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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ABC

Pró-Reitoria de Extensão e Cultura (ProEC)

Evelyn Ariane Lauro

O Museu da Imigração do Estado de São Paulo e a memória


sem trauma.

Santo André
2019
Evelyn Ariane Lauro

O Museu da Imigração do Estado de São Paulo e a memória


sem trauma.

Monografia apresentada à Pró-Reitoria de


Extensão e Cultura (ProEC) da
Universidade Federal do ABC (UFABC)
como requisito parcial para obtenção do
grau de Especialização (Pós-
graduação Lato Sensu) em Direitos
Humanos, Diversidade e Violência.

Orientadora: Profa. Dra. Marilda Aparecida


de Menezes.

Santo André
2019
LAURO, Evelyn Ariane.

O Museu da Imigração do Estado de São Paulo e a memória sem trauma.


/ Evelyn Ariane Lauro – Guarulhos, 2016. XXXf. Especialização
(Pós-Graduação Lato Senso) em Direitos Humanos, Diversidade e Violência –
Universidade Federal do ABC (UFABC), Pró-Reitoria de Extensão e Cultura
(PtoEC), Santo Andre, 2019.

Orientadora: Profa. Dra. Marilda Aparecida de Menezes.

Título em inglês: The Museum of Immigration of the State of São


Paulo and memory without trauma

1. Museu da Imigração. 2. Memória. 3. Trauma. 4. Discurso.


Evelyn Ariane Lauro

O Museu da Imigração do Estado de São Paulo e a memória sem trauma

Monografia apresentada à Pró-Reitoria de


Extensão e Cultura (ProEC) da
Universidade Federal do ABC (UFABC)
como requisito parcial para obtenção do
grau de Especialização (Pós-
graduação Lato Sensu) em Direitos
Humanos, Diversidade e Violência.

Orientadora: Profa. Dra. Marilda Aparecida


de Menezes

Aprovação: / /_

Profa. Dra. Marilda Aparecida de Menezes


Instituição: Universidade Federal do ABC

Prof.
Dr. Instituição:

Prof.
Dr. Instituição:
A todas as mulheres pobres (cis e trans, travestis, negras, índias e
brancas, mães e filhas) que durante toda a história do Brasil, até aqui, foram
impedidas de cursar o nível superior... A todos os homens negros pobres, aos
efeminados, aos transexuais...

Esse espaço também é nosso e não recuaremos um passo sequer.


AGRADECIMENTOS

Se todas as vitórias ocultam uma abdicação, conforme diz Simone de


Beauvoir, o processo que me levou ao momento de escrita desse texto foi de
muitas delas, algumas bastante difíceis, doloridas. Mas o caminhar se tornou
menos penoso e o concluir se fez possível com a ajuda de pessoas que, cada
uma a sua maneira, contribuiram para a manutenção de minha sanidade.

Agradeço, primeiramente, às mulheres que antes de mim abriram as


portas da universidade à presença do feminino a despeito de toda a força que as
impeliam para fora, força essa que ainda insiste em dificultar nosso caminho. As
mulheres que foram, e as que são capazes de aguentar, fazem por si, por seus
planos, por suas famílias, mas fazem por cada uma de nós que, depois delas,
sentem as amarras um pouco menos apertadas. Resistimos!

Agradeço às mulheres fortes que me serviram de inspiração e cujo


exemplo por muitas vezes me tirou do caminho da desistência. Mas agradeço,
principalmente, àquelas que estiveram por perto, que caminharam junto, que
construíram comigo a força que me foi necessária para extrapolar meus próprios
limites. Nominalmente: Lídia Ananda por ser minha companheira mental em
qualquer circurstância; Jessica Catherine Ramos por se fazer meus braços e
pernas extras em momentos de extrema precisão; Erica de Oliveira por se fazer
meus braços e pernas, olhos e mente extras em momentos de extrema precisão;
Célia de Lourdes Amaral por ser inspiração, ouvidos, coração e abraço quente
que junta em si o melhor de dois mundos (avó amorosa e professora empática);
Marilda Aparecida de Menezes por ter acreditado, confiado e dedicado com
generosidade sua energia.

E agradeço, ainda, a dois homens muito importantes no meu processo e


que muito me inspiram: Odair da Cruz Paiva, pelas palavras, pelas partilhas, pelo
olhar atento e crítico de professor responsável de seu papel que sempre dedicou
a mim (e a todos os seus alunos) e João Innecco, companheiro de luta e de
construção de processos político-pedagógico-intelectuais, mas e sobretudo por
toda a construção e aprofundamento de atravessamentos afetivos.

Amo vocês!
É ISTO UM HOMEM?
Vocês que vivem seguros
em suas cálidas casas,
vocês que, voltando à noite,
encontram comida quente e rostos amigos,
pensem bem se isto é um homem
que trabalha no meio do barro,
que não conhece paz,
que luta por um pedaço de pão,
que morre por um sim ou por um não.
Pensem bem se isto é uma mulher,
sem cabelos e sem nome,
sem mais força para lembrar,
vazios os olhos, frio o ventre,
como um sapo no inverno.
Pensem que isto aconteceu:
eu lhes mando estas palavras.
Gravem-na em seus corações,
estando em casa, andando na rua,
ao deitar, ao levantar;

repitam-nas a seus filhos.


Ou, senão, desmorone-se a sua casa,
a doença os torne inválidos,
os seus filhos virem o rosto para não vê-los.

(Primo Levi)
RESUMO
Como exercício de análise das práticas para os Direitos Humanos na
museologia, tenho o objetivo de compreender, a partir da exposição de longa
duração, o lugar onde o Museu da Imigração do Estado de São Paulo se coloca
no que diz respeito à memória da (i)migração de forma a perceber se esse lugar
é o da crítica histórica ou da manutenção dos discursos que omitem as violências
e, por tanto, aloca essas memórias fora da categoria “traumática”. Proponho,
então, um olhar crítico para a instituição de forma a explicitar a violência da
experiência migrante como lacunar em seu discurso museológico e, a partir
disso, entender se o Museu da Imigração do Estado de São Paulo deve ou não
ser entendido como um lugar da memória traumática.

Para tanto, pretende-se partir de duas principais fontes documentais:


1. O discurso produzido pelo museu e que fundamenta as decisões curatoriais da
instituição (o plano museológico), assim como sua comunicação com o público
geral e espontâneo (a exposição permanente).

2. O livro “Memórias de um colono no Brasil”, de Thomas Davatz, publicado na


Suíça em 1850 relatando as péssimas condições dos colonos na fazenda
Ibicaba, propriedade de Nicolau Pereira de Campos Vergueiro, o Senador
Vergueiro, modelo inicial para o processo de imigração em massa que ocorreria
anos depois.

Palavras-Chaves: Museu da Imigração, Memória, Trauma, Discurso.


ABSTRACT
As analyze exercise of practices for human rights in museology, I have the
objective of understand, from the long-term exposure, the place where the
Museum of Immigration of the State of São Paulo stands with regard to the
memory of immigration, in order to perceive if this place is the one of the historical
critic or of the maintenance of the discourses that omit the violence and therefore
allocates these memories out of the "traumatic" category. So I propose a critical
look at the institution in order to make explicit the violence of the migrant
experience as lacunar in his museological discourse and from this, to understand
if the Museum of Immigration of the State of São Paulo should be understood as a
place of traumatic memory.

To do so, I start from two main documentary sources:

1. The discourse produced by the museum which underlies the curatorial


decisions of the institution (the museum plan), as well as its communication with
the general and spontaneous public (the permanent exhibition).

2. The book “livro “Memórias de um colono no Brasil”, by Thomas Davatz.


published in Switzerland in 1850, reporting the poor conditions of the settlers at
the Ibicaba farm, Nicolau Pereira de Campos Vergueiro’s propriety, the initial
model for the mass immigration process that would occur years later.

Keyword: Immigration Museum, memory, trauma, speech.


índice de figuras

Figura 1: Fotografia da fachada do Museu da Imigração do Estado de São Paulo 23


Figura 2: Planta da área ocupada pela exposição de longa duração 35
Figura 3: Detalhe da obra de Nuno Ramos “É isto um homem?” 36
Figura 4: Fotografia de detalhes do módulo “Cotidiano” 38
Figura 5: Fotografia detalhe do módulo “São Paulo Cosmopolita” 39
Figura 6: Vista da entrada da exposição 58
Figura 7: Vista da sala “Diáspora” 59
Figura 8: Vista da sala “As Hospedarias no Contexto das Migrações” 63
Figura 9: Vista da sala “Travessia: A Viagem” 64
Figura 10: Vistada sala “Cotidiano” - refeitório 67
Figura 11: Vista da sala “Cotidiano” - dormitório 67
Figura 12: Vista da sala “Campo e Cidade” 69
Figura 13: Vista da sala “Bom Retiro, Mooca, Santo Amaro, Brás” 71
Figura 14: Vista da sala “Imigração Hoje” 73
Figura 15: Imagem de corredor entre janelas e módulos expositivos 75

sumário

AGRADECIMENTOS 6
RESUMO 8
ABSTRACT 9
INTRODUÇÃO 12
1. O Museu da Imigração do Estado de São Paulo 23
1.1 O debate acadêmico 23
1.2 A Instituição 29
1.3 A Exposição Permanente: “Migrar: experiências, memórias e identidades” 32
2. O discurso museológico em análise 42
3. Considerações finais 76

11
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 78

INTRODUÇÃO
A pesquisa que aqui se apresenta é a monografia de conclusão do curso
de especialização em Direitos Humanos, Diversidade e Violência ofertado pela
Universidade Federal do ABC entre outubro de 2017 e julho de 2019.

Como exercício de análise das práticas para os Direitos Humanos na


museologia, tenho o objetivo de compreender, a partir da exposição de longa
duração, o lugar onde o Museu da Imigração do Estado de São Paulo se coloca
no que diz respeito à memória da (i)migração de forma a perceber se esse
lugar é o da crítica histórica ou da manutenção dos discursos que omitem às
violências e, por tanto, aloca essas memórias fora da categoria “traumática”.

Proponho, então, um olhar crítico para a instituição de forma a explicitar


a violência da experiência (i)migrante como lacunar em seu discurso
museológico e, a partir disso, entender se o Museu da Imigração do Estado de
São Paulo deve ou não ser entendido como um lugar da memória traumática.

O Museu da Imigração do Estado de São Paulo é:

um museu histórico, que tem sob sua guarda parte significativa do


patrimônio da imensa população de imigrantes e migrantes – cerca de
2,5 milhões de pessoas – que passaram pela Hospedaria do Brás,
entre os anos de 1887 e 1978. Esse patrimônio está referenciado na
instituição como: documentação textual, documentação iconográfica,
acervo museológico tridimensional, história oral e os saberes e os
fazeres dos imigrantes, mobilizados, principalmente, para a Festa do
Imigrante, que a instituição vem realizando há 16 anos. (EXPOMUS,
2014. p.8)

12
O museu existe onde funcionou a Hospedaria de Imigrantes do Brás,
fundada em 1887 e desativada em 1978. Durante esse período, passou por
diversas transformações estruturais, acompanhando o crescimento e as
mudanças da cidade de São Paulo e do Brasil, tendo, inclusive servido para
outros fins, tais como prisão política e escola de aviação.

A hospedaria acompanha a história da (i)migração no estado de São


Paulo e seu fechamento não encerra esse processo. Ao contrário, muda seus
paradigmas quando transformada em patrimônio público, mas nunca deixou de
ser referência para a questão. No entanto, a instituição que hoje conhecemos
como Museu da Imigração do Estado de São Paulo passou por uma infinidade
de mudanças no que diz respeito à sua identidade jurídica ao longo destes
quarenta anos.

Conforme nos relata o seu plano museológico,

Desde o fechamento da Hospedaria até os dias de hoje, o edifício e


sua história passaram por importantes fatos: o tombamento do edifício
pelo Condephaat (1982); a criação do Centro Histórico do Imigrante
(1986); a criação do Museu da Imigração (1993); e a concretização do
Memorial do Imigrante (1998). Desde sua criação, a Hospedaria de
Imigrantes do Brás recebeu aproximadamente 70 nacionalidades e
etnias, e contar esta história fornece subsídios para o entendimento
da constituição plural da sociedade brasileira hoje, ao mesmo tempo
em que, principalmente, traz luz à história do Estado de São Paulo,
por meio de seus muitos atores: italianos, espanhóis, nordestinos,
indígenas, lituanos, japoneses, coreanos, peruanos e tantos outros
que ousaram se deslocar para construir o novo. O Memorial do
Imigrante reuniu numa parte do antigo complexo de edifícios da
Hospedaria do Brás as atividades de: Museu da Imigração, Centro de
Pesquisa e Documentação, Núcleo Histórico dos Transportes e
Núcleo de Estudos e Tradições; no momento atual, passa por mais
uma transformação, com o seu fechamento para restauro em agosto
de 2010, momento em que também foi iniciado o redesenho

13
museológico e das suas áreas expositivas, bem como de todos os
seus programas (EXPOMUS, 2014. p.8).

Reaberta como Museu da Imigração, ligada à Secretaria de Estado da


Cultura e gerida pela Organização Social de Cultura Instituto de Preservação e
Difusão da História do Café e da Imigração (INCI), a instituição é apresentada
ao público leigo e iniciado nas questões museológicas e historiográficas como
modernizada, inclusive ao que diz respeito ao discurso por ela veiculado em
suas exposições. Modernização essa endossada (ou baseada, há que se
discutir) por seu plano museológico.

O Museu da Imigração do Estado de São Paulo se mostra, no discurso,


um museu que prega e defende a pluralidade. Falar de (i)migração hoje é,
quase que imediatamente falar no plural. No entanto, cabe questionar que
pluralismo é possível sem antagonismo. O museu se apresenta como local
propício para a educação para a empatia, mas, sendo o Brasil um país
marcado pela violência, cabe questionar se é possível a empatia sem
considerar a dor na experiência.

Concordo quando Ulpiano Bezerra de Meneses diz que “o museu


deveria ser um espaço de reflexão crítica e formação da consciência histórica.
Não se trata apenas de aprofundar informações (precisas) sobre o passado
para retraçar nossas heranças presentes, mas de adquirir a capacidade de
desnaturalizar o passado, para também desnaturalizar o presente” (MENESES,
2018, p.08) e, parece que o discurso produzido pelo Museu da Imigração do
Estado de São Paulo, embora modernizado, ainda não foi capaz de romper
com o discurso tradicional acerca da imigração e, se em alguma medida e com
limites claros, consegue levar ao público o entendimento de que “Nem tudo era
italiano”, como defende Carlos José Ferreira dos Santos (1998) e Jeffrey
Lesser (2001), por exemplo, por outro se isenta de levar ao debate público as
violências características dos processos de (imigração), as violências
específicas produzidas pelo contexto brasileiro e, mais especificamente, as

14
produzidas pelo contexto paulista do pós escravidão. Mas, é preciso entender
se evidenciar a violência oculta no discurso da instituição é o suficiente para
inseri-la na categoria de lugar de memória traumática.

O método a ser adotado para a pesquisa aqui proposta é a de análise do


discurso.
Para esse intento, a principal referência teórica será Mikhail Bakhtin e o
seu “Marxismo e a filosofia da linguagem” (São Paulo: Hucitec, 1988).
A partir de Bakhtin é possível inferir que a língua não é um sistema
fechado e imutável e que o discurso nunca é neutro. Ao contrário, tanto um
quanto outro são reflexos (refletem e refratam a realidade) de seu tempo
histórico, são carregados de interesses específicos relacionados a este tempo
histórico.
Para Bakhtin, os interesses pelos quais são norteados os discursos são,
sobretudo, sociais e de classe. Neste sentido, podemos dizer que os ditos e os
não ditos em cada discurso refletem os interesses ideológicos da classe que os
exprime. Mais ou menos consciente, o discurso é, antes de tudo, produto de
classe.
Discurso, sabemos, é seleção. E os não ditos são, a grosso modo, o
silenciamento de vozes discordantes. Os silêncios são, ainda na perspectiva de
Bakhtin, a omissão da luta de classes, a omissão do conflito. Podemos dizer,
então, que um espaço museal democrático precisa abrir espaço de fala para as
vozes discordantes, para as experiências conflitantes.
A análise de discurso busca expor as lacunas criadas por esses
silenciamentos e pelas contradições delas decorrentes. A história oficial
consolida a história\ memória da imigração de São Paulo a partir de eixos como
o desenvolvimento da metrópole cosmopolita e a criação de uma identidade
nacional pluricultural, em reforço à ideia não superada de democracia racial. A
contradição que se pretende expor na presente monografia é a que reflete a
distância entre o discurso da história oficial e os registros de experiências
(i)migrantes que complexificam o debate a partir de memórias de violência e
trauma.

15
Para tanto, pretende-se partir de duas principais fontes documentais:
1. O discurso produzido pelo museu e que fundamenta as decisões
curatoriais da instituição (o plano museológico), assim como sua comunicação
com o público geral e espontâneo (a exposição permanente).
2. O livro “Memórias de um colono no Brasil”, de Thomas Davatz, publicado
na Suíça em 1850 relatando as péssimas condições dos colonos na fazenda
Ibicaba, propriedade de Nicolau Pereira de Campos Vergueiro, o Senador
Vergueiro, modelo inicial para o processo de imigração em massa que ocorreria
anos depois.
Para que se entenda os limites da modernização do Museu da Imigração
do Estado de São Paulo tendo as lacunas discursivas como principal ponto de
tensionamento, é importante olhar para museu como uma instituição
historicizada e que reflete às necessidades de seu tempo.

Segundo Suano, o hábito de colecionar objetos acompanha a


humanidade há milênios, mas, o modelo de instituição que denominamos
museu tem sua origem entre os séculos XVI e XVII, com os gabinetes de
curiosidades europeus, fruto das grandes navegações. Neste período, quem
tinha recursos para investir constituiu coleções heterogêneas com objetos de
natureza e procedências das mais diversas. Possuir e acessar essas coleções
era um marcador de distinção social. Com os gabinetes de curiosidade, as
coleções particulares passaram a ser expostas e apresentadas a grupos
seletos de nobres e iniciados nas ciências. Durante a Revolução Francesa,
após a queda da Bastilha (1791), a preocupação com a salvaguarda do
patrimônio histórico francês, em perigo no meio das disputas pelo poder
político, produziu as primeiras políticas oficiais de proteção ao patrimônio
histórico, artístico e cultural, dando origem, por exemplo, ao Museu do Louvre
que, em pouco tempo se tornou referência para a museologia ocidental.
Naquele momento, colecionar e preservar passou a ser uma preocupação do
Estado. No entanto, foi somente no século XIX que se popularizou, em alguma
medida, o acesso ao que atualmente chamamos de museu (SUANO, 1986).

16
Tradicionalmente, um museu é um tipo de instituição onde se guardam e
exibem objetos de interesse artístico, cultural, científico, histórico, técnico ou de
qualquer outra natureza material, documental e simbólica com fins de
preservação, pesquisa, educação e lazer. Ou, como compreende Mário Chagas
(2006, p. 67), museu é o lugar que recolhe, preserva, conserva, observa,
estuda, analisa, interpreta, expõe fragmentos de memória, testemunhos
materiais. No entanto, muito para além de um espaço de salvaguarda, pesquisa
e turismo, o museu têm se reinventado como mecanismo de comunicação a
favor da humanidade, dos Direitos Humanos e, neste sentido, o ICOM,
Conselho Internacional de Museus, proporá em uma conferência geral a ser
realizada em Kioto, em setembro do ano corrente, uma nova e ampliada
definição de museu, que leve em consideração o caráter amplo de centro
cultural vivido pelas instituições na contemporaneidade (e não mais de
unicamente espaço de salvaguarda dos vestígios materiais da sociabilidade
humana). Teremos que esperar para conhecê-la.

Ainda que em constante renovação, como nos lembra Cunha (2008), o


museu se apropria (porque não produz) da realidade numa relação dialética
entre o lembrar e o esquecer. O museu fabrica, num processo de disputa
discursiva, conforme propõe Abreu (1996), imagens por meio de suas
exposições e de outros meios de expressão materiais e virtuais. Uma exposição
de museu é um discurso sobre algo. Os objetos e documentos - fragmentos,
testemunhos de memória - são parte deste discurso, da narrativa proposta pela
curadoria para a exposição que busca conferir sentido simbólico e ideológico à
experiência histórica.

Um museu é, sobretudo, um espaço de memória (ou de disputa de


memórias) e, embora esteja muito associado aos discursos sobre o passado, é
também lugar para refletirmos sobre o nosso tempo e sobre o legado deste
tempo às próximas gerações. De forma geral, podemos dizer que museus
buscam preservar a memória dos processos históricos pelos quais a sociedade
passou ao longo dos tempos, num constante debate entre passado, presente e
futuro.
17
Nas palavras de Odair da Cruz Paiva, “não cabe aos Museus a
proposição de reviver o passado; em seus discursos expositivos, o que temos é
sempre a percepção do presente sobre o passado e esta é sempre passível de
disputa. Esse dado coloca em questão as constantes releituras que fazemos da
história, informadas pelas mudanças operadas no e pelo presente” (2014, p.
163). Neste sentido, nem o museu e nem os discursos historiográficos existem
fora de um contexto social. Se para Bakthin, os símbolos, os signos e as
ideologias não estão dissociados da realidade material (1988, p.45), nas
palavras de Pedro Pereira Leite, do Centro de Estudos Sociais da Universidade
de Coimbra, um museu serve “para facilitar o modo como olhamos para o
mundo, para os outros e para nós mesmos” (s/d).

O museu não é, portanto, uma instituição distanciada da sociedade e as


exposições que produz têm que ter consonância com as demandas sociais e,
para tanto, precisam ser concebidas em diálogo com a comunidade sobre a
qual e para a qual fala. O museu precisa estar aberto para o diálogo constante
com o seu exterior, o que significa reafirmar a renovação constante. Neste
sentido, o museu se torna um espaço de encontros e é na diversidade desses
encontros que propõe, por meio dos discursos que elabora e materializa em
exposições, uma compreensão ampla da sociedade.

Um aspecto que demonstra a constante renovação dos museus diz


respeito à duração de suas exposições. Tradicionalmente, as exposições nos
museus eram categorizadas em permanentes ou temporárias. As exposições
permanentes são aquelas que davam solidez à identidade da instituição que
poderia ou não utilizar-se das exposições temporárias como ferramenta para a
ampliação dos debates. No entanto, pensando nas rápidas transformações
sociais, na velocidade da informação e do desenvolvimento técnico, científico e
cultural que se refletem nos museus, como parte do conjunto dos produtos
sociais, tem sido cada vez mais comum - e esperado - que as instituições
abram mão do paradigma de permanência e apostem nos diálogos entre a
longa e a curta duração. Neste sentido, atualmente o que impera nas

18
instituições museológicas são as exposições temporárias, que podem ser de
curta, média ou longa duração.

Nesta nova perspectiva, as exposições de longa duração são as que,


temporariamente, sustentam a identidade discursiva do museu e, as
exposições de curta e média duração buscam, de maneira geral, dialogar com
a exposição de longa duração respondendo às suas lacunas. As exposições de
média e curta duração podem ser, também, espaços para assuntos
completamente novos, e espaço de fala para um número cada vez maior de
agentes sociais. Cabendo ao interesse da gestão dos museus, as exposições
de curta e média duração têm o grande potencial de diversificação de
perspectivas históricas (e de memória) e a superação do privilégio discursivo
institucional que por muito tempo silenciou as vozes conflitivas.

As exposições de curta duração ficam em cartaz entre um e cinco


meses, em média, as de média entre cinco meses e um ano e as de longa
duração ficam em cartaz entre um e cinco anos.

Para além das exposições no espaço físico do museu, museus também


fazem exposições itinerantes, levando esses discursos por eles elaborados e
parte de seu acervo para que pessoas de outras localidades tenham acesso e,
com a popularização da internet, é comum que façam exposições virtuais. Os
sites e as redes sociais dos museus são ferramentas importantes de difusão do
conhecimento por eles produzidos.

Museus são espaços múltiplos, carregados de personalidade própria

definida por sua missão, objetivos e valores, pela natureza de seu acervo e,

claro, pelo trabalho desenvolvido pelas pessoas que neles atuam e pela relação

que estabelece com a comunidade onde estão inseridos e o público que

atendem. Mas, para além desta personalidade, os museus são identificados por

categorias. Para se ter ideia da diversidade, segue abaixo algumas das

categorias que são bastante recorrente na museologia em São Paulo (Antes, é

importante lembrar que criar categorias para classificar é um exercício que tem
19
como principal objetivo dar inteligibilidade às questões que, no caso, é

compreender a lógica operacional dos museus. No entanto, não raras são as

instituições que podem ser classificadas em mais de uma das categorias

apresentadas):

- Museus de Arte: Aquele cujo acervo é composto,

majoritariamente, por obras de artes plásticas em suas múltiplas expressões

(pintura, escultura, desenho, gravuras, fotografias, etc.). Um exemplo é a

Pinacoteca do estado de São Paulo.

- Museus Casa ou Museu Biográfico: É o tipo onde o acervo

pertenceu ou foi produzido por uma só pessoa. Um exemplo é o Museu Casa

Guilherme de Almeida

- Museus de Ciências: Aquele que tem por objetivo a difusão e o

ensino do desenvolvimento científico. Um exemplo é Museu de Zoologia da

Universidade de São Paulo.

- Museu Etnográfico: É o que trata das práticas e saberes parte

da identidade de um determinado conjunto de pessoas. Um exemplo é o Museu

do Índio.

- Museus de História: São aqueles que buscam, por meio de seu

acervo, preservar e difundir determinado aspecto da história local, nacional e/ou

da humanidade. Um exemplo é o Museu da Imigração.

- Museus Históricos e Pedagógicos: São de perfil eclético,

criados com finalidade cívica e educativa mais do que preservacionista.

Estreitamente ligados a uma estratégia de construção da identidade paulista.

Um exemplo é o Museu Histórico e Pedagógico Índia Vanuíre.

20
- Webmuseu: São os museus no ciberespaço. Podem ser

páginas de museus físicos, que estão cada vez mais independentes destes ou

podem ser instituições criadas exclusivamente para existirem em ambiente

digital, com acervo digital, destinados à arte digital. Um exemplo é o Museu da

Pessoa.

- Centros Culturais e outros espaços de exposição: Outros

espaços produzem ou recebem e expõem coleções e, ainda que não sejam

museus, têm no rol de suas atividades práticas museológicas. Como é o caso

de alguns centros culturais, teatros, bibliotecas, livrarias, dentre outros.

Os museus, por meio de seus acervos, exposições e as múltiplas


atividades que desenvolvem, têm o potencial de alimentar processos criativos,
despertar interesses intelectuais e profissionais e, sobretudo, gerar
questionamentos nos públicos que os frequentam. A gama de possibilidades
educativas, criativas e de sociabilidade abertas pela experiência de visitar um
museu se torna imensurável. No entanto, de forma alguma, os espaços
museais e/ou musealizados devem ser isentados de uma olhar crítico.

Nas palavras de Odair da Cruz Paiva, “a relação dos Museus com o


tempo presente tem sido motivo para um sem número de preocupações,
problemas e desafios; estes implicam reflexão e proposições de alternativas,
mudanças de posturas e criação de práticas para a manutenção, renovação e
vitalidade daquelas instituições” (2014, p. 157). Neste sentido, olhar para os
museus com criticidade é corroborar para a modernização de seus discursos,
quiçá contribuir para a o acesso - real - das vozes conflitivas. E, se “todo
processo de luta por direitos humanos é fundamentalmente uma luta por
reconhecimento de um sujeito, seja ele individual ou coletivo” (Ação Educativa,
2013, p. 17), garantir o direito de fala, de partilha, construção e manutenção da
memória desses sujeitos por vias institucionais, em consonância aos direitos já
usufruídos pelos grupos socialmente dominantes, é também garantir e
fortalecer direitos humanos.

21
E, é na perspectiva dos direitos humanos que voltaremos nosso olhar ao
Museu da Imigração do Estado de São Paulo.
Museus podem ser também lugares de memórias difíceis, traumáticas e
os lugares de memórias traumáticas nos remetem a histórias marcadas por
graves violações de direitos humanos. Sendo o processo de imigração no Brasil
marcado historicamente por um sem número de violências, porque é, então,
que o Museu da Imigração do Estado de São Paulo está fora desta categoria?
O discurso produzido e veiculado pela instituição por meio de sua exposição de
longa duração o coloca dentro ou fora desta categoria?
Não falar do trauma, não falar da violência, não desnaturaliza o passado,
não rompe com a lógica discursiva e com as práticas produtoras dessas
violências. Falar da violência é, por consequência, dar voz a quem à vítima. “A
memória traumática é a face de maior força em nossos tempos, herança de
conflitos e violências que assolaram o século passado e não desapareceram
neste (...). Com a memória traumática, surgiram novos agentes no cenário
memorial, como a testemunha e, sobretudo, a vítima” (MENESES, 2018, pp.04-
05). E, ainda que saibamos que o museu não a elimina, “ele tem a especial
capacidade de tornar presente a violência, seja a violência maior escancarada,
seja violência doméstica enrustida. No museu, a violência não seria mais uma
noção abstrata: é coisa concreta, sensível, apreendida com nossos sentidos,
nosso corpo e nossa mente. O museu pode ser, sim, um farol, que mantém em
circulação o que calha de nos passar despercebido em nosso cotidiano”
(MENESES, 2018, p.15).
A história enquanto memória transformada em discurso a respeito dos fluxos
migratórios (marcado, no Estado de São Paulo pela Grande Imigração) será o
foco de nosso olhar no texto que segue abaixo.

O texto está organizado em três partes, sendo:

PARTE 1: “O Museu da Imigração do Estado de São Paulo”. Nesta etapa


do texto a instituição será apresentada a partir de seu desenvolvimento
histórico e do debate acadêmico produzido a seu respeito. Nesta etapa também

22
será apresentada a exposição de longa duração, a partir de suas
características expográficas.

PARTE 2: “O discurso museológico em análise”. A partir dos relatos de


experiência sobre (i)migração e refúgio e do referencial teórico sobre direitos
humanos, nesta etapa, objetiva-se olhar para o discurso da exposição de forma
a entender que lugar é dado para a violação de direitos.

PARTE 3: “Considerações finais”. Por fim, a partir do debate acerca do


conceito de “lugares de memória traumática” e todo o exposto anteriormente,
defenderemos se essa é ou não uma categoria aplicável ao Museu da
Imigração do Estado de São Paulo.

1. O Museu da Imigração do Estado de São Paulo

23
Figura 1: Fotografia da fachada do Museu da Imigração do Estado de São
Paulo

Fonte: http://museudaimigracao.org.br/o-museu/fotos/

1.1 O debate acadêmico


A historiografia, a Geografia e os Estudos Sociais de forma geral, muito
falaram sobre o funcionamento da Hospedaria do Brás e sobre os fluxos
migratórios em São Paulo. No entanto, as pesquisas sobre o Museu da
Imigração são ainda muito escassas. Ricardo Alberton Fernandes e Odair da
Cruz Paiva são os principais autores a tratar do tema.
Ricardo Alberton Fernandes - na pesquisa que culminou em sua
dissertação de mestrado defendida em 2017 na Museologia da Universidade de
São Paulo, orientado pela professora Maria Cristina Oliveira Bruno, nome dos
mais célebres para a área - expõe as “Perspectivas expográficas
contemporâneas: as exposições do Museu da Imigração do Estado de São
Paulo e do Museu do Futebol e suas contribuições para a apresentação da
temática museológica”.

24
Fernandes trabalha na chave da comunicação. Uma vez que os museus
são, hoje, considerados meios de comunicação em massa, propõe uma
reflexão dessa função de comunicação museu-sociedade a partir das
exposições de longa duração do Museu da Imigração do Estado de São Paulo
e do Museu do Futebol .
Evidente que aqui nos interessa o que o autor tem a dizer a respeito do
Museu da Imigração do Estado de São Paulo. Neste sentido, me furto de
discorrer sobre suas impressões acerca do Museu do Futebol.
Sobre o Museu da Imigração do Estado de São Paulo, Fernandes
apresenta brevemente o histórico da instituição desde o nascimento do prédio
como hospedaria até a sua configuração atual, mas seu objetivo é discorrer
sobre a exposição de longa duração e é aí que projeta a sua energia. O grande
mote da exposição é a ampliação do entendimento do público acerca do
conceito de imigração e, para ele:

O conceito de 'migração', ora evidenciado, procurou configurar


processos que não se limitam exclusivamente às experiências do
passado. Na exposição - Migrar: experiências, memórias e
identidades - é facultado ao visitante estabelecer conexões,
sobretudo, entre os diferentes movimentos migratórios e sua própria
história de vida (...). Ao tratar dos processos migratórios humanos, o
Museu da Imigração do Estado de São Paulo considerou relevante
situar o indivíduo ou grupo no tempo e no espaço, numa perspectiva
antropológica de suas idas e vindas. E encontrou nos dias de hoje um
rico cenário para novas reflexões, que se apresentam diante dos
atuais processos migratórios (...). A diáspora humana é apresentada
pelo Museu da Imigração do Estado de São Paulo como um processo
permanente e em constante transformação. (FERNANDES, 2017, p.
45-46).

Fernandes explora os espaços expositivos da exposição de longa


duração do Museu de forma a apresentar descritivamente o seu conteúdo.
Percorrendo módulo a módulo, sala por sala, soma suas impressões pessoais
ao que diz os documentos oficiais da instituição, sobretudo o plano executivo.

25
No entanto, a contribuição da sua pesquisa é a análise da expografia. Partindo
da exposição de longa duração, "averigua os recursos expográficos (...) e suas
contribuições para a apresentação das temáticas museológicas" (p. 92).
Mostrando como a temática museológica assume importante protagonismo, o
que, a seu ver, se expressa na integração entre conteúdo, museografia e
arquitetura e no uso de estímulos sensoriais na busca de proporcionar aos
visitantes reações emocionais, enquanto intencionalidade cenográfica. Por fim,
deixa claro que não intentou "discorrer a respeito dos pressupostos conceituais
que delinearam a narrativa museológica apresentada nas exposições" (p. 111).
Nosso segundo autor, Odair da Cruz Paiva atua na área de Migrações,
Patrimônio e Museus. É professor no Departamento de História da
Universidade Federal de São Paulo, é também membro do Conselho Editorial
da "Travessia Revista do Migrante" e fez parte do Conselho de Administração
do Memorial do Imigrante entre 2006 e 2009.
É importante dizer que Odair muito tem colaborado com a pesquisa aqui
apresentada com soma de afeto pelo objeto, com a disponibilização de
bibliografia e com o continuado estímulo acadêmico que sempre me ofertou.
Odair, além de um grande incentivador, é o principal pesquisador a
trabalhar o Museu da Imigração do Estado de São Paulo como objeto de
investigação e crítica.
Em “Museus e Memória da Imigração: Embate entre o passado e o
presente” (2014), Paiva discorre sobre o museu hoje a partir do entendimento
de que museu é território de preservação da memória, mas é também território
que envelhece, expondo que o grande desafio da área é hoje renovar-se
equilibrando a relação entre estabilidade e modernização da paisagem/
discurso. A partir deste dado da realidade, apresenta o debate acadêmico
sobre memória coletiva tendo Maurice Halbawachs, Joel Candau, Jacques Le
Goff, Dominique Polout e François Hartog como balizadores. O debate trazido
por Odair da Cruz Paiva é importante para evidenciar que a memória coletiva
está constantemente em disputa e é campo para muito tensionamento.

26
O debate anterior serve de gancho para o autor explorar a relação entre
a elaboração da memória coletiva acerca da imigração no Brasil, mas
sobretudo em São Paulo, e o desenvolvimento da historiografia sobre o tema a
partir do refluxo migratório característico da década de 1940. Neste sentido,
aponta que a elaboração da memória se dá com a formulação de um discurso
historiográfico. Em relação à Hospedaria dos Imigrantes do Brás, no bojo deste
processo de elaboração de memória coletiva, Paiva defende que “tal qual a
historiografia da imigração, a constituição de um locus de materialização da
memória da imigração também ocorre quando do fim do vivido da imigração
naquele espaço; a partir daí o concebido sobre ela surge em seu lugar” (p 164).
O autor passa a, então, discorrer sobre a relação entre a historiografia oficial e
a consolidação de uma memória coletiva que teve no Memorial da Imigração o
seu principal monumento.
Mas, como exposto acima, Paiva abre o artigo apontando para a
necessidade de os museus contemporâneos se renovarem, processo pelo qual
a instituição em questão passa a partir de 2010, quando inicia a fase de
requalificação institucional e restauração do edifício.
Paiva fecha o artigo apontando questões que envolvem os atuais fluxos
migratórios, as transformações sociais, as expectativas para com a nova
instituição e o debate sobre “os dilemas entre a preservação do passado e os
desafios do presente” (p. 167) que essa requalificação deverá gerar.
Posteriormente, em “Migrar: Experiências, memórias e identidades”
(2015), Paiva trata diretamente da exposição de longa duração do Museu da
Imigração do Estado de São Paulo no contexto da reabertura e entrega da
instituição à população após sua requalificação.
Para Paiva, “A reabertura da antiga Hospedaria de Imigrantes e a
inauguração do Museu da Imigração inscrevem-se num contexto de embates
– nem sempre explícitos - entre as representações sobre o passado e os
desafios no presente” (2015, p.01). Neste sentido, aponta que o objetivo de
seu artigo é “compreender a nova exposição como produto destes embates e
como materialização de uma leitura específica do processo imigratório” (idem).

27
É importante apontar que esta reflexão é “parte de uma pesquisa mais
ampla intitulada Museus e Patrimônio da Imigração: história, memória e
patrimônio cultural nos museus de imigração no Estado de São Paulo cujo
escopo central é analisar as formas da memória da imigração em alguns
museus da imigração no Estado de São Paulo” (idem). Sendo esta a parte da
pesquisa a tratar especificamente do nosso objeto, não nos voltaremos aos
demais materiais produzidos no bojo dela.
Voltando ao que Paiva apresenta em “Migrar: Experiências, memórias e
identidades” , diferente do texto de Fernandes, aqui a história da instituição é
apresentada de forma a demonstrar o contexto propício para a musealização
do espaço após o fechamento da Hospedaria em 1978. De forma bastante
sucinta discorre sobre os múltiplos funcionamentos da instituição até 2010,
quando

O encerramento das atividades naquele espaço em 2010 propiciou a


retomada da discussão sobre seu lugar no território plural da
imigração no presente; o Museu da Imigração foi erigido neste
ambiente e a partir de uma tensão pouco debatida e explicitada. Por
um lado, o Museu foi instalado na antiga edificação da Hospedaria
apontando para a musealização do processo imigratório que teve
como palco suas dependências. Por outro, esperava-se com sua
reabertura uma atualização do tema da imigração e que ela fosse
abordada para além dos marcos da história institucional da
Hospedaria de Imigrantes (p. 03)

Após discorrer sobre as principais características de cada um dos


módulos da exposição, o autor apresenta sua relação com o museu e com o
início do processo de elaboração dos conceitos da nova exposição e, a partir
disso, aponta para seus pontos de avanço e de permanência no discurso em
relação à exposição de longa duração anterior. Falar de si mesmo e de sua
relação com a instituição se faz importante para que tenhamos clareza do lugar
de onde fala o autor e de seu grau de intimidade com a questão.

28
Conhecendo bem a exposição e o discurso histórico e museológico
anterior, Odair da Cruz Paiva entende como principais avanços a ampliação do
conceito de migração e a inserção do tema da escravidão como imigração
forçada, ainda que reconheça que há polêmica e falta de consenso a respeito.
Outros pontos são, para ele, manutenção daquilo que o público espera
encontrar no Museu da Imigração do Estado de São Paulo: O cotidiano dos
imigrantes e a relação entre a imigração e o desenvolvimento da cidade. Ele
percebe a preocupação em inserir recursos de mídias audiovisuais, em sintonia
com o que se tem encontrado nos museus atuais e em consonância com o
atual contexto de desenvolvimento tecnológico, além do que, completa páginas
adiante, “visando seu público por excelência (estudantes do ensino
fundamental e médio), a exposição adentra à forma com que as novas
gerações apreendem a realidade, qual seja: pela intermediação da tecnologia”
(p. 14).
Uma crítica importante de Odair em relação à expografia e que merece
especial atenção, ainda que não seja o objetivo da pesquisa dele e nem da
que apresentamos abaixo, diz respeito à evidente falta de conexão entre o
edifício e a exposição. Em suas palavras:

Por outro lado, não há um diálogo entre a exposição e o edifício. A


vedação total dos ambientes no módulo 4, parte do 6 e no 7 cria um
paradoxo entre reproduzir ambientes da Hospedaria deslocados do
edifício; enquanto isso, no restante dos módulos os ambientes estão
alocados no centro do corredor, voltados para si e sem conexão com
o prédio que o circunda (p. 08).

No entanto, o ponto fulcral do texto é a percepção da ausência de


sofrimento, da precariedade, do desafio, do conflito, do confronto, da disputa,
das crises, dos problemas, das tensões no discurso da exposição. E este é o
ponto que mais nos interessa. Para Paiva:

A dolorosa vivência de Primo Levi em Auschwitz e a instalação de


Nuno Ramos sugerem que a experiência do deslocamento é

29
apreendida como trauma: desenraizamento, sofrimento, privação,
exploração... No entanto, a mensagem inscrita na recepção do
visitante é negada no transcurso da exposição. Deslocamento ou
fratura discursiva, o fato é que a instalação e o discurso expositivo
não dialogam entre si, denotando que o discurso curatorial propõe um
exercício de superação da mensagem inicial (p. 09).

Outra crítica importante de Paiva é a descontextualização dos objetos e


documentos e sua consequente “incapacidade” de gerar conhecimento. Para
ele, “na exposição, a documentação, assim como os artefatos, são elementos
de decoração” (p.12).
Por fim, Odair defende que as críticas colocam o Museu da Imigração do
Estado de São Paulo onde todo museu deveria estar: No lugar do fórum (e não
do templo). Segundo ele, “ao explicitar uma concepção sobre a imigração e
enfrentar o desafio da atualização do tema, o discurso curatorial fez emergir
uma gama de questões. Sem essa exposição, perderíamos a chance de
recolocar no debate uma série de elementos que cercam a problemática das
imigrações pretéritas e presentes” (p. 15).
Para além destes dois autores, a principal voz a discorrer sobre o Museu
da Imigração do Estado de São Paulo é ele mesmo, por meio de seus
documentos oficiais disponibilizados no site da instituição. E estas serão as
nossas principais referências.

1.2 A Instituição
O Museu da Imigração do Estado de São Paulo, instituição da Secretaria
de Estado da Cultura, é:

um museu histórico, que tem sob sua guarda parte significativa do


patrimônio da imensa população de imigrantes e migrantes – cerca de
2,5 milhões de pessoas – que passaram pela Hospedaria do Brás,
entre os anos de 1887 e 1978. Esse patrimônio está referenciado na

30
instituição como: documentação textual, documentação iconográfica,
acervo museológico tridimensional, história oral e os saberes e os
fazeres dos imigrantes, mobilizados, principalmente, para a Festa do
Imigrante, que a instituição vem realizando há 16 anos. (EXPOMUS,
2014. p.8)

Segundo dados da própria instituição disponíveis em seu website, o


prédio do que hoje se conhece como Museu da Imigração do Estado de São
Paulo ocupa 30% da área original do complexo arquitetônico da antiga
Hospedaria dos Imigrantes do Brás. Os outros 70% do espaço abrigam o
Arsenal da Esperança, casa de acolhida administrada pela Fraternidade da
Esperança, uma comunidade cristã fundada em 1964, na Itália e é subsidiado
pelo Governo do Estado de São Paulo e da Prefeitura do Município de São
Paulo que, há cerca de 22 anos atende diariamente aproximadamente 1.200
homens em situação de vulnerabilidade social, em situação de rua, migrantes e
refugiados.

A Hospedaria de Imigrantes do Brás foi fundada em 1887 e no ano de


1978 foi desativada. Durante esse período, passou por diversas transformações
estruturais, acompanhando o crescimento e as mudanças da cidade de São
Paulo e do Brasil, tendo, inclusive servido para outros fins tais como prisão
política e escola de aviação.

Estima-se que passaram pela hospedaria do Brás entre 2,5 e 3,5 milhões
de pessoas de cerca de 75 países diferentes, sendo que destes, pelo menos,
1,6 milhão eram trabalhadores nordestinos (PAIVA, 2015, p. 04).

Principal local de abrigo dos estrangeiros recém chegados ao Brasil, a


Hospedaria de Imigrantes, criada no bairro do Brás, na cidade de São
Paulo, foi, ao longo de nove décadas, cenário de expectativas,
conquistas e angústias de mais de 2,5 milhões de pessoas que
formaram um intenso entrelaçamento étnico entre os anos de 1887 e
1978, quando da conclusão de suas atividades como centro de
acolhida (FERNANDES, 2017, p. 42).

31
As profundas mudanças sociais e políticas na sociedade brasileira nas
décadas finais do século XX, como a abolição da escravidão, a expansão da
cafeicultura e os processos de urbanização, abriram espaço para políticas
imigratórias e a uma mudança nas mentalidades ao que dizia respeito à
imigração. Se antes o caráter era de colonização, agora estava sob a
perspectiva de mudança de mão de obra e de desenvolvimento da ideia de
nação ou identidade nacional a partir da lógica civilizadora (SANTOS, 1998, p.
60).

Neste sentido, este lugar, criado a partir da política pública que visava
atrair trabalhadores europeus para as terras paulistas, esteve preparado para
receber, abrigar, alimentar, cuidar da saúde e alimentação, expedir documentos
e encaminhar para o trabalho. Além disso, ainda segundo o website da
instituição, a hospedaria tinha como atribuição organizar esta imigração de mão
de obra para São Paulo. Para isso, foi construída em 1905 a Agência Oficial de
Colonização, anexada à direita do prédio principal. Nesse espaço, os
trabalhadores eram informados das vagas disponíveis e podiam negociar com
os contratantes.

A hospedaria acompanha a história da (i)migração no estado de São


Paulo desde sua fundação e, seu fechamento em 1978 não encerra esse
processo. Ao contrário, transformada em patrimônio público, muda seus
paradigmas, mas nunca deixou de ser referência para a questão.

No entanto, a instituição que hoje conhecemos como Museu da


Imigração do Estado de São Paulo passou por uma infinidade de mudanças no
que diz respeito à sua identidade jurídica ao longo destas últimas décadas.

Conforme nos relata o seu plano museológico,

Desde o fechamento da Hospedaria até os dias de hoje, o edifício e


sua história passaram por importantes fatos: o tombamento do edifício
pelo Condephaat (1982); a criação do Centro Histórico do Imigrante

32
(1986); a criação do Museu da Imigração (1993); e a concretização do
Memorial do Imigrante (1998). Desde sua criação, a Hospedaria de
Imigrantes do Brás recebeu aproximadamente 70 nacionalidades e
etnias, e contar esta história fornece subsídios para o entendimento
da constituição plural da sociedade brasileira hoje, ao mesmo tempo
em que, principalmente, traz luz à história do Estado de São Paulo,
por meio de seus muitos atores: italianos, espanhóis, nordestinos,
indígenas, lituanos, japoneses, coreanos, peruanos e tantos outros
que ousaram se deslocar para construir o novo. O Memorial do
Imigrante reuniu numa parte do antigo complexo de edifícios da
Hospedaria do Brás as atividades de: Museu da Imigração, Centro de
Pesquisa e Documentação, Núcleo Histórico dos Transportes e
Núcleo de Estudos e Tradições; no momento atual, passa por mais
uma transformação, com o seu fechamento para restauro em agosto
de 2010, momento em que também foi iniciado o redesenho
museológico e das suas áreas expositivas, bem como de todos os
seus programas (EXPOMUS, 2014. p.8).

Nas palavras de Ricardo Alberto Fernandes: “Fechado para as obras,


iniciava-se, assim, um instigante processo de requalificação da instituição e de
todo seu discurso, reconfigurado num amplo diálogo com uma das quatro
maiores metrópoles mundiais – São Paulo” (FERNANDES, 2017, p. 42).

Reaberta como Museu da Imigração, da Secretaria de Estado da Cultura


e gerida pela Organização Social de Cultura Instituto de Preservação e Difusão
da História do Café e da Imigração (INCI), a instituição é apresentada ao
público leigo e ao iniciado nas questões museológicas e historiográficas como
modernizada, inclusive no que diz respeito ao discurso por ela veiculado em
suas exposições permanentes e temporárias. Modernização essa endossada
(ou baseada, há que se discutir) por seu plano museológico.

Nos interessa aqui o discurso difundido por meio de sua exposição


permanente e sua relação com o Plano Museológico da instituição.

33
1.3 A Exposição Permanente: “Migrar: experiências,
memórias e identidades”

O Plano Museológico do Museu da Imigração do Estado de São Paulo


deixa explícito em seu texto que os norteadores para esta nova fase da
instituição tem como ponto balizador a experiência do Museu Nacional de
Imigração romano. Em claras palavras: “Devido à grande influência cultural da
imigração italiana em São Paulo, e expressividade numérica da imigração no
início do século XX, elegemos como inspiração para esse Plano Museológico o
Museo Nazionale dell’e Imigrazione, de Roma, Itália” (EXPOMUS, 2014, p.6).

Numa busca rápida pela internet, pode-se perceber pontos de similitude


estética, no entanto, a exposição permanente do São Paulo é marcada pelo
grande emprego de recursos tecnológicos e interativos, que oferecem ao
público uma experiência distinta daquelas dos museus tradicionais, que têm no
objeto - enquanto testemunho do passado - o foco central de suas ações de
comunicação (BOTTALLO, 1995).

As exposições no Museu da Imigração do Estado de São Paulo são


parte do Programa de Comunicação, um dos principais pilares dessa nova
instituição. A importância do Programa de Comunicação se explicita pela
complexidade de sua estrutura, conforme se pode notar no quadro resumo
apresentado abaixo (EXPOMUS, 2014. p. 18):

1. PROGRAMA DE COMUNICAÇÃO

1.1. Recepção e acolhimento

1.2. Programa de exposições

1.3. Programa educativo

1.4. Ações de mobilização e comunicação

34
1.5. Programa de pesquisa Espaços Físicos

1.6. Programa de história oral Espaços Físicos

1.7. Programa editorial

Entregue ao público quando da reabertura do museu, em 2014, a


exposição de longa duração ocupa todo o piso superior do prédio principal da
instituição e foi concebida por uma equipe curatorial composta por profissionais
da Secretaria da Cultura, da equipe técnica do Memorial do Imigrante e da
Expomus com a ajuda técnica de dois consultores especialistas, o Prof. Dr.
Eduardo Góes Neves (arqueólogo) e o Prof. Dr. José Guilherme Magnani
(antropólogo). A Expomus é empresa paulista que atua com desenvolvimento
de exposições, criação e revitalização de museus e espaços culturais,
programas educativos, gestão de acervos e outros projetos socioculturais de
natureza museológica (http://www.expomus.com.br/). O projeto contou, ainda,
com um grupo de pesquisadores, que trabalhou integrado ao grupo curatorial,
com a sistematização dos dados, pesquisa nos acervos e redação dos textos
expositivos (EXPOMUS, 2014. p. 21).

A exposição permanente atual tem, em relação à anterior, dois pontos


que explicitam a modernização e complexificação do discurso museológico:
apresenta o processo migratório como experiência que permeia toda a história
da humanidade e aproxima o discurso museológico com as experiências
contemporâneas, em consonância com o paradigma que aloca o museu no
presente. Segundo a própria instituição:

A exposição “Migrar: experiências, memórias e identidades” tem como


objetivo apresentar aos visitantes os trabalhos de preservação e
pesquisa realizados pelo Museu da Imigração a respeito de seu tema
central.

Em oito módulos, aborda o processo migratório como um fenômeno


permanente na história da humanidade, perpassando contextos mais

35
específicos, como a grande imigração ocorrida nos séculos 19 e 20,
as políticas voltadas ao tema, o cotidiano da Hospedaria de
Imigrantes do Brás e as contribuições desse processo para a
formação do estado e da cidade de São Paulo.

No entanto, a história da migração humana não deve ser encarada


como uma questão relacionada exclusivamente ao passado e por isso
a exposição fomenta o diálogo com o momento contemporâneo e as
novas levas populacionais que rompem fronteiras diariamente.

(http://museudaimigracao.org.br/exposicoes/longa-duracao/)

Para Fernandes (2017, p. 47), “sua narrativa está materializada em cinco


eixos de comunicação, a saber: a) a longa duração da história da imigração; b)
a história do Brasil; c) a história da Hospedaria: criação, função e
transformações; d) a relação presente, passado e futuro, e e) os sujeitos” .
Expograficamente podemos apresentar a exposição da seguinte maneira:

Figura 2: Planta da área ocupada pela exposição de longa duração

fonte: Projeto executivo do Museu da Imigração do Estado de São Paulo extraído de


FERNANDES, 2017, p. 47

O acesso à exposição se dá por um único trajeto: A escadaria que


conectava o pátio com os dormitórios da antiga Hospedaria. Subindo essas

36
escadas, o visitante se depara com a obra do artista plástico Nuno Ramos
intitulada “É isto um homem?”, título homônimo do livro do escritor italiano,
prisioneiro em Auschwitz-Birkenau, Primo Levi. A obra fica no hall que divide a
exposição ao meio. Trata-se de “uma instalação assemelhada a uma carroceria
de caminhão (que também pode sugerir a forma de um barco) suspensa do
chão e carregada com alguns milhares de tijolos – a palavra tijolo está grafada
em várias línguas” (PAIVA, 2015, p. 04) que ocupa quase todo o hall de entrada
da exposição.

Segundo a própria instituição, a obra "busca mimetizar, por meio de uma


instalação artística, duas facetas desse processo: o trabalho e a diáspora das
línguas." (http://museudaimigracao.org.br/exposicoes/longa-duracao/)

Figura 3: Detalhe da obra de Nuno Ramos “É isto um homem?”

37
Nuno Ramos, 2014
É isto um homem?
Carroceria, tijolos, cadeira, vitrine e auto falante.
Exposição permanente no Museu da Imigração.
(imagem do site oficial de Nuno Ramos)

A partir da instalação, o visitante tem acesso aos oito módulos que


compõe a exposição. A indicação curatorial é que o visitante siga à esquerda
da instalação de Nuno Ramos, onde encontrará a ala com um conjunto de
quatro módulos;

O primeiro módulo, “Diásporas”, conta com uma projeção do vídeo


“Diáspora Humana”, que tem duração de aproximadamente quatro minutos e
tem por objetivo apresentar a diáspora a partir das origens africanas, mostrar
uma leitura de como a humanidade se espalhou pelo planeta. No debate em
torno do povoamento das Américas, a curadoria se posiciona apresentando a
questão a partir da teoria do Estreito de Bering. O módulo está inserido em uma
sala escura e busca proporcionar uma experiência sensorial/ emocional de luz
e som.

Na entrada do segundo módulo, “Imigração no Brasil” e “As hospedarias


no contexto das migrações”, estão dispostas nove telas de vídeo fixadas em
colunas nas quais encontramos transcritos os temas: “deslocamentos
indígenas”; “colonização portuguesa” e “escravidão como imigração forçada”;
com o objetivo claro de associar as migrações humanas e a história da
formação do Brasil. Neste módulo também a tratada a questão da “viagem”, do
deslocamento enquanto experiência.

38
Na sala seguinte, ainda no segundo módulo, o visitante encontra duas
grandes telas. Em uma delas são projetadas imagens sobre as várias
hospedarias de imigrantes que funcionaram no Brasil. Na outra tela, fotografias
de pessoas em situação de pobreza em países da Europa, sob a qual estão
“três telas menores que possibilitam um exercício interativo ao visitante. São
telas nas quais é possível ver fotografias das hospedarias de emigrantes de
Bremen, Genova e Kobe bem como as rotas marítimas que ligavam essas
hospedarias ao Brasil” (PAIVA, 2015, p. 05). Há, ainda, uma outra tela com
projeções de panfletos de Companhias Marítimas e de propaganda para
atração de imigrantes para o Brasil.

Na passagem para o módulo seguinte, discreto e quase escondido há


um quadro de projeção que apresenta, por meio de fotografias e dados
históricos, um pouco da experiência de viagem da Europa à América.

No terceiro módulo, “Hospedaria do Brás”, o objetivo é apresentar a


lógica dos serviços ali prestados. Neste módulo são expostas: fotografias de
imigrantes e migrantes nas dependências da hospedaria (barbearia, refeitórios,
dormitórios, enfermaria, hospital, etc.); em vitrines, objetos de toucador,
artefatos do serviço médico, utensílios de escritório. Textos de parede
apresentam o fluxo dos imigrantes nas dependências da Hospedaria desde sua
entrada até seu encaminhamento para o trabalho. Neste módulo também se
apresentam temas referentes à migração interna para São Paulo.

O quarto módulo, “Cotidiano”, ocupa uma sala de grande dimensão


sonorizada com a vozes em vários idiomas, tem o objetivo de musealizar a
experiência a partir da recriação de ambientes. Este módulo se compõe de:
uma instalação que sugere um grande armário com gavetas nas quais o
visitante encontra cartas de chamada escritas por imigrantes e pequenas salas
de projeção com depoimentos de imigrantes e migrantes; grandes mesas de
madeira onde são projetadas fotografias de imigrantes no antigo ambiente da
Hospedaria; conjunto de beliches forrados com lençóis e travesseiros em
fronhas brancas em alusão aos dormitórios. Há ainda, nas paredes laterais,

39
ocupando todo o pé direito, nichos com objetos - na maioria deles
remanescentes do mobiliário da antiga Hospedaria.

Figura 4: Fotografia de detalhes do módulo “Cotidiano”

Fonte: http://museudaimigracao.org.br/exposicoes/longa-duracao/

O quinto módulo, “Campo e Cidade”, abre a ala à direita da instalação de


Nuno Ramos e tem como objetivo apresentar a vida do imigrante para além das
fronteiras da Hospedaria e conta com: Projeção de um vídeo de aproximada
seis minutos com informações sobre “a evolução econômica do Brasil e do
Estado de São Paulo; política imigratória; inserção da Hospedaria de Imigrantes
no contexto da transição do trabalho escravo para o livre; formação de núcleos
coloniais; etc. Vale notar a importância dada à imigração como formadora da
identidade paulista” (ibid, p. 06). Neste módulo há uma vitrine onde estão
expostos objetos relacionados à vida doméstica, lazer e trabalho dos
imigrantes; fotografias de grande dimensão representando imigrantes no campo
e cidade; quatro telas de projeção com “informações sobre a ocupação
demográfica e espacial do Estado desde o final do século XIX às primeiras
décadas do século XX além de dados sobre a colonização oficial” (ibid).

O módulo seis, “São Paulo Cosmopolita”, trata-se de um ambiente


sonorizado com trechos de músicas ambientadas na cidade, tem por objetivo
40
abordar as contribuições dos (i)migrantes para a cidade de São Paulo e
compõe-se de: 4 painéis com projeção de imagens aéreas de ruas e avenidas
centrais da cidade e três telas que exibem fotos de edifícios e ruas tradicionais
da cidade; e uma sala com quatro grandes painéis representando cada qual um
dos bairros paulistanos, a saber: Bom Retiro, Mooca, Santo Amaro e Brás. "Ao
som da música popular brasileira, que canta a cidade e suas particularidades,
se pretende discutir a noção de território como espaço transformado pelos
sujeitos e suas atividades 9…). São Paulo apresenta a máxima expressão de
sua pluralidade étnica e cultural" (FERNANDES, 2007, p. 57 - 58).

Figura 5: Fotografia detalhe do módulo “São Paulo Cosmopolita”

Imagem autoral

O módulo sete, “Imigração Hoje”, tem o objetivo de reafirmar que o ato


de se deslocar não é marca característica de um ou outro tempo histórico, ao
contrário, está presente em toda a história da humanidade, inclusive no tempo
presente. Neste módulo, “o visitante encontra seis estações cada qual com uma

41
tela onde é possível assistir a depoimentos de imigrantes de inserção mais
contemporânea na cidade. São: três brasileiros e um imigrante oriundo de cada
um dos países a seguir: Bolívia, Colômbia, Líbano, Nigéria, Peru, Índia, Coréia,
Moçambique, Paraguai e Taiwan. Retornando ao vão central há uma grande
parede com a inscrição de centenas de sobrenomes de imigrantes registrados
na Hospedaria” (PAIVA, 2015, p. 07).

Há ainda um oitavo módulo, “Edifício”, que tem como objetivo tratar da


história do edifício - sua construção e alterações arquitetônicas e nas formas
como foi utilizado ao longo da história de sua existência.

A planta constante do projeto executivo do Museu apresenta um módulo


nove, no entanto, o espaço refere-se a área de atividades educativas.

Diferente da exposição anterior que tinha no objeto musealizado e no


documento arquivístico a centralidade do discurso, “Migrar: Experiências,
Memórias e Identidades” se constrói elementos múltiplos. Nesta exposição a
memória oral (com histórias de vida e com histórias temáticas) ganha um
importante lugar e, somam-se à ela recursos audiovisuais e aparatos interativos
dando à exposição um caráter moderno. É moderna também a relação entre o
histórico e o contemporâneo materializada na exposição na presença da arte
contemporânea (na obra de Nuno Ramos).

Nesta exposição, os objetos históricos e documentos arquivísticos


ocupam o lugar secundário da ilustração. Se por um lado, e talvez pelo hábito,
podemos olhar para a questão com desconfiança, por outro, a ausência de
centralidade material é indício (ou prova) de que a museologia enquanto área
de saber passa pela elaboração de um novo paradigma, que desloca o objeto e
dá centralidade à memória e à identidade. No entanto, o que nos propomos
aqui não é uma análise do uso do objeto no discurso museológico, mas do
próprio discurso independente dos recursos utilizados para sua materialização
museográfica.

Nas páginas que seguem, apresenta-se um ensaio crítico acerca do


discurso que compõe a exposição permanente do Museu da Imigração do

42
Estado de São Paulo. Propõe-se um contraponto com os relatos de experiência
de Thomas Davatz (e de outros registros sobre (i)migração e refúgio) e do
referencial teórico sobre direitos humanos e suas violações.

43
2. O discurso museológico em análise
Este capítulo objetiva, a partir dos relatos de experiência de Thomas
Davatz, de outros registros sobre (i)migração e refúgio e do referencial teórico
sobre direitos humanos e suas violações, abrir a discussão que aponta para
uma possível incoerência entre o discurso museológico difundido para o público
na exposição de longa Duração do Museu da Imigração do Estado de São
Paulo e a própria memória da (i)migração na perspectiva de seus principais
atores (os imigrantes).

Thomas Davatz foi um mestre-escola suíço que imigrou para o Brasil


com a família em 1855 incentivado pelas propagandas oficiais e contratado
pelo senador Nicolau de Campos Vergueiro para o trabalho na lavoura de café
da Fazenda Ibicaba, naquilo que se denominou Sistema de Parceria.

A vinda de Thomas Davatz e sua família para o Brasil foi resultado de


uma política pública de atração de mão de obra europeia que figurou um
capítulo importante da história no Brasil. Ainda que a compreensão desta
questão seja de fundamental importância para a contextualização de nosso
objeto de estudo, não cabe aqui discorrer longamente sobre ela. Ao contrário,
conforme nos afirma Ilka Stern Cohen:

Cabe apenas lembrar que as primeiras iniciativas para atrair europeus


datam da chegada da Corte portuguesa em 1808; emigrantes
alemães e suíços ocuparam algumas faixas de terra no Espírito Santo
e na região serrana do Rio de Janeiro, e imigrantes açorianos e
alemães foram atraídos para a fronteira meridional e ainda para São
Paulo. A segunda grande onda imigratória verificou-se a partir de
1870, quando o governo do estado de São Paulo assumiu
oficialmente a promoção da emigração para resolver a questão

premente do trabalho nas fazendas de café” (COHEN, 2001, p. 188).

44
A experiência de Davatz está exatamente entre os dois processos.
“Trata-se da primeira experiência de importação de mão-de-obra para a
lavoura, promovida por uma companhia de colonização organizada pelo
Senador Nicolau de Campos Vergueiro na segunda metade da década de
1840” (idem). Como colono, emigrou para o Brasil com expectativas de
construção de um futuro promissor, mas logo percebeu que a realidade não
condizia com o que lhe fora ofertado na Europa. Em suas próprias palavras:
“Em companhia de numerosos outros emigrantes embarquei na primavera de
1855 para essa terra mas não tardei em chegar às convicções que de tantos
outros arrancaram aquêles lamentos. 'Desta vez estou perdido'" (DAVATZ,
1951, p. 37).

Davatz, como se verá mais à frente, tornou-se porta voz dos imigrantes
suíços e, a partir de sua própria experiência, produziu um importante relato
acerca das condições de trabalho no Brasil que foi publicado na Suíça em 1858
e posteriormente, em 1951, traduzido para o português em versão publicada
pela Martins Fontes.
O livro de Davatz deixa claro três objetivos centrais: expor as péssimas
condições a que eram submetidos os trabalhadores livres no Brasil; socorrer os
colonos que ficaram quando de sua partida em retorno à Europa e desencorajar
novas vindas.
O livro está organizado em três partes. A primeira descreve São Paulo a
partir dos aspectos naturais e econômicos. Nesta parte, o livro muito se
assemelha aos tão conhecidos relatos de viajantes dos séculos XVIII e XIX, no
entanto, Davatz pesa cor nos aspectos desfavoráveis. Aqui, o autor já anuncia
que, em busca por melhores dias, os futuros (i)migrantes são seduzidos por
uma realidade “deliberadamente falseada” (p. 50) produzida pela propaganda
que tinha como único objetivo atender aos interesse dos agentes de imigração
que faturavam com os embarques. Quanto maior o número de trabalhadores
embarcados, maior o faturamento do agente e isso dava espaço para um sem
número de falsas promessas.

45
A segunda parte, a que aqui nos interessa, discorre sobre o cotidiano na
fazenda apresentando detalhes sobre as condições da vida doméstica, do
trabalho e aspectos da relação entre trabalhadores e administradores, dando
foco às ambiguidades dos contratos e ao descumprimento deles por parte dos
fazendeiros, realidade muito distinta da apresentada pelas propagandas de
atração veiculadas pelos agentes de imigração.
A parte final narra o levante dos colonos contra a situação análoga à
escravidão na fazenda no evento que ficou conhecido como a revolta de
Ibicaba. A repercussão do livro de Davatz e da revolta foi tamanha que a Suíça
chegou a proibir a imigração para o Brasil.
Com a "preocupação em resgatar os registros produzidos pelos viajantes
europeus e levando em consideração especificamente o seu caráter
documental" num contexto intelectual de construção da memória da formação
de uma identidade brasileira, na década de 1930 Rubens Borba de Moraes,
dirigente da Biblioteca Municipal de São Paulo, na divisão de bibliotecas do
recém criado Departamento de Cultura da cidade de São Paulo (CHAGAS,
2006, p. 75 - 76), coordenou uma coleção de traduções de obras desses
viajantes com a contribuição intelectual de Sérgio Milliet, Afonso Arinos de
Mello Franco e Sérgio Buarque de Holanda, entre outros. "O quinto volume da
coleção foi o das Memórias de um colono no Brasil, de Thomas Davatz"
(COHEN, 2001, p. 183-184). Uma leitura/fonte, para a autora, quase que
obrigatória sobre a colonização em São Paulo.
A nós, no estudo aqui apresentado, interessa o relato que Davatz
registra na segunda parte do livro, que se inicia na página 71 e recebe o título
de “II - O TRATAMENTO DOS COLONOS NA PROVÍNCIA BRASILEIRA DE
S. PAULO”.
O autor faz questão de anunciar que seu registro está focado em sua
própria experiência e nos relatos que pode coletar de outros imigrantes
alemães no tempo em que esteve no interior de São Paulo, mais precisamente
na Fazenda Ibicaba, mas que tudo indica que é similar à realidade de todos os
imigrantes no Brasil independente de suas nacionalidades.

46
De partida, Davatz aponta para a diferença entre o oferecido e o cobrado
dos imigrantes ainda antes do embarque, quando do momento de fechar o
contrato. Seduzidos, ansiosos e com as fichas postas nesta possibilidade de
futuro, não há, neste momento, muito o que fazer senão assinar e embarcar.
Segundo ele, “De uma parte dos colonos alemães [...] pude saber [...] que os
acordos provisórios com que deixaram sua terra [...] continham cláusulas bem
mais sedutoras do que aqueles que os mesmos colonos se viram persuadidos
a aceitar [...] por ocasião do embarque e que deveriam cumprir no Brasil” (p.
71). Segundo seus relatos, esse é apenas o começo das agruras que os
colonos iriam encaram no Brasil. O acordo já não tão sedutor é seguido de uma
viagem arriscada, longa e cansativa que anuncia as futuras dificuldades.
Vencida a etapa marítima, os colonos precisaram enfrentar o
deslocamento entre o Porto de Santos e a fazenda, etapa que poderia levar até
16 dias (p. 75) e que fazia com que a dívida adquirida crescesse
significativamente.

A distância desde Santos até às portas de Ibicaba não é muito maior


do que a de Chur a Basileia, em que se gastam cinquenta horas. Com
meio de transporte cómodos e agradáveis esta última viagem pode
ficar em vinte francos. Mas no Brasil a jornada que descrevemos
custou-nos por pessoa e uma caixa de bagagem, sem animal especial
para doentes, sem sequer o uso dos carros de boi, e apenas incluídas
as despesas dos quatro dias em Santos, a bagatela de mais de vinte
mil réis. Essa quantia não abrange a comissão ou um lugar no carro.
Um animal de montaria custa mais vinte e cinco mil réis. Nos
transportes efetuados depois de nossa viagem e em outras ocasiões
o custo ainda foi maior [...] Por conseguinte não constituiria nenhum
sacrifício grave o compromisso assumido pela firma Vergueiro de
acordo com o artigo 3.° do contrato, em que se obrigava a "receber os
colonos, zelar por eles e conduzi-los ao seu lugar de destino". (p. 78)

Defendendo a tese de que “os colonos que emigram, recebendo dinheiro


adiantado tornam-se, pois, desde o começo, uma simples propriedade de
47
Vergueiro & Cia” (P. 72), Davatz discorre sobre o processo de crescimento das
dívidas que os prendiam à terra; sobre a redução da moeda européia à
brasileira que somada às taxas, comissões e multas desvaloriza as economias
com as quais os colonos viajaram; sobre as cobranças de taxas arbitrárias e
abusivas praticadas pelos empreendedores e endossadas pelo governo
provincial (p. 73) e o quanto isso coloca o trabalhador livre na mesma (ou pior)
situação de privação de liberdade em relação ao trabalhador escravizado.
Outras associações entre o trabalho livre do colono imigrante e do
trabalho escravo vão sendo traçadas ao longo do texto, como, por exemplo, o
fato de famílias partidas que viajam em momentos diferentes serem enviadas
para fazendas diferentes ou o fato de que “famílias eram negociadas no antigo
mercado de escravo, passado a usar como alojamento para imigrantes, pelos
proprietários de terra engajados no sistema de parceria” (p. 75).
Acostumados ao trato com os escravos, os relatos de Davatz deixam
evidente o quanto a mentalidade do proprietário não deixou de operar sob a
lógica da posse da terra e do trabalhador. Davatz denunciou que:

Outra parte do regulamento consta das limitações, por assim dizer, à


liberdade pessoal dos colonos. Sem autorização por escrito do diretor,
nenhum colono em dia útil, pode ausentar-se da fazenda, a não ser
para local muito próximo e quando a viagem — ida e volta — seja
possível em um só dia. Nesse caso costuma ser concedida uma
permissão verbal e ignoro se mesmo essa permissão é considerada
legal. Também é necessária permissão verbal para receber ou
hospedar um amigo, ainda quando se trate de parente próximo. E é
claro que tais autorizações ficam inteiramente ao arbítrio do diretor,
que as pode conceder ou recusar. (p. 79)

Multas eram aplicadas como penalidades às infrações que, segundo os


relatos, eram julgadas à arbitrariedade dos administradores das fazendas e,
neste sentido, “a simples queixa de um colono sobre uma injustiça que contra
êle praticarem os chefes pode resultar em multa para o queixoso” (p. 80) ou,
em casos ainda mais graves:

48
Segundo me atestaram muitas pessoas e sem a menor sombra de
dúvida, alguns colonos, por simples ordem do diretor, sem inquérito e
sem processo de espécie alguma, foram metidos na prisão de uma
cidade a que a fazenda estava politicamente sujeita, e ali agrilhoados,
não tendo cometido nenhum delito passível de punição e apenas
porque teriam caído no desagrado do patrão devido a este ou àquele
motivo (p. 81)

Somados ao já exposto, Davatz produz uma extensa lista de problemas


e abusos na relação entre os administradores da fazenda e os trabalhadores,
que exponho de forma resumida abaixo:

- Descumprimento dos acordos (promessa) quanto à moradia, o que


significava casas inacabadas, casas substituídas por galpões onde se
amontoavam famílias, cobrança de taxa de transferência de um colono a
outro pelas melhorias deixadas na casa, cobrança de aluguel.
- gêneros alimentícios de qualidade e preços questionáveis, assim como
eram abusivos os preços das ferramentas e materiais utilizados para a
construção de fornos e reformas nas residências.
- injustiça na divisão do produto líquido da venda do café, produzindo
juros desfavoráveis aos colonos e sem outros documentos
comprobatórios a não ser as anotações do proprietário, nada se podia
contestar.
- Terras insuficientes para a produção dos gêneros alimentícios dos quais
necessitavam sem depender de compra, para que obtivessem por si só
aquilo que precisavam para viver dignamente.
- Muitos casos de doenças e de mortes.
- Alto custo da assistência médica, serviço intermediado pelo patrão
impossibilitando que fossem feitas negociações favoráveis aos colonos.

49
Na perspectiva do autor, a dívida era uma questão central na relação
entre os administradores da fazenda e os colonos, era o que os prendiam à
terra, era a garantia de mão de obra, era a principal forma de controle do
proprietário e a principal angústia do colono. Muitos são os trechos em seu
relato a apontar para o problema, mas para fechar a questão, destaco os
excertos abaixo:

A cada colono era lido em voz alta o respectivo saldo, geralmente


uma dívida exorbitante. Em seguida deveria êle subscrever sua conta
no livro das despesas em sinal de assentimento e por fim recebia de
volta a caderneta previamente assinada pelo diretor em nome de
Vergueiro & Cia. [...] Demais era quase impossível comprovar com
minúcia a exatidão de tais cálculos, pois os mesmos eram explicados
frequentemente em português, língua que em geral não
entendíamos.” (p. 110)

Tudo isso vem servir também para mostrar como a situação das
dívidas contraídas por numerosos colonos é realmente horripilante e
para atestar como a crença tão corrente na Europa de que nas tais
colônias é possível em poucos anos e facilmente, a qualquer pessoa,
libertar-se das suas dívidas, não passa de uma doce ilusão. Essas
dívidas além do café mal pago, das despesas da comissão, do
processo de redução do dinheiro à moeda do país, das somas
destinadas à viagem e da estranha divisão dos lucros da venda do
café esclarecem bem as queixas dos colonos e sua sublevação, de
que mais tarde se falará com pormenores (p. 112).

Ainda que a situação financeira dos colonos de Ibicaba tenha sido


descrita como horripilante, Davatz chama atenção para o fato de que em outras
fazendas os relatos apontam para situações ainda piores (p. 113).
Mas, “esses fatos relacionam-se exclusivamente com os aspectos da
vida material. Que dizer dos outros, porém, dos que se referem à vida
espiritual? Que igrejas, que escolas podem utilizar os colonos?” (p. 117).
Segundo os relatos, não havia impedimento para a existência da escola, mas

50
tudo era ordinário ou inexistente. Faltava lugar apropriado, material e o nível de
escolaridade entre adultos e crianças era o mesmo, de quase nenhum a
nenhum. Até pouco tempo antes de sua chegada à Ibicaba, “não havia na
província de São Paulo pastores protestantes. Por conseguinte não se poderia
esperar que houvesse ali instrução religiosa e administração dos sacramentos
segundo o rito protestante” (p. 119). Davatz denuncia o descumprimento do
direito de livre culto. Segundo ele, os fazendeiros têm todo o poder nas mãos e
podem gerir suas fazendas e as vidas (e no caso a alma) dos colonos que
nelas trabalham à sua maior conveniência. Em suas palavras:

Os casamentos de protestantes não são celebrados em igrejas, mas


apenas diante de funcionários civis, na presença de testemunhas
escolhidas pelos noivos. Todos subscrevem um contrato onde figura
como condição essencial e quase primeira, que os filhos que
porventura venham a nascer do casal sejam educados na religião
católica. Tal circunstância atesta bem, entre outras, o modo pelo qual
os funcionários daquele país cumprem os preceitos constitucionais e
obedecem aos seus superiores (p. 120)

Davatz utiliza o intervalo entre as páginas 127 e 131 para denunciar o


confisco de correspondência dos colonos e questiona a veracidade das cartas
que chegam à Europa com boas notícias, dizendo ser comum considerações
que dizem que “se escrevemos a verdade, as cartas não chegarão ao destino.
Para que cheguem é preciso escrever apenas o que satisfaça" (130), censura
pelo qual não passou o seu material devido às influências que tinha junto ao
consulado.
Recentemente Ilka Stern Cohen aponta que Mário de Andrade “se
deliciava com o tom surpreso de Davatz diante dos desmandos e engodos
sofridos pelos colonos e imigrantes” e, citando trecho do primeiro artigo escrito
a respeito do livro, datado de nove de agosto de 1931, demonstra as
impressões do autor para a questão:

51
De resto, também no sul os alemães do tempo da Independência
tinham sido ludibriados, pelo que referem os alemães da época como
Schumacher ou Schlithorst. Os livres suíços que vinham para Ibicaba
volupiados pelas lendas duma terra de oiro, garantidos por contratos
aperitivantes de arrendamento à meia e trato melhor que os das
aldeias nevadas, encontravam era uma legítima escravidão
(ANDRADE, 1931, p.7, apud COHEN, 2001, p. 186).

Segundo a autora, ao reproduzir as acusações de Davatz, “Mario de


Andrade resgatava toda uma visão negativa do sistema de colonização
instituído pelos fazendeiros paulistas no século anterior, contrariando a visão
oficial da parcela da elite à qual se opunha politicamente” (COHEN, 2001, p.
186).

Se Mário de Andrade faz com que olhemos a imigração para o trabalho


na chave da experiência de frustração já nos tempos da independência (ou
seja, nas duas primeiras décadas do século XIX), pesquisas recentes
demonstram que o sofrimento é uma permanência na longa duração da
história dos deslocamentos categorizados como (i)migração e refúgio.
Em pesquisa etnográfica realizada junto a refugiados dos fluxos
contemporâneos atendidos por serviços de saúde mental na cidade de São
Paulo, Alexandre Branco Pereira demonstra como o trauma é uma “categoria
que descreve a experiência de sofrimento tida como inerente à condição do
refúgio" (PEREIRA, 2018, p. 91).
Para ele, se por um lado "a própria definição da categoria de refugiado
remonta à experimentação de situações de sofrimento passado que motivam
o deslocamento, essencialmente forçado, por agências externas: de acordo
com o ACNUR, ‘refugiados são pessoas que escaparam de conflitos armados
ou perseguições’ , o que os impeliria a se deslocar” (p. 91), por outro, a
temporalidade do sofrimento evocada pelos sujeitos do refúgio é a presente,
uma vez que o sofrimento derivado da experiência do refúgio está longe de
ter ficado no ponto de origem. No Brasil, enquanto ponto de destino, os

52
refugiados enfrentam a falta de assistência, de emprego, de moradia, de
acesso à educação e dificuldade de sociabilidade derivada das questões
raciais (racismo e xenofobia) que faz com refugiado seja uma “categoria da
ONU” incompleta, pois no Brasil há uma clara diferença quanto à experiência
dos refugiados brancos e refugiados negros, ponto que infelizmente não
teremos tempo de tratar aqui.
Silva e Menezes, ao tratar da memória de experiência de migração
interna, defendem que na busca pelo rompimento com o presente, migrar é
projetar um futuro de oportunidade de melhores condições de vida,
constituindo uma estratégia importante para as famílias. Segundo as autoras:

A partir de 1930 – marco da industrialização – intensificam-se as


migrações internas, principalmente em direção a São Paulo, centro do
processo de desenvolvimento econômico. Inicialmente, o Estado teve
papel preponderante no agenciamento de migrantes, através da
construção de estradas, concessão de passagens, assistência na
chegada, formas de acesso à terra ou emprego etc. Posteriormente,
são os próprios migrantes e suas redes sociais que constituirão os
mecanismos de apoio nas diversas fases do processo migratório:
viagem, chegada, emprego, moradia, escola para as crianças etc. O
fluxo migratório de áreas rurais para as cidades se intensifica nas
décadas de 1940 e 1950 e os migrantes, mesmo que tivessem a
intenção de retornar às suas localidades de origem, tendiam a se fixar
na cidade pois havia oportunidades de trabalho (2012, p. 26)

Mas, o que nos interessa neste estudo é a repetição das categorias


precariedade, provisoriedade, solidariedade, sofrimento, trabalho e superação
nos fragmentos de memória apresentados.
Silva e Menezes trabalham com relatos de memória de nordestinos que
migraram para São Paulo nas décadas de 1960 e 1970, recorte de tempo e
espaço também trabalhados por Cinthia Xavier da Silva e Heloisa Pait em
“Memória e vivência: Como as histórias da migração nordestina são contadas”.
Nos dois estudos, sofrimento e superação se fazem elementos centrais mas, se

53
aquelas focam na importância das redes de apoio para a superação dos
desafios impostos pela experiência de migração, essas escolheram lidar com o
como a experiência é transmitida para as gerações posteriores e, é justamente
nesta transmissão que deixam emergir as memórias de violência, na maioria
das vezes relacionadas ao excesso de trabalho, que muitas vezes se inicia
ainda na infância.
Em um pequeno salto no tempo, Dornelas em “Migrações
contemporâneas: Desafios para a acolhida e a integração social a partir da
pastoral do migrante” reitera a relação entre migração, refúgio e violência
defendendo que as travessias se fazem sob violência de todo tipo, “constituindo
uma contínua tragédia humanitária” (2018, p. 123). Para ele:

As diásporas modernas têm origem em amplos fenômenos de


migração do século passado, que se amplificam com a globalização
da economia, fomentadas pelas facilidades de deslocamento e de
comunicação. Trata-se de dispersão que também é intensificada por
uma somatória de causalidades que vão além das causas
econômicas. O aumento dos conflitos armados no mundo, a violência
do crime organizado, os diferentes níveis de perseguição política,
étnica e religiosa, sem contar os efeitos do desequilíbrio ambiental,
vêm originando outras formas de deslocamentos de refugiados.

Dornelas analisa os fluxos contemporâneos de haitianos. Para ele, o


Haiti promoveu uma verdadeira diáspora desde meados do século XX motivada
pela precariedade econômica, pela instabilidade política e, mais recentemente
em 2010, pelo catastrófico efeito de um terremoto em Porto Príncipe. Dezenas
de milhares de haitianos entraram no Brasil das formas mais diversas, no
entanto, a instabilidade política e financeira faz com que migrem novamente,
afirma.
Para além da mescla de motivações e causalidades que expulsam os
indivíduos de seus territórios e da instabilidade política e financeira que
impedem ou dificultam a fixação deles no Brasil, em âmbito internacional, a

54
questão das migrações estão envoltas, ainda, em ações criminosas de tráfico
de pessoas e prostituição, denuncia Dornelas.
Conforme anunciado, os relatos anteriores demonstram que a violação à
dignidade humana é uma frequente na experiência de deslocamento do
migrantes e refugiados ao longo da história dos séculos XIX, XX e XXI, pelo
menos. No entanto, as políticas públicas em defesa desses indivíduos são fruto
dos debates acerca dos Direitos Humanos, movimento que nasce apenas no
bojo do pós guerra (meados do século XX).
Em “Migrantes sob a perspectiva dos direitos humanos”, Fláva Piovesan
(2013) apresenta Direitos Humanos como proteção da dignidade humana e
prevenção do sofrimento. Para ela, trata-se da defesa do direito à diferença e
da busca pela alteridade a partir do princípio básico de igualdade formal de
direitos.
É importante apontar para a luta internacional pelos Direitos Humanos na
chave da diferença pois, como ela mesma demonstra, a diferença entre os
seres humanos foi o fundamento para as mais graves violações de direitos da
história da humanidade (escravidão, nazismo, sexismo, homofobia e
xenofobia para citar os mais presentes nos debates públicos). E, neste
sentido, a evidente relação entre migração, refúgio e a violação de direitos é
que motiva, no âmbito da política internacional, ações específicas.
Para Piovesan:

O deslocamento forçado de pessoas, por si só, é reflexo de um


padrão de violação de direitos humanos, levando, por sua vez, a
outras violações. Na ordem contemporânea, aos refugiados políticos
do passado aliam-se os refugiados econômicos do presente, na
medida em que o crescente fluxo de deslocamento de pessoas tem
como razão a negação de direitos sociais básicos sob a forma da
miséria, pobreza e exclusão social. Emerge, ainda, a categoria de
refugiados ambientais, tendo em vista que, de igual modo, os danos
ambientais têm gerado um crescente fluxo migratório, com o
deslocamento forçado de pessoas compelidas a lutar por novas
condições de vida em outras regiões e países. A Cruz Vermelha

55
estima que há no mundo hoje mais pessoas deslocadas por desastres
ambientais do que por guerras. Até 2010, a ONU contabilizava 50
milhões de refugiados ambientais (2013, p. 143)

No referido artigo Piovesan afirma que, adotada pela Resolução n.


45/158 da Assembleia Geral da ONU, de 18 de dezembro de 1990, a
Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de todos os
Trabalhadores Migrantes e dos Membros de suas Famílias entrou em vigor
em 1º de julho de 2003, nos termos de seu artigo 87, mas que antes disso:

a problemática dos direitos dos trabalhadores migrantes já havia sido


objeto de convenções da OIT, destacando-se a Convenção n. 97
(1949), a respeito de trabalhadores migrantes, e a Convenção n. 143
(1975), relativa às migrações em condições abusivas e à promoção
da igualdade de oportunidades e de tratamento dos trabalhadores
migrantes.
No âmbito da ONU, a primeira preocupação expressa com relação
aos direitos dos trabalhadores migrantes foi em 1972, quando o
Conselho Econômico e Social, por meio de sua Resolução n. 1.706
(LIII), alertou para os problemas de transporte ilegal de trabalhadores
para países europeus e de exploração de trabalhadores de países
africanos em condições similares à escravidão e ao trabalho forçado.
No mesmo ano, a Assembleia Geral, em sua Resolução n. 2.920
(XXVII), condenou a discriminação contra trabalhadores estrangeiros,
demandando dos Estados que colocassem um fim a essa prática,
melhorando os procedimentos de recepção de trabalhadores
migrantes (idem, p. 140).

O que chama atenção é que o conjunto de violências sofridas pelas


pessoas que se deslocam é a mesmo ao longo de todo intervalo histórico
abordado pelos autores aqui citados. Em resumo, podemos apontar como
recorrente os relatos de escravidão por débito, tortura, confinamentos ilegais,
privação de acesso aos serviços de saúde e educação, privação de acesso ao
direito à moradia e alimentação dignas e a xenofobia (para não mencionar a

56
retenção de passaportes nos casos mais contemporâneos e os casos de
violação sexual que dá especificidade para a experiência de gênero da
migração e do refúgio). O que significa dizer que mesmo com as políticas de
proteção internacionais, os Estados têm feito pouco para a efetivação da
erradicação do problema.
Manter viva a memória das experiências é, sem dúvida, forma de resistir
contra a invisibilidade da questão e manter o debate público vivo. Neste
sentido, museus são ferramentas políticas de construção e manutenção de
memórias coletivas, de elaboração de discursos e de educação para a crítica.
É tendo em vista essas potencialidades que se faz importante entender como,
por meio de sua exposição de longa duração, o Museu da Imigração do
Estado de São Paulo se debruça sobre a questão.
O texto de abertura da exposição dá o tom que vai tomar, de forma geral,
a exposição. Aqui fica clara a busca de alinhamento entre o discurso
museológico e o debate acerca do Direitos Humanos, quando o texto aponta
para o direito à diferença e igualdade de direitos, conforme debate
apresentado acima. No texto da parede se lê:

Migrar: Mover-se de uma região à outra; sair em busca do sonho, da


prosperidade, de alternativas ou na falta de todos eles; partir. O migrante é
necessariamente alguém partido: uma vida permanece em sua origem, outra
se lança num novo destino, incompleta. Nesse movimento, homem e destino
se constroem continuamente, reelaborando práticas, afetos e identidades.
O Estado de São Paulo é um destino de migrações, tendo crescido desde o
período pré-colonial no entroncamento de culturas diversas. Essa
diversidade, historicamente a maior riqueza paulista, é o que nos faz iguais
em nossas diferenças. Numa panorâmica de histórias e memórias, a
exposição do Museu da Imigração propõe uma imersão em percursos
afetivos de migrantes nacionais e internacionais de ontem e hoje. Trazendo
objetos-testemunhos, imagens e depoimentos, a exposição compõe um
vitral único e plural das migrações em São Paulo, pronto para ser iluminado
pelas nossas experiências pessoais.

57
Assim, o Museu da Imigração cumpre sua função essencial: provocar a
descoberta do outro em nós ao encurtar as distâncias culturais, estimulando
o respeito à diferença por meio do conhecimento.

Esse pequeno texto nos dá elementos para abrir discussões acerca de


muitas questões relativas aos discursos sobre as migrações mas, como todo
discurso é fruto de escolhas, proponho que nos atentemos a dois pontos
específicos: 1) A diversidade enquanto maior riqueza paulista, reforçando o já
tão debatido, mas ainda não superado, discurso de democracia racial; e 2) As
expressões “panorâmica de histórias e memórias” e “imersão em percursos
afetivos de migrantes” que dão o tom do discurso museológico aqui proposto,
fruto sim de uma seleção e que aqui a escolha feita foi por trabalhar as
relações afetivas entre a história e a memória da migração.
Na perspectiva posta, o museu se coloca na função de educar para o
respeito à diversidade, educar para a não violência, e adota como
metodologia a construção coletiva da empatia pelas vias afetivas, por meio da
partilha pública de “nossas experiências pessoais”. É um convite.
No entanto, entrar na exposição é dar de frente com a obra de Nuno
Ramos “É isto um homem?”, inspirada no livro de mesmo nome onde Primo
Levi descreve suas experiências no campo de concentração de Auschwitz.
O texto que apresenta a obra é o seguinte trecho do livro:

A Torre do Carbureto, que se eleva no meio da fábrica e cujo topo


raramente se enxerga na bruma, fomos nós que a construímos. Seus
tijolos foram chamados ziegel, briques, tegula, cegli, kamenny, bricks,
téglak, e foi o ódio que os cimentou; o ódio e a dicórdia, como a Torre
de Babel, e assim a chamamos: Babelturm, Babelturm, e odiamos
nela o sonho demente de grandeza de nossos patões, seu desprezo
de Deus e dos homens, de nós, homens.

Sendo a experiência do nazismo uma das mais graves violações de


direitos da história, cuja motivação foi a diferença entre os seres humanos,
conforme já mencionado e, sendo o ódio o oposto do afeto, conforme nos

58
aponta qualquer dicionário em língua portuguesa, em uma distância de poucos
metros uma possível contradição se põe. Ou, como já anunciado por Paiva:

a mensagem inscrita na recepção do visitante é negada no transcurso


da exposição. Deslocamento ou fratura discursiva, o fato é que a
instalação e o discurso expositivo não dialogam entre si, denotando
que o discurso curatorial propõe um exercício de superação da
mensagem inicial (2015, p. 09).

Primo Levi inicia o relato de sua experiência no campo de concentração


com o questionamento “É isto um homem?” seguido do poema abaixo que,
retira o leitor do conforto de sua condição humana e, numa experiência verbo-
sensorial, o joga no meio da rotina não-humana de um campo de concentração.
O homem e a mulher descritos por Primo Levi não valem mais do que o tijolo
que edifica a Torre do Carbureto, mas feitos de carne e osso, quando
colocados à condição de tijolo, morrem. E, nas palavras de Levi, é preciso
dizer, é preciso que não se esqueça.

Vocês que vivem seguros

em suas cálidas casas,

vocês que, voltando à noite,

encontram comida quente e rostos amigos,

pensem bem se isto é um homem

que trabalha no meio do barro,

que não conhece paz,

que luta por um pedaço de pão,

que morre por um sim ou por um não.

Pensem bem se isto é uma mulher,

sem cabelos e sem nome,

sem mais força para lembrar,

vazios os olhos, frio o ventre,

59
como um sapo no inverno.

Pensem que isto aconteceu:

eu lhes mando estas palavras.

Gravem-na em seus corações,

estando em casa, andando na rua,

ao deitar, ao levantar;

repitam-nas a seus filhos.

Ou, senão, desmorone-se a sua casa,

a doença os torne inválidos,

os seus filhos virem o rosto para não vê-los (LEVI, 1988, p. 09).

Conforme a imagem abaixo, o texto que apresenta e abre a exposição


e o trecho de Primo Levi que compõe a instalação de Nuno ramos dividem o
mesmo vértice que separam duas paredes, cada qual com um deles. A
instalação “É isto um homem?” convoca o visitante a refletir sobre a
desumanização do migrante e sua dura e pesada relação com o trabalho e, a
partir de sua estrutura principal, indica as dificuldades relativas aos
deslocamentos. “É isto um homem?” é o sinal do trauma das experiências de
(i)migração.

60
Figura 6: Vista da entrada da exposição

Fonte: Imagem original extraída do aplicativo Google Arts & Culture

Seguindo a ordem dos módulos conforme a concepção do plano da


exposição, o visitante segue para a sala “Diáspora”. Essa sala apresenta o que
se pode considerar o principal ponto de atualização do discurso museológico da
instituição. Essa sala anuncia a ampliação do recorte temporal e do
entendimento acerca do conceito de migração. Migrações são apresentadas
como “tão antigas quanto à própria humanidade e a definem”, conforme pode-
se ver abaixo:

Se quiséssemos contar a história da espécie humana resumidamente, desde


suas origens remotas, ela poderia ser escrita por meio de uma série de
narrativas de migração e expansões demográficas e migrações que se
sucederam ao longo dos milênios. A nossa espécie Homo sapiens tem uma
origem bem definida na África, de onde se expandiu para a Europa e a Ásia,
e depois para a América e Oceania. Essa expansão levou, ao longo dos
milênios, à colonização de todo o planeta Terra. Expansões demográficas e
migrações, portanto, são tão antigas quanto à própria humanidade e a
definem. Desde a origem dos tempos, nossos ancestrais têm atravessado
continentes e oceanos – no início a pé ou de barco, e depois utilizando os
meios de transporte mais modernos – em viagens realizadas por razões de
sobrevivência, políticas, econômicas, religiosas ou até mesmo pela simples

61
curiosidade de conhecer outros lugares. Foram essas migrações que fizeram
com que nossa espécie seja a de maior distribuição geográfica pelo planeta.

Se por um lado essa ampliação dá condições de pensar a migração


fora da chave da “grande imigração”, cujo centro do discurso sempre foi a
experiência italiana, por outro, dá margens a um discurso generalista e de
pouco aprofundamento, comprometendo o olhar para as experiências
individuais e as identidades proposto no texto inicial.

Figura 7: Vista da sala “Diáspora”

Fonte: Imagem extraída do aplicativo Google Arts & Culture

A sala seguinte, “Imigração no Brasil”, objetiva explorar os


deslocamentos como uma permanente na história do território que hoje
chamamos de Brasil e, ainda que aponte para alguma especificidade referente
aos deslocamentos de indígenas, europeus e africanos escravizados para e
pelo território, apresentadas em 3 distintos conjuntos audiovisuais, o ponto
central do debate neste espaço é contribuição cultural de cada um desses
grupos para a construção da identidade nacional, conforme se vê abaixo:

62
Ao longo do tempo, muitos povos passaram pelo extenso território que hoje
é o Brasil. Embora alguns desses movimentos tenham sido ainda anteriores à
chegada dos portugueses, em 1500, é impossível negar que a colonização
seja um marco em nossa história. A lógica desse sistema colocou o Brasil na
rota entre os continentes europeu e africano tornando o deslocamento de
pessoas pelo Oceano Atlântico até mais importante que fluxo de produtos
economicamente desejáveis. Aos indígenas nativos, somavam-se colonos,
escravos, traficantes e exploradores. Alguns estavam somente de passagem
por aqui, mas muitos ficavam; alguns vinham por vontade própria, enquanto
tantos outros eram forçados a vir.

Após a independência do Brasil, em 1822, deu-se importância à identificação


de que era ou não nacional – “estrangeiro” e “imigrante” eram palavras que
materializavam feições mais delineadas a partir de então. A crise do sistema
escravocrata colocou a questão da mão de obra no centro das atenções, no
mesmo momento em que se pretendia definir quem era o brasileiro, e que
“embranquece-lo” era questão de ordem. Assim, a vinda de estrangeiros,
principalmente de famílias europeias para povoar e trabalhar as terras
nacionais, foi uma solução apoiada pelos governos. De lá para cá, milhares
de pessoas aqui aportaram com o sonho de “fazer” a América - e de “fazer”
o Brasil, São Paulo e a si mesmas.

Essa sala também apresenta uma importante atualização acerca da


migração que é a inclusão do deslocamento forçado de africanos escravizados.
Ainda que não haja consenso acadêmico a esse respeito, a inclusão desta
perspectiva é um convite à complexificação do debate, sem dúvida. No entanto,
o que se vê não é um aprofundamento do entendimento acerca dos conceitos
de migração, mas um reforço do antigo discurso da democracia racial, figurada
na riqueza cultural dos povos miscigenados e cosmopolitas, ignorando todo o
conflito que envolve essas relações.

Outro ponto a se observar é o quanto a experiência do negro


escravizado e do indígena está atrelada ao passado colonial e escravagista -
nas rotas afro-atlânticas nesse segundo caso - e encerrada nesta etapa da

63
exposição. Se a proposta discursiva inicial é apontar para a longa duração na
história dos deslocamentos dos grupos humanos, a prática discursiva aloca
cada grupo em um determinado trecho da história.

O discurso expositivo ignora os deslocamentos internos dos negros


escravizados, assim como os deslocamentos dos libertos pós abolição. Ainda
que aponte para alguma efeito notado no presente, ignora também que as
razões que faziam com que os grupos indígenas se deslocassem durante o
período colonial estão longe da superação, o que significa que o deslocamento
seguiu sendo uma das estratégias de sobrevivência desses povos.

Na parede se lê:

Embora não exista um consenso sobre como e quando os primeiros seres


humanos chegaram ao território brasileiro, sabemos que, uma vez aqui, eles
se espalharam por praticamente todas as regiões. A diversidade dessas
populações era enorme e várias delas tinham os deslocamentos territoriais
como parte do seu modo de vida.

A chegada dos europeus significou mudanças importantes nos hábitos de


diversos grupos, assim como nas paisagens. Na tentativa de escapar à
dominação e a fim de garantir sua sobrevivência ameaçada pelas epidemias,
pela fome e pela escravidão, populações nativas deslocavam-se em direção
aos remotos sertões ou às densas florestas, deixando para trás as terras que
habitavam.

Assim, falar da história dos indígenas no Brasil significa tratar de processos


migratórios, tanto dos quais faziam parte de seus modos de vida
tradicionais, como daqueles impulsionados pela vinda dos colonizadores
europeus. Atualmente, são poucas as populações que ainda ocupam os
territórios em que tradicionalmente viviam e dificilmente paramos para
pensar no que essa movimentação acarretou. Você já tinha se atentado a
isso?

64
Na sala “As Hospedarias no Contexto das Migrações” o visitante
conhece os dados numéricos sobre o fluxo migratório conhecido como Grande
Imigração”. A contribuição desta sala para o debate é a apresentação da
existência das hospedarias de imigrantes como política pública internacional
(com os exemplos de Kobe, no Japão; Bremen, na Alemanha e Gênova, na
Itália) e que a construção da hospedaria que existiu no prédio onde hoje está o
Museu é fruto de uma complexa rede de relações político-histórico-econômicas
que fomentou a existência de outras hospedarias no Brasil. Conforme o texto
de parede desta sala:

Entre o século XIX e a I Guerra Mundial (1914-1918), os deslocamentos


populacionais ganharam uma magnitude até então desconhecida. De 1820
até 1914, migraram para o continente americano aproximadamente 50
milhões de pessoas, provenientes principalmente da Europa e da Ásia,
tornando necessárias novas e complexas estruturas de alojamento.

Quadro numérico dos imigrantes para EUA, Canadá, Argentina e Brasil

Imigração para o continente Americano (1820-1914)

Fonte: Boletim do Departamento de Imigração e Colonização. São Paulo:


Secretaria da Agricultura, Indústria e Comércio, n.5, dez. 1950. p. 139-140

As hospedarias de imigrantes, estruturas comuns em ambos os lados do


processo, migratório- saída (emigração) a chegada (imigração) – e típicas
desse período de grande fluxo populacional, cumpriram uma função de
destaque na dinâmica dos deslocamento populacionais, localizadas, em sua
maior parte, próximas aos principais portos de entrada ou ainda em ilhas,
concentravam os trâmites de aferição de documentos, controle médico-

65
sanitário, registro e encaminhamento dos imigrantes para os locais de
trabalho. O estado de São Paulo, um dos principais destinos da emigração
para o Brasil, também contava com a estruturas para recebimento, abrigo e
encaminhamento de trabalhadores e seus familiares. A hospedaria mais
importante, no entanto, não foi construída no porto de Santos – embora
houvesse um espaço de acolhimento naquela cidade -, mas na capital, mais
especificamente no bairro paulistano do Brás. Essa escolha deveu-se a
existência de uma malha ferroviária que se irradiava a partir da cidade de
São Paulo. Assim, pode - se dizer que a hospedaria de imigrantes do Brás
foge à regra das demais, portuárias ou insulares, mas o fato de sua estrutura
contar com muros altos e acessos de entrada e saída bastante restritos
tornava- a bastante similar a uma “ilha de acolhimento” no meio da cidade.

Ao que diz respeito à experiência da migração, a sala aponta para o


sofrimento pelo qual passavam os imigrantes do outro lado do processo (no
ponto de origem) e que serviram de motivação para o deslocamento. No
entanto, como se verá mais adiante, o sofrimento e o trauma são partes das
experiências que, segundo o discurso museológico, estão localizados no ponto
de origem e no deslocamento, depois disso, pouco - quase nada - se fala a
respeito. Em contraponto, o Museo Nazionale dell’e Imigrazione, na Itália,
modelo referência para a concepção do Museu da Imigração do Estado de São
Paulo, conforme apontado por seu Plano Musológico, aponta para as
dificuldades e as experiências traumáticas dos italianos emigrados em seus
pontos de destino, com relatos de doenças, segregação, péssimas condições
de trabalho e vida doméstica e morte.

66
Figura 8: Vista da sala “As Hospedarias no Contexto das
Migrações”

Fonte: Imagem extraída do aplicativo Google Arts & Culture

A “Travessia: A Viagem” está localizada em um cantinho discreto,


quase despercebida entre um módulo e outro, mas traz, pela primeira vez na
exposição, um elemento importante para o debate: o conflito.

O tempo de viagem não dependia apenas da rota e das escalas que


eram realizadas, mas principalmente do sistema de funcionamento
dos navios. Neste sentido, o surgimento das embarcações a vapor foi
um marco importante na diminuição dos percursos, uma vez que não
se estava mais à mercê dos ventos, como ocorria com os navio à
vela. Era comum que os emigrantes ficassem semanas a bordo,
compartilhando o parco espaço disponível com outras centenas de
pessoas, dia e noite. Gincanas e festas eram organizadas para passar
o tempo, mas havia também momentos de tensão, com rebeliões a
bordo, por conta das más condições. O maior drama, sem dúvida,
eram as mortes, muitas vezes causadas por infestações devidas à
aglomeração de viajantes e às precária condições de higiene. Nesses
casos os corpos eram lançados ao mar.

67
Figura 9: Vista da sala “Travessia: A Viagem”

Fonte: Imagem extraída do aplicativo Google Arts & Culture

Em “A Hospedaria do Brás”, espaço que apresenta informações sobre


a edificação em seus aspectos construtivos e sobre os serviços fornecidos
quando dos seus primeiros anos de funcionamento, mais uma vez o sofrimento
figura como experiência do passado anterior à chegada na hospedaria:

Após experiências precárias de alojamento de imigrantes na capital


paulista, em 1886 foi iniciada a construção da Hospedaria de
Imigrantes no bairro do Brás, que passaria a funcionar um ano depois
[...]. Os recém chegados seguiam para o setor médico para vacinação
contra doenças típicas do novo contexto e para o setor de banho. Em
seguida, eram encaminhados para o setor de matrícula, para serem
registrados e receberem um cartão de rancho, no qual eram
marcados o vapor em que vieram, a nacionalidade e o número de
refeições a que tinham direito, de acordo com as respectivas idades.
Posteriormente, dirigiam-se ao refeitório, onde eram servidas as
refeições preparadas na própria Hospedaria. Ao fim do dia, seguiam
para os alojamentos localizados no térreo e no primeiro andar do
edifício.

Toda a estrutura de serviços que atendia aos imigrantes na Hospedaria


é representada por uma série de fotografias expostas nesta sala. Os

68
representados são migrantes internos e as fotografias são parte do material
enviado ao exterior para as propagandas de promoção da política de atração
de mão de obras estrangeira do estado, no entanto, não há na nenhuma
menção a essa propaganda que, como sabemos, foi bastante questionável no
que diz respeito a veracidade das informações transmitidas.

Sobre a migração interna, mais uma vez os problemas, conflitos e


fontes de sofrimento e trauma estão localizados no ponto de origem, enquanto
razão para migrar. Ainda nesta mesma sala, a mensagem transmitida é:

Desde o início de suas atividades, a Hospedaria de Imigrantes


abrigou trabalhadores brasileiros vindos de outros estados. A primeira
menção a migrantes nos livros de registro data de 1888, quando um
grupo de cearenses passou por suas dependências. No entanto, até a
década de 1930, o fluxo de nacionais foi bem menor que o de
estrangeiros. Dois fatores explicam a migração interna em fins do
século 19 e primeiras décadas do século 20. As secas periódicas no
sertão nordestino e a existência de regiões em processo de
estagnação econômica - como foi o caso de áreas produtoras de
cana-de-açúcar em Pernambuco ou de algodão em vários estados
nordestinos - impulsionaram milhares de pessoas a buscarem, a partir
das últimas décadas do século 19, a possibilidade de um recomeço
nas regiões mais ao sul do país. Por outro lado, a necessidade
crescente de mão de obra inicialmente para a cafeicultura, e depois
para a industrialização, aliada a uma legislação restritiva à entrada de
estrangeiros e uma política de nacionalização de mão de obra nos
anos 1930, explicam o aumento da entrada de migrantes internos no
estado de São Paulo.

A partir da década de 1960, a questão da escassez de mão de obra


deixou de ser um problema, principalmente por conta do
estabelecimento de um fluxo contínuo de migrantes para São Paulo e
da mecanização do campo. Assim, a migração interna passou a ser
muito mais uma questão de assistência social, o que explica, em
parte, a transferência da Hospedaria de Imigrantes do Brás para o
âmbito da Secretaria de Estado da Promoção Social.

69
Aqui, para além do conflito, outra ausência é sentida. Se o esforço
discursivo seria o de localizar as experiências de migração na longa duração
trazendo-a, inclusive, para o tempo presente, porque não tratar dos fluxos de
retorno tão importantes social, política e economicamente quanto os fluxos de
partida?

A sala “Cotidiano” é um espaço cenográfico que expõe uma infinidade


de objetos descontextualizados mas, de maneira esteticamente muito atraente,
mas que induz o visitante a entender que a experiência do conjunto total de
migrantes que passaram pela Hospedaria foi a mesma, e que essa experiência
tem como bases fundamentais a ordem, o conforto e a segurança
proporcionada pelos agentes do estado, ideia que é endossada pela seleção de
cartas de chamado expostas, elogiosas e de teor otimista.

Por se tratar de uma sala para a experiência sensorial e imersiva, não


há textos de parede. Há apenas uma introdução do lado externo da sala que
diz:

Os imigrantes e migrantes que passaram pela Hospedaria do Brás


têm aqui sua trajetória apresentada por meio de dois ambientes
emblemáticos - o dormitório e o refeitório -, espaços cenográficos que
buscam trazer um pouco do dia a dia, dos sonhos e das aspirações
dos indivíduos que no passado conviveram temporariamente nesses
ambientes.

Figura 10: Vistada sala “Cotidiano” - refeitório

70
Fonte: Imagem extraída do aplicativo Google Arts & Culture

Figura 11: Vista da sala “Cotidiano” - dormitório

Fonte: Imagem extraída do aplicativo Google Arts & Culture

O trabalho é indiscutivelmente o ponto nevrálgico da experiência de


migração e é também, segundo os relatos apresentados acima, o ponto de
maior tensionamento e crise, todavia, o foco da abordagem na sala “Campo e
Cidade” é o da contribuição do trabalho migrante no processo de
desenvolvimento do Estado. No texto de parede se lê:

71
Ao chegarem no novo país, os imigrantes buscam diferentes
ocupações e lugares para morar. As cidades que cresciam, as
pequenas fábricas e as ferrovias em construção, para além das
colônias agrícolas, apresentavam alternativas de moradia e novos
ofícios para essa população.

O processo de industrialização do interior do Estado está


profundamente conectado à movimentação dos imigrantes. A partir da
Hospedaria de Imigrantes, os recém chegados espalhavam-se em
diferentes regiões em busca de trabalho e de um novo lar. Uma parte
desse contingente, que já conhecia as fábricas e às novas produções.
A experiência dessa população contribuiu sensivelmente para a
criação e consolidação da industrialização no Estado de São Paulo.

Seja como empreendedores ou mão de obra operária, as tradições


desses imigrantes - que muitas vezes permanecem nos filhos e netos,
que também aprenderam com essa geração e levam seus negócios
adiante até hoje - estão enraizadas na história de São Paulo.

Assim como na sala cotidiano (e em outros momentos da exposição),


objetos são expostos de forma descontextualizada num esforço estético que
tem o objetivo de produzir sensação. Numa vitrine escura que ocupa a
totalidade da extensão de uma parede, os objetos são iluminados de forma que
é possível enxergar um de cada vez, sem que seja possível ter visão total do
conjunto. Concomitantemente, são acionados monitores com informações
acerca de três categorias analíticas que compõem a experiência da migração,
as quais se relacionam os objetos - Trabalho, Lazer e Vida doméstica. No
monitores, em dois momentos específicos, o visitante tem acesso à intenção da
curadoria com a seleção de objetos, a saber: “Na vitrine, estão presentes
objetos que simbolizam os diversos tipos de trabalho realizados pelos
imigrantes que aqui chegaram” e “Os objetos aqui expostos nos trazem
aspectos a respeito da vida doméstica dos imigrantes que se estabeleceram
em São Paulo”.

Ainda nesta sala, quando os monitores passam a tratar do tema


trabalho, o sofrimento enquanto parte da experiência é insinuado, mas ainda de
72
forma a suavizar o discurso, não apontando para os conflitos relacionados à
questão. Assim se lê:

O trabalho era realizado por toda a família: homens, mulheres e


crianças. A vida na nova terra não era fácil.

O trabalho era pesado e muitas vezes mal remunerado.


Frequentemente surgiam reclamações de maus-tratos e abusos
cometidos pelos donos da terra, ainda acostumados com a lógica
escravagista.

Figura 12: Vista da sala “Campo e Cidade”

Fonte: Imagem extraída do aplicativo Google Arts & Culture

Em “São Paulo, Cidade Cosmopolita”, como na sala anterior, o foco é o


da contribuição do trabalho migrante para o processo de desenvolvimento do
Estado. Mas, o que mais chama atenção no texto concebido para esta sala é o
convite feito ao visitante para abstrair dos conflitos característicos da cidade de
São Paulo para poder apreciá-la a partir da dimensão da experiência de
afetividade, conforme pode-se ler abaixo:

73
"...um cosmopolitismo genuíno é antes de mais nada uma orientação,
uma disposição para entrar em contato com o Outro. Implica uma
abertura intelectual e estética em direção a experiências culturais
divergentes, uma busca por contrastes, mais do que por
uniformidades." (1996, p. 103). Ulf Hannerz, antropólogo.

São Paulo foi até 1870 uma “cidadezinha” com não mais do que 24
mil habitantes. Com a expansão da lavoura cafeeira para exportação
e, em seguida, com a industrialização, esse cenário se transformou. A
presença de amplos contingentes populacionais de fora, tanto do
exterior como de outras regiões do país, foi determinante para que a
cidade crescesse de forma rápida, exponencial. Tal processo refletiu
profundamente na vida familiar e doméstica de seus habitantes, nas
instituições políticas, na religiosidade, nas estratégias relativas à
saúde, na sociabilidade e no entretenimento, na oferta de novos
ofícios e de técnicas construtivas, nas expressões artísticas, enfim,
nos mais diversos aspectos da vida da cidade - tudo resultando numa
variedade de modos de vida que combinou particularidades e traços
distintivos.

Ao invés da visão da São Paulo hoje marcada pela violência,


problemas sociais, trânsito caótico, etc., podemos apreciá-la a partir
de outro ângulo: a da “cidade global”, inserida num circuito mais
amplo, mundial, por onde circulam pessoas, mercadorias, recursos.
Um lugar que oferece a seus moradores e visitantes uma das faces
de seu cosmopolitismo: uma cidade de oportunidades e trocas.
Trocas, no mais amplo sentido: de objetos, produtos e serviços, mas
também, e principalmente, de símbolos, valores, experiências e
histórias.

“Bom Retiro, Mooca, Santo Amaro, Brás” materializa o convite feito ao


visitante na sala anterior e mostra São Paulo a partir das referências afetivas
que estabelecemos com a cidade. Num exercício de construção de empatia,
expõe a relação destas memórias com as experiências de migração de
múltiplos povos. Esta sala tem o potencial de, a partir das referências afetivas
da colaboração cultural cultural dos povos na construção do cosmopolitismo
paulista, reintegrar o negro e o indígena brasileiro ao debate, mas não o faz.

74
Num único exemplo, porém significativo, na categoria “Religiosidade”, entre as
centenas de imagens expostas não havia um único terreiro representado, ainda
que estes figurem na cidade em números e importância social significativos.

O texto proposto para esta sala diz o seguinte:

São Paulo é dividida, desde 1992, em 96 distritos estabelecidos pela


prefeitura. Cada uma dessas localidades político-geográficas guarda
registros das múltiplas ocupações que marcaram sua história. Como
um primeiro registro da riqueza da cidade, o Museu da Imigração
apresenta neste módulo um mapeamento afetivo, histórico e
antropológico de quatro bairros: Santo Amaro, Brás, Mooca e Bom
Retiro. Essa jornada fotográfica e audiovisual documentou as marcas
dessa São Paulo cosmopolita em seus estabelecimentos comerciais,
nos restaurantes, na arquitetura, em festas e também em outros
espaços de sociabilidade.

Figura 13: Vista da sala “Bom Retiro, Mooca, Santo Amaro, Brás”

Fonte: extraída do aplicativo Google Arts & Culture

Fechando a exposição, “Imigração Hoje” concretiza o plano inicial de


trazer o debate para a contemporaneidade. Todavia, não se trata de alocar a

75
experiência no tempo da longa duração (o que poderia ser feito a partir da
experiência de indígenas e das populações de origem africana, por exemplo),
mas mostrar como o longo do tempo produz múltiplas experiências similares
(referindo-se aos novos fluxos), cujo ponto comum é o deslocar-se em busca
de novas oportunidades.

Ainda que sem apontar para as especificidades dos problemas


enfrentados por cada grupo populacional ao deslocar-se, o texto proposto para
esta sala deixa saber que a experiência comum da migração é permeada de
problemas também comuns, conforme segue:

Ao longo da história, é possível registrar mudanças de ritmo,


intensidade, direção e motivação nos processos migratórios. Países
que já foram polos de emigração hoje são procurados como ponto de
chegada, principalmente por parte de contingentes populacionais
oriundos das ex-colônias-é o que ocorre, por exemplo, na Inglaterra,
França, Itália, em Portugal ou na Espanha. Outros países, como
Estados Unidos e Canadá, tradicionais polos receptores de correntes
migratórias provenientes principalmente da Europa, hoje recebem
levas e mais levas de latinos-americanos.

É sabido que as pessoas que migram, tanto hoje como em tempos


passados, sempre enfrentaram problemas de adaptação, situações de
exploração e rupturas com suas tradições culturais e com seus
vínculos familiares. Hoje em dia, porém, tendo em vista os
impressionantes números que quantificam o volume desses
deslocamentos por todo o mundo, tais problemas assumem
proporções até então desconhecidas.

No panorama brasileiro, continuamos a receber imigrantes de todo o


mundo, agora em outro ritmo, mas também somos um polo de saídas.
São Paulo, porém, ainda se constitui em um centro receptor
significativo de correntes migratórias internacionais: são provenientes
da América Latina, da África e do Extremo Oriente os novos rostos
que, entre outros, testemunham a continuidade da vocação do estado
de São Paulo como local de acolhida.

76
Figura 14: Vista da sala “Imigração Hoje”

Fonte: extraída do aplicativo Google Arts & Culture

São os problemas comuns que apontam para o padrão de


comportamento político-social que as políticas internacionais de Direitos
Humanos combatem em nome da defesa da integridade e da dignidade dos
indivíduos migrantes.

Que a violência é parte intrínseca à experiência da migração e que o


Museu da Imigração do Estado de São Paulo fez a escolha discursiva de focar
a abordagem nos aspectos afetivos e não nos conflitos está claro. A partir
disso, no capítulo que segue, buscamos entender se “lugar de memória
traumática” é uma categoria na qual faz sentido entender a instituição.

Por fim, ainda que não tenha sido o objetivo da pesquisa realizada e do
presente texto, e, portanto, não temos as condições necessárias para tratá-lo
aqui, um ponto importante para uma futura reflexão precisa ser mencionado.
Trata-se da relação entre a exposição de longa duração e o edifício.
Odair já havia apresentado a crítica (2015, p. 08) quando aponta para a
total vedação e a desconexão dos ambientes em relação com o prédio. Não é
difícil perceber tal desconexão. Ambientes escurecidos, módulo centralizados
e voltados para o interior de si mesmos e distantes das paredes e janelas
revestidas de forma a esconder o edifício indicam uma relação contrária à

77
proposta pelo Plano Museológico da instituição, que atribuí ao edifício
importância na relação entre história e memória da imigração e para o
cenário museológico brasileiro.
Segundo o documento:

O fato de o Museu da Imigração do Estado de São Paulo se valer da


edificação-símbolo da imigração, que acolheu milhares de pessoas
advindas das correntes imigratórias e migratórias, internacionais e
nacionais, respectivamente, qualificam a Hospedaria do Imigrante
como um objeto-síntese, potencializado pela aura da história vivida e
a ser contada para as futuras gerações. Neste sentido, os trabalhos
de restauração da edificação e as formas de revitalização
museológica ora empreendidas potencializam exponencialmente o
Museu frente às coletividades de imigrantes e migrantes do Estado de
São Paulo, bem como diante do cenário museológico nacional
(EXPOMUS, 2014, p. 11)

Nos parece que a exposição não deveria anular a arquitetura do edifício


principal, mas, se por um lado o Plano Museológico aponta para a importância
do edifício, o Projeto Executivo da Exposição de Longa Duração do Museu da
Imigração do Estado de São Paulo nos indica a tendência de transformação do
lugar em “não lugar” pela ambientação, conforme pode-se ler abaixo:

O piso e o teto são de concreto e as paredes portam a mesma matiz


de cor [...] o material proposto para a construção das salas que
configuram o percurso é a madeira maciça de origem certificada, com
estruturas metálicas cor grafite, que deve ficar aparente do lado de
fora dos seus volumes arquitetônicos. Esses materiais, com suas
cores sóbrias, junto aos tons de cinza das paredes e do piso, devem
criar uma moldura nobre que valorize os documentos e acervos em
exposição. Devem reforçar também a sensação de 'tempo congelado',
aludindo às viagens de trem e navio dos séculos, passado e
retrasado, e à própria hospedaria que sempre utilizou esse material
(Projeto Executivo do Museu da Imigração do Estado de São Paulo
citado por: FERNANDES, 2017, p. 99).

78
Trata-se da construção de um lugar para a experiência dentro de um
lugar da própria experiência histórica.
Importante lembrar que o projeto museográfico foi desenvolvido pelo
arquiteto Felipe Tassara e pela cineasta, cenógrafa, diretora teatral,
dramaturga, iluminadora e figurinista Daniela Thomas o que pode justificar as
opções que favorecem teatralização e a criação de atmosferas ilusórias. A
ambientação, enquanto “arranjo espacial para criar, recriar ou remeter (a) um
determinado ambiente" (SOUZA, 2012, p. 48) foi, sem dúvidas, o partido
estético adotado pela equipe, visível, por exemplo, na Sala Cotidiano, onde "a
ambientação do espaço intenta criar uma atmosfera que parece favorecer a
experiência de visitação, envolvendo o visitante na rotina dos viajantes"
(FERNANDES, 2017, p. 102), sendo essa uma escolha dentre outras opções
de representação do cotidiano.
Em resumo, a exposição não precisava estar neste edifício, ela poderia
ser alocada em qualquer outro, uma vez que está apartada e as escolhas
museográficas e narrativas em nada dependem dele.

Figura 15: Imagem de corredor entre janelas e módulos expositivos

Fonte: Extraída do aplicativo Google Arts & Culture

79
3. Considerações finais

Os debates acerca dos lugares de memória traumática ainda são muito


incipientes no Brasil, todavia, a preocupação com a memória, característica de
nossos tempos, tem colaborado para um crescente olhar para a questão.
Alguns pontos precisam ser mencionados para que possamos
compreender as características fundamentais deste tipo específico de lugar de
memória e, quanto a estes, não há discordância entre os pesquisadores
apontados aqui.
Os lugares de memória traumática são fruto do olhar para os crimes
contra a humanidade característicos do pós Segunda Grande Guerra (no
contexto de Guerra Fria e de emancipação de diversas colônias européias) e
da necessidade de alicerçar políticas globais de direitos humanos. A lógica
tem sido a de revelação da verdade, de culpabilização dos agentes de
violência, de combate à violência, de educação para uma sociabilidade de não
violência. A memória tem sido mobilizada com o intuito de conscientizar sobre
a violência e evitar a sua reprodução em tempos futuros.
Para reparar e prevenir é preciso ouvir as falas de quem foi vítima. Neste
sentido, os lugares de memória traumática emergem no momento em que a
História, e as Ciências Humanas de forma geral, consolida, com a segunda
geração da escola dos Analles, novos paradigmas científicos. Diante da
necessidade de ampliar o debate oficial, dando espaço para os, até então,
excluídos da história, se cria novos interesses e procedimentos de análise
científicos no bojo da Primeira Guerra Guerra mundial (BRAUDEL, 2009;

80
BRESCIANI, 2017). Na América Latina esse processo é datado das décadas
de 1970 e 1980 e é marcado pelos contextos ditatoriais.
Os lugares de memória traumática nascem com o objetivo claro de expor
as violências produzidas pelo Estado. O modelo fundamental deste tipo de
lugar de memória são os espaços a expor a horror produzido pelo holocausto.
A partir dele, outros lugares vão sendo criados pela memória das vítimas do
Aparthaid, das ditaduras na América Latina e, mais recentemente, da
escravidão dos povos africanos no contexto da colonização européia. Em
contraponto à história oficial, os lugares de memória traumática nascem,
geralmente, pela iniciativa de grupos e movimentos sociais que reivindicam
seus próprios lugares de memória (HOFFMAN, 2015; MENESES, 2018;
BOAS, 2018; SOSA, 2019).
A história da instituição que hoje conhecemos como Museu da Imigração
do Estado de São Paulo se inicia pela ação do estado, com a criação do
Centro Histórico do Imigrante, vinculado à Secretaria de Estado da Promoção
Social, em 1986, pelo DECRETO N. 25.173, DE 12 DE MAIO DE 1986, de
Franco Montoro, então governador do Estado de São Paulo. Por tanto, não
foram os imigrantes ou qualquer outro grupo popular ou movimento social a
requerer a hospedaria como seu lugar de memória. Trata-se de um lugar da
memória do Estado de São Paulo.
A partir do que se pode constatar com os exemplos apresentados pelos
autores expostos, um lugar de memória traumática é constituído com o
objetivo claro de expor o trauma (tais quais os memoriais de ditadura, os
museus do holocausto e etc). Nesta perspectiva, as potencialidades
discursivas do recorte histórico musealizado pela instituição não é o suficiente
para inseri-la nesta categoria.
Podemos afirmar a potencialidade do Museu de Imigração do Estado de
São Paulo para o debate acerca das múltiplas violências e violações de
direitos humanos que se mostraram característicos do processo de migração
enquanto permanência histórica, no entanto, é também notável que este não é
o seu objetivo.

81
A exposição de longa duração do Museu da Imigração, principal
ferramenta de comunicação da instituição com o público, revela que o objetivo
é apresentar os processos migratórios e as experiências de migração a partir
da memória afetiva. Ainda que possamos apontar e criticar os limites
pedagógicos e políticos de difundir um discurso sobre migração
desconsiderando a profundidade dos seus aspectos violentos, a instituição faz
a sua seleção/escolha discursiva, o que é legítimo.
Portanto, concluímos que, no sentido atual da expressão, “lugar de
memória traumática” não é uma categoria adequada para o Museu da
Imigração do Estado de São Paulo.
Talvez nos caiba ampliar os limites do entendimento da expressão, uma
vez que é necessário complexificar o debate.

82
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