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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

DEPARTAMENTO DE PROJETOS
FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO

LUIZA ALBERTO BARBOSA

O PLANEJAMENTO URBANO COMO LIMITADOR DAS OPORTUNIDADES DE


TRABALHO DO PROLETARIADO DA CLASSE BAIXA

BELO HORIZONTE - MG
2022
LUIZA ALBERTO BARBOSA

O PLANEJAMENTO URBANO COMO LIMITADOR DAS OPORTUNIDADES DE


TRABALHO DO PROLETARIADO DA CLASSE BAIXA

Ensaio acadêmico de conclusão da disciplina “A cidade


no cinema: atravessamentos com a pesquisa
socioespacial”.

Professora: Camila Matos

BELO HORIZONTE - MG

2022
SUMÁRIO
1. RESUMO ....................................................................................................................... 4
2. INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 4
3. COMO COMEÇOU O PLANEJAMENTO URBANO ................................................... 5
4. COMO O PLANEJAMENTO URBANO É LIMITADOR .............................................. 6
5. PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO RELACIONADO COM A REPRESENTAÇÃO
CINEMATOGRÁFICA ......................................................................................................... 7
6. CONCLUSÃO ................................................................................................................ 8
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................. 9
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1. RESUMO
O presente trabalho analisa as precariedades oferecidas ao proletariado de classe baixa
a partir da visão urbanística. Ele problematiza, especialmente, como o planejamento urbano é
responsável por recriar e intensificar os problemas ocasionados pelo sistema capitalista,
limitando as oportunidades dos trabalhadores. São apresentadas reflexões sobre desigualdade
social, descaso estatal, dinâmica dos urbanistas e ambiente das cidades do Brasil representadas
no cinema. A partir de diferentes referenciais teóricos, pretende-se estabelecer aqui uma breve
e pertinente contribuição para a análise de como a relação do espaço urbano molda e limita o
modo de vida dos funcionários menos abastados da sociedade.

Palavras-chave: Planejamento urbano. Proletariado. Precarização do trabalho.


Limitador.

2. INTRODUÇÃO
Analisar a trajetória do planejamento urbano permite também acompanhar como o
desenho das cidades foi moldado para reconstruir nos espaços urbanos os modelos de opressão
do mercado de trabalho. Com a introdução do sistema capitalista, o Estado começou a arquitetar
práticas para impor nas relações sociais o domínio executado no ambiente de trabalho. Sob essa
ótica, as técnicas urbanistas passaram a existir para ordenação dos corpos nas cidades, sendo as
áreas urbanas não só um ambiente que expõe a condição de mais-valia, mas também o lugar
que entra como o produto do mercado.

Tais aspectos podem ser discutidos, primeiramente, através da observação dos primeiros
resquícios da concretização do planejamento de cidades. Ao longo do século XIX e XX o
Estado estava disposto a dissociar a imagem medieval e caótica das cidades para prepará-la para
uma perspectiva de Revolução Industrial.

Desse modo, a implementação de propostas urbanas sempre esteve marcada pelo


contexto estatista de organizar as cidades para a progressão econômica do Estado, causando a
negligência em resolver questões básicas sociais. Os proletariados da classe mais baixa da
sociedade se prejudicam mais nesse cenário por dependerem da infraestrutura fornecida pelo
governo para se estabelecerem financeiramente.

Portanto, o presente trabalho tem como objetivo levantar essas questões sobre a falta de
oportunidades dos trabalhadores periféricos, resultante da estruturação de um planejamento
urbano marcado pela intervenção de um poder classicista. Obras cinematográficas também são
relacionadas com essa análise, visto que a abordagem da realidade trazidas nos filmes fazem
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parte de como a cultura entende o espaço urbano e cria, a partir dele, narrativas diferentes que
possibilitam uma visão mais crítica da sociedade.

3. COMO COMEÇOU O PLANEJAMENTO URBANO


O início da estruturação do urbanismo se deu a partir das consequências advindas do
século XVIII, com a difusão do iluminismo e as mazelas deixadas pela Revolução Industrial.
As condições de insalubridade das cidades, pela falta de estrutura devido à vinda dos
trabalhadores para a área urbana, afetavam a continuidade da produção industrial. Nesse
sentido, como o iluminismo proporcionou a valorização da racionalidade, algumas cidades se
organizaram para mudar o cenário caótico do espaço urbano. Essa proposta inicial de
planejamento é descrita pela historiadora Calabi (1999, p. 23): “Com um significado
diametralmente oposto, nasce o plano de ampliação, que tem origem em uma espécie de acordo
entre as forças capitalistas e a coletividade, pela aceitação, bem difícil, de que é indispensável
alguma forma de organização geral do crescimento urbano.” Então surgiu várias ideias e
técnicas para sistematizar as cidades, sendo denominadas de “urbanísticas”, visto que, segundo
o docente Thiago Canettieri: “Não seria equivocado dizer, portanto, que a urbanização está
ligada à formação do proletariado industrial europeu e, por consequência, ao capitalismo.”

Dessa forma, o século XIX foi marcado por transformações nos espaços urbanos, entre
elas pode-se evidenciar a reforma em Paris e a reforma no Rio de Janeiro. Em Paris Hausmann
foi o principal planejador da reforma da cidade, tendo como característica a destruição de
moradias populares para o embelezamento da capital e o desenvolvimento de malhas
ortogonais. O Rio de Janeiro teve sua reforma inspirada em Paris, trazendo os mesmos
princípios de exclusão social e de racionalidade.

Não cabe nesse ensaio analisar com detalhes todas as fases em que o urbanismo seguiu,
mas sim expor que ele sempre esteve ligado com os interesses estatistas capitalistas desde seu
surgimento. Após esse processo de desassociar a imagem das cidades com os traços medievais,
as novas demandas estavam relacionadas com o aumento do fluxo de automóveis e a
“problemática” das periferias. As demandas exigidas pelo o Estado no espaço urbano permite
que ele controle as relações sociais que surgiriam espontaneamente nas ruas. A anexação de
largas avenidas, por exemplo, suprimi a concentração de pessoas e seu uso do solo. No filme
“A cidade é uma só?”, de Adirley Queiróz, é evidente como a construção de Brasília foi
marcada pela dominação de uma região já ocupada por alguns moradores, os deixando a
margem para dar lugar a uma edificação planejada pelo Estado.
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Ora, o pensamento urbanístico vincula-se originalmente à necessidade social


de organização do espaço, mas, uma vez que sua ascensão no mundo moderno
tem a ver com os interesses políticos das classes dominantes em dispor sobre
tal necessidade, é já do processo de institucionalização do espaço que se trata.
(Martins, Sérgio p.16)

Desenvolve-se, então, um urbanismo que se diz ligado ao progresso, porém destinado a


atender as demandas de um interesse privado e de questões elitistas. O Estado encoberto nas
práticas urbanísticas inibe os usos urbanos genuínos, além de marcar no espaço as opressões
escancaradas na política.

4. COMO O PLANEJAMENTO URBANO É LIMITADOR


Antes de relacionar o planejamento urbano com as precariedades dos trabalhos da
população mais pobre da sociedade, cabe citar o contexto das habitações desses trabalhadores.
Além da classe mais pobre ter sido submetida a várias expulsões para a reconstrução do espaço
urbano, em vários momentos, ela teve que se alocar em bairros mais periféricos devido ao
processo de gentrificação. Essa dinâmica é causada pela produção capitalista nas cidades que
não fornece os meios necessários para a subsistência dos trabalhadores, mas realiza um
excedente que é privadamente apropriado pelas classes mais altas (KOWARICK, 1979). Trata-
se, portanto, de toda a distribuição de transporte, comércio, cultura e outras demandas sociais
desenvolvidas em áreas fora do alcance financeiro e regional dos mais pobres.

Portanto, os investimentos públicos também sob este ângulo aparecem como


fator determinante no preço final das moradias, constituindo-se num elemento
poderoso que irá condicionar onde e de que forma as diversas classes sociais
poderão se localizar no âmbito de uma configuração espacial que assume, em
todas as metrópoles brasileiras, características nitidamente segregadoras.
(KOWARICK, L. 1979, p. 57)

As habitações dos proletários, consequentemente, são construídas a partir da


autoconstrução, uma vez que ela minimizada os gastos e mobiliza os moradores ao redor a
ajudar a construir. Entretanto, essa organização beneficia o sistema capitalista, na medida em
que, por constituir de trabalhadores não-especializados e de ser feita com materiais de baixa
qualidade, as casas se deterioram rapidamente, o que leva há um endividamento dos
proprietários que só pode ser coberto com o aumento da jornada de trabalho, criando um ciclo
de exploração de trabalho e contribuindo para a manutenção das desigualdades sociais
(KOWARICK, 1979).

Tal situação perversa mostra como a infiltração estatista capitalista no planejamento


urbano molda as relações do trabalho na sociedade. Assim, as possibilidades ocupacionais
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disponíveis aos proletariados pobres são restritas aos moldes do Estado, sendo, em sua grande
maioria, relacionadas a empregos informais que não garantem estabilidade.

5. PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO RELACIONADO COM A


REPRESENTAÇÃO CINEMATOGRÁFICA
A conjuntura do desenvolvimento do trabalho com a zona urbanística é tratada de forma
pontual em duas obras do cinema brasileiro: Arábia (2017), dirigida por Affonso Uchoa e João
Dumans, e O homem que virou suco (1981), de João Batista de Andrade. Ambos mostram
protagonistas marginalizados que migram de um trabalho a outro tentando buscar segurança.

No filme Arábia, o personagem principal, por resultado de uma juventude desassistida,


passa um período na cadeia e busca reconstituir sua vida em diferentes trabalhos por Minas
Gerais. Pelo tempo perdido na prisão, Cristiano passa sua jornada em empregos informais,
como em fábricas e em fazendas, sendo suas relações sociais construídas exclusivamente no
ambiente de serviço. Seu desejo de se afastar da criminalidade e seguir o caminho considerado
correto pela sociedade o fez ser o funcionário ideal para o sistema capitalista: cumpria sua
função sem questionamentos. Apesar de sua dedicação, sua vida se manteve sempre no mesmo
padrão, demonstrando que a proporção da quantidade de trabalho dos proletariados menos
abastados não resulta necessariamente na melhora de suas condições financeiras. Ainda,
percebe-se no filme diálogos que retratam a precariedade das condições desses trabalhadores,
como a discussão levantada sobre os piores lugares para se dormir (sendo citado chão frio ou
sobre pedras) e sobre as piores cargas para se carregar (entre elas estavam porco vivo e ração
de peixe), que revela ainda mais o trabalho não como uma escolha, mas sim como uma forma
de sobrevivência em meio ao desamparo estatal.

Já na obra O homem que virou suco, o personagem principal não se adequa como um
funcionário ideal, uma vez que ele não aceita as condições de miséria oferecidas nos trabalhos.
Deraldo, um nordestino vivendo em São Paulo, tenta vender sua poesia nas ruas da cidade
paulista, mas não possui espaço, já que, além de ser repreendido pela polícia, nos ambientes
urbanos não existe abertura para a expressão da sua arte.

Nesse sentido, observa-se que nas duas obras retrata-se a exclusão dos proletariados a
partir do espaço em que eles estão inseridos. Deraldo saí de sua comunidade para buscar
emprego em outras partes da cidade e Cristiano explora Minas Gerais para tentar construir uma
vida digna. Os dois filmes são representações dos resquícios deixados na malha urbana que
impactam a vida desses dois trabalhadores.
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6. CONCLUSÃO
As análises aqui apresentadas permitem caracterizar o planejamento urbano como um
agente que potencializa as formas de opressão do sistema capitalista dentro do território urbano.
Cabe enfatizar que o planejamento urbano referido nesse ensaio engloba àqueles desenvolvidos
historicamente e na contemporaneidade pelo Estado, e não desencoraja o desenvolvimento de
cidades pensadas de acordo com os interesses das relações sociais.

Assim, pode-se dizer que o desdobramento de periferias e habitações populares fora da


infraestrutura urbana é uma forma de reprodução da força de trabalho, uma vez que enfatiza a
condição de inferioridade dos mais pobres, os limitando de usufruir do espaço planejado das
áreas centrais. Essa desvinculação com regiões que contém importantes estruturas para o
desenvolvimento de uma vida financeira estável acarreta na continuidade desses cidadãos em
serviços precários, já que eles não possuem mecanismos ao redor de suas habitações para
aprimorar sua bagagem de conhecimentos.

A exploração, portanto, vai além do mercado de trabalho, visto que os urbanistas e


estatistas limitam as oportunidades do proletariado, o afastando da possibilidade de ascensão
econômica. Faz-se necessário a implantação de práticas urbanas capazes de atender as
demandas da parcela mais pobre da sociedade, não tendo como uma problemática estética de
eliminar as favelas, por exemplo, mas entendendo seu valor, suas necessidades e seus direitos
como parte da estrutura social urbana.

Portanto, a urbanização sempre foi um fenômeno de classe, já que o excedente


é extraído de algum lugar e de alguém, enquanto o controle sobre sua
distribuição repousa em umas poucas mãos. (Harvey, D. p. 2)
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7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARÁBIA. Direção: João Dumans e Affonso Uchoa. Produção: Vitor Graize. Minas Gerais.
2017.
CALABI, D. 2012. História do urbanismo europeu. São Paulo: Perspectiva.
CANETTIERI, T. 2021. O urbanismo entre a memória e o futuro: da época das grandes
esperanças à era das expectativas decrescentes, o que mudou na ideia de planejar a cidade?
Revista da Universidade Federal de Minas Gerais, v.28, n.2.
HAROUEL, J-L. [1985] 1990. O urbanismo da era industrial. In: História do urbanismo.
Campinas: Papirus.
HARVEY, D. [2008] 2013. O direito à cidade. Revista Piauí, julho de 2013.
KOWARICK, L. 1979. Autoconstrução de moradias e espoliação urbana. In: Espoliação
Urbana. São Paulo: Paz e Terra (pp. 55-74).
LEFEBVRE, H. [1970] 2019. A ilusão urbanística. In: A revolução urbana. Belo Horizonte:
Editora UFMG.
MARTINS, S. 2000. O urbanismo: esse (des)conhecido saber político. Revista Brasileira de
Estudos Urbanos e Regionais, n.3, p.39-59.
O HOMEM QUE VIROU SUCO. Direção: João Batista de Andrade. Produção: Embrafilme.
1981.

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