O texto começa delimitando o termo "sociedade urbana" a uma sociedade que
nasce da industrialização, juntamente a um processo de transformações descontínuas, das quais surgiram antigas e diferentes formas urbanas. Estas descontinuidades e crises são enfatizadas como pontos importantes, os quais situam e permitem a continuidade, com o aparecimento de novos elementos e relações. Desse modo, para denominar a sociedade pós-industrial, o autor propõe o conceito de sociedade urbana, que caracteriza não só um fato, como também a tendência, a orientação e a virtualidade. Como parte da hipótese científica do texto, é destacado que a agricultura, na sociedade urbana, se converte num setor da produção industrial, sendo subordinada a ela e deixando de ser o setor principal. Isso acontece visto que o agrupamento camponês em forma de aldeia transforma-se, de modo a se integrarem com a indústria, e transferir a concentração de população para perto dos meios de produção. Sendo assim, a partir desse deslocamento, o “tecido urbano” se proliferou e estabeleceu o predomínio da cidade sobre o campo. Apenas regiões estagnadas ou arruinadas estariam fora do alcance do tecido urbano. Enquanto persistiram apenas ilhotas de pobreza camponesa, as grandes cidades explodiram, abrindo espaço também para o surgimento dos subúrbios, conjuntos residenciais e complexos industriais. Além disso, designa-se a “revolução urbana” como a passagem de um cenário de crescimento e industrialização para um período de foco na problemática urbana, juntamente com a busca de soluções para esta. Tendo isso em vista, o texto traça dois caminhos percorridos pelo urbanismo e suas “balizas”. São eles: a) o urbanismo distante da reflexão teórica e b) o urbanismo como política, que se destrincha em uma crítica de direita e outra de esquerda. Independente do caminho, uma linha do tempo da urbanização é desenhada: primeiros grupos humanos marcaram e nomearam o espaço > aperfeiçoamento da grade espacial pelos camponeses sedentarizados > cidade acompanhou a aldeia > a agricultura supera a coleta sob o impulso de centros urbanos > ocupação, exploração/opressão e administração de um esboço de Estado > a “cidade política” acompanha o estabelecimento de uma vida social organizada, da agricultura e da aldeia. Segundo o autor, a cidade política estaria perto da origem no eixo da linha do tempo. Ela administra, protege e explora um território, comandando os trabalhos agrícolas de drenagem, irrigação, construção de diques, etc. Neste período os lugares de comércio não estavam dentro dos limites da cidade política, fazendo com que o processo de integração do mercado à cidade perdurasse durante séculos. Na China e no Japão, por exemplo, os comerciantes fazem parte da baixa classe urbana, ocupando bairros “especializados”, por muito tempo. Entretanto, no final da Idade Média (no Ocidente Europeu) o mercado adentra a cidade e esses bairros antes retirados tornam-se centrais. O que antigamente era a ágora se transformou na praça do mercado. Como consequência, surgem no seu entorno a igreja e a prefeitura, já que a arquitetura passou a seguir a nova concepção de cidade. Desse modo, com a construção do mercado no entorno das praças centrais, nota-se que a troca comercial transita para a função urbana, a qual faz surgir as formas. Nos séculos XVI e XVII começam a aparecer os planos de cidades, como por exemplo os primeiros planos de Paris, para constituir uma totalidade que seria a cidade. Todavia, da mesma maneira que a cidade política resistiu a conquista do mercado, a cidade comercial se defendeu contra o domínio da indústria, através do corporativismo. Sob o mesmo ponto de vista, o autor ainda cita que a cidade industrial precede a zona crítica, conceito baseado nas consequências da implosão/explosão. A produção industrial cresce e multiplica as trocas comerciais, porém a consequência desse processo faz com que a problemática urbana instale-se em escala mundial. Essa realidade urbana modifica as relações de produção, exprimindo as relações sociais e se afirmando como dominante. Porém, destaca-se também que a agricultura e a indústria possuem seus próprios problemas, os quais não devem ser absorvidos pela problemática urbana. Por fim, ao falar da profundidade da fase crítica da cidade industrial, Lefebvre profere argumentos a favor e contra a rua (lugar de encontro, movimento e segurança X lugar que não permite a constituição de um grupo, mas sim de um amontoado de seres em busca do mundo da mercadoria) e a favor e contra o monumento (lugar de vida coletiva, de trans-funcionalidade e de trans-culturalidade X colonização/opressão do espaço no qual se organiza e negligência do habitar em favor do monumentalismo).
2 RESUMO DO CAPÍTULO 02
Neste capítulo, o objeto “cidade” é analisado a partir de suas modificações e de um
eixo espaço-temporal. Esse eixo se dá entre a cidade política e a comercial, e usa a sociedade burguesa como base para compreender as sociedades antigas e medievais. É ressaltado também que a história é dividida pelos modos de produção (asiático, escravista, feudal, capitalista, socialista), e que cada um deles resultou em um tipo de cidade, a qual foi acumulando conhecimentos. Por algum tempo, a cidade e os centros urbanos foram vistos apenas como superestruturas, organizadas de forma a dar suporte às atividades da sociedade. No entanto, percebe-se que essa superestrutura exerce um papel muito maior, estando no centro do modo de produção capitalista. Desse modo, a cidade aparece também como segunda natureza, de materialidade construtiva, arquitetada no topo da natureza real, sendo esta essencial para a existência da urbanidade, através da constituição de jardins, parques, paisagens naturais e recursos. Ademais, esses espaços podem formatar um referencial necessário para que se perceba a realidade urbana, apesar de terem sido vistos como elementos neutros, o que faz parte da problemática urbana. O autor atribui a cidade um esquema onde o urbano pode-se tornar um objetivo, e não apenas um resultado, dividindo a cidade em três esferas: o rural, o industrial e o urbano. Todas as esferas contendo suas fases críticas e de transição, também coexistem com campos cegos, pontos centrais que não são vistos ou tem a sua existência negada. Por exemplo, no campo do urbano, que é um campo novo, a cegueira consiste em ver apenas conceitos e a teoria da industrialização, deixando de lado a realidade em formação. Desse modo, ainda não conseguimos ver a paisagem urbana, tanto por uma ocultação quanto pela familiaridade que continua existindo com o campo anterior, fazendo com que a realidade se reduza antes de se firmar. Sob o mesmo ponto de vista, pode-se dizer então que o urbano se reduz ao industrial, no mental e no social da cidade. Ao se constituir como campo cego, o conteúdo da esfera passa a ser insignificante, voltando a ter sentido somente quando a pesquisa nele se aprofunda e o difunde como realidade. Antes disso, o campo cego é um convite para o conhecimento, e só permanece cego por desconhecimento, falsos conhecimentos e falsa consciência. Partindo para uma reflexão mais objetiva e espacial, é importante destacar a visão do autor em que os países subdesenvolvidos conhecem simultaneamente os três campos antes citados, acumulando interações, desigualdades, mas também problemas. No campo industrial, particularmente, uma ordem geral baseada na lógica da mercadoria é legitimada, com a racionalização do espaço-tempo e diversas sistematizações. Essa lógica muitas vezes se choca com a da lei e a da organização espacial. Entretanto, entre todas as lógicas, a cidade fixa a sua função a uma formação de capital, na lógica da mais-valia. Já o pensamento urbanístico, na era do urbano, aparece como diferencial, uma vez que o seu ponto forte não se encontra mais na empresa mas sim nos traços específicos da forma urbana, como formas, funções e estruturas. Observa-se então, que a forma do espaço urbano provoca grandes concentrações e dispersões, e que, apesar da tentativa de homogeneização, não é possível encontrar espaços urbanos idênticos. Por fim, conclui-se no texto que cada campo possui suas próprias alienações, crises, cegueiras e também desalienação. Cada campo passou por processos sociais e mentais, onde as mudanças na organização da sociedade moldou também a forma como o espaço se constituía ao longo do tempo.