é preciso salientar, baseado em Löwy (1987) no seu
célebre livro “As aventuras de Karl Marx contra o Barão de Muchhausen”, que certas questões
não são tanto da filosofia pura positivista, mas de concepções positivistas no âmbito da doutrina
dos direitos que tendem poderosamente em razão da sua natureza realizar a consolidação da
ordem pública com o positivismo e passa a requerer que seja nomeado de forma plural,
agregando novos valores e ideias.
Isso é bem quisto em artigos voltada para o direito, como este do autor Guimarães e
Rego (2020): “Do positivismo à sociologia do bem jurídico penal: uma atualização centrada da
ordem pública fundada em uma dimensão cidadã ativa”. Este corrobora bastante com Habermas
(2003) para o qual, diferente de Löwy (1987), a critica não recai apenas no positivismo, mas no
idealismo da filosofia hegeliana ao dizer que o que antes poderia ser coeso apenas com a
filosofia hegeliana, sendo esta importante, era forte opositor do positivismo ao exigir nos dias
atuais um pluralismo de procedimentos metodológicos que inclui outros da teoria do direito, da
sociologia do direito e da história do direito, da teoria do direito, da teoria da moral e da teoria
sociedade.
Para tanto, o texto se encontra no corpo de páginas dos inquéritos policiais e desenvolve
156

a lógica positivista. Conforme Guimarães e Rego (2020), isso ocorre pela necessidade de
manter através a ficção jurídica do pacto social como dinâmica que contribui para mantenedora
da ordem pública. Destacando-se locais policialescos, existem, tais quais realizadas em
comparativo, as Organizações Não Governamentais (ONGs) como fontes “resolutivas” para
problemáticas que são políticas e sociais, as quais são deixadas a escapar pela tangente das
políticas públicas por anos desassistindo certos grupos sociais, e aqui nosso foco e ponto são
mulheres negras, mulheres indígenas e mulheres travestis e transexuais.
Nesse sentido, acerca da garantia da ordem pública, é inevitável esbarrar na seletividade
penal e na utilização de paradigma etimológico do peso da criminalidade positiva para certo
tipo de pessoas. O texto dos autores Guimarães e Rego (2020) é acerca da questão do tráfico
de drogas no Rio de Janeiro, mas serve como base, visto que a guerra contra as drogas também
se encontra no feminicídio e com perfil específico, destacando pretos e pardos pobres de ambos
os gêneros.
A proposta nesse subtópico é mostrar os preconceitos interseccionais dado,
principalmente, ao perfil da vítima e como isso propicia a diferenciação da própria instituição
dos casos e no seu modo de olhar, o que vai além da criminologia positivista aguerrida até os
dias atuais no âmbito dos inquéritos policiais. A Análise Crítica do Discurso continua benéfica
aqui para perceber as questões implícitas, mas que muitas vezes estão explícitas mesmo, não
necessitando fazer nenhum tipo de cruzamento de outras áreas das ciências humanas e sociais
para identificar o que há por detrás dos escritos encontrados, mostrando facilmente a
seletividade quando o crime de feminicídio se encontra nas periferias da cidade na condução
dos crimes e nos julgamentos dos principais personagens dele: feminicida/agressor e vítima.
A questão da raça é vista nos detalhes postos nos inquéritos policiais e sua evolução só
se diferencia do “lombroso” passado brasileiro de outros Estado-nações de características
semelhantes ao Brasil, com o racismo estrutural que causa a natureza do mesmo e fomenta
várias consequências estudadas por pesquisadores em diversos âmbitos societário (ex.
escolares, delegacia, etc.). No entanto, é inegável verificar o apagamento desse fenômeno pelo
que foi denominado de racismo velado. Tal termo transgride na sociedade antes mesmo do
racismo estrutural que faz com que deslegitime muitas práticas racistas ou faz com que pessoas
façam de conta que não perceberam a sua existência estrutural nas falas, nos fatos e nos
ocorridos, sendo o racismo um desafio no âmbito social e no sociojurídico brasileiro a ser
combatido. O racismo velado na questão jurídico é representado por uma injúria, um crime de
menor pena, por conseguinte menor relevância, o que termina por ser uma cifra oculta na
criminologia sem ânsia a desvelar e mostrar o por detrás, como ocorre com o racismo estrutural.
No Brasil atual, o termo racismo estrutural pode ser encontrado em Almeida (2019) que
157

traz o conceito em conjunto a dados estatística no âmbito social, político e econômico no Brasil
sob ótica do racismo velado desmitificando a questão da imigração. O texto do advogado
brasileiro serve não só para combater o mito da democracia racial de Freyre, mas
principalmente do título de “paraíso racial” em que todas as raças são bem-vindas e serão
respeitadas em todo Brasil, fruto do racismo “velado”, ressaltando que este país tem dimensão
continental e que cada região é culturalmente distinta seja de jeitos, formas culturas,
comportamentos, comida e outros, mas que compadece no entrecruzamento de que são racistas
ainda em cada um apresenta-se uma raça/etnia diferenciadas na qual é coroado pela nossa
sistemática branca europeizada. Nesse sentido, o racismo velado traveste de expressão popular
na sociedade, sem teor criminalístico, passando por cima e sendo apaziguado pelos demais, não
tornando mais zonas de conflitos direto, apenas um episódio equivocado e deslegitima ocorrido,
portanto fica com se não existisse, dado pelo racismo velado.
O racismo estrutural, pelo ponto de vista dos agentes ou dos personagens que o praticam,
pode ter a visão limitada de que o problema está no indivíduo, pois a sociedade em que vivemos
coexiste entrelaçada com as diversas crises que o capitalismo realiza e que afetam vários
setores, incluindo o funcionalismo público, com a retirada de direitos conquistados a duras
penas, bem como as ofensivas conservadoras, sendo preciso trazer esses subsídios,
principalmente os dois últimos que são tratados por Behring (2009). A autora diz que é uma
produção de mercadorias ou uma produção indireta na qual há criação de serviços, que não
bens, como trabalho na segurança pública; existe também a reprodução dessas relações no
âmbito ideológico, no âmbito cultural, no âmbito da própria vida espiritual daquelas que o
indivíduo reproduz na sua vida independente de produção de mercadoria.
Na medida que, conforme Marx (2015), o desenvolvimento do capital/ burguesia
corresponde à proporção do desenvolto do proletariado/ da classe operária/ dos trabalhadores
modernos que sobrevivem do trabalho desde século XIX, e só encontram trabalho quando o
aumentam capital, sendo os trabalhadores cooptados pelo sistema a venderem-se a qualquer
preço, estes são mercadorias como mais uma no itinerário do comércio. Ao contrário dos
hegelianos, os proletários são ativos e tentavam revolucionar, almejando mudanças nas
condições sociais para que tornem a sociedade mais suportável e agregue conforto a eles. Para
isso, exigem em contrapartida a diminuição dos gastos estatais mediante a burocracia e
deslocamento de boa parte dos impostos aos burgueses, o entendimento dos micropoderes que
ali estão inseridos. Foucault (1996) concorda que há uma estrutura que, por vezes, não
materializa os ditos e que vai de encontro às interfaces que deveriam ser combativas nas
dimensões do racismo- patriarcal- capitalista que estão presente em instituições como esta e
outras.
158

É um sistema revés que não aceita perder de nenhuma forma, mesmo dando supostos
“benefícios”. No livro Crítica da Filosofia do direito de Hegel, Marx (2005) diz “Ser radical é
agarrar a coisa pela raiz” (MARX, 2015, p. 157) e jamais dissonante, tornando-se assim desafio
à consolidação de políticas públicas que envolvam equidade e igualdade. Neste sentido, as
noções do racismo e do classismo tornam-se completamente estereotipadas sem análise
sistêmica, pois ele dá tônica. Esse mesmo contexto, que não é igual ao anterior, traz uma série
de desigualdades, pobrezas e preconceitos que vão surgindo de modo diferenciado do que
tínhamos antes (do colonialismo, do patriarcado e do capitalismo mais longínquo), cuja punição
não é mais suficiente, uma vez que estas que eram a tônica para camadas pobres quando ela não
se comportavam e esse comportamento tinha com cor associava a uma pseudociência e suas
pesquisas que correlacionavam o formato crônico com a fisionomia dos sujeitos delinquentes
ao um específico crime que tinha mais tendência a cometerem, cada tempo histórico conta a
tônica de como é tratado uma época.
As problemáticas dessas pesquisas é que foram feitas apenas com aqueles que já se
encontravam encarcerados nas penitenciárias. Com isso, tem-se a inevitáveis falhas, como a
questão das fisionomias e dos crânios que era realizada com aqueles cometeram o crime e foram
postos em liberdade. Tais pesquisas gerais à teoria do criminoso nato, sistematizado por Cesare
Lombroso, psiquiátrica, cirurgia, criminalista, higienista, cientista e antropólogo italiano, foi o
principal fundador da Escola Positivista e um dos responsáveis para criar a primeira etapa
científica da criminologia em meados do final do século XX e autor do livro “O homem
delinquente”. Através do seu higienismo criminológico, o ponto de vista “médico” não levava
questões raciais e sociais como falta de oportunidades de saúde, educação e moradia. As
análises discriminatórias dos corpos vivos ou mortos (autopsias eram feitas quando os presos
morriam), quando chegaram ao Brasil, foram responsáveis por direcionar as características
àquele povo já historicamente discriminados por sua raça, os povos negros, que viviam de forma
urbanizada em comparação a outro povo subjugado pela sua etnia, os indígenas.
Conforme consta o livro de Lombroso (2020), intitulado de “O homem delinquente”, os
criminosos do gênero masculino seriam extremamente altos, a caixa craniana era menor que os
demais homens ditos “normais”, uma aparência desagradável, que o autor frisa que não era
deformada, apenas não agradava aos olhos, contendo orelhas de abano, nariz adunco, queixo
acentuado, maxilar grande, um pouco de barba, cabelos escuros e revoltos, tal qual os seus olhos
− este era para denominar os estupradores. Lembrando que o psiquiatra higienista fez menção
à cada tipo de crime: para os que apenas roubavam, os ladrões teriam um olhar estranho e os
assassinos um olhar fixo e firme, o que mostraria toda sua insensibilidade diante a dor de
realizar o mal contra vítima, prova disso seriam os locais em que estes costumam fazer a
159

tatuagem, como os ombros, o peito, a parte não visível do braço e na parte interna nos dedos.
As mulheres consideradas criminosas eram aquelas que não performavam feminilidade e se
comportavam com certa masculinidade na voz e alguns traços: tinha pelos em demasia e
verrugas.
Eram formas de prevenir os crimes e colocar as pessoas certas na cadeia, idéia difundida
em todo mundo, incluindo no Brasil, que recai em ensinara tratar desigualmente os desguiais,
sobretudo no século XIX na figura de João Viera de Araújo, professor da Faculdade de Direito
do estado de Recife, que usava como material de estudo criminal com seus alunos as ideias de
Lombroso em conjunto com os textos legislativos criminais do Brasil Império, reverberados
enquanto biblioteca básica do direito com seu livro “Ensaio de Direito Penal ou Repetição
Escritas sobre o Código Criminal do Império do Brasil, publicado em 1884, em que o autor
debate a necessidade atualizar o código para algo mais “moderno”. Esse modernismo adviria
das obras de Lombroso.
No Brasil Império, em que existiam as capitanias hereditárias ou donatárias, muitos
autores afirmam que a conformação seria a mesma que do feudalismo da Europa, sendo uma
das primeiras medidas tomadas pelo rei de Portugal D. João III, na época colonial do país, que
compreendia um sistema administrativo descentralizado de distribuição de terras em troca de
impostos à coroa portuguesa. As doações de terras eram feitas aos donatários ou capitães-
donatários que, de maneira geral, eram homens portugueses que faziam parte da pequena
nobreza, da burocracia ou eram comerciantes importantes, tendo por principal característica
serem de caráter inalienável, podendo a terra ser herdada apenas por sucessão hereditária ao
filho primogênito do dono da capitania, sem o compartilhamento com os demais herdeiros. Sua
conformação política era gerenciada pelos capitães donatários como classe dominante e os
negros escravizados correspondiam à classe dominada, com a ideologia regida também pela
Igreja Católica e a economia dada pela agricultura escravista, apesar de algumas terem extração
mineral de ouro, porém não de uma forma preeminente (SILVA, 2010).
Nas igrejas católicas brasileiras, e por influência dela, em prédios públicos há objetos
metálicos instalados presos às calçadas para que as pessoas que quisessem adentrar ao prédio
tivessem que raspar a lama que cobria os sapatos ou até somente os pés. Isso era visto com mais
pobres em maior frequência, que eram moradores de zona rural, pois eles andavam a pé por
caminhos barrentos e muitas vezes descalços por não ter condições de comprar sapatos, já o
mais ricos com suas charretes ou liteira. Surge, então, a expressão “pé rapado”, usada até hoje
para designar aqueles de origem pobres e humildes, pessoas sem dinheiros.
No entanto, a queda na produtividade das colheitas (feudalismo) e o crescimento
populacional e o fim da escravidão (Brasil em 1888), fizeram com que o feudalismo (séc. XI a
160

XV) e as capitanias hereditárias, algumas décadas mais tarde (1534 a 1536), sofressem declínio,
levando ao surgimento das camadas médias urbanas ao expandirem as cidades, especialmente
nas regiões Sul e Sudeste, no Brasil, através dos comércios e indústrias locais. Em razão disso,
investiu-se em uma “nova” classe trabalhadora massivamente branca e de origem europeia para
compor os novos postos de trabalhos nos centros urbanos que estavam se formando devido ao
desenvolvimento de um novo modo de produção econômico, no caso o capitalismo, por meio
do qual a ideologia se modificou para o liberalismo, insurgindo em XVII, ressaltando que não
chegou ao seu fim, apenas se renovou com novas roupagens trazidas pelo neoliberalismo que
começou a ser remetido no século XIX e empregado de forma mais massiva a partir do final
dos anos 1980, ademais no cenário político insurgiram as lutas de classe (entre os operários e a
classe burguesa) (SANTOS, 2017).
Esta é uma lógica de raciocínio dos sociólogos Ianni (1972) e Fernandes (1978) acerca
da concepção de troca dos negros libertos em 1888 pelos imigrantes europeus, cujos
contratadores, os pequenos industriais ou burgueses, na época, atribuíram tal modificação ao
“despreparo” deles para serem trabalhadores assalariados, pois, para eles, estes indivíduos
estavam já “domesticados” no sistema escravista ao ponto de serem incapazes para a nova
modalidade trabalhista, justificativa utilizada pela elite dominante durante muito tempo para
não contratarem pessoas negras, sob o argumento de que os europeus já vivenciavam o
capitalismo e, no julgamento deles, por esse motivo, tinham perfis de trabalhadores. Não
obstante, os sociólogos são enfáticos ao dizerem que isso é apenas um retrato da opressão racial
associada ao lucro.
É importante dizer que o período “datado pelos sociólogos começa na década de 1930,
em que pequenos empresários e industriais estavam à procura de trabalhadores “qualificados”
para se adaptarem à sociedade capitalista que estava surgindo no Brasil, através de políticas de
qualificação para ingressar nas empresas ou indústrias pequenas e locais, principalmente, no
estado de São Paulo, promovendo não só a legitimidade e o fortalecimento da busca exacerbada
por lucro, característica principal deste sistema, mas também contribuindo para viabilizar ainda
mais a cultura de opressão racial existente desde o Brasil Colônia, visto até hoje, com os
empregadores que ainda recusam a contratação de pessoas negras (IANNI, 1972;
FERNANDES, 1978).
Com a imigração europeia para além das experiências trabalhistas, trouxeram também
junto com eles as teorias sociais e as ideias anarquistas, fundamentadas em um sindicalismo
revolucionário que agia enquanto resistência ao capitalismo, influenciando notavelmente
muitos trabalhadores nascidos no Brasil, plantando as primeiras ideias sobre consciência de
classe, bem como promovendo sucessivas greves, de 1905 a 1917, que abarcaram desde os
161

ferroviários até os trabalhadores da indústria têxtil e alimentícia formando, assim, os primeiros


sindicatos (OLIVEIRA, 2018).
Assim, somente nas décadas de 1980 e 1990, através dos progressivos processos de
transformação com a reestruturação produtiva, determinada pela desregulamentação e
flexibilização do trabalho, que as empresas ou indústrias deixam de ser localistas e pequenas e
passam a ganhar amplitude, como efeito da Acumulação Flexível e das inovações tecnológicas
advindas da Terceira Revolução Industrial ocorrida em meados do século XX, no ano de 1950.
Com isso, começa-se a disputa pelo aumento ainda mais crescente do lucro pelas vias das
jornadas de trabalho cada vez mais exaustivas, com condições de trabalho precárias e
desoneramento do capital, retirando direitos trabalhistas, super tributando o trabalhador e
rebaixando os seus salários (FARAH JÚNIOR, 2000).
Nesta perspectiva, segundo Misse (1995), a ligação entre a questão social da pobreza e
a violência é arcaica no âmbito da sociedade, pois essa correlação beneficiava principalmente
a classe dominante, pois ocultava quem, de fato, pertencia à culpa dessas expressões da questão
social. Isto fez com que argumentos de caráter marxista, não fossem tão bem aceitos pela
sociedade, visto que estes explicitavam a causa das expressões da questão social como fruto da
estrutura capitalista.
De acordo com Barison (2013), o primeiro a falar que a questão social da pobreza
deveria ser caso de polícia foi o Presidente da República Washington Luís (1926-1930), que
adotou esse procedimento para atuar frente à questão da pobreza. A autora também traz as
alterações do Código Penal que foram feitas na época, com objetivo de criminalizar o
comportamento dos pobres na sociedade. As ações como embriaguez e “vadiagem” foram as
justificativas na maioria das prisões realizadas na época. Prova disso é que os inquéritos
policiais passaram a denominar os desempregados da época ou quem vivia do trabalho informal
como “vadios”, “parasitas”, “sanguessugas” e outros termos de cunho depreciativos.
Segundo Garzoni (2009), estes eram os termos utilizados naquele período alusivo ao
artigo 399 do Código Penal, em que um dos termos, a “vadiagem”, era tido como uma
contravenção, sendo que um grande número de mulheres e homens foi preso na época por esses
motivos. Tinham-se muitas mulheres e homens que trabalhavam presos, mas os policiais
afirmavam o contrário e, por isso, muitos deles foram injustiçados, pois ainda não se tinha o
consenso do que era trabalho e “vadiagem”. Ser preso por ato de vadiagem na época era
praticamente uma rotina no período republicano, especialmente, na cidade do Rio de Janeiro,
pois esta era a capital do país. De acordo com artigo 399, os indivíduos que eram tidos como
“vadios” íam para a cadeia com a finalidade de cumprir uma a pena de:
162

15 a 30 dias de prisão celular e assinar “termo de tomar ocupação” dentro de


15 dias após sua liberdade. Para os reincidentes nessa contravenção, o artigo
400 do mesmo código previa que ficassem reclusos de um a três anos em
“colônias penais que se fundarem em ilhas marítimas, ou nas fronteiras do
território nacional”, além da assinatura do mesmo termo. (GARZONI, 2009,
p. 69).

Barreto e Montaño (2012) ressaltam que a pobreza era vista como vadiagem e só havia
uma resposta para essa problemática: o uso da força e da repressão policial, remetendo a questão
da pobreza como problema unicamente do próprio sujeito pobre. Por isso agia-se de forma
psicologizante e moralizadora diante desses indivíduos, sem relacionar as mazelas sociais ao
sistema capitalista. De acordo com Silva (2002) foi nítida a forma como a classe dominante,
por meio dos aparelhos ideológicos do Estado, tornou a pobreza extremamente estigmatizante.
Desse modo, a pobreza foi tida como categoria moral para a assistência pública, culpabilizando-
se os próprios pobres, que não conseguiam ascender socialmente.
Conforme Cerqueira Filho (1982) era ocultando a questão social que agia a classe
dominante, por isso nesse período a questão da pobreza aparecia apenas como uma possível
problemática na sociedade, e não como questão social de fato concreta que acontecia dentro da
mesma. A classe dominante realizou a ocultação da questão social com medo de deixar livre a
classe pobre, fazendo com que esta pudesse rebelar-se contra a classe hegemônica e isso poderia
dar visibilidade à relação antagônica entre o empresariado industrial e o operariado. Esta
preocupação deveu-se, principalmente, pela quantidade de operários que iam às ruas pedindo
solução da pobreza que eles enfrentavam cotidianamente, está que fruto da apropriação (lê-se
roubou) da elite/ classe dominante capitalista;
Segundo Mestriner (2001) a classe hegemônica, por deter todo o poder político,
conseguia garantir que a questão social da pobreza continuasse ilegítima, definindo quem
ficaria responsável pela mesma: a polícia. Tal pensamento em relação à questão social da
pobreza levou o Presidente Washington Luís ao exílio e abriu caminho para a era Vargas, o que
foi possível através de um movimento armado ocorrido em outubro de 1930, retirando
Washington Luís do poder. Em 1930 o governo de Vargas deu uma cara nova para a questão
social da pobreza, tornando-a legítima, diferentemente do presidente anterior.
Em síntese, pode-se perceber como a pobreza foi sendo tratada no Brasil ao longo dos
séculos, primeiramente, por meio de práticas filantrópicas realizadas pela Igreja Católica, que
buscou promover estas ações através da Ordem da Misericórdia, modelo importado de Portugal,
e, com isso, deu-se início à primeira instituição de cunho filantrópico assistencial no Brasil, as
Santas Casas de Misericórdia. Apesar do interesse das grandes elites em compactuar com elas,
não duraram muito tempo no Brasil.
163

Para a Igreja continuar a perpetuar o seu poderio, aliou-se ao Estado para dar
continuidade às suas práticas filantrópicas, com o objetivo de amenizar a pobreza e evitar
qualquer tipo de convulsão social da população pobre dentro da sociedade, para que esta não
interfira na ordem hegemônica e, posteriormente, aliou-se às famílias burguesas, momento a
partir do qual o tratamento da pobreza ganha novas roupagens, através da criação também de
instituições filantrópicas de cunho católico nas cidades de Rio de Janeiro e São Paulo. Em 1926,
somente no governo de Washington Luís, a pobreza passou a ser caso de polícia até chegar ao
governo de Vargas em 1930, período no qual ela passa a ser tratada de forma mais aprofundada.
Era uma punição tônica para as camadas pobres, nisso vem expressão “ferrado”. O
fulano é um ferrado, pois literalmente ferravam-se as pessoas mais pobres que literalmente não
se comportavam de forma adequada. Ao relembrar a teoria de Lombroso (2020) sobre os
delinquentes que vão para prisão praticamente eterna ou até a sua eliminação para os fazem
usufrutos das suas ideias de modo radical e suas características biopsicossociais e biopoder
positivistas desses sujeitos baseados nesses moldes o feminicida periférico é bem rápido a
garantia da ordem pública como colocado nesse transcrito:

Desse modo, o periculum libertats, pode ser caracterizada através de


elementos que permitam influir como ou em que grau a liberdade poderia
ensejar um dano, seja numa ótica retroativa (acautelar o meio social) ou
prospectiva (inibir novos delitos, garantir a eficácia do processo penal)- (TJ/PI
HC n° 201400010072587- Des. José Francisco do Nascimento). –
intraquilidade e desassossego.

Muitas histórias destes inquéritos com personagens principais vítima e o/a agressor (a),
bem como dos agentes policiais que contribui na investigação ultrapassa as narrativas, pode
trazer o contexto social macro para o micro, em discussão teórica percebe que o crime em si
tem trazer a relação de poder que todos estão permeados trazendo pela lógica do Foucault
(1996) com microfísica e micropoder que estão atuando sempre em cima de todos esses
indivíduos e por ser o crime de gênero mesclando com teóricas feministas com a
interseccionalidade, conceito sistematizado por Collins (2019) que são microrresistências em
que autora dirá realizando um paralelismo com Foucault (1996) argumentando que assim como
há os micropoderes também há exercício de poder há o exercício de resistir. Ela vai dizer que
as microrresistências vão estar relacionadas, pois o cerne da interseccionalidade é trazer a
possibilidade resistência em diversos lugares.
As práticas analíticas investigativas mediante essa pesquisa também é prática resistência
trazendo essas contribuições para beneficiar e trazer um olhar as políticas públicas que é
finalidade dessa dissertação. Contudo, a análise investigativa desses tópicos a saber: Até que
ponto há neutralidade no âmbito do direito? Em observância a isso através dos inquéritos
164

policiais que foram analisados e destacados os pontos principais para que se contenha nessa
dissertação; o que válida a robustez de cada inquérito e seu aparente cuidado? Qual critério para
estimar quais dos feminicidas/ agressores feriram a ordem social e sua periculosidade? Outro
fato a ser percebido é fidedignidade dos depoimentos, pois muitas vezes o/ a escrivão (ã)
simplifica as oratórias dos depoimentos ou adiciona palavras que provavelmente não condiz
com a persona analfabeta verificado no seu RG, portanto, essa foi umas provas que fez perceber
que nem tudo condiz de forma fidedigna, enfoque dessa parte da dissertação, que muitas vezes
acontece o sistema policias são trabalhadores que vão reproduzir o que está posto em algo
maior, que é o sistema, essa insensibilidade na questão de gênero, na questão da raça e da
própria classe, isso serve para gente pensar como peças processuais são produzidas pois
depende da formação, da sensibilidade e das perspectivas desses sujeitos que estão produzindo
esses documentos, sente-se a necessidade parar de discriminar se a policial é racista-misógina-
classista pensar na própria sistema da sociedade e no que ela proporciona aos indivíduos
enquanto agentes em uma instituição pública, que estão sujeitos as suas histórias pois muitos
dele tem a cor do que são presos, partindo da tese de que não há como ter neutralidade,
desmitificando o polo profundo de doutrinas positivistas e suas negações a certas causas, caráter
este fomentado nas entrevistas.
Com isso, ao trazer jugos é preciso atento a questão de relativização de verdades, é
pensar que tem regimes de sentidos. Pensando qual regime de sentidos que as peças processuais
estão imprimindo, seus enquadramentos de como os personagens principais estão sendo lidos,
aqui remete-se: feminicida/agressor e a vítima e ressignificadas por esses agentes, percebendo
que essa história pode estar tendo um outro significado para essa mulher pelos atravessamento
que possua, através do modo processual, ou seja a visão de mundo e de instituição que os
profissionais da segurança pública tenham, que também gera-se disputa de sentidos como visto
entre delegadas na questão da colocação de lesão corporal versus feminicídio tentado, bem
como paradigma que se tornou o gênero.
A realização de forma pautada em dinâmica pode-se desafio, mas contempla riqueza
com uso de outros elementos e modo de ver, do que pauta essas intempéries apenas nos sujeitos
profissionais e esquece do sistema, esse olhar amplo servia para leitura crítica de como estão
produzidos e perceber os vários elementos para entender o processo. E dos agentes que por
detrás dele tem-se um sistema que corroboram e tenta unificar a forma de pensar dos seres
humanos, esse sistema que faz que os fluxos dos eixos sigam um fluxo “saudável” com ações
paliativas de políticas públicas subentendo melhorias e reparações de certas temáticas como
racismo-machismo-classismo, sem arrancar pela raiz.
165

4.4 O jugo da fidedignidade dos termos de declarações

O inquérito de n ° 001.391/2016 foi um dos primeiros que tomei às mãos, sendo este
um dos poucos que continham o interrogatório do feminicida. Mas, a espantosa surpresa foi o
grau de romantização atribuída à transcrição desse termo de declaração testemunhal com
sentimento de estar visualizando a condução de uma radionovela. O livro romance policial ou
rádio novela é uma narrativa sonora que advém do gênero literário novela e tem formato
folhetinesco, cujo objetivo era de narrar de forma dramatizada tragédias pessoais
(relacionamento, comportamentos sociais, morais, etc.) que mexem com imaginário de quem
as escutam, muitas radionovelas são adaptadas de histórias de Cuba e México, até que o Brasil
começo para de tão somente reproduzir histórias estrangeiras para realizar suas próprias como
o caso da mais famosa autora do gênero Janete Clair, que tinha como principal mote eram
narrativas policiais na qual dava a resolução de suas tramas.
A autoridade que preside o autor perquiriu o interrogado sobre a imputação que lhe é
feita, tendo o mesmo respondido:

“Que convivia com Fabiana [...] o casal foi falar do amor que tinha um pelo
outro [...] que naquele momento Fabiana, abraçou no interrogando e
indagou a este se teria coragem de matá-la e em suicida-se, o interrogado
disse que tinha coragem, que depois de jurar a sua amada inerte o
interrogado as poucos até ao chão, abraçando ela, o interrogando disse que
pegou o fio do ferro de passar com roupas com a intenção de se enforcar
com ele com amarrador da rede, porém lhe faltou coragem em vez disso
pegou o fio e passou entorno do pescoço de Fabiana e apertou; que a vítima
colocou uma secreção pelo nariz e pela boca e naquele momento teve
certeza que ela estava morta e idealizou fugir do local [...], o interrogado
foi localizado e preso em casa por policiais militares, acrescentando que
tinha uma faca tipo açougueiro e era intenção ao encontro de sua amada
Fabiana”.

Certas palavras e formas de expressão de português culto como nesse caso, Termo
Declaração Testemunhal da Silvia diz:

“Que conhece Inácio [feminicida] e sabe que não é uma pessoa violenta,
todavia [palavra não coloquial] o mesmo gosta de consumir bebidas
alcoólicas”, como jargão policiais pela descrição da testemunha não seria
utilizado pela testemunha, uma vez que o mesmo é analfabeto como nesse
exemplo também “Mariah procurou a polícia de São Paulo mais desistiu de
representar contra ele, pois recebe ameaças de Inácio”.

A análise crítica do discurso nessa questão pode ser aferida pelo Termo de Declaração
Testemunhais, primeiramente em razão que as perguntas feitas pela autoridade em questão não
são transcritas na redação, sendo possível nesse caso em questão apenas deduzi-las, apenas
166

vistas as perguntas em alguns inquéritos quando a pessoa a falar era o próprio feminicida.
Alguns poucos inquéritos faltam os papéis com depoimento. Em contexto presencial, pude
verificar que os depoimentos gravados existem conversas prévias que induz de maneira
focalizada o que se saber sobre investigação dos inquéritos, percebi que forma de ganhar tempo
ou “o tempo do processo penal “e a cobranças da família, muitas vezes adentram a sala da
delegada solicitando informações sobre o caso e da sociedade quando crime ganha midiática,
mas sobretudo que ele já tem as provas.

4.5 Os juízos de valores estabelecidos pelos profissionais que participam da linha


investigativa dos inquéritos policiais e as incoerências investigativas

Muitos estudiosos se empenham em estudar os pressupostos lógicos do direito, para


além seres catedráticos da área, como famoso sociólogo alemão Habermas (2003) autor do
célebre livro “ Direito e democracia: entre facticidade e validade”, em que logo nas primeiras
páginas ele reforça ser leigo nesse âmbito, mas que deteve em aprender acerca das discussões
jurídicas especializadas e afirmar como nesse tempo decorrido como aumentou o seu respeito
sobre as tratativas dos direitos, na qual o autor diz que discussões do direito deve ser vista como
contributivo indo de contra o ceticismo difundido entre pessoas da área do direito que atuam de
forma contrária ao ceticismo ao falso realismo e subestima a sua eficácia social dos
pressupostos normativos das práticas jurídicas que já existem.
De acordo com Pereira (2015) um conhecido filósofo do direito, Perelman, estudou os
pressupostos lógicos do direito, principalmente os juízos de valor dado dentro deles. Ele era um
forte opositor do positivismo por considerar que a partir dele não se resolve problemas
notadamente humanos, relembrar que o positivismo originasse conforme Löwy (1987) nas
ciências naturais ou ciências da natureza (biologia, matemática, física e química) mostrando o
quanto é contravertido utilizar com as numéricas para mostrar qual melhor atitude a ser tomada
ao invés de recorrer a uma retórica dialética utilizada para saber a aplicações dos valores e sua
aplicação.
E todas as narrativas são importantes, incluso as que agentes policias vivem são
importantes no caso concreto, ou em latim, in casu, então torna-se muitos comuns eles emitirem
juízos de valor, sendo constado nos próprios inquéritos policias de 2015- 2022, que muitos
casos mostrando aqui foi para além do ordenamento jurídico do direito, em especial aos
feminicídios periféricos. Ainda que muitos casos não tenham encontrado o seu “historiador”
sem assinaturas ou gênero, mas continha os seus juízos de valor personalismo. Um dos
primeiros casos encontrados foram as afirmações do médico legista em seu laudo “- Imagens -
121-a 128: mostra pela última vez o casal lado a lado sobre as mesas de necropsia do IML-PI”
167

a romantização de um casal em que a mulher foi vítima de feminicídio praticado pelo marido e
ele suicidou depois de cometer o ato, foi caso de bastante repercussão pois ele era empresário
do ramo de aves, na qual o suicídio foi percebido que é pratica de quem tem poder aquisitivo
alto, de quem tem o que “perder”. E outros de policias que cheguem ao local do crime, e
deduzem até sofre o grau de fé que tinha a vítima como nesse trecho descrito por policial como
legenda as imagens 18 e 28 do interior da casa ele descreve “mostram o interior da residência
da vítima, local sujo e insalubre. Notar a devoção que a mesma tinha por Nossa Senhora e Padre
Cícero”.
Em outro, o perfil da vítima mostra uma descrição de perfil bastante preconceituoso e
culpabiliza por sua tragédia pela polícia que diz que:

“Kirna é a típica adolescente ‘rebelde’ da periferia: atualmente não está


estudando, vive com os pais, que devido à baixa condição financeira dos
mesmos, estes não podem custear as futilidades que o mundo
contemporâneo oferece (celulares, roupas, bebidas, festas, etc.) momento
em que começou a se relacionar com o nacional Jeremias, vulgo “Jê”,
traficante de drogas bastante conhecido e ‘considerado’ em Teresina- Piauí
por abrigar meliante de diversas estirpes, Kirna então se relacionava no ano
de 2015 com nacional Jeremias e de lá para cá, colecionou várias ameaças
físicas, psicológicas e agressões que, entre ida e vindas, suportou até o
presente ano, tudo ao cisto de usufruto do lucro semanal do tráfico de
drogas na região produzido por Jeremias, que ‘bancava” as suas futilidades
(roupas, festas, bebidas, aparelhos eletrônicos, etc.)”.

Esta vitimada por feminicídio tem 19 anos, residia na Vila da Guia, Bairro Beira Rio-
Teresina-Piauí. Quando a vítima é uma mulher jovem da periférica, a precocidade com que
delegada ao protagonismo de vida de ter feitos escolhas e saber de antemão das suas
consequências carregado de estereótipos apenas for ser de zonas mais afastada de centros e de
áreas nobres da cidade causado por sistema capitalista que sempre afastou essas pessoas, na
quais é preciso ter esse entendimento em relação para que estereótipos como nessa caso não
venha ocorrer oferecendo nas linhas investigativas os mesmos molde que daria se a vítima não
fosse periféricas que estereótipos como a emprega doméstica ou a piriguete, quanto mais longe
das “comunidades de pessoas boas e justas”, conforme Bobbio (2004) mais pré-conceitos serão
carregadas, é onde o Estado em conjunto com um dos vários Aparelhos Ideológicos do Estado
(AIE) de acordo com Althusser (1985) terá a sua faceta mais repressiva, revelando aqui as
opressões da interseccionalidade de classe, raça e gênero e da razão da inviabilização no estado,
promovendo o genocídio por aquelas que vivem expostos pela pobreza, em virtude do local que
âmbito, tráfico de drogas, as violência e a ausência do estado, bem como marginalizadas das
oportunidades do centros urbanos da cidade.
168

Do autor do crime, do fato encontra-se conforme os ditos da violência que Jeremias,


vulgo “JÊ’, nascido em 1994, residente também na Vila do Guia, Bairro Beira Rio, Teresina-
Piauí, indivíduo colocado à margem da sociedade, perigoso e que procurou na atividade
criminoso meio para custear o seu estilo de vida e adquirir ‘respeito’ pelo emprego do medo na
região da Vila da Guia”. Com destaque abaixo nas quais os investigares dizem “ É de
conhecimento na região da Vila da Guia e das Forças de Segurança do Estado do Piauí, que
Jeremias é usuário de drogas na região, além de também praticar assaltos a mão de armada,
conforme o processo que ele responde junto ao Tribunal de Justiça do Piauí”, ambas as
descrições sobre a vítima e o perfil do feminicida foi feito por policial civil, no dia 25 de janeiro
2019.
Como diz Kilomba (2019), ninguém fala solto, todo mundo de um tempo específico,
todos nós temos nossa histórica, uma realidade única, vivencias também nossas escrevivência,
que incluo aqui enquanto pesquisadora de feminicídio estão impressas, uma vez que ao
contrário dos positivistas, não existe neutralidade, semelhanças de território, onipotência dos
preconceitos enraizados, incluso trabalho, que desaproximam bastante da área dos direitos
humanos de visualizar as pessoas o ser não abjeto como afirma Bulter (2017), sujeito indigno
de olhar e clemência do Estado. Verificando com as falas das transcrições da falta de olhar
empático, abjetas na linguagem usada pelos policiais.
Em uma parte do documento denominado de “Extração de dados”, parte personaliza
pelo perito que cuida da parte de informático percebido na experiência empírica do campo como
sendo parte imprescindível para a conclusão dos inquéritos policiais, em que são investigados
os telefones tanto da vítima quando o agressor na tentativa de personalizar ambos de como seria
modos de vida e comportamentos. No caso em questão é dado o exemplo da vítima Alana e do
autor Miguel, nesse escopo havia uma parte com “DOS ARQUIVOS DE IMAGEM
RELEVANTES”, palavras do perito policial que diz que diante da análise dos arquivos de
imagem extraído do aparelho de celular o nacional Miguel, “foi possível identificar que o
mesmo é usuário de drogas ilícitas (cocaína e maconha) e além disso costumava tirar várias
fotos portando arma de fogo (supostamente revólver calibre 38) demonstrando assim ser aquele
um indivíduo que anda comumente fora dos limites legais”, sendo esse o perfil do feminicida
dado pela policial civil dado pelo juízo de valor aferido pelo perito digital.
O perito em questão continua dizendo que dos arquivos de vídeos relevantes, ou seja,
da análise dos vídeos extraídos do celular de Miguel somente pode-se tirar de relevante os 02
(dois) arquivos de vídeo, estes presentes na mídia de CD/DVD 03 (anexo final), onde ele diz
que “demostram claramente o relacionamento doentio, promiscuo e mundano, no qual
conviviam e que no fim culminou com a morte da nacional Alana”. A palavra ‘mundano’ me
169

chamou atenção remetendo as encíclicas papais das igrejas especial a católica que divulgam
entre segredo e profano como objetivo de ordenar a autonomia do homem em sociedade, na
qual reverberar as crenças pessoais do perito em contanto com as provas investigativas do crime
com a desmoralização, estigmatização e por fim culpa pelo seu fim cruel, pela ideia da
consequência de ter fugido do “ideal” societário cristão, os chamados comportamentos “
desviantes” contrários aquelas expectativas normatizadoras consideradas puros, ou “não
agradável aos olhos de Deus”, “fora da ordem” e paradigma entre o que é? “Limpo” e o que É
“sujo”, eu tentei uma entrevista com perito em atuação, pois este desse caso foi realocado, mas
não obtive êxito, devido ao sigilo com que ele coleta tais informações.
Nos inquéritos policiais foi percebido como o peso das palavras adultera os fatos de
natureza, por exemplo, na capa por vezes a natureza do crime ou infração penal há feminicídio,
mas se descobrem-se na leitura dos inquéritos que a vítima está vivam, outros a falta de
amplitude, necessita de nova metodologia para se até sobre o perfil do feminicida, quando são
mulheres ainda que em crime de gênero. Entendendo o contexto da criminalidade quando são
elas que praticam, é preciso refletir, pois se tem dificuldade de reconhecer os demais 5% que
não causado pelo gênero masculino, a exemplo deste crime, que, por vezes, ainda que menor
caso, tem de fazer reposicionamento da mulher com autora do crime também.
A vítima é Silvana e a autoria do crime é de Maria do Socorro, a infração penal que se
encontra é Homicídio Simples. Em um dos termos de declarações testemunhais, Alessandro,
funcionário da loja de doces, onde ambas trabalhavam, disse que “Silmaria teria furado com
uma tesoura Lúcia; Que essa última estava agonizando sangrando muito e chamando pelos
filhos enquanto a outra; SILMARIA dizia: “ botei foi para matar [...]”; “Que as pessoas ficaram
surpresa por não saber a motivação do crime, apenas diziam que Silmaria tinha escrito um
bilhete; Que não vai dizer conteúdo desse bilhete; Que Lúcia veio óbito duas depois no hospital;
Que Silvana foi levada presa pela Guarda Municipal”, e uma outra testemunha, também
funcionária, a Maribel, disse “Que, Silmaria no desabafo não detalhou de que se tratavam essas
acusações e de quem as faziam; Que dona Silmaria nos últimos dias estava conversando ‘coisa
com coisa”.
Por esse crime mostra que é muito importante compreender os descritores analíticos
mulher, gênero e criminalidade e como isso reverbera em um crime de gênero. A partir de
debates de gênero e debates de criminalidade que somam novas narrativas e trazendo o perfil
de mulheres que costumam ser presas, também infere-se a questão racial, sendo este assunto de
desdobrar da pesquisa do Núcleo Investigativo Policial de Feminicídio, que não poderia limitar
e nem esconder, e achar irrelevante aqueles 5% não correspondem a homens que matam
mulheres em virtude do seu gênero, e gerar negação que começa nas políticas públicas e chegam
170

até a instituição polícia, sendo necessário que cause essa expansão e não mais obstáculos para
serem colocados enquanto natureza do crime de feminicídio ao invés de um homicídio simples.
A experiência estatística na análise criminal é importante para acompanhar as políticas
públicas de enfrentamento contra mulher, buscado nessa trajetória de 2015 a 2021, em
protocolos que permite mapear a violência de gênero, especificamente o feminicídio, no Piauí
que foi pioneiro na criação de Núcleo Policial Investigativo de Feminicídio, associando aos
dados estatísticos de estudos junto a arcabouço teórico estudo mostrou-se várias dimensões
desse crime, acoplados com a oportunidade de analisar os inquéritos policiais de feminicídio/
violência de gênero. Desde o contexto do crime e outras variáveis de diferenças dados e
mostrados por várias fontes que são juntadas nele como: Boletim de Ocorrência, laudos do
Instituto Médico Legal, bem como a leitura das demais coisas se encontraram nos inquéritos,
abrindo vazão aos termos de declarações testemunhais.
Um crime é desfecho fatal em decorrência de várias violências da mulher e que, muitas
vezes, ela vivia silenciosamente de violências, isso pode explicar o fato das testemunhas
dizerem que não viu ou não tinha percebido. Mas também temos de perceber que mulheres
também matam mulheres. Na literatura feminista, falta arcabouço teórico que trate sobre isso,
em menor número que os homens, mas também comentem esses crimes, tendo laços afetivos
ou não, por ódio, que é marcante ao feminicídio. Talvez o que se retira diferença entre homens
que comentem o crime de mulheres é fato de que não é o sentimento posse que prevalece nesse
ódio, mas, sim, de eliminação enquanto suposto obstáculo. Nisso, torna-se pauta de interesse
em aberto para discussão como essas sejam aplicadas, no sentido de entender como a instituição
policial e o judiciário rotulam essa violência de mulher contra mulher notadamente arquitetada
e de acumulativo de ódio.
Não obstante, tem muitas estudiosas feministas que tratam essas perspectivas da mulher
enquanto reprodutora da cultura patriarcal, tal qual homens e mulheres negros que reproduzem
falas racistas e pessoas da classe não dominantes que reproduzem falas classistas que
promovem um rechaçamento de sua própria classe de origem, originando a falta de consciência
de classe. As mulheres reproduzem o machismo, pois é ideologia, como diz Bourdieu (1998),
que os demais eixos estão entranhados no sistema socializado por homens e mulheres nessa
sociedade, tais ideias preconceituosas de todos os tipos que são passados e repassados de forma
secular como fatos naturais repetidos por regras não transcritas, mas que são universais e
incorporadas inconscientemente, percebendo a diferenças das intercorrências entre gênero,
seguindo, assim, o pensamento dos femininos em que os grupos minoritário reproduz, no caso,
mulheres, pessoas de raça/etnia não branca e pobres e outras existentes.
A citação desse caso na dissertação sobre feminicídio não é de tratar em equivalência,
171

mas de mostrar como a sistemática dominante domina ao ponto de mulheres realizarem o


mesmo crime que não há benefício a elas mesmas, como competividade do patriarcado-
capitalista na reprodução da sociometabólica do capital, conforme Mezários (2011), trazendo
em seu livro os defeitos estruturais de controle no sistema capital, e que muitas tendências e
aspectos eram ignorados, promovem o desalinhamentos fora da órbita das lutas de mulheres e
outras minorias, nas quais, conforme Iamamoto (2001), acaba se perdendo da dimensão coletiva
e se tirando a responsabilidade na produção das desigualdades do sistema como fuga da
realidade e errando de inimigo, figurando misoginias entre as mulheres, apenas entre mulheres.
Percebe-se que mulheres matam outras mulheres também, ainda que esses 5% não transcorra
tanto no imaginário desse crime, bem como incentivam a matar, como já visto aqui nos casos
em que a mulher do feminicida foi acusada pelas testemunhas de ter incentivado ele a matar a
sua própria mãe, caso de feminicídio mandato. A solicitação que se faz aqui é que continue na
perspectiva de gênero na análise desse crime. O arcabouço jurídico engessado, por vezes,
abrindo algumas exceções, como no caso do crime de gênero, é recorrer às sociologias de
interseccionalidade, que permitem perceber a respeito das constantes perguntas de drogas e
bebidas alcoólicas em feminicídios periféricos.
Um exemplo disso é o caso da vítima Larissa e do autor do crime, Thalles, na qual,
perguntado a ele, disse: “Que o interrogado era usuário de cocaína e maconha, mas afirma que
deixou o uso dessas drogas há cerca de dois anos”. Já à testemunha é perguntado se a vítima
fazia uso de bebida alcoólica e a testemunha, Vitor, disse “Que comentam é que Larissa ingeria
alcoólica que da casa de Thalles”; e, no mesmo caso, pergunta-se à vítima se é usuária de
drogas, por Ana, que diz que “Que Chacal [nome da pessoa que se encontrava junto com Thalles
e outro indivíduo denominado de Besourinho no crime de feminicídio] é usuário de drogas QUE
não sabe dizer se a vítima era usuário de droga”, reforçado o argumento da droga ao feminicida,
por sua irmã Josefa ao dizer:

“Que na noite de quinta –feira anterior ao crime Thalles estava agitado e


agressivo por estar bêbado [...] que Thalles também já agrediu fisicamente
a mãe e o pai da depoente, avós dele, que Thalles desde a adolescência
apresentava comportamento agressivo; que seu filho é usuário de drogas,
apesar de nunca ter visto usar; Que não sabe quem fornece drogas a ele”.

O detalhe de saber se tanto vítima como feminicida/agressor são usuários de drogas,


típicas perguntas em feminicídios periférico, mas, principalmente, saber quem fornece as
drogas para ele, fez crer que a guerra contra as drogas, que é tão forte na polícia brasileira, está
também no crime de gênero. Muitos autores e atoras tratam do combate às drogas e à
172

criminalização da pobreza ao direcionar somente em zonas periféricas, onde residem


massivamente pessoas negras e com baixa escolaridade, bem como decretam enquanto luta
falida. Em outros casos, isso é bem nítido, como no caso do infrator Sandro, morador da Vila
Guia e da vítima Marinalva, preso por feminicídio e associação ao tráfico de drogas.
Outro tipo de criminalização é quando a vítima é suspeita de trabalhar no ramo da
prostituição e não se reconhece facilmente os laços afetivos com feminicídio, colocado o crime
como homicídios. Como no caso de 2018, com a vítima Laura, cujo acusado encontra-se sem
nome, com dito “Sob investigação”, a infração penal decorre como Homicídio. No local do
crime, Bar da Diêta, conforme os policiais no local, surgiram rumores de que a vítima pudesse
ser uma garota de programa, que trabalha na noite em uma boate de prostituição no Bar “Vem
para cá”, onde funcionava prostíbulo. O proprietário e os demais componentes não
reconheceram a vítima. Para descrição do perfil da vítima, foi perguntada à Sra. Maria
Conceição, irmã da vítima, onde a vítima vivia e a mesma disse no bairro Dirceu Arcoverde,
morando com um amigo chamado Chico, vulgo paizinho, e que a vítima não fazia uso de
entorpecentes.
Em pesquisa investigativa da polícia foi encontrado um Boletim de Ocorrência de 2014
em nome da vítima, que comunicou viver maritalmente com o autor mencionado Eduardo e
resolveu se separar por conta de murros, puxões de cabelo, entre outras violências. E que voltou
à casa da sua mãe; Que Edinaldo passou a persegui-la em todos lugares, passando mensagens
de celular com baixarias de cunho sexual, ameaças de morte, coisas do gênero. Através do
Boletim de Ocorrência, é possível verificar que tais atos bárbaros por parte de Edinaldo é o
mais comum entre tantas mulheres perseguidas por quem tem ou teve laços afetivos, na qual o
homem não aceita separação, requerendo as devidas providências legais para protegê-la.
Chico, amigo da Laura, em depoimento sob perguntas da autoridade, disse:

“Que é amigo da nacional Laura [...] Que conheceu na cidade de Tianguá-


Ceará, onde residia em uma casa noturna (prostíbulo). Que a mesma era
garota de programa e fazia viagens frequentes cidade de Tianguá onde
ficavam na casa noturna; Que passou a ter uma amizade com ela; Que ela
contava que tinha um relacionamento conturbado com um homem de nome
Edinaldo; Que dizia que gostava do mesmo porém que ele era muito
ciumento e estava sempre ameaçando e inclusive por várias vezes
encaminhou áudios de ameaça que o mesmo fazia para seu celular pois
sentia que sua vida estava em risco e esses áudios seriam provas contra ele;
[...] que desde o primeiro dia que chegaram ela passou a ter encontros com
Eduardo onde ela relatam as ameaças; [...] que saiu algumas vezes com eles
e o mesmo sempre portando um arma de fogo; Que por vezes Laura pediu
que quando ela saísse com ele, o declarante tirasse fotos da placa do veículo,
pois reiterava que temia por sua vida; [...] Que LAURA RELATAVA QUE
Edinaldo era envolvido no mundo crime e estava foragido da Justiça [...]
Que no dia seguinte ela chegou em casa com roupas rasgadas dizendo que
173

Eduardo tinha tentado matá-la, que teria rasgado suas roupas e agrediu
fisicamente; Que nesse dia foi uma em delegacia dizendo que ia denunciá-
los; porém logo em seguida fizeram as pazes e voltaram a sair, os motivos
d as brigas eram sempre ciúmes na qual ele sempre puxava essa arma de
fogo e ameaçava”.

A última vez que a vítima foi vista, conforme a testemunha, foi em uma terça-feira. Ela
tinha saído com Edinaldo e, por volta das 19h horas, ela passou na casa de Miakelly, onde
estavam hospedadas, trocou de roupas e saiu com ele. E, na noite anterior, Francisco ficou
sabendo, através da Mikaelly, da morte de Laura por meio de prints de Whats que diziam:
“Bafafá matou ela, por enviar conversa a esposa dele”. Mikaelly, em testemunho, confirma a
história de que Laura mantinha um antigo relacionamento com homem de nome Edinaldo, o
qual era casado, e que ele era muito agressivo e vivia ameaçando a amiga. Para ambas as
testemunhas, foi perguntado sobre uso de entorpecentes e bebidas alcoólicas, que confirmaram
o uso dessas substâncias pela vítima. No perfil psicológico/ social da vítima, anexaram o fato
da vítima ter sido processada criminalmente.
A polícia decretou prisão temporária a Edinaldo, que o testemunho começou dizendo:

“Que é pai de dois filhos gêmeos; Que no dia do nascimento dos mesmos,
no dia de 2015 foi preso na maternidade em cumprimento do mandato de
prisão na operação ‘Vidro de Aço’ onde foi acusado de furto, ficando preso
por 01 mês e ficando em liberdade com tornozeleira eletrônica [...]; Que
ficou com Laura esses 04 (quatro) anos e sempre que saia do sistema
prisional a reencontrava para saídas em bares, festas e restaurantes [...] Que
da última vez quando saiu da prisão passou a encontrá-la com bastante
frequência e saia várias vezes com a mesma, confirmou que ela estava
trabalhando em prostíbulo; Que não tinha problema com isso pois a mesma
não era sua namorada; Que sabia que a mesma matinha relacionamento com
outro homem e por vez ela recebeu ligações desse homem onde discutira,;
[...] Que ela era uma pessoa que usava muita droga; Que não nega que
andasse armada”.

Perguntado se ele tinha interesse de reduzir a sua pena do crime de feminicídio, disse:
“Que não tem interesse de reduzir sua possível pena do crime de feminicídio porque não
comentou o crime; [...] Que diz Laura atormentava o seu casamento”, depois, como o escrivão
escreve, ele ficou calado. Por fim, nos inquéritos, não se sabe se ele foi preso ou se o inquérito
já foi concluído.
Outro caso é claramente uma tentativa de feminicídio, com duas vítimas, Lindalva e
Larissa; o autor Edinar e a Infração Pena: Homicídio Simples. O Relato/Histórico tem uma das
vítimas como noticiante Larissa, que registrou boletim de ocorrência, onde relatou no último
31/10/2018, por volta das 21:40 horas, que chegou em casa junto com suas filhas Lindalva (14
anos) E Larissa (2 anos), quando seu companheiro, Espedito, estava esperando pelas mesmas.
174

O questionamento que se faz é se, sabendo que o autor é companheiro da vítima, por que
homicídio simples? E não feminicídio ou tentativa de feminicídio? Visto que as vítimas estão
vivas. O autor no momento estava embriagado, ameaçando com a faca, e mandou a noticiante
colocar a filha Lorena no chão, mas não atendeu o perdido [...], na qual passou puxar a gola da
blusa e a filha, Lindalva, interveio empurrando o seu pai, Edinar, no intuito de defender a mãe
noticiante, tendo em vista que Edinar portava uma faca em punho, que Lindalva se dirigiu até
a casa de uma vizinha. A partir disso, Edinar passou a xingar a filha Lindalva de moleca e
vagabunda [...] que Edinar investiu contra Lindalva com uma faca em punho, tendo que correr
para não ser agredida fisicamente e que ainda ameaçou a noticiante dizendo que não matasse,
pois iria contratar um vagabundo para matá-la [exemplo de possível feminicídio mandato,
também], este tipo que é um tipo feminicídio que não existe na literatura criminal, mas que vai
ser discutido em tópico específico nessa dissertação.
Conforme a testemunha Lindalva, a Policia Militar foi acionada e abordaram o agressor
Edinar, que estava trancado dentro de um caminhão; mas que os policiais foram embora
informando que não poderiam prendê-lo, pois seria invasão de privacidade. Outro depoimento
testemunhal de Chico dizia “Que é vizinho da LARISSA E DA LINDALVA, viu LINDALVA
correndo pedindo ajuda e dizendo que o pai dela estava com uma faca na mão para matá-la que
a Lindalva disse “papai que me matar”. Em ofício referente a esse caso, a Delegada do Núcleo
de Feminicídio, que estava no dia 24 de setembro de 2018, dizia

“Seguindo investigações, foram colhidos os depoimentos das vítimas, Larissa e


Lindalva, onde se constatou que se trata de crimes de Ameaças e Injúria, não
sendo objeto de investigação da Delegacia de Feminicídio. Desse modo, como
não trata de atribuição desta delegacia especializada, encaminhou o Boletim de
Ocorrência, juntamente com depoimentos das vítimas e testemunhas, para que
seja encaminhado para a delegacia que tiver atribuição para a referida
investigação, inclusive, se entender realmente trata-se de crime atribuição da
Delegacia de Feminicídio, devolvê-lo para concluirmos o referido
procedimento.”

Esse é um exemplo de omissão do Estado no combate à violência de gênero.


5 ENTREVISTAS: REFORÇOS DIALÓGICOS COM OS INQUÉRITOS POLICIAIS

Em virtude da necessidade de conhecer as pessoas que transcrevem os inquéritos


policiais, optou-se por fazer entrevistas com aqueles que foram chamados de informantes-
chave, a saber: a delegada, a escrivã e três agentes policiais, para obter um entendimento através
das suas falas e experiências. É preciso informar que, como modelo do Departamento de
Homicídios e de Proteção à Pessoa, é extremamente rotativo como seus funcionários de um
modo geral e equipe total do Núcleo Policial Investigativo de Feminicídio de Teresina fazem
uso do método de interpretação de sentidos a fim de reforçar os achados de pesquisa dos
inquéritos policiais e também contrapor na sua realidade dialética. As entrevistas ocorreram no
meu último dia de permanência na instituição, logo após ter concluído todas as análises dos
inquéritos encontrados no núcleo, salientando que, nesse ínterim, tive o cuidado com as
conversas informais com os profissionais da segurança pública de evitar qualquer tipo diálogo
com os achados de pesquisas.
Como se tratou de uma entrevista semiestruturada, conseguiu-se que ocorresse de forma
dialógica, muitas vezes estimulando a criticidade para que se chegasse a respostas precisas
quando estes se reportavam com dúvidas ou receios de comentar algo que transparecesse a sua
falta de desconhecimento. Ao me ver, nessa situação, tomei a ação-postura de educadora sobre
as dúvidas e questionamentos fomentados por eles mesmo, por exemplo, nas questões de gênero
e seus associados nas falas:

“O que é cis? Agora é… eu não conhecia isso aí não, só sabia que sempre fui
homem e de um tempo que inventaram essas coisas sou hétero, outra coisa
não sei. Então tu não bota… esse negócio de cis” (Disse o agente policial de
número 1- gênero masculino); Mulher. [dito isso para a pergunta sobre sua
identidade de gênero] (disse, a escrivã de policia- gênero feminino); mulher,
mas na hora que pergunta assim a gente fica com medo de usar um termo...
(disse a delegada de polícia).

Percebendo-os enquanto seres individuais e suas convicções sociais, sem interferir na


sua linha de pensamento, apenas levando que os exponha, sem nenhum constrangimento, nas
questões mais gerais, abertas e específicas, sendo, com frequência, frases do informantes-
chaves como: “Eita, agora aí é uma questão bem delicada assim de... de saber o porquê né”;
“Dependendo do... do contexto”; “Tudo depende da investigação”; ‘é complicado”; “Isso
explica muita coisa né nas entrelinhas”; “É complexo, sabe, porque é injusto”; “que tudo são
detalhes”; “é um ótimo ponto de vista”; “e enquadra não sei”; “Perdi várias vezes [ refere-se ao
raciocínio]”; “não sei, hoje essas coisas tão assim”; “Não, não vejo assim dessa forma..”; “Eu
não vejo a questão da mulher... eu não vejo que poderia ser diferente...” ; ”eu não vejo dessa
forma”; “Muitas vezes antiética, né?”; “Eu não me recordo disso aí...”; “Não! Eu entendo
assim”; “então assim muitas vezes... por que”; “Não entendi, como é que é?”; “sei nem dizer o
que que eu acho”; “Essa é uma das grandes dificuldades”.
Neste sentido, o uso das práticas dialógicas funciona bem em meios às frases de receios,
de dificuldade de sistematizar devido a considerar algo complexo ou, até mesmo, não saber de
certas questões ou de explicá-las, bem como expressões e falas surpresas sobre certos
questionamentos que foram feitos. Essa visão dialógica foi captada em Freire (1997), na qual o
educador entende como um encontro que busca romper com visão tradicional, apesar dele tratar
da relação de professor e aluno, vamos por aqui associando a metodologia pesquisadora/
entrevistadora e informantes-chave, agindo de forma comunicativa e com humanismo para
aqueles que os falam. Entendendo que antes de serem profissionais da segurança pública,
também são seres humanos, então, o cuidado ao abordar e perceber seus limites e possibilidades
deve prevalecer e essas formas de cuidado foram bem importantes para que tivéssemos fluidez
nas entrevistas que, em média, obtiveram a durabilidade de 1 hora e meia. Também é preciso
frisar que tive uma convivência diária de aproximadamente 2 meses e meio, o que facilitou as
práticas dialógicas durante as entrevistas, principalmente ao entender a sua persona e
personalidade de cada um deles, o que permitiu abatimento de boas respostas e tranquilidade
nas entrevistas e a reciprocidade deles para comigo, pesquisadora em questão.
Com isso, ocorreu de forma agradável e sem constrangimentos. Além disso, com
estabelecimento mútuo do dialogar e saber a linha de pensamento de cada um deles a minha,
pois foram curiosos desde o primeiro dia, perguntando ao que se referia o estudo.
Posteriormente, foi sabido por eles que houve uma discussão informal enquanto cobriam
diligências policiais principalmente. Sobre o contexto raça em um crime de gênero, uns dos
elementos principais traçados no meu estudo, mostrou-se que tal discussão é incipiente no
contexto interno do núcleo com toda a equipe que forma o Núcleo Policial Investigativo de
Feminicídio. Não se teve nenhuma entrevista-teste devido o número de participantes ser
pequeno e por serem pessoas que passam muito tempo fora do ambiente do Núcleo − foram
realizadas em uma segunda-feira, nos turnos manhã e tarde, que é considerado o dia de menor
trabalho para eles.
Como principais resultados, pode-se perceber o forte contrapeso institucional que exerce
os modelos tecnocráticos da própria instituição polícia nas falas dos executores em que se
respaldam, quase que completamente, muitas das suas opiniões, mas cada uma na sua
particularidade de vida, percebendo que, apesar desse caráter, cada um tinha seu modo de ver a
mesma questão. As suas falas e instituições reforçam o aspecto jurídico da igualdade, com uma
unanimidade, acerca das tentativas dos casos de feminicídio, ao dizerem que: “Na perspectiva
da investigação, nós buscamos dar sempre o mesmo tratamento". Tal igualdade, advinda do
ordenamento jurídico que fomenta o Estado penal brasileiro, que não desvela, muitas vezes, as
mazelas sociais do próprio país.
Dessa forma, sendo preciso um olhar dialético, mostrando essas e outras ambuiguidades
que causam os desmascaramentos dos ambíguos da ausência da raça e da classe. Essa ausência
da raça e da classe, que, como já destacada aqui, argumentando que talvez seja uma notável
negligência “inocente” sobre o não cogitar que o gênero está associado com a raça e a classe
através do aprofundamento e configuração do que foi encontrado nos inquéritos em suas falas,
realizando apontamentos ao comparar com o capítulo dois, como: primeiramente falta de
entendimento sobre gênero e suas relações, pois lidam com um crime, antes de mais nada,
fundamentalmente de gênero, depois perpassando pelo tema da empatia seletiva entre as
mulheres, por vezes, não admitido em falas diretas, mas em ato falhos dos entrevistados que,
conforme a Psicanálise, se refere a uma verdade que consta no inconsciente, na qual o
indivíduos tentam esconder; e o racismo institucional, admitido de forma direta por um dos
entrevistados do gênero masculino.
As entrevistas tiveram a durabilidade de apenas 1 dia, gravado por um software de áudio
e se atentando a todas as condições sanitárias estabelecidas nesse contexto pandêmico ainda em
vigência pela Organização Mundial de Saúde (2020) após declarar a existência do vírus SARS-
CoV-2 ou Covid-19. E, ao saber da qualidade que é escutar e analisar as falas dos profissionais
da segurança pública que lidam de forma direta com crime, valorizando todos seus pontos de
vistas, entendendo a sua identidade, a sua cultura e seus processos sociais que estão envoltos
na realidade social, mas sem escapar a dimensão política que respalda a pesquisa, entender
feminicídio sob a ótica da interseccionalidade.
E pensando no poder dessas entrevistas que foram realizadas para essa dissertação,
visando também que elas possam fundamentar futuras pesquisas e, quem sabe, estimular novas
perspectivas no âmbito das políticas públicas para a violência de gênero/ feminicídio, foi
visado, aqui, traduzir e decodificar suas falas, mesmo as não verbais, observando: respiração
profunda, pensamento longe, gagueira, risos de nervosismo, inquietação nas pernas, desvio de
olhar, etc. Esses comportamentos que decodifiquei deles, de evadir o pensamento para retomar
a suposta neutralidade, recorrendo à normativa e ao funcionalismo do ambiente de trabalho,
com vocábulos típico do direito, jargões policiais e princípios advindos do direito, que nada
mais é do que o espelhamento sistêmico com a instituição a qual eles representam e que tem
como principal simbologia o mantimento da “ordem social”, buscando aqui construir como
desenrolam as investigações do crime de feminicídio ao realizar um intercruzamento do que
está escrito do que é falado.
5.1 Do ponto de vista do gênero e suas relações: o que pensam os informantes-chave

Quanto ponto de vista de gênero, sobretudo a acerca e de outras identidades, a equipe


do Núcleo Policial Investigativo de Feminicídio, é composta por pessoas cisgêneras (as) e
heterossexuais, distinguindo apenas por raça (autodeclarada): delegada branca, 02 agentes
policias (mulher e homem) ambos pardos, e outro em destaque isolado também agente policial
se disse pardo “claro”, pois é nomenclatura problemática que não existe de maneira formal e
uma mulher negra como se autodeclara a escrivã, sendo uma das primeiras perguntas em relação
à temática gênero. Quanto à faixa etária, as idades deles, apesar de não tratar nessa dissertação
de etarismo, varia de 33 à 42 anos. E as demais perguntas subsequentes foram: Como você se
sente nesse trabalho onde agressores comentem um crime e que a vítima é sempre uma mulher?
Ao analisar sob ponto de vista do gênero, as mulheres que compõem a equipe dizem, de modo
geral:

“Assim, às vezes a gente fica triste por eu ser mulher também...muitas delas
não querem sair ...a mulher levou uma facada nas costa e ela não quer
denunciar o marido ...a gente colhe depoimento de testemunhas que eles
brigam com muita frequência e no depoimento dela, ela disse que não
acontece, eles vivem pacificamente e no final ela disse que não quer denunciar
porque os filhos são pequenos né... é assim é triste, porque às vezes a... a
vítima precisa de um apoio psicológico ali né, então nem todas tem esse
acesso”.

Já aos profissionais que compõem a equipe e são do gênero masculino foi perguntado:
Como você se sente nesse trabalho em que agressores que comentem um crime na qual a vítima
é sempre uma mulher? As respostas dos agentes policiais foram:

“Como é que eu me sinto?… Rapaz eu me sinto… eu… eu num sei, porque


a qualquer momento poderia num tá mais trabalhando nesse setor ou nessa
delegacia, né verdade, então assim… eu me sinto uma peça, é… que faz parte
aqui de um sistema, no qual nesse exato momento a minha posição é essa
aqui… e eu sou responsável pra auxiliar, dessas vítimas fatais [...] e aquelas
na tentativa né, elas muitas vezes também não colaboram de forma
nenhuma… elas não só não colaboram como atrapalham, pelo lado do
agressor, esse é um fato lamentável, esse é um outro fato a ser estudado,
conseguimos identificar as motivações, é uma parte da mecânica do crime,
[...] eu como é que eu me sinto, me sinto parte desses conjunto aí… digamos
que fosse um tabuleiro de xadrez, eu sou um dos peões ali que tá… tentando
seguir pra proteger suas peças menores, seja lá como for, para cumprir sua
tarefa, e… de repente eu posso num tá mais nesse tabuleiro, tá em outro [...],
a gente tenta fazer o nosso trabalho da forma mais fria possível, a gente tenta
ser menos parcial, até porque é uma exigência do nosso trabalho, como agente
público, e imparcial, a gente tenta evitar sentimentos de ódio pelo suposto
autor, até para o nosso trabalho ser bem mais técnico (disse o agente policial
1- gênero masculino)”; “ que a gente fica assim com relação as vítimas serem
sempre mulheres, a gente sente um pouco de tristeza, por conta da mulher
chegar... muitas vítimas de feminicídios a gente vê, as vezes não teve nem a
oportunidade de se defender, então dá um pouco de (gagueja) pena das vítimas
(disse o agente policial 3 - gênero masculino).

A questão de gênero, de modo específico, foi colocada para a delegada da seguinte


forma: Quantos delegados de homicídio tem aqui? Respondeu que “Hoje no departamento são
sete equipes de homicídio que são divididos em áreas. É Homicídios Leste, Homicídios sul,
sudeste, Norte I, Norte II, Centro e a gente do feminicídio”. E, perguntada sobre quantas
delegadas de feminicídio existiam, ela diz: “Só eu”. Perguntada se acha isso um problema,
responde:

“ Não, acho que não. Assim, o ideal é que a gente sempre tivesse um número
pequeno para investigar, comparar..., mas comparado com as outras
delegacias, os nossos números de inquéritos são pequenos. Nos anos passados
se eu não estiver enganada, porque eu não estou com esses dados aqui, mas eu
acredito que são 25 inquéritos instaurados por mortes violentas de mulheres,
as outras delegacias... teve delegacia que registrou 75 inquéritos, então eu não
vou achar que a gente estar ruim, quando eu olho os números de homicídios
de outras áreas”.

E realizando a pergunta sobre o fato de ser mulher em uma delegacia de feminicídio e


isso ser relevante, a delegada diz: “acredito que sim (gagueja) eu entendo que é relevante, mas
eu entendo que hoje homens também podem ter a perspectiva de gênero”. E sobre os rodízios
frequentes no Núcleo Policial Investigativo de Feminicídio de várias delegadas, a mesma não
se compromete muito e eu pergunto, por que a escolha apenas por mulheres. Ela disse que:

“Eu posso dizer no Departamento de homicídios hoje, só existe uma mulher


que sou eu, que estou no Investigativo de Feminicídio, não sei se não existe
outras mulheres nas delegacias de homicídios [...] O crime de homicídio não
é um crime fácil de lhe dar, porque você vai no local de crime, vai ver um
corpo que está ali 5 dias as vezes, em estado de putrefação avançada, você vai
sentir odor, você vai ver um cadáver cheio de larvas de mosca, comido mesmo.
Então, não é todo mundo que tem estômago, então eu não sei quais os critérios
utilizados para escolher se realmente é uma escolha baseada no gênero,
acredito que não, acredito que as escolhas para vir pra cá, é mais por questão
de perfil”.

Indagada sobre qual o perfil, ela respira fundo e diz: “Gostar de investigar homicídios,
ter estômago para ver certas cenas”. Perguntada sobre quem escolhe e seu gênero, ela diz: “O
gestor, que é o delegado geral, coordenador da equipe do departamento acho que ele analisa
essa questão do perfil”, que a mesma afirma ser técnico, nos dizeres:
“ É técnico, a polícia ela tem uma coisa que se chama ‘tiração’, é uma coisa
que não se explica, às vezes você é bastante técnico, mas o técnico ele é um
perito, então assim, não é só técnica, é observação é uma série de coisas que
não são palpáveis, não vou dizer que é um sentimento, mas é uma questão da
análise, questão de sentir o local, várias perspectivas são quase impossíveis
explicar o ‘tirocínio’ policial”.

Ao ser indagada pelo fato de ser o único Núcleo de Feminicídio e estar na capital,
perguntei como fica essa relação com interior do Piauí? Ela responde que:

“Assim, no interior os feminicídios são investigados pelas delegacias das


mulheres e pelas delegacias distritais mesmo de cada cidade, onde tiver um
delegado no interior, se não tiver delegacia da mulher, ele vai investigar esse
crime de feminicídio”.

Com relação às delegacias distritais, pergunto se um delegado do gênero masculino teria


condições de investigar um crime de feminicídio. A delegada responde:

“Eu acredito assim que vai da capacidade do delegado e de enxergar a


perspectiva de gênero, conheço colegas [homens] que fazem desse modo [...]
O que ele tem que ter [é] capacitação, [...] saber usar os meios de provas, as
ferramentas [...] questão da sensibilidade. A gente chega num local de assalto
a banco é diferente de um local de um homicídio, é diferente de um local de
feminicídio. Acho que tudo depende de capacitação e da perspectiva”.

Reiterando para as questões de ter ou não Núcleo Policial Investigativo de Feminicídio


nos interiores perguntam se interferiam ou não na forma de investigar. A delegada diz que:

“Não, acredito que não. Até porque assim, eu trabalhei em Itaueira durante um
ano e eu não peguei nenhum caso de feminicídio lá. É uma cidade pequena,
mas por exemplo, eu trabalhei em Floriano durante, durante... quase cinco
anos eu peguei um único caso de feminicídio consumado, houve outras
tentativas, houve. Mas eu acho que nada... se esses casos tivessem ocorridos
em Itaueira lá não tinha Núcleo, e nenhuma das duas tinham Núcleo, mas eu
enxergaria da mesma forma. O Núcleo é uma estrutura física, mas você vê que
investigação depende da equipe investigadora, de quem presidiu o inquérito,
é mais uma questão humana, recursos humanos”.

Ela tenta convencer desse argumento ao longo das suas falas sobre a não importância
do gênero ao dizer: “ Ele poderia tomar a mesma atitude que eu, fazer pedido da prisão, tomar
a declaração, ele poderia se comover do mesmo tanto que eu, poderia se sensibilizar, ele poderia
se sensibilizar até mais”, inclusive, se utilizando de exemplo, reportando diretamente a mim,
para que eu entenda o seu ponto de vista, como casos de estupros em que a que a vítima
desesperada supostamente falaria para qualquer um dos gêneros pelo grau desespero, e tratando
da igualdade entres os/as delegados (as), se valendo do seu saber adquirido na academia de
polícia ao dizer que:

“ Os cursos que eu fiz para delegado, o delegado homem também fez, a mesma
academia de polícia que eu fiz, ele também fez. Então as ferramentas de
investigação são as mesmas. é colher depoimentos, é buscar provas como
vídeos e imagens, é buscar mensagens de conversa de telefone, é pedir quebras
de sigilo, tudo isso que eu sei fazer um delegado homem também sabe. Então,
às vezes o que vai diferenciar é esse tratamento acolhedor e às vezes tem
mulher que não faz o acolhimento, e tem homem que faz”.

Argumentando, assim, que o fato de ser uma delegada mulher não determina a
investigação, dada essa conclusão em um exemplo hipotético ao dizer que:

“ Eu posso ser mulher e chegar a vítima aqui para mim: delegada o meu
marido me ameaçou na semana passada, ele me surrou na semana antepassada,
ele vai me matar... eu posso ouvir ela e não fazer nada. E o outro colega
homem lá do interior pode ouvir ela e pedir a prisão desse cara. E ai eu lhe
pergunto adiantou alguma coisa da questão de gênero. Eu acho que não é
determinante, o que eu te digo o pode atrapalhar um pouco é a questão da
vítima, dela se sentir à vontade ou não para dialogar com aquele delegado do
sexo masculino, eu acho que esse problema hoje está mais resolvido, pela
inserção da mulher na polícia, principalmente no interior, principalmente
neste último concurso a quantidade de mulher aumentou bastante”.

Questionada se ela percebeu algum ato de machismo com sua pessoa fora (diligências
policiais) e dentro do ambiente institucional, ela diz que: “Não, não acho isso não, não sei se
pelo fato de estar na posição de hierarquia, de delegada, eu observo respeito é... sempre que nós
saímos para cumprir diligência, eu sempre observo uma posição de igualdade”. E perguntado
se ela já percebeu diferença de tratativas entre ela e os delegados do gênero masculino, a
delegada respondeu que:

“ Não, não observo isso não, quando nos saímos por exemplo, vamos cumprir
uma busca e apreensão, vamos entrar numa casa, cumprir um mandato...
ninguém diz assim: ‘delegada a senhora fica de fora porque a senhora é mulher
e é perigoso para senhora’, não, não tem isso não. ‘É perigoso para a senhora
fazer isso’. Ela diz o que pode ocorrer em diferenciação e para determinados
casos que, como informar nos dizeres ao dizer que: “ Muitas vezes quando vai
bater na porta, se precisar quebrar a porta, claro ele é mais forte, a força física
é dele. Do mesmo jeito que as vezes ele tem que abordar alguém, quando tem
que abordar, eu abordo também, então assim, na minha perspectiva de trabalho
até hoje eu não senti essa diferença de tratamento”.

E, de forma mais intrínseca, em reunião de casos com somente a equipe do núcleo, foi
perguntado o que ela nota por parte da equipe que é masculina. A delegada diz que:

“[…] nota que por parte de um dos policiais há bastante sensibilidade, ele é
um policial bastante sensível, que ele enxerga bastante o lado da mulher, da
violência... do sofrimento, não vejo diferença no pensamento dele para a parte
feminina da equipe e de outro policial eu noto um distanciamento maior, mas
acho que não é questão do gênero, é pela questão dele ficar mais neutro,
imparcial. Acho que não é a questão da diferença de gênero não, ele não se
envolve emocionalmente pelo sofrimento da vítima, ele tenta analisar pela
perspectiva mais técnica. O outro policial eu já notei ele bastante assim
envolvido emocionalmente, ele se sensibiliza, se coloca no lugar da vítima da
mesma forma como o lado feminino da equipe se coloca. A gente sempre tem
essa sensação de que (gagueja), às vezes não depende da questão do gênero,
depende mais da personalidade da pessoa”.

E, para finalizar, as perguntas específicas associadas ao seu gênero foram estas: O que
te motivou a ocupar um cargo onde se investiga morte especificamente de mulheres? Ela
respondeu que: “Vir trabalhar na Feminicídios foi questão da oportunidade do momento, se
tivessem me oferecido trabalhar no Departamento de Homicídios com morte de homem, eu
trabalharia da mesma forma. Entendeu?”. E, se pudesse escolher entre homicídio e feminicídio?
Ela afirma feminicídio. Quando perguntada por qual razão, ela diz: “Pela questão mais
da questão de, de, de justiça. Dessa sensação de poder fazer algo pelas mulheres”. E perguntado
qual seria a preferência de um delegado homem acerca do homicídio ou feminicídio? E por
quê? A delegada diz que:

“Homicídio. Porque eu acho que ele na primeira perspectiva ele poderia


imaginar que ele iria lhe dar só com essa questão do crime [...] Porque vamos
lá! O feminicídio quando é praticado contra o companheiro/companheira ele
é um crime que está mais exposto, ele tá mais evidenciado [...] É... quando
você chega em um local de crime que foi o companheiro que matou a mulher
ele não é um crime de uma autoria tão difícil de você descobrir por que todos
os indícios estão ali expostos. É o cara que foge... é o filho que viu... (gagueja)
o ambiente familiar ele já fala muito a questão dos vizinhos, as brigas, os
relacionamentos anteriores, familiares. Então, assim que acho que os
homicídios praticados contra homem não, eles são crimes mais de execução,
tem outros motivos de briga, fútil, é diferente. Então, assim eu que um
delegado homem não se interessasse tanto por achar que é um crime mais fácil
de ser praticado”.

De modo específico, foram realizadas perguntas relacionadas ao gênero para a escrivã


do Núcleo Policial Investigativo de Feminicídio. Ela foi indagada em observância aos
inquéritos policiais por mim analisados ao falar que alguns foram transcritos por escrivães do
gênero masculino. Com isso, perguntei: Se o seu trabalho fosse feito por um homem, teria
diferença? A escrivã diz:

“Que sim porque mesmo um homem tendo uma visão mais humana, acha que
uma mulher escutando uma mulher é diferente”. […] sabe, eu acho que pelo
próprio histórico que a gente tem de não ter os mesmos espaços que o homem
tem né, seja financeiramente, seja de voz,, mesmo um homem sendo [humano]
entendendo tudo mais, alguns podem até se igualar a gente nessa questão de
entender a mulher mas outros acho que não”.

Ao ser perguntada se ela acharia importante dentro Núcleo Policial Investigativo de


Feminicídio que a maioria seja formado por mulheres, afirmou positivamente. E se acha que o
número maior de homens no núcleo atrapalharia a investigação. A escrivã diz que:

“Não chegaria a atrapalhar, mas eu acho que sendo mulher, o trabalho poderia
ficar de igual para igual, não necessariamente toda a equipe de mulher mas
que tenha alguma mulher para a gente conversa, a gente... inclusive você
estava aqui né… uns dias a delegada passa muito tempo ali com a gente, então
ela conversa… gente o que que vocês acham? Qual a opinião de vocês? Então
a gente faz uma investigação, a gente pega os fatos, a gente analisa, e cada um
dá opinião, eu acho que às vezes até as nossas opiniões batem - não eu acho
assim e acho assim - e a gente vai seguindo nesse entendimento de apurar da
melhor forma possível”.

E aos 03 agentes de policiais, que aqui serão configurados em agente de policial número
1 - gênero masculino, agente policial número 2 - gênero feminino e agente número 3 -policial
masculino, foi questionado a eles o seguinte: Perguntado ao agente policial número 1- gênero
masculino: Se você acha que seu trabalho teria diferença se fosse feito por uma mulher? Ele
responde:

“Não, não sei te dizer, porque nós temos 3 mulheres. Somos 3 mulheres e 2
homens no momento até seria interessante que viesse mais alguém pra cá e
que fosse mais um homem pra ficar equiparado, [pois o] crime hoje em dia
que envolve uma família é importante ter pessoas que possam entender todos
os lados daqueles membros da família, [pois] uma mulher que é casada, mãe
de família e tem filhos, é a gente que é casado, tem filhos a gente vê como é
mais ou menos assim… o trabalho cotidiano de uma mulher que é casada, tem
filhos e trabalha fora de casa, estuda e tal mas eu sei qual seria o papel, a
responsabilidade e o cotidiano de um homem que é casado tal, tal, tem filhos;
então tendo homens e mulheres é melhor do que se tivesse só homens do que
tivesse só mulheres, os homens podem ver por uma perspectiva, as mulheres
podem ver por outra perspectiva”.

Em continuidade, argumenta que “é claro que como nós aqui somos profissionais, a
gente vai ver tudo dentro de uma linha muito parecida mas…e fosse feito só por mulheres em
muitos momentos poderia faltar alguma coisa se fosse feito só por homens eu também acho que
em algum momento poderia faltar alguma coisa”. Ao perguntar que coisas, ele diz:

Você imagina aí uma delegacia só com mulheres pra prender um cara que é
machista ao extremo, que acha que mulher é isso, mulher é aquilo, ele vai pra
cima das mulheres, vai querer bater, ele não vai ter medo delas também não,
porque na hora de cumprir uma prisão a gente faz o uso da força, nem sempre
o cara vai dizer ‘ah tudo bem, eu quero ser preso, eu vou ser preso, agressores
que num vão se sentir intimidados, talvez se sentisse até mais revoltado por tá
sendo preso por mulher, por que na cabeça dele é assim, entendeu? Aí a gente
precisa ter homens e precisa ter mulheres, se fosse uma delegacia só com
homens também não funcionava”

Nesse momento de fala, ele cita as situações que notoriamente culpabilizam a vítima,
mesmo não perguntado nada referente. Em suas palavras:

[…] “vejam até que ponto também aquela mulher não colaborou, não
contribuiu pra aquilo, até quando aquela mulher foi errada em algumas coisa,
porque existe aquela questão assim, de poxa vida, a mulher sempre é vítima,
cem por cento totalmente, nos casos que já chegaram aqui nem sempre, aqui
essa teoria de que, ah mas a mulher é sempre a vítima cem por cento, cem por
cento, incondicional, incontestável, não é assim que funciona, nem sempre a
mulher é vítima cem por cento, cem por cento e nem sempre ela foi somente
vítima, em alguns momentos ela deu de certa forma caso pra alguma coisa não
parar, deu caso pra alguma coisa até começar, aí você diz assim, mas como
assim, não é uma visão machista, não?”

Tal qual os demais, volta-se ao final de sua análise afirmando que sua visão é técnica e
justifica sua posição ao dizer que:

“ Não, nada que eu falar aqui não vai ser só visão machista vai ser uma visão
profissional, não tô falando nem uma opinião pessoal, nem uma opinião aqui
é porque eu acho, é coisas que eu já vivenciei, então já vi casos de mulheres
em algumas situações que ela sabendo na cabeça dela - ela nos contou isso -
ela nos contou que quando o cara chamou ela pra dentro do carro, ela entrou
no carro desconfiada que o cara iria matá-la, mas mesmo assim ela foi e a
gente perguntou… eu perguntei, porque que você foi? Ela disse, não… não
sei o quê… ela não soube dizer, é como se eu te perguntasse uma coisa, você
ficasse no blábláblá, você não respondeu, mas cê entrou no carro por quê? Ah
é… num… porque, porque, porque… blábláblá… falou, falou e não
respondeu nada”.

Ele conclui sua fala acerca da pergunta referente a esse caso argumentando que:

“Então ela não foi vítima de si própria [e que]talvez insanamente provocou


algumas situações que poderiam ser evitadas, como o principal de não ter
entrado nesse carro, ela não entrou no carro por força dele, ela entrou no carro
por vontade dela, quando ele disse ‘entra no carro’, até então ele tava tranquilo
mas ela sentiu que alguma coisa tava errada, isso foi o que ela nos relatou e
nós vimos o vídeo, ele tentando furar ela e talvez até pudesse ter furado muito
mais, [..] e que ficou é… como acusado de tentativa de feminicídio e inclusive
até no dia da prisão dele, então por isso que a gente tem que ter a visão de
homem aqui, a gente tem que ter uma visão de mulher pra que cada um possa,
e pensar de diversas formas”.

De modo específico sobre gênero, a agente policial número 2- gênero feminino foi
interpolada com a mesma pergunta: Como você se sente nesse trabalho em que os agressores
cometem um crime na qual a vítima é sempre uma mulher? Em resposta, ela disse:

“Assim, como eu te disse eu acho que com o tempo a gente vai... não vou dizer
que acostuma, porque nunca acostuma. No meu caso como mulher tenho um
sentimento é diferente do sentimento dos meninos, porque você se vê naquela
mulher também, porque é uma coisa que pode acontecer com você também,
porque ninguém está inseto daquilo ali e... você claramente a razão de gênero
ali naquele momento, porque o cara não aceita o final de uma relação. Mas é
chocante”.

Ao tomar como gancho o seu dito com relação aos agentes policias do gênero masculino,
perguntei a ela o que será que eles sentem. Ela diz que acha que: “[…] o sentimento deles é
diferente, acho que nós enquanto mulheres em sentimentos somos mais impactadas do que os
meninos [...]. não sei é meio estranho”. E saber se seu trabalho teria diferença se fosse feito por
um homem, ela pensou e disse: “[...] que os homens infelizmente, é até cultural... eu acho que
eles vêm aquela cena de uma forma um pouco mais machista vamos dizer assim, não que
sejam..., mas eu acho que nós temos uma visão mais sensível”.
E, ao agente policial número 3 - gênero masculino, foi questionado sobre se achava que
o seu trabalho seria diferente se fosse feito por uma mulher, e como resposta obtivemos: “não
ver dessa forma, poderia ser melhor, poderia ser pior, vai depender de cada pessoa. Eu não vejo
a questão da mulher [..] eu não vejo que poderia ser diferente”. Indaguei-o sobre o que achava
do fato de quem está sempre à frente do núcleo como delegado ser sempre uma mulher e se
seria diferente se quem estivesse a frente fosse um homem, ele diz que: “não vê dessa forma,
mas é uma exigência que a delegada seja mulher”. Em continuidade, perguntei a ele: Por que
você acha que existe essa exigência legal? Em resposta, ele diz:

“Pelo lado feminino (sorri), acha que a mulher vai ter um sentimento mais
corporativista, vai ter uma atenção melhor, mais redobrada, eu vejo que como
todos os policiais, tanto a mulher como o homem poderia fazer o mesmo
trabalho, poderia dar essa mesma atenção. Eu acho que depende de cada
pessoa, pode ter delegada mulher que não vai ter aquela atenção devida. E
conheço delegado homem que seja mais compromissado. Eu vejo que a
exigência legal seja mulher, porque tem aquele sentimento de compromisso
maior que o homem, né?”.

Outrossim, foi perguntado à delegada: Quando você chega à cena do crime de


feminicídio, qual o seu sentimento? A delegada respira fundo e responde:

“Meu sentimento é de... sei nem explicar, deixa eu tentar encontrar uma
palavra que possa definir, às vezes um pouco de revolta quando você vê a
situação daquela vítima que morreu. Tristeza...a gente às vezes naquele
momento assim com a adrenalina tão a mil que as vezes a gente só consegue...
digerir aquele fato quando chega em casa à noite quando vai deitar, que para
e pensa meu Deus, porque aquilo, tanto que aquela pessoa sofreu. Eu penso
muito no sofrimento que aquela pessoa teve, sentiu. É o que eu mais fico
assim... Meu Deus do céu o tanto que essa mulher sofre, apanhou, foi
estrangulada. O meu sentimento é esse. Muitas vezes de revolta [...], às vezes
quando é morta na frente dos filhos, assim... é a sensação que você sente um
pouco de revolta por ver o que o filho sofre por ver aquilo, a questão do
sofrimento daquela mulher, a mulher foi morta com uma pedrada na cabeça...
a gente fica assim... meu Deus.... não dá nem pra explicar é um misto de
revolta, sensação de querer fazer justiça, querer resolver, prender, indignação,
é muita coisa junta. Mas a gente trabalha muito para não expor essas coisas,
para não atrapalhar a investigação, que assim (gagueja), a gente tem que estar
com a mente bastante boa para raciocinar, para enxergar o que precisa ser
visto”.

Para o agente policial de número 1 - gênero masculino, sobre a mesma pergunta feita à
delegada, ele diz que:

“[…] é confuso pra mim te dizer qual meu sentimento, porque é… no… no
meu primeiro caso como policial que eu cheguei num local de homicídio, eu
fiquei um pouco abalado por ver uma cena de alguém que tava vivo e de
repente perdeu a vida ali em questão de segundos, e aí… a gente fica um pouco
emocionado assim, num sei nem te dizer como, mas fica assim um pouco é…
é… impactado, mas em local de feminicídio propriamente dito é… a gente
pensa muito em relação a uma família que talvez por motivos evitáveis acabou
se destruindo, eu fico com muita pena quando tem crianças é… naquela
família, às vezes não é só um casal [...] já vi casos em que as crianças - a filha
ou filho - presenciou a mãe ser morta, e aí a gente pensa assim que aquela
mulher é… era uma mãe, era uma filha, era uma irmã… e eu tenho tudo isso,
tenho mulher, eu tenho filha, eu tenho mãe e tenho irmã, então eu penso muito
nisso, que era uma coisa que poderia não ter acontecido, porque às vezes são
motivos extremamente tolos, num foi uma coisa que aconteceu”

Percebe-se aqui que o sentimento não está tão atrelado à vítima, mas a quem elas
deixaram como filhos (se tiver) e restantes da família”.
Já para a agente policial de número 2 - gênero feminino, referente à essa pergunta, ela
disse: “No início para mim era muito chocante”. Ao ser perguntada por que, respondeu: “[…]
como mulher, mãe é uma cena que te deixa impactada, a grande maioria das mulheres que estão
ali, morreram, a grande maioria porque não queria mais o relacionamento, era mãe de família,
então, de certa forma você se identifica. Principalmente por você ser mulher, né?”. E para o
agente policial número 3- gênero masculino, perguntei se ele naturalizou:

“Assim... por estar muito tempo aqui no homicídio se torna um pouco mais
frio, não tem aquele sentimento de medo, de tristeza... a gente fica triste de
certa forma, abalado, mas não abala tanto mais por conta do tempo que
estamos aqui, é bem costumeira e a gente se torna um pouco mais frio,
infelizmente”.

É importante salientar que essa pergunta não foi feita de forma direta.
E, por fim, acerca das relações de gênero e se elas afetam o seu trabalho de alguma
forma, eles foram uniformes nas suas respostas, que se mostraram mescladas ao dizerem, por
exemplo, que:

“Não, a diversidade de pensamento ela ajuda na investigação. Vamos lá! Às


vezes quando você está numa investigação você se deixa influenciar por
algumas vivências suas anteriores. Por exemplo, eu ter pego um caso de uma
mulher que foi morta de um jeito e eu já ter pego um caso parecido, e aquilo
dali mesmo de forma inconsciente aquilo dali pode me sugestionar e às vezes
outra pessoa que está de fora de outra perspectiva, já percebeu outra forma,
ela pode me trazer de volta a realidade. Ela pode dizer: olha, tem esse outro
viés, tem esse outro ângulo. Então, na verdade eu acho que a diversidade ela
auxilia na investigação, porque se todo mundo pensasse igual, as vezes a gente
não enxerga outras linhas, e é justamente o que faz você já enxergar outras
nuances do crime que você não enxerga”.

Ao tomar como gancho o artigo intitulado de “Polícia têm gênero? Algumas reflexões
sobre mulheres e feminino na segurança pública brasileira”, este abre os olhos do(a) leitor(a)
para dizer que, ainda que não seja um lugar equânime com relação de gênero, apesar dos ditos
que precisamos de mais mulheres por mulheres, não creem que isso seja um problema, e com
os homens a sensação de defesa argumentativa para defender sua proteção trabalhista seja por
sua força masculina e sua “ autoridade masculina’ ou como eles/elas formulam a necessidade
de “ter um homem presente”. A lógica de sensibilidade das mulheres é apagada nesse ínterim,
fundamentada em lógicas culturais patriarcais. Apesar de cientes das diferenças de pontos de
vistas, argumentam sobre a necessidade da diversidade, que deságuam no âmbito institucional
e no funcionalismo causado pelo mito da igualdade desenvolvido no pensamento de ordem
jurídica, fazendo com que, conforme Bulter (2017), a perspectiva de gênero seja dada enquanto
disciplina do neutro.
5.2 A interseccionalidade e a empatia seletiva

Outra coisa que foi percebida ao analisar os inquéritos policiais é a diferença dos
feminicídios, que chamei de feminicídio periférico e feminicídio não periférico. Nos
feminicídios periféricos ocorrem bastante o linchamento (tentativa ou não de assassinato por
multidão para punir o agressor ou intimidá-lo). Em razão disso, muitos feminicídios conseguem
ser evitados por terceiros. Diferente do que ocorre em feminicídios com mulheres de classe
mais rica, como, por exemplo, da médica Carla Naira, em que houve gritos por parte dela,
ouvidos por muitas testemunhas, uma delas confessou que seu marido queria ir ao apartamento
intervir, mas ela disse a ele “não vai”. A médica morreu esfaqueada pelo ex-marido.
Essa indagação sobre a intervenção de terceiros ou não no momento da agressão foi
realizada sob forma de pergunta, na qual a delegada confirmou ao dizer:

“ Sim, verdade isso existe mesmo, o que e a gente percebe que assim que nas
zonas sociais mais privilegiadas, normalmente como os compartimentos
residenciais são mais fechados, é um apartamento, é uma casa murada tem
cerca elétrica, normalmente as pessoas tem aquele preconceito de não se
envolver é tanto que é por isso que foi criado uma lei municipal que atribui
síndicos a denunciar, né?! Violência doméstica ou indicio de violência
doméstica nos condomínios que era muito frequente se escutar os gritos das
brigas e ficar todo mundo calado, ouvindo. É uma questão que todo mundo no
condomínio sabia, inclusive o pessoal da portaria e ninguém fazia nada”.

A delegada reitera que, em razão disso:

“Foi obrigado fazer uma lei para obrigar e quando se fez uma lei dizendo que
o síndico tem que denunciar os condôminos, não se fez essa lei pensando lá
na periferia não, se fez essa lei pensando nos condomínios de luxo, nas pessoas
com melhor condição social. Justamente porque é nesses lugares onde o
silêncio impera, onde ‘não vamos dizer nada por que ele é fulano, ele é ciclano,
eles sabem, eles se entendem’, então, realmente tem isso. Enquanto na região
periférica até pelo fato dos vizinhos se conhecerem mais de terem aquela
questão de ainda ir na porta de casa, de ir na casa vizinha pedir uma coisa de...
(gagueja) realmente de existir mais essa questão do linchamento. Enquanto,
realmente, nas regiões privilegiadas não”.

A lei que a delegada que se refere é a Lei n° 6.539 de 2020, que obriga condomínios
residências suspeitas ou a ocorrência de violência contra mulher, seja doméstica ou familiar,
criança, adolescente ou idoso sob pena de pagamento de multa equivalente de R$ 500 a R$ 10
mil depois da segunda atuação.
Perguntei à delegada se o linchamento acarreta alguma penalidade. Ela disse:
“raramente as pessoas que lincham são identificadas, então, é raramente”. Bem como se é
preocupação da polícia investigar linchamentos. Ela respondeu que:
“ Não, assim, vamos lá, o que acontece quando a gente está investigando aqui
a questão do feminicídio e como nós somos especializados em feminicídio, a
agente vai investigar o feminicídio, se lá por exemplo, a polícia militar
encontra o cara lá ensanguentado e tem vinte pessoas e ele disser assim: “foi
a fulana que me bateu e fez isso e aquilo”, então o policial militar no exercício
da atividade dele poderia prender, prender não... conduzir essa pessoa para a
Central de Flagrantes pra ela ser autuada por lesão corporal, mas é muito raro
acontecer [...] Eu não sei se você percebe mais normalmente quando tem um
flagrante, nesses casos de linchamento tem o flagrante é que o polícia militar,
as vezes o que ela quer é só retirar a pessoa daquele tumulto para evitar que
ele morra, então não dá pra eu dizer: ‘eu tirei ele daqui, agora vamos lá, quem
foi que bateu nele?’, se ele for tentar pegar um daqueles cidadãos que estão ali
linchando aquele assassino, o que vai acontecer com essa equipe? Eles vão ser
agredidos, eles vão fechar, normalmente naquela equipe normalmente são
duas pessoas, vão tomar uma arma e a gente ver uma tragédia pior, mas
realmente (gagueja) é verifica que não existe essa preocupação de identificar
os linchadores não”.

A outra contrariedade encontrada foi com questão das drogas. Sobre isso, perguntei qual
a relevância em saber se o agressor/ feminicida é ou não usuário de drogas e, se não tem
relevância, por que é perguntado a ele. Ela responde que é

“Porque quando o juiz vai aplicar a pena dele existe o artigo 59, que pede que
a gente fale sobre os antecedentes sociais, a culpabilidade, reprovabilidade da
conduta, as consequências também da conduta, então este tipo de informação
serve para o juiz entender como é a vida social daquela pessoa ajuda em
aumentar a pena. Então, por exemplo, se ele é usuário de drogas este é um dos
fatores sociais que ajuda a aumentar a pena, se, por exemplo, ele é uma pessoa
(respira fundo) ... são várias questões hoje em dia para o juiz conseguir
aumentar a pena básica, que é baseada neste artigo 59, é muito difícil você
fazer essa pesquisa social do agressor porque a polícia está abarrotada de
inquéritos, então assim muitas vezes... por que que a nossa punibilidade no
Brasil ela não é boa, é mais uma somativa de punibilidade”.

Depois, em continuidade às respostas, ela coloca como aumento de fatores sociais ao


dizer que é para tentar fazer um estudo social do autor, que ela argumenta que:

“Não há! Pois isso pergunta-se se você usa drogas? Você tem filhos? Você
tem deficiência? Então, assim quando o juiz ele vai analisar a pena base, lá
com base no artigo 59, ele pede para você olhar tudo isso. Inclusive um dos
fatores que é para questão de amentar a pena do crime é as consequências do
crime, você já perguntou alguma vez... viu alguma pergunta para a vítima ai,
se ela está fazendo acompanhamento psicológico ou se ela conseguiu trabalhar
depois disso? É uma deficiência, mas por que, pela carência. Então, assim
quando eu não consigo mostrar para o juiz quem é o agressor com base no
artigo 59, eu não consigo elevar a pena. Se eu que estou cara a cara com o
agressor não consigo fazer este estudo dos antecedentes sociais dele, como é
que o promotor que só vai as vezes encontrar com ele na audiência vai fazer?
Então o juiz não consegue aumentar essa pena base, então, as vezes o cara é a
pior pessoa do mundo no bairro dele com crimes anteriores, ele é ruim para
família dele, ele é ruim para a vizinhança, mas eu não consigo colocar isso no
inquérito e o juiz não consegue aumentar a pena dele e as vezes ele vai pegar
a pena base. Uma deficiência! Então, a gente pergunta: é usuário? Faz uso?
Porque as vezes é uma dívida de drogas”.

Ela citou como exemplo:

“Um caso aqui de uma moça na Vermelha [bairro de Teresina-Piauí] , que a


informação que a gente tem dela é que ela não praticava outros crimes, não
tinha outros envolvimentos, nem facções criminosas, ela realmente (gagueja)
as características notórias dela, é que você poderia associar a questão do crime,
é o uso no caso”. Perguntei como ela chegou a essa conclusão, se foi
conversado com a família? Ela disse “Sim!” e perguntei o que família dela o
que disse? Ela disse que “confirma que ela era usuária de drogas, que usava
há muitos anos, que tentaram recuperar, levar para a casa de recuperação, que
ela não aceitava, que no final ela estava tão debilitada pelo uso das drogas,
que eles resolveram deixar ela sozinha na casa... que ela tipo morava, que ela
já tinha vendido tudo e ela fica lá fazendo uso das drogas. E que ela não tinha
histórico de envolvimento nem com crime, nem com roubo, nem com nada.
Até que um dia ela tava usando craque com mais duas ou três pessoas dentro
da casa, chegou um pessoal numa moto, bateu na casa, pediu uma água, ela
saiu para dar a água e eles atiraram e mataram ela, mas é execução, né?!Então,
a gente se pergunta o que que tem de relevante nessa vítima que pode ter
ocasionado, né?! Essa execução dela? A família não fala de nenhum
relacionamento amoroso”.

Perguntei à delegada o porquê de ter encontrado seletividade nos inquéritos policias e


citei como exemplo o famoso caso da médica Caroline, que, em nenhum momento, perguntou
se ela usava drogas. O ex-marido, que a matou, cometeu suicídio, bêbado, ao jogar o carro que
dirigia contra um caminhão. Também não foi tratado em nenhum momento sobre droga na
montagem do seu perfil social/ psicológico, nem sob perguntas com testemunhas. Neste sentido,
perguntei por que há essa diferença entre as mulheres e homens com relação à questão das
drogas, sejam elas licitas ou ilícitas.
A delegada diz que:

“Com relação a esse inquérito aí, é... como eu te disse como eu estou aqui
desde setembro, eu não presidi esse inquérito, mas no meu ponto de vista eu
não vejo essa questão da diferença, tudo bem ela era médica... a delegada
anterior não perguntou para ela sobre o uso de drogas, mas havia alguma coisa
que indicava que ela usava drogas, para eu perguntar. Tipo assim (respira
fundo) vou tentar lhe explicar sobre outra forma, por exemplo, na justiça
penal, no direito penal, existe algo chamado exame de insanidade mental, todo
acusado que chegar aqui eu vou perguntar se ele tem transtorno mental? Para
eu pedir o exame de insanidade mental, eu não vou perguntar para todos, mas
se chegar um aqui amalucado, falando coisa com coisa, ele tem um indício
que ele um possível transtorno mental, então para ele eu vou perguntar: você
tem algum transtorno mental? E tudo mais lá, isso e aquilo...Então, assim às
vezes você chega em um local crime... quando você chega em local de crime
muitas vezes que você vai na região, por exemplo (gagueja) eu ia citar um
nome de um caso, mas não vou citar não. Você chega no local de crime, as
pessoas vão dizer: ah, aí funcionava uma boca de fumo. Depois se calou, mas
você sabe que lá funcionava, você chega, você vê as bitucas de cigarro no
chão, você vê algumas coisas, você vê sinais de que ali havia o uso, então eu
vou perguntar se ela fazia o uso de drogas. Ou então, aquela região que ela
morreu é tipicamente usar, é do lado de uma boca de fumo, de usuários de
drogas. Então, assim eu acredito, mas eu não fiz essa investigação da médica,
mas você está dizendo... não havia indício. Mas por exemplo, se chegasse lá
casa dela e tivesse (gagueja) é... cheiro, as vezes tem o cheiro, porque a
maconha tem o cheiro forte ou se tivesse papel de cigarro feito. Será que a
pergunta não teria sido feita?”.

Relatei à delegada que vi um inquérito policial cujo perfil psicológico/ social


(lembrando que quem realiza o perfil das vítimas e dos agressores/ feminicidas é a própria
polícia) da vítima dizia que se tratava de uma jovem, morta pelo namorado, que era traficante.
Quem escreveu essa parte não estava bem visualizado, mas, em outras páginas, um perito da
policial civil (verificado vide assinatura e carimbo) disse que ela era jovem, rebelde, da
periferia. Perguntei o que ela pensa sobre uma tratativa assim no inquérito policial. Ela disse
que achou:
“[…] sem técnica, eu acho péssimo (risada sem graça) sei nem dizer o que
que eu acho, eu acho que na verdade falta técnica, falta profissionalismo. Eu
acho na verdade que é uma fala discriminatória, eu que é uma fala que carrega
preconceito e que inclusive se a gente partisse desse tipo de visão, é uma visão
que, que, que criminaliza a própria vítima e que atrapalha a questão da análise
do inquérito. Então quando a gente vai olhar o inquérito a gente procura não
analisar sob essa questão “jovem rebelde da periférica”. Vamos lá! O que que
ele pode estar querendo dizer por rebelde aquela jovem adolescente que as
vezes não obedece os pais, que está naquele momento do fervor da
adolescência que não satisfação”.

Apesar de tentar realizar justificativa à atitude do profissional, como nesse trecho,


criticou também sua postura ao dizer:

“Então, assim é […] são certos nomes pejorativos que são dados para certas
questões que se fosse outra pessoa, talvez ele não usasse este tipo de termo,
então a gente tenta... realmente existe técnicas nos trabalhos, mas aqui
trabalhando na homicídios eu percebo que esse tipo de falta de técnica é
menor, se você for analisar uma delegacia do interior, um distrito que as vezes
as pessoas não estão tão especializadas nesse serviço você vai ver isso de
forma mais recorrente. Por exemplo, “o meliante atirou”, “o indivíduo
reconheceu o indivíduo”, não é assim, não é um indivíduo, ele é um homem,
é um homem que atirou, um homem que assaltou. Então, assim pelo menos
no meu trabalho eu tento tirar as palavras que são estigmatizantes”.
Sobre o inquérito da médica, foi perguntado também à agente policial de número 2-
gênero feminino a razão dessa diferença sobre perguntar ou não sobre o uso de drogas da vítima
e agressor/feminicida às testemunhas. Ela pensou e disse: “eu não sei, eu não sabia que não
tinha sido perguntado”. Perguntei por que ela supunha que isso ocorra, ao que respondeu:

“Eu acredito (gaguejou) porque assim a maioria desses casos que nos pegamos
agora, com certeza tu deu uma olhada porque teu estudo é por ai... a grande
maioria tem muita moradora de rua, nós já sabemos que é por envolvimento
com isso, né? Então, as vezes é uma pergunta até óbvia, a gente normalmente
já sabe que tem envolvimento com drogas. Agora porque não foi perguntado,
eu não sei”. Com relação a temática droga perguntei se essas pegruntas não
tira o viés do feminicídio, ao ficar só pontuando essa questão, as vezes até
como tema central mais do que o próprio feminicídio? Ela apenas disse que
não sabia a razão “ eu não sei (gagueja), (sorri) é eu não sei...”.

Também ao agente policial número de 3 - gênero masculino perguntei o que ele achava
da correlação entre feminicídio em periferia e drogas, acentuando que isso é perguntado a todas
as testemunhas, tornando-o elemento central. Ele disse:

“ É como eu falei antes, a gente tenta verificar se a pessoa é usuária de drogas


para verificar se ele já tem aquele problema que vai potencializar ele a fazer
aquilo, geralmente quando acontece esse tipo de coisa a pessoa está sob efeito
de álcool ou de drogas. A droga ela encoraja, o uso de drogas vai encorajar
aquela pessoa cometer um crime”. Ele disse para o caso do agressor, com isso
perguntei se causa está no uso da substância porque ele atinge apenas aquela
mulher ao invés de atingir qualquer pessoa aleatória na rua? O agente policial
diz é em razão de está “atrelado ao machismo e com o uso da droga e aquele
momento... a droga vai potencializar, aquela questão do machismo”.

Citei como exemplo o caso da médica Carolina, pois em nenhum momento perguntaram
se ela ou seu ex-marido eram usuários de drogas. Perguntei o porquê dessa diferença. Ele disse:
“eu não acompanhei esse inquérito dela”. Em continuidade, argumentou que: “Bom (risada)
aquele olhar preconceituoso, já tira aquele conceito, sabe que é médica, que é branca, não vamos
perguntar se usa drogas, já tem aquela visão, né? Da pessoa que fez... é nos mesmos a gente já
tira as conclusões que é pela classe”. Perguntei também a ele se não achava que, muitas vezes,
essa questão da droga pode ser porque a instituição polícia tem muito essa demanda da guerra
contra as drogas e estão querendo colocar isso também no feminicídio. Ele disse que “não vejo
dessa forma, mas que as drogas causam esses problemas, não o feminicídio em si, eu acho que
o feminicídio é mais uma questão cultural machista mesmo, mas ela vai dar uma potencializada
em alguns casos”. Por fim, perguntei isso: quando o feminicídio é feito sob substância de algum
entorpecente droga ou álcool, como é que é tratado? Ele disse que:
“ não tem diferença por ser droga ou álcool a gente vai tomar as mesmas
diligências necessária para chegar na autoria, para tentar esclarecer os fatos, a
gente tenta esclarecer os fatos, certo? A gente não vai tratar assim de uma
forma diferenciada, eu no meu caso tento esclarecer da forma que aconteceu,
mas ter um sentimento diferente porque é homicídio, feminicídio, ou tem
droga não tem droga, a gente tenta esclarecer os fatos”.

A delegada citou um caso de forma espontânea, o qual ela presidiu e que ganhou muitas
manchetes nos jornais locais e nas redes sociais. Nos seus dizeres

“Você falou do caso da médica, mas teve um caso recente agora, que foi
noticiado pela imprensa, de que a moça era uma estudante de direito, ela
era branca, ela era loira, ela tinha os dentes brancos bonitos, ela usava unha
de gel, ela era uma moça tipicamente... a imagem dela de privilegiada
socialmente, mas qual a conclusão que nós chegamos é que ela veio a óbito
por causa do uso de drogas, entorpecentes...”.

Perguntei qual tipo de droga ela usava e a delegadas disse: “Cocaína. Os familiares
relataram que ela já usa tudo, entendeu? Então, possivelmente ela estava usando cocaína, então,
assim nos não excluímos nada. Mas as circunstâncias nos apontam certos direcionamentos”.
Perguntei à delegada como foi o começo desse caso da menina, estudante de direito,
antes de descobrirem que ela faleceu em decorrência do surto, fruto do uso de drogas. A
delegada conta que:

“No começo, noticiaram na mídia que ela havia sido espancada pelo
companheiro, que ela tinha perdido o bebê dela... então foi todo esse contexto
dela, quando a gente viu essa reportagem na mídia... porque nos tomamos
conhecimento desse possível crime pela mídia, não teve denúncia. Então nos
fomos até o hospital, foi uma coisa que causou realmente uma confusão de
que o cara tinha invadido a casa, tinha pegado ela, puxado pelos cabelos,
espancado... Então, assim, né?!gerou uma confusão, nos fomos até o hospital
verificar, conversamos como a equipe médica, pedimos o prontuário,
entramos em contato com a família. Aí própria família começou a trazer para
a gente, a situação não é essa, a situação é outra. Ela era usuária de drogas,
assim assado, aí a gente vai buscando investigação. Mas nunca descartando
de cara a agressão do companheiro, a gente vai trabalhando em linhas
paralelas: vamos chamar o companheiro agora, vamos ver o que que ele fala,
vamos tentar pegar uma contradição, vamos ver se o álibi dele confirma,
vamos procurar as testemunhas”.

Perguntei-lhe se a família nunca denunciou ou se tinha algum Boletim de Ocorrência do


caso. Ela disse que: “Não! E que depois que o caso apareceu na mídia, o pai dessa moça foi até
as televisões... que havia sido o companheiro dela, que havia agredido ela... mas a investigação
revelou outra situação”. O modo como se desenvolveu a investigação que a delegada conta
causa estranheza, pois, para iniciar a abertura de inquérito policial, deve-se ter registro de
Boletim de Ocorrência por parte de algum noticiante. Nesse caso, a polícia civil do Núcleo de
Feminicídio foi, de forma espontânea, averiguar a situação, o que suscita questionamentos sobre
a empatia seletiva da própria policial e pensar se a mulher que vejo me faz com que torne mais
empática. A delegada tem fisionomias parecidas com a vítima. O termo empatia consta no
dicionário significando a capacidade psicológica de se colocar no lugar de outra pessoa,
buscando agir ou pensar como ela pensaria ou agiria, tentando, assim, compreender os
sentimentos e emoções sentidos por aquela pessoa, empatizando-se com ela (PIRES; ROAZZI,
2016). O que permite abrir essa discussão: a mulher em quem me vejo, faz com que me torne
mais empática? É preciso ressaltar que a empatia entre mulheres no Brasil é dada pelo termo
sororidade, palavra de berço feminista que teve seu primeiro uso na academia por Lia Zanotta
Machado, em meados de 1990. O termo também foi bastante difundido pelas feministas
francesas na década de 1980, chamando-a de sortité (PIEDADE; TIBURI, 2018).
No entanto, para Vilma Piedade, sororidade é um termo insuficiente no que concerne
em contemplar todas as mulheres. Acrescentando as dores do racismo, Piedade criou o termo
“dororidade”, voltado para a dor de ser mulher preta em uma sociedade racista. De acordo com
a autora, há dores que somente mulheres negras sentem e se reconhecem, como as ausências de
visibilidade em todos os aspectos da sua vida, incluindo nas mais diversas violências contra
mulheres e mortes acometidas por estas. Com a criação do termo, a pesquisadora objetiva
desafiar a miopia de uma sociedade colonial-escravista moderna, patriarcal e classista, mas
principalmente das mulheres não negras, que nunca irão vivenciar o que mulheres negras
sentem e passam e que, por isso, muitas vezes vão deixá-las sofrerem ao promover a
seletividade (PIEDADE; TIBURI, 2018).
Perguntei à delegada se ela acha que a polícia precisa de mais capacitação? Por que disse
que havia encontrado em meio aos inquéritos policiais um documento endereçado à Delegada
atuante na época, em que o Ministério da Justiça reconhece a necessidade de capacitação dos
policiais de todas instâncias em virtude da moralidade e retórica negativa que a sociedade vê a
postura criminalizatória policial, perguntei o que pensava sobre esse documento. Em resposta
a delegada disse que acha que:

“A capacitação, ela tem que existir em todo órgão de serviço público de forma
recorrente, e a polícia não pode ser diferente. Até porque todo dia, toda hora
nos estamos lhe dando com novos sistemas informatizados, tem que ter uma
capacitação em todos os aspectos, tem que ter capacitação no sentido dos
atendimentos da vítima de violência doméstica que é uma questão do
acolhimento, a questão da não revitimização, a questão da não exposição das
vítimas... O que percebo, vamos lá! Tem um caso de um feminicídio, de uma
tentativa de feminicídio e logo a impressa começa a pesquisar sobre a vítima,
começa expor os podres daquela pessoa: “Ah! Mas ela era usuária”, ah, mas
ela fazia isso”, “ah, mas ela era garota de programa”. Então, assim eu acho
que nos temos que ser sempre capacitados para lhe dar com todas essas
situações, com toda a violência. E entender que as vezes a nossa vítima ela
não é aquela pessoa perfeita, ela não precisa ser uma pessoa perfeita. Ninguém
é perfeito. No sentido de acolher... capacitação em todos os aspectos
principalmente quando se lida com pessoas”.

Indaguei sobre as capacitações do Núcleo Policial Investigativo de Feminicídio. A


delegada disse: “Como eu cheguei em setembro, eu não sei como estão as capacitações do
grupo.” Perguntei se tem algo específico sobre feminicídio, ela disse que:
“[…] sim, sempre questão de violência doméstica, questão da mulher, tá
sempre tendo capacitação, quando não são capacitação, são implementação de
melhorias como formulários para mulher preencher, por exemplo, a mulher
sofreu tentativa de feminicídio e ela foi preencher o formulário Esperança
Garcia, até que a mulher preenchendo os requisitos ela veja a situação de risco,
violência. Então, assim hoje em dia são criados protocolos de investigação,
então sempre a gente está passando por um processo de melhoria, capacitação
de reunião, de estar mudando certas coisas para tentar melhorar”.

Indaguei se ela sente alguma diferença entre os feminicidas de uma classe alta e um
feminicida de classe baixa, bem como a diferença em aceitar a culpa, dada através da relutância
de assinar a nota de culpa. Ela diz que:

“Não, assim a diferença que eu sinto é que normalmente é.... quando (gagueja)
há uma posição social, né?! Mais privilegiada normalmente o interrogado, ele,
ele demonstra saber mais dos direitos dele, normalmente ele vai exigir a
presença de um advogado... ele vai querer ficar em silêncio na hora do
interrogatório porque ele considera que sabe os diretos dele, entendeu?! Então,
assim ele às vezes quer alegar uma certa influência para querer talvez
intimidar o trabalho policial, ‘ah, vou falar com meu advogado que você não
pode fazer isso comigo, porque eu tenho curso superior, eu tenho isso e aquilo,
você vai ver’. Já a classe social mais baixa não sabe que vai ser atendido pela
Defensoria Pública, normalmente, ele quer prestar a versão dele. Ele diz “Eu
fiz isso” e relata tudo como ocorreu”.

Ela faz o balanço entre os feminicidas periféricos e os feminicidas não periféricos ao


dizer que:
“Tem essa diferença, normalmente, o que eu sinto é que, é que o investigado
da posição social melhor ele tem certa arrogância assim ainda um pouco, como
se ele não tivesse, como se não existisse... como se nele existisse um pouco
menos de remorso do que fez, enquanto que a classe inferior... tipo como se
ele tivesse mais consciente do erro. Pode ser só uma impressão, segundo os
casos que eu já peguei, pode ser uma impressão só minha, né?!”.

Para agente policial 2- gênero feminino - perguntei: Em sua opinião, por que existe mais
mulheres negras vítimas de feminicídio? Disse a ela que a última pesquisa do Atlas da Violência
mostra que é quase 70% a maioria do feminicídio aqui no Piauí e continuei perguntando o que
achava. Ela afirmou que a razão está no fato de que:
“[…] as mulheres tenham muito vínculo com certos homens por conta da
questão financeira, eu penso que a questão das mulheres mais pobres, mas
humildes são negras, eu acredito que isso possa ter alguma influência, né? Eu
penso que muitas mantém esse relacionamento, às vezes porque não tiveram
a oportunidade de estudar, não tenha um salário que tenha como sustentar os
filhos e ficam às vezes dentro desse relacionamento. E como a grande maioria
dos negros são a massa mais pobre da população, acredito que seja isso
também, porque eu vejo que a grande maioria é muito dependente
financeiramente do cara.[bem como] tem a questão afetiva também, mas eu
acho que isso seja um fator que as mulheres aguentam a violência”.

Perguntei a ela se todos os feminicídios são tratados de forma igual. Ela diz que: “Aqui
nós buscamos (gagueja) não fazer essa diferença, eu vejo aqui na Delegacia do feminicídio que
a importância é dada da mesma forma”. E quando o agressor está sob efeito de álcool ou drogas
como vocês tratam? A agente policial afirma que “[…] Não atenua não, em momento nenhum,
vai tratar da mesma forma, a gente tem muito caso aqui que o usuário estava sob o efeito de
álcool ou efeito de drogas, mas não tem nenhuma relevância significativa no ponto de... no
sentido de atenuar a culpa dele não”. Apesar das diferenças comparativas em suas falas entre
os informantes-chave, uma é em comum: a culpabilização da mídia, percebido isso
empiricamente na rejeição a conceder entrevistas quando solicitados pelos repórteres que
adentravam a DHPP, como nas falas da agenda policial que diz que “quem faz essa separação
é a mídia”.
Com a escrivã, indaguei qual o perfil de vítima que repercute na mídia. Ela disse que
são: “[…] pessoas que tem pele clara que tem melhores condições de vida, são as que ganham
repercussão mais rápido”. E perguntado sobre quem são perfis de agressões/ feminicidas
periféricos e as vítimas à delegada, ela disse que: “[…] os agressores são normalmente aqueles
que estão inseridos na mesma realidade que a mulher e que moram na mesma região periférica,
às vezes são pardas, às vezes são negras”. Perguntei também se as pessoas se preocupam com
um feminicídio de uma mulher negra, ela diz que:
“[…] a gente vê que a repercussão maior é quando se tem um feminicídio de
mulheres de melhor condição”. Indaguei a ela se conseguia ver diferença entre
mulheres para o mesmo crime, ela disse que “ Na perspectiva da investigação,
nós buscamos dar sempre o mesmo tratamento, seja moradora de rua, seja
mulher negra, mulher branca. O que acontece muitas vezes é que a mídia não
dar o mesmo tratamento, ela provoca uma repercussão em certos casos,
mulheres que tem uma vida social melhor, uma professora.... uma médica...
uma dona de casa ela vão ter com certeza mais repercussão do que uma
traficante negra que morre”.

Nesta perspectiva, perguntei à delegada: Então, a mídia é seletiva? Ela disse que “Sim!”
e, ao indagar se a instituição policial é seletiva, ela pensa e diz:
“[…] como é que vou te dizer... eu tento no meu trabalho não ser, entendeu?
É complicado eu dizer a instituição... porque eu passo meu dia mais ou menos
fechada no gabinete com a minha equipe, então, assim eu não posso falar sobre
o trabalho dos outros delegados, entendeu? E eu também não acompanho
muito o desfecho dos outros inquéritos, mas assim aqui, nós, a minha equipe
a gente busca dar o mesmo tratamento, pelo menos desde que eu cheguei é
tentar colocar os inquéritos para caminhar de uma forma constante”.

Ao agente de número 3- gênero masculino - foi perguntado: Na sua opinião, por que
existem mais mulheres negras vítimas de feminicídio? Ele diz que:

“[…] o feminicídio está mais dentro do ambiente de pobreza, e a gente sabe


que no Brasil, que a maioria dos pobres são negros, certo? Aí tá relacionado
muito a essa questão. E muitas vezes a vítima por ser pobre não tem uma certa
formação, nem tem um conhecimento para procurar um advogado, uma
delegacia, muitas vezes a própria vítima, as mulheres elas vivem submissa
economicamente ao agressor, isso ai deixa ela mais vulnerável”.

Não obstante, foi perguntado se o fato da mulher ser negra pode contribuir por ter maior
incidência com ela. Ele afirma que “[…] não acha, que o feminicídio está mais ligado ao gênero
do que raça, geralmente é a questão do controle do homem sob a mulher, enquanto ele detém
aquele controle, ele a mantém viva, quando de certa forma a mulher ela sai do controle do
homem, tenta se sair, aí ocorre o feminicídio”.
Perguntado se todos os casos de feminicídio são tratados iguais, ele diz que:

“[…] da minha parte (sorriso) eu procuro tratar todos da mesma forma, igual,
com a mesma dedicação e compromisso. Mas, a instituição de um modo geral
não trata de forma igual, até porque a instituição ela trabalha de forma com
pressão social, os casos de feminicídio que tem repercussão você vê uma
cobrança maior, e a instituição vai trabalhar mais nesse caso que deu mais
repercussão”.

Indagado sobre quais casos, o agente policial de número 3 diz: “Os que envolve pessoas
de classe média, rica, principalmente pessoas de peles claras, brancas. Aí você vê uma
repercussão maior na mídia, nas redes sociais, na sociedade e uma cobrança maior da
instituição”. E, por fim, fiz as seguintes perguntas a ele sobre a razão pela qual a sociedade só
visualiza os casos de mulher branca de classe rica. Ele justifica que: “[…] a sociedade só
visualiza os casos de mulher branca de classe alta, é uma sociedade racista, preconceituosa”,
bem como perguntei se o a mulher negra é mais suscetível a morrer do que uma mulher branca
de feminicídio. Ele diz que sim. E se tem diferença entre mulheres. O entrevistado afirmou que
sim.
Perguntei a ele se recordava de algum caso de mulher vítima de feminicídio, o agente
policial foi incisivo e disse “não, não (sorri)”, e questionado sobre casos de mulher branca para
a mesma pergunta, ele disse que “sim”. E sobre as tratativas dos inquéritos se são iguais, ele
diz que “Não, nem sempre são iguais”. Em continuidade, ele informa que “[…] tem alguns
casos aí, de mulheres negras que foram mortas que estão parados os inquéritos desde 2019,
2020 e alguns inquéritos de mulheres brancas que houvesse mais diligências”. Disse a ele que
vi alguns inquéritos que eram finos e outros bem robustos, perguntei se ele atribui a essa questão
de raça e de classe. Ele afirma que sim. Com isso, indaguei se com mulheres brancas e de uma
classe melhor ele tinha mais cuidado com os inquéritos. O agente policial de número 3 diz que:
“Sim! Em razão da instituição, da cobrança da gestão, pois a gente trabalha de acordo com
ordens da gestão”. Perguntado se a instituição é classista, ele disse: “sim”, e se instituição é
racista e afirmou que “sim, tem racismo na instituição como tem na sociedade”. Então, partindo
pela lógica gramsciana, perguntei se a sociedade reverbera para instituição e o inverso e ele
confirmou que sim.
Na tese de Pereira (2018), intitulada de “Mais pra preta do que pra branca: racismo
estrutural na Lei Maria da Penha”, diz que o primeiro ato a se fazer para elucidar um caso de
violência doméstica ou morte de mulheres por gênero é realizar um Boletim de Ocorrência
(B.O) na delegacia. Todavia, percebeu-se aqui certo perfil de mulher, que, por vezes, não
necessita dessa forma burocrática para obter justiça, pois já conseguem ser acolhidas pelo
Estado. Ela tem cor e tem classe, é branca e rica. Isso não é uma mera coincidência, pois são
marcas históricas da própria sociedade forjadas na sua simbiose ou contornos estruturais que é,
primeiramente, racista (fio condutor), depois classista e, por último, sexista, categorias
inseparáveis e que mantêm a sociedade na forma desigual.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Quanto à natureza coercitiva dos fatos sociais, deixa de ser sentida. O fato tornou-se
um hábito tratando aqui da naturalidade das mortes de mulheres pelos policiais e a sociedade
de modo geral, em especial, quando estas não são mulheres não brancas e de classe baixa ao
buscar por funcionalismo advindo das regras e métodos sociológicos positivistas que tratam
todas as problemáticas ocorridas no meio social enquanto fato social, nunca como um estado
de consciências individuais, bem como retira quaisquer possibilidade de rever isso na história
ao apagar o seu engendramento de forma contínua e dinâmica.
Nesse sentido, muitos dizem que a escravidão nada tem a ver com o racismo de hoje,
associando aos ordenamentos jurídicos do estado brasileiro que diz não fazer distinção por
classe, raça ou gênero, afinal, somos todos iguais perante a lei. Lei esta que é elevada para
tornar-se políticas públicas enquanto respostas ao clamor popular acerca dos seus problemas
societários dado, sobretudo através de apelos e sentimentos morais de pessoas que
problematizam e podem correção das injustiças sociais que sofrem. Não obstante, muitas são
invisibilizadas quando as reinvindicações vêm por parte da população considerada “minorias”
sociais, que não tem o olhar do Estado, mesmo com dados alarmantes, como 68% dos
feminicídios no Brasil sendo de mulheres negras, conforme o Altas da Violência de 2021.
Procuro, com a dissertação, ter como ação servir de recomendação para políticas
públicas, esta que foi fundamentada em um grande arcabouço teórico e dados empíricos através
dos inquéritos polícias e as entrevistas com os informantes-chave. Ao mostrar que ser do gênero
feminino no Brasil é pertencer a um grupo social no qual o reconhecimento pode chegar tarde
demais e quando perpetua sua vida, tende-se a colecionar violências que, na maioria das vezes,
tendem a findá-las com sua morte, que, quando são negras e pobres, triplicam e ultrapassam as
dificuldades. Nesse sentido, defende-se que é preciso desconstruir outros mitos, valores e
gênero para além do machismo incrustado na sociedade patriarcal, trazendo essa quebra ao
colonialismo e ao capitalismo também. Por isso a necessidade de políticas públicas específicas
para a proteção dessas mulheres, pois só o colocar gênero na questão do feminicídio foi
percebido até aqui, nesta dissertação, que não supera o crime contra mulher por gênero.
Provavelmente, a interseccionalidade seja um conceito impossível de não se discutir em
várias questões problemáticas em um país como Brasil ou outros de mesmas características com
eixos fundantes com o colonialismo-capitalismo-patriarcado. Percebi que tanto os eixos como
os elementos que os compõem (lê-se raça, classe e gênero) na escritura dessa dissertação
aparecia de forma natural na escrita, fazendo, nesse ínterim, refletir que não cabe mais discutir
gênero de maneira isolada nem nas escritas e nem nas políticas públicas.
Donnia Harway, filósofa estadunidense, dirá que o feminismo ama outras ciências: a
ciência, política e até do que é parcialmente compreendido, pois os femininos tem a ver com as
ciências dos sujeitos múltiplos ou na sua multiplicidade. Conceição Evaristo trata como sendo
as diferentes experiências que narram a si mesmas e reivindicam os seus direitos. Nos moldes
metodológicos, não me preocupei com ordem cronológica dos inquéritos policiais, pois isso
seria antidialético, pois a riqueza estava na forma como foram transcritos e dos reforços das
entrevistas com informantes-chave. São coisas que só alguém de fora, atuando enquanto
pesquisadora que valoriza o saber científico, poderia analisar e compreender, que é naturalizada
pelo âmbito judiciário e que foi começado analisando do ponto de vista do que estava ausente
(dos ausentes) e do que faltava ser investigado no âmbito da violência de gênero/feminicídio.
Buscamos vislumbrar, com isso, a reformulação das políticas públicas ou, pelo menos,
conseguir políticas públicas específicas, agregando novas categorias que o discurso jurídico já
não abarca ou não está mais abarcando. E com solicitação de dados para mulheres indígenas e
mulheres transexuais e travestis, pois, sem dados, não se fazem políticas públicas, nem sem
alongamento de outras abordagens também. E ampliar o nosso olhar, nossas perspectivas,
nossas noções para fomentar a construção do recorte do tema ou objetivo de estudo que parecia
já estar predefinido e perceber que necessita de outras contribuições, mas que não quer dizer
abrir mão de clássicos do gênero, apenas percebê-lo na sua multiplicidade, nas suas
mulheridades.
E, ao elencar os crimes em trechos, não só generalizar em universo, mas mostrar o
contexto das situações, saber as diferenças de tratativas, sem deixar de verificar os possíveis
padrões de regularidade que ocorre no âmbito dos inquéritos, reportando à Sociologia, que
trabalha com múltiplas metodologias, estratégias de entendimento sobre o mesmo assunto,
afinal, aqui lidamos com nuances da sociedade, indo, para além disso, mostrar as
particularidades com a dialética marxista, tendo cuidado com a sedução que permeia uma
discussão de gênero, de raça e de classe, que se pensavam já fechadas, que implicaria o não
enxergar para além do que já foi posto e que, infelizmente, ocorre nas leis, nas políticas públicas
e reverberado nos agentes executores dessa ação, que é sistemática no âmbito do Estado.
Mostrando por viés de fatos, que falar de interseccionalidade dentro do crime de
feminicídio não é abrir uma caixa de ferramenta imaginária ou nenhum tipo de abstração que
não se aplica à realidade, uma vez que isso, a necessidade aqui defendida, é uma vigilância
epistemológica para ter certeza de que está abrangendo todos os pontos da discussão e não há
como fazer recorte limitante em virtude de que as limitações estão matando constantemente um
tipo específico de mulher todos os dias, o que é algo que temos desconstruir. Partindo desse
pressuposto, é premente a discussão do conhecimento que transcorra com o diálogo e noção de
difusão de coletiva. Nesses moldes, concluo e ofereço não só à comunidade acadêmica, mas a
outros âmbitos da sociedade essa pesquisa, a fim de contribuir para mudanças nas políticas
públicas de gênero, pautadas em trazer à luz as desigualdades de gênero que são forjadas não
só no patriarcado, mas no colonialismo moderno e no capitalismo através das intersecções de
gênero, raça e classe. Assim, abdico das falácias do sentido único do mundo, que não
transgridem só gênero, mas em uma cor, em uma classe. Com o cuidado, ainda, com a distopia
feminista que esquece dos 99%, o que impede outras de falarem, percebendo que raça, gênero
e classe existem enquanto eixos inseparáveis.
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do Brasil. Revista Serviço Social em Perspectiva, Montes Claros, MG, v. 4, n. Especial, p.
104-117, 2020.

SIQUEIRA, Andressa Ângela. Construção da racialidade: colonização e racismo na formação


do Brasil. Revista Serviço Social em Perspectiva, Montes Claros, MG, v. 4, n. Especial, p.
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em: 15 jun. 2021.
APÊNDICES
APÊNDICE A - Roteiro de entrevista da pesquisa para a escrivã da polícia civil

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ - UFPI
PRÓ-REITORIA DE ENSINO DE PÓS-GRADUAÇÃO - PRPG
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS - CCHL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP

FEMINICÍDIO:
INTERSECCIONALIDADE DE GÊNERO, RAÇA E CLASSE NO ÂMBITO
CRIMINAL

ROTEIRO DE ENTREVISTA – ESCRIVÃ DA POLÍCIA CIVIL

Depoente N°:

Idade: 33 anos
Cor de pele: negra.
Orientação sexual: heterossexual.
Identidade de gênero: cis.

1. Como o feminicídio é investigado: partem do pressuposto de que é homicídio ou


feminicídio para analisar o caso? Qual o procedimento adotado quando encontra uma
mulher assassinada?
2. Como você qualifica o crime de feminicídio nos inquéritos policiais?
3. Como você se sente nesse trabalho em que agressores cometem um crime no qual a
vítima é sempre uma mulher?
4. Você acha que seu trabalho teria diferença se fosse feito por um homem?
5. Em sua opinião, por que existem mais mulheres negras vítimas de feminicídio?
6. Todos os casos de femincídio são tratados iguais?
7. E os casos de transfeminicídio? Como são tratados?
8. Quando o feminicídio é feito sob sustância de álcool ou intorpecentes (drogas)?
9. Qual a função do Estado perante o crime de feminicídio?
10. Qual a sua interpretação sobre lesão corporal grave e sobre tentativa de feminicídio?
11. O que você entende por feminicídio?
223

APÊNDICE B - Roteiro de entrevista da pesquisa para a delegada da polícia civil

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ - UFPI
PRÓ-REITORIA DE ENSINO DE PÓS-GRADUAÇÃO - PRPG
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS - CCHL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP

FEMINICÍDIO:
INTERSECCIONALIDADE DE GÊNERO, RAÇA E CLASSE NO ÂMBITO
CRIMINAL

ROTEIRO DE ENTREVISTA – DELEGADA DA POLÍCIA CIVIL

Depoente N°:

Idade: 33
Cor de pele: branca
Orientação sexual: heterossexual.
Identidade de gênero: cis

1. Como o feminicídio é investigado: partem do pressuposto de que é homicídio ou


feminicídio para analisar o caso? Qual o procedimento adotado quando encontra uma
mulher assassinada?
2. O fato de você ser mulher em uma delegacia de feminicídio é relevante?
3. Em sua opinião, se o delegado fosse homem o trabalho seria igual ao que você faz ou
teria alguma diferença?
4. Você acha que as relações de gênero afetam o seu trabalho de alguma forma?
5. Em sua opinião, por que existem mais mulheres negras vítimas de feminicídio?
6. Todos os casos de feminicídio são tratados iguais?
7. Por que você escolheu estar nesse cargo? O que a motivou?
8. E os casos de transfeminicídio? Como são tratados?
9. Quando o feminicídio é feito sob sustância de álcool ou entorpecentes (drogas)?
10. Qual a função do Estado perante o crime de feminicídio?
11. Qual a sua interpretação sobre lesão corporal grave e sobre tentativa de feminicídio?
12. O que você entende por feminicídio?
13. Quando você chega à cena do crime de feminicídio, qual o seu sentimento?
APÊNDICE C - Roteiro de entrevista da pesquisa para o(a) policial da polícia civil

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ - UFPI
PRÓ-REITORIA DE ENSINO DE PÓS-GRADUAÇÃO - PRPG
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS - CCHL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP

FEMINICÍDIO:
INTERSECCIONALIDADE DE GÊNERO, RAÇA E CLASSE NO ÂMBITO
CRIMINAL

ROTEIRO DE ENTREVISTA – POLICIAL DA POLÍCIA CIVIL

Depoente N°:

Idade: 37 (2); 42
Cor de pele: parda; pardo claro; negro
Orientação sexual: heterossexual
Identidade de gênero: cis

1. Como o feminicídio é investigado: partem do pressuposto de que é homicídio ou


feminicídio para analisar o caso? Qual o procedimento adotado quando encontra uma
mulher assassinada?
2. Quando você chega à cena do crime de feminicídio, qual o seu sentimento?
3. Como você se sente nesse trabalho em que os agressores comentem um crime no qual a
vítima é sempre uma mulher?
4. Você acha que seu trabalho teria diferença se fosse feito por uma mulher/homem?
5. Em sua opinião, por que existem mais mulheres negras vítimas de feminicídio?
6. Todos os casos de feminicídio são tratados iguais?
7. E os casos de transfeminicídio? Como são tratados?
8. Quando o feminicídio é feito sob sustância de álcool ou entorpecentes (drogas)?
2) Qual a função do Estado perante o crime de feminicídio?
3) Qual a sua interpretação sobre lesão corporal grave e sobre tentativa de feminicídio?
O que você entende por feminicídio?
ANEXOS
Observações:

❖ Notei que no interior os interrogatórios vêm com informações mínimas da vítima e do


investigado, não se preocupam em informar raça, gênero, escolaridade, por exemplo.
Esses dados são mais recorrentes nos documentos da delegacia de Teresina.
❖ Duas usuárias de drogas, não tem nem as informações básicas e cópia dos documentos.
❖ Três feminicídios foram praticados na presença de ascendente ou descendentes
❖ Há alguns casos que existem mais de uma vítima como a morte com um, duas e até três.
Ou Seja, nas análises dos dados sempre haverá mais vítimas do que suspeitos, etc
❖ Dentre os dados, há três inquéritos em que há 2 vítimas homens onde há: 1 homem
vítima e uma mulher vítima e 1 homem suspeito do crime. Existe ainda o caso do
jornalista do gênero masculino, que esfaqueado por um flanelinha.
❖ A relação da vítima e do agressor é em sua maioria, marido e mulher, ex-companheiros,
namorados, filho e mãe, vizinhos.
❖ Tem dois casos que estão divididos em duas partes, ou seja, dois casos com dois
inquéritos cada.
Dados das vítimas

Quadro 1: raça/etnia da vítima

Total
Branca/amarela Parda preta Indígena Não informado

20 96 42 16 174

Quadro 2: classe social da vítima

Total
Baixa Média Alta Não informado

102 8 2 62 174

Quadro 3: escolaridade da vítima

Total
Ensino Ensino
Analfabeta Ensino médio Não informado
fundamental superior

3 33 13 7 118 174

Quadro 4: profissão da vítima

Sem Do lar/ Auxiliar/


Trabalh advogada/ Assessor
rend lavradora/ técnica/ Confeiteira/ médic
Comércio o jornalista/ jurídico/
a pescadora cuidadora Cozinheira a
público turismóloga Escrivã/
fixa aposentada de idosos Total
89 43 24 3 8 1 3 2 1 174

Neste quadro as categorias englobam:


Sem renda fixa: Sem profissão/ não informado/desempregada/ estudante
Comércio: Vendedora/ Cabelereira/comerciante/garçonete/costureira
Trabalho público: Servidora pública/ Professora/assistente social

Quadro 5: estado civil da vítima

Total
Solteira Casada União estável viúva Não informado

91 21 42 7 13 174

Quadro 6: Gênero da vítima


Heterossexual Bissexual pansexual lésbica Gay transsexual Total
172 2 1 174

Quadro 7: quantidade de filhos da vítima

2 filhos ou 6 filhos ou Total


1 filho Nenhum Não informado
mais mais
30 32 4 15 93 174

Dados do/a agressor/a

Quadro 8: raça/etnia

Total
Branca Parda negra Indígena Não informado

80 169
11 37 41

Quadro 9: classe social

Total
Baixa Média Alta Não informado

51 13 3 102 169

Quadro 10: escolaridade

Ensino Ensino Total


Analfabeto Ensino superior Não informado
fundamental médio
6 43 17 7 96 169

Quadro 11: profissão

Tenente/
Professor/Ator/
Sem Não Operado policial/
Aposentado Construçã Trabalhador educador
renda Comércio informad r de Sargento/ Total
/ Do lar o civil Rural físico/
fixa o máquina Oficial/
cantor
delegado

57 6 26 35 5 23 8 4 5 169

Neste quadro as categorias englobam:

Sem renda fixa: Desempregado/ autônomo/ estudante


Comerciante: Mecânico/ chaveiro/ comerciante/ açougueiro/ Motorista/empresário

Construção civil: Servente de pedreiro/ Gesseiro/vigilante/pedreiro

Trabalhador Rural: Lavrador/ peixeiro/ agricultor

Quadro 12: estado civil

Total
Solteiro Casado União estável Viúvo Não informado

81 23 39 4 22 169

Quadro 13: Gênero

Heterossexua Não Total


bissexual pansexual lésbica Gay transsexual
l informado
149 20 169

Quadro 14: Situação da ocorrência

Total
Injuria e
Lesão difamação
Homicídio corporal - vingança
Homicídio Homicídio Tentativa
Homicídio Tentativa de qualificado- dolosa- pornô-
qualificado- qualificado de
qualificado- homicídio- Feminicídio- Violência lesão
Feminicídio / simples- homicídio
Feminicídio- Feminicídio- (1) tentado - doméstica- corporal-
/ tentado- doloso/ (3) qualificado
Violência Violência Violência Homicídio Violência
Violência tentado. -
doméstica doméstica doméstica qualificado doméstica
doméstica Latrocínio Feminicídi
ou familiar ou familiar ou familiar- - ou
ou familiar (1) o
Suicídio Feminicídi familiar-
o (tentado) estupro de
vulnerável

46 162
36 13 24 11 3 14 13

Quadro 15: Procedimentos realizados (pode constar mais de um em cada inquérito)

Fotografias do Pedido de Medida


Prisão do Intimação e
corpo e local do Protetiva/ medida Interrogatório
suspeito interrogatório
crime cautelar

147 90 120 162 98

Quadro 16: Arma do crime


álcool/ Não Pedaço de arma de Faca/ enforcamento/ ameaça/ total
queimaduras informado madeira/ fogo/caco de tesoura atropelamento/ estupro
pedra vidro espancamento/
afogamento

1 1 14 55 60 23 9 162

Quadro 17: local do crime

Total
Não informado Rua Casa Bar/ lanchonete

2 58 97 5 162

Quadro 18: Ano do crime

2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020 2021 Total

1 31 24 23 30 20 18 15 162

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