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© 2021, dos Autores e autoras Acervus Editora

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E-mail: acervuseditora@gmail.com
Lucas Machado Chaves
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Originais enviados pelos autores em:
Maio de 2021
Conselho Editorial
Aprovação pelo Conselho Editorial em:
Ancelmo Schörner (UNICENTRO)
Maio de 2021
Eduardo Knack (UFCG)
Finalização da obra: Eduardo Pitthan (UFFS – Passo Fundo)
Agosto de 2021
Federica Bertagna (Università di Verona)
As ideias, imagens, figuras e demais Gizele Kleidermacher (Universidad de Buenos Aires)
informações apresentadas nesta obra são de Helion Póvoa Neto (UFRJ)
inteira responsabilidade o autor.
Humberto da Rocha (UFFS – Campus Erechim)
A revisão dos textos foi de João Carlos Tedesco (UPF)
responsabilidade do autor. João Vicente Ribas (UPF)
Roberto Georg Uebel (ESPM)
Vinícius Borges Fortes (IMED)

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André Martinelli Piasson | Lucas Machado Chaves (Orgs.)
Fabricio J. Nazzari Vicroski | Cristine Mallmann Vicroski
Hully Pastório Pereira | Jacqueline Ahlert
Sandra Mara Barichelo | Flávia de Andrade Niemann
Sumário

Sobre os autores e autoras 7

Apresentação:
O que acontece quando os professores e as professoras
desafiam a tradição escolar? 9
Flávia Eloisa Caimi

1. Arqueologia e Pré-História do Rio Grande do Sul 15


Fabricio J. Nazzari Vicroski
Cristine Mallmann Vicroski

2. A paisagem e a Geografia 27
Hully Pastório Pereira

3. Cultura Material 31
Jacqueline Ahlert

4. Desvendando mistérios arqueológicos: 41


uma proposta de utilização de noções de Arqueologia
e Cultura Material em sala de aula
André Martinelli Piasson

5. Saídas de Campo e Viagens de Estudo:


dicas e possibilidades para potencializar a aprendizagem
de estudantes e professores 51
Flávia de Andrade Niemann

6. Ötzi: o homem do gelo


Oficina de História: estudo de caso
Roteiro de desenvolvimento para professores 55
Sandra Mara Barichello

Manual do Mediador 59
nadora pedagógica do ensino fundamental
II da Escola St. Patrick.

Sobre os autores HULLY PASTORIO PEREIRA


e autoras Licenciada em Geografia pela UPF. Espe-
cialista em Meio Ambiente pelo Centro
Universitário Barão de Mauá (SP).

(JOHN) LUCAS CHAVES


É ilustrador freelancer e designer gráfico,
ANDRÉ MARTINELLI PIASSON trabalhando principalmente com a publi-
Licenciado em História e Especialista em cação de livros infantis. Graduado em Artes
Cultural Material e Arqueologia pela UPF. Visuais pela Universidade de Passo Fundo
Professor das redes pública e privada em - RS, já produziu ilustrações e projetos gráf-
Passo Fundo (RS). Criador do site ponto. icos para livros independentes e materiais
com História. didáticos.

CRISTINE MALLMANN VICROSKI JACQUELINE AHLERT


Arqueóloga e Historiadora. Atua na área Doutora em História Ibero-americana pela
de ensino e pesquisa do patrimônio arque- Pontifícia Universidade Católica do Rio
ológico e histórico-cultural. Graduada em Grande do Sul. Possui graduação em Artes
História (URI) e Especialista em Cultura Plásticas, habilitação em Educação Artística
Material e Arqueologia (UPF). Sócia-Di- e mestrado em História pela Universidade
retora da empresa Sírius Estudos e Projetos de Passo Fundo. Professora Programa de
Científicos Ltda. Pós-Graduação em História (PPGH Me-
Do) do Instituto de Filosofia e Ciências
FABRICIO J. NAZZARI VICROSKI Humanas e da Faculdade de Artes e Co-
Arqueólogo e Historiador. Atua na área municação - UPF. Coordenadora do Labo-
de ensino e pesquisa do patrimônio ar- ratório de Cultura Material e Arqueologia
queológico e histórico-cultural. Gradu- (LACUMA) e pesquisadora do Núcleo de
ado em História (URI). Mestre e Dou- Pré-história e Arqueologia (NuPHA).
tor em História (UPF). Pós-Doutorando
SANDRA MARA BARICHELLO
do PPGH/UPF, bolsista PNPD Capes.
Responsável Técnico do Núcleo de Pré- Graduada em História com especialização
História e Arqueologia da UPF. em Pedagogia Social. Bolsista da CAPES
como Supervisora na área de História (UPF
FLÁVIA DE ANDRADE NIEMANN 2014/2018)Professora na Rede Pública
Licenciada em Matemática pela UPF, Espe- Municipal e Estadual de Ensino de Passo
cialista em Gestão Educacional pela UFSM Fundo.
e Mestre em Educação pela UPF. Coorde-
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O que acontece quando os
professores e as professoras
desafiam a tradição escolar?
Flávia Eloisa Caimi

D urante os longos anos em que atuei como


docente na Licenciatura em História, no iní-
cio de cada disciplina questionava os estudantes so-
evidenciava respostas variadas, mas quero destacar
a que mais me preocupava, como professora deles.
Muitos imaginavam que no curso de História vive-
bre as motivações que os levavam a ingressar neste riam cenas de aventura e de investigação, ao estilo
curso e as expectativas quanto às aprendizagens que Indiana Jones e Sherlock Holmes, por exemplo. A
ali seriam desenvolvidas. As motivações eram varia- preocupação não era por reputar como ilegítimo
das, desde o incentivo de familiares que também que tivessem tais expectativas, pois as considerava,
eram professores, o desejo de ajudar a construir e considero ainda, altamente mobilizadoras para as
uma educação de melhor qualidade no país, a pos- aprendizagens necessárias à docência. Interrogar o
sibilidade de ser agente de transformação, até uma passado com curiosidade e espírito investigativo;
curiosidade genuína por conhecer como viviam as refletir sobre o mundo que nos cerca, em diferentes
pessoas no passado e como reagiam às demandas temporalidades; produzir outras/novas compreen-
de seu tempo. Mas uma resposta sempre predomi- sões e/ou intuições sobre a experiência humana no
nou: muitos diziam que escolheram a História em tempo, todas essas são tarefas e prerrogativas do
virtude de professores marcantes (CASTANHO, professor-historiador, do historiador-professor, do
2001) que tiveram na educação básica. E como ca- professor-pesquisador, do professor reflexivo. Tare-
racterizavam seus professores marcantes? Aquele fas legítimas e necessárias, pois, como ensina o mes-
que fez sonhar; aquele que ensinou a questionar; tre Paulo Freire (1996, p. 85), “sem a curiosidade

aquele que mostrou horizontes mais amplos; aque- que me move, que me inquieta, que me insere na

le que desafiou e apoiou, nas mais diversas situa- busca, não aprendo nem ensino”.
Me vi preocupada com as expectativas dos
ções; aquele que fazia o tempo de aula passar voan-
futuros professores de História pelo receio de que
do. Devo confidenciar que ouvi diversas vezes, nos
a realidade fosse demasiadamente distante do que
últimos anos, o nome de professores que compõem
almejavam encontrar no curso de formação e, pos-
o grupo de autores desse livro indicados como os
teriormente, nas escolas. Não me refiro àquele cur-
responsáveis pela escolha. Tive o enorme privilégio
so, especificamente, mas ao modelo de licenciatu-
de ser professora e colega de profissão de muitos de-
ra então vigente no país, fortemente marcado por
les. Portanto, nunca duvidei de que o professor faz
uma tradição acadêmica pouco compatível com a
a diferença, muito antes de essa afirmação se tornar
formação do professor-pesquisador e ainda menos
tão conhecida no Facebook.
afeita a promover práticas pedagógicas criativas,
As expectativas que tinham quanto às apren-
inovadoras, desafiadoras, investigativas, como pa-
dizagens que fariam no curso de História também
recia ser a demanda dos estudantes ingressantes.

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Ivo Mattozzi (1998) denomina como “cultu- A despeito dos cenários formativos, acadêmi-
ra manualística” essa tradição pedagógica e histo- cos e escolares que tendem a preservar esta tradição
riográfica, cujas principais características se apre- historiográfica e pedagógica, em todas as partes do
sentam em práticas verbalistas e conteudistas; em nosso país de dimensões continentais encontramos
estruturas narrativas enciclopédicas, que almejam práticas de resistência e experiências inovadoras
contemplar toda a história, de todos os tempos e protagonizadas por professores e estudantes dos
lugares, sem efetuar necessários recortes temporais diversos segmentos de escolarização. Estes prota-
e seleções temáticas; em abordagens fragmentadas, gonistas, quando se encontram nas salas de aula,
que priorizam fatos em detrimento de estruturas e subvertem a tradição escolar, confrontam o status
processos. Outros sinais dessa tradição são o enfo- quo, transgridem os currículos lineares, se insubor-
que cronológico-linear e a grande narrativa, ambos dinam diante de uma cultura escolar que impõe
centrados no itinerário histórico de matriz euro- modos padronizados de ser, de estar, de aprender
peia e ocidental; a abordagem predominantemente e de ensinar.
político-administrativa e econômica das socieda- Para ilustrar esse campo de combate, valho-
des humanas, secundarizando as práticas sociocul- -me do mito romano sobre deus Jano, o porteiro
turais e a diversidade de experiências históricas; a celestial, uma divindade bifronte que mantém uma
centralidade do estudo de determinados sujeitos de suas faces sempre voltada para a frente, anun-
históricos, como o branco, o masculino, o católico, ciando o porvir, e a outra para trás, em atitude de
criando a falsa ideia de que são estes os legítimos apreciação ao que já passou. Sabiamente, Jano foi
representantes da identidade nacional e dos valores simbolizado pelos romanos para inaugurar um
universais da nação brasileira. novo ano (janus, januarius, janeiro), pois, com as
Esses e outros exemplos da cultura manua- duas faces simetricamente opostas, ele acolhia as
lística que compõe as práticas dominantes de en- novidades sem desprezar aquilo que havia se trans-
sinar-aprender História são visualizados em livros formado em passado. Jerome Bruner (1996) toma
didáticos, em diretrizes curriculares, em práticas este mito como metáfora para pensar as institui-
escolares e também nos cursos de formação de pro- ções educativas, em especial, a escola. Nos contex-
fessores de História, especialmente no que diz res- tos educativos formais, diz o autor, se encontram o
peito à ordenação das matrizes curriculares. Corro- antigo e o novo, o passado e o futuro, a tradição e
bora essa assertiva o estudo de Cavalcanti (2018, p. a inovação. A tradição pode ser representada pelo
532) sobre as licenciaturas em História das regiões sistema escolar, pelos professores e gestores, pelos
Norte e Nordeste do Brasil (que vale também para conteúdos canônicos, pelas práticas disciplinares,
outras regiões, certamente) onde evidencia que “a pelas expectativas da família e da sociedade frente à
maioria esmagadora dos cursos distribuem suas instituição escolar. A inovação pode ser possibilita-
temáticas de estudo/reflexão/formação seguindo da pela transgressão das gerações de estudantes que
o modelo quadripartite francês do século XIX”, passam pela escola, pelos professores que desafiam
iniciando, grosso modo, com os estudos da história as práticas hegemônicas, pelas atualizações curricu-
antiga nos primeiros níveis, passando pelo mundo lares e pedagógicas protagonizadas por aqueles que
medieval e moderno, até chegar ao estudo do Brasil não aceitam aderir passivamente à tradição.
e do mundo contemporâneo. O pesquisador espanhol Javier Marrero Acos-

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ta (2013) aponta o professor como um agente me- tam uma boa síntese sobre a chamada “pré-histó-
diador decisivo nos processos de ensino-aprendiza- ria do Rio Grande do Sul”, trazendo informações
gem escolar. Para este autor, “o que os professores relevantes sobre os cerca de 12 mil anos de ocu-
ensinam é o resultado de um processo de decodifi- pação humana no nosso estado, tratando também
cação – interpretação, significação, recriação, rein- da fauna, flora e cultura material aqui existentes.
terpretação, etc. – de ideias, condições e práticas Dois bônus são agregados ao texto, de inestimável
que se tornam mais ou menos visíveis e viáveis em contribuição aos leitores: um glossário de termos e
um contexto situacional de interação e intercâmbio conceitos e um apêndice de imagens com artefatos
de significados” (ACOSTA, 2013, p. 189). Ainda líticos, cerâmicos, de ossos, sambaquis, grafismos
que seja um mediador decisivo, o professor opera rupestres, etc.
nos limites de uma “mediação condicionada”, pois, No capítulo intitulado A Paisagem e a Geogra-
se nem tudo está determinado, também nem tudo fia, Hully Pastório Pereira aborda a construção da
é invenção. Os saberes ensinados e as práticas de- paisagem natural do estado do Rio Grande do Sul,
correntes dos processos educativos em sala de aula alertando sobre a importância do trabalho inter-
constituem uma mescla de tradição e de inovação, disciplinar em sala de aula envolvendo disciplinas
tal como a metáfora de deus Jano. como geografia, História, Biologia. Isso porque, ar-
Feitas essas considerações, vou tentar esboçar gumenta a autora, a paisagem, muito mais do que a
uma resposta para o título desta exposição: O que disposição desordenada de elementos geográficos,
acontece quando os professores e as professoras de- é uma interação entre os elementos físicos e hu-
safiam a tradição escolar? Na verdade, a resposta é manos, é resultado da combinação dinâmica entre
dada pelos professores-autores deste livro, que nos aspectos físicos, biológicos e antropológicos. Marc
presenteiam com o compartilhamento de inúmeras Bloch afirmou que a História é o estudo do homem
reflexões pedagógicas e/ou experiências educativas no tempo, rompendo com a ideia exclusivamente
que desenvolvem em diversos contextos escolares e de passado. Hoje diríamos que a História é o estu-
acadêmicos. do do homem no tempo e no espaço, consideran-
Fabrício J. Nazzari Vicroski e Cristine Mall- do-se este último como espaço geográfico, político,
mann Vicroski subscrevem o capítulo intitulado social, imaginário, virtual (BARROS, 2010). No
Arqueologia e Pré-História do Rio Grande do Sul, e texto da professora Hully também encontramos
nele provocam os leitores a refletir sobre o que é a dois bônus extras: uma atividade de construção
Arqueologia, desafiando certas visões estereotipa- sensível do conceito de paisagem e uma orientação
das, reproduzidas em filmes de aventura, que po- minuciosa de como fazer uma maquete topográfica
voam o imaginário popular. Esse empreendimento em sala de aula.
se realiza em duas principais abordagens. Primeira- Jacqueline Ahlert é a autora do capítulo in-
mente, os autores oferecem um panorama sobre a titulado Cultura Material. As duas palavras que
ciência e a prática arqueológica, tratando de alguns compõem o título não dimensionam a grandeza do
de seus principais conceitos, como arqueologia, conteúdo e a profundidade da análise ali empreen-
sítio arqueológico, vestígios, documentos, arqueo- dida. Para além do propósito de definir a cultura
logia preventiva, arqueologia acadêmica, educação material, a autora nos conduz num rico conjunto de
patrimonial, dentre outros. Em seguida, apresen- suportes, objetos, contextos, técnicas, usos, signifi-

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cados, crenças, memórias. Ensina-nos a olhar para artefatos e inferências sobre a experiência histórica
a cultura material produzida pelas mais diversas dos povos que os produziram. São materiais muito
sociedades humanas com utopia, alteridade, sensi- bem estruturados, com propósitos pedagógicos re-
bilidade, respeito, afeto. Ao longo do texto, vamos levantes e viabilidade de execução. Um verdadeiro
nos apropriando de conceitos e conteúdos impor- presente aos leitores!
tantes e viajamos para diferentes tempos/lugares: O capítulo subsequente é intitulado Saídas de
chegamos à Áustria com a Vênus de Willendorf; Campo e Viagens de Estudo: dicas e possibilidades
visitamos catedrais medievais francesas, com seus para potencializar a aprendizagem de estudantes e
relevos esculpidos; apreciamos uma xilogravura de professores, em que Flávia de Andrade Niemann
1918 e aprendemos que não se trata tão-somente compartilha a vasta experiência adquirida no traba-
de uma técnica artística; com as imagens de santos lho de coordenação pedagógica, especialmente no
refletimos sobre as representações do sagrado e os que diz respeito à organização de viagens de estu-
sistemas de valores em diversas temporalidades. dos com estudantes dos anos iniciais e anos finais
Destaco, por fim, o profícuo diálogo que a autora do ensino fundamental. Ao longo do texto, a autora
trava com professores e estudantes da educação bá- oferece aos leitores indicações importantes sobre o
sica, um convite a “adentrar outros mundos”, con- tema, abordando itens como: Por que fazer viagens
forme suas palavras. de estudos na escola? Como organizar e mobilizar
Desvendando mistérios arqueológicos: uma a equipe de professores? Como organizar a logís-
proposta de utilização de noções de Arqueologia e tica de uma viagem de estudo? Quais são os desa-
Cultura Material em sala de aula, é o capítulo as- fios para propor e realizar uma viagem de estudos?
sinado pelo professor André Martinelli Piasson, Além dessas indicações, a autora fornece um minu-
no qual argumenta em defesa de práticas de inves- cioso roteiro de trabalho, que contempla sugestão
tigação nas aulas de História que têm como su- de lista para entregar para os estudantes antes da
porte teórico-metodológico a educação patrimo- viagem; sugestão de organização de planejamento
nial. Reconhecendo a complexidade que compõe das atividades de uma viagem de estudos; roteiro
a educação brasileira e os dilemas que atravessam detalhado de uma viagem de estudos realizada com
os processos de ensinar-aprender História na edu- estudantes do 7º 8º e 9º ano do ensino fundamen-
cação básica, propõe metodologias ativas, prota- tal; modelo de registro de avaliação a partir de cri-
gonizadas pelos estudantes, de modo a, segundo térios de cada disciplina envolvida. Trata-se de um
suas palavras, valorizar realidades locais e conferir trabalho primoroso, que contribui para estimular
significado aos conhecimentos historiográficos. práticas educativas dessa natureza nas escolas.
Alicerçado na competência e generosidade que lhe Sandra Mara Barichelo apresenta uma pro-
constituem, o professor André disponibiliza, em posta de oficina pedagógica intitulada Ötzi: o ho-
formato digital e para livre reprodução, um acervo mem do gelo que, como o nome indica, toma como
de atividades e materiais organizados em formato mote a descoberta arqueológica de uma múmia
de sequências didáticas. Ali os leitores encontram masculina com mais de 5 mil anos. Ötzi também
propostas de escavações simuladas, análise de ré- é conhecido como Múmia de Similaun, em virtude
plicas de objetos arqueológicos, estudo de imagens de ter sido encontrado perto do Monte de Similaun
de objetos e sítios arqueológicos, interpretação de nos Alpes Orientais, na fronteira da Áustria com

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a Itália, no ano de 1991. Considerado de grande Referências
interesse científico, pela excepcional conservação ACOSTA, Javier Marrero. O currículo interpretado: o
de seu corpo, Ötzi desencadeou centenas de estu- que as escolas, os professores e as professoras ensinam?
dos em diversos países. A professora Sandra reúne In: SACRISTÁN, José Gimano. (Org.). Saberes e in-
certezas sobre o currículo. Porto Alegre: Penso, 2013, p.
um acervo de informações sobre o tema e elabora 188-208.
uma proposta de investigação histórica em que os BARROS, José D’Assunção. Geografia e História: uma
estudantes assumem o papel de detetives, desven- interdisciplinaridade mediada pelo espaço. Geografia,
dando pistas e produzindo conhecimentos a partir Londrina, v. 19 n. 3, 2010, p. 67-84.
BRUNER, Jerome. A Cultura da Educação. Lisboa:
das fontes que lhes são disponibilizadas. Conceitos
Edições 70, 1996.
centrais do ofício do historiador/arqueólogo –
CASTANHO, Maria Eugênia. Sobre professores mar-
como fonte histórica, vestígio, evidência, hipótese, cantes. In: CASTANHO, Sérgio; CASTANHO, Ma-
plausibilidade, datação carbono 14 –, vão sendo ria Eugênia (Coords.). Temas e textos em Metodologia
do Ensino Superior. 2. ed. Campinas: Papirus, 2001.
trabalhados com os estudantes, mobilizando-os
CAVALCANTI, Erinaldo. História, livro didático e
para a compreensão da ciência histórica e, sobretu-
formação docente: produção, limites e possibilidades.
do, da experiência humana no tempo. Antíteses, v. 11, n. 22, p. 520-537, jul./dez. 2018.
Além dos valiosos textos que compõem este FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes ne-
livro, os autores ainda dão acesso gratuito a outros cessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra,
1996.
materiais didáticos abrigados no site da Acervus
MATTOZZI, Ivo. A História ensinada: educação
Editora e do site do ponto.com História. Encerro essa cívica, educação social ou formação cognitiva? Revista
apresentação trazendo novamente a questão expos- Estudo da História. Associação dos Professores de His-
ta no título: O que acontece quando os professores tória (APH), n.3, p. 23-50, out. 1998.

e as professoras desafiam a tradição escolar? Tantas


coisas! Acontece a significação do conhecimento
escolar, acontece o protagonismo dos estudantes,
acontece o estímulo à curiosidade, acontece a des-
coberta científica, acontece a superação do verba-
lismo vazio, acontece a construção conceitual com
autonomia.
Que os leitores desse livro revigorem suas ener-
gias para seguir na luta por uma educação de quali-
dade, em tempos de tantas perdas e retrocessos. As
experiências educativas compartilhadas pelos auto-
res sinalizam modos de resistência e apontam boas
expectativas de futuro. Sigamos em frente!

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Arqueologia e Pré-História
do Rio Grande do Sul
Fabricio J. Nazzari Vicroski
Cristine Mallmann Vicroski

P ara grande parte da população brasileira, a pa-


lavra Arqueologia é um misto de “mistério”
e “curiosidade”. Como arqueólogos, quando nos
um breve panorama da Arqueologia Pré-Histórica
no Rio Grande do Sul. Esse conteúdo visa subsidiar
a abordagem do tema em sala de aula. Sempre que
deparamos com a necessidade de informar nossa possível evitamos o uso de linguagem e termos téc-
profissão - seja para preencher um simples cadastro nicos. Por fim, oferecemos dois apêndices com um
ou acessar um serviço – são recorrentes as reações glossário e imagens de acervos e sítios arqueológi-
de estranhamento e interesse. Por vezes os olhares cos que ilustram o contexto em questão.
são complementados com expressões como: “Nos-
sa! Eu nunca conheci um arqueólogo”; “Não sabia
que existem arqueólogos no Brasil”; ou ainda a O que é arqueologia?
clássica “Quando criança eu queria ser arqueólogo”.
A Arqueologia é a ciência que estuda o
Essas expressões evidenciam em grande medida o
passado das sociedades humanas. Cronologi-
imaginário que envolve a profissão, muitas vezes
camente abarca desde o período mais longínquo
vista como um sonho de infância, algo distante, in-
até a história contemporânea. Metaforicamente,
atingível, quase místico.
podemos descrevê-la como uma janela para o pas-
A visão do arqueólogo como pesquisador
sado. Seus métodos de pesquisa são frequente-
e cientista social é sufocada pelas interpretações
mente confundidos com os seus objetivos. Com
do senso comum. Esse contexto não é exclusivi-
frequência diz-se que o objetivo da Arqueologia é
dade do Brasil, o perfil aventureiro da profissão é
buscar ou escavar “objetos antigos”. Na realidade a
largamente explorado e difundido pelo cinema.
sua função primordial é produzir conhecimento
Aqui, no entanto, esse cenário é acentuado pela
sobre o passado humano. A escavação é somente
onipresente desvalorização do papel da ciência da
um dos métodos de pesquisa cuja finalidade é re-
sociedade.
cuperar os artefatos que deverão ser analisados e
Nas próximas páginas nos propomos a desen-
interpretados. O conjunto de objetos e vestígios
volver uma abordagem pautada pela desmistifica-
deixados pelas antigas sociedades é denominado
ção da práxis arqueológica, apresentando de for-
de cultura material. Em sua finalidade, a Arque-
ma simples e direta alguns aspectos que envolvem
ologia aproxima-se muito da História, no entanto,
a construção do conhecimento arqueológico. O
o seu conceito de fontes de pesquisa extrapola os
capítulo está dividido em dois momentos. O pri-
limites tradicionais de documentos, livros ou depo-
meiro é destinado a contextualizar a Arqueologia
imentos, abarcando também qualquer evidência da
no Brasil. A temática é abordada através de tópicos
atividade humana.
e perguntas. No segundo momento apresentamos
15
A Arqueologia é uma ciência interdisciplinar, caça e pesca, grutas e cavernas, locais de sepulta-
além da História, ela também dialoga diretamen- mento ou importância ritualística, rochedos com
te com a Antropologia, Biologia, Geologia, Etno- pinturas e grafismos rupestres.
logia, Geografia, Sociologia, dentre outras áreas. Por sua vez, os sítios arqueológicos históri-
Muitas vezes é confundida com a Paleontologia, cos têm como marco cronológico inicial o momen-
ciência que igualmente utiliza-se de métodos de es- to da presença e contato com os colonizadores
cavação para a obtenção de suas fontes de pesquisa, europeus, cujo evento foi registrado em momentos
principalmente fósseis. Entretanto, enquanto a Ar- distintos de acordo com cada região do país. Ou-
queologia se ocupa do passado humano, a Paleon- trossim, esses sítios podem estar materializados em
tologia pesquisa a história geológica do planeta e situações de interação e convivência entre indíge-
suas antigas formas de vida, a exemplo dos dinos- nas e europeus, a exemplo das reduções jesuíticas,
sauros, cujo estudo não guarda qualquer relação bem como locais associados à presença africana ou
com o conhecimento arqueológico. afrodescendente.
Dentre os sítios e vestígios arqueológicos his-
tóricos figuram ruínas de casas e edificações, an-
tigos moinhos, cercas de pedra, quilombos, enge-
O que é um sítio arqueológico?
nhos, templos religiosos e fortificações.
Os locais nos quais se encontram antigos ves- Os vestígios e estruturas escavadas e eviden-
tígios da ação humana são denominados de sítios ciadas nos sítios arqueológicos constituem os “do-
arqueológicos. Cronologicamente são divididos cumentos” que serão estudados e interpretados pe-
entre sítios arqueológicos pré-históricos e histó- los arqueológicos a fim de produzir conhecimento
ricos. Os sítios arqueológicos pré-históricos sobre o comportamento e os modos de vida dessas
correspondem ao período de ocupação humana populações. Convém levar em conta que o conhe-
anterior à colonização europeia. São também cimento humano nem sempre é cumulativo, por-
chamados de pré-coloniais, pois o termo “Pré-His- tanto, muito além do que contar uma história, a
tória” pode carregar uma conotação eurocêntrica Arqueologia pode também recuperar soluções e es-
- ou mesmo pejorativa – atrelada ao marco histó- tratégias de interação social e com o meio ambiente
rico da invenção da escrita. Tal divisão não possui com aplicações práticas que podem ser reaplicadas
qualquer sentido no contexto brasileiro, onde o uso ou adaptadas para atender problemas e demandas
do termo deve ser contextualizado e tomado como das sociedades atuais.
equivalente à História Pré-Colonial, História indí- Independentemente do período histórico ou
gena, História das sociedades nativas americanas, das características do sítio arqueológico pesquisa-
dentre outras possibilidades. O sistema das três ida- do, é importante compreendermos que por mais
des (Idade da Pedra, Idade do Bronze e Idade do pontuais que sejam, os estudos não se limitam a
Ferro) tampouco ilustra a realidade brasileira. elucidar unicamente a história de grupos específi-
Como exemplo de sítios e vestígios arqueoló- cos – apesar de poder fazê-lo – trata-se, em última
gicos pré-históricos podemos listar antigos locais instância, do passado da humanidade e de cada in-
de assentamento com evidências de habitações ou divíduo, cujos ancestrais guardam uma origem co-
fragmentos de recipientes cerâmicos e instrumen- mum no continente africano.
tos de pedra lascada e polida. Áreas específicas de
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Atual contexto da Arqueologia Acadêmica ou Preventiva. Sempre
Arqueologia no Brasil que possível o público alvo deve ser composto pela
comunidade presente no entorno do local pesqui-
Atualmente mais de 90% dos projetos de sado. O formato, métodos e procedimentos aplica-
pesquisa arqueológica desenvolvidos no Brasil es- dos no desenvolvimento das ações são os mais va-
tão integrados a processos de licenciamento am- riados. Podem envolver a elaboração e distribuição
biental, consonantes com a legislação vigente. As de material impresso, como cartilhas e livros, além
pesquisas são realizadas de forma preventiva a fim de palestras, cursos, criação de jogos e brincadeiras.
de avaliar e mitigar as possibilidades de impacto Igualmente pode-se viabilizar a produção de do-
ao patrimônio arqueológico decorrentes das mais cumentários e a ampla difusão dessas informações
variadas obras de engenharia, como linhas de trans- através das plataformas digitais. Todas essas ações
missão de energia elétrica, rodovias, aeroportos, são executadas sem qualquer custo às comunidades,
usinas termelétricas e hidrelétricas, loteamentos e uma vez que tais despesas devem estar previstas nos
condomínios residenciais, parques eólicos, miner- orçamentos dos projetos de pesquisa. Dependen-
ação, dentre outras obras. As pesquisas são comu- do do porte do projeto, os profissionais envolvidos
mente denominadas de Arqueologia de Contrato podem compor uma equipe multidisciplinar com
ou Arqueologia Preventiva, diferenciando-as da arqueólogos, historiadores e pedagogos.
chamada Arqueologia Acadêmica, cujos estudos De acordo com o nosso histórico de expe-
são promovidos majoritariamente por universi- riências, acreditamos que o direcionamento das
dades e museus no âmbito de projetos de extensão atividades à comunidade escolar apresenta o maior
ou pesquisas de pós-graduação. É importante de- potencial para a efetivação e disseminação do co-
stacar que não se trata de campos antagônicos, mas nhecimento. Em nossas práticas costumamos prio-
sim complementares. rizar os alunos do 5º e 6º anos do ensino fundamen-
Nas últimas décadas ambos os formatos de tal, com crianças na faixa etária entre 10 e 12 anos,
pesquisa resultaram em importantes descobertas período no qual iniciam o contato direto com o
que contribuíram para dilatar de forma expressiva ensino de história.
o conhecimento arqueológico no Brasil. Dentre as percepções extraídas da sala de
aula, podemos destacar o grande interesse que o
assunto desperta tanto nos alunos como professo-
Arqueologia em sala de aula: res. Sempre nos deparamos com demonstrações de
breve relato curiosidade e entusiasmo. Geralmente a aborda-
gem metodológica é pautada pela aplicação de uma
As pesquisas arqueológicas executadas no
aula prática de produção de cerâmica com argila,
Brasil não se limitam à produção do conhecimento
buscando assim aliar teoria e prática. A utilização
restrito à academia. No Uma das mais importantes
prévia de uma cartilha exemplificando o assunto
etapas envolve a difusão e extroversão desse conhe-
colabora para uma melhor compreensão do assun-
cimento através do desenvolvimento de atividades
to e das técnicas envolvidas. As ações são comple-
de Educação Patrimonial.
mentadas com a apresentação de imagens, réplicas
O desenvolvimento dessas ações é previs-
ou artefatos arqueológicos.
to e exigido pela legislação, seja no âmbito da

17
Em geral o tema é tratado como novidade pe- suíam características distintas das atuais. Trata-se
los alunos, pois é comum os livros didáticos abor- de um período de mudanças climáticas marcado
darem o assunto de forma superficial, quando não pela transição das eras geológicas denominadas de
extremamente pautados pela Pré-História da Eu- pleistoceno e holoceno, caracterizada pelo final
ropa e civilizações do Oriente Médio, igualmente da última glaciação, popularmente chamada de
importantes, mas distantes da realidade dos alunos. “era do gelo”.
Em nossas abordagens costumamos iniciar O progressivo derretimento das grandes ge-
com a Arqueologia regional, partindo assim de leiras provocou um aumento no nível dos oceanos.
exemplos compatíveis com a realidade local e pro- A costa litorânea encontrava-se dezenas de metros
gressivamente inserindo-os no contexto macro da abaixo do nível atual. As falésias de Torres e a atual
história da ocupação humana do território estadual praia do Cassino situavam-se terra adentro. O cli-
ou nacional. ma predominantemente frio e seco não favorecia o
Com frequência essas práticas resultam em desenvolvimento de grandes florestas. Os arbustos,
relatos de alunos indicando o conhecimento de lo- gramíneas e árvores de pequeno porte dominavam
cais que podem conter sítios ou vestígios arqueoló- a paisagem, conferindo-a um aspecto que nos re-
gicos. Quando as atividades são realizadas nas áreas mete ao atual bioma pampa.
rurais, não é raro ver alunos retornando à escola no Os animais da megafauna foram negativa-
dia seguinte trazendo consigo pontas de flecha ou mente afetados pelo clima, pois encontravam-se em
lâminas de machados localizados fortuitamente pleno processo de declínio e extinção. Muitos deles
por suas famílias em áreas de lavoura ou locais de apresentavam aspecto similar à fauna atual, porém,
pesca e então recolhidos como objetos de curiosi- suas dimensões eram maiores, a exemplo dos tatus
dade que aguardam explicações sobre sua origem. e preguiças gigantes (gliptodontes e megatérios).
Por vezes a falta de informações faz com que mui- Ambos escavavam abrigos ou tocas subterrâneas
tos artefatos sejam ignorados ou descartados. atualmente denominadas de paleotocas pelos pes-
Esses episódios são gratificantes, pois demons- quisadores. Seu formato assemelha-se ao aspecto de
tram a apreensão do tema pelos alunos além de evi- túneis e pequenas cavernas. Após o seu abandono
denciar a importância da Educação Patrimonial pelos organismos escavadores, determinadas paleo-
em sala de aula, contribuindo assim para que os tocas foram reutilizadas pelas populações humanas,
indivíduos se identifiquem com a própria história, servindo, por exemplo, como abrigos temporários
reconhecendo e valorizando o patrimônio arqueo- ou locais ritualísticos.
lógico de suas comunidades. O estudo das paleotocas é um campo de pes-
quisa inerente à paleontologia, pois a sua origem
não está associada à ação humana, mas sim à fau-
Pré-História do Rio Grande do Sul na pleistocênica. Todavia, determinadas estruturas
podem guardar vestígios arqueológicos resultantes
Os sítios arqueológicos mais antigos lo-
da adaptação e reutilização dessas cavidades por
calizados no atual território do Rio Grande do
grupos humanos, nesses casos torna-se imprescin-
Sul apresentam datações de aproximadamente
dível o desenvolvimento de pesquisas interdiscipli-
12.000 anos. O clima e a vegetação da época pos-
nares com a contribuição direta da Arqueologia.

18
Aproximadamente entre 4.000 e 6.000 anos fundamental, logo, suas rotas de migração eram
atrás ocorreu um fenômeno climático em escala guiadas pelos cursos dos rios. Essas populações or-
mundial, caracterizado pelo aumento da tempe- ganizavam-se na forma de pequenos grupos nôma-
ratura que atingiu seu limite máximo no pós-gla- des que deslocavam-se constantemente de acordo
cial, aliado ao aumento considerável dos índices de com a disponibilidade de alimentos. As atividades
pluviosidade. Este período, denominado Ótimo de caça, pesca e coleta de plantas, frutos e raízes fa-
Climático, congregou elementos que possibilita- ziam parte das ações cotidianas. Estruturavam-se
ram novas transformações ambientais e uma certa na forma de pequenos núcleos familiares com pou-
estabilidade das condições climáticas. Com mais cas dezenas de pessoas, característica que facilitava
chuva e umidade, a vegetação dos vales e encostas a mobilidade e alimentação do grupo.
dos rios encontrou condições para expandir-se. As O caráter nômade exigia que suas habitações
araucárias cresciam frondosamente nas bacias dos possuíssem um aspecto simples e provisório, simi-
rios Uruguai, Jacuí, Pelotas, Taquari e Antas. Foi lar a pequenas choupanas cobertas com galhos, ve-
nesta época que os contornos atuais da paisagem getação e peles de animais. Sua cultura material era
sulina foram delineados. O desenvolvimento da de grande portabilidade e adaptada às suas neces-
fauna e flora representou também um incremento sidades. Seus instrumentos e utensílios de uso uti-
na disponibilidade de recursos alimentares para as litário e ritualístico eram confeccionados com ma-
populações humanas que naquela época já haviam deiras, ossos, pedras, couros e conchas de moluscos.
se dispersado por todas as regiões. Os vestígios encontrados nos sítios arqueológicos
Nem sempre a Arqueologia nos permite des- desse período frequentemente se limitam a artefa-
velar a origem étnica das populações humanas pes- tos de pedra lascada e carvão de suas fogueiras, o
quisadas. Nesse caso é preciso criar denominações restante dos materiais se decompôs naturalmente,
e terminologias que permitam o diálogo e o inter- à exceção de ambientes menos suscetíveis às intem-
câmbio de informações entre os pesquisadores. Aos péries e à acidez do solo, como grutas e cavernas.
mais antigos grupos humanos que chegaram ao Sua cultura material reflete também as res-
atual território do Rio Grande do Sul atribuímos postas adaptativas ao ambiente no qual estavam
a denominação de caçadores-coletores-pesca- inseridos. O conjunto de técnicas e procedimentos
dores, ou simplesmente caçadores-coletores. Tra- aplicados para a confecção de artefatos de pedra é
ta-se de uma alusão à sua forma de organização e denominado pelos arqueólogos de indústria lítica
subsistência. O termo paleoíndigenas também é (termo originário da palavra grega líthos, cujo signi-
frequentemente empregado para nominar esses ha- ficado é “pedra”).
bitantes remotos sobre os quais ainda dispomos de O termo “tecnologia”, apesar de sua forte as-
escassas informações. sociação com ferramentas e dispositivos eletrôni-
As mais antigas migrações de que temos re- cos contemporâneos, também é aplicado pelos
gistro adentraram neste território após cruzarem o arqueólogos para descrever e interpretar o gestual
rio Uruguai na região sudoeste há cerca de 12.000 envolvido no processo de elaboração das ferramen-
anos, em seguida expandiram-se rapidamente à tas de pedra (artefatos líticos). A confecção desses
montante e também ao longo da bacia do rio Ibi- objetos é o resultado de um processo consciente
cuí. A disponibilidade de recursos hídricos era que perpassa pela escolha correta da matéria-pri-

19
ma, além da concepção prévia pelo seu artífice e, cerritos podem ser encontrados restos de alimenta-
por conseguinte, na execução cuidadosa em está- ção desses grupos, como ossos de animais, espinhas
gios sucessivos e planejados. Tais instrumentos são de peixe, caroços de frutos e carapaças de moluscos.
hoje completamente obsoletos e mesmo primitivos Ocorrem ainda anzóis e adornos de ossos, pesos
se comparados ao atual instrumental à nossa dispo- de redes de pesca além das típicas pedras de bolea-
sição, todavia, é preciso considerar que esses obje- deira, instrumentos de arremesso utilizados para a
tos eram adequados à realidade em questão, ou seja, caça e defesa, atualmente incorporados à cultura
eles atendiam de forma suficientemente eficaz as sulina. Com o passar do tempo os habitantes dos
necessidades cotidianas desses grupos. Na medida cerritos passaram a desenvolver recipientes cerâ-
em que novas demandas surgiam, novas respostas e micos. Além de servir como local de moradia, os
instrumentos eram então concebidos, de forma que cerritos também abrigavam locais reservados aos
cada época e cada região podem demandar adapta- sepultamentos humanos. Historicamente, os des-
ções e soluções técnicas distintas. Por sua vez, esta cendentes dos habitantes dos cerritos costumam
diversidade cultural de outrora encontra-se atual- ser associados aos grupos conhecidos como char-
mente materializada e registrada em diferentes con- rua, minuano, guenoa, genericamente denomina-
textos arqueológicos. dos de pampeanos.
Determinados grupos apresentavam uma in- Ao escavar, analisar e interpretar esses vestí-
dústria lítica melhor adaptada aos campos, outros gios, os arqueólogos desvelam informações sobre a
às áreas de floresta das terras altas do planalto. Essa forma de vida desses grupos, fornecendo dados so-
diversidade tipológica não se limitava aos instru- bre a sua dieta alimentar, formas de moradia, faixa
mentos e utensílios, mas também na concepção etária, patologias, plantas e animais domesticados,
das aldeias e habitações. Há cerca de 2.500 anos, dentre outras características, recuperando em parte
os caçadores-coletores iniciaram uma fase de cons- a memória e a história desses povos. Eventualmen-
trução de aterros em áreas úmidas ou de banhado, te, os dados arqueológicos evidenciam soluções e
buscavam assim estabelecerem-se nas proximidades comportamentos que podem nos auxiliar no aten-
de nichos ecológicos com grande disponibilidade dimento de demandas contemporâneas, como o
de alimentos. Na Arqueologia esses aterros são de- enfrentamento de doenças ou mesmo problemas
nominados de cerritos. Atualmente são observa- ambientais.
dos tanto em conjunto como isolados. Seu aspec- A construção de plataformas de terra e sedi-
to assemelha-se a pequenas coxilhas ou cerros que mentos não era necessariamente uma novidade.
facilmente se destacam na paisagem dos campos Essa solução técnica já vinha sendo empregada
do sul. A concentração de matéria orgânica e o me- pelos povos pescadores-coletores da região litorâ-
nor índice de umidade em relação ao seu entorno nea. Diferentemente dos cerritos nos quais a terra
propicia o desenvolvimento de vegetação arbusti- é a principal matéria-prima, os aterros da planície
va e árvores de médio porte, em contraposição à costeira são compostos por amontoados de areia e
vegetação rasteira e herbácea predominante no seu conchas de moluscos. Igualmente armazenam no
entorno. Esse mesmo contexto arqueológico é ob- subsolo vestígios de alimentos, habitações, sepulta-
servado na região pampeana do Uruguai. Além dos mentos e oferendas mortuárias. Seu aspecto facil-
artefatos líticos e vestígios de suas habitações, nos mente confunde-se com as dunas de areia recorren-

20
tes na paisagem. Na Arqueologia são denominados atuando diretamente na difusão do fruto e na am-
de sambaquis. Sua incidência é mais frequente a pliação das florestas. Chegaram inclusive a desen-
partir do litoral norte, sendo ainda mais intensa volver métodos específicos para a conservação e
na costa de Santa Catarina, onde costumam apre- processamento do pinhão.
sentar maiores dimensões. A “mata virgem” com a qual posteriormente se
A região do litoral norte abriga um rico ecos- depararam os colonizadores europeus, na realidade
sistema associado ao cordão de lagoas de água doce. possuía diversas alterações antrópicas resultantes
Para as populações pré-coloniais, essas condições das ações de manejo florestal praticadas há milê-
ambientais eram também sinônimo de disponi- nios pelas populações indígenas.
bilidade de alimentos. Portanto, além dos samba- Há cerca de 1.800 anos os campos e coxilhas
quis marinhos, a pouca distância da costa também do planalto constituíam o ambiente natural desses
podem ser encontrados sambaquis associados aos grupos, abrangendo, em grande medida, o que co-
ambientes lacustre e fluvial. Considerando que ou- nhecemos hoje como metade norte do Estado.
trora o nível do mar era mais baixo, é possível que Os invernos rigorosos aliados às frequentes
os sambaquis mais antigos estejam atualmente sub- massas de ar polar exigiram a elaboração de uma
mersos. As datações arqueológicas mais recuadas engenhosa habitação responsável pela alcunha de
nos remetem há cerca de 4.000 anos. “construtores do planalto” lhe conferida pela lite-
A intensa expansão imobiliária observada ao ratura arqueológica. A fim de estabelecerem suas
longo dos séculos XX e XXI resultou na destruição moradias, escavavam grandes buracos circulares no
de inúmeros sambaquis no litoral norte. Juntamen- solo que eram posteriormente cobertos com um
te com os vestígios, perdemos também um grande telhado de tramas vegetais. Em seu interior man-
volume de informações sobre as populações litorâ- tinham fogueiras onde preparavam os alimentos e
neas pré-coloniais. abrigavam-se nas gélidas noites do inverno sulino.
Há cerca de 2.000 anos novos eventos mi- As cavidades maiores chegam a apresentar cerca de
gratórios alteraram a dinâmica do povoamento do 20 metros de diâmetro e 7 metros de profundidade.
atual território do Rio Grande do Sul. Os reflexos Na Arqueologia são denominadas de casas subter-
desses acontecimentos ecoam na sociedade atual. râneas ou semi-subterrâneas. O termo estruturas
Foram observadas duas grandes frentes de migra- subterrâneas é igualmente aplicado, uma vez que
ção representadas respectivamente pelos grupos as cavidades menores possivelmente apresentavam
falantes dos troncos linguísticos jê e tupi-guarani. funcionalidades diversas, como armadilhas e arma-
A migração jê se deu partir dos cerrados do zenagem de alimentos.
hodierno Brasil Central. Atingiram a região dos As casas subterrâneas são encontradas tanto
Campos de Cima da Serra deslocando-se a partir de forma isolada como agrupadas, formando pe-
das terras altas do planalto catarinense. Sua migra- quenas aldeias. Eram estabelecidas preferencial-
ção era guiada pelas florestas de araucária com a mente no topo ou meia encosta das coxilhas. Fre-
qual mantinham uma profunda relação de interde- quentemente próximas às nascentes, banhados ou
pendência, pois ao mesmo tempo em que nutriam- pequenos córregos. Por vezes, nas proximidades
-se do pinhão nos dias frios e úmidos do inverno, das aldeias é possível encontrar montículos de se-
igualmente operavam como agentes dispersores, pultamento.

21
Sua cultura material igualmente englobava ar- região amazônica. Alguns fatores como as mudan-
tefatos de madeira, ossos e pedras lascadas. Entre- ças climáticas, o aumento populacional e questões
tanto, dentre os povos jê também era amplamente mitológicas são apontados como as causas de sua
difundido o uso de ferramentas de pedra polida, migração. Para estes exímios canoeiros, o curso dos
como lâminas de machado, cunhas e mãos de pilão grandes rios ditava a rota de expansão. Além de fa-
utilizadas para moer e macerar alimentos como o cilitar o deslocamento, a rede hidrográfica também
pinhão e a erva-mate. Também eram portadores de oferecia toda uma gama de alimentos (caça, pesca e
uma elaborada indústria cerâmica. A confecção coleta), bem como o solo fértil das várzeas dos rios
dos recipientes de pequeno e médio porte exigia onde estabeleciam suas áreas de plantio, além do
um considerável domínio das técnicas de produção clima quente e úmido à que estavam habituados.
cerâmica que perpassa pela escolha correta da argi- Seu ímpeto expansionista aliado à vasta hi-
la, seguida pela remoção de impurezas, preparação drografia fez com que a dispersão guarani atingisse
da pasta, elaboração da forma, decoração, secagem todas as regiões do Estado, além de territórios dos
e queima. Os recipientes eram utilizados para ar- atuais países vizinhos, como Uruguai, Paraguai e
mazenar e preparar alimentos, além de funções ri- Argentina.
tualísticas. Sua subsistência provinha da caça, pesca No contexto das rotas migratórias pelo inte-
e coleta, mas também praticavam uma agricultura rior do Rio Grande do Sul, a bacia do rio Jacuí ocu-
incipiente. pa um lugar de destaque. Após avançar a montante
Diferentemente dos caçadores-coletores pelo rio Uruguai, seus afluentes da margem esquer-
nômades, na Arqueologia esses grupos são descri- da formaram corredores de acesso à região centro-
tos como ceramistas-horticultores semi-nôma- -norte, as nascentes dos rios Ijuí, Várzea, Passo Fun-
des. Embora se deslocassem sazonalmente, alguns do, Apuaê e Inhandava estão situadas no Planalto
fatores como a oferta de pinhão e o cultivo de ali- Médio, a partir daí o curso do rio Jacuí forma um
mentos possibilitavam a permanência mais longa eixo em direção ao centro do Rio Grande do Sul,
em determinados assentamentos. O deslocamen- onde altera o seu curso para o leste permitindo o
to, quando necessário, ocorria dentro de uma re- acesso ao estuário do Guaíba e em seguida à região
gião específica com a qual a aldeia ou grupo man- litorânea e ao sul do Estado.
tinha uma identificação territorial. Igualmente ceramistas-horticultores, costu-
Atualmente os povos Kaingang e Xokleng mavam estabelecer as suas aldeias em clareiras das
(Laklãnõ) são apontados como descendentes dos matas nas proximidades dos grandes rios. Cultiva-
antigos horticultores-ceramistas jê do planalto vam milho, batata-doce, fumo, amendoim, man-
meridional. Todavia, é possível que durante a pré- dioca, dentre outras culturas. Diferentemente dos
história essa diversidade cultural e etno-linguística povos jê ou dos grupos paleoindígenas de caçado-
fosse ainda maior. res-coletores, as aldeias guarani podiam abrigar
Praticamente ao mesmo período em que os centenas de pessoas. A migração era sistemática e
povos jê desbravavam o planalto, os ancestrais dos orientada. O eventual deslocamento era planejado
atuais guarani exploravam esse território a partir e precedido pela abertura de áreas de plantio e pelo
dos vales dos grandes rios na região noroeste. A cultivo prévio de alimentos. Por vezes, o desloca-
onda migratória Tupi-Guarani teria sua origem na mento seguia um itinerário sazonalmente rotineiro.

22
Suas aldeias abrigavam grandes casas comu- bém no estuário do Guaíba e no entorno da Lagoa
nais dispostas de forma circular em torno de uma dos Patos. A despeito da ocupação jê no Planalto e
praça central. Os diferentes núcleos eram interliga- nas matas de araucárias do Alto Uruguai neste mes-
dos por trilhas em meio à mata. Esses caminhos são mo período, a presença guarani também é marcan-
a origem de algumas das atuais estradas e rodovias te no registro arqueológico destas áreas, denotando
do Rio Grande do Sul. um caráter de fronteira cultural à região.
Nos sítios arqueológicos são recuperados ar- A partir do contato com o colonizador euro-
tefatos líticos lascados e polidos, instrumentos e peu, em especial com a fundação das reduções je-
adornos de ossos, além de recipientes cerâmicos, suíticas e as investidas dos bandeirantes no século
pingentes, tortuais de fuso para a fiação de algodão, XVII, uma nova dinâmica social foi gestada, exi-
cachimbos, além de vestígios das fogueiras e habi- gindo uma reorganização cultural e a adaptação ao
tações. novo contexto histórico.
A cerâmica guarani apresenta diversas formas, Através da Arqueologia desvelamos uma tra-
tamanhos e padrões decorativos. Sua confecção era jetória de 12.000 anos de história da ocupação hu-
uma atividade feminina. Seu empenho, esmero e mana do atual território do Rio Grande do Sul. A
conhecimento técnico estão materializados nas sociedade atual é a síntese dos processos históricos
proporções e detalhes decorativos. que aqui se desenvolveram. Ao reconhecermos e
Dependendo da função do recipiente, a su- valorizarmos essa história - incluindo seus méritos
perfície recebia um tratamento plástico através da e contradições - estamos não somente enaltecendo
impressão de marcas e formas geométricas na sua a memória de nossos antepassados, mas também
superfície, ou ainda pinturas policromáticas em reconhecendo a gênese do espaço social no qual es-
vermelho, branco e preto. A cerâmica pintada é um tamos inseridos. Esse entendimento é fundamental
importante diferencial da cultura guarani. Os moti- para que possamos colaborar para o nosso desen-
vos decorativos aparecem, sobretudo, em recipien- volvimento e aperfeiçoamento enquanto sociedade.
tes destinados a utilização em ocasiões especiais ou
cerimoniais.
Por volta do século VIII a ocupação guarani
encontrava-se dispersa nos vales dos grandes rios
como o Uruguai, Jacuí e seus afluentes, mas tam-

23
GLOSSÁRIO

Antrópico: Denota a ação do homem sobre a natureza. Charrua: Denominação atribuída a grupos indígenas
Defini-se como um local antropizado àquele que passou cujo território tradicional está associado às regiões pam-
por alterações (conscientes ou não) resultantes da ativi- peanas do Rio Grande do Sul, Uruguai e Argentina.
dade humana.
Educação Patrimonial: Atividades educacionais cujas
Arqueologia: Ciência que estuda o passado das socie- ações são voltadas para a divulgação e valorização do pa-
dades humanas. trimônio cultural.
Arqueologia Acadêmica: Estudos conduzidos por Era do gelo: Longo período glacial caracterizado pela
universidades e instituições de pesquisa visando eluci- diminuição da temperatura terrestre.
dar problemáticas de pesquisa investigadas no âmbito
Escavação arqueológica: Conjunto de técnicas e pro-
da produção acadêmica dos cursos de graduação e pós-
cedimentos aplicados por arqueólogos para a escavação
-graduação.
de sítios e vestígios arqueológicos.
Arqueologia Preventiva: Pesquisas arqueológicas
Licenciamento ambiental: Procedimentos e estudos
motivadas pela necessidade de avaliação de impactos ao
realizados com vistas à obtenção de licenças para a ins-
patrimônio arqueológico em processos de licenciamen-
talação e funcionamento de empreendimentos diversos.
to ambiental de obras diversas. É também chamada de
Arqueologia de Contrato ou Arqueologia em obras de Guenoa: Denominação atribuída a grupos indígenas

engenharia. cujo território tradicional está associado às regiões pam-


peanas do Rio Grande do Sul, Uruguai e Argentina.
Artefato lítico: Objeto ou instrumento feito de pedra
lascada ou polida. Gliptodonte: Mamífero pré-histórico da América do
Sul semelhante ao atual tatu, porém, em maiores pro-
Artefato cerâmico: Recipiente ou utensílio feito de
porções.
argila cozida em fogueiras ou fornos.
Guarani: Denominação genérica atribuída aos grupos
Caçadores-coletores-pescadores: Classificação ge-
falantes da família linguística Tupi-Guarani.
nérica atribuída a sociedades humanas pré-históricas
cuja subsistência era proveniente de atividades de caça, Holoceno: Denominação dada à época atual na escala

pesca e coleta de alimentos. de tempo geológico, iniciada com o fim do pleistoceno


há cerca 12 mil anos.
Casa subterrânea: Estrutura habitacional de formato
circular ou oval escavada no solo pelas populações pré- Indústria lítica: Terminologia aplicada para a classi-

-coloniais de língua jê que habitavam as terras altas do ficação de distintos conjuntos de procedimentos tec-
Planalto Meridional. no-tipológicos aplicados para a confecção de artefatos
de pedra. As diferentes tipologias ou indústrias atuam
Ceramistas-horticultores: Classificação genérica
como marcadores cronológicos e culturais.
atribuída a sociedades humanas pré-históricas que pro-
duziam recipientes cerâmicos e praticavam técnicas de Indústria cerâmica: Terminologia aplicada para a

agricultura incipiente. classificação de distintos conjuntos de procedimentos


tecno-tipológicos aplicados para a confecção de objetos
Cerritos: Sítios arqueológicos formados por aterros
e utensílios de argila cozida. Assim como na indústria
artificiais produzidos pelas populações pré-coloniais
lítica, as diferentes tipologias atuam como indicadores
que habitavam a região dos pampas.
que fornecem dados sobre os artífices dos utensílios e
Cultura Material: Conjunto de objetos e vestígios dei- sua cronologia.
xados pelas antigas sociedades.

24
GLOSSÁRIO

Jê: Denominação genérica atribuída aos grupos falan- de utensílios variados e ossos humanos. Os sambaquis
tes da família linguística associada ao tronco Macro-Jê. eram utilizados como locais de moradia e sepultamento.
Kaingang: População indígena associada à família lin- Sítio arqueológico: Local que guarda um contexto
guística jê, pertencente ao tronco linguístico macro-jê. arqueológico ou conjunto de vestígios resultantes de
Historicamente descritos como “coroados” ou “guaia- atividades humanas desenvolvidas por populações pre-
nás”. téritas.
Laklãnõ: Autodenominação utilizada pelos povos Semi-nômade: Grupo humano que se desloca sazo-
xokleng. População indígena associada à família linguís- nalmente dentro de um território específico com o qual
tica jê, pertencente ao tronco linguístico macro-jê. His- guarda relações de pertencimento.
toricamente descritos como “botocudos”.
Tupi-guarani: Família linguística cujos maiores repre-
Megafauna: Denominação dada ao conjunto de ani- sentantes no Rio Grande do Sul são os povos guarani.
mais de grande porte da fauna pleistocênica que foram
Xokleng: População indígena associada à família lin-
extintos ao final da última glaciação.
guística jê, pertencente ao tronco linguístico macro-jê.
Megatério: Espécie de preguiça gigante pré-histórica. Historicamente descritos como “botocudos”.
Minuano: Denominação atribuída a grupos indígenas
cujo território tradicional está associado às regiões pam-
peanas do Rio Grande do Sul, Uruguai e Argentina.
Paleoindígena: Denominação genérica empregada
para nominar as mais remotas populações humanas que
habitaram o continente americano.
Paleontologia: Ciência que estuda as formas de vida na
terra através de fósseis presentes no registro geológico.
Paleotoca: Toca ou túnel escavado por animais da ex-
tinta megafauna pleistocênica.
Povos horticultores: No âmbito do conhecimen-
to arqueológico, as populações horticultoras são
compreendidas como aquelas que praticavam técnicas e
procedimentos básicos de agricultura, sem, no entanto,
desenvolvê-los em larga escala.
Pleistoceno: Época da escala de tempo geológico ini-
ciada aproximadamente há 2,5 milhões anos e encerrada
há cerca 12 mil anos.
Pré-História: No contexto brasileiro, o termo deve ser
compreendido como equivalente à História Pré-Colo-
nial ou História Pré-Cabralina.
Sambaqui: Sítio arqueológico caracterizado pela
presença de amontoados de conchas de moluscos, areia e
restos de alimentos das populações pré-históricas, além

25
Indicações de leitura PROUS, André. Pré-História Brasileira. Brasília: Ed.
Universidade de Brasília. 1992.
COPÉ, S. M.; BARRETO, James Macedo; MOREIRA
SCHMITZ, Pedro Ignacio. Pré-História do Rio Grande
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mil anos do Rio Grande do Sul para adolescentes e outras
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KERN, Arno Alvarez (Org). Arqueologia Pré-Históri-
ca do Rio Grande do Sul. 2.ed. Porto Alegre: Mercado
Aberto,1997.

26
A paisagem e a Geografia
Hully Pastório Pereira

P ara podermos falar sobre a paisagem do


Rio Grande do Sul, primeiro temos que en-
tender esse conceito dentro da geografia: consiste
O Estado do Rio Grande do Sul apresenta
70% do seu território com terrenos mais baixos, po-
demos observar quatro unidades morfológicas, ou
em tudo aquilo que é perceptível através dos nossos seja, de formas: planície litorânea, planalto disseca-
sentidos (visão, tato, olfato e audição) ou seja, tudo do a sudeste, depressão central e planalto basáltico.
aquilo que o ser humano pode sentir é denominado A formação da costa onde estão localizadas as
paisagem, ainda segundo Schier, planícies datam de 65 milhões de anos atrás, mais
conhecido como o último processo de separação
[...] tradicionalmente, os geógrafos di- do continente Americano da África, nessa última
ferenciam entre a paisagem natural e a
paisagem cultural. A paisagem natural separação nós vamos ter a formação do assoalho
refere-se aos elementos combinados de oceânico (chão do oceano), a lava dos vulcões vai
terreno, vegetação, solo, rios e lagos, en- compactar a areia que existia nos desertos (São José
quanto a paisagem cultural, humanizada,
inclui todas as modificações feitas pelo dos Ausentes, Pico do Monte Negro, que foi o úl-
homem, como nos espaços urbanos e ru- timo vulcão a entrar em erupção e formar todo o
rais. De modo geral, o estudo da paisagem planalto médio) deixando o solo fértil (Norte do
exige um enfoque, do qual se pretende fa-
zer uma avaliação definindo o conjunto Estado), osagentes externos como a força da água e
dos elementos envolvidos, a escala a ser do vento vão dar forma ao relevo, o mar irá trans-
considerada e a temporalidade na paisa-
gredir e regredir, formando então as planícies e as
gem (SCHIER, 2003, p. 80).
áreas de restinga: formado sempre por depósitos
Nesse capítulo o que iremos analisar é a con- arenosos paralelos à linha da costa. Nesse pro-
strução da paisagem natural do Estado do Rio cesso de formação do relevo a partir dos agentes
Grande do Sul, para que possamos fazer uma externos vão surgir as bacias hidrográficas que vão
ligação com a área de história dentro de sala de ajudar a dar forma ao relevo, elas sempre irão sair
aula é importante conhecermos o espaço físico e de de lugares mais altos (mesmo que sejam centímet-
apropriação dos seres humanos que habitaram aqui ros) para lugares mais baixos, um exemplo é a bacia
antes de nós, pois a paisagem não é a disposição hidrográfica do Guaíba que abrange o planalto mé-
dos elementos geográficos de forma desordenada, dio, uma parte da depressão central e uma pequena
mas sim o resultado da combinação dinâmica entre parte da planície costeira, por iniciar no planalto
físico, biológico e antropológico (SCHIER, 2003, médio com o rio Jacuí (compõe 80% das águas da
p.80). bacia) os problemas ambientais são inúmeros, con-
forme a água vai passando vai “lavando” o solo, -

27
processochamado de lixiviação - e levando consigo Para que os estudantes possam com-
o esgoto despejado nos rios (quase 4.000 miltone- preender a diversidade paisagística do Estado
ladas por dia), os agrotóxicos que acabam na água do Rio Grande do Sul é importante trabalhar de
devido ao uso indiscriminado, o assoreamento dos forma interdisciplinar envolvendo as áreas de
rios pela falta de mata ciliar diminui a vida útil dos história e biologia, para que percebam que a
canais pluviais, a plantação de matas de pinus e ar- paisagem é uma interação entre os elementos
roz avanço sobre as matas naturais, os banhados e as físicos e humanos.
reservas ameaçando a vida das espécies.
O planalto norte-rio-grandense ou planalto
meridional formou-se a partir da intensa atividade
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vulcânica há milhões de anos atrás, sucessivos der- DIDÁTICO ONLINE
rames de lava formaram esse lugar que é coberto de
campos, matas de araucárias e inúmeras nascentes
de rios. Os aparatos da serra encontram-se nessa
ACESSAR MATERIAL
unidade de relevo, pois devido ao processo de sep- DIDÁTICO ONLINE

aração dos continentes ou de desmoronamentos


e outros processos de erosão surgiram grandiosos
cânions como o Itaimbezinho. O planalto é forma-
do por rochas basálticas que resultaram da com-
pactação da lava vulcânica e é onde se encontram
os pontos mais altos do relevo do Estado.
A depressão central formou-se devido ao
avanço e regresso do oceano, é uma área de baixa
altitude onde encontram-se cidades importantes
como Santa Maria e São Gabriel. A origem do
material que compõe o solo da depressão central
é bastante variada e relativamente pobre de nutri-
entes. Além disso, por estar em uma área de menor
altitude e entre duas áreas mais elevadas acaba re-
cebendo material sedimentar vindos dessas outras
regiões, o que acaba tendo aluviões: depósitos de
sedimentos vindos de outras áreas. Nasáreas ao sul
e ao norte encontram-se arenitos.
O planalto dissecado a sudeste ou escudo sul-
rio-grandense foi formado no período pré-cambria-
no e seu solo é composto por rochas ígneas e por isso
sofreu intenso processo de erosão, é a região mais
antiga geologicamente no Estado, a composição do
solo é de granitos, gnaisse, magnetita e siltitos.

28
Províncias geomorfológicas

29
30
Cultura Material
Jacqueline Ahlert

O que é cultura material? Como pode ser


instrumento de aprendizagem? Quais são
uma aprendizagem significativa sobre a arqueolo-
gia e a cultura material e, consequentemente, sobre
suas possibilidades e potencialidades interpretati- a história como referência a valores universais.
vas? O que a alteridade tem a ver com o exercício O recorte que escolho parte das concepções de
de construção de conhecimento com base na cul- Clifford Geertz1. O antropólogo, em seus estudos,
tura material? Essas são algumas perguntas que considera a cultura como o padrão historicamente
neste breve texto nos propomos a pensar. Para isso, transmitido de significados incorporados em sím-
por meio de exemplos, problematizaremos os sig- bolos, ou seja, um sistema de concepções herdadas
nificados, os contextos e as técnicas, os usos e as expressas em formas simbólicas por meio das quais
memórias vinculados a dinâmica social da cultura os indivíduos comunicam, perpetuam e desenvol-
material. vem seu conhecimento e atitudes em relação a vida.
Nessa compreensão simbólica da cultura, o impor-
tante está além daquilo que os objetos são, está no
Os significados que significam (GEERTZ, 2013).
Tomemos um exemplo, a Vênus de Willen-
Se perguntarmos aos(as) nossos(as) estu-
dorf. “É uma estatueta de Vénus estimada como es-
dantes: o que é cultura material? De pronto poderão
culpida entre 28 000 e 25 000 anos antes de Cristo.
ponderar sobre a materialidade de algo que parece
[...]. Possui 11,1 cm de altura representando estilis-
impalpável, a cultura. Perguntando-se se poderia a
ticamente uma mulher, descoberta no sítio arque-
cultura estar materializada em algo. Como denom-
ológico do paleolítico situado perto de Willendorf,
inar ou atribuir “cultura” a um objeto? Quiçá um
na Áustria”. Temos nessas 4 linhas informações
caminho para ajudá-los a pensar seja começar pela
sobre a Vênus disponíveis no site da Wikipédia, o
definição de cultura. Este conceito contornado de
que bastaria para um leitor desatento ou um profes-
polissemias pode conduzi-los às noções que obje-
sor mais preocupado com os aspectos conteudistas
tivamos.
do que com sentidos. Lê-se, ainda, no mesmo site:
Proponho que a definição do conceito de cul-
“Foi esculpida em calcário oolítico, material que
tura exerça a função de método, no sentido grego
não existe na região, e colorido com ocre vermelho”.
denotado à palavra, methodos, em que meta designa:
através de, por meio, e hodos: via, caminho. Usare-
mos, assim, o conceito como a ordenação do trajeto 1
Clifford Geertz (1926-2006), foi um antropólogo americano,
considerado o fundador de uma das vertentes da antropologia con-
– o caminho - através do qual podemos alcançar temporânea, a Antropologia Simbólica (Hermenêutica ou Interpre-
tativa), cujos estudos desenvolveram-se a partir da década de 1950.

31
Para nos aproximarmos das possíveis acepções
da escultura, é imprescindível o exercício de ab-
stração e alteridade, o colocar-se no lugar dos su-
jeitos históricos que vivenciaram o objeto. Viven-
ciar um objeto? Sim, retira-lo de sua base natural
(a rocha), escolher as ferramentas adequadas para
esculpi-lo, dar-lhe uma forma e manuseá-lo, adorá-
lo, reverenciá-lo.
Nos imaginemos como sujeitos da Europa
paleolítica. Clima austero, pequenos grupos de
pessoas dependentes da caça e da coleta, nômades
e inseridos na dinâmica da cadeia alimentar. Sobre-
viver era a meta, mas também perpetuar a espécie,
manter-se vivo através da perpetuação dos genes.
Conjecturemos que para funcionar como amuleto
de fertilidade, a Vênus não precisaria de pés, boca,
nariz ou olhos, mas das formas generosas que lhe
foram atribuídas, quadril, genitália e seios.
Soma-se a importância simbólica da ima-
gem o fato de que a matéria-prima da qual é feita
não existir na região em que foi encontrada. Hoje
Fig. 1. Vênus de Willendorf. Museu de História Natural entulhamos nossas casas de objetos inúteis, en-
de Viena (Naturhistorisches Museum). chemos cada espaço dos armários com as centenas
de opções que nos oferece um Catálogo Hermes,
Mas o que essas informações significam? entre outras razões, porque não precisamos carre-
Quais são os seus significados incorporados em gar nada disso nas costas em busca de alimento ou
símbolos? Comecemos pelas formas voluptuosas abrigo. Para as mulheres e os homens que vivencia-
da Vênus. Seios fartos, ancas largas, ventre saliente. ram a Vênus, carrega-la por quilômetros significava
Tem a vagina delicadamente esculpida, grandes e precisá-la, como um amuleto, uma força impre-
pequenos lábios. Paradoxalmente, o escultor não scindível.
se ateve a dar-lhe um rosto, nem mesmo pés. Os Retomando Geertz, vemos na imagem a
braços repousam sobre os seios e a cabeça é orna- transformação de crenças em símbolos material-
da com algo que os estudiosos não conseguem mente representados, que conformam um “padrão
identificar com clareza (um penteado formado de historicamente transmitido de significados”, com
tranças? um adorno?). ressignificações que chegam a contemporaneidade.
Seguramente a imagem não é um retrato de Chegamos então a questão: O que é cultura
alguma mulher em específico que viveu há 30.000 material? Tudo que efeito ou utilizado pelas pes-
anos. Aí já está um indicativo de seus possíveis sig- soas. De modo mais complexo, é “aquele segmento
nificados. do meio físico que é socialmente apropriado pelo
homem” (MENESES, 1983, p. 112). Ulpiano B.
32
de Meneses, salienta que “por apropriação social celulares e tablets, pouco impressionam as imagens
convém pressupor que o homem intervém, mod- da figura 3, o mesmo não ocorria no século X.
ela, dá forma a elementos do meio físico, segundo
propósitos e normas culturais”, numa ação não ale-
atória, solitária, alienada, mas em intenso diálogo
com o meio e com o social. De modo que a cultura
material abrange artefatos, mas também paisagens,
estruturas, o próprio corpo humano, na medida
que este é “passível desse tipo de manipulação (de-
formações, mutilações, sinalações) ou, ainda, os
seus arranjos espaciais (um desfile militar, uma cer-
imônia litúrgica)” (1983, p. 112).

Os contextos e as técnicas
A cultura material é o reflexo da sociedade que
a produziu? Não. Inicialmente, porque o que reflete
são espelhos, que devolvem uma imagem fidedigna
em outros suportes. A cultura material é represen-
tação, ou seja, alimenta-se do seu contexto históri- Figs. 2 e 3. Acima, a Catedral de Angoulême, França (1110 –
co, mas é ressignificada pelos sujeitos que lhe dão 1128); abaixo, um detalhe da edificação. Fonte: https://www.france-
-voyage.com/franca-fotos/angouleme-1434.htm
forma. Contem, assim, fortes referentes ao tempo
que pertenceu, é produto das relações sociais e das Pensando a cultura material em seu contex-
técnicas, fatores estes em grande parte presentes, to histórico, nesse exemplo - o medieval -, deve-se
como informação, na materialidade do artefato. ponderar sobre o conjunto de fatores que confor-
Se, por um lado, a cultura material é produzi- mavam o imaginário e os correspondentes objetos.
da nos e por contextos, por outro, pode ser também A concepção de uma catedral não estava a cargo
promotora de contextos. Pensemos nas catedrais dos camponeses, mas sim de uma minoria letrada
medievais, nos incontáveis relevos esculpidos nas e detentora de amplo poder simbólico, material e
pedras de suas paredes. Num mundo não imagéti- espiritual. As representações foram pensadas para
co como o nosso, o poder persuasivo das imagens conduzir ações, nesse caso, de temor e de manuten-
era outro. Os camponeses que acendiam periodica- ção do poder. Diante de uma pessoa queimando
mente à missa, na França de 1128, não acessavam numa fogueira, olhos saltados, língua contorcida,
uma mínima fração das imagens que, comparativa- corpo escoriado, podiam-se ouvir os gemidos de
mente, estamos expostos atualmente. Consequên- dor. Aliam-se a isso as reiterações sobre a danação
cia disso é que a sua relação com o mundo imagé- eterna, o pecado, os castigos, o pagamento de in-
tico, da representação, devia ser outro. Se para o dulgências, entre outros dogmatismos. A represen-
sujeito contemporâneo, frequentador de cinemas tação produz um imaginário que se retroalimenta.
3D ou habituado ao uso de mídias móveis, como Até quando?
33
Até que outro contexto histórico e outras di- é uma história de progresso na proficiência técnica,
nâmicas sociais atribuam novos sentidos a mate- mas uma história de ideias, concepções e necessi-
rialidade. Como aponta Marcelo Rede, é ilusório dades em permanente evolução.
conceber os objetos como inertes. A cultura mate- Quando os expressionistas alemães, no início
rial incorpora atributos morfológicos, fisiológicos do século XX, optaram por utilizar xilogravura
e semânticos que vão muito além daquilo pensado em suas obras, estavam escolhendo entre inúmeras
pelo seu criador original no ato de sua produção. técnicas disponíveis, aquela com rasgos de violên-
Hoje as imagens de demônios e castigos in- cia explícitos, com pontas, cortes incisivos, fortes
fernais que tanto impressionaram há um contrastes entre o branco e o preto. Retra-
milênio, não passam de curiosidade taram com essa técnica os horrores
para turistas ávidos por fotogra- Xilogravura é a da guerra, a descrença na huma-
técnica de gravura
fias inéditas. nidade, à repressão da sociedade
na qual se utiliza
As escolhas técnicas para fi- madeira como matriz e industrial moderna...
xação/representação dos símbo- possibilita a reprodução As técnicas de edificação in-
da imagem gravada
los contribuem substancialmente sobre o papel ou outro caicas variaram substancialmente
para os usos feitos dos artefatos. suporte que se adapte. - em termos do acabamento da
Entre outras escolhas, a opção por pedra -, entre as construções sagra-
esculpir em pedra uma imagem de das e as comuns, como os armazéns,
vulto redondo e a opção pelo tamanho (11,1 cm e as moradias da chusma, ambas realizadas com
de altura) serviram para tornar a Vênus de Willen- a mesma matéria-prima. Para os rituais, a técnica
dorf “portátil”, diferenciando os seus usos daque- de confecção da cerâmica moche era amplamente
les, mais tarde, dados às estruturas megalíticas, mais sofisticada do que aquela verificada na cerâ-
menires, dolmens e cromlech. Se a mobilidade da mica de uso diário. Diversas técnicas, distintas fun-
escultura respondia às demandas de grupos nôma- ções, diferentes usos e sentidos.3
des, as grandes rochas fixadas no solo marcaram a
sedentariazação, mesmo que – em muitos casos -,
continuassem servindo para ritos vinculados a fer- A cultura material e o tempo
tilidade.
Além de todas as variantes supracitadas, cabe
Nesse sentido, nada mais coerente do que
destacar, igualmente, que “a trajetória dos objetos
esculpir em alto-relevo, na fachada de uma igreja,
altera-se em função quer das transformações da
imagens que deveriam ter finalidade didática.2 Mas
própria natureza física quer da sua inserção social
nem tudo no âmbito das técnicas se resume a fun-
(desgaste, restaurações, apropriações) ” (REDE,
cionalidade. A escolha da matéria e do tratamento
1996, p. 276). Assim, uma imagem de santo escul-
que lhe é apropriado comunica significados mais
pida em madeira no século XVII, na conjuntura
profundos no caso das representações artísticas e
das Reduções Jesuíticas, pode ter sua estrutura físi-
ritualísticas. É por isso que entendemos Gombrich
(2000) quando afirma que a História da Arte não
3
Por outro lado, no que tange as invenções, tudo é técnica, mas
também “a técnica nunca está só”, lembra Braudel. O social, o econô-
2
Didática no sentido de objetivarem “ensinar” aquilo que estaria mico, as mentalidades infligem ao desenvolvimento técnico as suas
escrito na Bíblia, o que fez com que historiadores denominassem as lentidões e os seus atrasos. Cada invento que bate à porta tem de
igrejas medievais como bíblias de pedra. esperar anos e mesmo séculos antes de ser introduzido na vida real.

34
ca e seus significados inúmeras vezes transformados Fig. 4. Karl Schmidt-Rottluff
Emaús, 1918. Xilogravura.
até transmutar-se em peça museológica passível de
Acervo do Museum of Modern Art (MoMA).
análises pormenorizadas em equipamentos de to- Disponível em: https://mo.ma/3hYrDr8

mografia computadorizada, no século XXI.


longo da trajetória da imagem, modificaram-na,
Na ambiência missional, estátuas de santos
com repinturas, mutilações, acréscimo de adornos
presentificavam o sagrado em capelas, igrejas e nos
etc. As diversas perspectivas postas sobre a imagem
ambientes domésticos. No transcurso dos anos,
desenvolveram um significado que pode ser difer-
foram alvo de roubos, incêndios e destruições
ente daquelas expectativas intencionadas na sua
causadas por incursões bélicas e de apropriação
origem. Existiu o receptor posterior, que interpre-
do espaço simbólico e geográfico das doutrinas
tou e usou a imagem como quis, e aquele original,
jesuíticas. Inúmeros exemplares resistiram, prote-
implícito, que prefigurou a obra conforme os fins
gidos em casas particulares. No entanto, quando
desejados. A imagem constituiu outros referentes,
passaram a ter valor patrimonial, sua coleta para
conforme o receptor (AHLERT, 2013).
compor acervos museológicos rompeu o vínculo
De tal modo, é certo que funções distintas al-
de culto conferido pelas famílias.
teravam a estética das esculturas, mas de que mo-
Complexificam esta abordagem de extensa
dos a dialética produtor-receptor condicionava as
duração histórica, os múltiplos receptores que a im-
características da imagem? Nas esferas da reminis-
agem teve até transformar-se em peça museológica.
cência, entre aquelas famílias que abrigaram as im-
Estes destinatários, impensáveis para o artesão, ao

35
Fig. 5. Imagem de N. S. da Conceição, Fig. 6. Imagem de Santo Antônio, Fig. 7. Imagem de Nossa Senhora
108 cm x 60 cm. 20 cm x 6,5 cm. Conceição, 11,5 cm x 5 cm.
Acervo: Museo de Santa Maria de Fé/PRY. Acervo: Azotea de Haedo. Maldonado/URY. Acervo: Família de Aparício da Silva Rillo.
São Borja/RS. Fotos: Jacqueline Ahlert

agens após o abandono dos povoados missioneiros, sa cadeia mutável para incorporar a cultura mate-
o que cingia o vínculo imagem-memória? E, poste- rial em sua plenitude documental” (REDE, 1996,
riormente, como se estabelece a relação imagem-es- p. 276).
pectador, no âmbito museológico e patrimonial,
alienado dos usos que determinaram a configu-
ração da estatuária? São questões que devemos nos As relações e as memórias
colocar diante de um objeto que nos expõe as mar-
Quando recebo estudantes de ensino funda-
cas de sua história, a tinta desgastada pela manipu-
mental e médio no Laboratório de Cultura Mate-
lação (fig. 7) ou “radiante” pelas repinturas, o braço
rial e Arqueologia (LACUMA-UPF), conduzidos
que falta na imagem de santo Antônio, retirado em
por seus (as) professores (as) para conhecer aspec-
alguma promessa amorosa (fig. 6).
tos dos processos de ocupação do território, evi-
Atentar as alterações e conjecturar sobre suas
denciados por meio dos artefatos que o laboratório
razões, nos fornecem informações sobre a dinâmi-
possui em seu acervo, oriundos das pesquisas his-
ca da sociedade – relacionamento com o universo
tóricas e arqueológicas empreendidas pelos profis-
físico, sistema de valores.... Há uma memória pro-
sionais que o integram,4 questiono-me sobre como
jetada sobre a cultura material, mas há, igualmente,
uma memória intrínseca ao objeto, as marcas de sua 4
O laboratório de Cultura Material e Arqueologia tem seu acervo
composto, majoritariamente, de artefatos arqueológicos oriundos
biografia, é “preciso investir no entendimento des-
de projetos de Arqueologia de Contrato. Contemplando a missão

36
tocar-lhes a alma. Como afirmaram Jaime e Carla de caçadores-coletores pré-ceramistas associados às
Pinsky (2007), “historiador/professor sem utopia é tradições arqueológicas Humaitá e Umbu, como
cronista e, sem conteúdo, nem cronista pode ser”. aponta Vicroski (2014), além de grupos horticul-
Estudantes adentram o laboratório com algu- tores relacionados às culturas ceramistas Taquara
mas convicções construídas pelos selos represen- e Tupiguarani. Paralelamente, a presença indíge-
tativos da memória e da historicidade da Região na nas ruas, acampamentos nas imediações urban-
Norte do Rio Grande do Sul, compostos - com ra- as e nos bairros periféricos sinaliza uma presença
ras exceções -, de monumentos aos imigrantes e co- histórica longínqua. Nesse sentido a arqueologia
lonizadores, de rotas temáticas como “Salamarias”, e a cultura material emergem como meio para re-
“Parreirais”, “Della Cuccagna”, compreendendo construção e recolocação de memórias e pertenci-
o que genericamente a Secretaria da Cultura, Tu- mentos. Os artefatos sancionam diferentes tempo-
rismo, Esporte e Lazer do estado denomina como ralidades históricas e oportunizam discussões de
“Região Cultura e Tradição. Sobra à presença in- respeito a diferença.
dígena o silenciamento (Cf. AHLERT; GOLIN, O recorte geográfico que compreende a
2019). região norte do Rio Grande do Sul, constitui um
Por intermédio da cultura material incide a dos pontos nodais da presença indígena no estado.
possibilidade de uma multivocalidade de memó- De acordo com Kujawa,
rias. No entanto, fragmentos de cerâmica, lascas de
pedra, ossos, entre outros artefatos, nada podem O Rio Grande do Sul, em especial a re-
gião norte do estado, presencia, na última
significar sem a mediação daquele que constrói e década, a ampliação, numérica e intensa,
atribui-lhes valor simbólico e referencial. Aqui, dos conflitos territoriais envolvendo in-
mais do que um exercício de abstração, é necessário dígenas e agricultores. Na região, que não
ultrapassa um raio de 200 quilômetros, há
um esforço de alteridade. Porque não estamos mais doze acampamentos indígenas reivindi-
nos colocando no lugar de um escultor que viveu cando a criação de novas Terras Indígenas
(TI) ou ampliação das existentes, com
há 30.000 anos, mas de sujeitos cuja ancestralidade
processos de Identificação, Delimitação
está marcada nos objetos e nas paisagens do nosso Demarcação de TI, em diferentes está-
entorno. A utopia está em trazer à luz a longa histó- gios, tramitando na FUNAI e no Minis-
tério da Justiça (2015, p. 73)
ria da ocupação indígena do território e os sentidos
de sua permanência, fomentar agenciamentos da
Há uma contradição entre a presença indígena
memória por meio do reconhecimento social e va-
no espaço e a memória que lhe seria corresponden-
loração cultural dos grupos indígenas que se encon-
te. Mas, como orquestrar memórias com base em
tram a margem. A margem da memória, da cidade,
artefatos?
do poder público, da visibilidade.
Sendo “ardil legítimo para se romper o si-
As pesquisas no território em tela demonstram
lêncio de mundos mal conhecidos” (VOVELLE,
a existência de sítios arqueológicos de populações
1997), para interpretação da cultura material é
imprescindível o diálogo com outras fontes e o co-
de desenvolver atividades de ensino, pesquisa e extensão universitá-
ria em Arqueologia, Cultura Material e História da Arte, por meio nhecimento contextualizado daquele que a decodi-
do estudo, proteção e valorização do patrimônio arqueológico e his-
tórico brasileiro, desenvolve ações de Educação Patrimonial visando fica. Contudo, não podemos esperar de crianças e
a responsabilidade social das operações de contrato (cujas demandas
tem conduzido a mercantilização das práticas arqueológicas). adolescentes essa expertise, tampouco, é obrigação

37
dos (as) docentes embrenhar-se no universo técni- Fig. 8. Distribuição das terras indígenas no Brasil
e na região norte do Rio Grande do Sul.
co de catalogações, medições, análises químicas etc. Fonte: Instituto Sócio-Ambiental
Cabe aos professores(as) a transposição didática
das informações para mediação da aprendizagem De qualquer modo, se recuarem em 200 anos
realizada pelos(as) alunos.(as) Esta tarefa faz toda a história dos seus ancestrais, ficarão chocados em
a diferença, sem ela o passado não seria mais do que saber que as casas subterrâneas – cujas evidências
caixas empilhadas em reservas técnicas, livros em ainda encontram-se latentes – foram construídas
bibliotecas imensas ou pesquisas descritas em arti- por grupos que habitavam o Planalto Meridional
gos científicos destinados a iniciados no suntuoso Brasileiro três mil anos antes da chegada dos eu-
vocabulário acadêmico. ropeus, vinculados as atuais etnias Kaingangs e
Nesse esforço temos um(a) importante alia- Xokleng Não estamos falando de “buraquinhos”
do(a), o(a) estudante. Não esqueçamos que a na terra de 2mx2m, mas de estruturas subterrâneas
aprendizagem se dá sobre elementos preconcebi- associadas a grandes plataformas de cremação dos
dos, a partir de comparações, refutações e ressigni- mortos, com dimensões de até 20 m de diâmetro
ficações. Perguntando aos(as) alunos(as) o que co- e 7 m de profundidade a partir do nível do chão,
nhecem sobre o assunto, possivelmente terão visto como as escavadas por Pedro Ignácio Schmitz em
algo no museu, uma “pedra estranha” encontrada São José do Cerrito. Empreendimento que requeria
por um familiar, ou talvez conhecerão um “buracos organização, técnica, habilidade e conhecimento
de bugre” (termo pejorativo dado as casas subterrâ- do meio ambiente.
neas). Se nada disso pertencer aos seus universos, A arqueologia e a cultura material auxiliam
questione-os sobre os seus hábitos alimentares ou no conhecimento desses processos. Indagados com
de higiene. Pergunte-os sobre a história de suas fa- sensibilidade, os fragmentos de cerâmica podem
mílias. Caso sejam descendentes de (i)migrantes, contar-nos sobre o que comiam essas pessoas, como
em geral, localizarão a chegada dos seus trisavós à produziam seus artefatos, quais padrões estéticos
região no fim do século XIX, havendo negros ou apreciavam e em que circunstâncias os usavam. Po-
indígenas como protagonistas da mobilidade geo- dem ilustrar, além dos seus modos de vida, como
gráfica, talvez se sintam confusos e não encontrem eram os de morte, de que modo eram enterrados,
datas específicas (o que já sinaliza uma ocupação com quais objetos e até como morriam. A cultu-
mais remota). ra material nos ajuda a “sentir o cheiro da carne”,
como sugeriu Marc Bloch.

38
A guisa de conclusão, a cultura material, em de políticas públicas contraditórias. Revista Ciências
Sociais Unisinos. São Leopoldo, Vol. 51, N. 1, p. 72-82,
sua ampla teia de suportes, técnicas, usos e signi-
jan/abr 2015.
ficados, é testemunho físico de vivências pretéri-
MENESES, Ulpiano B. A cultura material no estudo
tas que contem a potencialidade de ensinar-nos a, das sociedades antigas. Revista de História n. 115; São
sensivelmente, adentrar outros mundos. A darmos Paulo: Departamento de História - FFLCH/USP,
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GOMBRICH, Ernst Hans. História da Arte. Rio de Ja-
neiro: Editora LTC, 2000.
KUJAWA, Henrique Aniceto. Conflitos envolvendo
indígenas e agricultores no Rio Grande do Sul: dilemas

39
Desvendando mistérios
arqueológicos:
uma proposta de utilização de noções de
Arqueologia e Cultura Material em sala de aula
André Martinelli Piasson

O ensino de História, comparativamente


à didática de outros componentes curricu-
lares, tem enfrentado constantes questionamentos
de inadequação entre capacidade interpretativa e
realidade cada vez mais complexa – apresentada,
entretanto, como simples e acessível pela profusão
tais como sua (suposta) pouca praticidade – diante de informações disponíveis. Não é por outros mo-
do extremo pragmatismo da vida cotidiana – ou tivos que a conversão dos conhecimentos acadêmi-
de sua excessiva orientação ao passado – diante de cos em conhecimentos escolares – a transposição
uma sociedade que valoriza a constante renovação didática – tem enfrentando oscilações entre mode-
e a destruição do antigo. Argumenta-se em favor los excessivamente tradicionais – em que se prio-
das Ciências Naturais, por exemplo, que elas cen- rizam datas, fatos e valores da moral e do civismo
tram suas preocupações no fazer – seja ao preparar – até modelos em que os conhecimentos históricos
teoricamente o estudante para práticas profissio- são elevados ao nível de curiosidades ou conheci-
nais futuras, seja ao proporcionar prática em sala mentos enciclopédicos, constituindo-se, frequen-
de aula que permitam entender os conceitos abor- temente, em um “curso de conhecimentos gerais”.
dados pela teoria. Assim, o ensino de História tem Entre ambos os extremos, encontram-se modelos
enfrentado um “dilema existencial” como compo- altamente ideologizados nos quais a História ora é
nente curricular e a defesa de sua existência/per- narração de uma evolução em direção ao progresso,
manência no currículo escolar pelas escolas e pela ora é resultado de um embate entre classes sociais
sociedade tem soado mais retórica que sincera. Em em que a exploração não encontra nuances nem re-
uma sociedade em que o tom das relações huma- sistências efetivas.
nas é dado pelo excesso e consumo de informação, As práticas cotidianas de sala de aula de His-
de tecnologia e bens (pouco ou nada duráveis), por tória parecem não ter se alterado em aspectos ge-
um aparência de competência – mais que pela com- rais, apesar de todos os avanços feitos nas publica-
petência comprovada – e o sucesso pessoal-profis- ções didáticas, quer pela multiplicação dos temas
sional é aferido segundo esses fatores, tratar de as- da historiografia ou das pesquisas em História Re-
suntos não relacionados diretamente ao cotidiano gional nos últimos trinta anos, quer pelo aumento
ou abordar as contradições da vida humana parece da exigência de qualidade nas avaliações feitas pelo
não ter significado. Ministério da Educação (MEC) quanto aos livros
A História tem enfrentado problemas co- didáticos distribuídos em escolas públicas – e que,
muns às Ciências Humanas na pós-modernidade: em certa medida, seguiram os avanços citados. As
a profunda relativização dos métodos e a sensação equipes gestoras, docentes e a comunidade em geral

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ainda esperam da escola a realização de uma espécie impossíveis, transformando a educação brasileira
de “liturgia escolar”: um acompanhamento anual num experimento arriscado em que as comunida-
de datas comemorativas, acontecimentos pátrios e des escolares são as cobaias.
folclóricos em detrimento da compreensão da espe- Considerado isso, não se trata aqui de buscar o
cificidade da História como disciplina e de sua rea- verdadeiro papel da escola, mas de encontrar alter-
lização como processo humano de lógicas derivadas nativas ao ensino de História, contemplando tais
de contextos e variáveis complexas relacionadas a expectativas atuais e realizando-as de maneira mais
fatores materiais e imateriais (cultura, religiosida- próxima das comunidades, tornando a instituição
de, imaginário). Simplificadamente, o que quero escolar um centro de saber local na comunidade em
dizer é que a História é o estudo de algo extrema- que se situa. Pensamos que a Educação Patrimonial
mente complexo – a vida humana através do tempo é a metodologia ideal de trabalho para efetivar uma
– numa sociedade que valoriza a fácil compreensão proposta de ensino de História que supere dicoto-
e o consumo de informação sem necessidade de ra- mias, valorize realidades locais e confira significa-
ciocínios muito elaborados. do aos conhecimentos historiográficos discutidos/
Aliado a essa concepção, a escola-instituição apresentados em sala de aula. Diante da profusão
vem passando por uma série de enfrentamentos dos meios de comunicação e das informações da
oriundos de um paradoxo: a sociedade questiona sociedade atual, a Educação Patrimonial aplicada
constantemente seu trabalho mas ao mesmo tempo ao ensino de História também consegue fornecer
afirma que lá encontra-se, em gestação, seu futuro. a estudantes e professores inúmeras estratégias de
Essa tensão permanente provoca reformulações cí- organização das informações, permitindo transfor-
clicas dos currículos e questionamentos externos má-las efetivamente em conhecimento.
acerca das metodologias de ensino à revelia das A Educação Patrimonial, ao concentrar-se em
comunidades escolares e sem respeito à sua diversi- questões relativas às identidades das comunidades,
dade, priorizando discursos pedagógicos que pres- consegue estabelecer mais facilmente as relações
cindem a experiência. Às reformulações nem sem- entre conteúdos formais e o dia a dia de estudantes
pre se dá o tempo necessário para uma efetivação e professores, tornando mais real a expectativa da
plena, substituindo-se – sem avaliações mais cuida- escola como local de formação de cidadãos. E isso
dosas – por propostas consideradas mais modernas advém de seu próprio conceito:
e eficazes. Repete-se o que já é uma tradição brasi-
leira: o moderno é entendido como o totalmente Trata-se de um processo permanente e
sistemático de trabalho educacional cen-
novo-inovador-eficiente e o rompimento definitivo trado no Patrimônio Cultural como fon-
com o passado, identificado com algo ruim-inútil te primária de conhecimento e enrique-
– e a palavra ultrapassado tem entre nós esse duplo cimento individual e coletivo. (...) busca
levar as crianças e adultos a um processo
sentido. O quadro se conclui com o sucateamen- ativo de conhecimento, apropriação e
to da educação pública, privando escolas tanto de valorização de sua herança cultural, ca-
pacitando-os para um melhor usufruto
estrutura física como de recursos humanos capa-
destes bens, e propiciando a geração e a
zes de dar conta das funções sociais exigidas dos produção de novos conhecimentos, num
estabelecimentos de ensino. Todas as supostas e as processo contínuo de criação cultural.
(HORTA. 1999.p.6)
possíveis inovações tornam-se difíceis, efêmeras ou

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Ainda que longe de constituir-se em um en- é deixada de lado em detrimento de certezas que
sino pragmático, como o mercado de trabalho tampouco o são mesmo nas academias. Na ânsia
exige das escolas (especialmente as públicas), a de tratar de forma rápida e eficiente os conteúdos
utilização de estratégias de Educação Patrimonial iniciais para alcançar os objetos de conhecimento
talvez desperte nas comunidades o sentido prático clássicos – como os da Idade Antiga –, os assun-
da História: a construção e reconstrução de suas tos diretamente relacionados à Arqueologia são
identidades, a identificação das raízes históricas das preteridos em capítulos ilustrativos, “divertidos”
ocupações e tradições humanas e o desvelamento ou “curiosos” da História, deixando-se de ver ne-
dos mecanismos de dominação material e imaterial les toda a riqueza metodológica, todos os inúmeros
que subsistem apesar ou a partir das tecnologias e conhecimentos teórico-práticos do componente
costumes da atualidade. curricular, assim como as noções científicas essen-
ciais a um ensino significativo e ao entendimento
de nós mesmos como seres humanos e sociais. Tal-
A Arqueologia Brasileira e vez influenciados pela historiografia baseada em
a Educação Patrimonial documentos escritos, em que as certezas (parecem)
mais facilmente estabelecidas, os autores didáticos
Esclarecido isso, gostaria de abordar a partir são levados a buscar o mesmo tom para as conclu-
daqui a importância dos conteúdos de Arqueolo- sões baseadas em evidências arqueológicas.
gia Brasileira para os estudantes da educação bási- Em lugar das certezas – na realidade, ainda es-
ca. Os livros didáticos atuais já avançaram muito cassas – os autores didáticos poderiam apresentar
no que se refere à Pré-História nacional, incluindo informações sobre as evidências existentes e propor
um ou dois capítulos em que tratam de evidências investigações que possibilitem o aprendizado de
arqueológicas como os sambaquis e as pinturas ru- noções básicas de História e Arqueologia. O uso
pestres em território brasileiro. Anteriormente ao de ilustrações, fotografias, descrições de evidências
decênio 1990-2000, a Pré-História era tratada com materiais – nas formas impressa ou virtual, uma
imagens e informações relacionadas quase que ex- vez que muitas publicações incluem CD’s ROM,
clusivamente à tradição europeia, centrando-se em DVD’s ou ambientes virtuais próprios acessíveis
lugares como as cavernas de Lascaux e Altamira e por QR Codes – poderia abrir espaço a atividades
periodizando os acontecimentos na perspectiva do bem mais interessantes, mobilizando professores
Velho Mundo. e estudantes na criação de hipóteses e num verda-
Os livros adotados pecam, entretanto, na deiro processo de construção do conhecimento. A
opção por uma metodologia de trabalho pouco Arqueologia, como assunto didático, tem grande
aprofundada, restrita a atividades nas quais os es- potencial para o ensino da construção do discurso
tudantes devem encontrar, nas imagens e evidên- e do conteúdo das Ciências Humanas e também da
cias materiais impressa em suas páginas, os exem- pesquisa e utilização da racionalidade combinada à
plos mencionados no texto e as comprovações das intuição e criatividade na criação do conhecimento.
afirmações tecidas pelos autores. Um dos aspectos Pensamos que tais características didáticas são
didáticos mais interessantes do trabalho arqueo- possíveis porque a Arqueologia como disciplina
lógico para o público em geral é menosprezado: a acadêmica:
riqueza da interpretação da cultura material, que

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1. descobre evidências a partir de metodologias as épocas, tornando desnecessário o estudo das
de investigação relacionadas tanto ao objeto de condições históricas. Já a Arqueologia Contex-
pesquisa quanto aos locais em que a pesquisa tual busca perceber as relações entre objetos e
ocorre – e essas características relacionam-se acontecimentos históricos sem descuidar das
diretamente a duas necessidades: a da História, estruturas mentais influentes no processo de
em considerar os contextos de produção dos criação de materialidade pelo homem e, nesse
documentos históricos e da historiografia para aspecto, guarda relações muito próximas com
interpretá-los; a do ensino de História, em per- a História. No trabalho em sala de aula, é ela a
ceber as condições dos sujeitos de ensino-apren- mais indicada por incentivar a busca das estru-
dizagem para elaborar didáticas válidas; turas sociais para além de objetos e evidências,
2. interpreta as evidências apoiando-se no estudo mas por meio de sua análise aprofundada.
das características peculiares dos materiais e da
ação humana sobre eles, aliando conhecimen- Nesse ponto, precisamos retornar à questão da
tos técnicos a uma intensa ação interpretati- Arqueologia Brasileira. Autores como André Prous
va, combinando conhecimentos de diferentes e Pedro Paulo Funari são unânimes em considerar
áreas do saber na busca de funções e significa- que os estudos arqueológicos no Brasil tiveram dois
dos simbólico-práticos das evidências arque- momentos de grande crescimento e outros dois de
ológicas. Transposta para a realidade escolar, claro influxo. Os primeiros corresponderam ao
percebe-se que alguns conhecimentos técni- período imperial – quando os estudos arqueológi-
cos necessários à interpretação arqueológica cos foram incrementados com intenção de confe-
encontram-se disponíveis aos estudantes nos rir raízes nacionais à elite estabelecida num Brasil
conhecimentos dos profissionais da comuni- independente que buscava seu desligamento po-
dade e que as possibilidades interpretativas da lítico e simbólico de Portugal – e ao período de
Arqueologia abrem espaço para a intuição e as redemocratização ocorrido após o Estado Novo
idiossincrasias intelectuais dos estudantes, in- (1945-1964) – quando o crescimento da economia
cluindo com maior facilidade um amplo espec- e a onda de nacionalizações ao mesmo tempo em
tro de características intelectuais; que destruíram alguns sítios arqueológicos, fizeram
3. desvenda os contextos social e cultural dos com que se buscassem as bases da história nacional
grupos a que pertencem as evidências, prin- representadas pelos indígenas. Sintomaticamen-
cipalmente quando se considera a corrente te, foi nesse período que se aprovou a primeira lei
denominada Arqueologia Contextual. En- de defesa do patrimônio arqueológico. Após cada
quanto a corrente Histórico-Culturalista um desses momentos, correspondeu uma fase em
fetichiza os objetos, tomando-os quase como que as pesquisas tiveram sua intensidade reduzida e
seres vivos capazes de imporem às sociedades seus objetivos vinculados estritamente aos interes-
reproduções de si mesmos pela força intrínseca ses políticos: o período da República Velha (1889-
que possuem; a Arqueologia Processual, vê as 1930) – marcado pela expansão da cafeicultura e
evidências materiais apenas como sintomas de o interesse em vincular a imagem dos cafeicultores
processos e estruturas mais profundos da vida avançando com seus cultivares sobre o solo virgem
humana, comuns a todos os grupos e a todas a dos bandeirantes avançando sobre a “barbárie”

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indígena – e a Ditadura Militar (1964-1985) – em mentos e inovações foi extremamente limitado, o
que o Projeto Nacional de Pesquisas Arqueológi- ensino de História adquiriu os contornos do ensi-
cas (Pronapa) implementou uma metodologia de no de História Oficial, tornando muito difícil ou
prospecções superficiais e rápidas para criação de desaconselhável a inclusão de temas não constantes
um panorama geral das culturas brasileiras, sem dos programas oficiais. Por outro lado, as pesquisas
investimento de tempo ou recursos numa análise arqueológicas também não propunham questio-
mais detalhada de cada uma delas.(PROUS. 1992. namentos diferentes que pudessem impulsionar
p.7-17; FUNARI. 2007. p.108-121) inovações didáticas, restringindo-se, como se viu, a
O avanço do Pronapa coincidiu – e, de certa traçar panoramas e estabelecer padrões de ocupação
forma, correspondeu – a reforma educacional ma- e criação cultural. Esse conjunto de fatores talvez
terializada na Lei 5692/1971 – Lei de Diretrizes e explique a ausência das descobertas arqueológicas
Bases da Educação Nacional – que atingiu todos e o tradicionalismo nas propostas de tratamen-
os níveis de ensino, isolando o ensino das Ciên- to metodológico das informações históricas pelas
cias Humanas em cursos específicos, tecnicizando atividades didáticas apresentadas nas publicações.
o ensino superior. O primeiro nível – ou 1º. grau Somente com a redemocratização em 1985 e a
– viu nascer as disciplinas de Organização Social e promulgação da Constituição Federal de 1988, a
Política do Brasil (OSPB) e Educação Moral e Cí- História Regional, as heranças comunitárias me-
vica (Emoci) que operavam a visão sociológica dos nosprezadas – como as dos quilombolas – ou his-
militares, cristalizando nas mentes dos estudantes a toricamente excluídas - como as dos indígenas –
estrutura política brasileira de então e imprimindo ganharam força e passaram a ocupar historiadores
nelas uma visão em que patriotismo era a expressão e, mais tarde, escritores de livros didáticos, assim
máxima de cidadania (o termo civismo), retirando como os professores de História em geral.
da História a função de questionar a realidade e Diante do exposto, parece ser necessário
desvelar as bases políticas do país. O ensino pro- cruzar os benefícios da metodologia de Educação
fissionalizante – destinado exclusivamente a for- Patrimonial com as características da prospecção
mar mão de obra e voltado às classes populares que e da interpretação em Arqueologia para renovar o
tinham dificuldade de acessar o ensino superior – ensino de História em temas nos quais os conhe-
viu-se despido de disciplinas generalistas, concen- cimentos arqueológicos são os principais responsá-
trando-se apenas nos aspectos técnicos ou estreita- veis por fornecer informações substanciais sobre a
mente vinculados à técnica. Finalmente, o ensino vida das sociedades do período...e um dos primei-
superior foi fragmentado em disciplinas e cadeiras ros passos é aplicar conceitos de cultura material na
isoladas, separando turmas e equipes de professo- metodologia do trabalho em sala de aula.
res, dificultando a formação de líderes e a elabora-
ção de reivindicações estudantis. Em suma, ensinar A possibilidade de utilização da cultura
e aprender tornou-se uma tarefa técnica passível de material em metodologias educativas
ser burocraticamente avaliada e medida em termos
muito precisos, tanto pelos professores quanto pe- Inicialmente, é necessário estabelecer, em ter-
las autoridades de ensino. mos gerais, o significado do termo cultura material.
Em tal organização, o espaço para questiona- Segundo Pesez,

45
Se se tratar de definir a cultura material possibilidades que – como elementos materiais –
(...) aqueles que mais utilizam a noção e
podem oferecer. Ou, de forma bastante objetiva,
a expressão: os historiadores e arqueólo-
gos (...) não a definem, ou pelo menos não “o conjunto dessas informações resultantes de arte-
dão uma definição nominal, que dê con- fatos produzidos ou simplesmente utilizados pelo
ta brevemente e de maneira adequada da
homem, bem como os locais que transformavam
significação da expressão. Eles se limitam
a empregar a noção como se os termos para habitar, é considerado a sua ‘cultura material’”
pelos quais é designada bastassem para (FUNARI; NOELLI. 2014.p.20).
defini-la, sem outra explicação (PESEZ.
Um exemplo prático dos efeitos de análises
1990.p.180).
baseadas na cultura material é o texto Artefatos têm
política? e, resumidamente, analisa as opções arqui-
Os campos de análise da cultura material
tetônicas de Robert Moses em Nova Iorque entre
propostos por Jerry Kulczyski e citados no texto de
os anos 1920 e 1970, explicando como as concep-
Pesez permitem aproximarmo-nos de um conceito.
ções desse profissional tinham a intenção de isolar
Esses campos são:
certas áreas da presença e da influência das classes
1. os meios de produção tirados da na- trabalhadoras e como a persistência de elementos
tureza, bem como as condições natu- da cultura material torna também persistentes seus
rais de vida e as modificações inflingi-
efeitos em que a materialidade assume característi-
das pelo homem ao meio natural;
ca central na diferenciação social, sendo determi-
2. as forças de produção, isto é, os instru-
mentos de trabalho, os meios huma- nada por um sistema de valores que se vinculam
nos da produção e o próprio homem à consciência de classe e ao preconceito mais que
com sua experiência e a organização
aos valores técnicos. A materialidade dessa escolha,
técnica do homem no trabalho;
com o passar do tempo, determina situações que
3. os produtos materiais obtidos desses
meios e por essas forças, ou seja, os perpetuam o preconceito e a divisão social, ainda
instrumentos de produção e os pro- que não mais condizentes com a situação presente
dutos destinados ao consumo. (PE-
daquela sociedade. (WINNER. 1986. p.19-39).
SEZ. 1990. p.188)
Percebe-se, portanto, que a análise da cultura
material de uma sociedade oferece a possibilidade
Assim, poderíamos afirmar que a cultura ma- de desvendar seu contexto material, fornecendo
terial se constitui no conjunto de materialidades conhecimentos importantes que permitam com-
– espaços, objetos e ações humanas – pertinentes preender em que medida estão conectadas as mate-
à produção dos elementos materiais utilizados na rialidades, a organização social e o sistema simbóli-
consecução da sobrevivência e na construção das co dessa sociedade. Um exemplo: ao considerarmos
relações humanas em sociedades específicas. A for- sociedades de tecnologia lítica, a escolha de deter-
ma e a direção da produção dependem tanto da in- minados tipos de pedras relaciona-se não só ao es-
teração estabelecida entre materialidade e sistemas paço ocupado por aqueles grupos e à matéria-prima
simbólicos quanto das características peculiares disponível como às funções utilitárias e simbólicas
de cada um dos elementos dessa materialidade, de dos instrumentos fabricados. As limitações e pos-
maneira que espaços e objetos não são apenas ele- sibilidades dos materiais são explicadas por André
mentos passivos nessa relação, mas assumem papel Prous:
de agentes no processo em virtude das limitações e

46
Para cada tipo de uso corresponde um comportamentos e características sociais. Por essas
tipo determinado de pedra que nem sem-
características a cultura material poderia ser inter-
pre está disponível e que deve, então, ser
importada ou substituída por outra coisa pretada de maneira semelhante aos textos históri-
(taquara cortante, por exemplo, na falta cos, inclusive a partir de sua estrutura interna, de
de sílex ou quartzo).
suas relações com materialidades semelhantes e do
Os instrumentos para bater e moer são
feitos a partir de pedras cujas característi- problema que se pesquisa. Não se buscam genera-
cas petrográficas têm menos importância lizações, mas o entendimento de como o aspecto
que sua forma. Devem ter volumes
pesquisado vincula-se a um todo e a cada uma das
globulares, inexistindo ângulos agudos
que provocariam fraturas ao receberem os partes postas em evidência pela própria cultura
golpes. (...) material ou pelo estudo em questão. A certeza das
Nas regiões onde é possível uma escolha,
pretensas leis sociais a que as ciências humanas po-
ela será feita em função das tradições, do
gosto estético ou do tamanho dos instru- deriam chegar cede espaço à verificação empírica
mentos desejados (...) Os instrumentos de quaisquer conclusões que se possa estabelecer
para talhar (machados) devem ser mais
a partir das evidências e suas interpretações: a pre-
pesados, seu gume pode ser menos cor-
tante; assim, pode ser usada uma grande dição da organização social passa a ser substituída
variedade de matérias, até mesmo de grão pela explicação de sua estrutura.
mais grosso (...) (PROUS. 1992.p.42).
A corrente pós-processual recoloca o ser hu-
mano no centro da problemática da Arqueologia
De maneira mais didática – e direta – Pedro
e da História sem desprezar as explicações globa-
Paulo Funari também afirma que “a cerâmica pode
lizantes nem, por outro lado, considerá-las defini-
nos informar sobre como as pessoas armazenavam
tivas, exigindo do pesquisador um diálogo cons-
produtos ou como comiam, mas, em alguns casos,
tante entre elas e os fatores identificados na cultura
a forma e a decoração também podem nos dar
material, compreendendo que as globalizações não
indicações a respeito da simbologia e dos valores
contemplam todas as características e variações do
sociais adotados” (2014.p.19).
comportamento humano. Os conceitos que inte-
Como afirmamos antes, a corrente da Ar-
gralizam essas análises devem evidenciar a origem
queologia que melhor interpreta a cultura mate-
da mudança social nos homens e não mais em fato-
rial para os usos que queremos dar-lhe em sala de
res independentes da ação humana; por exemplo,
aula parece ser a da Arqueologia Contextual (ou
“a ecologia é vista como condicionando, mais que
Pós-Processual). Os arqueólogos vinculados a ela
dirigindo, as mudanças, e as novas tecnologias são
afirmam que as influências para as modificações
interpretadas não só como respostas a mudanças
sociais viriam de inúmeros fatores entre os quais o
econômicas e sociais, mas também como uma for-
sistema de valores, a religiosidade ou a própria cul-
ça relevante envolvida na sua promoção” (TRIG-
tura material de uma sociedade. Interpretada pelas
GER. 2004. p.335). Da mesma forma, os aspectos
outras correntes como resultante de uma adaptação
simbólicos assumem importância maior que o de
progressiva ao meio ambiente, a cultura material
meros reflexos da realidade prática, sendo dotados
passa a ser compreendida pelo pós-processualismo
de historicidade e equiparando-se a todos os fato-
como um conjunto de elementos capazes de inte-
res envolvidos na mudança social.
ragir com a sociedade de que faz parte e, portan-
Outra importante conquista da Arqueologia
to, capaz de exercer papel influente na criação de

47
Contextual é a consciência de que o registro ar- E isso significa que, por meio de técnicas de
queológico não se constitui em retrato fiel da so- pesquisa em Arqueologia, de metodologias de
ciedade que o criou, pois representa apenas uma interpretação em História e de práticas em Edu-
fração do que foi a cultura material de uma socie- cação Patrimonial, é possível entender a criação,
dade e, ainda, uma fração sobre a qual paira a ação utilização, (re)significação e (re)apropriação de ob-
de acontecimentos que a alteraram ou destruíram jetos e espaços ao longo do tempo em experiências
em parte. O entendimento da relação dialética da educativas em sala de aula.
cultura material com a sociedade a que se relaciona Essa combinação foi a essência da ação edu-
e a noção de que o que conhecemos é uma parciali- cativa do Museu Arqueológico de Sambaqui de
dade são os aspectos que aproximam a Arqueologia Joinville (MASJ) sobre o sambaqui do bairro Es-
da História. Se a cultura material encontra-se pinheiros na Joinville dos anos 1990. A fim de
imersa no conjunto de fatores que interagem com formar laços de identidade da população vizinha
a sociedade e é, ao mesmo tempo, um desses fato- com o sambaqui Espinheiros II, que sofria invasão
res; se pode ser lida e interpretada como um texto constantes por ocupações irregulares, o Museu
histórico; se o que restou dela é apenas uma fração elaborou séries de atividades tendo como público
que subsistiu a diversos acontecimentos; então ela os estudantes da escola de ensino fundamental do
também pode ser considerada uma fonte histórica. bairro, centrando-as na visita de turmas ao sítio
Dessa forma, tais características tornam pos- arqueológico e na colaboração voluntária dos es-
sível a utilização da Educação Patrimonial como tudantes em atividades de escavação. As entrevistas
metodologia privilegiada para abordagem dessas realizadas anos mais tarde pelo Museu, averiguando
interações, reforçando nossa opção por cruzar es- o que restara daquela experiência nos adultos em
tratégias dessa metodologia com conhecimentos que os estudantes se tornaram, demonstra a consci-
de Arqueologia e História. Maria de Lourdes Par- entização ocorrida acima do esperado: o sambaqui
reiras Horta evidencia essas relações quando afirma e o povo que o formou passaram a fazer parte do
que cotidiano de brincadeiras daquelas crianças e, mais
tarde, das memórias afetivas e do conhecimento
Pela força da familiaridade com certas histórico dos antigos estudantes. Em suma, houve
formas, não enxergamos os traços anterio-
res ou arcaicos ainda presentes nas coisas uma aproximação entre estudantes e sambaquieiros
que produzimos hoje. Um automóvel, pela observação dos vestígios de sua ocupação, pelo
por exemplo, ainda retém os traços das estudo de seus hábitos e pela comparação entre pas-
antigas carroças. (...) As igrejas modernas
ainda apresentam comumente uma torre sado e presente, significando experiências e constru-
sineira, apesar de que hoje estão rodeadas indo conhecimento (SOUZA. 2013, p.129-151).
de modernos edifícios, mais altos e im-
Portanto, parece essencial construir propostas
portantes no relevo urbano, e de que os
fiéis podem ser chamados ao serviço litúr- didáticas que combinem a análise da cultura mate-
gico pelo telefone ou por um anúncio de rial com a interpretação em História para tornar
jornal. O traçado de uma cidadã, a praça
mais significativas as atividades de construção do
principal (...) guardam as marcas dos ve-
lhos caminhos e do antigo mercado (...) conhecimento histórico em sala de aula. São es-
(2011. p.275) sas propostas que estão presentes no material dis-
ponibilizado online encartado nesta publicação.

48
Considerações finais e o recurso das próprios instrumentos, alternando o uso das
fichas de investigação ações sugeridas com outras atividades que ju-
lgar pertinentes;
O material didático disponibilizado online 4. a inclusão de vestígios regionais torna o mate-
busca realizar as ideias expostas neste texto. De rial didático bastante versátil, servindo como
reprodução livre, para que os professores possam modelo às comunidades escolares que queiram
utilizá-lo em suas atividades em classe, esse mate- trabalhar com evidências arqueológicas dis-
rial segue alguns princípios decorrentes das ideias poníveis em sua região; a inclusão de evidên-
tratadas anteriormente, a saber: cias fora dos assuntos consagrados pela histo-
riografia e pelos livros didáticos tem a função
1. propor um formato para o trabalho com de demonstrar a amplitude da ocupação hu-
Educação Patrimonial em sala de aula, esta- mana do Brasil no período pré-conquista.
belecendo diálogo entre a inovação inerente 5. o rompimento com uma visão de História cal-
a essa metodologia e a necessidade de aborda- cada na repetição da historiografia por alunos
gem de assuntos obrigatórios das redes de en- e professores, buscando constituir-se numa
sino – história e cultura indígena e africana. numa espécie de “manual básico” sobre a pro-
Assim, em lugar de atividades isoladas, trata- dução dos conhecimentos históricos e arque-
das como episódicas, “diferentes” e “curiosas”, ológicos. Ainda que estudantes e professores
busca-se realizar uma série de procedimentos não sejam produtores de conhecimentos his-
que englobem assuntos afeitos ao componente toriográficos nem arqueológicos, dar-lhes a
curricular e, principalemente, questões como possibilidade de manusear as fontes primárias
a construção dos conhecimentos histórico e – imagens de artefatos e pinturas rupestres,
arqueológico e a identidade de grupos sociais; no caso – torna mais práticos conhecimen-
2. permitir o protagonismo do estudante e a tos e noções que permanecem geralmente no
mediação do professor. A maneira como as campo das abstrações e conscientiza-os sobre
questões são elaboradas, a forte presença de a maneira como se gestam as identidades no
imagens e a necessidade de relacionar constan- interior das sociedades.
temente diferentes conhecimentos – tanto os
veiculados pelo material didático, quanto os No mateiral disponibilizado online, há fichas
conhecimentos prévios – permite respostas de investigação destinadas ao uso de estudantes em
bem mais amplas que apenas as calcadas em sequências didáticas no ensino de História na edu-
reprodução dos textos, destacando as carac- cação básica, propondo:
terísticas intelectuais de cada estudante e per-
mitindo experiências mais ricas de trabalho em • escavações simuladas em caixas de areia e
grupo; ambientes externos;
3. liberdade no planejamento pedagógico, dev- • análise de réplicas de objetos arqueológi-
ido ao formato proposto para o material, o cos com desenho técnico;
professor pode utilizá-lo integral ou parcial- • análise de imagens de objetos e sítios ar-
mente ou como inspiração para criação de seus queológicos com desenho técnico;

49
• interpretação dos artefatos e dedução da LIMA, Tania Andrade. Cultura material: a dimensão
concreta das relações sociais. Boletim do Museu Pa-
vida dos povos que os produziram.
raense Emílio Goeldi. Ciências Humanas. v.6, n.1,
p.11-23, jan.-abr.2011.
As propostas apresentadas nessas fichas po- PIASSON, André Martinelli; CAIMI, Flávia Eloi-
dem ser ampliadas seguindo os princípios expostos sa; MISTURA, Letícia. Desvendando mistérios da
acima. História: oficinas de investigação em sala de aula. In:
STURM, Luciane (org.). Qualidade do ensino na
educação básica. Passo Fundo: UPF, 2015.p.31-47.
PROUS, André. Arqueologia Brasileira. Brasília:
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HORTA, Maria de Lourdes Parreiras; GRUNBERG, DIDÁTICO ONLINE
Evelina; MONTEIRO, Adriane Queiroz. Guia básico
de Educação Patrimonial. Brasília: Instituto do Patri- Ou
mônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), 1999.
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50
Saídas de Campo e
Viagens de Estudo:
dicas e possibilidades para potencializar a
aprendizagem de estudantes e professores
Flávia de Andrade Niemann

A s saídas de campo, realizadas durante


uma viagem de estudo pensada, planejada
e programada pela equipe pedagógica da escola
aprendizagem em diferentes contextos e espaços do
mundo real, a realização das saídas de campo possi-
bilitam aos professores um processo enriquecedor
possibilitam que estudantes e professores rompam de formação continuada em equipe.
com a rotina da sala de aula e transponham os con- Nesse sentido, o papel do coordenador ped-
hecimentos que estão nos livros, exercícios e aulas agógico como mobilizador e organizador do tra-
expositivas, desenvolvidos no espaço físico da esco- balho da equipe de professores é fundamental na
la, para o mundo real. organização do cronograma de reuniões de plane-
Por isso, usada como estratégia didática, as jamento para:
saídas de campo potencializam a aprendizagem ao
facilitar a aquisição de habilidades (observar, anal- 1. Escolher os lugares com potenciais de apren-
isar, registrar) e ao relacionar as aprendizagens com dizagem e que estejam de acordo com os

sua aplicação imediata para explicar a realidade. propósitos e intencionalidades pedagógicas:


cidades, praças, parques, bairros, museus de
Nesse sentido, o planejamento de investi-
história e arte, monumentos históricos, feiras,
gações realizadas durante a saída promove a for-
mercados públicos, instituições científicas,
mação científica dos estudantes, pois possibilita o
reservas e trilhas ecológicas, universidades,
uso de técnicas e estratégias características das tare-
etc.
fas científicas – observação, análise e descobertas 2. Mapear os potenciais de cada lugar e definir o
no meio natural/cultural/histórico/geográfico. roteiro das pesquisas de campo que serão real-
Assim, as saídas de campo são estratégias que izadas na viagem.
podem estar de maneira permanente no currículo 3. Definir a duração (tempo) da viagem de es-
da escola e permear o planejamento dos professores tudo, aqui é importante considerar além dos
de diferentes áreas do conhecimento, como forma objetivos de aprendizagem o custo necessário

de potencializar a aprendizagem de conteúdos con- para a sua realização.


4. Definir os objetivos gerais da viagem e espe-
ceituais, procedimentais e atitudinais previstos em
cíficos de cada disciplina que será contempla-
cada nível da educação básica.
da nos estudos que serão realizados.
5. Planejar as etapas de realização de cada ativi-
Como organizar e mobilizar a equipe
dade que serão propostas antes, durante e de-
de professores? pois da viagem.

Além de proporcionar a transposição do en- 6. Estabelecer as formas de registro que serão


feitos pelos estudantes antes, durante e depois
sino do conteúdo abordado em sala de aula para a
51
da viagem: diários de campo, diários de via- Como organizar a logística de uma
gem, fotografias, desenhos, fichas de investi-
viagem de estudo?
gação, relatórios, questionários, etc.
7. Definir os instrumentos de avaliação que A partir da definição dos lugares, roteiro, du-
serão utilizados pelos professores durante e ração e objetivos da realização do trabalho de cam-
após a realização das atividades. po com os estudantes, chega a hora de organizar os
agendamentos de datas de todos os locais que serão
Após essa etapa, a sistemática das reuniões visitados durante as saídas, o orçamento e a comu-
com os professores podem ficar mais espaçadas, pri- nicação para os pais.
orizando o apoio, orientação e validação do plane- Para isso, é fundamental o planejamento das
jamento das atividades elaboradas por cada profes- ações e um cronograma para a sua realização, como
sor que acompanhará a equipe durante a viagem. a sugestão a seguir:

Período
Atividades
Fevereiro Março Abril Maio Junho
Definição da(s) data(s) e local da viagem.
Orçamento do transporte1, considerando a se-
gurança dos estudantes e professores, o roteiro
e duração da viagem.
Agendamento dos locais de visita, pousadas e/
ou hotéis2 e levantamento inicial dos custos da
viagem.
Documentação necessária para os estudantes
(autorização dos pais e documentos).
Definição do custo total da viagem: o que estará
incluído ou não.
Comunicação do roteiro da viagem para os estu-
dantes e pais com todas as informações sobre os
locais visitados, estadia, custos e documentação.
Agendamento de reuniões com os pais
Check-list para os estudantes e professores so-
bre o que levar na viagem.
Reuniões com os estudantes sobre as normas
da viagem e orientações gerais sobre o roteiro e
atividades que serão realizadas.
Realização da viagem.

1
Em Passo Fundo e região há algumas empresas que oferecem o serviço e realizam o roteiro conforme a solicitação da escola, como a Spazzinitur
(atendimento@spazzinitur.com.br), Valtur (valtur@valturtrismo.com.br), São Miguel Tur (contato@saomiguel.com.br), Transfontana Viagens
e Turismo (transfontanapf@hotmail.com). No momento de escolher e fazer o orçamento para a contratação da empresa de transporte é impor-
tante em primeiro lugar considerar a segurança e a qualidade do serviço prestado.
2
Para a escolha dos hotéis e pousadas necessários para a estadia dos estudantes e equipe pedagógica responsável, cabe ter atenção para a seguran-
ça do estabelecimento, reserva de quartos duplos e/ou triplos em um mesmo andar ou seção, horários de check-in e check-out, inclusão de café
da manhã, horários e serviços oferecidos durante a estadia. Aqui cabe a equipe responsável pela organização da viagem ter normas claras e bem
objetivas sobre como serão organizados os quartos e o comportamento que se espera dos estudantes durante a viagem, estadia e saídas.

52
Nesse momento, a comunicação direta e garantir a ampliação da aprendizagem de ati-
transparente entre a equipe gestora da escola e os tudes e valores para participar de uma viagem
responsáveis pela organização da logística da via- com os colegas e professores, cumprindo com
gem é fundamental para validar cada etapa de real- as normas e regras estabelecidas previamente.
ização das ações, destacando que essas ações podem Aqui a equipe precisa ter a consciência de que
ser de responsabilidade do diretor, vice-diretor, todo o planejamento e cada atividade desen-
coordenador pedagógico e/ou compartilhada com volvida contribuirá, também, para o processo
uma equipe de professores. de construção da autonomia do aluno;
É importante salientar que o processo de or- • convencer professores de que, apesar de todos
ganização da logística de uma viagem de estudo é os cuidados e responsabilidades que temos em
primordial para que os objetivos de aprendizagem tirar os alunos da segurança da sala de aula na
previstos junto à equipe de professores possam ser escola, fazer uma viagem promove a ampli-
atingidos e que, mesmo sabendo que imprevistos ação da aprendizagem, principalmente de ha-
acontecem, a definição organizada e prévia do ro- bilidades como observar, analisar e registrar,
teiro, dos tempos e dos custos garante possibili- além de potencializar a realização de ativi-
dades de estratégias para a resolução dos problemas dades em que os estudantes sejam produtores
que possam surgir durante a viagem. de conhecimento, unindo os estudos feitos
na sala de aula e as suas visões, percepções e
sentimentos antes, durante e após a viagem;
Será que vale a pena?
• convencer e deixar seguros as mães e pais, re-
Desafios para propor e realizar uma
forçando as normas estabelecidas e deixando
viagem de estudos
muito claro todas as etapas para a realização
Muitos são os desafios para propor e imple- da viagem. É importante pensar em ações para
mentar no currículo da escola as viagens de estudo que mães e pais apoiem a iniciativa da escola
como uma modalidade didática de planejamento e colaborem em todo o período que antecede
permanente. Contudo, muitas são as possibili- a viagem. Para que valorizem a oportunidade
dades para que essa modalidade promova avanços oferecida pela escola de seus(suas) filhos(as)
nos processos de ensino e aprendizagem, em uma em terem novas experiências de aprendiza-
perspectiva de pensar as aulas para além dos muros gem e de construção da autonomia.
da escola.
Desafios? Muitos! Aí vão alguns desses muitos: Enfim, apesar de todos os desafios e respons-
abilidades que envolvem a realização de saídas de
• fazer a gestão do tempo e organizar cada eta-
campo em viagens de estudo realizadas pela esco-
pa da viagem de forma que seja viável a sua re-
la, as possibilidades de promover o engajamento,
alização, considerando os aspectos pedagógi-
participação e sentimento de pertencimento à um
cos e financeiros;
projeto de ensino e aprendizagem em estudantes e
• estabelecer, junto com a equipe pedagógica, professores também são muitas!
diretrizes de um trabalho pedagógico inten- Por isso, incluir as viagens de estudo no proje-
so e sistemático com os estudantes, afim de to pedagógico da escola pode possibilitar a sua real-

53
ização de forma mais sistemática, ampliar as formas
de planejamento e interação da equipe de gestão
escolar e professores, potencializar a aprendizagem
dos estudantes e engajar as mães e pais para que val-
orizem as ações da escola.

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Referências
BRUNER, Jerome. A cultura da educação. Porto Alegre:
Artmed, 2001.
CHARLOT, Bernard. Da relação com o saber: elemen-
tos de uma teoria. Porto Alegre: Artes Médicas Sul,
2000.
COLL, César; MARTÍN, Elena (Org.). Aprender con-
teúdos e desenvolver capacidades. Porto Alegre: Artmed,
2004.
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RICK. Projeto político pedagógico. Passo Fundo, 2008.
LIBÂNEO, José Carlos. Adeus professor, adeus professo-
ra?: novas exigências educacionais e profissão docente.
12. ed. São Paulo: Cortez, 2010.
VIGOTSKI, Lev S. A formação social da mente. 7. ed.
São Paulo: Martins Fontes, 2007.
ZABALA, Antoni. Como trabalhar os conteúdos pro-
cedimentais em aula. Porto Alegre: Artes Médicas Sul,
1999.
___________. Enfoques didáticos. In: COLL, César;
BARREIRA, Sônia (Rev.) O construtivismo na sala de
aula. 6. ed. São Paulo: Ática, 1999.

54
Ötzi: o homem do gelo
Oficina de História: estudo de caso
Roteiro de desenvolvimento para professores

Sandra Mara Barichello

N esta fase inicial é importante desenvolver


o questionamento nos alunos. Não dar res-
postas, mas incentivá-los a fazer perguntas. A ideia
O cérebro humano não admite a incoerência,
ou seja, a dúvida, e esse é um princípio da neuro-
ciência. Ao desenvolver a oficina, o aluno é coloca-
é que cada um exerça o papel de investigador, a fim do no papel de investigador, com mais perguntas a
de compreender como é produzido o conhecimen- fazer do que respostas disponíveis.
to histórico e em que tipo de evidências está funda- • Distribuir os textos a seguir (conforme mod-
mentado. elo no Manual do Mediador), para cada aluno.

INFORMAÇÃO 1
Num dia claro de setembro de 1991, um casal de montanhis-
tas alemães caminhando pela cordilheira dos Alpes, a 3.200
metros de altitude entre a Áustria e a Itália, deparou-se com
um cadáver que havia sido exposto pelo degelo de alguns dias
excepcionalmente quentes para a região. As autoridades lo-
cais foram comunicadas e presumiram ser o corpo de um dos
alpinistas que desaparecem todo ano nas fendas entre as ge-
leiras da região. O cadáver estava de bruços, caído sobre um
rochedo, com o braço esquerdo dobrado para o lado direito
e a mão direita presa embaixo de uma pedra grande. Seus ob-
jetos e roupas, também inteira ou parcialmente congelados, estavam espalhados à sua volta, alguns a vários metros de
distância. Era um homem de cerca de 45 anos de idade, cabelo longo e escuro, com 1,60 m de altura e aproximadamente
50 kg. Possuía cerca de 57 tatuagens pelo corpo e algumas costelas quebradas. Após alguns dias o corpo foi enviado de
uma cidade próxima (Innsbruck-Áustria), para Bolzano na Itália, onde após alguns exames de Raio X encontraram no
corpo uma ponta de flecha embaixo do ombro esquerdo, in-
dícios de que talvez o misterioso homem não tenha morrido
de causas naturais. Onde ele vivia e o que fazia no desfiladeiro
em que morreu? Como morreu? E quando morreu?

Fonte: Revista Scientific American Edição especial nº 2. Título:


Novo olhar sobre a Evolução Humana. Matéria: a saga revivida de Ötzi, o ho-
mem do gelo. Conteúdo disponível também no site: www.sciam.com.br

Como Ötzi foi encontrado.


Disponível em: https://www.crystalinks.com/otzi.html
• Importante para os alunos compreenderem como os cientistas tem acesso às informações;

INFORMAÇÃO 2
Após alguns dias de estudo, os investigadores perceberam que havia algo de errado com o cadáver
congelado, pois não conseguiam chegar a uma conclusão em relação a data da morte do homem. A
solução encontrada foi expor o corpo ao exame de datação por carbono 14.

Datação por carbono 14:


1. Essa medição é apenas uma das várias formas de datação histórica. O princípio de tudo é checar
a proporção no objeto estudado do elemento químico carbono 14, forma instável do carbono, um
dos principais componentes dos seres vivos. Por isso o método só serve para datar coisas orgânicas,
como ossos, tecidos, madeira ou papel. O passo inicial é coletar uma amostra desses materiais.
2. A amostra - que pode ter apenas alguns miligramas - é colocada num aparelho especial, o espec-
trômetro de massa, que é capaz de “contar” o percentual de átomos de carbono 14 presente nela. Os
materiais orgânicos absorvem esse elemento químico ao longo da vida e param de fazê-lo quando
morrem. A partir daí, o carbono 14 vai sumindo a uma taxa fixa.
3. Tendo o percentual do elemento químico na amostra e a taxa com que ele some ao longo do
tempo, já dá para estimar a idade do objeto. Mas há um limite: como o carbono 14 desaparece rela-
tivamente rápido, só dá para usar o método para datações de até 60 mil anos atrás.

Fonte: Mundo Estranho.

INFORMAÇÃO 3
Datação de carbono 14 realizada com o material vegetal encontrado junto ao corpo e com as
amostras da pele e dos ossos do homem, feitas por três laboratórios diferentes, confirmam que ele
viveu há cerca de 5. 300 anos.

Fonte: Scientific American.

INFORMAÇÃO 4
Com base no infográflco, responda no
caderno as seguintes questões:
1- Nome pelo qual ficou conhecido o
homem encontrado no gelo e o porquê
do nome.
2- O que os vestígios encontrados no
corpo de Õtzi dizem sobre: (a) sua
alimentação; (b) como produzia
fogo; (c) as ferramentas que usava; (d)
as doenças que teve durante a vida; (e)
suas roupas, sapatos,
acessórios (gorro, bolsa); (f) o período
do ano em que morreu.

56
• Importante para os alunos compreenderem que fontes históricas não possuem respostas para to-
das as perguntas que do presente são feitas ao passado. Perceber a relatividade do conhecimento
histórico;

INFORMAÇÃO 5
O arqueólogo australiano Tom Loy, especialista em análise de DNA obtido de amostras com mi-
lhares de anos, foi para Bolzano e identificou quatro tipos diferentes de sangue nas roupas e nas
armas de Ötzi. Esta evidência levou a uma nova suposição sobre a morte do Homem do Gelo, a de
que ele provavelmente morreu após combate com, no mínimo quatro agressores, pois seu corpo
ostenta “cortes defensivos” nas mãos, pulsos e na caixa torácica. As amostras de sangue foram retira-
dos de 2 das suas 14 flechas, da faca e do casaco. Segundo Tom Loy, “em vez de um homicídio sim-
ples, parece que estamos diante de uma batalha sangrenta, travada perto de uma fronteira tribal”.
Já o antropólogo italiano Franco Rollo sustenta que o sangue encontrado nas costas de Otzi pode
ter sido de um companheiro ferido carregado por ele. A morte por um suposto ritual de sacrifício
foi levantada pelo arqueólogo John Reinhard, da National Geografic. Segundo ele o local onde o
corpo foi encontrado, uma depressão rochosa entre dois dos picos mais altos da região, era utilizado
pelos povos da montanha para sacrifícios humanos aos deuses, o que justificaria sua teoria. Para
ele, “os utensílios deixados junto ao corpo pelos autores do sacrifício eram destinados a ajudar o
Homem do Gelo em sua vida após a morte ou como um tributo aos deuses. Caso Ötzi tivesse sido
assassinado, as peças e utensílios teriam sido roubados, dada a sua grande serventia naquela época”.
Fonte: Scientific American

1. Muitas hipóteses sobre a morte de Ötzi são discutidas. Pelo menos três delas são defendidas por
arqueólogos de diversos lugares do mundo. Identifique cada uma delas e comente-as.
2. Na sua opinião qual delas é a mais provável? Justifique sua resposta.

Referências
A saga revivida de Ötzi, o homem do gelo. Disponível
em: www.sciam.com.br. Acesso em jul. 2020.
www.jornaldearqueologia.com. Acesso em jul. 2020.
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SYKES, Bryan. As sete filhas de Eva. Rio de Janeiro: DIDÁTICO ONLINE
Record, 2003. (contribuições da decodificação do
DNA humano para Arqueologia e História).
Ou

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57
58
Manual do
Mediador

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Arqueologia e Pré-História
do Rio Grande do Sul
Fabricio J. Nazzari Vicroski | Cristine Mallmann Vicroski

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A paisagem e a Geografia
Hully Pastório Pereira

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84
Orientações para o (a) professor (a):

1) Passe o poema no quadro e peça para os estu-


“Os Meus Pensamentos são Todos
dantes copiarem e sublinharem os sentidos que o Sensações”
autor utiliza para descrever a paisagem.
Sou um guardador de rebanhos.
O rebanho é os meus pensamentos
2) Após discutir sobre o conceito de paisagem com E os meus pensamentos são todos
sensações.
os alunos em sala de aula utilizando o poema “Meus Penso com os olhos e com os ouvidos
pensamentos são todos emoções” leve-os para um E com as mãos e os pés
E com o nariz e a boca.
local onde haja movimento (principalmente so-
Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la
noro e visual) e peça que preencham a ficha abaixo. E comer um fruto é saber-lhe o sentido.
Por isso quando num dia de calor
E me deito ao comprido na erva,
3) Construa a partir do poema e da ficha de obser- E fecho os olhos quentes,
vação junto com os alunos o conceito de paisagem. Sinto todo o meu corpo deitado na
realidade,
Sei a verdade e sou feliz.
Fernando Pessoa

Nome:___________________________________ Ano:________ Data:___/____/_____


Conteúdo: Paisagem
Local analisado:________________________________________

VISÃO TATO OLFATO AUDIÇÃO

PAISAGEM É.....

85
Orientações para o (a) professor (a):

1) Escolha 5 cores de EVA, cada cor irá representar


uma altitude, as cores mais claras representam as al-
titudes menores e as cores mais escuras as altitudes
maiores;

2) Imprima os moldes de preferência um por folha;

3) Faça o contorno dos moldes no EVA: cada alti-


tude referente a uma cor, exemplo: 100 metros cor
verde, 200 metros cor amarela, 400 metros cor lar-
anja, 600 metros cor vermelha, 800 a 1000 metros
cor preta;

4) Recorte os moldes e cole-os um sobre o outro de


forma crescente: da menor altitude para a maior, o
resultado final será este:

Você poderá trabalhar com diversos conteúdos a


partir de uma maquete topográfica: clima, vege-
tação, hidrografia e ocupação humana.

86
Proposta I

87
88
114
89
115
90
116
Proposta II

91
92
118
93
119
94
120
Proposta III

95
96
122
97
123
98
124
99
125
100
126
Proposta IV

101
102
128
103
129
104
130
Ötzi: o homem do gelo
Oficina de História: estudo de caso
Roteiro de desenvolvimento para professores

Sandra Mara Barichello

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