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Universidade de Pernambuco

Campus Mata Norte


Mestrado Profissional em Educação

Alana de Moraes Leite

“Não é o destino, é a manifestação da violência”: o ensino do Holocausto


como política de memória

Nazaré da Mata
2018
Alana de Moraes Leite

“Não é o destino, é a manifestação da violência”: o ensino do Holocausto como política


de memória

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Educação da Universidade de
Pernambuco, Campus Mata Norte, como parte
dos requisitos para obtenção do título de Mestre
em Educação.

Orientador: Prof. Dr. Karl Schurster Veríssimo de Sousa Leão

Nazaré da Mata
2018
Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)
Campus Mata Norte CMN/UPE
Biblioteca Mons. Petronilo Pedrosa

L533n
Leite, Alana de Moraes .
“Não é o destino, é a manifestação da violência”: o
ensino do Holocausto como política de memória/ Alana
de Moraes. – Nazaré da Mata: o autor, 2018.
113p. :Il.

Orientador: Dr. Karl Schurster Veríssimo de Sousa


Leão.
Dissertação (Mestrado) – Universidade de
Pernambuco. Campus Mata Norte. Mestrado em
Educação, 2018.

1. História do Tempo Presente. 2. Holocausto.


3.História-Ensino. 4. Legislação da Memória. 5.
Traumas Coletivos. I. Título. II. Leão, Karl
Schurster Veríssimo de Sousa. (Orient.).

CDD 23th ed. –907


Rosa Cristina - CRB4/1841
DEDICATÓRIA

In memoriam do Primo Levi, por instituir o


dever de tornar “os outros” participantes.
AGRADECIMENTOS

Comumente começaria os agradecimentos pela instituição de ensino, no entanto, na fase


final da escrita dissertativa agradecer não é uma tarefa fácil. É, como discutido ao longo desta
pesquisa, um exercício de lembrança. Permito-me, então, não estabelecer uma ordem pelo “bom
tom”, tampouco, pela importância que as pessoas assumem em minha vida, a ordem dos
agradecimentos aqui presentes se dá pela maturidade que as palavras adquirem no coração. É
preciso agradecer aqueles que estiveram no início do processo, aos que chegaram no seu
desenvolvimento ou no seu término e também aqueles que na plataforma dessa estação
despediram-se no caminho.
Esta dissertação é resultado das pesquisas desenvolvidas no Grupo de Estudos do
Tempo Presente (HTP – Núcleo UPE), o qual me acompanhou na graduação e ao longo do
mestrado. O primeiro agradecimento, portanto, é ao Prof. Dr. Karl Schurster, cuja convivência
me permite hoje chama-lo amigo. A você, obrigada pela orientação acadêmica e, sobretudo,
humana. Há muito, o poeta, Dostoievski perguntou “o quanto há de humano no ser humano, e
como proteger esse humano em si? ” Não sou capaz de responder o quanto há, já a proteção,
você me deu a resposta: ensine-o a amar e o humano estará preservado. O ambiente colaborativo
do grupo de pesquisa é o que permite seus integrantes crescerem juntos e se chamarem amigos,
a vocês, o meu muito obrigada! Uma menção especial precisa ser feita a Jairo Fernandes,
obrigada por sua leitura atenta, como costuma dizer: “estamos longe, mas estamos aqui”, e a
Alyne Nathalier, a minha personificação de esperança. Ainda no âmbito da Universidade de
Pernambuco, agradeço aos amigos de longa data: Aída Barros, Gilce Kássia, Jéssica Costa,
Leonardo Diniz, Phillipe Ralph, Rayanne Sarandão e Thaíslla Cavalcanti, obrigada por
representarem minha nuvem de paz em meio à turbulência que é o caminho. Podem até duvidar,
mas se não for amor, eu cegue!
Em se tratando do âmbito institucional, agradeço ao Programa de Pós-Graduação em
Educação – Mestrado Profissional – PPGE/UPE: as secretárias – Carla França e Josina Silva, a
todo o corpo docente na pessoa da coordenadora, Prof. Dr. Fátima Gomes, e ao corpo discente,
em especial a turma 3, obrigada pela troca de experiências. A direção da Universidade, Prof.
Maria Auxiliadora Campos, e a professora da graduação, Maria Gilda de Freitas Araújo. Dirijo
ainda meus agradecimentos aos professores que compuseram minha banca, Prof. Dr. Dilton
Maynard e Prof. Dr. Luiz Alberto R. Rodrigues, suas sugestões foram de suma importância
para o resultado final.
No meio do cansaço diário a sempre aqueles que nos assossegam. Elvis Arruda, Vinícius
Soares e Melka Pinto, vocês são os sorrisos leves de dias já dados por perdidos, obrigada por
dividir a vida comigo, no tempo que a vida nos dá. Mirnna Arruda e Erica Priscila, já tem um
tempo que o tempo que nos conhecemos deixou de ser contado, que bom! Quero agradecer pelo
amor sem cobranças, feliz de nós que possuímos a liberdade de trilhar caminhos diferentes sem
desatar nossos nós. Iana Paula Souza, você que é sinônimo de poesia, obrigada por ser
afetivamente responsável e carregar de fato o peso que essa expressão possui. Sua mão esteve
comigo no momento, arrisco dizer, mais difícil que vivenciei durante essa trajetória, a minha
também estará sempre aqui para você. Por fim, agradeço a Lucas Borba, o menino capaz de
compreender todos os estágios da minha TPM, obrigada por sua presença em horas extremas.
O meu agradecimento e incondicional reconhecimento por estar onde estou se dirigem
a minha família. Primeiro, a Magaly Ribeiro de Moraes Leite, à sua vida, mãe, é minha maior
lição, obrigada por ser esse exemplo de força, por ter abdicado de si para ver seus 5 filhos
crescerem, e seguir abdicando. Ao meu pai, Manoel Carlos Ferreira Leite – In memoriam,
agradeço por ter feito de mim a criança que fui, e sinto por não estar aqui, naquela mesa, para
ver a mulher que me tornei, a saudade sua segue doendo em mim. O meu irmão, Dayvdson
Leite, e as minhas irmãs, Adriana de Moraes, Dayana de Moraes, Juliana de Moraes e, aquela
que a vida nos fez irmãs, Karlla Félix para muito além do meu muito obrigada, vocês são meus
exemplos: de determinação, superação e expressão máxima de cuidado. À minha tia, Ana Paula
Moraes, obrigada pelo café na cama enquanto eu estudava para prova (rs), mas para muito,
muito além disso, obrigada por ser colo constante. E ao meu tio, Adson Jordão, obrigada por
ser abrigo, literal e metaforicamente falando. A vozinha mais engraçada do mundo – Iracema
Ribeiro, obrigada pelo amor desmedido. A Yasmin Moraes, e na pessoa dela aos sobrinhos e
primos, a pentelha, obrigada por me explicar o mundo quando eu já não tinha mais a capacidade
de enxergar “carneiros em caixas”.
Ao Prof. Dr. Francisco Carlos Teixeira da Silva, por ser modelo e exemplo maior de
dedicação a todos nós que integramos o Laboratório de Estudos do Tempo Presente.
Ao amor, que com extraordinária capacidade provoca silêncio em quem por essência é
palavra, Paulinho Coelho, obrigada por ser o meu reduto de felicidade ou, como escreveu o
poeta, o meu mundo de vastas emoções. Eu te amo para sempre e a cada dia mais.
Por fim, agradeço a Fé, essa força abstrata que se agiganta dentro de nós, permitindo-
nos viver até o esgotamento da própria vida.
[...] Ninguém deve sair daqui; poderia levar ao mundo, junto com a marca gravada na carne, a
má nova daquilo que, em Auschwitz, o homem chegou a fazer do homem.
Primo Levi. É isto um homem. 1988.

Lembre-se: quando tudo isso passar, temos a obrigação de contar a todas as pessoas o que foi
viver em um período em que as pessoas não sabiam amar.
Karl Schurster. Esther, uma estrela na guerra. 2017.
RESUMO

Esta dissertação tem como objetivo central discutir o Holocausto como fenômeno de crise da
alteridade e suas condições de permanência no tempo presente através do documento “Estas
são minhas últimas palavras...”: cartas póstumas do Holocausto, material organizado pela
Escola Internacional para Estudos do Holocausto do Yad Vashem – museu israelense. Este
trabalho está estruturado com as seguintes temáticas: i) A formação do campo disciplinar da
História do Tempo Presente e as disputas historiográficas em torno do Holocausto; ii) A
Pedagogia de Ensino dos Traumas Coletivos e os estudos da memória, a urgência do ensino,
discutida a partir de uma análise dos atos de violência e manifestação do ódio, no cenário
nacional e internacional, e a contextualização do objeto no Brasil, a partir de leis e materiais de
ensino; iii) O papel da linguagem como via de acesso a alteridade e sua relação direta com o
ensino, por meio disto, fazemos uma análise descritiva, com base na técnica categórica
temática, pertencente a metodologia da análise de conteúdo, e propomos então uma sequência
didática voltada a formação de professores. Compreendemos que a implementação do ensino
por meio das leis e a produção de material como recurso na sala de aula são de suma importância
para a compreensão do Holocausto como um fenômeno que ultrapassa a história de perseguição
a um povo, colocando-se como uma grave crise de negação da alteridade, para além dessas
ações, existe uma necessidade de voltar o olhar para a formação de professores, aqueles que se
colocam entre a obrigatoriedade da lei e o material de ensino proposto, isto é, que garante a sua
aplicabilidade. Por esta via, como produto de inserção social desta dissertação, construímos
uma sequência didática que busca discutir temáticas do Holocausto com o professor, tais como
singularidade, universalidade, responsabilidade social e testemunho.

Palavras-chave: História do Tempo Presente; Holocausto; Ensino de história; Legislação da


memória; traumas coletivos.
ABSTRACT

This dissertation aims to discuss the Holocaust as a crisis phenomenon of alterity and its
conditions of permanence in the present time through the document “These are my last
words...”: Holocaust posthumous letters, material organized by the Yad Vashem International
School for Holocaust Studies – an Israeli museum. This work is structured with the following
themes: i) The formation of the disciplinary field of the History of Present Time and the
historiographic disputes surrounding the Holocaust; ii) The Pedagogy of Collective Traumas
Teaching and the studies of memory, the urgency of teaching, discussed from an analysis of
acts of violence and manifestation of hate, in the national and international scenario, and the
contextualisation of the object in Brazil, from laws and teaching materials; iii) The role of
language as a way of access to otherness and its direct relationship with teaching, through this,
we make a descriptive analysis, based on the categorical thematic technique, belonging to the
methodology of content analysis, and then propose a didactic sequence aimed at teacher training
. We understand that the implementation of teaching through law and the production of material
as a resource in the classroom are of utmost importance for understanding the Holocaust as a
phenomenon that goes beyond the history of persecution of a people, posing itself as a serious
crisis of denial of otherness, in addition to these actions, there is a need to return the look to the
formation of teachers, those who place themselves between the obligation of the law and the
proposed teaching material, that is, that guarantees its applicability. In this way, as a product of
the social insertion of this dissertation, we constructed a didactic sequence that seeks to discuss
Holocaust themes with the teacher, such as singularity, universality, social responsibility and
testimony.

Keywords: History of Present Time; Holocaust; History teaching; Legislation of memory;


collective trauma.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.......................................................................................................................10
1. REVISITANDO A HISTORIOGRAFIA DA SHOAH: A HISTÓRIA DO TEMPO
PRESENTE E O IMPERATIVO DE RESPONSABILIDADE SOCIAL......................16
1.1 A História do Tempo Presente ou um lugar de moradas provisórias..........................16
1.2 Disputas historiográficas: a dinâmica da história e as lutas pelas interpretações
hegemônicas acerca da Shoah............................................................................................27
2. TRAUMAS COLETIVOS E OS ESTUDOS DA MEMÓRIA: A URGÊNCIA DO
ENSINO...............................................................................................................................49
2.1 “História sob vigilância”: estudos da memória e a Pedagogia de Ensino dos
Traumas Coletivos..............................................................................................................49
2.2 “Lembrar o que todos querem esquecer”: A urgência do ensino..............................65
2.3 O objeto no Brasil: a materialização de um discurso..................................................72
3. “DO QUEBRA-CABEÇA PLANO A FIGURA DE TRÊS DIMENSÕES”: AS
CARTAS PÓSTUMAS E UMA PROPOSTA DE ENSINO............................................81
3.1 “Educar implica recordar”: anotações acerca do objeto...........................................81
3.2 “Estas são minhas últimas palavras”: uma análise descritiva da fonte.....................85
3.3 “Todos somos testemunhos”: ensinando um trauma coletivo...................................92
CONCLUSÃO.......................................................................................................................100
FONTES.................................................................................................................................104
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................104
INTRODUÇÃO

O conceito de História varia de acordo com o tempo e o espaço, ou como definiria


Koselleck, com o conceito de ruptura que o determina.1 As escolas historiográficas, desde o
positivismo até o tempo presente, inscrevem-se em contextos de rupturas. Forjam novos
métodos, novas teorias e objetos de análise. O objetivo central desse trabalho é discutir o
Holocausto como fenômeno de crise da alteridade e suas condições de permanência no tempo
presente através do documento “Estas são minhas últimas palavras...”: cartas póstumas do
Holocausto, material produzido com base na pedagogia educativa do Yad Vashem – museu
israelense. Desse modo, a presente dissertação está circunscrita na argumentação da História
do Tempo Presente e no campo intradisciplinar da Pedagogia de Ensino dos Traumas Coletivos.
Para o historiador José D’Assunção Barros, todo novo campo disciplinar enfrenta lutas,
dentro de uma rede já existente de saberes, no intuito de se estabelecer como campo, definindo
para isso um campo de interesse, seus campos intradisciplinares, um repertório teórico
metodológico, as oposições e diálogos do novo campo e uma rede institucional e humana.2 O
Institut d'Histoire du Temps Présent (Instituto de História do Tempo Presente - IHTP) é
oficialmente fundado entre 1978 e 1980 (ano de inauguração), quando o Centre National de la
Recherche Scientifique (Centro Nacional da Pesquisa Científica – CNRS) patrocinou a criação
de um laboratório que tivesse como campo de interesse o passado próximo, ou como dito por
François Bédarida, o primeiro diretor do IHTP, a história inacabada.
As lutas travadas para se estabelecer enquanto ferramenta teórica de interpretação da
História esteve centrada em dois principais aspectos: metodologia e marco temporal. O contexto
que emergiu do fim da Segunda Mundial e do estabelecimento da Guerra Fria, a ascensão dos
regimes fascistas e a prática de genocídio como crime contra a humanidade, exigia dos
historiadores um novo posicionamento. Dessa maneira, a História do Tempo Presente surge
com o imperativo de responsabilidade social, diretamente relacionado com as demandas que
partem do presente e para o presente. Estava posta a necessidade de deixar de lado a fórmula
pronta de estabelecimento de causas e efeitos, de uma história enquadrada, onde todos os
acontecimentos se encaixam perfeitamente e se encaminham para o progresso humano. Em
termos metodológicos, tratava-se de abarcar um novo conjunto de documentos que passaram a

1
KOSELLECK, Reinhart. “História” como conceito mestre moderno. In: KOSELLECK, Reinhart. Et. al. O
Conceito de História. Trad. René E. Gertz. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2013. Pág. 6.
2
BARROS, José D’Assunção. Contribuição para o estudo dos campos disciplinares. Revista ALPHA. Patos de
Minas: UNIPAM, (11): 205-216, ago. 2010.
10
servir de fonte para o historiador, exemplo disto, é o papel desempenhado pelo testemunho, o
qual passa a ser historicizado. Observados esses elementos, consideramos que a História do
Tempo Presente, após um longo momento de lutas, estabeleceu-se como umas das formas
possíveis de interpretação da História.
Definido seus campos de interesse, áreas de atuação e maneira de abordagem histórica,
todo campo disciplinar necessita se compreender historicamente, o que D’Assunção Barros
chamou de “olhar sobre si”. A compreensão da sua identidade, isto é, a história da sua
historiografia, já fortalecida com sistemas de objeto e prática, com categoriais de análise, gera
ao campo disciplinar a necessidade de desencadear expansões.3 Refletidas nos desdobramentos
internos, as expansões, são especializações dentro do campo ou, o que José D’Assunção Barros
denominou campos intradisciplinares. Dentro do campo da História do Tempo Presente, este
trabalho utiliza as argumentações de uma de suas especializações, dos seus campos
intradisciplinares: A Pedagogia de Ensino dos Traumas Coletivos.
Unindo dois campos de interesse, a educação e a memória, a Pedagogia de Ensino dos
Traumas Coletivos está inserida em um duplo contexto: de um lado, o boom da memória nos
cenários nacionais, a reivindicação de grupos para participar da dita “história oficial do país”,
e, por outro lado, a institucionalização e disputa pela memória do Holocausto, a título de
exemplo, a abertura da International School for Holocaust Studies (Escola Internacional para
Estudos do Holocausto) do Yad Vashem com uma forte preocupação no ensino dos traumas
coletivos. O campo intradisciplinar dos traumas coletivos, surgido a partir de um campo
disciplinar já existente, teve o diálogo com outras áreas, retirou delas seus objetos de interesse,
suas categorias de análise e formou uma nova singularidade. Ressalta-se como objeto da
interdisciplinaridade desse campo, as categorias de memória e trauma, da psicanálise, e a
categoria de ensino, da educação. Dessa forma, a singularidade desses objetos de interesse na
História passou a ser a historicização dos traumas coletivos que ocorrem no tempo presente e o
consequente desafio de ensiná-los.
Uma tensão linguística existe em torno das nomenclaturas utilizadas para designar o
evento que se inicia após a Operação Barbarossa: Holocausto, Churban, Solução Final e Shoah.
A aporia dos nomes, como chamou Leila Danziger, representa a necessidade de abdicar da
compreensão e representação total do fenômeno da Shoah, uma vez que todos os termos
utilizados possuem limitações. O termo Holocausto começou a ser usado já na década de 1950,
por Elie Wiesel. De caráter religioso, designa uma morte voluntária e passiva, um “oferecer-se

3
Ibidem, pág. 214.
11
como oferenda diante do altar”. Churban, termo utilizado durante a guerra, designa o extermínio
dos judeus da Europa como uma continuação dos processos de perseguição histórica a esse
povo, sendo assim chamado de Terceiro Churban. Solução Final, classificado como
potencialmente problemático por Dominck LaCapra, representa, ainda que inconscientemente,
a adoção do vocabulário nazista. Foi o termo cunhado pelo próprio regime, que reunidos na
Conferência de Wansee (1942), discutiram a “Solução Final para o problema dos judeus da
Europa”. Por fim, Shoah, título da película de Claude Lanzamann, representa devastação ou
catástrofe. Reconhecendo que esse é hoje o termo mais academicamente utilizado,
especialmente pela historiografia israelense e francesa, optamos nessa dissertação pelo seu uso,
termo que adotaremos daqui em diante, exceto nas situações em que o termo Holocausto tenha
sido utilizado pelos teóricos aqui reunidos.4
A imensa quantidade de nomenclaturas demonstra, sobretudo, a limitação da linguagem
durante e após o evento. A Shoah, é um evento-limite e na medida que constitui o limite do
humano, constitui o limite de sua linguagem. Em Primo Levi, essa limitação se mostra bastante
clara ao demonstrar que no campo de concentração, pela primeira vez, a língua humana não
tem palavras para expressar essa ofensa, que é a aniquilação do homem, e continua, “dizemos
fome, dizemos cansaço, medo e dor, dizemos inverno, mas trata-se de outras coisas. Aquelas
são palavras livres, criadas, usadas por homens livres”.5
Os atos de violência e manifestação do ódio no tempo presente demonstram que as
feridas abertas pela ascensão dos regimes fascistas, isto é, suas condições de existência, ainda
estão presentes dentro da estrutura do Estado e da Sociedade Civil. Exemplo disso, é o
comportamento truculento da polícia militar dirigido contra jovens, em sua maioria negros e
pobres, como demonstram relatórios institucionais, vide os mapas e atlas da violência e, de
maneira muito categórica, o relatório da Anistia Internacional. No seio da sociedade civil,
também é possível encontrar elementos do agir fascista, dentre outras ações, tornou-se comum
jogar banana para jogadores negros nos estádios de futebol.
A necessidade de pensar esse agir fascista e o papel da escola, vista como um dos
mecanismos possíveis, em frear o seu ressurgimento foi a motivação inicial desse trabalho. A
sua escrita possui a condição política de construção da alteridade, entendida aqui como uma
atitude que transcende o “respeitar o outro”, como apontou Lévinas, para o tornar-se

4
DANZIGER, Leila. Shoah ou Holocausto: a aporia dos nomes. Arquivo Maaravi: Revista Digital de Estudos
Judaicos da UFMG. Belo Horizonte, v. 1, n. 1, out. 2007.
5
LEVI, Primo. É isto um homem? Trad. Luigi Del Re. Rio de Janeiro: Rocco, 1998. Pág. 32 e 182.
12
responsável por ele, a instauração do sujeito ético.6 Mesmo depois do estabelecimento de
decretos, resoluções e tribunais internacionais que buscaram controlar as crises do respeito à
alteridade, conseguimos vê-las dentro da sociedade e do Estado no tempo presente. Desde o
genocídio dos Hereros, passando pela Shoah e pelos genocídios existentes dentro da
proclamada Nova Ordem Mundial, até os atos de violência cometidos dentro das ditas
democracias ocidentais, podemos observar que há sempre a construção daquilo que Peter Gay
chamou de outro conveniente7. No agir fascista, esse outro conveniente está diretamente
relacionado ao racismo e a hierarquização de grupos étnicos, passando assim a ser construído
de acordo com as condições sociais de cada sociedade. Acreditamos que buscar compreender
essa construção e fundar mecanismos que discutam a alteridade é o primeiro passo para a
instauração de um sujeito verdadeiramente ético.
Por esta via, temos como objetivo geral: discutir o Holocausto como fenômeno de crise
da alteridade e suas condições de permanência no tempo presente através do documento “Estas
são minhas últimas palavras...”: cartas póstumas do Holocausto. Para atingir o objetivo geral,
construímos três capítulos que se desenvolveram em torno dos seguintes objetivos específicos:
i) compreender a consolidação do campo disciplinar da História do Tempo Presente e as
disputas historiográficas acerca da Shoah; ii) discutir os estudos da memória e a forma como se
deu a abertura da Pedagogia de Ensino dos Traumas Coletivos, bem como, a urgência do ensino
e a inserção do objeto no Brasil; iii) propor uma sequência didática no âmbito da formação de
professores a partir da análise do material Estas são minhas últimas palavras...”: cartas
póstumas do holocausto”.
No primeiro capítulo, dividido em dois tópicos: História do Tempo Presente e
historiografia da Shoah, buscamos discutir a consolidação do campo disciplinar da História do
Tempo Presente, quais têm sido seus objetos de interesse, a forma de trabalha-los, a rede
institucional e humana e os reposicionamentos do campo. No segundo tópico, propomo-nos a
discutir as batalhas historiográficas que se formaram em torno do fenômeno nazista. A escrita
da História da Shoah foi por muito foi secundarizada em detrimento da escrita do Nacional-
socialismo, em seguida, a discussão esteve presa a ela, e, por fim, chegou a independência,
conquistando um lugar próprio na historiografia. Consideramos que toda essa trajetória, as
discussões advindas da Escola de Frankfurt, o contexto da Guerra Fria, a abordagem da Escola
de Bielefeld, o debate entre intencionalistas e funcionalistas e seus desdobramentos em algumas

6
LÉVINAS, Emmanuel. Entre nós: ensaios sobre a alteridade. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2004.
7
GAY, Peter. A experiência burguesa da rainha Vitória a Freud. O cultivo do ódio. V. 3. São Paulo: Companhia
das Letras, 1995.
13
frentes de debates da querela dos historiadores, o revisionismo, a partir do debate realizado
entre Hayden White e Carlo Gzinburg e as discussões historiográficas situadas no pós-Guerra
Fria, é o que possibilita o atual estágio de desenvolvimento das pesquisas.
O segundo capítulo, divide-se em três tópicos: estudos da memória e Pedagogia de
Ensino dos Traumas Coletivos, urgência do ensino e o objeto no Brasil. No primeiro tópico,
propomos uma divisão dos estudos da memória em três eixos centrais: o primeiro, a partir da
década de 1980, com a republicação de Memória coletiva de Maurice Halbwachs e a primeira
publicação de os lugares da memória de Pierre Norra; o segundo e terceiro eixo, inscritos em
um mesmo contexto, referem-se aos estudos das políticas da memória e globalização da
memória da Shoah, amplamente difundido por Andreas Huyssen, e o conceito de pós memória,
cunhado por Marianne Hirsch. Neste tópico, construímos um diálogo entre a teoria de Huyssen,
quanto a globalização da memória, e de François Hartog, quanto ao regime de historicidade,
para compreender a emergência da memória e as disputas que passaram a existir em torno dela.
No campo dessas disputas, discutimos a pedagogia de dois museus preocupados com a História
da Shoah: o Yad Vashem, de Israel, e o United States Holocaust Memorial Museum (Museu
Memorial do Holocausto dos Estados Unidos). No tópico dois, a urgência do ensino, o nosso
interesse está em discutir os genocídios e atos de violência, passando pelos hereros ao tempo
presente, utilizando as resoluções de organismos internacionais, e nacionais, a luz da discussão
acerca da análise do discurso realizada por Teun A. van Dijk. E, no terceiro tópico,
preocupamo-nos em analisar a inserção desse objeto no Brasil através das leis que vêm sendo
propostas em território nacional acerca da obrigatoriedade do ensino da Shoah e de dois
materiais de ensino produzidos nesse contexto, quais sejam, ensinando sobre o Holocausto na
escola, de autoria dos professores Nilton Mullet Pereira e Ilton Gitz, e o livro Esther, uma
estrela na guerra, de autoria do professor Karl Schurster.
Nosso terceiro capítulo, tem como base o documento Estas são minhas últimas
palavras...”: cartas póstumas do holocausto”. Traduzido pela Escola Internacional para
Estudos do Holocausto para o espanhol, os fragmentos utilizados nesse trabalho são de tradução
livre. Trata-se de um conjunto documental de 117 cartas organizadas pelo Yad Vashem que tem
como elemento unificador serem cartas de despedida. Dividido em três tópicos, o capítulo busca
categorizar as cartas a partir da técnica de categorização temática, proposta da metodologia da
análise de conteúdo, à luz de uma junção entre a filosofia de Emmanuel Lévinas e a relação
entre educação, memória e escrita de Emmanuel Taub. Com base nessas discussões, propomos
uma sequência didática voltada para formação de professores, os sujeitos que se colocam entre

14
a aplicabilidade da lei e o uso do material de ensino. A sequência proposta não está baseada em
cronologia, mas em temas que julgamos necessário para compreensão do fenômeno, buscamos
com isso retirar da história o caráter de causas e efeitos e buscar um ensino preocupado com
temas que suscitem o interesse do aluno por pensar o seu tempo presente. Não negamos a
importância de se conhecer cronologicamente os acontecimentos históricos, contudo, por se
tratar de uma proposta para o professor, optamos pela via de discussão temática. Este trabalho,
por fim, versa sobre a memória e a educação como uma responsabilidade social.

15
REVISITANDO A HISTORIOGRAFIA DA SHOAH: A HISTÓRIA DO TEMPO
PRESENTE E O IMPERATIVO DE RESPONSABILIDADE SOCIAL

1.1. A História do Tempo Presente ou um lugar de moradas provisórias


“É preciso reeducar seus olhos (e mãos) para funcionar como fizera
em seus primeiros anos de artista. ”
Oliver Sacks.

Em 1986 o neurologista Oliver Sacks recebia uma carta relatando um caso de perda total
de percepção das cores. Conforme nos conta o médico em seu livro8, o homem, identificado
como Jonathan I, após sofrer um acidente de carro passou a enxergar o mundo de maneira
monocromática, “como um televisor em preto e branco”. Na carta, a frase “estou
completamente daltônico” é precedida da informação “sou um artista consideravelmente bem-
sucedido”, a situação relatada deu origem ao título da história que nos é narrada: O caso do
pintor daltônico. O nosso personagem representa, na História, uma quebra de paradigmas,
Jonathan passara a sua vida inteira sendo pintor, ficara conhecido por seus quadros coloridos e
abstratos e, ao adentrar em seu ateliê após o acidente, experimentou um mundo completamente
novo, esvaziado de cores. Já não podia imaginar como seguir em frente. A História do Tempo
Presente representou, por muito, esse “esvaziamento de cores” no mundo do Jonathan, uma
“mudança de postulado, um abalo nas estruturas epistêmicas”9, hoje, tal como na história que
nos é contada, consolidou-se como campo disciplinar.
O Institut d'Histoire du Temps Présent (Instituto de História do Tempo Presente) surgiu
oficialmente entre os anos de 1978 e 1980 (ano de inauguração), na França, quando o CNRS -
Centre National de la Recherche Scientifique (Centro Nacional da Pesquisa Científica),
patrocinou a criação de um laboratório que fosse responsável pelo estudo do passado próximo
e da História Contemporânea, em seu sentido etimológico, como assinala, um dos fundadores
do Instituto, Henry Rousso (1954-), “uma História (...) na qual o historiador investiga um
tempo que é o seu próprio tempo com testemunhas vivas e com uma memória que pode ser a
sua”. Dessa forma, o nome da instituição - Institut d'Histoire du Temps Présent – deriva, para
Rousso, de duas questões centrais: primeira, técnica e semântica, já que a História
Contemporânea que o IHTP buscava fazer diferia daquela em que o contemporâneo nasce com

8
SACKS, Oliver. Um antropólogo em Marte. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
9
SCHURSTER, Karl; RICON, Leandro Couto Carreira. Notas sobre a História do Tempo Presente. In: SILVA,
Giselda Brito; MATOS, Júlia Silveira; SCHURSTER, Karl. Campos da Política: Discursos e Práticas. São Paulo:
LP-Books, 2012.
16
a queda das monarquias absolutistas e o início da Revolução Francesa, tal como entendia o
Institut d'Histoire Moderne et Contemporaine (Instituto de História Moderna e
Contemporânea), criado em 1978, no CNRS, e, a segunda, uma questão ideológica, a
compreensão de que o grande acontecimento que marcou o século XX foi a Segunda Guerra
Mundial, e o que veio depois dela é sequela, cabendo ao historiador do tempo presente analisar
os traumas de uma história em curso ou, como queria Bédarida, inacabada.10
Após a criação de um instituto que se debruçasse sobre o tempo presente, faltava-lhe
conferir um repertório teórico metodológico, fontes e um campo de investigação, isto é, criar
um conteúdo que determinasse o modo de fazer e de escrever essa concepção de História. Como
lembrado por René Rémond11, o Instituto veio a substituir o Comitê de História da Segunda
Guerra Mundial (1951) – a antiga Cholf (Comissão da História da Ocupação e da Libertação
da França), criada em 1944, com o objetivo de mapear e reunir o maior número possível de
documentos e testemunhos acerca do evento ocorrido. Sob a direção do Professor François
Bédarida (1926-2001), seu fundador e presidente até 1991, nascia, oficialmente, o Instituto de
História do Tempo Presente, com um legado que precisava não só ser administrado, como
também definido em termos metodológicos, conceituais e temáticos, inscrevendo-se assim nas
grandes guerras da História, uma disputa historiográfica que lhe renderia mais tarde o status
de campo do conhecimento.12
A historiografia conservadora, marcada por correntes dominantes, representou o
calcanhar de Aquiles na formação de uma História que se propusesse a pensar o seu próprio
tempo – o passado-presente. Nesse sentido, evocava duas questões centrais: um marco
cronológico que delimitasse o campo de estudo da História do Tempo Presente e um corpus
documental com o qual iria trabalhar os historiadores. Questões como essas, ainda possíveis de
serem encontradas, são consequências de uma visão positivista da História. Era necessário
compreender que se tratava, para usar a chave explicativa do espanhol Josep Fontana (1931-
2018), de deixar de lado a História tida como mosaico, isto é, como uma figura plana, onde

10
AREND, Silvia Maria Fávero; MACEDO, Fábio. Sobre a História do Tempo Presente: Entrevista com o
historiador Henry Rousso. Tempo e Argumento: Revista do Programa de Pós-Graduação em História.
Florianópolis, v. 1, n. 1, p. 201– 216, jan. /jun. 2009.
11
Importante teórico da História do Tempo Presente, centrou seus estudos na relação entre tempo presente e a
nova história política. Levantando temáticas como o papel dos partidos e a dinâmica das eleições. Rémond fez
parte do comitê científico do IHTP, quando da presidência de François Bédarida.
12
RÉMOND, René. Algumas questões de alcance geral à guisa de introdução. In: AMADO, Janaína; FERREIRA,
Marieta de Moraes. Usos & abusos da História oral. 8º Edição. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006.
17
todas as peças se encaixam perfeitamente, e passar a enxerga-la como um poliedro, a totalidade,
suas três dimensões.13
O século XX, e a barbárie que o caracterizou, impôs aos historiadores uma escolha
diante de dois caminhos: de um lado, manter-se na sua torre do orgulho14, na sua zona de
certezas inabaláveis, com a esperança, em uma analogia à peça de Samuel Beckett – esperando
Godot15, de que o fascismo cessasse, transformando-se, tal como previa o ideal de
distanciamento, em história; de outro lado, encarar que no transcorrer desta há espaço para
incursão do novo, a exemplo do fascismo, visto, hoje já em consenso, como um quarto princípio
político.
Insistir no modelo de superfície planificada constituía uma escolha, onde duas outras
faces da mesma história acabariam relegadas ao esquecimento. Fazia-se necessário, portanto,
“posicionar a história no mar de acontecimentos de informações desencontradas”16, isto é, no
presente, sob o risco de deixar nas mãos da ciência política e do fazer jornalístico a tarefa de
escrevê-la. A necessidade de periodização, vista como uma questão-problema, está na
insistência em manter a História como uma disciplina linear, explicada por meio de causas e
consequências, e com um prodigioso fim à vista. Uma visão limitada pelos grandes marcos
temporais retira a possibilidade de, numa encruzilhada de saberes, conhecer quais as rupturas,
ruínas e fendas que existem no passado, e mesmo no presente. Não se trata com isso de construir
uma história com base “no que poderia ter acontecido”, e sim, compreender
[...] que cada momento do passado, assim como cada momento do presente, não
contém apenas a semente de um futuro predeterminado e inevitável, mas a de toda
uma diversidade de futuros possíveis, um dos quais pode acabar tornando-se
dominante, por razões complexas, sem que isto signifique que é o melhor, nem, por
outro lado, que os outros estejam totalmente descartados. 17

A defesa de uma história homogeneizante relaciona a ideia de linearidade com a de


progresso, como se caminhássemos desde as cavernas pré-históricas até o tempo presente em
busca de um modelo de política e sociedade que satisfizesse e esgotasse todo o pensar humano.
E se aceitarmos essa visão, europeia e iluminista, que a história é linear pela busca de um
progresso, como então encarar os campos de concentração ou a invenção de uma bomba capaz
de aniquilar centenas de milhares de vidas de uma só vez? Desmitifica-se a ideia de uma história

13
FONTANA, Josep. A História dos Homens. Bauru, São Paulo: EDUSC, 2004.
14
Expressão da historiadora Barbara W. Tuchman em: TUCHMAN, Barbara W. A torre do orgulho: um retrato
do mundo antes da Grande Guerra. Trad. Dr. João Pereira Bastos. Portugal: Editorial Ibis, 1969.
15
BECKETT, Samuel. Esperando Godot. Trad. Renato Ciacci. ____.
16
MAYNARD, Dilton C. S. História em horas extremas: anotações sobre o tempo presente. In: MAYNARD,
Andreza S. C; MAYNARD, Dilton C. S. Visões do Mundo Contemporâneo. Vol. 2. São Paulo: LP-Books, 2013.
17
FONTANA, Josep. Op. Cit. Pág. 478.
18
linear, que segue um curso de causas e efeitos rumo ao bem-estar da humanidade, e substitui-
se o estudo dos períodos, como formulou Bédarida, pelo dos problemas da sociedade.
Na História do Tempo Presente, inicia-se o estudo pelo acontecimento mesmo, pelas
questões que afligem o homem real, em uma história que transcorre na vida real. A
transformação do simples fato, do anedótico, em um acontecimento histórico, fazendo-se
necessário deixar de lado a somente fatalização da história e irromper, como examinou François
Dosse, em uma descontinuidade radical do tempo. O acontecimento não seria aqui entendido
como um simples fato, que comprovado sua existência é dado por finalizado. Antes, é sua
capacidade de retorno, de renascimento, que o transforma em matriz da constituição simbólica
do sentido. Nessa perspectiva, um acontecimento não está preso a um período, sendo ele mesmo
um problema, na medida em que refletido no presente de um sujeito, se mescla com novos
acontecimentos, provocando o retorno de um acontecimento em novas configurações.18
Em A Anatomia do fascismo, Robert Paxton constrói uma leitura do fascismo enquanto
atual influenciador de sistemas de governo, e ressalta as condições pelas quais o mesmo pode
renascer no Pós-guerra. Paxton, demonstra que o fascismo está impossibilitado de acontecer
como no seu período inicial, por fatores a exemplos da globalização, do consumismo, da
negação da guerra como artifício político. No entanto, faz uma análise, a partir de 1990, de
acontecimentos que se não revelam o fascismo em sua totalidade, abrem para ele
precondições.19 Vimos em Paxton, o exemplo empírico do constructo teórico proposto por
Dosse, isto é, o renascimento de um acontecimento em novas configurações. O fascismo,
mesclado a novos acontecimentos, se mostra suscetível a novas atuações, demonstrando que o
acontecimento é, como apontou Michel de Certeau, aquilo que ele se torna.20
A partir desse ponto, a História passa a ser entendida como “processos que se
desdobram nas memórias das sociedades e não meramente como cronologia”21. Não se tratava
mais da noção de durabilidade associada à noção de História, mas antes, da compreensão de
que o historiador, vê-se diante de um tempo, nas palavras de Reinhart Koselleck22 (1923-2006),

18
DOSSE, François. Renascimento do acontecimento: um desafio para o historiador: entre Esfinge e Fénix. São
Paulo: Editora Unesp, 2013.
19
PAXTON, Robert. A Anatomia do Fascismo. Trad. Patrícia Zimbres & Paula Zimbres. São Paulo: Paz e Terra,
2007.
20
DOSSE, François. Op. Cit.
21
SCHURSTER, Karl; RICON, Leandro Couto Carreira. Op. Cit. Pág. 77.
22
Um dos mais importantes historiadores alemães do Pós-guerra, debruça-se sobre o domínio da História
conceitual, formulada por Hegel (1770-1831). A história conceitual busca construir e analisar as palavras chaves
utilizadas pelas ciências humanas e sua evolução.
19
veloz e provisório, onde sua aceleração, por vezes entendida como uma complicação ao trabalho
do historiador, representava uma dilatação desse trabalho entre o fazer e o registar.23
Rever ininterruptamente a delimitação do seu campo de pesquisa é, portanto, tarefa inata
ao historiador que se queira do tempo presente. As perguntas formuladas por Réne Rémond,
quando da ocasião do Seminário do IHTP, em 1992, “É necessário esperar o desaparecimento
do último sobrevivente? O aniquilamento da memória pessoal? ”24, parecem agora com a larga
gama de materiais publicados e de historiadores que se debruçam sobre o tema, respondidas.
Não é necessário esperar o tempo transcorrer até que o passado-presente envelheça nas gavetas
dos arquivos para então se transformar em História, a unidade de tempo do objeto de análise do
historiador do tempo presente é, como afirmou Roger Chartier no mesmo seminário,
contemporâneo a ele25.
Uma segunda questão que se colocou como desafio para o estabelecimento da História
do Tempo Presente, foi a questão dos arquivos. A este respeito, voltemos ao nosso personagem
inicial, o pintor daltônico. Jonathan I não sabia como voltar a viver agora que seu mundo,
outrora colorido, tinha se esvaziado de cor, ele precisou “reeducar seus olhos e mãos para
funcionar como fizera em seus primeiros anos de artista”, voltar ao ateliê e enxergar nas várias
tonalidades de cinza uma maneira de se reinventar enquanto pintor. O novo contexto exigia do
Sr. I novos métodos. Conformado que se tornara completamente daltônico, decidiu que pintaria
em preto e branco, determinação que foi acentuada após um episódio que narra como “uma
enorme explosão nuclear”. O pintor retrata ao neurologista que uma certa manhã, a caminho do
seu ateliê, viu do seu carro um nascer do sol, os raios vermelhos haviam sido transformados em
preto: “o sol nasceu como uma bomba, como uma enorme explosão nuclear. Alguém já viu um
amanhecer como este antes? ”.
O que o pintor experimentou naquele momento foi o estranhamento frente a um mundo
que antes lhe era natural. Tal como ele, o historiador do tempo presente precisa voltar ao ateliê
da História e desnaturalizar um mundo que lhe é dado como algo posto, confortável26, ou, como
antes assinalou Lucian Febvre, explicar o mundo ao mundo, buscar lentes que tornem o tempo
presente legível, em fontes que não mais lhes oferecem causas e efeitos definidos, mas ao invés

23
KOSELLECK, Reinhart. “História” como conceito mestre moderno. In: KOSELLECK, Reinhart. Et. al. O
Conceito de História. Trad. René E. Gertz. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2013. Pág. 204.
24
RÉMOND, René. Op. Cit.
25
CHARTIER, Roger. A visão do historiador modernista. In: AMADO, Janaína; FERREIRA, Marieta de Moraes.
Op. Cit.
26
SCHURSTER, Karl. A História do Tempo Presente, o método comparativo e o debate sobre os fascismos.
Aedos: Revista do corpo discente do PPG-História da UFRGS. Porto Alegre, v. 7, n. 16, p. 423-440, julho de 2015.
20
disso, “Vem bater à porta, pegar-lhe pela mão, mandar-lhe um e-mail ou falar com ele pelo
telefone”27.
Diferentemente dos historiadores oitocentistas, para os quais a História era vista como
uma disciplina catalogadora do passado, as fontes históricas do tempo presente estão além das
gavetas empoeiradas dos arquivos estruturalmente organizados, elas são também testemunhas,
revistas, jornais, entrevistas, fotografias, a própria memória converte-se, para o historiador do
tempo presente, em fonte. Não se trata com isso de elevar a história oral, o testemunho, a
memória, ao corolário de única fonte possível. A História do Tempo Presente não tem a
intenção de substituir uma teologia das fontes por outra. O que está aqui em questão, é o
paradigma de exatidão e objetividade – a modelo das ciências naturais – dos historiadores, e
mesmo do senso comum, do século XIX que já não era capaz de responder as questões do nosso
tempo. Ao historiador, cabia compreender o fim da História enquadrada em um campo de
certezas e buscar espaços, em oposição a uma historiografia conservadora, onde se pudesse
historiar os problemas que não se encaixavam nos velhos métodos, propondo, como sugeriu
Josep Fontana, novos fundamentos teóricos e metodológicos.
Nessa perspectiva, de abrangência e tratamento das fontes, Bédarida alerta para três
pontos necessários ao historiador do tempo presente: verdade, totalidade e ética. No primeiro,
ressalta que a busca pela verdade histórica, independente da corrente historiográfica a qual seja
adepto, é função própria do historiador, no entanto, dela é possível somente aproximar-se. A
apreensão da verdade histórica que se queira absoluta constitui-se como um ideal ingênuo. As
fontes, quando colocadas sob o olhar do historiador, recebem deste a sua interpretação, são
ressignificadas. Com isso não se quer dizer que o fato em si deixa de existir, mas que “a
realidade histórica procede de uma mistura complexa de objetividade e subjetividade na
elaboração do saber, e o grau de objetivação depende em boa parte do campo de aplicação”,
logo, é uma relação entre a objetividade do fato que é interpretado e a subjetividade do sujeito
que o interpreta.28
Reconhecer a existência do fato em si não significa voltar ao ideal positivista de
objetividade e exatidão da História. A denúncia, que a primeira geração dos Annales dirigiu aos
historiadores adeptos dessa concepção, se referia ao fetichismo com que estes buscavam retratar
os fatos históricos, e não a assertiva de que o fato em si existia. A primeira geração dos Annales
reivindicava o papel que o historiador desempenha na construção de seu objeto histórico, o

27
MAYNARD, Dilton C. S. Op. Cit. Pág. 158.
28
BÉDARIDA, François. Tempo presente e presença na história. In: AMADO, Janaína; FERREIRA, Marieta de
Moraes. Op. Cit.
21
entendimento do passado a partir das experiências presentes. Nesse contexto, o postulado de
distanciamento foi evocado em nome da pretensa “verdade plena”, colocada em risco se exposta
a diferentes olhares, e a História veio nos lembrar, que “o historiador trabalha sempre no
presente e para o presente”29, assim ocorre desde a historiografia clássica com Tucídides,
Heródoto e Xenofonte.
A história grega leva-nos ainda ao segundo ponto de interesse evocado por Bédarida, a
totalidade, visto que tanto Heródoto quanto Políbio foram classificados como escritores de uma
História universal. No tocante às fontes, a abrangência e diversificação com que passaram a
lidar os historiadores do tempo presente permitiram, ao mesmo tempo, uma reconceitualização
e desordenamento do seu ofício. Se por um lado, a aceleração do presente gerou a necessidade
de se trabalhar a nova multiplicidade de fontes enquanto demanda social, por outro, estava posto
a dificuldade de um princípio unificador, que permitisse o estudo, como alertou Bédarida, do
global ao particular, do social ao individual, isto é, da Macro História para os acontecimentos
particulares, era necessário encontrar esquemas explicativos para problemáticas globais.30
A multiplicidade de fontes históricas vista enquanto demanda social, relaciona-se
diretamente ao terceiro ponto levantado, a ética. Ao sujeito, na dupla função de historiador e
participante da história, foi dada a impossível tarefa de desvincular-se de sua vida, suas
concepções de mundo e de homem, para escrevê-la. O que está aqui denunciado é a
impossibilidade de ser neutro quanto a história, ainda mais, quanto a história do tempo presente,
onde requerer para si o estatuto de neutralidade “é defender a efêmera ilusão do distanciamento,
da subjetividade do presente quando o mesmo se apresenta como uma demanda social”31. Ao
historiador do tempo presente está dada a tarefa de buscar a ética, e busca-la, não apenas na
construção do seu objeto, é se compreender como sujeito de um tempo que exige chaves
explicativas para os traumas vividos de forma coletiva, não os relegando aos temas ocultos da
História.32
A este respeito, é emblemático o caso do julgamento de Maurice Papon, condenado por
colaboração com os nazistas durante o Regime Vichy e por detenção e massacre de argelinos,
em 1997-98, o qual recebeu o veredito de 10 anos de prisão. Na ocasião, um conjunto de
historiadores que se debruçavam sobre o tema foram convidados a depor. Estavam sendo

29
FONTANA, Josep. Op. Cit. Pág. 487.
30
BÉDARIDA, François. Op. Cit.
31
SCHURSTER, Karl. Verbete: História do Tempo Presente (HTP). In: SILVA, Francisco C. Teixeira da; Et. al.
(org.). Enciclopédia de guerras e revoluções – vol III: 1945-2014: A época da Guerra Fria (1945-1991) e a nova
ordem mundial. 1 ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2015. Pág. 303.
32
BÉDARIDA, François. Op. Cit.
22
convidados a serem testemunhas de um caso que não testemunharam e suas opiniões
consideradas especializadas, mesmo não tendo acesso ao dossiê. Entre os historiadores
convocados a depor, estão Robert Paxton, Raymond Amouroux e Henry Rousso, então diretor
do IHTP. O caso ganha notoriedade quando Rousso se recusa a testemunhar em tribunal,
alegando que o historiador não é juiz, tampouco detetive, a ciência histórica possui a ambição
pela verdade, mas, a essa altura, possui plena consciência da impossibilidade de um resgate
total do passado.33 É latente aqui a necessidade do olhar subjetivo do historiador sobre o seu
objeto de estudo, especialmente quando esse representa um passado traumático que está vivo
na memória da sua população, sendo ela, portanto, portadora desse trauma.
A consolidação da História do Tempo Presente como um campo de interpretação
histórica levou cada vez mais os historiadores ao comparecimento diante de tribunais, segundo
Oliver Dumoulin, isso representou um movimento global de judicialização intensificada das
relações sociais34. A negação de Henry Rousso ao convite de depor no julgamento de Maurice
Papon demonstra a separação necessária entre o tribunal e o fazer historiográfico, nas palavras
do historiador, “o anfiteatro universitário não é uma corte de justiça35”, o tribunal baseou sua
decisão no trabalho de historiadores especializados no estudo do Regime Vichy. Ainda para
Rousso, esse julgamento, como os demais acerca do período, não produziu qualquer
conhecimento real sobre o acontecimento histórico, ao contrário disto, seu objetivo primeiro foi
o de “oferecer uma ampla lição pedagógica, ainda que duvidosa, e dar aos sobreviventes a
possibilidade de falarem em um lugar oficial e simbólico”.36
A História do Tempo Presente sofreu, por muito, uma banalização no campo
historiográfico. Nas palavras de Bédarida, “o parto foi penoso e a primeira infância, agitada.
Somente depois de muitos anos é que o navio, afastando-se da zona tempestuosa, ingressou em
águas mais tranquilas”37. No caso do pintor daltônico, o neurologista, junto a uma equipe
diversificada de médicos que se uniram na busca de um diagnóstico, sugeriu a Jonathan I. um
procedimento que poderia reaver sua visão da cor, ao que o pintor nega, alegando que isso

33
DOSSE, François. História do Tempo Presente e historiografia. Tempo e Argumento: Revista do Programa de
Pós-graduação em História. Florianópolis, v. 4, n. 1, p. 5 – 22, jan/jun. 2012.
34
Ressalta-se que esse fenômeno, de historiadores diante de tribunais, não foi exclusivo da França, países como
Suíça, Suécia, Portugal, Alemanha, Estados Unidos, passaram por experiências, que guardada suas devidas
especificidades, semelhantes. Ver: DUMOULIN, Olivier. O papel social do historiador da Cátedra ao tribunal.
Tradução de Fernando Scheibe. -1.ed. – Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2017.
35
ROUSSO, Henry. A última catástrofe: a história, o presente, o contemporâneo. Rio de Janeiro: FGV, 2016.
Pág. 29.
36
ROUSSO, Henry. Vichy, Crimes contra a Humanidade e Julgamento por Memória. Trad. RICON, Leandro
Couto Carreira; SCHURSTER, Karl. Institut d’histoire du temps présent (CNRS, Paris). 2003.
37
BÉDARIDA, François. Op. Cit. Pág. 220.
23
poderia perturbar a agora restabelecida ordem de seu mundo. Na nossa analogia, a História do
Tempo Presente encontrou um espaço, dentro das contestações da historiografia conservadora,
que a estabeleceu enquanto campo disciplinar, com teoria e métodos claros. No entanto,
diferente do pintor, não há acomodação, nem busca, por um mundo de ordem estabelecida, ao
contrário, enfatiza-se um mundo que periodicamente nasce em visão, reflexão e sensibilidade.
No que concerne a História do Tempo Presente enquanto campo disciplinar, há ainda
uma questão a ser discutida: a introdução desses estudos no Brasil. Não há divergências quanto
ao reconhecimento da importância da fundação do Instituto francês e de sua relevância para a
historiografia como um todo, no entanto, em se tratando do caso brasileiro, é preciso estar
atento, como alertou o professor e historiador Karl Schurster, ao entendimento de que “cada
sociedade possui o seu evento traumático fundante38. Se considerarmos que a História do
Tempo Presente só nasce de fato com sua institucionalização, entre 1978-1980, na França,
desconsideramos no Brasil, e em vários outros países da América do Sul e da Europa, a exemplo
da Espanha Franquista, o que marca o seu evento traumático fundante.
No caso brasileiro, a historiadora Marieta de Moraes Ferreira demonstra, em recente
artigo (2018), que a formação dos primeiros cursos de história no país esteve marcada por uma
concepção de História recuada, dando ênfase ao estudo do Brasil Colonial, da Antiguidade
Clássica e da História Moderna. Algumas medidas são chaves para o entendimento da virada
historiográfica que buscou retirar a história recente das margens da historiografia, entre elas, a
cadeira de História Moderna e Contemporânea, da Faculdade Nacional de Filosofia da
Universidade do Brasil (FNI/UB), cátedra da professora Maria Yeda Leite Linhares, e a criação
do Centro de Pesquisa e documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC -
1970).39 Desta feita, faz-se importante ressaltar nomes como o de Maria Yedda Leite Linhares
e Ciro Flamarion Cardaso, que anterior a 1978 já defendiam, respectivamente, tese e
monografia tendo como objeto histórico temas globais. O livro usos e abusos da história oral
no Brasil, reunião das discussões do Seminário do IHTP em homenagem a Bédarida, representa
um outro ponto de relevância na inserção da História do Tempo Presente no país. Trabalho de
grande importância que, mesmo sem esse objetivo, começa a traçar o desenvolvimento do

38
SCHURSTER, Karl. Verbete: História do Tempo Presente (HTP). In: SILVA, Francisco C. Teixeira da; Et. al.
(org.). Op. Cit. Pág. 303.
39
FERREIRA, Marieta de Moraes. Notas iniciais sobre a história do tempo presente e a historiografia no Brasil.
Tempo e Argumento, Florianópolis, v. 10, n. 23, p. 80 ‐ 108, jan./mar. 2018.
24
campo teórico da História do Tempo Presente no Brasil, em termos de abordagens e instituições,
foi desenvolvido por Márcia Motta, em Novos Domínios da História40.
Em se tratando de grupos de pesquisas e historiadores que passaram a se debruçar sobre
a temática, destacamos o importante papel do professor Francisco Carlos Teixeira da Silva, que
em 1994 institucionalizava o campo no Brasil, com a fundação do Laboratório de História do
Tempo Presente, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.41 A fundação do laboratório está
inscrita em um contexto, como demonstra Marieta de Moraes Ferreira, em que houve um boom
da História Oral no Brasil, para a historiadora, a História Oral representa a porta de entrada para
a consolidação da História do Tempo Presente. O contato com testemunhos impulsionou uma
gama de historiadores a trabalharem questões relacionadas com o negro, a terra, os indígenas.
A título de exemplo, o professor e historiador Francisco Carlos Teixeira da Silva, desenvolveu
pesquisas que geraram importantes produções para a historiografia brasileira, nas áreas de
Desenvolvimento Econômico e Social e das Relações Internacionais.
O Laboratório de História do Tempo Presente da UFRJ, representou um pontapé para
que cada vez mais historiadores buscassem trabalhar com “a história do seu próprio tempo”.
Nesse mesmo sentido, faz-se importante ressaltar a formação de grupos de pesquisa a ele
vinculados, são exemplos o Grupo de Estudos do Tempo Presente da Universidade Federal de
Sergipe, sob a coordenação do Prof. Dr. Dilton Cândido Santos Maynard, o qual, dentre outras
temáticas, produz acerca da Cibercultura e da História Digital, e o Laboratório de estudos do
Tempo Presente – HTP – da Universidade de Pernambuco, o qual tem por coordenador o Prof.
Dr. Karl Schurster, que atualmente desenvolve pesquisas acerca da Pedagogia de Ensino dos
Traumas Coletivos.
O evento chave que marca a consolidação dos estudos do tempo presente no Brasil, seu
evento traumático fundante, é o “dever da memória” com as vítimas da Ditadura Civil Militar.
Para o historiador Carlos Fico, o que explica a demarcação da Ditadura de 1964 para os estudos
do tempo presente brasileiro, é a ausência de ruptura. Dentre as continuidades, o historiador
aponta a Lei da Anistia de 1979, caracterizada por consagrar a impunidade ao dar o perdão tanto
as vítimas quanto aos torturadores, e a campanha das Diretas já de 1984, que tendo a emenda
Dante de Oliveira rejeitada, frustrou o projeto popular de eleições diretas e elegeu Tancredo
Neves por meio do Colégio Eleitoral, deparando-se em seguida com sua morte. Essas

40
MOTTA, Márcia Maria Menendes. História, memória e tempo presente. In: CARDOSO, Ciro Flamarion;
VAINFAS, Ronaldo. (org.). Novos Domínios da História. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012.
41
Ver: SCHURSTER, Karl; RICON, Leandro Couto Carreira. Op. Cit. P. 78. Cf. SCHURSTER, Karl. A História
do Tempo Presente, o método comparativo e o debate sobre os fascismos. Aedos: Revista do corpo discente do
PPG-História da UFRGS. Porto Alegre, v. 7, n. 16, p. 423-440, julho de 2015. P. 15.
25
características fazem do período de transição, a redemocratização, um processo inconcluso,
impedindo que a página de 1964 seja virada. A interpretação, para Fico, é corroborada com a
constante volta à temática na sociedade brasileira. A ação da Ordem dos Advogados do Brasil,
em 2008, que buscou modificar a Lei da Anistia de 1979, negada pelo Supremo Tribunal
Federal – STF em 2010; a lei de 1995 (governo Fernando Henrique Cardoso), que reconheceu
como mortas as pessoas desaparecidas na ditadura; e, ainda, o ano de 2011 com a lei de acesso
às informações, a qual esbarra na Lei da Anistia, e a formação da Comissão da Verdade,
Memória e Justiça. A criação das comissões para analisar os crimes da Ditadura colocou o
historiador brasileiro diante de um debate ético e político, o envolvimento institucional.42
A Ditadura de 1964 representa, por esta interpretação, um processo inacabado, e uma
demanda social para o historiador do tempo presente. A narrativa oficial, o reconhecimento do
evento, a abertura dos arquivos e o pedido por justiça, demonstram que há uma ferida aberta no
tocante a esse evento. Demarcar a Ditadura Civil Militar como marco consolidador da História
do Tempo Presente no Brasil não significa, no entanto, enrijecer os estudos. A História do
Tempo Presente se legitimou sem deixar de sofrer críticas e olhares com reservas. Mesmo
diante de toda a historiografia produzida, ainda é comum os historiadores que seguem essa linha
teórica se depararem com perguntas acerca de suas fontes e marcos temporais, um legado
histórico do positivismo. No tempo presente, deparamo-nos com balizas móveis.
Em termos gerais, isto é, tanto para o Instituto Francês, quanto para as unidades de
pesquisa a ele conjunta, a História do Tempo Presente se inscreve em duplo contexto: i) o
despertar de uma memória europeia e internacional da Segunda Guerra Mundial e ii) os grandes
traumas do século XX, oriundos da violência de guerra. Esses estudos, desencadearam por sua
vez, o confronto com a testemunha e a memória individual que é, ao mesmo tempo, coletiva, e
a análise dos usos políticos do passado, a qual representa uma demanda social.43
Os referidos estudos fazem das temáticas do historiador do tempo presente, para usar, a
exemplo de Bédarida, uma expressão de Santo Agostinho, andaimes provisórios que
possibilitam a construção de uma morada permanente44. Demonstração disso, é o seminário do
IHTP em homenagem a Bédarida, dirigido por Denis Peschanki e Henry Rousso,
Contemporaines: une nouvelle histoire du temps présent (Contemporâneo: uma nova história
do tempo presente), que conta com a publicação de livros cujas temáticas se inserem na história

42
FICO, Carlos. História do Tempo Presente, eventos traumáticos e documentos sensíveis - o caso brasileiro.
VARIA HISTORIA, Belo Horizonte, vol. 28, nº 47, p.43-59, jan/jun 2012.
43
Ver: http://www.ihtp.cnrs.fr/content/linstitut-dhistoire-du-temps-present.
44
HAMMAN, A. G. Os salmos com Santo Agostinho. Trad. Maria Stela Gonçalves. São Paulo: Edições Loyola,
1992.
26
recente, sendo sua primeira publicação um livro que versa acerca dos exilados armênios (Exils
Arméniens, autoria de Anouche Kunth, 2016) e a última (maio de 2018) sobre os sobreviventes
da Shoah (Les survivants, autoria de Andrey Kichelewski).45 A coleção Contemporaines
demonstra que o campo de pesquisa do historiador do tempo presente é estabelecido pelas
demandas impostas pela sociedade, é o seu lugar de responsabilidade social. Trata-se, portanto,
de uma constante renovação de concepções, abordagens e temas na escrita da história, no ofício
do historiador.
A noção de Tempo Presente, frequentemente associada a processos inacabados, é mais
abrangente do que a fórmula simplista “da história do seu próprio tempo”. Trabalhar com essa
concepção de História é dar voz a sujeitos historicamente silenciados, nesse sentido, é a
abordagem e não simplesmente o recuo histórico que a caracteriza. Um historiador do tempo
presente que analise a Revolução Francesa a partir de suas brechas no presente, está fazendo,
ainda que com um recuo de centenas de anos, História do Tempo Presente. O historiador do
tempo presente sai do seu laboratório para encarar a história que está acontecendo diante dele,
essa é, indubitavelmente, a justificativa do fazer historiográfico.
Consideramos assim, que a abertura do campo de Ensino dos Traumas Coletivos foi
possível pelas questões discutidas desde a querela dos historiadores, a qual foi responsável por
um amplo debate que envolve a formação de escolas historiográficas e o posicionamento de
seus autores em relação as chaves explicativas que se buscou para o fascismo. Compreendemos,
desta forma, que o debate historiográfico alemão não apresenta um fim, ao em vez disso, abre
possibilidade de estudos de novos temas, conferindo a ele o caráter de continuidade.

1.2. Disputas historiográficas: a dinâmica da História e as lutas pela interpretação


hegemônica acerca da Shoah
“O holocausto deve ser incorporado à vida, no presente e no futuro,
para dar o significado que não tinha quando aconteceu. ”
Yehuda Bauer.

“Não é o destino, é a manifestação da violência. ”


Carta póstuma do Holocausto, nº 64.

As disputas historiográficas revelam um duplo caráter: de um lado, o avanço do


exercício científico, do outro, o lugar político e social do qual falam os historiadores. Os
conflitos de interpretação e produção de embates são, portanto, implicações políticas do fazer

45
Disponível em: https://www.belin-editeur.com/contemporaines.
27
historiográfico. Nosso objetivo aqui é traçar a historiografia do Nacional-socialismo que
possibilitou a abertura para discussão acerca da Shoah, certos dos incontáveis aspectos
abordados e vasta gama de materiais produzidos acerca do tema, fazendo-se necessário para
isso escolhas teóricas caras ao entendimento do objeto. Levando em consideração que o
conteúdo presente nesses debates já foi largamente discutido no Brasil, a exemplo das
produções dos professores Francisco Carlos Teixeira da Silva e Karl Schurster, e que uma parte
considerável dos livros que os compõem se encontram traduzidos para o português, buscaremos
apresentar os eixos gravitacionais dessas frentes de debate, que acreditamos terem sido de suma
importância para o desenvolvimento das pesquisas nas quais se debruçam hoje os historiadores.
A historiografia do Nacional-socialismo se desenvolve na década de 1950, com a
predominância do debate sobre o totalitarismo, que enxergava o Terceiro Reich como um
sistema monolítico de oposição Estado – Sociedade Civil, e na década posterior, com a Nova
História Social, a qual buscou analisar as relações existentes entre o regime nazista e a
sociedade alemã. A historiografia da Shoah, por sua vez, secundarizada durante o período de
escrita da história do Nacional-socialismo, desenvolve-se principalmente a partir dos anos
1980. Dessa forma, nota-se que por muito tempo a Shoah e o Nacional-socialismo se colocam
como eventos distintos para a historiografia.46 Mesmo diante desse reconhecimento,
consideramos que foram os estudos desenvolvidos, desde os anos 1950, acerca do Nacional-
socialismo que possibilitaram a abertura da historiografia para escrever a História da Shoah.
Diante disso, abordaremos as seguintes linhas de discussão:
i) As interpretações do nazismo decorrentes da Escola de Frankfurt, ainda durante a
Guerra.
ii) A disputa de narrativa na Alemanha no contexto inicial de Guerra Fria.
iii) A escola de Bielefeld e seu foco na Nova História Social.
iv) O embate entre as escolas intencionalista e estruturalista – ou funcionalista.
v) A querela dos historiadores alemães (die Historikerstreit) – em seus principais
debates.
vi) O debate sobre os limites da representação, com base nos argumentos de Hayden
White e Carlo Ginzburg.
vii) A busca por novas abordagens com o fim da Guerra Fria.

46
TRAVERSO, Enzo. La historia como campo de batalla: Interpretar las violencias del siglo XX. Buenos Aires:
Fondo de Cultura Económica, 2012. Pág. 145-146.
28
Em plena guerra, uma das primeiras interpretações acerca do nazismo veio da Escola de
Frankfurt47, esta centrava-se na emergência da “recusa à alteridade” como chave explicativa e,
em certa medida, na relação entre capitalismo e fascismo, explanada por Max Horkheimer
(1855-1973), Herbert Marcuse (1898-1978) e, de maneira bastante marcante para a
historiografia, Franz Neumann (1900-1954), que se debruçou sobre o funcionamento do
Nacional-socialismo e a conceitualização de diferentes tipos de ditaduras. Os chamados
frankfurtinianos defendiam uma abordagem capaz de unir elementos sociais, políticos e
comportamentais para a explicação do fenômeno nazista.48
Nos anos imediatamente posteriores a guerra, uma disputa de narrativas emerge entre
as “duas Alemanhas”. Com o fim da Segunda Guerra Mundial e o advento da Guerra Fria a
Alemanha estava dividida em quatro zonas de influência, o Leste com a influência soviética, e
as zonas ocidentais sob influência de França, Reino Unido e Estados Unidos. Ambas as partes
buscavam interpretações capazes de redefinir a identidade histórica do povo alemão e justificar,
por diferentes vias, a ascensão do nazismo.
A primeira das interpretações, parte do Leste – a República Democrática Alemã (DDR).
O argumento central desta interpretação foi elaborado pela Terceira Internacional, onde o
nazismo se convertia em uma forma de capitalismo monopolista de Estado. Tendo como livro
destaque A legenda do socialismo alemão, de autoria de Walter Ulbricht49 (1893-1973), os
adeptos desta corrente buscaram opor os dois sistemas econômicos em embate, defendendo que
Hitler era pouco mais que um “fantoche” do grande capital alemão, por esta interpretação, o
nazismo chegou ao poder graças a “trezentos fabricantes de armas e dirigentes de bancos
alemães”, isto é, foi a estrutura econômica que possibilitou a ascensão e os crimes do nazismo.

47
A Escola de Frankfurt ou Teoria Crítica da Sociedade, foi criada em 1924, pelo alemão Félix Weil, sob uma
influência e revisão da teoria marxista. Entre as principais temáticas de estudo, destacamos a ascensão do nazismo,
a Segunda Guerra Mundial e os seus desdobramentos, o milagre econômico nos Pós-guerra e o stalinismo. O
círculo frankfurtiniano buscava, assim, fazer uma crítica ao seu tempo, através do “desencantamento” do mundo,
a crítica a racionalidade, quando baseada em uma ideia de linearidade e progresso. Para os frankfurtinianos uma
racionalidade e desenvolvimento científico capaz de transformar a coisa viva, em coisa meramente útil gerava a
regressão social, a barbárie. A racionalidade deveria estar a serviço da sociedade, isto representaria a influência
romântica do “reencantamento do mundo”. Entre seus principais teóricos, para além dos já mencionados, citamos,
Theodor Adorno, Walter Benjamin e Erich Fromm. Para um estudo mais detalhado da Escola de Frankfurt ver:
MATOS, Olgária C. F. A Escola de Frankfurt: luzes e sombras do Iluminismo. São Paulo: Moderna, 1993.
48
Ver: SILVA, Francisco C. Teixeira da. Verbete: Fascismos e ditadura, novas abordagens. In: SILVA, Francisco
C. Teixeira da; Et. al. (org.). Enciclopédia de guerras e revoluções – vol II: 1919-2045: A época dos fascismos,
das ditaduras e da Segunda Guerra Mundial [1939-1945]. 1 ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2015. Pág. 95. Cf.
SCHURSTER, Karl. Verbete: Nazismo (historiografia). In: ibdem, pág. 175.
49
Político alemão, membro do Partido Comunista da Alemanha e, posteriormente, secretário geral do Partido
Socialista Unificado. Responsável pela construção do Muro de Berlin.
29
Por esta via, as maiores vítimas do regime nazista eram os comunistas e trabalhadores, ficando
o extermínio judeu secundarizado.50
A segunda das interpretações, parte das zonas ocidentais – República Federal da
Alemanha (FDR). O ponto vital é o entendimento do nazismo enquanto responsável específico
pelos crimes perpetrados. Para seus adeptos, não foi o capitalismo, e com isso os industriais
necessários ao desenvolvimento do país, responsável pela ascensão e crimes cometidos, o
responsável direto por tais crimes era o próprio partido nazista. Aqui reside uma questão central,
a quantidade de alemães filiados ao NSPAD – Partido Nacional-socialista, em 1945, alcançava
o número de oito milhões de pessoas, e não era intenção, em pleno desenrolar da Guerra Fria,
entrar em um conflito interno, culpabilizando todos os alemães filiados pelos crimes cometidos.
A solução encontrada foi retirar a culpa do povo alemão e responsabilizar Hitler e alguns
líderes, que movidos pelo necessário combate ao bolchevismo levaram à cabo os crimes
cometidos.51 Nota-se, que esta é a interpretação antípoda a do Leste, enquanto aqueles
centraram-se nas estruturas econômicas, estes fixaram-se nas intenções de uns poucos
dirigentes.
Nas primeiras discussões acerca da Alemanha no Pós-guerra, o que observamos,
portanto, é uma secundarização da temática da Shoah em detrimento de uma disputa de
narrativa histórica, entre sistemas político e economicamente opostos. O avanço das discussões,
leva-nos a compreensão de que tanto a aproximação “nazismo – grande capital”, quanto a
“nazismo – comunismo” foram equivocadas. A ideia de ascensão do nazismo atrelada ao grande
capital é uma tese, já superada, de cunho marxista, presente em um importante livro dos anos
1970, Fascismo e Ditadura: A III Internacional face ao fascismo52, de autoria de Nicos
Poulantzas. Anteriormente a chegada do NSPAD ao poder, o financiamento era feito
basicamente pelos seus filiados, através de arrecadação, atos e campanhas. Antes de 1930,
apenas dois grandes industriais apoiavam o partido: Fritz Thyssen e Ernest Von Borsig. Após
as eleições de 1930 houveram dois grandes aportes, um feito por Fritz Thyssen, em 1933, e o
outro pelo consórcio holandês Shell, deixando claro o objetivo de que o fascismo deveria lutar
contra o comunismo. Apenas depois de sua chegada ao poder, a família Krupp, hoje empresa

50
FONTANA, Josep. Op. Cit. Pág. 366.
51
Ibidem, pág. 367.
52
POULANTZAS, Nicos. Fascismo e Ditadura: A III Internacional face ao fascismo. Porto: Portucalense Editora,
1972.
30
ThyssenKrupp, realizou uma campanha de aportação da economia alemã para o partido
nazista.53
Por outro lado, a chave explicativa “nazismo – comunismo” também se mostrou
infundada. Essa tese esteve embasada em um argumento chave: “o comunismo e o nazismo são
movimentos totalitários”. O conceito de totalitarismo como chave explicativa foi uma
construção teórica da filósofa política Hannah Arendt54 (1906-1975), e bastante utilizado por
jornalistas e conservadores – a exemplo de François Furet, para quem o comunismo e o
fascismo eram “gêmeos totalitários” – no cenário de Guerra Fria, tendo, inclusive, seu objetivo
atrelado ao contexto da Guerra. Para o professor Francisco Carlos Teixeira da Silva, o conceito
de totalitarismo estava diretamente relacionado à defesa do liberalismo e a condenação das duas
vertentes políticas radicais do século XX. Desse modo, as semelhanças apontadas entre o
comunismo e o nazismo serviam de narrativa aos interesses do bloco capitalista durante a
Guerra Fria55.
A disputa para se fixar enquanto interpretação hegemônica, revela que as ferramentas
teóricas da política clássica não possuem elasticidade suficiente para explicar o fenômeno
fascista. Os três princípios políticos existentes até a ascensão dos fascismos, o liberalismo, o
conservadorismo e o socialismo, não davam respostas satisfatórias a sociedade, abrindo
condições para a ascensão de um quarto princípio político: o fascismo56. Que segundo a teoria
de Robert Paxton, conceituado historiador americano, diferente dos três mencionados sistemas,
não possui uma base filosófica. Para lê-lo foi, e é, necessário estranhar57 a fórmula pronta pela
qual se analisa os sistemas políticos clássicos.
Dessa forma, para iniciar o entendimento da ascensão do nazismo na Alemanha foi
preciso fundar novas ferramentas teóricas e metodológicas, através das quais se passou a
diferenciar o aparato teórico do agir político.58 Em Paxton, está explícita a necessidade de
compreensão do trinômio: processo (movimento), ideologia e ação (comportamento). Este

53
SHURSTER, Karl. Ilusões: o mundo construído que morre antes do construtor. Texto veiculado pelo
Laboratório de Estudos do Tempo Presente – Núcleo UPE. 2016.
54
ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo. Anti-semitismo. Imperialismo. Totalitarismo. São Paulo:
Companhia das Letras, 2002. O livro de Hannah Arendt sofreu uma forte crítica da historiografia judaica, entre
outros motivos, por ter indicado que houve a participação de colaboradores judeus com a Shoah.
55
Ver: SILVA, Francisco C. Teixeira da. Verbete: Totalitarismo (teoria e prática). In: SILVA, Francisco C.
Teixeira da; Et. al. (org.). Enciclopédia de guerras e revoluções – vol II: 1919-2045: A época dos fascismos, das
ditaduras e da Segunda Guerra Mundial [1939-1945]. 1 ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2015. Pág. 259.
56
Para o debate do fascismo enquanto quarto princípio político ver: PAXTON, Robert. Op. Cit.
57
Para a discussão do conceito de estranhamento necessário ao historiador do Tempo Presente ver: SCHURSTER,
Karl. O fenômeno nazi e seu impacto na historiografia do tempo presente. Rio de Janeiro: Autografia, 2016.
58
Ibidem, pág. 61.
31
último – comportamento, segundo o autor, precisa ser compreendido por meio da propaganda59
e das relações institucionais – o líder fascista, a máquina estatal e a sociedade civil, que participa
com o contentamento ou com o silêncio.60
Os anos de 1960 na Alemanha também marcam a historiografia do Nacional-socialismo.
Nesse período, surge um grupo de historiadores interessados na História Social (Historische
Sozialwissenchaft). Membros da Escola de Bielefeld, Hans-Ulrich Wehler (1931-2014) e
Jürgen Kocka (1941-), propunham um novo tipo de História, onde pudesse ser empregado os
métodos quantitativos e da ciência política, em seu aspecto social, as teorias das ciências
sociais. A chamada Nova História Social, em especial os trabalhos de Kocka e Wehler,
preocuparam-se em desenvolver o, já existente, conceito de Sonderweg61, caminho único na
Alemanha em direção à modernidade. Segundo as interpretações de Wehler, esse caminho foi
dificultado pela aliança entre aristocracia e burguesia no período imperial, gerando um atraso
na modernização política e dando espaço ao autoritarismo.62
Nessa medida, a teoria do Sonderweg, ao analisar a economia do período imperial e o
estabelecimento do capitalismo como modelo econômico, assume um caráter estruturante. Foi
a política estrutural econômica, estabelecida por meio da continuidade de poder da aristocracia
sobre o Estado moderno industrial, da fragilidade do parlamento e da impotência dos partidos,
que gerou um déficit democrático alemão, abrindo espaço para o estabelecimento da política
autoritária.63 Para o professor Karl Schurster, “a questão central trazida pela historiografia do
Sonderweg era qual o lugar do Nacional-socialismo na História alemã? ”, e encontra-lo só se
faz ainda necessário porque o peso do fenômeno nazi, para além da sociedade alemã, “continua
a ser uma questão central não só no meio acadêmico, mas também no domínio público”. 64

59
A capacidade do conceito de propaganda (que em Paxton assume a função de instrumento de atração e disciplina
das massas) como explicação única para adesão das massas aos fascismos, considerando que esta fosse capaz de
causar cegueira e sedução, foi objeto de análise, e desconstrução, de importantes trabalhos. No Brasil, a já citada
tese do professor Karl Schurster aborda essa questão. Ver: SCHURSTER, Karl. O fenômeno nazi e seu impacto
na historiografia do tempo presente. Rio de Janeiro: Autografia, 2016.
60
PAXTON, Robert. Op. Cit.
61
Para o estudo do conceito e da historiografia do Sonderweg, ver: FINCHELSTEIN, Federico. El canon del
holocausto. Buenos Aires: Prometeo Libros, 2010. Cf. SCHURSTER, Karl. O fenômeno nazi e seu impacto na
historiografia do tempo presente. Rio de Janeiro: Autografia, 2016. Pág. 93 - 99. Cf. SCHURSTER, Karl. Verbete:
Sonderweg (A questão do caminho único). In: SILVA, Francisco C. Teixeira da; Et. al. (org.). Enciclopédia de
guerras e revoluções – vol II: 1919-2045: A época dos fascismos, das ditaduras e da Segunda Guerra Mundial
[1939-1945]. 1 ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2015. Pág. 233.
62
FONTANA, Op. Cit. Pág. 368.
63
SCHURSTER, Karl. Verbete: Sonderweg (A questão do caminho único). In: SILVA, Francisco C. Teixeira da;
Et. al. (org.). Enciclopédia de guerras e revoluções – vol II: 1919-2045: A época dos fascismos, das ditaduras e
da Segunda Guerra Mundial [1939-1945]. 1 ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2015. Pág. 235.
64
SCHURSTER, Karl. O fenômeno nazi e seu impacto na historiografia do tempo presente. Rio de Janeiro:
Autografia, 2016. Pág. 94; 99.
32
Mesmo identificando o caráter estrutural dessa escola, faz-se importante ressaltar que
para esta interpretação a figura de Hitler desempenhou um papel fundamental, ao mesmo tempo
em que as massas assumiram um papel amorfo, que guiada por um caminho único, transformou-
se em um ator passivo, despossuída de poder e de interesse político. Contradizendo esta análise,
a tese Working toward for Hitler, do historiador inglês Ian Kershaw (1943-), mostra-nos que
houve “disposição, por interesse próprio, de importantes segmentos da opinião pública
trabalharem para o regime, explicitando o caráter popular da adesão. ”65
A partir das definições estruturantes da Nova História Social, o Nacional-socialismo
viria agora a ser discutido, de forma aberta, por duas escolas: os intencionalistas e os
estruturalistas – ou funcionalistas. Assim como os estruturalistas, os intencionalistas também
se fixaram na figura de dirigentes como culpados diretos dos crimes cometidos pelo regime
nazista, enquanto os primeiros viam a figura de Hitler como fundamental e insubstituível para
o extermínio dos judeus, ainda que este não fosse o único fator, para os segundos, Hitler
ocupava uma posição quase divina e todos os outros integrantes do partido eram somente
figuras obedientes a sua personalidade. A diferença fundamental entre as duas é que enquanto
os estruturalistas se concentraram nas estruturas sociais e econômicas que conduziram, quase
obrigaram, os alemães a tomar medidas radicais, os intencionalistas acreditavam que o
extermínio dos judeus já era uma intenção de Hitler antes mesmo de sua chegada ao poder.
Vê-se então a defesa de duas posições: a intenção prévia de limpar a Europa de judeus,
defendida pelos intencionalistas, versus uma radicalização acumulativa das medidas
antissemitas66, que teriam levado os nazistas a tomarem uma decisão burocrática a respeito do
“problema judaico”, defendida pelos estruturalistas. Definidas essas posições, indicamos como
representantes da escola intencionalista, estudiosos como Andreas Hilgruber (1925-1989) e
Klaus Hildebrand (1941-), ambos defensores de uma explicação totalitária, daí o entendimento
de que a literatura de cunho totalitarista seja intencionalista, culpe o líder e vitime as massas,
citamos ainda, Ernest Nolte (1923-2016), Michael Stürmer (1938-), Joachim Fest67 (1926-
2006), dentre outros. Na escola estruturalista por sua vez, podemos citar nomes como: Hans

65
SILVA, Francisco C. Teixeira da. Verbete: Fascismo e Ditaduras, novas abordagens. In: SILVA, Francisco C.
Teixeira da; Et. al. (org.). Enciclopédia de guerras e revoluções – vol II: 1919-2045: A época dos fascismos, das
ditaduras e da Segunda Guerra Mundial [1939-1945]. 1 ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2015. Pág. 95.
66
A tese de “radicalização do poder” foi desenvolvida pelo estruturalista Hans Mommsen.
67
Participou da querela dos historiadores, que abordaremos a seguir, com um artigo intitulado: “A recordação
culpada”, publicado em 1986 no Jornal Frankfurt Allgemeine Zeitung – FAZ, do qual era um dos coeditores. O
apoio de Fest, juntamente com o de Hildebrand e Stümer, ao artigo de Ernest Nolte – que possuía uma tendência
revisionista, no debate dos historiadores alemães, fez com que Elie Wiesel os classificasse como “o bando dos
quatro”. Ver: FONTANA, Josep. Op. Cit. Pág. 370.
33
Mommsen (1930-2015), Martin Broszat (1926-1989), Jürgen Habermas (1929-) e, os membros
da Escola de Bielefeld, Jürgen Kocka e Hans-Ulrich Wehler.68
Uma semelhança entre as duas escolas que nos parece necessário ressaltar, diz respeito
a teoria, já anteriormente citada, do Sonderweg, o caminho único, peculiar, na história da
Alemanha. Se para os estruturalistas, foi a estrutura social e econômica, que desde o período
imperial, empurrava a Alemanha para a Shoah, os intencionalistas buscaram explicar a
“ascensão de Hitler e do partido nazista a partir de uma história alemã específica [grifo
nosso]. Eles enfatizaram que o motivo principal para o Holocausto foi a ideologia, embora o
modernismo ou a burocracia tenham sido importantes fatores adicionais.69 ”
Para fazer avançar os estudos da Shoah, fazia-se necessário encontrar um ponto de
intersecção entre funcionalistas e estruturalistas. Um ponto capaz de abrir novas possibilidades
de interpretação, que não restringissem à culpa na figura de alguns líderes e tampouco da
sociedade. A superação do debate, estava necessariamente no entendimento de que Hitler não
foi o único sujeito atuante no extermínio de judeus, junto a ele atuava a sociedade alemã e as
instituições do Estado. Entre os historiadores que apontam a união de elementos das duas
versões, destacamos Saul Friedländer, Christopher Browning, Yehuda Bauer, Robert Paxton, e
Ian Kershaw.
No que concerne as batalhas historiográficas da Shoah, a década de 1980 é marcante.
Se as disputas entre intencionalistas e estruturalistas limitaram por um determinado período o
número de abordagens possíveis, o desenvolvimento da querela dos historiadores alemães (die
Historikerstreit), que em larga medida tinham essas disputas como pano de fundo, dilatou a
temática e produziu um vasto material historiográfico que posicionou historiadores, filósofos e
jornalistas em uma competição pela adesão dos leitores a suas interpretações. Tendo em vista
que o debate dos historiadores alemães abriu diversas frentes, adotamos a demarcação apontada
por Josep Fontana para sua descrição, desta forma, apresentaremos dois momentos da querela:
i) o debate responsável por dar início, entre Ernest Nolte e Jürgen Habermas – pertencente a
Escola de Frankfurt e ii) o debate entre os historiadores, em 1996, com a publicação do livro os
carrascos voluntários de Hitler: o povo alemão e o Holocausto, de autoria de Daniel

68
Acerca dessas mesmas escolas, algumas interpretações surgiram, citamos como exemplo a do professor Saul
Friedländer, que divide em duas categorias teóricas: 1) aqueles que voltam sua atenção para o antissemitismo e a
figura carismática de Hitler – intencionalistas, entre seus representantes estão o próprio Friedländer, Yehuda Bauer
e Israel Gutman, e 2) aqueles que colocam a ênfase na racionalidade instrumental e burocrática do extermínio, nos
tecnocratas nazistas e no surgimento da ciência racial – estruturalistas, nesta interpretação, Friedländer situa: Raul
Hilberg, Hannah Arendt, Zygmunt Bauman, dentre outros. Ver: FINCHELSTEIN, Federico. El canon del
holocausto. Buenos Aires: Prometeo Libros, 2010. Pág. 100 – 101.
69
BAUER, Yehuda. Reflexiones sobre el Holocausto. Jerusalém: E.D.Z. Nativ Ediciones, 2013. Pág. 133.
34
Goldhagen.70 Outros dois debates situados nesse contexto, especificamente na primeira fase da
querela, apresentam características chaves para a compreensão do avanço dos estudos sobre a
temática, são eles: o debate acerca da historicização do nazismo, entre Martin Broszat e Saul
Friedländer, e o debate acerca do caráter da liderança do Fürher, entre Hans Mommsen e Ian
Kershaw, cujas considerações abrem um período de consenso provisório entre os historiadores.
Para compreender os motivos que levaram os estudiosos a um debate público, é preciso
voltar ao contexto. Em 8 de maio de 1985, o presidente dos Estados Unidos, Ronald Reagan,
visitou o campo de concentração de Bergen-Belsen e, na mesma ocasião, fez uma visita ao
cemitério de guerra em Bitburg, onde estavam enterrados soldados alemães, muitos dos quais,
pertencentes a tropa de elite do Terceiro Reich – a SS. As visitas faziam parte das
comemorações oficiais de 40 anos do fim da Segunda Guerra Mundial. Além do aperto de mão
entre o presidente dos Estados Unidos e o chefe de Estado da República Federal da Alemanha
– Richard von Weizsäcker, outro fator precisa ser lembrado: a formação de uma comissão com
o objetivo de desenvolver um projeto para construção de dois museus na Alemanha, um Museu
Histórico Alemão em Berlin e um Centro de Memória em Bonn, de forma clara um monumento
de rememoração tanto das vítimas, como dos seus algozes.71
A repercussão dos fatos acima descritos, especialmente a visita do presidente norte
americano, a qual ficou conhecida como fiasco de Bitburg, foi interpretada de diferentes
maneiras. Enquanto Ernest Nolte via na repercussão uma evidência de que os alemães nunca
deixaram o seu passado passar, advogando a favor da superação da culpa, Jürgen Habermas,
acreditava que os fatos não poderiam ser entendidos de forma isolada, sendo preciso situá-los
no contexto das tendências conservadoras presentes tanto na Alemanha, quanto nos Estados
Unidos naquele momento.
A querela dos historiadores alemães tem início em 1986, quando Ernest Nolte, que não
era historiador de profissão, publica um artigo intitulado “O passado que não quer passar: um
discurso que pôde ser escrito, mas não proferido” no Frankfurt Allgemeine Zeitung – FAZ,
jornal de tendência conservadora72. Nolte, centrava-se em uma questão: a solução final, a qual
acreditava ter sido uma decisão isolada do Füher, dizendo ser imprescindível revisar a
historiografia para que os alemães não aceitassem a culpa pela Shoah de maneira submissa, a
história da Shoah e do regime nazista deveria deixar de ser vista em branco e preto.

70
FONTANA, Josep. Op. Cit. Pág. 369 et seq.
71
SUZUKI, Márcio. Introdução à “querela dos historiadores”. Novos Estudos, nº25, outubro de 1989.
72
O artigo foi uma conferência de Ernest Nolte no colóquio Römerberg, que ocorreu em Frankfurt, em 1986,
organizado pela secretaria de cultura.
35
Como todo passado, argumentou ele, o passado do Nacional-socialismo precisava ser
posto em revisão, pois com o tempo o contexto no qual ele se consolidou, de história escrita
pelos vencedores, torna-se cada vez mais visível. O contexto mencionado por Nolte, era uma
tentativa de “justificar” a Shoah, ou ao menos aproximá-la de outros eventos, perguntava ele:
[..] não cometeram os nacional-socialistas, não cometeu Hitler um crime "asiático"
apenas talvez porque consideravam a si e a seus iguais como vítimas potenciais ou
reais de um "crime" asiático? Não foi o arquipélago Gulag anterior a Auschwitz? Não
foi a "morte à classe" dos bolcheviques o antecedente lógico e fático da "morte à raça"
dos nacional-socialistas? Não podem as ações mais secretas de Hitler ser elucidadas
também pelo fato de ele justamente não ter esquecido a "gaiola de ratos"? Em suas
origens, não proveio talvez Auschwitz de um passado que não queria passar? 73

Entre o bolchevismo e os crimes nazistas existia um nexo causal, e este era o extermínio
de classe. Os Nacional-socialistas teriam cometido tais crimes para se prevenirem do extermínio
com que os ameaçavam o inimigo bolchevista. A origem da “morte à raça” mencionada por
Nolte estaria, dessa forma, na ideia de “morte à classe”, era preciso compreender o regime
nazista e o bolchevismo dentro da mesma chave: o totalitarismo. O que Nolte propunha, era
que a História fosse revisada e o passado deixado para trás.
A réplica inicia algumas semanas depois, no jornal Hebdomadário Zeit, por Jürgen
Habermas, em um artigo originalmente intitulado “Uma espécie de acerto de contas. As
tendências apologéticas na Historiografia de época alemã”. Nele, Habermas criticava o
revisionismo presente não apenas em Ernest Nolte, como também nos historiadores acadêmicos
que deram apoio ao seu artigo, os já citados Joachim Fest, klaus Hildebrand e Michael Stümer,
o que Elie Wiesel classificou como “o bando dos quatro”. Os argumentos de Habermas, no
entanto, não se iniciam a partir do artigo, ele começa por criticar o próprio contexto que deu a
Nolte condições para a sua escrita: a visita a Bitburg e a criação do museu e centro de memória.
Para Habermas, era preciso se perguntar quais os interesses que existiam por trás do ato
de dar destinos coletivos a vítimas e algozes, como representado na visita ao campo de
concentração e cemitério. De fato, aponta ele, “o sofrimento é sempre sofrimento concreto, não
pode ser retirado do seu contexto”, no caso do Nacional-socialismo, o sofrimento concreto é
vivenciado de maneiras diferentes, em um mesmo tempo e mesmo espaço, para criminosos e
corresponsáveis de um lado e, para vítimas e opositores de outro. Na análise de Habermas, as
intenções expressas por trás do ato indiferenciado entre vítimas e algozes seria então o de
conferir um consenso e uma reconstrução da identidade alemã em nome da autoconfiança

73
NOLTE, Ernest. O passado que não quer passar: um discurso que pôde ser escrito, mas não proferido. Trad.
Márcio Suzuki. NOVOS ESTUDOS Nº 25 - OUTUBRO DE 1989. Pág. 14.
36
nacional e a necessidade de manter uma narrativa em que o bolchevismo é o inimigo, dessa
forma, a matança sistemática de milhões de judeus seria a consequência exclusiva da doutrina
racial radical. Para Habermas, o revisionismo de Nolte servia ao interesse político da época,
de forjar uma identidade nacional, na medida em que solucionava duas questões:
[...] os crimes nazistas perdem sua singularidade porque podem ser compreendidos,
no mínimo, como respostas às ameaças de extermínio (que persistem até hoje) por
parte dos bolcheviques. Auschwitz reduz-se ao formato de uma inovação técnica e
explica-se a partir de uma ameaça "asiática" de um inimigo que ainda continua à nossa
porta.74

Por essa avaliação, a consciência histórica assume um papel militante de legitimação do


sistema político vigente. O revisionismo de Ernest Nolte advogava em nome de uma revisão do
Nacional-socialismo e da reconstrução da identidade alemã. Jürgen Habermas, por sua vez,
alertava para o fato de que a reconstrução dessa identidade não poderia acontecer em detrimento
do passado nazista e de sua singularidade. Para Josep Fontana, a revisão proposta por Nolte
estava assentada na ideia de que os crimes cometidos pelos Nacional-socialistas estavam
inscritos em um tipo de “guerra preventiva”, interpretação intencionada, pois o tipo de guerra
encaminhada no Terceiro Reich visava “a aniquilação total e sistemática, pela fome e pelas
execuções, de milhões de seres humanos em nome da luta contra os fantasmas hitlerianos do
judeu-bolchevismo. Não existe artifício acadêmico que possa “revisar” e “normalizar” isto75”.
O debate entre Nolte e Habermas claramente tinha um pano de fundo que demonstrava
as posições da escola intencionalista e estruturalista. Enquanto o primeiro advogava por uma
interpretação totalitária e de cunho personalista, Hitler primeiramente apoiado pela sociedade e
em seguida isolado até pelo próprio partido, o segundo buscava o caráter singular do extermínio
e questionava o assustador silêncio da sociedade diante do horror cometido. Essa discussão,
no entanto, não foi a única suscitada na Alemanha dos anos 1980. A querela iniciada entre
Jürgen Habermas e Ernest Nolte movimentou o círculo universitário e desencadeou uma série
de outras frentes, que faziam do regime nazista, da sociedade alemã e da Shoah temas
indissociáveis, entre esses, discorreremos a seguir acerca da disputa de narrativa entre os
historiadores Saul Friedländer e Martin Broszat.
Antes de passar ao conteúdo do debate propriamente dito, faz-se relevante posicionar
ambos os historiadores em seu lugar de fala. Martin Broszat (1926-1989), alemão, ex membro
da juventude hitlerista, defensor da escola estruturalista, escrevia uma história com base na vida

74
HABERMAS, Jürgen. Tendências apologéticas. Trad. Márcio Suzuki. NOVOS ESTUDOS Nº 25 - OUTUBRO
DE 1989. Pág. 14 et. seq.
75
FONTANA, Josep. Op. Cit. Pág. 371-372.
37
cotidiana (Alltagseschichte), dos “alemães comuns” que levavam uma “vida normal”, sob essa
ótica, desenvolveu um importante trabalho sobre a Baviera durante o regime nazista. O ponto
de interesse na obra de Broszat é, portanto, os perpetradores. Saul Friedländer (1932-), judeu,
salvo da Shoah por uma família católica, colocava seu ponto de interesse na perspectiva da
vítima, e por esta visão produziu acerca da Alemanha nazista, suas interpretações e memórias.
Utilizando uma metodologia diferente da vida cotidiana proposta por Broszat, Friedländer,
diferenciava, conforme apontado por Yehuda Bauer, temas marginais, como o povo alemão
comum que vivia uma vida normal, de temas principais, a singularidade da Shoah e sua
dimensão de crime contra a humanidade. Friedländer, por mais que tenha sido um crítico da
escola estruturalista e posicionado boa parte dos seus argumentos do lado intencionalista, é um
dos historiadores que, passado o clima de Guerra Fria, propôs uma fusão entre os elementos da
escola intencionalista e estruturalista. Dois grandes historiadores da Shoah que, vivenciado de
maneiras diferentes, possuem memória sobre o evento, e reconhecem o fato de estudarem o
mesmo fenômeno a partir de perspectivas distintas.
A natureza do debate76 entre os dois estava na necessidade, apontada por Broszat e
questionada por Friedländer, da historicização do nazismo. Em 1985, Martin Broszat publicava
um artigo intitulado “Defesa por uma historicização do Nacional-socialismo”, como o próprio
título indica, Broszat defendia que a história do Nacional-socialismo, e qualquer outro passado,
precisava ser incluída no entendimento histórico. A discussão tem início quando, em 1987, Saul
Friedländer, responde com um novo ensaio fazendo uma crítica a historicização através de uma
questão problema, “como o nazismo pode ser historicizado quando uma de suas características
mais importantes está no extermínio dos judeus? E quais são os limites dessa historicização?77
”. As réplicas, ocorrem por meio de correspondências que, seguindo o contexto da querela dos
historiadores, assumem o caráter público.
A primeira das cartas, de um conjunto de seis, é escrita por Martin Broszat. Seus
argumentos estão embasados na interpretação de que a Nova História Social, ao buscar
compreender o processo de modernização da Alemanha e a chegada do Nacional-socialismo
conferiu a Era Guilhermina e a República de Weimar lugar na historiografia, enquanto o

76
Para um estuda mais aprofundado do debate entre Martin Broszat e Saul Friedländer, ver: TRAVERSO, Enzo.
La historia como campo de batalla: Interpretar las violencias del siglo XX. Buenos Aires: Fondo de Cultura
Económica, 2012. Pág. 145 et seq. Cf. SCHURSTER, Karl. O fenômeno nazi e seu impacto na historiografia do
tempo presente. Rio de Janeiro: Autografia, 2016. Pág. 107 et seq. Cf. BAUER, Yehuda. Reflexiones sobre el
Holocausto. Jerusalém: E.D.Z. Nativ Ediciones, 2013. Pág. 133. Pág. 142 et seq. Alertamos para o fato de que as
correspondências trocadas entre os historiadores ainda não foram traduzidas para o português, sendo nossa visão
aqui apresentada com base nos autores sugeridos.
77
TRAVERSO, Enzo. Op. Cit. Pág. 148.
38
nazismo seguia sem alcançar o seu lugar na história da Alemanha. Dessa forma, a questão
central do debate, como apontada pelo professor Karl Schurster, era saber “qual o lugar do
Nacional-Socialismo na História alemã e mundial? ”. Broszat, argumentava ser necessário
retirar o passado nazista de seu local de isolamento, preso ao seu resultado – Auschwitz, e
passa-lo a compreender a partir de novos critérios de análise, como uma continuação do passado
alemão, presente na vida da sociedade comum.
Friedländer, no tocante ao mesmo ponto, evocava o caráter singular da Shoah, frente
aquilo que Auschwitz viria a significar, para argumentar acerca do que considerava uma
“normalização / relativização” da Shoah mediante sua historicização. Para ele, a historicização
do nazismo se fazia por vezes necessária, visto que a Alemanha estava inscrita no curso da
história mundial, e por vezes impossível, se levado em consideração que o passado nazista,
fincando suas raízes no presente, insistia em não passar.
A historicização reivindicada por Broszat precisa ser diferenciada daquela que tem por
significado “deixar virar passado”. No caso proposto, o conceito de historicizar estava
relacionado ao reconhecimento da necessidade de inserir o estudo do Nacional-socialismo no
entendimento histórico, ademais, “o seu conceito de historicização, está fundamentando no
princípio filosófico alemão de Vertehem (compreensão), histórico, crítico e elucidativo, forjado
pela experiência do Nacional-socialismo e pela natureza do homem, segundo ele, revelada
pelos nazistas78”, pelo conceito alemão de compreensão ter apresentado dois sentidos
simultâneos e opostos no Pós-guerra, Broszat, vai preferir o conceito de insight histórico, ao
que se refere como um desejo de entender somado a um distanciamento crítico, e não temporal,
do seu objeto.
Um ponto que se apresenta de suma importância ao conceito de historicização de
Broszat e aos interesses dessa pesquisa, diz respeito a sua relação com a memória.
Metodologicamente, argumentava ele, existe o imperativo de uma exclusão da memória para a
efetiva reconstrução do passado, aqui residia o ideal de objetividade. Na busca pela
historicização do Nacional-socialismo era preciso superar o obstáculo que a memória
representava, de confinar o fenômeno Nazi ao isolamento histórico, impedindo-o de virar
história. Em defesa da memória, Friedländer, alerta que recusá-la como ponto válido de
reconstrução histórica é acreditar no velho postulado positivista de objetividade e
distanciamento inerente a pesquisa científica, como se o sujeito que constrói a escrita da

78
SCHURSTER, Karl. O fenômeno nazi e seu impacto na historiografia do tempo presente. Rio de Janeiro:
Autografia, 2016. Pág. 109.
39
história, pudesse ser completamente neutro, livre de suas subjetividades e de seu contexto
sociocultural. Faz-se importante ressaltar que Broszat não invalidava a memória judia, mas,
dizia ele, tinha o cuidado de localizá-la fora da investigação histórica.
Foi na temática do antissemitismo que o debate mostrou ter como pano de fundo as
visões da escola intencionalista e estruturalista. O estruturalismo de Martin Broszat,
argumentava que o antissemitismo não foi causa, e sim um elemento, entre outros do contexto,
que possibilitou a ascensão do nazismo e a radicalização acumulativa de medidas que levaria
ao extermínio de judeus. Saul Friendländer, fundindo os elementos da escola intencionalista e
estruturalista, defende que essa política foi resultado da expressão da influência radicalizada do
ditador somada a expressão do antissemitismo redencionista79.
Nota-se, mais uma vez, a importância de se captar os pontos de intersecção entre as
diferenças de posicionamento durante a década de 1980. Tarefa que coube a Saul Friedländer,
quando, longe do contexto de Guerra Fria, escreveu “O Terceiro Reich e os judeus”. No livro,
o historiador, marcado por fortes críticas ao estruturalismo e a história da vida cotidiana,
defende agora a importância de uma história integrada, que seja capaz de retratar as visões dos
diferentes sujeitos envolvidos no fenômeno nazi: vítima, perpetradores e testemunhos. Tratava-
se de um relato integrado de destinos, reconhecendo que são sujeitos com destinos diferentes,
em um mesmo ambiente histórico. Friedländer advoga acerca da importância da macro análise,
os temas principais, assim como reconhece os benefícios advindos da microanálise, os temas
marginais.80
Essa fusão entre elementos intencionalistas e estruturalistas, no entanto, só viria a
ocorrer no pós-Guerra fria. O debate que culminou no consenso provisório entre os
historiadores alemães ocorreu entre Hans Mommsen e Ian Kershaw e tinha por natureza a
discussão acerca do papel de liderança do Füher e as disputas entre os blocos de poder,
denominação com base na poliarquia de Franz Neumam – Forças Armadas, administração
estatal, burocracia de Estado e burocracia do partido nazista. Mommsen e Kershaw, discutem
a personalidade de Hitler entre um ditador fraco, tese do primeiro, e um ditador indiferente,
que estava muito mais envolvido em questões militares e na política externa, defendido pelo
segundo. As teses dos dois historiadores se complementaram na medida em que as disputas

79
Saul Friedländer vai distinguir o antissemitismo em dois tipos: primeiro, um antissemitismo característico das
descobertas pseudocientíficas do século XIX, o darwinismo social e a teoria de melhoramento da raça, e o segundo,
o antissemitismo redencionista, advindo do temor da miscigenação entre as raças, este estaria fundamentalmente
baseado em uma visão religiosa. Para a classificação dos tipos de antissemitismo de Friedländer, ver: BAUER,
Yehuda. Reflexiones sobre el Holocausto. Jerusalém: E.D.Z. Nativ Ediciones, 2013. Pág. 145 e seq.
80
Idem.
40
internas entre os blocos de poder, foram entendidas dentro de um cenário de autonomia, desejo
e interpretação das ordens do Füher pelos funcionários nazistas.81
A historiografia que tem se debruçado sobre a análise da querela dos historiadores
alemães, aponta para a característica de que o debate não fez avançar os estudos do regime
nazista em termos de conhecimento real. Fazendo-se preciso atentar ao fato, de que o interesse
em acontecimentos cronológicos ou na história alemã, não era o objetivo, ao menos para uma
parte dos historiadores, da produção que se desenvolvia. Antes disso, uma forte contribuição
no sentido historiográfico pode ser notada no que concerne a relação do historiador com as suas,
como queria Michel de Certeau, condições de produção. O posicionamento quanto ao contexto,
a narrativa, os limites da escrita histórica e a responsabilidade social do historiador são, sem
dúvidas, avanços proporcionados por essa primeira fase, que representou o momento mais
aguçado das discussões.
A segunda fase da querela dos historiadores alemães, conforme apontado por Fontana,
é em 1996, quando da publicação da tese de Daniel Goldhagen (1959-), os carrascos
voluntários de Hitler82. O livro, que possuía o objetivo expresso de “compreender as ações e a
mentalidade das dezenas de milhares de alemães comuns que se tornaram genocidas” 83, foi
amplamente criticado pela comunidade acadêmica, ao mesmo tempo em que, no contexto de
uma “explosão dos discursos da Shoah” na esfera pública, o público alemão não especializado
o recebia com afinco. Para o historiador Federico Finchelstein, a principal característica de
Daniel Goldhagen é voltar a fazer perguntas necessárias para o entendimento do nosso presente,
entre elas, as razões que motivaram o assassinato de milhões de judeus se coloca como
primordial, uma vez que ao se posicionar no limite de compreensão, representação e
conceitualização historiográfica, está longe de ser compreendida.84
No que concerne a receptividade do livro entre os alemães, o historiador Yehuda Bauer,
em Reflexiones sobre el Holocausto, onde tece severas críticas acerca dos argumentos de
Goldhagen, afirma acreditar que o êxito do livro entre o público não especializado está
[...] na qualidade simplista do argumento e seu caráter maniqueísta (preto e branco).
Um fenômeno complicado que se explica mais ou menos assim: os alemães mataram
judeus porque eles quiseram; o queriam desde a Idade Média. E isto é tudo. As pessoas

81
O debate entre Hans Mommsen e Ian Kershaw foi tratado pelo professor Karl Schurster em: SCHURSTER,
Karl. A História do Tempo Presente, o método comparativo e o debate sobre os fascismos. Aedos: Revista do
corpo discente do PPG-História da UFRGS. Porto Alegre, v. 7, n. 16, p. 423-440, julho de 2015. Pág. 433 et seq.
82
GOLDHAGEN, Daniel Jonah. Os carrascos voluntários de Hitler: o povo alemão e o Holocausto. Trad. Luís
Sérgio Roizman. São Paulo: Companhia das letras, 1997.
83
Ibidem. Pág. 12.
84
FINCHELSTEIN, Federico. El canon del holocausto. Buenos Aires: Prometeo Libros, 2010. Pág. 100 et seq.
41
não gostam de explicações complicadas, não querem análises diferenciadas. Querem
simplicidade, inclusive simplicidade insensata. E Goldhagen as deu. 85

Fortemente marcado por argumentos de cunho estruturalista, o livro de Goldhagen,


apresenta a característica de voltar a uma discussão acerca do Sonderweg, o caminho único
alemão. Para o sociólogo (Goldhagen), os carrascos voluntários de Hitler, era o povo alemão,
todo o povo alemão, que guiados por uma ideologia antissemita, culturalmente trabalhada na
sociedade, apoiaram livremente os crimes nazistas, culminando no extermínio de milhões de
judeus. Nota-se assim, que para o autor, o que motivou o extermínio dos judeus foi a ideologia
antissemita.
Quanto a essa questão, Yehuda Bauer lembra, que diferente do que afirmou Goldhagen,
não se trata de uma visão nova, já tendo sido amplamente trabalhada pelo próprio Bauer e Saul
Friedländer. Uma contraposição de conceitos nos parece aqui oportuna. O antissemitismo
eliminacionista de Goldhagen, esbarra na conceitualização de antissemitismo formulado por
Friedländer. Enquanto o primeiro, compreende a ideologia antissemita como uma cultura de
continuidade no povo alemão, o historiador judeu (Friedländer) o difere em dois tipos: i) aquele
advindo das teorias social darwinista e de melhoramento das raças e ii) o redencionista,
proveniente do temor da miscigenação entre as raças, fundamentalmente baseado em uma visão
religiosa. A ideologia antissemita sozinha não explica os crimes cometidos, ela precisa está
relacionada ao programa nazista.86
O livro de Goldhagen representou, enquanto objeto de crítica de muitos dos estudiosos
das cinquenta décadas de debates sobre a Shoah, uma volta a explicação monolítica do
fenômeno, centrada na culpa coletiva. Há que lembrar que o livro demonstra um forte
envolvimento entre o autor e seu objeto de análise. Dominck LaCapra alerta para o fato de que
Goldhagen não conseguiu construir a história da Shoah por meio de uma crítica apropriada e
sistemática da memória, ao contrário, sua extrema identificação com a vítima o fez retornar ao
mito de uma culpa coletiva generalizada a toda a sociedade alemã.87
Cada um desses debates contribuiu, de forma significativa e original, para inserir a
Shoah em uma cadeia de historicidade, que a transformando em fenômeno histórico, conferiu-
lhe singularidade, atemporalidade e universalidade. De certo, percebemos na historiografia
alemã que a escrita desse fenômeno possui uma trajetória de secundarização e, em seguida, de

85
BAUER, Yehuda. Reflexiones sobre el Holocausto. Jerusalém: E.D.Z. Nativ Ediciones, 2013. Pág. 139-140.
86
Ver: BAUER, Yehuda. Reflexiones sobre el Holocausto. Jerusalém: E.D.Z. Nativ Ediciones, 2013. Cf.
FINCHELSTEIN, Federico. El canon del holocausto. Buenos Aires: Prometeo Libros, 2010.
87
LACAPRA, Dominick. Historia y memoria después de Auschwitz. Buenos Aires: Prometeo, 2009.
42
indissociabilidade em relação ao Nacional-socialismo. Afastando-se dessa frente interpretativa,
a década de 1970, marca nos Estados Unidos a reviravolta cultural. No terreno da História,
contudo, essa reviravolta, que se colocou no campo linguístico, especificamente na análise do
discurso, só chegaria entre a década de 1980 e 1990; suas narrativas também apresentarão
reflexos na escrita da história da Shoah.
O historiador Hayden White (1928-2018) é quem, nos Estados Unidos, coloca-se como
um de seus principais representantes. White, unindo a teoria da História a teoria literária, cria a
“teoria tropológica do discurso”88, pela qual toda narrativa histórica possui natureza poética e
linguística. O historiador em seu ofício não apresenta a verdade histórica, mas o fruto de suas
escolhas teóricas e metodológicas, afinal, é ele quem escolhe, consciente e inconscientemente,
com quais evidências trabalhar. O ofício do historiador seria então o de aplicar uma “poética da
história” na explicação do “que estava realmente acontecendo”. White põe em prova a
cientificidade da História e a aproxima de um artefato literário, uma estruturação verbal
apresentada em prosa narrativa. Vista dessa maneira, a História não pode oferecer uma
compreensão total do passado, sendo a sua escrita uma fusão de forma e narrativa. Na análise
de um texto histórico, deve-se observar, portanto, sua estrutura interna, os componentes de sua
produção.89
A totalidade do conhecimento histórico requerido por Hayden White é, para o estudo de
qualquer período, por qualquer via interpretativa da História, irrealizável. O seu
questionamento ao caráter científico da História, com base no argumento das “escolhas feitas
pelo historiador”, insustentável. Evidentemente, todo historiador, ao delimitar seu objeto de
pesquisa, precisa fazer escolhas teóricas e metodológicas, que são, tal como apontou o próprio
White, conscientes ou não. Sob o processo de sua escrita, influi o seu contexto sociocultural,
seu domínio linguístico, sua preferência política, dentre outros aspectos condicionantes de
perspectiva. Michel de Certeau, em “A escrita da História”, alerta que ao a fazer história, o
historiador está produzindo um espaço e um tempo, estando ele mesmo inserido em um espaço
e um tempo. O fazer historiográfico envolve, em Certeau, o lugar social, a prática científica e a
escrita, sendo essa última o produto do envolvimento entre os referidos elementos90.
A reviravolta linguística, ou pós-modernismo, não ficou marcada somente pelos
argumentos de White, podemos citar nomes, resguardadas as diferentes perspectivas, como

88
Ver: WHITE, Hayden. Meta-história. A imaginação histórica do século XIX. São Paulo: Edusp, 1995. Cf.
WHITE, Hayden. Trópicos do discurso. Ensaios sobre a crítica da cultura. São Paulo: Edusp, 2001.
89
FONTANA, Josep. Op. Cit. Pág. 400 et seq.
90
CERTEAU, Michel de. A escrita da história. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006.
43
Dominick LaCapra, Paul Ricoeur, Roger Chartier, Paul Veyne, o já citado Michel de Certeau,
dentre outros. As dessemelhanças entre as visões acerca da escrita da História, geram, também
aqui, frentes de debates, suas temáticas estavam quase sempre voltadas para uma discussão
entre ficção e História. À guisa de exemplos, temos o embate entre Art Spiegelman e Dominick
LaCapra. Após uma adequada pesquisa das fontes e prudente interpretação para a escrita da HQ
Maus, a história de um sobrevivente91, Spiegelman vê seu livro classificado por LaCapra92 na
categoria de ficção, como uma disputa entre história etnográfica e construção artística, a HQ é
uma fusão da história de vida do seu pai, judeu polonês sobrevivente de Auschwitz, e a sua. Art
Spielgman, diante da classificação, ironiza dizendo que não teria passado tanto tempo
pesquisando fontes, se soubesse que seu livro seria classificado como literatura.93 Discussão de
igual teor, é produzida por Hayden White e Roger Chartier, que se nega a acreditar na fórmula
simplista de construção dos conflitos históricos como um produto único da linguagem. A
História do Tempo Presente, assinala ele,
[...] mais do que todas as outras, mostra que há entre a ficção e a história uma diferença
fundamental, que consiste na ambição da história de ser um discurso verdadeiro, capaz
de dizer o que realmente aconteceu. Essa vocação da história, que é ao mesmo tempo
narrativa e saber, adquire especial importância quando ela se insurge contra os
falsificadores e falsários de toda sorte que, manipulando o conhecimento do passado,
pretendem deformar as memórias.94

Inscrito nessa perspectiva, interessa-nos em especial, o debate entre Hayden White e, o


historiador italiano representante da micro-história, Carlo Ginzburg (1939-). A história da
Shoah, a escrita da História e as diferentes visões acerca do postulado de verdade histórica, são
temas do debate dos limites da representação de um evento limite. Hayden White, argumenta
em defesa de uma “relatividade inevitável em toda representação dos fenômenos históricos”,
incluído aqui o extermínio de judeus, enquanto seu opositor, Ginzburg, critica o relativismo
com base nas dimensões éticas e ressalta a significação da leitura das evidências disponíveis
para se reconstruir o passado histórico.95
A inserção da história da Shoah no “relativismo” da verdade histórica, classificou
Hayden White entre os chamados revisionistas ou negacionistas. Um projeto de “intelectuais”

91
SPIEGELMAN, ART. Maus, a história de um sobrevivente. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
92
LACAPRA, Dominick. “Fue la noche después de la Navidad”: Maus, de Art Spiegelman [1998]. In: LACAPRA,
Dominick. Historia y memoria después de Auschwitz. Buenos Aires: Prometeo, 2009. Pág. 161 et seq.
93
Para a discussão acerca dos processos de escrita da História, ver: ALMEIDA, Renata Geraissati Castro de. Os
limites entre a História e a Ficção. hist. historiogr. Ouro preto. n. 22. Dezembro, 2016. p. 202-213. DOI:
10.15848/hh.v0i22.1149.
94
CHARTIER, Roger. A visão do historiador modernista. In: AMADO, Janaína; FERREIRA, Marieta de Moraes.
Usos & abusos da História oral. 8º Edição. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006. Pág. 217.
95
MALERBA, Jurandir (org.). A história escrita: teoria e história da historiografia. São Paulo: Contexto, 2006.
44
do pós-Guerra que buscavam denunciar o que consideravam falsificações no conteúdo da
Segunda Guerra Mundial e do extermínio de judeus, baseados em três principais pontos:
i) Defesa e reabilitação do Nacional-socialismo;
ii) Ausência de culpa da Alemanha pela Segunda Guerra Mundial;
iii) Justificação ou negação dos campos de extermínio e da Shoah.96

A corrente revisionista pode ser identificada em Ernest Nolte, com o argumento da


“guerra preventiva”, que buscava livrar a Alemanha da culpa e deixar o seu passado passar,
servindo de pano de fundo, como alertou Habermas, para os interesses conservadores da época.
A intensificação da corrente, coloca em dúvida o número de mortos nos campos de
concentração, nega o seu caráter sistemático ou relativiza a verdade histórica, a ponto de negar
a existência das câmaras de gás e afirmar que a Solução Final foi a expulsão dos judeus em
direção ao Leste europeu. Nas palavras de Bédarida, esse revisionismo é o estágio supremo do
falsificacionismo. Podemos identifica-lo na argumentação de White acerca do relativismo da
Shoah, no caso de Renzo di Felice ao buscar uma revisão para o fascismo mussoliniano na
Itália, ou ainda, nos argumentos do professor francês e revisionista da Shoah, Robert Faurisson
(1929-), que foi objeto de crítica no livro Os assassinos da memória97 de Pierre Vidal-Naquet.
A verdade é filha do poder e nem sempre é irmã da ética, nos alertava Marcos
Napolitano ao escrever acerca das batalhas da memória e a escrita da História98. Podemos
considerar que o debate entre White e Ginzburg se inscreve na máxima de Napolitano, enquanto
um advogava ao revisionismo, que serve a visão conservadora, o outro requeria a dimensão
ética como limite da representação, a utilidade social do fazer historiográfico presente na
compreensão do passado por meio da responsabilidade social.
Em “Enredo e verdade na escrita da História”99, Hayden White, classifica a realidade
histórica como uma entidade linguística pertencente à ordem do discurso, questionando, se no

96
MORAES, Luiz Edmundo de Souza. Verbete: Revisionismo negacionistas. SILVA, Francisco C. Teixeira da;
Et. al. (org.). Enciclopédia de guerras e revoluções – vol III: 1945-2014: A época da Guerra Fria (1945-1991) e
a nova ordem mundial. 1 ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2015. Pág. 491.
97
Em um conjunto de cinco textos escritos entre 1980 e 1987, Pierre Vidal-Naquet, coloca em embate a memória
e a história, e confronta diretamente o revisionismo, ou o que chama de escola revisionista / exterminacionista, de
Robert Faurisson. A escola exterminacionista seria uma tentativa de trocar uma “verdade insuportável por uma
mentira tranquilizadora”. O “Eichmann de papel” seria, assim, os revisionistas, que buscam exterminar da
História os campos de extermínio. VIDAL-NAQUET, Pierre. Os assassinos da memória: um Eichmann de papel
e outros ensaios sobre o revisionismo. Trad. Marina Appenzeller. São Paulo: Papirus, 1988.
98
NAPOLITANO, Marcos. Os historiadores na “batalha da memória”: resistência e transição democrática no
Brasil. In: VIZ QUADRAT, Samantha; ROLLEMBERG, Denise. (org.). História e memória das ditaduras do
século XX. V. 1. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2015.
99
WHITE, Hayden. Enredo e verdade na escrita da História. In: MALERBA, Jurandir (org.). A história escrita:
teoria e história da historiografia. São Paulo: Contexto, 2006.
45
caso da Shoah existe um limite para representação ou se seu significado é, como qualquer outro
evento histórico, infinitamente interpretável e basicamente indeterminável. Defendendo que o
historiador, tal como o romancista, escreve por meio da elaboração de um enredo, White
conclui, que se é condenada a escrita ficcional e poética acerca da Shoah, também o é qualquer
relato narrativo, “porque cada elaboração de enredo é um tipo de figuração”, nesse caso, “o
Holocausto, a Solução Final, a Shoah, o Churban ou o genocídio alemão dos judeus não é mais
irrepresentável do que qualquer outro evento da história humana”.100
Atemo-nos a característica “indeterminável” levantada por White. Nenhuma
representação do passado é capaz de mostrar a totalidade dos acontecimentos, de cada narrativa
se apreende o posicionamento e as evidências de reconhecimento da própria história. A essas
evidências de reconhecimento, Carlo Ginzburg chamou de “princípio da realidade”. O
historiador italiano, adota o paradigma de método indiciário101, por meio do qual reconhece que
a forma de olhar o documento não é a mesma dos positivistas. As temáticas sobre as quais se
debruçam os historiadores do presente, entre elas a Shoah, são diferentes daquelas estudadas
pelos historiadores do XIX, da mesma forma que a diversidade e natureza das fontes também o
são. Isso não significa, contudo, que a busca pela verdade não exista, por mais que não se tenha
o objetivo idealista de captura-la em sua totalidade.
O caráter de “indeterminável”, requerido por White, é desconstruído a partir de uma
volta ao passado tal como ele foi, o uso da ferramenta rankeana, utilizada por Ginzburg, de
voltar ao passado e apreender dele a verdade dos fatos. Isso é, antes da análise / interpretação
dos eventos históricos, faz-se necessário voltar “as coisas mesmas”, e descrever o passado
naquilo que dele pode ser apreendido, sem construção narrativa.102 O “fantasma da coisa em
si”, como escreve Ginzburg, e as recordações fragmentárias e distorcidas sobre ele, o
testemunho, fornecem a base para a busca do evento real, que é restituído a partir de uma crise
de confronto entre o testemunho e as provas. A dimensão ética da escrita da História estaria
então no princípio da realidade. No reconhecimento de que a coisa em si existe, e o testemunho

100
Ibidem. Pág. 201 et. seq.
101
Para um debate mais aprofundado acerca da micro-história, do método indiciário e da trajetória intelectual de
Carlo Ginzburg, ver: MAYNARD, Dilton Cândido Santos. Introdução à micro-história: apontamentos sobre a obra
de Carlo Ginzburg. In: MAYNARD, Dilton Cândido Santos; SOUZA, Josefa Eliana. (org.). História, Sociedade,
Pensamento Educacional: experiência e perspectivas. Rio de Janeiro: Editora Autografia, 2016. ISBN: 978-85-
5526-754-3.
102
Para a discussão do emprego de ferramentas filosóficas no domínio da História, ver: SCHURSTER, Karl. O
fenômeno nazi e seu impacto na historiografia do tempo presente. Rio de Janeiro: Autografia, 2016.
46
representa a memória do evento, que ao ser confrontada com as evidências de reconhecimento
do passado, ganham em legitimidade.103
As discussões acerca do testemunho e a forma como trabalha-lo, estão inseridas nas
décadas finais do século XX. Se vimos, a partir da historiografia alemã, o fenômeno da Shoah
secundarizado ou preso ao Nacional-socialismo, com as novas abordagens, decorrentes do fim
da Guerra Fria, o que se vê é um espaço próprio, dentro da historiografia, para ele. O
ressurgimento da memória, judia e alemã, os traumas coletivos, o ensino desses traumas, as
condições de repetição do genocídio, dentre outros, são os temas que passam a ser discutidos a
partir dos avanços herdados das décadas anteriores.
A Shoah assume duas características que consideramos fundamentais para os estudos
da memória: o seu caráter de singularidade, por ser um evento sem precedentes na história da
humanidade, e a universalidade. O entendimento de que o fenômeno revelou a natureza do
homem e demonstrou que o genocídio coletivo é uma prática humanamente possível, fez ele
ultrapassar as barreiras da história do povo judeu, e se inscrever no curso da história da
humanidade. Compreender qual o local da memória, as razões que levaram pessoas comuns a
se transformarem em assassinos coletivos, a silenciarem diante do horror, coloca-nos diante de
um novo estudo, onde a questão humana ganha uma posição central. A chave explicativa Estado
– sociedade civil é dissolvida, e as relações feitas entre o racismo e o agir político do fascismo,
mostra-nos que “o holocausto representa um selo, o carimbo definitivo, do fascismo como
corrente política incapaz de apresentar-se, inclusive hoje, como alternativa possível de
ordenamento civilizado do mundo104”.
A consideração do caráter de universalidade do evento, leva-nos ao entendimento que o
outro conveniente passou a ser estabelecido conforme sua época. As condições de permanência
do agir fascista são assim identificadas no racismo, na negação da alteridade, na construção de
um “contra tipo ideal”, que transforma qualquer grupo étnico em vítimas potenciais.
Compreender como foi humanamente possível é um convite ao historiador comprometido com
a responsabilidade social do seu ofício, Adorno acertava quando nos dizia que “o retorno ou
não retorno do fascismo constitui em seu aspecto mais decisivo uma questão social105”.
Compreender se faz necessário, por fim, frente ao desafio de fundar métodos de ensino capazes

103
GINZBURG, Carlo. O extermínio dos judeus e o princípio da realidade. MALERBA, Jurandir (org.). A história
escrita: teoria e história da historiografia. São Paulo: Contexto, 2006.
104
SILVA, Francisco C. Teixeira da. Verbete: Holocausto e política. In: SILVA, Francisco C. Teixeira da; Et. al.
(org.). Enciclopédia de guerras e revoluções – vol II: 1919-2045: A época dos fascismos, das ditaduras e da
Segunda Guerra Mundial [1939-1945]. 1 ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2015. Pág. 121.
105
ADORNO, Theodor. W. Educação e Emancipação. IN: Educação após Auschwitz. Trad. Wolgang Leo Maar.
Rio de Janeiro: Paz e Terro, 1995. Pág. 123.
47
de garantir que a máxima do nunca mais, possa de fato não mais existir. Enquanto persistirem
as condições de ressurgimento do agir fascista, a Shoah será sempre um tema do presente.

48
TRAUMAS COLETIVOS E OS ESTUDOS DA MEMÓRIA: A URGÊNCIA DO
ENSINO

2.1 “História sob vigilância”: estudos da memória e a Pedagogia de Ensino dos Traumas
Coletivos
“Creio que este é o papel e o objetivo que Deus me designou: ajudar
o máximo que puder para que esta tragédia que tem caído sobre o
povo judeu, em particular, e sobre todas as nações do mundo, em
geral, não volte a se repetir. ”
Leopold.
Cartas póstumas do Holocausto.

Ireneo de Funes é um jovem que viveu até os dezenove anos como um “desmemoriado”,
esquecia-se de tudo. Após um acidente, o jovem Ireneo percebe duas mudanças: estava
paralítico e possuía uma memória infalível. Ireneo era capaz de lembrar a forma das nuvens de
um dia qualquer, vivenciado tantos anos atrás; podia reconstruir um dia inteiro sem titubear em
um aspecto sequer. De tão rico e nítido, o presente se tornara quase intolerável. O conto Funes,
o memorioso, de Jorge Luis Borges, é emblemático para o estudo da memória 106. A
incapacidade do esquecimento em Ireneo, representa para Borges, a própria incapacidade de
pensamento, uma vez que para o autor, pensar é esquecer diferenças, é generalizar e abstrair. A
oposição lembrar – esquecer presente no conto de Borges, diz respeito a própria natureza
humana. Buscaremos nesse capítulo traçar brevemente as considerações acerca da memória
enquanto objeto da História, tratar acerca da urgência do ensino de traumas coletivos e
contextualizar esses estudos no Brasil através de exemplos de leis memoriais e de dois materiais
preocupados com o ensino, “Ensinando sobre o Holocausto na escola” (2014) e “Esther, uma
estrela na guerra” (2017).
A partir das décadas finais do século XX e no desenvolvimento do XXI é possível
observar um boom nos estudos da memória. A Nova Ordem Mundial mostrou que a violência
das Guerras, especialmente a Segunda Guerra Mundial, e que o fim do clima de bipolarização
e ameaça nuclear, não foi capaz de fundar um mundo novo, com base no respeito à alteridade e
vivência da multiculturalidade. O professor Yehuda Bauer viria a afirmar que a humanidade
não aprende com o passado. Se observados os genocídios que se desenvolvem na chamada
Nova Ordem Mundial, tais como Ruanda (1994), Bósnia (1995) e Kosovo (1998), ou ainda,

106
BORGES, Jorge Luis. Funes, o memorioso. Trad. Marco Antonio Franciotti. In: BORGES, Jorge Luis. Prosa
Completa. Barcelona: Ed. Bruguera, 1979, vol. 1.
49
diferentes formas de manifestação da violência dentro das democracias ocidentais,
concordaremos com a afirmação do professor. No entanto, há que se encontrar, entre o
pessimismo advindo desses massacres e a esperança do Nunca mais, instrumentos políticos e
sociais que encaminhem mudanças.
A emergência ou boom da memória se insere em um duplo contexto. De um lado,
assistimos, com o fim da Guerra Fria, o nascimento de uma Nova Ordem Mundial, e nela o
ressurgimento dos fascismos criou um dever político e ético da rememoração dos eventos
traumáticos. Parte considerável dos sobreviventes dos campos de concentração escolheram pelo
silêncio temporário para continuar a viver, e a ressurgência dos fascismos impunha o imperativo
de responsabilidade, a todos os sujeitos sociais, na difícil tarefa de combater o ódio, que se
expressa na violência de natureza variada. De outro lado, inscrito no mesmo contexto, está a
abertura de documentos, como consequência do fim da Guerra Fria, e a morte dos testemunhos.
Os sobreviventes estão, desde o final do século XX, em seu outono, com isso a necessidade de
materiais que deixem registrados a memória dos testemunhos, mostrou-se cada vez mais
crescente.107
Após a larga gama de literatura produzida acerca da Shoah, muitas das quais
responsáveis por posicionar intelectuais em uma zona intocável, transformando-os em
verdadeiros cânones, e das condições que possibilitaram o seu existir, a historiografia europeia
se volta para o trabalho da memória viva, do testemunho. Na mesma medida, em Israel, emerge
um forte debate sobre o ensino. Tratava-se de discutir o que tínhamos aprendido acerca desse
evento e, ainda mais fortemente, o que somos capazes de ensinar. Criar uma pedagogia capaz
de falar de traumas coletivos. Assistimos, portanto, o emergir de um campo que une duas
frentes, a memória e a educação em seu duplo papel: no presente, como alerta e, no porvir,
como provedor de esperança de que é possível construir instrumentos, por meio de uma
cooperação internacional, que visem combater a negação da alteridade.
A Pedagogia de Ensino dos Traumas Coletivos, enquanto campo de conhecimento,
insere-se na argumentação da História do Tempo Presente, sendo entendido como um campo
intradisciplinar. Isto é, dentro da História do Tempo Presente, a Pedagogia de Ensino dos
Traumas Coletivos representa uma especialização, um desdobramento interno. O que o confere
um campo de interesse e um repertório teórico metodológico. Neste sentido, algumas categorias

107
SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. Verbete: Holocausto e política. SILVA, Francisco C. Teixeira da; Et. al.
(org.). Enciclopédia de guerras e revoluções – vol II: 1919-2045: A época dos fascismos, das ditaduras e da
Segunda Guerra Mundial [1939-1945]. 1 ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2015. Pág. 121.
50
de análise se fazem necessárias para a compreensão dos estudos desse campo: a memória, o
testemunho e o trauma que este carrega, e o papel do ensino.
Os estudos da memória possuem uma trajetória recente, ao mesmo passo em que
abundante. No intuito de melhor compreender essa trajetória, dividimo-las em três eixos: o
primeiro, a partir da década de 1980, com a republicação de Memória coletiva de Maurice
Halbwachs108 e a primeira publicação de os lugares da memória de Pierre Norra109; o segundo
e terceiro eixo, inscritos em um mesmo contexto, referem-se aos estudos das políticas da
memória e globalização da memória da Shoah, amplamente difundido por Andreas Huyssen110,
e o conceito de pós memória, cunhado por Marianne Hirsch111. Neste capítulo, interessa-nos
em maior medida o segundo e o terceiro eixo. Compreendemos que as discussões levantadas
no primeiro momento possuem um papel preponderante nos estudos da memória. São esses os
estudos responsáveis por posicionar a memória como objeto histórico, conferir-lhe o status de
fonte. Nesse sentido, a larga gama de teóricos que se debruçaram sobre o tema, abriram fendas
pelas quais se tornou possível o avanço desses estudos. Apresentaremos rapidamente os teóricos
que compõe o eixo da década de 1980 e as principais questões levantadas por eles. Em seguida,
fixaremos nossa análise nos estudos de Andreas Huyssen, sob a luz do regime de historicidade
de François Hartog, e no conceito de pós memória trabalhado por Hirsch.
Com a querela dos historiadores alemães, em todo o seu desenvolvimento, a discussão
acerca da memória ganhou a dimensão pública. Os historiadores que passaram a trabalhar com
essa temática se debruçaram, sobre tudo, na relação, por vezes completa separação, entre
memória e História, ressaltando os limites da primeira. O contexto no qual emergem esses
debates representa um rompimento com o silêncio. Para Michael Pollak, o silêncio dos
sobreviventes dos campos de concentração no imediato pós-guerra é explicado por quatro
principais fatores: a necessidade de encontrar um modo de viver com aqueles que assistiram a
sua deportação e consentiram, direta ou indiretamente, com ela; o sentimento de culpa que por
vezes prevaleceu sobre a vítima; o encontro com ouvidos que estivessem dispostos e
interessados em escutar os seus relatos; e a intenção de poupar os filhos de crescerem nas
memórias das feridas dos pais, nos seus traumas.112

108
HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Vértice, 1990.
109
NORRA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Trad. Yara Aun Khoury. Projeto
História. São Paulo, 1981.
110
HUYSSEN, Andreas. Culturas do passado-presente: modernismos, artes visuais, políticas da memória. Rio de
janeiro: Contraponto: Museu de arte do Rio, 2014.
111
HIRSCH, Marianne. The generation of postmemory. In. Poetics Today, Durham: Duke University Press, 29:1,
2008. p. 103-128.
112
POLLAK, Michel. Memória, esquecimento, silêncio. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, 2 (3): 3-15, 1989.
51
Especialmente no ponto “ouvidos atentos” levantado por Pollak, vimos que no imediato
pós-guerra a historiografia volta suas preocupações para construir uma história que confira
identidade nacional a Alemanha, ainda que para isso “certas coisas” precisem ser esquecidas.
O gradual desaparecimento das testemunhas oculares foi o fator preponderante para que se
passasse a escrever as lembranças dos sobreviventes, uma luta contra o esquecimento. Os
sobreviventes dos campos de concentração que viveram com o silêncio no imediato pós-guerra,
viam-se agora diante da necessidade de rompê-lo e os filhos desses passaram também a escrever
sua história.
A questão do silêncio levantou debates importantes entre os estudiosos da memória.
Peter Burke em A história como memória social113, constrói perguntas para aqueles que
passarão a escrever a “História social das recordações”. Segundo Burke, toda história oficial
está envolta em uma amnésia social, sendo necessário perguntar “quem quer esqueça? O que
quer que se esqueça? E o porquê desse esquecimento? ”. A memória aqui ganha duas
dimensões, primeiro, ela é fonte histórica, na medida em que seu uso permite ao historiador
reconstruir, a partir de uma detalhada análise, o evento passado, e, segundo, a partir do esforço
de sua escrita e de um campo que defina seus limites teórico e metodologicamente, transforma-
se em fenômeno histórico.
Hartog traduziu o desafio de se trabalhar a memória enquanto fonte histórica na
expressão “enquanto eu escrevia história antiga, a história moderna batia em minha porta”.
O lugar de embate entre História e memória é, por excelência, o tempo presente. É
exclusividade dessa linha teórica a formação de um laço entre a testemunha e aquele que
historiciza a sua memória, bem como, é nessa linha teórica que a escrita da História acontece,
na expressão de Robert Frank, sob vigilância114. Existe no tempo presente a necessidade do
testemunho se reconhecer no trabalho do historiador. Nesse sentido, os lapsos precisam ser
estudados, bem como, os esquecimentos, silêncios, ou como chamou Peter Burke, o não-dito.
Na utilização da memória enquanto fonte histórica, faz-se necessário compreender quais as suas
construções e reconstruções, como ela foi temporalmente ressignificada. Existe, portanto, uma
exigência de domínio da história e da historiografia acerca da temática estudada. Só dessa
forma, a testemunha poderá ser criticada e a função do historiador de compreender o que ela
assimilou, esqueceu ou reconstruiu poderá ser posta em prática.

113
BURKE, Peter. A história como memória social. In: BURKE, Peter. O mundo como teatro: estudos de
antropologia histórica. Lisboa: Difel, 1992.
114
FRANK, Robert. Questões para as fontes do presente. CHAUVEAU, Agnès; TÉTART, Philippe. Questões
para a história do presente. Bauru, São Paulo: EDUSC, 1999.
52
É nessa conjuntura que se dá a reedição do livro A memória coletiva de Maurice
Halbwachs, a discussão acerca dos limites da memória e de seu uso pela História. O livro de
Halbwachs estabelece uma linha divisória entre memória e História. O sociólogo, sob forte
influência do pensamento durkheimniano, difere “história crítica” de “história vivida”. Para o
autor, só existe História a partir do momento em que todo traço de memória vivida tenha
desaparecido. A dita memória coletiva seria, assim, um sistema organizado de lembrança, cuja
base de sustentação são os próprios grupos aos quais ela pertence, grupos temporal e
espacialmente situados.115
O que estava sendo lembrado por Maurice Halbwachs era o ideal de distanciamento. Se
a História e a memória são opostas, uma crítica e a outra vivida, uma conhecimento e a outra
significação, então a memória não serve como objeto histórico. A História é uma, as memórias
são várias. Daí a necessidade de distanciamento, de aguardar que todas as memórias em conflito
desapareçam para que então o historiador possa realizar a sua função: resumir a História.
Enquadrá-la no campo de causas e efeitos, com começo, meio e fim.
Nesse cenário, os debates acerca da memória na década de 1980 fixaram seu olhar nas
problemáticas: silêncio e esquecimento, construção e reconstrução, seletividade da memória,
oposição memória e História, oposição memória individual e coletiva. Tratava-se de encontrar
os espaços onde a sociedade deposita voluntariamente suas lembranças e fazer a história desses
lugares, o que Hartog chamaria de impulsos memoriais. O Ideal de distanciamento evocado por
Halbwachs para o uso da memória negligencia esses impulsos. Impede que o historiador se
coloque diante das demandas sociais, que buscam a historicização dos traumas coletivos no
presente para responder demandas do presente.
A pergunta de Rousso a essa evocação do silêncio enquanto houver testemunhas,
parece-nos emblemática: “Como arquivar tranquilamente e em silêncio a história de Vichy,
quando no mesmo momento esse período era alvo de uma interrogação obsessiva em escala
nacional? ”116. A memória, tornou-se repetitivo dizer, é seletiva. Toda memória representa uma
reconstrução psíquica e intelectual do passado no presente, forja uma identidade nacional e
estabelece continuidade no tempo. Recusar a elástica capacidade de sua utilização como fonte
histórica é criar uma automatização do conhecimento e valorizar a escrita documental, criar

115
MENEZES, Ulpiano Bezerra de. A História, cativa da memória? Para um mapeamento da memória no campo
das ciências naturais. Revista Instituto de Estudos Brasileiros. São Paulo, 1992. P. 9-23.
116
ROUSSO, Henry. A memória não é mais o que era. In: AMADO, Janaína; FERREIRA, Marieta de Moraes.
Usos & abusos da História oral. 8º Edição. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006. Pág. 94.
53
postulados de uma história verdadeira contra uma história falsa, que baseada na memória não
possui o devido rigor científico.
A urgência por se trabalhar a memória, reconhecendo a impossibilidade de resgate total
frente à dinâmica social e os inúmeros processos de reconstrução pelos quais essa passa,
renovou a reponsabilidade social do historiador, a sua missão cívica. Seja enquanto tema
acadêmico, seja enquanto bandeira política, os estudos da memória impuseram a problemática
de posicioná-la em seus lugares, de debate-la criticamente e forjar novos métodos, pelos quais
se faça compreensivo a transmissão da memória social. Para o historiador Peter Burke, essa
transmissão ocorre por cinco processos:
i) As tradições orais, nas quais importam os aspectos simbólicos da narrativa.
ii) O território tradicional do historiador, o uso dos documentos.
iii) As imagens, que veiculadas possuem a capacidade de criar uma identidade
nacional.
iv) A construção de práticas de rememoração, bastante difundidas nas décadas finais
do século XX, por meio das “comemorações”.
v) O espaço no qual essas memórias são socialmente construídas, a profusão de
museus, arquivos, monumentos.117

Livro de igual importância para o período é de autoria de Pierre Nora, “Entre memória
e história: a problemática dos lugares”. O livro de Nora, que vai sendo paulatinamente
construído ao longo da década de 1980, sofre um forte impacto da queda do muro de Berlin
(1989) e do colapso da URSS (1991), o momento de reconstrução das memórias / identidades
nacionais. O fim da bipolarização mundial inaugura uma nova ordem, para o autor, o ponto
central desse momento é a aceleração da história e, somado a ele, a democratização. A
emergência da memória seria assim um relacionamento das sociedades presentes com o seu
passado recente. Um momento em que as minorias passam a criticar as versões oficiais
historicamente produzidas e requerer um lugar na construção da identidade nacional.
Os estudos da memória em Nora assumem um lugar de justiça. Uma vez que a História
tenha sido escrita sob a ótica de poderosos e intelectuais, a memória é reivindicada pelos pobres
e oprimidos. Até o momento de emergência da memória, os indivíduos tinham memória e os
coletivos possuíam sua história, com a democratização e aceleração, os coletivos passaram a
possuir uma memória, a recuperar o seu passado e se afirmar na identidade nacional. A

117
BURKE, Peter. Op. Cit.
54
construção dessa relação memória – história, gerou o que Nora chamou de jogos entre memória
e história.118
A “era da testemunha”, conforme classificou Annette Wieviorka, ou “momento da
memória”, ficou marcada pela valorização da testemunha ocular. Para Wieviorka, esse
momento tem início em 1961, com o julgamento de Eichmann em Jerusalém. A autora ressalta
que há uma diferença substancial do julgamento de Eichmann para o tribunal militar
internacional de Nuremberg, enquanto este esteve pautado pelos documentos oficiais, o
julgamento de Eichmann teve por característica a valorização dos depoimentos dos
sobreviventes, a palavra da testemunha ganhou peso durante esse processo. Para além desse
aspecto central, tem-se que ressaltar o papel desempenhado pela mídia de inserir o debate na
esfera pública.
A fonte testemunhal, a história oral, é imbuída de significado nesse contexto. Para tal,
faz-se imprescindível levar em consideração o tempo rememorado e o ato da rememoração, a
asserção da realidade e o envolvimento do sujeito com seu testemunho, o lugar de enunciação
do historiador e, o que François Dosse chamou de acepção extensiva, aquilo que é do passado
e ainda nos é contemporâneo.119 O testemunho carrega consigo o trauma de uma história vivida,
um passado que se coloca no presente. Nesse sentido, a importância da testemunha ocular no
processo de compreensão do evento repousa na impossibilidade, frente a magnitude da Shoah
e os genocídios e atos de violência emergentes no século XXI, de construir uma memória sem
traumas.
O conceito de traumas pode ser entendido, na psicanálise, como um conceito derivado
da neurose de guerra, tendo esse mesmo seu significado derivado do conceito de neurose. No
dicionário de psicanálise, a neurose, em sua forma atual, constitui-se como um mecanismo de
defesa contra a angústia consecutiva de um trauma real.120 No entanto, não é só o significado
psicanalítico que aqui nos interessa. O conceito de trauma pertence, como apontou Paul
Ricoeur, à consciência comum, e para entende-lo se faz necessário compreender os excessos e
defeitos da memória.121 A sua zona de esquecimento e obsessão. Toda memória é um objeto
portador de sentido da história vivida e o presente pode alterar esse sentido. Produzir um
passado e um futuro que o interesse no instante agora. Reside nesse aspecto, a importância de

118
NORA, Pierre. Memória: da liberdade à tirania. IN: MUSAS – Revista Brasileira de Museus e Museologia, n.
4, 2009. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Museus, 2009. Pág. 8.
119
DOSSE, François. História do Tempo Presente e historiografia. Tempo e Argumento: Revista do Programa de
Pós-graduação em História. Florianópolis, v. 4, n. 1, p. 5 – 22, jan/jun. 2012.
120
ROUDINESCO, Elisabeth; PLON, Michel. Dicionário de psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 2018.
121
RICOEUR, Paul. O perdão pode curar? Trad. José Rosa. LusoSofia, Pross. _____. P. 3 – 10.
55
se submeter a memória ao rigor historiográfico, de compreender o que dela é factual e o que é
ressignificação.
A década de 1980 ficou fortemente marcada pelos embates entre memória e História.
Perguntas como a de Dominick Lacapra, “quais aspectos do passado deve recordar e como
fazê-lo? Qual é em geral o significado do trauma na História? ”122, foram, paulatinamente,
sendo respondidas por meio de uma historiografia preocupada com a narrativa e suas
intencionalidades. O entrelaçamento de História e memória, ética e política, como visto em
LaCapara, abriu espaço para que os estudiosos da memória voltassem sua intenção para novos
problemas. Nesse sentido, a década de 1990 em diante sofre uma intensificação dessas
memórias e consequentemente uma renovação nas temáticas. A memória solidificou-se
enquanto fonte e o velho embate memória versus História foi, pouco a pouco, cedendo terreno
para os estudos de memórias conflitantes e a emergência dessas no âmbito jurídico, somado há
uma preocupação com o ensino.
Emergiram datas comemorativas, patrimônios, monumentos, arquivos e museificação
de centros urbanos acerca da memória. Assistiu-se uma profusão midiática que fez com que a
memória, especialmente a memória da Shoah em um aspecto comparativo, fosse cada vez mais
difundida. A imprensa, a esfera política, a publicação de livros, películas, peças musicais, teatro
fez da memória da Shoah, na expressão de Huyssen, globalizada. Em especial, a instituição de
datas comemorativas e de decretos surgidos a partir desse evento limite parecia representar uma
tentativa de consolo ao silêncio que foi historicamente produzido. Nesse sentido, se no pós-
guerra víamos uma insuficiência da memória nos estudos históricos, agora, passamos a lidar
com a sobrecarga. A presença do passado passou a ocupar o espaço público, a reivindicar um
selo estatal de reconhecimento da história vivida. Nas palavras de Pollak, podemos resumir que
as chamadas memórias indizíveis, romperam com as condições sociais em que se produziu o
silêncio, seja por pressão coletiva ou por conveniência pessoal, e a memória, saída do seu
momento de letargia, passou a funcionar como alavanca para reivindicações.123
Os estudos de Andreas Huyssen apontam para o surgimento de uma memória
transnacional, isto é, para uma desterritorialização e reterritorialização da memória. Uma
crítica aos lugares da memória de Pierre Nora e a noção de memória coletiva única como
sistema organizado de lembrança de Maurice Halbwachs. Para o autor, a noção de memória
coletiva única não responde as demandas do presente, deve-se passar a considerar a existência

122
LACAPRA, Dominick. Historia y memoria después de Auschwitz. Buenos Aires: Prometeo, 2009.
123
POLLAK, Michel. Op. Cit.
56
de campos da memória. Tendo por base o entendimento de que a memória nunca é neutra, de
que toda lembrança está sujeita a interesses e usos específicos, que toda memória é fragmentada
e contaminada por processos de esquecimento, Huyssen, defende o estudo desse campo por
meio do que chama de memórias conflitantes.124
O estudo da memória enquanto campo de disputa está inserido na noção de regime de
historicidade levantada por François Hartog125. Para o autor, a aceleração da história,
característica do século XX, criou um elo entre presentismo, a supremacia do ponto de vista do
presente, e futurismo, a dominação do ponto de vista do futuro. Esse elo, entre presentismo,
futurismo e velocidade do tempo, levou Hartog a decretar a morte do tempo e do espaço. 126 A
sociedade estaria assim imersa em um novo regime de historicidade, uma maneira de traduzir
e ordenar experiências do tempo, articular passado, presente e futuro. O regime de historicidade,
logo, é a expressão de uma ordem dominante do tempo.
Toda sociedade / cultura lida com o tempo de maneira distinta. À guisa de exemplo, o
regime de historicidade moderno esteve baseado em uma visão iluminista, de progresso e
linearidade. A Shoah, fonte de identidade negativa da Europa, não podia ser interpretada como
o progresso humano, diante disso, ocorre uma ruptura no tempo, o fim da história contínua, a
crise do regime moderno de historicidade. A essas rupturas, Hartog, chamou de brechas no
tempo, um momento em que as coisas não são mais, ao mesmo passo, em que não são ainda.
As brechas são um corte, uma fragmentação do tempo, que instauram lentamente um novo
regime de historicidade, um intervalo entre passado e futuro, com característica de durabilidade.
O regime de historicidade no qual está inserido a memória seria assim: uma mudança
de relacionamento das sociedades com o seu passado, inscrito nas demandas do presente, com
uma preocupação que se posiciona no futuro. A mútua relação, presente – passado – futuro,
está expressa no que Pierre Nora chamou de “regulamentação judicial do passado”. A
reivindicação de minorias étnicas, dentro dos contextos nacionais, ou ainda com caráter global,
por posicionar o seu passado no espaço público do presente, mediante uma crise da noção de
futuro.
O slogan “Para que não se esqueça, para que nunca mais aconteça”, referente aos
campos de concentração, parece-nos representar bem essa questão. Ele parte do contexto
presente de ressurgimento dos fascismos, por uma sociedade fundada no trauma, e com

124
HUYSSEN, Andreas. Op. Cit. Pág. 181 et seq.
125
BASTITELLA, Pedro Henrique. A legislação da memória: A lei 10.965 e a memória do holocausto. Anais do
III Encontro de Pesquisas Históricas - PPGH/PUCRS. Porto Alegre, 2016. p.26-40.
126
HARTOG, François. Regimes de Historicidade: presentismo e experiências do tempo. Belo Horizonte:
Autêntica Editora, 2013. Pág. 141.
57
preocupações no futuro. A destruição da linearidade do tempo: recordar o passado para
combater o ódio no presente e prevenir que não volte a acontecer no futuro. É nesse argumento
que inserimos as leis memoriais. Compreendemos que elas surgem da demanda do presente, do
dever com o passado e da responsabilidade com o futuro. Inscritas nesse regime de
historicidade, as leis memoriais representam um rearranjo do passado: contar o passado ao
outro, pelo ponto de vista do outro. Paul Ricoeur, alerta para o fato de que a relação passado-
presente-futuro sofre de feridas e traumatismos que requer ser curadas, tanto individual, quanto
comunitariamente. Nesse sentido, no momento em que a memória é levada a linguagem, não
só o futuro é indeterminável, mas também o passado pode ser mudado, a sua carga moral e o
seu peso de dívida.127
A dívida com o passado e o esquecimento do mesmo são pontos centrais na análise de
Ricoeur que auxiliam o entendimento da dimensão política e social das leis memoriais. A
primeira questão é a compreensão de que o esquecimento e o silêncio são fenômenos
psicológicos distintos. Enquanto o silêncio sobre o passado foi socialmente produzido, por
fatores individuais e coletivos, tal como nos adverte Pollak, representando
[...] a resistência que uma sociedade civil impotente opõe ao excesso de discursos
oficiais. Ao mesmo tempo, ela [a resistência] transmite cuidadosamente as lembranças
dissidentes nas redes familiares e de amizades, esperando a hora da verdade e da
redistribuição das cartas políticas e ideológicas.128

O esquecimento possui uma função terapêutica. A memória quando submetida ao trabalho de


lembrança, isto é, seu uso crítico, revela uma dualidade: de um lado, ela é excesso, obsessão
pelo passado, de outro, ela é defeito, fuga do passado. A essa fuga, conferimos o status de
esquecimento, um esquecimento passivo. O sujeito portador do trauma, como também seus
perpetradores, foge do acontecimento vivido na tentativa de esquecê-lo. Aqui reside um
problema: não se pode perdoar aquilo que foi esquecido. É nesse momento que um outro tipo
de esquecimento se faz necessário: o esquecimento terapêutico, passivo-ativo.
Relembrando o conto de Borges, Ireneo se via diante da incapacidade de esquecer, “o
seu presente de tão rico e nítido era insuportável”, o esquecimento, portanto, não é um antípoda
da memória, ao contrário, sem ele a memória é impossível. A necessidade terapêutica do
esquecimento é o complemento do trabalho de lembrança, seja ela excesso ou defeito. Muitos
dos sobreviventes dos campos de concentração passaram o imediato pós-guerra em silêncio
sobre a experiência vivida. Reencontrar-se com o seu passado traumático e reivindicar seu lugar

127
RICOEUR, Paul. O perdão pode curar? Trad. José Rosa. LusoSofia, Pross. _____. P. 3 – 10.
128
POLLAK, Michel. Op. Cit. Pág. 3.
58
na história dita oficial, significa destruir a dívida que paralisa a memória. Nesse sentido, as leis
memoriais não podem ser entendidas por uma chave explicativa de “pedir perdão pelos crimes
cometidos contra um determinado grupo social”, antes, trata-se de destruir a dívida política, não
o acontecimento em si, cujas marcas devem ser preservadas. Na dimensão política, tendo aqui
o exemplo das leis memoriais, o ato de pedir perdão, de buscar um esquecimento da dívida,
precisa estar ligado a compreensão de que
O perdão é primeiro o que se pede a outrem, e antes de mais nada à vítima. Ora, quem
se mete pelo caminho do pedido de perdão deve estar pronto a escutar uma palavra de
recusa. Entrar na atmosfera do perdão é aceitar medir-se com a possibilidade sempre
aberta do imperdoável. Perdão pedido não é perdão a que se tem direito [devido]. É com
o preço destas reservas que a grandeza do perdão se manifesta. 129

O cinema nos oferece um exemplo dessa dura relação entre memória e esquecimento.
A película é “E se vivêssemos todos juntos? ”130, de Stéphane Robelin, e o personagem que nos
dá a lição é o de Albert (Pierre Richard). A película, que trata do processo de envelhecimento
e de suas consequências físicas e psicológicas, desenvolve-se a partir da relação de cinco
personagens, onde cada qual carrega uma característica do ato de envelhecer. Albert é o
personagem portador de Alzheimer, que condiciona o seu cérebro para uma lembrança seletiva.
O personagem carrega consigo um caderno, no qual anota tudo aquilo que não gostaria de
esquecer. A lição da seletividade da memória se dá na passagem em que Albert descobre que
sua esposa, Jeanne (Jane Fonda), teve um caso com um dos seus amigos, Claude (Claude Rich).
Albert anota em seu caderno: “Há 40 anos, Jeane teve um caso com Claude”. Nas cenas
seguintes, quando se vê diante da dor de rememorar sua descoberta a cada vez que lê o caderno,
Albert decide rasgar essa página, esquecê-la e seguir em frente. A idiossincrasia do personagem
de Albert nos revela o paradoxo da memória e do esquecimento: você é capaz de lembrar o que
gostaria de esquecer e precisa anotar aquilo que gostaria de manter vivo na memória. O ato de
esquecimento é, portanto, passivo, enquanto fuga, e ativo, enquanto trabalho de lembrança. O
sujeito, entendidos como diferentes atores sociais, faz escolhas, consciente e
inconscientemente, acerca da sua história.
Os usos da amnésia social, para usar a expressão de Peter Burke, são assim conflitos de
memória que se colocam entre os “atos de esquecimento” e “as censuras oficiais”. A pergunta
de Burke nos parece indispensável para os estudos da memória enquanto disputa: “podem os
grupos suprimir aquilo que é inconveniente recordar? Se sim, como o fazem? ”. Pierre Nora,
ao tratar da aceleração e democratização da História, explica que o momento da memória se dá

129
RICOEUR, Paul. Op. Cit. Pág. 7.
130
ROBELIN, Stéphane. E se vivêssemos todos juntos. Imovison: França/Alemanha, 2012.
59
por um tipo de descolonização da memória quanto ao controle da história oficial. Para tal,
distingue essa descolonização em três tipos: a descolonização global, referente a desvinculação
de sociedades marcadas pela inércia etnológica como consequência dos anos de colonização; a
descolonização interna, refere-se aos diferentes grupos étnicos que passam a buscar o seu lugar
de participante na construção da identidade nacional; e, por fim, a descolonização ideológica,
que o autor afirma iniciar após o fim dos regimes ditatoriais do século XX.131
Essas descolonizações da memória propostas por Nora, fazem da memória bandeira
política de movimentos sociais historicamente esquecidos pela história oficial. A memória /
identidade nacional unifica e integra a sociedade, no entanto, esta não pode ser compreendida
como uma esfera plana, portadora de um conteúdo homogêneo, mas, ao contrário, “a memória
é um espaço móvel de divisões, deslocamentos e retomadas, de conflitos de regularização”132.
Entende-se, assim, que existe um jogo de força na memória, o qual se desenvolve entre choque
de acontecimentos e regularização da narrativa discursiva.
Tomemos como exemplo a disputa de memória em torno da Shoah a partir de dois
museus: o United States Holocaust Memorial Museum (Museu Memorial do Holocausto dos
Estados Unidos), criado em 1993, e o Yad Vashem, o museu israelense criado em 1953,
principalmente a partir de sua escola, a International School for Holocaust Studies (Escola
Internacional para estudos do Holocausto), subdivisão do Yad Vashem criada em 1993. Ambas
as instituições têm como um de seus objetivos expressos combater o ódio, prevenir o genocídio
e criar instrumentos para o respeito da alteridade. A data de criação do memorial e da escola
(1993), responsável por produzir e difundir material de ensino, mostra-nos que a cultura da
memória ganha uma dimensão política de comemorações na década de 1990. Para Andreas
Huyssen, são três as causas dessa política global de memoriais: o discurso sobre a Shoah e o
debate público; as transições para a democracia, que utilizam a memória desse fenômeno como
parâmetro para defender o sistema democrático; e, por fim, a limpeza étnica e genocídios
existentes dentro da Nova Ordem Mundial.133
Em Huyssen, a evocação da lembrança da Shoah, como parâmetro maior do genocídio
e como advertência ao nunca mais, está diretamente relacionada a elaboração das narrativas dos
“traumas nacionais”. A Shoah passa a ser uma memória globalizada, ou como chamou o autor,
cosmopolita. Desterritorializa-se do seu contexto nacional para o mundo inteiro. A partir dessas

131
NORA, Pierre. Memória: da liberdade à tirania. IN: MUSAS – Revista Brasileira de Museus e Museologia, n.
4, 2009. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Museus, 2009.
132
PECHEUX, Michel. Papel da memória. In: ACHARD, Pierre (org.). Papel da memória. São Paulo: Pontes,
1999. Pág. 56.
133
RUYSSEN, Andreas. Op. Cit. Pág. 139. et seq.
60
considerações, Huyssen reavive um antigo debate, do caráter de singularidade e universalidade
da Shoah. O autor critica a visão que nega a possibilidade de comparação da Shoah com os
genocídios das décadas finais do século XX e mesmo com a violência colonialista. O que
precisa aqui ser lembrado, é que o caráter de singular da Shoah se dá enquanto fenômeno sem
precedentes na História humana, fato ressaltado pelo próprio autor, e a universalidade requerida
não retira do acontecimento a característica de ter sido dirigido rumo ao extermínio dos judeus,
mas transforma-se em um evento universal na medida em que serve de parâmetro para as ações
humanas. O que os indivíduos são capazes de fazer, com as condições que lhes são dadas. Não
se trata de hierarquizar sofrimento, mas, ao contrário, de reconhecer na história da Shoah a
capacidade elástica que teve de fundar novos decretos e instituições preocupados com o
combate ao ódio. Constitui já esse um ponto de comparação.
Três dimensões são colocadas por Huyssen como precondições de hierarquização dos
discursos de vitimização, ocupando a Shoah posição central:
i) A dimensão jurídica. A Shoah foi uma das bases da convenção de Genebra sobre
o genocídio, em 1948, que forneceu a estrutura jurídica dos futuros genocídios
e violações dos direitos humanos;
ii) A dimensão erudita. Refere-se ao extenso trabalho acadêmico acerca do tema, o
qual serve de referencial para os estudos dos genocídios futuros e passados;
iii) A dimensão das representações artísticas e estéticas. De um lado, o peso dessa
dimensão está na literatura crítica sobre testemunhas, depoimentos e história
oral, de outro, na mídia ocidental da imagem, que transformou a memória em
mercadoria.134

Na dimensão jurídica vemos a urgência do ensino, o “para que nunca mais aconteça”.
Na dimensão erudita, a querela dos historiadores alemães, parece-nos um bom exemplo do
extenso trabalho sobre o tema. E na dimensão das representações artísticas e estéticas, faz-se
importante ressaltar que no novo regime de historicidade o tempo é transformado em
mercadoria, passa a ser sinônimo de produtividade, flexibilidade e mobilidade. O que se vê
aqui, é uma valorização do efêmero, a compreensão do tempo “para quem tem pressa”.135
Esse é o contexto da década de 1990 que se estende ao século XXI. O contexto de
fundação do Museu do Holocausto dos Estados Unidos e da Escola para estudos do Holocausto

134
Ibidem. Pág. 184 et. seq.
135
HARTOG, Fraçois. Op. Cit. Pág. 148.
61
do Yad Vashem. Em 22 de abril de 1993, durante o governo de Bill Clinton (1993-2001), a
Shoah se transforma em um evento oficialmente incorporado a memória norte-americana. O
espaço foi criado para “preservar a memória do Holocausto para todos os estadunidenses”.
Entre as principais intenções expressas pelo museu em sua página136, está a necessidade de
educar para o confronto ao ódio, a prevenção do genocídio e a promoção da dignidade humana,
demonstrando que a liberdade é frágil e o progresso um mito, sendo assim, os valores
democráticos precisam ser insistentemente vigiados. Diante disso, o principal público alvo do
museu são líderes mundiais e jovens.
O Museu Memorial do Holocausto dos Estados Unidos trabalha com planos estratégicos
que são renovados a cada seis anos. O último deles, 2013-2018137, tem como abordagem
[..] as vítimas e se concentra em documentar, examinar e ensinar como e,
especialmente, porque o Holocausto aconteceu. O Holocausto é um aviso de que o
impensável é possível e que a natureza humana faz de todos nós suscetíveis ao abuso
de poder, a crença na inferioridade do “outro” e a capacidade de justificar qualquer
comportamento. Seu significado não está apenas no que aconteceu, mas na
necessidade de compreender que ele ocorreu em uma das regiões mais educadas e
avançadas do mundo, e foi liderada por uma nação com uma constituição democrática,
um estado de direito e liberdade de expressão. Um lembrete duro da natureza humana
e da fragilidade das sociedades. O Museu motiva os cidadãos e líderes a trabalharem
proativamente para proteger sociedades livres e prevenir futuros genocídios. 138

As prioridades do programa de 2013-2018, centram-se em duas questões: prevenir, por


meio de instrumentos multilaterais, e educar para o pensamento crítico. Dividido em subseções,
interessa-nos, em especial, a seção remember survivors and victims (lembre-se dos
sobreviventes e vítimas). Nessa seção, o museu propõe uma metodologia de identificação com
vítimas da Shoah. São entregues aqueles que visitam o museu, estando também disponível no
sítio eletrônico, cartões de identificação, que permitem ao visitante ir descobrindo a história da
vítima de seu cartão. Esses, são divididos em quatro seções: um esboço biográfico da pessoa, o
modo como vivia de 1933 a 1939, a sua experiência nos anos de guerra e, por fim, o destino da
vítima. Todos os cartões são produzidos para ajudar a “reconstruir” os eventos da época e causar
empatia ao visitante.
Tomemos como exemplo um cartão da seção infantil: Frida Adler, nascida em 14
setembro de 1926. O primeiro cartão revela que Frida era a mais velha das três filhas nascidas
de pais judeus em uma aldeia na província da Tchecoslováquia. Quando Frida tinha 2 anos,
seus pais se mudaram para Liège, na Bélgica, uma cidade industrial em grande parte católica

136
https://www.ushmm.org/.
137
Disponível em: https://www.ushmm.org/m/pdfs/Strategic-Plan-2013-2018.pdf.
138
Idem.
62
com muitos imigrantes da Europa Oriental. Frida frequentou escolas públicas belgas e cresceu
falando francês. Na sequência, sabe-se que de 1933 a 1939, Frida e sua família viveu em um
apartamento em cima de um café, de frente para uma Igreja católica. Em casa, ela sempre falava
iídiche com seus pais, mas quando eles não queriam que ela entendesse a conversa, falavam
húngaro. Sua mãe, religiosa, fez com que Frida também estudasse hebraico. O terceiro e quarto
ponto da identificação retratam sua trajetória de 1940 até 1946. Tinha 13 anos quando os
alemães ocuparam Liège. Dois anos depois, por serem judeus, a família recebeu um pedido de
registro e Frida e suas irmãs foram forçadas a saírem da escola. A família recebeu ajuda de
alguns amigos católicos, que os concederam alguns documentos falsos e o aluguel de uma casa
em um vilarejo próximo. Com o nome de Fernande Albert, Frida passava a semana em Liège,
trabalhando como empregada doméstica, e nos finais de semana visitava sua família no vilarejo.
No primeiro fim de semana de março de 1944, recebeu uma mensagem “não venha”. Sua
família havia sido presa pela Gestapo. Frida estava em Bruxelas, na Bélgica, quando foi
libertada pelas tropas britânicas e canadenses no início de setembro de 1944. Emigrou para os
Estados Unidos em maio de 1946.
Por sua vez, o museu israelense, Yad Vashem, possui uma trajetória diferente. Em 1953
o Ministro da Educação e Cultura do Estado de Israel, Benzion Dinur, apresentou ao Knesset,
Parlamento Israelense, uma moção para a lei de Educação. Dinur, era historiador de formação
e ocupou o cargo de diretor da Faculdade de Formação de Professores em Jerusalém. Entre
outras medidas, a lei de 19 de agosto de 1953 introduziu em Israel um sistema escolar unificado
e a educação pública gratuita, bem como, estabeleceu uma nova instituição, formalmente
chamada de Autoridade para a Lembrança dos Mártires e Heróis do Holocausto, o objetivo
expresso na lei era o da
[..] celebração, na Pátria, de todos os membros do povo judeu que deram a vida, ou
que se ergueram para combater o inimigo nazista e seus colaboradores e a criação de
um memorial dedicado a essas pessoas, bem como, às comunidades, organizações e
instituições que foram destruídas por pertencerem ao povo judeu. 139

O Yad Vashem (monumento e memorial), como ficou conhecida a nova instituição,


recebeu o seu nome com base na escritura de “Isaias (56:5), um ato de suplementação da
infertilidade. [...] Deus construiria um memorial onde se escreveria o nome daqueles que não
poderiam multiplicar suas sementes, testemunhando assim a passagem deles pela terra. 140”.

139
GILBERT, Martin. História de Israel. São Paulo: Edições 70, 2010. P. 337.
140
SELIGMANN-SILVA, Márcio. Literatura da Shoah no Brasil. Arquivo Maaravi: Revista Digital de Estudos
Judaicos da UFMG. Belo Horizonte, v. 1, n. 1, out. 2007. ISSN: 1982-3053. Pág. 6.
63
O Yad Vashem representou para os sobreviventes da Shoah um momento de abertura para a
escrita de sua própria História, milhares de sobreviventes deram seu testemunho, formaram-se
associações onde os mesmos passaram a ser encontrar, livros foram publicados, erigiram-se
monumentos, deram nomes de não judeus que os salvaram. Esses nomes foram oficialmente
reconhecidos pelo Estado de Israel em uma cerimônia no próprio Yad Vashem, onde foram
plantadas árvores em homenagem a cada um na “Avenida dos Justos”. 40 anos após a formação
do Yad Vashem, em 1993, é fundada a International School for Holocaust Studies (Escola
Internacional para Estudos do Holocausto), que passa a ser responsável pelo pilar da educação,
um dos pilares de sustentação do museu. Sendo os demais, documentação, comemoração e
investigação. A escola é a responsável pela publicação e difusão de todo o material didático e
se propõe a não deixar que cessem questões centrais como a negação da alteridade.
Faz-se importante ressaltar, no aspecto político, que houve resposta ao processo de
unificação do sistema educativo e formação do Yad Vashem. O Agudat Yisrael, partido político
judeu ultrarreligioso de orientação antissionista, estabeleceu um sistema educativo
independente e garantiu que estudantes da Yeshiva, academia religiosa judaica, e outros jovens
ultraortodoxos fossem liberados do serviço militar nacional obrigatório. Hoje, cerca de um terço
da população escolar é de responsabilidade do sistema educacional independente.141
Quanto a metodologia de ensino do Yad Vashem, ressaltamos dois aspectos principais:
o seu ensino espiral, que divide por temas e forma de abordagem os diferentes níveis de ensino,
desde crianças até adultos. É levado em consideração a carga emocional dos diferentes sujeitos
envolvidos na educação e a forma como será ensinado, a título de exemplo, para crianças se
preza pelo uso de imagens. O segundo aspecto, é aquele já retratado pelo Museu do Holocausto
dos Estados Unidos: a identificação. Nota-se que esse é um ponto central na discussão acerca
do ensino da Shoah. Beatriz Sarlo, alerta que para recordar o não vivido é preciso identificação,
e essa acontece por meio da educação da memória escolar e política142.
A opção por se trabalhar com os materiais do Yad Vashem como proposta de ensino
nessa dissertação, justifica-se pela metodologia espiral de ensino, que permite pensar uma
educação que promova o respeito à alteridade desde a primeira infância. O Yad Vashem produz
material e cadernos docentes para todos os níveis de ensino, não os delimitando em líderes e
jovens, compreendendo que uma educação que combata a negação da alteridade é dever de
todos.

141
Idem.
142
SARLO, Beatriz. Tiempo passado: cultura de la memoria y giro subjetivo. Una discusión. Buenos Aires: Siglo
veintiuno, ___.
64
Identificar-se com o não vivido: esse constitui um ponto preponderante para o ensino.
O conceito de pós memória, criado por Marianne Hirsch, relaciona-se diretamente com essa
metodologia, vista dessa forma na medida em que propõe um caminho para o ensino da Shoah.
A pós memória é entendida como a memória da geração seguinte a que padeceu ou
protagonizou os acontecimentos traumáticos. São os filhos, que por muito tempo foram
“protegidos” desse trauma pelo silêncio dos seus pais, e agora passam a reconstruir as
experiências deles com base nas suas memórias, somadas a uma prudente interpretação das
fontes, é o caso, por exemplo, de Art Spiegelman. A pós memória propõe que haja uma
articulação entre: carga efetiva das lembranças, laços consanguíneos e indicialidades
fotográficas para transmissão intergeracional de memórias traumáticas.143
O que a transmissão intergeracional de memórias traumáticas sugere, portanto, é que
se lembre o acontecimento com todas as suas cicatrizes, como detalhado por Ricoeur, que do
passado traumático seja perdoado somente a dívida, o sentimento de culpa, aquilo que paralisa
a memória. Cabendo a pergunta: quais as dívidas que o presente possui com o passado da
Shoah? Esse evento limite destruiu a visão de linearidade e progresso da História, instaurou
bases jurídicas para prevenir crimes de ódio e inseriu o presente em um novo regime de
historicidade. Não estamos nós mesmos em uma brecha da História? Onde as coisas não são
mais, na mesma medida em que não são ainda, o entremeio definido por Hartog. É certo que as
características do agir fascista, tal como ocorrido no século XX, estão impossibilitadas de
retornar. No entanto, o que do fascismo ficou no presente e o que dele é renovação, precisa ser
interpretado sob a exigência do respeito à alteridade.
A função do historiador frente a essa exigência, como colocado por Peter Burke, é
lembrar as pessoas o que elas gostariam de esquecer. Para tal, convém conciliar as políticas da
memória – leis memoriais, a pedagogia, no entendimento de urgência do ensino como demanda
do presente, dívida com o passado e responsabilidade com o futuro, e as mensagens e ações
políticas. Isto é, uma política da memória que institua o ensino, articulada com ações de respeito
à alteridade na cultura política.

2.2 “Lembrar o que todos querem esquecer”: a urgência do ensino


“O caminho para Auschwitz foi aberto pelo ódio, mas pavimentado
pela indiferença. ”
Ian Kershaw.

143
HIRSCH, Marianne. The generation of postmemory. In. Poetics Today, Durham: Duke University Press, 29:1,
2008. p. 103-128.
65
Para muito além dos fascismos históricos, aqueles presos no contexto das décadas de
1920 e 1930, a urgência do ensino se coloca frente as suas ressurgências. Desde os Hereros até
os microfascismos existentes em instituições do Estado no tempo presente, a lição que a
História nos dá é que o ódio, como ensinou Peter Gay, pode ser cultivado e o “outro
conveniente” socialmente construído144. Desta forma, se na Alemanha nazista foram os judeus
as vítimas da radicalização política do ódio, no pós-Guerra o outro ao qual essas políticas se
dirigem é construído no bojo das próprias sociedades, especialmente através dos discursos, seja
ele político, midiático ou pedagógico, que funcionam como instrumentos de aquisição
ideológica e prática. Cabe voltar a pergunta de Todorov “depois de Auschwitz o que sabemos
mais sobre a natureza humana? ”145. Os longos esforços empreendidos na tentativa de prevenir
crimes de ódio, de garantir que o “nunca mais” não se transforme em um discurso vazio de
significado, ensinam-nos que o mal não é acidental. Ao contrário da trilogia de aventura de
Calvino,146 o homem carrega dentro de si os opostos. Na sua natureza, revelada nos contos
como incompleta e dividia, é inata a presença do bem e do mal. O ódio, dessa forma, está
sempre lá, disponível, pronto a manifestar-se; basta não fazer nada para que ele emerja. ”147
Os genocídios do século XX demostram a capacidade do homem de agir, entre o bem e
o mal, conforme as condições que lhe são dadas. Desde o genocídio dos Hereros (1907),
passando pela unicidade da Shoah, e pelos genocídios que ainda se mostraram possíveis depois
da dimensão apresentada por este, tal como o Camboja sob o regime de Pol Pot (1975-1979), e
ainda aqueles existentes no seio da chamada Nova Ordem Mundial, a exemplos de Ruanda
(1994), Bósnia (1995), Kosovo (1998), e mesmo as manifestações de ódio em sua natureza
distinta, que se não chegam a prática do genocídio, a tentativa de aniquilamento de grupos
étnicos inteiros, contribuem para construir diferenças entre o eu e o ele.
A unicidade da Shoah, entendida enquanto fenômeno histórico, dá-se pelo seu caráter
de evento sem precedentes na História humana. Foi a partir dela, que a Convenção de Genebra
(1949) determinou a estrutura jurídica dos genocídios e violações dos direitos humanos. Da
mesma forma, é impensável a Convenção Internacional sobre Prevenção e Repressão do Crime
de Genocídio da ONU, em 1948, sem levar em consideração o caráter sistemático da Shoah.

144
GAY, Peter. A experiência burguesa da rainha Vitória a Freud. O cultivo do ódio. V. 3. São Paulo: Companhia
das Letras, 1995.
145
TODOROV, Tzvetan. Pessoas comuns. In: TODOROV, Tzvetan. Em face ao extremo. São Paulo: Papirus,
1995. Pág. 175.
146
CALVINO, Ítalo. Os nossos antepassados. Trad. Nilson Moulin. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
147
TODOROV, Tzvetan. Op. Cit. Pág. 176.
66
Mesmo despois desses importantes documentos, preocupados com a proteção dos direitos civis
e com o tratamento humano em contextos de guerras, o brando do “Nunca Mais” voltou a se
repetir.
No Camboja, durante o governo de Pol Pot, assistiu-se a morte de 1,7 milhões de
pessoas, na idealização de um governo “comuno-ruralista”, que buscava a eliminação da
população urbana e um “Ano Zero” para o Camboja. Sob a crença de que os “homens do
campo” são trabalhadores incansáveis, simples e incapazes de explorar, o governo dos Khmer
vermelho, criou campos de trabalho agrícola forçados, eliminou qualquer indivíduo que se
mostrasse instruído, contaminado pelas ideias liberais e capitalistas do mundo urbano, separou
crianças de seus pais e as “educou” para a nova sociedade.148 Anos depois, 1994, outro
genocídio: 800 mil tutsis e hutus moderados mortos, em Ruanda. Um choque entre dois grupos
étnicos: a minoria tutsi que, em acordo com os seus colonizadores belgas, governava o país até
aquele ano, perdeu o poder para a maioria hutu. Como consequência, vê-se assassinatos
coletivos amplamente divulgados por uma campanha de ódio, que envolvia mídia, Igreja
Católica e instituições estatais.
A película de David Puttnam, os gritos do silêncio149, a partir do caso do Camboja,
demonstra-nos como os genocídios ocorridos no final do século XX instrumentalizam em seus
discursos a defesa da “liberdade”, da “democracia” e/ou “restituição de valores”, à exemplo dos
“homens do campo” cambojano, quando na verdade se utilizam da política como instrumento
do ódio, e fazem do ódio, como colocou Clara de Góes, instrumento da política150. Diante da
repetição do genocídio, outras ferramentas políticas foram criadas no âmbito do direito
internacional: a Declaração de Estocolmo (2000), os Tribunais Penais Internacionais, a exemplo
da Corte de Haia (2002), a resolução do Parlamento Europeu sobre o Holocausto, o
antissemitismo e o racismo (2005). Todos os documentos citados fazem referência ao
compromisso moral e político com a educação e a memória. Tomemos como exemplo o ponto
4 da Declaração de Estocolmo que se compromete em “promover a educação, a memória e o
estudo sobre o Holocausto nos países que já desenvolveram um trabalho neste sentido e nos
que agora se juntaram a este esforço”, de igual maneira, o ponto 5 da resolução do Parlamento
Europeu, assinada em 2005, declara sua convicção

148
SANTOS, Fábio Muruci dos. Guerra do Camboja. SILVA, Francisco C. Teixeira da; Et. al. (org.). Enciclopédia
de guerras e revoluções – vol III: 1945-2014: A época da Guerra Fria (1945-1991) e a nova ordem mundial. 1
ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2015. Verbetes selecionados. Pág. 267.
149
PUTTNAM, David. The Killings Fields. Direção: Roland Joffé. São Paulo: COOPERDISC, 1984. 142 min.
150
GÓES, Clara de. Sobre o ódio. SILVA, Francisco Carlos Teixeira da; Et. al. (org.). Venhas e novas direitas: a
atualidade de uma polêmica. Recife: EDUPE, Editora da Universidade de Pernambuco, 2014. P. 25.
67
[...] de que a memória e a educação constituem componentes vitais das diligências
tendentes a tornar a intolerância, a discriminação e o racismo num fenómeno do
passado, e exorta o Conselho, a Comissão e os Estados-Membros a reforçarem a luta
contra o anti-semitismo e o racismo através da promoção, designadamente entre os
jovens, do conhecimento da História.

Medida de semelhante importância foi tomada pela ONU, em 1 de novembro de 2005,


que lembrando o documento da Convenção Internacional sobre Prevenção e Repressão do
Crime de Genocídio, de 1948, designa o 27 de janeiro, como o Dia Internacional de
Comemoração anual em memória das vítimas do Holocausto. Também esse documento advoga
em favor da educação. Em seu ponto 2, convoca os Estados-Membros a desenvolverem
programas educativos que inculquem as gerações futuras com as lições do Holocausto, afim
de ajudar a prevenir futuros atos de genocídio”.151
Apesar de todas essas medidas, os atos de violência continuam possíveis de serem vistos
dentro da sociedade do presente. A mesma resolução adotada pela ONU em 2005, condena, em
seu artigo 5º, “sem reservas todas as manifestações de intolerância religiosa, incitamento,
assédio ou violência contra pessoas ou comunidades baseadas na origem étnica ou crença
religiosa, onde quer que ocorram”, diferente disso, o observatório europeu divulgou relatório
com 241 casos de intolerância religiosa em 2013.152 Não é só na religião que vemos exemplos
a nível mundial de manifestação do ódio. Nos estádios de futebol, atirar bananas contra
jogadores negros, tornou-se uma triste realidade, como a vivida pelo jogador brasileiro, Daniel
Alves, em 2014, na partida do Barcelona contra o Villarreal. Nos Estados Unidos, o caso de
Charlottesville, em 2017, quando um grupo de supremacistas brancos marchou com símbolos
do nazismo reivindicando “seu país” de volta, fez com que grupos extremistas voltassem ao
debate público.
Por esta via, vê-se que diferente dos genocídios ocorridos no século XX, a manifestação
do ódio e do preconceito humano no tempo presente assume outras naturezas. A promoção do
ódio nos padrões culturais, por meio dos discursos midiáticos, políticos e pedagógicos, parece-
nos uma característica dessa forma de manifestar a violência. Por promoção do ódio, não se
entende apenas aquilo que está colocado, para além disso, as entrelinhas, os não-ditos também
fazem parte dessa política, bem como, as exclusões e omissões quanto a grupos sociais e étnicos
presentes no interior das sociedades. Não obstante, o Brasil também se apresenta como um

151
Acesso a declaração da ONU de 25/11/2005:http://www.un.org/en/holocaustremembrance/docs/res607.shtml.
152
https://www.intoleranceagainstchristians.eu/publications/report-2013.html
68
constante cenário de naturalização da violência, como um cenário que produz o seu outro
conveniente.
Alguns documentos corroboram esta afirmativa, tomemos estes como exemplos: o
Mapa da violência lançado em 2015153, o documento: “você matou meu filho! ”, da Anistia
Internacional154, publicado no mesmo ano, e o Atlas da violência155, do ano de 2018. Os três
documentos têm em comum o fato de denunciarem a morte de jovens negros, entre 15 e 29
anos, por armas de fogo. O Mapa da violência lançado em 2015 tem como preocupação a volta
da discussão acerca do armamento da sociedade civil (legalmente desarmada desde o estatuto
do desarmamento de 2003). O documento demonstra que em determinadas situações a violência
é tolerável, na sociedade brasileira essa condição varia de acordo com quem pratica, contra
quem pratica, de que forma e em que lugar. Segundo esse documento houve em 2012
42.416 vítimas de Armas de Fogo (AF), que representam 116 mortes a cada dia do
ano. Número bem maior do que é noticiado em nossa imprensa sobre grandes
chacinas acontecidas no país ou sobre os terríveis atentados nos frequentes
enfrentamentos existentes na Palestina ou no Iraque. Esse número de mortes é, por
exemplo, ainda maior que o massacre de Carandiru em 22 de outubro de 1992, fato
de grande repercussão nacional e internacional. Com as mortes por AF temos pouco
mais de um Carandiru por dia, sem todo esse impacto emocional, seja nacional, seja
internacional.156

O documento demonstra ainda, que dessas 42.416 mortes por armas de fogo no Brasil,
22.694 eram jovens, o que significa um percentual de 295% de jovens (15 a 29 anos) em relação
a não jovens (menor de 15 e maior de 30). Nesse mesmo ano, a vitimização negra chegou a
142%, contra 72,5% em 2003. No entanto, Adorno já nos alertava, quando é de vida humana
que falamos, fixar-se em quantifica-las representa também uma regressão. Se o Mapa da
violência cumpre o importante papel de oferecer essas estáticas, o documento divulgado pela
Anistia Internacional mostra que essas mortes não são só números: possuem rosto, nome, idade,
moradia e cor.
O documento “Você matou meu filho! ”, investiga casos de execuções extrajudiciais no
estado do Rio de Janeiro, por um período que compreende os anos de 2014 e 2015,
especialmente na favela de Acari. O documento alerta para o uso da violência de forma
desnecessária pela polícia militar do Rio de Janeiro e para o discurso oficial que culpa as
vítimas, “já estigmatizadas por uma cultura de racismo, discriminação e criminalização da

153
WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da violência: mortes matadas por armas de fogo. Brasília: Juventude Viva,
2015. Disponível em: Disponível em www.juventude.gov.br/juventudeviva.
154
ANISTIA INTERNACIONAL. Você matou meu filho! : Homicídios cometidos pela polícia militar na cidade
do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2015.
155
IPEA; FBSP. Atlas da Violência 2018. Rio de Janeiro, 2018.
156
WAISELFISZ, Julio Jacobo. Op. Cit. Pág. 100.
69
pobreza. Parte significativa da sociedade brasileira legitima essas mortes. O sistema de Justiça
Criminal perpetua essa situação, uma vez que raramente investiga abusos policiais.157 ”. Entre
os casos denunciados pela Anistia Internacional, está o de Eduardo de Jesus, que diferente de
tantos outros, causou uma momentânea comoção na sociedade.
Eduardo de Jesus, de 10 anos de idade, sonhava em ser bombeiro. A entrevista realizada
pela Anistia Internacional, mostra que Eduardo estava sentado na escada na frente da sua casa
quando foi atingido por uma bala policial. A mãe de Eduardo, Terezinha Maria de Jesus, 40
anos de idade, diz ter impedido os policiais de tirarem o corpo do seu filho de lá, “eles chegaram
perto do meu filho dizendo que iam levar o corpo. Eu disse que eles não iam tirar meu filho de
lá porque eu não ia deixar. Eles estão acostumados a fazer isso, carregar o corpo e dar sumiço.
Eles dando sumiço, não acontece nada. ”158 Eduardo é fruto de uma polícia que historicamente
criminaliza negros e pobres, e de uma sociedade que legitima a violência policial, senão com
atos, por não dar a essa questão a devida importância.
Um terceiro documento, é o Atlas da violência, lançado em 2018. A característica maior
do documento é revelar, estatisticamente, que a taxa de homicídio por violência letal no país
apresenta um desenvolvimento com base na cor: para negros, crescem 23% e, para brancos,
caem em 6,8%. O Atlas da violência corrobora aquilo já colocado pelo Mapa da violência e
pela Anistia Internacional, ao afirmar que
[...] os negros, especialmente os homens jovens negros, são o perfil mais frequente do
homicídio no Brasil, sendo muito mais vulneráveis à violência do que os jovens não
negros. Por sua vez, os negros são também as principais vítimas da ação letal das
polícias e o perfil predominante da população prisional do Brasil. 159

A preocupação com a prevenção e a criação de políticas públicas que reduzam esses


índices é comum aos três documentos. Entre as causas dos números alarmantes, o Mapa da
violência cita a omissão do Estado na tarefa de apresentar políticas públicas capazes de mediar
os conflitos que tencionam a vida cotidiana, aprofundam desigualdades e promovem injustiças.
Os três documentos apresentam a juventude, especialmente os jovens negros, mais como
consequências dos conflitos e contradições do nosso tempo, do que como causas para esses
números.
Trabalho de grande fôlego nessa temática foi desenvolvido pelo holandês, estudioso da
Análise do Discurso, Teun A. van Dijk, em seu livro Racismo e discurso na América Latina160.

157
ANISTIA INTERNACIONAL. Op. Cit. Pág. 5.
158
Ibidem. Pág. 35.
159
IPEA; FBSP. Op. Cit. Pág. 41.
160
DIJK, Teun A. van. (org.). Racismo e discurso na América Latina. São Paulo: Contexto, 2016.
70
No que concerne a luta acadêmica contra o racismo, um fator apontado por Dijk nos parece
primordial para compreender como se tem pensando essas políticas públicas, apontadas pelos
documentos. Esse fator, diz respeito a forma como a temática tem sido estudada, segundo o
autor, há uma maior preocupação voltada as propriedades étnicas dos grupos historicamente
excluídos, do que com a prática cotidiana de racismo. Nesse sentido, pergunta-se a vítima o
porquê de ela ser vítima e não ao algoz a razão do seu ódio. Tal prática, Theodor Adorno
classificou como inflexão em direção ao sujeito, conceito pelo qual compreende que ao se
buscar na vítima as causas de sua perseguição, transforma-a em vítima pela segunda vez.
Novamente a literatura nos dá um exemplo, claro, não em mesma dimensão, nem perto
da mesma circunstância. Em morte e vida Severina, livro que consagrou João Cabral de Melo
Neto, Severino ao encontrar com os irmãos das almas carregando um cadáver, comete a
inflexão: “[...] - quem contra ele soltou essa ave-bala? / - Ali é difícil dizer, irmãos das almas,
sempre há uma bala voando desocupada. / - E o que havia ele feito irmãos das almas, e o que
havia ele feito contra a tal pássara?161 ”. A busca pelas razões pelas quais grupos inteiros foram
alvos de perseguição, discriminação e genocídio devem estar sempre centradas naqueles que
cometerem o crime de ódio, que movidos por esse, transforam o outro no diferente de si e
hierarquizaram a importância da vida humana em superiores e inferiores.
É no plano do discurso que se inicia o processo de transformação do outro no outro
conveniente. Dijk, aponta para três formas discursivas que “ensinam” as pessoas a odiar.
Passamos a falar então, em um “ódio socialmente ensinando”. Duas dessas formas nos
interessam em especial: o discurso pedagógico e o discurso político. O primeiro, constituído
por currículos, livros didáticos, aulas, interação em sala de aula, é indicado pelo autor como o
mais influente dos discursos, estando diretamente relacionado ao papel da escola. Todos os
documentos oficiais do país que tratam acerca da educação, estabelecem o objetivo primeiro de
formação para a cidadania, encontrar nessas ferramentas qual o cidadão que se está buscando
formar é um primeiro passo para criar uma política de respeito à alteridade. No que se relaciona
ao discurso político, constituído por textos oficiais, tais como as leis, faz-se necessário
compreender quais os contextos em que esses documentos emergiram, se há neles a construção
de dois sujeitos sociais, o eu com o qual eu me identifico e os outros que por serem diferentes
são menores que eu.

161
MELO NETO, João Cabral. Morte e vida Severina e outros poemas para vozes. 34 ed. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1994. Pág. 31.
71
2.3 O objeto no Brasil: a materialização de um discurso
“A marca de uma inteligência de primeiro plano é que ela é capaz de
se fixar em duas ideias contraditórias sem, nem por isso, perder a
possibilidade de funcionar. Deve-se, por exemplo, poder compreender
que as coisas não deixam margem à esperança e, mesmo assim,
querer muda-las. ”
Francis Scott Fitzgerald.

No contexto brasileiro, é possível encontrarmos alguns “textos” que fazem parte do


discurso político, bem como, do discurso pedagógico: as leis que buscam instituir o ensino
obrigatório da Shoah em alguns municípios/estados, e mais recentemente (2017) no cenário
nacional com a aprovação, pela comissão de educação do MEC, da Base Nacional Comum
Curricular (BNCC), e a academia que desprende esforços para produzir “materiais de ensino”
acerca desse evento limite. Nesse sentido, temos dois sujeitos sociais atuando acerca da
temática: aqueles que determinam a direção ideológica na política, os parlamentares, e aqueles
que são responsáveis pela sua operacionalização, os professores. Buscaremos neste tópico,
compreender em qual contexto emerge essa política da memória no cenário legislativo, bem
como, suas limitações, e analisar dois materiais de ensino inscritos nesse contexto: o livro
ensinando sobre o holocausto na escola162 (2014) e o livro Esther, uma estrela na guerra163
(2017).
A partir de 2008, é possível observar no Brasil uma intensificação na atuação da
comunidade judaica. Vemos surgir nesse período o primeiro museu do Holocausto no Brasil
(2011), na cidade de Curitiba, e, em diferentes municípios, a proposição de Projetos de Lei que
buscam instituir a obrigatoriedade do ensino do holocausto nos currículos oficiais. São
exemplos:
PL/Lei Município/Estado Autoria Status
PL 112/09 M: São Paulo Aurelio Nomura (PSDB) e Arquivado.
Floriano Pesaro (PSDB) –
autoria conjunta.
Lei 10.965/10 M: Porto Alegre Valter Nagelstein (PMDB) Em vigor.
Lei 5.267/11 M: Rio de Janeiro Teresa Bergher (PSDB) Em vigor.
Lei 6.057/11 E: Rio de Janeiro Gerson Bergher (PSDB) Em vigor.

162
PEREIRA, Nilton Mullet. Ensinando sobre o Holocausto na escola: informações e propostas para professores
dos ensinos fundamental e médio. Porto Alegre: Penso, 2014.
163
SCHURSTER, Karl. Esther, uma estrela na guerra. Rio de Janeiro: Autografia, 2017.
72
Buscaremos, pari passo, apontar as semelhanças e diferenças entre os projetos, bem
como, o contexto em que se inscrevem. De maneira geral, as proposições dessas leis, e essa é a
primeira semelhança, estão inscritas na atuação da comunidade judaica. Não coincidentemente,
as Federações Israelitas que possuem hoje maior visibilidade são, conforme aponta a
Confederação Israelita no Brasil – CONIB, a do Paraná, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e
São Paulo. Os propositores são ligados a comunidade judaicas, sendo apontados por essas
instituições, como representantes da comunidade no poder legislativo. Neste sentido,
observamos que existe um diálogo entre os poderes públicos e a comunidade judaica. Faz-se
ainda importante ressaltar que algumas ações políticas movimentaram esse cenário a nível
nacional, a visita do presidente do Irã ao Brasil, a qual gerou uma moção de repúdio na Câmara
de vereadores de Porto de Alegre e movimentos de oposição na Câmara de São Paulo, e a visita
do ex-presidente Lula a Israel e Palestina.
Não pode ser deixado de observar, que para além desse contexto de atuação da
comunidade judaica, os projetos estão inscritos na demanda do que Huyssen apontou como
cosmopolitização ou globalização da memória do Holocausto. Não obstante, todos os projetos
se referem a resolução 607/2005 da ONU, que institui o dia 27 de janeiro como Dia
Internacional de Comemoração anual em memória das vítimas do Holocausto e recomenda o
ensino do tema, como justificativa para a proposição. Somado a isso, a ideia de “lembrar o
passado, viver no presente, confiar no futuro” nos textos originais dos projetos demonstram a
sua inserção no regime de historicidade, discutido por Hartog. Nesse sentido, as leis memorias
ou dever com a memória reivindicam, no discurso político, o selo estatal para atuar na educação,
o discurso pedagógico. Possuem, portanto, inserção no contexto nacional e internacional.
A primeira das proposições no Brasil, ocorre no estado Rio do Janeiro, ainda que não
tenha sido o primeiro a instituir a obrigatoriedade do ensino do tema. O projeto, de número
1240/08, foi proposto pelo então vereador Gerson Bergher (1925-2016), do PSDB, e recebeu
parecer contrário de duas das comissões responsáveis pelo julgamento. A Comissão de
Constituição e Justiça – CCJ, apontou a inconstitucionalidade do projeto, por entender que a
competência de formar os currículos era do governo federal e dos órgãos educacionais
responsáveis. A Comissão de Educação, por sua vez, deu parecer contrário ao projeto, mesmo
alegando reconhecer a importância do tema, sob a alegação de que o texto criava uma nova
disciplina no estado e, portanto, fugia do escopo da Assembleia Legislativa.
O debate volta ao cenário parlamentar do Rio em 2010, agora no âmbito municipal, com
a vereadora Teresa Bergher. Também do PSDB, Teresa Bergher era casada com Gerson

73
Bergher, e hoje (2018), atual líder do PSDB na câmara, é vice-presidente do partido. O Projeto
de Lei nº 783/10164, foi aprovado por todas as comissões responsáveis e sancionada pelo prefeito
Eduardo Paes, do Democratas, em 9 de maio de 2011, com o status de lei 5.267/11. Alguns
meses depois, em outubro, a lei passaria a compor a legislação estadual. De autoria de Gerson
Bergher, o PL 499/11 receberia o status de Lei 6.057/11 sendo sancionada pelo então
governador Sérgio Cabral (PSDB).
Anterior a essa obrigatoriedade, o município de Porto Alegre instituiu a temática na rede
pública de ensino no ano de 2010, através da Lei 10.965/10, proposta por Valter Nagelstein
(PMDB). Nagelstein, atual presidente da Câmara Municipal de Porto Alegre, é uma das figuras
políticas mais importantes do estado e, em determinados casos, tem grande visibilidade no
cenário nacional. A título de exemplo, em 2016, sob o acalorado contexto político nacional,
dirigiu uma moção de repúdio contra o reitor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS), Carlos Alexandre Netto (PT), pela ocorrência de um ato intitulado “Grande ato em
defesa da democracia e da legalidade” nas dependências da universidade. Tal moção, fez com
que o vereador recebesse uma pichação no muro da sua casa com os dizeres: “Nagelstein
fascista! ”.
Um dos casos de maior repercussão nacional da sua atuação política está na proposta do
PL 124/2016, o qual versa acerca do “Projeto Escola sem partido”, que recebeu grande crítica
da sociedade brasileira em geral, ficando popularmente conhecido como “lei da mordaça”. As
críticas ao projeto lembravam a proposição da Lei 10.965/10 por parte de Nagelstein, como é o
caso do texto escrito pelo professor do departamento de História da UFRGS165, Fernando
Nicollazi. A aprovação da lei em Porto Alegre ocorreu de forma unânime, por mais que seja
importante ressaltar que no seio da sociedade sofreu acusações de tentativa de doutrinação. Não
obstante, a Federação Israelita do Rio Grande do Sul, aponta que ao mesmo passo em que o
estado possui a 3º maior comunidade judaica do Brasil, os índices de antissemitismo também
são altos. Não constitui esse um paradoxo. Peter Gay já nos alertava para a construção do outro
conveniente, em sociedades com alto número de judeus, podem ser esses o alvo do ódio
coletivo.
Diferente dos outros documentos, o texto de Porto Alegre trazia uma característica
quanto a operacionalização do ensino. Em seu artigo 2º “fica obrigatório, em cada semestre, a

164
O Projeto de Lei 783/10 é a antiga lei 4.782/08, também proposta por Teresa Bergher. A lei de 2008, no entanto,
nunca entrou em vigor. Depois de sua aprovação por todas as instâncias na câmara de vereadores, o então prefeito
César Maia (DEM) deu parecer de inconstitucionalidade, alegando não fazer parte da tarefa do legislativo.
165
Disponível em: https://www.sul21.com.br/opiniaopublica/2017/04/docencia-e-o-sagrado-valter-nagelstein-e-
educacao-amordacada-por-fernando-nicolazzi/.
74
exibição de pelo menos 1 (um) filme, dramático ou documental, sobre o holocausto, que
reproduza os fatos de forma fiel à história. ”. O parecer prévio da procuradoria, favorável ao
projeto, indicou a violação do artigo 2º a Lei Orgânica Municipal, por interferência no
mecanismo de ensino. A restrição do parecer prévio foi seguida por todas as comissões e, votada
a constitucionalidade, sancionada sem o artigo pelo prefeito José Fortunati (PDT), sob o nº de
Lei 10.965/10. Para além do aspecto levantado pelo parecer quanto ao artigo 2º, tem-se que
ressaltar a falha na metodologia de ensino proposta pelo documento. De fato, propor um
mecanismo de ensino já é mais do que a omissão das demais leis nesse quesito, no entanto, há
que se observar a ampla filmografia existente sobre o tema, bem como, a abordagem que
trazem. Não modifica o ensino a obrigação do aluno ver um filme acerca dessa temática, antes,
o professor precisa ter uma formação para guiar a discussão e, inclusive, para realizar a escolha
do filme.
O último desses projetos que analisaremos é o PL 112/09, do município de São Paulo.
De autoria conjunta de Aurelio Nomura (PSDB) e Floriano Pesaro (PSDB), a particularidade
do PL no município de São Paulo, é o seu tempo de tramitação e as amplas discussões abertas
na Câmara Municipal acerca desse projeto, atualmente arquivado por término de legislatura.
Floriano Pesaro, o principal representante da comunidade judaica no legislativo de São Paulo,
tendo aprovado diversos projetos de lei com datas comemorativas da comunidade no município,
ocupa desde 2015 o cargo de deputado federal. Das comissões designadas a avaliação do
projeto, a Comissão de Administração Pública e a Comissão de Finanças e Orçamentos votaram
em unanimidade com parecer favorável. Já as comissões de Constituição, justiça e legislação e
a de Educação, Cultura e Esporte, tiverem votos contrários, mesmo apresentando parecer
favorável a constitucionalidade. Na primeira, votaram contrário os vereadores Celso Jatene
(PTB), Gabriel Chalita (PSDB) e João Antônio (PT). Na segunda, os vereadores Claudio
Fonseca (PPS) e Attila Russomanno (PP) também apresentaram votos contrários.
Se esses projetos/leis estão restritos aos municípios e estados, a recém aprovação
(dezembro, 2017) da Base Nacional Comum Curricular pelo Conselho Nacional de Educação
– CNE, inserem-no no cenário nacional. O ministro de Educação – Mendonça Filho, ressaltou
que contemplando o Holocausto como temática obrigatória do ensino, cumpre a resolução 607
da ONU, instituição da qual o Brasil é país membro. A BNCC, torna “judeus e outras vítimas
do holocausto” objeto de conhecimento obrigatório para turmas do 9º ano do Ensino

75
Fundamental, na unidade temática totalitarismos166 e conflitos mundiais. Além disso,
estabelece como habilidade ao nível de ensino “Descrever e contextualizar os processos da
emergência do fascismo e do nazismo, a consolidação dos estados totalitários e as práticas de
extermínio (como o holocausto) ”. 167 Inserida no mesmo contexto que as leis, há que se ressaltar
a aliança entre a Confederação Israelita no Brasil e o Museu do Holocausto de Curitiba,
conforme afirmou Carlos Reis – coordenador geral do museu, para gerar materiais de ensino e
capacitação dos professores que garantam o efetivo aprendizado.168
Acerca do Museu do Holocausto de Curitiba, primeiro museu do Holocausto no Brasil
(2011), faz-se preciso tecer algumas considerações. O projeto, idealizado por Miguel Krigsner,
foi efetivado em um igual contexto de intensa atuação da comunidade judaica. A Federação
Israelita do Paraná, na gestão de 2009 a 2011, apresenta relatório de atividades desse período169,
demonstrando que houve o esforço de aproximação da comunidade com o poder público.
Quanto ao aspecto educacional algumas limitações são identificadas. A página de agendamento
de visitas do museu declara: “não é permitida a entrada de menores de 12 anos. Nas visitas
escolares, alunos a partir do 8º ano do Ensino Fundamental”. O museu, que declara estar em
concordância com a filosofia de ensino do Yad Vashem – museu israelense, esbarra na
legislação brasileira que não é clara quanto a faixa etária para o ensino de eventos traumáticos,
não praticando assim, a metodologia espiral, que garante o ensino da temática desde o jardim
da infância. Levando em consideração que é o primeiro do Brasil, e único em Curitiba, a ação
constitui uma limitação de público alvo. Uma segunda questão a ser colocada, diz respeito ao
espaço virtual, o qual não oferece variedade de materiais de ensino.170
Somada a instituições de leis que obriguem o ensino da Shoah, é latente a necessidade
de se criar mecanismos que tornem o ensino possível. E essa questão, passa necessariamente
por pensar o papel da escola e a preocupação dessa com o ensino da memória, isto é, só propor
a obrigatoriedade não basta, é preciso propor interferências didáticas na ponta do processo,
munir professores com material de ensino que atendam a demanda colocada pela lei. Não
estamos com isso negando a importância das leis, seja no âmbito nacional, estadual ou
municipal, ao contrário, estamos afirmando que para além de se criar os dispositivos legais que

166
Nota-se que mesmo após a larga discussão acerca dos problemas teóricos do conceito de totalitarismo, ainda é
essa designação utilizada pelo documento do MEC.
167
BRASIL. Ministério de Educação. Base Nacional Comum Curricular: Educação é a base. Brasília, 2017. Pág.
424 e 425.
168
Consultar: http://www.conib.org.br/noticias/4054/cne-aprova-ensino-do-holocausto-como-matria-curricular;
https://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/artigos/ponto-para-o-brasil-8bpti29b6eig8zq84lbj4g8gc.
169
Disponível em: http://www.feipr.org.br/arquivos/relatorio-de-atividades-2009-1-2011.pdf.
170
Página do museu: http://www.museudoholocausto.org.br/.
76
condicionem o ensino do tema, é necessário criar uma política de responsabilidade com o uso
e construção da memória coletiva. A instituição dessas leis rompe com um primeiro silêncio
acerca da temática no campo do ensino. Silêncios que se não combatidos são, como na música
de Paul Simon, The sound of silence (1964), “como um câncer que cresce”.
No sentido de romper silêncios, alguns grupos de pesquisa no Brasil têm-se debruçado
sobre a temática do ensino. Nesse contexto, é de grande relevância os trabalhos da professora
Samantha Viz Quadrat e Denize Rollemberg, que estudam a História e Memória das Ditaduras
no século XX171, e o Laboratório de Estudos sobre Etnicidade, Racismo e Discriminação –
LEER, da Universidade de São Paulo – USP, sob coordenação da Prof. Dr. Maria Luiza Tucci
Carneiro. O LEER/USP, realiza “Jornadas Interdisciplinares para o Ensino do Holocausto” em
parceria com a B’nai B’rith e a CONIB. A B’nai B’rith, nome que significa filhos da aliança,
está presente no Brasil desde 1932, hoje possui quatro sedes: São Paulo, Rio de Janeiro – a
primeira, Paraná e Rio Grande do Sul. A instituição tem atuado na área de educação através de
jornadas, concursos para rede pública de ensino e projetos em parceria com secretarias de
educação.
Escolhemos aqui dois materiais de ensino para exemplificar os estudos no tema. A
justifica do primeiro, ensinando sobre o holocausto na escola, está no fato de ter sido uma
publicação feita no município de Porto Alegre e por representar o primeiro livro com caráter de
manual de professor sobre o tema no país. Ressalta-se, que mesmo a lei de obrigatoriedade do
ensino tendo entrado em vigor, em Porto Alegre, em 2010, a publicação do livro, o qual
preenche uma lacuna, data de 2014. Anterior a isso, não identificamos manual para o professor
trabalhar a temática na sala de aula. O segundo livro, Esther, uma estrela na guerra, foi
escolhido também por duas razões: diferente do primeiro, não se trata de um manual para
professor, mas de um material de ensino que busca a identificação, o envolvimento, do sujeito
que lê com a história que está sendo contada, ademais, por não limitar o uso do livro a uma
determinada faixa etária.
O livro de autoria dos professores Nilton Mullet Pereira e Ilton Gitz, constitui-se como
um manual de professor para as turmas finais do ensino fundamental e ensino médio. A temática
no livro é usada para estudar o evento em si e para colocar uma forte ênfase nas questões do
presente, para tanto, há uma contextualização de práticas de discriminação e descaso no Brasil,
passando por crianças, negros, mulheres e homossexuais. O livro, dividido em 11 capítulos,

171
ROLLEMBERG, Denise; VIZ QUADRAT, Samantha. (org.). História e memória das ditaduras do século XX.
V. 1 e 2. Rio de janeiro: FGV, 2015.
77
busca construir uma narrativa cronológica acerca do evento, desde as razões para se ensinar o
tema, passando pelo conceito do holocausto, emergência, ideologia e políticas de exclusão do
regime nazista, até a inserção do Brasil no contexto da Segunda Guerra Mundial. Cada capítulo
possui uma montagem que obedece a seguinte estrutura:
 Um texto principal, acerca do tema do capítulo.
 Uma proposta de atividade. A proposta de atividade em cada capítulo utiliza um
recurso diferente do anterior. Exemplos: depoimentos, filmes, restituição de cena,
pesquisa, música, dentre outros.
 Sugestão de filmes.
 Sugestões de bibliografia.
 “Para pensar” – temas para debates.
 “Você sabia? ” – Informações complementares.

Reconhecemos a importância e pioneirismo do livro no que concerne a manuais de


professores para o ensino da Shoah. No entanto, na busca de avançar a temática, faz-se relevante
apontar algumas limitações. A primeira delas, está relacionada aos conceitos. A título de
exemplo, vejamos o capítulo 2 – “Holocausto – o conceito”. Nesse capítulo, não é apresentado
uma discussão profunda acerca do tema, ao invés disso, os autores buscam somente explicar o
significado dos termos Holocausto e Shoah, discussões de grande peso no cenário internacional,
como o caráter de singularidade e comparação da Shoah com outros eventos traumáticos, não
aparecem no livro. Para além desse aspecto, o livro apresenta uma vasta filmografia, sem
oferecer, no entanto, ferramenta de análise e discussão. Os filmes são sugeridos na seção “para
ver”, a qual não explica como devem ser lidos, isto é, como o cinema retratou, de forma geral
ou particular, esse evento traumático, bem como, não apresenta uma proposta didática de como
trabalhar os filmes em sala de aula. Ressaltamos, novamente, a importância do livro em um
município onde o ensino da Shoah é uma instituição legal. Apontar as limitações é indicar
caminhos para fazer avançar um projeto que já tem uma carga educacional muito grande, ele
representa a munição necessária para aqueles que estão no processo de ensino.
O segundo material escolhido foi Esther: uma estrela na guerra, de autoria do professor
Karl Schurster. O livro se inscreve na discussão dos limites entre escrita ficcional e a história.
Esther, uma menina de 8 anos de idade no limiar da guerra, representa a vivência de grandes
temas da Shoah no desenvolvimento do livro, a lembrança e o esquecimento, a transformação

78
que a experiência de guerra causa nos indivíduos, o papel dos Judenräte172 e, presente em várias
passagens do livro, a responsabilidade dos sobreviventes de contar aos outros e criar
mecanismos que neguem a sua repetição. Esther, uma estrela na guerra, é uma narrativa
ficcional apoiada por um rigoroso trabalho de fontes. A história não aconteceu, mas para
aqueles que estudam o tema é possível identificar, de forma cronológica, o processo de
radicalização da violência antissemita. Há, portanto, uma linha tênue entre a escolha do método
e a interpretação das fontes.
Quanto ao aspecto didático do livro, centramos nossa atenção na característica de não
possuir uma delimitação a nível de ensino. O livro pode ser trabalhado com crianças, enquanto
história propriamente dita, pode ser inserido em aulas para ensino fundamental e médio, como
forma de identificar a cronologia de radicalização da violência, e pode ser trabalhado no ensino
superior, na identificação dos temas de discussão historiográfica que estão presentes no livro,
o próprio debate entre escrita ficcional e história se insere nesse contexto. Gostaríamos de
ressaltar, contudo, que a ausência de um manual para os professores que trabalharão com o livro
representa um empecilho na sua utilização enquanto material de ensino. Os debates presentes
no livro precisam ser compreendidos pelo professor que utilizará o livro em sala de aula.
Tomemos como exemplo a passagem presente na página 88, momento em que Esther
reencontra o ursinho, Shmuel, do qual havia se separado quando os alemães a levaram para o
“portão da desesperança”, que representa o campo de extermínio. O urso de Esther aparece na
história como sendo a sua “memória do tempo bom”, ela o carrega sempre consigo pela
representação que o urso possui, ele representa um momento bom e feliz junto a seus pais. Na
passagem da página 88, Esther, em 1956, sobrevivente da Shoah e escritora com a
responsabilidade de “que aquilo nunca mais viria a acontecer”, reencontra seu urso e afirma
que ali “[...] recomeça minha história. Aqui recomeço minha vida. Encontrar você Shmuel, é a
prova de que não é possível viver sem memória, sem lembranças do passado. Agora você vai
comigo contar ao mundo o que passamos para que outras pessoas não precisem viver o que
vivemos. ”.
Na passagem está intrínseca o debate de trabalho da memória, como apresentado por
Ricoeur em o perdão pode curar. Além do trabalho de memória, aquele que permite o perdão
da culpa sem esquecer as cicatrizes do acontecimento em si, o autor utiliza o outro conceito
freudiano de trabalho de luto. O trabalho de luto consiste em se desligar por grau do objeto de

172
Conselho de judeus estabelecidos por ordem dos alemães nas comunidades judias dos países conquistados. Os
alemães utilizavam os Judenräte para transmitir suas ordens a população judia e, o maior dos seus dilemas, exigiam
que os conselhos entregassem listas de judeus para deportação aos campos de extermínio.
79
amor, o qual é também objeto do ódio.173 O urso que lembra o tempo bom com os seus pais, é
o mesmo objeto que traz lembranças de sua experiência na guerra, ele é, ao mesmo tempo,
objeto de amor e de ódio. De forma bastante clara essa, e outras discussões, precisa ser
esclarecida aos profissionais que o utilizarão como recurso de ensino.
Por fim, observamos que tanto as leis quanto os materiais, são parte de um movimento
global de grupos por reivindicação da memória. Existe um discurso, uma linguagem, política e
pedagógica em cada um dos textos. As câmaras municipais e a escola são entendidas como
espaço de disputa de poder. Nesse sentido, a justificativa de “prevenção” da violência anunciada
por esses textos, precisa ser percebida enquanto discurso e prática. Enquanto discurso,
representa a esperança, mesmo depois dos genocídios do final do século XX e dos atos de
discriminação e violência ocorridos no seio das sociedades democráticas, de que identificado
as condições que permitem a ocorrência de tais casos – o ódio, a construção do outro
conveniente, é possível “prevenir” a violência. Então, passar a prática, a proposições de
instrumentos, partindo do princípio de que se o ódio pode ser socialmente construído, ensinado,
o respeito a alteridade também o pode. Essas leis e materiais de ensino são a materialização da
esperança. A munição que precisa a sociedade.

173
RICOEUR, Paul. O perdão pode curar? Trad. José Rosa. LusoSofia, Pross. _____. P. 3 – 10.
80
“DO QUEBRA-CABEÇA PLANO A FIGURA DE TRÊS DIMENSÕES”: AS CARTAS
PÓSTUMAS E UMA PROPOSTA DE ENSINO

3.1 “Educar implica recordar”: anotações acerca do objeto


“A linguagem é sempre uma via de acesso a outras pessoas. ”
Elie Wiesel.

Há cinquenta anos advertia Adorno: “A exigência que Auschwitz não se repita é a


primeira de todas para a educação174”. Ainda hoje, a advertência de Adorno mantém sua
importância. Lévinas, no início do século XX, posiciona essa advertência, a exigência da não
repetição de Auschwitz enquanto objeto da educação, da história e da filosofia, está na
necessidade de compreender o drama da solidão dos homens, daqueles que voltaram da guerra
e daqueles que vivem após a experiência de onde o humano foi capaz de chegar com o
genocídio; a tragédia cotidiana da guerra e da violência e a construção da paz sobre os alicerces
da justiça como responsabilidade de cada um. Falar de Auschwitz, portanto, é um paradoxo:
por um lado, é preciso buscar qual o sentindo para a espontaneidade da violência, para a prática
do ódio, e por outro, mas na mesma via, é preciso construir ferramentas que busquem ensinar a
existência de uma liberdade que é exterior à minha.175 Nisso reside o seu paradoxo:
compreender a construção do ódio ao outro, para ensinar a responsabilizar-se pelo outro.
Reconhecer, que passado o acontecimento em si, ainda não somos capazes de explicar em sua
totalidade como foi humanamente possível, e talvez nunca o sejamos. A pergunta de como se
fazer compreender o incompreensível permanece sendo o paradoxo que guia os estudos no
presente. A leitura de cada novo relato aos nossos olhos ainda é capaz de causar dor e
indignação, que assim o seja, sob o risco de naturalizarmos o ódio, enquanto discurso e
enquanto prática.
É por meio da linguagem que o incompreensível revela partes de sua dimensão. O ensino
da Shoah tem se utilizado de diferentes ferramentas didáticas na busca por uma explicação do
fenômeno. Testemunhos, cartas, diários, documentos, filmes, peças teatrais, poemas, músicas,
são incontáveis as produções que buscam operacionalizar o ensino da natureza humana por
meio do extermínio dos judeus, e mesmo diante de todo o esforço, vemo-nos sempre diante do
desafio de dizer o indizível. Ao considerarmos que a Shoah ocasionou uma quebra na
linearidade do tempo e abriu um novo regime de historicidade, passamos a compreender que

174
ADORNO, Theodor. W. Educação e Emancipação. IN: Educação após Auschwitz. Trad. Wolgang Leo Maar.
Rio de Janeiro: Paz e Terro, 1995.
175
LÉVINAS, Emmanuel. Entre nós: ensaios sobre a alteridade. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2004.
81
esse evento originou um rompimento na própria linguagem humana. A Shoah se coloca no
limite da explicação humana, porque ela representa o limite do nosso próprio mundo, não há
precedentes e depois dela, nenhuma violência foi entendida da mesma forma. Dessa maneira,
compreendemos em Lévinas, que os limites da nossa linguagem constituem o limite do nosso
mundo, e vice-versa.
O trecho de uma das cartas do nosso conjunto documental retrata bem essa questão: “se
algum dia os autores de crônicas escreverem sobre o que tem acontecido aqui, não pense que
foi assim que aconteceu. O maior dos poetas não tem talento para descrever nem sequer uma
milésima parte desta realidade.176 ” As cartas, como todo instrumento, não possuem a
capacidade de revelar a totalidade, mas revelam dimensões que parecem ocultas quando
tratamos a Shoah como nota de rodapé da Segunda Guerra Mundial. Ao individualizar o sujeito,
ao dar relatos de vidas individuais, elas recuperam a dimensão que fica por fora da História
oficial.
É preciso fazer da linguagem, ainda que dentro de limitações, a porta de acesso para a
construção do respeito a alteridade, como bem colocou Emmanuel Taub, educar é encontrar-
se com o outro através da linguagem.177 Reside nesse ponto a pergunta acerca do sentido que
estamos dando à educação. Há um tipo de ensino que classificamos como “colecionador de
fatos”, por ele se desenvolve o conhecimento como se a história fosse um material enquadrado,
gerando um aprendizado mecânico e memorialista, de grandes causas e efeitos, de heróis e
vilões. Nesse tipo de ensino, o ato de educar está restrito a ensinar o conhecimento acerca do
passado, contribuindo para a visão da história como uma disciplina “de gente morta”. Faz-se
necessário, portanto, uma mudança de sentido. Acreditamos que essa mudança está no ato de
ensinar a partir do momento agora.
Mostrar corpos pilhados como dimensão do agir fascista durante a Shoah é capaz de
gerar a comoção momentânea, mas se não formos capazes de mostrar que nas sociedades de
hoje podemos encontrar o agir fascista, a comoção gerada pela imagem dos corpos pilhados
nasce e morre nela mesma, não se transforma em contato com o outro e assim, não gera o
imperativo de responsabilidade social. O professor Xóan Garrido, da Universidade de Vigo,
indica que a única possibilidade para o ensino universal da Shoah é estabelecer realidades
próximas em cada território que se busque o ensino, só a partir do contexto sociopedagógico

176
YAD VASHEM. Editor: Zwi Bacharach. “Estas son mis últimas palabras...”: cartas póstumas del Holocausto.
Israel: Yad Vashem, 2006. Carta 11. Pág. 105.
177
TAUB, Emmanuel. Escritura, memoria y destrucción: comentarios sobre la educación post-genocida. In:
KOVACIC, Verónica. Conocer, compreender y recordar: recursos para enseñar el Holocausto-Shoá y otros
processos genocidas. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: Prometeo Libros, 2017.
82
local é possível gerar uma identificação com a temática, construir significados.178 Nesse sentido
é preciso sair da interpretação da história como uma figura plana, um mosaico, apontado por
Josep Fontana. Nisso, consiste uma mudança geométrica: do quebra-cabeça plano ao poliedro,
a figura de três dimensões.179 Um acontecimento não é uma peça plana e as cartas revelam a
face de uma de suas dimensões.
No que concerne a linguagem como via de acesso ao outro, uma das muitas versões do
personagem de Arthur Conan Doyle, Sherlock Holmes, parece-nos uma boa tela. Na série
Sherlock, o detetive descobre a existência de uma irmã mais nova, sua memória havia apagado
a infância com ela. Euros, havia permanecido presa desde sua infância por oferecer riscos a
sociedade, não havia comunicação entre ela e o mundo, nas palavras de seu irmão mais velho:
“Euros não conversa, ela reprograma”. Na cena que aqui nos interessa, Euros está trancada, sem
contato, sem o mínimo de interação, com as pessoas e o mundo. Sherlock Holmes então passa
a se utilizar de uma linguagem em comum para gerar um ponto de “encontro com o outro”: a
música.180 O que a cena retratada nos ensina é que quando velhas linguagens não se mostrarem
mais capazes de chegar ao outro, não se constituírem como uma via de acesso, uma nova precisa
ser posta em seu lugar.
O “encontrar o outro” é uma atitude de transcendência. Lévinas se pergunta o que o
homem encontrou ao ultrapassar a tradicional barreira do bem e do mal, ao transformar o
humano em uma banalidade aniquilável. A resposta para essa pergunta é o que tem sido
procurado em cada novo material que estuda a natureza do homem. Ao compreendermos a
negação das diferenças como matriz homogeneizante da violência espontânea, passamos então
a entender que se trata de uma relação de um a outro, o eu que no contato com o outro enxerga
suas diferenças e hierarquiza os adjetivos humanos. Coloca-se uma barreira entre o eu e o outro,
esta barreira constitui a indiferença, a não responsabilidade pelo outro que é diferente de mim.
Romper com a indiferença, faz o sujeito transcender para o outro. Isto é, dá a ele condições de
se colocar no lugar do outro e, assim, responsabilizar-se por ele. A ruptura com a indiferença,
o ato de se responsabilizar pelo outro, é, em Lévinas, a instauração do sujeito ético, do
acontecimento ético.181

178
GARRIDO, VILARINÑO, Xóan Manuel. Introdução. In: SILVA, Francisco Carlos Teixeira da; SCHURSTER,
Karl. (org.). Ensino de História, regimes autoritários e traumas coletivos. Vol. 2. Rio de Janeiro; Porto Alegre:
Autografia: EDUPE: EDIPUCRS, 2017.
179
FONTANA, Josef. Op. Cit. Pág. 474-475.
180
LYON, Euros; MCGUIGAN, Paul. Sherlock. Reino Unido: BBC, 2010.
181
LÉVINAS, Emmanuel. Op. Cit. Pág. 18-19.
83
Estabelecendo um diálogo, vemos em Emmanuel Taud o papel do testemunho. Para o
autor, é preciso que o testemunho assuma o papel de responsabilidade ética. Se a Shoah quebrou
a temporalidade, não só em termos de tempo, como também de espaço, significa que todas as
gerações posteriores ao genocídio, postmemory, foram transformadas em testemunhos do
acontecimento. Não se trata de ter vivido o fato em si, mas da possibilidade que é dada as novas
gerações, por meio da educação, de tirar do acontecimento o seu peso de dívida, a culpa que
paralisa a memória, e voltar ao acontecimento ético, a responsabilidade.182
Esse é um trabalho inscrito na argumentação da História do Tempo Presente, no campo
intradisciplinar da Pedagogia de Ensino dos Traumas Coletivos, é, portanto, um trabalho acerca
da memória como dever e do ensino como responsabilidade social. Lembrando Taud, a
educação é a forma de transformar o testemunho em ação, de construir responsabilidade.183
Todas as temáticas discutidas até o momento, permitem-nos fundamentar o nosso objeto. Desde
a consolidação do Tempo Presente como alternativa de interpretação da História, até o discurso
e a prática da reivindicação da memória, buscamos dar base de sustentação a nossa justificativa
principal: a esperança de que a educação constitui uma das chaves possíveis de combate ao
ódio, de rompimento com a indiferença. A nossa proposta didática foi pensada não para parar
no horror do acontecimento, mas para criar um ambiente de compreensão de que talvez ainda
sejamos capazes de criar o “mundo novo”. Não no sentido de prevenir conflitos, como alertou
Jacques Sémelin, tarefa que já nasceria fadada ao fracasso, tendo em vista que os conflitos são
inerentes a história humana, ao contrário disso, trata-se de prevenir a evolução desses conflitos
para que não desemboquem em graves crises de negação da alteridade.184
Por esta via, os dois tópicos seguintes a esse estão centrados no nosso corpus documental
e na proposta didática para formação de professores baseado nas cartas póstumas. A Escola
Internacional para Estudos do Holocausto do Yad Vashem realizou, e realiza, um importante
trabalho de organização, produção e difusão de material de ensino. Dessa forma, no tópico 3.2,
buscaremos fazer uma análise descritiva do material adotado por este trabalho “Estas são
minhas últimas palavras...”: cartas póstumas do Holocausto, apresentaremos a recorrência dos
temas no conjunto de 117 cartas compiladas pelo Yad Vashem. No tópico 3.3, por sua vez,
construiremos uma sequência didática / temática acerca do ensino da Shoah por meio das cartas.
Consideramos que a proposição de leis e de materiais de ensino precisam estar relacionadas

182
TAUB, Emmanuel. Op. Cit.
183
Ibidem, pág. 22.
184
SÉMELIN, Jacques. Purificar e destruir: usos políticos dos massacres e dos genocídios. Rio de janeiro: Difel,
2009. Pág. 502 et. seq.
84
com a formação do professor que cumprirá a determinação legal e aplicará o material em sala
de aula, trata-se, portanto, de ensinar como se ensinar um trauma coletivo, especificamente a
Shoah, por meio de cartas póstumas. Temos a convicção de que essa proposição não esgota o
tema, longe disso, só contribui para os estudos acerca da temática. Um longo caminho ainda
precisa ser percorrido, tanto nas políticas públicas educacionais, onde existe a necessidade da
proposição da lei junto a operacionalização do processo, nos materiais de ensino e na formação
de professores. Acreditamos, por exemplo, que o uso da ferramenta digital para
desenvolvimento de uma plataforma própria para ensino da Shoah seria um importante passo
nesses esforços.
Nossa proposta está fundamentada na filosofia educativa do Yad Vashem, no que
concerne dois pontos: a identificação e a carga emocional a qual estão expostos os sujeitos
envolvidos no processo. A identificação permite a construção de significados e, assim, escapa
da indiferença e da desesperança. Por esse motivo, propomos uma sequência didática que
privilegia a discussão de temas, no lugar de datas, baseados em histórias individuais, as
fornecidas pelas cartas. A identificação é uma via de mão dupla: podemos mostrar que qualquer
grupo social pode estar na condição de vítima de acordo com as condições de cada sociedade,
bem como, que os perpetradores não são pessoas desprovidas de consciência ou inumanos, são
pessoas comuns que ultrapassaram a fronteira da ética, eis a necessidade do ensino:
compreender o outro que é exterior a mim, que possui sentido e vida exterior a minha.
A tomada de consciência proposta por Lévinas, a tese central de sua obra, afirma que a
relação com o outro consiste certamente na intenção de compreende-lo, mas se ao buscar
compreender o outro eu parto do entendimento do meu próprio ser, então não é o outro, mas a
minha imagem dele que está sendo compreendida. Para se aceitar a existência do outro, romper
a indiferença, faz-se necessário deixa-lo ser. Nesse sentido, a relação da alteridade excede a
relação de compreensão, aquilo que não compreendo do outro, ainda é o outro, e por tal, eu
preciso respeitar e garantir as condições de existência. No ato de garantia da existência, irrompe
o acontecimento dramático do ser-no-mundo, como classifica Lévinas, o qual consiste em
compreender que ao fazer o meu querer fiz mil coisas que não queria, logo, sou responsável
pelas minhas ações para além das minhas intenções.185

3.2 “Estas são minhas últimas palavras”: uma análise descritiva da fonte
“A carta é um ser vivo, um eco fiel da voz do emissor. ”
Honoré de Balzac.
185
LÉVINAS, Emmanuel. Op. Cit.
85
As cartas representam um código escrito de comunicação dual, entende-se que nelas se
constrói um diálogo entre o remetente e o destinatário. As cartas que compõe o nosso corpus
documental, no entanto, são na maioria das vezes cartas sem respostas, o que não retira delas o
caráter de diálogo: para quem escreveu, com que intenção, qual mensagem deixou. As cartas
expressam sobretudo sentimentos, são documentos pessoais e, dessa forma, possuem a
capacidade elástica de transformar conhecimento em ensino. Os textos contidos nas cartas
representam, portanto, sentimentos que chegaram até nós da maneira mais direta e pessoal
possível. Diferente de documentos oficiais e testemunhos orais, elas apresentam o
temperamento de quem as escreveu no momento do acontecimento, um fragmento de vida
individual e o sentimento imanente do fim, não são, portanto, memórias submetidas ao
esquecimento e ao ressignificado.
“Estas são minhas últimas palavras...”: cartas póstumas do Holocausto é um conjunto
de 117 cartas organizadas e compiladas pela Escola Internacional para Estudos do Holocausto
do Yad Vashem, editadas por Zwi Bacharach. O objetivo de compilação do documento pelo
Yad Vashem está na necessidade de gerar material de investigação e de orientação educacional,
nesse caso específico, pela voz do indivíduo. Elas não possuem um lugar de escrita em comum,
foram produzidas nos guetos, nos campos de concentração, nos trens, nos campos de
extermínio. No conjunto das cartas podemos identificar temas dos mais complexos acerca da
Shoah, até os mais aparentemente triviais. As cartas compiladas nesse documento não possuem
gênero, faixa etária ou espaço em comum, a sua unicidade repousa no fato de serem cartas de
despedida, elas apresentam a sensação do fim. O editor da compilação afirma na apresentação
do documento não possuir também um tempo delimitado, no entanto, observado o ano de escrita
das cartas percebemos, com raras exceções, que o contexto no qual se inserem compreende os
anos de 1941 a 1944, o período de radicalização da violência antissemita, especialmente a partir
da conferência de Wansee em 1942, onde se discutiu abertamente a “solução final para o
problema dos judeus”. As exceções, são: 1 carta de 1939 (nº 35) e 3 cartas de 1940 (nº 36, 48 e
87), muito embora haja uma quantidade mínima de cartas que não foram datadas.
A carta de 1939, demonstra as dificuldades para imigrar para Terra de Israel. O ano de
1939 estabeleceu, entre outras medidas, o confinamento dos judeus em guetos, dado que é
possível ser comprovado através da carta de Heydrich enviada aos grupos de comando
(Einsatzgruppen), em 21 de setembro de 1939186. A remetente da carta está na Alemanha, em

186
Ver: GUTMAN, Israel. Holocausto y memoria. Jerusalén: Yad Vashem, 2013. Pág. 97.
86
busca de visto para ela, seu marido e sua filha de 9 anos. O destino da carta é para Londres,
onde se encontram seus filhos mais velhos. A situação pode ser descrita por meio do fragmento:
Dado que nosso dinheiro está acabando e não sobrará nem sequer para comprar as
passagens, decidi viajar até onde possamos chegar. A única coisa que peço, antes de
mais nada, é que tua pequena irmã de nove anos possa chegar a Londres. Não
queremos pôr em perigo a sua vida perambulando por lugares inseguros. Se algo nos
acontecesse, a pequena teria que ficar só nesses lugares. Por outro lado, se chegar a
Londres, cuidar dela será o sagrado dever que competirá a tu e a teu irmão mais
velho.187

A autora e seu marido foram deportados para o campo de Theresienstadt em novembro de 1942.
O marido, de 55 anos na ocasião, morreu ali. A autora foi deportada de Theresienstadt a
Auschwitz em maio de 1943 e sua filha de 9 anos foi enviada a Inglaterra antes da deportação
e se salvou. As cartas de 1940, de diferentes contextos, demonstram um duelo interno entre a
sensação do fim, o desespero e a esperança. A carta de nº 36, enviada por um grupo de
refugiados da Polônia na Hungria para a Comissão Executiva Sionista, demonstra uma
interpretação do momento ao declarar que são “plenamente conscientes de que estamos vivendo
um período de emergência com muitos problemas e calamidades188”, a carta demonstra um
forte desespero, “temos alimentado nossas almas de ilusões e ficções”, e cobrança a comissão
sionista, por considerar que ela tem privilegiado judeus de outras localidades que “não se
encontram em situação tão difícil quanto a deles”.
Notamos assim, que as cartas apresentam em seu conteúdo o que estava acontecendo e
o desespero pelo que viria a acontecer, existe nelas uma crescente condição de medo, é comum
as cartas começarem com: “quando receberes essa carta eu já não estarei com vida”, grande
parte demonstram que se tinha a impressão que a violência empreendida contra os judeus não
era uma ordem geral, mas sim algo específico do local onde os escritores se encontravam, partia
disso um alerta, um sinal de prevenção para que não deixassem acontecer em outros lugares.
Por meio dessas leituras temos o contato direto com uma época de crise, e por isso a esperança
de que é possível controlar os conflitos para não desembocarem em crises do respeito à
alteridade, que pôs a prova o ser humano, o esforço e ato de resistência em manter a sua
humanidade, observamos pela descrição dos detalhes do evento: os esforços para escarpar, os
dilemas entre se vingar ou perdoar, a intenção de informar, a preocupação com o que os filhos
estavam comendo e a hora que iriam dormir, a divisão das propriedades entre eles, a advertência
para que não se repita.

187
Cartas póstumas. Nº 35. Pág. 161.
188
Cartas póstumas. Nº 36. Pág. 164.
87
Essas cartas revelam expressões afetivas, há uma experiência particular, íntima e
infinita, em cada uma delas. Demonstram que mesmo diante das condições nas quais foram
escritas, existia um impulso em manter a imagem humana, em seguir vivendo, em contradizer
e negar as intenções dos nazistas de representar os judeus como não humanos, ao coloca-los no
fundo da condição humana. Tal característica pode ser observada em trechos da carta de
Mushiya, enviada de Tarnopol, Ucrânia, em 7 de abril de 1943:
[...] os tormentos e a crueldade deliberada para oprimir os seres humanos, provoca-
los, persegui-los, humilha-los e, finalmente, mata-los. No princípio nos espremeram
como limões, nosso sangue foi espremido até a última gota. No princípio nos
arrancaram o coração, nos despojaram de todas as nossas emoções e impulsos
humanos, e depois de ter-nos convertidos em bestas que trabalham mecanicamente,
nos assassinaram em massa. Uma pessoa cujo cérebro funciona normalmente nunca
poderá acreditar que é possível resistir a este tipo de tortura, e que no século XX sejam
possíveis semelhantes atrocidades. [...]. Mas, oh! Que criatura resistente é o ser
humano! Segue vivendo. Como? É difícil dizer. [...]. Entretanto, persistem as
preocupações cotidianas e a árdua luta por uma existência já sem sentido. [...] A
medida que o tempo passava nos acostumávamos a tudo, como se nos convertêssemos
em idiotas. [...] Pensas que queremos terminar dessa maneira? Morrer dessa maneira?
Não. Não. Não queremos. Apesar de tudo o que nos tem acontecido. Pelo contrário.
O instinto de vida é agora mais forte, e quanto mais próxima está a morte, mais forte
é o desejo de viver.189

Não se trata, portanto, da observação do investigador, mas da testemunha pessoal das


vítimas. Por esse motivo, o artifício da linguagem é comumente lembrado nas cartas como
“insuficiente para expressar a terrível ofensa que é a destruição dos homens”. Em carta enviada
a família, Julda descreve essa angústia que é escrever sem conseguir dizer:
Estamos submersos em uma frenética escrita de cartas antes de nossa morte. Estas
cartas, estas palavras e as imagens que elas descrevem, serão indecifráveis para vocês,
não entrarão em suas mentes. E isso não me surpreende em absoluto, porque inclusive
eu, que tenho plena consciência das coisas, sou incapaz de apreender tanta crueldade.
Escrevo e escrevo, e ainda não consegui transmiti nenhuma pequena parte do que nos
aconteceu durante este tempo. Não posso descrever o terrível medo que senti quando
os alemães entraram em nosso depósito, [...], e, principalmente, não posso descrever
o horroroso medo da morte. E apesar de tudo seguimos vivos. Estamos vivos, como
se tudo o que acontece ao nosso redor não nos afetasse. Até o último momento de
nossas vidas nós rimos e cantamos. E só às vezes, quando a realidade se torna
suficientemente clara, nos esquecemos de rir [...].190

Não se trata de documentos expostos ao “trabalho de lembrança”, esses não tiverem a


oportunidade do esquecimento, nem enquanto culpa paralisante, nem enquanto dívida paga.
São a exposição de sentimentos e preocupações que afligem os humanos em situações extremas,
e nisso reside o seu caráter universal: de humanos. Pessoas comuns diante de um evento limite.
Indicamos que as cartas apresentam o sentimento de desespero e de sensação do fim iminente,

189
Cartas póstumas. Nº 12. Pág. 107.
190
Cartas póstumas. Nº 95. Pág. 291.
88
é preciso acrescentar que das mesmas cartas se extrai uma mensagem de esperança nos seres
humanos: “o para que nunca mais acontece”. Guela Skstein, escreve em 1942, do gueto de
Varsóvia:
[...]. Não me sinto capaz de oferecer detalhes sobre nossa amarga fortuna, sobre a
enorme tragédia de nosso povo; que disso se ocupem os meus colegas, escritores
judeus. Agora estou tranquila. Estou tratando de conservar uma recordação de minhas
obras. Adeus, meus companheiros e amigos, adeus ao povo judeu; não deixem que
semelhante destruição volte a se repetir.191

Guela menciona em sua carta ter “preservado suas obras”. Nas caixas encontradas nos
escombros do gueto de Varsóvia, encontrou-se um baú com 300 obras da autora, quadros,
aquarelas, pinturas de crianças. O relato de Guela, portanto, ensina-nos uma dupla lição: a
necessidade primordial de transmitir e, junta a ela, de reinventar a linguagem. A passagem em
que expressa “deixo isso para meus amigos escritores” é seguida pelo momento em que firma
seu compromisso de expressar e registrar sentimentos pela sua própria língua: a arte. Nessa
mesma linha, várias cartas repetem “não permitam que semelhante destruição volte a acontecer”
e, para isso, fazem sugestões. Há na compilação uma carta singular nesse sentido. A carta escrita
por Peretz Goldstein, em 23 de julho de 1942, e endereçada a seu amigo Jacob Sakala, registra
seus últimos pedidos:
Eu escrevi um livro sobre os terríveis massacres na aldeia de Huszt. Em minha
opinião, o livro deve ser publicado com a maior quantidade possível de exemplares.
Que o mundo saiba! O preço do livro será um zloty polaco, segundo seu valor antes
da guerra. Com o arrecadado se construirá um monumento em memória das vítimas.
[...]. Este pedido deve ser realizado estando eu vivo ou morto. 192

O lugar de fala desses documentos, portanto, é a posição da vítima. O que elas sentiam
no momento mesmo, quais os impulsos que geravam nos sujeitos que as escreviam. Sua
estrutura completa são testemunhos privados que se unificam, além do caráter de escrita
póstuma, pelas experiências individuais vividas de maneira coletiva. A maioria das cartas são
endereçadas a família, no conjunto das 117, 75 estão nessa categoria. As demais dividem-se
entre o envio a comunidade judaica, a comunidade internacional, aos amigos, algumas foram
escritas com o único objetivo de deixar registrado o que lhes acontecia, geralmente deixadas
nas estações de trem, ou jogada dos vagões, há ainda um grupo de cartas cujos interlocutores
não estão plenamente estabelecidos, essas são geralmente cartas trocadas entre grupos de
resistentes, que usavam uma linguagem codificada.

191
Cartas póstumas. Nº 57. Pág. 215.
192
Cartas póstumas. Nº 80. Pág. 264.
89
Na análise das cartas, interessa-nos mais do que as datas em si, as temáticas que elas são
capazes de levantar. Entendemos que o próprio uso do documento implica um conhecimento
prévio acerca da cronologia, do contexto nas quais foram escritas, por esse motivo,
privilegiamos aqui não as datas, mas os temas chaves. Nesse sentido, adotamos a análise
categórica temática, técnica da metodologia da análise de conteúdo, para buscar dividir as cartas
em categorias e, somada a análise do discurso, construir “núcleos de sentido”, temas-eixo ao
redor dos quais os textos foram organizados. A utilização desses resultados de análise
possibilitou seu uso teórico e pragmático. Na apresentação, alguns eixos temáticos são
identificados pelo próprio editor, utilizamos essa categorização prévia, para propor uma nova
ordem que sirva aos interesses do nosso objetivo. As categorias nas quais Bacharach posicionou
o conteúdo das cartas podem ser entendidas da seguinte forma:
Sensação do
fim e
desespero.
Testemunho. Esperança.

Testamento e
Linguagem
últimos
codificada.
pedidos.

Preocupação
Clandestinidade. com os
filhos.

Cartas Póstumas

Suicídio. Vingança

Resistência. Dilemas

Fé Aceitação

Esses temas estão presentes nas cartas em maior ou menor medida. Nenhuma delas
apresentam um único conteúdo, o que impossibilita de posicioná-las de forma rígida em
90
qualquer uma das categorias. Dessa forma, não seria exagero dizer que o trabalho com apenas
uma carta já possibilita um material contundente e amplo na estratégia de ensino. Contudo,
note-se que pela categorização proposta por Bacharach os temas se organizam em um ciclo
relacional: muitos autores sentiram a necessidade de expressar aquilo que sentiam, que
acontecia com eles, de deixar registrado para as gerações futuras os seus testemunhos. Esses
documentos, foram produzidos no momento do acontecimento, enquanto eles viam as
deportações, os assassinatos coletivos, e, portanto, refletem a sensação de medo crescente, de
fim iminente. Junto ao desespero do momento, as cartas refletem a esperança, sentimento
intrínseco ao homem. A esperança de um futuro melhor, se não para os próprios autores, para
os seus filhos, gerou cartas de testamentos e últimos pedidos, as quais estão em sua maioria
relacionadas com a preocupação com os filhos. E essa preocupação gerou o natural sentimento
de vingança, vezes tendo como foco o assassino, outros a vítima, através da recordação. O
sentimento de vingança reflete, assim, nos dilemas vividos pelos autores: perdoar ou vingar?
Quando expressam suas posições acerca desse e outros dilemas estão movidos pelo sentimento
de aceitação de que é o seu fim. Por sua vez, a forma como aceitam esse fim, como encaram
os seus dilemas, está diretamente relacionada a fé que eles proclamam nas cartas. Quando há
ausência dessa aceitação, é natural que haja resistência, presente em inúmeras cartas, as
resistências foram programadas ou naturais. Um exemplo disso, são as cartas em que os autores
cometeram suicídio. As justificativas para esse ato não estavam geralmente na dor, na fome, no
medo, eles eram justificados como atos de resistência, como uma forma de protestar contra a
indiferença do mundo. Tal característica é encontrada na carta enviada por Shmuel Zygelbojm,
ao presidente e primeiro ministro da Polônia:
[...]. Com minha morte quero expressar meu mais profundo repúdio contra a
passividade, com a qual o mundo está observando e permitindo a destruição do povo
judeu. Eu sei que a vida humana não tem muito valor, especialmente hoje em dia. Mas
porque eu não fui capaz de obtê-lo durante a minha vida, talvez com minha morte
possa contribuir para agitar a passividade daqueles que podem – e devem – atuar, para
que agora mesmo, talvez no último minuto, o punhado de judeus polacos que ainda
estão com vida possa ser salvo da inevitável destruição. Minha vida pertence ao povo
judeu da Polônia e, portanto, a eles a entrego.193

Shmuel atenta para a indiferença do mundo. É nesse aspecto que o acontecimento ético
de Lévinas ganha força, só na ruptura com a indiferença o sujeito ético é instaurado. As duas

193
Cartas póstumas. Nº 102. Pág. 309.
91
últimas categorias estão ligadas a resistência programada: a clandestinidade e a linguagem
codifica.194
A partir da categorização e relação proposta por Bacharach elaboramos uma proposta
didática voltada a discussão acerca do tema com os professores. Acreditamos que a aprovação
das leis com o objetivo de instrumentalizar o ensino da Shoah na via do respeito à alteridade é
um importante mecanismo de ensino. Recentemente (2017), também o Conselho Nacional de
Educação do MEC, aprovou a BNCC com a instituição do ensino da Shoah nas turmas do 9º
ano do Ensino Fundamental. Desta maneira, compreendemos ser de imprescindível importância
a formação dos professores que atuarão na área. Para além das imagens de corpos pilhados e de
filmes passados ao acaso, acreditamos na necessidade da construção de significados, que
consequentemente gerem a identificação.

3.3 “Todos somos testemunhos”: ensinando um trauma coletivo


“Ainda que não tivesse tido, em toda minha vida, mais do que um
único momento de esperança, teria travado este combate. Inclusive, se
hei de perde-lo, outros o ganharão. Todos os outros. ”
Paul Éluard.

Em uma ruptura com a ontologia clássica (ou teorética), que aprisiona o ser a existência
temporal, a facticidade, na teoria proposta por Lévinas, o estudo do ser, a ontologia, na
contemporaneidade liberta a existência temporal. Nesse sentido, não se trata mais do triunfo do
homem sobre as suas condições de existência, mas antes, da própria tensão em que essas
condições emergem. Isto é, o rompimento da ontologia clássica com a ontologia
contemporânea, modificou a maneira de pensar, consequentemente, foram alteradas as noções
de ser e de existir. Pensar não é mais contemplar, mas sim estar engajado com aquilo que se
pensa.195
Por essa via, o novo regime de historicidade funda uma noção onde recordar é convocar
o passado, para os objetivos do presente, com vistas ao futuro. Diante dessa prerrogativa, faz-
se necessário uma visão de descontinuidade da História que justifique o objeto que nos
propusemos a explicar.196 O modelo de ensino concebido por grandes marcos temporais,
enquadra a disciplina histórica em um caixa que não permite ver quais as outras opções que

194
YAD VASHEM. Editor: Zwi Bacharach. “Estas son mis últimas palabras...”: cartas póstumas del Holocausto.
Israel: Yad Vashem, 2006. Pág. 12 et. seq.
195
LÉVINAS, Emmanuel. Op. Cit. Pág. 22-23.
196
Ver: FONTANA, Josep. Op. Cit. Pág. 481.
92
existiam em um dado momento. A história dos vencedores se impõe, e todas as outras
interpretações são relegadas ao esquecimento.
A utilização das cartas póstumas como via de ensino possibilita uma aproximação entre
o sujeito que estuda e o evento que é estudado. Tratam-se de histórias individuais apresentadas
por meio de fragmentos, de um sentimento que é íntimo demais e tão infinito quanto a própria
vida humana. Cientes de que as cartas não revelam toda a vida, sentimentos, duelos internos,
frustrações dos indivíduos que as escreveram, propomos a utilização de trechos das cartas
relacionados aos núcleos de sentido, isto é, as categorias nas quais as posicionamos. Dessa
maneira, fica assim organizada nossa proposta:

Antes de darmos prosseguimento as relações categorias – temas – trechos das cartas,


faz-se necessário uma observação. O professor Xoán Garrido tem alertado para a importância
educacional de se adaptar o tema ensinado ao contexto em questão, relacionamos essa proposta
de ensino na categoria de “identificação”. Por esta via, compreendemos que identificar e
contextualizar o ensino desse tema no Brasil é tratar diretamente do respeito à alteridade e da
responsabilidade social que recai sobre cada um. Tais temas estão contemplados na nossa
organização didática. A nossa proposta está dividia em cinco categorias temáticas, que julgamos
necessárias aos professores que ensinarão a Shoah. Buscamos relacionar cada uma delas a uma
pergunta propulsora, que por sua vez, guia os temas escolhidos, os quais funcionam como uma
resposta, alertamos para o fato de que as discussões teóricas construídas até o momento é o que
fundamentam cada uma das categorias.

I. Educação
Na primeira categoria, educação, a nossa pergunta propulsora é: no que reside o ensino
da Shoah como objeto educacional? Isto é, no Brasil qual o sentido de se ensinar a história da
Shoah que, aparentemente, é tão distante de nós? Para responder as perguntas, levamos em

93
consideração a discussão que envolve os temas da singularidade, da universalidade, da
comparação e do respeito à alteridade.
A singularidade e a universalidade da Shoah são temas de discussão desde a querela dos
historiadores. Para o historiador Yehuda Bauer, três elementos fazem desse evento singular: o
caráter ideológico, global e total de genocídio dos judeus.197 Diretamente relacionado a isso,
está a sua comparação, o tema foi largamente discutido por Andreas Ruyssen, o qual afirma,
que não vê razões pelas quais negar a comparação da Shoah, somente pela comparação se
comprova o seu caráter de sem precedentes, de singularidade. O autor, acredita na necessidade
de estabelecer comparações, para que o estudo acerca dele não se transforme em questões
vazias.198 O caráter de comparação reside não na negação de tomar o evento como parâmetro,
isso aliás foi fundamental para o estabelecimento de decretos e resoluções que passaram a
legislar sobre os crimes contra a humanidade, o debate acerca da comparação se faz na
discussão de crime sem precedentes. A Shoah revelou a natureza humana diante do progresso
da modernidade. E é essa revelação da natureza humana que lhe confere o status de universal,
o acontecimento não está preso ao povo judeu, estendeu-se para o mundo inteiro.
O último dos temas dessa categoria, o respeito à alteridade, é onde repousamos o
entendimento da necessidade de se debater no presente o ensino da Shoah. É nesse ponto que a
nossa pergunta propulsora ganha sua maior justificativa. Existe o imperativo de se debater o
papel da escola, e consequentemente do professor, em impedir um novo presente fascista. O
respeito à alteridade, dá-se, como colocado por Lévinas, na ruptura com a indiferença, na
compreensão que o outro existe além de mim, possui uma liberdade que é exterior a minha.
Apresentamos então dois trechos das cartas pelos quais se faz possível a relação:
Queridos meus! Estou escrevendo esta carta antes de minha morte, apesar de não saber
a data exata em que eu e meus familiares seremos assassinados unicamente por
sermos judeus. [grifo nosso]. Todos os nossos irmãos e irmãs foram assassinados e
tiveram uma morte vergonhosa na mão dos assassinos... [...]. Eu tenho orgulho de ser
judia.
Carta póstuma, nº 32.
Eu fugi para informar e dar conhecimento ao mundo humanista de tudo o que tenho
visto com meus olhos e que tenho escutado com os meus ouvidos. Para despertar os
corações, os corações de todos aqueles que ainda não se trancaram para escutar e saber
da terrível tragédia que tem ocorrido com o nosso povo.
Carta póstuma, nº 76.

197
BAUER, Yehuda. Op. Cit. Pág. 669
198
HUYSSEN, Andreas.
94
As cartas demonstram uma sociedade em que o outro conveniente socialmente
construído foi o judeu. No processo de ensino, é latente a necessidade de se apontar para o
entendimento de que o outro conveniente é construído de acordo com as condições de cada
sociedade. Dessa forma, abrimos espaço para discussão da segunda categoria.

II. Identificação
Esta categoria é um dos aspectos fundamentais para o ensino da Shoah pela Escola
Internacional para Estudos do Holocausto do Yad Vashem. Consiste basicamente em fazer o
outro compreender que diante das condições sociais, ele pode ser a vítima, o algoz, o justo das
nações – aqueles que arriscaram sua vida para salvar os judeus, ou os indivíduos que
permaneceram em silêncio diante do horror perpetrado. Cabe a discussão acerca do desespero
demonstrado nas cartas, da preocupação com os filhos, das questões cotidianas, como
aprenderão a cozinhar, e, especialmente, da passividade, da reação que se tem diante da
violência. Escolhemos dois trechos para essa discussão:
Depois de minha morte, suas vidas deverão continuar e avançar, já que esse é o
chamado da vida. Queria deixar-te, Vladzia, algumas instruções e explicações
concretas. [...]. Em minha opinião tu deverás terminar teus estudos e tua educação
para conquistar assim uma posição de independência. Depois de ter terminado os
estudos, casa-te. Se isso chegar a ocorrer Agussia [irmã] deve viver contigo, somente
até a idade de 15 ou 16 anos. Depois, que ela viva na casa de outras pessoas. Não rias,
Vladzia! Te dou bons conselhos. Não deves ter em tua casa uma mulher mais jovem.
Carta póstuma, nº 43.

A responsabilidade pelos crimes dos judeus na Polônia recai, em primeiro lugar, sobre
os perpetradores. Mas indiretamente essa responsabilidade também recai sobre toda a
humanidade, sobre os povos e os governos dos países aliados que, até este momento,
não realizou nenhuma ação concreta para deter este crime. Ao observar passivamente
o assassinato de milhões de indefesos – crianças, mulheres e homens torturados – eles
passam a compartilhar a responsabilidade.
Carta póstuma, nº 102.

Ao se buscar a identificação com o outro, no caso desse documento, o lugar de fala é


das vítimas, se rompe com a indiferença, instaura-se o sujeito ético e se abre lugar a esperança.
O método de identificação é feito sobre tudo no contato com as histórias individuais. Através
das cartas esse processo se faz possível por meio de fragmentos. No primeiro, vê-se conselhos
aparentemente banais, mas que fazem parte das preocupações cotidianas. Não é normal, como
retrata a própria autora, pensar nisso no dia a dia. Essa carta especificamente é enviada de uma
mãe para sua filha ainda criança, que amadurece precocemente. Nisso consiste a identificação,
são condições diferentes, tempo e espaço distintos, e uma mesma faixa etária. A identificação

95
se faz por meio da linguagem, de diferentes modos, e só através dela é possível ensinar um a se
colocar no lugar do outro e, para além disso, criar responsabilidade pela vida do outro.

III. Resistência
A terceira categoria que consideramos de suma importância para ser trabalhada com os
professores é a resistência. Trata-se de desmistificar a ideia de que as vítimas não reagem diante
da violência que lhes afligem. E discutir que há diferentes maneiras de resistir. Adotamos o
termo “resistência natural”, tomado de Zwi Bacharach, no lugar de “resistência passiva”.
Qualquer que seja a forma de resistir, já significa uma atuação. Das categorias apresentadas por
Bacharach, incluímos aqui: a clandestinidade, a linguagem codificada e o suicídio. Este último,
visto como ato de resistência pelas próprias vítimas que ao escreverem sobre sua decisão
ressaltam o caráter de protesto que acreditam ter no ato. Em contraposição, para tantos outros
sobreviver era a resistência maior, permanecerem humanos diante da inumanidade que lhes era
imposta. A Shoah enquanto evento histórico expôs o humano enquanto ser aniquilável,
altamente manipulável. Não era um objetivo comercial, tampouco se tratava de um único
território, era a tentativa de aniquilação completa de um povo. Os trechos escolhidos para
discussão dessa temática foram:
[...]. Pode dizer que tiveram uma morte heroica, já que no dia da liquidação em massa
dos judeus [...] morreram nas mãos dos assassinos 1.760 pessoas, entre elas crianças
de apenas uns dias de idade; sem engano Emanuel [Manek], desejou se vingar das
mortes dos seus seres queridos e atirou na polícia que queria tirá-los do bunker; e com
as últimas balas que sobrou ele pôs fim as vidas de seus familiares e a sua própria,
porque não quis ser levado pelos assassinos ao campo de execução e nem ser
submetido as torturas antes da morte.
Carta póstuma, nº 95.

[...]. Sinto que estão acontecendo coisas grandes, e aquilo que estamos fazendo possui
um grandioso e imenso valor. [...]. Necessitamos urgentemente: granadas, rifles,
metralhadoras e materiais explosivos. [...] O sonho de minha vida tem se convertido
em realidade. A defesa própria no gueto é um fato. A resistência armada judia e a
vingança têm sido convertidas em fato. Eu tenho testemunhado a luta esplendida e
cheia de coragem dos combatentes judeus.
Carta póstuma, nº 103.

A consciência de resistência demonstrada através das cartas, de forma individual ou


coletiva, lutando pela sobrevivência ou abrindo mão da vida, na clandestinidade ou dentro dos
guetos, expressa uma força pessoal e uma advertência, para que no futuro não volte a acontecer.
O trecho da carta 95, diz respeito a um homem que atirou em policiais e em seguida matou a
sua família e a si mesmo, negou-se a morrer nas mãos do algoz. Por sua vez, o trecho da carta
103, refere-se ao muito difundido levante do gueto de Varsovia, e data de abril de 1943, um
96
mês antes da aniquilação total do gueto. O que se vê nas cartas de resistência é o ímpeto de
manter a figura humana, de seguir como pessoas providas de sentimento, mesmo diante da
desumanização que lhes é imposta. O nosso objeto com esta proposta didática é ressaltado
nessas cartas: o evento não para no horror, ele abre vias para a esperança.

IV. O julgamento ético


A pergunta propulsora para esta categoria foi: “é possível julgar o outro diante de um
evento limite? ”. Essa pergunta já havia sido feita e respondida por um sobrevivente do campo,
Primo Levi, ao convidar as pessoas a refletir sobre o significado que poderiam ter as palavras
bem e mal, certo e errado, dentro do campo, aponta para o julgamento ético de um evento limite,
e responde sua reflexão ao afirmar que não existe dentro do campo de concentração uma lei
moral pela qual se possa estabelecer julgamento, toda lei moral foi quebrada dentro do evento
limite.199 Partimos para essa discussão a partir de três temáticas: a vingança, os dilemas e os
conselhos judaicos – judenrätes. No primeiro deles, a vingança, há que se observar que as cartas
revelam dois tipos de vingança possíveis: aqueles que centram sua atenção nos algozes e
aqueles que consideram o ato de recordar, ou seja, a importância da vítima, como o maior ato
de vingança. No que concerne aos dilemas, o universo das cartas demonstra que existia duelo
interno desde os temas mais triviais até os mais complexos, perdoar ou vingar? Fé ou o
desmoronamento desta? Uma questão de grande peso nessa categoria são os conselhos judaicos,
os junderäte, que para a investigação histórica da Shoah representa um dos temas de maior
complexidade. Estabelecidos pela administração alemã, os junderäte tinham decisões
humanamente difíceis para serem tomadas. A liderança judaica cabia a distribuição de
alimentos, mesmo quando esses eram escassos, a administração da insulina, o envio da lista dos
que seriam deportados, em outras palavras, caía sobre as suas mãos a difícil tarefa de decidir
quem vive e quem morre, a omissão também tinha seu preço. É possível construir esse debate
a partir dos seguintes trechos:
Eu não tenho mais desejo de viver, mas vocês, tu e teus filhos, deverão vingar o sangue
limpo dos judeus derramado. Deves educar teus filhos no espírito das armas e do ódio
para com o povo alemão. Me dirijo a todos os judeus de lá: não busquem fazer negócio
ou progredir em seus cargos, unicamente tomem as armas, matem todo povo alemão
que esteja sob o seu alcance, homens, mulheres e crianças, porque foi isso que fizeram
conosco.
Carta póstuma, nº 11.

A respeito da morte de Czerniakow [judenrat], algumas pessoas quiseram convertê-


lo em herói nacional. Mas nós sabemos que Czerniakowe e heroísmo são uma antítese.

199
LEVI, Prime. Op. Cit. Pág. 126 e 143.
97
Sim, foi um herói comparado com os judeus que foram como um rebanho rumo ao
matadouro, mas ele serviu aos alemães com fidelidade. É possível que, em seus
últimos momentos, ele tenha compreendido seu grande erro, e talvez entendido, se
bem que demasiadamente tarde, que despois de obedecer às ordens dos alemães, seu
destino seria o mesmo que o do resto dos judeus.
Carta póstuma, nº 20.

No segundo trecho, trata-se de uma liderança judaica que recebe a ordem dos alemães
de diariamente entregar uma lista com o nome de dez mil judeus para serem deportados do
gueto de Varsovia. Ao retornar ao gueto após a reunião com os alemães, três resistentes se
dirigiram a ele armados e o impuseram uma escolha: ou seguir a ordem, ou morrer ali mesmo.
Czerniakow, pediu-lhes um dia de vida e se matou com as próprias mãos. Observa-se, portanto,
uma situação limite, em que o julgamento ético é esvaziado de significado. Não é possível julgar
os atos daqueles que se encontram em situações como essas entre bons e ruins, assim como não
é possível separar entre bons e ruins aqueles que lutam pela condição humana primeira de
sobrevivência. No primeiro trecho, é inevitável notar o papel da educação: “deves educar teus
filhos no espírito das armas e do ódio”. Nessa questão, repousa um dos mais importantes duelos:
se educar para o ódio é possível, uma educação que tenha por objetivo primeiro o respeito à
alteridade também o é. Elie Wiesel declarou que se “o ódio fosse uma solução, então quando
os sobreviventes foram libertados dos campos, deveriam ter incendiado o mundo inteiro. 200”.
É justamente por isso que não o é. Esse ponto nos encaminha a última categoria da nossa
proposta.

V. O testemunho
Essa é a categoria fim, porque na verdade ela expressa um começo: contar aos outros,
tornar os outros participantes. Esse é o dever ético instituído por Primo Levi, um dever que
prevalece, que se transforma em pós memória. Mesmo depois de perecer todos os
sobreviventes, de passar, como apontou Francisco Teixeira, pelo duro outono há que se
transformar em responsabilidade. É nesse sentido, que o rompimento da ontologia clássica tem
relação com esse estudo: pensar é estar engajado com o que se pensa. A responsabilidade social,
sobre cada um, individual e coletivamente, é a exigência de Adorno para que Auschwitz não se
repita. As condições que fizeram de Auschwitz uma realidade possível estão imersas em uma
ausência, a ausência de uma visão de mundo verdadeiramente ética. Escolhemos dois trechos
para tratar dessa questão:

200
Cartas póstumas, pág. 56.
98
Quem escreve essas linhas já escreveu uma carta há algumas semanas, mas, em minha
opinião, não é tempo de pensar, e sim de sacudir o mundo, toda a humanidade e,
especialmente, a nossos irmãos, os filhos de Israel. [...]. Faz uns meses que cheguei
da Polônia a Pressburg. Sai do inferno para sacudir o mundo, para que não descasem
e nem mantenham seu silêncio.
Carta póstuma, nº 76.

Que seja meu caderno, escrito com sangue durante os momentos mais duros da minha
vida e das vidas dos pobres judeus, a prova e o testemunho para o mundo inteiro do
banho de sangue – o sangue inocente do povo judeu. [...]. Meu caderno servirá de
algum modo para ajudar a vingar nossos pais, nossos irmãos, nossas irmãs, nossos
filhos, e nosso sangue derramado injustamente.
Carta póstuma, nº 79.

Os trechos escritos, um em 1943 e o segundo não datado, parecem deixar uma clara
mensagem ainda aos dias de hoje: não permitir que fiquem em silêncio. Esse é o papel maior
do testemunho: o exemplo prático do constructo teórico de instauração do acontecimento ético.
Ao deixar como mensagem: contar aos outros, dizer ao mundo inteiro, o que estas cartas,
expressões de sentimentos individuais de um trauma vivido de forma coletiva, fazem é convocar
o mundo inteiro ao acontecimento ético, a ruptura da indiferença. A Shoah representou um
período de profunda barbárie e as condições de sua existência, não em sua totalidade, fincaram
raízes no presente. A urgência do ensino e de instrumentos que busquem operacionalizar essa
exigência é primordial para a redefinição da linguagem enquanto ato de recordar e de educar,
portanto, enquanto prática. Esses atos são, por essência, a instauração de um acontecimento
ético.

99
CONCLUSÃO

Na História do Tempo Presente há um constante reposicionamento dos estudos dos


historiadores que optam por esta via de interpretação. Trata-se de historicizar, de encontrar
lugar dentro da historiografia do presente para responder à demanda da sociedade por uma
história dos seus traumas coletivos, dos eventos limites, vivenciados por ela no presente. Dessa
forma, trocamos, a partir de um adequado questionamento do testemunho, o distanciamento
temporal por um distanciamento crítico das nossas fontes. Os traumas vividos de forma coletiva
pelas sociedades no presente insistem em ser história e, por esta via, renovam a responsabilidade
social do historiador.
Nesse contexto, de debate do presente no presente, é comum a emergência de batalhas
historiográficas. Elas se desenvolvem em um campo de disputa política e social pela escrita da
história, pelo lugar de grupos étnicos e pela construção de uma história dita nacional. Se nas
décadas imediatamente seguintes à Segunda Guerra Mundial, o desenvolver dessas batalhas
historiográficas estava centrado na construção de um tipo de sociedade ideal, opondo dois
sistemas políticos: o comunismo e o capitalismo, o advento da Nova Ordem Mundial,
decorrente da derrubada do muro de Berlin e do Colapso da URSS, reposicionou essas batalhas
para discutirem a memória.
É nesse cenário, que vimos emergir a reivindicação de grupos étnicos pelo seu lugar na
memória nacional. Essas reivindicações são partes de um movimento que Andreas Ruyssen
chamou de globalização ou cosmopolitização da memória da Shoah. Um evento-limite, sem
precedentes históricos, ocorrido em pleno século XX, capaz de revelar a natureza humana, no
uso da racionalidade, em busca de uma pretensa modernidade que hierarquiza a raça humana.
A Shoah, impôs um novo regime de historicidade, uma brecha no transcurso do tempo, na
medida em que a partir do seu acontecimento todos os genocídios futuros passaram a ter um
novo parâmetro. A partir da Shoah, que demonstrou inclusive os limites da linguagem humana,
fundou-se novos conceitos, na mesma medida, em que se revisou os velhos.
Atribuir à Shoah a responsabilidade de um novo regime de historicidade ocorre pela
constante reivindicação em torno do evento como parâmetro para os atos de violência que se
desenrolam no presente. Recordar o passado como via de ensino no presente e transformá-lo
em esperança para o porvir. É nisso que consiste o seu caráter de universalidade, não se requer
com isso retirar o fato de ter sido um evento dirigido contra o povo judeu, mas ao se transformar
em um fenômeno histórico, isto é, possuir tamanha elasticidade para ser reivindicado por

100
populações de todo o mundo para tratar acerca dos seus próprios traumas, deixa de ser só do
povo judeu e passa a ser de toda a humanidade. É o que os homens foram capazes de fazer com
a própria natureza humana, de expô-la, como bem colocou Lévinas, como matéria aniquilável.
A necessidade de se reivindicar, de lembrar o evento traumático no presente, está no
fato de que suas condições de existência ainda fazem da Shoah um tema do presente. O agir
fascista fincou suas raízes e proporcionou condições para o outro conveniente ser socialmente
construído, independente da época ou do lugar. Cada sociedade, de acordo com as suas
condições produz o seu outro conveniente, e essa produção, como apontado pelos estudos de
Teun A. van Dijk, ocorre no plano do discurso, portanto, do ensino. O que nos leva a acreditar
que se o ódio pode ser socialmente construído, pode ser ensinado, também existem ferramentas
que ensinem o seu oposto, o respeito à alteridade. Nesse sentido, o historiador que se debruça
sobre os estudos de traumas coletivos e dos atos de violência no presente, funciona como uma
espécie de termômetro social, não para prevenir conflitos, mas para controla-los, não deixando,
assim, que desemboquem em crises de alteridade.
A soma dos dados apresentados pelo Mapa da violência (2015), pela Anistia
Internacional (2015) e pelo Atlas da violência (2018) justifica a urgência de um ensino
preocupado com o respeito à alteridade no Brasil. É nesse contexto que emergem as chamadas
leis de memorias no território nacional. Atribuímos essa emergência a um duplo contexto: por
um lado, a articulação da comunidade judaica é de fundamental importância para esse cenário.
Os municípios de Porto Alegre, São Paulo e Rio de janeiro são os que possuem, segundo a
Confederação Israelita Brasileira, a maior organização da comunidade judaica, não por acaso,
foram os três municípios a aprovarem a lei de obrigatoriedade do ensino da Shoah. Por outro
lado, faz-se importante posicionar essas leis no cenário internacional. Em 2005, a Organização
das Nações Unidas, por meio da resolução 607, instituiu o 27 de janeiro como Dia Internacional
em memória das vítimas do Holocausto e indicou que todos os seus países membros criassem
estratégias de ensino. Em todos os textos de justificativas das leis a resolução da ONU aparece.
Ademais, para além desses contextos municipais, no cenário nacional, o Conselho
Nacional de Educação do MEC, inseriu a obrigatoriedade do ensino na última versão aprovada
(dezembro, 2017) da Base Nacional Comum Curricular. Tal fato, remete-nos a pensar as
estratégias de ensino. Na nossa opinião, essas estratégias precisam estar focadas em dois
aspectos: material de ensino, uso na sala de aula, e material que se preocupe com a formação
de professores. Esses materiais, são, eles mesmos, parte de um discurso pedagógico acerca do
evento, existe assim a necessidade de avaliá-los e acompanha-los.

101
Acreditamos que exista um elo entre o discurso político presente nas leis e o discurso
pedagógico presente nos materiais de ensino, esse elo é a formação de professores, a ponta do
processo de ensino. A formação de professores, posiciona-se assim entre aquilo que a lei institui
e que o material de ensino provém. Desta feita, propomos uma sequência didática com vistas à
formação de professores, com base na filosofia educativa do Yad Vashem, por meio da sua
Escola Internacional para Estudos do Holocausto. O aspecto que adotamos dessa filosofia é o
da identificação do indivíduo que estuda o tema, com o tema que está sendo estudado.
Consideramos que o estudo da História de forma enquadrada, isto é, linear, onde cada
evento se conecta sem deixar nenhuma brecha e espaço para oposições, contribui para uma
visão da disciplina histórica que tem como objeto de estudo “o passado”, morto e enterrado.
Por esse motivo, propomos um material com base na técnica de categorização temática,
privilegiamos o estudo dos temas, ao invés do estudo das datas. Não negamos com isso a
importância da compreensão de como decorreu cronologicamente o curso da História.
Contundo, optamos por discutir categorias de análise, o que acreditamos ser uma das vias
possíveis de ensino.
A fonte na qual se debruçou essa dissertação é um conjunto de 117 cartas compiladas
pelo Yad Vashem. Elas demonstram o sentimento do sujeito que a escreveu, no momento em
que sentia. Isto é, não se tratam de textos ressignificados pela memória, não houve o trabalho
de memória, o esquecimento não agiu sobre esses escritos. O que para nós representa o ponto
alto da utilização das cartas como ferramenta de ensino é o ponto da identificação. As cartas
revelam os sentimentos mais aparentemente triviais até os mais complexos e são fragmentos de
vidas, de vidas que expõem os sentimentos individuais para os traumas vividos de maneira
coletiva. Constitui-se, portanto, como um forte material de identificação, ao passo em que é
possível se colocar no lugar do outro, do sujeito da carta, e gerar o sentimento de “poderia ser
qualquer um de nós”. Instaure-se o sujeito ético requerido por Lévinas, a responsabilidade
social com o outro a ponto de dar a minha vida para defender a liberdade dele.
A filosofia contemporânea, ao libertar o ser da amarra temporal, propõe que, mais do
que contemplar, estejamos engajados com aquilo que se pensa. O ato de educar, de transformar
a linguagem do testemunho em ação, é um engajamento com aquilo que se pensa. A ruptura
com a indiferença, em vista da instauração de um acontecimento ético, inicia pelo plano do
discurso, pela linguagem. Ainda que no campo de concentração o significado das palavras
utilizadas por homens livres, como explicou Primo Levi, tenham sido reinventadas, é dada a
necessidade de se buscar, no plano da própria linguagem, a via de acesso a instauração do

102
respeito à alteridade. Seria essa uma brecha no tempo, em que as coisas não são mais, na mesma
medida em que não são ainda. A responsabilidade social, individual e coletivamente, é o que
nos levará à consolidação de um regime de historicidade em que as condições do fascismo
sejam negadas. Ainda que a educação se posicione em um horizonte movediço, declaramos
nossa esperança no processo de ensino.

103
FONTES

ANISTIA INTERNACIONAL. Você matou meu filho!: Homicídios cometidos pela polícia
militar na cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2015.

BRASIL. Ministério de Educação. Base Nacional Comum Curricular: Educação é a base.


Brasília, 2017.

Cartão de identificação do United States Holocaust Memorial Museum: Frida Adler. Disponível
em: https://www.ushmm.org/wlc/en/idcard.php?ModuleId=10006447.

Declaração do Fórum Internacional de Estocolmo. 2000.

IPEA; FBSP. Atlas da Violência 2018. Rio de Janeiro, 2018.

Lei 10.965/10 de Porto Alegre. Disponível em: http://www2.portoalegre.rs.gov.br/cgi-bin/nph-


brs?s1=000031310.DOCN.&l=20&u=/netahtml/sirel/simples.html&p=1&r=1&f=G&d=atos&
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Lei 5.267/11 do município do Rio de Janeiro. Disponível em:


http://mail.camara.rj.gov.br/APL/Legislativos/contlei.nsf/c8aa0900025feef6032564ec0060dff
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Lei 6.057/11 do estado do Rio de Janeiro. Disponível em: http://rj.gov.br/web/seeduc/


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PL 112/09 de São Paulo. Disponível em: https://www.radarmunicipal.com.br/proposicoes/


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Resolução do Parlamento Europeu sobre a memória do Holocausto, o antissemitismo e o


racismo. 2005.

United States Holocaust Memorial Museum : https://www.ushmm.org/.

WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da violência: mortes matadas por armas de fogo. Brasília:
Juventude Viva, 2015. Disponível em: Disponível em www.juventude.gov.br/juventudeviva.

YAD VASHEM. Editor: Zwi Bacharach. “Estas son mis últimas palabras...”: cartas póstumas
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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