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CORPO, VIDA E MORTE NA FOZ DO RIO AMAZONAS: AS ESTRUTURAS

FUNERÁRIAS DO SÍTIO CURIAÚ MIRIM I/AP

Avelino Gambim Júnior

Rio de Janeiro
Junho / 2016
Avelino Gambim Júnior

Corpo, vida e morte na Foz do rio Amazonas: as estruturas funerárias do sítio Curiaú
Mirim I/AP

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de


Pós-Graduação Arqueologia, Museu Nacional,
Universidade Federal do Rio de Janeiro, como
requisito parcial à obtenção do título de Mestre em
Arqueologia.

Linha de Pesquisa: Populações, ambiente e cultura


Ênfase: Bioarqueologia

Orientadora: Prof (a). Dra. Claudia Rodrigues Carvalho

Rio de Janeiro
2016
Autorizo a reprodução e divulgação integral deste trabalho, por qualquer meio convencional ou
eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte:

GAMBIM JUNIOR, A. Corpo, vida e morte na foz do rio Amazonas: as estruturas funerárias
do sítio Curiaú Mirim I/AP. 2016. Dissertação (mestrado). Programa de Pós Graduação em
Arqueologia do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2016.
Avelino Gambim Júnior

CORPO, VIDA E MORTE NA FOZ DO RIO AMAZONAS: AS ESTRUTURAS


FUNERÁRIAS DO SÍTIO CURIAÚ MIRIM I/AP

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de


Pós-Graduação Arqueologia, Museu Nacional,
Universidade Federal do Rio de Janeiro, como
requisito parcial à obtenção do título de Mestre em
Arqueologia.

Aprovada em: 27 de junho de 2016

Banca examinadora:

__________________________________________________________
Profa. Dra. Claudia Rodrigues-Carvalho (orientadora) – Presidenta da banca
Museu Nacional/Universidade Federal do Rio de Janeiro/Programa de Pós–Graduação em
Arqueologia (PPGARQ/Museu Nacional/UFRJ)

__________________________________________________________
Profa. Dra. Mariana Petry Cabral - Examinador externo
Universidade Federal de Minas Gerais/ Programa de Pós-Graduação em Antropologia
(UFMG/PPGA)

__________________________________________________________
Profa. Dra. Denise Maria Cavalcante Gomes - Examinadora interna
Museu Nacional/Universidade Federal do Rio de Janeiro/Programa de Pós–Graduação em
Arqueologia (PPGARQ/Museu Nacional/UFRJ)
À Jelly Lima, Graciete e Avelino, pela dedicação, apoio, incentivo e amor
AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, gostaria de agradecer de todo o meu coração a alguém que foi fundamental
para a realização dessa dissertação, minha companheira, Jelly Juliane Souza de Lima (revisora,
companheira, ouvidora), sem você nem sei como teria conseguido. Obrigado pela força, compreensão,
muita paciência, correções, dicas, enfim, obrigado por existir, e estar sempre ao meu lado... Te amo
muito! Enfim, essa dissertação também tem muito de ti, das nossas conversas e trocas de experiências,
obrigado minha companheira, por tudo!

Em segundo lugar, gostaria de agradecer aos meus pais (Graciete e Avelino) pelo amor,
carinho e dedicação aos filhos e pela força e confiança (e novamente muito amor) que tem depositado
em todos os filhos, genros e noras, sem exceção e distinção. Amo vocês, pai e mãe! E também contei
com o apoio incondicional dos meus irmãos, Paula (valeu pela correção), Beta e Reinaldo. Amo
vocês!

Agradeço também ao apoio da minha família aqui do Amapá, que me acolheu e acolhe e que
amo demais! Minha sogrinha (dona Oleia), meu sogrão (seu José) e meus cunhados e cunhada
(Julielton, Jordan, Yoseffi e Joelly).

Gostaria de agradecer a CAPES pela oportunidade através da bolsa de auxílio à pesquisa, que
certamente foi fundamental para que eu pudesse finalizar essa dissertação.

Agradeço PPGARQ do Museu Nacional/UFRJ por ter me acolhido e pela oportunidade de me


permitir contribuir com minha dissertação e pelo ensino de pós-graduação de qualidade e é claro pelas
ótimas e proveitosas disciplinas, que certamente influenciaram e muito esta dissertação. E agradeço,
especialmente, a querida Claudine, o coração do PPGARQ!

Agradeço a minha querida orientadora Claudia Rodrigues Carvalho pela compreensão,


paciência, confiança e liberdade. Muito obrigado pelo auxílio, disponibilidade e orientação, seja nas
disciplinas que ministraste no Museu, seja nas duas vezes que foi ao Amapá para me orientar. Sempre
será bem vinda ao Amapá, professora Claudia! Obrigado por tudo e por apostar em mim!

E não posso esquecer também da galera do Laboratório de Bioantropologia, em especial ao


querido Andersen Lyrio e ao Murilo Bastos pelo auxílio, correções e pela explanação de dúvidas e
pelas valiosas dicas.

Agradeço à querida professora Tânia Andrade Lima pelas discussões nas disciplinas de Teoria
Arqueológica, Teoria da Cultura Material, assim como as reflexões não apenas desta disciplina, mas
quanto a disciplina de Ética e Patrimônio, particularmente no que se refere ao estudo de restos
humanos e suas implicações éticas e questionamentos morais que passaram ainda mais a me
incomodar, no bom sentido.

Ao querido professor Renato Ramos tenho muito a agradecer pelo aprendizado e pelas
conversas que tivemos sobre os contextos geológicos assim como os contextos arqueológicos dos
sítios dessa dissertação, durante e fora da sala de aula.

Agradeço à professora querida Denise Gomes e suas disciplinas amazônicas e pelos olhares
amazônicos, pelo auxílio, paciência, compreensão, dicas, correções e apontamentos de caminhos
quanto a esta dissertação e pelas indicações de leituras.

Agradeço ao pessoal do laboratório de Etnoarqueobotânica pelo auxílio e pela paciência,


especialmente a Lilian, George, Célia, Rúbia e Waisman (brother)!

Agradeço ao pessoal da Malacologia do Museu Nacional, em especial ao Cláudio! Ao pessoal


da Paleontologia do Museu Nacional, em especial ao professor Sandro! Agradeço ao pessoal dos
setores de invertebrados, entomologia e ictiologia do Museu Nacional!

Agradeço aos professores do PPGAs, em especial ao professor Carlos Fausto e o professor


Luís Costa, pela disciplina de etnologia ameríndia e pelas dicas e conversas dentro e fora de aula.

Agradeço aos meus colegas do Museu Nacional - Renan, Angislaine, Alejandra, Angélica,
Lucas, Filipe, Gustavo - que em conversas e temas, às vezes, diversos, pudemos trocar experiências de
leituras que certamente contribuíram nesta dissertação.

Agradeço, do fundo do meu coração, a oportunidade e confiança fornecida e depositada em


mim pelo João e Mariana ao me convidarem a trabalhar como técnico de pesquisa no Núcleo de
Pesquisa Arqueológica do Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Estado do Amapá
(NUPARQ/IEPA) e por me apresentarem as coleções osteológicas e o sítio Curiaú Mirim I, desde
então me sinto parte do Amapá, do Norte e da Amazônia e serei, eternamente, grato por isso.

Agradeço ao querido arqueólogo João Saldanha, que foi meu coorientador não oficial devido
a algumas de nossas conversas e trocas de idéias, assim como sugestões de leituras. Suas ideias são
inspiradoras e tu, como arqueólogo (mestre Jedi), és uma fonte de inspiração para muitos jovens
padawans!

Agradeço à arqueóloga Mariana Cabral pelo auxílio nas valiosas dicas e correções,
principalmente, quanto às questões técnicas da escrita, assim como alguns caminhos apontados.

Aqui, agradeço a todos do NUPARQ/IEPA que me auxiliaram no decorrer desta pesquisa, ao


Michel, a Larissa, ao Kleber, Márcia, ao Marcos, Fabrício, Fábio, Alan, Bruno, Mara, Daiane, Lúcio,
Carol, Rafaela, Chico, Ricardo, Robeli, Alexandra (valeu pelo auxilio na escavação e pela montagem
do colar de contas), Maitena, Cristina e todos que de uma forma ou de outra me auxiliaram e que,
certamente, tornaram possível essa dissertação.

Agradeço, também, aos colegas de outros setores do IEPA, lá da Fazendinha, do setor de


ictiologia ao setor de mamíferos, e o pessoal da geologia. Em especial, agradeço a ajuda da Valdenira,
Inácia e Cláudia.

Agradeço ao pessoal do IPHAN/AP, em especial ao Djalma, e ao Kleber, pelo auxílio quanto à


disponibilização de relatórios e informações de sítios principalmente com contextos funerários no
Amapá.

Agradeço ao querido arqueólogo Martjin van den Bel, pelas dicas valiosas e pela paciência em
corrigir e me escutar, sem suas dicas muito do que está aqui escrito não teria passado para o papel!
Valeu Martjin por me lembrar de “amazonificar” cada vez mais meu olhar e por me encorajar a dar
continuidade ao que aqui apresento nesta dissertação.

Agradeço à arqueóloga Anne Rap Py Daniel, colega que trabalha igualmente com esqueletos
humanos, pelo auxílio, dicas, trocas de experiências durante essa dissertação e valiosas informações
quanto aos contextos funerários na Amazônia.

Agradeço ao Renzo Duin pelas dicas, sugestões e trocas de email, pelo Stephen Rostain pelas
sugestões e pelas dicas do Manuel Calado que auxiliaram no andamento e resultados desta dissertação.

Agradeço também a professora Sheila Mendonça de Souza (FIOCRUZ) e a Thomas Romon


(INRAP) que, em momentos distintos, auxiliaram-me também no decorrer desta dissertação.

Agradeço pela concepção artística dos desenhos assinados pela designer Tami Martins e seus
lindos desenhos presentes nesta dissertação e na capa.

Agradeço também ao querido Silvagne pela revisão e correção para a norma culta da língua
portuguesa dessa dissertação.

Enfim, a todos que não me lembrei de colocar aqui e que me ajudaram, minhas sinceras
desculpas, é muita gente, mas sintam-se todos incluídos e fiquem com minha sincera gratidão.
RESUMO

O sítio Curiaú Mirim I localiza-se na borda de um terraço junto a uma área de transição da
floresta de várzea para o cerrado, na bacia hidrográfica do Curiaú no município de Macapá,
no Estado do Amapá. As evidências arqueológicas indicam que este sítio se tratava de uma
antiga aldeia indígena, com buracos de poste, lixeiras e terra preta, sugerindo se tratarem de
estruturas domésticas. Neste mesmo sítio, foram igualmente evidenciadas estruturas
funerárias / cerimoniais, sendo pelo menos três delas claramente funerárias. Além destas
especificidades, foram encontradas, em tais estruturas arqueológicas, cerâmicas dos estilos
Mazagão, Marajoara, Koriabo e Caviana, algumas delas depositadas lado a lado. Em algumas
dessas estruturas, percebeu-se uma ótima condição de preservação para os vestígios
esqueléticos humanos e faunísticos. O objetivo central desta pesquisa foi o de procurar
entender como se deram as práticas funerárias deste sítio a partir da análise de três estruturas
funerárias contendo restos esqueléticos humanos. Para que isso fosse realizado, busquei saber
como eram as pessoas que foram ali enterradas e como se deu o tratamento funerário
dispensado aos mesmos pelos vivos enlutados na Amazônia antiga. Para chegar a estes
objetivos, adotei uma abordagem teórica em que o corpo é entendido como um tipo de cultura
material, construído na vida e na morte, onde sujeito e objeto são fluídos e se entrelaçam,
usando como abordagem metodológica as osteobiografias unidas a arqueotanatologia
consonantes com as noções de corporalidade ameríndias. Deste modo, ao contextualizar o
sítio, foi necessário integrar as histórias de vida e as identidades dos indivíduos enterrados,
bem como cada gesto e performance no modo de depositar e decorar os mortos simbolizados
pelos vivos no espaço do sítio. Como resultado, foi possível observar os diferentes gestos de
deposições cerimoniais / funerários presentes no sítio, além de algumas inferências
osteobiográficas, em que a articulação entre as informações provindas dos sepultamentos e
demais estruturas arqueológicas permitiram algumas interpretações quanto às regras e às
escolhas culturais dos antigos ameríndios junto à foz do rio Amazonas. Tais pessoas
engendraram o registro arqueológico no sítio Curiaú Mirim I por volta dos séculos X AD ao
XVII AD, parecendo haver uma continuidade no uso de espaços específicos do sítio como
sepultamento. Os dados contextuais levaram-me a propor que tais práticas culturais indicam
culto aos ancestrais, pois os sepultamentos aqui investigados se localizam em áreas mais
abertas e separadas dentro do sítio, mostrando aparentemente uma fluidez entre a vida e a
morte.

Palavras-chave: Foz do Amazonas, deposições funerárias/cerimoniais, osteobiografias,


arqueotanatologia.
Abstract

Curiaú Mirim I site is located in a boarder of a terrace near an area of transition of várzea
forest to the cerrado, in the hydrographic basin of Curiaú, in the municipality of Macapá, in
the Amapá state, Brazil. Archaeological evidence indicates that this site was about an ancient
Amerindian village, with post holes, waste refuse and archaeological black earth, suggesting
domestic structures. However, in the same archeological site was an equally evidenced
funerary/ceremonial structure, which at least three of them has clearly funerary function.
Besides that specificity ceramics with Mazagão, Marajoara, Koriabo e Caviana was founded,
some of them deposited side by side. Some of these structures have a great condition of
preservation related to human skeletal remains and faunal remains. The main goal of this
research was to try to understand and characterize how was the funerary practices in these site
based in the analysis of three funerary structures containing human skeletal remains. To
accomplish that I looked to know how was the persons buried there and how was funerary
treatment dispensed to them by the living mourners in the Ancient Amazon. To achieve these
goals I adopted a theoretical approach were the body is understood like a type of material
culture, built in life and death, were the subject and the object are fluidal and entangled which
other. Regarding the methodology used here I choose an osteobiographical approach united to
the principals of archaeotanatology approach. Both theory and methodologies are consonant
with the notions of body and self present in many Amerindian communities. This way,
contextualizing the site, was necessary integrate the life histories and identity of the
individuals buried there and each gesture and performance in the way of dispose and decorate
the death symbolized by the living registered in the site space. As results was possible to
observe different kind of gestures in funerary/ceremonial depositions presents in the site, as
well as some osteobiographical inferences, where the articulation with the information
provided by burials and other structures allowed some interpretations regarding the cultural
rules and cultural choices of the ancient Amerindians near the mouth of the Amazon river.
These people engendered the archaeological Record in the Curiaú Mirim I site between X and
XVII AD, were there seems to have been a continuity in the way of use specific spaces to
bury the dead. The contextual data made me to propose that such practices indicates ancestors
worship, were the burials investigated here are located in more open and separate areas but
within the site, showing an apparent fluidity between life and death.

Key Words: Mouth of the Amazon, funerary/ceremonial deposition, ostebiography,


archeotanalogy
ÍNDICE DE FIGURAS

Figura 1: Localização das Guianas e foz do Amazonas, com a cidade de Macapá e do Sítio Curiaú
Mirim I destacado (Mapa elaborado por Kleber Oliveira Souza com alterações de Avelino Gambim
Júnior). .................................................................................................................................................. 32

Figura 2: Poço com câmara lateral descrito por Emílio Goeldi. Fonte: Goeldi, 1905. ......................... 37

Figura 3: O poço 2 parece ter sido o produto de um único evento deposicional. Fonte: Saldanha e
Cabral, 2008. ......................................................................................................................................... 41

Figura 4: O poço 1 parece ter sido resultado de mais de uma deposição, pois há evidências de
remeximentos. Fonte: Saldanha e Cabral, 2008. ................................................................................... 41

Figura 5: Duas etapas de escavação em que é possível vislumbrar as coroas lateríticas que marcavam
os conjuntos de urnas funerárias. Fonte: Acervo IEPA. ........................................................................ 55

Figura 6: Espacialização do sítio, onde se percebe poucos buracos de poste, duas concentrações de
deposição de cacos cerâmicos, vasilhas e urnas. ................................................................................... 56

Figura 7: Sepultamento em forma de caixa. Sítio Cemitério AM-41, Iracoubo. Fonte: Van den Bel,
2009. ...................................................................................................................................................... 57

Figura 8: Nesta urna, foram identificados três indivíduos: dois adultos e um perinatal. Fonte: Coutet,
2014. ...................................................................................................................................................... 69

Figura 9: Poucos fragmentos esqueléticos se preservaram, no entanto pode-se estudar os gestos


funerários através das silhuetas ou “sombras” deixadas pelos corpos depositados. Fonte: Van den Bel,
2015. ...................................................................................................................................................... 71

Figura 10: Urnas funerárias antropomorfas ditas Caviana (urna antropomorfa feminina à esquerda e
masculina à direita). .............................................................................................................................. 76

Figura 11: Estado do Amapá com a localização da cidade de Macapá em vermelho (acima); e
localização do sítio Curiaú Mirim I (abaixo). O sítio localiza-se a pouco mais de 2.3 km de distância
do rio Amazonas. .................................................................................................................................. 80

Figura 12: Área escavada do sítio equivale a pouco mais de 1070 m2. ................................................ 81

Figura 13: Decapagem manual das estruturas evidenciadas com a pá mecânica. Os círculos fechados
indicam os buracos de poste e as elipses tracejadas e pontilhadas indicam estruturas negativas com
preenchimento de terá preta que se destaca quando comparada ao latossolo amarelado. ..................... 82

Figura 14: Localização da bacia hidrográfica do rio Curiaú (delimitado pelo círculo preto), no setor
costeiro estuarino amapaense (TORRES; OLIVEIRA, 2003, p. 156). ................................................. 85
Figura 15: Áreas adjacentes à olaria, está implantado o sítio arqueológico, situado em uma área de
campos à direita junto à mata densa à esquerda. ................................................................................... 86

Figura 16: Esquema das áreas de terras inundáveis da Planície Quaternária costeira da região urbana
de Macapá, limitadas para o interior pelas terras firmes do cerrado. Em vermelho, a área de inserção
do sítio Curiaú Mirim I junto à borda de um terraço do Tabuleiro (Fonte: TORRES; OLIVEIRA,
2003). .................................................................................................................................................... 87

Figura 17: Limpeza da área da seção. ................................................................................................... 88

Figura 18: Vista da seção estratigráfica exposta depois da limpeza. .................................................... 88

Figura 19: Vista da seção estratigráfica exposta. Notar a vasilha cerâmica entre as camadas III (AAm)
e II (TPA). ............................................................................................................................................. 89

Figura 20: Figura- Seção estratigráfica do Sítio Curiaú Mirim I .......................................................... 89

Figura 21: Sítio arqueológico Curiaú Mirim 1: quantificação comparando as estruturas arqueológicas
encontradas nas campanhas de 2011 (azul) e 2014 (vermelho). ........................................................... 91

Figura 22: À esquerda, buracos de poste escavados manualmente e à direita desenho superior e de
perfil dos buracos de poste. Fonte: Saldanha e Cabral, 2012. ............................................................... 92

Figura 23: Fossa rasa - estrutura 40 ...................................................................................................... 93

Figura 24: Estrutura arqueológica denominada de fossa. Note nas duas imagens a presença de buracos
de poste e os artefatos fragmentados – estrutura 45. Fonte: Saldanha e Cabral, 2012. ........................ 94

Figura 25: Estrutura 42: Deposições de vasilhas contendo ossos e conjunto ósseo depositado
diretamente no solo. Fonte: Saldanha e Cabral, 2012. .......................................................................... 96

Figura 26: Poço 01 . Fonte: Saldanha e Cabral, 2012. .......................................................................... 96

Figura 27: Poço 39 – Talvez uma boa parte desta estrutura se deva aos processos naturais e pós
deposicionais, que devem ter movido os vestígios para o fundo. Fonte: Saldanha e Cabral, 2012. ..... 97

Figura 28: Poço 1043- À esquerda, desenho do perfil. À direita, fotos do interior do poço e da urna
evidenciando seu conteúdo. Fonte: Saldanha e Cabral, <no prelo>. ..................................................... 99

Figura 29: Poço 1059 - Note os três conjuntos cerâmicos em cada recinto do poço. Fonte: Saldanha e
Cabral, <no prelo>. ............................................................................................................................. 100

Figura 30: Estrutura arqueológica com deposição de vasilha – Estrutura 12. Arte: Jelly Lima. ........ 100

Figura 31 - Mapa da área escavada do sítio com distribuição das estruturas arqueológicas. Fonte:
Acervo IEPA (Alteração pelo autor do Shapefile original confeccionado por João Saldanha [no prelo],
utilizado e alterado com permissão). ................................................................................................... 102

Figura 32: Esquema dos fatores que afetam o registro dos sepultamentos. Fonte: Mays, 2008 ......... 127

Figura 33: Urna funerária localizada no poço-teste 1 (PT01) e desmonte dos elementos esqueléticos
por plotagens. Fonte: Acervo IEPA. ................................................................................................... 160
Figura 34 Fusos em rochas esverdeadas (Acervo IEPA) .................................................................... 161

Figura 35: Conta de dente (Acervo IEPA) .......................................................................................... 161

Figura 36:Desenho de perfil da estrutura 42. Arte: Jelly Lima. .......................................................... 163

Figura 37: Cerâmicas decoradas presentes na matriz de sedimento, que recobria o arranjo funerário da
estrutura 42 (Acervo IEPA - composição Alan Nazaré). Tais cerâmicas se assemelham ao estilo
Ananatuba (A), Mazagão (B), Marajoara (C) e Koriabo (D). ............................................................. 163

Figura 38: Arranjo funerário na estrutura 42A: No sentido horário temos a urna A, B e C (com uma
vasilha posicionada à frente da mesma). Delimitada pelas urnas também no sentido horário, temos o
conjunto 1, 2 e 3. (Fonte: Acervo IEPA). ............................................................................................ 164

Figura 39: urna funerária lisa com gomos e tampa com decoração amarela longitudinalmente junto à
borda (Acervo IEPA). ......................................................................................................................... 164

Figura 40: tampa com pintura em faixa amarela na borda logitunalmete junto à superficie externa,
cobrindo toda a circunferência. (Acervo IEPA). ................................................................................. 165

Figura 41: Tampa da urna com pintura de cor preta. .......................................................................... 165

Figura 42: Foi observada a presença de dois crânios, que não resistiram à escavação devido à extrema
friabilidade. (Acervo IEPA). ............................................................................................................... 166

Figura 43: Igualmente ao crânio, vários ossos longos não resistiram à escavação devido à extrema
friabilidade. (Acervo IEPA). ............................................................................................................... 167

Figura 44: Duas mandíbulas pertencentes à indivíduos diferentes. .................................................... 170

Figura 45: Mandíbula com lesão externa aparente e porosidades adjacentes à tal lesão. ................... 170

Figura 46: vértebra cervical fusionada ................................................................................................ 171

Figura 47: Parte basilar do occipital que permitiu estimar a idade; observa-se a superfície com
porosidades, indício de hiperostose porótica....................................................................................... 172

Figura 48 e 49: À esquerda, urna funerária globular e lisa e à direita tigela/tampa lisa carenada.
(Acervo IEPA). ................................................................................................................................... 173

Figura 50 (esquerda) e 51 (direita): Processo de escavação em campo da urna funerária B, percebe-se


o crânio depositado com a calvária voltada para baixo encimando as pelves e a face orientada para
oeste, assim como os ossos longos posicionados encostados na parte posterior do crânio e outros
deitados horizontalmente junto ao crânio. (Acervo IEPA). ................................................................ 174

Figura 52: Fragmentos de ossos de calota craniana, meatos acústicos de osso temporal e fragmentos de
ossos longos. ....................................................................................................................................... 176

Figura 53: Dentes diminutos de indivíduo não adulto ........................................................................ 176

Figura 54: Crânio com características morfológicas predominantemente femininas.......................... 178


Figura 55: Pelve com características morfológicas predominantemente femininas............................ 178

Figura 56: Fêmur esquerdo com antiga fratura óssea e deformidade na área de inserção muscular, com
descontinuidade e calo ósseo em fase de reabsorção. ......................................................................... 179

Figura 57: Abertura septal junto ao forame do olecrano do úmero direita, característica tipicamente
descrita para indivíduos femininos. ..................................................................................................... 180

Figura 58: Clavícula direita ................................................................................................................. 180

Figura 59: Fragmentos da mandíbula com perdas dentárias ante mortem .......................................... 181

Figura 60:Urna antropomorfa Caviana. Percebe-se semelhanças entre esta urna e algumas estatuetas
antropomorfas da cerâmica tapajônica do Baixo Amazonas. (Acervo IEPA). ................................... 183

Figura 61: Inicio da desmontagem em laboratório do esqueleto contido na urna C. Percebe-se a


mandíbula destacada, encimando todos os outros ossos. (Acervo IEPA). .......................................... 184

Figura 62: Ossos longos, em feixes verticais, encostados nas paredes internas da urna C. (Acervo
IEPA)................................................................................................................................................... 184

Figura 63: Crânio no fundo da urna, depositado com a calvária para cima, a face estava muito
fragmentada. Percebe-se pigmentação vermelha na superfície externa do crânio. (Acervo IEPA). ... 185

Figura 64: Fragmentos de clavículas pintadas de vermelho e com alterações tafonômicas tipo
weathering ........................................................................................................................................... 186

Figura 65: Fragmentos da face do crânio puderam ser remontados, como a porção orbicular do osso
frontal. ................................................................................................................................................. 188

Figura 66: Ossos longos de aspecto robusto e índices de robustez elevados, além de inserções
musculares muito bem marcadas......................................................................................................... 189

Figura 67: Entesofitóse da crista do supinador identificada na ulna esquerda. ................................... 190

Figura 68: Conjunto 1 – Pacote com feixes de ossos humanos ........................................................... 191

Figura 69: Crânio com características morfológicas que se assemelham ao que se espera encontrar em
indivíduos femininos. .......................................................................................................................... 195

Figura 70: Conjunto 2 – Pacote de ossos dispostos em feixes ............................................................ 197

Figura 71: Caracteres morfológicos diagnósticos para indivíduos masculinos. .................................. 199

Figura 72: Conjunto 3 - Ossada humana mais ao oeste, cuja disposição difere dos outros dois pacotes
ósseos. ................................................................................................................................................. 200

Figura 73: Crânio mantido junto a bloco de terra com epífises de ossos longos aderidos. ................. 203

Figura 74: Ossos longos de aspecto robusto e com inserções musculares bem marcadas. ................. 204

Figura 75: Estrutura 1043 – poço funerário com câmara lateral. ........................................................ 206
Figura 76: Urna funerária globular com vasilha emborcada servindo de tampa, ladeada por fragmentos
de potes e de tigelas............................................................................................................................. 207

Figura 77 e 78: urna globular lisa à esquerda e a vasilha/tampa aberta lisa à direita. ........................ 208

Figura 79: Urna funerária retirada do poço funerário/estrutura 1043 ................................................. 208

Figura 80: Sequência de potes e de tigelas encontradas dentro da câmara lateral e das adjacentes à urna
funerária, ao leste, ao oeste e ao norte da mesma................................................................................ 209

Figura 81: Ossos humanos fragmentados e, em aparente desordem, restos faunísticos e pequenas
contas................................................................................................................................................... 210

Figura 82: Ninhos de himenópteras incrustados em alguns ossos. ..................................................... 211

Figuras 83 e 84: À esquerda, um fragmento de maxila com forte protrusão dentária de uma provável
criança ou um adolescente e, à direita, uma parte basilar do occipital, não fusionado do crânio de um
indivíduo infante, cuja medição forneceu uma estimativa de idade entre um ano e um mês e um ano e
três meses. ........................................................................................................................................... 212

Figura 85: Mandíbula de uma criança ou adolescente. ....................................................................... 212

Figura 86: Esfolio de órbita de indivíduo infante, provavelmente perinato. ...................................... 213

Figura 87: Calcâneo esquerdo com uma entesofitóse na área da inserção do tendão calcanear,
conhecida como Entese do tendão de Aquiles e osteófito do processo medial. .................................. 216

Figura 88:Fragmento de escápula direita ............................................................................................ 217

Figura 89:Fragmento de pelve esquerda ............................................................................................. 218

Figura 90:Patela esquerda de indivíduo adulto com entesofitóse digitiforme na área de inserção do
tendão do músculo quadríceps femoral de grau 3. .............................................................................. 218

Figura 91: ulna direita com entesofitóse, caracterizada por uma espícula óssea no olecrano, na área de
inserção do tendão do músculo tríceps braquial. Marcador muscular de atividade ocupacional
relacionado com intensas atividades de flexão e de extensão do cotovelo, conhecida como
“woodcuter’s lesion” ou lesão do lenhador. ........................................................................................ 220

Figura 92 – Inicio do desmonte, com ossos misturados e aparentemente remexidos. ........................ 221

Figura 93: matriz de sedimento com ossos pulverizados. ................................................................... 221

Figura 94: Próximo à base, parece ter aparecido alguma coesão no posicionamento dos ossos. ........ 222

Figura 95: Provável gastrópode marinho, provavelmente Pugilina morio ......................................... 223

Figura 96: Gastrópode de água doce – Doryssa sp.1 .......................................................................... 223

Figura 97: Contas de crinoides fósseis. ............................................................................................... 224

Figura 98: Contas de crinoides fósseis ................................................................................................ 225


Figura 99: Pingente zoomorfo em formato de um réptil, que lembra um jacaré. Possui um orifício que
seria o pescoço do animal. Percebe-se uma concreção esbranquiçada de substrato carbonático. ....... 226

Figura 100: Pequena estatueta zoomorfa com formas que sugerem um pássaro ou ave. Artefato
confeccionado em matéria prima de substrato carbonático................................................................. 226

Figura 101: Pingente zoomorfo com orifício no meio do corpo. As formas do pequeno quadrúpede
com cauda e orelhas pode sugerir uma gama de animais, entre eles: um felino – uma onça, talvez. . 227

Figura 102: Três pequenas esculturas zoomorfas com concreção carbonática na superfície e,
aparentemente, confeccionadas de forma igual, a partir de matéria prima carbonática. ..................... 228

Figura 103: Diminutos ossos longos faunísticos de animal de pequeno porte. ................................... 229

Figura 104: Estrutura 1059- Poço funerário com três câmaras laterais, da esquerda para a direita, na
foto acima: câmara A, B e C. (Acervo IEPA). .................................................................................... 230

Figura 105: Urna globular lisa com vasilha emborcada usada como tampa (quebrada), junto aos dois
potes globulares lisos e um banco quadrangular. ................................................................................ 230

Figura 106: A urna funerária da câmara A possui uma faixa vertical vermelha, pintada desde a borda
até o bojo da vasilha globular lisa. ...................................................................................................... 231

Figura 107: Dois potes globulares são lisos, um sem pintura e outro com pintura de grafismos
vermelhos e um pote quadrangular com quatro orifícios em cada vértice, este banco possui decorações
na superfície externa (que apresenta fuligem) e se assemelham à elementos da fase Mazagão e
Koriabo................................................................................................................................................ 232

Figura 108. Etapas de desmonte em laboratório dos conteúdos internos de parte da urna que se
preservou. ............................................................................................................................................ 233

Figura 109: Quatro exemplares de calcâneos. ..................................................................................... 234

Figura 110: Epífise proximal de úmero não fusionado. ...................................................................... 234

Figura 111: Terço distal de úmero com alterações tafonômicas, tipo weathering de grau 4 a 5......... 235

Figura 112: Diminuto osso longo carbonizado de fauna desconhecida, dente incisivo de cutia e osso
longo de uma ave ou um pássaro. ....................................................................................................... 236

Figura 113: Urna globular lisa com vasilha usada como tampa (quebrada) e um pote globular liso
depositado ao seu lado. (Acervo IEPA). ............................................................................................. 236

Figura 114: Urna funerária globular com pintura externa de vermelho e pote globular liso. ............. 237

Figuras 115 e 116: Etapas de desmonte durante a escavação da urna funerária. Perceba o fragmento de
cerâmica da vasilha usada como tampa acima de onde estava o crânio. ............................................. 238

Figura 117: Somente próximo à base da urna, pode-se perceber que os elementos esqueléticos estavam
espalhados, não sendo observada nenhuma coerência. ....................................................................... 239

Figura 118: Fragmento de pelve com pigmentação vermelha na superfície óssea. ............................ 240
Figura 119: Epífise proximal de úmero não fusionado. ...................................................................... 241

Figura 120: Fragmento de mandíbula com características morfológicas neutras e gráceis. Estas últimas
tidas como mais comumente encontrados em mandíbulas de indivíduos femininos e com o terceiro
molar erupcionado, o que poderia indicar uma idade por volta dos 20 anos. ..................................... 242

Figura 121: Terço distal do úmero com abertura septal, tipicamente encontrado em indivíduos
femininos. ............................................................................................................................................ 242

Figura 122: Fragmentos de tíbia esquerda e direita, cujas epífises distais possuem típicas lesões de
agachamento. ....................................................................................................................................... 243

Figura 123: Urna globular lisa com uma vasilha usada como tampa (parcialmente fragmentada), dois
potes e um banco circular. (Acervo IEPA).......................................................................................... 244

Figura 124: Urna funerária globular lisa. ............................................................................................ 244

Figura 125: Potes globulares lisos e banco circular com linhas paralelas em alto relevo e banho
monocromático vermelho.................................................................................................................... 245

Figura 126: Fragmentos de ossos dentro de uma matriz de sedimento amarelo acinzentado, misturado
aos ossos pulverizados. ....................................................................................................................... 246

Figura 127: Próximo à base, ficou mais clara a disposição dos ossos, parecendo estarem misturados.
............................................................................................................................................................. 247

Figura 128: À esquerda, epífise distal de úmero direito e, à direita, capitatos, direito e esquerdo. Estes
ossos são apenas um exemplo daquele(a) que possui ossos avantajados, quando comparado com todos
os esqueletos dos indivíduos encontrados neste sítio. ......................................................................... 249

Figura 129: Vértebra lombar com osteófitos....................................................................................... 250

Figura 130: tuberosidade do rádio com grau 3. ................................................................................... 250

Figura 131: Concreção de substrato avermelhado, que possui textura e granulometria de argila e/ou
silte e parece conter hematita, lembrando mais algo modelado do que uma concreção, talvez uma
bolota barro com hematita, já que é comum na região, misturada talvez, originalmente, a urucum. . 251

Figura 132: Contas de dentes perfurados de algum tipo de colar, confeccionados em dentes de onça e
humanos. ............................................................................................................................................. 252

Figuras 133 e 134: Dente de onça, na imagem à esquerda, e dente humano, na imagem à direita. Os
dentes foram encontrados com perfurações nas raízes, onde foi possível observar marcas de uso para
confecção de tais orifícios. .................................................................................................................. 252

Figura 135: Contas de colunares isolados de crinoides fósseis, contas de matéria prima não
identificada (substrato carbonático) e contas de conchas. ................................................................... 253

Figura 136: Fragmento de osso longo de uma ave com destaque na imagem vista através de lupa
binocular, aumentada 10 vezes, evidenciando uma provável marca de corpo e osso que parece ter sido
exposto ao fogo. .................................................................................................................................. 256
Figura 137: Fragmentos cerâmicos decorados que lembram Marajoara (A), Mazagão (B) e koriabo
(C). Acervo IEPA, composição Alan Nazaré. ..................................................................................... 257

Figura 138 Fragmentos cerâmicos decorados tipicamente Marajoara (A), Mazagão (B) e indefinidos
(C) (lembram flanges Koriabo e hachurados do Ananatuba , por exemplo ). Fonte: Acervo IEPA,
composiçao das fotos de Alan Nazaré................................................................................................. 258

Figura 139: Machados polidos. ........................................................................................................... 259

Figura 140:Fossa com deposição de cacos cerâmicos decorados, restos faunísticos e machados polidos.
............................................................................................................................................................. 260

Figura 141: Abertura da câmara lateral, escavada a partir de um buraco de poste, a qual se percebeu
que se tratava de uma alteração natural. .............................................................................................. 260

Figura 142: Fragmentos de cerâmica Mazagão (A), Marajoara (B), Koriabo (C), além de um tortual
de fuso (D), objeto decorado desconhecido (E) e fragmentos de banco cerâmico com decorações, que
se assemelham a cerâmica Marajoara e Mazagão (F). Fonte: Acervo IEPA (Alterado a partir da
elaboração de Alan Nazaré). ............................................................................................................... 262

Figura 143: Restos faunísticos encontrados na estrutura 39. .............................................................. 263

Figura 144: Estrutura 40, fossa rasa com buraco de poste. ................................................................. 266

Figura 145: Fossa com buraco de poste, estrutura 44. ........................................................................ 267

Figura 146: Foto de topo da estrutura 45, fossa com buracos de poste. .............................................. 268

Figura 147: Estrutura 1052 - Fossa rasa com buracos de poste adjacentes dentro da estrutura.
Destacado na foto, está um fragmento de tigela com decoração Marajoara. (Acervo IEPA). ............ 269

Figura 148: Urna antropomorfa encontrada em uma imensa fossa rasa com outras cinco deposições de
vasilhas e urnas inteiras e vasilhas fragmentadas, que compõem a estrutura 1001............................. 270

Figura 149: Deposição de urnas e vasilhas enfileiradas, as quais foram identificadas, uma com padrões
decorativos, tipo anauerapucu inciso da fase Mazagão, e uma estatueta/recipiente cerâmico
antropomorfo, com um detalhe na cabeça, que lembra um diadema. (Fonte: Acervo IEPA.
Composição das fotos por Alan Nazaré). ............................................................................................ 271

Figura 150: Deposição de vasilha em fossa rasa. Estrutura 60. (Acervo IEPA). ................................ 272

Figura 151: Deposição de pelo menos três vasilhas sobrepostas, das quais percebe-se uma
intencionalidade no deposição, com destaque a um pequeno pote tórico, tipicamente koriabo. (Acervo
IEPA)................................................................................................................................................... 274

Figura 152: A fossa da estrutura 59 continha fragmentos ósseos, não identificados, em meio a uma
matriz de terra preta com poucos cacos de vasilhas ............................................................................ 275

Figura 153: Deposição de vasilhas, estrutura 51. (Acervo IEPA). ...................................................... 275
Figura 154 – Mapa com os números das estruturas aqui referenciadas e analisadas, todas devidamente
plotadas. Acervo: IEPA (croqui alterado e modificado do original de João Saldanha <no prelo>,
reproduzido aqui com sua permissão). ................................................................................................ 277

Figura 155: Cronologias absolutas obtidas para o sítio Curiaú Mirim I, calibradas no programa Oxcal.
............................................................................................................................................................. 278

Figura 156: Imagem ilustrativa de que tipo de atividade este homem poderia estar envolvido. Arte:
Tammi ................................................................................................................................................. 284

Figura 157: Imagem ilustrativa das prováveis atividades de canoagem que este (e outros) indivíduos
estariam exercendo cotidianamente. Arte: Tammi. ............................................................................. 285

Figura 158: A prática de pintar os ossos de vermelho é muito recorrente em relatos etnográficos e
vestígios arqueológicos para as sociedades ameríndias na Amazônia. Arte: Tami............................. 290

Figura 159: Desenho sugestivo das atividades que poderiam ter ocasionado as osteofitoses presentes.
Arte: Tami. .......................................................................................................................................... 294

Figura 160: Detalhe sugestivo das atividades que podem ter ocasionado as osteofitoses presentes. Arte:
Tami. ................................................................................................................................................... 294

Figura 161: Colares de contas de dentes poderiam ser utilizados como uma espécie de talismãs ou
como troféus ou medalhas de caça. Arte: Tami. ................................................................................. 300

Figura 162: E se os buracos de poste fossem os negativos de uma espécie de estela? Na imagem
sugestiva acima temos uma ideia de como poderiam ser os marcadores no espaço quanto aos
ancestrais e familiares ali enterrados e lembrados durante cerimoniais. Arte: Tami. ......................... 306

Figura 163: Imagem ilustrativa do evento de deposição funeráraria no poço com câmara lateral.
Provavelmente após posicionarem a urna, os potes e tigela, o interior era preenchido com o sedimento
escuro e em seguida demarcado com as lateritas. ............................................................................... 307

Figura 164: Imagem ilustrativa da deposição das urnas e pacotes ósseos em uma fossa rasa. Arte:
Tammi. ................................................................................................................................................ 311

Figura 165: No segundo plano vemos que junto ao sepultamento são acesas fogueiras, onde ocorre o
consumo cerimonial de bebidas e comidas, todas parte de um único evento e que serão enterrados após
o termino da cerimônia. Em detalhe temos no centro da imagem um crânio sendo tingido de vermelho.
No primeiro plano temos as casas muito próximas onde vislumbra-se uma vasilha com ossos de
parentes depositados próximo aos telhados. Arte: Tami ..................................................................... 315
ÍNDICE DE TABELAS
Tabela 1: Tabela com descrição geral da seção estratigráfica realizada no sítio Curiaú Mirim I. ........ 90

Tabela 2: Métodos aplicados para a indicação do sexo....................................................................... 151

Tabela 3: Restos faunísticos encontrados na estrutura 39. .................................................................. 265

Tabela 4: Quadro demonstrativo das datações absolutas com idade convencional e calibradas em 2
sigma. .................................................................................................................................................. 279
SUMÁRIO

Introdução............................................................................................................................................ 24

CAPÍTULO I – Vida e morte na Antiga Amazônia: Padrão e diversidade dos contextos


funerários nas Guianas à foz do Amazonas ...................................................................................... 30

1.1 NECRÓPOLES ............................................................................................................................... 34

1.1.1 Sepultamentos Secundários .......................................................................................................... 34

1.1.2 Tratamentos Funerários Mistos ................................................................................................... 56

1.2 CONTEXTOS FUNERÁRIOS EM SÍTIOS HABITAÇÃO .......................................................... 59

1.2.1 Sepultamentos Secundários .......................................................................................................... 59

1.2.2 Dados Insuficientes Quanto ao Tratamento Funerário ............................................................... 64

1.2.3 Tratamentos Funerários Mistos ................................................................................................... 65

1.2.4 Sepultamentos Primários ............................................................................................................. 73

1.3 CONTEXTO FUNCIONAL NÃO DEFINIDO .............................................................................. 74

1.3.1 Sepultamentos Secundários .......................................................................................................... 74

1.4 O SÍTIO ARQUEOLÓGICO CURIAÚ MIRIM I – Sítio habitação e deposições funerárias ........ 79

1.4.1 Método de Escavação................................................................................................................... 81

1.4.2 Resultados da Escavação ............................................................................................................. 83

1.4.3 Distribuição Espacial das Estruturas Arqueológicas- Campanhas de 2011 e 2014 ................. 101

1.4.4 Os Conteúdos – Os Estilos Cerâmicos Identificados ................................................................. 103

CAPÍTULO II- Aporte teórico e metodológico quanto aos vestígios esqueléticos humanos em
contextos funerários .......................................................................................................................... 109

2.1 ALGUMAS DEFINIÇÕES PRÉVIAS: ........................................................................................ 109

2.2 ARQUEOLOGIA FUNERÁRIA: ................................................................................................. 110

2.3 BIOARQUEOLOGIA ................................................................................................................... 114

2.4 BIOARQUEOLOGIA E REPRESENTATIVIDADE .................................................................. 125

2.5 OSTEOBIOGRAFIAS: CONCEITO, MÉTODO E PRESSUPOSTO TEÓRICO ....................... 131

2.6 OS ESPAÇOS FUNERÁRIOS ..................................................................................................... 133


2.7 “AMAZONIFICANDO” O OLHAR: NOÇÕES DE PESSOA E CONSTRUÇÃO DE CORPOS
AMERÍNDIOS .................................................................................................................................... 134

2.8 MATERIAL E MÉTODOS .......................................................................................................... 139

2.8.1 Material ...................................................................................................................................... 139

2.8.2 Procedimentos de Escavação (Somente Segunda Campanha - 2014) ....................................... 140

2.8.3 Curadoria ................................................................................................................................... 142

2.8.4 Tafonomia: ................................................................................................................................. 144

2.8.5 Arqueotanatologia...................................................................................................................... 145

2.8.6 Osteobiografias: ......................................................................................................................... 147

CAPITULO III- Resultados das análises dos sepultamentos registrados no sítio Curiaú Mirim I
............................................................................................................................................................. 159

3.1 POÇO TESTE 01 (PT 01) ............................................................................................................. 159

3.2 CAMPANHA DE 2011................................................................................................................. 161

3.2.1 Estrutura 42 ............................................................................................................................... 162

3.3 CAMPANHA DE 2014................................................................................................................. 206

3.3.1 Estrutura 1043 ........................................................................................................................... 206

3.3.2 Estrutura 1059 ........................................................................................................................... 229

3.4 AS DEMAIS ESTRUTURAS:...................................................................................................... 254

3.4.1 Seção I ........................................................................................................................................ 255

3.4.2 Seção II....................................................................................................................................... 259

3.4.3 Seção III ..................................................................................................................................... 268

3.4.4 Seção IV ..................................................................................................................................... 270

3.4.5 Seção V ....................................................................................................................................... 273

3.4.6 Seção VI ..................................................................................................................................... 274

CAPÍTULO IV – Discussão e interpretação dos dados ................................................................. 278

4. 1 AO LONGO DO TEMPO: CRONOLOGIAS OBTIDAS PARA O SÍTIO CURIAÚ MIRIM I 278

4.2 BIOGRAFIAS DOS MORTOS: IDENTIDADES CONSTRUIDAS EM VIDA ......................... 282

4.2.1 Poço Teste 01 ............................................................................................................................. 283

4.2.2 Estrutura 42: .............................................................................................................................. 283


4.2.3 Estrutura 1043: ......................................................................................................................... 293

4.2.4 Estrutura 1059 ........................................................................................................................... 296

4.3 ESPAÇO E MEMÓRIA – OS MORTOS SIMBOLIZADOS PELOS VIVOS E O CORPO


CONSTRUIDO/TRANSFORMADO NO ESPAÇO .......................................................................... 301

4.4 O MOBILIÁRIO FUNERÁRIO: A FLUIDEZ ENTRE AS COISAS E AS PESSOAS ............. 322

4.5 OBSERVAÇÕES GERAIS: ......................................................................................................... 327

Considerações finais .......................................................................................................................... 333

Referências Bibliográficas .................................................................................................................. 338

Anexos ................................................................................................................................................. 354

Anexo 1 355

Anexo 2 356

Apêndices ............................................................................................................................................ 368


24

Introdução

A diversidade de práticas funerárias da região amazônica tem sido atestada pelos


estudos, tanto da etnologia como da própria arqueologia (CHAUMEIL, 2007;
MEGGERS & EVANS, 1957). No entanto, os remanescentes humanos eram, por
muitas vezes, estudados a partir de abordagens generalistas que não levaram em
considerações as particularidades de cada região e em alguns casos sequer as
informações etnológicas e/ou arqueológicas disponíveis. Outro impasse verificado na
teoria arqueológica se dá na forma de como se “enxerga” o corpo humano.
Com o decorrer do avanço das abordagens teóricas na Bioarqueologia, o corpo e
a plasticidade corporal passam a serem vistos enquanto um constructo social por meio
de uma abordagem teórica metodológica. Ainda de acordo com esta abordagem, o corpo
pode ser entendido como um tipo especial de cultura material que deve ser lido e, assim
como outros artefatos, necessita de ser devidamente contextualizado.
Na Amazônia, junto aos povos ameríndios, existem (e provavelmente existiam)
concepções muito diferentes das nossas acerca das noções de pessoa e o papel
desempenhado pela corporalidade nas relações sociais.
De modo a refletir sobre o corpo, a vida e a morte presentes nas práticas
funerárias da foz do rio Amazonas a partir do estudo de caso do sítio arqueológico
Curiaú Mirim I, meu objetivo foi procurar entender como se deram as práticas
funerárias a partir da análise de três estruturas funerárias contendo restos esqueléticos
humanos, cujas datações deste sítio estão inseridas em uma cronologia que vai desde o
século X AD ao XVII AD.
O sítio Curiaú Mirim I está localizado na cidade de Macapá, na borda de um
terraço inserido em uma área de transição do cerrado para a várzea, junto à foz do rio
Amazonas. Este sítio foi escavado pela equipe de arqueologia do IEPA em duas
campanhas, de 2011 e 2014, possui uma área escavada de pouco mais de 1070 m 2, no
qual se verificou a existência, no seu espaço, de áreas de concentração de buracos de
poste interpretadas como antigas estruturas de habitações e estruturas negativas que
compõem áreas funerárias com respectivos sepultamentos.
As estruturas negativas tratam-se de áreas escavadas e preenchidas com
fragmentos cerâmicos, vasilhas inteiras, com ou sem remanescentes humanos, são
poços, fossas e deposições de vasilhas. Além dessas, no registro arqueológico, existem
25

as chamadas anomalias naturais que têm influência de bioturbações ou processos pós-


deposicionais.
Nas estruturas negativas antropogênicas em geral, foram identificadas cerâmicas
arqueológicas conhecidas como Koriabo, um estilo que tem ampla dispersão no escudo
das Guianas; as cerâmicas Mazagão, Caviana e Marajoara, estilos que têm como
delimitação geográfica a região sul do Amapá, abaixo do rio Araguari e ilhas do Pará.
O que se pode perceber ainda em campo e nas etapas iniciais de laboratório, ao
longo das duas campanhas, é a singularidade quanto ao estado de preservação dos
elementos esqueléticos humanos e restos faunísticos, inseridos em uma matriz de
sedimento escuro com presença de cacos cerâmicos e restos vegetais carbonizados.
Além desses quesitos no sítio Curiaú Mirim I, temos um contexto privilegiado e
bem preservado do qual foi escavado em área ampla, o que permitiu, junto aos outros
dados arqueológicos para a costa estuarina amazônica, realizar estudos voltados para os
sepultamentos, onde o foco das análises partiu dos vestígios diretos de esqueletos
humanos.
Considero que a relevância desta pesquisa se dê por dois motivos. Em primeiro
lugar, devido à escassez de estudos voltados à práticas funerárias na região amazônica,
especialmente aquelas com enfoque justamente nos aspectos funerários voltados ao
estudo dos remanescentes esqueléticos humanos1.
Em segundo, trabalhos em áreas amplas na Amazônia são escassos, sendo a
exceção a Guiana Francesa com os trabalhos feitos pelo Institut National d’Archéologie
Preventive- INRAP (SALDANHA & CABRAL, 2012). Com esse tipo de escavação, foi
possível espacializar as estruturas funerárias aqui estudadas junto a outras estruturas
negativas encontradas no sítio, o que permite abrir uma janela para uma melhor
compreensão do próprio sítio arqueológico, principalmente no que se refere à foz do rio
Amazonas no período tardio (por volta do ano 1000 AD).
A partir desta breve exposição quanto ao que norteia esta dissertação e algumas
características e peculiaridades do sítio arqueológico Curiaú Mirim I, uma série de

1
É importante frisar que, ultimamente, temos visto dissertações e teses que lidam com os aspectos
funerários embasados nos restos esqueléticos, como a dissertação e a tese de Anne Rap-Py-Daniel
(2009, 2015), onde trabalhou com o sítio Hatahara na Amazônia Central e sítios com contextos
funerários para a Calha do Rio Amazonas, respectivamente. Temos ainda as dissertações de mestrado
de Diogo Barros Fonseca (UFPA) e Ádrea Gizelle Morais Costa (UFS) sobre as práticas funerárias no
baixo Tapajós, ambas defendidas em 2015.
26

perguntas puderam ser enumeradas: Seria um sítio habitação, cerimonial ou cemitério?


O que significam esses estilos cerâmicos no mesmo sítio e em alguns casos em uma
mesma estrutura? Trocas? Diferentes ocupações? São perguntas que, posteriormente,
deverão ser respondidas com estudos “casados” de análise do material cerâmico e lítico
a ser feita por outros colegas.
Este seria um sítio habitação que foi abandonado e virou uma “aldeia dos
mortos” destinada a sepultamentos e atividades cerimoniais? Ou um antigo cemitério
teria sido reocupado como um sítio-habitação? Ou é um sítio com ambas funções de
habitação e sepultamentos, onde as deposições funerárias/cerimoniais poderiam ter
ocorrido em áreas destinadas a este fim muito próximo das casas? Que tipo de
atividades estariam ocorrendo neste local? O que indicariam as deposições funerárias no
período tardio2?
Esses questionamentos3 são extremamente importantes, e é por isso que esboço
aqui os mesmos, mas não caberia, nem é a intenção, nesta dissertação de mestrado
esgotar e responder a todas4 estas perguntas derivadas a partir do registro arqueológico
no sítio Curiaú Mirim I. Contudo, as mesmas indagações servem como guia para refletir
sobre a pergunta principal desta pesquisa:
 Como se deram as práticas funerárias presentes no sítio em questão?
Para responder tal pergunta, o objetivo central desta pesquisa visa:
 Demonstrar como tais práticas ocorreram e a sua variabilidade interna junto aos
outros contextos funerários na região (junto ao município de Macapá, inserida junto ao
escudo das Guianas e na Foz do Amazonas).
Junto a esta pergunta delineadora, é o objetivo central estabelecer uma série de
questionamentos quanto ao entendimento geral do sítio, tomando como ponto de partida
os sepultamentos. Desta forma, optou- se por identificar as práticas e gestos funerários
dentro deste sítio arqueológico, privilegiando o estudo dos remanescentes esqueléticos
humanos, o que quer dizer, trazer para o cenário as ações dos vivos que depositaram os
mortos dentro das estruturas negativas, bem como tentar inferir como eram esses
mortos.
2
Por volta do ano 1000 AD até o período do contato
3
Exemplos arqueológicos e etnográficos/etnohistóricos para a Amazônia (ver por exemplo CHAUMEIL, 1997;
ROSTAIN, 2011; ROTH, 1923; CREVAUX, 1883; PY-DANIEL, 2015; VAN DEN BEL, 2015; DUIN, 2010, etc.)
que podem auxiliar a responder as perguntas colocadas acima não faltam.
4
Outros se dedicam a pesquisar o sítio Curiaú Mirim I. O Bolsista de Apoio Técnico Alan Nazaré está
desenvolvendo estudos do material cerâmico. Com o andamento das nossas pesquisas as perguntas feitas acima
poderão ser respondidas futuramente.
27

Dessa forma, foram estabelecidas algumas perguntas específicas quanto ao que


queremos responder: 1. Como eram aqueles que foram depositados em tais estruturas
funerárias? 2. Quais as diferenças e semelhanças dos sepultamentos e práticas funerárias
no espaço intra-sítio? 3. Qual a distribuição espacial dos restos esqueléticos presentes
nas estruturas negativas? 4. Como é demonstrado o tratamento e acompanhamento
funerário dispensado aos mortos?
Traçadas as perguntas, os objetivos específicos a seguir foram:
1. Realizar osteobiografias. 2. Identificar os gestos funerários. 3. Identificar os
processos tafonômicos. 4. Realizar estudo espacializado das estruturas funerárias. 5.
Realizar observações e descrições quanto aos acompanhamentos funerários.
Esta dissertação foi dividida em quatro capítulos apresentados de forma sucinta à
seguir:
No primeiro capítulo, realizo uma revisão bibliográfica com um panorama
geral sobre a arqueologia do Escudo das Guianas e da Foz do Amazonas (representados
aqui pela Guiana, Suriname, Guiana Francesa, Estado do Amapá e Arquipélago do
Marajó), embasado em contextos funerários semelhantes e também diversos ao que se
encontra no contexto aqui estudado, encontrados em sítios classificados como
habitacionais e cemitérios propriamente ditos. Quanto às práticas funerárias e
tratamento dado aos corpos, procurei indicar dentro das semelhanças, mais que um
padrão, o que se observa é uma grande diversidade de gestos funerários.
Sobre o sítio arqueológico Curiaú Mirim I, procurei expor um breve histórico de
como se deu o processo de escavação com as duas intervenções realizadas entre os anos
de 2011 e 2014. Em seguida, realizo uma caracterização geral das estruturas negativas
(buracos de poste, poços, fossas, deposições de vasilhas, lixeiras e sepulturas).
De modo complementar, discorro sobre as características (geomorfologia, clima,
vegetação, relevo e a hidrografia), onde está inserido o sítio arqueológico Curiaú Mirim
I, isto é, na costa estuarina amazônica na bacia hidrográfica do Curiaú. Esta
caracterização é feita também a partir do “exercício” da aplicação dos conceitos vindos
da Geologia, tais como: Estratigrafia e Sedimentologia, onde apresento a correlação
destes na seção estratigráfica do sítio arqueológico Curiaú Mirim I.
Dando continuidade a descrição do sítio, procurei mostrar a caracterização
espacial da área total escavada do sítio e sua definição como sítio habitação junto aos
28

contextos com deposições cerimoniais / funerárias e, por fim, procuro mostrar uma
breve descrição dos estilos cerâmicos encontrados no sítio Curiaú Mirim I.
No segundo capítulo, apresento as definições dos conceitos adotados a partir
das abordagens teóricas escolhidas, a fim de responder as questões levantadas. Em
seguida, apresento abordagens teóricas adotadas, baseado na plasticidade do corpo,
sendo o mesmo visto como um tipo de cultura material, onde volta- se a ideia da
corporalidade ameríndia, de forma a poder amazonificar o olhar sobre as práticas/gestos
funerários.
Os métodos utilizados são vindos da arqueotanatologia, bem como a ideia de
osteobiografia defendida pela bioarqueologia social que enfatiza a contextualização, as
identidades, o simbolismo e a ideologia.
Em relação à Bioarqueologia social e sobre a perspectiva do corpo como cultura
material, as mesmas reconhecem a necessidade da interpretação do corpo, ou no caso o
esqueleto, como um sítio de articulação do material e do social (SOFAER, 2009: 86),
indo de encontro com discussões da antropologia social quanto à ideia da construção do
corpo e noção de pessoa ameríndia (SEEGER, DAMATTA, CASTRO, 1979).
Em seguida, dedico-me à discussão metodológica e apresentação das abordagens
analíticas, revelando a importância dos estudos osteobiográficos. Em seguida, discorro
sobre os procedimentos dos métodos utilizados na análise de todos os sepultamentos,
quanto à arqueologia da morte, gestos funerários e análise de esqueletos humanos.
No que se refere à escavação de urnas funerárias contendo remanescentes
humanos, exponho procedimentos de curadoria, técnicas de análises osteométricas e
morfológicas e utilização de fotografias. Adicionalmente, comento sobre as observações
quanto aos materiais arqueológicos que estão ou podem estar associados aos
sepultamentos. Os procedimentos metodológicos utilizados na análise dos gestos
funerários, estudos tafonômicos e osteobiografia serão explicitados.
No capítulo três, são descritos os resultados obtidos com as observações
procedimentos adotados nas análises. São feitas descrições detalhadas de todo o
material estudado, das análises dos remanescentes humanos. Apesar de não ser foco
desta pesquisa a análise cerâmica, procuro apresentar estes e outros artefatos associados
com os remanescentes humanos.
No capítulo quatro, inicio com a apresentação das cronologias obtidas para o sítio
e minha interpretação da distribuição espacial das estruturas com base nos dados das
29

análises e resultados aqui apresentados, especialmente para as três estruturas funerárias


analisadas.
Discuto e interpreto os dados obtidos, dialogando com o problema da pesquisa e
as perguntas formuladas. Os dados osteobiográficos são discutidos a partir de suas
limitações em função de aspectos tafonômicos e representatividade esquelética. Os
resultados da análise osteobiográfica em si são discutidos em relação aos aspectos
bioculturais inferidos. Essas informações são contextualizadas quanto aos dados
arqueológicos de outros sítios com a presença de sepultamentos.
Discorro ainda sobre as fontes etnohistóricas e etnográficas nas Guianas e na
Amazônia de um modo mais geral quanto aos rituais e às práticas funerárias, à ideia de
construção de corpo e às noções de pessoa ameríndias presentes na antropologia
amazônica.
A partir da literatura arqueológica e em certa medida da etnologia amazônica, são
discutidas as possibilidades interpretativas dos conjuntos funerários estudados,
privilegiando-se possíveis interpretações associadas à percepção do corpo como um
constructo social, procurando desta forma, uma aproximação das discussões sobre a
corporalidade e noção de pessoa nas sociedades ameríndias do passado e presente.
Por fim, nas considerações finais, apresento um apanhado geral do que foi visto e
discutido ao longo da dissertação, assim como futuros desdobramentos da pesquisa,
principalmente no que concerne aos contextos mortuários vistos através dos gestos
funerários e osteobiografias.
30

CAPÍTULO I – Vida e morte na Antiga Amazônia: Padrão e


diversidade dos contextos funerários nas Guianas à foz do
Amazonas
Estudos sobre as práticas funerárias na arqueologia amazônica ainda são raros e
aqueles que levam em conta remanescentes humanos são ainda mais incomuns. O
registro arqueológico desta região tem evidenciado uma variedade de contextos a serem
pesquisados, por mais que persista o mito da dissolução dos vestígios humanos, uma
realidade em muitos casos, principalmente, na arqueologia amazônica, o mesmo não se
pode dizer mais de um silêncio quanto ao registro destes vestígios (MENDONÇA DE
SOUZA, 2010).
O que pretendo mostrar nesse capítulo é que apesar da fragilidade dos restos
esqueléticos na maior parte da Amazônia, como já apontaram os estudos que
exemplifico abaixo, deve-se investir cada vez mais nos contextos, já a partir do campo
(SOUZA, 2003; SOUZA & CARVALHO, 2013; PY-DANNIEL, 2015).
Nesta revisão, faço menção somente aos sítios arqueológicos com a presença
sepultamentos, sejam eles vestígios diretos ou indiretos, contidos ou não em urnas
funerárias. O motivo para a escolha dos sítios arqueológicos aqui apresentados se dá
pela delimitação temporal e a presença de cerâmicas que já são conhecidas e discutidas
na literatura arqueológica amazônica.
Muitos destes sítios arqueológicos, com datações absolutas, possuem
cronologias posicionadas próximas ao que se convencionou chamar de período
cerâmico tardio (BOOMERT, 1993; COUTET, 2010; VAN DEN BEL, 2014, 2015),
por volta de 900 a meados de 1500 AD. No entanto, existem sítios arqueológicos com
datações indo até o século XIX AD. Alguns dos sítios arqueológicos mencionados,
todavia, possuem datações relativas, inferida pela cerâmica - um “fóssil” guia ou pela
própria estratigrafia ou, ainda, dada a presença de contas de vidro europeias.
Apesar de não discutir as cerâmicas encontradas sob o ponto de vista teórico das
definições de culturas arqueológicas e suas implicações, este estudo está profundamente
amarrado ao entendimento dos sítios através dos vestígios cerâmicos, já que foi a partir
deles que a Arqueologia Amazônica se consolidou enquadrada nas chamadas áreas
culturais, conceito que apesar de há muito tempo abandonado serviu de base para os
estudos de Betty Meggers e Clifford Evans na região Amazônica, bem como para a
sistematização das tradições e fases arqueológicas, que apesar de atuais críticas quanto
31

ao uso desses conceitos, assim como os pressupostos teóricos que se embasaram, ainda
hoje é a base para observar e problematizar a mudança nos estilos cerâmicos ao longo
do tempo e nos diferentes espaços.
As fases arqueológicas mencionadas nos sítios arqueológicos estão inseridas nas
discussões sobre as recorrências de determinados estilos cerâmicos e diferentes
conformações de ocupação dos territórios ao longo do tempo. Estas fases aparecerão
com frequência nesta revisão e no estudo de caso do sítio aqui apresentado. Deste modo,
o termo fase aqui utilizado nada tem a ver com a definição de um grupo étnico-social,
mas é usado para classificar algumas características tecnológicas e estilísticas presentes
nas cerâmicas e certas recorrências quanto à ocupação territorial.
Portanto, as evidências destas cerâmicas, no tempo e no espaço, servem como
um instrumento cronológico, cujo potencial informativo presente em tais evidências
tende a ser muito proveitoso quando unidos e contrastados a outras evidências
(SCHAAN, 2007; PY-DANIEL, 2009).
Considero que o sítio alvo deste estudo está inserido em uma área mais geral
chamada de Escudo das Guianas, delimitado pelo rio Amazonas, rio Negro, canal
Casiquiare, o rio Orinoco e o Oceano Atlântico (ROSTAIN, 2008, p. 279). Não é minha
intenção discutir padrões regionais nesta imensa área, mas apontar a diversidade e
alguns pontos comuns que podem ser elencados em sítios descritos para parte dessa
região e para parte da foz do Amazonas.
Ao longo desta revisão, apontarei brevemente registros arqueológicos de
sepultamentos, sendo que em alguns casos temos descrições mais detalhadas dos
conteúdos funerários que contam com restos esqueléticos humanos. Em outros casos,
puderam-se inferir deposições funerárias/cerimoniais em alguns sítios aqui tomados
como exemplo, mesmo sem a presença de ossos humanos.
Sem a intenção de procurar por um padrão nas práticas funerárias através das
descrições e definições obtidas para os contextos funerários apresentados aqui neste
levantamento, busquei dividir este capítulo pensado na classificação funcional de cada
sítio aqui descrito para parte das Guianas e foz do Amazonas (Figura 1), assim como os
tipos de práticas e gestos funerários descritos.
32

Figura 1: Localização das Guianas e foz do Amazonas, com a cidade de Macapá e do Sítio Curiaú Mirim I destacado
(Mapa elaborado por Kleber Oliveira Souza com alterações de Avelino Gambim Júnior).

Em relação ao critério da definição funcional dos sítios, dividi primeiramente


aqueles descritos como contextos funerários em sítios habitação (o que pode ser um
palimpsesto de ocupações ou a coexistência de sepultamentos dentro de aldeias ou o
abandono de uma aldeia posteriormente transformada em cemitério ou ainda um antigo
cemitério transformado em aldeia) e aqueles sítios que temos contextos funerários dos
quais são descritos como necrópoles, que podemos chamar de cemitérios “propriamente
ditos” ou deposições cerimoniais/funerários claramente separados de áreas ditas
residenciais ou “cotidianas”, podendo ser desde áreas separadas a céu aberto até grutas e
abrigos.
Em muitos dos contextos funerários aqui apresentados, não há como dizer com
maior segurança se existiu tal separação entre habitação e cemitério, ou mesmo não há
elementos suficientes para se fazer alguma classificação funcional deste tipo, sem contar
que em alguns casos temos palimpsestos de ocupações distintas, ou aqueles que não são
descritos porque a área é escavada. Nestes casos, tais sítios foram classificados como:
sem contexto funcional definido.
33

De modo a facilitar mais a leitura, procurei me ater a outros elementos desses


contextos funerários, como aqueles relacionados aos gestos/tratamentos funerários.
Obviamente, nem todos podem ser descritos de forma mais detalhada. Dessa forma,
busquei outro critério mais geral, a saber: os sepultamentos descritos como
sepultamentos primários e sepultamentos secundários (incluindo cremação e exposição
ao fogo), mesmo sabendo que nem sempre é tão clara essa distinção (DUDAY, 2006).
E como em muitos casos, temos em um mesmo sítio e em um mesmo contexto a
presença de sepultamentos secundários, primários, cremações e exposição ao fogo, foi
adicionada uma terceira categoria para os tratamentos / gestos funerários, para aqueles
tratamentos funerários mistos, isto é, quando temos sepultamentos primários e
secundários (além da presença de ossos expostos ao fogo ou cremações). Há, ainda,
outra definição para aqueles contextos funerários que não são descritos em maiores
detalhes ou temos dados insuficientes quanto ao tipo de tratamento funerário.
Deste modo, ao mostrar a ocorrência destas características, segundo a
bibliografia aqui apresentada, nos sítios aqui descritos, estes servem como base de
comparação empírica do universo arqueológico para embasar materialmente as
explanações e interpretações provindas da análise do sítio Curiaú Mirim I, motivo pelo
qual resolvi deixar a descrição do contexto deste sítio junto ao capítulo de revisão, não
como algo separado dos outros contextos, mas como um estudo de caso embasado em
primeiro lugar nas descrições de outros contextos arqueológicos, para as Guianas e para
a foz do Amazonas, demonstrando que de fato há uma grande variabilidade nas práticas
dos vivos em lidar com os corpos dos seus mortos.
Assim, são descritos não apenas contextos funerários em que temos a presença
de esqueletos humanos, que nem sempre são descritos de maneira mais minuciosa, mas
contextos onde há pelo menos menção as características funcionais dos sítios e/ou o
tratamento funerário descrito.
Além das Guianas, representadas aqui pela Guiana Francesa, Guiana e
Suriname, e ao contexto da Foz do Amazonas, representado aqui em parte pelo
arquipélago do Marajó com as ilhas de Marajó, Caviana e Mexiana. Do mesmo modo, é
apresentado o Estado do Amapá, considerado igualmente a Guiana Brasileira e parte da
foz do Amazonas, dividido entre Costa Atlântica ou Zona Costeira Atlântica (do oceano
atlântico ao rio Oiapoque) e Costa Estuarina Amazônica ou Zona Costeira Estuarina (
do rio Araguari ao rio Jari).
34

Finalmente, é apresentado o sítio Curiaú Mirim I como estudo de caso de sítio


habitação com evidências de práticas funerárias, onde se busca articular os conteúdos
dos sepultamentos, ou seja, as evidências esqueléticas humanas, cerâmica, urnas e
ornamentos. Quanto à cerâmica descrita, esta aqui é vista dentro das discussões sobre
os estilos cerâmicos encontrados para o Estado do Amapá e, principalmente, na costa
estuarina amazônica.

1.1 NECRÓPOLES

1.1.1 Sepultamentos Secundários


Os arqueólogos estadunidenses Clifford Evans e Betty Meggers (1960), durante
sua estadia na Guiana, identificaram diversos sítios cemitérios em grutas, classificando
as cerâmicas encontradas como pertencentes à fase Rupununi 5. Nas savanas ao sul,
encontraram um agrupamento de urnas funerárias lisas em sua maioria enterradas e
tendo tigelas emborcadas servindo como tampa. Algumas vasilhas apresentavam
apêndices mamiliformes, além de acompanhamentos como vasilhas pequenas e contas
de vidro europeu (EVANS; MEGGERS 1960).
Com a escavação de algumas dessas urnas, percebeu- se tratamentos distintos
dados aos corpos, com ossos misturados a uma matriz de terra e, em uma das urnas
escavadas, foram observados ossos longos de membros inferiores e superiores em
feixes, formando uma espécie de triângulo com o crânio e em outra urna foram
observados ossos humanos com evidências de exposição ao fogo (MEGGERS &
EVANS, 1960).
Evans e Meggers (1960) enxergaram outro padrão para os enterramentos nas
savanas ao norte, embora também encontrados em abrigos sob-rocha, perceberam três
diferenças: “(1) urnas não são enterradas, colocadas diretamente no chão ou calçadas
por rochas abaixo e ao redor delas; (2) urnas não possuem tampas; (3) raros
acompanhamentos funerários” (EVANS & MEGGERS, 1960, p. 322).
Na Ilha de Caiena, na Guiana Francesa, em Rémire-Montjoly, o INRAP resgatou
o sítio arqueológico Chennebras (DELPECH, 2010). Sandrine Delpech (2010, p. 10)

5
A fase Rupununi é tida por eles como recente, do século XVIII ao século XIX período pós contato, devido à
presença de artefatos europeus encontrados e a correlação com os Macuxi históricos (que pertencem à família
linguística karib, e se autodenominam Pemon. Habitam a região das Guianas, atualmente partilhado entre Brasil e
Guiana, entre os rios Rupununi e rio Branco) (EVANS; MEGGERS 1960). Pesquisas mais recente obtiveram
datações radiocarbônicas com uma cronologia semelhante em torno do século XIX para um sítio com cerâmica
Rupununi (PLEW, 2007).
35

sugere que o sítio arqueológico Chennebras é um tipo de sítio funerário, talvez um


cemitério, dado à concentração de artefatos cerâmicos identificados no registro
arqueológico.
Para o baixo Oiapoque, no lado da Guiana Francesa, há a descrição de
necrópoles em grutas (como por exemplo, L’ Observatoire e Bruyère) com deposições
de urnas com inumações secundárias, sendo que várias urnas funerárias policromas
encontradas na superfície de grutas foram atribuídas a funções funerárias (ROSTAIN,
1994, p. 108).
No Salto Maripa, também na Guiana Francesa, um jarro cinerário, que foi
descoberto por Hugues Petitjean Roget em uma gruta, continha ossos cremados de pelo
menos dois indivíduos, um adulto e infantil, contas de vidro, fragmentos de madeira,
ferro e carvões de madeira (ROSTAIN, 1994, p. 109).
Em relação à Costa Atlântica, com a tese de doutorado de Stéphen Rostain
(1994)6 e a execução do Projeto Oiapoque (1988-1993) são realizados cadastramentos
de sítios, coletas de superfície, escavações e datações radiocarbônicas não apenas na
Guiana Francesa, mas também no lado brasileiro do rio Oiapoque. Seguindo uma linha
histórico-cultural, Rostain (1990) tinha como objetivo “o estudo espacial e temporal do
povoamento ameríndio entre a baia do Oiapoque e a ilha de Caiena” (SALDANHA &
CABRAL, 2010), buscando principalmente entender a dispersão da cerâmica Aristé.
A fase Aristé, segundo Rostain (1994), predomina em sítios habitação e
cerimonial / funerário. Em relação aos sítios habitação, eles possuem tamanho máximo
de 10.000 m² e profundidade que atinge até 50 cm, o que indicaria pouca duração dos
assentamentos (ROSTAIN, 1994, p. 412).
Já os sítios cerimoniais / funerários, como os megalíticos, possuem alinhamentos
de pedras, formando círculos ou elipses e abaixo delas as placas de granito são
marcadores dos poços funerários com câmara lateral (CABRAL & SALDANHA,
2008). Outros lugares utilizados para depositar a cerâmica Aristé são as grutas e
cavernas como já identificado na Guiana Francesa (Colinas Ouanary). Para o período

6
As contribuições das pesquisas de Rostain (1994) permitiram a constatação da extensão para a parte sul do litoral da
Guiana Francesa da fase Aristé6, que não se limitava ao Amapá, assim como um conjunto de datações que mostrava
que esta fase se estendia desde o século IV ao séc. XVI A.D. Segundo o autor, a fase Aristé se inicia na região do
Oiapoque com o tipo “Ouanari Encoché” da tradição inciso-ponteada com alguns componentes policrômicos, seguida
pelo tipo “Caripo Kwep” da tradição inciso ponteada e terminando com o tipo “Enfer Polychrome” da tradição
policrômica.
36

tardio, a cerâmica predominante é a policroma ou Enfer Polychrome que apresenta


pintura policrômica e modelagem antropomorfa e zoomorfa.
Rostain (1994) propõe, então, uma articulação funcional entre os sítios Aristé na
Região, com a existência de sítios domésticos (habitações a céu aberto, acampamentos
em abrigos rochosos), sítios funerários (abrigos rochosos, poços com câmara lateral,
deposição de urnas a céu aberto e enterradas) e sítios cerimoniais / funerários
(alinhamentos de rochas/megalitos).
Interessante ressaltar que, para a Costa Atlântica (incluindo aí parte da Guiana
Francesa e o Estado do Amapá), o arqueólogo Stéphen Rostain (1994, p. 110) faz
distinção de quatro tipos cemitério e sítios cerimoniais / funerários “propriamente
ditos”, divididos da seguinte maneira: (I) cemitérios, onde as urnas estão dispostas lado
a lado na superfície de grutas e abrigos; (II) cemitérios, em que as urnas estão dispostas
lado a lado e enterradas (não profundamente); (III) cemitérios com poços escavados e
fechados com uma tampa de granito; (IV) alinhamentos de blocos de granito verticais
associados aos sítios cerimoniais (ROSTAIN, 1994, p. 110).
Na região de Calçoene em Cunani durante a expedição de Lima Guedes (1896),
este identificou, no Monte Curú, dois depósitos de igaçabas com uma placa de granito
em forma de pirâmide quadrangular truncada, como uma espécie de marcador (LIMA
GUEDES, 1896, p. 49).
Com a remoção da placa de granito, um poço funerário com o formato
semicircular, havia dezoito igaçabas, em sua totalidade, que continham fragmentos de
ossos calcinados, possivelmente mais de um indivíduo (LIMA GUEDES, 1896, p. 49-
50). Devido algumas urnas apresentarem formas que lembram indivíduos masculinos e
femininos, os remanescentes humanos foram associados a essas figuras (LIMA
GUEDES, 1896, p. 49).
Goeldi (1905, p. I), na época diretor do Museu Paraense, fez parte de “(...) uma
primeira expedição cientifica à Guiana brasileira, especialmente ao litoral entre o
Oiapoque e o Amazonas (...) principiou- se com a exploração entre os rios Cunani e
Cassiporé”.
37

No Igarapé do Hollanda, lado esquerdo do rio Cunani, Goeldi7 descobriu, no


chamado Monte Curú, uma pedra de granito que estava em posição oblíqua, que junto a
outras marcavam e protegiam duas cavernas artificiais com poços cilíndricos, que no
final lembram uma ‘bota’ que guardava dezenove cerâmicas (alguidares e potes)
funerárias (1905, p. 5- 6) (figura 6).

Figura 2: Poço com câmara lateral descrito por Emílio Goeldi. Fonte: Goeldi, 1905.

Goeldi (1905, p. 11-21) referiu-se aos vasos com pinturas, desenhos


antropomorfos e zoomorfos e remanescentes humanos. Dos dezenove vasos, três não
continham remanescentes humanos. As características gerais dos vasos8 são: potes e
alguidares, na base, principalmente dos potes, existem furos. Em um dos vasos, foi
identificada uma terra vermelha (GOELDI, 1905, p. 11- 21).
Para os remanescentes humanos, Goeldi (1905, p. 11- 21) descreveu fragmentos
de ossos, cinzas, ossos calcinados e cremados, identificando dentes e ossos longos como
úmeros e fêmures.
Goeldi (1905) concluiu que as cavernas artificiais tinham o formato de bota para
evitar um possível desmoronamento da parte superior onde ficava a tampa de granito,

7
Curt Nimuendajú também constatou que a cerâmica tipo Cunani (Aristé) não ocorria somente na então Guiana
Brasileira, pois seria igual a cerâmica funerária do Monte Ucupí na margem esquerda do rio Urucauá, na região dos
atuais Palikur conforme Goeldi (Hilbert, 1957: 8).
8
Em Goeldi (1905) encontram- se as estampas e as numerações dos vasos contendo remanescentes humanos (n° 1, 2,
3,4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 14, 15, 16, 17, 18, 19).
38

sendo este o motivo para as deposições dos vasos em morros e colinas, a fim de evitar
que os mesmos sofressem com as inundações periódicas.
Em suas excursões pelo Amapá em 1923, Curt Nimuendajú (2004) identificou
sítios arqueológicos com estruturas megalíticas e cemitérios em áreas de morros na
costa atlântica do Amapá. Nimuendaju relatou conjuntos de urnas funerárias, situados
em locais altos e de difícil acesso, como no Monte Mayé (NIMUENDAJU, 2004, p. 21).
Estes, pelas descrições, levam a entender que se tratam de cemitérios.
Neste local, foram identificados três sítios de urnas, das quais foram usadas para
enterramentos secundários. Os ossos parecem ter sido intencionalmente quebrados. Em
algumas urnas, existiam partes de crânio, mas em outras não. Nenhum dos ossos parece
apresentar sinais de queima nem pintura vermelha, porém em pelo menos um caso
foram encontrados ossos queimados (uma tíbia), reconhecidos como pertencentes a um
indivíduo não adulto. Quanto aos dentes, nenhum possuía desgaste, podendo indicar
indivíduos mais novos e pelo menos um possuía traços de cáries (NIMUENDAJU,
2004, p. 22-23).
Os acompanhamentos funerários (pingentes, muirakitãs, contas de conchas,
contas de cerâmica, contas de vidro, facas de metal, dedais de costura, contas de dentes,
tembetás, fragmentos de ferro, espelhos, etc.) eram colocados dentro da urna ou ao lado
das urnas (neste caso enterrados). Quanto às urnas, estas tinham decoração pintada ou
apliques e estas possuíam tampas. Devido aos acompanhamentos, cogitou-se que se
tratasse de um cemitério do século XVIII AD (NIMUENDAJU, 2004, p. 21-23).
Em 1935, Eurico Fernandes investigou os sítios-cemitério de Vila Velha (distrito
do município do Oiapoque), na qual foi possível identificar uma urna contendo contas
de vidro, ossos queimados, um machado de pedra, sete muiraquitãs e pendentes de
jadeita (HILBERT, 1957, p. 9).
Apesar de não terem escavado o Sítio de Vila Velha, escavado por Eurico
Fernandes, Meggers e Evans (1957, p. 119 - 120) comentaram sobre a escavação de
uma urna funerária Aristé (serra pintado) com uma vasilha emborcada usada como
tampa, cujo interior continha ossos cremados, mais de trezentas contas de vidro, um
machado polido, sete muiraquitãs e pendentes de jadeite. Segundo Meggers e Evans
(1957, p. 119), esta urna estava numa camada de húmus que se estendeu da superfície
até 12cm, onde começava uma camada de argila marrom, indicando ser um cemitério e
não uma habitação.
39

Meggers e Evans (1957), durante escavações no município do Amapá,


localizaram um sítio cemitério multicomponencial, AP-AM-07, localizado em um
abrigo formado por grandes blocos de granito junto à montanha da Pluma. Dentro do
abrigo, foram encontrados fragmentos de urnas funerárias Aristé, além de contas de
porcelana de origem européia (MEGGERS & EVANS, 1957, p. 107).
A oito quilômetros deste mesmo sítio, foi identificado o sítio AP-AM-11
(Montanha de Aristé), composto por duas cavernas com urnas funerárias. A maioria dos
sepultamentos desse sítio arqueológico possuía urnas preenchidas com sedimento e
fragmentos de ossos cremados, com exceção de dois sepultamentos secundários (não
cremados) de indivíduos adultos. Uma dessas urnas com sepultamento secundário não
cremado continha ossos cremados de outro indivíduo. Praticamente nenhuma das urnas
vasilhas emborcadas servindo como tampa, com uma única exceção. A maior parte dos
fragmentos cerâmicos era pertencentes à fase Aristé (MEGGERS & EVANS, 1957, p.
108 -116).
Segundo Meggers e Evans (1957, p. 157), estes cemitérios estão distantes das
habitações, com urnas depositadas em cavernas ou abrigos, ou construídos em poços
com câmara lateral. As urnas, frequentemente, têm figuras ou faces antropomorfas
modeladas ou pintadas, geralmente desprovidas de tampas, contendo deposições
secundárias, cremadas ou não, sendo a cremação uma prática mais recente. Em raros
casos, havia machados polidos, estatuetas, pendentes de nefrita ou vidro eram colocados
junto aos ossos.
Na década de 1950, Peter Paul Hilbert escavou dois sítios próximos ao rio
Cassiporé (região norte do Amapá) atribuídos à fase Aristé9. Em relação às
características dos sítios arqueológicos, duas distinções puderam ser feitas, pois os sítios
habitação são afastados dos sítios cemitérios e estão localizados em áreas de terra firme
próximo ao lago ou igarapé (HILBERT, 1957: 9)10.
Quanto aos cemitérios, o autor (HILBERT, 1957) descreveu urnas funerárias
sem tampas, que geralmente guardavam ossos de sepultamentos secundários ou
cremados e nos acompanhamentos funerários não havia jarros ou alguidares
(HILBERT, 1957, p. 10).

9
Em um artigo de 1957, Hilbert propôs contribuir com uma melhor caracterização da fase arqueológica Aristé.
10
A densidade do registro arqueológico é marcada pela mistura de pouca terra, o que sugere o uso de casas
palafíticas (HILBERT, 1957, p. 9).
40

Na localidade de Vila Velha, na margem esquerda do rio Cassiporé, uma área de


mais ou menos um hectare era utilizada como cemitério, sendo escavados os sítios
cemitérios Vila Velha I e Vila Velha II (HILBERT, 1957, p. 10).
No sítio Villa Velha I, foi constatado que as urnas estavam depositadas em uma
única camada, uma próximo das outras, as urnas estavam sendo tampadas com bacias
grandes em forma de ralo para proteger os ossos nos sepultamentos secundários
(HILBERT, 1957, p. 11- 12). No entanto, diferentemente do que já foi identificado, os
acompanhamentos funerários não estavam presentes (HILBERT, 1957, p. 12) 11.
No sítio Villa Velha II, as urnas estavam mais próximas ao rio e afastadas um
das outras. Além disso, a tampa das urnas diferem das encontradas no sítio Vila Velha I,
dando lugar às bacias pequenas (HILBERT, 1957, p. 13). No interior das urnas, foram
encontrado ossos de inumação secundária, contas de vidro e dois guizos de cobre
(HILBERT, 1957, p. 14).
Já para a Ilha das Igaçabas, Hilbert (1957) descreve onze urnas ao ar livre, com
material disperso e a ausência de remanescentes humanos (HILBERT, 1957, p. 17). O
material é descrito como semelhante ao tipo frequentemente encontrado de Vila Velha I
e mesmo alguns vasos de tamanhos reduzidos da Ilha das Igaçabas eram iguais aos
acompanhamentos das urnas funerárias da fase Marajoara (HILBERT, 1957, p. 17).
Hilbert (1957, p. 30) considerou que os dados arqueológicos de dois sítios da
fase Aristé12 mostram diferenças nas formas de enterramento, decoração e nas formas
das urnas, pois essa distinção seria intrusiva para Vila Velha, conforme a estratigrafia
(HILBERT, 1957).
Entre 2006 e 2010, foram realizadas escavações no sítio arqueológico AP-CA-18
(Rego Grande 113) coordenados pelos arqueólogos João Saldanha e Mariana Cabral14,
tal sítio é conhecido por seus alinhamentos de pedra com inclinações e posições
relacionadas ao Solstício e a cerâmica da fase Aristé (CABRAL & SALDANHA, 2006,
p. 10).

11
De acordo com Saldanha (informação pessoal 2016), no sítio Vila Velha, foram identificados cacos cerâmicos e
uma matriz de terra preta.
12
Hilbert (1957) e outros sugerem uma continuidade histórica entre a fase Aristé e a cerâmica Palikur.
13
O sítio Rego Grande 1 possui quatro áreas identificadas, as áreas 1 e 2 possuem megalitos, ligadas às atividades
cerimoniais/funerárias e as áreas 3 e 4 concentrações de cerâmicas, possivelmente áreas residenciais (SALDANHA &
CABRAL, 2008).
14
Em 2005, é dado início ao ‘Projeto de Investigação Arqueológica na bacia do Rio Calçoene e seu Entorno’ pela
Gerência de Pesquisa Arqueológica do Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Estado do Amapá
(IEPA), sob a coordenação de Mariana Cabral e João Saldanha.
41

Junto à estrutura megalítica do sítio AP-CA-18, foram identificados blocos de


rochas deitados horizontalmente sobre poços funerários. Contudo, como ilustrado nas
figuras abaixo, dois poços diferem entre si - o poço 1 parece ter sido remexido,
enquanto o poço 2 mostra indícios de ter sido o resultado de uma única deposição em
um único momento (Cabral e Saldanha, 2008) (figura 7 e figura 8).

Figura 3: O poço 2 parece ter sido o produto de um único evento deposicional. Fonte: Saldanha e Cabral, 2008.

Figura 4: O poço 1 parece ter sido resultado de mais de uma deposição, pois há evidências de remeximentos.
Fonte: Saldanha e Cabral, 2008.

Com a escavação da estrutura 1, área 2, duas fossas cavadas na laterita com


deposições de vasilhas, possivelmente funerárias foram identificadas (CABRAL &
SALDANHA, 2006, p. 17). Das seis urnas escavadas em laboratório, três continham
remanescentes humanos e, em duas destas, os ossos estavam cremados (CABRAL &
SALDANHA, 2007, p. 10).
42

Em 2012, Maitena Hiriart analisou material arqueológico proveniente do sítio


arqueológico AP- CA- 18. No poço três, uma urna continha fragmentos de ossos longos
e um crânio humano, outra urna guardava fragmentos da calota de crânio, ossos longos
e falanges (HIRIART, 2012, p. 120).
Além destas, foram escavadas por Anne Rapp Py-Daniel (2015) mais três urnas
no AP-CA-18, uma delas com fragmentos de ossos não identificados, outra urna com
ossos e dentes de um indivíduo adulto e uma pequena clavícula de não adulto, podendo
ser um enterramento duplo. Já outra urna continha os ossos de um indivíduo adulto
representado entre outros ossos por falanges, metacarpos e metatarsos, demonstrando
um controle nos processos de descarne e escolha dos ossos para esta deposição
secundária (PY- DANIEL, 2015).
Em relação ao poço quatro, fragmentos de pequenos ossos foram encontrados
no fundo de uma tigela, sugerindo um tratamento funerário secundário e contas de osso
que podem ser acompanhamentos funerários (HIRIART, 2012, p. 120).
O conteúdo de duas outras urnas foi analisado por Py-Daniel (2015). Em uma
delas, os ossos estavam muito deteriorados; já em uma outra urna, foram encontrados
ossos de pelo menos dois indivíduos: um adulto e outro infante (tamanho dos ossos e
inserções musculares).
Os dentes do indivíduo adulto mostram sinais de desgaste. Apesar da boa
representatividade óssea, os mesmos estão muito friáveis. Há presença de ossos com
indícios de exposição ao fogo, pois os mesmos estavam secos. (PY-DANIEL, 2015, p.
264)
No poço 2, aos 70-80 cm, foi retirada uma urna que foi escavada em laboratório
com o uso de fotos-croqui, permitindo fazer inferências quanto aos gestos de deposição
dentro da urna. Segundo as análises de Py-Daniel (2015, p. 258- 260), a conservação
óssea é ruim sem as extremidades e fragmentados, porém sem indícios de exposição ao
fogo. Foram identificados pelo menos três indivíduos, com duas tíbias de um indivíduo
grácil e uma tíbia de um indivíduo mais robusto, além de um fragmento ósseo isolado
pertencente ao terceiro indivíduo (PY-DANIEL, 2015).
Não há evidências de remeximento no poço 2 (SALDANHA & CABRAL,
2008), entretanto a arrumação dos ossos no interior da urna levou Py-Daniel (2015) a
levantar algumas possibilidades do porquê da conservação diferencial dos ossos, assim
43

como a presença de sedimento entre a concentração dos ossos de dois indivíduos mais
abaixo e um fragmento de uma tíbia mais acima (PY-DANIEL, 2015, p. 259).
Em outras duas urnas, foram encontrados fragmentos de ossos, sendo que um
deles com coloração esbranquiçada, fraturas e fissuras, que lembram ossos frescos
queimados. Em uma urna encontrada a 100-110 cm, foram identificados fragmentos de
ossos que parecem ser de um pé, além de um fragmento de pelve que parecem pertencer
a um indivíduo adulto. No poço 2, foi escavado em laboratório uma urna sem ossos ou
carvões e, ainda, foram identificados dois depósitos de fragmentos ósseos, que não
parecem ser sepultamentos (PY-DANIEL, 2015, p. 261).
O sítio megalítico AP-CA-38 ou "Garrafinha", localizado junto ao igarapé Rego
Grande e próximo ao AP-CA-18, é um sítio cerimonial/funerário, onde foram
encontrados dois poços funerários e sete vasos depositados no mesmo local
(SALDANHA & CABRAL, 2013).
No poço 1, a 1,70 cm, foram retirados ossos em péssimo estado de conservação.
Estes, segundo Py-Daniel (2015, p. 266), estavam com fungos e tomado por raízes.
Devido à espessura do cortical e ao tamanho dos ossos, estimou-se que se trate de um
adulto (ou quase), não estando claro se seria um sepultamento secundário. Foram
retirados, ainda, de dentro do poço mais duas urnas - de uma delas saíram diversos
fragmentos de dentes, sendo possível reconhecer apenas um molar superior (talvez
direito) totalmente erupcionado. Abaixo da urna, foram encontrados ossos que podem
ser ou um depósito ou um sepultamento. Na outra urna, foram encontrados poucos ossos
muito fragmentados (PY-DANIEL, 2015).
No poço 2, foi encontrado outro sepultamento direto no solo, igualmente com
ossos em péssimo estado de conservação, às vezes só resistindo o "negativo" dos ossos,
onde os ossos foram substituídos pela terra. A análise de Py-Daniel (2015, p. 267)
revelou um indivíduo adulto (ou quase). De acordo com o croqui feito no campo, os
ossos estavam todos paralelos uns aos outros, mas não em cima uns dos outros, não
sendo possível determinar se o sepultamento era primário ou secundário a partir das
fotos e do croqui (PY-DANIEL, 2015, P. 267).
Em relação a estes sepultamentos em abrigos e poços na costa atlântica do
Amapá, em um artigo publicado na revista de Arqueologia da Sociedade Brasileira de
Arqueologia-SAB, Saldanha e Cabral (2012) propuseram uma abordagem quanto às
deposições funerárias/cerimoniais em abrigos sob rocha e em poços funerários
44

escavados junto aos monumentos megalíticos, na qual apesar da diferença da inserção


na paisagem entre um espaço construído e um lugar natural, os sítios referenciados
continham semelhanças entre os conteúdos (mesmo tipo de cerâmica), mesmos gestos
de deposição funerária/cerimonial, datações semelhantes e evidências de manipulação
dos sepultamentos.

“Apesar das claras diferenças estruturais entre eles, o que


observamos é a repetição de performances, resultando em registros
arqueológicos bastante similares, o que reforça uma complementaridade
entre esferas que – dentro do pensamento moderno ocidental – são
consideradas opostas. Natureza e cultura, neste contexto, não servem como
modelo explicativo, o que nos fez buscar por outras explicações possíveis. E
o chamado Perspectivismo Ameríndio, uma designação cunhada por
Eduardo Viveiros de Castro (1998) para descrever uma ontologia comum ao
pensamento indígena amazônico, tem sido um modelo bom para pensarmos a
arqueologia dessa região. Ao contrário do pensamento moderno ocidental,
esse pensamento indígena não prevê a separação entre natureza e cultura, o
que nos abre – na Arqueologia – a possibilidade de explicarmos o passado
pré-colonial da região a partir de outra lógica” (SALDANHA &
CABRAL, 2012, p. 51).

Em relação ao setor Costeiro Estuarino Amazônico no Amapá (do rio Araguari


até o rio Jari), certamente a área mais conhecida é a região do Maracá. O potencial
arqueológico dessa região é conhecido desde o século XIX AD, com os registros de
Ferreira Pena (1879), Lima Guedes (1897). Posteriormente, outras pesquisas foram
realizadas na região por Vera Guapindaia (2010) (anteriormente revisitadas por
Nimuendajú (1923) e Farabee (1916)).
Lima Guedes (1896) realizou uma expedição entre os rios Maracá e Anauerá-
pucu, registrando sítios arqueológicos na região de Maracá, onde encontrou, no Igarapé
do Lago, igaçabas em péssimo estado de conservação, que continham alguns
fragmentos de ossos calcinados (LIMA GUEDES, 1896, p. 44).
Na Ilha da Terra Preta, localizada na margem direita do Igarapé Rio Branco,
Lima Guedes (1895, p. 52- 53) localizou uma gruta com muitas igaçabas, no entanto as
mesmas estavam destruídas devido às intempéries. Em uma das igaçabas, havia
miçangas nos braços, na qual tinha sido sepultado um indivíduo do sexo feminino, o
que confirmaria a indicação que a gruta seria uma antiga necrópole (LIMA GUEDES,
1895, p. 52- 53).
45

Durante as pesquisas arqueológicas sistemáticas de Betty Meggers e Clifford


Evans (1957) abaixo do rio Araguari15, identificaram vários sítios cemitério e sítios
habitação16 relacionados à fase cerâmica Mazagão. Quanto aos sítios-cemitérios
relacionados à cerâmica Mazagão, Meggers e Evans (1957) descrevem que o padrão
funerário seria de sepultamentos secundários em urnas com oferendas em pequenas
vasilhas e em alguns casos contas de vidro ou um machado de pedra colocado dentro da
urna. O cemitério ocupa um local alto e as cerâmicas são parcialmente enterradas e são
comumente coberta com uma tampa. O arranjo das urnas no cemitério, ao que parece,
era aleatório.
Meggers & Evans (1957) descrevem para o município de Mazagão, o sítio
Cemitério Piçacá, AP-MZ-13 (localizado à apenas 25 metros do sítio habitação
Piçacá/AP-MZ-11, localizado em uma área alta), localizado em um terraço plano
próximo à barranca do rio Piçacá. A matriz de sedimento, onde as urnas funerárias
estavam inserias, era a mesma do latossolo no entorno, com sedimento de cor marrom
amarelado e textura argilo argilosa, indicando um uso somente para a deposição de
vasilhas cerâmicas de formas abertas, globulares, lisas e incisas, assim como urnas
antropomorfas (MEGGERS & EVANS, 1957, p. 53).
No interior de uma das cinco urnas funerárias, que faziam parte de um dos
conjuntos do sítio AP-MZ-13, foi identificada uma urna lisa (um exemplar Mazagão
Liso) globular, onde havia apenas fragmentos de ossos junto ao sedimento argilo
arenoso. Uma pequena vasilha quebrada com incisões (Uxy Inciso) estava emborcada
sobre fragmentos de crânio dentro da urna, próximo ao centro e 20 cm abaixo da borda.
Abaixo destes, alguns ossos longos foram arranjados paralelos uns aos outros ao
lado de fragmentos do lado esquerdo de uma mandíbula, que continha molares já bem
gastos. Os ossos, nesse sepultamento secundário, estavam muito fragmentados,
permitindo dizer que eram ossos humanos de um indivíduo adulto, que além de ter
dentes gastos possuía cáries (MEGGERS E EVANS, 1957, p. 54).
15
As pesquisas de Betty Meggers e Clifford Evans (1957) na faixa de terra entre o rio Araguari- Amaparí e o rio Jari
permitiram que fossem evidenciados sítios habitação e sítios cemitério, que foram classificados em sua maioria em
sítios pertencentes à fase Mazagão, baseados nos atributos da cerâmica principalmente e em outras características
artefatuais e de implementação na paisagem e uso do espaço. Destacando-se entre outras coisas a curta proximidade
entre os sítios cemitério e sítios habitação.
16
Os sítios habitação da fase Mazagão, segundo Meggers e Evans (1957, p. 102), estariam localizados em elevações
naturais próximos a recursos hídricos, acima das áreas baixas inundáveis, oferecendo vantagens de um ponto de vista
defensivo. Os refugos variando a espessura da superfície apenas a 45cm nos sítios mais profundos e dispersos sobre
áreas, indo desde um pequeno sítio de 10 metros de diâmetro até o maior com 75 ou 83 metros.
46

Em uma urna antropomorfa cilíndrica (sem membros representados), parecendo


ser representações de mamilos e a cabeça formando a tampa, havia uma mistura de terra
com cacos cerâmicos e fragmentos de ossos (MEGGERS & EVANS, 1957, p. 53). Esta
urna teria sido parcialmente preenchida com terra e ossos, depois que a tampa quebrou,
ela teria sido preenchida completamente com terra.
Os ossos começaram a aparecer a 18 cm e estavam em péssimas condições
devido à umidade que foi exposta depois que a tampa colapsou. Por volta dos 20 cm,
um prato emborcado cobria fragmentos de ossos occipitais de um crânio e ao lado
destes, aos 25 cm, existia uma miniatura de uma vasilha contendo três fragmentos de
dentes molares e pura areia branca. Este era um sepultamento secundário de um adulto
jovem (MEGGERS & EVANS, 1957, p. 53).
Próximo à perna de outra urna antropomorfa cilíndrica de um homem sentado
em um banco, havia uma pequena lâmina de machado de arenito, apenas parcialmente
conformado, com uma parte usada como batedor (com uma parte bem amassada). A
cabeça da urna era a própria tampa e os pés possuíam oito dedos cada (MEGGERS &
EVANS, 1957, p. 56).
Os outros quatro conjuntos funerários não continham ossos ou estavam em um
estado muito avançado de decomposição e/ou fragmentação, porém é de se tomar nota
que alguns possuíam pequenas vasilhas e potes de acompanhamento, entre elas vasilhas
com incisões típicas anauerapucu inciso.
No sítio AP-MZ-14, localizado em uma colina distante 2km da margem nordeste
do rio Piaçaca e a 4km acima de sua confluência com o rio Vilanova, foram
identificados os vestígios de cacos cerâmicos e vasilhas. Os autores (MEGGERS &
EVANS, 1957) descrevem além de vários grupos de urnas e vasilhas parcialmente
intactas, uma concentração de cacos cerâmicos muito fragmentados de inúmeras
vasilhas, que foram recuperados em associação a estas 42 contas de vidros europeias
(MEGGERS & EVANS, 1957, p. 58).
Segundo as descrições de Meggers e Evans (1957, p. 60), um dos sepultamentos
continha uma urna antropomórfica cilíndrica sentada em um banco muito fragmentada.
Esta urna antropomórfica continha ossos incrustados de terra consideravelmente mais
cinza do que o solo circundante. Foram encontrados próximos a esta e em maior
profundidade duas urnas globulares muito fragmentadas por raízes. A terra de dentro de
ambas continha mais húmus e era levemente cinza escuro do que a argila marrom clara
47

ao redor, provavelmente indicando, segundo os autores (MEGGERS & EVANS, 1957),


decomposição dos ossos das deposições secundárias.
Quanto à urna antropomorfa, esta estava quebrada logo acima dos joelhos, de
onde se projetava do chão, e os cacos estavam espalhados na área circundante. Situação
esta que se assemelha com aquela urna antropomorfa escavada no sítio AP-MZ-13,
ambas não foram completamente enterradas, de modo que da cintura para cima se
projetavam acima do chão e ambos estavam associados com os grupos de urnas
funerárias não antropomorfas enterradas em uma profundidade substancialmente maior
(MEGGERS & EVANS, 1957, p. 60). Também foi encontrada uma urna funerária
globular lisa com uma vasilha em pedestal com decoração anauarapucu inciso como
tampa que, segundo os autores, também estaria parcialmente enterrada.
Quanto aos cemitérios Maracá, de 1994 a 2001, a equipe de arqueologia do
Museu Emílio Goeldi realizou o projeto “Estudos Arqueológicos no Amapá: resgate da
pré- história da região do rio Maracá- Igarapé do Lago”, sob a coordenação da
arqueóloga Vera Guapindaia (2001, p. 1).
No relatório elaborado por Guapindaia (2001), consta nos anexos a ficha de
análise das urnas da região do Igarapé do Lago, Maracá, a indicação da identificação de
remanescentes humanos, tais como: fêmur, crânio, costelas, mandíbulas e dentes.
Estes sepultamentos secundários, em urnas antropomorfas, contêm ainda uma
aspecto importante de ser salientado, a presença de representações de homens e
mulheres sentados em bancos. Os bancos de madeira na etnografia têm sido associados
a líderes e xamãs, sendo também um privilégio masculino (GUAPINDAIA, 2001, p.
108).
No caso das urnas antropomorfas Maracá, os corpos masculinos e femininos
representados sentados nos bancos poderiam indicar que as mulheres, pelo menos diante
da morte, teriam um papel social tão importante quanto aos dos homens
(GUAPINDAIA, 2001, p. 108).
Outro aspecto a ser salientado é a presença de pinturas e ornamentos no corpo
das urnas, correlatos a pinturas e ornamentos corporais, podendo indicar pertencimento
a clãs diferentes e/ou indicações sobre quem seria aquele indivíduo na sociedade dos
vivos (GUAPINDAIA, 2001) ou, então, poderia estar relacionada com a veneração aos
ancestrais (MCEWAN, 2001).
48

Em algumas das urnas Maracá, foram encontradas contas de vidro europeia,


igualmente como algumas urnas Mazagão, porém não estavam dentro delas e sim
grudadas na parte externa das urnas. Deste modo, Souza; Carvalho; Guapindaia (2002)
afirmam que não foram encontradas nenhum outro acompanhamento interno, nem
corantes aderidos aos ossos.
Em parte, devido à presença de contas europeias descritas por Goeldi, a
ocupação Maracá foi tida como contemporânea à fase mais tardia Mazagão,
influenciando no estilo das urnas desta última (MEGGERS; EVANS, 1957).
Entre os cemitérios de urnas em cavernas ou grutas, temos as necrópoles
Maracá, da região do rio Maracá, onde encontramos urnas antropomorfas com bancos e
urnas zoomorfas conhecidas como urnas Maracá. As análises de uma das grutas, a gruta
dos Veados, mostraram a presença de ossos de adultos e de jovens, sendo indivíduos
femininos e masculinos, dos quais o sexo identificado nas urnas antropomorfas e o sexo
que pôde ser identificado pelos ossos coincidem (SOUZA; CARVALHO;
GUAPINDAIA, 2002).
Mais de uma centena de urnas, recolhidas de mais de uma dúzia de sítios,
mostraram um número impressionantemente baixo de sepultamentos infantis (no caso
do sítio analisado pelas autoras, somente uma urna continha ossos de uma criança) com
pouco mais de uma dezena, o que poderia indicar um enterro diferenciado para as
mesmas (SOUZA; CARVALHO; GUAPINDAIA, 2002).

“...embora este achado de um crânio infantil desarticulado possa sugerir


procedimentos rituais diferenciados para a criança, deve-se considerar
também que o tipo de procedimento empregado na preparação do esqueleto
descarnado poderia levar à desarticulação de um crânio mais frágil. Isto
também pode explicar o número reduzido de ossos de crianças que, cujos
sepultamentos na gruta podem ter sido reservados a indivíduos especiais,
como podem ter sido perdidos no funeral primário em razão de um processo
tafonômico diferencial (Cook 1995), razão pela qual muitos deles não
chegariam a ser colocados nas urnas. Variações na preservação dos restos
de crianças poderiam relacionar-se a fatores tais como a época da morte e
suas condições climáticas, as condições do corpo em função de doenças, por
exemplo, a periodicidade do ritual funerário secundário, o que poderia
deixar alguns indivíduos mais tempo na fase primária do ritual do que
outros, e assim por diante (GOMIDE, 1999)” (SOUZA; CARVALHO;
GUAPINDAIA, 2002, p. 506).

Da amostra analisada pelas autoras (SOUZA; CARVALHO; GUAPINDAIA,


2002), todos as urnas continham um indivíduo apenas em cada recipiente, com exceção
49

de pelo menos dois casos que apresentavam ossos de outros indivíduos que pareciam ter
sido adicionados com o tempo. Este cemitério, sem enterramentos, foi remexido ao
longo do tempo e o exame de algumas urnas demonstra que foram sendo restauradas ao
longo do tempo, além de alguns ossos mostrarem sinais de que foram limpos e
reorganizados dentro das urnas (SOUZA; CARVALHO; GUAPINDAIA, 2002).
O aspecto mais relevante para a discussão do que poderia ter havido
de manipulação das urnas funerárias pelos próprios indígenas é a existência
de algumas modificações intencionais na cerâmica, que parecem coincidir
com a hipótese de que, em algum momento, a interferência humana procurou
compensar os processos destrutivos que afetaram as urnas. Em algumas
vasilhas, fraturas e partes perdidas foram preenchidas por argila de
coloração e textura diferente da cerâmica original. Secas e com acabamento
grosseiramente alisado, esses "remendos" de argila sobre as urnas sugerem
uma intenção de recuperação ou preservação, cujo significado deverá ser
ainda analisado (SOUZA; CARVALHO; GUAPINDAIA, 2002, p.
509).

Entre 1997 e 1998, foi descoberto o sítio AP- Ar- 01 ou Retiro do Bidú, no
limite entre o centro oeste do Estado do Amapá e o centro-sul, entre Vila Nova e Porto
Grande. O Sr. Bidú, ao escavar uma fossa, encontrou quatorze urnas funerárias
antropomorfas e completas (QUEIROZ; LACERDA, 1998, p. 1).
As quatorze urnas estavam depositadas a 1. 80 cm de profundidade, a abertura
do buraco tinha 1.20 cm de largura e a dimensão do sítio arqueológico Retiro do Bidú
foi estimada em aproximadamente 70 m² a 80 m² (QUEIROZ; LACERDA, 1998, p. 3).
O sítio arqueológico Retiro do Bidú foi caracterizado como cemitério, no
entanto, o laudo técnico dos coletores das peças levantou a hipótese deste ser um sítio
habitação, escavações sistemáticas seriam necessárias para confirmar tal possibilidade
(QUEIROZ; LACERDA, 1998, p. 02).
Outra questão a ser estudada é a cerâmica do sítio Retiro do Bidú, pois o
material arqueológico não se encaixa nas fases propostas para o Estado do Amapá
(Aruã, Aristé e Mazagão), juntando-se às cerâmicas Maracá, Caviana e Koriabo, novos
conjuntos ou uma variação regional de outras fases (JACQUES; SALDANHA;
CABRAL, 2008).
Maria Lucia Pardi (2001) coletou informações e identificou material
arqueológico em Santa Luzia do Pacuí, além de ter encontrado vestígios de cerâmica e o
relato de que em uma propriedade particular teria se identificado três sepultamentos
(PARDI & SILVEIRA, 2001, p. 7). Os moradores do Pacuí falaram de várias
descobertas de urnas funerárias nas áreas onde concentravam-se as escolas e o campo de
50

futebol (PARDI & SILVEIRA, 2001, p. 7). Devido à grande concentração de urnas
funerárias, levou-se a pensar que se tratava de um imenso sítio-cemitério, sendo
necessária a realização de mais pesquisas na área para confirmar tal observação.
Já passando para a ilha de Marajó, Meggers e Evans (1957) escavaram vários
sepultamentos, sendo o Sítio Monte Carmelo (formado por três tesos: Teso Guajará e
Teso Monte Carmelo, na margem sul do rio Anajás; e o Teso Bacatal, na margem sul,
localizados na cabeceira do rio Anajás), mais precisamente o Teso Guajará, foi o que
apresentou resultados mais significativos. No monte Guajará, foram escavadas pelo
menos 15 urnas encontradas em diferentes níveis. Nos níveis superiores, os
sepultamentos eram menores com cinzas e ossos queimados. Nos níveis abaixo, as
urnas continham ossos em diferentes estados de preservação, associados com pratos e
vasilhas e em alguns casos tangas, conforme Schaan (2004) e Meggers; Evans (1957).
De particular interesse é uma urna antropomorfa próximo à base dos
sepultamentos, cujo interior continha fragmentos esqueléticos de um indivíduo adulto
jovem com ossos gráceis e uma tanga lisa alaranjada. Esta possuía uma tigela Joanes
pintada emborcada servindo como tampa. A urna estava assentada sobre uma tigela
quebrada que continha fragmentos esqueléticos de outro indivíduo e uma tanga
vermelha. (MEGGERS; EVANS, 1957, p. 272-273).
Ao lado da urna antropomorfa mais duas urnas lisas parecem ter sido enterradas
juntas. Uma das urnas possuía fragmentos esqueléticos de um adulto masculino. O
fêmur estava pintado de vermelho, os dentes tinham desgastes. A outra urna continha
dois indivíduos, um deles com idade maior que 26 anos com o crânio com deformação
artificial na parte frontal (MEGGERS; EVANS, 1957, p. 272-273).
O outro indivíduo foi identificado como feminino entre 18 a 25 anos
(extremidade distal da clavícula não fusionada) e com desgaste dentário acentuado
apesar da idade, sugerindo ingestão de alimentos abrasivos. Junto deles, foram
identificadas duas tigelas lisas, assim como ossos cremados de roedores e pássaros.
Tanto os ossos de animais quanto os ossos humanos têm pigmentação vermelha.
(MEGGERS; EVANS, 1957, p. 273; SCHAAN, 2004, p. 92).
Na ilha de Caviana em Campo Redondo, Nimuendaju encontrou tesos
florestados, onde identificou três urnas funerárias lisas sem pintura e com formato oval
(sendo que numa delas a borda se projeta para o lado em forma de uma garra) com a
borda aparecendo ou a 1m de profundidade. O conteúdo das mesmas era formado por
51

ossos humanos fragmentados e fragmentos de ossos humanos (ossos longos de


indivíduos adultos) junto aos fragmentos ósseos não humanos, todos sem traços de
queima ou pintura (NIMUENDAJU, 2004, p. 65-66).
Nimuendaju concentrou suas explorações mais ao sudeste da ilha de Caviana, no
Teso da Samaúma, ao sul do Teso dos Índios, onde havia uma Samaúma de oito metros
de altura e dois metros de diâmetro e seis Sapopemas altas que cobriam uma área de seis
metros. Neste local, o pesquisador encontrou urnas colocadas entre as raízes que
formavam um tipo de abrigo sobre a imensa árvore e suas raízes altas, nelas descreve
doze urnas funerárias depositadas sobre o solo (NIMUENDAJU, 2004, p. 68).
A descrição de cada urna funerária é extensa, mas resumidamente se tratam de
fragmentos de urnas com tampas, algumas decoradas e outras com apliques de faces
humanas junto ao pescoço, assim como urnas lisas e pelo menos uma delas com formato
esférico (NIMUENDAJU, 2004, p. 68-69).
Dentro de cada urna, foram identificados os ossos fragmentados de um adulto e,
em pelo menos uma das urnas, foram identificados fragmentos ósseos de crânio e
dentes, provavelmente de mais de um indivíduo, todos sem acompanhamentos dentro da
urna (NIMUENDAJU, 2004, p. 68-69).
No Teso dos Índios, Nimuendaju encontrou dezenove urnas parcialmente
enterradas, sendo a maioria delas com formato oval e globular, não decoradas e com
tampas, apenas duas delas decoradas com apliques ou pintura (NIMUENDAJU, 2004,
p. 70-74).
Dentro dessas urnas, foram encontrados fragmentos esqueléticos, a maioria dos
ossos estava muito fragmentada, porém pôde-se distinguir diáfises de ossos longos,
aparentemente de indivíduos adultos (NIMUENDAJU, 2004, p. 70-74).
Foram encontrados, junto aos ossos e dentro de algumas urnas sem ossos,
acompanhamentos, como: machados de rocha polida, implementos de ferro, tesouras,
facas e machados de ferro, pingentes de pedra verde, pingentes de rochas, contas de
vidro, contas de rochas, contas de pedras verdes, resina (jutaícica) e contas de dentes
perfurados na raiz (NIMUENDAJU, 2004, p. 70-74).
Durante a exploração de outra parte da ilha, na Ponta da Paciência, em um local
de antigas dunas de areia, no local mais alto da ilha e cobertos por densa mata, chamado
por Bacabal I e II, foram escavadas vinte sepultamentos de urnas funerárias, poucas
delas tinham decoração, como uma tigela com pintura vermelha e preta sobre branco ou
52

pintura vermelha no pescoço. Destas urnas, poucos restos esqueléticos foram


encontrados e poucos acompanhamentos internos, como: machados de rocha polida e
contas de pedra (nefrite?). Os ossos identificáveis foram atribuídos a adultos, adultos
“mais jovens” (adultos jovens?) e indivíduos “jovens” (adolescentes?)
(NIMUENDAJU, 2004, p. 76-80).
Finalmente, no teso do Rebordello, foram encontrados 27 sepultamentos de
urnas funerárias inteiras ou fragmentos de urnas. A maioria em formato oval ou
globular, lisas e sem decoração, com exceção de algumas que continham apliques,
incisos, pintura e urnas antropomorfas, além de decoração acordelada, boa parte delas
com tampas (NIMUENDAJU, 2004, p. 82). Uma destas tampas possui apliques que
formam uma face com olhos, nariz, boca, cabelo e orelhas, servindo de tampa para uma
urna globular lisa.
No teso do Rebordello, os restos esqueléticos estavam mais preservados do que
os outros encontrados por Nimuendajú na ilha de Caviana (NIMUENDAJU, 2004, p.
82). A maioria das urnas tinha apenas um indivíduo, porém ocasionalmente continha os
restos esqueléticos de dois indivíduos, muitos dos esqueletos estavam pintados de
vermelho, principalmente os ossos maiores, que Nimuendaju diz tratar-se de urucum
(NIMUENDAJU, 2004, p. 83).
A maioria dos esqueletos identificáveis é de indivíduos adultos e, em pelo menos
um dos casos, os ossos estão, segundo Nimuendaju, parcialmente queimados. Quanto ao
gesto de deposição, é frequente os ossos longos colocados verticalmente contra a parede
da urna em feixe e o crânio deitado sobre os ossos menores com a mandíbula sempre
destacada (NIMUENDAJU, 2004, p. 84). Pelas descrições das urnas, parece que,
mesmo quando tampadas, elas continham ossos misturados com sedimento de coloração
diferente do exterior da urna.
Quanto aos acompanhamentos, foram encontrados pequenas vasilhas vazias ao
lado das urnas, com exceção de algumas contas de louça, dois arenitos, um branco e um
vermelho e duas contas cilíndricas de pedra verde (NIMUENDAJU, 2004, p. 84).
Nas pesquisas realizadas por Meggers & Evans (1957) para a ilha de Caviana, o
sítio Teso das Igaçabas, apesar do contexto prejudicado, puderam ser escavadas sete
urnas. Em duas delas apresentaram ossos e apenas uma permitiu identificar ossos
humanos de apenas um indivíduo adulto ou sub-adulto. No Teso dos Índios (o mesmo
que Nimuendaju registrou e, aparentemente, a mesma sumaumeira), foram identificadas
53

18 urnas funerárias, sendo que somente em uma urna foram registrados ossos humanos
junto à base, na qual foram identificados fragmentos de crânio ao norte, feixe de ossos
longos ao sul e, ao oeste, fragmentos de costela e de pelve e nenhum dente. Associado
com as três urnas, foi identificado uma conta de nefrite. (MEGGERS; EVANS, 1957, p.
492-515).
A ilha de Mexiana foi escavada na década de 1930 por Heloisa Alberto Torres,
então diretora do Museu Nacional do Rio de Janeiro, que registrou cemitérios de urnas
funerárias (MEGGERS; EVANS, 1957, p. 520-521).
Somente nos anos seguintes, Meggers; Evans (1957) registrariam sítios na ilha
de Mexiana. Em suas pesquisas, registraram o sítio M-4_Fundo das Panelas, encontrado
numa área de transição entre o campo e a floresta costeira. Ao todo, 46 urnas globulares
lisas (Piratuba Liso) foram registradas, algumas parcialmente enterradas, muitas
estavam sem tampa ou com a tampa quebrada, de modo que os ossos de muitos ficaram
expostos às intempéries. Os acompanhamentos internos, quando presentes, eram
compostos por pequenas vasilhas e tigelas (MEGGERS; EVANS, 1957, p. 465-481).
Ao todo, sete urnas continham ossos, a maioria delas estava em péssimo estado de
conservação, sendo possível apenas discernir que eram ossos humanos e em outros
casos nem isso.
Em pelo menos uma urna (apesar de muito fragmentada), pode-se observar o
arranjo do crânio ao sul, ossos longos dos membros inferiores ao norte, as costelas e
outros ossos no meio, indicando uma deposição secundária do esqueleto desarticulado
de um indivíduo adulto jovem. Já em outra urna, uma das menores do sítio, foi possível
identificar os ossos de um indivíduo adulto maduro com os fragmentos do crânio
arranjados no fundo ao noroeste, uma pequena tigela no noroeste e ossos longos
paralelos ao sul na metade da urna. (MEGGERS; EVANS, 1957, p. 465-481).
Dentro de uma área de floresta com sumaúmas, foram identificadas 25 urnas
funerárias compondo um sítio cemitério. A maioria delas concentradas, apesar de que
algumas delas estivessem distantes, aproximadamente uns 7 a 8 metros. Destas, apenas
quatro puderam-se visualizar ossos e somente em uma delas pode-se identificar ossos
humanos de um indivíduo adulto devido à preservação da diáfise de um fêmur. Quanto
aos acompanhamentos internos, foram identificados pingentes de pedra verde, objetos
de nefrite, fragmentos de ferro e contas de vidro (MEGGERS; EVANS, 1957, p. 482-
491).
54

Voltando novamente para o estado do Amapá, no município de Macapá, durante


as pesquisas de Meggers e Evans (1957), foi registrado o sítio AP-MA-2 na Praça Barão
do Rio Branco. Foram escavados agrupamentos de urnas funerárias enterradas a uma
profundidade de 50cm a 1,05m. Em uma das urnas, foram identificados fragmentos de
ossos misturados com terra. O vaso mais profundo continha 10 contas de conchas
perfuradas (cada concha medindo em torno de 4,8 a 6 cm de comprimento e largura de
1,1 a 1,5 cm). As urnas encontradas foram classificadas por Meggers e Evans (1957)
como Serra Liso e Serra Pintado, pertencentes à fase Aristé17.
Ainda em Macapá, o sítio arqueológico AP-MA-05, junto ao campus
universitário da Universidade Federal do Amapá (Unifap), foi identificado na década de
1990 e escavado pela equipe de arqueologia do Museu Paraense Emílio Goeldi ,sob a
coordenação de Ana Lúcia Machado, que resgatou as peças (MACHADO, 1997).
De acordo com o registro arqueológico na área do campus universitário, foram
encontradas vasilhas muito fragmentadas, manchas de terra preta com cerâmica e
manchas de terra preta sem material arqueológico. De especial interesse, foram
encontrados dois pingentes esculpidos em rochas que estavam no interior das urnas que,
segundo Machado (1997), seria semelhante aos pingentes encontrados em um sítio
cemitério na ilha de Caviana por Meggers e Evans (1957).
Em 2008, a equipe de arqueologia do IEPA retornou a escavar o sítio AP-MA-
05 no campus universitário da Unifap (SALDANHA; CABRAL, 2009). Com a
escavação, foi possível observar que a estratigrafia do sítio era formada por uma camada
de blocos irregulares de laterita (10 cm de espessura), uma segunda camada arenosa e
cinza escura compacta (20 cm de espessura), e entre a primeira e segunda camada
estavam as estruturas arqueológicas, tratando-se de deposições cerâmicas18
(SALDANHA; CABRAL, 2009, p. 19), cujas vasilhas cerâmicas foram encontradas
abaixo das concentrações de laterita.
Em 2010, novamente, a equipe de arqueologia do IEPA deu continuidade as
escavações do sítio arqueológico AP-MA-05 (campus Marco-Zero do Equador da
Unifap em Macapá). Na escavação, dezenove estruturas arqueológicas formadas por

17
Segundo João Saldanha (comunicação pessoal, 2015), as cerâmicas dos dois sítios em Macapá (o acampamento e o
cemitério), de acordo com o andamento e continuidade das pesquisas arqueológicas no Estado do Amapá nos últimos
anos, têm permitido rever que, na verdade, elas não teriam elementos suficientes por si só para apontá-las como
características da fase Aristé.
18
As deposições de cerâmica foram relacionadas às fases Mazagão, Aruã e Marajoara (Saldanha e Cabral, 2009, p.
22- 23).
55

urnas funerárias estavam marcadas com uma coroa de laterita no topo (SALDANHA;
CABRAL, 2011, p. 04) (figura 9).
Foram registradas ainda a presença de pelo menos três estilos cerâmicos de
urnas funerárias neste sítio, que são: as cerâmicas Mazagão, Marajoara e Ananatuba. É
interessante constatar que estavam depositadas lado a lado, talvez demonstrando
possíveis redes de relações e trocas (SALDANHA; CABRAL, 2011; CABRAL;
SALDANHA, 2011b; SALDANHA, comunicação pessoal, 2016).
Como resultado das escavações, durante apresentação na SAB 2011 em
Florianópolis, intitulada “Quando o pequeno é grande” (CABRAL; SALDANHA,
2011b), foram apresentadas datações de três amostras que deram em torno do ano 980
AD até 1290 AD (CABRAL; SALDANHA, 2011b).

Figura 5: Duas etapas de escavação em que é possível vislumbrar as coroas lateríticas que marcavam os
conjuntos de urnas funerárias. Fonte: Acervo IEPA.

Além disso, foi sugerido na mesma apresentação (CABRAL; SALDANHA,


2011) que as coroas de lateritas seriam na verdade marcadores dos sepultamentos e foi
levantada a possibilidade de que antigamente, com base nos dados arqueológicos
obtidos em campo, estas coroas de lateritas fossem marcadas por postes de madeira, no
que os autores propõem uma espécie de, na palavra dos próprios autores, um
“megaxilismo”, que marcaria na paisagem o cemitério e onde estariam os sepultamentos
(CABRAL; SALDANHA, 2011).
Uma das urnas retiradas do sítio AP-MA-05 foi escavada pela arqueóloga
Clarisse Callegari Jacques por meio de plotagens para cada elemento ósseo recolhido.
Foram identificados dentes (entre eles, um canino), fragmentos de corticais de ossos
longos, fragmentos de vértebras, fragmentos de mandíbula, fragmentos de costelas e
corticais diversos. Próximo à urna, foi identificado um banco ou um prato marajoara,
aparentemente dentro da urna funerária. Abaixo destes, também foram recolhidos
fragmentos de ossos não identificados.
56

1.1.2 Tratamentos Funerários Mistos


No sítio arqueológico Sable Blanc, localizado a oeste de Iracoubo na Guiana
Francesa, três setores decapados permitiram evidenciar a distribuição espacial de vários
depósitos funerários sobre um afloramento natural (VAN DEN BEL, 2009).
O sítio arqueológico Sable Blanc19 é composto por três áreas distintas com
funções específicas e modos de sepultamentos20 (VAN DEN BEL, 2009) (figura 2).

Figura 6: Espacialização do sítio, onde se percebe poucos buracos de poste, duas concentrações de deposição
de cacos cerâmicos, vasilhas e urnas.

19
De acordo com Van den Bel (2009, p. 234), o sítio habitação Iracoubo Oeste foi encontrado em 2003 no topo do
chenier RN1, durante pesquisas feitas no âmbito da Ação de Investigação Coletiva (CAB) "Pré-História da costa da
Guiana". Em 2005, um cemitério com urnas foi descoberto em uma elevação de terra ao sul do Chenier, que foi
objeto de duas intervenções arqueológicas pela SRA (Serviço Regional de Arqueologia) e o último por INRAP.
20
Que são equivalentes aos descritos para o sítio de Kwatta-Tingiholo, localizado no litoral central do Suriname
57

Devido aos poucos buracos de poste observados na horizontalidade do sítio


arqueológico Sable Blanc, dos artefatos encontrados, da estratigrafia e dada às
características peculiares das estruturas e sua distribuição espacial, este sítio foi
interpretado como um cemitério indígena (VAN DEN BEL, 2009).
Soma-se a isso a deposição das vasilhas e assadores que formavam uma “caixa”,
e em alguns casos deposições de vasilhas em montículos de areia branca, o que indicaria
ainda diferenciações, talvez de clãs diferentes (VAN DEN BEL, 2009) (figura 3).

Figura 7: Sepultamento em forma de caixa. Sítio Cemitério AM-41, Iracoubo. Fonte: Van den Bel, 2009.

Para Van den Bel (2009, p. 244), os vasos e as pequenas fossas estariam
relacionados aos sepultamentos secundários, as fossas que formam uma “caixa”
sugerem prováveis sepultamentos primários ou de ossos, que comumente não se
preservam em sedimento laterítico.
58

Para a Costa Atlântica do Amapá, em suas incursões no rio Uaçá e no rio


Aracauá, Nimuendaju (NIMUENDAJU, 2004) descreve no Kuapi, dois cemitérios onde
eram enterrados cada grupo de clãs diferentes, estes possuindo um local separado para
seus mortos. Nesses cemitérios, era permitido que a floresta crescesse, sendo limpa
apenas a vegetação rasteira. Anos mais tarde, Green, Green; Neves (2003) retornariam
ao Kwap (ou Kuapi) junto aos Palikur, onde mencionam o mesmo cemitério.
Nimuendaju relata ainda que os Palikur, com quem esteve em contato, não
mantinham reverência alguma aos sepultamentos dos antigos, ao escavar uma nova
sepultura, se eles acidentalmente se deparassem com uma urna antiga, estes a
quebravam e pegavam as contas e outros acompanhamentos que estavam dentro da urna
(NIMUENDAJU, 2004, p. 43). Porém, Green, Green; Neves (2003) demonstraram que
os Palikur do Kuapi ou Kwap tinham receio em escavar as urnas do antigo cemitério.
Na terra indígena Uaçá (Oiapoque), habitada pelos Palikur, foram realizadas
escavações na antiga vila do Kwap (ou Kuapi21, já mencionada anteriormente por Curt
Nimuendaju), destruída durante a guerra entre os Palikur (aruaque) e Galibi (carib) que
estavam envolvidos nas alianças com os europeus que percorreram essa região
(GREEN; GREEN; NEVES, 2003, p. 369). Na tradição oral dos antigos Palikur, os
mesmos indicaram que muitos morreram (na guerra entre os Palikur e Galibi) e ali
foram enterrados no mesmo lugar em que caíram, em uma porção do sítio onde hoje é o
cemitério, que é fundamental para assentamentos no curso superior do rio Urucauá
(GREEN; GREEN; NEVES, 2003, p. 370). Uma das condições do líder era que as
escavações deveriam ser fora da área do cemitério (GREEN; GREEN; NEVES, 2003, p.
370).
Apesar de dados insuficientes do ponto vista arqueológico, pois não há
referência clara que aponte somente para um tipo de deposição funerária, podemos
supor que para estes cemitérios estivessem ocorrendo práticas funerárias mistas, talvez
com deposições secundárias e talvez também primárias de urnas funerárias a julgar
pelas urnas encontradas na região, e sepultamentos primários, baseando-se no que
Nimuendaju expõe ao dizer que caso alguém morresse em outro local, somente os ossos
seriam transportados para o devido local (NIMUENDAJU, 2004, p. 43), o que
levantaria a possibilidade de enterramentos primários.

21
Kwap ou Kuapi foi descrita anteriormente por Curt Nimuendaju, onde este registrou um cemitério clânico.
59

1.2 CONTEXTOS FUNERÁRIOS EM SÍTIOS HABITAÇÃO

1.2.1 Sepultamentos Secundários


No estado do Amapá, em Oiapoque, durante o resgate do sítio22 arqueológico
AP-OI-06: Ponte do Oiapoque, localizado na margem direita do rio Oiapoque no topo
de uma colina, foi identificado um contexto de habitação com remanescentes humanos
(SALDANHA; CABRAL, 2009; SILVA, 2016). Em uma das estruturas arqueológicas
de deposições no interior da vasilha havia um crânio humano, tratando-se de um
contexto funerário23 (SALDANHA; CABRAL, 2009; SILVA, 2016).
Estruturas arqueológicas tipo poços foram encontradas, no entanto não havia
indícios de remanescentes humanos no seu interior. Dada a fragmentação dos artefatos
cerâmicos, foi levantada a hipótese de que a mesma teria sido utilizada para conter
remanescentes humanos, que com o passar do tempo desintegrou-se devido ao tipo de
solo da região (SALDANHA; CABRAL, 2009).
Na região de Calçoene, Coudreau (1887) participou de uma missão científica ao
então território do contestado ou Cunani. Entre a cidade (Cunani) e a foz, o pesquisador
identificou quatro ou cinco antigos assentamentos com cemitérios (COUDREAU, 1887,
P. XXI). O autor descreve um poço funerário com sete urnas em perfeito estado de
conservação (COUDREAU 1887, p. XVI). Dentro das urnas, os ossos são descritos
como apodrecidos devido à umidade (COUDREAU, 1887, p. XXI).
Durante as expedições de Meggers e Evans (1957)24, foram identificados na
cidade do Amapá (AP-AM-4), um sítio cemitério e habitação. Neles, foram encontradas
urnas funerárias, manchas de sedimento escuro, áreas de refugo, que apresentavam
vasilhas lisas e pintadas, além de implementos líticos de diabásio e granito
(MEGGERS; EVANS, 1957, p. 104-105).

22
Sítio multicomponencial, pré- colonial e histórico (SALDANHA; CABRAL, 2009).
23
Quanto a este sítio, foi defendida pelo arqueólogo Michel Bueno Flores da Silva, uma dissertação de mestrado
defendida pelo MAE/USP, intitulada “Aldeias e organização espacial dos povos produtores da cerâmica Aristé:
Contribuições para a Arqueologia das Unidades Habitacionais da costa atlântica do Amapá”, em que inclui três sítios
no Oiapoque, entre eles: o da ponte do Oiapoque.
24
No final da década de 1940, Meggers e Evans (1957) realizaram escavações na região costeira atlântica do estado
do Amapá, entre o rio Oiapoque e o Araguari, onde escavaram sítios habitação e sítios cemitério, que classificaram
como pertencentes à fase Aristé24 (MEGGERS & EVANS, 1957, p. 103-157).
60

Junto ao setor Costeiro Estuarino Amazônico (que vai do rio Jari ao até o rio
Araguari), no município de Ferreira Gomes, foi identificado pelo arqueólogo Edinaldo
Nunes Filho o sítio lito-cerâmico a céu aberto AP-AR-41: Tucumanzeiro com
predominância de areia branca, terra preta arqueológica e afloramento rochoso (granito)
(NUNES FILHO, 2011, p. 14).
Com a escavação, foi possível identificar urnas funerárias relacionadas à fase
Koriabo, sendo que uma das urnas funerárias (Nível 20cm- 40cm) apresentou uma
vasilha invertida que protegia a vasilha principal (NUNES FILHO, 2011, p. 53). Como
parte das atividades de laboratório, a composição cerâmica da urna foi analisada bem
como o sedimento interior da mesma, a fim de verificar a existência de remanescentes
humanos (NUNES FILHO, 2012, p. 47- 54).
Na escavação da urna em laboratório, identificaram-se vários fragmentos de
cerâmica, fragmentos de ossos humanos e pedaços de carvão (NUNES FILHO, 2012, p.
57). De acordo com Nunes Filho (2012, p. 57), os ossos teriam passado pela etapa de
cremação dada a concentração de carvão associado a eles. No entanto, cabe destacar
que, a partir das fotos indicadas pelo próprio autor, pode indicar exposição ao fogo, já
que alguns ossos marrons e levemente enegrecidos em meio aos ossos amarelados
podem ter outras origens tafonômicas, que somente um exame mais detalhado pode
confirmar uma possível cremação ou mesmo calcinação.
Em um sítio habitação em Santa Luzia do Pacuí, em uma pequena elevação a 20
metros da margem esquerda do rio Pacuí, várias urnas, segundo os relatos dos
moradores, eram encontradas e outras tantas afloravam no solo devido à terraplanagem
feita esporadicamente que retirara boa parte da camada arqueológica (SGANZERLA et
al, 2006).
Em um dos cortes experimentais realizados no sítio, foi retirada uma urna
funerária dentro de uma matriz de sedimento areno argiloso acinzentado. A urna estava
muito fragmentada e parte da tampa exposta à superfície. Durante a escavação da
mesma, percebeu-se próximo à sua base um sedimento mais escuro com ossos humanos
(talvez de uma criança) pequenos fragmentados e em decomposição e dois fragmentos
cerâmicos (SGANZERLA et al, 2006).
Para o município de Laranjal do Jari, junto ao rio Jari, no estado do Amapá,
foram descobertos e escavados dois sítios, Laranjal do Jari 1 e Laranjal do Jari 2, pela
equipe do NuPArq/IEPA (SALDANHA; CABRAL, 2009 e 2011), com áreas escavadas
61

maiores que 2000 m2 em cada sítio (escavados pelo método de decapagem mecânica),
sendo evidenciadas estruturas negativas, que permitiram a referenciação de antigas
aldeias, formadas por buracos de poste, fossas com urnas (algumas com ossos humanos)
e fogueiras. A cerâmica encontrada nos dois sítios pôde ser afiliada à chamada fase
Koriabo, definida segundo os critérios de Evans e Meggers (1960), além de um
complexo cerâmico denominado “Jari” (SALDANHA et al, 2016).
As datações do período tardio obtidas para estes sítios vão do século IX ao XIV
AD (SALDANHA et al, 2016). Durante as escavações, foram encontrados
sepultamentos que não aparecem agrupados, mas isolados, inseridos em uma matriz de
terra preta, junto às nuvens de buracos de poste, próximos às fossas, áreas de deposição
de cerâmica e lixeiras, tratando-se de um sítio com estruturas funerárias e outras
aparentemente domésticas (SALDANHA; CABRAL, 2009, 2012).
Quanto às observações gerais, para ambos os sítios (Laranjal do Jari I e Laranjal
do Jari II), sobre os gestos funerários, podemos apenas dizer que, de acordo com os
dados do campo, temos ossos expostos e não expostos ao fogo, aparentemente
secundários, sejam diretos ou em urnas. Além disso, alguns sepultamentos contêm ossos
humanos cobertos de tintura vermelha, ossos de animais queimados e crânios humanos
depositados isolados (sem o pós crânio) (LIMA et al, 2014).
Têm sido desenvolvidas dissertações de mestrado sobre estes dois sítios25, com
o intuito de entender a tecnologia das cerâmicas e líticos, a função das estruturas, seus
conteúdos, as práticas culturais e seus possíveis significados ao longo do tempo, de
suma importância para o entendimento da ocupação nesta região do estado do Amapá.
No sítio-habitação Monte Dourado 1, junto ao rio Jari, no lado do estado do Pará
(divisa entre Amapá e Pará), foram escavadas seis superfícies amplas, uma trincheira e
duas sondagens. Em duas das superfícies amplas, foram encontrados contextos
funerários (SCIENTIA, 2011). Algumas das cerâmicas encontradas se assemelham, na
forma e decorações, àquelas da cerâmica Koriabo.
Em um dos contextos funerários do Sítio Monte Dourado 1, uma superfície
ampla com uma área quadriculada de 4x4m, foram encontrados dois sepultamentos
diretos (ou depósitos) de ossos humanos, representados por uma mandíbula isolada e,
em outro setor, ossos de uma mão associados aos restos de fogueira com fragmentos de

25
A dissertação de mestrado de Bruno Barreto, defendida em 2015, e a dissertação de mestrado em andamento de
Jelly Juliane Sousa de Lima centram-se na espacialidade e estudos dos materiais cerâmicos e líticos dos sítios.
62

carvão (SCIENTIA, 2011). Não está claro se é um sepultamento direto com ossos já
deteriorados ou remexidos, ou um depósito de ossos retirados para dar lugar a outros
sepultamentos ou estruturas durante uma reocupação. Já em outro setor desta superfície
ampla escavada foi encontrada uma urna funerária. Próximos dela, foram encontradas
lâminas de machado, depositados dentro de uma estrutura que parece ser uma fossa ou
um poço (SCIENTIA, 2011).
Em outro setor, outra urna foi encontrada na escavação de uma superfície ampla
em uma malha de 9 m2. Abaixo desta urna e servindo de apoio a mesma, foram
encontrados fragmentos líticos associados (SCIENTIA, 2011). Tal urna se encontra sob
a guarda do NuPArq/IEPA, da qual pude realizar a escavação desta.
Para tanto, segui um método por níveis naturais, observando sempre a coloração,
textura e compactação dos sedimentos. Além disso, foi utilizado juntamente um
controle de cinco em cinco centímetros durante a escavação e registro.
Foi constatada escassez de fragmentos esqueléticos, sendo encontrado alguns
micro fragmentos de ossos e corticais de ossos diversos muito diminutos (menores que
5 mm), e alguns fragmentos de dentes, reconhecido apenas a coroa de um molar e
fragmentos de um incisivo próximos à base. Desde o início ao final da urna, foram
encontradas diversas bioturbações de casulos de insetos, talvez responsável pelo
remeximento do sedimento e pela ínfima representatividade esquelética.
Para o município de Macapá, no estado do Amapá, em 1986, no bairro do
Pacoval, a equipe de arqueologia do Museu Emilio Goeldi realizou o salvamento do
sítio arqueológico AP-MA-03 ou Pacoval, localizado no perímetro urbano (PEREIRA;
KERN; VERÍSSIMO, 1986, p. 55).
As evidências arqueológicas indicaram ser uma área de uma antiga habitação,
tendo dois padrões funerários: um em alinhamentos de urnas (encontrados a uma
profundidade média de 15 a 30 cm) e o outro com urnas formando um semicírculo
(encontrados a uma profundidade média de 20 a 25 cm), sendo que nesse último padrão
foram encontradas as únicas urnas antropomorfas. Além destes, foi identificada mais
uma urna funerária isolada (PEREIRA et al, 1986).
Segundo os autores, as duas urnas antropomorfas (uma masculina e outra
feminina) estavam localizadas uma junto à outra e em sua volta encontravam-se mais
duas urnas “com formato de vasos”.
63

As demais urnas apresentam diferenças no tamanho, na


forma, no acabamento e no conteúdo (urnas continham ossos, outras
vasos menores e pratos que serviam prováveis oferendas, e outras não
evidenciavam nada além de sedimentos) (PEREIRA; KERN;
VERÍSSIMO, 1986, p. 65).

A equipe do Museu Goeldi constatou que das áreas escavadas, apesar do


tamanho reduzido escavado, foram identificadas anomalias preenchidas de um substrato
de sedimento escuro com fragmentos de cerâmica que chega a atingir 30 cm e
estruturas negativas, que os autores interpretam como buracos de poste e outras
preenchidas de fragmentos cerâmicos, fragmentos líticos e de laterita, que possuem em
média 40 cm diâmetro (e em alguns casos 80 cm de profundidade), o que mostraria,
então, que este sítio, além da função de cemitério, também teria sido utilizado como
moradia (PEREIRA; KERN; VERÍSSIMO, 1986).
A análise da cerâmica (a partir do material retirado de dois cortes estratigráficos)
e das características do sítio possibilitou a identificar as mesmas, apesar das ressalvas,
como pertencentes à fase Mazagão.
Entre eles temos: sepultamentos secundários, formato das
urnas, práticas de queima cerimonial, espessura do refugo,
concreções lateríticas servindo de suporte à base das urnas. Há
porém dois aspectos que não que parecem não se enquadrar nesta
fase: o tempero com predominância de caco moído e o arranjo das
urnas no cemitério (PEREIRA; KERN; VERÍSSIMO, 1986, p.
66).

Convém mencionar que as autoras não tinham analisado as urnas funerárias


antropomorfas até o momento da publicação do artigo, todavia as mesmas mencionam
que as urnas funerárias, antropomorfas ou não, assemelham-se às formas Mazagão.
Com o desenvolvimento das pesquisas na região e ao observar a referida urna
antropomorfa masculina presente no Museu Joaquim Caetano, percebe-se que a mesma
se assemelha com a cerâmica dita Caviana.
As urnas Caviana recebem este nome porque foram encontradas pela primeira
vez por Curt Nimuendajú [NIMUENDAJU, 2004] na ilha de Caviana, no início do
século XX AD e foi definida, posteriormente, a partir de coleções de particulares e
museus na Europa (ROSTAIN, 2011).
64

1.2.2 Dados Insuficientes Quanto ao Tratamento Funerário


Na ilha de Caviana, o casal de arqueólogos Meggers e Evans (1957) registrou o
sítio Croatasal, um sítio habitação com várias urnas e evidências de sepultamentos,
sendo identificada apenas uma urna fragmentada com poucos ossos humanos.
Associado a uma das urnas, foi identificado como acompanhamento funerário um
fragmento de ocre com superfícies convexas e polidas. (MEGGERS; EVANS, 1957, p.
499-502). Interessante notar que Meggers e Evans (1957, p. 500) levantam a hipótese
dos sepultamentos serem o último estágio de ocupação da aldeia, talvez causa ou
consequência devido ao seu abandono, embasados em observações estratigráficas.
No Suriname, no montículo do sítio Wageningen-I, foram identificados restos
esqueléticos dispersos de pelo menos dois indivíduos: um do sexo masculino de idade
superior a 18 anos; e os restos esqueléticos de um indivíduo do sexo masculino de
constituição robusta, com idade estimada entre 46 e 70 anos com deformação craniana
artificial e molares com cáries (VERSTEEG, 2008, p. 315; ROSTAIN, 1994, p. 106).
Na Guiana Francesa, na mesma comunidade de Saint- Laurent-du-Maroni, o
sítio arqueológico Chemin Saint-Louis, contemporâneo ao sítio La Pointe de Balaté,
resgatado pelo INRAP, revelou duas ocupações, sendo uma destas pré- colonial (VAN
DEN BEL, 2011, p. 23). No Chemin Saint- Louis, das três fases26 descritas, alguns dos
depósitos cerâmicos com vasilhas inteiras sugerem a partir de seus arranjos uma
conotação funerária (VAN DEN BEL, 2011, p. 66).
Ainda na Guiana Francesa, no Maroni, o sítio arqueológico habitação Crique
Sparouine27, descoberto em 2003 e resgatado pelo INRAP, possibilitou identificar
estruturas arqueológicas relacionadas com sepultamentos (VAN DEN BEL, 2007, p. 25;
VAN DEN BEL, 2009, p. 234-235). A maior parte do mobiliário cerâmico identificado
foi atribuída ao complexo ou fase Koriabo28.
Neste sítio (Crique Sparouine), foram identificadas nove fossas com formato
oval, contendo deposições de cerâmicas inteiras. Deste material, ao menos duas, podem
ser interpretadas como urnas funerárias para sepultamentos; duas fossas poderiam

26
Um dos conjuntos cerâmicos pode ser identificado tratando- se do complexo ou fase Koriabo (VAN DEN BEL,
2011, p. 73- 76).
27
As quatro datações por AMS de carvão revelaram uma ocupação deste sítio arqueológico do final do século X ao
fim do século XIV da nossa era (VAN DEN BEL, 2007, p 6).
28
Na década de 50, Evans e Meggers (1960) escavaram vários sítios arqueológicos no noroeste da Guiana Inglesa e
definiram pela primeira vez as características principais da cerâmica Koriabo: predomínio de areia usada como
antiplástico e cariapé; decorações, tais como: incisões largas e finas, bolotinhas e bordas lobadas. Sobre a cerâmica
utilizada no contexto funerária, Arie Boomert (1986, p. 27- 36) sugere que a mesma apresenta pintura preta e
vermelha sobre o engobo branco (policrômica).
65

conter restos de sepultamentos secundários cremados ou uma oferenda e ainda fazer


parte de um ritual desconhecido; duas grandes fossas continham vasilhas grandes
inteiras, podendo ter servido para armazenar ou ainda guardar sepultamentos tanto
primários quanto secundários (VAN DEN BEL, 2007, p. 25).

1.2.3 Tratamentos Funerários Mistos


Nos montículos artificiais usados como habitação de Hertenrits no Suriname,
sepultamentos primários e secundários foram descobertos no mesmo contexto
(BOOMERT, 1980, p. 85; ROSTAIN, 1994, p. 106).
Neste sítio habitação, foram identificados dez sepultamentos primários com
corpos contraídos e estendidos, os acompanhamentos funerários ocorreram em quatro
inumações, Quanto à estimativa de sexo e idade, puderam ser identificados três
indivíduos masculinos e ossos menores de uma provável criança. Em três dos
sepultamentos, existem vasilhas e tigelas decoradas, usadas como oferendas e, em pelo
menos um deles, continha duas tigelas e ossos de pássaro próximo à cabeça
(BOOMERT, 1980, p. 85). Dois crânios ou sepultamentos secundários estavam
contidos um em cada urna funerária, um deles continha como proteção uma vasilha
invertida (BOOMERT, 1980, p. 85).
Junto a estes sepultamentos, ao menos um indivíduo masculino pode ser
identificado com a cabeça (sem conexão anatômica) dentro de uma urna, a qual
posicionava-se “anatomicamente” onde deveria estar a cabeça, junto ao corpo que
estava estendido (BOOMERT, 1980, p. 85). Em um desses crânios, analisado por um
especialista, verificou-se que a área do occipital estava consideravelmente achatada,
aparentemente devido à deformação artificial (deformação tabular do crânio durante a
infância) (BOOMERT, 1980, p. 90).
Ainda no Suriname, ao oeste do rio Coppename, no sítio arqueológico habitação
Peruvia- II, uma urna funerária continha ossos cremados de um indivíduo masculino
com idade estimada entre 40 a 70 anos; outras duas urnas guardavam restos de infantes,
além de outros indivíduos não adultos e adultos (dois masculinos e dois femininos) que
estavam dispersos (ROSTAIN, 1994, p. 107; VAN DEN BEL, 2009, p. 235).
Para a Guiana Francesa, em Yalimapo no alto e baixo Mana e no Salto Maripa
no baixo Oiapoque, foram encontradas várias urnas e contextos funerários (ROSTAIN,
1994, p. 104; COUTET; ROMON; SERRAND, 2014, p. 21-34). E no que se refere à
66

espacialização das estruturas funerárias, as pesquisas na região têm apontado para uma
proximidade com áreas residenciais, com a presença de pratos e vasilhas cerâmicas para
cozinhar (COUTET; ROMON; SERRAND, 2014, p. 31).
No litoral ocidental da Guiana Francesa, em Yalimapo, localizado na vila Galibi
moderna (ROSTAIN, 1994, p. 104), um sítio arqueológico com contexto funerário foi
identificado. Devido à boa conservação dos ossos dentro da urna29 funerária (decorada
com cordões incisos aplicados), pode-se supor que se trate de um sepultamento
secundário de um indivíduo adulto (ROSTAIN, 1994, p. 104- 105).
Posteriormente, em Awala-Yalimapo, junto a uma aldeia Galibi moderna, foram
identificados pelo menos oito sepultamentos com dois tipos de tratamento funerário: em
urnas (cremados ou não) e enterramentos primários em fossas dado à disposição dos
fragmentos de cerâmica. Junto aos sepultamentos, a cerâmica encontrada foi relacionada
ao complexo Barbakoeba30.
Foi percebida a existência de dois modos distintos de enterramentos fúnebres
para Yalimapo: secundárias em urna e prováveis fossas de sepultamentos primários, o
que sugeriria uma diferenciação social, o que em certos casos este enterramento direto
poderia estar relacionado ao sepultamento de um xamã ou um chefe (COUTET;
ROMON; SERRAND, 2014, p. 30-31).
Mencionamos aqui duas urnas funerárias que continham ossos em seu interior e
das quais foram mais detalhadas31, os sepultamentos restantes foram assim identificados
devido ao seu contexto de deposição, acompanhamentos e espacialidade dentro do sítio,
assim como recorrências parecidas em outros sítios nas Guianas, e o uso de relatos
etnográficos e etnohistóricos.
De acordo com a análise feita por Janin (2002), do interior de uma destas urnas
funerárias (urna descoberta em 1997), havia ossos de pelo menos dois indivíduos
humanos (representados por duplicatas de tálus, calcâneos, naviculares, atlas, hamato,

29
Os Galibi teriam reconhecido a urna funerária como um jarro para cachiri e sua tampa uma “bacia para conter
água” (ROSTAIN, 1994, p. 105).
30
Arie Boomert, em 1993, nomeou o complexo Barbakoeba, delimitando-o entre o médio rio Commewijne
(Suriname) e o baixo rio Mana, os elementos diagnósticos desta cerâmica são o uso de caco moído como antiplástico
(tempero), jarros com gargalo e a decoração corrugada na borda, o que representa outra característica diagnóstica no
Suriname e Guiana Francesa (VAN DEN BEL, 2015, p. 12).
31
De acordo com Coute et al (2014), a maioria das urnas funerárias são achados incidentais, pelo menos desde os
anos 1950. Em 1958-1959, várias urnas foram exumados sob a ação do mar; estas foram levadas por colecionadores
holandeses e não se sabe onde eles estão hoje. Outras urnas foram descobertas enterradas: o caso de urna Yampu
(descoberto em 1958) e da urna Cornette (CORNETTE de 1987; GASSIES, 1998). Para Hugues PetitJean Rojet
(1990, p. 1), Jesse de Forest pode ser considerado o primeiro arqueólogo da Guiana Francesa, pois o mesmo
encontrou em 1623, um sítio arqueológico (uma gruta) com várias urnas contendo remanescentes humanos.
67

etc.) adultos (estimados pelo fechamento de epífises e sinostose das suturas cranianas),
um deles grácil e outro robusto, todos com indícios de cremação (fraturas, fissuras e
coloração), que indicam uma temperatura maior que 6500 (JANIN, 2002:7). A cerâmica
foi datada de 865 + 40 BP, calibrada a dois sigmas de 1130-1220 cal AD (68%) e 1040-
1265 cal AD (95%) (JANIN, 2002).
Também foram identificados por Sandrine e Pellé (2002), dentro da mesma urna,
restos de ossos de animais, alguns deles expostos ao fogo (cutia vermelha e preta,
macaco do gênero cebus, veado de cauda branca, sapo cururu), o que levou Sandrine e
Pellé (2002, p. 36) a interpretarem a presença destes animais a um tipo de alimento para
oferenda, privilégio de caça e/ou um emblema totêmico32 e cultural. É preciso enfatizar
que o estudo das etapas de preenchimento da urna foi prejudicado, pois antes da
chegada dos arqueólogos a mesma foi esvaziada (COUTET; ROMON; SERRAND,
2014, p. 23).
Outra urna funerária foi parcialmente escavada em campo por Gérald Migueon
(campanha de 2009 e 2010), e posteriormente em laboratório pela arqueóloga Claude
Coutet (os 24 primeiros centímetros em campo e os 17 restantes em laboratório), cujos
conteúdos esqueléticos foram analisados pelo biantropólogo Thomas Romon do
INRAP.
A urna foi escavada em 17 camadas (0-41cm), onde o nível era modificado
quando os ossos podiam ser retirados. A escavação mostrou ossos longos em feixe,
deitados horizontalmente, seguido pelas costelas, vértebras e crânio destacado da
mandíbula, sendo possível observar ossos expostos ao fogo. Um dos ossos forneceu
uma datação para o século XIII AD: 805 + 30 BP, ou seja, 1219 - 1273 cal AD (ETH-
40724) (COUTET; ROMON; SERRAND, 2014).
A partir da análise do bioantropólogo Thomas Romon (2010), ao menos três
indivíduos puderam ser contabilizados. Várias duplicatas foram identificadas
(mandíbulas, temporais, ossos longos, etc), chegando a dois adultos jovens (idade
baseada por um terceiro molar erupcionado) de sexo indeterminado (mesmo assim,
percebe-se que um é mais grácil que outro) e um recém-nascido (estimado pelos germes
dos molares e incisivos sem desenvolvimento de raiz, o que indicaria uma idade de no
máximo três meses) (COUTET; ROMON; SERRAND, 2014).

32
Não há referência sobre o que os autores pretendiam dizer com totemismo, porém sabe-se que Lévi Strauss (1975)
faz duras críticas ao uso generalista ou descontextualizado desse conceito que divide povos ditos “civilizados” e
“primitivos”, demonstrando um caráter fortemente evolucionista.
68

Quanto à conservação dos fragmentos esqueléticos, representatividade e peso


(para ossos queimados), os restos do indivíduo infante são insignificantes. Foram
identificados fragmentos ósseos do crânio, costelas, coluna vertebral, membros
superiores e inferiores, ombro e cintura pélvica (COUTET; ROMON; SERRAND,
2014).
Os ossos expostos ao fogo mostram diversas temperaturas devido à coloração de
marrom cinza ao preto (51% do total dos ossos), o que indica uma temperatura não
muito elevada e/ou tempo menor de exposição ao fogo e apenas 6% dos ossos mostram
coloração branca e acinzentada, assim como padrões de fraturas e fissuras, que indicam
calcinação. Entretanto, 43% dos ossos não apresentaram quaisquer indícios
macroscópicos de queima e/ou exposição ao fogo (COUTET; ROMON; SERRAND,
2014).
Este é um sepultamento secundário (não é uma cremação), visto que os
esqueletos parecem ter sido depositados simultaneamente depois do descarne,
aparentando uma possível decomposição natural e a queima parece ter ocorrido após a
esqueletização dos corpos e antes da deposição dos fragmentos esqueléticos na urna
(COUTET; ROMON; SERRAND, 2014).
Quanto à sequência de preenchimento da urna, foi identificado o seguinte
encadeamento: membros inferiores; em seguida, o tronco, cintura escapular e pélvica, e
mãos; e, por fim, o resto dos ossos longos, seguidos pelos crânios. É interessante
mencionar que os restos mortais dos dois adultos jovens misturaram-se intimamente. Os
restos do indivíduo perinatal (que pode ser um feto) foram encontrados na metade da
urna (nos níveis intermediários) e podem não ter sido tratados como um indivíduo e sim
como parte de um dos adultos (COUTET; ROMON; SERRAND, 2014, p. 21-27)
(figura 4).
69

Figura 8: Nesta urna, foram identificados três indivíduos: dois adultos e um perinatal. Fonte: Coutet, 2014.

Os acompanhamentos funerários identificados dentro desta urna (além da


própria urna poder ser considerada um acompanhamento em si) foram contas de ossos
(COUTET; ROMON; SERRAND, 2014).
Quanto às três fossas funerárias (prováveis sepultamentos primários), em duas
delas foram encontradas tigelas, potes e vasilhas; e em outra fossa, foram identificados
acompanhamentos diferenciados, como: um vaso com apliques zoomorfos (patas cauda
e cabeça de uma tartaruga) e mais fragmentos cerâmicos correspondentes a três vasos
cerâmicos, além de dois machados polidos em rochas verdes e várias contas de conchas
(COUTET COUTET; ROMON; SERRAND, 2014).
Quanto às contas feitas de conchas (discos cortados, perfurados e polidos),
identificadas pela zooarqueóloga Nathalie Serrand (COUTET, 2011; COUTET;
ROMON; SERRAND, 2014) e as rochas verdes, segundo Rafael A. Gassón (2000) do
Instituto Venezuelano de Investigações Científicas, estariam relacionadas com bens de
prestígio e de trocas de longa distância e até mesmo “moedas”, no caso das contas de
conchas.
Importante destacar que, mesmo quando os ossos não são íntegros, pode haver
formas que permitem estudar a antropologie de terrain33, a exemplo dos gestos
funerários34. O sítio arqueológico EVA II teve duas ocupações, uma mais antiga do

33
A “antropologie de terrain” ou “antropologia de campo” ou ainda “antropologia do terreno” equivale
ao que aqui no Brasil se conhece como arqueologia funerária (Py-Daniel, 2009). De modo geral, buscam
reconstruir a posição original do corpo e o arranjo original de roupas, ornamentos e acompanhamentos,
além de definir a arquitetura da tumba (DUDAY et al, 1990).
34
Os gestos funerários são conjuntos de práticas funerárias realizadas antes, durante e após o
sepultamento (Duday, 2005).
70

período arcaico e outra do período do pós contato com o europeu (datadas do século
XVII ao XIX AD), localizado na Guiana Francesa (VAN DEN BEL, 2006).
O estudo dessa ocupação mais recente do sítio EVA II permitiu identificar
gestos funerários através dos negativos de esqueletos em fossas rasas (VAN DEN BEL,
2006) (figura 5). Este sítio, com um horizonte de camada de terra preta com 25 cm, é
interpretado como um sítio habitação e é composto por sepultamentos, buracos de poste,
fossas contendo ossos (alguns identificados como faunísticos) e contas, fossas com
concentrações de cerâmicas, líticos, etc. Neste sítio, a conservação de ao menos oito
sepultamentos talvez se deva ao fato da formação das areias brancas serem menos
ácidas do que as formações pleistocênicas de argilas lateríticas (VAN DEN BEL, 2006,
p. 52).
A preservação do material ósseo é desfavorável, onde os ossos que se
preservaram melhor foram aqueles que estavam protegidos por algum objeto
(pelo menos em dois dos três casos onde vasilhas cerâmicas estavam
presentes). Entretanto não há explicação sólida para a melhor preservação
do crânio de um dos sepultamentos primários. Os dentes são as partes dos
esqueletos que melhor se preservaram, entretanto somente a coroa dos
dentes pode ser coletada e não a raiz. De modo geral os indivíduos puderam
ser identificados através dos "fantasmas" ou silhuetas dos corpos, indicando
o local do descanso final (VAN DEN BEL, 2015, p. 519).

Sete dos oito sepultamentos são deposições primárias, localizadas em fossas


arredondadas (dois deles) e fossas ovais (quatro deles), todos com os corpos em posição
fletida e uma única fossa retangular com o corpo em posição estendida (o que, segundo
o autor, lembra enterramentos católicos coloniais). O último sepultamento restante é o
único com deposição secundária de feixes de ossos em uma urna funerária, colocada
verticalmente em uma grande fossa e tampada com outra vasilha grande emborcada
(VAN DEN BEL, 2015, p. 519).
71

Figura 9: Poucos fragmentos esqueléticos se preservaram, no entanto pode-se estudar os gestos funerários
através das silhuetas ou “sombras” deixadas pelos corpos depositados. Fonte: Van den Bel, 2015.

Quanto às análises antropológicas, pouco pode ser visto, os poucos fragmentos


ósseos e a silhueta dos corpos permitiram inferir o número mínimo de indivíduos
(MNI), sendo um indivíduo para cada sepultamento. Pelos dentes e tamanho das covas,
foi inferido que todos sejam adultos, com exceção de um indivíduo interpretado como
imaturo devido ao tamanho diminuto dos ossos (estimado possivelmente entre 4 a 9
anos de idade) e tamanho muito reduzido da fossa (VAN DEN BEL, 2015, p. 520 –
523).
Apenas dois sepultamentos (primários fletidos) possuem pequenas vasilhas
cerâmicas de acompanhamento e em seis dos oito sepultamentos foram encontradas
contas de vidro (com exceção de duas fossas ovais com sepultamento primário e com
corpo fletido) e, na fossa retangular com o corpo estendido, foram encontradas contas
de (possíveis) conchas (VAN DEN BEL, 2015, p. 531).
Os acompanhamentos, como as inúmeras e variadas contas de vidro europeias,
as contas de conchas (o único sepultamento com essas contas) e os implementos de
metal em um enterramento primário estendido em uma cova retangular, sugeririam,
segundo Van den Bel (2015), que esta pessoa teria uma certa posição social, talvez um
pajé. Quanto a estas contas de (possíveis) conchas, temos recorrências tanto na
etnografia quanto na arqueologia.

“Este tipo de conta de concha é comumente chamada de quiripá na


Venezuela. Isso servia como “moeda” e objetos de prestígio entre as tribos
históricas do Orenoco (MOREY 1975, p. 113-124; GASSÓN, 2000). No sítio
72

arqueológico em Awla-Yalimapo (COUTET, 2011; COUTET; ROMON;


SERRAND, 2014, p. 28-30) contas de conchas similares a estas descritas
foram encontradas em uma urna funerária” (VAN DEN BEL, 2015, p.
531).

Quanto à espacialização dos sepultamentos e sua cronologia Van den Bel (2015)
concluiu que dois cenários são possíveis, o abandono da aldeia quando os mortos eram
enterrados e a contínua ocupação da aldeia depois dos mortos terem sido enterrados.
O conjunto cerâmico do sítio EVA 2 pode ser atribuído ao século XVII e XVIII
AD e algumas cerâmicas encontradas neste sítio, como os potes tóricos e grandes jarros
com alças, sugerem uma relação com o complexo cerâmico Koriabo. No entanto, a falta
de incisões sugere que seria uma fase ou desenvolvimento posterior (VAN DEN BEL,
2015, p. 551).
Para a Foz do Amazonas, durante as escavações de Denise Schaan na ilha de
Marajó, foram escavados alguns sítios ao longo do rio Camutins, o mais significativo
foi o Teso M-17, que foi interpretado como um sítio cerimonial, com área de habitação
e cemitério no mesmo teso, mas em áreas separadas. Foram encontradas 24 urnas
funerárias distribuídas ao longo da estratigrafia, que, de acordo como as datações
radiocarbônicas, os dois metros de sedimento presentes na área escavada, podem ter
sido depositados ao longo de 100 anos. Neste sentido, as datas variam de 730 a 830 AD
e a do sepultamento 18, teve uma datação de 960 AD, podendo representar a última
ocupação do sítio (SCHAAN, 2004, p. 233).
Dos 24 sepultamentos, cinco urnas foram escavadas e analisadas pela
bioarqueóloga Sheila Mendonça de Souza, que identificou sepultamentos secundários e
primários, contendo ossos de crianças e adultos, mulheres e homens, alguns com sinais
de abrasão nos dentes, todos contendo um indivíduo (quando os ossos estão presentes).
Além disso, foram identificados diversos acompanhamentos, como: lâminas de
machado, contas, tangas pintadas e vasilhas (SCHAAN, 2014).
Os sepultamentos, em sua maior parte, consistem em vasilhas (algumas com
tigelas emborcadas como tampa), preenchidas por sedimento contendo esqueletos
fragmentados, fragmentos cerâmicos e objetos cerâmicos e de rocha. Schaan (2014)
sugere que os sepultamentos ocorreram dentro de uma estrutura com telhado, uma
espécie de casa (SCHAAN, 2004, p. 250). Denise Schaan se sustenta em alguns
exemplos etnográficos, principalmente referentes aos Jivaro, para fazer tal sugestão,
embasando-se em inferências similares ao do arqueólogo peruano Daniel Morales
73

Chocano (MORALES-CHOCANO, 2000) em relação às práticas funerárias para a


Amazônia peruana antiga, conforme é relatado ao autor por um jivaro.

...quando um membro de uma família morria, o cadáver era defumado em


cima de um grande fogo localizado no canto da maloca, logo se introduzia
um bambu oco no interior do corpo; este bambu era conectado à parte
externa da casa e servia para escorrer os líquidos e gorduras corporais, o
que passado um tempo, o corpo mumificado e reduzido era acondicionado
para ser colocado em uma urna funerária.
Em seguida a urna era guardada nas armações mais altas da maloca,
onde existiam outras urnas formando fileiras em torno do telhado em ordem
de antiguidade; anualmente os parentes de cada defunto em uma cerimônia
especial, desciam as urnas para limpá-las e repará-las, descartando as
partes danificadas ou apodrecidas do cadáver. Logo voltavam a vasilha ao
andaime. Todos os anos praticavam esse rito até que os descendentes do
morto perdiam o vínculo com este ou quando não tinham claro a relação de
parentesco que os unia, então, era tempo de enterrá-lo debaixo do piso da
casa; ou seja somente depois de um longo processo de ritos anuais, o
cadáver incompleto ou talvez somente alguns poucos ossos eram enterrados
dentro de uma urna mais pequena (MORALES-CHOCANO, 2000, p.
86-87).

Algumas urnas continham poucos ossos, enquanto outras continham mais,


podendo indicar práticas e escolhas culturais. Portanto, Schaan (2004) levanta a
possibilidade de que os ossos eram guardados em vasilhas dentro ou próximo das casas
para depois serem enterrados debaixo do chão das mesmas.

1.2.4 Sepultamentos Primários


No sítio Tingiholo, no Suriname, sepultamentos primários foram identificados,
cujos ossos estavam depositados no ambiente dominado por conchas, o que contribuiu
35
para a preservação (VERSTEEG, 1993; ROSTAIN, 1994, p. 105-106). Pelo menos
trinta e oito indivíduos foram descobertos, tratam-se de sepultamentos primários de
indivíduos adultos masculinos, femininos e infantes, com idade avançada. Ainda havia
vasilhas grandes repletas de terra preta, contendo ossos humanos em sepultamentos,
possivelmente, primários (ROSTAIN, 1994, p. 107).

35
Ao passo que em Golden Rock em Saint-Eustache, nas Pequenas Antilhas, somente os ossos localizados próximos
aos resíduos de conchas consumidas estavam em bom estado de conservação. Em uma das concentrações de buracos
de poste, localizada no centro do sítio arqueológico Golden Rock, foram identificados sepultamentos de indivíduos
masculino (55- 60 anos) e feminino; outro sepultamento continha dois indivíduos incompletos. Contabilizou- se cinco
indivíduos com diferentes posições anatômicas e sem acompanhamentos funerários no registro arqueológico
(VERSTEEG, 1993). Anos depois, a Universidade de Leiden (Holanda) começou um projeto de larga escala, que
abarca o sítio arqueológico com cerâmica do período antigo nos sítios Golden Rock e St. Eustatius, o que permitiu
identificar nove sepultamentos pré- colombianos e realizar análises osteológicas (1984- 1990) (CRESPO- TORRES;
MICKLEBURGH; ROJAS, 2013). O sítio arqueológico Golden Rock revelou casas familiares de grandes extensões
semelhantes às da Amazônia (HOOGLAND E HOLFMAN, 2013, p. 455).
74

Na comunidade de Saint-Laurent-du-Maroni, na Guina Francesa, em um sítio do


período cerâmico tardio, denominado La Pointe de Balaté (VAN DEN BEL, 2008), foi
encontrada (na abertura de uma trincheira) uma estrutura funerária com a (rara)
presença de ossos humanos. Trata-se de uma fossa, medindo 40 cm de diâmetro e com
formato oval, preenchida por sedimento cinza escuro. Nela, foram identificados (pelo
bioantropólogo Thomas Ramón) fragmentos de crânio e de ossos longos, a saber: o
rádio e a ulna. Assim, sendo interpretados, devido ao tamanho da cova e ao
posicionamento dos ossos, como um enterramento primário com os membros inferiores
hiperflexionados (VAN DEN BEL, 2012, p. 32).

1.3 CONTEXTO FUNCIONAL NÃO DEFINIDO

1.3.1 Sepultamentos Secundários


No estado do Amapá, no município de Santana, foi realizado um resgate
emergencial de um Sítio multicomponencial (cerâmica indígena e Neobrasileira) a céu-
aberto, localizado em terra firme junto ao Rio Matapi, na Comunidade Quilombola de
Cinco Chagas do Matapí (JACQUES & LIMA, 2011).
Neste sítio, foi escavada uma fossa funerária, preenchida com sedimento da
deposição de três urnas arranjadas, uma bem junto a outra. Estas estavam tampadas com
outras vasilhas emborcadas sobre cada uma. Dentro delas, foram encontradas outras
vasilhas menores e, segundo relatos dos moradores que encontraram a urna, dentro de
uma dessas vasilhas menores foi encontrado um pó branco com ossos que se
desmanchavam ao toque. A forma e a decoração apresentavam longas incisões e
ponteados presentes em algumas cerâmicas, assemelhando-se com aquelas descritas
para a fase Mazagão, conforme definido por Meggers e Evans (1957) (JACQUES &
LIMA, 2011).
No município de Macapá, em 2007, em Santo Antônio da Pedreira, urnas
semelhantes à cerâmica dita Caviana foram encontradas no sítio AP-MA-27
(SALDANHA & CABRAL, 2008) durante um resgate emergencial. O conjunto
funerário pôde ser registrado (apesar do contexto prejudicado pela abertura prévia de
uma fossa pelos moradores) pela equipe de arqueologia do IEPA e, segundo consta no
relatório, foram encontradas a uma profundidade de 1 metro e 90 centímetros.
75

Foi identificado um conjunto composto por duas urnas


antropomorfas policromas (uma com características masculinas e
outra com características femininas), uma urna alisada contendo uma
tampa e mais duas vasilhas pequenas que deveriam ser parte do
acompanhamento funerário (SALDANHA; CABRAL, 2008, p.
11).

Estas urnas se encontram hoje sobre a salvaguarda do Núcleo de Pesquisa


Arqueológica do IEPA. A urna antropomorfa masculina foi escavada por João Saldanha
(informação pessoal, 2015), que, segundo o estudioso, os ossos longos estavam
colocados em feixes junto às paredes da urna. O crânio, por sua vez, depositava-se sobre
sua mandíbula e esta sobre três epífises bastante erodidas (somente a parte trabecular).
Acima, foram depositadas as pelves, escápulas, clavículas, ossos das mãos e dos pés,
costelas e vértebras.
Os restos esqueléticos do interior da referida urna antropomorfa com aplique,
representando o sexo masculino, foram analisados pela bioantropóloga portuguesa
Francisca Alves Cardoso, que constatou que eram os ossos de um indivíduo adulto
pintados de vermelho. Os ossos da outra urna antropomorfa também parecem indicar
um indivíduo adulto e igualmente estarem pintados de vermelho.
Ambas urnas antropomorfas, masculina e feminina (figura 10), possuem pintura
em preto e vermelho sob engobo branco na superfície de seus corpos cerâmicos. A urna
antropomorfa masculina está sentada em um banco e possui os braços não cruzados com
as mãos no peitoral, abaixo de dois apliques representando os mamilos. Já a urna
antropomorfa feminina, cujo sexo é sugerido por grafismo, que parece ser a região
pubiana, não está sentada em um banco e seus braços estão posicionados abaixo do que
seria o umbigo. Percebe-se que esta última urna é mais globular e com maior diâmetro a
partir da metade da urna para baixo, onde seria o ventre e os quadris, sugerindo
gravidez, já que as mãos seguram o ventre e umbigo avolumado.
76

Figura 10: Urnas funerárias antropomorfas ditas Caviana (urna antropomorfa feminina à esquerda e
masculina à direita).

Quanto às pinturas nas urnas estas, podem remeter às pinturas corporais com
motivos similares, usados por algumas comunidades indígenas contemporâneas,
inclusive no uso do vermelho e do preto (ROSTAIN, 2011, p. 254)36.
No ano de 2014, um conjunto de urnas funerárias, no sítio AP-MA- Vila
Tropical, foi escavado. Devido à área escavada e boa parte do sítio ter sido muito
impactado, não há meios de classificar funcionalmente o sítio.
Entre as urnas que compõem os conjuntos de sepultamentos, podem-se ver pelas
fotos quatro figuras antropomorfas sentadas em bancos e, segundo consta no relatório
(NUNES FILHO, 2014), foram escavadas duas quadras, que permitiram encontrar dois
conjuntos de sepultamentos.
Segundo consta no relatório (NUNES FILHO, 2014), os conjuntos funerários
parecem ter sido encontrados a uma profundidade de 20 cm, não havendo informações
quanto às características do sedimento escavado, apesar de parecer não está inserido em
uma camada de terra mais escura, que o entorno formado por latossolo laterítico
amarelado. Não obstante, é provável que, devido aos processos de percolação e
lixiviação, a coloração tenha ficado prejudicada, assim como a sua compactação, o que
é explicado também por ter sido escavado durante o verão, o que talvez tenha

36
Menciono, aqui, ainda, que resgates emergenciais e ocorrências de urnas funerárias encontradas e, por vezes,
escavadas acidentalmente por moradores da região de Santo Antônio da Pedreira, têm sido registrados pela equipe de
arqueologia do IEPA. Algumas dessas urnas possuem formato globular e são lisas, cujo interior de algumas da urnas
estavam confinados restos esqueléticos.
77

prejudicado na identificação de uma possível diferença dos sedimentos onde estavam


inseridas as urnas.
Foram identificadas doze urnas funerárias. Destas, nove são antropomorfas,
estando agrupadas uma ao lado da outra, semelhante ao sítio Curiaú Mirim I (ver a
seguir), ao sítio AP-MA-03 e, também, ao poço do sítio AP-MA-27. As urnas possuem
conformação semelhante a estes sítios, lembrando um círculo e um semicírculo. Dentro
de algumas das urnas funerárias, pode-se ver que possuem ossos em seu interior.
Na quadra A2, foi identificado um conjunto funerário formado por seis urnas
que parecem, pelas fotografias, estarem dispostas da seguinte forma: quatro urnas
funerárias antropomorfas aparentemente em duplas, duas de cada lado (uma dupla com
as costa viradas para as faces da dupla de trás) e no meio delas foram recolhidas três
pequenas vasilhas lisas, que aparentemente não estavam no mesmo nível da base das
urnas funerárias. Estas sim foram todas encontradas em conjunto, talvez estas pequenas
vasilhas tenham sido depositadas depois ou durante a colocação de sedimento para
encobrir o conjunto funerário.
Segundo consta no relatório (NUNES FILHO, 2014), na quadra A2, foram
identificadas urnas antropomorfas, sendo três do sexo masculino e outra sem sexo
definido, duas destas de tamanho mais reduzido que as outras duas. Além destas, foram
identificadas mais distanciadas, mas ainda próximas, as urnas antropomorfas na mesma
quadra A2, mais duas vasilhas lisas maiores, interpretadas como urnas funerárias.
Na quadra A3, foram identificadas mais seis urnas funerárias. Destas, cinco são
antropomorfas (uma delas com tamanho reduzido quando comparada às demais) e uma
lisa. Pelas fotos, pode-se ver que as urnas antropomorfas da quadra A3 estão agrupadas
e enfileiradas uma atrás da outra, aparentemente em duplas, colocadas uma ao lado da
outra, estando uma trio com as costas viradas para as faces da dupla de trás.
As fotos, ainda, permitem, de um modo geral, constatar que as urnas foram
encontradas em uma matriz de sedimento amarelado. Contudo, não há informação
quanto ao sedimento, pode-se apenas cogitar que a coloração seja igual ao latossolo
estéril, que teria sido escavado para tampar os conjuntos funerários, podendo ter
ocorrido percolação e lixiviação do solo, já que a área se encontrava junto a uma várzea.
Percebe-se, ainda, nas duas quadras, que as urnas antropomorfas possuem os
braços cruzados (mais semelhantes àquela urna antropomorfa encontrada no sítio Curiaú
Mirim I), ou possuem os braços colocados para frente (que lembram a posição dos
78

braços das urnas antropomorfas Maracá), ou ainda possuem dois bracinhos


posicionados em direção ao que parece ser o umbigo (uma delas com um dos bracinhos
possuindo três dedos).
As características da urna antropomorfa descrita acima se assemelha a uma das
urnas antropomorfas encontradas no sítio AP-MA-27, sob a guarda da reserva técnica
do IEPA, como a urna antropomorfa do sítio AP-MA-03, que se encontra no Museu
Joaquim Caetano. Vale ressaltar que todas elas se enquadram no que vem sendo
chamado de cerâmica Caviana.
No bairro Marabaixo IV, em Macapá, até o momento, temos pelo menos duas
ocorrências de sepultamentos. Uma delas foi um conjunto funerário resgatado pela
equipe do NuPArq/IEPA em 2014, quando um morador abria um buraco para a
construção de uma fossa séptica e ao descobrir o artefato, acionou o IPHAN, que então
comunicou ao NuPArq/IEPA. Em uma área em torno de 2,50 por 1 metro, em uma
profundidade de 70 a 90 cm, assentado no latossolo amarelado e preenchidos de
sedimento marrom acinzentado, foram encontrados dois conjuntos cerâmicos: uma
vasilha cerâmica junto à parede leste e um junto à parede oeste com uma urna funerária
lisa globular e uma vasilha emborcada, usada como tampa (esta estava quebrada).
A urna funerária estava toda rachada por raízes e preenchida por sedimento
mesclado (marrom acinzentado e amarelado). Ao lado da urna, estava encostado um
prato ou banco cerâmico circular liso. O interior da urna continha ossos intemperizados,
friáveis e muito espedaçados, apesar do contexto situacional do achado arqueológico
não favorável, é possível distinguir a forma de alguns ossos longos e chatos como
fragmentos de fêmures e de crânio. Pela espessura dos corticais e tamanho dos ossos,
pode-se também deduzir que contenha um indivíduo adulto.
Em 2015, no mesmo bairro Marabaixo IV, próximo à ocorrência do ano anterior,
moradores encontraram uma urna cerâmica em uma área onde seria aberta uma fossa
séptica. Então, foi acionado o IPHAN, que comunicou o CEPAP/UNIFAP para resgatar
o objeto arqueológico fúnebre com tampa, apresentando uma forma semelhante ao
anterior. A urna estava inserida em uma matriz de sedimento amarelado. O interior da
mesma continha ossos humanos, como: uma diáfises de ossos longos, vértebras e ossos
dos pés e das mãos junto a um sedimento acinzentado.
De acordo com o que podemos ver, temos uma variedade de sepultamentos,
sejam eles: primários ou secundários em urnas; primários ou secundários diretos; ossos
79

expostos ao fogo a exemplos de cremação primária e secundária37. Ou, ainda, quando é


possível observar, se é um cemitério “propriamente dito” ou se é um contexto de
habitação junto aos contextos funerários. Deve-se ter em mente, entretanto, que além de
existirem fatores de preservação e método de escavação, existem ainda dois outros
fatores - um está relacionado às práticas e às escolhas culturais; e outro, à taxa de
mortalidade das sociedades pretéritas, que a arqueologia investiga, o que exige cuidado
ao interpretar o registro arqueológico.
Após expor um pouco desta tentativa de padronizar os diferentes tipos, graus e
experiências na transformação dos corpos dos mortos pelos vivos, podemos observar
também que há certa recorrência de uma dispersão no uso de contas, pingentes e restos
faunísticos associados aos sepultamentos e, ao mesmo tempo, a uma grande
variabilidade dos tipos de inumação e de número de indivíduos depositados em cada
sepultamento.
Outro aspecto que chama a atenção, como apresentado acima, é que há inúmeros
contextos funerários isolados ou junto aos contextos que indicam prováveis sítios-
habitação, que parecem diferenciar-se de outros contextos, uma vez que parece haver
uma clara separação entre os mortos e os vivos.
Para compreendermos os modos de sepultamento dos mortos, devemos observar
os contextos funerários de modo mais amplo, e entender que os tratamentos dados aos
corpos podem indicar diferentes graus, tipos, modos e experiências de transformação da
matéria corpórea nas ações fúnebres (FOWLER, 2010).
Desse modo, ao olharmos um panorama, quanto às práticas funerárias desses
sítios, podemos abrir uma janela sobre as atividades mortuárias antigas feitas na foz do
rio Amazonas a partir da pesquisa no sítio arqueológico Curiaú Mirim I (figura 11 e 12).

1.4 O SÍTIO ARQUEOLÓGICO CURIAÚ MIRIM I – Sítio habitação e


deposições funerárias
No ano de 2010, durante a abertura de uma estrada vicinal, foi encontrada uma
urna funerária pela comunidade local do Curiaú, situada em Macapá (figura 11).
Quando a urna foi retirada da matriz de terra preta, constatou-se também a ocorrência de
material arqueológico em superfície.

37
Para Gláucia Sene (2006), a cremação pode ser de dois tipos: a cremação do tipo primária, antes da decomposição
dos tecidos moles, ADTM; e a cremação do tipo secundária, pós decomposição dos tecidos moles, PDTM.
80

A partir do reconhecimento do entorno da urna encontrada no Curiaú para


mapear outras ocorrências, verificou-se que o sítio se estendia por cerca de 200 metros
ao longo da estrada vicinal e partes da área de propriedade do Quilombo do Curiaú e da
olaria “Cerâmica João de Barro” (SALDANHA; CABRAL, 2012), sendo então alvo de
duas campanhas de resgate arqueológico realizadas pelo NuPArq/IEPA.
Em 2011, foi dado início a escavação do sítio arqueológico no âmbito do
“Projeto de Resgate Arqueológico na Cerâmica João de Barro, Macapá, AP” e,
posteriormente, houve uma segunda etapa de escavação no ano de 2014. Ambas
campanhas de escavação arqueológica estiveram sob a coordenação dos arqueólogos
João Saldanha e Mariana Cabral do IEPA.

Figura 11: Estado do Amapá com a localização da cidade de Macapá em vermelho (acima); e localização do
sítio Curiaú Mirim I (abaixo). O sítio localiza-se a pouco mais de 2.3 km de distância do rio Amazonas.
81

As escavações, no sítio arqueológico Curiaú Mirim I, concentraram-se,


principalmente, nas áreas onde a ocorrência de material arqueológico era maior e,
também, nas áreas com possíveis impactos, devido à possibilidade de expansão da
Olaria João de Barro (SALDANHA; CABRAL, 2012, <no prelo>) (figura 12).

Figura 12: Área escavada do sítio equivale a pouco mais de 1070 m2.

Maiores detalhes, quanto às informações contextuais do sítio Curiaú Mirim I,


serão explanados nas linhas abaixo. Primeiramente, exponho o método de escavação
utilizada, que privilegiou a horizontalidade do sítio em questão.

1.4.1 Método de Escavação


Em diversos trabalhos frente à chamada arqueologia preventiva, a equipe de
arqueologia do IEPA vem utilizando com sucesso o método de escavação denominada
de decapagem mecânica, também utilizada pelos arqueólogos do Institut National
d’Archéologie Preventive- INRAP (SALDANHA; CABRAL, 2012).
O método de decapagem mecânica consiste no uso de uma escavadeira equipada
com uma pá lisa, dirigida por um operador experiente e supervisionada por um
arqueólogo no momento em que o aparelho retira camadas, que vão de 2 a 10
centímetros (SALDANHA; CABRAL, 2012).
82

Na passagem da pá lisa, ao evidenciar material arqueológico, os mesmos são


coletados e acondicionados em sacos plásticos com a identificação da proveniência
(decapagem mecânica). No momento da identificação das estruturas arqueológicas, esta
é feita com um marcador, para, então, logo em seguida, ser escavada manualmente, a
fim de evidenciar sua forma e conteúdo (SALDANHA; CABRAL, 2012). As
anomalias, sejam elas naturais ou antrópicas, estão preenchidas de sedimento escuro,
que ficam visíveis e se destacam do latossolo laterítico amarelado (figura 13).

Figura 13: Decapagem manual das estruturas evidenciadas com a pá mecânica. Os círculos fechados indicam
os buracos de poste e as elipses tracejadas e pontilhadas indicam estruturas negativas com preenchimento de
terá preta que se destaca quando comparada ao latossolo amarelado.

Após o término da escavação da estrutura arqueológica, a mesma e seus


conteúdos são descritos em fichas individuais, contendo o nome do escavador,
procedência do artefato, numeração e registro fotográfico antes e depois da escavação.
Cada estrutura é georeferenciada com o auxílio de um nível topográfico,
posicionado em XYZ com coordenadas UTM, o que permite, posteriormente, a
elaboração de planos de escavação detalhados por nível e camada arqueológica, além da
integração dos dados no Sistema de Informação Geográfica (SIG), permitindo que os
dados das análises dos artefatos feitas em laboratório possam ser espacializadas, o que
83

possibilita interpretar o registro arqueológico em questão (SALDANHA; CABRAL,


2012).
A distribuição das estruturas arqueológicas possibilitou a delimitação de
negativos de esteios. Alguns com alinhamentos que, devido às características dos tipos
de estruturas arqueológicas encontradas e pela presença de terra preta arqueológica,
foram definidos enquanto um sítio habitação, com algumas áreas onde antigos
habitantes deste espaço sepultavam seus antepassados. A escavação, também, trouxe à
luz uma grande quantidade de material arqueológico, principalmente vasilhas de uso
doméstico (panelas e tigelas), bem como urnas utilizadas para depositar os restos
mortais daqueles/as que habitaram neste local (SALDANHA; CABRAL, 2012).
Até o momento, foram obtidas cinco datações para este sítio (que serão
discutidas mais adiante), situando o mesmo em uma cronologia que vai do início do
século X AD até a primeira metade do século XVII AD.

1.4.2 Resultados da Escavação


Somando a primeira e a segunda campanha (respectivamente, realizadas em
2011, cobrindo uma área de pouco mais de 550 m2; e em 2014, cobrindo uma área de
pouco mais de 520 m2), a área escavada do sítio arqueológico Curiaú Mirim 1 é de
aproximadamente 1.070 m2 . Já a área estimada de extensão total do sítio é de pelo
menos 10.000 m2 (SALDANHA; CABRAL, 2012). Desta forma, o que temos é apenas
uma pequena amostra do sítio em questão.
Parte desta pesquisa contou com o “exercício” da aplicação dos conceitos vindos
da Geologia - Estratigrafia e Sedimentologia - a fim de correlacionar a aplicação destes
em seções de sítios arqueológicos.
Antes, foi necessário conhecer, através da bibliografia consultada, a geologia da
área de estudo. Posterior a isso, pudemos "ensaiar" a aplicação da Geologia na descrição
estratigráfica, na identificação das fácies sedimentares, na representação gráfica de uma
seção estratigráfica, bem como na formulação de interpretação do processo e na
paleoambiente da deposição38.
A região de Macapá está inserida na Planície do Quaternário, é descrita como
um ambiente que não é somente terrestre e nem totalmente aquático, pois o sub-
ambiente dessa área úmida no baixo curso do rio Curiaú é periodicamente inundado

38
A equipe foi composta por Avelino Gambim Júnior, Jelly Juliane Sousa de Lima e do bolsista de iniciação
científica Robeli Chagas.
84

pelas águas vinda do rio Amazonas, decorrentes da preamar (TORRES; OLIVEIRA,


2003, p. 162).
Dois ambientes podem ser descritos para essa região: o primeiro é referente às
lagoas e lagos, temporários e permanentes de água doce, ligados ou não às influências
da preamar; e o segundo, chamado de várzea, tem como característica os terrenos
ribeirinhos baixos e planos, que margeiam o baixo curso dos rios, bem como de seus
afluentes que ficam submersos durante o período de cheia (TORRES; OLIVEIRA,
2003, p. 162-163).
Em 2003, Admilson Torres e Denis Oliveira apresentaram um estudo inédito
sobre a análise ambiental e a evolução do setor costeiro estuarino a partir de um
Diagnóstico das Ressacas do Estado do Amapá sobre a bacia do rio Curiaú, localizado
em Macapá. A bacia do Curiaú localiza- se nas coordenadas 4º 30' - 2º 55' Lat. Norte e
52º 00' - 50º 40' Long., sendo representada por uma extensão de superfície de até 185.
000 Km², sendo cercada por lagos ou ressacas (TORRES; OLIVEIRA, 2003, p. 156)
(figura 14).
85

Figura 14: Localização da bacia hidrográfica do rio Curiaú (delimitado pelo círculo preto), no setor costeiro
estuarino amapaense (TORRES; OLIVEIRA, 2003, p. 156).

As “ressacas” restringem-se as áreas interiores mais baixas da planície


quaternária, que são inundadas ou saturadas por águas superficiais ou subterrâneas. Em
decorrência disso, apresentam, em sua volta, uma vegetação típica de campos de várzea
(TORRES; OLIVEIRA, 2003, p. 164).
É característico das “ressacas” os sedimentos argilosos, ricos em matéria
orgânica, que se apresentam em direção ao interior do continente sobre terrenos
terciários (tabuleiros), bem como à medida que se aproximam da linha de costa, sobre as
baixadas aluviais (várzeas) da planície quaternária (TORRES; OLIVEIRA, 2003).
A várzea é formada, principalmente, por depósitos sílticos que sobrepõem
discordantemente os depósitos de sedimentos argiloarenosos com concreções lateríticas
da Formação Barreiras (TORRES; OLIVEIRA, 2003, p. 164), que formam os
86

sedimentos do Terciário Superior, responsável em parte pela origem dos solos das
associações do Latossolo Amarelo (SANTOS; TARDIN, 2003, p. 61) do Quaternário.
Correlacionado a estes sedimentos quaternários, ocorrem os depósitos
parcialmente consolidados ao longo de planícies fluviais antigas nas áreas de “ressacas”,
cujo ambiente de deposição relacionado aos depósitos de canais fluviais antigos foi
colmatado, formado na época da elevação do nível do mar, responsável por esculpir
falésias, hoje inativas, nas unidades terciárias (SANTOS et al, 2004, p. 17).
No setor costeiro estuarino, inserido neste contexto da bacia hidrográfica do rio
Curiaú, é que está localizado o sítio arqueológico Curiaú Mirim I, que, por sua vez, está
situado na borda de um terraço (SALDANHA; CABRAL, 2012) do Tabuleiro Costeiro,
em uma área dissecada, resultante da erosão por processos, predominantemente,
pluviais, formado por colinas de topos aplainados e ravinas (SANTOS et al, 2004).
Estas colinas e ravinas são sustentadas, por sua vez, pelos sedimentos areno
argilosos inconsolidados de coloração amarelo-avermelhada com lentes de
conglomerados e concentrações lateríticas do Terciário (SANTOS et al, 2004). A borda
deste terraço localiza-se próximo a uma área de transição de Cerrado Arbustivo (terra
firme) para a Floresta de Várzea Densa, que é entremeada por uma área de Campos de
Várzea (“ressaca") (NETO; SILVA, 2004), juntos perfazem a Planície Quaternária
Costeira (figuras 15 e 16).

Figura 15: Áreas adjacentes à olaria, está implantado o sítio arqueológico, situado em uma área de campos à
direita junto à mata densa à esquerda.
87

Figura 16: Esquema das áreas de terras inundáveis da Planície Quaternária costeira da região urbana de
Macapá, limitadas para o interior pelas terras firmes do cerrado. Em vermelho, a área de inserção do sítio
Curiaú Mirim I junto à borda de um terraço do Tabuleiro (Fonte: TORRES; OLIVEIRA, 2003).

Retornando às intervenções no sítio, a primeira parte da atividade contou com a


limpeza da superfície da seção selecionada, no limite sul da área escavada do sítio na
campanha de 2014. Após a retirada da vegetação e das irregularidades da seção, foram
obtidas fotos e foi elaborado o desenho com papel milimetrado, a fim de distinguir as
camadas identificadas.
Para cada camada observada, a equipe observou os seguintes requisitos dos
parâmetros texturais e composicionais: granulometria, composição mineralógica,
arredondamento dos clastos, seleção, maturidade textual e composicional (TUCKER,
2014).
As camadas foram descritas de cima para baixo, sendo nomeadas de Camada I,
II e III, indo do topo até a base. Abaixo, seguem as imagens de campo com o registro da
seção estratigráfica, descrição das camadas na tabela e, finalmente, o tipo de processo
inferido pela equipe (figuras 17, 18, 19 e 20 e Tabela 1).
88

Figura 17: Limpeza da área da seção.

Figura 18: Vista da seção estratigráfica exposta depois da limpeza.


89

Figura 19: Vista da seção estratigráfica exposta. Notar a vasilha cerâmica entre as camadas III (AAm) e II
(TPA).

Figura 20: Figura- Seção estratigráfica do Sítio Curiaú Mirim I


90

DESCRIÇÃO GERAL DA SEÇÃO ESTRATIGRÁFICA DO SÍTIO ARQUEOLÓGICO


CURIAÚ MIRIM I
INTERPRETAÇÃO DO
CÓDIGO DIAGNOSE DESCRIÇÃO PROCESSO
Sedimento mosqueado de coloração marrom
claro e amarelado, podendo indicar cimento Fluxo hidrodinâmico em
ferruginoso, com bioturbações de raízes; planície (chuva), com
formado por silte a areia fina, estrutura modificações pós-
maciça, clastos angulosos a subangulosos e deposicionais como
Areia siltosa de baixa circularidade, bem selecionado, bioturbações e alterações
maciça composição mineralógica feldspática e humanas devido ao
ASm (CAMADA I) quartzosa. deslocamento de terra.
Sedimento escuro do tipo Terra Preta de
Índio (TPA), formado por areia fina siltosa
maciça, com clastos angulosos aos
subangulosos e de baixa à moderada
circularidade, moderadamente selecionado,
composição quartzosa. A camada contém
artefatos cerâmicos e ecofatos (carvão);
bioturbação de radículas. Os fragmentos A camada de terra preta é
cerâmicos ocorrem espalhados por toda a resultado da ocupação
TPA e possuem tamanhos que variam de 1 a humana por longo período,
6 cm de diâmetro máximo. Os fragmentos que gerou o acúmulo e
Terra Preta vegetais carbonizados apresentam diâmetros deposição de matéria
Arqueológica entre 5 mm a 4 cm e também ocorrem orgânica de atividades
TPA (Camada II) disseminados por toda a TPA cotidianas. *
Sedimento amarelado, com arcabouço
formado por argila à areia fina maciça, Fluxo hidrodinâmico em
Argila clastos angulosos aos subangulosos e de planície de inundação fluvial,
arenosa baixa circularidade, bem selecionado, com modificações pós-
maciça composição quartzosa e cimento deposicionais (bioturbações,
AAm (Camada III) ferruginoso. pedogenização)
Tabela 1: Tabela com descrição geral da seção estratigráfica realizada no sítio Curiaú Mirim I.

Interpretação do paleoambiente a partir da geologia: sistema fluvial meandrante.


91

*Interpretação arqueológica: implementação de antigas aldeias e/ou áreas de atividades


cerimoniais, onde eram despejados, espalhados e depositados os restos e dejetos (de
origem humana, de animais e plantas), fragmentos cerâmicos, líticos e carvões,
originários das atividades diárias humanas, que incluem refugos e lixeiras, assim como
deposições cerimoniais/funerárias (SOMBROEK, 1966; LEHMAN et al, 2003).
Com as campanhas de 2011 e 2014, foram identificadas estruturas negativas
preenchidas de sedimento escuro, tais como: buracos de poste (em maior proporção),
fossas (lixeiras ou bolsões rituais), deposições de vasilha e poços (bolsões rituais,
lixeiras ou sepultamentos).
Também há ocorrência de estruturas conhecidas como anomalias naturais, isto é,
formadas através de fenômenos de bioturbação (raízes, buracos de animais, árvores
caída, etc.), o que possibilita a intrusão de material arqueológico adjacente e, em alguns
casos, a presença de ecofatos. Agrega-se ainda a isto, uma mistura de sedimento
antrópico escuro e do latossolo amarelado (SALDANHA; CABRAL, 2012).
Abaixo, o gráfico mostra a proporção de estruturas arqueológicos registradas por
campanha:

Figura 21: Sítio arqueológico Curiaú Mirim 1: quantificação comparando as estruturas arqueológicas
encontradas nas campanhas de 2011 (azul) e 2014 (vermelho).

A partir de uma breve descrição de cada categoria de estrutura arqueológica


encontrada, podemos caracterizá-las pelo tipo de conteúdo e organização das mesmas.
Cabe destacar que, em alguns casos, a real função das estruturas só pode ser alcançada
92

com as análises de laboratório quanto aos seus conteúdos. Portanto, as descrições feitas
a seguir decorrem da etapa de registro de campo e, também, de informações disponíveis
da etapa de laboratório.
Dito isto, as estruturas antrópicas possuem as seguintes características:
Buracos de poste: São as estruturas arqueológicas mais presentes no sítio arqueológico
Curiaú Mirim I. Os buracos de poste (figura 22) possuem a vista superior circular e
perfil cilíndrico. Esse tipo de estrutura arqueológica refere-se aos esteios antigos das
cabanas e com o tempo são realocados devido ao apodrecimento da madeira, o que
torna difícil estabelecer uma configuração das casas. Dentro dos buracos de poste são
encontrados esparsos artefatos e ecofatos, muito provavelmente devido às influências do
processos de formação natural, que afetam o registro arqueológico com o passar do
tempo.

Figura 22: À esquerda, buracos de poste escavados manualmente e à direita desenho superior e de perfil dos
buracos de poste. Fonte: Saldanha e Cabral, 2012.

Fossas: As fossas (figura 23) possuem normalmente forma circular, com fundo oval e
relação diâmetro por profundidade de ordem 2-1. Os diâmetros máximos de abertura
variam entre 78 e 400 cm, profundidade de 18 a 105 cm. O preenchimento é escuro, de
textura arenoso argiloso, contendo fragmentos cerâmicos, carvões e em alguns casos,
pequenos fragmentos ósseos. Quatro fossas têm relação com buracos de poste. Nas
93

fossas 32, 40, 44, 45, 59 e 1052 têm evidências de restos esqueléticos que foram
coletadas, bem como carvões e, em alguns casos, sementes carbonizadas.

Figura 23: Fossa rasa - estrutura 40

Como já discorrido no início deste capítulo, na Guiana Francesa, algumas


estruturas arqueológicas tipo fossa têm sido associadas à prática de enterramento
primário. Contudo, lá não foram encontradas evidências de restos humanos em muitas
dessas estruturas (MESTRE, 1995; VAN DEN BEL, 2014). Diferentemente do que
ocorre nas Guianas, no sítio arqueológico Curiaú Mirim, existem evidências de dois
tipos de enterramentos: o primeiro é diretamente no solo e o segundo, em vasilhas.
Algumas dessas fossas podem se assemelhar a lixeiras, nas quais os materiais
arqueológicos, principalmente, fragmentos de cerâmicas de diferentes recipientes e, às
vezes, de carvões e restos faunísticos estão dispersos (SALDANHA; CABRAL, 2012).
É muito difícil avaliar, categoricamente, a função das mesmas, pois, ocasionalmente,
apresentam fragmentos cerâmicos decorados, o que poderia indicar algum tipo de
descarte devido a um consumo ritual, assim como a presença desses mesmos carvões e
restos faunísticos. Já outras estruturas, como a estrutura 1003, parecem ser uma
estrutura de combustão, ainda que esteja inserida dentro de uma fossa rasa
(SALDANHA; CABRAL, 2012).
Portanto, somente olhando a espacialidade do sítio em seu contexto, fortemente
embasada nos dados empíricos de campo e laboratório, e pensando na longa duração das
atividades ocorridas nestes espaços, é que poderemos arriscar possíveis interpretações
quanto as suas funções e significados simbólicos.
Dentro dessa variedade de formas e conteúdos dessas estruturas, é importante
observar que em algumas das fossas encontradas, tanto na primeira quanto na segunda
campanha, foram evidenciados pelo menos vinte e sete buracos de poste, localizados
dentro ou na borda de treze dessas estruturas (figura 24).
94

Em cinco das sete fossas da primeira campanha, foram identificados buracos de


poste; diga-se: estruturas 40, 42, 44, 45 e 55.
Para a segunda campanha, das catorze fossas escavadas, identificamos buracos
de poste presentes no interior de pelo menos oito estruturas, nomeadas de 1002, 1006,
1012, 1019, 1029, 1052, 1057 e 1061.

Figura 24: Estrutura arqueológica denominada de fossa. Note nas duas imagens a presença de buracos de
poste e os artefatos fragmentados – estrutura 45. Fonte: Saldanha e Cabral, 2012.

Outra fossa com formato diferenciado e, desta vez com clara função funerária, é
a estrutura 42, composta por pelos menos sete outras fossas justapostas, onde foram
encontradas pelo menos oito buracos de poste (Comunicação pessoal SALDANHA,
2016).
A estrutura foi dividida em três partes, sendo a primeira a Estrutura 42 A com
deposição funerária; a segunda é a Estrutura 42 B, contendo fragmentos ósseos e
carvões; e a terceira estrutura 42 C, referente também aos fragmentos ósseos e carvões
(CABRAL; SALDANHA, 2012).
A estrutura 42 (figura 13) estava preenchida por sedimento escuro com cacos
cerâmicos, compostos tanto por cacos lisos, como também um número
consideravelmente grande de cacos decorados com incisões, excisões e pinturas. Entre
estes cacos, foram encontrados elementos estilísticos referentes aos estilos Mazagão,
Marajoara e Koriabo.
Mais ao centro dessa estrutura, foi encontrado um arranjo funerário com quatro
urnas funerárias: três delas com ossos humanos em seu interior e uma vazia (com uma
tigela em seu interior). Delimitado pelas urnas funerárias em uma composição que
95

lembra vagamente o formato de meia lua, foram encontrados três conjuntos de


esqueletos humanos depositados diretamente no chão.
Pela aglomeração desses três conjuntos de esqueletos, foi levantada a
possibilidade de que os mesmos estivessem originalmente contidos por algum recipiente
orgânico que não se conservou (CABRAL; SALDANHA, 2012). A escavação do
arranjo funerário e do interior das urnas nesta fossa permitiu algumas observações
iniciais. Pelo menos três urnas foram escavadas em campo, já a urna antropomorfa foi
escavada em laboratório. Essas informações contextuais fazem parte das observações
por mim realizadas nesta dissertação, que serão explanadas no capítulo de resultados39.
A partir da descrição contida no relatório de pesquisa (CABRAL; SALDANHA,
2012) e nas fichas da estrutura40, os sete elementos que compõe este arranjo funerário
(figura 25) são:
(1) Urna A: é uma urna pequena e lisa (possui “gomos” que se assemelham a potes
tóricos). Esta possui uma tigela emborcada como tampa, cujo interior da pequena
vasilha, foram identificados ossos pertencentes a apenas um indivíduo e, pelo tamanho
diminuto dos mesmos, foram reconhecidos como pertencente a um indivíduo infantil41.
(2) Urna B: é uma vasilha lisa, cujo interior foi tido como contentor do esqueleto
desarticulado de um indivíduo tido como adulto42.
(3) Urna C: é uma urna antropomorfa masculina, estilo Caviana, do qual foi identificado
os ossos desarticulados de um indivíduo adulto;
(4) Urna D: é uma vasilha lisa, sem ossos (continha, entretanto, uma tigela no interior
da mesma).
(5) Conjunto ósseo 1: constituído pelo crânio e ossos longos de um indivíduo adulto,
orientados no sentido norte-sul;
(6) Conjunto ósseo 2: composto pelo crânio e ossos longos de um indivíduo adulto,
orientados no sentido norte-sul.

39
Como será demonstrado, no capítulo de resultados, as informações quanto à osteologia, à tafonomia, aos gestos
funerários, aos acompanhamentos e às demais informações contextuais, que em conjunto compõem as osteobiografias
e a arqueotanatologia, foram obtidas através das observações das fotos, dos diários de escavação, dos croquis e
também de informações pessoais daqueles que escavaram esse arranjo funerário. Desta forma, as informações
descritas neste capítulo sofrerão algumas alterações devido a minha posterior análise.
40
Parte das informações descritas em campo no relatório foi revista por mim para essa dissertação, e estão,
propositalmente, colocadas na forma original, modificadas apenas no capítulo III por fazerem parte dos resultados por
mim obtidos, onde exponho com mais detalhes as observações descritas para este sepultamento.
41
No capítulo de resultados, como será visto adiante, foi notada a presença de pelo menos dois indivíduos (ver
capítulo III).
42
No capítulo de resultados, como será visto adiante, foi notada a presença de pelo menos dois indivíduos (ver
capítulo III).
96

(7) Conjunto ósseo 3: formado pelo crânio e ossos longos de um indivíduo adulto,
orientados no sentido norte-sul.

Figura 25: Estrutura 42: Deposições de vasilhas contendo ossos e conjunto ósseo depositado diretamente no
solo. Fonte: Saldanha e Cabral, 2012.

Poços: Os poços (figura 26) 01 e 1044 possuem abertura circular, fundo plano, paredes
retas e relação diâmetro – profundidade de 1-2. Apresentando grande quantidade de
carvão, fragmentos de cerâmica decorada e artefatos líticos.

Figura 26: Poço 01 . Fonte: Saldanha e Cabral, 2012.

Ao todo, foram encontradas três estruturas tipo poços com câmara lateral
(estrutura 39, estrutura 1043 e estrutura 1059) na segunda campanha.
97

O poço 39 possui uma câmera lateral (figura 27), semelhante aos poços da fase
Aristé do norte do Amapá (Calçoene), descritos por Emilio Goeldi no século XIX AD
(GOELDI, 1905; CABRAL; SALDANHA, 2008). De acordo com João Saldanha
(Comunicação pessoal, 2015) e com Jelly Lima (Comunicação pessoal, 2015), uma boa
parte da estrutura (principalmente a câmara lateral) parece ter sido formada
naturalmente por processos pós-deposicionais, ocasionados pela própria diagênese do
solo da região43, talvez por atividades bióticas como movimentação de raízes e animais
cavadores. Estas informações estão sendo investigadas no momento para serem de fato
confirmadas e explanadas à luz dos estudos geológicos da área em estudo.
Neste poço, foram encontrados fragmentos ósseos, conchas, cerâmica decorada,
artefatos líticos e restos de caranguejo. Nos primeiros níveis, foram encontrados dois
machados polidos, claramente depositados e sem indicações de uso (Kleber Oliveira,
comunicação pessoal, 2014), além de seixos arredondados.

Figura 27: Poço 39 – Talvez uma boa parte desta estrutura se deva aos processos naturais e pós deposicionais,
que devem ter movido os vestígios para o fundo. Fonte: Saldanha e Cabral, 2012.

A estrutura 1043 (figura 28) é um poço com abertura oval com um metro e
oitenta cm de diâmetro máximo. Esta estrutura estava preenchida por sedimento de
coloração escura, areno argilosa e friável. Na superfície, foi percebida concentrações de

43
Possivelmente devido ao contato entre os sedimentos argilosos e sedimentos arenosos dos Depósitos de Planícies
Fluviais Antigas do Quaternário.
98

blocos de laterita ou uma coroa de lateritas, que pareciam circundar acima do poço,
talvez uma espécie de marcador44.
Ao retirar estes blocos e escavando logo abaixo da superfície, foram recolhidas
concentrações de vários fragmentos de cerâmica não remontáveis e diminutos. Logo
abaixo desses, recolhemos fragmentos de vasilhas cerâmicas (com formas e decorações
que se assemelham à cerâmica Mazagão), das quais parte delas puderam ser remontadas
pequenos carvões, bolotas de argila queimada e de argila crua, sementes carbonizadas e
prováveis restos de ossos de animais (não puderam ser coletados, pois estavam muito
friáveis). Esta concentração mais densa de materiais que ocorre de 0 a 60 cm de
profundidade.
Por volta dos 70 cm até 100 cm de profundidade, havia poucos fragmentos de
artefatos cerâmicos misturados ao sedimento. Em torno de 100 a 130 cm de
profundidade, poucos fragmentos cerâmicos foram recolhidos, dentre eles: um
fragmento de banco cerâmico com decorações típicas da fase Marajoara e fragmentos de
vasilhas decoradas.
Ao chegar ao que se julgava ser a base do poço (por volta de 1,30 cm de
profundidade), um dos lados ainda possuía um sedimento muito escuro. Dando
continuidade a escavação deste sedimento escuro, foi possível encontrar uma câmara
lateral, na qual estava inserida uma urna funerária, tendo uma tigela invertida como
tampa, além de fragmentos de tigela pequena e pequenos potes fragmentados ao redor
da mesma. Entre estes artefatos, podemos elencar pelo menos três potes e uma tigela,
que puderam ser completamente remontadas. Dentro da área da câmera lateral, foram
ainda recolhidos fragmentos de carvão e bolotas de argila branca (caulim).
A profundidade dessa estrutura chegou a 1,95 cm (quase dois metros), formada
por um poço, cuja câmera lateral possui degraus delineados escavados no latossolo.
Não foi encontrada nenhuma evidência de reabertura e/ou remeximento do interior da
estrutura, indicando ser um evento único de deposição, cujo preenchimento continha
uma matriz de terra de coloração escura contínua e ininterrupta, do início ao fim da
estrutura.

44
Semelhante a esta ocorrência, temos a estrutura 1002, que é formada pela concentração de fragmentos cerâmicos
em uma fossa com buraco de poste no centro da mesma. Nesta estrutura, notou-se, junto à superfície da mesma, uma
espécie de coroa de lateritas.
99

Figura 28: Poço 1043- À esquerda, desenho do perfil. À direita, fotos do interior do poço e da urna
evidenciando seu conteúdo. Fonte: Saldanha e Cabral, <no prelo>.

A estrutura arqueológica 1059 (figura 29) é um registro inédito, pois trata- se de


um poço com três câmaras laterais, contendo vasilhas inteiras, bancos cerâmicos e
sepultamentos. A câmara A possuía uma urna funerária globular lisa com uma vasilha
emborcada usada como tampa, dois pequenos potes globulares - um deles com desenhos
vermelhos e outro liso - além de um banco de cerâmica quadrangular com
características estilísticas que o assemelham com os complexos cerâmicos Mazagão e
Koriabo.
A câmara B tinha uma urna funerária globular lisa tampada com uma vasilha
emborcada. Junto à mesma, tinha um pequeno pote globular liso.
Já a câmara C continha uma urna funerária globular lisa com uma vasilha
emborcada servindo como tampa; dois pequenos potes globulares lisos; e um banco
cerâmico circular.
100

Figura 29: Poço 1059 - Note os três conjuntos cerâmicos em cada recinto do poço. Fonte: Saldanha e Cabral,
<no prelo>.

O sedimento encontrado no preenchimento da estrutura, assim como os


fragmentos cerâmicos da estrutura levam a crer que este teria sido um evento único de
deposição das urnas funerárias nas câmaras laterais. Além disso, não há evidências de
perturbação de nenhuma das urnas, em nenhuma das câmaras laterais.
Deposição de vasilhas cerâmicas: Foram identificadas vinte e duas deposições (figura
30) deste tipo. São vasilhas cerâmicas inteiras ou fragmentadas, depositadas em
pequenas fossas rasas. Foi constatado que as estruturas 12, 33, 51, 54, 56 e 60 possuíam
fragmentos ósseos.

Figura 30: Estrutura arqueológica com deposição de vasilha – Estrutura 12. Arte: Jelly Lima.
101

1.4.3 Distribuição Espacial das Estruturas Arqueológicas- Campanhas de 2011


e 2014
Percebe-se, na área escavada do sítio (figura 40), junto ao que chamo de setor
sul (primeira campanha), que as fossas estão mais intensamente localizadas entre duas
concentrações de buracos de poste, o que sugeriria uma preferência de inserção deste
tipo de estrutura ao ar livre (SALDANHA; CABRAL, 2012). Por sua vez, os buracos de
poste podem ser indicativos de pelo menos duas casas - uma a noroeste e outra a
sudeste.
Já na área junto ao setor norte (segunda campanha), não há concentrações de
buracos de poste. Estes estão mais dispersos pelo sítio e em um número mais reduzido,
porém estão presentes dentro de algumas estruturas tipo fossa, o que também é comum
nas fossas da primeira campanha.
As deposições de vasilhas cerâmicas estão localizados em diversos pontos
dentro do sítio. Nesta mesma linha de raciocínio, as fossas não estão imitados as
concentrações de buracos de poste.
Quanto aos sepultamentos, os poços ao norte do setor norte e as fossas no centro do
setor sul estes estão localizados igualmente longe ou afastados de buracos de poste.
102

Figura 31 - Mapa da área escavada do sítio com distribuição das estruturas arqueológicas. Fonte: Acervo
IEPA (Alteração pelo autor do Shapefile original confeccionado por João Saldanha [no prelo], utilizado e
alterado com permissão).
103

1.4.4 Os Conteúdos – Os Estilos Cerâmicos Identificados


Antes de apresentar os resultados da escavação, quanto ao estilos cerâmicos
encontrados, faz-se necessária uma breve introdução sobre as fases cerâmicas
identificadas no estado do Amapá.
A partir das pesquisas realizadas na foz do rio Amazonas pelos arqueólogos
estadunidenses Betty Meggers e Clifford Evans, muito do que se conhece hoje na
arqueologia amazônica foi a partir deles, que os sistematizaram (MEGGERS; EVANS,
1957). Estes arqueólogos foram guiados pela perspectiva teórica da ecologia cultural e
do evolucionismo multilinear, influenciados por Julian Steward (1946) e Leslie White
(1943), tiveram como marcas em suas pesquisas o difusionismo e determinismo
ecológico, que, consequentemente, definiram as culturas arqueológicas da região.
Com base no modelo proposto por Julian Steward (1946-1959), as culturas
arqueológicas desta região fariam parte daquela chamada de “Floresta Tropical”,
caracterizando os povos de aldeias autônomas, que estavam em um intermediário entre
bandos de caçadores-coletores e grupos ditos mais desenvolvidos (STEWARD, 1955;
VIVEIROS DE CASTRO, 1996).
Na ilha de Marajó, por exemplo, algumas fases cerâmicas foram entendidas
pelo casal de pesquisadores como se estivessem em um estágio evolutivo mais
avançado, que teria vindo da região andina. Dessa forma, a fase Marajoara teria
“involuído” devido às restrições do meio ambiente. Do mesmo modo, a cultura
denominada Aruã foi entendida também como vinda de fora, oriunda do norte, de povos
ditos “circum caribenhos” e, em virtude das mesmas pressões, teriam “involuído” para
o estágio “Floresta Tropical” (STEWARD, 1955; VIVEIROS DE CASTRO, 1996).
A partir do material escavado e coletado no Amapá, Meggers e Evans (1957)
estabeleceram três fases cerâmicas, nomeadas da seguinte forma: Aristé ao norte;
Mazagão ao sul, que conteriam uma datação relativa por volta do séc. XIII ao séc. XVI.
Segundo Meggers e Evans (1957), existiria uma barreira cultural marcada pelo rio
Araguari-Amaparí, que dividiria a fase Mazagão ao sul deste rio e a fase Aristé ao norte
do mesmo rio. As fases Aristé e Mazagão teriam sido precedidas pela fase Aruã45.

45
Seguindo a classificação das tipologias cerâmicas realizadas por Meggers e Evans (1957), a fase aruã foi
identificada em três sítios no estado do Amapá, sendo identificadas em outros sítios das ilhas de Caviana, Mexiana e
Marajó, no estado do Pará.
104

Foi sugerido, igualmente, por Meggers e Evans (1957) um ancestral comum dos
produtores responsáveis pelas fases Mazagão e Aristé, que teriam sucedido aqueles que
produziam a cerâmica aruã, exemplificada pela semelhança já apontada entre os tipos
cerâmicos ‘Jari raspado” da fase mazagão e "flexal raspado" da fase aristé
(SALDANHA; CABRAL, 2010).
Subsequentemente as duas fases, Aristé e Mazagão, teriam se desenvolvido
separadamente a barreira cultural representada pelo rio Araguari-Amaparí, não existindo
evidências de contato, seja por meio de influências ou de trocas, mantendo-se assim até
a chegada do europeu (SALDANHA; CABRAL, 2010; MEGGERS; EVANS, 1957).
Apesar das críticas dirigidas a este modelo de ocupação e o entendimento dessas
fases arqueológicas, como bem coloca Saldanha e Cabral (2010), o mesmo é ainda
amplamente aceito por diversos pesquisadores. Um quarto conjunto cultural é o da
cerâmica Koriabo, tal fase foi definida pela primeira vez por Evans e Meggers (1960) na
Guiana Britânica. Com o passar do tempo, tem sido encontrada também no Suriname,
na Guiana Francesa e, mais recentemente, no estado do Amapá, na região central e
região do estado (CABRAL, 2011).
Para Denise Schaan (2007), a correspondência, que diversas vezes é assumida
entre indústria cerâmica (fase) e grupo social, não é adequada para entender
variabilidade ou mudança na cultura material. Ao utilizar as classificações das fases e
tradições, as últimas pesquisas para a região não a fazem com o intuito de pensá-las
como unidades fechadas e engessadas. Entretanto, as últimas pesquisas no Amapá têm
permitido novos questionamentos, principalmente em sítios que têm apresentado uma
grande diversidade de estilos (chamados de fases) cerâmicos para o Estado e, por vezes,
uma grande variedade de fases cerâmicas em um mesmo sítio arqueológico, o que, com
os estudos dos últimos 10 anos, possibilita uma nova síntese para a região.
“Por trás desta diversidade podemos reconhecer certos padrões
recorrentes relacionados aos artefatos cerâmicos e estruturas associadas, o
que permite uma nova síntese para a região” (SALDANHA et al,
2016).

Com o desenvolvimento das pesquisas na Amazônia e, consequentemente, no


Amapá, temos observado certa mudança nos paradigmas. Outras abordagens têm sido
buscadas nos aspectos simbólicos e na ideologia, o que se pode perceber em algumas
publicações de Mariana Cabral e João Saldanha com tentativas de ir além de um
105

pensamento ocidental e de se aproximar mais de um pensamento ameríndio, somando-


se as respectivas teses desses arqueólogos46.
As pesquisas arqueológicas, que se seguiram no Estado do Amapá, têm buscado
fazer a associação do material cerâmico junto a outros conjuntos de evidências, como é
o caso das deposições funerárias, o que pesquisas anteriores de Meggers e Evans (1957)
já o faziam, porém com outro viés teórico-metodológico47.
Feita esta pequena introdução, é apresentado os resultados em relação aos
conteúdos cerâmicos encontrados no sítio. Ao que se refere aos insumos, foi percebida
uma alta densidade de fragmentos cerâmicos decorados, tanto na primeira quanto na
segunda campanha. A primeira campanha revelou que, dos 2.662 fragmentos cerâmicos
contabilizados, pelo menos 1.028, são fragmentos cerâmicos decorados (NAZARÉ;
GAMBIM JÚNIOR; SALDANHA, 2015; ALAN NAZARÉ, informação pessoal,
2015).
Muitos desses fragmentos são diagnósticos para a identificação dos estilos
cerâmicos que se conhecem para a região em estudo, além de algumas formas que
puderam ser reconstituídas ou estavam completas, das quais pode-se identificar e
relacionar aos complexos cerâmicos mencionados abaixo.
Foram encontrados no mesmo sítio vários estilos cerâmicos diferentes, seja nas
deposições, quanto no preenchimento de algumas estruturas negativas, foi possível
relacioná-los ao estilo Caviana e às fases Mazagão, Marajoara (NIMUENDAJU, 2004;
MEGGERS; EVANS, 1957) e Koriabo (EVANS; MEGGERS, 1960)48, que serão
brevemente explanadas abaixo.
A cerâmica do estilo Caviana foi encontrada na ilha de Caviana e na costa
central do Amapá, sendo conhecidas somente as urnas funerárias. Cabe destacar que os
poucos exemplares deste tipo de cerâmica não possuíam informações contextuais

46
A tese de Mariana Petry Cabral (2014) se diferencia porque trabalha com arqueologia indígena e os modos de
conhecer através de diálogos interculturais entre os Wajãpi. Já a tese de João Darcy de Moura Saldanha busca
compreender a ocupação dos sítios da Costa Atlântica do Estado do Amapá, especificamente a relação dos portadores
da cerâmica Aristé e os diferentes tipos de sítios habitação cerimoniais e cemitérios, levando em consideração
diversas ponderações das arqueologias ditas interpretativas e aplicando conceitos teóricos vindos da etnologia
amazônica.
47
Ressalto aqui que Meggers e Evans (1957) davam muita relevância às informações das análises esqueléticas
humanas e consideravam outros tipos de dados e evidências funerárias, dando ênfase aos estudos da cerâmica, o que
acompanha o próprio desenvolvimento da arqueologia amazônica e as mudanças de paradigmas que tem passado.
48
Alguns elementos cerâmicos como alguns apliques antropomorfos e formas antropomorfas se assemelham ao
material descrito por Nimuendajú na ilha de Caviana (Nimuendaju, 2004), como aqueles da estrutura 33 e 1001 e
1049 por exemplo. Todas estas são classificadas com deposições de vasilhas e, possivelmente, com deposições
cerimoniais/funerárias.
106

devido à retirada pela comunidade local, boa parte dos exemplares dessas urnas se
encontra em coleções particulares e em museus na Europa. A única urna Caviana com
informação contextual, até o presente momento, provém do sítio arqueológico Curiaú
Mirim 1.
De acordo com Rostain (2011), o peculiar estilo Caviana é semelhante aos
estilos Aristé tardio (policromo), Maracá e Marajoara (na ilha de Marajó). Ao compará-
los, o autor os situou cronologicamente em torno de 1000 a 1500 da nossa era
(ROSTAIN, 2011). Recentemente, Saldanha et al (2016) propõem que o estilo Caviana
poderia ser a manifestação da policromia e do antropomorfismo na cerâmica Mazagão.
Do mesmo modo, alguns elementos antropomorfos da urna Caviana lembram muito
algumas características das estatuetas antropomorfas da cultura Tapajônica.
A Fase Mazagão distingue-se por ter pequenos potes, jarros de tamanhos
variados com pescoço, jarros cilíndricos altos com indicação de figuras antropomorfas
no pescoço, vasos abertos carenados e tampas achatadas com base anelares. O tipo de
antiplástico diagnóstico na pasta é a mica, quartzo moído e cariapé (MEGGERS;
EVANS, 1957).
Os sítios associados à fase Mazagão podem ser tanto habitação como cemitério,
estão localizados em áreas de terras naturalmente acima do nível de inundação. Os
cemitérios estão implantados em lugares altos, onde são depositados vasilhames
cerâmicos contendo ossos e tampados com outra vasilha cerâmica como se fosse uma
proteção.
A fase Mazagão estaria relacionada com a tradição inciso-ponteada, pois elas
possuem perfis simples, segmentados ou complexos, não possuindo policromia,
empregando entretanto a antropomorfia (MEGGERS; EVANS, 1957). Temporalmente,
foi sugerido que a fase teria surgido por volta do ano 500 A.D., tendo findado, devido
aos artefatos europeus associados a esta cerâmica, em torno do século XVII AD
(ROSTAIN, 2011).
A cerâmica Marajoara possui técnicas decorativas como engobo branco,
servindo de fundo para motivos curvilíneos vermelhos ou vermelhos e pretos. As
decorações excisas e incisas são igualmente frequentes, assim como os apliques
modelados que representam animais (lagarto, cobra, jacaré e onça pintada);
representando fortes ligações com as crenças e simbolismos dessas populações
(SCHAAN, 2001; COUTET, 2009).
107

A fase Marajoara estaria ligada à tradição policroma, tendo sua dispersão na ilha
de Marajó e datações em torno de 400 a 1200 A.D. A fase marajoara tem sido
intensamente estudada por vários pesquisadores que se debruçaram na ilha de Marajó no
Estado do Pará (MEGGERS; EVANS, 1957; ROOSEVELT, 1991; SCHAAN, 2004,
2007 b)49.
A cerâmica Koriabo possui motivos geométricos espirais, zig-zague,
escalonados, apliques zoomorfos, pinturas pretas, vermelhas sobre banho branco,
incisões finas e largas, além das formas específicas conhecidas como tigela floral e pote
tórico (EVANS; MEGGERS, 1960). Evans e Meggers (1960) a relacionam a tradição
inciso- ponteada, enquanto Boomert (2004) a insere na tradição policroma.
Geralmente, as cerâmicas da fase Koriabo têm sido encontradas em sítios
multicomponenciais50, associadas a outros estilos, semelhantes aos encontrados no
Suriname e na Guiana Francesa. A abrangência geográfica (Guiana, Suriname, Guiana
Francesa, Amapá) da fase Koriabo tem levado os pesquisadores a sugerir que ela seja
uma cerâmica de troca (VAN DEN BEL, 2010; CABRAL, 2011). Consensualmente, as
datações a situam em torno dos séculos VIII e XVI AD.
Além dos artefatos cerâmicos tão indispensáveis para o entendimento do sítio51,
foram encontrados, nas duas campanhas, artefatos líticos - machados polidos e
hematitas, estas últimas podem ter sido utilizadas para extrair corantes. Além destes,
encontramos líticos lascados e brutos (lateritas, identificadas em algumas estruturas
negativas), que poderiam ter servido como uma espécie de marcador para as deposições
funerárias/cerimoniais 52.
Terminada a apresentação do sitio Curiaú Mirim I, segue-se agora a abordagem
teórica aqui adotada, que busca compreender como ocorreram as práticas funerárias

49
Ressalta-se que algumas das cerâmicas com decorações que podem ser atribuídos aos elementos Marajoara,
segundo João Saldanha (informação pessoal, 2016), possuem características que também lembram a cerâmica Pocó,
porém estes dados precisam ser confirmados.
50
Van den Bel (2010) chama a atenção para que sejam realizados estudos mais detalhados dos contextos
arqueológicos que permitam elucidar questões referentes ao modo de deposições deste tipo de material. Neste
sentido, estão sendo feitas pesquisas de mestrados no Museu Nacional e na Universidade Federal de Sergipe com o
sítio Laranjal do Jari I e II, logo dados e interpretações mais consistentes deverão contribuir com as discussões acerca
da fase Koriabo no Amapá.
51
Atualmente, a análise dos artefatos cerâmicos está sendo feita pelo bolsista de Apoio Técnico Alan Nazaré, além
dele outros bolsistas e colaboradores participaram da análise dos artefatos cerâmicos da campanha de 2011: Mário
Júnior Alves Polo, José Ricardo Vasconcelos e Marcos Jessé Lopes.
52
O estudo dos artefatos líticos na Amazônia ainda são raros, e o são mais ainda no Amapá, porém temos a
dissertação de mestrado do arqueólogo Kleber Oliveira (2013) e Bruno Barreto (2015). Temos no NuPArq/IEPA
bolsistas que se especializam em análises líticas, estudando o material arqueológico provenientes dos sítios do estado
do Amapá.
108

daqueles que deixaram seus vestígios nos conteúdos escavados e por nós registrados nas
estruturas negativas do sítio. Para isso, procuro demonstrar os gestos funerários
dispensados pelos vivos aos mortos e os indícios que mostrem como eram as pessoas
que foram, cuidadosamente, depositadas.
109

CAPÍTULO II- Aporte teórico e metodológico quanto aos


vestígios esqueléticos humanos em contextos funerários
2.1 ALGUMAS DEFINIÇÕES PRÉVIAS:
Como trabalhamos com registros materiais, com a materialização de práticas e
gestos que fizeram parte de um ritual, presentes em sepultamentos, que podem ser
classificados como primários ou secundários, devemos definir exatamente esses
conceitos-chave por nós, adotados e utilizados, ao longo dessa dissertação.
Em se tratando das diferenças entre os conceitos utilizados por arqueólogos e
antropólogos quanto à morte, Boulestin e Duday (2006) chamam a atenção,
principalmente, para a distinção entre o que se refere à prática (usado pelos
arqueólogos) e aquilo que é ritual (usado pelos etnólogos).
Nesse sentido, apesar de nós (arqueólogos) não “participarmos” e nem
“observarmos diretamente” o ritual, temos, por outro lado, acesso aos indícios de gestos
e práticas funerárias nos vestígios aqui estudados, que nos oferecem a oportunidade de
pensar nessas práticas dentro da longa duração, quando transpostos aos contextos
arqueológicos da antiga Amazônia (antes da chegada dos europeus e africanos).
Dando prosseguimento às definições de conceitos, necessitamos resolver o que
entendemos como sepultamento, já que a simples presença de restos mortais de um ou
mais indivíduos não indica necessariamente o mesmo, podendo ter inúmeras outras
explicações que somente a contextualização dos vestígios arqueológicos podem
elucidar.
Na tentativa de dar uma definição do que é um sepultamento, Boulestin e Duday
(2006) o definem como um local definido com a presença de um ou mais indivíduos,
quando se tem intencionalidade do depósito e sendo necessário um contexto funerário
com tratamento material dos remanescentes da pessoa falecida. Este, por sua vez, é
concebido para a pessoa falecida, pelo menos em parte, com uma conotação positiva
(BOULESTIN; DUDAY, 2006).
Da mesma forma, é necessário explicitar o que entendemos como sepultamento
primário e secundário, apesar de sabermos que existem inúmeras definições já propostas
para inumação/deposição primária e secundária dentro da arqueologia (SILVA, 2006;
UBELAKER, 1991).
110

Preferimos adotar a definição que Boulestin e Duday (2006) propõem como


deposição primária e secundária:
-Deposição primária: é a deposição de um corpo ou parte de um corpo, feito quando os
elementos ósseos estão ainda em completa articulação (BOULESTIN; DUDAY, 2006);
-Deposição secundária: é a deposição de remanescentes, feita quando os elementos
ósseos são parcialmente ou completamente desarticulados (BOULESTIN; DUDAY,
2006).
Após definidos os conceitos que serão utilizados durante toda esta dissertação,
adentraremos no universo teórico que envolve a arqueologia e bioarqueologia nos
contextos funerários, começando com a chamada arqueologia funerária.

2.2 ARQUEOLOGIA FUNERÁRIA:


No século XIX AD, os despojos funerários já receberiam a atenção de estudos
arqueológicos. As pesquisas mais sistemáticas, integradas e centradas, no que passou a
ser chamada de arqueologia funerária, surgiram somente a partir da década de 1960 com
estudos dos arqueólogos Arthur Saxe (1970) e Lewis Binford (1971), dentro da
chamada “Nova Arqueologia”. Contudo, os estudos sobre os rituais e práticas funerárias
já eram alvo de interesse de outras áreas do conhecimento, fora do âmbito da
arqueologia.
Na antropologia social, as contribuições pioneiras sobre as práticas funerárias
foram introduzidas por Tylor e Frazer na segunda metade do século XIX AD. Em seus
estudos sobre as religiões ditas “primitivas”, dedicaram-se a investigar a origem de
todas as religiões e a ideia de alma através de estudos etnográficos (HUNTINGTON;
METCALF, 1979; BARTEL, 1982). Eles estavam interessados nas ideias e crenças
como variáveis relevantes para o entendimento de semelhanças e diferenças culturais
(BINFORD, 1971, p.7).
Foi o que ficou conhecido como escola sociológica francesa, que Émile
Durkheim (2000), apesar de não trabalhar diretamente com as práticas funerárias,
inaugurou a ideia de “representação coletiva”, com a função de integração do indivíduo
como parte do todo social, como uma forma elementar de sociabilidade. Assim, as
mudanças ocorridas em uma parte refletiriam diretamente em mudanças na estrutura
social.
111

Embora os pressupostos durkheimianos tenham contribuído significativamente,


foram outros pesquisadores que dedicaram-se efetivamente ao tema dos rituais e
práticas funerárias. Entre eles, Robert Hertz (1906) realizou estudos de tipos específicos
de rituais funerários, centrando-se nas práticas de deposições secundárias, percebendo
que dentro de uma mesma sociedade, os rituais funerários podem variar conforme a
posição social do morto, causa da morte e tipo de morte.
Já Arnold Van Gennep, em 1908 (1997), também influenciado por Durkheim e
levando em consideração muitas observações feitas por Hertz (1906), entre os vários
ritos de passagem que estudou, enxerga os rituais funerários de maneira especial,
enfatizando o conceito de liminaridade (Ribeiro, 2007), visto que os ritos funerários de
incorporação do morto no mundo dos mortos por ele estudados são os mais elaborados.
Na arqueologia praticada desde o século XIX AD até meados do século XX AD,
de acordo com as proposições do que é chamado de Histórico Culturalismo, as
abordagens relacionadas aos sepultamentos, como coloca Anne Rap Py-Daniel (2015, p.
102), “eram descritivas e classificatórias, que ao procurar os contextos fechados
buscavam estruturar tipologias e seriações a partir dos artefatos contidos dentro das
covas”. Sendo esta inclusive uma das críticas feitas por Lewis Binford (1971) ao sugerir
estudos mais detalhados sobre o comportamento funerário.
A região amazônica, especialmente no Amapá, é exatamente um desses
exemplos, onde os sepultamentos, por mais que fossem descritos, não eram o foco
principal de atenção, como pode-se depreender dos trabalhos realizados por Emílio
Goeldi (1905) e Curt Nimuendaju (2001 e 2004), em um primeiro momento, e depois
por Meggers e Evans (1957) e Peter Hilbert (1957).
Durante as décadas de 1960 e 1970, ocorre na Arqueologia uma mudança no
modo de enxergar a variação das prática funerárias, as mesmas são vistas como
resultado da organização social (CARR, 1995).
Foi a escola estrutural-funcionalista britânica (influenciada pela escola francesa)
que observou os rituais funerários, que passaram a ser vistos diretamente ligados à
estrutura social. Dentro desta escola, temos a noção de “personalidade social” do morto,
defendida por Radcliffe-Brown (1922 apud BINFORD, 1971), onde o ritual funerário
teria o papel de restaurar o equilíbrio social perturbado pela perda de um membro.
112

Foi a partir desta vertente britânica que a “Nova Arqueologia”, como uma reação
ao enfoque histórico-culturalista, pretendia reconstituir a organização social a partir do
estudo dos vestígios mortuários de sociedades do passado.

Binford (1971) criticou e rejeitou as abordagens sobre a morte e


sepultamentos provindas da antropologia, de acordo com a qual as
similaridades e diferenças no tratamento do morto eram causadas por idéias
e crenças, ou graus de contato intercultural, ou seriam devido a estilos ou
modas . Ao contrário, ele defendia o contexto social de disposição dos
mortos e se alinhava com a teoria antropológica a partir de autores chave
como Durkheim, Hertz, e Van Gennep.53 (CHAPMAN, 2013, p. 04).
Para isso, a “Nova Arqueologia” lançou mão de estudos etnográficos
comparativos em busca de padrões que pudessem ser compreendidos e previstos
(SAXE, 1970; BINFORD, 1971; TAINTER, 1978; O’SHEA, 1984). Mesmo que não
fosse a mensagem pretendida por Binford (1971), a organização social foi tida como o
principal determinante das práticas mortuárias, dando-se pouca ou nenhuma atenção às
interpretações alternativas a respeito de crenças e visões de mundo (CARR, 1995).
É digno de nota que, a partir dos trabalhos de Saxe (1970) e Binford (1971), os
estudos funerários passaram a levar em consideração os remanescentes esqueléticos
humanos, com uma perspectiva diferente, ganhando maior visibilidade (SOFAER,
2006).
Em um estudo sobre práticas funerárias na arqueologia que leva em conta
algumas generalizações estatísticas de médio alcance, Christopher Carr (1995, p. 193)
defende que além de procurar reconstruir a organização social de sociedades do
passado, deve-se buscar reconstruir as crenças filosófico religiosas passadas, arguindo
que se deve desenvolver cada vez mais estudos do tipo. Para ele, tais crenças
determinam as práticas mortuárias, assim como outros fatores sociais (CARR, 1995, p.
110). Sendo assim, sua crítica é válida na medida em que mostra que esses estudos
interculturais não devem ser jogados fora, e que, mesmo para estudos intraculturais,
suas indagações são interessantes para pensarmos as práticas funerárias, em termos de
padrões e diferenças.

53
Versão original em ingles: “Binford (1971) criticized and rejected approaches to death and burial in anthropology,
according to which similarities and differences in the treatment of the dead were caused by ideas and beliefs, or
degrees of inter-cultural contact, or matters of style and fashion. In contrast he argued for the social context of the
disposal of the dead and built on a lineage of anthropological theory from key authors such as Durkheim, Hertz, and
Van Gennep.” (Chapman, 2013).
113

Os estudos das práticas funerárias na vertente pós-processualista, exemplificados


por Hodder (1982a; 1982b) e Parker Pearson (1982, 1999), em diálogo com a Teoria
Social, chamam a atenção que nem sempre as práticas funerárias reproduzem a
organização social, e que estas práticas não são “meros” reflexos passivos da
organização social. Convém lembrar que a escola francesa durkheimiana já levava em
consideração aspectos como emoção e simbolismo no entendimento dessas práticas. A
importância dessas considerações pode ser ressaltada e exemplificada pela constatação
óbvia, porém importante, de que “os mortos não enterram a si mesmos, mas são
tratados e depositados pelos vivos” (PEARSON, 2000, p.3).
As arqueologias ditas interpretativas procuram mostrar que existem outros
aspectos a serem considerados, como aqueles ligados à ideologia e aos aspectos
simbólicos, que idealizam as relações sociais ou a mascaram e invertem as mesmas
(HODDER, 1982a, p. 200; PEARSON, 1982, p. 110).

Uma nova abordagem aos enterramentos não pode esperar


correlações simples entre organização social e sepultamento. De
preferência, deve-se identificar o modo pelo qual atitudes recorrentes
perante a morte podem ser derivadas de diferentes concepções do mundo
54
prático vivido no dia-a-dia (HODDER, 1982a, p. 201) .

Neste sentido, o estudo das práticas funerárias contextualizadas, que considerem


as ponderações acima colocadas, é de fato muito importante, no que se pode
compreender que um estudo integrativo dos restos esqueléticos humanos de contextos
mortuários deva ser fortemente buscado.
Desta maneira, mesmo com a crítica dirigida aos processualistas pela
arqueologia interpretativa, ainda hoje é difícil integrar os dados da arqueologia em
contextos funerários com uso da osteologia humana (SOUZA, 2009; BUIKSTRA et al,
2012).
Sheila Mendonça de Souza (2002) argumenta que em muitos sítios a
interpretação dos contextos funerários acaba não sendo aproveitado de modo mais
integrativo, especialmente no que concerne às informações oriundas das investigações
osteoarqueológicas, que acabam, muitas vezes, sendo relegadas a um segundo plano em
arqueografias e apêndices separados.

54
Versão original: A new approach to burial must not expect simple correlations between social organization and
burial. Rather, it must identify the way in which prevailing attitudes to death can be derived from different
conceptions of the living practical world.
114

Aqui no Brasil, podemos citar trabalhos gerais que buscam dar conta do universo
funerário dentro da arqueologia brasileira. Cada um apresenta um enfoque específico,
que abordam o tema, procurando mostrá-lo desde linhas que dialogam com teorias
provindas da arqueologia processualista, da antropologia social e da etnologia indígena,
e perspectivas historiográficas da arqueologia funerária, demonstrando mudanças de
paradigmas (MONTARDO, 1995; RIBEIRO, 2002; RIBEIRO, 2007).
Em se tratando da arqueologia com remanescentes esqueléticos humanos
desenvolvida na Amazônia, temos vislumbrado alguns trabalhos integrativos na
arqueologia funerária, como o da arqueóloga Anne Rap Py-Daniel (2009, 2015) que, ao
trabalhar com o sítio Hatahara durante o mestrado e sítios com contextos funerários da
calha do rio Amazonas no doutorado, agregou análises bioantropológicas ao estudo das
práticas e gestos funerários, desenvolvendo sua pesquisa através de uma abordagem
teórico-metodológica mais conhecida como Arqueologia da Morte ou arqueotanatologia
(DUDAY, 2006).
Conforme o exposto acima, temos visto que a arqueologia funerária tem sofrido
diversas influências, desde um caráter mais descritivo dos contextos funerários,
passando a ser vistos como indícios da organização social, assim como marcados por
diferentes ideologias e simbolismos de acordo com a visão de mundo daqueles que
realizaram os rituais funerários.
Foi a partir de um enfoque mais nomotético e intercultural, seguindo por um
mais particularista e contextualista, que a arqueologia funerária passou a considerar
mais sistematicamente os dados bioantropolológicos.
Da mesma forma, temos visto uma preocupação em fundir os dados da
antropologia biológica aos arqueológicos, procurando unir aos interesses de ambas as
partes. Foi desta tentativa que surge a bioarqueologia, que possui também seus próprios
métodos e teorias, emprestadas e adaptadas de outras áreas.

2.3 BIOARQUEOLOGIA
O termo bioarqueologia foi proposto pela primeira vez por Grahame
Clark(1972), no título do trabalho “Star Carr: a case study in Bioarchaeology”, só que
a "bioarqueologia" era focada em restos faunísticos (hoje, o termo osteoarqueologia
115

humana é usada como “sinônimo” britânico ao termo bioarqueologia)55 (BUIKSTRA;


BECK, 2006).
Independentemente, nos Estados Unidos, o termo Bioarqueologia (estudo de
remanescentes osteológicos e dentários humanos de sítios arqueológicos) foi proposto
em 1976, no encontro anual da “Southern Antrhopological Society”, e foi publicado no
ano seguinte por Robert Blakely e Jane Buikstra56 (BUIKSTRA et al, 2012).
Buikstra (1977) a definiu como um programa de pesquisa multidisciplinar, que
integrava osteologistas humanos com outros pesquisadores de outras áreas endereçando
uma série de tópicos, que incluíam: (1) tipos de enterramentos e organização social; (2)
atividades diárias e divisão de trabalho; (3) paleodemografia, incluindo estimativas de
tamanho e densidade; (4) movimentos populacionais e relações genéticas; e (5) doença e
dieta (BUIKSTRA; BECK, 2006, p. xviii -prefácio-).
Esta última definição (estadunidense) de bioarqueologia herdeira dos “quatro
campos da antropologia” (tradição boasiana) foi influenciada pela “Nova Arqueologia”
em plena efervescência, por estudos populacionais, ecológicos e evolutivos dirigidos
pela formulação de hipóteses a serem testadas e, em comum acordo, com a chamada
“nova antropologia física”, que também buscava caminhos semelhantes (MESKELL;
JOYCE, 2011; KILGROVE, 2013).
Aqui, referir-me-ei ao termo Bioarqueologia enquanto osteorqueologia humana,
isto é, o estudo de esqueletos humanos, separando-o do que é conhecido como
zooarqueologia e arqueobotânica, mesmo que o autor, que aqui escreve, esteja mais
inclinado a nomenclatura britânica. A opção pelo termo bioarqueologia se deve ao fato
desta própria instituição, o Museu Nacional, ser também herdeira dos “quatro campos”.
Neste sentido, ao longo da dissertação, usarei o construto Osteorqueologia Humana, em
alguns casos.
Diversas definições do que vem a ser Bioarqueologia foram formuladas desde
então, mas as mais emblemáticas são a de Jane Buikstra (1977), acima demonstrada, e a
de Clark Spencer Larsen (1982, 1987, 1997 e 2002), que adotou o termo bioarqueologia

55
De fato, hoje na Inglaterra, o termo bioarqueologia ainda é usado para se referir genericamente ao estudo de restos
biológicos, que inclui arqueobotânica, zooarqueologia e, também, osteoarqueologia humana. O uso sozinho do termo
osteoarqueologia deve ser acrescentado ao adjetivo “humano”, porque o construto osteoarqueologia por si se refere
tanto ao estudo de ossos e de dentes humanos quanto ao de ossos e de dentes de outras espécies.
56
Introduction: Changing Strategies for the Biological Anthropologist. In Biocultural Adaptation in Prehistoric
America, publicado em 1977 por Blackely e Biocultural Dimensions of Archeological Study: A Regional
Perspective. In Biocultural Adaptation in Prehistoric America, publicado em 1977 por Buikstra
116

com uma ênfase ligeiramente diferente, menos focado nas questões contextuais e
teóricas:

Frequentemente focado nos contextos pré-históricos e históricos do


sudeste dos Estados Unidos, seu trabalho enfatiza questões sobre qualidade
de vida, comportamento e estilos de vida, relações biológicas, e história
populacional, com questões contextuais e teóricas recebendo menos ênfase
(BUIKSTRA; BECK, 2006). 57

A abordagem de Larsen é diferente daquela que tem sido defendida por Jane
Buikstra em seus trabalhos (apesar de diferir pouca coisa nos métodos), que tem
interagido e “se focado dentro da teoria social através de uma ampla gama de
58
situações, incluindo contextos arqueológicos, históricos e etnohistóricos”
(BUIKSTRA et al, 2012, p. 09). Enquanto Buikstra defende uma união entre
arqueologia e antropologia (biológica), buscando uma integração com as ciências
sociais voltada para responder questões arqueológicas, Larsen se aproxima mais das
ciências naturais, sendo, neste sentido, mais próximo à Bioarqueologia britânica (no
sentido mais generalizante, de estudos ambientais, zooarqueologia, arqueobotânica e
osteoarqueologia humana). Ainda que limitada aos ossos e aos dentes humanos, unindo
vários especialistas preocupados como a condição humana (Knüsel, 2012), a definição
de Larsen (1997) de que bioarqueologia “é o estudo da vida dos grupos passados a
partir da sua biologia humana arqueologicamente contextualizada” demonstra que as
duas abordagens defendem a importância da contextualização arqueológica.
Estas são duas das principais vertentes59 que influenciaram o estudo dos
remanescentes esqueléticos humanos em contextos arqueológicos em muitos países fora
dos Estados Unidos, marcadamente influenciados pela “Nova Arqueologia”.
Assim como ocorreu com a arqueologia funerária, a bioarqueologia também
sofreu influências da arqueologia pós processual, quanto à aproximação com a Teoria
Social, que de acordo com Anna Osterholtz (2015), marcaram profundamente a teoria

57
Versão original: Frequently focused upon prehistoric and historical contexts in the southeastern United States, his
work emphasizes questions of quality of life, behavior and lifestyle, biological relatedness, and population history,
with contextual and theoretical issues receiving less emphasis.
58
Versão original: Buikstra’s bioarchaeology has increasingly focused upon social theory across a broad range of
situations, including archaeological, historical, and ethnohistorical contexts. (Buikstra et al, 2012, p. 09).
59
Não poderíamos deixar de citar ainda outras definições como a “Bioantropologia", usada inclusive no título dos
trabalhos dos pesquisadores Arthur Aufderheide, John R. Lukacs, Jerome Handler, entre outros, que também
trabalham com contextos arqueológicos, e que, muitas vezes, possuem interesses parecidos com aqueles da
bioarqueologia, entretanto não adentraremos a fundo nesta discussão.
117

dentro do estudo dos esqueletos humanos, incluindo desta forma uma miríade de
teorias, como a “teoria pós-colonial à teorias feministas, teorias de gênero, teoria da
prática, emaranhamento (entanglement) entre pessoas coisas, teorias sobre a agência
dos objetos e teorias sobre a “pessoalidade” (personhood)” (OSTERHOLTZ, 2015).
A Bioarqueologia, então, ao invés de “limitar-se” a enfatizar as populações, a
adaptabilidade e a evolução, deslocou seu foco para o indivíduo, a agência, a identidade
coletiva e individual, aumentando o leque de “bioarqueologias” possíveis (BUIKSTRA;
BECK, 2006; SOFAER, 2006). É dentro dessas “bioarqueologias” supracitadas que este
trabalho se insere.
Uma perspectiva diferente é aquela praticada na França e nos países
francófonos, onde não existe uma definição do termo bioarqueologia e osteoarqueologia
humana propriamente ditas, e sim o que é chamado desde o século XIX AD, de
“anthropobiologie”, mas essa disciplina é afastada da arqueologia e da pré-história
(KNÜSEL, 2010). Todavia, existe uma tradição cunhada com o nome de
“anthropologie du terrain”, surgida na década de 1970 e definida por Claude Masset e
Henry Duday em 1986, durante o Colóquio de Toulouse (DUDAY; MASSET, 1986),
que hoje tem se popularizado com o nome Arqueotanatologia ou Arqueologia da Morte,
graças a Duday (2005).
Claude Masset (1986) define os dados que são passiveis de recuperação a partir
dos vestígios de sepultamentos da seguinte forma: 1 - As intervenções pré-sepulcrais
(cremação, descarnamento, canibalismo, inumação secundária, etc.); 2 - O modo de
deposição dentro da sepultura (espaço cofinado, posição da inumação, etc.); 3 -
Datação; 4 - NMI (número mínimo de indivíduos); 5 - Aspectos demográficos (a
determinação do sexo, estimativa da idade); 6 - Aspectos morfológicos ( tipos “raciais”,
as patologias, aspectos de ordem etnográfica (ex. deformação craniana, faceta de
agachamento, mutilação dentária, etc.); 7 - Informações de ordem sociológica
(manifestações antropológicas e diferenças de natureza nutricional, patologia
diferenciada e traumatismos); e 8 - A procura de similaridades entre vários indivíduos.
Para conseguir alcançar alguns desses objetivos acima listados, a
arqueotanatologia busca, junto às descrições detalhadas dos dados esqueléticos
118

humanos, descrever e interpretar os gestos funerários, dando-se muita importância aos


aspectos tafonômicos60 (DUDAY; MASSET, 1986; DUDAY 1986; DUDAY, 2005).
A Arqueotanatologia ou Arqueologia da Morte é uma perspectiva teórico-
metodológica, que busca recuperar contextos deposicionais e pós-deposicionais de
forma integrada, procurando "identificar os sepultamentos, as ações sobre os corpos e
tudo que pode trazer informações sobre quem eram e como viviam as populações
passadas.” (PY-DANIEL, 2009, p. 43). É com o auxílio de técnicas e conhecimentos de
outras áreas, como o estudo dos processos tafonômicos, que podemos gerar dados
empíricos que nos auxiliam na interpretação dos contextos funerários.

A arqueologia da morte visa, através da interdisciplinaridade,


preencher lacunas existentes entre a arqueologia e a antropologia física.
Assim propõe a análise de sepultamentos e do contexto funerários utilizando
conhecimentos de ambas as disciplinas, além de técnicas de outras áreas,
permitindo que mais informações sejam retiradas dos contextos funerários
(PY-DANIEL, 2009, p. 33).

Lilian Cheuiche Machado (2006), apesar de não utilizar o termo


arqueotanatologia, defendia uma arqueologia que unisse os dados osteológicos e
dentários aos processos tafonômicos.

Daí a relevância do estudo dos processos tafonômicos sejam físicos,


químicos ou biológicos, do ambiente de deposição, cujos mecanismos inibem
ou facilitam a preservação do esqueleto e dos tecidos moles aliado à
observação minuciosa do contexto e das características culturais, que
deixam sinais indicadores nos ossos e nos dentes. Em relação a certas
interpretações de alguns traços observados nos ossos consequentes a
processos tafonômicos, também o contexto arqueológico poderá corroborar
determinadas informações sobre o rito funerário, por exemplo, tempo de
exposição do corpo no solo antes do enterramento, devido a eventos
diagenéticos, como intemperismo e marcas de dentes de animais
(MACHADO, 2006, p. 2).

Mendonça de Souza e Rodrigues Carvalho (2013), ao chamar a atenção sobre a


importância da escavação nos sítios com esqueletos humanos, lembram que precisamos
nos preocupar com informações, que vão além do “lugar onde estava o morto”, mas
também pensar o testemunho de cenas e gestos funerários.

60
A tafonomia foi descrita pela primeira vez por Efremov (1940), mais conhecida como " a ciência das leis do
enterramento", estudando os processos de transformação de organismos desde sua morte até sua fossilização. Esta
surgiu como uma subdisciplina da paleontologia, sendo utilizada em várias disciplinas, como a arqueologia, que pode
ser aplicada a uma vasta gama de materiais, não apenas organismos, utilizado inclusive para o estudo das
transformações de materiais em registro arqueológico. A tafonomia, que aqui nos referimos, diz respeito,
preferencialmente, aos processos ocorridos com ossos e dentes humanos (MACHADO, 2006).
119

Além dos aspectos bioarqueológicos que impactam diretamente a


identificação dos remanescentes, permitindo caracterizar ou estimar o seu
estado de preservação, sexo, idade biológica, sinais de doenças, traumas e
anomalias, características métricas e não métricas, entre outras, temos que
ampliar o olhar e o cuidado para além dos ossos, exatamente porque,
quando in situ, expressam informações que vão além da morfologia
(MENDONÇA DE SOUZA; RODRIGUES CARVALHO,
2013, p.6).

Ao que parece, desde o início do século XXI AD, temos cada vez mais
caminhado para estudos mais integrativos dos sepultamentos, das práticas funerárias
que levem em conta estudos de remanescentes esqueletais humanos e vice- versa, ou
seja, estudos bioarqueológicos cada vez mais contextualizados.
Devido às influências das abordagens das arqueologias interpretativas e dos
diálogos com a antropologia social, várias outras perspectivas teóricas de dentro da
bioarqueologia passaram a tomar forma. Essas perspectivas combinam análises
osteológicas, informações arqueológicas e de teoria social. Entre elas, temos a
Bioarqueologia Social (AGARWALL; GLENCROSS, 2011), as Análises dos Cursos de
vida (SOFAER, 2011; AGARWAL, 2012), a perspectiva osteobiográfica
(AGARWALL; GLENCROSS, 2011; STODDER; PALKOVICH, 2012) e Identidade
(GELLER, 2009; AGARWALL; GLENCROSS, 2011). Na prática, essas abordagens
estão, frequentemente, conectadas umas às outras (KILGROVE, 2013) e são, em alguns
momentos, chamadas, genericamente, de bioarqueologia social.
O uso do termo “bioarqueologia” com o acréscimo do termo “social” é aqui
utilizado para se referir aos bioarqueólogos, que se engajam mais frequentemente na
formulação de perspectivas teóricas (teoria social). Porém, Killgrove (2013, p. 30)
lembra que “a bioarqueologia social parece estar se tornando mais uma norma dentro
da disciplina do que simplesmente um novo desdobramento teórico”.
Como já explicitamos acima, a ideia de uma abordagem holística entre
antropologia biológica e arqueologia já vinha sendo amplamente difundida desde a
década de 1970, diferindo nas abordagens anteriormente realizadas, dependendo dos
interesses dos pesquisadores e de qual aporte teórico estejam partindo, ainda que os
métodos de análise esqueléticos sejam praticamente os mesmos.
Mas, é no final do século XX AD e início do século XXI AD, que temos visto
alguns trabalhos que buscam inspiração em discussões provindas da arqueologia pós-
processual, inspiradas também por outras áreas da antropologia social e da filosofia,
pelo menos de maneira mais explícita (Killgrove, 2013), e uma integração dos estudos
120

de remanescentes osteológicos humanos, provindos da escola anglo-saxã e da corrente


francesa (KNÜSEL, 2010).
Uma das vertentes da arqueologia interpretativa, que tem influenciado e
inspirado discussões dentro da bioarqueologia, é justamente a arqueologia do corpo.
Esta, por sua vez, de acordo com Lynn Meskell (2000), foi influenciada pela filosofia
do corpo. A arqueóloga ainda defende que o corpo pode ser visto de duas maneiras: “o
palco de uma exposição”, no qual identifica o construtivismo de Michel Foucault,
preocupações quanto à “postura, gesto, costume, sexualidade e representação”; e o
“corpo como artefato”, onde o corpo social é descrito em relação à paisagem ou à
“experiência espacial dos fenômenos dos monumentos”, no que a autora enxerga uma
clara influência do modelo estruturalista de Anthony Guiddens (MESKELL, 2000).
Para Meskell (2000), o corpo não é visto como um local de experiência vivida,
defendendo em contrapartida que ele deveria ser a articulação entre a agência e a
estrutura, a causalidade e o significado, a determinação física e as ressonâncias
simbólicas. Por outro lado, Rosemary Joyce (2005) identifica uma inspiração na
fenomenologia de Merleau-Ponty e na teoria feminista.
Ao mesmo tempo que considera essas abordagens inspiradoras e enriquecedoras,
a arqueóloga britânica Joanna Sofaer (2006) chama a atenção que é presente um
distanciamento entre a bioarqueologia e o arqueologia. E defende que essa dicotomia
pode ser amenizada por uma forma mais holística, onde o corpo não é apenas um
organismo biológico, mas um produto cultural.
Segundo a autora (SOFAER, 2006, p. 87), “essa tendência de dividir o estudo do
corpo como artefato e como experiência vivida de outro (Meskell, 1998a; 2000), é uma
divisão artificial da qual se tomam lados”. Segundo a visão defendida por Sofaer
(2006), o corpo é fundamentalmente um constructo social e não é apenas uma entidade
biológica pré-existente, é biologicamente plástico através de seu curso de vida.
Além de entender que o corpo se adapta às condições do ambiente, o mesmo,
visto como uma espécie de cultura material, é estudado tendo em mente suas
particularidades de uma maneira especificamente arqueológica ao entender seu
desenvolvimento em cenários sociais específicos, isto é, através de métodos
arqueológicos.
Quanto ao método que a autora se refere, seus argumentos se baseiam em
estudos com remanescentes de populações recuperadas em sítios medievais no Reino
121

Unido (SOFAER, 2000). A autora realiza o estudo de mudanças degenerativas e


plásticas em vértebras humanas e a relação dessas alterações com a divisão de trabalho
entre os sexos. Seus estudos (1994; 1997; 2000; 2001; 2006; 2011), de um modo geral,
têm sido marcados pelo entendimento de três aspectos, que são: a plasticidade do corpo,
o sexo e a idade.
A sua ideia de plasticidade social do corpo é fortemente marcada por questões
ligadas ao gênero e à idade. Em relação ao primeiro aspecto, a autora entende a
plasticidade do corpo como as mudanças ocorridas nos ossos e nos dentes, quanto às
patologias, aos sinais de estresse e aos marcadores de estresses ocupacionais.

A noção de plasticidade também fornece uma estrutura para a


compreensão sincrônica e diacrônica entre grupos humanos de outra forma
semelhantes através de respostas esqueletais ao dano, estresse mecânico ou
doença. Devido a esses traumas, com o tempo os ossos podem regenerar,
algumas vezes com deformações consideráveis (Roberts, 2000b). Condições
de estresse prolongado e contínuo imposto por atividades habituais ou
ocupacionais podem levar os ossos a se deformarem com o desenvolvimento
de irregularidades dos tecidos ósseos e dentários (Kennedy, 1989; Rubin et
al, 1990) (SOFAER 2006, p. 71).

Outro aspecto elencado pela autora é a diferenciação entre sexo e gênero. O


primeiro tem de fato uma realidade material, diferindo do segundo que é uma
representação (SOFAER, 2006, p. 96). É necessário estabelecer essa diferença para
fazer o contraponto e a contextualização do que é o sexo biológico e o que seriam as
categorias de gênero.
O terceiro aspecto, em que a autora se sustenta, é a idade, diferenciando-a em
um ponto específico porque o crescimento/amadurecimento/envelhecimento é um
processo. Desta forma, critica a quase ausência dessa separação ao trabalhar com idade
em trabalhos de arqueologia que levem em conta os processos de envelhecimento
(ageing) nos ossos, defendendo que esta situação deve ser relacionado a todos os
aspectos levantados acima (plasticidade do corpo e o sexo), ligados ao gênero
socialmente construído. Sendo assim, “a osteoarqueologia e a arqueologia
interpretativa têm o mesmo objetivo – explorar a contingência e instabilidade da
materialidade do corpo através da noção da pratica social” (SOFAER, 2006, p. 143).
Vale destacar que a ideia do corpo como cultura material não é nova, já tendo
sido, anteriormente, mencionada por outros pesquisadores, Chris Gosden (1999) e Mark
122

Pluciennik (2002). Mas foi somente com Joanna Sofaer (2006) que vemos como uma
sistematização dessa abordagem pode ser aplicada através da bioarqueologia.
A ideia do corpo como cultura material não ficou livre de críticas quanto às
ponderações, aos cuidados e aos usos dessa abordagem. A exemplo dessas críticas,
citamos o caso da bioarqueóloga Heather Robertson (2007), que em uma resenha crítica
ao livro The Body as Material Culture (SOFAER, 2006), publicada no Canadian
Journal of Archaeology, chama a atenção sobre o cuidado que se deve ter ao tratar os
esqueletos humanos como objetos. Segundo a arqueóloga canadense, isto pode ser
perigoso e desrespeitoso para algumas comunidades tradicionais, em sociedades
ameríndias, por exemplo. Por isso, ela chama a atenção para o fato de estar lidando com
sociedades europeias medievais, da qual os próprios britânicos são descendentes.
Esta crítica, apesar de acharmos válido o argumento, vislumbra que, na verdade,
o próprio fazer arqueológico pode ser ofensivo para algumas comunidades ameríndias,
ainda mais se tratando de remanescentes esqueléticos.
O que a autora (ROBERTSON, 2007) critica é um ponto de vista em que o
corpo seria visto como um “mero objeto”, algo separado a priori do biológico. Nesta
linha de pensamento, a intenção de Joanna Sofaer (2006) foi de chamar a atenção das
vantagens interpretativas de se usar uma abordagem que busca justamente romper com
esta divisão forçada, ao tratar o corpo como um tipo de cultura material, diminuindo as
tensões dentro da própria academia entre as distinções entre o corpo biologicamente
dado e o socialmente construído.
Estas concepções modernas de natureza versus cultura podem não fazer parte da
cosmologia daqueles povos europeus a que Sofaer se refere. E que, no caso de muitas
sociedades ameríndias atuais, parecem estar em maior sintonia com as suas próprias
concepções de mundo e de corporalidade, em especial na Amazônia. E isso pode ser
também aplicado à arqueologia e ao estudo de caso presente nesta dissertação.
O corpo seria, então, um tipo especial de cultura material, que seria, segundo as
palavras da autora (SOFAER, 2006), influenciado pelo natural e cultural. De acordo
com as nossas concepções modernas, existe tal separação entre natureza e cultura.
Adianto que, em algumas sociedades (em especial, os povos ameríndios), não há
uma divisão clara entre natureza e cultura, existindo uma centralidade no corpo, que é o
que veremos no discorrer desta dissertação.
123

O corpo (neste caso o esqueleto) não é algo dado a priori, é algo material, mas
plástico. É o entrelaçamento das coisas com pessoas e das coisas com as coisas que dão
sentido a cultura material (HODDER, 2012). Neste caso, fazem com que o corpo seja
pensado como uma forma de cultura material, não somente na manifestação da morte
pelos enlutados, mas do corpo como uma cultura material em vida.
Esta concepção não entra em conflito com a visão holística que a bioarqueologia
busca, pois procura estudar os restos humanos dentro de uma ampla associação de
dados arqueológicos, espaciais, históricos e sociais (BUIKSTRA et al, 2012, p. 17). É,
justamente, pensando nisso que Sofaer (2006) defende que o corpo humano deve ser
considerado como um meio termo entre o estudo da morte e o dos vivos, entre o externo
(com carne) e o interno (descarnado).
É proposto, então, que se desfaça ou amenize essa dicotomia, de forma a pensar
nos corpos de modo mais integrativo, procurando conciliar a ideia de que o mesmo é
construído socialmente, não esquecendo a sua materialidade, ou seja, ao se falar de
corpos, o bioarqueólogo não só estaria também apto a discutir sobre a importância dos
mesmos como teria um trunfo nas mãos, que é exatamente a análise esquelética, não
negando (muito pelo contrário) a significação que terá (ou não) o individuo após sua
morte para os vivos.
Justamente, é de uma perspectiva metodológica (segundo o que a autora
defende), que o corpo pode ser considerado como um tipo especial de cultura material,
que interage com o meio e com as coisas.
Essa abordagem é válida porque ela (seguindo a linha iniciada por
bioarqueólogos como Buikstra nos anos de 1970, que almejavam cada vez mais uma
integração da osteologia com a arqueologia), deu início à inserção da teoria social na
bioarqueologia, não que outros bioarqueólogos já não o fizessem. Estes argumentos
influenciaram outros a se inspirarem nesses questionamentos e provocações
direcionados às perguntas e na condução de suas pesquisas, usando praticamente os
mesmos métodos de análise tradicionais da bioarqueologia.
A intenção da ênfase nesta abordagem teórica é para nós fundamental, pois ela
permite questionar as fronteiras existentes entre pessoas e coisas. Dessa forma,
compreendemos essa chave de leitura como sendo muito produtiva e que não é
adequado separar um do outro (Buikstra et al, 2012, p.17). Em outras palavras, por
mais que eles não sejam a mesma coisa, são “encarados” da mesma forma, se
124

considerarmos os seres humanos como “coisas” especiais, com um amplo e complexo


sistema nervoso, em que corpo e a mente são fortemente dependentes de outras coisas
para existir (HODDER, 2012, p. 10). Assim, torna-se muito fecunda essa perspectiva da
materialidade do corpo, que só é compreendido, inteligivelmente, depois de ser
devidamente contextualizado.

Essa realização não reduz um ao outro, ela apenas demonstra que


ambas existem em um estado reconhecível apenas através de suas interações
umas com as outras. Abordagens contextualizadas a análises mortuárias
então requerem uma consideração ativa de ambos os corpos e materiais
arqueológicos que são parte de seu mundo social. Só então os corpos
arqueológicos podem ser investigados de forma holística, não como
entidades isoladas mas como seres sociais ativos, emergindo no mundo por
meio das relações entre ambos os mundos humanos e materiais61
(BUIKSTRA et al, 2012, p. 18).

Em parte dos sepultamentos aqui analisados, deparamos-nos com restos


humanos misturados e fragmentados. Se seguirmos esta lógica acima apresentada,
podemos pensar como os corpos dos mortos podem romper ou estender as relações
sociais. Do mesmo modo que a agência dos objetos podem ser vistos como uma
maneira de criar laços sociais mais duráveis, os corpos esqueletizados ou parte deles
podem ter também essa capacidade. A análise de restos misturados e fragmentados,
frequentemente, revela emaranhados entre pessoas e coisas, e entre os mortos e os vivos
(OSTEOHOLTZ, 2015, p. 249).
Esses questionamentos, até agora apresentados, por si só, permitem que
pensemos a materialidades dos corpos e objetos de maneira conjunta, abrindo caminho
para refletirmos nas coleções esqueléticas de outras formas, mesmo quando elas
parecem ser, a primeira vista, insuficientes e parciais. Afinal, dependendo do interesse
do pesquisador, estas podem não ser consideradas como amostras, estatisticamente,
relevantes para um estudo populacional.
Como veremos abaixo, a representatividade daquilo que é escavado em
contextos funerários (e na própria arqueologia em si) é relativa. A mudança de

61
Original em inglês: This realization does not reduce one to the other; it merely acknowledges that both exist in a
knowable state only through their interaction with each other. Contextualized approaches to mortuary analysis thus
require an active consideration of both archaeological bodies and the materials that were part of their social worlds.
Only then can archaeological bodies be investigated in holistic terms, not as isolated entities but as active social
beings, emergent in the world by means of their relationships with both the human and material worlds. (BUIKSTRA
et al, 2012, p.17 e 18).
125

paradigmas dentro da arqueologia e bioarqueologia tem permitido realizarmos


perguntas em consonância aos contextos específicos que estudamos.

2.4 BIOARQUEOLOGIA E REPRESENTATIVIDADE


Questionando-se sobre a representatividade dos dados arqueológicos em
contextos funerários, a bioarqueóloga Sheila Mendonça de Souza (2002) afirma que a
própria natureza da arqueologia é, fundamentalmente, indiciária.

Os achados arqueológicos, sejam ou não de natureza funerária, são


evidências materiais despojadas de informantes, são indícios. Além de
representarem apenas parcela pequena do universo correspondente ao ritual
funerário, sofrem transformações com o tempo e, tal como o restante do sítio
arqueológico, têm que ser lidos de modo a que se distinga pelo menos três
tipos de eventos, ou processos: os processos pós-deposicionais, os processos
deposicionais, e os processos prévios aos funerais, ou à deposição da
evidência (SOUZA, 2002, p. 3).

Normalmente, ao se trabalhar com amostras pequenas e parciais, como é o caso


do sítio do Curiaú Mirim I e de grande parte dos sítios com sepultamentos na
Amazônia, tender-se-ia a procurar outros sítios para realizar estudos populacionais com
um número maior de sepultamentos e/ou esqueletos para chegar ao que se pretenderia
responder. Todavia, é possível repensar essas amostras, reduzidas e parciais, de outra
nuance.

[Essas] ...“análises podiam ser novamente focadas na identificação


das fontes de variação entre grupos de restos esqueletais encontrados em
contextos particulares de modo a determinar o quão restritivo os
comportamentos funerários especificamente refletem sistemas sociais,
políticos, ideológicos ou econômicos dentro de uma sociedade”
(WROBEL,2014, p. 05).

É mister frisar que não queremos dizer que essas práticas sejam um reflexo da
sociedade à maneira do que era proposto por Binford (1971), pois “ [n]ão existe, como
parece ter pensado Hertz 1970 (1928) um modo de se pensar os mortos, que de tão
natural, seria de certa forma "universal" ’’ (CARNEIRO DA CUNHA, 1978, p.03). De
acordo com os dados apresentados por Chaumeil (1997 e 2007), Rostain (1994 e 2011),
Meggers e Evans (1957), Nimuendaju (2004) e Py-Daniel (2015) sobre as práticas
funerárias entre os ameríndios na Amazônia, esses modos de lidar com a morte,
embasados em dados arqueológicos e etnografias, parecem indicar que são mais
126

complexos e variados do que se supunha, com uma grande variabilidade mesmo dentro
de uma mesma sociedade.
Em uma amostra pequena e fragmentada, mesmo que não seja dado um
tratamento estatístico dos dados, nem uma perspectiva populacional, esta ainda sim não
inviabiliza, de modo algum, a aplicação de métodos bioarqueológicos e
arqueotanatológicos.

Se a amostra é menor do que (por exemplo) doze indivíduos, as


análises são essencialmente descritivas. Isso não significa que os indivíduos
são simplesmente inventariados e avaliados para buscar a presença de
patologias, assim como outras informações específicas (como por exemplo,
traços discretos e dados métricos). As avaliações requerem mais informações
contextuais (osteobiografia) sobre o indivíduo tais como o modo de
enterramento, acompanhamento funerário, localização do sepultamento
dentro do cemitério e dentro da comunidade (DIGANGI; MOORE,
2012, p. 200)62.

Sabemos que existem limitações acerca do uso de métodos utilizados para traçar
os perfis osteobiográficos e interpretar os possíveis gestos funerários. Estas limitações
dizem respeito à variabilidade das práticas culturais, à variabilidade biológica inter-
étnica, às variações individuais, às pressões do ambiente e à própria natureza indiciária
da arqueologia, da qual os vestígios desenterrados estão sujeitos às alterações pós-
deposicionais e aos processos tafonômicos, que interferem, diretamente, no grau de
integridade e de preservação dos elementos ósseos e dentários.
Em relação às limitações impostas aos arqueólogos, consoante ao diagrama
exposto abaixo (figura 32), demonstra os fatores controláveis e não controláveis do
registro arqueológico. Depreende-se que, dos fatores que não controlamos - a
mortalidade daquelas populações antigas que estudamos, as práticas culturais/funerárias
antigas e os processos pós deposicionais de preservação dos restos esqueléticos - temos
apenas uma fração do que sobrou até hoje para nós, arqueólogos, que dependem das
nossas estratégias de escavação e ainda aquilo que pode ser recuperado ou registrado.
Soma-se a isso, ainda, as nossas próprias perguntas e aportes teóricos para
compreendermos os vestígios arqueológicos que observamos.

62
Original em inglês: "If the sample consists of less than (say) a dozen individuals, the analysis is primarily
descriptive. This does not mean that the individual is simply inventoried and assessed for the presence of pathologies
as well as other particular information (e.g., discrete traits and metric data). Assessment requires more contextual
information (osteobiography) about the individual such as mode of interment, grave accompaniments, and burial
location within the bonded cemetery area and within the community“(DIGANGI & MOORE, 2012).
127

Figura 32: Esquema dos fatores que afetam o registro dos sepultamentos. Fonte: Mays, 2008

Estas ponderações não devem ser vistas pessimistamente, devem ser encaradas
de frente por quem planeja uma pesquisa com restos esqueléticos (e na arqueologia
como um todo), independente de qual abordagem teórica e quais métodos sejam
utilizados.
Além dos propósitos e objetivos do estudo aqui proposto, os dados aqui gerados
permitirão comparações preliminares com outros exemplares esqueléticos
(frequentemente mal preservados e com contextos prejudicados) do mesmo período de
tempo que aqui trabalhamos.
Na Amazônia, os estudos com vestígios humanos são, ainda, escassos, ao ponto
de parecem invisíveis ou até mesmo ausentes. Enfatizando, assim, a ideia de que os
sítios arqueológicos da Amazônia são pobres em evidências de vestígios biológicos
humanos. Tal conjectura permite diversas explicações. Entre elas, Sheila Mendonça de
Souza (2010, p.428) explana que existem dois mitos responsáveis por esse pensamento.
O primeiro é o mito da diluição demográfica, nascida de um quadro teórico
fortemente marcado pelo determinismo ecológico, associado a um evolucionismo
multilinear e a um difusionismo migracionista, postulado pelo casal de arqueólogos
estadunidenses Betty Meggers e Clifford Evans (1957). De acordo com esses autores, as
culturas indígenas da Amazônia, devido a um ambiente hostil, manter-se-iam em um
128

estágio socioeconômico, chamado de “Floresta Tropical”, embasados nos estudos de


Steward no Handbook of South American Indians (1946-1959). A consequência deste
mito seria, então, a escassez de dados. Felizmente, esse mito já está superado, em
virtude da mudança de paradigmas, da continuidade e da acumulação de dados
arqueológicos e etnográficos na região Amazônica.
Outro mito, citado por Souza (2010, p. 428), é o da diluição biológica na floresta
tropical úmida. Por ser a Amazônia um ambiente super úmido, quente e com solo ácido,
a decomposição biótica e química, principalmente em solos/ambientes abertos,
dificilmente deixaria material para estudo, já que mesmo os ossos seriam dissolvidos
pela natureza em pouco tempo (Souza, SMFM, 2010, p. 428). Ao encarar os vestígios
dessa maneira, tivemos como resultado a destruição e a perda de inúmeros ossos e
dentes presentes no interior de urnas funerárias e outras formas de deposição, seja em
laboratório, seja em campo. Esse modo de pensar os vestígios arqueológicos já se
mostra superado, tanto pela mudança nas técnicas quanto pelas novas tecnologias, que
permitem expandir a compreensão do que são vestígios.
Além desses dois mitos, o próprio enfoque dos estudos bioantropológicos sofreu
mudanças ao longo do tempo. Segundo Mendonça de Souza (2001, p. 481), o estudo
dos restos humanos, no início do século XX AD, praticamente restringiam-se aos
achados intactos, bem conservados. Muitas vezes foi feita apenas a análise dos crânios.
Muitos crânios eram analisados em detrimento de estudos no pós crânio.
Outro aspecto, destacado pela autora (SOUZA, SMFM, 2001), é a não
valorização dos estudos dos restos humanos em urnas funerárias, mesmo quando estão
parcialmente conservados, em detrimento das expressões técnicas e artísticas,
representadas nas tipologias cerâmicas ou em outros aspectos da cultura material, sendo
esse um dos motivos para a escassez de estudos arqueológicos com enfoque em restos
humanos na Amazônia.
Temos numerosos exemplos do uso desses dados por outros arqueólogos.
Podemos citar os trabalhos iniciados por Souza, Carvalho e Guapindaia (2001) com as
urnas funerárias Maracá, no estado do Amapá. As autoras desenvolveram um trabalho
contextualizado e multidisciplinar. É interessante destacar também os dados
incorporados a tese de doutorado de Denise Schaan (2004), na ilha de Marajó.
Além dessas pesquisas, podemos referendar diversas investigações
multidisciplinares na Amazônia. A descrição de um sepultamento e sua interpretação
129

pela arqueóloga Denise Gomes para a região de Santarém/PA (2008) é um belo


exemplo disso, que ao diferenciar as atividades realizadas no Sítio Terra Preta, com
datações entre 1300 B.P. a 910 B.P., e distinguir as áreas de um sítio habitação, seus
diferentes tipos de descarte e deposição, visto que menciona um contexto funerário bem
definido, associado a um enterramento secundário, feito numa vasilha cerâmica utilitária
contendo restos de um indivíduo, cujos ossos estavam calcinados (GOMES, 2008), o
que a permitiu fazer importantes interpretações.
Outro bom exemplo, já demonstrado no capítulo 1, da aplicação dos dados
esqueléticos e/ou dos gestos funerários e contextos funerários na interpretação
arqueológica, pode ser visto na tese de Martjin Van den Bel (2015), no sítio EVA 2. Na
ocupação mais recente, ele usa os dados dos sepultamentos para interpretar o sítio em
questão, em um sítio que apesar de ter apenas “fantasmas” ou “silhuetas” (VAN DEN
BEL, 2015, p. 519) da maioria dos corpos, foi possível não apenas identificar gestos
funerários, mas pensar o próprio sítio em função destas evidências.
Alguns estudos, entretanto, têm se focado nos aspectos funerários. Os trabalhos
realizados no estado do Amapá, principalmente aqueles que lidam com contextos
cerimoniais/funerários junto à costa atlântica e relacionados à cerâmica Aristé, como já
citei no capítulo 1, desenvolvidos por Saldanha e Cabral (2008, 2009), Hiriart (2012) e a
tese de doutorado em andamento de João Saldanha, vislumbram exatamente os gestos
de deposição ligados aos contextos funerários.
Via de regra, as referências aos remanescentes humanos aparecem das formas
como foram expostas no últimos exemplos, em que foram aproveitadas pelos
arqueólogos para suas respectivas interpretações ou, como no último caso, partiram dos
estudos dos gestos de deposição cerimoniais/funerários nos respectivos sítios estudados,
porém enfocados em outros questionamentos, que não o estudo a partir dos
remanescentes esqueléticos.
Outros trabalhos têm sido desenvolvidos em forma de dissertações de mestrado e
teses de doutorado, que buscam tornar os vestígios funerários a parte central de suas
análises e interpretações, como é o caso do supracitado estudo com enfoque da
arqueotanatologia de Py-Daniel (2009, 2015), na calha do rio Amazonas (Amazônia
Central e Extremo Baixo Amazonas).
130

Para exemplificar a aplicação desta abordagem, comento aqui os sepultamentos


do sítio Hatahara63, analisados por Anne Rap Py-Daniel64 (2009), localizado na margem
esquerda do rio Solimões, cujos remanescentes esqueléticos humanos foram
encontrados em montículos65, preenchidos por terra preta e fragmentos cerâmicos66, que
eram, em sua maioria, fora de urnas ou recipiente de cerâmica que os envolvesse, com
exceção de uma única urna funerária com ossos humanos67.
Usando pressupostos da arqueotanatologia e da bioarqueologia, Py-Daniel
(2009) identificou diferentes gestos funerários compostos por sepultamentos individuais
primários, secundários e múltiplos secundários. Alguns, provavelmente, em cestarias68,
no qual a idade e, possivelmente, o sexo, parecem ser os fatores de diferenciação,
possivelmente de status (PY-DANIEL, 2009).
Esses trabalhos mostram as diversas possibilidades de análises que integram os
restos esqueléticos humanos ou os têm como foco principal, mostrando que a
representatividade é relativa aos interesses de pesquisa, às perguntas e aos pressupostos
teóricos que guiam uma dada investigação.
Ao levarmos em conta a materialidade do corpo humano em sua relação
contextual com o meio social, utilizando pressupostos teórico metodológicos da
arqueotanatologia, buscamos entender a história de vida de cada indivíduo devidamente
contextualizado, realizando osteobiografias.
Se consideramos o corpo em sua plasticidade, já que pretendo ir além do estudo
dos acompanhamentos funerários e de não ser a intenção aqui de realizar estudos
populacionais, proponho utilizar uma abordagem teórica metodológica conhecida como
osteobiografia, que se encaixa perfeitamente no objetivo proposto de entender como se
deram os gestos funerários presentes no sítio em questão.

63
Datado do século VIII ao XII (PY-DANIEL, 2009).
64
Arqueóloga especialista em análises de vestígios esqueléticos humanos, em especial nos métodos da
arqueotanatologia.
65
Parte do material arqueológico dos montículos foi analisado para a dissertação de mestrado de Juliana Machado
(2005).
66
Segundo Py-Daniel (2009, p. 110), a presença de carvão pirogênico e cinzas vegetais extremamente alcalinas (pH
de 8 a 12) aumenta o pH do solo mesmo em pouca concentração, podendo impedir o estabelecimento de condições
ácidas decorrentes da decomposição de resíduos orgânicos, o que de certa forma contribuiu para a preservação dos
sepultamentos.
67
Rap Py-Daniel (2009: 6) analisou cerca de 28 sepultamentos e/ou depósitos contendo cerca de 38 indivíduos, quase
todos enterramentos fora de urnas, com exceção de quatro sepultamentos em urnas, sendo que em um destes
sepultamentos em urna foi encontrado restos esqueléticos humanos (PY-DANIEL, 2009; 2015).
68
Py-Daniel identificou, em alguns ossos, vestígios da impressão de cestaria, o que corroborou com a inferência mais
segura da autora.
131

Pretende-se, dessa forma, unir esses gestos às histórias de vida de indivíduos ou,
como se tem defendido ultimamente, utilizar uma perspectiva osteobiográfica.

2.5 OSTEOBIOGRAFIAS: CONCEITO, MÉTODO E


PRESSUPOSTO TEÓRICO
A abordagem osteobiografica não é nova e, segundo DiGangi & Moore (2013, p.
523), é " um termo usado para descrever especificamente a avaliação de um único caso
ou de vários indivíduos dentro do seu contexto cultural ".
A osteobiografia é o registro de vários aspectos da vida do indivíduo, levando
em consideração as estimativas de sexo e de idade, as mensurações de altura, as
patologias, os sinais de estresse, os marcadores de músculo esqueléticos de estresse
ocupacional, os traumas, as alterações culturais, os acompanhamentos, entre outros,
contextualizadas ao registro arqueológico.
Esta abordagem surgiu, primeiramente, como um foco nas "história de vida",
demonstrado em um artigo publicado em 1935 por Wilton Marion Krogman, unindo
antropologia física à arqueologia, em que defendia que independentemente de quão
fragmentado e incompleto um esqueleto estivesse, cada parte teria a sua própria história
a ser registrada, como: a idade, a saúde e a história corporal do indivíduo (KROGMAN,
1935). Em seus artigos posteriores, Krogman passa a se aproximar com métodos da
antropologia forense (BUIKSTRA; BECK, 2006, p. 348).
Anos mais tarde, Frank Saul e Julie Mather Saul (1989) utilizam a abordagem
osteobiografica, popularizando o termo no estudo de remanescentes esqueléticos
humanos de sítios arqueológicos. Em seu artigo, Saul e Saul (1989, p. 300) fazem
questão de enfatizar o quão importante é a aproximação da arqueologia com os estudos
forenses, devido à importância que os mesmos dão aos aspectos contextuais durante o
registro dos mesmos, o que deve ser aplicado ao registro arqueológico, similar a um
trabalho de um investigador ou de um detetive. O que, convenhamos, é muito próximo
ao que o arqueólogo almeja e faz, já que o mesmo também é um investigador, com a
diferença fundamental que este enxerga, basicamente, estes contextos dentro da longa
duração, ao contrário do perito forense que busca, apenas e somente, isolar a cena de um
crime.
Com essa ideia da contextualização em mente, obsevamos com o crescimento da
chamada bioarqueologia social, que a osteobiografia passa a ser entendida e aplicada
132

como “um modo de conduzir ao significado contextual na história de vida de um


indivíduo dentro de um dado contexto cultural, que ao mesmo tempo forma esse
indivíduo e é formado pelo mesmo” (DIGANGI; MOORE, 2013, p. 184).
A osteobiografia, nessa vertente, é um componente de estudo valioso para o
estudo das sociedades, pois considera os indivíduos, suas intenções e suas identidades
socialmente contextualizadas como fundamentais para entender o passado (STODDER;
PALKOVICH, 2012).
Indo mais além, neste sentido de contextualizar os estudos, procuramos, como
foi proposto pelo arqueólogo John Robb (2002), buscar entender as biografias dos
esqueletos humanos como narrativas culturais.
Desse modo, buscamos incorporar as noções de plasticidade do corpo, que
levam em conta a idade, o envelhecimento, o sexo, o gênero, a doença e a morte nas
interpretações culturalmente contextualizadas (ROBB, 2002, p. 160).
Ao inserir em nosso estudo de vida do esqueleto (osteobiografia) daqueles que
viveram na Antiga Amazônia, expandimos o “nosso foco em direção ao entendimento
cultural dos eventos durante a vida, buscando integrar também a história dos restos
humanos após a morte, por isso se faz útil os estudos tafonômicos” (ROBB, 2002, p.
160), pois ao estudar os esqueletos e os sepultamentos, procuramos enxergar as
modificações culturais no corpo durante a vida e após a morte.
Dentro das propostas aqui apresentadas, pensamos que esta abordagem
osteobiográfica encontra ressonância com a própria arqueotanatologia, unindo conceitos
próprios da arqueologia e da bioarqueologia, ao contextualizarmos os sepultamentos
espacialmente dentro de um conjunto mais amplo de outros sítios com sepultamento na
região em estudo.
Do mesmo modo, usamos ainda o que chamamos genericamente de Teoria
Social, ao nos apropriarmos, com as devidas proporções de discussões, da antropologia
social sobre as sociedades ameríndias na Amazônia, de modo que possamos chegar ao
indivíduo e as suas intenções, buscando integrar com o estudo dos corpos, a vida e a
morte nas sociedades pretéritas da antiga Amazônia.
De acordo com o que foi exposto até agora, reiteramos nosso esforço de propor
uma abordagem, não nova, mas pouco usada em contextos funerários na Amazônia, que
é centrada, mas não isolada nos restos esqueléticos. Esta abordagem exige, entre outras
coisas, um estudo integrado dos contextos funerários, junto aos dados já presentes de
133

outros sítios, nas Guianas e na Foz do Amazonas, com evidências funerárias que sirvam
de comparação com o modo como estes espaços, destinados ao uso funerário, estão
inseridos.

2.6 OS ESPAÇOS FUNERÁRIOS


Para entender a espacialidade das estruturas arqueológicas estudadas neste sítio,
utilizamos como comparação outros registros arqueológicos para a interpretação da
distribuição espacial intra-sítio.
Lembramos que o que tem aparecido no registro arqueológico das Guianas e na
Foz do Amazonas é a constatação da presença de sepultamentos em sítios habitacionais,
seguido por poucos casos, onde temos sítios com a presença de cemitérios,
propriamente ditos, com sepultamentos claramente separados de áreas domésticas.
Concordamos com Martjin Van Den Bel (2015, p. 41) que, ao se referir aos
sítios em que é constatada a presença de sepultamentos junto às estruturas domésticas
nas Guianas, salienta que estes necessitam de maior discussão e que os mesmos podem
ser sítios multicomponenciais ou palimpsestos. De modo que propõe:

“... a) os cemitérios são apenas para certos membros da sociedade, conforme


tem sido sugerido para outros cemitérios isolados no nordeste da Amazônia
(Guapindaia, 2001); b) os sítios-habitação têm duas funções (habitação e
funerária) simultaneamente; c) sítios habitacionais são aldeias que foram
deslocadas, nas quais a parte antiga e abandonada da aldeia é usada como
cemitério, sendo finalmente uma ‘aldeia dos mortos’; d) os sítios-habitação
servem parcialmente aos ritos funerários, nos quais a lamentação, a dança etc.,
é realizada na aldeia e o sepultamento de fato é feito fora dela,...” (VAN
DEN BEL, 2015, p. 41).

Estas hipóteses, assim, formuladas por Van den Bel (2015), servem para reiterar
a importância do estudo de caso levantado nesta dissertação. Ao pensarmos na
espacialidade, tendo como base os dados arqueológicos de outros sítios aliados às fontes
etnográficas e etnohistóricas, podemos discutir exatamente essas questões.
Busca-se, na antropologia amazônica, alguns conceitos aplicados às sociedades
indígenas do presente, de modo a usar como ferramentas interpretativas os dados
etnográficos e etnohistóricos, chamando a atenção de que não buscamos fazer analogias
do presente etnológico com o passado arqueológico (e nem com o passado
etnohistórico).
134

Fazemos uso dessas fontes enquanto inspiração na explicação dos vestígios


arqueológicos encontrados neste estudo de caso, junto às recorrências e às diferenças
encontradas em outros sítios na região, que contêm evidências de sepultamentos. Dessa
forma, encaramos a etnografia/etnohistória como possibilidades interpretativas dos
dados arqueológicos.
Inspirados por esses conceitos, quando aplicados pela arqueologia vistas dentro
da longa duração, podemos encontrar recorrências, continuidades, rupturas, inovações e
interações, observadas através do registro arqueológico ao olharmos para o todo nas
Guianas e na foz do Amazonas. Mas, para isso, devemos ter em mente que não estamos
lidando com ontologias da sociedade ocidental.
Dessa forma, alguns conceitos, utilizados pelos etnólogos para as sociedades
ameríndias do passado, devem ser usados, apesar de uma recomendada cautela, para que
possamos interpretar mais, adequadamente, estes vestígios.
Um dos conceitos, que procuramos enfatizar, é aquele que diz respeito à
corporalidade e aos corpos construídos junto à noção de pessoa ameríndia, que unidos
ao que se têm se discutido até agora, servem para que contextualizemos os nossos dados
dos espaços destinados aos sepultamentos, dando um significado especial ao estudo do
corpo aqui defendido nestas abordagens das biografias dos esqueletos e dos gestos
funerários.

2.7 “AMAZONIFICANDO” O OLHAR: NOÇÕES DE PESSOA E


CONSTRUÇÃO DE CORPOS AMERÍNDIOS
Um dos marcos teóricos que utilizamos como ponto de partida, num esforço de
pensar nas possibilidades de interpretação do registro arqueológico, diz respeito à noção
de construção de corpos na Amazônia e às noções de pessoa na América Indígena.
A adoção desta abordagem remonta a Antropologia Social do final da década de
1970 e durante a de 80, como uma reação de cunho Maussiano, dando uma maior
atenção à noção de pessoa e às categorias nativas, num movimento geral de “reação a
uma antropologia, essencialmente, juralista de Radcliffe-Brown” (SEEGER; DA
MATTA; VIVEIROS DE CASTRO, 1979), que vinha sendo realizada até então,
mostrando ser inadequada na elaboração de conceitos que dessem conta de entender as
sociedades ameríndias.
135

Tal tradição Maussiana assume o papel formador das categorias coletivas na


organização e nas práticas de dada sociedade, assim como a impossibilidade de se
tomarem noções particulares como indivíduo, na compreensão de outros universos
culturais (SEEGER; DA MATTA; VIVEIROS DE CASTRO, 1979).
Nos dizeres de alguns dos antropólogos americanistas, que iniciaram esta reação
Maussiana, foi proposta a “elaboração de conceitos que deem conta do material sul
americano em seus próprios termos, evitando modelos africanos, mediterrâneos ou
melanésios” para então finalmente “repensar a antropologia aos olhos dos índios
brasileiros” (SEEGER; DA MATTA; VIVEIROS DE CASTRO, 1979).
Os antropólogos que estavam trabalhando com as sociedades indígenas
amazônicas, principalmente nas sociedades xinguanas, procuraram e procuram salientar
a importância do simbolismo corporal enquanto linguagem básica de muitos grupos sul-
americanos, e que esse era mais um dos motivos pelo qual deveriam trabalhar com
categorias nativas, propondo um outro modo de tentar compreender as sociedades
ameríndias, entendidas como essencialmente “sociedades fluidas, flexíveis e abertas à
"manipulação individual" (SEEGER; DA MATTA; VIVEIROS DE CASTRO, 1979).
Os autores (ibdem) defendem, apoiados em outros antropólogos americanistas,
que já tinham percebido a importância da centralidade corporal em tais sociedades, que
o corpo não é apresentado como simples “suporte de identidades e papéis sociais, mas
como instrumento, atividade, que articula significações sociais e cosmológicas, o corpo
é uma matriz de símbolos e um objeto de pensamento”. A partir desta abordagem,
observou-se a ideia de um corpo, constantemente, construído e submetido aos processos
intencionais e periódicos de fabricação recorrentes.
Se referindo aos Yawalapiti (falantes do tronco linguístico Arawak) do Alto
Xingu, Viveiros de Castro (1979) esclarece que essa “fabricação” significa dizer:
fabricação ao pé da letra, já que o autor traduz “o verbo / umá / <<fazer>>,
<<produzir>>, enquanto atividade humana de intervenção consciente sobre a
matéria” (VIVEIROS DE CASTRO, 1979, p. 41).
O autor alerta que levemos a sério o pensamento ameríndio/nativo. Desse modo,
explica que para os Yawalapiti “as transformações do corpo e da posição social são
uma e a mesma coisa, o que significa dizer que a natureza humana é literalmente
fabricada pela cultura” (VIVEIROS DE CASTRO, 1979: 41).
136

Ainda se referindo aos Ywalapiti, enfatiza também a restrição dos espaços nos
processos de construção dos corpos em espaços de reclusão ou espaços privados. Além
deste, há outro espaço social, que é aquele fora da aldeia, onde ocorrem a transformação
e, finalmente, o espaço público, aquele em que o corpo é exibido.

Como se vê portanto, há um sistema de três termos: a fabricação do corpo, a


decoração-exibição do corpo, e as metamorfoses. A mim me parece que estes
três processos poderiam estar articulados com a tríade
Natureza/Cultura/Sobrenatureza desde que com isso não se retire deles seu
caráter fundamental - o de serem processos, que na verdade, fazem
mediações entre os domínios da tríade mencionada. Acrescente-se ainda que,
à decoração do corpo "cotidiana", que caracteriza o homem (ou mulher)
"xinguano" ideal, sobrepõe-se as pinturas e ornamentos cerimoniais, que
muitas vezes representam os espíritos (apapalutápa) que ameaçam, fora do
contexto do ritual (e fora da aldeia), os homens - podendo transformá-los
(metaforseá-los) em seres não humanos. O referido sistema recorta ainda o
espaço social em 3 domínios: Exterior (Metamorfose), Periferia
(Fabricação) e Praça (Decoração) (VIVEIROS DE CASTRO, 1979,
p. 47).

Dessa forma, para essas sociedades, o corpo realmente é submetido a


transformações conscientes durante todas as etapas da vida, a pessoa é submetida a
transformações constantes ao longo da vida. Um bom exemplo disto são os ritos de
passagem, desde o concebimento pelos pais até o nascimento, na amamentação, nas
restrições e prescrições corporais, reclusões e exibições, até chegar a maioridade e
assumir distintos papeis sociais de acordo com o gênero, amadurecimento,
envelhecimento e na morte.
Cabe ressaltar que além de uma categoria fundamental para pensar as sociedades
amazônicas, a noção de corporalidade também abre a possibilidade de “interpretar
certos papéis sociais como os de chefe, bruxo, cantador e xamã” (SEEGER,
DAMATTA & VIVEIROS DE CASTRO, 1979:15).
Essa concepção da corporalidade construída, onde a pessoa é moldada no
decorrer da vida, como coisas ou objetos, é consenso em várias etnografias na região
amazônica (ver exemplos de BARCELOS NETO, 2008; ELS LAGROU, 2007; VAN
VELTHEN, 2003; entre outros).
Essas construções/transformações sociais do corpo ocorrem, principalmente,
nestas atividades cerimoniais, e entre os Wauja (falantes do tronco linguístico Arawak)
do Alto Xingu, Aristóteles Barcelos Neto (2012). Ao se centrar nos cantos de cura
xamãnicos, refere-se ao que chama de tempo ritual, onde a construção do corpo ocorre
137

em momentos críticos, como: os rituais de puberdade, de cura (realizado pelos xamãs) e


os rituais de morte nos funerais, já que estes, segundo Barcelos Neto (2012, p. 72),
atualizam as relações sociocosmológicas fundamentais.
Juntamente à ideia de noção e construção da pessoa, queremos destacar também
algo que certamente está subjacente nesta ideia da corporalidade. Referimos-nos às
noções de técnicas do corpo, apresentadas por Mauss em 1936 e definidas como “as
maneiras como os homens, sociedade por sociedade, e de maneira tradicional, sabem
servir-se de seus corpos” (MAUSS, 2005, p. 401).
A noção das técnicas do corpo serve para pensarmos na ideia da construção dos
corpos, explicadas através das cosmologias ameríndias, vistas, por exemplo, na divisão
das técnicas corporais entre os gêneros e a variação delas, acompanhando o
amadurecimento e o envelhecimento da pessoa, nas quais “a educação das técnicas
corporais consiste em fazer adaptar o corpo ao seu uso” (MAUSS, 2005, p. 421)69,
servindo de inspiração para podemos interpretar os dados que nos deparamos,
reforçando ainda mais a ideia do corpo enquanto um tipo de cultura material.
Dessa forma, voltando-nos ao campo da arqueologia, a ideia da construção do
corpo ao longo da vida, as técnicas corporais aprendidas, que moldam o corpo e o
próprio rito de passagem da vida para a morte, manifestado nas práticas/gestos
funerários, estão intimamente ligados ao modo pelos quais diversas sociedades
ameríndias enxergam a corporalidade.
A ideia da construção do corpo e noções de pessoa presentes em discursos
ameríndios nas terras baixas são, aqui, pensadas dentro da lógica da plasticidade do
corpo e deste como cultura material, o que leva em conta o gênero, o sexo e a
idade/amadurecimento, enquanto construção e transformação, visto que “o corpo não é
tido por simples suporte de identidades e papéis sociais, mas sim como instrumento,
atividade que articula significações sociais e cosmológicas” (SEGGER, DAMATTA;
VIVEIROS DE CASTRO, 1979, p.11). Desse modo, o corpo físico não é a totalidade da
pessoa, mas é um local privilegiado de onde se convergem o individual e o coletivo,

69
Marcel Mauss (2005) enumera pelo menos sete técnicas corporais: (1) técnicas de nascimento e obstetrícia; (2)
técnicas da infância, (desmame, pós desmame); (3) técnicas da adolescência; (4) técnicas da idade adulta (técnicas do
sono, técnicas de vigília e técnicas da atividade e movimento, sendo que deste último enumera as técnicas de corrida,
dança, salto, escalada, descidas, nado, movimentos de força como lançar, arremessar, puxar, empurrar, levantar,
segurar (mãos, pés, boca, dentes, etc). Além destas enumera ainda as (5) técnicas de cuidados do corpo (higiene); (6)
técnicas de consumo (comer e beber); (7) técnicas de reprodução; e (8) técnicas de medicação.
138

existindo uma continuidade entre o que é físico e o que é social (FASSHEBER, 2001, p.
119).
Dentro desta perspectiva, o corpo não pode ser visto como um mero “sinônimo
de fisiologia distintiva ou anatomia característica mas um conjunto de maneiras ou
modos de ser que constituem um habitus” (VIVEIROS DE CASTRO, 2002, p. 380).
Dentro deste olhar “amazonificado”, ao falarmos da plasticidade do corpo e de
sua materialidade, conforme expomos acima, podemos explorar formas de interpretar os
restos humanos contextualizados, lembrando que o corpo, a vida e a morte são
elementos tangíveis que podem ser “lidos” no registro arqueológico.
Para o entendimento desses dados provenientes no registro arqueológico deste
estudo de caso, usamos como guia os vestígios arqueológicos das deposições
funerárias/cerimoniais provenientes da região amazônica (principalmente, nas Guianas e
na foz do Amazonas) disponíveis, que permitam a comparação de sítios
unicomponenciais e multicomponenciais para poder discutir o que é “padrão” e o que é
“diferente”.
De modo complementar, utilizamos como ferramentas na interpretação dos
dados arqueológicos os dados etnográficos/etnohistóricas, no que tange as práticas
funerárias e também outras informações sobre as práticas culturais ameríndias, que
auxiliem na compreensão de como se deu os sepultamentos no sítio aqui estudado.
Não é nossa intenção aqui fazer analogias diretas, mas simplesmente pensamos
que o uso destes dados (etnografia/etnohistória) são imprescindíveis no estudo e
interpretação de sítios com espaços funerários na Amazônia, principalmente na região
das Guianas e Foz do Amazonas, que sirvam para pensarmos nas diferentes
possibilidades de interpretação sobre os corpos e os gestos na Amazônia antiga. Desse
modo, penso que o uso das etnografias serve para expandir os horizontes da
interpretação do arqueólogo, porque “ a bem da verdade o uso cuidadoso dos dados
etnográficos tem servido a uma causa importante que é a de apresentar as
possibilidades das razões variadas e heterogêneas ou causas para a prática70” (UCKO,
1969, p. 262).

70
Original em ingles: “It is true to say that the careful use of ethnographic data has served to do one major thing –
to present the possibility of varied and heterogeneous reasons or causes for a practice” (Ucko 1969, 262).
139

Dessa forma, esses dados não arqueológicos, além de terem um importante papel
explicativo, pelo menos nos deixam mais abertos a possibilidades e nos ajudam a
ampliar o leque de perguntas direcionadas ao fazer arqueológico.
Não é a intenção, nesta dissertação, discutirmos continuidades e mudanças das
atuais sociedades ameríndias. Pensamos que mesmo o presente etnográfico, assim como
as fontes etnohistóricas. podem ser utilizados como uma fonte de inspiração no que
tange as práticas culturais/funerárias dos povos ameríndios e, em especial, na Amazônia
(ROTH, 1924; NIMUENDAJU, 1927; MÉTRAUX, 1947; CHAUMEIL, 2007;
ROSTAIN, 2011; PY-DANIEL, 2015). Cogitamos que estas devem ser encaradas como
um complemento secundário junto aos dados observados arqueologicamente e os
estudos gerados a partir dele, para que possamos explanar a área pesquisada neste
estudo de caso.

2.8 MATERIAL E MÉTODOS


Em linhas gerais, os principais questionamentos que embasaram as opções
metodológicas para abordar o problema de pesquisa referem-se às práticas funerárias
observadas; à relação entre os espaços funerários e os habitacionais, eventuais
discussões cronológicas (vestígios representando uma mesma ocupação ou
sobreposições temporais distintas?); e às possíveis inferências bioculturais sobre os
indivíduos sepultados, representadas pela escolha dos métodos osteobiográficos e
arqueotanatológicos.
Abaixo, descrevo o material e métodos utilizados nesta pesquisa, assim como
suas etapas e protocolos de escavação, curadoria e análise aqui adotados.

2.8.1 Material
A coleção esquelética selecionada para a análise do sítio arqueológico Curiaú
Mirim I provém de urnas funerárias e enterramentos diretos no solo. Além da
arqueotanatologia e das osteobiografias, foram observadas as deposições
cerimoniais/funerárias com fragmentos de ossos e restos faunísticos provenientes de
estruturas negativas diversas distribuídas pelo sítio.
O contexto de inumação estudado, por se tratar de sepultamentos em urnas
funerárias (com apenas três exceções), condiciona a priori os métodos de estudo
pretendidos. É pertinente dizer que os restos esqueléticos do presente estudo foram alvo
de uma análise macroscópica.
140

Esses restos esqueléticos se encontram sob a guarda do Núcleo de Pesquisa


Arqueológica do Instituto de Pesquisas Tecnológicas e Científicas do Estado do Amapá
- NuPArq/IEPA, acondicionados na reserva técnica do Laboratório Peter Hilbert. Todo
o material foi coletado em duas campanhas arqueológicas (2011 e 2014) sumarizadas a
seguir:
 campanha 2011
- estrutura 42A: fossa funerária - composta por quatro vasilhas cerâmicas, das quais:
três são urnas funerárias contendo vestígios de esqueletos humanos em seu interior e
mais três conjuntos de ossos humanos depositados diretamente no solo.
 campanha 2014
- estrutura 1043: poço funerário com uma câmara lateral - urna funerária com
vasilha como tampa com vestígios esqueléticos humanos no interior;
- estrutura 1059: poço funerário com três câmaras laterais e três urnas funerárias
com vestígios esqueléticos humanos em cada.
Os acompanhamentos, sejam eles as próprias urnas, que guardavam os
esqueletos, ou as vasilhas encontradas ao lado destas e os acompanhamentos internos de
dentro das urnas, foram também observados e descritos.
De forma complementar, foram verificadas outras estruturas presentes no sítio,
para que se pudesse confirmar ou não a presença de restos humanos. Em algumas dessas
estruturas, foram encontrados restos faunísticos que serviram para algumas observações
e descrições pontuais.

2.8.2 Procedimentos de Escavação (Somente Segunda Campanha - 2014)


Na primeira campanha (2011), não participei das escavações, tendo contato com
os esqueletos quando estes já se encontravam acondicionados do jeito que vieram de
campo, dentro da reserva técnica. Deste arranjo funerário (explicitado no capítulo 1),
três urnas e três conjuntos de esqueletos humanos tinham sido escavados em campo,
com exceção de uma delas, que foi escavada em laboratório por João Saldanha.
Na segunda campanha (2014), participei das escavações do sítio e, pelo fato de
estar lá, permitiu-me observar todo o espaço do sítio, não precisando apenas recorrer as
anotações, fichas de campo, fotografias e relatórios de campo para o entendimento da
distribuição das estruturas e conteúdo das mesmas.
141

Nesta campanha, ao contrário da primeira, tivemos apenas sepultamentos dentro


de urnas funerárias. E apesar de ter ocorrido um acidente em uma urna, que se
desmanchou em campo, pois havia rachaduras prévias, foi decidido levar o que restava
intacto da urna para ser escavada em laboratório.
As três urnas restantes puderam ser escavadas, em maior segurança, dentro de
um ambiente controlado e protegido do laboratório de pesquisas.
A escavação destas urnas permitiu uma análise e uma interpretação mais
aprofundada quanto aos gestos funerários e aos processos tafonômicos.
Apesar da segunda campanha ser o mais ideal de todos, ainda assim, de acordo
com Martin et al (2013, p.155), casos como o da primeira campanha são considerados
mais que satisfatórios, já que neles temos total acesso aos registros de campo, a saber: o
relatório, as fotografias, os croquis, perfis, diários e anotações de campo, além da
possibilidade de discutir o contexto com a equipe que escavou e os coordenadores do
projeto.
Descrevo abaixo o procedimento de escavação das urnas funerárias da
campanha de 2014: a urna funerária da estrutura 1043 e as urnas funerárias das câmaras
B e C estrutura 1059.
Como procedimento inicial, devido à abertura das urnas ser estreita, foi
esquematizada uma malha imaginária, cujas linhas cruzam o ponto central da urna nos
quatro pontos cardeais, estabelecidos a partir do norte verdadeiro, ou seja, foi
estabelecido um ponto na borda da urna, a qual sabemos que estava voltada para o
norte, dentro da câmara lateral do poço funerário.
Foram tomadas medidas da altura dos ossos, sua posição dentro da urna e a face
em que apareciam, sempre que possível. A medida da altura era tirada a partir dos
quatro cantos e do ponto central. A escavação ocorreu escolhendo-se um dos quatro
eixos: Noroeste, Nordeste, Sudoeste e Sudeste. Dessa maneira, os ossos foram
recolhidos e acondicionados, obedecendo cada um dos quadrantes acompanhados do
nível a que pertencem, por exemplo, Nordeste – nível 1 (NE I) e assim por diante.
A escolha da mudança de nível/camada ocorria ao observarmos uma maior ou
menor concentração de ossos soltos e quando existia uma matriz de sedimento mais
densa que as concentrações de ossos ou quando mudava o sedimento.
Em cada camada que se percebia a diferença de sedimento, esta era registrada e
amostras de sedimento e de pequenos carvões eram recolhidos. O sedimento destas
142

urnas foi obervado na lupa binocular, com o intuito de ver a granulometria dos grãos e
observar sua composição.
De resto, as etapas de laboratório pós-escavação de curadoria e análise dos
conteúdos das duas campanhas foram praticamente as mesmas.

2.8.3 Curadoria
Para os procedimentos de curadoria e acondicionamento por nós utilizados,
foram consultados manuais de curadoria próprios para esqueletos humanos (NEVES,
1988; DUARTE, 2003; BEZERRA; SILVA, 2009; LESSA, 2011).
As etapas iniciais para a análise esquelética foram a triagem dos elementos
ósseos e dentários, separação do que é humano e do que não é humano, separando os
restos faunísticos e eventuais ecofatos e/ou artefatos de acompanhamento ou intrusões.
Após essa, etapa segue-se a higienização. Os ossos foram limpos à seco com o
uso de borrifadores de ar e pincéis finos. Já em outros casos, quando os ossos estavam
com grumos de terra aderidas na superfície, foram usadas hastes de madeira com
algodão umedecidos em água ou álcool ou acetona anidra. Em alguns casos, foram
utilizados bisturis e curetas de dentista para tirar camadas de terra aderidas a alguns
ossos, tomando cuidado para não arranhar a superfície óssea e comprometer as análises
posteriores.

A limpeza mecânica dos ossos deve ser feita com pincel macio, para a
retirada de sedimentos soltos; com espátulas de madeira (ou instrumentos
adaptados, como palitos de picolé e churrasco) para a retirada de
sedimentos mais duros; e com bisturi ou curetas de dentista para a retirada
de concreções ou incrustações formadas por sais solúveis (LESSA,
2011).

Ao higienizar os dentes, tomou-se cuidado para não destruir os cálculos


dentários, que podem ser utilizados para análises de amido e fitólitos. Da mesma forma,
não foram utilizadas luvas com talco, já que as mesmas contém amido, sendo escolhidas
luvas confeccionadas em látex sem talco.
Quando necessário, foi realizada a consolidação de alguns ossos, para manuseá-
los com maior segurança. A consolidação só foi realizada nos casos onde os ossos
pareciam muito frágeis e eram considerados importantes quanto ao potencial
informativo. Foram utilizados para consolidar, PVA com água e álcool em diferentes
143

concentrações. E, em outros casos, uma solução de acetona anidra (100%) com o


copolímero de etilmetacrilato e metilacrilato (Paraloid B-72), que garante uma maior
resistência aos ossos muito friáveis ou com corticais muito finos e fragilizados. Em
alguns casos foi usado PVA ou paraloid B72 para colar alguns ossos que se
fragmentaram durante a escavação, não sendo realizado o mesmo nas quebras antigas,
perceptíveis pela coloração homogênea da quebra.
Essas etapas de curadoria foram realizadas de duas maneiras:
A coleção osteológica da campanha de 2011 já estava acondicionada e foi
realizada a curadoria básica em campo, onde foi aplicado em algumas concentrações de
ossos uma solução de PRIMAL AC33 (emulsão aquosa elaborada à base de acrílico
(metacrilato) com água para fazer o transporte dos ossos para o laboratório, de modo
que todos os sepultamentos foram desmontados em campo em concentrações e
pequenos blocos e, em alguns casos, escavados e acondicionados em lâminas de isopor,
presas com alfinetes e TNT (tecido não tecido). Com mencionado acima, apenas uma
urna foi escavada em laboratório, sendo igualmente aplicada uma solução de PRIMAL
e água durante a escavação do mesmo.
Na segunda campanha, de 2014, das quatro urnas funerárias, foram retiradas três
urnas intactas e sete recipientes cerâmicos de acompanhamento (dos quais foram
escavados cinco potes) de duas estruturas funerárias para serem escavadas em
laboratório. Uma das urnas funerárias sofreu um acidente em campo ao retirá-la da
câmara lateral, não podendo ser escavada como as outras. Neste caso, foi aplicado
PRIMAL em alguns ossos para garantir maior estabilidade, já que os mesmos estavam
muito fragmentados e friáveis.
O acondicionamento dos fragmentos esqueléticos foi feito em caixas de polionda
ou caixas plásticas, todas forradas e protegidas com lâminas de poliuretano expandido
ou usadas para fabricar pequenas caixas ou moldes para acondicionar os ossos, dentes e
restos faunísticos, quando necessário. Em outros casos, dependendo do estado de
conservação dos mesmos, os ossos foram acondicionados em pequenos sacos plásticos
identificados, ou seguindo números de plotagem, ou por tipos de ossos e partes
anatômicas.
Todos os ossos e dentes foram acondicionadas juntamente com uma etiqueta
plastificada, contendo a identificação do sítio e o elemento ósseo ou dentário. Quanto
144

aos dentes, esses foram acondicionados em TNT e sacos plásticos vedados ao abrigo de
luz.

2.8.4 Tafonomia:
A tafonomia permite reconstruir parte dos processos ocorridos depois da morte
dos indivíduos. Desta forma, estes foram os primeiros a serem observados, buscando-se
observar o aspecto dos ossos, nível de fragmentação e de integridade dos elementos
ósseos.
Para esta etapa, foram utilizados manuais, tais como: Buikstra; Ubelaker (1994),
Haglund; Sorg (1997 e 2002); Behrensmeyer (1978); Taphen (1994); Buikstra (1999);
Brickley; McKinley (2004); e Rap-Py-Daniel (2009). Esta última referência não se trata
especificamente de um manual, mas é um caso de aplicação dos princípios da tafonomia
e arqueotanatologia, adaptados ao estudo de caso de um sítio arqueológico em ambiente
tropical úmido da Amazônia.
Estes processos tafonômicos são divididos em três tipos: os fatores internos; os
externos; e, por último, os humanos, que também são considerados como um fator
tafonômico, devido aos padrões comuns de modificação de restos humanos e não
humanos (HAGLUND; SORG, 2002).
Os fatores internos dizem respeito ao indivíduo e à causa da morte. Então,
considerações quanto à idade (componente mineral em não adultos é menor), à massa
corporal, ao tamanho dos ossos (pequenos ossos têm maiores áreas de contato para os
fatores externos agirem), ao volume dos ossos (longos, curtos ou chatos), à densidade
óssea (compactos ou esponjosos), ao sexo do indivíduo e as suas patologias, que
influenciaram nos fatores externos, que agiram sobre os mesmos. Via de regra, os ossos
de indivíduos infantis tendem a resistir menos aos fatores externos do que os de maior
volume e com corticais mais espessos de indivíduos adultos.
Em seguida, os fatores externos dizem respeito ao tempo que passou enterrado
até ser descoberto e sua relação com os fatores ambientais, como: a presença de água, o
tipo do solo, a temperatura, a presença ou ausência de oxigênio, o tipo de clima, a
acidez/alcalinidade do solo e compreensão do solo. Junto ao ambiente, temos os seres
vivos que fazem parte dele e afetam, igualmente, a preservação dos esqueletos, são os
fungos, bactérias, insetos, mamíferos do seguimento de roedores e escavadores e a ação
de raízes (sejam eles efeitos físicos ou químicos).
145

As alterações causadas nos ossos expostos às intempéries, mais conhecidos pelo


sistema de cotação de Behrensmeyer (1978), e os graus de intemperismo ou Weathering
são medidos numa escala que vai de 0 a 5 (sendo 0 normal e 5 o estágio em que os
ossos estão craquelados, descamando e esfarelando). Outra cotação aqui usada, que
também tem a ver com os fatores externos tanto ambientais quanto os de seres vivos, é o
grau de abrasão/erosão (BRICKLEY; MCKINLEY, 2004) dos ossos, que usa um escore
de 0 a 5, podendo ser ocasionado por solos mais ácidos ou mais alcalinos, assim como
devido à ação de raízes e de fungos.
O ultimo é o fator humano, que podem ser intencionais ou não. Quanto ao
universo funerário, procura-se saber: o arranjo dos ossos, sua distribuição espacial,
profundidade da sepultura, práticas de descarne ativo com marcas de corte próximos às
articulações, exposição ao fogo, ossos carbonizados ou calcinados (coloração,
fragmentação e deformação dos ossos), sepultamentos primários ou secundários,
expostos em cova rasa, perturbações devido ao uso de buracos de poste, onde
previamente existia um sepultamento, e como afirmam Haglund e Sorg (1997:37):
...padrões comuns de modificações humanas dos seres humanos, quer devido
a homicídio, desmembramento, a guerra, o descarnamento, o canibalismo ou
ritual de sepultamento, devem ser incluídos como uma dimensão essencial da
tafonomia (HAGLUND; SORG, 1997:37).

Para entender os gestos funerários é preciso ter em mente que a preservação dos
esqueletos depende das escolhas culturais, de práticas e regras culturais específicas
relacionadas a quando, como e quem é enterrado, se são expostos ao fogo, decapitado,
ritualmente consumido ou reinumado. Deve-se levar em conta os fatores pós
deposicionais que, conjuntamente a estas escolhas culturais, influenciarão o que de fato
se preservará no registro arqueológico (ROKSANDIC, 2002, p. 02).

2.8.5 Arqueotanatologia
Somente após a compreensão dos processos que não controlamos, mas que
podemos prever como ocorreram, é que poderemos diferenciar o que é intencional, de
modo que alguns dos gestos funerários que procuramos observar dizem respeito às
práticas preparatórias e pré-sepulcrais, as práticas funerárias relacionadas ao tipo de
sepultura, a posição do corpo e os acompanhamentos funerários e também as práticas
pós-sepulcrais, como a reabertura da cova e manipulação dos ossos ou corpo, com
146

desmembramentos, descarnamentos ativos ou passivos e os sepultamentos secundários


(DUDAY, 2006, p. 33).
É de vital importância determinar essas informações para cada sepultamento, já
que elas traduzem-se diretamente em práticas funerárias, diferenciando-as, entretanto,
dos efeitos tafonômicos, que ocorrem após a decomposição do corpo e da intervenção
dos agentes naturais (DUDAY, 2006, p.33).
Para que se investiguem adequadamente as escolhas culturais, é necessário
observar “as consequências da decomposição dos tecidos moles, a sequencia de
desarticulação e desintegração dos tecidos conjuntivos entre os ossos e a amplitude
potencial de movimento dos elementos esqueléticos” (DUDAY, 2002, p. 03).
Se faz necessário, então, identificar em campo cada peça ou fragmento
esquelético, reconhecendo a posição e a orientação dos ossos. Além disso, é importante
entender sua relação com os outros ossos e com outros elementos do sepultamento,
identificando os processos de organização da estrutura e tendo um raciocínio
retrospectivo sobre a posição dos componentes, da forma da cova e da preparação do
corpo (DUDAY, 2006; PY-DANIEL, 2009).
Um dos interesses que temos é justamente identificar e diferenciar os
sepultamentos primários dos secundários. E é aí que devemos ter cautela, pois não
podemos assumir simplesmente um sepultamento primário devido à presença de,
praticamente, todos os ossos em relativa conexão anatômica, uma vez que os corpos
podem ser removidos não completamente esqueletizados ou movidos de sua inumação
primária, envolvido em algum tipo de recipiente - uma malha vegetal, uma cesta ou uma
vasilha cerâmica (ROKSANDIC, 2002).
Segundo Duday (2006), a arqueotanatologia procura associar as observações
contextuais do sepultamento às dos processos tafonômicos, tendo o esqueleto humano
como foco principal, o que, segundo Py-Daniel (2009), faz com que essa associação de
métodos vise compreender melhor a evolução dos sepultamentos e os gestos funerários
praticados pelos vivos sobre o morto (PY-DANIEL, 2009, p. 34).
Diferentemente da segunda campanha (2014), da qual pude escavar as urnas,
para a primeira campanha (2011), foi possível inferir alguns dos gestos funerários
através da análise das fotos, vídeos, croquis, perfis, descrições nos diários e relatório de
campo quanto à escavação dos mesmos.
147

2.8.6 Osteobiografias:
De um modo geral, as observações osteológicas seguiram as seguintes etapas:
nas urnas que escavei e naquelas já escavadas anteriormente, realizei uma triagem dos
elementos esqueléticos, organizando-os por partes anatômicas e tipos ósseos,
identificando o número mínimo de indivíduos (NMI) em cada urna (das oito urnas aqui
estudadas, apenas duas continham um NMI de um indivíduo) ou conjuntos de
esqueletos/ossadas das estruturas funerárias.
Em seguida, procurei estimar a idade biológica relativa e a diagnose sexual
sempre que possível, observando a presença e/ou ausência de processos patológicos e
sinais de estresse em busca de traços que os individualizem, assim como os caracteres
não métricos, traumas peri-mortem e post-mortem, diferenciando-os de possíveis
pseudopatologias através da identificação de alterações tafonômicas macroscópicas
presentes nos ossos e dentes.
O protocolo utilizado para uniformizar e padronizar os critérios das análises
esqueléticas foi embasado no Standards for Data Collection from Human Skeletal
Remains (BUIKSTRA; UBELAKER,1994).
Os métodos empregados na análise dos remanescentes esqueléticos seguem,
então, de modo geral, as orientações de Buikstra e Ubelaker (1994). Foram usados
outros manuais auxiliares, eles são: o Human Osteology: Laboratory and Field de
William Bass (1995) e Guidelines to the Standards for Recording Human Remains de
Megan Brickley e Jacqueline I McKinley (2004) para diagnose sexual, estimativa de
idade biológica, alterações patológicas, sinais de estresse e de alterações naturais ou
culturais presentes nos ossos.
Deste modo, o protocolo da análise laboratorial e as fichas de análise foram
elaboradas a partir das fichas para ossos misturados e isolados (commingled and
isolated bones) e para esqueletos completos (quando as condições permitiam), propostas
por Buikstra e Ubelaker (1994). Para o estudo dos remanescentes ósseos. foram
elaboradas fichas de análise, que dependendo das condições do material estudado foram
readequadas. De modo geral, estes estudos visam contemplar análises morfológicas,
osteométricas71 e tafonômicas.

71
Com relação às medições, o material usado foi o paquímetro, compasso, papel milimetrado, régua e fita métrica.
148

Na ausência de coleções de referência para esta análise, foram utilizados


manuais de osteologia humana: o Human Osteology, de Tim White, Michael Black e
Pieter Folkens (2012), Bass (1995); e os atlas e manuais de osteologia infantil
Osteology of Infants and Children de Baker, Dupras e Tocheri (2005) e Juvenile
Osteology: a laboratory and Field Manual de Scheuer, Black e Cunningham (2009).
Já para uma visão mais completa da anatomia, foram usados atlas de anatomia
humana - o Sobotta (2001); Netter (2003); e Feneis e Douber (2000).
Ainda, foi feito uso de uma réplica em tamanho real de resina de um esqueleto
humano, para suprir algumas dificuldades na identificação de fragmentos de ósseos,
otimizando o tempo.
Abaixo, estão seccionados as etapas das osteobiografias para que o leitor
entenda todos os procedimentos de análise aqui adotados.
Número Mínimo de Indivíduos
Para a identificação do número mínimo de indivíduos (NMI), foi realizado o
procedimento padrão, conforme descrito por Ubelaker (1974), White e Folkens (2005,
p. 339) e comentado por Simon Mays (1998, p. 26). Primeiro, procuramos por
fragmentos de ossos não humanos, separando os ossos por tipos, formas, características
anatômicas e lateralidade, prestando atenção nas fragmentações recentes e antigas para
diferenciá-las e colando, quando fosse possível e se a conservação óssea permitisse. Em
seguida, foi feito o pareamento do lado direito e esquerdo, elementos ósseos e dentários
repetidos, de partes esqueléticas pares e impares, embasado na frequência anatômica.
Estimativa de Idade
Apesar de nosso objetivo ideal ser sempre que possível o de conseguir chegar a
idade cronológica (ou do calendário), pois só é possível chegar à idade biológica
(através dos métodos apropriados). Esta tem relação com o envelhecimento químico,
físico e sensorial (FEREMBACH et al, 1980), influenciado por doenças, práticas
culturais, fatores genéticos e atividade ocupacional (BEZERRA, 2012).
As idades biológicas aqui adotadas foram retiradas do Standards for Data
Collection from Human Skeletal Remains (BUIKSTRA; UBELAKER, 1994, p. 9),
divididas do seguinte modo:
 Feto - (antes do nascimento)
 Infante (nascimento– três anos)– 0 a 3 anos
 Criança (três- doze anos)– 3 a 12 anos
149

 Adolescente (doze– vinte anos)– 12 a 20 anos


 Adulto jovem (vinte– trinta e cinco anos)- 20 anos a 35 anos
 Adulto médio (trinta e cinco - cinquenta anos)– 35 a 50 anos
 Adulto idoso (+ cinquenta anos)– mais de 50 anos
Foram utilizados manuais para a estimativa de idade biológica: o Standards
(BUIKSTRA; UBELAKER, 1994); o Human Osteology: Laboratory and Field, de
William Bass (1995); e algumas indicações e tabelas sugeridas em Archaeology of
Human Bones, de Simon Mays (1998).
Foram escolhidos, para as observações morfoscópicas da estimativa da idade, os
fechamentos das suturas cranianas, as uniões das epífises nos ossos longos, a superfície
auricular da pelve, a espessura dos corticais dos ossos longos e da díploe dos crânios, as
erupções dentárias, desgastes ósseos e nas superfícies oclusais de dentes molares. Em
alguns casos, os indivíduos foram caracterizados de acordo com a idade mínima que
teriam, devido à falta de outros elementos diagnósticos, sendo explicitados como
tentativas, indicando sempre uma possibilidade.
Para a obtenção da idade dos indivíduos não adultos, os adolescentes, as crianças
e, principalmente, os infantes, o nível de confiabilidade é maior (BLACK et al, 2000).
Para se chegar à idade em não adultos foi utilizada os estágios de erupção dentária
(BUIKSTRA; UBELAKER, 1994) e foram seguidas as indicações sugeridas do manual
Developmental Juvenile Osteology de Schaefer, Black e Sue (2000). Nesta bibliografia,
são indicadas observações morfoscópicas e medições métricas nos ossos do crânio, das
mãos, ossos longos e centros de ossificação. Para os ossos das mãos dos indivíduos não
adultos, foram usadas para auxiliar na identificação e na idade o atlas Hand Bone Age–
A digital atlas of Skeletal Maturity, de Gilsanz e Ratib (2005).
No quesito da idade, é importante destacar que o uso do sistema de idades acima
citado, divididos genericamente em feto, infante, criança, adolescente, adulto jovem,
médio e idoso, leva em conta apenas a idade fisiológica e não a social, isto é, ao falar
que um indivíduo é um adolescente de 14 a 17 anos de idade, deve-se procurar sempre a
contextualização e o uso da etnografia que, como já dito anteriormente, serve-nos de
inspiração.
Estamos lidando com a história dos antigos ameríndios, que tinham seus
sistemas próprios de classificação etária. Por exemplo, em determinada comunidade um
indivíduo de 12 anos, seja do sexo masculino ou do feminino, pode muito bem ser
150

considerado um adulto e ter papeis sociais próprios de uma mulher ou de um homem


que já alcançaram a maioridade. Com vistas a tal situação, podemos citar o ritual da
menina púbere, entre os Mamaindê (Miller, 2007), um grupo Nambiquara situado no
nordeste do Estado do Mato Grosso, que ficou em reclusão como parte do seu ritual de
iniciação à fase adulta, que inicou após a primeira menstruação.

Logo que tem a sua primeira menstruação, a menina púbere


(wa’yontãdu, menina menstruada) deve permanecer em reclusão em uma casa
construída pelos seus pais especialmente para este fim. Os Mamaindê se
referem a essa pequena maloca feita com folhas de buriti como wa’yontã’ã
sihdu (casa da menina menstruada) 216. Lá a menina deverá permanecer de
um a três meses, ao fim dos quais uma grande festa será feita e os convidados
de outras aldeias Nambiquara virão para retirá-la da reclusão. A menina
(wekwaindu, menina, moça) passa, então, a ser considerada uma mulher
“formada”, conforme explicam os Mamaindê (MIILER, 2007, p. 266).

Índice de robustez
O cálculo do índice de robustez aplicado em pelo menos dois casos foi feito com
base nas medições do úmero, fêmur, tíbia e clavícula, seguindo as recomendações em
Bass (1995).
Registro de Caracteres Não Métricos
Foram identificados alguns caracteres não métricos, observados em crânios,
ossos longos e dentes, embasados principalmente em Buikstra e Ubelaker (1994).
Caracterização odontológica
A dentição foi alvo de uma abordagem simplificada. Esta etapa foi apresentada,
a fim de caracterizar indivíduos com perda de dentes ante mortem, post mortem,
quantificação de dentes soltos, identificação dos presentes e não observáveis.
Estas observações foram embasadas no Standards (Buikstra; Ubelaker, 1994) e
em outros manuais especializados, como: Dental Anthropology (Hillson, 1996), para ver
o desgaste nos dentes; e gerais como Archaeology of Human Bones (Mays, 1998),
durante a observação dos desgastes oclusais e idade em indivíduos adultos.
Diagnose Sexual
Para a diagnose sexual morfológica nos indivíduos adultos, usei Acsadi e
Nemeskery (1970), Ferembach et al. (1980), Buikstra e Ubelaker (1994) e Bass (1995)
para as características morfológicas do crânio; e Acsadi e Nemeskery (1970),
Ferembach et al. (1980), Buikstra e Ubelaker (1994) e Bruzek (2002) para as
características morfológicas da pelve.
151

Já para diagnose sexual métrica nos indivíduos adultos utilizei as indicações


sugeridas no manual Human Osteology: Laboratory and Field (Bass, 1995), indicando a
circunferência, diâmetro e comprimento para os ossos longos, assim como índices de
robustez que pudessem auxiliar na diagnose sexual. Do mesmo modo, usei também
mensurações métricas da cavidade glenoide da escápula.
A terminologia, quanto à determinação sexual adotada, segue quatro
classificações, embasadas em Buikstra e Ubelaker (1994) e White e Folkens (2012):
 -Feminino/Masculino: Grande nível de confiança;
 -Provável Feminino/Provável Masculino: Médio nível de confiança;
 -Possível Feminino/Possível Masculino: Baixo nível de confiança;
 -Indeterminado: Não há elementos diagnósticos;
 -Desconhecido: nenhuma tentativa de determinar o sexo foi tentada.
Abaixo está listado, em um breve esquema, um resumo dos métodos aplicados
para a indicação do sexo, composto por uma mistura dos dois métodos (métrico e
morfológico), porém com maior peso aos métodos morfológicos.

Tipo Métodos morfológicos Métodos métricos

Crânio Ferembach, et Buikstra e Acsadi & --- ---


al.(1980) Ubelaker Nemeskery
(1994) (1970)

Pelve Ferembach et Buikstra e Bruzek (2002) --- ---


al. (1980) Ubelaker
e (1994)
Acsadi &
Nemeskery
(1970)

Ossos longos --- --- --- Bass, 1995 ---

Ossos
planos --- --- --- Bass, 1995

Tabela 2: Métodos aplicados para a indicação do sexo


152

Do mesmo modo que a idade, o sexo é também contextualizado, isto é, como já


mencionei acima, o sexo aqui é diferenciado do gênero. O que significa dizer que um
indivíduo do sexo masculino, por exemplo, pode muito bem ser visto pela sociedade
que o cerca como uma mulher, ou seja, exercer atividades próprias de uma mulher (de
acordo com o modo como isso é visto em dada sociedade), como foi observado por
Pierre Clastres (1995) entre os Ache no Paraguai, onde descreve dois indivíduos do
sexo masculino que desempenham atividades tipicamente ligadas ao mundo das
mulheres dentro desta sociedade.
O primeiro indivíduo citado não tem sorte na caça, o que é algo gravíssimo entre
os Ache porque o faz resignar-se em preparar sua própria comida e exercer atividades
do universo feminino (para esta comunidade), mostrando-se relutante ao carregar seu
cesto, recusando-se a carregá-lo do modo das mulheres, passando uma tira presa à testa
para a cesta ser carregada em cima das costas. Já o segundo indivíduo aceita,
positivamente, seu lugar ao lado das mulheres, confeccionando colares com dentes que
os homens trazem da caça, carregando seu cesto em cima das costas à maneira das
mulheres e aceitando de bom grado seu lugar ao lado delas.
O que há de comum entre ambos é como são vistos pela comunidade. Deste
modo, Clastres (1995) equaciona da seguinte forma tal divisão:

Homem = caçador = arco; mulher = coleta = cesta: dupla equação


cujo rigor regula o curso da vida Ache. Terceiro termo, não há,
nenhum terceiro-espaço para abrigar os que não são nem do arco
nem da cesta. Cessando de ser caçador, perde-se por isso mesmo a
qualidade de homem, vira-se, metaforicamente, uma mulher
(CLASTRES, 1995, p. 212).

Nesta acepção, não se deve pensar aqui em uma divisão binária entre masculino
e feminino, pois seja em sociedades antigas ou atuais existiam e existem certamente
“outros gêneros”.
A arqueóloga Glaucia Sene (2007, p. 37), ao trabalhar sobre questões de gênero
na Gruta do Gentio II em Minas Gerais, lembra que o estudo dos gêneros na
arqueologia deve levar em consideração também as crianças, os adolescentes e os
idosos. Afinal, estes podem desempenhar gêneros diferentes no tempo e no espaço, de
153

modo que uma mesma pessoa de um mesmo sexo (biológico) pode exercer diferentes
papeis sociais e gêneros ao longo de sua vida (SENE, 2007).
Deste modo, esta e outras referências etnográficas e arqueológicas sobre gênero
entre as sociedades ameríndias antigas ou atuais servem para refletir sobre o que o sexo
(biológico) identificado aqui, realmente, pode significar quando contextualizado.
Observação de Paleopatologias e sinais de estresse:
Neste quesito, as observações e registros dos processos patológicos e sinais de
estresse foram realizados a nível macroscópico e com o uso de lupa binocular. Estas
análises utilizaram igualmente as fichas propostas no Standards (BUIKSTRA;
UBELAKER, 1994).
Para a identificação de traumatismos, osteófitos, desgastes articulares, formação
de porosidades ósseas, sinais de estresse nos ossos e nos dentes, entre outros processos
patológicos. Foram utilizados como referência os seguinte manuais e compêndios: o
Identification of Pathological Conditions in Human Skeletal Remains de Donald Ortner
(2003) e o The Cambridge Encyclopedia on Human Paleophatology de Aufderheide,
A.C.; Rodríguez-Martin, C. (1998).
O termo estresse serve para descrever uma miríade de marcadores esqueléticos,
são os casos de remodelamento de ossos nos locais de inserção dos tendões, marcas de
desgaste dentário devido à atrição, hipoplasias e remodelações relacionadas à má
nutrição (MOLNAR, 2006, p. 1).
Entre estes sinais de estresse, foi possível ainda identificar algumas
entesofitóses, conhecidas também como marcadores de estresse ocupacional (MEO). O
que, segundo a arqueóloga e bioantropóloga Cláudia Rodrigues Carvalho (2004), é
usado para designar um conjunto de marcas patológicas e não patológicas, que podem
gerar indícios no esqueleto quanto a solicitações mecânicas ocorridas durante a vida
do indivíduo, principalmente as relacionadas às atividades repetitivas e cotidianas
(CARVALHO, 2004, p.12).

Entre os principais tipos de MEO, podemos destacar as evidências de


degeneração articular (osteoartroses), fraturas por estresse, os marcadores
de estresse mecânico-postural (MEP), e os marcadores de estresse músculo
esquelético (MEM), um subconjunto de indicadores cujo estudo é mais
recente e baseia-se na análise das áreas de fixação dos músculos e
ligamentos (Hawkey & Merbs, 1995; Kennedy, 1998; Peterson & Hawkey,
1998). Embora estes últimos sejam geralmente referidos como marcadores
não patológicos Hawkey (1998), incluem em seu conjunto, as chamadas
154

lesões de estresse e ossificações, que resultam de eventos traumáticos que


afetam a região de fixação muscular (CARVALHO, 2004, p. 12-13).

Para eventual presença de marcadores de estresse ocupacional e de mecânico-


postural, foram utilizados o Atlas of Occupacional Markers on Human Remains de
Luigi Capasso, Kenneth A.R. Kennedy e Cynthia A. Wilkzak (1999).
Também serviram de referências uma tese de doutorado e uma dissertação de
mestrado sobre o tema marcadores de atividade ocupacional, ambos tratam de
sambaquieiros. Em primeiro lugar, a tese de Cláudia Rodrigues Carvalho, para o litoral
72
fluminense (CARVALHO, 2004) e, em segundo, a dissertação de Adam Reiad
Abbas, para o litoral catarinense (ABBAS, 2013) 73.
A intenção de observar estas atividades cotidianas laborais não ignora as
diversas atividades lúdicas, ligadas ao universo cosmológico/religioso (CARVALHO,
2004), que certamente ocorriam ocasionando tais estresses nas inserções musculares,
articulações, dentes etc.
Estes dois trabalhos acima citados, apesar dos objetivos, temas e contextos de
pesquisa diversos do meu, são bons exemplos de trabalhos que lidam com a plasticidade
do corpo em sociedades ameríndias antes do contato com a frente de colonização
europeia, e que está em consonância com a ideia do corpo construído em vida e também
na morte, que tenho argumentado.
Tratamento dispensado aos corpos (faz parte dos fatores tafonômicos humanos, o que
inclui também gestos funerários)
O tratamento dispensado ao corpo diz respeito à presença ou não de marcas de
descarnamento, exposição ao fogo e pigmentação vermelha aplicada à superfície dos
ossos, além da posição e orientação em que foi colocado o corpo ou os remanescentes
esqueléticos dos indivíduos.
Já os três itens restantes não dizem respeito ao corpo em si, mas dizem respeito à
identidade dos sepultados e sua contextualização. Desse modo, vai de acordo com o que
é defendido aqui como osteobiografias e, igualmente, faz parte dos gestos funerários:

72
Marcadores de Estresse Ocupacional em Populações Sambaquieiras do Litoral Fluminense
73
Os sepultados de Jabuticabeira II, SC – insights e inferências sobre padrões fenotípicos, análise de modo de vida e
organização social através de Marcadores de Estresse Músculo-Esqueletal.
155

Descrição das Estruturas Funerárias


Foi realizada uma descrição do local, intencionalmente, preparado para o
sepultamento. Assim, é feita uma tipologia das estruturas funerárias, procurando
mostrar a morfologia e dimensões das mesmas, seus limites e demarcações.
Tipos de sepultamentos e tipo de deposição
Dentro das estruturas funerárias, são descritos os tipos de sepultamentos. Se
foram encontrados dentro de urna ou se direto no solo, sem um invólucro visível e,
quando possível, identificar se é uma deposição funerária primária ou secundária.
Análise dos acompanhamentos funerários
A análise dos acompanhamentos funerários foi dividida em três partes. A
primeira se refere às descrições das próprias urnas funerárias (tampada ou não, altura,
diâmetro, forma, estilo e filiação cultural das urnas). Já a segunda menciona a descrição
dos conteúdos externos às urnas, pois refere-se à descrição dos potes, bancos, vasilhas e
tigelas (decoração, estilo e filiação cultural das mesmas), depositadas próximo às urnas
funerárias. E, por fim, foi feita uma descrição dos conteúdos internos às urnas, que
dizem respeito àqueles artefatos (fauna, contas, pingentes) e ecofatos, como pequenos
carvões encontrados junto aos sepultamentos.
Foi realizada uma descrição das estruturas negativas em que havia sido
identificados vestígios de ossos, fauna e carvões com cerâmicas decoradas, com o
intuito de plotá-las em um mapa elaborado no arcgis com as estruturas analisadas, a fim
de mostrar a distribuição espacial dos sepultamentos e outros tipos de depósitos.
Quanto ao quesito das análises dos artefatos dentro das urnas, recorri à
bibliografia especializada em relação ao uso de adornos na arqueologia e etnografia
(GASSON, 2002; ROTH, 1924).
Já para a presença de objetos de matéria prima desconhecida (rochas, cristais,
pigmentos), contei com o auxílio de profissionais de outras áreas, como: geólogos e
paleontólogos dos setores de Geologia e Paleontologia, assim como especialistas em
botânica dos setores de Paleoetnobotânica e zoólogos de Malacofauna do Museu
Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Museu Nacional/UFRJ).
156

Para deduzir algumas das matérias primas, foram utilizados reagentes químicos
como HCL 10% em algumas amostras selecionadas para indicar presença de carbonatos
e o uso de Lugol para indicar a presença de amidos.
No Instituto de Pesquisas Tecnológicas e Científicas do Amapá (IEPA), tive
auxílio de pesquisadores ligados ao setor de Mastologia, Ictiologia, Entomologia,
Carcinologia e Geologia.
No IEPA, tive a oportunidade de visitar as coleções de referência de mamíferos,
e contei com a ajuda de técnicos especialistas e pesquisadores na identificação de outros
animais.
Do mesmo modo, contei com o auxílio de uma especialista em zooarqueologia
da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA).
Nesta dissertação, não foi realizado um estudo zooarqueológico74 de fato nos
restos faunísticos, mas sua contabilização e, quando possível, sua taxonomia e
identificação de possíveis marcas de uso ou alterações antrópicas. Por fim, a busca em
bibliografias especializadas sobre a ocorrência destes fragmentos faunísticos.
Abaixo, estão resumidos os protocolos com os procedimentos de escavação das
urnas em laboratório e os procedimentos laboratoriais de curadoria e análises
(embasados em BUIKSTRA; UBELAKER, 1994; PY-DANIEL, 2009; WHITE et al,
2012):

PROCEDIMENTOS DE ESCAVAÇÃO DAS URNAS EM LABORATÓRIO:


1. Escavação dividida por quatro setores (rosa dos ventos): setor Nordeste,
Sudeste, Noroeste e Sudoeste75.
2. E/ou escavação por números de plotagens.
3. Desmonte por camadas de ossos, removendo o máximo de terra ao redor para
expor os conteúdos da urna.
4. Exposição dos ossos e das articulações, assim como possíveis restos faunísticos,
acompanhamentos internos, adornos, etc.
5. Identificação e registro dos elementos esqueléticos humanos.
6. Identificação e registro das faces em que aparecem os ossos, assim como sua
posição dentro da urna.

74
As análises zooarqueológicas estão em andamento. O que exponho aqui são apenas observações expeditas.
75
Com exceção de um terço de urna escavada por plotagens e tomada de alturas.
157

7. Identificação prévia de sexo, idade e número mínimo de indivíduos.


8. Tomar as devidas medições dos restos esqueléticos e medida da altura dos
mesmos.
9. Descrição da relação anatômica dos ossos.
10. Fotografias e croquis de áreas amplas e seccionadas de cada etapa de
desmonte.
11. Acondicionamento dos conteúdos retirados da urna pelo número referente à
camada (altura) e posição dentro da urna (setores).

PROCEDIMENTOS DE CURADORIA E ANÁLISE LABORATORIAL:


1. Limpeza a seco para tirar os sedimentos aderidos aos restos esqueléticos e
outros conteúdos (pincel, bisturi, cureta de dentista, palitos de madeira,
borrifador de ar)
2. Fotografias amplas e seccionadas de restos esqueléticos especialmente
diagnósticos, assim como outros conteúdos.
3. Identificação e triagem dos elementos esqueléticos humanos, separando os
restos faunísticos ou não identificáveis, adornos e outros conteúdos.
4. (Quando necessário) Limpeza dos ossos com acetona anidra
5. (Quando necessário) Consolidação dos ossos muito frágeis que permitem bons
diagnósticos.
6. Observação dos processos tafonômicos macroscópicos nos restos esqueléticos
relacionados aos processos externos, internos e humanos.
7. Descrição e fotografias dos elementos faunísticos.
8. Descrição e fotografias dos acompanhamentos internos e externos.
9. Aplicação de ficha de análise para ossos misturados e isolados.
10. Osteobiografias e análise dos gestos funerários
 Número Mínimo de Indivíduos
 Estimativa de Idade
 Índice de robustez
 Registro de Caracteres Não Métricos
 Caracterização odontológica
 Diagnose Sexual
 Observação de Paleopatologias e sinais de estresse:
158

 Tratamento dispensado aos corpos


 Descrição das Estruturas Funerárias
 Tipos de sepultamentos e tipo de deposição
 Análise dos acompanhamentos funerários
- descrições das próprias urnas funerárias
-descrição dos conteúdos internos às urnas
Após explicitar minha abordagem teórica e metodológica, exponho nas linhas
que se seguem os resultados obtidos nas análises dos gestos funerários, das
osteobiografias e dos processos tafonômicos, centrados nas três estruturas funerárias
supracitadas, mas também levei em consideração as outras estruturas do sítio, que
foram, igualmente, por mim investigadas. Em boa parte dessas estruturas, foram
realizadas análises de eventuais restos faunísticos e da relação dessa estrutura em si em
seu contexto.
159

CAPITULO III- Resultados das análises dos sepultamentos


registrados no sítio Curiaú Mirim I
Esse capítulo é dedicado as apresentações dos resultados obtidos a partir das
análises esqueléticas. Mesmo que não seja foco deste mestrado se aprofundar na análise
cerâmica, faz parte deste exercício apresentar os acompanhamentos funerários e as
estruturas arqueológicas que podem ter tido uma função voltada para os sepultamentos.
Em relação aos materiais arqueológicos provenientes do resgate emergencial (PT
01) e da primeira campanha do sítio Curiaú Mirim I (2011), que não foram escavadas
por mim, as análises contaram antes de tudo com a boa documentação feita pela equipe
do NuPARQ- IEPA.
Posteriormente, com a escavação da segunda campanha e os achados inéditos,
tanto para a Amazônia quanto para a Bioarqueologia, fez parte do processo de análise
em laboratório criar/readequar protocolos de escavação, principalmente, de urnas
funerárias a serem escavadas depois da vinda do campo. De maneira geral, no que se
refere à descrição osteológica, estão inseridos igualmente, conteúdos internos à urna
funerária, gestos funerários, tratamentos dispensados aos remanescentes esqueléticos.

3.1 POÇO TESTE 01 (PT 01)


Trata- se de um achado vindo do resgate emergencial de uma estrada de acesso
ao Curiaú. Antes do momento da chegada da equipe de arqueologia do IEPA, curiosos
remexeram seu conteúdo e o local de deposição da mesma, o que prejudicou o processo
de definição da urna funerária, se estaria depositada em uma estrutura tipo fossa ou em
um poço.
Apesar de seu contexto prejudicado, foi escavado um poço teste (PT01) em
2010, o qual é aqui apresentado em maiores detalhes. O mesmo se localiza a poucos
metros da área escavada em 2011 e 2014, e faz parte do mesmo sítio. Inserida em uma
matriz de sedimento escuro com cacos cerâmicos, havia uma urna funerária que possuia
a morfologia globular lisa relacionada à chamada fase Mazagão (figura 33).
160

Figura 33: Urna funerária localizada no poço-teste 1 (PT01) e desmonte dos elementos esqueléticos por
plotagens. Fonte: Acervo IEPA.

A urna retirada em campo foi escavada em laboratório pela então técnica Daiane
Pereira, que realizou o desmonte dos elementos esqueléticos por meio de números de
plotagens.
Não há elementos seguros para saber o sexo biológico do indivíduo, pois o
esqueleto em questão, de modo geral, seria tido como robusto, com diâmetro dos ossos
longos espessos, alguns poucos fragmentos do crânio mais inteiros parecem ser mais
proeminentes e com díploe também espessa, ossos longos com inserções musculares
bem marcadas, e chama a atenção a presença de cortical muito espesso, principalmente,
nos fêmures, tíbias e em uma diáfise de um úmero.
A partir das fotos de campo do resgate emergencial da urna funerária do PT 01,
é possível ver que os ossos longos estavam dispostos em “feixe” junto à parede oeste da
urna, lembrando uma clássica descrição de sepultamento secundário. Somando- se a
isto, existe pouca representatividade dos ossos dos pés, mãos e esquelética em geral.
Neste caso, os processos tafonômicos, diagenéticos e a abertura da urna funerária pelos
curiosos podem ter contribuído para a perda de informações.
Na análise laboratorial, pode-se identificar um indivíduo adulto com idade
estimada de até 30 anos (MILES, 1963 apud MAYS, 2002), dada a presença de desgaste
oclusais nos dentes molares.
Em relação aos dentes, registrou- se vários graus de desgaste: dentes incisivos 4
a 5 graus, o que indica desgaste moderado; dentes molares 5 a 6 graus de desgaste
moderado a avançado (HILSON, 1996). Os dentes incisivos possuem uma morfologia
161

em formato de pá, algo comum segundo a literatura para grupos nativos americanos
(PEREIRA; MELLO; ALVIM, 1979; WHITE et al., 2012).
Quanto aos acompanhamentos internos, continham uma conta em dente e dois
artefatos cilíndricos em forma de fusos, confeccionados em rocha de coloração
esverdeada, que lembram tembetás (figuras 34 e 35).

Figura 34 Fusos em rochas esverdeadas (Acervo IEPA)

Figura 35: Conta de dente (Acervo IEPA)

É importante destacar que o foco desta dissertação está voltado, principalmente,


para as estruturas arqueológicas das campanhas de 2011 e 2014. Dentro deste percurso,
apresento as estruturas arqueológicas vindas de cada campanha, começando pelas fossas
e, posteriormente, apresento os poços funerários.

3.2 CAMPANHA DE 2011


A estrutura 42, formada por três deposições, é apresentada novamente após a
exposição das osteobiografias e dos gestos funerários. Apesar de comporem a mesma
162

estrutura e o mesmo contexto funerário/cerimonial, as estruturas 42B e 42C foram


analisadas e expostas aqui de modo separado.
Além destas estruturas, procurei descrever outras que estão plotadas e
referenciadas no mapa de localização espacial das estruturas escavadas. Tais estruturas
foram igualmente investigadas, algumas delas continham vestígios faunísticos
identificáveis; outras não continham ossos ou se continham, estavam muito
fragmentados e decompostos para realizar as análises. Entretanto, realizei observações
gerais dessas estruturas, já que as mesmas se tratavam de prováveis estruturas com
deposições cerimoniais/funerárias.
Tais estruturas, que serão aqui apresentadas, foram dividas da seguinte forma: as
estruturas 1052 e 39 são uma fossa rasa e um poço, respectivamente; as estruturas 40,
44 e 45 são fossas que possuem buracos de poste no interior das mesmas; as estruturas
1001, 1049, 33, 12, e 60 são deposições de vasilhas e urnas; as estruturas 01 e 56 são,
respectivamente, um poço e uma deposição de vasilhas. Apresento, ainda, ao final do
capítulo, duas estruturas tipo fossa, que são provavelmente de outra natureza - não
cerimonial/funerária - e um buraco de poste, representadas pelas estruturas 59, 51 e 35,
respectivamente.
As observações, aqui levantadas no capítulo de resultados, são discutidas e
interpretadas no capítulo de discussão dos dados.

3.2.1 Estrutura 42
A estrutura 42 (figura 36) é uma imensa fossa de formato irregular com
profundidade máxima de 90 cm e diâmetro máximo de 7, 5 metros, formada por um
grande conjunto de fossas preenchidas por terra preta, cacos cerâmicos decorados, que
possuem características que se assemelham à fase Marajoara, seguida de cacos
cerâmicos com estilo decorativo que são similares àquelas da fase Mazagão e
fragmentos cerâmicos com elementos diagnósticos referentes à fase Koriabo, além de
líticos brutos, entre eles: hematitas e limonitas, e pelo menos um lítico polido.
Essa fossa escavada no latossolo amarelado possui três deposições distintas,
delimitadas por seus respectivos conteúdo, sendo que todas estão envolvidas em um
único contexto de deposição. Como dito anteriormente, a fossa central, denominada 42,
contém o arranjo funerário (figura 25), seguida pela 42B e 42C, formadas por conteúdos
faunísticos, carvões e cerâmicas decoradas.
163

cm

Figura 36:Desenho de perfil da estrutura 42. Arte: Jelly Lima.

3.2.1.2 Estrutura 42A


A estrutura 42-A foi assim chamada para destacar a fossa na porção central da
estrutura 42. Nela, foram encontrados, na matriz de sedimento escuro, que cobria o
arranjo funerário, fragmentos cerâmicos associados à fase Mazagão e Koriabo (figura
35), cujas tipologias identificadas foram jarros e tigelas restringidos, além de tigelas
carenadas não restringidas.
A B
C

Figura 37: Cerâmicas decoradas presentes na matriz de sedimento, que recobria o arranjo funerário da
estrutura 42 (Acervo IEPA - composição Alan Nazaré). Tais cerâmicas se assemelham ao estilo Ananatuba (A),
Mazagão (B), Marajoara (C) e Koriabo (D).

O arranjo funerário (figura 36) é formado pela deposição de três urnas funerárias
- A, B e C - contendo esqueletos humanos, uma vasilha votiva vazia e uma tigela
também vazia. Estas, por sua vez, delimitavam três deposições diretas no solo de
ossadas humanas - conjunto 1, 2 e 3.
164

Urna C
2

Urna B

Urna A

3
1

Figura 38: Arranjo funerário na estrutura 42A: No sentido horário temos a urna A, B e C (com uma vasilha
posicionada à frente da mesma). Delimitada pelas urnas também no sentido horário, temos o conjunto 1, 2 e 3.
(Fonte: Acervo IEPA).

3.2.1.2.1 URNA A
Acompanhamentos externos:
A urna A é uma vasilha lisa com lóbulos ou “gomos” (figura 39), possuindo 15
cm de diâmetro de abertura e 18 cm de altura e, segundo Alan Nazaré (apud Cabral e
Saldanha, 2012), possui banho monocrômico vermelho na superfície externa. Na parte
interna da urna, junto à base, foram encontradas concreções de cálcio dos ossos, que
estavam aí depositados e grudados, provavelmente devido à dissolução dos sais
minerais em virtude da descalcificação e dos processos diagenéticos ocorridos no local.

Figura 39: urna funerária lisa com gomos e tampa com decoração amarela longitudinalmente junto à borda
(Acervo IEPA).
165

A tigela, que servia de tampa (figura 40), possui 18,5 cm de diâmetro e tem
banho monocrômico branco na superfície externa e interna. Na superfície externa, junto
à borda, há uma faixa amarela sobre o banho branco. Na interna, já meio apagado pela
ação do tempo, há indícios de pintura preta sobre o fundo branco, formando decorações
curvilíneas por toda a parede interna próximo à borda (figura 41).

Figura 40: tampa com pintura em faixa amarela na borda logitunalmete junto à superficie externa, cobrindo
toda a circunferência. (Acervo IEPA).

Figura 41: Tampa da urna com pintura de cor preta.


166

Escavação em campo/ gestos funerários


Durante a escavação do interior da urna, foi registrado que esta possuía um
sedimento com textura arenosa, coloração cinza, natureza friável e heterogênea,
presença de raízes e radículas. Ainda foi percebida uma mancha de sedimento
amarelado com textura arenosa, mancha esta relacionada com a presença de ossos nos
níveis subsequentes dentro da urna.
No nível inicial da escavação, foram evidenciados fragmentos de crânio, que
apareciam espalhados e fragmentados, com duas concentrações, uma a nordeste e outra
a sudoeste.
Tudo indica que estas concentrações, que parecem se tratar de ossos do crânio,
tenham sido esmagadas quando a tampa da urna cedeu ao peso da terra e, também,
devido ao sedimento que entrou pelas laterais nas paredes da urna que se fragmentou.
Em campo, estas concentrações foram reconhecidas como pertencentes a um
crânio, mas olhando as fotos, parecem se tratar de dois crânios. Mencionados nas fichas
de escavação, estes ossos estavam muito friáveis, desmanchando-se até mesmo ao
passar o pincel (figura 42).

Figura 42: Foi observada a presença de dois crânios, que não resistiram à escavação devido à extrema
friabilidade. (Acervo IEPA).

Ao norte, ao lado de uma das concentrações de ossos chatos, que lembram uma
abóboda craniana, é possível observar um fragmento de osso, que pode ser de uma
pelve, porém este estava muito friável e não resistiu ao ser retirado da urna.
Em cima desses ossos chatos, foi possível evidenciar dentes decíduos,
fragmentos de costelas e um de mandíbula.
167

Abaixo destas concentrações, depois de tirar o sedimento que estava abaixo das
mesmas, foram recolhidos diversos fragmentos de costelas, de corticais de ossos longos
e chatos, falanges, arcos neurais de vértebras, fragmentos de ossos que permitiram
visualizar pedaços de maxila, e processos alveolares de uma mandíbula ou maxila com
um dente molar ainda não erupcionado, além de traços de dentes molares ainda não
erupcionados e outros cacos mais reduzidos de dentes.
Próximo à base e finalizando a escavação, abaixo dos ossos mencionados acima,
foram evidenciados um fragmento de mandíbula encontrado ao oeste. Junto a este,
estendendo-se ao leste na urna, ao ver as fotos de campo, é possível observar que há
vários ossos longos. Entre esses, percebe-se uma fíbula com a porção distal e proximal
estendida horizontalmente de sul a norte. Entre a fíbula e a mandíbula, é visível alguns
ossos irregulares, que parecem ser de dois corpos vertebrais não fusionados.
Mais ao oeste, temos outras costelas, um osso que parece ser uma clavícula,
quatro diáfises de ossos longos, deitados com a porção distal e proximal de leste a oeste.
Ao norte destes ossos longos, é possível identificar mais fragmentos de crânio, com o
cortical descamado, aparecendo a díploe (figura 43).

Figura 43: Igualmente ao crânio, vários ossos longos não resistiram à escavação devido à extrema friabilidade.
(Acervo IEPA).

Devido ao tamanho diminuto dos elementos ósseos, como: a costela e alguns


ossos longos, foi interpretado que esta urna continha um indivíduo não adulto.
Foram evidenciadas raízes que cresceram dentro da urna, estendendo-se pelas
paredes da mesma, fragmentando ainda mais a urna e os elementos esqueléticos em seu
interior. Somado a isto, deve-se mencionar a presença de radículas que, por vezes,
perpassavam os ossos.
168

Nas paredes e na base do interior da urna, foram evidenciadas manchas brancas,


provavelmente resultado de processos de dissolução dos elementos esqueléticos.
Ao serem retirados os ossos, foi aplicado um adesivo plástico (PRIMAL) diluído
em água, o que auxiliou sua retirada e preveniu que não se deteriorassem ainda mais.
Em vista da fragmentação dos elementos esqueléticos da urna e da friabilidade
dos ossos, muitos elementos esqueléticos não puderam ser salvos durante a sua retirada.
Descrição osteológica:
Em primeiro lugar, os fragmentos esqueléticos foram selecionados e
inventariados de acordo com os procedimentos analíticos sugeridos por Jacqueline I
McKinley em Guidelines to the standards for recording human remains (Brickley;
McKinley, 2004, p. 14 ) para casos de “arranjos ou conjuntos rituais” (ritual
assemblages). Os fragmentos retirados de dentro da urna foram separados por
categorias, tais como: corticais de ossos longos, mandíbulas, ossos longos, vértebras,
costelas e dentes. Os ossos do crânio foram divididos em duas categorias: ossos do
neurocrânio e do esplancnocrânio (face), sendo contabilizados todos os fragmentos.
Depois, foram separados os fragmentos corticais e trabeculares menores que 20 mm,
que não puderam ser identificados, sendo catalogados e acondicionados, separadamente.
No total, foram contabilizados 1229 fragmentos ósseos76, excluindo da análise
1021 fragmentos menores que 20 mm de diâmetro que em sua maioria possuíam de 1 a
10 mm e apresentando-se muito friáveis, a maioria eram ossos corticais de fina
espessura em média de 1 a 1,5 mm. Somente 208 fragmentos foram analisados por
permitirem obter maiores informações.
Foi possível reconhecer 10 fragmentos de corticais de ossos longos, com
espessura de 1 a 2 mm, separados dos outros, que permitiam um nível de
reconhecimento maior.
Foram observados 71 fragmentos de costelas: 33 fragmentos de arcos neurais de
vértebras; 38 fragmentos de calota craniana (occipital, temporal, frontal e parietais); 1
fragmento da porção escamosa do osso frontal com a face orbital direita do osso frontal;
1 fragmento do osso temporal com parte petrosa com meato acústico direito; 1
fragmento de maxila com um dente inciso não eclodido na cavidade alveolar; dois

76
Para a contagem dos fragmentos ósseos, contei com a ajuda da bolsista de apoio técnico Rafaela Soares.
169

fragmentos de mandíbulas - uma parte basilar do occipital e uma lateral direita do


occipital.
Além destes, foram contabilizados 27 fragmentos de dentes e 2 dentes na
cavidade alveolar de um fragmento de mandíbula e de um de maxila, que não chegaram
a eclodir; 11 fragmentos de ossos longos (entre eles: o terço distal da diáfise de um
rádio direito, o terço distal da diáfise de uma tíbia direita, uma diáfise de uma fíbula e a
diáfise de um osso longo, talvez de um fêmur ); e 10 fragmentos de falanges, metacarpo
e metatarso (reconhecidos uma primeira falange proximal do pé esquerdo, uma primeira
falange distal do pé direito, uma terceira falange medial da mão direita, a segunda
falange distal da mão esquerda, quarta falange medial direita, um fragmento de um
metatarso e um de metacarpo ).
Os fragmentos ósseos, de um modo geral, estão com um grau moderado a
avançado de erosão da superfície cortical, com exposição da trabécula e díploe. Os
processos erosivos e abrasivos devem ter ocorrido devido ao contato da superfície
cortical com a terra que entrou na urna, provavelmente por cima, devido ao peso da
terra sobre a tampa que a cobria, que já se encontrava muito fragmentada antes de sua
escavação em campo.
Isso deve explicar a quantidade de radículas que se espalharam por dentro da
urna e saíram pelas rachaduras e frestas das paredes da vasilha, provavelmente
fragmentadas pela pressão da terra exercida para dentro da urna. Essas mesmas raízes,
como se pôde observar em campo e depois no laboratório, perpassavam os fragmentos
ósseos, ocasionando abrasão e deixando marcas nos ossos, como sulcos dos caminhos
por onde estas passaram. As mudanças na cor, em alguns pontos nos ossos,
provavelmente foram originadas por atividade de fungos e bactérias no processo de
decomposição do corpo. O grau de erosão geral dos ossos é entre 3 e 4, segundo o
modelo de graduação de processos abrasivos/abrasivos proposto por McKinley
(BRICKLEY; MCKINLEY, 2004, p. 14). A presença de pontos escuros, devido às
bactérias e aos fungos, ocorreu preferencialmente com corpos que não sofreram nenhum
tipo de descarnamento.
O número mínimo de indivíduos foi obtido pela contagem dos fragmentos, que
puderam ser reconhecidos com o aparecimento de algum elemento ósseo par ou único,
com um ou dois exemplares a mais. Não foram encontrados ossos pareados e nem
duplicatas, com exceção de dois fragmentos de mandíbula. Estão faltando muitos ossos
170

e os fragmentos de costelas e de arcos neurais não permitem uma identificação segura.


Os ossos longos permitiram observar, apesar de não haver duplicatas, diferenças no
desenvolvimento e no tamanho (mesmo com a diáfise fragmentada), sugerindo ossos
longos da tíbia e do fêmur, por exemplo, como pertencentes a indivíduos diferentes.
Dessa forma, o número mínimo de indivíduos foi de pelo menos dois, como se
observa com a presença de dois fragmentos respectivos à duas mandíbulas ( figura 44 ),
que em campo se pensou tratar de um fragmento de maxila ou duas metades de uma
mesma mandíbula.

Figura 44: Duas mandíbulas pertencentes à indivíduos diferentes.

Uma das mandíbulas possui vascularização em torno de uma pequena fratura


(figura 45), que não parece ser tafonômico, mas antemortem.

Figura 45: Mandíbula com lesão externa aparente e porosidades adjacentes à tal lesão.
171

Foram contabilizados 27 fragmentos de dentes soltos, entre eles: seis dentes


molares permanentes não erupcionados e quatro fragmentos de dentes molares,
provavelmente, decíduos. Foi observado que a maioria destes estava somente com a
coroa desenvolvida, não chegando a eclodir.
Em um fragmento de maxila, foi observado um dente canino decíduo não
erupcionado e com a coroa já formada, parecendo indicar uma idade em torno de nove
meses (+/- 3 meses) e um ano de idade (+/- 4 meses).
As vértebras estão muito fragmentadas, mas é possível visualizar algumas
metades de arcos neurais de vértebras cervicais e torácicas, das quais, nos fragmentos
em que foi possível verificar, algumas não estavam fusionadas.
Destes fragmentos de vértebras, pelo menos dois de metades de arcos neurais já
estavam fusionadas. Em uma delas, uma cervical C3 parece indicar um indivíduo de 2 a
3 anos de idade (figura 46).

Figura 46: vértebra cervical fusionada

Foi possível ainda, destes fragmentos de vértebras, identificar um dente do axis,


que parece pertencer a um indivíduo perinatal.
A partir da medição da parte basilar do occipital (figura 47), pode-se também
estimar uma idade, estabelecida para indivíduos pós-natais, de acordo com as medidas e
escores contidas em Scheuer; Black (Schaefer; Black; Sue, 2009).
172

Figura 47: Parte basilar do occipital que permitiu estimar a idade; observa-se a superfície com porosidades,
indício de hiperostose porótica.

O resultado obtido na medição dos ossos foi comparado com tabelas de idade e
medidas desses pesquisadores. A idade obtida foi em torno 9 meses a 1 ano e 4 meses.
As medidas obtidas foram: a largura máxima* (lado esquerdo fragmentado, mas ainda
permitindo sua medição com segurança) da parte basilar igual a 20 mm, altura sagital
igual 15 mm e altura máxima a 18 mm.
Quanto às patologias ou aos sinais de estresse, foi identificada, em um
fragmento de uma das mandíbulas, uma lesão porótica e, na parte basilar do osso
occipital, porosidades, provavelmente associadas aos processos que levaram ao aumento
de vascularização na área (ORTNER, 2003).

3.2.1.2.2 URNA B
A urna B é uma vasilha globular lisa (figura 48), que possui diâmetro da abertura
de 20 cm e altura de 34 cm. Já a tampa é formada por uma tigela carenada (figura 49) e
possui diâmetro da abertura com 26 cm.
173

Figura 48 e 49: À esquerda, urna funerária globular e lisa e à direita tigela/tampa lisa carenada. (Acervo
IEPA).

Escavação em campo/ gestos funerários


Esta urna continha uma tampa, que estava completamente fragmentada, tendo a
vasilha preenchida por sedimento até a borda. No interior da urna, o sedimento era de
natureza homogênea e friável, de coloração cinza, textura arenosa e composta por
radículas em seu interior.
O crânio encontrava-se virado de cabeça para baixo (figuras 50 e 51), com a face
voltada para o oeste, assentada em um osso da pelve, duas costelas e o terço proximal da
diáfise de um húmero deitado horizontalmente. Um outro osso pélvico estava localizado
ao norte do crânio, abaixo desta pelve foi encontrado um fragmento de mandíbula. Ao
leste do crânio, foram identificados os ossos longos apoiados no crânio, em posição
diagonal ou deitados ao lado deste. Abaixo dos ossos longos, foram identificados
fragmentos de costelas, vértebras, clavículas, ossos longos, carpos, metacarpos, tarsos e
metatarso. Além disto, outro fragmento de mandíbula foi encontrado ao nordeste do
crânio.
174

Figura 50 (esquerda) e 51 (direita): Processo de escavação em campo da urna funerária B, percebe-se o crânio
depositado com a calvária voltada para baixo encimando as pelves e a face orientada para oeste, assim como os
ossos longos posicionados encostados na parte posterior do crânio e outros deitados horizontalmente junto ao
crânio. (Acervo IEPA).

Foi aplicada o adesivo plástico PRIMAL nos ossos desta urna, a fim de que os
mesmos pudessem ser retirados e transportados, diminuindo a fragmentação e a perda
de informação.
Acompanhamento interno:
Foi identificado um fragmento de diáfise de um pequeno osso longo não
humano, proveniente de fauna ainda não identificada.
Descrição osteológica:
O adesivo plástico PRIMAL, apesar de ter auxiliado na preservação dos ossos,
acabou criando uma película amarelada e com sujeira, que além de difícil remoção,
acaba dificultando a observação da superfície dos ossos.
O estado de preservação óssea varia de grau 1 ou 100% a 75% completo; grau 2
ou de 75% a 25%; e grau 3, significando um péssimo estado de preservação, com menos
de 25% de elementos ósseos completos (Buikstra; Ubelaker, 1994).
O estado de preservação, em geral, foi de grau 2, significando um bom estado
de preservação óssea, possibilitando algumas análises métricas e morfológicas, que
podem corroborar para um maior esclarecimento acerca das perguntas estabelecidas
para este estudo. Além disso, permite vislumbrar o quanto os processos tafonômicos
estavam agindo no registro arqueológico.
Foi necessário reorganizar os fragmentos ósseos e observar a presença ou não de
pareamento dos ossos longos, buscando observar a lateralidade. Foram, então,
separados alguns fragmentos ósseos de corticais menores que 20 mm, de trabeculares
175

não identificados e fragmentos que variam de 20 a 30 mm, mas que estavam muito
frágeis e friáveis.
A realização da contagem do número mínimo de indivíduos (NMI), que deu
resultado de pelo menos dois indivíduos, foi realizada a partir do pareamento dos ossos
e das comparações na textura e na coloração dos ossos, juntamente com a ajuda das
fotografias de campo. Os ossos identificados são: uma clavícula direita, um úmero
esquerdo, um úmero direito, uma ulna direita, um rádio direito, um fêmur esquerdo, um
fêmur direito, uma tíbia direita, uma tíbia esquerda, uma fíbula esquerda, uma fíbula
direita, um sacro, uma pelve esquerda, uma pelve direita, falanges da mão esquerda,
metacarpos da mão direita e esquerda e metatarsos do pé direito.
O crânio estava com grau de integridade/completude igual a 1, com ótimo estado de
conservação. As vértebras presentes são as cervicais (todas as sete vértebras), as
torácicas (dez vértebras), lombares (quatro vértebras) e sacrais, faltando apenas o
cóccix. Ainda foi identificada a primeira costela direita e dezesseis fragmentos de
costelas mais preservadas que puderam ser agrupadas entre as 3as e 10as costelas, do lado
direito e esquerdo. Foi identificada a escápula direita (fragmentada) e uma mandíbula.
Dos ossos das mãos, apenas o 3o metacarpo esquerdo, o 40 metacarpo direito e a 50
falange proximal esquerda, foram possíveis de identificar.
Dos ossos dos pés, foi reconhecido apenas o 40 e 50 metatarso direito e outros
fragmentos de osso do pé aderido, com o consolidante aplicado em campo, na 1a
vértebra (Atlas), que parece se tratar de um calcâneo, apesar de não ser possível precisar
sua lateralidade. Existem alguns fragmentos que, posteriormente, foram reconhecidos
como um fragmento da clavícula esquerda, fragmentos de uma das vértebras faltantes,
com arco neural e corpo presentes. Foram também encontrados ossos dos pés, dois
tarsos, um cuneiforme lateral e um intermédio direito.
Durante a triagem dos ossos, foi identificada a presença de restos esqueléticos de
outro indivíduo (figuras 52 e 53), como a parte petrosa do osso occipital com o meato
acústico presente (lados esquerdo e direito), de um indivíduo não adulto maior que seis
meses de idade. Foram encontrados, ainda, um dente decíduo incisivo superior, um
molar permanente não erupcionado e um segundo molar superior decíduo com leve
desgaste, o que indicaria um indivíduo não adulto com idade entre 18 meses (+/- 4
meses) a 2 anos (+/- 8 meses). Além destes, foram encontrados fragmentos de diáfises
de ossos longos diminutos e com cortical muito fino, de ossos da calota craniana como
176

o córtex interno e externo preservados, possuindo espessura muito fina e com suturas
visíveis, assim como um osso da parte interna do crânio.

Figura 52: Fragmentos de ossos de calota craniana, meatos acústicos de osso temporal e fragmentos de ossos
longos.

Figura 53: Dentes diminutos de indivíduo não adulto

Uma das maneiras de se constatar a diferença entre ossos pertencentes a um


indivíduo e outro foi a coloração diferenciada dos ossos e dos dentes, assim como o
grau de erosão presente nos mesmos.
Entre as alterações encontradas, o que mais se destacaram, em todos os
fragmentos ósseos da urna B, foram os processos erosivos e abrasivos, que ocorrem
devido ao atrito e ao contato com o solo, às quebras e aos sulcos ocasionados por raízes
(BUIKSTRA; UBELAKER, 1994, p. 97; BRICKLEY; MCKINLEY, 2004, p.15), que
perpassavam por alguns ossos. Não foram encontradas marcas de
intemperismo/weathering.
Quanto aos processos de erosão/abrasão, destacam-se uma tíbia, uma pelve e um
fêmur, que, além de possuir processo abrasivo muito evidente, apresentam pequenas
177

fissuras longituginais e laminações. Este fissuramento pode ser devido à junção de três
fatores: dois deles antigos, relacionados à erosão, devido ao contato e ao atrito com o
solo em volta; à umidade e possível acidez do solo e ao atrito com as raízes; e o último
fator é a própria escavação e o transporte dos ossos.
Os ossos, que se encontravam na parte inferior do interior da vasilha, estavam
com processos erosivos de menor grau, com ossos mais preservados e completos.
Para a identificação do sexo e da idade, o crânio, a pelve esquerda e direita, a
clavícula direita, o rádio direito e o úmero direito foram as partes que mais podemos
retirar informações e observações gerais. Estes ossos estavam com estados de
preservação/completude considerados como ótimos e bons (graus 1 e 2) (BUISKSTRA;
UBELAKER, 1994).
A diagnose sexual foi realizada, principalmente, a partir das observações na
pelve e no crânio, assim como caracteres não métricos - morfologia, circunferência e
diâmetro dos ossos longos.
Com as observações morfológicas e alguns poucos exames métricos, foi
estimado que os ossos mais preservados e completos, que se encontravam na urna B,
pertenciam a um indivíduo do sexo feminino, embasado em características da pelve,
como: a incisura isquiática maior ampla, a superfície auricular elevada e mais lisa, a
presença do sulco pré-auricular, a tuberosidade isquiática pequena e outros aspectos que
caracterizam um indivíduo feminino.
O crânio possui a maior parte dos caracteres observados, muito suave,
tipicamente femininos, como: a glabela, arcos superciliares, ínion delicados, entre
outros aspectos. Os diâmetros e circunferências do úmero, tíbia e fêmur possuem
valores que parecem ser femininos. Outros ossos longos, a clavícula e o úmero, levam a
diagnosticá-la como um indivíduo grácil, que possui características com poucas
marcações musculares e mais suavizadas, assim como no crânio e na pelve (figuras 54 e
55).
178

Figura 54: Crânio com características morfológicas predominantemente femininas

Figura 55: Pelve com características morfológicas predominantemente femininas.

Para a estimativa de idade, foram observados os fechamentos das epífises distais


e proximais de ossos longos, a superfície auricular e ossificação de ossos cranianos
(BASS,1995, p. 132, 154, 195-208; BUIKSTRA; UBELAKER, 1994, p. 21-32;
CAMPILLO; SUBIRA, p. 160; WHITE; FOLKENS, 2005, p. 363-385).
Foram observadas, para determinar a idade, os ossos e os componentes ósseos
mais íntegros, como: o padrão de desgaste da superfície auricular da pelve, a
extremidade esternal da clavícula, a epífise distal do úmero e a ossificação da
sincondrose esfeno-occipital.
Com a média dos caracteres observados, estima-se que se trata de um indivíduo
do sexo feminino, com idade entre 19 a 24 anos, o que a caracterizaria um indivíduo
adulto jovem.
179

Quanto às patologias investigadas, foi observada somente uma fratura já


cicatrizada no fêmur esquerdo com uma aparente deformação, apesar de possuir
somente um terço da diáfise deste osso. Existem diversas complicações decorrentes de
uma fratura, entre elas: a deformidade óssea por mau alinhamento do osso quebrado, o
que é comum com ossos do fêmur, já que este possui poderosas inserções musculares
(AUFDERHEIDE; RODRÍGUES-MARTIN, 1998, p. 23).
Este é o caso do trauma presente no fêmur esquerdo, em que se percebeu a
descontinuidade na linha áspera e uma deformidade na área da inserção dos músculos
adutores. É perceptível, também, a típica formação de um calo ósseo, já em fase
reabsorção (figura 56).

Figura 56: Fêmur esquerdo com antiga fratura óssea e deformidade na área de inserção muscular, com
descontinuidade e calo ósseo em fase de reabsorção.

Foram encontrados dois caracteres não métricos, a presença da abertura septal


(figura 57) e o osso inca. A abertura septal é encontrada no forame do olecrano e acima
da tróclea, sendo caracterizada pelo tipo largo e parece não estar envolvida com
estresses, e, segundo Hrdlicka (1932) (apud BASS, 1995, p. 154), é uma característica
mais, frequentemente, encontrada em indivíduos femininos.
180

Figura 57: Abertura septal junto ao forame do olecrano do úmero direita, característica tipicamente descrita
para indivíduos femininos.

Foi identificada no crânio um osso wormiano ou uma sutura supra numerária,


que é caracterizada pela presença de um ossículo ou osso sutural da calota craniana, que
normalmente some aos 5 anos de idade, podendo persistir ao longo do tempo (MAYS,
1998, p. 103). O osso wormiano ou, nesse caso, o inca está localizado no occipital
abaixo da sutura lambdóidea, sendo muito comum em povos ameríndios (CAMPILO;
SUBIRA 1999, p. 36; BUIKSTRA; UBELAKER, 1994, p. 89).
Algumas características gerais, que chamam a atenção, a exemplo da ausência de
osteófitos e degenerações nas superfícies articulares dos corpos vertebrais, o que em um
primeiro momento, levou-me a repensar a idade, sendo feitos novos exames para ter
certeza de sua faixa etária. Os ossos, de modo geral, não possuem muitas marcações
musculares e possuem uma morfologia grácil. Na clavícula (figura 58) e no úmero
direito, foram realizados cálculos para estimar o desenvolvimento relativo do tórax
(BASS, 1995, p. 132) e os índices de robustez do úmero e da clavícula, assim como a
circunferência do fêmur e da tíbia, todos dando resultados considerados baixos.

Figura 58: Clavícula direita


181

Não foram encontradas alterações culturais (marcas de corte), nem marcas de


roedores nos ossos. A presença de processos erosivos e intemperismos muito leves por
si só já podem nos levar a realizar inferências sobre o tratamento dispensado aos corpos,
talvez a decomposição dos ossos tenha se dado em local mais protegido, como uma
vasilha cerâmica, o que explicaria a presença de um número considerável de falanges e
outros ossos dos pés e das mãos (tarsos, carpos, metacarpos e metatarsos), apesar da
ausência de dentes de indivíduos mais maduros.
Quanto à mandíbula (figura 59), parece haver perda dentária ante mortem, com
reabsorção alveolar em uma das metades da mandíbula, a outra metade está com
quebras pós deposicionais, o que impede uma análise mais aprofundada. Constatou-se,
ainda, uma diferença no tamanho do processo coronóide e da cabeça das duas metades
da mandíbula, o que poderia ocasionar mastigação diferencial.

Figura 59: Fragmentos da mandíbula com perdas dentárias ante mortem

A urna B da estrutura 42 encerrava dois indivíduos, um não adulto, representado


por pouquíssimos restos esqueléticos, que nos leva a considerar se esta urna não poderia
ter sido reaproveitada para a deposição do indivíduo feminino adulto jovem com uma
ótima representatividade óssea. É sabido, entretanto, que os ossos de indivíduos não
adultos tendem a não se preservarem quando comparados aos ossos de indivíduos
adultos. Se considerarmos que a deposição primária do indivíduo não adulto foi
realizada em ambiente aberto, sem nenhuma espécie de invólucro, poderiam os restos
esqueletizados deste indivíduo terem se desintegrado a tal ponto de sobrarem apenas
alguns pequenos ossos fragmentados e alguns poucos dentes.
182

3.2.1.2.3 URNA C
A urna é antropomorfa (figura 60) de formato cilíndrico, na qual está
representada uma figura masculina com enfeites e adornos, sentada em um banco
retangular.
Ao contrário das outras urnas, que são vasilhas e tigelas, que compõem,
respectivamente, a urna funerária, esta foi confeccionada como uma só, com duas peças
destacáveis formando o corpo sentado a um banco destacado de uma cabeça, que é a
tampa da urna.
A urna C possui uma abertura com diâmetro de 27 centímetros de circunferência
e uma altura total (corpo com banco + cabeça com diadema) de 58 centímetros.
O corpo tem os braços cruzados sob as pernas, com dois braceletes, que possuem
perfurações que parecem ter sido feitas para o encaixe de penas. Assim como as pernas,
que possuem tornoseleiras também com pequenas perfurações, que levam a supor que
poderiam ter sido usadas para o encaixe de plumas. Os pés possuem cinco dedos em
cada membro inferior direito e esquerdo.
O corpo ainda possui a genitália masculina representada, feita com aplique
modelado. Este corpo jaz sobre um banco quadrangular. A mão do membro superior
esquerdo, aquele que se apoia sobre o antebraço do membro superior direito, possui seis
dedos, a mão direita não é possível saber, pois a mesma está fragmentada onde estariam
os dedos. Estes seis dedos seriam propositais?
Quanto à presença de pintura, o corpo possui banho monocrômico branco na
parte externa, localizados nos braceletes dos membros superiores e nas tornoseleiras dos
membros inferiores da urna.
Em relação à cabeça, que possui banho monocrômico amarelo, esta possui
sobrancelhas, dois olhos com formato de grãos de café, nariz, boca, queixo pronunciado
e duas orelhas com perfurações nos lóbulos, como se tivessem brincos, onde talvez se
encaixassem penachos. No topo da cabeça, existe uma espécie de coroa ou diadema, ou
ainda uma representação de cabelos.
A urna, tanto a cabeça quanto o corpo, possui algumas projeções ou saliências
junto às costas (chegam, de longe, a lembrar “vértebras”), que começam em dois ramos:
dois menores, que ficam na cabeça, projetando-se da parte traseira do diadema e saindo,
do meio destes, um ramo que continua como único até chegar à altura da cintura,
reforçando ainda mais a ideia de adornos e corpo altamente decorado, podendo se tratar
183

de uma espécie de cordão da parte traseira da diadema, o que é muito comum em alguns
povos indígenas na Amazônia, são exemplos: os Palikur e os Karipuna do Oiapoque,
que usam “coroas radiais (kuhon, patoá; iyuli, palikur) [que] são delicados diademas
feitos de penas de aves de várias cores, presas em uma armação de trançado ou
algodão” (VIDAL, 2007), do qual é preso ao “butiê (ou mamã solei, patoá; maibá,
palikur) , um ornamento ritual de cordões de miçanga e borlas de algodão usado nas
costas amarrado ao butiê ou ao cabelo” (VIDAL, 2007), usufruídos nas festividades
por homens e mulheres.
A urna C tinha à sua frente uma vasilha globular lisa77, dentro desta foi
encontrado sedimento escuro e mesclado, ao fundo da mesma uma pequena tigela vazia.
Parece, pela posição em que se encontravam a urna antropomorfa e a
urna/vasilha D, que a última seja uma um acompanhamento externo da urna C, talvez o
conteúdo que tinha dentro da vasilha e da tigela tenha se decomposto a muito tempo.
Por esse motivo, foram recolhidas amostras de sedimento para futuras análises.

Figura 60:Urna antropomorfa Caviana. Percebe-se semelhanças entre esta urna e algumas estatuetas
antropomorfas da cerâmica tapajônica do Baixo Amazonas. (Acervo IEPA).

77
O bolsista de apoio técnico Alan Nazaré está remontado esta vasilha.
184

Escavação em laboratório / gestos funerários:


Esta urna foi escavada em laboratório, constando com 27 números de plotagem,
que terminaram com 38 cm de profundidade. Durante a escavação, foi notada a
presença de pigmentação avermelhada em alguns ossos. Aos três centímetros de
profundidade, foi evidenciada uma mandíbula fragmentada com a base voltada para
cima (figura 61), com a protuberância mentual voltada ao norte, junto à parede da urna.

Figura 61: Inicio da desmontagem em laboratório do esqueleto contido na urna C. Percebe-se a mandíbula
destacada, encimando todos os outros ossos. (Acervo IEPA).

Aos treze centímetros, foram identificados feixes de ossos longos dispostos


verticalmente. Aos dezoito centímetros, foram identificados fragmentos do osso pélvico
(figura 62).

Figura 62: Ossos longos, em feixes verticais, encostados nas paredes internas da urna C. (Acervo IEPA).

Aos vinte e cinco centímetros, foram encontrados fragmentos de costela. E aos


vinte e oito centímetros, foram evidenciados um fragmento de osso pélvico e parte da
calota craniana começando a aparecer (figura 63). No fundo da urna, foi identificado um
185

crânio, com os ossos parietais voltados para cima, na qual infelizmente a face não se
preservou por completo, estando fragmentada demais para saber a sua posição dentro da
urna. Este crânio foi limpo e retirado o sedimento ao seu redor, envolvido com filme
plástico PVC com sedimento no interior para não fragmentá-lo ainda mais, sendo então
consolidado com Primal e acondicionado na reserva técnica do Laboratório Peter
Hilbert.

Figura 63: Crânio no fundo da urna, depositado com a calvária para cima, a face estava muito fragmentada.
Percebe-se pigmentação vermelha na superfície externa do crânio. (Acervo IEPA).

Uma observação, que chamo aqui a atenção, é a posição dos ossos dentro da
urna. Com os ossos longos encostados na parede, a mandíbula desconectada encontrada
na superfície e o crânio na base da urna. Somem-se a isto, os ossos pintados de
vermelho. Essa descrição dos ossos, em urna funerária antropomorfa, é muito parecida a
descrita por Nimuendajú em Rebordello, na ilha de Caviana (NIMUENDAJU, 2004).

Tratamento dispensado aos esqueletos:


Foi observado que a maioria dos ossos presentes na urna está, profusamente,
pintada de vermelho ou, pelo menos, com algum indício e vestígio de pigmento
avermelhado em alguns ossos, que estão na verdade descamados pela alteração do
weathering. Como alguns ossos estão esfoliados/laminados, pensou-se que estes não
apresentavam coloração vermelha na superfície. Além destes, vários fragmentos de
corticais superficiais de ossos com espessura de 1 mm estavam pintados de vermelho,
demonstrando que a pigmentação foi aplicada em, praticamente, todas as superfícies dos
ossos (figura 64).
186

Figura 64: Fragmentos de clavículas pintadas de vermelho e com alterações tafonômicas tipo weathering

Suspeita-se que a pigmentação avermelhada seja ocre, extraído de hematitas,


talvez da própria região, formada por latossolos lateríticos com grande incidência de
oxido de ferro, composta por hematitas e limonitas. Foi aplicado Lugol em amostras de
pigmentos dos ossos, dos quais não acusaram a presença de amido.
Acompanhamentos internos:
Em laboratório, foi iniciado o reconhecimento dos ossos para o preenchimento
do inventário das partes constituintes e se existia ou não a presença vestígios
faunísticos. Foram encontrados um fragmento de dente não humano, pertencente a um
mamífero de grande porte (pelo tamanho, pode ser de uma anta), e uma pequena
plaqueta óssea (talvez de um tatu) com coloração branca, superfície lisa, 1 mm de
espessura, 22 mm de diâmetro e 10 mm de largura, com fragmentação recente no eixo
transversal.
Descrição osteológica:
Os ossos longos foram separados de acordo com os números de plotagem e, em
seguida, pareados para procurar por duplicatas. Fazendo-se o mesmo com os ossos
curtos e planos. Estando todos separados, foi iniciada a separação dos ossos não
plotados, ossos diversos, retirados com o sedimento do fundo da vasilha e dos
fragmentos dos ossos, que estavam em alguns níveis mais acima, dentro da vasilha,
durante a escavação.
Foi realizada a escavação, a limpeza, a colagem, a consolidação de fragmentos
do crânio e de ossos longos e a contabilização dos fragmentos ósseos (no que contei
com a ajuda da bolsista de Jelly Lima). No interior do crânio, junto ao sedimento,
encontramos fragmentos de ossos e de dentes, alguns do próprio crânio e outros de
costelas, e alguns carpos pertencentes, provavelmente, ao mesmo indivíduo.
187

Os ossos reconhecidos foram: um úmero direito, um rádio direito e um esquerdo,


uma ulna direita e uma esquerda, um fêmur direito e um esquerdo, uma tíbia direita e
uma esquerda, uma fíbula direita e uma esquerda, uma pelve esquerda e uma direita,
uma escápula direita e uma esquerda, uma clavícula direita e uma esquerda, uma
mandíbula, uma patela esquerda, um crânio e a terceira falange proximal da mão
esquerda. Além de outros fragmentos, que parecem ser um calcâneo e um navicular, e
algumas costelas que não puderam ser identificadas quanto à lateralidade, mas parecem
fazer parte das costelas verdadeiras e falsas, sendo provavelmente compreendidas entre
a 3a a 10a costelas.
Para a contagem do número mínimo de indivíduos, foi contabilizado então que
na urna antropomorfa, a urna C, continha apenas um indivíduo em seu interior,
baseando-se além do pareamento e da busca por elementos repetidos na coloração dos
ossos e nas alterações da superfície. Os ossos têm em média um grau de
preservação/completude igual a 2, ou seja, apresentam um bom estado de preservação.
Essas alterações diferem muito das encontradas no interior das outras urnas, pois
na urna C, além de encontrarmos erosões e abrasões na superfície óssea, todas de grau
1, temos também muitas esfoliações/descamações dos corticais ósseos, como:
craquelamentos e fissuramentos longituginais, típicas de ossos que sofreram
intemperismo (weathering), ou seja, exposição ao ar, acima do nível do solo e não
enterrados.
Foi notada, nas fotografias, a presença de uma grande raiz, que passou por
dentro da vasilha, em toda a parede interna da urna e embaixo. E raízes (5,9 mm de
espessura) e outras radículas perpassando pelo crânio, pelos ossos longos e pela
cavidade medular de alguns ossos longos, ocasionando fragmentações e algumas das
alterações de superfície. De modo geral, os ossos desta urna apresentam alterações na
superfície por intemperismo de grau 2 a 3.
Alguns ossos apresentam coloração acinzentada abaixo da superfície onde foi
esfoliada, parecendo ser uma marca de queima, porém os padrões de fissuras e
craquelamentos, que são típicos de ossos expostos cremados (SCHMIDT; SYMES,
2008; MÜLLER, 2008; GAMBIM JUNIOR, 2010) diferem do que foi encontrado nos
presentes ossos. O que se percebe são apenas alterações na cor, talvez causadas por
exposição ao calor, mas não devem ter chegado a temperaturas muito altas, mesmo
188

assim não se descarta a possibilidade da alteração na coloração ser devido a outros


fatores - a ação de bactérias, por exemplo78.
Devido à fragmentação dos ossos, as observações, em relação às estimativas de
idade e de sexo, ficaram muito limitadas. Acerca da diagnose sexual, pode-se perceber
que, apesar da fragmentação da pelve e da incisura isquitica, possui o formato da letra
V, é muito fechado e a junção sacra ilíaca é visível, ambos indicativos de sexo
masculino (BASS, 1995, p. 213 e 216).
Quanto ao crânio, apesar de fragmentado e contarmos para a análise somente
com a parte do frontal, osso nasal, orbicular direito e fragmento esquerdo da parte
frontal do orbicular, pode-se dizer que se trate de um indivíduo masculino pela presença
de glabela elevada e arco superciliar elevado (figura 65). O rebordo supraorbitário
possui grau 5 (BUIKSTRA; UBELAKER, 1994, p. 19- 21), confirmando mais uma vez
que o indivíduo é masculino. Foi ainda realizado um exame métrico da altura da
cavidade glenóide da escápula direita e esquerda, obtendo-se valor igual a 38, 6 e 38, 7
mm, respectivamente, sendo que o valor esperado para indivíduos masculinos deve ser
superior a 37 mm (BASS, 1995, p. 129).

Figura 65: Fragmentos da face do crânio puderam ser remontados, como a porção orbicular do osso frontal.

É possível estipular que o indivíduo tenha mais de 15 anos, pois apresentou o


fusionamento da epífise proximal da ulna direita e da epífise distal do rádio esquerdo
(Bass, 1994), sendo que os ossos longos eram robustos. Outro indício para o diagnóstico
da idade é a epífise da crista ilíaca, que mostra sinais de fusionamento, sendo que o
processo de fusionamento em indivíduos masculinos ocorre dos 17 aos 23 anos, e

78
Serão feitos exames de difratometria de raios x para elucidar esta questão.
189

percebesse que este processo já começou nas cristas ilíacas das duas pelves, estando
praticamente fechado.
O mesmo pode-se dizer da tuberosidade isquiática, que termina de fusionar aos
24 anos em homens, presente neste indivíduo e parece estar parcialmente fusionada.
Estimou-se, inicialmente, que este indivíduo tivesse entre 16 e 24 anos, sendo um
adolescente a adulto jovem. Porém, como veremos abaixo, a julgar pela espessura dos
corticais dos ossos longos, pela robustez dos ossos longos, pelos desgastes nos dentes e
pelas entesofitoses presentes neste indivíduo, julgo que teria uma idade mais avançada,
já ultrapassando, provavelmente, os 20 anos de idade, talvez mais próximo aos 24 anos
de idade.
Quanto aos processos patológicos e aos sinais de estresse, foi identificado
hiperostose porótica situada no osso frontal. A hiperostose porótica é uma alteração
predominante nos ossos frontais e parietais e possui um aspecto granular, relacionado
aos desequilíbrios metabólicos (subnutrição e/ou doenças), podendo estar relacionado às
anemias ferropênica, à anemia hemolítica, aos estados de má nutrição, às infecções e às
verminoses (CERDA et al., s/d, p.2).
Os ossos longos desse indivíduo possuem um aspecto robusto com fortes
marcações musculares e cortical espesso (figura 66).

Figura 66: Ossos longos de aspecto robusto e índices de robustez elevados, além de inserções musculares muito
bem marcadas.

Neste quesito, foi possível identificar pelo menos três entesofitóses, que podem
permitir inferir atividades ocupacionais. Foi identificada uma hipertrofia da crista do
190

supinador e uma depressão, causado pela pronação e supinação do antebraço, enquanto


o cotovelo está estendido (figura 67). A entesofitóse “supinator crest enthesopathy”
pode estar relacionada com o lançamento de projéteis (CAPASSO, KENNEDY,
WILCZAK, 1999, p. 77).

Figura 67: Entesofitóse da crista do supinador identificada na ulna esquerda.

Também foi identificada uma provável entesofitóse do ancôneo nas duas ulnas,
mais acentuada na ulna esquerda, descrito como uma elevação saliente, extendendo-se
da superfície postero lateral do olecrano para a borda dorsal da diáfise da ulna. Este
estresse é devido a assistência que o tríceps recebe do músculo ancôneo na extensão da
articulação húmero-ulnar, particularmente ativa quando combinada com a pronação.
Esta entesofitóse “anconeus enthesopathy”, segundo Capasso, Kennedy e
Wilczak (1999, p. 67), já foi relacionada aos caçadores-coletores do sudeste asiático. Os
autores descrevem que a entesofitóse do ancôneo pode estar relacionada com o
crescimento da crista do supinador, o que também está presente na ulna esquerda deste
indivíduo, o que indicaria que tais hipertrofias poderiam estar associadas com o
lançamento frequente de projéteis (CAPASSO; KENNEDY; WILCZAK, 1999, p. 67).
No entanto, pode estar relacionada também com o carregamento de fardos
pesados, agarrando-os com os braços, igual ao exemplo dado pelos autores em relação à
técnica corporal de algumas populações Esquimós (CAPASSO; KENNEDY;
WILCZAK, 1999, p. 67).
Do mesmo modo, foi possível observar uma entesofitóse do pronador/supinador
na ulna direita e esquerda (mais acentuada na esquerda), decorrente da hipertrofia das
inserções do pronador quadrado e redondo do rádio. Há também o desenvolvimento de
191

um acessório do músculo supinador no rádio e na ulna. Está relacionada com a alteração


de pronação e supinação do cotovelo. A entesofitóse “pronator/supinator
enthesopathy” pode estar relacionada com remo/canoagem (CAPASSO; KENNEDY;
WILCZAK, 1999, p. 73).
Foram observados e contabilizados 972 ossos e fragmentos de ossos de
tamanhos que variam de 10 a 250 mm. O peso total dos ossos foi de 448,5 gramas,
lembrando que alguns ossos longos possuem ainda terra em suas cavidades medulares,
que não puderam ser tirados para não colapsarem.
No total, foram encontrados 18 dentes, um deles está fixado na mandíbula, que
estava nos primeiros níveis durante a escavação da urna, outro dente estava mais abaixo,
outros três não foram plotados, e os treze restantes foram encontrados dentro da
abóboda craniana. Os dentes identificados são: nove molares, sete pré-molares e dois
dentes caninos. Um segundo molar superior e um pré- molar apresentam desgaste
oclusal, que indica um estágio de atrição do tipo 3, considerado como leve a moderado,
o que condiz com a idade estimada. Além disso, apenas um molar apresenta cáries
oclusais.

3.2.1.2.4 CONJUNTO 1

Figura 68: Conjunto 1 – Pacote com feixes de ossos humanos


192

Escavação em campo / gestos funerários:


Através da documentação fotográfica, dos vídeos e das fichas de estrutura, foi
possível observar a posição dos ossos durante sua exposição em campo, assim como
algumas informações sobre os ossos encontrados. Os ossos longos e a mandíbula
estavam acima do crânio. O crânio foi encontrado depositado na posição lateral, o
mesmo estava achatado e deformado, provavelmente devido à pressão exercida pelo
solo, com o sedimento depositado diretamente sobre os ossos, não contendo nenhum
invólucro externo perceptível que protegesse os ossos do contato direto com a terra.
Este invólucro, se existiu, há muito se decompôs.
Esta deposição foi denominada de conjunto 1, que se localizava a oeste da urna
A, encontrado muito próximo a esta deposição. Os ossos do conjunto 1 estão muito
próximos dos ossos do conjunto 2 (que estão muito próximos a urna B), com partes dos
ossos longos em contato um com o outro. Desta maneira, fica difícil saber onde termina
e começa o limite dos ossos de cada conjunto, apesar de serem aparentes que se tratem
de dois conjuntos distintos em cada conjunto.
O crânio estava posicionado ao norte e os fragmentos de pelve ao sul. Percebe-se
que alguns fragmentos de ossos longos estão depositados acima do crânio. Estes ossos
longos, pelas fotos, parecem ser dos membros superiores e inferiores (as epífises são
visíveis, mas não distinguíveis e estavam muito deterioradas), juntamente com a
mandíbula e algumas costelas depositadas acima de todos os ossos. Através das fotos,
percebe-se, também, que fragmentos de ossos longos, aparentemente os membros
inferiores, parecem ser fêmures, posicionados ao lado (leste) do crânio.
As fotos indicam que se trate de os ossos longos, parecendo terem sidos
arranjados em cima do crânio. A respeito do invólucro que os cobria, deteriorou.
Provavelmente, os ossos longos se mexeram e caíram ao lado do crânio. Alguns ossos
longos não se mexeram tanto devido à proximidade com a urna A (ao oeste), ficando
encostados na urna. Outros permaneceram em cima do crânio, como: os fragmentos de
fíbulas e costelas. O crânio, encontrado deitado de lado, estava deformado, e com a face
voltada ao sul.
Como explicitado acima, os ossos não possuíam nenhuma conexão anatômica,
indicando terem sido redepositados, tratando-se então de um sepultamento secundário.
193

Descrição osteológica
De maneira geral, a conservação dos ossos do conjunto 1, segundo o escore
sugerido por Buikstra e Ubelaker (1994), é de grau 2, ou seja, beirando em torno dos 25
a 75 % de conservação. Neste caso, representando em torno de 25 a 30% de
conservação, prevalecendo um estado ruim a médio de conservação. Muitos ossos se
quebraram durante a exposição, a escavação, a remoção, o acondicionamento e o
transporte dos mesmos. Isso se deve, principalmente, devido ao contato direto dos
elementos ósseos com a terra em sua volta, ajudado pelas perturbações naturais de
origem animal e vegetal, e à pressão do solo sobre os mesmos.
Muitos ossos apresentam raízes, que transpassam os ossos longos, tanto no eixo
longituginal, por dentro da cavidade medular, quanto no eixo transversal de ossos
longos e costelas, fazendo com que se fragmentassem ainda mais. Por este e outros
motivos elucidados acima, foi aplicado o consolidante PRIMAL em campo na
superfície dos ossos, o que garantiu uma melhor estabilidade durante a escavação, a
remoção e o transporte dos mesmos.
Os ossos do conjunto 1, devido a sua conservação e a sua integridade, não
permitiram uma análise de maneira mais detalhada, sendo realizadas observações gerais,
pois os eles estavam muito quebradiços e extremamente friáveis, sendo possível
somente reconstituir alguns pequenos fragmentos ósseos e remontar algumas peças
anatômicas, que apresentavam indícios de quebra recente e constituição mais resistente,
sendo colados alguns ossos com um PVA (cola comum).
Muitos fragmentos ósseos estão com sedimento agregado na superfície cortical
e, em alguns ossos longos com a cavidade medular, preenchida por sedimento. Foram
reconhecidos ossos longos, curtos e chatos. Alguns corticais de ossos não puderam ser
identificados, sendo apenas identificados como corticais.
Em um primeiro momento, foram separados os ossos por formas e realizada uma
triagem com os fragmentos ósseos reconhecíveis, com tamanhos mínimos de 2,5 cm e
que apresentassem características anatômicas reconhecíveis.
Durante a higienização, optou-se apenas pela limpeza mecânica dos ossos
(devido à friabilidade). Foi utilizado o PRIMAL com uma parte de água para duas
partes de álcool 97°, que consolidou os ossos, deixando parcialmente estáveis. Alguns
desses ossos foram deixados com terra agregada na superfície e em blocos de terra, já
alguns fragmentos de diáfises de ossos longos puderam ser limpos na superfície externa.
194

No canal medular de alguns ossos longos, foi possível retirar, cuidadosamente, a terra
aderida79.
O crânio encontra-se achatado, provavelmente, ao que as evidências indicam,
devido à pressão do solo. O lado esquerdo da face e o neurocrânio estão com a
superfície mais preservada e mais integra. Este lado estava em contato com o chão,
podendo ter sofrido menos com os possíveis remeximentos do solo devido à
bioperturbações de origem vegetal e animal. Estes ossos podem ter sido depositados
embrulhados em um invólucro ou em uma mortalha de fibra vegetal, que, após se
desintegrar os espaços internos, teriam sido preenchidos com o sedimento circundante,
que entraria nos espaços vazios e que não estariam em contato com o solo, tornando o
lado direito da face mais friável, com aparente erosão.
A preservação do lado direito do crânio está em condições de preservação muito
inferiores em comparação ao lado esquerdo, que apesar da deformação e do
achatamento ainda possui forma definida, reconhecível e bem preservada.
O crânio apresenta diversas quebras pós deposicionais e recentes, ocasionadas
tanto pela pressão do solo quanto pela presença e contato de/com raízes e radículas, que
perpassam o crânio e seu interior. Na face e no neurocrânio, é possível observar que
algumas raízes atravessam a calota e o esplacnocrânio. Talvez seja o principal
responsável pela fragmentação do lado direito. Foi observada uma raiz de 5,8 mm de
diâmetro, que parece ser responsável por boa parte da fragmentação ocorrida. A base do
crânio também está afetada e deformada, porém os danos são menores, apresentando a
superfície mais conservada.
A erosão, observada nas porções do crânio do lado direito da face, no
neurocrânio e na maxila, é, segundo graduação sugerida por Buikstra e Ubelaker (1994),
de grau 4. Na maior parte do parietal esquerdo, é de grau 1. Já o lado esquerdo da face e
da base do crânio é de grau 2 e o occipital é de grau 3.
Na calota craniana, o parietal esquerdo apresenta quebras e rachaduras com
bordas quadradas, típicas de quebras ocorridas depois de um longo período após a
morte, quando já ocorreu perda significativa de colágeno. A base do crânio também
possui uma rachadura, que vai da crista occipital externa, junto à margem posterior do
forame magno, até a sutura occipitomastóidea inferior e posterior ao processo mastoide.

79
Este sedimento foi recolhido para posterior análise físico-química e comparação com outras amostras recolhidas
dentro das urnas, dentro da cavidade medular de outros ossos longos, dentro de crânios e do preenchimento das
estruturas funerárias.
195

Devido à deformação, à fragmentação e às rachaduras do neurocrânio e do


esplancnocrânio (face), não é recomendado realizar medidas craniométricas para
estabelecer o sexo e a idade, optando-se então por uma análise morfológica, já que
alguns elementos possibilitam tais observações. Entre eles, temos: o processo mastoide,
o rebordo supraorbitário, a presença de três dentes molares afixados na maxila, as
suturas cranianas e o sincondrose esfeno-occipital (figura 69).

Figura 69: Crânio com características morfológicas que se assemelham ao que se espera encontrar em
indivíduos femininos.

Para a idade, foi constatado, através da eclosão de dois molares e não oclusão do
terceiro molar superior esquerdo, juntamente à presença da sincondrose esfeno-occipital
já em fase de fechamento e a sutura lambdóide aberta, que a idade biológica deste
indivíduo é de 15 a 20 anos, o que o classificaria como um adolescente ou adulto jovem,
de acordo com a classificação etária sugerida em Buikstra e Ubelaker (1994).
A diagnose sexual, tentativamente, foi baseada em dois atributos, diga-se:
processo mastoide e margem supraorbital, que possuem escore -1 (ASKADI;
NEMESKERI, 1977), o que indica um indivíduo, possivelmente, do sexo feminino.
Foi identificada apenas uma vértebra, a terceira vértebra torácica, além de três
fragmentos de costelas, não sendo possível identificar a lateralidade e a localização.
Foram identificados fragmentos de ossos longos dos membros superiores, diga-se:
úmero, ulna e rádio, um exemplar de cada, porém não foi possível estipular a
lateralidade. Para os ossos longos dos membros inferiores, foi possível identificar o
terço médio da tíbia direita um fragmento de fíbula, não sendo foi possível identificar
com segurança a lateralidade.
196

Estão ausentes ou não observáveis os ossículos do ouvido, o osso hioide, as


demais vértebras, o esterno, as clavículas, as escápulas, os carpos, os metacarpos, os
fêmures, as patelas, os tarsos, os metatarsos e as falanges. Lembramos que os ossos
encontram-se muito friáveis, pulverulentos e fragmentados, com terra agregada na
superfície e com fragmentos diminutos de ossos longos aderidos nos mesmos.
Muitos dos ossos não identificados e não observados podem ter sido
pulverizados junto ao sedimento. Alguns poucos fragmentos ósseos corticais parecem
pertencer a ossos longos, não sendo possível identificá-los. Foi realizada a pesagem
desses corticais e trabeculares não identificados. Foi feita também a pesagem dos ossos
maiores, identificáveis e com forma, assim como o crânio (com sedimento no interior) e
o sedimento com ossos pulverizados.
A maioria dos ossos analisados continuam com sedimento aderido na superfície,
optando-se proceder dessa maneira para não danificá-los.
Por conta do que foi explanado acima, o número mínimo de indivíduos poderia
ser prejudicado. Contudo, devido aos fragmentos identificáveis, quanto à lateralidade, e
baseando-se na identificação obtida através de fotos e de vídeos da escavação do
sepultamento, parece que se trata de apenas um indivíduo. O arquivo fotográfico foi de
grande ajuda na identificação dos ossos.
Não foi possível identificar nenhuma patologia nos ossos longos nem no crânio,
somente algumas porosidades. As mesmas provavelmente se tratam de
pseudopatologias, sendo então de origem tafonômica. A informação mais segura que
podemos obter sobre a saúde deste indivíduo é que os dentes molares afixados na
maxila não apresentam desgastes nem sinais de cáries e a vértebra torácica não
apresenta sinais de desgaste visíveis.
Quanto às alterações tafonômicas no geral, os ossos apresentam erosões típicas
de contato direto com o solo e desgastes devido à exposição à raízes, variando a erosão
do tipo 2 a 5 (BUIKSTRA; UBELAKER, 1994).
Foram contabilizados 203 fragmentos de corticais e de trabeculares diversos,
sem formas, com tamanhos que variam de 10 a 45 mm. Os ossos longos identificáveis
com formas definidas, vértebras e fragmentos de mandíbula (com terra aderida,
preservando um “negativo” da mandíbula), contabilizaram um total de 18 ossos
fragmentados e mais o crânio.
197

3.2.1.2.5 CONJUNTO 2

Figura 70: Conjunto 2 – Pacote de ossos dispostos em feixes

Escavação em campo / gestos funerários:


Os ossos do conjunto II encontravam-se depositados a sudeste do conjunto I e a
sudoeste do conjunto III, estavam com parte dos ossos longos empilhado e encostado,
junto à urna B, e com parte depositado ao lado do crânio, estando o conjunto depositado
no meio da urna B e da C.
Através das fotos e dos vídeos de campo, pudemos notar que os ossos longos
estavam depositados a oeste, junto à urna B. O crânio e o que parece ser a pelve
estavam depositados a leste, ao lado destes ossos longos. As tíbias e fíbulas parecem
estar dispostas junto à urna B. Todo o conjunto estava transpassado por raízes e
radículas.
Os gestos funerários e a identificação dos elementos ósseos desse conjunto ou
pacote funerário foram identificados graças às fotografias e às filmagens realizadas em
campo, que ajudaram na realização das observações.
Os ossos longos estavam todos depositados ao leste do crânio. Este, por sua vez,
estava depositado mais ao sul dos ossos longos, apoiado ao leste por um osso pélvico.
Entre os ossos longos e o crânio, temos um fragmento de mandíbula. Visíveis nas fotos
198

e nos vídeos, é possível observar oito ossos longos, sendo possível identificar duas
fíbulas, dois fêmures, duas tíbias e outros ossos longos fragmentados, que parecem ser
dos membros superiores. Estes ossos longos pareciam estar dispostos empilhados aos
pares. Junto aos ossos logos, foram identificados ainda ossos do tarso com aparente
conexão anatômica, podendo indicar deposição de corpo com as partes moles não
completamente decompostas.
Devido à grande quantidade de ossos faltando, à colocação dos ossos longos em
feixes apertados junto à pelve, a uma provável pigmentação vermelha, à clara
desconexão do crânio posicionado ao lado da pelve e com o rearranjo dos ossos, não
coloca dúvidas de que este se trata de um sepultamento secundário.
Descrição osteológica
Estes ossos apresentam uma aparência frágil e devem ter se pulverizado durante
o processo de escavação, de remoção e de transporte dos mesmos, sobrando apenas
alguns fragmentos de ossos longos em blocos de terra, pequenos corticais de ossos
longos e fragmentos de ossos irregulares e planos. O grau de completude é de 25 a 75%
de elementos esqueléticos presentes.
Os ossos apresentam um estado de conservação considerado como ruim, estando
muito friáveis e pulverulentos ao toque. Decidiu-se não usar o primal, porque o mesmo
acarretaria na destruição de importantes informações, não sendo possível realizar
também nenhuma limpeza a seco. Por conta disso, foi decidido que seriam tiradas fotos
dos blocos de terra com ossos com recondicionamento dos mesmos para posterior
consolidação e análise. Foi realizada a análise dos ossos, com o pouco que pudemos
registrar com os ossos com terra aderida.
No laboratório, não foi possível reconstituir os ossos longos, devido aos mesmos
encontrarem-se muito fragmentados e friáveis. Muitos elementos ósseos se
desintegraram ao ponto de não poderem ser montados. Por isso, as informações do
campo (fotos) ajudaram na identificação dos mesmos. Foram identificados, em
laboratório, fragmentos de uma mandíbula e fragmentos de uma pelve. Todos os outros
ossos, ao chegar ao laboratório, já estavam muito fragmentados, sendo a maioria
composta por corticais diversos, a maioria identificada como pertencentes aos ossos
longos descritos acima. Puderam ser identificados os fragmentos de ossos longos de
uma tíbia (epífise distal e de diáfise), de diáfise de tíbia, de diáfise de fíbula e de diáfise
de fêmur.
199

Outros fragmentos parecem ser de uma pelve, de uma escápula e de um tálus


com aparente conexão anatômica à epífise distal de uma tíbia. Não foram identificados
metatarsos, carpos, falanges dos pés e das mãos, costelas, clavículas, osso hioide e
vértebras.
Foram contabilizados, ao todo, quatro dentes molares soltos e dois afixados na
maxila, além de seis fragmentos de dentes não identificados, que parecem ser
representados por fragmentos de pré-molares, caninos e incisivos.
O número mínimo de indivíduos não foi possível de ser estimado
adequadamente. Porém, ao observar as fotos, junto às observações de laboratório, não
há indício de duplicata, podemos supor que se trate de um indivíduo apenas.
O crânio (figura 71), apesar de estar com concreções de terra aderidas na face e
com ossos longos e dentes inseridos neste sedimento, foi possível realizar observações.
Ainda que não seja possível enxergar a face e que o lado direito da mesma e o
neurocrânio estarem parcialmente destruídos, foi possível observar caracteres
diagnósticos para o sexo e a idade. A protuberância occipital externa, a eminência e a
linha nucal inferior são muito pronunciados e salientes e o processo mastoide é de grau
5, com traços marcadamente masculinos. As suturas estão todas abertas ou com abertura
do tipo 1, evidente na sutura lambdóide, indicando uma idade mínima em torno de 17 a
18 anos, o que se confirma com a sincondrose esfeno-occipital fechada, indicativo de
uma idade maior que 16-17 anos.

Figura 71: Caracteres morfológicos diagnósticos para indivíduos masculinos.


200

Foi observado também em alguns ossos (os tarsos, o crânio e alguns fragmentos
de ossos longos) uma pigmentação vermelha na superfície dos mesmos, muito discreta e
somente em algumas porções dos ossos. Esta pigmentação poderia ter como explicação
o próprio sedimento circundante, repleto de lateritas e hematitas. Apesar desta estrutura
ser preenchida de sedimento escuro, a presença de lateritas ainda é constante. Mesmo
não tendo sido registrado a presença de rochas corantes, não podemos descartar esta
possibilidade. Mas, o fato de que este esqueleto ter sido inumado, provavelmente, em
um invólucro perecível, pode explicar o porquê da pigmentação avermelhada aparecer
apenas em algumas porções dos ossos longos e curtos e do crânio, não tendo, assim, um
microambiente protetor, formado por uma urna funerária, por exemplo.

3.2.1.2.6 CONJUNTO 3

Figura 72: Conjunto 3 - Ossada humana mais ao oeste, cuja disposição difere dos outros dois pacotes ósseos.

Escavação em campo / gestos funerários:


O pacote funerário, denominado conjunto 3, estava situado ao noroeste do
conjunto 2 e ao oeste do conjunto 1, estando depositado ao lado leste da Urna D, com
uma porção do pacote de ossos encostados junto a esta urna.
A ficha de campo descreve que o crânio estava ao sul, com a face para baixo, e
ao norte alguns ossos longos e ossos esponjosos.
201

Olhando o registro fotográfico, percebe-se que o crânio estava posicionado ao


sul e o restante dos ossos ao norte deste. Os ossos longos dos membros inferiores
estavam agrupados ao leste, enquanto os ossos longos de membros superiores, algumas
costelas e o crânio, estavam ao oeste, próximos e encostados junto à urna D (que não
continha ossos, mas apenas uma pequena vasilha com abertura direta).
Acima do pacote de ossos, percebe-se um osso longo, que parece ser um úmero
encontrado em uma posição diagonal e ao norte do crânio. O crânio estava,
parcialmente, com a face voltada para baixo, sendo possível observar uma deformação e
achatamento dos parietais, do frontal, do occipital e do próprio crânio no eixo
craniocaudal, dando a impressão que a face esteja, levemente, voltada em direção ao
nordeste. Percebe-se, ainda, através das fotos, que as epífises de ossos longos estavam
posicionadas abaixo da face do crânio. Junto à urna D, estavam arranjados uma
concentração de osso muito fragmentados, sendo que alguns deles estavam esponjosos e
muito friáveis.
Os ossos longos estão dispostos em feixe, direcionados com as epífises distais e
proximais de norte ao sul, com exceção de um osso longo em diagonal, direcionado de
sudeste ao noroeste (membro inferior), e outro osso longo (membro superior), acima de
todos os ossos longos, direcionado de noroeste ao sudeste. Na fotos, podemos observar
um fêmur com a epífise proximal voltada para o norte e a porção proximal voltada para
o crânio, ao sul.
Comparando este conjunto com os anteriores, o conjunto 3 possui características
que podem indicar um sepultamento primário. A posição do crânio, dos ossos longos
inferiores ao leste e superiores mais oeste e uma concentração de ossos esponjosos e
costelas ao oeste lembram um sepultamento primário, o que, acrescido com as
observações feitas no laboratório, faz com que se aproxime ainda mais de uma
inumação primária.
Provavelmente, o indivíduo teria sido deitado hiperfletido, possivelmente
amarrado e com o corpo envolto em algum tipo de material perecível, alguma malha
vegetal, algum cesto, esteira ou rede, que o mantinha confinado.
É importante lembrar a ausência de vários ossos, não havia vértebra, falange,
metacarpo, carpo, metatarso e mandíbula. O que havia era apenas um fragmento de um
dente e outros ossos, que não puderam ser identificados com clareza. É provável que
estes ossos faltantes não tenham resistido aos processos tafonômicos pós deposicionais,
202

devido ao solo laterítico, à presença de raízes e de micro-organismos. Talvez este


esqueleto tenha sofrido um processo de decomposição maior do que aqueles observados
nos outros conjuntos.
Não podemos deixar de pensar em outras possibilidades, a de que o corpo tenha
sido depositado em estágio avançado processo de decomposição, porém ainda não
completamente esquelenotizado e com os elementos ósseos em completa articulação.
Isto explicaria o corpo, extremamente, fletido e os ossos, que não teriam resistido à ação
do tempo, em decomposição diferencial.
Enfim, devido à preservação dos elementos esqueléticos, não foi possível,
seguramente, afirmar que se trate de um sepultamento primário.
Como será explanado abaixo, foi identificado uma possível marca de corte em
uma tíbia. Se for de fato um descarne ativo, poderia se aplicar ao caso acima, sendo que
o descarne tenha ocorrido para facilitar a flexão do corpo semi-esquelenotizado.
Se formos pensar que este seria um sepultamento secundário, o que tornaria mais
plausível uma marca de corte na tíbia, os ossos teriam sido arranjados de uma maneira
que se assemelha muito a um enterramento primário, com as epífises proximais das
tíbias, as fíbulas e as epífises distais dos fêmures de encontro com o crânio, explicando
a ausência de muitos ossos - a ausência da pelve - que deveria estar ao norte, onde há
apenas um espaço vazio. Talvez tenham sido escolhidos apenas os ossos maiores ou
representativos. De acordo com suas práticas culturais, teriam sido “esquecidos” ao
realizarem a deposição secundária ou estes ossos já estariam muito decompostos ao
serem recolhidos para a segunda deposição.
Descrição osteológica
Foram contabilizados ao todo 202 fragmentos ósseos, contando com o crânio e
os ossos que foram colados, sendo contados como um elemento único, já que são
quebras recentes, durante a escavação, que puderam ser coladas. Todos os ossos foram
limpos a seco, tirando-se o excesso de sedimento aderido com uma haste de madeira
com ponta e utilizando primal e álcool com água, em uma concentração 1:1 para
consolidar alguns ossos. A maioria dos ossos já estavam com primal aplicado em campo
e sedimento aderido, devido ao uso do mesmo.
No conjunto 3, os ossos longos estão mais íntegros com erosão tipo 2, enquanto
o crânio está com erosão tipo 4, apresenta a face muito fragmentada, diga-se: o osso
203

nasal, os etmóides, o arco zigomático e a maxila. Os ossos mais íntegros são o frontal, a
face frontal do orbicular direito e esquerdo, os parietais e o occipital.
Há uma concreção de sedimento aderido na face do crânio. A deformação do
crânio parece ser devido à pressão exercida pelo peso, compactação do sedimento
acima, e pela volta do mesmo. É notável, principalmente no osso frontal e no occipital,
as quebras e as fragmentações oriundas pela quantidade de raízes e de radículas, que
transpassavam o crânio (figura 73).
Foram retirados apenas os sedimentos que se soltavam naturalmente do crânio,
pois o mesmo estava muito friável. Esta concreção de sedimento, aderido na face,
possui ossos longos inseridos, que também estão muito frágeis, friáveis e pulverulentos.
Optou-se, então, por não retirar os ossos longos, tirando apenas parte do sedimento
aderido ao crânio, sendo estes identificados como duas epífises proximais de fíbulas
direita e esquerda, uma epífise proximal de uma tíbia e um fragmento de uma clavícula.
Não foi possível realizar análises seguras quanto ao sexo, à idade e aos
processos patológicos nos crânio, pois o estado de conservação do mesmo não permitiu.
No entanto, foi observado o bordo supra orbitário esquerdo, que é o único elemento
diagnóstico do crânio, que permitiu uma observação sobre o sexo, obtendo o grau 4, o
que indicaria uma característica mais comum em indivíduos masculinos.

Figura 73: Crânio mantido junto a bloco de terra com epífises de ossos longos aderidos.

Os ossos longos (figura 74), como dito anteriormente, estão em um bom estado
de conservação e com integridade de boa a média. Foram reconhecidos dois fêmures
(direito e esquerdo), duas tíbias (direita e esquerda), dois úmeros (direito e esquerdo),
duas fíbulas (direita e esquerda), um rádio esquerdo e duas clavículas.
204

Figura 74: Ossos longos de aspecto robusto e com inserções musculares bem marcadas.

Quanto aos ossos longos, alguns fragmentos foram colados quando estava claro
que a quebra era recente. Foram tomadas medidas da circunferência e do diâmetro do
fêmur, do úmero e da tíbia. As medidas da circunferência do fêmur direito e esquerdo,
respectivamente, deram resultados 87 e 90 mm, típico de indivíduos do sexo masculino.
Quanto à idade, pôde-se observar que a epífise distal da fíbula esquerda já se encontra
fusionada, sendo estimada uma idade entre 14– 19 anos. E devido ao fusionamento do
trocânter maior do fêmur direito, foi estimada uma idade entre 15– 20 anos.
Os ossos longos, como o fêmur direito e o húmero direito, exibem marcações
musculares bem assinaladas.
Os ossos longos apresentam diversas alterações tafonômicas, prevalecendo a
erosão da superfície óssea, de maneira mais branda do que foi visto no crânio. A
graduação obtida para estes ossos foi de 2 a 3 graus de erosão, estando os mesmos sujos
de terra e consolidados com o primal, o que impediu uma melhor limpeza dos mesmos.
Apesar da baixa friabilidade dos ossos, preferiu-se não utilizar água para não destruir a
superfície óssea. A integridade dos ossos longos varia de 25 a 75% completos, da
mesma forma que o estado de conservação dos ossos longos, que varia de 25 a 75%,
com as diáfises mais conservadas que as epífises.
Foi encontrado apenas um dente pré-molar fragmentado, aderido à maxila e à
concreção de terra. Não foram encontrados outros dentes, nem na maxila e nem soltos
junto aos ossos. Da mesma forma, não foram identificados fragmentos da pelve, das
205

escápulas, das rótulas, dos metatarsos, dos tarsos (foi identificado somente um
fragmento de navicular), dos carpos, dos metacarpos, das falanges dos pés e da mãos,
das vértebras e da maioria das epífises dos ossos longos, com exceção das fíbulas e da
tíbia esquerda. Em relação às epífises do fêmur direto não foi encontrada a cabeça,
porém o colo anatômico e os trocânteres estavam, parcialmente, preservados.
Além dos ossos listados acima, puderam ser identificadas, com mais precisão:
quatro fragmentos de costelas, um do corno posterior do osso hioide e um processo
articular de um tarso, que parece pertencer a um navicular. Outros elementos ósseos,
que não puderam ser identificados, são formados por fragmentos corticais diversos e de
ossos longos de tamanhos variados, sendo uma maioria composta por 69 corticais
menores que 10 mm.
Foram separados 20 corticais diversos, com diâmetro máximo variando de 14 a
65 mm, sendo que, pelo menos três, poderiam se tratar de fragmento de pelve, de
escápula e de patela. Porém, devido à fragmentação, não é possível afirmar, já não há
fotos dos mesmos em campo.
O número mínimo de indivíduos foi de apenas um. Não foram encontradas
duplicatas nos ossos longos, nem de nenhum elemento ósseo, que leve a pensar que se
trate de mais de um indivíduo.
Juntando as informações das fotos, tiradas em campo, e a análise esquelética,
reforçamos que a posição dos ossos longos em feixes estava ao lado noroeste do crânio.
O crânio estava desconectado, com a ausência de qualquer conexão com vértebras que
estavam ausentes. Este estava com a face parcialmente voltada para baixo, ao noroeste
e, fortemente, deformado no eixo craniocaudal.
A posição das epífises proximais das fíbulas estava em contato direto com a
face. Além disso, as duas extremidades distais de um fêmur, a epífise proximal de uma
tíbia e um fragmento de uma clavícula estavam, também, posicionados abaixo da face
do crânio.
O “pacote” de ossos é formado por vários fragmentos ósseos, desde ossos
esponjosos aos fragmentos de costelas (e provavelmente outros elementos do esqueleto
axial, que não se preservaram), que estavam posicionados ao leste do crânio e ao
sudeste do feixe.
Estavam ausentes, no registro de campo e nas observações de laboratório,
qualquer fragmento de pelve, ao norte do crânio, e fragmentos de escápula, ao sul.
206

Tratamento dispensado ao esqueleto:


Foram observadas alterações na superfície óssea do fêmur e da tíbia esquerda,
que poderiam se tratar de possíveis marcas de corte. Uma delas se encontra na face
latero-posterior do terço distal fêmur, logo acima das inserções proximais dos músculos
vasto-lateral e da cabeça curta do bíceps femoral. Mais tarde, foi observado, com
coleções esqueléticas de referência do Museu Nacional/UFRJ, que esta poderia se tratar
de uma impressão de um canal arterial.
A outra alteração se encontra na porção antero-medial do terço médio da tíbia
esquerda, logo acima da inserção proximal do músculo tibial anterior. Esta, por sua vez,
não parece ser uma alteração de um canal, podendo se tratar de um descarnamento
ativo.

3.3 CAMPANHA DE 2014

3.3.1 Estrutura 1043

Figura 75: Estrutura 1043 – poço funerário com câmara lateral.

Descrição Geral
A estrutura 1043 (já descrita no capítulo 1) é um poço com abertura oval,
apresentando um metro e oitenta cm de diâmetro máximo.
O preenchimento do poço, nos primeiros 50 a 60 cm de profundidade, era
formado por sedimento de coloração escura acinzentada, com uma grande concentração
207

de artefatos cerâmicos fragmentados, bolotas de argila queimadas, concreções de caulim


branco, sementes e outros vegetais carbonizados, vasilhas muito fragmentadas e outras
inteiras, sendo que a maioria delas tinha decoração e morfologia típicas da fase
Mazagão.
Dos 70 aos 120 cm de profundidade, diminuiu, drasticamente, a concentração
de cacos cerâmicos, voltando a aparecer depois de 120 cm, momento em que
começaram a aparecer fragmentos de vasilhas cerâmicas decoradas (não remontáveis),
junto aos fragmentos de carvões, de banco (não remontável) também decorado, de
caulim branco e de tigelas, até chegar ao último degrau, e, finalmente, à câmara lateral.
Na câmara lateral, estavam depositadas uma urna funerária com tampa. Esta
estava posicionada encostada junto à parede da câmara lateral. Ao redor desta urna,
foram identificados três pequenos potes e uma tigela rasa, posicionados em sua volta.
Todos os três potes e a tigela estavam fragmentados (mas puderam ser remontados em
laboratório), e pelo menos dois potes estavam emborcados (figura 76).

Figura 76: Urna funerária globular com vasilha emborcada servindo de tampa, ladeada por fragmentos de
potes e de tigelas.

Acompanhamentos externos
A urna funerária possui uma abertura com diâmetro de 25 cm, uma altura (base
borda) de 50,5 cm, um diâmetro da base de 17,5 cm, uma espessura média de 1,6 cm e
um diâmetro de bojo de 41 cm.
208

A tampa possui uma altura de 21,5 cm, um diâmetro de borda de 39 cm, um


diâmetro da base de 12,9 cm e uma espessura média de 1,7 cm (figuras 77, 78 e 79).

Figura 77 e 78: urna globular lisa à esquerda e a vasilha/tampa aberta lisa à direita.

Figura 79: Urna funerária retirada do poço funerário/estrutura 1043

Junto à urna funerária cercando a mesma ao norte, ao sul e ao leste, foram


encontrados (fragmentados) três potes globulares lisos e uma tigela rasa, que foram
remontados em laboratório. Dois dos potes, aqueles ao oeste e ao leste da urna, foram
encontrados, em campo, emborcados (figura 80).
209

A urna funerária, a vasilha, que servia de tampa, os potes e a tigela se


assemelham com as formas descritas por Meggers e Evans (1957) para as cerâmicas
lisas e globulares da fase Mazagão, identificadas para o estado do Amapá.

Figura 80: Sequência de potes e de tigelas encontradas dentro da câmara lateral e das adjacentes à urna
funerária, ao leste, ao oeste e ao norte da mesma.

Escavação em laboratório
Dentro da urna escavada em cinco “níveis” artificiais, relacionadas à retirada dos
ossos, foram retirados mais de dois mil fragmentos esqueléticos. Estes níveis
correspondem a uma camada de ossos e não possuem uma espessura determinada. As
escavações iniciaram por volta de 34 cm da borda e chegaram à base (no centro da
urna), aos 48, 3 cm. De modo que os conteúdos da urna estavam inseridos em uma
matriz de sedimento com14 cm, os quais foram retirados em cinco etapas.
Nos dois níveis superficiais da urna, quase não foi constatada a presença de
sedimento, porém, a medida que a profundidade aumentava (por volta do nível 3 e 4),
aumentava também, de maneira considerável, a matriz de sedimento e de ossos
pulverizados. A urna estava, praticamente, preenchida por fragmentos esqueléticos
humanos, restos faunísticos e pequenas contas (figura 81).
210

Figura 81: Ossos humanos fragmentados e, em aparente desordem, restos faunísticos e pequenas contas.

Quanto à granulometria deste sedimento, foi observado, com a lupa binocular,


que os grãos são compostos, em grande parte, por partículas de ossos pulverizados com
granulometria, que vai de granulo ao silte e por grãos de quartzo com granulometria de
areia fina à areia muito fina (TUCKER, 2014).
Além dos ossos pulverizados, o pouco sedimento (quando comparado a maioria
das outras urnas escavadas neste sítio), que porventura tenha entrado na urna, pode ter
entrado devido aos processos de decantação (para frações de argila e de silte, por
exemplo), e, talvez, boa parte do sedimento tenha sido colocado, previamente, ao
fechamento definitivo da urna e à deposição na câmara lateral.
A apesar da fragilidade e da friabilidade de boa parte dos ossos (alguns com
corticais de espessura muito fina), estes puderam se preservar em virtude do isolamento
com o latossolo laterítico, desempenhado pela urna tampada e intacta. Esta mesma urna
foi encontrada, hermeticamente, fechada, sem invasão de raízes e de sedimento por
rachaduras, que são, praticamente, inexistentes dentro da urna.
Convém mencionar que foi observado, na parte interna da tampa, no pescoço e
próximo ao bojo (superfície externa) da urna, uma substância de coloração enegrecida,
que parece lembrar uma espécie de resina, que poderia ser interpretada como um tipo de
adesivo, entre a tampa e a urna.
211

Durante a escavação, foram observados ninhos de himenópteras (ordem das


vespas e das abelhas) (figura 82), identificado pelo socioapidólogo, Richardson Frazão,
do instituto Peabiru80. Estes ninhos de terra estavam aderidos aos ossos, em vértebras
(na superfície articular), ossos pélvicos (acetábulo) e ossos longos (junto às epífises
distais e proximais). É interessante notar que este sedimento estava aderido somente nos
ossos do indivíduo mais maduro, com idade biológica identificada como um adulto
jovem ou adulto, mas não estava presente nos três indivíduos restantes, representados
por restos esqueléticos de uma criança ou adolescente, um infante e um
neonato/perinato.

Figura 82: Ninhos de himenópteras incrustados em alguns ossos.

Descrição osteológica
Na contagem do Número Mínimo de Indivíduos (NMI), foram identificados
elementos esqueléticos de pelo menos quatro indivíduos: uma criança ou adolescente
(por volta de 5 a 15 anos), um adulto jovem (20 a 35 anos) e dois infantes - um deles
com idade entre 1 a 2 anos e outro de 0 a três meses, podendo se tratar de um perinato.
Devido ao fato de serem ossos imaturos, não foi possível identificar o sexo dos
indivíduos, apenas se cogita a possibilidade do indivíduo adulto ser feminino, não
havendo meios seguros para avaliar.
Para a descrição osteológica abaixo, apresento, em primeiro lugar, os indivíduos
não adultos e, em seguida, as descrições e as observações do indivíduo adulto.
 Não adultos:

80
. As amostras dos ninhos serão enviadas para análise no IEPA. Existe a possibilidade de que em alguns ninhos por
nós coletados, apresentem quitina ou até mesmo o casulo completo, o que poderá, além de identificar a espécie,
verificar a existência de pólen.
212

Em relação aos ossos do crânio, foram encontrados pelo menos 34 fragmentos


de calotas cranianas, sem sinais de fusionamento e muito finas; fragmentos de órbitas;
de frontais; de occipitais; de maxilas81; e meatos acústicos de ossos temporais - todos de
indivíduos não adultos, desde perinatos aos adolescentes.
Quanto a estes fragmentos, chama a atenção uma maxila de uma provável
criança ou um adolescente, com forte protrusão dentária (figura 83); um fragmento da
parte basilar do osso occipital, não fusionada de um indivíduo não adulto82; e uma parte
basilar do occipital, não fusionado de crânio de um indivíduo infante, cuja integridade
permitiu a mensuração dos comprimentos e da largura, estimando uma idade entre 1 ano
e um mês e 1 ano e três meses (figura 84).

Figuras 83 e 84: À esquerda, um fragmento de maxila com forte protrusão dentária de uma provável criança
ou um adolescente e, à direita, uma parte basilar do occipital, não fusionado do crânio de um indivíduo
infante, cuja medição forneceu uma estimativa de idade entre um ano e um mês e um ano e três meses.

As únicas mandíbulas e os fragmentos de mandíbula encontrados pertencem a


um infante, um perinato e uma criança ou um adolescente (figura 85).

Figura 85: Mandíbula de uma criança ou adolescente.

81
Um deles parece ser de um infante ou uma criança pequena (é possível observar dentes na cavidade alveolar, ainda
não eclodidos) e uma maxila de uma provável criança ou um adolescente com forte protrusão dentária.
82
Segundo Scheuer e Black (2000, p. 61), estes só se fundem por volta dos 5 aos 6 anos de idade.
213

Para se chegar a este provável perinato, observei um fragmento do esfolio de


órbita (figura 86), um de frontal e um pequeno fragmento de corpo de uma mandíbula,
cujo formato e características dos alvéolos dentários não estão, completamente
fusionados. Parece se tratar de um indivíduo infante, um recém- nascido ou um feto, um
neonato ou perinato.

Figura 86: Esfolio de órbita de indivíduo infante, provavelmente perinato.

Foram contabilizados quarenta e oito fragmentos de diminutas costelas de


indivíduos não adultos (infantes ou crianças), entre elas: uma primeira costela esquerda
de um infante .
A maioria das vértebras encontradas não é fusionada, pertence aos indivíduos
infantes e é formada por trinta e cinco arcos neurais não fusionados e sessenta e três
fragmentos de arcos neurais não fusionados, vinte e cinco corpos vertebrais não
fusionados, cinco fragmentos de corpos vertebrais não fusionados e um dente de áxis
(C2) não fusionado, indicando ser menor de dois anos.
Entre os fragmentos de pelves de tamanhos muito diminutos, foi possível
observar um fragmento de um ísquio e um íleo não fusionados de pelves de indivíduos
infantes, mas não foram feitas estimativas do sexo.
Para os ossos das mãos e dos pés de indivíduos não adultos, foram encontradas
vinte pequenas e diminutas falanges e fragmentos de falanges não fusionadas, sete
pequenos fragmentos de metacarpos e um fragmento de metatarso não fusionado de
indivíduos infantes e crianças.
Foram identificados fragmentos de diminutos ossos longos não fusionados,
como: quatro fêmures; duas clavículas, esquerda e direita; e fragmentos de clavículas de
indivíduos perinatos e infantes. Além destes, foi verificada a presença de fragmentos de
clavículas um pouco maiores, entre elas: um terço esternal de uma clavícula esquerda de
indivíduo criança ou adolescente.
214

Em relação a outros ossos longos, foi possível observar uma pequena ulna com
epífise proximal não fusionada de um indivíduo infante, um fragmento do terço distal
de diáfise de úmero com a epífise distal não fusionada de um indivíduo criança ou
adolescente e uma diáfise de fíbula não fusionada de indivíduo criança ou adolescente.
 Adulto
Quanto aos ossos de crânio, que parecem ser de indivíduo adulto, foram
identificados apenas um fragmento de maxila, um de osso temporal, um de um processo
mastoide do osso temporal e fragmentos de osso occipital. Não foram encontrados
fragmentos de uma mandíbula de indivíduo adulto.
Entre os trinta e três fragmentos de costelas maiores, identifiquei uma primeira
costela e uma segunda direita, todos de indivíduos mais maduros, provavelmente, de
indivíduo adulto.
Em relação aos fragmentos de vértebras, pôde-se verificar que são representados
por cervicais, torácicas e lombares. Porém, nove delas estão mais íntegras, de modo que
puderam ser identificadas quatro vértebras cervicais (C1, C2, C4 e C7), quatro vértebras
torácicas e uma vértebra lombar.
Algumas destas vértebras apresentam leves osteófitos nas superfícies
intervertebrais das torácicas e da lombar, o que pode estar correlacionado, no que se
trata à bibliografia referente às populações ameríndias da América do Sul, com a ação
de carregar pesos às costas, com uma faixa passando pela testa, o que é uma técnica
corporal comum, tanto para homens quanto para mulheres. É válido destacar que
diversas fontes etnográficas apontam que tal técnica corporal é mais frequente entre
mulheres (CAPASSO; KENNEDY; WILCZAK, 1999, p. 41).
Os ossos das mãos não estão bem representados, com muitos ossos faltando.
Ainda assim, em meio aos fragmentos de falanges, de metatarsos e de carpos, foi
possível identificar uma falange proximal do terceiro dedo de uma mão direita, um
semilunar de mão esquerda, um capitato de mão direita, um osso capitato de mão
esquerda, um osso escafoide de mão esquerda, um trapézio e um hamato.
Dos ossos dos pés já desenvolvidos, foram identificados fragmentos de
metatardos, de falanges e de tarsos, entre elas: uma quinta falange proximal de pé
direito; uma quinta falange média de pé esquerdo; um talus de um pé esquerdo e um de
direito; um calcâneo de pé esquerdo; um osso navicular de pé esquerdo e um de direito;
um osso cuneiforme medial de pé direito e um de esquerdo.
215

Quanto a este calcâneo esquerdo (figura 87), percebi que o mesmo possui uma
entesofitóse na área da inserção do tendão calcanear, conhecida como Entese do tendão
de Aquiles e osteófito do processo medial83. O tendão do Calcâneo (ou de Aquiles) é o
mais poderoso do corpo humano e está ligado à ação dos músculos gastrocnêmio e
sóleo, onde os músculos da panturrilha exercem força sobre a parte posterior do pé em
atividades de propulsão, tais como: corridas, saltos e caminhada, flexionando o pé na
articulação do tornozelo (ABBAS, 2013, p. 57).

Esta entese unilateral ou bilateral é caracterizada pela exostose na


tuberosidade calcanear, local de inserção do tendão calcanear e um
osteófito originado no processo medial onde o adutor do hálux e o flexor
curto dos dedos se estendendo para a porção posteroinferior da tuberosidade
do calcâneo. [...] Os fatores de estresse podem ocorrer de várias maneiras.
Microtraumas ao tendão podem resultar de hiperflexão plantar repetitiva,
quando há uma carga excessiva ao tendão devido à fadiga ou quando o
individuo continua a pronação depois da extensão do joelho ter começado.
Nos casos de superpronação, onde o joelho estende para transmitir uma
força rotacional externa para a tíbia, enquanto a pronação produz uma
rotação interna: essas forças conflitantes sobrecarregam o tendão. O
osteófito do processo medial ocorre com o estresse do músculo adutor do
hálux ao andar e/ou na flexão plantar do hálux (CAPASSO
KENNEDY; WILCZAK, 1999, p. 124).

Segundo os mesmos autores (CAPASSO KENNEDY; WILCZAK, 1999, p.


124), este marcador ocupacional foi descrito para corredores de longa distância do
Neolítico da Nigéria, em corredores modernos de terrenos acidentados, em populações
de economia mista da Espanha medieval.84
Levando essas informações em mente e aplicando ao estudo de populações
sambaquieiras de Santa Catarina, Adam Reiad Abbas (2013), em sua dissertação de
mestrado, interpretou as entesofitóses relacionadas ao pé, de acordo com o ambiente e o
contexto arqueológico por ele estudados, são originadas da prática de atividades físicas -
corrida, mergulho, caça, natação, posicionamento do corpo ao pescar em lagoas, uso de
arpões, etc.

O gastrocnêmio atua através de força propulsora para o


movimento, enquanto que o sóleo atua como músculo postural, devido a sua
fixação inferior, que impede a perna de cair para frente sobre si sob a
influência do peso corporal (PALASTANGA et. al. 2000). Tal propriedade do

83
Achilles tendon enthesis and medial process spur
84
Quanto ao osteófito espontâneo do processo medial, este pode se formar em indivíduos mais maduros e indivíduos
obesos, sendo que esta etiologia é mais comum em indivíduos femininos (Capasso et al, 1999, p. 124).
216

sóleo é interessante ao pensarmos em indivíduos que provavelmente


pescavam com arpões à beira de lagoas ou sobre embarcações rudimentares.
O desenvolvimento exacerbado do complexo funcional do pé pode estar
ligado a atividades como corrida (caça) além de natação, mergulho, uso de
arpões (como descrito anteriormente), ou ainda decorrer de traumatismos
devido ao ambiente acidentado, gerando torções (ABBAS, 2013, p.57).

Dado ao ambiente em que o sítio está inserido, junto aos rios e aos igarapés, e as
opções de captação de recursos alimentares do estuário amazônico, tanto de pesca
quanto de caça, e manejo florestal, diversas ações, parecidas com estas, podem vir em
mente: pesca à beira de igarapés e de rios, seja dentro ou fora de uma embarcação,
corrida, natação, todos perfeitamente aplicáveis na área do presente estudo.

Figura 87: Calcâneo esquerdo com uma entesofitóse na área da inserção do tendão calcanear, conhecida como
Entese do tendão de Aquiles e osteófito do processo medial.

Dos ossos da cintura escapular, foi possível fazer análises métricas e


morfológicas para estimar a idade e o sexo. Os ossos da cintura escapular estão
representados, aqui, pela por quatro fragmentos de uma escápula esquerda (entre elas a
cavidade glenóide), uma escápula direita praticamente completa85 (figura 88), um
fragmento de um terço acromial de uma clavícula direita e uma clavícula esquerda. A
medição da cavidade glenoide destas escápulas deu medidas típicas de um indivíduo
feminino (BASS, 1995).
Quanto à clavícula esquerda, a epífise medial ou extremidade esternal está,
parcialmente, fusionada, o que, segundo Buikstra e Ubelaker, ocorre entre os 18 aos 30

85
Constatou-se que, na fossa infra espinal e na subescapular, há sedimento aderido de coloração e de textura e
compactação muito diferente daquele do interior e do exterior da urna, o qual percebeu-se que se tratava de um ninho
de inseto - himenóptera - grudado nessas porções da escápula.
217

anos. Se o indivíduo for feminino, segundo Bass (1995, p. 136), a união epifisial
(esternal), para indivíduos do sexo feminino, é indicativo de idade em torno dos 16 aos
33 anos.

Figura 88:Fragmento de escápula direita

Durante a análise, foram observados fragmentos de uma pelve direita de um


indivíduo adulto, compostos por um acetábulo e uma incisura isquiática menor; e um
fragmento de uma pelve esquerda de um indivíduo adulto, formado pelo acetábulo e a
incisura isquiática maior (figura 89), dada morfologia, pode-se, tentativamente, dizer
que seja de um indivíduo, possivelmente, feminino.
218

Figura 89:Fragmento de pelve esquerda

Examinando uma patela esquerda (figura 90) de um indivíduo adulto, observou-


se a presença de uma entesofitóse digitiforme na área de inserção do tendão do músculo
quadríceps femoral de grau 3 (MARIOTTI, 2004), podendo estar relacionado à idade
e/ou às atividades repetitivas e/ou aos extenuantes relacionados, por exemplo, às
corridas e às caminhadas a longas distâncias (ABBAS, 2013).

Figura 90:Patela esquerda de indivíduo adulto com entesofitóse digitiforme na área de inserção do tendão do
músculo quadríceps femoral de grau 3.

Foi identificada uma diáfise de úmero e uma epífise proximal de úmero com a
cabeça já fusionada, o que leva a estimar que fosse no mínimo um adolescente ou adulto
jovem (fusiona entre 15 a 20 anos de idade). No terço proximal de um úmero direito, a
epífise proximal estava fusionada, esta fecha em torno dos 14 aos 23 anos. Já quanto aos
dois terços distais da diáfise de um rádio direito e dois terços proximais de um rádio
219

esquerdo, constatou-se que estes possuem as epífises já fusionadas, cuja epífise


proximal fecha em torno dos 14-19 anos e a distal em torno dos 17-19 anos.
De especial interesse, foram as observações contidas em uma ulna direita de um
indivíduo, no mínimo um adolescente, a julgar pela epífise proximal fusionada (fusiona
entre 12 a 17 anos). Na epífise proximal deste fragmento de ulna (figura 91), foi
identificada uma entesofitóse, caracterizada por uma espícula óssea no olecrano, na área
de inserção do tendão do músculo tríceps braquial, um marcador muscular de atividade
ocupacional, relacionado com intensas atividades de flexão e de extensão do cotovelo,
com movimentos de impacto repetitivo, o que caracterizaria uma “woodcuter’s lesion”
(CAPASSO KENNEDY; WILCZAK, 1999, p. 78).

Em indivíduos modernos este marcador está associado com


lenhadores, ferreiros e jogadores de baseball. Em indivíduos do Sahara do
Neolítico de Mali que viviam em um ambiente lacustre, foi especulado que
este marcador estaria relacionado com o lançamento de redes de pesca. Isto
envolveria movimentos que causariam estresse na inserção do tríceps
(Dutour, 1986). Entretanto, considerando o “woodcutter’s lesion”, este
marcador não foi encontrado com a frequência que se esperava em um
população medieval de Santa Maria em Hito, na Espanha, que se presume
que usassem madeira todos os dias. Capasso & DiTota (1996) encontraram
altas frequências de “woodcutter’s lesion” em uma população de esqueletos
da Idade do Ferro de Sulmona, na Itália Central, que estavam ativamente
engajados na extração de pedreiras e outras formas de trabalhos pesados .

Rodrigues-Carvalho (2004, p. 179) sugere que outras explicações são possíveis


para tal entesofitóse, como o uso de arpões ou lanças longas, usadas para arremessos
rápidos e a curta distância do alvo ou o uso de embarcações, que usasse longas hastes
como propulsores e remos.
220

Figura 91: ulna direita com entesofitóse, caracterizada por uma espícula óssea no olecrano, na área de
inserção do tendão do músculo tríceps braquial. Marcador muscular de atividade ocupacional relacionado
com intensas atividades de flexão e de extensão do cotovelo, conhecida como “woodcuter’s lesion” ou lesão do
lenhador.

Dos ossos longos de membros inferiores, foi possível observar, em dois terços
distais de uma tíbia direita, que a epífise distal se encontra fusionada, o que ocorre em
torno dos 14 aos 19 anos. Contatou-se, ainda, um terço proximal da diáfise de um fêmur
direito, o qual verificou-se que o trocânter maior e a cabeça do fêmur se encontram
fusionadas, o que ocorre em torno de 15 a 20 anos de idade.
Quanto aos dentes, foram identificados dez molares permanentes: um deles com
cárie oclusal moderada; cinco molares não calcificados, ainda não erupcionados; um
incisivo permanente superior com desgaste oclusal; um pré- molar; um incisivo
permanente; dois incisivos centrais permanentes; três fragmentos de molar permanente;
e um fragmento da raiz de um dente não identificado.
Gestos funerários
Quanto aos gestos funerários, nos primeiros níveis da urna e no decorrer da
escavação até chegar a base, não foi percebida nenhuma coerência anatômica entre os
ossos, com ossos longos que parecem ter sido depositados em eixos horizontais e
verticais. A impressão que passa, ao serem registradas as posições e orientações em que
eram escavados e encontrados os fragmentos esqueléticos humanos e outros conteúdos,
é que os mesmos estavam, literalmente, misturados e remexidos, sem uma organização
clara (figuras 92 e 93).
221

Figura 92 – Inicio do desmonte, com ossos misturados e aparentemente remexidos.

Figura 93: matriz de sedimento com ossos pulverizados.

Somente próximo à base, é que parece haver uma organização (figura 94), onde
temos os ossos longos dos membros superiores e inferiores dispostos, mais ou menos,
em feixe na porção ao oeste da urna e, provavelmente, encostados junto à parede sul da
urna.
222

Figura 94: Próximo à base, parece ter aparecido alguma coesão no posicionamento dos ossos.

Devido aos ossos de infantes encontrados serem muito diminutos e mais frágeis,
interpreta-se que ocorreu uma deposição primária com pelo menos um dos indivíduos
infantes, o que explicaria a presença tão massiva de ossos tão frágeis, já que os mesmos
costumam não se preservarem86.
Não se deve descartar, ainda, a possibilidade de o indivíduo adulto (adulto
jovem?) em questão ser do sexo feminino e que pudesse estar grávida, prestes a dar a
luz. Apesar de não ter elementos para comprovar, deve-se levar isso em consideração,
pois poderia trazer outras implicações, talvez um enterro primário do (suposto)
indivíduo feminino, em um local controlado, com uma urna ou uma cestaria, explicaria
também a presença muito expressiva dos ossinhos frágeis do indivíduo perinato. Este
presumido perinato seria considerado como uma pessoa, por aqueles que realizaram o
enterramento, já que o mesmo, hipoteticamente, não teria nascido?
Acompanhamentos internos:
Foi identificada, desde a superfície da urna até os níveis finais, a presença de
conchas (três ao todo), que foram registradas pela equipe do Laboratório de
Malacofauna do Museu Nacional/UFRJ, provavelmente pertencentes a um gastrópode
marinho da espécie Pugilina Morio (figura 95). Esta espécie tem uma ampla dispersão e
86
Considerações semelhantes para o sítio Hatahara, Anne Rap Py-Daniel (2009) faz para um sepultamento em urna
com deposição secundária de quatro indivíduos - dois adultos, um sub-adulto e um infante. Devido à
representatividade considerável de ossos muito pequenos do indivíduo infante, é cogitada a deposição primária deste
indivíduo, apesar dos outros não apresentarem conexões, parecendo se tratar de um sepultamento secundário para
estes três indivíduos restantes.
223

é encontrada hoje em dia no oeste da África, na Martinica, na Venezuela, no Suriname e


no Brasil (a partir da costa do estado do Pará até o estado de Santa Catarina),
normalmente enterrada na areia, perto de rochas, em foz de rios (RIOS, 2009, p. 247).

Figura 95: Provável gastrópode marinho, provavelmente Pugilina morio

Foi identificada, também (logo no nível 1), uma concha de um gastrópode de


água doce (figura 96), identificado como Doryssa sp.1 (este possui duas perfurações,
não é possível dizer se é antrópica), que é encontrada justamente no estado do Amapá
(RIOS, 2009).

Figura 96: Gastrópode de água doce – Doryssa sp.1

Presume-se que isso se deva, em parte, a presença de conchas e algum conteúdo


da urna, que parece ter sofrido processos pós deposicionais diagenéticos devido às
intempéries climáticas dos ritmos de inverno (chuvas) e verão (seca) ao longo de
centenas de anos.
224

Foram encontrados, ao todo, 271 contas (figura 97 e 98), desde a superfície até a
base da urna. Algumas contas estavam aparentemente associadas às calotas cranianas de
indivíduos não adultos. Com o intuito de sabermos a matéria prima das contas
encontradas, inicialmente pensadas como contas feitas de conchas perfuradas,
constatamos, para nossa surpresa, que se tratam de colunais (“discos” isolados) e
pluricolunais (“discos” articulados) de pedúnculos de crinoides fósseis (estes
pedúnculos possuem “perfurações” naturais), provavelmente provenientes da Formação
Itaituba (Scheffler, informação pessoal, 2015).
A Formação Itaituba é uma unidade geológica depositada no período
carbonífero, era Paleozoica, na Bacia Sedimentar do Amazonas, aproximadamente 300
milhões de anos, cujos afloramentos mais próximos ficam mais de 300 km de distância,
na região de Monte Alegre, no estado do Pará, no baixo Tapajós (LANE, 1964;
SCHEFFLER et al, 2006; SCHEFFLER et al, 2014) . A identificação deste material
fóssil foi realizada por intermédio dos paleontólogos Sandro Scheffer e Antonio Carlos
Fernandes, no Laboratório de Paleoinvertebrados, Departamento de Geologia e
Paleontologia do Museu Nacional, UFRJ87.

Figura 97: Contas de crinoides fósseis.

87
No momento, estão sendo realizadas análises e descrições do material coletado.
225

Figura 98: Contas de crinoides fósseis

Um dos acompanhamentos internos, que chamaram mais atenção, foi o fato de


termos encontrado três pequenas esculturas zoomorfas. Uma delas lembra um tipo de
lagarto ou talvez um jacaré (figura 99) , com uma pequena perfuração no que seria seu
pescoço, de um lado a outro, parecendo se tratar de um pingente, feita de matéria prima
ainda desconhecida.
226

Figura 99: Pingente zoomorfo em formato de um réptil, que lembra um jacaré. Possui um orifício que seria o
pescoço do animal. Percebe-se uma concreção esbranquiçada de substrato carbonático.

Um outro artefato é uma pequena estatueta zoomorfa, que lembra a forma de um


pássaro ou uma ave com o bico, a cauda, o corpo e o pescoço (figura 100).

Figura 100: Pequena estatueta zoomorfa com formas que sugerem um pássaro ou ave. Artefato confeccionado
em matéria prima de substrato carbonático.

Já o outro artefato também é um pingente zoomorfo, possui o formato de um


mamífero quadrúpede (felino?), com cauda, patas, orelhas e focinho representados. O
último artefato/pingente apresenta um orifício no meio do corpo do animal
representado, não sendo no pescoço (figura 101).
227

Figura 101: Pingente zoomorfo com orifício no meio do corpo. As formas do pequeno quadrúpede com cauda e
orelhas pode sugerir uma gama de animais, entre eles: um felino – uma onça, talvez.

Os conteúdos da urna, algumas vezes, pareciam estar cobertos por uma


substância esbranquiçada (figuras 95 a 102), presente na superfície de alguns ossos,
conchas, contas de crinoides e pequenas esculturas zoomorfas. Após pingar HCL (ácido
clorídrico) a 10% ( concentração 1mol), na superfície desses objetos, percebeu-se que
existia uma espécie de concreção de carbonato, possivelmente oriunda da dissolução das
conchas.
Quanto aos três artefatos/pingentes zoomorfos, segundo o geólogo do IEPA
Wagner José Pinheiro Costa (comunicação pessoal, 2016), parecem ter sido
confeccionados com matéria prima de substrato carbonático (calcário), confirmado pela
reação ao HCL.
228

Figura 102: Três pequenas esculturas zoomorfas com concreção carbonática na superfície e, aparentemente,
confeccionadas de forma igual, a partir de matéria prima carbonática.

Segundo consta no Macrodiagnóstico do Estado do Amapá (CARMO PINTO et


al, 2008), a única rocha carbonática, que se tem notícia para o Estado, está presente em
lentes de mármore, encontradas somente a 15 metros de profundidade, na Serra do
Navio, localizado no centro do Estado.

No que concerne à ocorrência de mármore, Pinto (1997), com base na


informação verbal do geólogo Fabiano Laranjeiras (ICOMI) por ocasião do
Encontro Técnico-Administrativo do Projeto PRIMAZ/CPRM - realizado em
Serra do Navio (21 a 23/05/97), fez referências sobre a presença de lentes de
mármore contendo 26% de CaCO3 e 12% de MgO, localizadas a
aproximadamente 15m de profundidade em relação à superfície do fundo da
cava de uma das minas onde foi encerrada a atividade de lavra do minério
de manganês (CARMO PINTO et al, 2008:88).

Se cogita, então, a possibilidade de que estas rochas carbonáticas possa se


originar da Formação Itaituba, no Estado do Pará, onde há ocorrência dos crinoides
fósseis, depositados durante o período Carbonífero, no estado do Pará, próximo ao
baixo Tapajós.
Além destes artefatos, foram encontrados doze objetos, que parecem ser
conchas, intencionalmente cortadas, apresentando formatos quadrangulares,
retangulares e triangulares. Antes de afirmar algo, o material necessita de passar por um
processo adequado de curadoria para se pensar em um estudo da cadeia operatória de
seu feitio e observar outras características, que podem estar escondidas debaixo da
concreção de carbonatos, que cobrem, não somente estes objetos, como também os
229

artefatos zoomorfos descritos acima - os crinoides fósseis e as quatro conchas (três


marinhas e duas de água doce) encontradas.
Quanto aos outros restos faunísticos, foram coletados e identificados onze
pequenos ossos longos com epífises fusionadas, fragmentos de pequenos ossos longos
(figura 103) e pequenas costelas. Todos pertencem a um tipo de pequeno vertebrado não
humano, talvez de pequeno(s) mamífero(s). Além destes, foram identificados, na
superfície da urna e ao fundo da mesma, dois fragmentos de carapaça de caranguejo.

Figura 103: Diminutos ossos longos faunísticos de animal de pequeno porte.

3.3.2 Estrutura 1059


A estrutura 1059 é um poço com abertura de formato elipsoide, que possui dois
metros de profundidade máxima e três metros e oitenta centímetros de diâmetro
máximo, preenchida por terra preta. Dentro da estrutura, foram encontrados três
câmaras funerárias, escavadas no solo laterítico, dispostas de forma escalonada, isto é,
uma mais baixa que a outra e nomeadas como câmara A, a mais alta, e mais ao
sudoeste, seguida pela câmara B, posicionada logo abaixo da câmara A, e ao lado da
câmara B, no extremo norte na estrutura, e ligeiramente mais baixo que a câmara B, foi
nomeada a câmara C. Todas contêm urnas funerárias com artefatos cerâmicos
depositados ao seu lado, cada arranjo, cuidadosamente, colocado junto à parede de cada
uma das citadas câmaras funerárias (figura 104).
230

C
B

Figura 104: Estrutura 1059- Poço funerário com três câmaras laterais, da esquerda para a direita, na foto
acima: câmara A, B e C. (Acervo IEPA).

3.3.2.1 Câmara A

Figura 105: Urna globular lisa com vasilha emborcada usada como tampa (quebrada), junto aos dois potes
globulares lisos e um banco quadrangular.

Acompanhamento externo:
A urna funerária da Câmara A é uma vasilha globular lisa, com uma faixa
vermelha longituginal, que vai da borda até o bojo da urna. A altura da urna é de 55,2
231

cm e o diâmetro da abertura é de 29 cm. Já o diâmetro do bojo e da base são de,


respectivamente, 47,3 cm e 14, 7 cm (figura 106).

Figura 106: A urna funerária da câmara A possui uma faixa vertical vermelha, pintada desde a borda até o
bojo da vasilha globular lisa.

Junto à urna funerária, foram identificados dois potes globulares de pé,


posicionados a leste e a oeste da urna, e um banco quadrangular, encostado no corpo da
urna funerária (figura 107).
Os dois potes globulares são lisos, um sem pintura e outro com pintura. Neste
último, foi identificada pintura monocrômica vermelha, que cobre toda a borda e o
pescoço do pote. Abaixo dos ombros até pouco acima do bojo do mesmo, existem duas
pinturas com motivos curvilíneos, formando dois círculos, um em cada lado, e no meio
de cada círculo, há outro círculo fechado em vermelho.
Estes dois potes foram escavados e não foram encontrados vestígios visíveis em
seu interior, salvo pequenos carvões. O sedimento interno de ambos era amarelado e
mesclado de amarelado e acinzentado (foram coletadas amostras destes sedimentos,
assim como dos carvões internos).
Quanto ao banco quadrangular, este possui quatro orifícios/perfurações (não são
resultado de quebras pós deposicionais), que aparecem em cada vértice do objeto.
Foram observadas marcas de fuligem88 na parte externa, ao centro das
decorações presentes no objeto cerâmico, que possui semelhanças com a cerâmica
Koriabo e Mazagão.

88
Foram retiradas amostras de fuligem para verificar a presença de possíveis fitólitos.
232

Figura 107: Dois potes globulares são lisos, um sem pintura e outro com pintura de grafismos vermelhos e um
pote quadrangular com quatro orifícios em cada vértice, este banco possui decorações na superfície externa
(que apresenta fuligem) e se assemelham à elementos da fase Mazagão e Koriabo.

Escavação em laboratório
Esta urna estava com rachaduras e se fragmentou durante a retirada. Portanto, a
escavação da mesma só pôde ser realizada em uma porção, que permaneceu intacta da
urna. A porção da urna, que permaneceu intacta, foi envolvida em plástico filme e
escavada em laboratório. Os fragmentos esqueléticos, que se soltaram do sedimento
com os cacos cerâmicos, foram recolhidos, identificados e acondicionados em campo.
Percebeu-se, ainda, em campo, que a urna estava toda rachada aos lados,
entrando terra não somente pelas laterais, mas também por cima, quando parte do teto
deve ter desabado em algum momento muito anterior a abertura do poço funerário, pois
encontramos a urna com evidência da tampa somente ao redor do pescoço. Durante a
escavação da urna, em laboratório, havia somente alguns poucos fragmentos da base da
vasilha, que servia como tampa, próximos à base dela.
Com a porção intacta, escavada no laboratório, foi possível verificar a posição
dos ossos e tentar interpretar possíveis gestos funerários durante a escavação da parte
restante da urna89. Devido à escavação do restante da urna ser apenas um terço dela, foi
adotado outro método de escavação, por números de plotagens e de medições de alturas
dos ossos (figura 108).
89
Para o desmonte dos conteúdos dessa urna, contei com o auxílio da bolsista de iniciação científica Alexandra
Guimarães.
233

Figura 108. Etapas de desmonte em laboratório dos conteúdos internos de parte da urna que se preservou.

Gestos funerários:
Os ossos longos estavam colocados tanto horizontalmente quanto verticalmente.
Deste último, com feixes de ossos longos, encostados à parede, havia concentrações de
ossos dos pés e das mãos na base da urna e fragmentos de costelas, que estavam
depositados e agrupados no fundo da urna, junto às paredes.
Foram encontradas costelas depositadas horizontalmente ao fundo da urna e
outras tantas espalhadas e encostadas junto às paredes. Além destes, foi identificada
uma concentração de ossos dos pés (tarsos), os quais se pode reconhecer três calcâneos
agrupados.
Muitos ossos estão faltando, a maioria das costelas, alguns ossos longos, a
maioria dos carpos, dos tarsos, das falanges e, principalmente, ossos dos crânios. Dado
ao grau de fragmentação, o fato de termos pelo menos dois indivíduos e apesar do
elevado grau de intemperismo/weathering e de fragmentação, é importante levar em
consideração que os ossos devem ter sido selecionados para serem depositados na urna .
234

Descrição osteológica
Os ossos estão muito friáveis e fragmentados, ultrapassando mais de setecentos
fragmentos ósseos, compostos em sua maioria por corticais de ossos longos, fragmentos
de ossos esponjosos, de chatos, de ossos pulverizados e aqueles menores que 10 mm,
que não foram contabilizados.
Foram identificados pelo menos dois indivíduos, devido ao número elevado de
dentes molares e pela presença de quatro calcâneos (figura 109).

Figura 109: Quatro exemplares de calcâneos.

Os ossos de um desses indivíduos são maiores que os outros, sendo um deles


identificado como um adolescente, entre 12 e 19 anos, devido ao não fechamento de
ossos longos e nenhum dente molar apresentar desgastes.
Entre os ossos que não estão fusionados, estão as epífises distais e as proximais
de ossos longos, como: as das tíbias, dos fêmures e dos úmeros (figura 110).

Figura 110: Epífise proximal de úmero não fusionado.


235

Infelizmente, não foi possível identificar o sexo dos indivíduos, principalmente


devido à elevada fragmentação e péssima condição de preservação dos elementos
esqueléticos, os quais estão muito friáveis, com fragmentações, fissuras, descamações e
craquelamentos próprios de intemperismo/weathering, tipo 4 a 5 (figura 111).

Figura 111: Terço distal de úmero com alterações tafonômicas, tipo weathering de grau 4 a 5.

Quanto às possíveis patologias ou aos sinais de estresse, foi apenas registrado


um dente incisivo com desgaste oclusal moderado e nenhuma evidência de cáries nos
que estavam soltos.
Acompanhamentos internos:
Foram identificados pelo menos três restos de fauna (figura 112). Um deles
parece ser um osso longo de uma ave (pneumático), pode ter sido exposto ao fogo, mas
não há elementos concretos para dizer isso, porque as alterações tafonômicas pós
deposicionais podem ser responsáveis pela coloração deste. Outro é um fragmento de
osso longo diminuto, de coloração enegrecida, aparentemente carbonizado, o que parece
ser de um pequeno vertebrado, talvez um pequeno mamífero. Por fim, um fragmento de
dente incisivo de capivara ou de cutia.
Foi identificado um número considerável de fragmentos de carvão dentro da
urna, possivelmente associados a estes acompanhamentos que apresentam coloração
enegrecida. Não se deve descartar que o dente de cutia poderia ser utilizado como um
buril. Por outro lado, os dois ossos longos podem ser restos de oferendas ao morto e/ou
de restos de um xerimbabo, depositados junto a um dos indivíduos ou aos dois
indivíduos.
236

Figura 112: Diminuto osso longo carbonizado de fauna desconhecida, dente incisivo de cutia e osso longo de
uma ave ou um pássaro.

3.3.2.2 Câmara B

Figura 113: Urna globular lisa com vasilha usada como tampa (quebrada) e um pote globular liso depositado
ao seu lado. (Acervo IEPA).

Acompanhamento externo:
A urna funerária da Câmara B é uma vasilha globular lisa, com pintura vermelha
externa (figura 114) e com uma vasilha emborcada, que servia de tampa. A urna possui
uma abertura de 28, 4 cm de circunferência, uma altura de 41 cm, o diâmetro do bojo e
da base é de 44,5 cm e 16,9 cm, respectivamente. A tampa estava quebrada, antes da
escavação, e a urna estava preenchida com terra até a borda (foi encontrada partes da
tampa dentro da urna, próximo à altura do bojo).
237

Ao lado da urna funerária, foi encontrado um pequeno pote globular liso (figura
192). Este pote foi escavado e se viu que o mesmo estava preenchido de sedimento
mesclado (escuro acinzentado e amarelado) com radículas e pequenos carvões (foi
guardada uma amostra deste sedimento e dos carvões).

Figura 114: Urna funerária globular com pintura externa de vermelho e pote globular liso.

Escavação em laboratório
Em campo, constatamos que a tampa estava quebrada, tendo assim ocasionado a
entrada de sedimento do latossolo para dentro da urna, que apresentava coloração
amarelada na superfície.
O teto da câmara deve ter desabado em algum momento, ocasionando a quebra
da maior parte da base da tampa, que entrou na urna, juntamente com o sedimento do
latossolo acima dela, exercendo pressão, que empurrou e fragmentou os ossos, que
estavam devidamente arranjados no objeto mortuário, esmagando o crânio,
fragmentando os ossos longos, espalhando e remexendo o arranjo original do esqueleto
(figuras 115 e 116).
238

Figuras 115 e 116: Etapas de desmonte durante a escavação da urna funerária. Perceba o fragmento de
cerâmica da vasilha usada como tampa acima de onde estava o crânio.

Em laboratório, a urna foi escavada em oito níveis de desmonte, de acordo com


a retirada dos elementos ósseos. Como a urna estava se fragmentando em todo o
diâmetro da mesma, foi possível, à medida que se desmontava os restos esqueléticos do
interior da urna, retirar fragmentos da vasilha, facilitando a escavação da urna. Ao final
da escavação da urna, percebeu-se que a mesma estava rachada na parte de baixo, por
onde passaram raízes e entrou sedimento do exterior.
Gestos funerários
Apesar de não ter uma organização muito óbvia, é possível percebermos alguns
gestos funerários, a saber: os ossos longos, dispostos na posição vertical, junto à parede
nordeste; algumas costelas na porção leste da urna; e o crânio, a mandíbula e as pelves,
posicionados na porção oeste da urna. Devido ao colapso da tampa e posterior
preenchimento de sedimento no interior da urna, a posição original dos ossos foi
perturbada, a fragmentação do crânio foi encontrada abaixo de um fragmento da base da
vasilha, que serviu de tampa da urna.
Como era de se esperar, os ossos mais pequenos (as patelas, alguns tarsos,
carpos, falanges, metacarpos e metatarsos) foram encontrados espalhados por toda a
base da urna. A mesma situação foi evidenciada com alguns dentes soltos, o que
enfatizou a organização ou no caso a ausência da posição dos elementos esqueléticos
junto à base (figura 117).
Constatou-se que as patelas foram encontradas juntas, lado a lado, na porção
leste da base da urna. Já uma ulna e um radio foram encontrados verticalizados, lado a
lado, próximos de um úmero. Os ossos estavam muito misturados, não sendo
encontrados indícios que levem a pensar em um sepultamento primário. Pelo contrário,
tudo leva a cogitar que se trate de um sepultamento secundário.
239

Figura 117: Somente próximo à base da urna, pode-se perceber que os elementos esqueléticos estavam
espalhados, não sendo observada nenhuma coerência.

Muitos ossos estão faltando: a maioria das vértebras, algumas falanges das mãos
e dos pés, os metacarpos, os metatarsos, os carpos, os tarsos e as costelas. Percebem-se
aí três possibilidades:
Em primeiro lugar, temos o local onde foi depositado o corpo para o descarne,
que pela presença de elementos esqueléticos pequenos pode ter sido feito de maneira
controlada, isto é, dentro de uma malha vegetal - uma rede ou uma cestaria ou mesmo
uma vasilha cerâmica. Porém, isto não explica a escassez de vértebras na urna, o que
nos levaria as outras duas possibilidades expostas a seguir.
A exposição do corpo às intempéries acima do solo, sustentado por esteios em
um jirau, o que permitiria um maior controle na retirado dos ossos, se tivesse alguém
cuidando constantemente do corpo. No entanto, as marcas de intemperismo/weathering
presentes nos ossos podem ter sido obtidas em subsuperfície, o que levaria a uma
terceira possibilidade.
Processos diferenciais do decaimento das partes moles do corpo, em um
ambiente não tão controlado, ocasionaria a dissolução óssea junto ao ambiente onde foi
exposto anteriormente, caso este tenha sido, a priori, enterrado em uma cova muito
rasa, por exemplo, e talvez molhada constantemente. Soma-se a isto, os processos
240

diagenéticos e bioturbações pós deposicionais, que afetariam os ossos na deposição


secundária.

Tratamento dispensado ao esqueleto


Praticamente, todos fragmentos esqueléticos estão pintados de vermelho (figura
118), até mesmo nas áreas de articulação, nos dentes e nas áreas internas de epífises não
fusionadas, que são: a cabeça do úmero; todas as faces dos ossos das patelas e das
clavículas, por exemplo. Somente o crânio, na parte interna, estava sem pigmentação
vermelha.

Figura 118: Fragmento de pelve com pigmentação vermelha na superfície óssea.

Estão sendo realizadas análises para descobrir do que é feita a pintura que
recobre os ossos, pois recolhemos algumas pequenas concreções ou nódulos
avermelhados, sejam raspados da superfície dos ossos, sejam coletados de dentro da
urna90.
No Museu Nacional, a arqueóloga Dra. Célia Boyadjan, do setor de
paleoetnobotânica, realizou alguns testes iniciais e constatou, ao aplicar lugol nas
amostras, que as mesmas não apresentam amido, podendo não ser feito de tintura
vegetal, como é o caso do urucum (bixa orellana). Tal situação suscitou a hipótese de
que a matéria prima seja ocre de tintura mineral, feita de hematita, que é bem comum na
área de implementação do sítio, formado por solos lateríticos.

90
Outras amostras de pigmento foram recolhidas para análise, com intuito de observar se é de origem vegetal ou
animal, em teste inicial, mas não conclusivo. O uso de lugol não acusou a presença de amido, que se espera encontrar
na bixa orellana, conhecida popularmente como urucum.
241

Tirando os acompanhamentos (a própria urna com a tampa e os externos ao


pote91) e apesar da pintura vermelha que recobre os ossos, este indivíduo não apresenta
nenhum acompanhamento interno evidente ou visível, seja em forma artefatos ou fauna
associada.
Descrição osteológica
Foram contabilizados mais de quinhentos elementos esqueléticos. O esqueleto
encontrado possui uma preservação média de 25 a 75% de representatividade e um
intemperismo/weathering que vai de 2 a 3. Muitos ossos ainda estão faltando e, por
algum motivo, a maioria das vértebras está ausente. Ao passo que pequenos ossos das
mãos e dos pés estão presentes.
Foi constatada a presença de um indivíduo nesta urna, com idade estimada no
final da adolescência e início da fase adulta, um adolescente a um adulto jovem, em
torno dos 16 aos 21 anos, estimado pelo não fechamento de epífises de ossos longos e
erupção dentária do terceiro molar (figura 119).

Figura 119: Epífise proximal de úmero não fusionado.

Existem poucos elementos para podermos chegar ao sexo do indivíduo. Não


obstante, podemos levantar a possibilidade de ser um indivíduo feminino, em virtude da
morfologia da mandíbula (figura 120), da incisura isquiática da pelve e da abertura
septal do úmero, típica deste sexo (figura 121).
Além destes ossos diagnosticados estarem muito fragmentados, deve-se lembrar
que antes de atingir a fase adulta, durante a puberdade, a identificação sexual é mais
difícil de ser inferida.

91
Na escavação do pote, ao lado da urna, não foram encontrados vestígios ou traços visíveis de restos esqueléticos.
242

Figura 120: Fragmento de mandíbula com características morfológicas neutras e gráceis. Estas últimas tidas
como mais comumente encontrados em mandíbulas de indivíduos femininos e com o terceiro molar
erupcionado, o que poderia indicar uma idade por volta dos 20 anos.

Figura 121: Terço distal do úmero com abertura septal, tipicamente encontrado em indivíduos femininos.

Apesar da preservação e da conservação dos elementos esqueléticos, pode-se


dizer, de modo geral, que os ossos longos são gráceis, com poucas marcações
musculares. Ao que se refere aos sinais de estresse, foi possível identificar uma lesão do
agachador (squatting facets) nas epífises distais de ambas as tíbias, direita e esquerda
(figura 122), e também em um tálus.
243

Figura 122: Fragmentos de tíbia esquerda e direita, cujas epífises distais possuem típicas lesões de
agachamento.

Estas facetas articulares estão relacionadas à postura agachada, seja para sentar-
se ou moer grãos. As tíbias são caracterizadas por facetas de flexão da face anterior da
extremidade distal da tíbia no tornozelo, relacionada às pressões da superfície oposta ao
tálus, durante a dorsiflexão (CAPASSO KENNEDY; WILCZAK, 1999: 127).

Convém mencionar que “o emprego da postura agachada para a


execução de tarefas variadas ou mesmo para o descanso é reportado entre
populações pré-históricas, históricas e atuais tradicionais ou não, em todo o
mundo (Mello e Alvim & Uchoa, 1993; Kennedy, 1998; Silva, 1998;
Capasso; Kennedy; Wilczak., 1999; Marinho & Rodrigues-Carvalho, 2003)
(RODRIGUES-CARVALHO, 2004).

Além destes, identificamos dois dentes molares superiores com desgaste oclusal,
considerado como leve; e um dente incisivo superior, em forma de pá, com desgaste
oclusal moderado, sem cáries observadas.
244

3.3.2.3 Câmara C

Figura 123: Urna globular lisa com uma vasilha usada como tampa (parcialmente fragmentada), dois potes e
um banco circular. (Acervo IEPA).

Acompanhamento externo:
A urna funerária da câmara C é uma vasilha globular lisa e possui 32 cm de
diâmetro de boca e 43,5 cm de altura, cujos diâmetros de bojo e da base possuem,
respectivamente, 44 cm e 13 cm (figura 124).

Figura 124: Urna funerária globular lisa.


245

Os dois potes globulares lisos (figura 125), que o acompanham, foram escavados
e, em seu interior, constatou-se apenas um sedimento mesclado de coloração
acinzentada com cor alaranjada e pequenos fragmentos de carvão (estes foram,
devidamente, coletados e acondicionados).
Já o banco circular (figura 125) possui decoração, que recobre toda a peça na
parte externa, e possui pintura monocromática vermelha em todo o objeto, na superfície
externa. Igualmente ao banco quadrangular da câmara A, este possui quatro
perfurações/orifícios, que não são resultados de quebra pós deposicionais, são
claramente perfurações intencionais, localizadas em quatro cantos opostos do banco
circular.

Figura 125: Potes globulares lisos e banco circular com linhas paralelas em alto relevo e banho monocromático
vermelho.

Escavação da urna em laboratório:


A escavação, em laboratório, da urna funerária ocorreu com o desmonte em seis
níveis, dos quais foram contabilizados mais de novecentos elementos ósseos,
compostos, em sua maioria, por corticais diversos não identificados. Destes, puderam
ser reconhecidos fragmentos das epífises distais e proximais de ossos longos,
diferentemente das diáfises dos ossos longos que não se preservaram, restando apenas
uma fina camada de cortical muito quebradiço, com exceção da diáfise do fêmur, que
estava mais preservada. Acima de toda a matriz de sedimento, havia um composto de
grãos de fração areia fina a média de quartzo, feldspato e muitos ossos pulverizados
(figura 126) .
246

Figura 126: Fragmentos de ossos dentro de uma matriz de sedimento amarelo acinzentado, misturado aos
ossos pulverizados.

O sedimento interno era friável e, em um primeiro momento, heterogêneo


(areno-argiloso, amarelado e acinzentado), tornando-se mais homogêneo (arenoso e
acinzentado) a medida que descia até a base da urna. A vasilha, que servia de tampa da
urna, foi encontrada parcialmente quebrada, com uma pequena brecha em um dos lados,
por onde entrou o sedimento, que não chegou a encher nem a metade do interior da
urna.
Gestos funerários
Não foi observada uma coerência na disposição dos ossos. Os mesmos estavam
envoltos em uma matriz de sedimento e o alto grau de fragmentação permitiu poucas
observações, quanto à posição e à face em que os ossos apareciam. Alguns ossos longos
estavam posicionados tanto horizontal quanto verticalmente.
Só foi possível observar alguma coerência na disposição dos ossos próximo à
base da urna (figura 127), quando o sedimento passou a ficar mais compacto. Os terços
proximais ou distais dos ossos longos puderam ser identificados, preservando algumas
epífises - distais de úmero direito e esquerdo - encontrados lado a lado, junto aos outros
ossos longos de membros superiores e inferiores.
247

Figura 127: Próximo à base, ficou mais clara a disposição dos ossos, parecendo estarem misturados.

Talvez os ossos estivessem dispostos, originalmente, junto à parede oeste da


urna. Já o crânio (só foram encontradas fragmentos de calota craniana, só que muito
provavelmente de um indivíduo não adulto) e outros ossos (pelve, escápula, clavícula,
ossos dos pés e mãos) estavam colocados ao lado leste, baseando-se na posição dos
ossos na base da urna.
Pela disposição dos ossos e dos ossos das mãos e dos pés acima da matriz de
sedimento, e não necessariamente junto à base, assim como uma diáfise de um fêmur
disposto horizontalmente acima de todos os ossos, sugere não apenas o preenchimento
da urna com sedimento, devido à quebra da tampa da urna, mas talvez o remeximento
dos ossos, anterior à deposição, com o preenchimento proposital ou acidental da urna
com sedimento. Como exemplo, temos um objeto elíptico de textura rugosa e
vermelha, que dado o peso do mesmo deveria estar abaixo de toda a matriz de
sedimento, sugerindo que foi depositada em cima do sedimento e ossos anteriormente
colocados no interior da urna.
Devido à fragmentação dos ossos longos, principalmente nas diáfises, cogita-se
a possibilidade de quebra intencional dos ossos. Tal quebra dos ossos pode ter ocorrido
com o passar do tempo, o suficiente para ficarem mais secos, pois não foram
encontrados sinais de quebras em ossos verdes. Neste sentido, o estado de preservação
dos ossos não permite uma análise mais consistente.
248

Descrição osteológica
A maioria dos fragmentos foi recolhida na peneira. De fato foram recolhidas
mais de uma centena de fragmentos de corticais de ossos longos e fragmentos de ossos
planos e mais centenas de fragmentos ósseos, entre 5 mm de diâmetro e 10 mm de
comprimento máximo , além de ossos pulverizados junto ao sedimento.
Foram contabilizados um número mínimo de dois indivíduos, no caso um adulto
e um infante. Quanto ao indivíduo adulto, a julgar pelos ossos, como a tuberosidade do
rádio muito pronunciada, pelo aspecto robusto, pelo tamanho avantajado dos ossos e
pelo fusionamento das epífises distais dos úmeros, das vértebras (também grandes) com
osteófitos, dos ossos das mãos e dos pés também robustos, estima-se que seja um adulto
jovem.
Apesar da boa representação dos ossos dos pés e das mãos e de outros elementos
esqueléticos, não comummente encontrados em sepultamentos secundários, chama a
atenção, neste caso, a ausência do crânio do indivíduo mais maduro.
Quanto ao indivíduo não adulto (possivelmente um infante), é de se esperar a
baixa representatividade presente nesta urna.
Não temos elementos diagnósticos para estimar o sexo do indivíduo adulto,
mesmo com as características mais robustas e com as epífises dos ossos longos muito
maiores, quando comparadas aos outros restos esqueléticos de outros indivíduos
representados no sítio. Apesar de também possuir fortes marcações musculares, que até
agora só apareceram em indivíduos masculinos, dado a falta de mais indivíduos para
comparar, não permite, no momento, observar um dimorfismo sexual, que auxiliaria
nesta diagnose.
Uma característica, que chama a atenção, é o tamanho avantajado, no aspecto
geral, de todo os ossos deste indivíduo (figura 128), visível nas epífises dos ossos
longos, nas vértebras, nas falanges, nos metacarpos, nos metatarsos, nos tarsos, nos
carpos e nas patelas, quando postos em comparação com outros ossos de outros
indivíduos encontrados nos sepultamentos aqui analisados.
249

Figura 128: À esquerda, epífise distal de úmero direito e, à direita, capitatos, direito e esquerdo. Estes ossos
são apenas um exemplo daquele(a) que possui ossos avantajados, quando comparado com todos os esqueletos
dos indivíduos encontrados neste sítio.

O outro indivíduo, possivelmente um infante, está representado por poucas


vértebras e fragmentos de vértebras não fusionadas, pelos fragmentos de pequenas
costelas, dentes decíduos, um fragmento de meato acústico do osso temporal e alguns de
calota craniana diminutos e com díploe muito fina e sem indícios de fechamento.
Os ossos do indivíduo adulto estão pintados de vermelho, o que não é observado
nos ossos do indivíduo não adulto.
Quanto às possíveis patologias e aos sinais de estresse, identifiquei que algumas
vértebras torácicas e lombares apresentam osteofitoses, que podem ter relação com a
idade mais avançada ou com o levantamento de pesos (CAPASSO; KENNEDY;
WILCSAK, 1999, P. 71-72) (figura 129).
A tuberosidade do rádio direito possui grau 3, que se pode dar por uma série de
atividades, já que temos somente um exemplar de rádio que se preservou o suficiente
para esta observação, sendo necessário outros ossos para um diagnóstico mais apurado.
Pode-se dizer, entretanto, que esta entesofitóse pode estar relacionada às atividades
físicas: levantamento de pesos com os braços perpendiculares em relação ao tronco e os
antebraços estendidos ou ao uso de remos duplos em canoagem (CAPASSO;
KENNEDY; WILCSAK, 1999, P. 71-72) (figura 130).
Além destas observações, foram identificados somente dois dentes humanos sem
perfuração na raiz, possuindo um acúmulo de tártaro.
250

Figura 129: Vértebra lombar com osteófitos.

Figura 130: tuberosidade do rádio com grau 3.

Tratamento dispensado aos esqueletos


Uma pintura vermelha recobre a maioria dos conteúdos da urna: fragmentos de
ossos longos, de crânio, de vértebras, de falanges de pés e de mãos, metacarpos,
metatarsos, tarsos, carpos, esterno, enfim..., praticamente todos os ossos e dentes
presentes no interior da urna.
Apenas alguns poucos fragmentos esqueléticos não apresentam a superfície
tingida de vermelho, pelo menos não perceptível macroscopicamente, como alguns
ossos de mãos e de pés (falanges, metacarpos e metatarsos, por exemplo). Além destes,
pelo menos seis dentes humanos (três deles decíduos) também não estão pintados de
vermelho. A textura e o estado de conservação dos restos esqueléticos são semelhantes
aos demais.
251

Acompanhamentos internos:
O objeto avermelhado (figura 131), mencionado acima, possui coloração
avermelhada, não apenas na superfície, mas parece que toda a sua constituição interna é
vermelha. Foi encontrado um pequeno orifício cilíndrico de origem antrópica, que
possui apenas um centímetro de profundidade e 4 de diâmetro.

Figura 131: Concreção de substrato avermelhado, que possui textura e granulometria de argila e/ou silte e
parece conter hematita, lembrando mais algo modelado do que uma concreção, talvez uma bolota barro com
hematita, já que é comum na região, misturada talvez, originalmente, a urucum.

Ao observar em laboratório e retirar uma amostra, percebeu-se que o mesmo é


extremamente friável e possui uma granulometria de silte a argila, parece que é
constituída de ocre, muito semelhante àquele que foi aspergido sobre os ossos
encontrados no interior da urna e outros pequenos grânulos de uma concreção
avermelhada, peneirada junto ao sedimento solto entre os ossos. Muitos povos indígenas
fazem bolotas de urucum, típico do preparo para pintar os mais variados suportes, entre
eles: os próprios corpos - comum no Alto Xingu e no Amapá, entre os Wajãpi
(MARIANA CABRAL, informação pessoal, 2016)
A partir do sedimento mais homogêneo com a presença de minúsculos
carvõezinhos até chegar à base, encontramos vinte e oito dentes humanos perfurados na
raiz, alguns deles estavam pintados de vermelho. Além destes, encontramos quatro
dentes de onça (panthera onca ou puma condolor) também perfurados na raiz (figura
132, 133 e 134).
252

Figura 132: Contas de dentes perfurados de algum tipo de colar, confeccionados em dentes de onça e humanos.

Figuras 133 e 134: Dente de onça, na imagem à esquerda, e dente humano, na imagem à direita. Os dentes
foram encontrados com perfurações nas raízes, onde foi possível observar marcas de uso para confecção de
tais orifícios.

Afora as contas de dentes supracitadas, encontramos dezenas de contas de


colunais e pluricolunais de crinoides fósseis, além de três outros tipos de contas, cuja
matéria prima ainda não se conhece. Dois deles parecem ser de rocha e os outros dois
parecem serem feitos com conchas trabalhadas (uma delas lembra a “pré-forma” da
concha cortada encontrada na urna da estrutura 1043) (figura 135). Somando-se a estas
253

contas, que estavam mais preservadas, deve-se mencionar que dezenas desses
fragmentos de dentes perfurados e fragmentos de crinoides fósseis em questão possuem
também coloração avermelhada na superfície.

Figura 135: Contas de colunares isolados de crinoides fósseis, contas de matéria prima não identificada
(substrato carbonático) e contas de conchas.

Estas contas não possuíam organização aparente, nem aparentavam estarem


concentradas em algum local específico. Pelo contrário, as mesmas aparecem do início
do sedimento mais homogêneo (logo abaixo da superfície e do sedimento mesclado) até
a base da urna com sedimento mais concrecionado, espalhadas e misturadas aos ossos.
Apesar das contas aparecerem em, praticamente, todos as etapas de desmonte, as
mesmas ficaram mais fáceis de visualizar in situ, junto à base da urna.
Ao todo, foram contabilizados quatro dentes de onça e vinte e oito dentes
humanos perfurados na raiz; vinte e sete contas de crinoides, duas contas provavelmente
feitas com algum tipo de rocha e duas contas, possivelmente, de conchas trabalhadas.
Foram recolhidos pequenos fragmentos de ossos faunísticos: um de osso plano,
um de epífise de osso longo de mamífero de médio porte e de alguns ossos longos
diminutos de fauna com epífises já fusionadas, provavelmente pertencentes a algum
pequeno mamífero.
254

3.4 AS DEMAIS ESTRUTURAS:


Com o intuito de entender a dispersão espacial das estruturas arqueológicas, que
auxiliem na compreensão das práticas funerárias no sítio, exponho os resultados das
análises de dezesseis estruturas arqueológicas, das quais: três delas são provenientes da
segunda campanha (2014)92 e o restante da primeira campanha (2011)93. Para
acompanhar as estruturas aqui mencionadas, observar nos anexos à distribuição espacial
das mesmas94.
Ao expor os resultados, privilegiei a disposição espacial das estruturas, seus
respectivos conteúdos, modos de deposição e a morfologia delas. Desse modo, agrupei,
em seis seções, as estruturas aqui descritas, dando maior atenção àquelas que, devido às
características acima mencionadas, contém prováveis deposições cerimoniais/funerárias.
Nas duas primeiras seções, estão cinco estruturas adjacentes ao arranjo funerário
da estrutura 42A. Todas compostas por estruturas tipo fossas, que continham restos
esqueléticos não identificáveis e restos faunísticos.
Separada de todas as seções, apresentei uma estrutura tipo fossa, que possui
várias características semelhantes a outras fossas, que foram interpretadas como
deposições cerimoniais/funerárias. Porém, devido ter poucas estruturas analisadas no
entorno desta até o momento e reconhecendo a existência de processos de
transformação que podem afetar o registro arqueológico (SCHIFFER, 1983) ,a mesma
pode se tratar de uma estrutura ligada às atividades domésticas.
Em seguida, apresento cinco estruturas que, devido a suas características, penso
se tratarem de deposições funerárias/cerimonias. Estas são compostas por deposições de
vasilhas ou urnas, três delas possuem cerâmicas com elementos antropomórficos; já as
duas estruturas restantes não contém elementos antropomórficos, são deposições de
vasilhas encaixadas em fossas, um pouco mais profundas.
Em outra seção, separo duas estruturas, um poço e uma fossa, com deposições
de vasilhas, em sua maior parte, mais fragmentadas. Elas estão aqui reunidas porque
possuem restos esqueléticos, que apesar de não identificados, seus conteúdos parecem
se tratar de deposições cerimoniais.

92
Estruturas 1001, 1049 e 1052.
93
Estruturas 1, 12, 33, 35, 39, 40, 42B, 42C, 44, 45, 51, 56, 59 e 60.
94
Ao final do capítulo de resultados, é apresentado um mapa com a distribuição espacial, onde estão plotadas as
estruturas analisadas. Já no capítulo de discussão dos resultados (capítulo 4), são apresentadas as datações obtidas e a
discussão dessa distribuição espacial. O mesmo mapa com as estruturas analisadas pode ser visto nos anexos (anexo
1).
255

As três estruturas negativas restantes, compostas por duas fossas e um buraco de


poste, foram igualmente analisadas e, apesar de possuírem restos esqueléticos e carvões,
parecem se tratarem de deposições de outra natureza95.

3.4.1 Seção I
Estrutura 42 B e C:
Compondo a estrutura 42 e adjacentes à estrutura 42ª, temos a estrutura 42 B e
42C, onde foram encontrados pequenos fragmentos ósseos, reconhecidos como
faunísticos96.
Na estrutura 42 B97, foram observados ossos carbonizados, de coloração preta,
marrom escuro e amarelo amarronzado. Os ossos têm as trabéculas à mostra, sem
nenhum córtex. Não foi possível identificar se é ou não humano, nem que parte
anatômica poderiam, esses fragmentos ósseos, fazer parte.
Foram ainda observados fragmentos ósseos brancos, pulverizados e alguns com
rachaduras e fissuras. As corticais de ossos são planas com rachaduras e fragmentos
ósseos sem córtex, somente com a trabécula.
Também foram observados fragmentos ósseos menores que 1 cm, corticais
esbranquiçados, amarelados e erodidos, além de ossos aparentemente calcinados, com
fissuras, deformações e fragmentações. Os fragmentos são corticais de ossos longos,
pequenas diáfises, aparentemente não pertencia a humanos, devido à espessura, ao
tamanho e à textura dos fragmentos ósseos.
Estes fragmentos ósseos de corticais esbranquiçados e pulverizados estavam
misturados com o sedimento e pequenas concentrações de carvões. Os ossos estão
calcinados, com coloração acinzentada e esbranquiçada, assim como ossos corticais de
ossos planos e irregulares e um osso alongado e fino, sem cortical e compacto,
visivelmente não humano, além de fragmentos ósseos calcinados e carbonizados não
identificados.

95
Em pelo menos uma estrutura, percebeu-se um caso de processos naturais de transformação do registro
arqueológico no sítio, onde temos conteúdos que provavelmente foram arrastados para o interior de uma estrutura
negativa, no caso um buraco de poste (estrutura 35), com vestígios de ossos pulverizados, que não puderam ser
identificados junto aos poucos fragmentos cerâmicos.
96
O reconhecimento de parte da fauna foi realizado pela zoóloga do IEPA, Claudia R. Silva, no setor de
Mastozoologia do IEPA, e por mim, com o auxílio de coleções de referência e de livros de anatomia comparada e
atlas de zooarqueologia
97
Foram contabilizados 38 fragmentos ósseos faunísticos. Destes, apenas um fragmento pôde ser identificado.
Quanto aos outros fragmentos, apenas se observou que não pertenciam a humanos. Todos com indicação de
exposição ao fogo, junto aos carvões.
256

Foi possível ainda identificar um fragmento de osso longo, uma epífise, que
devido às características, acreditamos que seja pertencente a uma ave. Uma das
características, que mais chamaram a atenção, é a deformação óssea típica de exposição
ao fogo, apresentando um leve encurvamento de uma borda do cortical. Apresenta
coloração branca, amarela e acinzentada, na área que está com uma rachadura, além de
possuir fissuras craqueladas na superfície articular, com indícios de exposição ao fogo.
A mesma epífise foi ampliada em lupa binocular, evidenciando o que parece ser uma
marca de corte (figura 136).

Figura 136: Fragmento de osso longo de uma ave com destaque na imagem vista através de lupa binocular,
aumentada 10 vezes, evidenciando uma provável marca de corpo e osso que parece ter sido exposto ao fogo.

Junto à terra escura que preenchia esta estrutura, foram encontrados fragmentos
cerâmicos decorados associados às fases Marajoara, Koriabo e Mazagão (figura 137).
Quanto à tipologia, foram identificadas vasilhas e potes restringidos, além de pratos e
tigelas.
257

A B

Figura 137: Fragmentos cerâmicos decorados que lembram Marajoara (A), Mazagão (B) e koriabo (C).
Acervo IEPA, composição Alan Nazaré.

Na estrutura 42 C98, foram identificados ossos planos, que, pela espessura da


díploe, pode-se inferir que é um fragmento ósseo do crânio, não sendo possível afirmar
que seja de humano. Alguns fragmentos ósseos parecem pertencer às superfícies
articulares. Os fragmentos irregulares têm a coloração amarelada, branca e acinzentada,
tratam-se de vértebras não humanas, pertencentes aos restos faunísticos, provavelmente
de mamíferos de médio a grande porte.
Preenchendo esta estrutura, foram encontrados fragmentos cerâmicos associados
à fase Marajoara e Mazagão (figura 138), identificados como vasilhas restringidas,
tigelas e pratos.

98
Foram contabilizados 19 fragmentos de ossos planos e irregulares, de coloração branca e cinza. Não foi possível
identificar os fragmentos ósseos faunísticos.
258

Figura 138 Fragmentos cerâmicos decorados tipicamente Marajoara (A), Mazagão (B) e indefinidos (C)
(lembram flanges Koriabo e hachurados do Ananatuba , por exemplo ). Fonte: Acervo IEPA, composiçao das
fotos de Alan Nazaré.
259

3.4.2 Seção II
As estruturas 39, 40, 44 e 45 apresentaram ossos ou dentes no interior, os quais,
no máximo, pode-se constatar, quando possível, que se tratavam de restos faunísticos.
Estas estruturas foram, aqui, agrupadas porque continham buracos de poste no interior
das mesmas, pela proximidade delas e porque circundavam a fossa 42, onde foi
identificado o arranjo funerário (42A) e parecem se tratar de possíveis deposições,
talvez ligadas aos refugos de atividades cerimoniais/funerárias. Convém dizer que as
estruturas 39, 40, 44 e 45 se assemelham aos conteúdos e ao modo como estavam
arranjadas as estruturas 42B e 42C.
A estrutura 39 (ver capítulo 1) foi identificada em campo como um poço com
câmera lateral, com 130 cm de diâmetro máximo, que foi inicialmente interpretado
como uma fossa com um buraco de poste. Na extremidade norte, dos 6 aos 10 cm de
profundidade da borda da estrutura, foi identificada uma concentração de artefatos de
pedra polida, que seriam lâminas de machado não acabadas (informação pessoal, Kleber
Sousa, 2014) (figura 139), seixos polidos(alisadores de cerâmica), pequenos fragmentos
ósseos, concentrações de carvões, conchas e, aparentemente, carapaças de caranguejo.

Figura 139: Machados polidos.

Ao leste, a estrutura se aprofundou, sendo encontrados fragmentos ósseos, restos


de carapaça de caranguejo, muitos carvões e cerâmica decorada (fragmentos
policrômicos, decorações com incisões típicas da fase Mazagão, fragmentos com
decoração que se assemelha àquelas descritas para a fase Marajoara e fragmentos
cerâmicos com decoração típica da fase Koriabo) (figura 140). Na direção norte e leste
da base do poço, abriu-se uma câmara lateral (figura 141), onde foram coletados
fragmentos cerâmicos, fragmentos esqueléticos e conchas. O poço atingiu 1,60 cm de
profundidade.
260

Figura 140:Fossa com deposição de cacos cerâmicos decorados, restos faunísticos e machados polidos.

Figura 141: Abertura da câmara lateral, escavada a partir de um buraco de poste, a qual se percebeu que se
tratava de uma alteração natural.

Na verdade, esta estrutura pode ser uma fossa ou talvez um poço “simples” (sem
câmara lateral), de acordo com Souza et al (2004, p. 18), lembra que por volta de um
metro abaixo dos pacotes argilosos dos Depósitos de Planícies Fluviais Antigas,
encontram-se lentes e lâminas decimétricas de areia mal selecionada, de coloração
amarelada, contendo metais pesados, associando estas ocorrências a paleofeições de
meandros abandonados. Isto, talvez, explique porque esta câmara é tão diferente das
demais encontradas no sítio.
261

Em relação à tipologia da estrutura 39, analisando as fichas de campo,


anotações, fotografias e conversando com aqueles que a escavaram, penso que essa era
uma fossa com buraco de poste, que sofreu alterações pós deposicionais, similares
àquelas atribuídas à formação geológica, seja devido à bioturbação pela ação de raízes
e/ou de animais cavadores.
Nas anotações de campo das pessoas que escavaram esta estrutura e pelas
informações que os mesmos me passaram, o sedimento passa a ficar com um aspecto de
“areia de praia” e com coloração mais clara, a medida que se descia a estrutura,
semelhante ao que é descrito para o contato entre camadas mais siltíticas e argilosas
com uma camada mais arenosa e com pouquíssima matriz de granulometria silte ou
argila. Ao que parece boa parte do material depositado teria migrado para o buraco de
poste e, posteriormente, para esta bioturbação.
Deve-se mencionar que, assim como as estruturas do tipo fossas com buracos de
poste 40, 44 e 45, as estrutura 39, 40, 44 e 45 estão muito próximas do perímetro
próximo à 42.
Quanto à tipologia das vasilhas encontradas no poço 39, foram identificados:
jarros restringidos; tigelas restringidas e não restringidas; um artefato cerâmico
decorado ainda com função desconhecida; fragmentos cerâmicos de banco, que
lembram a cerâmica Marajoara; fragmentos cerâmicos, que lembram a cerâmica
Koriabo; e um tortual de fuso (figura 142).
262

A B

Figura 142: Fragmentos de cerâmica Mazagão (A), Marajoara (B), Koriabo (C), além de um tortual de fuso
(D), objeto decorado desconhecido (E) e fragmentos de banco cerâmico com decorações, que se assemelham a
cerâmica Marajoara e Mazagão (F). Fonte: Acervo IEPA (Alterado a partir da elaboração de Alan Nazaré).

A partir da análise e da comparação com a coleção de referência dos vertebrados


do IEPA, com o auxílio da zoóloga Claudia Regina da Silva, foram identificados alguns
dos restos faunísticos encontrados na estrutura.
Em relação à esta estrutura, pudemos identificar que os restos faunísticos,
depositados no poço 39, são constituídos de dentes e de fragmentos de ossos de paca
(cuniculus paca), de dentes e de fragmentos de ossos de antas (tapirus terrestris), de
fragmentos de cascos e de ossos longos de quelônios, de fragmento de osso longo de
99
um réptil, de fragmentos de ossos e de dentes de cutias (Dasyprocta) , de algumas
vértebras de peixes, de vértebras de mamíferos de médio porte, de fragmentos diversos
de carapaças de caranguejos, de fragmentos de conchas de água doce e caracóis
diversos, e pequenas conchas de água salobra (neritina zebra), demonstrando uma dieta
alimentar com alto valor protéico (figura 143 e tabela 3).

99
Alguns desses dentes foram identificados em campo como “garras” de caranguejo, porém a arqueóloga
especialista em zooarqueologia, Gabriela Prestes Carneiro (UFOPA), identificou os mesmos enquanto
dentes de um roedor, chegando então à provável espécie, uma cutia.
263

Figura 143: Restos faunísticos encontrados na estrutura 39.

Uma das espécies dos exemplares malacofaunísticos coletados demandou maior


atenção, trata-se de seis conchas brancas com listras pretas, que, de acordo com os
malacólogos Inácia Vieira do IEPA e Paulo Pimpão do INPA, pertencem à espécie
neritina zebra.
As espécies do gênero Neritina, de acordo com Flores e Cárceres (1973 apud
BARROSO, 2009, p. 21), podem ser encontradas tanto em regiões emersas quanto em
submersas, dependendo da maré, mas não são encontradas em áreas expostas. Estes
animais são encontrados agregados às raízes e às árvores, nas margens dos rios de águas
salobras.
A espécie Neritina Zebra é encontrada em águas salobras e em bancos de lama.
Apesar de sobreviver em água doce, a espécie não consegue se reproduzir em tais
ambientes. Segundo Andrade (1984 apud BARROSO et al, 2012, p.50), estes seres são
utilizados, no Estado do Pará, como alimento e fonte de renda para famílias ribeirinhas,
sendo a concha deles utilizadas para a preparação de argamassa de taipa.

…estas espécies ocorrem do Suriname ao Cabo Frio (Rio de Janeiro) e é


comum em bancos de lama em águas salobras (Rios 1994, 2009) sendo
tolerantes à poluição. Estas espécies aguentam ambiente erualinos e
limnéticos (Fernandes, 1990). É usado como comida e fonte de renda por
comunidades ribeirinhas (como por exemplo no estado do Pará), suas
conchas são também empregadas no preparo de cimento de pau-a-pique,
264

junto com outros ingredientes como água e argila (ANDRADE,


1984)100.

Esta espécie é ainda descrita como um dos principais componentes dos “Shell
Middens”, na Guiana (antiga Guiana Britânica), como relatou Betty Meggers e Clifford
Evans :

Uma amostra de conchas foram identificadas em vários níveis, com as


espécies listadas geralmente pela ordem dos mais frequentes: Neritina
Zebra Bruguiere – um caracol intertidal, herbívoro, abrangendo desde
101
Honduras até o Brasil (MEGGER; EVANS, 1960, p. 27) .

Esta mesma espécie foi também encontrada em dois sambaquis fluviais, no


Estado do Pará:

Em 2004, os pesquisadores Maura Imazio da Silveira e Fernando


Marques, da Área de Arqueologia do Museu Goeldi, registraram na ilha de
Trambioca, próximo a Barcarena, mais dois sambaquis fluviais
(Jacarequara e Prainha), que apresentaram fragmentos cerâmicos com
decorações em vermelho, escovado, entalhado, etc, associados a grande
quantidade de conchas (Neritina Zebra e bivalves), possivelmente
indicadores de assentamentos em sambaquis (SILVEIRA; MARQUES,
2004)

Como se pode observar, a presença da neritina zebra, uma espécie de água


salobra, encontrada na estrutura 39, teria que vir de áreas mais próximas da costa
atlântica, ou seja, esta espécie, pelo que se pode ver, não parece ser endêmica da região
e o contexto, em que foi encontrada no sítio, difere-se desses outros sítios, os quais
eram partes constituintes de sambaquis, próximos aos manguezais.

100
Original em inglês: …the species occurs from Suriname to Cabo Frio (Rio de Janeiro) and is common
on mudbanks in brackish waters (Rios, 1994, 2009) being tolerant of pollution. The species endures
limnetic and euryhaline environments (Fernandes, 1990). It is used as food and a source of income for
riverside communities (e.g., in the state of Para), its shell being also employed to prepare wattle-and-daub
cement, together with other ingredients, such as water and clay (Andrade, 1984) (Barroso et al, 2012,
p.50).
101
Original em inglês: A sample of shells from the various levels was identified,^ with the species listed
generally in their order of most frequent occurrence: Neritina zebra Bruguiere—a common brackish-water,
intertidal snail, herbivorous, ranging along the north coast of South America from Honduras to Brazil
(Meggers e Evans, 1960:27).
265

RESTOS FAUNÍSTICOS ENCONTRADOS NA ESTRUTURA 39


ESPÉCIE/FAMÍLIA/ORDEM/REINO QUANTIDADE OBSERVAÇÕES
Caranguejo 9 Fragmentos de cascos
Dasyprocta (Cutia) 3 Fragmentos de dentes incisivos
Rodentia caviomorpha 2 Dentes com evidências de exposição
ao fogo
Cuniculus paca (paca) 9 Um tarso, quatro fragmentos de
ossos da face com evidências de
queima e quatro dentes com
evidência de exposição ao fogo
Malacofauna 9 Fragmentos de columela
Neritina zebra 6 Conchas inteiras
Mamífero de médio porte 1 Epífise distal
Mamífero de pequeno porte 3 Vértebras
Peixe de médio porte 2 Vértebras
Tapirus Terrestris (anta) 1 Dente molar
Chelonia (tartaruga) 3 Dois fragmentos de carapaça e uma
epífise distal
N.I. 70 Fragmentos ósseos, corticais em sua
maioria, de colorações brancas,
algumas calcinadas e queimadas e a
maioria amareladas. Fragmentos que
variam de 0,5 até 1,5 cm.
Tabela 3: Restos faunísticos encontrados na estrutura 39.

A estrutura 40 (figura 144) é uma fossa, medindo 130 cm de diâmetro e 69 cm


de profundidade máxima, com sedimento de coloração 7.5 YR 3/1 (código Munsel),
semi-compacto, homogêneo e areno- argiloso. Contendo carvão, pequenos blocos de
laterita, cerâmica decorada Marajoara, lítico lascado, nódulos de sedimento queimado e
fragmentos ósseos. A concentração de ossos estava localizada no centro da estrutura e,
junto ao limite oeste desta, foi encontrado um buraco de poste.
266

Figura 144: Estrutura 40, fossa rasa com buraco de poste.

Esses fragmentos estão inseridos em uma concreção de terra (sedimento


compactado). Os ossos estavam calcinados e associados aos pequenos carvões. Restam
vestígios de hidroxiapatita dos ossos, que estão completamente friáveis e têm a
coloração esbranquiçada. Os ossos estão, extremamente, friáveis e, ao simples toque, se
desmancham, não sendo possível sua identificação.
A estrutura 44 (figura 145) é uma fossa que mede 200 cm de diâmetro e 105
cm de profundidade máxima. O sedimento tem a coloração 7.5 YR 3/1, semi-compacto,
homogêneo e areno- argiloso. A estrutura é composta por carvão; pequenos blocos de
laterita; cerâmica lisa; cerâmica decorada, semelhante à da fase Marajoara; lítico
lascado; e fragmentos ósseos.
No centro da estrutura, foi identificado um buraco de poste com sedimento solto,
contendo: fragmentos cerâmicos; líticos; de conchas; carapaças de caranguejo; ossos; e
dentes. Ainda, foram identificados fragmentos líticos de limonita e hematita (rochas que
podem ser usadas para extrair corantes), não sendo possível verificar marcas de uso nas
mesmas. Os vestígios esqueléticos encontrados parecem se tratar de restos faunísticos
de mamíferos de pequeno a médio porte.
267

Figura 145: Fossa com buraco de poste, estrutura 44.

Estes fragmentos ósseos são formados por corticais de ossos planos e


irregulares, ossos pulverizados e fragmentos de malacofauna, além de um fragmento de
dente de fauna não identificada, provavelmente de um mamífero de grande porte, dado
ao tamanho do fragmento.

A Estrutura 45 (figura 146) é uma fossa de 110 cm de diâmetro máximo e


profundidade de 80 cm, estava preenchida por sedimento escuro junto aos fragmentos
de carvões. Na base da estrutura, foram encontradas concentrações de fragmentos
cerâmicos, que, segundo Alan Nazaré (2015; informação pessoal, 2016), em sua
maioria, eram corpos lisos, e apenas alguns fragmentos de cerâmica com decorações -
incisões, excisões e pinturas típicas da cerâmica Marajoara.
268

Figura 146: Foto de topo da estrutura 45, fossa com buracos de poste.

Junto a uma dessas concentrações de fragmentos cerâmicos, foram observados


fragmentos de ossos esbranquiçados e pulverizados, sem possibilidade de identificação.
Próximos a estas concentrações, foi possível observar dois buracos de poste dentro da
estrutura de fossa.

3.4.3 Seção III


A estrutura 1052 (figura 147) é uma fossa rasa com 20 a 50 cm de
profundidade e 1,62 cm de diâmetro máximo, possuindo cinco buracos de poste no
interior da estrutura. Mais ou menos concentrados dentro da delimitação dos buracos de
poste, dentro da fossa, foram encontrados muitos cacos cerâmicos decorados (se
assemelham às decorações típicas Mazagão e Marajoara), muitos carvões, sementes
carbonizadas, fragmentos de conchas de caramujos (não se sabe a espécie), pelo menos
três conchas da espécie neritina zebra e uma vértebra de peixe, não identificado até o
momento.
269

Figura 147: Estrutura 1052 - Fossa rasa com buracos de poste adjacentes dentro da estrutura. Destacado na
foto, está um fragmento de tigela com decoração Marajoara. (Acervo IEPA).

Para esta estrutura, foi obtida uma datação absoluta, que será apresentada e
discutida no capítulo 4. Devido aos conteúdos e à proximidade com buracos de poste,
margeando internamente a borda desta estrutura, poder-se-ia sugerir que fossem
depósitos de refugos ligados às atividades mais cotidianas, talvez uma lixeira ou, até
mesmo, a não intencionalidade desta estrutura ou alterações pós deposicionais devido
aos processos que tendem a distorcer e transformam o registro arqueológico
(SCHIFFER, 1983)102.
Ao mesmo tempo, os conteúdos descritos acima desta estrutura, o modo como
estão dispostos e mesmo os buracos de poste se assemelham com outras estruturas por
mim analisadas, diga-se: as estruturas 39, 40, 42B, 42C, 44 e 45. A única diferença é a
profundidade dessa fossa, que é mais rasa e pelo fato de não se encontrar próxima a tais
estruturas.
Devido a estas dúvidas, quanto à estruturação desta anomalia e ao mesmo tempo
a algumas semelhanças, que a primeira vista possam aparentar com outras aqui
analisadas e que possuem igualmente a cerâmica decorada Marajoara depositadas, não

102
Schiffer (1973) divide essas transformações em C- transform como alterações culturais intencionais ou
não intencionais enquanto que o N- transform as mudanças pós- deposicionais que afetam o registro
arqueológico.
270

se descarta, todavia, outras possibilidades, que somente o aprofundamento das análises


da totalidade das estruturas e conteúdos poderá esclarecer.

3.4.4 Seção IV
As estruturas 1001, 1049, 33, 12 e 60 apresentadas abaixo, podem ser
caracterizadas como estruturas cerimoniais/funerárias. Nas duas primeiras estruturas
(1001, 1049), apesar de não possuírem vestígios esqueléticos, devido ao arranjo das
mesmas e contexto de deposição se assemelham a possíveis deposições funerárias.
As 33, 12 e 60 parecem se tratar de bolsões cerimoniais, talvez ligados a ritos de
passagem, que continham microfragmentos esqueléticos não identificáveis junto a cacos
cerâmicos decorados e/ou não e/ou de vasilhas inteiras depositadas intencionalmente no
interior de vasilhas maiores nas fossas em que estavam inseridas.
A Estrutura 1001 é uma fossa rasa com sete metros de diâmetro máximo, que
continha seis deposições de vasilhas. Em nenhuma dessas, foram evidenciados vestígios
esqueléticos em seu interior, porém não se descarta a possibilidade de que se trate de um
sepultamento com urnas funerárias dispostas espaçadamente uma das outras. Destaco
aqui uma pequena urna com apliques antropomorfos (figura 148), que continha uma
outra vasilha emborcada, usada como tampa, e colocada acima desta, uma pequena
vasilha globular.

Figura 148: Urna antropomorfa encontrada em uma imensa fossa rasa com outras cinco deposições de
vasilhas e urnas inteiras e vasilhas fragmentadas, que compõem a estrutura 1001.

A Estrutura 1049 estava localizada junto à borda leste da estrutura 1059. Foi
identificada uma urna tampada com uma vasilha emborcada e com fragmentos
cerâmicos em volta. Entre estes fragmentos, encontrou-se apliques cerâmicos de rostos,
tais como: narizes, olhos e orelhas. Por sua vez, estes apliques e decorações possuem
alguns elementos semelhantes a algumas das urnas com apliques e decorações descritas
271

por Nimuendaju, na ilha de Caviana, no estado do Pará (NIMUENDAJU, 2014). Nada


foi encontrado no interior da urna, porém não se descarta a possibilidade desta se tratar
de um sepultamento ou ainda um marcador do sepultamento da estrutura 1059, podendo
ser uma oferenda.
A Estrutura 33 é formada por três urnas depositadas de modo enfileirado, uma
atrás da outra, alinhadas no sentido norte sul (figura 149).
A urna A é uma vasilha restringida e carenada, cujo interior continha terra preta
com poucos carvões e, ao fundo, uma tigela com incisões típicas “anauerá-pucu inciso”
da fase Mazagão (figura 149). Já a urna B é um jarro com pescoço, com uma tigela não
emborcada, servindo de tampa, cujo interior foi identificada uma estatueta
antropomorfa, que estava vazia; junto à urna foi identificado um artefato lítico polido.
Finalmente, a urna C era um prato ou uma tigela emborcada, extremamente friável.
(SALDANHA; CABRAL, 2012, p. 35).
No interior desta última, foram encontrados fragmentos de corticais de ossos
com coloração branca, aparentemente calcinados, e acinzentada. Estavam muito friáveis
e não identificáveis. Fora isto, não foram encontrados fragmentos ósseos nas outras
urnas.
Quanto à vasilha/estatueta antropomorfa (figura 149), no interior da urna B,
percebeu-se que esta é semelhante a algumas urnas e vasilhas encontradas por Curt
Nimuendajú (2004), na ilha de Caviana.

Figura 149: Deposição de urnas e vasilhas enfileiradas, as quais foram identificadas, uma com padrões
decorativos, tipo anauerapucu inciso da fase Mazagão, e uma estatueta/recipiente cerâmico antropomorfo,
com um detalhe na cabeça, que lembra um diadema. (Fonte: Acervo IEPA. Composição das fotos por Alan
Nazaré).
272

A Estrutura 12 (ver perfil e foto de topo da estrutura no capítulo 1) é uma


deposição de vasilha em fossa rasa preenchida por terra preta, onde estava inserida uma
grande vasilha restringida e, em cujo interior, estava preenchido com fragmentos ósseos
esbranquiçados (CABRAL; SALDANHA, 2012).
A posterior análise laboratorial não permitiu a identificação dos ossos, devido à
fragmentação e à friabilidade dos mesmos, o que impossibilitou saber se era ou não
humano, e, apesar dos ossos estarem esbranquiçados, não há indícios de exposição ao
fogo.
Além desses fragmentos de ossos, foi identificado um pote pequeno restringido
e, em laboratório, foi reconstituída uma tigela carenada, não restringida, com pintura
vermelha na parte interna em forma de faixa, que vai do lábio até parte do bojo. Ainda,
foram encontradas duas tigelas, uma com abertura restringida e outra não (Informação
pessoal, ALAN NAZARÉ, 2016).
A Estrutura 60 é uma fossa rasa, medindo 55 cm de diâmetro máximo e 36 cm
de profundidade, com a deposição de uma vasilha restringida (figura 150), cujo interior
foram encontrados pequenos fragmentos de ossos, pouco carvão e lateritas
(SALDANHA; CABRAL, 2012).

Figura 150: Deposição de vasilha em fossa rasa. Estrutura 60. (Acervo IEPA).
273

3.4.5 Seção V
As estruturas 01 e 56 apresentadas abaixo, continham fragmentos ósseos. Estas
parecem se tratar de deposições cerimoniais, dado aos outros conteúdos associados, ao
modo como foram depositadas as vasilhas, à presença de artefatos líticos, aos
fragmentos de cerâmicas decoradas com apliques zoo ou antropomorfos, às vasilhas
inteiras presentes.
A Estrutura 1 (perfil no capítulo 1) é um poço com 122 cm de diâmetro de
abertura e 156 cm de profundidade, cujo interior continha terra preta com carvões,
blocos de laterita, fragmentos de quartzo, cerâmica lisa e decorada (alguns apliques),
líticos lascados e pequenos fragmentos ósseos (CABRAL; SALDANHA, 2012). Dos
fragmentos ósseos, não foi possível identificar se são humanos ou não. Estes fragmentos
de ossos e ossos pulverizados possuem coloração esbranquiçada e apresentam indícios
de terem sidos expostos ao fogo, com algumas fissuras, que são típicas de ossos
cremados, estando muito fragmentados para um diagnóstico mais seguro.
Nas análises em laboratório das cerâmicas (ALAN NAZARÉ, informação
pessoal, 2014), foram identificados muitos cacos lisos, não remontáveis; uma pequena
tigela inteira; fragmentos com apliques zoomorfos e bordas; e corpos decorados com
incisões, excisões e pinturas. Destas com decoração, foi possível identificar
semelhanças com as fases Mazagão, Marajoara e Koriabo.
A Estrutura 56 (figura 151) é formada pela deposição de três vasilhas
cerâmicas sobrepostas em uma fossa rasa de 40 cm de diâmetro e 38 cm de
profundidade (SALDANHA; CABRAL, 2012). Abaixo da última vasilha, foi
identificado um pequeno pote tórico, tipicamente Koriabo (figura 151). A cerâmica do
complexo koriabo tem sido considerada como objeto de troca entre grupos pré-
colombianos do período cerâmico tardio (VAN DEN BEL, 2015). Associados a estas
vasilhas, foram identificados, dentro da estrutura, minúsculos fragmentos ósseos, não
identificáveis.
274

Figura 151: Deposição de pelo menos três vasilhas sobrepostas, das quais percebe-se uma intencionalidade no
deposição, com destaque a um pequeno pote tórico, tipicamente koriabo. (Acervo IEPA).

3.4.6 Seção VI
As estruturas 59, 51 e 35 são, respectivamente, uma fossa, uma deposição de
vasilhas e um buraco de poste, que parecem se tratar de refugos de outra natureza
ligados às atividades domésticas, dada à proximidade com as estruturas de buracos de
poste e das características dos seus conteúdos.

A Estrutura 59 é uma fossa de 78 cm de diâmetro e 84 cm de profundidade


máxima, cujo interior era preenchido por sedimento escuro, contendo carvão, pequenos
blocos de laterita, uma grande maioria de fragmentos de cerâmica lisa, poucos
fragmentos de cerâmica decorada, lítico lascado e pequenos fragmentos ósseos
pulverizados, não identificados, misturados ao sedimento (SALDANHA; CABRAL,
2012). Aos 25 cm de profundidade, foi encontrada a base de uma cerâmica muito
espessa e fragmentada. Os últimos 10 cm da estrutura parecem ser uma anomalia natural
devido às bioturbações. O material, contido nesta estrutura, era composto por uma
275

grande quantidade de cacos muito pequenos e provenientes de várias vasilhas, não


remontáveis (figura 152).

Figura 152: A fossa da estrutura 59 continha fragmentos ósseos, não identificados, em meio a uma matriz de
terra preta com poucos cacos de vasilhas

A Estrutura 51 é uma pequena fossa com uma vasilha depositada, cujo interior
foram encontrados pequenos fragmentos ósseos não identificados e muitos fragmentos
cerâmicos, derivados de diferentes vasilhames cerâmicos, não remontáveis (figura 153).

Figura 153: Deposição de vasilhas, estrutura 51. (Acervo IEPA).


276

Estrutura 35 é um buraco de poste, no qual fragmentos cerâmicos e ósseos, não


identificáveis, e ossos pulverizados parecem terem sido carreados e ali depositados, não
intencionalmente.
Após apresentação dos resultados e descrição das estruturas aqui apresentadas,
exponho, na página seguinte, o mapa com todas as estruturas analisadas e referenciadas.
No capítulo seguinte, inicio discutindo estes dados junto à cronologia. Exponho
as cinco datações absolutas obtidas com amostras de carvão de cinco estruturas do sítio
e discuto a distribuição espacial das estruturas arqueológicas plotadas no mapa abaixo103
(figura 154).

103
O mesmo mapa com mais detalhes pode ser visto nos Anexos (anexo 1)
277

Figura 154 – Mapa com os números das estruturas aqui referenciadas e analisadas, todas devidamente
plotadas. Acervo: IEPA (croqui alterado e modificado do original de João Saldanha <no prelo>, reproduzido
aqui com sua permissão).
278

CAPÍTULO IV – Discussão e interpretação dos dados


Antes de iniciar a interpretação dos dados, inicio apresentando e discutindo as
cinco datações absolutas obtidas para o sítio Curiaú Mirim I, introduzindo o elemento
tempo, que faltava na espacialização dos dados, devidamente contextualizados às
histórias de vida das pessoas e dos gestos funerários reservados pelos vivos que os
sepultaram.

4. 1 AO LONGO DO TEMPO: CRONOLOGIAS OBTIDAS PARA O


SÍTIO CURIAÚ MIRIM I
A cronologia, obtida para o sítio arqueológico Curiaú Mirim I, foi realizada
através das datações104 de restos vegetais carbonizados, obtidos de cinco estruturas
negativas (estruturas 39, 42, 1043, 1052 e 1059), cujos resultados forneceram uma
cronologia que vai desde o início do século X AD e avança até o contato com o europeu
e o africano, e o período colonial, no início do século XVII AD, como pode ser visto na
figura abaixo (figura 155).

Figura 155: Cronologias absolutas obtidas para o sítio Curiaú Mirim I, calibradas no programa Oxcal.

A datação mais antiga foi obtida na estrutura 42, cujos carvões foram retirados
junto ao arranjo funerário, fornecendo uma cronologia que oscila entre 900 a 1152 AD
(2 sigma). A segunda data mais antiga do sítio foi obtida para a provável deposição
cerimonial/funerária representada pela estrutura 39. Neste poço ou fossa, foi coletada

104
Espectrometria da Aceleração de Massa (AMS)
279

uma concentração de carvões junto a uma deposição de artefatos líticos e cacos


cerâmicos decorados à 10 cm de profundidade, que forneceram uma datação que oscila
entre 1246 a 1383 AD (2 sigma).
Para as estruturas da segunda campanha (2014), enviei amostras de restos
vegetais carbonizados da estrutura 1059, retirado de dentro da urna funerária, localizada
na câmara A, que oscila entre 1277 a 1393 AD (2 sigma). Seguida pela estrutura 1043,
com carvões retirados de dentro da urna funerária, os quais resultaram em uma
cronologia que oscila entre 1287 a 1399 AD (2 sigma). Portanto, podemos dizer que são
contemporâneas uma à outra e, por sua vez, praticamente contemporâneas à estrutura
39.
E, finalmente, amostras de carvões foram retiradas debaixo de uma concentração
de fragmentos cerâmicos e líticos, cercados por buracos de poste dentro da fossa rasa,
denominada estrutura 1052. Deles, obteve-se uma cronologia que oscila de 1450 a 1635
AD (2 sigma).
Na tabela abaixo (tabela 4), estão explanadas as datas convencionais e
calibradas, obtidas para as referidas estruturas do sítio Curiaú Mirim I.
Idade Convencional (fonte/número Idade Calibrada
Estrutura do laboratório) - 2 sigma
1020±39BP 900AD - 922AD (3.9%)
42 (Saldanha et al, 2016, /não publicada) 948AD - 1051AD (77.8%)
Fossa 1083AD - 1127AD (10.6%)
(Arranjo funerário) 1135AD – 1152AD (3.1%)
720±30BP (Saldanha et al, 2016/não 1246AD - 1302AD (90.5%)
39 publicada) 1367AD - 1383AD (4.9%)
(Poço com câmara
lateral)
1059 660±30BP 1277AD - 1323AD (47.6%)
(Poço funerário com (Beta – 433345) 1347AD - 1393AD (47.8%)
três câmaras laterais)
1043 630±30BP
(Poço funerário com (Beta – 433346) 1287AD (95.4%) 1399AD
câmara lateral)
360±30BP 1450AD - 1640AD (47.7%)
1052 (Fossa) (Beta – 433347) 1540AD - 1635AD (47.7%)
Tabela 4: Quadro demonstrativo das datações absolutas com idade convencional e calibradas em 2 sigma.
280

A estrutura funerária mais antiga, representada pela estrutura 42 do início do


século X AD até a metade do século XII AD, está localizada junto às estruturas tipo
fossa, representadas pela estrutura 40, 44 e 45 e uma estrutura tipo poço ou fossa,
representada pela estrutura 39, que, por sua vez, foi datada entre a primeira metade do
século XIII AD ao final do século XIV AD, mostrando que esta área do sítio, adjacente
ao sepultamento, foi utilizada, passados pelo menos um século após o evento da
cerimônia funerária da estrutura 42.
Estas estruturas 39, 40, 42, 44 e 45 estão localizadas em uma área aberta,
afastadas de duas concentrações de buracos de poste, uma ao sudeste e outra ao
noroeste, possivelmente marcando os esteios de duas antigas casas.
As concentrações de buracos de poste do sítio, algumas estruturas tipo fossas e
algumas das deposições de cacos cerâmicos parecem apontar para uma função
habitacional, já que o sítio é formado por uma camada de terra preta de 20 a 30 cm de
espessura, com acreções de cacos cerâmicos e pequenos restos vegetais carbonizados
por toda a extensão das áreas escavadas no sítio.
Ao extremo norte da área escavada do sítio (área da segunda campanha escavada
em 2014), temos duas estruturas funerárias, 1043 e 1059, que, igualmente à estrutura
funerária 42, estão em uma área aberta, com buracos de poste mais afastados. Estes dois
poços funerários (estruturas 1043 e 1059) são contemporâneos um ao outro e
praticamente contemporâneos à estrutura 39, que está praticamente no extremo oposto
do sítio. Juntas, estas três estruturas (39, 1059 e 1043) possuem datações que vão do
século XIII AD ao final do XIV AD, indicando que estas duas áreas do sítio estavam
sendo usadas quase que contemporaneamente.
Mais ao sul dos poços funerários 1043 e 1059 (especificamente na área escavada
em 2014), temos um densa concentração de fossas, intercaladas por buracos de poste
esparsos. Muito próximo a um agrupamento de buracos de poste, que parece indicar
esteios de uma antiga casa, foi identificada a estrutura 1052, uma fossa contendo cacos
cerâmicos decorados (Marajoara), restos vegetais carbonizados, terra queimada e restos
faunísticos, formada por buracos de poste em seu interior, que a tangenciam. A datação
desta estrutura (1052) foi de pouco mais de meio século, mais recente que os poços
funerários 1043 e 1059, podendo se estender até a primeira metade do século XVII AD,
demonstrando uma longa duração na utilização deste sítio.
281

A estrutura 42, como dito anteriormente, é composta pelo agrupamento de fossas


(42B e 42C), com uma fossa com um arranjo funerário ao centro (42A), que fazem parte
de um mesmo evento. Nestes agrupamentos de fossas laterais (42B e 42C), foram
identificadas deposições de restos faunísticos expostos ao fogo, dos quais pudemos
reconhecer ossos carbonizados de mamíferos de médio a grande porte, dentes de
roedores, ossos de capivara e fragmento calcinado de uma epífise de uma ave. Junto a
estes restos faunísticos, foram encontrados muitos fragmentos de carvão, sementes
carbonizadas, líticos lascados e polidos e muitos fragmentos cerâmicos decorados com
elementos estilísticos e reconstituição de formas, que se assemelham a cerâmica
Marajoara, Koriabo e Mazagão.
Ao centro da estrutura 42, foi identificado uma deposição funerária múltipla e
claramente arranjada, a pouco mais de 20 cm de profundidade, onde foi identificada
uma urna antropomorfa, que se assemelha ao que vem sendo chamado de estilo
Caviana. Segundo Saldanha et al (2016), pode ser uma manifestação da policromia e
antropomorfismo da fase Mazagão. Quanto à fase Mazagão, a urna B e a vasilha usada
como tampa e também a tampa da urna A, possuem formas típicas das cerâmicas lisas
Mazagão. Quanto à urna A, aquela com gomos ou panças, guarda semelhanças com
duas vasilhas com panças, registradas por Curt Nimuendaju, na ilha de Caviana
(NIMUENDAJU, 2004).
Ao leste e ao oeste, nesta mesma estrutura, foram identificados buracos de poste
dentro da estrutura, nos setores 42B e 42C, dando a impressão de que fossem uma
espécie de demarcadores das deposições funerárias/cerimoniais.
Nas estruturas 39, 40, 44 e 45, além de restos faunísticos e restos esqueléticos
não identificados, foram observados líticos polidos e/ou lascados e rochas corantes
como lateritas e/ou limonitas. Nestas últimas, não foi possível identificar marca de uso,
mas a própria natureza destas rochas, que estão muito friáveis, não impede que elas
tenham sido utilizadas para extrair corantes vermelhos e amarelados.
As fossas 42B e 42C possuem as mesmas características das encontradas nas
fossas 39, 40, 44 e 45, diga-se: a presença de buracos de poste e associação de restos
faunísticos e/ou restos ósseos não identificados105, junto aos fragmentos de cerâmica
decorada marajoara.

105
Neste caso, quando me refiro a não identificados, quero dizer a única informação que pude obter é que
são fragmentos de ossos, devido à extrema fragmentação.
282

Para explicá-la, devo recorrer, inicialmente, ao próprio registro arqueológico da


área escavada do sítio. Em primeiro lugar, como já explicitei no capítulo I, em várias
estruturas tipo fossa, foram identificados buracos de poste em seus interiores. A maioria
delas não é possível ainda explicá-las, apenas suspeitar que podem se tratar de
palimpsestos de diversas atividades realizadas dentro do espaço escavado. Penso,
entretanto, que posso arriscar uma interpretação, no que se refere à estrutura 42 e às
estruturas 39, 40, 44 e 45, adjacentes a esta, levando em consideração o que especifiquei
nos parágrafos acima e da mesma forma serve para pensarmos as estruturas funerárias
1043 e 1059, como veremos mais adiante.
Antes de iniciar esta interpretação dos dados, faço uma breve discussão quanto
aos indivíduos, inserindo aqueles que foram o foco central das cerimoniais fúnebres na
discussão espacial e cronológica do sítio.
Através do estudo desses sepultamentos, procurou-se demonstrar como os
mortos seriam em vida, na difícil tarefa de individualizá-los, e como podemos relacionar
estes aspectos em vida com os gestos funerários dispensados pelos vivos aos mortos,
relacionados à escolha do sepultamento, do invólucro (acompanhamento), dos
acompanhamentos e, quem sabe, até mesmo acompanhantes.
Toda essa discussão, devido ao objeto de estudo e perguntas previamente
estabelecidas, volta-se para a questão das osteobiografias e dos gestos funerários.

4.2 BIOGRAFIAS DOS MORTOS: IDENTIDADES CONSTRUIDAS


EM VIDA
Consideramos que estamos obtendo sucessos significativos ao ilustrar as vidas
das pessoas que habitaram a antiga região amazônica, entre o ano 1000 e próximo ao
contato.
Mas, o que dizer das pessoas que viveram ou conheceram este local? Pelo menos
17 pessoas foram contabilizadas nestas três deposições funerárias. É uma tarefa difícil
tentar individualizar cada um deles, de modo a procurar separar cada um, de acordo com
as suas diferenças mais marcantes. De todos os sepultamentos, o único que se percebe
uma clara intenção dos vivos em individualizar o morto é o caso daquele que foi
depositado na urna antropomorfa e é a partir dele que começo.
Como já expus no capítulo 2, procurei utilizar o corpo propriamente dito, isto é,
os restos esqueléticos, como cultura material a ser devidamente lida e contextualizada.
283

Ao mostrar esses corpos em sua plasticidade em vida, quis registrar a importância que
os mesmos têm, ao ler os outros traços da cultura material presentes nos gestos
funerários, nos conteúdos que acompanham os mortos e na sua localização no sítio.
Em primeiro lugar, discuto o indivíduo da urna do Poço Teste 01, depois sigo
uma ordem cronológica das datações absolutas, obtidas para cada estrutura,
representada pela estrutura 42 e, em seguida, pelas estruturas 1043 e 1059.

4.2.1 Poço Teste 01


Deste indivíduo, sabe-se que devia ser um indivíduo robusto, com idade por
volta dos 30 anos, com alguns dentes bem desgastados, talvez devido ao consumo de
comidas duras e outros alimentos abrasivos.
Associados a este indivíduo, foram encontradas uma conta de dente e dois
objetos finos e cilíndricos, em formato de fusos, confeccionados em rocha de coloração
esverdeada. Estes objetos cilíndricos se parecem com tembetás ou ornamentos labiais.
Serão necessários estudos sobre a formação geológica, para saber se este tipo de
rocha em específico é encontrado no Amapá ou não106. Até o momento, suspeita-se que
este tipo de rocha verde tenha chances de ser do Amapá, mas não desta região, pois as
formações rochosas com esses afloramentos estão presentes acima do rio Araguari, e
por si só, já demonstraria que possíveis trocas estariam ocorrendo.
Como o contexto está prejudicado (materiais que foram levados do local e
remeximentos dos ossos e acompanhamentos internos), apesar de obtermos algumas
informações relevantes quanto ao indivíduo sepultado, não é possível extrapolar mais, a
não ser algumas observações: o tipo de urna, semelhante àquela encontrada na estrutura
1043 e semelhante às ocorrências de urnas funerárias, que tem sido encontradas no
município de Macapá (ver capítulo 1).

4.2.2 Estrutura 42:

4.2.2.1 Indivíduo da urna antropomorfa (urna C)


O indivíduo da urna antropomorfa se destaca, devido ao modo único em que foi
enterrado, o que ficou ainda mais evidente ao plotar todas as estruturas em um mapa,
quando a comparamos com outros sepultamentos aqui trabalhados.

106
Neste caso, seria necessário fazer uma lâmina petrográfica.
284

Como já especificado, esta pessoa em questão era um adulto do gênero


masculino e de forte compleição física e talvez, devido ao papel que exercia junto ao
universo masculino, participasse das atividades de caça e pesca, dada suas marcações
musculares bem expressivas e ao aspecto robusto dos ossos, e talvez até mesmo
eventuais conflitos bélicos.
Seus gestos corporais podem ser inferidos como um lento processo de
construção do seu corpo, desde que foi iniciado para se tornar um adulto, perante sua
comunidade, aprendendo técnicas corporais próprias ao gênero masculino, que estava
sendo moldado em seu corpo.
Há evidências que apontam para possível e frequente uso de lanças – azagaias,
por exemplo - usando tal ferramenta, tanto na caça quanto na pesca, com o braço
esquerdo (figura 156).

Figura 156: Imagem ilustrativa de que tipo de atividade este homem poderia estar envolvido. Arte: Tammi

Apesar de não termos encontrado nenhum vestígio de algum projétil, o mesmo


pode ter sido feito inteiramente de material perecível (madeiras e ossos). Além disso, os
285

pertences do morto poderiam ter sido destruídos ou queimados e/ou mesmo enterrados
em outro local (ROTH, 1924, p. 645).
Há evidências nos ossos que apontam para a possibilidade de carregamento de
fardos pesados, agarrados com ambos os braços, posicionados à frente do corpo. O que
lembra as práticas dos Ache (grupo linguístico Tupi-Guarani, conhecidos como
Guayaki) do Paraguai. Segundo Clastres (1995), a caça é um papel, eminentemente,
masculino e a produção de cestarias é uma atividade ligada ao mundo feminino, sendo
que existe uma performance, tipicamente, feminina (para os Ache) de carregar cestos às
costas107 com uma faixa atada à testa. Pensando nestas técnicas corporais, abraçar fardos
à frente do corpo, talvez fosse uma técnica corporal típica do universo masculino,
embora o uso de faixas na testa para carregar fardos às costas seja algo comum entre
homens e mulheres em várias comunidades indígenas.
Há indícios que apontam para a possibilidade de que ele praticasse canoagem
com frequência, indicando que esta pessoa teria navegado nos antigos rios, igarapés e
igapós da região. Embora não saibamos que tipo de viagens ele estaria fazendo, é fácil
imaginar as possibilidades dos motivos de tais viagens, sejam elas para pesca, trocas,
expedições, etc (figura 157).

Figura 157: Imagem ilustrativa das prováveis atividades de canoagem que este (e outros) indivíduos estariam
exercendo cotidianamente. Arte: Tammi.

107
Conforme descrito por Pierre Clastres (1995).
286

Não há como saber se estas atividades eram tipicamente femininas ou


masculinas para a sociedade em que ele viveu naquela época. Quanto a estas técnicas e
construções corporais, podemos nos utilizar de alguns exemplos etnográficos sobre as
possibilidades de interpretação em relação ao que foi acima descrito.
Devemos estar atentos que estas divisões de papeis sociais podem variar de
acordo com a idade e o gênero, dentro de uma mesma sociedade, como é o caso dos
Kaxinawá (Huni Kuin), no estado do Acre, onde a antropóloga Cecilia MacCallum
(1999, p.53) explica que o gênero não está, necessariamente, ligado ao sexo biológico,
de modo que as mulheres Huni Kuin podem acumular, durante a vida, formas de
conhecimento, que são geralmente consideradas masculinas, resultando num processo
de morte diferenciado pelo tratamento funerário, que depende da história particular de
cada corpo, desde criança até a velhice.

O gênero deve ser entendido como um aspecto da humanidade que se


constrói ao longo da infância e da vida adulta. As crianças kaxinawá são
criadas para serem “seres humanos” verdadeiros, conceito expresso na sua
autodenominação como “Huni Kuin” (MCCALLUM, 1996, p. 53).

Desse modo, para ser um “ser humano verdadeiro”, o corpo deve ser construído
ao longo da vida por dada pessoa, de modo que aqueles que a cercam mudam o modo
como a enxergam e/ou enxergavam no momento de sua morte.
Voltando ao indivíduo da urna antropomorfa, o papel social que este indivíduo
exercia em sua comunidade rendeu a ele um tratamento funerário distinto e singular,
pois os vestígios apontam para a exposição do corpo acima da superfície, possivelmente
um girau, onde a decomposição do corpo teria então ocorrido e talvez com alguma
fogueira para espantar insetos e animais.
De outra forma, uma fogueira poderia estar acesa próxima ao corpo depositado
acima da superfície sem um jirau, ocasionando algumas alterações nos ossos, mas não o
suficiente para uma cremação e exigiria que alguém ficasse de vigília, zelando pelo
corpo.
Após a esqueletização do corpo deste indivíduo singular, os ossos teriam sido
retirados e limpos, para posteriormente serem pintados com ocre, extraído
provavelmente das hematitas, presentes na formação laterítica da região. Para guardar
os ossos, foi confeccionada uma urna antropomorfa sentada em um banco com os
287

braços cruzados. Os ossos foram cuidadosamente colocados, com o crânio depositado


ao fundo, ossos longos depositados ao lado e encostados na parede da urna, ossos curtos
e irregulares e ossos da cintura pélvica e escapular colocados em seguida e encimados
pela mandíbula destacada.
Não sabemos como ele morreu nem quando, mas sabemos a época em que ele
foi depositado na fossa funerária, por volta do ano 1000, onde foram arranjados os
outros corpos ali sepultados, como se o acompanhassem.
Como já foi demonstrado antes, este é o único indivíduo, em todos os
sepultamentos encontrados neste sítio, até o momento, que possui uma urna
antropomorfa policrômica como invólucro/acompanhamento. Este indivíduo, em
questão, mereceu, por algum motivo, ser tratado com especial atenção, dada suas
características únicas.
De acordo com Colin MCEwan (2001), os bancos, na etnografia ameríndia, são
muito presentes e recorrentes, ligados, muitas vezes, aos xamãs, aos chefes e aos
guerreiros. Diversos estudos têm sido realizados, procurando entender o que significaria
os bancos encontrados em contextos arqueológicos, com uma ênfase especial nas urnas
antropomorfas sentadas em bancos108.
Com os dados contextuais que dispomos, é possível realizar algumas inferências
acerca da urna que acompanha o individuo sepultado, a começar pelas as indagações de
MCEwan (2001, p. 176) sobre a dita urna antropomorfa sentada em uma pose formal,
em um pequeno banco.

“ ... São imagens idealizadas do poder xamânico e chefia? Comemoram lideres


mortos e ancestrais? Em que tipo de contextos rituais eles estavam inseridos e
como devemos procurar compreender o significado investido neles por quem os
confeccionou? “ (MCEWAN, 2001, p. 176).

Em muitas sociedades indígenas atuais, o uso de bancos de madeira está


associado ao xamã e aos chefes e é uma prerrogativa do gênero masculino. Apesar
disso, sabemos que, em algumas comunidades indígenas, os bancos são utilizados
também por mulheres, uma vez que existe a notícia de xamãs mulheres e temos alguns

108
Alguns desses “bancos”cerâmicos são encontrados sozinhos e destacados, sendo sua função ainda não
compreendida, mas convencionalmente na arqueologia amazônica tem-se preferido chama-los de bancos, o que
também os diferencia de pratos e tigelas.
288

exemplos arqueológicos de urnas antropomorfas sentados em bancos, representando


genitálias masculinas ou femininas, como é o caso das urnas Maracá e Cupixi.
Quanto às urnas ditas Caviana, existem urnas antropomorfas com o banco
representado e outros sem o banco. Aqueles que possuem banco têm o genital
masculino representado com um aplique, como é o caso da urna aqui estudada. Existem,
porém, aquelas urnas antropomorfas, ditas Caviana, e sem bancos, que não possuem
sexo representado com aplique. No caso dessas urnas de formato globular, o sexo é
sugerido pelo desenho em linhas pretas, o qual seria a região púbica, indicando a
representação do sexo feminino e, talvez, dando uma ideia de gravidez, já que os
bracinhos parecem segurar o ventre, com as mãozinhas abaixo do umbigo.
É necessário que recorramos a mais escavações em áreas amplas para
compreendermos melhor tais urnas antropomorfas e elucidarmos estas questões. Se os
bancos aparecem somente em urnas antropomorfas com o genital masculino
representado ou aparecem com o genital feminino representado, como é o caso das
urnas Maracá e Cupixi, e, principalmente, o que isso poderia significar.
Estas urnas funerárias antropomorfas funcionam como uma espécie de corpo ou
roupa, que guardam os restos esqueléticos do morto, preservam a memória da
corporalidade em uma forma visível e, aliadas aos bancos em que estão sentados,
segundo as cosmologias de algumas sociedades ameríndias, remetem aos mitos de
origem (MCEWAN, 2001, p. 195).

As urnas antropomorfas arqueológicas são corporificações materiais de


significados e crenças que estão intimamente ligadas com as fontes invisíveis de
vida. Os xamãs e lideres meditam (nos bancos) entre as comunidades humanas e
estas fontes invisíveis de vida (MCEWAN, 2001, p. 195).

Ao indivíduo que aqui tratamos, foi dado visibilidade pela comunidade dos
vivos ao encerrar seus restos mortais dentro da urna antropomorfa, que, durante a
cerimônia fúnebre, teria sido o indivíduo de maior destaque.

A construção de urnas sobre os bancos, poderiam assim ter dupla função: elevar
e isolar do solo os restos mortais encerrados nas urnas, e indicar o caráter
sagrado e cerimonial do espaço onde as urnas estão depositadas, deixando
claro que os indivíduos ali representados ocupam um papel de destaque na
sociedade (BARRETO, 2008, p. 105).
289

Com estas indicações, poderíamos pensar que, devido aos seus ossos robustos e
marcadores musculares acima citados, poderia ter sido um guerreiro e/ou um chefe ou
cantador, que navegava, pescava e caçava.
Quanto à possibilidade de ser um xamã, esta não se exclui. Sabemos, através de
etnografias, que o corpo do xamã pode ser construído desde cedo na vida, submetido às
restrições alimentares, às privações físicas e psíquicas, ao uso de alucinógenos e a um
papel social bem marcado na sociedade, que poderia não condizer com a imagem de um
homem de forte compleição física, que teve seu corpo construído pela caça, pesca e
incursões náuticas frequentes. Contudo, não se exclui a hipótese que possa ter se
tornado um xamã tarde na vida, ou que fosse um xamã que exercesse atividades de
captação de recursos de subsistência, já que isso depende de sociedade para sociedade e,
às vezes, havendo variações dentro de uma mesma sociedade.
Vide, por exemplo, os Kuikuro (Carlos Fausto, comunicação pessoal, 2016), no
Alto Xingu, onde havia um xamã, que desde criança adoecia e isso foi tomado como
uma iniciação direta pelos espíritos, sendo este treinado desde então até se tornar xamã
já muito jovem. O mesmo era tido como grande roceiro, ou seja, também exercia
atividades de subsistência, mesmo que não seja caça e pesca. Nessa mesma
comunidade, é relatado que outro homem, com mais de 40 anos, tido como um grande
pescador, resolveu se tornar xamã para ajudar sua filha doente, que era recém nascida,
completando seu treinamento aos 50 anos de idade.
Deste modo, o máximo que podemos dizer, baseado no contexto geral do sítio, é
que este poderia ser tanto um xamã, um líder, um guerreiro, um respeitável pai ativo de
família extensa ou descendente de alguma linhagem com privilégios específicos, pelo
menos na simbolização de sua morte.
Não se deve esquecer também que os ossos deste homem foram pintados de
vermelho, ao que os dados iniciais apontam ocre extraído de hematitas. Esta prática é
amplamente descrita, tanto arqueológica quanto etnograficamente para a Amazonia
(figura 158). Os relatos etnográficos entretanto falam de pintura feita com a tintura
extraída das sementes de urucum (bixa orellana), o que é por conta disso muitas vezes
deduzido em alguns registros arqueológicos expeditos ao se depararem com restos
esqueléticos humanos em urnas (RIBEIRO, 2002; NIMUENDAJU, 2004).
290

Figura 158: A prática de pintar os ossos de vermelho é muito recorrente em relatos etnográficos e vestígios
arqueológicos para as sociedades ameríndias na Amazônia. Arte: Tami.

Foram depositados, junto aos ossos, um dente de anta e uma única placa óssea
da carapaça de tatu. O que poderia significar estes restos faunísticos? Uma espécie de
amuleto? Os vestígios, às vezes, não se preservam como queríamos, de forma que o
fragmento de dente de anta encontrado poderia ter um orifício. Poderia ser usado junto
ao pescoço, como uma conta ou pingente, ou ainda simplesmente guardado junto ao
corpo, além de poder ser restos de uma oferenda.

4.2.2.2 Indivíduos da urna B


Compondo o arranjo funerário, temos uma urna globular lisa com uma vasilha
emborcada, servindo de tampa, onde foram encontrados os restos esqueléticos bem
preservados de uma mulher, com idade estimada por volta dos 19 aos 24 anos. Esta
291

mulher não tinha comprometimentos articulares visíveis, nem osteófitos ou desgastes


em suas vértebras, porém, em algum momento de sua vida, sofreu um trauma no seu
fêmur esquerdo e, provavelmente, teve problemas para andar, talvez tivesse uma perna
mais curta que a outra e mancasse.
Há evidencias de que tenha perdido alguns dentes em vida, como pode ser visto
na reabsorção alveolar, no lado direito da mandíbula, ocasionando, talvez, uma
mastigação diferencial de um lado. O que se observa é que essa mulher talvez exercesse
atividades menos extenuantes ou que não deixassem marcas visíveis nos ossos.
Talvez, o fato de ter um trauma no seu fêmur esquerdo, que provavelmente
debilitou sua movimentação, pode ter ocasionado limitações em algumas atividades que
requeressem mais esforços. Apesar das diáfises dos ossos longos não apresentarem
marcações musculares expressivas e os mesmos sejam considerados muito gráceis, não
se pode esquecer que faltam muitos osso das mãos e dos pés, o que poderia indicar
alguma atividade que não necessitasse deslocamentos, nem carregamento de pesos ou
qualquer outra atividade extenuante.
Junto aos restos esqueléticos desta mulher, foi evidenciado os restos esqueléticos
de um infante ou de uma criança pequena, por volta dos 3 anos de idade, a qual não é
possível identificar o sexo. Constatou-se uma representatividade esquelética muito
baixa, o que condiz com ossos de infantes mais suscetíveis aos processos tafonômicos
pós deposicionais e pode indicar um descarne passivo em um ambiente não controlado,
onde, no momento da recolha dos ossos, estes estariam em avançado estado de
decomposição, processo que continuou no momento da deposição secundária.
Também não se pode descartar a possibilidade de reaproveitamento de uma urna
funerária e acréscimo acidental dos restos dos ossos de um indivíduo, que estaria
previamente na urna. Não obstante, segundo informações dos escavadores, que
realizaram o desmonte dos elementos esqueléticos presentes na urna, estes ossinhos
longos e estes ossos do crânio de coloração e textura diferentes, assim como os dentes
decíduos ou não erupcionados, não foram encontrados no fundo da urna, dando a
impressão que foram colocados, intencionalmente, juntos com o esqueleto da mulher.
Talvez, os dois indivíduos, a mulher adulta e o infante, tivessem sido enterrados
juntos durante o processo de decaimento das partes moles. Além disso, ficam as
indagações do porquê teriam sido enterrados juntos e do porquê cada um deles não ter
sido depositado cada qual em sua próprias urna.
292

Foi evidenciado, ainda, um pequeno fragmento de osso longo de fauna, não


identificada. Talvez oriunda do enterro primário para decomposição das partes moles do
corpo de um ou dos dois indivíduos, podendo se tratar de uma oferenda ou um
acompanhamento.

4.2.2.3 Indivíduos da urna A


Em uma pequena urna com panças tampada por uma tigela, com faixa amarela,
paralela à borda e emborcada, foram colocados os restos esqueléticos de um infante e de
uma criança pequena. Vestígios, encontrados em um fragmento de mandíbula do
indivíduo mais novo, apresentam uma lesão, que levantam a possibilidade do mesmo ter
sofrido um trauma na área da protuberância mental (queixo), ocasionado por agente
externo. Porém, como há uma certa porosidade em volta, não há como afirmar se isso
teria ocasionado sua morte. Este mesmo indivíduo mais novo possui uma porosidade em
um osso junto à base do crânio, que é tipicamente decorrente das anemias, das infecções
e das verminoses.
Como era de se esperar em ossos de infantes e crianças, ainda mais se tratando
de um contexto secundário, há muitos elementos esqueléticos ausentes. Em parte,
devido ao próprio ambiente onde ocorrera, previamente, o descarne e também, num
segundo momento, na deposição secundária do corpo esquelenotizado e desconectado,
onde houve processos de dissolução dos sais minerais, ocasionando a acreção da parede
interna da urna de concreções de cálcio.

4.2.2.4 Indivíduos dos Conjuntos 1, 2 e 3


Os Conjunto 1, 2 e 3 (provavelmente um invólucro vegetal os envolvia) possuem
um estado de preservação e integridade óssea muito inferior, quando comparada aos
esqueletos dos indivíduos encerrados nas urnas, que criaram microambientes, que os
isolaram, pelo menos em parte, da matriz de sedimento circundante. Estes conjuntos de
esqueletos, encontrados depositados, diretamente, no solo, talvez estivesse em
condições muito piores se estivessem enterrados sob uma matriz de sedimento laterítico
e não com a matriz de terra preta, que muito provavelmente os preservaram, já que a
preservação diferencial de ossos podem, largamente, ser explicados pela variação do PH
de tal terra preta, usualmente com componentes, tais como: cinzas de madeira, que
podem prevenir condições mais ácidas de se desenvolverem em resíduos orgânicos
decompostos em depósitos de ocupações humanas (LEHMANN et al, 2003, p. 09).
293

O conjunto 1 continha um possível indivíduo feminino, com idade entre o final


da adolescência e início da idade adulta.
O conjunto 2 continha um possível indivíduo masculino, com idade maior que
17 anos, aparentemente com pintura vermelha recobrindo alguns ossos. Não foi possível
verificar se é algo pós deposicional ou intencional, dada a presença de lateritas junto ao
substrato de terra preta, que formava a matriz de preenchimento da estrutura 42. Um dos
ossos apresentava aparente conexão anatômica, podendo indicar deposição do corpo
com partes semi-esqueletizadas .
O conjunto 3 continha um indivíduo com características (tentativamente
estimadas) masculinas, com uma idade entre o final da adolescência e o início da fase
adulta. Diferentemente dos outros dois indivíduos, foi observado que este possui uma
possível marca de corte na tíbia esquerda, o que indicaria um vestígio de um provável
descarne ativo. O conjunto 3, apesar de muitos elementos ósseos faltantes, diferencia-se
pela posição em que os ossos estão arrumados, lembrando muito uma deposição
primária, mas não há como dizer isso de maneira segura.

4.2.3 Estrutura 1043:


Dentro de uma urna globular com vasilha lisa aberta e emborcada, servindo de
tampa, foram encontrados os restos esqueléticos de pelo menos quatro indivíduos,
sendo: um infante, de no máximo 3 meses, podendo ser ainda um perinato; um infante
com idade entre 1 a 2 anos; uma criança ou adolescente; e um adulto com idade entre 20
a 35 anos. O sexo só pode ser estimado para o indivíduo adulto jovem como
possivelmente feminino.
Quanto ao indivíduo adulto, este deveria ter o hábito de carregar pesos nas
costas com uma faixa amarrada à testa e percorrer longas distâncias à pé ou pescar com
uma postura específica (figura 159), além de possuir um osteófito no olecrano,
decorrente de frequentes atividades de extensão e flexão do cotovelo envolvendo
estresse na inserção do músculo tríceps. Penso que algumas atividades poderiam estar
envolvidas, como cortar árvores, moer grãos, polimento e lascamento de implementos
líticos, mas também o lançamento de projéteis, com lanças ou azagaias por exemplo
(figura 159) ou ainda embarcações que usassem longas hastes como propulsores e remo
(figura 160).
294

Figura 159: Desenho sugestivo das atividades que poderiam ter ocasionado as osteofitoses presentes. Arte:
Tami.

Figura 160: Detalhe sugestivo das atividades que podem ter ocasionado as osteofitoses presentes. Arte: Tami.

Convém ressaltar que os elementos esqueléticos do indivíduo infante mais novo,


aquele provável perinato, estão muito bem representados, o que é de certa forma
incomum em um enterramento secundário, principalmente se tratando de indivíduos
infantes, cujos ossos são mais porosos, com o cortical mais fino e com áreas de contato
295

menores, que auxiliam na decomposição e dissolução dos mesmos. Supõe-se que este
bebê tenha sido depositado ainda com as partes moles, recobrindo seu corpo, ou, pelo
menos, tenha existido algum ambiente contralado na etapa de descarne.
Há ainda a possibilidade de que os restos esqueléticos do indivíduo adulto sejam
de uma mulher. Se esta esteve grávida na época da morte e talvez tivesse sido enterrada
com o provável neonato ainda na barriga da mãe. Neste caso, teria ocorrido,
anteriormente, um enterramento primário, no qual teriam recolhido os ossos e mantidos
em um recipiente fechado e controlado para posterior enterramento secundário.
Talvez, os três potes, colocados em volta da urna, fossem acompanhamentos
para cada um dos indivíduos representados. Talvez, a tigela represente o quarto
indivíduo, ou não represente nenhum, se por acaso o indivíduo perinato não tivesse
nascido ainda e fosse considerado de alguma forma como parte da mãe.
Quanto aos restos esqueléticos do indivíduo adulto e da criança ou adolescente,
apesar da presença de carpos, de falanges e de costelas, que não costumam preservarem-
se, há vários ossos e dentes faltando, a exemplo, temos: ossos do crânio para o
indivíduo adulto e ossos longos para o indivíduo criança ou adolescente, estando melhor
representados os elementos esqueléticos dos dois infantes.
Quanto à presença dos ossos (carpos, falanges e costelas dos adultos), segundo
relatos de Van Berkel, no final do século XVII AD, entre os Makuari (tronco linguístico
Arawak), na Guiana francesa, dão conta do ritual funerário de um guerreiro, cujos
ossos, após livrados das partes moles que os recobriam, foram recolhidos os ossos
longos e pequenos - dedos dos pés e das mãos e costelas - e deixados no telhado das
casas (provavelmente dentro de um recipiente vegetal ou cerâmico) para secar por três a
quatro semanas, para posteriormente serem queimados e enterrados junto aos seus
pertences (ROTH, 1924).
O fato de existir pelo menos quatro indivíduos encerrados na urna leva a indagar
por que estes foram depositados juntos, diga-se: o adulto e o perinato, mais o infante e a
criança ou adolescente.
Sabe-se, segundo Morales Chocano (2000), que entre os Jívaro, os parentes
mortos eram mumificados e reduzidos, até poderem ser guardados dentro de casa, em
cima do telhado, onde eram colocados os ossos de outros parentes dentro de cestas ou
vasilhas cerâmicas, em ordem cronológica. Estes eram limpos e selecionados, os mais
íntegros, e descartados aqueles que estavam se decompondo. Este procedimento de
296

curadoria dos ossos era realizado, periodicamente, ano a ano, até que passado algum
tempo, estes ossos eram enterrados em uma local definitivo ou reunidos e colocados em
uma urna menor para o enterramento definitivo.
Este costume de colocar os ossos dos parentes dentro de casa, particularmente,
em recipientes, na parte junto ao telhado, é relatado também entre os Warrau (tronco
linguístico Karib), junto ao Orenoco. Faziam isso após realizarem o descarne do corpo,
afundando-o, firmemente, amarrado em um rio, para que peixes e piranhas comessem as
partes moles, o que é igualmente relatado para o Suriname (ROTH, 1924).
Para este sepultamento, pode exatamente ter ocorrido algo parecido, talvez
explicando os ninhos de insetos na superfície de ossos do indivíduo adulto, já que o
mesmo, hipoteticamente, estaria exposto, sendo posteriormente misturado aos restos
esqueléticos de outros familiares, para então serem enterrados em sua deposição
secundária
Foram encontrados, como acompanhamentos internos: um pingente e duas
esculturas/estatuetas zoomorfas, manufaturadas em substrato carbonático; diversas
contas de crinoides fósseis; conchas de água salgada e de doce; e conchas com
alterações humanas, que podem se tratar de pré-formas para contas.
Foram identificados também pequenos ossos longos de fauna, provavelmente de
algum mamífero de pequeno porte, seriam xerimbabos109?

4.2.4 Estrutura 1059

4.2.4.1 Indivíduos da urna funerária da Câmara A


Dentro de uma urna funerária globular lisa, com um pintura em formato de uma
faixa, que se estende do bojo até a borda, tampada com uma vasilha aberta lisa,
embocada, foram identificados dois indivíduos adolescentes a adultos jovens, cujo sexo
de ambos não pode ser identificado, sendo um dos indivíduos provavelmente mais novo
que o outro. Os ossos destes indivíduos estão com alteração tafonômica tipo
weathering, de grau 4 a 5, o que poderia indicar uma exposição dos corpos às
intempéries, mas também pode estar relacionado com a processos pós deposicionais.

109
Termo utilizado para designar animais “animais de estimação selvagens”, que são familiarizados, de
modo a diferenciar dos animais de estimação, como: gatos e cachorros, o que implica uma visão ocidental
fora da realidade de muitas sociedades ameríndias (FAUSTO, 2000).
297

Para o sepultamento secundário dos ossos, pode-se tentar vislumbrar o arranjo


dos ossos longos, depositados na urna, tanto horizontalmente quanto verticalmente. Este
último estava com feixes de ossos longos encostados à parede e concentrações de ossos
dos pés e das mãos, além de algumas poucas costelas na base da urna.
Apesar de diversos ossos estarem faltando (entre eles, o crânio), deve-se levar
em consideração os processos pós deposicionais, pois pode indicar curadoria dos ossos
e eliminação daqueles muito decompostos e situar, também, usos dos ossos para algum
fim cerimonial, como se conhece em relatos etnográficos, pela explicação da ausência
dos crânios.
Para a não presença de ossos do crânio, nesta urna e na urna funerária da câmara
C deste mesmo poço, pode ser explicado pela escolha seletiva de quais ossos enterrar e
o uso cerimonial de outras partes do esqueleto. Alguns relatos etnográficos
exemplificam bem isto, como é o caso dos Siriono (tronco linguístico Tupi), onde os
parentes do morto enterram o pós crânio, mas guardam o crânio como uma relíquia
(VIVEIROS DE CASTRO, 1986; CHAUMEIL, 1997).
Quanto a este quesito, vale lembrar que os sítios Laranjal do Jari I, Laranjal do
Jari II, no sul, e Ponte do Oiapoque I, no norte do estado do Amapá, que foram expostos
no capítulo 1, foram encontrados crânios depositados intencionalmente em vasilhas,
todos estavam isolados. Talvez, este seria o destino final de crânios de parentes
guardados como relíquias e usados para fins rituais.
Quanto aos acompanhamentos, foram encontrados ossos de aves, com alteração
tipo weathering, e um fragmento de osso longo faunístico, com indícios de exposição ao
fogo, além de um fragmento de dente de cutia ou de capivara. Pode-se levantar algumas
hipóteses sobre o que seriam esses restos faunísticos, ou acompanhamentos do tipo
oferendas ou até mesmo xerimbabos, se levarmos em conta que é um sepultamento
secundário, sendo a preservação e a decomposição diferencial dos elementos
esqueléticos.

4.2.4.2 Indivíduo da urna funerária da Câmara B


Dentro de uma urna funerária globular lisa, com uma vasilha lisa emborcada,
servindo de tampa, foram identificados os ossos pintados de vermelho de um único
indivíduo, possivelmente do sexo feminino, com idade entre 18 a 35 anos, com dentes
apresentando desgaste oclusal, considerado leves.
298

Esta pessoa tinha os ossos considerados gráceis e delgados, com suaves


marcações musculares, sem entesofitóses visíveis, sem osteófitos ou desgastes nas
vértebras, o que se deve também a não preservação de alguns elementos ósseos
diagnósticos. As duas tíbias e o talus deste indivíduo apresentam facetas articulares
típicas de “squating facets” ou lesão do agachador, ligados às técnicas corporais
próprias de sentar, em posição agachada para descanso, ou na execução de atividades -
moer grãos, por exemplo.
A posição dos ossos dentro da urna, particularmente os ossos longos, aliado à
representatividade óssea, que apesar de considerada como boa, possui muitos elementos
ósseos faltando (a maioria das vértebras), leva a interpretar este sepultamento como uma
deposição secundária, e, somando-se a estes fatores, foi verificada uma pintura
vermelha, que recobre todas as superfícies dos ossos. É de se notar, entretanto, que não
foram encontrados acompanhamentos internos dentro da urna. Este indivíduo foi
depositado em uma posição central em relação às outras duas urnas, que continham,
cada uma delas, depositados, pelo menos dois indivíduos.

4.2.4.3 indivíduos da urna funerária da Câmara C


Dentro de uma urna globular lisa, com uma vasilha lisa, servindo de tampa,
foram identificados pelo menos dois indivíduos, um adulto e um bebê. Este indivíduo
adulto possui os ossos longos muito robustos. Os ossos, de um modo geral, parecem ser
maiores do que todos os esqueletos encontrados.
Não há como saber o sexo do indivíduo adulto, apesar de todas as características,
robustez, diâmetro dos ossos longos e inserções musculares, serem bem marcadas. No
sepultamento deste indivíduo, muitos ossos estão faltando, entre eles: os ossos do crânio
(encontrados somente fragmentos de calota craniana); as diáfises da maioria dos ossos
longos, os quais se preservaram algumas epífises; e os ossos das mãos e dos pés, o que
não costuma se preservar, ainda mais se tratando de um sepultamento secundário,
inferido pela disposição de aparente desordem dos fragmentos esqueléticos. Esta
inferência só é possível em virtude da ordenação de ossos longos junto a uma das
paredes internas da urna, soma-se a isso os ossos do individuo adulto pintados de
vermelho em todas as superfícies, diferentemente dos ossos do infante que não possuem
pintura alguma.
299

Os ossos do indivíduo infante (entre seis meses a 3 anos) estão muito mal
representados, formados por poucas vértebras não fusionadas, poucos fragmentos de
costelas, alguns ossos da calota craniana (infantil), um fragmento de meato acústico do
osso temporal e poucos dentes decíduos.
O indivíduo adulto possui inserções musculares bem marcadas, podemos citar a
tuberosidade do rádio, cuja entese está bem desenvolvida. Apesar de ter somente um
lado do braço, esta entesofitóse está relacionada à hipertrofia do ligamento do bíceps
braquial, atribuído ao carregamento de pesos com ambos os braços flexionados, a
utilização de remos duplos ou ainda ao uso de arco e flecha (CAPASSO; KENNEDY;
WILCSAK, 1999, P. 71-72). Além disso, duas vértebras lombares, provavelmente
pertencentes a este indivíduo adulto, apresentam osteofitoses, que podem estar ligadas
ao estresse, devido ao carregamento de fardos pesados ou a idade. Mas, é importante
destacar que os exemplares de vértebras cervicais não apresentam nenhum osteófito.
Quanto aos acompanhamentos internos, estes são compostos por contas de
crinoides fósseis (similares aos encontrados na urna funerária da estrutura 1043), contas
de conchas, contas de dentes humanos, formados por dentes molares, pré molares,
caninos e incisivos, todos perfurados na raiz dos mesmos, e, finalmente, contas de
dentes molares e pré-molares de onça/felino (panthera onca ou puma condolor)
igualmente perfurados na raiz. O que significariam esses dentes (humanos e de animais)
perfurados?
Para a costa atlântica do Amapá, como exposto no capítulo 1, temos o registro
de urnas funerárias com dentes perfurados na raiz, similar ao Teso dos Índios, em
Caviana, no estado do Pará. Sabe-se, no entanto, segundo fontes etnohistóricas, para as
Guianas, o uso destes colares, braceletes e brincos deviam ser amplamente difundidos
(ROTH, 1924).
Valter Roth (1924, p. 432) relata que, o uso de colares de dentes humanos de
inimigos vencidos em batalha era muito difundido entre os Caberre (Arawak) e muitos
Caribe.
Quanto aos dentes faunísticos o mesmo autor relata ainda que entre os Arawak
era difundido o uso de grande quantidade colares com dentes onças, jacarés e catitu que
caçaram, assim como os indígenas do Suriname que os penduravam sobre os ombros
como troféus ou medalhas de caça (figura 161), sendo também comum o uso de colares
de dentes faunísticos entre as mulheres e crianças arawak, caribe, atorai, wapixana e
300

macuxi em alguns casos usados como espécies de talismãs, para proteção (ROTH, 1924,
p. 432-433).

Figura 161: Colares de contas de dentes poderiam ser utilizados como uma espécie de talismãs ou como troféus
ou medalhas de caça. Arte: Tami.

Segundo Chaumeil (2005) os guerreiros Yagua da Amazônia Peruana faziam colares de


dentes de inimigos que eram carregados como troféus, com caninos superiores e inferiores
colocados junto ao peitoral e às costas, como se estivessem capturados entre as presas dos
inimigos.
Segundo Lagrou (2015), os dentes são o locus da força vital, de acordo com
muitas sociedades ameríndias.

Como exemplo da associação muito difundida entre dentes e força


vital na Amazônia ocidental podemos citar o costume Yágua de extrair os
dentes de seus inimigos, mortos na guerra, para usá-los em colares, e um mito
deste mesmo povo descrevendo a humanidade primordial como mole e frágil
por causa da falta de dentes (LAGROU, 2015, p. 07).

Voltando ao indivíduos sepultados, ao olharmos os ossos robustos e outros


atributos, podemos somar estas linhas de evidências, quanto às características da
301

plasticidade do corpo acima citados mais o tratamento dado aos ossos e a presença de
dentes humanos e de um felino. Seriam as contas de dentes humanos pertencentes ao
indivíduo adulto? Como alguns exemplos etnográficos apontam tal prática e uso era
destinado aos guerreiros, o que condiz com os ossos avantajados e marcadores de
estresse ocupacional presentes nos ossos deste indivíduo.
Quanto aos dentes do felino, este poderia ter pertencido tanto ao indivíduo
adulto quanto ao infante, ou como um troféu de caça, no caso do adulto, por exemplo,
ou como um amuleto de proteção no caso do infante. Talvez, pelo fato de termos dentes
humanos perfurados junto aos dentes de onça perfurados, e dada a pouca
representatividade dos ossos infantis, podemos nos inclinar a pensar que este seja um
acompanhamento do indivíduo adulto.
Dado todas essas características, a ausência de fragmentos do crânio de
individuo adulto, reforça a ideia de que poderia indicar alguém de status diferenciado
(como possivelmente na urna da estrutura 1043), já que segundo práticas descritas na
etnografia (VIVEIROS DE CASTRO, 1986; CHAUMEIL, 1997) esta ausência talvez
indique tratamento fúnebre diferenciado.
Foram identificados alguns fragmentos faunísticos de epífises de ossos longos de
mamífero de médio porte. Igualmente aos outros casos, levantam-se questões sobre o
que seriam esses ossos, com possibilidade de serem acompanhamentos ou algum tipo de
oferenda ou ainda os restos mortais de um xerimbabo.
Após discutir e apresentar essas questões quanto aos indivíduos sepultados volto
agora à discussão cronológico-espacial com as possíveis interpretações obtidas com o
cruzamento dos dados, assim como algumas observações e perguntas formuladas.

4.3 ESPAÇO E MEMÓRIA – OS MORTOS SIMBOLIZADOS


PELOS VIVOS E O CORPO CONSTRUIDO/TRANSFORMADO NO
ESPAÇO
A estrutura 42 foi identificada na zona sul do sítio, e as estruturas 1043 e 1059
na zona norte do sítio, sendo as datações obtidas para a estrutura 42 por volta de 200
anos mais antiga que os dois poços funerários com câmara lateral, que por sua vez são
contemporâneos. Deve-se ressaltar para o fato de que temos em cada uma das três
estruturas funerárias em questão um único evento de deposição, não havendo vestígios
que levem a indagar a possibilidade de ou que indiquem a reabertura das covas e/ou
manipulação dos sepultamentos.
302

Quanto aos indivíduos sepultados percebemos que infantes e crianças


normalmente são depositadas junto aos indivíduos adultos. Assim como indivíduos do
sexo (biológico) feminino e masculino também são depositados lado a lado.
Foi observada também que apesar de os ossos dos indivíduos do sexo feminino
aqui representados, apesar de terem ossos mais gráceis, em ambos os sexos
representados foram encontrados sinas de estresse ocupacionais que indicam mostram
como o corpo dessas pessoas deveria estar sendo utilizado e construído ao longo da
vida.
O que se percebe é que a leitura dos esqueletos como cultura material não
funcionam se forem lidos sozinhos, necessitando dos outros vestígios para tornar
possível a interpretação dos corpos. Reiterando cada vez mais uma fluidez nos estudos
da cultura material, de modo a privilegiar a contextualização dos dados obtidos em
campo e em laboratório, aliado aos conhecimentos sobre os sítios com sepultamentos na
região junto a foz do rio Amazonas que abrange também o escudo das Guianas.
Ao nos voltarmos aos gestos funerários quando opomos as estruturas 1043 e
1059 e a estrutura 42, são encontrados tanto elementos diferentes quanto elementos em
comum. Estes gestos começam nos vestígios deixados nos ossos, nos acompanhamentos
internos e externos e na distribuição espacial.
O que procurei de fato entender é como se deram os sepultamentos secundários
presentes no sítio, mas para tanto foi realizado o estudo dos vestígios diretos dos
indivíduos que foram enterrados e consequentemente o estudo dos vestígios daqueles
que os enterraram.
Voltando à estrutura 42, como dito antes, é uma fossa composta por três seções,
uma onde as urnas funerárias, a vasilha e conjuntos/pacotes de esqueletos humanos
foram depositados e cuidadosamente organizados em formato de meia lua ou
semicírculo.
Ao redor deste arranjo funerário, temos duas outras fossas que fazem parte da
estrutura, onde foram encontrados restos vegetais e faunísticos. Alguns deles claramente
expostos ao fogo e a presença de fragmentos cerâmicos decorados, indicando um
possíveis refugos de um consumo cerimonial relacionados à deposição funerária. Foi
constatado, como foi demonstrado, a presença de buracos de poste como que
delimitando as fossas, talvez demarcando a estrutura funerária/cerimonial.
303

Esta ideia é reforçada pela presença de outras estruturas negativas, que apesar de
diferentes morfologias possuem semelhanças nos conteúdos encerrados nas mesmas. As
estruturas 39, 40, 44 e 45 estão localizadas muito próximas da estrutura 42 e assim
como os setores 42B e 42C, possuem fragmentos esqueléticos com indícios de
exposição ao fogo, alguns dos quais pode-se identificar a fauna, carvões e cerâmicas
decoradas. Todas elas possuem igualmente buracos localizados dentro ou adjacente às
mesmas estruturas.
Visto que os conteúdos e o modo de disposição desses conteúdos é semelhante
em tais estruturas, o resultado da datação da estrutura 39 em torno de 200 anos mais
nova que a estrutura 42 nos coloca em frente a longa duração dessas práticas de
deposição cerimonial/funerária. O que é reforçado ao comparar outras três datações, as
das estruturas 1043 e 1059 datadas em torno de 1300, mais recentes que as datações
obtidas para a estrutura 42, e contemporâneas a da estrutura 39.
Como já expliquei a etnografia é uma ferramenta útil no sentido de nos
instrumentalizar com alguns elementos que podem nos auxiliar a pensar nos dados
obtidos pensados sempre como fontes de inspiração para algumas das possibilidades de
interpretação dos nossos dados, sempre em vista e com primazia às recorrências e
diferenças encontradas no registro arqueológico deste e outros sítios aqui apresentados.
Dito isto, recorro, neste caso, a um exemplo etnográfico em específico que pode
auxiliar no ato de pensar nos contextos funerários presente no sítio. Esta fonte
etnográfica diz respeito ao ritual do Kuarup (nome do ritual na língua Kamaiurá como
ficou mais conhecido) no alto Xingu.
Quanto a este ritual, já foram e continuam sendo produzidas diferentes
interpretações e abordagens antropológicas em suas mais variadas versões, entre: os
kuikuro, Ywalapiti, Waujá, etc. Embaso-me, aqui, nas descrições do ritual realizadas
por Heckenberger (1996), Junqueira e Vitti (2009), Isa (2015) e uma releitura do evento
cerimonial/funerário de Cristiana Barreto (2008), pois o conteúdo exposto abaixo trata
basicamente de cerimoniais observados entre os Kamaiurá.
O kuarup é uma cerimônia funerária de caráter interétnico, que envolve as
relações entre as aldeias, a classificação hierárquica nos grupos do Alto Xingu, a
iniciação das jovens e as homenagens prestadas aos mortos, marcando o final de uma
sequência de ritos iniciados após o falecimento de uma pessoa, o fim do luto dos
parentes, e, ao mesmo tempo, uma cerimônia de rememoração, que se faz do ato
304

primordial da criação da humanidade, obra da divindade mítica Mavutsinin


(JUNQUEIRA E VITTI, 2009).

" A fabricação primordial dos humanos, reza o mito foi realizada por
um demiurgo (Kwamuty, Mavutsinin), que, soprando fumaça de tabaco sobre
toras de madeira postas em um gabinete de reclusão, deu-lhes a vida: criou a
mãe dos gêmeos Sol e Lua, protótipos da humanidade atual. Ela foi a primeira
mortal, em cuja honra se celebrou a primeira festa dos mortos "
(VIVEIROS DE CASTRO, 1979, p. 43).

É sabido que os chefes ou líderes possuem tratamento funerário diferenciado das


pessoas “comuns”, cujos corpos são envoltos em uma rede e enterrados diretamente na
terra e recobertos por uma esteira (JUNQUEIRA; VITTI, 2009).
Para os líderes, chefes e descendentes de famílias de chefes, podem ocorrer duas
formas de enterramento, uma em posições fetal e em pé, em que o corpo envolto na rede
de dormir é atado a uma armação semelhante a uma escada, colocado na cova
verticalmente e com a face voltada para o leste. Ou, então, são abertas duas covas,
ligadas por um túnel, sendo a rede de dormir que envolve o corpo atada a dois postes
fincados em cada uma das covas, de modo que o corpo não encoste no chão.
Em ambos casos, faz-se uma câmara funerária, pois as bocas das covas são
tapadas com esteiras e panelas de cerâmica emborcadas em cima do corpo, por cima das
quais se põe a terra. Algum tempo após o sepultamento de um líder, aqueles que
prepararam o corpo e o depositaram na tumba erguem uma cerca baixa em torno da
sepultura com pequenos postes fincados, feitos da mesma madeira dos postes primevos
do Kuarup (JUNQUEIRA; VITTI, 2009).
O parente que deu a permissão para a construção da cerca se torna o responsável
pela organização da cerimônia e pelo fornecimento de alimento e de bebida para todos
os convidados, este se torna o “dono” do kuarup ou “dono” do morto. Parentes de
outros chefes ou líderes falecidos poderão ser chamados a se tornarem “donos”
secundários. Nestas ocasiões, parentes de falecidos “comuns” podem se juntar na
mesma cerimônia e celebrar seus mortos. Contudo, só existe um cercado, aquele que foi
erigido para o morto do primeiro convite.
Uma vez definido o dia para a realização da festa, troncos de madeira são
cortados para serem os duplos dos mortos na praça da aldeia, colocados um ao lado do
outro, de pé. Cada falecido homenageado é representado por uma seção de tronco de
cerca de dois metros e embutidos em buracos de 50 cm de fundo. Estas são enfeitadas
305

com adornos, alguns objetos do morto, decoradas com grafismos e pintadas de amarelo
e vermelho, com distinções que indicam a aldeia, as famílias e os clãs.
Alguns autores observam diferenças nos tratamentos dados aos troncos. Os dos
líderes, dos chefes e de seus descendentes teriam os troncos mais grossos e,
eventualmente, mais decorados e outras distinções, e os demais mortos, teriam os postes
ligeiramente mais finos e simples (JUNQUEIRA; VITTI, 2009).
Durante os festejos, há grande consumo de alimentos e de bebidas para os
convidados de fora da aldeia, circulação de bens e troca de presentes, incluindo uma
larga gama de objetos entre chefes e indivíduos da aldeia anfitriã e as dos convidados:
cintos, colares, diademas, potes e etc. que são produzidos exclusivamente para esta
finalidade (BARRETO, 2008, p. 58).
Um chefe, líder ou descente de família de chefes é celebrado apenas uma vez,
mas o momento em que ocorrerá essa comemoração pode variar, podendo demorar até
mesmo vinte anos após sua morte (BARRETO, 2008, p. 58).
A cerca que circundava a sepultura do chefe é retirada do pátio e a madeira é,
posteriormente, queimada e transformada em lenha para as fogueiras dos acampamentos
das aldeias convidadas.
A festa dos mortos termina na manhã seguinte. Quando surge a madrugada, os
fogos são apagados e as cinzas e carvões devem imperativamente ser enterrados, sob o
risco de as almas ficarem vagando pela aldeia (BARRETO, 2008, p. 58). Após
terminado o cerimonial funerário do Kuarup, iniciam outras cerimonias como a
nomeação dos meninos e a perfuração das orelhas, iniciação dos rapazes para a luta
corporal huka-huka, a apresentação das moça,s que estavam em reclusão pubertária à
comunidade, o tocar das flautas e a troca de presentes. Os postes do Kuarup continuam
no pátio da aldeia, sendo posteriormente arrancados e jogados em rio ou igarapé mais
próximo.
Por mais que exista essa distinção entre essas pessoas com status de
descendentes de famílias de chefes e pessoas comuns, evidenciadas no Kuarup, segundo
Junqueira e Vitti, (2009, p. 136), no dia a dia, não há diferenças expressivas.

Na vida diária há pouca diferença entre eles, pois maior prestígio não acarreta
privilégios materiais significativos e eventuais desníveis tendem a ser minorados
pela redistribuição de bens, pela prática da dádiva. Mas é na esfera cerimonial
que a diferença entre uns e outros se torna bastante visível, marcando a
distância que os separa. Por ocasião da morte, por exemplo, apenas os
306

morerekwat e as nuitu110 têm direito à realização do Kwaryp, os demais podem


aproveitar a festa para homenagear seus mortos. Mas não havendo o
falecimento de um morerekwat ou uma nuitu, não há possibilidade de ocorrer a
cerimônia do Kwaryp. (JUNQUEIRA; VITTI, 2009, p. 136).

O material xinguano referente ao kuarup, apesar de não conter sepultamentos


secundários, é incrivelmente rico e achei necessário me estender um pouco sobre alguns
detalhes, que servem de inspiração ao estudo de caso do sítio Curiaú Mirim I, entre eles
podemos citar:
O sepultamento no Alto Xingu é marcado no espaço, em uma área aberta, mais
afastada das casas, mais especificamente no centro da aldeia. Podemos supor que de
modo semelhante na estrutura 42 e talvez as estruturas adjacentes (39, 40, 44 e 45)
troncos ficassem marcando o local dos sepultamentos indefinidamente.
Como já explanado temos buracos de poste dentro da estrutura 42, que poderiam
justamente ter esses postes identificado os sepultamentos e assim demarcando em um
espaço aberto da aldeia o arranjo funerário (figura 162).

Figura 162: E se os buracos de poste fossem os negativos de uma espécie de estela? Na imagem sugestiva acima
temos uma ideia de como poderiam ser os marcadores no espaço quanto aos ancestrais e familiares ali
enterrados e lembrados durante cerimoniais. Arte: Tami.

110
Os Morerekwat e as Nuitu são, respectivamente, os descentes de famílias de chefes do sexo
masculino e feminino.
307

Do mesmo modo, apesar de claras diferenças, a estrutura 1043 também teria um


identificador/marcador em um espaço da aldeia igualmente aberto, no caso seria
marcado por uma coroa de rochas lateríticas de granulometria bloco/calhau (rochas de
10 a 15 cm de diâmetro), de certa forma semelhante ao sítio AP-MA-05, no Campus da
UNIFAP, em Macapá, onde temos igualmente concentrações de carapaças de lateritas,
possivelmente marcando as urnas funerárias no espaço escavado daquele sítio111. Estas
concentrações de lateritas não aparecem em todo o sítio. Deste modo, ficou evidente a
intencionalidade em demarcar o sepultamento (figura 163).

Figura 163: Imagem ilustrativa do evento de deposição funeráraria no poço com câmara lateral.
Provavelmente após posicionarem a urna, os potes e tigela, o interior era preenchido com o sedimento escuro e
em seguida demarcado com as lateritas.

111
Semelhante a esta ocorrência no sítio Curiaú Mirim I, temos a estrutura 1002 que é formada pela
concentração de fragmentos cerâmicos e vasilha cerâmica fragmentada depositada em uma fossa, cujo
interior continha um buraco de poste no centro da mesma, onde se notou nesta estrutura, junto à
superfície da mesma, uma espécie de coroa de lateritas, no que se pode inferir se tratar de algum
marcador desta deposição.
308

Igualmente, pode-se pensar na estrutura 1059, na qual encontramos três


deposições de urnas/vasilhas (como por exemplo a estrutura 1049 – ver mapa/planta
baixa do sítio) adjacentes à porção sul desta estrutura funerária, que poderiam ter
servido de deposições votivas relacionadas ao poço funerário, e/ou em pelo menos uma
delas se tratar de deposição funerária (estrutura 1049). De qualquer forma não se
descarta a possibilidade de que estes fossem marcos para indicar a presença das urnas
funerárias presentes no poço funerário. Uma forma de elucidar essa questão seria datar
cada uma das deposições adjacentes à estrutura 1059.
Como vimos paro os Xinguanos, o demiurgo Mawutinin construiu corpos
humanos transformando toras de madeira em seres humanos. Os troncos do Kuarup são
duplos dos mortos, cuidadosamente confeccionados a partir desta madeira primeva.
Estes troncos cortados são tratados como pessoas, identificados e simbolizados pelos
vivos que o pintam e adornam, inclusive, com as coisas e objetos pessoais do morto e
oferendas de comida e de bebida depositados à frente do seu duplo.
É muito comum também armarem esteios com cobertura/teto que protegerem os
postes do kuarup das intempéries do frio, do sol, das chuvas e, às vezes, das barreiras
para o vento.
Barreto (2008, p. 65) levanta a questão se as urnas funerárias manufaturadas
pelos ameríndios da antiga Amazônia teriam desempenhado papeis semelhantes aos
postes do Kuarup.

Este momento de “materialização” dos ancestrais ou de tornar


visíveis as almas dos falecidos através de um objeto ou figura, proporcionado
pelos postes decorados, é o que aqui nos interessa focar na medida em que se
podem estabelecer paralelos com as urnas funerárias e a produção de figuras
antropomorfas em contextos funerários arqueológicos em geral. É importante,
portanto, entendermos como se dá a fabricação dos postes memoriais e como
eles agem enquanto foco principal da cerimônia do Kuarup (BARRETO,
2008, p. 59).

Desse modo, podemos nos indagar até que ponto seriam as urnas os “corpos”
dos mortos, não representados, mas os duplos dos mortos depositados e homenageados.
No caso do sítio Curiaú Mirim I, na estrutura 42, a urna antropomorfa foi
cuidadosamente confeccionada. Não preciso entrar nas minúcias quanto à identidade do
indivíduo enquanto era vivo e nem como foi simbolizado referente aos detalhes da urna
antropomorfa que o acompanhava. Podemos nos ater no fato de que a urna
antropomorfa fosse agora o corpo simbolizado pelos vivos e que a partir dela foram
309

arranjadas as outras urnas e ossadas, guiando a organização espacial da própria estrutura


funerária.
Há diferenças entre as três urnas funerárias: uma antropomorfa com deposição
secundária de um homem por volta dos 24 anos, uma urna lisa e globular com
deposição secundária de uma mulher também por volta dos 24 anos e um bebê ou
criança pequena, e uma urna globular com gomos ou panças com deposição secundária
de um bebê e uma criança pequena.
Na frente da urna antropomorfa, foi depositada uma vasilha, cujo interior
continha uma tigela, talvez fosse um acompanhamento externo, como uma oferenda ou
algum pertence do morto.
Na urna globular com panças (urna A), que encerrava os restos esqueléticos de
um infante e uma criança pequena, estava tampada com uma tigela emborcada, sem
marcas de uso. Esta vasilha possuía uma faixa amarela horizontal pintada sobre engobo
branco, próximo à borda na superfície externa. Seriam alguma forma de identificar uma
família ou clã? Do mesmo modo, a superfície interior do corpo da tigela possui pintura
de grafismos de coloração preta sobre engobo branco. Podemos nos indagar ainda do
porque este bebê e criança foram depositados dessa maneira, sozinhos e não colocados
juntamente a um indivíduo adulto como vemos em outros casos neste mesmo sítio
(correlato com outros contextos já aqui descritos para a foz do Amazonas e Guianas).
A urna B é uma urna globular lisa, com uma tigela carenada emborcada,
servindo de tampa, ambas sem decoração, que era o envoltório e acompanhamento dos
restos esqueléticos de uma mulher e uma criança. Porém, nada impede que objetos ou
ornamentos perecíveis tivessem sido colocados em volta da urna, dando identidade aos
indivíduos encerrados na urna.
A primeira vista existe, claramente, tratamento diferenciado entre estes
indivíduos dentro das urnas e as ossadas, isto é, os indivíduos que foram depositados
fora de urnas funerárias, talvez envoltos em redes ou alguma esteira, sendo que dois
deles são claramente deposições secundárias e, em um deles (conjunto 3), há dúvidas se
é primário ou secundário, e de qualquer forma a disposição dos ossos é diferente
daquela dos outros dois conjuntos.
Esta diferença se deve ao status das mesmas dentro da sociedade? Como
colocado no exemplo do Xingu esse status poderia ser manifestado somente em
310

ocasiões cerimoniais e não necessariamente no cotidiano. Afinal, os vivos é que


simbolizam os mortos.
Pode-se propor a possibilidade de haver uma divisão entre gêneros. Percebe-se
na estrutura 42A uma divisão entre indivíduos do sexo masculino posicionados ao oeste,
e indivíduos do sexo feminino e infantes e crianças posicionados ao leste. Dentro desse
contexto, percebe-se pelo posicionamento das extremidades dos ossos longos das
ossadas dos indivíduos depositados diretamente no solo e da face da urna antropomorfa
direcionados ao norte, de modo que formem um formato de meia lua ou ferradura aberta
ao norte.
Apesar dessas diferenças observadas nos gestos funerários, ainda assim todos
foram arranjados juntos e depositados desta forma pelos que organizaram a
festa/cerimônia. Talvez nem todos os mortos pertencessem a esta aldeia. Talvez os três
indivíduos sem urna possuíssem um status menor que os que foram depositados nas
urnas, ainda assim todos tiveram sua “participação” e provavelmente um papel social
definido na cerimônia (figura 164).
Apesar de claras diferenças, a presença de sepultamentos diretos no solo junto a
urnas funerárias foi registrado em sepultamentos da fase Aristé na costa atlântica do
Amapá. Como citado no capítulo 1, no sítio AP-CA-38, um sítio cerimonial/funerário
com megalitos e sepultamentos em poços com câmara lateral, temos casos de
enterramentos diretos no solo, depositados em poços, lado a lado. Há poços com urnas
funerárias e, em pelo menos uma câmara de um desses poços, foram identificados
sepultamentos diretos no solo, ao lado de urnas funerárias, sob o mesmo poço
(CABRAL; SALDANHA, 2013).
311

Figura 164: Imagem ilustrativa da deposição das urnas e pacotes ósseos em uma fossa rasa. Arte: Tammi.

Outra indagação, quando olhamos os sepultamentos aqui estudados, tem a ver


com quais seriam os motivos e significados de ser enterrado em uma urna cerâmica, seja
ela lisa ou antropomorfa, e o que teria significado ser enterrado fora de um invólucro de
cerâmica.
Existem exemplos arqueológicos semelhantes, que mostram diferentes gestos
dispensados aos indivíduos diferentes enterrados no mesmo local, como no monte
Guajará em Marajó, onde Meggers e Evans (1957) identificaram um conjunto de urnas
funerárias, das quais identificaram um mesmo evento de deposição das urnas L, M e N,
respectivamente; uma urna Marajoara policroma com tampa, flanqueada por duas urnas
lisas, tampadas, com vasilha emborcada, e outra por vasilha não emborcada. A urna
decorada continha os restos esqueléticos de um adulto jovem com ossos longos gráceis
com algumas marcas de pintura vermelha e associada a uma tanga lisa vermelha.
Quanto às duas outras urnas, a N continha ossos desintegrados não identificados,
e a M continha restos esqueléticos de dois indivíduos, todos eles completamente
pintados de pigmento vermelho. Junto à base dessa urna foram identificados os restos
esqueléticos humanos de um individuo feminino de 18 a 25 anos, acima destes foram
identificados ossos de roedores e de aves encimados por ossos de um indivíduo
masculino adulto, com idade ao final dos 20 anos, cujo crânio também associado a uma
tanga vermelha e deformação craniana intencional (MEGGERS; EVANS, 1957).
312

Semelhante ao caso da estrutura 42 do sítio Curiaú Mirim I temos também neste


caso a individualização do morto dentro da urna mais decorada e central, e pelo menos
uma das urnas lisas temos no mínimo dois indivíduos nela encerrados, porém o
tratamento dispensado aos restos esqueléticos também é diferenciado, com a aplicação
de pigmento vermelho nos ossos e presença de acompanhamentos, sejam de fauna seja
da tanga pintada de vermelho. Mas a questão principal , e semelhante ao que temos no
Curiaú, é que todos foram enterrados no mesmo local e pelo que os dados sugerem em
um mesmo evento.
Podemos ainda sugerir, tomando como base exemplos etnográficos (como o
kuarup aqui exposto) e inferências de registros arqueológicos (como o caso do sítio
Guajará, na ilha de Marajó, exposto acima) que durante o que pode ser uma cerimônia
fúnebre de culto aos ancestrais ocorreria uma reafirmação da coesão social, onde se
estabeleceria um equilíbrio entre os vivos e os ancestrais mortos e uma alegoria com a
materialização simbólica e cerimonial de uma possível estrutura hierárquica.
No grande evento cerimonial que caracteriza o kuarup ocorre o consumo de
grandes quantidades de alimentos e bebidas que são socializados entre os convidados de
outras aldeias. Provavelmente algo parecido ocorreu próximo aos sepultamentos onde
parece ter havido consumo cerimonial durante um evento, o que pode-se evidenciar
pelas características já citadas nas estruturas 42 B e 42 C.
Como vimos anteriormente, há outras estruturas, 39, 40, 44 e 45. Por enquanto
só temos duas datações para duas dessas estruturas. Desse modo, foi visto que a
estrutura 42 parece ser mais de um século mais antiga que a estrutura 39, porém a
estrutura 39 tem características semelhantes (com as estruturas 40, 44, 45 e 42B e 42C)
às demais estruturas descritas, podendo significar uma continuidade de um culto aos
ancestrais enterrados em solo sagrado, onde se estaria homenageando os mortos
ancestrais.
No espaço aberto da antiga aldeia seria feito o consumo de comidas e bebidas
durante a cerimônia, onde comeriam uma variedade de espécies de animais, inclusive
uma espécie de concha que possivelmente não se encontrava nesta região, somente
próximo a costa atlântica, como e o caso da neritina zebra da estrutura 39112.
Esta questão só será melhor clarificada quando forem datadas as outras
estruturas (40, 44 e 45) adjacentes, que estão muito próximas uma das outras, sem

112
A espécie neritina zebra foi encontrada igualmente na estrutura 1052.
313

parecer se sobrepor uma à outra, reforçando a ideia de marcos em um espaço aberto


nesta aldeia.
No setor norte (escavado em 2014) da área escavada do sítio, não foram
identificadas deposições de refugos de consumo cerimonial próximas aos dois poços
funerários que forneceram datações mais de cem anos mais recentes que a estrutura 42.
Porém, como dito anteriormente, a estrutura 39 é praticamente contemporânea às
estruturas 1043 e 1059.
Os gestos funerários e conteúdos dos poços funerários 1043 e 1059 são
diferentes da estrutura 42. No entanto, ainda há semelhanças, pelo fato de que em todas
ocorreram deposições secundárias, presença de urnas funerárias e alguns tratamentos
dados aos corpos dos indivíduos, que também são semelhantes, por exemplo: a pintura
dos corpos esqueletizados de ocre, extraído provavelmente de hematita.
Outra semelhança é fato de em ambos os casos conterem pelo menos uma urna
com MNI de um único indivíduo depositado e também enterramentos de crianças e
bebês junto a adultos dentro de uma mesma urna, da mesma estrutura ou depositados
lado a lado no mesmo arranjo funerário, neste último caso da representatividade da
idade pode-se propor também a possibilidade de enterramentos de indivíduos muito
próximos socialmente, talvez com vínculos familiares.
No caso específico das estruturas 1043 e pelo menos a câmara A e C da estrutura
1059, temos mais de um indivíduo depositado, onde muitos ossos estão faltando113, o
que poderia condizer uma prática difundida entre povos ameríndios segundo constam
fontes etnográficas, algumas das quais já citei acima, que é a de colocar os ossos dos
parentes e familiares no telhado das casas até ser dado o destino final para os mesmos
(figura 162), como entre os os Palikur (tronco linguístico Arawak) do rio Oiapoque por
exemplo, onde em existe o relatos tratamento dado ao corpo onde o esqueleto era
preparado por cozimento, defumação ou putrefação e depois colocado numa urna e
conservado junto com a família (GRENAND; GRENAND, 1987).
Outro exemplo é entre os Kayapó Xikrin (tronco Macro-Jê), do interfluvio
Tocantins-Xingu, que segundo Ribeiro (2002) ocorre o desenterramento ocasional dos
esqueletos, que são lavados e pintados de urucum, para em seguida serem todos os
ossos de uma família reunidos.

113
Nesse caso, exclui-se o indivíduo perinato, que parece estar muito bem representado quanto aos
elementos esqueléticos presentes, o que não é comum, e poderia indicar um sepultamento primário.
314

O ato de preservar os ossos de parentes dentro dos telhados, como sugiro que
pode ter ocorrido neste sítio, pode reforçar a ideia de veneração aos ancestrais.
Há outras questões interessantes que a descrição etnográfica do kuarup nos
serve. Uma delas é o enterramento das fogueiras que terminaria a agência dos postes
(BARRETO, 2008, p. 64). Substituindo os postes dos kuarup decorados pelas urnas é
plausível propor que os carvões que vemos nas ditas estruturas negativas 39, 40, 42B,
42C, 44 e 45 viriam de consumos rituais junto às fogueiras acesas durante cerimonias
que teriam como palco central a estrutura 42A, porém estas festas e outras atividades
estariam ocorrendo no mesmo lugar ao longo de mais de 100 anos.
A deposição dos vestígios de consumos cerimoniais ou consumos nos
cerimoniais, de acordo com Klokler (2012), é comum de serem encontradas próxima às
áreas de sepultamento, cobrindo sepulturas ou ao redor dos mortos, nem sempre são
fáceis de serem observados no registro arqueológico, em contextos domésticos e
observações de estruturas arquitetônicas não são tão óbvias.

Em casos de festins com menor elaboração arquitetônica, ou de


escala menor (dentro de contextos domésticos) a detecção fica
dificultada porém, a utilização de diversas linhas de evidência pode
ajudar na caracterização. O contexto de preparação, ocasião
celebrada, deposição de materiais e suas características são alguns
dos indicadores que arqueólogos podem fazer uso para identificação
de banquetes (KLOKLER, 2012, p. 90).

Sabe-se também que existem problemas de conservação de restos faunísticos


em solos lateríticos, que tendem a ter um ph considerado ácido, não impedindo que se
possam ser reconhecidos e inferidos dentro das estruturas contextualizadas.
Em cada uma dessas fossas, pode-se propor que seriam destruídas, escondidas da
vista e da circulação das pessoas os restos de fogueiras e restos faunísticos, depositadas
de formas similares, parecendo indicar um modo de fazer próprio, de modo que os
gestos de deposição dessas estruturas são semelhantes e também localizadas muito
proximais uma das outras e da estrutura 42A. Essas estruturas além de possuírem
performances de deposição e conteúdos relativamente semelhantes, podem estar
relacionadas aos consumos rituais, inseridos no contexto do sepultamento (figura 165).
315

Figura 165: No segundo plano vemos que junto ao sepultamento são acesas fogueiras, onde ocorre o consumo
cerimonial de bebidas e comidas, todas parte de um único evento e que serão enterrados após o termino da
cerimônia. Em detalhe temos no centro da imagem um crânio sendo tingido de vermelho. No primeiro plano
temos as casas muito próximas onde vislumbra-se uma vasilha com ossos de parentes depositados próximo aos
telhados. Arte: Tami

Indagando-se sobre esta questão, Saldanha et al (2016) pensa que a cerâmica


Marajoara poderia talvez estar relacionada a festins de acompanhamento aos
sepultamentos. Do mesmo modo, no espaço do sítio, parecem ter ocorrido, em outros
setores, gestos repetidos e conteúdos muito similares, o que nos faz lembrar que
devemos prestar atenção nos conteúdos e gestos de deposição nessas estruturas
negativas, o que quer dizer que não devemos privilegiar a morfologia das estruturas,
sujeitas às transformações naturais e transformações culturais (SCHIFFER, 1987) em
detrimento dessas características e sim observarmos este conjunto de informações
devidamente contextualizados (LIMA et al, 2014).
Esses gestos de deposição dos conteúdos encontrados nas fossas e nos poços
parecem regidas por regras culturais. Por sua vez, tais regras culturais estão por trás das
práticas culturais, entre elas os gestos de deposição (THOMAS, 1999), que podem se
tornar perceptíveis através de “ações repetitivas formalizadas que podem ser detectadas
arqueologicamente através de um modo altamente estruturado de deposição" (Thomas,
316

2012)114, levando-nos a pensar nos espaços deste sítio como sendo caracterizados pelas
formas específicas de deposição dos conteúdos nessas estruturas, sejam elas
especificamente cerimoniais/funerárias, sejam elas relacionadas aos depósitos de outra
natureza.
A estrutura 1052 (que foi datada) e pelo menos outras seis estruturas tipo fossa
possuem buracos de poste no interior das mesmas, porém estão afastadas mais de seis
metros dos poços funerários 1043 e 1059 e estão em áreas onde, comparativamente, há
maior concentração de buracos de poste. Portanto, estas estruturas podem ter sido
originadas de outras atividades, talvez nem mesmo intencionais, sendo palimpsestos de
diversas atividades neste mesmo espaço ao longo do tempo, talvez atividades
cotidianas, o que não quer dizer que atividades cotidianas estejam separadas da esfera
cerimonial, somente parecem diferentes daquelas descritas junto a estrutura 42.
Enquanto na porção 42A há uma clara deposição funerária com arranjo de urnas
funerárias contendo esqueletos humanos e ossadas humanas depositadas diretamente no
solo (talvez existisse algum invólucro, como uma rede).
Teríamos pelo menos três possíveis modalidades de práticas funerárias no sítio,
nos dois primeiros tipos encontramos esqueletos humanos intencionalmente depositados
e cuidadosamente arranjados em demonstrações claras de sepultamentos com vestígios
diretos de restos humanos.
Uma delas formada pela estrutura 42, onde temos um arranjo funerário com
deposição de urnas e esqueletos depositados, aparentemente, direto no chão em uma
fossa escavada, no solo laterítico de 30 cm a 90 cm de profundidade por 7 m diâmetro
máximo.
O segundo tipo é representado pelas estrutura 1043 e 1059 com sepultamentos
em poços com câmara lateral, escavados no latossolo, medindo 1,5 a 2 metros de
profundidade e com abertura de 2,4 a 3,7 m de diâmetro, com deposições secundárias de
esqueletos humanos em urnas.
E outras que podemos pelo menos supor, apesar da ausência de vestígios
esqueléticos diretos ou impossibilidade de identificação de restos esqueléticos, que se
tratem possivelmente de sepultamentos, dada a forma da estrutura, conteúdos e gestos
de deposição, como a estrutura 33, 1001 e 1049, que se assemelham por conterem
deposições de urnas com vasilhas emborcadas ou não servindo de tampas e em pelo

114
O que caracterizaria uma “deposição estruturada” (THOMAS, 2012).
317

menos duas delas antropomorfas e em todos os casos elementos antropomorfos


associados. Não é excluída a possibilidade de sepultamento secundário, nos quais os
ossos não se preservaram.
Exemplos de contextos funerários, como especificado no capítulo I, são muito
variados, se recordarmos alguns contextos para a Guiana Francesa, a exemplo do sítio
AM 41(localizada ao norte do sítio habitação Sable Blanc), onde apesar de não haver
vestígios diretos de sepultamentos com esqueletos humanos foi interpretado como
funerário, ao observar o local das deposições, os gestos de deposição das vasilhas, seus
respectivos conteúdos e a morfologia das estruturas (VAN DEN BEL, 2009; 2015).
Deve-se lembrar também que, além de fatores tafonômicos pós deposicionais, há ainda
que se considerar outros fatores, que dizem respeito à ação humana, ligados às práticas
culturais.
Do mesmo modo, é bom levar em consideração alguns exemplos etnográficos,
que atestam essas possíveis práticas, que servem para pensar no caso do Curiaú Mirim I,
não apenas nas fossas e deposições de urnas e vasilhas, mas em negativos de esteios.
Como primeiro exemplo, cito uma prática funerária entre os Yanomami, na Venezuela
(RAMALHO, 2002), onde um informante Yanomami relatou o costume de elevar o
corpo em um jirau bem alto e com madeiras finas para evitar animais, onde o corpo
seria colocado dentro de um cesto de fibra vegetal e fechado.
Passado algum tempo, os ossos eram separados dos líquidos corporais em outro
cesto, para então ser queimado e utilizado para ingestão ritual após ser macerado e
consumido, misturado a um mingau (RAMALHO, 2002). O que fariam com o resto que
não foi comido? Dessa forma, alguns dos fragmentos esqueléticos (não identificados
devido ao tamanho diminuto, não possuírem forma ou pulverizados) encontrados no
sítio em algumas estruturas não descartam essas possibilidades, dado o contexto do sítio
com evidências de sepultamentos junto às áreas domésticas, ou pelo menos deposições
ligadas a eventos cerimoniais como ritos de passagem de outra natureza, talvez com
alguma ligação aos próprios sepultamentos e ao culto aos ancestrais.
Outras estruturas estão mais afastadas da estrutura 42 e apesar de próximas aos
buracos de poste, aparentemente não estavam interrompidas por concentrações dos
mesmos. Se observarmos as estruturas 12 e 60, temos deposições de vasilhas em que
foram encontrados fragmentos ósseos esbranquiçados, alguns com indícios de
exposição ao fogo e outros claramente calcinados.
318

Penso que essas duas estruturas podem se tratar de deposições cerimoniais,


devido ao ato provavelmente intencional, caracterizando um gesto de deposição, que é
também recorrente em outros sítios, como as fossas interpretadas por Van den Bel
(2007, 2010), para o sítio Crique Sparouine, onde categoriza três tipos de fossas com
deposições de vasilhas ou urnas que pelos gestos de deposição, conteúdo e localização
espacial das mesmas. Apesar da ausência de evidências diretas de sepultamentos, o
autor não descarta essa possibilidade, onde enxerga que tais estruturas seriam
cerimoniais, ligadas aos ritos de passagem.
Estas e outras estruturas apesar de não terem sido o foco das minhas análises
podem indicar gestos de deposição diferentes que parecem apontar para uma
estruturação e regra cultural diferenciada por trás dessas deposições e refugos de outra
natureza.
Ao seguir os vestígios e interpretar o que as evidências parecem apontar, neste
sítio ou nesta possível antiga aldeia, penso que os gestos funerários podem variar de
acordo com o gênero, idade e papeis sociais, que estas pessoas desempenharam na
comunidade e como o morto, em questão, era percebido pela comunidade e como teria
sido sentido pelos que presenciaram e realizaram as cerimônias fúnebres, isto é, como
os mortos foram simbolizados pelos vivos.
Como demonstrei acima, procuro não polarizar morte e vida no corpo e não
transpor nossa visão ocidental de indivíduos atomizados com agência. Sigo, então, a
proposta em que o corpo deve ser lido como um tipo especial de cultura material e
contextualizado à luz da noção de pessoa e corporalidade ameríndia.
A noção de que o corpo é construído e submetido às transformações, às
imposições e aos regramentos encontra terreno fértil nas cosmologias ameríndias, onde
o último suspiro/cessação das funções fisiológicas não é o fim, onde o morto pode afetar
os vivos e onde os vivos celebram os mortos, de certa forma também transformando-os
e transformando a comunidade vivente dentro dessa mesma lógica.
Temos uma diferença aparente nas práticas funerárias registradas em alguns
relatos etnográficos do século XVIII AD em diante, onde, segundo aponta
Chaumeil(2007), parece ser difundida uma ideia de erradicação do morto, e posterior
esquecimento em uma relação de alteridade115 entre os vivos e os mortos.

115
Na verdade, o próprio autor (CHAUMEIL, 2007) demonstra que mesmo essa relação de alteridade não
é assim tão simples de ser entendida.
319

Vemos que o registro arqueológico, como observamos, não apenas do sítio em


questão, mas em boa parte dos sítios aqui revisados (a maioria por volta do ano 1000
AD), não parece apontar para um esquecimento ou distanciamento e alteridade em
relação aos mortos.
E se formos pensar em outros relatos etnohistóricos, encontramos algumas
semelhanças com o que muitos sítios com sepultamentos, seja dentro da aldeia ou um
cemitério propriamente dito, de o que parece ser um culto aos ancestrais, presente
também nas cosmologias de algumas comunidades ameríndias atuais. Além disso, a
etnografia amazônica também aponta para práticas funerárias diferenciadas para certos
indivíduos nas comunidades indígenas, como chefes e xamãs, por exemplo.
O costume de enterrar em urnas, apesar de muito difundido no registro
arqueológico, na foz do Amazonas e nas Guianas, próximo ao segundo milênio da era
cristã, certamente não era regra, como atestam alguns sepultamentos no baixo
Amazonas e Amazônia central, como algumas ocorrências em sítios com cerâmica
Tapajônica, e o sítio Hatahara com a cerâmica Guarita (como já foi apresentado
anteriormente), ambas cronologicamente próximas ao ano 1000. Tais exemplos,
principalmente o segundo, são raros de se encontrar no registro arqueológico na
Amazônia. Muita das práticas funerárias poderiam muito bem serem desta forma, com
enterramentos direto no solo e/ou consumo ritual da carne como entre os Wari (Villaça,
1998) . Entre os Wari, Aparecida Vilaça (1998) comenta que após o consumo da carne,
era comum comerem os ossos queimados e tudo o que sobrou do funeral, pulverizados e
misturados em mel.
Pelo que parece, os parentes decidem o momento de acabar o funeral,
mesmo que ainda reste algo da carne do morto. Decidem também o destino
dos ossos: serão queimados juntamente com o que sobrou da carne e todos
os vestígios do funeral, como esteiras, panelas e o próprio moquém, ou serão
parcialmente ingeridos pelos não-parentes, depois de torrados, pulverizados,
peinerados e misturados em mel (VILLAÇA, 1998, p. 22).

Quanto ao destino de alguns ossos que sobrassem entre os Wari, Villaça (1998)
relata que podem sim de fato serem enterrados, isso depende pelo que parece da vontade
dos parentes e talvez destino dado aos mais idosos e crianças.
Temos ainda os moídos em um mingau, no caso dos Yanomami (RAMALHO,
2002), cujos restos deste ritual, dependo das condições pós deposicionais, podem
resistir até o registro dos mesmos pelos arqueólogos.
320

O que fica evidente nos sepultamentos aqui apresentados e que se sobressai em


relação a outros é “uma prática reservada a determinados indivíduos, que poderiam ser
aqueles com papeis sociais individualmente diferenciados (como o chefe ou o xamã)”
(Barreto, 2008, p. 100) e famílias ou clãs, representado é claro pela deposição das urnas
na estrutura 42, num contexto claramente arranjado, onde o personagem central é o
indivíduo encerrado dentro da urna antropomorfa, ornamentada com braceletes,
tornozeleiras, lobos das orelhas furados, diadema e banco retangular, diferindo dos
outros enterrados ou em urnas lisas (urnas A e B da estrutura 42; urnas da estrutura
1043 e 1059), com algum tipo de decoração (urna A da estrutura 42 e urna A da
estrutura 1059) ou então sem recipiente cerâmico, como é o caso dos conjuntos 1, 2 e 3
(da estrutura 42).

Voltando às urnas cerâmicas, temos também que considerar de início


a escolha em se preservar os restos mortais neste tipo de recipiente, muitos
deles correspondendo a elaboradas peças de grande porte, testemunhando
uma grande dedicação artesanal e domínio técnico na sua confecção. A
escolha deste tipo de recipiente demonstra não só a intenção de preservação
dos ossos ali depositados, mas também da durabilidade e visibilidade deste
novo “invólucro” ou “roupagem” construída para os mortos, com a
intenção de imprimir forma e imagem a sua nova identidade, que passa, nas
urnas, sobretudo por meio da percepção visual (BARRETO, 2008, p.
69).

Segundo ilustra Eduardo Viveiros de Castro (2006, p. 77), ao se referir aos


Yawalapiti, a fabricação do corpo entre os mesmos é realizada no âmbito privado e
secreto, feito dentro da casa ou fora da aldeia, como exemplificado pelas iniciações
pubertárias, iniciações xamânicas, construção da criança no ventre da mãe, restrições
alimentares, etc.
Ao passo que a exibição do corpo é o momento de usá-lo como uma tela para
exibir seu status relativos ao sexo, gênero, idade e papel cerimonial, que caracteriza a
vida pública, do pátio da aldeia e do contexto cerimonial (VIVEIROS DE CASTRO,
2006, p. 77).
Deste modo, o corpo aqui é individualizado, pelo menos no que diz respeito ao
homem representado na urna antropomorfa. Ele é celebrado junto aos outros indivíduos
que o acompanham, talvez pertencessem a uma mesma família ou clã, que na ocasião da
morte de um deles tenham sido reunidos os restos esqueléticos de cada membro desta
321

família, ou seriam descendentes de alguma linhagem, que fossem simbolizados pelos


vivos de modo diferente a outros mortos.
Os restos esqueléticos dessas pessoas seriam depositados dentro de uma fossa
rasa e arranjados da forma em que encontramos, formando uma espécie de meia lua e
apenas superficialmente enterrados.
Na estrutura 42, recuando mais de 100 anos dos sepultamentos mencionados
acima, como já visto temos o arranjo de três urnas e uma vasilha junto a três conjuntos
de esqueleto. O indivíduo depositado na urna antropomorfa é o único que parece ter um
acompanhamento externo, uma vasilha posicionada à sua frente. Porém, poderíamos
argumentar se os outros indivíduos depositados não estariam acompanhando o
indivíduo da urna antropomorfa. Isto é, os outros indivíduos seriam reunidos no mesmo
local em decorrência de um cerimonial fúnebre relacionado ao individuo da urna
antropomorfa. Isto [e, os outros indivíduos sepultados seriam todos reunidos no mesmo
local em decorrência de um cerimonial fúnebre relacionado ao indivíduo da urna
antropomorfa.
Contatou-se ainda que das sete urnas funerárias escavadas, foram contabilizados
a presença de mais de um indivíduo, em cinco delas. Apenas o indivíduo da urna
antropomorfa Caviana da estrutura 42 é individualizado neste arranjo funerário, seguido
dos três conjuntos de esqueletos humanos também individualizados, sem nenhum
invólucro, pelo menos não perecível116, que os envolvesse. Passado 200 anos, temos
novamente um único indivíduo dentro da urna da câmara B da estrutura 1059.
O que essa diferença nos sepultamentos significa? Como já apontado acima, ao
meu ver existe uma semelhança persistente, que é a localização de sepultamentos (me
refiro somente aos vestígios diretos de esqueletos humanos), em contextos domésticos,
que pode ser uma evidência de túmulos ancestrais, sendo continuamente habitados e
repetidamente usados como cemitérios. O que reforçaria uma ideia de memória social,
onde as pessoas reconstroem suas casas junto aos mesmos locais em que enterram seus
mortos ao longo de vários séculos (HOOGLAND; HOFMAN, 2013, p. 463). Tal ideia é
reforçada pelas outras possíveis evidências de sepultamentos e depósitos cerimoniais,
tanto na área da primeira quanto da segunda campanha.

116
Não foi encontrado nenhum indício de cestaria ou mudança realmente clara no sedimento para afirmar
que estivessem envoltos por algum tipo de fibra vegetal
322

A aproximação, entre o local de deposição das urnas e as casas, demonstraria a


necessidade da proximidade com os mortos, que seria uma metáfora para proximidade
cosmológica e talvez uma necessidade de legitimação social de uma linhagem (Schaan,
2003).
Entre os Nambiquara do Mato Grosso e Rondônia, segundo David Price (apud
MILLER, 2007, p. 27), o centro da aldeia é o local onde são enterrados os mortos, e,
desse modo, as aldeias são lembradas pelo fato de haver gente enterrada nelas.Para eles,
as aldeias antigas são locais onde residem seus ancestrais, não sendo definidas por suas
casas, mas pelas sepulturas. Assim, as aldeias dos Nambiquara são, sobretudo, aldeias
dos mortos (MILLER, 2007, p. 27).
Ao vermos a arquitetura efêmera das possíveis casas117 com as nuvens de
buracos de postes e áreas aberta onde são enterrados os mortos e provavelmente
marcados no espaço do sítio Curiaú Mirim I, podemos imaginar que talvez o que
perdurava na memória dos vivos seriam os mortos lá enterrados.

4.4 O MOBILIÁRIO FUNERÁRIO: A FLUIDEZ ENTRE AS


COISAS E AS PESSOAS
É importante nos indagarmos quanto aos acompanhamentos e além de
pensarmos no que estes podem dizer sobre as pessoas sepultadas, pensarmos sobre
como os vivos viam os mortos.
Como expus no capítulo anterior, pudemos observar uma grande quantidade e
qualidade considerável de acompanhamentos funerários.
As contas de crinoides fósseis descritos anteriormente vieram do Alto Tapajós.
Não encontrei até o momento relatos de que estas contas já foram encontradas em
outros contextos arqueológicos na Amazônia, ou mesmo da América do Sul.
Sabe-se, porém, que ocorrências dos crinoides utilizados como contas de colar já
vem sendo registrados para sítios arqueológicos, como os sítios pré-coloniais de

117
Um possível contexto doméstico é inferido pelos buracos de poste e associação à terra preta, ainda
assim, devido ao carater de palimpsesto da arqueologia, reconhece-se que muitos desses buracos de
poste fossem relacionados a outros tipos de estruturas, se formos considerar também algumas
inferências da etnografia ameríndia, podendo ter outras funções, diretamente relacionadas ou não aos
sepultamentos ou possuindo algum caráter cerimonial associadas talvez a ritos de passagem por
exemplo.
323

Cahokia, no sudeste dos Estados Unidos (EMERSON, 1997), e associado a cultura


Mimbres do sudoeste dos Estados Unidos (BARRETT; SHANNON, 2001)118.
Voltando ao contexto amazônico, apesar de não termos referências ao uso de
crinoides fósseis (contas), temos por outro lado contas feitas de inúmeros tipos de
matérias primas, lembrando que no presente sítio temos contas de conchas, de dentes e
de ossos, além de pingentes e pequenas esculturas zoomorfas e adornos labiais,
atestando a importância que as contas e pingentes exerciam e ainda exercem nas
sociedades ameríndias.
Quanto às contas de conchas, sabe-se dos Quirípa, conhecidas principalmente
para o início do período colonial, no oeste da Venezuela, conhecida também como
quitero. Estas contas que eram pequenos discos perfurados, feitos de conchas de várias
espécies de água doce, chamadas de nemu ou memu (GASSON, 2000, p. 548).
As contas de conchas tinham uma ampla distribuição na bacia do Orenoco, e
pessoas de várias áreas as usaram e trocaram através de uma rede de trocas, que
conectava regiões como os Lhanos na Colômbia, Trinidade e as Guianas (GASSON,
2000, p 548).
Muito já se cogitou sobre sua natureza e função, sendo sugerido inclusive que o
quirípa servisse como moeda, fazendo parte de um tipo de sistema monetário.
Colares de contas de conchas usadas como itens de troca são descritas também
em relatos de cronistas entre os Galibi, que se referiam aos mesmos, como: Okayes e
entre os Arawak de Berbice, na Guiana, que os chamavam de orewebbe (VAN DEN
BEL, 2015, p. 531).
Esses itens faziam parte de uma ampla rede de trocas nas Guianas, eram desse
modo itens muito estimados, muito menos pelo valor intrínseco, mas porque ter tais
contas significavam muito mais o status de quem participava de um ampla rede de
trocas.
No registro arqueológico para as Guianas, como já apresentei no capítulo 1,
temos dois exemplos onde foram encontradas contas discoides de conchas, como na
Guiana Francesa, em sítios arqueológicos, o Eva 2, por exemplo (VAN DEN BEL,
2015) e Awala Yalimapo (COUTET, 2014), em ambos os casos associados aos
sepultamentos.

118
Além de ter sido encontrado também em sítios históricos afro-americanos nos Estados Unidos, no
neolítico tardio português, Inglaterra medieval e até mesmo associado ao homem de Neandertal, onde
aparecem estes registros fósseis dessas contas, naturalmente, perfuradas, utilizados como ornamentos.
324

Encontramos um número pouco expressivo de contas de conchas, todas na urna


da câmara C da estrutura 1059 no sítio Curiaú Mirim I. Talvez isso se deva ao fato de
que essas contas provavelmente não se preservarem no registro arqueológico, devido ao
solo ácido em que poderiam estar inseridos, assim como outras contas feitas de outros
materiais, como sementes, madeira, ossos, dentes, penas e outros materias perecíveis.
Talvez, devido, principalmente, a sua durabilidade no registro arqueológico,
sabemos de inúmeros casos de contas de vidro encontradas no período de contato119
com o europeu e que até hoje são utilizadas e estimadas, do mesmo modo que contas e
pingentes de outras materias primas, utilizadas no período tardio da Amazônia Antiga.

Contas de materiais mais ou menos preciosos, desde o spondylus vermelho e


a turquesa às contas pretas de tucum, as sementes de tiririca (Scleria
macrophylla) entre os krahô e outros grupos Jê de cor creme e marrom e as
contas brancas de caramujo, estiveram em uso bem antes da chegada dos
brancos. O gosto indígena pelos colares de contas fez com que as contas de
vidro trazidos pelos europeus caíssem em solo fértil (ELS LAGROU,
2013, p. 21).

Segundo Scaramelli e Scaramelli (2005), as contas de vidro, ou miçangas são de


fato um bom tipo de artefato para pensar no reforço das identidades e construção da
pessoa e aquisição de valor dentro da longa duração de um sistema de uma ampla rede
de trocas que incluía diversos itens, remontando ao passado da Antiga Amazônia e
chegando até os dias atuais.
A circulação de bens e troca de presentes é um tema recorrente entre a etnografia
ameríndia, além de bens de prestígios que podem atestar trocas a longas distâncias,
durante os processos de circulação de bens e de troca de presentes: cintos, colares,
pingentes, estatuetas zoomorfas , potes (Koriabo120?), etc.
O que quero chamar a atenção também é para as formas simbólicas de valor,
mesmo sabendo das limitações de usar o presente etnográfico para inferir o passado
arqueológico, talvez existam algumas similaridades dentro da esfera do valor e
produção social (SCARAMELLI; SCARAMELLI, 2005, p. 157).

119
Estas contas são amplamente citadas no capítulo 1, onde aparecem associadas à cerâmica Aristé na
costa atlântica e as urnas Mazagão e Maracá na costa estuarina do Estado do Amapá.
120
É importante destacar que a dispersão deste tipo de cerâmica está sendo relacionada a trocas nas
Guianas, já que têm sido encontrada em todo o escudo das Guianas ( VAN DEN BEL, 2015).
325

Nas etnografias recentes121, entre os WaiWai122 e Piaroa123, citadas por


Scaramelli e Scaramelli (2005, p. 155-156), é mostrado que as contas são imbuídas de
um valor extraordinário, incorporando os mais elevados valores sociais dentro de cada
uma das sociedades apresentadas, “incorporando localmente as potencias
“estrangeiras” que corporificam. Seu valor reside na sua exibição que é determinada
por e determina o status social do portador” (SCARAMELLI; SCARAMELLI, 2005,
p. 156).
Voltando às contas de crinoides, como já dito anteriormente, os afloramentos
mais próximos da Formação Itaituba se localizam na região de Monte Alegre, no estado
do Pará, podendo indicar trocas com aqueles que provavelmente extraíram os fósseis
dos afloramentos próximo a essa região.
Devido ao fato destas contas de crinoides se encontrarem justamente dentro de
pelo menos duas urnas funerárias, encontradas no sítio Curiaú Mirim I, dão pistas
quanto ao valor que possuíam dentro daquela sociedade. Seriam as contas de crinoides
relacionadas aos infantes e crianças? Ou será que estariam relacionadas aos adultos?
Indicariam trocas com sociedades junto ao Tapajós? Nesta região, também há tais
afloramentos do carbonífero, o que faz lembrar da urna antropomorfa da estrutura 42
(apesar de datações diferentes das estruturas 1043 e 1059), que como já dito antes
possui características que a assemelham com algumas figuras antropomorfas
Tapajônicas, junto a esta região, algo que poderia reforçar a ideia de uma possível troca
e redes de relações e ideias entre essas regiões no baixo Amazonas e na foz do
Amazonas.
Dentro da lógica da corporalidade, na constituição da pessoa ameríndia, chamo a
atenção que essas contas de dentes, de conchas e de crinoides fósseis, os pingentes
zoomorfos e (possíveis) adornos labiais podem fazer sentido dentro da que Terence
Turner (1980) identificou como “pele social” na etnologia ameríndia, especificamente
no Brasil Central, onde o corpo é um suporte para a representação social, quanto às
diferentes etapas e papeis sócias, que alguém passa durante seu ciclo de vida.
Porém, a abordagem, colocada por Turner (1980), apesar de válida e de muito
provavelmente poder fazer sentido nos dados aqui expostos, enfatiza que a “pele social”

121
Realizadas durante as últimas décadas do século XX respectivamente por Howard (2000) e Overing e
Kaplan (1989).
122
Grupo falante do tronco linguístico Caribe das terras altas das Guianas.
123
Grupo falante da família linguística Sáliva da desembocadura leste do rio Orenoco.
326

é imposta sobre o corpo biológico, tornando-o social. O que já foi criticado ou ao


menos revisto com algumas ponderações por parte de outros antropólogos.

Esta visão do corpo, e consequentemente dos adornos corporais,


presente nos estudos das sociedades do Brasil Central pode ser atribuída a
uma espécie de consenso na literatura dos anos 1960/70 sobre a existência
de um dualismo básico entre a esfera doméstica e a esfera público-
cerimonial que caracterizaria estas sociedades. Tal dualismo estaria
reproduzido no corpo humano que seria, assim, dividido em aspectos
internos, ligados às substâncias como sangue e sêmen e à reprodução física,
e aspectos externos, ligados aos papéis cerimoniais expressos pela
ornamentação corporal (MILLER, 2007, p. 05).

Como exemplo dessas ponderações por parte de outros antropólogos, foi


buscado destacar como os objetos estão imbuídos das percepções quanto à "composição
do universo e dos seres que o povoam, sobretudo que estão alijados da sociedade:
mortos, inimigos, animais e seres sobrenaturais" (MILLER, 2007 p. 06) .
Desse modo, a partir da década de 1990, foi vista uma valorização do universo
dos artefatos e sua relação com a construção da pessoa, como podem ser vistos em
etnografias de Lúcia Van Velthen (2007) entre os Wayana, com Els Lagrou (2007) entre
os Kashinawa, com Barcelos Neto (2008) entre os Wauja e no volume editado por
Santos-Granero (2009). Estes trabalhos têm em comum o interesse em mostrar outras
relações entre as coisas e as pessoas e as ontologias ameríndias.
Ao nos voltarmos à arqueologia, é bom lembrar que na arqueologia amazônica já
se busca pensar nos dados arqueológicos com inspirações nestas abordagens
antropológicas, quanto às capacidades de agenciar os objetos sobre as pessoas, na
capacidade de objetos intermediarem ações sociais, na eficácia ritual e simbólica dos
objetos, na materialização de idéias e até mesmo o estatuto ontológico, no qual os
objetos podem ser pessoas (GOMES, 2007, 2010, 2012).
Todavia, como bem adverte Gomes (2012, p. 140), objetos estáticos recuperados
de seus contextos arqueológicos dificilmente terão seu estatuto ontológico reconhecível,
mas podemos, em alguns casos, discutir essas possíveis dimensões sociocosmológicas
dentro do registro arqueológico quando devidamente contextualizados.
Pensando nisso, os colares/pulseiras de dentes humanos e de animais,
colares/pulseiras de conchas e outros materiais e os pingentes, nestes casos, talvez não
fossem “simples adornos”, e não somente sinais de prestígio, troféus, sinais de
reconhecimento, conhecimento de redes trocas e contatos, mas também proteções,
327

amuletos, troféus, partes constituintes do corpo transformado e construído, extensões do


corpo, substâncias e entidades.
Estes objetos, assim como os corpos, que são vestidos e adornados por eles, só
fazem sentido quando espacializados, pois como vimos em alguma etnografias existem
esses espaços de construção e exibição como nos ritos de passagem, nos rituais de
iniciação de rapazes e moças, nas reclusões e posterior apresentação do novo corpo
diante da comunidade, e como visto aqui nos rituais e cerimoniais funerários.

O estudo em profundidade do mundo artefatual que participa da fabricação


do corpo ameríndio lança nova luz sobre conceitos ameríndios de
corporalidade e de pessoa. Um aspecto importante desta relação diz respeito
à superposição sistemática dos discursos ameríndios que dizem respeito a
artefatos e a corpos. Tanto no caso da pintura corporal quanto na decoração
do corpo com colares de contas, dentes e sementes, temos o mesmo
entrelaçamento entre artefato e corpo, entre a fabricação de um corpo com
capacidade agentiva e sua decoração exterior e interior (LAGROU,
2015).

O que os dados arqueológicos parecem apontar é que esta fluidez entre as


formas, que está subjacente nas etnografias ameríndias, que lidam com essas relações
entre as coisas e as pessoas, está presente justamente na relação fluida entre os espaços,
as coisas e os corpos aqui estudados.
O que procurei mostrar aqui é que para o arqueólogo, não é bom separar o corpo
biológico dessa “pele social”, e sim integrar de maneira fluida o “esqueleto social”, ou
seja, os dois só fazem sentido se vistos juntos. Deste modo, os corpos (esqueletos) são
contextualizados junto às coisas que os acompanham, unindo o corpo construído em
vida e plasticidade dos corpos ao corpo construídos na morte/simbolizados pelos vivos.

4.5 OBSERVAÇÕES GERAIS:


Abaixo descrevo de forma enumerada, não necessariamente por ordem de valor,
observações importantes, assim como algumas indagações que surgiram durante a
pesquisa.

1. Os poços com câmara lateral são muito diferentes daqueles encontrados na


Colômbia (BENNETT, 1963; CASAS, 2010), embora haja semelhanças (NUNES
FILHO, 2003) e os gestos funerários e conteúdos não parecem corresponder com
aqueles encontrados acima do Araguari, já que os mesmos possuem características
328

próprias. No entanto, se pensarmos dentro do contexto mais regional, isto é, os poços


com câmara lateral relacionado à fase Aristé, podemos talvez pensar em contato. É bom
ressaltar as próprias peculiaridades dos sepultamentos Aristé em câmara lateral diferem
do que é encontrado no sítio, como: os megalitos, a reutilização de alguns desses poços
e as tampas de granito (SALDANHA; SALDANHA, 2008; HIRIART, 2012;
HIRIART; SOUZA, 2014).
2. Quanto aos acompanhamentos externos, constatei que, nas estruturas 1043 e
1059, o número das vasilhas pode talvez coincidir com o número mínimo de indivíduos,
por exemplo. Na estrutura 1043, foram identificados três potes e uma tigela, e dentro da
urna funerária um NMI de quatro indivíduos, sendo que um pode ser recém nascido ou
até mesmo um feto, talvez enterrado junto ao indivíduo adulto identificado. Será que
existiria algum tipo de correspondência ao número de indivíduos (identificados) e o
número de potes que acompanham os corpos dos indivíduos dentro das urnas
funerárias?
3. Em relação às estruturas 1043, 1059 e 42A, os ossos de animais depositados
seriam acompanhamentos tipo oferendas aos mortos na viagem a outra vida? Ou seriam
xerimbabos, ou wild pets, que seriam depositados juntamente aos seus “donos”? Temos
a recorrência destes vestígios em vários sítios nas guianas e foz do amazonas e também
em relatos etnográficos.
A palavra Xerimbabo provém do Tupi Guarani e designa um “animal familiar”.
O uso do termo xerimbabo não deve ser usado como sinônimo de “bicho de estimação”,
porque o status de ambos diferem muito entre as sociedades ocidentais e ameríndias.
Nas sociedades ocidentais, bichos de estimação são normalmente animais domesticados
como cães e gatos, que não são associados a selvageria e bravura. Desse modo, os
xerimbabos são animais selvagens familiarizados (FAUSTO, 2000, p. 950).
Carlos Fausto (2000) explica que a relação que se estabelece entre o xerimbabo
e seu mestre é semelhante a relação entre um pai e um filho adotivo, que são segundo o
autor relações simbólicas prototípicas nas cosmologias amazônicas (FAUSTO, 2000, p.
938). Desse modo, o processo de se transformar em xerimbabo é ser familiarizado e
humanizado (FAUSTO, 2000; ERICKSON, 2010).
Segundo Philip Erickson (2010, p. 23) ao se referir aos Matis, o autor
descreveu que “uma vez considerados xerimbabos plenos, os animais familiares
tornam-se quase um prolongamento do corpo de seu proprietário, tendo, assim, acesso
329

ao menor recanto da habitação”. Outras características, que Erickson aponta entre os


Matis, são que os xerimbabos são enfeitados com miçangas e, após sua morte, são
enterrados, às vezes de forma parecida como o que se fariam com um ser humano, com
sentimentos de luto. Após a sua morte, é imperativo a evitação de comê-los ou mesmo
usar os dentes ou partes do xerimbabo morto como algum tipo de adorno (ERICKSON,
2010).
Moisés Ramalho (2008, p. 88) descreveu que entre os Yanomami, na ocasião da
morte de uma adolescente, além de seus pertences serem destruídos, seus xerimbabos
foram igualmente sacrificados, no caso duas aves, um jacamim e um mutum que foram
mortos nos momentos seguintes após o falecimento da jovem.
É de certo modo recorrente encontrarmos esqueletos humanos junto aos restos
faunísticos. Para as Guianas, temos pelo menos duas urnas de Yalimapo, na Guiana
Francesa, onde ossos humanos com evidências de exposição ao fogo de adultos (um
mais grácil que outro) e ossos de animais de várias espécies foram encontrados (Coutet,
2014). Do mesmo modo, temos o monte Guajará na ilha de Marajó, onde em uma urna
lisa, ao lado de uma típica urna funerária Marajoara decorada, foram identificados ossos
humanos de adultos jovens, aparentemente um homem e uma mulher, juntamente aos
restos faunísticos de aves e pequenos mamíferos roedores (MEGGERS; EVANS, 1957).
Ao nos voltarmos ao contexto arqueológico do sítio Curiaú Mirim I e outros
contextos, é muito importante estarmos atentos à possibilidade de inferirmos a
materialização desses cuidados com possíveis xerimbabos que possam ser ao menos
considerados como uma possível inferência quando inseridos em contextos fúnebres.
4. O que significaria o dois “bancos” encontrados ao lado das urnas funerárias?
Um dos “bancos” possui fuligem na parte externa superior e os dois foram encontrados
acompanhando cada qual uma urna funerária, sendo sua função ainda não
compreendida124, mas convencionalmente na arqueologia amazônica tem-se preferido
chamá-los de bancos para diferenciá-los de pratos e tigelas.
Já foi proposto, no entanto, que os mesmos ”bancos” (aqueles “destacados”)
poderiam se tratar de descansos para apoiar a cabeça, suportes para o uso de substâncias
alucinógenas, ou representação de bancos ou miniaturas, não necessariamente para
serem utilizados como assentos, mas com fins cerimoniais (MCEWAN, 2001;
TRAVASSOS; SCHAAN, 2011).

124
Uma amostra desta fuligem foi retirada para verificarmos a presença de fitólitos.
330

Neste sentido, o significado destes “bancos”, muito provavelmente, deve variar


de contexto para contexto onde os mesmos “bancos” são encontrados. Entre os Wayana
(grupo Karib) das Guianas Rostain (2011), é relatado o caso de acompanhamentos
funerários de um xamã enterrado dentro da aldeia, cujo mobiliário consistia de uma
grande vasilha vazia, oferendas de comida e três bancos (de madeira?) para evitar as
ações dos espíritos aprendizes do xamã.
Dentro do registro arqueológico, entretanto, o que vem se chamando de bancos
cerâmicos são encontrados em diversos sítios na bacia amazônica (MCEWAN, 2001),
parecidos com aqueles encontrados junto aos tesos em Marajó, com ou sem decoração,
que foram identificados em deposições domésticas, e não junto aos sepultamentos
enquanto mobiliários funerários (MEGGERS; EVANS, 1957; SCHAAN, 2004;
TRAVASSOS; SCHAAN, 2011).
Dentro dos contextos arqueológicos do Amapá, nos sítios Laranjal do Jari I e II e
Ponte do Oiapoque I, têm sido encontrados fragmentos de bancos, semelhante ao
preenchimento de algumas estruturas negativas, encontradas no próprio sítio Curiaú
Mirim I, mostrando que existe uma aparente diferença modo que foram depositados os
bancos e que pode levar-nos a inferir seus possíveis usos e significados simbólicos.
Mas vemos uma diferença clara, de uma lado deposições votivas relacionadas ao
sepultamento, e por outro lado fragmentos encontrados com refugos nos
preenchimentos das estruturas ligadas à deposições funerárias e deposições cerimoniais
de outra natureza.
Num exercício de entender o que seriam tais bancos constata-se que na estrutura
1043, é possível que o indivíduo perinato não tivesse nascido ainda. Talvez, a tigela
encontrada não tivesse relação ao perinato, caso este fosse considerado como parte
constituinte da mãe. Teria esta vasilha outro significado talvez semelhante aos
“bancos”/encostos de cabeça presentes na estrutura 1059?
Diferente da estrutura 1043, na estrutura 1059, em cada uma das câmaras
laterais, o NMI parece realmente coincidir com o número de potes depositados ao lado
das urnas. A urna da estrutura 1059, por exemplo, possui dois potes e um banco
cerâmico, e igualmente o NMI de dois indivíduos. Seguindo para a urna da câmara B,
temos um pote e NMI de um indivíduo, e, finalizando, temos câmara C com dois potes e
um banco cerâmico, com NMI de dois indivíduos.
331

5. O arranjo funerário da estrutura 42A parece formar uma meia lua aberta ou um
“V”, cuja abertura está voltada para o norte. Por que as extremidades distais e proximais
dos ossos longos dos indivíduos depositados diretamente no solo e o rosto da urna
funerária antropomorfa estão orientados para o norte?
6. Para a costa atlântica do Amapá, como exposto no capítulo 1, o Monte Mayé
preserva algumas semelhanças com a urna funerária da câmara C da estrutura 1059 e
sepultamento da estrutura 1043. Em sítios, com urnas funerárias relatados por
Nimuendaju (2004, p. 23-24), foram encontrados sepultamentos semelhantes, apesar de
serem mais recentes (inferidos pelas contas de vidro europeias e implementos de ferro),
com urnas funerárias com presença de contas de conchas e dentes (não é informado se
são humanos ou não), ossos de mais de um indivíduo dentro de uma que parecem ter
sido intencionalmente quebrados e consequentemente muito remexidos.
Quanto a estes mesmos sítios, descritos por Nimuendaju em Monte Mayé, em
algumas urnas, foi observada a ausência de ossos do crânio, o que lembra também caso
a urna da câmara A e C da estrutura 1059.
7. Como dito anteriormente, há semelhanças, em alguns aspectos, nas urnas e
conteúdos encontrados nas mesmas no sítio Curiaú Mirim I e no Teso dos Índios e Teso
do Rebordello, em Caviana. Estas semelhanças vão desde a presença de urnas com
lóbulos/panças ou gomos, vasilhas usadas como tampas de urnas que possuem pintura
na borda, urnas funerárias lisas e globulares com vasilhas emborcadas usadas como
tampa, algumas vasilhas e urnas com elementos antropomorfos semelhantes, contendo
um indivíduo ou mais, alguns com ossos pintados de vermelho. Já quanto aos conteúdos
internos, existem semelhanças quanto à presença de fusos cilíndricos (tembetás?), de
pedras verdes (?) e de contas de dentes faunísticos. Também há semelhança entre os
acompanhamentos externos, no que se refere à estrutura 1043 e 1059, e de certo modo a
urna antropomorfa, com vasilhas depositadas juntas às urnas funerárias.
8. Há semelhanças entre as urnas antropomorfas encontradas nos sítios AP-MA-03,
AP-MA-27, AP-MA-VilaTropical e diversas ocorrências encontradas na cidade de
Macapá e abrangendo uma boa faixa de terras ao longo da costa estuarina, todos os
sítios parecem estar implementados em terraços junto à área de transição do cerrado
para a várzea.
9. É impossível não constatar semelhanças e diferenças de outros sítios com
sepultamento principalmente junto à costa estuarina, como o sítio AP-MA-05, com
332

urnas cerâmicas Marajoara e Mazagão, cujos conjuntos de urnas funerárias estão


aparentemente demarcadas por coroas lateríticas, semelhante ao que ocorre na estrutura
1043 do sítio Curiaú, e igualmente a presença de cerâmicas Marajoara e Mazagão em
um mesmo contexto, porém, ao que parece, com diferentes usos.
10. Reitera-se a importância de mais escavações, principalmente em áreas amplas
para elucidar as mudanças nas práticas funerárias ao longo do tempo junto à costa
estuarina, o que faz recordar as quatro hipóteses levantadas por Van Den Bell (2015)
(ver capítulo 2) quanto aos sítios com cemitérios propriamente ditos, ou aqueles em que
temos evidências de sepultamentos junto aos vestígios de antigas habitações.
11. Também é importante investir em mais datações absolutas, a fim de poder
compreender melhor a ocupação deste sítio, investindo em datações nos buracos de
poste e outras estruturas como lixeiras e compará-las entre si e com datações absolutas
para os sepultamentos e deposições cerimoniais / funerárias.
333

Considerações finais

As análises dos sepultamentos presentes no sítio Curiaú Mirim I e em outros sítios


contendo estruturas funerárias foram devidamente estudadas como parte integrante da
análise do sítio para que se pudesse contextualizar os dados registrados em campo e
para uma melhor compreensão das práticas culturais que puderam ser interpretadas
voltando-se aos indivíduos ali enterrados.
Só foi possível caminhar em uma direção interpretativa dos dados ao contextualizá-
los com todos os cojuntos de sepultamentos e a estrutura espacial do local. Neste caso, a
posição em que cada sepultamento foi encontrado e comparar os gestos funerários entre
cada um deles.
Ao que parece, a estruturação espacial do sítio leva a pensar que estamos lidando
com áreas residenciais junto aos sepultamentos, evidenciados por concentrações de
buracos de poste (tanto na campanha 2012, quanto na campanha 2014), lixeiras,fossas e
poços com deposições de refugos de consumos cerimoniais / funerários.
As evidências parecem compor um quadro que aponta para a veneração de
ancestrais, onde no mesmo local parecem estarem ocorrendo cerimônias de passagem, e
também a seleção de áreas específicas e abertas para sepultamentos, onde a vida na
aldeia parece indicar uma integração nas formas deposição nos espaços.
As pessoas que estiveram usando este espaço como local para suas práticas culturais
consumiam ou confeccionavam artefatos cerâmicos primeiramente com semelhanças
com o que foi classificado como fase Mazagão, presentes em praticamente todas as
estruturas já analisadas, seguidas por cerâmicas com elementos da cerâmica Marajoara e
também por cerâmicas do complexo Koriabo.
É interessante notar, entretanto, que as vasilhas, sejam elas inteiras, fragmentadas ou
fragmentos de recipientes cerâmicos Marajoara, estiveram presentes no sedimento
escuro de preenchimento de certas estruturas negativas, onde as mesmas estruturas
analisadas contém restos faunísticos associados (estruturas 39, 40, 44 e 45) ou estão
preenchendo poços e fossas funerárias (1043, 1059 e 42A), o que também parece cobrir
um tempo de pelo menos 500 anos.
334

Os gestos funerários, apesar de diferenças visíveis, apresentam também semelhanças


entre os modos de lidar com a morte presentes neste sítio, desde sepultamento dentro da
aldeia e uma aparente segregação dos espaços, presentes nos sepultamentos em áreas
abertas, sepultamentos em urnas com mais de um indivíduo, com muitos ossos faltando,
sepultamentos cujos esqueletos foram pintados de vermelho, a presença de ambos os
sexos e idades (biológicas) que vão desde infantes até adultos.
As osteobiografias serviram aqui para mostrar como os indivíduos eram em vida e
como foi simbolizado na morte pelos vivos que os cercavam. Desse modo, ressalto que
uma informação isolada não faz sentido algum, porém quando contextualizada a mais
linhas de evidências foi possível vislumbrar como eram essas pessoas, mesmo que
sejam apenas índices, que necessite de mais escavações e maior acúmulo de dados.
Julgo que a abordagem do “corpo como cultura material” (SOFAER, 2006) pôde ser
aqui utilizada de forma satisfatória, de modo que as pessoas foram aqui retradadas de
forma contínua com as coisas, de modo que seus corpos foram aqui tratados como um
tipo especial de cultura material, onde a plasticidade em vida serviu para pensarmos em
elementos interpretativos sobre o que faziam, porém dentro de uma lógica de práticas
corporais ensinadas e aprendidas dentro de uma dada norma cultural de um modo
específico de se fazer tal coisa.
Desse modo, ao tentar interpretar as possíveis atividades ocupacionais das pessoas,
o número mínimo de indivíduos, o gênero, o sexo, a idade, processos patológicos,
unidos aos gestos funerários, ou seja, unindo-se às osteobiografias, à arqueotanatologia,
foi possível realizar importantes observações não apenas quanto àqueles que
depositaram os mortos, mas também daqueles que foram sepultados e como eram em
vida. Dessa forma, pôde-se vislumbrar uma leitura mais rica para compreender como se
deram as práticas funerárias do sítio Curiaú Mirim I.
Obviamente, alguns indivíduos puderam ser melhor estudados do que outros. Isso de
deve em primeiro lugar por processos tafonômicos / diagenéticos que influem
diretamente na preservação do elementos esqueléticos, o que no entanto não impede de
pesar no contexto de deposição. E, em segundo lugar, estão as escolhas e práticas
culturais, no que deve-se lembrar que a ausência também pode ser muito elucidativa
quanto às práticas não somente da deposição, mas possíveis interpretações quanto aos
momentos prévios de deposição até o registro arqueológico.
335

A centralidade do indivíduo da urna antropomorfa (estrutura 42A) deu-se com


várias linhas de evidência, sejas elas analisadas a partir do registro de campo, quanto
nas análises de laboratório. Outros indivíduos como os da estrutura com câmara lateral
(estrutura 1043), apesar de serem constituídos de exemplares muito fragmentados e
escassos, puderam fornecer possíveis narrativas quanto à vida e a morte dessas pessoas,
o que faz com que cada linha de evidência adicionada se faça repensar os dados obtidos
até determinado momento. Somente com essa base empírica é que pôde-se partir para a
interpretação dos dados à luz da materialidade dos corpos ameríndios.
As estruturas 39, 40, 44 e 45, adjacentes à estrutura 42, parecem indicar consumos
cerimoniais que teriam gerado tais deposições encontradas, provavelmente ligadas ao
sepultamento, como é o caso evidenciado pelas seções B e C da estrutura 42, com
buracos de poste que podem ser evidências de marcadores desse sepultamento e do
festim ocorrido em homenagem àqueles sepultados na centro da estrutura.
A estrutura 39 parece indicar que além desses consumos rituais estarem ocorrendo
no sítio, eles podem ter profundidade temporal, e talvez estivessem ligados ao
sepultamento da estrutura 42, ocorrendo em memória dos ancestrais.
Foram apontadas também, estruturas que, apesar de não conterem vestígios
esqueléticos visíveis ou reconhecíveis, podem se tratar de deposições
cerimoniais/funerárias ligadas às atividades de ritos de passagem, o que só demonstraria
uma variabilidade nas práticas funerárias.
Quanto às cerâmicas de diferentes estilos, temos aquela que se assemelha às urnas
Caviana, que possuem elementos que fazem lembrar parte da antropomorfia tapajônica,
podendo ser indício de trocas ou redes de relações entre longas distâncias, mas também
podem indicar um ethos comum amazônico, já que os adornos de tal urna antropomorfa
possui recorrência ampla na Amazônia ameríndia, assim como o modo de se sentar e
uso de bancos por pessoas de prestígio.
Além da cerâmica dita Caviana, como pudemos ver, temos no sítio cerâmicas
tipicamente Marajoara, Koriabo e Mazagão que podem igualmente atestar redes de
trocas e relações entre outras regiões, porém como foi demonstrado há outros materiais
também parecem apontar para longas distâncias, sejam evidências faunísticas, como
espécies de gastrópodes, que se desenvolvem em áreas junto ao oceano atlântico, até
algumas matérias primas provenientes de áreas a pelo menos 300 quilômetros de
distância do sítio.
336

Quanto a esses materiais deve-se prestar atenção nos objetos de substrato


carbonático entre elas algo inédito, até o momento, na Arqueologia Amazônica, e talvez
na América do Sul, da presença de contas de crinoides fósseis, o que lembra que
devemos estar atentos às possíveis evidências, semelhantes nas pesquisas futuras.
Serão necessários mais estudos geológicos para compreender a alteração de algumas
estruturas negativas, os artefatos e ecofatos, inseridos nos mesmos e sua relação com as
transformações pós-deposicionais, com os processos tafonômicos e diagenéticos ao
longo do tempo.
Já foi observado em sepultamentos nos sítios AP-CA-18 e AP-CA-38 que o
sedimento que envolve os restos esqueléticos são sedimentos amarelados, semelhantes
aos latossolos lateríticos. Diferentemente, no sítio Curiaú Mirim I, temos a presença de
uma matriz de terra preta, preenchendo as estruturas onde estão inseridos os
sepultamentos.
Como já foi constatado por Py-Daniel (2009) para o sítio Hatahara na Amazônia
Central, a presença de terra preta pode ter alguma relação com a preservação dos
elementos esqueléticos por ela analisados. Dito isto, e em decorrência de outras
ocorrências junto à costa estuarina do Estado do Amapá, serão necessários estudos
pedológicos, principalmente quanto ao ph da terra preta e sua possível relação com a
preservação dos vestígios esqueléticos, sejam humanos ou faunísticos.
O sítio Curiaú Mirim I possui condições excepcionais de preservação e apesar de
realmente existir um mito da dissolução biológica. O fato é que tais condições são raras
em um ambiente de floresta tropical equatorial superúmida. Porém, penso que existem
outros sítios com condições semelhantes de preservação a serem ainda escavados, como
aqueles junto à costa estuarina, e mesmo aqueles que não possuem tal preservação ideal
ainda podem e devem ser igualmente investigados.
Devemos investir ainda em escavações em áreas amplas e em datações absolutas,
com a contextualização dos dados junto aos pressupostos teórico-metodológicos da
arqueotanatologia unidos às osteobiografias para que possamos obter um panorama
sobre as práticas culturais e os modos de vida das pessoas que viveram e morreram na
Amazônia antiga.
Procurei ressaltar, neste estudo de caso, que existe uma grande variabilidade nos
modos de sepultar os mortos evidenciados no sítio Curiaú Mirim I, e que de fato existiu,
ao contrário do que se demonstra nos povos indígenas atuais, uma aproximação / fluidez
337

entre a vida e a morte, com a presença de áreas destinadas ao sepultamento ora em áreas
que parecem se tratar de áreas habitadas, ou em cemitérios propriamente ditos, como
evidenciados em contextos demonstrado no capítulo de revisão.
Quanto a isso, devemos ainda compreender melhor o que significam os
sepultamentos em áreas de habitação, primeiro investindo em estudos regionais, em
contextos intra-sítio, para que então possamos vislumbrar mais recorrências entre as
práticas de deposição funerárias / cerimoniais, lembrando que a variabilidade local e
regional dos diferentes graus e modos de tratamento funerário indicam também
diferentes experiências (FOWLER, 2010), que só serão melhor compreendidas ao
observarmos amplos aspectos contextuais de cada sítio escavado.
Enfim, procurei ressaltar nessa dissertação a importância dos corpos, aqui
entendidos de forma holística, e analisados e entendidos como cultura material onde foi
demonstrado um entrelaçamento entre as coisas e as pessoas, de modo que procurei ler
esses corpos na vida e na morte. Os corpos, desse modo, foram de fato interpretados em
sua materialidade, como é sugerido por Sofaer (2006), unidos às noções de pessoa e
corporalidade ameríndias.
338

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354

Anexos
Anexo 1
355

Datação: 900 a 1152 AD

Datação: 1450 a 1635 AD

Datação: 1277 a 1393 AD

Datação: 1287 a 1399 AD


Datação: 1246 a 1383 AD
356

Anexo 2

Fichas utilizadas nas análises dos esqueletos

Registro tafonômico:
Intemperismos, descoloração, polimento, marcas de corte, processos abrasivos/erosivos, mordidas,
e outras modificações culturais

Sítio: Curiaú Mirim Observador: Avelino Gambim Júnior


Estrutura/Sepultura: Sepultura/Esqueleto:
Coleção presente na: reserva técnica do Laboratório de Arqueologia Peter Hilbert do Núcleo de Pesquisa
Arqueológica do Instituto de Pesquisa Tecnológica do Estado do Amapá – NUPARQ/IEPA

Observação geral 1: O uso do Primal foi em grande medida prejudicial na observação de alterações na
superfície óssea, porém, em alguns casos foi possível fazer um exame mais detalhado, seja pela retirada
da camada superficial do consolidante, seja porque o consolidante não foi aplicado em alguns partes dos
ossos. Alguns desses ossos sujos de terra ainda em campo foram revestidos com consolidante, ficando
essa terra sedimentada e aderida a superfície óssea.

Observação geral 2: Ficha original alterada e modificada para adequar-se à pesquisa (ver Buikstra &
Ubelaker, 1994).
*Para maiores detalhes sobre o Grau de Erosão ver Brickley & McKinley (2004) - 0 a 5+ graus
**Estágios de intemperismo – Estágio 0 ao estágio 5.

.
Osso Tipo de alteração Localização da Informações descritivas Erosão/Abrasão * Intemperismo
óssea modificação adicionais **
357

Registro de paleopatologias e sinais de estresse

Sítio: Curiaú Mirim Observador: Avelino Gambim Júnior


Estrutura/Sepultura: Sepultura/Esqueleto:
Coleção presente na: reserva técnica do Laboratório de Arqueologia Peter Hilbert do Núcleo de Pesquisa
Arqueológica do Instituto de Pesquisa Tecnológica do Estado do Amapá – NUPARQ/IEPA

Patologia/sinal de estresse:
Osso:
Lado:
Graduação:
Atividade
Observação:
Comentários:

Inventário de registro de identificação dos ossos e lateralidade


Sítio: Curiaú Mirim Observador: Avelino Gambim Júnior
Estrutura/Sepultura: Sepultura/Esqueleto:
Coleção presente na: reserva técnica do Laboratório de Arqueologia Peter Hilbert do Núcleo de Pesquisa
Arqueológica do Instituto de Pesquisa Tecnológica do Estado do Amapá – NUPARQ/IEPA
A-Esqueleto Axial
I- Ossos do Crânio
1. Neurocrânio
Frontal
Parietais
Temporais
Occipital
Esfenóide
Etmóide
2. Face/Esplancnocrânio
Maxila
Lacrimais
Zigomáticos
Palatinos
Vomer
Concha nasal
358

inferior
Nasais
Mandíbula
II. Ossículos do ouvido
 Martelo/malleus

 Bigorna/incus

 Estribo/stapes

III. Hióide

IV. Coluna Vertebral


 Vértebras cervicais
 Vértebras torácicas
 Vértebras lombares
 Sacro
 Coccix
V. Esterno
VI. Costelas

B-Esqueleto Apendicular
I. Cintura escapular :
 Clavículas
 Escápulas
II. Braços/antebraços :
 Úmeros
 Ulnas
 Rádios
III. Mãos :
 Trapézio

 Trapezóide

 Capitato

 Hamato

 Escafóide

 Semilunar

 Piramidal

 Pisiforme

 Metacarpais
 Falanges proximais
 Falanges médias

 Falanges distais
359

IV. Cintura Pélvica

 Osso do quadril (Pelve) – íleo, ísquio, púbis.


V. Coxa/perna

 Fêmures

 Patelas

 Tíbias

 Fíbulas
VI. Pés

 Calcâneo

 Tálus

 Navicular

 Cuneiforme medial

 Cuneiforme intermédio

 Cuneiforme lateral

 Cubóide

 Metatarsais

 Falanges mediais

 Falanges médias

 Falanges distais
360

Registro de sexo e idade para adultos

Sítio: Curiaú Mirim Observador: Avelino Gambim Júnior


Estrutura/Sepultura Sepultura/Esqueleto:
Coleção presente na: reserva técnica do Laboratório de Arqueologia Peter Hilbert do Núcleo de Pesquisa
Arqueológica do Instituto de Pesquisa Tecnológica do Estado do Amapá – NUPARQ/IEPA
SEXO

Observações antroposcópicas - sexo (fonte: Ascadi y Nemeskeri, 1970 in I. Barreto, M. Portas, A. Egaña y M. Sans, 2010) Sítio: CM01 / Estrutura:

Escores: -2 > hiper feminino / -1 feminino / neutro > 0 / +1 > masculino / +2 > hiper masculino

Crânio

Função Pond. H. Fem. Fem. Neutro Masc. H. Masc. Valor total e Observações

Glabela 3

Processo
mastóide 3
Relevo plano
nucal 3

Processo
zigomático 3
Protuberancia
occipital
externa 2
Arcada
supraorbitária 2

Tuberosidade
Fronto parietal 2
Osso
zigomático 2
Inclinação
frontal 1
Forma do
rebordo orbital 1
Σ Pond. Crânio =
22
361

Observações antroposcópicas - sexo (fonte: Ascadi y Nemeskeri, 1970 in I. Barreto, M. Portas, A. Egaña y M. Sans, 2010) Sítio: Curiaú Mirim I /
Estrutura:

Escores: -2 > hiper feminino / -1 feminino / neutro > 0 / +1 > masculino / +2 > hiper masculino
Mandíbula

Função Pond. H. Fem. Fem. Neutro Masc. H. Masc. Valor total e Observações
Aspecto
geral 3
Ângulo da
mandíbula 1
Margem
inferior 1
Σ Pond.
Mandíbula = 5

Observações antroposcópicas - sexo (fonte: Ascadi y Nemeskeri, 1970 in I. Barreto, M. Portas, A. Egaña y M. Sans, 2010)
Sítio: Curiaú Mirim / Estrutura:

Escores: -2 > hiper feminino / -1 feminino / neutro > 0 / +1 > masculino / +2 > hiper masculino

Pelve

Função Pond. H. Fem. Fem. Neutro Masc. H. Masc. Valor total e Observações

Superfície pré
auricular 3
Incisura
isquiatica
maior 3
Arco
composto 2

Pelve 2
Forame
obturado 2

Acetábulo 1
Σ Pond. Pelve =
14
362

Superfície auricular do osso do quadril


(Lovejoy et al. 1985: Meindl e Lovejoy 1989:165)
Fase 1 Fase 2 Fase 3 Fase 4 Fase 5 Fase 6 Fase 7 Fase 8

Observações gerais:

União das epífises e suturas (idade):

 Epífise distal do rádio –


 Epífise distal do úmero
 Epífise proximal fêmur-
 Epífise distal do fêmur-
 Epífise proximal da tíbia-
 Epífise distal da tíbia-
 Epífise proximal do rádio-

 Epífise proximal da ulna –

 Epífise da crista ilíaca –


 Epífise da tuberosidade isquiática –
 Epífise medial ou extremidade esternal da clavícula -
 Sincondrose esfeno-occipital-

 Sutura lambdóidea-
 Bregma-
363
Contagem do
número mínimo
de indivíduos
(MNI)
Epífise
proximal/m Terço Terço Epífise Quantidade
Ossos Longos edial proximal/medial Terço médio distal/medial distal/lateral

Úmero direito

Úmero esquerdo

Rádio direito

Rádio esquerdo

Ulna direita

Ulna esquerda

Fêmur direito

Fêmur esquerdo

Tibía direito

Tíbia esquerdo

Fíbula direita

Fíbula esquerdo

Clavícula direita
Clavícula
esquerda
Duplicatas:

Índices
0= completo - 01=completo fragmentado - 1=incompleto – 1.1=incompleto fragmentado 9=não
observável 2=ausente

REGISTRO DE GRAU DE PRESERVAÇÃO E COMPLETUDE - Grau de preservação ou


completude com escores de 1 a 3 ( 1- de 100% a 75% ; 2- de 75% a 25% ; e 3- menos que 25%)
Sítio: Curiaú Mirim Observador: Avelino Gambim Júnior
Estrutura/Sepultura Estrutura 42A Sepultura/Esqueleto: Urna B – indivíduo 1
Coleção presente na: reserva técnica do Laboratório de Arqueologia Peter Hilbert do Núcleo de Pesquisa
Arqueológica do Instituto de Pesquisa Tecnológica do Estado do Amapá – NUPARQ/IEPA
OBS.: Para mais detalhes, ver Buikstra & Ubelaker (1994).

Osso Grau de preservação


364

Sitio Arqueológico Curiaú Mirim -


Estrutura

Nº Espes- Tamanho Erosão/

de sura do frag- abrasão

frag- em mento (Buikstra &

men- mm. - mm Ubelaker


Osso/Parte do osso/Referência
tos Anatômica (> diâm.) ,1994)

Registro de mensurações cranianas e pós-cranianas (em mm):


Sítio: Curiaú Mirim Observador: Avelino Gambim Júnior
Estrutura/Sepultura Sepultura/Esqueleto:
Coleção presente na: reserva técnica do Laboratório de Arqueologia Peter Hilbert do Núcleo de Pesquisa
Arqueológica do Instituto de Pesquisa Tecnológica do Estado do Amapá – NUPARQ/IEPA

CRÂNIO
 Largura bimastoide =
 Largura fronto temporal =
 Índice condilíneo (Indice de Baudoin) =
 Largura do ramo da mandíbula=
OSSOS LONGOS:

 Longitude da diáfise da clavícula =


 Perímetro central da clavícula =
 Longitude do úmero =
 Perímetro central do úmero =
 Largura bicondilar do úmero =
 Largura articular do úmero=
 Índice de robustez da clavícula =
 Índice de robustez do úmero =
 Índice claviculoumeral =
 Circunferência do fêmur =
 Diâmetro da clavícula=
 Diâmetro do úmero=
CAVIDADE GLENÓIDE:
365

Registro de caracteres não métricos:

Sítio: Curiaú Mirim Observador: Avelino Gambim Júnior


Estrutura/Sepultura Sepultura/Esqueleto:
Coleção presente na: reserva técnica do Laboratório de Arqueologia Peter Hilbert do Núcleo de Pesquisa
Arqueológica do Instituto de Pesquisa Tecnológica do Estado do Amapá – NUPARQ/IEPA
Osso:

Lado:

Porção:

Característica:

INVENTÁRIO PARA REGISTRO DE OSSOS MISTURADOS E OSSOS


ISOLADOS (BUIKSTRA & UBELAKER, 1994):

Sítio: __________________________________ Observador:____________________________


Estrutura/Número do sepultamento: ___________________________ Data: ____________
Sepultamento/Número do esqueleto:_____________________________________________
Local atual da coleção:
L N
Osso a Segmento Completude M Cont Idade Sexo
d I age
o m
366
367
368

Apêndices
Estru unidade N Sexo Idade Alterações culturais na Patologia e sinais de estresse
tura M superfície dos ossos
I
Conjunto 1 1 Possível feminino 15 a 20 anos Ausente Ausente
Possível 17 a 35 anos Possível pintura vermelha na
Conjunto 2 1 masculino superfície de alguns ossos Ausente
longos e em partes do crânio
Possível Possível marca de descarne
Conjunto 3 1 masculino 15 a 20 anos em área de inserção muscular Ausente
na tíbia
- infante: 6 hiperostose porótica na parte basilar do osso
Urna A 2 Indeterminado meses a 3 anos Ausentes occipital, lesão antemortem em um fragmento
-criança: 3 a 5 de mandíbula do individuo mais novo
anos
Presença de trauma regenerado no fêmur
esquerdo com leve deformação óssea e
42 A formação de um calo ósseo e um dente molar
Urna B 2 Feminino 19 a 24 anos Ausente com desgaste oclusal de leve a moderado,
além de aparente perda dentária ante mortem
e reabsorção alveolar em metade da
mandíbula, talvez ocasionando mastigação
diferencial de um dos lados

Marcadores musculares de atividade


ocupacional na ulna direita e esquerda.
Supinator crest enthesopathy ( ulna esquerda),
Urna C 1 Masculino 16 a 24 anos Ossos pintados de vermelho Anconeus enthesopathy e Pronator/supinator
enthesopathy (ulnas direita e esquerda);
Hiperostose porótica já cicatrizada no osso
frontal do crânio, adjacente às orbitas e à
sutura metópica; Dentes molares com
desgastes oclusais de leve a moderados
- cáries em pelo menos dois dentes
decíduos e desgaste oclusal leve a moderado
em dente incisivo permanente.

- Entesofitóse “Woodcuter lesion” em


uma ulna direita, relacionado a atividades de
intensas flexões e extensões do cotovelo.

- Entesofitóse “Achilles tendon enthesis e


medial process spur” em um calcâneo
esquerdo apresentando uma lesão proliferativa
(digitações exostóticas) devido à sobrecarga
- adulto jovem: de esforço da musculatura soleal e
20 a 35 anos gastrocnêmica talvez ocasionada por longas
- Possível - criança ou caminhadas, corrida (caça) ou ainda devido ao
1043 Câmara 4 feminino adolescente: 5 a Ausentes posicionamento dos pés no uso de arpões e na
lateral - indeterminados 15 anos pesca em lagoas e embarcações.
-Infante: 1 a 2
anos - Entesofitóse de grau 3 na patela na área
-perinato: de inserção do tendão do músculo quadríceps
menos de 0 a 3 femoral na patela esquerda relacionada a
meses estresse repetitivo e/ou extenuante no joelho,
podendo estar relacionada a caminhadas em
locais acidentados, caminhadas ou corridas
longas, arrancadas, etc.

- Presença de leves osteófitos em


vértebras torácicas e lombares.
Possivelmente
adolescentes (12
a 20 anos) Um primeiro dente incisivo superior
Ausentes permanente em forma de pá com moderado
Câmara A 2 indeterminados desgaste oclusal
lesão do agachador na epífise distal das tíbias
esquerda e direita; desgastes oclusais leves em
Câmara B 1 possível feminino 16 aos 21 anos Ossos pintados de vermelho três molares e um desgaste oclusal moderado
em um inciso (em forma de pá) superior
1059 Indeterminados,
porém quanto ao Inserções musculares bem marcadas em um
indivíduo mais - 17 a 35 anos Ossos do indivíduo adulto fragmento de rádio com a tuberosidade do
maduro este pintados de vermelho rádio bem protuberante com grau 3, úmero e
Câmara C 2 possui fortes diáfise de ossos longos robustos, tamanho
marcações avantajado e com cortical espesso, osteófitos
musculares e - infante: 0 a 3 em algumas das vértebras torácicas e
ossos com aspecto anos lombares. Presença de dois dentes com
mais robustos e acúmulo de tártaro
protuberante
Estrutura Unidade Acompanhamento interno- artefatos Acompanhamento interno - fauna

Conjunto 1

Conjunto 2
Ausente
Conjunto 3 Ausente

42 A Urna A
Urna B Ausente diáfise de pequeno fragmento de diáfise de pequeno osso longo não humano

Urna C Ausente dente fragmentado de mamífero de grande porte (provavelmente anta) e pequena placa óssea
(identificada como provável carapaça de tatu)

Urna funerária da câmara 271 contas de “discos” pluricolunares articulados e colunares três conchas de pugilina morio, uma concha de dorissa SP. 1, onze fragmentos de ossos longos
lateral isolados de crinoides fósseis; três pingentes esculpidos de pequenos vertebrados não humanos e com epífises já desenvolvidas e dois fragmentos de
1043 (formatos de réptil, ave e mamífero) em substrato carbonático; carapaça de caranguejo. Ninhos de himenópteras feitas de barro (algumas estão fechadas)
doze conchas cortadas (em formatos quadrangular, retangular e
triangular) que parecem se tratar de contas ou pingentes

osso de ave com alterações na superfície cortical típicas de intemperismo (weathering) tipo 2 e
Urna funerária da câmara A osso de pequeno vertebrado com evidência de exposição ao fogo (osso carbonizado de
Ausente coloração preta), além de um dente incisivo de um roedor, talvez uma cutia ou capivara

1059
Urna funerária da câmara B

Ausente Ausente
Urna funerária da câmara C quatro contas de dentes de onça, vinte e oito contas de dentes
humanos; vinte e sete contas de crinoides fósseis, duas contas um fragmento de osso longo, um osso plano e uma vértebra não identificados, parecem ser de
de rochas, duas contas de conchas e um bloco de rocha um vertebrado de médio a grande porte
carbonática vermelha
PT 01 Fossa ? Dois fragmentos de fusos em rocha verde e uma conta de dente Ausente
fragmentada
Est Tipo de Tipo de Sepultamento unidade Fauna Tipo de Acompanhamento/recipiente Acompanhamento Fase arqueológica
rut estrutura externa deposição envoltório externo
ura associada
Conjunto 1
Conjunto 2

Secundário possível envoltório vegetal


direto

Conjunto 3 Não Ausente


identificado
Urna A Não definida –
Pequena vasilha globular com lembra panças da
Secundário em panças coberta com uma tigela Ausente fase Koriabo e a
urna com faixa amarela horizontal junto tigela/tampa lembra
a borda externa e desenho preto as formas Mazagão
interno e formas
Fossa funerária/ Arranjo funerário (42A)_ Presente nos identificadas por
cerimonial _ enterramento múltiplo_ setores B e C Nimuendaju na ilha
buracos de poste Arranjo funerário da fossa de Caviana
42 delimitam a A urna e a
estrutura Urna B Secundário em Vasilha globular lisa fechada com vasilha/tampa
urna vasilha/tampa lisa emborcada Ausente possuem formas
que se assemelham
a cerâmica
Mazagão
Urna antropomorfa com pintura
amarela e branca e vermelha
representando um homem sentado Presente – composto Cerâmica Caviana-
em um banco e paramentado com por uma vasilha Segundo Saldanha
Urna C Secundário em diadema, braceletes e tornozeleiras globular lisa cujo et al (2016) é
urna e lóbulos das orelhas perfurados. interior continha uma possível que seja a
pequena tigela manifestação da
policromia e
antropomorfia
Mazagão
Estrutura Tipo de Tipo de unidade Fauna Tipo de deposição Acompanhamento/recipiente Acompanhamento Fase
estrutura Sepultamento externa envoltório externo arqueológica
associada
1043 Poço com Enterramento Câmara Secundário em urna Vasilha globular lisa com Três pequenos Vasilhas com
Câmara de urna tampa/vasilha lisa emborcada potes globulares formas que
lateral lisos e uma tigela lembram a
lisa cerâmica
Mazagão
Vasilha globular com uma Dois pequenos Urna, tampa e
faixa vertical vermelha potes globulares potes com
pintada em um dos lados da lisos, um deles formas que
Secundário em urna urna desde a borda até o pesco com pintura lembram as da
Câmara da urna. Possui tampa/vasilha geométrica cerâmica
Poço com Enterramento A lisa emborcada vermelha, e um Mazagão e uma
1059 três de urna Ausente banco cerâmico banco
Câmaras quadrangular com quadrangular
laterais decoração externa. com decorações
que lembram
Mazagão e
Koriabo
Secundário em urna Vasilha globular lisa com Um pequeno pote Urna, tampa e
Câmara tampa/vasilha lisa emborcada globular liso pote com formas
B que lembram a
cerâmica
Mazagão
Secundário em urna Vasilha globular lisa com Dois pequenos Urna, tampa e
tampa/vasilha lisa emborcada potes globulares potes com
Câmara lisos e um banco formas que
C cerâmico circular lembram a
com decoração cerâmica
externa Mazagão
Estrutura 42(A) - Urna A - Observações Gerais (resumo) – (Avelino Gambim Júnior):
Representatividade esquelética: menos de 25%

Aspectos tafonômicos: ossos esbranquiçados sem evidencia de exposição ao fogo, com perfurações de bordas
enegrecidas em alguns ossos de origem pós deposicional, provavelmente decorrente de ação de bactérias e fungos.

NMI: Pelo menos dois indivíduos


Sexo: intederminado
Idade: Um infante (6 meses a 3 anos) e uma criança pequena (por volta de 3 a 5 anos no máximo).

Patologias / sinais de estresse / traumas: hiperostose porótica na parte basilar do osso occipital, lesão antemortem em
um fragmento de mandíbula do individuo mais novo.

Alterações esqueléticas culturais intencionais em vida: ausente

Alterações culturais esqueléticas posmortem: Ausente.

Gestual funerário: deposição secundária em urna com tampa, muitos ossos e dentes faltando, crânios colocados
aparentemente lado a lado acima dos ossos menores, provavelmente após a deposição primária dos corpos já
esqueletizados foram escolhidos os ossos maiores, ou o que pode ser visto e não estava decomposto.
Tipo de sepultamento: Secundário em urna globular lisa com panças.
Acompanhamento: Urna funerária com tampa pintada com uma faixa amarela na borda externa e pintura branca com
desenhos curvilíneos em linha preta no interior. A urna funerária não tem pintura e possui “gomos” ou panças.
Estilo cerâmico associado: urna funerária e tampa sem filiação a estilo cerâmico conhecido, porém a urna lembra
formas com panças da cerâmica Koriabo.
Acompanhamento (dentro da urna):

 Contas: ausente

 Pingentes: ausente

 Fauna: ausente

 Outros
Estrutura 42(A) - Urna B - Observações Gerais (resumo) - (Avelino Gambim Júnior):
Representatividade esquelética:

-Indivíduo 1- 75% a 100% de elementos esqueléticos presentes

-Indivíduo 2: Menos que 25% dos elementos esqueléticos presentes

Aspectos tafonômicos: ossos esbranquiçados e amarelados sem evidencia de exposição ao fogo. Ossos com preservação
diferenciada, aqueles depositados nos níveis mais acima apresentam maior fragmentação, enquanto demonstraram-se
mais íntegros aqueles próximo à base

NMI: Pelo menos dois indivíduos.

Sexo: Indivíduo 1- Feminino / Individuo 2- indeterminado

Idade: Indivíduo 1- final da adolescência a adulto jovem (19-24 anos); Indivíduo 2- não-adulto, possivelmente um
infante ou uma criança pequena por volta dos 3 anos de idade.

Patologias/sinais de estresse/traumas:

 Indivíduo 1- Presença de trauma regenerado no fêmur esquerdo com leve deformação óssea e formação de um
calo ósseo e um dente molar com desgaste oclusal de leve a moderado, além de aparente perda dentária ante
mortem e reabsorção alveolar em metade da mandíbula, talvez ocasionando mastigação diferencial de um dos
lados. Fora isso os ossos apresentam-se gráceis, não foi possível identificar desgastes articulares, osteófitos nem
entesofitóses e marcadores de atividade ocupacional, em parte devido a marcações musculares muito suaves,
além dos ossos ausentes e fragmentados. Neste quesito todas as vértebras presentes na urna indicam ausência
de desgastes e osteófitos.

 Indivíduo 2: ausentes.

Alterações esqueléticas culturais intencionais em vida: ausente

Alterações culturais esqueléticas posmortem: Ausente

Gestual funerário: deposição secundária em urna com tampa cujo interior continha o crânio deitado com a calvária para
baixo e com a mandíbula destacada depositado ao fundo na base em cima das pelves direita e esquerda. Ao lado do
crânio foram depositados os ossos dos pés e das mãos, vértebras lombares, torácicas, cervicais, sacro, costelas e
clavículas. Praticamente todos os ossos longos estavam depositados transversalmente em feixes entre a parede da urna e
o crânio. Logo abaixo do crânio e entre as pelves foram identificados dois fragmentos da mandíbula.
Tipo de sepultamento: Secundário em urna

Acompanhamentos: Urna globular lisa e vasilha carenada lisa aberta (tampa).

Estilo cerâmico associado: formas que se assemelham ao complexo cerâmico Mazagão.

Acompanhamento (dentro da urna):

 Contas: ausente

 Pingentes: ausente

 Fauna: presente (diáfise de pequeno fragmento de diáfise de pequeno osso longo não humano)

 Outros
Estrutura 42(A) - Urna C - Observações Gerais (resumo) - (Avelino Gambim Júnior):
Representatividade esquelética: 25 a 75% de elementos esqueléticos presentes

Aspectos tafonômicos: Ossos com weathering grau 2 e Erosão grau 1, com coloração do cortical esbranquiçado,
amarelado e acinzentado. A coloração acinzentada pode ter relação à exposição ao fogo, porém não há nenhum outro
indicio além da coloração que ateste essa hipótese.

NMI: um indivíduo

Sexo: Masculino

Idade: 20 a 24 anos

Patologias / sinais de estresse / traumas: Marcadores musculares de atividade ocupacional na ulna direita e esquerda.
Supinator crest enthesopathy ( ulna esquerda), Anconeus enthesopathy e Pronator/supinator enthesopathy (ulnas
direita e esquerda); Hiperostose porótica já cicatrizada no osso frontal do crânio, adjacente às orbitas e à sutura
metópica; Dentes molares com desgastes oclusais de leve a moderados.

Alterações esqueléticas culturais intencionais em vida: ausente

Alterações culturais esqueléticas posmortem: ossos pintados de vermelho.

Gestual funerário: Na base da urna foi depositado o crânio com a calota voltada para cima, junto à pelve direita e
esquerda. Ao lado destes foram colocados os ossos longos em feixe no sentido vertical, junto às costelas, apoiadas na
parede e nos ossos chatos como as pelves e o próprio crânio. Acima, na superfície da urna foi depositada a mandíbula
com os dentes voltados para baixo. Ao redor foram depositadas sem uma ordenação aparente as costelas e outros ossos
pequenos.

Tipo de sepultamento: secundário em urna antropomorfa.

Acompanhamentos: Urna Funerária antropomorfa (semelhante ao estilo cerâmico Caviana) com pintura amarela e
branca, braceletes e tornozeleiras com orifícios, lobo das orelhas perfurados, e diadema ou espécie de coroa na cabeça,
além de uma espécie de filamento que se assemelha de longe a uma “vértebra” estilizada nas “costas” da urna
antropomorfa, ou um tipo de corte de cabelo que se projeta da diadema, ou ainda um adorno, ideia reforçado pelo fato
destes filamentos se iniciarem na cabeça com dois três filamentos, dois deles curtos que não continuam e param onde
seria o pescoço, e um filamento no meio que se projeta até a cintura da urna, se assemelhando a adornos vistos em
descrições etnográficas. Esta figura antropomorfa masculina (sexo representado pela modelagem do pênis) está sentada
em um banco retangular com os braços cruzadas (uma das mãos representadas possui sei dedos).

Estilo cerâmico associado: Estilo Caviana, o que por sua vez, segundo Saldanha et al (2016) se indaga, tomando por
base também o sítio Curiaú Mirim I, é que a cerâmica dita Caviana, poderia ser, talvez uma manifestação da
policromia e antropomorfismo na cerâmica Mazagão. Ela se assemelha a algumas figuras antropomorfas Santarém,
devido alguns elementos em conjunto como a boca, os olhos, o diadema e os filamentos nas costas da urna
antropomorfa.

Acompanhamentos (dentro da urna):

 Contas: ausente

 Pingentes: ausente

 Fauna: um dente fragmentado de mamífero de grande porte (provavelmente uma anta) e pequena placa óssea
(identificada como provável carapaça de tatu).

 Outros: ausente
Estrutura 42(A) - Conjunto 1 (Resumo) - (Avelino Gambim Júnior):

Representatividade esquelética: 25 a 75 %

Aspectos tafonômicos: Ossos brancos sem indicação de queima e erosão grau 3 a 5.

NMI: um indivíduo

Sexo: Possivelmente feminino

Idade: 15 a 20 anos

Patologias / sinais de estresse / traumas: ausente

Alterações esqueléticas culturais intencionais em vida: Ausentes

Alterações culturais esqueléticas posmortem: Ausentes

Gestual Funerário: Mandíbula destacada colocada acima dos ossos longos dispostos em feixes orientados com eixos
distais e proximais de norte a sul apoiados sobre o crânio colocado abaixo destes

Tipo de sepultamento: Secundário direto (possível invólucro vegetal)

Acompanhamentos: Ausente

Estilo cerâmico associado: Ausente (Arranjo funerário com cerâmica Mazagão e Caviana)

Acompanhamentos (dentro da urna):

 Contas: ausente

 Pingentes: ausente

 Fauna: ausente

 Outros: ausente
Estrutura 42(A) - Conjunto 2 (Resumo) - (Avelino Gambim Júnior):

Representatividade esquelética: O grau de completude é de 25 a 75% de elementos esqueléticos presentes.

Aspectos tafonômicos: Ossos muito fragmentados e friáveis, com erosão tipo 3 a 5.

NMI: um indivíduo

Sexo: Possivelmente masculino

Idade: Maior que 17 anos

Patologias / sinais de estresse / traumas: ausentes

Alterações esqueléticas culturais intencionais em vida: ausente

Alterações culturais esqueléticas posmortem: Possível pintura vermelha

Gestual Funerário: Os ossos longos estavam todos depositados ao leste do crânio, este por sua vez estava
depositado mais ao sul dos ossos longos, apoiado ao leste por um osso pélvico. Entre os ossos longos e o crânio
temos um fragmento de mandíbula. Visíveis nas fotos e vídeos é possível observar oito ossos longos, sendo
possível identificar duas fíbulas, dois fêmures, duas tíbias e outros ossos longos fragmentados que parecem ser dos
membros superiores. Estes ossos longos pareciam estar dispostos empilhados aos pares. Junto aos ossos longos
foram identificados ainda ossos do tarso com aparente conexão anatômica, podendo indicar deposição de corpo
com as partes moles não completamente decompostas.

Tipo de sepultamento: Secundário direto (possível invólucro vegetal)

Acompanhamentos: Ausente

Estilo cerâmico associado: Ausente (Arranjo funerário com cerâmica Mazagão e Caviana)

Acompanhamentos (dentro da urna):

 Contas: ausente

 Pingentes: ausente

 Fauna: ausente

 Outros: ausente
Estrutura 42(A) - Conjunto 3 (Resumo) - (Avelino Gambim Júnior):

Aspectos tafonômicos: o crânio está com erosão tipo 4, apresenta a face muito fragmentada, diga-se o osso nasal, os
etmóides, o arco zigomático e a maxila. Os ossos mais íntegros são o frontal, a face frontal do orbicular direito e
esquerdo, os parietais e o occipital. Há uma concreção de sedimento aderido na face do crânio. A deformação do
crânio parece ser devido à pressão exercida pelo peso compactação do sedimento acima e à volta do mesmo, é
notável principalmente no osso frontal e occipital é responsável por algumas das quebras e fragmentações, aliada a
quantidade de raízes e radículas que transpassavam o crânio. Os ossos longos apresentam diversas alterações
tafonomicas, prevalecendo a erosão da superfície óssea de maneira mais branda que o que foi visto no crânio. A
graduação obtida para estes ossos foi de 2 a 3 graus de erosão.

Representatividade esquelética: 25 a 75%; Muitos ossos faltando.

NMI: um indivíduo

Sexo: Possivelmente masculino (?)

Idade: 15 a 20 anos

Patologias / sinais de estresse / traumas: ausente

Alterações esqueléticas culturais intencionais em vida: ausente

Alterações culturais esqueléticas posmortem: possível marca de corte (descarne) em uma tíbia

Gestual Funerário: O crânio estava posicionado ao sul, e o restante dos ossos ao norte deste. Os ossos longos dos
membros inferiores estavam agrupados ao leste, enquanto os ossos longos de membros superiores, algumas costelas
e o crânio estavam ao oeste, próximos e encostados junto à urna D (que não continha ossos, mas apenas uma
pequena vasilha com abertura direta). Acima do pacote de ossos percebe-se um osso longo que parece ser um
úmero encontrado em uma posição diagonal e ao norte do crânio. O crânio estava parcialmente com a face voltada
para baixo, com epífises de ossos longos estavam posicionadas abaixo da face do crânio. A posição das epífises
proximais das fíbulas estavam em contato direto com a face, além de duas extremidades distais de um fêmur e
epífise proximal de uma tíbia, assim como um fragmento de uma clavícula, também posicionados abaixo da face do
crânio.

Tipo de sepultamento: Não é possível afirmar com segurança

Acompanhamentos: Ausente

Estilo cerâmico associado: Ausente (Arranjo funerário com cerâmica Mazagão e Caviana)

Acompanhamentos (dentro da urna):

 Contas: ausente

 Pingentes: ausente

 Fauna: ausente

 Outros: ausente
Estrutura 1043 (Observações gerais) - (Avelino Gambim Júnior):

Aspectos tafonômicos: Ossos fiáveis de coloração amarelada a esbranquiçada e levemente acinzentada, porém sem nenhum indicativo de exposição
ao fogo e com cortical muito fino. Alguns ossos, principalmente alguns ossos de infantes e alguns artefatos possuem acreções de carbonato aderidas
na superfície dos mesmos. Além destes verificou-se ninhos de inseto feitos com sedimento de granulometria argila aderida a ossos do indivíduo
adulto.

Representatividade esquelética: infantes: ambos 25 a 75 % ; criança ou adolescente: menos de 25%; indivíduo adulto: 25 a 75 %.

NMI = Pelo menos quatro indivíduos. Quanto aos ossos de indivíduo adulto (adulto jovem?), não foi identificada nenhuma duplicata levantando a
possibilidade de se tratar de um mesmo individuo devido ao estágio de desenvolvimento, alterações tafonomicas e idade biológica obtida para cada
osso, além da observação dos dentes permanentes totalmente desenvolvidos e de dezoito vértebras já fusionadas, bem desenvolvidas e sem
duplicatas.

Idades: Dois infantes: um deles provavelmente um recém nascido com idade máxima de poucas semanas a no máximo 3 meses ou ainda um feto; já
o outro infante provavelmente tem uma idade por volta de 1 a 2 anos. Um indivíduo adulto, possivelmente um adulto jovem com idade de 20 a 35
anos; E uma criança ou adolescente (talvez com pouco mais de 5 anos te por volta de 15 anos).

Sexo: Não foram identificados nos infantes e quanto a maioria dos ossos dos indivíduos mais maduros a medição e morfologia deram geralmente
resultados e características ambíguas.

Porém as medições da cavidade glenóide das escápulas, da robustez da clavícula e a morfologia da incisura isquiática maior de um fragmento de
pelve dos ossos de indivíduos adultos, deram resultados típicos para indivíduos femininos.

Patologias / sinais de estresse / traumas:

- cáries em pelo menos dois dentes decíduos e desgaste oclusal em dente incisivo permanente.

- Entesofitóse “Woodcuter lesion” em uma ulna direita, relacionado a atividades de intensas flexões e extensões do cotovelo.

- Entesofitóse “Achilles tendon enthesis e medial process spur” em um calcâneo esquerdo apresentando uma lesão proliferativa (digitações
exostóticas) devido à sobrecarga de esforço da musculatura soleal e gastrocnêmica talvez ocasionada por longas caminhadas, corrida (caça) ou ainda
devido ao posicionamento dos pés no uso de arpões e na pesca em lagoas e embarcações.
- Entesofitóse de grau 3 na patela na área de inserção do tendão do músculo quadríceps femoral na patela esquerda relacionada a estresse repetitivo
e/ou extenuante no joelho, podendo estar relacionada a caminhadas em locais acidentados, caminhadas ou corridas longas, arrancadas, etc.

- Presença de osteófitos em algumas vértebras torácicas e lombares.

Alterações esqueléticas culturais intencionais em vida: ausentes

Alterações culturais esqueléticas posmortem: ausentes

Acompanhamentos: urna funerária globular lisa com uma vasilha aberta lisa e emborcada. Três potes pequenos globulares lisos e uma tigela lisa.

Estilo cerâmico associado: Cerâmica com formas que se assemelham à cerâmica Mazagão.

Acompanhamentos (dentro da urna):

 Fauna: três conchas de pugilina morio (ambas parecem que foram intencionalmente raspadas em baixo), uma concha de dorissa SP. 1
(parece haver uma perfuração aparentemente pós deposicional), onze ossos de pequenos vertebrados (mamíferos? Aves? [no caso de
alguns fragmentos de ossos longos]), e dois fragmentos de carapaça de caranguejo. Ninhos de himenópteras feitas de barro (por vezes
cobriam a superfície de alguns ossos, somente naqueles identificados como pertencentes aos indivíduos adolescentes tardios ou adultos
jovens).

 Contas: 271 contas de “discos” pluricolunares articulados e colunares isolados de crinoides fósseis;

 Pingentes: três pingentes (réptil, ave, mamífero) de substrato carbonático não identificado; doze conchas cortadas (em formatos
quadrangular, retangular e triangular).

 Outros: ausente
Estrutura 1059 - Câmara A_(Observações Gerais) - (Avelino Gambim Júnior):
Aspectos tafonômicos: Forte intemperismo na superfície cortical dos ossos em alguns casos descamando, e ossos
muito friáveis com erosão e muito fragmentados. Ossos com intemperismo (weathering) com estágios 3 a 4.
Representatividade: Ambos indivíduos 25 a 75%
MNI= Pelo menos dois indivíduos (quatro calcâneos, catorze dentes molares)
Sexo= indefinido
Idade= foi identificado uma epífise proximal de uma ulna já fusionada (fusiona dos 12 aos 16 anos ), uma epífise
distal de um úmero já fusionado (fusionam dos 12 aos 16 anos) e uma epífise proximal de um úmero não
fusionado (fusiona dos 13 aos 20 anos), além de um primeiro dente incisivo superior em forma de pá com
moderado desgaste oclusal (já formado indicando uma idade maior do que 9 anos). É possível identificar ainda dois
fragmentos de calcâneos (indicando uma idade maior que 6 anos de idade). Os ossos parecem indicar um indivíduo
adolescente.
Patologias / sinais de estresse / traumas: Um primeiro dente incisivo superior permanente em forma de pá com
moderado desgaste oclusal
Alterações esqueléticas culturais intencionais em vida: ausente

Alterações culturais esqueléticas posmortem: ausente

Gestual Funerário: Os ossos longos estavam colocados tanto horizontalmente quanto verticalmente, deste último
com feixes de ossos longos encostados à parede, e concentrações de ossos dos pés e das mãos na base da urna,
fragmentos de costelas estavam depositados agrupados no fundo da urna e junto às paredes.
Tipo de sepultamento: Secundário em urna
Acompanhamento: Urna funerária globular lisa com uma faixa vermelha vertical da borda ao pescoço da urna. Dois
pequenos potes cerâmicos globulares lisos, uma delas com pinturas vermelhas circulares e um banco quadrangular
com decocração na superfície externa.
Estilo cerâmico associado: Urna funerária globular lisa e potes cerâmicos que se assemelham a formas também
Mazagão e um banco quadrangular com características que se assemelham à cerâmica Mazagão e Koriabo.
Acompanhamento (dentro da urna):
 Contas: ausente

 Pingentes: ausente

 Fauna: osso de ave com alterações na superfície cortical típicas de intemperismo (weathering) tipo 2 e
osso de pequeno vertebrado com evidência de exposição ao fogo (osso carbonizado de coloração preta),
além de um dente incisivo de um roedor, talvez uma cutia ou capivara.
 Outros: ausente
Estrutura 1059 - Câmara B (Observações Gerais) - (Avelino Gambim Júnior):

Aspectos tafonômicos: intemperismo (weathering) de grau 2 a 3, coloração branca acinzentada, provavelmente


relacionado ao contexto deposicional do descarne, devido a presença de bactérias. O teto da câmara deve ter
desabado em algum momento, ocasionando a quebra de maior parte da base tampa da urna, que entrou na urna,
juntamente com o preenchimento pelo sedimento do latossolo acima dela que exerceu pressão e empurrou e
fragmentou os ossos que estavam devidamente arranjados na urna, esmagando o crânio, fragmentando os ossos
longos e espalhando e remexendo o arranjo original do esqueleto.
Representatividade: completude 25% a 75%;

MNI: um indivíduo
Sexo: indefinido, porém a mandíbula com eminência mentual tipo 1, a abertura septal da epífise distal do úmero
esquerdo (caractere não métrico), fragmento de pelve com incisura isquiática maior que parece ser mais aberta,
pode levantar a possibilidade de ser um indivíduo possivelmente feminino.
Idade: adolescente tardio (epífises proximais dos úmeros não fusionados ao mesmo tempo que a epífise distal
parece estar fusionada) a adulto jovem entre 18 a 35 anos - mandíbula com presença de terceiro molar já
erupcionado, mas ainda não totalmente.
Patologias / sinais de estresse / traumas: lesão do agachador na epífise distal das tíbias esquerda e direita;
desgastes oclusais leves em três molares e um desgaste oclusal moderado em um inciso (em forma de pá)
superior.
Alterações esqueléticas culturais intencionais em vida: ausentes

Alterações culturais esqueléticas posmortem: presença de ocre (aspergido?) na superfície dos ossos

Gestual Funerário: é possível percebermos alguns gestos funerários como os ossos longos dispostos na
posição vertical, junto à parede nordeste, algumas costelas na porção leste da urna e o crânio, mandíbula e pelves
posicionados na porção oeste da urna. Como era de se esperar os ossos mais pequenos, como as patelas, alguns
tarsos, carpos, falanges, metacarpos e metatarsos encontrados espalhados por toda a base da urna, assim com
alguns dentes soltos também espalhados na base da urna.Constatou-se que as patelas foram encontradas juntas,
lado a lado na porção leste da base da urna, assim como uma ulna e radio foram encontrados verticalizados e lado
a lado, próximos de um úmero, porém constatou-se que os mesmos ossos estavam muito misturados, não sendo
porém encontrados outros indícios que levem a pensar em um sepultamento primário, tudo levando a pensar pelo
contrario que se trate de um sepultamento secundário.
Tipo de sepultamento: secundário em urna
Acompanhamentos: Urna funerária globular lisa com vasilha lisa e aberta emborcada servindo como tampa. Ao
lado foi encontrado um pote globular liso (cujo interior não tinham ossos, apenas alguns pequenos carvões).
Estilo cerâmico associado: Todas as cerâmicas acima listadas possuem formatos que condizem às formas do
complexo cerâmico Mazagão.
Acompanhamentos (interior da urna):
 Contas: ausente
 Pingentes: ausente
 Fauna: ausente
 Outros: ausente
Estrutura 1059 - Câmara C (Observações gerais) - (Avelino Gambim Júnior):
Aspectos tafonômicos: Osso de coloração branca e amarelada, cujas diáfises em sua maioria não estão preservadas com cortical
muito fino e quebradiço, porém as epífises estão excepcionalmente bem representadas.

Representatividade: indivíduo infantil – menos que 25% . Representados por fragmentos de pequenas costelas, corpos vertebrais não
fusionados, arcos neurais de vértebras não fusionadas, seis dentes (decíduos e permanentes não eclodidos), osso temporal de
indivíduo não adulto (maior que seis meses de idade) e pequenos fragmentos de diáfises de ossinhos longos de individuo não adulto.
Indivíduo adulto – 25 a 75%. Quanto ao individuo adulto muitos ossos e dentes estão faltando, porém deve-se ressaltar que muitos
ossos pequenos como carpos, tarsos, metatarsos, metacarpos, falanges estão excepcionalmente bem representados se considerarmos
que estes não costumam estar presentes em sepultamentos secundários. Estão representadas também treze vértebras, cervicais,
torácicas e lombares, além de poucos fragmentos de costelas. As epífises distais e proximais estão relativamente bem preservadas.
Além de fragmentos de calotas cranianas não foram encontrados outros fragmentos do crânio, nem fragmentos de mandíbula,
apenas dois dentes (sem perfuração) que pertencem provavelmente a indivíduo adulto.

NMI= pelo menos dois indivíduos

Idades: um indivíduo no mínimo adolescente tardio, provavelmente um adulto jovem (a julgar pelas epífises fusionadas e desgaste
das vértebras); um indivíduo não adulto, provavelmente um infante (a julgar pelos dentes decíduos e permanentes não eclodidos),
maior que seis meses e menor que três anos de idade.

Sexo= indefinido (quanto aos elementos esqueléticos do indivíduo adulto o máximo que podemos dizer é um indivíduo robusto,
com ossos grandes e marcações musculares bem marcadas, apesar disso não ser o suficiente, pode-se pelo menos tentativamente
levantar a possibilidade de ser um indivíduo masculino).

Patologias / sinais de estresse / traumas: inserções musculares bem marcadas em um fragmento de rádio (tuberosidade do rádio bem
protuberante) e úmero, ossos longos robustos, osteófitos em algumas das vértebras torácicas e lombares. Os únicos dentes sem
perfuração parecem possuir tártaro acumulado.

Alterações esqueléticas culturais intencionais em vida: ausente

Alterações culturais esqueléticas posmortem: presença de ocre (aspergido?) na superfície dos ossos do indivíduo adulto (e em boa
parte das contas e fauna associada).

Gestual Funerário: Não foi observada uma coerência na disposição dos ossos, os mesmos estavam envoltos em uma matriz de
sedimento, e o alto grau de fragmentação permitiu poucas observações quanto a posição e face em que os ossos apareciam, alguns
ossos longos estavam posicionados tanto horizontalmente quanto verticalmente. Só foi possível observar alguma coerência na
disposição dos ossos próximo à base da urna, quando o sedimento passou a ficar mais compacto, e apenas os terços proximais ou
distais dos ossos longos puderam ser identificados, preservando principalmente algumas epífises, como as duas epífises distais de
úmero direito e esquerdo, encontrados lado a lado, junto de outros ossos longos de membros superiores e inferiores. Talvez os ossos
estivessem dispostos originalmente junto à parede oeste da urna e o crânio (só foram encontradas fragmentos de calota craniana) e
outros ossos com pelve, escápula, clavícula, ossos dos pés e mãos colocados ao lado leste, baseando-se na posição dos ossos na base
da urna. Porém pela disposição dos ossos, e ossos das mãos e pés acima da matriz de sedimento, e não necessariamente junto à base,
assim como uma diáfise de um fêmur disposto horizontalmente acima de todos os ossos sugere não apenas o preenchimento da urna
com sedimento pela quebra da urna, mas o remeximento dos ossos.

Tipo de sepultamento: secundário em urna


Acompanhamentos= urna funerária globular lisa com vasilha emborcada servindo como tampa; dois potes cerâmicos encontrados
lado a lado da urna, além de um banco cerâmico circular com decorações e com pintura monocromática vermelha.

Estilo cerâmico associado: Ambos possuem elementos na forma e decoração que se assemelham às formas do complexo Mazagão.
Acompanhamentos (dentro da urna) =

 Fauna = um fragmento de osso longo, um osso plano e uma vértebra não identificados, parecem ser de um vertebrado de
médio a grande porte.

 Contas= quatro dentes de onça perfurados na raiz e vinte e oito dentes humanos perfurados na raiz; vinte e sete contas de
crinoides, duas contas de substrato carbonático não identificado e duas contas feitas de conchas trabalhadas.

 Pingentes= ausente

 Outros: Bloco arredondado avermelhado de granulometria silte e composição de hematita (lembra uma bolota de urucum).

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