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Rio de Janeiro
Junho / 2016
Avelino Gambim Júnior
Corpo, vida e morte na Foz do rio Amazonas: as estruturas funerárias do sítio Curiaú
Mirim I/AP
Rio de Janeiro
2016
Autorizo a reprodução e divulgação integral deste trabalho, por qualquer meio convencional ou
eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte:
GAMBIM JUNIOR, A. Corpo, vida e morte na foz do rio Amazonas: as estruturas funerárias
do sítio Curiaú Mirim I/AP. 2016. Dissertação (mestrado). Programa de Pós Graduação em
Arqueologia do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2016.
Avelino Gambim Júnior
Banca examinadora:
__________________________________________________________
Profa. Dra. Claudia Rodrigues-Carvalho (orientadora) – Presidenta da banca
Museu Nacional/Universidade Federal do Rio de Janeiro/Programa de Pós–Graduação em
Arqueologia (PPGARQ/Museu Nacional/UFRJ)
__________________________________________________________
Profa. Dra. Mariana Petry Cabral - Examinador externo
Universidade Federal de Minas Gerais/ Programa de Pós-Graduação em Antropologia
(UFMG/PPGA)
__________________________________________________________
Profa. Dra. Denise Maria Cavalcante Gomes - Examinadora interna
Museu Nacional/Universidade Federal do Rio de Janeiro/Programa de Pós–Graduação em
Arqueologia (PPGARQ/Museu Nacional/UFRJ)
À Jelly Lima, Graciete e Avelino, pela dedicação, apoio, incentivo e amor
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar, gostaria de agradecer de todo o meu coração a alguém que foi fundamental
para a realização dessa dissertação, minha companheira, Jelly Juliane Souza de Lima (revisora,
companheira, ouvidora), sem você nem sei como teria conseguido. Obrigado pela força, compreensão,
muita paciência, correções, dicas, enfim, obrigado por existir, e estar sempre ao meu lado... Te amo
muito! Enfim, essa dissertação também tem muito de ti, das nossas conversas e trocas de experiências,
obrigado minha companheira, por tudo!
Em segundo lugar, gostaria de agradecer aos meus pais (Graciete e Avelino) pelo amor,
carinho e dedicação aos filhos e pela força e confiança (e novamente muito amor) que tem depositado
em todos os filhos, genros e noras, sem exceção e distinção. Amo vocês, pai e mãe! E também contei
com o apoio incondicional dos meus irmãos, Paula (valeu pela correção), Beta e Reinaldo. Amo
vocês!
Agradeço também ao apoio da minha família aqui do Amapá, que me acolheu e acolhe e que
amo demais! Minha sogrinha (dona Oleia), meu sogrão (seu José) e meus cunhados e cunhada
(Julielton, Jordan, Yoseffi e Joelly).
Gostaria de agradecer a CAPES pela oportunidade através da bolsa de auxílio à pesquisa, que
certamente foi fundamental para que eu pudesse finalizar essa dissertação.
Agradeço à querida professora Tânia Andrade Lima pelas discussões nas disciplinas de Teoria
Arqueológica, Teoria da Cultura Material, assim como as reflexões não apenas desta disciplina, mas
quanto a disciplina de Ética e Patrimônio, particularmente no que se refere ao estudo de restos
humanos e suas implicações éticas e questionamentos morais que passaram ainda mais a me
incomodar, no bom sentido.
Ao querido professor Renato Ramos tenho muito a agradecer pelo aprendizado e pelas
conversas que tivemos sobre os contextos geológicos assim como os contextos arqueológicos dos
sítios dessa dissertação, durante e fora da sala de aula.
Agradeço à professora querida Denise Gomes e suas disciplinas amazônicas e pelos olhares
amazônicos, pelo auxílio, paciência, compreensão, dicas, correções e apontamentos de caminhos
quanto a esta dissertação e pelas indicações de leituras.
Agradeço aos meus colegas do Museu Nacional - Renan, Angislaine, Alejandra, Angélica,
Lucas, Filipe, Gustavo - que em conversas e temas, às vezes, diversos, pudemos trocar experiências de
leituras que certamente contribuíram nesta dissertação.
Agradeço ao querido arqueólogo João Saldanha, que foi meu coorientador não oficial devido
a algumas de nossas conversas e trocas de idéias, assim como sugestões de leituras. Suas ideias são
inspiradoras e tu, como arqueólogo (mestre Jedi), és uma fonte de inspiração para muitos jovens
padawans!
Agradeço à arqueóloga Mariana Cabral pelo auxílio nas valiosas dicas e correções,
principalmente, quanto às questões técnicas da escrita, assim como alguns caminhos apontados.
Agradeço ao querido arqueólogo Martjin van den Bel, pelas dicas valiosas e pela paciência em
corrigir e me escutar, sem suas dicas muito do que está aqui escrito não teria passado para o papel!
Valeu Martjin por me lembrar de “amazonificar” cada vez mais meu olhar e por me encorajar a dar
continuidade ao que aqui apresento nesta dissertação.
Agradeço à arqueóloga Anne Rap Py Daniel, colega que trabalha igualmente com esqueletos
humanos, pelo auxílio, dicas, trocas de experiências durante essa dissertação e valiosas informações
quanto aos contextos funerários na Amazônia.
Agradeço ao Renzo Duin pelas dicas, sugestões e trocas de email, pelo Stephen Rostain pelas
sugestões e pelas dicas do Manuel Calado que auxiliaram no andamento e resultados desta dissertação.
Agradeço pela concepção artística dos desenhos assinados pela designer Tami Martins e seus
lindos desenhos presentes nesta dissertação e na capa.
Agradeço também ao querido Silvagne pela revisão e correção para a norma culta da língua
portuguesa dessa dissertação.
Enfim, a todos que não me lembrei de colocar aqui e que me ajudaram, minhas sinceras
desculpas, é muita gente, mas sintam-se todos incluídos e fiquem com minha sincera gratidão.
RESUMO
O sítio Curiaú Mirim I localiza-se na borda de um terraço junto a uma área de transição da
floresta de várzea para o cerrado, na bacia hidrográfica do Curiaú no município de Macapá,
no Estado do Amapá. As evidências arqueológicas indicam que este sítio se tratava de uma
antiga aldeia indígena, com buracos de poste, lixeiras e terra preta, sugerindo se tratarem de
estruturas domésticas. Neste mesmo sítio, foram igualmente evidenciadas estruturas
funerárias / cerimoniais, sendo pelo menos três delas claramente funerárias. Além destas
especificidades, foram encontradas, em tais estruturas arqueológicas, cerâmicas dos estilos
Mazagão, Marajoara, Koriabo e Caviana, algumas delas depositadas lado a lado. Em algumas
dessas estruturas, percebeu-se uma ótima condição de preservação para os vestígios
esqueléticos humanos e faunísticos. O objetivo central desta pesquisa foi o de procurar
entender como se deram as práticas funerárias deste sítio a partir da análise de três estruturas
funerárias contendo restos esqueléticos humanos. Para que isso fosse realizado, busquei saber
como eram as pessoas que foram ali enterradas e como se deu o tratamento funerário
dispensado aos mesmos pelos vivos enlutados na Amazônia antiga. Para chegar a estes
objetivos, adotei uma abordagem teórica em que o corpo é entendido como um tipo de cultura
material, construído na vida e na morte, onde sujeito e objeto são fluídos e se entrelaçam,
usando como abordagem metodológica as osteobiografias unidas a arqueotanatologia
consonantes com as noções de corporalidade ameríndias. Deste modo, ao contextualizar o
sítio, foi necessário integrar as histórias de vida e as identidades dos indivíduos enterrados,
bem como cada gesto e performance no modo de depositar e decorar os mortos simbolizados
pelos vivos no espaço do sítio. Como resultado, foi possível observar os diferentes gestos de
deposições cerimoniais / funerários presentes no sítio, além de algumas inferências
osteobiográficas, em que a articulação entre as informações provindas dos sepultamentos e
demais estruturas arqueológicas permitiram algumas interpretações quanto às regras e às
escolhas culturais dos antigos ameríndios junto à foz do rio Amazonas. Tais pessoas
engendraram o registro arqueológico no sítio Curiaú Mirim I por volta dos séculos X AD ao
XVII AD, parecendo haver uma continuidade no uso de espaços específicos do sítio como
sepultamento. Os dados contextuais levaram-me a propor que tais práticas culturais indicam
culto aos ancestrais, pois os sepultamentos aqui investigados se localizam em áreas mais
abertas e separadas dentro do sítio, mostrando aparentemente uma fluidez entre a vida e a
morte.
Curiaú Mirim I site is located in a boarder of a terrace near an area of transition of várzea
forest to the cerrado, in the hydrographic basin of Curiaú, in the municipality of Macapá, in
the Amapá state, Brazil. Archaeological evidence indicates that this site was about an ancient
Amerindian village, with post holes, waste refuse and archaeological black earth, suggesting
domestic structures. However, in the same archeological site was an equally evidenced
funerary/ceremonial structure, which at least three of them has clearly funerary function.
Besides that specificity ceramics with Mazagão, Marajoara, Koriabo e Caviana was founded,
some of them deposited side by side. Some of these structures have a great condition of
preservation related to human skeletal remains and faunal remains. The main goal of this
research was to try to understand and characterize how was the funerary practices in these site
based in the analysis of three funerary structures containing human skeletal remains. To
accomplish that I looked to know how was the persons buried there and how was funerary
treatment dispensed to them by the living mourners in the Ancient Amazon. To achieve these
goals I adopted a theoretical approach were the body is understood like a type of material
culture, built in life and death, were the subject and the object are fluidal and entangled which
other. Regarding the methodology used here I choose an osteobiographical approach united to
the principals of archaeotanatology approach. Both theory and methodologies are consonant
with the notions of body and self present in many Amerindian communities. This way,
contextualizing the site, was necessary integrate the life histories and identity of the
individuals buried there and each gesture and performance in the way of dispose and decorate
the death symbolized by the living registered in the site space. As results was possible to
observe different kind of gestures in funerary/ceremonial depositions presents in the site, as
well as some osteobiographical inferences, where the articulation with the information
provided by burials and other structures allowed some interpretations regarding the cultural
rules and cultural choices of the ancient Amerindians near the mouth of the Amazon river.
These people engendered the archaeological Record in the Curiaú Mirim I site between X and
XVII AD, were there seems to have been a continuity in the way of use specific spaces to
bury the dead. The contextual data made me to propose that such practices indicates ancestors
worship, were the burials investigated here are located in more open and separate areas but
within the site, showing an apparent fluidity between life and death.
Figura 1: Localização das Guianas e foz do Amazonas, com a cidade de Macapá e do Sítio Curiaú
Mirim I destacado (Mapa elaborado por Kleber Oliveira Souza com alterações de Avelino Gambim
Júnior). .................................................................................................................................................. 32
Figura 2: Poço com câmara lateral descrito por Emílio Goeldi. Fonte: Goeldi, 1905. ......................... 37
Figura 3: O poço 2 parece ter sido o produto de um único evento deposicional. Fonte: Saldanha e
Cabral, 2008. ......................................................................................................................................... 41
Figura 4: O poço 1 parece ter sido resultado de mais de uma deposição, pois há evidências de
remeximentos. Fonte: Saldanha e Cabral, 2008. ................................................................................... 41
Figura 5: Duas etapas de escavação em que é possível vislumbrar as coroas lateríticas que marcavam
os conjuntos de urnas funerárias. Fonte: Acervo IEPA. ........................................................................ 55
Figura 6: Espacialização do sítio, onde se percebe poucos buracos de poste, duas concentrações de
deposição de cacos cerâmicos, vasilhas e urnas. ................................................................................... 56
Figura 7: Sepultamento em forma de caixa. Sítio Cemitério AM-41, Iracoubo. Fonte: Van den Bel,
2009. ...................................................................................................................................................... 57
Figura 8: Nesta urna, foram identificados três indivíduos: dois adultos e um perinatal. Fonte: Coutet,
2014. ...................................................................................................................................................... 69
Figura 10: Urnas funerárias antropomorfas ditas Caviana (urna antropomorfa feminina à esquerda e
masculina à direita). .............................................................................................................................. 76
Figura 11: Estado do Amapá com a localização da cidade de Macapá em vermelho (acima); e
localização do sítio Curiaú Mirim I (abaixo). O sítio localiza-se a pouco mais de 2.3 km de distância
do rio Amazonas. .................................................................................................................................. 80
Figura 12: Área escavada do sítio equivale a pouco mais de 1070 m2. ................................................ 81
Figura 13: Decapagem manual das estruturas evidenciadas com a pá mecânica. Os círculos fechados
indicam os buracos de poste e as elipses tracejadas e pontilhadas indicam estruturas negativas com
preenchimento de terá preta que se destaca quando comparada ao latossolo amarelado. ..................... 82
Figura 14: Localização da bacia hidrográfica do rio Curiaú (delimitado pelo círculo preto), no setor
costeiro estuarino amapaense (TORRES; OLIVEIRA, 2003, p. 156). ................................................. 85
Figura 15: Áreas adjacentes à olaria, está implantado o sítio arqueológico, situado em uma área de
campos à direita junto à mata densa à esquerda. ................................................................................... 86
Figura 16: Esquema das áreas de terras inundáveis da Planície Quaternária costeira da região urbana
de Macapá, limitadas para o interior pelas terras firmes do cerrado. Em vermelho, a área de inserção
do sítio Curiaú Mirim I junto à borda de um terraço do Tabuleiro (Fonte: TORRES; OLIVEIRA,
2003). .................................................................................................................................................... 87
Figura 19: Vista da seção estratigráfica exposta. Notar a vasilha cerâmica entre as camadas III (AAm)
e II (TPA). ............................................................................................................................................. 89
Figura 21: Sítio arqueológico Curiaú Mirim 1: quantificação comparando as estruturas arqueológicas
encontradas nas campanhas de 2011 (azul) e 2014 (vermelho). ........................................................... 91
Figura 22: À esquerda, buracos de poste escavados manualmente e à direita desenho superior e de
perfil dos buracos de poste. Fonte: Saldanha e Cabral, 2012. ............................................................... 92
Figura 24: Estrutura arqueológica denominada de fossa. Note nas duas imagens a presença de buracos
de poste e os artefatos fragmentados – estrutura 45. Fonte: Saldanha e Cabral, 2012. ........................ 94
Figura 25: Estrutura 42: Deposições de vasilhas contendo ossos e conjunto ósseo depositado
diretamente no solo. Fonte: Saldanha e Cabral, 2012. .......................................................................... 96
Figura 27: Poço 39 – Talvez uma boa parte desta estrutura se deva aos processos naturais e pós
deposicionais, que devem ter movido os vestígios para o fundo. Fonte: Saldanha e Cabral, 2012. ..... 97
Figura 28: Poço 1043- À esquerda, desenho do perfil. À direita, fotos do interior do poço e da urna
evidenciando seu conteúdo. Fonte: Saldanha e Cabral, <no prelo>. ..................................................... 99
Figura 29: Poço 1059 - Note os três conjuntos cerâmicos em cada recinto do poço. Fonte: Saldanha e
Cabral, <no prelo>. ............................................................................................................................. 100
Figura 30: Estrutura arqueológica com deposição de vasilha – Estrutura 12. Arte: Jelly Lima. ........ 100
Figura 31 - Mapa da área escavada do sítio com distribuição das estruturas arqueológicas. Fonte:
Acervo IEPA (Alteração pelo autor do Shapefile original confeccionado por João Saldanha [no prelo],
utilizado e alterado com permissão). ................................................................................................... 102
Figura 32: Esquema dos fatores que afetam o registro dos sepultamentos. Fonte: Mays, 2008 ......... 127
Figura 33: Urna funerária localizada no poço-teste 1 (PT01) e desmonte dos elementos esqueléticos
por plotagens. Fonte: Acervo IEPA. ................................................................................................... 160
Figura 34 Fusos em rochas esverdeadas (Acervo IEPA) .................................................................... 161
Figura 36:Desenho de perfil da estrutura 42. Arte: Jelly Lima. .......................................................... 163
Figura 37: Cerâmicas decoradas presentes na matriz de sedimento, que recobria o arranjo funerário da
estrutura 42 (Acervo IEPA - composição Alan Nazaré). Tais cerâmicas se assemelham ao estilo
Ananatuba (A), Mazagão (B), Marajoara (C) e Koriabo (D). ............................................................. 163
Figura 38: Arranjo funerário na estrutura 42A: No sentido horário temos a urna A, B e C (com uma
vasilha posicionada à frente da mesma). Delimitada pelas urnas também no sentido horário, temos o
conjunto 1, 2 e 3. (Fonte: Acervo IEPA). ............................................................................................ 164
Figura 39: urna funerária lisa com gomos e tampa com decoração amarela longitudinalmente junto à
borda (Acervo IEPA). ......................................................................................................................... 164
Figura 40: tampa com pintura em faixa amarela na borda logitunalmete junto à superficie externa,
cobrindo toda a circunferência. (Acervo IEPA). ................................................................................. 165
Figura 41: Tampa da urna com pintura de cor preta. .......................................................................... 165
Figura 42: Foi observada a presença de dois crânios, que não resistiram à escavação devido à extrema
friabilidade. (Acervo IEPA). ............................................................................................................... 166
Figura 43: Igualmente ao crânio, vários ossos longos não resistiram à escavação devido à extrema
friabilidade. (Acervo IEPA). ............................................................................................................... 167
Figura 45: Mandíbula com lesão externa aparente e porosidades adjacentes à tal lesão. ................... 170
Figura 47: Parte basilar do occipital que permitiu estimar a idade; observa-se a superfície com
porosidades, indício de hiperostose porótica....................................................................................... 172
Figura 48 e 49: À esquerda, urna funerária globular e lisa e à direita tigela/tampa lisa carenada.
(Acervo IEPA). ................................................................................................................................... 173
Figura 52: Fragmentos de ossos de calota craniana, meatos acústicos de osso temporal e fragmentos de
ossos longos. ....................................................................................................................................... 176
Figura 56: Fêmur esquerdo com antiga fratura óssea e deformidade na área de inserção muscular, com
descontinuidade e calo ósseo em fase de reabsorção. ......................................................................... 179
Figura 57: Abertura septal junto ao forame do olecrano do úmero direita, característica tipicamente
descrita para indivíduos femininos. ..................................................................................................... 180
Figura 59: Fragmentos da mandíbula com perdas dentárias ante mortem .......................................... 181
Figura 60:Urna antropomorfa Caviana. Percebe-se semelhanças entre esta urna e algumas estatuetas
antropomorfas da cerâmica tapajônica do Baixo Amazonas. (Acervo IEPA). ................................... 183
Figura 62: Ossos longos, em feixes verticais, encostados nas paredes internas da urna C. (Acervo
IEPA)................................................................................................................................................... 184
Figura 63: Crânio no fundo da urna, depositado com a calvária para cima, a face estava muito
fragmentada. Percebe-se pigmentação vermelha na superfície externa do crânio. (Acervo IEPA). ... 185
Figura 64: Fragmentos de clavículas pintadas de vermelho e com alterações tafonômicas tipo
weathering ........................................................................................................................................... 186
Figura 65: Fragmentos da face do crânio puderam ser remontados, como a porção orbicular do osso
frontal. ................................................................................................................................................. 188
Figura 66: Ossos longos de aspecto robusto e índices de robustez elevados, além de inserções
musculares muito bem marcadas......................................................................................................... 189
Figura 67: Entesofitóse da crista do supinador identificada na ulna esquerda. ................................... 190
Figura 68: Conjunto 1 – Pacote com feixes de ossos humanos ........................................................... 191
Figura 69: Crânio com características morfológicas que se assemelham ao que se espera encontrar em
indivíduos femininos. .......................................................................................................................... 195
Figura 71: Caracteres morfológicos diagnósticos para indivíduos masculinos. .................................. 199
Figura 72: Conjunto 3 - Ossada humana mais ao oeste, cuja disposição difere dos outros dois pacotes
ósseos. ................................................................................................................................................. 200
Figura 73: Crânio mantido junto a bloco de terra com epífises de ossos longos aderidos. ................. 203
Figura 74: Ossos longos de aspecto robusto e com inserções musculares bem marcadas. ................. 204
Figura 75: Estrutura 1043 – poço funerário com câmara lateral. ........................................................ 206
Figura 76: Urna funerária globular com vasilha emborcada servindo de tampa, ladeada por fragmentos
de potes e de tigelas............................................................................................................................. 207
Figura 77 e 78: urna globular lisa à esquerda e a vasilha/tampa aberta lisa à direita. ........................ 208
Figura 79: Urna funerária retirada do poço funerário/estrutura 1043 ................................................. 208
Figura 80: Sequência de potes e de tigelas encontradas dentro da câmara lateral e das adjacentes à urna
funerária, ao leste, ao oeste e ao norte da mesma................................................................................ 209
Figura 81: Ossos humanos fragmentados e, em aparente desordem, restos faunísticos e pequenas
contas................................................................................................................................................... 210
Figuras 83 e 84: À esquerda, um fragmento de maxila com forte protrusão dentária de uma provável
criança ou um adolescente e, à direita, uma parte basilar do occipital, não fusionado do crânio de um
indivíduo infante, cuja medição forneceu uma estimativa de idade entre um ano e um mês e um ano e
três meses. ........................................................................................................................................... 212
Figura 86: Esfolio de órbita de indivíduo infante, provavelmente perinato. ...................................... 213
Figura 87: Calcâneo esquerdo com uma entesofitóse na área da inserção do tendão calcanear,
conhecida como Entese do tendão de Aquiles e osteófito do processo medial. .................................. 216
Figura 90:Patela esquerda de indivíduo adulto com entesofitóse digitiforme na área de inserção do
tendão do músculo quadríceps femoral de grau 3. .............................................................................. 218
Figura 91: ulna direita com entesofitóse, caracterizada por uma espícula óssea no olecrano, na área de
inserção do tendão do músculo tríceps braquial. Marcador muscular de atividade ocupacional
relacionado com intensas atividades de flexão e de extensão do cotovelo, conhecida como
“woodcuter’s lesion” ou lesão do lenhador. ........................................................................................ 220
Figura 92 – Inicio do desmonte, com ossos misturados e aparentemente remexidos. ........................ 221
Figura 94: Próximo à base, parece ter aparecido alguma coesão no posicionamento dos ossos. ........ 222
Figura 95: Provável gastrópode marinho, provavelmente Pugilina morio ......................................... 223
Figura 100: Pequena estatueta zoomorfa com formas que sugerem um pássaro ou ave. Artefato
confeccionado em matéria prima de substrato carbonático................................................................. 226
Figura 101: Pingente zoomorfo com orifício no meio do corpo. As formas do pequeno quadrúpede
com cauda e orelhas pode sugerir uma gama de animais, entre eles: um felino – uma onça, talvez. . 227
Figura 102: Três pequenas esculturas zoomorfas com concreção carbonática na superfície e,
aparentemente, confeccionadas de forma igual, a partir de matéria prima carbonática. ..................... 228
Figura 103: Diminutos ossos longos faunísticos de animal de pequeno porte. ................................... 229
Figura 104: Estrutura 1059- Poço funerário com três câmaras laterais, da esquerda para a direita, na
foto acima: câmara A, B e C. (Acervo IEPA). .................................................................................... 230
Figura 105: Urna globular lisa com vasilha emborcada usada como tampa (quebrada), junto aos dois
potes globulares lisos e um banco quadrangular. ................................................................................ 230
Figura 106: A urna funerária da câmara A possui uma faixa vertical vermelha, pintada desde a borda
até o bojo da vasilha globular lisa. ...................................................................................................... 231
Figura 107: Dois potes globulares são lisos, um sem pintura e outro com pintura de grafismos
vermelhos e um pote quadrangular com quatro orifícios em cada vértice, este banco possui decorações
na superfície externa (que apresenta fuligem) e se assemelham à elementos da fase Mazagão e
Koriabo................................................................................................................................................ 232
Figura 108. Etapas de desmonte em laboratório dos conteúdos internos de parte da urna que se
preservou. ............................................................................................................................................ 233
Figura 111: Terço distal de úmero com alterações tafonômicas, tipo weathering de grau 4 a 5......... 235
Figura 112: Diminuto osso longo carbonizado de fauna desconhecida, dente incisivo de cutia e osso
longo de uma ave ou um pássaro. ....................................................................................................... 236
Figura 113: Urna globular lisa com vasilha usada como tampa (quebrada) e um pote globular liso
depositado ao seu lado. (Acervo IEPA). ............................................................................................. 236
Figura 114: Urna funerária globular com pintura externa de vermelho e pote globular liso. ............. 237
Figuras 115 e 116: Etapas de desmonte durante a escavação da urna funerária. Perceba o fragmento de
cerâmica da vasilha usada como tampa acima de onde estava o crânio. ............................................. 238
Figura 117: Somente próximo à base da urna, pode-se perceber que os elementos esqueléticos estavam
espalhados, não sendo observada nenhuma coerência. ....................................................................... 239
Figura 118: Fragmento de pelve com pigmentação vermelha na superfície óssea. ............................ 240
Figura 119: Epífise proximal de úmero não fusionado. ...................................................................... 241
Figura 120: Fragmento de mandíbula com características morfológicas neutras e gráceis. Estas últimas
tidas como mais comumente encontrados em mandíbulas de indivíduos femininos e com o terceiro
molar erupcionado, o que poderia indicar uma idade por volta dos 20 anos. ..................................... 242
Figura 121: Terço distal do úmero com abertura septal, tipicamente encontrado em indivíduos
femininos. ............................................................................................................................................ 242
Figura 122: Fragmentos de tíbia esquerda e direita, cujas epífises distais possuem típicas lesões de
agachamento. ....................................................................................................................................... 243
Figura 123: Urna globular lisa com uma vasilha usada como tampa (parcialmente fragmentada), dois
potes e um banco circular. (Acervo IEPA).......................................................................................... 244
Figura 125: Potes globulares lisos e banco circular com linhas paralelas em alto relevo e banho
monocromático vermelho.................................................................................................................... 245
Figura 126: Fragmentos de ossos dentro de uma matriz de sedimento amarelo acinzentado, misturado
aos ossos pulverizados. ....................................................................................................................... 246
Figura 127: Próximo à base, ficou mais clara a disposição dos ossos, parecendo estarem misturados.
............................................................................................................................................................. 247
Figura 128: À esquerda, epífise distal de úmero direito e, à direita, capitatos, direito e esquerdo. Estes
ossos são apenas um exemplo daquele(a) que possui ossos avantajados, quando comparado com todos
os esqueletos dos indivíduos encontrados neste sítio. ......................................................................... 249
Figura 131: Concreção de substrato avermelhado, que possui textura e granulometria de argila e/ou
silte e parece conter hematita, lembrando mais algo modelado do que uma concreção, talvez uma
bolota barro com hematita, já que é comum na região, misturada talvez, originalmente, a urucum. . 251
Figura 132: Contas de dentes perfurados de algum tipo de colar, confeccionados em dentes de onça e
humanos. ............................................................................................................................................. 252
Figuras 133 e 134: Dente de onça, na imagem à esquerda, e dente humano, na imagem à direita. Os
dentes foram encontrados com perfurações nas raízes, onde foi possível observar marcas de uso para
confecção de tais orifícios. .................................................................................................................. 252
Figura 135: Contas de colunares isolados de crinoides fósseis, contas de matéria prima não
identificada (substrato carbonático) e contas de conchas. ................................................................... 253
Figura 136: Fragmento de osso longo de uma ave com destaque na imagem vista através de lupa
binocular, aumentada 10 vezes, evidenciando uma provável marca de corpo e osso que parece ter sido
exposto ao fogo. .................................................................................................................................. 256
Figura 137: Fragmentos cerâmicos decorados que lembram Marajoara (A), Mazagão (B) e koriabo
(C). Acervo IEPA, composição Alan Nazaré. ..................................................................................... 257
Figura 138 Fragmentos cerâmicos decorados tipicamente Marajoara (A), Mazagão (B) e indefinidos
(C) (lembram flanges Koriabo e hachurados do Ananatuba , por exemplo ). Fonte: Acervo IEPA,
composiçao das fotos de Alan Nazaré................................................................................................. 258
Figura 140:Fossa com deposição de cacos cerâmicos decorados, restos faunísticos e machados polidos.
............................................................................................................................................................. 260
Figura 141: Abertura da câmara lateral, escavada a partir de um buraco de poste, a qual se percebeu
que se tratava de uma alteração natural. .............................................................................................. 260
Figura 142: Fragmentos de cerâmica Mazagão (A), Marajoara (B), Koriabo (C), além de um tortual
de fuso (D), objeto decorado desconhecido (E) e fragmentos de banco cerâmico com decorações, que
se assemelham a cerâmica Marajoara e Mazagão (F). Fonte: Acervo IEPA (Alterado a partir da
elaboração de Alan Nazaré). ............................................................................................................... 262
Figura 144: Estrutura 40, fossa rasa com buraco de poste. ................................................................. 266
Figura 145: Fossa com buraco de poste, estrutura 44. ........................................................................ 267
Figura 146: Foto de topo da estrutura 45, fossa com buracos de poste. .............................................. 268
Figura 147: Estrutura 1052 - Fossa rasa com buracos de poste adjacentes dentro da estrutura.
Destacado na foto, está um fragmento de tigela com decoração Marajoara. (Acervo IEPA). ............ 269
Figura 148: Urna antropomorfa encontrada em uma imensa fossa rasa com outras cinco deposições de
vasilhas e urnas inteiras e vasilhas fragmentadas, que compõem a estrutura 1001............................. 270
Figura 149: Deposição de urnas e vasilhas enfileiradas, as quais foram identificadas, uma com padrões
decorativos, tipo anauerapucu inciso da fase Mazagão, e uma estatueta/recipiente cerâmico
antropomorfo, com um detalhe na cabeça, que lembra um diadema. (Fonte: Acervo IEPA.
Composição das fotos por Alan Nazaré). ............................................................................................ 271
Figura 150: Deposição de vasilha em fossa rasa. Estrutura 60. (Acervo IEPA). ................................ 272
Figura 151: Deposição de pelo menos três vasilhas sobrepostas, das quais percebe-se uma
intencionalidade no deposição, com destaque a um pequeno pote tórico, tipicamente koriabo. (Acervo
IEPA)................................................................................................................................................... 274
Figura 152: A fossa da estrutura 59 continha fragmentos ósseos, não identificados, em meio a uma
matriz de terra preta com poucos cacos de vasilhas ............................................................................ 275
Figura 153: Deposição de vasilhas, estrutura 51. (Acervo IEPA). ...................................................... 275
Figura 154 – Mapa com os números das estruturas aqui referenciadas e analisadas, todas devidamente
plotadas. Acervo: IEPA (croqui alterado e modificado do original de João Saldanha <no prelo>,
reproduzido aqui com sua permissão). ................................................................................................ 277
Figura 155: Cronologias absolutas obtidas para o sítio Curiaú Mirim I, calibradas no programa Oxcal.
............................................................................................................................................................. 278
Figura 156: Imagem ilustrativa de que tipo de atividade este homem poderia estar envolvido. Arte:
Tammi ................................................................................................................................................. 284
Figura 157: Imagem ilustrativa das prováveis atividades de canoagem que este (e outros) indivíduos
estariam exercendo cotidianamente. Arte: Tammi. ............................................................................. 285
Figura 158: A prática de pintar os ossos de vermelho é muito recorrente em relatos etnográficos e
vestígios arqueológicos para as sociedades ameríndias na Amazônia. Arte: Tami............................. 290
Figura 159: Desenho sugestivo das atividades que poderiam ter ocasionado as osteofitoses presentes.
Arte: Tami. .......................................................................................................................................... 294
Figura 160: Detalhe sugestivo das atividades que podem ter ocasionado as osteofitoses presentes. Arte:
Tami. ................................................................................................................................................... 294
Figura 161: Colares de contas de dentes poderiam ser utilizados como uma espécie de talismãs ou
como troféus ou medalhas de caça. Arte: Tami. ................................................................................. 300
Figura 162: E se os buracos de poste fossem os negativos de uma espécie de estela? Na imagem
sugestiva acima temos uma ideia de como poderiam ser os marcadores no espaço quanto aos
ancestrais e familiares ali enterrados e lembrados durante cerimoniais. Arte: Tami. ......................... 306
Figura 163: Imagem ilustrativa do evento de deposição funeráraria no poço com câmara lateral.
Provavelmente após posicionarem a urna, os potes e tigela, o interior era preenchido com o sedimento
escuro e em seguida demarcado com as lateritas. ............................................................................... 307
Figura 164: Imagem ilustrativa da deposição das urnas e pacotes ósseos em uma fossa rasa. Arte:
Tammi. ................................................................................................................................................ 311
Figura 165: No segundo plano vemos que junto ao sepultamento são acesas fogueiras, onde ocorre o
consumo cerimonial de bebidas e comidas, todas parte de um único evento e que serão enterrados após
o termino da cerimônia. Em detalhe temos no centro da imagem um crânio sendo tingido de vermelho.
No primeiro plano temos as casas muito próximas onde vislumbra-se uma vasilha com ossos de
parentes depositados próximo aos telhados. Arte: Tami ..................................................................... 315
ÍNDICE DE TABELAS
Tabela 1: Tabela com descrição geral da seção estratigráfica realizada no sítio Curiaú Mirim I. ........ 90
Tabela 4: Quadro demonstrativo das datações absolutas com idade convencional e calibradas em 2
sigma. .................................................................................................................................................. 279
SUMÁRIO
Introdução............................................................................................................................................ 24
1.4 O SÍTIO ARQUEOLÓGICO CURIAÚ MIRIM I – Sítio habitação e deposições funerárias ........ 79
1.4.3 Distribuição Espacial das Estruturas Arqueológicas- Campanhas de 2011 e 2014 ................. 101
CAPÍTULO II- Aporte teórico e metodológico quanto aos vestígios esqueléticos humanos em
contextos funerários .......................................................................................................................... 109
CAPITULO III- Resultados das análises dos sepultamentos registrados no sítio Curiaú Mirim I
............................................................................................................................................................. 159
Anexo 1 355
Anexo 2 356
Introdução
1
É importante frisar que, ultimamente, temos visto dissertações e teses que lidam com os aspectos
funerários embasados nos restos esqueléticos, como a dissertação e a tese de Anne Rap-Py-Daniel
(2009, 2015), onde trabalhou com o sítio Hatahara na Amazônia Central e sítios com contextos
funerários para a Calha do Rio Amazonas, respectivamente. Temos ainda as dissertações de mestrado
de Diogo Barros Fonseca (UFPA) e Ádrea Gizelle Morais Costa (UFS) sobre as práticas funerárias no
baixo Tapajós, ambas defendidas em 2015.
26
contextos com deposições cerimoniais / funerárias e, por fim, procuro mostrar uma
breve descrição dos estilos cerâmicos encontrados no sítio Curiaú Mirim I.
No segundo capítulo, apresento as definições dos conceitos adotados a partir
das abordagens teóricas escolhidas, a fim de responder as questões levantadas. Em
seguida, apresento abordagens teóricas adotadas, baseado na plasticidade do corpo,
sendo o mesmo visto como um tipo de cultura material, onde volta- se a ideia da
corporalidade ameríndia, de forma a poder amazonificar o olhar sobre as práticas/gestos
funerários.
Os métodos utilizados são vindos da arqueotanatologia, bem como a ideia de
osteobiografia defendida pela bioarqueologia social que enfatiza a contextualização, as
identidades, o simbolismo e a ideologia.
Em relação à Bioarqueologia social e sobre a perspectiva do corpo como cultura
material, as mesmas reconhecem a necessidade da interpretação do corpo, ou no caso o
esqueleto, como um sítio de articulação do material e do social (SOFAER, 2009: 86),
indo de encontro com discussões da antropologia social quanto à ideia da construção do
corpo e noção de pessoa ameríndia (SEEGER, DAMATTA, CASTRO, 1979).
Em seguida, dedico-me à discussão metodológica e apresentação das abordagens
analíticas, revelando a importância dos estudos osteobiográficos. Em seguida, discorro
sobre os procedimentos dos métodos utilizados na análise de todos os sepultamentos,
quanto à arqueologia da morte, gestos funerários e análise de esqueletos humanos.
No que se refere à escavação de urnas funerárias contendo remanescentes
humanos, exponho procedimentos de curadoria, técnicas de análises osteométricas e
morfológicas e utilização de fotografias. Adicionalmente, comento sobre as observações
quanto aos materiais arqueológicos que estão ou podem estar associados aos
sepultamentos. Os procedimentos metodológicos utilizados na análise dos gestos
funerários, estudos tafonômicos e osteobiografia serão explicitados.
No capítulo três, são descritos os resultados obtidos com as observações
procedimentos adotados nas análises. São feitas descrições detalhadas de todo o
material estudado, das análises dos remanescentes humanos. Apesar de não ser foco
desta pesquisa a análise cerâmica, procuro apresentar estes e outros artefatos associados
com os remanescentes humanos.
No capítulo quatro, inicio com a apresentação das cronologias obtidas para o sítio
e minha interpretação da distribuição espacial das estruturas com base nos dados das
29
ao uso desses conceitos, assim como os pressupostos teóricos que se embasaram, ainda
hoje é a base para observar e problematizar a mudança nos estilos cerâmicos ao longo
do tempo e nos diferentes espaços.
As fases arqueológicas mencionadas nos sítios arqueológicos estão inseridas nas
discussões sobre as recorrências de determinados estilos cerâmicos e diferentes
conformações de ocupação dos territórios ao longo do tempo. Estas fases aparecerão
com frequência nesta revisão e no estudo de caso do sítio aqui apresentado. Deste modo,
o termo fase aqui utilizado nada tem a ver com a definição de um grupo étnico-social,
mas é usado para classificar algumas características tecnológicas e estilísticas presentes
nas cerâmicas e certas recorrências quanto à ocupação territorial.
Portanto, as evidências destas cerâmicas, no tempo e no espaço, servem como
um instrumento cronológico, cujo potencial informativo presente em tais evidências
tende a ser muito proveitoso quando unidos e contrastados a outras evidências
(SCHAAN, 2007; PY-DANIEL, 2009).
Considero que o sítio alvo deste estudo está inserido em uma área mais geral
chamada de Escudo das Guianas, delimitado pelo rio Amazonas, rio Negro, canal
Casiquiare, o rio Orinoco e o Oceano Atlântico (ROSTAIN, 2008, p. 279). Não é minha
intenção discutir padrões regionais nesta imensa área, mas apontar a diversidade e
alguns pontos comuns que podem ser elencados em sítios descritos para parte dessa
região e para parte da foz do Amazonas.
Ao longo desta revisão, apontarei brevemente registros arqueológicos de
sepultamentos, sendo que em alguns casos temos descrições mais detalhadas dos
conteúdos funerários que contam com restos esqueléticos humanos. Em outros casos,
puderam-se inferir deposições funerárias/cerimoniais em alguns sítios aqui tomados
como exemplo, mesmo sem a presença de ossos humanos.
Sem a intenção de procurar por um padrão nas práticas funerárias através das
descrições e definições obtidas para os contextos funerários apresentados aqui neste
levantamento, busquei dividir este capítulo pensado na classificação funcional de cada
sítio aqui descrito para parte das Guianas e foz do Amazonas (Figura 1), assim como os
tipos de práticas e gestos funerários descritos.
32
Figura 1: Localização das Guianas e foz do Amazonas, com a cidade de Macapá e do Sítio Curiaú Mirim I destacado
(Mapa elaborado por Kleber Oliveira Souza com alterações de Avelino Gambim Júnior).
1.1 NECRÓPOLES
5
A fase Rupununi é tida por eles como recente, do século XVIII ao século XIX período pós contato, devido à
presença de artefatos europeus encontrados e a correlação com os Macuxi históricos (que pertencem à família
linguística karib, e se autodenominam Pemon. Habitam a região das Guianas, atualmente partilhado entre Brasil e
Guiana, entre os rios Rupununi e rio Branco) (EVANS; MEGGERS 1960). Pesquisas mais recente obtiveram
datações radiocarbônicas com uma cronologia semelhante em torno do século XIX para um sítio com cerâmica
Rupununi (PLEW, 2007).
35
6
As contribuições das pesquisas de Rostain (1994) permitiram a constatação da extensão para a parte sul do litoral da
Guiana Francesa da fase Aristé6, que não se limitava ao Amapá, assim como um conjunto de datações que mostrava
que esta fase se estendia desde o século IV ao séc. XVI A.D. Segundo o autor, a fase Aristé se inicia na região do
Oiapoque com o tipo “Ouanari Encoché” da tradição inciso-ponteada com alguns componentes policrômicos, seguida
pelo tipo “Caripo Kwep” da tradição inciso ponteada e terminando com o tipo “Enfer Polychrome” da tradição
policrômica.
36
Figura 2: Poço com câmara lateral descrito por Emílio Goeldi. Fonte: Goeldi, 1905.
7
Curt Nimuendajú também constatou que a cerâmica tipo Cunani (Aristé) não ocorria somente na então Guiana
Brasileira, pois seria igual a cerâmica funerária do Monte Ucupí na margem esquerda do rio Urucauá, na região dos
atuais Palikur conforme Goeldi (Hilbert, 1957: 8).
8
Em Goeldi (1905) encontram- se as estampas e as numerações dos vasos contendo remanescentes humanos (n° 1, 2,
3,4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 14, 15, 16, 17, 18, 19).
38
sendo este o motivo para as deposições dos vasos em morros e colinas, a fim de evitar
que os mesmos sofressem com as inundações periódicas.
Em suas excursões pelo Amapá em 1923, Curt Nimuendajú (2004) identificou
sítios arqueológicos com estruturas megalíticas e cemitérios em áreas de morros na
costa atlântica do Amapá. Nimuendaju relatou conjuntos de urnas funerárias, situados
em locais altos e de difícil acesso, como no Monte Mayé (NIMUENDAJU, 2004, p. 21).
Estes, pelas descrições, levam a entender que se tratam de cemitérios.
Neste local, foram identificados três sítios de urnas, das quais foram usadas para
enterramentos secundários. Os ossos parecem ter sido intencionalmente quebrados. Em
algumas urnas, existiam partes de crânio, mas em outras não. Nenhum dos ossos parece
apresentar sinais de queima nem pintura vermelha, porém em pelo menos um caso
foram encontrados ossos queimados (uma tíbia), reconhecidos como pertencentes a um
indivíduo não adulto. Quanto aos dentes, nenhum possuía desgaste, podendo indicar
indivíduos mais novos e pelo menos um possuía traços de cáries (NIMUENDAJU,
2004, p. 22-23).
Os acompanhamentos funerários (pingentes, muirakitãs, contas de conchas,
contas de cerâmica, contas de vidro, facas de metal, dedais de costura, contas de dentes,
tembetás, fragmentos de ferro, espelhos, etc.) eram colocados dentro da urna ou ao lado
das urnas (neste caso enterrados). Quanto às urnas, estas tinham decoração pintada ou
apliques e estas possuíam tampas. Devido aos acompanhamentos, cogitou-se que se
tratasse de um cemitério do século XVIII AD (NIMUENDAJU, 2004, p. 21-23).
Em 1935, Eurico Fernandes investigou os sítios-cemitério de Vila Velha (distrito
do município do Oiapoque), na qual foi possível identificar uma urna contendo contas
de vidro, ossos queimados, um machado de pedra, sete muiraquitãs e pendentes de
jadeita (HILBERT, 1957, p. 9).
Apesar de não terem escavado o Sítio de Vila Velha, escavado por Eurico
Fernandes, Meggers e Evans (1957, p. 119 - 120) comentaram sobre a escavação de
uma urna funerária Aristé (serra pintado) com uma vasilha emborcada usada como
tampa, cujo interior continha ossos cremados, mais de trezentas contas de vidro, um
machado polido, sete muiraquitãs e pendentes de jadeite. Segundo Meggers e Evans
(1957, p. 119), esta urna estava numa camada de húmus que se estendeu da superfície
até 12cm, onde começava uma camada de argila marrom, indicando ser um cemitério e
não uma habitação.
39
9
Em um artigo de 1957, Hilbert propôs contribuir com uma melhor caracterização da fase arqueológica Aristé.
10
A densidade do registro arqueológico é marcada pela mistura de pouca terra, o que sugere o uso de casas
palafíticas (HILBERT, 1957, p. 9).
40
11
De acordo com Saldanha (informação pessoal 2016), no sítio Vila Velha, foram identificados cacos cerâmicos e
uma matriz de terra preta.
12
Hilbert (1957) e outros sugerem uma continuidade histórica entre a fase Aristé e a cerâmica Palikur.
13
O sítio Rego Grande 1 possui quatro áreas identificadas, as áreas 1 e 2 possuem megalitos, ligadas às atividades
cerimoniais/funerárias e as áreas 3 e 4 concentrações de cerâmicas, possivelmente áreas residenciais (SALDANHA &
CABRAL, 2008).
14
Em 2005, é dado início ao ‘Projeto de Investigação Arqueológica na bacia do Rio Calçoene e seu Entorno’ pela
Gerência de Pesquisa Arqueológica do Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Estado do Amapá
(IEPA), sob a coordenação de Mariana Cabral e João Saldanha.
41
Figura 3: O poço 2 parece ter sido o produto de um único evento deposicional. Fonte: Saldanha e Cabral, 2008.
Figura 4: O poço 1 parece ter sido resultado de mais de uma deposição, pois há evidências de remeximentos.
Fonte: Saldanha e Cabral, 2008.
como a presença de sedimento entre a concentração dos ossos de dois indivíduos mais
abaixo e um fragmento de uma tíbia mais acima (PY-DANIEL, 2015, p. 259).
Em outras duas urnas, foram encontrados fragmentos de ossos, sendo que um
deles com coloração esbranquiçada, fraturas e fissuras, que lembram ossos frescos
queimados. Em uma urna encontrada a 100-110 cm, foram identificados fragmentos de
ossos que parecem ser de um pé, além de um fragmento de pelve que parecem pertencer
a um indivíduo adulto. No poço 2, foi escavado em laboratório uma urna sem ossos ou
carvões e, ainda, foram identificados dois depósitos de fragmentos ósseos, que não
parecem ser sepultamentos (PY-DANIEL, 2015, p. 261).
O sítio megalítico AP-CA-38 ou "Garrafinha", localizado junto ao igarapé Rego
Grande e próximo ao AP-CA-18, é um sítio cerimonial/funerário, onde foram
encontrados dois poços funerários e sete vasos depositados no mesmo local
(SALDANHA & CABRAL, 2013).
No poço 1, a 1,70 cm, foram retirados ossos em péssimo estado de conservação.
Estes, segundo Py-Daniel (2015, p. 266), estavam com fungos e tomado por raízes.
Devido à espessura do cortical e ao tamanho dos ossos, estimou-se que se trate de um
adulto (ou quase), não estando claro se seria um sepultamento secundário. Foram
retirados, ainda, de dentro do poço mais duas urnas - de uma delas saíram diversos
fragmentos de dentes, sendo possível reconhecer apenas um molar superior (talvez
direito) totalmente erupcionado. Abaixo da urna, foram encontrados ossos que podem
ser ou um depósito ou um sepultamento. Na outra urna, foram encontrados poucos ossos
muito fragmentados (PY-DANIEL, 2015).
No poço 2, foi encontrado outro sepultamento direto no solo, igualmente com
ossos em péssimo estado de conservação, às vezes só resistindo o "negativo" dos ossos,
onde os ossos foram substituídos pela terra. A análise de Py-Daniel (2015, p. 267)
revelou um indivíduo adulto (ou quase). De acordo com o croqui feito no campo, os
ossos estavam todos paralelos uns aos outros, mas não em cima uns dos outros, não
sendo possível determinar se o sepultamento era primário ou secundário a partir das
fotos e do croqui (PY-DANIEL, 2015, P. 267).
Em relação a estes sepultamentos em abrigos e poços na costa atlântica do
Amapá, em um artigo publicado na revista de Arqueologia da Sociedade Brasileira de
Arqueologia-SAB, Saldanha e Cabral (2012) propuseram uma abordagem quanto às
deposições funerárias/cerimoniais em abrigos sob rocha e em poços funerários
44
de pelo menos dois casos que apresentavam ossos de outros indivíduos que pareciam ter
sido adicionados com o tempo. Este cemitério, sem enterramentos, foi remexido ao
longo do tempo e o exame de algumas urnas demonstra que foram sendo restauradas ao
longo do tempo, além de alguns ossos mostrarem sinais de que foram limpos e
reorganizados dentro das urnas (SOUZA; CARVALHO; GUAPINDAIA, 2002).
O aspecto mais relevante para a discussão do que poderia ter havido
de manipulação das urnas funerárias pelos próprios indígenas é a existência
de algumas modificações intencionais na cerâmica, que parecem coincidir
com a hipótese de que, em algum momento, a interferência humana procurou
compensar os processos destrutivos que afetaram as urnas. Em algumas
vasilhas, fraturas e partes perdidas foram preenchidas por argila de
coloração e textura diferente da cerâmica original. Secas e com acabamento
grosseiramente alisado, esses "remendos" de argila sobre as urnas sugerem
uma intenção de recuperação ou preservação, cujo significado deverá ser
ainda analisado (SOUZA; CARVALHO; GUAPINDAIA, 2002, p.
509).
Entre 1997 e 1998, foi descoberto o sítio AP- Ar- 01 ou Retiro do Bidú, no
limite entre o centro oeste do Estado do Amapá e o centro-sul, entre Vila Nova e Porto
Grande. O Sr. Bidú, ao escavar uma fossa, encontrou quatorze urnas funerárias
antropomorfas e completas (QUEIROZ; LACERDA, 1998, p. 1).
As quatorze urnas estavam depositadas a 1. 80 cm de profundidade, a abertura
do buraco tinha 1.20 cm de largura e a dimensão do sítio arqueológico Retiro do Bidú
foi estimada em aproximadamente 70 m² a 80 m² (QUEIROZ; LACERDA, 1998, p. 3).
O sítio arqueológico Retiro do Bidú foi caracterizado como cemitério, no
entanto, o laudo técnico dos coletores das peças levantou a hipótese deste ser um sítio
habitação, escavações sistemáticas seriam necessárias para confirmar tal possibilidade
(QUEIROZ; LACERDA, 1998, p. 02).
Outra questão a ser estudada é a cerâmica do sítio Retiro do Bidú, pois o
material arqueológico não se encaixa nas fases propostas para o Estado do Amapá
(Aruã, Aristé e Mazagão), juntando-se às cerâmicas Maracá, Caviana e Koriabo, novos
conjuntos ou uma variação regional de outras fases (JACQUES; SALDANHA;
CABRAL, 2008).
Maria Lucia Pardi (2001) coletou informações e identificou material
arqueológico em Santa Luzia do Pacuí, além de ter encontrado vestígios de cerâmica e o
relato de que em uma propriedade particular teria se identificado três sepultamentos
(PARDI & SILVEIRA, 2001, p. 7). Os moradores do Pacuí falaram de várias
descobertas de urnas funerárias nas áreas onde concentravam-se as escolas e o campo de
50
futebol (PARDI & SILVEIRA, 2001, p. 7). Devido à grande concentração de urnas
funerárias, levou-se a pensar que se tratava de um imenso sítio-cemitério, sendo
necessária a realização de mais pesquisas na área para confirmar tal observação.
Já passando para a ilha de Marajó, Meggers e Evans (1957) escavaram vários
sepultamentos, sendo o Sítio Monte Carmelo (formado por três tesos: Teso Guajará e
Teso Monte Carmelo, na margem sul do rio Anajás; e o Teso Bacatal, na margem sul,
localizados na cabeceira do rio Anajás), mais precisamente o Teso Guajará, foi o que
apresentou resultados mais significativos. No monte Guajará, foram escavadas pelo
menos 15 urnas encontradas em diferentes níveis. Nos níveis superiores, os
sepultamentos eram menores com cinzas e ossos queimados. Nos níveis abaixo, as
urnas continham ossos em diferentes estados de preservação, associados com pratos e
vasilhas e em alguns casos tangas, conforme Schaan (2004) e Meggers; Evans (1957).
De particular interesse é uma urna antropomorfa próximo à base dos
sepultamentos, cujo interior continha fragmentos esqueléticos de um indivíduo adulto
jovem com ossos gráceis e uma tanga lisa alaranjada. Esta possuía uma tigela Joanes
pintada emborcada servindo como tampa. A urna estava assentada sobre uma tigela
quebrada que continha fragmentos esqueléticos de outro indivíduo e uma tanga
vermelha. (MEGGERS; EVANS, 1957, p. 272-273).
Ao lado da urna antropomorfa mais duas urnas lisas parecem ter sido enterradas
juntas. Uma das urnas possuía fragmentos esqueléticos de um adulto masculino. O
fêmur estava pintado de vermelho, os dentes tinham desgastes. A outra urna continha
dois indivíduos, um deles com idade maior que 26 anos com o crânio com deformação
artificial na parte frontal (MEGGERS; EVANS, 1957, p. 272-273).
O outro indivíduo foi identificado como feminino entre 18 a 25 anos
(extremidade distal da clavícula não fusionada) e com desgaste dentário acentuado
apesar da idade, sugerindo ingestão de alimentos abrasivos. Junto deles, foram
identificadas duas tigelas lisas, assim como ossos cremados de roedores e pássaros.
Tanto os ossos de animais quanto os ossos humanos têm pigmentação vermelha.
(MEGGERS; EVANS, 1957, p. 273; SCHAAN, 2004, p. 92).
Na ilha de Caviana em Campo Redondo, Nimuendaju encontrou tesos
florestados, onde identificou três urnas funerárias lisas sem pintura e com formato oval
(sendo que numa delas a borda se projeta para o lado em forma de uma garra) com a
borda aparecendo ou a 1m de profundidade. O conteúdo das mesmas era formado por
51
18 urnas funerárias, sendo que somente em uma urna foram registrados ossos humanos
junto à base, na qual foram identificados fragmentos de crânio ao norte, feixe de ossos
longos ao sul e, ao oeste, fragmentos de costela e de pelve e nenhum dente. Associado
com as três urnas, foi identificado uma conta de nefrite. (MEGGERS; EVANS, 1957, p.
492-515).
A ilha de Mexiana foi escavada na década de 1930 por Heloisa Alberto Torres,
então diretora do Museu Nacional do Rio de Janeiro, que registrou cemitérios de urnas
funerárias (MEGGERS; EVANS, 1957, p. 520-521).
Somente nos anos seguintes, Meggers; Evans (1957) registrariam sítios na ilha
de Mexiana. Em suas pesquisas, registraram o sítio M-4_Fundo das Panelas, encontrado
numa área de transição entre o campo e a floresta costeira. Ao todo, 46 urnas globulares
lisas (Piratuba Liso) foram registradas, algumas parcialmente enterradas, muitas
estavam sem tampa ou com a tampa quebrada, de modo que os ossos de muitos ficaram
expostos às intempéries. Os acompanhamentos internos, quando presentes, eram
compostos por pequenas vasilhas e tigelas (MEGGERS; EVANS, 1957, p. 465-481).
Ao todo, sete urnas continham ossos, a maioria delas estava em péssimo estado de
conservação, sendo possível apenas discernir que eram ossos humanos e em outros
casos nem isso.
Em pelo menos uma urna (apesar de muito fragmentada), pode-se observar o
arranjo do crânio ao sul, ossos longos dos membros inferiores ao norte, as costelas e
outros ossos no meio, indicando uma deposição secundária do esqueleto desarticulado
de um indivíduo adulto jovem. Já em outra urna, uma das menores do sítio, foi possível
identificar os ossos de um indivíduo adulto maduro com os fragmentos do crânio
arranjados no fundo ao noroeste, uma pequena tigela no noroeste e ossos longos
paralelos ao sul na metade da urna. (MEGGERS; EVANS, 1957, p. 465-481).
Dentro de uma área de floresta com sumaúmas, foram identificadas 25 urnas
funerárias compondo um sítio cemitério. A maioria delas concentradas, apesar de que
algumas delas estivessem distantes, aproximadamente uns 7 a 8 metros. Destas, apenas
quatro puderam-se visualizar ossos e somente em uma delas pode-se identificar ossos
humanos de um indivíduo adulto devido à preservação da diáfise de um fêmur. Quanto
aos acompanhamentos internos, foram identificados pingentes de pedra verde, objetos
de nefrite, fragmentos de ferro e contas de vidro (MEGGERS; EVANS, 1957, p. 482-
491).
54
17
Segundo João Saldanha (comunicação pessoal, 2015), as cerâmicas dos dois sítios em Macapá (o acampamento e o
cemitério), de acordo com o andamento e continuidade das pesquisas arqueológicas no Estado do Amapá nos últimos
anos, têm permitido rever que, na verdade, elas não teriam elementos suficientes por si só para apontá-las como
características da fase Aristé.
18
As deposições de cerâmica foram relacionadas às fases Mazagão, Aruã e Marajoara (Saldanha e Cabral, 2009, p.
22- 23).
55
urnas funerárias estavam marcadas com uma coroa de laterita no topo (SALDANHA;
CABRAL, 2011, p. 04) (figura 9).
Foram registradas ainda a presença de pelo menos três estilos cerâmicos de
urnas funerárias neste sítio, que são: as cerâmicas Mazagão, Marajoara e Ananatuba. É
interessante constatar que estavam depositadas lado a lado, talvez demonstrando
possíveis redes de relações e trocas (SALDANHA; CABRAL, 2011; CABRAL;
SALDANHA, 2011b; SALDANHA, comunicação pessoal, 2016).
Como resultado das escavações, durante apresentação na SAB 2011 em
Florianópolis, intitulada “Quando o pequeno é grande” (CABRAL; SALDANHA,
2011b), foram apresentadas datações de três amostras que deram em torno do ano 980
AD até 1290 AD (CABRAL; SALDANHA, 2011b).
Figura 5: Duas etapas de escavação em que é possível vislumbrar as coroas lateríticas que marcavam os
conjuntos de urnas funerárias. Fonte: Acervo IEPA.
Figura 6: Espacialização do sítio, onde se percebe poucos buracos de poste, duas concentrações de deposição
de cacos cerâmicos, vasilhas e urnas.
19
De acordo com Van den Bel (2009, p. 234), o sítio habitação Iracoubo Oeste foi encontrado em 2003 no topo do
chenier RN1, durante pesquisas feitas no âmbito da Ação de Investigação Coletiva (CAB) "Pré-História da costa da
Guiana". Em 2005, um cemitério com urnas foi descoberto em uma elevação de terra ao sul do Chenier, que foi
objeto de duas intervenções arqueológicas pela SRA (Serviço Regional de Arqueologia) e o último por INRAP.
20
Que são equivalentes aos descritos para o sítio de Kwatta-Tingiholo, localizado no litoral central do Suriname
57
Figura 7: Sepultamento em forma de caixa. Sítio Cemitério AM-41, Iracoubo. Fonte: Van den Bel, 2009.
Para Van den Bel (2009, p. 244), os vasos e as pequenas fossas estariam
relacionados aos sepultamentos secundários, as fossas que formam uma “caixa”
sugerem prováveis sepultamentos primários ou de ossos, que comumente não se
preservam em sedimento laterítico.
58
21
Kwap ou Kuapi foi descrita anteriormente por Curt Nimuendaju, onde este registrou um cemitério clânico.
59
22
Sítio multicomponencial, pré- colonial e histórico (SALDANHA; CABRAL, 2009).
23
Quanto a este sítio, foi defendida pelo arqueólogo Michel Bueno Flores da Silva, uma dissertação de mestrado
defendida pelo MAE/USP, intitulada “Aldeias e organização espacial dos povos produtores da cerâmica Aristé:
Contribuições para a Arqueologia das Unidades Habitacionais da costa atlântica do Amapá”, em que inclui três sítios
no Oiapoque, entre eles: o da ponte do Oiapoque.
24
No final da década de 1940, Meggers e Evans (1957) realizaram escavações na região costeira atlântica do estado
do Amapá, entre o rio Oiapoque e o Araguari, onde escavaram sítios habitação e sítios cemitério, que classificaram
como pertencentes à fase Aristé24 (MEGGERS & EVANS, 1957, p. 103-157).
60
Junto ao setor Costeiro Estuarino Amazônico (que vai do rio Jari ao até o rio
Araguari), no município de Ferreira Gomes, foi identificado pelo arqueólogo Edinaldo
Nunes Filho o sítio lito-cerâmico a céu aberto AP-AR-41: Tucumanzeiro com
predominância de areia branca, terra preta arqueológica e afloramento rochoso (granito)
(NUNES FILHO, 2011, p. 14).
Com a escavação, foi possível identificar urnas funerárias relacionadas à fase
Koriabo, sendo que uma das urnas funerárias (Nível 20cm- 40cm) apresentou uma
vasilha invertida que protegia a vasilha principal (NUNES FILHO, 2011, p. 53). Como
parte das atividades de laboratório, a composição cerâmica da urna foi analisada bem
como o sedimento interior da mesma, a fim de verificar a existência de remanescentes
humanos (NUNES FILHO, 2012, p. 47- 54).
Na escavação da urna em laboratório, identificaram-se vários fragmentos de
cerâmica, fragmentos de ossos humanos e pedaços de carvão (NUNES FILHO, 2012, p.
57). De acordo com Nunes Filho (2012, p. 57), os ossos teriam passado pela etapa de
cremação dada a concentração de carvão associado a eles. No entanto, cabe destacar
que, a partir das fotos indicadas pelo próprio autor, pode indicar exposição ao fogo, já
que alguns ossos marrons e levemente enegrecidos em meio aos ossos amarelados
podem ter outras origens tafonômicas, que somente um exame mais detalhado pode
confirmar uma possível cremação ou mesmo calcinação.
Em um sítio habitação em Santa Luzia do Pacuí, em uma pequena elevação a 20
metros da margem esquerda do rio Pacuí, várias urnas, segundo os relatos dos
moradores, eram encontradas e outras tantas afloravam no solo devido à terraplanagem
feita esporadicamente que retirara boa parte da camada arqueológica (SGANZERLA et
al, 2006).
Em um dos cortes experimentais realizados no sítio, foi retirada uma urna
funerária dentro de uma matriz de sedimento areno argiloso acinzentado. A urna estava
muito fragmentada e parte da tampa exposta à superfície. Durante a escavação da
mesma, percebeu-se próximo à sua base um sedimento mais escuro com ossos humanos
(talvez de uma criança) pequenos fragmentados e em decomposição e dois fragmentos
cerâmicos (SGANZERLA et al, 2006).
Para o município de Laranjal do Jari, junto ao rio Jari, no estado do Amapá,
foram descobertos e escavados dois sítios, Laranjal do Jari 1 e Laranjal do Jari 2, pela
equipe do NuPArq/IEPA (SALDANHA; CABRAL, 2009 e 2011), com áreas escavadas
61
maiores que 2000 m2 em cada sítio (escavados pelo método de decapagem mecânica),
sendo evidenciadas estruturas negativas, que permitiram a referenciação de antigas
aldeias, formadas por buracos de poste, fossas com urnas (algumas com ossos humanos)
e fogueiras. A cerâmica encontrada nos dois sítios pôde ser afiliada à chamada fase
Koriabo, definida segundo os critérios de Evans e Meggers (1960), além de um
complexo cerâmico denominado “Jari” (SALDANHA et al, 2016).
As datações do período tardio obtidas para estes sítios vão do século IX ao XIV
AD (SALDANHA et al, 2016). Durante as escavações, foram encontrados
sepultamentos que não aparecem agrupados, mas isolados, inseridos em uma matriz de
terra preta, junto às nuvens de buracos de poste, próximos às fossas, áreas de deposição
de cerâmica e lixeiras, tratando-se de um sítio com estruturas funerárias e outras
aparentemente domésticas (SALDANHA; CABRAL, 2009, 2012).
Quanto às observações gerais, para ambos os sítios (Laranjal do Jari I e Laranjal
do Jari II), sobre os gestos funerários, podemos apenas dizer que, de acordo com os
dados do campo, temos ossos expostos e não expostos ao fogo, aparentemente
secundários, sejam diretos ou em urnas. Além disso, alguns sepultamentos contêm ossos
humanos cobertos de tintura vermelha, ossos de animais queimados e crânios humanos
depositados isolados (sem o pós crânio) (LIMA et al, 2014).
Têm sido desenvolvidas dissertações de mestrado sobre estes dois sítios25, com
o intuito de entender a tecnologia das cerâmicas e líticos, a função das estruturas, seus
conteúdos, as práticas culturais e seus possíveis significados ao longo do tempo, de
suma importância para o entendimento da ocupação nesta região do estado do Amapá.
No sítio-habitação Monte Dourado 1, junto ao rio Jari, no lado do estado do Pará
(divisa entre Amapá e Pará), foram escavadas seis superfícies amplas, uma trincheira e
duas sondagens. Em duas das superfícies amplas, foram encontrados contextos
funerários (SCIENTIA, 2011). Algumas das cerâmicas encontradas se assemelham, na
forma e decorações, àquelas da cerâmica Koriabo.
Em um dos contextos funerários do Sítio Monte Dourado 1, uma superfície
ampla com uma área quadriculada de 4x4m, foram encontrados dois sepultamentos
diretos (ou depósitos) de ossos humanos, representados por uma mandíbula isolada e,
em outro setor, ossos de uma mão associados aos restos de fogueira com fragmentos de
25
A dissertação de mestrado de Bruno Barreto, defendida em 2015, e a dissertação de mestrado em andamento de
Jelly Juliane Sousa de Lima centram-se na espacialidade e estudos dos materiais cerâmicos e líticos dos sítios.
62
carvão (SCIENTIA, 2011). Não está claro se é um sepultamento direto com ossos já
deteriorados ou remexidos, ou um depósito de ossos retirados para dar lugar a outros
sepultamentos ou estruturas durante uma reocupação. Já em outro setor desta superfície
ampla escavada foi encontrada uma urna funerária. Próximos dela, foram encontradas
lâminas de machado, depositados dentro de uma estrutura que parece ser uma fossa ou
um poço (SCIENTIA, 2011).
Em outro setor, outra urna foi encontrada na escavação de uma superfície ampla
em uma malha de 9 m2. Abaixo desta urna e servindo de apoio a mesma, foram
encontrados fragmentos líticos associados (SCIENTIA, 2011). Tal urna se encontra sob
a guarda do NuPArq/IEPA, da qual pude realizar a escavação desta.
Para tanto, segui um método por níveis naturais, observando sempre a coloração,
textura e compactação dos sedimentos. Além disso, foi utilizado juntamente um
controle de cinco em cinco centímetros durante a escavação e registro.
Foi constatada escassez de fragmentos esqueléticos, sendo encontrado alguns
micro fragmentos de ossos e corticais de ossos diversos muito diminutos (menores que
5 mm), e alguns fragmentos de dentes, reconhecido apenas a coroa de um molar e
fragmentos de um incisivo próximos à base. Desde o início ao final da urna, foram
encontradas diversas bioturbações de casulos de insetos, talvez responsável pelo
remeximento do sedimento e pela ínfima representatividade esquelética.
Para o município de Macapá, no estado do Amapá, em 1986, no bairro do
Pacoval, a equipe de arqueologia do Museu Emilio Goeldi realizou o salvamento do
sítio arqueológico AP-MA-03 ou Pacoval, localizado no perímetro urbano (PEREIRA;
KERN; VERÍSSIMO, 1986, p. 55).
As evidências arqueológicas indicaram ser uma área de uma antiga habitação,
tendo dois padrões funerários: um em alinhamentos de urnas (encontrados a uma
profundidade média de 15 a 30 cm) e o outro com urnas formando um semicírculo
(encontrados a uma profundidade média de 20 a 25 cm), sendo que nesse último padrão
foram encontradas as únicas urnas antropomorfas. Além destes, foi identificada mais
uma urna funerária isolada (PEREIRA et al, 1986).
Segundo os autores, as duas urnas antropomorfas (uma masculina e outra
feminina) estavam localizadas uma junto à outra e em sua volta encontravam-se mais
duas urnas “com formato de vasos”.
63
26
Um dos conjuntos cerâmicos pode ser identificado tratando- se do complexo ou fase Koriabo (VAN DEN BEL,
2011, p. 73- 76).
27
As quatro datações por AMS de carvão revelaram uma ocupação deste sítio arqueológico do final do século X ao
fim do século XIV da nossa era (VAN DEN BEL, 2007, p 6).
28
Na década de 50, Evans e Meggers (1960) escavaram vários sítios arqueológicos no noroeste da Guiana Inglesa e
definiram pela primeira vez as características principais da cerâmica Koriabo: predomínio de areia usada como
antiplástico e cariapé; decorações, tais como: incisões largas e finas, bolotinhas e bordas lobadas. Sobre a cerâmica
utilizada no contexto funerária, Arie Boomert (1986, p. 27- 36) sugere que a mesma apresenta pintura preta e
vermelha sobre o engobo branco (policrômica).
65
espacialização das estruturas funerárias, as pesquisas na região têm apontado para uma
proximidade com áreas residenciais, com a presença de pratos e vasilhas cerâmicas para
cozinhar (COUTET; ROMON; SERRAND, 2014, p. 31).
No litoral ocidental da Guiana Francesa, em Yalimapo, localizado na vila Galibi
moderna (ROSTAIN, 1994, p. 104), um sítio arqueológico com contexto funerário foi
identificado. Devido à boa conservação dos ossos dentro da urna29 funerária (decorada
com cordões incisos aplicados), pode-se supor que se trate de um sepultamento
secundário de um indivíduo adulto (ROSTAIN, 1994, p. 104- 105).
Posteriormente, em Awala-Yalimapo, junto a uma aldeia Galibi moderna, foram
identificados pelo menos oito sepultamentos com dois tipos de tratamento funerário: em
urnas (cremados ou não) e enterramentos primários em fossas dado à disposição dos
fragmentos de cerâmica. Junto aos sepultamentos, a cerâmica encontrada foi relacionada
ao complexo Barbakoeba30.
Foi percebida a existência de dois modos distintos de enterramentos fúnebres
para Yalimapo: secundárias em urna e prováveis fossas de sepultamentos primários, o
que sugeriria uma diferenciação social, o que em certos casos este enterramento direto
poderia estar relacionado ao sepultamento de um xamã ou um chefe (COUTET;
ROMON; SERRAND, 2014, p. 30-31).
Mencionamos aqui duas urnas funerárias que continham ossos em seu interior e
das quais foram mais detalhadas31, os sepultamentos restantes foram assim identificados
devido ao seu contexto de deposição, acompanhamentos e espacialidade dentro do sítio,
assim como recorrências parecidas em outros sítios nas Guianas, e o uso de relatos
etnográficos e etnohistóricos.
De acordo com a análise feita por Janin (2002), do interior de uma destas urnas
funerárias (urna descoberta em 1997), havia ossos de pelo menos dois indivíduos
humanos (representados por duplicatas de tálus, calcâneos, naviculares, atlas, hamato,
29
Os Galibi teriam reconhecido a urna funerária como um jarro para cachiri e sua tampa uma “bacia para conter
água” (ROSTAIN, 1994, p. 105).
30
Arie Boomert, em 1993, nomeou o complexo Barbakoeba, delimitando-o entre o médio rio Commewijne
(Suriname) e o baixo rio Mana, os elementos diagnósticos desta cerâmica são o uso de caco moído como antiplástico
(tempero), jarros com gargalo e a decoração corrugada na borda, o que representa outra característica diagnóstica no
Suriname e Guiana Francesa (VAN DEN BEL, 2015, p. 12).
31
De acordo com Coute et al (2014), a maioria das urnas funerárias são achados incidentais, pelo menos desde os
anos 1950. Em 1958-1959, várias urnas foram exumados sob a ação do mar; estas foram levadas por colecionadores
holandeses e não se sabe onde eles estão hoje. Outras urnas foram descobertas enterradas: o caso de urna Yampu
(descoberto em 1958) e da urna Cornette (CORNETTE de 1987; GASSIES, 1998). Para Hugues PetitJean Rojet
(1990, p. 1), Jesse de Forest pode ser considerado o primeiro arqueólogo da Guiana Francesa, pois o mesmo
encontrou em 1623, um sítio arqueológico (uma gruta) com várias urnas contendo remanescentes humanos.
67
etc.) adultos (estimados pelo fechamento de epífises e sinostose das suturas cranianas),
um deles grácil e outro robusto, todos com indícios de cremação (fraturas, fissuras e
coloração), que indicam uma temperatura maior que 6500 (JANIN, 2002:7). A cerâmica
foi datada de 865 + 40 BP, calibrada a dois sigmas de 1130-1220 cal AD (68%) e 1040-
1265 cal AD (95%) (JANIN, 2002).
Também foram identificados por Sandrine e Pellé (2002), dentro da mesma urna,
restos de ossos de animais, alguns deles expostos ao fogo (cutia vermelha e preta,
macaco do gênero cebus, veado de cauda branca, sapo cururu), o que levou Sandrine e
Pellé (2002, p. 36) a interpretarem a presença destes animais a um tipo de alimento para
oferenda, privilégio de caça e/ou um emblema totêmico32 e cultural. É preciso enfatizar
que o estudo das etapas de preenchimento da urna foi prejudicado, pois antes da
chegada dos arqueólogos a mesma foi esvaziada (COUTET; ROMON; SERRAND,
2014, p. 23).
Outra urna funerária foi parcialmente escavada em campo por Gérald Migueon
(campanha de 2009 e 2010), e posteriormente em laboratório pela arqueóloga Claude
Coutet (os 24 primeiros centímetros em campo e os 17 restantes em laboratório), cujos
conteúdos esqueléticos foram analisados pelo biantropólogo Thomas Romon do
INRAP.
A urna foi escavada em 17 camadas (0-41cm), onde o nível era modificado
quando os ossos podiam ser retirados. A escavação mostrou ossos longos em feixe,
deitados horizontalmente, seguido pelas costelas, vértebras e crânio destacado da
mandíbula, sendo possível observar ossos expostos ao fogo. Um dos ossos forneceu
uma datação para o século XIII AD: 805 + 30 BP, ou seja, 1219 - 1273 cal AD (ETH-
40724) (COUTET; ROMON; SERRAND, 2014).
A partir da análise do bioantropólogo Thomas Romon (2010), ao menos três
indivíduos puderam ser contabilizados. Várias duplicatas foram identificadas
(mandíbulas, temporais, ossos longos, etc), chegando a dois adultos jovens (idade
baseada por um terceiro molar erupcionado) de sexo indeterminado (mesmo assim,
percebe-se que um é mais grácil que outro) e um recém-nascido (estimado pelos germes
dos molares e incisivos sem desenvolvimento de raiz, o que indicaria uma idade de no
máximo três meses) (COUTET; ROMON; SERRAND, 2014).
32
Não há referência sobre o que os autores pretendiam dizer com totemismo, porém sabe-se que Lévi Strauss (1975)
faz duras críticas ao uso generalista ou descontextualizado desse conceito que divide povos ditos “civilizados” e
“primitivos”, demonstrando um caráter fortemente evolucionista.
68
Figura 8: Nesta urna, foram identificados três indivíduos: dois adultos e um perinatal. Fonte: Coutet, 2014.
33
A “antropologie de terrain” ou “antropologia de campo” ou ainda “antropologia do terreno” equivale
ao que aqui no Brasil se conhece como arqueologia funerária (Py-Daniel, 2009). De modo geral, buscam
reconstruir a posição original do corpo e o arranjo original de roupas, ornamentos e acompanhamentos,
além de definir a arquitetura da tumba (DUDAY et al, 1990).
34
Os gestos funerários são conjuntos de práticas funerárias realizadas antes, durante e após o
sepultamento (Duday, 2005).
70
período arcaico e outra do período do pós contato com o europeu (datadas do século
XVII ao XIX AD), localizado na Guiana Francesa (VAN DEN BEL, 2006).
O estudo dessa ocupação mais recente do sítio EVA II permitiu identificar
gestos funerários através dos negativos de esqueletos em fossas rasas (VAN DEN BEL,
2006) (figura 5). Este sítio, com um horizonte de camada de terra preta com 25 cm, é
interpretado como um sítio habitação e é composto por sepultamentos, buracos de poste,
fossas contendo ossos (alguns identificados como faunísticos) e contas, fossas com
concentrações de cerâmicas, líticos, etc. Neste sítio, a conservação de ao menos oito
sepultamentos talvez se deva ao fato da formação das areias brancas serem menos
ácidas do que as formações pleistocênicas de argilas lateríticas (VAN DEN BEL, 2006,
p. 52).
A preservação do material ósseo é desfavorável, onde os ossos que se
preservaram melhor foram aqueles que estavam protegidos por algum objeto
(pelo menos em dois dos três casos onde vasilhas cerâmicas estavam
presentes). Entretanto não há explicação sólida para a melhor preservação
do crânio de um dos sepultamentos primários. Os dentes são as partes dos
esqueletos que melhor se preservaram, entretanto somente a coroa dos
dentes pode ser coletada e não a raiz. De modo geral os indivíduos puderam
ser identificados através dos "fantasmas" ou silhuetas dos corpos, indicando
o local do descanso final (VAN DEN BEL, 2015, p. 519).
Figura 9: Poucos fragmentos esqueléticos se preservaram, no entanto pode-se estudar os gestos funerários
através das silhuetas ou “sombras” deixadas pelos corpos depositados. Fonte: Van den Bel, 2015.
Quanto à espacialização dos sepultamentos e sua cronologia Van den Bel (2015)
concluiu que dois cenários são possíveis, o abandono da aldeia quando os mortos eram
enterrados e a contínua ocupação da aldeia depois dos mortos terem sido enterrados.
O conjunto cerâmico do sítio EVA 2 pode ser atribuído ao século XVII e XVIII
AD e algumas cerâmicas encontradas neste sítio, como os potes tóricos e grandes jarros
com alças, sugerem uma relação com o complexo cerâmico Koriabo. No entanto, a falta
de incisões sugere que seria uma fase ou desenvolvimento posterior (VAN DEN BEL,
2015, p. 551).
Para a Foz do Amazonas, durante as escavações de Denise Schaan na ilha de
Marajó, foram escavados alguns sítios ao longo do rio Camutins, o mais significativo
foi o Teso M-17, que foi interpretado como um sítio cerimonial, com área de habitação
e cemitério no mesmo teso, mas em áreas separadas. Foram encontradas 24 urnas
funerárias distribuídas ao longo da estratigrafia, que, de acordo como as datações
radiocarbônicas, os dois metros de sedimento presentes na área escavada, podem ter
sido depositados ao longo de 100 anos. Neste sentido, as datas variam de 730 a 830 AD
e a do sepultamento 18, teve uma datação de 960 AD, podendo representar a última
ocupação do sítio (SCHAAN, 2004, p. 233).
Dos 24 sepultamentos, cinco urnas foram escavadas e analisadas pela
bioarqueóloga Sheila Mendonça de Souza, que identificou sepultamentos secundários e
primários, contendo ossos de crianças e adultos, mulheres e homens, alguns com sinais
de abrasão nos dentes, todos contendo um indivíduo (quando os ossos estão presentes).
Além disso, foram identificados diversos acompanhamentos, como: lâminas de
machado, contas, tangas pintadas e vasilhas (SCHAAN, 2014).
Os sepultamentos, em sua maior parte, consistem em vasilhas (algumas com
tigelas emborcadas como tampa), preenchidas por sedimento contendo esqueletos
fragmentados, fragmentos cerâmicos e objetos cerâmicos e de rocha. Schaan (2014)
sugere que os sepultamentos ocorreram dentro de uma estrutura com telhado, uma
espécie de casa (SCHAAN, 2004, p. 250). Denise Schaan se sustenta em alguns
exemplos etnográficos, principalmente referentes aos Jivaro, para fazer tal sugestão,
embasando-se em inferências similares ao do arqueólogo peruano Daniel Morales
73
35
Ao passo que em Golden Rock em Saint-Eustache, nas Pequenas Antilhas, somente os ossos localizados próximos
aos resíduos de conchas consumidas estavam em bom estado de conservação. Em uma das concentrações de buracos
de poste, localizada no centro do sítio arqueológico Golden Rock, foram identificados sepultamentos de indivíduos
masculino (55- 60 anos) e feminino; outro sepultamento continha dois indivíduos incompletos. Contabilizou- se cinco
indivíduos com diferentes posições anatômicas e sem acompanhamentos funerários no registro arqueológico
(VERSTEEG, 1993). Anos depois, a Universidade de Leiden (Holanda) começou um projeto de larga escala, que
abarca o sítio arqueológico com cerâmica do período antigo nos sítios Golden Rock e St. Eustatius, o que permitiu
identificar nove sepultamentos pré- colombianos e realizar análises osteológicas (1984- 1990) (CRESPO- TORRES;
MICKLEBURGH; ROJAS, 2013). O sítio arqueológico Golden Rock revelou casas familiares de grandes extensões
semelhantes às da Amazônia (HOOGLAND E HOLFMAN, 2013, p. 455).
74
Figura 10: Urnas funerárias antropomorfas ditas Caviana (urna antropomorfa feminina à esquerda e
masculina à direita).
Quanto às pinturas nas urnas estas, podem remeter às pinturas corporais com
motivos similares, usados por algumas comunidades indígenas contemporâneas,
inclusive no uso do vermelho e do preto (ROSTAIN, 2011, p. 254)36.
No ano de 2014, um conjunto de urnas funerárias, no sítio AP-MA- Vila
Tropical, foi escavado. Devido à área escavada e boa parte do sítio ter sido muito
impactado, não há meios de classificar funcionalmente o sítio.
Entre as urnas que compõem os conjuntos de sepultamentos, podem-se ver pelas
fotos quatro figuras antropomorfas sentadas em bancos e, segundo consta no relatório
(NUNES FILHO, 2014), foram escavadas duas quadras, que permitiram encontrar dois
conjuntos de sepultamentos.
Segundo consta no relatório (NUNES FILHO, 2014), os conjuntos funerários
parecem ter sido encontrados a uma profundidade de 20 cm, não havendo informações
quanto às características do sedimento escavado, apesar de parecer não está inserido em
uma camada de terra mais escura, que o entorno formado por latossolo laterítico
amarelado. Não obstante, é provável que, devido aos processos de percolação e
lixiviação, a coloração tenha ficado prejudicada, assim como a sua compactação, o que
é explicado também por ter sido escavado durante o verão, o que talvez tenha
36
Menciono, aqui, ainda, que resgates emergenciais e ocorrências de urnas funerárias encontradas e, por vezes,
escavadas acidentalmente por moradores da região de Santo Antônio da Pedreira, têm sido registrados pela equipe de
arqueologia do IEPA. Algumas dessas urnas possuem formato globular e são lisas, cujo interior de algumas da urnas
estavam confinados restos esqueléticos.
77
37
Para Gláucia Sene (2006), a cremação pode ser de dois tipos: a cremação do tipo primária, antes da decomposição
dos tecidos moles, ADTM; e a cremação do tipo secundária, pós decomposição dos tecidos moles, PDTM.
80
Figura 11: Estado do Amapá com a localização da cidade de Macapá em vermelho (acima); e localização do
sítio Curiaú Mirim I (abaixo). O sítio localiza-se a pouco mais de 2.3 km de distância do rio Amazonas.
81
Figura 12: Área escavada do sítio equivale a pouco mais de 1070 m2.
Figura 13: Decapagem manual das estruturas evidenciadas com a pá mecânica. Os círculos fechados indicam
os buracos de poste e as elipses tracejadas e pontilhadas indicam estruturas negativas com preenchimento de
terá preta que se destaca quando comparada ao latossolo amarelado.
38
A equipe foi composta por Avelino Gambim Júnior, Jelly Juliane Sousa de Lima e do bolsista de iniciação
científica Robeli Chagas.
84
Figura 14: Localização da bacia hidrográfica do rio Curiaú (delimitado pelo círculo preto), no setor costeiro
estuarino amapaense (TORRES; OLIVEIRA, 2003, p. 156).
sedimentos do Terciário Superior, responsável em parte pela origem dos solos das
associações do Latossolo Amarelo (SANTOS; TARDIN, 2003, p. 61) do Quaternário.
Correlacionado a estes sedimentos quaternários, ocorrem os depósitos
parcialmente consolidados ao longo de planícies fluviais antigas nas áreas de “ressacas”,
cujo ambiente de deposição relacionado aos depósitos de canais fluviais antigos foi
colmatado, formado na época da elevação do nível do mar, responsável por esculpir
falésias, hoje inativas, nas unidades terciárias (SANTOS et al, 2004, p. 17).
No setor costeiro estuarino, inserido neste contexto da bacia hidrográfica do rio
Curiaú, é que está localizado o sítio arqueológico Curiaú Mirim I, que, por sua vez, está
situado na borda de um terraço (SALDANHA; CABRAL, 2012) do Tabuleiro Costeiro,
em uma área dissecada, resultante da erosão por processos, predominantemente,
pluviais, formado por colinas de topos aplainados e ravinas (SANTOS et al, 2004).
Estas colinas e ravinas são sustentadas, por sua vez, pelos sedimentos areno
argilosos inconsolidados de coloração amarelo-avermelhada com lentes de
conglomerados e concentrações lateríticas do Terciário (SANTOS et al, 2004). A borda
deste terraço localiza-se próximo a uma área de transição de Cerrado Arbustivo (terra
firme) para a Floresta de Várzea Densa, que é entremeada por uma área de Campos de
Várzea (“ressaca") (NETO; SILVA, 2004), juntos perfazem a Planície Quaternária
Costeira (figuras 15 e 16).
Figura 15: Áreas adjacentes à olaria, está implantado o sítio arqueológico, situado em uma área de campos à
direita junto à mata densa à esquerda.
87
Figura 16: Esquema das áreas de terras inundáveis da Planície Quaternária costeira da região urbana de
Macapá, limitadas para o interior pelas terras firmes do cerrado. Em vermelho, a área de inserção do sítio
Curiaú Mirim I junto à borda de um terraço do Tabuleiro (Fonte: TORRES; OLIVEIRA, 2003).
Figura 19: Vista da seção estratigráfica exposta. Notar a vasilha cerâmica entre as camadas III (AAm) e II
(TPA).
Figura 21: Sítio arqueológico Curiaú Mirim 1: quantificação comparando as estruturas arqueológicas
encontradas nas campanhas de 2011 (azul) e 2014 (vermelho).
com as análises de laboratório quanto aos seus conteúdos. Portanto, as descrições feitas
a seguir decorrem da etapa de registro de campo e, também, de informações disponíveis
da etapa de laboratório.
Dito isto, as estruturas antrópicas possuem as seguintes características:
Buracos de poste: São as estruturas arqueológicas mais presentes no sítio arqueológico
Curiaú Mirim I. Os buracos de poste (figura 22) possuem a vista superior circular e
perfil cilíndrico. Esse tipo de estrutura arqueológica refere-se aos esteios antigos das
cabanas e com o tempo são realocados devido ao apodrecimento da madeira, o que
torna difícil estabelecer uma configuração das casas. Dentro dos buracos de poste são
encontrados esparsos artefatos e ecofatos, muito provavelmente devido às influências do
processos de formação natural, que afetam o registro arqueológico com o passar do
tempo.
Figura 22: À esquerda, buracos de poste escavados manualmente e à direita desenho superior e de perfil dos
buracos de poste. Fonte: Saldanha e Cabral, 2012.
Fossas: As fossas (figura 23) possuem normalmente forma circular, com fundo oval e
relação diâmetro por profundidade de ordem 2-1. Os diâmetros máximos de abertura
variam entre 78 e 400 cm, profundidade de 18 a 105 cm. O preenchimento é escuro, de
textura arenoso argiloso, contendo fragmentos cerâmicos, carvões e em alguns casos,
pequenos fragmentos ósseos. Quatro fossas têm relação com buracos de poste. Nas
93
fossas 32, 40, 44, 45, 59 e 1052 têm evidências de restos esqueléticos que foram
coletadas, bem como carvões e, em alguns casos, sementes carbonizadas.
Figura 24: Estrutura arqueológica denominada de fossa. Note nas duas imagens a presença de buracos de
poste e os artefatos fragmentados – estrutura 45. Fonte: Saldanha e Cabral, 2012.
Outra fossa com formato diferenciado e, desta vez com clara função funerária, é
a estrutura 42, composta por pelos menos sete outras fossas justapostas, onde foram
encontradas pelo menos oito buracos de poste (Comunicação pessoal SALDANHA,
2016).
A estrutura foi dividida em três partes, sendo a primeira a Estrutura 42 A com
deposição funerária; a segunda é a Estrutura 42 B, contendo fragmentos ósseos e
carvões; e a terceira estrutura 42 C, referente também aos fragmentos ósseos e carvões
(CABRAL; SALDANHA, 2012).
A estrutura 42 (figura 13) estava preenchida por sedimento escuro com cacos
cerâmicos, compostos tanto por cacos lisos, como também um número
consideravelmente grande de cacos decorados com incisões, excisões e pinturas. Entre
estes cacos, foram encontrados elementos estilísticos referentes aos estilos Mazagão,
Marajoara e Koriabo.
Mais ao centro dessa estrutura, foi encontrado um arranjo funerário com quatro
urnas funerárias: três delas com ossos humanos em seu interior e uma vazia (com uma
tigela em seu interior). Delimitado pelas urnas funerárias em uma composição que
95
39
Como será demonstrado, no capítulo de resultados, as informações quanto à osteologia, à tafonomia, aos gestos
funerários, aos acompanhamentos e às demais informações contextuais, que em conjunto compõem as osteobiografias
e a arqueotanatologia, foram obtidas através das observações das fotos, dos diários de escavação, dos croquis e
também de informações pessoais daqueles que escavaram esse arranjo funerário. Desta forma, as informações
descritas neste capítulo sofrerão algumas alterações devido a minha posterior análise.
40
Parte das informações descritas em campo no relatório foi revista por mim para essa dissertação, e estão,
propositalmente, colocadas na forma original, modificadas apenas no capítulo III por fazerem parte dos resultados por
mim obtidos, onde exponho com mais detalhes as observações descritas para este sepultamento.
41
No capítulo de resultados, como será visto adiante, foi notada a presença de pelo menos dois indivíduos (ver
capítulo III).
42
No capítulo de resultados, como será visto adiante, foi notada a presença de pelo menos dois indivíduos (ver
capítulo III).
96
(7) Conjunto ósseo 3: formado pelo crânio e ossos longos de um indivíduo adulto,
orientados no sentido norte-sul.
Figura 25: Estrutura 42: Deposições de vasilhas contendo ossos e conjunto ósseo depositado diretamente no
solo. Fonte: Saldanha e Cabral, 2012.
Poços: Os poços (figura 26) 01 e 1044 possuem abertura circular, fundo plano, paredes
retas e relação diâmetro – profundidade de 1-2. Apresentando grande quantidade de
carvão, fragmentos de cerâmica decorada e artefatos líticos.
Ao todo, foram encontradas três estruturas tipo poços com câmara lateral
(estrutura 39, estrutura 1043 e estrutura 1059) na segunda campanha.
97
O poço 39 possui uma câmera lateral (figura 27), semelhante aos poços da fase
Aristé do norte do Amapá (Calçoene), descritos por Emilio Goeldi no século XIX AD
(GOELDI, 1905; CABRAL; SALDANHA, 2008). De acordo com João Saldanha
(Comunicação pessoal, 2015) e com Jelly Lima (Comunicação pessoal, 2015), uma boa
parte da estrutura (principalmente a câmara lateral) parece ter sido formada
naturalmente por processos pós-deposicionais, ocasionados pela própria diagênese do
solo da região43, talvez por atividades bióticas como movimentação de raízes e animais
cavadores. Estas informações estão sendo investigadas no momento para serem de fato
confirmadas e explanadas à luz dos estudos geológicos da área em estudo.
Neste poço, foram encontrados fragmentos ósseos, conchas, cerâmica decorada,
artefatos líticos e restos de caranguejo. Nos primeiros níveis, foram encontrados dois
machados polidos, claramente depositados e sem indicações de uso (Kleber Oliveira,
comunicação pessoal, 2014), além de seixos arredondados.
Figura 27: Poço 39 – Talvez uma boa parte desta estrutura se deva aos processos naturais e pós deposicionais,
que devem ter movido os vestígios para o fundo. Fonte: Saldanha e Cabral, 2012.
A estrutura 1043 (figura 28) é um poço com abertura oval com um metro e
oitenta cm de diâmetro máximo. Esta estrutura estava preenchida por sedimento de
coloração escura, areno argilosa e friável. Na superfície, foi percebida concentrações de
43
Possivelmente devido ao contato entre os sedimentos argilosos e sedimentos arenosos dos Depósitos de Planícies
Fluviais Antigas do Quaternário.
98
blocos de laterita ou uma coroa de lateritas, que pareciam circundar acima do poço,
talvez uma espécie de marcador44.
Ao retirar estes blocos e escavando logo abaixo da superfície, foram recolhidas
concentrações de vários fragmentos de cerâmica não remontáveis e diminutos. Logo
abaixo desses, recolhemos fragmentos de vasilhas cerâmicas (com formas e decorações
que se assemelham à cerâmica Mazagão), das quais parte delas puderam ser remontadas
pequenos carvões, bolotas de argila queimada e de argila crua, sementes carbonizadas e
prováveis restos de ossos de animais (não puderam ser coletados, pois estavam muito
friáveis). Esta concentração mais densa de materiais que ocorre de 0 a 60 cm de
profundidade.
Por volta dos 70 cm até 100 cm de profundidade, havia poucos fragmentos de
artefatos cerâmicos misturados ao sedimento. Em torno de 100 a 130 cm de
profundidade, poucos fragmentos cerâmicos foram recolhidos, dentre eles: um
fragmento de banco cerâmico com decorações típicas da fase Marajoara e fragmentos de
vasilhas decoradas.
Ao chegar ao que se julgava ser a base do poço (por volta de 1,30 cm de
profundidade), um dos lados ainda possuía um sedimento muito escuro. Dando
continuidade a escavação deste sedimento escuro, foi possível encontrar uma câmara
lateral, na qual estava inserida uma urna funerária, tendo uma tigela invertida como
tampa, além de fragmentos de tigela pequena e pequenos potes fragmentados ao redor
da mesma. Entre estes artefatos, podemos elencar pelo menos três potes e uma tigela,
que puderam ser completamente remontadas. Dentro da área da câmera lateral, foram
ainda recolhidos fragmentos de carvão e bolotas de argila branca (caulim).
A profundidade dessa estrutura chegou a 1,95 cm (quase dois metros), formada
por um poço, cuja câmera lateral possui degraus delineados escavados no latossolo.
Não foi encontrada nenhuma evidência de reabertura e/ou remeximento do interior da
estrutura, indicando ser um evento único de deposição, cujo preenchimento continha
uma matriz de terra de coloração escura contínua e ininterrupta, do início ao fim da
estrutura.
44
Semelhante a esta ocorrência, temos a estrutura 1002, que é formada pela concentração de fragmentos cerâmicos
em uma fossa com buraco de poste no centro da mesma. Nesta estrutura, notou-se, junto à superfície da mesma, uma
espécie de coroa de lateritas.
99
Figura 28: Poço 1043- À esquerda, desenho do perfil. À direita, fotos do interior do poço e da urna
evidenciando seu conteúdo. Fonte: Saldanha e Cabral, <no prelo>.
Figura 29: Poço 1059 - Note os três conjuntos cerâmicos em cada recinto do poço. Fonte: Saldanha e Cabral,
<no prelo>.
Figura 30: Estrutura arqueológica com deposição de vasilha – Estrutura 12. Arte: Jelly Lima.
101
Figura 31 - Mapa da área escavada do sítio com distribuição das estruturas arqueológicas. Fonte: Acervo
IEPA (Alteração pelo autor do Shapefile original confeccionado por João Saldanha [no prelo], utilizado e
alterado com permissão).
103
45
Seguindo a classificação das tipologias cerâmicas realizadas por Meggers e Evans (1957), a fase aruã foi
identificada em três sítios no estado do Amapá, sendo identificadas em outros sítios das ilhas de Caviana, Mexiana e
Marajó, no estado do Pará.
104
Foi sugerido, igualmente, por Meggers e Evans (1957) um ancestral comum dos
produtores responsáveis pelas fases Mazagão e Aristé, que teriam sucedido aqueles que
produziam a cerâmica aruã, exemplificada pela semelhança já apontada entre os tipos
cerâmicos ‘Jari raspado” da fase mazagão e "flexal raspado" da fase aristé
(SALDANHA; CABRAL, 2010).
Subsequentemente as duas fases, Aristé e Mazagão, teriam se desenvolvido
separadamente a barreira cultural representada pelo rio Araguari-Amaparí, não existindo
evidências de contato, seja por meio de influências ou de trocas, mantendo-se assim até
a chegada do europeu (SALDANHA; CABRAL, 2010; MEGGERS; EVANS, 1957).
Apesar das críticas dirigidas a este modelo de ocupação e o entendimento dessas
fases arqueológicas, como bem coloca Saldanha e Cabral (2010), o mesmo é ainda
amplamente aceito por diversos pesquisadores. Um quarto conjunto cultural é o da
cerâmica Koriabo, tal fase foi definida pela primeira vez por Evans e Meggers (1960) na
Guiana Britânica. Com o passar do tempo, tem sido encontrada também no Suriname,
na Guiana Francesa e, mais recentemente, no estado do Amapá, na região central e
região do estado (CABRAL, 2011).
Para Denise Schaan (2007), a correspondência, que diversas vezes é assumida
entre indústria cerâmica (fase) e grupo social, não é adequada para entender
variabilidade ou mudança na cultura material. Ao utilizar as classificações das fases e
tradições, as últimas pesquisas para a região não a fazem com o intuito de pensá-las
como unidades fechadas e engessadas. Entretanto, as últimas pesquisas no Amapá têm
permitido novos questionamentos, principalmente em sítios que têm apresentado uma
grande diversidade de estilos (chamados de fases) cerâmicos para o Estado e, por vezes,
uma grande variedade de fases cerâmicas em um mesmo sítio arqueológico, o que, com
os estudos dos últimos 10 anos, possibilita uma nova síntese para a região.
“Por trás desta diversidade podemos reconhecer certos padrões
recorrentes relacionados aos artefatos cerâmicos e estruturas associadas, o
que permite uma nova síntese para a região” (SALDANHA et al,
2016).
46
A tese de Mariana Petry Cabral (2014) se diferencia porque trabalha com arqueologia indígena e os modos de
conhecer através de diálogos interculturais entre os Wajãpi. Já a tese de João Darcy de Moura Saldanha busca
compreender a ocupação dos sítios da Costa Atlântica do Estado do Amapá, especificamente a relação dos portadores
da cerâmica Aristé e os diferentes tipos de sítios habitação cerimoniais e cemitérios, levando em consideração
diversas ponderações das arqueologias ditas interpretativas e aplicando conceitos teóricos vindos da etnologia
amazônica.
47
Ressalto aqui que Meggers e Evans (1957) davam muita relevância às informações das análises esqueléticas
humanas e consideravam outros tipos de dados e evidências funerárias, dando ênfase aos estudos da cerâmica, o que
acompanha o próprio desenvolvimento da arqueologia amazônica e as mudanças de paradigmas que tem passado.
48
Alguns elementos cerâmicos como alguns apliques antropomorfos e formas antropomorfas se assemelham ao
material descrito por Nimuendajú na ilha de Caviana (Nimuendaju, 2004), como aqueles da estrutura 33 e 1001 e
1049 por exemplo. Todas estas são classificadas com deposições de vasilhas e, possivelmente, com deposições
cerimoniais/funerárias.
106
devido à retirada pela comunidade local, boa parte dos exemplares dessas urnas se
encontra em coleções particulares e em museus na Europa. A única urna Caviana com
informação contextual, até o presente momento, provém do sítio arqueológico Curiaú
Mirim 1.
De acordo com Rostain (2011), o peculiar estilo Caviana é semelhante aos
estilos Aristé tardio (policromo), Maracá e Marajoara (na ilha de Marajó). Ao compará-
los, o autor os situou cronologicamente em torno de 1000 a 1500 da nossa era
(ROSTAIN, 2011). Recentemente, Saldanha et al (2016) propõem que o estilo Caviana
poderia ser a manifestação da policromia e do antropomorfismo na cerâmica Mazagão.
Do mesmo modo, alguns elementos antropomorfos da urna Caviana lembram muito
algumas características das estatuetas antropomorfas da cultura Tapajônica.
A Fase Mazagão distingue-se por ter pequenos potes, jarros de tamanhos
variados com pescoço, jarros cilíndricos altos com indicação de figuras antropomorfas
no pescoço, vasos abertos carenados e tampas achatadas com base anelares. O tipo de
antiplástico diagnóstico na pasta é a mica, quartzo moído e cariapé (MEGGERS;
EVANS, 1957).
Os sítios associados à fase Mazagão podem ser tanto habitação como cemitério,
estão localizados em áreas de terras naturalmente acima do nível de inundação. Os
cemitérios estão implantados em lugares altos, onde são depositados vasilhames
cerâmicos contendo ossos e tampados com outra vasilha cerâmica como se fosse uma
proteção.
A fase Mazagão estaria relacionada com a tradição inciso-ponteada, pois elas
possuem perfis simples, segmentados ou complexos, não possuindo policromia,
empregando entretanto a antropomorfia (MEGGERS; EVANS, 1957). Temporalmente,
foi sugerido que a fase teria surgido por volta do ano 500 A.D., tendo findado, devido
aos artefatos europeus associados a esta cerâmica, em torno do século XVII AD
(ROSTAIN, 2011).
A cerâmica Marajoara possui técnicas decorativas como engobo branco,
servindo de fundo para motivos curvilíneos vermelhos ou vermelhos e pretos. As
decorações excisas e incisas são igualmente frequentes, assim como os apliques
modelados que representam animais (lagarto, cobra, jacaré e onça pintada);
representando fortes ligações com as crenças e simbolismos dessas populações
(SCHAAN, 2001; COUTET, 2009).
107
A fase Marajoara estaria ligada à tradição policroma, tendo sua dispersão na ilha
de Marajó e datações em torno de 400 a 1200 A.D. A fase marajoara tem sido
intensamente estudada por vários pesquisadores que se debruçaram na ilha de Marajó no
Estado do Pará (MEGGERS; EVANS, 1957; ROOSEVELT, 1991; SCHAAN, 2004,
2007 b)49.
A cerâmica Koriabo possui motivos geométricos espirais, zig-zague,
escalonados, apliques zoomorfos, pinturas pretas, vermelhas sobre banho branco,
incisões finas e largas, além das formas específicas conhecidas como tigela floral e pote
tórico (EVANS; MEGGERS, 1960). Evans e Meggers (1960) a relacionam a tradição
inciso- ponteada, enquanto Boomert (2004) a insere na tradição policroma.
Geralmente, as cerâmicas da fase Koriabo têm sido encontradas em sítios
multicomponenciais50, associadas a outros estilos, semelhantes aos encontrados no
Suriname e na Guiana Francesa. A abrangência geográfica (Guiana, Suriname, Guiana
Francesa, Amapá) da fase Koriabo tem levado os pesquisadores a sugerir que ela seja
uma cerâmica de troca (VAN DEN BEL, 2010; CABRAL, 2011). Consensualmente, as
datações a situam em torno dos séculos VIII e XVI AD.
Além dos artefatos cerâmicos tão indispensáveis para o entendimento do sítio51,
foram encontrados, nas duas campanhas, artefatos líticos - machados polidos e
hematitas, estas últimas podem ter sido utilizadas para extrair corantes. Além destes,
encontramos líticos lascados e brutos (lateritas, identificadas em algumas estruturas
negativas), que poderiam ter servido como uma espécie de marcador para as deposições
funerárias/cerimoniais 52.
Terminada a apresentação do sitio Curiaú Mirim I, segue-se agora a abordagem
teórica aqui adotada, que busca compreender como ocorreram as práticas funerárias
49
Ressalta-se que algumas das cerâmicas com decorações que podem ser atribuídos aos elementos Marajoara,
segundo João Saldanha (informação pessoal, 2016), possuem características que também lembram a cerâmica Pocó,
porém estes dados precisam ser confirmados.
50
Van den Bel (2010) chama a atenção para que sejam realizados estudos mais detalhados dos contextos
arqueológicos que permitam elucidar questões referentes ao modo de deposições deste tipo de material. Neste
sentido, estão sendo feitas pesquisas de mestrados no Museu Nacional e na Universidade Federal de Sergipe com o
sítio Laranjal do Jari I e II, logo dados e interpretações mais consistentes deverão contribuir com as discussões acerca
da fase Koriabo no Amapá.
51
Atualmente, a análise dos artefatos cerâmicos está sendo feita pelo bolsista de Apoio Técnico Alan Nazaré, além
dele outros bolsistas e colaboradores participaram da análise dos artefatos cerâmicos da campanha de 2011: Mário
Júnior Alves Polo, José Ricardo Vasconcelos e Marcos Jessé Lopes.
52
O estudo dos artefatos líticos na Amazônia ainda são raros, e o são mais ainda no Amapá, porém temos a
dissertação de mestrado do arqueólogo Kleber Oliveira (2013) e Bruno Barreto (2015). Temos no NuPArq/IEPA
bolsistas que se especializam em análises líticas, estudando o material arqueológico provenientes dos sítios do estado
do Amapá.
108
daqueles que deixaram seus vestígios nos conteúdos escavados e por nós registrados nas
estruturas negativas do sítio. Para isso, procuro demonstrar os gestos funerários
dispensados pelos vivos aos mortos e os indícios que mostrem como eram as pessoas
que foram, cuidadosamente, depositadas.
109
Foi a partir desta vertente britânica que a “Nova Arqueologia”, como uma reação
ao enfoque histórico-culturalista, pretendia reconstituir a organização social a partir do
estudo dos vestígios mortuários de sociedades do passado.
53
Versão original em ingles: “Binford (1971) criticized and rejected approaches to death and burial in anthropology,
according to which similarities and differences in the treatment of the dead were caused by ideas and beliefs, or
degrees of inter-cultural contact, or matters of style and fashion. In contrast he argued for the social context of the
disposal of the dead and built on a lineage of anthropological theory from key authors such as Durkheim, Hertz, and
Van Gennep.” (Chapman, 2013).
113
54
Versão original: A new approach to burial must not expect simple correlations between social organization and
burial. Rather, it must identify the way in which prevailing attitudes to death can be derived from different
conceptions of the living practical world.
114
Aqui no Brasil, podemos citar trabalhos gerais que buscam dar conta do universo
funerário dentro da arqueologia brasileira. Cada um apresenta um enfoque específico,
que abordam o tema, procurando mostrá-lo desde linhas que dialogam com teorias
provindas da arqueologia processualista, da antropologia social e da etnologia indígena,
e perspectivas historiográficas da arqueologia funerária, demonstrando mudanças de
paradigmas (MONTARDO, 1995; RIBEIRO, 2002; RIBEIRO, 2007).
Em se tratando da arqueologia com remanescentes esqueléticos humanos
desenvolvida na Amazônia, temos vislumbrado alguns trabalhos integrativos na
arqueologia funerária, como o da arqueóloga Anne Rap Py-Daniel (2009, 2015) que, ao
trabalhar com o sítio Hatahara durante o mestrado e sítios com contextos funerários da
calha do rio Amazonas no doutorado, agregou análises bioantropológicas ao estudo das
práticas e gestos funerários, desenvolvendo sua pesquisa através de uma abordagem
teórico-metodológica mais conhecida como Arqueologia da Morte ou arqueotanatologia
(DUDAY, 2006).
Conforme o exposto acima, temos visto que a arqueologia funerária tem sofrido
diversas influências, desde um caráter mais descritivo dos contextos funerários,
passando a ser vistos como indícios da organização social, assim como marcados por
diferentes ideologias e simbolismos de acordo com a visão de mundo daqueles que
realizaram os rituais funerários.
Foi a partir de um enfoque mais nomotético e intercultural, seguindo por um
mais particularista e contextualista, que a arqueologia funerária passou a considerar
mais sistematicamente os dados bioantropolológicos.
Da mesma forma, temos visto uma preocupação em fundir os dados da
antropologia biológica aos arqueológicos, procurando unir aos interesses de ambas as
partes. Foi desta tentativa que surge a bioarqueologia, que possui também seus próprios
métodos e teorias, emprestadas e adaptadas de outras áreas.
2.3 BIOARQUEOLOGIA
O termo bioarqueologia foi proposto pela primeira vez por Grahame
Clark(1972), no título do trabalho “Star Carr: a case study in Bioarchaeology”, só que
a "bioarqueologia" era focada em restos faunísticos (hoje, o termo osteoarqueologia
115
55
De fato, hoje na Inglaterra, o termo bioarqueologia ainda é usado para se referir genericamente ao estudo de restos
biológicos, que inclui arqueobotânica, zooarqueologia e, também, osteoarqueologia humana. O uso sozinho do termo
osteoarqueologia deve ser acrescentado ao adjetivo “humano”, porque o construto osteoarqueologia por si se refere
tanto ao estudo de ossos e de dentes humanos quanto ao de ossos e de dentes de outras espécies.
56
Introduction: Changing Strategies for the Biological Anthropologist. In Biocultural Adaptation in Prehistoric
America, publicado em 1977 por Blackely e Biocultural Dimensions of Archeological Study: A Regional
Perspective. In Biocultural Adaptation in Prehistoric America, publicado em 1977 por Buikstra
116
com uma ênfase ligeiramente diferente, menos focado nas questões contextuais e
teóricas:
A abordagem de Larsen é diferente daquela que tem sido defendida por Jane
Buikstra em seus trabalhos (apesar de diferir pouca coisa nos métodos), que tem
interagido e “se focado dentro da teoria social através de uma ampla gama de
58
situações, incluindo contextos arqueológicos, históricos e etnohistóricos”
(BUIKSTRA et al, 2012, p. 09). Enquanto Buikstra defende uma união entre
arqueologia e antropologia (biológica), buscando uma integração com as ciências
sociais voltada para responder questões arqueológicas, Larsen se aproxima mais das
ciências naturais, sendo, neste sentido, mais próximo à Bioarqueologia britânica (no
sentido mais generalizante, de estudos ambientais, zooarqueologia, arqueobotânica e
osteoarqueologia humana). Ainda que limitada aos ossos e aos dentes humanos, unindo
vários especialistas preocupados como a condição humana (Knüsel, 2012), a definição
de Larsen (1997) de que bioarqueologia “é o estudo da vida dos grupos passados a
partir da sua biologia humana arqueologicamente contextualizada” demonstra que as
duas abordagens defendem a importância da contextualização arqueológica.
Estas são duas das principais vertentes59 que influenciaram o estudo dos
remanescentes esqueléticos humanos em contextos arqueológicos em muitos países fora
dos Estados Unidos, marcadamente influenciados pela “Nova Arqueologia”.
Assim como ocorreu com a arqueologia funerária, a bioarqueologia também
sofreu influências da arqueologia pós processual, quanto à aproximação com a Teoria
Social, que de acordo com Anna Osterholtz (2015), marcaram profundamente a teoria
57
Versão original: Frequently focused upon prehistoric and historical contexts in the southeastern United States, his
work emphasizes questions of quality of life, behavior and lifestyle, biological relatedness, and population history,
with contextual and theoretical issues receiving less emphasis.
58
Versão original: Buikstra’s bioarchaeology has increasingly focused upon social theory across a broad range of
situations, including archaeological, historical, and ethnohistorical contexts. (Buikstra et al, 2012, p. 09).
59
Não poderíamos deixar de citar ainda outras definições como a “Bioantropologia", usada inclusive no título dos
trabalhos dos pesquisadores Arthur Aufderheide, John R. Lukacs, Jerome Handler, entre outros, que também
trabalham com contextos arqueológicos, e que, muitas vezes, possuem interesses parecidos com aqueles da
bioarqueologia, entretanto não adentraremos a fundo nesta discussão.
117
dentro do estudo dos esqueletos humanos, incluindo desta forma uma miríade de
teorias, como a “teoria pós-colonial à teorias feministas, teorias de gênero, teoria da
prática, emaranhamento (entanglement) entre pessoas coisas, teorias sobre a agência
dos objetos e teorias sobre a “pessoalidade” (personhood)” (OSTERHOLTZ, 2015).
A Bioarqueologia, então, ao invés de “limitar-se” a enfatizar as populações, a
adaptabilidade e a evolução, deslocou seu foco para o indivíduo, a agência, a identidade
coletiva e individual, aumentando o leque de “bioarqueologias” possíveis (BUIKSTRA;
BECK, 2006; SOFAER, 2006). É dentro dessas “bioarqueologias” supracitadas que este
trabalho se insere.
Uma perspectiva diferente é aquela praticada na França e nos países
francófonos, onde não existe uma definição do termo bioarqueologia e osteoarqueologia
humana propriamente ditas, e sim o que é chamado desde o século XIX AD, de
“anthropobiologie”, mas essa disciplina é afastada da arqueologia e da pré-história
(KNÜSEL, 2010). Todavia, existe uma tradição cunhada com o nome de
“anthropologie du terrain”, surgida na década de 1970 e definida por Claude Masset e
Henry Duday em 1986, durante o Colóquio de Toulouse (DUDAY; MASSET, 1986),
que hoje tem se popularizado com o nome Arqueotanatologia ou Arqueologia da Morte,
graças a Duday (2005).
Claude Masset (1986) define os dados que são passiveis de recuperação a partir
dos vestígios de sepultamentos da seguinte forma: 1 - As intervenções pré-sepulcrais
(cremação, descarnamento, canibalismo, inumação secundária, etc.); 2 - O modo de
deposição dentro da sepultura (espaço cofinado, posição da inumação, etc.); 3 -
Datação; 4 - NMI (número mínimo de indivíduos); 5 - Aspectos demográficos (a
determinação do sexo, estimativa da idade); 6 - Aspectos morfológicos ( tipos “raciais”,
as patologias, aspectos de ordem etnográfica (ex. deformação craniana, faceta de
agachamento, mutilação dentária, etc.); 7 - Informações de ordem sociológica
(manifestações antropológicas e diferenças de natureza nutricional, patologia
diferenciada e traumatismos); e 8 - A procura de similaridades entre vários indivíduos.
Para conseguir alcançar alguns desses objetivos acima listados, a
arqueotanatologia busca, junto às descrições detalhadas dos dados esqueléticos
118
60
A tafonomia foi descrita pela primeira vez por Efremov (1940), mais conhecida como " a ciência das leis do
enterramento", estudando os processos de transformação de organismos desde sua morte até sua fossilização. Esta
surgiu como uma subdisciplina da paleontologia, sendo utilizada em várias disciplinas, como a arqueologia, que pode
ser aplicada a uma vasta gama de materiais, não apenas organismos, utilizado inclusive para o estudo das
transformações de materiais em registro arqueológico. A tafonomia, que aqui nos referimos, diz respeito,
preferencialmente, aos processos ocorridos com ossos e dentes humanos (MACHADO, 2006).
119
Ao que parece, desde o início do século XXI AD, temos cada vez mais
caminhado para estudos mais integrativos dos sepultamentos, das práticas funerárias
que levem em conta estudos de remanescentes esqueletais humanos e vice- versa, ou
seja, estudos bioarqueológicos cada vez mais contextualizados.
Devido às influências das abordagens das arqueologias interpretativas e dos
diálogos com a antropologia social, várias outras perspectivas teóricas de dentro da
bioarqueologia passaram a tomar forma. Essas perspectivas combinam análises
osteológicas, informações arqueológicas e de teoria social. Entre elas, temos a
Bioarqueologia Social (AGARWALL; GLENCROSS, 2011), as Análises dos Cursos de
vida (SOFAER, 2011; AGARWAL, 2012), a perspectiva osteobiográfica
(AGARWALL; GLENCROSS, 2011; STODDER; PALKOVICH, 2012) e Identidade
(GELLER, 2009; AGARWALL; GLENCROSS, 2011). Na prática, essas abordagens
estão, frequentemente, conectadas umas às outras (KILGROVE, 2013) e são, em alguns
momentos, chamadas, genericamente, de bioarqueologia social.
O uso do termo “bioarqueologia” com o acréscimo do termo “social” é aqui
utilizado para se referir aos bioarqueólogos, que se engajam mais frequentemente na
formulação de perspectivas teóricas (teoria social). Porém, Killgrove (2013, p. 30)
lembra que “a bioarqueologia social parece estar se tornando mais uma norma dentro
da disciplina do que simplesmente um novo desdobramento teórico”.
Como já explicitamos acima, a ideia de uma abordagem holística entre
antropologia biológica e arqueologia já vinha sendo amplamente difundida desde a
década de 1970, diferindo nas abordagens anteriormente realizadas, dependendo dos
interesses dos pesquisadores e de qual aporte teórico estejam partindo, ainda que os
métodos de análise esqueléticos sejam praticamente os mesmos.
Mas, é no final do século XX AD e início do século XXI AD, que temos visto
alguns trabalhos que buscam inspiração em discussões provindas da arqueologia pós-
processual, inspiradas também por outras áreas da antropologia social e da filosofia,
pelo menos de maneira mais explícita (Killgrove, 2013), e uma integração dos estudos
120
Pluciennik (2002). Mas foi somente com Joanna Sofaer (2006) que vemos como uma
sistematização dessa abordagem pode ser aplicada através da bioarqueologia.
A ideia do corpo como cultura material não ficou livre de críticas quanto às
ponderações, aos cuidados e aos usos dessa abordagem. A exemplo dessas críticas,
citamos o caso da bioarqueóloga Heather Robertson (2007), que em uma resenha crítica
ao livro The Body as Material Culture (SOFAER, 2006), publicada no Canadian
Journal of Archaeology, chama a atenção sobre o cuidado que se deve ter ao tratar os
esqueletos humanos como objetos. Segundo a arqueóloga canadense, isto pode ser
perigoso e desrespeitoso para algumas comunidades tradicionais, em sociedades
ameríndias, por exemplo. Por isso, ela chama a atenção para o fato de estar lidando com
sociedades europeias medievais, da qual os próprios britânicos são descendentes.
Esta crítica, apesar de acharmos válido o argumento, vislumbra que, na verdade,
o próprio fazer arqueológico pode ser ofensivo para algumas comunidades ameríndias,
ainda mais se tratando de remanescentes esqueléticos.
O que a autora (ROBERTSON, 2007) critica é um ponto de vista em que o
corpo seria visto como um “mero objeto”, algo separado a priori do biológico. Nesta
linha de pensamento, a intenção de Joanna Sofaer (2006) foi de chamar a atenção das
vantagens interpretativas de se usar uma abordagem que busca justamente romper com
esta divisão forçada, ao tratar o corpo como um tipo de cultura material, diminuindo as
tensões dentro da própria academia entre as distinções entre o corpo biologicamente
dado e o socialmente construído.
Estas concepções modernas de natureza versus cultura podem não fazer parte da
cosmologia daqueles povos europeus a que Sofaer se refere. E que, no caso de muitas
sociedades ameríndias atuais, parecem estar em maior sintonia com as suas próprias
concepções de mundo e de corporalidade, em especial na Amazônia. E isso pode ser
também aplicado à arqueologia e ao estudo de caso presente nesta dissertação.
O corpo seria, então, um tipo especial de cultura material, que seria, segundo as
palavras da autora (SOFAER, 2006), influenciado pelo natural e cultural. De acordo
com as nossas concepções modernas, existe tal separação entre natureza e cultura.
Adianto que, em algumas sociedades (em especial, os povos ameríndios), não há
uma divisão clara entre natureza e cultura, existindo uma centralidade no corpo, que é o
que veremos no discorrer desta dissertação.
123
O corpo (neste caso o esqueleto) não é algo dado a priori, é algo material, mas
plástico. É o entrelaçamento das coisas com pessoas e das coisas com as coisas que dão
sentido a cultura material (HODDER, 2012). Neste caso, fazem com que o corpo seja
pensado como uma forma de cultura material, não somente na manifestação da morte
pelos enlutados, mas do corpo como uma cultura material em vida.
Esta concepção não entra em conflito com a visão holística que a bioarqueologia
busca, pois procura estudar os restos humanos dentro de uma ampla associação de
dados arqueológicos, espaciais, históricos e sociais (BUIKSTRA et al, 2012, p. 17). É,
justamente, pensando nisso que Sofaer (2006) defende que o corpo humano deve ser
considerado como um meio termo entre o estudo da morte e o dos vivos, entre o externo
(com carne) e o interno (descarnado).
É proposto, então, que se desfaça ou amenize essa dicotomia, de forma a pensar
nos corpos de modo mais integrativo, procurando conciliar a ideia de que o mesmo é
construído socialmente, não esquecendo a sua materialidade, ou seja, ao se falar de
corpos, o bioarqueólogo não só estaria também apto a discutir sobre a importância dos
mesmos como teria um trunfo nas mãos, que é exatamente a análise esquelética, não
negando (muito pelo contrário) a significação que terá (ou não) o individuo após sua
morte para os vivos.
Justamente, é de uma perspectiva metodológica (segundo o que a autora
defende), que o corpo pode ser considerado como um tipo especial de cultura material,
que interage com o meio e com as coisas.
Essa abordagem é válida porque ela (seguindo a linha iniciada por
bioarqueólogos como Buikstra nos anos de 1970, que almejavam cada vez mais uma
integração da osteologia com a arqueologia), deu início à inserção da teoria social na
bioarqueologia, não que outros bioarqueólogos já não o fizessem. Estes argumentos
influenciaram outros a se inspirarem nesses questionamentos e provocações
direcionados às perguntas e na condução de suas pesquisas, usando praticamente os
mesmos métodos de análise tradicionais da bioarqueologia.
A intenção da ênfase nesta abordagem teórica é para nós fundamental, pois ela
permite questionar as fronteiras existentes entre pessoas e coisas. Dessa forma,
compreendemos essa chave de leitura como sendo muito produtiva e que não é
adequado separar um do outro (Buikstra et al, 2012, p.17). Em outras palavras, por
mais que eles não sejam a mesma coisa, são “encarados” da mesma forma, se
124
61
Original em inglês: This realization does not reduce one to the other; it merely acknowledges that both exist in a
knowable state only through their interaction with each other. Contextualized approaches to mortuary analysis thus
require an active consideration of both archaeological bodies and the materials that were part of their social worlds.
Only then can archaeological bodies be investigated in holistic terms, not as isolated entities but as active social
beings, emergent in the world by means of their relationships with both the human and material worlds. (BUIKSTRA
et al, 2012, p.17 e 18).
125
É mister frisar que não queremos dizer que essas práticas sejam um reflexo da
sociedade à maneira do que era proposto por Binford (1971), pois “ [n]ão existe, como
parece ter pensado Hertz 1970 (1928) um modo de se pensar os mortos, que de tão
natural, seria de certa forma "universal" ’’ (CARNEIRO DA CUNHA, 1978, p.03). De
acordo com os dados apresentados por Chaumeil (1997 e 2007), Rostain (1994 e 2011),
Meggers e Evans (1957), Nimuendaju (2004) e Py-Daniel (2015) sobre as práticas
funerárias entre os ameríndios na Amazônia, esses modos de lidar com a morte,
embasados em dados arqueológicos e etnografias, parecem indicar que são mais
126
complexos e variados do que se supunha, com uma grande variabilidade mesmo dentro
de uma mesma sociedade.
Em uma amostra pequena e fragmentada, mesmo que não seja dado um
tratamento estatístico dos dados, nem uma perspectiva populacional, esta ainda sim não
inviabiliza, de modo algum, a aplicação de métodos bioarqueológicos e
arqueotanatológicos.
Sabemos que existem limitações acerca do uso de métodos utilizados para traçar
os perfis osteobiográficos e interpretar os possíveis gestos funerários. Estas limitações
dizem respeito à variabilidade das práticas culturais, à variabilidade biológica inter-
étnica, às variações individuais, às pressões do ambiente e à própria natureza indiciária
da arqueologia, da qual os vestígios desenterrados estão sujeitos às alterações pós-
deposicionais e aos processos tafonômicos, que interferem, diretamente, no grau de
integridade e de preservação dos elementos ósseos e dentários.
Em relação às limitações impostas aos arqueólogos, consoante ao diagrama
exposto abaixo (figura 32), demonstra os fatores controláveis e não controláveis do
registro arqueológico. Depreende-se que, dos fatores que não controlamos - a
mortalidade daquelas populações antigas que estudamos, as práticas culturais/funerárias
antigas e os processos pós deposicionais de preservação dos restos esqueléticos - temos
apenas uma fração do que sobrou até hoje para nós, arqueólogos, que dependem das
nossas estratégias de escavação e ainda aquilo que pode ser recuperado ou registrado.
Soma-se a isso, ainda, as nossas próprias perguntas e aportes teóricos para
compreendermos os vestígios arqueológicos que observamos.
62
Original em inglês: "If the sample consists of less than (say) a dozen individuals, the analysis is primarily
descriptive. This does not mean that the individual is simply inventoried and assessed for the presence of pathologies
as well as other particular information (e.g., discrete traits and metric data). Assessment requires more contextual
information (osteobiography) about the individual such as mode of interment, grave accompaniments, and burial
location within the bonded cemetery area and within the community“(DIGANGI & MOORE, 2012).
127
Figura 32: Esquema dos fatores que afetam o registro dos sepultamentos. Fonte: Mays, 2008
Estas ponderações não devem ser vistas pessimistamente, devem ser encaradas
de frente por quem planeja uma pesquisa com restos esqueléticos (e na arqueologia
como um todo), independente de qual abordagem teórica e quais métodos sejam
utilizados.
Além dos propósitos e objetivos do estudo aqui proposto, os dados aqui gerados
permitirão comparações preliminares com outros exemplares esqueléticos
(frequentemente mal preservados e com contextos prejudicados) do mesmo período de
tempo que aqui trabalhamos.
Na Amazônia, os estudos com vestígios humanos são, ainda, escassos, ao ponto
de parecem invisíveis ou até mesmo ausentes. Enfatizando, assim, a ideia de que os
sítios arqueológicos da Amazônia são pobres em evidências de vestígios biológicos
humanos. Tal conjectura permite diversas explicações. Entre elas, Sheila Mendonça de
Souza (2010, p.428) explana que existem dois mitos responsáveis por esse pensamento.
O primeiro é o mito da diluição demográfica, nascida de um quadro teórico
fortemente marcado pelo determinismo ecológico, associado a um evolucionismo
multilinear e a um difusionismo migracionista, postulado pelo casal de arqueólogos
estadunidenses Betty Meggers e Clifford Evans (1957). De acordo com esses autores, as
culturas indígenas da Amazônia, devido a um ambiente hostil, manter-se-iam em um
128
63
Datado do século VIII ao XII (PY-DANIEL, 2009).
64
Arqueóloga especialista em análises de vestígios esqueléticos humanos, em especial nos métodos da
arqueotanatologia.
65
Parte do material arqueológico dos montículos foi analisado para a dissertação de mestrado de Juliana Machado
(2005).
66
Segundo Py-Daniel (2009, p. 110), a presença de carvão pirogênico e cinzas vegetais extremamente alcalinas (pH
de 8 a 12) aumenta o pH do solo mesmo em pouca concentração, podendo impedir o estabelecimento de condições
ácidas decorrentes da decomposição de resíduos orgânicos, o que de certa forma contribuiu para a preservação dos
sepultamentos.
67
Rap Py-Daniel (2009: 6) analisou cerca de 28 sepultamentos e/ou depósitos contendo cerca de 38 indivíduos, quase
todos enterramentos fora de urnas, com exceção de quatro sepultamentos em urnas, sendo que em um destes
sepultamentos em urna foi encontrado restos esqueléticos humanos (PY-DANIEL, 2009; 2015).
68
Py-Daniel identificou, em alguns ossos, vestígios da impressão de cestaria, o que corroborou com a inferência mais
segura da autora.
131
Pretende-se, dessa forma, unir esses gestos às histórias de vida de indivíduos ou,
como se tem defendido ultimamente, utilizar uma perspectiva osteobiográfica.
outros sítios, nas Guianas e na Foz do Amazonas, com evidências funerárias que sirvam
de comparação com o modo como estes espaços, destinados ao uso funerário, estão
inseridos.
Estas hipóteses, assim, formuladas por Van den Bel (2015), servem para reiterar
a importância do estudo de caso levantado nesta dissertação. Ao pensarmos na
espacialidade, tendo como base os dados arqueológicos de outros sítios aliados às fontes
etnográficas e etnohistóricas, podemos discutir exatamente essas questões.
Busca-se, na antropologia amazônica, alguns conceitos aplicados às sociedades
indígenas do presente, de modo a usar como ferramentas interpretativas os dados
etnográficos e etnohistóricos, chamando a atenção de que não buscamos fazer analogias
do presente etnológico com o passado arqueológico (e nem com o passado
etnohistórico).
134
Ainda se referindo aos Ywalapiti, enfatiza também a restrição dos espaços nos
processos de construção dos corpos em espaços de reclusão ou espaços privados. Além
deste, há outro espaço social, que é aquele fora da aldeia, onde ocorrem a transformação
e, finalmente, o espaço público, aquele em que o corpo é exibido.
69
Marcel Mauss (2005) enumera pelo menos sete técnicas corporais: (1) técnicas de nascimento e obstetrícia; (2)
técnicas da infância, (desmame, pós desmame); (3) técnicas da adolescência; (4) técnicas da idade adulta (técnicas do
sono, técnicas de vigília e técnicas da atividade e movimento, sendo que deste último enumera as técnicas de corrida,
dança, salto, escalada, descidas, nado, movimentos de força como lançar, arremessar, puxar, empurrar, levantar,
segurar (mãos, pés, boca, dentes, etc). Além destas enumera ainda as (5) técnicas de cuidados do corpo (higiene); (6)
técnicas de consumo (comer e beber); (7) técnicas de reprodução; e (8) técnicas de medicação.
138
existindo uma continuidade entre o que é físico e o que é social (FASSHEBER, 2001, p.
119).
Dentro desta perspectiva, o corpo não pode ser visto como um mero “sinônimo
de fisiologia distintiva ou anatomia característica mas um conjunto de maneiras ou
modos de ser que constituem um habitus” (VIVEIROS DE CASTRO, 2002, p. 380).
Dentro deste olhar “amazonificado”, ao falarmos da plasticidade do corpo e de
sua materialidade, conforme expomos acima, podemos explorar formas de interpretar os
restos humanos contextualizados, lembrando que o corpo, a vida e a morte são
elementos tangíveis que podem ser “lidos” no registro arqueológico.
Para o entendimento desses dados provenientes no registro arqueológico deste
estudo de caso, usamos como guia os vestígios arqueológicos das deposições
funerárias/cerimoniais provenientes da região amazônica (principalmente, nas Guianas e
na foz do Amazonas) disponíveis, que permitam a comparação de sítios
unicomponenciais e multicomponenciais para poder discutir o que é “padrão” e o que é
“diferente”.
De modo complementar, utilizamos como ferramentas na interpretação dos
dados arqueológicos os dados etnográficos/etnohistóricas, no que tange as práticas
funerárias e também outras informações sobre as práticas culturais ameríndias, que
auxiliem na compreensão de como se deu os sepultamentos no sítio aqui estudado.
Não é nossa intenção aqui fazer analogias diretas, mas simplesmente pensamos
que o uso destes dados (etnografia/etnohistória) são imprescindíveis no estudo e
interpretação de sítios com espaços funerários na Amazônia, principalmente na região
das Guianas e Foz do Amazonas, que sirvam para pensarmos nas diferentes
possibilidades de interpretação sobre os corpos e os gestos na Amazônia antiga. Desse
modo, penso que o uso das etnografias serve para expandir os horizontes da
interpretação do arqueólogo, porque “ a bem da verdade o uso cuidadoso dos dados
etnográficos tem servido a uma causa importante que é a de apresentar as
possibilidades das razões variadas e heterogêneas ou causas para a prática70” (UCKO,
1969, p. 262).
70
Original em ingles: “It is true to say that the careful use of ethnographic data has served to do one major thing –
to present the possibility of varied and heterogeneous reasons or causes for a practice” (Ucko 1969, 262).
139
Dessa forma, esses dados não arqueológicos, além de terem um importante papel
explicativo, pelo menos nos deixam mais abertos a possibilidades e nos ajudam a
ampliar o leque de perguntas direcionadas ao fazer arqueológico.
Não é a intenção, nesta dissertação, discutirmos continuidades e mudanças das
atuais sociedades ameríndias. Pensamos que mesmo o presente etnográfico, assim como
as fontes etnohistóricas. podem ser utilizados como uma fonte de inspiração no que
tange as práticas culturais/funerárias dos povos ameríndios e, em especial, na Amazônia
(ROTH, 1924; NIMUENDAJU, 1927; MÉTRAUX, 1947; CHAUMEIL, 2007;
ROSTAIN, 2011; PY-DANIEL, 2015). Cogitamos que estas devem ser encaradas como
um complemento secundário junto aos dados observados arqueologicamente e os
estudos gerados a partir dele, para que possamos explanar a área pesquisada neste
estudo de caso.
2.8.1 Material
A coleção esquelética selecionada para a análise do sítio arqueológico Curiaú
Mirim I provém de urnas funerárias e enterramentos diretos no solo. Além da
arqueotanatologia e das osteobiografias, foram observadas as deposições
cerimoniais/funerárias com fragmentos de ossos e restos faunísticos provenientes de
estruturas negativas diversas distribuídas pelo sítio.
O contexto de inumação estudado, por se tratar de sepultamentos em urnas
funerárias (com apenas três exceções), condiciona a priori os métodos de estudo
pretendidos. É pertinente dizer que os restos esqueléticos do presente estudo foram alvo
de uma análise macroscópica.
140
urnas foi obervado na lupa binocular, com o intuito de ver a granulometria dos grãos e
observar sua composição.
De resto, as etapas de laboratório pós-escavação de curadoria e análise dos
conteúdos das duas campanhas foram praticamente as mesmas.
2.8.3 Curadoria
Para os procedimentos de curadoria e acondicionamento por nós utilizados,
foram consultados manuais de curadoria próprios para esqueletos humanos (NEVES,
1988; DUARTE, 2003; BEZERRA; SILVA, 2009; LESSA, 2011).
As etapas iniciais para a análise esquelética foram a triagem dos elementos
ósseos e dentários, separação do que é humano e do que não é humano, separando os
restos faunísticos e eventuais ecofatos e/ou artefatos de acompanhamento ou intrusões.
Após essa, etapa segue-se a higienização. Os ossos foram limpos à seco com o
uso de borrifadores de ar e pincéis finos. Já em outros casos, quando os ossos estavam
com grumos de terra aderidas na superfície, foram usadas hastes de madeira com
algodão umedecidos em água ou álcool ou acetona anidra. Em alguns casos, foram
utilizados bisturis e curetas de dentista para tirar camadas de terra aderidas a alguns
ossos, tomando cuidado para não arranhar a superfície óssea e comprometer as análises
posteriores.
A limpeza mecânica dos ossos deve ser feita com pincel macio, para a
retirada de sedimentos soltos; com espátulas de madeira (ou instrumentos
adaptados, como palitos de picolé e churrasco) para a retirada de
sedimentos mais duros; e com bisturi ou curetas de dentista para a retirada
de concreções ou incrustações formadas por sais solúveis (LESSA,
2011).
aos dentes, esses foram acondicionados em TNT e sacos plásticos vedados ao abrigo de
luz.
2.8.4 Tafonomia:
A tafonomia permite reconstruir parte dos processos ocorridos depois da morte
dos indivíduos. Desta forma, estes foram os primeiros a serem observados, buscando-se
observar o aspecto dos ossos, nível de fragmentação e de integridade dos elementos
ósseos.
Para esta etapa, foram utilizados manuais, tais como: Buikstra; Ubelaker (1994),
Haglund; Sorg (1997 e 2002); Behrensmeyer (1978); Taphen (1994); Buikstra (1999);
Brickley; McKinley (2004); e Rap-Py-Daniel (2009). Esta última referência não se trata
especificamente de um manual, mas é um caso de aplicação dos princípios da tafonomia
e arqueotanatologia, adaptados ao estudo de caso de um sítio arqueológico em ambiente
tropical úmido da Amazônia.
Estes processos tafonômicos são divididos em três tipos: os fatores internos; os
externos; e, por último, os humanos, que também são considerados como um fator
tafonômico, devido aos padrões comuns de modificação de restos humanos e não
humanos (HAGLUND; SORG, 2002).
Os fatores internos dizem respeito ao indivíduo e à causa da morte. Então,
considerações quanto à idade (componente mineral em não adultos é menor), à massa
corporal, ao tamanho dos ossos (pequenos ossos têm maiores áreas de contato para os
fatores externos agirem), ao volume dos ossos (longos, curtos ou chatos), à densidade
óssea (compactos ou esponjosos), ao sexo do indivíduo e as suas patologias, que
influenciaram nos fatores externos, que agiram sobre os mesmos. Via de regra, os ossos
de indivíduos infantis tendem a resistir menos aos fatores externos do que os de maior
volume e com corticais mais espessos de indivíduos adultos.
Em seguida, os fatores externos dizem respeito ao tempo que passou enterrado
até ser descoberto e sua relação com os fatores ambientais, como: a presença de água, o
tipo do solo, a temperatura, a presença ou ausência de oxigênio, o tipo de clima, a
acidez/alcalinidade do solo e compreensão do solo. Junto ao ambiente, temos os seres
vivos que fazem parte dele e afetam, igualmente, a preservação dos esqueletos, são os
fungos, bactérias, insetos, mamíferos do seguimento de roedores e escavadores e a ação
de raízes (sejam eles efeitos físicos ou químicos).
145
Para entender os gestos funerários é preciso ter em mente que a preservação dos
esqueletos depende das escolhas culturais, de práticas e regras culturais específicas
relacionadas a quando, como e quem é enterrado, se são expostos ao fogo, decapitado,
ritualmente consumido ou reinumado. Deve-se levar em conta os fatores pós
deposicionais que, conjuntamente a estas escolhas culturais, influenciarão o que de fato
se preservará no registro arqueológico (ROKSANDIC, 2002, p. 02).
2.8.5 Arqueotanatologia
Somente após a compreensão dos processos que não controlamos, mas que
podemos prever como ocorreram, é que poderemos diferenciar o que é intencional, de
modo que alguns dos gestos funerários que procuramos observar dizem respeito às
práticas preparatórias e pré-sepulcrais, as práticas funerárias relacionadas ao tipo de
sepultura, a posição do corpo e os acompanhamentos funerários e também as práticas
pós-sepulcrais, como a reabertura da cova e manipulação dos ossos ou corpo, com
146
2.8.6 Osteobiografias:
De um modo geral, as observações osteológicas seguiram as seguintes etapas:
nas urnas que escavei e naquelas já escavadas anteriormente, realizei uma triagem dos
elementos esqueléticos, organizando-os por partes anatômicas e tipos ósseos,
identificando o número mínimo de indivíduos (NMI) em cada urna (das oito urnas aqui
estudadas, apenas duas continham um NMI de um indivíduo) ou conjuntos de
esqueletos/ossadas das estruturas funerárias.
Em seguida, procurei estimar a idade biológica relativa e a diagnose sexual
sempre que possível, observando a presença e/ou ausência de processos patológicos e
sinais de estresse em busca de traços que os individualizem, assim como os caracteres
não métricos, traumas peri-mortem e post-mortem, diferenciando-os de possíveis
pseudopatologias através da identificação de alterações tafonômicas macroscópicas
presentes nos ossos e dentes.
O protocolo utilizado para uniformizar e padronizar os critérios das análises
esqueléticas foi embasado no Standards for Data Collection from Human Skeletal
Remains (BUIKSTRA; UBELAKER,1994).
Os métodos empregados na análise dos remanescentes esqueléticos seguem,
então, de modo geral, as orientações de Buikstra e Ubelaker (1994). Foram usados
outros manuais auxiliares, eles são: o Human Osteology: Laboratory and Field de
William Bass (1995) e Guidelines to the Standards for Recording Human Remains de
Megan Brickley e Jacqueline I McKinley (2004) para diagnose sexual, estimativa de
idade biológica, alterações patológicas, sinais de estresse e de alterações naturais ou
culturais presentes nos ossos.
Deste modo, o protocolo da análise laboratorial e as fichas de análise foram
elaboradas a partir das fichas para ossos misturados e isolados (commingled and
isolated bones) e para esqueletos completos (quando as condições permitiam), propostas
por Buikstra e Ubelaker (1994). Para o estudo dos remanescentes ósseos. foram
elaboradas fichas de análise, que dependendo das condições do material estudado foram
readequadas. De modo geral, estes estudos visam contemplar análises morfológicas,
osteométricas71 e tafonômicas.
71
Com relação às medições, o material usado foi o paquímetro, compasso, papel milimetrado, régua e fita métrica.
148
Índice de robustez
O cálculo do índice de robustez aplicado em pelo menos dois casos foi feito com
base nas medições do úmero, fêmur, tíbia e clavícula, seguindo as recomendações em
Bass (1995).
Registro de Caracteres Não Métricos
Foram identificados alguns caracteres não métricos, observados em crânios,
ossos longos e dentes, embasados principalmente em Buikstra e Ubelaker (1994).
Caracterização odontológica
A dentição foi alvo de uma abordagem simplificada. Esta etapa foi apresentada,
a fim de caracterizar indivíduos com perda de dentes ante mortem, post mortem,
quantificação de dentes soltos, identificação dos presentes e não observáveis.
Estas observações foram embasadas no Standards (Buikstra; Ubelaker, 1994) e
em outros manuais especializados, como: Dental Anthropology (Hillson, 1996), para ver
o desgaste nos dentes; e gerais como Archaeology of Human Bones (Mays, 1998),
durante a observação dos desgastes oclusais e idade em indivíduos adultos.
Diagnose Sexual
Para a diagnose sexual morfológica nos indivíduos adultos, usei Acsadi e
Nemeskery (1970), Ferembach et al. (1980), Buikstra e Ubelaker (1994) e Bass (1995)
para as características morfológicas do crânio; e Acsadi e Nemeskery (1970),
Ferembach et al. (1980), Buikstra e Ubelaker (1994) e Bruzek (2002) para as
características morfológicas da pelve.
151
Ossos
planos --- --- --- Bass, 1995
Nesta acepção, não se deve pensar aqui em uma divisão binária entre masculino
e feminino, pois seja em sociedades antigas ou atuais existiam e existem certamente
“outros gêneros”.
A arqueóloga Glaucia Sene (2007, p. 37), ao trabalhar sobre questões de gênero
na Gruta do Gentio II em Minas Gerais, lembra que o estudo dos gêneros na
arqueologia deve levar em consideração também as crianças, os adolescentes e os
idosos. Afinal, estes podem desempenhar gêneros diferentes no tempo e no espaço, de
153
modo que uma mesma pessoa de um mesmo sexo (biológico) pode exercer diferentes
papeis sociais e gêneros ao longo de sua vida (SENE, 2007).
Deste modo, esta e outras referências etnográficas e arqueológicas sobre gênero
entre as sociedades ameríndias antigas ou atuais servem para refletir sobre o que o sexo
(biológico) identificado aqui, realmente, pode significar quando contextualizado.
Observação de Paleopatologias e sinais de estresse:
Neste quesito, as observações e registros dos processos patológicos e sinais de
estresse foram realizados a nível macroscópico e com o uso de lupa binocular. Estas
análises utilizaram igualmente as fichas propostas no Standards (BUIKSTRA;
UBELAKER, 1994).
Para a identificação de traumatismos, osteófitos, desgastes articulares, formação
de porosidades ósseas, sinais de estresse nos ossos e nos dentes, entre outros processos
patológicos. Foram utilizados como referência os seguinte manuais e compêndios: o
Identification of Pathological Conditions in Human Skeletal Remains de Donald Ortner
(2003) e o The Cambridge Encyclopedia on Human Paleophatology de Aufderheide,
A.C.; Rodríguez-Martin, C. (1998).
O termo estresse serve para descrever uma miríade de marcadores esqueléticos,
são os casos de remodelamento de ossos nos locais de inserção dos tendões, marcas de
desgaste dentário devido à atrição, hipoplasias e remodelações relacionadas à má
nutrição (MOLNAR, 2006, p. 1).
Entre estes sinais de estresse, foi possível ainda identificar algumas
entesofitóses, conhecidas também como marcadores de estresse ocupacional (MEO). O
que, segundo a arqueóloga e bioantropóloga Cláudia Rodrigues Carvalho (2004), é
usado para designar um conjunto de marcas patológicas e não patológicas, que podem
gerar indícios no esqueleto quanto a solicitações mecânicas ocorridas durante a vida
do indivíduo, principalmente as relacionadas às atividades repetitivas e cotidianas
(CARVALHO, 2004, p.12).
72
Marcadores de Estresse Ocupacional em Populações Sambaquieiras do Litoral Fluminense
73
Os sepultados de Jabuticabeira II, SC – insights e inferências sobre padrões fenotípicos, análise de modo de vida e
organização social através de Marcadores de Estresse Músculo-Esqueletal.
155
Para deduzir algumas das matérias primas, foram utilizados reagentes químicos
como HCL 10% em algumas amostras selecionadas para indicar presença de carbonatos
e o uso de Lugol para indicar a presença de amidos.
No Instituto de Pesquisas Tecnológicas e Científicas do Amapá (IEPA), tive
auxílio de pesquisadores ligados ao setor de Mastologia, Ictiologia, Entomologia,
Carcinologia e Geologia.
No IEPA, tive a oportunidade de visitar as coleções de referência de mamíferos,
e contei com a ajuda de técnicos especialistas e pesquisadores na identificação de outros
animais.
Do mesmo modo, contei com o auxílio de uma especialista em zooarqueologia
da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA).
Nesta dissertação, não foi realizado um estudo zooarqueológico74 de fato nos
restos faunísticos, mas sua contabilização e, quando possível, sua taxonomia e
identificação de possíveis marcas de uso ou alterações antrópicas. Por fim, a busca em
bibliografias especializadas sobre a ocorrência destes fragmentos faunísticos.
Abaixo, estão resumidos os protocolos com os procedimentos de escavação das
urnas em laboratório e os procedimentos laboratoriais de curadoria e análises
(embasados em BUIKSTRA; UBELAKER, 1994; PY-DANIEL, 2009; WHITE et al,
2012):
74
As análises zooarqueológicas estão em andamento. O que exponho aqui são apenas observações expeditas.
75
Com exceção de um terço de urna escavada por plotagens e tomada de alturas.
157
Figura 33: Urna funerária localizada no poço-teste 1 (PT01) e desmonte dos elementos esqueléticos por
plotagens. Fonte: Acervo IEPA.
A urna retirada em campo foi escavada em laboratório pela então técnica Daiane
Pereira, que realizou o desmonte dos elementos esqueléticos por meio de números de
plotagens.
Não há elementos seguros para saber o sexo biológico do indivíduo, pois o
esqueleto em questão, de modo geral, seria tido como robusto, com diâmetro dos ossos
longos espessos, alguns poucos fragmentos do crânio mais inteiros parecem ser mais
proeminentes e com díploe também espessa, ossos longos com inserções musculares
bem marcadas, e chama a atenção a presença de cortical muito espesso, principalmente,
nos fêmures, tíbias e em uma diáfise de um úmero.
A partir das fotos de campo do resgate emergencial da urna funerária do PT 01,
é possível ver que os ossos longos estavam dispostos em “feixe” junto à parede oeste da
urna, lembrando uma clássica descrição de sepultamento secundário. Somando- se a
isto, existe pouca representatividade dos ossos dos pés, mãos e esquelética em geral.
Neste caso, os processos tafonômicos, diagenéticos e a abertura da urna funerária pelos
curiosos podem ter contribuído para a perda de informações.
Na análise laboratorial, pode-se identificar um indivíduo adulto com idade
estimada de até 30 anos (MILES, 1963 apud MAYS, 2002), dada a presença de desgaste
oclusais nos dentes molares.
Em relação aos dentes, registrou- se vários graus de desgaste: dentes incisivos 4
a 5 graus, o que indica desgaste moderado; dentes molares 5 a 6 graus de desgaste
moderado a avançado (HILSON, 1996). Os dentes incisivos possuem uma morfologia
161
em formato de pá, algo comum segundo a literatura para grupos nativos americanos
(PEREIRA; MELLO; ALVIM, 1979; WHITE et al., 2012).
Quanto aos acompanhamentos internos, continham uma conta em dente e dois
artefatos cilíndricos em forma de fusos, confeccionados em rocha de coloração
esverdeada, que lembram tembetás (figuras 34 e 35).
3.2.1 Estrutura 42
A estrutura 42 (figura 36) é uma imensa fossa de formato irregular com
profundidade máxima de 90 cm e diâmetro máximo de 7, 5 metros, formada por um
grande conjunto de fossas preenchidas por terra preta, cacos cerâmicos decorados, que
possuem características que se assemelham à fase Marajoara, seguida de cacos
cerâmicos com estilo decorativo que são similares àquelas da fase Mazagão e
fragmentos cerâmicos com elementos diagnósticos referentes à fase Koriabo, além de
líticos brutos, entre eles: hematitas e limonitas, e pelo menos um lítico polido.
Essa fossa escavada no latossolo amarelado possui três deposições distintas,
delimitadas por seus respectivos conteúdo, sendo que todas estão envolvidas em um
único contexto de deposição. Como dito anteriormente, a fossa central, denominada 42,
contém o arranjo funerário (figura 25), seguida pela 42B e 42C, formadas por conteúdos
faunísticos, carvões e cerâmicas decoradas.
163
cm
Figura 37: Cerâmicas decoradas presentes na matriz de sedimento, que recobria o arranjo funerário da
estrutura 42 (Acervo IEPA - composição Alan Nazaré). Tais cerâmicas se assemelham ao estilo Ananatuba (A),
Mazagão (B), Marajoara (C) e Koriabo (D).
O arranjo funerário (figura 36) é formado pela deposição de três urnas funerárias
- A, B e C - contendo esqueletos humanos, uma vasilha votiva vazia e uma tigela
também vazia. Estas, por sua vez, delimitavam três deposições diretas no solo de
ossadas humanas - conjunto 1, 2 e 3.
164
Urna C
2
Urna B
Urna A
3
1
Figura 38: Arranjo funerário na estrutura 42A: No sentido horário temos a urna A, B e C (com uma vasilha
posicionada à frente da mesma). Delimitada pelas urnas também no sentido horário, temos o conjunto 1, 2 e 3.
(Fonte: Acervo IEPA).
3.2.1.2.1 URNA A
Acompanhamentos externos:
A urna A é uma vasilha lisa com lóbulos ou “gomos” (figura 39), possuindo 15
cm de diâmetro de abertura e 18 cm de altura e, segundo Alan Nazaré (apud Cabral e
Saldanha, 2012), possui banho monocrômico vermelho na superfície externa. Na parte
interna da urna, junto à base, foram encontradas concreções de cálcio dos ossos, que
estavam aí depositados e grudados, provavelmente devido à dissolução dos sais
minerais em virtude da descalcificação e dos processos diagenéticos ocorridos no local.
Figura 39: urna funerária lisa com gomos e tampa com decoração amarela longitudinalmente junto à borda
(Acervo IEPA).
165
A tigela, que servia de tampa (figura 40), possui 18,5 cm de diâmetro e tem
banho monocrômico branco na superfície externa e interna. Na superfície externa, junto
à borda, há uma faixa amarela sobre o banho branco. Na interna, já meio apagado pela
ação do tempo, há indícios de pintura preta sobre o fundo branco, formando decorações
curvilíneas por toda a parede interna próximo à borda (figura 41).
Figura 40: tampa com pintura em faixa amarela na borda logitunalmete junto à superficie externa, cobrindo
toda a circunferência. (Acervo IEPA).
Figura 42: Foi observada a presença de dois crânios, que não resistiram à escavação devido à extrema
friabilidade. (Acervo IEPA).
Ao norte, ao lado de uma das concentrações de ossos chatos, que lembram uma
abóboda craniana, é possível observar um fragmento de osso, que pode ser de uma
pelve, porém este estava muito friável e não resistiu ao ser retirado da urna.
Em cima desses ossos chatos, foi possível evidenciar dentes decíduos,
fragmentos de costelas e um de mandíbula.
167
Abaixo destas concentrações, depois de tirar o sedimento que estava abaixo das
mesmas, foram recolhidos diversos fragmentos de costelas, de corticais de ossos longos
e chatos, falanges, arcos neurais de vértebras, fragmentos de ossos que permitiram
visualizar pedaços de maxila, e processos alveolares de uma mandíbula ou maxila com
um dente molar ainda não erupcionado, além de traços de dentes molares ainda não
erupcionados e outros cacos mais reduzidos de dentes.
Próximo à base e finalizando a escavação, abaixo dos ossos mencionados acima,
foram evidenciados um fragmento de mandíbula encontrado ao oeste. Junto a este,
estendendo-se ao leste na urna, ao ver as fotos de campo, é possível observar que há
vários ossos longos. Entre esses, percebe-se uma fíbula com a porção distal e proximal
estendida horizontalmente de sul a norte. Entre a fíbula e a mandíbula, é visível alguns
ossos irregulares, que parecem ser de dois corpos vertebrais não fusionados.
Mais ao oeste, temos outras costelas, um osso que parece ser uma clavícula,
quatro diáfises de ossos longos, deitados com a porção distal e proximal de leste a oeste.
Ao norte destes ossos longos, é possível identificar mais fragmentos de crânio, com o
cortical descamado, aparecendo a díploe (figura 43).
Figura 43: Igualmente ao crânio, vários ossos longos não resistiram à escavação devido à extrema friabilidade.
(Acervo IEPA).
76
Para a contagem dos fragmentos ósseos, contei com a ajuda da bolsista de apoio técnico Rafaela Soares.
169
Figura 45: Mandíbula com lesão externa aparente e porosidades adjacentes à tal lesão.
171
Figura 47: Parte basilar do occipital que permitiu estimar a idade; observa-se a superfície com porosidades,
indício de hiperostose porótica.
O resultado obtido na medição dos ossos foi comparado com tabelas de idade e
medidas desses pesquisadores. A idade obtida foi em torno 9 meses a 1 ano e 4 meses.
As medidas obtidas foram: a largura máxima* (lado esquerdo fragmentado, mas ainda
permitindo sua medição com segurança) da parte basilar igual a 20 mm, altura sagital
igual 15 mm e altura máxima a 18 mm.
Quanto às patologias ou aos sinais de estresse, foi identificada, em um
fragmento de uma das mandíbulas, uma lesão porótica e, na parte basilar do osso
occipital, porosidades, provavelmente associadas aos processos que levaram ao aumento
de vascularização na área (ORTNER, 2003).
3.2.1.2.2 URNA B
A urna B é uma vasilha globular lisa (figura 48), que possui diâmetro da abertura
de 20 cm e altura de 34 cm. Já a tampa é formada por uma tigela carenada (figura 49) e
possui diâmetro da abertura com 26 cm.
173
Figura 48 e 49: À esquerda, urna funerária globular e lisa e à direita tigela/tampa lisa carenada. (Acervo
IEPA).
Figura 50 (esquerda) e 51 (direita): Processo de escavação em campo da urna funerária B, percebe-se o crânio
depositado com a calvária voltada para baixo encimando as pelves e a face orientada para oeste, assim como os
ossos longos posicionados encostados na parte posterior do crânio e outros deitados horizontalmente junto ao
crânio. (Acervo IEPA).
Foi aplicada o adesivo plástico PRIMAL nos ossos desta urna, a fim de que os
mesmos pudessem ser retirados e transportados, diminuindo a fragmentação e a perda
de informação.
Acompanhamento interno:
Foi identificado um fragmento de diáfise de um pequeno osso longo não
humano, proveniente de fauna ainda não identificada.
Descrição osteológica:
O adesivo plástico PRIMAL, apesar de ter auxiliado na preservação dos ossos,
acabou criando uma película amarelada e com sujeira, que além de difícil remoção,
acaba dificultando a observação da superfície dos ossos.
O estado de preservação óssea varia de grau 1 ou 100% a 75% completo; grau 2
ou de 75% a 25%; e grau 3, significando um péssimo estado de preservação, com menos
de 25% de elementos ósseos completos (Buikstra; Ubelaker, 1994).
O estado de preservação, em geral, foi de grau 2, significando um bom estado
de preservação óssea, possibilitando algumas análises métricas e morfológicas, que
podem corroborar para um maior esclarecimento acerca das perguntas estabelecidas
para este estudo. Além disso, permite vislumbrar o quanto os processos tafonômicos
estavam agindo no registro arqueológico.
Foi necessário reorganizar os fragmentos ósseos e observar a presença ou não de
pareamento dos ossos longos, buscando observar a lateralidade. Foram, então,
separados alguns fragmentos ósseos de corticais menores que 20 mm, de trabeculares
175
não identificados e fragmentos que variam de 20 a 30 mm, mas que estavam muito
frágeis e friáveis.
A realização da contagem do número mínimo de indivíduos (NMI), que deu
resultado de pelo menos dois indivíduos, foi realizada a partir do pareamento dos ossos
e das comparações na textura e na coloração dos ossos, juntamente com a ajuda das
fotografias de campo. Os ossos identificados são: uma clavícula direita, um úmero
esquerdo, um úmero direito, uma ulna direita, um rádio direito, um fêmur esquerdo, um
fêmur direito, uma tíbia direita, uma tíbia esquerda, uma fíbula esquerda, uma fíbula
direita, um sacro, uma pelve esquerda, uma pelve direita, falanges da mão esquerda,
metacarpos da mão direita e esquerda e metatarsos do pé direito.
O crânio estava com grau de integridade/completude igual a 1, com ótimo estado de
conservação. As vértebras presentes são as cervicais (todas as sete vértebras), as
torácicas (dez vértebras), lombares (quatro vértebras) e sacrais, faltando apenas o
cóccix. Ainda foi identificada a primeira costela direita e dezesseis fragmentos de
costelas mais preservadas que puderam ser agrupadas entre as 3as e 10as costelas, do lado
direito e esquerdo. Foi identificada a escápula direita (fragmentada) e uma mandíbula.
Dos ossos das mãos, apenas o 3o metacarpo esquerdo, o 40 metacarpo direito e a 50
falange proximal esquerda, foram possíveis de identificar.
Dos ossos dos pés, foi reconhecido apenas o 40 e 50 metatarso direito e outros
fragmentos de osso do pé aderido, com o consolidante aplicado em campo, na 1a
vértebra (Atlas), que parece se tratar de um calcâneo, apesar de não ser possível precisar
sua lateralidade. Existem alguns fragmentos que, posteriormente, foram reconhecidos
como um fragmento da clavícula esquerda, fragmentos de uma das vértebras faltantes,
com arco neural e corpo presentes. Foram também encontrados ossos dos pés, dois
tarsos, um cuneiforme lateral e um intermédio direito.
Durante a triagem dos ossos, foi identificada a presença de restos esqueléticos de
outro indivíduo (figuras 52 e 53), como a parte petrosa do osso occipital com o meato
acústico presente (lados esquerdo e direito), de um indivíduo não adulto maior que seis
meses de idade. Foram encontrados, ainda, um dente decíduo incisivo superior, um
molar permanente não erupcionado e um segundo molar superior decíduo com leve
desgaste, o que indicaria um indivíduo não adulto com idade entre 18 meses (+/- 4
meses) a 2 anos (+/- 8 meses). Além destes, foram encontrados fragmentos de diáfises
de ossos longos diminutos e com cortical muito fino, de ossos da calota craniana como
176
o córtex interno e externo preservados, possuindo espessura muito fina e com suturas
visíveis, assim como um osso da parte interna do crânio.
Figura 52: Fragmentos de ossos de calota craniana, meatos acústicos de osso temporal e fragmentos de ossos
longos.
fissuras longituginais e laminações. Este fissuramento pode ser devido à junção de três
fatores: dois deles antigos, relacionados à erosão, devido ao contato e ao atrito com o
solo em volta; à umidade e possível acidez do solo e ao atrito com as raízes; e o último
fator é a própria escavação e o transporte dos ossos.
Os ossos, que se encontravam na parte inferior do interior da vasilha, estavam
com processos erosivos de menor grau, com ossos mais preservados e completos.
Para a identificação do sexo e da idade, o crânio, a pelve esquerda e direita, a
clavícula direita, o rádio direito e o úmero direito foram as partes que mais podemos
retirar informações e observações gerais. Estes ossos estavam com estados de
preservação/completude considerados como ótimos e bons (graus 1 e 2) (BUISKSTRA;
UBELAKER, 1994).
A diagnose sexual foi realizada, principalmente, a partir das observações na
pelve e no crânio, assim como caracteres não métricos - morfologia, circunferência e
diâmetro dos ossos longos.
Com as observações morfológicas e alguns poucos exames métricos, foi
estimado que os ossos mais preservados e completos, que se encontravam na urna B,
pertenciam a um indivíduo do sexo feminino, embasado em características da pelve,
como: a incisura isquiática maior ampla, a superfície auricular elevada e mais lisa, a
presença do sulco pré-auricular, a tuberosidade isquiática pequena e outros aspectos que
caracterizam um indivíduo feminino.
O crânio possui a maior parte dos caracteres observados, muito suave,
tipicamente femininos, como: a glabela, arcos superciliares, ínion delicados, entre
outros aspectos. Os diâmetros e circunferências do úmero, tíbia e fêmur possuem
valores que parecem ser femininos. Outros ossos longos, a clavícula e o úmero, levam a
diagnosticá-la como um indivíduo grácil, que possui características com poucas
marcações musculares e mais suavizadas, assim como no crânio e na pelve (figuras 54 e
55).
178
Figura 56: Fêmur esquerdo com antiga fratura óssea e deformidade na área de inserção muscular, com
descontinuidade e calo ósseo em fase de reabsorção.
Figura 57: Abertura septal junto ao forame do olecrano do úmero direita, característica tipicamente descrita
para indivíduos femininos.
3.2.1.2.3 URNA C
A urna é antropomorfa (figura 60) de formato cilíndrico, na qual está
representada uma figura masculina com enfeites e adornos, sentada em um banco
retangular.
Ao contrário das outras urnas, que são vasilhas e tigelas, que compõem,
respectivamente, a urna funerária, esta foi confeccionada como uma só, com duas peças
destacáveis formando o corpo sentado a um banco destacado de uma cabeça, que é a
tampa da urna.
A urna C possui uma abertura com diâmetro de 27 centímetros de circunferência
e uma altura total (corpo com banco + cabeça com diadema) de 58 centímetros.
O corpo tem os braços cruzados sob as pernas, com dois braceletes, que possuem
perfurações que parecem ter sido feitas para o encaixe de penas. Assim como as pernas,
que possuem tornoseleiras também com pequenas perfurações, que levam a supor que
poderiam ter sido usadas para o encaixe de plumas. Os pés possuem cinco dedos em
cada membro inferior direito e esquerdo.
O corpo ainda possui a genitália masculina representada, feita com aplique
modelado. Este corpo jaz sobre um banco quadrangular. A mão do membro superior
esquerdo, aquele que se apoia sobre o antebraço do membro superior direito, possui seis
dedos, a mão direita não é possível saber, pois a mesma está fragmentada onde estariam
os dedos. Estes seis dedos seriam propositais?
Quanto à presença de pintura, o corpo possui banho monocrômico branco na
parte externa, localizados nos braceletes dos membros superiores e nas tornoseleiras dos
membros inferiores da urna.
Em relação à cabeça, que possui banho monocrômico amarelo, esta possui
sobrancelhas, dois olhos com formato de grãos de café, nariz, boca, queixo pronunciado
e duas orelhas com perfurações nos lóbulos, como se tivessem brincos, onde talvez se
encaixassem penachos. No topo da cabeça, existe uma espécie de coroa ou diadema, ou
ainda uma representação de cabelos.
A urna, tanto a cabeça quanto o corpo, possui algumas projeções ou saliências
junto às costas (chegam, de longe, a lembrar “vértebras”), que começam em dois ramos:
dois menores, que ficam na cabeça, projetando-se da parte traseira do diadema e saindo,
do meio destes, um ramo que continua como único até chegar à altura da cintura,
reforçando ainda mais a ideia de adornos e corpo altamente decorado, podendo se tratar
183
de uma espécie de cordão da parte traseira da diadema, o que é muito comum em alguns
povos indígenas na Amazônia, são exemplos: os Palikur e os Karipuna do Oiapoque,
que usam “coroas radiais (kuhon, patoá; iyuli, palikur) [que] são delicados diademas
feitos de penas de aves de várias cores, presas em uma armação de trançado ou
algodão” (VIDAL, 2007), do qual é preso ao “butiê (ou mamã solei, patoá; maibá,
palikur) , um ornamento ritual de cordões de miçanga e borlas de algodão usado nas
costas amarrado ao butiê ou ao cabelo” (VIDAL, 2007), usufruídos nas festividades
por homens e mulheres.
A urna C tinha à sua frente uma vasilha globular lisa77, dentro desta foi
encontrado sedimento escuro e mesclado, ao fundo da mesma uma pequena tigela vazia.
Parece, pela posição em que se encontravam a urna antropomorfa e a
urna/vasilha D, que a última seja uma um acompanhamento externo da urna C, talvez o
conteúdo que tinha dentro da vasilha e da tigela tenha se decomposto a muito tempo.
Por esse motivo, foram recolhidas amostras de sedimento para futuras análises.
Figura 60:Urna antropomorfa Caviana. Percebe-se semelhanças entre esta urna e algumas estatuetas
antropomorfas da cerâmica tapajônica do Baixo Amazonas. (Acervo IEPA).
77
O bolsista de apoio técnico Alan Nazaré está remontado esta vasilha.
184
Figura 61: Inicio da desmontagem em laboratório do esqueleto contido na urna C. Percebe-se a mandíbula
destacada, encimando todos os outros ossos. (Acervo IEPA).
Figura 62: Ossos longos, em feixes verticais, encostados nas paredes internas da urna C. (Acervo IEPA).
crânio, com os ossos parietais voltados para cima, na qual infelizmente a face não se
preservou por completo, estando fragmentada demais para saber a sua posição dentro da
urna. Este crânio foi limpo e retirado o sedimento ao seu redor, envolvido com filme
plástico PVC com sedimento no interior para não fragmentá-lo ainda mais, sendo então
consolidado com Primal e acondicionado na reserva técnica do Laboratório Peter
Hilbert.
Figura 63: Crânio no fundo da urna, depositado com a calvária para cima, a face estava muito fragmentada.
Percebe-se pigmentação vermelha na superfície externa do crânio. (Acervo IEPA).
Uma observação, que chamo aqui a atenção, é a posição dos ossos dentro da
urna. Com os ossos longos encostados na parede, a mandíbula desconectada encontrada
na superfície e o crânio na base da urna. Somem-se a isto, os ossos pintados de
vermelho. Essa descrição dos ossos, em urna funerária antropomorfa, é muito parecida a
descrita por Nimuendajú em Rebordello, na ilha de Caviana (NIMUENDAJU, 2004).
Figura 64: Fragmentos de clavículas pintadas de vermelho e com alterações tafonômicas tipo weathering
Figura 65: Fragmentos da face do crânio puderam ser remontados, como a porção orbicular do osso frontal.
78
Serão feitos exames de difratometria de raios x para elucidar esta questão.
189
percebesse que este processo já começou nas cristas ilíacas das duas pelves, estando
praticamente fechado.
O mesmo pode-se dizer da tuberosidade isquiática, que termina de fusionar aos
24 anos em homens, presente neste indivíduo e parece estar parcialmente fusionada.
Estimou-se, inicialmente, que este indivíduo tivesse entre 16 e 24 anos, sendo um
adolescente a adulto jovem. Porém, como veremos abaixo, a julgar pela espessura dos
corticais dos ossos longos, pela robustez dos ossos longos, pelos desgastes nos dentes e
pelas entesofitoses presentes neste indivíduo, julgo que teria uma idade mais avançada,
já ultrapassando, provavelmente, os 20 anos de idade, talvez mais próximo aos 24 anos
de idade.
Quanto aos processos patológicos e aos sinais de estresse, foi identificado
hiperostose porótica situada no osso frontal. A hiperostose porótica é uma alteração
predominante nos ossos frontais e parietais e possui um aspecto granular, relacionado
aos desequilíbrios metabólicos (subnutrição e/ou doenças), podendo estar relacionado às
anemias ferropênica, à anemia hemolítica, aos estados de má nutrição, às infecções e às
verminoses (CERDA et al., s/d, p.2).
Os ossos longos desse indivíduo possuem um aspecto robusto com fortes
marcações musculares e cortical espesso (figura 66).
Figura 66: Ossos longos de aspecto robusto e índices de robustez elevados, além de inserções musculares muito
bem marcadas.
Neste quesito, foi possível identificar pelo menos três entesofitóses, que podem
permitir inferir atividades ocupacionais. Foi identificada uma hipertrofia da crista do
190
Também foi identificada uma provável entesofitóse do ancôneo nas duas ulnas,
mais acentuada na ulna esquerda, descrito como uma elevação saliente, extendendo-se
da superfície postero lateral do olecrano para a borda dorsal da diáfise da ulna. Este
estresse é devido a assistência que o tríceps recebe do músculo ancôneo na extensão da
articulação húmero-ulnar, particularmente ativa quando combinada com a pronação.
Esta entesofitóse “anconeus enthesopathy”, segundo Capasso, Kennedy e
Wilczak (1999, p. 67), já foi relacionada aos caçadores-coletores do sudeste asiático. Os
autores descrevem que a entesofitóse do ancôneo pode estar relacionada com o
crescimento da crista do supinador, o que também está presente na ulna esquerda deste
indivíduo, o que indicaria que tais hipertrofias poderiam estar associadas com o
lançamento frequente de projéteis (CAPASSO; KENNEDY; WILCZAK, 1999, p. 67).
No entanto, pode estar relacionada também com o carregamento de fardos
pesados, agarrando-os com os braços, igual ao exemplo dado pelos autores em relação à
técnica corporal de algumas populações Esquimós (CAPASSO; KENNEDY;
WILCZAK, 1999, p. 67).
Do mesmo modo, foi possível observar uma entesofitóse do pronador/supinador
na ulna direita e esquerda (mais acentuada na esquerda), decorrente da hipertrofia das
inserções do pronador quadrado e redondo do rádio. Há também o desenvolvimento de
191
3.2.1.2.4 CONJUNTO 1
Descrição osteológica
De maneira geral, a conservação dos ossos do conjunto 1, segundo o escore
sugerido por Buikstra e Ubelaker (1994), é de grau 2, ou seja, beirando em torno dos 25
a 75 % de conservação. Neste caso, representando em torno de 25 a 30% de
conservação, prevalecendo um estado ruim a médio de conservação. Muitos ossos se
quebraram durante a exposição, a escavação, a remoção, o acondicionamento e o
transporte dos mesmos. Isso se deve, principalmente, devido ao contato direto dos
elementos ósseos com a terra em sua volta, ajudado pelas perturbações naturais de
origem animal e vegetal, e à pressão do solo sobre os mesmos.
Muitos ossos apresentam raízes, que transpassam os ossos longos, tanto no eixo
longituginal, por dentro da cavidade medular, quanto no eixo transversal de ossos
longos e costelas, fazendo com que se fragmentassem ainda mais. Por este e outros
motivos elucidados acima, foi aplicado o consolidante PRIMAL em campo na
superfície dos ossos, o que garantiu uma melhor estabilidade durante a escavação, a
remoção e o transporte dos mesmos.
Os ossos do conjunto 1, devido a sua conservação e a sua integridade, não
permitiram uma análise de maneira mais detalhada, sendo realizadas observações gerais,
pois os eles estavam muito quebradiços e extremamente friáveis, sendo possível
somente reconstituir alguns pequenos fragmentos ósseos e remontar algumas peças
anatômicas, que apresentavam indícios de quebra recente e constituição mais resistente,
sendo colados alguns ossos com um PVA (cola comum).
Muitos fragmentos ósseos estão com sedimento agregado na superfície cortical
e, em alguns ossos longos com a cavidade medular, preenchida por sedimento. Foram
reconhecidos ossos longos, curtos e chatos. Alguns corticais de ossos não puderam ser
identificados, sendo apenas identificados como corticais.
Em um primeiro momento, foram separados os ossos por formas e realizada uma
triagem com os fragmentos ósseos reconhecíveis, com tamanhos mínimos de 2,5 cm e
que apresentassem características anatômicas reconhecíveis.
Durante a higienização, optou-se apenas pela limpeza mecânica dos ossos
(devido à friabilidade). Foi utilizado o PRIMAL com uma parte de água para duas
partes de álcool 97°, que consolidou os ossos, deixando parcialmente estáveis. Alguns
desses ossos foram deixados com terra agregada na superfície e em blocos de terra, já
alguns fragmentos de diáfises de ossos longos puderam ser limpos na superfície externa.
194
No canal medular de alguns ossos longos, foi possível retirar, cuidadosamente, a terra
aderida79.
O crânio encontra-se achatado, provavelmente, ao que as evidências indicam,
devido à pressão do solo. O lado esquerdo da face e o neurocrânio estão com a
superfície mais preservada e mais integra. Este lado estava em contato com o chão,
podendo ter sofrido menos com os possíveis remeximentos do solo devido à
bioperturbações de origem vegetal e animal. Estes ossos podem ter sido depositados
embrulhados em um invólucro ou em uma mortalha de fibra vegetal, que, após se
desintegrar os espaços internos, teriam sido preenchidos com o sedimento circundante,
que entraria nos espaços vazios e que não estariam em contato com o solo, tornando o
lado direito da face mais friável, com aparente erosão.
A preservação do lado direito do crânio está em condições de preservação muito
inferiores em comparação ao lado esquerdo, que apesar da deformação e do
achatamento ainda possui forma definida, reconhecível e bem preservada.
O crânio apresenta diversas quebras pós deposicionais e recentes, ocasionadas
tanto pela pressão do solo quanto pela presença e contato de/com raízes e radículas, que
perpassam o crânio e seu interior. Na face e no neurocrânio, é possível observar que
algumas raízes atravessam a calota e o esplacnocrânio. Talvez seja o principal
responsável pela fragmentação do lado direito. Foi observada uma raiz de 5,8 mm de
diâmetro, que parece ser responsável por boa parte da fragmentação ocorrida. A base do
crânio também está afetada e deformada, porém os danos são menores, apresentando a
superfície mais conservada.
A erosão, observada nas porções do crânio do lado direito da face, no
neurocrânio e na maxila, é, segundo graduação sugerida por Buikstra e Ubelaker (1994),
de grau 4. Na maior parte do parietal esquerdo, é de grau 1. Já o lado esquerdo da face e
da base do crânio é de grau 2 e o occipital é de grau 3.
Na calota craniana, o parietal esquerdo apresenta quebras e rachaduras com
bordas quadradas, típicas de quebras ocorridas depois de um longo período após a
morte, quando já ocorreu perda significativa de colágeno. A base do crânio também
possui uma rachadura, que vai da crista occipital externa, junto à margem posterior do
forame magno, até a sutura occipitomastóidea inferior e posterior ao processo mastoide.
79
Este sedimento foi recolhido para posterior análise físico-química e comparação com outras amostras recolhidas
dentro das urnas, dentro da cavidade medular de outros ossos longos, dentro de crânios e do preenchimento das
estruturas funerárias.
195
Figura 69: Crânio com características morfológicas que se assemelham ao que se espera encontrar em
indivíduos femininos.
Para a idade, foi constatado, através da eclosão de dois molares e não oclusão do
terceiro molar superior esquerdo, juntamente à presença da sincondrose esfeno-occipital
já em fase de fechamento e a sutura lambdóide aberta, que a idade biológica deste
indivíduo é de 15 a 20 anos, o que o classificaria como um adolescente ou adulto jovem,
de acordo com a classificação etária sugerida em Buikstra e Ubelaker (1994).
A diagnose sexual, tentativamente, foi baseada em dois atributos, diga-se:
processo mastoide e margem supraorbital, que possuem escore -1 (ASKADI;
NEMESKERI, 1977), o que indica um indivíduo, possivelmente, do sexo feminino.
Foi identificada apenas uma vértebra, a terceira vértebra torácica, além de três
fragmentos de costelas, não sendo possível identificar a lateralidade e a localização.
Foram identificados fragmentos de ossos longos dos membros superiores, diga-se:
úmero, ulna e rádio, um exemplar de cada, porém não foi possível estipular a
lateralidade. Para os ossos longos dos membros inferiores, foi possível identificar o
terço médio da tíbia direita um fragmento de fíbula, não sendo foi possível identificar
com segurança a lateralidade.
196
3.2.1.2.5 CONJUNTO 2
e nos vídeos, é possível observar oito ossos longos, sendo possível identificar duas
fíbulas, dois fêmures, duas tíbias e outros ossos longos fragmentados, que parecem ser
dos membros superiores. Estes ossos longos pareciam estar dispostos empilhados aos
pares. Junto aos ossos logos, foram identificados ainda ossos do tarso com aparente
conexão anatômica, podendo indicar deposição de corpo com as partes moles não
completamente decompostas.
Devido à grande quantidade de ossos faltando, à colocação dos ossos longos em
feixes apertados junto à pelve, a uma provável pigmentação vermelha, à clara
desconexão do crânio posicionado ao lado da pelve e com o rearranjo dos ossos, não
coloca dúvidas de que este se trata de um sepultamento secundário.
Descrição osteológica
Estes ossos apresentam uma aparência frágil e devem ter se pulverizado durante
o processo de escavação, de remoção e de transporte dos mesmos, sobrando apenas
alguns fragmentos de ossos longos em blocos de terra, pequenos corticais de ossos
longos e fragmentos de ossos irregulares e planos. O grau de completude é de 25 a 75%
de elementos esqueléticos presentes.
Os ossos apresentam um estado de conservação considerado como ruim, estando
muito friáveis e pulverulentos ao toque. Decidiu-se não usar o primal, porque o mesmo
acarretaria na destruição de importantes informações, não sendo possível realizar
também nenhuma limpeza a seco. Por conta disso, foi decidido que seriam tiradas fotos
dos blocos de terra com ossos com recondicionamento dos mesmos para posterior
consolidação e análise. Foi realizada a análise dos ossos, com o pouco que pudemos
registrar com os ossos com terra aderida.
No laboratório, não foi possível reconstituir os ossos longos, devido aos mesmos
encontrarem-se muito fragmentados e friáveis. Muitos elementos ósseos se
desintegraram ao ponto de não poderem ser montados. Por isso, as informações do
campo (fotos) ajudaram na identificação dos mesmos. Foram identificados, em
laboratório, fragmentos de uma mandíbula e fragmentos de uma pelve. Todos os outros
ossos, ao chegar ao laboratório, já estavam muito fragmentados, sendo a maioria
composta por corticais diversos, a maioria identificada como pertencentes aos ossos
longos descritos acima. Puderam ser identificados os fragmentos de ossos longos de
uma tíbia (epífise distal e de diáfise), de diáfise de tíbia, de diáfise de fíbula e de diáfise
de fêmur.
199
Foi observado também em alguns ossos (os tarsos, o crânio e alguns fragmentos
de ossos longos) uma pigmentação vermelha na superfície dos mesmos, muito discreta e
somente em algumas porções dos ossos. Esta pigmentação poderia ter como explicação
o próprio sedimento circundante, repleto de lateritas e hematitas. Apesar desta estrutura
ser preenchida de sedimento escuro, a presença de lateritas ainda é constante. Mesmo
não tendo sido registrado a presença de rochas corantes, não podemos descartar esta
possibilidade. Mas, o fato de que este esqueleto ter sido inumado, provavelmente, em
um invólucro perecível, pode explicar o porquê da pigmentação avermelhada aparecer
apenas em algumas porções dos ossos longos e curtos e do crânio, não tendo, assim, um
microambiente protetor, formado por uma urna funerária, por exemplo.
3.2.1.2.6 CONJUNTO 3
Figura 72: Conjunto 3 - Ossada humana mais ao oeste, cuja disposição difere dos outros dois pacotes ósseos.
nasal, os etmóides, o arco zigomático e a maxila. Os ossos mais íntegros são o frontal, a
face frontal do orbicular direito e esquerdo, os parietais e o occipital.
Há uma concreção de sedimento aderido na face do crânio. A deformação do
crânio parece ser devido à pressão exercida pelo peso, compactação do sedimento
acima, e pela volta do mesmo. É notável, principalmente no osso frontal e no occipital,
as quebras e as fragmentações oriundas pela quantidade de raízes e de radículas, que
transpassavam o crânio (figura 73).
Foram retirados apenas os sedimentos que se soltavam naturalmente do crânio,
pois o mesmo estava muito friável. Esta concreção de sedimento, aderido na face,
possui ossos longos inseridos, que também estão muito frágeis, friáveis e pulverulentos.
Optou-se, então, por não retirar os ossos longos, tirando apenas parte do sedimento
aderido ao crânio, sendo estes identificados como duas epífises proximais de fíbulas
direita e esquerda, uma epífise proximal de uma tíbia e um fragmento de uma clavícula.
Não foi possível realizar análises seguras quanto ao sexo, à idade e aos
processos patológicos nos crânio, pois o estado de conservação do mesmo não permitiu.
No entanto, foi observado o bordo supra orbitário esquerdo, que é o único elemento
diagnóstico do crânio, que permitiu uma observação sobre o sexo, obtendo o grau 4, o
que indicaria uma característica mais comum em indivíduos masculinos.
Figura 73: Crânio mantido junto a bloco de terra com epífises de ossos longos aderidos.
Os ossos longos (figura 74), como dito anteriormente, estão em um bom estado
de conservação e com integridade de boa a média. Foram reconhecidos dois fêmures
(direito e esquerdo), duas tíbias (direita e esquerda), dois úmeros (direito e esquerdo),
duas fíbulas (direita e esquerda), um rádio esquerdo e duas clavículas.
204
Figura 74: Ossos longos de aspecto robusto e com inserções musculares bem marcadas.
Quanto aos ossos longos, alguns fragmentos foram colados quando estava claro
que a quebra era recente. Foram tomadas medidas da circunferência e do diâmetro do
fêmur, do úmero e da tíbia. As medidas da circunferência do fêmur direito e esquerdo,
respectivamente, deram resultados 87 e 90 mm, típico de indivíduos do sexo masculino.
Quanto à idade, pôde-se observar que a epífise distal da fíbula esquerda já se encontra
fusionada, sendo estimada uma idade entre 14– 19 anos. E devido ao fusionamento do
trocânter maior do fêmur direito, foi estimada uma idade entre 15– 20 anos.
Os ossos longos, como o fêmur direito e o húmero direito, exibem marcações
musculares bem assinaladas.
Os ossos longos apresentam diversas alterações tafonômicas, prevalecendo a
erosão da superfície óssea, de maneira mais branda do que foi visto no crânio. A
graduação obtida para estes ossos foi de 2 a 3 graus de erosão, estando os mesmos sujos
de terra e consolidados com o primal, o que impediu uma melhor limpeza dos mesmos.
Apesar da baixa friabilidade dos ossos, preferiu-se não utilizar água para não destruir a
superfície óssea. A integridade dos ossos longos varia de 25 a 75% completos, da
mesma forma que o estado de conservação dos ossos longos, que varia de 25 a 75%,
com as diáfises mais conservadas que as epífises.
Foi encontrado apenas um dente pré-molar fragmentado, aderido à maxila e à
concreção de terra. Não foram encontrados outros dentes, nem na maxila e nem soltos
junto aos ossos. Da mesma forma, não foram identificados fragmentos da pelve, das
205
escápulas, das rótulas, dos metatarsos, dos tarsos (foi identificado somente um
fragmento de navicular), dos carpos, dos metacarpos, das falanges dos pés e da mãos,
das vértebras e da maioria das epífises dos ossos longos, com exceção das fíbulas e da
tíbia esquerda. Em relação às epífises do fêmur direto não foi encontrada a cabeça,
porém o colo anatômico e os trocânteres estavam, parcialmente, preservados.
Além dos ossos listados acima, puderam ser identificadas, com mais precisão:
quatro fragmentos de costelas, um do corno posterior do osso hioide e um processo
articular de um tarso, que parece pertencer a um navicular. Outros elementos ósseos,
que não puderam ser identificados, são formados por fragmentos corticais diversos e de
ossos longos de tamanhos variados, sendo uma maioria composta por 69 corticais
menores que 10 mm.
Foram separados 20 corticais diversos, com diâmetro máximo variando de 14 a
65 mm, sendo que, pelo menos três, poderiam se tratar de fragmento de pelve, de
escápula e de patela. Porém, devido à fragmentação, não é possível afirmar, já não há
fotos dos mesmos em campo.
O número mínimo de indivíduos foi de apenas um. Não foram encontradas
duplicatas nos ossos longos, nem de nenhum elemento ósseo, que leve a pensar que se
trate de mais de um indivíduo.
Juntando as informações das fotos, tiradas em campo, e a análise esquelética,
reforçamos que a posição dos ossos longos em feixes estava ao lado noroeste do crânio.
O crânio estava desconectado, com a ausência de qualquer conexão com vértebras que
estavam ausentes. Este estava com a face parcialmente voltada para baixo, ao noroeste
e, fortemente, deformado no eixo craniocaudal.
A posição das epífises proximais das fíbulas estava em contato direto com a
face. Além disso, as duas extremidades distais de um fêmur, a epífise proximal de uma
tíbia e um fragmento de uma clavícula estavam, também, posicionados abaixo da face
do crânio.
O “pacote” de ossos é formado por vários fragmentos ósseos, desde ossos
esponjosos aos fragmentos de costelas (e provavelmente outros elementos do esqueleto
axial, que não se preservaram), que estavam posicionados ao leste do crânio e ao
sudeste do feixe.
Estavam ausentes, no registro de campo e nas observações de laboratório,
qualquer fragmento de pelve, ao norte do crânio, e fragmentos de escápula, ao sul.
206
Descrição Geral
A estrutura 1043 (já descrita no capítulo 1) é um poço com abertura oval,
apresentando um metro e oitenta cm de diâmetro máximo.
O preenchimento do poço, nos primeiros 50 a 60 cm de profundidade, era
formado por sedimento de coloração escura acinzentada, com uma grande concentração
207
Figura 76: Urna funerária globular com vasilha emborcada servindo de tampa, ladeada por fragmentos de
potes e de tigelas.
Acompanhamentos externos
A urna funerária possui uma abertura com diâmetro de 25 cm, uma altura (base
borda) de 50,5 cm, um diâmetro da base de 17,5 cm, uma espessura média de 1,6 cm e
um diâmetro de bojo de 41 cm.
208
Figura 77 e 78: urna globular lisa à esquerda e a vasilha/tampa aberta lisa à direita.
Figura 80: Sequência de potes e de tigelas encontradas dentro da câmara lateral e das adjacentes à urna
funerária, ao leste, ao oeste e ao norte da mesma.
Escavação em laboratório
Dentro da urna escavada em cinco “níveis” artificiais, relacionadas à retirada dos
ossos, foram retirados mais de dois mil fragmentos esqueléticos. Estes níveis
correspondem a uma camada de ossos e não possuem uma espessura determinada. As
escavações iniciaram por volta de 34 cm da borda e chegaram à base (no centro da
urna), aos 48, 3 cm. De modo que os conteúdos da urna estavam inseridos em uma
matriz de sedimento com14 cm, os quais foram retirados em cinco etapas.
Nos dois níveis superficiais da urna, quase não foi constatada a presença de
sedimento, porém, a medida que a profundidade aumentava (por volta do nível 3 e 4),
aumentava também, de maneira considerável, a matriz de sedimento e de ossos
pulverizados. A urna estava, praticamente, preenchida por fragmentos esqueléticos
humanos, restos faunísticos e pequenas contas (figura 81).
210
Figura 81: Ossos humanos fragmentados e, em aparente desordem, restos faunísticos e pequenas contas.
Descrição osteológica
Na contagem do Número Mínimo de Indivíduos (NMI), foram identificados
elementos esqueléticos de pelo menos quatro indivíduos: uma criança ou adolescente
(por volta de 5 a 15 anos), um adulto jovem (20 a 35 anos) e dois infantes - um deles
com idade entre 1 a 2 anos e outro de 0 a três meses, podendo se tratar de um perinato.
Devido ao fato de serem ossos imaturos, não foi possível identificar o sexo dos
indivíduos, apenas se cogita a possibilidade do indivíduo adulto ser feminino, não
havendo meios seguros para avaliar.
Para a descrição osteológica abaixo, apresento, em primeiro lugar, os indivíduos
não adultos e, em seguida, as descrições e as observações do indivíduo adulto.
Não adultos:
80
. As amostras dos ninhos serão enviadas para análise no IEPA. Existe a possibilidade de que em alguns ninhos por
nós coletados, apresentem quitina ou até mesmo o casulo completo, o que poderá, além de identificar a espécie,
verificar a existência de pólen.
212
Figuras 83 e 84: À esquerda, um fragmento de maxila com forte protrusão dentária de uma provável criança
ou um adolescente e, à direita, uma parte basilar do occipital, não fusionado do crânio de um indivíduo
infante, cuja medição forneceu uma estimativa de idade entre um ano e um mês e um ano e três meses.
81
Um deles parece ser de um infante ou uma criança pequena (é possível observar dentes na cavidade alveolar, ainda
não eclodidos) e uma maxila de uma provável criança ou um adolescente com forte protrusão dentária.
82
Segundo Scheuer e Black (2000, p. 61), estes só se fundem por volta dos 5 aos 6 anos de idade.
213
Em relação a outros ossos longos, foi possível observar uma pequena ulna com
epífise proximal não fusionada de um indivíduo infante, um fragmento do terço distal
de diáfise de úmero com a epífise distal não fusionada de um indivíduo criança ou
adolescente e uma diáfise de fíbula não fusionada de indivíduo criança ou adolescente.
Adulto
Quanto aos ossos de crânio, que parecem ser de indivíduo adulto, foram
identificados apenas um fragmento de maxila, um de osso temporal, um de um processo
mastoide do osso temporal e fragmentos de osso occipital. Não foram encontrados
fragmentos de uma mandíbula de indivíduo adulto.
Entre os trinta e três fragmentos de costelas maiores, identifiquei uma primeira
costela e uma segunda direita, todos de indivíduos mais maduros, provavelmente, de
indivíduo adulto.
Em relação aos fragmentos de vértebras, pôde-se verificar que são representados
por cervicais, torácicas e lombares. Porém, nove delas estão mais íntegras, de modo que
puderam ser identificadas quatro vértebras cervicais (C1, C2, C4 e C7), quatro vértebras
torácicas e uma vértebra lombar.
Algumas destas vértebras apresentam leves osteófitos nas superfícies
intervertebrais das torácicas e da lombar, o que pode estar correlacionado, no que se
trata à bibliografia referente às populações ameríndias da América do Sul, com a ação
de carregar pesos às costas, com uma faixa passando pela testa, o que é uma técnica
corporal comum, tanto para homens quanto para mulheres. É válido destacar que
diversas fontes etnográficas apontam que tal técnica corporal é mais frequente entre
mulheres (CAPASSO; KENNEDY; WILCZAK, 1999, p. 41).
Os ossos das mãos não estão bem representados, com muitos ossos faltando.
Ainda assim, em meio aos fragmentos de falanges, de metatarsos e de carpos, foi
possível identificar uma falange proximal do terceiro dedo de uma mão direita, um
semilunar de mão esquerda, um capitato de mão direita, um osso capitato de mão
esquerda, um osso escafoide de mão esquerda, um trapézio e um hamato.
Dos ossos dos pés já desenvolvidos, foram identificados fragmentos de
metatardos, de falanges e de tarsos, entre elas: uma quinta falange proximal de pé
direito; uma quinta falange média de pé esquerdo; um talus de um pé esquerdo e um de
direito; um calcâneo de pé esquerdo; um osso navicular de pé esquerdo e um de direito;
um osso cuneiforme medial de pé direito e um de esquerdo.
215
Quanto a este calcâneo esquerdo (figura 87), percebi que o mesmo possui uma
entesofitóse na área da inserção do tendão calcanear, conhecida como Entese do tendão
de Aquiles e osteófito do processo medial83. O tendão do Calcâneo (ou de Aquiles) é o
mais poderoso do corpo humano e está ligado à ação dos músculos gastrocnêmio e
sóleo, onde os músculos da panturrilha exercem força sobre a parte posterior do pé em
atividades de propulsão, tais como: corridas, saltos e caminhada, flexionando o pé na
articulação do tornozelo (ABBAS, 2013, p. 57).
83
Achilles tendon enthesis and medial process spur
84
Quanto ao osteófito espontâneo do processo medial, este pode se formar em indivíduos mais maduros e indivíduos
obesos, sendo que esta etiologia é mais comum em indivíduos femininos (Capasso et al, 1999, p. 124).
216
Dado ao ambiente em que o sítio está inserido, junto aos rios e aos igarapés, e as
opções de captação de recursos alimentares do estuário amazônico, tanto de pesca
quanto de caça, e manejo florestal, diversas ações, parecidas com estas, podem vir em
mente: pesca à beira de igarapés e de rios, seja dentro ou fora de uma embarcação,
corrida, natação, todos perfeitamente aplicáveis na área do presente estudo.
Figura 87: Calcâneo esquerdo com uma entesofitóse na área da inserção do tendão calcanear, conhecida como
Entese do tendão de Aquiles e osteófito do processo medial.
85
Constatou-se que, na fossa infra espinal e na subescapular, há sedimento aderido de coloração e de textura e
compactação muito diferente daquele do interior e do exterior da urna, o qual percebeu-se que se tratava de um ninho
de inseto - himenóptera - grudado nessas porções da escápula.
217
anos. Se o indivíduo for feminino, segundo Bass (1995, p. 136), a união epifisial
(esternal), para indivíduos do sexo feminino, é indicativo de idade em torno dos 16 aos
33 anos.
Figura 90:Patela esquerda de indivíduo adulto com entesofitóse digitiforme na área de inserção do tendão do
músculo quadríceps femoral de grau 3.
Foi identificada uma diáfise de úmero e uma epífise proximal de úmero com a
cabeça já fusionada, o que leva a estimar que fosse no mínimo um adolescente ou adulto
jovem (fusiona entre 15 a 20 anos de idade). No terço proximal de um úmero direito, a
epífise proximal estava fusionada, esta fecha em torno dos 14 aos 23 anos. Já quanto aos
dois terços distais da diáfise de um rádio direito e dois terços proximais de um rádio
219
Figura 91: ulna direita com entesofitóse, caracterizada por uma espícula óssea no olecrano, na área de
inserção do tendão do músculo tríceps braquial. Marcador muscular de atividade ocupacional relacionado
com intensas atividades de flexão e de extensão do cotovelo, conhecida como “woodcuter’s lesion” ou lesão do
lenhador.
Dos ossos longos de membros inferiores, foi possível observar, em dois terços
distais de uma tíbia direita, que a epífise distal se encontra fusionada, o que ocorre em
torno dos 14 aos 19 anos. Contatou-se, ainda, um terço proximal da diáfise de um fêmur
direito, o qual verificou-se que o trocânter maior e a cabeça do fêmur se encontram
fusionadas, o que ocorre em torno de 15 a 20 anos de idade.
Quanto aos dentes, foram identificados dez molares permanentes: um deles com
cárie oclusal moderada; cinco molares não calcificados, ainda não erupcionados; um
incisivo permanente superior com desgaste oclusal; um pré- molar; um incisivo
permanente; dois incisivos centrais permanentes; três fragmentos de molar permanente;
e um fragmento da raiz de um dente não identificado.
Gestos funerários
Quanto aos gestos funerários, nos primeiros níveis da urna e no decorrer da
escavação até chegar a base, não foi percebida nenhuma coerência anatômica entre os
ossos, com ossos longos que parecem ter sido depositados em eixos horizontais e
verticais. A impressão que passa, ao serem registradas as posições e orientações em que
eram escavados e encontrados os fragmentos esqueléticos humanos e outros conteúdos,
é que os mesmos estavam, literalmente, misturados e remexidos, sem uma organização
clara (figuras 92 e 93).
221
Somente próximo à base, é que parece haver uma organização (figura 94), onde
temos os ossos longos dos membros superiores e inferiores dispostos, mais ou menos,
em feixe na porção ao oeste da urna e, provavelmente, encostados junto à parede sul da
urna.
222
Figura 94: Próximo à base, parece ter aparecido alguma coesão no posicionamento dos ossos.
Devido aos ossos de infantes encontrados serem muito diminutos e mais frágeis,
interpreta-se que ocorreu uma deposição primária com pelo menos um dos indivíduos
infantes, o que explicaria a presença tão massiva de ossos tão frágeis, já que os mesmos
costumam não se preservarem86.
Não se deve descartar, ainda, a possibilidade de o indivíduo adulto (adulto
jovem?) em questão ser do sexo feminino e que pudesse estar grávida, prestes a dar a
luz. Apesar de não ter elementos para comprovar, deve-se levar isso em consideração,
pois poderia trazer outras implicações, talvez um enterro primário do (suposto)
indivíduo feminino, em um local controlado, com uma urna ou uma cestaria, explicaria
também a presença muito expressiva dos ossinhos frágeis do indivíduo perinato. Este
presumido perinato seria considerado como uma pessoa, por aqueles que realizaram o
enterramento, já que o mesmo, hipoteticamente, não teria nascido?
Acompanhamentos internos:
Foi identificada, desde a superfície da urna até os níveis finais, a presença de
conchas (três ao todo), que foram registradas pela equipe do Laboratório de
Malacofauna do Museu Nacional/UFRJ, provavelmente pertencentes a um gastrópode
marinho da espécie Pugilina Morio (figura 95). Esta espécie tem uma ampla dispersão e
86
Considerações semelhantes para o sítio Hatahara, Anne Rap Py-Daniel (2009) faz para um sepultamento em urna
com deposição secundária de quatro indivíduos - dois adultos, um sub-adulto e um infante. Devido à
representatividade considerável de ossos muito pequenos do indivíduo infante, é cogitada a deposição primária deste
indivíduo, apesar dos outros não apresentarem conexões, parecendo se tratar de um sepultamento secundário para
estes três indivíduos restantes.
223
Foram encontrados, ao todo, 271 contas (figura 97 e 98), desde a superfície até a
base da urna. Algumas contas estavam aparentemente associadas às calotas cranianas de
indivíduos não adultos. Com o intuito de sabermos a matéria prima das contas
encontradas, inicialmente pensadas como contas feitas de conchas perfuradas,
constatamos, para nossa surpresa, que se tratam de colunais (“discos” isolados) e
pluricolunais (“discos” articulados) de pedúnculos de crinoides fósseis (estes
pedúnculos possuem “perfurações” naturais), provavelmente provenientes da Formação
Itaituba (Scheffler, informação pessoal, 2015).
A Formação Itaituba é uma unidade geológica depositada no período
carbonífero, era Paleozoica, na Bacia Sedimentar do Amazonas, aproximadamente 300
milhões de anos, cujos afloramentos mais próximos ficam mais de 300 km de distância,
na região de Monte Alegre, no estado do Pará, no baixo Tapajós (LANE, 1964;
SCHEFFLER et al, 2006; SCHEFFLER et al, 2014) . A identificação deste material
fóssil foi realizada por intermédio dos paleontólogos Sandro Scheffer e Antonio Carlos
Fernandes, no Laboratório de Paleoinvertebrados, Departamento de Geologia e
Paleontologia do Museu Nacional, UFRJ87.
87
No momento, estão sendo realizadas análises e descrições do material coletado.
225
Figura 99: Pingente zoomorfo em formato de um réptil, que lembra um jacaré. Possui um orifício que seria o
pescoço do animal. Percebe-se uma concreção esbranquiçada de substrato carbonático.
Figura 100: Pequena estatueta zoomorfa com formas que sugerem um pássaro ou ave. Artefato confeccionado
em matéria prima de substrato carbonático.
Figura 101: Pingente zoomorfo com orifício no meio do corpo. As formas do pequeno quadrúpede com cauda e
orelhas pode sugerir uma gama de animais, entre eles: um felino – uma onça, talvez.
Figura 102: Três pequenas esculturas zoomorfas com concreção carbonática na superfície e, aparentemente,
confeccionadas de forma igual, a partir de matéria prima carbonática.
C
B
Figura 104: Estrutura 1059- Poço funerário com três câmaras laterais, da esquerda para a direita, na foto
acima: câmara A, B e C. (Acervo IEPA).
3.3.2.1 Câmara A
Figura 105: Urna globular lisa com vasilha emborcada usada como tampa (quebrada), junto aos dois potes
globulares lisos e um banco quadrangular.
Acompanhamento externo:
A urna funerária da Câmara A é uma vasilha globular lisa, com uma faixa
vermelha longituginal, que vai da borda até o bojo da urna. A altura da urna é de 55,2
231
Figura 106: A urna funerária da câmara A possui uma faixa vertical vermelha, pintada desde a borda até o
bojo da vasilha globular lisa.
88
Foram retiradas amostras de fuligem para verificar a presença de possíveis fitólitos.
232
Figura 107: Dois potes globulares são lisos, um sem pintura e outro com pintura de grafismos vermelhos e um
pote quadrangular com quatro orifícios em cada vértice, este banco possui decorações na superfície externa
(que apresenta fuligem) e se assemelham à elementos da fase Mazagão e Koriabo.
Escavação em laboratório
Esta urna estava com rachaduras e se fragmentou durante a retirada. Portanto, a
escavação da mesma só pôde ser realizada em uma porção, que permaneceu intacta da
urna. A porção da urna, que permaneceu intacta, foi envolvida em plástico filme e
escavada em laboratório. Os fragmentos esqueléticos, que se soltaram do sedimento
com os cacos cerâmicos, foram recolhidos, identificados e acondicionados em campo.
Percebeu-se, ainda, em campo, que a urna estava toda rachada aos lados,
entrando terra não somente pelas laterais, mas também por cima, quando parte do teto
deve ter desabado em algum momento muito anterior a abertura do poço funerário, pois
encontramos a urna com evidência da tampa somente ao redor do pescoço. Durante a
escavação da urna, em laboratório, havia somente alguns poucos fragmentos da base da
vasilha, que servia como tampa, próximos à base dela.
Com a porção intacta, escavada no laboratório, foi possível verificar a posição
dos ossos e tentar interpretar possíveis gestos funerários durante a escavação da parte
restante da urna89. Devido à escavação do restante da urna ser apenas um terço dela, foi
adotado outro método de escavação, por números de plotagens e de medições de alturas
dos ossos (figura 108).
89
Para o desmonte dos conteúdos dessa urna, contei com o auxílio da bolsista de iniciação científica Alexandra
Guimarães.
233
Figura 108. Etapas de desmonte em laboratório dos conteúdos internos de parte da urna que se preservou.
Gestos funerários:
Os ossos longos estavam colocados tanto horizontalmente quanto verticalmente.
Deste último, com feixes de ossos longos, encostados à parede, havia concentrações de
ossos dos pés e das mãos na base da urna e fragmentos de costelas, que estavam
depositados e agrupados no fundo da urna, junto às paredes.
Foram encontradas costelas depositadas horizontalmente ao fundo da urna e
outras tantas espalhadas e encostadas junto às paredes. Além destes, foi identificada
uma concentração de ossos dos pés (tarsos), os quais se pode reconhecer três calcâneos
agrupados.
Muitos ossos estão faltando, a maioria das costelas, alguns ossos longos, a
maioria dos carpos, dos tarsos, das falanges e, principalmente, ossos dos crânios. Dado
ao grau de fragmentação, o fato de termos pelo menos dois indivíduos e apesar do
elevado grau de intemperismo/weathering e de fragmentação, é importante levar em
consideração que os ossos devem ter sido selecionados para serem depositados na urna .
234
Descrição osteológica
Os ossos estão muito friáveis e fragmentados, ultrapassando mais de setecentos
fragmentos ósseos, compostos em sua maioria por corticais de ossos longos, fragmentos
de ossos esponjosos, de chatos, de ossos pulverizados e aqueles menores que 10 mm,
que não foram contabilizados.
Foram identificados pelo menos dois indivíduos, devido ao número elevado de
dentes molares e pela presença de quatro calcâneos (figura 109).
Figura 111: Terço distal de úmero com alterações tafonômicas, tipo weathering de grau 4 a 5.
Figura 112: Diminuto osso longo carbonizado de fauna desconhecida, dente incisivo de cutia e osso longo de
uma ave ou um pássaro.
3.3.2.2 Câmara B
Figura 113: Urna globular lisa com vasilha usada como tampa (quebrada) e um pote globular liso depositado
ao seu lado. (Acervo IEPA).
Acompanhamento externo:
A urna funerária da Câmara B é uma vasilha globular lisa, com pintura vermelha
externa (figura 114) e com uma vasilha emborcada, que servia de tampa. A urna possui
uma abertura de 28, 4 cm de circunferência, uma altura de 41 cm, o diâmetro do bojo e
da base é de 44,5 cm e 16,9 cm, respectivamente. A tampa estava quebrada, antes da
escavação, e a urna estava preenchida com terra até a borda (foi encontrada partes da
tampa dentro da urna, próximo à altura do bojo).
237
Ao lado da urna funerária, foi encontrado um pequeno pote globular liso (figura
192). Este pote foi escavado e se viu que o mesmo estava preenchido de sedimento
mesclado (escuro acinzentado e amarelado) com radículas e pequenos carvões (foi
guardada uma amostra deste sedimento e dos carvões).
Figura 114: Urna funerária globular com pintura externa de vermelho e pote globular liso.
Escavação em laboratório
Em campo, constatamos que a tampa estava quebrada, tendo assim ocasionado a
entrada de sedimento do latossolo para dentro da urna, que apresentava coloração
amarelada na superfície.
O teto da câmara deve ter desabado em algum momento, ocasionando a quebra
da maior parte da base da tampa, que entrou na urna, juntamente com o sedimento do
latossolo acima dela, exercendo pressão, que empurrou e fragmentou os ossos, que
estavam devidamente arranjados no objeto mortuário, esmagando o crânio,
fragmentando os ossos longos, espalhando e remexendo o arranjo original do esqueleto
(figuras 115 e 116).
238
Figuras 115 e 116: Etapas de desmonte durante a escavação da urna funerária. Perceba o fragmento de
cerâmica da vasilha usada como tampa acima de onde estava o crânio.
Figura 117: Somente próximo à base da urna, pode-se perceber que os elementos esqueléticos estavam
espalhados, não sendo observada nenhuma coerência.
Muitos ossos estão faltando: a maioria das vértebras, algumas falanges das mãos
e dos pés, os metacarpos, os metatarsos, os carpos, os tarsos e as costelas. Percebem-se
aí três possibilidades:
Em primeiro lugar, temos o local onde foi depositado o corpo para o descarne,
que pela presença de elementos esqueléticos pequenos pode ter sido feito de maneira
controlada, isto é, dentro de uma malha vegetal - uma rede ou uma cestaria ou mesmo
uma vasilha cerâmica. Porém, isto não explica a escassez de vértebras na urna, o que
nos levaria as outras duas possibilidades expostas a seguir.
A exposição do corpo às intempéries acima do solo, sustentado por esteios em
um jirau, o que permitiria um maior controle na retirado dos ossos, se tivesse alguém
cuidando constantemente do corpo. No entanto, as marcas de intemperismo/weathering
presentes nos ossos podem ter sido obtidas em subsuperfície, o que levaria a uma
terceira possibilidade.
Processos diferenciais do decaimento das partes moles do corpo, em um
ambiente não tão controlado, ocasionaria a dissolução óssea junto ao ambiente onde foi
exposto anteriormente, caso este tenha sido, a priori, enterrado em uma cova muito
rasa, por exemplo, e talvez molhada constantemente. Soma-se a isto, os processos
240
Estão sendo realizadas análises para descobrir do que é feita a pintura que
recobre os ossos, pois recolhemos algumas pequenas concreções ou nódulos
avermelhados, sejam raspados da superfície dos ossos, sejam coletados de dentro da
urna90.
No Museu Nacional, a arqueóloga Dra. Célia Boyadjan, do setor de
paleoetnobotânica, realizou alguns testes iniciais e constatou, ao aplicar lugol nas
amostras, que as mesmas não apresentam amido, podendo não ser feito de tintura
vegetal, como é o caso do urucum (bixa orellana). Tal situação suscitou a hipótese de
que a matéria prima seja ocre de tintura mineral, feita de hematita, que é bem comum na
área de implementação do sítio, formado por solos lateríticos.
90
Outras amostras de pigmento foram recolhidas para análise, com intuito de observar se é de origem vegetal ou
animal, em teste inicial, mas não conclusivo. O uso de lugol não acusou a presença de amido, que se espera encontrar
na bixa orellana, conhecida popularmente como urucum.
241
91
Na escavação do pote, ao lado da urna, não foram encontrados vestígios ou traços visíveis de restos esqueléticos.
242
Figura 120: Fragmento de mandíbula com características morfológicas neutras e gráceis. Estas últimas tidas
como mais comumente encontrados em mandíbulas de indivíduos femininos e com o terceiro molar
erupcionado, o que poderia indicar uma idade por volta dos 20 anos.
Figura 121: Terço distal do úmero com abertura septal, tipicamente encontrado em indivíduos femininos.
Figura 122: Fragmentos de tíbia esquerda e direita, cujas epífises distais possuem típicas lesões de
agachamento.
Estas facetas articulares estão relacionadas à postura agachada, seja para sentar-
se ou moer grãos. As tíbias são caracterizadas por facetas de flexão da face anterior da
extremidade distal da tíbia no tornozelo, relacionada às pressões da superfície oposta ao
tálus, durante a dorsiflexão (CAPASSO KENNEDY; WILCZAK, 1999: 127).
Além destes, identificamos dois dentes molares superiores com desgaste oclusal,
considerado como leve; e um dente incisivo superior, em forma de pá, com desgaste
oclusal moderado, sem cáries observadas.
244
3.3.2.3 Câmara C
Figura 123: Urna globular lisa com uma vasilha usada como tampa (parcialmente fragmentada), dois potes e
um banco circular. (Acervo IEPA).
Acompanhamento externo:
A urna funerária da câmara C é uma vasilha globular lisa e possui 32 cm de
diâmetro de boca e 43,5 cm de altura, cujos diâmetros de bojo e da base possuem,
respectivamente, 44 cm e 13 cm (figura 124).
Os dois potes globulares lisos (figura 125), que o acompanham, foram escavados
e, em seu interior, constatou-se apenas um sedimento mesclado de coloração
acinzentada com cor alaranjada e pequenos fragmentos de carvão (estes foram,
devidamente, coletados e acondicionados).
Já o banco circular (figura 125) possui decoração, que recobre toda a peça na
parte externa, e possui pintura monocromática vermelha em todo o objeto, na superfície
externa. Igualmente ao banco quadrangular da câmara A, este possui quatro
perfurações/orifícios, que não são resultados de quebra pós deposicionais, são
claramente perfurações intencionais, localizadas em quatro cantos opostos do banco
circular.
Figura 125: Potes globulares lisos e banco circular com linhas paralelas em alto relevo e banho monocromático
vermelho.
Figura 126: Fragmentos de ossos dentro de uma matriz de sedimento amarelo acinzentado, misturado aos
ossos pulverizados.
Figura 127: Próximo à base, ficou mais clara a disposição dos ossos, parecendo estarem misturados.
Descrição osteológica
A maioria dos fragmentos foi recolhida na peneira. De fato foram recolhidas
mais de uma centena de fragmentos de corticais de ossos longos e fragmentos de ossos
planos e mais centenas de fragmentos ósseos, entre 5 mm de diâmetro e 10 mm de
comprimento máximo , além de ossos pulverizados junto ao sedimento.
Foram contabilizados um número mínimo de dois indivíduos, no caso um adulto
e um infante. Quanto ao indivíduo adulto, a julgar pelos ossos, como a tuberosidade do
rádio muito pronunciada, pelo aspecto robusto, pelo tamanho avantajado dos ossos e
pelo fusionamento das epífises distais dos úmeros, das vértebras (também grandes) com
osteófitos, dos ossos das mãos e dos pés também robustos, estima-se que seja um adulto
jovem.
Apesar da boa representação dos ossos dos pés e das mãos e de outros elementos
esqueléticos, não comummente encontrados em sepultamentos secundários, chama a
atenção, neste caso, a ausência do crânio do indivíduo mais maduro.
Quanto ao indivíduo não adulto (possivelmente um infante), é de se esperar a
baixa representatividade presente nesta urna.
Não temos elementos diagnósticos para estimar o sexo do indivíduo adulto,
mesmo com as características mais robustas e com as epífises dos ossos longos muito
maiores, quando comparadas aos outros restos esqueléticos de outros indivíduos
representados no sítio. Apesar de também possuir fortes marcações musculares, que até
agora só apareceram em indivíduos masculinos, dado a falta de mais indivíduos para
comparar, não permite, no momento, observar um dimorfismo sexual, que auxiliaria
nesta diagnose.
Uma característica, que chama a atenção, é o tamanho avantajado, no aspecto
geral, de todo os ossos deste indivíduo (figura 128), visível nas epífises dos ossos
longos, nas vértebras, nas falanges, nos metacarpos, nos metatarsos, nos tarsos, nos
carpos e nas patelas, quando postos em comparação com outros ossos de outros
indivíduos encontrados nos sepultamentos aqui analisados.
249
Figura 128: À esquerda, epífise distal de úmero direito e, à direita, capitatos, direito e esquerdo. Estes ossos
são apenas um exemplo daquele(a) que possui ossos avantajados, quando comparado com todos os esqueletos
dos indivíduos encontrados neste sítio.
Acompanhamentos internos:
O objeto avermelhado (figura 131), mencionado acima, possui coloração
avermelhada, não apenas na superfície, mas parece que toda a sua constituição interna é
vermelha. Foi encontrado um pequeno orifício cilíndrico de origem antrópica, que
possui apenas um centímetro de profundidade e 4 de diâmetro.
Figura 131: Concreção de substrato avermelhado, que possui textura e granulometria de argila e/ou silte e
parece conter hematita, lembrando mais algo modelado do que uma concreção, talvez uma bolota barro com
hematita, já que é comum na região, misturada talvez, originalmente, a urucum.
Figura 132: Contas de dentes perfurados de algum tipo de colar, confeccionados em dentes de onça e humanos.
Figuras 133 e 134: Dente de onça, na imagem à esquerda, e dente humano, na imagem à direita. Os dentes
foram encontrados com perfurações nas raízes, onde foi possível observar marcas de uso para confecção de
tais orifícios.
contas, que estavam mais preservadas, deve-se mencionar que dezenas desses
fragmentos de dentes perfurados e fragmentos de crinoides fósseis em questão possuem
também coloração avermelhada na superfície.
Figura 135: Contas de colunares isolados de crinoides fósseis, contas de matéria prima não identificada
(substrato carbonático) e contas de conchas.
92
Estruturas 1001, 1049 e 1052.
93
Estruturas 1, 12, 33, 35, 39, 40, 42B, 42C, 44, 45, 51, 56, 59 e 60.
94
Ao final do capítulo de resultados, é apresentado um mapa com a distribuição espacial, onde estão plotadas as
estruturas analisadas. Já no capítulo de discussão dos resultados (capítulo 4), são apresentadas as datações obtidas e a
discussão dessa distribuição espacial. O mesmo mapa com as estruturas analisadas pode ser visto nos anexos (anexo
1).
255
3.4.1 Seção I
Estrutura 42 B e C:
Compondo a estrutura 42 e adjacentes à estrutura 42ª, temos a estrutura 42 B e
42C, onde foram encontrados pequenos fragmentos ósseos, reconhecidos como
faunísticos96.
Na estrutura 42 B97, foram observados ossos carbonizados, de coloração preta,
marrom escuro e amarelo amarronzado. Os ossos têm as trabéculas à mostra, sem
nenhum córtex. Não foi possível identificar se é ou não humano, nem que parte
anatômica poderiam, esses fragmentos ósseos, fazer parte.
Foram ainda observados fragmentos ósseos brancos, pulverizados e alguns com
rachaduras e fissuras. As corticais de ossos são planas com rachaduras e fragmentos
ósseos sem córtex, somente com a trabécula.
Também foram observados fragmentos ósseos menores que 1 cm, corticais
esbranquiçados, amarelados e erodidos, além de ossos aparentemente calcinados, com
fissuras, deformações e fragmentações. Os fragmentos são corticais de ossos longos,
pequenas diáfises, aparentemente não pertencia a humanos, devido à espessura, ao
tamanho e à textura dos fragmentos ósseos.
Estes fragmentos ósseos de corticais esbranquiçados e pulverizados estavam
misturados com o sedimento e pequenas concentrações de carvões. Os ossos estão
calcinados, com coloração acinzentada e esbranquiçada, assim como ossos corticais de
ossos planos e irregulares e um osso alongado e fino, sem cortical e compacto,
visivelmente não humano, além de fragmentos ósseos calcinados e carbonizados não
identificados.
95
Em pelo menos uma estrutura, percebeu-se um caso de processos naturais de transformação do registro
arqueológico no sítio, onde temos conteúdos que provavelmente foram arrastados para o interior de uma estrutura
negativa, no caso um buraco de poste (estrutura 35), com vestígios de ossos pulverizados, que não puderam ser
identificados junto aos poucos fragmentos cerâmicos.
96
O reconhecimento de parte da fauna foi realizado pela zoóloga do IEPA, Claudia R. Silva, no setor de
Mastozoologia do IEPA, e por mim, com o auxílio de coleções de referência e de livros de anatomia comparada e
atlas de zooarqueologia
97
Foram contabilizados 38 fragmentos ósseos faunísticos. Destes, apenas um fragmento pôde ser identificado.
Quanto aos outros fragmentos, apenas se observou que não pertenciam a humanos. Todos com indicação de
exposição ao fogo, junto aos carvões.
256
Foi possível ainda identificar um fragmento de osso longo, uma epífise, que
devido às características, acreditamos que seja pertencente a uma ave. Uma das
características, que mais chamaram a atenção, é a deformação óssea típica de exposição
ao fogo, apresentando um leve encurvamento de uma borda do cortical. Apresenta
coloração branca, amarela e acinzentada, na área que está com uma rachadura, além de
possuir fissuras craqueladas na superfície articular, com indícios de exposição ao fogo.
A mesma epífise foi ampliada em lupa binocular, evidenciando o que parece ser uma
marca de corte (figura 136).
Figura 136: Fragmento de osso longo de uma ave com destaque na imagem vista através de lupa binocular,
aumentada 10 vezes, evidenciando uma provável marca de corpo e osso que parece ter sido exposto ao fogo.
Junto à terra escura que preenchia esta estrutura, foram encontrados fragmentos
cerâmicos decorados associados às fases Marajoara, Koriabo e Mazagão (figura 137).
Quanto à tipologia, foram identificadas vasilhas e potes restringidos, além de pratos e
tigelas.
257
A B
Figura 137: Fragmentos cerâmicos decorados que lembram Marajoara (A), Mazagão (B) e koriabo (C).
Acervo IEPA, composição Alan Nazaré.
98
Foram contabilizados 19 fragmentos de ossos planos e irregulares, de coloração branca e cinza. Não foi possível
identificar os fragmentos ósseos faunísticos.
258
Figura 138 Fragmentos cerâmicos decorados tipicamente Marajoara (A), Mazagão (B) e indefinidos (C)
(lembram flanges Koriabo e hachurados do Ananatuba , por exemplo ). Fonte: Acervo IEPA, composiçao das
fotos de Alan Nazaré.
259
3.4.2 Seção II
As estruturas 39, 40, 44 e 45 apresentaram ossos ou dentes no interior, os quais,
no máximo, pode-se constatar, quando possível, que se tratavam de restos faunísticos.
Estas estruturas foram, aqui, agrupadas porque continham buracos de poste no interior
das mesmas, pela proximidade delas e porque circundavam a fossa 42, onde foi
identificado o arranjo funerário (42A) e parecem se tratar de possíveis deposições,
talvez ligadas aos refugos de atividades cerimoniais/funerárias. Convém dizer que as
estruturas 39, 40, 44 e 45 se assemelham aos conteúdos e ao modo como estavam
arranjadas as estruturas 42B e 42C.
A estrutura 39 (ver capítulo 1) foi identificada em campo como um poço com
câmera lateral, com 130 cm de diâmetro máximo, que foi inicialmente interpretado
como uma fossa com um buraco de poste. Na extremidade norte, dos 6 aos 10 cm de
profundidade da borda da estrutura, foi identificada uma concentração de artefatos de
pedra polida, que seriam lâminas de machado não acabadas (informação pessoal, Kleber
Sousa, 2014) (figura 139), seixos polidos(alisadores de cerâmica), pequenos fragmentos
ósseos, concentrações de carvões, conchas e, aparentemente, carapaças de caranguejo.
Figura 140:Fossa com deposição de cacos cerâmicos decorados, restos faunísticos e machados polidos.
Figura 141: Abertura da câmara lateral, escavada a partir de um buraco de poste, a qual se percebeu que se
tratava de uma alteração natural.
Na verdade, esta estrutura pode ser uma fossa ou talvez um poço “simples” (sem
câmara lateral), de acordo com Souza et al (2004, p. 18), lembra que por volta de um
metro abaixo dos pacotes argilosos dos Depósitos de Planícies Fluviais Antigas,
encontram-se lentes e lâminas decimétricas de areia mal selecionada, de coloração
amarelada, contendo metais pesados, associando estas ocorrências a paleofeições de
meandros abandonados. Isto, talvez, explique porque esta câmara é tão diferente das
demais encontradas no sítio.
261
A B
Figura 142: Fragmentos de cerâmica Mazagão (A), Marajoara (B), Koriabo (C), além de um tortual de fuso
(D), objeto decorado desconhecido (E) e fragmentos de banco cerâmico com decorações, que se assemelham a
cerâmica Marajoara e Mazagão (F). Fonte: Acervo IEPA (Alterado a partir da elaboração de Alan Nazaré).
99
Alguns desses dentes foram identificados em campo como “garras” de caranguejo, porém a arqueóloga
especialista em zooarqueologia, Gabriela Prestes Carneiro (UFOPA), identificou os mesmos enquanto
dentes de um roedor, chegando então à provável espécie, uma cutia.
263
Esta espécie é ainda descrita como um dos principais componentes dos “Shell
Middens”, na Guiana (antiga Guiana Britânica), como relatou Betty Meggers e Clifford
Evans :
100
Original em inglês: …the species occurs from Suriname to Cabo Frio (Rio de Janeiro) and is common
on mudbanks in brackish waters (Rios, 1994, 2009) being tolerant of pollution. The species endures
limnetic and euryhaline environments (Fernandes, 1990). It is used as food and a source of income for
riverside communities (e.g., in the state of Para), its shell being also employed to prepare wattle-and-daub
cement, together with other ingredients, such as water and clay (Andrade, 1984) (Barroso et al, 2012,
p.50).
101
Original em inglês: A sample of shells from the various levels was identified,^ with the species listed
generally in their order of most frequent occurrence: Neritina zebra Bruguiere—a common brackish-water,
intertidal snail, herbivorous, ranging along the north coast of South America from Honduras to Brazil
(Meggers e Evans, 1960:27).
265
Figura 146: Foto de topo da estrutura 45, fossa com buracos de poste.
Figura 147: Estrutura 1052 - Fossa rasa com buracos de poste adjacentes dentro da estrutura. Destacado na
foto, está um fragmento de tigela com decoração Marajoara. (Acervo IEPA).
Para esta estrutura, foi obtida uma datação absoluta, que será apresentada e
discutida no capítulo 4. Devido aos conteúdos e à proximidade com buracos de poste,
margeando internamente a borda desta estrutura, poder-se-ia sugerir que fossem
depósitos de refugos ligados às atividades mais cotidianas, talvez uma lixeira ou, até
mesmo, a não intencionalidade desta estrutura ou alterações pós deposicionais devido
aos processos que tendem a distorcer e transformam o registro arqueológico
(SCHIFFER, 1983)102.
Ao mesmo tempo, os conteúdos descritos acima desta estrutura, o modo como
estão dispostos e mesmo os buracos de poste se assemelham com outras estruturas por
mim analisadas, diga-se: as estruturas 39, 40, 42B, 42C, 44 e 45. A única diferença é a
profundidade dessa fossa, que é mais rasa e pelo fato de não se encontrar próxima a tais
estruturas.
Devido a estas dúvidas, quanto à estruturação desta anomalia e ao mesmo tempo
a algumas semelhanças, que a primeira vista possam aparentar com outras aqui
analisadas e que possuem igualmente a cerâmica decorada Marajoara depositadas, não
102
Schiffer (1973) divide essas transformações em C- transform como alterações culturais intencionais ou
não intencionais enquanto que o N- transform as mudanças pós- deposicionais que afetam o registro
arqueológico.
270
3.4.4 Seção IV
As estruturas 1001, 1049, 33, 12 e 60 apresentadas abaixo, podem ser
caracterizadas como estruturas cerimoniais/funerárias. Nas duas primeiras estruturas
(1001, 1049), apesar de não possuírem vestígios esqueléticos, devido ao arranjo das
mesmas e contexto de deposição se assemelham a possíveis deposições funerárias.
As 33, 12 e 60 parecem se tratar de bolsões cerimoniais, talvez ligados a ritos de
passagem, que continham microfragmentos esqueléticos não identificáveis junto a cacos
cerâmicos decorados e/ou não e/ou de vasilhas inteiras depositadas intencionalmente no
interior de vasilhas maiores nas fossas em que estavam inseridas.
A Estrutura 1001 é uma fossa rasa com sete metros de diâmetro máximo, que
continha seis deposições de vasilhas. Em nenhuma dessas, foram evidenciados vestígios
esqueléticos em seu interior, porém não se descarta a possibilidade de que se trate de um
sepultamento com urnas funerárias dispostas espaçadamente uma das outras. Destaco
aqui uma pequena urna com apliques antropomorfos (figura 148), que continha uma
outra vasilha emborcada, usada como tampa, e colocada acima desta, uma pequena
vasilha globular.
Figura 148: Urna antropomorfa encontrada em uma imensa fossa rasa com outras cinco deposições de
vasilhas e urnas inteiras e vasilhas fragmentadas, que compõem a estrutura 1001.
A Estrutura 1049 estava localizada junto à borda leste da estrutura 1059. Foi
identificada uma urna tampada com uma vasilha emborcada e com fragmentos
cerâmicos em volta. Entre estes fragmentos, encontrou-se apliques cerâmicos de rostos,
tais como: narizes, olhos e orelhas. Por sua vez, estes apliques e decorações possuem
alguns elementos semelhantes a algumas das urnas com apliques e decorações descritas
271
Figura 149: Deposição de urnas e vasilhas enfileiradas, as quais foram identificadas, uma com padrões
decorativos, tipo anauerapucu inciso da fase Mazagão, e uma estatueta/recipiente cerâmico antropomorfo,
com um detalhe na cabeça, que lembra um diadema. (Fonte: Acervo IEPA. Composição das fotos por Alan
Nazaré).
272
Figura 150: Deposição de vasilha em fossa rasa. Estrutura 60. (Acervo IEPA).
273
3.4.5 Seção V
As estruturas 01 e 56 apresentadas abaixo, continham fragmentos ósseos. Estas
parecem se tratar de deposições cerimoniais, dado aos outros conteúdos associados, ao
modo como foram depositadas as vasilhas, à presença de artefatos líticos, aos
fragmentos de cerâmicas decoradas com apliques zoo ou antropomorfos, às vasilhas
inteiras presentes.
A Estrutura 1 (perfil no capítulo 1) é um poço com 122 cm de diâmetro de
abertura e 156 cm de profundidade, cujo interior continha terra preta com carvões,
blocos de laterita, fragmentos de quartzo, cerâmica lisa e decorada (alguns apliques),
líticos lascados e pequenos fragmentos ósseos (CABRAL; SALDANHA, 2012). Dos
fragmentos ósseos, não foi possível identificar se são humanos ou não. Estes fragmentos
de ossos e ossos pulverizados possuem coloração esbranquiçada e apresentam indícios
de terem sidos expostos ao fogo, com algumas fissuras, que são típicas de ossos
cremados, estando muito fragmentados para um diagnóstico mais seguro.
Nas análises em laboratório das cerâmicas (ALAN NAZARÉ, informação
pessoal, 2014), foram identificados muitos cacos lisos, não remontáveis; uma pequena
tigela inteira; fragmentos com apliques zoomorfos e bordas; e corpos decorados com
incisões, excisões e pinturas. Destas com decoração, foi possível identificar
semelhanças com as fases Mazagão, Marajoara e Koriabo.
A Estrutura 56 (figura 151) é formada pela deposição de três vasilhas
cerâmicas sobrepostas em uma fossa rasa de 40 cm de diâmetro e 38 cm de
profundidade (SALDANHA; CABRAL, 2012). Abaixo da última vasilha, foi
identificado um pequeno pote tórico, tipicamente Koriabo (figura 151). A cerâmica do
complexo koriabo tem sido considerada como objeto de troca entre grupos pré-
colombianos do período cerâmico tardio (VAN DEN BEL, 2015). Associados a estas
vasilhas, foram identificados, dentro da estrutura, minúsculos fragmentos ósseos, não
identificáveis.
274
Figura 151: Deposição de pelo menos três vasilhas sobrepostas, das quais percebe-se uma intencionalidade no
deposição, com destaque a um pequeno pote tórico, tipicamente koriabo. (Acervo IEPA).
3.4.6 Seção VI
As estruturas 59, 51 e 35 são, respectivamente, uma fossa, uma deposição de
vasilhas e um buraco de poste, que parecem se tratar de refugos de outra natureza
ligados às atividades domésticas, dada à proximidade com as estruturas de buracos de
poste e das características dos seus conteúdos.
Figura 152: A fossa da estrutura 59 continha fragmentos ósseos, não identificados, em meio a uma matriz de
terra preta com poucos cacos de vasilhas
A Estrutura 51 é uma pequena fossa com uma vasilha depositada, cujo interior
foram encontrados pequenos fragmentos ósseos não identificados e muitos fragmentos
cerâmicos, derivados de diferentes vasilhames cerâmicos, não remontáveis (figura 153).
103
O mesmo mapa com mais detalhes pode ser visto nos Anexos (anexo 1)
277
Figura 154 – Mapa com os números das estruturas aqui referenciadas e analisadas, todas devidamente
plotadas. Acervo: IEPA (croqui alterado e modificado do original de João Saldanha <no prelo>, reproduzido
aqui com sua permissão).
278
Figura 155: Cronologias absolutas obtidas para o sítio Curiaú Mirim I, calibradas no programa Oxcal.
A datação mais antiga foi obtida na estrutura 42, cujos carvões foram retirados
junto ao arranjo funerário, fornecendo uma cronologia que oscila entre 900 a 1152 AD
(2 sigma). A segunda data mais antiga do sítio foi obtida para a provável deposição
cerimonial/funerária representada pela estrutura 39. Neste poço ou fossa, foi coletada
104
Espectrometria da Aceleração de Massa (AMS)
279
105
Neste caso, quando me refiro a não identificados, quero dizer a única informação que pude obter é que
são fragmentos de ossos, devido à extrema fragmentação.
282
Ao mostrar esses corpos em sua plasticidade em vida, quis registrar a importância que
os mesmos têm, ao ler os outros traços da cultura material presentes nos gestos
funerários, nos conteúdos que acompanham os mortos e na sua localização no sítio.
Em primeiro lugar, discuto o indivíduo da urna do Poço Teste 01, depois sigo
uma ordem cronológica das datações absolutas, obtidas para cada estrutura,
representada pela estrutura 42 e, em seguida, pelas estruturas 1043 e 1059.
106
Neste caso, seria necessário fazer uma lâmina petrográfica.
284
Figura 156: Imagem ilustrativa de que tipo de atividade este homem poderia estar envolvido. Arte: Tammi
pertences do morto poderiam ter sido destruídos ou queimados e/ou mesmo enterrados
em outro local (ROTH, 1924, p. 645).
Há evidências nos ossos que apontam para a possibilidade de carregamento de
fardos pesados, agarrados com ambos os braços, posicionados à frente do corpo. O que
lembra as práticas dos Ache (grupo linguístico Tupi-Guarani, conhecidos como
Guayaki) do Paraguai. Segundo Clastres (1995), a caça é um papel, eminentemente,
masculino e a produção de cestarias é uma atividade ligada ao mundo feminino, sendo
que existe uma performance, tipicamente, feminina (para os Ache) de carregar cestos às
costas107 com uma faixa atada à testa. Pensando nestas técnicas corporais, abraçar fardos
à frente do corpo, talvez fosse uma técnica corporal típica do universo masculino,
embora o uso de faixas na testa para carregar fardos às costas seja algo comum entre
homens e mulheres em várias comunidades indígenas.
Há indícios que apontam para a possibilidade de que ele praticasse canoagem
com frequência, indicando que esta pessoa teria navegado nos antigos rios, igarapés e
igapós da região. Embora não saibamos que tipo de viagens ele estaria fazendo, é fácil
imaginar as possibilidades dos motivos de tais viagens, sejam elas para pesca, trocas,
expedições, etc (figura 157).
Figura 157: Imagem ilustrativa das prováveis atividades de canoagem que este (e outros) indivíduos estariam
exercendo cotidianamente. Arte: Tammi.
107
Conforme descrito por Pierre Clastres (1995).
286
Desse modo, para ser um “ser humano verdadeiro”, o corpo deve ser construído
ao longo da vida por dada pessoa, de modo que aqueles que a cercam mudam o modo
como a enxergam e/ou enxergavam no momento de sua morte.
Voltando ao indivíduo da urna antropomorfa, o papel social que este indivíduo
exercia em sua comunidade rendeu a ele um tratamento funerário distinto e singular,
pois os vestígios apontam para a exposição do corpo acima da superfície, possivelmente
um girau, onde a decomposição do corpo teria então ocorrido e talvez com alguma
fogueira para espantar insetos e animais.
De outra forma, uma fogueira poderia estar acesa próxima ao corpo depositado
acima da superfície sem um jirau, ocasionando algumas alterações nos ossos, mas não o
suficiente para uma cremação e exigiria que alguém ficasse de vigília, zelando pelo
corpo.
Após a esqueletização do corpo deste indivíduo singular, os ossos teriam sido
retirados e limpos, para posteriormente serem pintados com ocre, extraído
provavelmente das hematitas, presentes na formação laterítica da região. Para guardar
os ossos, foi confeccionada uma urna antropomorfa sentada em um banco com os
287
108
Alguns desses “bancos”cerâmicos são encontrados sozinhos e destacados, sendo sua função ainda não
compreendida, mas convencionalmente na arqueologia amazônica tem-se preferido chama-los de bancos, o que
também os diferencia de pratos e tigelas.
288
Ao indivíduo que aqui tratamos, foi dado visibilidade pela comunidade dos
vivos ao encerrar seus restos mortais dentro da urna antropomorfa, que, durante a
cerimônia fúnebre, teria sido o indivíduo de maior destaque.
A construção de urnas sobre os bancos, poderiam assim ter dupla função: elevar
e isolar do solo os restos mortais encerrados nas urnas, e indicar o caráter
sagrado e cerimonial do espaço onde as urnas estão depositadas, deixando
claro que os indivíduos ali representados ocupam um papel de destaque na
sociedade (BARRETO, 2008, p. 105).
289
Com estas indicações, poderíamos pensar que, devido aos seus ossos robustos e
marcadores musculares acima citados, poderia ter sido um guerreiro e/ou um chefe ou
cantador, que navegava, pescava e caçava.
Quanto à possibilidade de ser um xamã, esta não se exclui. Sabemos, através de
etnografias, que o corpo do xamã pode ser construído desde cedo na vida, submetido às
restrições alimentares, às privações físicas e psíquicas, ao uso de alucinógenos e a um
papel social bem marcado na sociedade, que poderia não condizer com a imagem de um
homem de forte compleição física, que teve seu corpo construído pela caça, pesca e
incursões náuticas frequentes. Contudo, não se exclui a hipótese que possa ter se
tornado um xamã tarde na vida, ou que fosse um xamã que exercesse atividades de
captação de recursos de subsistência, já que isso depende de sociedade para sociedade e,
às vezes, havendo variações dentro de uma mesma sociedade.
Vide, por exemplo, os Kuikuro (Carlos Fausto, comunicação pessoal, 2016), no
Alto Xingu, onde havia um xamã, que desde criança adoecia e isso foi tomado como
uma iniciação direta pelos espíritos, sendo este treinado desde então até se tornar xamã
já muito jovem. O mesmo era tido como grande roceiro, ou seja, também exercia
atividades de subsistência, mesmo que não seja caça e pesca. Nessa mesma
comunidade, é relatado que outro homem, com mais de 40 anos, tido como um grande
pescador, resolveu se tornar xamã para ajudar sua filha doente, que era recém nascida,
completando seu treinamento aos 50 anos de idade.
Deste modo, o máximo que podemos dizer, baseado no contexto geral do sítio, é
que este poderia ser tanto um xamã, um líder, um guerreiro, um respeitável pai ativo de
família extensa ou descendente de alguma linhagem com privilégios específicos, pelo
menos na simbolização de sua morte.
Não se deve esquecer também que os ossos deste homem foram pintados de
vermelho, ao que os dados iniciais apontam ocre extraído de hematitas. Esta prática é
amplamente descrita, tanto arqueológica quanto etnograficamente para a Amazonia
(figura 158). Os relatos etnográficos entretanto falam de pintura feita com a tintura
extraída das sementes de urucum (bixa orellana), o que é por conta disso muitas vezes
deduzido em alguns registros arqueológicos expeditos ao se depararem com restos
esqueléticos humanos em urnas (RIBEIRO, 2002; NIMUENDAJU, 2004).
290
Figura 158: A prática de pintar os ossos de vermelho é muito recorrente em relatos etnográficos e vestígios
arqueológicos para as sociedades ameríndias na Amazônia. Arte: Tami.
Foram depositados, junto aos ossos, um dente de anta e uma única placa óssea
da carapaça de tatu. O que poderia significar estes restos faunísticos? Uma espécie de
amuleto? Os vestígios, às vezes, não se preservam como queríamos, de forma que o
fragmento de dente de anta encontrado poderia ter um orifício. Poderia ser usado junto
ao pescoço, como uma conta ou pingente, ou ainda simplesmente guardado junto ao
corpo, além de poder ser restos de uma oferenda.
Figura 159: Desenho sugestivo das atividades que poderiam ter ocasionado as osteofitoses presentes. Arte:
Tami.
Figura 160: Detalhe sugestivo das atividades que podem ter ocasionado as osteofitoses presentes. Arte: Tami.
menores, que auxiliam na decomposição e dissolução dos mesmos. Supõe-se que este
bebê tenha sido depositado ainda com as partes moles, recobrindo seu corpo, ou, pelo
menos, tenha existido algum ambiente contralado na etapa de descarne.
Há ainda a possibilidade de que os restos esqueléticos do indivíduo adulto sejam
de uma mulher. Se esta esteve grávida na época da morte e talvez tivesse sido enterrada
com o provável neonato ainda na barriga da mãe. Neste caso, teria ocorrido,
anteriormente, um enterramento primário, no qual teriam recolhido os ossos e mantidos
em um recipiente fechado e controlado para posterior enterramento secundário.
Talvez, os três potes, colocados em volta da urna, fossem acompanhamentos
para cada um dos indivíduos representados. Talvez, a tigela represente o quarto
indivíduo, ou não represente nenhum, se por acaso o indivíduo perinato não tivesse
nascido ainda e fosse considerado de alguma forma como parte da mãe.
Quanto aos restos esqueléticos do indivíduo adulto e da criança ou adolescente,
apesar da presença de carpos, de falanges e de costelas, que não costumam preservarem-
se, há vários ossos e dentes faltando, a exemplo, temos: ossos do crânio para o
indivíduo adulto e ossos longos para o indivíduo criança ou adolescente, estando melhor
representados os elementos esqueléticos dos dois infantes.
Quanto à presença dos ossos (carpos, falanges e costelas dos adultos), segundo
relatos de Van Berkel, no final do século XVII AD, entre os Makuari (tronco linguístico
Arawak), na Guiana francesa, dão conta do ritual funerário de um guerreiro, cujos
ossos, após livrados das partes moles que os recobriam, foram recolhidos os ossos
longos e pequenos - dedos dos pés e das mãos e costelas - e deixados no telhado das
casas (provavelmente dentro de um recipiente vegetal ou cerâmico) para secar por três a
quatro semanas, para posteriormente serem queimados e enterrados junto aos seus
pertences (ROTH, 1924).
O fato de existir pelo menos quatro indivíduos encerrados na urna leva a indagar
por que estes foram depositados juntos, diga-se: o adulto e o perinato, mais o infante e a
criança ou adolescente.
Sabe-se, segundo Morales Chocano (2000), que entre os Jívaro, os parentes
mortos eram mumificados e reduzidos, até poderem ser guardados dentro de casa, em
cima do telhado, onde eram colocados os ossos de outros parentes dentro de cestas ou
vasilhas cerâmicas, em ordem cronológica. Estes eram limpos e selecionados, os mais
íntegros, e descartados aqueles que estavam se decompondo. Este procedimento de
296
curadoria dos ossos era realizado, periodicamente, ano a ano, até que passado algum
tempo, estes ossos eram enterrados em uma local definitivo ou reunidos e colocados em
uma urna menor para o enterramento definitivo.
Este costume de colocar os ossos dos parentes dentro de casa, particularmente,
em recipientes, na parte junto ao telhado, é relatado também entre os Warrau (tronco
linguístico Karib), junto ao Orenoco. Faziam isso após realizarem o descarne do corpo,
afundando-o, firmemente, amarrado em um rio, para que peixes e piranhas comessem as
partes moles, o que é igualmente relatado para o Suriname (ROTH, 1924).
Para este sepultamento, pode exatamente ter ocorrido algo parecido, talvez
explicando os ninhos de insetos na superfície de ossos do indivíduo adulto, já que o
mesmo, hipoteticamente, estaria exposto, sendo posteriormente misturado aos restos
esqueléticos de outros familiares, para então serem enterrados em sua deposição
secundária
Foram encontrados, como acompanhamentos internos: um pingente e duas
esculturas/estatuetas zoomorfas, manufaturadas em substrato carbonático; diversas
contas de crinoides fósseis; conchas de água salgada e de doce; e conchas com
alterações humanas, que podem se tratar de pré-formas para contas.
Foram identificados também pequenos ossos longos de fauna, provavelmente de
algum mamífero de pequeno porte, seriam xerimbabos109?
109
Termo utilizado para designar animais “animais de estimação selvagens”, que são familiarizados, de
modo a diferenciar dos animais de estimação, como: gatos e cachorros, o que implica uma visão ocidental
fora da realidade de muitas sociedades ameríndias (FAUSTO, 2000).
297
Os ossos do indivíduo infante (entre seis meses a 3 anos) estão muito mal
representados, formados por poucas vértebras não fusionadas, poucos fragmentos de
costelas, alguns ossos da calota craniana (infantil), um fragmento de meato acústico do
osso temporal e poucos dentes decíduos.
O indivíduo adulto possui inserções musculares bem marcadas, podemos citar a
tuberosidade do rádio, cuja entese está bem desenvolvida. Apesar de ter somente um
lado do braço, esta entesofitóse está relacionada à hipertrofia do ligamento do bíceps
braquial, atribuído ao carregamento de pesos com ambos os braços flexionados, a
utilização de remos duplos ou ainda ao uso de arco e flecha (CAPASSO; KENNEDY;
WILCSAK, 1999, P. 71-72). Além disso, duas vértebras lombares, provavelmente
pertencentes a este indivíduo adulto, apresentam osteofitoses, que podem estar ligadas
ao estresse, devido ao carregamento de fardos pesados ou a idade. Mas, é importante
destacar que os exemplares de vértebras cervicais não apresentam nenhum osteófito.
Quanto aos acompanhamentos internos, estes são compostos por contas de
crinoides fósseis (similares aos encontrados na urna funerária da estrutura 1043), contas
de conchas, contas de dentes humanos, formados por dentes molares, pré molares,
caninos e incisivos, todos perfurados na raiz dos mesmos, e, finalmente, contas de
dentes molares e pré-molares de onça/felino (panthera onca ou puma condolor)
igualmente perfurados na raiz. O que significariam esses dentes (humanos e de animais)
perfurados?
Para a costa atlântica do Amapá, como exposto no capítulo 1, temos o registro
de urnas funerárias com dentes perfurados na raiz, similar ao Teso dos Índios, em
Caviana, no estado do Pará. Sabe-se, no entanto, segundo fontes etnohistóricas, para as
Guianas, o uso destes colares, braceletes e brincos deviam ser amplamente difundidos
(ROTH, 1924).
Valter Roth (1924, p. 432) relata que, o uso de colares de dentes humanos de
inimigos vencidos em batalha era muito difundido entre os Caberre (Arawak) e muitos
Caribe.
Quanto aos dentes faunísticos o mesmo autor relata ainda que entre os Arawak
era difundido o uso de grande quantidade colares com dentes onças, jacarés e catitu que
caçaram, assim como os indígenas do Suriname que os penduravam sobre os ombros
como troféus ou medalhas de caça (figura 161), sendo também comum o uso de colares
de dentes faunísticos entre as mulheres e crianças arawak, caribe, atorai, wapixana e
300
macuxi em alguns casos usados como espécies de talismãs, para proteção (ROTH, 1924,
p. 432-433).
Figura 161: Colares de contas de dentes poderiam ser utilizados como uma espécie de talismãs ou como troféus
ou medalhas de caça. Arte: Tami.
plasticidade do corpo acima citados mais o tratamento dado aos ossos e a presença de
dentes humanos e de um felino. Seriam as contas de dentes humanos pertencentes ao
indivíduo adulto? Como alguns exemplos etnográficos apontam tal prática e uso era
destinado aos guerreiros, o que condiz com os ossos avantajados e marcadores de
estresse ocupacional presentes nos ossos deste indivíduo.
Quanto aos dentes do felino, este poderia ter pertencido tanto ao indivíduo
adulto quanto ao infante, ou como um troféu de caça, no caso do adulto, por exemplo,
ou como um amuleto de proteção no caso do infante. Talvez, pelo fato de termos dentes
humanos perfurados junto aos dentes de onça perfurados, e dada a pouca
representatividade dos ossos infantis, podemos nos inclinar a pensar que este seja um
acompanhamento do indivíduo adulto.
Dado todas essas características, a ausência de fragmentos do crânio de
individuo adulto, reforça a ideia de que poderia indicar alguém de status diferenciado
(como possivelmente na urna da estrutura 1043), já que segundo práticas descritas na
etnografia (VIVEIROS DE CASTRO, 1986; CHAUMEIL, 1997) esta ausência talvez
indique tratamento fúnebre diferenciado.
Foram identificados alguns fragmentos faunísticos de epífises de ossos longos de
mamífero de médio porte. Igualmente aos outros casos, levantam-se questões sobre o
que seriam esses ossos, com possibilidade de serem acompanhamentos ou algum tipo de
oferenda ou ainda os restos mortais de um xerimbabo.
Após discutir e apresentar essas questões quanto aos indivíduos sepultados volto
agora à discussão cronológico-espacial com as possíveis interpretações obtidas com o
cruzamento dos dados, assim como algumas observações e perguntas formuladas.
Esta ideia é reforçada pela presença de outras estruturas negativas, que apesar de
diferentes morfologias possuem semelhanças nos conteúdos encerrados nas mesmas. As
estruturas 39, 40, 44 e 45 estão localizadas muito próximas da estrutura 42 e assim
como os setores 42B e 42C, possuem fragmentos esqueléticos com indícios de
exposição ao fogo, alguns dos quais pode-se identificar a fauna, carvões e cerâmicas
decoradas. Todas elas possuem igualmente buracos localizados dentro ou adjacente às
mesmas estruturas.
Visto que os conteúdos e o modo de disposição desses conteúdos é semelhante
em tais estruturas, o resultado da datação da estrutura 39 em torno de 200 anos mais
nova que a estrutura 42 nos coloca em frente a longa duração dessas práticas de
deposição cerimonial/funerária. O que é reforçado ao comparar outras três datações, as
das estruturas 1043 e 1059 datadas em torno de 1300, mais recentes que as datações
obtidas para a estrutura 42, e contemporâneas a da estrutura 39.
Como já expliquei a etnografia é uma ferramenta útil no sentido de nos
instrumentalizar com alguns elementos que podem nos auxiliar a pensar nos dados
obtidos pensados sempre como fontes de inspiração para algumas das possibilidades de
interpretação dos nossos dados, sempre em vista e com primazia às recorrências e
diferenças encontradas no registro arqueológico deste e outros sítios aqui apresentados.
Dito isto, recorro, neste caso, a um exemplo etnográfico em específico que pode
auxiliar no ato de pensar nos contextos funerários presente no sítio. Esta fonte
etnográfica diz respeito ao ritual do Kuarup (nome do ritual na língua Kamaiurá como
ficou mais conhecido) no alto Xingu.
Quanto a este ritual, já foram e continuam sendo produzidas diferentes
interpretações e abordagens antropológicas em suas mais variadas versões, entre: os
kuikuro, Ywalapiti, Waujá, etc. Embaso-me, aqui, nas descrições do ritual realizadas
por Heckenberger (1996), Junqueira e Vitti (2009), Isa (2015) e uma releitura do evento
cerimonial/funerário de Cristiana Barreto (2008), pois o conteúdo exposto abaixo trata
basicamente de cerimoniais observados entre os Kamaiurá.
O kuarup é uma cerimônia funerária de caráter interétnico, que envolve as
relações entre as aldeias, a classificação hierárquica nos grupos do Alto Xingu, a
iniciação das jovens e as homenagens prestadas aos mortos, marcando o final de uma
sequência de ritos iniciados após o falecimento de uma pessoa, o fim do luto dos
parentes, e, ao mesmo tempo, uma cerimônia de rememoração, que se faz do ato
304
" A fabricação primordial dos humanos, reza o mito foi realizada por
um demiurgo (Kwamuty, Mavutsinin), que, soprando fumaça de tabaco sobre
toras de madeira postas em um gabinete de reclusão, deu-lhes a vida: criou a
mãe dos gêmeos Sol e Lua, protótipos da humanidade atual. Ela foi a primeira
mortal, em cuja honra se celebrou a primeira festa dos mortos "
(VIVEIROS DE CASTRO, 1979, p. 43).
com adornos, alguns objetos do morto, decoradas com grafismos e pintadas de amarelo
e vermelho, com distinções que indicam a aldeia, as famílias e os clãs.
Alguns autores observam diferenças nos tratamentos dados aos troncos. Os dos
líderes, dos chefes e de seus descendentes teriam os troncos mais grossos e,
eventualmente, mais decorados e outras distinções, e os demais mortos, teriam os postes
ligeiramente mais finos e simples (JUNQUEIRA; VITTI, 2009).
Durante os festejos, há grande consumo de alimentos e de bebidas para os
convidados de fora da aldeia, circulação de bens e troca de presentes, incluindo uma
larga gama de objetos entre chefes e indivíduos da aldeia anfitriã e as dos convidados:
cintos, colares, diademas, potes e etc. que são produzidos exclusivamente para esta
finalidade (BARRETO, 2008, p. 58).
Um chefe, líder ou descente de família de chefes é celebrado apenas uma vez,
mas o momento em que ocorrerá essa comemoração pode variar, podendo demorar até
mesmo vinte anos após sua morte (BARRETO, 2008, p. 58).
A cerca que circundava a sepultura do chefe é retirada do pátio e a madeira é,
posteriormente, queimada e transformada em lenha para as fogueiras dos acampamentos
das aldeias convidadas.
A festa dos mortos termina na manhã seguinte. Quando surge a madrugada, os
fogos são apagados e as cinzas e carvões devem imperativamente ser enterrados, sob o
risco de as almas ficarem vagando pela aldeia (BARRETO, 2008, p. 58). Após
terminado o cerimonial funerário do Kuarup, iniciam outras cerimonias como a
nomeação dos meninos e a perfuração das orelhas, iniciação dos rapazes para a luta
corporal huka-huka, a apresentação das moça,s que estavam em reclusão pubertária à
comunidade, o tocar das flautas e a troca de presentes. Os postes do Kuarup continuam
no pátio da aldeia, sendo posteriormente arrancados e jogados em rio ou igarapé mais
próximo.
Por mais que exista essa distinção entre essas pessoas com status de
descendentes de famílias de chefes e pessoas comuns, evidenciadas no Kuarup, segundo
Junqueira e Vitti, (2009, p. 136), no dia a dia, não há diferenças expressivas.
Na vida diária há pouca diferença entre eles, pois maior prestígio não acarreta
privilégios materiais significativos e eventuais desníveis tendem a ser minorados
pela redistribuição de bens, pela prática da dádiva. Mas é na esfera cerimonial
que a diferença entre uns e outros se torna bastante visível, marcando a
distância que os separa. Por ocasião da morte, por exemplo, apenas os
306
Figura 162: E se os buracos de poste fossem os negativos de uma espécie de estela? Na imagem sugestiva acima
temos uma ideia de como poderiam ser os marcadores no espaço quanto aos ancestrais e familiares ali
enterrados e lembrados durante cerimoniais. Arte: Tami.
110
Os Morerekwat e as Nuitu são, respectivamente, os descentes de famílias de chefes do sexo
masculino e feminino.
307
Figura 163: Imagem ilustrativa do evento de deposição funeráraria no poço com câmara lateral.
Provavelmente após posicionarem a urna, os potes e tigela, o interior era preenchido com o sedimento escuro e
em seguida demarcado com as lateritas.
111
Semelhante a esta ocorrência no sítio Curiaú Mirim I, temos a estrutura 1002 que é formada pela
concentração de fragmentos cerâmicos e vasilha cerâmica fragmentada depositada em uma fossa, cujo
interior continha um buraco de poste no centro da mesma, onde se notou nesta estrutura, junto à
superfície da mesma, uma espécie de coroa de lateritas, no que se pode inferir se tratar de algum
marcador desta deposição.
308
Desse modo, podemos nos indagar até que ponto seriam as urnas os “corpos”
dos mortos, não representados, mas os duplos dos mortos depositados e homenageados.
No caso do sítio Curiaú Mirim I, na estrutura 42, a urna antropomorfa foi
cuidadosamente confeccionada. Não preciso entrar nas minúcias quanto à identidade do
indivíduo enquanto era vivo e nem como foi simbolizado referente aos detalhes da urna
antropomorfa que o acompanhava. Podemos nos ater no fato de que a urna
antropomorfa fosse agora o corpo simbolizado pelos vivos e que a partir dela foram
309
Figura 164: Imagem ilustrativa da deposição das urnas e pacotes ósseos em uma fossa rasa. Arte: Tammi.
112
A espécie neritina zebra foi encontrada igualmente na estrutura 1052.
313
113
Nesse caso, exclui-se o indivíduo perinato, que parece estar muito bem representado quanto aos
elementos esqueléticos presentes, o que não é comum, e poderia indicar um sepultamento primário.
314
O ato de preservar os ossos de parentes dentro dos telhados, como sugiro que
pode ter ocorrido neste sítio, pode reforçar a ideia de veneração aos ancestrais.
Há outras questões interessantes que a descrição etnográfica do kuarup nos
serve. Uma delas é o enterramento das fogueiras que terminaria a agência dos postes
(BARRETO, 2008, p. 64). Substituindo os postes dos kuarup decorados pelas urnas é
plausível propor que os carvões que vemos nas ditas estruturas negativas 39, 40, 42B,
42C, 44 e 45 viriam de consumos rituais junto às fogueiras acesas durante cerimonias
que teriam como palco central a estrutura 42A, porém estas festas e outras atividades
estariam ocorrendo no mesmo lugar ao longo de mais de 100 anos.
A deposição dos vestígios de consumos cerimoniais ou consumos nos
cerimoniais, de acordo com Klokler (2012), é comum de serem encontradas próxima às
áreas de sepultamento, cobrindo sepulturas ou ao redor dos mortos, nem sempre são
fáceis de serem observados no registro arqueológico, em contextos domésticos e
observações de estruturas arquitetônicas não são tão óbvias.
Figura 165: No segundo plano vemos que junto ao sepultamento são acesas fogueiras, onde ocorre o consumo
cerimonial de bebidas e comidas, todas parte de um único evento e que serão enterrados após o termino da
cerimônia. Em detalhe temos no centro da imagem um crânio sendo tingido de vermelho. No primeiro plano
temos as casas muito próximas onde vislumbra-se uma vasilha com ossos de parentes depositados próximo aos
telhados. Arte: Tami
2012)114, levando-nos a pensar nos espaços deste sítio como sendo caracterizados pelas
formas específicas de deposição dos conteúdos nessas estruturas, sejam elas
especificamente cerimoniais/funerárias, sejam elas relacionadas aos depósitos de outra
natureza.
A estrutura 1052 (que foi datada) e pelo menos outras seis estruturas tipo fossa
possuem buracos de poste no interior das mesmas, porém estão afastadas mais de seis
metros dos poços funerários 1043 e 1059 e estão em áreas onde, comparativamente, há
maior concentração de buracos de poste. Portanto, estas estruturas podem ter sido
originadas de outras atividades, talvez nem mesmo intencionais, sendo palimpsestos de
diversas atividades neste mesmo espaço ao longo do tempo, talvez atividades
cotidianas, o que não quer dizer que atividades cotidianas estejam separadas da esfera
cerimonial, somente parecem diferentes daquelas descritas junto a estrutura 42.
Enquanto na porção 42A há uma clara deposição funerária com arranjo de urnas
funerárias contendo esqueletos humanos e ossadas humanas depositadas diretamente no
solo (talvez existisse algum invólucro, como uma rede).
Teríamos pelo menos três possíveis modalidades de práticas funerárias no sítio,
nos dois primeiros tipos encontramos esqueletos humanos intencionalmente depositados
e cuidadosamente arranjados em demonstrações claras de sepultamentos com vestígios
diretos de restos humanos.
Uma delas formada pela estrutura 42, onde temos um arranjo funerário com
deposição de urnas e esqueletos depositados, aparentemente, direto no chão em uma
fossa escavada, no solo laterítico de 30 cm a 90 cm de profundidade por 7 m diâmetro
máximo.
O segundo tipo é representado pelas estrutura 1043 e 1059 com sepultamentos
em poços com câmara lateral, escavados no latossolo, medindo 1,5 a 2 metros de
profundidade e com abertura de 2,4 a 3,7 m de diâmetro, com deposições secundárias de
esqueletos humanos em urnas.
E outras que podemos pelo menos supor, apesar da ausência de vestígios
esqueléticos diretos ou impossibilidade de identificação de restos esqueléticos, que se
tratem possivelmente de sepultamentos, dada a forma da estrutura, conteúdos e gestos
de deposição, como a estrutura 33, 1001 e 1049, que se assemelham por conterem
deposições de urnas com vasilhas emborcadas ou não servindo de tampas e em pelo
114
O que caracterizaria uma “deposição estruturada” (THOMAS, 2012).
317
115
Na verdade, o próprio autor (CHAUMEIL, 2007) demonstra que mesmo essa relação de alteridade não
é assim tão simples de ser entendida.
319
Quanto ao destino de alguns ossos que sobrassem entre os Wari, Villaça (1998)
relata que podem sim de fato serem enterrados, isso depende pelo que parece da vontade
dos parentes e talvez destino dado aos mais idosos e crianças.
Temos ainda os moídos em um mingau, no caso dos Yanomami (RAMALHO,
2002), cujos restos deste ritual, dependo das condições pós deposicionais, podem
resistir até o registro dos mesmos pelos arqueólogos.
320
116
Não foi encontrado nenhum indício de cestaria ou mudança realmente clara no sedimento para afirmar
que estivessem envoltos por algum tipo de fibra vegetal
322
117
Um possível contexto doméstico é inferido pelos buracos de poste e associação à terra preta, ainda
assim, devido ao carater de palimpsesto da arqueologia, reconhece-se que muitos desses buracos de
poste fossem relacionados a outros tipos de estruturas, se formos considerar também algumas
inferências da etnografia ameríndia, podendo ter outras funções, diretamente relacionadas ou não aos
sepultamentos ou possuindo algum caráter cerimonial associadas talvez a ritos de passagem por
exemplo.
323
118
Além de ter sido encontrado também em sítios históricos afro-americanos nos Estados Unidos, no
neolítico tardio português, Inglaterra medieval e até mesmo associado ao homem de Neandertal, onde
aparecem estes registros fósseis dessas contas, naturalmente, perfuradas, utilizados como ornamentos.
324
119
Estas contas são amplamente citadas no capítulo 1, onde aparecem associadas à cerâmica Aristé na
costa atlântica e as urnas Mazagão e Maracá na costa estuarina do Estado do Amapá.
120
É importante destacar que a dispersão deste tipo de cerâmica está sendo relacionada a trocas nas
Guianas, já que têm sido encontrada em todo o escudo das Guianas ( VAN DEN BEL, 2015).
325
121
Realizadas durante as últimas décadas do século XX respectivamente por Howard (2000) e Overing e
Kaplan (1989).
122
Grupo falante do tronco linguístico Caribe das terras altas das Guianas.
123
Grupo falante da família linguística Sáliva da desembocadura leste do rio Orenoco.
326
124
Uma amostra desta fuligem foi retirada para verificarmos a presença de fitólitos.
330
5. O arranjo funerário da estrutura 42A parece formar uma meia lua aberta ou um
“V”, cuja abertura está voltada para o norte. Por que as extremidades distais e proximais
dos ossos longos dos indivíduos depositados diretamente no solo e o rosto da urna
funerária antropomorfa estão orientados para o norte?
6. Para a costa atlântica do Amapá, como exposto no capítulo 1, o Monte Mayé
preserva algumas semelhanças com a urna funerária da câmara C da estrutura 1059 e
sepultamento da estrutura 1043. Em sítios, com urnas funerárias relatados por
Nimuendaju (2004, p. 23-24), foram encontrados sepultamentos semelhantes, apesar de
serem mais recentes (inferidos pelas contas de vidro europeias e implementos de ferro),
com urnas funerárias com presença de contas de conchas e dentes (não é informado se
são humanos ou não), ossos de mais de um indivíduo dentro de uma que parecem ter
sido intencionalmente quebrados e consequentemente muito remexidos.
Quanto a estes mesmos sítios, descritos por Nimuendaju em Monte Mayé, em
algumas urnas, foi observada a ausência de ossos do crânio, o que lembra também caso
a urna da câmara A e C da estrutura 1059.
7. Como dito anteriormente, há semelhanças, em alguns aspectos, nas urnas e
conteúdos encontrados nas mesmas no sítio Curiaú Mirim I e no Teso dos Índios e Teso
do Rebordello, em Caviana. Estas semelhanças vão desde a presença de urnas com
lóbulos/panças ou gomos, vasilhas usadas como tampas de urnas que possuem pintura
na borda, urnas funerárias lisas e globulares com vasilhas emborcadas usadas como
tampa, algumas vasilhas e urnas com elementos antropomorfos semelhantes, contendo
um indivíduo ou mais, alguns com ossos pintados de vermelho. Já quanto aos conteúdos
internos, existem semelhanças quanto à presença de fusos cilíndricos (tembetás?), de
pedras verdes (?) e de contas de dentes faunísticos. Também há semelhança entre os
acompanhamentos externos, no que se refere à estrutura 1043 e 1059, e de certo modo a
urna antropomorfa, com vasilhas depositadas juntas às urnas funerárias.
8. Há semelhanças entre as urnas antropomorfas encontradas nos sítios AP-MA-03,
AP-MA-27, AP-MA-VilaTropical e diversas ocorrências encontradas na cidade de
Macapá e abrangendo uma boa faixa de terras ao longo da costa estuarina, todos os
sítios parecem estar implementados em terraços junto à área de transição do cerrado
para a várzea.
9. É impossível não constatar semelhanças e diferenças de outros sítios com
sepultamento principalmente junto à costa estuarina, como o sítio AP-MA-05, com
332
Considerações finais
entre a vida e a morte, com a presença de áreas destinadas ao sepultamento ora em áreas
que parecem se tratar de áreas habitadas, ou em cemitérios propriamente ditos, como
evidenciados em contextos demonstrado no capítulo de revisão.
Quanto a isso, devemos ainda compreender melhor o que significam os
sepultamentos em áreas de habitação, primeiro investindo em estudos regionais, em
contextos intra-sítio, para que então possamos vislumbrar mais recorrências entre as
práticas de deposição funerárias / cerimoniais, lembrando que a variabilidade local e
regional dos diferentes graus e modos de tratamento funerário indicam também
diferentes experiências (FOWLER, 2010), que só serão melhor compreendidas ao
observarmos amplos aspectos contextuais de cada sítio escavado.
Enfim, procurei ressaltar nessa dissertação a importância dos corpos, aqui
entendidos de forma holística, e analisados e entendidos como cultura material onde foi
demonstrado um entrelaçamento entre as coisas e as pessoas, de modo que procurei ler
esses corpos na vida e na morte. Os corpos, desse modo, foram de fato interpretados em
sua materialidade, como é sugerido por Sofaer (2006), unidos às noções de pessoa e
corporalidade ameríndias.
338
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Anexos
Anexo 1
355
Anexo 2
Registro tafonômico:
Intemperismos, descoloração, polimento, marcas de corte, processos abrasivos/erosivos, mordidas,
e outras modificações culturais
Observação geral 1: O uso do Primal foi em grande medida prejudicial na observação de alterações na
superfície óssea, porém, em alguns casos foi possível fazer um exame mais detalhado, seja pela retirada
da camada superficial do consolidante, seja porque o consolidante não foi aplicado em alguns partes dos
ossos. Alguns desses ossos sujos de terra ainda em campo foram revestidos com consolidante, ficando
essa terra sedimentada e aderida a superfície óssea.
Observação geral 2: Ficha original alterada e modificada para adequar-se à pesquisa (ver Buikstra &
Ubelaker, 1994).
*Para maiores detalhes sobre o Grau de Erosão ver Brickley & McKinley (2004) - 0 a 5+ graus
**Estágios de intemperismo – Estágio 0 ao estágio 5.
.
Osso Tipo de alteração Localização da Informações descritivas Erosão/Abrasão * Intemperismo
óssea modificação adicionais **
357
Patologia/sinal de estresse:
Osso:
Lado:
Graduação:
Atividade
Observação:
Comentários:
inferior
Nasais
Mandíbula
II. Ossículos do ouvido
Martelo/malleus
Bigorna/incus
Estribo/stapes
III. Hióide
B-Esqueleto Apendicular
I. Cintura escapular :
Clavículas
Escápulas
II. Braços/antebraços :
Úmeros
Ulnas
Rádios
III. Mãos :
Trapézio
Trapezóide
Capitato
Hamato
Escafóide
Semilunar
Piramidal
Pisiforme
Metacarpais
Falanges proximais
Falanges médias
Falanges distais
359
Fêmures
Patelas
Tíbias
Fíbulas
VI. Pés
Calcâneo
Tálus
Navicular
Cuneiforme medial
Cuneiforme intermédio
Cuneiforme lateral
Cubóide
Metatarsais
Falanges mediais
Falanges médias
Falanges distais
360
Observações antroposcópicas - sexo (fonte: Ascadi y Nemeskeri, 1970 in I. Barreto, M. Portas, A. Egaña y M. Sans, 2010) Sítio: CM01 / Estrutura:
Escores: -2 > hiper feminino / -1 feminino / neutro > 0 / +1 > masculino / +2 > hiper masculino
Crânio
Função Pond. H. Fem. Fem. Neutro Masc. H. Masc. Valor total e Observações
Glabela 3
Processo
mastóide 3
Relevo plano
nucal 3
Processo
zigomático 3
Protuberancia
occipital
externa 2
Arcada
supraorbitária 2
Tuberosidade
Fronto parietal 2
Osso
zigomático 2
Inclinação
frontal 1
Forma do
rebordo orbital 1
Σ Pond. Crânio =
22
361
Observações antroposcópicas - sexo (fonte: Ascadi y Nemeskeri, 1970 in I. Barreto, M. Portas, A. Egaña y M. Sans, 2010) Sítio: Curiaú Mirim I /
Estrutura:
Escores: -2 > hiper feminino / -1 feminino / neutro > 0 / +1 > masculino / +2 > hiper masculino
Mandíbula
Função Pond. H. Fem. Fem. Neutro Masc. H. Masc. Valor total e Observações
Aspecto
geral 3
Ângulo da
mandíbula 1
Margem
inferior 1
Σ Pond.
Mandíbula = 5
Observações antroposcópicas - sexo (fonte: Ascadi y Nemeskeri, 1970 in I. Barreto, M. Portas, A. Egaña y M. Sans, 2010)
Sítio: Curiaú Mirim / Estrutura:
Escores: -2 > hiper feminino / -1 feminino / neutro > 0 / +1 > masculino / +2 > hiper masculino
Pelve
Função Pond. H. Fem. Fem. Neutro Masc. H. Masc. Valor total e Observações
Superfície pré
auricular 3
Incisura
isquiatica
maior 3
Arco
composto 2
Pelve 2
Forame
obturado 2
Acetábulo 1
Σ Pond. Pelve =
14
362
Observações gerais:
Sutura lambdóidea-
Bregma-
363
Contagem do
número mínimo
de indivíduos
(MNI)
Epífise
proximal/m Terço Terço Epífise Quantidade
Ossos Longos edial proximal/medial Terço médio distal/medial distal/lateral
Úmero direito
Úmero esquerdo
Rádio direito
Rádio esquerdo
Ulna direita
Ulna esquerda
Fêmur direito
Fêmur esquerdo
Tibía direito
Tíbia esquerdo
Fíbula direita
Fíbula esquerdo
Clavícula direita
Clavícula
esquerda
Duplicatas:
Índices
0= completo - 01=completo fragmentado - 1=incompleto – 1.1=incompleto fragmentado 9=não
observável 2=ausente
CRÂNIO
Largura bimastoide =
Largura fronto temporal =
Índice condilíneo (Indice de Baudoin) =
Largura do ramo da mandíbula=
OSSOS LONGOS:
Lado:
Porção:
Característica:
Apêndices
Estru unidade N Sexo Idade Alterações culturais na Patologia e sinais de estresse
tura M superfície dos ossos
I
Conjunto 1 1 Possível feminino 15 a 20 anos Ausente Ausente
Possível 17 a 35 anos Possível pintura vermelha na
Conjunto 2 1 masculino superfície de alguns ossos Ausente
longos e em partes do crânio
Possível Possível marca de descarne
Conjunto 3 1 masculino 15 a 20 anos em área de inserção muscular Ausente
na tíbia
- infante: 6 hiperostose porótica na parte basilar do osso
Urna A 2 Indeterminado meses a 3 anos Ausentes occipital, lesão antemortem em um fragmento
-criança: 3 a 5 de mandíbula do individuo mais novo
anos
Presença de trauma regenerado no fêmur
esquerdo com leve deformação óssea e
42 A formação de um calo ósseo e um dente molar
Urna B 2 Feminino 19 a 24 anos Ausente com desgaste oclusal de leve a moderado,
além de aparente perda dentária ante mortem
e reabsorção alveolar em metade da
mandíbula, talvez ocasionando mastigação
diferencial de um dos lados
Conjunto 1
Conjunto 2
Ausente
Conjunto 3 Ausente
42 A Urna A
Urna B Ausente diáfise de pequeno fragmento de diáfise de pequeno osso longo não humano
Urna C Ausente dente fragmentado de mamífero de grande porte (provavelmente anta) e pequena placa óssea
(identificada como provável carapaça de tatu)
Urna funerária da câmara 271 contas de “discos” pluricolunares articulados e colunares três conchas de pugilina morio, uma concha de dorissa SP. 1, onze fragmentos de ossos longos
lateral isolados de crinoides fósseis; três pingentes esculpidos de pequenos vertebrados não humanos e com epífises já desenvolvidas e dois fragmentos de
1043 (formatos de réptil, ave e mamífero) em substrato carbonático; carapaça de caranguejo. Ninhos de himenópteras feitas de barro (algumas estão fechadas)
doze conchas cortadas (em formatos quadrangular, retangular e
triangular) que parecem se tratar de contas ou pingentes
osso de ave com alterações na superfície cortical típicas de intemperismo (weathering) tipo 2 e
Urna funerária da câmara A osso de pequeno vertebrado com evidência de exposição ao fogo (osso carbonizado de
Ausente coloração preta), além de um dente incisivo de um roedor, talvez uma cutia ou capivara
1059
Urna funerária da câmara B
Ausente Ausente
Urna funerária da câmara C quatro contas de dentes de onça, vinte e oito contas de dentes
humanos; vinte e sete contas de crinoides fósseis, duas contas um fragmento de osso longo, um osso plano e uma vértebra não identificados, parecem ser de
de rochas, duas contas de conchas e um bloco de rocha um vertebrado de médio a grande porte
carbonática vermelha
PT 01 Fossa ? Dois fragmentos de fusos em rocha verde e uma conta de dente Ausente
fragmentada
Est Tipo de Tipo de Sepultamento unidade Fauna Tipo de Acompanhamento/recipiente Acompanhamento Fase arqueológica
rut estrutura externa deposição envoltório externo
ura associada
Conjunto 1
Conjunto 2
Aspectos tafonômicos: ossos esbranquiçados sem evidencia de exposição ao fogo, com perfurações de bordas
enegrecidas em alguns ossos de origem pós deposicional, provavelmente decorrente de ação de bactérias e fungos.
Patologias / sinais de estresse / traumas: hiperostose porótica na parte basilar do osso occipital, lesão antemortem em
um fragmento de mandíbula do individuo mais novo.
Gestual funerário: deposição secundária em urna com tampa, muitos ossos e dentes faltando, crânios colocados
aparentemente lado a lado acima dos ossos menores, provavelmente após a deposição primária dos corpos já
esqueletizados foram escolhidos os ossos maiores, ou o que pode ser visto e não estava decomposto.
Tipo de sepultamento: Secundário em urna globular lisa com panças.
Acompanhamento: Urna funerária com tampa pintada com uma faixa amarela na borda externa e pintura branca com
desenhos curvilíneos em linha preta no interior. A urna funerária não tem pintura e possui “gomos” ou panças.
Estilo cerâmico associado: urna funerária e tampa sem filiação a estilo cerâmico conhecido, porém a urna lembra
formas com panças da cerâmica Koriabo.
Acompanhamento (dentro da urna):
Contas: ausente
Pingentes: ausente
Fauna: ausente
Outros
Estrutura 42(A) - Urna B - Observações Gerais (resumo) - (Avelino Gambim Júnior):
Representatividade esquelética:
Aspectos tafonômicos: ossos esbranquiçados e amarelados sem evidencia de exposição ao fogo. Ossos com preservação
diferenciada, aqueles depositados nos níveis mais acima apresentam maior fragmentação, enquanto demonstraram-se
mais íntegros aqueles próximo à base
Idade: Indivíduo 1- final da adolescência a adulto jovem (19-24 anos); Indivíduo 2- não-adulto, possivelmente um
infante ou uma criança pequena por volta dos 3 anos de idade.
Patologias/sinais de estresse/traumas:
Indivíduo 1- Presença de trauma regenerado no fêmur esquerdo com leve deformação óssea e formação de um
calo ósseo e um dente molar com desgaste oclusal de leve a moderado, além de aparente perda dentária ante
mortem e reabsorção alveolar em metade da mandíbula, talvez ocasionando mastigação diferencial de um dos
lados. Fora isso os ossos apresentam-se gráceis, não foi possível identificar desgastes articulares, osteófitos nem
entesofitóses e marcadores de atividade ocupacional, em parte devido a marcações musculares muito suaves,
além dos ossos ausentes e fragmentados. Neste quesito todas as vértebras presentes na urna indicam ausência
de desgastes e osteófitos.
Indivíduo 2: ausentes.
Gestual funerário: deposição secundária em urna com tampa cujo interior continha o crânio deitado com a calvária para
baixo e com a mandíbula destacada depositado ao fundo na base em cima das pelves direita e esquerda. Ao lado do
crânio foram depositados os ossos dos pés e das mãos, vértebras lombares, torácicas, cervicais, sacro, costelas e
clavículas. Praticamente todos os ossos longos estavam depositados transversalmente em feixes entre a parede da urna e
o crânio. Logo abaixo do crânio e entre as pelves foram identificados dois fragmentos da mandíbula.
Tipo de sepultamento: Secundário em urna
Contas: ausente
Pingentes: ausente
Fauna: presente (diáfise de pequeno fragmento de diáfise de pequeno osso longo não humano)
Outros
Estrutura 42(A) - Urna C - Observações Gerais (resumo) - (Avelino Gambim Júnior):
Representatividade esquelética: 25 a 75% de elementos esqueléticos presentes
Aspectos tafonômicos: Ossos com weathering grau 2 e Erosão grau 1, com coloração do cortical esbranquiçado,
amarelado e acinzentado. A coloração acinzentada pode ter relação à exposição ao fogo, porém não há nenhum outro
indicio além da coloração que ateste essa hipótese.
NMI: um indivíduo
Sexo: Masculino
Idade: 20 a 24 anos
Patologias / sinais de estresse / traumas: Marcadores musculares de atividade ocupacional na ulna direita e esquerda.
Supinator crest enthesopathy ( ulna esquerda), Anconeus enthesopathy e Pronator/supinator enthesopathy (ulnas
direita e esquerda); Hiperostose porótica já cicatrizada no osso frontal do crânio, adjacente às orbitas e à sutura
metópica; Dentes molares com desgastes oclusais de leve a moderados.
Gestual funerário: Na base da urna foi depositado o crânio com a calota voltada para cima, junto à pelve direita e
esquerda. Ao lado destes foram colocados os ossos longos em feixe no sentido vertical, junto às costelas, apoiadas na
parede e nos ossos chatos como as pelves e o próprio crânio. Acima, na superfície da urna foi depositada a mandíbula
com os dentes voltados para baixo. Ao redor foram depositadas sem uma ordenação aparente as costelas e outros ossos
pequenos.
Acompanhamentos: Urna Funerária antropomorfa (semelhante ao estilo cerâmico Caviana) com pintura amarela e
branca, braceletes e tornozeleiras com orifícios, lobo das orelhas perfurados, e diadema ou espécie de coroa na cabeça,
além de uma espécie de filamento que se assemelha de longe a uma “vértebra” estilizada nas “costas” da urna
antropomorfa, ou um tipo de corte de cabelo que se projeta da diadema, ou ainda um adorno, ideia reforçado pelo fato
destes filamentos se iniciarem na cabeça com dois três filamentos, dois deles curtos que não continuam e param onde
seria o pescoço, e um filamento no meio que se projeta até a cintura da urna, se assemelhando a adornos vistos em
descrições etnográficas. Esta figura antropomorfa masculina (sexo representado pela modelagem do pênis) está sentada
em um banco retangular com os braços cruzadas (uma das mãos representadas possui sei dedos).
Estilo cerâmico associado: Estilo Caviana, o que por sua vez, segundo Saldanha et al (2016) se indaga, tomando por
base também o sítio Curiaú Mirim I, é que a cerâmica dita Caviana, poderia ser, talvez uma manifestação da
policromia e antropomorfismo na cerâmica Mazagão. Ela se assemelha a algumas figuras antropomorfas Santarém,
devido alguns elementos em conjunto como a boca, os olhos, o diadema e os filamentos nas costas da urna
antropomorfa.
Contas: ausente
Pingentes: ausente
Fauna: um dente fragmentado de mamífero de grande porte (provavelmente uma anta) e pequena placa óssea
(identificada como provável carapaça de tatu).
Outros: ausente
Estrutura 42(A) - Conjunto 1 (Resumo) - (Avelino Gambim Júnior):
Representatividade esquelética: 25 a 75 %
NMI: um indivíduo
Idade: 15 a 20 anos
Gestual Funerário: Mandíbula destacada colocada acima dos ossos longos dispostos em feixes orientados com eixos
distais e proximais de norte a sul apoiados sobre o crânio colocado abaixo destes
Acompanhamentos: Ausente
Estilo cerâmico associado: Ausente (Arranjo funerário com cerâmica Mazagão e Caviana)
Contas: ausente
Pingentes: ausente
Fauna: ausente
Outros: ausente
Estrutura 42(A) - Conjunto 2 (Resumo) - (Avelino Gambim Júnior):
NMI: um indivíduo
Gestual Funerário: Os ossos longos estavam todos depositados ao leste do crânio, este por sua vez estava
depositado mais ao sul dos ossos longos, apoiado ao leste por um osso pélvico. Entre os ossos longos e o crânio
temos um fragmento de mandíbula. Visíveis nas fotos e vídeos é possível observar oito ossos longos, sendo
possível identificar duas fíbulas, dois fêmures, duas tíbias e outros ossos longos fragmentados que parecem ser dos
membros superiores. Estes ossos longos pareciam estar dispostos empilhados aos pares. Junto aos ossos longos
foram identificados ainda ossos do tarso com aparente conexão anatômica, podendo indicar deposição de corpo
com as partes moles não completamente decompostas.
Acompanhamentos: Ausente
Estilo cerâmico associado: Ausente (Arranjo funerário com cerâmica Mazagão e Caviana)
Contas: ausente
Pingentes: ausente
Fauna: ausente
Outros: ausente
Estrutura 42(A) - Conjunto 3 (Resumo) - (Avelino Gambim Júnior):
Aspectos tafonômicos: o crânio está com erosão tipo 4, apresenta a face muito fragmentada, diga-se o osso nasal, os
etmóides, o arco zigomático e a maxila. Os ossos mais íntegros são o frontal, a face frontal do orbicular direito e
esquerdo, os parietais e o occipital. Há uma concreção de sedimento aderido na face do crânio. A deformação do
crânio parece ser devido à pressão exercida pelo peso compactação do sedimento acima e à volta do mesmo, é
notável principalmente no osso frontal e occipital é responsável por algumas das quebras e fragmentações, aliada a
quantidade de raízes e radículas que transpassavam o crânio. Os ossos longos apresentam diversas alterações
tafonomicas, prevalecendo a erosão da superfície óssea de maneira mais branda que o que foi visto no crânio. A
graduação obtida para estes ossos foi de 2 a 3 graus de erosão.
NMI: um indivíduo
Idade: 15 a 20 anos
Alterações culturais esqueléticas posmortem: possível marca de corte (descarne) em uma tíbia
Gestual Funerário: O crânio estava posicionado ao sul, e o restante dos ossos ao norte deste. Os ossos longos dos
membros inferiores estavam agrupados ao leste, enquanto os ossos longos de membros superiores, algumas costelas
e o crânio estavam ao oeste, próximos e encostados junto à urna D (que não continha ossos, mas apenas uma
pequena vasilha com abertura direta). Acima do pacote de ossos percebe-se um osso longo que parece ser um
úmero encontrado em uma posição diagonal e ao norte do crânio. O crânio estava parcialmente com a face voltada
para baixo, com epífises de ossos longos estavam posicionadas abaixo da face do crânio. A posição das epífises
proximais das fíbulas estavam em contato direto com a face, além de duas extremidades distais de um fêmur e
epífise proximal de uma tíbia, assim como um fragmento de uma clavícula, também posicionados abaixo da face do
crânio.
Acompanhamentos: Ausente
Estilo cerâmico associado: Ausente (Arranjo funerário com cerâmica Mazagão e Caviana)
Contas: ausente
Pingentes: ausente
Fauna: ausente
Outros: ausente
Estrutura 1043 (Observações gerais) - (Avelino Gambim Júnior):
Aspectos tafonômicos: Ossos fiáveis de coloração amarelada a esbranquiçada e levemente acinzentada, porém sem nenhum indicativo de exposição
ao fogo e com cortical muito fino. Alguns ossos, principalmente alguns ossos de infantes e alguns artefatos possuem acreções de carbonato aderidas
na superfície dos mesmos. Além destes verificou-se ninhos de inseto feitos com sedimento de granulometria argila aderida a ossos do indivíduo
adulto.
Representatividade esquelética: infantes: ambos 25 a 75 % ; criança ou adolescente: menos de 25%; indivíduo adulto: 25 a 75 %.
NMI = Pelo menos quatro indivíduos. Quanto aos ossos de indivíduo adulto (adulto jovem?), não foi identificada nenhuma duplicata levantando a
possibilidade de se tratar de um mesmo individuo devido ao estágio de desenvolvimento, alterações tafonomicas e idade biológica obtida para cada
osso, além da observação dos dentes permanentes totalmente desenvolvidos e de dezoito vértebras já fusionadas, bem desenvolvidas e sem
duplicatas.
Idades: Dois infantes: um deles provavelmente um recém nascido com idade máxima de poucas semanas a no máximo 3 meses ou ainda um feto; já
o outro infante provavelmente tem uma idade por volta de 1 a 2 anos. Um indivíduo adulto, possivelmente um adulto jovem com idade de 20 a 35
anos; E uma criança ou adolescente (talvez com pouco mais de 5 anos te por volta de 15 anos).
Sexo: Não foram identificados nos infantes e quanto a maioria dos ossos dos indivíduos mais maduros a medição e morfologia deram geralmente
resultados e características ambíguas.
Porém as medições da cavidade glenóide das escápulas, da robustez da clavícula e a morfologia da incisura isquiática maior de um fragmento de
pelve dos ossos de indivíduos adultos, deram resultados típicos para indivíduos femininos.
- cáries em pelo menos dois dentes decíduos e desgaste oclusal em dente incisivo permanente.
- Entesofitóse “Woodcuter lesion” em uma ulna direita, relacionado a atividades de intensas flexões e extensões do cotovelo.
- Entesofitóse “Achilles tendon enthesis e medial process spur” em um calcâneo esquerdo apresentando uma lesão proliferativa (digitações
exostóticas) devido à sobrecarga de esforço da musculatura soleal e gastrocnêmica talvez ocasionada por longas caminhadas, corrida (caça) ou ainda
devido ao posicionamento dos pés no uso de arpões e na pesca em lagoas e embarcações.
- Entesofitóse de grau 3 na patela na área de inserção do tendão do músculo quadríceps femoral na patela esquerda relacionada a estresse repetitivo
e/ou extenuante no joelho, podendo estar relacionada a caminhadas em locais acidentados, caminhadas ou corridas longas, arrancadas, etc.
Acompanhamentos: urna funerária globular lisa com uma vasilha aberta lisa e emborcada. Três potes pequenos globulares lisos e uma tigela lisa.
Estilo cerâmico associado: Cerâmica com formas que se assemelham à cerâmica Mazagão.
Fauna: três conchas de pugilina morio (ambas parecem que foram intencionalmente raspadas em baixo), uma concha de dorissa SP. 1
(parece haver uma perfuração aparentemente pós deposicional), onze ossos de pequenos vertebrados (mamíferos? Aves? [no caso de
alguns fragmentos de ossos longos]), e dois fragmentos de carapaça de caranguejo. Ninhos de himenópteras feitas de barro (por vezes
cobriam a superfície de alguns ossos, somente naqueles identificados como pertencentes aos indivíduos adolescentes tardios ou adultos
jovens).
Contas: 271 contas de “discos” pluricolunares articulados e colunares isolados de crinoides fósseis;
Pingentes: três pingentes (réptil, ave, mamífero) de substrato carbonático não identificado; doze conchas cortadas (em formatos
quadrangular, retangular e triangular).
Outros: ausente
Estrutura 1059 - Câmara A_(Observações Gerais) - (Avelino Gambim Júnior):
Aspectos tafonômicos: Forte intemperismo na superfície cortical dos ossos em alguns casos descamando, e ossos
muito friáveis com erosão e muito fragmentados. Ossos com intemperismo (weathering) com estágios 3 a 4.
Representatividade: Ambos indivíduos 25 a 75%
MNI= Pelo menos dois indivíduos (quatro calcâneos, catorze dentes molares)
Sexo= indefinido
Idade= foi identificado uma epífise proximal de uma ulna já fusionada (fusiona dos 12 aos 16 anos ), uma epífise
distal de um úmero já fusionado (fusionam dos 12 aos 16 anos) e uma epífise proximal de um úmero não
fusionado (fusiona dos 13 aos 20 anos), além de um primeiro dente incisivo superior em forma de pá com
moderado desgaste oclusal (já formado indicando uma idade maior do que 9 anos). É possível identificar ainda dois
fragmentos de calcâneos (indicando uma idade maior que 6 anos de idade). Os ossos parecem indicar um indivíduo
adolescente.
Patologias / sinais de estresse / traumas: Um primeiro dente incisivo superior permanente em forma de pá com
moderado desgaste oclusal
Alterações esqueléticas culturais intencionais em vida: ausente
Gestual Funerário: Os ossos longos estavam colocados tanto horizontalmente quanto verticalmente, deste último
com feixes de ossos longos encostados à parede, e concentrações de ossos dos pés e das mãos na base da urna,
fragmentos de costelas estavam depositados agrupados no fundo da urna e junto às paredes.
Tipo de sepultamento: Secundário em urna
Acompanhamento: Urna funerária globular lisa com uma faixa vermelha vertical da borda ao pescoço da urna. Dois
pequenos potes cerâmicos globulares lisos, uma delas com pinturas vermelhas circulares e um banco quadrangular
com decocração na superfície externa.
Estilo cerâmico associado: Urna funerária globular lisa e potes cerâmicos que se assemelham a formas também
Mazagão e um banco quadrangular com características que se assemelham à cerâmica Mazagão e Koriabo.
Acompanhamento (dentro da urna):
Contas: ausente
Pingentes: ausente
Fauna: osso de ave com alterações na superfície cortical típicas de intemperismo (weathering) tipo 2 e
osso de pequeno vertebrado com evidência de exposição ao fogo (osso carbonizado de coloração preta),
além de um dente incisivo de um roedor, talvez uma cutia ou capivara.
Outros: ausente
Estrutura 1059 - Câmara B (Observações Gerais) - (Avelino Gambim Júnior):
MNI: um indivíduo
Sexo: indefinido, porém a mandíbula com eminência mentual tipo 1, a abertura septal da epífise distal do úmero
esquerdo (caractere não métrico), fragmento de pelve com incisura isquiática maior que parece ser mais aberta,
pode levantar a possibilidade de ser um indivíduo possivelmente feminino.
Idade: adolescente tardio (epífises proximais dos úmeros não fusionados ao mesmo tempo que a epífise distal
parece estar fusionada) a adulto jovem entre 18 a 35 anos - mandíbula com presença de terceiro molar já
erupcionado, mas ainda não totalmente.
Patologias / sinais de estresse / traumas: lesão do agachador na epífise distal das tíbias esquerda e direita;
desgastes oclusais leves em três molares e um desgaste oclusal moderado em um inciso (em forma de pá)
superior.
Alterações esqueléticas culturais intencionais em vida: ausentes
Alterações culturais esqueléticas posmortem: presença de ocre (aspergido?) na superfície dos ossos
Gestual Funerário: é possível percebermos alguns gestos funerários como os ossos longos dispostos na
posição vertical, junto à parede nordeste, algumas costelas na porção leste da urna e o crânio, mandíbula e pelves
posicionados na porção oeste da urna. Como era de se esperar os ossos mais pequenos, como as patelas, alguns
tarsos, carpos, falanges, metacarpos e metatarsos encontrados espalhados por toda a base da urna, assim com
alguns dentes soltos também espalhados na base da urna.Constatou-se que as patelas foram encontradas juntas,
lado a lado na porção leste da base da urna, assim como uma ulna e radio foram encontrados verticalizados e lado
a lado, próximos de um úmero, porém constatou-se que os mesmos ossos estavam muito misturados, não sendo
porém encontrados outros indícios que levem a pensar em um sepultamento primário, tudo levando a pensar pelo
contrario que se trate de um sepultamento secundário.
Tipo de sepultamento: secundário em urna
Acompanhamentos: Urna funerária globular lisa com vasilha lisa e aberta emborcada servindo como tampa. Ao
lado foi encontrado um pote globular liso (cujo interior não tinham ossos, apenas alguns pequenos carvões).
Estilo cerâmico associado: Todas as cerâmicas acima listadas possuem formatos que condizem às formas do
complexo cerâmico Mazagão.
Acompanhamentos (interior da urna):
Contas: ausente
Pingentes: ausente
Fauna: ausente
Outros: ausente
Estrutura 1059 - Câmara C (Observações gerais) - (Avelino Gambim Júnior):
Aspectos tafonômicos: Osso de coloração branca e amarelada, cujas diáfises em sua maioria não estão preservadas com cortical
muito fino e quebradiço, porém as epífises estão excepcionalmente bem representadas.
Representatividade: indivíduo infantil – menos que 25% . Representados por fragmentos de pequenas costelas, corpos vertebrais não
fusionados, arcos neurais de vértebras não fusionadas, seis dentes (decíduos e permanentes não eclodidos), osso temporal de
indivíduo não adulto (maior que seis meses de idade) e pequenos fragmentos de diáfises de ossinhos longos de individuo não adulto.
Indivíduo adulto – 25 a 75%. Quanto ao individuo adulto muitos ossos e dentes estão faltando, porém deve-se ressaltar que muitos
ossos pequenos como carpos, tarsos, metatarsos, metacarpos, falanges estão excepcionalmente bem representados se considerarmos
que estes não costumam estar presentes em sepultamentos secundários. Estão representadas também treze vértebras, cervicais,
torácicas e lombares, além de poucos fragmentos de costelas. As epífises distais e proximais estão relativamente bem preservadas.
Além de fragmentos de calotas cranianas não foram encontrados outros fragmentos do crânio, nem fragmentos de mandíbula,
apenas dois dentes (sem perfuração) que pertencem provavelmente a indivíduo adulto.
Idades: um indivíduo no mínimo adolescente tardio, provavelmente um adulto jovem (a julgar pelas epífises fusionadas e desgaste
das vértebras); um indivíduo não adulto, provavelmente um infante (a julgar pelos dentes decíduos e permanentes não eclodidos),
maior que seis meses e menor que três anos de idade.
Sexo= indefinido (quanto aos elementos esqueléticos do indivíduo adulto o máximo que podemos dizer é um indivíduo robusto,
com ossos grandes e marcações musculares bem marcadas, apesar disso não ser o suficiente, pode-se pelo menos tentativamente
levantar a possibilidade de ser um indivíduo masculino).
Patologias / sinais de estresse / traumas: inserções musculares bem marcadas em um fragmento de rádio (tuberosidade do rádio bem
protuberante) e úmero, ossos longos robustos, osteófitos em algumas das vértebras torácicas e lombares. Os únicos dentes sem
perfuração parecem possuir tártaro acumulado.
Alterações culturais esqueléticas posmortem: presença de ocre (aspergido?) na superfície dos ossos do indivíduo adulto (e em boa
parte das contas e fauna associada).
Gestual Funerário: Não foi observada uma coerência na disposição dos ossos, os mesmos estavam envoltos em uma matriz de
sedimento, e o alto grau de fragmentação permitiu poucas observações quanto a posição e face em que os ossos apareciam, alguns
ossos longos estavam posicionados tanto horizontalmente quanto verticalmente. Só foi possível observar alguma coerência na
disposição dos ossos próximo à base da urna, quando o sedimento passou a ficar mais compacto, e apenas os terços proximais ou
distais dos ossos longos puderam ser identificados, preservando principalmente algumas epífises, como as duas epífises distais de
úmero direito e esquerdo, encontrados lado a lado, junto de outros ossos longos de membros superiores e inferiores. Talvez os ossos
estivessem dispostos originalmente junto à parede oeste da urna e o crânio (só foram encontradas fragmentos de calota craniana) e
outros ossos com pelve, escápula, clavícula, ossos dos pés e mãos colocados ao lado leste, baseando-se na posição dos ossos na base
da urna. Porém pela disposição dos ossos, e ossos das mãos e pés acima da matriz de sedimento, e não necessariamente junto à base,
assim como uma diáfise de um fêmur disposto horizontalmente acima de todos os ossos sugere não apenas o preenchimento da urna
com sedimento pela quebra da urna, mas o remeximento dos ossos.
Estilo cerâmico associado: Ambos possuem elementos na forma e decoração que se assemelham às formas do complexo Mazagão.
Acompanhamentos (dentro da urna) =
Fauna = um fragmento de osso longo, um osso plano e uma vértebra não identificados, parecem ser de um vertebrado de
médio a grande porte.
Contas= quatro dentes de onça perfurados na raiz e vinte e oito dentes humanos perfurados na raiz; vinte e sete contas de
crinoides, duas contas de substrato carbonático não identificado e duas contas feitas de conchas trabalhadas.
Pingentes= ausente
Outros: Bloco arredondado avermelhado de granulometria silte e composição de hematita (lembra uma bolota de urucum).