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PAULO FERNANDO DE SOUZA CAMPOS

OS CRIMES DE PRETO AMARAL:


REPRESENTAÇÕES DA DEGENERESCÊNCIA EM SÃO PAULO.
1920

Jq6D
cllf'\•e\6\-\01tGJo

ASSIS
2003
PAULO FERNANDO DE SOUZA CAMPOS

OS CRIMES DE PRETO AMARAL:


REPRESENTAÇÕES DA DEGENERESCÊNCIA EM SÃO PAULO.
1920

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação da


Universidade Estadual Paulista para obtenção do título de
Doutor em História, área de concentração, História e
Sociedade, linha de pesquisa, Identidades culturais,
etnicidade e migrações.
Orientadora: Ora. Zélia Lopes da Silva

ASSIS
2003
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Biblioteca da F.C.L. - Assis - UNESP

Campos, Paulo Fernando de Souza


Os crimes de preto Amaral: representações da
degenerescência em São Paulo. 1920 / Paulo Fernando de
Souza Campos. Assis, 2003
325 f.: il.

Tese de Doutorado - Faculdade de Ciências e Letras de


Assis - Universidade Estadual Paulista.

1. Negros - São Paulo (SP). 2. Discriminação racial. 3.


Psiquiatria forense. 4. Criminalidade urbana - São Paulo (SP).
!.Título.
CDD 301.45196081
364.98161
PAULO FERNANDO DE SOUZA CAMPOS

OS CRIMES DE PRETO AMARAL:


REPRESENTAÇÕES DA DEGENERESCÊNCIA EM SÃO PAULO.

1920

COMISSÃO JULGADORA

TESE PARA OBTENÇÃO DE GRAU DE DOUTOR

Orientadora: Ora. Zélia Lopes da Silva - UNESP, Assis

Assis, de abril de 2003


DADOS CURRICULARES
PAULO FERNANDO DE SOUZA CAMPOS

NASCIMENTO 31.01.1967 - ITÁPOLIS/SP


FILIAÇÃO Aparecido de Souza Campos
Rosa Campoi de Souza Campos
1990/1993 Curso de Graduação em História
Universidade Estadual de Maringá
1994/1997 Curso de Mestrado em História
Universidade Estadual Paulista
1995/1997 Pesquisador/bolsista MSI/MSI 1
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP
1998f2003 Professor do Centro de Ciências Humanas
Universidade Paranaense/Paranavaí
2001/2002 Professor Colaborador/Departamento de História
Universidade Estadual de Maringá
Dedico esta pesquisa à minha mãe Rosa Campoi por me
ensinar que a importância está na essência e não na
aparência. A minha irmã Elizabeth por fazer valer o que
nos foi ensinado.
*
Ao Wellington, amigo e companheiro nesta jornada.
AGRADECIMENTOS

Este trabalho não poderia ter sido realizado sem a participação de algumas pessoas ,
quais. eu quero 1em b rar agra d e_cen do co,m .sinceridade.
· · as
Sem dúvida essa lista deve , ser
~nc!lbeçad_a por duas ~ulheres 1mportant1ss1mas nes,s~ trajetória: Jacinta e Elizete, minhas
1rmas.. q~eridas as quais. agradeço pelo ª~?r necessario que me fez continuar na pesquisa
ª??~em,ca. Amb~s .apo,aram_-~e incond1c1onalmente no final do mestrado, um momento
d1f1c1I de superaçoes e de dec,soes que transformaram minha vida.

À Dra. Edwirge Vieira Franco, Diretora da Universidade Paranaense de Paranavaí quero


agradecer pela oportunidade da conquista profissional enriquecedora e por apoiar-me com
ações que me davam fôlego para prosseguir na árdua tarefa que foi trabalhar e pesquisar ao
mesmo tempo. Aos alunos do curso. _de Direito da Universidade Paranaense quero
agradecer de forma afetuosa: eles perm1t1ram que eu enxergasse o valor do meu ofício e 0
real sentido da educação durante minha permanência naquela instituição. A eles devo muito
do que sei pois suas práticas descortinaram realidades, revelaram permanências e
acomodamentos que sustentavam as hipóteses deste trabalho. Suas declarações
afirmavam a existência efetiva ainda hoje dos valores assumidos no início do século XX em
relação aos pobres, aos negros e aos despossuídos, continuamente segregados.

Agradeço ao Departamento de História da Universidade Estadual de Maringá e aos alunos


do curso de Pedagogia do Campus Regional de Cianorte estes últimos sempre queriam
saber sobre o que eu estava pesquisando. Aos alunos do curso de História que
freqüentavam minhas orientações no Laboratório de Ensino e aos alunos do curso de
Especialização em História da turma 2001 , em específico os alunos Airton Zarpelão e
Sandra Gonzáles pela inteligência e pela sensibilidade difícil de encontrar na fogueira das
vaidades.

Aos funcionários dos Arquivos e Bibliotecas por onde passei coletando os sinais e os
indícios que me levaram aos eventos trágicos da passagem de 1926 para 1927. Em
especial ao historiador do Museu do Crime da Academia de Polícia de São Paulo, Sérgio
Carrara, que me apresentou o processo crime de José Augusto do Amaral.

A Alessandra Rosa Carrijo quero agradecer pela força amiga e crítica que me fortificou e me
faz enfrentar as agruras da vida em São Paulo. A Helani Morbin e lsabela Campoi por
acreditarem em mim, permanecendo sempre presentes mesmo nos momentos. de
Isolamento e de falta de glamour. A Sandra Castanho por sua amizade eterna. Aos amigos
de Maringá e de Assis quero agradecer pela paciência que tiveram comigo durante esses
longos anos da pós-graduação, relevando minhas interrupções e solicitações que nunca
serio pagas, pois nem tudo tem um preço.

A Rosangala Kimura, Waldriana Nunes, Simonéia Sanchez Gomes, Zueleide Casagra~~e


da Paula, Nívea Ferrari agradeço por acreditarem, mesmo à distância, que eu conseguma
vencer mais essa etapa da vida acadêmica. Ao Alexandre e Glaucia Cristina Gomes pela
alegria sempre renovada com amor. A Célia Regina da Silveira e Maria Celma ~orges Pf:_la
vibração positiva que nunca se esgota. A Maria Antonieta Gomes P~nteado pela mte~~upç~o
dos silêncios e pelo recomeçar sempre desejoso e estimulante. ,fl: banca _da quallf1caçao
formada pelas Oras. Eda Góes e Laura Maciel agradeço pelas criticas pertinentes que me
animaram a rever pontos essenciais da tese.

Sobretudo, agradeço a Zélia Lopes da Silva por ter confiado em mim, orientando-me não
apenas para o trabalho de pesquisa mas também para a vida. Seu olhar atento de mulher
dirigiu-me com a agudez de uma historiadora brilhante,. sensata, exigente. A ela devo boa
parte do que sei, do que sou e do que penso sobre as coisas desse mundo.
...pobres são como podres e todos sabem como se tratam os pretos.
(Gilberto Gil e Caetano Veloso)
SUMÁRIO

LISTA DE FOTOGRAFIAS
Resumo
INTRODUÇÃO

Parte 1
OS NEGROS NA CIDADE DE SÃO PAULO

Cosmopolitismo estigmatizado: doutrinas racistas e sociedade paulistana ..... ........ .45


Hierarquias da exclusão: ameaças urbanas e desvios da norma ............................. 66
Entre médicos e advogados: a psiquiatria em matéria penal. .................................. 106
A construção do Manicômio Judiciário: a gestão científica do Juquerí .................... 146

Parte li
REPRESENTAÇÕES DA DEGENERESCÊNCIA

Criminosos natos: policiamento urbano e imprensa paulistana .............................. 163


Sadismo e necrofilia: os crimes do "monstro negro" ............................................... 195
Biotipologia humana: as manifestações da degenerescência ................................. 268

CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 293

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................297


FONTES .................................................................................................................. 311
Anexos ....................................................................................................................317
Abstract ...................................................................................................................325
LISTA DE FOTOGRAFIAS

Fotografia 1 A doente em trajes femininos. A mesma doente envergando roupas masculinas (legenda
original). Conjunto de fotografias publicadas no Manual de Psiquiatria Clínica e Forense
escrito por Antonio Carlos Pacheco e Silva. p. 144
Fotografia 2 Perfil de José Augusto do Amaral em fotografia judicial anexada ao Processo Crime nº. 1670.
Acervo do Museu do Crime da Academia de Polícia do Estado de São Paulo. p.197
Fotografia 3 José Augusto do Amaral, Processo Crime nº·. 1670. Acervo do Museu do Crime da Academia
de Polícia do Estado de São Paulo. p. 198
Fotografia 4 "Photographia mostrando o tamanho desproporcionado dos órgãos genitaes" (legenda
original). Archivos da Sociedade de Medicina Legal e Criminologia de São Paulo, vol. li , ano
li, fase. 1º., nov. 1927, p. 101. Acervo da Biblioteca do Instituto Oscar Freire de Medicina
Legal e Criminologia da Universidade de São Paulo. p. 220
Fotografia 5 Antonio Sanches, primeira vítima. Processo Crime nº. 1670. Acervo do Museu do Crime da
Academia de Polícia do Estado de São Paulo. p.235
Fotografia 6 Ossada de Antonio Sanches. Processo Crime nº. 1670. Acervo do Museu do Crime da
Academia de Polícia do Estado de São Paulo. p. 236
Fotografia 7 José Felippe de Carvalho, segunda vítima. Processo Crime nº. 1670. Acervo do Museu do
Crime da Academia de Polícia do Estado de São Paulo. p. 244
Fotografia 8 Conjunto de fotografias do cadáver em decomposição da segunda vítima, José Felippe de
Carvalho anexada ao Processo Crime nº. 1670. Acervo do Museu do Crim e da Academia de
Polícia do Estado de São Paulo. p. 245
Fotografia 9 Fotografia pericial de Antonio Lemos, a terceira vítima. Processo Crime nº. 1670. Acervo do
Museu do Crime da Academia de Polícia do Estado de São Paulo. p. 262
Fotografia 10 Conjunto de imagens do corpo de Antonio Lemos no local do crime. Processo Crime nº. 1670.
Acervo do Museu do Crime da Academia de Polícia do Estado de São Paulo. p. 263
Fotografia 11 Documento pericial anexado ao exame cadavérico de Antonio Lemos Processo Crime nº.
1670. Acervo do Museu do Crime da Academia de Polícia do Estado de São Paulo. p. 264
Fotografia 12 "Cefalometria (Instituto de Identificação)" (legenda original). Publicada por W. Berardinelle e
João 1. de Mendonça em Biotipologia Criminal. Acervo da Biblioteca do Instituto Oscar Freire
de Medicina Legal e Criminologia da Universidade de São Paulo. p. 278
Fotografia 13 "lsaltino Francisco, de perfil. Biotipograma criminal do Instituto de Identificação" (legenda
original). Publicada por W. Berardinelle e João 1. de Mendonça em Biotipologia Criminal.
Acervo da Biblioteca do Instituto Oscar Freire de Medicina Legal e Criminologia da
Universidade de São Paulo. p. 279
Fotografia 14 "lsaltino Francisco, de frente. Biotipograma criminal do instituto de Identificação" (legenda
original). Publicada por W. Berardinelle e João 1. de Mendonça em Biotipologia Criminal.
Acervo da Biblioteca do Instituto Oscar Freire de Medicina Legal e Criminologia da
Universidade de São Paulo. p. 280
Fotografia 15 -romada dos diâmetros transversos e antero-posteriores com o compasso de espessura e
fitas metricas (Instituto de Identificação)" (legenda original). Publicada por W. Berardinelle e
João 1. de Mendonça em Biotipologia Criminal. Acervo da Biblioteca do Instituto Oscar Freire
de Medicina Legal e Criminologia da Universidade de São Paulo. p. 281
Fotografia 16 -romada das medidas longitudinais no antropometro de Viola do Instituto de Identificação"
(legenda original). Publicada por W. Berardinelle e João 1. de Mendonça em Biotipologia
Criminal. Acervo da Biblioteca do Instituto Oscar Freire de Medicina Legal e Criminologia da
Universidade de São Paulo. p. 282
RESUMO

O núcleo central da tese propõe uma reflexão em torno das representações da degeneração da
raça no início do século XX, em específico as produzidas pela psiquiatria forense . o estudo aborda
uma série de crimes ocorridos na passagem de 1926 para 1927 e investiga como as imagens
decorrentes das representações dos eventos trágicos que marcaram a vida de um homem comum
negro, filho de escravos e nascido livre incidiam negativamente sobre os negros pobres ~
despossuídos no processo de integração na sociedade de classes , estereotipando-os como
indivíduos violentos, criminosos e inferiores na escala da "evolução humana". As conclusões desse
trabalho foram alcançadas a partir da interpretação de um conjunto documental específico,
produzido por médicos e advogados em torno do processo crime impetrado em 1927 contra José
Augusto do Amaral, indiciado como autor dos crimes hediondos que levaram à morte três pessoas
do sexo masculino e que foram caracterizados pelo sadismo e necrofilia. A documentação utilizada
na investigação recuperou laudos médicos, perícias policiais, depoimentos, fotografias , artigos
publicados na imprensa e revistas especializadas da época sobre os crimes de Amaral. Pautado
nas propostas teórico-metodológicas da microanalítica o estudo possibilitou analisar as relações de
poder e as estratégias de dominação nas quais os discursos se estabelecem e muitas vezes
funcionam. Nessa perspectiva, o exame dos eventos trágicos que marcaram a vida de Amaral
permitiu entender como fenômenos isolados se relacionam com os elementos mais gerais e como
estes fenômenos contribuem para organizar as redes de sociabilidades. Os resultados
demonstraram que os efeitos de real atribuídos às representações da degenerescência
pretenderam legitimar a exclusão e a discriminação dos negros, impondo-lhes uma tara hereditária
que os desclassificavam. A tese defende a idéia de que a persistência da identificação do negro
como criminoso, sedicioso e vagabundo vincula-se às características específicas das relações de
poder no Brasil.

Palavras Chaves: Negro - Pobre - Psiquiatria Forense - Criminalidade - São Paulo


INTRODUÇÃO
No final da década de 1920, a cidade de São Paulo apresentava ares de um

cosmopolitismo forjado por uma diversidade étnica e por drferenças sociais

transfom1adoras do cotidiano da grande maioria das pessoas, que no período, se

voltavam quase que exclusivamente para o trabalho, valor supremo e critério de

distinção entre os homens e mulheres. Porém, a Europa e seus costumes ainda

continuavam ditando o modelo de civilização e desenvolvimento que, de acordo com as

elites, deveriam ser adotados como pré-requisrtos para o alcance do desenvolvimento

urbano e da ordem social almejados.

Embora diferente das imagens sugeridas durante o século XIX, o Brasil ainda era

observado pelos estrangeiros como um local de pessoas e modos de vida distantes dos

padrões editados pelo mundo europeu, mesmo que murros destes estrangeiros se

- com a realidade das cidades brasileiras. Desde o século XIX o olhar

consbuía a imagem do outro, sua representação social. No caso dos negros, as

quase sempre eram portadoras de significações que evocavam

e identificações voltadas para o avesso da ordem, para o perigo da impureza,

racial. Os significados atribuídos aos negros os associavam à

e à perversidade pois, secularmente, os homens e mulheres negros foram

como "raças humanas inferiores". 1

• _,.,.,,.... ,... eL aL Zoas Hla'nlllr•. Paris: La DécouVerte, 2002. A obra citada rastreia exposições que fo~ ~ucesso
, . . _ _tDda a E&npa no 8écuo XIX que reuniam em parques e cabarés os povos exóticos das col~nias. Em
• ._......,.,.. o aulDr, Ptofelaol na Universidade de Paris 11, afirmou que: "... con:i a !deologia da_ desigualdade
....._ dfflnlda pela ■lbOpOlogia ffsica e usada como justificativa da conquista colonial, ,r ao zo~lógt~ para ver~
omo, o nlO anpeu 818 1.111 meio de se convencer de sua própria superioridade". BANCEL, N. Históna e~ cloufhe0
up. • Pauk,, Malll, Slo Paulo, n. 544, 14 jul. 2002. p. 16-17. Entrevista concedida a Jean Marcel arva

Alln9&
No final da década de 1920, a cidade de São Paulo apresentava ares de um

cosmopolitismo forjado por uma diversidade étnica e por diferenças sociais

transformadoras do cotidiano da grande maioria das pessoas, que no período, se

voltavam quase que exclusivamente para o trabalho, valor supremo e critério de

distinção entre os homens e mulheres. Porém, a Europa e seus costumes ainda

continuavam ditando o modelo de civilização e desenvolvimento que, de acordo com as

elites, deveriam ser adotados como pré-requisitos para o alcance do desenvolvimento

urbano e da ordem social almejados.

Embora diferente das imagens sugeridas durante o século-XIX, o Brasil ainda era

observado pelos estrangeiros como um local de pessoas e modos de vida distantes dos

padrões editados pelo mundo europeu, mesmo que muitos destes estrangeiros se

surpreendessem com a realidade das cidades brasileiras. Desde o século XIX o olhar

europeu construía a imagem do outro, sua representação social. No caso dos negros, as

f8PA1S8nlações quase sempre eram portadoras de significações que evocavam

das e identificações voltadas para o avesso da ordem, para o perigo da impureza,

eração racial. Os significados atribuídos aos negros os associavam à

e à perversidade pois, secularmente, os homens e mulheres negros foram


1
o "raças humanas inferiores".

.. . Huffllll,w, Paris: La l)écoUV8rte, 2002, A obra citada rastreia e,cposições que toram sucesso
llfl!llinpa no aéculo XIX que reuniam em parques e cabarés os povos exóticos das colônias. Em
r, PrlllaaaOr na Universidade de Paris 11, afirmou que: •... com a ideologia da desigualdade
llrlll9IJOlo9la flaica a usada como Justificativa da conquista colonial, ir ao zoológico para ver o
ia um maio da se convencer de sua própria superioridade". BANCEL, N. Hist6ria em clouse-
, .Mu,I, 8111 PaulO. n. 544, 14 jul. 2002, p. 16-17. Entrevista concedida a Jean Marcel carvalho
4

Mesmo que as imagens exóticas atribuídas aos negros não fossem mais

evocadas com tanta curiosidade ou espanto, ainda assim, a crença científica da

desigualdade racial era um forte componente no processo de identificação do outro na

década de 1920, especialmente na cidade de São Paulo. O período demarcado recobre

um momento da história em que grande parcela dos egressos do campo como, os

imigrantes das primeiras levas decepcionados com as reais condições de vida e de

trabalho encontradas nas fazendas de café. os filhos dos escravos. homens e mulheres

tomados livres e em sua maioria despossuídos ou ainda os nacionais que pretendiam

encontrar na cidade um emprego fixo, progredir, bem como os novos imigrarites que

faziam da cidade um local de concentração de muitas etnias, de relações travadas ao

acaso, de encontros e movimentos que obliteravam os antigos sentidos atribuídos aos .


2
fatos e as coisas que aconteciam na capital paulista: o espelho do Brasil.

Em São Paulo, no período estudado, havia uma forte distinção entre as oessoas

justamente pela cidade ter sido considerada como um local habitado, em larga escala,

por estrangeiros e seus descendentes, além de já possuir uma elite altamente

europeizada, voltada para os padrões de vida, trabalho e organização social ditados oelo

mllldo europeu. Todavia, esse tipo de associação cristalizava negativamente as

representações sobre uma população que também vMa, trabalhava e se organizava na

cidade, qual seja, os negros. Preconcebidos a partir de uma visão européia de

civilização, os negros foram segregados e duramente perseguidos por uma elite

2• Aaçs P que 1811181B à ml6rnia civlizada{lnciv, na qual a sociedade paufistana pautava-se para estaoeieC8
a&:a:;aa 11DCi11is e relacionais entre as pessoas, figura repetidamente nas crônicaS do memonallsta oa ddaoe oe
111D..., que l8giBlla dfaenles aspeclDS da vida puis1ana. evideflciandO práticas singUlareS no relac;ionamero>
. ., . _ . . que vivaam o perfodo. Embora eualtecelldo as eiteS e as fertoS das dasSeS soeíaiS aoasaoas o
. . . . . . . - en1nNar as piri10111Bg811S anõnimas da história. constm,Jindo-Se num vaJioSO regstro para o rasgara
dlllla nan6ria. dalBe tar..,o e espaço social. At.ERICANO, J. São Paulo nesse tempa (191~1935). São Paulo:
lllluam... 1982. A pacepção da diferenÇa racial pode ser ampiada consuttandO FREYRE. G. mte,pretação
•■ E AIIBiDs da tonnaçlo social brasileira como processo de amalgamentD de raças e cutnJraS. São Pauk>:
OU..4&•E JaB l8lras. 2001. Conular anta: KOSSOY, 8. ; CARNEIRO, M. L T. O Olhar europeu. O neg,
W W-4ia bralllBn. do sêcUo XIX. São Paulo: EOJsp, 1994. Ver também: SCHWARCZ. L M. ; REIS, L V. oe S.
. . . . . . EnaaioB sobre cdura e escravidãO no Brasi. São Paulo: Estação Qência/Eck,sp, 1996.
5

dominante que buscava imprimir um conjunto de valores e referências ao processo

histórico nacional anulador da negritude no Brasil, branqueando a nação.

Identificados como inferiores, assumindo postos degradantes, quase sempre

voltados para o trabalho doméstico ou fixados nos subempregos os negros também

estavam presentes na cidade, manifestando-se de forma diferente em relação à vida e

ao trabalho, muitas vezes de forma involuntária. Todavia, retratados por intermédio de

uma perspectiva desqualificadora que atingia não o ser individual mas a "raça" - noção

pela qual as pessoas se relacionavam, entendiam e processam as diferenças - os

negros foram sendo cooptados pelos discursos normativos que passaram a reorganizar

o mundo social.

Envolvendo padrões de referência identitários, imaginário coletivo,

representações sobre lugares, coisas e pessoas as ações remodeladoras forjavam

novas percepções do real, nas quais os negros, sobretudo os negros comuns, da plebe,

eram vistos como "gente sem importância". Os negros, desde os tempos da Colônia,

eram temidos pelas famílias brancas por assumirem, no imaginário coletivo, as formas

da vagabundagem, da devassidão e da imoralidade que os associavam aos tipos mais

vis da sociedade como, o tarado, o estuprador e o corruptor de menores. Forjadas por

uma sociedade que buscava branquear-se, tais imagens acabaram por cristalizar
3
~1,..eratações danosas aos negros que ainda perduram na sociedade brasileira.

J.ean CLAUDE-SCHIMITT sobre os marginais permite observar que um dos aspectos da "nova
1n!la enfrentar um dos grandes problemas identificados pela tradição dos Annales, qual seja, dar
r •lm, rompendo com o paradigma que firmava a história total, autentica, identificada como
11;:;cdoa rela e da Igreja. Para o autor, o que escapava do "centro da história", compreendida
1

pmgreaaos da Fé ou da Razão", era apenas "resto 'supérfluo', 'sobrevivência' anacrônica,


emretldo ou simples 'ruído"' que não Importava ser mencionado, observado ou interpretado.
1& ·11...aem ser necessariamente abandonada, a perspectiva tradicional parece insuficiente,
,'910: a partir do centro, é Impossível abarcar com o olhar uma sociedade inteira e escrever
qtae reproduzindo os discursos unanimlstas dos detentores do poder. A compreensão brota
.ià :1&nto, que se cruzem múltiplos pontos de vista que revelam do objeto - considerado
.... imargens ou do exterior- múltiplas faces diferentes, reciprocamente ocultas.". CLAUDE-
• ".marglnala ln: Le GOFF, J. A Nova História. São Paulo: Martins Fontes, 1990. p. 261-2.
6

A pretensa modernidade ditada pelo mundo europeu moldava os

comportamentos das pessoas em quase todos os aspectos do cotidiano. Os resultados

das alterações atingiam os valores atribuídos às coisas, idéias e palavras, emitindo

outros significados, outras mensagens que, na vida cotidiana, eram transformadas em

práticas, ações, estratégias, planos e representações, aspectos rejeitados durante muito

tempo pela escrita da história e ignorados pelos historiadores da tradição que optavam

por uma atividade puramente retórica, fixada na interpretação de textos e não de

acontecimentos. A história individual, as resistências miúdas, as falas dos inominados, a

voz dos homens e mulheres comuns não interessavam ao tipo de história que se
4
pretendia perpetuar, negando o microcosmo da história.

A micro-história, conforme salientou Cario GINZBURG, tem sido entendida como

ül'.l1 rótulo que nega as "noções gerais" da história, fragmentando-a por interessar-se

minúcias da vida, coisas incertas, suscitadas nas possibilidades que parecem

lifflinuir ou descaracterizar os parâmetros teóricos utilizados para interpretar o passado

e praticar o ofício. De acordo com o autor, ainda vigora uma escrita da história pautada

em modelos econômicos, de cunho evolutivo, calcados na idéia de necessidade histórica

sem considerar que as "provas testemunhais" não falam por si mesmas mas permitem
falar, dão de falar.

4
· A panlp8Clilrd de &a'llll hilll6rta aodal, ortginéria da França do início do séa.llo XX, produzida pela tradição dos Annales
nova esquerda inglesa, sobretudo a obra de Edward Palmer THOMPSON, e a
corno esta é entendida por Roger CHARTIER, permitiram aos historiadores ampliar
111111111P1•el&clu.._..., do tampo passado. As novas abordagens, problemas e objetos da terceira geração
1n&
babu' propoala pela história social inglesa e a categoria de representação que dos
pma o alcance das abordagens do que se convencionou chamar de m1ero-
órlca, da cosmologia, da ego-história ou da história das mentalidades o que
• ~ que privilegiasse os recortes sempre minúsculos, como a hlStóna dos
~. •...pequenos enredos construídos a partir de tramas aparentemente
da década de 1970 e nos anos de 1980, um pequeno grupo de
e artigos sobre a experiência da microanálise. O debate em
Slorici e pela série italiana Microstorie, entretanto, as obras de
~ . . . . ..U. PI 1 1,. ..., 8llldD oa taxlD8 h.ndador8s do que se convencionou chamar de micro-
L v~~~Ullcr I 3 ••11moe ela hlsl6rla. Micro-história. Rio de Janeiro: campus, 2002. p.
ro: Francisco Alves, 1995. THOMPSON, E. P.
181. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
...~ . Lisboa: Difel, 1985.
'7

G r'"'1~e e s sas e

'i<i:

:as c .... e Oê3. evoca a ....Sêr"Cfas.

Nessa persoecova. , gicos episódios O:

os quais levaram à :e três ens neófitos~ aue a a aaae de São Paulo

passagem de 1926 para 1927, praticados. de acorao co e Seg ça

Pessoal de São Paulo, por um negro conhecido como -oreto etem para

tempo no qual a idéia corrente era a de que a grande maioria dos brasileiros não

passava de gente acomodada, incivilizada, contaminada pelos prazeres e vícios

provocadores da degenerescência, do atraso físico e intelectuaJ que fomentava a

pobreza, as doenças, as sexualidades invertidas e a criminaJidade. Focalizados em meio

a essa interpretação dominante, os crimes de que preto Amaral foi acusado remetem

para Lili tempo no qual se consolida o final de um sistema político, econômico e social

~ C. . . . . a,.._,_ .t sinais. Morfologia e história. São Paulo: Companhia ~ Letras, 1987. Obra na
o ...,tnlla a quaallD do mémdo, inclcado como "paralW'lff\<:I inálciário· . . A Micro-história e outros
!it-" ··· 1 L Lilbaa: Dlal, 1989. Corno pratica do oficio _ _. O~~ e os vermes. O coticiano e as idéias de um
~,\fllJII la:p111rgaállo pala inlJliiçio. São Pauo: Con1Jamia das Letras, 1897. Sobre a noção de representação _ _.
,. ~..-dl1,n11 7 7a NDv9 111p11tsenlações sabre a dstAncia. São Paulo: Companhia~ Letras, 2001 . Para esse
1
-~
~-~,Jllb .t lf E. Mi. . . "RlpiW111a9ões- A palavra, a idéia, a coisa".
... ........__.._décadas, Quto Ginzburg retomou ao Brasil em 2002 quando participou de seminários e
• •· 1 •;.m;:sa•tdD dabalaa, co11farê11cias e palestras em tomo das questões que envolvem a história da cultura e
. . 1.·. . 1T ün pauao do que foi ca, pelo hislDriador italiano pode ser observado em: GINZBURG, e. A história
• • • FtllLAIIIII.-.S. Paulo. Maisl 01 set. 2002. p. 4--8. Entrevista concedida a Jean Marcel carvalho França
8

estruturado na posse e coisificação de pessoas identrficadas como propriedade e


7
ser humano ao mesmo tempo.

Inserido nos movimentos que caracterizam a República Velha (1889-1930) 0

procedimento analítico realizado teve como objetivo entender, como se pretenae

demonstrar, a dimensão das representações impostas às pessoas pobres, sobretuao

negras, simbolicamente identificadas como degeneradas, como pertencentes a tipos

humanos inferiores e primitivos, incapazes, ignorantes e pervertidos. Mesmo que

oscilando entre o real e o ficcional, as representações em tomo do caso de Preto Amara

permitem uma reflexão sobre o racismo e segregação de pessoas comuns na sociedade

brasileira aqui valorizadas por um conjunto documental significativo mas pouco

explorado pelos historiadores, qual seja, o processo crime. Esse conjunto documental

partilha sinais e vestígios que permitem aos historiadores dar voz aos homens comuns

cujas vozes foram silenciadas ou re-elaboradas pela representação social dominante.

Para tanto, perscrutou-se a história de um homem comum 1 nascido livre, detiao e

processado como o autor da série de crimes ocorridos no final dos anos 1920 na cidade

de São Paulo, crimes estes cometidos contra crianças, rapazes ou ainda, como

inados na documentação coligida, jovens neófitos", garotos, adolescentes. em

fillos de imigrantes provenientes de famílias humildes de trabalhadores

e desenraizados, como consta na denúncia que abre o processo crime nº.

no início de 1'R7 contra José Augusto do Amaral mas que nunca foi

OiARTlER, ªAs represenlaQões construídas do mundo social, embora aspirem a


dalBmwladas pelos interesses de um gn..,a que ~ forjam·. Para o autor, as
que visam fins especfficos e não discursos neutros. produzem estratégias e ?rcitiea5
c1aar1a11-m,rnii1nm,11WM projeto. A interpretação proposta pelo autor, na qual este estudo tamnem se
dgD Oliginamente pt.mlicado pela revista Annales em 1989, track.lzido e publicado para o
f,1QIIUgulal'IIJ.._ da década de 1990. CHARTIER, R. O mundo como representação Estudos Avançados, São
Pau1D.,v. 5.,G.cl1, p.1n.1a1,jan./abr.1991.
9

... incluso três vezes no artigo 294 do Código Penal, e uma vez no artigo 294,
combinado com os artigos 13 e 63 do mesmo Estatuto, denuncio a V. Excia.
José Augusto do Amaral, qualificado às fls. 26 do incluso inquérito policial, pelos
fatos delituosos que passo a expôr: Em 7 de dezembro der 1926, levou o
denunciado em sua companhia até ao Campo de Marte, nesta Capital, o moço
Antonio Sanches, de 27 annos de idade, operário residente na Lapa. No Campo
de Marte, em lugar ermo, mata a sua vítima, estrangulando-a, e, quente ainda o
corpo do infortunado moço, pratica no cadáver actos de pederastia. (confissão
do den., tis. 29 v.; reconhecimento de roupas, fls. 87; exame de ossada tis. 91;
4ª test., tis. 107). Volvidas pouco mais de duas semanas, na véspera do natal,
às 4 horas da tarde, dentro de um mato nas immediações da Ponte Pequena,
nesta Capital, depois de para lá ter atrahido um menor de dez anos de idade, o
colegial José Felippe de Carvalho, filho único da viúva Georgina Silveira, o
denunciado friamente o mata. Estrangula-o, e sacia seus instinctos libidinosos
do cadáver, abandonado ao depois ao relento. (auto de exame cadavérico de tis.
82). Sete dias após, em 1º deste anno, às 11 horas da manhã, encontra-se o
denunciado com Antonio Lemes, menor de 15 para 16 annos de idade, obriga-o
a almoçar em sua companhia num botequim nas proximidaes do Mercado
Central e leva-o em boa camaradagem até a estrada velha de S. Miguel. Num
atalho, à direita, numa pequena moita, mata-o, esganando-o, e violentamente
pratica no cadáver actos libidinosos. Ao descobrirem o cadáver, encontram em
volta ao pescoço um laço que sobre o mesmo exercia pressão, que o comprimia
fortemente e terminava em um nó bastante apertado. A morte deu-se em
consequencia de asphyxia por estrangulamento (auto de exame cadavérico de
fls., e de autopsia de fls. ). Os médicos legistas que detidamente examinaram a
victima, concluíram que ella foi estuprada (fls.) Entre esse último assassinato e
o penúltimo, no intervalo de uma semana esta a tentativa de morte contra uma
creança de dispensas nove annos de idade. Roque Piccili. O denunciado o
encontrara com sua caixa de pequeno engraxate nas immediações da praça da
Concórdia, não muito longe do theatro Colombo, no Braz, nesta Capital.
Offerece-lhe dinheiro, quer o seu auxílio, que o ajude a carregar uma caixa com
roupas. Leva-o a ponte da rua João Theodoro, que atravessa o Tamanduatehy.
Agarra-o, domina-o, procura esgana-lo, julga-o morto. E quando se dispunha a
saciar seus instinctos carnaes, rumor de passos nas proximidades levam-no a
abandonar a pobre victima, que populares socorreram. Pederasta e necrófilo,
segundo apurado ficou, o denunciado matava primeiro as suas victimas,
8
estrangulando-as, para se saciar nos cadáveres ainda quentes.

Operando em uma escala reduzida e evitando o abrigo seguro das

generalizações históricas, a micro-história ou "ciência do vivido" pretende identificar os

Impactos dos processos globais no microcosmo e não o fragmento por ele mesmo. Tal
abordagem permite afirmar que as representações sociais registradas nas fontes

provenientes dos órgãos do poder judiciário, das quais este estudo faz uso, possibilitam

não só a Identificação de como uma realidade social é construída, pensada, dada a ler

mas as Et,lrJAtdglas e práticas utilizadas para impor os valores e a concepção dominante.

Por lntenn~lo de evidencias periféricas, aparentemente banais e cotidianas este estudo

buscou ·Prôtiíêmatizar comportamentos que ainda hoje atuam como limites segregadores

8
• Proceaao Crime n. 1870. Denuncia de José Augusto do Amaral.
10

de parte da população brasileira por considerá-la como inculta, atrasada e

potencialmente violenta. 9

As indagações propostas supõem que a década de 19r20 é decisiva para se

pensar os significados e as ambigüidades das relações sociais em a sociedaae ae

classes em fonnação. Focalizando a sociedade paulistana. o período remonta u

alvoroço de mudanças e possibilidades. algo monumental que tugia a compreensão das

pessoas ainda atreladas às representações da "'corte no exílio- ou por aquilo que Mar.a

Otlla Leite da Silva DIAS considerou como sendo a exploração ae ·cteal. ae ;10\-as

formas de representação do provisório. do contingente e do fragm entário". Tais

mudanças impunham, por sua vez, novas condições de vida material. ~âbitos e

cotidianidade à sociedade paulistana. Asstm 1 no conjunto das indagações possíveis. o

que se pretendeu enfatizar nesse trabalho foram os prováveis significados das ações

nas quais os negros eram tomados como casos exemplares. representativos. por ass·

dizer, dos discursos médico e jurídico ou mais especificamente. do encontro de seus

enl.Wlàados e de seus significados sociais. sobretudo os praticados pela psiquiatria


foranse. 10

Deste modo, as análises empreendidas descordam das interpretações que

ardandem as ações humanas como "necessidades históricas". negando a temporalidade

do avento. inlarpra1ando o passado somente pela via da quantificação do longo tempo.

da narrativa dos falos heróicos. O caminho percorrido procurou interpretar na pluralidade

•. Da IIDdD cam GiNami LEVI. -J'ara a 11mo-.'àtólia. a remJÇAo da escala é Lm procedimento analitico. que pooe se·
aplamoem ....... luglr, nlapalla.B1&à das clrnelas6es do objeto(...) O princípio unificador de toda P8SQl.liSa
H&acrhlaMllaa•a....,an qua a abaaM1ção microscópica reY81ará fatores previamente não obsefVadOS". LEVl. G.
Sabla•aa......... ln: BUR1CE. P. Awrlll da hlsl6ria. Novas perspectivas. São Paulo: E<illesp. 1992. p. 136.
'º. DIAS. li. O. L da S. Haanalllaa e nanalMl ln: SEVCENKO, N. O Olfeu exllitico na naetrópo6e. São Pa
_,...eaa..-...,a-.arms20. Silo Paulo: em.,.~ das letras. 1992. p. XJ'ii. A noção "corte no e.x11,_..
.._.PIJl'....... IMl.ERBAao apnlS8nlaias '1>ulburinhosª provocados pelas manifestações que moveram o Rio
da.Jlnalloa...-a a••• da famlia nllll no ena. simbolza as alterações na forma de exbçâo d8S cosas
• - - . . - o llpla6dQ qua o ...,ewidancia. MALERBA, J. A Corte no exillo. CMização e poder no Brsssl às
,,..._dallllllip&. .da (1808-1821). Silo Paulo: eoo.,_na das letras. 2000. p. 35.
11

das possíveis interpretações de um acontecimento específico o papel das contradições

sociais na geração da mudança social. Perscrutando evidencias muitas vezes incertas,

este estudo pretendeu reuni-las em uma ''trama lógica" reconstituindo a dinâmica da

construção ideológica que impunha, definindo, a idéia de degeneração da raça, fazendo

do pobre um inferior e do negro um elemento sedicioso, um criminoso em potencial. 11

O tempo e o espaço demarcados permitem acompanhar o momento exato em

que as contradições e mudanças sociais adquirem realidade concreta, exigindo um

controle efetivo ao combate das alterações processadas, sobretudo, as delimitadas

pelas vicissitudes da passagem do trabalho escravo para o trabalho livre, ou seja, a

emergência da sociedade de classes voltada para o trabalho urbano. Como pretendiam

os proponentes da nova ordem social, a disposição dos espaços, as formas de morar e

de se comportar perante a família e a sociedade assumem um caráter profilático,


intervencionista, higienizador. Como recuperou Margareth RAGO ao interpretar as

expectativas da desodorização do espaço urbano, "... na cidade moderna (... ) os vizinhos

se conhecem, não se pode confiar em quem está do lado, os ·sentimentos se

.is superficiais, os antigos laços de solidariedade se rompem, a vida já não é

antes.". Vale dizer, os valores burgueses desdobraram-se em múltiplas

ãsciplinarização, em mecanismos de controle e vigilância que pretendiam


12
antas e os hábitos considerados perniciosos.

•e l\ ._ pero&p9Õ8S do social não são de forma alguma discursos neutros: produzem


...,.,_, polftlcas) que tendem a impor uma autoridade à custa de outros, por elas
m rafonnador ou a justificar, para os próprios indivíduos, as suas escolhas e
Cultural. Entre práticas e representações. Lisboa: Difel, 1985. p. 17.
"anormalidade" social na cidade de São Paulo, a autora evoca as imagens de
de tranafonnação radical da sociedade, percebida como selvagem, ignorantes,
Dàlada, 1al represemação da cidade moderna não detennina verdades absolutas
via de mio (mica. RAGO, M. Do cabaré ao lar. A utopia da cidade disciplinar.
1elro: PazeTena, 1987. p.12.
12

De fato, o controle social realizado na cidade de São Paulo na década de 1920

não era o mesmo que o praticado no período imediatamente após a abolição.

Entretanto, as relações sociais travadas nos turbulentos anos vinte provocaram uma

auto-depreciação nos homens e mulheres negros que, nessa medida, viam-se

compelidos a assumirem as normas, os padrões de vida e os comportamentos sociais

dos brancos, negando sua própria identidade; sentimento que produzia diferentes

práticas segregacionistas, costumeiramente adotadas pela população branca e também

negra, cujos desdobramentos permitem recuos ainda maiores, anteriores mesmo que os

tampos da abolição. Entretanto, provocado por uma competição desenfreada por

trabalho, fato que se desenvolveu no período delimitado, considerado corno um

momento de fortalecimento do Estado e de seu papel na reorganização da sociedade, o

debate pretendido se toma singular para o entendimento de problemas ainda comuns na


13
sociedade brasileira como o preconceito, o racismo e a questão da cidadania.

As reflexões realizadas em tomo das representações da degenerescência em

tio nos anos 1920 partem do princípio de que as imagens projetadas pelas falas

do controle social institucionalizado produziram um universo estereotipado,

QQl'ltraditório e ficcional, porém, acentuado por uma legitimidade totalizadora

.r a população de negros na vida social mais ampla. No período

aagragacionismo costumeiro em relação à grande maioria dos

aos homens pois, mesmo com as alterações dos padrões

Mulheres negras que alcançavam com maior rapidez algum

,, atuando como empregadas domésticas, lavadeiras,

:1Pft0 nlo 6 possrvel negar o racismo( ...) também não se pode abrir mão de
mlluada (...) é talvez pela especificidade da mistura que se possa pensar
que 6 hora de priorizar especificidades, e não um conjunto que caminha
Nr feito um s61.•. SCHWARCZ, L. M. As teorias raciais, uma construção
. . . . . braallelro ln: _ _. ; QUEIROZ, R. da S. Raça e diversidade. São
13

cozinheiras, amas de leite e babás. Porém, tal situação não as eximia das constantes

humilhações e associações preconceituosas, evidenciadas pela competição desigual


14
com as mulheres brancas imigrantes mas empobrecidas.

Os dissabores provocados pela divisão existente entre brancos e negros na

sociedade paulistana eram constantes e provocadores de tensões permanentes. o


imaginário popular do início do século permite entrever como as pessoas entendiam

umas as outras e como os negros eram vistos e exibidos pelos bmcos. A tradição oral

evoca alguns enredos por intermédio dos quais se pode observar as percepções que os

brancos tinham dos negros, como as que diziam: "Lá em cima daquele morro,/ tem um

pé de samambaia;/ Negra só casa com negro;/ São gente da mesma laia", ou ainda,

"Marmelo é fruta gostosa,/Que dá na ponta da vara;/Branca que casa com preto/ Não
15
tem vergonha na cara".

Os valores que submetiam os negros ao sistema de hierarquia racial e moral

lmJnam como focos originais os discursos de intelectuais e suas teses fundadas nas

.!mas evolucionistas produzidas na Europa na passagem do século XIX para o

mas que mesmo no final da década de 1920 ainda pautavam teórica e

:e médicos e advogados que assumiam diferentes postos na administração

las por Ecléa BOSI são significativas para o desvendamento de práticas discursivas
a para os negros no início do século XX. As lembranças da filha de escravos, que desde
ã de famnla" pennite localizar a extensão das representações forjadas no contexto
\126 com um amigo de infância, ele era bonito e não era preto, de preto chega eu.". Ou
~ vivida pelas mulheres negras. BOSI, E. Memória e sociedade. Lembranças de
Quelroz/Edusp, 1987. p. 300-314.
rasentações coletivas sobre o negro: o negro na tradição oral. ln: _ _. O negro
lo;. Dtfel, 1972. p. 209. Outros aspectos da desigualdade costumeira podem ser
li mulheres brancas que viviam em São Paulo: "-Ahl O pessoal agora anda todo de
uma grande senhora. É só meia de seda, o diabol - Pois é. Você vê como elas se
.dizer uma história não se de que, que a D. Zelinda, e era só D. Zelinda pra cá, D.
ullo, nlo sei o que mais. Você sabe quem era a D. Zelinda? Uma negrona retinta! -
IGU eu sól (•.. ) Agora já deram até na elegância de ter neurastenia. Negra com
, parar?". AMERICANO, J. Slo Paulo nesse tempo (1915-1935). São Paulo:
il,
14

pública, dirigindo instituições de controle social e publicando compêndios que

disseminavam os ideais de uma sociedade civilizada em oposição à selvageria reinante.

Associando-se a grupos de estudo interessados nos fenômenos da criminalidade

ou trabalhando como professores nas faculdades de medicina e direito de São Paulo,

esses homens e seus discursos pretendiam vincular comportamentos ilegais, práticas,

valores e significativamente a "compleição física" das pessoas a tipos humanos

comprometidos patologicamente, cujas "taras primitivas" os conduziam inexoravelmente

à criminalidade, à loucura e à delinqüência. Os médicos paulistas que assumiam cargos

ou funções em órgãos públicos em São Paulo transformavam os protocolos da profissão

em fundamentos implementadores de estratégias de controle social, qualificando tais

protocolos como única forma capaz de alcançar uma das premissas que o "projeto

civilizador'' propunha, vale dizer, o combate à criminalidade. 16

Por intermédio das produções discursivas, enunciadas no cruzamento das falas

legitimadoras da medicina e do direito, a abordagem da representação da

degenerescência em São Paulo nas duas primeiras décadas do século XX pretendeu

reconhecer como as verdades produzidas pela medicina e pelo direito foram fabricadas

e intemalizadas pela sociedade mais ampla. Nesse sentido, buscou-se saber quais os
~ . :,, ;•

significados das representações sociais produzidas sobre o negro na década de 1920 e

como eatas representações forjaram práticas sociais que os desqualificavam.

,._ ilitando exemplarmente a análise de práticas disciplinares, os crimes de

.m, originalmente, a formação de um conjunto de forças sociais mobilizadas


·• tarefa de controlar o social, impedindo o convívio entre pessoas de
15

diferentes classes sociais, redefinindo práticas culturais como as que estabeleciam os

limites da convivência entre brancos e negros - práticas estas que se constituíam em

correlatos de superioridade e exercício de poder. Vinculadas às normas controladoras do

social, as práticas disciplinares implementadas dotavam a capital paulistana de uma

vasta rede institucional que visava conter os atos desviantes e manter a ordem de uma

popu 1açao
- sempre crescen te. 17

Devido ao precário saneamento dos bairros pobres e populosos, local de moradia

de trabalhadores operários e de despossu ídos, os perigos constantes das doenças

contagiosas como a febre amarela, a tuberculose, a gripe, provocadoras de baixas entre

os trabalhadores, preocupavam os administradores da cidade. Ao mesmo tempo, estas

doenças produziam um certo desprezo por parte das elites paulistanas que viam no

mundo hostil em que viviam os pobres as formas de contágio e proliferação dos

miasmas, representação que funcionava como uma barreira às relações sociais entre

brancos e negros, ampliando as imagens do perigo. "Não é, portanto, mero acaso que

instituições com caráter e finalidades diversas tenham sido criadas, em São Paulo, com

o objetivo de, cada qual na sua área, estudar, conhecer, identificar e propor soluções às

'questões urbanas' justamente no momento histórico em que a sociedade paulista

d111parava-se com um acelerado crescimento urbano-insdustrial, com a agudização de

,~alâlblU\Aarla Stella Martins BRESCIANI, o debate político que se desenvolve no Brasil em tomo de um
~~~ o combate à criminalidade como um dos eixos para alcançar o mundo civilizado. Porém, a
., ... · .;~ 1 ' • ·Repllblica, diferentemente da Monarquia, possibilita a "interferência dos homens pensantes do
- , .\f!m~.eíà_t'-Um processo cujo sentido se encontra já inscrito no tempo". BRESCIANI, M. S. M., O Cidadão
10 versus positivismo. Brasil: 1870-1900 ln: Revista da USP, n. 23, 1993. p. 124.
,:,;foi apontado por Boris FAUSTO em um livro recente - no qual o autor narra a sua história
,nta que em 1924 "São Paulo tinha cerca de 580 mil habitantes, dos quais em tomo de 35%
er:-prussegue afirmando que esse índice teria sido "muito maior se fossem somados aos
ilhos nascidos no Brasil". De acordo com o autor, "sem o mesmo ímpeto das últimas décadas do
Imigrantes chegaram a São Paulo, após a interrupção provocada pela Primeira Guerra
;menor número que no passado, espanhóis, japoneses, sírio-libaneses e, pouco a pouc?,
,ntra1,:e orientar. FAUSTO, B. Negócios e ócios. Histórias da imigração. São Paulo: Companhia
,.,
16

conflitos sociais e com setores dominantes desta sociedade expressando desejos de

construir uma nova ordem nacional e um novo perfil do trabalhador.". 18

Na pluralidade de apropriações que o contexto evoca é possível constatar que as

instituições de controle social mantidas pelo estado procuravam tornar suas ações cada

vez mais "scientificas", profissionais, modernizando procedimentos adotados para aquilo

que os controladores do social consideravam imperioso: o combate ao crime. Travados

no contexto por eminentes e ilustres "scientistas", as polêmicas em torno da

criminalidade e outros delitos "proliferavam" na cidade e faziam crer que somente por

intermédio do estudo interdisciplinar dos criminosos e não mais dos crimes e das

penalidades impostas é que se alcançaria uma verdadeira profilaxia dos criminosos.

Nessa perspectiva, rígidas normas de comportamento, classificações e métodos de

identificação foram adotados e utilizados para disciplinar as pessoas, racionalizar o

19
trabalho e controlar as populações.

Quase sempre vinculados à medicina ou ao direito, os primeiros administradores

das instituições públicas de controle social de São Paulo visavam imprimir "ares de uma

nova capital" retomando o projeto civilizador proposto à nascente República que, no

pensar das elites, corrompia-se pelos ''vícios da democracia". Auto-destacada como

centR:> -radiador da modem idade e da civilidade para o país e por intermédio das ações

, .são criados o Departamento Estadual do Trabalho (1911 ), Faculdade de Medicina e Cirurgia (1913),
r (1916) Instituto de Engenharia (1917), Instituto de Higiene (1918), Hospital de Juquery, Penitenciária
a<>), Manicõmio Judiciário (1930). Existiam na cidade o Hospital de Isolamento (1880), Instituto
(1892), Instituto Vacinogênico (1892), Desinfectório Central (1893), Escola Politécnica (1893).
1, M. da P. C. (Coord.) Memória da saúde pública. A fotografia como testemunha. São Paulo/Rio
~rasco, 1995. p. 28. Consultar também: SILVA, J. R. De aspecto quase florido. Fotografias em
Pi.w,llstas, 1898-1920 Revista Brasileira de História, v. 21, n. 41, p. 201-216, 2001.
g• "üm espaço social diferente, Sidney CHALHOUB aponta para uma questão significativa ao
. ~~es controladoras do social no período delimitado. Para o autor, "... o problema do contro~e
.. _ ....·. :rííbãlhadora compreende todas as esferas da vida, todas as situações possíveis do cotidiano, pois


até•
. ·.,·G Jl
.· ••·.·-::·1.,:.· :.......·...•. •xeroe
".·. :··l·. r.·.t •.··.•··.·· ...·.·..da desde a tentativa
nonnatização de disciplinarização
das relações rígida dodos
pessoais ou familiares tempo e do espaçopassando,
trabalhadores, na situação de trabalho
também, pela
vlglí~ :,::·. Jffo,ua do botequim eda rua, espaços consagrados ao lazt:r popular.". CHALHOUB: Trabalho, lar e
31
_s.
boleqílfm,~~ t mtldlano dos trabalhadores no Rio de Janeiro da Belle Epoque. São Paulo: Bras,hense, 1986. P· ·
Para O éuõf98ullsta ver: ANTONACCI, M. A. M. A Vitória da razão (?). São Paulo: Marco Zero, 1990.
17

exemplares de sua elite prodigiosa a cidade de São Paulo impunha práticas identificadas

como modelo a ser seguido pelos demais estados da República. 20

A urbanidade e o progresso material projetados para a capital e refletidos para a

nação deveriam estar pautados na reeducação dos sentidos. A cidade se torna O lugar

da vivência anômala, das relações indecifráveis, do aparente, do invisível, um espaço

não mais identificado como um "burgo de estudantes" mas como centro radiador de uma

moderna intelectualidade, uma cidade cosmopolita, voltada para o trabalho urbano,

populosa, industrial. Nos anos iniciais da República, as remodelações sofridas, sejam

elas urbanísticas, arquitetônicas, artísticas ou comportamentais, acentuavam a tendência

geral da administração científica e racional assumida pelos governos brasileiros no início

21
do século XX.

No decorrer das duas primeiras décadas do século passado, como atesta a

historiografia sobre a cidade, a remodelação de São Paulo atinge a vida de todas as

pessoas, ricas ou pobres, brancas ou negras, em diferentes escalas. A vida urbana e as

redes de sociabilidades fabricadas a partir de então rompiam os limites da antiga

representação e cultura paulistana, orientando práticas sociais instauradoras de um novo

:idiano, classificado, medido, testado, identificado e, sobretudo, voltado para o

• Entre as alterações sofridas destacam-se as que redefiniram a percepção da

estabelecida e difundida pela idéia de homogeneidade, de igualdade e pela

M., O Cidadão da República. Liberalismo versus positivismo. Brasil: 1870-1900. ln: Revista da
p. 123. As novas sociabilidades que o período remonta também podem ser avaliadas em
,leu exlátlco na metrópole. São Paulo, sociedade e cultura nos frementes anos 20. São Paulo:
as, 1992. FERREIRA, A. C.; LUCA, T. R. de.; IOKOI, Z. G. (orgs.) Encontros com a história.
e historiográficos de São Paulo. São Paulo: Edunesp, 1999.
18

Processada a partir das noções antagônicas de superioridade/inferioridade

subjacentes das teorias da biologia evolucionista, a "identidade nacional" pretendida

descaracterizava o brasileiro do ponto de vista da inteligência, da cultura e da raça,

elementos considerados desestabilizadores da ordem e do progresso. Vale dizer, os

brasileiros eram considerados incapazes, incultos, miscigenados e por isso

desqualificados, exibidos como pessoas sem lastro e capacidade empreendedora.

Contudo, a miscigenação era avaliada positivamente por alguns teóricos que postulavam

ser a mistura das raças o caminho que levaria à extinção gradativa da população negra

pela via do branqueamento - teoria essencialmente brasileira - cujo sentido e lógica

associava-se à idéia roussoniana da perfectibilidade, presente no ideário das elites


22
dominantes, sobretudo paulistas, desde finais do século XIX.

A importância dada ao período justifica-se na medida em que as primeiras

décadas do século passado· possibilitam interpretar as modificações no conjunto das

ralações de poder-saber reorganizadoras do país como característico de um processo

significativo mas pouco avaliado, qual seja, o da integração do negro na sociedade de

classes. Se antes o país era pensado pelos símbolos do degredo, pela idéia do paraíso

ou ainda, pelas utopias do extraordinário, na República, estas imagens assumem um

•~P> científico pautado no modelo evolucionista, tributário de uma interpretação


~-·-·;f);;J_;··.t

~ial que representava o país como um local de incivilidade, imperfeito, com


"t····

.o degenerada, comprometida física e moralmente. Tais diagnósticos,

enquanto espaço e memória, Maria Stella Martins BRESCIANI indica que uma das
l"O'debate em tomo da questão urbana é aquela que toma o espaço urbano como lugar de
.pedem para serem desvendados. A autora Indica que esses sinais passam a ser
mado de conceitos que classificam em quadros compreensivos tudo o que vê, definindo
lraundantaa. BRESCIANI, M. S. M. Cidades: espaço e memória. ln: São Paulo .
1l~ Hlatdrl00. O direito à memória. Patrimônio Histórico e Cidadania. São Paulo: DPH,
..e
,Ulo claa raçaa. Cientistas, Instituições e questão racial no Brasil. 1870-1930. São
, 1183.
19

acarretavam em um enorme prejuízo para as populações afro-brasileiras que, nesses

termos, foram marginalizadas e ordinariamente segregadas.

Um dos contextos múltiplos que o período evoca refere-se ao fenômeno das

grandes populações urbanas. A transformação da cidade de São Paulo, por suas

características próprias exigia um maior controle sobre as ações da multidão. Quase

sempre qualificadas como desviantes esses "sujeitos" deveriam ser controlados e

normalizados, contudo, as estratégias estabelecidas a partir de modelos evolucionistas,

por origem determinista, permitiam entender que o contato interétnico e a conseqüente

miscigenação comporiam, por um lado, um dos entraves ao projeto civilizador que

propunha transformar o país, dotando-o de homens e mulheres capazes, inteligentes e

disciplinados para uma vida moderna, industriosa e cosmopolita. Assumidas como

verdade, as representações decorrentes atingiam sobremaneira os negros pois suas

práticas sociais eram assimiladas como primitivas os associando à binômia

pe>.breza/criminalidade que os projetavam como alvos preferenciais das ações

dendo estancar o crescimento da criminalidade, o processo de

-a do controle social em São Paulo encontrou nas teorias antropológicas


ealculável influência. Os controladores da ordem, especificamente

N, pretendiam focalizar como objeto de estudo penal não mais o

riminoso, sua personalidade, suas formas de vida, história

a, a morfologia, o biótipo, os caracteres físicos dos que

no decorrer do texto não só por expressar os termos próprios da época mas por
homens e mulheres afro-brasileiros que sofreram, ao longo do processo histórico,
rprtmlu durante boa parte da história cultural do Brasil, explicitando a desigualdade
para uma estrutura ambígua e indefinida, porém, revestida de um caráter
uma avaliação mais precisa das ambigüidades que o termo e~oca ~-~sult~r.
J11a9a como retórica. A construção da diferença. Rio de Janerro: Crvrlrzaçao
20

sucumbiram à criminalidade. Pautados em métodos de identificação biotipológica, os

agentes do controle social como os peritos, os legistas, os criminalistas, assim como 0

aparato policial que se especializava como polícia técnica, científica e de carreira

assumiam as propostas da antropometria como práticas capazes de identificar os

delinqüentes, cujas técnicas de medição asseguravam não só a identificação do tipo

criminoso mas fornecia elementos para o seu estudo e interdição.

O material documental utilizado para o desenvolvimento da pesquisa, produzido

sobretudo pela medicina e pela ciência jurídica, permite afirmar que as estratégias de

controle social, promovidas seguramente até o final da década de 1920 ainda

mantinham seus fundamentos na antropologia criminal de Cesare Lombroso, fundador

da Antropologia Criminal italiana. A orientação assumida propunha essencialmente a

existência de tipos humanos naturalmente criminosos, redimensionando as práticas do

direito penal e da medicina legal no Brasil.

As propostas da antropologia italiana, difundidas entre os intelectuais brasileiros

por Nina Rodrigues, médico baiano considerado como o fundador da Medicina Legal

ileira, ampliavam o debate em torno das preocupações intelectuais sobre "a nossa

... q enquanto povo e a deste país como nação" escoimando, para usar um termo

fundamentos da psiquiatria forense brasileira. Assim, diferentes técnicas de

corpos utilizadas pelas instituições controladoras do social como

11mtificação dos tipos desviantes e demais criminosos proliferaram como


21

modelo e orientação aos que se dedicavam ao combate da criminalidade na a cidade de


24
São Paulo.

A perspectiva antropológica italiana assumida como fundamento à identificação

dos criminosos pretendia elaborar um quadro tipológico dos desviantes sociais,

estabelecido a partir dos traços morfológicos das pessoas levadas ao crime, isto é,

identificando seus caracteres anatômicos, estabelecendo os traços singulares e sinais

pessoais que pudessem determinar não só a periculosidade mas os estigmas da

degeneração. Até o final da década de 1920, a criminalística e a medicina legal,

universos de referência da psiquiatria forense, pretendiam identificar os criminosos por

intennédio da localização dos estigmas da degenerescência, dos traços comuns entre

os biótipos classificados a partir da medição dos corpos que sucumbiram ao crime. Por

intennédio desse aparato cla~sificatório, a identificação dos estigmas possibilitaria uma

atuação profilática ao combate da criminalidade pois, considerados hereditários, os

estigmas não só comprometeriam os indivíduos que delinqüiam desviando-se para o

mundo do crime mas a sua geração. Logo, no pensar e agir dos controladores da ordem,

reciso barrar a proliferação dos desviantes e criminosos personificados, em larga

tnO que em desuso na Europa, dado as críticas de Lacassangne, as

a Cesare Lombroso sobre o criminoso nato serviam perfeitamente ao

políticas e dominantes que encontravam na figura dos negros as

e do desvio moral congênito. Inquestionáveis, as

pela teoria da degeneração da raça passaram a ser

Nina, Aodrlguea é apresentada no trabalho produzido por Mariza CORA~ publicado pela
ltora permite reconhecer questões como a da relação entre os intelectuais médicos com o
Nla,;10 entre saber e blo-poder na sociedade brasileira. CORA~. M. As Ilusões da
rlQUN e a Antropologia no Brasil. 21 • ed. rev. Bragança Paulista: Editora da Universidade
22

consensuais, tomando a idéia de inferioridade algo natural, deixando de constituir uma

questão veiculada explicitamente, isto é, que fizesse questão ou que importasse à

sociedade. Na verdade, o projeto civilizador proposto pelos republicanos implicava na

biologização das relações e dos comportamentos. Para as elites intelectuais, a imensa

maioria da população brasileira era atrasada mentalmente, sem possuir O "poder do

raciocínio", necessitando, para tanto, ser guiada pela razão de quem sabia raciocinar. 25

A condição dos negros na sociedade republicana, como se pretende demonstrar,

refletia os postulados do evolucionismo, cujos significados, derivados das teorias raciais

tributárias da antropologia física, fundamentavam os antagonismos raciais gerando uma

situação que requintava as segregações e os preconceitos pois, articulados a partir do

pressuposto de que estes não existiam. Operadas pela idéia da seleção natural, as

imagens produzidas reproduziam noções provocadoras de tensões permanentes na

medida em que acarretava supor como verdade a existência de uma pureza racial no

conjunto da diversidade humana, logo, de uma natural supremacia.

Como homens e mulheres de seu tempo, as elites políticas e intelectuais

IJllPlicavam as diferenças justificando seus projetos de organização e controle social. A

regeneradora das propostas de profilaxia do crime, do combate a pobreza e

"zação dos espaços permitiria uma gradual mudança biológica, psíquica e social

·ros, síntese do projeto civilizador proposto pelas falas inaugurais da

uai seja, "... uma ação regeneradora para um país ainda atado aos seus

do colonial e o presente escravista... ". O Estado republicano assim

a,nduziria com mão firme para o estado mais avançado da vida em

· · · -o do
Imagem do cidadão brasileiro proposto por Alberto Salles, "um dos intelectuais de maior proJeça ento
O
Maria Stella M. BRESCIANI pennite localizar os argumentos que confi_guravam pen~ Cf
M8 dêcadas de 1910 1920 e 1930 estaria assumindo sua confi~uraçao plena n_o B~s~ ~
41. M. O Cidadão da Àepública. Liberalismo versus positivismo. Brasil: 1870-1900. ln. ReVJs
p.135.
23

sociedade .. ", isto é, a uma sociedade organizada por valores tipicamente burgueses,

voltados exclusivamente para o mundo dos bancos, a quem caberia a cidadania plena,
26
isto é, a inclusão e a afirmação dos direitos propostos pela República.

Para tanto, era preciso controlar as populações interrompendo os vícios da

hereditariedade e o aumento sistemático da delinqüência, conduzindo o estudo da

criminalidade para um campo especifico da medicina: a psiquiatria forense. Este campo

da medicina devia explicar as doenças e os desvios não mais pela via única e exclusiva

do tratamento moral, que atravessou incólume o século XIX, mas pela identificação das

bases materiais da doença, diagnosticando as correlações clínicas e as demais

patologias por intermédio dos estudos da histologia, da microbiologia, da endocrinologia,

da neuropsiquiatria e biotipologia.

Durante o século XIX, sobretudo nos centros urbanos onde o crescimento

populacional foi marcante, as mudanças na ordem social e econômica influenciaram

significativamente as concepções e teorias da psiquiatria, bem como o tratamento

dispensado aos desviantes. A concepção teórica da doença mental não se vinculava

mais dlralamente à fenomenologia social da desordem, fator que aproximava o estudo e

uiatria ao tronco comum da medicina, acentuando ainda mais as

· · sobre a doença mental e dotando a psiquiatria forense de

darosc:JS cujas práticas influíam decisivamente nos inquéritos e processo

exame psiquiátrico dos indiciados por crimes hediondos era

entre outros aspectos, a destinação institucional das pessoas

lldll8Smo daquelas que estariam espera de um veredicto final.


24

Sob um clima de otimismo teórico, a psiquiatria avançou ao século XX fornecendo

subsídios preciosos à justiça penal que não dispunha de meios para elucidar

determinados crimes cujas características pareciam fugir completamente a razão como

os crimes confessados por José Augusto do Amaral ao ser preso e interrogado pelo

delegado Juvenal Piza da Delegacia de Segurança Pessoal de São Paulo. A partir de

então o processo é arrolado e aos autos são anexados documentos diversos,

testemunhos de uma verdade juridicamente construída, medicamente aceita e

legalmente endossada. O que os registros apresentam é a aceitação por parte do direito

penal dos determinismos raciais e por parte da medicina a busca pela ampliação de sua

atuação intervencionista junto às práticas de controle social, notadamente a instância

jurídica, dado que permite remontar as origens da psiquiatria forense como uma

disciplina e saber indispensável à instrução dos agentes do controle social, capaz de

reconhecer e de prever, em função de critérios de periculosidade e classificações


27
definidos "scientificamente", não só a especificidade do crime mas o criminoso.

As estratégias utilizadas para controlar as populações marginais ocupavam o

sa'.1:Jer médico que estabelecia regras à conduta humana por intermédio da "biologia

r., que lhe dá origem, fazendo do ofício da medicina uma prática essencialmente

ca. Os discursos médicos, neste sentido, reforçavam as medidas sociais


28
&nistas atrelando a prática médica ao planejamento de políticas públicas.

df Or:iàllna Rauter PEREIRA indica que as questões daí decorrentes evocam uma complexa rede de
cme se sobrepõem visando controlar o social. "Não se trata, como ainda hoje se confunde, de
e.o, dispensando-lhe um tratamento mais humano. O que ocorre é apenas a substituição de um
utro, mais eficaz e abrangente". PEREIRA, e. R. Os carreiristas da indisciplina. Um estudo so~re
ªanti-sociais" ln: SERRA, A. A. A psiquiatria como discurso político. Rio de Janeiro:
. 41 .
ile originalmente a psiquiatria gravitava em tomo da determinação dos lugares dos fenômenos
do circunscreve-los definindo o que seria da ordem do corpo e o que seria d~ ordem das
Ci9mpos de interesse: o epistemológico e o curativo. No primeiro campo, o interesse d~
campo de comportamentos sociais absolutamente novos para ela, procurando constru,~r
ffl;,al delimitasse as suas empiricidades e as regiões de validade para os seus métodos. ·
a como discurso da moralidade. Rio de Janeiro: Graal, 1978. p. 41.
25

Os médicos eram, por assim dizer, os críticos, consultores e conselheiros do

Estado republicano. O conjunto dos discursos e das práticas médicas funcionava, nessa

medida, como correlatos de ordem política, saber julgado imperioso para a construção

do Estado nacional. A saúde pública se institucionalizava como um dos setores mais

importantes do aparelho estatal e o saber médico, portanto, fundamental à manutenção

da nova ordem social. Como afinnou Madel LUZ, o aperfeiçoamento intelectual era na

República Velha o critério por excelência que capacitava os homens para o ato de

governar pois, a instrução e a fonnação acadêmica seriam o filtro da "índole negativa"

dos brasileiros e fortalecimento da Nação.

A medicina é, portanto, parte do Estado, fruto histórico da necessidade de sua


intervenção na vida social e sobre a vida de populações que precisavam ser
organizadas de acordo com a lógica das novas relações sociais. No capitalismo .
a ciência não faz parte das "idéias dominantes": ela é sua idéia dominante, sua
mais brilhante idéia. Além de organizar racionalmente a produção econômica, a
ciência ordenará progressivamente a produção das idéias, tenderá a racionalizar
o comportamento das classes e grupos sociais subordinados, ditará modelos de
29
concepção em todos os campos da atMdade humana.

Como estratégia política dominante, os discursos médicos pretendiam uma

intervenção saneadora da vida das populações, sobretudo urbanas, _no sentido de

discipliná-las para o tipo de relações sociais ascendentes na formação social brasileira.

Tomados viáveis e hegemônicos, o eixo das intervenções médicas apresentava a noção

de doença como '1ruto de certos fatores biossociais, incluindo-se nesses fatores os

hábitos alimentares, sexuais, morais, a raça, o estilo de vida, o crescimento urbano sem

controle, o industrialismo, esses dois últimos fatores sendo produtores da pobreza",


30
ampliando, sobremaneira, o bio-poder do médico .

•. A obra de Madel LUZ trata das tendências divergentes que marcaram as origens da organização da ordem
repl.mllcana e o conjunto de estratégias institucionais, sobretudo as médicas. De acordo com a autora, a medicina é
ulllizada pelos apar9lhos estatais para responder aos problemas sociais que assolaram a primeira República cujos
rallmcDB apontam para as "amargas condições de vida das classes subalternas". LUZ, M. Medicina e ordem política
bnlllllalra. Polfticas e Instituições de Saúde (1850-1930). Rio de Janeiro: Graal, 1982. p. 16.
•. lbld. p. 20.
26

As normas impostas condicionavam os comportamentos nos justos rigores de

uma vida fortemente esquadrinhada. As matrizes eugênicas da medicina afirmavam que

a vida social era regida por carências, sentimentos e instintos legados pela

hereditariedade que, acumulados durante anos, representavam os únicos guias da

conduta. Interpretações como essas eram comuns nos escritos de Antonio Carlos

Pacheco e Silva cuja obra esteve centrada na profilaxia das doenças mentais

degenerativas e constitucionais e para quem o criminoso José Augusto do Amaral, como


, 31
se pretende demonstrar, era um caso exemp 1ar.

Brasileiro, filho de pais escravos, nascido na Lei do Ventre Livre (1871) José

Augusto do Amaral foi detido como suspeito da série de assassinatos ocorridos na

cidade de São Paulo na passagem de 1926 para 1927. Inquirido sobre os

lQli>ntecimentos funestos de que era suspeito, Amaral confessa ser o autor dos destinos

icos de Antonio Sanches, José Fellipe de Carvalho e Antonio Lemes. Desse

ento em diante, o homem comum deixou de ser um anônimo. Sua imagem passou

ser retratada nos jornais da imprensa paulistana como "o monstro negro", "papão de

.tlrianças", "a besta fera", desencadeando um emaranhado de informações conflitantes,

Os atos processuais, os detalhes extravagantes da crônica policial publicada na

:. _.nsa, as fotografias dos cadáveres e ossadas das vítimas encontradas no Campo

arte, entre outros vestígios, tomam os crimes um dos casos mais complexos

lad.o ,por Antonio Carlos Pacheco e Silva, ilustre psiquiatra paulistano, cátedra de

"igít.atria da Faculdade de Medicina de São Paulo e sucessor de Franco da Rocha nos

d.êle;~l!Da& :de Amaral serve de exemplo para um tipo específico de psicopatia degenerativa, o sadismo e a
~ -~,i• r p ~ téailca dos acontecimentos trágicos que fizeram de Amaral um dos criminosos ilustres de
~ ·~bllbada em diferentes veículos de informação que serão apresentados no decorrer do exa~e
~ 1J,~l11,rvale daatacar que os crimes que dão relevo à história trágica de "preto Amaral'' também estao
--~QOMUseu do Crime da Academia de Policia de São Paulo "Dr. Coriolano Nogueira Cobra".
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28

sadismo e necrofilia, atos bizzaros que aparecem permeados de circunstâncias


oscilantes entre fatos e fábulas.

No contexto estudado, as representações produzidas pela biologização da

sociedade eram interpretadas como abjetas e comprometedoras. Tratava-se, portanto,

de evitar os contágios com as pessoas ou mais apropriadamente "sujeitos" identificados

como indesejáveis, atributo, no pensar das elites, que encontrava nos negros sua forma

acabada. Todavia, confonne apontou Marisa ROMERO, a construção de uma nação

civilizada implicava considerar o conjunto da população exigindo das elites políticas e

inantes uma solução que inserisse a questão racial no cerne dos debates que

nham a reorganização do espaço urbano, em específico da cidade de São Paulo.

-Nesses tennos, o controle social implementado fundava suas técnicas, seus

de observação e aplicação das nonnas disciplinares em teorias bio-

1 --icas como uma importante estratégia para organizar a diferença. Assim, a

~ - dos tipos e comportamentos criminosos estabeleceria padrões e regras

conduta, porém, para as populações marginais, os rigores e a justeza dos

entos sociais, da moda, dos padrões de beleza e higiene eram praticamente

de serem adotados, pois totalmente alheios à vida daqueles que viviam na

do, os que possuíam uma outra cor de pele que não fosse branca.

ica central pressupunha que na luta pela sobrevivência, os mais

,u a autora, que o projeto médico sobre o futuro do Brasil enquadrou o desenvolvimento


, •... dentro das leis naturais e necessárias, conforme o modelo das ciências físicas,
,ria pn,ver para prover a felicidade humana; transformou a teoria da evolução em
o ,triunfo da raça branca sobre as demais; utilizou as descobertas de Mendel para
ele degenerados, ou seja, dos que não se enquadravam ao sistema ou resistiam a
médicas em São Paulo. 1889-1930. ln: Projeto História, São Paulo, n. 13, p. 167-
29

desenvolvidos seriam os mais favorecidos, expandindo seus valores e regras aos

demais, nessa medida, classificados como atrasados e involuídos. 34

Na década de 1920, vale destacar, a eugenia ocupava o lugar central na

psiquiatria brasileira. Alguns médicos e psiquiatras encontravam nesse campo

epistemológico a possibilidade de regeneração da população nacional, transformando-a

em seu componente étnico, civilizando-a através da educação sanitária, da saúde

pública e das nom,as de higiene e habitação. A imposição legal dos comportamentos

estabelecidos como ideais tipificavam as ações dos que viveram as mudanças impostas

pelo regime republicano, classificando-as conforme as intencionalidades implícitas da

aliança entre o saber médico e o Estado, quais sejam, depurar, aperfeiçoando, a

lação brasileira, tomando-a mais homogenia do ponto de vista racial, vale dizer,

-~---~~ ·Jnsistência da afirmação da cidade de São Paulo como local de primazia · do

aecial exercido sobre os negros ocorre devido ao paralelismo que se pode

.:Oam a administração higiênica da cidade, assumida por seus governantes

traio-:do século XX. O conjunto das transfomiações estabelecia, taxativamente,

34

• Peaqulaaa ~ . , _ PRXJUZIC118 tem permitido uma avaliação mais ponnenorizada da condição dos negros na
80Cledaclf :-.~ - i ' , . _iJern ravelado uma leitura à contrapelo d~ tradicionais enfoques que
ldentlftcavam OII ~r~ corno paaaívels diante das transfonnações ocomdas na passagem do trabalho
escravo para o ~ llvnt, • .ti,_aorno se oe negros não tivessem criado fonnas de resistências, mesmo que

--=•
mllldaa, aos -lm••· .._._· ~ ~ ;~•-•_ ·•_,•_.•. ídlllm anular suas existências, tradições e culturas. Entre e~t~s estud~
encontnun-ee: D0MII • _·. li, P. J~.Jllpia hlat6rta nlo contada. Negro, racismo e trabalho no pós-abolrçao em São
Paulo (1889-1930). • -:.Paulo, • ··370 f. Dlaaertaçlo (Mestrado em História) Faculdade de Filosofia, Letras e
Clênctu Humanu.,M~ - Paulo. LOPES, M. A. de o. Beleza e aacensão social na Imprensa neg!8
P8Ullellna f, Dlaaerlaçllo (Meelrado em História) - Programa de Pós-Graduaçao
em Hlltórta,
9111 .... , · , ,- _.-. . · laa-,de 8lo Paulo. HOLFBAUER, A. Uma história de branqueamento o~ o
negn, -qUnlva ·_·. ·::· · · ·
Humanu ·& • _· _.·_t . T- (Doutorado em História) Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
~.
30

que as relações sociais experimentadas nas primeiras décadas do novecentos deveriam

ser processadas considerando a homogeneização das diferenças raciais. 35

A cidade, contudo, atraía os negros recém saídos da escravidão, esperançosos

em respirar os ares da liberdade. Porém, as esperanças foram sendo diluídas pela

desvantajosa concorrência com os trabalhadores europeus e pela discriminação racial.

As mudanças processadas no período que se estende até o final da década de 1920,

acentuadas pela disciplinarização do trabalhador, racionalização do trabalho,

1anização higiênica da cidade e pelo controle populacional exercido pela medicina

iram sobremaneira a população negra, contingente populacional egresso do regime

1 que deveriam cuidar de suas próprias vidas como, arrumar um ofício, ter uma

pação, um espaço para viver e abrigar os próximos, ter o que comer e o que vestir.

Entretanto, para o período, estas conquistas não eram fáceis de serem

alcançadas, até porque, no momento histórico vivido, as práticas de morar, de se

alimentar e de se comportar deveriam ser radicalmente substituídas. Nas décadas de

f ;J).tO e 1920 os negros vivenciaram um período de repressão e banimento diferente das

eriências da escravidão pois a cientificidade passou a ter uma aplicação e visibilidade

,eonhecida, remodelando os comportamentos e as relações sociais.

Nesse processo conceitos como os de igualdade e diferença, de normal e

, passaram a ser definidos pelas tendências evolucionistas utiliza?as como

reorganização da sociedade brasileira. Re-elaboradas, difundidas pelas

,imstituições criadas para o controle das populações na cidade de São

hcias evolucionistas compunham o corolário das prédicas científicas que

1
0RNO, "Os anos 20 experimentaram uma sorte de proliferação discursiva que condenava os
,as de etnias diferentes como fonte de degeneração racial e de degradação moral. Impunha-se,
ajustes conjugais em beneficio da própria prole". ADORNO, s. Prefácio ln: MARQUES, V. R. B.
fla98. Médicos, educadores e discurso eugênico. Campinas: Ed. UNICAMP, 1994. p. 15.
31

sustentavam os discursos médicos nos quais a tipologia das raças consolidava a noção

de degeneração, idéia totalmente avessa à ordem e ao progresso pretendidos para 0

Brasil - e que a cidade de São Paulo pretendia simbolizar.

O contexto histórico demarcado por esse estudo, mesmo que em sua brevidade,

permite observar o momento exato da "medicinização do direito penal". Projetando-se

como imprescindível ao combate ao crime e profilaxia do criminoso, a ação médica

tomava o desviante social em um objeto de seu saber, encontrando em determinadas

práticas desviantes, como os crimes sexuais, os graus máximos da degeneração.

Ampliados por diferentes vozes, os discursos e as representações decorrentes dos

eventos trágicos da passagem de 1926 para 1927, imprimiam uma idéia de

anormalidade psíquica hereditária aos criminosos tipificados como·hediondos. 36

Nessa perspectiva, os estreitos limites entre criminalidade e loucura fundaram a

psiquiatria forense como parte da medicina dedicada ao estudo dos criminosos e das

formas psíquicas da criminalidade, singularmente as relativas aos crimes sexuais.

personalidade delituosa, reconstruindo o estado

psicológico do criminoso no momento do crime. As representações dos diagnósticos

• icos, ultravalorizados pelo conjunto da sociedade, repercutiriam negativamente à

ulação de negros que, deste modo, viam-se segregados, postos á margem do

de modernização da cidade de São Paulo comprimindo-se na base da

:lei identificada, por isso mesmo, como atrasada e inculta.

u;~o organicista da medicina implementava métodos e técnicas para


'-'f ..
ntlficar os tipos que formavam o rol dos loucos perversos, anômalos
32

morais, desequilibrados, pessoas com tendências impulsivas, invertidos, tarados

encaminhando-os às "instituições totais" no sentido de livrar a parte sã e produtiva da

sociedade dos perigos eminentes. Autodenominada moderna, as transformações

impostas à sociedade republicana alteravam o cotidiano das pessoas, estabelecendo,

estrategicamente, rígidas normas de convívio social que modificavam símbolos, valores

e referências pessoais. 37

Emblematicamente, o conjunto das transformações sofridas nas décadas iniciais

século XX acabou por condensar problemas na ordem dos relacionamentos

· ·uais e coletivos. Articuladas por intelectuais ligados ao direito e a medicina, que

~am na cientificidade do período a efetividade das respostas requeridas aos

da vida urbana, as ações controladoras da ordem forjavam uma realidade

que, de toda a forma, não correspondia com a realidade dos fatos. Os negros

am e mantinham núcleos familiares consolidados, fortalecidos por diferentes

de classe, clubes e veículos de comunicação havendo no período

um aumento da proporção de empregados negros nas fábricas de São Paulo.

a imprensa negra desenvolve a "ideologia grupal" que visa a manutenção

rios valores e representações frente a uma sociedade que o discrimina,

tilT, um dos pressupostos imediatos do discurso judiciário é o da pertinência entre o


'cada justiça.Tal pertinência toma-se mais evidente no ponto onde se cruzam a
1édico. Para o autor, 11 ... neste ponto são fonnulados enunciados que possuem o
, que detêm efeitos judiciários consideráveis.". FOUCAULT, M. Os anormais.
'4-1975). São Paulo: Martins Fontes, 2001. p. 14.
, ªuma Instituição total pode ser definida como um local de residência e trabalho
Mduos com situação semelhante, separados da sociedade mais ampla por um
,evam uma vida fechada e fonnalmente administrada". GOFFMAN, E. Manicômios,
Paulo: Perspectiva, 1987. p. 11. ,
'-r:- FERRARA, M. N. A Imprensa negra paulista (1915-1963). São Paulo:
.o,ganizaçlo dos núcleos familiares consultar: VELLOSO, M. P. As tias baianas
Identidade cultural no Rio de Janeiro ln: Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 3,
1nsolldação dos núcleos familiares negros no período ver: ANDREWS, G. R.
((1888-1988). Bauru: Edusc, 1998.
33

Em São Paulo, o espaço social produzido consubstanciava a estética e os valores

modernistas redefinindo "práticas construtoras do próprio mundo social", legitimando

novos significados às imagens produtoras de verdade " ... que considera os signos

visíveis como índices seguros de uma realidade que não o é.". Permitindo uma

pluralidade de apropriações, as representações criam, imageticamente, novos usos e

novos públicos transformando-os em correlatos de poder. Neste processo, as

referências usadas pelas pessoas para interpretar umas as outras eliminava a

convivência com a diversidade pois, pautada em uma interpretação unilateral. 39

Com suas características próprias, o controle social implementado no início do

século XX, usado para coibir as relações tidas como impróprias e criminalizaveis, incide

poderosamente sobre a figura do negro, identificado-o como possuidor de uma

criminalidade nata, de um desvio atávico gerado por uma hereditariedade mórbida,


çonfonne apontava os manuais e compêndios de criminalística, medicina-legal e

iquiatria forense publicados no contexto demarcado.

Fonte de toda a criminalidade e declínio moral, na qual sucumbiam os pobres, os

·eis, os loucos, os invertidos e todos os considerados parias da sociedade, a

itafão da raça deveria ser eliminada. Nessa busca desenfreada e obsessiva, a

:assumia como tarefa realizar o que os bacharéis de direito ou, "os eleitos da

tinham como e tampouco conseguiram alcançar, vale dizer, "curar a

rasileira". A tensão gerada pela ambigüidade igual-diferente pretendia "sanar

"livrando a nação das interpretações doutrinárias que desorganizavam o

~ ' nesse sentido, visa fazer com que a coisa não tenha existência a não ser na imagem que
a realidade ou "...que faz com que se tome o engodo pela cerdade, que considera os signos
seguros de uma realidade que não é. Assim desviada, a representação transforma-se em
raapellD e submissão, num instrumento que produz uma exigência interirorizada..." CHARTIER,
~ ln: Estudoa Avançados, São Paulo, v. 5, n. 11, 173-193, jan./abr. 1991. p.185.
34

discurso histórico projetado para o Brasil desenvolvido por cientistas e instituições na


virada do século XIX para o XX. 40

Marcado por um denso processo de industrialização e mobilizado de forma

significativa em tomo de uma crescente importação de mão de obra estrangeira, em

larga escala européia, o espaço urbano da cidade de São Paulo impunha ao antigo

''burgo de estudantes" sensações . muitas vezes contraditórias, freqüentemente

turbulentas, fazendo emergir rapidamente um espaço não só novo no que se referia ao

urbanismo mas radicalmente diferente no tocante às normas de convivência social,

campo fértil para a atuação da psiquiatria forense.

Estabelecendo uma "lógica dissonante", as grandes cidades buscavam eliminar a

ilidade de permanência de pessoas fora do trabalho, à margem ou insubmissos a

que o organizava. A idéia do não trabalho era avaliada como provocadora

que a elite paulistana se via e pensava o país. Entretanto, viver em São Paulo

• trabalhar, ter um ofício e estar a serviço mas também pertencer, ser parte,

teffllOS, as construções imaginárias que produziam o espaço social

li!lll!IOEJIS, instituíam normas e práticas de convivência pública e privada. A

nu1n:a.~ no acaso das diferentes manifestações, dos encontros fortuitos,


.
narwas sensibilidades e de movamentos d"1Versos. 41

Paul SINGER, o crescimento demográfico no município de São

para o século XX foi avassalador. No ano de 1890, a cidade

No intervalo de dez anos, esse índice subiu para 239.820


35

pessoas. Em 1920, os índices indicavam a existência de 579.033 pessoas vivendo na

cidade, uma expansão de 141 % se comparados ao índice anterior, já bastante elevado

para a cidade, tomando-a, deste modo, em um espaço singular para apreender não só

os significados das diferenças e das desigualdades, mas um espaço privilegiado à


42
aplicação de medidas intervencionistas.

A novidade das multidões e do povo nas ruas, entretanto, faz ruir a antiga tese da

bordinação social e do livre arbítrio, configurando e redefinindo estratégias que

proporcionar, efetivamente, uma nova ordem social. De acordo com os

produzidos pela medicina, o assistencialismo e a filantropia que dirigiam as

icas, não bastavam para controlar as multidões. Era preciso criar instituições

em cientificamente um tipo de controle capaz de diagnosticar não somente

tanto, deveriam ser estabelecidos lugares adequados à população pobre

" a cidade, compondo um quadro social de diferentes tipos humanos, com

llrões de conduta diferenciados, adversos da estética e dos valores

as elites políticas no poder, as quais objetivavam remodelar não só o

mas as pessoas que habitavam estes espaços, seus corpos e suas

, a cidade de São Paulo experimenta não só uma redistribuição dos

ulação que a habita mas dos comportamentos, dos costumes e

mico e evolução urbana: análise da evolução econômica de São Paulo,


e Recife. São Paulo: Ed. Nacional, 19TT. p. 44.
minantes fundam seu poder sobre a cidade a partir da intervenção no esp_aço, no
e principalmente, fundam seu poder por meio de representações que legitimam 0
am os abusos". PECHMAN, R. M. Os excluídos da rua: ordem urbana e cultura
M. (org.) Imagens da cidade. Séculos XIX e XX. São Paulo: ANPUH/Marco
36

Para a imensa maioria da população branca, as imagens do negro após a

abolição permaneciam as mesmas. Os negros eram tratados com a inferioridade e 0

preconceito próprios da escravidão, o que permite afirmar ser a questão étnica parte

integrante do imaginário produtor de realidades. Como afirmou Emília Viotti da COSTA

os negros eram naturalmente segregados num sistema social que lhes oferecia poucas

oportunidades econômicas, excluía-os da participação política e cuja ascensão na


44
escala social só era possível quando autorizada pela elite branca.

As reflexões historiográficas que tratam a questão do controle social permitem

afinnar que as representações da criminalidade qualificavam uma pequena parcela da

população nacional, desqualificando sua imensa maioria, composta por trabalhadores

bres, miscigenados e por negros recém libertos. Rechaçados do sistema de classes,

os pela idéia de liberdade e trocados pelo trabalhador estrangeiro, os negros

iram postos de traóalho degradantes com os quais não poderiam ascender

mente vivendo, desse modo, nas fímbrias da sociedade.

Considerados como parias da sociedade pelos "desvios morais característicos da

oumprometedores do projeto republicano, incapazes de assumir, dentro dos justos

flOStes pelos controladores do social as funções do mundo do trabalho urbano,

foram sendo forçados a uma vida muito aquém da valorizada pela estética

assumida para a cidade, distantes dos padrões de comportamento exigidos.

D, a questão apresenta seu maior desacerto: o que fazer com uma

derada desprezada pela política republicana? Qual seria a função social

ade de classes? Como justificar a marginalização do negro, embora

dos atributos da cidadania?

ula à Repllbllca: momentos decisivos. 71 ed. São Paulo: Edunesp, 1999.


37

Para a imensa maioria dos nacionais pobres, negros livres, ex-escravos,

imigrantes despossuídos, mendigos, indivíduos que viviam da mão para a boca, sem

local fixo de moradia e conhecidos, ainda, sob a designação de vadios, as condições

impostas pelo trabalho livre e europeização da cidade de São Paulo impunham uma

situação inóspita. Os desacertos no mundo do trabalho, a vida precária nas grandes

cidades, o controle institucional republicano coincidem com um momento em que as

teorias explicativas do Brasil, profundamente racistas, representavam o negro como um

ao processo civilizatório e a construção da identidade nacional. · Logo, como

lidada de uma nação emergente no interior deste quadro? 45

de São Paulo proporcionava, ao menos imageticamente, desejos

ibilidades de mudança mesmo para aquela parte da população negra

marginalizada, assistia iludida os acontecimentos da liberdade. As

icas trazidas pela modernidade industriosa atingiam intensamente a

comuns, que percebiam as alterações produzidas como sendo

inusitadas, inacessíveis, porém, desejadas.

aumento das contratações de negros pelas indústrias de São

de negociação consolidadas, as relações entre brancos e

critérios que exigiam uma subserviência domesticadora. Ainda

em do negro na sociedade de classes, em específico

século XX, ainda era marcada por estereótipos que os

humanos. Tanto as práticas de exploração do trabalho,

tgros pareciam inalteradas se balizadas com o regime

'0-:--~

"'~~
-~ ~
. /ff
38

anterior, sendo o segundo sp cto mais drástico abrangente que O primeiro, até

porque era critério de eliminação dos n gros do mercado d trabalho formal. 46

Excluídos do processo de acumulação de capital a população livre de nacionais

pobres e despossuídos desempenhava tarefas acessórias e ocasionais, ampliando as

margens do "monstro urbanoº que se converteu a cidade de São Paulo, local por

excelência da emergência da ordem social competitiva, cientificamente administrada e

controlada. Neste sentido, perceber como as representações construíam o estereótipo

do negro degenerado ou, como as imagens daí decorrentes eram transpostas às

sociabilidades étnicas em São Paulo, compreende as intenções deste estudo.

O objetivo, portanto, não é uma abordagem do que é crime ou criminoso mas

saber como as representações da criminalidade urbana acabaram sendo impostas a

uma população que se desejava substituir e cuja integração na sociedade mais ampla

era negada. Para responder as indagações propostas o estudo procedeu à investigação

de um dos grandes criminosos de São Paulo, popularmente conhecido como "preto

Amaral", figura emblemática que na passagem de 1926 para 1927 cometeu crimes em

rie tipificados pelo código penal como hediondos e classificados pela psiquiatria como

íNUltado de um desvio moral, de um instinto perverso, sádico e necrófilo.

No período, São Paulo vivia um cotidiano marcado por contravenções que

avam as violências urbanas como, assaltos, roubos, formação de quadrilha5 ,

lçlo, lenocínio e outros delitos, fazendo da cidade um local do exercício da

a dlaciplina e da dominação, tomando visíveis as lutas e as tensões sociais. A

cio aumento das vagas ocupadas por negros nas Industrias de São Paulo pode ser avalla~a ~~
George Reld Andrews, porém, o autor avalia o crescimento das vagas para negros. r:N;~~~ G.
em duu Mbr1cas de São Paulo, a São Paulo Llgth e a fábrica têxtil Jafet. Consultar. to cons~ltar
~ branooa em 810 Paulo (1888-1988). Bauru: Edusc, P199b8 · P-(~:~-~~~; ;~~ ;:~:: A'nnablume,
~NTCm, J. C. F. doa. Nem tudo era ltallano. São Paulo e o reza ·
39

repressão e o controle das contravenções passaram a ser praticadas pela polícia por

intermédio de medidas preventivas e de instrumentos legais como a deportação para

estrangeiros e medidas disciplinares para os nacionais. Se o desviante fosse um adultos


'
a internação em instituições correcionais como a Colônia Correcional da Ilha dos Porcos
'
o Hospital de Juqueri, a Cadeia Pública e as constantes deportações para o interior do

estado poderia ser um destino certo. Caso se tratasse de menores, as medidas

correcionais pautavam-se no envio destes para o Instituto Disciplinar do Estado. 47

Nessa perspectiva, a investigação proposta se ocupou de uma documentação

uzida em tomo da série de crimes ocorrido entre os anos de 1926 e 1927,

dos nos Autos do Processo Crime n. 1670 impetrado pelo delegado Juvenal Piza

eia de Segurança Pública de São Paulo contra José Augusto do Amaral.

a esse material documental foram produzidos outros registros de natureza

1 como, fotograf1as judiciais, exames cadavéricos, depoimentos, exame

1 entre outros como, os artigos de jornais que noticiaram os crimes de preto

psiquiatria forense e artigos· de periódicos

médicas como a Sociedade de Medicina Legal e

rentes versões do caso do "estrangulador de crianças", como noticiavam

, tomam os crimes de Amaral algo inquietante. As contradições e as

das nos depoimentos dos parentes e amigos das vítimas, registrados

, apresentam elementos importantes e que permitem recuperar as

trabalho de Célia de BERNARD!, o qual será retomado posteriormente, sob~ um


que durante a década de 1920 oomete vários roubos em residências de luxo na cidade
em aslabelecimentos comerciais de alto padrão. Este estu~o, ~_mo destaca a auto~,
da hlslórla ocupando-se da análise de um criminoso ilustre 1dentif1cado como O lendáno
o lendlrlo Maneghattl: imprensa, memória e poder. São Paulo: Annablume, 2000. P·
40

representações da psiquiatria forense bem como o lugar dos negros nesse campo

específico do saber médico-legal.

Polissêmico, interpretado a partir de um conjunto de valores excludentes, 0

documento proveniente do judiciário, em específico o registro dos testemunhos,

acabavam por assumir um protocolo que se sobrepunha à voz do depoente, falando por

ele, oosturando-lhe a fala no sentido de torna-la inteligível. As informações encontradas

na documentação do judiciário potencializam a investigação na medida em que rompe,

nitidamente, oom a compartimentação que segrega as experiências humanas, alargando

aablananeira o trabalho do historiador, não por revelarem uma suposta realidade mas

evidenciarem práticas sociais singulares, por traduzirem não a verdade mas a

que se instaura para produzir a verdade que, por sua vez, revela o seu avesso,

..aiilwln conhecer o passado por uma perspectiva diferenciada. 48

os trabalhos brasileiros que examinam o mesmo conjunto de fontes, o de

CORRÊA alerta que os processos judiciais constituem uma complexa rede de

que não pode ser apreendida através da reprodução pura e simples ou da

de seus oomponentes, múltiplos e por sua própria definição, contraditórios.

como a pesquisadora mesmo afim,a, estas colocações não invalidam as

ue é perfeitamente
..... G0IES •A historiografia recente, no entanto, vem nos mostran d o q " S P F
' • • fato 'real' da sua passagem para o papel · GO~E ' · :
dllllaa8~-~~no
• .
1817. p. 17. _ T a l ~ fundam
enta
r
condenado pela lnquisi~o (1_6860~1744ta)d.amSã~:aa~:~

e Giovanni LEVI. GINZBURG, C. que JO


na t
roposta da m1cro-h1st na no
e os vermes. O cotidiano e as idéias _de
7 LEVI G A herança imatenal.
pala lnqulalçlo. Slo Paulo: Companhia das Letras, 198 · . . ' ·
-•11118no Piemonte do século XVII. Rio de Janeiro: Civilização Bras1le1ra, 2000.
41

informações que a base documental proveniente do judiciário oferece e tampouco a

desqualifica como sendo menos "objetiva" diante das outras fontes. 49

O que se apresenta, neste sentido, não é apenas a história individual de um

negro preso como criminoso, um assassino sádico e necrófilo mas as falas de médicos,

advogados, policiais e formadores de opinião que enunciam valores em torno de um

acontecimento específico. As informações contidas nestas falas, as representações que

..-S:emitem, as interpretações possíveis feitas por seus mediadores permitem, neste


~0, ampliar a escala da observação historiográfica valorizando outras pessoas,

.ndo outras ações sociais na busca de uma descrição mais realista do

portamente humano e de suas experiências acumuladas nas dobras do tempo. 50

O procedimento metodológico, sustentado pela micro-história, entende que a

proposta de estudar as apropriações da teoria da degeneração da raça pela psiquiatria


;.,-.•:

forense a partir da experiência trágica de um homem comum. não significa reduzir a


'it! '
história a fragmentos ou migalhas, tampouco, trocar o lugar de personagens ilustres por

~ersonagens anônimos em uma perspectiva alternativa, de substituição mas refletir

como o tempo curto e frenético dos acontecimentos pode cristalizar imagens e

a autora, •A morte de uma pessoa pela outra em nossa sociedade é processada através de um
~ -jarfdlco que serve de mediador entre os acontecimentos, os atos iniciais de violação da lei, e os
1\:18 mm acesso à escolha dos elementos que serão incluídos ou excluídos nas várias versões
. Esta escolha é detenninada por uma série de regras próprias do funcionamento desse
que ele nos diz, através dos processos, nos ajuda a conhecer melhor a sua natureza, do que a
QS,quais se debruça". CORRÊA, M. Morte em Família. Representações jurídicas de papéis
ilG~ GIB&I, 1983. p. 23. Ver também: CHALHOUB, S. Trabalho, lar e botequim. O cotidiano dos
cie,danelro da Belle Époque. São Paulo: Brasiliense, 1986. FAUSTO, B. Crime e cotidiano. A
1-Raulo (1880-1924). 2 ed. São Paulo: Edusp, 2001.
micro-história não rejeita portanto a história geral, mas introduz a ela, tomando o cuidado de
Interpretação: o da situação vivida pelos atores, o das imagens e símbolos que eles acionam,
nlD, para se explicar e se justificar, o das contradições históricas da existência dessas pessoas
1
US discursos e seus comportamentos foram observados.". O artigo de Alban Bensa é resultado
·:do seminério realizado com o incentivo do Ministério da Pesquisa e Tecnologia francês que
iC!JS,·e,1hlstDriadores em 1991. BENSA, A. Da micro-história e uma antropologia crítica. ln: REVEL, J.
aacal•. A experiência da microanálise. Rio de Janeiro: FGV, 1998. p. 45.
42

representações no tempo longo das mentalidades, como se estas fossem hegemônicas.

Ou seja, como o micro acaba interferindo no macro processo histórico. 51

O procedimento metodológico adotado encontra respaldo em estudos de

historiadores que a partir da experiência de protagonistas anônimos e pautados na

microanalítica desvendam universos que escapam ao estudo das grandes estruturas

sócio-culturais, permitindo entender como um simples evento pode mudar uma

sociedade ou sua representação social, o seu vir a ser, seus modos de exibição. o que
se pretende é encontrar na especificidade de um caso-limite o elo que une o particular

parai, isto é, identificar os impactos sócio-culturais de um processo geral em um

mo aqui delimitado pela história trágica de preto Amaral. Como afirmou Jacques

~ escolha do individual não é vista aqui como contraditória à do social: ela deve

ível uma abordagem diferente deste, ao acompanhar o fio de um destino

r - de um homem, de um grupo de homens - e, com ele, a multiplicidade dos


52
e dos tempos, a meada das relações nas quais ele se inscreve."

Emilia VIOtti da COSTA, "nem a história é o resultado de uma 'ação humana' misteriosa e
1
como querem uns, nem os homens e as mulheres são fantoches de 'forças históricas', como querem
portanto, é impossível compreender a macro-história sem a micro-história. COSTA, E. v_. da. Coroas
de sangue. A rebelião dos escravos de Demerara em 1823. São Paulo: Companhia das Letras,

êla eacalaa. A e>eperiência da microanálise. Rio de Janeiro: FGV, 1998. p. 21. Para o aut~r a micro-
lla a anélise de um único caso para se entender uma rede maior e mais complexa de relaçoes, ~mo
por este estudo. Na verdade, a abordagem do itinerário ind~vidual pro~sta pela _m1cro-
a anéllse da e>eperiência coletiva por entender que as estratégias pess~a1s e modalidades
, codificadas e representadas de forma a emitirem significados própn~s porém comuns,
. Para uma avaliação mais detida sobre os suportes teórico-metodológicos de~e estudo
àbras já ciladas, as seguintes: DARTON, R. O grande massacre de gatos. São Paulo:
1986. DAVIS, N. Z. O retomo de Martin Guerre. Rio de Janeiro: Paz e Terra, _1987. Da
, N. Z Hlslórlas de perdão e seus narradores na França do século XVI. _s ao P9:~1o:
't..àbas. 2001. A pesquisa histórica brasileira produzida em tomo d~ ~i~ili~ades da m1croanallti~
em: SOUZA. L M. O diabo e a terra de Santa Cruz. Feitiçana e rehg1os1dade popul~r no Brasil
: Companhia das Letras, 1986; SILVA. E. Dom Oba li D'África, o Príncipe de povo: vida, temp~
dê um homem livre de cor. São Paulo: Companhia das Letras, 1997; GOMES, P. F. Um he~e vai
. Casmologia de um ex-colono condenado pela inquisição (1680-1744). São Paulo: Companhia das
L.81:ftíii. 1117.
43

Ao organizar a estrutura deste trabalho optou-se pela divisão por partes

subdivididas em capítulos. Na primeira parte, o enfoque considerado procurou identificar

como os negros viviam no espaço urbano da cidade de São Paulo por intermédio dos

discursos dominantes, produzidos por intelectuais que assumiam posições estratégicas

na vida pública e institucional no tempo delimitado. Para tanto, foram consultados

diferentes acervos e bibliotecas como o Arquivo e Biblioteca do Hospital de Juquerí, 0

acervo da Biblioteca do Instituto Oscar Freire de Medicina Legal e Criminologia da

Universidade de São Paulo e a Biblioteca da Academia de Polícia de São Paulo, bem

Numentação preservada no Museu do Crime. A primeira parte pretendeu, da

estabelecer um diálogo com a produção historiográfica mais ampla na

lar o Jampo e o espaço nos quais os crimes imputados a José Augusto

o inseridos.

rlmeira parte deste estudo ainda pretende enfatizar a presença marcante de

•••Hcos paulistanos considerado ilustre na cena pública e na administração da

1 seja, Antonio Carlos Pacheco e Silva, substituto de Franco da Rocha nos

d~ loucura e da assistência aos desvalidos em São Paulo. Para tanto, serão

apreaamilálms discursos produzidos por uma elite intelectual atuante, preocupada com a

organim9io social e com o controle dos infratores - da qual o médico é representante

legítimo - considerando, em específico, a produção discursiva de Pacheco e Silva que

também compunha essa mesma intelectualidade. A cidade de São Paulo será

descortinada, nesta primeira parte, por intermédio das representações produzidas sobre

as classes pobres, consideradas, no pensar das elites, como perigosas, avessas à

disciplina e aos rigores das normas médicas e práticas jurídicas.


44

A segunda parte deste estudo apresentará o caso de "preto Amaral" propriamente

dito, como os crimes a ele imputados repercutiram na imprensa paulistana. Nesse

momento, serão evidenciados as parte que compõe o processo crime nº 1670

instaurado pela Delegacia de Segurança Pessoal de São Paulo perscrutando os

testemunhos, as perícias médico-legais e significativamente o exame psiquiátrico de

preto Amaral assinado por Antonio Carlos Pacheco e Silva. Acompanhando os métodos

sugeridos pela antropologia italiana e pelas técnicas da biotipologia, a segunda parte

:ctassa tese pretende ainda uma reflexão em torno das associações e das projeções

ridas aos crimes de José Augusto do Amaral por intermédio das fotografias judiciais

das nos autos do processo, interpretadas como sendo parte de um amplo projeto

pretendia branquear a população nacional, sobretudo, a sociedade

Apoiado na micro-história, a segunda parte pretende identificar como o encontro

entre O discurso médico e jurídico foi decisivo para a construção e disseminação de uma

representação negativa em tomo dos afro-brasileiros que viveram no período

emarcado. As fotografias, nesse sentido, passam a compor os elementos essenciais à

documenta uma postura altamente segregacionista,


PARTEI

OS NEGROS NA CIDADE DE SÃO PAULO


45

Cosmopolitismo estigmatizado
Doutrinas racistas e sociedade paulistana

Com o final da escravidão e o estabelecimento formal da cidadania à população

negra, as teorias e representações relativas à igualdade e nacionalidade aparecem

associadas a um intrincado debate acerca da inferioridade e dos temores quanto ao

futuro racial do Brasil. Provocadores de intervenções significativas, esse debate

acarretou na geração de uma complexa rede de micro-poderes, formas discursivas e

práticas sociais que moldavam as sociabilidades paulistanas, sobretudo no decurso dos

anos de 1920.

Consideradas como balizadoras dos movimentos que marcaram a vida das

pessoas na Primeira República, as teorias raciais enfatizavam práticas médicas e


posturas Jurídicas que afirmavam ser a degeneração da raça a origem das desordens

que se pretendiam homogeneizar. O poder simbólico que as práticas médicas

evidenciam remetem para um período no qual as teorias antropológicas possibilitavam,


46

taticamente, a elaboração de estratégias para combater um dos principais problemas

existentes e que a república deveria assumir. a criminalidade.

Os discursos dominantes, produzidos pelos controladores da ordem,

classificavam as pessoas na intenção de identificá-las em suas totalidades bio-psico-

sociais perfeitamente de acordo com a literatura estrangeira, importada da Europa,

trazida pelos filhos das elites que regressavam de seus cursos no exterior ou absorvidas

em congressos que reuniam os profissionais para os mais intrincados debates acerca


dos -progressos• alcançados nas diferentes áreas do conhecimento.

A identificação dos hábitos, a caracterização dos costumes, a situação em

ao moodo do trabalho e emblematicamente a "compleição física" compunham_


icas que permitiriam, por analogia, determinar o verdadeiro caráter das

No pensar e agir das elites políticas e dominantes tais variáveis possibilitaria

• na escala dos valores assumidos e anunciados como ideais, a verdadeira

condição do ser humano. Os resultados destas práticas introjetavam valores na


53
sociedade mais ampla, inclusive, entre os próprios negros.

Os comportamentos tipificados como desviantes fundamentavam cientificamente

as asbatégias das instituições de controle social em São Paulo nos anos iniciais da

República, por sua vez estabelecidas para organizar os espaços, as relações sociais e,

si!Jlilicativamente, as tensões permanentes da multidão. A produção discursiva

pn,duzida em tomo do oontrole social permitia supor que, para além do racismo

• . 0adDnnB aponlB Maria Isaura Pereira de QUEIROZ, o debate em tomo da integração atingida por negros em
. . . . . CBl&ias da sociedade brasileira permite afirmar que "havia um reforço da adoção dos valores dos
blaRCa8 palas nas,as que ascendam, e uma ciligência em se mostrarem, mais do que os brancos, os cultores dos
IIIIIIIIIIDSWIIDnls; e&IIBS comportamentos iam na mesma linha do abandono de traços cuiturais africanos, isto é, na
l:illBllldaapagaraorigem permanecendO apenas como elemento de distinção a cor da pele". QUEIROZ, M. 1. P de .
8a- Ji1PBB . . . - . A ascensão s6cio-ec00Õmica dos negros no Brasil e em São Paulo. ln: Ciência e Cuttura, v. 6,
n.91. :1877. P. 654,,865. Sobre este aspecto, consultar também: LOPES, M. A. de o. Beleza e ascensão social na
. . . . . . . . . . . pai 5 Ir • 1~1940. São Paulo, 2002. 209 f. Dissertação (Mestrado em História) Programa de
~ em Hslória- Ponliffcia Universidade Católica de São Paulo.
47

costumeiro, São Paulo também se apresentava como o centro radiador dos valores de

uma "raça nova de homens disciplinados", produtores de uma nova identidade brasileira,

"essencialmente cosmopolita, vislumbrada pela experiência urbanizadora que prometia


54
possibilidades inéditas ... ".

Todavia, como afirma Petrônio José DOMINGUES, "o racismo à paulista na

República Velha era de um gênero peculiar. Impôs aos negros e mulatos múltiplas

privações de direitos civis e ao próprio exercício da cidadania. Foi, de um lado, uma

resposta dos brancos nacionais à ameaça simbólica que os negros representavam com

o fim do cativeiro e, de outro, foi o produto do intenso preconceito trazido pelos


Para o autor, a valorização dos costumes e comportamentos

" dos brancos provocaram uma inversão dos costumes e comportamentos

Glo negro. O branco era apresentado como "inquestionavelmente superior,

Jte, sadio, belo, limpo e forte. Já a raça negra, seria decadente, com seu ciclo

de vida completado e agonizado em estado de 'desordem moral' e a


55
rm111r,acidade política para se constituir em nação e civilizar-se".

O quadro tipológico estabelecido, tributário das teorias antropológicas e

biológicaa, detenninava o tratamento sócio-institucional dispensado àqueles que se

encontravam abaixo dos padrões considerados como desejáveis e inquestionavelmente

superiores. Em São Paulo, as verdades incontestáveis da razão científica, assumida

pelos liberais republicanos nos anos iniciais do século XX, as quais dotavam os brancos

da uma natural supremacia, fundaram uma legitimidade que pretendia eliminar não só

154
• DIAS, M. O. L. da S. Hennenêutlca e narrativa. ln: SEVCENKO, N. O Orfeu extático na metrópole. São Paulo
sociedade e cultura nas frementes anos 20. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. p. xiii.
55
• De acordo com o autor, tal situação gerava um branqueamento de ordem moral na medida em que "... uma fração de
negroa que viviam em São Paulo aceitou conceber-se nos moldes impostos pela ideologia racial do branco, uma vez
que avaliavam o proceeso de branqueamento natural e Inevitável". DOMINGUES, P. J. Uma história não contada.
Negro, racismo e trabalho no pós-abolição em São Paulo (1889-1930). São Paulo, 2000. 370 f. Dissertação
(Mestrado em História) Faculdade de FIiosofia, Letras e Ciências Sociais - Universidade de São Paulo. P· 144.
48

comportamentos mas, sobretudo, as pessoas consideradas desviantes, corruptoras da

moral e dos costumes impostos como sendo ideal social. Conforme salienta Clóvis

MOURA:

O problema das raças superiores e inferiores e a sua influência na composição


demográfica do Brasil seriam os parâmetros explicativos do nosso progresso ou
nossa estagnação. Toda a ciência racista produzida na Europa procurando
justificar o processo de colonização, a antropologia que indicava que, na escala
da evolução das espécies, o negro aproximava-se o mais possível dos
antropóides e os brancos caucasóides conseguiam alcançar, nessa escala, os
atributos de superio.ridade que os colocavam como agente civilizador, penetrava
amplamente e se difundia nas nossas elites culturais. O Brasil seria tanto mais
cMlizado quanto mais branqueado, quanto maior fosse o percentual de "sangue
branco" na sua população. O negro passou a ser pretexto através do qual se
56
explicava o nosso subdesenvolvimento.

A ciência do período e suas matrizes teóricas européias, como as propostas pelo

• --- ismo, concluíam que a raça negra era carente de qualidades civilizadoras.

, infelizes, bestas de carga, raça humilhada e sucumbida, perigosos e

compunham parte do vocabulário empregado pelos

.mntroladores do social ao referirem-se aos negros pobres e despossuídos.

indo a imensa maioria dos negros, a situação vivida os identificava como

,res de comportamentos julgados antinaturais, desprezíveis, comprometedores

;nova ordem social. A cidade de São Paulo tomava-se refratária em relação à

lação de negros despossuídos os quais, "jogando e desfazendo o jogo do outro",


~:;_--?~_ .. -_ .
57
,lveram seu próprio mundo e organização comunitária.

::A visão biologizante da interpretação histórica assumida pelas elites intelectuais e

........,,datenninava aos negros uma inferioridade primitiva, uma incapacidade nata e

1ualificação no processo civilizatório estagnadoras do progresso físico, moral e

da nação. Daí a resistência em integrá-lo no processo produtivo, de aceita-lo

r. lnJuallçaa de Cllo. O negro na historiografia brasileira. São Paulo: Nossa Terra, 1988. p. 185.
em destaque foi utilizada por Michel de CERTEAU para designar aquilo que o autor considera como as
;.fazer, corno a percepção anõnlma da cultura ordinária e criativa que desvendam a lógica operatória das
culturais. das quais resultam a sobrevivência mesma das pessoas comuns. Para um aprofundamento
~-C&RTEAU, M. A lnvançlo do cotidiano. Artes do fazer. Petrópolis: Vozes, 1994.
49

como cidadão, como um igual. Tratava-se, portanto, de uma decisão política, cuja opção

é claramente definida no projeto imigrantista que veio substituir a mão-de-obra nacional

por trabalhadores imigrantes, idealizados como moralizados e disciplinados. 58

Revestidas de respeitabilidade científica, as teorias tributárias da biologia e da

antropologia física permitiam a suposição de que os negros comporiam a parcela que

menos contribuiria para o desenvolvimento social proposto. A possibilidade de

"redenção" seria dada pelo trabalho e tutela de um patrão e, mesmo assim, a pobreza

em que viviam os negros e sua "condição racial" era fonte constante de preconceitos

pois, diretamente associada aos perigos, aos vícios, ao crime, a maldade, a escravidão,

~ffl"~-ns e situações que a nova ordem buscava anular das redes de sociabilidades,

da memória nacional. Havia, no contexto, uma política deliberada de exclusão do

e era "...traduzida de forma combinada nas leis e costume, impedindo o negro

r dos mesmos direitos dos brancos.". 59

Hção e os sentidos atribuídos à liberdade impuseram uma falsa democracia

a sociedade altamente preconceituosa em relação aos afros-descendentes.

liberalismo, a democracia racial isentava o Estado de qualquer

dlidade frente à situação da população negra. A lógica era a de que se os

ma fracassar no processo de ascensão social, este fracasso aconteceria

iciências próprias, por sua inferioridade biológica pois, a sociedade brasileira

,IO;-O Estado os haviam juridicamente excluídos ou teoricamente obstruído a

:e de crescimento pessoal. Se miseráveis, tal condição decorria da

CI. F1. Negros e brancoa em São Paulo (1888-1988). Bauru: Edusc, 1998.
, P. J. op. clt. p. 97. Interessante retomar, como o autor mesmo o faz, o depoimento de D. Risoleta
do preconceito e segregacionismo exercido sobre os negros. ''Todo o domingo ia passear no
, OI pl'8toa passeavam para fora e os brancos para dentro do jardim. Eu dizia assim: 'Por que é que
108 é que se separaram? Preto não tem vez dentro do jardim?' 'Não ... a gente acostumou assim .. .'
1uando a gente cansava devia entrar no jardim e sentar no banco. Nunca aprovei isso, achava que
'· Conaultar: BOSI, E. Memória e sociedade. Lembranças de velhos. São Paulo: Edusp, 1987. p. 307.
50

imoralidade e ociosidade nas quais os negros conduziam suas vidas, como observavam

as elites cristalizando imagens negativas e atribuindo um tom determinista aos contatos

interétnicos que sem dúvida existiram mas que foram sufocados e negligenciados.

Fruto da ideologia de dominação das pessoas, da propensão em reduzir o

desconhecido ao já conhecido e indubitável, o preconceito, assim caracterizado, ficava

imune à ação da legislação. Individualizando as ações e desprezando os anseios sociais

dos negros, o racismo tomava implícita a violência e o assédio moral mascarados pela
...00> de noções como harmonia e liberdade. Articulando-se em meio ao debate

1oional transformado em prática política, as opiniões das elites dominantes

mr, sistema explicativo à realidade vivida e ao exercício de dominação

discurso da pretensa ociosidade dos negros não passava de um mito forjado

,abolição para legitimar a condição mesma dos negros na sociedade de classes.

tipo de interpretação foi assumido por parte significativa da intelectualidade

rânea como explicação para o fenômeno da exclusão dos negros, possível de

da na obra de Fernando Henrique CARDOSO quando este afirma ser "a

do negro ao trabalho" parte de um "processo alienador da sociedade

:ocrata" a qual "havia contaminado de tal forma a consciência e o sentido das

àumanas, que o trabalho aparecia como a qualidade anti-humana por excelência,

,m~e0&$Sário, por isso, que o homem negro se firmasse primeiro como ocioso, para
51

se sentir livre e poder recomeçar todo o caminho da lenta e penosa reconstrução de si


60
na sociedade de classes que começava a formar-se".

No decorrer das décadas de 191 O e 1920, a cidade de São Paulo passa por

alterações profundas. Os paulistanos, autodenominados modernos, projetavam-se como

os arautos do liberalismo e eleitos para realizar integralmente a projeção social

requerida, qual seja, de uma sociedade livre e harmoniosa, na qual cada classe

cumprisse sua função no grande "corpo nacional" regido pelas instituições republicanas,

Nesse processo, a imensa maioria dos negros foi alijada sem, contudo, se perverter ou

üir. Como poderá ser observado, esta era a imagem projetada mas nem sempre

e à realidade vivida até porque, no contexto demarcado pr esse estudo, as

nculavam os negros a tipos humanos inferiores não era mais algo inovador,

, as determinações da biotipologia e dos estudos da antropologia criminal de

mbroso há muito havia sido desconsiderada.

São Paulo, nos anos finais da década de 1920, as elites políticas e

as restabeleciam as velhas ideologias que estigmatizaram os negros nos

anteriores. De acordo com George Reid ANDREWS, "isto ocorreu porque os

erais sobre os quais as elites brasileiras do século XIX decidiram construir

sua experiência nacional estava, primeiro sob a Monarquia e depois sob a República, em

total desacordo com as realidades sociais e políticas que esses princípios procuravam

explicar e organizar'' cujo resultado foi um governo oligárquico, disfarçado de democracia

republicana.

80 • CARDOSO, F. H. Capitalismo e escravidão no Brasll Meridional. São Paulo: Difel, 1962. p. 279. Em uma ve~ão
diametralmente oposta a Imprensa negra paulistana: "... ser preto em nossa famosa capital, constitue ~m grave cnme
perante certos elementos, sendo mesmo isso motivo bastante para os representantes da nossa heroica raça serem
alll vlctlmas deserto repudio e constantes vexames. (...) e que por ser preto não encontra emprego em parte ~lgumal
Vae és fabricas e não lhe dão serviço, muitas vezes nem lhe deixam falar com os gerentes. Procura annuncios nos
jomaes, acorre pressuros aonde precisam de empregados e embora chegue primeiro do _que outro qualq~e;
candidato, por ser de cor é posto á margem e recusado (...) Que homens pretos da cidade estao soffrendo de u
º·
guerra muda e odiosa, é coisa multo sabida e amplamente vulgarizada". O Kosmos. São Paulo, 19.1 1924
52

A realidade continuada da pobreza e marginalização dos negros não era vista


como uma refutação da idéia de democracia racial, mas sim como uma
?onfir~ação da preguiça, igno~ância, estupidez, incapacidade, etc., 0 que
1mp~d1a aos ne~r?s de aproveitar as oportunidades a eles oferecidas pela
soc1_edade bras1l~1ra - _e m suma, um restabelecimento da ideologia da
vadiagem. Essa incapacidade era em geral atribu ída a recente experiência da
escr~v~dão por _parte d~ popul~ção_negra. Entretanto, durante esta época de
darwinismo social e racismo c1entff1co, essas explicações tendiam a se fundir
sutilmente - e às vezes não tão sutilmente - em afirmações sobre a
61
incapacidade dos negros tendo como base a herança racial.

As formas políticas adotadas pelas elites intelectuais assumem, no período

estudado, uma crítica frontal aos ''vícios do regime democrático", impondo uma

reestruturação na condução político-administrativa da nação, ação redentora que

somente seria alcançada pelos espíritos verdadeiramente emancipados e científicos,

negando a capacidade de raciocínio da imensa maioria da população do país que,

tennos, deveria ter sua cidadania tutelada pelo Estado pois, considerados

. As orientações assumidas na administração da cidade, sobretudo as

organizar as instituições de controle social, restringiam e segregavam os

ndo uma "desigualdade costumeira". Negativamente representados, os

próduziam, no imaginário das significações, um ambiente de tensões, modos e

dades que na prática eram traduzidas em preconceito e racismo.

As. práticas discursivas que fabricavam as imagens desqualificadoras dos negros


os •~Jyfam da vida social mais ampla, restringindo suas possibilidades. "Dessa

maneira, os escravos libertos, os nacionais livres e os indígenas são excluídos da

condição de trabalhadores assalariados pela marca deformante de seu pertencimento a

um grupo anacrõnico, onde o trabalho manual aviltara os que a ele tivessem sido

submetidos'', como observa Maria Estella M. BRESCIANI ao afirmar que argumentos

dessa natureza teciam os "...poderosos fios da trama que ligou a posição republicana

81 • ANDREWS, op. clt., p. 209.


53

positivista e autodenominada científica ao pensamento autoritário que nas décadas de

1910, 1920 e 1930 estaria assumindo sua configuração plena no Brasil.". 62

Em nítida consonância com as teorias evolucionistas, as elites ampliavam os

desacertos instaurando uma imagem idealizada do trabalhador, personificada pelo

imigrante moralizado e disciplinado em contraposição ao trabalhador nacional,

identificado por intermédio da ideologia da vadiagem, tomado como indolente, viciado,

avesso ao trabalho e corrompido moralmente. Fundada na idéia de produção e consumo

a sociedade paulistana conferia aos nacionais, sobretudo negros, uma ameaça ao

projeto civilizador positivado pelo trabalho urbano. Contudo, as imagens que projetavam

migrantes como qualificados, na verdade, não correspondiam com a realidade. Os


íOOntrados permitem afirmar que não eram os negros mas os brancos

os maiores contraventores. Mesmo assim, a grande maioria da população

vivia em São Paulo no pós-Abolição recebia um tratamento a imagem e

trabalhos secundários, aviltados e sem

.o, permitindo avaliar que o projeto civilizador proposto pela sociedade

.na excluía os negros, identificando-os como parias da sociedade. Nesse

representações degenerativas sobrepostas aos negros percorriam o domínio

ibilldades e das histórias de vida das pessoas, revelando-se na percepção

,I de se sentir excluído. A exclusão estigmatizava moralmente as pessoas,


63
~ !!~ ado uma antiimagem orientada por valores alternativos, de substituição.
1

11, BRl!SCIANI, M. S. M., O cidadão da Repllbllca: Liberalismo versus positivismo. Brasil: 1870-1900. Revista da USP,
Slo Paulo, n. 2S, 1993. p. 136.
83 • 0a Jomala permitem evidenciar alguns aspectos significativos à reflexão em tomo da representação dos negros na
cidade modemL Aa lnformll9ÕN Indicam que a desvantagem do negro em relação ao branco era abissal. O jornal O
Clartm da Alvorada. ainda que em 1930, afirmava: "... Todos se colocam contra o preto. Elle é despresado, humilhado
em toda a parte. O extrangeiro maltrata-o e nlnguem vem em seu auxilio, nem mesmo os brasileiros. Todos querem
exlermlnar o negro. Na casa do estrangeiro elle é sempre repudiado, não lhe concedem nem um emprego, a não ser
em mlsterea lnferlo198. Não se cogita alll conhecer as suas aptidões.". Citado por DOMINGUES, J. P. op. cit. P· 87.
~ 54

""
)
No caso específico da cidade de São Paulo tal processo tornou-se ímpar. As

alterações urbanísticas, arquitetônicas e comportamentais, valorizadas pelos hábitos e

costumes da cultura européia, pretendiam eliminar a diferença. Os antigos escravos, não

apresentando as características requeridas para se adaptarem às exigências urbanas,

foram rejeitados, identificados como inferiores e desqualificados em relação à mão-de-

obra imigrante. A idéia da inadaptação e interiorização dos negros em relação ao mundo

do trabalho e das sensibilidades urbanas afetava, negativamente, as possibilidades de

brevivência e de permanência dos afros-descendentes na cidade pois, avaliados de

unidirecional, isto é, de forma determinista, como afirma Nicolau SEVECENKO:

Desenganados das fábricas do "ouro verde", da "sociedade livre", da "economia


competitiva", pela realidade restritiva da monocultura extensiva, esses homens e
mulheres, das mais variadas culturas e extrações sociais, buscariam em São
Paulo uma válvula de escape, um abrigo temporário ou, no melhor dos casos,
uma segunda chance, na indústria ou nos serviços. Para os negros, desde os
últimos tempos da escravidão, a cidade era um foco de quilombos e agitação
abolicionista, onde o ar recendia a liberdade. Mas a discriminação, a competição
em condições desvantajosa com os imigrantes e a brutal repressão policial
64
anuviou essa perspectiva.

:chaçados da economia formal os negros buscavam nas pequenas atividades,

:e ligadas ao transporte e serviços domésticos, as poucas possibilidades de

• Durante toda a década de 1920, até mesmo depois, as ofertas para o serviço

passaram a exigir determinadas nacionalidades em substituição da antiga

negra. Provocado pela europeização da cidade de São Paulo, esse

recia legitimar a perversa exclusão sofrida pelos negros. Porém, ainda que

11!0$ serviços mais aviltantes, os negros resistiam às influências nefastas das


-·~J-d, ,.

íê os projetavam como anti-sociais movidos por um ".. .forte desejo que


55

animava os descendentes de ex-escravos de conhecer espaços novos, modalidades de

trabalho novas e, sobretudo, outro padrão de convivência social.". 65

Carlos José Ferreira dos SANTOS, ao estudar a presença da população pobre

não estrangeira na cidade de São Paulo, apresenta os negros trabalhando, mobilizados

pela busca de fom,as complementares de sobrevivência no mundo do trabalho urbano,

competindo com as demandas nada .receptivas que os consideravam como inferiores,

atrasados, contraproducentes, vagabundos e baderneiros. Fugidios, os negros são

revelados nas fotografias da época fora do foco central das imagens que pretendiam

.r aspectos monumentais da vida pública, enaltecedores da modernização da

,• us prédios bem construídos por escritórios de arquitetura, os meios de

das pessoas e a segurança pública

os negros pobres e despossuídos

,o vivido, invertendo e subvertendo as estratégias de controle.

...taxados como perniciosos e nocivos à ordem, vivendo em difíceis condições


materiais, trabalhando ou não nos mais diversos serviços, esses sujeitos sociais
não deixaram de experimentar e preservar alguns de seus costumes,
comportamentos, crenças, tradições, nos locais onde encontravam espaço para
sua sociabilidade: as ruas, as praças, os becos, as várzeas e os lugares mais
distantes. Sinais de um modo de vida que se desejava excluir e destruir, mas
que resistia reinventando, reocupando e se relacionando diariamente com a
tentativa de reordenação dos espaços e construção de modelos de
comportamento vinculado à europeização e branqueamento da urbe paulistana.
88

na cidade de Slo Paulo. p. 17. Para a autora, "... a proximidade com as linhas férreas que
de grandes annazéns possibilitava a emergência de empregos aos negros. Para os homens,
........,1'88 e canagado1'88, para as mulheres, a proximidade do bairro Campos Elíseos, oferecia
·1'al:Nllbo domésllco nas luxuosas residências. Entre estes, muitos moravam nas proximidades da
~ • llnha fel'IT88. Eram chamados de os 'negros da Glette', 'os bambas' da Barra Funda,
afDl9affalca e valentia, havendo entre eles bons jogadores de Mebol, pertencentes ao Clube São

.Confanlll,._t...._
98
._ ~.lbld.
.·.•.·.:-?""'º
•. .cabe ponderar que a
cio 1lpo....,., CJ011llclerado pesado,
desvalorização de certas ocupações não ocorria apenas por causa
grosseiro, sujo e mal remunerado. Possivelmente, havia uma estreita relação
entre . ........,. que -:aoatumelramente os exerciam, geralmente apontadas como brutas, feias, perigosas,
lgno11U1188,.•IIOIIIUll'Kkn:11,a maneira cio viver bérbara, expressa por suas vestimentas e comportamentos, assim como
pela daaquallllaal;lo ·delllas allvldades. Em outras palavras, se as pessoas eram julgadas pelas ocupações que
poaeufam,"O·lnv&nlO 1ambém ocon1a: as ocupações eram qualificadas pelas pessoas que as desempenhavam.".
SANTOS,.J ;..G. F. das. op. clt. p. 171.
56

A população negra acabava por desfazer o jogo das elites políticas e intelectuais

que orquestravam as ordens do controle social na cidade de São Paulo no início do

século XX, porém, de forma inusitada e menos visível. A rapidez com que São Paulo

atinge os altos índices populacionais transforma a cidade no centro econômico e político

do Estado, espaço social para onde convergia uma multiplicidade de pessoas e

empreendimentos cujas transformações provocavam novas sensibilidades, alterando


67
comportamentos e tomando a cidade um local perigoso, contagioso, endêmico.

Os anos iniciais da República puseram a questão da saúde na ordem do dia,

comprovando a fragilidade das defesas sanitárias brasileiras. Os primeiros governos

republicanos deram mostras de que a presença do Estado no combate às enfermidades

endêmicas e epidêmicas seriam maior e mais constantes, tanto para preservar a saúde

da população quanto para apagar a péssima imagem do país no exterior, ainda visto

pelas lentes dos viajantes como um local identrficado pela mistura indesejável da raça,

incivilizado e atrasado do ponto de vista das tecnologias, mesmo com o estranhamento

de viajantes europeus que conheceram cidades como São Paulo, cujos comportamentos

e práticas bem lembravam as do velho continente.

Marcado por pequenos furtos, assaltos, pela prática do sexo venal, ações

desviantes muitas vezes levadas a termo pela condição inóspita em que viviam os

nacionais pobres, os negros despossuídos e os imigrantes desempregados, não raro,

87 .Todavia, como acentuou Maria lnez Borges PINTO, as estratégias de controle não eram exclusivas das
popul&QÕ88 de negros. A questão da falta de trabalho atingia outros sujeitos que viviam condições
sinilares para quem a autora chamou de "... homens sem qualificação profissional, ex-desocupados, operários
eapeclalizados que não encontravam emprego fixo pennanente, imigrantes italianos, portugueses, espanhóis,
alemlae, p191Da, mulatos, brancos e brasileiros de origem humilde valiam-se de sua força física, boa saúde e
Jwenlude, para ealabelecer-se por conta própria como carroceiros e carreteiros (...) Traziam materiais da zona rural
que clruundava Slo Paulo - dos rios, pedreiras, florestas e matagais - essenciais à construção da cidade. Areia e
pedi& que tiravam das margens dos rios Tamanduateí, Tiête, Pinheiros, etc., madeira e tijolos, eram por eles
~ "plPÍl ·• casas da classe média, do operariado e para os palacetes em construção nos bairros
~ '.-,d-.;,~µeala 'com suas ruas calçadas de paralelepípedos, como a Av. Paulista' (... ) Muitos deles,
~~ matertals para possuir animais de tração, puxavam, eles próprios, as suas pesadas ~rretas,
ex.,1,.~MP•t~ho extenuante, com conseqüências dramáticas para a saúde". PINTO, M. 1. B. Cotidiano e
~ . ( ~ do trabalhador pobre na cidade de São Paulo. 1890-1914. São Paulo: Edusp, 1994. p. 142.
57

culminava em violências e mortes. Em 1920, a cidade já ostentava o status de segunda

metrópole brasileira e o controle da população marginal, que se estendia para fora do

mundo do trabalho urbano, emergiu como questão central a ser enfrentada pelos

controladores da ordem.

Os eventos experimentados com o crescimento urbano e com a instauração de

uma rede institucional de controle social impuseram a necessidade de identificar,

conhecer e controlar a população de pobres ou como eram denominados, ''vadios",

"desordeiros", "gatunos" e "miseráveis" que de maneira determinista compunham, na

realidade da vida criminal, as chamadas classes perigosas, fonte de constantes


68
preocupações por parte do aparelho policial.

Os debates que se apresentam na conjuntura dos anos 20 evidenciam propostas

de renovação das práticas de intervenção estatal sobre a pobreza e da associação direta

desta com a criminalidade. O crescimento da população marginal na cidade de São

Paulo transformava-se, progressivamente, em um dos principais alvos das estratégias

de controle assumidas pela polícia como a que fazia cumprir o direcionamento

disciplinar. Isto é, ao desocupado, aquele que não dispunha do trabalho formal como um

meio de subsistência e endereço fixo recaiam as preocupações dos vários agentes que

formavam o sistema policial. Para estes, era permitido o seqüestro e o encaminhamento

88 . ~ ~ ._ _ ,, pelos anos 1890 a 1915, o estudo de Heloísa Faria da Cruz pennite compreender o significado
-~•ri:JJ-..da polícia em relação ao contingente de desocupados da população de São Paulo, abrindo
,1,.,.._ 8'm tomo do lugar da repressão policial na constituição das relações de dominação no período, o
qlf~ fli'J'f~daoJda,,pennelarn as relações e as estratégias de repressão praticadas seguramente até o final da década
d•ii1 -ICS.P1Wli,H. de F., Mercado e Polícia- São Paulo, 1890/1915, p. 118.
58

para institutos, hospícios, delegacias podendo, inclusive, serem ve_


ndidos para trabalhos

forçados nas companhias de estrada de ferro no interior do estado. 69

Desse modo, a característica maior do vadio não era a vida errante mas a

desobediência às leis do trabalho. Mesmo havendo aqueles que se especializavam e até

mesmo preferiam o mercado informal, ambulante e passageiro, a posição de trabalhador

fixo simbolizava uma condição diferenciada à polícia e aos institutos criados para o

controle e disciplinarização da sociedade paulistana. Identificando as multidões,.

fichando-as e classificando-as com o auxílio da datiloscopia e da fotografia, o aparelho

policial optava por uma noção diferenciada do cumprimento do dever, isto é, prender

para prevenir, definir o encaminhamento do possível delito ou dispensá-los, "... não antes

de fazê-los passar pelo seu completo laboratório de fichamento datiloscópico e

antropométrico, na linha da conceituação lombrosiana das predisposições e das


70
características físicas dos indivíduos.".

O aumento da criminalidade na cidade de São Paulo tornava cada vez mais forte

a idéia de que a delinqüência era fruto da pobreza visível entre os despossuídos, sempre
:ificados como pertencentes ao universo aviltado da prostituição, como disseminador

1oenças, dividindo os mesmos espaços com pessoas estranhas, vivendo em

consideradas pelas falas legitimadoras do poder local como naturalmente

10Ciando as teorias raciais aos comportamentos indesejáveis da vida

social e a conseqüente reação repressiva da polícia Nicolau Sevcenko desvela este tipo de
•~•• •por vezes, dentre as vítimas que a polícia arrebanhava pelas ruas, alguns eram
ido os mais fortes ou aqueles que porventura despertassem o instinto de vingança dos policiais, e
1Adldos a agentes encarregados de recrutar mão-de-obra de qualquer tipo para os pesadíssimos
. dos prolongamentos da Estrada de Ferro Mogiana, em pleno sertão interior de São Paulo."
•Olfau extétlco na metrópole. São Paulo, sociedade e cultura nos frementes anos 20. São Paulo:
, 1992. p. 147. Mesmo tratando de um período imediatamente anterior, Sidnei Munhoz
os alo& de brutalidade que a polícia da cidade de São Paulo costumeiramente mantinha em
moa. MUNHOZ, S. Cidade ao avesso: desordem e progresso em São Paulo, no limiar do século
197, 290 f. Tese (Doutorado em História) Programa de Pós-Graduação em História - Faculdade de
·Olênclas Humanas da Universidade de São Paulo.
,1'c,r debabcD dos panos - a máquina policial e o problema da infância desvalida na cidade de São
■11)., Rtwlala Braallelrade História, São Paulo, v. 9, n. 17, set. 1988/fev. 1989. p. 135.
59

miserável em que viviam os pobres, os discursos dominantes reforçavam a idéia de que,

para sobreviver, os pobres naturalmente roubavam, matavam, delinqüiam pois,

excluídos do mercado de trabalho formal ou trabalhando em ofícios pouco considerados

e mal remunerados. Logo, para a polícia, o pobre, o desempregado e o negro eram

vistos como indivíduos perigosos em potencial, criminosos natos.

Considerados como candidatos naturais à prisão, os pobres, em especial os

negros, eram vistos sempre como suspeitas. A historiografia que recobre o período,

demonstra que a idéia do não trabalho, do trabalho informal e da desocupação,

situações vividas pela grande maioria dos negros, era entendida como embrião da

criminalidade. A decorrência deste tipo de interpretação recupera os postulados da

eugenia que, desde o final do século XIX, intensificava a medicalização da raça,

vinculando os crimes e as contravenções como parte do cotidiano das camadas pobres

da população. Os controladores da ordem supunham que os progressos da sociedade e

a modernidade das relações produziriam o crescimento da loucura, das taras, dos vícios
71
e dos crimes.

Os desvios da norma, as desordens do espírito e as determinações hereditárias,

deoodificadas por médicos e bacharéis de direito, passaram a ter um sentido subjacente

às ;suas manifestações exteriores. O desvio tomou-se diagnosticável permitindo práticas

intervencionistas precisas, profiláticas e saneadoras. Estes aspectos foram intensificados

devido às vicissitudes da Primeira Guerra Mundial que levavam ao paroxismo os

comrontos entre as pessoas. A escalada sufocante do custo de vida, as manifestações

71
• Para MARQUES, "A eugenia, remodelando os corpos físicos (re)modelaria o corpo social, pelo 'revigoramento'
orglnlco e pela 'construção' da consciência do cidadão. Estabeleceria o lugar dos diferentes grupos na sociedade
acaA&ndo-lhea porém com a possibilidade de outras posições assim que atingissem o branqueamento, a disciplina e a
normallZ8flo. Se a cultura Jurfdlca e o direito político já se encontravam colocados, o fracasso decorria das agruras da
viGla·lndlvidual, dos 'rnystertos da geração humana' que se realizava sem os controles da ciência, sem o olhar atento
para'& ,'sementeira da nação'. Desta 'missão' encarregar-se-iam os médicos, os higienistas dotados do "'.MARQUES,
V. A. B. A medlcaliza91o daa raças. Médicos, educadores e discurso eugênico. Campinas: Unicamp, 1994. p. 44.
60

operárias e os conflitos internos reforçavam a necessidade de organização da sociedade

paulistana, levando as elites políticas e dominantes a recorrem ao aparato repressor da

policia como forma de contenção da população, de suas revoltas e resistências.

Esquadrinhando a sociedade paulistana, os controladores da ordem utilizavam táticas de

guerra contra tudo o que fosse contrário à ordem estabelecida.

Isto revela que a República, no tocante ao aparato do controle social, inaugurou


um novo perfil não só das questões específicas da loucura, da criminalidade, da
assistência aos menores, aos mendigos e inválidos, mas colocou também como
parte de sua agenda política a organização da sociedade na qual as instituições
de um modo geral, sobretudo as conduzidas pelo Estado, teriam um papel igual
ou mesmo de maior importância que outros setores. Ao que se julgava
desorganização, obscurantismo e "primarismo" presentes nas instituições
herdadas do Império, os republicanos, de modo claro ou não, vão contrapor o
discurso da iluminação pela razão, pela ciência, de todos os domínios da
sociedade. Isto significava que cada setor, cada aspecto da vida social deveria
ser recoberto pelas leis inquestionáveis da ciência que o "progresso" no período
72
tomava evidente.

A população negra era nos anos iniciais da República assimiladas pelas leis

inquestionáveis da ciência como incapazes e sem qualidades para exercerem as

funções "bio-psico-sociais" exigidas pelos discursos produtores de verdade.

Disseminado por um aparato conceituai elitista, eurocêntrico, racista, o qual configurava

dinlmica social um perfil cultural determinado pela noção biologizante da sociedade,

praceitos faziam com que os anseios da grande maioria da população nacional


t;v;.. :--i

uma vida voltada para os valores e costumes dos homens e mulheres

termos, a cor da pele era decisiva na classificação social das pessoas.

Carlos Gomes da SILVA, ao interpretar as formas específicas através das

experimentavam a condição de homem público e do que significava ser

arn São Paulo, registrou os ditos do imaginário que se perpetuaram no

~\~ 1111 8lo Paulo 1822-1940. São Paulo: Annablume, 1999. p. 146. Interessante, s~': o
llllllíl.•o~ de Luiz Cartas Rocha no qual se pode perceber como as origens destas instrtuiçoes
rltlka do trabalho nas sociedades de classe com as famosas "wOrid'lauses", consideradas
·~•primeiras prtaDes, construídas para controlar as pessoas pobres e c:tespssuídas que viviam
.. ·. . formal. ROCHA. L e. A prtalo doa pobres. São Paulo, 1994, .., f. Tese (Doutorado em
, . . . . .:Pelaologla- Universidade de São Paulo.
61

tempo na sociedade paulistana como, "Cada macaco no seu galho", "preto que nem um

carvão", "negro não é gente", "feder que nem negro", ''frango de macumba", ''tição",

"urubu", insultos que minavam a autoconfiança do negro impondo sentimentos

desestabilizadores porque imprimia, no limite do simbólico, a representação da

incapacidade do ingresso no universo da civilização branca. Para o autor, "... os insultos

lançados aos negros indicam a tentativa, numa sociedade plural, de colocar o negro em

seu lugar, ou seja, próximo da natureza; posição que ocupava no período escravocrata,

quando sua condição social era bem definida.". 73

Assimilados como primitivos diante do estágio evolutivo da espécie humana os

negros foram rechaçados da sociedade pelas elites republicanas que viam neles a

representação da degeneração, a forma acabada da criminalidade nata. De acordo com

Andreas HOLFBAUER, a ideologia do branqueamento já se fazia presente nos

fundamentos da sociedade colonial brasileira, contrariando as interpretações que

apontam ser este um produto do desmantelamento do sistema escravista. De acordo

com o autor, somente em 1950 a idéia do branqueamento, entendida como pensamento

e representação dominante na sociedade brasileira, perde sua legitimidade sem,

contudo, desaparecer. Em oposição às interpretações da literatura antropológica

especializada o autor defende que o ideário do branqueamento, presente nos

fundamentos da sociedade brasileira, se manifestou sob diferentes aspectos passando,

ao longo dos séculos, por diversas reformulações devidas às lentas mudanças na


74
concepção de mundo e a contextos sociais e históricos específicos.

71 • SILVA. J. C. G. da. 0a sub urbanos e a outra face da cidade. Negros em São Paulo (1900-1930). Campinas,
1980, Dlalertaçlo (Mestrado em História) Instituto de Filosofia e Ciências Humanas - Universidade Estadual de

74',
Qall'lpln•·
~UIR, A. Uma hlatórla de branqueamento ou o negro em questão. São Paulo, 1999, 375 f. Tese
.~ tl,dp,em Hlatórla) Faculdade de FIiosofia, Letras e Ciências Humanas - Universidade de São Paulo.
62

Os estudos referentes à população negra na cidade de São Paulo permitem

afirmar que a anulação das culturas africanas nas manifestações da identidade nacional

era algo almejado pelas elites políticas e dominantes pois, a população negra e suas

singularidades, na perspectiva assumida pelos controladores do social, depunham

contra a idéia de evolução, progresso e civilidade que passaram a gerenciar não só as

cidades mas o Estado republicano. Renato ORTIZ permite observar como o debate

sobre a identidade nacional está ligado à construção do próprio Estado brasileiro, bem

como perceber as matrizes teóricas pelas quais a cultura local assimilava a idéia do

nacional. Imposta como legítimas a noção de identidade nacional fundava-se em

pressupostos teóricos deterministas fundamentados na interpretação biológica do


75
homem e da . Jciedade.

As resistências à jmposição dos ideais branqueadores da sociedade brasileira,

com seus valores inquestionáveis, quase sempre eram sufocadas ou minadas pela idéia

de democracia racial desdobrada do liberalismo positivista que devolvia para os

movimentos de resistência negros a "culpa" da diferença e a baixa qualidade de vida.

Mas elas existiram, como revela um dos artigos publicados pela imprensa negra

paulistana no qual afirmava: "Si ficarmos ancastellados no silêncio da covardia, si

fugirmos aterrorisados deante do volume dos nossos affrontamentos, a nossa sorte

amanhã será a de um verdadeiro condenado social( ... ) Quem cala consente, e por isso

é que precisamos agir com segurança." Neste sentido, os conflitos entre brancos e
~,~:
ri,-gr.os na cidade, provocados pela desigualdade costumeira, ao mesmo tempo
r.~,..~:,:._~j ~:·_-\

ltlarn . a resistência e a organização dos negros, acabavam assimilados pelos


,;,r$:t, k -· 76
1'1'9Qrotl que $$ sentiam rechaçados da vida social mais ampla.

:Q,11111'11 bl8811elra & Identidade nacional. 5 ed. São Paulo: Brasiliense, 1994.
Paulo, 21.11.1924. p. 2.
63

Embasadas na estrutura "liberalizante do liberalismo''. as políticas urbanas de

controle social apresentavam o Estado como legítimo defensor dos interesses públicos,

isto é, como o único capaz de estabelecer critérios objetivos e científicos ao

estabelecimento de soluções dos problemas da nova urbanidade. Tais critérios definiam

as diferenças entre o bom e o mau cidadão, delimitando os usos e os abusos da vida

social em termos de comportamento e regras socialmente aceitas. Os estreitos limites

impostos sobretudo pela medicina distanciavam ainda mais os desejos de permanência

e inclusão ansiosamente aguardados pelos negros. Para Mariza ROMERO, a harmonia

desejada era a de uma sociedade que caminhasse para o progresso, isto é, que

desenvolvesse o modo de produção capitalista sem sofrer os percalços da luta de

classes.

Todo comportamento considerado diferente deveria ser visto como resistência


ao sistema, como anomalia impeditiva do funcionamento do corpo social, e seus
agentes deveriam ser enquadrados nas prisões, nos hospícios e nos institutos
disciplinares. Construir a nação civilizada era uma tarefa a ser realizada por uma
elite, devidamente instrumentalizada pela medicina para as novas tarefas
impostas pelo desenvolvimento industrial. Esta, habilitada para prover a saude
dos corpos, contribuiria para adestrar as mentes, adequando os
comportamentos, impondo novos hábitos, novas maneiras de ver o mundo,
criando distinções claras entre as classes sociais, separando-as para além da
detenção de riquezas, eliminando tudo que pudessem ter em comum. Mesmo
nas pequenas atitudes, a elite deveria dar a conhecer a sua enorme diferença
com relação às outras classes. 77

Atraídos pelas certezas e cientificidade das propostas da Antropologia Criminal de

Cesare Lombroso e da classificação da loucura proposta por Morei advogados e

médicos encontravam, nos métodos e técnicas propostos, os elementos capazes de

datannlnar os perfis criminológicos, classificando as pessoas de acordo com sua

anatomia. As teorias raciais recorrentes no período propugnavam que o arcabouço

físico, Isto é, as marcas e traços fisionômicos dos homens e mulheres, identificados num

processo de catalogação e flchamento, serviriam como elementos probatórios à

.,.,. ROMERO, M. Aa nonnu rn6dlcu em Slo Paulo, 1889-1930. Projeto Hlatórta, São Paulo, n. 13, 1996. p. 170.
63

Embasadas na estrutura "liberalizante do liberalismo", as políticas urbanas de

controle social apresentavam o Estado como legítimo defensor dos interesses públicos,

isto é, como o único capaz de estabelecer critérios objetivos e científicos ao

estabelecimento de soluções dos problemas da nova urbanidade. Tais critérios definiam

as diferenças entre o bom e o mau cidadão, delimitando os usos e os abusos da vida

social em termos de comportamento e regras socialmente aceitas. Os estreitos limites

impostos sobretudo pela medicina distanciavam ainda mais os desejos de permanência

e inclusão ansiosamente aguardados pelos negros. Para Mariza ROMERO, a harmonia

desejada era a de uma sociedade que caminhasse para o progresso, isto é, que

desenvolvesse o modo de produção capitalista sem sofrer os percalços da luta de

classes.

Todo comportamento considerado diferente deveria ser visto como resistência


ao sistema, como anomalia impeditiva do funcionamento do corpo social, e seus
agentes deveriam ser enquadrados nas prisões, nos hospícios e nos institutos
disciplinares. Construir a nação civilizada era uma tarefa a ser realizada por uma
elite, devidamente instrumentalizada pela medicina para as novas tarefas
impostas pelo desenvolvimento industrial. Esta, habilitada para prover a saúde
dos corpos, contribuiria para adestrar as mentes, adequando os
comportamentos, impondo novos hábitos, novas maneiras de ver o mundo,
criando distinções claras entre as classes sociais, separando-as para além da
detenção de riquezas, eliminando tudo que pudessem ter em comum. Mesmo
nas pequenas atitudes, a elite deveria dar a conhecer a sua enorme diferença
77
com relação às outras classes.

Atraídos pelas certezas e cientificidade das propostas da Antropologia Criminal de

Cesare Lombroso e da classificação da loucura proposta por Morei advogados e


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IJQC>s encontravam, nos métodos e técnicas propostos, os elementos capazes de
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. Aa teorias raciais recorrentes no período propugnavam que o arcabouço


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á, as marcas e traços fisionômicos dos homens e mulheres, identificados num

f:atalogação e fichamento, serviriam como elementos probatórios à

• M;i. M 'nonnas médicas em São Paulo, 1889-1930. Projeto História, São Paulo, n. 13, 1996. p. 170.
..
localização e captura dos criminosos, já que expostos às técnicas da quantificação

fonnuladas a partir de dados objetivos, seriais, matemáticos, logo, científicos. 78

As teorias raciais incorporadas pelo discurso dominante identificavam como

aando os entraves ao progresso brasileiro o próprio o brasileiro, já que toda a mistura

racial era considerada um dano. "O mestiço, enquanto produto do cruzamento entre

raçaa desiguais encerra, para os autores da época, os defeitos e taras cometidos pela
herança biológica. A apatia, a imprevidência, o desequilíbrio moral e intelectual, a
aeriam, desta forma, qualidades naturais do elemento brasileiro". 79

Bem ant8I de 1930, marco que alguns historiadores oonsideraram como inicial da
no Brasil, a sociedade paulistana já vivenciava o cotidiano do trabalho

da v~a regrada pelo te111po do capital, esquadrinhado e disciplinado.


' ,f "•,4

' .,: ' ..-no que e1n cond19õa1 desfavoráveis a sua organização, a pobreza vivida
..,.
,,_
. ., "
~
·º · parcela doa nacionais e negros libertos impunha-lhes a situação de
na Oldern 1ccl1I 1'8JX.lblicana, aumentando as distâncias entre ricos e

• negraa. Oiltlnclaa que tolhiam a integração social dos egressos do


. ;

, , prétlca8 segregacionistas diversas.

·· · · ·s• 1111 doe m6dlcaa mais ilustres da cena paulistana, dr. Antonio
,.,J''.( ' cllc
,,_..J.-"{~ ,f
- "1\

CUIN> _,. eprofln:iado mais adiante, permitem observar como

...-rn pr9NrU8 na formação teórico-prático da medicina-


- - - _ . poetulado8 acabaram influindo na conformação das
M lboldlr a qualllo m degeneração o médico afinnava:

• ............. Fio dl J.,11io: Paz • Te,1a, 1988. Conlrério a tail


-~...-,:••m •, em l8U d111rr.d\11mli!ID, pelo
1DI b-1n1lc•·•d•D
. . . . . . 8 «:■li t;ID !:1al6glca daa ClmncllOI. Ou Nja, OI NtlldOi de
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..._,• .....,.,...ullw11.81DPUD:Eclv"•.P, 1188. p. 1,1.

.,...
...
J

.,...
... 65
,J'
...

_,...
Para MOAEL, a degeneração seria um desvio mórbido que reconduziria o
...
..;
,
homem a um tipo primitivo, como o característico essencial de se transmitir por
.., herança. As idéias do criador da doutrina da degeneração encontraram em
.., MAGNAN um verdadeiro paladino e em MAX NORDAU um vulgarizador, os
- ....
....
..,;'
quais muito contribuíram para a generalização da teoria, que não tardou a
invadir todos os campos da medicina, sobretudo mental, refletindo-se sôbre a
criminologia e o direito, para constituir depois tema predileto dos literatos. Para
""I
_, os propugnadores dessa doutrina, a degeneração não seria mero acidente
ocorrido na esfera psíquica do doente, mas traduziria a existência de pesadas
.,,,""\ taras primitivas, originais, atingindo não só a família mas também a raça.
....•
J MOAEL chamava a atenção para os numerosos sinais físicos conseqüentes aos
""'\
. desvios embriogênicos ou malformações, constituindo o que êle denominava
4'
estigmas de degeneração. A tais estigmas físicos juntou êle outros intelectuais e
..... morais, com os quais estabeleceu encadeamento e dependências recíprocas. 80
J
.....
.~

Organizada segundo os critérios científicos da época, isto é, pelas teorias .


"""
evolucionistas fundadas nos pressupostos da degeneração da raça, as elites políticas e

dominantes identificavam os negros como pertencentes à categoria pois, considerados

potencialmente criminosos. A situação de desapropriação moral vivida pelos negros os

colocava como alvos preferenciais da ação policial encarregada de manter afastados do

centro os nacionais pobres ou os que viviam nas margens, se esgueirando nas fronteiras

e nas brechas abertas no cotidiano. Com os sistemas classificatórios estabelecidos pelas

teorias evolucionistas, a localização dos tipos inferiores aconteceria de forma

sistemática, sem erros, padronizada, definida, conceituada rigidamente pela anatomia

humana, moral e intelectual.

Para os negros pobres, a falta de trabalho e acomodações impunha muitas vezes

a vida desregrada e os comportamentos desviantes dado às instabilidades do

contingente populacional que buscava encontrar na cidade o recomeço de suas vidas,

vivendo e morando com outras pessoas em cortiços, dividindo quartos ou mesmo nos

albergues noturnos assistencialmente construídos para os pobres. Essas situações eram

80 • PACHECO e SILVA, A. C. Psiquiatria Clínica e Forense. São Paulo: Renascença, 1951. p. 421. A obra em
referencia faz parte do acervo documental utilizado nesse estudo como fonte de pesquisa pois, registra os crimes de
preto Amaral. Todavia, o debate em tomo da obra citada - um compendio de psiquiatria forense publicado pelo
médico que assina o relatório sobre o caso dos crimes de 1926/1927 - explora o cruzamento das concepções
médico-legais da criminalidade. Cabe destacar, entretanto, que o compendio apresenta um conjunto documental de
cinqüenta casos analisados não só pelo psiquiatra forense mas por Franco da Rocha, Vieira Marcondes, Rebello
Neto, Olinto Matos, Virgilio de Camargo Pacheco, entre outros médicos psiquiatras e peritos que atuavam na cidade
de São Paulo juntos aos institutos criados pela Administração Pública nas décadas de 191 O e 1920.
.

66
...
...
- encaradas pelas políticas médicas como propiciadoras do contágio e da proliferação das
-
- doenças, dos vícios, da superstição e do desvio sexual. No decorrer da década de 1920,
- os organizadores da cidade buscavam alterar, redefinindo, as formas de agir, de pensar
-
....
...,. e de sentir do conjunto da população pretendendo impor um novo modelo de
'"'
- comportamento social, erradicando tudo o que fosse contrário à ordem hierarquicamente

- estabelecida, qual seja, a disciplinarização do trabalhador e a moralização dos

costumes.
""'

--
Hierarquias da exclusão:
....
j

""' Ameaças urbanas e desvios da norma


',

........

O frêmito provocado por um crescimento vertiginoso e uma urbanização

remodeladora do espaço urbano, sobretudo na década de 1920, transformou São Paulo

em uma metrópole moderna, conhecedora das turbulências cotidianas das grandes

cidades. Com tecnologias singulares, a modernidade expressa nos anos vinte enfatizava

o impacto provocado pelas políticas de intervenção controladora do espaço urbano

compondo, paradigmaticamente, ações munícipes que tentavam assemelhá-la ao

máximo possível aos padrões arquitetônicos e estilísticos do mundo europeu


81
estancando, assim, a ameaça potencial e persistente da pobreza.

81 • o como citou NicOlau SEVCENKO, "A preocupação de governantes e governados é derrubar para fazer maior e mas
bOnito. O que é muito louvável sem dúvida. A questão porém é que esse bonito é sempre importado. Daí o desastre
estéticO-urbano. Lembram-se de construir uma catedral. Está certo. Mas a quem encomendam o projeto? A um
alemão. E o alemão já sabe surge com uma coisa em estilo gótico. E essa coisa é aceita e está sendo feita.".
MACHADO, A. A. apud. SEVECENKO, N. Orfeu extático na metrópole. São Paulo sociedade e cultura nos
trementes anos 20. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. p. 119. Ourante a década de 191 O, o centro de São
Paulo passou por uma remodelação em seu espaço urbano, sobretudo a região central e as várzeas como a várzea
do Carmo, tradicionalmente habitados por negros despossuídos. lbid. p. 141.

67
.....
-. Identificada por intermédio de um crescimento econômico intenso, a população
'"':i
.., da cidade de São Paulo, durante as duas primeiras décadas do século XX, aumentava
..,
-., significativamente o seu contingente causando um movimento de expansão da malha
"-1
.J urbana que, sem uma correspondente organização administrativa, passou a abrigar as
---.,,
pessoas pobres, trabalhadoras, no melhor do termo, operárias. Ao mesmo tempo em
"""I
que a cidade se expandia, anexando novas áreas de ocupação, o núcleo original de São
~

""_, Paulo passava por uma vasta remodelação de suas praças, ruas, avenidas e arquitetura
~

que, por sua vez, contribuía para o processo de alteração dos espaços e das
~
sensibilidades urbanas na medida em que o local habitado representava a condição
~

social e a importância das famílias na sociedade paulistana. Tal processo criou um

cosmopolitismo às avessas, forjando espaços específicos para pessoas diferentes, .

pretendendo eliminar da paisagem os vestígios de um passado que se buscava

ansiosamente anular, de uma convivência desagradável e indesejada com os tipos

inferiores.

Maria Stella M. BRESCIANI explica que desde o século XIX as grandes cidades

do mundo foram convertidas em espaços do fascínio e do medo, nas quais

acumulavam-se homens e mulheres despojados, movimentando-se no fluxo ininterrupto

de trabalhadores, de pessoas nas ruas, fora do trabalho, trabalhando ou simplesmente

vagando por elas recusando-se a subordinar suas vidas aos imperativos exteriores que

pretendiam intervir, controlar e ordenar as suas ações. "A cidade se constituirá no

observatório privilegiado da diversidade: ponto estratégico para apreender o sentido das

transformações, num primeiro passo, e logo em seguida, à semelhança de um


82
laboratório, para definir estratégias de controle e intervenção".

82 • BRESCIANI, M. S. M. Metrópoles: as faces do monstro urbano (as cidades no século XIX}. Revista Brasileira de
História, São Paulo, v. 5, n. 8/9, set. 1984/abr. 1985. p. 39.

68

Por um lado a cidade mod


' ema representava o momento culminante de um longo

processo de desenvolvimento mas também o lugar no qual se acumulavam homens e

mulheres despojados de parte de sua humanidade, lugar onde a subordinação da vida

aos imperativos exteriores era levada às últimas conseqüências. Espaço por excelência

da transfomiação, imagem do progresso, da dominação da natureza, a cidade

representava a expressão maior do domínio e condições artificiais de vida. Os altos

prédios, as ampliações das malhas viárias, a construção de novos bairros, os meios de

locomoção, as indústrias, o movimento ininterrupto das pessoas indo e vindo, os carros,

a eletricidade, a moda, os com portamentos, a música, as artes. Todas as coisas

pareciam alteradas ou exigindo alterações.

As imagens decorrentes das alterações processadas eram utilizadas pelas elites

políticas e dominantes para a construção/reafirmação dos estereótipos em tomo da

figura do negro. Representativas, as imagens sugeridas eram assumidas por alguns

negros como reveladoras da diferença mas que esta também existia entre eles.

Identificada por Florestan FERNANDES como "minoria assimilacionista" estes negros,

ao reivindicarem melhores condições de vida e uma maior integração na sociedade

brasileira, acabavam transpondo os ideais branqueadores aos costumes e os

comportamentos de uma parcela negra e daqueles "quase negros" que viviam na

cidade. 83

Em 1924, o jornal da imprensa negra O Clarim d'Alvorada publicava um artigo

representativo da minoria negra assimilacionista que buscavam assumir os valores

brancos como mecanismo de ascensão social. Assinado por Moyses Cintra e com o

título sugestivo de "Um dever" o artigo dizia:

83. FERNANDES, F. A lntegraçlo das negros na sociedade de classes. São Paulo: Dominus Editora/Editora da
USP, 1965. p. 4.
,

69

Hoje, infelizmente, ainda se vêem passar, pelos arredores, mesmo no coração da cidade,
muitos patrícios que são escravos, não daquelles senhores carrascos, mas dos vícios que
os tomam incapazes para tudo: principalmente ao trabalho, que é a base essencial da
nossa vida material. Merecem compaixão,causam-nos dó! Quais os motivos que os
obrigam a andar maltrapilhos, cobertos de chagas nos bancos públicos e sendo muitas
vezes pensionistas de polícia? E porque se deixaram dominar pelos vícios. Pela
embriagues constantemente, vemos chefes de família abandonarem seus lares: jovens
que poderiam gozar de uma velhice feliz, hoje, porém como andaml. .. tomando-nos
inúteis à Pátria....84

Aparentemente ingênuo o artigo permitem identificar que havia entre os negros

da cidade uma forte divisão e não um bloco homogêneo. Conhecidos como negros de

elite, os porta-vozes dos ideais branqueadores, muitos deles editores de jornais da

imprensa negra, consideravam os negros despojados, despossuídos, sem trabalho ou

endereço fixo como inúteis, incapazes. Nesse sentido, é possível dizer que as mudanças

processadas no contexto delimitado impunham aos negros uma reavaliação auto-

anuladora que exigia uma condição de vida, de trabalho, de comportamentos sociais

muitas vezes impossíveis de serem adotados. O acesso aos bens materiais e de

consumo era restritivo, inalcançável para a imensa maioria dos negros que viviam na

cidade. Tal aspecto pode ser observado por intermédio da análise dos registros que

evocam essa memória.

Uma invenção maravilhosa! ... "O cabelisador." Alisa o cabello mais crespo sem dôr. Uma
causa que até agora parecia impossível e que constituía o sonho dourado de milhares de
pessoas, já é hoje uma realidade irrefutavel. Quem teria jamais imaginado que seria
possivel alisar o cabello, por mais crespo que fosse, tomando-o comprido e sedoso?
Graças a maravilhosa invenção do nosso 'CABELISADOA', consegue-se, em conjuncto
com duas 'Pastas Magicas', alisar todo e qualquer cabello, por muito crespo que seja.
Com o uso desse maravilhoso instrumento, os cabellos não só ficam infallivelmente lisos,
mas também mais compridos. Quem não prefere ter uma cabelleira lisa, sedosa e bonita
em vez de cabellos curtos e crespos? Qual a pessoa que não quer ser 85
elegante e
moderna? Pois o nosso 'Csbelisador' alisa o cabello o mais crespo sem dor.

14• O Cls 11111 d'Alvanldll, Sio Paulo, 02.03.1924. p. 3 .


• . O Cls '111 d'Alvanldll, São Paulo, 09.06.1929. p. 1. Conforme apontado por José Petrônio Domingues, "a carga
ldaol6glca do bninqU88l'l'l8r ae upressava totalmente no terreno estético", para quem "o modelo branco de beleza,
conaldel&do padllo, pautava o comportamento e a atitude de muitos negros assimilados. Estes argumentos são
baMzwtrla pelo allDr recuperando as reflexões de W ilson do Nascimento expostas em conferência na Pontifícia
UnlvelWldlrt Ca11611ca no ano de 1985, na qual afirmava que "...o abandono dos valores éticos e estéticos de sua
pn5prla cub.118 6, poia, o coroamento do processo de assimilação. E, na verdade, as instâncias ética e estética são o
que ..... de mala elevado em cada cultura. AI, abandonar tais valores, o assimilado está, para sua cultura de
ci;rigam, d1rde então, mom,.•. DOMNGUES, J. P. Uma história não contada. Negro, racismo e trabalho no pós-
abOllçlO em Slo Paulo (1~1900). São Paulo, 2000. 370 f. Dissertação (Mestrado em História) Faculdade de
F11oea11a, LMb se e Ciências Sociais - Universidade de São Paulo. p. 228. Consultar, ainda: LOPES, M. A. de O.
8■11 e e •i=•mlc aac:lal • lmpren12 negra peullstana 1920-1940. São Paulo, 209 f. Dissertação (Mestrado em
Hlall6;1a) Pragrama de Pós Graduação em História - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
.

70

As evidências permitem supor que, na verdade, os negros lutaram para se impor

no conjunto da sociedade paulistana, mesmo que para isso tivessem que assumir

padrões impostos pelos brancos, inclusive os de beleza. Os dados trazidos pelas

recentes pesquisas sobre os negros em São Paulo evocam um processo no qual se

buscava, constantemente, uma negociação com o universo e cultura dos brancos cujo

intuito era o da inclusão social, do pertencimento e alcances almejados pelos negros.

Se houve perdas e se essas não podem ser generalizadas tampouco devem ser

desprezadas pois, mesmo que individuais ou localizadas, essas negociações fazem

emergir embates que atingiam a permanência dos negros na sociedade paulistana,

evidência que permite compreender como os negros paulistanos experimentaram a

condição de cidadão, bem como a identificação dos significados dessa condição para o

conjunto da sociedade de classes. No entanto, pode afirmar que havia um forte

segregacionismo e uma evidente perseguição aos negros, como permite entrever José

Carlos Gomes da SILVA ao recuperar as memórias daqueles que viveram o processo:

A gente vivia ali na Barra Funda, mas ali havia um delegado, chamava dr. Carlos Pimenta,
o pai dele tinha sido morto por escravos. ( ...) Então, nós da Barra Funda, nós não podia
ficar parado, três quatro parado numa esquina, parado num portão que a polícia vinha e
pegava nós, e o pior é aue depois não achava não, porque levava, deportava, mandando
8
para qualquer lugar ai.

Como se observa, a comunidade negra em São Paulo no decorrer das duas

primeiras décadas do século XX apresentava-se dividida internamente. Existiam os

negros de elite e a plebe negra, da qual seguramente Amaral fazia parte. Tal divisão

caracterizava-se tanto pela desigualdade social quanto pela diversidade ideológica.

Descolados da elite negra, os negros pobres, analfabetos, domésticos, trabalhadores

braçais, biscateiros, indigentes e praticantes do sexo venal eram compelidos a viverem à

margem inclusive de alguns movimentos e associações negras como, por exemplo, a


'

71

Frente Negra Brasileira que reconhecia nos negros da plebe os entraves que os

impediam de ingressar no mundo dos brancos, impondo-lhes a culpa por não serem

eleitos a viverem a condição de igualdade ansiosamente desejada.

Em 1929 o jornal Progresso publicou um artigo no qual é possível entrever a

ojeriza que os membros de famílias brancas tradicionais ou emergentes tinham dos

negros ou da "gente de cor", possibilitando entrever, ao mesmo tempo, os limites da

recusa dos relacionamentos inter-raciais considerados, nesses termos, algo a ser

evitado. Tal recusa fundamentava-se nos prejuízos morais que seriam acarretados não

só ao casal mas aos familiares e aos filhos das uniões inter-raciais, os quais viriam ao

mundo estigmatizados pelo preconceito e dificuldade de ascensão social. O artigo dizia:

Na rua Onze de Agosto o proprietário da Officina de encanador, sabbado ultimo, não teve
em colocar a porta da sua casa, um cartaz espalhafatoso, impresso em letras garrafaes
com os seguintes dizeres: luto pela morte de meu filho fulano que se casou com uma
negra. E dessa forma pretende o homem humilhar o próprio filho que, nascendo no Brasil,
é brasileiro, fechando a sua officina, pelo fato de ter o rapaz casado com uma jovem que é
87
uma moça distincta e educada, um perfeito typo de brasileira morena.

De certo que havia em São Paulo casamentos inter-raciais, porém, esses eram

rechaçados pela sociedade mais ampla que encaravam com desprezo as uniões entre

brancos e negros, considerada, por muitos, uma aberração, uma atitude de péssimo

gosto pois, os frutos dessas uniões acarretariam trazer ao mundo pequenos infelizes

estigmatizados, criaturas fadadas ao escárnio as quais dificilmente conseguiriam acessar

um status social capaz de lhes oferecer uma vida sem os sofrimentos da discriminação,

dos insultos e das restrições comuns aos que não conseguiam disfarçar a mistura racial.

Aos brancos que resistiam às imposições sociais e familiares, casando-se ou mantendo

88 •SILVA, J . C. G. da. Os eub-urbanoe e• outra face da cidade. Negros em São Paulo (1900-1930}. Cotidiano, lazer
e cldadal'lla. C&mpinas, 1990, f. Dissertação (Mestrado em História) Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas -
Universidade Estadual de campinas. p. 93. Depoimento do Sr. Zezinho da Casa Verde, 71 anos.
87 • Pragreeeo. São Paulo, 31 .12.1929. p. 1. Um mês depois o mesmo jornal publicava: "...há dias, na Metrópole
paulistana, um negociante, em slgnal de nojo, cerrou as portas do seu estabelecimento commercial. Um cartaz
colloao com letras martinellias, explicava aquelle acto, o casamento de seu filho com uma negra.". Idem. 31.01 .1930.
p. 1.
,

72

um relacionamento amoroso com pessoas negras, a vida que se seguia era marcada

por privações e pela clandestinidade.

A documentação proveniente da fonte jornalística, inclusive as veiculadas pela

imprensa negra, permitem perceber as extensões da ideologia do branqueamento na

ordem moral e social da cidade de São Paulo nos anos da década de 1920. Havia um

controle persecutório sobre os negros que, para tanto, tinham que se organizar de

maneira diferente daquelas ditadas pelo modelo de organização social dos brancos.,

estruturando-se à margem da vida política tradicional. "Desta forma, a República não

consegue oferecer as bases integrativas capazes de unificar a sociedade. Imigrantes

nordestinos, índios, ciganos e negros são vistos como elementos indesejáveis,

incapazes de serem absorvidos pela 'cidade moderna' ... ", como aponta Mônica Pimenta
88
VELLOSO.

Os negros compunham, na verdade, uma dupla ameaça urbana: primeiro pela

própria negritude, segundo pela pobreza e comportamentos a que eram associados e

que deveriam ser alterados, substituídos. Entretanto, uma fração dos negros que viviam

na cidade aceitou conceber-se nos moldes e padrões de comportamento do universo

cultural dos brancos até por perceberem nesta brecha uma possibilidade de conquistar o

sonho da igualdade, do respeito, da cidadania e da ascensão social. Os documentos


coligidos e as pesquisas mais recentes sobre o negro na cidade de São Paulo permitem

aflnnar que alguns negros atuavam como delatores, trabalhando para a polícia na

função de investigadores, como espiões, infiltrando-se entre os negros para entregar os

• . VELLOSO, M. P. As tias baianas tomam conta do pedaço. Estudos Históricos. Rio de Janeiro. N. 6, v. 3, p. 207-
228, 1880. p. 208. Mesmo batando da cidade do Rio de Janeiro, a autora permite entrever um dado importante para
• pen1ar a quaalAo da organização social dos negros que, como evidenciado no texto em referência, era tarefa das
'11.alheNB amrno• pois oa homens eram "estradeiros". Para tanto, autora considera que foram as mulheres
b&iluionaln,enla que Incorporaram o poder da construção das redes de sociabilidade criando canais de comunicação
e6clo pollllca. 'A figura do pai, quando não era desconhecida, tinha pouca expressividade. Neste contexto, cabiam
eempr9 à mulher • maloraa responsabilidades e encargos. Geralmente, era ela que assegurava a teria de relações
do cual, cu)o rompimento põe em rlaco a própria sobrevivência do homem.". lbid. p. 211.
,

73

possíveis "contraventores" à polícia, como fez o investigador Philadelpho com José

Augusto do Amaral. Nesse tempo, essa função era praticada pelos chamados

"delatores", pessoas que auxiliavam a polícia na procura de criminosos, matadores e

desviantes sociais, popularmente conhecidos como "secretas". 89

A descoberta dos crimes do celebre preto José Augusto do Amaral, tão


celebrizado pela malvadez com que estrangulava os meninos, depois de attrahil-
os para lagares ermos, e se servir de seus corpos, tambem não deixou de ser
um esforço bem aproveitado da investigação dos inspectores (...) No local do
crime diziam que um preto fôra, am, visto, com um pequeno. Era uma
informação preciosa que servia de base para os trabalhos de investigação; si um
preto alli visto com um menino, entre os homens dessa côr, devia ser procurado
90
um criminoso.

A fotografia publicada no jornal Folha da Manhã nos dias que se seguiram a

"captura" e "confissões do criminoso", o "monstro negro" que assassinava "jovens

neófitos" na capital paulista é significativa para o debate em torryo da ascensão social

dos negros ou da atuação dos "secretas". Se observada, quase não há distinção entre o

dr. Juvenal Piza, delegado da Secretaria de Segurança Pessoal de São Paulo e o

investigador Philadelpho que se veste, se posiciona, se faz ver e notar de forma tal a

,pa.racer como seu "superior" nos hábitos, nos usos, na pose, assim como no valor
1

1(tP>sitado a captura de mais um tipo desviante. A fotografia permite perceber que a


.
:. ,.... dos corpos, congelada no documento, representava, ao menos imageticamente,
- - .....

ista evolutiva de Philadelpho, sua ascensão e sua posição frente à descoberta

1lnoeo da estrada de São Miguel.

• : ba:s d1baldoe por Jorge AMERICANO, permitem um olhar mais acurado sobre os chamados "secretas". De
• • aamo o memorlallata, "o8 'aecretas' pertenciam à polícia secreta e eram incumbidos de fiscalizar as estações
clD """°
c19;Jats• de feno• oe lugares de ajuntamento, à procura dos vadios, batedores de carteira, passadores do conto
e outras chantaglstall. Tais as funções oficiais do 'secreta' era mais ou menos o que hoje se chama de
i •it,1rhr'. O que o caracterlzaVB era a maneira de se vestir, uma gravata vistosa, muitas vezes flor na lapela,
. . . , diado a um lado da a;tnça e uma grossa bengala na mão(...) outra função de relêvo era acompanhar
..641dldn pololall a lugarea onde poderiam encontrar má atmosfera, como a penetração na casa onde se
L af llllMI uclnr o crtmlnoao, ou no pétlo elas tétricas onde se encontravam os grevistas. Outra função dos ''secretas"
lirà • de guana-ooalll8 de alguém que precisasse dêsse serviço, e estivesse nas boas graças da polícia."
AMIPUCANO, J. op. c1t. p. 148.
90• e» CPUMES de pMID Amalal. 1927, p. 28.
74

O mesmo esforço pode ser observado em relação ao vestuário. Havia, no

período, uma forte distinção provocada pela moda fazendo das roupas critérios de

identificação das pessoas, como uma categoria distintiva entre os homens de bom tom e

aqueles que chafurdavam na pobreza e na transgressão. Como se apreende

observando a fotografia publicada no jornal Folha da Manhã, na qual Philadelpho

aparece junto ao delegado dr. Juvenal Piza, a postura, a roupa, os acessórios, os

sapatos, buscavam uma certa equiparação ao mundo e valores sociais dos homens e

mulheres brancos, ao mesmo tempo representavam um afastamento dos negros tidos

como incivilizados, pobres e perigosos.

A origem possível das divisões e segregacionismos entre os negros que viviam

em São Paulo poderia estar na distinção assinalada por Florestan FERNANDES, que

encontrava na separação entre os "negros do eito" e os "negros da casa-grande" o

crttério original de um futuro segregacionista entre os próprios negros. Tradicionalista e


raatritiva, esta não era a única alternativa encontrada por aqueles que buscavam, de

qualquer fonna, a possibilidade de um futuro melhor ou daquilo que consideravam ser

1,
,~,anor. 91

Todavia, COtítO aponta Eduardo SILVA, existiam outras possibilidades de

nmdlnça e de ascensão social dos negros. Mesmo tratando da passagem no Império

paaa a Rapllbllca, as batalhas e as guerras apresentadas pelo autor proporcionavam

rnuc:llnçaa na vida eocial dos negros que se projetavam no mundo dos brancos sem,
92
CC/1'111::k», u1.ue::rae brancos em seus costumes e valores, apenas misturando-se.

• . . .W!DEI, fl. A 11111.-,.VID • Negra na aocl1dllde de cla1111. São Paulo. vol. 1. São Paulo: Atica, 1978
11
• . MsafflD tt lE 41D 1npucllcllT1i nl8 a. 800i1t8ClmefflO outro6, o esrudo de Eduardo Silva permite ooservar outras
aocl■I r-r■
í,I o t 1 1 tn a 1e n 11i;to oe negroa que sobreviveram aos horTOres das guerras como, a exemplo de
D'Mta■•
01:111 li ciljallO de NL 111UdO, eot,revtvente da Guerra do Paraguai (1864-1870). SILVA, E Dom Oba li
D'Mlna, ,., Plt•lpe d&. Po"JO.Vld■, 11"1)0 • pensan,ento de um homem livre de cor. São Paulo: eompanhra das
L lll , 1117, eor.-,~: AZEVEDO, E. Ort.u de caraplnhll. A trajetória de Luiz Gama da imperial cidade
dl llD Pw!L cu,_,,,. Uo"I c1■ \J111C8fflP, 1999.
.

75

A "elite" negra era um setor quantitativamente minoritário e descolado da massa


negra. Este setor, por exemplo, tinha nos seus jornais - a imprensa negra - um
dos canais de mobilização dos indivíduos na defesa de seus projetos. O
segundo setor, o plebeu, era constituído por desempregados, malandros
trabalhadores braçais, domésticos, biscateiros, indigentes, prostitutas, em suma.
~
pelos negros desclassificados socialmente. A unidade desse setor materializava-
se pelo analfabetismo(...) Entre os dois setores existiam diferenças no padrão e
expectativa de vida, no comportamento, na mentalidade e na maneira de se
vestir. Aliás, o uso da roupa apresentável era indispensável para quem buscava
uma colocação com perspectiva de seguir carreira. O negro da elite comprava
em belchior as peças de cas1m1ra, bengala, palheta, sapato, vestido, polaina,
calça, colete, camisa, chapéu, luva; às vezes, herdava dos padrinhos abastados
brancos até fraques e cartola, que usava nos eventos de requinte. Já o negro da
plebe, não tin~a condições_nem de com~rar roupas de s~unda mão. Era
obrigado a vestir roupa de bnm, andar de chinelo ou descalço.

Em São Paulo, as sensações provocadas pela modernidade ampliavam,

alimentando, as ilusões de um futuro promissor, fruto de um mercado financeiro que

assumia os primeiros postos no panorama nacional, absorvendo um grande contingente

de trabalhadores migrantes e imigrantes. Em 1920 a produção industrial paulista

representa 31,5% da produção nacional, enquanto o Rio de Janeiro, Distrito Federal,

representava 20,8%. Todavia, a cidade cresceu desordenada, sem infra-estrutura

mínima de higiene e saneamento, com bairros operários ocupando principalmente as


zonas de várzea, inundáveis e insalubres, o que ampliava os problemas e as

••=C►:la,
O
• Ç
•Õ•e
:.sc que faziam dos pobres e marginais os disseminadores das doenças.
94

GQIIIIGUES. -1. P. ap. clt. p. 164. É interesaante notar que. para o autor, a elite negra era proveniente dos estratos
lnflmlldllllD8 da eltNILlr& de clarn:s, como jornalistas, funcionános públicos que assumiam cargos nos útbmos
. .~•zrsz, ltn:llcal. wl1lga8 ffl0908 d& rec;ado em casas de família, apadrinhados por gente branca e que não mediam
~ pall. l?llkdtilem a. cornp0f18n41rtns dessa mesma população e cultura Para o autor, a elite negra não
~ ~ uma nllnorla qua datirhl oa meioe de produção material. O termo "elite negra" deve ser entendido por
d9 tlta sutAkloa ssp1clflcoa. "...primeiro; político, porque este grupo se configurou como dirigentes
• canuidsc'e e eram aceitos como tal pelos brancos; segundo, formal-cuttural, porque este grupo era
alfFi'.:ado; tel'091ro, ldeotógico, porque este grupo reproduzia muitos dos valores 1deol6g1cos da

~
~
. . . . .~r .,,-_1c1sm. p. 183.eoon6lnlcO • evc,luçlo. São Paulo: Nacional, 19n. Sobre o aspecto da ampliação
. I\ Dzsrrratlllffltt".ID
1►- .nwr. llll cldst':, NicalaP $eVCenko acrescer,ta que "Desde a cnse da abOlíção e o advento da República,
nt
li• r Ufflk pi._ eottenl9 oa c:tonoe de terrenos e chácaras na área urbana lotearem, arruarem ou venderem
,.-. 221• 1m nus popt1cl1 cl11. A11im, foram se actensandO bairros jé existentes, se formando outros novos e
'~
. rúllla& aalor,lsh ma'■ 111 11..:1111 - Santana. Glória. São Bernardo e São Caetano. Pelas várzeas.
aw 411nt1:ro • llnhss 1ie......, ee in1181aV8m as indústrias e se formavam os bairros operários - Brás, Pari,
llt 1 m, ....,.. 8am Rlillro, Bana Funda. Agua Branca. Pelas colinas ad1acentes ao centro se expandiam os
- - •1:1111121 mtlln. •t11ern1adce de bo!IÕ■I mais antigos de casebre e gente humilde, enquanto, em tomo do
• ,_... 81nlalD. ~,-1rida Ang6lica • Avenida Paulista, se localizavam os loteamentos mais abastados.
_ _ . tlrd .ae p.::J1?1(oe lie grandes eobradO& e mansões, como campos Elíseos, H1gien6polis e Cerqueira
a1,1r·N. EVCENK(). ap. c1t. p. 123.
76

Recriada no contexto da formação da sociedade de classes, a vida urbana de

São Paulo possibilita reconhecer as contingências, bifurcações e sensibilidades

produtoras de relações sociais excludentes e discriminatórias. A cidade se projetava

como o local de produção do conhecimento, da disseminação das práticas médicas

intervencionistas e reguladoras do social e da sociedade do trabalho urbano,

representando o pressuposto que a introdução das novas tecnologias do capital na

economia e mercado financeiro brasileiro poderiam colocar o país rumo à ordem e ao

progresso, determinações essenciais à reconstituição histórica da sociedade brasileira.

Esse tipo de raciocínio se impunha como a saída para um país que buscava

construir uma identidade a partir de uma outra representação de Brasil, agora, como um

1-I P•a. ;•o• ,,aodemo e em consonância com os ditames científicos que regulavam a vida
clvllzeda, racionalizada e disciplinada. A histo riografia que recobre o período indica que

. . . 1888 a 1914, cerca de três milhões de estrangeiros vieram para o Brasil na

llntllllva de 1azer a América" espaço da nova civilização e do futuro. Muitos se dirigiram


. . . 8lo Paulo buacando encontrar na sociedade do trabalho urbano a melhoria das

. . . . . . . de vida, ou mesmo a continuidade de projetos longamente desejados.

,_ . . . , . _ drútica& dos índices populacionais na cidade, sempre crescentes,

• margens inpondo às elites políticas e dominantes a tarefa do controle

dia papu1açe11 por entende-las como perigosas e ameaçadoras. Com a


• branCOe estrangeiros na cidade de São Paulo acentua-se a tensão

de rwll9"e1 conflituosa& entre os italianos e os afro-descendentes


_._._.._ .
-~•- ..-.-.
~

' ,. ·,

• , . . ...,_. PUI IWIDIB. •fl.11;,1111;10. oa p6d1N1 p1'Nco8 e oa círculoS politicamente aliVos da SOCtedade
., ......... e lns!ll 1 1111 li • "'" drama material e moral que sempre fOra claramente reconhecido e
· • nazo • p1na10 d1 1tlo que lle NlllYB em condiçõeS de criar por s1 e para SI mesmo"
P.AL Ili ZJIY '.Dh&ON N .ala C:1:ch ...._ c:111111. São Paulo: Dominus/EDUSP, 1965. p. 3 .
,

77

.....
~
-· . Para proteger-se das chacotas e segregacionismos os negros também nutriam as
~
~
-""'
divisões pois, com a importação de mão-de-obra européia, o negro passou a ser
~ dispensado, substituído e trocado pelo imigrante branco. Mário LAGO aponta em suas
~
..-
- :"'\
memórias que "...a turma não gostava de muito corpo estranho naquilo que representa

seus domínios por uma noite. (... ) não era nada cordial a voz de um crioulo da roda ao

lado, justamente o que tinha um par de ombros que ia de uma calçada à outra,

intimidando: - Só queria saber o que esses bichos de goiaba vieram fazer no lugar da

gente." 96

O contexto faz emergir um debate que buscava identificar características e

especificidades nacionais que, levado a termo, possibilitaria conferir uma identidade e


um sentido de unidade para o Brasil. Tal preocupação visava imprimir a idéia de uma

nação não mais associada às imperfeições e atavismos degenerativos, ameaçadores da

ordem e dos padrões de cultura impostos como modernos. A documentação consultada

pennltiu observar que as elites políticas e dominantes pretendiam eliminar a idéia ainda

COl19nte do país como um local de degredados, de incivilizados, de indivíduos

corrompidos e bestiais.

po da psiquiatria a imigração também acirrava o debate que exigia dos

. -..,· s mais rigorosas à integração dos estrangeiros no território brasileiro.

, Antonio Carlos Pacheco e Silva publicou em 1926 um artigo nos

~ 1ros de Hygiene Mental no qual relatava um caso específico de um

pl'880 por esfaquear dois homens numa mesma noite na capital

pa.~11111-adwgado de defesa requereu que se fizesse o exame mental do

11 • I.Atid;~íf\ -~-"!' • • d9 b1l1■ 11b-ta. Rio de Janeiro: CMlização Brasileira, 19n. p. 23.
.,

78

"delinquente", alegando que "seu constituinte parecia um anormal, accrescendo a

circunstancia de ter pesada tara hereditaria". 97


..
O artigo apresenta um fragmento da vida do italiano Paschoal P. que ha

aproximadamente um ano vivia em São Paulo trabalhando como "official de alfaiate"

para Nicola Biancho no bairro da Lapa. Identificado como sendo um homem de hábitos

irregulares, "sendo po r todos considerado um desequilibrado" o parecer do médico

psiquiatra que relatou o seu exame apontava: "na verdade o obreiro não era mao, mas

demonstrou ser homem impu lsivo e irritadiço". Imigrado da província de Caserta, na

Itália, Paschoal tinha 32 anos quando foi preso e enviado para o Hospital de Juqueri, no

qual funcionava extra-oficialmente o que depois seria denominado de Manicômio

Judiciário - tema q.u e será abordado adiante - com "Sgnaes clinicas de syphilis

cerebral; - anisocoria; reacção preguiçosa das pupilas á reação da luz. Desordens

psychicas caracterizadas por aprosexia, amnésias, bradypsychias, ligeira crise de

excitação e outras de depressão, e finalmente, idéas mysticas.". 98

De acordo com o registro n. 67.890 da Secção de Identificação do Estado de São

Paulo, recuperado pelo exame mental de Paschoal, as turbulências da vida do imigrante

Italiano egresso da "guerra européia" indicavam que o mesmo tinha uma vida

dearegrada, ausência do senso moral, hábitos irregulares. "Assim, é que dormia certas

noltae na alfaiataria, outras num quarto que alugara e freqüentemente não se recolhia,

p&l'afflbulando pelas ruas, accompanhado por meretrizes de baixa classe (... ) essa

61Uma asserção parece ser verdadeira, segundo apurou a policia, a qual encontrou no
quarto de Paschoal photographias em que elle se fazia acompanhar por pretas de

17• PACHECO• SILVA, A C. Imigração e hygiene mental. ln: Archivos Brasilelros de Hygiene Mental. São Paulo,
1821, p. 27-36, Confonne aponta o rasumo do artigo em questão: "O autor, Director do Hospital de Juquery, em S.
Paulo, dlpola de ae referir a dois outros trabalhos publicados no 1° número dos "Archivos" sobre o mesmo thema,
lnllD na nec1111dade de se estabelecerem medidas rigorosas, impedindo o ingresso de indivíduos perigosos ao
melo aactlll blulleiro". Idem. p. 35.


79

.
"" prostíbulo.". Mas porque o italiano Paschoal mesmo tendo matado duas pessoas na

mesma noite podia ser chamado de "irritadiço" e preto Amaral de "monstro"? 99

O problema se complicava na medida em que a maioria dos estrangeiros que

m igravam para o Brasil dirigia-se para a capital paulista. Tomada um local do perigo

ameaçado r, de cheiros fétidos ejetados pelas casas e chaminés de fábricas, de miasmas

pútridos que ameaçavam atingir inexoravelmente toda a cidade, médicos e advogados

entendiam que a solução seria a de extirpar o mal pela raiz. A questão da pobreza e da

criminalidade revestia-se não a penas de uma importância sanitária ou higiênica mas

política na medida em que as elites passaram a perceber o estrangeiro como

sublevadores e comunistas.

Paschoal, desterrado, marcado pelos horro res da guerra, vivendo quem sabe as

lembranças de sua província entregava-se ao álcool talvez para apagar suas amarguras,

o sentir-se estrangeiro em terra estranha. O médico, em seu diagnóstico, afirma ser o ex-

um doente mental cuja anomalia se complicava devido a sua periculosidade

crlrnlnal ''verificada em grande número entre os ex-combatentes", argumentando

,,.,,,,. ,,. favoravelmente à adoção de medidas mais acauteladoras em relação aos imigrantes.
~~·· ,, ' '·' ii,,í, ,,, ;
~.'11,ilcC:,,', 1,, ..,:~ ~~

Conllderadoe agitadores, as elites políticas e dominantes intervinham no processo de


,.
'1 t'

s,aglo propondo critérios de seleção mais rigorosos, capazes de estancar as

e rrlOVimentos que culminavam em sublevações contrárias a

dos trabalhadores urbanos. Em seus registros, Pacheco e Silva assim

o caro do ttalianO Paschoal:

... _
,....
11501 tD • pa11t 1II perDltler que pera as elites a cl~ baixa das prostrtutas era a das "pretas". Sobre este
,<'•&· '!:'- '~.....-, MI gsmth '"IA00 ..,,._,.. um quadro tlpológicO no qual a medicina do 1nlc10 do sécUlo XX catalogava as
p■11r
,ce .... ,," . . . . . . . a p;dl■
de dai• abm: a prontulçAo pl:t>ica e a clandeStína. Na categona das prostitutas públicas
1
clan■e
. . . . . . " 1 IIClffl oamo p1111nc1n111 à das tacRlmas, quais sejam, as ,nfenores, refonnadas ou gastas, de
1111r r:a1t1d11. Na proatitulçlO clandeatlna, elas aparecem no rol das de baixas condições, vale dizer, livres,
tl 111,,c»al 'RABO, ~ . Do c1t1N • •· A utopia da cidade disciplinar. Brasil 1890-1930 Rio de Janeiro:

,_.,..,-. 111ap.ll.

80

Na .noite de 27 de janeiro do corrente anno ' tendo Paschoal deixado o trabalho


mais tarde que de costume, dirigiu-se para um botequim na rua Tenente Penna,
onde tomou ligeira refeição e bebeu algumas garrafas de vinho. Sob a ação do
alcool, Paschoal tornou-se provocador, insultando as pessôas que ahi se
encontravam, desafiando-as para brigar. Advertido pelo proprietário da casa, o
' freguez turbulento accomodou-se, dizendo que se sentia um pouco perturbado,
embora fosse fraco o vinho que bebera. Lá pela madrugada retiraram-se todos
do botequim - Paschoal ia em companhia do pintor Amarico C., que tambem se
achava embriagado. Os dois, na mais intima camaradagem, divertiam-se
cantando modinhas. Os demais companheiros caminhavam na frente, á
pequena distancia. Nessa ocasião, as pessôas do grupo ouviram Amarico
chasquear com Paschoal dizendo-lhe que seria capaz de jogai-o para ar com
um ponta-pé. Tanto bastou para que Paschoal se enfurecesse e, armado de
faca avançasse para o seu companheiro, vibrando-lhe profunda facada em
""', pleno peito, prostrando-o mortalmente ferido. O criminoso fugiu e as demais
pessôas, receando maiores complicações, recolheram-se ás suas casas. 100

Mesmo sendo caracterizado como um trabalhador, como um "obreiro", o italiano

recém chegado do interior do estado, para onde se dirigiu assim que chegou ao Brasil

após ter participado da Primeira Guerra Mundial "como praça do exercito italiano que

combatia na frente francesa", naquela mesma noite de janeiro em que matou Américo

com uma facada, Paschoal faria mais uma vítima. Prosseguindo, o relato do médico

psiquiatra informava:

Nessa mesma madrugada, pouco depois do crime da rua Tenente Penna, éra a
policia prevenida que, na Praça do Correio, um homem, por motivos frívolos,
esfaqueara o empregado de um café e resistira ferozmente á prisão, ameaçando
ainda, de faca em punho, a todos que delle tentavam aproximar-se. Subjulgado
finalmente, a muito custo, o criminoso confessou ter assassinado, poucos
momentos antes, o pintor Americo, allegando ter praticado as duas agressões
· 1<11
em d ef esa propna.

O combate à criminalidade possibilitaria, no entender das elites políticas, o

rompimento das associações que promoviam a idéia de um Brasil atrasado em relação

ao mundo europeu. Nos anos 20, especificamente, a instrução do povo-nação objetivada

na política, no trabalho e no direito à cidadania, caracterizava as falas inaugurais de um

novo tempo.

100
. Idem. p. 30. e SLVA, A. C. op. cit. p. 30. O resultado final da prisão de Paschoal, qual seja, seu encaminhamento
PACHECO
101 •
para o Hoepital de Juqueri, servia como prova aos legisladores da falência das leis sobre a imigraçáo que, além de
serem identificadas pelo médico como deficientes são descritas como não cumpridas com o necessário rigor. Para o
médico "O Brasil carece de muito de braços para sua expansão, mas de gente sadia, que venha melhorar nossas
condições de vida e que seja ao mesmo tempo um factor eugenetico. Não é justo que estejamos a recolher a
escuma resultante do fervedoiro que agitou a Europa." lbid. p. 34.

81

""' A criminalidade na cidade de São Paulo tomou-se, durante o período estudado,


-.... um ponto de convergência entre as pessoas. Tanto as
elites quanto os pobres
...
despossuídos promoviam longos e calorosos debates sobre as práticas de grandes e

peq uenos ladrões, de assassinos hediondos, passionais, das constantes mortes

provocadas por atropelamentos, do sumiço de pessoas que nunca mais apareciam, das

mulheres que viviam da noite, "mariposas" que amanheciam mortas. De acordo com

Guido FONSECA, alguns estrangeiros se beneficiavam de suas condições e burlavam a

lei escapando das condenações, inclusive em relação as deportações. Um destes

chamava-se Alfredo Ferreira d e Castro, um português "sempre beneficiado por sua

astúcia e a 'deplorável benevolência' do júri" que sempre o absolvia, dado a sua

elegância, sagacidade e poder de convencimento, sobretudo, por sua aparência.

Depois de l_!luito trab~lho e cansada de prendê-lo e soltá-lo, a Polícia conseguiu


sua expulsao do terrttóno nacional. Antes de ser conduzido à Santos para ser
embarcado com destino à Europa. ficou ele uns dias nos xadrezes da "pOlícia
Central" na companhia de Francisco Salvador, seu companheiro de cnmes. A 7
de outubro de 1912, finalmente, seguiram para o litoral, mas, deixaram gravado
na parede do xadrez a seguinte mensagem: "Francisco Salvador e Alfredo de
Castro vão aperfeiçoar os seus estudos de lunfardos na Europa, por conta da
102
Polícia de São Paulo. Voltarão habilitados ...".

As fontes historiográficas evidenciam que as instruções adotadas pelos

controladores do social pautavam-se em postulados representativos dos saberes médico

e jurídico, imprimindo em seus veredictos e diagnósticos uma condição naturalmente

llaferlor aoa homens e mulheres pobres, comuns, negros. A fala polida do estrangeiro e o
111111: ••cnlD de superioridade em relação aos nacionais serviam como distinção entre os

cn,tlfla■08 nacionais e os imigrados. Se a aparência e estereótipos funcionavam como

•. Mrll :!dr AI o a11e1, ••••• que: "Três me1e1 depois essa mesma autondade [dr Franklin de Toledo Piza] recebeu
t l l li w■c pcrlF em que A111edo de castro. tJaíado com esmero, aparecia ding,ndO uma bela aeronave 'Blénot
Tt ; • , i a■,o,. :a1aq11•10 montagens fotográficas, mas, o retrato era de Alfredo de Castro. O cartão vinha da
IIPr ~ 11 JJin iw 4 de l',0\/•tlbrO de 1912 e com essas palavras onde o esplnto zombeteiro do refinado marginal,
mzr ' i,ma vai. •=
111awe 9'illts 'Dr. Piza, Sa1edeçi)es. De um elegante 'Blénot' enV10 a V. S. as mais ca!O~
lsPaR1 ti 'l 2,000 mabm acima do mar. Quer V.S. maior atestado do meu:_~re5!°~º d1~0 P~;:'' ~ oª~e
11
• dlf para Lat,d:ss de onde 11c,e_.rei a V .S. Rea)m8ndaÇões ao Cap o os a. crea ,
e, 1o.•. flailK~ G. ertm11, catmlrlOPll'I • crtmlnalldade -m S6o Paulo (1870-1950) São P~ulo R~nha
TtlkuPlta. 1811 p. 320. e,ea '11Nffl8 narra1IVa foi pubhcada por um 1omal pauhstano. Ver. Correio Paulistano
1l,Cll.1911.
...,
82

.....
denunciadores da vida desregrada o mesmo acontecia com a boa aparência, a boa

vestimenta e os hábitos polidos dos estrangeiros, fatores que os inocentavam ou

...., tomavam o tratamento mais brando. Um caso que se tomou conhecido to, o de G1no
"""I
Amleto Meneghetti, figura nostálgica do mundo do cnme paulistano, uma espécie de

herói popular consagrado nas reminiscências sobre a antiga cidade. 103

Em um dos artigos publicados nos Archívos Brasileiros de Hygiene Mental no

qual refletia sobre os problemas da criminalidade e as associações com a entrada

maciça de estrangeiros no Brasil, Antonio Carlos Pacheco e Silva indagava: "Porque

razão deveremos desinteressar-nos de um problema de tão alta relevância,

pennanecendo de braços cruzados, continuando a receber indivíduos perniciosos á

nossa collectividade? Não pooemos deixar de reagir contra semelhante 1nd~erença As

estatísticas que temos em mão precisam ser d ivulgadas para poderem ser devidamente

avaliadas as consequencias da nossa incuria nesse particular.". 104

É Interessante notar que a medicina eugên1ca, destinada a melhorar a espécie e

a lhml-la dos sofrimentos e agruras da vida por intervenção médico-cirúrgica, afirmava

qua a pamala da população tipificada como "inválidos", ou seJa, que vivia ··o triste estado

de mi&éwia physica, moral, mental e política" devena ser esterilizada. Para muitos

m6dicaa. a iatarviençlo cirúrgica estacaria o nascimento de "inválidos'", favorecendo o

• . 9EAIIM'DI. C. O· 1- dltl> ll1mghalll. Imprensa, memóna e poder. São Paulo: Annablume, 2000.
• ■ E tdDbfl JlanClaa e q1,estionam&11tos o médicO apresenta um quadro no qual são indlC800S os
TE P r a.11&
iáll n ••• , oa puxu1:11h da eabarigairos e nacionais que toram recolhidOS no Hospital de Juquerí entre os
■aa 11121 a 111M. como 11p:
Pet(MI cagam oa

.... -
- DI li t7 p .,,._ qlllina80
• Ctwbl
..rva
luc: ,-,s 11 allenadOS
81 ,baôOS
a■, wnosos IPe, ceutagam de
Ali_a ,ado6
hQmnoeOS--"
- - -:i-Jt,S
Aje,\aOC)S
c,m,nosos

- 12 108 11 4 .1% 10..1%


1a 15 75 4 7.S~i, 5.3%
a 10 59 5 4.8% 8.4'!.
1iiM ,,., !7 --
!:ws ,s
. :. . '? _,_ 8 .6%

..,...,..,...
PM»ECO••VA. A. C. lmlgraçln • hygiell8 rrallal ArchlvoS Btaalleiros de Hygiene Mental. São Paulo. p. 2i'·

..
...
... 83
... ,

....
-,. surgimento de uma sociedade sem as mazelas, as doenças, os problemas crônicos nos
...,

~
-. quais vivia a imensa maioria das pessoas pobres e dos negros despossuídos de São
...,
-_,
...,
Paulo. Nesses termos, é factível afirmar que estes homens e mulheres, velhos e

crianças, comporiam os alvos móveis da ação profilática da eugenia. Na comunicação


~

,
;) proferida no Primeiro Congresso Brasileiro de Eugenia, realizado no Rio de Janeiro em

::> 1929, Renato KEHL anunciava:


:)
Senhores, O Brasil precisa augmentar o seu stock de homens válidos. O poder
~ de uma nação se aquilata pelo valor dos indivíduos que a integram. Nada se diz

,
~· de novo quando se affirma "que não existe interesse ou bem estar da sociedade
distincto do interesse e bem estar de seus membros". O nosso stock de homens,
physica e mentalmente superiores, é diminuto(.. .) Pergunto a mim mesmo: será

- isso conseqüência da mistura das raças, será isso o que pintou Paulo Prado no
"Retrato do Brasil"? Será um mal insanável? (sic).
105

Os negros, presos a uma força que os subjugavam biologicamente e que lhes

imprimia o caráter e o temperamento estariam, no pensar das elites, hereditariamente

condenados. Pensada numa perspectiva determinista, a herança genética dos negros

conomperia os sujeitos desviando-lhes o caráter, impondo-lhes a criminalidade nata e a

delinqüência congênita. Para tanto, seria necessário "por moldura digna" no Brasil e nos

brasileiros, eliminando o "abastardamento" que corrompia a nação.

Os intelectuais, as classes abastadas dos médicos e dos advogados, os políticos


micos, quase sempre pertencentes ao mesmo grupo social e ligados por

:,arentesco pressupunham que somente por intermédio da profilaxia dos

doa sujeitos socialmente doentes e ameaçadores da ordem urbana é que se


o projetO modemizador da sociedade republicana. Para Tânia Regina de

alidade brasileira do início do século XX intervinha obstinadamente nas

na Intenção de definir as especificidades do brasileiro traçando-lhes o

como um diagnóstico para a (n)ação. De acordo com a autora:

AtJl•nlll -.o Br11!I: 11b:Dç0 histórico e blbllográflco. Rio de Janeiro: Sodré & Cia., 1929. p. 11 .
,

...
- 84
-
....
-. Eles insistiam nos graves danos sociais acarretados por hábitos e doenças que
- comprometeriam não apenas a existência dos indivíduos, tornando-os muitas
vezes inaptos para o trabalho e um perigo para a coletividade, mas também sua
- descendência. O futuro da nação novamente parecia ameaçado na medida em
que parcela significativa de seus habitantes, em vez de se tornarem cidadãos
produtivos, acabariam seus dias, por força das taras herdadas, em hospícios,
prisões ou hospitais. Criminalidade, delinqüência, prostituição, doenças mentais,
vícios, pobreza iam sendo associados ao patrimônio genético, numa
identificação que mal disfarçava a visão extremamente preconceituosa desta
106
intelectualidade.

Os valores atribuídos à perspectiva da seleção das pessoas pela eugenia, por

exemplo, incidiam poderosamente sobre a figura do negro projetando, em larga escala, a

idéia da corrupção, da má índole e da inferioridade racial. Ser negro era muitas vezes ter

que sofrer, ser apontado, negligenciado e intimidado. Não que o negro fosse submisso

as torturas morais mas por atingirem "o espírito", "a alma" dos negros, as exclusões e

escárnios tomavam-se muitas vezes insuportáveis. Muitos deles negavam-se a si

mesmos, ou seja, a vida dos negros em São Paulo era permeada por perseguições que

geravam uma auto-depreciação perturbadora.

Os acontecimentos que marcaram a passagem para o século XX transformaram

a cidade de São Paulo numa metrópole em um curto período de tempo. A historiografia

recorrente indica que a condução política da cidade, pautada nos princípios da ideologia,

do progresso e da modernidade, pensada em termos da capacidade tecnológica das

transfonnações ocorridas, levaria a então "metrópole do café" a uma vida citadina

bastante diferenciada. A cidade expandia-se urbanisticamente, ampliando os espaços de

fonna distinta, desagregadora e competitiva.

As patologias urbanas impunham um estilo de vida inacessível para uma grande

maioria de pessoas que viviam e trabalhavam em São Paulo pois, os vícios, as doenças,

a prostituição, a delinqüência e as demais ações tipificadas


. como desviantes eram

Justamente os sintomas dos males provocados pela vida moderna. Para os negros

1°'. LUCCA. T . R. de. A Rwlata do S...11: um diagnóstico para a (N)ação. São Paulo: Edunesp, 1999. p. 226.
,

recém saídos de uma situação extremamente desfavorável e que se concentravam em

São Paulo aumentando a população negra já existente, as moralidades criadas pela

medicina higiênica impunham regras de conduta impossíveis de serem alcançadas. Os

padrões de vida e os comportamentos dos negros, nessa perspectiva, eram associados

como o avesso das ordens médicas. Como afirmou Maria Clementina P. CUNHA, desde
~
o final do século XIX " ... a configuração espacial da cidade - lugar por excelência das

novas relações sociais de produção em que o assalariamento substitui a escravidão com

base no princípio da 'igualdade' entre indivíduos - desenha a nova dimensão da

desigualdade social: criam-se espaços diferentes para pessoas desiguais." 107

A partir de 1920, com os conceitos urbanísticos de zoneamento, uso e ocupação

do solo definidos e aplicados, a reforma urbana divide a cidade em zonas central e

periférica. Tal divisão, acentuada por pressupostos da gestão higiênica das populações,

definia lugares e espaços, sujeitos e comportamentos. Nesse processo, as reformas

urbanas ampliavam as diferenças sociais gerando um controle sistemático da população

pobre e despossuída que alargavam as margens da cidade. Como aponta Andrea

PICCINI, "é justamente em 1920, quando a cidade já alcançava 580 mil habitantes, que

a cidade tem remodelada toda a área central, o vale do Anhagabaú, Parque D. Pedro 11

no vale do Tamanduateí, e ganha o ar de nova capital". A remodelação da cidade o

aarmole desse novo espaço permitem entrever relações sociais que não só empurravam
'-" u margens da cidade as populações de negros que viviam em São Paulo mas que
c.c c •....
10
a -.nr,adla de avançar nos limites sempre tênues desse novo centro. ª
,
0a grupos minoritários dos negros de elite, quais sejam, aqueles que possu1am
~ tipo de recurso material, educacional ou profissional, ao assumir os padrões e as

M. C. P. C 11p1ltlo cio Mundo, Juquery a história de um asllo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986. P· 32·
,

"
.... 86
....

regras de conduta dos brancos buscavam desviar-se dos negros pobres, da plebe,
.....

"'\
procurando com isso associarem-se à representação dominante e à ordem simbólica
...,,
que, nesses termos, atribuiria sentido de pertencimento e igualdade. Tais posturas

procu ravam dar visibilidade ao desejo aos seus desejos de inclusão e inserção na vida

social mais ampla da capital paulista no decorrer da década de 1920.

Entretanto, as negociações travadas no âmbito das sociabilidades não

implicavam na perda das especificidades culturais originárias, como as práticas.

religiosas e lúdicas que diferenciavam os negros dos brancos. Vale dizer, os negros não

estavam à mercê dos brancos e tampouco abdicaram dos elementos de sua cultura e

origem, porém, a forma organizado ra do discurso da modernidade não correspondia às

possibilidades de vida e trabalho da imensa maioria dos negros pobres que viviam na

cidade de São Paulo e no resto do país.

... no qual uma percentagem apreciável da força de trabalho vivia em regime de


escravidão, no qual mesmo as fábricas, de início, chegavam a utilizar trabalho
escravo, no qual mesmo os operários assalariados recebiam pagamento em
espécie; um país que imediatamente após a abolição da escravatura teve que
realizar grandes emissões de dinheiro, porque não havia quase moeda
circulante, pois não havia tradição de pagamento de salários ao fim de cada
mês; um país nessas condições passa a enfrentar subitamente todas as
109
injunções de uma economia monetária, de tipo capitalista.

A historiografia permite indicar que os conflitos e as perdas diversas subsidiavam

p justificativas expostas nos pareceres médicos e discursos jurídicos, nos quais os

., ·. . ,,nas e despossuídos representavam o desvio, a devassidão e a imoralidade,


f:.,.J!fi~
..
entos provocadores dos males sociais, das violências urbanas, do desatino e da

. Neste sentido, médicos e advogados propunham uma ação intervencionista no

aociar capaz de eliminar não só os hábitos e os comportamentos desviantes

"Jê. '"QCINI, A. Cortll;o8 na cidade. Conceito e preconceito na reestruturação do centro urt>ano de São Paulo. São
• Feulo: Annablume, 1999. p. 48.
1 · • REIS FILHO, N. G . Algumas e,cperiências urbanísticas no inicio da República: 1890-1920. Cad emos de Pesquisa
dD LAP, Slo Paulo, n. 1, p. 5-61 , julJago. 1994. p. 07. (série urt>anização e urt>anismo)

..
87
...
~..,.
.....
- mas, significativamente, as pessoas que não se enquadravam nos rígidos padrões

morais construídos secularmente pela medicina.

Ir? As patologias urbanas exigiam da medicina diagnósticos não só do corpo doente

mas do ambiente familiar e do espaço social vivido. Todavia, a concentração de

• estabelecimentos industriais em São Paulo elevava os índices populacionais da cidade

aumentando as possibilidades de encontros marcados por práticas sexuais condenadas

pela medicina e pelo direito. As pessoas que pretendiam ser incorporadas como

trabalhadores assalariados ou inserir-se no sistema citadino de ocupações, fazer parte

dele, deveriam ajustar-se às normas médicas de higiene e saúde. Porém, relegados à

própria sorte, os nacionais pobres não encontravam possibilidades de reeducação nos

padrões e ideais requeridos pela ordem médica criados na emergência da sociedade de

classes, restando-lhes a pauperização que agravava ainda mais o estado de anomia

social considerado como herança transplantada do cativeiro - justificando sua

substituição pelo imigrante europeu.

Essas condições repercutiam negativamente pois, a não inserção do negro na

aociedade de classes era justificada pela incapacidade natural de adequação a uma vida

bldeira, disciplinada, industriosa. O segregacionismo costumeiro vivido pelos negros

ava ainda mais as representações da degeneração na medida em que suas

•--- e costumes eram vistos como ameaçadores, inclusive à pequena parcela de ,,

~roa que compunham a "elite de cor", como eram chamados os negros que se
~✓

_. .
• - ••

·l::1•lficavam socialmente por intermédio de profissões e ocupações modestas, ou


. ~, . . .

pltjagidos sob o manto paternalista da dependência nas casas de família, imitando os


,;",

hébttos e comportamentos dos brancos. Neste processo, os negros eram aceitos apenas
na condição de "cria da família", exercendo as funções domésticas do cuidado com a

... 88

.,,,
-.., casa, caso contrário, viver na cidade pressupunha condenar-se a uma existência

ambígua e marginal.
.....
.,J

.,l
Os negros despossuídos passam a configurar uma "ameaça urbana" permitindo

'
"'ri
ao saber médico-legal a aplicação de teorias e tratamentos considerados profiláticos, ou

seja, capazes de eliminar os males sociais causadores do atraso, da desordem e da

doença, possibilitando ao médico um novo campo de atuação. Assegurado por seu "bio-

poder" o médico investiu praticamente em todo o espaço da existência humana,

redimensionando os significados até então atribuídos ao corpo, à higiene, aos hábitos do


110
cotidiano, adestrando os comportamentos, até mesmo os mais íntimos.

O crescimento econômico que a cidade experimentava, acompanhado do

constante afluir de pessoas de diferentes lugares, conduzia a uma demanda crescente

pela instalação das primeiras redes de infra-estrutura urbana que ao mesmo tempo

desalojava os populares das áreas centrais e de seus espaços tradicionais. As

habitações populares demolidas por medidas de higiene e saúde pública redistribuíam

as pessoas no espaço social. Conforme indica Maria Alice Rosa RIBEIRO, "Não havia

casa para abrigar a população pobre, que foi, então, formar novos cortiços, novas

llabl~s coletivas em áreas mais distantes do local de trabalho, na periferia da

110 como pr'ti'ICfplos de civilidade, as ordens médicas que ditavam os códigos do bom tom, as etiquetas
n ll la e• fuinllllldads• m. educação burguesa atingiam, sobremaneira, as associações de negros como a ~rente
te;• BnnPeha • FNB que por sua vez disseminava os conteúdos médicos_normativos entre_os seus associados.
Ellllll:JillO • normas &4;:bnlecidas acabavam por gerar um forte preconceito entre negros ncos e negros pobres
que, nua•; rn■llda, se viam alijados de freqüentar os mesmos espaços ou usufruir os serviços prestados 15_pelas
• 1d ;a na medida em que os Inimigos destas comunidades negras eram os própnos negros, t~ é,
-U:tllsl
- ·oos rosdaelh
aa n■11• pabnla. A FNB, por 8>C8fflplo, não atendia negros pobres apenas seus 8SSOCla , os neg do e~
jlalllharm a potnza e o Insucesso como um problema pessoal e não social u •••já que ser pobre ou fraca~
••ddo como conaeqOêncla da falta de empenho ou da falta de talento para buscar alternativas que os retirassem
dll pobi-. dll dllcrlmlnaçlio, ale.■• Sobre as práticas discriminatórias entre os negros consultar. LOPES, M. A. de

111•
=.:p,21. , M. A. R. Fébrlca a cidade. Tt■-,.lhadorN, Campinas, n. 4, p. 2-22, 1989. p. 17.

...
.... 89

... Os negros, durante o processo de remodelação da cidade assistiram a contínuas


...
perdas de seus espaços habitacionais. Moradores de pequenos cômodos, estâncias,

pensões, zungus, antros, tugúrios da cidade, cortiços, quintal de periferia, entre outras

denominações que pretendiam definir as habitações coletivas, os negros pobres ficavam

sem ter para onde ir. No início do século, os espaços tradicionalmente ocupados pela

parcela pobre da sociedade paulistana como as ruas, becos e praças do Sul da Sé,

Anhangabaú, Várzea do Carmo são alterados por remodelações urbanísticas

transformadoras do centro da cidade que literalmente a expulsa e a despeja.

Em 1920 o bairro Ba rra Funda era o espaço mais caracterizadamente negro de

São Paulo dado à proximidade deste com os bairros Campos Elíseos e Higienópolis, os

quais ofereciam possibilidades de trabalhos domésticos aos negros, sobretudo às

mulheres. Com a abertura da Avenida Paulista, que põe abaixo as habitações coletivas

do centro, o bairro Bexiga também passa a abrigar parte da população de negros que

viviam em São Paulo, assim como o bairro da Liberdade, o longínquo Jabaquara e o

112
Bosque da Saúde.

A remodelação da cidade ocorrida nos anos iniciais do século XX evidencia um

acontecimento emblemático do ponto de vista das estratégias de exclusão da população

negra do centro de São Paulo. Trata-se do espaço conhecido como Largo e Igreja da

Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, atual praça Antonio Prado, local

tradicionalmente habitado por negros. Fundada em 171 1, a Igreja era circundada pelos

negros da Irmandade do Rosário dos Homens Pretos, cujas casas, desapropriadas no

- · ári s escritórios
111. A pel1ll'•lzaçlo da comunidade negra inaugura os grandes loteamentos e construçoes_nos quais v ~ pobres do
de arqul181U18 e urbanismo alcançaram lucros extraordinários, indicando que a expulsao dos nacionais. . Ver.
wtbo da cidade mantinha uma estreita relação com o mercado financeiro das especulações imobiliá(~as.t d0·
BARBOSA, R. M. A pni■■nça negra numa Instituição modelar. São Paulo, 1992. 142 f. Dissertação 1 es ra
em Boclalogla) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo;
lllllbll na cld■de de 8lo Paulo (1900-1930). Contribuição para o estudo da resistência e da repres
!3:O
T~11~~-
c ·
Blo Paulo: FFLCHIUSP, 1981.
,

90

início da década de 1870, foram demolidas e substituídas por casas de comércio que

vendiam produtos importados. O mesmo acontece com o prédio da Igreja que, em 1903,

é posto abaixo, ampliando as redes do comércio local quase totalmente monopolizado

por imigrantes que ali mantinham estabelecimentos comerciais varejistas, com

supremacia para produtos importados pois, os produtos nacionais eram desqualificados


113
e menosprezados pela grande maioria dos consumidores.

O comércio de luxo e as crescentes atividades financeiras, diversificadas pelas

etnias que (i)migravam para São Paulo, contribuíam à efetivação do projeto

europeizador elaborado para a cidade, imprimindo de maneira polifônica novas

sensibilidades à cena urbana. Além de criar uma rede diversificada de produtos e bens

de consumo (muito embora às expensas de uma classe operária oprimida e explorada) a

modernização do espaço citadino elevou o poder simbólico da arquitetura e o fascínio da

metropolização nos anos 1920, os quais apresentavam-se, conforme salientou Nelson

SHAPOCHNIK, "...como a materialização das forças capazes de esconjurar os


114
arcaísmos e de promover a fantasia da modernidade".

A consolidação da ideologia da higiene, que sustentava as práticas que

elminavam e definiam os sujeitos, seus lugares e suas redes de sociabilidades, visava

as classes pobres, representadas no imaginário político brasileiro através da

da doença contagiosa. Neste sentido, tudo o que pudesse ser associado ao

da pobreza era representado como perigoso, contagioso, pernicioso. No texto

J. R. ~ FilOedo Roa6rlo de Slo Paulo.~bsldiodas~intí~ó~dde.Sãln~ PSaEVuloE:CEEdNiçoeK-0s ~la(~~g')1~~ória da


N. C&l1õea-poslais, élbuns de família e ,cones I m1 a • · • ·. · . . 0
1
pat,■dr Slo Paulo: Companhia das .Letras, ~ 998. p. 452. o memorialista Jorge Am:,~canpa~h=~~edn; :eu
prlsa men:::acbw nacionais por intennédio do diálogo travado entre uma m~ a . " . ver a uela
• o 'IIG &dor de tacidoe da Cese ~ ã, uma loja de tecidos que ficava na rua Direita. D~1xa d (q ) É
li em c:iua, faz favor. NAol Não é essa, a outra. Desceu o caixeiro com a peça de ~en ?a T~~os
•■o, 6 nllllXilBL Ah, entlo nlo serve. O senhor acha que eu vou ~mprar fazenda ..'.1ª=al .
fazendo
llt, luuo elm. é que a senhora não tinha avisado. Mas não era preciso av1sa~!u n~~53 ~~915. São
JIIIII • crlaclrn A aanhora me desculpe." AMERICANO, J. São Paulo naquele po
. . . . 1957. p. 80-81.
'

91

preparado para a comunicação apresentada no Congresso Internacional Escravidão,

Maria Luiza Tucci CARNEIRO reitera que: "Múltiplas são as dimensões do significado

deste mundo marginal onde a marca dos estigmas se entrecruzam envolvendo, numa só

trama, o mendigo, o_louco, o negro, o leproso, o desajustado e a prostituta. Estes, além

de vítimas, foram transformados em 'perigos' e classificados de 'desviantes' pela

sociedade (... ) o indivíduo passa a ser rotulado como portador de desvios inaceitáveis
'
não condizendo com o modelo imposto pelo grupo dirigente responsável pela
115
manutenção da ordem.".

As estratégias de controle social moldavam de maneira maniqueísta a

representação dos desvios e das margens, distinguindo precisamente os lugares a


serem assumidos pelas pessoas na nova urbanidade. Nesse sentido, a representação

dominante passa a compor uma construção imagética e discursiva que nomeava o

outro, criando uma realidade atrelada a um ajustamento moral estrangulador. Os negros

se viam obrigados a incorporar a escória do operariado urbano, dado utilizado pelos

brancos para reforçar a idéia da incapacidade natural, do atraso físico e moral presentes

nos discursos moralizadores produzidos sobre as diferenças raciais.

Do ponto de vista das sensibilidades dominantes, balizadas pelas normas

....lcas. as representações do negro projetavam imagens degenerantes, indesejáveis,

lmolaia, conferindo uma veracidade inconteste, motivadora de práticas sociais que

moldando, no imaginário social, a idéia de que os negros eram, de fato,

hel1Nltariamente criminosos. Este tipo de raciocínio modificou radicalmente o

enfnl.bllltTlento dos homens e mulheres negros que se encontravam à margem da


~ - O enfrentamento proposto foi alcançado, em grande medida, por intermédio

146
111• CAFINEIFIO, M. L T. Negros, loucos negros. Revista USP, São Paulo, n. 18, p. 144-151, jun.~ul./ago. 1993. P- ·
B'l'QJ;FI ES, tJI. G. O. mendigos na cidade da Sio Paulo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 19n.
92

da interdição dos identificados como "formadores de uma maré montante de tarados de

toda a espécie que sobrecarregam a sociedade com um enorme peso morto". 11s

Ao combater a ociosidade, a arbitrariedade e artificialidade da vida urbana

encerrada nas normas médicas e nas posturas jurídicas definiam os "desviantes sociais"

como sendo eternos tutelados. As questões médico-legais indicavam que a medicina, no

período estudado, assume novas f rentes de atuação e aplicação da especialidade à

realidade social, convertendo-se no espaço da afirmação e competência do saber capaz

de projetar a autoridade médica frente à organização da sociedade. Por intermédio da

higiene e da saúde pública, a medicina incorporou a cidade e sua população ao campo


117
do seu saber e intervenção profissional.

Diferentemente das normas médicas, o ordenamento jurídico não respondia ao

problema da saúde pública, estreitando o poder/saber médico intervencionista e

profilátioo no âmbito do direito penal. A ciência jurídica, nesse sentido, não poderia dar

conta dos problemas da saúde pública ou das defesas sanitárias do país, ainda visto

pelas elites como um corpo doente, enfraquecido pelos vícios e corrupções da carne,

das \fOlúpias de uma população erótica, sensual.

Deste modo, ao patologizar a sociedade, os médicos assumiam para si a tarefa

dafander a saúde e o bem estar da coletividade. A determinação da medicina como

controladora do social, tarefa anteriormente centrada apenas na esfera do

• , se acentuou na medida em que as ações consideradas desviantes eram

e SILVA, AC. Novas diretrizes da psiquiatria. Archlvos Brasileiro de Higiene Mental, Rio de Janeiro,
p. 2745, 1925. p. 34. .
a M. d b · lgado e depreciado. Para
SCHAWARCZ destaca que desde o final do século XIX o negro vinha sen o su ·JU tid de "separar" o mais
,_,..., "no lnl8rlor dasta processro, várias. instituições vão send0 re~tnrt~~~a ~~~:~o, ~ hospital da cidade é
!W'.,,<,..""11@ :D poasfvel 08 "doentes" do oonvívio com a populaçã~ urbana, ':mio de Franco da Rocha, experiência-
,.,,.,_~., aílollt aih, a cadeia em 1887 é ~~a e em 1897 surg1~1 o ma~, m locais distantes do centro, submetia-os
IIIOd1lo que, ao mesmo tef11)0 que marg1nal1zava e separava os oucos e Jornais escravos e cidadãos em São
•, ·-o•~~ ld1alagla do trabalho.ª SCHWARCZ, L. M. Rebato em branco e negro. ,
IIIIIIIJlo no tlnlll do NCUk>XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. p. 47.
'

93

resultado de comportamentos julgados anormais, isto é, quando o resultado do desvio

caracterizava uma insanidade, uma anomalia mental. Assim , caberia à medicina sanar

um país doente, livrando profilaticamente a população abastada da "miséria endêmica"

de um povo inculto, atrasado, doente e miscigenado, fatores que, se eliminados,

conduziriam o país rumo à civilidade.

Observado em sua etnicidade pluralizada, o momento histórico revela que as

experiências de reorganização da sociedade paulistana incluíam expectativas e práticas

novas, entre as quais figurava a nítida intenção de eliminar gradualmente a herança

africana de sua (re)organização social. Em São Paulo, estas medidas assumem um

contomo diferenciado já que suas peculiaridades histórico-sociais permitem melhor

entender os dilemas materiais e morais vividos pelas classes subalternas, bem como a

expulsão dolorosa do negro do sistema de relações de produção do tipo capitalista.

As hierarquias estabelecidas podem ser entendidas pela origem mesma dos

antagonismos e dicotomias estabelecidos entre negros e brancos que remontam o

período colonial, caracterizando o que Emília VIOTTI da COSTA considerou como sendo

-Uma mentalidade senhorial e escravista". De acordo com a autora, a consolidação de

urna sociedade calcada em moldes capitalistas e no trabalho livre foi, para as elites, uma
ouda.l contrária à natureza humana: " ...aceitar o trabalho livre era abdicar de uma

"9rmla de autoridade profundamente arraigada na mentalidade senhorial. Era colocar-

• nas mãos do trabalhador. Era ter que ouvir suas pretensões e cedo ou tarde medir-se
COI•• ele, quem sabe até numa situação de inferioridade. Isso seria para o senhor uma

118
lnveraio da 'ordem natural"'.

111 • COSTA, E. V. da. Da Monarquia a República. Momentos decisivos. São Paulo: Edunesp, 1999. P· 379.
,

94

A desclassificação dos negros e as formas exteriores de superioridade branca

rechaçavam a idéia de uma convivência de igualdade e de direitos com aqueles que um

dia foram seus cativos. Considerados inferiores, os negros foram situados num estágio

primitivo da evolução humana, permitindo a classificação/desclassificação desses

homens e mulheres. Os critérios de civilidade que estabeleciam as diferenças sociais no

Brasil caracterizavam os ex-escravos como sendo inferiores por uma "ordem natural".

Reclamada pelas elites, a idéia da ordem natural pressupunha práticas sociais

excludentes, perpetuando as hierarquias da exclusão. A idéia de negro-cidadão era em

grande parte, mera retórica.

Tais formas de classificação, que instauram a percepção da diferença e a


legitimam, são fruto de múltiplos fatores, que vão desde a biologia à
estratificação social, mas que se efetivam no domínio do simbólico, que
sacramenta os significados, funções, papéis e valores. Reafirma-se assim a
construção contraditória da realidade, através de representações sociais que se
objetivam em classificações, recortes, exclusões, inclusões. Neste momento,
toda e qualquer diferença passa a ser concebida no plano da cultura, ou seja,
passa a fazer parte do conjunto de significados partilhados que 11 9
dão
inteligibilidade ao mundo e explicam o real, pautando comportamentos.

Preocupada em encontrar as origens da humanidade, a teoria evolucionista

estabelecia critérios científicos capazes de fornecer as bases para o estabelecimento da

classificação dos fenótipos, fortalecendo uma interpretação dos comportamentos

humanos que, por sua vez, era encarada como resultado imediato de leis biológicas.

este tipo de raciocínio, monolítico e determinista, dava escopo às diferentes disciplinas


que nasciam do esquema fonnulado para explicar os fenômenos da vida humana.

No início do século XX, ao ser interpretada pela medicina, a noção de

criminalidade encontrava nos desvios sexuais ou na loucura moral os fundamentos

capazes de explicar as ações desviantes, aterrorizadoras, monstruosas que aconteciam

nd
111 • A autora emende que as representações têm efeito de real e produzem sua própria realidade, substituindo o mu º
aoclal allnnando que "numa certa medida, este mundo que parece pode ser tão real ou verdadeiro, e até mais
convlncenl8, que o mundo da representação, porque esse se realiza no plano do simbólico, onde se ope": a magi~
doe llgnlllcados". PESAVENTO, S. J. Uma outra cidade: o mundo doS excluídos no final do século XIX. Sao Paulo.
Companhia Editora Nacional, 2001 . p. 8 .
,

95

..... na sociedade, como os crimes hediondos, geralmente fantásticos e bizzaros, idênticos

aos que levaram Amaral à prisão e à morte. Os argumentos do universo jurídico para

tais crimes encontravam nas teorias lombrosianas as explicações, ainda que refutadas,

para ações criminosas como o homicídio, a necrofilia, a bestialidade, a

homossexualidade, o onanismo, os crimes contra os costumes e outras formas de

degeneração. Esse universo referencial justificava a intervenção controladora e

repressora do poder judiciário que ainda associava o negro à criminalidade nata,

tomando-o alvo prioritário de suas "suspeições generalizadas".

É nesse contexto que a antropologia criminal surge como um novo campo de

saber argumentativo sobre a criminalidade, como um fenômeno físico e hereditário que

poderia ser objetivamente detectável nas diferentes sociedades cujo expoente e mentor

teórico era Cesare Lombroso. A antropologia criminal italiana visava comprovar

cientificamente a existência ·de criminosos natos seguindo a lógica determinista do

evolucionismo. A escola de Lombroso fundamentava a idéia de que a criminalidade

humana era um fenômeno f ísico e hereditário provocado pela degeneração da raça, isto

6, comprometimento físico ou mental que incapacitava as pessoas, estigmatizando-as.

A noção de degenerescência permitia definir não só os comportamentos

clelib.loloa mas os próprios criminosos já que os homens e mulheres envolvidos nas

malhas da criminalidade apresentavam caracte rísticas morfológicas similares, como

propunha as técnicas da antropologia italiana, detectáveis pela classificação dos tipos a

partir doe caracteres f ísicos. Vulgarizando a idéia da existência de um tipo humano

considerado como criminoso nato, isto é, de pessoas que por defeito congênito e

detennlnações biológicas eram levadas ou estariam predispostas a, cometerem ações

violentas, delltuosas, tomando-se perigosas, era passivamente aceita pela sociedade

mala ampla tomando a exclusão social uma prática louvável.


,

96
...
Prevalecentes, as propostas da antropologia italiana estabeleciam um quadro

.... tipológico das estruturas físicas e das formas de vida criminal, definindo tipos específicos

que reproduziriam, em suas gerações, ações desviantes e delituosas. O determinismo

das proposições teóricas que fundam a criminalidade e que caracterizavam a orientação

intelectual da imensa maioria dos psiquiatras forenses era encorajado pela adoção

simultânea de métodos que fundamentavam a degeneração da raça como o elemento

definidor da conduta criminal.

Este tipo de raciocínio classificava a humanidade num gradiente que iria do mais

perfeito ao menos perfeito. Julgando comprovar a inter-relação entre a inferioridade física

e mental de tipos humanos, os doutrinadores da antropologia criminal acatavam as

fórmulas criadas para a identificação de criminosos, loucos e degenerados, antes

mesmo que estes viessem a delinqüir. Encontrava-se, assim, uma justificativa científica à

detenção e controle de grande parcela dos desclassificados, como os negros da plebe.

Aproximando o discurso médico do universo jurídico, os estudos antropométricos

associavam a questão da identificação dos criminosos à debilidade e incapacidade que

pennitindo costurar a série das categorias jurídicas que definiam o desviante. O tema da

:criminalidade, desde o final do século XIX, fundamentava-se em princípios científicos

, - quais se agrupavam diversas "sciencias subsidiárias" e diferentes métodos de

rimentaçã.0 1
porém, quase sempre voltados à biotipologia. A questão da

ção do criminoso dominava praticamente toda prática médico-legal cujas

não se resumiam ao mero reconhecimento dos criminosos presos mas ao

morfológico do corpo humano, em específico do corpo humano desviante,

W1U1111al, criminoso. Controverso, o tema provocava intensos debates acerca dos

1'98Ultados alcançados pelas medições antropométricas, já consideradas falíveis e

Imperfeitas no mundo Europeu.


'

....
.... 97
...

No Brasil, a questão mereceu um acentuado destaque, conforme aponta Mariza


~

CORREA ao afirmar que "... o racismo enquanto crença na superioridade de

determinada raça e na inferioridade de outras, teve larga vigência entre os nossos

intelectuais no período do final do século passado e início deste ...". As instituições

voltadas para o controle das populações, como prisões, hospícios, educandários e

outros institutos de correção já existentes na cidade, assim como a construção de novos

estabelecimentos para a contenção do inumano, como o novo presídio e o manicômio

judiciário que se instalariam até os anos 1930, desvela tanto a preocupação em relação

à administração higiênica assumida pelos diferentes governos na Primeira República


120
quanto à intenção de excluir os seus acólitos.

As justificativas para a construção e manutenção de instituições do tipo totais na

cidade de São Paulo eram dadas pela real ampliação da população que vivia nos limites

sempre fluidos da cidade. O caráter técnico-racional promovido pelas elites políticas e

dominantes reiterava que a existência de gatunos, vadios, baderneiros, bêbados,

prostitutas, agitadores e outros tantos marginais faziam de São Paulo um local violento,

insalubre. Conforme anunciavam, propício às degenerescências e prejudicial à

manutenção do operariado, mesmo que este fosse considerado ignorante, indisciplinado

e facilmente substituído. 121

Tumultuado pelas desordens próprias da vida urbana, o cotidiano, dentro e fora

das fábricas, era penetrado por práticas controladoras que, de acordo com as elites,

exigiam um policiamento e uma investigação possibilitadores não só da detenção dos

1• . A ldl1111açl'> da autDra fundamenta-se em pesquisa realizada sobre a p~ução teórica e a atuação concre:i:~~n:
gNpO de méclco8 misto de cientistas sociais que se designavam a s1 mesmos como mem~ros da Escrd de A
8
Aodr',gu11 una aapécle de mito de origem da Medicina Legal brasileira. CORRêA, M. As llusoes da llbe , ·
aacola ~ Rodrigues e a Antropologia no Brasil. 2•. ed. Bragança Paulista: Editora da Universidade São Francisco,
2001 . p. 43. 934 1987 Sobre as
,., . ~ M. A. G. A vicia fora das Mbrtcas. Cotidiano operário em São Paulo 1920· 1 . . 1987
lllll~•• talala, ver: GOFFMAN, E. Manlc6mlos, p~a• e conventos. 2 ed. São Paulo: Perspectiva, ·

....
98

desviantes sociais mas, muito mais, de sua identificação e reconhecimento a partir das

técnicas como a dactiloscopia, a antropometria e demais métodos de identificação e

classificação das pessoas, praticadas e executadas pelas instituições de controle social

da Europa no final ~o século XIX nas pessoas que sucumbiam ao mundo do crime. É

nesse contexto que a criminalística surge como ciência penal que opera no sentido da

identificação não só de crimes mas, muito mais, de criminosos. Para tanto, essa nova

perspectiva da ciência penal não só estendia, dividindo, a competência da identificação

dos desviantes para o campo do saber médico como também assegurava o seu lugar de

primazia no direito pois somente o méd ico poderia estudar a constituição biológica dos

criminosos.122

A nova perspectiva analítica, assumida pela ordenação jurídica social vigente até

a década de 1920, consolidava a intervenção do pensamento médico no campo do

direito. Ao atribuir ao estudo dos criminosos as referencias do acervo doutrinário,

característico da pregação positivista, detem,inista, contrária ao livre arbítrio e aos

conceitos metafísicos de consciência e de vontade, a nova orientação oferecida à

matéria penal criava uma "sociologia criminal". Porém, as idéias não foram aceitas de

forma passiva por todos os advogados penalistas, que viam seu campo de atuação e

!freio sendo drenado pela medicina psiquiátrica. Como afim,ava Clóvis BEVlLAQUA,

twedrático da Faculdade de Direito de Recife, Pernambuco, ao direito caberia efetuar a


rgência dos demais saberes e emitir a sentença final sobre os destino e a

ponc:luçlo jurídica das pessoas ou "indivíduos", isto é, ao direito caberia o veredicto final,

,:,,,:;.~; W,,I a condenação ou a liberdade. Para o ilustre advogado penalista da escola

ptmambucana,

111. Sem OI" •apectoa mencionados sobretudo as q uestões vinculadas ao tratamento biotip~lógico da antropologia
11811•- conailtar: DARMON P. Médicos e ••••sinos na " Belle Époque". Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986·
Vele - ICl'leceuta,,
- '
ainda: GINZBURG, e. Sinais: raízes de um parad'1gma 1nd'1c1'áno· 1n... · Mitos, emblemas e
11n•. Morfologia e História. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. p. 176-77.

99

Eu comprehenderia essa interdicção; mas, ainda assim, manteria a convicção de que


nenhuma outra sciencia conseguiria dar uma idéa completa do crime e
conseqüentemente, nenhuma conseguiria explicar cabalmente o criminoso que' é ~
agente productor d'aqulle phenomeno (...) Será preciso que, depois de todas essas
sciencias, e aproveitando certamente os dados por ellas fornecidos, fale ainda O direito.
Somente elle poderá effectuar a convergência dos ponctos de vista, somente elle poderá
dar um remate e o acabamento natural aos processos de inducção iniciados por outras
quaesquer disciplinas em relação ao crime, porque é esse um phenomeno da ordem
sociológica e da espécie juridica, muito embóra suas raizes se prolonguem e penetrem
nos domínios distantes da psychologia e da biologia, muito embóra outras disciplinas
reclamem a competencia para o esclarecimento de suas condições primarias. 123

Entre as teorias que procuravam explicar a gênese do crime agregando-se ao

estudo do direito penal estavam: a antropologia criminal, que atribuía às anomalias

morfológicas do delinqüente o motivo do desvio; a endocrinologia, que proclamava a

influencia dos hormônios na determinação da criminalidade; a psiquiatria, que explicava

o crime a partir dos impulsos instintivos inconscientes, com destaque para os sexuais e a

sociologia criminal, que via na organização social o problema e a culpa do coeficiente da

criminalidade, sobretudo em sua relação com a vida urbana.

Reformulando procedimentos periciais, as novas diretrizes "scientificas" do

controle das populações e dos problemas das margens exigiam a utilização de técnicas

como a fotografia, as provas testemunhais, exames e diagnósticos médicos

classificadores dos tipos desviantes, registros da técnica e da capacidade científica

renovadora da autuação penal sobre os desviantes das normas médicas e das ordens

jurídicas. Deste modo, as ações controladoras do social se especializavam, adquirindo

um caráter eminentemente científico, anulador das experiências e dos valores culturais

alheios aos dominantes, próprios do mundo europeu.

Com a publicação de "Luomo delinquente", Cesare LOMBROSO imprimiu um

novo rumo aos estudos dos atos criminais, sobretudo os afetos ao campo do direito

penal. O crime, para a escola positiva, não era mais entendido como uma entidade mas

um ato provocado por fatores estranhos à vontade do delinqüente, caracterizado como

123
• BEVILAQUA, C. Crlmlnologlll e Direito. Salvador: Livraria Magalhães, 1896. p. 10-1.

100

aquele que cometeu algum tipo de ação considerada anormal e dolosa. Sua obra

proclama a existência de um tipo antropológico característico, próprio do criminoso nato.

Os chamados "antropologistas" acreditavam haver um nexo causal entre as anomalias

físicas e as anomalias morais, isto é, determinadas conformações orgânicas

corresponderiam a tipos específicos (criminais) de inclinação psíquica. Partindo deste

princípio, as propostas de Lombroso faziam crer na existência de um tipo antropológico

para que definisse o delinqüente, o criminoso, o desviante social. Para tanto, dividiu os
124
tipos criminais em quatro categorias.

A primeira das categorias, a dos "criminosos natos", era distinguida pela falta

congênita do senso moral e imprevidência, considerados como insensíveis ao

se,,ti',aento, destituídos de remorso, imprudentes antes e depois do crime e indiferentes

és penalidades. A segunda, a dos "criminosos loucos", caracterizados como loucos

morais, perversos da consciência falseada pelo delírio e o desequilíbrio. A terceira

categoria proposta por Lombroso agregava os "criminosos de ocasião", considerados

pracüpostos hereditariamente são os que oscilam entre vicio e virtude, dotados de uma

11mlidade incerta, incapaz de resistir as tentações. Finalmente, a quarta categoria dos

illCf1111Í1010& passiQnais", quais sejam, aqueles que movidos pela paixão são tomados

pela fúria oriunda da falta de senso moral e sentimento.

A influência da classificação dos criminosos apresentada por Lombroso foi

tamanha no Ambito das ciências jurídicas que Enrico FERRI, ilustre doutrinador jurídico

da •cola italiana, incluiu mais um tipo ao rol dos insensatos, os "criminosos habituais",

quais eejam, os precoces e reincidentes crônicos, "náufragos da sociedade", filhos de

pail mileráveis, abandonados e os excitados, como faria supor os manuais de

Ctii11inologia, de psiquiatria forense, os discursos, lições e conferências apresentadas por

114
• LOMBR080, e_Luomct d1UnqL1enle. Roma. [s.n.J, 1876.

101

catedráticos, médicos e juristas na Sociedade de Medicina Legal e Criminologia de São

Paulo. 125

Associando os pressupostos da criminalidade nata aos estigmas da

degeneração, médicos e advogados formularam a "doutrina do estado perigoso" por

. intermédio da qual justificavam seus laudos técnicos, suas perícias e pareceres.

Considerada como uma vitória das ciências positivas, a orientação dada pela doutrina do

estado perigoso media a periculosidade dos homens e mulheres, possibilitando às

institui9Ões de controle social uma prática análoga a da medicina preventiva. "Porque

esperar o aparecimento de um sintoma objetivo para depois aplicar as sanções, quando

a verdadeira defesa consiste primeiramente em tomar medidas acauteladoras e tutelares

antes de se consumar a reação anti-social e quando e estado perigoso já é perceptível?"


126

Nesses termos, médicos e advogados assumiam para si a função de controlar o

social, raconhecendo doentes, loucos, criminosos, invertidos e toda a sorte de

degenerados antes mesmo que estes sucumbissem ao seu "desvio mórbido", a sua

crimlnalldade nata e seus instintos bestiais, como pressupunham os manuais de

psiquiatria clínica e forense da época. Tais circunstâncias conferiam aos médicos um

status de delegados da saúde social projetando-os na busca de soluções, inclusive, para

o adensamento populacional, como observou Fernando SALLA:

126
• Deacoláo oom um comentarista da obra ele Lombroso, membro efetivo da Sociedade Brasileira de Criminologia, o
tipo crlmlnaeo nato por ele daacrtto apresentava as seguintes características: " .. .índice craniano conforme em regra
ao atnlco, porém, mala exagerado, assimetrias cefálicas e faciais freqüentes, sub-microcefalia não rara, ateroma das
art6rlas temporala, Implantação anormal das orelhas, escassez de barba, nistagmo, prognatismo, desigualdade das
pupila, dNvlae n•••• fronte fugidia1 exagerado crescimento das regiões zigomaticas e das mandíbulas, bem
como a freqüente cõr eecura noa olhos e nos cabelos." SILVA, J. p da. Novos rumos da c riminologia. 2 ed. Rio de
Janeiro: Cia. Braall Editora, 1939. p. 48-9. FERRI, E. Soclología Crlmlnal. Madrid: Centro Editorial de Górgora,
[189-)
,

102

Há uma.d certa obsessão em ajustar


. cada
. faceta da vida dos indi'vfduos e dos grupos ao
a 1ud I o progresso, ao que a c1ênc1a prescrevia
.. . como verdade, de tal forma que os
homens
· d' d· aqueIe t empo usaram com frequência os conhecimentos produz'd 1 os nos seus
mais 1st1ntos campos e sob . . esse manto justificaram as suas aço-es . o t ratamento à
1ou~ura, as formas de po11c1amento urbano, o regime penitenciário, 0 confinamento de
vadios ou de menores,
. - tudod ganhava .. · va·1
lê •sustentação se fosse feito em nome da c1enc1a.
nesta mesma d ireçao to a a po mica que marca as primeiras décadas rep bl'
·- ·1d - u1canas
quanto a compos1çao rac,a a populaçao brasileira. Tal preocupação com O d st· d
" " 'd d e ,no e
uma nova raça, com a necess1 a e do branqueamento ou com a afirmaça - 0 de
. d d . . d é. uma
soei~ .ª e m1sc1ge~a. a importante porque articulava fluxos de saber que envolviam a
127
med1c1na legal, a cnm1nolog1a, a antropologia, a higiene pública.

Os resultados alcançados pelas práticas de identificação e exclusão dos

criminosos permitiam a organização dos espaços que se urbanizavam na medida em

que funcionavam como medidores dos desvios, tipologizando as condutas e precavendo

a sociedade dos vícios da imigração estrangeira, dos riscos que a degeneração da raça

poderia causar população nacional branca, da elite. Entretanto, é preciso salientar que a

participação dos negros no mundo do crime, contraditoriamente ao que se divulgava nos

discursos que visavam controlar o social, compunha uma pequena parcela dos
128
segmentos sociais considerados desviantes.

Exemplar neste aspecto é a prática do sexo venal, considerada um fenômeno

f!f'°'6gico patológico característico de uma psicopatia degenerativa, logo,

001nprometedora da raça. Contrariando as projeções, a prostituição era praticada por

eatrangeiras Imigrantes, russas, italianas, romenas, polonesas e francesas, muitas vezes

~ pelo tráfico prostitucional que ainda em 1927 fazia de São Paulo a rota da
lçlo européia para a Argentina pois, como indica João Batista MAZZIEIRO "...a

ex1.tlncla de mundanas de nacionalidades russa, francesa e polonesa nas estatísticas

1• . PACHECO e SILVA, A. C . Assistência á psicopatas em S. Paulo. Archlvos do Gabinete Médico Legal e do


Oshll\alll de lmttnllgaç:611, Rio de Janeiro, n 5, jul. 1932. p. 36.
117• 11611 A. F. Aa prle6a1 em Slo Paulo 1822-1940. São Paulo: Annablume, 1999. p. 189.
1• . MNmo oon■ldeiando a manipulação dos números pelos agentes do controle social, Boris FAUSTO apresenta um
tlt* de lnqu6rttoaeegundo a natureza dos crimes em dois perlodos, o primeiro abrangendo os anos de 1893-1895
• o 11gundo perfodo, oa anos de 1921-1923. Nesta tabela, como ressalta o autor, o avanço d_os cri~e~ _se~uais que
8
1711a do primeiro perfodo, com 3%, para 22,7% no período posterior. Em números reais isso s1gn1f1cana de 2
lnqu6lltal para 6411nquérltoa Instaurados. Neste mesmo estudo, o autor apresenta uma outra tabela na qual _é
■pr11entado o índice de prisõea segundo a cor entre os anos de 1904-1916. Dividindo o período em três _Bons
FAUSTO rwela que na verdade há um declínio no índice das prisões de "pretos". Porém, _se comparado ao numa~
de negro■ • de branco■ na cidade, ainda assim a detenção dos negros pode ser considerada alta. FAUSTO, ·
Crlmeeooldlano. A criminalidade em São Paulo (1880-1924). 2 ed. São Paulo: Edusp, 2001.
'

....
.... ,
103
"'
... das décadas de 1O e 20 só podia ser explicada pelo tráfico, pois praticamente não houve
""
... imigração daquelas nacionalidades para o Brasil.", além de revelar uma participação
.., 129
diminuta de negras na clandestinidade e prostituição.
-
"°'I

.......
Os criminalistas e suas orientações técnicas, de aprendizagem policial,

"" associavam as condutas sexuais insubmissas a processos degenerativos. Assumindo 0


-.
---- discurso psiquiátrico a polícia catalogava "indivíduos" que cometessem crimes contra os

costumes reprimindo-os pois, degenerados hereditários, comprometedores da nova

organização proposta pelas elites políticas e dominantes. A conseqüente expansão do

pensamento médico nos domínios restritivos da ciência jurídica deu ensejo ao

desenvolvimento de técnicas periciais para o reconhecimento dos delinqüentes. Como

destaca José Leopoldo Ferreira ANTUNES, " ... com o tempo, essas técnicas avançaram

do simples registro de marcas e sinais, cicatrizes, defeitos e estigmas, para métodos

mais apurados, mais precisos e de mais fácil aplicação, o que propiciou sua transposição

do direito penal para o direito civil, do controle social sobre os criminosos para o controle

130
social sobre os cidadãos em geral."

Contudo, os discursos moralizadores continuamente apontavam para a questão

das raças. Conforme apresenta Lilia SCHWARCZ os mestiços exemplificavam a

diferença fundamental entre as raças e personificavam a degeneração que poderia advir

do cruzamento de espécies diversas. De acordo com as análises da autora, os médicos

paulistas observavam que as raças humanas deveriam ver na hibridação um fenômeno

1• . O autor acompanha debates de criminólogos, juristas, médicos e outros profissionais sobre a sexualidade julgada
crlmlnallável e doentia, sempre associada às classes pobres na cidade de São Paulo, evidenciando práticas de
eaquadrlnhamento da cidade e da população não-proletarizada por agentes e instituições como estratégia_ de
dominação em nome das nonnas burguesas. MAZZIEIRO, J. B. Sexualidade criminalizada: prostituição, lenocínio e
oubo8 delltoa- S1o Paulo 1870/1920. Revista Brasllelra de História, São Paulo, v. 18, n. 35, p. 247-286. p. 267.
Sabre a pt08llb.ilção em São Paulo, consultar: FONSECA, G. História da prostituição em São Paulo. São Paulo:
Editora Ra1enha Universitária, 1982. RAGO, M. Do cabaré ao lar. A utopia da Cidade Disciplinar. Brasil 1890-1930.
2 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. . ~
180• ANTUNES, J . L. F. Medicina, leis e moral. Pensamento médico e comportamento no Brasil (1870-1930). Sao
Paulo: Ecluneap, 1999. p.147.
,

...
104
""'I

""
...
.. a ser evitado, pois a multiplicação dos brancos, a partir da imigração européia, é que
.. formaria a verdadeira nacionalidade e que construiria a nação brasileira. Logo, era
..
· t
-. -
preciso controlar as re1açoes 1n ere, tnicas.
· 131

.. '
~
O intrincado processo de apropriação dos bens culturais e de espoliação das
-..
...., diferentes tradições negras, marginalizavam os negros dentro de seu próprio mundo e

--- cultura. Os reflexos das distinções étnicas interferiam poderosamente na vida dos
""'I

..... negros. Vincu lada ao processo das técnicas e do desenvolvimento das forças produtivas

a "depuração racial" requeria a adaptação ou a sujeição do povo ao padrão tido como

superior, o branco, assim, ser negro era sempre sinônimo de inadaptação e inferioridade.

132

Marcada por uma individualização, a vida moderna fazia das pessoas figuras

indistintas cujas prerrogativas segregavam os negros, estigmatizando-os com atributos

sempre negativos. Caracterizado e legitim ado por uma ordem médica e norma jurídica

controladora das práticas sociais, as condutas e comportamentos exigidos objetivavam


.
eliminar a possibilidade de desvios e desregram entos que conduzissem ao não trabalho,

às sexualidades múltiplas, à mistura racial, elementos considerados desestabilizadores

da ordem social. "Assim, o discurso jurídico começará a produzir a imagem do 'bom

trabalhador' associada à família e à moralidade; estratégias de controle que se

estenderão da questão da sexualidade, embutida no tema da família, até as tentativas


133
de cMllzar os hábitos populares".

t~~:ecHWAACZ, L. M. O 11pwt6culo da• raça•. Cientistas, instituições e questão racial no Brasil (1870-1930). São
,■ Paulo: COmpanhla dM Letras, 1993.
.~ .~ ennver o Ilustre memorialista da cidade, "Gente 'de cor' que sala do futebol e ai para casa, tendo
qtM•.,.•■ar o centro, e gente 'de cor' que ficava de dia em casa pelo seu bairro, vinha para o triangulo ver as
vlblnu UumlnadM , caminhando para cima e para baixo a comentar os preços (...) gente que não era 'de cor' ia ao
~ ulo por ourlolldade, para ver aquele 'Harlem' Improvisado. Mas ultimamente faltou fôrça elétrica, foi
ragullmentadl a llumlnaçlo dai vitrinas e acabou a festa.". AMERICANO, J. Slo Paulo nesse tempo (1915-1935)
, . llo l'lulo: Melhorarnentm, 1982. p. 130.
CUNHA. M, C. P. O lapellto do Mundo. Juquery, a história de um asilo. Rio de Janeiro: Paz e Term. 1986. p. 34
~

... 105
...
...
~ -
Aqueles que fossem pegos em subversões, desviando-se dos padrões de
...
... comportamentos desejáveis, eram considerados como comprometedores do grande
-,
projeto nacional que buscava imprimir não só uma "identidade nacional" mas uma
-
""'I imagem sadia e unidirecional a nação brasileira. Para tanto, criminólogos, juristas,

.,.. ""'
'"\
'
médicos e outros profissionais, atuavam no sentido de esquadrinhar a cidade e os

~ homens e mulheres pobres. Tal procedimento era reconhecido e adotado como


r:'
·~
~
;--::,
estratégia disciplinar considerada depuradora dos males responsáveis pela criminalidade

e devassidão das pessoas comuns que, invariavelmente, viviam na pobreza, na miséria.

Colocados num mesmo círculo esses personagens anônimos constituíam os correlatos

de "pecados capitais" pois, como afirmou Marie-Ghislaine STOFFLES, " ...a manutenção

da ordem exige a manutenção do desvio: é aqui que intervém a instituição" existindo

para isso. 134

Nesse sentido, as pessoas passaram a ser diagnosticadas, medidas,

classificadas e catalogadas numa tentativa de impedir a contaminação da sociedade

mais ampla pela miséria endêmica que, de acordo com a interpretação das elites, os

pobres se encarregavam de proliferar entre a população disciplinada, ameaçando-as

com suas chagas físicas e morais. Por intermédio desta lógica, os que não possuíam

trabalho, endereço fixo ou os estereótipos de beleza e higiene representavam o avesso

e a inversão, desajustes que deveriam ser evitados.

Reforçada pelos ditames do racismo científico, que explicava ser as deficiências e

incapacidades imputadas aos negros uma herança racial, a medicina reiterava a

associação entre pobreza e criminalidade, transformando os negros em suspeitos

preferenciais da disseminação danosa de uma hereditariedade mórbida, comprometida

física e moralmente. Os chamados racistas científicos consideravam a mistura racial

134
- STOFFLES, M. G. O. mllldlgaa na c:!d1de de Slo Paulo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977. p. 99.
'

....
106
"'
'
""\,
como um processo regressivo, em que o ancestral racial europeu era enfraquecido e
""" diluído ao ser misturado com o das pessoas não brancas.
)
""'\

..... A suspeição generalizada e a criminalização dos "indivíduos" ou "elementos",


~
como eram chamados os indesejáveis, atuava como instrumentos de controle social que

buscavam evadir da sociedade os afros-descendentes. A prisão dos considerados

criminosos constituía-se em um mecanismo de intimidação e vigilância permanente da

população urbana negra e pobre, considerada, por essas razões, potencialmente

criminógena. No entanto, os negros não compunham, efetivamente, o grupo dos

principais protagonistas do universo da criminalidade, como reverberava os discursos

provenientes da medicina social e do direito penal.

Entre médicos e advogados


A psiquiatria em matéria penal

Estabelecendo normas condicionadoras da vida dos nacionais pobres e

miscigenados desde o final do século XIX, médicos e advogados pretendiam prevenir e

proteger a sociedade dos assaltos da criminalidade que se acentuava no cotidiano da

cidade cujas suspeitas quase sempre recaíam sobre os negros. Voltadas a não mais

estabelecer os tipos da punição aos atos delituosos, os saberes produzidos do

cruzamento das falas legitimadoras da medicina e do direito pretendiam tipificar o ato

criminoso por intermédio de procedimentos científicos, capazes de identificar os

perigosos e os desajustados como vincula-los à população pobre que vivia às margens


, "'·
L~

....
107

"""· da cidade justificando, assim, suas próprias atuações como mentores das ações e

políticas públicas.
~
....
'"'I
.. y
A biologização da sociedade, como demonstrado, servia para explicar o atraso
~
social, político e cultural da imensa maioria da população nacional pobre, não

proletarizada. No período, a questão racial determinava o perfil populacional brasileiro

vinculando-o a tipos humanos involuídos, incivilizados, comprometedores do processo

histórico que as elites políticas e dominantes propunham como modelo de vida social a.

ser seguido não só para os paulistanos mas para os demais estados na nação.

Exemplarmente, o estudo dos criminosos, das ações desviantes, cujos princípios

fundavam-se em concepções eugênicas, de comprometimento racial, identificava os

negros pelo gradiente inferior versus superior, classificando-os como corrompidos

moralmente, naturalmente viciados, predispostos ao crime e a devassidão.

A antropologia criminal italiana, grande referencial dos estudos sobre a

criminalidade no Brasil, possibilitava o estabelecimento de tipologias e classificações que

destinavam aos tipos criminosos situações específicas na escala evolutiva. Desta forma,

a condição física e moral, os perfis anatômicos e características pessoais eram

considerados como elementos classificadores não só da imperfeição que conduzia ao

crin)e mas do lugar social destes protagonistas anônimos. Esses estudos identificavam

:rimlnais e estabeleciam procedimentos adequados ao tratamento e a destinação

considerados perigosos. Os manuais de criminologia utilizados no período


.Jj _;M,i'
\ •,..- ,.,'lt{· ~
N,

d~ os tipos desviantes ressaltando aspectos morfológicos, padrões físicos,


.' .,...,_.--- .
.
• <,,; ::. .

gestual e feições que moldavam no imaginário da criminalidade da época a tipologia dos

cleevlantes, conforme destacava os novos rumos da criminologia mesmo após a década

de 1920.

108

Os assassinos, têm, quase sempre, o olhar vítreo, frio, imovel, algumas vezes sangu1neo,
olhos injetados; o nariz frequentemente aquilino, adunco, volumoso; as mandíbulas fortes,
as orelhas compridas, os zigomas largos, os cabelos abundantes e escuros, a barba rara,
os labios finos (... ) Nos ladrões, ao contrário, nota-se a pequenez e a vivacidade e
mobilidade dos olhos, a imobilidade da face, os supercílios espêssos e unidos, o nariz
desviado, achatado ou curvo, a fronte pequena e fugidia e a palidez do rosto incapaz de
_ 135
1
cooraçao ...

As determinações biotipológicas faziam com que a degeneração assumisse as

. características da hereditariedade. Todavia, para os brancos de "boa família" a questão

era colocada de forma remota, enquanto para os pobres a transmissão seria inevitável

não só pelas condições em que viviam mas por serem naturalmente involuídos e

biologicamente subjulgados. Esse tipo de representação dimensionava os

comportamentos dos negros da elite que viam na fusão ou "desaparecimento da raça


136
negra" a solução para os problemas vividos.

Como apontado, pesquisas recentes têm mostrado que as ideologias do

branqueamento também eram acentuadas nos discursos das elites negras, sobretudo

em seus jornais e associações, gerando um forte preconceito entre os negros

possuidores, funcionários públicos, "crias de família", domésticos, desejosos por se

sentirem inseridos na sociedade dos brancos e aqueles despossuídos, os que viviam à

margem da sociedade excluídos e segregados.

1• . SILVA, J. P da. Novos rumos da crlmlnologla. 2 ed. Rio de Janeiro: Cia. Brasil Editora, 1939. p. 52-3. De acordo
com Afrlnlo PEIXOTO, •...qualquer classificação será artificio didatico, ensaio intelectual, arranjo ou arrumação de
oo'J11 ~llas. para mera satisfação !iteraria de seu autor (...) As classificações arrumam factos e coisas da
~~ Isto nlo obriga a natureza a subm eter-se a tais arrumações...". PEIXOTO, A. Crim inologia. Rio de janeiro:
• <1t• 1zcaraKoogan, 1933. p. 102. .
1 C) qi• cw ababcn, origlnalmeute publicado no livro Clima e Saúde de Afrânio Peixoto, apresentado por Manza
QORRêA. pe.:aiblt observar a porcentagem dessa "absorção", encarada como uma evolução da composição étnica
da populaçlo brasileira. Mesmo supondo a manipulação dos números, os índices são significativos à reflexão em
1Dmo dai rapreaantações do negro na sociedade de classes, assim como as intenções branqueadoras do país.

Ano %de brancos % de mestlcos .4 den


0 ros 0.4 de índios
1835 24.4 18.2 5 1.4 ...
1872 38.1 38.4 16.5 7.0
1890 44.0 32.0 12.0 12.0
1912 50.0 30.0 9.0 9.0
1935 60.0 24.0 a.o a.o
CORRêA. M. , . llu116■■ dll Llb.1cclat'e. A Escola Nina Rodrigues e a antropologia no Brasil. Bragança Paulista:
EcllDra da Ul'ivaialclade São Franciaco, 2001 . p. 237.
,

109

Como esta surge como força negativa e anarchica, como a collaboração negra é
considerada deprimente, o negro se isola, se individualiza e cria uma civilização
sua, dentro da civilização alheia. E por isso, o problema negro é considerado o
""' problema mais sério da América do Norte. O Brasil, abrindo-se para todas as
""'I
raças e acceitando o negro como acceitou, resolveu com muito mais
simplicidade o problema racial. O negro está desaparecendo, está fundido no
caminho dessa fusão, tem elle intensamente collaborado para a grandeza
material e moral do Brasil. Portanto, neste ponto, não invejamos a civilização
.
yankee, por que, neste ponto, o b tivemos vantagens... 1U

Do ponto de vista das qualidades morais, as classificações que pautavam as

estratégias de controle social ampliavam a perspectiva da condição subalterna e

inferiorizada dos negros, localizando-os nos últimos níveis da escala evolutiva,

representando-os como os piores tipos, mesmo entre a variada gama tipológica que o

universo do crime supunha existir. Para os especialistas, os problemas degenerativos

presentes nas aglomerações humanas eram explicados pela miscigenação racial, logo,

os negros, consideradas raças pouco desenvolvidas, se misturavam ao branco formando

uma população indesejável, favorecedora da loucura e da criminalidade, problemas

atribuídos à fraqueza moral e biológica do negro. Logo, era imperioso que a moderna

psiquiatria, ramo da medicina que se encarregou de tratar as "moléstias mentais", se

institucionalizasse junto à criminologia como ciência autônoma e não dependente, como

138
pretendiam alguns cientistas jurídicos.

117
, O Aur1'81'de. São Paulo, 29.04.1928. p. 3. Ao analisar as complexas relações que compõe o debate em tomo do
branqueamento Petrõnio José DOMINGUES revela que a imprensa negra e parte das agremiações de negros eram
fllvar6wie ao 'branqueamento da raçaª. Emblematicamente, o autor apresenta um artigo publicado no jornal
pw·s,a.i-o da imprensa negra, O Clarim D'Alvorada, no dia 29 de setembro de 1929 repleto de contradições e
■Jgrllladaa. Sob o tftulo "O Sentimentalismo brasileiro" o articulista do jornal dizia: "Nós, brasileiros costumamos
orgulhaHm da noaaa bondade de coração, da nossa piedade e sentimentos generosos. Convictamente affirmamos
lffl da•• mala elevada que os outros povos. Pretendendo ser mais humanos que os americanos, nós não
l!Pr,ct1!M8oa negroa, m• fizemos(sic) a extinguirmos completamente a raça negra, abandonando-a á ignorância, á
1 ;►ID•, ao anallpl,atiie .,,,.,,., é promiscuidade, á cachaça, á syphillis, a ociosidade. Qual é o preferível - é o
1111
r:I
·

•••·►
• r:I
·

,..,mo brasllairo ou a brutalidade americana? O nosso sentimentalismo não é homicida? Daqui a trinta ou
llll&u•ma ~ a raça negra esté B>dinta no Brasil graças 1;10 nosso sentimentalismo." Cf. DOMINGUES, P. J. Uma
• l i 151111 nlo COldlrda Negro, racismo e trabalho no pós-abolição em São Paulo (1889-1930). São Paulo, 2000. 370
J,..ll1ta...,1o (M,ataclo em História) FaaJldade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São
1•~h .
, •A szza, cl·•· ;•lo· praeante etllie pobreza e criminalidade, indiferenciando bandido de trabalhador pobre, revela a
pnl.ancla dsl 1lloria8 8Clbre perlculosidade, que ditaram moda na Europa no século XIX e ganharam destaque nos
m1laajudlcl•• no Braal, vinculando a figura do pobre à do criminoso em potencial". MARTINS, S. H. Z. Pobreza e
ª ' •Nkll.de: a consb'lJçlo de uma lógica. Revista de Hlstórta, São Paulo, n. 132, p. 119-132, jan./jul., 1995. Sobre
z• ZIP• IC►:ID
" ~ a-lALHOUB, s. C1MSRQ perigosas, Trabalhadores, Campinas, n, 6, p. 2-22, 1990.

110

""
Deste modo, é perfeitamente factível indicar que na década de 1920, o conjunto

das questões que fundavam a problemática da criminalidade em São Paulo ainda

encontrava ressonância junto às determinações raciais do povo brasileiro. Não por

acaso é fundada em 28 de outubro de 1921 a Sociedade de Medicina Legal e

Criminologia de São Paulo, uma associação que tinha como destinação o estudo de

questões relativas à medicina legal, criminologia, psiquiatria forense e matérias afins,

bem como fazer valer os rigores no tratamento da perícia médica que, de acordo com a

imensa maioria dos sócios deveria ser regulamentada e o ofício do perito preenchido por

profissionais devidamente habilitados.

A intenção maior da Sociedade de Medicina-Legal e Criminologia de São Paulo

era a de promover a publicação de periódicos e monografias, convocar congressos e

realizar conferencias, organizar cursos e executar pesquisas científicas sobre as

questões que envolviam a criminalidade, preocupação crescente entre os intelectuais,

sobretudo os político e os acadêmicos que assumiam cargos ou funções na esfera da

administração pública. A partir dos resultados alcançados e debatidos, A Sociedade

deveria criar protocolos, realizar orientações técnicas e apontar procedimentos para o

controle e repressão dos criminosos.

Podiam fazer parte da Sociedade os diplomados em direito e medicina, alunos

inscritos nos últimos anos dos referidos cursos ou aqueles que se dedicassem

notoriamente ao estudo da criminalidade. Todos, entretanto, deveriam residir na capital

do estado. Para os que residiam em outras localidades, havia a possibilidade de se

aaaociaram como correspondentes, desde que fossem aprovados pela maioria dos

sócioa titulares, o que fazia da Associação um espaço restrito, seletivo.


111

Os membros da Sociedade de Medicina Legal e Criminologia de São Paulo

teriam, por assim dizer, a missão cívica de controlar o social. Para tanto, deveriam

produzir conhecimentos específicos que pudessem, pedagogicamente, estruturar as

estratégias de combate ao problema da mendicância, da vagabundagem, do alcoolismo,

da prostituição e demais desvios que grassavam na capital paulista. Caberia aos

homens letrados, aos estudiosos da medicina legal e do direito penal eliminar o

"momentoso problema" que tomava a cidade um local violento, conflituoso, marcado

pelas resistências da classe operária que, por sua vez, deveria ser disciplinada e

protegida dos desvios e corrupções viciosas daqueles avessos aos regramentos sociais

impostos hierarquicamente.

O convite enviado aos eleitos da capital paulista para ingressarem no seleto

grupo de intelectuais que iriam, a partir daquele momento, debruçarem-se sobre as

questões que envolviam a criminalidade e os desvios humanos, permite supor que os


.
membros da Sociedade de Medicina Legal e Criminologia de São Paulo, então em

fonnação, teria um papel preponderante no conjunto das ações favoráveis ao combate

dos desviantes sociais que, de acordo com os documentos consultados, grassavam,

proliferando, na cidade de São Paulo.

Fruto das preocupações latentes com os problemas das aglomerações nos

centros urbanos, a associação dos médicos e advogados propunha um avanço no


conhecima14o da delinqüência "em seu feitio, em suas directrizes, em suas causas, em

seus remédios" com o objetivo precípuo da defesa social, da prevenção e repressão dos

considerados desviantes. Para a inauguração do núcleo de intelectuais foi enviado um


convite que dizia:

112

Exmo. Snr. Pensando em fundar, nesta capital, uma "Sociedade de Medicina


Legal e Criminologia", o nome de V . Excia. forçosamente devia estar entre os
daquelles cuja colaboração consideramos indispensavel ao nosso tentamen.
Assim, temos a honra de convidar V. Excia., para tomar parte na reunião que
com esse intento pretendemos realizar na proxima sexta-feira, 28 do corrente, ás
8 horas da noite, no salão do "INSTITUTO DE HYGIENE" da Faculdade de
Med icina e Cirurgia, a Rua Brigadeiro Tobias N . 45. São Paulo, 20 de outubro de
139
1921.

Para o primeiro presidente da Sociedade de Medicina Legal e Criminologia de

São Paulo, o combate a criminalidade no Brasil se travava "ás cegas, ás tontas, ás upas,

sem plano preconcebido, sem conhecimento de terreno e das forças inimigas e com

armas obsoletas ou ridículas". Condenando as leis penais e processuais então em vigor

e exigindo uma reforma completa do código penal de 1890, Alcântara Machado afirmava

que o aparelhamento legislativo partia da idéia da responsabilidade moral do delinqüente

em vez de partir da idéia de defesa coletiva. O discurso inaugural, proferido por

Alcântara Machado, permite perceber a elevada preocupação com a questão da

criminalidade. De acordo com as propostas do autor, o delito não mais poderia ser

encarado como "simples entidade jurídica" ou "pelo conceito anachronico da pena

inspirada exclusivamente na natureza do crime, sem attenção a natureza do criminoso".

140

1•. O convite essinado por Alcântara Machado, Oscar Freire, Franco da Rocha, Plínio Barreto, Roberto Moreira e
Ãll:t!Mdo Rodrigues, médicos e juristas de São Paulo , foi enviado a um grupo de médicos e juristas da cidade para
qul. na O• c
..a.1. 11o
. • , ciacutissem a fundação e o estatuto da Sociedade de Medicina Legal e Criminologia de São Paulo.
' - dia 28 de outubro de 1921 , ás 8 horas da noite, realizou-se a sessão com presença dos snrs.: Drs.: Alcantara
Ullaliub, Robel'IO Moreira, Emesto Pujai, Renato de Toledo e Silva, João Passos, Ayres Netto, Julio de Mesquita
fll•d Vieira de Cervalho, Oswaldo Portugal, Elpidio Veiga, Virgilio do Nascimento, Carlos de Carvalho
nany, Aluandrino Pedroso, Álvaro Britto, João Baptista de Souza, Paulo Amarico Passalacqua, Mareio P.
_,f. Dall'Ape, O. Pil'86 de Cempos, Cenditio de Moura Campos, Francisco Lyra, Potyguar Medeiros, Adolpho
'Altarlco
0 Brazllanae, Bueno de Miranda, Franklin Piza, Maria Rennotte, A. de Paula Santos, Everardo
• Mllo, Accacic Nogueira, Francisco de Resende, Pedro de Oliveira Ribeiro, A rmando F. Soares Caiuby,
,._ Emnundo xavier, Eduardo Maia Filho, J . Pereira Gomes, W . Belford Mattos, Domingos Define, F.
.,. . M1101do Forjaz. EmiHo Ribas, Synesio Pestana, J . Borges Filho, Franklin Moura Campos, Flaminio
~- Fral19, Armando Rodrigues, Plínio Barreto, por si e pelo Dr. Brito Bastos, W ashington Osorio de
Verguelro Clllaar e Moysés Marx. Mandaram adhesão, desculpando-se de não poder comparecer
,: f'l;a.,co dll Rocha- representado pelo dr. O . Freire, E. Vampré, Candido Motta, Amâncio de Carvalho,
,, Sylvlo Portugal, lbrahim Nobre, Brito Bastos, Deodato W ertheimer, Renato Granadeiro
~llianlo Penllra Uma, Rebouças de carvalho, Marrey Junior, Oscar Klotz. ". FUNDAÇÃO da Sociedade.
, , ,. ,. 8DCIIIII dl • M1lllclna Legal e Crtmlnologla de S1o Paulo, São Paulo, v 1, n.1, p. 01-275, fev.
'1'•'1-1. Nata 11 a praaença de uma mulher, Maria Rennotte, entre os médicos e juristas da cidade; o que
- ~•ll•llldo um avanço para a época. . . . _
A. DllaulllO ptafarldo na aasslo de instalação da Sociedade de Medicina Legal e Cnm1nolog1a de Sao
• 8oal■1d■d1 de M1dlclna Lege• • Crtmlnologla de São Paulo, São Paulo, v. 1, n.1 , fev. 1922.

113

Emquanto a prevenção do delicto, desconsola também o espectaculo que se


desdobra as nossas vistas. Os poderes publicos negam assistencia aos
egressos das prisões e a infancia moral e materialmente abandonada, quedam
indifferentes em face do incremento da vagabundagem e da mendicidade,
cruzam os braços em presença de tantos factores de degeneração physica e
putrefação das almas que por ahi campeam ( ...) Mas não se limitam elles a
crimes de omissão; e, de vez em quando, multiplicam e aggravam os vícios e
.
defeitos do nosso estado soc1a
. 1(s1c
. ) . 141

A proposta da criação do nucleo visava estudar a criminalidade no ambiente

"physico e moral" da sociedade brasileira. Os intelectuais ligados a Sociedade

pretendiam através da investigação identificar os erros e as lacunas das leis nacionais e

as maneiras de reprimir e prevenir o crime. A Sociedade de Medicina Legal e

Criminologia de São Paulo pretendia dar continuidade às bases da criminologia nacional

e não mais importá-la integralmente do mundo europeu. Ao núcleo impunha-se a tarefa

de preservar os "interesses vitaes da nacionalidade", como afirmavam seus associados;

acadêmicos, em sua grande maioria.

Representando o Instituto dos Advogados de São Paulo, Henrique Bayma

afinnava o necessário diálogo entre médicos e juristas na campanha contra a

ctir,,ifta.lidade, permitindo entender que os propósitos da fundação da Sociedade

eslariam_,
· em "definir as causas geradoras do crime. os caracteres do delinqüente e os

gr&"8 da sua temibilidade, as medidas preventivas e as instituições necessarias à defesa

sociar. O saber jurídico apenas não bastava, sendo necessário recorrer às conclusões

daa • .cias an1hropologicas" únicas capazes de impedir a proliferação da

e, , resolver as questões relativas à constituição mental das

pe,L,a!Hlldas desviantes. Entretanto, o conteúdo do discurso proferido pelo

dos acM>glldos paulistas evidencia que, na verdade. as categorias

pri •is em Nl&YO atuavam distanciadas umas das outras. sem haver um

14
'.AJ't ;la."6 ••ai hdaAladaS111lo de,,,.. bçh da Sociaàade de Medicina legal e Cnm1nologia de São Paulo.
'lmblm puh!c I h ,_ AR:hlwa da Soci1~1cie de Medicina legal e Criminologia Cf. MACHADO. A op. crt. P 16

114

intercâmbio de idéias e ações e que, portanto, a Sociedade de Medicina-Legal e

Criminologia de São Paulo teria o mérito de uni-las.

Em sua fala, Henrique BAYMA afirma que a fundação da Sociedade

interromperia as "contradições de methodo" e os "choques de direcções" entre médicos

e advogados. Para o advogado, a questão era prioritária, todavia, percebe-se um tom

diplomático nos discursos que procurava, ao enaltecer a si mesmos, firmar os

compromissos que ambos deveriam assumir ao coordenar os seus ofícios para um.

objetivo comum: reorganizar a sociedade, definindo as personalidades desviantes,

classificando os tipos criminais, reorganizando as instituições no sentido de melhor

adaptá-las aos modernos métodos e técnicas de reconhecimento e identificação das

populações que se projetavam no mundo do crime.

Participar do grupo que se formava significava entrar em contato com um

reservado universo de especialistas influentes no cenário político e intelectual de São

Paulo e, até mesmo, permanecer entre eles já que muitos eram parentes e amigos,

pertencentes dos mesmos núcleos sociais e filhos das elites paulistanas. O discurso

proferido pelo advogado no ato solene que reuniu médicos e advogados na fundação da

Sociedade permite entrever as aproximações entre os esclarecedores da justiça e

aplica.dores das leis:

Lavramos aqui campos convizinhos; mas do vosso é que correm para nós as
fontes de vida, á cuja mingua o trabalho do jurista, como terra pobre, dá apenas
creações improductivas e mesquinhas. Encontrais, de outro lado, no direito a
finalidade dos vossos esforços. Quando tiverdes definido as causas geradoras
do crime, os caracteres do delinquente, e os graus de sua temibilidade, as
medidas preventivas e as instituições necessarias á defesa social, necessitareis
do concurso da norma juridica para a realização dos vossos desígnios
generosos (sic). 142

141
- BAYMA, H. Dl1curao proferido na sassl o de instalação da Sociedade de Medicina Legal e Criminologia de São
Pauo. An:hlvae da Se , c~l1 ~.1d·• de Medicina Legal e Crlmlnologla de São Paulo, São Paulo, v 1, n.1, p. 18-21 ,
- ·a

""'· 1922. p. 18.


'

115

Considerado como um novo núcleo intelectual de São Paulo, a Sociedade de

Medicina Legal e Criminologia de São Paulo, entretanto, não era a primeira do gênero a

ser efetivada nos domínios da medicina nacional. Neste mesmo período, como atesta

Mariza CORRÊA, antes de ser pensado em termos de cultura ou em termos

econômicos, o Brasil era pensado em termos de raça, subordinando a própria cultura,

economia e também política aos imperativos sempre desqualificadores da população

nacional. Para a autora, " ... o racismo enquanto crença na superioridade de determinada

raça e na inferioridade de outras, teve larga vigência entre as nossos intelectuais no

período do final do século XIX e início do século XX, sendo ponto central de suas
143
análises a respeito de nossa definição como povo e como nação."

Consagrando a união entre médicos e advogados, Geraldo de PAULA SOUZA,

representante da Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo da Faculdade de

Medicina e Cirurgia de São Paulo esclarece que a aproximação proposta encontrava em

Nina Rodrigues o precursor do que foi percebido como algo mais do que a arte de curar,

algo capaz de habilitar o juiz na avaliação dos atos criminais, pois somente a perícia

médica poderia avaliar o dano causado tanto à vítima quanto à sociedade.

Vae para muitos annos que Nina Rodrigues, o espirita original da medicina legal
brasileira, conseguiu junto á cathedra que illustrava na velha Faculdade nortista,
criar a primeira sociedade dessa natureza no Brasil, reunindo pela primeira vez,
entre nós, no mesmo grêmio scientifico os cultores das sciencias medicas e os
das sciencias jurídicas. Não tardou que lhe respondesse a iniciativa fecunda
aquelle pujante nucleo intellectual que já era na época São Paulo, fundando
tambem uma Sociedade de Anthropologia Criminal, Psyquiatria e Medicina
Legal. 144

1
'3. Nº1na Roeirigues e Oscar Freire são, para a autora, expoentes e divulgadores da medicina-legal no Brasil. Como tais,
propunham uma depuração do tipo antropológico brasileiro por intermédio da fusão das raças e, conseqüentemente,
de sua eliminação gradativa. Como afirma a autora, "Essa exclusão parece ter sido também o resultado de uma
&biação coerente, apoiada por um racismo 'cientifico', que legitimou iniciativas políticas seja no nível nacional -
como no caso dos privilégios concedidos a imigração que tiveram como conseqüência uma entrada maciça de
brancos no pais - seja em nlvel regional, com políticas específicas de repressão das atividades religiosas e culturais
dos negros...•. Em tampo, a autora aborda a passagem do século XIX para o século XX. CORRÊÃ, M. As Ilusões
da Clberclade. A Escola Nina Rodrigues e a antropologia no Brasil. Bragança Paulista: Editora da Universidade São
144•
Franciaco: 2001 . p. 43.
PAULA SOUZA, G. de. Oisc:ulSO pronunciado pelo Dr. Geraldo de Paula Souza. Archivos da Sociedade de
Medicina I egal • Criminologia de Sio Paulo, São Paulo, v 1, n.1, p. 22-26, fev. 1922. p. 23.
,

116

Os discursos pronunciados no dia da inauguração da Sociedade de Medicina

Legal e Criminologia de São Paulo permitem entrever que, mesmo pretendendo 0

diálogo e a troca de conhecimentos, os dois saberes procuravam se impor como

prevalecentes no combate ao crime. O envolvimento da medicina nas questões legais

provocou um acirrado debate entre médicos e advogados. No pronunciamento realizado

na sessão solene de abertura da Sociedade, Geraldo de PAULA SOUZA afirmava ser

"... incontestavel que a Sociedade de Medicina Legal vem satisfazer a uma verdadeira

imposição do nosso presente envolver. Mas não é só, perdoarão os presentes juristas

que me aturam, que, medico, reivindique para a medicina, especialmente para a

medicina legal, uma parcela de responsabilidade no admiravel surto que tem tido em
145
nossos dias os estudos criminaes (sic)".

De acordo com a documentação consultada, os problemas sociais enfrentados no

início do século XX, com · destaque à criminalidade, deveriam ser enfrentados

empregando-se projetos urbanísticos segregadores, normatizando costumes, intervindo

nas relações sociais forjadas no mundo do trabalho urbano, como estratégias para

controlar ou mesmo para evitar os perigos do convívio em um mesmo espaço por

pessoas diferentes. Para tanto, impunha-se não só a construção de instituições de

assistência pública mas como um "necessário reaparelhamento" das instituições

existentes no combate aos infratores sociais, dotando seus agentes das modernas

técnicas e aparelhos que deveriam ser incorporados na rede de ações controladoras do

social que se desejava implementar. No período, o horror às multidões de desenraizados

que ameaçavam ultrapassar as fronteiras da pobreza e invadir a esfera da vida

abastada, perspectiva assustadora à grande maioria dos homens e mulheres que


,,..• lbld. p. 24.


117

compunham as elites políticas e dominantes de São Paulo, levou a um


146
redimensionamento das práticas e das ações intervencionistas.

Hermes VIEIRA e Oswaldo SILVA relatam que as transformações corridas na

esfera policial, como a decorrente da lei n. 2034 de 30 de dezembro de 1924, ampliaram,

remodelando, o aparato policial não só da cidade mas do estado de São Paulo. A

remodelação do se rviço policial visava, conforme atestam os autores, " ... premunir a

sociedade de novos assaltos dessa natureza (... ) embora o sigilo mantido em tômo do
147
assunto houvesse deixado a população longe dessa realidade intranqüilizadora".

Obtida essa reforma, que foi, inegavelmente, das mais significativas que a polícia civil do
Estado realizou em toda a sua existência, ficou a Capital paulista, principalmente, bem
aparelhada no tocante ao policiamento urbano, sem falarmos, está claro, na distensão do
benefício que foi alcançar os mais longínquos pontos do território bandeirante (...)
Contudo, São Paulo, continuou sua marcha progressiva. Continuou a desenvolver-se, a
ampliar-se, a ganhar nova expressão social, a afirmar-se na indústria, a elevar seus
índices de produção, a construir novos bairros, a instalar novas cidades, a multiplicar suas
atividades, a atrair maiores levas de imigrantes, a aumentar sua natalidade, a crescer, a
148
prosperar, enfim.

Em 1926, procurando amparar a sociedade " ...da atuação maléfica dos

delinquentes de várias ordens ..." ou " ... impedindo a ação nefasta dos indivíduos

pemiciosos à sociedade ..." as autoridades elaboraram outras tantas medidas que

resultaram na lei n. 2141, de 22 de outubro de 1926. Esse novo ordenamento criou a

Guarda Civil da Capital e reorganizou o Gabinete Geral de Investigações, que passou a

ser denominado Gabinete de Investigações. A mesma lei fez suprimir a delegacia de

Técnica Policial, substituindo-a pelo Laboratório de Polícia Técncia " ...evidentemente

com objetivos mais largos e mais consentâneos com o desenvolvimento da metrópole

141• "Como afinnou -,_... Roberto SILVA, "lançando mão de projetos urbanísticos segregadores, como a normat1zaçao . .
do uao da cidade, a elite, n,prasentada pelo Estado, procurava gerenciar através da intervenção técnica problemas e
tensões cujas raízes tinham origem nos atritos sociais e de classe." SILVA, J. R. De aspecto quase florido.
Fotografias em l8llistas médicas paulistas, 1898-1 920. Revista Brasileira de História, v. 21, n. 41 , p. 201-216,
147 2001. p. 202-3.
• Panl oa autoras, a pollcia passou no período, "... a bem da observância das garantias de tranqülidade e boa ordem
p(lblica...", por um completo reaparelhamento técnico-administrativo que dotou a polícia paulista e paulistana de
novas delegacias, desdobrando as existentes e ampliando o número de servidores, sobretudo, os Chefes e
Comlsaérioa de Polícia, além de instituir a função de médico-legista. VIEIRA, H. ; SILVA, O. História da Polícia Civil
de Slo Paulo. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1937. p. 238-39.
141
, lbld. p. 241 .
'

118

em fom,ação." Neste processo, o Serviço de Identificação e a Escola de Polícia também

passaram à imediata superintendência do Chefe de Gabinete de Investigações. 149

Com a fom,ação da Delegacia de Polícia Técnica a Escola de Polícia passou a

ter papel fundamental no policiamento de São Paulo. As instruções que os futuros

policiais recebiam incluíam noções sobre criminalística, legislação, noções de direito e

técnicas de combate amiado, de acordo com as modernas teorias que possibilitavam a

identificação e interdição dos criminosos. A perspectiva era dar uma fom,ação

acadêmica, profissionalizante ao corpo de policiais, sobretudo a policia urbana. Para

tanto, peças recolhidas do cotidiano policial eram expostas em amiários nas próprias

salas de aula, servindo como ilustração às matérias ministradas para os futuros

policiais. 150

Porém, como reiterou Sidnei MUNHOZ, a polícia paulistana era, desde o início do

século, reconhecida por agir com brutalidade e abusos de po.der. Um dos aspectos

retratados pelo autor ao interpretar a cidade de São Paulo identifica que, no período, o

abuso sexual por parte de policiais era algo relativamente corriqueiro. A regularidade

dessa prática é apontada pelo autor que, analisando inquéritos policiais e relatórios de

Chetes de Polícia, permite observar abusos sexuais contra os populares como sendo

148• Em 1927, urna nova lei a de n.2231, de 20 de dezembro, definiu "... os motivos cabíveis em processos policiais,
quais foaaem, em primeiro lugar, os que tivessem por objeto os crimes previstos no Código Penal, nos artigos
allnemes a motim e desordem perante a Justiça, ajuntamento para cometer crime, desobediência à autoridade;
Imprudência, negllgêncla ou imperícia na arte ou profissão ou que causassem desastre em Estrada de Ferro, o
como danificação de linhas, postes, etc.; aos que trouxessem armas em eleição, promovessem ameaças, ultrajes ao
cullD e vlolMnm aegl9dos e domicílios; aos que atentassem contra a liberdade de trabalho, o ultraje público ao
pudor, a ocuttaçlo 01 1 abal"ldono de menores, a lesão corporal por imprudência, negligencia e imperícia, o duelo, a
ln)llria, o dano, o furto. Em segundo lugar, os que versassem sobre contravenções previstas no mesmo Código,
camo viciação das leis contra lnhumação e profanação de túmulos e cemitérios, loterias e rifas, jogo e apostas; de
CFIM de penho198, fabrico e uso de armas; sobre contravenções de perigo comum, nomes supostos e outros
dllfarce■; aobr8 aocledades secratas, uso ilegal da arte tipográfica, omissões de declarações no registro civil e dano
U C0UIM p.lblk:•a; eobnt mendigos e ébrios, vadios e capoeiras...", além de delegar os profissionais competentes
paraCHgllrllzarprocaa■ae policiais. VIEIRA, H.; SILVA, O. op. cit. p. 245-46.
111. .k:sd1mla de Polícia "Dr. Coriolano Nogueira Cobra". Museu do Crime. 70 anos (1930-2000). São Paulo, 2000.
QlljJogo. Vale daatacar que entre as peças que o histórico do Museu do Crime sugere estão as que compõem o
pn,a1110 cr'.me n. 1870 IMtaurado em janeiro de 1927 e que apontam José Augusto do Amaral como sendo o
01,111r.010 que malou e manteve "cópula anal" com os cadáveres de suas vítimas - acontecimentos que serão
r:...
:nclsa na ■egunda parte deste trabalho. Na verdade, há uma sala especial, dedicada aos crimes de Amaral.
119

uma prática levada a cabo pela polícia de São Paulo. Para o autor, " ... os homens que

deveriam manter a lei rasgavam-na, humilhavam as pessoas da forma mais vil e, em

alguns casos, utilizavam-se do sadismo ( ...) Isso tudo indica que uma parcela não muito

pequena dos membros das forças policiais era composta por delinqüentes dotados do
'

poder de autoridade concedido pelo estado. Assim, quem deveria garantir a segurança
151
do cidadão constituía-se, freqüentemente, em uma ameaça à comunidade."

Numa espécie de alinhamento científico, as orientações recebidas pelo aparato

policial pressupunham que a criminalidade era o resultado de uma anormalidade

degenerativa, adquirida por hereditariedade, muito embora houvesse quem condenasse

os determinismos raciais presentes nas análises que embasavam a criminologia. Os

discursos, as lições e as conferências promovidas pela Sociedade de Medicina Legal e

Criminologia de São Pa ulo, por exemplo, eram unânimes em criticar o Código Penal em

vigor desde 1893. Para os profissionais e pesquisadores vinculados ao "novo núcleo

intelectual da cidade", o crime não poderia mais ser interpretado como uma ação

praticada pelo livre-arbítrio que punia a prática do crime e não o criminoso.

Considerado como um ''verdadeiro t riumpho" os membros da Sociedade de

Medicina Legal e Criminologia de São Paulo propunham em regime de urgência a

reforma do Código Penal e a promulgação de um Código de Processo Criminal como

tarefa a ser cumprida pois, a afirmação dos novos conceitos adotados pela criminologia

justificava as alterações da lei, sobretudo os que vinculavam o estudo dos atos

desviantes à problemática da sexualidade e à análise de suas regularidades.

111 • O autor evidencia a denúncia de violência sexual praticada em 08 de janeiro de 1904 por Luiz Forenti, soldado do
Coipo ela Cevalarla, contra um garoto italiano de nove anos de idade, que havia sido contratado pelo soldado para
levar-lhe, dlal1amante, o almoço e jantar: "...quando foi levar o jantar, ás · quatro da tarde, mais ou menos, foi
agarrado pelo dito soldado Forenti, o qual tirando as calças do declarante, violentou-o e comsigo teve relações
sexuaea, offendendo-lhe o anua visto como sente muitas dõres; que ninguém viu esse facto por ter elle se passado
na cavallalça, onde nlo tinha pessõa alguma...". MUNHOZ, S. Cidade ao avesso : desordem e progresso em São
Paulo, no llmlar do século XX. São Paulo, 1997, 290 f. Tese (Doutorado em História) Programa de Pós-Graduação
em História - Faculdade de FIiosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. p. 201 -3.
'

120

A reforma do Codigo Penal, que nenhum espírito equilibrado já agora julga


possível ser deixada para mais tarde, exige muito do nosso trabalho commum;
temos, medicos e juristas, de enfrentar o problema decididamente, procurando
auxiliar o legislador na tarefa penosa de dotar o paiz com um estatuto penal
capaz de garantir, de verdade, a ordem jurídica, desde que o que possuímos
não contém senão raras, defeituosas ou muito attenuadas qualidades de
satisfazer o fim a que se destina, e não é crível, porisso, que alguem o repute
apto para defender contra o crime e o criminoso um povo em pleno viço de
formação. Com um atrazo de cincoenta annos, em relação aos progressos da
criminologia, urge que se substitua o codigo de 90 por um outro em que se
com pendiem todas as acquisições da cultura actual no tocante ao estudo do
152
criminoso, da classificação dos delictos e do systema das penas (sic).

Para Annando Rodrigues, a Sociedade de Medicina Legal e Criminologia de São

Paulo deveria funcionar como órgão disseminador do conhecimento sobre o fenômeno

da delinqüência e, conseqüentemente, da defesa social. O criminoso compunha uma

"especie" na qual os tribunais e os juízes deixariam de considerar o delito como acidente

da vida em sociedade. Neste sentido, os criminosos deveriam ser julgados como "um

anonnal e o crime como um symptoma dessa mesma anormalidade", em específico os

casos considerados hediondos ou cujos sintomas indicassem para os crimes sexuais.

Para tanto, era preciso regulamentar o exercício da medicina-legal em São Paulo ju_nto

às instituições de controle e segurança social, como os gabinetes de polícia e de

investigação. A Sociedade de Medicina Legal e Criminologia de São Paulo considerava

que medidas fundamentais deveriam ser propostas ao Governo do Estado, entre elas, a

exigência da prova de competência especializada ao exercício das funções periciais,


153
regulamentando a perícia médica.

Acentuadas pela teoria da periculosidade que fundamentava os discursos das

elites políticas e dominantes, as propostas da medicina social paulista justificavam os

1111. RODRIGUES, A. Dlacurso do Dr. Armando Rodrigues. Archlvos da Sociedade de Medicina Legal e Criminologia
da llo Paulo, São Paulo, v 1, n.1, p . 22-26, fev. 1922. p., p. 29.
salientou Boris FAUSTO, o avanço do saber médico no que concerne a conduta criminosa encontrava
111• Confonne
noe crimes le>cUals o desvio patológico, seja por razões endócrinas ou psíquicas. Tratando especificamente os
cltmee sexuais p•atlcados contra mulhe1'88 o autor permite entrever como a representação da inferioridade negra ao
11\dcar que, para u mulheres negras, a reparação do dano era algo longínquo dada a tripla condição: preta, pobre e
mulher. As all'gaç-'le1 doe indiciados eram que afinal de contas as negras não tinham honra a preservar por serem
naluraknente inferiorae. FAUSTO, B. Crime e cotidiano. A criminalidade em São Paulo (1880-1924). 2 ed. São
Paulo: Eduap, 2001 . p. 219.

121

procedimentos profiláticos e intervencionistas dos médicos em todos os campos da vida

em sociedade. Cabia à medicina organizar, hierarquizar, classificar e definir os lugares

sociais e a ordem de relações que se estabeleciam e que se apresentavam tumultuadas,

conflituosas.

A ênfase da reflexão sobre o crime no período (...) recai no reconhecimento de


que crimes, revoluções ou rebeliões seriam conseqüência ou manifestação de
uma desigualdade natural existente entre os homens. Ao consagrar porém a
igualdade jurídica e a liberdade individual, a ordem liberal se mostrava incapaz
de administrar tais diferenças concretas. Cumpria então reformar códigos e leis
para assentar as bases jurídico-políticas de uma ampla reforma institucional que
fornecesse ao Estado e às suas organizações os instrumentos necessários para·
uma intervenção social mais incisiva e eficaz. Para que tal intervenção fosse
possível e conseguisse atingir os indivíduos aos quais se destinava, a idéia de
liberdade individual deveria ser também repensada e seus reflexos legais
154
reformulados.

Partindo destas premissas, é possível afirmar que a doutrina do livre-arbítrio,

defendida no Código Penal não fazia mais sentido aos intelectuais engajados em

reorganizar o caos social pelo qual passava a cidade de São Paulo no início da década

de 1920. As propostas oferecidas pela medicina-legal e pela criminologia para o controle

da criminalidade implicavam repensar as relações sociais.

Assim, se durante as duas primeiras décadas do século XX o problema da

exclusão dos negros do mercado de trabalho urbano persistia, esta não era sua única

face. No processo de formação das instituições de controle social da cidade, o problema

revela outras dimensões nas quais o negro aparece não somente como o vagabundo, o

vadio ou corno eram chamados na época, os gatunos mas como inferior nato, um

desviante social, um degenerado, devendo ser observado por um saber específico. A

psiquiatria forense, ramo da ciência médica capaz de (re)conhecer a personalidade

desviante, assume a tarefa de identificar os tipos desviantes, definir as causas do desvio

e sobretudo o seu tratamento.

114• CARRARA, S. Crime e Loucuia. São PaulolRio de Janeiro: Edusp/ Edue~, 1998. p. 65.
'

.....

122

""'""I
De acordo com Manuela Carneiro da CUNHA, no contexto histórico em questão,

o Brasil era liberal e racista ao mesmo tempo, sorvido de manuais que vulgarizavam as

teorias balizadas pelo saber médico e jurídico, em sua maioria importados das escolas

européias. O país era apontado como um caso único e singular de extremada

miscigenação racial, um "festival de cores". Na opinião de muitos autores, a

miscigenação comprometeria a transmissão genética da raça ou, para os termos usuais


155
da época, da pureza da raça.

Como indicado anteriormente, a classificação dos degenerados passou, desde

meados do século XIX, com a publicação do ''Tratado das degenerescências da espécie

humana" escrito por Morei, a ser alvo de um intrincado debate. Na perspectiva

moreliana, o degenerado possuía, por assim dizer, uma anomalia de perversão instintiva

ou uma anomalia constitucional, ambas consideradas por seus atributos morais e

sociais. Dentre as classificações da degenerescência preconizadas pela psiquiatria de

base moreliana encontra-se as ditadas por Dupré que, por sua vez, distribui as

anomalias em três grupos distintos. No primeiro grupo encontram-se os perversos do

instinto de conservação. No segundo, os perversos sexuais e no último grupo os

perversos de associação, isto é, relativo à vida em sociedade e que englobava os dois

158
prtmeiros.

Publicadas e vulgarizadas pelos manuais e compêndios de medicina e direito, as


teorias adotadas para se pensar o problema da criminalidade caracterizava a

observação classificatória das diferenças físicas entre a diversidade humana como

111 • CUNHA, M. C. da. Negroa e1bangelroa. Os escravos libertos e sua volta à África. São Paulo: Brasiliense, 1985.
111• 8obnl 1118 upecto, vale c:le8taCar que os manuais pesquisados apresentam uma infinidade de classificações que
fol"lffl variando de autor para autor porém todas seguindo os princípios de que as perversões sexuais eram
provocadas pela deearmonla entre a "evolução psíquica e somática". O rol dos perversos do instinto de conservação
Incluía 08 toJClcõman08, 08 pródlg08, os avarentos, os jogadores e suicidas. Entre os tipos classificados como
perver■oe eexuala lnclulam-ae os sádicos, os mazoquistas, os necrófilos, os fetichistas, os exibicionistas, os
homolNxuale, 08 frigldoa, 08 ninfomaníacos, os onanistas. PACHECO e SILVA, A. e. Psiquiatria Clínica e
Porenee. 8lo Paulo: Editora Renascel'IÇB, 1951 . p. 426.

123

sendo um critério objetivo ao controle social na cidade de São Paulo. A dimensão dada
.....
pode ser observada nas publicações de Antonio Carlos Pacheco e Silva, um dos
"'\

......,,
-::,
.....
""\
médicos mais influentes da elite política paulistana do período e pertencente ao restrito

~ universo científico e intelectual da época e membro de uma das tradicionais famílias da


r2 · d d 1· t
soc1e a e pau 1s ana.
157

Antonio Carlos Pacheco e Silva nasceu e cresceu em um ambiente que recusava,

terminantemente, os valores e os costumes das classes pobres, sobretudo as não

proletarizadas, vivendo e mantendo um cotidiano totalmente adverso ao cotidiano vivido

pela grande maioria das pessoas que habitavam a cidade. Já médico, interessado nas

teorias que aliavam a psiquiatria ao direito e estimulado pelo concurso Oscar Freire de

criminologia promovido em 1939 pela Sociedade de Medicina Legal e Criminologia de

São Paulo, Pacheco e Silva escreveu um compêndio sobre as relações entre crime e

loucura que se tomou referência aos estudos da psiquiatria forense nacional. Sustentado

por sua "experiência de vida profissional", por seus escritos e estudos realizados ao

longo de sua formação intelectual e por documentos de seu acervo pessoal, o jovem

médico se debruça no estudo das diferenças que a psiquiatria se encarregava de

eacla1'808r e tratar, sobretudo, as afetas ao universo da psiquiatria forense. Na verdade,

..-rtpendio escrito por Pacheco e Silva é uma bricolagem dos manuais já existentes,
conte(ldo é retirado das publicações anteriores, discursos e conferências proferidos

wis congressos nos quais o médico sempre participava.

~ • ao recuperar as memórias da cidade de São Paulo entre 1915 e 1935 permite observar que,
na;o, Antonio Cel1os Pacheco e Silva foi um dos jovens membros do Clube Harmonia, que ocupou o lugar do
Cl!n Concórdia, o qual promovia encontros, jantares e bailes à elite paulistana, reunindo as famílias
111a da cidade De acordo com o memorialista, o Clube Harmonia teve seu primeiro impulso em 1916 com o
_do Trlllnon, organizado por D. EMra de Paula Machado Cerdoso e D. Hermfnia Pereira de Queirós e outras
~s da ell'e. Na ate mesmo perfodo, o memorialista indica que o jovem Pacheco e Silva, prestes a se entregar
!:.,., ■ 'IL.Joe da medicina, freqüentava as concorridas aulas de dança de salão do curso Mme. Possas Leitão.
~ . J. llo Paulo n111e tampo (1915-1935). São Paulo: Melhoramentos, 1962. p. 108.

.
... 12A

..
.
...... Por ter alcançado o primeiro lugar, Pacheco e Silva publica O compêndio
...
...... Psiquiatria Clínica e Forense objetivando "render à justiça os elementos que tanto

carecem seus leais servidores na espinhosa missão que lhes assiste, quer quando lhes

cumpre realizar uma perícia, defender uma causa ou ainda lavrar uma sentença que

envolva a aplicação de conhecimentos da psicopatologia ao estudo do direito". Em sua

obra, o psiquiatra considera as diferentes fases da disciplina médica, o nascimento da

psiquiatria, seus expoentes doutrinários, teorias, classificações, diagnósticos e

tratamentos, apresentando um conjunto de 50 documentos como laudos médicos,

perícias psiquiátricas, testes, fotografias, entre outros registros que faziam parte de seu

arquivo pessoal. Significativamente, no capítulo que trata das psicopatias degenerativas,

Pacheco e Silva apresenta casos concretos que serviam para ilustrar as proposições

· da degeneração, cristalizando como verdade as imagens que os registros

, mesmo que imageticamente. 158

Configurando-se enquanto um registro produzido e emanado do centro, o

io publicado por Pacheco e Silva possibilita conhecer o cotidiano de homens e

que viviam na cidade de São Paulo do início do século XX por intermédio de


......-·
mentação que registra os movimentos subterrâneos, próprios do mundo

trajetória das pessoas comuns que, invariavelmente, apresentavam

trágicos e violentos. Polissêmicos por origem, os documentos

as memórias das experiências secretas, dos prazeres venais e condutas

da vida que não seriam conscientemente reveladas ou descritas pelas

ras do poder, pelas práticas de dominação ou pelos controladores do

·mantos considerados por muito tempo como temas secundários,

não identificados pelas pesquisas que se interessavam em preservar

111
• PAaiEco e SILVA, A. C. Pa•labla Cllnlca e Forense. 2 ed. São Paulo: Editora Renascença, 1951. p. 39.
,

"'· 125
"'

somente a memória e a história das elites, ou ainda, como afirmou Maria Luiza Tucci

CARNEIRO, preocupadas em adequar as experiências humanas em esquematismos

teóricos estanques, evolucionistas e hermeticamente fechados. 159

Assumindo foros de uma obra capaz de auxiliar o trabalho de juristas e

advogados quando estes, nas palavras do autor, "se vêem a braços com os mais

intrincados problemas da medicina mental, que os obrigam a recorrer ao alienista para

bem fundamentarem as suas razões, para reunirem elementos sôbre os quais apóiem a

acusação ou a defesa num determinado caso", o compêndio oferecia possibilidades de

identificação dos fronteiriços bem como o justo encaminhamento judicial dos criminosos

considerados loucos. O domínio da cura fazia da medicina e não do direito a

responsável por esse encaminham ento, o que acirrava ainda mais o debate entre

psiquiatras e penalistas. 160

O organicismo presente na teoria da degeneração levava.à cristalização da idéia

ânegro como involuído, atrasado, violento, identificando estes atributos à fatores que

llipldiam a permanência destes homens e mulheres na sociedade de classes. O

d.Wnto e aplicação médico-legal imputavam aos considerados anormais, perversos e

uma forte exclusão social. Freqüentemente apontados como autores de

,,•c;,,,, ._dllltuoaos que, para os médicos, exprimiam as suas próprias tendências mórbidas,
- -~ , como eram classificados, eram vistos como verdadeiros inimigos da

-· •= cuja anomalia se ampliava caso os ''vencidos" fossem alcoólatras, prática


•_~..le-d• a: d
IO

COl'idanada pela psiquiatria pois favorecedora da insanidade moral. O álcool era

1
• . "OI Nlp.'11118, • penit8nclérlas, oa orfanatos, as instituições religiosas e escolares oferecem um arsenal excepcional
para• l:it 11,g,a;•lo· hlllórlca preocupada em analisar o exercício da repressão e a prática do racismo (...) A análise
daa tlllanulhaa__ 8Xprll88MJ8 do cotidiano dos asilos de alienados ou dos hospitais deve ser considerada pelo
hlalc.1 1dor como o eatudo da projeção coletiva das contradições que caracterizam a história do homem e da
w 11111.-. ,.,,. . aenlldo, PBl8C8 óbvia a inclusão dos registros emanados da repressão policial e do aparato
Jur(cloc» como 08 procaal08 penais. CARNEIRO, M. L. T. Negros, loucos negros. Revista USP, São Paulo, n. 18, p.
180 1*151, jun.ljul.lBg(l 1993. p.151 .
. PAa-ECOeSILVA,A e. op. c1t. p. 441 .
~

-""'
~
126

~
'"' considerado um dos maiores flagelos, "... não só para o indivíduo que a êle se entrega

~~ . , para sua descen denc1a.


mas tambem A • ,, 161

.~ ,
Nos anos 20, especificamente, havia, da mesma fonna, uma proliferação
..
"""
f

;., discursiva no campo das práticas médicas que condenava a união entre as pessoas de

etnias diferentes, encaradas como fonte de degeneração racial e de degradação moral.

O saber científico que lidava com a teoria da degenerescência propunha como prática

saneadora dos problemas vividos a depuração da raça, regulando a sexualidade da

população e controlando a imigração. No início do século XX, como sinalizado, os

intelectuais brasileiros inspiravam-se em noções rígidas, pautadas na idéia da

desigualdade humana, tratando a heterogeneidade racial como um obstáculo potencial à

construção não só da identidade nacional mas da moral e da cultura do povo brasileiro.

Diante das prerrogativas, que conferiam à medicina legal a autonomia judiciária o

tn6dloo amplia significativamente o lugar de supremacia da medicina sobre a vida

a e, neste processo, a psiquiatria forense, em matéria de direito penal, passa a ser

inoonteste. Para Pacheco e Silva, caberia ao médico separar os são dos doentes,

,is dos anômalos, os superiores dos degenerados a partir de práticas profiláticas

;fBS. Para o médico, " ...a maioria dêsses delinqüentes (... ) demonstram que,

própria vida, sua inintimidabilidade diante da pena, pelo menos perante as

ao alcoolismo cerebral, uma estatística por nós recolhida no Hospital de Juqueri, em 1928, forneceu os
dadoa: em 348 homens entrados naquele hospital, 130 abusavam do álcool e apresentavam distúrbios
. em conaaqotncla dos seus efeitos; em 156 mulheres, 13 eram alcoolistas habituais. Temos portanto, em
Jndlv(duoa recolhidos a um hospital psicopático, 143 alcoolistas, o que nos dá uma percentagem de 28,95% de
.. . comando o alcoolismo nos seus antecedentes.. ." e prossegue afirmando que "... Entre nós o alcoolismo é,
~ . o raeullado do analfabetismo, da falta de educação das massas, que desconhecem os efeitos prejudiciais
.,. .aoool, da falsificação das bebidas alcoólicas e de múltiplos outros fatôres, aos quais, infelizmente, não são
,. ~ • nu grandaa cidades, a civilização e o progresso". lbid. p. 242-3. · . .
• ~ dÍl819rtÇB8 raciais da população vinham, assim, determinar as desigualdades sociais como 'naturais' - física e
... ; , NIIFIIR - a justificar a dominação dos homens brancos sobre o conjunto de mestiços como uma questão
t,IWillqulca- a rapllbllca dos mais aptos não excluíam os não brancos, mas os mantinha sob o julgo da tutela, sob a
vlgllncla de um aem-nClmero de Instituições que saberiam intervir quando solicitadas". MARQUES, V. R. B. A
m1dlcalll89lo d• "'911■ ~ lcos, educadores e discurso eugênico. Campinas: Unicamp, 1994. p. 38.
,

....
127

""I

.... penas inteiramente insuficientes que lhes são impostas A repres - d · .


· sao evena ser mais
severa, senão para intimidar o criminoso, pelo menos para eliminá-lo da soc1e
· dade por

um longo tempo ou perpetuamente." Nesse sentido, caberia a psiquiatria emitir

pareceres acerca da condição mental dos indivíduos, principalmente daqueles que,

como preto Amaral, cometessem crimes classificados como hediondos. A função social

da psiquiatria era o fator determinante não só do julgamento como do destino prisional

do criminoso, tema que levantou acirrados debates sobre a supremacia dos saberes: a
163
quem caberia o veredicto final?

A perícia psiquiátrica determinaria a condução dos sujeitos levados a julgamento

para um manicômio judiciário ou para a prisão comum, implicando, decisivamente, na

condução jurídica do caso. Nesta perspectiva, a publicação do compêndio Psiquiatria

Clínica e Forense alimentava a polêmica entre os saberes e os poderes médicos e

legais, permitindo, assim, a reedição do compêndio até a década de 1950 ampliando,

eobremaneira, sua utilização entre os médicos legistas, criminalistas e psiquiatras

Interessados nos fenômenos que levavam à delinqüência.

Professor do Curso de Doutorado da Faculdade de Direito de São Paulo, titular

da cadeira de psicopatologia forense, o psiquiatra paulista pretendia com a publicação

[de sua obra elaborar um guia capaz de auxiliar os interessados no "estudo da psique

1
seus desvios e dos meios de libertá-la". Porém, os registros de Pacheco e

valorizados por diferentes casos de anomalia psíquica acabavam por envolver

a diversas, personagens estranhos e acontecimentos trágicos, oferecendo ao

ador aquilo que Robert DARTON considerou como sendo um princípio

•. Um pouco antes o médico esclarecia em seu compêndio que "Se por um lado não _seria justo :e:oc~~:S:ºn~~
pode ficar exposta às reaçõaa mórbidas de degenerados incapazes de se a ap ª":'.~
PZ~
il'qúllallvo fazer recair sõbre Ales pena condenatória, equipa~do-os às pessoasdno7a1s,
o~~% em que vivem,
. dade e a
;,;IIIDa que aatao a reações violentas e Intempestivas, comprometendo a tranquilidade, a propne
,

128

metodológico. Nesta perspectiva, os acontecimentos "opacos", comuns e violentos

devem ser privilegiados pois, para o autor, tal procedimento possibilita interpretar como o
164
passado opera subterraneamente no presente.

Favorecido pelo artigo 292 do regulamento da Faculdade de Medicina de São

Paulo, que oferecia "direitos e regalias para a edição de obras e livros didáticos", a

publicação do compêndio, bem como o parecer da comissão incumbida de estudar os

originais da obra de Pacheco e Silva, reiteravam a importância de obras nacionais de

caráter didático, direcionada ao ambiente acadêmico específico das escolas de medicina

e direito. Para A. de A lmeida Prado, Flaminio Favero e Adherbal Tolosa, professores da

Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo que assinam o parecer

autorizando os benefícios oferecidos à publicação do compêndio, as "escolas" brasileiras

viviam uma explícita carência de uma literatura nacional dedicada às questões da

psiquiatria forense, fato que levava a utilização intensiva da literatura estrangeira acerca

dos mais diferentes temas, em específico a literatura francesa, italiana e alemã.

Ao passo que em todos os países os livros e compêndios escolares são quase


todos de proveniência nacional, continuamos a importar, invariavelmente,
manuais e tratados estrangeiros para a formação cultural e profissional de
nossos estudantes. E claro que em ciência todo nacionalismo é danoso mas,
somente por ser estrangeiro, um livro não deveria, como acontece aqui, ter
supremac ia sob re os da casa. Ao lado de tratados clássicos estrangeiros,
165
devemos ir formando nossa biblioteca médica própria.

O parecer, para além de autorizar a publicação da obra premiada, permite

,rvar que os acadêmicos de medicina utilizavam uma biblioteca médica importada e

teorias fundamentavam as terapêuticas a partir das experiências de autores

: g,t; cfe ffelca doe seus semelhantSS". PACHECO e SILVA, A. C. Ps iquiatria Clín ica e Forense. São Paulo:
;A lba Renss--.nça,
DARl'CN, 1951 . p. 432-3.
R. O beijo de Lamou,191111. Mldia, cultura e revolução. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. Nesta
_.,,ma lnha de ,adndnio, vale d aatacar as considerações de Edward Palmer THOMPSON em relação à "ótica da
l'M'lhocaª, 111D 6, a história vista de baixo, perspectiva que atraiu historiadores interessados em ampliar os limites da
d■ ~ • abitr novas "'8az de pesquisa que explorassem as experiências históricas dos homens e mulheres cuja
•d11trlcia 6 flequentemente ignOnlda ou taxada como sem importância por não constituir, de acordo com os
íiiiClcloi1all,,_ eaquemético, um problema histórico. Citado por SHAPE, J. A história vista de baixo. ln: BURKE, P.
11
A ■•w• da hlll6i'la, Novas perspectivaS. São Paulo: Edunesp, 1992. p. 40.
,

..._,

..... 129

estrangeiros que também serviam de referência e inspiração a Pacheco e Silva na

escrita compilada do compendio Psiquiatria Clínica e Forense.

Nascido em São Paulo a 29 de maio de 1898, Pacheco e Silva realizou seus

estudos primários na Escola Americana e cursou o Ginásio Nogueira da Gama e 0

Mackenzie College, diplomando-se em Medicina em 1920 pela Faculdade Nacional de

Medicina. Neste período, o recém graduado especializa-se nas áreas de Neurologia e

Psiquiatria residindo em clinicas na Europa visando incorporar, como ele mesmo aponta,

os progressos científicos, mas também captar a essência da cultura requintada de povos

mais desenvolvidos. Em 1921, após matricular-se na Faculdade de Medicina de Paris,

freqüentando a clínica Charcot, em Salpêtriére, Pacheco e Silva retorna ao Brasil sendo

na ocasião nomeado médico anatomopatologista do Hospital de- Juquery em maio do

mesmo ano. Dois anos depois, com 25 anos de idade, é nomeado por indicação de

Franco da Rocha a sucedê-lo na direção do Hospital.

Não foi somente a publicação do compêndio Psiquiatria Clinica e Forense que fez

Pacheco e Silva se destacar nos meios acadêmicos e nas sociedades de classe mas por
sempre projetar-se enquanto "um estudioso, esforçado no trabalho e com grande desejo

d9 aparecer no mundo científico". Durante sua vida, Antonio Carlos Pacheco e Silva

ocupou cargos administrativos e presidiu as mais diferentes instituições, programas

educacionais, associações de classe e organizações políticas, sempre como

'i'apresentante da elite paulistana. Destacando-se po r suas propostas de controle social,

organização científica do trabalho e de "profilaxia da loucura", o psiquiatra identificava-se

com o ideal de modernidade projetado e requerido pela capital paulista, isto é, jovem,

branco, rico, empreendedor e progressista.

, •. PACHECO e SILVA, A. e. op.cit. p. 10.


,

""'
... 130

"'
""I
Ao assumir a direção do Hospital de Juquery, Pacheco e Silva concluiu a

construção do novo pavilhão para mulheres, "cuja construção se encontrava parada por

falta de verba", instalou o primeiro laboratório histoquímico destinado ao estudo da

patologia cerebral da loucura, bem como o gabinete de radiologia, eletroterapia e

biotipologia iniciando, assim, a fase "anatomopatológica" da psiquiatria paulista. As

inovações realizadas pelo novo diretor demonstram a capacidade de negociação de

Pacheco e Silva e evidenciam sua inserção nos meios políticos e empresarias que, de

forma direta ou indireta, acatavam e investiam em suas propostas de modernização do

hospital, " ... buscando sempre conciliar a situação econômica do Estado com o confôrto

' 1aos doentes .. ." .166


·1nd'1spensave

Vae para 30 anos que o fundador desta casa, o nosso mestre o Prof. Franco da·
Rocha, traçou por incumbencia do Governo do Estado, o plano de assistencia
médica aos alienados de S. Paulo. Vencidas as primeiras difficuldades,
construído que foi o grande asylo, amplo e aberto, obedecendo aos preceitos da
moderna psychiatria, com as suas colonias e fazendas, creada a assistencia
familiar, fçiltava para completar o plano grandioso, a instalação do laboratório de
anatomia pathologica das moléstias mentaes, para que, tambem nos fosse dado
contribuir, com nossas pesquizas, para o desenvolvimento da psychiatria. Em
1896, já o espírito clarividente do fundador d'esta casa escrevia nas 'Estatísticas
e Apontamentos do Hospício de S.Paulo' - 'Para não continuarmos na pouco
louvavel ignorância, como até aqui, certas despesas são inadiáveis neste novo
hopsicio: - tal é a creação de um Laboratório Histo-Chimico para o estudo da
anatomia pathologica e da pathologia experimental. Um hospício sem essa
dependência não é um estabelecimento guiado por idéas scientificas; será,
quando muito, uma gaiola de loucos. Isso não quadra com o progresso e bom
nome de S. Paulo entre os Estados do Brasil. A anatomia pathologica da loucura
tem um campo vastíssimo para ser explorado; mas, esse trabalho, só é possível
mediante os methodos e instrumentos modernos que a sciencia tem fornecido.
167

Deste modo, é possível afirmar que os estudos desenvolvidos e estimulados pela

direção de Pacheco e Silva no Hospital estreitavam ainda mais as conexões entre crime

e loucura na medida em que pretendiam, a partir do estudo da anatomia humana, definir

as anormalidades e condições psíquicas dos considerados desviantes sociais. Os

,.. ,
• A obra em questão foi Identificada pelo médico como sendo uma "breve resenha" dos trabalhos desenvolvidos
.
durante sua gestão como diretor do Hospital de Juqueri, realizado logo após sua decisão em assumir a cadeira de
clinica psiquiátrica da Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo, em 1936. PACHECO e SILVA, A. C. A
M■lalincla • pelcopataa no Estado de São Paulo. São Paulo: Gráfica do Juqueri, 1945. p. 12.
117
. lbld. p. XI.
,

131

empreendimentos realizados por Antonio Carlos Pacheco e Silva, projetavam o Hospital

de Juqueri como sendo um dos mais bem aparelhados hospitais destinados ao

tratamento das "moléstias mentais" no país, ao mesmo tempo que o projetava nos meios

jurídicos.

Em suas mais diferentes publicações Pacheco e Silva sempre propunha 0

fortalecimento de novas políticas públicas de higiene física e mental da sociedade

brasileira. Suas propostas, voltadas para os "serviços sociais", afirmavam ser necessário

rever o emprego das estratégias adotadas para o atendimento dos homens e mulheres

fronteiriços. Estas novas estratégias estariam centradas na reeducação dos pobres e

despossuídos, "resíduos sociais" que, por suas características psíquicas, deveriam ser

levados à tutela médica. Invariavelmente, os homens e mulheres cooptados por essa

lógica normativa e desqualificadora eram os nacionais pobres, significativamente os

negros.

A historiografia mais recente tem possibilitado uma percepção mais nítida e

menos idealizada sobre as reais condições de vida dos negros em São Paulo na curta

ria histórica da liberdade. A produção acadêmica, do mesmo modo, tem permitido

rvar práticas julgadas naturais e ajuizadoras que foram transmitidas de geração a

sem questionamentos.

Aparentemente, caboclos, caipiras, negros, índios e mestiços, na virada do


século, além de serem freqüentemente ignorados ou inferiorizados em relação à
sua participação na composição social e cultural da população paulistana, eram
ainda desconsiderados e, em muitos casos, excluídos por um discurso
representativo de uma visão que, ao mesmo tempo, apontava quais deveriam ser
os trabalhadores idealizados como necessários aos interesses produtivos e às
expectativas sociais e culturais dominantes. Isto sugere que a preferência pelos
trabalhadores estrangeiros estava associada a uma rejeição em relação aos
modos de viver da parcela nacional pobre, descritos como inadequados a uma
cidade que procurava se desenvolver seguindo os moldes europeus de
168
comportamento.

~ -~ . J. C. F. dos. Nem tudo era ttallano. São Paulo e Pobreza (1890-1915). São Paulo: Annablume, 1998. p.

-
'

132

O ganho fácil e a vida pautada na caridade alheia eram considerados aspectos

negativos na luta pelo progresso social. Conforme apontava Pacheco e Silva, a

satisfação das necessidades imediatas dos desvalidos e o socorro através das esmolas

acabavam por levar a perpetuação da miséria, colaborando, sobremaneira, para alargar

os tributos que a parte sã da sociedade, que se via forçada a contribuir para manter os
169
doentes e incapazes de prover sua própria subsistência e a de suas famílias.

Os hábitos e comportamentos dos nacionais pobres, nesses termos, passam a

ser identificados como comprometedores do projeto civilizador pautado na

"superioridade dos brancos europeus", enquanto a população nacional "pobre e inculta"

vinculava a nação a um passado que as elites procuravam rejeitar por entende-lo como

desqualificador e degenerativo. Em conformidade com as pesquisas que abordavam o

conjunto destas questões, Pacheco e Silva entendia que as experiências adquiridas pelo

modelo de assistência filantrópica não só deixava de resolver o problema da pobreza

como favorecia a permanência dos homens e mulheres pobres na ociosidade, fator que

geraria não só a mendicância mas também a criminalidade.

Para o médico a ação da filantropia mostrava-se ser unicamente assistencialista e

como tal, oorruptora da dignidade pois desestimulava aqueles que recorriam ao auxílio

da caridade a reerguerem-se através do trabalho. A assistência a ser prestada, se

avaliada na perspectiva apontada pelo psiquiatra, deveria adotar um caráter científico,

1• . O traballo de Sllvla Helena Zanirato MARTINS indica que na década de 1930 Antonio Carlos Pacheco e Silva
mkllltlava conferências promovidas pela Escola de Sociologia e Política para o curso de Assistência Social e que
•...a al11a;lo doe primeiros assistentes sociais formados por essa escola contestava as formas de beneficência
pra1181aoetd88 até aatAo e lnflula na linha de racionalização e organização do trabalho prestado pelas entidades
aoclall" c:ujaa atrtbui911aa foram motivadas pelas palestras de Pacheco e Silva. "Iniciando sua exposição, logo na
prlmaka aula, Pacheco e SIiva argumentou no sentido de distinguir a ação da filantropia da ação do moderno serviço
aoclal, enfatizando as dferenças entre a caridade e a racionalidade". Parafraseando o autor, MARTINS acrescenta
que a caridade só deveria ser praticada quando fosse absolutamente necessário, pois a adoção feita sem
dlCBffllmenlD favorecia o vfclo da mendicência e assim a continuação na miséria. Seu trabalho permite observar a
mdlln■lo m lntarfaftncia do médico na organizaçãn social da cidade. MARINS, S. H. Z. Artífices do ócio:
mendlgoa e wdlo8 em São Paulo (1933-1942). Assis, 1996. 409 f. Tese (Doutorado em História) - Programa de
Pd1 Gradl.1açln .im História, Universidade Estadual Paulista.
'

133

cujas bases conduzissem a vida dos homens e mulheres pobres que se espalhavam,

multiplicando-se, pelas ruas da cidade .

Como um homem de seu tempo, Pacheco e Silva não estava distante da

ideologia do progresso e, tampouco, das políticas públicas de reorganização da

sociedade brasileira a partir dos ideais progressistas, matizados pelo positivismo e pelo

liberalismo. A partir da leitura do compêndio Psiquiatria Clínica e Forense é possível

afirmar que suas propostas mantinham estreitos limites com as práticas políticas de

controle e esquadrinhamento da sociedade brasileira nos anos iniciais da República,

servindo, inclusive, como fundamento prático e teórico para o rastreamento dos

decaídos e viciosos, dos homens e mulheres pobres que viviam às margens da


crescente urbanização e industrialização de São Paulo.

Vinculados a um momento histórico específico, o da consolidação da sociedade

rapublicana, os estudos de Pacheco e Silva espelhavam os ideais das elites políticas e

dominantes quanto à regeneração da população nacional, oprimida por sua inferioridade

e miscigenação. As pessoas classificadas como sendo inferiores, destituídas dos valores

que se buscavam imprimir para São Paulo deveriam ser prontamente combatidas ou
, ..
.•
COl1k> sugerido pelo médico psiquiatra eliminada do meio social.

No inicio do século XX a prática de cindir a humanidade em grupos, aos quais


eram atribuídos valores biológicos, psicológicos, morais e/ou culturais
intrinsecamente diferentes continuava desfrutando do status de verdade
cientifica que poucos ousavam contestar. A questão da mestiçagem, corolário
dessa premissa, também permanecia submersa em um clima de ceticismo. No
Brasil, pais de população multicolorida, fruto das mesclas mais variadas, a
problemática da hibridação não era simples especulação teórica, mas
170
experiência vivida quotidianamente.

1711
LUCCA, T. R. de. A Revlata cio Brall: um diagnóstico para a (N)ação. São Paulo: Edunesp, 1999. p. 156. Contudo,
a aulora pouco explora as evidencias do periódico por ela analisado quando à questão do negro e às políticas de
bnlnqueamento da população, remetendo a questão para o que considera de mestiçagem, abrandando um
pnic1110 mcbamamente violento, seguramente inscrito nas páginas d'A Revista do Brasil. Para um aprofundamento
da prablernéllca, ver: DOMINGUES, J . P. Uma história não contada. Negro, racismo e trabalho no pós-abolição
em 8lo Paulo (1889 1930). São Paulo, 2000. 370 f. Dissertação (Mestrado em História) Faculdade de Filosofia,
La I e Cllnclae t IU'Nln8S, Universidade de São Paulo. p. 208.
,

134

Os dados apresentados respaldam a perspectiva da interiorização dos negros e

miscigenados, cujas experiências foram silenciadas diante dos padrões sócio-culturais

elaborados pelas elites dominantes no poder. Tal situação se agravava ainda mais em

São Paulo, cidade projetada no cenário nacional como a mais europeizada, portanto, a

mais civilizada por comportar o maior número de estrangeiros em sua malha urbana. Ao

fazer valer os ideais de civilização erigidos pelo modelo europeu de vida e trabalho, as

elites dirigentes da cidade cristalizavam imagens degenerativas e autodestruidoras das

camadas pobres e despossuídas que nela habitavam. As contingências sofridas por

essa parcela da população como, mortes, doenças e incontáveis ''vícios" eram

conseqüências diretas dos costumes e hábitos próprios deste ''tipo de gente",

costumeiramente vinculados à perversão sexual, ao perigo e a criminalidade.

Ao apresentar vinte anos da atividade profissional ou como o autor mesmo

81C1arece no prefácio da primeira edição de Psiquiatria Clinica e Forense, ''vinte anos

nas mais variados setores da psiquiatria clínica, didática, forense e social" o compêndio

IIN,lbllcado por Pacheco e Silva acaba por evidenciar não só as bases teóricas que

fln:tamentavam a prática psiquiátrica e as vinculações desta ao estudo das ciências

Jurfdlcaa mas, também, as interpretações que estes saberes produziam sobre os negros
do antigo regime.

Al■Lmlclo no contexto de sua produção, o compêndio escrito por Pacheco e Silva

adqtft 11.!blltlr'ICia documental na medida em que apresenta um conjunto de laudos

, pareceres e perícias psiquiátricas sobre diferentes processos jurídicos

lnlblu,adoe nos anos iniciais da República. Além de evidenciar casos concretos, o


eeludo de Pacheco e Silva infonna as definições, o histórico e as terapêuticas indicadas

às P· e: a.·•· D• a:8: levadas a julgamento. A linguagem e a didática médica que formaliza o

contalklo do COlt.plndio, por espelhar as ações de médicos, advogados, psiquiatras e


,

135

investigadores, acabam por traduzir as ações criminosas e, significativamente, o próprio

criminoso, mesmo que balizados pelos filtros deformadores e polifonia característicos

dos documentos provenientes do judiciário, em específico os processos crimes.

Contudo, a escrita do compêndio procurava atingir seus propósitos finais, qual seja, o de

ser um guia à prática profissional de médicos e advogados interessados em conhecer as

causas fundadoras do crime, do desvio e perversão.

Focalizada no capítulo do compêndio elaborado para exemplificar as

interpretações da degeneração humana ou "Psicopatias constitucionais. Estados atípicos

de degeneração" a história de preto Amaral pretendia auxiliar os estudos acadêmicos e a

prática profissional de médicos e advogados. Caracterizados por perversões sexuais



como
. 1
sadismo' masoquismo, necrofilia, bestialidade, feiticismo, exibicionismo,

homossexualismo, frigidez, ninfomania, satiríase, onanismo, entre outras, tais

clegenera9ê)es traduziriam a existência de pesadas taras primitivas, originais, as quais

atingiam não só a família como, os filhos e netos mas a raça. Essa constatação permite

supor que o ideário do atavismo não tinha sido de todo abandonado em São Paulo.

Significativamente, o capítulo do compêndio que trata das psicopatias

é ilustrado por perícias psiquiátricas de cinco casos estudados por

Paaheoo ·• SIiva. Quatro dos exames periciais evidenciam crimes cometidos por
hornenai.trta,negros e um imigrante italiano. O quinto caso recupera os acontecimentos

vlvldoa ,por urna mulher, também negra, caracterizada como degenerada por sua

hornoaeexu,....,Biidade. Em todos eles, a referência à antropologia italiana era constante,

mesmo considerando o meio social como fator preponderante à degeneração. Para o

psiquiatra, em todos os casos, o fator individual, é o elemento mais importante na

produção da criminalidade argumentando que "...O indivíduo que nasceu com o cérebro

tarado, o degenerado, que manifesta claramente todos os sinais de imbecilidade moral,


,

136

agravada ao demais pelo abuso do álcool, deve ser seqüestrado da sociedade, que têm

nele um inimigo e uma contínua ameaça. A sociedade tem o direito de toma-lo

·
inofensivo, com a con d'1çao
- d e o t ratar h umanamente ..
" 171

O fato da maioria dos casos apresentados no capítulo que trata da degeneração

ser ilustrado em sua maioria por negros é indicativo de uma prática psiquiátrica

segregacionista, cristalizadora da noção evolucionista da espécie humana, na qual 0

elemento negro, por sua condição de "involuído", caracterizava as formas específicas de

degeneração como a necrofilia, a bestialidade, a sodomia, o homossexualismo e outras

perversões. Para Pacheco e Silva, a repressão a estes tipos deveria ser mais severa,

senão para intimidar o criminoso, pelo menos para eliminá-lo da sociedade por um longo

período de tempo ou perpetuamente.

O primeiro caso apresentado por Pacheco e Silva em seu compêndio não foi

examinado por ele mas por Franco da Rocha, seu mestre e antecessor nos domínios da
_t.:. '
'. i.:e';.' .

pcura paulista, juntamente com A. Marcondes Vieira. Tratando de um caso de "loucura


• .
,
,..._,,
,, :11.'_;-.:

.r os registros anexados ao compêndio recuperam a trajetória do imigrante

pe L., um italiano de 45 anos, solteiro, natural de Palermo, que em 1907 foi

pela polícia ao Hospital de Juquery para observação e perícia psiquiátrica. O


.,

de Giuseppe indica que o mesmo havia praticado uma série de crimes que

.ram em um homicídio. O italiano, que trabalhava como padeiro na cidade de São


havia sido .....processado por crime de ferimento em 1900; novamente por

motivo em 1902; por ébrio e desordeiro em 1904; por vagabundagem em 1905

ente, por crime de homicídio, praticado dentro da Cadeia Publica, em 1906; ao


172
,. ,... processos e oito prisões verificadas.".

!:•PACHECO• SILVA, A. C. Palqulatrta Clínica e Foren••· São Paulo: Editora Renascença, 1951. p. 454.
Oeeo .,, 24. Loucura moral. lntlmeros crimes culmlnando em homicídio. lbid. p. 435.
·'

137

A leitura do caso de loucura moral indica que as informações dadas pelo

imigrante italiano não foram de todo aceitas pelos médicos que o analisaram, os quais

refutaram parte do que fora dito por Giuseppe pois como descrito, "não mereciam muita

fé", exceto quando este afirma que seus pais faziam uso contínuo de bebidas alcoólicas

durante as refeições - algo absolutamente normal em se tratando de uma família de

italianos. Aliando este dado ao fato de Giuseppe se entregar ao "vício do onanismo" os

médicos relatam: "Esta informação é de grande valor e nos traz muita luz sôbre o seu

procedimento nesses últimos tempos", pois caracterizava, conforme o diagnóstico


-
médico, a sua d egeneraçao. 173

O exame somático realizado pelos médicos apresenta os seguintes dados:

Giuseppe era um homem baixo, cujos membros superiores apresentavam-se

desproporcionais ao seu tamanho, bem como as medidas de sua cabeça, considerada

grande demais para o seu tamanho. Os diâmetros da cabeça foram assim identificados:

•ant-posterior Om 19, bizigomática Om 14, transversa Om 15". O diagnóstico indicava que

o imigrante possuía 1 m 55cm de altura, com a "grande envergadura" alcançando 1m 58


cm, medidas que, de acordo com os registros médicos"... não se revelam fato normal.".

De acordo com a perícia médica, os fatos que impressionavam no exame físico de

Giuseppe eram "...a assimetria das orelhas; implantação viciosa dos dentes e dentes
. .'
'9:'Pr&numerários; abobada palatina disforme; tremores fibrilares na língua; reflexos
. ..
' ~

171• Conforme dellnlçlo encontrada no mesmo compêndio, "...o têrmo onanismo foi empregado por TISSOT e provém
de Onanla, palavra empregada por um autor inglês, em virtude do pecado de Onan, de que falam as sagradas
eecrlluraa. Onan, filho de Judas, casou-se com Thamar, viúva de seu irmão Her, e não desejando ter filhos, para não
W obrigado a dar o nome do irmão, de acõrcto com o rito da antiga lei egípcia, lançava fora o sêmen. Hoje se
denomina onanismo ou masturbação ( de manus, mão, estupro, eu corrompo} a prática que consiste em provocar
ejaculaçlo por melo de manobras manuais. Freqüentemente nos adolescentes, o onanismo se transforma por vêzes
em anomalia Incorrigível, peculiar a certos degenerados, que só se satisfazem recorrendo ao vício solitário, de que
uumeabueam". PACHECO e SILVA, A. e. p. 431.
,

138

exagerados; um certo grau de anestesia em diversos segmentos dos membros e

diversas cicatrizes de antigos ferimentos que se lhe notam no couro cabeludo". 114

Quanto ao exame psíquico os médicos afirmam que nada podiam saber sobre os

primeiros vinte anos de existência do imigrante e que, muitos fatos dessa fase teriam

para o exame " ... não pequena importância... " mas eram quase inteiramente ignorados.

Para tanto, Franco da Rocha e Marcondes Vieira recorreram aos documentos anexados

aos sete processos de Giuseppe, encontrando ai " ... elementos que já nos permitem

formar juízo sôbre o paciente" e prosseguem afirmando:

~iuseppe L., é um homem sem instrução, boçal, quase analfabeto. De temperamento


violento, se enfurece pelo motivo mais fútil e investe com raiva epleptóide contra pessoa
que o desagrada. A faca é seu instrumento predileto; com facadas responde êle a quem
por acaso lhe faz uma careta. Certa ocasião, na casa de um senhora que o protegia,
vendo L. que a senhora estava zangada e discutia azedamente com alguém, aproximou-
se êle com esta frase: " Senhora, quer que mate o homem?» . Frase esta que por si só
caracteriza a mais arrematada imbecilidade moral. Seu defeito de caráter, isto é, a
insensibilidade moral, não lhe permite ver as cousas com reflexão além de um raio muito
curto ao redor de seu Eu selvagem e brutal. Conhece as palavras justiça, socialismo,
direitos do homem e outras semelhantes, mas não lhes conhece a significação; são
palavras ôcas que lhe não evocam sentimentos éticos correspondentes. Compreende êle
vagamente o sentido de tais palavras, mas somente em referência à sua pessoa; não em
relação ao próximo. Isso se depreende claramente de sua conversação. Tirar a vida de
alguém parece cousa mui simples e lógica, desde que essa pessoa o incomode. É isso
que êle chama direitd Injustiça, na sua opinião, é condená-lo por êsse fato. Apesar de
todos os delitos cometidos, julga L. que ninguém tem mais direito do que êle à liberdade.
175

A conclusão dos médicos, descrita por Antonio Carlos Pacheco e Silva em seu
. , . ,
compêndio, é bastante taxativa. Param ambos, " ...os estigmas somat1cos e ps1qu1cos

que encontrámos em Giuseppe L., tomados isoladamente seriam ridícula prova de

degeneração; o conjunto, porém, é por demais significativo e revela a loucura moral de

modo a não deixar dúvidas.". Neste sentido, o diagnóstico apresentado às autoridades

afirma tratar-se de um degenerado, um caso de " ... moral insanity (... ) um homem
. • - · O ai "
perigosfsssimo, que deve ser mantido em cond1çoes de nunca poder praticar m ··

.
174 . Confonne destacado por Antonio Csr1os Pacheco e Silva, "...os anômalos morais, os
·
apreaentando estados atípiooS de degeneração são freqüentemente apontados como a ores ª.
Jerversos os indivíduos
d ~tos delituosos
ê s ce~
que exprimem as suas próprias tendências ~ó~idas. Tais pacientes, entretanto, r~vel~m :u:;a~ ;;irantes.
Agl"iaza de Inteligência e não apresentam disturb1os psíquicos caractenzados_ por aluc1naçoes arecem arante a
Daí é fllcll de ae avaliarem as discussões infindáveis suscitadas quando trus indivíduos comp P
JUlllça...•. lbld. p. 432.
,

....
139
"
Entretanto, as descrições projetadas não parecem esboçar o perfil de uma pessoa

perigosíssima mas inversamente uma pessoa pequena, frágil e confusa. 176

O segundo caso apresentado por Pacheco e Silva como exemplo de uma

psicopatia degenerativa recupera os crimes de preto Amaral, cujas evidências periféricas

vem sendo pormenorizadas no decorrer desse trabalho, sobretudo na segunda parte.

Por esse motivo, o mesmo não será avaliado neste momento, passando-se para o

terceiro caso que evidencia, da mesma forma, um evento de sadismo e necrofilia. Trata-

se do acusado Joaquim A. T., brasileiro, 32 anos de idade, " ... de côr parda...", solteiro,

jornaleiro, natural de Pilar mas que, no período, residia na cidade de Sorocaba, cidade

próxima da capital paulista. O exame de Joaquim realizado conforme determinação do

Juiz de Direito da 3ª. Vara Criminal da Comarca da Capital, "... a quem fôra expedida

Carta Precatória pelo M. Juiz de Direito da Comarca de Sorocaba", local em que

Joaquim respondia a processo como incurso no artigo 266 do Código Penal por ter

perpetrado o seguinte delito:

No bairro da "Água Vermelha", daquela cidade, o acusado veio a conhecer de


vista o menor José P., que para ali transferira residência em companhia de sua
família. Ao passar pela casa dêste, sempre que o via, lhe ocorria a idéia de
praticar atos libidinosos. Para tal, urdiu e executou o seguinte plano: muniu-se de
um cabresto e sob o pretexto de que iria a um lugar próximo em busca de um
cavalo, seduziu o menor a acompanhá-lo. Chegados a um sítio onde não
poderiam ser vistos, Joaquim agarrou-lhe com violência e abaixou-lhe a calça,
deixando à cintura o laço que a prendia. Tendo a vítima reagido a ponto de
impedir o ato sexual, o acusado, insatisfeito, por meio do cabresto que levava,
estrangulou-a. Vencida assim a resistência do menor, o indiciado satisfez-se
com atos de pederastia, e logo após abandonou-o na capoeira. Um ou dois dias
após voltou ao local e removeu o cadáver para outro sítio, pois que o primeiro
facilmente poderia ser encontrado. Decorridos cinco dias de seu
desaparecimento, foi o corpo da vitima descoberto e submetido a exame
médico-legal, que revelou esquimoses perianais e de morte asfíxica por
estrangulamento. As diligências policiais não tardaram a se coroar de êxito com
a descoberta do delinqüente, que após certa relutância não só confessou a
177
autoria do delito, como o reconstituiu com minúcias.

1711
171' PACHECO e SILVA, A. C. op. clt. p. 436.
• lbld. p. 437.
177
, Ca-., n. 26. Sadismo e necrofilia PACHECO e SILVA, A. e. Psiquiatria Clínica e Forense. 2 ed. São Paulo:
Edltota Renacença. 1951. p. 447.
'

... 140

...,,
....'
..-
~

Como atestam os médicos que assinaram o laudo referente ao crime que indiciou

~ Joaquim como o autor da morte do menor José P. na cidade de Sorocaba, os dados

também foram retirados dos autos do processo servindo de base para as conclusões do

exame psiquiátrico .a que foi submetido. As informações ali contidas, tomadas como

verdade inconteste, afirmavam que o mesmo não tinha profissão certa e que nunca

havia freqüentado a escola, como que reiterando ser as ações desviantes, hediondas e

perversas o resultado da pouca instrução de pessoas pobres, incultas, identificadas


178
como boçais, as quais deveriam ser controladas e vigiadas.

Retomando a interpretação oferecida pelo exame anatômico processado nas

dependências do Hospital de Juqueri, para onde Joaquim foi levado, os resultados

indicam que o mesmo era um homem de baixa estatura, medindo 1m55 mas com

••..forte desenvolvimento dos músculos tóraco-braquiais ...". O exame indicava, ainda, a

1Dlal ausência de pelos nos membros superiores, também escassos nos membros

Wariores e na face fatores que, conforme os postulados que fundamentavam a moderna

psiquiatria, eram sinais deformadores, característicos dos miscigenados. Prosseguindo,

o 8JC8l118 apontava que o indiciado possuía uma visível deformação na perna direita,

mais c:urta que a oposta, devido a uma artopratia adquirida na infância e uma

• do acetábulo com sinais de artrite deformante." Contudo, a imagem do

~ tipo perigoso, violento, forte o suficiente para estrangular uma pessoa também não se
~ .
·:;
.
' ~

encaixa na representação de Joaquim, ao contrário, a imagem que as descrições


sugerem a idéia de um homem franzino, além de portador de uma deficiência física, o
179
mesmo mancava por ter uma das penas mais curta.

178
-Como aalentou Jean-Claude SCHMITT, a noção de marginal sinaliza uma ruptura dos valores sócio-culturais e das
.-ieçt111 econ&nlcas vigentes em cada época e lugar, pautando-se na recusa em assumir valores hierarquicamente
lmpaatoe de cima para bai>co, passando a viver formas de exploração, de dominação e de exclusão que estão na
t-eaa da. niprioduçlo da ordem social em diferentes contextos históricos. SCHMITT, J-C. A história dos marginais. ln:
178 La GOFF, J. A nova hlat6rta. São Paulo: Martins Fontes, 1990. p. 267-268.
. PACHECO e SILVA, A C. op.clt. p. 448.
'

141

Mesmo assim, as imagens sugeridas pelo documento permitem supor que

Joaquim não possuía o perfil comumente associado aos criminosos bárbaros, dado que

servia para alargar ainda mais a idéia de que qualquer pessoa, sobretudo os negros da

plebe, mesmo que franzinos e acanhados, poderiam converter-se em verdadeiros

criminosos, em figuras monstruosas e sanguinárias. Esse tipo de associação contribuía

para aumentar o peso dos segregacionismos costumeiros vividos pelos negros pobres

na medida em que as imagens projetadas vinculavam-se diretamente aos tipos

descritos, quais sejam, matadores violentos, criminosos hediondos e degenerados.

Durante o exame psiquiátrico, indagado sobre os fatos imputados, os médicos

permitem observar que nada do que o Joaquim dissesse seria acatado. O fato da justiça

tê-lo incriminado já era o suficiente para anular toda e qualquer tentativa de defesa ou

argumentação contrária ao veredicto judicial. A perícia psiquiátrica, neste sentido, servia

apenas para melhor fundamentar o processo, reafirmar as acusações processadas

o indiciado, como atesta a descrição que segue:

O paciente, elaborando sua auto-defesa, dá-nos espontaneamente um atestado de sua


imaturidade psíquica. Com efeito, depois de confessar a autoria do delito, de o reconstituir
publicamente com minúcias, de ter sido pronunciado, depois de nos ter recapitulado a
história criminal, quer passar por inocente, sem ter nenhuma base para assentar suas
conclusões, e fazer recair sobre terceiros a culpa dos atos que lhes são incriminados. Ao
indagarmos porque confessou à Justiça a autoria do delito, ponderou que fõra coagido a
assim proceder. Mas não soube responder, em seguida, por que motivos nos fez as
mesmas declarações e ainda mais completas. Podemos dizer que há uma ligeira
deficiência da ~cidade intelectual, até certo ponto explicável por ser o paciente um
indivíduo inculto. ªº

.,-
A psiquiatria, nos termos próprios do período, buscava ser reconhecida como o
·-,.- .

·• capaz de diagnosticar os atos delituosos que escapavam da normalidade

i'il&ncebida, dado o caráter bizarro de determinados crimes que colocavam em dúvida

a condição mental dos criminosos. De acordo com o laudo emitido conforme solicitação

1111
• kld. p. 448. Aa iaapoatas emitidas ao promotor público afirmavam que Joaquim A. T. era um psicodegenerado, que
O glnetoiantlnde sua anormalidade indicava, para além de sua anomalia do instinto sexual, uma "... hipoevolução do
111111tnento Mico, hipe181T1otlvidade, Impulsividade e incapacidade intelectual..." e que esta influía diretamente sobre o
_, carétar, dominando-lhe a vontade e os atos.
'

142

""\ do poder judiciário concluía que os fatos delituosos imputados a Joaquim eram

decorrentes de sua inversão e desvio do instinto sexual,


"" vale dizer, sua
.,
~
homossexualidade.
""'I

Considerando a costumeira suspeição que recaia sobre os negros pobres

marginalizados pela falta de emprego e pela conseqüente ''vagabundagem", a suposição

de que Joaquim não fosse de fato o assassino do menor que vivia no bairro Água

Vemielha de Sorocaba torna o caso ainda mais contundente. Todavia, pautando-se

quase que exclusivamente nos registros anexados aos autos do processo, Joaquim foi

considerando homossexual, pederasta, sádico e necrófilo, amargurando seus últimos

dias nas celas do mais recente espaço construído para contenção do inumano em São

Paulo: o manicômio judiciário.

O último caso, descrito por Pacheco e Silva para ilustrar o capítulo do compêndio

que tratava das psicopatias degenerativas, recupera a curiosa experiência de uma

homossexual. Trata-se da história de E. R. , caracterizada como "preta, brasileira,

solteira" com vinte cinco anos de idade, "... de estatura mediana, tipo nomiosplâncnico

(...) de pelos abundantes, com distribuição, ao nível do púbis e do abdômen, do tipo

lino.•.", esboçando bigodes e barba que, na ocasião, exercia "... sem grande

rasse...", a profissão de cozinheira, vivendo e trabalhando na cidade de São Paulo. O

em questão, parafraseando o médico, transitou pela Clínica Psiquiátrica da

Idade de Medicina da Universidade de São Paulo no período em que este era


181
r catedrático de clínica psiquiátrica daquela instituição, já na década de 1930.

111 • Confom,e salientado por Antonio Carlos Pacheco e Silva, E. R. "...esteve em tratamento na Santa Casa, mas de lá
foi expulsa pelas lrmls, às quais foi denunciada por uma companheira de enfemiaria, que não quis prestar-se às
IUIII llblclnagens. Vem agora à consulta do Ambulatório da Clínica Psiquiátrica espontaneamente, pois está
aonvenolda de que não é como as demais mulheres e talvez encontre tratamento para seus males". PACHECO e
SILVA, A. C. Palqulatrlll cHnlca • forenae. 21 ed. São Paulo: Renascença, 1945. p. 454.
'

.-
- -
..
...
.,_....... 143

.....
-
"
.... Conforme o relato médico, E. R. teria vindo do interior do estado onde vivia com

sua família. O pai, falecido "...com suas faculdades mentais perturbadas ...", deixou viúva
.., a mãe com os filhos que ainda viviam, os quais não seriam poucos. A história registrada

no compêndio indica que, desde c riança, E. R. sentia atração pelas de seu sexo e

quando se encontrava em companhia das meninas procurava sempre se impor pela


força, procurando brincadeiras nas quais poderia assumir o papel de homem, buscando

despi-las para tocar-lhe as partes genitais. Ainda na infância, freqüentou escolas

primárias, "... tendo estado matriculada em escolas nacionais e numa alemã (...)
,, 182
sabendo 1er e escrever.

Aos 20 anos, após atritos com os familiares, provocados pela "exaltação" de sua

"anormalidade", E. R. " .. .fugiu de sua casa para melhor se entregar às suas tendências,

levando vida irregular...", morando com outras mulheres em quartos de aluguel e hotéis

auspeitos da capital paulista. Os registros do médico prosseguem afirmando que a

a praticava o ato sexual como homem, procurando mulheres brancas e

pregando tõda sorte de manobras ..." para excitá-las e que, assim procedendo,

facilmente o orgasmo possuindo uma " ... extraordinária sensação de prazer,

então um líquido leitoso ...".

O. acordo com o médico, E. R. ambicionava praticar o serviço militar, tendo,

, mandado confeccionar um " ...fato bem talhado, de côr cinza, em alfaiate,

desejá-lo para o carnaval, mas com êle se veste e logra imiscuir-se em roda de

• ™•
.,"''
com os quais percorre conventrilhos, bebendo em companhia de mulheres,

contando proezas e vangloriando-se de suas valentias, sem que desperte a menor

euapelta de seu verdadeiro sexo...". Mesmo assim, a "paciente" foi considerada como

1• . PACHECO e SILVA, A. C . Pelqulatrla Clínica e Forense. 2 ed. São Paulo: Editora Renascença, 1951. p. 455.

144

uma perversa, de uma cultura rudimentar, de inteligência pouco desenvolvida, conforme

descrição médica, como "... uma débil mental", ainda que mitigada". 183

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Fotografia 1. "A doente em trajes femininos. A mesma doente envergando roupas masculinas" {legenda
original). Conjunto de fotografias publicadas em PACHECO e SILVA, A. C. Manual de Psiquiatria Clinica e
ForanN. 2 ecl. São Paulo: Renascença, 1945. p. 454. Acervo Instituto Oscar Freire de Medicina Legal e
Criminologia da Universidade de São Paulo.

183• "Embora se empregue como cozinheira, é inconstante nos empregos, mas diz não passar privações, pois que
percorre ardilosamente a vários subterfúgios, sobretudo escrevendo a sua progenitora, que mora no interior,
narrando situações desesperadoras e conseguindo assim extorquir tudo quanto a mesma aufere em trabalhos
árduos. No Ambulatório a paciente se mostra extremamente confiada, perfeitamente à vontade, tratando a todos
com intimidade, não tendo dúvidas em aceder aos pedidos que lhes são feitos pelos médicos, propondo mesmo
novas experiências e exibições para que fique perfeitamente comprovada a sua capacidade sexual masculina.
Todavia, conserva ainda um certo contrôle sôbre suas ações, pois diz ela que o único freio que a impede de agir
mais desembaraçadamente é o medo de se ver envolvida em casos policiais, pois tem certeza de que muitas de
suas vítimas perderam a virgindade. Concorda com sua situação anômala e pede aos médicos que, se houver um
processo capaz de lhe definir um sexo, opta sem hesitação pelo masculino.". lbid. p. 457-8.

145

As evidencias registradas no compêndio escrito por Pacheco e Silva evocam

outras imagens de E. R. diametralmente opostas a considerada pela psiquiatria clínica e

forense pois, diferentemente, a imagem projetada pelos médicos que analisam o caso e

que a identifica como uma pessoa doente e pouco inteligente não se coaduna com as

sagacidades, as artimanhas e conquistas daquela jovem negra homossexual que viveu

em São Paulo na década de 1920. Na verdade, a representação ou a exibição da figura

de E. A. como uma "débil mental" visava identificá-la como uma degenerada, uma

perversa, uma invertida e não como uma mulher capaz de criar estrategicamente meios

inteligentes para satisfazer os seus desejos sexuais, driblando as ordens médicas e

imposições jurídicas que atestavam sua proverbial incapacidade e degeneração.

Em todos os casos apresentados, Antonio Carlos Pacheco e Silva procurou

evidenciar a existência dos estigmas da degeneração e das desordens psíquicas como

fatores que levariam as pessoas não só à loucura mas, sobretudo, à criminalidade. Para

o caso e E. A., estudado por Pacheco e Silva e pelo dr. Olinto Matos, os sinais estariam

centrados no tamanho das mãos, dos pés e nas "feições masculinas", sobretudo, pelo

bu90 acentuado e o pouco seio.

O que sobressalta no discurso político da psiquiatria é a imposição de uma

conaciência que distinguia as pessoas sãs e sexualmente regradas daquelas perversas,

Invertidas, anômalas e perigosas, cujos sinais da imperfeição recuperavam os atavismos


hereditários que tinham, na figura do negro, do pobre e do miscigenado os exemplos

máximos da corrupção física e moral, a origem de todas as desordens. A apropriação da

história trágica de José Augusto do Amaral, sua exposição ilustrativa como degenerado

em um compêndio de psiquiatria forense bem como as interpretações e vinculações


,

....
....
146

teóricas confirmam a utilização da teoria evolucionista na prática efetiva dos


especialistas no controle social de São Paulo. 184

...,
As imagens de E. R. que ilustram o manual premiado pela Sociedade de

Medicina Legal e Criminologia de São Paulo, como os demais casos apresentados por

Antonio Carlos Pacheco e Silva informava, ensinando, aos advogados criminalistas que

se devia desconfiar das pessoas, buscando perceber o seu ''verdadeiro" caráter,

sobretudo, o lastro familiar, suas hereditariedades, sua vida pregressa mas sempre de

um ponto de vista eugênico. Os negros, de acordo com o manual eram essencialmente

a imagem da devassidão, do erotismo, da perversidade.

A construção do Manicômio Judiciário


A gestão científica do Juquerí

.
Na virada do século, a psiquiatria estava fortemente centrada no macro-hospital

psiquiátrico e na psiquiatria neurológica de cunho evolucionista. Neste período, como

tpontado anterionnente, Morei fonnulou a teoria da degenerescência na qual as

lfesta9Õ8s mórbidas, como a promiscuidade sexual, o uso de bebidas alcoólicas, as

,. obsessões, entre outras anomalias, eram indicadas como transmissíveis

.riamente. Caracterizadas pela idéia de seleção natural, as pessoas seriam

às diferentes manifestações da degenerescência até atingirem o grau

A111Dtllo SERRA, a loucura permite duas decorrências imediatas: a incapacidade jurídica e sua potencialidade
• 01111:, lnstênclas é a que a loucura passa a significar o foco recorrente da racionalidade de um sistema
,, Para o IIUIDr, a partir da clentlflclzação da loucura " ...as sociedades burguesas poderão pautar os critérios de
, tolerlncla • e,cclualo dos desvios em geral.". Ponto nevrálgico à atuação da medicina no "corpo social",
..-lll'ldo
lllltMl 111, hlglMllzando, controlando sua população. SERRA, A. A psiquiatria como discurso polítlco. Rio de
Aal'lllrnl/lOCII, 1979, p. 24.
,

...
.....
147
....

máximo: a extinção da linhagem·, argumentos que fundamentavam as teses do


...,
branqueamento requeridas pelos racistas científicos.

Os estudos empreendidos no campo da cnm1na


· · 1·1st1ca
· e da medicina-legal,

durante as primeiras décadas do século XX' permifiam a1·irmar que as psicopatias

degenerativas mantinham uma íntima relação com os desequi·1·b · mentais


I nos • habituais

entre os criminosos. Para os intelectuais que assumiam O cont"ol


,. e d as po1·t· , ·
11cas publicas

de controle social em São Paulo tais conclusões demonstravam "o êrro e O perigo da

doutrina da responsabilidade". Para Pacheco e Silva, era preciso "substituir a noção

metafísica e arbitrária da responsabilidade pela noção positiva e objetiva da nocividade,

da temibilidade do perverso e do criminoso, criar estabelecimentos especiais

intennediários entre o asilo e a prisão, asilos de segurança para anormais perigosos,


185
difíceis, etc., isto é, para os indivíduos portadores de perversões instintivas."

Em um momento histórico marcado por movimentos sociais, sobretudo nos

grandes centros urbanos como a cidade de São Paulo, cumpriria à psiquiatria moderna

fomecer os subsídios capazes à detenção dos degenerados e, deste modo, apontar as

diretrizes para um efetivo controle social dos que se comprimiam na base da pirâmide

social; destino "natural" dos considerados desclassificados, delinqüentes, vagabundos,


ociosos e baderneiros, avessos aos regramentos que a medicina social pretendia impor

à sociedade de modo a higienizá-la, depurando-a dos males provocados pela "miséria

endêmica" geradora dos desvios deformadores, para usar os argumentos próprios da

época.

O papel destinado à psiquiatria foi intensificado na medida em que a doença

mental, a partir de Morei, poderia ser explicada cientificamente, ou seja, na medida em

433·
ed Sã P 1 • Editora Renascença, 1951. P·
1• . PACHECO e SILVA, A. C. Psiquiatria Cllnlca e Forense. 2 · o au o.
I

...
~

... 148

'"" que poderia ser observada e classificada em quadros tipológicos determinados, fixados
...
.... sobretudo pela biotipologia. Assim, imprimindo uma lógica classificatória à degeneração,
...,
os intelectuais políticos ligados ao direito e a medicina estabeleciam uma similaridade
""I

entre as rígidas concepções biológicas que determinavam a evolução da "espécie

humana". Aliada às perspectivas lombrosianas do criminoso nato, a psiquiatria e seus

modelos assistenciais cruzaram o século XIX, reafirmando que a promulgada

"desigualdade natural" entre as pessoas desestabilizava a vida social e fomentava o

crime.

Contribuindo para "um bom funcionamento do sistema penal", os psiquiatras

patologizavam o crime atribuindo-lhe um novo perfil, agora, significativamente marcado

pela crueldade, indisciplina, imoralidade sexual e periculosidade social. A partir das

classificações propostas pela biotipologia e aceitas pela psiquiatria forense, médicos e

peritos distinguiam o doente do são, o responsável do irresponsável, o bom cidadão do

vagabundo, avesso ao trabalho, desordeiro e anti-social. Considerados por uma

alienação mental corruptora das populações pobres, identificadas de forma taxativa

como 11naturalmente propensas à delinqüência", os diferentes tipos de desvios sociais

passaram a ser compreendidos como doenças provocadas pela degeneração. Para

tanto, os que se enquadravam nas tipologias e classificações degenerativas deveriam

_.r sob constante vigilância, confinados em espaços exclusivos para o seu tratamento,

o manicõmio judiciário.

As bases teóricas que davam escopo à prática da psiquiatria forense, as quais

~•ntavam o manual escrito por Antonio Carlos Pacheco e Silva, vencedor do


' ; é~- - -

Oscar Freire de Medicina, indicavam que as "psicoses de evolução ou de

ltl,neraçio" eram representadas por distúrbios psíquicos que afetavam "... a

z:: mentalidade do indivíduo na sua própria constituição e não somente na sua atividade ... ",
,

..,
~

149
.
... isto é, a pessoa já nascia degenerada, dado que aproximava as interpretações do ilustre
...
.... psiquiatra paulistano àquelas propostas pelas matrizes lombrosianas, reafirmando a
.... . d o cnm,noso
existência . . nato. ,as
....
~

A origem da assistência psiquiátrica paulistana inicia-se com a Lei n. 12 de ,


1848
quando São Paulo ainda era uma Província. O artigo 5º da referida lei previa fundos para

a construção de um hospício para alienados pois " ... os doentes mentais eram

encontrados, sem proteção e abandonados pelas ruas da capital da Província de São

Paulo, ou encarce rados na prisão comum com criminosos vulgares". Construído na rua

São João, nas proximidades da rua lpiranga, o primeiro espaço destinado à loucura em

São Paulo, denominado Hospício de A lienados, foi inaugurado em 14 de maio de 1852

nas dependências de um antigo casarão que servia de residência ao Padre Vicente

Pires da Motta. "Êsse estabelecimento, que funcionou naquele mesmo local até 1864, foi

inaugurado apenas com g doentes, na sua maioria criminosos e alguns agitados, tidos
.
como pengosos à comun1.dade.,, 1a1

111· ~ - P• 423. ~ adotando a _orientação oferecida por Dupré, Pacheco e Silva também apresentava as
:•li 11 • ;•li• pr8001tiZllriaS por Régas para quem as psicoses degenerativas seriam doenças da função e estanam
rei li ld·•••· C
•ad· •· : •... 1) Desequilibrados (degenerados superiores). compreendendo os desarmõnicOS, os ong1nais.
• 111el11lricD8. 2) Degenerados propriamente ditos (degenerados médios), abrangendo as degenerações simples e
• prloa■•• doa d1generadoe. 3) MonstruosidadeS (degenerados infenores), englobando a imbecilidade e a 1d1oba.".
M a-11-•Nlc• oferecldaS por Kraepelin que incluía todos os casos descritos pro Rég1S no grupo das
;•li•
pr..,rTt1d•• pelcbp61i'"as que, por sua vez, se subdividiam em " ...a) os neuropatas; b) os neuróticos obsessivos;
:'IIJ • uMw:1•11; d) 08 fnstjvels; e) os débeis da vontade; f) os impulsivos, com exacerbação dos impulsos normais
lpllpâ ar.ava; g) 08 impulsivos patológicoS; h) os perversos sexuais (homossexuais, sad1stas, mazoquistas,
'11at1Uue, lld,lclc.,,iltas); i) os diecUtid<>res; j) os extravagantes; k) os mendazes; 1) as personalidades histéncas; m)
• arnr,rrlll I a; n) oa ■■aocials oa mesma fonna, as preconizadas por Afrânio Peixoto que subdividia os "estigmas"
dad1g•nwaçlo "'lffl: • ...1) anormalidades da inteligê ncia, da attV1dade e da vontade. 2) Filias, fobias, obsessões e
• 111+1.IIID••·
111111 ••r•*
1) Petwl'l6ss ae:xuals.
foi batam por . de
AntoniO carlos Pacheco e Silva quando, ao entregar a administração do Hosprtal
Jl,qi11II. dsdlcrda 1s a docOnCia na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, escreveu sua breve
li •••'lha doa trabalhoS realizados durante o período de 1923-1937 na qual apresenta suas realizaçõeS como
••••••:rdor.
__,lffl oa llillffl08, a CiiaçlO
1911dand0, punaenorizadamente, seus feitoS como, a ampliação estrutural dos pavilhões que
tte noYOll laboratóriOS, a criação da Escola Pacheco e Silva para cnanças anormais,
• • - ra••zepl"II PACHECO e SILVA. A. C. A aulatincla a psicopatas do Estado de Slo Paulo. São
Pw+r GIMa do Holpltal de Juqueri, 1945. p . 35. •
'

.... 150

"
"'\

- É importante notar que já naquela época eram admitidas duas categorias de

"" internos: os pensionistas particulares e os indigentes, permitindo afirmar que a origem da


...._

...... assistência médica voltada para a saúde mental em São Paulo esteve, desde sua

origem, fundava no aspecto lucrativo da doença. Os documentos coligidos evidenciam

dados interessantes como os que indicavam que os escravos enviados para o Hospício

de Alienados não eram considerados indigentes, cabendo aos respectivos donos o

pagamento das despesas ocorridas no '1ratamento" e permanência destes no hospital.

Todavia, para se eximir dos pagamentos, quando um escravo apresentava sintomas de

loucura " ... o senhor não tardava em lhe conceder carta de alforria, dando-lhe plena

liberdade ( ... ) muitos escravos conseguiam assim, mercê da loucura, a sua liberdade,
188
pois que, em se restabelecendo, encontravam-se forros.".

Contudo, o número de internos da "velha casa da rua São João" aumentava

rapidamente impondo a transferência da instituição para uma chácara existente junto a

Ladeira do Tabatinguera, antiga propriedade do padre Monte Carmello. Todavia, a

transferência só aconteceu de fato em 1864 quando foram concluídos os reparos e as

ampliações necessárias no sobrado que passaria a abrigar os internos do hospício da

Rua São João. Este novo espaço ficou conhecido como o Hospício da Várzea do

Canno, que em pouco tempo também teve sua capacidade de internação tomada, fator

que deu início a uma nova demanda política à construção de um espaço capaz de

âbrigar os tipos perigosos e anormais. Neste período, os cargos de médico eram

•xen::idos pelos drs. Xavier de Mesquita e João Cesar Rudge Claro Homem de Mello.

1•· lbld., p. 54. Devido 806 constantes internamentos e remodelações no serviço de assistência aos psicopatas, o
médico e pRJfaaaor Francisco Franco da Rocha é chamado para assessorar a reformulação daquele serviço no
E""8do de Slo Paulo pois, antes deste, a administração do hospício era feita por leigos funcionários do estado. O
PllrnelR> adlnll'llstraclor da assistência a psicopatas do Estado de São Paulo foi Thomé de Alvarenga, que exerceu a
lunçlo até 1888, época em que foi sucedido por seu filho, Frederico de Alvarenga, que ocupou o cargo até março de
1898, ctata de seu falecimento.
.,

....
151

-.
.._ Com uma demanda sempre crescente o problema d t t .
, o ra amento dos anormais
... na cidade de São Paulo passou a ser presença constante nas t .
"" pau as governamentais
""'
.,; exigindo uma rápida remodelação do serviço que, ademais, projetava-se como lucrativo
""\

e controlador das massas. No ano de 1896, Francisco Franco da Rocha, ilustre médico

da cena paulistana, assume a administração da assistência aos psicopatas de São

Paulo propondo um audacioso projeto que visava a criação de um hospício modelo,

elaborado segundo as bases da psiquiatria moderna e de acordo com as convenções

estabelecidas no Congresso Internacional de Alienistas, reunido em Paris no ano de

1889. Sua proposta implicava que o tratamento dispensado à loucura deveria estar

pautado em sistemas de colônias agrícolas, voltadas para a laborterapia. A proposta de

Franco da Rocha impunha a construção de um local centralizador e exclusivo, no qual

estariam concentrados os "alienados" do Estado de São Paulo, contrariando outras

propostas que descentralizavam o tratamento e assistência médica dispensada aos

loucos e degenerados e que propunham a construção de vários hospícios em diferentes

partes do Estado. Após um longo debate, a proposta de Franco da Rocha saiu

vencedora e no ano de 1895, o Governo do Estado autoriza a construção do Asilo

1lõnia de Alienados Juquery cujo projeto, assinado por Ramos de Azevedo, esboçava
.
8Bp890 hospitalar com capacidade para 01tocen tos 1e,'tos. 189

Apoiado por Cerqueira Cesar e Bernardino de Campos, ambos Presidentes do

de São Paulo, Franco da Rocha viu suas idéias aceitas e no dia 18 de maio de

assistência psiquiátrica do Estado de São Paulo inaugurava um novo espaço

~nçio do inumano, o Hospício de Alienados de Juquery. Em 1912, o serviço

l.lna avallaçlo, específica sobre a história do hospital, consultar. CUNHA, M. C. P,. O espelho do mundo.
, a hlelórla de um asilo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986. SÁ, E. N. C. Análise de uma instituição pública
lia no 181Dr de uúde. O conjunto Juquery, no Estado de São Paulo. São Paulo, 1983, 450 f. Tese
• . • . llldo em SaOde P(lbllca) Faculdade de Saúde Pública - Universidade de São Paulo. BARBOSA, A. M. A
1

JllllllJ:_,a nagra numa lnatltulçlo modelar: o hospício do Juquery. São Paulo, 1992. 142 f. Dissertação (Mestrado
D BDClalogla) Faculdade de Rloaofia, Letras e Ciências Humanas - Universidade de São Paulo.
....
'"' 152

....
~ de assistência aos psicopatas do Estado de São Paulo compreendia um espaço asilar

"" fechado, formado por colônias agrícolas anexas ao asilo central e com assistência
....
familiar, dentro e fora dos limites do hospício. Conforme afirmava em sua "breve

resenha", Pacheco e Silva aponta que

Rápido foi o desenvolvimento dos serviços de assistência após a inauguração das novas
dependências erguidas em Juquerí (...) Em 1907 o asilo central e a colônia abrigavam 900
insanos e já se começava a sentir a necessidade de se ampliarem as suas instalações, o
que levou o Govêmo a adquirir duas fazendas vizinhas ao Hospício, situadas à margem
do Rio Juquerí, pertencentes a José Henrique de Carvalho e aos herdeiros de D.
Francisca Pereira. Em abril de 1908, dispondo de novas áreas, Franco da Rocha instalou
o sistema de assistência familiar no Estado de São Paulo, o primeiro que se estabeleceu
190
na América do Sul.

Construído fora dos limites da cidade mas com acesso facilitado pela estrada de

ferro, o hospício funcionava tanto a partir da intervenção de uma prática médica

caracterizada como profilática defensiva, que propunha encerrar o degenerado nos

limites internos do hospício, quanto por intermédio de uma profilaxia preservadora, pela

qual o saber-poder do médico intervinha bio-politicamente na vida das pessoas, isto é,

para além dos muros do hospício, medicalizando e patologizando a sociedade.

O novo hospício, situado sobre "uma colina belíssima, rodeada por 170 hectares

de terra", dividia-se em duas partes: a primeira caracterizada pelo hospício central

destinado a triagem dos ingressantes e ao tratamento dos casos agudos e uma segunda

voltada para laborterapia, com as colônias agrícolas destinadas à criação de víveres e

que serviam de subsistência aos internos e funcionários do hospital. Porém, como

evidenciado, desde o início já apresentava sinais de superlotação, algo que sempre

acon,panhou o percurso histórico da internação dos homens e mulheres que viveram a


191
experiência da clausura, da vida intramuros, vigiada, tutelada pelo saber médico.

180, PACHECO e SILVA, A. e. A anlstêncla a psicopatas do Estado de São Paulo. São Paulo: Hospital de Juqueri,
111
SÁ, E.p.N.10.
•1945. de C. An611N de uma lnatltulçlo pública complexa no setor de saúde. O conjunto Juquery, no Estado
de SI.o Paulo. São Paulo, 1983, 450 f. Tese (Doutorado em Saúde Pública) Faculdade de Saúde Pública -
Unlveraldade de São Paulo. p. 129.
,

153

"
..
... Sob essa forma híbrida, o Hospício do Juquery vem para equacionar, pela via
científica e sob o signo reconciliado da "cura" e a da "assistência", uma questão
política fundamental: conferir legitimidade à exclusão de indivíduos ou setores
sociais não totalmente enquadráveis nos dispositivos penais; permitir a guarda, e
quiçá a regeneração ou disciplinarização de indivíduos resistentes às disciplinas
~
do trabalho, da família e da vida urbana; reforçar papéis socialmente importantes
~ para o resguardo da ordem e da disciplina, medicalizando comportamentos

~
desviantes - como as perversões sexuais ou a vadiagem - e permitindo ~ue sua
reclusão possa ser lida como um ato a favor do louco, e não contra ele. 19

No início dos anos 20, sentido-se "cansado e doente", Franco da Rocha se

aposenta e em seu lugar assume, . como evidenciado anteriormente, seu ex-aluno

Antonio Carlos Pacheco e Silva. Em 1923 o médico alienista escreveu uma carta ao

jovem médico recém chegado de Paris, local em que permaneceu durante um ano

especializando-se em neuropsiquiatria, mantendo contato com as publicações e as

"modernas" técnicas utilizadas para o tratamento dos "fronteiriços", comunicando-lhe da

decisão de indicá-lo como seu sucessor. Datada de 20 de fevereiro de 1923, a carta

dizia:

Meu caro Pacheco e Silva. Nas vésperas de me aposentar e deixar o Hospital


de Juquery, que eu fiz, e do qual tenho um ciúme irreprimível, voltei minhas
esperanças para o teu lado, vendo, como vi, em V. um estudioso, esforçado no
trabalho e com grande desejo de aparecer no mundo scientifico em que se trata
de psychiatria. Vendo que nem um outro se dedicava, como V., ao estudo da
parte scientifica da psychiatria; vendo que V. esta disposto a abandonar· tudo,
clínica e mais pretensões dispersivas, para sé se entregar ao Hospício e à
sciencia, de corpo e alm a, resolvi apresentar teu nome ao Governador, na
grande esperança de que V. tra rá fama a S. Paulo e ao Hospício que eu criei,
certo de que V. corresponderá a este minha esperança. Para ser director de um
Instituto dessa espécie, se exigem qualidades que raramente se encontram
reunidas num homem. A m im m e parece que V. as tem; não me desiludas, é só
o que te peço. Sacrifiquei toda a minha vida por este Instituto; não podia,
portanto entregai-o , ao sair, a um qualquer, só por amizade ou por outro motivo
de somenos valia. Procurei um hom em moço, correcto, de moral irrepreensível e
grande estudioso, quem vai tomar aos hombros essa pezada tarefa, que a
outros, menos conscientes, parecerá coisa simples e lucrativa. Aceite V. essa
carga, em benefício do Estado, pelo qual nós todos devemos nos sacrificar. Vou
te propõr ao Dr. Presidente, que é homem superior e correctissimo; creio ~~3e
elle te aceitará.Disponha sempre deste colega e admor. (a) Franco da Rocha.

1■ . ..
• CUNHA, M. C.
..
P. O 11p1lho do mundo. Juquery, a história de um asilo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986. p. 80.
111
, PACHECO• SILVA, A. C. op. c1t. p. 23.
'

154

"
""·
Ao assumir a administração do antigo Hospital de Juquery, Antonio Carlos

Pacheco e Silva investiu seus esforços empreendedores na reorganização do asilo,


....
buscando dota-lo da "modernas" tendências da psiquiatria e à pesquisa científica. Desde

0 início da década de 1920 Pacheco e Silva trabalhava com Franco da Rocha


' '
especificamente na instalação do Laboratório de Biologia Clínica e Anatomia Patológica.

Após assumir a direção do asilo e relacionar os "problemas mentais a substratos

anátomo-patológicos" o novo administrador inicia uma série de inovações e métodos ao

tratamento psiquiátrico, dotando o espaço hospitalar de modernos aparelhos, criando

novos laboratórios, como o Serviço de Neuro-Sífilis, construindo novas colônias para

abrigar as mulheres, ampliando as já existentes para os homens e dotando o hospital de

um pavilhão para menores no qual funcionava a "Escola Pacheco e Silva" espaço

pedagógico que pretendia dar instrução disciplinar às crianças que eram enviadas para o

Juquerí.

Entretanto, a assistência aos "menores anormais" já vinha sendo efetivada desde

1, tempos de Franco a Rocha, o qual fez construir um pavilhão destinado aos menores

sexo masculino, inaugurado em janeiro de 1922 e confiado ao então médico daquele

1. , nada mais do que o próprio Pacheco e Silva. O objetivo era o de "...segregar do

dos psicopatas adultos os menores que, por apresentarem distúrbios psíquicos,

inhados para o Hospital de Juquerr'. Neste pavilhão, até meados de 1929,

eram assistidos "... recebendo tratamento médico adequado", isto é, as

faziam parte da Colônia de Alienados do Hospital de Juquery, porém, sem

adequado, que correspondesse às modernas técnicas pedagógicas,

, muitas vezes, o mesmo tratamento dispensado aos internos dos pavilhões

.. De acordo com Pacheco e Silva:


155

l' ·~
~ Nesta época, dada a necessidade de ampliar e modernizar o serviço de menores e
adotando uma série de medidas que propusemos ao Govêmo do Estado, em relatório

~
::=.)
apresentado após a nossa viagem aos Estados Unidos e à Europa, fizemos construir um
novo edifício destinado à Escola para Menores Anormais. Nesta, ao par do tratamento
médico, que já era dispensado, os menores iriam receber também instrução adequada.
~ Inaugurado em 29 de maio de 1929, o novo departamento recebeu, por iniciativa do
Secretário do Interior, Dr. Fábio de Sá Barreto, o nome de Escola Pacheco e Silva. 194

O projeto e a construção do novo edifício em que funcionaria a escola para

menores anormais foram confiadas ao engenheiro dr. Ralph Pompêo de Camargo, chefe

do Serviço de Ergoterapia do hospital. O mobiliário, " ... como recomendam os atuais

métodos de pedagogia especializada... " era feito de madeira, esmaltados ou

envernizados em cores claras com salas de aula providas de cadeiras individuais. No

mesmo edifício ficavam os dormitórios e o refeitório, dotados de camas de madeira roliça

e as mesas recobertas com pedra mármore, " ... que melhor atendem aos reclamos da

higiene.". O antigo pavilhão de menores, que passou a ser denominado "pavilhão asilo",

também recebeu reformas e ampliações " ... de forma a poder atender ao número cada

:WZ maior de internados ...", motivo de constantes pedidos de ampliação e recursos· ao


I' .
•. ~
""-· •.•

pois, o asilo atendia ao projeto de disciplinarização da sociedade, livrando a parte


195
utlva da população dos tipos humanos indesejáveis.

O serviço de assistência aos menores anormais, organizado pelo dr.Vicente

• SIiva, sob orientação de Antonio Carlos Pacheco e Silva, dividia os menores

, o dos ineducáveis, que compreendiam "... os idiotas, imbecis profundos,

estado demencial, perversos post-encefalíticos ... " e os educáveis, "... cuja

mental não é muito pronunciada e cujas desordens dos sentimentos éticos

a convivência com outros companheiros sem maior inconveniente... " como

om6dico:

• SILVA, A. C. A mlatêncla a paleupatas do Estado de São Paulo. São Paulo: Gráfica do Hospital

1 1846. p. 38,
••
,

156

...ambas as seções são dirigidas por um pedo-pasiquiatra encarregado do Serviço de


Neuro-psquiatria, de um acadêmico interno, auxiliar técnico do pedo-psiquiatra, e de um
professor encarregado da observação e orientação dos alunos e da elaboração da ficha
psico-pedagógica, de um adjunto de ensino, auxiliar das aulas e de trabalhos manuais, e
do instrutor de ginástica, ao qual incumbe a educação física dos menores. Além desses
elementos, tem o pavilhão duas encarregadas, vigilantes noturnas e encarregadas dos
serviços de limpeza. A criança, nas 24 horas que se seguem à entrada, é examinada e
observada e, conforme o caso, enviada para a escola ou para o pavilhão asilo. Entre os
requisitos necessários para o ingresso na escola tem-se em conta, em primeiro lugar, a
idade, porquanto a pedagogia corretiva só é eficaz quando precocemente iniciada. Ao
demais, a adaptação está na razão inversa do grau de evolução pubertária. Têm-se
depois em vista a idade mental e o desenvolvimento das faculdades intelectuais, que
permitem a assimilação de novos conhecimentos. Na escola são admitidas crianças do
sexo masculino dos 6 anos aos 15 anos. 196

Todavia, esta não era a maior preocupação de Pacheco e Silva. Seguindo as

propostas de Franco da Rocha seu maior intento estaria reservado à instalação de u~

local destinado os "alienados criminosos". Em sua gestão como administrador da

assistência a psicopatas no Estado de São Paulo Antonio Carlos Pacheco e Silva

procurou atuar junto aos poderes públicos demonstrando "... a urgência da instalação de

um estabelecimento à altura do progresso do Estado", isto é , a construção e instalação

do Manicômio Judiciário. Em 1926, após constantes apelos ao Governo de São Paulo,

apoiado por intelectuais ligados ao controle social e de receber o financiamento para

realizar pesquisas nos Estados Unidos e na Europa sobre o funcionamento de espaços

congêneres, transfonnado o ideal no grande propósito do administrador, inclusive, dado


197
o Interesse herdado de seu antecessor em ver construído o Manicômio Judiciário.

Embora não pudessem ser alojados "em condições adequadas" os criminosos

,onslderados loucos já habitavam o Hospital de Juquerí, isolados em enfermarias e

l9Parados dos demais internos mas observados por psiquiatras interessados na


pesquisa. em anatomia cerebral. Os estudos anatômicos empreendidos pela psiquiatria

, . ~.&,..u.,,...... .
111 ~ e SILVA, A. C. op. cit. p. 39.
• Confo.11• deam.ca o médco, "Em março de 1923 se aposentava o insigne fundador da Assistência a Psicopatas do
fal-10 da São Paulo, debcando à sua tena um hospital-colônia modêlo, que é o Juquerí, sem lograr entretanto
complà'a aua obra com a construção do Manicômio Judiciário. Sucedendo-o no cargo de Diretor de Assistência a
Palcopaje a, aaguindo a trilha do Mestre, procurámos atuar junto aos poderes públicos, fazendo ver a urgência da
lrelelra;lo da um eatabelecimento à altura do progresso do Estado. Atendendo aos nossos constantes apelos,
COiÍkllHIOB o Govêmo, em 1926, a incumbência de estudar nos Estados Unidos e na Europa as mais importantes
Olglllllzaçtlaa e>dalontes no gênero, reunindo planos e sugestões para solver tão amargo problema [a
c:n,lk-tl'1ste].• lbkl. p. 34.
'

157

'"'·
"'I
forense do início do século XX acentuavam ainda mais a noção da criminologia como

uma ciência combinada, isto é, social e biológica. As propostas decorrentes de tais

.... estudos salientavam a necessidade da criação de "clínicas psiquiatro-criminológicas"

anexas aos gabinetes de investigações, aos manicômios judiciários e as penitenciárias,

pois os elementos provocadores das práticas ilegais estariam, nestes termos, " ... adstritos

sobretudo ao campo das doenças mentais ...", situação que impunha não só a

construção de espaços hospitalares quanto à formação de psiquiatras criminalistas. Em

conferência na Faculdade de Direito de São Paulo, Pacheco e Silva apontava que a

nova profissão deveria "possuir aprofundados conhecimentos médico-sociais e legais,

além dos inerentes à medicina mental, para assim poder apreciar devidamente os

198
problemas da delinqüência".

Auxiliado por Pacheco e Silva, que retorna de sua pesquisa nos Estados Unidos e

Europa, Alcântara Machado, catedrático de medicina legal da Faculdade de Direito de

São Paulo, apresenta ao Congresso Estadual o projeto nº 3/1927 evidenciando a

problemática da criminalidade na cidade e os inconvenientes da falta de acomodações

nos espaços destinados à detenção e controle dos desajustados sociais, solicitando a

imediata construção do Manicômio Judiciário. Tal solicitação apresentava como

justificativa o grande número de "desajustados" e "delinqüentes" que eram presos pela

polícia paulistana e que necessitariam de um tratamento especializado, como ocorria na

cidade do Rio de Janeiro - e que São Paulo não poderia deixar de ter o seu próprio. O

projeto foi aprovado por unanimidade pelo congresso, transformando-se na Lei nº 2.245

de 25 de dezembro de 1927. O documento apresentado ao Congresso Estadual dizia:

1• . PACHECO e SILVA, A. C. Aspectos da psiquiatria social: o homem, a sociedade e a saúde mental. São Paulo:
Edlgraf, 1957. p. 236.
,

158

Tenho aqui, Senhor Presidente, um quadro organizado pelo Dr. Pacheco e Silva,
demonstrando que, em dezembro do ano passado (1926) existiam no Hospital
de Juqueri nada menos que 165 delinquentes. Desses, 95 nacionais e 70
estrangeiros, 65 condenados, 92 sujeitos a processo e 8 absolvidos, mas
recolhidos àquele estabelecimento de direito em obediência ao artigo 29 do
Código Penal. Da situação dos psicopatas encarcerados nos xadrezes do
Estado, não é preciso falar. Ainda ante-ontem, em artigo publicado no "Diário
Nacional" o dr. Marcondes Vieira calculava em cerca de 1.500 os alienados
existentes nas cadeias públicas e no Recolhimento das Perdizes, abandonados
ao seu destino trágico, sem assistência médica, em condições que visivelmente
não se compadecem com o seu estado de saúde, certo que o mesmo não se
poderá dizer199
dos que tiveram a felicidade relativa de ser internados no Hospital
do Juqueri.

Os índices apresentados para justificar a construção de um espaço destinado aos

criminosos refletem não a realidade dos fatos mas o que se buscava imprimir aos fatos.

Ou seja, as representações decorrentes dos elevados índices de internações e,

conseqüentemente, a violência em que a sociedade civilizada estava exposta, assumem

um poder de convencimento e credibilidade confirmador do perigo projetado, atribuindo à.

representação da criminalidade em São Paulo um efeito de real que, por sua vez, dava

sentido ao projeto de construção do Manicômio Judiciário.

Entre os criminosos loucos recolhidos ao Manicômio Judiciário de São Paulo


figuravam, em sua maioria, personalidades psicopáticas, perversos, anômalos
morais e desequilibrados com tendências impulsivas e perversões sexuais (...)
São Paulo é hoje um dos maiores laboratórios raciais do mundo e permite se
proceda a interessantes indagações de psicologia criminal (...) Foi com o
objetivo de exercer uma reclusão protetora, de ministrar assistência preventiva e
desenvolver a Psiquiatria Forense, tanto procurando esclarecer diagnósticos
como lançando mão dos modernos recursos terapêuticos, que o Estado de São
Paulo criou o seu Manicômio Judiciário, onde os internados recebem a melhor
assistência e confôrto compatíveis com as medidas preventivas impostas pelo
200
estado de cada um."

A autorização dada pelo governo à construção do Manicômio Judiciário no final

dba anos 1920, mesmo que este tenha sido inaugurado somente em 1933, acentuava o
problema da criminalidade em São Paulo ao mesmo tempo em que representava o

,. .
· MACHADO, A. Apud. SÁ, E. N. de C. Anéllse de uma Instituição pública complexa no setor de saúde. O
OO~untoJuquery, no Estado de São Paulo. São Paulo, 1983, 450 f. Tese (Doutorado em Saúde Pública) Faculdade
a •de Sm:lde Pllbllca
PACHECO - Universidade
e SILVA, de São Paulo.
A. e. A ...iat1ncla p. 67. no Estado de São Paulo. São Paulo: Oficinas Gráficas do
a psicopatas
Holptal de Juquerl, 1957. p. 34.

159

domínio da psiquiatria sobre a binômia criminalidade-loucura. As características

assumidas por alguns tipos de crimes, principalmente aqueles considerados hediondos,

conduziam o tema para um campo específico da psiquiatria que, neste processo, deixou

de ser uma ciência confinada em hospitais para doentes mentais transformando-se em

ciênCia de aplicação coletiva na qual a psiquiatria forense passou a ter papel pnoritário.
I01

Pn:,iakJlgada a Lei de 1927, o Governo do Estado de São Paulo aprova a

do Manicômio Judiciário como um estabelecimento autônomo, isolado do

da Juqueri mas em terreno próximo, aproveitando elementos daquele hospital

· , biblioteca, clínicas especializadas em cirurgia, oftalmologia,

w1iaolarii'lgologia e seções de radiologia e eletroterapia, além das linhas te!efônicas .


ena,gia elétrica, etc. Todavia, de acordo com a documentação consultada. é possível


'
dllar que a história do Manicômio Judiciário do Estado de São Paulo tem seu início em
1885. "qlando Franco da Rocha assume a direção do velho Hospício de São Paulo e lá
- - • • 15 alienados criminosos; todos homens, foram recolhidos ao Hospício da
202
. . .do Cw,110, onde ficaram em promiscuidade com os alienados criminosos".

Cat110 Franco da Rocha, que reuniu em tomo de si o primeiro núcleo de

. ~ ao estudo das "moléstias mentais", Antonio Carlos Pacheco e


:·Nid, .
~·~ ~ ; i . , ~•r~~

.
. . . ''8Cl\àva seus discípulos pennitindo que os mesmos estagiassem no hospital

tllil;. llllldanlas. André Teixeira Lima, primeiro Diretor do Manicômio Judiciário, foi um

dlíilii, · que atuavam na equipe de Pacheco e Silva como médico residente

11D .... da Assistência Psiquiátrica do Hospital de Juqueri. Os registros deixados pelo

- .,-----------
• li D Ih lt 1\GS?T 1118 o Cwal6rio Técnico do I lospilal de Juqueri elaborOU o projeto do ManicômiO JUO!Cl8.no,
mi li DN p- uma tclat;llo de 158 presos, tendo como fundamento o mapeamento realizado em 1926 por
~Jdcsafw:111cce SIMljlno.,. esW:nlecim&:lloS congêneres dos Estados UOldos. entre as quais figuram
• ~ P r, ·;· \a da. Rac-lA<rs 0Mt de Dtatror., Michigan; o Cook Country Psychopathlc Hospt.a , da
~•Qtrgzr •oS. ê.b-nalttl losplal. Cf. sA. e. N. de e. op. crt.. p. 66.
.

160

psiquiatra evidenciam o caráter centralizador assumido não só durante sua

administração no Hospital de Juqueri mas em toda sua vida pública pois sempre se fazia

nomear para os cargos de chefia e comando sobre tudo o que fosse relacionado ao

''tratamento" das moléstias mentais.

Pelo Decreto n 4.802 de 24 de dezembro de 1930 foi criada a Diretoria Geral de


Assistência a Psicopatas, a que eram subordinadas quatro vice-diretorias, a da
Clínica Psiquiátrica, do Manicômio Judiciário, do Hospital Central e das Colônias de
Juqueri. Nomeado que fomos para ocupar o cargo de Diretor Geral, prosseguimos
nos nossos tabalhos, buscando ampliar os serviços da Assistência, de molde a
poder atender aos numerosos pedidos de internação que nos eram dirigidos de
todos os pontos do Estado (...) Em dezembro de 1933 foi inaugurado, com a
presença do 8<rno. Sr. Dr. Armando Salles de Oliveira, o novo edifício destinado ao
Manicômio Judiciário, cuja organização é, no consenso unânime dos especialistas
203
estrangeiros que o tem visitado, um dos mais perfeitos do mundo.

A existência de loucos criminosos nos pavilhões do antigo Hospital de Juquerí

antes mesmo da construção do Manicômio Judiciário, é mais um indício que reafirma a

noção geral da psiquiatria moderna, que assumia para si a tarefa de esclarecer os

problemas criminológicos não só da cidade mas do Estado de São Paulo. Sob a direção

de Antonio Carlos Pacheco e Silva a psiquiatria forense paulista se expandia englobando

ainda mais o universo da criminalidade e do controle das margens.

Os registros deixados pelos administradores do hospital são reveladores no que

diz respeito às mudanças processadas nos anos iniciais da República. Conforme aponta

a historiografia e os documentos consultados, o contexto remonta um período no qual o

ramo específico da medicina, a psiquiatria forense, passou a intervir diretamente nos

assuntos do Estado propondo a emergência de políticas públicas voltadas para o

esquadrinhamento do "tecido social" capaz de localizar e retirar da malha urbana os

criminosos degenerados. Agindo com tal rigor, o Estado estaria reforçando as formas de

controle sobre os são e introjetando a idéia de defesa. "O hospício não foi uma criação

-
-. PACHECO e SILVA, A. e. op.clt. p. 12.
, lbld. p. 13.
161

republicana, mas o hospício 'científico', medicalizado, foi a forma específica que o

enfrentamento da loucura assumiu com o advento da República". 204

A criminalidade e suas associações, de acordo com os funcionalistas seguidores

das doutrinas evolucionistas que pautavam o pensamento científico da época, uma



conseqüência da vida urbana conturbada. O debate em torno das influências da

urbanização na saúde mental dos homens e mulheres potencializava a função social da

psiquiatria que se projetava sobre a multidão de forma esquadrinhadora, controlando os

comportamentos, determinando ou condicionando a vida das pessoas às normas

desejáveis de conduta social. Ao abordar as questões sobre a vida moderna o psiquiatra

destacava

Aglutinado em massas compactas, acotovelando-se nos meios de transporte,


correndo em busca de condução, transformado numa peça da maquina
industrial, o homem perdeu a sua individualidade e integrou-se no grupo
anônimo. Isso o obrigou à renúncia da liberdade de ação. O trabalho passou a
ser medido, cronometrado, estandartizado. Para se adaptar ao novo regime, o
cérebro humano viu-se forçado a um esforço ingente de adaptação. Se muitos
indivíduos lograram realizar o que dêles exige a moderna civilização, outros não
tiveram igual sorte. Inadaptáveis ou desajustados, insatisfeitos ou revoltados,
inquietos ou angustiados, agastados ou agressivos, vivem à margem da
sociedade ou colidem como o ambiente, provocando conflitos freqüentes, do
que se ressente sempre o meio familiar ou o coletivo. 205

O controle social efetivado permitiu que a medicina avançasse no sentido de

ron,per com a tutela jurídico-administrativa a que estava sujeita. A medicina trataria não

16 do corpo doente mas das cidades, processo no qual a pobreza passou a ter status de
e as grandes cidades passaram a representar um corpo que deveria ser

• Tal ampliação, atrelada a idéia de higiene e salubridade, possibilitou a

no "corpo saciar' tanto no sentido de diagnosticar suas anomalias, quanto o

o seu melhor remédio: a reclusão. Os negros, que sempre estiveram

lção modelar, chegando a compreender 12,0% dos internos,

~ '0 11p1lho cio mundo: Juquery, a história de um asilo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986. p. 57.
162

enquanto seu correspondente na população da capital equivalia a cerca de 6,0%, sentiu

na carne as vicissitudes de uma política estranguladora, segregacionista e cristalizadora


· 206
de sentimentos avessos a d emocrac1a.

Nesses termos, a perspectiva apontada permite afirmar que os supostos crimes

de Amaral não apresentam apenas uma situação de violência localizada. Os registros,

os autos do processo que indiciou José Augusto do Amaral como o "monstro negro" que

aterrorizou a cidade de São Paulo, bem como as demais fontes que recuperam a história

trágica do negro nascido livre permitem polemizar acontecimentos de largas proporções,

como os jornais que noticiaram os eventos que culminaram na morte silenciosa de

Amaral. Os documentos que desvendam o processo de construção das práticas de

controle social em São Paulo permitem entende-las como estratégias estigmatizadoras

das camadas pobres, sobretudo à população de negros, contribuindo para a

pennanência de preconceitos e representações danosas a sobrevivência em termos de

igualdade de uma população que, neste sentido, iludia-se com a liberdade e igualdade

de direitos.

.· • SILVA. A. C. Aap•~ da palqulatrta social. O homem, a sociedade e a saúde mental. São Paulo:
"7.p.11-12.
WICB da população ele negros do Juquery foram coletados e sistematizados por Rosana Machin
'"j. para qumn, as teorias racistaS propagadas pela ciência do final do século XIX e início do século XX,
"'··· . · qualll oa negroa eram uma raça inferior, levaram um tratamento "especiar· destes nas instituições
1 da~- Em aau trabalho, a pesquisadora indica que entre 1898, quando foi criado, e 1920, o índice
. que a6 saiam quando morriam era, em média, de 60%. Para os negros, esse índice subia para 70,9%
• 10% em datermlnados perfodoS. Nessa época, os negros, identificados pela degeneração da raça,
. . . . . . 1% da população da capital paulista mas, no Juquery, eles eram 12% da população interna, que variou
~~-000 padenlla. BARBOSA, A. M. A preeenç& negra numa Instituição modelar: o Hospício de Juquery.
142 f. D111er18Çlo (MeStrBdo em Sociologia) Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas -
l'1ICle de Slo Paulo.
PAR1EII

- ...
REPRESENTAÇOES DA DEGENERESCENCIA
163

Criminosos natos:
Policiamento urbano e imprensa paulistana

Os jomais que circulavam na cidade de São Paulo no início do século XX tinham

c:u,o 1arefa formar a opinião pública. Intérpretes e porta-vozes dos setores políticos, a

mpranaa paulistana transformou-se numa força poderosa de divulgação dos valores que
• p;etendiam imprimir à população urbana, cujas relações de interesse, coordenadas

poder público, impunham, cristalizando, o que seria o avesso das normas

, permitindo perceber a maneira como segmentos localizados da sociedade

.m os significados da ordem e o seu contrário.

De acordo com Lília M. SCHWAACZ, desde o final do século XIX os negros

freqQentavam as páginas dos jornais, aparecendo tanto em notícias de

dlltaqU'I como em pequenos anúncios. Consideradas como "pedaços de

, as notícias publicadas sobre os negros reconstituíam as condições de vida

...._, daquelas populações de forma desvantajosa, excludente e discriminatória,


164

dimensionando as estratégias de controle e a representação do negro na sociedade de

classes, em espec1'f'1co em s-ao p au 1o. 207

No período delimitado as elites intelectuais tinham como paradgmas teorias

raciais produzidas na Europa adotadas como doutrinas, modelos explicativos para a

• realidade brasileira interpretada como atrasada e inculta diante dos padrões impostos a

conduta social. Significativamente, os intelectuais que assumiram cargos e funções na

administração pública de São Paulo percebiam o mundo europeu como sendo ideal de

organização social, imprimindo em suas ações e planejamentos critérios

acentuadamente marcados por uma racionalização do trabalho e higienização do

espaço urbano do mundo europeu, muitas vezes em desuso.

Jorge AMERICANO, possibilita perceber o quanto as elites paulistanas

desejavam viver as experiências do cotidiano europeu ao rememorar o fato das famílias

tradicionais e ricas, cujos filhos assumiam posições de destaque no cenário político

institucional da cidade de São Pa ulo, viajarem várias vezes ao ano para a Europa, de

onde traziam, mesmo em tempos difíceis, as últimas novidades da moda e outros

aspectos, inclusive, para revende-las para as famílias que buscavam, a todo custo,
. d t· t 20a
manter o élan da vida das grandes cidades o con 1nen e europeu.

Em consonância com os valores, as regras morais de conduta e os

i:late,minismos da época, os negros, desde o final do século XIX, eram representados

JIOI jomais paulistanos como, A Platéa, A Gazeta, O Estado de S. Paulo e Folha da

, através da idéia de degeneração da raça. Identificados como alienados,

- A-
.· _ . _.... .po,llada pela autora, adotada por esse estudo, indica que " ...os jornais serão entendidos e
nn::p118doa, '11'1110, nlo enquanto situações que 'realmente' aconteceram e cuja veracidade iremos comprovar, ma
.~, . MIII anquanto eilull9Õ8S plenas de significação (...) reconstitUindo não a condição negra em si mas, antes, os
,,1,.,_mocloe como bnlnOOB falavam sobre o negro e o representavam num momento de mudanças e transformações...".
8CI MIAPCZ., L M. Ret111m em branco e negro. Jornais, escravos e cidadãos em São Paulo no final do século XIX.
• . 8lo Paulo: Companhia
AMERICANO, das Letras,
J. Sl o Paulo 1987. p. 16.
n1111 nn,po (1915-1935). São Paulo: Melhoramentos, 1962. p. 108.
165

descritos por "maus hábitos" e "costumes imorais", os negros surgem nas páginas dos

jornais, nas colunas policiais como, "bestas feras", "monstros", ''violentos", entre outros

adjetivos que reforçavam as imagens produzidas por outras falas. Nesse tempo, os

jornais paulistanos tanto da grande imprensa, quanto os da imprensa negra, divulgavam

05 valores preconizados pelos controladores da ordem como verdades acabadas.

As situações divulgadas pela imprensa paulistana, nas quais os negros figuravam

como protagonistas, invariavelmente os vinculavam a atrocidades, assassinatos, crimes

hediondos, embriagues, espancamentos, entre outros acontecimentos trágicos que os

dlstaneiavam dos padrões requeridos pelas elites políticas e dominantes. Ávida por uma
I'

notícia abrangente e polêmica, a imprensa paulistana do período também se interessava

pelas cenas de sangue que, não raro, aconteciam na cidade. Manchetes, as notícias

âabra os crimes de Amaral pareciam anteceder as investigações da polícia técnica. Os

fâpórlares dos jornais que noticiaram os crimes imputados a José Augusto do Amaral

~ os eventos trágicos da passagem de 1926 para 1927 antes dos peritos da

~ de Segurança Pessoal de São Paulo. Por relações de interesse mútuo, esses

ffllll'i1aia jornais emprestavam cópias das fotografias, laudos e demais registros que

ôli,-.~ é

os autos do processo para melhor fundamentar as publicações que

~ S• atrocidades que apontavam Amaral como o criminoso da velha estrada de

s. t.tau,I.
A I\Ollfk:açio reportada pela Delegacia de Segurança Pessoal, na portaria

enviada ao Gabinete de Investigações da Policia Technica da Secretaria de Justiça e de


Segurança Pllblica de São Paulo, permitiu não só a abertura do inquérito de Amaral,
mas a projeção de seus crimes nas páginas dos diversos jornais da cidade.

A notificação

1'9Qisbava, pedindo as seguintes providencias e procedimentos:


166

Tendo o Dr. Gilberto de Andrade e Silva, Commissario de serviço na Repartição


Central de Polícia, feito comunicação a esta Delegacia, ás 23 horas, que, na
estrada de "São Miguel", nesta Capital, foi encontrado por um transeunte, o
cadaver de uma pessoa desconhecida, semi-nú, determino ao escrivão, que,
depois de A.. esta, dê as necessárias providências no sentido de se transportar
com essa Delegacia ao local referido, notificando os Snrs. Drs. Azambuja Neves,
J osé Libero e Carlos Américo de Sampaio Vianna, os dois primeiros médicos
legistas os quais nomeio peritos, para procederem o competente exame, e o
segundo, como delegado de T echinica Policial. Preenchidas as demais
formalidades, - CUMPRA-SE. 209

Com uma redação característica dos romances policiais, bastante em moda na

época, os jornais vão desdobrando a história trágica do criminoso e de suas vítimas,

tomando os crimes cometidos um assunto polêmico e popular na cidade. Hiperbólicas,

as narrativas que evocavam os crimes imputados a Amaral vão ganhando cada vez

mais espaço na imprensa paulistana.

O jornal O Estado de S. Paulo, exemplo claro da projeção que os crimes foram

adquirindo com o desenrolar dos fatos, foi um dos jornais que de início divulgou uma

pequena nota que dizia: "Na estrada de São Miguel, próximo á primeira bomba de

gasolina, foi encontrado, hontem, á noite, o cadaver de uma pessoa, completamente nu

e já em adiantado estado de putrefação. Parecendo tratar-se de um crime seguiram ás

23 horas para o local, o delegado de Thechinica Policial e o legista dr. Azambuja Neves

(sic)•, para, dias depois, projetar a notícia como manchete do jornal, dedicando um
210
espaço significativo da página aos eventos trágicos que enredaram preto Amaral.

A publicação da pequena nota, entretanto, disseminava a máxima corrente entre

• elitas políticas e dominantes de que a cidade de São Paulo se transformava num local
PJupído para o crime, cuja população necessitava ser estreitamente vigiada. Os
8'11,1m8ntos das matérias publicadas na imprensa paulistana, mesmo que em sua

bravldade, faziam valer as reais intenções dos aparelhos ideológicos do Estado, quais

sejam, eliminar toda e qualquer forma de ameaça ao projeto civilizador proposto para o

..• Plt ;1110 Ct1me ~ 1670. Museu do Crime. Academia de Polícia de São Paulo.
..
167

mundo do trabalho urbano. Ao mesmo tempo em que as narrativas jornalísticas

enalteciam a atuação da polícia também buscavam imprimir a idéia de sua importância

social demonstrando como a polícia encontrava-se capaz de realizar investigações

minuciosas, racionalmente elaboradas, projetando-a como eficiente e preparada para

fazer cumprir as metas propostas, vale dizer, varrer da cidade tipos condenados pelas

moralidades urbanas.

Os registros jornalísticos tinham papel de destaque entre os médicos

encarregados do tratamento e curatela dos "loucos criminosos". Assumido cabalmente

WttiO fala legitimadora e inconteste, as reportagens que noticiavam os horrores da vida

moderna eram adotadas como fontes seguras, inclusive, utilizadas como recursos

diagnosticadores dos estados patológicos dos internos que, não raro, tinham suas

tragédias explicitadas pelas páginas dos jornais paulistanos. Avaliado em sua

positividade legitimadora, o valor atribuído ao jornalismo alcançava uma projeção

tamanha a ponto das notícias divulgadas servirem como elementos de reconstituição

dos atos delituosos, por expressarem, nesta medida, a verdade dos fatos.

Adotamos no Manicômio Judiciário do Estado de São Paulo a prática de fazer


recortar e arquivar todo o noticiário relativo a atos delituosos praticados de forma a
fazer suspeitar do estado de alienação mental dos seus autores. Julgamos essa
medida de grande interêsse, pois que ao estudar posteriormente os casos que dão
enbada no Manicômio nos é fácil não só reconstituir as circunstâncias em que foi o
delito praticado, como para recorrer ao Gabinete Médico-Legal e ao Instituto de
Investigações Policiais, colhendo fotografias e outros elementos que facultam o
211
estudo retrospectivo do estado mental dêsses doentes.

As notícias veiculadas nos jornais valorizavam a ação policial em quase todas as

reportagens localizadas. O texto das crônicas policiais qualificava a ação policial que, por

sua vez, não media esforços para ver suas apreensões e diligencias sempre noticiadas

210 OEs
211 • 1lldo de S. Paulo. 02.01.1927. p. 5.
· A utilização cios jornais como balizador dos diagnósticos médicos residem nas implicações ideológicas que
Pretendiam separar o mais rapidamente possível as pessoas consideradas indesejáveis do convívio com a
população mais ampla da cidade, implicação esta que dotava não só a visão de mundo produzida pelos jornais
como orientava préti0as sociais aceitas unidirecionalmente. PACHECO e SILVA, A. C. A assistência a psicopatas
no E.atado de' Slo Paulo. São Paulo: Edgraf, 1945. p. 35.
168

com glória. Ao jornalismo era conferido uma similaridade com o real tornando a

informação uma verdade insofismável, desconsiderando os filtros deformadores que

acrescentavam polifonicamente novos dados aos eventos noticiados. A segurança

depositada nas nar~ativas jornalísticas que relatavam os horrores da multidão publicados

nos jornais de São Paulo, assumia tamanho relevo que, além de fazer vender ainda

mais O veículo de informação, correspondiam a diagnósticos precisos das ações anti-

sociais processadas na cidade.

Interessada em ver estampada nos jornais suas "diligencias" a polícia permitia

que os repórteres acompanhassem as investigações, a captura e as audiências que

registravam os crimes atribuídos a preto Amaral, criminoso que ficou conhecido como

uma das figuras mais sinistras de toda a crônica policial paulista pois, como observou

Célia de BERNARD! "era necessário, portanto, demonstrar à sociedade que o governo

estava empenhado em controlar a criminalidade, através de medidas preventivas,

perseguindo elementos suspeitos, detendo-os, com o objetivo de investigar os

'atentados quase diários que vinham praticando contra a propriedade e a vida do

próximo"'. 212

As informações noticiadas pelos jornais paulistanos tornavam patente que para a

polícia paulistana, assim como os demais agentes do controle social na cidade de São

Paulo, as pessoas que viviam na pobreza, que não tinham uma vida "adequada" aos

padrões impostos como sendo desejáveis tomavam-se imediatamente suspeitas pois,

carregavam os vícios que produziam malfeitores e criminosos. Logo, a vida fora do

C8nbo, às margens da sociedade era um dado suficientemente cabal para a

desconfiança da conduta de um "indivíduo". Contudo, não havia muitas possibilidades


para os negros despossuídos, marginalizados por possuírem comportamentos
169

considerados pelas elites como perniciosos, impedidos de conviverem em igualdade na

vida social mais ampla da cidade de São Paulo.

A Folha da Manhã, ao noticiar o crime, descreve as diligencias feitas pela polícia

para a identificação da vítima e outras providências permitindo observar como a

suspeição generalizada recaía sobre os negros, sobretudo os da plebe. Este fato denota

como a polícia representava os negros pobres que viviam na cidade de São Paulo,

vinculando-os aos comportamentos anti-sociais e violentos, e por isso, passíveis de

serem indiciados como criminosos em potencial.

O dr. Ramir~ Garcia, comn:!ssári? da Delegacia de Segurança Pessoal,


prosse~ue act1vamente nas d1hgenc1as para descobrir o paradeiro do bárbaro
assassino de um menor, crime este verificado em condições revoltantes na noite
de s~bado ultimo, na estrada de São Miguel, próximo a primeira bomba de
gazohna. A besta-fera, como noticiamos, depois de agarrar e luctar com sua
desventurada victima, passou-lhe um cinto de brim em tomo do pescoço,
enforcando-a! Não contente com isso, o miserável estuprou a desgraçada
creança, maltratando-a horrivelmente. Após várias pesquizas, encontrou a
autoridade um bonnet, que foi reconhecido por um moço, que se apresentou
hontem no gabinete, como pertencente a seu irmão José Lemes, de quem não
tem notícia desde sabbado. O dr. Juvenal Piza mostrou-lhe então a photografia.
O moço, ao divisar aquella physionomia completamente desfigurada, rompeu
em pranto. Não podia bem comprovar ser aquella photografia se seu irmão. De
fato, o estrangulamento, deformando os traços individuais, dá margem a que se
torne difficilmente reconhecíveis as pessoas. No Gabinete de Investigações,
acham-se detidos vários indivíduos sobre os quaes recaem suspeitas de autoria
do barbara crime. Entretanto, sem que se conheça com segurança a identidade
da victima prosseguem ainda, sem solução, as diligencias. O dr. Juvenal Pizza
ordenou a um de seus auxiliares que fosse á residencia do suposto irmão da
victima, afim de que a mãe desse comparecesse ao Gabinete. O estado de
commoção que ficou o rapaz ao vêr a photographia não lhe permitia articular
uma palavra siquer. Em automóvel da autoridade seguiram o investigador e o
jovem, para a Villa Maria, onde reside o ultimo. Até o momento que fechávamos
o nosso expediente não havia chegado a Delegacia de Segurança Pessoal o
rapaz que suppõe ser a victima um seu irmão. Esse rapaz, conforme dissemos
acima, não encontrára sua mãe que tambem havia sahido á procura do filho.
Esperamos poder fornecer na "Folha da Noite" aos nossos leitores informações
213
detalhadas sobre o caso.

A notícia, além de ressaltar as ações policiais no combate a criminalidade na

cidade de São Paulo, suas técnicas e a capacidade de investigação da Delegacia de

Segurança Pessoal, permite perceber de forma emblemática a condição de vida dos

2 • BERNARD!, C.
212 O lendário Menaghettl: imprensa, memória e poder. São Paulo: Annablume, 2000. p. 75.
18
· Folha da Manhl. 04.01.1927. p. 4.
170

trabalhadores pobres e o caráter profilático assumido pela polícia paulistana em relação

aos negros ao indicar "acharem-se detidos vários indivíduos" suspeitos de terem

cometido o crime da estrada S. Miguel. Associada a notícia veiculada no mesmo dia pelo

jornal o Estado de S. Paulo, a questão da suspeição generalizada torna-se ainda mais


evidente, pennitindo ao público leitor associações diretas entre os negros e o mundo do

cn·me. 214

O crime hediondo de que foi victima o desventurado menino de 14 annos,


encontrado estrangulado, com as vestes estraçalhadas, semi-nu, na estrada de
São Miguel, dois kilômetros além da Penha, continuou ainda, durante o dia de
hontem, a preoccupar a delegacia de segurança pessoal, que se vê na
obrigação de esclarecel-o para a punição que merece o miserável malfeitor. A
impressão que o caso provocou, de verdadeira repugnância, teve larga
repercussão, aumentando de momento a momento o clamor popular, em torno
da selvageria de que foi victima o menino. Nas suas pesquisas, a delegacia de
segurança pessoal, procedendo a minuciosas buscas nos arredores do local em
que se deu o bárbaro crime, arrecadou pedaços das vestes da victima e um
bonet de casimira escura, que se presume pertencente à mesma. Em outras
diligencias, inspectores daquella delegacia detiveram um preto, que se tornou
suspeito, por uma série de coincidências que o compromettem. O referido preto
encontrava-se nos arredores do local do crime, quando o mesmo se deu, sendo
que vinha de Mogy das Cruzes, onde trabalha em serviços de arruamento de
terrenos, para venda de lotes. Esse indivíduo nega qualquer participação no
repugnante attentado. A autoridade que se vem dirigindo as pesquisas, o dr.
Juvenal Pizza, certamente que encontrará recurso no campo das suas
investigações, para apurar muito bem o que há de verdade nessas declarações,
lançando mão dos meios ao seu alcance que venham corroborar, nas provas da
215
responsabilidade do preto detido por suspeito.

Autorizadas pelos determinismos da suspeição generalizada, as quais tornavam

os negros suspeitos em potencial, as detenções das pessoas de cor não eram

ocasionais mas produtos de um tratamento discriminatório e segregacionista. As práticas

de controle social exercidas pelo policiamento na cidade de São Paulo, publicadas na

Imprensa paulistana, noticiavam casos que explicitavam calculadamente os temores

raciais de uma sociedade que associava a degeneração à inferioridade atribuída aos

negros.

214 · Como ra1terou Sidney CHALHOUB, •...a 'teOria' da suspeição generalizada passou a fundamentar a invenção de
uma eabaléglli de raprassão continua fora do6 limites da unidade produtiva..." pela qual os negros, não mais
ICOnW4ado8 ao local de trabalho, se tomaram suspeitos preferenciais cujos defeitos "insuperáveis" os coJocavam na
cordçlo permanente de ctassrs pengosas.". CHALHOUB, S. Cidade febril. Cortiços e epidemias na Corte imperial.
21
11
E Paulo: Companhia das Letras, 1996. p. 24-5.
Slo
· 0 etlldo da S. Paulo. 04.01 .19'Zl. p. 5.
171

o artigo veiculado pelo jornal O Estado de S. Paulo se toma expressivo pois

permite observar que o local do crime era um espaço comum, de passagem, utilizado

por trabalhadores que iam longe para ganhar o seu sustento, pessoas pobres e,

significativamente, negras, como o homem que foi detido pela Delegacia de Segurança

Pessoal sob suspeita de ter sido o autor do crime por se encontrar nas proximidades em

que O corpo do menor estrangulado foi encontrado. Todavia, à medida que os corpos

vão sendo localizados, os eventos trágicos que remontavam os crimes hediondos

passavam a incomodar uma população já revoltosa, exigindo da polícia uma imediata

solução para os casos de homicídio noticiados com regularidade diária nos jornais
216
paulistanos.

O caso das mortes ocorridas na passagem de 1926 para 1927 adquire contornos

de manchete na imprensa paulistana quando os crimes processados apresentam

características de crimes sexuais, ou seja, quando os corpos dos menores encontrados

apresentam sinais de violência sexual, de sadismo e de necrofilia. Esses dados,

diagnosticados pelo Gabinete Médico-Legal da polícia de São Paulo, ampliavam os fatos

cujas imagens produziam representações confirmadoras das teses raciais que

assinalavam a inferioridade bestial dos negros, sempre tomados como suspeitos e

culpados pelas atrocidades divulgadas. Pouco a pouco, Amaral deixava de ser um

personagem anônimo passando à celebridade no mundo do crime, reconhecido como

"monstro negro", "besta fera" que estrangulava menores do sexo masculino para, em

seus cadáveres, satisfazer seus instintos libidinosos.

.,. · Como l&lienta Borla FAUSTO ao especificar os desfechos de processos segundo a cor dos acusados, "...não se
trata de apenas de preconceito generalizado contra o preto; o que se tem diante dos olhos, cabisbaíxo diante da
lmpo!Ancla da 181a de sessões, é um ser inferior - preto e pobre -, acusado de um delíto com relação ao qual há má
__doa Julgadores leigos ou togados, defendidos apenas formalmente por um advogado de círcunstância."
vontade
FAUSTO, d . Crime• cotidiano. A c riminalidade em São Paulo (1880-1924). 2 ed. São Paulo: Edusp, 2001 . p. 259.
172

No período estudado, a regularização do sexo ou o sexo desregrado foi objeto de


'
uma "atenção desmedida". O corpo e os afetos passaram a ser cuidadosamente

dirigidos por uma moral coercitiva que codificava os comportamentos e as intimidades

visando controlar a sexualidade das pessoas, critério para o repovoamento

embranquecedor da população nacional. Para tanto, os papeis sexuais foram

esquadrinhados pela medicina que passou a ditar regras à conduta sexual dos homens

mulheres, redefinindo valores e atitudes. A moralização da conduta sexual, como


8

destaca Jurandir Freire COSTA, já vinha sendo processada bem antes da década de

1920 pois, para o autor,

Essa hipertrofia da consciência individual no tocante a seu corpo e aos afetos fazia parte
do plano de formação da consciência de classe e raça necessária ao progresso do Estado
nacional (...) No mesmo momento, criava-se a consciência de raça ou racismo. O corpo
forte, sexual e moralmente regrado, foi medicamente identificado ao corpo branco. Para
isso utilizou-se, ordinariamente, a figura do escravo como exemplo de corrupção física e
moral. No entanto, outras "raças" foram episodicamente contrastadas aos brancos para
217
mostrar a superioridade destes últimos.

As sexualidades múltiplas e periféricas, nesse sentido, atraíam o foco das

atenções dos controladores da ordem. Práticas sexuais consideradas nocivas como a

homossexualidade, a bigamia, a prostituição, o onanismo, entre outras, reforçavam a

interdição médica e jurídica no corpo social por corresponderem ao grande eixo das

políticas normatizadoras que visavam , em síntese, interromper o surgimento de proles

degeneradas. corrompidas moral e fisicamente.

Por intermédio da regularização do sexo, a medicina buscava reprimir práticas

sexuais consideradas desqualificadoras, geradoras de fraquezas que atingiam o físico e

0 caráter das pessoas, definindo, assim, suas personalidades. Já o direito, procurava

legalmente manter o contingente de desajustados longe da população disciplinada,

punindo os infratores. Boris FAUSTO destaca que no período os ,imigrantes viam os

brasileiros com desprezo pois, " ... a maioria dos brasileiros não passava de gente
173

acomodada(... ) Os mais radicais assumiam, talvez até sem saber, uma noção presente

em alguns escritos que vinculava os 'males do Brasil' à degenerescência racial (...) tal

representação funcionou como uma barreira meio precária ao casamento de gente de

certas etnias com b ras1·1e1ros


. e b ras1
·1 eiras
. .". 21a

Nas primeiras décadas do século XX, a conduta sexual era tomada como objeto

de análise e alvo de intervenção em direção a uma economia política da população,

natalista e antinatalista. A identificação e interdição dos degenerados interromperiam a

geração de novos desviantes sendo esta uma das estratégias encontradas para depurar

os males que, por seu turno, poderia inviabilizar o projeto elaborado para o país.

Emblematicamente constituídas pelas teorias raciais, as quais atestavam o estado de

imperfectibilidade da população nacional, a miscigenação das raças, por um lado,

parecia confirmar que o cruzamento das raças conduziria ao desejado branqueamento

da população, por outro lado, parecia enfraquecer as pessoas na medida em que a

mistura racial comprometeria a natureza pura e evoluída dos brancos.

Seja como for, as orientações médicas reforçavam a idéia de que o melhor a

fazer seria manter a pureza racial ao máximo, evitando conjunções interétnicas. Para

muitos os casamentos entre brancos e negros constitu ía-se em uma vergonha familiar

pois, desde os tempos coloniais, os negros eram representados como fonte de doenças,

Produtores de defeitos morais, prostituição e desregramentos morais e sexuais. "Os

negros estúpidos e broncos por natureza e educação, desconhecendo o sentimento de

Pudor e da castidade, e dotados de um temperamento erótico e conseqüentemente

muito libidinoso, são neste estado lançados no seio de nossas famílias como

wn::tadeiros autômatos de nossa vontade ...". Tal representação, avançou décadas,

81T ·- - - - - -- --
.,•• COSTA, J. F. Ordem m6dlca e norma tamlllar. 4 ed. Rio de Janeiro: Graal, 1999. p. 208-9.
· PAU810, 8 . Neg6cloe e 6clae. Histórias da Imigração. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. p. 67.

. ---~.,.
--
174

séculos, cristalizando sentimentos e linguagens que, ainda hoje, reproduzem de forma


·
virulenta uma con d uta racista. 219

Retomando as fontes jornalísticas, tem-se a evidência de um discurso

representativo do ideário racista pois, o emprego de palavras e frases estereotipadas,

que percorre todo o material consultado, comprova a persistência de uma mentalidade

que, sustentadas pela força da tradição, segregava os negros, em específico aqueles

que não possuíam um emprego ou endereço fixo, como os negros da plebe.

A sociedade paulistana acaba de ser alliviada de um dos indivíduos mais


nocivos que têm pizado o nosso solo. Esta, a conclusão a que se chega, em
face das arremedidas criminosas, simplesmente revoltantes em que se
li
especializou o famigerado bandido José Augusto do Amaral, que os nossos
leitores ficaram hontem conheccendo, por atravez de sua autobiographia. Após
as tétricas confissões, ninguém mais podia acreditar que elle permanecendo
com a mesma physionomia calma, com a mesma atitude pacifica, fosse o autor
de semelhante derrocada. Mas, com a espontaneidade com que o fizera,
constatava a sua tara. E só. Hontem , pela manhã, José Augusto, conduzido num
carro forte da Policia foi ao local dos crimes, no Campo de Marte. A caravana
que o acompanhou foi enorme. O dr. Juvenal Piza, delegado de Segurança
Pessoal fez, em companhia do dr. Sampaio Vianna, delegado de Technica
Policial, o levantamento dos cadáveres. O miserável autor de tão horripilantes
crimes, não se perturbou diante dos esqueletos de suas victimas e acompanhou
todas as diligencias. 220

A leitura das crônicas policiais que noticiam o caso de preto Amaral permite

identificar, para além do segregacionismo costumeiro, relações sociais subterrâneas,

travadas nos fortuitos da vida. Como poderá ser observado, as contingências que

levaram aos assassinatos ocorridos no final dos anos 1920 trazem a tona um cotidiano

marcado pela pobreza das vítimas, cujas famílias, muitas vezes dilaceradas,

enfrentavam os problemas da falta de emprego, fator que estimulava as v ítimas a

seguirem o seu algoz na medida em que sempre havia uma recompensa financeira caso

este se fizesse acompanhar.

211 l•A,_,.. , 122


220• --=:DO JUNIOR, J. A. de A. Apud. COSTA, J . F. op. cit. p. .
· Folha da Manhl. 06.01 .1927. p. 9.
175

De fato, no período em que os crimes ocorreram, não havia trabalho suficiente

para abarcar a mão-de-obra disponível, mesmo a estrangeira. Conforme salienta Boris

FAUSTO, o contexto histórico é acentuadamente marcado por greves e manifestações

de resistência a ~xploração da classe trabalhadora. Longos e violentos, esses

movimentos fizeram subir o índice de pessoas sem ocupação, acirrando ainda mais os

conflitos e as tensões urbanas, significativamente na cidade de São Paulo. 221

As vítimas de Amaral aparecem nos registros anexado aos autos do processo

crime instaurado em janeiro de 1927 totalmente inseridos na paisagem urbana,

procurando por trabalho, trabalhando informalmente ou querendo ganhar algum dinheiro,

prestando pequenos favores a quem quer que fosse. Suas funções, reveladoras das

condições de vida que levavam , são identificadas como engraxates, filhos de operários e

imigrantes, meninos, rapazes, vitimas de uma morte brutal, eles surgem solitários,

caminhando pela cidade, sentados nos bancos que se estendiam pela Avenida

Tiradentes, perdidos pelas ruas de São Paulo ou simplesmente brincando, como o caso

do garoto encontrado nas proximidades da rua Canindé, no alto do Pari ou aquele

avistado jogando níqueis nas proximidades do mercado de verduras.

Os jornais igualmente oferecem os cenários por onde circulavam as pessoas que

José Augusto do Amaral confessou ter assassinado. As atrocidades que davam relevo à

divulgação dos crimes da estrada velha de São Miguel permitem perceber os lugares

que as vítimas de preto Amaral viviam, onde moravam, como se vestiam, quais eram as

suas origens, como explicita a Folha da Manhã ao divulgar o encontro da mãe de uma

das vítimas:

221
· AD avaliar a conjuntura 1917-1920, Boris FAUSTO informa que, o Brasil realiza mais um oneroso acordo para
COneollclar suas <tMdas extemas. Para o autor, "no plano interno, as conseqüências mais penosas da recessão se
abalam aobre as classes populares, que sofrem os efeitos do desemprego, da redução dos salários, da perda de
peq'--nu conquistas..." FAUSTO, B. Trabalho urbano e conflito social. 5 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,
2000. p. 157.
176

O revoltante crime registrado ha dias na estrada de S. Miguel, que tamanha


repulsa causou nos nossos meios sociaes, acaba de ser completamente
desvendado, após a apresentação, no gabinete, da sra. Maria Claudina de
Vasconcellos. Essa senhora, que segundo se esperava, desde ante-
hontem, seria a mãe da victima. Nesse dia, comparecera à presença do dr.
Juvenal Piza um rapaz de nome José Lemos, que, vendo a photographia da
victima, cahira num transe doloroso, dizendo tratar-se de seu irmão, embora
não pudesse confirmar de prompto. Sua mãe é que poderia esclarecer bem
esse ponto. Comparecendo então ao gabinete, hontem , por volta das 15
horas, d. Maria Claudina teve occasião de constatar a commovedora
verdade. A victima era, de facto, seu filho Antonio, de 15 annos. Residindo
com sua mãe na Villa Maria, Antonio tinha mais dois irmãos, um José,
carroceiro, e outro, Antonio, empregado da Typographia Siqueira. Seu pae,
Valencio Lemos, acha-se actualmente enfermo em S. José dos Campos.
Revelou d. Maria Claudina ao dr. Juvenal Piza que no dia 1°. do corrente,
Antonio sahira de casa Á PROCURA DE TRABALHO. Seriam 7 horas,
quando, após receber conselhos seus, o menino sahira de sua residencia,
nos fundos de um predio da alameda Antonio Maria, com destino à Fabrica
de Tecidos de Juta, em Sant'Anna. Vestia paletot de brim claro, calças, um
pé de botina calçado e outro embrulhado. Como não mais voltasse ao lar o
filho querido, d. Claudina resolveu, no dia seguinte, procurai-o, o que fez
sem o menor resultado. Sabedora, porém, de que se havia dado um crime
na estrada de S. Miguel, em que figurava como victima um rapaz nas
condições de Antonio, foi que resolveu mandar seu filho_ José ao gabine~e ,
afim de se certificar do que houvesse nesse sentido. Estava, pois,
estabelecida a identidade da victima, e a policia, habilitada para iniciar as
. ·
diligências que resultassem na descoberta d o criminoso. 222

Filtrada pelo juízo de valor do jornalista, ampliando a polissemia

singulannente existente nos documentos provenientes dos Órgãos do Poder

Judiciário, com destaque para os processos crimes, a narrativa evidencia uma

cidade matizada pela constante mobilidade de pessoas. Não por acaso, as palavras

que o artigo destaca implicava em um redimensionamento da personalidade da

vftlma destacada pelas lentes do trabalho, vale dizer, a vítima aparece envolta em

aua honestidade por se tratar de um trabalhador ou, pelo menos, de uma pessoa "á

~ra de trabalho". Nesses termos, a associação direta que remete a vítima à


. .. .
'

lafera do trabalho, membro menor de uma família de trabalhadores, visava não só

Provocar comoções entre os leitores mas reiterar a positividade e a idéia de

pertencimento que o trabalho representava.

1112
· Palha cla Manhl. 05.01.1927. p. 5.
177

Neste ponto, cabe relembrar que José Augusto do Amaral, mesmo tendo sido

preso diversas vezes por vagabundagem, não era um ocioso. A documentação

coligida apresenta preto Amaral realizando pequenas tarefas, trabalhos esporádicos

ou servindo o Exército Nacional nas frentes de batalha em diversas partes do Brasil.

Mesmo que tenha dissertado na maioria das vezes, Amaral não poderia ser

considerado uma pessoa desafeta ao trabalho até porque como poderia arranjar um

emprego em uma sociedade que substituíra a mão-de-obra existente pela do

imigrante europeu? Quais seriam as perspectivas para uma pessoa cujas

referencias familiares se perdera no tempo?

Contudo, retomando a questão do trabalho infantil, apontado nos jornais como

um elemento qualificador de suas vítimas, é preciso indicar, como permite entrever

Maria Auxiliadora Guzzo DECCA, que o trabalho de menores era uma prática

comum entre as famílias pobres e desenraizadas que viviam em São Paulo no

período, como as famílias de imigrantes operários, cujos filhos tinham que contribuir

para o sustento e provisões do lar, mesmo que tal prática fosse considerada ilegal.

As crianças menores de doze anos, impedidas por lei nos fins da década de
10 e inícios da década de 20 (Código Sanitário) de exercerem trabalho
remunerado em qualquer estabelecimento, ocupavam-se em geral de
biscates, pequenos serviços que completavam os ganhos das famílias. No
decorrer da década de 20, no entanto, inúmeros estabelecimentos
industriais onde não existia assistência médica organizada burlavam a
legislação existente, o que permite supor que, sempre que possível, mesmo
menores de doze anos trabalhavam regularmente (... ) sempre que possível,
meninos e meninas, por volta dos doze, treze, quatorze anos, começavam a
trabalhar fora de casa, contribuindo decisivamente para o orçamento
familiar. Segundo alguns, mesmo nas "classes médias" o trabalho dos
garotos não podiam ser dispensado, estes muitas vezes ajudando suas
223
mães no pagamento de aluguel da casa.

223
• DECCA, M. A. G. A vida fora du Mbrtcae. Cotidiano operário em São Paulo 1920-1934. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1987. p. 24. Sobre este aspecto, Zélia Lopes da SILVA acrescenta: "...com relação ao Código de Menores

._.
~ (Decreto 17.943-A, de 12/12/1927) a objeção da burguesia diz respeito à jornada de trabalho de seis horas definida
para este trabalhador. O art. 108, do referido decreto, estabelece que o trabalho de menores, abaixo de 18 anos, não
P0clefé 8>ecedw( aquele período, Interrompido por um ou vários repousos, cuja duração não poderá ser inferior a uma
hora. A rejelçlo por parte dos Industriais, da Jornada de trabalho de seis horas, baseia-se no entendimento de que
:ua Implantação desorganizaria a produção na indústria do algodão, dado que 80% dos operários, nas seções de
ação, alo menores de 14 a 18 anos.". SILVA, Z. L. da. A domesticação dos trabalhadores nos anos 30. São
Paulo: Ma100 Z8rolCNPq, 1991 . Sobretudo a parte intitulada "A experiência da década de 20".
178

Os espaços urbanos revelados pelos documentos evidenciam uma cidade bem

diferente da imaginada por seus representantes. Como abordado anteriormente, tais

representantes, quase sempre médicos e advogados, pretendiam uma cidade

higienizada, disciplinada de acordo com as ordens médicas e as posturas jurídicas.

Nesse sentido, a "regeneração dos menores", futuro da nação, apresentava-se como

"um momentoso problema", como afirmava Antonio Carlos Pacheco e Silva, exigindo

das autoridades competentes medidas enérgicas ao combate da infância desvalida,

geradora, no pensar das elites, de uma periculosidade precoce, de uma criminalidade

latente.

Uma forma possível, veementemente assumida pelo médico psiquiatra, estaria na

reeducação dos costumes que, de acordo com suas orientações, divulgadas em

palestras, encontros, cursos, entre outros canais de informação, deveria ser promovida

por educadoras sanitárias, pedagogas, assistentes sociais e professoras como uma

miasão civil a ser cumprida. Para o médico, a pedagogia teria um papel crucial na

pulverização das normas e moralidades impostas. A escola seria um campo de

reprodução de valores cívicos, da disciplinarização dos corpos.

As nossas autoridades, a imprensa e o público mostram-se justa e seriamente


alannados com a agravação desse problema, clamando por providências
enérgicas para que se não agravem inda mais os riscos, que a grande incidência
da criminalidade dos menores oferecem para a sociedade, ameaçada
constantemente por elementos cuja periculosidade precoce constitui indício
evidente da necessidade de se encarar seriamente a situação e de buscar 224
remediá-la pela adoção de providências adequadas e medidas enérgicas.

Como salientou Marta Maria Chagas de CARVALHO, nas primeiras décadas do


: <
86culo XX howe, no Brasil, uma proliferação de discursos que buscaram legitimar-se

enquanto um novo saber pedagógico, "moderno, experimental e científico". Reproduzido

Junto as escolas paulistanas, esse discurso configurava a infância como objeto de

114. PACHECO e ·- --
SILVA, -AaperAoe
A. C. -- de pelqulatrla aoclal. São Paulo: Edigraf, 1957. p. 109.
,_)
1711
◄[-~:,
,. ......---
~~
intervenção disciplinar, discriminando as crianças normais dae anormais ou

degeneradas, as quais deveriam ser excluídas das escolas para os normais como
-~
medida profilática. "Nesse horizonte, critérios raciais, nem sempre e,cplicltados, traçavam

os limites das boas intenções republicanas, operando a distinção entra populações

educáveis, capazes portanto de cidadania, e populações em que o paao da

hereditariedade (leia-se, sobretudo, 'raça') era marca de um destino que a educação era
225
incapaz de alterar.".

Juntamente com as imagens da infância desvalida, as narrativas publicadae na

1 ~• imprensa paulistana sobre os crimes processados trazem à tona lugares da cidade nos
'-
quais Amaral, o suposto assassino, teria passado com suas vítimas, recuperando os

momentos que antecederam as mortes dos garotos encontrados estrangulados e

violentados sexualmente. Assim, o Botequim do Cunha, a Avenida Tiradentes, a esquina

da rua João Theodoro, o Restaurante Meio Dia, os botequins da rua Lourenço Gnecco, o
l S ::,
Mercado Municipal, os bondes que levavam à Lapa, as blanquetas do rio Tamanduateí

surgem nas páginas dos jornais identificando os locais freqüentados por "preto Amaral".

Os corpos encontrados possuíam um perfil comum caracterizado pela Delegacia

de Segurança Pessoal de São Paulo como "jovens neófitos", crianças que vivenciavam

as experiências da passagem da infância para a adolescência. Como evidenciado

anteriormente, no período em que os crimes aconteceram a sociedade paulistana vivia

uma trajetória inexorável, marcada por uma pobreza extrema e por uma crescente

marginalização do menor, tais fatores favoreciam a desapropriação da infância em favor

da luta desenfreada pela sobrevivência. Porém, os critérios que pautavam os discursos

225
- CARVALHO, M. M. C. de. Quando a história da educação é a história da disciplina e da higienização das pessoas
ln: FREITAS, M. C. (Org.) História Social da Infância no Brasil. 3. ed. São Paulo: Cortez, 1997. p. 298.
180

...J~
produtores de verdade eram outros, como é possível observar decodificando a retórica
_)
~ de Antonio Carlos Pacheco e Silva:

A ausência de planos de urbanismo, a carência dlt case• popullna, a 11111a de


cuidado na planificação das cidades, onde nlo hi transpOl'IIII, em 00nllllnt8
crise de habitação, criam problemas graves, geram a pw:d1c~ :uld·1d•■· ■llra
aquêles que vivem em favelas e cortiços, verdadeiras sscalns de, a~:16, nea
quais prosperam marginais e associais, que não raro • val11s: daa ::ulftDIIII
para melhor exercerem a sua atividade pemiclose ei tora da laL Albll11011te1 em
abandono costumam freqüentar bares, cafés, bllhar'N, balaqulne. baalaa,
inferninhos e dancings, onde, sugestionados pelo amble1!1a e lnd!Jzlrtaa.peloa
presentes, se iniciam no fumo, no álcool, na maconha a em oulrae ~ que
envenenam a inteligência, debilitam a vontade, llbaram lmpulaoa e lncllam ao
226

~ crime.

::) Nesse sentido, os locais que congregavam os populares, como ba1'8S, cafés,
pequenas salas de teatro, os quais atraiam as pessoas que passavam a procura de

trabalho ou trabalhando nestes mesmos espaços deveriam estar sob constante

vigilância. Controlados por autoridades institucionalizadas, como a policia e a vigilãncia

->
• :-:> sanitária, os imigrantes pobres, os nacionais despossuídos e especificamente os negros,

---~
~ ........
eram instruídos não só a adotarem medidas higiênicas mas a reproduzirem os disaJrsos

~--
-- elaborados pelos controladores da ordem, os "delegados da saúde saciar• que viam a

permanência das crianças nas ruas, com seus vícios e contravenções, não só uma

transgressão da lei mas um agravamento social que traduzia o estado patológico

degenerativo das populações .

...-
.
Este diagnóstico agravava-se na medida em que os controladores da ordem
~
revalorizavam a infância, reiterando de diversas maneiras imagens e representações da

criança como herdeiras do novo regime que se instalava. Ao analisar a construção da

identidade da criança e do adolescente um momento considerado particularmente

importante da história de São Paulo, qual seja, o da passagem do século XIX para o

século XX, confrontando a situação vivida por crianças e adolescentes das camadas

226
. PACHECO e SILVA. Op.cit. p. 112.
...
4-4dif""""'-~

[~

economicamente menos favorecidas com os diferentes discursos em tomo da I'

1~ da adolescência Esmeralda Blanco Bolsonaro de MOURA argumenta:


.)
Do âmbito das representações para a dlnAmlca das NM, i
adolescente que as primeiras décadas republicanas noa colocam
olhos estão no trabalho das fábricas e oficinas, às voltas com a
vagando simplesmente pelas ruas, engrossando os quadloe
alheios", da prostituição e da criminalidade, encarcerados nas
por crimes que . vão da vadiagem ao homicídio. SIio,
personagens na cidade que cresce, correspondendo em 1920 a Ol'Ht·
mão,de-obra empregada no setor secundário no Estado da ~
responsáveis, no período de 1900 a 1915 por exemolo, 227 por ,
21% das ocorrências policiais registradas na Capital.

A leitura dos documentos que dão suporte ao estudo empreendido

observar que a criança está presente na vida urbana da cidade de São A

maneira expressiva, figurando nos discursos produtores de verdades por inte1

adoção de comportamentos negativos do ponto de vista da organização higiênl

cidade nos anos iniciais do século XX contrariando as ordens médico-legais


=, intelectuais que assumiam poderes político-adminstrativos no período e que viam na

exposição dos vícios, no alcoolismo, na sexualidade prematura nas quais as crianças

eram submetidas ao vivenciarem o mundo dos adultos os principais elementos


causadores da delinqüência infantil. Contudo, as crianças e os adolescentes

permaneciam ativamente na vida cotidiana da cidade, dentro e fora das fábricas.

Como Professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo,

Antonio Carlos Pacheco e Silva escreveu uma série de artigos que versavam sobre

loucura e criminalidade, entre os quais encontram-se vários dedicados ao problema da

criminalidade infanta-juvenil, questão que parecia ocupar boa parte do esforço intelectual

do ilustre médico paulistano.

227

- MOURA, E. B. B. de. Meninos e meninas de rua: impasse e dissonância na construção da identidade da criança e
do adolescente na República Velha. Revista Brasileira de Histó ria, São Paulo, v. 9., n.17, set. 88/fev. 89. p. 139.
Consultar também: _ _. Crianças operárias na recém-industrializada São Paulo ln: Dei PRIORI, M. (org.) História
das crianças no Brasil . São Paulo: Contexto, 2000. p. 259-258.
Outro ponto de reflexão do autor era a questão da sexualidade crtminoaa, tema

sobre O qual se dedicou em estudar e para o qual preto Amaral tornou-se o exemplo

máximo. Julgando as diferentes anomalias como ''fenômeno bio-psioo-sociar o mlidlco

se auto-denominava " ...tanto por sua formação biológica, psicológica, como soclol6glall".,
.
indicado para coordenar os esforços dos diferentes especialistas que se ocupavam
só da delinqüência infantil mas da assistência a todos os psicopatas de Slcl
'°f';,'lfl~

Todavia, tratando especificamente da delinqüência infantil, a visão

assumida pelo médico afirmava:

Crianças sem lar, abandonadas nas ruas, começam geralmente


de que encontram mais facilmente ao seu alcance. Furtam nos marcadal
feiras, frutas e guloseimas, que não podem adquirir para satisfazer llTI
um capricho. Há casos dolorosos, em que se mostram elas irr,pota11111
resistir aos imperativos do instinto de nutrição, máxima na fase do
motivo por que são levadas a se apoderarem de alimentos ao seu
Outros fazem a sua iniciação criminosa no lar ou fora dêle, furtando pequm,lif
quantias em dinheiro ou objetos de pouco valor, que vendem por quantia
ínfimas, para, com o produto, irem ao cinema e outras diversões. Vão, ao
depois, ascendendo ao delito. O fato de não serem descobertos, a tolerAncia ou
a impunidade, levam-no a se sentirem mais seguros. Vão se tomando cada vez
mais ousados e audaciosos, cínicos ou perversos, reincidindo sempre com
maior freqüência e agindo cada vez em maior escala (...) A rua é a grande fonte
de perversão. Os menores que vivem entregues à própria sorte, lançando mão
de pequenos expedientes para viver sem profissão definida - lavadores de
automóvel, engraxates, vendedores de bugigangas -, são os mais expostos e
entre êles se recruta a maioria dos delinqüentes infantis.228

Na luta pela sobrevivência, vivendo um ambiente totalmente adverso, as crianças

forjavam novas identidades multifacetadas pela crescente marginalização social,

ausência de uma rede de ensino capaz de absorvê-las e pelas constantes

desagregações familiares. As crianças e adolescentes que perambulavam pelas ruas em

total abandono, compondo parte do "ritual cotidiano dos miseráveis", iniciando-se

precocemente nas atividades ilegais como, a delinqüência e a prostituição,

comprovavam no pensar e a • d i·t - ,


• g1r as e I es, nao so suas reais condições de anormais
como também expunha · t .. , .
, Jus amente, o necessano" saneamento físico e moral dos

228
. PACHECO e SILVA, A. e. As ecto . .
Edgraf, 1957. p.11a. p s da psiquiatria social: o homem, a sociedade e a saúde mental. São Paulo:
espaços habitados e freqüentados pelas classes pobres e perigosas, como eram
s comuns e despossuídas no início do século XX.
comumente identificas as pessoa
. d d não tem maior número de criminosos do que merace, poiqLNI a,
:,::~teªé ~ caldo de cultura da criminalidade. O micróbio, que seria no
d l'nquente é um elemento sem valor enquanto não encontra o maio prap
1
a~ seu de~envolvimento. Não há a menor dúvida que a aocledade
desgraçadamente, um excelente caldo de cu~_ra, em cujo aalo ge
tàcilmente e em grande número jovens delinquentes, cuja vida -
destino, se outras tossem as .condições do ambiente em que
amparo recebido e assistência a êles prestada. O maio saciai
particularmente em virtude da sua desorganização polftlco-aoclal-acOn
rápido crescimento da população e, sobretu~, da co~pção que lm,np1•11•a dli
a baixo da demagogia sem peias que domina os melOS 229 polftlcoa, 6
propíci~ ao desenvolvimento da delinqüência infantil.

No início do século XX a questão do crime apresenta-se 001no

característico das grandes cidades. Contudo, disseminadora das opiniões e d

das elites políticas e dominantes, a imprensa paulistana na década de 1920 assurrili


para si a verdade inconteste dos fatos, erigindo-se sob os discursos que propunham a
eliminação dos degenerados e das formas de vida características dos pobres. O
jornalismo, realizado por pessoas "portadoras de atributos e conhecimentos especiais",

tinha a missão pedagógica de criticar, formular e orientar as idéias formar as

230
consciências a partir das propostas emanados do centro.

Mesmo no final da década de 1920, a imagem dos negros expressa na imprensa

paulistana os associavam aos ébrios, alienados, indivíduos desleais, corrompidos por

que degenerados. As notícias publicadas nos jornais paulistanos apresentavam os

negros pobres e despossuídos como maIan dros e violentos,


· ,
estrategia utilizada como
forma de se exercer o contr0 Ie d a op1n1ao
· •- publica,
, . pois era creditado aos jornais o papel
de dar forma acabad · •f -
ª as 1
n ormaçoes, direcionando as reações para fins precisos: a

229
230'
lb'd
1 . p. 111 .
. CAPELATO M· H· A • O controle da opiniã
8 ras1le1ra de História, São Paulo v 12 23/o e os rimites
. . ' • da liberdade:
. Imprensa Paulista (1920-1945) Revista
período demarca um momento e~p~cífic~ d ~4, set. ~1/ago. 92. p. 62-3. Sobretudo, como acentuado pela· autora, o
~~=~~uí~ue passavam de 'experiências !o~a:~ça~v~~tgrande 1mpren:x1 ~acional, isto é, "da transformação de
socied as e mantidas através de verbas de ru ' ~~s passa~eiras , a grandes e estáveis empresas
O
ade que se organizavam, veiculando reilet~ds, sem duv!da envolvidos nesse debate enquanto segmentos da
' 1 o e produzindo novas representações".
~
114

compra do jornal, a exaltação da ação repressiva policial e a caracterização do tipo


~
;.) social que pretendiam perpetuar, qual seja, o bom cidadão, ordeiro, disciplinado e,

impreterivelmente, trabalhador.

J Sempre rudes, os negros figuravam nas páginas dos jornais até o final da década

de 1920 pela idéia cristalizada de sua má índole, falta de caráter, desobediência e

desafeto ao trabalho, inversões tributárias das teorias raciais que estigmatizaram os afro-
- -.)
- -.) brasileiros ao longo da história do Brasil. O s negros compunham o universo dos mito& dQ
-i,-., •

-,-=> terror urbano, representante legítimo dos tarados estupradores, do erotismo ordinário, da
- e

....
".::]
:)
vulgaridade promíscua, sádica.

-~ O espírito público está, desde hontem pela manhan, completamente empolgado

.. _,
_, _j •
pelas sensacionaes revelações feitas na Delegacia de Segurança Pessoal pelo
preto José Augusto do Amaral que, com uma naturalidade impressionante, após
haver confessado a autoria do crime da estrada de São Miguel, contou, de uma
• .-? vez, como que num desabafo consolado r, mais três assassínios idênticos
aquelle e que dizia praticados, todos, no curto espaço de 15 dias. Quem o
~ --") ouvisse, então, a narrar, espontaneamente, sem qualquer interrogatório, taes
... - :,
crimes horripilantes, diria, fatalmente, no primeiro momento, que aquelle homem
era um louco que estivesse a fantasiar os c rimes mais infames para legiar
~ :, celebridade. Mas tal foi a firmeza com que Amaral persistiu em repetir os seus
crimes, circunstanciando factos sem cahir na menor contradicção, que para logo
J ,:, quasi se dissiparam as duvidas que porventura alguém ainda tivesse sobre a
11:"i- j_
~ veracidade das assombrosas revelações. E assim, depois de pesquisas
infructiferas, feitas ante-hontem á noite, nos pontos ind icados pela facínora,
11.;l. :,
- como sendo os em que perpetrara os seus crimes, o dr. T oledo Piza, delegado
a;i de Segurança Pessoal, acompanhado de inspectores e outros auxiliares, (?)
hontem cedo as suas diligencias que tiveram êxito completo. No campo de
Marte, foram encontrados os corpos das duas victmas a que se referira Amaral,
~ conforme noticiamos hontem. Igualmente não era fantasia o caso, da ponte da
Cantareira, verificando-se entretanto, que o menino que o preto, dizia ter morto,
- -
,.-it
:-,_
-,
ainda vive, como abaixo veremos. E assim, confirmadas com o resultado das
diligencias, as revelações espontâneas do preto sádico, parece que apenas
resta á policia estabelecer a identidade de uma das victimas. Isso feito, a
Delegacia de Segurança Pessoal terá, possivelmente, ultimado as suas
diligencias em torno dos crimes mais monstruosos de que há notícia nestes
últimos tempos. 231

A chamada loucura erótica fixava ainda mais a idéia das manifestações que,

atribuídas aos pervertidos sexuais, eram diretamente vinculadas às pessoas negras.

Dada a esta proximidade, as representações tributárias das imagens projetadas pela

231
• Folha da Manhã. 07.01 .1927. p. 5.

'
c0 1•
(--,)
t--

~ --..)
loucura erótica pareciam fomentar, ainda mais, o empenho profilático das instituições de
"---v
- .j
·. controle cujas práticas segregavam e discriminavam os negros de forma avassaladora,
·~
além de estimular a publicação dos crimes de Amaral nos jornais paulistanos, como a
matéria de capa publicada no jornal A Platéa sob o título "Monstruoso e repugnante", na

qual dizia-se:

Em nossas edições de hontem e ante-hontem, em detalhada reportagem


acompanhada de photographias contamos os repugnantes crimes do
famigerado bandido José Augusto do Amaral, que matou quatro crianças, para,
depois de mortas satisfazer seus instinctos bestiais. A féra declarou ter
estrangulado as suas victimas, pois, só assim podia saciar seus lnstlnc108
bestiaes. A carne gelada dos cadáveres era para o bandido uma wlllpla.
·J Interrogado, por um de nossos companheiros declarou não ter ram01'808 doa
seus crimes. José Augusto que tem uma memória prodigiosa tudo contou corn
numerosos detalhes. Hontem em companhia do esforçado delegado da
segurança pessoal, dr. Juvenal Piza, o monstro foi ao Campo de Maria,
acompanhando todas as diligencias policiaes sem se perturbar perante oa
cadveres das suas victimas. Em conversa com func ionarios da policia disse o dr.
li■d ~
i.t Piza ser difícil a remoção dos cadaveres para o necrotério. Aparteando, o
=> bandido, com a maior naturalidade, offereceu-se pará carregar as suas victlmas.
Apenas soubemos que no campo de Marte existiam duas vicitmas de Amaral,
destacamos um dos nossos companheiros de redacção que, (?) com grandes
:) difficuldades, antes da chegada da polícia, foi, em companhia de um
..::,
. photographo, ao local do crime, onde foram apanhados os flagrantes que acima
~_j reproduzimos em "clichés". 232

~
Portanto, pode-se dizer que a popularização da imagem degenerada, criminosa e
::; -~
..J. :')
,
~

~
sediciosa atribuída a Amaral eram transferidas aos negros cujas histórias de vida eram

-- 'j ~
semelhantes à trajetória de Amaral. O tratamento recebido e a ampla divulgação na

imprensa paulistana pareciam determinar as polaridades e os contrastes entre negros e

• -- ? brancos. Representados na maioria dos artigos veiculados pela grande imprensa pelo
~-~
~~ desvio e pela desqualificação comumente associados à "raça", os negros eram
"'- -- ? identificados a partir de elementos instáveis e ilegais provocados pela vida desregrada e
-1
acentuadamente marcadas por uma moral sediciosa, criminosa e corruptora.

Essa perspectiva encontra fundamento na própria literatura brasileira do início do

século XX. Os romances, as novelas, os contos e a poesia, em grande parte, serviam

232
. A Platéa. 06.01 .1927. p. 4.

'
l-...J
,-....)
..
• i:~
- -í-~
para fixar tipos criminais vinculando-os, explicitamente, aos negros. Lemos 81111,(O
_)
t"....~ realizou um mapeamento de obras literárias "sem distinguir autol'8S cléssica■ ·•
...'-0
modernos, consagrados de obscuros, cultos e célebres de modestos e

estreantes" afirmando que:


.:,
Os homens de letras não se preocupam com os Cóclgoa penal1,
escreverem vão procurar as figuras criminais que esses
surpreendem os fatos onde quer que se produzam e os agn11l11
esfera natural de suas ações, no meio onde se movem e porfllnl
~ forças misteriosas e ocultas que trabalham em seu 01gani1 ,.;,_
e~d6'?rinas e da. h~rança, ou resultante de fatores sociais, itsbuçlG.
miséna, luxo, pal}(oes mundanas, vícios, abandono mal8rial e niuial da
e tantos outros que o enquadram na vida. De onde a verdade de que
medíocre, mas posto em íntimo contacto com estas realidades •
pode ~ar,__ : m_uitas vezes_ n~ dá, páginas de oalpitante lataleaaa pua e
da dehnquenc1a e dos delinquentes no Brasil. 25:3- ·

A visão acabada do criminoso, refletia as estruturas morfológicas

que contribuíam para fixar os perfis da delinqüência. Os estigmas fixados pela li

evidenciavam "os lábios delgados, a testa estreita, os cabelos crespos, o nariz vol1

• \
e as sombrancelhas cerradas", características marcantes entre os negros, como sinais

característicos dos tipos degenerados, "nos quais se observa uma regressão atávica ao

homem primitivo, ao selvagem, e que trazem diluída no sangue a vontade mórbida de

matar pelo estrangulamento...". Não obstante, os personagens das tramas sanguinárias

sempre desenhando, no imaginário coletivo, os traços fisionômicos associados aos

homicidas, tipo de criminoso instintivo ou constitucional que se caracterizava por sua

criminalidade nata, vale dizer, os negros. Não raro, os gestos, sentimentos e fisionomia,

"típicos dos grandes criminosos", encerravam os negros nos tipos "monstruosos e

degenerados que semeavam o terror e a desgraça".

233

• Em COOSOnãnoa com ditames cientff1COS característicos da época, o autor argumentava: "Os nume~
derinqüentes que levantamos das páginas da literatura brasileira refletem a gama infinita dos temperamentos, o meio
amb4ente, as influências de tõda ordem, orgânicas, educacionais, de hábito, através da subordinação de cad~ qual
às iecs da necessidade econômica, da acomOdação, da imitação. Tudo isso manifestando-se conforme a região, o
ama,°. ~ento, o grau de cultura, a proXimidade ou afastamento dos meios civilizados ...". BRITTO, L. Os crimes
e os cnm1nOSOs na literatura brasileira. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio, 1946. p. 8.
~~
........... _0 -
~ 'v
-~
Enquanto a ciência médica tudo classificava e explicava, a imprensa velcullNa •
'~~
~....~ representações das classificações médicas, transformando-aS cada vez l'l'IIJlj;
~
-- ~ .....
rapidamente em consensos coletivamente aceitos e socialmente assumidos.. t..,,,,-...~.;11
~
' '

termos, caracterizar o negro como degenerado significava, sobretudo, dellmllar '-lí _; •••f,.,_;

oposto como o modelo e ideal último de cidadania e civilidade. Assim, os

suas práticas bárbaras (como os sambas e capoeiras) e de cor negra

desfilar nas colunas policiais da imprensa paulistana tomando estas


...,.'l'lllW'"W

representação dominante. Nesse sentido, os jomais acabavam por fortaleoÍt


consensos e reproduzir valores que reafirmavam os postulados evol

fundamentavam a psiquiatria forense.

~ _::,
__
A narrativa policial encontrada nos jornais que cobriram os crimes di
e_✓
D 1 ✓ visava uma reconstrução dos eventos por intermédio de técnicas avançadas da

perícia policial, fotografando os locais e colhendo depoimentos das pessoas
::,
-::, nos crimes de 1926 e 1927 na tentativa de imprimir a ''verdade dos fatos". Oi

da fotografia traduzia a realidade, tal qual acontecera no passado, servindo como prova
cabal para incriminar quem quer que fosse. Porém, os negros eram assumidamente

representados pelas imagens da degeneração e do desvio, cristalizadas, inclusive, por

sua condição de ex-escravos.

A eficácia das representações negativas sobre os negros permitia, cabalmente, a

identificação dos criminosos. "E agora, a descoberta do miserável monstro que

estrangulou aquelle inditoso menor, na estrada de S. Miguel, pouco alem do bairro da

Penha. A polícia que vinha encaminhando suas investigações em tomo de um indivíduo


,0
)
1•
-~...)
de côr preta, que se tomara suspeito, verificou, logo após, por uma série de
.)
',
234
........:) circunstâncias, que a este não cabia a responsabilidade do hediondo crime".
~ ",

~ o caráter antropológico das teorias evolucionistas e as práticas disciplinares


~
'"-\J constituídas a partir das interpretações oferecidas pela psiquiatria forense pennltlam a

formação de juízos acerca da periculosidade, classificando os negros

~ naturalmente delinqüentes, projetando-os como pervertidos do instinto,


~
aos toxicômanos, aos jogadores, aos pervertidos sexuais, aos pervertidos da

isto é, sem capacidade de permanecer no convívio social mais amplo.



✓ Os negros, com sua história de marginalização posterior
✓ escravatura, 'degradados' demais para serem facilmente 11
de trabalho, resistentes às práticas senhoriais do antigo sistema, COl'I
redutos da extrema pobreza que a cidade define desde s.,.
~ momentos de expansão e vivendo em grande parte do subemprego.
_:') quando não da contravenção. Para estes, a psiquiatria reservou as
"inferiores" da degeneração, categorias ; roximas da animalidade
2
au
estágios primitivos da 'evolução' humana.
::>
Nos anos vinte, já estruturados como empresas capitalistas, a im

:, paulistana privilegiava nitidamente a questão social. Os discursos, muito embora


:)
lançando mão do sensacionalismo para ampliar a venda dos jornais, atraindo leitoras,
:,
-~
acabavam por consolidar o controle social teorizado por intelectuais como Antonio Cartos

Pacheco e Silva e exercido pela polícia. Na verdade, a imprensa colaborava com a

repressão ao não trabalho, a delinqüência, a prevenção de crimes, ao tratamento da


'j
::> infância desvalida apoiando campanhas de profilaxia do meio urbano promovidas pela

-, polícia de São Paulo. 236

-,
234
. A Gazeta. 05.01.1927. p. 6.
235
- CUNHA, M. C. P. O espelho do mundo. Juquery, a história de um aslio. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986. P· 31 .
236
- "A repressão aos sem-trabalho era um dos temas freqüentes do noticiário no primeiro quartel deste século. O jornal
Fanful?a, por exemplo, considerava a indústria da mendicância o primeiro grau da escala da delinqüência (...)
Postenormente, o Diário da Noite manifestou-se a favor da limpeza feita pela Delegacia de Vigilância e Capturas ao
recolher os mendigos, inicialmente, nas prisões do Gabinete de Investigações, uma vez que o aumento dos
desocupados infestava as ruas." BERNARD!, e. o lendário Meneghetti: Imprensa, memória e poder. São Paulo:
Annablume, 2000. p. 23.

'
1•
·~

;) As estratégias de controle social, em específico as praticadas pelo policiamento


da cidade de São Paulo, eram constantes e pretendiam legitimar o poder e o uber

emanado das elites políticas e dominantes sobre os pobres e perlgo808, nllcleo 01ntral

dos "inimigos da sociedade". A medida que o crescimento urbano nlo proplclliVa


.
condições de vida e t rabalho que favorecessem a todos, muitos desocupad01, 1 u ~
. " ,A. 1'1!1'1 '

de toda a sorte de ilegalidades, eram literalmente expulsos dos limites da cidade, .. ....
.MI - -~- - ~-~ .•,

encaminhados para o interior do Estado ou, quando se tratava de

deportados.

Assim, as personalidades anormais eram tratadas pela psiquiatria forenee

sujeitos destituídos de compaixão, de vergonha, de pudor, de arrependi

remorso e de consciência moral, praticando crimes bárbaros, reveladores •

identidades "bestiais". Quando o criminoso era um negro, estas imagens assumiam OI

contornos da animalidade e estes passavam a ser nominados como bestas, ferae,

monstros, entre outros.

Dotados de uma "constituição psíquica inferior'', sem capacidade mental para

exercerem as funções produtivas da sociedade do trabalho, os criminosos e

degenerados deveriam ser entregues a tutela médica e encerrados em prisões

especiais, os manicômios judiciários, livrando a sociedade dos atos delituosos e dos

requintes de perversidades que perpetuavam as degenerescências. Entretanto,

paradoxalmente, o levantamento organizado por Guido FONSECA a partir dos

Relatórios apresentados à Secretaria de Segurança Pública, permite observar que os

fndices e movimentos da delinqüência na cidade de São de Paulo no período recoberto

por este estudo evidenciam dados adversos, contrariando as projeções que anunciavam

os negros como criminosos em potencial.


11D

t"'-

Em 1916 ocorreram 8.9n prisões na Capital. Eram brasileiros 4. 538 e ci, líll■biM
distribuía-se por diversas nacionalidades._ ~ italianos e os portugueees somavam a
1.733 e 1.580, respectivamente. A segu_1r vinham os espan_hóls _com 486 P•, 1-0• !-•·
presas e as demais represe~tavam diversas outras naetonalidades. A li ala,•
constituía-se de brancos ou seJa, 6.782. Os pretos eram reeponaáYels por 1.307 a
os pardos por 888 presos. Quanto ao sexo, 644 eram mulheres. ~ manara~ da
quatorze anos totalizavam 413. De 14 a 20 anos foram presas 1.775 mclvfduaa, de
21 a 25 registraram-se 2.1 45 prisões; de 26 a 30, 1.413; de 31 a 35, 814; de 38 a
40 695· de 41 a 50, 999 e de 51 a 55, 268 pessoas presas- Com mais de 66 anaa
' detidas
foram ' 419 e os de idade ignorada somaram 15. o nooao , _an.,.._.
de . ...
atingia 3.573. A profissão que mais contribuiu para alcançar essa soma foi a dl
"jornaleiros" com 2.308 presos, embora os catalogados sob a mcpreasio. -.eu,
ocupação" atingissem a 3.084. A seguir, vinham as que exerciam • "arlllll e .
offícios" com 974; os comerciantes com 563; os "empregadas no oam61cio" CXl11
528; Os "serviços domésticos" com 482; os operários com 431 e os - __.
com 286. Na seqüência, com um número bem inferior d e ~ . apareci■:j
237
"profissões liberais", os funcionários públicos, os militares etc.

Os índices que o autor evidencia contribuem, significativamente, para dernot'IStn1'r

que a construção mítica em tomo do negro perverso foi forjada por intelectuais que

fundaram a criminologia e a medicina-legal paulistas, como aqueles vinculados a

•■ _ .,J
Sociedade de Medicina Legal e Criminologia de São Paulo. Acompanhando o
a e

•.. _:,::,
_j movimento da criminalidade na cidade de São Paulo recuperado por Guido FONSECA,

é possível detectar um alto índice de pessoas "sem ocupação", situação que por si só já
:, ::,
-
;J_ ~
seria o bastante para enquadrá-las como alvo das ações controladoras do social pois,

.J_.:, para a Delegacia de Capturas ou mesmo para a Delegacia de Segurança Pessoal, era
-
:,
·-~
-, ~
dessa "inércia" que brotavam as aptidões criminosas. Para o autor,

A situação da cidade, ao encerrar-se a década de 1O, era explosiva e beirava o


'!(. caos, com a alta generalizada dos aluguéis, da alimentação, dos transportes e,
~-~ ~ para completar, com o fechamento de fábricas e o não pagamento de salários,
culminando com a greve geral de uma semana, em julho de 1917, que reuniu 70
::'i - ~ mil trabalhadores e que se repetiria dois anos depois. Não é, portanto, mero
;:,..~:, acaso que instituições com caráter e finalidades diversas tenham sido criadas,
em São Paulo, com o objetivo de, cada qual na sua área, estudar, conhecer,
? identificar e propor soluções para as "questões urbanas", justamente no
~ momento histórico em que a sociedade paulista deparava-se com um acelerado
~ crescimento urbano-industrial, com a agudização de conflitos sociais e com
setores dominantes desta sociedade expressando dese~s de construir uma
/) nova ordem nacional e um novo perfil para o trabalhador. 2
'

237
FONSECA,
• 317. G. Crimes, criminosos e criminalidade em São Paulo. São Paulo: Resenha Universitária, 1988. p.
238
. lbid. p. 28.

f
111

Punitiva, a ação policial em São Paulo no início do século XX, submetia as

camadas populares a um processo de higienização física e moral com o propósito ele

compatibilizar a população com o progresso e as novas sensibilidades urbanas.

Voltando à análise da identificação do criminoso em São Paulo os dados organizados

por Guido FONSECA possibilitam entrever que a vadiagem era a contravenção ele maior

incidência nos anos iniciais do século XX. Tal condição era totalmente adversa à idéia da

progresso experimentada pela cidade de São Paulo, logo, perseguida e indesejada



pelas elites políticas e dominantes que projetavam a c idade como sendo o lugar por

excelência do trabalho e da civilização. A vadiagem, desde o início do século XX, era a

contravenção que mais levava à prisão, contravenção que desvela o caráter do

policiamento paulistano, o qual percebia na ociosidade e no não trabalho o motivo para a


J
detenção.

Pautando-se em documentos da "Secção de Identificação do Gabinete de


~_:,
Cl -
J Investigações", fornecedora de importantes informações a respeito dos c riminosos e
j
:, contraventores que davam entrada na Cadeia Pública de São Paulo, Guido FONSECA,

j delegado e professor da Academia de Polícia, apresenta os índices da c rim inalidade em


- -j
~r-t ~J.,
~ São Paulo no início da década de 20, trazendo a tona o número de pessoas p resas na

cidade no ano de 1920. Os dados censitários, extraídos de documentos como boletins


C'-~:> de ocorrências do Gabinete de Investigações da
Delegacia de Segurança Pessoal,
f;t, ..-~
---
• ~ ...-')
revelam o número dos presos que não tinham antecedentes criminais, isto é, aquelas

não reincidentes, cujo total somava 2.716 pessoas. Os dados revelados permitem
~
-./) identificar quais as contravenções e as situações que levavam as pessoas a delinqüir,
projetando-se no mundo do crime.
~"")
t--0 192

........~
Elas foram identificadas pelas seguintes razões: vadiagem, 422: laaõee
corporais leves, 131; desordens, 129; furto, 72; embriaguez, 69; laa6as corporais
.~
graves, 65; defloramento, 32; homicídios, 29; estelionato, 22; leaõaa corporais
culposas, 20; roubo, 18; homicídio culposo, 14; tentativa da homicídio, 11;
estupro, 7; meda falsa, 3; tentativa de furto, 1 a por outros crimes, 19. ( ...) Daaaa
universo de 2.716, os brancos somavam a 2.157, vindo os pardo. COIII 318 a 08
pretos com 243. Apenas 173 eram do sexo feminino. Quanto às nacionalidadas,
~ .:J os brasileiros apareciam com mais da matada ou seja, 1.455 lnclvídu08
identificados. Entre os estrangeiros, os portuguesas ocupavam a lldalança com
405 indivíduos. No seguimento, estavam os italianos com 368; 08 aapanh6is
com 178; os "turcos-sírios" com 85; os hispano-arnericanos com 37; oa alamlaa
com 20; os franceses com 17; os russos com 16; 08 austrfacoa COIII 15; 08
anglo-americanos com 11 ; os ingleses com 7; os japoneses com 5; 08 belgas
com 4; os suíços com 3 e outras 92 pessoas de diversas nacionalidad■a. 0a
~ analfabetos eram em número da 910. Os solteiros somavam a 1.702, os
casados 896 e os viúvos a 118. Segundo a idada, esses 2.716 ldenllllcadoa
dividiam-se em: menores de até 14 anos, com 53; de 15 a 21 anos, 628JJ8 22 a
30 anos, 1.039; de 31 a 40, 539; de 41 a 50, 283; de 51 em diante, 174.
a r✓
Os números dos que foram presos na Cadeia Pública de São Paulo, que atestam

o movimento da criminalidade paulista, estabelecem uma ordem esquadrinhadora da

população devido às condições de vida e trabalho das pesso~s comuns, propondo,


• _j
■ profilaticamente, campanhas que pretendiam eliminar do espaço urbano a doença, a

~ j sujeira, os comportamentos e os hábitos considerados incompatíveis com o progresso
.. :,
:l . que a cidade de São Paulo experimentava.
. :,
•-~- Todavia, as estatísticas apresentadas, extraídas dos relatórios oficiais da

•- :, Secretaria de Justiça e Segurança Pública de São Paulo, atestam que a presença dos
:,
~ negros era inferior se comparadas ao universo da população contraventora, constituída

'
~
:t
basicamente por brancos imigrantes. A análise realizada por Guido FONSECA avança

nos anos subseqüentes a 1916 visando identificar, estatisticamente, os índices dos


~
. criminosos reincidentes. Pautado-se nos relatórios apresentados por Eloy de Miranda
Ili Chaves, Secretario de Justiça e da Segurança Pública do Estado de São Paulo, o autor

apresenta os seguintes dados:

2
'.jQ . lbid . p. 318.
... ... .
193

e::....
Nesse mesmo ano de 1920, foram identificados 1.811 incivfduoa j6 com
antecedentes criminais. Ainda aqui a vadiagem apresentava o maior índice da
reincidentes: 881. A desordem e o furto ocupavam a segunda. poek;lo 00111 um
mesmo número, 67. Pela prática de lesões corporais levas foram ldunlilibadaa
60 pessoas. Na ordem apareciam a embriaguez com 52 C8808, o roubo 00111 19,
as lesões corporais graves com 16, o defloramento com 1O, o a11811onato oom 5,
~ o homicídio doloso com 3 e o homicídio culposo com 3. Encenando a relação
estavam a tentativa de homicídio, a lesão corporal culposa e o ~ cxim uma
reincidência apenas. As outras contravenções seriam raap0l'lll\vêla por 73
identificações. Para legitimação, registraram-se 545 caaoe. Aa m!Jl•raa
reincidentes somavam a 81. Do total de 1.811 identificadoa com anbb1dinlla1,
1.298 eram brancos, 279 pretos e 234 pardos. Os solteiros aariam r11~ifNela
por 1.282 identificações, os casados por 451 e os viúvos por apenu 78,;Qulnto
a idade, o maior grupo de reincidentes estava na faixa etária de 21 a 30 anaa
com 76~_ind_ivíd~os. Em_ segundo lugar, apareciam os de 31 a 40 llnCl!I .qp.P.2~
•·
Na sequencia vinham ainda os de 14 a 20 anos com 344; de 41 a ao·mr1 170;
os maiores de 50 anos com 137 e os menores de 14 anoe mn 14
reincidências.Os brasileiros destacavam-se bastante dos clemaia. Bclla WII' que
dos 1.811, 1.193 eram nacionais. Os italianos, os portuguesas o oa aipinhdla
ocupavam as outras posições com 240, 178 e 100 ida&,ida.
e respectivamente. Os "turcos e sírios" eram em número de 37 e oa ~
americanos com 20. As demais nacionalidades aparaciam bem abí:ltO~ 'AS
profissões que mais reincidentes apresentam foram os "jornaleiros" oom 1.104,
os "empregados" com 239, os lavradores com 78, os "artistas" com 59, u
profissões liberais com 52 e os negociantes com 25 casos. R ~ con10.
"outras profissões" havia 227 reincidentes e como "sem profissão", 33. Entra
esse total de 1.811 identificados podiam ser encontradas pessoas que tinham
:) sido presas pela Polícia de 2 a mais de 12 vezes. Neste último caso, ou seja,
pll '_.j
-
- ., indivíduos com mais de 12 prisões havia nada mais que 112. 240

~~ A leitura das mortes divulgadas pelos porta-vozes da trágica experiência vivida


C - _j
por Amaral, afirmam que os crimes praticados serviam como satisfação pessoal a um
~- ~
~ "apetite sexual mórbido e pederástico", somente praticado por aqueles que se
".:)
:, desviavam da conduta humana, dos códigos morais que, de acordo com os paradigmas

~
~, científicos do início do século, eram próprios dos degenerados, equivalendo dizer que 88

s:'1 - ? tratava de um sujeito malformado, representante das classes de parias da sociedade •


J:'.-?
.._.~ por natureza criminoso.

-_ _~-_./)
,/)
Se na virada do século XIX a questão das perversões sexuais era largamente
~ - discutida e analisada sob o ponto de vista psiquiátrico, no início do século XX, para os

divulgadores da "moderna psiquiatria", que as filiavam a uma degeneração psíquica,

ordinariamente hereditária, a questão seria mais comprometedora ainda. A degeneração

240
. FONSECA, G. op. cit .. p. 319.
- 1N

caracterizaria um estado permanente de hiperestesia sexual, na quat,.o.:àdvfdua


..
aob
influência dessa incitação, "contínua e mortificadora", era levado ao a1D, rtlil8 a1.t,,IIGl'I08
, -. - ..

automaticamente, sem ter a faculdade de refletir e julgar o ato •••• • •1

Adotada como um grande referencial teórico, a noção de

contexto, a idéia de um desvio mórbido que reconduziria o I\Olticlffl a·


com a característica essencial de se transmitir hereditariamente,

traço significativo sobre as interpretações da criminalidade e da

São Paulo nos anos iniciais do século XX.

Nessa perspectiva, os registros que documentam a história

Amaral permitem localizar as estratégias utilizadas pelo bio-poder má:lico,

o controle das classes pobres, comumente consideradas corno perigosas·• ·

aos desvios deformadores da capacidade física e moral, o que


~
J anuladores da condição humana. Nos termos próprios, o laudo afinnava: -r,
r!-- :, nosso ver, de um criminoso sádico e necrófilo, cuja perversão se complica de 1

H' , ~
em que a criança é o objeto especial e exclusivo da disposição patológica (...)
·~

de uma profunda degeneração psíquica". 241

Para Pacheco e Silva, que relata e assina o exame psiquiátrico solicitado pela

~ Secretaria de Segurança Pessoal de São Paulo, as características pessoais e os


"estigmas da degeneração" revelados pelo arcabouço físico de Amaral, com atenção

para o tamanho de seu pênis, eram suficientemente cabais para classificá-lo como um

indivíduo de extrema periculosidade social, devendo, portanto, ser entregue à tutela

médica. Criminoso, negro, classificado como portador de uma anomalia sexual

degenerativa, Amaral assume seu lugar no museu do crime como o assassino que

241
• PACHECO e SILVA, A. c. Psiquiatria Clínica e Forense. 2 ed. São Paulo: Renascença, 1945. p. 444-
J 1M
-~
... ,,~ ....
..,. V
-

-~ "escandalizou" a capital paulista, tomando-se um ilustre na galeria doa lnd••J'vals e


~
-~
e
objeto de um polêmico debate.

-~ ~
-.

Sadismo e necrofilia:
Os crimes do "monstro negro"

- ~
.~
~ Como indicado anteriormente, o início do século XX marca um perfodo'11i
-✓
-,,....,:) do Brasil em que a psiquiatria adquiriu notoriedade nos meios jurfdlcoa,
., r ..:;~·;
~ """"" magistrados e advogados na emissão de sentenças às pessoas envolvid•·,e
:r~
. ~j questão judicial, bem como o direcionamento institucional, isto é, a reclusão do lndtclâcl
• _._J
1 ~J em uma prisão comum ou em um manicômio judiciário. O período, referenciado pela
. ~ "')
.. __'.) historiografia recorrente como sendo de extrema comoção social, como demonstrado, foi

~ marcado por práticas autoritárias e elitistas que influíam no cotidiano da população pobre

1 de forma insidiosa. •
l
1
i. Das políticas de saúde às praticas urbanísticas remodeladoras das cidades, as
l recentes,
L-,
1~ -,
...-

~
elites orquestravam as ordens da exclusão. De acordo com as pesquisas mas

as teorias médicas de caráter higienista e sanitarista foram singulares à formação das


1 -
políticas de controle social no Brasil. Aceitas unidirecionalmente, os modelos teóricos
L
1 adotados passaram a justificar as exclusões e as segregações, pois que consideravam
1 ..... ')
os pobres, sobretudo os negros, como sendo perigosos e comprometedores da nova

l ordem social.


1N
...
A fotografia judicial de José Augusto do Amaral, tornadas de perfil e de frente
foram publicadas nos jornais que divulgaram os crimes ocorridos, em revistas

especializadas, como o periódico da Sociedade de Medicina Legal e Crlmlnologla de

São Paulo e no compêndio


. de psiquiatria forense escrito por Antonio Carloa ~·~ -· e .

Silva como exemplo à identificação de personalidades desviantes. As fotogratlaá ~ .. eJJ.Y .•

serviam, do mesmo modo, como documento ao diagnóstico relatado por P- .,.,.~ .,,
' '.'-,,_;;ii,J
r•
Silva, tomando público e exemplar a imagem de tipos classificados pela palqul · :,.,:,~;~:,,r,,,,., ,

degenerados. Peças integrantes do processo crime instaurado pelo Poder J1


. p i -~t~1= _-..,,~".' ..e-
,,,.,.,, "·''".-:-"" --
, , 1i'.,i,_..;,.1";1~~~ 1 .. •

São Paulo, hoje parte do Acervo Histórico do Museu do Crime da Academia (W'.1 , , • · • ·/ ,.e .....!"'"""
:.
,. · ;"':t
. ,._ef
-· 1 i -t..., f ,., . •
. ·-V'~,. it • -·

Q de São Paulo, as fotografias não apenas divulgavam os crimes do "monstro .~ ; ,

como ficou conhecido mas vinculavam, reforçando, a idéia dos negros como sujab a

serem temidos e evitados.

::>
~ O uso da fotografia como "puros testemunhos empíricos" ou "auto-evidentes por
~:,
~ :, conterem em si sua própria identidade" era mais do que recorrente nas décadas iniciais
.., do século XX. A imagem, no período, destinava-se a "ilustrar, corroborar, completar ou,
~
~ eventualmente, matizar enunciados" que outras fontes pretendiam evidenciar ou fazer
~
conhecer. A fotografia, no período recoberto por este estudo, equivalia a uma verdade
~

,-. '
~ ~
..
visível, a uma realidade passível de ser aprendida pela apreensão da própria imagem,

'"'"'-~
- -~ ~
isto é, como um "receptáculo de informações empíricas do referido externo".
242

~
-_.,~ . . .,
/")

2
~ · LIMA, S. F. de ; CARVALHO, V. C. de. Fotografia e cidade. Da razão urbana à lógica de consumo. Albuns de São
Paulo (1887-1954) Campinas: Mercado das Letras, 1997. p. 14.
,

·01n-ed O'!!S ap OP'8lS3 op B!OJIOd ap e1U.Jape0\f ep 8UJ!JO op nasn~ (/"'-


op Ofl.lOO'r/ ·oL9 ~ ·eu awµ:::, ossaoOJd oe epexaue iB!O!Pn! B!!W601oi wa 1wewv op OlSn6nv '7SOr ap l!}J8d ·~ l!\jl!J60).0~
e., ,..
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e
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...
1•

Desde o seu surgimento, ainda no século XIX, as imagens fotográflcu

transformaram-se em um poderoso mercado atraindo um grande número de peseoaa

para o ofício, como os paparazzi, vendedores de fotografias para a imprensa, cujas

reproduções na imprensa, até então, eram raras e artesanais. Conforme indicado por

Gisàle FREUND, em 1880 publica-se pela primeira vez uma fotografia reproduzida por

meios mecânicos em um jornal. A invenção da fotografia e sua reprodução em massa,

denominada pela autora como uma "revolução para a transmissão dos acontecimentos",

funda uma outra percepção das coisas e dos fatos. A fotografia passou a emitir

significados múltiplos, servindo, inclusive, para diferentes projetos de dominação, a

exemplo da utilidade da fotografia como instrumento político, que fabricava a imagem do

outro.

_j A introdução da fotografia na imprensa é um fenómeno de uma importência


j capital. Ela muda a visão das massas. Até então o homem vulgar apenas podia
visualizar fenómenos que se passavam perto dele, na rua, na sua aldeia. Com a
~ fotografia, abre-se uma janela para o mundo. Os rostos das personagens
políticas, os acontecimentos que têm lugar no próprio país ou fora de fronteiras
tomam-se familiares. Com o alargamento do olhar o mundo encolhe-se. A
.J palavra escrita é abstracta, mas a imagem é o reflexo concreto do mundo no
:, qual cada um vive (...) Ela toma-se ao mesmo tempo num poderoso melo de
propaganda e de manipulação. 243
~
~
Para Boris KOSSOY, a imagem fotográfica é um "poderoso instrumento para
:,
~ veiculação de idéias e da conseqüente formação e manipulação pública", principalmente

':>
~ a partir de sua multiplicação massiva nos meios de divulgação e informação, como os

jornais que em 1920 se consolidavam como sólidos empreendimentos. De acordo com o


.,
:)
autor as imagens fotográficas são sempre fontes históricas, "fontes de informação
~
~ decisivas para seu respectivo emprego nas diferentes vertentes de investigação histórica
./)
(...) entretanto, não se esgotam em si mesmas, pelo contrário, elas são apenas o ponto
..J')
~
243

•• Para
:, autora, o material fotográfico, sobretudo em sua utilização pela imprensa, freqüentemente subverte .as
mtençoes que o fotógrafo quis imprimir à imagem captada pelo instantâneo da fotografia, imprimindo um sentido
diametralmente oposto à intenção inicial e acrescenta: "A objectividade da imagem é apenas uma ilusão, e as
legendas que a comentam podem alterar totalmente sua significação". FREUND, G. Fotografia e sociedade.
Lisboa: Vega, 1989. p. 107. p. 154.
/>


-
de partida, a pista para tentarmos desvendar o passado". Nestes termos, os documentoe

fotográficos, assim como as demais fontes para a pesquisa em história, nlo podem aer
aceitos de forma unidirecional, "como espelhos fiéis dos fatos" mas "contextuallzadoa na
244
trama histórica em seus múltiplos desdobramentos".

No caso do estrangulador de crianças que estimulou estudos e diferentes

publicações sobre a psicopatologia forense, cujas atrocidades foram amplamalle

divulgadas por pequenos e grandes jornais da época, a utilidade da fotografia -~

como um instrumento de dominação, impor uma idéia, emitir um significado, que- .


de que negros eram perigosos, mesmo os mais singelos, mesmo aqueles cujoa""1ilpil

ri, não correspondessem ao tipo fisionômico que outras falas faziam recair sobre oe,,,..._i
CJ 245 •

_.:) A força metafórica das imagens levou Maria Luiza Tucci CARNEIRO a considerar

~.,
:)
que algumas fontes históricas, como a fotografia, partem de um sistema simbólico que

J se prestam à legitimação da o rdem vigente e, como instrumentos de comunicação e


~ ~
e., J
., conhecimento, são responsáveis por uma forma nodal de consenso. Por sua vez

_:, acionados, o consenso atribuído pela imagem, fazem surgir imagens interiores que

•li ., ~
244
• "Assim como os demais documentos elas [as fotografias) são plenas de ambigüidades portadoras de significados
~ não explícitos e de omissões pensadas, calculadas...". Logo, é possível dizer que o registro fotográfico, como o autor

.. ') reitera, é uma "representação do real" e não o real, algo que se quis imprimir como verdade, muitas vezes,
subvertendo seus propósitos originais, conferindo à imagem um outro propósito, invariavelmente ligado à dominação
e ao controle, isto é, ao poder. KOSSOY, B. Realidades e f icções na trama fotográfica. 2 ed. Cotia: Ateliê
~ ')
245
Editorial, 2000. p. 20.
~ -~'J . Lemos BRITO, ao recuperar os criminosos na literatura brasileira, referencia diferentes histórias sobre a loucura
erótica na qual o negro aparece não como o louco mas como o erótico tarado, cuja falta de pudores e moral não lhe
..., _.J) impede o desejo pelo sexo. Recuperando a literatura brasileira o autor narra a seguinte passagem: " ... Leonor sai, por
uma tarde ameaçadora de tormenta, pela estrada que parte da casa-grande. Vai febril, excitada pelo calor e pela
"1 -,-~
..-~_/)
_/)
solidão, com seu erotismo a latejar-lhe o sangue. Dados alguns passos, a moça avistou um vulto que se dirigia para
a fazenda. Mais de perto, pôde ver que se tratava de um negro. Era um antigo escravo, já velho, mas ainda robusto.
Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo! Leonor teve uma resolução louca. Sem uma palavra, decidida e brusca,
avançou para o negro, fê-lo parar e com movimento frenético abriu, desabotoando, desatando, rasgando, as roupas


de_ qu~ estava vestida. Num instante ficou aos olhos espantados do negro quase inteiramente nua. Viam-se-lhe os
seios firmes, o ventre liso, as pernas de estátua. Com o mesmo frenesi atirou-se a despir o preto. Era já agora um
furor alucinado: puxava, rasgava as calças dêle ... O negro, um momento espantado, sentiu diante daquele corpo nu
de despertarem-lhe inconsciente, involuntariamente, energias lúbricas de sátiro, todo o calor sensual de sua raça ..."
e prossegue anunciado a morte de Leonor que, como seu marido, ainda em lua de mel, havia morrido fazendo sexo.
BRITTO, L. Os crimes e os criminosos na literatura b rasileira. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1946. p. 34-
5.

'

..
~"""'I!

t....- contribuem para a configuração de arquétipos, protótipos de imagens psíquica ou

formas instintivas que, simbolicamente, pode expressar a idéia de malfeitor, benfeitor,

protetor, perigoso. Manifestando-se no mundo exterior, esse sistema simbólico colabora

como reforço e revitalização do preconceito ou, como sugerido pela autora; à


246
configuração de uma "estética racista".

A emergência do termo raça, como refletido anteriormente, pautava-ae naa


. ..
·~-
paradigmas científicos que buscavam solucionar as questões sobre a origem e evolução

humana. Proposto por George Cuvier no final do século XIX, o termo raça inaugura a

idéia de heranças físicas permanentes entre os vários grupos humanos, pennltlndo

concebe-lo por intermédio da noção de hereditariedade e transmissão genética. Nalla

perspectiva, o padrão de vida e comportamento imposto às pessoas estabelecia urna

:> lógica e um sentido unidirecional, sobretudo, à representação dos considerados


_:)
:, desviantes, ao controle disciplinado do tempo do trabalho, das condutas sociais
..:,
moralizadas, dos comportamentos, economia dos gestos e da aparência pessoal.
J
~:,
e J Contudo, o conjunto das mudanças processadas impôs uma severa
e, .,
.- -·
reestruturação dos hábitos e dos costumes, redefinindo práticas sociais, normas de
.J
---~
--~ .
conduta, padrões estéticos e hábitos de higiene nem sempre possíveis de serem

•--
--

• -- ")
"') alcançados pela grande maioria das pessoas, quiçá para os não proletarizados ou que

viviam à margem do trabalho. Deste modo, o que fazer com os indivíduos cujo
11---?
l!I _..-, comportamento era incompatível com as normas estabelecidas? De que maneira tratar
~ -~~
~ as pessoas identificadas como negros, "naturalmente eróticos" ou caracterizados por
J.1,.,/2
uma "irracionalidade substancial"? Como registrar socialmente estas pessoas,
~
~
- - assimiladas como perversas, perigosas, anormais?

246
- CARNEIRO, M. L. T. O discurso da intolerância. Fontes para o estudo do racismo. ln: Oi CREDDO, M. do C. S .
(Coor.) Fontes Históricas: abordagens e métodos. Assis: Programa de Pós-Graduação em História, 1996. p.28.

'
,) 1111
...
Este tipo de questionamento encontrou na psiquiatria nascente uma poaaível
... ~
~
resposta, qual seja, que os incapazes deveriam ser tratados isoladamente jé que

portadores de uma doença que atingia justamente sua capacidade civil de Inserção

social. Esta era a lógica para a segregação costumeira reforçada, no contexto, pela ld6la

de que o Estado não só deveria se encarregar de seu tratamento mas lucrar e01n a
prometida reincorporação destas pessoas após a cura, justificando, assim, por ~

lado, as práticas de enclausuramento, aliança essencial da psiquiatria moderna •

Estado moderno.
--,)
A teoria da degenerescência da raça, que sistematicamente presidia as p1

o_:, o saber psiquiátrico no período em questão, apontava para formas de interve1


. a')
médica que ultrapassavam a preocupação imediata com o indivíduo, lançando-se às
.:> tarefas da normalização social. Os lugares de maior incidência da intervenção, nestes
.J
j termos, não poderiam ser outros senão o mundo pobre e controverso em que viviam os

247
.r-1 '.') despossuídos nas primeiras décadas do século XX.
o~
j Autorizada pelo seu caráter científico, a psiquiatria forense paulista promovia o

controle social de tipos e comportamentos humanos considerados desviantes e


~

.-, degenerados. Seguindo as projeções da psiquiatria forense, os homens e mulheres

---· "
"'·l!'I ~
.......
portadores de tais moléstias acabariam por "contaminar todo o corpo social", fator

decisivo ao poder político do saber médico. A intervenção competente combateria o

~ desatino salvaguardando o coletivo das perversidades e anomalias que contaminavam o


._;J.
.. corpo sadio das populações classificadas como ordeiras, sãs, normais. Os progressos

- da psiquiatria forense, considerada moderna, criaram, nesta medida, uma infinidade de

247
, Como assinala SERRA a origem das rigorosas medidas de enclausuramento dos desviantes sociais encontra seu
marco na aprovação da Lei de 1838 da Assembléia francesa, pois outorgava definitivamente à competência médica
a ident~icação e cuidado com as figuras sociais consideradas desviantes, revelando a natureza política do
conhecimento psiquiátrico em sua perspectiva de controle social. SERRA, A. A. A psiquiatria como discurso
polftlco. Rio de Janeiro: Achiamé/socií, 1979, p. 31.

'
,) -
... ~.
.... ~
=.. .v classificações, vinculando-se cada vez mais ao estudo da criminologia e das ciência

penais. Nesta perspectiva, o discurso proferido por Antonio Carlos Pacheco e SIiva na
·~

._)
-~ aula inaugural de psicopatologia forense do curso de doutorado em direito da Faculdade

de Direito de São Paulo, do qual participou ativamente, é significativo e permite perceber


.
248
as alianças entre os saberes médico e jurídico.

Meus senhores (... ) Jamais poderia supor que abraçando carreira tio dlw:11a
das ciências jurídicas, ter algum dia a ventura de falar nessa Faculdliéfl.
respirar um pouco dessa atmosfera vivificante, onde uma mocidade ~~
-~
-~

plasma o espirito no mais são idealismo, aprendendo, desde cedo a · · ·· ' •/'.r. ~
.-.,.)
com entranhado amor, desprendimento e sacrifício as grandes a ~
--- ·'·-' •L, ~1

-~
~ -.,)
que enobrecem os sentimentos humanos (...) Recordo essas palavra .
senhores, porque quer me parecer que hoje, mais do que nunca, um "
direito e de justiça empolga a consciência brasileira, cujas esperanças
na sombra do poder constituído (...) Devemos reconhecer que a meclclna
~,..._:, cada _vez mais a ~ua esfera de a~o, as leis que regem a vida doa aartl
organizados se aplicam ~ada vez mais á composição dos agrupamentos se -- M
.·D• cl ·I•
:J~)
__:, (... ) Compreende-se as~1m o papel. cad!l vez mais saliente da p s ~

• _:)
241
forense, que abre uma via de comun1caçao entre o direito e a medicina...•

• -J Fundamentalmente antropológica, atada ao direito penal e envolta pela ciência


1 _.: )
médica, a criminologia também era processada como explicação dos fenômenos anti-
• J
~ -
sociais provocados pelo homem. Nesta perspectiva, a criminologia englobava
~ :")
-

determinadas áreas do conhecimento identificadas como ciências da observação, tais


;J_ :,
---·- ~
J
como a biologia, a tipologia, a psicologia, a psiquiatria, a psicanálise e a sociologia.

Como ciência de aplicação, englobava a medicina legal, a polícia técnica e científica e a


l-
, ,, ___
ciência penitenciária. Dada a complexidade e a incapacidade de uma conceituação

! _.. . . . ~ precisa e sem constituir-se numa ciência autônoma, a criminologia, assim considerada,
'- ----") '
era apresentada nos manuais da época como uma ciência pré-jurídica, em cuja matéria

.,-_~
= residiria o estudo do homem, seu viver social, suas ações e sua "evolução" como

248
Como salienta Maria Luiza Tucci CARNEIRO, "...os regimes totalitários e autoritários tiveram plena consciência e

domínio dos meios de comunicação de massa. Fazendo uso do cinema, dos posters, das fotografias e das
caricaturas, convocaram convocaram as massas à adoção ativa de certas convicções racistas oferecendo, como
recompensa, uma sociedade pura, liberta dos vírus contaminadores. Não podemos esquecer que, todo projeto (no
caso
0 o ideário racista) se faz em nome de uma causa." CARNEIRO, M. L. T. O discurso da intolerância. Fontes para
estudo do racismo. ln: Di CREDDO, M. do e. s. (Coord.) Fontes Históricas: abordagens e métodos. Assis:
249 Programa de Pós-Graduação em História, 1996. p. 29.

· PA~HECO e SILVA, A. C. Aula inaugural de psicopatologia forense. Archlvos do Instituto Médico Legal e do
Gabinete de Investigações. Rio de Janeiro, n. 5, jul. 1932. p. 117-118.


aD4
0
► '-~)
.........r ~
t...'0 espécie e indivíduo, porém, sob o domínio do direito penal, ao qual deveria, como uma
-...~0 ciência pré-jurídica, prestar-lhe esclarecimentos. Neste sentido, o estudo do crime e do

criminoso deveria preceder ao julgamento, pois os resultados alcançados poderiam

influir na decisão do magistrado, definindo o destino prisional dos que delinqüiram ou

feriram as normas sociais.

Neste ponto, caberia à psiquiatria distinguir o criminoso louco do crimmao


~
~ comum. Tal distinção, como mencionado anteriormente, acarretaria num determ~

.,) encaminhamento institucional: no primeiro caso, o indivíduo considerado culpadQ


-_)
uma ação criminosa seria enviado para um manicômio judiciário pois, como ·~
:>
:,
e :, mental, caberia à medicina sua curatela. No segundo caso, o acusado deveria ••

J enviado para uma prisão comum, entregue a esfera restrita da lei. Portanto, o
.)
conhecimento médico produzido em to mo das classificações dos tipos desviantes
,: )
:, estreitava as estratégias de controle da população marginal da cidade de São Paulo,
_:, •

conferindo ao bio-poder do médico um importante papel na elaboração das políticas


J
~ :, públicas de controle social.
J
~
j Não mais conduzida pela determinação de se estabelecer o lugar da loucura ou

de separá-la dos fenômenos comuns da vida cotidiana, mas levada por uma ordem
~
,.,
..,
.
científica, a psiquiatria moderna buscou estabelecer métodos, planificando e orientando

"1- ~,., a conduta e as atividades comuns dos homens e mulheres, estreitando, sobremaneira,

""' ...-') os laços que uniam penalistas e psiquiatras. Como indicou Michel FOUCAULT, o elo que
1-1 J'.)
une a instituição judiciária com a medicina é dado pelo exame psiquiátrico, documento

- no qual é construído um discurso médico que determinam uma série de noções e

categorias jurídicas que definem a perversidade e o grau de culpabilidade do indiciado.

Ou seja, "A justiça não pode ter competência sobre o louco, ou melhor, a loucura tem de


... '-0
'0
-
·-v
0 se declarar incompetente quanto ao louco, a partir do momento em que o reconhecer
~
como louco: princípio da soltura, no sentido jurídico do termo.". 250
~
li
As orientações oferecidas pela psiquiatria forense indicavam que a "perícia
~
psiquiátrico-criminal" deveria ser efetivada toda a vez que um detendo apresentasse

-~J sinais de perturbação mental antes ou depois da condenação, como previa o artigo 22

-~ do Código Penal Brasileiro: "Artigo 22 - É isento de pena o agente que, por doença
.r- ~ mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da açto 0LI
.
1
r- ~ omissão, inteiramente capaz de entender o caráter criminoso do fato ou de del&lmlla►
_)
, ....... ..) se de acôrdo com esse procedimento.". A orientação representava para os P••·•·• .•1■··.1,u.·,-

forenses, e para a medicina como um todo, uma vitória das ciências posilhnli-f"llft:
:, ,.. ,;,,J-).1,,:,

:, progresso alcançado devido à "evolução das ciências biológicas", dotando a p~


)
exame psiquiátrico de um caráter profilático na defesa social. 251
J
_.:,
:") Historicamente, a "necessidade" do exame médico dos delinqüentes foi afinnada
.J
pela primeira vez em 1890 por Cesare Lombroso no Congresso Internacional
~
J Penitenciário de St. Petersburgo, no qual convencionou-se que a grande parte dos
:-,
J delinqüentes não eram capazes de adaptação social por causa de seus "handcaps'
~ físicos, isto é, que a partir de aspectos puramente morfológicos seria possível
~
' °) diagnosticar uma personalidade criminosa. Deste modo, acionando reações psicológicas
J
particulares, as pessoas eram conduzidas a comportamentos anti-sociais, desviando-se
........")
0 250
Todavia, ao mesmo tempo em que Michel FOUCAULT afirma ser por intermédio do exame psiquiátrico que o direito
.
e a medicina se fundem o autor acrescenta que este mesmo exame é "estranho" e "ridículo" na medida em que
" ...viola a lei desde o início; o exame psiquiátrico em matéria penal ridiculariza o saber médico e psiquiátrico desde a
sua primeira palavra. Ele não é homogêneo nem ao direito nem à medicina.". FOUCAULT, M. Os anormais. Curso
251 no College de France (1974-1975). São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 50-1.
. PACHECO e SILVA, A. C. Psiquiatria Clínica e Forense. 2. ed. São Paulo: Renascença, 1945. p. 489. De acordo
com a orientação proposta no referido compêndio, existia uma ordem para a realização do exame ou perícia
P~i~uiát_rico-criminal. Qual seja, "a) Identificação; b) História criminal; c) História social; d) História médi~; e) Exame
biotípolog,co; f) Exame somático, com maior desenvolvimento do neurológico; g) Exames subs1d1ános - Neuro-
ofta!mológico: radiológico, otorrinolaringológico, etc. h) Provas de laboratório - Exames de sangue, fezes'. urina,
líquido cefáltco-raqueano, metabolismo basal, interferometria, etc. ; i) Exame psíquico; j) Diagnóstico; k)
Comentários; 1) Conclusões; m) Resposta aos quesitos apresentados pelo patrono do réu; n) Resposta aos quesitos
apresentados pela autoridade judiciária.". Idem. p 490.

'
.. .·0
-~ ••
""' \..)
;,..'"'-0 '
das normas regulares e das condutas morais. Contudo, a razão maior do exame doe
~·. delinqüentes estava em apresentar ao juiz um quadro amplo e profundo da
•"-..)
0 personalidade criminosa, do autor de uma infração penal, para que este, a par de um
252
diagnóstico completo, pudesse emitir um veredicto cientificamente comprovado.

Nos anos vinte, o caráter puramente biológico da conduta criminal já não era a
;.-....)
única resposta para os comportamentos desviantes, porém, havia ainda
~
· ---,) permanência da busca dos estigmas criminológicos que, de acordo com as ori


- ~ ,) da psicopatologia forense, poderiam revelar a natureza essencialmente criminoea
-,--~ estigmatizados, daí a importância dos métodos da antropometria e da biotipologia,
:i ~:,
,:, mensuravam os corpos das pessoas detidas pela polícia e levadas a julgamento.
__:,
li _:) preconizado por A. Lacassagne, inclusive como crítica aos pressupostos
1 _) metodológicos de Cesare Lombroso, o aspecto social também tinha preponderância à
1 _')
• ,:, conduta criminal. 253

~ ~
J Contudo, como afirma Antonio Carlos Pacheco e Silva, "no que respeita aos
~ - ~
J - :, fronteiriços, justifica-se o princípio de considerá-los sempre perigosos", isto porque ainda
~-- ~
t- ~ permanecia inconcluso a existência ou não do criminoso nato preconizado por

,·~ ,,___
,__,.,
,
Lombroso, os quais, sob influência de elementos exógenos, são levados ao crime. Para

o médico, "... o estado de periculosidade de uma pessoa devia ser, sempre que possível,
~ --J
- revelado a priori e não a posteriori..." o que permite supor que, para a psiquiatria forense,
!
,-~
~ .
a qualidade do "demi-foli' ainda era uma proposição aceita e que, portanto, sua

~ interdição era uma prática igualmente processada.


i
:::- COSTA, A. M. da. Exame criminológico. Rio de Janeiro: Editora Jurídica Universitária, 1972. p. 119. .
• O longo debate em tomo das personalidades desviantes e criminosas, bem como de seu reconhecimento por
intermédio dos caracteres morfológicos, considerados como estigmas da degeneração, só alcançaram relevo e
substância critica a partir das interpretações da antropologia cultural, isto é, já na década de 1930. Publicações como
a de H. Veiga de CARVALHO, permitem perceber essas mudanças. Para o autor, "Felizmente, não há estigmas
específicos criminais que, se existissem com êsse caráter seriam irreversíveis. O que há são condições que
diminuem a resistência do homem à prática do delito...". CARVALHO, H. V de. Os criminosos e suas classes. 2
ed. São Paulo: Escola de Polícia de São Paulo, 1964. p. 18.


1-~ ID7
....- ·-- ·,
◄. V •

~
1-.--v Outro ponto relevante que a documentação consultada permitiu avaliar foi a
~
percepção da rotina e qualidade de vida das pessoas envolvidas nos crimaa. Os
·,.)
-~ registros possibilitam decifrar como as vítimas se movimentavam na cidade, o que

faziam, de onde vinham, com quem moravam, quais eram os seus anseios e 001no ae

r:.. relacionavam no espaço urbano da cidade de São Paulo no início do século ~ t.Cllllftl
... eram elas e o que pretendiam. Tal percepção, fundamentada por urna
~ historiográfica que perscruta a antinomia dos comportamentos humanos, de au•
,:)
~ e relações sociais, possibilita observar as contingências da vida em
~
J nestes termos, as experiências humanas passam a ser compreendidas como 001

-:,
~
de informações. Como salienta Giovanni LEVI:

:,
...toda ação social é vista como resultado de uma constante •:►= "ª'':
•=· '
:> manipulação, escolhas e decisões do indivíduo, diante de uma i? ·
normativa que, embora difusa, não obstante oferece muitas possibilldadea da
J interpretações e liberdades pessoais. A questão é, portanto, como definir u
j margens - por mais estreitas que possam ser - da liberdade garantida a lffl
indivíduo. pelas brechas e contradições dos sistemas normativos que as
~
~ .., governam (...) Neste tipo de investigação, o historiador não esta simplesmente
preocupado com a interpretação dos significados, mas antes em definir as
Cl ") ambigüidades do mundo simbólico, a pluralidade das possíveis interpretações
desse mundo e a luta ~ue ocorre em tomo dos recursos simbólicos e também
:, dos recursos materiais.
54

~
..,
, Neste sentido, a história trágica de preto Amaral toma-se significativa não apenas

para pensar as experiências da intervenção médica na sociedade brasileira mas,


-, sobretudo, para uma reflexão em tomo da experiência social, da constituição da
~ __.. . .,,
a:, ----~ identidade de um grupo específico, ou ainda, das representações que se instauram a
~ partir das meadas das relações sociais nas quais esta constituição se inscreve,
~ ·':>
.... ,, '. •)
implicando interpretar os acontecimentos "... atenta aos indivíduos percebidos em sua

.. relação com outros indivíduos ...".255

254
- LEVI, G. Sobre a micro-história. ln: BURKE, P. A escrita da história: novas perspectiv.as. São Paulo: Edunesp,
1992. p. 135-6.
255
- REVEL, J . (Org.) Jogos de escalas. A experiência da micro-história. Rio de Janeiro: FGV, 1998. p. 21. Ou ainda,
como afirmou Car1o GINZBURG, movendo-se numa escala reduzida, a qual permite uma "... reconstituição do vivido
impensável noutros tipos de historiografia.". GINZBURG, C.; CASTELNUOVO, E.; PONI, C. A micro-história e
outros ensaios. Lisboa: Difel, 1989. p. 177.

'
'V
~
••
v
v
',

Diferentemente dos pressupostos que determinavam as classes pobres como


v
·,

ociosas e vagabundas José Augusto do Amaral sempre buscou viver às suas expensas,
v
trabalhando como soldado em diferentes brigadas policiais nos estados de São Paulo,

Rio de Janeiro, Goiás, Mato Grosso e Rio Grande do Sul. De acordo com a

documentação coligida, as constantes mudanças de cidade e regimentos, na grande


C:-..r-J
maioria das vezes, se dava po r que Amaral desertava, fugindo para outras localidadeat o
~
..) que agravou ainda mais a sua acusação.
..)
) Todavia, suas constantes mudanças, empreendidas muitas vezes como,. . _
.e;-.
~ -.:> ampliam o alcance das representações sociais sobre o negro no Brasil, cujos posbf(IIIII
,.

:i - J
~ -) eram sempre os mesmos. Recuperadas no exame psiquiátrico ao qual é subm~ ' .
- - :,
J mudanças e transferências de Amaral de um lugar para outro trazem a tuna
:)
acontecimentos não menos importantes ou reveladores. Sua passagem pelo Rio Grande
J
.. j do Sul evoca uma dessas memórias. Ao retraçar os antecedentes pessoais de preto
. '.')
~ '.) Amaral, Antonio Carlos Pacheco e Silva registra os seguintes fatos:
..,
..,
~ .

~ Esteve internado durante três meses no hospício de alienados de Porto Alegre,


devido ao seguinte fato: Uma noite, quando soldado, levantou-se no dormitório
~ do regimento de que era corneteiro e deu sinal de alarme a toques de clarim.
111-- ~ Quando deu acordo de si já se haviam passado dois meses e estava, com

surpresa sua, num estabelecimento estranho, que veio a saber era o hospício.
.~ Depois de ter alta, respondeu a conselho, sendo excluído da Brigada Policial. 256

~ "
.,.,
·" )
O hospício no qual preto Amaral teria sido enviado, mesmo que sem um motivo
~ -
aparente, hoje denominado Hospital Psiquiátrico São Pedro, é uma instituição que
C!
".)
'1 centralizou, historicamente, o atendimento em saúde mental no Rio Grande do Sul.
lllil
... Fundado em 29 de junho de 1884, o antigo "asilo de alienados" abrigava os loucos,

• insanos e criminosos da Província que, até então, viviam como seqüestrados da

sociedade, oriundos, muitas vezes, da Santa Casa de Misericórdia e outros tantos da

256
• PACHECO e SILVA, A. c. Psiquiatria Clinica e Forense. 2 ed. São Paulo: Renascença, 1945. p. 442


'0
'0
-
.... e

0
~~ Cadeia Pública, onde eram confinados mesmo sem ter cometido qualquer crime, dado
-~
que permite afirmar que havia uma forte ligação entre o hospício e a prisão.
0
-~ Interessante notar que a grande maioria das pessoas, sobretudo os negros,
!'V também identificados como pardos, pretos e "mixtos", eram levadas ao hoapttal~,pela
0
--✓ polícia sendo que o motivo da saída da imensa maioria dos intemos era dado .. ..... ..l .F .,;,.,,
' ,.·..
• i ",t '"i,-1--<'ri!f
~~~=~'

· ·· -· ~
------ ~
~ notas de falecimento. Em consulta aos prontuários foi possível observar a

um grande número de mulheres negras e pobres, internadas sob o


■ --J
" ~ :) degeneradas hereditárias, com enfraquecimento mental, delírios de
~ - .)
desvios alcoólicos; diagnósticos que raramente eram indicados nos prontu,
~ - ,J
:, sempre sem nenhum apontamento sobre o tratamento
257
• A passagem de
)

li
J Rio Grande do Sul também é evocada no depoimento prestado no momento
.)
1 )
detenção. Conforme os autos do processo, após ter cumprido uma pena de sete mesee
1
~ de prisão por deserção,

" ..,
~
:,
...que tendo cumprido os sete meses de prisão empreendeu viajem para Porto
:J ~
Alegre como praça no décimo Regimento de Infantaria; e também do décimo
Regimento de Infantaria, sendo por ordem do commandante incluído como
~
li .,
J praça do trinta Batalhão; que nessa occasião havendo um pequeno levante
revolucionário no Batalhão o declarante foi preso como suspeito e como mais
tarde fosse certificado que uma praça de nome Ramos e outra de nome
•-
1
~ Vasconcellos foram as únicas responsáveis nesse levante, foi o declarante posto
em liberdade, sendo excluído do Batalhão a ordem do commando; que nessa
ocasião um jornal de Porto Alegre publicou várias notícias referentes a esse
levante, como também se (?) pelo pagamento de soldo a que o declarante tinha
'--~
,_...,., '
direito em vista de não ter feito parte no movimento revolucionário. 258

=---~ Em alguns casos, foi possível observar que os internos conseguiam fugir do

---li- -~ hospício, perspectiva que alimenta a idéia de que Amaral também tenha seguido o

mesmo caminho, caso tivesse de fato sido internado no referido hospital, como indicou

Antonio Carlos Pacheco e Silva ao examina-lo a pedido das autoridades judiciais de São

Paulo, quando este foi preso e acusado de ter estrangulado e violentado os cadáveres

257
.ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. Porto Alegre. Prontuários Clínicos do Hospltal
Psiquiátrico São Pedro.
~

210

~
-~
'
""V dos três "jovens neófitos" encontrados pela Delegacia de Segurança Pessoal de São
v Paulo. 259
v•

Como se pode observar, a história de vida de José Augusto do Amaral e o

tratamento a ele drspensado não era diferente dos vividos por outros de sua etnia.
... --~:.
..
.'...

'
Nascido na cidade de Conquista, Minas Gerais, em 15 de agosto de 1871, filho de·tjt.l
• " . .• r·:..,
~
\ t~-.;.,.:

escravos trazidos da África e comprados pelo Visconde de Ouro Preto, Amaral


~
1-.J uma vida errante, desenraizada, fragilizada pelos eventos que marcaram a
;)
111 - J histórica dos negros no Brasil. Conforme declaram os registros consultados,
.' • · .,
~·-:>
~

, '

foram nascidos na Africa - o pai no Congo e a mãe em Moçambique". De acordo;


:)
Ili J seu exame psiquiátrico, "o pai teria morrido subitamente e sua mãe, segui

•J
1
:,
.'

informaram "de suspensão", o qual continuava informando: ''Tem uma irmã cujo destim
.J ignora". 260
1 J
li j
~. . .., As informações recuperadas por Antonio Carlos Pacheco e Silva revelam que
:.'I. j
Amaral viveu o momento exato da passagem do trabalho escravo para o trabalho livre,
;1 . :,

•-·--~~ vivenciando um período histórico acentuadamente marcado por um segregacionismo

._., dissonante e costumeiro, tomado natural pelas teorias que explicavam a "evolução

• humana", as quais condicionavam os negros a viverem as mais acabadas formas da

,.,__
~ .-'j inferioridade, da incivilidade e degenerescência humana.

- --./)
., 258
259
Processo Crime 1670. São Paulo. 09.01.1927
.
. Entretanto, conforme indicado por Ney Roberto Váttimo BRUCK, um incêndio, em 1935, queimou parte dos registros
que relatavam os trabalhos desenvolvidos até 1926. Talvez, o registro de José Augusto do Amaral tenha sido
queimado junto com os demais documentos. BRUCK, N. R. V. A pedagogia da exclusão: um estudo sobre a vida
de internados e a ação (des}educativa numa instituição psiquiátrica. Porto Alegre, 1989, 354 f. Dissertação
260 (Mestrado
p em Educação} Curso de Pós-Graduação em Educação - Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
• .ACHEGO e SILVA, A. C. op. cit. p. 441. Informações como essas são significativas pois acentuam um debate
ª!n_da_pouco analisado e interpretado pela historiografia, qual seja, o encontro dos africanos no Brasil e . as
vicissitudes da luta pela permanência de suas etnias e culturas. GIACOMINI, S. Mulher e escrava . Rio de Janeiro:
Vozes, 1988. WOORTMANN, K. A família das mulheres. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1987. FLORENTIN<?,
M. Em costas negras: uma história do tráfico de escravos entre a África e o Rio de Janeiro. São Paulo: Companhia
das Letras, 1996.
·, ) 211

'V
·--~

v '
Solteiro, sem ter declarado possuir filhos, Amaral tinha 56 anos em 1927, quando
v '·

foi preso pelos crimes que confessou ter praticado. Sem manter nenhum tipo de
v
·,

'

'....J relacionamento familiar estável, Amaral era um homem solitário, sem endereço fixo,
~
vivendo como vivia os negros que não constituíam famílias ou que se afastavam do
~
convívio com outros negros, passando a viver em pensões, em quartos de aluguel,

~ dividindo estes mesmos quartos com outras pessoas, muitas vezes desoonhecidaai
:)
pernoitando em albergues públicos, vivendo onde quer que fosse, aventurand~ae . . . .
-...:) ..' ;;·
emoções e paixões da vida moderna, comportamentos que, como •alnaladl:
:>
:> anteriormente, eram condenados pela psiquiatria forense.

~
:, O jornal O Estado de S. Paulo, em matéria intitulada "mais um crime hediondo'\
:,
:::> na qual narrava as atrocidades imputadas a Amaral, dizia que " ...sem residência certa
)
dormindo ora nos bancos dos jardins públicos, ora em camas alugadas a 'r$300', numa
J
:_,
., casa da rua Mauá, nos fundos de um salão de engraxate, o preto Amaral deu expansão

aos seus instinctos bestiaes, praticando, no curto espaço de quinze dias, todos os crimes
J
~ de que se confessa autor... ", estendendo, simbolicamente, para as demais pessoas que,
j
-,
., como Amaral, não tinham onde morar, a representação do indivíduo perigoso, malfeitor,

sexualmente degenerado, isto é, tarado, cujas relações deveriam ser evitadas pelas

demais pessoas, enquanto as autoridades não dessem cabo de suas existências


ry
," ) aterrorizantes, obsessivas. 261

,/)
,,, Entramos aqui num terreno de criminalidade vasta, fecundado pelo dinheiro, que
quase sempre impede de prosperar a áção particular ; terreno por conseguinte,
que oferece o maior numero de delinquentes impunes, de velhacos afortunados,
de satiros triunfantes, de gente que seduz, corrompe, desflora e estupra virgens,
que depois atira o monturo da prostituição ; gente sem senso moral! Ou de
"consciencia imunda" que, apesar disso representa com tranqüilidade o seu
papel na grande comédia da honradez. 262

261 OE
262 . stado de S. Paulo. 06.01 .1927. p. 5.
. AGUIAR, A. de. Sexologia forense. Medicina Legal. Lisboa: Empêsa Universidade Editora, 1914.


212
~
t:....~
'-"·"'\)
~ A sexualidade criminosa, por essência degenerativa, considerada como resultado

de uma desarmonia entre a evolução psíquica e somática, era apresentada pela


v
~ psiquiatria paulistana a partir de duas vertentes classificatórias, a proposta por A.

Lacassagne e a preconizada por Krafft-Ebing, "grande autoridade na matéria''.

Apresentando as orientações propostas por ambos, Antonio Carlos PACHECO e SILVA

afirmava em seu compêndio que, para o médico francês, os crimes sexuais divic:11.m•
-~ •
em dois grupos. No primeiro grupo estariam agregados formas patológicas , . , . _.
---.) ••.
. "'
t

.;) quantidade, caracterizados, por "estados de aumento ou exaltação'' e ·•estadtlr


,: )
263
::3- :> diminuição ou de torpor''.

.i -:>
Os sintomas da exaltação indicavam '1emperamento genital. Excitação genNlca
1111 ~
• J tão freqüente em certas afecções: ataxia, raiva, tuberculose. Onanismo maquinal,
■ )
1 :> automático. Satiríase. Ninfomania. Criese genitais momentâneas. Exaltação
~ ~ acompanhando certos atos fisiológicos. Psicose puerperial, psicose da menopausa". No
':, -~
..,
__ .

estado de diminuição, os sintomas eram "Frigidez habitual ou momentânea. Impotência.

•---~
• .,___ Ausência congênita do apetite sexual. Erotomania." 264

·-~
--- ~ O segundo grupo das perversidades classificadas por Lacassagne recuperavam

as '1ormas patológicas da qualidade", subdividida em dois ramos. No primeiro ramo, o da


,;;i..--"
j_. J') inversão do instinto sexual, compreendendo a "pederastia" e o '1ribadismo". No segundo,
;i...~
.. as formas patológicas da qualidade, os "desvios propriamente ditos" como, "... 1.º) a

•.. necrofilia, quer dizer, o amor pelo cadáver; 2.º) a bestialidade, isto é, o amor pelo ser vivo

outro que a pessoa humana, pelo animal; 3.º) o niilismo da carne, o amor fetichista, a
azoofilia, etc.". 265

283
28 - PACHECO e SILVA, A. C. Psiquiatria Clinica e Forense. 2 ed. São Paulo : Renascença, 1945. p. 426.
4. Idem.
285
• Idem.
"0
.' V
211

·~ Conforme descrito no manual de psiquiatria clinica e forense que, vale lembrar, foi
'v
escrito para o conhecimento dos advogados sobre as causas dos desvios sociais,
v
~ especificamente àqueles interessados em psicopatologia forense, Antonio Carlos
~
,.) Pacheco e Silva indicava que, para Krafft-Ebing, a classificação clinica das psicopatias

sexuais compreenderiam:

1. Paradoxia, isto é, emoção sexual surgindo fora da época n ~


processos anatômico-fisioológico nos órgãos generativos. li. Aneslalla ''" ·-
do instinto). Aqui não há excitação capaz de despertarei capacidada
indivíduo. Ili. Hieperestesia (exagêro do instinto). Quando se Valltlaa
do instinto, a vida sexual impõe, com vigor anormal, excltapaai ·
psíquicas e sensoriais. IV. Parestesias (perversão do instinto •BJatR•
excitação sexual só se desperta mercê de excitações inadeqMedaa. ·

José Augusto do Amaral, ao ser examinado por Pacheoo e Si

diagnosticado como sádico e necrófilo, perversões que se complicavam

pederastia, pela qual, conforme o diagnóstico do ilustre psiquiatra, sentia-se atraído por
: •<)
pessoas do mesmo sexo. O quadro psicopatológico diagnosticado alterava-se pela

pedofilia, já que as supostas vítimas de Amaral, o "monstro negro", eram crianças, o que

não correspondia com a realidade pois, nem todos eram crianças, como será

evidenciado e analisado mais adiante.

Para os médicos, Amaral era um homossexual cuja variação foi considerada uma

inversão do tipo adquirida, isto é, "... referente a indivíduos absolutamente normais do

ponto de vista físico-psíquico e que estão aptos para a realização do ato sexual

condicionado ao respectivo sexo, mas que são levados à perversão por temor de

contágio venéreo-sifilítico, por necessidade do meio unisexual onde estejam, por

266
, PACHECO e SILVA, A. C. op. cit. p. 427.

e
v 21•
.,j '\,)

~ ''-,)
,. ) depravação de costumes, por verdadeira profissão...", tomando o caso mais
~
-~ ,.J
aterrorizante ainda. 267

O sadismo era uma anomalia sexual considerada "assaz freqüente", como

. ' ~

, 1~..)
assinalava o psiquiatra paulistano, sobretudo entre os homens. Traduzida como .a

satisfação sexual fazendo sofrer a outrem física e moralmente, infligindo maus ba1íillt
, '
•,· ;(-la-

i
desde a injúria até as sevícias mais graves a pessoa que compartilha do ato sexual, ,,,~;;:'·
l~
1--~
,-~ ,_)
O sadismo se manifesta física ou simbolicamente. No primeiro caso, o
satisfação sexual quer vendo o sofrimento estranho em que não tomou
mandando produzir tal sofrimento, quer êle mesmo realizando a hipólaae.
1 simbólica, o insulto atirado sobre a vítima é suficiente para agir (...) O allll■ma
1
.) pequeno e grande. Um ato sádico atenuado quase que pode ser tido à
normalidade: é o que acontece com o beliscão, sucção, mordedura, 8lC. e 1116 li'
.) muitas vezes preparatórios do ato sexual normal. No grande sadismo h6 lat&ed·
:, sérias que vão até a morte da vítima, ao seu espostejamento ou à antropdagla. •

,: ,
:) Já a necrofilia ou ''vampirismo", perversão sexual na qual o pervertido busca •o,
'·,.,
:) gozo sexual profanando cadáveres, sepultos ou insepultos, quer para masturbar•se
)
~ como fetichista, quer para a realização do ato sexual, foi considerada no manual de
~
psiquiatria clínica e forense escrito pelo psiquiatra paulista que relata o caso de Amaral
.,
j
como "uma das formas mais monstruosas e repelentes da degeneração sexual". Assim,
-,
.,
~ a partir das representações projetadas pelas definições e classificações dos perversos, a

história trágica de Amaral, ao mesmo tempo em que provocava os mais terríveis

~ pavores, exercia um certo fascínio sobre a população ávida por reconhecer as minúcias
-~
~ 267
') Conforme apontava Flamínio FÁVERO, na inversão, modalidade de perversão sexual que se exterioriza por uma

variação completa na qualidade do instinto, pode ser considerada na forma adquirida, como a homossexualidade de
Amaral, ou congênita, também chamada de "uranismo". Na forma congênita, "...o indivíduo bem conformado
f) sexualmente, é um doente psíquico; tem êle pendor homossexual, pudor também homossexual, consetênc1a
absoluta do ato sexual invertido mas sendo conduzido a êle por uma verdadeira obsessão. Além disso, entrega-se
preferivelmente ao exercício de profissões do sexo oposto ao seu do qual, ainda, assume certas particularidades ~
carra'ter, atitude, etc. (...) registre-se que os invertidos se reconhecem perfeitamente entre si à distância,
independente de qualquer distintivo.". Cabe destacar que a obra em questão, assim como a de Pacheco e Silva, foi
premiada pela Faculdade de Medicina de da Universidade de São Paulo e pela Sociedade de Medicina Legal e
Criminologia de 2 São Paulo. FÁVERO, F. Medicina Legal. lnfortunística, tanatologia, sexologia, criminologia,
268 psicopatologia. 2 vol. São Paulo: Livraria Martins Editoda, 1945. p. 319-20.
· Idem. p._32~. A~ definir as anomalias sexuais que considerava mais freqüentes, PACHECO e SILVA, curiosamente
esclar~c1a_. D~nva êsse nome do Marquês de Sade, de triste memória, que se celebrizou pelos seus atos
sanguinános visando a satisfação de suas paixões mórbidas (... ) Entre nós se verificou o caso 'Febrônio', do qual
muito s_e ocupa~am os legistas do Rio de Janeiro (...) Ao sadismo podem se associar outras anomalias, como a
necrof~ha postenor (caso do prêto Amaral, por nós relatado no fim dêste capítulo).". PACHECO e SILVA, A. C.
Psiquiatria Clinica e Forense. 2 ed. São Paulo: Renascença, 1945. p. 427.
~ 218
'V
\.)
~ ·.
das mortes processadas na passagem de 1926 para 1927, bem corno ao estudo da
'""\)
-~
-v '
psicopatologia forense, que o celebrizou como um dos criminosos mais temíveis da

cidade de São Paulo. 269

'!~ Os crimes imputados a José Augusto do Amaral, explorados pela imprensa


•' v '
.. --0 paulistana e por estudiosos da criminologia, sexologia e psicopatologia forense tanM 1:,
~
._) promoveram longos debates em tomo da perícia e investigação criminal, servindG • •
,--~
,--~ exemplo e orientação para os acadêmicos da Escola de Polícia de São Pau.1ot41f·
.', ....,...•;.<c.•<J_. •

--~
• •< ,...,. •

utilizavam os registros, as peças e publicações acerca dos crimes processac::lcJa- . ..


1---,)
instrumentos didáticos.
,)
:,
:, Desde de meados da década de 191 O, vinham os médicos e algllrt8
:> parlamentares, como o deputado Otacílio Câmara, apresentando projetos à Câmara
)
J propondo a regulamentação da perícia e de um corpo de "peritos officiaes", como o
~
-~ enviado pelo deputado em 6 de novembro de 1915. Em 1917 um novo projeto foi
-~
apresentado sem contudo obter uma lei que solucionasse o assunto da regulamentação
~
-:,
., do exercício da perícia, o que só aconteceu com o projeto assinado pelo professor A.

'1 Austregésilo da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, "...o qual satisfaz inteiramente
~ a todos por isso que salvaguarda os interesses da Justiça, regulamentando o exercício

"
~
-.1)
1)
~

269
- Idem. p. 428. Neste ponto, toma-se importante lembrar a leitura de Maria Luiza Tucci CARNEIRO pela qual se pode
concluir que, nas palavras da autora " ... a força das imagens não se encontra na veracidade dos fatos que elas
tentam representar e sim na capacidade que têm de interferir no comportamento humano gerand_? senti~ entos e
atitudes de medo, repulsa, ódio, inveja, submissão, adoração, (... ) [a imagem) tem a força da seduçao: atrai, fascina:
envolve e hipnotiza." CARNEIRO, M. L. T. O discurso da intolerância. Fontes para o estudo do racismo. ln: D,
CREDDO, M. do C. S. (Coord.) Fontes Históricas: abordagens e métodos. Assis: Programa de Pós-Graduação em
História, 1996. p. 28.


118

~""'
-~
l'v da funcção de perito ao mesmo tempo que lhe impede o privilégio, que seria odloeoa e
-''"0
~ inconstitucional", enviado a Câmara em 1922.
270

No caso da perícia psiquiátrica, Antonio Carlos PACHECO e SILVA esclarecia

.~ que esta se efetivava quando o Poder Judiciário se via na contingência de


" j,

recorrer, "pa.t•

-.J a apreciação exata de um determinado fato", aos conhecimentos técnicos ou cle1


N de pessoas especializadas. A perícia médica seria, para o psiquiatra, toda a sln,
~
~ promovida por autoridade policial ou judiciária, acompanhada de exame, quer se

.) questões da esfera penal, civil o u administrativa. Assim, o papel do perito em pal1


:> cumpria em ''ver e registrar", porém , como acrescentava o médico, " ...há casos 8ffl;;q1
.)
:, se lhe permite entrar em maiores comentários, dada a ausência de conhecimentos, .pcllJ
:,
271
:) parte das pessoas leigas, de uma ciência difícil como é a psiquiatria.".
)
) Preso e conduzido ao Gabinete de Investigações, José Augusto do Amaral é
~
..,.., interrogado pelo delegado de Segurança Pessoal negando a autoria dos crimes a ele
imputados. Todavia, as informações colhidas sobre o suspeito o apontavam como sendo
..,
~
um homem de "pessimos antecedentes, ladrão, e expulso da Força Publica por indigno",

,,
·"')
precedentes que, para as autoridades, " ... demonstravam que elle era capaz de ter

praticado aquelle crime.". Submetido a interrogatório, muito provavelmente sob tortura,

"'.,, prática comum da polícia brasileira até os dias atuais, sobretudo em se tratando de um

negro, preto Amaral confessa os crimes.

270
Apresentado ao Congresso Nacional em 20 de agosto de 1922, o projeto trazia a justificativa de que "O exercício da
.
pericia medico-legal está, em nosso paiz, entregue á sorte de uma escolha as mais das vezes aleatória, onde menos
governa o critério da competencia do que o da sympatia e das relações de amizade. Se os 'dous entendidos e de
bom senso' constituem recurso extremo nos povoados e villarejos longínquos, já nos grandes centros popula~es,
onde os conhecimentos se especializam para tomar-se mais profundos, não se justifica a prática de designar pentos
entre profissionais de medicina clinica absolutamente extranhos á medicina forense ...". Em nítida, discriminação, a
i~st~cati~a
1
apresentada equivalia dizer que somente nas grandes cidades, cujo ajuntamento de popula~es era
1
si~nif cat vo, a perícia deveria ser especializada vinculando, assim, as classes pobres, proletarizadas ou nao, aos
c~m~ nos quais a prática da perícia se fazia presente, reiterando a idéia das classes pobres como sendo perigosas,
cnmi~osas. RIBEIRO FILHO, L. A regulamentação da pericia medica no Brazil. A rchlvo de Med icina Legal, Rio de
271
Janeiro, nov. 1922. p' 92 ·
· PACHECO e SILVA, A. C. Psiquiatria clínica e forense. 2 ed. São Paulo: Renascença, 1945. p. 480.
0 217
P""
- ~ ·,V'

---~v Aliado a sua condição de negro, pobre, desenraizado, sem ender&90 fixo e,
'
~
ainda, apresentando "estigmas" de degeneração, Amaral se encaixava perfeitamente no
v
perfil criminoso que teria levado à morte os jovens neófitos, caso que a polícia paulistana

-~ não podia, de maneira nenhuma, deixar de resolver dado à dimensão e apelo popular
........-- ~

'\
.

--~ ~
provocados pela divulgação "scientífica" que os crimes receberam e por sua expoe19Ao

na imprensa. 272

~
- ~~ Os antecedentes de Amaral, apontados no exame psiquiátrico,
-✓
li! ~ .) contribuíam para sua condenação pois o colocava na condição de desertor,
~ .__)
disciplina e as normas que regulavam os espíritos nobres, que lutavam pela def1
:i ~.:>
l!j - :, país nas fronteiras e campanhas armadas. Sua perícia psiquiátrica apontava-o mma:
:,
•- :)
:)
alheio ao trabalho, viciado, indolente, ampliando ainda mais suas característicae

1 criminais e anti-sociais.
• :>
~ .,., ... em 1908, quando trabalhava com a Comissão de Limites entre Brasil e Bolívia,
.,
. -
.., que estacionava nos arredores de Corumbá, sob a chefia do Almirante
Guilhobel, teve outra fuga, dessa feita pouco duradoura. Levantou-se então
:l ., durante a noite, pegou seu revólver e saiu a correr pela mata a dentro. Depois
~ - ,.., disparou vários tiros a esmo e, acordando com o ruído, voltou cautelosamente
ao acampamento para que a sua saída não fosse pressentida pelos
ai.~ ., companheiros, passando o resto da noite sem incidentes. Ultimamente tem

•-
,___,,.., andado triste, distraído, com vontade de deitar-se e de chorar, tendo ocasião em
que "sai desatinado", ficando as vezes sem se alimentar até por dois dias. Atribui
êsse fato a ter fumado cigarro de maconha. Tendo tido sempre propensão para

.. ___,,
a farda, serviu como soldado em várias localidades do Brasil, mas não se lembra
1 -~ de ter completado em nenhuma delas o tempo de serviço, desertando sempre, a
fim de livrar-se do "excesso de trabalho". 273

..
,~ A imagem do negro viciado, entretanto, apresenta o seu avesso. Guido

~ -~ FONSECA, permite observar, com referência à maconha, que esta, nos primeiros anos

•• do século XX, era vendida livremente como medicamento ou em forma de cigarros nas

• tabacarias e em bares ou, como anunciava o Jornal do Comércio, utilizada em casas de

família. Como indicado pelo autor, "na praça Antônio Prado e, principalmente na

272
273 , Os CRIMES de preto Amaral. 1927. p. 28.
· PACHECO e SILVA, A. C. ; REBELLO NETO, J. Um sadico-necrophilo. O preto Amaral ln: Archlvos da Sociedade
de Medicina Legal e Crimlnologla de São Paulo, São Paulo, vol. li, anno li, fase. 12 , nov. 1927. p. 99.

'
:111

Travessa do Comércio, podia ser adquirida cocaína ao pr8QO variável de 20,!IO--.

100$000 o grama. Os traficantes permaneciam nas proximidades ou mesmo no interior

de bares e clubes de jogos ali funcionando ... ", que prossegue afinnando: "as s:,,. ,_
farmácias desonestas eram importantes pontos de abastecimento dos

traficantes. As farmácias 'lntemacional', à Rua Quintino Bocaiúva, 18, 'Avenidli, à

de São João, 135 'Paissandú', na mesma rua, n 169, e 'União', à Rua Capitão

57-B entre outras, tiveram problemas com a Polícia por venderem cocaína e
274
drogas a dependentes.".

Talvez, a principal evidencia da qualidade degenerada e sexualmente pervertida

de Amaral fosse a fotografia publicada nos Archivos da Sociedade de Medicina Legal e

Criminologia de São Paulo como parte do trabalho apresentado na reunião de 14 de

novembro de 1927 por Antonio Carlos Pacheco e Silva, Diretor do Hospital de Juqueri e

J. Rebello Neto, Chefe do Laboratório de Polícia Técnica da Polícia de São Paulo.

Diferente das outras fotografias, como as anexadas ao Processo Crime nº. 1670

impetrado em janeiro de 1927, reveladas por agentes do Gabinete de Investigações da

Delegacia de Segurança Pessoal de São Paulo, também publicadas nos jornais

,, paulistanos que noticiaram as mortes das quais preto Amaral era tido como a principal

.-, suspeita, existia um registro fotográfico que mostrava o acusado completamente nu, em

,, pé, cuja imagem frontal servia para demonstrar "... o tamanho desproporcionado dos

órgãos genitaes ...", aspecto que foi considerado como estigma de sua degeneração,

274

. Como o autor observa, não era incomum o uso da maconha, da cocaína e de outras drogas na cidade de São Paulo
nas pnmeiras décadas do século XX. Pautando-se em fontes jornalísticas o Delegado e Professor da Escola de
Polícia de São Paulo permite entrever ainda que o uso de entorpecentes "...tomara-se um 'vicio chid, uma 'moda
elegante' entre a 'jeunesse dorée' que costumava reunir-se em grupos para mais à vontade saciar seus vícios.".
Informações preciosas pois põe abaixo a representação do viciado como sendo pertencente às classes pobres, sem
educação, mal formadas, entre outros adjetivos que inferiorizavam as pessoas comuns, de origem humilde, como o
própno Amaral, cuja possibilidade de ter sido preso inocentemente aparece como hipótese cada vez mais plausível.
FONSECA, G. História da prostituição em São Paulo. São Paulo: Resenha Universitária, 1982. p. 196.
21•
''0
~~
reforçando a importância dos caracteres anatômicos na detenninaçlo dol tlpoa

criminosos. 275

Tomado como prova ao desvendamento das mortes diagnosticadas, levadas a


termo pelo sadismo e pela necrofilia características dos pervertidos sexuais, a folDQIIAI

que expunha José Augusto do Amaral completamente nu, revelando o tamanho e


de seu pênis parecia encerrar o debate, comprovando, cientificamente, sua ~

'
degeneração e perversidade sexual. Sem considerar a morfologia singular doe

de sua etnia, quase sempre bem dotados, é possível supor que Amaral se viu forçado a

assumir a autoria dos crimes há dias praticados. A malha fina e insidiosa que o enradau

era intransponível: não havia como escapar dos argumentos, cujas imagens, assur"'ldaa

como correlatos da verdade, destruía sua capacidade de contra argumentação. Mas,


então, como Amaral poderia saber ou detalhar as ocorrências que se noticiavam? Como

ele poderia indicar os locais em que os corpos estrangulados, apodrecidos e

descamados se encontravam?

Questionamentos como os acima sugeridos permitem novas interpretações

sobre o caso do preto Amaral, desvelando relações subterrâneas, travadas no fortuito da

vida, nas contingências das experiências e vivencias que remontam temporalidades

diversas, contextos múltiplos, transfigurados pelas aventuras e horrores do mundo

urbano que se quis industrial e moderno.

275

Como salientou Zéha Lopes da SILVA, o trabalho com a fonte iconográfica, com a fonte visual, •...material ínscnto
em um campo de silêncio e de certo desconforto para o historiador ( ...) mais habituado a lidar com o documento
escnto..." apresentam questões como as que envolvem o imagináno versus real. Para a autora, as dificuldades ou
resistências em relação à utilização da imagética como fonte à pesquisa em h1stóna era resultado de 1ndagaÇóes
levadas em conta quando as Imagens passam a ser deballdas em um contexto mais amplo e não mais como mera
ilustração. De acordo com Zéha Lopes da SILVA, "AI apareceria uma fissura entre real e 1mag1náno (ilusóno,
quimera. sonho), colocando dessa maneira obstáculos ao uso dessa fonte pelo h1stonador uma vez que o seu oficio
definia-se em tomo do acontecido e não de elaborações que se inscreviam no campo das representações.". SILVA ,
Z. L da Os dilemas da pesquisa as fontes ofic1a1s e a imagética ln: OI CREDDO, M. do C. S. Fontes Históricas
abordagens e métodos Assis: Programa de Pós-Graduação em História, 1996. p . 43.
''-.) 220
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,. .)
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.,...,
j

..,
~

...-,
.,,

Fotografia 4. "Photographia mostrando o tamanho desproporcionado dos órgãos genitaes" (legenda original). Archivos
da Sociedade de Medicina Legal e Criminologia de São Paulo, vol. li, ano li, fase. 12., nov. 1927, p. 101. Acervo da
Biblioteca do Instituto Oscar Freire de Medicina Legal e Criminologia da Universidade de São Paulo.

'
221
·....,)
'0
'v
-~
~
A prisão de José Augusto do Amaral, em 12 de fevereiro de 1927 trouxe a tona os

acontecimentos trágicos, violentos, marcados por uma brutalidade que, na verdade,


- v
-~
~
serviam precisamente para os propósitos das elites intelectuais e dominantes, entre as

quais destacava-se a construção do Manicômio Judiciário que mesmo antes de sua


~
construção e inauguração já vinha funcionando nas instalações do Hospital de Juqueri,

•~ cujos administradores, como visto, não se cansavam em querer vê-lo construído para,
.~
.-~
'
deste modo, melhor aplicar os conhecimentos dominadores da psiquiatria forense.

,-_, .) Assim, os crimes do "preto Amaral" ou "Tucano", como também era conhecido

-,-.) nas ruas, botequins e albergues que freqüentava, permite supor, por exemplo, que a
- ~
:, ampla divulgação recebida servia de suporte a um amplo projeto que justificava a
~ :, •

• :,
)
construção do espaço destinado a personalidades desviantes, indivíduos perigosos e

anti-sociais, infratores das normas jurídicas e das ordens médicas, significativamente, os


1 e

)
1 ~
• ., criminosos sexuais, os degenerados, como já acontecia no Rio de Janeiro com a colônia

276
\ J Juliano Moreira.

~
' ..,.,
-
A denuncia registrada na Segunda Vara C riminal de São Paulo, preservada como
,_~-,
.

---~~
l --"
parte do acervo do Museu do Crime da Academia de Polícia de São Paulo permite

avaliar a extensão dos delitos confessados por Amaral no dia de sua prisão. Produzindo

' -- -') um efeito de real, cristalizador de representações e discursos provenientes da

',-~ .,, criminalística, da medicina-legal e da psiquiatria forense, as evidencias materiais, os

registros da Delegacia de Segurança Pessoal, as fotografias da perícia policial e os


-1

276
• CARRARA, S. Crime e Loucura. São Paulo/Rio de Janeiro: Edusp/ Edue1, 1998.

'
0
.... .._
'~
'\,)
_..·--.V\
~~ registros médico-legais, preservados no Museu do Crime, corno já salientado, foram
'--''\.) utilizados como recurso didático para a formação da policia paulistana nos anos 20. m

As imagens e os significados pretendidos nos discursos produzidos em tomo doe

eventos que marcaram a vida de Amaral, não é demais notar, transfonnam-no eni uma

e-.. -~ personalidade monstruosa, bestial. Entretanto, ao mesmo tempo, a docu1


e..---~ coligida apresenta o avesso dessa imagem transfigurada pela animali
0 ·i

v '\
comportamentos sexuais atribuídos a José Augusto do Amaral, que chegou a
·, v
...) na campanha de Canudos, além das referências que afinnam seus ali
.... soldado da Força Pública. Assim, paradoxalmente a imagem do negro solto,
_)
CJ
,) ocioso e baderneiro, preto Amaral aparece na documentação sempre t1
CI
:,
:, soldado, servindo nas frentes de batalha, como operário nas construções de
. ~, .)

:, ferro, como na construção da estrada de ferro Mogiana. Sobretudo, Amaral emerge l'IIIÍ
. .

J
~ páginas de seu processo sempre pagando as suas despesas e a de suas Supostas
~
~ - J vítimas, permitindo entender que, de uma forma ou de outra, Amaral era uma pessoa
e :, independente, mantendo sua própria vida a pa rtir se seu esforço individual. 278
._____..,..,
~ --· j
_____

-~ ~
~ -~-'>
,.. 2

~
."'1
,, n. O histórico do Museu do Crime indica que sua origem (1920) foi impulsionada pela formação da Delegacia de
Técnica Policial e da primeira Escola de Polícia, período em que as peças colhidas do cotidiano policial eram
expostas em armários nas próprias salas de aula, servindo como ilustração às matérias ministradas. Em 1930, com

.. I') a consolidação da Escola de Polícia e o aprimoramento do ensino técnico policial, as peças que compunham o
acervo do museu ganham seu próprio espaço, autorizado pelo decreto 4.715, de 23 abril de 1930, que

.. regulamentava a repartição de polícia. No ano de 1952, o acervo é aberto ao público e o espaço passa a ser
denominado "Museu de Criminalística", funcionando junto a Escola de Polícia na rua São Joaquim, 580. Vinte anos

- depois, em 1970, a escola é transferida para as dependências junto a praça Reynaldo Porchat, 219, no Butantã e o
acervo passa a constituir o "Seção Museu de Criminalística". Sua atual denominação ocorreu em 1984, após passar
por uma reestruturação que enriqueceu a área de exposição com fotografias e demais documentos extraídos dos
arqu_
,vos e laudos da polícia técnica. José Augusto do Amaral figura entre os criminosos que agiram na capital
paulista, ao _qual é dedicada uma sala especial com registros fotográficos, documentação judicial e os fragmentos
com os quais, supostamente, estrangulava suas vítimas, como o cordão de pano que ele teria utilizado para matar
um dos a~olescentes vitimados na passagem de 1926 para 1927. Nesta mesma sala, existe uma réplica de sua
cabe~" utilizada nos cursos de antropometria oferecido para a formação da polícia de São Paulo. Academia de
278 Polícia D~ Conolano Nogueira Cobra". Museu do Crime. 70 anos (1930-2000). São Paulo, 2000. Catálogo.
· FUNDAÇAO Casa de Rui Barbosa. Canudos: subsídios para a sua reavaliação histórica, p. 83.
113
J
... 0
0 ' Os documentos encontrados no Museu do Crime da Academia de Polícia de São
0
0 Paulo, reproduzidos pela imprensa e nos artigos de periódicos especializados, escritos
0
~ por Antonio Carlos Pacheco e Silva, os quais divulgaram os crimes hediondos conferidos

a Amaral, apresentam incoerências, informações desencontradas, filtradas por seus


v
... -..j divulgadores, deformando-as. Sobre este aspecto, Boris FAUSTO indica que, no periodo
.... -,j
contextualizado, os processos que envolviam as pessoas comuns nos mais diferentes
.. --.. :>
-~ ao ~1,1po
--- ~ litígios não mereciam o devido valor e que, quase sempre, eram relegados

inconcluso do julgamento. Assim como outros negros que davam entrada


,-'"...... nas
- ~
. qJ"< -

..)
., .)
.)
instituições de controle social da capital paulista, Amaral morreu sem ser julgado.
271

::l
;..i
:, Por intermédio dos documentos que apresentam as experiências trágicas vhlllal
:,
11111 na passagem de 1926 para 1927, é possível extrair que até os quatorze anos de Idade
)
:> Jose Augusto do Amaral permaneceu em Conquista, Minas Gerais, sua cidade natal,
)
') iniciando, depois, "constantes viagens pelo país e mesmo pelo exterior, numa verdadeira
~
~
~ .., peregrinação". A trajetória de vida de Amaral, também conhecido como "espigão" devido

::i ~ à anatomia "desproporcionada" de seu pênis, perpassa pelos escritos dos diferentes

,,,,
-~

autores que analisaram o caso, como Guido FONSECA, por exemplo, que cristalizou a

279
• Neste ponto, cabe enfatizar os esclarecimentos oferecidos magistralmente pelo autor que, como afirmado, merece
A menção mais acurada pois, escoimado em um notóri o saber. Para Boris FAUSTO, "O estudo das infrações
.' ) específicas baseia-se fundamentalmente na análise de processos penais, uma fonte cheia de peculiaridades que
merecem uma referência mais detida. Na sua materialidade, cada processo é no período considerado um produto
artesanal, com fisionomia própria, revelada no rosto dos autos, na letra caprichada ou indecifrável do escrivão, na
~ forma de traçar uma linha que inutiliza páginas em branco (...) A peça artesanal contém uma rede de signos que se
"1 impõem à primeira vista, antes mesmo de uma leitura mais cuidadosa do discurso. Distinções espaciais expressam-
se nos erros de grafia, na transcrição em conjunto dos depoimentos de várias testemunhas, indicando que um
11-1 processo foi instaurado em um bairro distante, com marcas fortemente rurais. Pobreza e riqueza deixam por vezes

.. nítidas pegadas distintivas. Em um extremo, a relativa uniformidade resultante da sucessão de declarações, que não
é cortada pela petição de advogados; os requerimentos em letras vacilantes, ou assinados a rogo, em que os

-.. requerentes esclarecem que deixam de selar por falta de recursos. No outro, as transcrições dos diferentes atos
processuais entremeados de petições de advogados, em papel linho timbrado; os memoriais impressos, distribuídos
aos desembargadores; a peça de defesa datilografada, que, sobretudo em épocas mais remotas, revela o prestígio
do próprio defensor. Isoladamente, talvez o texto mais carregado de significações seja o documento de
antecedentes, juntado em regra pelo réu, valendo-se de sua rede de relações - vizinhos, patrões, colegas,
compatnotas, conterrâneos, fregueses (...) Toda uma gradação da eficácia do documento se insinua, segundo
quem o em~e, a força de seu conteúdo verbal, os signos formais de que está revestido. 'Papeluchos de favor',
escritos a mao, em papel ordinário, em que se enfileiram frágeis assinaturas anônimas, contrastam com documentos
na solene expressão do termo, em papel timbrado, datilografado, contendo assinatura de pessoas influentes ou
representantes de grandes empresas. FAUSTO, B. Crime e cotidiano. A criminalidade em São Paulo (1880-
1924). 2 ed. São Paulo: Edusp, 2001. p 30
~
._) 224
~ e
. .f"'\)
~.....~-0
0 imagem de Amaral como um "tipo de criminoso raro nos anais do crime", na medida em
.... '0
que "aliava ele duas perversões que o faziam distinto dos demais delinqüentes de sua
0
espécie: o sadismo e a necrofilia", eternizando a imagem da crueldade bestial na figura
280
r""\) de Amaral, uma pessoa que abandona, que trânsfuga, deserta.
v
-~ Nos autos do processo crime impetrado contra Amaral, sua trajetória ·errante o
C;i-~
ir.,~~ identificava como um negro solto na vida, indisciplinado para o trabalho e astuto. O que

se denota ao interpretar a documentação proveniente dos órgãos do poder judiciário é


·~

....)

~ uma nítida intenção de desmoralização da capacidade civil de José Augusto do Amaral


~
pois, a documentação coligida enfatiza vigorosamente as deserções de preto Amaral
--J
c -J dos batalhões nos quais servia como praça do Exército Nacional como um fatQf
~.... - :>
J
preponderante para o desvendamento de seu verdadeiro caráter.
5
José Augusto do Amaral residiu em Ouro Preto, mudando na ocasião para
J Vitória, Capital do Espírito Santo; que dessa capital sua sarda consistiu numa

.,.,
) verdadeira peregrinação, percorrendo a Bahia, Ceará, Amazonas, Pará, Bolívia,
Argentina, Uruguay; que nesse último estado, isto é, província da Rep(íblica
Uruguaya foi a Montevideo, Capital desta e dahi chegou a Buenos-Aires, Capital

~ ., da República Argentina, onde verificou praça; que dahi foi para o Estado do Rio
Grande do Sul depois de algum tempo e neste verificou praça no primeiro
Batalhão da Brigada Policial; que tendo desertado dessa unidade foi se alistar no
CI
~ .,
-, nono Batalhão; que mais tarde como também desertado desse Batalhão alistou-
se como praça do dezoito Grupo de Artilharia Pesada, acantonado em Bagé;
--- ..,
.

que dessa unidade do Exercito Nacional, desertou, tenso sido mais tarde preso
respondendo ao Conselho de Guerra, sendo condenado a sete meses de
~ prisão, pena que cumpriu me prisão de seu quartel. 281

---~ _ ...,
Outros elementos dessa trajetória são arrolados pelo jornal A Gazeta que

também noticiou os crimes imputados a José Augusto do Amaral. Reforçando a


-'?
~ característica errante e indisciplinada de preto Amaral, indiciado como o principal

"
'1
suspeito dos crimes ocorridos em São Paulo na passagem de 1926 para 1927, o jornal

•.. retraçava a vida do "repugnante indivíduo", do "m iserável" que confessava a série de

crimes hediondos:

-
:ª:.
8 FONSECA, G. História da prostituição em São Paulo. São Paulo: Resenha Universitária, 1982. p. 321.
• Processo Crime 1670. 09.01.1927.


0• 211
\)
... ·u '

"" \.) Os inspetores destacados para effectuar a prisão do bandido passaram a manhã
toda nas proximidades do Mercado e, á tarde, afinal, quando ja descoroavam
' '\,) deram com o miserável. Recebendo voz de prisão, o repugnante Indivíduo nlo
llt'"'-J fez o menor movimento de defesa, nem procurou fugir. Nem teve meamo a.n
gesto de surpresa. Parecia esperar aquillo. Conduzido immediatamenta a
-~ presença do dr. Juvenal Pizza, alli foi interrogado pela autoridade, que,
surpreendida, ouviu, então, narrada com uma calma e synismo ravoltantaa, pelo
hediondo monstro, a confissão horrorosa de uma série de crimes que ravoltam a
indignam os mais indiferentes. Começou o miserável a narrar a odyada da sua
vida. Nascera em conquista no Estado de Minas. De lá seguiu para o UNgUay,
onde foi praça do Regimento de Cavallaria Acantonada em Montevid6o. Do palz
...
... -..,~
amigo, regressou ao Brasil, veio para São Paulo, onde se alistou no Regimento
de Cavallaria, depois de ter sido registrado na 41 Região Militar onda, 18.ndo
assentado praça, desertou. Em 1925 desertou da Força Pública pauliala, Indo
para o Rio, onde verificou praça num batalhão patriótico, organizado=~

--~
·--.. )
Geraldo Rocha, sob comando do coronel Paes Leme. Com essa ' _-
seguiu para a Bahia onde fez a campanha contra os revoltosos, tendo pe1DD11jdà
o norte do paiz. Regressou ao Rio, desertando de novo e vindo para Slo _ , .

--~
--~
Aqui foi preso, sendo indultado em 19 de novembro.2
82

~ - .)
O retrato antropo-psicológico de Amaral expunha os imperativos refratários a tudl:'
. . (. "'-·

.. - .) que se opunha à norma imposta pelas elites políticas e dominantes, sobretudo, aa


::, e
. •••
,.

~
:> propostas pela psiquiatria forense, a qual estabelecia uma vida regrada, centrada no
)
i núcleo familiar eugênico, fortemente adm inistrada. As constantes mudanças e
J
1
~ deserções de Amaral faziam dele um andarilho, uma pessoa sem endereço fixo, vivendo
1
', .., ') uma vida que, de acordo com os valores da época, considerada vulgar e abjeta. Esse

~
l ".) aspecto da vida de preto Amaral, qual seja, o da vida errante, pode ser compreendido
i ~ por intermédio das interpretações oferecidas por Mônica Pimenta VELOSO, quando esta

• "'" afirma a capacidade organizativa e de liderança entre os negros eram atribuídas às

•- -"
1. - -.,, mulheres que tinham que se virar sozinhas enquanto os homens, companheiros ou não,

1. ganhavam o mundo. 283


'l
'
~ 282
. A Gazeta. 06.01 .1927. p 5.


283
, A autora considera que as sociabilidades baseadas no que denomina de "improviso" tem sua origem em uma das
decorrências da escravidão, qual seja, a fragmentação da família africana pois, "ao incorporar a mulher negra ao
ciclo reprodutivo da família branca, inviabilizava-se para os escravos a constituição do seu próprio espaço
reprodutivo. Assim, as relações eram precárias e efêmeras, ocorrendo muitas vezes à revelia dos próprios parceiros
(...) Nesse contexto, a mãe acaba assumindo sozinha a responsabilidade da prole, já que os parceiros estão sempre
de
81
passagem.". De acordo com a autora, depois da abolição essa situação pouco se modifica e arremata, "cuidar de
e dos8filhos era uma coisa só, obrigação de mulher". VELOSO, M. P. As tias baianas tomam conta do pedaço.
Espaço identidade cultural no Rio de Janeiro, Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol.3, n. 6, 1990. p. 207-228.


► C,
v
\)

'-~ ,\J
ti-."\.) Na cidade de São Paulo, a questão da permanência dos homens negros junto de
v '

suas mulheres e família era marcada pela instabilidade. Mesmo que as taxas de
0
casamento entre os negros apontassem para ma aumento da permanência dos homens

'-,) junto de suas mulheres e famílias, estas assumiam a forma matriarca! pois, "...o

desemprego quase constante levou o homem negro a converter a espoliação da mulher


~~
...
....._____ "' em um dos principais meios de ganhar a vida...". Eram as mulheres negras as A"'I
~
comandavam os núcleos familiares assumindo o controle da família e dos
'~

recursos que conquistavam com seus ofícios, regra geral domésticos. · 'TI
...)
~ - .j instabilidade e a ausência dos homens negros junto de suas famílias não impli

--5
__ ., uma dissociação dos lares negros, pelo contrário, um dos atributos da família

--- :, sua união, invocando laços de solidariedade que superavam as privações atr
Ili5
J uma rede de cooperação mútua que envolvia parentes, vizinhos, amigos e gu1
li
~
1.

. espirituais, como as mães de santo; refúgio emocional às dores e sofrimentos geradoi


• :>
~ ., pelo preconceito racial. 284

~ J
~ - .., Os registros sobre os crimes de Amaral, apresentam vozes dissonantes, filtradas
:J
.l ..,
- -, por juízos de valor que imprimiam significados as coisas de maneira determinista,
11-- ...,
•·-~ pautando-se em hierarquias e classificações impunham um padrão de vida que

• ,.,

11 ..-'°)
pretendia uma sintonia com uma racionalidade definida no âmbito de uma nova

sensibilidade, industrial e moderna, muitas vezes difíceis de serem alcançadas mas nem

'
~ .~
;1
por isso menos desejadas mas re-apropriadas pelas camadas populares. O jornal A

Gazeta, ao apresentar sua interpretação dos fatos, evidencia essas vozes, lacônicas,

••
... 284
. Este debate, bastante controverso, foi analisado por diferentes autores sem contudo alcançar um consenso sobre 0
tema. Entre os autores consultados a noção prevalecente evidencia a mulher negra como provedora do lar dado a
ausência do _marido dado as privações sofridas pelos homens negros que, trocados pelo trabalhador imigrante, se
viam compelidos a trabalhar longe do ambiente familiar. Sobre este aspecto consultar: DOMINGUES, J. P. Uma
história nã~ contada. Negro, racismo e trabalho no pós-abolíção em São Paulo (1889-1930). São Paulo, ~000. 370
f. Dissertaçao (Mestrado em História) Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São
Pau~o: ANDREWS, G. R. Negros e brancos em São Paulo (1888-1 988). Bauru: Edusc, 1998. BASTIDE, R. As
Amencas negras. As civilizações negras no novo mundo. São Paulo: Edusp/Difel, 1974.
-,_.)

- .~
t-.....-~J
.... ~
....~v permeadas de silêncios e descompassos mas que fazem emergir pe1

anônimos da história.

Vagabundo, sem profissão nem vontade para o trabalho, vlvau,


dezembro, de expedientes e pequenos furtos. Após relatar
insignificantes pormenores de sua vida, nesse espaço de tempo tez o
~ confissão horripilante de seus crimes. Contou que uma rnanhl,
avenida Tiradentes, encontrou, sentado num banco, um rapazzola de
trajando paletot preto, chapéo e botina na mesma cõr e calça ~ -
ao lado do mocinho. Conversaram. O rapaz disse lhe que tinhà ·'""
offereceu-se para lhe pagar café, indo ao botequim de um tal Cunha,
~ da rua João Theodoro. Dahi se dirigiram para as proxlmldadel ·
Marte, onde se realizava um jogo de futebol. Aprecciaram algum
0 futebolistas, internando-se, depois, no campo, Indo deitar-N
-~ próximo. Alli, agarrou o rapaz, que resistiu, travando lucta. Com a ~
bandido, enganou-o, asphixiando e praticando, em seguda, [o] mala "··'"
.:) crime. 285
~
e: -✓ Era 07 de dezembro de 1927, próximo das quatro horas da tarde,
~
:, achava a passeio na avenida Tiradentes quando notou em um banco que ficava
:> longo dessa via pública a presença de um "mocinho" aparentando "uns dezessete anos

• ,~ de idade de cor branca" o qual se aproximou de Amaral pedindo para que este lhe

"'-.,., emprestasse fósforos a fim de acender um cigarro, passando, então, a conversar com o

desconhecido que, prontamente lhe satisfez o pedido. No decorrer da conversa "o


e .-~
~ menor'' - como foi inicialmente qualificado - disse se chamar Antonio Sanches, filho de
-~
....-
... _ A
~
um senhor português e que procedia do estado de Minas Gerais, lugar onde havia

nascido. Durante a conversa, aparentemente descompromissada, Amaral convida o

," , "mocinho" para tomar café no Botequim do Cunha, que ficava nas proximidades da rua

João Teodoro, no Bom Retiro. Neste local tomaram café, comeram pão e também
&l
compraram cigarros que foram pagos por Amaral.
..
Satisfeitos, os dois continuaram a conversa, momento em que "...o preto

presumira manter cópula anal com esse menor'', conforme depoimento prestado ao

Delegado de Segurança Pessoal e anexado ao processo crime instaurado. Continuando

285
• A Gazeta. 06.01 .1927. p5.
,j ..
,.--·· v .
t....-~J
0 a conversa, Amaral convida Antonio Sanches para "a passeio", irem até a P01118 Gl8rida1
u local em que haveria um jogo de bola. Aceitando ao convite do desconhecido. a11bo1
0 288
:~ tomaram um bonde que, como as despensas anteriores, foi pago por Amaral.

Minutos depois, como consta nos autos, Amaral chega com Antonio ~ i.""
a:.
... ~
Ponte Grande e, desta vez, o convida para juntos "tomarem um 'chopps' nlo
'

jovem aceito tomar bebida nenhuma". Porém, Antonio Sanches continuava ao

..) Amaral, conversando, trocando olhares, revelando seus particulares, d'-~- ~


-~ " • 'i,rs!,'i
"'?, ~-tf

.) permanecer com o desconhecido. Em seguida, Amaral e Antonio se dirigar1 ~ -

c - --'"' Campo de Marte a fim de "assistirem um pouco de jogo de futebor como con1bt • •
J
~ caminhado em direção da estrada velha de São Miguel, um lugar ermo, para junttD8
~
287
j também observarem "a pesca de diversas pessoas" • Neste instante, a leitura do·
')
processo crime que recria as mortes imputadas a preto Amaral, apresenta o desfecho
':)
~ trágico daquele encontro fortuito, travado ao acaso, afirmando:
~
Cl "')
.,.., ...que o menor, demonstrando vontade de acompanhai-o, o que foi feito,
seguindo ambos pela estrada, passando perto de uns bambus e uma cerca de
tábuas; que dali pararam para ver diversas pessoas que pescavam e dali

,., tomaram o rumo da cerca de arame; que dali entraram para o matto, tendo o
declarante nesta ocasião feito proposta ao menor de manter cópula anal com
elle; que esse menor não aceitando a sua proposta chegando mesmo a ficar

" zangado o declarante acto contínuo agarrou-o e em seguida conseguiu dominai-


o; que estando o menor caído no chão, o declarante sem perda de tempo,
agarrando na garganta do mesmo, conseguiu finalmente completar o
estrangulamento; que em seguida praticou com o cadáver, cópula anal. .. 288

"· Ponderando a possibilidade de não ter sido Amaral o criminoso que estrangulou
'"" os corpos encontrados pelos agentes do mundo jurídico, a narrativa do encontro de

- Amaral com Antonio, emanado do centro, filtrado pelos valores próprios da época,

2
Bfl.
287
Processo Críme 1670.09.01 .1927.
• Idem. Neste ponto é imprescindível lembrar o que Mariza COR RÊA esclareceu quanto a utilização de processos
penais na pesquisa em história. Em conformidade com os argumentos da autora, as fontes provenientes do
judiciário, sobretudo os processos penais, não podem ser apreendidos em sua própria ?efinição ou a pa~ir ?ºs
elementos que evidencia os fatos, pois as informações que este tipo de documento possibilita são co~traditónos,
filtrados. por Juízos de valor que se antepõem à fala original do depoente, traduzindo suas palavras, 1mpnm1ndo
outros significados às descríções colhidas no interrogatório, atribuindo novos sentidos ao que realmente aconteceu.
Geralmente contraditórios, os registros passam a narrar não o de fato aconteceu mas uma fábula. CORRÊA, M.
Morte em família. Representações Jurídicas de Papéis sexuais. Aio de Janeiro: Graal, 1983. p. 23.
..)


0
,)
..
,.j
ic-.........,_~

t..""'0 permite a associação com o que Maria Stella Martins BRESCIANI considerou mno
v sendo "a educação dos sentidos na sociedade modema". Conforme sua e>CpOSlçl~•. a
0
cidade aparece como o "lugar de emissão de sinais que pedem a formação de uma nava
,... ·• J'

sensibilidade" decodificadora da estética social e comportamental que passa a re~ •


'--V
- -~
.... ~.j
vida maquinal das pessoas. Em oposição à condição de autômatos, da pa~

--~ experiência em favor da vivencia, é possível supor que Amaral e Antonio bu

"... .:)
)
mesma coisa, qual seja, o sentido de pertencimento e não mais um excluído,

289
solitário entre a multidão.
~
- - ,.)
A prova testemunhal colhida por José Neto Leme, escrivão da Dei
--
91 - ..)

) Segurança Pessoal de São Paulo continua relatando a história trágica de Amaral.


-,.,,,
'!-+' ·-'11
.
.·~

Ili :,
.. :) acordo com o depoimento anexado nos autos do processo, após ter praticado o
11111 ..

1 J anal" com o cadáver de Antonio Sanches José Augusto do Amaral abandona o corpo
1 )
• ..,.,
~
J seguindo para o mesmo ponto de bonde no qual descera. Chegando nas proximidades

do Seminário, nos arredores da estação da Luz, os autos relatam que preto Amaral
:i - ~
;i __ .., continuou a andar pela cidade, vagando durante toda a noite sem saber para onde ir.

.,,_____".,
O episódio do encontro de José Augusto do Amaral com Antonio Sanches, sua

-~
•......-,
~
.
primeira vítima, também é apresentado para o grande público da cidade ao ser publicado

~
nas páginas dos jornais paulistanos que noticiaram os crimes e a história trágica das
1111

vitimas. Com uma linguagem figurada, metafórica e hiperbólica, o Estado de S. Paulo

'.i.
;i apresentava sua versão dos fatos explicitando como preto Amaral atraíra o jovem para

• um local afastado do centro da cidade, local de onde Antonio Sanches não mais sairia

• vivo. De acordo com a crônica policial,

288
. Idem.
289

, BRESCIANI, M. S. M. Cidades: espaço e memória ln: SÃO PAULO (cidade). Secretaria Municipal de Cultura.
Departamento
1992. p. 163 . de Patrimônio Histórico. O direito à memória: patrimônio histórico e cidadania. São Paulo: DPH,
~

0 ao

- ◄ -.."-1'\
'""---0
'--'~
"-·--~
...José Augusto estava um dia na avenida Tiradentes, sentado a uma banca,
quando alli appareceu um rapaz de uns 16 annos que lhe pediu um cigano.
Entabolaram conversa e aso saber que o mocinho estava com fome, o preto o
levou para uma venda da rua João Theodoro, donde lhe pagou um caM,
0 convidando-o a seguir para juntos irem ao Campo de Marte, assistir a um jogo
de celas. O rapaz acquiesceu e chegados naquelle local, deitaram-88 junto a um
bambual, aproveitando a sombra que o mesmo projectava. Conta, então, o prelo
que ahi começou a sua série de crimes hediondos. Sentiu qualquer colaa
estranha que o impelia para o assassínio. Segurou fortemente o rapaz,
·,.) obrigando-o seguil-o para lugar ermo, onde o estrangulou, depois de uma luta
horrível, em que a victima, nos extertores da agonia, teva prodígios da
r::.--~ resistência. O preto era mais forte e conseguiu matai-o. Depois violentou o
290
~ ca dáver...

~
..:) Residente na Lapa, rua João Pereira, n 2 • 34-A a primeira vítima de José Augualu

" '
,.)
do Amaral, assassinado, de acordo com autos processuais por "asfixia provocada por

,.) estrangulamento", em 7 de dezembro de 1927 no Campo de Marte, trabalhava para, o


--)
casal Dolores e Adolpho Corra, onde também morava dividindo um quarto de aluguel
e: - .)
- ~
com um companheiro chamado João Moreira. A imprensa que divulgou os crimes
:,
) afirmava que Antonio Sanches também era um adolescente de dezesseis anos, o que

,., )
permite observar que os discursos produzidos pretendiam, simbolicamente, valorizar a

~
.,., polemica criada em tomo do caso, fator que provocava deliberadamente juízos de valor

negativos entre os populares.


CI- ~
..,
., As representações evocadas nas páginas dos jornais que noticiavam os crimes

~ da passagem de 1926 para 1927 atingiam não somente a Amaral mas à grande maioria
~
dos negros pobres e despossuídos que, unilateralm ente, e ram vistos como perigosos,

""
--1 suspeitos em potencial dos atos de violência e das ações desviantes, o que permite

,,,, afirmar que as notícias divulgadas pretendiam suscitar, por intermédio da manipulação

'1 ideológica, a aversão a tudo que fosse próximo dos comportamentos representados.
I.L
•-- Sintetizando os conteúdos extraídos dos autos do processo, os jornais imprimiam suas

verdades aos fatos ocorridos na cidade de São Paulo no final da década de 1920.
-
290
• o Estado de S. Paulo. 05.01 .1927. p. 4.

'
'\.)
\) D1
► .· \)
.

~-- \.)
~ "0 Estão finalmente concluídos os trabalhos do dr. Juvanal de Toledo Piza,
'-111-\.) delegado de Segurança Pessoal, sobre os crimes perpetrados neeta capital pelo
preto Amaral. Faltava, apenas, como hontem dissemos por estaa columnu,
0 estabelecer a identidade da victima, cuja ossada fora encontrada no Campo de
Marte, mas, hontem, ás 15 horas, appareceram no Gabinete de lnve-111,g , ag.i,, 1-1
Adolpho Corra e sua esposa Dolores Corra, residentes á rua Joio Pem1lra n.
34-A, no bairro da Lapa, os quaes declararam ao dr. Piza que, no dia 8 ou 7 de
Dezembro próximo findo, desapareceu daquela casa, onde morava, como
~ empregado, o moço Antonio Sanchez, de 20 annos, e que tinha um de_ n.b ca.
ouro no maxilar superior. Era franzino e doente esse rapaz, appal9l'1tanêlo nlo
mais de 16 annos. Exibidas as roupas encontradas ao lado da ONllda, tanlO
·..J Dolores quanto Adolpho reconheceram como sendo as meamaa qUIJ(Vliliílllí
~ Antonio Snachez no dia do seu desaparecimento. 291
-~

v Os documentos permitem supor que Antonio Sanches era um

desempregado que para pagar o cômodo alugado, trabalhava para o proprt~


..)
,j doméstico, resolvendo pequenos negócios, vivendo de expedientes, como muJIDj
'~

e :,
viveram as instabilidades do mundo do trabalho urbano nas primeiras décadas do

~
:, XX. Entretanto, confrontado com o exame de corpo delito, realizado por dois pe1
.. :>J médico-legal dr. José Bresser Monteiro de Barros e José Rebello Netto, este como
)
- ..,~ do Laboratório de Polícia Técnica, a morte de Antonio Sanches é tomada por questões

~
.,., inconclusas pois os restos mortais do identificado constavam apenas de sua ossada.

Logo, como os "manipuladores técnicos" poderiam afirmar que o mesmo havia, de fato,
CI -, 292
g __ .. .., sido violentado?

Ili-- ~
~-
--
Os jornais paulistanos, em algum momento, indicam que o Antonio era
li-
• ·,," efeminado. Essa informação, escamoteada, respondia algumas lacunas que o evento

..._ permite entrever pois, o que faria o jovem sentado em um banco ao longo da avenida

.,
J! Tiradentes sentado em um dos bancos que ficavam ao longo daquela via pública? Quais

eram os reais interesses e sentimentos que levaram Antonio a permanecer, ao lado de

uma pessoa desconhecida e com essa pessoa caminhar pela cidade, passeando por

291
292 , O Estado de S. Paulo, 08.01.1927. p. 5.
. O termo "manipuladores técnicos" foi usado por Mariza COR RÊA para designar "... os atores principais de um
processo penal: o advogado, o promotor e o juiz, que detêm o conhecimento dos recursos legais possíveis em cada
~
caso também no âmbito de sua manipulação (...) bem como as agências de extensão do mundo jurídico (pris~o,
~~dicina legal, sanatórios, assistência social, polícia, etc.)". COORÊA, M. Morte em família. Representaçao
1und1cas de papéis sexuais. Rio de Janeiro: Graal, 1983. p. 25.
,) a•
-~
~...-'V
.,.,) 8
lugares retirados do centro, afastados das demais pessoas, aceitando suas ofertas
0
~
seduções?
lllt,.~
o jornal A Gazeta, em matéria de primeira página, chama atenção para -oa
crimes de um monstro. A questão da identidade das victimas", atraindo a atenção para a
.·U-.

......~ reportagem que, significativamente, apresentava uma lista de menores desapare~


que não foram identificadas nos autos do processo mas que tiveram, da mesma
-. ~

-~ que os cadáveres encontrados, um desfecho trágico ou condenados à morte e,

..) forma, tomar os crimes de Amaral os "... mais monstruosos que há notícia nestes
- --:,
....
.__,)
:,
tempos".

- .,:,
1111 ,,
À Segurança Pessoal é da nossa opinião, quando acredita que o monstro alndl
não contou todos os seus crimes. Na verdade deve haver ainda algLliiiil

•1 ,' victimas mais, victimas daqui e de outas cidades, por onde elle andou. Porqb8
não se concebe que essa crise de mortandade tivesse avassalado o :aisenival
sómente nesses ultimas mezes. Hontem, mais uma criança apareceu na
:) Segurança, dizendo-se victima do sadista; e a nossa reportagem conseguiu
1 ,, saber que na travessa Araguaya n.º 9, um outro menino estivera também nas
garras de José Augusto. Com o fito de investigar a Segurança Pessoal collige
li .., agora diversos dados referentes ao desapparecimento de menores. E é áS$im
! .., que está constatado os seguintes: LUIS HIRAH, filho de Adélia Hirah, com 15
annos de edade, brasileiro, telegraphista, vestindo no dia em que desapareceu,
:1 . ., 31 de dezembro, roupa escura, sapatos tennis e bonet de casemira. ANTONIO
g__ ~ RAMALHO FILHO - de 16 annos de edade, portuguez, filho de Antonio

---~
._,.,
Ra~alho. O desapparecido tem cabellos castanhos, apresenta cicatrizes de
va~ola no rosto, tendo se ausentado da casa paterna no dia 23 de dezembro
ultimo. LUIS BICUDO - de 15 annos, brsileiro, encanador, de estatura regular,
olhos e cabelos castanhos, vestindo roupa de brim listado e desapparecido em
1---" 25_ do mez passado. SARKIS DELCLAREI - de 14 annos, armênio, havendo
deixado a sua residencia a 27 desse mez transacto vestindo temo de casemira
azul marinho. VICENTE SCAGELLI - de 17 annos: de cabelos e olhos pretos,
que. desaoareceu tambem em 27 desse mez, vestindo temo de casemira azul
mannho. ~93

Os constantes desencontros, falas sobrepostas, informações aleatórias

transmitidas pela imprensa e as evidencias de outros desaparecimentos de menores

ocorridos no contexto - impondo à polícia técnica especializada o restabelecimento

imediato da ordem - é mais uma indicação de que possivelmente não fosse José

Augusto do Amaral o verdadeiro criminoso, em último caso, não o único mas que havia

293
. A Gazeta. 07.01.1927. p. 4.
•► 0
·J
Ili

0
"\ .)' mais de um assassino de garotos na cidade de São Paulo. Seja como for, os Jomala
"'--"0 paulistanos continuavam informando outros desaparecimentos. Sob o título •os crimes
0
~ da estrada de S. Bernardo" o jornal O Estado de S. Paulo noticiava, inocentando preto

v Amaral, do crime cuja vítima também era menor de idade, porém, uma menina. Talvez
J esse fosse o motivo de sua absolvição pois, como apresentado, Amaral foi considerado
~
-
t::."-~
....~
um homossexual, um invertido, um sádico pederasta.
'-à.--..J
·._.) ... Pela confissão do preto, entretanto, uma verdade se evidencia, é ~
attribuir a autoria do crime perpetrado em 30 de Abril, na estrada de S. - ·"'
·.j
'-' assassinada a menina Rosalina, de 11 annos, filha do carvoeiro, Amaftlo
Camargo. Embora tal crime se revista de circunstancias bem sernalhar\'111
os assassínios confessados por Amaral, este nega. com aDeg&.9ÕII
.J houvesse perpetrado. Basta referir que o preto foi preso, corno da1er1Dr,
fazendo então poucos dias que se achava em S. Paulo, de ragn1110
r:: ~-? contra os rebeldes. Por outro lado, nos longos interrogatórios a que da1dl
vem sendo quase ininterruptamente submetido, argumenta o crlmlnoeo e
e -~ nada valeria occultar mais algum crime que porventura tivesse cometido,'
~ ·- :, qualquer dos crimes que confessou á suficiente para uma condenação
ainda porque na sua situação teria proveito, para atenuar seu ramorao,
:) desabafo. E, assim, ressalta mais uma desoladora verdade: o autor do
j estupro na estrada de S. Bernardo ainda esta por ser descoberto. 294

:)
O fragmento da notícia veiculada na primeira quinta-feira de 1927 revela algu,.
..Pt ..,.., ~
aspectos que remetem a questões significativas para, de certo modo, atenuar o perfil

.~ .., criminoso de José Augusto do Amaral. Seu "desabafo" impõe uma lógica, qual seja, que
i::J_ ""
~-., a partir daquele momento, não fazia importância alguma negar qualquer outro crime que

--~-., "porventura" tivesse cometido. Como em uma tática de guerra, pela astúcia de quem
•_ ·-___---",, experimentou diversas batalhas e sofrimentos, como das outras vezes em que havia

-----'i
f'I-~
sido preso, Amaral esperaria o processo correr, sabedor, inclusive, da lentidão e

~ burocracia que arrastava em muito um veredicto final - além da possibilidade da fuga.


l,j.
~ Prosseguindo a interpretação dos eventos trágicos que levaram à morte de
..
• Antonio Sanches, o testemunho de Adolpho Corra indicava que, nos dias de seu

desaparecimento, Antonio se achava com sua saúde abalada, inclusive, tendo ido a

Santa Casa de Misericórdia para receber tratamento médico pois se encontrava abatido

294
. O Estado de S. Paulo. 06.01.1927. p. 5.
.)

0 21•
\)
.....~ 0
e:.. \.) e cansado. Seu companheiro de quarto, João Moreira, havia relatado ao filho de
0 austríacos, proprietário da residência onde moravam, que há dias não via Antonio
0
~ Sanches e que pouco conversaram nos últimos tempos já que sempre chegava muito

-..) tarde para dormir.


J
=:.. - - ~ Informações como as acima sugeridas recuperam um momento da história de
-- - - ~'~
São Paulo que merece ser rememorado. A pesquisa histórica coordenada por Lal.Jra
~ Antunes MACIEL sobre as imagens da saúde pública em São Paulo nas prl1
...)
...) décadas do século XX possibilita reafirmar que, no período, as desordens u1
~
crescimento acelerado dos limites da cidade acentuavam diferenckl9Õ9s
~ --,..)
=,
- :,
separava ricos e pobres, segregava os negros, que distanciava pessoas influen

personagens anônimas, portadoras das moléstias, disseminadoras das doençui ·clái


J
)
vírus contaminadores. As imagens selecionadas manifestam os limites da sobrevivência
~
~
• ..,
de uma popu lação que vivenciava, cotidianamente, o processo de formação de uma

sociedade exclusivamente voltada para trabalho urbano que esquadrinhava,


~ - .,
c:l ..,
")
replanejando, a "nova" São Paulo. 295

.,
~
~

'·'i
"
~

..,
1-1


2 95
- A pesquisa em referência foi realizada como parte integrante do trabalho organizado por Maria da Penha '?·
Vasconcelos e revelam uma população morando em "... loteamentos populares (...) abertos onde só antes havia
mato e várzeas inundáveis..", pobre e doente devido aos surtos epidêmicos de tuberculose e febre tifóide que e~tre
1~25-1929, chegou a causar mais de mil óbitos por ano. VASCONCELOS, M. da P. (org.) Memórias da saude
publica: a fotografia como testemunha. São Paulo: Rio de Janeiro: Hucitec-ABRASCO, 1995. p. 21 -57.
Fotografia 5. Antonio Sanches, pnme,ra vítima do suposto cnminoso José Augusto do Amaral. Procea10 Crime ri'.
1670 Acervo do Museu do Cnme da Academia de Polícia do Estado de São Paulo.


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....~~·0 Ao ser interpelado por Pacheco e Silva sobre os motivos que levaram a praticar

os crimes, dos quais era acusado, Amaral afirma que nunca teve o menor pendor,pela
....,~
.... r·
pederastia e acaba apresentando um fato instigante, no mínimo curioso. Ao retrac,-r.e
história de José Augusto do Amaral, o psiquiatra permite entrever o encontro.de Amaal
~
.......~-0
1:. - ,J com uma pessoa chamada Roque, identificado como sendo um companheiro, um11. ,. ~-.:

' 't" o
.~·':&'i't.i,';!;
~ .-~'·
~ negro que durante uma breve conversa em um botequim, ao ver passar um ' ·
~
belas feições, sugere a José Augusto ser fácil atrair, seduzir e conquistar ae&l
·.J
-~ .j
alguns jovens que transitavam pelas ruas da capital e com eles fazer o que qui

..) manter relações sexuais .


..)
... numa tarde, parece que 5 ou 6 de dezembro de 1926, conve1
e .J prêto chamado Roque, quando tiveram a atenção despertada ~
l.j :> um menor. Porque V. não o conquista? - sugere Roque. é 11D:

... :,
::,
qualquer promessa ou presente V. o engambela e faz dele o que qui
por acaso não consentir por bem ... e completou com um gesto mcpreaalvo
pensamento mau. Desde este momento Amaral não teve mais sossAgo

,.,
:> tranqüilas as suas noites, preocupado com o que lhe dissera o companheiro;

dài
..,., As informações colhidas e publicadas por jornalistas, os depoimentos

pessoas que conheciam Antonio, as fotografias que cristalizam as imagens da ossada

- .., encontrada, o surgimento de Roque e seus conselhos perversos redimensionam os


.,,"' crimes da passagem de 1926 para 1927. Como consta nos autos do processo, Antonio

,,, Sanches tinha um irmão que também residia em São Paulo mas que não aparece como

·" testemunha e, tampouco, busca saber sobre o falecido. Estaria o jovem identificado

-- como a primeira vítima de preto Amaral com saudades de sua família? Quais seriam as

relações de Antonio com seus parentes? Porque não morava com seu irmão? Quais

seriam os motivos de sua enfermidade? Seria Antonio Sanches mais uma vítima dos

...,.. surtos epidêmicos que grassavam em São Paulo no período ou sua resistência estaria

- baixa devido a uma vida desregrada, boêmia ou quem sabe promíscua?

298
. PACHECO e SILVA, A. C. Psiquiatria Clínica e Forense. 2 ed. São Paulo: Renascença, 1945. p. 442.
0
j
~~\.)
~- ~
"-·~~ As declarações prestadas no Gabinete de Investigações ao delegado por

... 1~
.) Adolpho Corá e João Moreira, seu companheiro de quarto, informavam que a famOla de

Antonio trabalhava em uma fazenda de café na cidade de Pedemeiras, chamada Cajado

e que no dia em que saíra de casa, sem mais voltar, " ...vestia um ''palletot'' de cast.nlra
.
preta com listras brancas, já usado; camisa preta de colete, outra por baixo, de ~
vJ
~ cor branca, calça que o declarante não se lembra e sapatos amarelos, isto é,
~
amarelas, de amarrar, já usados ...", que na ocasião "...devia ter uns 50 mil
~
dinheiro... " e que o mesmo "...era ordeiro, sem vícios de espécie alguma..."; lnfo1
~
.:, que permitem as seguintes indagações: porque Antonio Sanches pediria os
-i:: - _,
., para acender um cigarro quando encontra o seu suposto algoz, um negro

.. :,
:,
desconhecido? E se tinha dinheiro, porque permitiu que tudo o que fizesse lhe

pago? 297
• J
, :>
" -.,.., As notícias trazidas a conhecimento público declaram que Antonio Sanches,

depois de morar em Barra Bonita, estado de Minas Gerais, mudou-se com sua família
e ·~
para Pederneiras, próximo a cidade São Paulo, representado nas páginas dos jornais
~
1.- - -"'.)
paulistanos como filho de espanhóis, oscilando entre os 20 e 27 anos de idade e que
• -·1'
JI.-" havia se mudado para capital paulista afim de "ganhar a sua vida", passando, desde

.,,, então a residir na casa dos austríacos no bairro da Lapa.

.. . em companhia de João Moreira, alugara um quarto em casa do sr. Adolpho


Corá, á rua José Pereira, 34-A, na Lapa. Um bello dia o moço desapareceu de

- _,, casa. Moreira Comunicou o caso ao sr. Corá. Este admirou-se do moço ter
ausentado sem nada dizer, pois, sempre fôra de um comportamento exemplar.
Quando da prisão do monstro negro, tendo tido o sr. Corá, noticia do
apparecimento de uma ossada no Campo de Marte, compareceu na Delegacia
de Segurança Pessoal, e, devido a um dente de ouro no maxilar da vítima e ás
roupas a identificou ( ...) Com esses indícios, temos a certeza que o dr. Juvenal
Piza, esforçado delegado de segurança pessoal e seu commissario dr. Ramiro
Garcia, que com grande brilho e habilidade, dirigiam sem espalhafato, as
diligencias de todo esse caso, encontrando a família do infeliz Sanches,
tenninando as suas diligencias, merecedoras de todos os seus elogios. 298

297
298 • Processo Cnme 1670. 09.01 .1927.
. A Platéa. 06.01 .1927. p. 4.
~
~
\) ..
....◄: ~
.

.-...-,
-. . .~
~ A pressão popular em ver resolvido os casos de assassinato na cidade de Slo
'~

...i'·-.) Paulo, fomentada por notícias espetaculares sobre os bárbaros e freqüentas Cl'lrRlí1',
poderia ter forçado os controladores da ordem, os quais já estavam cientes das ~

e denúncias sobre os desaparecimentos de menores na cidade, a encontrar e11f

Amaral a grande chance de encerrar a polêmica. Conforme notificaram os

ossada de Antonio Sanches foi encontrada por indicação de José Augusto do


-~
que acompanhou pessoalmente as investigações realizadas pela
~
Segurança Pessoal em 05 de janeiro de 1927, nas imediações do Campo de
~

Os restos mortais de Antonio Sanches, encontrados numa capoeira existenle
~
,:, proximidades da estrada velha de S. Miguel, encerravam o mistério de SIU
.: , ~f l
:5 desaparecimento. Naquela noite, de acordo com a narrativa construída e registrada nos
:J autos do processo, ao chegar na Estação da Luz, região em que costumeiramente
~
• -,.., pernoitava, alugando quartos ou dormindo em um albergue que funcionava na rua Mal.lá,

.,., nº 221, Amaral se deixou levar, andando a esmo, " ...tomando rumo de diversas ruas,

•• .., andando vagamente ... ", sem saber o que fazer, tendo ficado assim até o amanhecer.

~ A segunda vítima de Amaral aparece em seu depoimento da seguinte maneira.

Era véspera de natal, dia chuvoso de dezembro de 1926. Amaral, nesta ocasião vendia

" ... bolas de borrachas cheias de gás ..." nas proximidades do Canindé, quando encontrou

um garoto " ... aparentando uns dez anos de edade, de cor morena ... " que "...caçava

passarinhos..." com um "estiling" cujo nome era José Fellipe de Carvalho. O menor,

aproximando-se, pediu umas das bolas para Amaral que "...imediatamente satisfez o

pedido do pequeno ..." iniciando com ele uma conversa, por intermédio da qual o

criminoso passou a saber onde o garoto morava e o que fazia ali, sozinho. 299

299
. Processo Crime 1670. 09.01 .1927.
~
0
-
~
"\ .) Depois de alguns minutos, tendo estourado sua bola, o menor pads,- ~ tl.
. ..
\.) ~~

i~ ; •:.

•v vendedor de bexigas que novamente lhe concede o pedido. Assim, "'... COI,, o r,t. . . ..
-~
,

disse ao menor que fosse com ele até um matto próximo, já que estava meam~ ca.
. tr.itr'1. . .
~ pois alli havia mais pássaros ... ". Aceitando o convite, José Fellipe acompanha ...•·

•'"V rumo a Ponte Pequena, que cruzava o rio Tamanduateí na altura da rua Joio

No caminho, o garoto continuava informando seu algoz, dizendo que aeu


.J
.~
.~
morrido e que morava nas proximidades da rua do Canindé, no alto do Pari,
-~

,-~ bairro do Brás. Chegando ao local do crime ha dias praticado e "'...uma V8Z'

, -..) matto, tendo tomado a precaução de verificar que não havia ninguém nas p1
1

.,
- •. )

agarrou o menino levando a mão na garganta do mesmo, conseguindo, df,ç


",:., .él
~~,.M-: ~
.:, instantes, estrangular o dito menor..." saciando seus " .. .instinctos libi
"

:,
.
:, li
ca d aver....

,..,
::>
Havia chovido nos dias anteriores às descobertas dos corpos e ossadas

., encontrados no Campo de Marte. O chão ainda continuava úmido nos dias que se

.,
~
seguiram, conservando o clima inconstante, como no dia em que José Felippe saiu de

'" casa. Por intermédio da consulta juntos aos autos do processo, especificamente, o termo

de declarações da mãe de Felippe, uma mulher pobre, com 37 anos, aflita pelo

desaparecimento de seu único filho cujos últimos momentos junto a ele foram assim

descritos: " ... que passando cerca de tres horas da tarde, o meno r disse a declarante si

dava consentimento para que fosse até a Igreja de Santo Antonio assistir uma cerimônia

" religiosa em homenagem à vespera do dia de natal. ..". A referida igreja ficava "pouco

retirada" de onde residiam e como fosse religiosa, permitiu que ele realizasse seu

intento. Assim, " ...que depois de tomar banho, vestiu-se, sahindo com rumo a aludida

casa de oração... " vestindo " ... paletot de brim escuro, com listas brancas, camisa de [?]
.... -~ M1
J
v
\.) com listas azues, calça de brim 'kaki', meias colegial, de côr marron e sapatos de 'thenls'
~ 300
-~ côr marron ...", sem nunca mais ter voltado.

~
Doze dias foram necessários para que d. Georgina pusesse fim ao seu tormento.
'
"'\.)
Naquela noite, às vésperas de natal, como seu filho demorava a chegar a -~ .... de
Felippe saiu a sua procura percorrendo igrejas, levando com isso quase toda · ·- -~tv.

~ como não o encontrava passou o resto da noite em vigília, a sua esperar1


·.J acreditar que nada de mais grave havia acontecido e que a qualquer
-~
~ chegaria. Na manhã do dia 25 de dezembro de 1927, ainda cheia de 11•
---~
-- .:,~ a delegacia do Brás, sem obter nenhuma notícia de seu filho, de onde

Gabinete de Investigações e Capturas da Delegacia de Segurança P1


.. :,
:,
Paulo. Passado mais uns dias sem obter notícias nenhuma de seu filho,
• ~
:)
volta ao Gabinete de Investigações levando uma pequena fotografia de seu filho.

.. ., j
O drama de d. Georgina chegou ao fim apenas no início de janeiro, quando-•

':1 ., ~
das notícias dos jornais, as quais se referiam ao encontro de um cadáver na estrada de

~ ~ S. Miguel, supostamente de um menor, se dirigiu ao referido gabinete para verificar se as


i
" peças encontradas entre os despojos eram de seu filho Felippe. Entretanto, sem

reconhece-las d. Georgina continuava esperando a solução para suas aflições que,

definitivamente, se concretizou quando, logo em seguida, foi chamada a comparecer na

Delegacia de Segurança Pessoal para proceder ao reconhecimento das roupas


i
encontradas entre o corpo descamado de um outro menor também no Campo de Marte.

Nesse dia, d. Georgina voltou para sua casa sabendo que seu filho, José Felippe, estava

morto.

'.)()(). Processo Cnme 1670.09.01 .1927.


1•1
~
\) •

~
-~ ~
...A polícia estava empenhada na descoberta da Identidade do cadévltr do
menino de 1o annos, quando compareceu no Gabinete de Investi~•• da Na
Gusmões, d. Georgina Silveira dos Santos, viúva de um ex-soldado da Força
Pública e moradora à travessa Araguaya, 17. Essa senhora ignorava o paradeiro
~ de seu filho José Felippe de Carvalho, de 1O annos, desde o dia 24 de
~ dezembro, tendo sido feita a communicação desse desapperecimento é poHala;
no dia 2 desde anno. D. Georgina vendo as vestes encontradas no Caril~1 de
~
-~ Marte, reconheceu, infelizmente, que se tratava de seu filho José Felippa. . ~
polícia estava empenhada na descoberta da identidade do cadéver do rnenfnO
de 1O annos, quando compareceu no Gabinete de Investigações da ·""-
Gusmões, d. Georgina Silveira dos Santos, viúva de um ex-soldado da Fo._,
~ Pública e moradora à travessa Araguaya, 17. Essa senhora ignorava o ~
de seu filho José_ Feli~pe de Carv~lho, _de 1O annos, desde o dia 24, . ;
~ dezembro, tendo sido feita a commun1caçao desse desapparecimento é pel! · "
1-~ no dia 2 desde anno. D. Georgina vendo as vestes encontradas no Camna
Marte, reconheceu, infelizmente, que se tratava de seu filho José Fellppe.•-
.,
1 --.J
O corpo do menor, encontrado treze dias após sua morte em adiantado
~
.:, putrefação em uma pequena clareira no Campo de Marte, foi levado pela polícia -~
.)
1 :, necrotério do Cemitério de São Paulo no dia seis de janeiro de 1927. Naquele mesmo
l :,
1 :, dia, na presença do dr. Juvenal Piza, Delegado de Segurança Pessoal, os restos mortais·
l j
de Felipe foram examinados pelo médico legista dr. José Bresser Monteiro de Barros e
1 ~

,. .,
l ., José Rebelo Neto, do Laboratório de Polícia Technica de São Paulo, cujo exame

cadavérico informava relatando:


1 ..,
2 ,.,
No necrotério do Cemitério São Paulo examinaram hoje, as quinze horas, o
L' "' cadáver de um menino de cor branca, encontrado no Campo de Marte em
L.--") adeantado estado de putrefação, reconhecido pelas vestes encontradas juntas
ao cadaver, como sendo de José Felippe de Carvalho, brasileiro, com dez annos
'-- "' de edade, filho de Ervelino F. de Carvalho, residente á travessa Araguaya,
numero dezessete. O cadáver apresenta-se como uma massa disforme, pois já
não tem mais o tronco e os membros superiores. Do craneo só resta o
esqueleto. Cuidadosamente examinados os despojos, não encontramos signaes
de violencia physica, attribuindo ao máo estado em que está o corpo aos
phenomenos da putrefação alliados á acção destruidoras dos animaes
necrophilos. 303

De acordo com os registros do Gabinete de Investigações, anexados aos autos

do processo, após ter praticado o coito, Amaral se dirigiu para o bairro do Brás,

pernoitado até certa hora em um quarto de um negociante da Avenida Rangel Pestana

que previamente havia contatado sem, contudo, pennanecer por muito tempo, saindo

: - O Estado de S. Paulo. 06.01 .1927. p. 5.


303. O Estado de _
s. Paulo. 06.01 .1927. p. 5. . . _
. SERVIÇO MEDICO LEGAL. Auto de exame cadavérico. Livro 7981 , p. 93. Arquivo do Estado de Sao Paulo.
l
J
v ••
\J
v para a rua, passando todo o resto da noite andando sem destino. O jomal O Estado de
~
São Paulo, ao publicar as tragédias que enredaram a vida de José Augusto do Amaral •
·~

~
,- ~ suas vitimas, como em outros jornais, delineava o perfil do criminoso, evocando na
memória dos leitores, cada vez mais interessados nas atrocidades notlclac:IM COI,~
""\.}
freqüência diária, os crimes descobertos pela polícia.

Fabricando imagens terrificantes que oscilavam entre o real e o


~
.J permitido entrever as lacunas, os recuos e detecções sofridas no proctllD.'.
·.,:,
'-' documentação e registro, possíveis de serem perscrutados por intermédio da
1"9"'1 ~ ,J
dos testemunhos, dos depoimentos prestados e da leitura dos artigos que anun1
:,
:, as tragédias da passagem de 1926 para 1927.
:)
:, ...O preto José Augusto narra, também, com uma naturalidade que apavora,
mais três crimes verdadeiramente hediondos que diz ter praticado. Enumera-os,
~ com pormenores de tal modo trágicos, que é impossível ouvll-o sem ll'TI
~ instinctivo movimento de revolta ou, talvez, de dó pela miséria moral do

., individuo. Crimes como os que elle contou com os olhos baixos mas sem
~ denotar a mais leve perturbação physionomica, como se estivesse a dizer as
~.
coisas mais communs, definem perfeitamente a sua tendência para os actos
~ mais execráveis, e repugnantes que talvez a imaginação fecunda do romancista,
affeito aos aspectos mais emocionantes das criações trágicas, fosse incapaz de
~ fixai-os.
304

111---" "'-1' Representado como "o terrível matador", "papão negro", "besta fera", "mais animal

do que homem" Amaral celebrizava-se como um dos mais temíveis criminosos que a

cidade já conhecera. De acordo com o Auto de Exame Cadavérico emitido pelo


..,__
Gabinete Médico Legal da Polícia de São Paulo o corpo de José Felippe foi encontrado
P...-·
por um transeunte, um homem negro, que voltava do trabalho - ampliando a noção de

que o local onde os corpos foram encontrados não era desconhecido por uma parte da

população, que utilizava a velha estrada de S. Miguel como caminho, atalho, espaço de

lazer e de práticas sexuais variadas.

304
. o Estado de S. Paulo. 05.01 .1927. p. 8.
1

Fotografia 7. José Felippe de Carvalho, segunda víbma do "tucano". Processo Cnme nº. 1670. Acervo do Museu do
Crime da Academia de Polícia do Estado de São Paulo.
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r-_ \,) 1•
~
v
\.) A segunda victima, confessou José Augusto, o terrível malador, anc0111ru:ia a
dias depois, no Caninclé. Era um rapaz de 12 annos, mais ou manae, da car
~ morena. Residia à travessa Araguaya, 17. No dia 24 do mez pttnaado, . . ,r4e
v havia comunicado à policia o seu desapareceimento. Das quatro vlcllma do
terrível "papão" negro, só falta ser estabelecida a identidade da lA'T1& ( ...) l'lt■ID
sentido, a Delegacia de Segurança Pessoal vem trabalhando activalnanla. íJJ■tl
Augusto do Amaral, incontestavelmente está fadado a figurar nas·_ . . .
policiaes como um typos mais singulares apparecidos nio a6 na na11w • •
\,,) ~~ t?da a parte ~o Glo~. Porque, na verdade, . ~ão hé Iam~ ~
1dent1co, que tanto 1mpress1onasse, revoltando a opnião popular. • ··

Construído pelos "manipuladores técnicos", parte de uma elite

-..J
1~"
v
portadores das idéias vigentes de organização e intervenção social,

configu ravam aos fatos um sentido pré-fixado, designando atributos, sei,


.j
- -~...) elementos e os classificando por intermédio de um notório exercício de pode~
.)
• do processo registram em suas tabulações que após vagar na noite daquela
. .:,
:,
••

,.

natal, andando sem destino, Amaral volta ao local do crime, passando antes•...
Ili :,
1 :, em que havia assassinado o primeiro menino (... ) não sabendo o motivo dessa
1 :,
curiosidade, pois, que mantém somente copula em cadaver que ainda conserva certa
1 ~
~ ..,
~ ., quentura, pois, tem repugnação quando os mesmos já contam movimentos de rigidez,

ocasionados pela morte ...". 306


l ~
l
i ,,
~
É importante destacar o aspecto da repugnância de Amaral em relação aos
l
corpos enrijecidos dos cadáveres, assim como muitos outros, também foi distorcido,
l
recriado pela imprensa. Exemplar, nesse sentido, é o artigo publicado em matéria de
1
capa do jornal A Platéa, sob o t ítulo "Monstruoso e repugnante", no qual Amaral é
!
1 figurado de maneira inversa ao delineado nos autos do processo, isto é, no depoimento
a
• anexado nos autos do processo José Augusto do Amaral afirma ter repugnância ao

corpo frio e a rigidez do cadáver, dado este que aparece nos jornais de forma

diametralmente opostas: O artigo trazia as seguintes informações:

305
• Folha da Manhã. 06.01 .1927. p. 9.
~. Process o Crime 1670. 09.01 .1927.
'0
·J
\)
v
v Em nossas edições de hontem e ante-hontem, em detalhada
acompanhada de photographias contámos os · repugnantaa
~ famigerado bandido José Augusto do Amaral, que matou quatro
depois de mortas satisfazer os instinctos bestiais. A fera
~ estrangulado as suas victimas, pois, só assim podia saciar oa ■lla
instinctos. A carne gelada de cadáver era para o bandeio '-"•• '
Interrogado por alguns de nossos companheiros declarou não tar
~ seus crimes. José Augusto que tem uma memória prodigiosa tudo
-~ numerosos detalhes. Hontem, em companhia do esforçado
segurança pessoal dr. Juvenal Piza, o monstro foi ao Campo
acompanhando todas as dili~ncias policiaes sem se perturbar
30
cadáveres de suas victimas.
~
-~ A identificação da segunda vitima levou o delegado Juvenal de Toladcí
~
supor que os crimes confessados por José Augusto do Amaral não seri~ oe
--"
-- ,J Como atesta a historiografia mais recente, produzida em tomo das experi11

.,-
.)
homens e mulheres pobres do início do século XX, o período foi marcado por
'! .......

:, provocadoras de tensões permanentes as quais impunham um controle rep1'8SSNO •


:,
:,
• :,
segregacionista às pessoas negras, afro-brasileiros, pobres, consideradas como

comprometedoras da organização social requerida para a cidade, viciadas, imorais.


~
--, Entretanto, as pesquisas realizadas junto a documentação coligida indicam que não
~
=- -.., foram somente os crimes confessados por Amaral os únicos na cidade no período.

·"
~
Haviam outros crimes cometidos nas mesmas circunstâncias que os identificados como

sendo cometidos por José Augusto do Amaral, como informa o jornal A Gazeta
.~

A opinião pública, quando se apaixona por um assunto, difficilmente o abandona


,,,,. sem grande pesar. Assim se da com os grandes vultos que nos enchem de
orgulho e assim também com os criminosos, com os assassinos, que nos
empolgam com sua ferocidade e nos revoltam o coração. Por isso mesmo os
factos policiaes não morrem facilmente, logo ao dia seguinte de sua vida; mas
perduram por muito tempo, no espirito do público que o conhece
pormenorizadamente. O triste caso das crianças estranguladas por José
Augusto do Amaral, por exemplo, tão fortemente impressionou a população de
S. Paulo - que passados muitos annos, haverá ainda muita gente que delle se
recorde com asco, citando a história quando quizer exprimir a máxima
monstruosidade daquella tempera. À Segurança Pessoal é da nossa opinião,
quando acredita que o monstro ainda não contou todos os seus crimes. Na
v~rdade deve haver ainda algumas victimas mais, victimas daqui ou de outras
cidades, por onde elle andou. Porque não se concebe que essa crise de
mortandade tivesse avassalado o miseravel somente nesses ultimos tres mezes
(sic). 3os

307
308
• A Platéa. 06.01.1927. capa.
. A Gazeta. 07.01.1927. p. 8.
241
-~
~ ' \)
..., 0
''\,)
' Ainda em 1926, supostamente no dia 13 de dezembro, nas imediações da Praça

·v da Concórdia, próximo ao ''Theatro Colombo" , Amaral se depara com mais um menor,


0
·~ de cor clara, aparentando uns nove a dez anos de idade, conforme notícias publicadas

na imprensa paulistana, conduzia uma caixa de engraxate. A versão dos fatos publicada
i~

liir· nos jornais que noticiaram os crimes ocorridos, afirmam que Amaral, abordando

sedutoramente o menor, sugerindo a este que " ...si queria ganhar dinheiro, que fosse
-.J com ele até a ponte da rua João Theodoro...", ponte essa que atravessa o rio
.J
~ Thamanduathy para que, com ele, carregasse uma pequena caixa com roupas.
j
- - ..) Aceitando a proposta, o menor, identificado como Roque Peccili acompanha Amaral,
.:,· rumando em direção à rua João Theodoro na esperança de receber, como prometido, a
:,
.. :,
:,
quantia de quatro mil reis. Os registros provenientes do judiciário, especificamente o

•• ,, depoimento de José Augusto do Amaral, traduziam da seguinte maneira o encontro com

Roque Peccili:

~ ..,
~

.., ... que alli chegados, descendo primeiramente, chamou o menor para que fosse
~
~ ., ter junto de si; para que ambos tirassem a caixa que alli debaixo se achava; que,
tendo o menor chegado até o ponto em que o declarante se achava, acto
contínuo, agarrou o mesmo pela garganta procurando esganai-o; que depois de

__ ___,
_ ___..,
..i
~
.
alguns minutos notou que dito menor se achava morto, pois assim julgava, e
quando se dispunha a saciar seus instinctos camaes, um ruído de passos veio
perturbar o desenrolar da scena que ia mais uma vez por em prática.... 309

A leitura dos autos do processo, instaurado nos dias que seguiram a prisão de

preto Amaral, possibilitando uma observar amiúde os eventos transcorridos na cidade de

J!--- São Paulo no final da década de 1920. Roque era um garoto de nove anos, filho de

imigrantes italianos que vieram para o Brasil tentar a sorte, trabalhar, "fazer a América".

li- Como muitos outros, seu pai, Carmine Peccili era um imigrante empobrecido que

ganhava o seu sustento trabalhando em


pequenos expedientes, como carregador,

vivendo com sua família na casa da Rua Marcolina nº. 70, no bairro do Brás, próximo a
.
Praça da Concórdia. Assim como a imensa maioria das pessoas naquela situação, sr.

'
.. \,) 1,1

~ -'-
-..... \)?
~ Carmine também necessitava que seus filhos, mesmo os menores, contribuíssem com a
-~ renda familiar, conforme assinalado anteriormente, na primeira parte desse trabalho.
\.)
~
O clima chuvoso dos últimos dias de dezembro de 1926 favorecia o trabalho de

engraxates que viam aumentado o número de seus clientes podendo, assim, aumentar

um pouco mais os lucros com a limpeza e conservação dos calçados. Imbuído de •


'
intenções, o pequeno Roque decide passar aquele dia fora de casa, trabalhando

sua caixa de engraxate. Porém, naquele treze de dezembro, Roque Pecclll dei

..J chegar, deixando seus familiares ansiosos, quando, finalmente, um carro estacl1
..j
e ~·
frente à casa humilde dos Peccili de onde o pequeno Roque se faz acompan

:J· um policial e pelo "choffeur" que dirigia o automóvel, já tarde da noite. Para o
:,
.. J i :, seus pais, Roque estava ferido, sujo de lama e assustado.

• ,, O "choffeur'', " ... Basílio Patti, casado, 29 annos de edade, de cõr banca, filho de
.,., Raphael Patti, nascido em Botucatu, residente à rua Sallete, em Sant'anna...", ha quatro

.. ..,
.. anos fazia ponto com seu automóvel de aluguel no Largo General Osório. Em seu
~ ·
depoimento, o taxista refere-se que naquela noite, ao sair para trabalhar, passando pela

.,,
·~

ponte da rua João Theodoro, que atravessava o rio Tamanduateí, foi parado por um

soldado que lhe pediu para levar um menor "... que havia sido agredido por um preto

desconhecido, embaixo da ponte alludida... ". Realizado o que lhe havia sido solicitado,

estando o pequeno Roque já na casa de seus pais, o taxista retomou suas atividades
J!
.., cotidianas. 310

ta
Estando entre seus familiares, reconfortado, Roque passa a relatar ao seu pai os

horrores de sua tentativa de homicídio. Em seu depoimento, prestado ao dr. Ramiro

Garcia, comissário do Gabinete de Investigações da Delegacia de Segurança Pessoal


309
. Processo Crime 1670. 09.01.1927.
. \,)
\) -
\)
~ de São Paulo, transcrito por José Netto Lemes escrivão que, como os derna•
\;,)
documentos constantes nos autos do processo, tecia a trama dos crimes imputadoe .a
-~
-~ preto Amaral registrando e ao mesmo tempo re-elaborando as infonnações oforacld•
pelo sr. Carmine Peccili, indicando "...que sendo aproximadamente pouco mais" daa
~
quatorze horas, quando passava pela Praça da Concórdia, nas proximidades do
.
..
• .-....) ., ....

----- ' Colombo quando foi abordado por um preto desconhecido vestindo temo de b,il,r 111i
---~
- ~~
-

que lhe disse o seguinte: você quer ganhar quantos mil réis para carregar uma

-~ ~
de roupas?".

~--.,j
-- :5 - ...)
Prosseguindo a leitura dos autos do processo, observa-se que no rnorn,

- :,
Ili :)'
ambos se dirigiam à ponte da rua João Theodoro, uma garoa fina caia sobra a

fazendo com que poucas pessoas prestasse atenção nos transeuntes, os qveh:';
li j '
desse dado,
■ , achavam apressados devido ao clima que anunciava chover. Diante

.. .,.,
~
~ possível supor que os personagens, até então anônimos, tivessem demorado um pouco

para chegar ao local referido, onde estaria a tal caixa com roupas, pois o trajeto havia
~ · ~
sido feito todo a pé.
Q. ~
---Ili-- ·~
.,, Decodificado os fatos narrados por seu filho, o sr. Carmine Pecilli relatou ao

IL comissário, dr. Ramiro Garcia, os fatos acontecidos, que por sua vez foram filtrados pelo
,,, escrivão José Netto Lemes, resultando no registro que segue: "... quando ambos já se

achavam debaixo da ponte, foi o mesmo agarrado violentamente pela garganta; que

..,
., após alguns minutos o menino deve ter desmaiado, voltando a si, procurou com grande

custo, chegar até a rua, onde foi accudido por duas moças que passavam nessa

occasião ...". 311

310 p
3 11 rocesso Crime 1670. Testemunho de Basílio Patti.
• Processo Crime. Testemunho de Camiine Pecilli.
.)

291
·J
'--\)
-0
..) A continuidade da leitura dos diferentes testemunhos acerca do caso de Roque

~ Pecilli indica que, tomado pelo medo de ser reconhecido, Amaral abandona a vítima se
' ~

esgueirando entre os pilares da ponte da Rua João Theodoro protegendo-se da chuva

que caia sobre a cidade. Passado um tempo, Amaral decide sair do local em que estava,
"'-,)
abandonando sua vítima, passando a vagar "... por toda a noite nas ruas desta Capital e

quando já pela madrugada chegou até dita ponte afim de ver o menor na noite anterior
-.J havia deixado notando que alli não mais se achava". O testemunho, acompanhado pelas
~
,.... autoridades, continuava explicando como teria ocorrido a tentativa fracassada

312
do que

- - :::, seria mais um assassinato.


J
:, Os jornais continuavam publicando as notícias dos trágicos episódios que
:,
•• ., :,
:,,
marcaram a passagem de 1926 para 1927, tomando os crimes praticados contra os

garotos e seu personagem principal, José Augusto do Amara l alvos das atenções da

-~
imprensa paulistana, que não media esforços para deixar os crimes ocorridos ainda mais
&---,
" -~
~ ., -
tenebrosos, apresentando, inclusive, fotografias que haviam sido anexadas ao processo

' -- ~ instaurado, possibilidade bastante remota e dispendiosa para os jornais da época, além

• ..,, de divulgarem documentos que não poderiam ser retirados dos autos .

Em quase todas as reportagens encontradas sobre os crimes da estrada velha de

S. Miguel é possível localizar documentos que não poderiam ser veiculados, sobretudo

os registros fotográficos do Gabinete Médico Legal da Delegacia de Segurança Pessoal

de São Paulo, que realizou as perícias técnicas nos cadáveres encontrados, até porque

os crimes imputados a José Augusto do Amaral ainda não haviam sido julgados. Mesmo

que Amaral tivesse confessado as atrocidades que levaram à morte os filhos de

imigrantes, os registros fotográficos não poderiam ser divulgados a revelia.

312
• Idem.

'
v
\)
·J
~ As notícias veiculadas pela imprensa reproduziam detalhes ou informações
,,.)
discordantes, as quais iam, ao sabor da crônica policial, forjando a realidade que levou
\,)
··~ Amaral à prisão; como se pode observar na reportagem do jomal O Estado de São

Paulo, publicada com o título "Mais um crime hediondo".


- -.. _'-'
J Ainda hontem á noite, na delegacia de segurança pessoal, o preto Amaral ara

·"' alvo da curiosidade por parte dos representantes da Imprensa, auloridadaa a


outros auxiliares da policia. Mais de três horas esteve elle, de pé, dlanl8 da
numerosas pessoas, a responder, com precisão, ás perguntas que • lha
~ faziam. Parece mesmo sentir uma certa satisfacção quando se mcpanda, 1111 ,a
~ solicitude com que procura attender, com resposta incisiva e promnta, a qialll!;tB
o interrogam. A's vezes está Amaral relatando factos verdadeiramente cur1aacJ1
-.J da sua vida, quando alguém lhe atira, á queima-roupa, inesperadamenta, #
pergunta sem a menor relação com o assumpto que elle desenvolva. O hcJniril·

c ~ .J "'
,.)
interrompe a narração, responde ao interlocutor, e, quando esta • êàíía
satisfeito, continua a falar sobre o primitivo assumpto, com o ma■ltJ
desembaraço de linguagem e com a nitidez com que frisa os ....i.,,,.,.,_ da .;.-.
'd
:, vi a. 313 V~ -

:,
:,· o exame do caso de preto Amaral levou Antonio Carlos PACHECO e SILVA, ari,

,
J co-autoria com o "chefe do Laboratório de Polícia Technica", dr. José REBELLO NETO a

imprimirem suas interpretações acerca dos fatos que levaram à tentativa de assassinato
~
~ do pequeno Roque, publicadas nos "Archivos da Sociedade de Medicina Legal e
~
e
..,
~ Criminologia de São Paulo". Parte do exame psiquiátrico realizado a pedido das

___,,
lit- · ~ autoridades judiciais, o laudo técnico revelava que preto Amaral "...encontrara o menor,

um engraxate, em frente ao Braz Polytheama, na Avenida Celso Garcia. Geitosamente

- induzira-o a acompanhar até aquelle local. A victima, apanhada de surpresa, foi

·"" agarrada pelo pescoço, cahindo desfallecida. Nesse momento, alguem que passava

"".., pela ponte ahi estacionou. Receoso de ser surprehendido, abandonou a sua victima e

fugiu. No dia seguinte, voltando ao local, já não mais encontrára o cadaver.". 314
'1

313
• o Estado de S. Paulo. 06.01 .1927. p.

'
~

t~~
\) -
'--'·-~ O exame efetuado prosseguia dizendo que "... nesse mesmo dia, porá111
\.,)
\J comparecia á policia o carregador Carmina P ., que tendo lido nos jomaes as noticias doa
0
crimes do preto Amaral, desejava communicar á policia que uma as victimas havia sido o
~
v seu filho Rocco, de 9 annos de edade ...". O relato do psiquiatra forense e do pertlD
t._·~~ continuava revelando os momentos finais desse encontro com o pequeno engraxa-,:
5-- ,J
"J
~
afirmando:
... precisamente nessa occasião, uma pessoa que passava estacionou na
Receioso de ser surprehendido, o preto fugiu, abandonando a aua
.,.
·~
Momentos depois, o pequeno voltou a si e poz-se a gemer, :911Ji 181'
comprehensão do que se passára. Os gemidos da creança foram
J um 'chaufeur' que, em companhia de outras pessoas, levou o pequeno
,.J de seus Paes. A autoridade fez conduzir o pequeno até ao --L•.
Investigações. Este reconheceu no preto Amaral o incividuo qua
c-· 3 estrangulai-o, e o criminoso, por sua vez, reconheceu no menor o

... :, engraxate que deixara como morto sob a ponte da Can1areira.


c?_nfirm~ção de parte das revelações do preto Amaral, a policia organ1aou
d1h~enc1a para proceder a pesquizas no Campo de Marte, onde dizia o pwelD

•• ,,:5 deixado os corpos das suas primeiras victimas...".


315

~
,., No descompasso das trágicas notícias que narravam os acontecimentos funestos

sobre as mortes dos garotos na cidade de São Paulo, como foi sinalizado, teve grande

"e .,.., repercussão na sociedade paulistana do final dos anos vinte. Com a notificação de que

Q _ ..,
.._-, uma das vitimas havia conseguido escapar da morte anunciada, a população passa a

-~
Jl
-" ' denunciar outros casos. Alarmada, a sociedade paulistana passa a precaver-se dos tipos

que, como Amaral, viviam na cidade organizada pelas utopias disciplinares. Com o

desenrolar das histórias trágicas, pouco a pouco foram surgindo novos garotos que,

~ seduzidos por um negro, supostamente Amaral, conseguiram escapar, livrando-se da


~
.., possibilidade de um destino sinistro, como permite entrever o auto de reconhecimento
'1 anexado no processo crime que indiciou Amaral:

314

· PACHECO e SILVA, A. C. ; REBELLO NETO, J. Um sádico-necrophilo. O preto Amaral. Archivos da Sociedade


315
. de Medicina Legal e Criminologia de São Paulo, São Paulo, v. li, anno 11, fase. 1º, nov. 1927. p. 95.
Idem.
''\,) 214
\)
0
0 Aos seis dias do mez de janeiro de mil novecentos e vinte sete, neem ~dada de Slo
Paulo, na delegacia de "segurança pessoar, onde se achava o raepecllvo conmlearlo
\.) doutor Ramiro Garcia, commigo escrevente ao seu cargo abaixo aaeignado, Joeé Augusto
u do Amaral, indiciado e a victima Antonio Manuel Neves Filho, a aBIB menor, pala
autoridade foi dito, que se reconhecia no indiciado presente a maama peeeoa que
·~ conforme suas declarações abordou-o na rua Voluntários da Patria, levando-o a aeguir Bié
a Ponte Grande. Pelo menor foi dito que reconhecia Joeé Augusto do Amaral como aendo
.... ~ o mesmo a que se referia em suas declarações. Pelo indiciado foi cito que nlo reconhecia
~~ esse menor, não se lembrando de tal facto. Em seguida ordenou a autoridade que foaaa
lavrado esse termo.
316

v
v De alguma forma, os depoimentos colhidos e repassados aos jomals paulistanos
~ •I,.:~
.,~ '1.-

que noticiavam os dramas e os horrores vividos pelos familiares das vitimas, sob~
~ ,;· '\.:i:.,;,,;..;
. •:>'r·;\ -~
.-.)
·"·
.. 1.tt..v
das encontradas mortas no Campo de Marte, pareciam propor ao grande pllbllco .. ·
..J .

,- ..) ditames científicos que segregavam os negros e os desclassificavam como 11

- .:,
■ :,
eram, de fato, verdades incontestes. A cada publicação, cada fotografia dlvul

peso e a carga hereditária imposta aos negros parecia diminuir, sufocando, ain1
~
1 as possibilidades de ascensão social dessa parcela significativa da população.
:5
1
1
li!
,
J
.,
O jornal A Gazeta publicou a passagem relatada nos autos do processo em

'! .., matéria de primeira página que trazia o título "Os crimes de um monstro. Mais uma
:, ~ ·
victima que escapou" que foi assim retratado:
~ - -J!),
•-- ..., ... Como hontem noticiamos, na rua Araguaya existia ainda outra victima que
i --- ~ conseguira escapar á sanha assassina de José Augusto. Hontem, a nova

• victima compareceu acompanhada de seu pae ao dr. Ramiro Garcia. Chama-se


Manoel Antonio Neves, de 13 annos, que declarou, áquella autoridade haver
escapado milagrosamente do miseravel. Contou Manoel que há bem poucos
dias, estando nas proximidades do Campo de Marte, foi convidado por um negro
_,,,
':,
~
de nariz recurvo para acompanha-lo até a Estação da Cantareira, para de lá
trazer um embrulho, recebendo pelo trabalho um mil réis. A princípio não
duvidou de nada. Mas depois de alguns minutos, percebendo que o preto não
era 'grande cousa', escapou por uma esquina. Depois de prestadas estas
declarações Manoel reconheceu em José Augusto o seu perseguidor. Este,
porém, fazendo-se de desentendido, não se recordava de cousa alguma... 317
iil

316
317 • Processo Crime 1670. Auto de reconhecimento.
. A Gazeta. 08.01 .1927. p.
\.)
\)
-
v
\o) Esses dados reproduziam, inclusive entre os próprios negros um
\,)
\,) segregacionismo a tudo o que pudesse ser associado à desorganização (aettll"41, -
familiar, profissional), ao não trabalho, aos vícios e desregramentos doa que, de tio

v pobres, não tinham como e tampouco possibilidades de acessar os benefício■ que oe


-~
colocariam em um outro patamar na sociedade moderna, induatrtoaa e hlgllnlca
'-'\.) pretendida para a cidade de São Paulo e que remontam, seguramente, os anos vlnta. 11,
~
-~
J
Os novos padrões de vida, beleza, trabalho, higiene, saúde, moradia. _._
~----..
11

'
'

J forjavam um novo modelo norteador das práticas cotidianas, públlcaa e p1 ·


~-- .J
modernidade e o cosmopolitismo reorganizador da sociedade paulistana
_)
.:, duramente, todo o tipo de relação, comportamentos e pessoas que não se
,: ,
:)' no projeto modemizador/moralizador que já vinha sendo articulado pelas elitel polftlaaâ
:,
e instituições de controle, divulgadas entre os intelectuais nos periódicos e demall
J
.,..,
~ publicações especializadas, analisados anteriormente.

As notícias publicadas nos jornais paulistanos, tanto os da mass media, quanto os


""' de pequena circulação ou da imprensa negra, cuja consulta já se impunha 001110

"'.,,
A
·,
obrigatória aos diferentes segmentos da sociedade, mesmo que não informassem as

ocorrências trágicas das mortes e tentativas de assassinatos atribuídos a José Augusto

do Amaral, serviam para disseminar os valores e as proposituras ao reordenamento

jurídico do estado.

318
• Trabalhando com a imprensa negra paulistana como os íomais O Clanm d'Alvorada, A Voz da Raça, O Kosmos,
entre outros, a autora destaca que "'os negros' só conheciam 'da liberal-democracia, da tal igualdade' o nome. Ta~o
isto era verdade que Já ia constituindo-se 'aos olhos dos habitantes' daquela 'urbis plutocrata e cosmopolita,
verdadeiro escândalo ou pelo menos, admiração, o uso do chapéu por uma negra, a audácia de uma patrlcia fazer-
se normahsta, (vêde a igualdade)'. Igual celeuma fana um rapaz negro se levasse 'a sério a constituição', se se
tornasse estudante e saísse nas ruas com o livro a mostra. 'Qualquer desses desaforados' por pouco fariam os
negros serem apedreJados e comdos 'da cidade, da sua própria terra', que se supunha 'a ma,s crvilizada do País'(...)
O direito de ser chie rimava com o dever de trabalhar (-..) Era direito dos negros produtores da paulicéia desfrutar
das novidades oferecidas. O negro que se contrapunha a esse estilo, era considerado no mínimo adepto da
ªcomodação, era o freqüentador das feiras e das quermesses, morador dos baJrros pobres e penféricos da cidade e,
sobr~tudo, excluído do meio negro 'nobre'. LOPES, M. A. de O. Beleza e ascensão social na Imprensa negra
~uh~na 1~1940. São Paulo, 209 f. Dissertação (Mestrado em H1stóna) Programa de Pós- Graduação em
Históna - Pontifícia Universidade Catóhca de São Paulo. p. 103-105.
\,) Ili
t.._~
-~
\..) Como indicado, o período remonta um contexto histórico no qual aa alltae
~ políticas e dominantes, sobretudo aquelas que formariam, em um contexto
\,)
~ imediatamente após o final da chamada "República Velha", a "bancada da chapa llnlca"

cujos projetos visavam um Estado de São Paulo unido e classista, como atesta Z6lla
~
~~~
,.., Lopes da SILVA. Preocupada em "demarcar os anseios e movimenta9ê>es de hornena
' daquela época, no enfretamento das grandes questões que envolviam o país e, ele qtat.
.....,...

maneira, encaminharam as suas soluções", a autora permite, recuando um pouco~llliii


. ..,.,

tempo, a hipótese de que desde o final dos anos vinte os "deputados classistas",

- correligionários e eleitores - quase sempre pertencentes a pequena elite letrada, flH

corrente de pensamento que propunham a racionalização do espaço pllbllco

domesticação dos trabalhadores - já estariam fomentando seus ideais para o p

de mudanças que se pretendia para o país, o qual forjava uma nova realidade à vida

moderna. 319
lf
A pretensão do branqueamento, ideologicamente possibilitada pela
:,
homogeneidade de uma população "chie", elegante, cujos lastros culturais e familiares

.. remontavam os antecedentes hereditários do mundo europeu, recusava a permanência

• dos negros na sociedade paulistana. Os negros eram representados, nessa medida,

como um fardo difícil de ser assimilado pois, suas representações implicavam na

desordem do mundo superior dos brancos. A presença destes entre os brancos, além de

ser algo indesejado, poluto, acabaria comprometendo a ordem médica e as normas

" jurídicas preteridas para o Estado de São Paulo, o espelho da nação.

319

• Para a autora, "...a rede de poderes que se engendra aí incorpora outros temas e questões: a saúde, a questão
racial, a família, a cultura, a educação, a moral e a higiene social. o viés técnico como solução permite ao Esta~o
aparecer definido as diversas estratégias viabilizadoras dessa dominação que se apresenta para todo o corpo social
como necessária e inquestionável(...) São por essas razões que nos anos 30, esse discurso da competência técnica
passa a ser peça importante no imaginário burguês e se constitui no instrumento que toma possível a recriação de
~ua dominação.". SILVA, Z. L. da. A República dos anos 30. A sedução do moderno. Novos atores em cena:
industna1s e trabalhadores na constituinte de 1933 - 1934. Londrina: Eduel, 1999. p 32.
~

~
.... 297

~
._,v
\,) Na cidade de São Paulo, era notório a exclusão e o "segregaclonismo
~
costumeiro" aplicado aos negros, mesmo aos que pertencessem àqueles grupos
-~
'-1 minoritários considerados e muita vezes auto-denominados negros nobres, negos de
elite, possuidores de bens materiais como casa, roupas da moda, produtos de higiene e
~
beleza, instrução letrada ou relações de conhecimento e de favores com os brancos, os

quais dirigiam as instituições de controle social como, por exemplo, o negro Philadelpho
~
que trabalhava, mesmo que à margem, para os manipuladores e controladores da nova
·.J
ordem social e sensibilidade estética preteridas para a cidade. Como salientou Jurandir
- ,.)
~ Freire COSTA, "o corpo forte, sexual e moralmente regrado, foi medicamente
~
e ~ identificado ao corpo branco.".
320

-: ,
:, Considerando os valores próprios do período, não seria difícil que um negro fosse

--
•..
:,
~
indiciado como suspeito dos misteriosos assassinatos, passando a ser representado

.,.,
~ como o "monstro", a "besta fera" "repugnante" que teria levado à morte os meninos cujos

despojos foram encontrados próximo à estrada velha de S. Miguel, caminho para muitos
I:! - ~
.., trabalhadores pobres como Carmelino José dos Passos, brasileiro, solteiro, com 19

-- ~
~ ·

anos, servente de pedreiro, de cor morena, filho de Caetano José dos Passos, que:

...compromissado na forma da lei e sendo inquirido respondeu que dia primeiro


do corrente mez, cerca das seis horas voltava o depoente da casa de seu irmão
onde havia ido a passeio; que ao passar por uma estrada velha que serve de
atalho para sahir da estrada larga "São Paulo - Rio", nas proximidades de uma
cerca, á margem daquela, verificou que perto alguns metros da aludida cerca
havia um corpo humano cahido no chão; que procurando chegar mais próximo
verificou que de facto alli estava uma pessoa deitada no chão semi-nu; que a
principio julgou ser um cadaver de um homem; que um pouco impressionado
sahiu da aludida scena passando em um negócio, negócio esse que fica cerca
de cento e poucos metros do local onde foi encontrado o cadaver; que
imediatamente foi ao posto:9olicial da Penha e alli levou o fato ao conhecimento
da autoridade dessa villa... 1

320

O autor continua esclarecendo que "para isso utilizou-se, ordinariamente, a figura do escravo como exemplo de

corrupção física e moral." . Para o autor, a consciência de raça e racismo, criada no momento que considerou como
caracterfstico de uma "hipertrofia da consciência individual" referindo-se ao corpo e a aos afetos, como indicado,
"plano de !º,:mação da consciência de classe e raça necessária ao progresso do Estado nacional". COSTA, J. F.
321 Ordem médica e norma familiar. 4. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1999. p. 208 .
. Processo cnme 1670. Testemunho de Carmelino José dos Passos.


~
)
211

~~
"-· ·; J
-~ O testemunho de Carmelino toma-se significativo pois evidencia que, de fato, as
\)
pessoas transitavam e moravam na velha estrada de S. Miguel ou utilizando-na como
~
atalho em incursões diversas. A informação prestada, capturada pelos filtros

deformadores do escrivão José Neto Leme, que re-elaborava as mensagens das


~

"" testemunhas a partir dos códigos e valores dominantes os quais, seguramente,

inferiorizavam os negros, reitera que o local era freqüentado por outras pessoas como,
....
.J.
- -~
..:,
quem sabe José Augusto do Amaral, as quais andavam com freqüência nas veredas,

cortando caminho, encurtando as distâncias que levavam para cada vez mais longe do
,J '

- -- .J' centro os pobres e despossuídos, impondo-lhes as margens da cidade. Ou seja,


--.. ..::,:)
-
qualquer um poderia ver ou saber que ali existia gente morta, mas como levar tal
·'

.. :J':, informação à polícia? Qual seria a reação das autoridades pois, como interpretado

•• ,J anteriormente, viam as classes pobres como classes perigosas? Talvez, para muitos

~
,..,
-
daqueles homens e mulheres, o melhor a fazer era calar-se, mantendo-se isento de

qualquer suspeita ou envolvimento com a polícia.


~ ..,.
~- "
iw.. .., Em continuidade à leitura dos autos do processo, percorrendo a saga dos cr1mes

la----" ocorridos na passagem de 1926 para 1927, os registros revelam que no começo do mês
--~· de janeiro, " ...parecendo ser dia primeiro, dia santificado ... ", próximo das dez horas da

.,,, manhã, José Augusto do Amaral se achava nas proximidades do mercado da rua 25 de

Março quando notou um ajuntamento de pessoas que se dedicavam em jogar cartas.

Aproximando-se do grupo tomou de um rapaz o baralho passando então a fazer parte do

jogo, o qual não demorou a acabar, pois " ... que foram as pessoas que alli se

encontravam se retirando". Todavia, um menor, vestindo " ... palletot amarelo claro, calças

de brim escuro, apparentando uns quinze anos..." e um outro pouco mais velho

permaneceram junto a Amaral que os convidou para chegarem até um botequim


próximo com o propós·,to d " . . ..
e ...comerem qualquer comida... ", brecha que poss1b1llta


~
e)
~ \.)
2•
◄ '
~ - \J
~ ·,~

'--v entrever a permanência das representações dominantes no sentido atribuído ao fato

~ pelo escrivão, o que não acontecerá com a identificação da bebida, aumentando ainda
0
~ mais aquela possibilidade.

~
" __:,
'~'-" '
Aceitando ao convite, os três foram até o botequim. Todavia, o garoto mais velho

e..-~
.

permanecia afastado, ao passo que o mais novo se mostrava mais satisfeito CCNtl a
..._,
- ""
I:::.;-,..,._ '
companhia de Amaral, de quem aceitou a comida e com quem tomou vinho, •m
~
J
., contudo, aceitar o café, tomado apenas pelo negro desconhecido, identificado ..,.,
~.,.· ..
~ ·

J polícia como sendo o preto Amaral. Satisfeitos, já estando na porta que dava para a
p.--J ' Antonio Lemos, o menino mais moço, perguntou ao desconhecido que lhe pagai
c -J
e; :)i comida onde o mesmo queria chegar, para que lugar estaria indo. Em resposta,
-- - ..... :5'
- .:,
,, disse que pretendia dar uma chegada no bairro da Penha "...que tendo

-·- ·- • J,.'
.

..,; respondido, esse menor disse que também chegaria a esse local..." a fim de lavar urna

..PI .., casa de uma senhora, como havia combinado uns dias antes, assim que as chuvas

cessassem. As pretensões deste menor, de acordo com os autos, fizeram com que o
7
-~·· .ri! 61 companheiro, o mais velho, se retirasse. A narrativa a partir de então não difere do
e ~

.. "' destino trágico das outras vítimas encontradas mortas e estranguladas.

•- _,.,;, O termo de declarações prestadas por "... Maria Claudina de Vasoncellos, casada,
• doméstica, de côr branca, filha de Antonio Domingos de Vasconcellos, com quarenta e
li quatro annos de edade, de nacionalidade brasileira, natural de S. José dos Campos,
I!
J' residente á 'Villa Maria', A. Af-. Maria, número a...", mãe de Antonio Lemos, recuam
~
apresentando novos detalhes à sua história trágica, denunciada pelo mulato Carmelino
6t
•-- que cruzava o atalho da estrada velha de S. Miguel. De acordo com os registros, a mãe

• de Antonio Lemos indicava que o seu filho havia saído no sábado, cerca de sete horas

da manhã do dia primeiro de 1927 avisando que iria lavar uma casa no bairro da Penha.
~
~ 210
\)
'-- ·~
._, \a)
...que dito isso, Antonio vestiu uma calça de brim escuro, nova, por cima de
-~ outra da mesma qualidade, porém, velha (...) como se achava com o pé um
~ pouco machucado e também devido ao barreiro existente nas ruas da villa onda
moravam, tomou a deliberação de lavar somente uma botina, afim de calçai-a
~ logo que se aproximasse da linha dos bondes da Avenida que, no &Iludido
bairro, é denominada 'central'; que Antonio vestia duas calças, confonne já
disse, camisa branca listada de chita de ziphir, palletot de brim amanllo, tippo
'kaki', e levava um só pé de botina, sendo que esta era de couro preto com
322 '
cordão, bastante usada....

O jornal A Platéa, que também notificou os crimes de Amaral publicou um artigo

sob o título "Crime repugnante. Será Jose Lemes a victima?" informando as diligências
-.J
- -~
·..J
policiais levadas a cabo pelos controladores da ordem. Pautado nos exames do Serviço

...., Medico Legal, nos depoimentos e demais evidencias que Delegacia de Segurança
--~..:, Pública não impunha restrição à consulta, permitindo, inclusive a permanência de
e -J:,1 policiais nas sessões de depoimentos processados pelo delegado de Segurança

.. :,,:,
Pessoal, o artigo dizia:
•• .,~··
.,, Sabbado ultimo, na estrada de S. Miguel, proximo á bomba de gazolina,
conforme detalhadamente noticiamos, foi encontrado um menor victima de um
crime repugnante. O menor foi agarrado por um indivíduo que com elle
l!l. ~ empenhou em renhida lucta corporal, enforcando-o com um cinto de brim. Não
contente com isso, o infame abusou da infeliz criança, maltratando-a
li!! . ~ ' horrivelmente e estuprando-a. Dado o alarme, foi o caso entregue á Delegacia
de Segurança Pessoal. 323
--=-- "''
~ '
~ Com os estreitamentos das relações sociais e profissionais entre médicos e
--~i advogados cada vez mais consolidados e pela indicação de Boris FAUSTO, de que para

comerciantes imigrantes, pequenos burgueses que estabeleciam seus negócios

lucrativos na cidade de São Paulo, "a maioria dos brasileiros não passava de uma gente

acomodada, quase sempre em busca de um 'encosto', um cargo público se possível,

valendo-se das conexões de parentes e amigos... ", não é difícil supor que o caso dos

assassinatos tivesse a orientação preconizada pelos criminalistas, legistas, psiquiatras

forenses que assumiam o controle das instituições totais em São Paulo, determinando

os vieses que o caso deveria seguir e até mesmo sugerir a massa de trabalhadores
3 22
323
. Processo crime 1670. Termo
• A Platéa. 07.01.1927. p. 4. de declarações de Maria Claudina de Vasconcellos.


~
0
-,_) 111
"'- -~
'- ·0 -~ pobres, como que avisando, taxativamente, o que poderia acontecer caso as normu
-~
médicas e as noções jurídicas, já evidenciadas na primeira parte deste trabalho, nlo
·0
'-) fossem cumpridas. 324
-~

~
... J ~
A morte daqueles garotos e o indiciamento de um "preto" como o responaéval

pelas atrocidades que os exames periciais apresentavam e que fazem parte do procNIO

crime que indiciava José Augusto do Amaral, foram usadas pedagogicamente para~o
~
,J
,, branqueamento da população paulistana, projeto social ansiosamente desejado

"'
...) elites políticas e dominantes. "O essencial, todavia, e que precisamos
j
cuidadosamente, já ressaltamos de várias maneiras: o indivíduo não fora soclallado:
J
-: ,,
~ i
para agir como 'operário' e para realizar-se, através das carreiras acessíveis, w110~

• :Ji
:,:
trabalhador assalariado. Desajustava-se, pois, por falta de aptidões e predisposições que

deveriam ser adquiridas previamente ou que fôssem assimiláveis mediante 'a educação

~
.,..,
:1'
pelo trabalho'.". 325

r, ...,
e ., A continuidade da leitura do termo de declarações de d. Maria Claudina evidencia

iw- "" que no dia em que saiu de casa para realizar o expediente na casa da Lapa, Antonio
11- "Y
•• Lemos não declarou o nome e tampouco a rua em que a tal casa ficava, "...que, em

seguida, Antonio pediu a declarante que guardasse qualquer cousa para ele almoçar,

visto como, voltaria mais tarde ...". A mãe de Antonio, e de mais dez filhos, percebendo
~
que o filho não chegava " ...ficou um pouco apprehensiva; que na manhã do dia dois

"..,
'1
324
325 . FAUSTO, B. Negócios e ócios. Histórias da imigração. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. p. 67.
• FERNANDES, F. Integração do negro na sociedade de classes. o legado da "raça branca". São Paulo: Editora
da Universidade de São Paulo, 1965. p. 145-6. Criticamente, o levantamento de dados realizados por Petrônio José
DOMINGUES, indica que "...apesar do segmento negro (pretos e pardos) na cidade, em 1920, ser
aproximadamente 9% da população total, o índice de natimorto (nascidos mortos) era de 12,7% em 1918; 12,4%_em
1922; 13,35% em 1924; 15,9% em 1926 e 15,99 em 1928...", deixando entrever um silêncio nas estatísticas
realizadas mediante consulta ao Annuário Demográphico. Secção de Estatística Demographo-Sanitária dos
respectivos anos. DOMINGUES, P. J . Uma história não contada. Negro, racismo e trabalho no pós-abolição em
S~o P_aulo (1889-1930). São Paulo, 2000. 370 f. Dissertação (Mestrado em História) Faculdade de Filosofia, Letras e
C1ênc1as Humanas, Universidade de São Paulo.
~
v
t... \) 282

.. \)
~
-~ deste mez, mais apprehensiva ficou a declarante pois vira que Antonio não apparecera,
;J 326
seus irmãos já haviam procurado-o, sem que do mesmo tivessem notícia...".
~

"
~
Receosa, cismada com a demora de seu filho, a mãe de Antonio pediu a um de

·~
seus irmãos que fosse até o Gabinete de Investigações da Delegacia de Segurança

.J· Pessoal para pedir providencias no sentido de localizar o filho desaparecido, tendo em

~..J vista as notícias dos jornais que informavam sobre a morte de um menor em
J circunstâncias misteriosas adiante do bairro da Penha, para onde Antonio havia dito que

-..J ia. Ao ver as fotografias, seu irmão reconheceu que se tratava de Antonio.

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Fotografia 9. Fotografia pericial de Antonio Lemos, a terceira vítima de José Augusto do Amaral. Fotografias tiradas por
investigadores do Gabinete de Investigações. Processo Crime nº. 1670. Acervo do Museu do Crime da Academia de
Polícia do Estado de São Paulo.

326

• Processo crime 1670. Termo de declarações de Maria Claudina de Vasconcellos.


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·...) O depoimento de José Augusto do Amaral, de acordo com os autos do processo,
-..)
após uma pequena viagem de bonde e percebendo que o menor continuasse em sua
~
~ companhia " .. .fez essa circunstância avivar ainda mais os [seus] desejos libidinosos...•,

como acentuava o escrivão da Delegacia de Segurança Pessoal, José Nelo Lama,


afirmando "... que não tinha outra idéia senão praticar coito anal Cultl o r,NllOr...•.

Chegando no ponto final do "carradura", como era chamado o bonde que lauava._ à
..__,
Penha, Amaral desce do bonde sendo seguido pelo menor, que repete o r,INltW' etF-
J

-...J Caminhando pelas imediações do Campo de Marte, próximo a urna


- ~ .:J
~ i
gasolina, Amaral busca seduzir o menino conduzindo o mesmo para a veha
::)1
S. Miguel, local em que o "preto" teria matado Antonio Sanches e José
.:,
:::,,, Carvalho. Nesta estrada, enquanto conversavam, Amaral pergunta
• :,:
~ :
acompanhante se não queria "... praticar o coito anal. ..". Sem responder o r.,anor
~· continuava caminhando ao seu lado " ... conservando sempre fisionomia allegre••••. Uma

e vez chagado a um local alto, coberto por pequenos arbustos, Amaral deflagra o crime.

... sem perda de tempo, antes mesmo que o menor pudesse MC8p&!', o
aggrediu, isto é, agarrando o pequeno pela garganta conseguiu em poucos
minutos dominai-o, o atirando ao solo; que, sem perda de tempo, praticou no

-- mesmo coito anal quando este ainda se encontrava agonizante; que tendo
satisfeito seus desejos carnais, resolveu então atar fortemente o cordão no
pescoço do menor, cordão este que julga ser do pequeno, com o qual o mesmo
prendia as calças; que tendo o cuidado de verificar que, de facto, o menor
estaria morto, e que seu estrangulamento fora real. .. 327
I!
.,____ De acordo com o Jornal A Gazeta, um depoimento revelador possibilitou localizar,

entre os diversos negros que haviam sido "detidos para averiguações" na Delegacia de

Segurança Pessoal de São Paulo, que era José Augusto do Amaral, um negro cujos

antecedentes revelava tratar-se de um ex-soldado, um combatente que resistia aos

regramentos disciplinares dos batalhões por onde havia passado e, destacadamente,

desertado, negando as ordens de prisão deliberadas por seus superiores que viam nele,
~
\}
\) 211

'-- ·v
....\.) \.) uma ameaça. A notícia se espalhou rapidamente, coroando de glórias e louvores os atos
~ heróicos e protetores conduzidos pela polícia técnica.

'J..
- '-,)
E agora, a descoberta do miserável monstro que estrangulou aquelle lndllaao
~ menor, na estrada de S. Miguel, pouco alem do bairro da Penha. A polícia que
----.
liif
_) ~~
vinha encaminhando suas investigações em tomo de um indivíduo de c6r praia,
que se tomara suspeito, verificou, logo após, por uma série de circunstancias.
que a este não cabia a responsabilidade do hediondo crime quando apareceu
um homem do povo, simples nos seus modos, desejando falar ao d• a , la-g,1. de
, O

-~
encarregado das diligencias. Este homem era o eletricista Roque da Slh:aira
Leite, de 38 anos, morador na praça da República, 2, esquina da rua lplranga,
onde trabalha. Sendo encaminhado a autoridade, rnanlfeslDu cms
~ apprehensões, muito bem ponderadas, a respeito do que observara no da 9
J Anno Bom, quando almoçava na casa de pasto do sr. Antonio Moulalru, ·, .,,,~•i;
328
~ travessa Lourenço Gnecco, 16.

J O testemunho de Roque, firmado pelo dono da casa de pasto, o imig1


c -J
.
- ~i
-~ português sr. Antonio Monteiro, registrou que o "preto" avistado com os dois men"'

~ "...como era normal. ..", não chamou sua atenção, somente despertada pelo motivo -
1111

~ j

y estarem conversando em voz baixa enquanto almoçavam. Essa minúcia permite supor

~~
~ haver um contra-senso no depoimento de Roque Siqueira Leite pois, se analisado a,,
~
~
- seus próprios termos, isto é, no contexto histórico demarcado por este estudo, o que
e~:
observa é uma prática totalmente adversa, nada normal, já que os negros, em especifico
.. .., os negros da plebe, eram avaliados como "indivíduos" que deviam ser mantidos à

•• distância.

Em matéria publicada nos dias que se seguiram ao relato do depoente Roque

"tl Siqueira Leite, que vira Amaral com os garotos que jogavam cartas nas proximidades do

"'1il Mercado da rua 25 de Março e que foi prestado ao delegado Juvenal Piza no Gabinete

de Investigações da Delegacia de Segurança Pessoal de S ão Paulo, o jornal A Gazeta

amplia as informações registradas no termo de declarações:

a21 p"""'~
328 --esso Crime 1670. 09.01 .1927.
. A Gazeta. os.01 .1927. p . 8 .
·'1 _,
~
r..... \)
... .

~
-~ Contou o eletricista que, por volta das 11 horas desse dia, vira um preto e duas
crianças à porta do restaurante. Pouco depois um dos meninos entrou com o
-\) homem na casa, alli almoçando, bebendo ambos meia garrafa de vinho. O caso,
~ como é natural, não despertou a attenção de ninguem. Apenas, lendo nos
jornais a descrição do crime horrível, lembrou-se o eletricista do caso, teve

"
..)
suspeitas, procurou o dono do botequim e este aconselhou-o a dar pari& da
suas desconfianças ao dr. Juvenal Pizza. Acrescentou Roque que conhecia de
vista o preto e sabia que o mesmo frequentava as proximidades do mercado. De
posse destas informações o dr. Juvenal Pizza, colhendo oe signaes do Individuo
·. J· já suspeitado, os transmitiu a seus agentes, ordenando-lhes capturassem o
homem. Enquanto isso, comparecia no gabinete Maria Claudina de Vasconcelos

"
.J
e seu filho Antonio Lemos, que foram esclarecer a autoridade sobre a Identidade
do morto.
329

J Assim, reconhecido e como o criminoso em série que "aterrorizou a cidada de


São Paulo" no final dos anos vinte, incluso três vezes no artigo 294 do Código Penat•
J
c--J processado pela Delegacia de Segurança Pessoal José Augusto do Amaral pelos atos
J
:,, delituosos que cometera. Porém, sem antes ser alvo de uma significativa divulgação
:,
-• :,,
:,,1
nos jornais paulistanos e de ter seu caso, uma história complexa, marcada pelos

..,, horrores da vida urbana, registrado em compêndios de psiquiatria forense, bem como de

~ -,: periódicos voltados aos estudos de criminologia e medicina-legal escritos, sobretudo, por
~
Antonio Carlos Pacheco e Silva.
e
Nesses termos, no dia 9 de fevereiro do 1927 o Juiz de Direito da 2 1. Vara
lit
Criminal expediu mandato de prisão e no dia seguinte, José Augusto do Amaral foi

recolhido na Cadeia Pública do Estado de São Paulo no dia 16 daquele mesmo mes. A

"Após sua remoção para a Cadeia, o estado de saúde de José Augusto do Amaral
18
..,___ agravou-se cada vez mais. Emagreceu, apresentava-se febril e com dores reumáticas.

Finalmente, pondo fim ao seu sofrimento e antes mesmo de ser julgado, falecia às 4

horas da madrugada de 2 de julho de 1927 na enfermaria da Cadeia Pública, aquele que

foi considerado o monstro dos monstros, o sádico-necrófilo mais notável do Estado de


São Paulo.".

329
• Idem.
~ \.)
~ \)
t...-\J
-.:, Em seu termo de óbito, que também consta no livro de mortes da Cadeia Pllbllca
~ de São Paulo registra-se o seguinte: "... aos dous dias do mez de Junho de ·mil
\)
~ novessentos e vinte e sete, cidade de São Paulo, na Enfennaria da Cadeia Pllbllca cletda

'-.) Capital... " José Augusto do Amaral morria de " ...tuberculose pulmonar.". O terftltl,
·\J entretanto, foi lavrado e assinado pelos manipuladores técnicos no dia vinte ele
r..--~tJ
Possivelmente após de ter sofrido todos os tipos de maus tratos, ainda hoje d'
-..J aos criminosos hediondos, sobretudo os negros, Amaral apodreceu nos
J
Ji Cadeia Pública da São Paulo. Seria ele verdadeiramente o criminoso da est1
....,'\'
•- J ' de S. Miguel?
e·--...J
:y;
::,1
:,,,
:-,;, Biotipologia humana
■ ~ I As manifestações da degenerescência
~

e A perícia psiquiátrica, isto é, o exame mental dos homens e mulheres levados a

..Ili julgamento ou mesmo a espera de ser fonnalmente julgado por terem cometido um

crime extraordinário, hediondo, requeria um breve histórico da vida pregressa do

• examinado, indiciado pelos órgãos do poder judiciário que requeria o exame para

determinar o grau de sanidade mental do criminoso. Os dados sobre o crime, os

antecedentes hereditários e pessoais, os exames físico e nervoso, neuro-oftalmológico,


I!
biológico e psíquico, somados as informações colhidas pela polícia e anexadas aos
li
-.. autos "auxiliavam" o psiquiatra forense na composição dos prognósticos que se
encarregava de apresentar.
-~ .111
~ -\)
---\J
-~ De grande interesse historiográfico , a perícia psiquiátrica, os exames médico-
·'\)
legais e os demais registros que compõe um processo crime acabam por fazer conhecer
~
não só os sinais que permitem a reconstrução do delito ou as circunstâncias em que foi

a vida
.., praticado, definindo, assim a culpabilidade ou a inocência de um indiciado mas

das pessoas que, de uma forma ou de outra, acabaram envolvidas nas malhas fiias,

.,
w
muitas vezes insidiosas, que tecem a trama criminal. Esses registros, documentos que

• - J-Ji recriam os acontecimentos trágicos, sinalizam para o conhecimento do espaço social em

o crime foi deflagrado mas suas ruas, seus habitantes, suas maneiras de vestir, aeua
.J
---- ,Ji hábitos, comportamentos e origens. Sobretudo, tais registros permitem conhecar
Ji
:,1 verdades produzidas pelos poderes médico e jurídico sobre parcela da população,
:,,
excepcionalmente a população pobre, permitindo identificar como essas pessoas eram
:,,


~

~ i
i representadas socialmente e quais eram os seus lugares.

..,,
~ Buscando fundamentar cientifica e antropomorficamente o diagnóstico de Amaral,

o ilustre psiquiatra paulistano dr. Antonio Carlos Pacheco e Silva juntamente com José
e -,
Rebello Neto que, no contexto, atuava como chefe do Laboratório de Perícia Techinica

de São Paulo, prosseguem a o estudo em tomo do caso de preto Amaral, associando os


• aspectos da história de vida do examinado e dos crimes a imputados a José Augusto do

Amaral às referências da antropologia criminal italiana fundamentando, assim, os crimes

e as perversões sexuais que o classificava como um degenerado.

Lombroso assinala que os excessos sexuais ao mesmo tempo voluptuosos e


brutais podem ser despertados nos soldados, durante os combates, pela
excitação provocada pela ânsia de matar. Não é impossível que a perversão do
prêto Amaral, que se manifestou recentemente, tenha tido origem nos combates
que êle tomou parte contra os sediciosos. Está visto que já se tratava de um
degenerado, em que as lutas sangüinárias e a sugestão de um companheiro
vieram despertar a impulsão mórbida até então em estado latente. 330

330

. PACHECO e SILVA, A. C. ; REBELLO NETO, J .. Um sadico-necrophilo. O preto Amaral ln: Archlvos da


Sociedade de Medicina Legal e Criminologia de São Paulo, São Paulo, vol. li, anno 11, fase. 1 , nov. 1927. p. 106.
9
270
-
► -~
~~ \.)
~ Arquitetônicas ou literárias, "scientificas" ou não, as múltiplas inovações trazidas
~ pela República provocaram uma comoção social descrita por Maria Clementina Pereira
'.>
Cunha como resultante da visão cosmopolita de médicos sanitaristas, fundada • ...numa

noção fechada de verdade científica e supra-histórica.". Produtos do final do século XVIII,


-~
a moderna psiquiatria e a escola penal positiva surgem no centro da sociedade do

trabalho como estratégias vitoriosas, impreteríveis ao processo de aburguesamento daa


-~ sociedades de classe. A psiquiatria medicalizava a prática do internamento e a
..,,
.
.._)
determinação das perversidades "humanas" o direito penal, por sua vez' trad•Ria. o
.:,
J' enfoque da criminalidade nata, da degeneração da raça, a partir de sanções nonnatlval
J ' que pretendiam eliminar, deter, controlar os comportamentos considerados desviantea.
e --:J'
_:,
:,, Novos são os temas desta psiquiatria voltada fundamentalrnena para a·
sociedade e para a cidade: as manifestações da degenerescência ida 111f.-ea'I•
::,, em prática 'anti-sociais' como a vagabundagem, o jogo, o vício, a prosliblçlo. O
crime e o criminoso - que Lombroso tratou de tipificar nos tipos degenerados da
~ '
criminalidade nata, que influenciaram durante muitas décadas a criminologia, a
■ -~ medicina legal e a psiquiatria; mas também a multidão e a pobreza urbana.
Mudam-se os temas, muda-se o enfoque: não é mais o incivfckJo que
~ enlouquece, mas a própria sociedade que está doente - ou, pelo menos lffl de

..,
~ ; seus órgãos: seus braços. 331

m Voltados para o mundo do trabalho urbano, os discursos normativos controlavam

os espaços esquadrinhando seus habitantes, determinando o que seriam os seus usos e

os seus abusos. Em São Paulo, as classes pobres passam a ser consideradas pelas

elites políticas e dominantes como classes perigosas, os negros, como viciosos,

degenerados, portanto, alvos das práticas de banimento que recuperam a

ancestralidade criminosa da prisão. 332

Polarizado pelas experiências da vida urbana e pela monetarização das relações

de trabalho, o contexto histórico demarcado por este estudo, como se pode observar,

rechaçado por imprevisibilidades e dissonâncias, indica que as relações sociais vividas


331

• CUNHA, M. e. P. O espelho do mundo. Juquery, a história de um asilo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996. P 25.
. "\ ) m
\J
0
-...) na capital paulista estavam pautadas em valores excludentes, discriminatórios, forjados
·j
a revelia de uma imensa maioria empobrecida, desenraizada e indignada,
~
v costumeiramente segregadas. A moral e a civilidade imposta pelas elites políticas e
~
--... .....,,,)~ dominantes aos habitantes pobres e despossuídos da cidade traduziam o avesso do que

... -....\ ): seria o bom cidadão, inventando um outro citadino, qual seja, o desviante.

.J
..).
Ao que referem as chronicas criminaes, foi, em fins de 1924, exaculado 'ÃO
Hanover, o açougueiro Hennann que trucidou vinte e set'8 l'flPUilt-
esquartejando-lhes os cadáveres e expondo á venda a carne de suas vladmílilí -
• ---J
J' foram, ~ós a prática do primeiro crime_, que H~nn~nn enf~rmou-86 tDI,_..
Remorsos, só os sentiu ao iniciar a série temerosa de crimes: tio Cl'I.IClaMlíj,

febre; vieram, após, o segundo, o terceiro... o v1ges1mo sétimo.- Um de rnlfltfli


J um de mais, não quer dizer nada"- declara friamente o juiz que o lnterroga._~!-lli~
• - ...J' monstro foi condenado á morte. E só á vista do cadafalso, no lnstarm:, exb■lii;
teve estas palavras, as ultimas que pronunciou:- "Estou arrependdo do& fflllQI
-• :,
- - ...J
:)
crimes!. ..". Louco? Tarado? Mais digno de um manicõmio do que do cadafallO?
Que importa, se a sua vida era uma ameaça constante e tremenda SUSJl&,_

.• _.:,-:,,, sobre a sociedade? E a Allemanha, fóco dos mais luminosos da cultura jurkllca,
e a Allemanha, patria dos mestres em psychiatria, a Allemanha condemnou-o é
morte. Na monstruosidade dos crimes perpretados, pode, sem fawr, hombrear-
se com Hermann, o maior delinqüente de que há memoria nos annaes do Citma
1 ~ i
no Brasil, este José Augusto do Amaral, o matador de ceanças, o sombrio
estrangulador, sádico, necrophilo e pederasta, cuja serie de crimes deu aso é
~ - abertura deste inquerito policial. 333
~ ~
~ -

:i .,
. ., O discurso criminalista, as imagens da violência, as práticas classificadas como

;}_. -, imorais, compunham o universo de referência de onde se projetavam os elementos

,r~.--, formadores da representação da periculosidade social, evocando identidades que


li
• fabricavam a imagem das personalidades criminosas, sedutoras, invertidas, ou

"monstruosas", desenhando na mente das pessoas os perfis anatômicos, os tipos físicos

,, e os caracteres morfológicos que identificavam o moral e caráter das pessosa , isto é, a

"..,'1 forma física dos desviantes. Com uma base filosófica importada da Europa e dos

Estados Unidos, cujas publicações ainda mantinham tradicionalismos em desuso, como

os de base lombrosiana, identificando os tipos criminais por "signaes" estigmatizadores,

os quais, em sendo percebidos a tempo, medidos e classificados, serviriam à proteção

332

ROCHA, L. C.dePrisão
. Universidade dos pobres. São Paulo, 1994, f. Tese (Doutorado em Psicologia) Faculdade de Psicologia -
São Paulo
333 . '
. Processo Cnme 1670. Abertura de inquérito. Relatório. 01.02.1927.
272
\)
t"..._. \.)
~ - \.)
\i) das pessoas "dignas", sobretudo brancas, que poderiam se ver livres das cicatrizes
~
i_) hereditárias da escravidão.

Trata-se de um indivíduo de côr preta, mas de typo physionõmlco pouco 00111um


nos de sua raça. O nariz, longe de ser achatado, é aquilino e ligelrarnenl8
adunco. A fronte é fugidia e a implantação de cabellos bastante alta. O roslo é
~ glabro, não apresenta pellos senão sobre o labio superior, isso mesmo em

.. ~
-~~ ,
' pequeno numero. Nota-se ligeira coloração amarella das conjuntivas
(subcterícia). A panícula gordurosa subcutânea é regularmente distribuída, mas
pouco espessa. Na face anterior do antebraço esquerdo há uma tatuagem
~ difficilmente perceptível, F. C. (Francisca Cláudia, nome da mãe do paciente).
Diz ter sido tatuado com a edade de 14 anos. Não apresenta vicias da

. . """, ~ '
conformação congênitos ou adquiridos. Apparelho respiatório: Tórax afunilado,
com depressão da fossa infraclavicular (?) O paciente se apresenta febril, 00111
37°3 a 37°7, temperatura axilar e, outrossim, com tosse. Apparelho circulatório:
'-'' Na~a de_pa~icula_r. Ap_parelho di~estivo: Optimo coefficiente dentario. Órgloa
J,,'
-~---""'-" genito-unnanos: Rins nao palpáveis. Prostata normal. Vesiculas seminaes pouco
salientes. Pênis de forma cylindrica, varicoso, proporções exageradas, como
demonstra a photographia junto. Testículos presentes no interior da bolsa

-- .::,,.:,, , ; 334
~ escrotal. Glândulas de secreção interna normaes.

- :,,i
11111
~ ·
A literatura indica que os processos culturais experimentados na cidade

Paulo nas duas primeiras décadas do século passado impuseram novos costumes que
de São


1 :,, ~ · acabavam moldando as formas de pensar e agir de figuras ilustres do Brasil republicano,
1111

~
.,.., homens letrados, filhos das antigas elites, assim como das pessoas comuns, figuras

menos ilustres que viveram o processo da passagem do trabalho escravo para o

e. " trabalho livre, em sua maioria, compostos por trabalhadores pobres, negros e
w·- ,
.. miscigenados. Esses processos controlavam o cotidiano das pessoas fossem brancas

• ou negras, regularizando afetos e condutas por intermédio de uma vigilância moral

disseminada por discursos médicos, sobretudo, dos que assumiam a direção e o

comando das instituições de controle social, orquestrando a organização burguesa das


..,
.,...,, relações sociais na sociedade de classes, explicitados pela idéia
de eugenia, do
aperfeiçoamento da raça, da influência do evolucionismo e positivismo.

••
334

. PACHECO e SILVA, A. C.; REBELLO NETO, J . Um sádico necrófilo: o preto Amaral ln: Archlvos da Sociedade de
• Medicina Legal e Criminologia de São Paulo, São Pauto, vol. li, anno li, fase. 11!, nov. 1927. p. 102.
an
J
r-..,...\,)
"- 0
Mediante esta tática, a vida privada dos indivíduos foi atrelada ao dealino polftlao
~.. de uma determinada classe social, a burguesia, de suas maneira
\) historicamente inéditas. Por um lado, o corpo, o sexo e os semtmentoll
\) conjugais, parentais e filiais passaram a ser programadamente usadoe como
instrumentos de dominação política e sinais de diferenciação aocial daquela
classe. Por outro lado, a ética que ordena o convívio social burgule mod1IO\f O
convívio familiar, reproduzindo, no interior das casas, 08 conffllDe e
antagonismos de classe existentes na sociedade. As r e i ~ intrafamUlaraa •
~- tornaram uma réplica das relações entre classes sociais.

-..-~~1 •~ I

A ordem social e legal imposta pela República ampliava a abrangência pol~

dos manipuladores técnicos, cuja missão estaria nas tentativas de "barrar a


.Ji
- ~.Ji montante de degenerados", de indivíduos que estariam a caminho da loucura, fi
~ ,!

J ;, anômalas que viviam a margem da sociedade do trabalho. São Paulo, nestes te


~ ~J · reproduzia um espaço social povoado por rostos indistintos, pretos, pardos, pob1
c --J · ' .'.~

~ -- ~ I
despossuídos. A continuidade do relatório apresentado ao juiz criminal para abertura • ·
.. :Ji
.:,,· inquérito, permite observar esse aspecto:
Ili ::,,:
• ~
'7!
...O estrangulador sinistro que, constituindo um typo muito raro entre 08 cultores
do crime, allia duas perversões, o sadismo e a necrophilia ou vampirismo, conta
poucos emulos no mundo dos delinquentes. O illustre psychiatra patrício, Dr.
li{ ..., Pacheco e Silva, cita como typos lengendarios de sadicos, Nero, Calígula, Ivan,
o terrível, etc., e como exemplo clássico de necrophilo, o crime do sargento
Bertrand; alliando, porém,as duas perversões, o ilustre alienista cita apenas um
CI caso ocorrido não ha muito em Roma. Digno de acurados estudos, esplendido
'sujet' para as observações de [?], Afranio, Souza Lima, para não citarmos Von
Krafft Ebing, Legrand de Saule, Moll, Regis e outros, José Augusto do Amaral é
um elemento indesejavel, constitua imminente e constante ameaça para a
sociedade, tal o externo gráo de sua temibilidade; mais que o tristemente celebre
li Márquez de Sade, mata a sua victima, menos que o sargento Bertrand,

• repugna-lhe o cadaver já frio e em estado de rigidez; e mais que ambos, sadico


e necrophilo, impulsiona-o ainda a pederose, praticando o coito anal, enquanto o
cadáver ainda conserva calor (vd. tis.). Louco, tarado, seja como fôr, José
Augusto Amaral é o maior criminoso de haja memória em São Paulo,
perpetrando calmamente, friamente, calculadamente, a SINISTRA SERIE DE
MONSTRUOSIDADES, exposta nos autos, á luz meridiana, graças ao titânicos
esforsos postos em prática pela Delegacia de Segurança Pessoal ....336

·J1 A referência ao compêndio de Psiquiatria Clinica e Forense escrito por Antonio

Carlos Pacheco e Silva permite perceber sua inserção nos meios judiciários paulistanos.

A contra-face das teorias class·f· - d f' • - . - .


, 11caçoes, e 1n1çoes e onentaçoes diversas que o manual
oferecia parece haver de f t , • ,
a o a 1cançado seus propos1tos iniciais, isto é, fazer valer as
33
s. COSTA, J. F. Ordem médica e norma famlllar. 4 ed. Rio de Janeiro: Graal, 1999. p. 13.
33e p e· R . G .
• rocesso nme 1670. Abertura de inquérito. Relatório. 01.02.1927. Relatado por am1ro areia.
}
\}
zr•
~ ~
0
~ prerrogativas da psiquiatria forense, tomá-las uma prática no universo jurídico e nessa
'
~ medida, compreende-se que, de fato, "a psiquiatria da degenerescência significou a
~
·~ inauguração de um conjunto de práticas de controle social que ultrapassavam o campo
~
-~ ~ i
restrito da especialidade".
337

·.J' As novas estratégias de controle social, entretanto, exigiam mudanças no

comportamento da polícia paulistana. No período, as estratégias utilizadas pelo aparato


• .J'
1 --.,J: policial não mais se fundavam nos estigmas sociais provocados pelas mutilações e
J ,'
J sinais punitivos que caracterizavam os sujeitos como criminosos, praticadas em períodos
-~ ..J,'
anteriores ao da instauração da República. Modernizada, as estratégias de punição,
J
■ ~

. ::,,
1
....,,"· vigilância e controle instruía-se em teorias produzidas por suas relações oblíquas com a
.:,, biotiplogia, considerada como uma ciência auxiliar a criminologia, medicina-legal e
1
~ '
1 ~ :
psiquiatria forense.

~ :

"
~
Nesse sentido, classificações foram erigidas em meio ao debate que procurava

identificar os sujeitos tidos como desviantes sociais, perigosos à vida coletiva,

~ delinqüentes, invertidos e degenerados. A pena imputada aos desclassificados visava

exclusivamente a defesa social, portanto, a eliminação dos sujeitos considerados

perigosos deveria pautar-se na profilaxia dos criminosos, na repressão e na prevenção

do crime, especialmente, no destino prisional dos levados a exame e julgados anormais.

Por intermédio dos discursos produtores de verdade, é possível reconhecer a construção

das representações sociais de negros no processo inicial da experiência do trabalho

urbano e assalariado no Brasil. Este tipo de avaliação permite localizar, ainda, as

337

• CUNHA, M. C. P., op. cit., p. 29. As interpretações da degenerescência possibilitam inferir que o psiquiatra acatava,
entre as teorias que fundamentavam seus diagnósticos as que previam a eclosão da loucura, o despe rtar do
desatino, sua proverbial anormalidade antes mesmo que ~sta acontecesse de fato. Tal perspectiva, segundo Maria
Ctementin_a _P?reira CUNHA, assinalava o esforço da medicina mental em ampliar suas competências, sobretudo à
esfera Jud1c1ána, bem como sua capacidade de intervenção social. Idem.
)

.► ◄ \)' 271
--~ \J
,r -_ \.)
.~ '\a)
vinculações da noção de segregação social e racial, presentes nas doutrinas que
V
ú regulavam as interseções entre criminalidade e loucura.
\J
~
- Contrariando a teoria do livre-arbítrio o indivíduo era tomado corno a soma das
~ -


\,)' características físicas de sua raça, o resultado de sua correlação com o meio. Nestes
~
termos, o fenótipo dos indivíduos poderia refletir suas virtudes ou seus vícios. Dada a
. . . ~ ..
' . t.
-~ · esta orientação intelectual determinista é possível afirmar que as noções sobra crh,te e
·v ,
loucura na primeira República sofriam a influência direta das interpreta9f)es blo~ de.
v" •· ..... < .k
'
.
'
à
'
•• • •

v' comportamento humano, adotando como orientação teses antropológicas 1ta11EM A


~ \,:, ~

"~~
e -J ' noção expressa da positividade científica assumida pela psiquiatria e suas vln~ •
~ . ...),i ' ''

...:,, com os estudos biológicos da evolução permitem inferir que a tendência •. . . • a


.:,,:, prática adotada por Antonio Carlos Pacheco e Silva e pela grande rna~,,l i,
:,,, , .' ...
..... :
...,,,/ ''
manipuladores técnicos refletiam as interpretações sugeridas pela antropologia criminal

.,
:,· do século XIX.

e No período demarcado, a medicina requeria para si um papel principal pois, a

... '1unção social da prática", vale dizer, a cura dos males degenerativos da população,

li retiraria o país da barbárie e o encaminharia para civilização e o progresso, baluartes do

• pensamento republicano. Entre os princípios deste processo civilizador brasileiro, a

condição racial era pressuposto para julgar não só a conduta social da pessoa, como

sua hereditariedade. Nesse sentido, é interessante notar a pesquisa realizada por


t,
'1 Antonio Carlos Pacheco e Silva no Serviço de Antropologia e Biotipologia da Assistência
jl

•• a Psicopatas do Estado de São Paulo, na qual esclarece a importância da biotipologia

para o conhecimento das indagações psiquiátricas, em particular, à psiquiatria criminal.


;,.)
_
.... ~ 2711
~
\.)
~ Convicto de que a biotipologia poderia fornecer " ... preciosos subsídios para a
' \)
solução de múltiplos problemas psiquiátricos ...", Pacheco e Silva, como Professor de
\.)
Clínica Psiquiátrica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, procurava

"dotar'' a Assistência a Psicopatas do Estado de São Paulo de uma seção perfeitamente

aparelhada para o estudo das questões biotipológicas e antropológicas, para, dessa

forma, estabelecer um paralelo entre os diversos tipos morfológicos e as ªdiferentes

formas mentais". O estudo propunha um levantamento em "...25 alienados

.,, delinquentes ...", homicidas, empregando-se o método antropométrico de Viola com o

"... intuito de demonstrar como esta sendo realizado o estudo biotipológico dos alienados
..,,.
.. .:,,
.::,,
deinquentes recolhidos ao Manicômio Judiciário ..." apontando que:

No Serviço de Antropologia e Biotipologia da Assistência a Psicopatas de São


.::,,• Paulo foi adotado o método antropológico da escola italiana, que se nos afigura
~· o mais adequado a êsse gênero de estudos(...) Assim, o método antropométrico
empregado é o de Viola para o tronco e membros e o de Bárbara para cabeça,
~ '
juntamente com o conhecido método clássico da cefalometria. Igualmente de
1 :,, Viola e Bárbara são o método e o critério de classificação adotados, que nos
parecem melhor corresponder às finalidades que temos em vista. O material
~· antropométrico necessário consta de um antropômetro de báscula, de Viola, de
um compasso de espessura, metálico, com ramos retos e curvos, os quais
foram construídos no Serviço Ergoterapia da Assistência a Psicopatas de S.
~· Paulo. A ficha antropológica utilizada é de cartolina amarela, dobrada ao meio e
a consta de 4 faces: na primeira, a superior, são inscritos os dados referentes ao
indivíduo, inclusive as anotações cromáticas e genealógicas; ao lado dêsses
elementos fazemos constar o gênero do delito, os resultados da dinamometria, a
pressão arterial, o tipo sanguineo, os exames de sangue e do líquido céfalo-
raquiano e, finalmente, o diagnóstico psiquiátrico. A segunda face, a inferior, é
reservada à antropometria, compreendidas as medidas e os valores do tronco e
membros, as relações fundamentais e respectivas classificações; do outro, à
cefalometria (método de Bárbara é o clássico) e suas classificações. Finalmente,
as dua~ fa_ces restantes da ficha são destinadas às fotografias antropométricas
(corpo 1nte1ro de frente e de perfil), à sinalética e à individual dactiloscópica. 338

338

. "Assim, o método antropométrico empregado é o de Viola para tronco e membros e o de Barbára para cabeça,
juntamente com o conhecido método clássico da cefalometria. Igualmente de Viola e Barbára são o método e o
critério de classificação adotados, que nos parecem melhor corresponder às finalidades que temos em vista. O
material antropométrico necessário consta de um antropõmero de báscula, de Viola, de um compasso de espessura,
m~tálico, com ramos retos e curvos, os quais fom,a construidos no Serviço de Ergoterapia da Assistência a
Psicopatas de S. Paulo." PACHECO e SILVA, A. C.; ALVES, C. R. O Serviço de Antropologia e Biotipologia da
Assistência
1938. p. 372.aos Psicopatas de S. Paulo, Revista de Pslqulaatría y Criminologia, Buenos Aires, Ili, n. 16, jul./ago.
)
211
"
~
..)
~ De acordo com o relatório da pesquisa encontrado no acervo da Biblioteca do

..
.
'->
~
Instituto Oscar Freire de Medicina Legal de São Paulo, Antonio Cartos Pacheco e Silva,

~ assim como Coroliano Roberto Alves, antropologista da Assistência a Psicopatas do


~
~ Estado de São Paulo, atestavam a relevância das técnicas antropológicas italianas no
~ '
reconhecimento do criminoso. "No Serviço de Antropologia e Biotipologia da AssistAnclll ..
~

. ~=·-- . .:~~-.:

~ a Psicopatas de S. Paulo foi adotado o método antropológico da escola italiana, que nc.i•~JJ:~~
1----._.)
1--._) afigu ra o mais adequado a esse gênero de estudos ...", com essas palavras, os médl

~ ' julgavam que o objetivo do levantamento não era o de " .. .lograr restituir o indivíduo
,- J i
J" convívio social. .. " mas humanizar-lhe a vida, orientando e conduzindo os p
J ' que lidavam cotidianamente com os anormais e, assim, auxilia-los nos "...intrincadoa
~
:, problemas relacionados com a segurança social e assistência aos alienados.
.:,
delinqüentes." O estudo, divulgado em um periódico publicado pela Sociedad Argentina
J'
,,
) ;
de Criminologia e Sociedad de Psiquiatria e Medicina Legal de La Plata, dirigido por
.., Osvaldo Loudet concluía:
~"
..,' Concluímos, pois, que a Biotipologia C riminal fixa as características individuais
do delinqüente e que existe uma íntima relação entre crime e biotipo. Sabemos
que predisposição ao delito é muitas vezes hereditária. Assim , a herança, tanto a
direta como a indireta, pode esclarecer inúmeros casos, não só nos domínios da
criminologia como da psiquiatria. Atribuímos os distúrbios psíquicos, causadores
do crime, à origem endócrina. De fato, vários são os tipos de delinquentes que
apresentam transtornos mentaes devidos às alterações glandulares, as quais
modificam geralmente a morfologia individual. Dentre as glândulas de secreção
interna destaca-se a tiroide como a que mais com umente sofre essas
,
desordens. Nos hipertiroideos delinquentes varificamos: impulsM dade;
, hiperemotividade; instabilidade de humor, taquicardia e vivacidade dos reflexos
vaso-motores. Nos hipotiroideos, pelo contrário, verificamos: lentidão dos
movimentos; apatia; bradipsiquismo; escasso desenvolvimento piloso ou
ausência quase que completa de pêlos. Os estigmas de degeneração
(assimetria crânio-facial, proeminência da arcada superciliar, polidactilia, orelhas
em_ alças e de lóbulos aderentes, prognatismo, etc.), que são comuns nos
delinquentes psicopatas, são também verificados entre os normaes. O
pro_gnatismo, por exemplo, verificando na raza bianca, é geralmente considerado
estig':1ª. ~e degeneração; no entanto, na raça negra, !á faz parte de sua
const1tu1çao morfológica, como um dos elementos raciais. 3 9

339. lbid. p. 374.


)
278

\J
0
0
\,)
0
\J
~
\,).

'\J'
-_JI

.: )'

.,..,
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Fotografia 12 ºCefalometna (lnstnuto de Identificação)" (legenda ong1nal). Publicada por W. Berardinelle e João 1. de
Mendonça no livro Biotipologia Cnm1nal Acervo da B1bhoteca do Instituto Oscar Freire de Med1c1na Legal e Crim1nolog1a
da Universidade de São Paulo.
~
~

.~

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·~

Fotografia 13. "lsaltino Francisco, de perfil. Bíotipograma criminal do Instituto de Identificação" (legenda original).
Publicada por W Berardinelle e João 1. de Mendonça em Biotipologia Criminal. kervo da Biblioteca do Instituto Oscar
Freire de Medicina Legal e Cnm1nología da Universidade de São Paulo.
lo)
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'-- \J\) 211D

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Fotografia 14 "lsaltlno Franc1SCO, de frente. B1otiPo9rama cnminal do instituto de Identificação" (legenda original).
Publicada por W . Berardlnelle e João 1. de Mendonça no manual Biotipologia Cnminal. Acervo da Biblioteca do Instituto
Oscar Freire de Med1c1na Legal e Cnm1nolog1a da Universidade de São Paulo.
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Fotografia 15. "Tomada dos diametros transversos e antero-posteriores com o compasso de espessura e fitas metricas

"'1 (Instituto de Identificação)" (legenda original). Publicada por W . Berardinelle e João 1. de Mendonça em Biotipologia
Criminal. Acervo da Biblioteca do Instituto Oscar Freire de Medicina Legal e Criminologia da Universidade de São Paulo.

"..
••
\..)
11111- · v 282
►~ \J
\J
~
'--\>
\,.)

V'

e -J ,' •

.,,
.,,

-
a:_ .

•--- Fotografia 16. ''Tomada das medidas longitudinais no antropometro de Viola do Instituto de Identificação" (legenda
original). Publicada por W . Berardinelle e João 1. de Mendonça em Biotipologia Criminal. Acervo da Biblioteca do Instituto
Oscar Freire de Medicina Legal e Criminologia da Universidade de São Paulo.
\,)
• \J 211

.►◄ \J\.)

"- ~~ Por intermédio da fala legitimadora da antropologia criminal existiria, por assim

dizer, uma anatomia do criminoso passível de ser delineada pela criminologia e


~

" psiquiatria. Os estigmas da degeneração determinavam, por assim dizer, a morfologia

dos tipos desviantes, desautorizando a idéia de igualdade e atribuíam aos negros e aos
340
mestiços a culpa pelos "males da nação".

Os registros fotográficos que demonstram a medição dos corpos desvianlaa,

significativamente, revelam dois homens negros, dos quais somente um é idel1~


. . ;

..;,, como sendo lsaltino Francisco. As imagens permitem indagações múltiplas tais -•--
... ::,. ·

quem seria este lsaltino? O que teria feito para estar sendo medido, classificado,

em sua nudez diante do especialista e do fotógrafo que registrou o


e "· antropométrico? Quem era o outro negro que usava bigode? O manual no
::·.,,;-:,_~:;-.;.;,.,~.1;,~~·
-
• ,....,_.,,~-st'!:A
~ ''""' ,~'.:ô(H
" ""'•·""-:t"'. .. i
q• 1ii . .

imagens ilustravam os métodos oferecidos pela antropometria italiana trazia apenas

- descrições práticas de como operar o compasso de espessura, as fitas

compasso e o antropômetro de Viola.


métricas, o

Porém, há uma evidencia que permite associar as imagens apresentadas ao



~- estudos e conclusões que chegaram Leonídio Ribeiro e seus assistentes "...em 38

negros e mestiços, autores de homicídios, estudados no Laboratório de Antropologia

•• Criminal do Instituto de Identificação do Rio de Janeiro... " 341 . Essa associação toma-se

• possível na medida em que o exemplar do periódico argentino, no qual os resultados da

pesquisa de Antonio Carlos Pacheco e Silva e Coriolano Roberto Alves foram


l!l publicados, foi oferecido ao Instituto Oscar Freire de Medicina Legal e Criminologia de

340
Como aponta Lilia M. SCHWARCZ, "Na verdade, não só a teoria dos estigmas de C. Lombroso apontava para os
.
traços da população de cor - que revelariam atavismos e tendências à delinqüência -, como os diferentes autores
encontravam na mestiçagem um ponto fundamental de inquietação (...) Com efeito, esse tipo de teoria trazia consigo
a possibilidade de naturalizar, com o aval da ciência, diferenças que não eram 'da natureza', mas eram políticas e
sociais.". SCHWARCZ, L. M. Questão racial no Brasil ln: _ _ . ; REIS, L. V. de S. (orgs.) Negras imagens.
,., Ensaios sobre cultura e escravidão no Brasil. São Paulo: Edusp, 1996. p. 162. .
· PACHECO e SILVA, A. C.; ALVES, C. A. O Serviço de Antropologia e Biotipologia da Assistência aos Psicopatas de
S. Paulo, Revista de Psiquiaatria y Criminologia, Buenos Aires, Ili, n. 16, julJago. 1938. p. 369
\.)
-
► ~
~ São Paulo pelo próprio Leonídio Ribeiro, como atesta o carimbo na capa do perl6dlaa
~
que informava "Ao Instituto Oscar Freira oferece Leonídio Ribeiro". Sobretudo, 1111
~ . '.
. -r
associação é factível devido à indicação de que os exames antropométricos
......
fotografaclêtl.
•J

e acima reproduzidos haviam sido processados no Laboratório de Antropologia Crlrfli;i


342
do Instituto de Identificação do Rio de Janeiro.

O artigo publicado na seção "articulos originales" do periódico

informava que, relativamente à cor, do total de delinqües homicidas

"" figuravam os brancos com 56%, os mestiços com 32% e os negros com 12%.

os ''faiodermas" que identificavam os mestiços ao índice dos malan,

caracterizavam os negros, o estudo realizado permite perceber que o


- J·
delinqüentes não brancos era de 11 pessoas em relação a 14 pessoas bral"'cas,

44°/o eram negros e miscigenados.


~ '
1 :,,,
1 Considerando o projeto de branqueamento de São Paulo e o conseqOente

~ surgimento de uma nova nacionalidade, bem como o saldo vegetativo do negro na

cidade e aos abissais índices de natalidade e mortalidade {infantil e adulta) que



• penalizavam duramente a população negra durante todo o transcorrer da década de

1920, os índices apresentados pelos manipuladores técnicos que serviam e protegiam a


l-
i cidade de São Paulo dos assaltos da anormalidade e delinqüência eram por demais

342
. De acordo com PACHECO e SILVA e REBELLO NETO, " ...a ficha antropológica utilizada é de cartolina amarela,
dobrada ao meio e consta de 4 faces: na primeira, a superior, são inscritos os dados referentes ao individuo,
inclusive as anotações cromáticas e genealógicas; ao lado dêsses elementos fazemos constar o gênero do delito, os
resultados da dinamometria, a pressão arterial, o tipo sanguíneo, os exames de sangue e do líquido céfalo-raqueano
e, finalmente, o diagnóstico psiquiátrico. A segunda face, a inferior, é reservada a antropometria, compreendidas as
medidas e_os valores do tronco e membros, as relações fundamentais e respectivas classificações; do outro, à
c:falometna (método de Bárbara é o clássico) e suas classificações. Finalmente, as duas faces restantes da ficha
às fotografias
sao .destinadasIdem.
dact1loscópica. p. 371 . antropométricas (corpo inteiro de frente e de perfil), à sinalética e à individual
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·. " ' ·'•
• .,;m
' ' ,'.,,_...J}~

v
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m
~~
a;._ '-'
~ altos se comparados aos negros e miscigenados que viviam e trabalhavam na capital
\)
i.) paulista. 343

A classificação fisionômica das pessoas, o que implica diretamente o seu

contrário, buscava estabelecer uma tipologia dos diferentes perfis criminosos, isto é, de

identificação das personalidades desviantes. A fotografia assume, nestes termos,

fundamental importância à descoberta dos tipos criminais, à identificação judicial dos


.._,,,
mesmos e à prática da classificação, buscando elaborar um quadro tipo-analógloo da

"' criminalidade, da loucura e da associação entre ambas. Por intermédio da mensuração

dos caracteres físicos dos desviantes, captadas e congeladas no processo fotogréflco,


c -~...J,
e ..:,, seria possível traçar os perfis dos criminosos e localizá-los na sociedade mais ampla,

livrando a parte sã da população dos elementos perniciosos, das sub-raças, doa

:,, indesejáveis. Considerada "a causa das causas", a hereditariedade influenciou a

... formação da psiquiatria forense paulista em sua fase moderna.

O exame psiquiátrico de José Augusto do Amaral, assinado por Antonio Carlos

11 Pacheco e Silva, apresenta um dado significativo do ponto de vista criminal, qual seja,

uma tatuagem na face anterior do antebraço esquerdo, "...dificilmente perceptível na qual


li
se podia ler FC ...", Francisca Cláudia, supostamente a mãe de Amaral. A tatuagem, de

acordo com a perícia realizada por Pacheco e Silva, teria sido feita ainda na

adolescência, aos 14 anos. A evidencia da tatuagem e sua menção nos registros da

psiquiatria forense, sinal de sua delinqüência, reafirmava as proposições indicadas pela

343
• Sobre o aspecto das mortes entre os negros em São Paulo, José Petrônio DOMINGUES apresenta dados
significativos, extraídos de anuários demográficos, artigos de periódicos como "Revista Brasil", obras raras como a
escrita por Telesphoro de Souza Lobo, formado pela faculdade de Direito do Largo de São Francisco que em 1924
publicou o livro "São Paulo na Federação. Problemas sociais, questões raciais, política immigrantista e estudos
econômicos" ou Alfredo Ellis Junior que publica em 1934 "Populações Paulistas", entre outros, permitindo afirmar
que a ideologia do branqueamento na cidade de São Paulo era uma ordem social e moral dada a incapacidade e
decadência dos negros, fatores que o impediam de civilizar-se. DOMINGUES, P. J. Uma história não contada.
Negro, racismo e trabalho no pós-abolição em São Paulo (1889-1930). São Paulo, 2000. 370 f. Dissertação
(Mestrado em História) Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo. p. 207 et.
~

~
◄- '-'
'-'
, ~ ..
t,.. ,.J
.... ~
~ teoria degenerescência na medida em que a existência de tatuagens pelo corpo
\.)
corresponderia, na perspectiva lombrosiana, à evidência de "elementos sociológicoa" do
~
~· criminoso nato ou do indivíduo predisposto ao delito. Referência utilizada por Pacheco e
344
Silva quando este examina preto Amaral.

l.f-· Outro aspecto que a perícia psiquiátrica evidencia como característico da

anormalidade de Amaral, como já sinalizado, referia-se ao tamanho de seu órgão g81111Jí,J

-
. . ~,
' :'il<

"'..)" que, segundo Pacheco e Silva, era "descomunal", "desmedido". Diagnosticadei· - ~-~
..,, aspecto não só contribuiu como determinou a perícia psiquiátrica realizada para Oi!

de preto Amaral. Considerando seus crimes de sadismo e necrofilia, o tipo físico


e
traços degenerativos, em especial o tamanho de seu pênis, foram decisivos para
~ ..... J ·
peritos o classificassem como degenerado. Curiosamente, nenhum documento referamtj: :;;:t'.

• :,, a qualquer tipo de exame biotipológico foi anexado ao processo encontrado no Museu

do Crime da Academia de Polícia "Dr. Coriolano Nogueira Cobra", todavia, a fotografia


li
que revelava José Augusto do Amaral de corpo inteiro, em pé e totalmente nu, publicada
~
no Archivos de Criminologia e Medicina-Legal da Sociedade de Criminologia e Medicina
...
):l,

.. Legal de São Paulo, reproduzida por este trabalho, atesta as intencionalidades do

exame realizado e suas perspectivas biotipológicas.

O tamanho do pênis de Amaral, de acordo com o médico que o exam inou, era

decorrente de uma simpatia realizada ainda na adolescência quando "...aconselhado por

companheiros, marcou com dois traços, numa bananeira, até que tamanho desejava

que o pênis crescesse. Passado algum tempo, lembrou-se subitamente do que havia

feito, correu a até a bananeira onde havia gravado os traços, mas já era tarde - a

bananeira crescera muito e a distância entre os dois traços era enorme ... " a transposição

seq, Sobre a permanência do negro na cidade de São Pauto, consultar também: SANTOS, J. C. F. dos. Nem tudo
era ltattano. São Pauto e Pobreza (1890-1915). São Paulo: Annablume, 1998.
~

►.
~
.,
~~ ~ ""
~
t.._
-~ da fala de Amaral pelo médico, se é que ela existiu, continua pretendendo demonstrar a
~ capacidade violenta do examinado apontando que " ...cheio de receios, abateu a planta a
~
machadadas, mas com muitas aprehensões foi aos poucos se apercebendo de que

nada havia a fazer, pois que os seus órgãos genitaes cresciam sempre, até attingirem as

345
proporções actuaes.".

O conjunto das mudanças ocorridas no âmbito das relações sociais confei'lá.

primazia ao discurso médico ao controle social evidenciado nas primeiras d~-


-.): século XX. "Aqueles que estudam os fatores sociais e suas relações com a Medlolíif\f:
com a Higiene devem ser ouvidos, pois a eles cabe estabelecer os

e .J,
indispensáveis para melhorar as condições de miséria fisiológica e, porque não

em que vivem as camadas menos cultas do país", afirmava Antonio Carlos Pi

~-
Silva na reedição de seu compêndio de psiquiatria forense, raciocínio esse que pode •r
• entendido, inclusive, como noção fundamental da constituição da Liga Brasileira de
' l'{ ·.

Higiene Mental - LBHM, criada em 1923 e presidida por Pacheco e Silva, movimento

346
nacional que tinha como objetivo precípuo à profilaxia da loucura.
m
Grupos de pessoas influentes ou interessadas na capacidade modemizadora das

políticas públicas de controle social, às quais associavam-se advogados, professores e

pedagogos, foram sendo organizados e coordenados por médicos, como o psiquiatra

paulistano, a fim de discutirem e definirem propostas de continuidade ao movimento

higienizador, principalmente em sua dimensão social. Havia, assim, um interesse geral

344
SCHWARCZ, L. M. O espetáculo das raças. Cientistas, instituições e questão racial no Brasil. 1870-1930. São

345
Paulo: Companhia das Letras, 1993.
. PACHECO e SILVA, A. C. Psiquiatria Clinica e Forense. 2 ed. São Paulo: Editora Renascença, 1945. p. 442.
... -
t...
em ver a cidade de São Paulo um espaço "civilizado" e isento das -.,1vag1rt_.,
"monstruosidades" e perversões comumente associadas aos pobnta, negra■ •
despossuídos que viviam à margem da sociedade, entre o arcaico e o mod.ar::o.

Como se sabe, é nesse rastreamento que o saber pelqulétrkx) vil~• ·. ·•· n:•aida
,· ·•
largamente sua vocação disciplinar. Dessa 1arefa eaquadil11h■lfora llalllllo.
pois, aqueles que a psiquiatria idet 1tificava como "debb socllla· e qua ..._,
por motivos de defesa da sociedade, excluir do convfvlo 8"lat m,u■n
Jogadores, vagabundos, alcoólatras, viciados, ele... Evida1 immena. ■ arllo . . .

"desajustados sociais" que habitarão e · os hoapfcioe rlllllariilll
Dentre estes, muitos negros e mestiços, e também irnlgranlae. Sabnkl.JD • .
negros, eram tidos como candidatos naturais à uma vaga no ho1pfdo. PIII"
que, segundo o discurso psi~uiátrico, portadores de b11Q08 · · •·
34
próprios à sua condição racial.

A teoria da degenerescência, que sistematicamente presidia as pniticaa e o


e psiquiátrico no período demarcado por esse estudo apontava para formas de..
. .):"' '

intervenção médica que ultrapassavam a preocupação imediata com o indivíduo.

- lançando-se às tarefas da normalização social. Diante destas medidas, a psiquiatria

assume o encargo de preservar as pessoas ditas normais precavendo os pradispostos


contra as ações desencadeantes de psicopatias e perversões que aliava e8tes

"indivíduos" a determinados tipos de loucura. Para estabelecer um grau desejável de

bem estar psicossocial, a psiquiatria forense buscava subsídios na biologia, na

psicologia, na sociologia e sexologia forenses, constituindo-se como a ciência que

ensina a praticar o bem e a evitar o mal. A delimitação e a atuação do médico psiquiatra,

sobretudo no campo do direito penal, passaram a ser reconhecidas por seus próprios

membros como uma tendência que se coadunava com a prevenção, por ser extensiva à
coletrv1dade.

346

• Idem. p . 34. De acordo com a pesquisa de Arta Cnstina de Carvalho Medeiros COUTO, a ciassif1cação psiquiátrica
estava diretamente ligada à defesa dos valores normativos soc1a1s, estabelecendo uma ligação direta com a
soeieclade que devena ser eugenicamente pohciada pelo méd,co, ..protetor" da segurança física e mental, atingindo,
sobre ludo as famílias e as mulheres Esta ligação fundamentava-se na defesa do cidadão, cuja condição de
Cidadania estava na sua Sp!Jdão para o trabalho. elemento necessário para a construção nacional e a sanidade da
naçao COUTO A C de C. M. Eugenia, loucura e condição feminina no Braall As pacientes do Sanatóno P1nel
de Pintuba e o .discurso dos médicos e dos leigos durante a década de 1930. São Paulo, 200 f. Dissertação
(~Aestrado em Históna) Faculdade de Filosofia, Letras e C1ênc,as Socta1s - Universidade de São Paulo
~
~
288
• 'V
► . ~

Os lugares de maior incidência da intervenção médica, . nestes termos, não

poderiam ser outros senão o mundo pobre e controverso em que viviam os

trabalhadores urbanos do início do século XX, para o qual São Paulo era exemplo

máximo. Este tipo de raciocínio conduziu a mudanças radicais no enfrentamento dos

homens e mulheres, que se encontravam à margem da sociedade brasileira. Segundo a

psiquiatria forense, existiam causas predisponentes e outras determinantes que agiam a

favor do aparecimento das doenças mentais sobre as quais pesavam as taras e

.. perversões sexuais bizarras, como as de preto Amaral. •

Dentre as predisposições gerais, além da civilização, vinculava-se as dln1lne6es

alcançadas pela religião, pela política, pelas catástrofes, pela heredltariedada,t:wo,


~ J
i _,,. idade e estado civil, bem como pela educação e profissão. Os determinantes psfqf.licoa,
.:.:,.·

1
por sua vez, invadiam as paixões, e incluíam-se, ainda, os determinar,tee ffsicoe

provocados sobretudo por intoxicações, infecções e traumatismos, justificando uma


1
1 constante vigilância e controle das populações que se aglomeravam na cidade de Slo
!
,_ Paulo. O enfrentamento proposto foi alcançado, em grande medida, através da exclusio

t social, isto é, da interdição de sujeitos identificados como " ...formadores de uma maré
l
montante de tarados de toda a espécie que sobrecarrega a sociedade com um enorme

peso morto ...".348

As determinações das desordens psíquicas caracterizavam-se enquanto um

fenômeno que atuava nos "cérebros frágeis e impressionáveis" e que, sua influência, de

regra limitada à família - como suicídio a dois e loucura induzida - poderia, de acordo

com os pressupostos da moderna psiquiatria, estender-se a grupos sociais distintos

347

• REIS, J. R. F. R. Higiene mental e eugenia: o projeto de "Regeneração Nacioanal" da Liga Brasileira de _H igi~ne
Mental (1920-30). Campinas, 1994. Dissertação (Mestrado em História) Programa de Pós-Graduação em. H1stóna -
348 Universidade Estadual de Campinas. p. 150. . .
• CUNHA LOPES, 1. da. Higiene mental: sinopse de psiquiatria à luz dos modernos conhecimentos de genética,
eugenia, psicopatologia, profilaxia, psicohiegiene e pedagogia. 21 ed., Rio de Janeiro: Irmãos Pongetti, 1960. p. 34.
~
J
►◄ ~
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'-li \li)
onde as " ... massas mais ou menos densas apresentam anormal exaltação de
~
w sentimentos a que se chama loucura das multidões...". Para estes delegados da sa(ade
\.J
social "... os atos das multidões resultam de impulsões comunicadas por atuação

sugestiva de mentalidades mais ativas sobre mentalidades passivas. O contágio no

crime das multidões resulta da preponderância dos exaltados e mais impulsivos sõbra os

demais componentes da turba. Como conseqüência, surgem os atos predatórios e 1IOda

349
sorte de violências."

_,,
..,, Autorizada pelo seu caráter científico, a psiquiatria passou a controlar as forma8

1: _..,, consideradas desviantes e degenerantes que, segundo suas elaborações, acabariam

;:, ..
por contaminar todo o corpo social. Neste contexto, os progressos da psiquiatria criaram
~ ,•

uma infinidade de questões médico-legais, vinculando cada vez mais o estudo da


:,,
criminologia e das ciências penais ao estudo da psiquiatria. Como "delegados da saúde
_,.,
~ '

social e esclarecedores da justiça", os psiquiatras compunham a verdade absoluta da

autoridade. "Quando um homem tem a hon ra ser médico e quando êsse médico

consagra todas as horas de sua vida ao estudo do maior infortúnio humano, merece ser
m
ouvido pelos que encarnam a autoridade". Neste sentido, caberia ao psiquiatra o

veredicto final da conduta criminosa, determinando o seu direcionamento. 350

Estreitando sua atuação no campo da psiquiatria forense, Pacheco e Silva

adotava como critério para a elucidação das questões médico-legais ''métodos

científicos" capazes de averiguar não só a existência de distúrbios mentais nas pessoas

levadas a exame mas a influência de sua personalidade no meio circundante. Os

diferentes métodos não só reconstruíam os atos criminosos mas asseguravam a

atuação das leis em casos concretos ou até mesmo em casos circunstanciais, o que
349
• CUNHA LOPES. 1da. op. cit. p. 35.
~
►. ~ 191

~
-~
-.) acabava por eliminar todas as possibilidades da não intervenção dos médlcoa

psiquiatras no veredicto do magistrado pois, diagnosticados, o psiquiatra assinava o

veredicto sobre a condição mental dos homens e mulheres levados a julgamento,

autorizando ou não a detenção dos acusados em manicômios judiciais, sua curatela ou

a interdição de seus bens. Julgando as ações humanas a partir de valores impostos por

seu próprio tempo, a psiquiatria corporificou o poder capaz de identificar as causas

fundantes da justiça ou de seu contrário.

Os progressos da psiquiatria justificavam a possibilidade de se dellmltar

.., precisamente as síndromes mentais em quadros nosográficos bem demarcados, de


a. .., . forma a permitir a distinção dos que são oriundos de causas externas e acidentais, doa
J ,
_., que se subordinam a causas hereditárias. Resultantes dos prognósticos oferecidos pelos

:,
-- ~-
---- ~
métodos de indagação clínica e biológica, com ênfase nas questões da

degenerescença, os diagnósticos da psiquiatria forense impostos pela competência do

especialista, influíam poderosamente sobre o direito penal. Os resultados obtidos pelos

diferentes métodos, na perspectiva da medicina mental, asseguravam e capacitavam os

magistrados em seus veredictos judiciais.

Sob a máscara do altruísmo, as elites dominantes e políticas do Brasil buscavam

tomar a construção social e política da nação em uma atividade prática da vida cotidiana

capaz de "organizar" a natureza, isto é, tomá-la funcional e produtiva, integrada e

harmônica. A busca de corretivos para os desvios da conduta humana e o interesse pela

padronização apontava novas frentes de intervenção pois, a produção de verdades

permitiu que valores e realidades humanas fossem consagrados. Como afirmou Jurandir

Freire COSTA, " ... um dia, para quem não sabe, a psiquiatria criou 'regicidas', 'loucos
,

350

· 19.
OU SAULLE, L. Apud. PACHECO e SILVA, A . C. Psiquiatria Clínica e Forense. São Paulo: Renascença, 1945. p.
~
►◄ ~ 211
~
~
t) morais' ou 'criminosos natos' reconhecíveis pelo rosto, pelo tamanho do crânio, pelo
"\ )
351
peso do cérebro e tudo isso 'cientificamente comprovado'".
\> .

O conjunto das transformações sociais ocorridas no início do século XIX Imprimiu

uma representação do negro à sociedade que o desqualificava moralmente, soclal1nente

e biologicamente. Adotando teorias explicativas pautadas na antropologia criminal e •na

biotipologia italiana, a psiquiatria forense paulistana era praticada e assimilada 00111b. .11' -;~t~'.tef~ii.,
. ..~- .

única capaz de favorecer e orientar o controlar da criminalidade, um dos prin,

v· problemas que os novos republicanos deveriam enfrentar. 352


..:,
e _..., A história trágica de José Augusto do Amaral, por sua vez, desvela uma V8!
..:,
.:,- produzida cuja imagem desqualificava não só a ele mesmo como a todos os da

etnia. As cristalizações e as cicatrizes deixadas por essas imagens, projetadmt ""'li;


•· =,
-
• -~ socialmente pela psiquiatria forense e estereotipadas palas crônicas policiais da

imprensa paulistana, perduram na mentalidade que reafirma a idéia de igualdade racial

no Brasil, que falsifica realidades e que impede o exercício da cidadania. Preto Amaral
R representa, nestes termos, a possibilidade de uma reflexão a mais sobre como os

saberes médico e jurídico acabaram engendrando representações negativas aos

homens e mulheres negros.

351
352
• COSTA, J. F. Ordem médica e norma familiar. 3 ed. Rio de Janeiro: Graal, 1999. p. 6.
BRESCIANI,
, USP, 135.O Cidadão da República. Liberalismo versus positivismo. Brasil: 1870-1900. ln: Revista da
M. S.p.M.,
n. 23, 1993.
~
'-'

~- \J
J -
~
'- ~~
\j
Os crimes evocados por esse estudo recuperam um momento da história em que

as representações sociais buscavam reformular a vida das pessoas que viviam e

trabalhavam em que São Paulo, consolidando as propostas modemistas que pretendiam

reestruturar, remodelando, os espaços citadinos, suas habitações, suas maneiras de ee

comportar, de se vestir, de se apresentar socialmente, de se ver e de perceber 08 outroa.

As imagens projetadas sobre os crimes imputados a José Augusto c:k>f .. ··:.:-1J•~·. ;


. ·; ~t,
' . ,i;. 't'!;,pi(/'
·, ;_-;,:t •.
redimensionadas pelas falas legitimadoras de um novo tempo, re-elaboradaa ·....·,··
,. ,,<;,. ,.---
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. ":s'i'y,.~.e-
1
. ', •,~~"'."
,f~jf

"manipuladores técnicos" que controlavam a desordem, incidiram poderosamente


e _,. os negros. Recém saídos de um sistema que os aniquilou enquanto pessoas_ 08 ni
...·',

- figuraram no cenário cosmopolita de São Paulo nos anos de 1920 como alvos móvel& $t

um contínuo e obcecado propósito de eliminação de um passado colonial que parecia


-
insistir em não desaparecer. Porém, a efetividade da presença marcante dos negros na

cidade moderna, repleta de estrangeiros imigrados, industriosa, organizada em tomo do


.
e trabalho urbano, era percebida pelos brancos como um fardo pesado demais para uma

sociedade que imitava os padrões de vida e costumes do mundo europeu, tido como

• modelo e ideal de civilização.

A repercussão do caso do estrangulador de crianças ampliava o já conhecido

sentimento de perseguição pois, as atrocidades confessadas por Amaral foram


a,
desviadas para outros negros através da vigilância constante e da suspeição

generalizada, justificando as detenções de outros negros, colocados lado a lado para

serem reconhecidos pela vítima sobrevivente do "monstro negro", o pequeno Roque


Pecilli.
►, ~ 114

►..-. ~
_,
\)
Apoiado nas propostas da microanálise esse estudo perscrutou os eventos
.\ )
trágicos que levaram à morte várias pessoas e que fizeram ecoar outras tantas,
\>
silenciadas pelo anonimato ou esquecidas nas dobras do tempo por evocarem a vida de

gente comum, pobre e despossuída. Os dramas apresentados nesse estudo,


.
aparentemente banais, revelaram problemas diversos e sentimentos divergentes. O que

foi feito das famílias e amigos que perderam seus entes queridos? Como foi a vida de

Roque Peccili depois de ter saído com vida do encontro com seu perseguidor? Corno•
outros negros presos como suspeitos pela Delegacia de Segurança Pessoal se senthalll

ao terem suas vidas expostas como criminosos em potencial?

"" Reviver os eventos trágicos da passagem de 1926 para 1927 permitiu reconheo•
c--
J que tanto a medicina quanto o direito contribuíram à permanência de uma visão negativa

-
•• --:::,_,. e preconceituosa, calcada em determinismos biológicos que excluíam os negros da
.
sociedade mais ampla. As imagens bárbaras que registram os crimes confessados por

José Augusto do Amaral, entretanto, permanecem comuns na cidade de São Paulo,

local onde pessoas perversas alimentam seus desejos sexuais por crianças, contudo,

não são os negros que figuram como desviantes, contrariando as projeções passadas.

A rede de crueldade que o tema desse estudo suscita é ainda hoje debatido pela

sociedade brasileira. Recentemente, grandes incorporações noticiaram o escândalo de

padres e médicos pedófilos provocando uma comoção social. Todavia, dados recentes

indicam que 80% dos casos de abuso sexual de crianças no Brasil ocorrem no lar, que

parentes são os principais agressores e que a maior parte dos pedófilos prefere garotos
de 12 a 15anos. 353

353

. SARMATZ, L. Inocência roubada. Super Interessante, ed. 176, maio 2002. p. 39-46.
-
~~
\)
O resgate dos episódios trágicos registrados nos autos do processo n. 1670 de
'-.\
1927 pem,item conclusões diversas. Contudo, a divulgação dos episódios que

marcaram a vida das pessoas trazidas novamente à memória por esse estudo, CX>lt,o 08

jornais, revistas especializadas em criminologia, compêndios de psiquiatria forense e

outros suportes que registraram os acontecimentos aqui investigados, possibilita afirmar

que os distanciamentos raciais foram tomados como pressupostos de um projeto político

que oscilava entre o moderno e o arcaico. Sobretudo, que este mesmo projeto não

logrou expor o negro como um agente que comprometeria a modernidade requerida e


--.,,
•·.
praticada pelas elites políticas e dominantes .
...:,
J Não era por acaso que a grande maioria das ilustrações e exemplos de
.;:,
--- ._Y· psicopatias degenerativas que compunham o manual de Antonio Carlos Pacheco e

Silva, vencedor do prêmio Oscar Freire de Medicina-legal e Criminologia de São Paulo

....... • -~~ ·
eram negros. Da mesma fom,a as fotografias do manual de Biotipologia não buscavam

apenas ilustrar as técnicas da antropometria mas apontar em quem elas deveriam

~-- •--- atingir.

Os resultados desse estudo permitem responder que essas imagens não foram

selecionadas de fom,a aleatória mas estreitamente avaliadas pois, serviram de base à

fom,ação de advogados e médicos que, sem dúvida alguma, pautavam seus veredictos

finais nos escritos e imagens que a psiquiatria forense paulistana se encarregou de

perpetuar. A confirmação dessa prerrogativa é dada pela construção fabulosa que

escoima as conclusões do relatório que encerrava as diligencias sobre o caso do

"matador de crianças", cuja fundamentação referencia a obra de Pacheco e Silva.


Ili
► _. ~
'W
~
Louco? Tarado? A sinistra série de assassinatos apresentados nesse estudo
~
serviu para perceber que muito mais cruel do que as mortes processadas na pasaagu:r,
de 1926 para 1927 foi a manipulação da realidade provocada pela ampla divulgação do

caso de preto Amaral. As associações buscavam estabelecer um quadro tipológico

negativo e prejudicial à inserção dos negros na vida social mais ampla ou então qual • •

o sentido atribuído às imagens utilizadas nos manuais de Biotipologia? Porque todoe

eram negros?

Na construção da nova ordem social, os negros foram tomados como a1

preferenciais de uma ordem médica e uma noção jurídica que os desautorizavam

a enquanto pessoas capazes de exercer o bem, de promover o progresso material

-- requerido à nação projetando a separação entre brancos e negros por intermédio de um

re-ordenamento social que se quis anulador das experiências e mobilizações negras


• --. contra aquilo que os diferenciavam, isto é, a raça.

O que salta aos olhos é que quase um século após os acontecimentos trágicos

m que enredaram a vida de um homem livre de cor, as hierarquias da exclusão

estabelecidas pelo conceito de superioridade social e racial parecem estar inalteradas,

perpetuando a representação de uma verdade que visava garantir a ordem social e

manter à distância classes ou etnias consideradas inferiores, tipo de raciocínio que se

comprovou inadequado. O problema maior, entretanto, é perceber que pouca coisa


mudou.
REFE~
~
► ~ 2111

~ ~
....
~
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BFMUSP Biblioteca da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

BHJ Biblioteca do Hospital de Juqueri

BPUC Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

BHPSP Biblioteca do Hospital Psquiátrico São Pedro

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IOFMLCSP Instituto Oscar Freire de Medicina Legal e Criminologia de São Paulo

MCAPSP Museu do Crime da Academia de Polícia de São Paulo


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Jornal Folha da Manhã, 05 de jan. de 1927. Acervo Arquivo Estado de São Paulo.
Jornal Folha da Manha, 06 de jan. 1927. Acervo Arquivo Estado de São Paulo.
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Auto de Corpo de Delito. Livro 7981, p. 101 . Acervo Arquivo do Estado de São Paulo.
321

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323

S.P0..;_,or.1 •

N.° . . r .. i-··· ...•~ ~

SERVIÇO MEDICO LEGAL


Auto de. exaro.e c,.ê.avoric9
(HOMICIDIO)

. Certifico 911,e me foi ap1,e,;>~1-taho li'lfa, pena o u,pecliw ughtic 11C ~ ·


~ / o auto be cmpc &, beticlc '!ue i bo tluc'tt ~jis-ink: &n, ...9,Al~nove. ··············--..-bc.J~:
...•.. .. be mJ ncvecetiki e,_•.v.i-I!-t@-~..ss.te-•• .. ·· ..... .. , ne~,la cibat»- be §ão l'aulc,, nJk
~es... 4-~...:'..I..:;;::t:QJt._. ········• .. ········--··-······ ..-.... -- ·~

:Õcuhn ........ Juy_~~~J. .? i.,:Z~e..... ... .


ccmmigc, e:xii,iváo, abeank 110,neabo, alti pwenk:i ~ pe1,i/c:,

~--:~: ..1,~=~J~"~~--5:• José. 11:~~l"9: . m.&cro J,~,, • a, ~~


! 911aha':>) te~~ 'te,)Íbffl~ 1u':>fa GapiiaJ, a. a14et01,ibabe ôefo1tiu ac~ p,ufC) o com~
~m e -fieitnenk be,Jmipenliàie1--n a ,ua- tni:>xío, broia'Ulnbo com ve1,babe e 'f"" enccnha'IMH:e
&iiem e o 91<te em :,iia, conx-ieticia~ i·tiknbeiem, e _enca;c,ugcu-1&, 9ue f1,ccebe~etn............-....
ao exame
9 . ....... . . . . , . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ..... .

em o cabave-r, bc-... ...........:um.. raenor ...d.esconh.e.cid.o ......................


ao, 9ue,ito, :)q,9•1t1ink,: Primeiro ~ ~i licuve a 1n01,/:e; Segundo - e.ua/.
cu- meio 9ui a occa:,icnou; Terceiro - $i foi occa.')ionaha /JO'tt vem,nc, m&tancia:> am:>tlk-
~ , i".ncen&io, a~,gccia 01tt ín,wnbafão; Quarto - $i foi ccca~icnaba pc1, ~ão ~
9iie, fO'lt ~ua 1,iaJ,u,uza e ,é.De, foi ca1t/.ôa e/fionnk ~elía; Quinto - cb·i a comtiti,-içãc e e ~
m~ibc ané~'i bo o{fonbibo e-01·1cot-1,eiam paro loina1, e:>:,a Íe,ãc i1,7,e11,iq,ôiavelnie11/e n,oi,/a/,·
to - $i a mc1,k u,,z,iÜcu Dao ccnoiçõe◊ pei◊onal~,i1-na~ ~ o/fenbiDo; Setimo - Si ó
~Üou, não poiCfm e mal ~~e m01,lal, e ~im po'T., -k.i o c/#nb-i-Do beixabo be ~tvai o
· ien tnebico ~grieiico U-Olamabo p'eÍC ~eu e,tabo. ~ &i CC1~"fm4'1®, P'mawm o:, pe-
a -{awr, o exam-e o'Cibenabo e inve,ti9a~ 'f'lte ju/,gam-m 1-na':>:,aiia:,, (ini>a1 ~ 'f"OO> be
iam: Na Avenida J?a.es ie .Uti.rros á ô.ireita. ,em sua V'alleta situada em 9·:."<.nLt.0 tor.:·eno

to,estt; o cac..aver e.e um mm1or d.f.:ts,.od.10Gido., u.0 <..:or 'bré.,n.ca , com '-.l.uinze ar;nos IIC"esLWii-

s , q.ue alli fo i , cincontraà.o d..uas horas antes por- um indivi<luo ;, ._ue por .:.lli J/.. smwa .o
''-Ver ostá em d.ecUbito ü.orsa.i ,cigo lateral -:1.ireita · tema.o as J)ernas em flexão sobre
coxas;vesta IJaletot d.e casdmira ccr1: <Le cinza ,ort~ça, preta,meias coml)rid.as d.E\ mesma
,cer oula br-a:i.ca,camisa d.e zel)bir ·br.f:cr.tc9 com listas azues G c:r.lça snDatos J.e c·ou.ro

Auto de Exame Cadavérico. Livro 7981, p. 144. Acervo do Arquivo do Estado de São Paulo.
324

Ol"t.Í,ú:lso,111ttr:t~on.;á (lir'eitr:. se encon Lm um ·bonet <le ce.aemira. cinzenta.A cw.19,


botoacla o solto um cinto que a victima traz á cintura.ües:pid.o e examin.ado ·o seu
exten 10, vor•i:t'icrunos: mus0ulaturr. em rit;id.ez generalisada;face D-fl'OXeada
, ...,
~
ésc.orr
booca e _'ossas nLzaes .:/,,tuomi -~u<'-nt.idad.e d.o li-'"uido espu:ma:nte;l]T.Qoatá.se
thor a:s: e abdomen, o.evenci.o t er sí à.o o m~a.aver deslocado :vouco antes üe
-;:,iVc~;conjunctivas e.:·cI1;y1nom\<la s; uma esc oriação ovf.lar com d.ois centimatl'~ ..G
,.'..imnotro, situad.a na :t):.oe l a t erE.l d.írs·i ta d.o 1)escoço, trez umtime
' tto Jm:\.xillar ;outra escoriação com um cerrtimetro de <Jo1àp.r.imentó;e 'ô'i-tp

l r.rgu_-ra ti 'Guac1a no lo'bulo da orelha d.o mesmo lado; outra


centi metr-os éle oom};)!'i mento e um ó.e l argur-d. cm sua :parte
:percilar e:3,;;_uerà.a ~Gomo noe inf o::cme1ss.em ;,i_ue o corpo havia
i'.Lé)rsal t<U.go ,aooominal est ando a cglça rJ:w,ixaõ.a e susr.Jensa
ser phusj.vel e. ny-potoose tle se terem p:·a·cmc~do ~ctoa de 1)8d.erastlif,~;t,
ent.rn t.::n~o., ,.uo viesse conf'mr.mar tal supnosiçao;:i;iesqlli.zas prati~,à~~
cl arecerao es te _ponto <lu-vkoso 0 bem assim a ceusa mortis 1u.e nos. .per~.
l)h'i:yir; ,or eng~mad.u.~.Respondemos aos c;_uesitos:aa :primeiro-sim;ao se~í
esz-.anad.ura; uo t ercoiro..-1>rejui:Lic;;;,d.o;ao q_u.s.rto-stm;aos dem,~is-não. São
çÕes c:ue t~oo o eomJJrorr.iss o -prestado teem a f'aser •.E nada mais havemo
te assi gnad..o•.1.fa,José '.111eod.olino Jlooha,escrivâo,o oscrevi.

&tava a~ignaho p~ .~~ink~ ~xa~:


Jtrventl J?i ~a ~ -- - - - - ( ~
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o~ndl im ~ pobg;.r, ao 9uat nu •· ~ e ~u p,: ,
§. !i'aula,.,,. .'4§ .,,, &,,,,,,,, .. ,,,J,ª4:1§!.iJ.'_Q,,,,,,,., .....he 192...Z,t:._

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lbid.
321

ABSTRACT

The central nucleus of this work proposes a reflection around the representations of the race degeneration
in the beginning of the XX century, specifically those produced by the forensic psychiatry. The study
approaches a series of crimes happened in the passage of 1926 for 1927 and it investigates how 1he
current representations images of tragic events which marked the life of a common, black man who was a
slave son and was bom free, happened negatively about the poor black people in the integration proceas
of the class society, stereotyping them as violent individuais, criminais and inferior in the •sca1e of lhe
human evolution". The conclusions of this work were reached from on the interpretation of a speclfic
documental group, produced by doctors and lawyers around the process crime petitioned in 19ZT against
José Augusto do Amaral, who was accused as the author of hideous crimes which culminated in three
male death, and were characterized by the sadism and necrofilia. The documentation used in ihe
investigation recovered medical decisions, expertise policemen, depositions, pictures, articles published in
the press and specialized magazines of the time on Amaral's crimes. This study was ruled in thê
theoretical-methodological proposals of the microanalítica which was allowed to analyze the relationshipe
of power and the dominance strategies in which the speeches settle down anda lot of times work. ln that
perspective, the exam of the tragic events which marked Amaral's life, was allowed to understand how lhe
isolated phenomenons can have relation with the general elements and how these phenomenos have
been contributing to organize the net sociabilities. The results demonstrated that the true effects attnbuted
to the representations of the degenerescência intended to legitimate the exclusion and the discrimination
of the black people, imposing them a hereditary fetish which disqualified them. This thesis defends the idea
that the persistent identification of black people like criminal, seditious and vagabond human beings, is
linked with the specific characteristics of the power relationships in Brazil.

Keywords: Black people - Forensic Psychiatry - Criminality - São Paulo

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