Você está na página 1de 7

Violência contra a mulher: apontamentos teóricos e mapeamento da

incidência no Paraná

Alana Carolina Kopczynski (UNICENTRO)

Alexandra Lourenço (UNICENTRO)

Resumo. A presente pesquisa visa contribuir para a construção de um banco de


dados sobre Violência contra a mulher em Irati e faz parte de um projeto maior
que tem como objetivo estimular pesquisas para obtenção de dados para
mapeamento das incidências de violência no Paraná. Este estudo, através da
coleta de dados quantitativos e qualitativos, busca mapear as incidências de
denúncia de violência doméstica com enfoque na violência contra a mulher, a
coleta foi realizada através de prontuários disponibilizados formalmente pela
unidade da Assistência Social: o Centro de Referência (CRAS) Canesianas em
Irati, nos documentos foram identificados as formas de violências, as
caracterizações da mesma, das vítimas e também dos agressores. Além dos
dados coletados foram realizadas entrevistas semiestruturadas com
profissionais sobre as políticas públicas e a rede de enfrentamento adotada pelo
equipamento no momento em que chegam as denúncias. Consideramos que
esta violência deve ser compreendida a partir das relações de gênero e suas
representações que são historicamente construídas. Nossos resultados
indicaram que a violência doméstica contra a mulher é um fenômeno presente
na sociedade Iratiense e a rede de enfrentamento ainda se encontra em estágio
germinal.

Palavras-chave: Violência; Gênero; Rede de Enfrentamento; CRAS; Irati.


As estatísticas de denuncias de violência doméstica crescem a
cada ano, tornando essa discussão imprescindível no ponto de vista das políticas
públicas. Segundo dados do IBGE, cerca de 1,3 milhão de mulheres são
agredidas no Brasil a cada ano, violência estas que ocorre dentro da própria
residência da vítima e em sua maioria as vítimas possuem uma relação afetiva
com o agressor ou seja maridos, ex-maridos, namorados, podendo até ser
irmãos, pais. Isso significa que perigo se apresenta para as mulheres em um
lugar onde era para ser a representação da sua segurança. Em 2016, a Central
de Atendimento à Mulher, o Ligue 180, registrou no primeiro semestre
aproximadamente 556 mil atendimentos, sendo 39% casos que acontecem
diariamente e aproximadamente 32% casos que ocorrem semanalmente,
significando que muitas dessas mulheres convivem diariamente com uma rotina
de abusos e agressões.

A luta contra as violências sofridas pelas mulheres teve grandes


contribuições no Brasil após a sanção da Lei Maria da Penha (nº 11.340/2006),
sendo o principal mecanismo legislativo de combate a essa violência e trazendo
essa temática para a necessidade de trazer esse debate para o campo social e
a efetivação de políticas públicas que visam defender vítimas dessa violência. A
implementação da Lei Maria da Penha, em 2016, completou 10 anos. Desde que
entrou em vigor causou um impacto positivo, imputando os agressores com
medidas mais gravosas e encorajando mulheres vítimas dessa violência a
denunciarem, como também tornou mais conhecido as múltiplas formas de como
essa violência se manifesta. Segundo dados do IPEA em março de 2015 a lei
causou uma redução de 10% na taxa de feminicídio, portanto a lei trouxe a
violência contra a mulher para um debate social, contribuiu para a redução dos
casos e tornou co mas ainda não caminhamos para a tão desejada igualdade de
gênero.

A preocupação com essa questão vem sendo discutida pelos números


crescente das incidências de violência doméstica, especificamente a violência
praticada contra a mulher, com o Brasil ocupando o 5% lugar no ranking dos
países que mais matam as mulheres no mundo.

De acordo com a pesquisa realizada pelo Mapa da Violência em 2018, o


Paraná ocupa a 1º posição, dentre os estados do Sul do Brasil, com maior
número de denúncias, contabilizando 1.426, seguido por Rio Grande do Sul com
665 denúncias. A partir de uma pesquisa realizada no ano de 2016, a violência
contra a mulher atinge de formas diferentes as mulheres brancas, pretas e
pardas (DATASENADO, 2016). Em 10 anos a violência contra as mulheres
negras aumentou 54% enquanto das mulheres brancas abaixou 9,8%
(SANGARI, 2015). No Paraná, excepcionalmente, a taxa de violência letal atinge
mais as mulheres brancas, mas em estados como Amapá, Pará e Espírito Santo
as mulheres negras são as mais atingidas, podendo registrar as incidências de
violência três vezes a mais do que a que atinge as mulheres brancas. Muitos
estudos tem sido desenvolvidos na intenção de compreender quais são os
fatores que contribuem para esse contexto de aumento da violência, letal ou não,
contra a mulher.

Violência doméstica pode ser caracterizada como violência de gênero,


uma vez que está relacionada à fatores culturais e no exercício da função
patriarcal que exerce uma dominação de força e potência sobre as mulheres
que, dentro desse contexto dos papéis de gênero, são consideradas frágeis e
sensíveis. Segundo a pesquisa da OMS Estudos Multipaíses da OMS sobre a
saúde da mulher e a violência contra a mulher (2002) realizada no Brasil aponta
que 30% das mulheres entrevistadas sofreram, além da violência física, violência
sexual. A partir desse pressuposto, entende-se que as manifestações da
violência não ocorrem de forma única, mas precedida por inúmeros abusos e
violações de direitos até chegar à violência física e até chegar no feminicídio.

Segundo Linda Gordon (1989, p. 291) “Tem sido necessário mostrar que
a violência familiar não é a expressão unilateral do temperamento violento de
uma pessoa, mas é tramada conjuntamente – embora não igualmente – por
vários indivíduos no caldeirão da família. Não há objetos, apenas sujeitos” (apud
SAFIOTTI, 1999, p. 86). Na maioria dos casos a violência é cometida dentro da
própria residência da vítima, em 2009 numa pesquisa realizada pelo Instituto
Patrícia Galvão indica que 43% das mulheres sofreram violência em sua
residência, de maneira que 36% indicaram ser nas vias públicas, enquanto a
porcentagem de homens que são agredidos na própria residência é 12,3%.

Para compreender a problemática trazida no presente resumo, faz-se


necessário a análise da construção histórica e social dos papeis de gênero na
sociedade, que hierarquizados, produzem uma relação de dominação da força e
potência nas relações entre homens e mulheres.

Segundo a historiadora Joan Scott (1995) gênero é um elemento


constitutivo das relações sociais baseado nas diferenças percebidas entre os
sexos, e o gênero é uma forma primeira de significar as relações de poder. A
socióloga Wânia Pasinato define a violência de gênero na modalidade da
violência contra a mulher através da noção de patriarcado:

As mulheres são vítimas de violência porque são mulheres.


Trata-se de reconhecer que a violência não é um infortúnio
pessoal, mas tem origem na constituição desigual dos lugares
de homens e mulheres nas sociedades – a desigualdade de
gênero -, que tem implicações não apenas nos papeis sociais do
masculino e feminino e nos comportamentos sexuais, mas
também em uma relação de poder. (PASINATO, 2018)

A construção dos papeis de gênero não se dão por fatores generalizantes


ou por explicações causais, mas por uma organização social construída e
alimentada historicamente em que o homem é privilegiado, resultando nas
relações de poder baseada na dominação da força e potência sobre as mulheres.
Essa violência ocorre quando a ideologia não é suficiente e o homem/patriarca
vê a necessidade de coagir a vítima para garantir obediência através da violência
física (SAFIOTTI, 2001, p. 115).

Para complementação do debate a Socióloga Heleieth Safiotti (SAFIOTTI;


ALMEIDA, 1995) apresenta o poder estabelecido nas relações em duas faces:
“a da potência e da impotência . As mulheres são socializadas para conviver com
a impotência; os homens – sempre vinculados à força – são preparados para o
exercício do poder. Convivem mal com a impotência”. Essa questão se percebe
quando o uso da força física para demonstrar poder é colocado na relação e
usada para coagir as vítimas a se submeterem aos desejos dos homens e
quando não acontece, o uso da violência é cogitado.

Através dos dados coletados nos prontuários do Centro de


Referencia em Assistência Social localizado no bairro Canisianas, referente as
denúncias realizadas no período dos anos de 2018, 2019 e 2020, é possível
perceber a manifestação da violência, as características das vítimas e dos
agressores, como também a caracterização da violência e a perpetração nas
relações familiares. Das ocupações e fontes de rendas presentes nos relatos
coletados 50% são mulheres do lar, ou seja, seu trabalho fundamenta-se no
cuidado da família, sem obtenção da renda própria. De todos os prontuários
analisados nenhuma dessas mulheres se encontrava em trabalho formal com
carteira assinada, grande parte dependia da participação do marido para a
complementação da renda familiar, o que dificulta para a vítima encontrar uma
forma de sair da situação de violência. Sobre o estado civil 80% indicaram sofrer
violências do marido, enquanto 20% eram solteiras e sofriam violência do ex-
companheiro. Nos relatos havia a informação de que algumas mulheres já
possuíam medidas protetiva contra seu atual e ex-companheiro, em decorrência
de violências sofridas anteriormente a essas denúncias. Em um dos relatos uma
das mulheres afirma que sofria violência psicológica do marido, que inclusive o
momento das agressões era presenciada pelos filhos e o mais velho apresentava
ansiedade e comportamentos agressivos durante as discussões, além da
violência psicológica ela e era obrigada a ter relações sexuais contra a sua
vontade. Sobre o principal motivo indicado nos registros 66% eram motivados
pelo ciúme e 33% pelo abuso do álcool. Através desses dados é possíveis
perceber a dominação e a relação de poder que se estabeleceu nas relações de
homem e a mulher, visto que todas sofriam violências psicológicas, além das
manifestações outras da violência.

Dessa forma, é impossível universalizar a causa da violência doméstica,


é preciso compreendê-la em sua totalidade através de análises históricas e
sociais de papeis que são construídos e estruturados na sociedade. É certo que
o número de denúncias realizadas não reflete a realidade dos fatos, por isso se
faz tão importante os estudos feministas que abordam a temática de violência de
gênero e a violência contra a mulher. Diversos estudos realizados contribuem
para a estruturação de políticas públicas mais efetivas e acessíveis a toda a
classe das mulheres. Segundo Wânia Pasinato (2018) “Falta avançar em maior
engajamento e comprometimento das instituições, governos e da sociedade para
que essas sejam um compromisso de todos e todas, e que o lema “Nenhuma a
menos” finalmente se torne realidade”.

Referências

PASINATO, Wânia. As mulheres são vítimas de violência porque são mulheres:


Galileu, 2018. Disponível em:
https://revistagalileu.globo.com/Sociedade/Notícia/2018/02/violencia-contra-
mulher-wania-pasinato.html. Acesso em 19/08/2020.

SAFFIOTI, Heleieth; ALMEIDA, Suely. Violência de Gênero - poder e


impotência. Rio de Janeiro, Livraria e Editora Revinter Ltda, 1995.

SAFFIOTI, Heleith. Já Se Mete a Colher em Briga de Marido e Mulher.


Perspectiva, São Paulo, p. 82-91, 1999.

SEPO – Relatório de Pesquisa: Violência Doméstica Contra a Mulher. Brasília:


Subsecretária de Pesquisa e Opinião Pública, 2005.

SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e


Realidade, v. 20, n. 2, p. 71-99, jul/dez. 1995.
WAISELFISZ, Julio. Mapa da Violência 2015. Homicídio de mulheres no Brasil.
Brasília, 2015.

Você também pode gostar