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Cartilha

Não se nasce homem, torna-se!

Autores: Deise Santos Soares; Fátima Carolina Ferino Monteiro da Silva; Iasmin Eduarda Ribeiro dos Santos;
Jaiane Geíza da Silva; Larissa Cristine Oliveira Ribeiro; Laura Beatriz de Melo França; Sanches Max Jesus
Viana; Sarah Angélica Gomes Sandes; Tais Moreira da Silva; Larissa Raposo Diniz

Organização: Larissa Raposo Diniz

Revisão: Bruno Robson de Barros Carvalho; Gilclécia de Oliveira Lourenço; Sheila Magalí Pires Raposo

Realização:
Clínica Escola do Centro Universitário do Rio São Francisco – UniRios
Polícia Civil do Estado da Bahia – Delegacia de Atendimento Especializado à Mulher/DEAM - Paulo Afonso
(BA)

Ilustração e diagramação: Cledi Mar Machado de Lima

Imagens: As imagens utilizadas são livres de direitos autorais e estão disponíveis nos seguintes sites:
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Freepik: https://freepik.com/

N171 Não se nasce homem, torna-se!


[Cartilha] / Organizadores: Larissa Raposo Diniz...[et al.].
Paulo Afonso: UniRios, 2020.
20 f.: il.

Formato: ePDF
Realização: Clínica Escola do Centro Universitário do Rio São
Francisco – UniRios; Delegacia de Atendimento Especializado à
Mulher – DEAM da Polícia Civil do Estado da Bahia.

1. Masculinidades 2. Violência contra a mulher


3. Violência doméstica I. Centro Universitário do Rio São
Francisco – UniRios II. Título
CDD 345

CDD – 378.10098153

Samira Lopes Alves Pinto CRB5 - 1900


Apresentação
A violência contra a mulher é um fenômeno profundamente impresso na nossa cultura, que
tem exigido da sociedade diferentes formas de enfrentamento. Embora seja importante, a linguagem
punitiva prevista na lei tem se mostrado insuficiente para efetuar uma mudança substancial na
forma como a violência se apresenta nas relações entre homens e mulheres na nossa sociedade.
Dentre as respostas possíveis para esse fenômeno, uma das mais marcantes refere-se à inclusão
dos homens autores de agressão no processo de prevenção à violência direcionada às mulheres.
Esta é, sem dúvida, uma iniciativa necessária para o combate dessa violação de direitos humanos
que confere ao Brasil o 5º lugar no mundo em número de assassinato de mulheres, o feminicídio1.
Por essas razões, elaboramos esta cartilha, que é produto de uma parceria entre a Clínica
Escola do Centro Universitário do Rio São Francisco (UniRios) e a Polícia Civil do Estado da Bahia.
Essas duas instituições coordenam um grupo reflexivo com homens autores de violência doméstica
e/ou familiar na cidade de Paulo Afonso (BA), o Grupo Ressignificar. Nesse trabalho, homens
de diferentes faixas etárias e classes sociais – todos eles, envolvidos em contextos de violência
doméstica e em processo judicial – são convidados a refletir sobre os papéis masculino e feminino
na sociedade contemporânea, promovendo alternativas para o comportamento violento diante de
situações de estresse, com vistas ao rompimento do ciclo de violências direcionadas à mulher.
Assim, este documento é composto por três pequenas partes: na primeira, apresentamos
algumas ideias sobre o que se tem nominado atualmente de “novas masculinidades”; em
seguida, conversamos sobre o homem autor de violência doméstica; e, ao final, sobre o
que são os grupos reflexivos e no que influenciam e auxiliam os homens que os integram.
Contudo, gostaríamos de ressaltar que, mesmo o texto fazendo referência às terminologias
“homem” e “mulher”, consideramos e respeitamos a diversidade de gênero. Ainda nesse quesito,
lembramos que a violência pode fazer parte da dinâmica das relações íntimas de sujeitos de
diferentes orientações sexuais, não sendo exclusivas das relações entre homens e mulheres.
Asseveramos, por fim, que esta cartilha também promove uma cultura de paz
e de equidade de poder entre homens e mulheres, com o objetivo de mudar atitudes
para que consigamos, como sociedade, diminuir essa violência – ou mesmo eliminá-la.

Boa leitura! Boas reflexões!


SUMÁRIO

5 Parte 1: MASCULINIDADES
- Você sabe o que é?!
- Não se nasce homem, torna-se!
- “Novas masculinidades”

10 Parte 2: OS HOMENS NÃO SÃO NATURALMENTE VIOLENTOS,


APRENDEM A SER
- A violência contra a mulher
- O homem autor de violência
- As relações afetivas violentas

15 Parte 3: GRUPOS REFLEXIVOS COM HOMENS AUTORES DE VIO-


LÊNCIA DOMÉSTICA
- O que são?
- Qual o seu objetivo?
- Como acontecem?
- Quais os resultados alcançados com os GRs?
- Em que influencia e auxilia os homens que participam?
- Por que é importante o GR?

20 Notas
1
MASCULINIDADES
VOCÊ
SABE O
QUE É?!

O patriarcado é um sistema construído socialmente e governa-


do por homens que, na tentativa de se autoafirmarem como o centro do po-
der, mantêm as mulheres à margem da sociedade e submissas a eles2. É ope-
racionalizado por meio de uma lógica de opressão que se confirma nas
crenças, ideias e representações que naturalizam esse processo histórico.
A masculinidade de tradição patriarcal também oferece perigo para os
próprios homens. Eles costumam se colocar em constantes situações de risco,
além de verem a si mesmos como “supermachos” – que não adoecem, que pre-
cisam ser sempre fortes e que não têm tempo para as questões emocionais3.
NÃO SE NASCE
HOMEM,
TORNA-SE!

O s comportamentos são aprendidos e assimilados quando a criança ob-


serva seus pais e as gerações passadas3. Os meninos são socialmente pressionados
a demostrar sempre virilidade, para provar que são fortes e “homens de verdade”.
D essa forma, constrói-se um perfil de competitividade e agressivi-
dade entre os homens, que passam a experienciar emoções positivas quan-
do conseguem se reafirmar como machos dominantes3. Esse jeito de “ser
homem” estabelecido pelo patriarcado permeia o universo da masculinida-
de, e pode ser reproduzido também pelas mulheres, em diversos contextos.
“NOVAS MASCULINIDADES”

Na contemporaneidade, surgiram possibilidades de


explorar novas formas de ser. Com isso, entende-se que
as masculinidades não são algo pronto e acabado, mas
que são construídas e constantemente reconstruídas4.

A participação do homem no contexto familiar, por exemplo,
vem sendo ampliada. Ele deixa de ser apenas o provedor
e passa a compartilhar as responsabilidades em relação à
educação dos filhos e aos afazeres domésticos. Também se
constituem relações afetivas mais igualitárias, que superam
a crença acerca da posse dos homens sobre as mulheres4.

As relações sociais passam por uma revisão de valores e


comportamentos2, sinalizando uma mudança sociocultural
que ainda aparece de forma sutil, mas que apresenta
possibilidade de avanço, com o tempo. O homem está
se adaptando a essas novas transformações e, com isso,
participando e se envolvendo mais na criação dos filhos4.
OS
HOMENS
NÃO SÃO
2 NATURAL-
MENTE
VIOLENTOS,
APRENDEM
A SER
A VIOLÊNCIA
CONTRA A
MULHER

A violência doméstica é Atualmente, as bra- Uma das característi-


um fenômeno complexo, sileiras estão vivendo cas da violência domés-
fundamentado nas dife- no 5º país com a maior tica é o fato de ela ser
renças de poder entre os taxa de assassinato fe- cometida por familiares
homens e as mulheres. minino, o feminicídio. ou pessoas que vivem
Resulta em ações brutais, A maioria dos casos na mesma casa, afetan-
que podem ser físicas, ocorre dentro de seus do – via dominação –
sexuais, psicológicas, domicílios, e tem em crianças, adolescentes,
patrimoniais ou morais5. seus parceiros os princi- mulheres e idosos.
pais agressores1.
O HOMEM
AUTOR DE
VIOLÊNCIA

O homem socializado a partir


de valores competitivos busca
ganhar sempre e ser o melhor
a qualquer custo. Ele utiliza a
violência para mostrar o seu
poder e ter controle sobre a sua
família, impondo a sua superio-
ridade e submetendo a vítima6.

Diversos fatores podem es-


tar associados a esse problema.
Alguns estudos indicam que,
na medida em que os homens
são ensinados a reprimir as
suas emoções, são também es-
timulados a expressar a raiva e
a violência como forma de de-
monstrar a sua masculinida-
de e de solucionar conflitos7.
Outros estudos apontam que crianças inseridas em lares com situações
rotineiras de violência podem desenvolver baixa autoestima, dificulda-
de de socialização e tendência acentuada a comportamentos agressivos8.

Distúrbios emocionais também podem influenciar: seis em cada dez homens


afirmam ter problemas com ansiedade, depressão, vício em pornografia e apos-
tas, insônia e dependência em álcool e outras drogas, além de sentirem a obri-
gação de serem fortes e responsáveis pelo sustento financeiro do domicílio9.

Um levantamento de dados feito em um grupo com homens autores de violên-


cia do Rio Grande do Norte mostra que homens brancos e pardos são aqueles
com maior presença nos grupos reflexivos10. Esse mesmo estudo aponta a esco-
laridade dos participantes como um fator relevante para a temática em questão.
A seguir, são apresentados gráficos para visualizar melhor essas informações:

Fonte: Dados de 2012 a 2017 obtidos por fichas de homens participantes do Grupo Reflexivo do Rio
Grande do Norte10.
AS RELAÇÕES As relações na sociedade patriarcal
promovem uma desigualdade de
AFETIVAS poder na qual os homens ocupam
o lugar de superioridade. Eles
VIOLENTAS utilizam a violência para assegurar
a manutenção dos seus privilégios,
e atuam não apenas por meio da
coerção física sobre as mulheres,
mas também pelo controle da sua
vida financeira, do que vestem,
das amizades, da vida reprodutiva
e, por fim, da vivência sexual.

Esse poder do homem sobre a


mulher é um costume inadequado
em uma sociedade que busca
ser democrática e garantir os
valores primários de liberdade e
igualdade entre seus cidadãos11.
Por isso, é necessário criar ações e
políticas que busquem equilibrar
o poder que historicamente é
dado ao homem sobre a mulher,
mudando não somente leis,
mas também atitudes e práticas,
com o objetivo de diminuir
a violência – ou eliminá-la.
3
GRUPOS
REFLEXIVOS COM
HOMENS AUTORES
DE VIOLÊNCIA
DOMÉSTICA
O QUE SÃO?

Os grupos reflexivos (GRs)


com homens autores de violência
doméstica e/ou familiar são
um modelo de intervenção
direcionado a homens que
respondem, na Justiça, como
autores de violência doméstica.
Visam a conscientizá-los e a
modificá-los em sua forma de
se relacionar com as mulheres.
Raramente, esses grupos são
procurados por iniciativa
própria12. A maioria dos autores
de violência participa deles
somente após indicação jurídica.
O acompanhamento psicossocial do homem autor de violência
está previsto na Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06). Pode se dar
por meio de atendimento individual e/ou em grupo de apoio.
Como acontecem? Os facilitadores contribuem
para a dinâmica do grupo com
Os grupos, em sua maioria13, são atividades educativas e pedagógicas,
conduzidos por uma equipe de o que proporciona o surgimento de
facilitadores com distintas formações potencialidades entre os integrantes.
profissionais. Podem contar, ainda, com É importante destacar que os GRs
estudantes e estagiários de diferentes não consistem em psicoterapia e
áreas, como direito, psicologia, serviço não substituem as ações policiais,
social e enfermagem14. São um jurídicas, médicas e psicológicas
espaço para expor opiniões e ideias. de atenção à violência que
são direcionadas aos homens.

Qual o seu objetivo?


Tem como objetivo reduzir as ocorrências de violência contra a mulher
cometida por homens, por intermédio de um processo educativo e dialógico,
na perspectiva da responsabilização e da não-violência contra a mulher. Os
GRs colaboram para uma mudança no comportamento dos homens não
apenas durante o trâmite processual, mas nos momentos futuros, uma vez que
muitas mulheres mantêm o vínculo afetivo com o agressor e manifestam a
vontade de permanecer na relação, mas sem violência, medos ou inseguranças.
Quais os resultados
alcançados com os GRs?
De acordo com os resultados obtidos, os participantes
do grupo reflexivo sentem-se, inicialmente,
vitimizados e injustiçados diante da medida judicial
de participação no grupo. Não se identificam como
autores de violência e apresentam concepções
tradicionais do padrão de masculinidade hegemônica.

No decorrer do processo, com o acolhimento e a vinculação


do grupo, bem como as intervenções, permitem que suas visões
de mundo sejam ampliadas, principalmente nas questões
relacionadas à violência, ao gênero, às masculinidades e aos
direitos. Ao término da participação, o grupo é percebido,
pela maioria deles, como um espaço que confere benefícios.
Em que influencia e auxilia
os homens que participam?

Em algumas experiências15
de GR, os participantes
consideraram o grupo como:

• Espaço de aprendizado e reflexão; Por que é o GR importante?


• Espaço de ajuda na
resolução de conflitos; • Por ser um ambiente de trocas
• Ambiente capaz de de experiências e conselhos;
produzir mudanças nos • Por reduzir a prática da violência
discursos dos participantes; ou a reincidência nessa prática;
• Possibilidade de os homens • Porque pode favorecer a
construírem um senso de construção de relações mais
responsabilidade por suas ações. iguais entre homens e mulheres.
Notas
1 WAISELFISZ, J. J. Mapa da violência 2015. Homicídio de mulheres no Brasil. Brasília (DF), ed. 1, 2015.

2 SANTOS, S. M. de M; OLIVEIRA, L. Igualdade nas relações de gênero na sociedade do capital: limites, con-
tradições e avanços. Rev. Katálysis. Florianópolis, v. 13, n. 1, Jan./Jun, 2010.

3 PAULA, RCM de; RICHA, FN de. Os Impactos da masculinidade tóxica no bem estar do homem contempo-
râneo: uma reflexão a partir da Psicologia Positiva. Revista Mosaico. Jul/Dez.; 10 (2): SUPLEMENTO 82-88;
2019.

4 STAUDT, A. C. P.; WAGNER, A. Paternidade em tempos de mudança. Psicol. teor. prát, v. 10, n. 1, p. 174–
185, 2008.

5 BANDEIRA, L. M. Violência de gênero: a construção de um campo teórico e de investigação. Revista Socie-


dade e Estado, v. 29, n. 2, 2014.

6 SANCHEZ, M. Implicación masculina contra la violencia de género (Proyecto Lazo Bicolor). In: BRASIL.
Presidência da República. Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres. Marcadas a Ferro. Brasília: Secre-
taria Especial de Políticas para as mulheres, 2005.

7 MEDRADO, B.; LYRA, J. Nos homens, a violência de gênero. In. BRASIL. Presidência da República. Secre-
taria Especial de Políticas para as Mulheres. Programa de prevenção, assistência e combate à violência contra a
mulher Plano Nacional. Brasília, DF, 2003. p. 68.

8 MALDONADO, D. P. A.; WILLIAMS, L. C. de A. O comportamento agressivo de crianças do sexo mascu-


lino na escola e sua relação com a violência doméstica. Psicol. estud. Maringá (PR), v. 10, n. 3, dez. 2005, p.
353-362.

9 O SILÊNCIO dos Homens. Produção de Papo de Homem e Instituto Pdh. YouTube. Brasil: Papo de Homem,
2019. (60m13s.). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=NRom49UVXCE&t=1830s. Acesso em:
10 set. 2020.

10 SCOTT, J. B.; OLIVEIRA, I. F. de. Perfil de homens autores de violência contra a mulher: uma análise docu-
mental. Rev. Psicol. IMED. Passo Fundo, v. 10, n. 2, dez. 2018, p. 71-88. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.
org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2175-50272018000200006&lng=pt&nrm=iso. Acesso em: 17 set.
2020.

11 BLASCO, J. C. Colectivo de hombres contra la violencia de género, badalona. In: BRASIL. Presidência da
República. Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres. Marcadas a Ferro. Brasília: Secretaria Especial de
Políticas para as mulheres. 2005.

12 ESTRELA, F. M. et.al. Grupos reflexivos com homens para Prevenção da violência conjugal: Como Organi-
zá-los. Rev baiana enferm. 2019.

13 URRA, F.; PECHTOLL, M. C. P. Grupo socioeducativo com homens autores de violência doméstica contra a
mulheres. Rev Nova Perspectiva Sistêmica: Rio de Janeiro, n. 54, abril 2016. p. 112-116.

14 DEFENSORIA PÚBLICA DA BAHIA. PAULO AFONSO – Defensoria prestigia projeto voltado para reedu-
cação de homens agressores. 2020. Disponível em: https://www.defensoria.ba.def.br/noticias/paulo-afonso-de-
fenoria-prestigia-projeto-voltado-para-reeducacao-de-homens-agressores/. Acesso em: 16 de set. de 2020

15 PRATES, P. L.; ANDRADE, L. F. Grupos reflexivos como medida judicial para homens autores de violência
contra a mulher: o contexto sócio-histórico. In: X Seminário Internacional Fazendo Gênero, 2013. Floriano-
pólis-SC. Anais... 2013, p 1-12. Disponível em: https://www.fg2013.wwc2017.eventos.dype.com.br/resources/
anais/20/1373299497_ARQUIVO_PrateseAndradeFazendoGenero10.pdf. Acesso em: 18 de set. de 2020.

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