Você está na página 1de 110

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO

ESCOLA DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS

LUCAS BERNARDO DOS SANTOS

OS 300 DE ESPARTA” E “HOLY TERROR”: do orientalismo à experiência em sala de


aula, a desconstrução do estereótipo árabe no ambiente escolar

Guarulhos
2022
LUCAS BERNARDO DOS SANTOS

OS 300 DE ESPARTA” E “HOLY TERROR”: do orientalismo à experiência em


sala de aula, a desconstrução do estereótipo árabe no ambiente escolar

Material apresentado à banca


examinadora do Mestrado Profissional
em Ensino de História (Prof. História) /
Unifesp, como como requisito para
obtenção do grau de Mestre em Ensino de
História.
Orientação: Profa. Dra. Ana Lúcia Lana
Nemi

Guarulhos

2022
SANTOS, Lucas Bernardo dos.

“Os 300 de Esparta” e “Holy Terror”: do orientalismo à experiência em sala de aula, a desconstrução do
estereótipo árabe no ambiente escolar / Lucas Bernardo dos Santos — 2022. — 108f.

Dissertação de Mestrado — Guarulhos: Universidade Federal de São Paulo. Escola de Filosofia, Letras
e Ciências Humanas.
Orientadora: Profa. Dra. Ana Lúcia Lana Nemi

1. História em quadrinhos; 2. Orientalismo; 3. Estereótipo; 4. Representação.


LUCAS BERNARDO DOS SANTOS

OS 300 DE ESPARTA” E “HOLY TERROR”: do orientalismo à experiência em


sala de aula, a desconstrução do estereótipo árabe no ambiente escolar

Material apresentado à banca


examinadora do Mestrado Profissional
em Ensino de História (Prof. História) /
Unifesp, como como requisito para
obtenção do grau de Mestre em Ensino de
História.
Orientação: Profa. Dra. Ana Lúcia Lana
Nemi

Aprovado em: _____________________________

Banca examinadora

__________________________________________________________
Prof. Dra. Ana Lúcia Lana Nemi (Orientadora)
Universidade Federal de São Paulo

___________________________________________________________
Prof. Dr. Rodrigo Aparecido de Araújo Pedroso
Universidade de São Paulo - USP

___________________________________________________________
Prof. Dra. Samira Adel Osman
Universidade Federal de São Paulo

___________________________________________________________
Prof. Dra. Elaine Lourenço
Universidade Federal de São Paulo
A Xangô, aquele que imortaliza o som no ar, senhor da
justiça, da verdade, aquele que come na gamela e senta-se
sobre o pilão emborcado. Pela sua grandiosidade que me
habita, eu agradeço.

(Sidnei Barreto Nogueira)

ÀWÚRE SÀNGO ÀWÚRE


AGRADECIMENTOS

Quando iniciei a graduação na FMU em 2014 não fazia ideia dos rumos que aquela
jornada tomaria, para ser bem sincero nunca passou pela minha cabeça continuar a vida
acadêmica depois da graduação, como um bom calouro o ritmo desenfreado dos textos e
leituras me assustou um pouco, felizmente as coisas mudaram quando tive contato com a
iniciação científica, ali peguei gosto pela pesquisa, e aquela iniciação científica nos
primeiros anos da graduação hoje se transformou na dissertação de mestrado, ela abriu
caminho, mesmo sem saber para minha entrada na UNIFESP. No decorrer dessa jornada
diversas pessoas importantes tiveram papel fundamental, por isso se torna necessário
promover agradecimentos a todos que de certa forma contribuíram para essa conquista.
Primeiramente, quero agradecer à minha família, mãe, pai, avó, seria impossível
chegar aqui sem o apoio incondicional deles, toda motivação foi um combustível
necessário para terminar esse trabalho, minha mãe sempre emprestando os ouvidos para
os desabafos de como o bairro dos pimentas era longe, e meu pai sempre perguntando
como tinha sido a “escola” (ele chama a universidade de escola).
Dentro do meu âmbito familiar minha irmã foi de longe a pessoa que mais
“sofreu” com essa jornada no mestrado, a Lidiane provavelmente já escutou a história dos
300 de Esparta uma vez para cada espartano que morreu na batalha das Termópilas, foi
quem sempre ouviu as reclamações e desabafos, foi quem ajudou a seguir em frente nas
vezes que a cabeça falhou, sempre digo que existe um pouco da minha irmã em mim,
então, existe um pouco dela nesse trabalho também.
É necessário tecer agradecimentos também a dois primos que foram fundamentais
para que eu me apaixonasse pelas ciências humanas como um todo, Wilson e Dylan,
graças a eles peguei gosto pela leitura, pelas histórias em quadrinhos e por mais uma
variedade de coisas que foram fundamentais para minha construção como ser humano.
Agradeço à minha orientadora, Profa. Dra. Ana Lúcia Lana Nemi, responsável
direta por fazer esse trabalho acontecer, sempre muito solícita e atenciosa em todas as
ocasiões em que nos encontramos no decorrer desses anos de mestrado, não poderia ter
escolhido orientadora melhor para me acompanhar nessa jornada. Agradeço
enormemente toda atenção, ajuda, paciência e principalmente a confiança no decorrer
desses três anos.
Gostaria de agradecer aos professores que tive a grande honra de ter contado no
PROFHISTÓRIA, professora Dr. Lucília Siqueira, professor Dr. João do Prado, professor
Dr. Alexandre Godoy, um agradecimento extremamente especial ao professor Dr. Fabio
Franzini que a disciplina História da Cultura foi de extrema contribuição para essa
dissertação, e a professora Dra. Samira Adel Osman pelas valiosas aulas de História da
Ásia, nas quais eu tive a oportunidade de aprofundar mais os estudos sobre Edward Said
e o orientalismo.
Aos professores da minha Graduação em Licenciatura em História, cursada na
FMU, agradeço veementemente, Flávio Luís Rodrigues, Guilherme de Paula Costa
Santos, Luiz Carlos Seixas, Maria Cecília Martinez, Silvia Cristina Lambert Sirian,
Victor Callari, agradeço a todos pelas conversas dentro e fora da sala de aula, os
conselhos, as dicas, os puxões de orelha, foi uma honra impossível de mensurar ser aluno
de vocês.
É necessário fazer mais alguns apontamentos ao professor Victor Callari, graças
ao contato com ele que me aproximei das histórias em quadrinhos, tive a enorme sorte de
conseguir acompanhar toda elaboração da sua dissertação de mestrado (e agora o
doutorado), ano passado tive o prazer de ser um dos autores do livro organizado por ele
“História e quadrinhos: contribuição ao ensino e à pesquisa”, com toda certeza minha
maior referência quando o assunto é HQ´s como fonte histórica.
É indispensável agradecer alguns amigos importantes que estão diretamente
vinculados à jornada do mestrado, meu amigo Jorge Edson, contato que se iniciou no
curso de História da FMU, em que tivemos a oportunidade de construir trajetórias
acadêmicas semelhantes, realizando pesquisas de iniciação científica, participando pela
primeira vez de eventos acadêmicos. Ano passado ele defendeu sua dissertação de
mestrado pelo programa de pós-graduação da UNIFESP, “Tensionar da memória na
Espanha e na graphic novel el arte de volar de Antônio Altarriba e Kim”, orientado
também pela Profa. Dra. Ana Lúcia Lana.
Minha amiga Letícia Knabben que sem sombra de dúvidas foi peça chave nesse
processo, foi a pessoa responsável por ler os textos da dissertação e ficar ouvindo minhas
lamentações e dramas, eu agradeço imensamente sua amizade e fico lisonjeado que você
tenha feito parte disso.
Um outro amigo que é necessário agradecer é o Faissal Tannoukhy, na verdade
mais que um amigo, um irmão que a vida colocou no meu caminho, fizemos o ensino
médio juntos, fui seu calouro na graduação e foi quem me ajudou no primeiro emprego
como professor, essa amizade foi um pilar importante, fundamental no decorrer dos três
anos de mestrado.
Agradeço também as amizades que fiz no ProfHistória, Dimas, Maicon, Marcio,
Yuri, Gabriela e Renata, as conversas no refeitório, no elevador, no pátio da universidade,
de alguma maneira todos esses momentos foram especiais e agregaram na minha jornada
na UNIFESP.
Devo um agradecimento especial a alguns companheiros do meu time de futebol
americano, o Guarulhos Rhynos, Gabriel Gama, João Cortez, Christian Antunes, Felipe
Emilio, Victor Perondini, Ayrton Rizzardo, Renato Rabelo, Gustavo Caravita, Lucas
Mattos, Catullo Goes, Luiz Felipe Domingues, Henrique Carvalho, Paulo Santos, Paulo
Guimarães, Vinicius Elias, Vitor César, todos de alguma maneira contribuíram para meu
crescimento pessoal, fica aqui um reconhecimento especial ao coach Antonio Fabião, que
algumas vezes teve que me ouvir quase chorando sobre as dificuldades de conciliar as
milhares de atividades que eu acumulei, obrigado por ajudar a organizar minha cabeça.
A última parte desse texto de agradecimento só poderia ser dedicada ao professor
que me inspirou em todos os aspectos, seja como docente ou pesquisador, além de ser
aluno do professor André Oliva Teixeira Mendes tive a honra de ser orientando, assim
que cheguei na graduação, as aulas de História antiga me cativaram de uma maneira que
instigou o interesse pela pesquisa, ter a oportunidade de ouvir seus conselhos, dicas e
broncas (sempre de um maneira ostensiva), foi algo que me transformou, desde então
venho sempre tentando colocar em prática seus ensinamentos, inegavelmente esse
trabalho de mestrado é uma maneira de agradecer, o senhor não faz ideia, mas mudou a
minha vida, para finalizar pego aqui uma frase sua emprestada “foi um prazer inenarrável”.
Uma das tarefas do intelectual reside no esforço em
derrubar os estereótipos e as categorias redutoras
que tanto limitam o pensamento humano e a
comunicação.

(Edward Said)
RESUMO:

A pesquisa se propõe a mostrar as potencialidades da utilização das histórias em


quadrinhos no âmbito escolar, descontruindo a ideia de que as HQ´s são puro
entretenimento, ingênuas e infantis. Outra problemática é o discurso ocidental que
constrói um estereótipo do Oriente. O choque entre Ocidente e Oriente cria diversas
representações que podem ser vistas em diferentes mídias como por exemplo as histórias
em quadrinho. O que Frank Miller faz em “Os 300 de Esparta” e “Holy Terror” são
construções de estereótipos que, se bem analisadas dentro da sala de aula, podem ser uma
grande ferramenta para o desenvolvimento crítico do educando.

Palavras-chave: História em quadrinhos; Orientalismo; Estereótipo; Representação.


ABSTRACT:

This research proposes to show the potential of the use of comics within the school
environment, deconstructing the idea that comics are pure entertainment, naive and
childish. Another problem is the Western discourse that vulgarizes the East, the clash
between these two worldviews creates different representations that can be seen in
different media such as comic books. What Frank Miller does in “The 300 of Sparta” and
“Holy Terror” are constructions of stereotypes that, if properly analyzed, inside the
classroom can be a great tool for the critical development of the student.

Keywords: Comics; Orientalism; Stereotype; Representation.


LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Holy terror (Panini, 2011). .............................................................................. 14


Figura 2: Os 300 de Esparta (Dark Hourse, 1998). ........................................................ 15
Figura 3: Batman: o cavaleiro das trevas. N.° 3, p. 47 (Abril, 1997). ............................ 39
Figura 4: Abertura de Os 300 de Esparta. Volume 1 (Editora Abril, 1999). .................. 45
Figura 5: O pedido por terra e água, o emissário menciona o tamanho do exército (v. 1,
p. 22). .............................................................................................................................. 46
Figura 6: O poço (v. 1, p. 25). ........................................................................................ 47
Figura 7: Preparação para batalha, Termópilas (v. 1, p. 16-17). .................................... 49
Figura 8: Preparação para batalha, Plateia (v. 4, p. 44-45). ........................................... 49
Figura 9: Lutaremos na sombra (v. 3, p. 17). ................................................................. 50
Figura 10: O Traidor (v. 5, p. 8- 9). ................................................................................ 51
Figura 11: A marcha espartana (v. 1, p. 5). .................................................................... 53
Figura 12: A falange espartana (v. 4, p. 12). .................................................................. 53
Figura 13: A desorganização persa (v. 3, p. 26-27)........................................................ 54
Figura 14: Os Imortais (v. 4, p. 23- 24). ......................................................................... 55
Figura 15: Monstros do outro lado do mundo (v. 5, p. 7). ............................................. 56
Figura 16: Xerxes (v. 4, p. 16). ....................................................................................... 56
Figura 17: Xerxes chacina seus soldados (v. 4, p. 30).................................................... 56
Figura 18: Insatisfação de Xerxes (v. 5, p. 6-7). ............................................................ 57
Figura 19: O nascimento do herói Leônidas contra a barbária ....................................... 59
Figura 20: Dilios e seu discurso sobre a união da Grécia (v. 5, p. 44). .......................... 60
Figura 21: Capa do volume 2. ........................................................................................ 61
Figura 22: Leônidas (v. 1, p. 18). ................................................................................... 62
Figura 23: Capa do volume 5. ........................................................................................ 62
Figura 24: Agradeçam a Leônidas e seus homens (v. 5, p. 44). ..................................... 62
Figura 25: Ilustração Holy Terror, Panini (2011). .......................................................... 66
Figura 26: Ilustração Capitão América N° 1, Marvel Comics (1941). ........................... 66
Figura 27: Abertura de Holy Terror. (Editora Panini, 2013). ......................................... 68
Figura 28: Censor e a Natalie Stack (Editora Panini, 2013, p. 11)................................. 69
Figura 29: Censor e Batman. .......................................................................................... 70
Figura 30: Frase no canto superior esquerdo da imagem “passamos a empregar
diplomacia pós moderna” (Editora Panini, 2013, p. 71). ............................................... 71
Figura 31: As preocupações de Dan Donegal. ............................................................... 72
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 14

CAPÍTULO 1 – A UTILIZAÇÃO DAS FONTES HISTÓRICAS EM SALA DE


AULA: UMA ABORDAGEM SOBRE A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS. . 17

1.1 – O PRINCÍPIO DE TUDO, UM ENCONTRO INESPERADO ....................... 17

1.2 – AS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS EM SALA DE AULA, ALGUMAS


OBSERVAÇÕES NECESSÁRIAS ............................................................................ 19

CAPÍTULO 2 – ORIENTALISMO DE EDWARD SAID E O CHOQUE DE


CIVILIZAÇÕES DE SAMUEL P. HUNTINGTON, UM DEBATE NECESSÁRIO.
........................................................................................................................................ 26

2.1 – O ORIENTE COMO INVENÇÃO DO OCIDENTE ........................................ 26

2.2 – CHOQUE DE CIVILIZAÇÕES OU CHOQUE DA IGNORÂNCIA? ............. 30

CAPÍTULO 3 – A DESCONSTRUÇÃO DO ESTEREÓTIPO ÁRABE EM SALA


DE AULA: “O ORIENTALISMO DE EDWARD SAID NAS OBRAS “OS 300 DE
ESPARTA” E “HOLY TERROR” DE FRANK MILLER ...................................... 35

3.1 - A HQ COMO INSTRUMENTO DISSEMINADOR DO PODER BRANDO .. 35

3.2 - FRANK MILLER: UM BALANÇO .................................................................. 37

3.3 - A HQ EM SALA DE AULA: UMA PEQUENA ABORDAGEM SOBRE A


GUERRA DO GOLFO ............................................................................................... 41

3.4 - A HQ EM SALA DE AULA: OS 300 DE ESPARTA ........................................ 43

3.5 - A HQ EM SALA DE AULA: O TERROR SAGRADO, O ÁRABE PÓS 11 DE


SETEMBRO ............................................................................................................... 63

CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................... 73

BILIOGRAFIA ............................................................................................................. 75

TRABALHO PROPOSITIVO.....................................................................................78
INTRODUÇÃO

A utilização das histórias em quadrinhos como fonte documental para a realização


do trabalho do historiador é um assunto que vem ganhando força na historiografia. Se,
inegavelmente, ela pode ser vista como um instrumento da indústria cultural, ela também
é capaz de dialogar com o momento histórico em que foi produzida, bem como com a
ideologia e o posicionamento político tanto de seu autor como, também, da empresa
editorial. É nessa perspectiva que reside a importância do trabalho da análise das histórias
em quadrinho para o historiador: elas se articulam com a sociedade, ou melhor,
representam como segmentos de uma determinada sociedade fazem a leitura de eventos
pretéritos e contemporâneos, mas também atuam como agentes difusores e
consolidadores de preconceitos e estereótipos. Levar esse debate para o ambiente escolar
pode ajudar na desconstrução de determinados estereótipos muito bem enraizados em
nossa sociedade. Assim, o presente trabalho procura fazer uma análise interdisciplinar,
mostrando a potencialidade da utilização da HQ como material didático em sala de aula.
Para isso o foco serão os discursos políticos do escritor Frank Miller através da
representação do árabe e do mundo muçulmano pelas narrativas Os 300 de Esparta,
publicada em 1990 pela editora Dark Horse, e Holy Terror, publicada em 2011 pela
Legendary Comics.

Figura 1: Holy terror (Panini, 2011).

14
Figura 2: Os 300 de Esparta (Dark Hourse, 1998).

Levar o diálogo entre essas duas HQ´s para sala de aula, ultrapassando a utilização
das imagens e onomatopeias como pura ilustração, pode ser um recurso facilitador para
que o aluno compreenda determinadas questões do passado e do presente. Nesse sentido,
o trabalho cumpre um duplo papel: mostrar como as histórias em quadrinhos estão longe
de ser ingênuas em sua produção e apresentar como o discurso ocidental promove
imagens estereotipadas do Oriente.
Sobre Os 300 de Esparta, desenhada nos últimos anos da década de 1990, a HQ
trouxe estampada em suas páginas diversas questões próprias de seu tempo. Influenciado
pela Guerra do Golfo, momento em que as relações entre Ocidente e Oriente se
mostravam conturbadas, o evento colocou frente a frente Estados Unidos e Iraque, como
também dois modelos de vida e percepções de mundo distintos (Ocidente X Oriente),
para muitos identificado como um verdadeiro “choque de civilizações”, como denominou
Samuel P. Huntington. Miller construiu uma representação estereotipada da figura do
oriental, longe de qualquer ingenuidade. Sistematicamente retratado como sujo, bárbaro,
ignorante e inferior, tal leitura refletia a visão de mundo de seu autor em relação ao
“outro”. Utilizando-se de um meio de veiculação tão capilarizado junto ao público jovem,
além de encontrar solo fértil junto a uma parcela significativa do público leitor
estadunidense, com forte tendência conservadora, essa obra tornou-se um sucesso desde
seu lançamento.
Configurando-se como um dos espetáculos midiáticos mais impactantes da
história ocidental, o dia 11 de setembro estadunidense tornou-se uma data emblemática
não só para o país como também para boa parte do mundo. A imagem dos aviões

15
chocando-se contra as torres do World Trade Center mexeu com os sentimentos
nacionalistas da população norte-americana, e com Frank Miller não foi diferente. Sua
“resposta” aos atentados demorou 10 anos para se materializar, vindo a público em
setembro de 2011, sob a forma da HQ intitulada Holy terror.
Nela, Miller narrou um atentado terrorista fictício ocorrido na cidade de Empire
City, lugar que tinha como defensor um herói chamado de o Censor. Segundo o próprio
Miller a HQ seria um reflexo do seu posicionamento político após o 11 de setembro. Em
suas páginas ficava claro seu ódio ao fundamentalismo1 islâmico e seu apoio ao que o ex-
presidente George W. Bush chamou de “Guerra ao Terror”. O inimigo na obra foi
apresentado de forma clara: trata-se da Al-Qaeda, organização islâmica de caráter
fundamentalista, liderada por Osama Bin Laden.
Essa construção criada por Frank Miller em ambas as HQ´s, seja o oriental
atrasado, exótico e déspota apresentado em Os 300 de Esparta, ou, a afirmação do outro
como terrorista presente em Holy Terror, são discursos que se enquadram naquilo que
Edward Said definiu como Orientalismo.
O Orientalismo, mais do que apenas uma abordagem sobre a região, tornou-se um
estilo no qual o mundo ocidental cria visões distorcidas para dominar, reorganizar e ter
autoridade sobre o outro. Segundo o autor, a fase moderna do Orientalismo teria tido
início em 1798, com a expedição de Napoleão Bonaparte ao Egito, levando um grupo de
intelectuais franceses para estudar a “terra dos faraós”. Foi a partir da disseminação desses
trabalhos que o “Oriente foi reconstruído, remontado, moldado, em suma, nasceu dos
esforços orientalistas” (SAID, 2007, p. 131). Para Said o conceito de Orientalismo seria
uma prova cabal de que quem tem o poder de representar tem o poder de definir a
identidade. Assim, ao representar, caracterizar e estereotipar o outro, por meio de
discursos politicamente construídos, esses agentes colocaram-se longe de qualquer
isenção.
O foco da pesquisa é mostrar as potencialidades da utilização das HQ´s como
material didático em sala de aula, a escolha das duas histórias em quadrinhos apresentadas
acima atende a outro questionamento, pois possibilita a desconstrução do estereótipo
árabe criado no conflito ocidente X oriente.

1
Fundamento que defende a interpretação fiel e sem restrições dos textos sagrados, no caso do
islamismo, a crença na defesa da leitura literal do Alcorão.

16
CAPÍTULO 1 – A UTILIZAÇÃO DAS FONTES HISTÓRICAS EM SALA DE
AULA: UMA ABORDAGEM SOBRE A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS.

1.1 – O PRINCÍPIO DE TUDO, UM ENCONTRO INESPERADO

Eu estaria excluindo parte significativa dessa pesquisa se começasse a dissertação


da maneira clássica “a pesquisa e as perguntas colocadas aqui nascem das minhas
preocupações como professor e dos desafios em sala de aula”, pois acredito que as
experiências como docente só potencializaram os incômodos que apareceram
anteriormente, por isso a necessidade de retroceder mais no tempo.
Meus primeiros contatos com as histórias em quadrinhos vieram por intermédio
do meu primo mais velho, para se livrar da minha presença enquanto conversava com
seus amigos ele me fazia ficar lendo HQ´s. Assim, meio sem querer ele ajudou, em um
encontro inesperado, a criar um carinho especial por essa fonte, carinho esse que se
potencializou no primeiro ano do ensino médio, quando a professora Regina, de História,
utilizou “Asterix Obelix contra César” para abordar os conflitos da República romana
contra a Gália. Ela só mostrou as tirinhas e onomatopeias, foi rápido e simplório, mas o
suficiente para na visão de um adolescente de 15 anos deixar a aula mais divertida, mais
lúdica, naquela altura do campeonato nem passava na minha cabeça que minha relação
com as HQ´s ganharia infinitas páginas, posso afirmar que Asterix e sua poção mágica
acenderam uma chama de curiosidade que, anos mais tarde, no ensino superior, se tornaria
um verdadeiro vulcão em erupção.
Outro fato que merece bastante destaque nesse entrelaçamento de histórias em
quadrinhos e sala de aula é a convivência com o professor Victor Callari. Quando
ingressei na graduação em 2014 ele tinha acabado de entrar no mestrado, sua dissertação
envolvia a análise de uma série de HQ´s da Marvel Comics, em que o Victor mostrava
como a editora se posiciona perante o governo do ex-presidente estadunidense George
W. Bush. Acompanhei o desenvolvimento da dissertação até que ela se tornasse livro,
“Política e terrorismo na série Guerra Civil da Marvel Comics”, ou seja, eu acompanhava
os debates sobre as potencialidades da HQ como fonte histórica antes mesmo de me
formar como docente e começar a utilizá-las em sala de aula.

17
Quando comecei a lecionar em 2017, ingressei em uma escola que no primeiro
ano do ensino média tinham três alunos com ascendência árabe, e as brincadeiras com
eles eram sempre as mesmas, com um teor preconceituoso, “vão explodir a escola”, “olha
a bomba”, e outras mais. Então resolvi, para a aula de Guerras Médicas, apresentar e
analisar a HQ “Os 300 de Esparta” do autor estadunidense Frank Miller, abordando como
os estereótipos são historicamente construídos e como as histórias em quadrinhos podem
ajudar nessa disseminação preconcebida dos outros, além de analisar de maneira mais
cuidadosa os quadrinhos e onomatopeias, para entender o tempo em que foram fabricadas
e toda carga ideológica à sua volta.
A partir dessa aula as inquietações e problemas de como utilizar as histórias em
quadrinho em sala de aula só cresceram, como utilizar toda a potencialidade dessa fonte
para desconstruir discursos historicamente preconcebidos que permeiam também a sala
de aula?
No começo de 2022 escrevi um plano de disciplina de itinerário formativo para
minhas turmas do primeiro e segundo ano do ensino médio intitulado “A linguagem dos
quadrinhos e sua contribuição para ensino de História”. Dividi a abordagem em três
partes, “O que são fontes históricas?”, na qual aponto as diversas tipologias de fontes
históricas dando uma atenção especial para as potencialidades das HQ´s. Na segunda
parte “A linguagem dos quadrinhos, entre balões e onomatopeias”, busco apresentar o
significado dos balões e onomatopeias, os vários tipos de ângulos e planos das histórias
em quadrinhos, como é especifica a linguagem dessa fonte. Finalizo com “Colocando a
mão na massa”, onde analiso em sala de aula algumas HQ´s, colocando em prática tudo
que foi apresentado nos estágios anteriores e, por último, os alunos escolhem alguma
fonte em quadrinhos para que eles coloquem a mão na massa.
O retorno das aulas é algo extremamente agradável e satisfatório, é nítido como a
utilização das histórias em quadrinhos em sala de aula potencializa os debates, por isso é
cada vez mais necessário o estudo dessa fonte na academia.
Em 2021 a editora Letramento publicou o livro História e quadrinhos,
contribuição ao ensino e à pesquisa organizado pelos professores Márcio dos Santos
Rodrigues e Victor Callari, em resumo, a obra faz um compilado de diversos textos sobre
histórias em quadrinhos e ensino de História, um dos textos é da minha orientadora, a
professora Ana Nemi, que utiliza a HQ A morte de Stalin: uma história soviética real
para discutir a memória e a representação do país dos sovietes. Também tive a honra de
fazer parte desse projeto juntamente com meu ex-professor da graduação, André Oliva

18
Teixeira Mendes, em nosso texto apontamos aspectos do conceito de orientalismo
cunhado por Edward Said na obra “Os 300 de Esparta” de Frank Miller.
Esse tipo de contribuição é extremamente fundamental para construção de
arcabouço teórico para os docentes que pretendem levar as HQ´s para suas salas de aula,
tenho a esperança de que em um futuro bem próximo seja absurdamente comum a
utilização dessa fonte no âmbito escolar com nossos estudantes, para quem sabe,
possibilitar outros vários encontros inesperados.

1.2 – AS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS EM SALA DE AULA, ALGUMAS


OBSERVAÇÕES NECESSÁRIAS

A utilização das histórias em quadrinhos como fonte documental vem ganhando


força tanto na historiografia como entre os debates pedagógicos. Se, inegavelmente, ela
pode ser vista como um instrumento da indústria cultural, também pode ser analisada
como representação do momento histórico em que foi produzida, bem como da ideologia
e do posicionamento político de seu autor e da empresa editorial.
É evidente a atuação desse produto no campo do entretenimento de massa, mas
isso não é tudo. Em uma leitura mais aprofundada, é possível perceber entre balões e
onomatopeias, quadros e sarjetas, discursos que reafirmam ou negam determinados
projetos político-ideológicos, assumindo parcialidades diante da realidade vivida.
Assim como qualquer outra fonte, as HQs merecem cuidados na análise,
especialmente devido às suas especificidades. É importante atentar para o fato de os
quadrinhos serem representações construídas socialmente, de acordo com o seu momento
histórico, levando em conta que aquele que a produziu não é um ser imparcial, deixando
transparecer na obra parte de sua visão de mundo. Além disso, não é possível ignorar a
questão do próprio mercado e seus interesses.
Nesse sentido, mostra-se importante entender o caminho que a obra percorreu
desde sua idealização até chegar às mãos do leitor: quem a produziu, quem a editou, para
que público, qual a tiragem, reimpressões, qual o quadro estatístico de distribuição e
venda. O motivo disso é que a editora também toma partido de situações políticas, sendo
impossível sua isenção. Victor Callari mostrou exatamente essa questão em um de seus
trabalhos, ao levar em conta o posicionamento dos membros de uma grande empresa
editorial: a Marvel Comics (CALLARI, 2014). Tendo como objeto a análise da série
Guerra Civil, Callari demonstrou o “posicionamento político adotado pela editora em
relação às questões referentes ao contexto estadunidense” após os atentados de 11 de

19
setembro, especialmente por meio da abordagem referente à política antiterrorista postas
em vigor pela administração George W. Bush. Na opinião de Callari, a Marvel Comics
teria assumido posicionamento contrário à lei USA PATRIOT Act, promulgada no
governo Bush.
As HQs, assim como outras manifestações sociais, representam segmentos de uma
estrutura cultural, refletindo a forma com que ela lê determinados eventos, mas também
atuando como agentes difusores e consolidadores de preconceitos e vulgarizações. Se o
poeta russo Vladimir Maiakovski tinha razão ao dizer que a arte não poderia ser vista
apenas como um “espelho para refletir o mundo, mas um martelo para forjá-lo”, talvez os
quadrinhos apresentem essa potencialidade.
Se, por um lado, trazer as histórias em quadrinhos para uma discussão escolar
pode ser uma maneira de deixar o cotidiano mais dinâmico para o aluno, na medida em
que se trata de uma fonte com forte apelo e aceitação junto ao público jovem (ludicidade),
e de um recurso capaz de estabelecer importantes intercâmbios disciplinares, o que
permitiria a superação do conhecimento como algo estanque e compartimentado,
promovendo ganhos qualitativos na relação ensino-aprendizagem, por outro, a ausência
de repertório metodológico e ferramentas interpretativas pode levar o leitor a tratar essa
fonte como mera ilustração do real. Na opinião de Peter Burke, o risco que se corre ao
utilizar-se a imagem de maneira absolutamente descontextualizada é não tratá-la como
fontes de fato, mas sim como uma reprodução sem comentário, como se fossem
testemunhas oculares neutras e isentas acerca de uma determinada realidade, quando na
prática seriam possibilidades de acesso não a uma realidade determinada, mas sim, a uma
visão de mundo específica (BURKE, 2004).
Não por acaso, o uso da imagem, seja ela estática, sequencial ou em movimento,
deveria obrigar o leitor a atentar para o fato de que elas são portadoras de informações
não apenas daquilo que se vê, de maneira imediata, mas também daquilo que
culturalmente o observador é capaz de ver, ou mesmo daquilo que se sabe ou o que se
aprendeu a ver. Dessa forma, a imagem não se esgota em si, existindo muito mais para
além do imediatismo visual, tornando-se mais representativa acerca de algo que seria
desejável mostrar do que efetivamente sobre aquilo que mostra.
Além disso, é importante ressaltar que o trabalho com gêneros de linguagem
diversos permite ao aluno desenvolver competências leitoras diferenciadas. Quando
aliadas à reflexão histórica, estas competências podem ser uma possibilidade efetiva de

20
exercer a crítica sobre uma fonte documental específica, demonstrando sua parcialidade
e intencionalidade.
Caberia ao professor a adoção de cuidados metodológicos, pois em uma leitura
simplista, a formalidade e “oficialidade” do documento poderia levar a uma construção
equivocada de “verdade histórica”. Por outro lado, o contato direto com esses materiais
auxiliaria na desconstrução de algumas imagens cristalizadas, motivando o aluno a
realizar cada vez mais indagações sobre o documento, tornando-o agente ativo desse
processo. Segundo Maria Auxiliadora Schmidt,
O contato com fontes históricas facilita a familiarização do aluno
com formas de representação das realidades do passado e do
presente, habituando-o a associar o conceito histórico à análise
que o origina e fortalecendo sua capacidade de raciocinar baseado
em uma situação dada (SCHIMIDT, 2004, p. 94)

Um bom trabalho com documentos realizado em sala de aula pode despertar no


aluno a percepção de que o passado não está “morto”, mas sim, que influencia e dialoga
constantemente com o presente, na medida em que caberia ao historiador selecionar, ler
e interpretar o passado sempre partindo de problematizações construídas em seu tempo,
percebendo permanências, rupturas ou mesmo construções interpretativas
ideologicamente constituídas a partir de estruturas sociais, políticas, econômicas e
culturais analisadas. Assim, tanto a escolha das fontes, como o entendimento que o
professor tem sobre elas, pode trazer questões valiosas para o processo educacional.
Circe Bittencourt defende que a escolha do material utilizado em sala de aula
“depende, portanto de nossas concepções sobre o conhecimento, de como o aluno vai
apreendê-lo” (Bittencourt, 2009, p. 229). A utilização de um suporte pedagógico que
esteja mais próximo do cotidiano discente pode ajudar na construção do conhecimento,
na medida em que o contato direto com as fontes permitiria, fundamentalmente, perceber
como se constrói a reflexão histórica, fruto de diversos enfoques interpretativos realizados
sempre no tempo presente, desmistificando a ideia de que o conhecimento sobre o
passado estaria pronto e acabado, ou mesmo que caberia ao historiador lidar apenas com
“coisas velhas”, esquecidas em um tempo pretérito remoto e abstrato.
Nesse sentido, mostra-se de fundamental importância que o professor consiga
construir com o aluno a percepção sobre diferentes temporalidades, fugindo do senso
comum de uma história quadripartida, pautada em uma linha do tempo eurocêntrica,
ideologicamente constituída, capaz de consagrar uma falsa ideia de passado “universal”,
relegando a um segundo plano aquilo que de mais profundo existe nas relações sociais.

21
O uso didático das HQ’s talvez possa evidenciar como é possível realizar deliberadamente
a apropriação do passado pelo presente. Muito provavelmente a inserção de histórias em
quadrinhos nos Parâmetros Curriculares - PCN Nacionais e na Lei de Diretrizes e Bases
da Educação – LDB tem esse motivador, a diversidade de fontes dentro do âmbito escolar:
Todo material é fonte de informação, mas, nenhum deve ser
utilizado com exclusividade. É importante haver diversidade de
materiais para que os conteúdos possam ser tratados da maneira
mais ampla possível. O livro didático é um material de forte
influência na prática de ensino brasileira. É preciso que os
professores estejam atentos à qualidade, à coerência e a eventuais
restrições que apresentem em relação aos objetivos educacionais
propostos. Além disso, é importante considerar que o livro
didático não deve ser o único material a ser utilizado, pois a
variedade de fontes de informação é que contribuirá para o aluno
ter uma visão ampla do conhecimento. Materiais de uso social
frequente são ótimos recursos de trabalho, pois os alunos
aprendem sobre algo que tem função social real e se mantêm
atualizados sobre o que acontece no mundo, estabelecendo o
vínculo necessário entre o que é aprendido na escola e o
conhecimento extra-escolar. A utilização de materiais
diversificados como jornais, revistas, folhetos, propagandas,
computadores, calculadoras, filmes, faz o aluno sentir-se inserido
no mundo à sua volta. (BRASIL, 2008, p.1)

Nesse contexto as HQ´s podem ser de grande valia em discussões cada vez mais
latentes. Quando bem analisadas, por exemplo, podem ser grandes aliadas na quebra de
estereótipos que se consolidam cada vez mais devido ao conflito ocidente X oriente. Algo
que a contemporaneidade herdou da antiguidade2 são as diferenças entre sujeitos que
geram pontos conflituosos, de um lado a racionalidade e superioridade do “nós”, em
contraponto da inferioridade e irracionalidade do “outro”. Esse etnocentrismo cultural
pode ser encontrado em algumas HQ´s, dois exemplos disso são Os 300 de Esparta e
Holy Terror, do autor Frank Miller.
Fazer essas ligações entre as histórias em quadrinhos e as problemáticas do mundo
contemporâneo vai ao encontro das propostas da PCN, um ensino de História que
dialogue e constitua diversas identidades, sociais, culturais, e indique a necessidade de
uma recriação da relação entre professor e aluno, e entre conhecimento histórico e
realidade social com o objetivo de fortalecer o papel da disciplina na formação intelectual
e social de cada indivíduo.

2
Sobre a antiguidade, essa distinção entre o “nós” e o “eles” pode ser facilmente percebida na
História de Heródoto ou na tragédia Os Persas de Ésquilo
22
O professor de História pode ensinar o aluno a adquirir as
ferramentas de trabalho necessárias; o saber-fazer, o saber-fazer-
bem, lançar os germes do histórico. Ele é responsável por ensinar
o aluno a captar e valorizar a diversidade dos pontos de vista. Ao
professor cabe ensinar o aluno a levantar problemas e a reintegrá-
los num conjunto mais vasto de outros problemas, procurando
transformar, em cada aula de História, temas em problemáticas
(SCHMIDT, 2005, p. 57)

Evidentemente que para o sucesso da utilização de qualquer fonte histórica em


sala de aula, existe a necessidade do domínio do docente sobre ela, assim sendo, é
necessário ter algumas questões bem fixadas no processo de análise, por exemplo, é
impossível utilizar os quadrinhos como fontes para desenvolver pesquisas sobre
temporalidades anteriores ao período contemporâneo3 , discussões sobre História antiga
ou medieval são preexistentes em relação ao surgimento desse meio de comunicação,
porém como salienta o professor Rodrigo Aparecido de Araújo Pedroso, “HQs com
conteúdo que remete ao passado podem ser utilizadas em pesquisas que tenham como
objetivo compreender como determinado fato ou período histórico é representado por
esse meio de comunicação” (PEDROSO, 2021, p. 142).
O conhecimento sobre as formas de produção, suas linguagens e temáticas,
mostram-se importantes para uma boa análise das HQ´s, sobre isso, Waldomiro
Vergueiro afirma que:
[…] na utilização de quadrinhos no ensino, é muito importante
que o professor tenha suficiente familiaridade com o meio,
conhecendo os principais elementos da sua linguagem e os
recursos que ela dispõe para representação do imaginário; domine
razoavelmente o processo de evolução histórica dos quadrinhos,
seus principais representantes e características como meio de
comunicação de massa; esteja a par das especificidades do
processo de produção e distribuição de quadrinhos; e, enfim,
conheça os diversos produtos em que eles estão disponíveis
(VERGUEIRO, 2008, p. 29)

Levando isso em consideração, as contribuições do professor Túlio Vilela se


mostram interessantes para iniciar o trabalho com as histórias em quadrinhos em sala de
aula, tendo como ponto de partida dois passos:
1. O professor deve mediar a leitura dos quadrinhos, chamando a
atenção para os anacronismos. Assim, os “erros” podem servir

3“Ao pensarmos nas HQs como fontes históricas constatamos que são documentos limitados e
representativos do que se denomina período contemporâneo, mais precisamente o final do século
XIX e séculos XX e XXI.” (PEDROSA, 2021, p. 142)

23
como ponto de partida para informações historicamente corretas,
contribuindo para a construção do conhecimento.
2. O professor deve indagar aos estudantes quais teriam sido as
referências utilizadas pelo artista na concepção das personagens
e no desenho dos trajes, dos cenários (castelos, cidade etc.) e das
armas (espadas, escudos, catapultas etc.) mostrados nos
quadrinhos. Alguns exemplos de perguntas que podem ser feitas:
“Ele imaginou tudo isso sozinho?”; “Vocês já viram algo
parecido antes?”. “No que ele se inspirou para criar tudo isso?” A
nossa pretensão é a de que o estudante perceba que toda a criação
artística não é fruto apenas da imaginação do autor, mas também,
daquilo que ele viu, leu, viveu etc. Afinal, o artista não é alguém
que vive isolado do mundo, alheio a realidade que o cerca. Ele é
parte de uma sociedade real, em época e lugar específicos
(VILELA, 2008, pp. 121-122)

Por mais que esses dois pontos de partida apresentados pelo professor Tulio sejam
estimulantes para iniciar a prática de aprendizagem com as HQ´s no âmbito escolar, é
indispensável a percepção de que não existe uma receita pronta para analisar essas
produções. As histórias em quadrinhos “diferentemente de outras formas artísticas, são
compostas de uma fusão de diferentes linguagens, resultando na criação de uma nova
linguagem com características específicas e letramento próprio” (ROSÁRIO, 2021, p.76),
letramentos próprios que se diversificam entre os vários títulos de HQ´s existentes, e que,
por sua vez, trazem a contextualização da fonte para o âmago de todo processo.
Evidentemente então para compreender o tempo narrado nos quadrinhos é
necessário compreender o contexto histórico, social e político dos autores e das
publicações. Mais especificamente o processo de contextualização da HQ se dá por um
tripé analítico. O primeiro ponto seria um destaque ao cotidiano do autor, uma
contextualização do seu momento de produção. O segundo ponto é encontrar a relação
do contexto com o que foi narrado, buscando identificar e compreender as intenções de
quem produz. O terceiro ponto é perceber a impossibilidade de entender a leitura proposta
como única, sempre existe a possibilidade de mais de uma interpretação
É pela preocupação da utilização das histórias em quadrinhos em sala de aula, e
por todos os pontos levantados aqui que escolhi como produto dessa dissertação produzir
algo que ajudasse os docentes no seu processo de elaboração de aulas com HQ´s. A ideia
é, através de uma história em quadrinhos, apresentar, de maneira simplificada, um
pequeno manual/guia de como abordar essa fonte tão única em ambiente escolar. Espero,
desta forma, ajudar nas futuras problemáticas que essa fonte pode apresentar, mas sem

24
deixar de lado a indagação de que não há regra para análise das HQ´s, não há uma resposta
permanente para uma metodologia única e ortodoxa.

25
CAPÍTULO 2 – ORIENTALISMO DE EDWARD SAID E O CHOQUE DE
CIVILIZAÇÕES DE SAMUEL P. HUNTINGTON, UM DEBATE NECESSÁRIO.

2.1 – O ORIENTE COMO INVENÇÃO DO OCIDENTE

Como parte das ferramentas teóricas usadas para compor esta dissertação, as
ideias de Edward Said em seu livro “Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente”
(1978) foi de extrema importância para a base da análise da construção da imagem do
outro, das diversas maneiras que o mundo ocidental, Europa e EUA criam e recriam
estereótipos que auxiliam no processo de denominação do mundo oriental.
Edward Said nasceu em 1935 em Jerusalém e passou seus primeiros anos na
cidade do Cairo, seu pai era cidadão norte-americano nascido também em Jerusalém e,
por isso, Edward Said sempre estudou em escolas inglesas e norte-americanas, sendo
alfabetizado tanto em árabe quanto em inglês. Anos mais tarde, continuou seus estudos
nos Estados Unidos e se formou na Universidade de Princeton, dando continuidade à vida
acadêmica no estado de Massachussetts, e fazendo o mestrado e o doutorado na
Universidade de Harvard. Said acreditava que todo texto tinha o poder de ensinar e em
Nova York ele lecionou na Universidade Columbia como professor de literatura
comparada.
Em meados da década de 1970, motivado por grandes questões pessoais, como
a de se sentir apátrida, comum a todos os palestinos, e principalmente por sempre ter
considerado estar “fora do lugar”, ou seja, não conseguir se sentir à vontade nos Estados
Unidos, mas também não conseguir se sentir à vontade no Egito ou no Líbano — essa
questão é melhor aprofundada em sua biografia chamada Fora do Lugar (2004) —, Said
se colocou como parte das grandes lutas, criticando a postura academicista de Michel
Foucault e consumindo muitos dos textos políticos da época, como a denúncia da
exploração colonial de Frantz Fanon.
As críticas ao academicismo estava relacionada à atitude dos intelectuais de sua
época: todos que trabalham em qualquer área relacionada com a produção ou divulgação
de conhecimento são intelectuais (ou deveriam ser), no sentido cunhado por Gramsci,
intelectual que se mantém (ou deveriam se manter) ligado à sua classe social originária,
atuando como seu porta-voz.
Dentro dessa concepção, Edward Said nos apresenta a necessidade do intelectual
militante, seu papel é de alguém que levanta publicamente questões embaraçosas,
confronta ortodoxias e dogmas, que não pode ser facilmente cooptado por governos e

26
corporações, que represente todas as pessoas e todos os problemas que são jogados para
debaixo do tapete. Não pode ser um pacificador, nem um criador de consensos, mas
alguém que empenha todo o seu ser no senso crítico, na recusa em aceitar fórmulas fáceis
ou clichês prontos e confirmações afáveis, sempre tão conciliadoras sobre o que os
poderosos têm a dizer e sobre o que fazem (SAID, 2005, p. 35).
Em seu livro Representações do intelectual, as conferências Reith de 1993,
podemos notar toda essa defesa de que o papel do intelectual é promover a liberdade e o
conhecimento humano. Essa produção tem um papel de destaque na vasta produção do
autor palestino, pois, entrelaça sua vida profissional intelectual com sua militância
política. Para Said, essas duas atividades são inseparáveis, “a tarefa do intelectual reside
no esforço em derrubar os estereótipos e as categorias redutoras que tanto limitam o
pensamento humano e a comunicação” (SAID, 2005, p. 11), essa posição de intelectual
Robin Hood, que se alinha aos fracos e aos que não têm representação é extremamente
visível na sua obra mais famosa, Orientalismo.
O livro Orientalismo: O Oriente como invenção do Ocidente foi publicado em
1978 e, nele, Said disserta, numa série de análises e de maneira bem detalhada, sobre a
forma como o Oriente é abordado a partir do imaginário do Ocidente. A construção dessa
imagem que o ocidente fez em relação ao oriente ao longo de vários séculos envolve a
invenção de estereótipos, homogeneizações, clichês, generalizações e inferiorizações que
o ocidente atribuiu ao oriente.
O Orientalismo, mais do que apenas uma abordagem sobre a região, tornou-se um
estilo no qual o mundo ocidental cria visões distorcidas para dominar, reorganizar e ter
autoridade sobre o outro. Segundo o autor, a fase moderna do Orientalismo teria tido
início em 1798, conforme já afirmado, com a expedição de Napoleão Bonaparte ao Egito,
levando um grupo de intelectuais franceses para estudar a “terra dos faraós”. Foi a partir
da disseminação desses trabalhos que o “Oriente foi reconstruído, remontado, moldado,
em suma, nasceu dos esforços orientalistas” (SAID, 2007, p. 133).
Os estudos acadêmicos produzidos nesse contexto colocaram o Ocidente como o
elemento “salvador”, aquele que trazia os conceitos do mundo civilizado, que mostrava a
luz da racionalidade e do bom senso. A missão francesa no Egito tinha por objetivo
“retirar uma região de sua presente barbárie e restaurar sua antiga grandeza clássica;
instruir o Oriente (para seu próprio benefício) nos moldes do Ocidente moderno” (SAID,
2007, p. 130). Essa percepção do Ocidente como sinônimo de agente modernizador e
civilizador foi historicamente construída e perdura até os dias de hoje.

27
O Oriente que aparece no orientalismo, portanto, é um sistema de
representações estruturado por todo um conjunto de forças que
introduziram o Oriente na erudição ocidental, na consciência
ocidental e, mais tarde, no império ocidental. Se essa definição do
Orientalismo parece mais política, é simplesmente porque acho
que ele foi o produto de certas forças e atividades políticas. O
Orientalismo é uma escola de interpretação cujo material é por
acaso o Oriente, suas civilizações, povos e localidades. (SAID,
2007, p. 275).

Ao apresentar o tema, Said apontou para a existência de três campos distintos de


atuação, mas que de certa maneira acabam relacionando-se. O primeiro diz respeito ao
acadêmico em que, a partir de pesquisas científicas, os “especialistas” constroem uma
imagem do Oriente4. Na idade moderna, principalmente no século XIX, surgiu um campo
de estudos denominado Orientalismo. Segundo o próprio autor, quem ensinava, escrevia
ou pesquisava sobre o Oriente, fosse antropólogo, sociólogo, historiador ou filólogo,
analisando aspectos específicos ou gerais, era sempre um orientalista, e o que ele ou ela
fazia era Orientalismo (SAID, 2007, p. 28). Esse conceito surgiu em um momento em
que o capitalismo estava fortemente entrelaçando os espaços europeu, asiático e africano
por meio do imperialismo europeu.
O segundo campo é o fantasioso, cultivado na imaginação e legitimado pela
produção de poetas, literatos, romancistas e cineastas5. O terceiro é o campo da política,
tendo a diplomacia como seu carro chefe e os Estados Unidos como país atuante6.
Associado a isso, outra questão mostra-se relevante para o autor. Trata-se dos
dogmas que acompanham o Orientalismo desde seu início. Nesse caso, Said os apresenta
em quatro eixos. O primeiro pauta-se na diferença civilizacional estabelecida entre o
Ocidente (racional e desenvolvido, humanitário e superior) e o Oriente (aberrante, não
desenvolvido, inferior). O segundo colocaria o Oriente em um tempo diferente, deixando
de lado a realidade contemporânea. A ideia do Oriente eterno, uniforme, imutável,
incapaz de se definir diria respeito ao terceiro dogma. O último dogma estaria associado
à ideia de um Oriente que deve ser temido e controlado.

4
Silvestre Sancy (filólogo), Ernest Renan (escritor, filósofo) e Bernard Lewis (professor
emérito Cleveland E. Dodge de Estudos do Próximo Oriente na Universidade de Princeton.) são
citados por Said.
5
Nesse caso Said cita os trabalhos do escritor francês Gustave Flaubert.
6
Said afirma que “Durante é pós a Segunda Guerra Mundial, a escalada do interesse dos Estados
Unidos pelo Oriente Médio foi extraordinária. Cairo, Teerã e África do Norte foram arenas
importantes da guerra, e nesse cenário, com a exploração do petróleo e dos recursos humanos e
estratégicos iniciada pela Grã-Bretanha e pela França, os Estados Unidos se prepararam para seu
novo papel imperial pós-guerra”. (SAID, 2007, p. 393-395).
28
Edward Said vê nos estudos orientais uma tentativa de categorizar o oriente, de
forma que, conforme mencionado em parágrafos anteriores, estes discursos passam a ser
uma maneira de controlar o Oriente. Ainda que esses constructos sejam feitos por
intelectuais eruditos, por exemplo, da área de linguagem, esses saberes em relação ao
oriente sejam eles linguísticos, geográficos, históricos ou culturais, têm o intuito da
dominação, ainda que de forma velada.

O Orientalismo é um estilo de pensamento baseado em uma


distinção ontológica e epistemológica feita entre o “Oriente” e (na
maior parte do tempo) o “Ocidente”. Assim, um grande número
de escritores, entre os quais poetas, romancistas, filósofos,
teóricos políticos, economistas e administradores imperiais, tem
aceitado a distinção básica entre o Leste e o Oeste como ponto de
partida para teorias elaboradas, epopeias, romances, descrições
sociais e relatos políticos a respeito do Oriente, seus povos,
costumes, “mentalidades”, destino e assim por diante (SAID,
2007, p. 29).

Para Said o conceito de Orientalismo seria uma prova cabal de que “quem tem o
poder de representar tem o poder de definir a identidade” (SILVA, 200, p. 91). Assim, ao
representar, caracterizar e estereotipar o outro, por meio de discursos politicamente
construídos, esses agentes colocaram-se longe de qualquer isenção.
Dentro dessa concepção existe uma construção simétrica que parte do mundo
ocidental em relação ao oriental, o orientalismo é como um espelho no qual o Ocidente
contempla além da sua própria imagem, sua superioridade em relação ao Oriente, sempre
através de binômios, avançado-primitivo; novo-antigo; superior-inferior; racional-
irracional; pacífico-violento; progresso-atraso.
Said, ao escrever O Orientalismo, buscou complexificar essas imagens simplistas
e reducionistas que existem sobre o oriente: “O oriental é irracional, depravado, infantil,
“diferente”; o europeu é racional, virtuoso, maduro, ‘normal’”. (SAID, 2007, p. 73). Desta
forma, o autor desconstrói ficções ideológicas que criaram em torno do conceito do
oriente e demonstra que esses discursos de autoridade funcionam como uma forma de
afirmação de identidade e de dominação em relação ao outro.
Na parte final de sua obra, Edward Said aponta as ações do orientalismo a partir
do século XX, tendo como cerne da discussão os Estados Unidos, que deixaram para trás
Inglaterra e França no quesito política mundial, mostrando como esse oriental passa a ser
caricaturado, após a Segunda Guerra. Segundo o olhar estadunidense, o oriental não é
mais exótico, diferente e inferior, já que agora passa a ser malvado, o inimigo do

29
Ocidente. Os Estados Unidos reforçam o estereótipo do oriental através de novas mídias
que não eram acessíveis no século passado como: rádio, televisão, filmes, desenhos
animados, documentários, telejornais, e até mesmo as histórias em quadrinhos,
posteriormente essa construção passa a circular pela rede de Internet (SILVA et al., 2009).

Nos filmes e na televisão, o árabe é associado com a libidinagem


zéou com a desonestidade sanguinária. Ele aparece como um
degenerado excessivamente sexuado, capaz de intrigas
inteligentemente tortuosas, é verdade, mas essencialmente
sádicas, traiçoeiras, baixas. Traficante de escravos, cameleiro,
cambista, um patife pitoresco: esses são alguns dos papéis
tradicionais do árabe no cinema. O líder árabe (de saqueadores,
piratas, insurgentes “nativos”) é muitas vezes visto rosnando para
o herói e a loira ocidentais cativos (mas imbuídos de integridade):
‘Os meus homens vão matá-lo, mas... eles gostam de se divertir
antes’. Enquanto fala, ele olha sugestivamente de soslaio, como o
sheik de Valentino. Nos documentários e nos noticiários, o árabe
é sempre mostrado em grandes números. Nada de
individualidade, nem de características ou experiências pessoais.
A maioria das imagens representa fúria e desgraça de massas, ou
gestos irracionais (por isso, irremediavelmente excêntricos).
Espreitando por trás de todas essas imagens, está a ameaça da
jihad. Consequência: o medo de que os muçulmanos (ou árabes)
tomem conta do mundo. (SAID, 2007, p. 383).

A partir do século XX, com EUA entrando na atuação orientalista, as perspectivas


se transformam, aquele que tem como objeto de estudo o oriente não mais se preocupa
em aprender as questões internas do território, em vez disso, “ele começa como um
cientista social treinado que aplica a sua ciência ao Oriente, ou a qualquer outro lugar.
Esta é a contribuição especificamente americana a história do orientalismo” (SAID, 2007,
p. 387). Essa nova concepção orientalista iniciada pelos Estados Unidos se potencializou
pós os atentados do 11 de Setembro.

2.2 – CHOQUE DE CIVILIZAÇÕES OU CHOQUE DA IGNORÂNCIA?

Choque de civilizações é o título de um artigo escrito em 1993 pelo cientista


político norte-americano Samuel Huntington, que posteriormente expandiu sua tese num
livro de 1996, O Choque de Civilizações e a Recomposição da Ordem Mundial. Em sua
tese, o autor argumentava que “os conflitos ocorridos após a Guerra Fria teriam como
principais motivadores as questões culturais e religiosas, apontando que o conceito de
diferentes civilizações, como nível maior de identidade cultural, se tornaria cada vez mais
útil para analisar o potencial de conflitos” (HUNTINGTON, 1996).
30
Huntington defende a ideia de que um indivíduo possui diversas características
que identificam seus aspectos culturais, para o autor o que caracteriza uma civilização é
o fato dela ser o mais amplo conjunto de pessoas em torno da mais ampla identidade
cultural. Ao descrevê-las, ele propõe que elas são entidades culturais significativas
definidas pelos elementos que partilham em comum com os indivíduos que a ela
pertencem, tais como língua, religiões e costumes culturais (SILVA, 2018). Dentro dessa
perspectiva, o mundo, para Huntington, seria moldado em nove grandes blocos,
civilização sínica, baseada na cultura chinesa; civilização nipônica, centrada no Japão;
civilização hindu, países que tem como religião oficial o hinduísmo; civilização budista,
com os países asiáticos que tem o budismo como religião majoritária; civilização
muçulmana, que englobaria os países que tem o islamismo como religião oficial e o árabe
como língua originaria; civilização latino-americana composta pelos países da América
Latina; civilização ortodoxa, formada pelos países que tem como religião o cristianismo
ortodoxo, Rússia e Leste europeu; civilização subsaariana, que seria o agrupamento dos
países africanos abaixo do deserto do Saara; e, por fim, a civilização ocidental, que
consiste nos países da América do norte e na Europa ocidental, e outros países que têm
o cristianismo como religião predominante, devido à influência europeia
(HUNTINGTON, 1996).
Dentro da teoria do choque de civilizações, os mundos ocidental e muçulmano
seriam os únicos blocos com intenções de expansão, e por isso a existência de constantes
conflitos e disputas culturais, políticas e ideológicas. Huntington destaca cinco elementos
fundamentais para esse colapso entre essas duas civilizações:

Primeiro, o crescimento populacional muçulmano gerou grande


quantidade de jovens desempregados e descontentes que se
tornam recrutas das causas fundamentalistas islâmicas, exercem
pressão sobre sociedades vizinhas e migram para o Ocidente.
Segundo o ressurgimento islâmico deu aos muçulmanos uma
confiança renovada no caráter e na qualidade próprios de sua
civilização e nos valores comparáveis aos do Ocidente. Terceiro,
os esforços simultâneos do Ocidente para universalizar seus
valores e instituições, para manter sua superioridade econômica e
militar e para intervir nos conflitos do mundo muçulmano geram
um intenso ressentimento no meio dos muçulmanos. Quarto, o
colapso do comunismo acabou com um inimigo comum do
Ocidente e do Islã, deixando cada um como a ameaça percebida
do outro. Quinto, os crescentes contatos e entremescla de
muçulmanos e ocidentais estimulam em cada lado uma nova
percepção de sua própria identidade e de como ela difere da

31
identidade do outro. A interação e a entremescla também
exacerbam as diferenças em relação aos direitos dos membros de
uma civilização num país dominado por membros de outra
civilização. (HUNTINGTON, 1996, p. 265)

É importante trazer à tona situação global no início dos anos 1990, a Guerra do
Golfo foi o primeiro grande conflito armado pós-Guerra Fria, o embate colocou frente a
frente EUA e Iraque. Dentro da leitura de Huntington, era a civilização ocidental seus
costumes e cultura, versus a civilização muçulmana seus costumes e culturas.
Evidentemente que as questões mais complexas do conflito são deixadas de lado nessa
análise simplista, sobre a Guerra do Golfo dissertaremos melhor sobre ela no terceiro
capítulo.
Huntington ainda afirma que a intolerância entre essas duas civilizações cresceu
exponencialmente entre as décadas de 80 e 90, que existem “duas versões diferentes do
que é certo e do que é errado e, como consequência, quem está certo e quem está errado.
Enquanto o Islã continuar sendo o Islã (como continuará), e o Ocidente continuar sendo
o Ocidente (o que é mais duvidoso), esse conflito fundamental entre duas grandes
civilizações e estilos de vida continuará a definir suas relações no futuro do mesmo modo
como as definiu durante os últimos 14 séculos” (HUNTINGTON, 1996, p. 265).
O termo “choque de civilizações”, utilizado por Samuel Huntington, não nasceu
de maneira inadvertida, ele tem sua origem através de um artigo escrito pelo orientalista
britânico Bernard Lewis intitulado The roots of Muslim Rage (As raízes do ódio
muçulmano) publicada na revista The Atlantic Monthly em setembro de 1990. Lewis
defende a ideia de que o islã é algo estanque, imutável e que não apresenta boas
qualidades, e a frustração por isso causa entre os muçulmanos uma raiva contra o
Ocidente e seus ideais democráticos de liberdade.
Devia agora estar claro que estamos diante de um estado de ânimo
e de um movimento que transcende em muito o nível das questões
e das políticas, bem como dos governos que as perseguem. Isso
não é nada menos do que um choque de civilizações - aquela
reação, talvez irracional, porém certamente histórica, de um velho
rival contra nossa herança judaico-cristã, nosso presente secular
e a expansão de ambos por todo o mundo. É de importância
crucial que nós, do nosso lado, não sejamos provocados a uma
reação igualmente histórica, porém igualmente irracional, contra
esse rival (LEWIS, 1990).

O grande problema do conceito de choque de civilizações apresentado por Lewis


e Huntington é o enquadramento das culturas em grandes blocos monolíticos gerando

32
leituras estereotipadas, como se o mundo muçulmano por exemplo fosse uma coisa só,
deixando de lado suas milhares de especificidades culturais, aí reside o perigo, quando
essas sobreposições culturais começam a mobilizar paixões de maneira irracional,
lançando as pessoas numa época imperial que engrandecia o Ocidente. Outra questão que
não pode ser deixada de lado é que “as culturas, na verdade, mais adotam elementos
estrangeiros, alteridades e diferenças do que os excluem conscientemente” (SAID, 2011,
p. 383), encaixa-las em blocos pré-determinados homogêneos é um erro violento.
Em Outubro de 2001, Edward Said escreveu um artigo intitulado “Choque de
ignorância” como forma de se contrapor às ideias de Huntington. O ataque terrorista do
11 de Setembro trouxe à tona novamente as questões sobre o conflito entre culturas,
segundo Said “O massacre cuidadosamente planejado [11 de Setembro] e o atentado
suicida horrendo e patologicamente motivado cometidos por um pequeno grupo de
militantes de mente perturbada foram transformados em provas da tese de Huntington”
(SAID, 2012, p. 44).
Além de tecer críticas significativas ao trabalho de Huntington, Said também
aproveita a oportunidade para questionar o conceito de choque de civilizações como um
todo, mostrando quão inadequadas são as criações de rótulos, as generalizações e as
asserções culturais que uma análise simplista pode acarretar.
Para fundamentar esse pensamento agressivo, Huntington se
baseia em um artigo publicado em 1990 pelo veterano orientalista
Bernard Lewis, cujas cores ideológicas ficam manifestas no
título, "As raízes da ira muçulmana". Em ambos os artigos afirma-
se de maneira impensada a personificação de entidades
tremendas, "Ocidente" e "islã", como se questões extremamente
complexas tais como identidade e cultura existissem num mundo
semelhante ao das histórias em quadrinhos, onde Popeye e Brutus
se enfrentam sem dó e o pugilista com mais virtudes se sai melhor
do que seu adversário (SAID, 2012, p. 43).

A criação de rótulos feita por Lewis e Huntington mora na falta de importância


que se dá para o dinamismo plural de cada civilização, além de desconsiderar que “a
disputa principal, na maioria das culturas modernas, diz respeito à definição ou
interpretação de cada cultura, e com a possibilidade pouco atraente de que, quando
alguém se atreve a falar em nome de uma religião ou civilização inteira, seu discurso
fatalmente conterá demagogia e ignorância, pura e simples” (SAID, 2012, p. 43).
Lembrando que o papel do intelectual é acabar com reducionismos, categorias de
estereótipos que limitam o pensamento humano, conceito como choque de civilizações

33
vai na contramão desse pensamento mais humanista que propõe Said, “aderir a um
pensamento mais corporativo e, gradativamente, a uma ideia cada vez mais irracional de
que “nós” estamos sendo ameaçados por “eles”. O resultado é a intolerância e o medo,
em vez da busca do conhecimento e do sentido de comunidade” (SAID, 2005, p. 43).
Culturas não são monolíticas, unitárias, autônomas, e entender isso é o primeiro
passo para desconstruções de imagens historicamente consolidadas, o dever do intelectual
é mostrar que os grupos não são entidades naturais existem daquela maneira desde
sempre, é sim um objeto construído, fabricado, às vezes até mesmo inventado, para dar
sustentação a determinados projetos políticos.
Esse debate apresentado no capítulo sobre os conceitos defendidos pelo Edward
Said, Samuel Huntington e Bernard Lewis está latente nas duas histórias em quadrinhos
que serão analisadas a seguir. Na realidade o orientalismo permeia toda a discussão, e a
desconstrução de estereótipos dentro da sala de aula é um ótimo ponto de partida para o
questionamento de culturas enquadradas fora do âmbito escolar.

34
CAPÍTULO 3 – A DESCONSTRUÇÃO DO ESTEREÓTIPO ÁRABE EM SALA
DE AULA: “O ORIENTALISMO DE EDWARD SAID NAS OBRAS “OS 300 DE
ESPARTA” E “HOLY TERROR” DE FRANK MILLER

3.1 - A HQ COMO INSTRUMENTO DISSEMINADOR DO PODER BRANDO

O conceito de Indústria Cultural, criado por Theodor Adorno e Max Horkheimer


na primeira metade do século XIX, tem um objetivo específico, discutir como jornais,
rádio e cinema servem como distração para as massas, essas novas formas de lazer
ajudariam na aceitação pacífica de determinados sistemas. Vale salientar que uma das
principais características da Indústria Cultural é dar mais ênfase na forma do que no
conteúdo, o que vale mais é a técnica na elaboração, fazendo com que a forma seja mais
chamativa do que o tema apresentado. A síntese disso é facilitar ao máximo a
compreensão de quem assiste, de quem lê, o contato com os instrumentos produzidos pela
Indústria Cultural não induz o homem a pensar criticamente sobre sua realidade social,
oferecendo somente uma diversão momentânea e escapista. Essas observações ficam
evidentes nas discussões propostas pelos filósofos da Escola de Frankfurt (ADORNO,
2002).
Um outro aspecto importante é entender como os produtos da indústria cultural
são aceitos, o que garante seu sucesso? A chave dessa indagação está nas necessidades
dos espectadores de ver nas telas e páginas um estilo de vida que gostariam de ter. Por
mais que a Indústria Cultural exerça forte influência em seu público-alvo, evidentemente,
a capacidade dos indivíduos de se opor a isso existe e é preciso levá-la em consideração.
Em sua obra, A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica (1936),
Walter Benjamin aponta que comumente a produção artística está ligada a algum sentido
religioso, transcendental, e que o aceleramento da reprodução técnica da arte a desconecta
desse contexto, o que acontece com a definição de arte hoje. Nesse sentido, as produções
artísticas poderiam ser apenas mercadorias visando consumo e lucro. É importante
entender que as histórias em quadrinhos são uma categoria de produto artístico que exerce
influência no seu público-alvo, ou seja, enquadram-se dentro dessa lógica da Indústria
Cultural, a questão é que as HQ´s podem ir além, elas podem exercer influência
internacionalmente através da aplicação do Soft Power.
Para entendermos como as histórias em quadrinhos estão relacionados ao Soft
Power precisamos esclarecer algumas características desse conceito, e elucidar as

35
ligações propostas por Joseph Nye7 entre Soft e Hard Power é de extrema importância. A
partir do século XXI os governos mundiais passaram a fazer uso de uma forma de poder
mais brando, bem menos agressiva, porém mais abrangente, nessa lógica de poder mais
branda, em que uma ou mais características específicas do país (a cultural principalmente)
contribuem nas interações com as demais nações, essa aplicação de poder como Soft
Power ou poder suave é a oposição ao chamado Hard Power ou “poder duro”, aquele
exercido de maneira mais tradicional com dominação militar e econômica, em que o
tamanho da população e a eficiência do aparato militar colocam alguns países em posição
naturalmente mais vantajosa para negociar com outras nações e, ao definir essas duas
formas de poder8, Joseph Nye deixa claro a eficiência dos EUA nas suas relações
internacionais (2002).
Quando falamos de Soft Power, automaticamente falamos de sedução, exercer o
poder sobre os demais a partir da venda dos valores do país, da ideologia, fazendo com
que os outros se sintam seduzidos por seus produtos, estilo de vida e cultura. A
disseminação de ideais que prevalecem em uma norma global ajuda bastante na cooptação
e no estabelecimento do poder brando; conceitos como democracia, liberdade, igualdade,
paz e prosperidade, são sempre vistos como positivos, portanto fazem parte do Soft
Power: “se eu conseguir levá-los a querer fazer o que eu quero, não precisarei obrigá-los
a fazer o que você não quer” (NYE, 2002, p. 37).
Um exemplo dessa forma de exercer o poder brando foi durante a década de 1930,
quando Franklin Roosevelt, na época presidente dos EUA, usou a política da boa
vizinhança para se aproximar dos países da América Latina com o intuito de conseguir
aliados políticos durante a Segunda Guerra, foi dentro desse contexto que o governo
norte-americano financiou Walt Disney para elaborar a criação do personagem “Zé
Carioca”, uma clara homenagem feita pelo artista ao Brasil. Ao mesmo tempo, a cantora
Carmen Miranda, então a cantora de maior popularidade no país, iniciou uma grandiosa
turnê em terras norte-americanas, encurtando os laços que ligavam os “aliados” Brasil e
Estados Unidos. (SANTIAGO, 2000, p. 157).
Evidentemente ambos os conceitos de Joseph Nye se articulam, por exemplo, um
evento que demostra a utilização do Hard Power estadunidense é a invasão no Oriente

7
Cientista político norte-americano, o cofundador junto com Robert Keohane da teoria da
interdependência e da interdependência complexa nas relações internacionais e da teoria do
neoliberalismo desenvolvida em 1977.
8
Para Joseph Nye poder é “a capacidade de obter os resultados desejados e, se necessário, mudar
o comportamento dos outros para obtê-lo” (NYE, 2002, p. 30).
36
Médio, Afeganistão e Iraque no começo do século XXI, nesses dois episódios os EUA
buscaram alcançar seus objetivos através da lógica militar, ou seja, Hard Power. Em
contrapartida, a produção cultural em torno desses eventos foi extremamente disseminada
pelos meios de comunicação, cinema, programas de jornal e internet, o poder brando teve
alcance mundial. O que deixa ainda mais fluido e disseminador é que o Soft Power não
está diretamente ligado ao Estado, devido à sua característica indireta transnacional,
qualquer ator pode ajudar na sua difusão, bons exemplos são empresas ou grupos não
governamentais. O poder brando é menos ostensivo, não necessita de armamento bélico,
se espalha por filmes, séries, sites, músicas e com as histórias em quadrinhos, a produção
dessas mercadorias da indústria cultural em território estadunidense ajuda a espelhar a
cultura do Tio Sam, e o processo de globalização só potencializa isso.

3.2 - FRANK MILLER: UM BALANÇO

Nascido em 1957 em Olney, no estado de Maryland, Frank Miller tornou-se um


importante quadrinista e roteirista norte-americano9. Seu primeiro trabalho foi publicado
em 1978 na revista The Twiligth Zone. No mesmo ano, foi trabalhar na Marvel Comics
desenhando personagens como Homem Aranha, Demolidor e Wolverine. A relação de
Miller com os mangás japoneses mostrou-se profunda, a ponto de influenciar parte
significativa de sua obra10.
Como roteirista, sua popularidade atingia cada vez mais projeção e credibilidade,
especialmente com a participação na série Demolidor, da Marvel Comics. Foi em 1981,
com a edição n.º 168, que Miller introduziu na história a personagem Elektra Natchios,
amante do protagonista. Com isso, ele conseguiu estabelecer uma reviravolta na carreira
do “Homem Sem Medo”, título que há muito tempo vinha sendo deixado de lado pela

9
Os dados sobre a vida e obra do autor foram retirados do site Guia dos quadrinhos e Omelete.
Para maiores informações ver:
http://www.guiadosquadrinhos.com/ e http://omelete.uol.com.br/quadrinhos/artigo/a-trajetoria-
de-frank-miller/ (acessos em 21/ 09/ 2017).
10
Um bom exemplo disso foi a minissérie Ronin, publicada em 1983, em seis fascículos. A história
trata de um jovem samurai que busca vingar a morte de seu mestre. No confronto final com o
assassino, Ronin e o demônio Agat acabaram aprisionados numa espada mágica, ressurgindo
séculos depois em uma caótica e altamente tecnológica Nova York do futuro. Esse foi o primeiro
trabalho em que Miller garantiu para si todos os direitos autorais, apesar de ter sido publicado
pela DC Comics. A influência dos mangás veio principalmente da obra Lobo Solitário (um
sucesso no Japão, que narra a história de um samurai sem mestre e seu filho Diagoro) dos autores
Kazuo Koike e Goseki Kojima.
http://maisquadrinhos.blogspot.com.br/2008/01/ronin-o-mang-futurista-de-frank-miller.html
(acesso em 21/09/2017).
37
editora. Sua revista foi considerada a melhor publicação da Marvel Comics nos dois anos
seguintes, acarretando a sua ascensão como roteirista principal. Permaneceu à frente
desse título por vários anos e, em 1986, foi o responsável por aquilo que ele considera o
mais importante roteiro da série já escrito: A queda de Murdock.
Sua obra prima veio no mesmo ano. Tratava-se de Batman: o cavaleiro das trevas,
uma minissérie em quatro episódios lançada pela DC Comics11. O enredo da trama
mostrava um Batman aposentado há uma década, morando em uma Gothan City inundada
por crimes e violência. Depois de sofrer uma tentativa de assalto da gangue Mutante, o
milionário Bruce Wayne, identidade do herói, já beirando os 60 anos, resolveu voltar a
vestir o manto do morcego.
Uma das características que mais chamou a atenção nessa HQ é a maneira com
que Frank Miller construiu a figura do herói. Na opinião de Carlos André Krakhecke, “ao
longo da história, o leitor se depara com um personagem anti-heroico, que para defender
a cidade, desafia leis e é malvisto pelo próprio governo” (KRAKHECKE, 2009, p. 65).
Uma de suas cenas marcantes, e que retrata a construção dessa personalidade anti-heroica,
oposto à imagem tradicional do “homem morcego” imortalizada em quadrinhos, séries
televisivas e no cinema, foi quando o próprio Batman matou o Coringa, seu maior
antagonista, quebrando seu pescoço, mesmo após ter sido baleado e esfaqueado várias
vezes.

11
Trata-se de uma crítica direta às políticas do ex-presidente dos Estados Unidos Ronald Reagan,
num período histórico conturbado, marcado pela insegurança internacional e um possível conflito
bélico nuclear entre Estados Unidos e União Soviética, durante a Guerra Fria.
38
Figura 3: Batman: o cavaleiro das trevas. N.° 3, p. 47 (Panini, 1997).

É possível perceber na linguagem visual e literária que o personagem abandona


sua posição tradicional, passando a agir com parcialidade, afinal de contas ele não estaria
“louco”, mas sim “cansado” diante de sua impotência para conter a criminalidade da
cidade. Agindo com raiva, algo incompatível com qualquer herói, ele teria se tornado, por
força das circunstâncias, um justiceiro, legitimado menos pelo moralmente correto e mais
pela necessidade12.
Contudo, o apogeu da trama acontece quando os dois heróis mais famosos da DC
Comics foram colocados frente a frente: Batman e Superman. Pela narrativa de Miller,
Superman representaria o protetor do governo estadunidense, enquanto Batman aquele
que “não apenas deseja retomar a cidade do crime, mas também alertar a sociedade para
as mazelas de sua época, inclusive questionando as próprias ações políticas da Casa
Branca” (KRAKHECKE, 2009, p. 76). A vitória do “homem morcego” significaria uma
derrota governista pois: “No final da HQ, Superman é posto a refletir sobre seus atos e,
uma vez que ele de alguma forma representa o próprio governo estadunidense, é como se

12
Vale salientar que tal posicionamento mostrou-se diametralmente oposto àquele retratado em
Leônidas e Os 300 de Esparta. Ambos os “heróis” fizeram aquilo que era necessário, visando o
bem coletivo, contudo Batman renunciou a seus princípios morais, desgastados pelo tempo,
enquanto Leônidas mostrou-se irredutível até o fim, sendo responsável pela vitória helênica
mesmo tendo sido derrotado em batalha.
39
Batman convidasse o leitor a refletir sobre os do governo” (KRAKHECKE, 2009, p.76).
Em 1998, Frank Miller, com a ajuda de Lynn Varley, responsável pela coloração
da obra, publicou a graphic novel13 30014. Originalmente em cinco volumes, foi lançada
no Brasil logo no ano seguinte utilizando o mesmo formato, mas com o título Os 300 de
Esparta. A iniciativa foi tão bem-sucedida que em 1999 foi vencedora do Eisner Awards,
tido como a maior premiação da indústria dos quadrinhos estadunidense na categoria
“Melhor Minissérie”.
A história narra a épica Batalha das Termópilas (ocorrida em 480 a.C.), quando
300 espartanos comandados pelo rei Leônidas lutaram até a morte para atrasar o avanço
do exército persa na região da Ática.
No primeiro volume, intitulado “Honra”, o leitor é apresentado ao exército
espartano, a Leônidas e toda sua trajetória pessoal (faria jus à coroa de Esparta) e à
proximidade da guerra contra os estrangeiros. No segundo (“Dever”) a narrativa é
aprofundada e revela-se aos poucos o verdadeiro motivo de uma possível guerra: a luta
por liberdade e justiça contra um invasor corrupto e déspota. Em “Glória”, volume três,
o leitor é lançado nos costumes da sociedade espartana, deixando claro que eram, desde
pequenos, treinados para entregar-se à morte em nome da cidade e seu modo de vida em
qualquer campo de batalha. Além disso, é nesse momento que Miller apresenta o
personagem Ephialtes, alguém que assumirá grande importância no decorrer da trama.
“Combate” é o quarto volume e marca o início da feroz batalha entre espartanos e persas.
Pela primeira vez na história os dois reis, Leônidas e Xerxes, foram colocados frente a
frente. Com um título aparentemente contraditório (“Vitória”), o último capítulo encerra
a batalha das Termópilas, mostrando a conhecida derrota dos espartanos, assim como a
vitória do mundo helênico pois, com as ações heroicas de Leônidas e seus 300 bravos
soldados, toda a Hélade teve tempo para deixar de lado suas diferenças e unir-se contra o
invasor “bárbaro”. Mostrando a bravura e o desprendimento próprios dos heróis (diferente
do que fez com Batman), Leônidas entregou-se à morte, quase em um rito de imolação,
apenas para lutar em nome da grande causa da liberdade.

13
“O termo Graphic Novel, apesar de ser anterior à publicação de Eisner, foi popularizado pelo
artista a partir de sua obra “Um contrato com Deus e Outras Histórias de Cortiço” (1978). Para
compreender mais sobre as discissões acerca do significado da expressão Graphic Novels, ler o
artigo RAMOS, Paulo; FIGUEIRA, Diego. Graphic Novel, Narrativa Gráfica, Novela Gráfica ou
Romance Gráfico? Terminologias distintas para um mesmo rótulo. In: RAMOS, Paulo;
VERGUEIRO, Waldomiro; FIGUEIRA, Diego. Quadrinhos e Literatura: diálogos possíveis. São
Paulo: Criativo, 2014.” (CALLARI, 2014)
14
A mesma Varley colaborou em Batman: o cavaleiro das trevas.
40
Desenhada nos últimos anos da década de 1990, a HQ trouxe estampada em suas
páginas diversas questões próprias de seu tempo. Influenciado pela Guerra do Golfo,
momento em que as relações entre Ocidente e Oriente se mostravam conturbadas, Miller
construiu uma representação estereotipada da figura do oriental, longe de qualquer
ingenuidade. Sistematicamente retratado como sujo, bárbaro, ignorante e inferior, tal
leitura refletia a visão de mundo de seu autor em relação ao “outro”. Utilizando-se de um
meio de veiculação tão capilarizado junto ao público jovem, além de encontrar solo fértil
junto a uma parcela significativa do público leitor estadunidense, com forte tendência
conservadora, essa obra tornou-se um sucesso desde seu lançamento.
Vale ressaltar que essa visão pejorativa em relação ao oriental ganhou cada vez
mais força na obra de Miller, especialmente depois dos acontecimentos que marcaram o
segundo semestre de 2001, com a queda do World Trade Center e posteriormente com a
publicação de Holy Terror.
Inegavelmente, nas três principais obras de Miller, é possível perceber como o
momento histórico as influenciou, deixando transparecer seu posicionamento político. Se
em Batman: o cavaleiro das trevas seu descontentamento com a política de Reagan
apareceu devido à falta de segurança e violência, em que o autor utiliza como metáfora
uma Gotham City afundada em sangue e miséria, em Os 300 de Esparta foi possível
perceber o choque de interesses entre o Ocidente e o Oriente, especialmente durante a
Guerra do Golfo e, em Holy Terror, seu lado xenofóbico atingiu o ápice, como resposta
aos atentados de 11 de setembro.
Um contato atento com essas obras, em especial ao transformá-las em fonte para
o trabalho acadêmico/pedagógico, exige perceber que sua mera leitura não substitui, sob
hipótese alguma, a necessidade da análise. Porém, se qualquer HQ possibilita uma ação
reflexiva sobre a sociedade que a produziu, boa parte delas ainda aguarda trabalhos
acadêmicos significativos e operações pedagógicas eficientes.

3.3 - A HQ EM SALA DE AULA: UMA PEQUENA ABORDAGEM SOBRE A


GUERRA DO GOLFO

Os primeiros anos da década de 1990 foram bastante conturbados. Os conflitos na


região do Golfo Pérsico não só colocaram frente a frente Estados Unidos e Iraque, como
dois modelos de vida e percepções de mundo distintos (Ocidente v. Oriente), para muitos
identificado como um verdadeiro “choque de civilizações”, como denominou Samuel P.

41
Huntington15.
No ano de 1991 eclodia a primeira guerra na região do Golfo, colocando em
campos opostos o Iraque, antigo aliado do ocidente, e uma coalizão de forças militares
liderada pelos Estados Unidos.
Desde o fim da guerra contra o Irã (1988), o governo iraquiano encontrava-se em
uma situação financeira delicada, tornando cada vez mais distante o sonho de ser uma
potência regional. Na opinião de Oswaldo Coggiola, “Saddam [Hussein] acreditou
encontrar a solução para os dois problemas na incorporação do protetorado petrolífero do
Kuwait, reivindicado desde sempre como parte do território iraquiano” (COGGIOLA,
2008, p. 118). Em agosto de 1990 o exército iraquiano invadiu a região. O grande receio
do Conselho de Segurança Nacional estadunidense era o de uma possível fusão das
reservas petrolíferas dos dois países, na medida em que o Iraque e o Kuwait juntos
possuiriam 20% da reserva de petróleo mundial. “Se Saddam conseguisse consolidar a
anexação do Kuwait, em pouco tempo estaria em condições de exercer uma forte
influência sobre os preços e as condições de fornecimento do petróleo no Golfo Pérsico”
(FUSER, 2005, p. 224). O risco de que as ações militares iraquianas não parassem por aí,
ameaçando também a Arábia Saudita, serviu de justificativa para a ofensiva militar dos
EUA, denominada Operação Tempestade no Deserto.
Para Edward Said, tal intervenção não seria apenas legitimada pelo socorro a uma
nação “aliada”. Existiria outra questão fundamental. “Não por causa de sua agressão ao
Kuwait, mas porque os Estados Unidos querem ter presença física no golfo e uma
desculpa para estar lá, porque querem definir a agenda mundial, porque o Iraque ainda é
visto como ameaça a Israel” (SAID, 2011, p. 460).
A influência dos meios de comunicação foi significativa. Por meio deles o mundo
ficou sabendo das atividades militares ocorridas no Oriente Médio, podendo acompanhar
as ações de bombardeio quase em tempo real, como se fosse um programa de televisão.
As informações transmitidas visualmente do palco de operações como sendo “a verdade”
dos fatos interferem profundamente no cotidiano do público receptor, na medida em que

15
Em sua tese, o autor argumentava que os conflitos ocorridos após a Guerra Fria teriam como
principais motivadores as questões culturais e religiosos, apontando que o conceito de diferentes
civilizações, como nível maior de identidade cultural, se tornaria cada vez mais útil para analisar
o potencial de conflitos. HUNTINGTON, Samuel. O choque das civilizações e a recomposição
da nova ordem mundial. Rio de Janeiro; Objetiva, 1997.
Contudo, vale salientar que tal argumento de civilizações em choque, colocando-as em
“caixinhas” especificas, facilitaria, aos olhos de Edward Said, a construção de estereótipos, o que
o Miller faz muito bem em Os 300 de Esparta.
42
aquele que tem o controle sobre os meios de informação seleciona as imagens que o
mundo deve acompanhar.
Ninguém negou que o detentor do maior poder dentro dessa
configuração são os Estados Unidos, seja porque um pequeno número
de multinacionais americanas controla a produção, a distribuição e,
sobretudo, a seleção de notícias em que a maior parte do mundo acredita
(mesmo Saddam Hussein parecia confiar nas notícias da CNN), seja
porque a expansão desenfreada de várias formas de controle cultural
originadas dos Estados Unidos criou um novo mecanismo de
incorporação e dependência cujo objetivo é subordinar e se impor não
só a um público americano interno, mas também a culturas menores e
mais fracas. (SAID, 2011, p. 446).

Mais do que expor o conflito pela perspectiva estadunidense, os meios de


comunicação foram responsáveis pela construção e divulgação de uma representação
estereotipada da cultura estrangeira, transformando o “outro” em um ser bizarro e
ameaçador, alimentando aquilo que Said denominou de Orientalismo, ainda em 1978,
conforme já discutido. Os conflitos ocorridos entre Ocidente e Oriente, já no final do
século XX fizeram o Orientalismo ganhar destaque, atingindo seu ápice após os atentados
de 11 de setembro. Entender o que é, e como opera essa abordagem estereotipada, permite
uma melhor compreensão dos conflitos entre ocidentais e orientais presentes no mundo
contemporâneo.

3.4 - A HQ EM SALA DE AULA: OS 300 DE ESPARTA

A batalha das Termópilas foi um evento marcante na história da Grécia. Para


enfrentar os invasores persas, os espartanos resolveram se organizar da seguinte forma:
um contingente com aproximadamente dois mil helênicos liderados pelo rei espartano
Leônidas e seus 300 bravos combatentes marcharam em direção aos “Portões de Fogo”,
com o objetivo de tentar bloquear a passagem do exército inimigo. Não por acaso, tal
expedição é sistematicamente retratada, seja em esculturas, pinturas ou produções
cinematográficas.
Jacques-Louis David foi um dos que imortalizou o episódio (Leônidas nas
Termópilas, em 1814). A cena apresentada por ele não diz respeito propriamente aos
combates militares, mas sim aos preparativos para a futura batalha. Um Leônidas seminu,
protegido apenas por um elmo, sua capa, um par de sandálias, uma espada e um escudo
encontram-se bem no centro da tela, convidando os espectadores para as adorações aos
deuses (não por acaso as coroas de louro sendo ofertadas ao fundo, clamando pela vitória).

43
O pintor registrara toda a tenacidade, bravura e coragem desse grupo que, longe de temer
a morte, entregar-se-ia a ela, caso fosse a vontade dos deuses, em nome da liberdade e
dever cívico.
O episódio tornou-se tão significativo para a identidade nacional grega que, em
1955, o rei Paulo da Grécia ordenou que um monumento fosse erigido em honra a
Leônidas e aos caídos na região das Termópilas. Nele, um Leônidas em bronze ostenta
seu escudo, elmo e lança, preparado para o arremesso contra os inimigos. Aos pés da
coluna em que a estátua foi colocada é possível ler uma das principais frases atribuídas
ao laconismo espartano: “venha e leve”, ainda hoje usada com lema do exército grego.
Trata-se da resposta dada pelo rei espartano após ser intimado por Xerxes para que os
helênicos se rendessem e depusessem suas armas.
Contudo, foi graças à perenidade dos escritos de Heródoto, considerado o “Pai da
História”, que o conflito entre gregos e persas chegou até os dias atuais. Ao escrever sua
principal obra, o autor dedicou suas atenções às peculiaridades das Guerras Médicas. Foi
a partir dessa obra que Frank Miller desenvolveu o seu Os 300 de Esparta.
Não por acaso, em todos os cinco volumes da série, a imagem de abertura (e
fechamento) foi sempre a cena do desfiladeiro das Termópilas (ou os “Portões de Fogo”),
banhado por um mar de sangue. Se a função do splash page seria, como defende
Waldomiro Vergueiro, introduzir o leitor no evento e atmosfera da história, o plano geral
utilizado deu conta de enquadrar todo o ambiente, chegando mesmo a apresentar o
desfecho sangrento da história (a derrota dos bravos guerreiros de Esparta), servindo
como assinatura visual da série16.

16
VERGUEIRO, Waldomiro. “A linguagem dos quadrinhos: uma ‘alfabetização’ necessária”. In:
VERGUEIRO, Waldomiro (org.). Como usar as histórias em quadrinhos na sala de aula. São
Paulo; Contexto, 2014.
44
Figura 4: Abertura de Os 300 de Esparta. Volume 1 (Editora Abril, 1999).

Ao analisar a obra de Heródoto e a HQ de Miller é possível identificar claramente


como o presente apropriou-se do passado. Sequências inteiras escritas pelo autor grego
no séc. V a.C. foram transformadas pelo quadrinista, e não apenas “adaptadas” para a
linguagem dos HQ’s17.
Ao construir sua narrativa, Heródoto apontava para o desejo do rei persa de
submeter as poleis gregas. Para isso o “Rei dos reis” enviara seus emissários para os
quatro cantos da Grécia com um pedido: terra e água. “O soberano sondou, em seguida,
os Gregos, para ver se eles tinham a intenção de fazer-lhe guerra ou de se submeterem ao
jugo persa. Enviou emissários a uma costa e a outra da Grécia, para pedirem, em seu
nome, terra e água” (HERÓDOTO, 1985, p. 467).
A intenção era fazer com que o território helênico fosse transformado em uma
grande província (satrápia), responsável por pagar tributos anuais que ajudassem a
abastecer e sustentar a estrutura bélica persa.
Para fazer jus a tal iniciativa, o próprio Heródoto, em outra passagem, salientava
a imensidão do exército inimigo. Para tanto ele citou a necessidade de água que os
soldados teriam regularmente para seu sustento, que nem mesmo um rio inteiro poderia
suprir. “O Lisso passa entre essas duas cidades [Mesêmbria e Estrima]. As águas desse
rio não foram também suficientes para suprir as necessidades do exército, sendo
rapidamente esgotadas” (HERÓDOTO, 1985, p. 555).

17
“As histórias em quadrinhos representam aspectos da oralidade e reúnem os principais
elementos narrativos, apresentados com o auxílio de convenções que formam o que estamos
chamando de linguagem dos quadrinhos.” (RAMOS, 2010, p.18).
45
Uma leitura um pouco mais atenta permitiria constatar que a pretensão de Frank
Miller nunca foi apenas “adaptar” a obra clássica de Heródoto, com todos os seus
preconceitos helênicos em relação aos “inimigos” bárbaros, para um formato de
quadrinhos. Sua ação foi além. Apropriando-se do livro clássico, reconstruiu a narrativa
em outro ambiente histórico, utilizando-se de um suporte altamente midiático e com forte
penetração junto ao público leitor. Apenas para exemplificar, Miller apropriou-se dessas
duas passagens anteriormente descritas, sintetizando-as em apenas um diálogo entre
Leônidas e o mensageiro persa.

Figura 5: O pedido por terra e água, o emissário menciona o tamanho do exército (v. 1,
p. 22).

46
Escolhendo fazer o desenho em um plano aberto18,com enquadramento amplo, o
autor salientou a atenção que as pessoas comuns dedicavam à conversa, dirigindo seus
olhares ao rei Leônidas e seus acompanhantes, portando vestes suntuosas que contrastam
com a sobriedade do entorno. Usando um ângulo de visão superior, permitiu que as
personagens fossem diminuídas, representando um momento de tensão. Em relação à
figura é possível perceber uma clara apropriação das citações de Heródoto, especialmente
por meio da fala do rei de Esparta, quando ele diz: “Terra e água? Você cavalgou desde
a Pérsia por causa de terra e água?”
A resposta do mensageiro demonstraria a imensidão do exército de Xerxes, bem
como de suas necessidades: “Uma força de homens foi reunida... tão imensa que sua
marcha estremece a terra... tão numerosa que ao beber seca os rios”.
A cena emblemática nessa sequência é o momento do poço, quando Leônidas
arremessou o mensageiro persa para dentro dele. Apesar de aparentemente discreta, a
frase “Isso é Esparta” ganhou relevância, fosse porque o rei não respeitara a imunidade
de um representante imperial rival, fosse porque, sem demonstrar ira, fez justiça
eliminando todos os inimigos que ameaçavam a liberdade espartana.
Figura 6: O poço (v. 1, p. 25).

Leônidas, utilizando de sua espada, apontará ao mensageiro e sua escolta o


caminho para onde encontrar terra e água abundantes: “Você vai encontrar bastante das

18
As análises das características da linguagem das histórias em quadrinhos são realizadas a partir
das contribuições teóricas de RAMOS, Paulo. A leitura dos quadrinhos. São Paulo; Contexto,
2010; e EISNER, Will. Quadrinhos e arte sequencial: princípios e práticas do lendário
cartunista. São Paulo; Martins Fontes, 2010.
47
duas lá embaixo”. A mesma passagem pode ser identificada na obra do Heródoto.
Xerxes não enviou arautos a Atenas e a Esparta para exigir a submissão
dessas cidades. Dario os tinha enviado anteriormente com esse fim, mas
os Atenienses os haviam lançado no Báratro, enquanto que os
Lacedemônios atiraram-nos num poço, dizendo-lhes que dali tirassem
terra e água para levarem ao rei. (HERÓDOTO, 1985, p. 564).

Sobre o fato de não ter sido Xerxes, mas sim seu pai Dario, dez anos antes, o
responsável por enviar o mensageiro à cidade de Esparta, Miller tinha plena ciência disso:
“A cena chocante em que Leônidas joga os mensageiros no poço é mais uma das minhas
invenções, isso aconteceu 10 anos antes com um Rei diferente”19. Mas a alegoria do poço
mostrou-se fundamental para a sua narrativa, pois foi a partir dela que Leônidas decidiu
marchar para as Termópilas e enfrentar os persas. Por isso Miller não hesitou em deslocá-
la no tempo.
Reconstruções como essas, com tantos detalhes e meandros, apenas é possível nos
quadrinhos quando discursos verbais e visuais são fundidos, de forma clara e objetiva,
complementando-se mutuamente.
Isso talvez possa ser exemplificado nas recorrentes cenas de soldados espartanos
preparando-se para a batalha. Apesar da rarefação das fontes, ao que tudo indica, um dos
costumes que os soldados tinham era o de se pentear antes do início de uma grande luta.
Essa informação é disponibilizada por Heródoto ao citar uma conversa de Demarato
(exilado espartano na corte persa) com o próprio rei Xerxes. “Aqueles homens que ali se
encontram estão dispostos a vedar-vos a passagem, e para isso se preparam, pois os
Lacedemônios têm o costume de tratar dos cabelos quando em vésperas de arriscar a vida
numa empreitada” (HERÓDOTO, 1985, p. 598-599).
Frank Miller apropriou-se da citação, ou pelo menos de sua ideia, adaptando-a a
uma nova linguagem. Nela, o autor não precisou dizer que os espartanos penteavam o
cabelo antes da batalha, ele simplesmente pode desenhar e mostrar ao leitor uma suposta
reconstituição cênica. Vale levar em conta que, na linguagem dos quadrinhos, “o corpo
fala” (RAMOS, 2010, p. 114).

19
Os 300: fato ou ficção. Extras do DVD 300. Zack Snyder, EUA, 2006, 117’.
48
Figura 7: Preparação para batalha, Termópilas (v. 1, p. 16-17).

Figura 8: Preparação para batalha, Plateia (v. 4, p. 44-45).

É importante ressaltar que nas duas oportunidades (Volumes 1 e 4 da série) os


soldados nessa situação foram representados em primeiro plano, para que leitor se
atentasse para a prática, “obrigando-o” a presenciar a ação, talvez com a intenção de
mostrar “civilização” diante do bárbaro inimigo.
Por ser um dos mais antigos relatos sobre o evento, inúmeras passagens presentes
nos escritos de Heródoto ganharam força e destaque ao longo do tempo, cristalizando-se
no decorrer dos séculos. Uma das mais célebres é a frase atribuída a Dieneces, um dos
300 soldados espartanos que pereceram nas Termópilas aguardando o enfrentamento
contra os persas.
Dizem que Dieneces, de Esparta, a todos suplantou pelo seu valor e

49
desprendimento na luta, citando-se dele uma frase memorável. Antes
da batalha, tendo ouvido um traquínio dizer que o sol seria obscurecido
pelas flechas dos bárbaros, tão grande era o número deles, respondeu-
lhe sem perturbar-se: “Nosso hóspede da Traquínia nos anuncia toda
sorte de vantagens. Se os medos cobrirem o sol, combateremos à
sombra, sem ficarmos expostos ao seu ardor. (HERÓDOTO, 1985, p.
606).

Frank Miller apropriou-se dessas palavras, mostrando a bravura espartana e seu


laconismo frente a um inimigo numericamente superior, um inimigo que ameaçava
escravizar mulheres, crianças e velhos após matarem todos os espartanos com suas
flechas, capazes de cobrir o próprio sol.

Figura 9: Lutaremos na sombra (v. 3, p. 17).

A escolha do plano fechado tem por objetivo destacar as expressões de sentimento


ou da personalidade da figura retratada. Dieneces, responsável pela resposta, manteve a
fisionomia séria diante da ameaça de “cem nações” inimigas. É possível perceber a
dramaticidade pela atenção que Miller deu ao detalhe dos olhos, seguida pela caprichosa
coloração que Lynn Varley atribuiu. Tudo isso representando a seriedade e serenidade
espartana diante da iminente aniquilação. Vale ressaltar que, para muitos especialistas,

50
esse estado de sobriedade faria parte da personalidade espartana, cuja militarização
mostrava-se como ponto forte20.
Nos poucos dias em que Leônidas e Xérxes estiveram frente a frente no
desfiladeiro das Termópilas, um dos personagens mais significativos foi o pastor Efialtes,
o traidor originário de Malis (região da Trácia), responsável por indicar ao exército persa
um desvio que levaria as tropas inimigas à retaguarda do contingente helênico. Heródoto,
ao citá-lo, salienta sua origem, deixando claro seu papel relevante na derrota grega.
Mostrava-se Xerxes muito preocupado com essa situação, quando
Efialtes, málio de nascimento e filho de Euridemo, veio procurá-lo na
esperança de obter uma boa recompensa. Esse traidor indicou ao
soberano o atalho que conduz, pela montanha, às Termópilas, tornando-
se, assim, o causador da perda dos gregos que guardavam essa
passagem. (HERÓDOTO, 1985, p. 605).

Nota-se que nenhuma descrição física foi feita dele. Mas o quadrinista, ao
apropriar-se dessa passagem, realizou uma (re)construção significativa de sua aparência.
Figura 10: O Traidor (v. 5, p. 8- 9).

Ephialtes foi apresentado como um corcunda deformado, ganancioso, louco por


“terra, riquezas, mulheres”. Rejeitado por Leônidas devido à sua impossibilidade militar,
bandeou-se para o lado persa, colocando-se como informante21. Para atender aos pedidos

20
“Podemos dividir a estrutura espartana clássica em três grandes partes: (1) a infra-estrutura de
distribuição de terras, hilotas e periokoi, com tudo que inclui de trabalho, produção e circulação;
(2) o sistema governamental (incluindo-se o militar); (3) o sistema ritual: rites de passage, o
agoge, as classes de idade, a syssitia [grupo de jantar ou companhia de mesa que todo espartano
de sexo masculino pertencia como condição necessária de cidadania plena]” (FINLEY, 2013, pp.
27-28).
21
De acordo com a construção narrativa de Miller, os pais de Ephialtes, ao verem o aspecto físico
do filho recém-nascido fugiram da cidade para protegê-lo e evitar que ele fosse “descartado”. O
“amor” de sua mãe o salvara, obrigando o pai a tornar-se pastor (volume 3). Contudo, o princípio
eugênico não era algo questionado pela sociedade espartana, especialmente entre os homens que
faziam da guerra sua principal tarefa. Assim, a deformidade física deveria ser eliminada. Além
51
do traidor, o rei Xerxes fez apenas uma exigência: “aceite-me como seu Rei e seu Deus...
leve meus soldados pela trilha oculta que deságua atrás dos malditos espartanos e sua
alegria será eterna, pegue o que quiser e será seu”. Se nos quadrinhos o corpo fala, talvez
esse seja mais um bom exemplo, na medida em que, no imaginário judaico-cristão, a
figura do traidor nunca foi bem vista, personificando aquilo que de mais perverso poderia
existir na sociedade. Uma das figuras paradigmáticas dessa construção foi Judas
Iscariotes, que se tornou símbolo de figura execrável, cuja atitude não poderia ser repetida
ou mesmo perdoada (não por acaso o suicídio como “redenção”). Miller sintetizou na
deformidade corporal a simbologia de uma suposta deformidade moral, na medida em
que, quebrando com a fidelidade, Ephialtes romperá com a sacralidade da família, da
pátria e da religião. Sobre a escolha da aparência da personagem, Miller declarou: “Quis
fazer dele uma figura patética, e nos quadrinhos a aparência física é uma metáfora para o
que a pessoa é por dentro”22.
De fato, as licenças poéticas utilizadas por Frank Miller permitiram ao autor uma
livre e nítida apropriação dos textos de Heródoto, não se tratando apenas de uma releitura.
Ao desenhar o que teria sido, na sua concepção, a batalha das Termópilas, o
quadrinista deu “rosto” a um evento já consolidado no imaginário ocidental. Não por
acaso ele pode iniciar cada episódio de sua história fazendo referência ao desfecho
sangrento (Figura 4). Porém, ao caracterizar seus personagens, é possível notar seus
posicionamentos quanto às concepções vigentes em seu tempo histórico, bem como seu
preconceito em relação àqueles que habitam a parte oriental do planeta.
Não foi por acaso que, ao recontar a batalha, Miller tentou afirmar a supremacia
espartana diante dos inimigos vindos do Oriente Médio. Um dos elementos utilizados por
ele para realizar tal comparação aponta para a organização espartana em contrapartida à
confusa logística persa.

disso, imaginar o amor maternal, próprio da cultura judaico-cristã, em 500 a.C. é no mínimo
anacronismo.
22
Os 300: fato ou ficção. Op. cit.
52
Figura 11: A marcha espartana (v. 1, p. 5). Figura 12: A falange espartana (v. 4, p.
12).

Nas figuras 11 e 12 é possível notar a simetria empregada por Miller na


composição da marcha espartana. O quadrinista fez questão de representar a organização
militar por meio do alinhamento perfeito dos soldados, sendo perceptível a disciplina com
que os espartanos se movem. A disposição dos três soldados em primeiro plano da figura
11 mostra-os ordenados como se uma linha de sincronia passasse pelos joelhos e cabeças,
evidenciando seu preparo militar e obediência. Além disso, a escolha de um ângulo de
visão inferior serviria para enaltecer as figuras retratadas, conferindo a elas
grandiosidade.
A constituição de uma falange espartana pronta para o combate, tão importante a
ponto de permitir a Leônidas recusar a ajuda de Ephialtes (incapaz de levantar seu escudo
e formá-la), foi representada na figura 12. Diferentemente da anterior, a opção por um
ângulo de visão superior permitiria o estabelecimento de uma carga dramática própria da
tensão do combate, mostrando os espartanos em sua organização de batalha, prontos para
o enfrentamento, em uma formação visualmente impenetrável. O alinhamento dos
escudos formando um perfeito “V” possibilitaria movimentos eficientes de ataque e
defesa. Tratava-se de uma unidade coesa, liderada por Leônidas por meio de apenas duas
ordens: “A postos; em formação”. Aparentemente, todos os espartanos já sabiam quais
eram suas posições e o que deveriam fazer, fosse pelo treinamento recebido, fosse pela
obrigação cívica comum a todos, de defesa coletiva de uma forma de vida superior.

53
Em contrapartida o exército persa foi apresentado de maneira diametralmente
oposta. Na figura 13 ficou claro a falta de coesão e preparo do exército inimigo, formado
por um amontoado de povos bárbaros, incultos e incivilizados, muitos deles meros
escravos armados que lutavam em nome de uma liderança opressora, sem nenhuma
organização militar evidente. As espadas e escudos não representam uma unidade, assim
como os soldados movimentam-se sem liderança. Frank Miller os representou muito mais
como uma horda, ou bando, que propriamente um exército.
Figura 13: A desorganização persa (v. 3, p. 26-27).

Assim, tratar esse tipo de fonte como algo “menor”, não passaria de preconceito.
Aquilo que aos olhos de um leigo poderia parecer uma leitura singela e despretensiosa
mostra-se, na verdade, algo absolutamente complexo. Se durante muito tempo tais
materiais foram condenados pois inibiam uma formação sadia e responsável das crianças
e adolescentes, desviando a atenção de assuntos realmente sérios, nos últimos anos elas
vêm conquistando um novo espaço. Na opinião de Waldomiro Vergueiro, o uso
pedagógico das HQ’s exigiria do professor o domínio específico sobre essa linguagem23.
Não por acaso diversos aspectos da HQ Os 300 de Esparta podem ser
identificados como “clássicos” no discurso referente ao Orientalismo, estabelecido por

23
Para o autor, A carga ideológica presente nesse tipo de material é evidente, e isso não ocorre
apenas em regimes políticos autoritários como na China de Mao-Tsé Tung, em que quadrinhos
foram utilizados como recurso educacional ao retratar um modo de vida exemplar. O mesmo
aconteceu nos Estados Unidos durante a II Guerra Mundial, quando Will Eisner, atuando junto
ao Departamento de Defesa, produzindo material de treinamento para tropas sob a forma de
histórias em quadrinhos (VERGUEIRO, 2014, pp. 18-19).
54
Edward Said. Para ele a ideia de Oriente, bem como seus habitantes (qualificados como
“os orientais”), nada mais seria que invenção. Não por acaso o imaginário ocidental foi
povoado por referências estereotipadas, passando o Oriente a ser habitado por “seres
exóticos” e incultos (SAID, 2007, p. 13). Foi exatamente isso que Miller fez ao
representá-los de forma simiesca.
Figura 14: Os Imortais (v. 4, p. 23- 24).

A maneira como a figura do Imortal foi construída enquadrar-se-ia tanto na


perspectiva do exótico, com sua aparência fantasmagórica e atitude robotizada
(obediência dogmática), como aquela do oriental que causa medo, e por isso precisa ser
controlado (quarto dogma estabelecido por Said).
Não por acaso Miller fez questão de mostrar o quanto o exército persa era
“esquisito”. Xerxes “envia monstros do outro lado do mundo, são feras estúpidas e
desajeitadas”. Não se sabe ao certo se esses “monstros” a que o autor se refere são animais
de guerra exóticos (em destaque), fora da normalidade aos olhos ocidentais, ou o próprio
exército persa, formado por soldados advindos das mais diversas regiões (Figura 15). Para
um povo civilizado restaria apenas resistir a esse invasor.

55
Figura 15: Monstros do outro lado do mundo Figura 16: Xerxes (v. 4, p. 16).
(v. 5, p. 7).

Ao construir a representação do rei Xerxes, Miller exagerou em sua exuberância


e adornos (Figura 16). O líder persa foi caracterizado como um homem extremamente
alto (graças ao ângulo de visão inferior), quase um gigante, coberto por adereços em ouro,
simbolizando sua ganância e poder. Sua figura seria pura extravagância e ostentação, em
contrapartida a um diminuto Leônidas “perdido” no canto superior esquerdo do quadro.
Contudo, vale a ressalva de que, apesar de Heródoto tratá-lo como o homem mais
rico do mundo, em momento algum algo parecido a essa figura bizarra foi por ele descrita.
A ideia vigente desde o séc. XIX de que o oriental teria tendência ao despotismo,
perpetuou-se no decorrer do séc. XX, mostrando sua presença na HQ.

Figura 17: Xerxes chacina seus soldados (v. 4, p. 30).

56
Figura 18: Insatisfação de Xerxes (v. 5, p. 6-7).

Miller, ao mostrar como o rei Xerxes tratava seus soldados, deixou evidente a
crueldade daqueles de fora dos limites da civilização, ou seja, além das fronteiras
europeias. Se a figura de Leônidas foi construída na perspectiva daquele que daria a vida
para qualquer um dos seus, sempre colocado de maneira sóbria e serena, Xerxes, o tirano
oriental, foi trabalhado pelo viés oposto, não por acaso a utilização do plano detalhe,
deixando claro as minúcias de sua raiva. Essa “tendência ao despotismo, sua aberrante
mentalidade, seus hábitos de imprecisão, seu atraso” (SAID, 2007, p. 13) estão intrínsecos
à personificação daquele que representa o inimigo do Ocidente. Se a violência e a

57
crueldade foram representadas do lado persa (barbárie), honra e legitimidade aparecem
retratados do lado espartano (civilização).
Contudo, apenas para pontuar a diferença de leituras, de acordo com Heródoto,
quando o exército persa invadiu a cidade de Celenas, Pítio, lídio de nascimento, recebeu
Xerxes e seu exército com toda a cortesia e cerimônia necessárias. Ofereceu ao rei invasor
todas as suas riquezas, reservando para si apenas suas terras e escravos, para que com isso
tanto Xerxes pudesse custear sua guerra como Pítio manter uma vida confortável.
Quando Xerxes soube que se tratava do segundo homem mais rico do mundo e
era o mesmo que já havia presenteado seu pai tempos antes, dispensou todas as oferendas
(HERÓDOTO. 1985, p. 527).
Obviamente que, como inimigo dos helênicos, o mesmo tratamento não foi
dispensado à cidade de Delfos. Contudo, as riquezas do templo e a própria cidade somente
não foram dominadas por interferência dos deuses (HERÓDOTO. 1985, p. 626-627).
Não por acaso Heródoto via Xérxes como um grande guerreiro, dado a arroubos
de fúria, mas capaz de reflexões, bem como ouvir conselhos e interpretar sonhos.
Vale lembrar que a estereotipagem adotada por Frank Miller não se restringiu à
figura do rei persa. Segundo a HQ, Leônidas tornou-se rei de Esparta depois de retornar
do seu agogê24, trazendo consigo a pele de um grande lobo morto por suas próprias mãos.
Para efetuar tal façanha o menino de apenas 11 anos de idade teria tido a ideia de atrair a
fera para um estreito corredor, encurralando a presa e assim tirando-lhe a vida.

24
“O agogê é um rótulo convencional pelo qual todos os meninos espartanos eram educados
através da ótica militar pelo Estado” (FINLEY, 2013, p. 27-28).
58
Figura 19: O nascimento do herói Leônidas contra a barbária

Essa mesma referência foi utilizada por Miller, só que personificando o Oriente
na figura do lobo, devorador da justiça e da razão, e a bravura, honra e coragem
sintetizados no jovem Leônidas que, com apenas 11 anos, foi capaz de derrotá-lo. Não
por acaso, o autor retrata o desfiladeiro das Termópilas de forma semelhante ao próprio
local usado por Leônidas para derrotar a fera selvagem.
Como parte da narrativa composta por Miller por meio de reminiscências, o
responsável por contar tais façanhas foi Dilios, um dos 300 espartanos nas Termópilas.
Na prática, seria ele um aedo, responsável por cantar as antigas histórias épicas com o
intuito de motivar as forças espartanas.
Teria sido ele o responsável por narrar a trajetória de Leônidas e seus soldados no
fim da guerra. De acordo com a HQ, Leônidas o teria incumbido de regressar a Esparta e
mobilizar todo o mundo helênico contra os invasores. “Hoje como antes uma fera se
aproxima”, em uma clara associação do lobo ao exército persa. E continuou: “uma fera
composta de homens e cavalos e lanças e espadas, um exército vasto como nenhum
outro”. Para Miller, essa nova fera representaria o oriental “antidemocrático, atrasado,
bárbaro” (SAID, 2007, p. 158). Para dar força a essa ideia, Dilios completou: “um

59
exército, vasto como nenhum outro, pronto para devorar a pequena Grécia eliminar a
única esperança de razão e justiça do mundo”.
É importante salientar que no decorrer do século XX os Estados Unidos tentaram
construir uma imagem diferente em relação aos seus atos imperialistas, distanciando-se
de seus predecessores europeus do século XIX. A intenção foi desvincular-se da ideia de
potência interventora, preferindo, em vez disso, a ideia de ser um país com
“responsabilidade mundial” (SAID, 2011, p. 437). Nessa perspectiva, caberia aos EUA o
dever de enfrentar os inimigos do mundo ocidental livre, responsabilizando-se por liderar
a luta pela manutenção da razão e da justiça. Aparentemente, Frank Miller construiu a
figura de Leônidas e Esparta por meio desse viés.
Figura 20: Dilios e seu discurso sobre a união da Grécia (v. 5, p. 44).

No discurso de Dilios, a associação identitária entre os Estados Unidos e Esparta


ficou evidente, especialmente pela obrigação quase moral que Esparta carregaria consigo
de enfrentar os persas e toda a ameaça ao modo de vida civilizado que eles representariam.
Em um de seus pronunciamentos, Dilios afirmara que todo o território helênico, como
uma verdadeira nação, estaria “agora motivada, unida... pondo de lado antigas rivalidades
unindo forças para expulsar o invasor de nossas praias”. Vale salientar que a Grécia antiga
nunca foi um território unificado, e tais rivalidades nunca deixaram de existir.

60
Até mesmo o sentido contemporâneo de nação, inexistente no mundo clássico,
apareceu no discurso, talvez muito mais representativo de um Estados Unidos líder de
uma coalizão responsável por combater o Iraque na Guerra do Golfo do que Esparta
contra os aquemênidas.
Um último elemento que merece destaque nessa análise diz respeito à forma com
que Frank Miller dialogou com a ideia de construção do herói. De acordo com a definição
de Joseph Campbell, um dos grandes estudiosos sobre a questão de simbologia religiosa,
em qualquer construção mítica caberia ao protagonista ser: “um herói ou uma heroína que
descobriu ou realizou alguma coisa além do nível normal de realização ou de experiência.
O herói é alguém que deu a própria vida por algo maior que ele mesmo” (CAMPBELL,
1990, p. 197).
Aparentemente essa definição de herói serviu aos propósitos de Miller ao construir
a imagem de Leônidas. Trata-se daquele que entregou a própria vida em imolação em
nome de algo superior a ele, cumprindo com sua sina religiosa, ética e moral.
Figura 21: Capa do volume 2.

A jornada do herói teria tido início com a capa do 2° volume da HQ, mostrando
Leônidas com seu escudo e lança, imponente sobre a luz do luar, iniciando sua caminhada
em direção às Termópilas, mesmo tendo sido orientado pelos éforos25 para que não
entrasse em guerra contra os persas em época de festividades religiosas.

25
De acordo com Rostovtzeff, Éforos (administradores) eram “governantes reais do país
[Esparta] e guardiões da constituição”. (ROSTOVTZEFF, 1986, p. 93).
61
Figura 22: Leônidas (v. 1, p. 18).

Apesar disso, Leônidas estaria ciente do que viria: jamais veria Esparta novamente
(Figura 22). Não voltaria nem mesmo a ver sua mulher, qualificada como forte e ótima
esposa, e que, sendo uma boa espartana, seria capaz de compreender sua atitude. Apesar
de tudo Leônidas sabia que precisava seguir em sua jornada, pois algo maior que ele
mesmo estaria por vir.

Figura 23: Capa do volume 5. Figura 24: Agradeçam a Leônidas e seus


homens (v. 5, p. 44).

A capa do 5º volume representaria o término da jornada. Sangue aspergido a


golpes de espada no fundo preto indicam uma honrosa morte em batalha. Leônidas
sucumbira. Mas ao sucumbir, o rei de Esparta entraria em um outro campo da memória
coletiva ocidental, dando sua vida por algo digno e “necessário” à humanidade. Mesmo
com uma vida curta, teria uma morte gloriosa, capaz de permitir que sua memória fosse
transmitida à eternidade.

62
Vale apontar que o desfecho da história foi antecipado pela capa, sem que tenha
sido necessariamente um spoiler, pois o mesmo já tinha acontecido no splash page de
todos os volumes anteriores. Além disso, quase a totalidade dos leitores já eram sabedores
do desfecho da história antes mesmo de iniciarem a leitura.
Em seu último discurso (Figura 24), Dilios diz: “Leônidas e seus 300 espartanos
tão longe de casa. Deram suas vidas não só por Esparta, mas por todo a Grécia... e pela
promessa que nossa terra oferece”. Em outras palavras Leônidas, ao morrer nas
Termópilas, teria conseguido unir todas as poleis contra um inimigo comum, responsável
por invadir e ameaçar o seu tão propalado modo de vida. Com sua morte, o rei de Esparta
fora elevado à categoria de herói mítico, sendo sistematicamente lembrado e
homenageado.

3.5 - A HQ EM SALA DE AULA: O TERROR SAGRADO, O ÁRABE PÓS 11 DE


SETEMBRO

Ao analisar o século XX, Eric Hobsbawm divide esse período em três partes, a
Era da Catástrofe, a Era de Ouro e O Desmoronamento. A última parte, que vai de meados
da década de 1970 até início dos anos 1990, quando se inicia o colapso da União
Soviética, “o mundo entrou num futuro desconhecido e problemático, mas não
necessariamente apocalíptico” (HOBSBAWNM, Eric, 1995, p.16). Nos anos que se
seguiram até a virada do milênio, o mundo viu a vitória do capitalismo sobre o socialismo,
e o início de um embate entre Ocidente e Oriente que nos colocou a beira de um cenário
apocalíptico.
O 11 de Setembro de 2001 tornou-se um marco histórico devido, por um lado, aos
atentados realizados pela Al Qaeda contra a maior potência mundial, os Estados Unidos
da América, e por outro, às respostas que foram dadas a esses ataques. Estabeleceu-se
uma nova pauta nas agendas de diversos governos: o combate global ao terrorismo. O
11/09/2001 possibilitou que diversos Estados, principalmente os EUA, passassem a
evocar a noção de estado de exceção26 para explicar a adoção de medidas de emergência
que são atentatórias aos direitos humanos e que atuam nas áreas do "não-direito".

26
Suspensão da constituição em momento de crise, ameaça de ordem pública, os direitos são suspensos
para que o poder Executivo posso agir de maneira mais ostensiva.

63
O ano de 2001 pode ser entendido como um momento em que se atualizou o
discurso do antagonismo entre civilização e barbárie característicos dos séculos XVIII e
XIX. O mundo muçulmano deixou de ser identificado apenas como uma ameaça cultural
e se tornou alvo das políticas de securitização, transformados em inimigos e potenciais
ameaças à nação.
Para que os muçulmanos fossem, de fato, identificados e assimilados como uma
ameaça pela sociedade estadunidense, consenso necessário para legitimar as ações dos
Estados perante o "inimigo", era necessário criar o sentimento de medo no coletivo, criou-
se, a partir de então, leis antiterror. A declaração da Doutrina Bush, conjunto de ações da
política externa dos EUA baseadas na defesa de uma “Guerra ao Terror”, inaugurou uma
nova ordem mundial, trazendo para as relações internacionais a noção de guerra
preventiva para justificar intervenções militares, como a realizada no Iraque e no
Afeganistão, e a prisão de suspeitos (mesmo sem provas), como ocorre na prisão de
Guantánamo acusada de diversos crimes e violações de Direitos Humanos. O próprio Eric
Hobsbawm ratifica essa ideia quando diz que,
Apesar do impacto e da gravidade do ataque terrorista às Torres
Gêmeas, os Estados Unidos não sofreram nenhum abalo em suas
relações internacionais e tampouco em suas estruturas internas, de
maneira que esses grupos são um sintoma, e não agentes significativos
da história. E como atuam em países estáveis, sem apoio relevante da
população, não são, na verdade, um problema militar, mas sim policial,
e que sob essa perspectiva deve ser combatido. O maior perigo não é o
provocado pelos homens-bomba, mas pela ação dos Estados,
particularmente dos EUA, que utilizam esses acontecimentos, inclusive
explorando ao máximo a sua publicidade, para porem em prática seus
interesses de expansão global. (HOBSBAWNM, Eric, 2007, p. 135).

Entre medidas adotadas pelos Estados Unidos a partir do 11 de Setembro, que


atingiram diretamente os povos árabes e muçulmano, destaca-se: uma nova legislação
antiterrorismo, como o USA Patriot Act “que criava um instrumento jurisdicional para
que o governo pudesse utilizar, quase que de maneira irrestrita, as ferramentas que
estivessem à sua disposição para prevenir outros atos de terrorismo” (CALLARI, 2016,
p. 112). Segundo Jonh Bateman “In lay terms, the PATRIOT Act allows anyone to be
subject to investigation, arrest and de tention without having had charges raised against
them”. Novas instituições de segurança, como o Departamento de Segurança Interna, a
detenção preventiva de milhares de pessoas que eram consideradas suspeitas, o
desenvolvimento de programas de vigilância e coleta de informações pela Agência de
Segurança Nacional (NSA), Federal Bureau of Investigation (FBI) e autoridades locais,

64
o aumento das medidas de segurança para aeroportos, fronteiras e eventos públicos, tudo
tendo como principal alvo imigrantes de origem árabe.
Observa-se como a ausência de um consenso sobre o que é terrorismo e a definição
dessa “nova” ameaça a partir de 2001 gerou impactos concretos para as populações
árabes-muçulmanas. Para Thomas Walter Laqueur o terrorismo é um fenômeno histórico,
do qual existem inúmeras formas e definições, pode-se dizer que é “o uso da violência
por parte de um grupo para fins políticos, normalmente dirigido contra um governo, mas
por vezes contra outro grupo étnico, classe, raça, religião ou movimento político.
Qualquer tentativa de ser mais específico está votada ao fracasso, pela simples razão de
que não há um, mas muitos terrorismos diferentes” (LAQUEUR, 1999, p. 46).
A homogeneização de grupos e populações que são plurais e heterogêneas fez
com que termos como fundamentalismo, radicalismo e jihadismo fossem tratados como
sinônimos de Islã, fato que reflete, diretamente, na estigmatização, xenofobia e
islamofobia contra as populações muçulmanas.
O 11 de setembro de 2001 e os ataques realizados pela AI Qaeda foram um divisor
de águas para que, de fato, essas populações fossem assimiladas como ameaças à
segurança dos Estados e alvos de políticas de segurança nacional. A partir do momento
em que os muçulmanos são identificados como uma ameaça, um conjunto de ações
políticas são declaradas para combater esse "inimigo".
Sob vários aspectos, o dia 11 de setembro de 2001 tornou-se uma data marcante
não só para a história dos Estados Unidos como também para o restante do mundo. A
imagem dos aviões se chocando contra as torres do World Trade Center mexeu com os
sentimentos dos estadunidenses. Com Frank Miller não foi diferente, e sua resposta aos
atentados veio em setembro de 2011 veio com a HQ Holy Terror.

65
Figura 25: Ilustração Holy Terror, Panini (2011).

Nela, Miller narra um atentado terrorista ocorrido na cidade de Empire City, que
tem como defensor um herói chamado o Censor. Segundo o próprio Miller a HQ é um
reflexo do seu posicionamento político após o 11 de Setembro. Em suas páginas fica bem
claro seu ódio ao fundamentalismo islâmico e seu apoio ao que o ex-presidente George
W. Bush chamou de “Guerra ao Terror”. O inimigo na obra é apresentado de forma clara,
Al-Qaeda, organização fundamentalista islâmica liderada por Osama Bin Laden.
Não por acaso, em uma entrevista concedida ao site Hero Complex27 em junho de
2011 Miller afirma: “I’m a comic book artist first and foremost; as I got into this I felt
probably something close to what Jack Kirby felt when he created Captain America”28.

27
Entrevista concedida a Hero Complex em 30 de Junho de 2011:
http://herocomplex.latimes.com/comics/frank-miller-brings-holy-terror-to-911-anniversary-i-hope-it-
shakes-people-up/
28
Tradução Livre: “Acima de tudo, eu sou quadrinista. Quando entrei nessa, me senti próximo do que
Jack Kirby provavelmente sentiu quando criou o Capitão América”

66
Figura 26: Ilustração Capitão América N° 1, Marvel Comics (1941).

A afirmação de Miller mostra seu posicionamento diante do fundamentalismo


islâmico, enxergando-o como o novo inimigo nacional à paz e às democracias ocidentais.
Se em 1941 o Capitão América vencera Adolf Hitler, a responsabilidade de enfrentar a
nova ameaça vinda do oriente estava nas mãos do Censor. Essa comparação fica mais
clara quando colocamos as capas das duas HQ lado a lado.
É possível perceber como o momento histórico influencia as obras de Miller,
deixando transparecer seu posicionamento político. Isso já tinha acontecido em Batman
– O cavaleiro das trevas, ao deixar claro seu descontentamento com a política de Reagan.
Em 300 é possível enxergar o choque entre Ocidente e Oriente proporcionado pela Guerra
do Golfo. Já Holy Terror, o lado xenofóbico de Frank Miller atingiu seu ápice.
Inegavelmente, suas obras são uma grande demonstração da influência que o momento
histórico exerce sobre o indivíduo.
Ao folhear a HQ nos deparamos com diversos discursos polêmicos,
generalizações, estereótipos, xenofobia, preconceitos culturais e religiosos. O primeiro
alvo de Frank Miller em Holy Terror é o principal nome do islamismo, o profeta Maomé,
a primeira página da história em quadrinhos mostra uma frase atribuída ao líder religioso,
extremamente descontextualizada com objetivo de legitimar a leitura errônea feita da
jihad.
67
Figura 27: Abertura de Holy Terror. (Editora Panini, 2013).

Sobre o conceito de Jihad, é necessário tomar alguns cuidados por causa do seu
caráter ambíguo, segundo o historiador holandês Peter Demant:

é preciso destacar o conceito ambíguo do jihad, comumente traduzida


como guerra santa. Literalmente, jihad quer dizer "esforço em favor de
Deus". Abraçar o islã implicava, desde o começo e até hoje, tanto para
o indivíduo quanto para a comunidade, assumir um compromisso total
- para reger a própria vida nos moldes prescritos por Deus, para imbuir
a sociedade com a letra e o espírito da lei divina e para propagar a
verdadeira religião no mundo inteiro. Jihad, então, pode apontar para a
disciplina da transformação interior (o grande jihad) tanto quanto para
o empenho na guerra de conversão do outro, externa e, se necessário,
violenta (o pequeno jihad). "Luta" ou "militância" aproximariam
melhor o sentido da palavra. (DEMANT, Peter, 2013, p. 36).

É necessário entender que o conceito de Jihad está intimamente ligado ao contexto


histórico do século VII, ao processo de expansão do mundo muçulmano, o problema se dá
quando acontece a aplicação descontextualizada desse mesmo conceito atualmente, nesse
sentido a característica de disseminar a fé muçulmana e a luta pelo desenvolvimento
espiritual cedem lugar para a guerra santa e a perseguição ao “infiel”. Existem grupos
extremistas que usam métodos violentos para transmitirem as suas ideias, mas esse não é
o conceito original de jihad.
A frase atribuída ao profeta Maomé que Miller utiliza para iniciar sua narrativa não
aparece no Alcorão, o livro sagrado do Islã, nem na Hadith, conjunto de histórias sobre a
vida do profeta, a frase está na contramão do próprio Alcorão, segundo a Surata 60 “Al
Mumtahana”, versículo 8: “Deus nada vos proíbe, quanto àquelas que não nos combateram
pela causa da religião e não vos expulsaram dos vossos lares, nem que lideis com eles com
gentileza e equidade, porque Deus aprecia os equitativos”, ou seja, quando a relação é
amistosa, não violenta, a ordem divina é tratar o próximo, muçulmano ou não, com
equidade e gentileza.

68
A ideia original de Frank Miller tinha como peça central a figura do Batman
defendendo Gotham City de um ataque do grupo terrorista da Al-Qaeda. De acordo com
Miller, a história em quadrinhos teria sido uma "peça de propaganda " em que Batman
"chuta a bunda da Al-Qaeda ", a HQ se chamaria originalmente Holy Terror, Batman!,
fazendo referência à frase usada por Burt Ward ("Santo [algo], Batman!"), o Robin da
série de televisão Batman (1966-1968).
Em 2010, a DC Comics abandonou o projeto e o autor reformulou o roteiro,
surgindo então Holy Terror. Na San Diego Comic-Con 2011, Miller explicou ainda o
motivo de abandonar Batman e usar o Censor como protagonista, dizendo: "Este
personagem é melhor ajustado para cometer atos terríveis de violência contra pessoas
muito más”, falando sobre as possíveis polêmicas que a história em quadrinhos poderia
gerar.
Por mais que a ideia original de se utilizar o Batman como “herói” na história
tenha sido abandonada, é inegável as referências que Miller utiliza do morcego de
Gotham City para criar seus personagens.

Figura 28: Censor e a Natalie Stack (Editora Panini, 2013, p. 11).

O Censor tem clara influência do Batman criado por Frank Miller em 1986, o
detalhe das botas, luvas, até mesmo o cinto de utilidades, os traços são equivalentes, o
que Miller deixa de fora do seu novo personagem, por motivos óbvios, são as orelhas do
morcego no capuz. A própria parceira do Censor na história é uma referência ao par
romântico do morcego de Gotham, Natalie Stack carrega com ela todas as características

69
de Selina Kyle, a mulher gato nas histórias do Batman, ambas utilizam as garras como
armas, acrobatas e ladras, na página 8 de Terror Sagrado o Censor utiliza um adjetivo que
contempla essa relação entra as duas personagens, “gatuna”.

Figura 29: Censor e Batman.

A escolha do nome do protagonista carrega uma simbologia importante para o


enredo da história: “O Censor”. O significado da palavra no mundo antigo está ligado ao
Magistrado romano cuja função consistia em fazer o recenseamento dos cidadãos, investir
os proprietários e zelar pelos costumes, em um significado mais próximo temporalmente
censor é aquele responsável por censurar, por cuidar da disciplina.

Todo o enredo de Holy Terror coloca o Censor no papel do disciplinador, aquele


que é o responsável por garantir a punição daqueles que tentam colocar em xeque a ordem
natural dos bons costumes construída pela sociedade estadunidense, dentro da perspectiva
do protagonista a lógica diplomática pós-moderna está intimamente ligada ao uso da
violência para garantir a ordem.

70
Figura 30: Frase no canto superior esquerdo da imagem “passamos a empregar
diplomacia pós moderna” (Editora Panini, 2013, p. 71).

A construção midiática Ocidental pós 11 de Setembro colaborou para construção


dessa imagem na qual o árabe, ou muçulmano, só entende as relações tendo como base
um processo violento, o desenvolvimento desse “conhecimento especializado sobre o
Oriente Médio, supostamente bem informado sobre os árabes. Todos os caminhos levam
ao bazar; os árabes só entendem a força; a brutalidade e a violência fazem parte da
civilização árabe” (SAID, 2011, p. 451).

71
Figura 31: As preocupações de Dan Donegal.

O personagem Dan Donegal é o capitão de polícia responsável por cuidar dos


casos de atentados terroristas na cidade de Empire City, a última página da HQ traz uma
reflexão do policial sobre os eventos que chocaram a cidade, a frase do último balão é
ilustrativa: “não me admira que chamemos isso de terror”. Na cama, com medo de tudo
que aconteceu em relação aos ataques terroristas, percebemos uma pessoa que está suando
frio, com medo de sair, não entendendo por que as pessoas se sentem tranquilas mesmo
com os ataques que aconteceram há seis semanas atrás. A página reflete bem o
pensamento é o próprio Frank Miller, um homem com medo, por isso todo esse ódio
despejado sobre o islamismo, o 11 de setembro trouxe o medo para grande parte da
população estadunidense, e o medo gera ódio, essa página é uma síntese do Miller do
começo dos anos 2000.

72
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Mesmo com o avanço da historiografia, principalmente a partir dos anos 1970,


com a chamada Nova História, o preconceito em relação à utilização de HQs como fonte
documental, seja para trabalhos acadêmicos, seja como recurso didático-pedagógico,
persiste. Apesar de algumas iniciativas como as de Armand Mattelart e Ariel Dorfman
(1977), ainda nos anos 1970, esse tipo de fonte continuou marginalizada especialmente
entre historiadores. Contudo, a realidade acadêmica, e especialmente a escolar, vem
exigindo o estabelecimento de novas abordagens para a história, e nesse sentido os
quadrinhos mostram-se como uma ferramenta eficiente de aproximação. A dificuldade
reside no fato de que o “trabalho com o documento histórico em sala de aula exige do
professor que ele próprio amplie sua concepção e o uso do próprio documento”
(SCHIMIDT,1995, p. 95), obrigando-o a entender essa linguagem, com seus diferentes
planos e ângulos, figuras cinéticas e metáforas visuais, significados dos balões… Na
opinião de Victor Callari, “A leitura da imagem exige um conhecimento acerca dos
diferentes estilos de desenhos e de como, devido à limitação dos espaços, a linguagem
dos quadrinhos lida com signos reconhecíveis pelo leitor” (CALLARI, 2016. p. 48).
Levar a experiência da HQ para a sala de aula como uma ferramenta aparentemente
inovadora em relação a antigas práticas pedagógicas dogmatizantes pode apenas
significar o uso do novo visando atender a antigos fins. Na prática, a inovação não vem
do uso do quadrinho, mas da formação do professor, bem como suas escolhas. Na opinião
de Paulo Freire, a educação deveria fugir de um caráter “bancário”, saindo da centralidade
do professor e dando mais atenção à figura do aluno, sendo ele o elemento prioritário da
relação ensino aprendizagem. Assim, o uso de um material que é experimentado e
experenciado por ele em sua realidade cotidiana poderia incentivar relações de autonomia
diante à construção do conhecimento.
Porém, sendo as HQs nada mais que suportes dotados de especificidades, cabe ao
professor/ pesquisador selecionar temas e abordagens que possibilitem seu uso de
maneira problematizada. Nesse sentido, a temática dos conflitos contemporâneos entre
Ocidente e Oriente talvez apontem para um caminho possível, especialmente porque cada
vez mais fazem parte do dia a dia, ocupando espaço na TV, nos jornais e internet, exigindo
análise cuidadosa dos discursos presentes nessas mídias, especialmente porque apesar de
travestidas de neutralidade e preocupação com a “verdade dos fatos”, apresentam um
posicionamento ideológico muito bem definido. Não por acaso, Pedro Paulo Funari

73
apresentou uma proposta para o ensino de história, trazendo à tona a percepção de que O
Ocidente se cria como uma supercivilização dominadora do mundo. Em um primeiro
momento, esse Ocidente é nitidamente racista, arianista, antissemita, ao criar um homem
ariano ocidental racional, guerreiro e conquistador do oriental irracional, trapaceiro,
indolente, pronto a ser civilizado pelos arianos (FUNARI, 2004. p. 98). Se Edward Said
tem razão, o Orientalismo pode aparecer em diversos lugares e sob as mais variadas
formas, e um instrumento de linguagem midiática de “fácil” e rápida absorção como as
HQs, torna sua desmistificação ainda mais necessária.

74
BILIOGRAFIA:

ADORNO, T. Industria cultural e sociedade. São Paulo: Paz e Terra, 2002.

ALBUQUERQUE, Edu; PASSOS, Rodrigo; SILVA, Dakyr L. Machado da; VIST, Helio
Larri; BERTAZZO, Claudio José; FREITAS, Ricardo Martins de; TERRA, Elonir Dutra;
RAMOS, Fabio. O choque das civilizações e a recomposição da nova ordem mundial:
Resenha do livro de Samuel Huntington. Revista de História Regional, S.I., v. 1, n. 5,
p. 225-236, mar. 2000.

BARROS, I. M. R. Olhares e lentes: uma provocação sobre a leitura acadêmica dos


quadrinhos. In: CALLARI, V.; RODRIGUES, M. S. História e quadrinhos:
contribuições ao ensino e à pesquisa. Belo Horizonte: Letramento, 2021. p. 74-92.

BENJAMIN, W. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. 3. ed. São


Paulo: Editora Brasiliense, 1987.

BITTENCOURT, C. Ensino de História – fundamentos e métodos. São Paulo:


Contexto, 2009.

BLOCH, M. Apologia da História ou o ofício de historiador. Rio de Janeiro: Zahar,


2001.

BORGES, M. E. L. História & Fotografia. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2011.

BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, LDB. 9394/1996. BRASIL.

BRAUDEL, F. Escritos sobre a história. São Paulo: Perspectiva, 1978.

BURKE, P. Testemunha ocular: história e imagem. Bauru: Edusc, 2004.

CAGNIN, A. L. Os quadrinhos: linguagem e semiótica. São Paulo: Criativo, 2014.

CALLARI, V. Política e terrorismo na série Guerra Civil da Marvel Comics. 2016.


209 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de História e Historiografia, Escola de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas, Universidade Federal de São Paulo, Guarulhos, 2016.

CALLARI, Victor. Política e terrorismo na série Guerra Civil da Marvel Comics.


Domínios da Imagem, [S.L.], v. 8, n. 16, p. 146, 22 dez. 2014. Universidade Estadual

75
de Londrina. http://dx.doi.org/10.5433/2237-9126.2014v8n16p146.

CALLARI, Victor; RODRIGUES, Márcio dos Santos. História em quadrinhos - HQ:


contribuições ao ensino e à pesquisa. Belo Horizonte, MG: Letramento, 2021.

CAMPBELL, J. O poder do mito. São Paulo: Palas Athena, 1990.

CHESNEAUX, J. Devemos fazer tábula rasa do passado? São Paulo: Ática, 1995.

COGGIOLA, O. A revolução iraniana. São Paulo: UNESP, 2008.

COLI, J. Como estudar a arte brasileira do séc. XIX? São Paulo: SENAC, 2005.

DEMANT, Peter. Mundo Muçulmano. São Paulo: Contexto, 2003.

EISNER, W. Quadrinhos e arte sequencial: princípios e práticas do lendário


cartunista. São Paulo: Martins Fontes, 2010.

FERNANDES, P. R. “Ésquilo e ‘Os pesas’: repensando a representação do bárbaro”.


NEArco revista eletrônica de antiguidade, Rio de Janeiro, Ano VIII, nº 1, jan. 2015.

FERRO, M. A manipulação da história no ensino e nos meios de comunicação. São


Paulo: IBRASA, 1983.

FINLEY, M. Economia e sociedade na Grécia antiga. São Paulo: Martins Fontes,


2013.

FOUCAULT, M. As formações discursivas. In: FOUCAULT, M. A arqueologia do


saber. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2012. p. 35-44.

FUNARI, P. P. A Renovação da História Antiga In: KARNAL, L. (org.). História na


sala de aula: conceitos, práticas e propostas. São Paulo: Contexto, 2004. p. 137-157.

FUSER, Igor. O petróleo e o envolvimento militar dos Estados Unidos no Golfo


Pérsico (1945-2003). 2005. 329 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Relações
Internacionais, Universidade Estadual de São Paulo; Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo; Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, 2005.

HERÓDOTO. História. Brasília: Ed. da UnB, 1985.

76
HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

HOBSBAWM, Eric. Globalização, democracia e terrorismo. São Paulo: Companhia


das Letras, 2007.

HUNTINGTON, S. O choque das civilizações e a recomposição da nova ordem


mundial. Rio de Janeiro: Objetiva, 1997.

KARNAL, L. (Org.) História na sala de aula: conceitos, práticas e propostas. São


Paulo: Contexto, 2004.

KRAKHECKE, Carlos André. A Representações da Guerra Fria nas histórias em


quadrinhos Batman - O cavaleiro das trevas e Watchmen (1979-1987). 2009. 145 f.
Dissertação (Mestrado) - Curso de História, Programa de Pós-Graduação em História da
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul, Porto Alegre, 2009.

LE GOFF, J.; NORA, P. (Org.). História: novos problemas, novas abordagens, novos
objetos. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1988.

LEWIS, B. The roots of Muslim Rage. Why so many Muslims deeply resent the West,
and why their bitterness will not easily be mollified. Boston: The Atlantic Monthly,
1990.

MATTÉI, J. A barbárie interior: ensaio sobre o i-mundo moderno. São Paulo: Editora
UNESP, 2002.

MATTELART, A.; DORFMAN, D. Para ler o pato Donald: Comunicação de massa e


imperialismo. São Paulo: Paz e Terra, 1977.

MILLER, F. Holy Terror. São Paulo: Panini, 2013.

MILLER, F. Os 300 de Esparta. São Paulo: Panini, 1999.

NEY Jr., J. S. O paradoxo do poder americano: porque a única super potência do


mundo não pode prosseguir isolada. Tradução de Luiz Antônio Oliveira de Araújo. São
Paulo: Unesp, 2002.

Os 300: fato ou ficção. Extras do DVD 300. Zack Snyder, EUA, 2006

77
PAIVA, E. F. História & Imagens. Belo Horizonte: Autêntica, 2002.

RAMOS, P. A leitura dos quadrinhos. São Paulo: Contexto, 2010.

RODRIGUES, M. S. Representações políticas da Guerra Fria [manuscrito]: as


histórias em quadrinhos de Alan Moore na década de 1980. 2011. 212 f. Dissertação
(Mestrado) - Curso de História da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas,
Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo
Horizonte, 2011.

ROSTOVTZEFF, M. História da Grécia. Rio de Janeiro: Guanabara, 1986.

SAID, E. Cultura e política. São Paulo: Boitempo, 2012.

SAID, E. Cultura e resistência. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006.

SAID, E. Fora do Lugar. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.

SAID, E. Imperialismo e cultura. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

SAID, E. Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo: Companhia


das Letras, 2007.

SAID, E. Representações do intelectual. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

SCHIMIDT, M. A. Ensinar História. São Paulo: Scipione, 2004.

SILVA, T. T. (Org.). Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais.


Petrópolis: Vozes, 2000.

SOUZA, Jônatas Ferreira de Lima; COSTA, Fabiano Marques da; SILVA, Edjair Santana
Marques da; SILVA, Emiliane Maria Holanda da. Resenha da obra: Said, Edward W.
Orientalismo. Dehis – Departamento de História: CCHLA – CENTRO DE CIÊNCIAS
HUMANAS, LETRAS E ARTES, UFRN,
2009. http://dx.doi.org/10.13140/RG.2.2.32622.43842.

VERGUEIRO, W. (Org). Como usar as histórias em quadrinhos na sala de aula. São


Paulo: Contexto, 2014.

78
79
OS 300 DE ESPARTA” E “HOLY
TERROR”: DO ORIENTALISMO À
EXPERIÊNCIA EM SALA DE
AULA, A DESCONSTRUÇÃO DO
ESTEREÓTIPO ÁRABE NO
AMBIENTE ESCOLAR

Lucas Bernardo dos Santos


“Para Lidiane Yasmin, que
além de aguentar minhas
chatices de irmão mais velho,
teve que escutar milhares de
vezes a história dos 300
de Esparta”.
PARTE 1
ABERTURA E LIGAÇÃO
DAS HQ´S COM A SALA DE AULA
A utilização das histórias em quadrinho como fonte documental é um assunto que vem ganhando força tanto na
historiografia como entre os debates pedagógicos. Se, inegavelmente, ela pode ser vista como um instrumento da
indústria cultural, também pode ser analisada como representação do momento histórico em que foi produzida, bem como
a ideologia e o posicionamento político de seu autor e da empresa editorial. Em uma leitura mais aprofundada, é possível
perceber entre balões e onomatopeias, discursos que reafirmam ou negam determinados projetos político-ideológicos,
assumindo parcialidade diante da realidade vivida. Assim como qualquer outra fonte, as HQ’s merecem cuidados na
análise, especialmente devido às suas especificidades. É importante entender o caminho que a obra percorreu desde sua
idealização até chegar às mãos do leitor: quem a produziu, quem a editou, para qual público, qual a tiragem, reimpressões,
qual o quadro estatístico de distribuição e venda... O motivo disso é que a editora também toma partido de situações
políticas, sendo impossível sua isenção.
Por um lado, trazer as histórias em quadrinho para uma discussão escolar pode
ser uma maneira de deixar o cotidiano mais dinâmico para o aluno, na medida em
que se trata de uma fonte com forte apelo e aceitação junto ao público jovem
(ludicidade). Além disso, trata-se de um recurso capaz de estabelecer
importantes intercâmbios disciplinares, o que permitiria a superação do
conhecimento como algo estanque e compartimentado, promovendo ganhos
qualitativos na relação ensino-aprendizagem. Contudo, por outro, a ausência de
repertório metodológico e ferramentas interpretativas, podem levar o leitor a
tratar essa fonte como mera ilustração do real.

Além disso, é importante ressaltar que o trabalho com gêneros de linguagem diversos permite ao aluno desenvolver
competências leitoras diferenciadas. Quando aliadas à reflexão histórica, estas competências podem ser uma
possibilidade efetiva de exercer a crítica ideológica sobre uma fonte documental específica, demonstrando sua
parcialidade e intencionalidade. Não por acaso os debates sobre a utilização de fontes históricas em sala de aula
ganharam espaço nas últimas décadas. Na opinião de Auxiliadora Schmidt, a utilização didática de documentos traria
contribuições relevantes para o processo de ensino e aprendizagem, especialmente quando se levando em consideração
que a diversidade dos testemunhos históricos seria quase infinita ou, como afirmou Marc Bloch, “tudo que o homem diz ou
escreve, tudo que fabrica, tudo que toca pode e deve informar sobre ele”.
Caberia ao professor a adoção de cuidados metodológicos,
pois em uma leitura simplista, a formalidade e
“oficialidade” do documento poderia levar a uma
construção equivocada de “verdade histórica”. Por outro
lado, o contato direto com esses materiais auxiliaria na
desconstrução de algumas imagens cristalizadas,
motivando o aluno a realizar cada vez mais indagações
sobre o documento, tornando-o agente ativo desse
processo. Segundo Schmidt,

“O contato com fontes históricas facilita a familiarização


do aluno com formas de representação das realidades do
passado e do presente, habituando-o a associar o conceito
histórico à análise que o origina e fortalecendo sua
capacidade de raciocinar baseado em uma situação dada”
(SCHIMIDT, M. A, 2004, p. 94).

Um bom trabalho com documentos realizado em sala de aula pode despertar no aluno a percepção de que o passado não
está “morto”, mas sim influencia e dialoga constantemente com o presente, na medida em que caberia ao historiador
selecionar, ler e interpretar o passado sempre partindo de problematizações construídas em seu tempo, percebendo
permanências, rupturas ou mesmo construções interpretativas ideologicamente constituídas a partir de estruturas
sociais, políticas, econômicas e culturais analisadas. Assim, tanto a escolha das fontes, como o entendimento que o
professor tem sobre elas, pode trazer questões valiosas para o processo educacional.
Circe Bittencourt defende que a escolha do material utilizado em sala de aula “depende, portanto de nossas
concepções sobre o conhecimento, de como o aluno vai apreendê-lo” (BITTENCOURT, Circe, 2009, p. 299). A
utilização de um suporte pedagógico que esteja mais próximo do cotidiano discente pode ajudar na construção do
conhecimento, na medida em que o contato direto com as fontes permitiria, fundamentalmente, perceber como se
constrói a reflexão histórica, fruto de diversos enfoques interpretativos realizados sempre no tempo presente,
desmistificando a ideia de que o conhecimento sobre o passado estaria pronto e acabado, ou mesmo que caberia ao
historiador lidar apenas com “coisas velhas”, esquecidas em um tempo pretérito remoto e abstrato.

Nesse sentido, mostra-se de fundamental importância que o professor consiga construir com o aluno a percepção
sobre diferentes temporalidades, fugindo do senso comum de uma história quadripartida, pautada em uma linha do
tempo eurocêntrica, ideologicamente constituída, capaz de consagrar uma falsa ideia de passado “universal”,
relegando a um segundo plano aquilo que de mais profundo existe nas relações sociais. O uso didático das HQ’s talvez
possa evidenciar como é possível realizar-se deliberadamente a apropriação do passado pelo presente.
PARTE 2
A LINGUAGEM DOS
QUADRINHOS
QUEM PRODUZIU ?

CONTEXTUALIZANDO
PORQUE PRODUZIU? COMO PRODUZIU?
A FONTE

QUANDO PRODUZIU?

Para compreender o próprio tempo narrado nas HQ´s, é necessário compreender o


contexto histórico, social e político dos autores e da publicação. Mais
especificamente a análise da HQ se dá por um tripé analítico. O primeiro ponto seria
um destaque ao cotidiano do autor, uma contextualização do seu momento de
produção. O segundo ponto é encontrar a relação da questão do contexto com o que
foi narrado, buscando identificar e compreender as intenções de quem produz. O
terceiro ponto é perceber a impossibilidade de entender a leitura proposta como
única, existe a possibilidade de mais de uma interpretação.

OS BALÕES
Um dos recursos que são utilizados nas histórias
em quadrinhos são os balões. Eles servem para a
fala ou pensamento dos personagens, porém seus
formatos variam, tanto na sua forma em si, como
no tipo de contorno.

Fala Comum Sussurro Fala Eletrônica

Pensamento Grito Fala Simultânea


ONOMATOPÉIA Indicam a reprodução de sons ou ruídos naturais.

Trrrimmm, Trrimmm Toque Telefone


Smack Beijo
Tic-Tac Som do relógio
Bum! Explosão
Sniff,Sniff Choro
Au-Au Latido
Atchim Espirro
Blá-Blá-Blá Conversa fiada
Bibi Buzina
Coff, Coff! Tosse
Fiu, Fiu! Assovio
Glub, Glub! Bebendo algo
Quá-quá-quá Risadas
Zzzz Dormindo
A LINGUAGEM DOS
QUADRINHOS -
ÂNGULOS E PLANOS
Planos e Ângulos de Visão

Nos quadrinhos, os enquadramentos ou planos representam a forma como


uma determinada imagem foi representada, limitada na altura e largura. Os
diversos planos serão nomeados conforme se referirem à representação
do corpo humano. A denominação para os planos e ângulos vem da
nomenclatura que também é utilizada no cinema:
PLANOS GERAL:
Enquadramento amplo, abrange tanto as
figuras humanas como, também, todo o
cenário que a envolve.

Plano Total
Representa apenas os
personagens, sem muitos
detalhes do espaço em volta.

Plano Médio
Representa os personagens da
cintura para cima, foco nas
expressões, traços dos
personagens e nos diálogos.
PLANO
AMERICANO:
Representa os personagens a
partir dos joelhos, em uma
conversa normal a visão se
dilui nesse ponto anatômico.

PRIMEIRO PLANO
Enquadramento na altura dos ombros da figura, foco nas
expressões e estado emocional do personagem.

Plano de Detalhes ou
close-up
Limita espaço em torno de uma parte
do personagem ou de um objeto,
realça o que passaria despercebido
pelo leitor.
ÂNGULOS

Ângulos de visão
supeior ou plongé
Cena é observada de cima para
baixo, permite que os
personagens sejam diminuídos,
normalmente usado em
momentos de suspense.

Ângulos de visão
inferior ou contre-
plongé
Cena é observada de baixo para
cima, serve para
enaltecer, engrandecer o
personagem.

Ângulos de visão
médio
Cena é observada como se
ocorresse à altura dos olhos
do leitor, utilizada para cenas
de ações mais lentas.
OS 300 DE ESPARTA” E “HOLY
TERROR”: DO ORIENTALISMO À
EXPERIÊNCIA EM SALA DE AULA,
A DESCONSTRUÇÃO DO
ESTEREÓTIPO ÁRABE
NO AMBIENTE ESCOLAR
Ao analisar a história em quadrinhos é necessário contextualizar, desenhada nos últimos anos
da década de 1990, a 300 de Esparta trouxe estampada em suas páginas diversas questões
próprias de seu tempo. Influenciado pela Guerra do Golfo, momento em que as relações entre
Ocidente e Oriente se mostravam conturbadas, Frank Miller construiu uma representação
estereotipada da figura do oriental, longe de qualquer ingenuidade. Sistematicamente
retratado como sujo, bárbaro, ignorante e inferior, tal leitura refletia a visão de mundo de seu
autor em relação ao “outro”.

Vale ressaltar que essa visão pejorativa em


relação ao oriental ganhou cada vez mais
força na obra de Miller, especialmente
depois dos acontecimentos que marcaram o
segundo semestre de 2001, com a queda do
World Trade Center e posteriormente com
a publicação de Holy Terror. Essa
construção do mundo oriental como
inferior é denominada Orientalismo,
Edward Said nos explica que...

“O orientalismo é o termo genérico que tenho


empregado para descrever a abordagem
ocidental do Oriente. Orientalismo é a disciplina
pela qual o Oriente era (e é) abordado de
maneira sistemática, como um tópico de
erudição descoberta e prática. Mas além disso
tenho usado a palavra para designar o conjunto
de sonhos, imagens e vocabulários disponíveis
para quem tenta falar sobre o que existe a leste
da linha divisória” (SAID, 2007, p.115).
Não foi por acaso que ao recontar a
batalha, Miller tentou afirmar a
supremacia espartana diante dos
inimigos vindos do Oriente Médio. Um
dos elementos utilizados por ele para
realizar tal comparação aponta para a
organização espartana em
contrapartida à confusa logística persa.

Nas imagens é possível notar a simetria


empregada por Miller na composição da marcha
espartana. O quadrinista fez questão de
representar a organização militar por meio do
alinhamento perfeito dos soldados, sendo
perceptível a disciplina com que os espartanos
se movem. A disposição dos três soldados em
primeiro plano da mostra-os ordenados como se
uma linha de sincronia passasse pelos joelhos e
cabeças, evidenciando seu preparo militar e
obediência. Além disso, a escolha de um ângulo
de visão inferior serviria para enaltecer as
figuras retratadas, dando-as grandiosidade.

Em contra partida o exército persa foi


apresentado de maneira diametralmente
oposta. Nessa imagem ficou claro a falta de
coesão e preparo do exército inimigo,
formado por um amontoado de povos
bárbaros, incultos e incivilizados, muitos
deles meros escravos armados que lutavam
em nome de uma liderança opressora, sem
nenhuma organização militar evidente. As
espadas e escudos não representam uma
unidade, assim como os soldados
movimentam-se sem liderança. Frank Miller
os representou muito mais como uma horda,
ou bando, que propriamente um exército.

A maneira como a figura do


Imortal foi construída
enquadrar-se-ia tanto na
perspectiva do exótico, com sua
aparência fantasmagórica e
atitude robotizada (obediência
dogmática), como aquela do
oriental que causa medo, e por
isso precisa ser controlado
Não por acaso Miller fez questão de
mostrar o quanto o exército persa era
“esquisito”. Xerxes “envia monstros do
outro lado do mundo, são feras
estúpidas e desajeitadas”. Não se sabe
ao certo se esses “monstros” a que o
autor se refere são animais de guerra
exóticos (em destaque), fora da
normalidade aos olhos ocidentais, ou o
próprio exército persa, formado por
soldados advindos das mais diversas
regiões. Para um povo civilizado restaria
apenas resistir a esse invasor.

Segundo a HQ, Leônidas tornou-se rei


de Esparta depois de retornar do seu
agogê (treinamento espartano),
trazendo consigo a pele de um grande
lobo morto por suas próprias mãos. Para
efetuar tal façanha o menino de apenas
11 anos de idade teria tido a ideia de
atrair a fera para um estreito corredor,
encurralando a presa e assim tirando-
lhe a vida.

Essa mesma referência foi utilizada por


Miller, só que personificando o Oriente
na figura do lobo, devorador da justiça e
da razão, e a bravura, honra e coragem
sintetizados no jovem Leônidas que,
com apenas 11 anos, foi capaz de
derrotá-lo. Não por acaso a forma com
que o autor retratou o desfiladeiro das
Termópilas ser tão semelhante ao
próprio local usado por Leônidas para
derrotar a fera selvagem.
É importante salientar que no decorrer do
século XX os Estados Unidos tentaram
construir uma imagem diferente em relação aos
seus atos imperialistas, distanciando-se de seus
predecessores europeus do século XIX. A
intenção foi desvincular-se da ideia de potência
interventora, preferindo, em vez disso, a ideia
de ser um país que segundo Edward Said tem a
“responsabilidade mundial”. Nessa perspectiva,
caberia aos EUA o dever de enfrentar os
inimigos do mundo ocidental livre,
responsabilizando-se por liderar a luta pela
manutenção da razão e da justiça.
Aparentemente, Frank Miller construiu a figura
de Leônidas e Esparta por meio desse viés.

No discurso de Dilios, a associação identitária


entre os Estados Unidos e Esparta ficou
evidente, especialmente pela obrigação quase
moral que Esparta carregaria consigo de
enfrentar os persas e toda a ameaça ao modo de
vida civilizado que eles representariam. Em um
de seus pronunciamentos, Dilios afirmara que
todo o território helênico, como uma verdadeira
nação, estaria “agora motivada, unida... pondo de
lado antigas rivalidades unindo forças para
expulsar o invasor de nossas praias”. Vale
salientar que a Grécia antiga nunca foi um
território unificado, e tais rivalidades nunca
deixaram de existir.

Até mesmo o sentido contemporâneo de


nação, inexistente no mundo clássico,
apareceu no discurso, talvez muito mais
representativo de um Estado Unidos
líder de uma coalizão responsável por
combater o Iraque na Guerra do Golfo do
que Esparta contra os aquemênidas.

Vale salientar que a Grécia antiga nunca foi um


território unificado, e tais rivalidades nunca
deixaram de existir.
Já Holy Terror: pós
os atentados do 11
de Setembro
Sob vários aspectos, o dia 11 de setembro de
2001 tornou-se uma data marcante não só para a
história dos Estados Unidos como também para
o restante do mundo. A imagem dos aviões se
chocando contra as torres do World Trade
Center mexeu com os sentimentos dos
estadunidenses. Com Frank Miller não foi
diferente, e sua resposta aos atentados veio em
setembro de 2011 com a HQ Holy Terror.

Nela, Miller narra um atentado terrorista


ocorrido na cidade de Empire City, que tem como
defensor um herói chamado o Sensor. Segundo o
próprio Miller a HQ é um reflexo do seu
posicionamento político após o 11 de Setembro1.
Em suas páginas fica bem claro seu ódio ao
fundamentalismo islâmico e seu apoio ao que o
ex-presidente George W. Bush chamou de
“Guerra ao Terror”. O inimigo na obra é
apresentado de forma clara, Al-Qaeda,
organização fundamentalista islâmica lidera por
Osama Bin Laden.

Não por acaso, em uma entrevista concedida ao


site Hero Complex em Junho de 2011 Miller
afirma: “I’m a comic book artist first and
foremost; as I got into this I felt probably
something close to what Jack Kirby felt when
he created Captain America” (Tradução Livre:
“Acima de tudo, eu sou quadrinista. Quando
entrei nessa, me senti próximo do que Jack
Kirby provavelmente sentiu quando criou o
Capitão América”).
A afirmação de Miller mostra seu
posicionamento diante do fundamentalismo
islâmico, enxergando-o como o novo inimigo
nacional à paz e democracia ocidentais. Se
em 1941 o Capitão América vencera Adolf
Hitler, a responsabilidade de enfrentar a
nova ameaça vinda do oriente estava nas
mãos do Sensor. Essa comparação fica mais
clara quando colocamos as capas das duas
HQ lado a lado.

É possível perceber como o momento histórico influencia as obras de Miller, deixando transparecer seu posicionamento
político. Em 300 é possível enxergar o choque entre Ocidente e Oriente proporcionado pela Guerra do Golfo. Já Holy Terror, o
lado xenofóbico de Frank Miller atingiu seu ápice. Inegavelmente, suas obras são uma grande demonstração da influência que o
momento histórico exerce sobre o indivíduo.

Todo o enredo de Holy Terror coloca o Censor no papel


do disciplinador, aquele que é o responsável por
garantir a punição daqueles que tentam colocar em
xeque a ordem natural dos bons costumes construída
pela sociedade estadunidense, dentro da perspectiva
do protagonista a lógica diplomática pós-moderna está
intimamente ligada ao uso da violência para garantir a
ordem. A construção midiática Ocidental pós 11 de
Setembro colaborou para construção dessa imagem na
qual o árabe, o muçulmano só entende as relações tendo
como base um processo violento, o desenvolvimento
desse “conhecimento especializado sobre o Oriente
Médio, supostamente bem informado sobre os árabes.
Todos os caminhos levam ao bazar; os árabes só
entendem a força; a brutalidade e a violência fazem
parte da civilização árabe”.
O personagem Dan Donegal é o capitão de polícia responsável por cuidar dos casos de
atentados terroristas na cidade de Empire City, a última página da HQ traz uma reflexão
do policial sobre os eventos que chocaram a cidade, a frase do último balão “não me
admira que chamemos isso de terror”. Na cama com medo de tudo que aconteceu em
relação aos ataques terroristas, percebemos uma pessoa que está suando frio, com medo
de sair, não entendendo por que as pessoas se sentem tranquilas mesmo com os ataques
que aconteceram a seis semanas atrás, essa pagina reflete bem o pensamento é o próprio
Frank Miller, um homem com medo, por isso todo esse ódio despejado sobre o islamismo, o
11 de setembro trouxe o medo para grande parte da população estadunidense, e o medo
gera ódio, essa página é uma síntese do Miller dos começo dos anos dois mil.
Levar a experiência da HQ para a sala de
aula como uma ferramenta aparentemente
inovadora em relação a antigas práticas
pedagógicas dogmatizantes pode apenas
significar o uso do novo visando atender a
antigos fins. Na prática, a inovação não vem
do uso do quadrinho, mas da formação do
professor, bem como suas escolhas.

Na opinião de Paulo Freire, a educação


deveria fugir de um caráter “bancário”,
saindo da centralidade do professor e dando
mais atenção à figura do aluno, sendo ele o
elemento prioritário da relação ensino-
aprendizagem. Assim, o uso de um material
que é experimentado e experienciado por
ele em sua realidade cotidiana poderia
incentivar relações de autonomia diante à
construção do conhecimento. Porém, sendo
as HQ’s nada mais que suportes dotados de
especificidades, cabe ao professor/
pesquisador selecionar temas e abordagens
que possibilitem seu uso de maneira
problematizada.

Nesse sentido, a temática dos conflitos


contemporâneos entre Ocidente e Oriente
talvez apontem para um caminho possível,
especialmente porque cada vez mais fazem
parte do dia a dia, ocupando espaço na TV,
nos jornais e internet, exigindo análise
cuidadosa dos discursos presentes nessas
mídias, especialmente porque apesar de
travestidas de neutralidade e preocupação
com a “verdade dos fatos”, apresentam um
posicionamento ideológico muito bem
definido.
Apresentação de “o Ocidente se cria como uma

proposta ensino de supercivilização dominadora do


mundo. Em um primeiro momento,

história: Pedro Paulo Funari esse Ocidente é nitidamente


racista, arianista, antissemita, ao
criar um homem ariano ocidental
racional, guerreiro e conquistador
do oriental irracional, trapaceiro,
indolente, pronto a ser civilizado
pelos arianos” (FUNARI, 2004,
p.94).

Se Edward Said tem razão, o Orientalismo pode


aparecer em diversos lugares e sob as mais variadas
formas, e um instrumento de linguagem midiática de
“fácil” e rápida absorção como as HQ’s, torna sua
desmistificação ainda mais necessária.
Bibliografia
ADORNO, Theodor. Industria cultural e sociedade. São Paulo; Paz e Terra, 2002.

BENJAMIN, W. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. 3ed. São Paulo;
Editora Brasiliense, 1987.

BITTENCOURT, Circe. Ensino de História – fundamentos e métodos. São Paulo; Contexto,


2009.

BLOCH, Marc. Apologia da História ou o ofício de historiador. Rio de Janeiro; Zahar, 2001.

BORGES, Maria Eliza Linhares. História & Fotografia. Belo Horizonte; Autêntica Editora, 2011.

BRAUDEL, Fernand. Escritos sobre a história. São Paulo; Perspectiva, 1978.

BURKE, Peter. Testemunha ocular: história e imagem. Bauru; Edusc, 2004.

CAGNIN, Antonio Luiz. Os quadrinhos: linguagem e semiótica. São Paulo; Criativo, 2014.

CALLARI, Victor. “Política e terrorismo na série Guerra Civil da Marvel Comics”. Domínios da
Imagem. Londrina, v. 8, n. 16, p. 147, jun./dez. 2014.

_________. Política e terrorismo na série Guerra Civil da Marvel Comics. Guarulhos;


Dissertação defendida na EFLCH da Unifesp, 2016.

CAMPBELL, Joseph. O poder do mito. São Paulo; Palas Athena, 1990.

CHESNEAUX, Jean. Devemos fazer tábula rasa do passado? São Paulo; Ática, 1995.

COGGIOLA, Osvaldo. A revolução iraniana. São Paulo; UNESP, 2008.

COLI, Jorge. Como estudar a arte brasileira do séc. XIX? São Paulo; SENAC, 2005.

EISNER, Will. Quadrinhos e arte sequencial: princípios e práticas do lendário cartunista. São
Paulo; Martins Fontes, 2010.

FERNANDES, Pierre Romana. “Ésquilo e ‘Os pesas’: repensando a representação do bárbaro”.


NEArco revista eletrônica de antiguidade. Rio de Janeiro; Ano VIII, nº 1, jan. 2015.

FERRO, Marc. A manipulação da história no ensino e nos meios de comunicação. São Paulo;
IBRASA, 1983.

FINLEY, Moses. Economia e sociedade na Grécia antiga. São Paulo; Martins Fontes, 2013.

FOUCAULT, Michel. “As formações discursivas”. In: A Arqueologia do Saber. Rio de Janeiro;
Forense Universitária, 2012.
FUNARI, Pedro Paulo. “A Renovação da História Antiga” In: KARNAL, Leandro (org.). História na sala de aula:
conceitos, práticas e propostas. São Paulo; Contexto, 2004.

FUSER, Igor. O petróleo e o envolvimento militar dos Estados Unidos no Golfo Pérsico (1945-2003). São Paulo;
Dissertação defendida pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais “Santiago Dantas”, da
Universidade Estadual de São Paulo (Unesp), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), 2005.

HERÓDOTO. História. Brasília; Ed. da UnB, 1985.

HUNTINGTON, Samuel. O choque das civilizações e a recomposição da nova ordem mundial. Rio de Janeiro;
Objetiva, 1997.

KARNAL, Leandro (org). História na sala de aula: conceitos, práticas e propostas. São Paulo; Contexto, 2004.

KRAKHECKE, Carlos André. Representações da Guerra Fria nas histórias em quadrinhos Batman - O cavaleiro
das trevas e Watchmen (1979-1987). Porto Alegre; Dissertação defendida pela Faculdade de Filosofia e
Ciências Humanas. PUCRS, 2009.

LE GOFF, J.; NORA, P. (Org.). História: novos problemas, novas abordagens, novos objetos. Rio de Janeiro;
Francisco Alves, 1988.

MATTÉI, Jean-François: A barbárie interior: ensaio sobre o i-mundo moderno. São Paulo; Editora UNESP,
2002.

MATTELART, Armand; DORFMAN, Dorfman. Para ler o pato Donald. Comunicação de massa e imperialismo. São
Paulo; Paz e Terra, 1977.

MILLER, Frank. Os 300 de Esparta. São Paulo; Abril, 1999.

NEY Jr., J.S. O paradoxo do poder americano: porque a única super potência do mundo não pode prosseguir
isolada. Tradução de Luiz Antônio Oliveira de Araújo. São Paulo; Unesp, 2002.

PAIVA, Eduardo França. História & Imagens. Belo Horizonte; Autêntica, 2002. RAMOS, Paulo. A leitura dos
quadrinhos. São Paulo; Contexto, 2010.

RODRIGUES, Márcio dos Santos. Representações políticas da Guerra Fria: as histórias em quadrinhos de Alan
Moore na década de 1980. Belo Horizonte; Dissertação defendida pela Universidade Federal de Minas Gerais,
UFMG, 2011.

ROSTOVTZEFF, M. História da Grécia. Rio de Janeiro; Guanabara, 1986

SAID, Edward. Imperialismo e cultura. São Paulo; Companhia das Letras, 2011.

_________. Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo; Companhia


das Letras, 2007.

SCHIMIDT, Maria Auxiliador. Ensinar História. São Paulo; Scipione, 2004.

SILVA, Tomaz Tadeu (org.). Identidade e diferença – a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis; Vozes,
2000.

VERGUEIRO, Waldomiro (org). Como usar as histórias em quadrinhos na sala de aula.


São Paulo; Contexto, 2014.

Você também pode gostar