Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
08 a 10 de maio de 2016
Organizadores:
João Gabriel Nuernberg
Rômulo Duarte
Thaís Costa
Apoio
ESCOLA DE TURISMO
Unirio
S471 Seminário Nacional de Turismo e Cultura (2. : 2017 : Rio de Janeiro, RJ)
ISBN 978-85-7004-359-7
CDD 306.4819
3
Sumário
FICHA TÉCNICA _____________________________________________________ 6
SOBRE O EVENTO ___________________________________________________ 7
PROGRAMAÇÃO _____________________________________________________ 9
GRUPO DE TRABALHO 1 – PATRIMÔNIO, MUSEOLOGIA E TURISMO 15
À SOMBRA DO BAOBÁ - LUGAR DE REFLEXÃO SOBRE REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E
MARCOS IDENTITÁRIOS - Marta de Oliveira Chagas Medeiros -------------------------------------- 16
4
ESTRATÉGIAS PARA A ADMINISTRAÇÃO DO PATRIMÔNIO E DA MEMÓRIA: GESTÃO
PARTICIPATIVA NO PROCESSO DE ORDENAMENTO E MUSEALIZAÇÃO DE
TERRITÓRIO DO COQUEIRO DA PRAIA-PI - Gardênia Angelim Medeiros de Oliveira, Edvania
Gomes de Assis e Francisco Pereira da Silva Filho ------------------------------------------------------- 216
5
FICHA TÉCNICA
6
SOBRE O EVENTO
O tema geral eleito para o II Seminário foi “representações sociais e novas tecnologias:
experiências de Turismo e Museologia” e vale ressaltar que a aproximação destes
campos do conhecimento para nortear as discussões é um reflexo dos estudos que vem
sendo desenvolvidos no Museu Casa de Rui de Barbosa/FCRB, no âmbito do Programa
supracitado, que atualmente contempla as áreas da Museologia e do Turismo, tendo em
vista que as conexões conceituais e metodológicas de ambas são capazes de
potencializar a relação institucional com os diferentes segmentos de público que se
apropriam deste espaço em múltiplas dimensões. Algumas questões que perpassam
estas pesquisas balizaram o eixo conceitual do encontro numa tentativa de compreender
a forma como as instituições se relacionam com a experiência da visitação: quais os
instrumentos utilizados para analisar as demandas dos seus públicos; como esses se
apropriam dos espaços e quais as estratégias adotadas para estreitar o diálogo com estas
pessoas?
7
Ulpiano Bezerra de Menezes, usando uma expressão de Mary Louise Pratt, afirmou que
os museus funcionam como zonas de contato, espaços em que sujeitos que estavam
separados no tempo e na geografia, por razões das mais variadas, têm a oportunidade
de se encontrar1. Nesta perspectiva, definir os museus como zonas de contato é
percebê-los como espaços de encontros; casas atemporais, embora localizadas no tempo
e no espaço; locais de criação e inspiração. O Museu permite a aproximação do cidadão
com seus referenciais de memória e identidade, com a cultura local e/ou universal;
estes espaços, como sugere André Malraux, estão entre os locais que nos proporcionam
a mais elevada ideia do homem.
Aparecida Rangel
Chefe substituta do museu
Jurema Seckler
Chefe do museu
1
MENEZES, Ulpiano Bezerra de. Para que serve um museu. In: Revista de História da Biblioteca
Nacional. Abril, 2007. páginas 46-51.
8
PROGRAMAÇÃO
9
Bruna Távora e Marcelo Rangel (UFS) - PROJETO JAPARATUBA EM REDE:
EXPERIÊNCIAS COMUNITÁRIAS DE CULTURA E DESENVOLVIMENTO
LOCAL EM UMA CIDADE DO VALE DO COTINGUIBA EM SERGIPE
José Luiz Medeiros da S. Júnior (USS) - TURISMO E PATRIMÔNIO CULTURAL
NO VALE DO CAFÉ: CAMINHOS PARA A CONCILIAÇÃO
Marta Chagas (UFF) - À SOMBRA DO BAOBÁ - LUGAR DE REFLEXÃO SOBRE
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E MARCOS IDENTITÁRIOS
10
Leila Bianchi (UNIRIO) – CIDADES MINEIRAS, “CIDADES HISTÓRICAS”,
CIDADES TURÍSTICAS: PROCESSOS DE ATRIBUIÇÃO DE VALORES AOS
CONJUNTOS PATRIMONIALIZADOS (1923-1938)
Cláudio Ferreira da Silva Neto, Luiz Antonio Oliveira e Nara Leticie Vilanova
Marque (UFPI) - HISTÓRIA ORAL, MEMÓRIA E TURISMO CULTURAL:
ESTUDO DE CASO LAGOA DAS EMAS
11
Sergio Moraes Rego Fagerlande (UFRJ) - TURISMO E ALBERGUES NAS
FAVELAS CARIOCAS: NOVAS POSSIBILIDADES URBANAS
Bruna Schmidt (IPA-RS) - PLANEJAMENTO TURÍSTICO: RELAÇÃO ENTRE
ESTADO E SOCIEDADE CIVIL NO ÂMBITO DE ESPAÇOS PÚBLICOS
URBANOS DE LAZER E TURISMO
Viviane Soares Lança, Bianca Assumpção da Silva e Thamires Monteiro Salles
(UFRRJ) - CRISTO REDENTOR – UMA ANÁLISE DOS SERVIÇOS DE
TRANSPORTE: TREM DO CORCOVADO X PAINEIRAS – CORCOVADO
12
Sirley Conceição (UFRRJ) - A PRESERVAÇÃO DOS BENS CULTURAIS:
TURISMO E PLANEJAMENTO URBANO
10 DE MAIO – QUARTA-FEIRA
13
Buscou-se incentivar reflexões acerca das variadas formas de representação dos
patrimônios culturais turistificados, sejam materiais ou imateriais, por atores diversos,
como a mídia, a academia e a população local. Consideraram-se, ainda, os
tensionamentos e aproximações existentes entre elas. A conferência foi mediada pela
MSc. Thaís Costa (FCRB) e as comunicações serão realizadas pelos seguintes
pesquisadores: o Dr. Ricardo Freitas (UERJ), o Dr. André Riani (UFPI), o Dr.
Euler Siqueira (UFRRJ) e a MSc. Gabriela Aidar (Pinacoteca/SP).
14
GRUPO DE TRABALHO 1 – PATRIMÔNIO, MUSEOLOGIA E TURISMO
15
À SOMBRA DO BAOBÁ - LUGAR DE REFLEXÃO SOBRE
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E MARCOS IDENTITÁRIOS
RESUMO: trabalho dedicado ao campo das representações sociais, uma análise teórica
e reflexiva que busca examinar o espaço e o acervo do Museu Casa Quissamã,
considerando a vinculação entre tecnologia, museologia e turismo. A partir de olhares
fotográficos, e dos fotografados buscamos registros que guardam o tempo, a memória e
o lugar sob o seu estado de movência. Empreendemos por uma linha de debate com
objetivo em avaliar as (con)tradições de uma paisagem que se manifesta em tonos
históricos e envolvimento pitoresco. Com o passar dos séculos a fotografia registrou
belas formas e variados modos de acionamento do ativismo visual sob questões sociais
e relações de poder. Neste trajeto iconográfico, contido em um espaço narrativo se
baseiam os apontamentos deste artigo.
INTRODUÇÃO
1
Mestranda do Programa de Pós-graduação strito sensu em Cultura e Territorialidades – UFF / IACS /
Universidade Federal Fluminense. E-mail: casabenta@gmail.com
16
Fazenda Quissamã2 e da própria região norte fluminense desde o século XIX até os dias
atuais.
No período de montagem da exposição observou-se que a proposta museológica
apresentada, trazia uma nova ordenação dos valores históricos que estavam presentes na
concepção original do Museu: a exposição “O Corpo na arte africana” introduzia por
meio dos seus objetos, a senzala ao interior da casa senhorial essa – de forma artística e
humanizada. A representação instalada era diferente das já propostas até ali, sem
escravizados e grilhões a África se mostrava emancipadora, nobre e sábia, um majestoso
mosaico da diversidade cultural humana. Iniciava a abertura de novos caminhos para se
alcançar debates fundamentados pela colonialidade3 e decolonialidade, entendidas aqui
na definição de Quijano, 2005:
2
A Fazenda Quissamã está situada às margens do Canal Campos Macaé, sua casa principal data de 1826,
imóvel rural do Visconde de Araruama, José Carneiro da Silva que passou como herança ao seu filho o
Visconde de Quissamã, José Caetano Carneiro da Silva, na segunda metade do Século XX foi anexada ao
latifúndio da Companhia Engenho Central de Quissamã em 2003, a Prefeitura Municipal de Quissamã
adquiriu parte da Fazenda e transformou a sede em Museu Casa, inaugurado em 2006.
3
Recorremos ao conceito de colonialidade desenvolvido por Quijano (2005), uma interpretação
epistemológica relacionada a dominação do Norte sobre o Sul global.
4
O Baobá da Fazenda Quissamã, identificado por pesquisadores na década de 1990 estima-se que foi
plantado e cuidado por negros na segunda metade do séc. XIX. A árvore especial para as populações
africanas é uma das poucas no interior fluminense.
17
Por meio deste conjunto, é possível perceber a relação direta da colonialidade
num embate com a descolonialidade, essa buscando novos caminhos ou discursos
capazes de ultrapassar a vertente histórica que predomina até hoje e que ajuda justificar
a segregação, ou seja, mantendo no mesmo lugar os negros de Quissamã, anônimos,
representado por número, mão-de-obra disponível, sem histórias, ou pior sua existência
se justifica pela a escravização que foram submetidos e não como agente ou produtor de
histórias, memórias, culturas e formador da sociedade.
A metodologia empregada nesta pesquisa foi dividida em dois planos, o
primeiro consiste em análise bibliográfica e observação sobre o acervo iconográfico do
Museu Casa Quissamã, o segundo focou na paisagem, área que compreende o seu
jardim e o seu entorno, entre o Museu e o Canal Campos Macaé. Considerando nesse
exercício, as imbricações entre a fotografia, a museologia e o turismo. Olhando para
este cenário, buscamos formatar um pensamento teórico e reflexivo sobre os arranjos
sociais e as novas tecnologias na empiria turística e museológica, no âmbito da
representação, apropriação, uso e gestão do patrimônio histórico e natural.
Interessa-nos, sobretudo, perceber o nexo entre a representação social e a forma
utilizada pela museografia para representar a participação africana e afrodescendente
nos pilares sociais da sociedade quissamaense, esta, constituída a partir das grandes
fazendas e sob a influência do transito atlântico afrodiaspórico. Examinamos dezesseis
imagens expostas no salão principal e cinco, na sala dos painéis que demonstram a
historicidade do município. Tomando como referência HALL (2016), investimos:
“como você “lê” a foto – o que ela está dizendo? Nos termos de Barthes5, qual é seu
“mito” – sua mensagem subjacente?”.
A exposição “O Corpo na Arte Africana com seus objetos, textos e cores fortes e
vibrantes despertou a percepção dos mecanismos de marginalidade, reais, operativos e
5
“Mito”, nos termos de Barthes, Stuart Hall anota o padrão tridimensional para decodifica-lo:
significante, significado e o signo.
18
simbólicos presentes na paisagem e no interior do Museu Casa de Quissamã,
exacerbando de forma seminal, o contraste de representações do corpo negro em dois
momentos, no mesmo espaço museal, nesse sentido a arte visual assume um
protagonismo ao revelar essa relação tão complexa que foi naturalizada pela exposição
permanente do museu. Se para Stuart Hall o corpo é um texto que conseguimos ler e a
partir da cor deste corpo, é possível criar diversos discursos, que passam a representar o
sujeito, seguramente a exposição de arte africana elevou à outras dimensões os seus
efeitos e os impactos em relação ao povo negro, que se revelaram através de atitudes e
demonstrações verbais dos visitantes que se expressaram, por meio de críticas de
contrariedade e ou firmamentos de concordância.
Temos no conceito de representação uma centralidade, dentro da visão
construtivista discursiva, que associa a linguagem, a representação social e os processos
de significação, onde o significado é construído através da linguagem e que os sentidos
criados são atravessados pela memória e pelos construtos da cultura. A fala, a imagem, a
escrita, a dança, a expressão corporal, e aqui incluímos também as exposições
museológicas fulguram linguagens que na experiência cotidiana constroem ou destituem
o acesso a chancela de poder. Como nos chama atenção HALL, em sua obra Cultura e
Representação (2016) ao analisar a representação do Negro na cultura ocidental numa
perspectiva histórica, ele mostra e descreve os modos de estereotipagem que se
aglutinam formas de consternação e os processos de mudança, da Idade Média a
contemporaneidade.
Neste sentido, a Exposição “O Corpo na Arte Africana” configurou-se em um
ponto de encontro, principalmente, para estudantes, educadores e pesquisadores, o ponto
de partida, no entanto, permaneceu sendo o jardim histórico e suas representações
sociais através dos tempos, sob a movência dos valores e arranjos de poderes retratados.
Consideramos para este trabalho cinco imagens como resumo essencial das
transformações e permanecias que a fotografia como nova tecnologia, registra e
fundamenta de modo utilitário para diversos fins, servindo à experiência de turismo e
museologia. Ao narrar a história da Fazenda Quissamã, consideramos para o seu
mapeamento, seja por marcos identitários, cartográficos ou históricos, a preocupação
contemporânea com a identidade, as relações raciais e a política de preservação que
perpassam pela responsabilidade perante a criação de símbolos, signos e significantes.
21
interagem na relação entre o museu e a sociedade? Lugares, lembranças e esquecimento.
De que maneira a fotografia serve à experiência turística?). Sobre a fenomenologia da
memória proposta por RICOEUR (2014) duas perguntas são fundamentais: “De que há
lembrança? De quem é a memória?”.
A fotografia como outras artes e técnicas, é qualificadora e gradiente,
incorporada a vivencia e experimentos cotidianos, mas que opera na singularidade pela
conquista da distância temporal. Atende ao estudo da história, à divulgação turística, à
pratica museológica e principalmente, à fruição, uso e apropriação do patrimônio
histórico, sociocultural e natural. A esta promoção da imagem, delimitamos um quadro
comparativo com a finalidade de perceber e destacar a representação social na
confluência do ser, poder e saber, olhando sempre para os sujeitos e os arranjos, a partir
da formatação museográfica.
Na segunda metade dos oitocentos, o livro-álbum Brasil Pitoresco,
RIBEYROLLES (1859), inaugurou no Brasil a produção literária com a utilização de
fotografias. Victor Frond, retratou panoramas, paisagens, costumes, vistas,
monumentos, nobres, plebeus e escravizados, também retratou a Fazenda Quissamã,
onde observou de modo especial para discorrer textualmente sobre o modo cortês do
proprietário e relatar o que encontrou na produção fabril da Fazenda, pari passu, a
histórica fotografia registrou mais que a imponente arquitetura e colocou para além do
seu tempo a vida engendrada no arcabouço social, à época. Buscava-se oportunizar as
vicissitudes da propriedade senhorial e o quão grandioso era o seu poderio e fidalguia,
atestada pela, escravaria em funcionamento inaudito e alta produtividade fabril. O lugar,
o espaço e os sujeitos aparecem inscritos por RIBEYROLLES (1859), e fotografados
por FROND no livro-álbum, Brasil Pitoresco, assim:
22
Figura 1 – Fazenda Quissamã
Fonte: Acervo do Museu Casa Quissamã
23
fotográfica. Esta é a única fotografia do acervo que apresenta breve descrição: “escravos
do Visconde de Quissamã”.
Em Memória visual e afetiva de Quissamã, SILVA (2006) a Professora Ismênia
de Lima Martins, destaca o seguinte: “Numa economia baseada no trabalho compulsório
um dos principais, para não dizer o maior, indicadores de riqueza era o número de
escravos. E o Barão possuía, em Quissamã, centenas deles.”
A terceira imagem, uma fotografia de Victor Frond datada da segunda metade do
século XIX - retrata um homem negro, um trabalhador rural, ilustra o relato histórico da
chegada dos primeiros colonizadores onde está localizado o município de Quissamã e
dá tonos, a origem do nome dado ao lugar:
24
Figura 4 – painel História de Quissamã
Fonte: Acervo Museu Casa Quissamã
25
construído. O imponente renque de palmeiras imperiais representa o alto grau de
amizade e prestigio entre o antigo proprietário e o gabinete nobiliário. As altas
palmeiras formam um longo caminho, verticais e gradientes reforçam os ares de corte
do lugar e ratificam na paisagem a representação política.
26
Figura 8 – Casal Primordial na Sala do Visconde
Fonte: Foto Marta Medeiros
27
Figura 11- exemplifica uma das formas mais usuais de interação dos visitantes
com o espaço, o abraço coletivo de mãos dadas no Baobá A paisagem como arquivo
social revela o posicionamento, as trincheiras e os arranjos de poder. O museu, nesse
contexto se configura em um denso lugar denso para reflexões e (des)construção de
mitos, estereotipagem e outras formas de dominação. Ali, contíguo, o centenário Baobá
rompe o assento hegemônico e assegura a representação social por outras vozes, gestos
e formas. Assim, harmônica e paradoxal a paisagem histórica se compromete com seus
agentes e se faz registro do seu tempo, valores e sentidos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Museu é uma célula de educação interdisciplinar, é um local de visões
históricas e promoção das representações sociais. Lugar de memória e também de
esquecimento. As tensões geradas pela desigualdade, pela exclusão e subalternização
entre povos mantem suas escrituras através do discurso mítico e mentalidades
formatadas em modelos simbolicamente sugestionados. Na pauta sobre a globalização o
debate a respeito da lógica colonial é cada vez mais recorrente. O modo pelo qual o
continente africano e as heranças da diáspora continuam sendo representados conferem
o sentido do conceito de colonialidade.
A memória visual e afetiva de uma sociedade compreende a representação dos
sujeitos que ao longo do tempo, por suas práticas, experiências e significados
construíram coletivamente os marcos identitários que os assimilam a um nexo cultural
comum. Nesta engrenagem social, os atores acionam elementos que como elos de uma
corrente perfazem sistemas representacionais de sua cultura gerando inteligivelmente
sentindo para si e para os “outros”.
28
“Os sistemas representacionais consistem nos sons reais que emitimos com nossas
cordas vocais, nas imagens que fazemos com câmeras (...), nas marcas que imprimimos
com tinta em telas, nos impulsos digitais que transmitimos eletronicamente”
(HALL,20016, p.49)
Questionamos o papel do objeto museal e a sua relação com a memória e a
representação social. A tarefa de representar uns poucos não deve ser maior que a
indiferença sobre a existência de muitos. Assim, o Museu, espaço privilegiado para
perceber as mais preciosas referências culturais discorre no limiar de processos de
segregação e silenciamento. A figuração do Baobá na Fazenda Quissamã é um tributo
aos africanos e afro-brasileiros, parte integrante da tessitura histórica e social
quissamaense, à sombra da sua sabedoria, esforços epistemológicos levam para onde a
decolonialidade intervém na representação e novos caminhos levam à relações
emancipatórias.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
29
CHIARELLI, Tadeu. História da arte / história da fotografia no Brasil – século
XIX: algumas considerações, vol.3, n6, São Paulo: ARS, 2005.
30
PROJETO JAPARATUBA EM REDE: EXPERIÊNCIAS COMUNITÁRIAS DE
CULTURA E DESENVOLVIMENTO LOCAL NO DO VALE DO
COTINGUIBA (SE)
Bruna Távora1
Marcelo Lima Rangel 2
RESUMO: A partir das reflexões teóricas sobre cultura e desenvolvimento, este artigo
analisa o projeto Japaratuba em Rede: Juventude, Cultura e Cadeias Produtivas. A
ação contou com a participação de 50 jovens atuantes de movimentos culturais e teve
como objetivo construir espaços coletivos de aprendizagem focados na educação
profissional para atuação na cadeia produtiva da cultura da cidade. Dentre uma
diversidade de práticas realizadas, esse artigo apresenta um relato de experiência no que
tange a um escopo de ações do projeto que envolveram, em perspectiva interdisciplinar,
as dimensões de turismo e museologia. Para analisar os dados e interpretá-los, foram
acompanhadas as atividades do projeto durante o ano de 2015-2016, a partir da atuação
na assessoria técnica do mesmo. Os resultados mostram que as ações fomentaram o
desenvolvimento local da cidade, tanto na perspectiva de atuação na etapa de formação
da cadeia produtiva da cultura, quanto confeccionando produtos para comercialização e
geração de renda.
ABSTRACT: From the theoretical reflections on culture and development, this article
analyzes the project Japaratuba in Network: Youth, Culture and Productive Chains.
The action was attended by 50 young people active in cultural movements and had as an
objective to build collective learning spaces focused on professional education to act in
the productive chain of the city's culture. Among a diversity of practices, this article
presents an experience report on a scope of project actions that involved, in an
interdisciplinary perspective, the dimensions of tourism and museology. To analyze and
interpret data, the project activities were monitored during the year 2015-2016. The
results show that the actions fostered the local development of the city, with a view to
acting in the stage of formation of the productive chain of culture.
KEY-WORDS: Development; Culture; Japaratuba; Youth.
INTRODUÇÃO
1
Mestre em Comunicação e Sociedade (Linha: Economia, Cultura e Política de Comunicação) (UFS).
Atuou como consultora pedagógica do projeto aqui analisado.
2
Mestrando do programa de pós-graduação em Comunicação e Sociedade (Linha: Economia, Cultura e
Política de Comunicação) (UFS). Atuou como coordenador geral do projeto aqui analisado.
31
atividades colaboraram com a integração de uma rede local de produção cultural, que
buscou profissionalizar e construir espaços de aprendizagem com cerca de 50 jovens
entre 17 e 29 anos, já participantes de movimentos ou grupos culturais da cidade e seus
povoados. Focado na etapa de formação e educação profissional, buscou estimular a
produção de práticas culturais locais, colaborando para a articulação de uma cadeia
produtiva da cultura capaz de remunerar os seus agentes, movimentar a economia e
sustentar econômica e culturalmente as expressões já existentes na região.
32
ao desenvolvimento justo. Entre vários outros pontos abordados, ressaltou-se o
potencial de crianças e jovens e a necessidade de dar-lhes oportunidades de expressão,
para que possam vir a participar de tomadas de decisões, bem como a preocupação com
sua iniciação na multiplicidade de formas e meios de expressão. Essas iniciativas que
buscaram ser realizadas no projeto aqui analisado.
33
alerta que a pobreza (ou o subdesenvolvimento) é gerado por limitações sociais e
circunstâncias contingenciais que impedem a escolha de outras formas de vida (idem, p.
70).
Além disso, o autor entende que a prática cultural e o acesso a seus benefícios
permite criar um clima cultural baseado na confiança mútua, na liberdade cultural e em
relações de respeito à diversidade de expressão. Tem ainda função de distinção
simbólica, sendo um dispositivo que permite o reconhecimento social e político, assim
influenciando a capacidade de enfrentar as dificuldades da vida cotidiana e as mudanças
repentinas no ambiente físico e social. Portanto, incide no aumento das oportunidades
sociais das pessoas, influenciando a educação, o emprego e o uso de tempo livre.
34
apropriação das políticas públicas e dos saberes próprios e necessários à organização
produtiva, apostando na dimensão cultural como estratégia para o desenvolvimento
local das diversas comunidades participantes (RELATÓRIO, 2016).
Quanto aos jovens, apenas 30% dessa população finalizou a matriz educacional
do ensino médio e que a taxa de empregabilidade se concentra, principalmente, nos
serviços informais e na administração pública4.
3
Dados do Sistema de Informação de Atenção Básica de 2010.
4
Atlas de Desenvolvimento Humano do Brasil 2013, realizado pelo Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD).
35
de Sergipe. Apresenta manifestações culturais que reverberam o passado e garantem, no
presente, uma permanente interação entre as gerações, mantendo a memória cultural das
comunidades viva e garantindo a reprodução simbólica de suas culturas (BARRETO,
2013)
A cidade ainda apresenta outros festejos tradicionais, momento em que atrai para a
cidade um grande número de turistas, como a Festa das Cabacinhas; é tradição os
festejos a São Benedito e Nossa Senhora do Rosário, em que figuram os grupos de
maracatu, o coco de umbigada, as sarandaias e sarandagens. Destaque vai para as
expressões das quadrilhas juninas, que participam de grandes eventos com
envolvimento de mídias e agências de turismo (VARGAS, 2014).
36
Em relação, especificamente ao grupo que participou da ação, pesquisa
desenvolvida por VARGAS (2015) atesta que 40% da juventude estava trabalhando
quando participou das ações do projeto. Dentre os trabalhos identificados, destacou-se o
emprego temporário na administração pública, professores, produtores de cultura e
comerciantes. 70% tem outras ocupações além do estudo e, dentre estas, estão: a ajuda
aos pais em seus trabalhos (roça, artesanato, comércio), vendedores de catálogo,
cabelereiros, manicures.
Nesse sentido, pode-se observar que a realidade em que o projeto atua apresenta
fortes registros de expressão e organização culturais.
No entanto, de um modo geral, cujas razões são diversas, mas podem aqui ser
ilustradas pela escassez de políticas públicas que garantam a existência dessas práticas
sócio-culturais e por uma concepção de desenvolvimento social que integre as
dimensões simbólicas e culturais, estes grupos não situados no cerne hegemônico dos
sistemas industrias de cultura tem dificuldade na permanência de suas práticas e
expressões culturais.
37
Os itens seguintes descrevem as ações.
Cartografia Cultural
O folder teve uma tiragem de 5 mil exemplares, e foi distribuído em diversos locais
(congressos e eventos acadêmicos, científicos e culturais) ajudando e colaborando na
difusão da diversidade cultural de Japaratuba, estimulando o interesse e a visitação da
região. E ainda uma publicação on-line: Cartografia Cultural Patrimônio Cultural e
Identidade dos Jovens do Município de Japaratuba/Se (VARGAS, 2015).
38
Tabela 1. Fonte: VARGAS (2015)
5
VARGAS, Maria Auguta. Cartografia Cultural Patrimônio Cultural e Identidade dos Jovens do
Município de Japaratuba/Se. Aracaju, Instituto Banese, 2015 Disponível em
.http://media.wix.com/ugd/ad4db5_6768b7e86ee94df980c3917ffc6b9250.pdf
39
Imagem 1. Principais festas citadas pela juventude e identificação de seus locais de ocorrência. Fonte: VARGAS
(2015, p.10)
Imagem 2. Tabela com as principais heranças culturais citadas pela juventude e suas localidades. Ilustração também
realizada pelos participantes. Fonte: VARGAS (2015, p.9)
A produção da cartografia extrapola o momento para o qual foi pensada e acaba por
se configurar como material documental para a produção e planejamento de ações de
cunho turístico, cultural e patrimonial que tenham como objeto a intervenção na cidade
de Japaratuba. Colaborou, antes de tudo, para que a própria juventude que produziu a
cartografia observasse o potencial e a diversidade dos locais onde vivem, estimulando a
importância em se apropriar e gerir coletivamente as já existentes e diversas expressões
culturais da região: seja o artesanato da palha, o bordado tão presente ou as ainda
existentes casas de farinha.
Evidente que as contradições grandes e a ação do projeto torna-se apenas uma das
mediações vivenciadas pela juventude. Esta que convivemcom uma realidade
caracterizada pela baixa remuneração e/ou o baixo valor comercial desses produtos (por
40
exemplo, o artesanato de palha tem valor cultural reconhecido, embora apresente preços
de mercado baixíssimos), ou até mesmo, a um processo propriamente cultural que
difunde visões de mundo que associam essas práticas ao atraso, estimulando um
processo de abandono e rejeição a estas experiências (Vilas Bôas, 2012)
Outra ação que integrou o projeto foi a visita técnica à Fundação Casa Grande –
Memorial do Homem Kariri, localizada na cidade de Nova Olinda, no estado do Ceará.
A visita foi realizada no mês de setembro de 2015 e teve como objetivo conhecer as
experiências desenvolvidas pelas crianças e juventude da instituição, de modo a
provocar um intercâmbio que estimulasse a construção coletiva de saberes.
Dentre as ações, foi realizada uma roda de diálogo e troca de experiências com os
membros da instituição que realizam o trabalho de turismo de base comunitária –
através da Cooperativa Mista dos Pais e Amigos da Casa Grande e da Agência Turismo
Comunitário - grupo responsável pela gestão da hospedagem e alimentação do coletivo
de jovens do projeto. A conversa envolveu informações sobre o comércio e a compra de
bens de consumo e a explicitação dos processos jurídicos que garantem o
desenvolvimento da ação.
Além disso, a visita técnica à Fundação Casa Grande envolveu a visita ao Museu do
Homem Kariri, o Museu do Couro (que expõe a obra do artista Espedito Seleiro) e
ainda ao Museu de Paleontologia de Santana do Cariri, administrado pela Universidade
Regional do Cariri (URCA). A metodologia do trabalho de visitação a esses museus foi
6
Depoimento dado aos autores do artigo em 2015.
41
orientada para que a juventude observasse os aspectos icônicos e referenciais que
orientavam a expografia do local, levando a uma reflexão acerca dos objetos escolhidos,
a partir da valorização às referências culturais locais, posto que os museus em questão
estabelecem um forte diálogo com a região onde estão presentes.
A exposição contou com uma expografia diversificada que envolvia tanto obras de
artistas sergipanos do acervo do Instituto Banese – esculturas de Joubert Moraes,
pintura de Leonardo Alencar- quanto os produtos confeccionados pela juventude do
projeto nas oficinas de Criatividade e inspirados nas referências culturais do município
Também como parte da atividade, foi realizado o mini-curso ‘História das Artes
Visuais em Sergipe’ com duração de 4h. Ministrado pelo Prof. Marcelo Uchoa, do
Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Sergipe (CODAP/UFS), a ênfase do
mini-curso esteve na apresentação da história de alguns dos artistas que estavam em
exposição, fazendo um espaço de interação com as obras expostas. Participaram do
mini-curso professores da rede estadual de Japaratuba e cidades vizinhas como Pirambu,
além dos alunos do 6º ao 9º ano da Escola Estadual Senador Gonçalo Rolemberg,
localizada na sede de Japaratuba.
42
A exposição ficou aberta para visitação durante todo o Festival de Artes Bispo do
Rosário, colaborando para a diversificação das atividades culturais oferecidas e
construindo um espaço de fruições das artes plásticas na cidade.
FAM TOUR
A ação teve como resultado inserção da pauta na mídia local e, além disso,
configurou um espaço de aprendizagem também para os gestores municipais que, a
partir da ação, poderão incorporar a estratégia nas diretrizes de suas políticas públicas,
algo que não havia sido feito antes, conforme destacou Saulo Brito, secretário de
Comunicação do município que participou da atividade.
Como conclusão das ações do projeto, sob o patrocínio da entidade financiadora, foi
lançada em agosto de 2016 a linha de produtos e comercialização Japaratuba em Rede
contando com três linhas para a venda: moda, decoração e utilitários. Todos os produtos
confeccionados tiveram como orientação conceitual, estética e simbólica a catalogação
e sistematização das referências culturais e patrimoniais identificadas pela juventude ao
longo de todo o projeto.
43
produtos. Sua consolidação nas linhas acima referidas possibilitou a constituição de
itens de comercialização que tiveram, do ponto de vista metodológico do projeto,
múltiplas funções, dentre as quais importa destacar: a possibilidade de geração de renda
através dos itens comercializados, o reconhecimento da importância dessas expressões
culturais, divulgação do patrimônio cultural da cidade, manutenção das práticas
simbólicas, difusão da cultura (PROJETO, 2016).
CONCLUSÕES
A partir de uma observação das ações realizadas é possível concluir que o projeto
constituiu espaços de mediação e trocas, provocando a articulação dos grupos que
participaram, posto que promoveu o engajamento de jovens de diferentes povoados na
realização das ações acima descritas. Além disso, colaborou com o desenvolvimento
local, através da cultura, pois provocou espaços de aprendizagem em torno de temas
fundamentais ao trabalho na cultura, tanto em sua perspectiva empírica: como a
produção cultural de eventos, organização e venda de itens e serviços culturais, contato
com a imprensa, quanto em sua perspectiva subjetiva, ligado ao conhecimento e ao
acúmulo de referências, em experiências e trocas que foram vivenciadas nas diversas
44
atividades acima citadas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARROS, José Márcio. Para uma Cultura da Avaliação da Cultura. São Paulo:
Observatório Itaú Cultural, 2008.
HALL, Stuart. Identidade Cultural na Pós-Modernidade. 10. ed. Rio de Janeiro: DP&A,
2005.
45
VARGAS, Maria Augusta Mundim. ALMEIDA, Maria Geralda de. Territórios,
Paisagens e Representações: um diálogo em construção. In: Mercator, Fortaleza, v.
10, n. 22, p.23-35, mai./ago. 2011. Disponível em
http://www.mercator.ufc.br/index.php/mercator/article/viewFile/550/346.
46
PATRIMÔNIO E CULTURA: A POTENCIALIDADE INFORMATIVA DA
COLEÇÃO GRECO ROMANA DA IMPERATRIZ TERESA CRISTINA DO
MUSEU NACIONAL
Tainá de Sousa Santos1
RESUMO: O objetivo deste estudo é destacar como objetos de uma coleção clássica
podem ganhar novos significados e assim tornar-se escopo para discussões sobre a
configuração e dilemas do mundo contemporâneo. Buscamos evidenciar uma
sacralização exacerbada destes objetos causados pela mídia, de modo que são vistos
apenas como uma reflexão do passado com pouca coerência com presente ou futuro.
Para tal lançamos mão de conceitos como coleção, museu, musealização e monumento,
levando em consideração o novo patamar que a instituição museu alcançou dentro da
sociedade. Como objeto de estudo foi utilizada a Coleção Greco Romana da Imperatriz
Teresa Cristina presente no Museu Nacional do Rio de Janeiro. Atestamos que tais
objetos possuem uma vasta potencialidade informativa e que deve ser utilizada.
ABSTRACT: The aim of the study is to highlight how classic collection objects can gain
new meanings and become scope for discussions about the configuration and dilemmas
of the contemporary world. We pursue to show an exacerbated sacralisation of classic
objects caused by the media that shows it as only a reflection of the past without a
coherence with the present or future. For this purpose we use concepts like collection,
museum, musealization and monument, taking into account the new level that the
museum institution has achieved within the society. Greek-Roman Collection of
Empress Teresa Cristina present in the National Museum of Rio de Janeiro was used as
study object. We attest that such objects has an incredible informative potential that
should be used.
COLEÇÃO E MUSEU
Coleção, uma palavra simples com um significado amplo. Parte do latim
Colligere que significa recuperar, tomar de volta, reunir. Escolher e reunir, diferente da
simples acumulação, colecionar significa estabelecer um significado e um elo com o
objeto escolhido, distinguindo-o dos demais. Segundo Jean Baudrillard (2000), o
escolher colecionar faz o objeto ser abstraído de sua função e ser relacionado ao
indivíduo, quem seleciona o objeto parece perceber sua singularidade, algo de raro e
único nele. Colecionar também parece estar na base para o acervo dos museus, logo
1
Graduada em Museologia. Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO.
tguerrasousa@gmail.com
47
estudar como se deu o processo de coleção até o momento que sua história se confunde
com a da instituição Museu é algo de importante relevância para este trabalho.
De modo geral, uma coleção pode ser definida como um conjunto de objetos
materiais ou imateriais (obras, artefatos, mentefatos, espécimes, documentos
arquivísticos, testemunhos, etc.) que um indivíduo, ou um estabelecimento,
se responsabilizou por reunir, classificar, selecionar e conservar em um
contexto seguro e que, com frequência, é comunicada a um público mais ou
menos vasto, seja esta uma coleção pública ou privada. Para se constituir
uma verdadeira coleção, é necessário que esses agrupamentos de objetos
formem um conjunto (relativamente) coerente e significativo. Seja ela
material ou imaterial, a coleção figura no coração das atividades de um
museu. (COLLIN, 2013, p. 32-34)
2
ICOM é uma organização não-governamental internacional que se dedica a elaborar políticas
internacionais para museus, criado em 1946 e que possui mais de 27 000 membros de 150 países.
48
mercados, legais ou não. No entanto o próprio Pomian parece concluir que para o objeto
se enquadrar na categoria coleção, este deve estar fora do circuito econômico, protegido
e acima de tudo exposto.
Quando finalmente tenta encontrar uma definição para o termo coleção, Pomian
considera que “...uma coleção, isto é, qualquer conjunto de objetos naturais ou artificiais,
mantidos temporária ou definitivamente fora do circuito de actividades econômicas,
sujeitos a uma proteção especial num local fechado preparado para esse fim, e expostos
ao olhar do público (POMIAN, 1984, p. 53).”, no entanto, não satisfeito ele explica que
tal definição tem apenas caráter descritivo que visa a salvaguarda do objeto para melhor
apresenta-lo ao público. Pomian reconhece que há uma relação de troca de valores, onde
perde-se o valor econômico e utilitário para o representativo assumir seu lugar.
Segundo uma perspectiva histórica, a qual trato de forma breve, para o autor
polonês esses objetos comunicam faces de mundos diferentes e só encontram sentido em
sua função, quando estão expostos. Os objetos poderiam ser expostos aos deuses ou
mesmo em rituais fúnebres, todos em locais especiais. Questiona-se então para quem estes
objetos seriam expostos até concluir-se que, a função das coleções é permitir aos objetos
que as compõem desempenhar o papel de mediadores entre os expectadores e o mundo
invisível. (PLATINI, 2010).
Ao serem elos de comunicação entre os mundos do visível e do invisível, tanto
Pomian quanto Platini concordam que estes objetos são revestidos de valor, e é esse valor
simbólico que atesta seu valor pecuniário e a importância de submetê-las a proteção.
(PLATINI, 2010/POMIAN, 1984). Eles tornam-se assim semióforos, objetos retirados
de seu contexto, não por seu valor, mas por seu significado, perdendo a sua utilidade e
passando a representar o invisível.
O ato de colecionar tomou grandes proporções no período romano, de forma que
algumas construções pensavam em cômodos especiais para coleções: “a moda de
colecionar se difundiu a tal ponto que Vitrúvio previa na planta de casa um lugar especial
para os quadros e esculturas. ” (POMIAN, 1984). No entanto, os objetos de coleções
tinham a única função de engrandecer a fama de seu dono e não necessariamente
representarem algo além da memória de quem as possuía. Nota-se, então, que essas
coleções não diziam sobre si, mas sobre as memórias de quem as juntou, era uma forma
de perpetuar a vida de seu dono e seu caminho de conquistas e obstáculos. Trata-se do
famoso jogo de memória que obedece a interesses individuais ou coletivos, na luta pela
preservação da memória, preserva-se uma história (LE GOFF, 1990).
49
É somente no mundo moderno que colecionar toma outro panorama, em meados
do século XIV. Essa diferenciação ocorre por uma mudança de pensamento do povo
europeu e principalmente por uma mentalidade humanista que enxerga numa série de
descobertas do mundo clássico, uma imagem idealizada que beira à perfeição. Assim a
partir do século XVI colecionar antiguidades vira moda e se difunde em todos os países
europeus, independente do ambiente e da classe social. Dessa forma as ideias
humanistas na valorização e ressignificação do Mundo Clássico irradiam por toda a
Europa criando um grande interesse em todos os objetos tidos como diferentes ou
exóticos.
O museu surge do fato de os Gabinetes de Curiosidades, responsáveis por reunir
diversas coleções de pessoas com alto poder aquisitivo, não darem mais conta de cumprir
sua função. O que culmina no fim dos gabinetes e a criação do museu se passa no
decorrer do século XVII, onde com os processos de investigação e ordenação favorecem
o surgimento de coleções cada vez mais específicas, esse aumento de coleções
demandava um local apropriado para seu acondicionamento (PLATINI, 2010). Junto
têm-se a mentalidade de permanência do Museu, diferente das coleções particulares que
se dividem após a morte de seu dono, o museu sobrevive aos seus fundadores e tem uma
existência tranquila. Somado a isso ainda havia a demanda de outras camadas menos
favorecidas, que queriam ter contato com essas coleções fosse para estuda-las ou apenas
apreciá-las e só o que a Igreja exibia já não era mais o suficiente (POMIAN, 1984). Num
contexto de tantas demandas os museus adquirem força e visibilidade tornando- se
lugares para todos, já que antes só as igrejas possuíam coleções acessíveis a todos. “O
caráter público dos museus exprime-se também pelo facto de, contrariamente às
colecções particulares, serem abertos a todos (POMIAN, 1984). ”
O crescimento de certos grupos das camadas sociais a e a valorização destes
criou a necessidade de deixar as coleções acessíveis a todos, criando assim a
necessidade de divulgar a ciência (PLATINI, 2010). A pressão para a abertura de
museus e bibliotecas mostrou uma exigência fundamental da sociedade, como
enxergou Platini e Pomian, afinal, para permitir a comunicação e coexistência de
todos os grupos é necessário que estes se comuniquem e mais que tudo, tenham
semióforos de um mesmo gênero e acessíveis a todos, assim o invisível que eles
representam se torna uma realidade e não uma ficção, evitando conflitos sociais
(POMIAN, 1984).
O museu surge como uma instituição que cria um consenso sobre o visível e o
50
invisível (POMIAN, 1984). É o local onde a cultura material é elaborada, exposta,
comunicada e interpretada. As coleções representam a acumulação da cultura material
do passado e sua exposição é o principal meio pelo qual o passado é apresentado
publicamente (BREFE, 1994).
51
continuou alimentando o intercâmbio cultural enviando objetos brasileiros para a Itália e
recebendo outros, oriundos de sua terra natal, isto sem levar em consideração o alto
incentivo em artes e numa política migratória que fez do Brasil o país com a maior
colônia italiana no mundo.
A coleção de Teresa Cristina faz parte do acervo de arqueologia clássica do
Museu Nacional do Rio de Janeiro, ela conta atualmente com mais de 700 peças, o
número total gira em torno de 778 e 772. São vários vasos de cerâmica, lamparinas,
estatuetas, artefatos de bronze, esculturas de pedra, recipientes de vidro, amuletos fálicos,
painéis de pintura entre outros. De acordo com Sarian (1996, p.25) parte desta coleção
teria vindo com a imperatriz Teresa Cristina para o Brasil como parte de seu dote, em
1843, antes elas estariam no Museu Bourbônico, atual Museu Nacional de Nápoles, e
fora seu irmão, Fernando II de Nápoles, rei das Duas Sicílias quem teria os enviados.
Parte da coleção ainda teria sido proveniente de Carolina Murat, irmã de
Napoleão:
Com efeito, algumas peças fizeram parte da antiga coleção da rainha
Carolina Murat, irmã de Napoleão Bonaparte e esposa de Joaquim Murat,
rei de Nápoles de 1808 a 1815 e permaneceu na cidade até que Fernando I
e Fernando II reafirmasse seu poder no reino das duas Sicílias...
(SARIAN, 1996, p.2)
O grande interesse da imperatriz pela arqueologia parece algo natural entre seus
hobbys, para Santos (2015) esse interesse estava perfeitamente de acordo com o tempo
em contexto que Teresa Cristina viveu. Sobre a influência do pensamento iluminista, as
grandes escavações e a glorificação do passado europeu, muitas coleções começaram a
se formar, o que despertou um grande interesse nestes objetos.
Dessa forma podemos ver que essa compilação de itens da Imperatriz Teresa
Cristina é bastante vasta com um grande potencial para o fomento de pesquisas. Entre
suas temáticas podemos estudar aspectos da vida do povo daquela época, apesar de ter
uma grande temática feminina nas representações da mulher em ornamentos nos vasos,
na simbologia das esculturas e no grande número de objetos que fazem parte do
cotidiano feminino.
A coleção tem um grande valor científico, através de suas peças podemos analisar
o modo de produção destes objetos e como se deu sua evolução, a forma com que a
decoração exprime a vida daquele povo revelando seus hábitos religiosos e sociais,
analisar como a forma de produção e decoração oriunda da Magna Grécia influenciou a
região da Itália colonizada pelos gregos. Avançando mais ainda nas possibilidades que
seu estudo oferece podemos notar a sua importância para a compreensão da religião e da
sociedade desta época como nas diversas esculturas ex-voto e os valores atribuídos nas
pinturas dos vasos, murais ou mesmo nos objetos pessoais de uso cotidiano. Ou ainda
como defende a própria Sarian:
53
O cenário então muda de foco, há uma riquíssima coleção brasileira cujos
objetos constituem-se como patrimônio arqueológico e patrimônio da humanidade3 por
nos permitir identificar nossas origens. Não obstante, ao ser patrimônio arqueológico é
considerado fonte de documento primário, vestígios da atividade humana que devem ser
pesquisados e protegidos. Ele foi devidamente musealizado, tornou-se patrimônio e
monumento e para tal só encontra sentido, semelhante ao semióforo de Pomian, isto é, ao
ser exposto.
Considerar o objeto como documento e semióforo, o traz para uma categoria
diferente, admitindo que é um monumento e, assim sendo, documento-monumento.
Noção considerada neste trabalho e conceituada por Le Goff (1990) que, trata o
documento como monumento, fato que implica que, este documento, é um montagem
consciente ou não da história, da época e da sociedade que o produziram, porém
também das sucessivas épocas que continuou a viver. E para tal cabe a quem o estudar,
desmitificá-lo e, assim, analisar suas condições de produção
Baseado em todas essas características supracitadas, podemos atestar que, o
acervo da coleção de Teresa Cristina constitui-se como patrimônio, documento e objetos
museológicos, isto é, objetos que uma vez reconhecidas suas características e valores
em perpetuar algo muito além de si próprios, são signos, passíveis de musealização –
estar presente dentro do museu. Como destaca Padilla (2014): "O objeto museológico,
ao ser incorporado pelo museu, possui uma continuidade na construção de sua trajetória
e, por consequência, inicia uma nova história que também deve ser documentada."
Eles são ícones ou objetos que, preenchidos de carga emotiva, servem de âncora
para um grupo social sobre um fato da história que se envolve direta ou indiretamente
com a identidade social deste grupo, um patrimônio, no caso um ícone ou patrimônio
para toda a humanidade, principalmente para a sociedade ocidental. Desvalées (2000)
destaca o patrimônio como “um bem público na qual a preservação deve ser assegurada
pelas coletividades. Um conjunto de bens e valores, matérias ou imaterias, herdados,
reunidos e conservados para serem transmitidos para a geração futura. ”
No âmbito da museologia, eles são caracterizados como descreve Lima (2012),
em “um conjunto de bens simbólicos, relacionado à ambiência cultural e integrado ao
complexo natural, espaço-mundo coletivo dos mais diferentes grupos e coisas”. Assim o
3
ICOMOS, 1990, ICOMOS. CARTA DE LAUSANNE, CARTA PARA A PROTECÇÃO E GESTÃO
DO PATRIMÓNIO ARQUEOLÓGICO, 1990. Cadernos de Sociomuseologia, [S.l.], v. 15, n. 15, june
2009.
54
patrimônio faz parte de um simbolismo unindo o sujeito e o seu modo de pensar uma
cultura e as representações significativas que possam definir ou traduzir essa cultura. O
patrimônio vem a ser um ícone ou uma referência, individual ou coletiva, da natureza ou
da cultura, notada através de algum simbolismo que liga o passado ao pensamento do
presente e a noção de perpetuamento – ou legado – para o futuro.
O ato de tornar algo, patrimônio, na esfera cultural, simbólica, histórica e por
fim, museológica "é um ato que incorpora à dimensão social o discurso da necessidade
do estatuto da Preservação (LIMA, 2012)." Uma forma de custodiar e conservar tais
bens, protegendo sua integridade física e emocional, em outras palavras, salvaguardá-lo.
O bem ao ser patrimonializado torna-se cabível de ser musealizado, uma outra
instância de um processo semelhante, mas que procura institucionalizar o objeto dado
como patrimônio. A patrimonialização eleva o status de algo como herança para a
posteridade e permite que grupos sociais se vejam representados, enquanto
musealização vem de um ato de valoração do objeto, ao elevá-lo não somente como
símbolo, ou signo, mas como documento, capaz de provar algo. Mensch vem a tratar que
“o valor documentário corresponderia à ideia de musealidade4 (MENSCH apud
LOUREIRO e LOUREIRO; 2013; p.5) ”; desta forma é um processo, onde uma coisa
leva a outra.
A Musealização por sua vez age como uma estratégia de preservação que,
segundo Waldísia Rússio (2011), é uma forma de preservação dentro de um cenário
institucionalizado no mundo. Para todos os efeitos, o ato de separar um objeto e colocá-
lo no museu, partindo da compreensão que este objeto é uma forma de testemunho, um
documento.
Cury (1999) parte de um ponto de vista semelhante e defende que a
musealização é a valoração do objeto e que tem início já na seleção deste para integrar
uma coleção. Este termo se basearia, portanto, em ações como: aquisição, pesquisa,
conservação e comunicação.
Nota-se então, que o sentido de musealizar, elege monumentos, objetos com
valores documentais capazes de representar algo muito além de si mesmos, porém
implica não apenas em colocar o objeto dentro de um museu, mas sim documenta-lo e
4
Característica presente em objetos musealizados, "o que expressa a relação entre homem e a
realidade[...]motivada pelo por um esforço de preservar contra a natureza da mudança e extinção os
objetos da realidade natural e social (STRÁNSKY, 1985, p.97-98) ”; ou ainda "o caráter museal das
coisas (STRÁNSKY, 1987, p.289)”.
55
estuda-lo. Estes são, sobretudo, carregados com memória e simbologia, pois essa mesma
memória os auxilia a atestar seu valor documental.
A memória é uma construção social que edifica identidades distintas e
patrimônios de culturas diversas. O que é caro a determinado grupo social é
guardado e transformado em bem, em herança que motiva orgulho, que se
quer preservar e mostrar ao outro. A memória gera interpretações
costumeiras e leituras críticas e, sobretudo, curiosidade em todos aqueles que
buscam conhecer as diferenças culturais (JESUS, 2009, p. 37).
56
se tem do Museu e, por sua vez, do objeto de museu, fato que por vezes não ocorre com
objetos provenientes de épocas tão longínquas.
Assim a nova museologia voltada para a relação do homem com a comunidade e
o objeto dentro de um museu nos faz pensar que tipo de critério e processo trás o objeto
para dentro do museu. Pensamento debatido e registrado em eventos como A Mesa
Redonda de Santiago do Chile (1972), Declaração de Quebec (1984) e a Declaração de
Caracas (1992), que são importantes eventos de testemunho dessa mudança de
pensamento da museologia afim de acompanhar a contemporaneidade.
Segundo Lima (2012) o resultado de todos esses encontros destinados a debater
a museologia trouxeram além de princípios básicos de uma nova museologia a ideia de
“Museu Integral, um museu destinado a proporcionar à comunidade uma visão de
conjunto de seu meio material e cultural”. Isso significava que o museu deveria estar a
serviço da comunidade e por tanto participar da formação de consciência do cidadão
daquela comunidade além de propor reflexões à estas pessoas dos problemas atuais.
Sendo assim: “A museologia[...]passa a ser entendida como o estudo da relação que se
estabelece entre o Homem/Sujeito e o Objecto/Bem Cultural num Espaço/Cenário
(PRIMO e REBOUÇAS; 1999). ”
Nascimento e Chagas (2006) vem a completar essa visão:
“Os museus conquistaram notável centralidade no panorama político e
cultural do mundo contemporâneo. Deixaram de ser compreendidos por
setores da política e da intelectualidade brasileira apenas como casas onde se
guardam relíquias de um certo passado ou, na melhor das hipóteses, como
lugares de interesse secundário do ponto de vista sociocultural.
(NASCIMENTO; CHAGAS apud RANGEL, 2011, p.305) ”
57
QUESTÕES ACERCA DE UMA NOVA RESSIGNIFICAÇÃO
A pergunta que se mantém é: como trazer objetos de coleções clássicas para a
atualidade e, a partir do que eles podem oferecer, como trabalhar com questões atuais?
A questão configura-se como um desafio à parte, já que tais objetos são muitas vezes
sacralizados e possuem uma aura imaginária em volta deles, muitas vezes criada pelo o
que a mídia transmite em produções Hollywoodianas ou documentários. Sob tal estigma
quem encara um vaso grego ou romano simplesmente vê um objeto que pouco pode vir a
comunicar por parecer algo muito distante de si, algo que o remete apenas aquele filme
dos soldados romanos ou de gladiadores.
A coleção greco-romana da Imperatriz Teresa Cristina possui um grande
potencial pedagógico, capaz de desconstruir conteúdos imagéticos muito comuns nos
tempos atuais, sejam nos filmes, nos jogos e nas séries televisivas. Suas questões podem
servir de escopo para debates à luz do nosso período. Seus objetos nos permitem refletir
sobre questões passadas que ainda interferem no dia-a-dia da nossa sociedade. Onde,
por exemplo, podemos trabalhar questões de culturas diversificadas dentro de um
mesmo espaço geográfico a partir da imagem dos afrescos do templo de Ísis encontrados
em Pompéia. Em outras palavras, uma deusa egípcia sendo cultuada no centro do
território romano, numa cidade de cultura e economia representativos, podendo introduzir
ao debate de um Brasil multifacetado de várias etnias e religiões, que por sinal também
era uma equação presente no mundo romano.
Não obstante é ainda possível estudar o interesse romano pela culinária, através
das diversas peças de utensílios domésticos que se encontram nesta coleção, são eles,
talheres, panelas, ânforas e objetos para espremer vinho. Sabemos que a culinária é uma
área de interesse da população humana, e que isso não foi diferente para aqueles que
vieram séculos antes de nós, um debate sobre o tema ajuda a construir a ideia de que
tipo de alimento era valorizado e consumido, fazendo-nos notar o que temos em comum
ou não, para que serviam determinados utensílios de cozinha e vasos que, num primeiro
momento, nos fazem imaginar uma centena de utilidades.
Uma ótima abordagem também pode ser feita ao olharmos, em especial, para os
vasos provenientes da região da Magna Grécia onde podemos buscar compreender
como se deu a colonização daquela área e como era o funcionamento daquela sociedade.
Santos (2015), aborda com segurança o tema tendo como objeto de uso estes vasos.
Diante de seu estudo ela constata que a mulher tinha um papel diferenciado naquela
sociedade, fato observado principalmente pela iconografia dos vasos cuja maioria
58
apresenta cenas de mulheres. Este ponto parte do pensamento de que a iconografia dos
vasos faz parte de um contexto social e político Específico da região onde foram
fabricados. Podemos analisar esse espaço em que elas estavam inseridas, que se
relacionada diretamente com a colonização, já que os colonos buscaram através do
casamento com estas mulheres tornarem-se donos por direito da terra onde outrora eram
estrangeiros.
Estudar as mulheres em tempos antigos, em especial aqui, nos ajuda compará-las
com questões atuais. Tendo em vista que esse grupo, as mulheres, ocuparam papel de
coadjuvante nas fontes registradas, logo, quem são essas mulheres que viviam na bacia
do Mediterrâneo e são representadas nos vasos? Por que registrá-las, sabendo que
apenas pessoas com poder econômico razoável tinham condição de ter tais vasos
ornados? Se elas são fruto dessa colonização, esta que se difere dos modos que
conhecemos atualmente pois não existia a relação de dependência entre colônia e
metrópole, como essas mulheres são representadas diferentes e aparecem tanto em vasos
quando comparadas com as outras na costa da Grécia? Os questionamentos e respostas
que podemos alcançar podem ser trazidos para a nossa realidade, buscando analisar o
papel feminino na sociedade, seu grau de liberdade e inserção e como uma espécie de
propaganda pode ditar costumes? Sem deixarmos de lembrar que a iconografia destes
vasos vai refletir atitudes e costumes que se prezavam naquele contexto.
A partir destes objetos, também podemos refletir sobre o papel dos séculos
XVIII e XIX para a Arqueologia e para o próprio Museu. As peças da coleção eram
oriundas de escavações ou achados em vários sítios arqueológicos na Itália, na região de
Pompéia e Herculano, cidades atingidas pela erupção do Vesúvio durante o Império
Romano. O século XIX é um marco importante para a história da arqueologia
justamente pelas escavações em Pompéia e Herculano, um campo cujo pensamento fora
influenciado pelas ideias iluministas que enxergavam as descobertas arqueológicas
como troféus e exemplo do avanço da humanidade. A coleção foi criada na era de uma
corrida arqueológica de grandes expedições, voltadas para a caça de tesouros da
antiguidade, quando havia um grande comércio de falsificações. Os achados
arqueológicos provenientes das posses da Imperatriz Teresa Cristina viriam, pouco a
pouco, fazer parte do Museu Real, este fato está diretamente ligado ao nascimento do
museu nos séculos XVIII e XIX, que relaciona-se com a representação e legitimação da
Nação, sua ligação com a acessibilidade do público, e sua inserção num espaço público
59
de sociabilidade. Uma época em que o museu surge como espaço de encontro e debate, o
novo espaço da vida pública.
Avançando mais ainda nas possibilidades que seu estudo oferece, podemos notar
a sua importância para a compreensão da religião e da sociedade desta época como nas
diversas esculturas ex-voto e os valores atribuídos nas pinturas dos vasos, murais ou
mesmo nos objetos pessoais de uso cotidiano. Não esquecendo que as fronteiras entre
religião e as outras esferas da vida na Antiguidade estão extremamente conectadas.
Onde se preza, com direito a questões burocráticas, o culto dos mortos e a própria ideia
de rituais de magia e maldições (MENDES, 1993).
Dessa forma podemos ver que essa compilação de itens da Imperatriz Teresa
Cristina é bastante vasta com um grande potencial para o fomento de pesquisas. Entre
suas temáticas podemos estudar aspectos da vida do povo daquela época, apesar de ter
uma grande temática feminina nas representações da mulher em ornamentos nos vasos,
na simbologia das esculturas e no grande número de objetos que fazem parte do
cotidiano feminino.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BAUDRILLARD, Jean. O sistema dos objetos. 4ª. Edição. São Paulo: Editora
Perspectiva, 2002.
60
CONSELHO INTERNACIONAL DOS MUSEUS-ICOM. Código de ética para
Museus. 2007. Disponível em: <http://icom.org.br>. Acesso em 15 de setembro de
2016.
61
POULOT, D. "Situation de l'histoire et de la tradition du patrimoine", In
Bibliographie de l'histoire des Musées de France. Paris, Édtions du C.T.H.S., 1994
62
A EXPERIMENTAÇÃO DA PERSPECTIVA DO PATRIMÔNIO NAS
VIVÊNCIAS DO MUSEU VIVO DO SÃO BENTO
Tatiane Oliveira de Assumpção Cordeiro1
RESUMO: Este trabalho visa abordar a inserção e a atuação do Museu Vivo do São
Bento na região da Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro, enquanto uma instituição
que se utiliza da experimentação da perspectiva do patrimônio cultural em associação
com as práticas da educação patrimonial para se pensar e fazer o Museu com vistas a
consolidar a memória, a identidade e a cidadania da região, preconizando a diversidade,
a cultura e as identidades culturais.
PALAVRAS-CHAVE: Patrimônio Cultural, Educação Patrimonial, Museu Vivo do
São Bento
ABSTRACT: This work aims to approach insertion and performance of Vivo São
Bento Museum in the region of Baixada Fluminense, in Rio de Janeiro, while an
institution that uses experimentation from the perspective of cultural heritage in
association with the practices of heritage education o think about and make the museum
With a view to consolidating the memory, the identity and citizenship of the region,
advocating diversity, culture and cultural identities.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O Museu Vivo do São Bento pode ser tomado como importante lugar de
recuperação, resgate, resignificação e reinscrição de lugares de sentidos e de memória
da Baixada Fluminense que se vinculam às singularidades e especificidades locais que
vão desde o artesanato e festividades às próprias relações sociais que tecem. O Museu,
hoje, tem ampla inserção entre diferentes grupos sociais da Baixada Fluminense e
através da perspectiva da Educação Patrimonial inscreve um processo importante de
experimentação do próprio Patrimônio Cultural através de atividades, oficinas e projetos
que se voltam para o resgate das ditas singularidades locais.
É uma instituição que promove novas experiências, reflexões e vivências em
torno da perspectiva do patrimônio. Criado em 2008, no âmbito da Secretaria Municipal
de Educação de Duque de Caxias, a partir da reivindicação dos profissionais nas áreas
de Educação e da Cultura do município, e vinculado ao Centro de Referência
Patrimonial e Histórico do município de Duque de Caxias, o mesmo vem
1
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Patrimônio, Cultura e Sociedade da UFRRJ/IM –
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro – Instituto Multidisciplinar Campus Nova Iguaçu. Contato:
oliveiratati93@gmail.com
63
implementando um conjunto de práticas que difundem e renovam a perspectiva do
patrimônio em articulação com a Educação Patrimonial junto à sociedade civil.
O Museu Vivo do São Bento também é conhecido por ser um Ecomuseu que
pensa o espaço da sua localidade a partir de suas singularidades como fundamental para
a construção de cidadania e pertencimento, respeitando o meio ambiente. Também é um
Museu de Percurso, já que para conhecer é preciso percorrer seu território, conhecendo
a História nas diferentes temporalidades, desde o sítio arqueológico dos sambaquis ao
antigo Casarão Beneditino da fazenda São Bento, ambos tombados pelo IPHAN.
64
México são necessárias políticas culturais que protejam, estimulem e enriqueçam a
identidade e o patrimônio cultural de cada povo.
Com esse contexto, diante de um mundo cada vez mais conectado, os lugares e
ambientes tornam-se mais padronizados e os parâmetros globais se tornam referências
importantes. Nesse cenário, o patrimônio precisa (re)encontrar seu espaço em conjunto
com as diferenças e diversidades culturais das sociedades. Sendo assim, a noção de
patrimônio e, mais especificamente, da Educação Patrimonial, podem vir a funcionar
como ferramentas para a inserção, através de políticas públicas de projetos e ações que
valorizem as diferenças e as diversidades culturais locais. Tais políticas podem vir a
possibilitar uma interação mais ampla entre a sociedade e a localidade com as suas
especificidades o que favorece a relação de aproximação e construção de identidades
locais ao estimular a constituição de redes de pertencimento.
O fenômeno da globalização também estimula que os fatores econômicos se
tornem mais importantes do que os aspectos e as relações sociais, contribuindo, por
vezes, para segregação de certos grupos, locais e lugares de memória. E, assim,
tangencia as relações sociais, promovendo, de certa forma, um embate entre o
individual e o coletivo que pode vir a dificultar o processo de formação identitária. O
Museu Vivo do São Bento vem contribuindo para viabilizar, a partir da Educação
Patrimonial, mecanismos que ampliam o diálogo entre os elementos globais e as
singularidades e/ou especificidades locais da Baixada Fluminense.
Além disso, os fatores econômicos também influenciam e estabelecem, muitas
vezes, quais patrimônios devem ser preservados e valorizados. No bojo desse processo,
bens patrimoniais ligados às singularidades locais acabam não sendo valorizados,
prevalecendo, dessa forma, padrões mais globais. O Museu Vivo do São Bento, em seus
projetos e ações, trabalha na contramão desse processo, com vistas a evitar que a
construção identitária se torne algo imposto socialmente, ainda que a absorção desse
padrão seja, muitas vezes, apreendida de forma inconsciente, dado ao grau de
naturalização e interação que estabelecemos com certos objetos e/ou fenômenos.
Como demonstra a autora Marcia Chuva “na atualidade, a área do patrimônio
engloba um conjunto significativo de questões de ordem política, de relações de poder,
de campos de força e âmbitos do social” (CHUVA, 2012, p. 152), por isso, é preciso
resgatar as especificidades que permeiam os choques culturais e engendram processos
de resignificação das práticas culturais, assim como resgatar os elementos das memórias
associadas às localidades.
65
E, nesse sentido, pode-se destacar a atuação do Museu Vivo do São Bento no
resgate as memórias associadas à localidade, através da perspectiva do patrimônio em
suas atividades, projetos, programas e exposições com vistas a estimular as memórias,
muitas vezes, silenciadas e esquecidas dos moradores para consolidar a identidade da
região da Baixada Fluminense.
Há que se comentar ainda que, o Museu Vivo do São Bento é uma instituição
interdisciplinar que acredita ser fundamental a articulação entre a cultura e a educação,
exerce assim uma ação política-pedagógica na medida em que torna possível um novo
educar no direito a memória, História e ao patrimônio. Utiliza-se, portanto, da Educação
Patrimonial já que
“a educação patrimonial constitui-se de todos os processos educativos
formais e não formais que têm como foco principal o patrimônio
cultural, apropriado socialmente como recurso para a compreensão
2
No campo internacional da museologia a partir dos anos 1960/70 iniciou-se uma série de debates em
torno dos tradicionais modelos museográficos. Entra em voga o termo nova museologia ou museologia
social, que atribui ao museu o papel de agente com função social a partir de práticas que respeitem a
diversidade cultural e integre, de fato, a comunidade local.
66
sócio-histórica das referências culturais em todas as suas
manifestações, a fim de colaborar para seu reconhecimento,
valorização e preservação.” (CEDUC/IPHAN, 2014, p. 19).
3
Retirado do site do Museu Vivo do São Bento, disponível em:
http://www.museuvivodosaobento.com.br/projetos/mulheres-artesas e, acessado em setembro de 2016.
68
apenas pelo interesse econômico-financeiro e, não mais por sua relação com a
identidade social e/ou por sua relevância histórico-cultural.
A partir dessas perspectivas é possível apreender que o patrimônio cultural é
aquilo que possui significação e valor (simbólico, afetivo, cultural, por exemplo), já que
o bem constitui-se pela interação social e cultural. Assim, os processos de
experimentação de patrimonialização, a inserção ampla do campo da cultura, as
referências à identidade, a diversidade e a cidadania corroboram para a constituição do
patrimônio cultural em associação com a memória.
Com esse viés, pode-se mencionar o projeto “Jovens Agentes do Patrimônio”
do Museu Vivo do São Bento que contribui para que os jovens da comunidade local
construam um referencial de valorização e preservação do patrimônio cultural através
de processos de experimentação da própria perspectiva patrimonial, já que entende que
o mesmo não está restrito a uma lista oficial definidora do IPHAN, por exemplo, para se
preservar e conservar o que é ou não é considerado patrimônio. Esses processos de
experimentação são vivenciados através de diálogos, reflexões e debates para se
construir o referencial de patrimônio coletivamente, através da atribuição de valor,
identificação e reconhecimento. Sendo, portanto, necessário no que tange a
patrimonialização, fomentar a preservação e valorização dos bens e das práticas
culturais que são socialmente reconhecidos pela própria sociedade local. Essa ideia
torna-se perceptível no conceito4 criado por esses próprios jovens:
“(...) patrimônio é o caminho das formigas... os botões que a
Jacqueline achou enterrados5, é a tristeza e é a morte6, é a
comunidade7. Todas as coisas ao nosso redor são patrimônio: o que é
importante e o que parece não ser importante8, a conversa com a
4
Esse conceito criado coletivamente pelos jovens, como destaca Mario Chagas, tem uma dimensão
poética de Manuel de Barros (“é no ínfimo que vejo a exuberância”). O caminho das formigas perpassa a
dimensão natural e cultural, e possibilita o repensar caminhos a serem descobertos.
5
A referência textual pode ser vista como uma analogia aos Sambaquis. O Sambaqui do São Bento é sítio
arqueológico na região, que guarda os vestígios das ocupações humanas pré-cabralinas nas cercanias da
Guanabara, destinado à instalação do Museu dos Povos das Conchas.
6
Trata-se de referência aos exemplos de patrimonialização ancorados na dor, tristeza e morte, como as
cidades de Pompéia e Herculano, na atual Itália, destruídas pelo Vulcão Vesúvio.
7
Ressalte-se que, na perspectiva dos jovens participantes do projeto, noção de pertencimento à
comunidade, as relações sociais também constituem a noção de patrimônio.
8
Convém destacar que para os atores sociais do Museu Vivo do São Bento, patrimônio não está restrito
apenas àqueles reconhecidos em caráter oficial seja pelo IPHAN, seja pelo INEPAC, por exemplo.
69
amiga, o dia-a-dia, as pessoas, a vergonha. É um patrimônio saber que
a gente é uma comunidade...” (CHAGAS, 2016, p. 3).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A perspectiva de patrimônio cultural vivenciada no âmbito das ações do Museu
pode ser tomada como mecanismo de continuidade que converge memória em História
ao reinscrever no cotidiano dos grupos humanos da Baixada laços de pertencimento e de
identificação com elementos da localidade. O Museu atua na valorização das
identidades e memórias que compõem o Patrimônio Histórico material e imaterial da
Baixada Fluminense, a partir de atividades, debates, cursos e palestras voltadas para a
noção de patrimônio. E, a partir do desenvolvimento da Educação Patrimonial, contribui
9
O território da fazenda Grande São Bento, foi adquirido pelo mosteiro de São Bento em 1591,
contribuindo para o processo de colonização do Valo do Rio Iguaçu. A construção da fazenda Grande São
Bento, hoje em ruínas, iniciou-se entre os anos de 1754 e 1757 e constitui-se como a fazenda mais antiga
de Duque de Caxias.
70
para que se possibilite o entendimento em torno da importância da apropriação,
salvaguarda e preservação do seu patrimônio.
Para a permanência de um bem ser garantida é necessário que se tenha o
compromisso com a conservação e a preservação de geração a geração, portanto,
integrar a Educação Patrimonial com as práticas de experimentação do patrimônio
cultural é o melhor caminho para tal. Já que ao utilizar-se da premissa de que para
preservar é preciso conhecer essa será possível a partir de experiências no âmbito da
construção do patrimônio cultural e da sua consequente valorização, com vistas à
permanência e continuidade futura do bem e das práticas culturais para a efetiva
consolidação da identidade cultural da sociedade.
O Museu Vivo do São Bento apresenta resultados que podem ser
presentificados no cotidiano para quem o vivencia diariamente e para quem o visita.
Para além do espaço acadêmico ou museal, a sociedade local passa a conhecer a
História da região, interagindo com o espaço do museu e promovendo a própria
comunidade nas festividades, nos eventos e também na História Oral importante para
resgatar a memória e consolidar a identidade. Promove, assim, a diversidade cultural
para a efetiva valorização do patrimônio cultural, resgatando e difundindo as tradições
da comunidade, pensando o Museu a serviço da comunidade, já que é ela quem o
vivencia diariamente, assim como o próprio patrimônio e, por isso é ela quem deve
atribuir valor no bem e na prática cultural para preservá-los.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BEZERRA DE MENESES, Ulpiano Toledo. O Campo do Patrimônio Cultural: Uma
Revisão de Premissas. In: I Fórum Nacional do Patrimônio Cultural: Sistema Nacional
de Patrimônio Cultural: desafios, estratégias e experiências para uma nova gestão, Ouro
Preto/MG, 2009. Coordenação Weber Sutti. Brasília, DF: Iphan, 2012, p. 25-39.
CHAGAS, Mario Souza. Patrimônio é o caminho das formigas.... In: Anais do Museu
Histórico Nacional , 2016.
71
CHUVA, Márcia. Por uma História da noção de patrimônio cultural no Brasil.
Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Brasília, n° 33, 2012, p. 147-165.
72
TURISMO E INTERVENÇÕES URBANAS: A ARTE URBANA COMO
ATRATIVO TURÍSTICO
Mariana Alves Leite1
ABSTRACT: Urban development has transformed the cities scenery making them
opaque to look, in this context urban art emerges as an alternative to confer distinction
to places and compose their tourism product. The article deals with the relationship that
can be established between urban interventions and tourism considering the possibility
of urban art to promote a tourist experience. Therefor, we have estudied and discussed
the concepts of urban intervention, culture, cultural tourism and tourist experience using
as methodology bibliographic review, as well as the possible interconnection between
them generating a discussion between two relevant criteria to understand this
connection: the possibility of urban interventions become a tourist attraction and the
ways in which the tourist experiences the urban interventions.
KEYWORDS: Urban art, Cultural tourism, Experience, Public space.
1. INTRODUÇÃO
O turismo assume relações com dois tipos de intervenção urbana: aquelas que
são planejadas para criar atrativos turísticos na cidade com uma motivação econômica,
como pode-se observar em Gomes, C., (2011)2 e as intervenções urbanas que surgem
espontaneamente, fruto da manifestação dos próprios habitantes da cidade e artistas. É
sobre essa modalidade de arte vem ganhando destaque que está orientada esta pesquisa.
1
Graduanda em Turismo pela Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF. E-mail:
mariianinhaalves@hotmail.com.
2
Embora as actividades mais directamente relacionadas com o sector turístico não se mostrem
preponderantes no contexto económico da cidade, o turismo não deixa, ainda assim, de representar uma
estratégia importante nas políticas públicas, tal como revelam os projectos recentes de intervenção urbana
e os discursos dos responsáveis políticos e dos intervenientes na esfera turística da cidade (GOMES, C.,
2011, p.5).
73
As ruas estão cada vez mais preenchidas por essas intervenções e o contato com essas
obras e conscientização de seu significado promovem sua disseminação atraindo cada
vez mais curiosos.
Apesar do aumento do interesse pela arte urbana, esse fenômeno ainda é um
pouco conhecido e estudado. O público reconhece uma obra de grafite ao se deparar
com ela, porém existe todo um universo por trás da obra que é desconhecido por
muitos: a motivação do artista, sua mensagem, a inserção da arte nos espaços da cidade.
O reconhecimento e a valorização do trabalho dos artistas de rua e suas
consequências, que vão desde o despertar do indivíduo para o espaço em que está
inserido até a criação de um atrativo turístico, denotam a importância da produção de
conhecimento sobre o assunto.
A pergunta levantada por essa pesquisa é sobre a possibilidade de haver uma
experiência turística junto às intervenções urbanas em espaços públicos.
O objetivo da pesquisa é investigar a possível experiência turística promovida
pelas intervenções urbanas, para isso faz necessário a construção de uma análise sobre o
conceito de intervenção urbana, bem como a apresentação um breve histórico desse
fenômeno nas cidades, assinalar algumas formas de intervir no espaço público e analisar
o impacto que a intervenção tem na dinâmica da cidade e como esse impacto é sentido
pelo o turismo.
A escolha desse tema está atrelada ao destaque que essa modalidade artística
vem ganhando e a atração de visitantes que tem proporcionado para as cidades e, além
disso, destaca-se que é um assunto pouco estudado.
A estrutura do artigo está assim concebida: na primeira seção discutir-se-á a
conceituação de intervenção urbana, um breve histórico da atividade e algumas
maneiras como ela se reproduz. Posteriormente, são abordados os conceitos de turismo
cultural e experiência turística de forma a caracterizar a ligação desses conceitos com o
espaço urbano e a configuração desse espaço.
A conclusão, baseada em uma visão holística dos principais temas abordados,
revela uma interpretação dos dados levantados e discutidos fundamentada na
interdependência entre esses temas.
74
2. INTERVENÇÕES URBANAS: CONCEITUAÇÃO, BREVE HISTÓRICO E
POSSIBILIDADES
Nesse capítulo será discutido o que é intervenção urbana, como surgiu e se
desenvolveu e algumas formas pelas quais ela se dá.
Para abordar o tema intervenção urbana é necessário fazer uma distinção entre
os múltiplos usos desse termo. O primeiro é referente às intervenções no espaço urbano
através de processos arquitetônicos e urbanísticos, já o segundo trata das manifestações
artísticas de caráter efêmero que alteram o aspecto da cidade.
Esses processos, as intervenções artísticas no espaço público, recebem diferentes
denominações. Deutsche os chamou de “arte pública”, Pallamin usou o termo “arte
urbana” e Ardenne, “arte contextual” (GONÇALVES; ESTRELLA, 2007).
Segundo Souza (2012), as intervenções urbanas são uma forma de inscrição livre
e de caráter temporário nos espaços da cidade de maneira a se apropriar deles e
promover sua transformação. Essas manifestações são fenômenos culturais originados
no interior das sociedades e instituições em que se reproduzem, como determina
Pallamin (2000, p. 46):
Arte urbana foi definida anteriormente, como prática social
relacionada a modos de apropriação do espaço urbano. Enquanto
“espaço de representação”, a obra de arte é também um agente na
produção do espaço, adentrando-se nas contradições e conflitos aí
presentes.
75
O retorno do subjetivismo à esfera artística coloca fim ao projeto da
modernidade e leva ao expressionismo abstrato, esse, no entanto, se distanciava do
mundo, de forma que, em 1960, artistas em busca não só da estética nas artes, mas de
uma dimensão cultural, social e política deram início à arte contemporânea, na qual o
lugar da arte passou a ser questionado (CARTAXO, 2009). Assim, museus e galerias
foram considerados elementos que distanciavam a arte do público, portanto, na arte
contemporânea, os artistas saem das galerias e tomam as ruas. A inserção de
manifestações artísticas em locais públicos traz consigo uma aproximação entre o artista
e a sociedade e entre a sociedade e a arte.
A arte pública é vasta, rica em representações, na medida em que ela pode
ocorrer na forma de grafite, pichações, performances, instalações ou qualquer outro
meio que o artista utilize para se expressar. Dessa forma, é difícil afirmar com precisão
se determinada obra se trata de arte urbana, assim como quando elas têm início. Essa
imprecisão é fonte de conflitos, já que muitas intervenções urbanas são consideradas
criminosas, mesmo o grafite que foi descriminalizado. Existem muitas variáveis em
torno do assunto, opiniões favoráveis às intervenções defendem que todo apelo visual
que provoque reflexão ou alguma emoção no expectador é arte; opiniões contrárias
questionam a apropriação não autorizada dos espaços públicos pelos artistas, porém não
demonstram a mesma indignação quando essa apropriação se dá pela propaganda.
O grafite é uma das formas mais conhecidas e de maior representatividade entre
as intervenções urbanas, de acordo com Souza (2012, p. 20)
76
assim, é necessário discutir algumas formas pelas quais o artista se apropria do espaço
público.
De acordo com Gitahy (1999, p. 11), o grafite tem raízes nos tempos pré-
históricos com as pinturas rupestres. Essas inscrições podem conter a origem do grafite,
porém, são processos muitos diferentes tanto esteticamente como quanto à sua
finalidade.
Segundo Ramos (2007 apud SOUZA, 2012, p. 19), foi na década de 60, na
França, que o grafite começou a se desenvolver para a forma como é conhecido hoje.
Grupos jovens começaram a ocupar espaços da cidade e, entre outras formas de
manifestações, frases eram inscritas nas paredes da cidade, as quais se tornaram, dessa
forma, espaço de comunicação. A partir de então, a prática se desenvolveu e se difundiu
pelo mundo, transformando locais como túneis, muros e viadutos em tela para seus
desenhos.
O grafite, apesar de ter sua origem relacionada à pichação – prática conhecida
por sua clandestinidade e predomínio da escrita sem obrigatoriedade de um traço
estético, se trata de uma assinatura, mais conhecida como tag e corresponde à
identidade do autor (SOUZA, 2012) –, se distingue do picho devido à preocupação
estética em sua produção, pela riqueza dos traços e cores. Como esclarece Souza (2012,
p. 22)
O graffiti, por outro lado, é uma atividade relacionada à apropriação
do espaço urbano para o desenvolvimento de painéis elaborados em
tinta spray ou outros materiais, porém não monocromáticos e nem
com traços econômicos, mas sim extremamente complexos e
coloridos. Está relacionado às artes plásticas, à pintura e à gravura,
com maior preocupação em relação ao desenho e à representação
plástica da imagem.
77
o estêncil corresponde à técnica que utiliza um molde com o desenho a ser transferido
para a superfície com tinta (SOUZA, 2012).
Essas são algumas definições entre as diversas que existem sobre turismo
cultural. Delas, pode-se apreender que esse segmento turístico se diferencia por não
conter a busca estrita de lazer ou repouso, mas por manifestações culturais de
determinado local, podendo essas estarem ligadas à história, religião, gastronomia,
arquitetura ou representações artísticas do local – fatores moldados pela ação do
78
homem, já que cultura seja no sentido antropológico, sociológico ou estético, está
essencialmente relacionada com as criações e obras do homem.
Para este artigo, interessa o turista atraído pela arte. A relação entre turismo e
arte na concepção de Ashworth, (apud GOMES, L., 2012) estabelece a arte como
atração turística para apenas uma parcela dos turistas, uma elite instruída e apta a
compreendê-la que buscam em seus destinos atrativos como galerias de arte, teatro e
museus. Nesse sentido as intervenções urbanas ou arte pública possuem um papel
relevante no sentido de contribuir para ampliar o acesso à arte.
As definições supracitadas de turismo cultural assim como a relação estabelecida
por Ashworth entre arte e turismo são antigas, quando as intervenções urbanas ainda
não tinham a repercussão que possuem atualmente e também quando o turismo cultural
estava se desenvolvendo. Segundo Gomes, L., (2012, p. 24)
79
diferente, permitindo-lhes fazer comparações que nunca ocorreriam às
pessoas para quem esta cidade é o espaço do seu quotidiano.
O que significa que a dinâmica da cidade, a forma como ela é moldada está
condicionada à sua história e à cultura de seus moradores, de forma que cada cidade
possui em seu cotidiano e em sua estrutura um patrimônio cultural. Dentre os elementos
que formam esse patrimônio cultural estão as intervenções urbanas, na medida em que
elas podem ser entendidas como cultura tanto no sentido antropológico, entendida aqui
como a produção de um grupo, seu modo de vida, seus valores e crenças e suas
manifestações como no sentido estético, o qual estaria ligado a atividades como música,
teatro, dança, literatura e artes plásticas (PÉREZ 2009).
80
mais abastadas, mas também o que representa a cultura dos menos favorecidos”, por
Gontijo (2012, p. 6), segundo a qual “a arte é o que o inscreve esse indivíduo na vida
comum, na cidade, esteja ele outorgado ou não pelo Estado, sendo a partir dos próprios
modos de vida artísticos do graffiti e do hip hop que se demonstra ser o grafite cultura,
isto é, patrimônio cultural brasileiro” e pelo Governo do Brasil:
81
experiência e em um gerador de experiências, já que tira o indivíduo de seu cotidiano e
o coloca em contato com o inesperado.
De acordo com Nascimento, Maia e Dias (2013) os anseios do turista atual não
se resumem ao descanso ou diversão em um local diferente de sua moradia, ele busca
uma experiência nova, única. Nesse contexto é possível presumir o aumento do
interesse por culturas distintas, as quais oferecem “uma vivência do diferente fazendo
com que o turista faça parte, se emocione com a história daquele povo, interaja e
experimente sensações inesquecíveis” (SOARES 2009, apud NASCIMENTO et al.,
2013, p 146).
Após definir a experiência turística é possível perceber como as intervenções
urbanas enquanto elementos distintos e subversivos da paisagem urbana despertam a
atenção do turista e constituem parte de sua experiência no local visitado interferindo na
percepção do lugar. A arte urbana possibilita a ressignificação do lugar e a participação
do espectador como integrante da obra (SANTOS 2015).
Num contexto global em que as pessoas são bombardeadas com diversas
informações, mais do que podem reter, e o consequente desenvolvimento do que
Simmel (1973 apud GONÇALVES; ESTRELLA, 2007) chamou atitude blasé e um
processo de intervenções urbanísticas que, segundo Chou e Andrade (2012, p. 3), têm
conduzido à estandartização dos lugares, pois os planos e projetos diretores partem do
mesmo conjunto de informações e exemplos de planos já consolidados e de sucesso
atestado, as intervenções urbanas tem um papel relevante de despertar, promover a
reapropriação do lugar público pelos indivíduos e criar uma identidade legítima para o
local, distinguindo-o dos demais.
De acordo com Santos (2015, p. 158) os artistas “provocam processos de
experiência sensível do mundo através de atos performativos” e o espectador
voluntariamente ou não interage com essas performances.
A arte urbana, enquanto processo ainda pouco conhecido de maneira
aprofundada pelo público geral, pode fazer parte da vivencia turística de maneira
incidental, o turista cultural incidental, de acordo com Ashworth e Turnbridge (1990
apud PÉREZ, 2009, p.125), “é um turista cultural que não apresenta uma motivação
cultural primária em direcção aos recursos culturais do destino turístico”. As
intervenções urbanas podem ser descobertas, muitas vezes, dessa forma, mas isso não as
torna menos importantes na experiência turística já que são percebidas e tem impacto na
percepção do turista sobre o local.
82
4. METODOLOGIA
A pesquisa qualitativa, para Minayo (2001 apud GERHARDT; SILVEIRA,
2009, p. 32),
5. DISCUSSÃO
83
características de uma oferta ou de experiência turística dentro de um panorama de uma
sociedade globalizada”. Diante de um novo tipo de turista, o qual está em busca de
experiências, as intervenções urbanas se constituem como uma opção para satisfazer o
desejo desse turista.
Segundo Miranda (2015, p. 27),
84
É na componente transversal e transnacional dos conceitos ou práticas
turismo e arte urbana que reside a complexidade das suas deliniações
de comportamentos e de quantificação do impacto que têm na
sociedade atual. A aposta no revestimento da cidade de Lisboa em arte
urbana, e o cariz efémero deste tipo de arte, faz com que a ameaça de
emoções repetidas provocada pela repetição de narrativas, repetição
de observação do mesmo, seja atenuada ou anulada.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O artigo que, primeiro, faz uma exposição sobre o que é a arte urbana, como ela
surgiu e como ela se efetiva, seguida do debate sobre o conceito de turismo cultural, a
relevância do espaço da cidade para esse segmento e sobre a experiência turística busca,
a partir dessa revisão teórica, relacionar as intervenções urbanas e o turismo.
Com base na exposição sobre arte urbana e sobre cultura, pode-se concluir que
as intervenções urbanas fazem parte da cultura do local onde estão inseridas, sendo
assim, também é possível dizer que elas são parte dos atrativos turísticos de uma região
para o segmento turismo cultural.
85
A noção de experiência turística também foi relevante para entender as
intervenções urbanas como um atrativo. Sendo a experiência – fator almejado pelos
viajantes atualmente – o confronto com o incomum, a intervenção urbana tem muito a
oferecer em termos de experiência para o turista, já que elas têm caráter extraordinário e
surgem de maneira inesperada na paisagem urbana.
Os conceitos de cultura e experiência estão presentes de maneira irrefutável
tanto nas artes como no turismo, e para compreender de que forma a arte urbana pode se
relacionar com o turismo, foi necessário estabelecer uma ligação entre esses dois
conceitos, essa ponte foram os fatores cultura e experiência presentes na arte urbana que
também correspondem a uma demanda no mercado turístico.
Como resposta ao seu objetivo, a pesquisa possibilitou a compreensão de como a
arte urbana pode ser recebida pelo turista. Ela representa para ele, através de imagens, a
dinâmica da cidade, sua identidade e cultura produzindo, dessa forma, uma memória
daquele local.
Também se constatou com a pesquisa, como resposta aos seus objetivos
específicos a capacidade que as intervenções urbanas possuem de modificar tanto a
paisagem como a dinâmica das cidades captando a percepção dos indivíduos e,
relacionado e essa capacidade, o impacto que essas intervenções têm no turismo, visto
que já existem agências e circuitos especializados nesse segmento.
Devido a sua complexidade, o assunto não foi completamente esgotado. A
questão das intervenções urbanas no campo turístico ainda é um assunto pouco
explorado, a pesquisa pretende indicar modestamente existência de uma relação entre
esses dois fenômenos e uma das maneiras como ela pode ocorrer, assumindo a
possibilidade de existirem diversas outras formas como o turismo interage com a arte
urbana.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARRETTO, Margarita. Turismo e legado cultural: as possibilidades do
planejamento.Campinas, SP: Papirus, 2000.
BRAGA, Gustavo Henrique. Turismo fatura com roteiros de arte urbana. Disponível
em: http://www.turismo.gov.br/ultimas-noticias/5189-turismo-fatura-com-roteiros-de-
arte-urbana.html. Acesso em: 28 mai. 2016.
86
BRASIL, Ministério do Turismo. Segmentação do Turismo: Marcos Conceituais.
Brasília: Ministério do Turismo, 2006.
CHOU, José Walter Teles; ANDRADE, José Roberto de Lima. Intervenção urbana e
patrimônio cultural. Observatório de Turismo do Paraná. Curitiba, 2012.
GODOY, Arilda Schmidt. Pesquisa qualitativa: tipos fundamentais. Rev. adm. empres.,
São Paulo, v. 35, n. 3, p. 20-29, Jun 1995. Disponível em
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-
75901995000300004&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 20 de jul. 2016.
GOMES, Carina Sousa. A cidade, o turismo e a (re) invenção dos lugares: Ausências e
emergências nos imaginários turísticos urbanos. Oficina do CES, v. 366, p. 1-20, 2011.
GONTIJO, Mariana Fernandes. O direito das ruas: as culturas do graffiti e do hip hop
como constituintes do patrimônio cultural brasileiro. 2012.
87
LINHA DO TEMPO. Governo Federal. Disponível em <http://www.brasil.gov.br/>.
Acesso em 28 de jun. 2016.
Métodos de pesquisa / [organizado por] Tatiana Engel Gerhardt e Denise Tolfo Silveira;
coordenado pela Universidade Aberta do Brasil – UAB/UFRGS e pelo curso de
Graduação Tecnológica – Planejamento e Gestão para o desenvolvimento Rural da
SEAD/UFRGS. Porto Alegre: Editora da UFGRS, 2009.
MIRANDA, Rita Maria Santos de. Debaixo de uma parede cinza... existe um amor pela
nossa cidade.(Os Gémeos): cidade, turismo e arte urbana na área metropolitana de
Lisboa. Tese de Doutorado. Universidade de Lisboa, 2015.
PALLAMIN, Vera M. Arte urbana. São Paulo: Região Central (1945-1998): obras de
caráter temporário e permanente/Vera Maria Pallamin-São Paulo, Fapesp, 2000.
88
HISTÓRIA ORAL, MEMÓRIA E TURISMO CULTURAL: ESTUDO DE CASO
COMUNIDADE QUILOMBOLA LAGOA DAS EMAS.
ABSTRACT: The present work had as objective, based on the memory of residents of
the quilombola community Lagoa das Emas, to point out to their tourist potential in the
region where archeological tourism predominates. Field research consisted of site visits
and interviews with older residents in order to describe customs and the history of
community formation. It was observed that the possibilities of installing Cultural
Tourism in the community could help in the work of maintaining and preserving the
cultural assets in it.
INTRODUÇÃO
1
Bacharelando em Turismo pela Universidade Federal do Piauí (UFPI). E-mail:
claudioneto71@gmail.com
2
Bacharelanda em Arqueologia e Preservação Patrimonial pela Universidade Federal do Vale do São
Francisco-(UNIVASF). E-mail: nara.leticiesrn@gmail.com
3
Doutor em Antropologia. Professor na Universidade Federal do Piauí (UFPI) e pesquisador de Estudos
interdisciplinar em Turismo (EITUR) da mesma universidade. E-mail: luizantov@yahoo.com.br
89
118 localidades, distribuídas em uma extensa área, abrangendo seis municípios (São
Raimundo Nonato, Fartura, Bonfim, Várzea Branca, Dirceu Arcoverde e São
Lourenço). Segundo o laudo antropológico realizado em 2010, todo o território conta
com uma população rural de 1.498 famílias e de 5.128 habitantes, constituindo-se na
segunda maior comunidade quilombola do Brasil (CARRION, 2015).
Dentre essas comunidades está a denominada Lagoa das Emas que teria surgido,
no ano de 1953, com a chegada da Família de José Pereira Bons Olhos e Maria Pereira
Marques, vindos das fazendas próximas onde trabalhavam.
4
Localizado na região Nordeste do Brasil, o Parque Nacional Serra da Capivara é um parque
arqueológico, inscrito pela UNESCO na lista do Patrimônio Mundial. Fonte: http://www.fumdham.org.br/
90
ajudar neste processo de fortalecimento das práticas culturais locais ao se inscreverem
no mercado de bens e serviços turísticos como um atrativo histórico e cultural, afinal
91
Figura 2- Comunidade Lagoa das Emas.
Fonte:https://olharescruzadosdiversidade.wordpress.co
/lagoa-das-emas/
Em 53, meu pai, minha mãe, comigo e mais oito irmãos – sendo uma
de um mês e vinte dias –, saiu no meio da capoeira. E a sombra que
nós entramos debaixo era uns pau que, na seca, não tem nenhuma
folha. E nós, buscando água no Barreiro dos Porcos, no Recreio, nas
Lagoas. Nós buscava água na cabeça. Mas, de noite era só acender
um ‘foguinho’ e todo mundo ‘arrudiava’ com o pé esquentando no
fogo. Eu não tenho nem vergonha de dizer, nem pano pra embrulhar
não tinha. Minha mãe tinha umas garrinhas de jogar em cima da
menina mais pequena. A coberta era o fogo.
92
Figura 3 – Dona Maria.
Fonte: Cláudio Ferreira da Silva Neto, 2017
a vasilha de buscar água era uns potinho de barro [...] lata nesse tempo
não tinha. Balde não tinha. Era cabaça ou vasilha de barro que o povo
mesmo fazia. Depois que eu cresci, eu fiz foi muita. Não fazia muito
bem feita não, mas fazia. E a comadre Raimunda fazia era bonita do
93
jeito que ela queria. Ela fazia ferro de gomar roupa. Ela fazia uma
panela do mesmo jeito de uma panela de ferro, daquelas que tinha de
primeiro. Fazia xícara, fazia o bule. Mas, ninguém dava valor.
Ela fala também sobre a produção de cestaria, afirmando que “ cesto de cipó e
aió5 ainda hoje eu sei fazer. Só basta ter os cipó. Eu fazia de todo tamanho. Fazia
grande, fazia miudinho, fazia aquelas cestinha veia [...] todo ano eu fazia um cesto pra
eu panhar umbu6. As mulheres aí vão pro umbuzeiro leva é sacola. Eu levo é um
cestinho”.
5
Cestos sem alça utilizados para transporte de objetos ou alimentos.
6
Fruto típico da região nordestina.
94
O reisado é que o povo chega nas casa cantando. Tem uns que usa
(bandeira) mas os daqui nem usa. É só a sanfona ou o violão e o povo
tocando. E quando acabava, quando cantava o Reis, o dono tem que
fechar a porta e ficar lá dentro. Quando eles mandava abrir a porta que
entram e vão dançar. Aí quando tá com um pedaço, vão pra outra casa
[...] De primeiro, Reis era só em janeiro. Mas, agora fazem é todo dia
que quiserem (risos)” (Dona Maria).
A moradora entrevistada continua seu relato dizendo que antes costumava cantar
Reis e “Esmola”, prática comum na região que associava a figura do santo à ideia de
caridade e boa ação dos moradores para com os mais necessitados. “Ali é pedindo, vai
cantando nas casas e o povo vai dando um ‘dinheirinho’. Uns dá, outros não dá.
Enquanto tivesse casa ia andando”.
As práticas religiosas de origem africana, por sua vez, não são manifestamente
assumidas, com alguns de seus moradores evitando falar sobre os terreiros que existem
em todo o território. Apesar disso, pode se perceber o sincretismo religioso presente em
várias de suas manifestações culturais.
Todos esses aspectos da memória da comunidade Lagoa das Emas podem ser
levados em conta para implantação e desenvolvimento do Turismo Cultural nesta
porção do sertão piauiense, levando em conta o artesanato, a religião, a sua história de
formação, as lutas e o dia a dia dos moradores. Estes seriam atrativos culturais
importantes na região conhecida apenas pela importância dos vestígios arqueológicos
95
deixados pelos seus habitantes pré-históricos, pioneiros na ocupação do continente
americano.
Além disso, para que o turismo cultural funcione é necessário também criarem-
se redes de parcerias, envolvendo diversos “Profissionais como historiadores,
antropólogos, sociólogos, arqueólogos, museólogos, educadores, [que] juntamente com
os profissionais de turismo, podem realizar ações complementares em parcerias [...]”
(BRASIL, 2010, p. 57). Para a criação dessas redes junto à comunidade Lagoa das
Emas pode-se fazer uso das instituições universitárias e de pesquisa já existentes no
município, como a Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf),
Universidade Estadual do Piauí (UESPI), Instituto Federal do Piauí (IFPI). Na
promoção do turismo étnico na região, poderiam, dessa maneira, ser articuladas
diferentes áreas de conhecimento como a arqueologia, a antropologia, a história e a
geografia que, juntamente com profissionais da área do turismo, iriam construir um
olhar mais “holístico”. Tais ações incluem, além do inventário dos atrativos culturais, a
manutenção e a preservação dos bens culturais.
97
A participação da comunidade é de suma importância para o desenvolvimento da
atividade turística cultural, ou seja, os moradores devem participar ativamente da
atividade. “A experiência turística verdadeiramente cultural envolve a comunidade
como protagonista, compreende a dimensão da preservação e da interpretação de bens
culturais (patrimônio cultural), traduzindo seu sentido e valor para quem os visita”
(BRASIL, 201, p. 60). Sendo assim, o processo de turistificação da comunidade Lagoa
das Emas pressupõe a participação dos seus moradores que, a partir das memórias,
tradições culturais e saberes locais, constroem o sentido dos bens culturais a serem
apresentados como atrativos para os visitantes.
Para tanto, deverão ser criadas ações no campo da educação para o patrimônio
com vistas a fazer conhecer formas de se valorar as histórias, os conhecimentos e os
modos de vida da comunidade, fazendo-os se reconhecerem, inclusive, como sujeitos
portadores de direitos. Estas ações de educação patrimonial devem ser contínuas e visar
a provocação, no visitante, do sentido de valorização da cultural local, dadas as suas
especificidades. Neste trabalho de educação e interpretação patrimonial, deve-se
98
Sendo assim a memória, a identidade, os saberes e os fazeres da comunidade são
os seus maiores atrativos turísticos, fazendo uso, por exemplo, do artesanato existente
na comunidade, de suas tradições e dos próprios processos tradicionais de produção,
como as técnicas de agricultura de subsistência. Vale destacar que este seria “um
momento de excelentes oportunidades para a valorização e preservação do legado
cultural das comunidades tradicionais e de grupos sociais que conseguiram, por força da
sua própria história, manter vivas expressões da identidade e da memória coletiva”
(BRASIL, 2010, p. 62).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Percebe-se que a localização da comunidade Lagoa das Emas, situada em um
lugar de apelo turístico histórico, favorece a sua inscrição no mercado turístico local no
segmento histórico-cultural ou étnico. A memória da comunidade, expressa em relatos
como o da Dona Maria Marques, constitui elemento básico para o trabalho de inventário
das atratividades culturais e étnico-raciais da comunidade que constituirá parte do
segundo maior território quilombola do Brasil.
99
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CARRION, Dirce. Olhares Cruzados pela Diversidade. São Paulo: Reflexo Texto e
Foto, 2015.
100
CIDADES MINEIRAS, “CIDADES HISTÓRICAS”, CIDADES TURÍSTICAS:
PROCESSOS DE ATRIBUIÇÃO DE VALORES AOS CONJUNTOS
PATRIMONIALIZADOR (1923-1938)1
ABSTRACT: The aim of this article is to discusss research possibilities about process
of consecration of some Minas Gerais cities as cultural heritage and tourist attractions.
Starting with the creation of the Brazilian Tourism Society, in 1923 and, as an end, the
publication of an author's guide by Manuel Bandeira about the city of Ouro Preto in
1938, we intend to investigate some of the practices that transformed cities like Ouro
Preto, Mariana, Tiradentes, São João Del Rey, Diamantina, Serro and Congonhas do
Campo in tourist destinations.
1
As reflexões aqui apresentadas são fruto de um projeto de um estágio pós-doutoral que está sendo
realizado no Programa de Pós-graduação em História da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)
sob a supervisão da profa dra. Silvana Rubino entre agosto de 2016 e julho de 2017.
2
Professora do Departamento de História, do Programa de Pós-graduação em História da Unirio e do
mestrado profissional em Ensino de História. Email: Leila.aguiar@unirio.br.
101
INTRODUÇÃO
Viagens realizadas por mineiros ilustres como a realizada por Alceu Amoroso
Lima, Afonso de Melo Franco e seu neto, o então jovem estudante Rodrigo Melo
Franco de Andrade às antigas cidades mineiras, em 1916, foram fundamentais para a
defesa da preservação dos monumentos em via de destruição. Em artigo publicado na
Revista do Brasil, “pelo passado nacional”, Alceu Amoroso Lima utilizaria pela
primeira vez a expressão “cidades mortas” para referir-se a algumas das antigas
cidades mineiras, “território heroico das Minas Gerais”. Inconformado com o estado de
abandono e destruição de antigas igrejas e casarões, o influente intelectual católico
afirmava a necessidade de salvar a moldura do nosso passado (Lima, 1916:2). Um ano
antes, Ricardo Severo, proprietário de um dos maiores escritórios de arquitetura de São
Paulo patrocinou viagens empreendidas por pintores e desenhistas como Felisberto
Ranzini e José Wasth Rodrigues a antigas cidades de São Paulo, Minas, Pernambuco e
Bahia a fim de documentar por meio de desenhos, aquarelas e fotografias referências
da arquitetura colonial brasileira que pudessem ser usadas em trabalhos posteriores.
(KESSEL 2002). Já Mário de Andrade, esteve em Ouro Preto pela primeira vez em
1919, e retornou às antigas cidades mineiras, em 1924, em viagem acompanhada do
poeta francês Blaise Cendrars, além de Oswald de Andrade, Gofredo da Silva Telles,
René Thiolier, Tarsila do Amaral e Olívia Guedes Penteado em viagem que se tornaria
conhecida como “caravana paulista”, apontada como divisor de águas para o
modernismo brasileiro e para a trajetória da preservação do patrimônio cultural no
Brasil. (Andrade, 1976; Amaral, 1997).
O interesse de mineiros ilustres e instituições como a Inspetoria dos
Monumentos e o Sphan pela preservação e divulgação do patrimônio cultural das
antigas cidades mineiras ocorre em meio a um processo de consolidação do setor
turístico no Brasil, motivo pelo qual fixamos, como marco inicial da pesquisa, o ano
1923, durante o qual foi criada a Sociedade Brasileira de Turismo.
ORGANIZAÇÃO DO SETOR TURÍSTICO
A Sociedade Brasileira de Turismo, posteriormente touring club do Brasil, que já
atuava na Europa desde fins do século XIX incentivando inicialmente o ciclismo e,
posteriormente o automobilismo, impulsionou atividades como a elaboração de roteiros,
na realização de viagens automobilísticas, a instalação de guichês de informações
turísticas em portos e demais atividades de promoção do turismo que, após o ano 1923,
102
serão gradativamente desenvolvidas no Brasil. O Rio de Janeiro, então capital federal,
foi aos poucos tornando-se um espaço privilegiado para a instalação de hotéis, abertura
de agências de viagens e a produção de guias de turismo (GUIMARÃES, 2012;
PERROTA, 2015; CASTRO, 2005)
A criação da Sociedade Brasileira de Turismo- a qual três anos depois associou-
se a agências internacionais e passou a se chamar Touring Clube do Brasil- em 1923,
pode ser compreendida como uma das primeiras tentativas de organização do setor
turístico no Brasil. À semelhança do que já ocorria na Europa, desde então, passou a
organizar excursões automobilísticas a regiões pouco conhecidas pelo país. O interesse
nessas viagens pelos jornais cresce na medida em que o assunto turismo ou “tourismo”
torna-se frequente nos periódicos da época.
Em termos legais, o Decreto-Lei número 406 de 1938, que dispunha sobre a
entrada de estrangeiros em território nacional, restringia a venda de passagens aéreas e
marítimas às agências autorizadas pelo Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio,
foi a primeira menção legal sobre a atividade turística no Brasil. Tal permissão também
deveria ser obtida pelas operadoras turísticas e estava sujeita à comprovação de um
capital mínimo. Com a criação do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), em
1939, a atribuição de regulamentação de tais agências, antes ligada ao Ministério do
Trabalho, Indústria e Comércio passou para esse novo Departamento, mais
especificamente, para uma divisão criada em seu interior que passou a ser denominada
de Divisão de Turismo (FERRAZ, 1992, p.32).
Paralelamente ao desenvolvimento de legislação e da criação de órgãos
responsáveis pela atividade turística no Brasil, destacamos outro importante marco para
a compreensão da história das atividades turísticas no Brasil, a regulamentação das
férias dos trabalhadores urbanos. O Decreto nº 23.103, de 19 de agosto de 1933
estabeleceu a concessão de férias aos trabalhadores urbanos filiados a sindicatos
oficiais, segundo o modelo de sindicalismo corporativo implantado nesse momento. Tal
decreto foi acompanhado por medidas de incentivo à atividade turística por parte de
algumas associações empresariais que passaram a oferecer a seus funcionários e
familiares a possibilidade de estadas a baixo custo em colônias de férias criadas em
alguns balneários brasileiros, com diárias que poderiam ainda ser financiadas e
descontadas em seus salários em um grande número de parcelas.
103
IMAGENS PERIÓDICAS
104
acidentes de automóveis, notícias sobre encontros e congressos de turismo, destinos de
viagens e reflexões sobre ações capazes de maximizar essa atividade no Brasil. Já o
Jornal O Imparcial, publicado no Rio de Janeiro desde 1912 foi um dos pioneiros a
dispor de uma coluna semanal sobre turismo a partir de 28 de maio de 1935. Por meio
da análise dos artigos sobre as cidades mineiras patrimonializadas a partir de 1938,
buscamos a construção de um quadro maior capaz de dar conta das representações e
atribuições de valor a esses espaços objetivados, contribuindo para a análise mais ampla
do desenvolvimento do turismo nas cidades históricas mineiras.
Não se pode dizer de Ouro Preto que seja uma cidade morta. Morta é
São João del Rei. Ouro Preto é a cidade que não mudou, e nisso reside
o seu incomparável encanto. Passada a época ardente da mineração(em
que foi, de resto, um arraial de aventureiros, a sua idade mais bela
como fenômeno de vida), e a salvo do progresso demudador, pelas
condições ingratas da situação topográfica, Ouro Preto conservou-se
tal qual, em virtude mesmo da sua pobreza, aquela pobreza que já por
volta de 1809, segundo Mawe, fazia trocarem-lhe por escárnio em Vila
Pobre o nome de sua fundação em 1711, que era o de Vila Rica de
Albuquerque.(BANDEIRA, M., 1967, p.41)
106
O passado descrito é romantizado, uma vez que as histórias sobre a cidade são
recheadas de casos de amor e atos de heroísmo. Além disso, as grandiosas construções
preservadas são tomadas como exemplo das moradias dos séculos XVIII. Tal visão
permanece muitas décadas após a publicação desse guia, em parte, porque muitas das
casas mais simples desse mesmo período não foram objetos de preservação para os
institutos preservacionistas brasileiros, até meados da década de 70 do século XX, e o
conjunto urbano é formado especialmente por grandes residências.
3
Dentre os novos museus criados, durante os governos de Getúlio Vargas, podemos citar o Museu da
Inconfidência em Ouro Preto, em 1938; o Museu das Missões em Santo Ângelo em 1940; o Museu do
Ouro em Sabará em 1945 e o Museu do Diamante em Diamantina em 1954.
107
forma de promovê-los e dar ainda mais legitimidade à atuação do Serviço. Conforme
citamos anteriormente, um passo decisivo nesse sentido seria a encomenda feita por
Rodrigo Mello Franco de Andrade a Manuel Bandeira de um guia sobre a cidade de
Ouro Preto.
Márcia Chuva chama ressalta o papel das viagens nas instituições de
patrimônio como parte das rotinas de trabalho e “etapa organizadora e estruturante das
visões sobre o patrimônio” e para o processo de musealização de objetos encontrados,
que acompanhou frequentemente essa prática (CHUVA, 2016:31).
Após a criação do SPHAN, em 1938, sucessivas obras de restauração dos bens
imóveis dessa cidade foram executadas por esse Serviço que, além de conservar - ou em
alguns casos criar - a unidade estilística colonial de suas construções, buscava ainda
projetá-la nacionalmente. Além de salvar da destruição e restaurar grande parte do
casario urbano da cidade, o SPHAN procurou ainda criar condições para a divulgação
do patrimônio histórico e artístico de Ouro Preto, incentivando dessa forma, o
crescimento do turismo na cidade. Como parte dessas medidas, podemos citar a criação
do Museu da Inconfidência, em 1938 (BRASIL, 1938), que no ano de 1942, recebeu os
restos mortais dos inconfidentes após estes terem sido repatriados segundo a iniciativa
de Getulio Vargas (OFICINA, p.130).
Cabe destacar o envolvimento de “intelectuais do Serviço” na construção de um
hotel em Ouro Preto, capaz de incentivar o turismo na região. A discussão sobre a
construção de um hotel em na cidade, que se intensificou a partir de 1939 está
diretamente ligada à necessidade da cidade abrigar uma melhor infra-estrutura turística.
Nesse ano, identificamos a existência de apenas dois hotéis e três pensões na cidade que
juntos possuíam 82 quartos, conforme indicam o os dados da arrecadação municipal.
Segundo Lúcio Costa (MOTTA, 1987, p.110), a construção de um “hotel moderno”
tornaria ainda mais viva a “sensação de passado” vivenciada por seus visitantes. Esses
não deveriam também ser enganados com uma “imitação perfeita”, referindo-se aqui ao
projeto de hotel neocolonial de autoria de Carlos Leão, que deixou de ser realizado em
detrimento do projeto de Oscar Niemeyer (CARTA, 1939). O olhar do turista já era
uma preocupação crescente entre os gestores do patrimônio, atentos também em
oferecer acomodações aos novos visitantes que viriam à cidade em uma tentativa de
vivenciar o passado. Conforme podemos detectar em correspondências do SPHAN, o
envolvimento desse Serviço com este hotel não ficou restrito a sua construção. Uma
década após sua construção, o então administrador desse hotel pedia a Sylvio de
108
Vasconcellos, então Chefe do 3o. Distrito do SPHAN, uma "costumeira interferência
junto às autoridades competentes para obtermos o abastecimento de água, sem a qual
seremos forçados a fechar o hotel por não termos outro meio de atender aos serviços
principais"(TELEGRAMA, 1948)4.
Mesmo em um período no qual o mercado turístico brasileiro ainda carecia de
maior organização, as políticas de divulgação do patrimônio cultural brasileiro,
elaboradas e executadas pelo SPHAN, incluíam necessariamente o apoio ao
desenvolvimento do turismo nos espaços preservados como forma de promovê-los e
conferir legitimidade à atuação do Serviço. Bens culturais possuem uma economia
específica que escapa do economicismo, mas é possível afirmar que o capital
simbólico das antigas cidades mineiras foi se constituindo ao longo do período
estudado por meio de algumas das ações aqui identificadas. Tal processo ocorre
concomitantemente à organização do setor turístico no Brasil na década de 20 e ganha
corpo com os tombamentos, com as viagens dos intelectuais católicos, modernistas,
neocoloniais e mineiros ilustres noticiadas nos jornais e com as ações de hoteleiros e
agências de viagens que passam a incluir as antigas cidades mineiras como destinos
turísticos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
4
TELEGRAMA de Manuel Rias (administrador do Grande Hotel) a Sylvio de Vasconcelos. Nov,1948.
Arquivo da 13a. Subregional do IPHAN.
109
Rey, Diamantina, Serro e Congonhas do Campo serão consagradas como destinos
turísticos nacionais e internacionais.
Maccanell (1984) acredita que todos os turistas buscam uma autenticidade que
parece poder ser encontrada em diferentes épocas ou lugares, diferentes daquele em que
se vive. Se pensarmos nos sítios históricos como um desses lugares especiais de busca
de um passado mítico nacional, poderemos compreender parcialmente o interesse
despertado por estes, principalmente quando passam a ser legitimados como
‘patrimônios históricos e artístico nacionais”. Ocorre nestes lugares um processo de
sacralização, onde se apresentam “objetos únicos” que merecem ser visitados para a
aquisição de status, já que nas sociedades contemporâneas, cada vez mais, o ato de
viajar e conhecer determinadas localidades passou a significar um “capital simbólico5”.
A ampliação da esfera de atuação das práticas preservacionistas e a transformação
e o aumento do chamado turismo cultural definiram uma nova dimensão para a
construção da memória nacional nos sítios urbanos ou cidades históricas. O crescente
número de visitantes, inclusive estudantes em excursões de caráter educativo, atraídos
pela estética dos sítios urbanos e pelas incessantes propagandas, financiadas por todos
os agentes que lucram com o aumento do turismo, tornam relevante o estudo das
diferentes visões sobre a História nacional, que podem ser apreendidas dos objetos
materiais expostos e também através das formas, segundo as quais, tais objetos foram
ou são apresentados.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AGUIAR, Leila Bianchi. Projetos nacionais de preservação do patrimônio:
promoção, divulgação e turismo nos sítios urbanos patrimonializados durante a
gestão de Rodrigo Mello Franco de Andrade. In: MAGALHÃES, Aline Montenegro;
BEZERRA, Rafael Zamorano (Org.). 90 anos do Museu Histórico Nacional. Rio de
Janeiro: Museu Histórico Nacional, 2014. p. 187-194.
5
Definido por Pierre Bourdieu como “uma propriedade qualquer percebida pelos agentes sociais cujas
categorias de percepção são tais que eles podem entendê-las e reconhecê-las atribuindo-lhes valor” Cf.
BOURDIEU (1997, 107).
110
ANDRADE, Rodrigo Mello Franco de. Rodrigo e o SPHAN: coletânea de textos
sobre o patrimônio cultural. Rio de Janeiro, PróMemória, 1987.
BANDEIRA, Manuel. Guia de Ouro Preto. Rio de Janeiro: Letras e Artes, 1963.
FREYRE, Gilberto. 2º. Guia prático, histórico e sentimental de Olinda.4ª. Ed. Rio de
Janeiro: José Olympio, 1968.
MACCANELL, D. The tourism: a new theory of the leisure class. London, Allen &
Unwin, 1984.
111
PERROTA, Isabella. Promenades do Rio: a turistificação da cidade pelos guias de
viagem de 1873 a 1939. Rio de Janeiro: Hybris Design, 2015.
112
NOS VAGÕES DE NOSSAS LEMBRANÇAS: A ESTAÇÃO FERROVIÁRIA DE
SOBRAL E OS ENTRAVES PARA O DESENVOLVIMENTO DO TURISMO
CULTURAL NA CIDADE DE CAMOCIM, CEARÁ, BRASIL.
RESUMO: O presente artigo tem como objetivo reconhecer qual a relação que a
população da cidade de Camocim- Ceará mantém com seu patrimônio histórico e como
essa relação reflete no desenvolvimento do Turismo Cultural da região. Para tanto, foi
realizada pesquisa bibliográfica e de campo com a aplicação de 74 questionários e 4
entrevistas. Foi utilizado como objeto de estudo o prédio da antiga estação ferroviária de
Sobral, escolhido por representar importância histórica já que a ferrovia foi um fator
determinante de avanço econômico para a cidade de Camocim. Através da análise dos
dados coletados, foi possível apreender que boa parte da população da cidade, apesar de
apresentar a estação como um espaço importante para o desenvolvimento
socioeconômico da cidade, mantém uma relação distanciada com o espaço sem dar a
devida importância
1
Acadêmica do curso de Bacharelado em Turismo da Universidade Federal do Piauí. Email:
beatrizftn@gmai.com
2
Acadêmica do curso de Bacharelado em Turismo da Universidade Federal do Piauí. Email:
patricia.sousa789@gmail.com
3
Professora Auxiliar do curso de Bacharelado em Turismo da Universidade Federal do Piauí. Email:
amssphb@gmail.com
113
INTRODUÇÃO
114
Pollak (1989, p. 4) ao discorrer sobre a narrativa dos excluídos, dos
marginalizados e das minorias afirma que a “História Oral ressaltou a importância de
memórias subterrâneas, que como parte integrante das culturas minoritárias e
dominadas se opõe à memória oficial”.
Queiroz (1991, p. 21), ao tratar das relações do indivíduo com o coletivo na
História Oral, relata que a individualidade de uma pessoa é excedida por inúmeras
“influências que nelas se cruzam e às quais não pode, por nenhum meio escapar, de
ações que sobre elas se exercem e que lhe são inteiramente exteriores”. A autora ainda
enfatiza que a metodologia da História Oral capta o que sucede na encruzilhada da vida
individual com o social.
Foram realizadas entrevistas com moradores da cidade pelas quais foi possível
perceber a relação com a ferrovia, também foram aplicados questionários, onde 41,90%
dos entrevistados são pessoas que trabalham no prédio da antiga estação, e 58,10%
foram aplicados via internet, através da plataforma google forms.
O artigo apresenta a seguir, uma apresentação do histórico da Estação
Ferroviária de Sobral, a relação deste espaço com o Turismo Cultural e a concepção da
população da cidade de Camocim- Ceará acerca da Estação Ferroviária de Sobral.
115
artísticas e informação cultural, visando à visitação à monumentos históricos, obras de
arte, relíquias, antiguidades, concertos, musicais, museus, pinacotecas. ”
Para a presente investigação, utiliza-se como referencial a definição do
Ministério do Turismo que caracteriza o Turismo Cultural (2006, p.15) como “as
atividades turísticas relacionadas à vivência do conjunto de elementos significativos do
patrimônio histórico e cultural e dos eventos culturais, valorizando e promovendo os
bens materiais e imateriais da cultura. ”
Faz-se necessário para fins de compreensão da pesquisa, apresentar o conceito
de Cultura. Para Bennett (1995), o termo cultura pode ser usado para indicar um
produto ou processo. No primeiro caso, cultura significa o resultado das atividades
artísticas e culturais, enquanto produtos tangíveis ou não. Assim, a cultura consiste em
edifícios, músicas, danças, pinturas, festivais, entre outros. No segundo caso, a cultura
admite um caráter antropológico, fazendo referência ao modo de vida de uma
determinada população. Neste sentido, pode-se dizer que existem culturas diversas
dentro de um mesmo território.
Partindo dessa definição, torna-se interessante compreender o envolvimento e o
reconhecimento das comunidades com os lugares de memória que constituem os
espaços bem como a sua valorização. Uma das alternativas para a valorização do
patrimônio cultural é o seu reconhecimento por parte de comunidades e visitantes. O
reconhecimento de valores, importância e significados passa, necessariamente, por um
processo educativo, de caráter continuado e permanente. Assim, apresentar o processo
de constituição da cidade de Camocim e a influência da Estação Ferroviária no contexto
local é imprescindível.
A história da cidade de Camocim pode ser dividida em duas partes, antes e
depois da estrada de ferro. Quando se fala da estação ferroviária em Camocim se fala
também do início da cidade, pois o seu desenvolvimento se deu através da construção
do prédio onde funcionava a mesma. A sua construção foi resolvida de 1878 na época
em que Camocim ainda era distrito de Granja-Ceará, por ocasião da grande seca
conhecida como a “Seca dos 3 setes” que foi durante o período de 1877 a 1879.
Santos (2016), foi um dos sujeitos da pesquisa, professor e estudioso da temática
de Camocim, ele afirma que no Nordeste, meio milhão de pessoas morreram de fome e
os socorros enviados pelo governo imperial, devido à insuficiência de estradas com
infraestrutura para o carregamento de alimentos, não chegavam com regularidades aos
lugares mais carentes do interior da província. Por conta disso a economia do Ceará
116
estava completamente assolada e a população sofria a cada dia com a angustiada fome.
Diante da situação que o estado se encontrava, o Conselho de Estado sob a presidência
de João Lins Vieira, resolve pedir a sua Majestade, o imperador D. Pedro II, imediato
socorro relatando toda situação de fome e necessidade que o povo enfrentava.
Por estar situada no extremo norte do Ceará, com uma faixa costeira banhada
pelo oceano atlântico, Camocim era caminho natural e ponto de concentração das
embarcações da quadra de conquista e posse definitiva do território cearense. Vez por
outra, Camocim aportava embarcações de vários tipos e tamanhos com destinos já
traçados. Portanto, pela sua posição estratégica, e ser portal de entrada e saída de
mercadorias de toda região, foi decretada a construção de uma via férrea do porto de
Camocim à princesa do Norte que era a cidade de Sobral, pelo decreto n° 6.918, de 1°
de junho de 1878 com o objetivo de salvar o povo faminto e possibilitar trabalho a
milhares de pessoas.
Camocim poderia ter perdido para a região de Acaraú, entretanto como já
mencionado, Camocim tinha uma ótima localização e possibilitaria a ligação da região
norte com a litorânea, trazendo benefícios à produção de Sobral que estava florescendo,
principalmente na produção de algodão. Portanto o porto de Camocim seria o
escoamento, havendo assim uma troca comercial vasta.
Para a construção da estrada de ferro foi contratado pela extinta Companhia
Cearense de Via Férrea de Baturité, o Dr. José Privat, natural do Rio de Janeiro,
engenheiro reconhecido por construir estradas de ferro pelo Brasil, vendo que Camocim
era um vilarejo de pescadores, Engenheiro Privat além do desenho da estação, também
projetou todo o centro de Camocim, assim nascendo uma cidade a partir desse centro de
uma forma organizada.
A igreja matriz, também teve a planta e direção do Engenheiro José Privat. Por
último, fez o projeto da sua própria casa, um prédio que fica atrás da estação com
estrutura inglesa. Na época tinha uma visão para estação, para as oficinas onde eram
concertados os trens e uma rua para acesso. Hoje em dia o prédio é utilizado como sede
da ACCAL- Academia Camocinense de Artes e letras – é uma associação
privada de Camocim – CE, fundada em 06 de julho de 2001 onde seu objetivo principal
é realizar atividades de associações em defesa de direitos sociais.
Chegaram a Camocim, imigrantes vindos principalmente de Mombaça, de modo
que, no final do século XIX, a população da cidade chegava aos 5 mil habitantes. Nesta
época, a localidade foi elevada à categoria de Vila, por força da Lei Nº. 1849 de 29 de
117
setembro de 1879, sendo desmembrado do município de Granja. Nesse momento da
construção, Camocim sede do porto, tornava-se destino de muitos migrantes tangidos
pela seca em busca de sobrevivência garantida por melhores ares, da possibilidade de
trabalho também nos trapiches, nas salinas e na pesca.
Concluídas as obras da Estrada de Ferro (Camocim/Sobral) em 31 de dezembro
de 1882 com 128,9 Km. Camocim inicia uma nova fase de desenvolvimento
econômico, social e cultural. Na medida em que a estrada de ferro é inaugurada, o porto
de Camocim também começou a se desenvolver. Sem dúvida, o porto juntamente com a
ferrovia foi um fator determinante de avanço econômico para Camocim, já que havia
uma grande arrecadação de impostos. De acordo com a SUDEC (Superintendência do
Desenvolvimento do Estado do Ceará) o porto de Camocim chegou a ter mais
arrecadação de impostos do que o próprio porto de Fortaleza. Esse momento ocorreu
num período em que a junção porto/ferrovia e sua atividade atraíam colonos,
investimentos, e um relevante trânsito de pessoas e mercadorias.
Oliveira (1994) relata em seu livro A Estrada de Ferro de Sobral, que quando o
trem se aproximava da Estação Ferroviária, alguns populares correram daquele
"monstro" de ferro que soltava fumaça pelas narinas. Outros mais valentes enfrentaram
o bicho mecânico jogando paus e pedras que restaram da construção da estação. Com o
tempo todos se acostumaram com as velhas Marias Fumaças.
118
Bosi (1994, p.55) nos alerta para o fato de que “na maior parte das vezes,
lembrar não é reviver, mas, refazer, reconstruir com imagens e ideias de hoje as
experiências do passado”, dessa forma recordar as histórias, o que se foi vivido naquela
época também é reconstruir. As narrativas da Sra. Francisca Barbosa da Silva são
esclarecedoras quanto essa vivência da população naquela época.
Em frente à estação havia uma pracinha onde tinha uma linda fonte
luminosa com um tanque com peixes, e até marreca e uma radiadora.
À noitinha os jovens saiam de suas casas e iam para a praça, enquanto
as moças ficavam rodeando a praça, os rapazes ficavam sentados com
um cipó na mão. Nas radiadoras tocavam músicas, e Gerardo Brito o
locutor, recitava os poemas pedidos e dedicados a seus amores
(SILVA, 2016).
119
trem. O foguista jogava lenha para a população, os meninos corriam e
apanhavam, lascava-a no meio para cozinhar os seus alimentos
(BARBOSA,2016).
As memórias dos Camocineses são marcadas pela saudade, revolta e uma forma
própria e particular de sentir a desativação da estrada de ferro de Sobral.
120
viram neste conjunto de fatores uma forma de pouco a pouco ir desestabilizando o ramal
ferroviário Camocim-Sobral, o que aconteceria realmente em 1977. No entanto, os
trabalhadores reagiram e escreveram uma página de resistência de seus postos de
trabalho, como mostra a documentação da época.
121
do constante assoreamento do Rio Coreaú, dificultando o acesso das embarcações e sua
drenagem cada vez mais protelada.
A saída da estrada de ferro teve um sentindo fúnebre. Muitas famílias tiveram
seus parentes desempregados e outros foram transferidos pra região de Baturité,
Fortaleza ou Sobral. Tiveram sucessões de motivações para o fim da estrada de ferro,
como fraudes, corrupções e planejamentos.
Tive o prazer de conhecer o último maquinista, ele fez a última
viagem em 1977, Ele relatou que em cada estação que passava desde
Granja, Martinópoles, Uruoca e outras, as pessoas estavam com lenços
pretos na mão e chorando vendo o trem fazer a sua última viagem para
nunca mais voltar (JOSÉ, Paulo. 2017).
122
A CONCEPÇÃO DA POPULAÇÃO DA CIDADE DE CAMOCIM- CE ACERCA
DA ESTAÇÃO FERROVIÁRIA DE SOBRAL
123
setores públicos), e 19 desses (equivalente a 25,7%), declararam que nunca visitaram o
mesmo.
Colocando em pauta a opinião dos entrevistados sobre o que foi a estação
ferroviária no desenvolvimento socioeconômico da cidade de Camocim, obteve-se os
seguintes resultados: 34 deles (equivalente a 45,9%) declararam a estação totalmente
importante. Outros 25 (equivalente a 33,8%) disseram que a mesma seria somente
importante. Destes, 6 (equivalente a 8,1%) disseram ser importante por outros motivos
dos quais não estavam disponíveis nas alternativas. 5 (equivalente a 6,8%) revelaram
que a mesma não tinha importante. E em quantidade mínima, totalizando 4 dos
entrevistados (equivalente a 5,4%) confessaram que a estação era totalmente sem
importância para o desenvolvimento socioeconômico da cidade.
Logo, também foi respondida à questão que retratava sobre o entendimento dos
habitantes sobre a atual utilização do prédio. 26 dos entrevistados (equivalente a 35,1%)
deram como resposta, que o prédio está sendo usado de forma incorreta. Seguido por
outros 23 (equivalente a 31,1%) as quais afirmaram que o uso da mesma está totalmente
incorreto. Posteriormente, 14 (equivalente a 18,9%) mencionaram que a estação está
sendo usada de forma correta. Enquanto apenas 6 (equivalente a 8,1%) disseram que as
opções disponíveis não coincidiram com suas opiniões. E novamente em menor
quantidade, totalizando 5 dos entrevistados (equivalente a 6,8%) responderam que a
atual utilização se encontra totalmente correta, e a principal justificativa destes, seria
que por conta do prédio está sendo usado por setores públicos, ele estaria sendo bem
aproveitado.
Diante de todos os resultados mencionados acima, pode-se ter uma concepção
do não reconhecimento da população Camocinense acerca da história da Ferrovia
Camocim-Sobral. É importante citar a existência de projetos para transformar o prédio
da antiga estação Ferroviária em um Centro Artístico Camocinense, podendo ser um
museu, centro de artes, educação ou teatro. O historiador Paulo José, tem um projeto de
trazer de volta a Camocim à última máquina ferroviária, tornando assim o prédio em
museu da estação, colocando-a no pátio da mesma. Já foi conseguida a autorização para
trazer a máquina, porém pelo fato do prédio estar ocupado por órgãos públicos a
máquina conseguida se encontra em Fortaleza.
124
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por meio deste trabalho pode-se perceber que não há uma sensibilidade dos
moradores de Camocim com seus patrimônios históricos e culturais (enfatizando a
estação ferroviária). Porém, com os dados da pesquisa apresentada é possível visualizar
em boa parte, o interesse em reconquistar o espaço da estação para outros fins voltados
ao turismo, contribuindo assim para a valorização da história local.
Dessa forma seria proveitosa a utilização desse espaço como atrativo de
compreensão da história da cidade, buscando a visitação da população em geral. Os
visitantes teriam um entendimento da história e mesmo que não tivesse uma interação
direta, também teriam a curiosidade de conhecê-la.
Pode-se perceber que a amostra investigada desconhece aspectos que dizem
respeito a sua história. Deve-se ir à busca de incentivos para que possa desenvolver a
educação patrimonial, não somente em escolas, mas na comunidade em geral, pois
como consta na pesquisa nem mesmo as pessoas que trabalham no prédio da antiga
estação reconhecem o valor da mesma. A pesquisa também revela que o principal
motivo de visitação do prédio é resolver problemas pessoais nos órgãos que estão
inseridos na mesma.
Portanto, esse trabalho deve servir como um indicativo pela reconquista do
espaço da estação como centro cultural e preservação da história local do município.
Que a sensibilidade política possa ser aliada da artística e possa dar ao espaço,
permanentemente, um destino mais digno culturalmente possibilitando a sua utilização
como produto do Turismo Cultural.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BENNETT, Oliver. Cultural policy in the United Kingdom: collapsing rationales and
the end of a tradition. Cultural policy, Amsterdam, v. 1, nº 2, p. 199-216, 1995.
125
HORTA, Maria de Lurdes Perreira; GRUNBERG, Evelina; MONTEIRO, Adriane
Queiroz. Guia Básico de Educação Patrimonial. Brasília: Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional/Museu Imperial, 1999.
Jornal “O Democrata” Ano III, Nº. 915, 21 de novembro de 1949, Fortaleza-CE, p.1.)
Jornal “O Povo”, Fortaleza-CE. Apud OLIVEIRA, André Frota de. Op. cit., p.105-
6)
KANITZ, Heide Gracielle; RIBEIRO, Flora Maria Serejo. Puxando pela memória: a
Casa Grande Simplício Dias como ponto de compreensão entre as relações dos
habitantes da cidade de Paraíba/PI e seu patrimônio histórico. Turismo: Estudos &
Práticas (RTEP/UERN). Mossoró/RN, vol. 3 (Número Especial), p. 41- 55, 2014.
RIEGL, Aloïs. El culto moderno a los monumentos. Madrid: Gráficas Rogar, 1999.
FONTES ORAIS:
BARBOSA, Enedina. Entrevista concedida a Maria Beatriz Silva dos Santos e Patrícia
de Sousa Ferreira. Camocim-CE, 27 de Dezembro de 2016.
JOSÉ Paulo. Entrevista concedida a Maria Beatriz Silva dos Santos e Patrícia de Sousa
Ferreira. Camocim-CE, 9 de Janeiro de 2017.
SANTOS, Danilo. Entrevista concedida a Maria Beatriz Silva dos Santos e Patrícia de
Sousa Ferreira. Camocim-CE, 14 de Dezembro de 2016.
126
SILVA, Francisca. Entrevista concedida a Maria Beatriz Silva dos Santos e Patrícia de
Sousa Ferreira. Camocim-CE, 27 de Dezembro de 2016.
127
GRUPO DE TRABALHO 2 – COMUNICAÇÃO, MOBILIDADE E TURISMO
128
TURISMO NO CENTRO DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO: A PRAÇA DA
REPÚBLICA E AS VIAGENS DE VLT NO TEMPO DOS APLICATIVOS
PARA CELULARES
Vera Lúcia Bogéa Borges1
Paulo Cavalcante2
RESUMO: A partir de 2016, o Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) passou a funcionar
com a expectativa de garantir mais mobilidade e integração ao Centro da cidade do Rio
de Janeiro. A circulação nos trajetos de suas duas linhas permitiu que os usuários
pudessem (re)conhecer aquela parte da cidade que oferece tantos atrativos turísticos
com destaque para os de cunho histórico e cultural. No primeiro semestre de 2017, o
novo trecho do VLT deu maior visibilidade à Praça da República e seu entorno.
Considerada a maior área verde do Centro carioca, esse espaço urbano pode ser visitado
por turistas e residentes com o auxílio de aplicativos para celulares. Apresentamos
alguns exemplos neste artigo que debate possíveis interações entre história e turismo
para a compreensão das diferentes temporalidades inscritas na cidade do Rio de Janeiro.
ABSTRACT: After 2016, the Light Rail Vehicle (LRV) began operate with the goal to
improve the mobility and integration in downtown Rio. The circulation of two routes
allowed its users to (re) know that part of the city that offers so many tourist attractions
with emphasis on the historical and cultural aspects. Thus, in the first half of 2017, the
new stretch of the LVT gave greater visibility to the Praça da República and its
surroundings. Considered the largest green area of Rio downtown, this urban space can
be visited by tourists and residents with the assistance of mobile applications (apps) and
some examples are presented in this paper that discusses possible interactions with
tourism to understand the different temporalities in the city of Rio de Janeiro.
INTRODUÇÃO
1
UNIRIO, Historiadora e Professor Adjunto, Departamento de Turismo e Patrimônio.
vera.borges@unirio.br
2
UNIRIO, Historiador e Professor Associado, Departamento de História. paulocavalcante@unirio.br
129
O Centro carioca tem sofrido várias intervenções urbanísticas e percorrer seus
caminhos é como viajar pelos diferentes períodos históricos seja o colonial, com
destaque para o aspecto religioso, o imperial e o republicano. O primeiro núcleo da
cidade foi instituído no atual bairro da Urca e, dois anos depois, transferido para um
local estrategicamente mais protegido de possíveis investidas inimigas, isto é, o Morro
do Castelo, que posteriormente foi derrubado na década de 1920. (FRAIHA; LOBO.
1999. p.16-19).
A segunda linha do VLT atende ao trecho entre o Saara e a Praça Quinze e sua
extensão é de aproximadamente dois quilômetros tendo quatro estações e com a
expectativa de ser percorrida em pouco mais de dez minutos. Vale destacar que os
usuários têm uma hora para fazer a baldeação entre as duas linhas do sistema sem sofrer
nova cobrança de tarifa. A localização da nova linha é considerada estratégica, uma vez
que está nas proximidades da Central do Brasil, por onde circulam os trens, e podendo
assim se integrar com o VLT a partir do embarque em frente à praça da República.
Além disso, há outra possibilidade de integração na parada final localizada na Praça
Quinze, isto é, com a estação das barcas que atendem as localidades de Niterói (Praça
Arariboia), Charitas, Cocotá e Paquetá.
131
Os passageiros que embarcarem neste novo trecho do VLT podem realizar um
passeio por áreas históricas do Centro carioca como, por exemplo, a Rua da
Constituição, a praça Tiradentes e a confeitaria Colombo, esta nas proximidades da rua
Sete de Setembro. De acordo com os dados da Secretaria Municipal de Transportes
(SMTR, 2017) e da Concessionária do VLT Carioca (2017), desde suas inaugurações,
as duas linhas do VLT já transportaram mais de três milhões de pessoas. O momento de
maior movimentação ocorreu por ocasião dos Jogos Olímpicos, em agosto de 2016,
com aproximadamente trinta e seis mil pessoas transportadas por dia. Em dias normais,
as cifras oscilam entre vinte e vinte e cinco mil passageiros.
JANEIRO
3
A antiga residência do marechal Deodoro da Fonseca, proclamador da República, em 1889, sediou
acontecimentos da história política do país. Afinal, em suas dependências, o primeiro Ministério
Republicano foi montado para citarmos apenas um exemplo. Após a saída de seu morador ilustre e com
passar do tempo, a Casa Histórica de Deodoro teve diferentes ocupações e finalidades sempre ligadas de
alguma maneira ao Ministério do Exército. Em 1987, as instalações, os recursos humanos e materiais e o
Museu do Exército foram incorporados ao patrimônio do Museu Histórico do Exército e Forte de
Copacabana (MHEx/FC). Cf. Casa Histórica de Deodoro. Acesso em 11 de fevereiro de 2017.
4
Estação Ferroviária Leopoldina foi inaugurada em 1926 simbolizando o que havia de mais charmoso no
Brasil sendo inicialmente chamada de Barão de Mauá para homenagear Irineu Evangelista de Souza,
pioneiro da ferrovia no Brasil. Em 2010, a estação deixou de ser utilizada definitivamente para embarque
de passageiros e as pessoas passaram a embarcar na estação Dom Pedro II (Central). Cf. Diário do Rio de
Janeiro. Acesso em 11 de fevereiro de 2017.
133
oásis, o antigo Campo de Santana e atual Praça da República, junto à estação do Metrô,
nas proximidades da estação de trens, das ruas do comércio popular (Saara5) e das vias
de acesso às demais ruas do Centro.
5
SAARA. “Formada em 1962 pelas iniciais Sociedade de Amigos das Adjacências da Rua da
Alfândega,, a sigla identifica uma associação fundada pelos comerciantes do mais tradicional setor
comercial do centro do Rio. Seu objetivo principal era impedir que a construção de uma nova avenida, a
Diagonal, que ligaria a Lapa à Presidente Vargas, demolisse o que havia sobrado da região após a
abertura da Avenida Presidente Vargas na década de 1940, com a implantação do plano Agache (...)
Onze ruas – República do Líbano, Regente Feijó, Gonçalves Ledo, da Conceição, dos Andradas, um lado
da Praça da República e as avenidas Passos e Tomé de Souza – que ligam entre si as Ruas Buenos Aires,
a Senhor dos Passos e a Alfândega, formam o único local da cidade do Rio de Janeiro caracterizado
como um reduto étnico, onde reuniram-se, ao longo do último século, além dos portugueses, sírios,
libaneses e judeus, os imigrantes espanhóis, armênios, gregos, chineses e coreanos. “ (WORCMAN,
2000 p. 9-10)
134
2000). A região, como sabemos, foi palco de momentos importantes da história do país
como a celebração do fim da Guerra do Paraguai, a proclamação da República no Brasil
em 15 de novembro de 1889 e os desdobramentos dos protestos da Revolta da Vacina
ocorrida em 1904.
“Na memória dos filhos dos imigrantes que moravam por ali, o
Campo de Santana é o maravilhoso quintal de sua infância. Lá,
corriam e brincavam, pulavam carniça, jogavam futebol como lembra
José Kamache: “No tempo do verão, a gente ficava até meia-noite
andando de bicicleta no Campo de Santana, jogava bola naquelas ruas,
mergulhava nos lagos do Campo. Em São João, fazia-se fogueiras na
Rua da Alfândega, assava batata-doce.” (...) Muitos habitantes se
lembram também da Delegacia de Costumes e Diversão que ficava na
Praça da República e tinha um delegado famoso, o Padilha, que
perseguia quem namorava em público e prendia os “vadios”,
identificados pelo sapato carrapeta e a calça boca fina.”
(WORCMAN, 2000; p. 59/60).
135
É comum que os cariocas passem por estes locais sem se darem conta da pluralidade da
região, em parte por conta do cotidiano agitado vivenciado numa grande cidade ou,
ainda, com a preocupação de cruzar rapidamente o espaço associado à insegurança tão
comumente noticiado pela imprensa. Por sua vez, gradativamente, muitas vezes
acompanhados por guias de Turismo, os turistas passam a circular nesta parte da cidade
que pode ser potencializada pelo Turismo ao fazer parte do percurso da segunda linha
do VLT. Assim, a maneira como a Praça da República e seu entorno são reelaborados
por turistas, guias de Turismo, turismólogos, demais estudiosos do Turismo e, também,
os residentes da cidade do Rio de Janeiro deve ser compreendida com maior atenção.
PERSPECTIVA DO TURISMO
Em 2016, o Veiculo Leve sobre Trilhos (VLT) passou a circular pelo centro
carioca a partir do funcionamento da Linha 1 (azul) com catorze paradas 6. As estações
inicial e final estão localizadas no Aeroporto Santos Dumont – que recebe voos
domésticos com destaque para o embarque e desembarque de passageiros da Ponte
Aérea ligando Rio de Janeiro e São Paulo – e no terminal rodoviário Novo Rio que são
importantes locais de chegada e partida de visitantes à cidade. Neste percurso, três
outras estações têm intensa movimentação de pessoas que são a Parada dos Museus, em
alusão ao Museu do Rio (MAR) e o Museu do Amanhã, a Parada dos Navios, em
função dos navios que atracam na costa carioca e a Parada Utopia-Aquário onde fica o
AquaRio, os atrativos turísticos deste pequeno trecho fazem com que os turistas e
residentes que utilizam o VLT se concentrem ali e fiquem sem conhecer a pluralidade
da cidade que parece ainda desconhecida até chegar à Rodoviária. È importante destacar
que entre a Parada dos Navios e a Rodoviária há um percurso diferente na volta e,
portanto, outras quatro estações estão no mapa do VLT que são Equador, Pereira Reis,
Providência e Harmonia sendo que estas duas últimas demoram muito para estar
disponíveis aos usuários. Esta pequena modificação no itinerário gera confusão ao
passageiro que tem a expectativa de que a direção entre as estações inicial e final seja
seguida sem alterações nos dois sentidos.
6
As catorze estações são: Santos Dumont, Antônio Carlos, Cinelândia, Carioca, Sete de Setembro,
Candelária, São Bento, Parada dos Museus, Parada dos Navios, Utopia-Aquário, Cidade do Samba, Santo
Cristo, Cordeiro da Graça e Rodoviária.
136
Por sua vez, em 2017, a linha 2 (verde) foi inaugurada e o trecho em
funcionamento é bem menor´, contando com apenas quatro estações abertas, ou seja,
Praça Quinze, Colombo, Praça Tiradentes e Saara. De acordo com o projeto original do
VLT, outras quatro estações estão previstas que são Central, Vila Olímpica, Gamboa e
Santo Cristo. Nesta última, há a previsão de ligação com a linha 1 (azul). Além disso, há
uma expectativa de expansão futura de articulação entre as duas linhas, localizada na
linha azul, entre as estações Candelária e São Bento, em direção à linha verde, sendo
que neste trecho devem existir três paradas que ainda não foram divulgadas ao público.
7
www.soniarabello.com.br Acesso em 12 de fevereiro de 2017.
137
descoberta arqueológica, como acontecera na área portuária, no Cais do Valongo, objeto
de proposta para seu reconhecimento como patrimônio mundial. De acordo com o artigo
216 da Constituição brasileira de 1988, um bem arqueológico ou é preservado para
pesquisa ou é tombado, mas, neste caso, nenhuma das duas alternativas foi posta em
prática. Rapidamente, as autoridades conseguiram um nada consta do Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) para continuar a obra, apresentou--
se como solução a preservação de um pequeno trecho da rua com poucos metros de
extensão, uma “janela” enganosa e malfeita para o passado. A iniciativa popular de
preservar o bem por meio de um abaixo assinado foi solenemente ignorada e perdeu a
finalidade conforme os tratores da obra do VLT avançavam e suprimiam importante
descoberta sobre o cotidiano histórico da cidade.
138
ser completo, o VLT deveria levitar... de todo modo, alguns entusiastas chegam a
identificá-lo como o bonde turbinado com tecnologia.
8
Lei Municipal nº6065/2016 que prevê multa para quem deixar de pagar a passagem e os valores são de
R$ 170,00 a R$ 255,00 em caso de reincidência (multa mais 50%).
139
Patrimônio Afro-Brasileiro e Lugares de Memória. A partir de uma dessas escolhas,
turistas, guias de turismo, residentes e demais interessados encontram disponíveis fotos,
textos explicativos, curiosidades sobre os personagens históricos, as instituições
mencionadas e os mapas de localização. Assim, os usuários do VLT podem ter durante
a viagem uma visão panorâmica da região da Praça da República e ver despertado o
interesse em conhecer um pouco mais determinados atrativos turísticos ali e em suas
redondezas. Após desembarcarem, eles podem realizar, por intermédio do roteiro
selecionado, um percurso que atenda aos seus interesses a partir de uma das seis opções
disponíveis. (JANELAS ABERTAS PARA A REPÚBLICA, 2017)
Cada vez mais a experiência turística entra em sintonia com a mudança dos
tempos e a aceleração do ritmo das transformações. Assim, os turistas têm autonomia
para buscar passagens, hospedagem, programas e, assim, multiplicam as oportunidades
de vivenciar experiências próprias durante a viagem. Ao circular pelo Rio de Janeiro,
tanto os turistas quanto os residentes têm ao alcance de suas mãos as facilidades
proporcionadas por estes pequenos e portáteis computadores que são seus telefones
celulares. Comumente, as pessoas recorrem à Internet para tirar dúvidas ou buscar
informações. Com efeito, um dos desafios iniciais na implantação e gerenciamento
desses aplicativos é sua adequada e contínua divulgação de modo a ampliar o número de
usuários e cumprir seus objetivos. Outra questão relevante é o funcionamento da rede
wi-fi nos locais públicos dos roteiros de forma rápida e confiável. Além disso, a
sensação de insegurança na região da Praça da República e em diversos logradouros da
140
cidade podem afugentar os usuários dos aplicativos pelo simples fato de temerem
circular com seus celulares à vista de todos.
141
CONSIDERAÇÕES FINAIS
esqueceu. Para quem não conhece o assunto voltou. ” é o que afirma a museóloga
documentos que contam a evolução urbana da antiga capital do país. Esta exposição
intitulada O Rio em movimento: cidade natural, cidade construção foi idealizada por
mapas, plantas, filmes, gravuras e litogravuras ajudam a contar um pouco desta longa
história da cidade que se configura entre as montanhas e o mar, tendo sua paisagem
142
especialistas no tema, residentes e demais interessados. A pesquisa acadêmica feita por
professores a partir da orientação de seus alunos pode estabelecer canais de diálogo com
os guias de turismo. Estes profissionais atuam diretamente com os turistas e têm noção
concreta de suas expectativas em relação a este tipo de visitação, podendo contribuir
para que elementos da história e da cultura da cidade possam ser reelaborados pela
perspectiva do turismo. Além disso, os residentes mais idosos, em torno dos 70 anos,
testemunhas vivas das experiências, interações e contradições daquela antiga cidade e
seus bondes podem contribuir para a formação de uma história oral. Portanto, elos para
diálogos entre diferentes gerações podem ser estabelecidos, por exemplo, entre jovens
estudantes universitários e/ou turistas e os moradores de longa data da cidade. A riqueza
destes diálogos pode ser registrada de diferentes maneiras e disponibilizada em futuros
aplicativos.
143
necessária implantação de mais ciclovias e bicicletários espalhados pelo Centro carioca.
Talvez, essa seja a novidade menos velha e mais revolucionária na vida da urbe carioca.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Agência Brasil. <http://www.agenciabrasil.ebc.com.br> Acesso em: 16 fev. 2017.
AquaRio. <http://www.aquariomarinhodorio.com.br> Acesso em: 11 fev. 2017.
BRASIL, G. (2015) História das Ruas do Rio e da sua liderança na história política do
Brasil. Rio de Janeiro: Bem-Te-Vi. (Fixação do texto, introdução, legendas e notas
Alexei Bueno).
FRAIHA, S.; LOBO, T. (Coord.). (1999) Bairros do Rio. Centro. Rio de Janeiro: Fraiha.
(Coleção Editorial).
Guia Michelin: Rio de Janeiro: cidade e estado. (1990) Rio de Janeiro: Arturial
Editora/Graphos.
LIMA, E. F. W.. (1990) Avenida Presidente Vargas: Uma Drástica Cirurgia. Rio de
Janeiro: AMC/DGDI - Coleção Biblioteca Carioca.
144
Secretaria Municipal de Transportes (SMTR). <http://www.rio.rj.gov.br> Acesso em: 4 fev.
2017.
145
CRISTO REDENTOR – UMA ANÁLISE DOS SERVIÇOS DE TRANSPORTE:
TREM DO CORCOVADO X PAINEIRAS – CORCOVADO
Bianca Assumpção da Silva1
Thamires Monteiro Salles2
ABSTRACT: The monument of Christ of the Redeemer is the main tourist attract of
the Rio de Janeiro city. For this condition, attracts tourists of all corners of the country
and the world. To access, are two transport services offered to tourists: Train of
Corcovado and Paineiras – Corcovado. Was portrayed the importance of transportation
to existence of tourism and, after that, presented a comparative analysis of these,
hypothesizing that they are not only a transport, but part of a tourist atraction too.
Through questionnaires, was possible establish the tourist profile and the reason of the
choice of service, besides the strengths and weak points of each of the companies.
INTRODUÇÃO
1
Bacharel em Turismo – Faculdades São José (FSJ)
2
Bacharel em Turismo – Faculdades São José (FSJ)
3
Bacharel em Turismo – Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRuralRJ); pós-graduada MBA
em Gestão Hoteleira (UFRuralRJ); mestre em Ciências Socias – CPDA (UFRuralRJ); docente do curso
de Turismo - Faculdades São José (FSJ)
146
completado, até a presente data, 85 anos. O monumento confeccionado em pedra-sabão
se encontra no alto do Morro do Corcovado, a 704 metros de altitude, possui 38 metros
de altura, 28 metros de uma extremidade à outra e aproximadamente 1.145 toneladas.
147
Cerceando o Cristo Redentor e os serviços a ele ligados, as autoras deste
trabalho examinaram os serviços prestados pelas empresas ESFECO e Paineiras-
Corcovado, analisando ambos de forma atrativa e não exclusivamente como serviço de
deslocamento. Considerando que a estrada de ferro do Corcovado já existia desde 1884,
e passou a ser eletrificada em 1910, o Trem do Corcovado além de um atrativo natural -
devido a sua passagem adentro à Floresta da Tijuca – pode ser considerado um atrativo
histórico, correspondente a este fato descrito. A Paineiras–Corcovado oferece o serviço
de vans, e as mesmas passam pela estrada de acesso criada por Dom Pedro I em 1824,
que se alastrava de carruagem até o topo para contemplar a paisagem, antes mesmo de
haver o monumento.
Diante dessas ocorrências, este trabalho visa abordar mais especificamente estes
serviços de forma aprazível, considerando-os também como atrativos turísticos, sendo o
Cristo Redentor o objeto final de ambos. Assim, como objetivo geral, buscamos analisar
os serviços prestados ao Monumento do Cristo Redentor através das empresas Trem do
Corcovado e Paineiras–Corcovado. E, como objetivos específicos, traçar o histórico de
ambas empresas; verificar o que leva o turista a escolher uma em detrimento da outra e
o perfil do turista que as escolhem.
148
1.0 CRISTO REDENTOR: SÍMBOLO DO RIO?
149
Ao observar o comportamento dos visitantes que lá frequentam, é possível
assimilar a atividade turística ocorrida no atrativo com o turismo cultural e de lazer,
dando a entender que o sentimento religioso não traça com tanta clareza o
comportamento dos visitantes. Assim sendo possível afirmar que mesmo sendo
característico do Cristo Redentor a prática do turismo religioso, sua existência não está
exclusivamente vinculada à essa tipologia de turismo. Pois até mesmo os que não
dispõem de vínculos religiosos são capazes de admirar o grande símbolo do
cristianismo lá, em meio pessoas de diferentes realidades culturais, onde o interesse
comum é sobretudo apreciar do alto a cidade do Rio de Janeiro e experimentar a
emoção que isso proporciona (JORNAL CRUZEIRO DO SUL, 2014).
150
monumento do Cristo Redentor, inaugurado em 12 de outubro de 1931. Segundo Pina
(2015), relações públicas do Trem do Corcovado, todas as peças para a montagem do
monumento foram transportadas na ferrovia, por quatro anos, a partir de 1927.
Com o projeto Trem é Turismo, uma parceria entre a Associação Brasileira das
Operadoras de Trens Turísticos e Culturais (ABOTTC) e o SEBRAE, a iniciativa tem
como finalidade fortalecer destinos turísticos sobre trilhos, além de apoiar os
empreendimentos localizados no entorno das estações, guias de turismo, hotéis,
pousadas, etc.
151
tão pouco para menores de 21 anos, e que crianças que possuem até 5 anos de idade não
pagam desde que façam o passeio no colo do responsável.
2.2 Paineiras-Corcovado
152
Além de toda história e serviços, o centro de visitantes disponibiliza uma
exposição interativa com o tema “Floresta Protetora”, que busca sensibilizar as pessoas
acerca dos parques nacionais do Brasil e o papel deles para a humanidade. É uma
experiência que contribui para a educação ambiental e informação sobre o turismo
sustentável. Neste lugar, ainda é possível tomar conhecimento acerca de alguns marcos
históricos do Rio de Janeiro e conhecer toda a fauna e flora da cidade. De acordo com
Ernesto Viveiros, chefe do Parque Nacional da Tijuca,
153
Segundo informações obtidas em campo, a demanda de Copacabana e Largo do
Machado é bem maior em comparação à Barra da Tijuca até porque, esses pontos são os
principais da cidade e da empresa, tendo aproximadamente 500 a 600 bilhetes vendidos
num dia de alta temporada, por exemplo.
Para quem decide subir de carro ou taxi até as Paineiras, o valor para o acesso ao
Cristo Redentor é de R$27,00, na baixa temporada (de segunda a sexta) e R$40,00 na
alta temporada (sábado, domingo e feriados) e o valor para crianças de 05 a 11 anos é de
R$ 14,00. Brasileiros ou estrangeiros residentes a partir de 60 anos é R$ 7,00.
Todavia, cabe dizer que o transporte pode ser definido também como produto
turístico. Segundo Palhares (2002), a própria atividade de transportes é uma experiência
de turismo, como no caso da Rail Europe que realiza um magnífico passeio pela Europa
feito de trem, e a Euroestar que promove a travessia ferroviária submarina mais famosa
do mundo, que interliga a Inglaterra à França (FRAGA, 2013) e até mesmo os navios
cruzeiros.
154
parte do atrativo turístico, pelo fato ter seu trajeto na Floresta da Tijuca - um setor da
Unidade de Conservação Parque Nacional da Tijuca.
Segundo pesquisa realizada por Fraga (2004) 89% dos entrevistados consideram
a experiência do uso do trem a própria experiência turística, sendo os três principais
conjuntos de motivos relacionados a isso:
155
(1) a cultura e história, associadas ao fato da Estrada de Ferro do
Corcovado ser centenária, já que foi inaugurada em 1884; (2) a
ecologia, provavelmente por conta do percurso ferroviário contido
dentro de uma área de Mata Atlântica, sendo possível vislumbrar a
biodiversidade local; (3) cênico, em função de o trem apresentar
janelas largas, propícias para se avistar a paisagem em seu trajeto
(FRAGA 2004, p.?).
156
Figura 1 - Gênero dos entrevistados Figura 2 – Estado civil dos entrevistados Figura 3 - Faixa
etária
Fonte: Pesquisa própria (2016) Fonte: Pesquisa própria (2016) Fonte: Pesquisa própria
(2016)
Filhos Nacionalidade
00
30,7%
42,3% Sim Brasileiros
57,7% Não Estrangeiros
69,3%
157
Quando questionados se o preço pago pelos ingressos era justo, 61,5%
responderam que sim, enquanto 38,5% que não. Os que responderam não, disseram que
pelo preço cobrado, o serviço deveria ser melhor em questão de conforto e segurança.
Sobre os pontos positivos, 46,2% relataram que seria o caminho que o trem faz,
26,9% a hospitalidade dos funcionários e também 26,9% a facilidade de compra. O
caminho, por oferecer o contato com a floresta e vistas privilegiadas da cidade; a
hospitalidade, porque os funcionários são atenciosos e dão informações não só do
passeio ali oferecido, mas também de outros atrativos da cidade; e a facilidade, por
poderem comprar pela internet e escolherem os horários que se adequariam mais ao seu
tempo disponível.
Figura 6 - Gênero dos entrevistados Figura 7 – Estado civil dos entrevistados Figura 8 - Faixa
etária
26 a 35 anos
Gênero Estado civil Faixa etária
00 45,8% 0 8,7% 0 26,1% 36 a 45 anos
45,8% Casado
46 a 55 anos
Feminino
50% Divorciado 56 a 65 anos
Masculino
Mais de 65
54,2% 4,2% Solteiro 26,1% anos
21,7%
158
Figura 9 - Entrevistados com filhos Figura 10 – Nacionalidade dos entrevistados
Filhos Nacionalidade
00 0 0 12,5%
87,5%
159
respondeu negativamente apenas se justificou que o valor era alto, mas não disse que
não cobria as expectativas através do valor.
Após a análise dos resultados, é possível notar que os dois serviços oferecidos
apresentam um perfil de turista parecido, sendo predominante o de sexo masculino,
casado, com idade entre 26 e 35 anos, com filho(s) e estrangeiros.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
161
Apesar destes fatos, a divulgação mais forte de lá é feito através dos hoteis em
Copacabana que sugerem que o turista vá até Paineiras com a van oficial. Porém, há
casos em que o visitante questiona se quando chega ao Centro de visitantes o próximo
passo é pegar o Trem do Corcovado, atividade esta que não pode ser realizada.
Lembrando que também há casos consideráveis de que o visitante chega ao centro e
acha que o monumento se posiciona ali, mas na verdade tem que pegar mais uma van
para chegar ao topo.
REFERÊNCIAS
ABIH - Associação Brasileira de indústria de Hotéis no Rio de Janeiro: Aspectos
geográficos. Disponível em:
<http://www.riodejaneirohotel.com.br/site/br/ler/287/O_Rio_de_Janeiro/aspectos-
geograficos/> Acesso em: 7 de novembro de 2016.
G1: Água da Baía de Guanabara vira Polêmica em rede social nos EUA. Disponível
em: <http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/olimpiadas/rio2016/noticia/2016/01/agua-da-
baia-de-guanabara-vira-polemica-em-rede-social-nos-eua.html> Acesso em: 7 de
novembro de 2016.
162
JBRJ - Jardim Botânico do Rio de Janeiro: Conveniências. Disponível em:
<http://jbrj.gov.br/visitacao/conveniencias> Acesso em: 8 de novembro de 2016.
163
TURISMO E ALBERGUES NAS FAVELAS CARIOCAS: NOVAS
POSSIBILIDADES URBANAS
Sergio Moraes Rego Fagerlande1
ABSTRACT: Slum tourism has been growing as an activity in Rio de Janeiro. This
work offers preliminary results from research done to map hostels in the favelas of Rio's
south side (Zona Sul), such as Cantagalo-Pavão-Pavãozinho, Babilônia-Chapéu
Mangueira, Vidigal, Santa Marta, and Rocinha. These are communities where tourism
has been growing significantly and, along with the guided visitations, one of the more
prominent aspects of this has been the big number of hostels found. Based on the study
of the presence of such enterprises, their location and way how such activities have
started to relate to the local communities, the research seeks to understand how tourism
in slums brings new possibilities for the populations of those places, as they are usually
excluded from the urban and social process, and the changes occurred in the relations
with neighbouring areas.
INTRODUÇÃO
A cidade do Rio de Janeiro tem em sua história o turismo como uma de suas
atividades mais importantes, com reflexos significativos em sua forma urbana, em
especial na Zona Sul, onde a presença de fortes elementos de atração, como o mar e as
montanhas sempre cativaram os visitantes, e onde sempre se localizou o maior número
de locais de hospedagem, devido a esse interesse de quem visita a cidade. Bairros como
Copacabana e Ipanema trazem aos turistas não somente a imagem da cidade
1
Prof, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro / Pesquisador
LAURBAM PROURB FAU UFRJ; sfagerlande@gmail.com .
164
maravilhosa criada no imaginário mundial, mas a possibilidade da oferta de grande
número de hotéis, e mais recentemente, albergues e mesmo apartamentos de temporada
ou ofertas através de sites de hospedagem.
A partir dos anos 1990, após a realização no Rio de Janeiro de um grande evento
mundial patrocinado pela ONU, a ECO 92 (Rio Conference on Environment and
Sustainable Development), surgiu nova movimentação em áreas até então pouco
relacionadas ao turismo: as favelas. Freire-Medeiros (2009, p. 50) conta que o interesse
de um grupo de participantes dessa conferência em visitar essas áreas até então
invisíveis da cidade fez crescer o turismo em favelas na cidade, com a visitação da
favela da Rocinha. A partir desse inicio as atividades turísticas em favelas vem
encontrando novas possibilidades em diversas cidades ao redor do mundo, como falam
Frenzel, Koens e Steinbrink (2012).
2
As Unidades de Polícia Pacificadora – UPP, foram criadas em 2008, sendo a primeira instalada no
Morro Dona Marta, na Favela Santa Marta (RODRIGUES, 2014, p. 22)
165
cidade, mesmo com diferenças importantes. Outros autores, como Freire-Medeiros
(2009) e Frenzel, Koens e Steinbrink (2012) estudam o processo do turismo em favelas,
tanto no Rio de Janeiro como em outras cidades do mundo. A participação da
comunidade se mostra em estudos de Rodrigues (2014), no livro de Silva, Pinto e
Loureiro (2012) que trata do Museu de Favelas (MUF) e o processo de turismo de base
comunitária (TBC), tema de livro de Bartholo, Sansolo e Burzstyn (2009).
METODOLOGIA
Uma questão importante na pesquisa é entender que esses albergues nem sempre
se mantém ativos durante muito tempo, e sempre surgem novos estabelecimentos que
podem passar a constar de novas listas posteriores. A informalidade dos
empreendimentos é um fator a ser considerado nesse processo de estudos. Com relação
às datas de inicio de funcionamento de albergues, a pesquisa tem informações também
ainda imprecisas, sendo considerados dados obtidos tanto nas visitas às favelas como
nos sites mencionados acima. Mesmo assim pode ser considerado um dado importante
para se entender as dinâmicas urbanas com relação à abertura de diversos albergues em
áreas de borda, aspecto relevante para o estudo das transformações urbanísticas que o
turismo em favelas tem estimulado nessas áreas de fronteira, entre a favela e a chamada
cidade formal.
166
AS FAVELAS ESTUDADAS
A escolha inicial dessas favelas foi devido à presença dos citados investimentos
públicos relacionados aos eventos esportivos da cidade e à presença da UPP, mas no
desenvolvimento da pesquisa foi se verificando que os albergues estavam cada vez mais
se estabelecendo em comunidades junto aos bairros de maior apelo turístico, junto à orla
carioca, e onde já havia maior número de locais de hospedagem, não sendo a presença
de UPP a maior motivação para o desenvolvimento de atividades de turismo. Apesar do
grande número de favelas na cidade, a concentração de albergues nas favelas da Zona
Sul aparentemente reflete o mesmo processo que o turismo vivencia na cidade, com
uma concentração de hotéis nessa região.
167
Figura 1: Localização das favelas estudadas na Zona Sul do Rio de Janeiro
Fonte: Desenho do autor sobre Google Maps, 2017.
Dessa maneira, seja pela proximidade com os atuais centros turísticos da cidade,
seja pela paisagem natural que essas favelas exibem, o estudo buscou localizar onde
estão esses albergues nas favelas e em suas bordas próximas, em um mapeamento
inicial, que buscou estabelecer o número de empreendimentos, o local de cada um deles,
sua relação com a favela e o entorno, o número de hóspedes e se possível verificar a
relação do empreendedor com a comunidade, buscando verificar se os empreendedores
são locais ou não, visando entender como esse processo que vem se desenvolvendo está
trazendo ganhos para seus moradores ou é parte do que Pearlman (2016, p.77) chama de
“expulsão branca”.
SANTA MARTA
168
nome endereço Nº hóspedes Data
abertura3
1 Hostel Favela Scene Casa dos Rua da Paciência, 4 10 28/02/2014
Relogios
2 Hostel Bosque Santa Marta Rua da Light n° 57 (Estação 2 do Plano (*) (*)
Inclinado)
3 Favela Top Tour Rua do Coco Verde, 4, 13 25/05/2016
Tabela 1: Lista de albergues na Favela Santa Marta. (*) Dados ainda não obtidos
Fonte: Realizado pelo autor, 2017.
3
A data de abertura dos albergues é uma informação fornecida por funcionário ou proprietário do
albergue ou se refere à data em que passou a ser encontrado em sites de viagem. Isso se refere a todas as
tabelas apresentadas.
169
O grande número de albergues mostra a possibilidade dessa atividade se
relacionar tanto com a favela como com os bairros vizinhos. O levantamento mostra que
nove albergues levantados se encontram em meio à favela, e doze em suas bordas, nesse
caso na principal rua de acesso, a Rua Saint Roman. Esse fato ao mesmo tempo em que
traz a possibilidade de se ter hospedagem não somente dentro da favela, mas próximo a
ela, mostra um exemplo do que pode ser considerado em termos urbanísticos como uma
“contaminação positiva”, em que ao contrário do que ocorreu anteriormente, quando
essa rua passava por um processo de desvalorização imobiliário, a ocupação com
albergues e pequenos hotéis e pousadas traz um novo momento em que o turismo se
relaciona com a melhoria do espaço urbano da favela e de seu entorno, no caso os
bairros de Copacabana e Ipanema.
170
Figura 5: Mapa do conjunto de favelas Cantagalo Pavão Pavãozinho, com localização dos albergues
Fonte: Desenho do autor sobre Google Maps, 2017
171
importante trabalho de reflorestamento do morro em que se situa a favela, a organização
não governamental, com apoio da iniciativa privada e do governo municipal tem
realizado essas atividades em outros morros de Copacabana. Esse trabalho de
preservação da natureza possibilita o desenvolvimento de turismo ecológico, com trilhas
que aumentam a possibilidade de renda para os guias locais, estimulando as atividades
turísticas.
172
Figura 6: Mapa do conjunto de favelas Babilônia Chapéu Mangueira, com localização dos albergues
Fonte: Desenho do autor sobre Google Maps, 2017
Figura 7: Vista de albergue Chapéu do Leme Guest House, na favela Chapéu Mangueira
173
Fonte: Foto do autor, 2016.
VIDIGAL
O Vidigal é um dos casos em que o turismo mais tem encontrado condições de
se desenvolver. A situação em relação à paisagem, com uma visão espetacular do
encontro do mar e da montanha da Zona Sul carioca faz com que essa favela seja onde
se encontra o maior número de albergues entre todas pesquisadas. Os trinta e cinco
empreendimentos apresentam mais uma vez uma localização entre as ruas formais e a
malha informal. São sete unidades junto a Avenida Niemeyer, via litorânea que liga os
bairros do Leblon a São Conrado os demais estão na parte interna da favela. Mesmo
tendo uma via interna aberta dentro do que seria a malha tradicional da cidade, as vias
internas do Vidigal se apresentam sem grandes diferenças, mesmo mais estreitas, mas
também possibilitando acesso de veículos, o que facilita o acesso aos empreendimentos
turísticos. A presença de empreendedores externos mostra um processo de “expulsão
branca” crescente (PEARLMAN, 2016), apesar de existir forte presença local.
174
8 RDZ Vidigal Hostel Av. Presidente João Goulart, 181 6 10/06/2014
9 Hostel Novo Lar Av. Presidente João Goulart, 325 (*) (*)
10 Aloha Club Hostel Rua Da Matriz, Casa 03 11 19/02/2016
11 Hotel do Vidigal Av Presidente João Goulart 846 (*) (*)
12 Hill Hostel Rua Dr Olinto de Magalhães 76 15 14/10/2016
13 Hostelzinho Vidigal Rua Doutor Olinto de Magalhães 49A 2 11/06/2014
14 D'Angelo Cama & Café Rua Doutor Olinto de Magalhaes, 31/ 1 29/11/2013
04
15 Hostel Bella Mar e Sol Rua Doutor Olinto de Magalhães, 23 5 10/06/2013
16 Cantão Vidigal Bed & Rua Nuno Alvares Pereira, 12 1 29/11/2013
Breakfast
17 Rio Sport Hoste Rua Benedito Calixto, 99/ casa 10 3 13/03/2014
18 Favela Experience Rua Major Toja Martinez Filho, 128 9 26/12/2014
A
19 Hostel Vidigalhouse Rua Major Toja Martinez Filho, 127 - 12 08/01/2013
Casa 2
20 Hostel Sol e Mar Rua Major Toja Martinez Filho 126 1 15/09/2016
21 Jean Pierre Hostel Rua Major Toja Martinez Filho, 121 30 30/06/2014
22 Hostel Rojan - Vidigal Rua Major Toja Martinez Filho 168 - 2 17/07/2014
Casa 14
23 Vidigalbergue Rio Hostel Av. Niemeyer, 314 - Casa2 3 09/09/2011
24 Hostel Vista do Mar Rua 6 de Janeiro, 5 16 14/07/2015
25 Hostel Porto Vidigal Av. Presidente João Goulart, 131 2 2014
26 Varandas do Vidigal Hostel & Rua Madre Ana Coimbra, Casa 3 5 06/11/2013
Lounge
27 Natural Do Rio Guest House Rua 31 de Julho, 7 10 28/07/2015
28 Favela Experience Tamo Junto Av. Presidente João Goulart, 829 3 23/12/2015
Hostel
29 Vidigal Sea View Apartment Rua Frei Henrique, 2 Fundos 4 08/11/2014
30 Pousada Kasa Dos Micos Avenida Presidente Joao Goulart, 8 09/07/2014
1003
31 Vidigal Guest House Rua Samuel Rodrigues Muniz, 15 2 02/09/2015
32 Da Laje Hostel Rua Armando Almeida Lima, 4, 6 16/05/2014
33 Mirante do Arvrão Rua Armando de Almeida Lima, 8 10 07/01/2014
34 Casa Alto Vidigal (antigoHostel Rua Armando de Almeida Lima, 2 4 15/03/2013
& Bar Alto Vidigal )
35 Favela Nova Maison Rua Padre Anchieta, 2 2 04/06/2014
Tabela 4: Lista de albergues na Favela do Vidigal. (*) Dados ainda não obtidos.
Fonte: Realizado pelo autor, 2017
175
Figura 10: Mapa da Favela do Vidigal, com localização dos albergues
Fonte: Desenho do autor sobre Google Maps, 2017
Figura 11: Hostel Varandas do Vidigal Figura 12: Hostel Nosso Lar, Vidigal
Fonte: Foto do autor, 2016. Fonte: Foto do autor, 2016.
176
ROCINHA
O caso da Rocinha, a maior favela do Rio de Janeiro e onde se iniciou o turismo
em favelas no Rio de Janeiro em 1992, como já foi citado (FREIRE MEDEIROS, 2102,
p.50), apresenta aspectos bastante semelhantes às demais favelas em estudo. A estrutura
da favela, com a Estrada da Gávea como espinha dorsal viária, faz com que ali se
localize grande parte dos albergues, e mais um aspecto importante é a vista da paisagem
dos albergues, um ponto atrativo que se repete. Da mesma maneira as áreas vizinhas, no
caso algumas ruas do alto da Gávea e outras de São Conrado apresentam também
empreendimentos de hospedagem, aparentemente repetindo o modelo da Rua Saint
Roman, onde residências antigas e de porte passaram a ter menor interesse para a
moradia das elites, que viram sua transformação para a atividade turística como uma
nova possibilidade.
177
Figura 13: Mapa da Favela da Rocinha, com localização dos albergues.
Fonte: Desenho do autor sobre Google Maps, 2017
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao se estudar os albergues nessas favelas da Zona Sul carioca impressiona o
potencial do turismo em favelas nesse período em que a pacificação de favelas foi uma
política pública relativamente promissora. Isso gerou investimentos em grande número
de comunidades, mobilizando não somente empreendedores externos, mas, sobretudo
comunidades que buscaram novas atividades ligadas ao turismo para geração de renda e
incremento de suas identidades locais, seja através da visitação ou criação de
empreendimentos de hospedagem, os albergues (hostels).
178
urbanístico positivo para todos, em que essas áreas antes vistas como degradadas
passam a ter um novo potencial de uso, integrando cada vez mais as favelas aos bairros
vizinhos.
O turismo pode ser uma atividade invasiva, e pode propiciar o aumento do risco
da chamada “expulsão branca” de moradores, mas por outro lado isso pode ser evitado
com o estimulo do empreendedorismo ligado ao turismo, com albergues de propriedade
dos moradores locais. Isso já vem sendo percebido, em especial quando se trata de
albergues no interior das malhas urbanas das favelas, e menos em seus entornos, mas a
pesquisa ainda não conseguiu dados definitivos a respeito, necessitando maior
aprofundamento. Muitas vezes é um processo que traz investimentos para as favelas, e
são muitos os empreendedores locais, o que estimula também a visitação e o comércio
em bares e restaurantes nas comunidades.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARTHOLO, Roberto; SANSOLO, Davis Gruber; BURSZTYN, Ivan (Orgs.). Turismo
de Base Comunitária: diversidade de olhares e experiências brasileiras. Rio de Janeiro:
Letra e Imagem, 2009. Disponível em http://www.ivt-rj.net/ivt/bibli/Livro%20TBC.pdf.
Acesso em: 30 de junho de 2009.
179
FAGERLANDE, Sergio Moraes Rego. Turismo no Cantagalo-Pavão-Pavãozinho:
albergues e mobilidade na favela. Rio de Janeiro: Anais do 1º Seminário Nacional de
Turismo e Cultura. Fundação Casa de Rui Barbosa, 2016.
FRENZEL, Fabian; KOENS, Ko; STEINBRINK, Malte (eds.). Slum Tourism: poverty,
power and ethics. Abingdon: Routledge, 2012, 246 p.
JUDD, Dennis R.; FAINSTEIN, Susan (ed.). The Tourist City. New Haven e Londres:
Yale University Press, 1999, 340 p.
PINTO, Rita de Cássia Santos; SILVA, Carlos Esquivel Gomes da; LOUREIRO, Kátia
Afonso Silva. (org). Circuito das Casas-Tela: Caminhos de vida no Museu de Favela.
1.ed. Rio de Janeiro: Museu de Favela, 2012, 148 p.
URRY, John. O olhar do turista: Lazer e viagens nas sociedades contemporâneas. 3.ed.
São Paulo: Editora Studio Nobel: SESC, 2001, 231 p.
SITES PESQUISADOS
180
TripAdvisor, disponível em: http://www.tripadvisor,com. Acessado em 16 de janeiro de
2017.
181
GRUPO DE TRABALHO 3 - CIDADES, GESTÃO E PLANEJAMENTO
Rômulo Duarte
182
A RELEVÂNCIA DA SOCIEDADE CIVIL PARA O ESTADO NO ÂMBITO DE
ESPAÇOS PÚBLICOS URBANOS DE LAZER E TURISMO
Bruna Schmidt1
ABSTRACT: This paper discusses the role of civil society as a collaborative source for
tourism planning at the municipal level, in relation to public spaces of unrestricted use
that serve leisure and tourism. The research addresses the effectiveness of the
relationship between the State and civil society, based on the relevance of projects
concretized as events, substantially planned and carried out by civil society; Of spaces
of public realization, of unrestricted use, that serve concomitantly to the local leisure
and the tourism; And the effectiveness of the public power to adopt measures that
contribute to the planning of tourism, starting with the projects that depart from civil
society. The work consists of theoretical discussion, illustrated by examples that
confirm the theory raised.
INTRODUÇÃO
1
Bruna Schmidt é estudante do curso de Bacharelado em Turismo do Centro Universitário Metodista -
IPA de Porto Alegre, e-mail: bruschmidt@hotmail.com.
183
no que se refere a quem a vê, possuindo diferentes significados, tanto na percepção da
sociedade local, quanto na de seus visitantes.
O estudo justifica-se na medida em que, tal como aponta Rotem (2011), o espaço
público não deve ser pensado ou formulado apenas para um grupo de pessoas, mas deve
servir a todos que o acessam. Este autor alude também que o sucesso dos espaços
públicos está ligado ao estado e à qualidade do ambiente, no que se refere à viabilidade
urbana e vitalidade do espaço.
184
planejamento turístico urbano de uma cidade ser efetivo, de forma positiva, é necessário
o engajamento da sociedade civil com a descentralização das políticas públicas, no que
se refere às tomadas de decisão.
Nesse contexto, para Barretto (2006), por exemplo, perceber o turismo apenas como
atividade econômica, sem ponderar a grandeza das relações sociais, inviabiliza a
compreensão de cultura como atributo, no que diz respeito à atração turística. Dessa
forma, percebe-se a cultura como um elemento do turismo e como consequência da
conexão da sociedade com o ambiente.
2 REFERENCIAL TEÓRICO
Corroborando com esta teoria, para Wainberg (2001), o primeiro estímulo para a
procura da oferta turística é fortemente visual. A busca pelo significado e originalidade
2
Opinião proferida pela Profa. Dra. Susana Gastal no 7º Semintur, em Caxias do Sul, em novembro de
2012.
185
de cada espaço remete ao turista o primeiro choque cultural, através do meio urbano, em
contraste com o que não lhe é familiar. Neste contexto, o estranho, tido como produto, é
desvendado por sua exploração, onde todo detalhe é considerável no arranjo do todo.
No contexto dos espaços das cidades, tem-se que o espaço público é criado para
ter uma funcionalidade e esta pressupõe um uso. Sua essência está na configuração de
como o espaço público, sendo utilizado pelos atores sociais, pode inibir ou incitar
atividades (JACOBS, 2003). A apropriação do espaço público se relaciona diretamente
a sua atratividade espacial, sendo o potencial de atração desses espaços um fator
essencial para sua apropriação, considerando um lugar como possuidor de qualidade
espacial quando se expõe atrativo aos indivíduos. Portanto, quanto maior a qualidade do
espaço, mais atrativo ele será aos seus frequentadores (Idem, 2003). Nesse sentido, os
espaços públicos são pontos essenciais do meio urbano, pois permitem a integração da
cidade com a sociedade, possibilitado aos usuários a conexão, enquanto partes
pertencentes e integrantes do movimento no espaço (JACOBS, 2003).
186
Em complemento, acerca da formação do espaço urbano irrestrito, Moura (2007)
afirma que na cidade deve existir uma configuração construída por elementos diversos,
quais sejam ruas, calçadas, praças, travessas, vegetações, entre outros. Contribuindo
com esta teoria, Castrogiovanni (2001) ressalta os seis elementos principais que uma
paisagem urbana proporciona: a forma; a identidade; a função; a estrutura; o processo; e
seu significado, todos estes identificados pela dimensão/individualidade sensorial que o
espaço urbano representa para a sociedade civil e turistas. A interação entre esses seis
elementos confere qualidade aos espaços.
Outro tipo de classificação dos espaços públicos é descrito por Matos (2010).
Para este autor os espaços públicos são de permanência e de passagem. De maneira
geral, tanto espaços de permanência como de passagem são compostos por seus
aspectos físicos, da mesma forma que adquirem relevância nas cidades graças às suas
atribuições simbólicas, presentes na lembrança de seus usuários.
187
de configuração fundamentais, quais sejam: acessibilidade; possibilidade de atividades
e usos variados; conforto; e sociabilidade.
3
Placemaking, livre tradução para o português como “fazer lugares”. O processo de Placemaking da
Project for Public Spaces (PPS) partiu do trabalho de William Whyte, nos anos 1970, nos EUA, cujo
objetivo era descobrir as necessidades e aspirações de cada frequentador dos espaços, para então
estabelecer estratégias junto à sociedade civil, contribuindo com o desenvolvendo destes espaços
públicos. O trabalho de pesquisa consistia em olhar, ouvir e questionar os usuários de espaços públicos,
percebendo suas necessidades e expectativas para com estes meios (SANTIAGO; HEEMANN, 2015).
188
públicos deve estimular indiretamente seu incremento, visando abranger uma esfera
considerável de pessoas, sempre contando com o auxílio da comunidade, agregando,
então, maior diversidade na utilização destes espaços.
À época (década de 1960), Jacobs citou como exemplo de sua teoria o caso da
Rua 57, Oeste de Nova York, referência de diversidade de utilização do espaço com a
participação efetiva da sociedade civil já no século passado. A narrativa da autora indica
que durante o dia a rua possuía abundante circulação de pessoas devido aos edifícios de
escritórios, lojas e restaurantes. À noite, o local contava com intensa movimentação
devido ao Carnegie Hall, que fez com que conservatórios de músicas, oficinas de teatro
e salas de recitais se instalassem na região. A efetividade do uso do espaço estimulou
também a diversificação do comércio, que agregou à Rua 57 restaurantes, bares, cafés e
lanchonetes com características ímpares, lojas inusitadas, livrarias, lojas de flores,
moedas e chapéus, tornando-se um lugar incomum. Todos estes estímulos se vincularam
com a parte residencial e hoteleira da região, que abrigava todos os tipos de moradores e
hóspedes, mas que era um atrativo principalmente para professores e estudantes de
música.
189
2.2 MOVIMENTOS CONTEMPORÂNEOS ESPONTÂNEOS DE USUÁRIOS
EM ESCALA MUNDIAL PARA ADEQUAÇÃO DE ESPAÇOS PÚBLICOS DE
LAZER E TURISMO URBANOS
190
comunidade em geral e que visivelmente foi planejado para que estas conexões
pudessem se disseminar.
Ainda para as autoras, mais um exemplo de espaço público que proporciona uso
e atividades aos frequentadores é o Park Columbus, nos EUA (Figura 2). Ele
proporciona a diversidade nas inter-relações sociais, onde os indivíduos se sentem
pertencentes ao espaço e ao seu entorno, contribuindo com o turismo urbano local, pois
o sentimento de pertencimento dos indivíduos residentes para com este espaço estimula
os interesses turísticos daqueles que o visitam (JACOBS, 2003).
191
2.2.1 CONTEXTO BRASILEIRO
192
Ainda em São Paulo, então na esfera dos espaços públicos de lazer e turismo de
uso irrestrito, como exemplo, pode-se citar o movimento “A batata precisa de você”, o
qual, segundo sua página na rede de relacionamento Facebook4, promove ocupação
regular no Largo do Batata em São Paulo, fortalecendo a relação afetiva da comunidade
com o espaço, evidenciando seu potencial como espaço de convivência.
4
Página do Facebook A Batata Precisa de Você. Disponível em: <https://pt-
br.facebook.com/abatataprecisadevoce>. Acesso em: 06 nov. 2016.
5
Página do Facebook Yoga: Alimento para a alma. Disponível em: <https://pt-
br.facebook.com/yogalimentoparalma>. Acesso em: 06 nov. 2016.
193
indica que os espaços públicos de acesso irrestrito, por serem assim definidos,
possibilitam tanto atividades individualizadas como em grupo.
Figura 3 - Yoga, Praça da Encol, Porto Figura 4 - Tô na Rua, Rua Sarmento Leite, Porto
Alegre. Alegre
Fonte: Página do Facebook Yoga: Fonte: Página do Facebook Tô Na Rua (2016)
Alimento para a alma (2016)
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pelo exposto, percebe-se haver, contemporaneamente, uma tendência de
participação e intervenção da sociedade civil no meio urbano, tanto de forma ampla
(para o planejamento municipal em grande escala), como em sistemas específicos de
lazer e turismo, tanto em âmbito mundial como nacional. O que se observa é que tais
intervenções são capazes de contribuir no planejamento de aspectos como lazer,
comércio, usos e atividades e segurança, sendo este conjunto de indicadores diretamente
influenciador do movimento turístico (SERPA, 2007).
Nesse sentido, verifica-se a teoria de Gastal e Moesch (2007), para quem o
planejamento turístico urbano de uma cidade é efetivo, de forma positiva, quando há o
engajamento da sociedade civil com a descentralização das políticas públicas, no que se
refere às tomadas de decisão. Nesse cenário, considerando a relevância da participação
da sociedade civil na esfera do planejamento urbano das cidades, em referência à
utilização dos espaços públicos de uso irrestrito e suas transformações no meio urbano,
que servem tanto para o lazer como para o turismo, entende-se que o debate suscitado
por este artigo foi relevante, a fim de relacionar esta conexão, contribuindo no
aprofundamento deste estudo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANDRADE, José Vicente de. Gestão em lazer e turismo. Belo Horizonte, MG:
Autêntica, 2001.
BENI, Mário Carlos. Análise Estrutural do Turismo. 12 ed. São Paulo: Editora
SENAC São Paulo, 2007.
195
<http://www.turismo.gov.br/ultimas-noticias/5765-fortaleza-%C3%A9-a-cidade-
brasileira-que-mais-evoluiu-em-aspectos-sociais.html>Acesso em: 25 out. 2016.
FELIPE, Leo. Festa também é política nas ruas. Porto Alegre: Extra Classe, set. 2016.
Disponível em: <http://www.extraclasse.org.br/exclusivoweb/2016/09/festa-tambem-e-
politica-nas-ruas/>. Acesso em: 09 out. 2016.
JACOBS, Jane. Morte e Vida de Grandes Cidades. Martins Fontes: São Paulo, 2003.
KENT, Ethan. When bad things happened to good parks. Project for Public Spaces.
Nova Iorque, 1º de setembro de 2004. Disponível em:
<http://placemaking.pps.org/info/newsletter/september2004/september2004_bryant>.
Acesso em: 24 out. 2016.
MATOS, Fátima Loureiro de. Espaços públicos e qualidade de vida nas cidades: o
caso da cidade porto. Observatorium: Revista Eletrônica de Geografia, v. 2, n. 4, p. 17-
33, jul. 2010.
PPS, Project for Public Spaces. Guia do Espaço Público. Nova York, 2015. Edital
Conexão Cultura Brasil Intercâmbios, da Secretaria de Economia Criativa (SEC), do
Ministério da Cultura.
196
<http://jcrs.uol.com.br/_conteudo/2016/06/geral/502536-alunos-instalam-assaltometro-
no-campus-da-engenharia-da-ufrgs.html>. Acesso em: 09 de out. 2016.
ROTEM, Einat Kalisch. O espaço público na Cidade Criativa. Reis, Ana Carla
Fonseca; KAGEYAMA,Peter (Orgs.). Cidades Criativas – Perspectivas. 1ª ed. São
Paulo: Garimpo de Soluções & Creative Cities Productions, 2011.
197
MEIOS DE TRANSPORTES TURÍSTICOS DA ILHA DE PAQUETÁ:
SENSAÇÕES, DESCOBERTAS E MOTIVAÇÕES
Vinícius Alves Santos do Carmo¹
Fátima Priscila Morela Edra²
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
198
Ela apresenta modelos de transporte que a torna única e, por conseguinte,
oferece, para a ilha, atrativos turísticos diferenciados em comparação a outros lugares e
campos turísticos. Com isso, o objetivo do trabalho é identificar se os passeios para
lazer em Paquetá com o uso dos meios de transportes influenciam no potencial turístico
da Ilha a partir da análise dos fatores motivacionais que remetem a momentos de vida
dos visitantes durante visita à Ilha.
199
2. EXPERIÊNCIA TURÍSTICA E A BUSCA DA NOVIDADE
Krippendorf (2003) afirma que o indivíduo se torna turista por razão de sua
curiosidade, buscando descobrir e aprender para sair de sua rotina. Esta pode ocorrer
por falta de equipamentos ou infra-estrutura de lazer próximo a sua residência, que o
leva ao consolo externo. Assim, em paralelo com férias e folgas, viajar a lazer pode
impulsionar o descanso e a experiência de estranhamento do seu cotidiano.
200
A experiência é uma maneira de representação do que acontece no cotidiano, na
qual o indivíduo tem o prazer de estar em lugares diferentes ao que é comum na sua
vida rotineira ou no dia a dia. O turismo é gerado como fenômeno composto por agentes
sociais e movimentos de ida e volta, voluntário e a lazer, em busca de novas sensações,
com fim de outra perspectiva cultural (NETTO; GAETA, 2010). A experiência
individual de uma pessoa no espaço, urbano ou natural, é resultado de uma experiência
turística. Tem se constatado que o campo do turismo é uma área ampla para a
investigação de abordagens experienciais. Existem muitas emoções em uma atividade
turística, “dominada por uma busca da felicidade, talvez poucas atividades fossem tão
reveladoras – em todo o seu ardor e seus paradoxos – como nossas viagens” (BOTTON,
2003, p. 17).
Há três ritos de passagem retratados, que de acordo com Turner (1989), o turista
atravessa momentos durante a viagem e o momento do desfrute do destino. Ele tem a
oportunidade de sair do seu cotidiano durante o lazer, viagem, excursão e voltar para o
cotidiano habitual, como ilustrado na figura 1.
201
FIGURA 1: Rito de Passagem
Fonte: Pezzi; Viana (2013 apud SANTOS, 2011)
A realidade pura não é vista por meio de criações de traços simbólicos próprios
dentro do espaço produzido. O ambiente simbólico é base referencial para compreender
o real em meio às relações sociais, dentro de um contexto histórico e sócio cultural. Os
“mapas” temporais são arquitetados em conjunto com a troca cultural, compartilhada
202
pelo contato e se desenvolve de acordo com a forma interligada entre o individuo e seu
entorno. Essa referência subjetiva é costurada por meio de valores, imagens,
representações, estereótipos modelo dos momentos vividos, assim como todo ambiente
cultural.
O indivíduo ou turista, estaria imerso ao mundo presente pontuado pelo mover, sem
estabelecer questionamento com a cultura presenciada. Esse indivíduo ao distanciar do
habitual, o incompreendido e o desconhecido, é direcionado à metamorfoses psiques ao
considerar o que é estranho em familiar, o exótico ao natural (LARAIA, 2001).
203
A experiência é posta também em relação ao consumo do produto turístico.
Segundo Ruschmann (2000), as experiências ocasionadas pelo fenômeno Turístico
seriam o resultado dos produtos turísticos. Algumas pessoas possuem a tradição de
guardar como recordação lembranças que representaram momentos vividos. Nesse
sentido, é possível destacar a correlação entre experiência e emoção, pois no momento
em que o passado se torna inesquecível, surge à necessidade de eternizar esse momento.
A Ilha de Paquetá, como o próprio nome diz, trata-se de uma ilha, a principal do
arquipélago de Paquetá, situada ao nordeste da baía de Guanabara em uma distância
média de 15 km da praça XV, localizada no Centro da cidade do Rio de Janeiro. Seu
nome foi criado pelos índios Tamoios, onde Pac” (paca) e “eta” (muitas), “Lugar de
muitas pacas”, “muitas conchas” ou “muitas pedras”. Entretanto, escritos afirmam que a
Ilha possui muitas Pacaranas, animais da família das Pacas (GERMINARI e
BUCZENKO, 2012).
Paquetá abrange uma área de pouco mais de 1,2 km², repartida em duas partes,
interligada por um estreito denominada de Ladeira Vicente com cerca de 100 m de
largura que dá à Ilha a forma de um oito visto de cima, direcionando a posterior divisão
em sesmarias do território e marcando a diversidade do cotidiano social entre os dois
campos. No seu perímetro geográfico é possível desfrutar de opções de lazer em
conjunto com a sensação de volta ao passado ao visitante pela amenidade proporcionada
em suas singelas ruas de terra. Local que inspirou compositores1 e escritores2, cenários
de filmes3 e novelas4, pintores e casas de veraneio para governadores (GERMINARI e
BUCZENKO, 2012).
A ilha foi historicamente divulgada como lugar de descanso e lazer pelo mundo
como cenário exótico e exaltação da paisagem. O cuidado com a preservação é visto em
Paquetá ao manter os parques preservados e com a utilização de bicicletas, eletro-táxis,
1
Hermes Fontes, música Luar de Paquetá (anexo I); Braguinha, música Fim de Semana em Paquetá
(anexo II).
2
Joaquim Manoel de Macedo (romance A Moreninha); Vivaldo Coracy.
3
A Moreninha (um em 1915 e outro em 1970, este utilizou a Ilha como cenário).
4
A Moreninha (a primeira em 1965 e uma segunda em 1975, esta produzida pela Globo).
204
trenzinho e as charretes elétricas. A Ilha de Paquetá, embora pequena em espaço
geográfico, apresenta uma diversidade cultural única e variada por toda a região.
No ano de 1565, foi fundada a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, entre
os morros Cara de Cão e Pão de Áçucar, consequência da vinda de Estácio de Sá ao
Brasil para cumprir missão colonizadora que tinha como principal objetivo enfrentar e
derrotar os franceses e se apossar de novas terras. A partir da aliança com indígenas da
etnia Temiminós6, Estácio de Sá venceu os adversários que haviam se aliado a outra
etnia7 Indígena (GERMINARI e BUCZENKO, 2012).
Até por questões de suavidade, Paquetá é a opção para pessoas saírem do intenso
movimento cotidiano da metrópole urbana carioca e cheia de problemas diários, graças
5
Pessoa versada em cosmografia (descrição astronômica do mundo).
6
Instalados, principalmente, no espaço conhecido hoje como bairro Ilha do Governador.
7
Tamoios, habitantes da ilha de Paquetá.
8
Instituto jurídico português que normatizava a distribuição de terras destinadas à produção.
205
à possibilidade de desfrutar da serenidade do local, o clima ameno, sendo alvo potencial
de recomendações médicas por sua quietude e preservar sua saúde psicológica
(GERMINARI e BUCZENKO, 2012).
206
4. PERFIL DO VISITANTE
A história é capaz de gerar vida, é o que diz Horn e Germinari (2010, p. 118),
onde afirma que o conhecimento local “... desenvolve análise de pequenos e médios
municípios, ou de áreas geográficas não limitadas e não muito extensas”.
207
REGIÃO QUANTIDADE
Baixada Fluminense 2
Niterói 2
Outros 22
Rio de Janeiro (cidade) 24
São Gonçalo 1
208
PORCENTAGEM QUANTIDADE
18% 9
29% 15
10% 5
2% 1
41% 21
Alguns lugares são únicos por seu ambiente natural, paisagístico, atrativo
cultural, história, outros por oferecer turismo de experiência, gerar sensação de
calmaria, oportunidade de sair da rotina diária ou aqueles que já foram roteiro de
viagem de amigos e até lugares que foram cenários da televisão.
Paquetá não foge a esse cenário muito procurado por turistas em busca de
atrativos únicos característicos de um lugar só encontrado por lá, divulgado na mídia e
com constantes fotos como cartão postal que o identifica, incentivando ao turista ter
aquele momento registrado por meio de fotos para posterior divulgação em redes
sociais, compartilhar com a família e guardar como recordação.
209
Figura 4: Motivações
210
ambientais, suas cores, aromas e arquitetura podem gerar satisfação e superação de suas
expectativas. A partir da avaliação das pessoas o conjunto macro ambiental do lugar
pode determinar a resposta do cliente ou até influenciar no desejo de retornar ao lugar
visitado. Os problemas em Paquetá do ponto de vista operacional como coleta seletiva,
iluminação pública, segurança e sinalização podem influenciar negativamente no
“desejo de voltar”.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Embora os tipos de transportes da Ilha de Paquetá são meios que remetem aos
visitantes a relacionar momentos cinematográficos, literários, cenários de novelas e
lugares únicos ao fazerem o uso do serviço durante a visita, alguns dos turistas não
acusaram o cenário de Paquetá com relações históricas, literárias e cenográficas, devido
ao razoável ou pouco conhecimento sobre a ilha. Esse problema seria resolvido se em
Paquetá tivesse pontos de informação turística e mais serviços de visitação,
acompanhado de guias locais para quem não irá fazer os passeios de charretes ou eletro-
táxi nos quais o condutor aborda a história e curiosidades da Ilha. Os entrevistados
acusaram ter experimentado momentos e sensações já passados em suas vidas que
estavam previsto dentro da justificativa de pesquisa.
211
Ainda é bem considerável a característica de tranqüilidade, o que a torna
impecável independente de seus problemas administrativos e operacionais. Afinal, não é
todo destino que oferece para o seu visitante paz, beleza, sol, mar e história,
ingredientes importantes para o turista viver experiências.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRUNER, J. Actos de significado: más alla de la revolución cognitiva. Madrid: Alianza, 1991.
GRABURN, Nelson H. H. Tourism: the sacred journey. In: SMITH, Valene (Ed.). Hosts and
guests: the anthropology of tourism. 2nd ed. Philadelphia: University of Pennsylvania Press,
1989. p. 21-36.
LARAIA, Roque de Barros. Cultura: Um Conceito Antropológico. Rio de Janeiro, Jorge Zahar,
14 Ed, 2001.
LES GUIDES BLEUS. Rio de Janeiro et ses environs. Paris: Librairie Hachette,1955.
212
NETTO, Alexandre Panosso; GAETA, Cecília. Turismo de experiência. São Paulo: Senac,
2010.
SILVA, Maria Da Glória Lanci. Cidades turísticas: identidades e cenários de lazer. São Paulo:
Aleph, 2004.
TRIGO, L.G.G; A viagem como experiência significativa. In: PANOSO NETTO, A; GAETA,
C. Turismo de experiência. São Paulo: Ed. SENAC, 2010.
TURNER, M.G. 1989 Landscape Ecology: the effect of pattern on process. Annual Review of
Ecology and Systematics 20: 171-197.
213
APÊNDICE
PERGUNTAS DA PESQUISA
214
Estudo Charrete Elétrica
Atravessar a baía de barca Eletro-táxi
Fazer roteiro cultural Pedalinho
Ir à praia Trenzinho
Observar a paisagem
Pedalar
Realizar piquenique em família
Passear de trenzinho
Utilizar o serviço de Ecotáxi
Outro
215
ESTRATÉGIAS PARA A ADMINISTRAÇÃO DO PATRIMÔNIO E DA
MEMÓRIA: GESTÃO PARTICIPATIVA NO PROCESSO DE
ORDENAMENTO E MUSEALIZAÇÃO DE TERRITÓRIO DO COQUEIRO
DA PRAIA-PI.
Gardênia Angelim Medeiros de Oliveira9
Edvania Gomes de Assis10
Francisco Pereira da Silva Filho11
RESUMO: O presente trabalho busca mostrar como os processos de planejamento
integrado do ordenamento e musealização do território - desenvolvidos sob as bases dos
princípios da interdisciplinariedade, multiprofissionalidade e gestão participativa –
podem servir como instrumentos de políticas pública, capazes de proporcionar a
preservação do patrimônio natural e cultural de uma cidade. A análise integral dos
elementos que compõem determinado território, por meio de atividades participativas,
permitem identificar as peculiaridades, as demandas e potencialidades do lugar e de
suas gentes e, assim, promover um turismo de excelência, capaz de criar alternativas
diversas para um desenvolvimento urbano sustentável, proporcionando oportunidades
de emprego e renda e, consequentemente, melhoria da qualidade de vida dos moradores
locais.
Palavras-chave: Comunidade; Gestão Pública; Museu de Território; Ordenamento de
Território; Desenvolvimento
ABSTRACT: The present work seeks to show how the processes of integrated
planning of the planning and musealization of the territory - developed under the
principles of interdisciplinarity, multiprofessionality and participative management -
can serve as instruments of public policies capable of preserving the natural and cultural
patrimony Of a city. The integral analysis of the elements that compose a given
territory, through participatory activities, allows to identify the peculiarities, the
demands and potentialities of the place and its people and, thus, promote a tourism of
excellence, capable of creating diverse alternatives for an urban development Providing
opportunities for employment and income and, consequently, improving the quality of
life of local residents
Keywords: Community; Public administration; Museum of Territory; Territory
Planning; Development
9
Advogada, Especialista em Direito Público (CEUT). Arquiteta e Urbanista formada pelo Instituto
Camilo Filho – ICF, Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Artes Patrimônio e Museologia da
Universidade Federal do Piauí – UFPI, Campus Ministro Reis Veloso, Av. São Sebastião, nº 289, Bairro
Ministro Reis Veloso – Parnaíba/PI. E-mail: gardeniaangelim@gmail.com
10
Bacharel em Geografia (UFPB). Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente (UFPB). Doutora em
Geografia - Área de Concentração - Análise Regional e Regionalização (UFPE). Colaboradora do
Mestrado em Geografia da UFPI. Leciona aulas de geografia para alunos do curso de Graduação em
Turismo da Universidade Federal do Piauí..Tutora do Programa de Educação Tutorial - PET (PET
Tuirsmo - UFPI) (atual). Sub-Coordenadora do Mestrado em Artes, Patrimônio e Museologia (UFPI)
(atual). E-mail: edvania@ufpi.edu.br
11
Bacharel em Turismo pela Universidade Federal do Piauí (2011). Especialista em Elaboração e
Assessoria de Projetos Públicos e Privados pelo Centro de Capacitação e Treinamento de Pessoas -
CCTP/Faculdade de Ciências e tecnologia de Teresina - FACET (2012). Mestre em Geografia pela
Universidade Federal do Piauí (2016). E-mail: pereira_ufpi@hotmail.com
216
INTRODUÇÃO
217
território é o espaço que traduz o patrimônio de maneira mais abrangente. Sob essa
mesma perspectiva, podemos compreender o museu de território como um instrumento
de gestão pública a serviço do homem e de seu desenvolvimento. A gestão de museu,
assim como a gestão do território precisam se preocupar em conhecer o lugar em que
irão se inserir, para tanto, devem atuar de forma participativa, estimulando a
participação e a colaboração da comunidade, aproximando-a do seu patrimônio e da sua
paisagem cultural, posto que estes são requisitos indispensáveis ao desenvolvimento
sustentável do lugar.
218
IPHAN. Além disso, utilizar-se-á dos conhecimentos da antropologia, etnografia e,
ainda, do método da história oral, por considera-los instrumentos indispensáveis na
coleta e registro do patrimônio cultural dessa comunidade.
219
A constatação acima descrita, certifica bem a ausência de um plano de
ordenamento do território destinado à aquela localidade, o que compromete a proteção
do meio ambiente e dos recursos naturais disponíveis na natureza, aumentando os riscos
de poluição.
Visando uma preservação mais assistida, a Carta Magna, 1988 fez questão de
ressaltar sobre a nova forma de se pensar a gestão pública. Apresentou a proposta de
descentralização das ações, estabelecendo maior autonomia aos estados e municípios,
conferindo a este último a patente de ente da federação, dando-lhe poder para legislar
assunto de interesse local, inclusive aos referentes a preservação do meio ambiente.
Vale destacar que, na oportunidade, a Nova Carta reconhece as zonas costeiras como
patrimônio nacionais.
220
Ao se pensar em planejamento urbano sustentável é imprescindível a atuação
integral do Estado. O Planejamento é um processo contínuo, e como já mencionado,
necessita de um estudo detalhado do território de maneira que possa contribuir na
elaboração de propostas bem avaliadas e com a participação dos mais variados agentes
locais, como garantia de um desenvolvimento urbano seguro.
221
função educativa dentro dos espaços museais, é ela quem traz a inclusão cultural e o
reconhecimento de uma identidade plural.
222
DO CONCRETO AO ABSTRATO: espaço, lugar, território e paisagem cultural
Não obstante, a todo momento nos referimos ao termo lugar. Destaca-se aqui
como: o espaço e as significações que nele se apresentam de acordo com a organização
que o homem lhes confere. De forma simples, distingue-se do território, posto que este
abarca os comportamentos e as formas de se relacionar com o mundo em que vive.
223
da geografia, e coloca que a “cultura é o agente, a área natural é o meio, a paisagem
cultural é o resultado” (SAUER, 1983, p. 343).
No que tange à paisagem cultural, coloca-se que a mesma pode ser vista como
elemento de identificação do patrimônio cultural, pois ressalta os aspectos de integração
entre o homem e a natureza, entre a materialidade tangível do espaço e a imaterialidade
refletida nos costumes, nas paixões, nos sabores e odores, nas cores, no canto e nos
encantos que dão sentido aos lugares.
É o espaço e a forma em que ele é vivenciado pelos seres humanos que geram os
significados. A partir das experiências pessoais de cada um, o indivíduo analisa e
percebe esses significados, o que só é possível a partir de suas inter-relações com a
experiência coletiva e que se altera a cada mudança de perspectiva. São essas
experiências, individuais e coletivas, que tornam os lugares visíveis (TUAN, 1975 apud
HOLZER, 1999).
224
O território, como se percebe, é instável, depende das relações e escalas do
tempo. É o lugar onde incidem as relações de poderes e que são indissociáveis da forma
como seus atores o habitam e o conhecem. As relações de poder de grupos diversos são
tecidas por atores que não se opõem, mas, ao contrário, buscam manter essas relações
criando redes que utilizam o território como meio e como fim em busca de uma
organização desejada. Daí a importância de se planejar o ordenamento do território, que
deve ser pensado de forma participativa e integrada, a fim de fortalecer os laços do
sistema.
Cada território possui sua dinâmica e características que lhes são peculiares, em
face disso, o desenvolvimento sustentável de um território deve ser vislumbrado a partir
da elaboração de projetos que identifiquem as características específicas de cada
território, como se prevê que aconteça com o processo de criação de um museu de
território para a Vila de Pescadores da Praia do Coqueiro.
Define-se meio ambiente o espaço terrestre visto na sua essência e sobre o qual
se estabelecem as relações das mais variadas espécies e de suas manifestações de vida
na terra, bem como todos os recursos naturais que alimentam essas espécies. Quando se
fala que devemos preservar o meio ambiente, deve-se pensar em conservar toda a
diversidade de elementos naturais, responsável por manter a sobrevivência das espécies
existentes no planeta.
226
A década de 1990 foi marcada pelas grandes preocupações e discussões sobre o
meio ambiente em todo o mundo. Viu-se que não mais se podia ignorar as ações do
homem com a natureza, nem como as perspectivas de crescimento ilimitado que se
utiliza os recursos naturais esgotáveis de forma desenfreada, ameaçando sua extinção
e/ou deterioração gerando consequências ambientais catastróficas em todo o planeta
(SANTOS, 2007).
Desde o século XVIII que o museu passou a ser visto como uma instituição
pública e assumiu a função socioeducativa baseado na ideia de servir à sociedade
buscando o seu desenvolvimento sociocultural. A partir de então, vem ocupando lugar
de destaque dentro da realidade a qual está inserido, destacando-se como importante
agente das políticas públicas.
227
serviço da comunidade e de seu desenvolvimento. Corroborando com esse pensamento,
Varine descreve:
228
fácil identificar as demandas e necessidades locais e, dessa forma, pode desenvolver
projetos de infraestrutura, serviços e outras políticas públicas necessárias, que
correspondam aos anseios da população e que estejam em consonância com a sua
paisagem cultural e natural, garantindo o desenvolvimento sustentável da cidade e a
melhoria da qualidade de vida de seus moradores.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
229
no mundo. É a partir dessa percepção e das relações que estabelece com o território, na
sua integralidade, que são criados os laços de identidade capazes de unir determinados
grupos sociais e diferenciá-los dos demais, estabelecendo, dessa forma, uma relação de
alteridade que pode ser usada a serviço da comunidade e do desenvolvimento
sustentável local.
Dessa forma, uma gestão pública que busca transformações sócias e econômicas
em áreas com grandes potenciais turísticos, devem tomar decisões paltadas em reflexões
críticas e participativas sobre a realidade do lugar, afim de propor intervenções capazes
de gerar receitas e rendas, mas que, sobretudo, sejam socialmente justas e
ambientalmente sustentáveis, assegurando o patrimônio cultural identitários da
comunidade.
REFERÊNCIAS
230
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração do Rio de Janeiro sobre
Meio Ambiente e Desenvolvimento (Declaração do Rio), adotada de 3 a 14 de junho
de 1992.
231
VARINE, Hugues de. As raízes do futuro: o patrimônio a serviço do desenvolvimento
local. Tradução: Maria de Lourdes Parreiras Horta. 1ª reimp. – Porto Alegre: Medianiz,
2013.
232
TURISMO FERROVIÁRIO E TURISMO DE BASE COMUNITÁRIA:
ALGUMAS CONEXÕES PARA O PLANEJAMENTO E A GESTÃO
Carla Fraga1
Vera Lúcia Bogéa Borges2
RESUMO: O turismo ferroviário no Brasil é promissor, o que enseja reflexões sobre
sua relação com a “base comunitária” na perspectiva do envolvimento de atores e
organizações. Foram selecionados dez casos de trens turísticos e culturais para análise
neste estudo exploratório realizado através da consulta a websites. Estes casos são
oriundos de vários estados brasileiros e operados por diferentes tecnologias ferroviárias
(a vapor, eletrificado). Com base na literatura sobre ferrovia e turismo, e turismo de
base comunitária, considerou-se como eixos para a análise do Turismo Ferroviário de
Base Comunitária (TFBC): (1) localização geográfica dos trechos ferroviários; (2)
história como uma representação do passado; (3) memória como um elo vivo entre o
passado e o presente. As principais contribuições alcançadas foram: (1) problematização
inicial a respeito do TFBC; (2) análise de parte do cenário brasileiro.
INTRODUÇÃO
1
UNIRIO, Turismóloga e Professora Adjunto do Departamento de Turismo e Patrimônio.
carlota.fraga@gmail.com
2
UNIRIO, Historiadora e Professora Adjunto do Departamento de Turismo e Patrimônio.
vera.borges@unirio.br
233
Como o turismo de base comunitária articula-se com o planejamento, gestão e
desenvolvimento do turismo ferroviário no Brasil? No contexto de expansão da oferta
ferroviária turística brasileira, a cartilha que orienta a proposição de novos projetos de
trens turísticos e culturais no país indica a necessidade de uma série de documentos e
estudos, dentre estes: “(...) benefícios econômico-financeiros decorrentes do
empreendimento [trens turísticos e culturais] contendo a repercussão econômica e social
nas comunidades e na região abrangida, bem como no desenvolvimento turístico e
cultural” (BRASIL, 2010, p.31). O que inspira a problematizar a necessidade da
construção de um novo referencial teórico sobre a relação entre turismo e a ferrovia no
Brasil, isto é, sobre as possibilidades e os desafios para o Turismo Ferroviário de Base
Comunitária (TFBC).
A primeira ferrovia construída no Brasil data de 1854, ou seja, são mais de 160
anos de história da ferrovia e várias etapas que incluem avanços e retrocessos na
extensão da malha ferroviária brasileira. Atualmente são quase 29 mil quilômetros de
ferrovia aproximadamente, e a maior parte desta malha é concessionada a iniciativa
privada, grande interessada no transporte de carga (FRAGA, 2011; FRAGA,2013). De
acordo com o Ministério do Turismo existem 33 trens e bondes para fins turísticos no
Brasil, entre os que estão em operação, os desativados e os que irão ser inaugurados
(BRASIL, s.d.). A Associação Brasileira das Operadoras de Trens Turísticos e Culturais
(ABOTTC) e o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE),
considerando 21 linhas de trens turísticos e culturais no país, apontaram para a meta de
atender em dois anos:
234
Para responder, mesmo que incialmente e de maneira parcial, a esta questão foi
realizado um levantamento bibliográfico no qual se identificou a ampliação do diálogo
entre ferrovia e turismo, incluindo as questões relativas a “base comunitária”. A partir
deste levantamento bibliográfico notou-se a relevância de aspectos geográficos,
históricos e relativos a memória como eixos para a construção de critérios para a análise
de conexões entre o turismo ferroviário e o turismo de base comunitária. A partir daí,
foram selecionados dez trens turísticos e culturais no Brasil para a análise.
235
apreender a olho nu. Neste sentido, Bauman (1999) alerta-nos para que o foco das
discussões esteja nas raízes e consequências sociais do processo globalizador e que
assim possa ser dissipada a névoa que cerca este termo. Comumente, os processos
globalizadores não têm a unidade de efeitos. Os usos do tempo e do espaço são
acentuadamente diferenciados e diferenciadores. O que para alguns parece globalização,
para outros significa localização, o que para alguns é sinalização de liberdade, para
muitos outros é um destino indesejado e cruel.
Ainda que o foco deste estudo seja os trens turísticos e culturais, é válido
contextualizar alguns exemplos das possibilidades de ampliação da discussão sobre
turismo ferroviário e suas interfaces e derivações (Rail Trail, Turismo de Draisines,
Rail Biking etc.), pois estas também poderão fazer parte da discussão sobre a “base
236
comunitária”. É evidente que o turismo ferroviário é além da simples relação entre
turismo e ferrovia, pois exige organização, planejamento, políticas públicas para a sua
estruturação e sustentação. A existência do fenômeno turísticos numa dada área
geográfica que apresenta ferrovia não necessariamente originará o desenvolvimento do
turismo ferroviário (FRAGA et.al., 2015).
(a) a relevância da paisagem ferroviária (ver Fraga et.al. 2015), o que incluí
discussões sobre imagem e o imaginário;
237
também apaga e recompõe ao seu gosto, em função das necessidades de momento e das
leis do imaginário3.
A passagem da memória à história fez com que cada grupo fosse obrigado a
redefinir a revitalização de sua própria história. O fim da história-memória multiplicou
as memórias particulares que reclamam sua própria história. Quanto menos a memória é
vivida coletivamente, mais ela tem necessidade de homens particulares e fazem deles
próprios homens-memória. Nora (1993) conclui que a memória dita o que a história
escreve, afinal, a memória pendura-se em lugares como a história em acontecimentos, e
estes acontecimentos não podem ser separados da identidade local.
3
Conceito polissêmico que ganha constantes re-significações e, desta forma, apresentamos uma possível
definição a partir das reflexões de Sandra Pesavento (1995, p.24): “o imaginário é, pois, representação,
evocação, simulação, sentido e significado, jogo de espelhos onde o “verdadeiro” e o aparente se
mesclam, estranha composição onde a metade visível evoca qualquer coisa de ausente e difícil de
perceber. Persegui-lo como objeto de estudo é desvendar um segredo, é buscar um significado oculto,
encontrar a chave para desfazer a representação do ser e parecer”.
238
“Planejamento do Turismo Histórico Cultural” em Curso de Bacharelado em Turismo.
A definição de critérios (ver Figura 1) foi baseada no levantamento bibliográfico para a
composição de referencial teórico sobre a temática, evidenciada na seção anterior.
239
apresentação e discussão. A distribuição dos casos por unidades da federação (UF) é a
seguinte: (1) Espírito Santo, (1) Rio de Janeiro, (3) São Paulo, (2) Minas Gerais na
região Sudeste do país; (2) Santa Catarina e (1) Rio Grande do Sul. A seguir são
apresentados e discutidos os dez casos.
3. BUSCANDO CONEXÕES:
Parceria com
empresa de
Viação Campinas/ História das
alimentos e
Férrea fazendas.
1 SP Tanquinho/ bebidas, atuação
Campinas –
História da de grupo de
Jaguariúna Jaguariúna
ferrovia. músicos com
canções brasileiras.
São Paulo História do café e Museu
Trem do da imigração.
2 SP
Imigrante*
240
Águas Soledade de Império. cantores locais a
Minas bordo,
museus ferroviário,
produtos
(alimentos e
bebidas) locais,
musica sertaneja e
culinária mineira
(local).
Passa Quatro História do Império Exposição
fotográfica,
/Coronel História da
Fulgêncio Revolução feira de artesanato,
Constitucionalista produtos
Trem da de 1932. (alimentos e
4 MG Serra da bebidas) locais,
Mantiqueira cantores locais a
bordo, musica
sertaneja e
culinária mineira
(local).
Rio Negrinho / “históricos carros Museu dinâmico da
de passageiros” (...) Maria Fumaça,
Rio Natal (em
“encontro entre a
São Bento do grupo folclórico,
Trem da natureza e o
Sul)
5 SC
Serra do Mar saudosismo” pratos típicos
(ABOTTC, 2010). poloneses,
existência de
colônia polonesa.
Viana/ Influência Artesanato, doces e
Açoriana. bolachas.
Domingos
Trem das
Ferreira/ Homenagem a
6 ES Montanhas
Maria Leopoldina,
Capixabas Marechal
primeira imperatriz
Floriano
do Brasil.
(Araguaia)
Paranapiacaba História da Atração do Museu
(distrito de primeira ferrovia Funicular de
Trem dos
7 SP Santo André) do estado de São Paranapiacaba,
Ingleses*
Paulo.
monitores contam
parcela da história
241
da ferrovia.
A história da Palestra sobre a
estrada de ferro se história da ferrovia
Apiúna
relaciona com a no pátio da Usina
Colônia Blumenau (final),
fundada em 1850.
alimentos e
Única ferrovia a bebidas,
usar capital e
Estrada de artesanato variado
tecnologia alemã.
8 SC Ferro Santa no embarque, dois
Catarina restaurantes locais
com comida
colonial e pratos à
base de peixe,
artistas locais em
restaurante
próximo ao
embarque.
Bento Sem informação Coral típico
Gonçalves/ específica, embora italiano, teatro,
Trem do existam show gaúcho,
9 RS Carlos
Vinho vinculações com a degustação de
Barbosa/
história e a vinho e espumante.
Garibaldi memória evidentes.
Passeio
[ferroviário]
Ajuda a manter a
turístico mais
Floresta da Tijuca.
antigo do país.
Apresentação de
Rio de Janeiro Inaugurado em grupo de samba no
1884 pelo trajeto.
Estrada de Imperador.
10 RJ Ferro do
Corcovado Primeira ferrovia
eletrificada do país.
“ (...) o passageiro
faz um passeio
através da história
do Brasil”
(ABOTTC, 2010).
*Não é considerado um trem turístico e sim um trem de caráter histórico cultural (ver
ABOTTC, 2010). Fonte: Elaborado pelas autoras com base em BRASIL (s.d.); ABOTTC
(2010).
242
Embora tenha se objetivado extrair ao máximo as informações sobre os critérios
determinados na Figura 1 nas consultas aos websites analisados, destacou-se na Tabela
2 aqueles julgados como mais relevantes para a discussão proposta neste trabalho. De
imediato, nota-se a partir da Tabela 2 que os trens turísticos e culturais estudados (10
casos) são bastante heterogêneos (diferentes entre si) e podem dialogar com vários
segmentos de mercado turístico em função das características que apresentam
relacionados a história e memória, tal como o turismo nostálgico, entre outros. A seguir
o texto é subdivido em duas partes, a primeira trata da localização geográfica, de
aspectos relativos a história e a memória (ver item 3.1.) e a segunda sobre as possíveis
relações que podem ser destacadas entre a comunidade receptora e a operação
ferroviária turística a partir da Tabela 2 (ver item 3.2).
Com base na Tabela 3, nota-se que em linhas gerais, o Segundo Reinado foi
marcado tanto pela expansão cafeeira quanto pela formação do Estado liberal
monárquico. Ao mesmo tempo em que a escravidão era a realidade daquela época, a
imigração avançava em terras brasileiras. Na atualidade, o café, a imigração e a ferrovia
são elementos resgatados nos temas históricos e/ou ligados à memória que
potencializam os percursos apresentados. Em linhas gerais, a consolidação do café
243
como principal produto na economia agroexportadora representou um saldo muito
positivo para o desenvolvimento comercial internacional no Brasil Assim, a ascensão da
economia cafeeira repercutiu no imaginário de uma região e, perdurou-se, por
intermédio de gerações que parecem buscar, na atualidade, a fonte de inspiração
baseada no esplendor do século XIX.
Cada um a sua maneira, estes traços são retomados em alguns dos trechos
ferroviários que integram os dez exemplos brasileiros selecionados. Assim, as
locomotivas a vapor proporcionam aos turistas uma ambientação histórica e/ou
memorialista marcada pela suntuosidade de um tempo. Vale destacar que, em muitos
casos, a emigração para o Brasil ocorreu para fugir dos tempos difíceis europeus, mas,
certamente, não são as agruras daqueles tempos que se pretende resgatar no turismo
ferroviário na época presente (BATALHA, 2003).
Além disso, a industrialização parecia ser uma das principais marcas daqueles
tempos eufóricos e otimistas. Entretanto, a eclosão da Primeira Guerra Mundial (1914-
1918) e a crise de 1929 e seus desdobramentos colocaram em xeque o Estado liberal.
244
No Brasil, em 1932, as elites paulistas, que eram as mais favorecidas pelo sistema que
vigorou na Primeira República, almejavam, com este movimento, reaver o domínio
político que haviam perdido com a Revolução de 1930. Somados a isto, os revoltosos
reivindicavam por uma nova Constituição e clamavam pela realização de eleições
presidenciais. O governo provisório de Vargas parecia estar com os dias contados. No
imaginário popular, de forma metafórica a “locomotiva São Paulo” parecia puxar os
demais estados da federação e dava insistentemente o seu sinal de partida.
4
A palavra patrimônio pode assumir sentidos diversos. No caso do patrimônio cultural imaterial ou
intangível pode ser denominado como as práticas, as representações e técnicas que pertencem à
comunidade. (FUNARI, PINSKY, 2012).
245
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste estudo ficou evidente que existem conexões entre turismo ferroviário e
turismo de base comunitária, o que possibilita esboçar nestas considerações finais
aspectos conceituais para o TFBC. Sendo assim, entende-se que o TFBC é aquele no
qual a relação entre a ferrovia e o turismo deve ser organizada e estruturada
considerando os laços sociais entre visitantes (no caso os turistas) e os visitados
(comunidade receptora), levando à experiências permeadas pelo sentimento de
pertencimento, evocadas da valorização da cultura local através de elementos
relacionados a história e a memória.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABOTTC. (2010). Disponível em <http://www.abottc.com.br>Acesso: 7 de set. 2015.
ABOTTC, SEBRAE. (2015) O Perfil dos Clientes dos Trens Turísticos e Culturais:
Percepções e Comportamentos dos Turistas. Relatório da Pesquisa de Grupos Focais.
Abril.
246
BATALHA, C. H. M. (2003) Formação da classe operária e projetos de identidade
coletiva. In: FERREIRA, J.; DELGADO, L. O Brasil Republicano: O tempo do
liberalismo excludente: da proclamação da República à Revolução de 1930. 1ª edição.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, p.161-190.
FRAGA, C. (2013). Transporte Terrestre e Destinos Turísticos (pp. 177 – 212). In:
Transportes e Destinos Turísticos: Planejamento e Gestão. Rio de Janeiro:
Elsevier/Campus,
FRAGA, C.; BOTELHO, E.S.; FIGUEIRA, L.M.; AMORIM, E. (2015). Três Picos e
Entroncamento: Uma discussão luso-brasileira sobre a importância do turismo
247
ferroviário. In: FARIA, I.C.S.; BORGES, V.L.B. Vozes do Turismo: Incursões
interdisciplinares e relatos de experiências. Rio de Janeiro: Multifoco. p.221-246.
FUNARI, P.P; PINSKY, J. (Orgs.). (2012). Turismo e Patrimônio Cultural. São Paulo:
Contexto, 2012.
IRVING, M.A. (2009). Reinventando a reflexão sobre turismo de base comunitária. In:
BARTHOLO, R.; SANSOLO, D.G.; BURSZTYN, I. (Orgs.). Turismo de Base
Comunitária: diversidades de olhares e experiências brasileiras. Rio de Janeiro: Letra e
Imagem. p.108-121.
248
CULTURA E TURISMO EM ESPAÇOS COMERCIAIS DE ARTESANATO
Gabriela Sousa Ribeiro1
INTRODUÇÃO
1
Doutora em Urbanismo. Professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de
Janeiro (IFRJ). E-mail: gabrielasousaribeiro@gmail.com
249
e de seus pares, como para o entendimento dos aspectos socioculturais daquela região
por visitantes externos.
Essa compreensão, a partir da obra de García Canclini (1983), que indica que o
artesanato carrega e comunica aspectos socioculturais de sua localidade de origem, nos
provoca inquietações em função do contraste com a percepção empírica de que, em
distintas cidades de Norte a Sul do Brasil, basicamente, os mesmos objetos artesanais
são oferecidos à venda. Há um descolamento entre os aspectos comunicacionais
inseridos nas peças artesanais, derivados de seu local de origem, com os locais onde são
colocadas à venda.
250
espaços turísticos quanto como espaços comerciais carregados de valores e símbolos a
serem apreendidos e trocados entre os diversos usuários do local, em função dos
próprios produtos comercializados e dos espaços em si, podendo ser considerados bens
culturais.
251
melhorias urbanísticas para a população local é benéfico tanto para moradores da cidade
como para turistas.
252
González (2008) defende que as “lembrancinhas” traduzem a “essência” do local,
tornam tangíveis aos turistas os aspectos intangíveis conhecidos e acontecidos no local
visitado.
253
acontece em um período neoliberal globalizado, em que as questões econômicas passam
a ser prioritárias e defendidas como solução para questões sociais. Mesmo passados 15
anos da publicação das autoras, a agenda neoliberal continua vigente e, cada vez mais a
cultura vem sendo usada como ferramenta para a disputa entre as cidades de qual
consegue ser mais vendável por meio da cultura e, em função disso, ser capaz de atrair
mais investimentos externos.
Neste mesmo sentido, nesses locais, corre-se o risco de ser instalado um turismo
predatório, em que os visitantes “usam e jogam fora” os espaços sem a preocupação de
preservá-los ou de assimilar algo a partir deles. Por consequência, quando passa a
“moda” daquela cidade ou espaço, o mesmo já está debilitado, fica abandonado no
âmbito turístico e a população local, que já estava segregada, perde ainda mais por,
além de ter na cidade um espaço abandonado, não se identifica com o ambiente e não se
percebe como pertencente ao mesmo.
254
criam-se novos empreendimentos turísticos para atender a essa demanda. A economia
turística fica mais complexa, a população local é mais envolvida por meio da criação de
empregos oferecidos e/ou o lugar vê a chegada de grandes investidores externos.
Butler (1980) coloca que este ciclo pode ocorrer tanto no âmbito micro, de um
espaço, um objeto arquitetônico, como em escala macro, de uma cidade. Ponderamos
que não são todos os locais que, necessariamente, passam por este ciclo e que, o ideal é
que não passem, sendo necessária cautela no trato turístico da localidade para que este
ciclo não venha a se efetivar.
255
que os mesmos deram à possibilidade de permitir ao visitante a vivência de experiências
memoráveis. E defendem que a forma mais usual de criação dessas experiências é por
meio do contato destes com as pessoas das comunidades locais, corroborando o que
defendemos neste trabalho.
MÉTODOS E TÉCNICAS
Foram feitas pesquisas bibliográficas e documentais seguidas de posterior
análise crítica dos dados coletados. Em pesquisa de campo, realizamos observações
assistemáticas e entrevistas semiestruturadas com frequentadores de três espaços
comerciais de artesanato na cidade de Recife-PE: o Mercado de São José, a Casa da
Cultura de Pernambuco e o Centro de Artesanato de Pernambuco. Os três locais,
selecionados em função de sua importância para o artesanato pernambucano, estão
localizados na parte mais antiga da cidade, respectivamente, nos bairros de São José,
Santo Antônio e Bairro do Recife, conforme mapa da figura 1.
256
também, do acolhimento por seus habitantes. E, para que haja essa relação, a cidade
deve permitir o uso dos espaços à sua população.
A partir dos estudos realizados, podemos afirmar que espaços que agregam a
população local em sua vivência cotidiana têm mais chances de se manterem vivos,
enquanto aqueles voltados exclusivamente ao turismo tendem a se tornar obsoletos com
o tempo.
257
Atualmente, conta com “561 boxes cobertos e 80 compartimentos na área
externa, acrescentando-se 24 boxes de peixes, 12 de crustáceos e 80 de carnes e frios,
totalizando 757 pontos de venda” (LINS, 2007, p. 55). Mantendo a diversidade de
produtos ofertados no espaço, no Mercado São José é possível encontrar: alimentos da
semana, sejam frutas, verduras, crustáceos, peixe, carne, grãos, ou, como se diz
corriqueiramente no Recife, para “fazer a feira”; o artesanato pernambucano abrilhanta
ainda mais de cores os corredores do mercado; os mais diversos males podem ser
curados através da oferta de ervas e raízes, sejam no ensinamento de receitas ou por
garrafadas e elixires adquiridos prontos, e aqueles males que os remédios não puderem
curar, no mercado são sanados por artigos religiosos, principalmente de matrizes
afrodescendentes. Os gostos e sabores da culinária típica também estão presentes nos
mercados, tanto de seus doces, com destaque para as cocadas e bolos de rolo, dentro do
mercado para compor a “feira”, como nas bancas de comida em sua área externa, onde a
população se encontra para almoçar, lanchar, jantar ou apenas para tomar uma
cachacinha ou uma cervejinha e “jogar conversa fora”. Além dos que são atraídos pelas
atividades culturais relacionadas a festa, dança e música, principalmente, em datas
comemorativas.
258
Figura 3: venda de crustáceos para a feira da Figura 4: oferta de artesanato nos corredores do
semana. Fonte: acervo da autora (2015). mercado incrementando as trocas socioculturais
entre vendedores e compradores.Fonte: acervo
da autora (2015).
259
- Hotel com padrão internacional, com estrutura para uma Marina,
onde antes havia o armazém 15 e o antigo prédio da CONAB (em
breve) (PORTO NOVO RECIFE, 2016).
O comercio informal também foi reprimido pelas forças do Estado, que queriam
manter a higienização necessária ao encantamento turístico e elitista. Era comum
observar forças de segurança pública e privada reprimindo pessoas “desconexas” ao
local. Porém, vale lembrar que a área se situa numa região próxima à comunidade do
Pilar, uma comunidade pobre que sobrevive, principalmente, do comércio informal.
260
que dá seu preço, em cima do qual é acrescido um valor de 30% para manutenção do
espaço (RIBEIRO, 2016).
Figura 5: Disposição das peças expostas à venda dentro do CAPE. Fonte: acervo da autora (2015).
Figura 6: Visão de dentro do CAPE para o mar e o Parque das Esculturas. Fonte: acervo da autora (2015).
261
produto turístico. Ainda assim, acreditamos que o CAPE irá contribuir a propiciar vida e
significado à área, em função do respeito que tem com as peças artesanais e seus
artífices. Os visitantes conseguem perceber isso, ao visitar o Centro. Considerando que
lojas não cobram ingressos para visitação, o CAPE tende a ser um espaço turístico e de
visita atual e frequentado no Recife. Diferente do que percebemos em relação à Casa da
Cultura de Pernambuco.
Figura 7: Casa da Cultura de Pernambuco com seu formato de cruz. Fonte: Casa da Cultura (2017).
262
lojas de artesanato, encontram-se: livraria especializada em Pernambuco, sala de
pesquisa e cursos diversos, teatro, anfiteatro externo, Museu do Frevo e associações de
várias entidades culturais (CASA DA CULTURA, 2016). Porém, ainda assim, a partir
de entrevistas com moradores do Recife, Ribeiro (2013) percebeu que o espaço não faz
parte do cotidiano da população. As pessoas entendem o espaço como primordialmente
turístico e não se sentem atraídas a usufruí-lo.
Não participar dos espaços citadinos é talvez uma forma ativa de participar,
gritando em silêncio, que aquilo que clama por sua participação não interessa a
população, não lhe passa suficiente atração (PARRAMON, 2011). Espaços que não
permitem que a vivência cultural seja efetivada, tornam-se obsoletos na dinâmica
urbana, ainda que a edificação e/ou o espaço tenha atrativo histórico-cultural.
Para Gáti (2013), a Casa passa por uma crise de valoração. Tem valor apenas
como patrimônio tombado, a população não o reconhece como equipamento cultural,
não se apropria do local. A relação afetiva da população com a edificação que geraria o
conceito de pertencimento deixou de existir, entre outros, em função do esvaziamento
habitacional do bairro de São José, em 1973, dado pela abertura da avenida Dantas
Barreto para modernizar a região e, ainda, pela ampla ênfase dada ao comércio de
artigos voltados para o turista, muitos de baixa qualidade e até de fora do estado. A
autora conclui seu pensamento afirmando que, ao passar para uma nova empreitada,
inaugurando, em 2012, o Centro de Artesanato de Pernambuco (CAPE), como parte do
Projeto Porto Novo Recife, que, a partir de diversas obras de requalificação e
revitalização do centro histórico do Recife vão modificando a área, perde-se a
oportunidade de desenvolver um projeto que devolvesse à Casa da Cultura sua
importância e referência de ter sido o primeiro local dedicado ao artesanato da capital
pernambucana, hoje desvirtuado do seu propósito cultural inicial.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O turismo para ser atrativo não deve excluir a população local. Ao contrário, ele
é sustentável e consciente quando a população local não é segregada dos espaços, visto
que é ela um dos maiores atrativos turísticos por ser representante de hábitos, costumes
e tradições materializadas em peças artesanais, culinária típica, manifestações culturais
e trocas socioculturais que dão característica e significado particulares ao local.
263
Vemos como um problema a lógica turística que busca adequações de espaços a
padrões pré-determinados e, muitas vezes, estrangeiros, que tendem a modificar as
características locais, correndo o risco de suprimir aspectos que fizeram com que o
espaço fosse inicialmente valorizado ao turismo. É importante valorizar as
particularidades da região onde está inserido (ser ‘parecido consigo mesmo’ e não imitar
outros locais), mostrando às comunidades e ao poder público que o fato do lugar ser
próprio/único é o que o faz existir e ser atrativo.
A cultura precisa ser preservada não para o turista, não apenas para se ganhar
dinheiro a partir dela, mas para contribuir para que as pessoas se reconheçam nas suas
práticas, no seu mundo. A cidade precisa ser de e para todas as pessoas, sem
discriminação de raça, cor, características antropométricas, classe social. Se ela for boa
para a população local, por consequência, os turistas terão boas experiências no local, o
contrário nem sempre é verdadeiro.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BUTLER, R.W. The concept of a tourist area cycle of evolution: implications for
management of resources. Canadian Geographer, XXIV: 1, 1980.
264
CAPE – Centro de Artesanato de Pernambuco. Catálogo de Produtos. Recife:
SEBRAE/AD Diper, 2013.
265
PARRAMON, R. Ciudades, barrios y prácticas artísticas. Iara – Revista de Moda,
Cultura e Arte, v.4, n. 1, p. 140-150, abril 2011.
266
ANÁLISE TEMPORAL DO DESENVOLVIMENTO ORGANIZACIONAL DO
EVENTO ESPRAIADO DE PORTAS ABERTAS NOS ANOS DE 2008 E 2016
NO MUNICÍPIO DE MARICÁ, RJ.
RESUMO: Este artigo aborda o evento turístico “Espraiado de Portas Abertas”, que é
realizado no Município de Maricá – RJ e busca identificar a forma de participação da
população local. Para tanto, descreve-se seu funcionamento, suas características e
práticas sustentáveis, comparando sua operacionalização na origem, em 2008 e em
2016, assim como distingue-se as características do turismo rural e do turismo de base
comunitária, por se tratar de um evento turístico realizado no espaço rural. Para tanto, a
metodologia baseou-se em dados primários, com pesquisa de campo, assim como
secundários, mediante pesquisas bibliográficas e documentais. Com base nestes dados,
concluiu-se que a tipologia do evento evoluiu para um modelo de turismo base
comunitária, pois promove a valorização da identidade cultural local e sua devida
inclusão social.
INTRODUÇÃO
1
Licenciada em Turismo pela UFRRJ – Tatiana Macedo da Costa – tatiana_gnr@hotmail.com.
2
Prof. Dr. dos cursos de Turismo e Hotelaria da UFRRJ – Sergio Domingos de Oliveira –
sedoliveira@gmail.com.
267
O evento turístico Espraiado de Portas Abertas é um projeto criado para
valorizar a cultura do município de Maricá, sobretudo quanto à participação e alcance
dentro da sociedade maricaense com o advento do turismo.
268
por sua vez, envolve o estudo profundo e exaustivo de um ou poucos objetos de maneira
que se permita o seu amplo e detalhado conhecimento (SILVA, MENEZES, 2001, p.
21). Meirinhos reforça as informações acerca das características dos estudos de caso,
justificando sua adoção nesta pesquisa:
269
Para se contrapor aos impactos negativos do turismo e aproveitar os benefícios
da atividade, observa-se que em algumas localidades, de diferentes países, por meio da
mobilização e organização da sociedade civil, surgiram diversas iniciativas
diferenciadas, baseadas nos modos de vida locais. Nestas experiências as dimensões da
sustentabilidade são pré-requisitos para a estruturação da oferta das atividades turísticas,
como as redes de comércio justo no turismo, as ações ligadas ao turismo responsável,
ações de desenvolvimento local endógeno e o fomento a práticas de economia solidária
na cadeia produtiva do turismo (SILVA, 2009), especialmente em áreas rurais.
Esta responsabilidade com as experiências dos turistas, por sua vez, deve ser um
ingrediente base de todos os atores envolvidos quando desenvolve-se roteiros com
atividades de turismo em áreas naturais, pois segundo ponto de vista de Oliveira et al:
Blos (2000), em sua obra, destaca que o turismo no espaço rural é uma forma de
contato direto e personalizado entre turistas e proprietários rurais, além da participação
do visitante nas atividades, nos usos e nos costumes da população local. A relação do
rural com o turismo residiria na demanda das pessoas do meio urbano que, submetidas a
um cotidiano frenético, queiram visitar o campo para recuperar suas forças, por fruição
ou simplesmente para mudar de paisagem, em busca de descanso.
O turismo de base comunitária, por sua vez, é uma modalidade do turismo que
surge em contraponto ao turismo convencional, como alternativa para a exploração das
potencialidades e valorização das especificidades do local por meio da inclusão da
comunidade no desenvolvimento do turismo, além de constituir-se em uma importante
fonte geradora de renda e qualidade de vida. Busca a construção de um modelo
alternativo de desenvolvimento turístico baseado na autogestão, no
associativismo/cooperativismo, na valorização da cultura local e, principalmente, no
protagonismo das comunidades locais, visando à apropriação, por parte destas, dos
benefícios advindos do desenvolvimento do setor.
271
direto dos visitantes com o meio natural e cultural é a principal característica do turismo
de base comunitária.
Desse modo, observa-se que o desenvolvimento do turismo comunitário requer
um planejamento ordenado que potencialize os aspectos positivos da atividade e
minimizem os impactos negativos. É importante salientar que, diferentemente do
turismo rural, a comunidade deve apresentar-se participativamente em toda a cadeia
produtiva, de modo que toda renda e lucro permaneçam na comunidade e possibilitem o
desenvolvimento.
O nome Espraiado, de acordo com os moradores, vem da época das cheias que
alagavam a região, espraiando as águas por toda sua extensão e pelos riachos que
formam o rio Caranguejo (LAMBRAKI, 2005). O acesso ao município pode ser feito
tanto pela RJ-106, que liga o município às cidades de Niterói, São Gonçalo e
Saquarema, quanto pela RJ-114, que faz a conexão com o município de Itaboraí e as
rodovias RJ-104 e BR-101.
272
Figura 1 –Espraiado de Portas Abertas, Maricá - RJ
FONTE: Google Maps 2017.
O evento Espraiado de Portas Abertas, por sua vez, foi criado e iniciado em
2008. Foi idealizado pela proprietária do Sítio do Riacho junto à comunidade, a senhora
Regina, com objetivo de atrair turistas para a região e despertar interesse do poder
público a valorizar o saber fazer e a cultura local, assim como promover a valorização
das belezas naturais existentes no local.
(...) De 2008 e 2009 o projeto aconteceu todo domingo de cada mês, a
partir de 2010 começou a sentir que faltava apoio público, para
melhoria das estradas, todo mês pedia através de oficio que
melhorassem as estradas, e que era preciso pavimentar, fizemos juntos
com outros colaboradores para providenciar lixeiras.
(...) Posteriormente o projeto foi alterado a acontecer trimestralmente,
porque começou a ficar sobrecarregada e algumas pessoas começaram
a desistir, viram que não estava acontecendo o apoio esperado do
poder público, a prefeitura tinha prometido estrada, pois muitas
pessoas desistiam de participar do turismo local, devido a estrada
ruim, que não queriam colocar seus carros em ruas com muitos
buracos. (trecho retirado da entrevista da idealizadora do projeto,
2016).
273
pessoas que estão em busca de uma vida mais tranquila, promovendo processos de
infraestrutura como a colocação de paralelepípedo e asfalto das vias de acesso.
Assim, a cada edição o evento busca resgatar o saber fazer da região, suas
comidas típicas e em uma das edições, foi realizado a debulhação do feijão guandu
274
como parte do projeto. Esta atividade teve como objetivo a preservação de valores
antigos realizados na região. (Figura 2)
No ponto que tange a tapeçaria maricaense, que é uma atração única e antiga da
região, são feitas com técnica trazida de Marrocos pela Sra. Madeleine Colaço, nascida
em Tanger, filha de pai Francês e mãe americana e que, por ocasião da 2° guerra
mundial, saíram de Portugal, chegando no Brasil em 1940.
275
entre outras, mostrando e perpetuando a arte da tapeçaria com o ponto brasileiro, legado
deixado na nossa região rural pelas alunas da grande tapeceira Madeleine Colaço que
escolheu o Espraiado para fixar sua moradia e produzir sua arte em belos tapetes (Figura
2 A).
276
divulgação do evento, cursos profissionalizantes, entre outros, visto que a melhoria do
projeto é de suma importância não só para a região, como para o Município que terá
como referência seu turismo no espaço rural.
Tabela 1: comparativo de participantes de 2008 X 2016 no Espraiado de Portas Abertas
ATRAÇÕES 2008 ATRAÇÕES 2016
Sítio do Riacho - Exposição no salão de Sítio do Riacho - Trilha até a Cachoeira da
jogos “Arte da Tapeçaria no Espraiado”; Concha, e orientação sobre a importância de
Atividades desenvolvidas: participação com preservar o meio ambiente.
jogos e brincadeiras; Trilha até a Cachoeira
da Concha, e orientação sobre a importância
de preservar o meio ambiente.
Escola Municipal do Espraiado - Serviço
de emissão de carteira de trabalho; Balcão de
empregos; Programa de atenção integral a
saúde da mulher, criança e adolescente
(PAISMCA) –Distribuição de informativos
orientando a importância de preservação das
DST‟s.
Horse Center – Aulas de Equitação
Sitio Esperança - Conhecido como “sítio do
Francês”, demostra aos visitante com a
atração dos animais que atendem pelo nome
dos proprietários.
Feira de produtos da Terra e Artesanato -
Feira com agricultores da região e seus
artesanatos.
Sítio Cantinho dos MM – Pesque Pague -
Comercialização de mel e temperos de ervas;
Pesca Esportiva.
277
Barraca do Açai – Bebidas e tira gosto. Bar da Joana – Bar e restaurante.
Bar da Joana – Bar e restaurante
Bar do Almir – Bebidas, caldos e tira gosto.
Barraca da Cida - Bebidas e tira gosto.
Bar da Sueli e Benedito - Bebidas e tira
gosto.
Bar do Luciano - Bebidas e tira gosto.
Bar e mercearia da Isabel – Bar e
restaurante.
Saloma‟s - Bar e Restaurante.
Cantina da Capela de São João Batista -
Galinha ensopada com aipim ou batata e
bolinho de aipim.
Sítio Cantinho do MM - Pesque Pague –
Bar e restaurante.
Regina - Doces caseiros, biscoitos
amanteigados e bolos em diversos sabores.
O fato do turismo acontecer no espaço rural nem sempre poderá ser considerado
nesta segmentação. Neste escopo, o projeto Espraiado de Portas Abertas atende aos
fundamentos teóricos de turismo de base comunitária, pois sua principal característica é
278
a valorização das peculiaridades do local, por meio da inclusão da comunidade no
desenvolvimento do turismo como geradora de renda.
CONCLUSÃO
279
como objetivo incentivar a comunicação e encontros interculturais entre visitantes e
residentes, buscando conhecer e aprender com os modos de vida das comunidades.
Blos (2000), por sua vez, destaca que o turismo no espaço rural é uma forma de
contato direto e personalizado entre turistas e proprietários rurais, além da participação
do visitante nas atividades, nos usos e nos costumes da população local. A relação do
rural com o turismo residiria na demanda das pessoas do meio urbano que, submetidas a
um cotidiano frenético, queiram visitar o campo para recuperar suas forças, por fruição
ou simplesmente para mudar de paisagem, em busca de descanso.
280
voltados para o desenvolvimento ambiental, econômico, cultural e social dos
envolvidos, pois estes reconhecem nas ações no campo do turismo uma possibilidade de
realização de um cenário de vida mais justa, com equidade social e valorização de seus
atributos específicos, favorecendo, através de sua organização, sua perenidade. Tornar a
atividade turística uma ferramenta de desenvolvimento, no qual as responsabilidades e
atribuições sejam claras e participativas, podem propiciar a melhoria da qualidade de
vida das comunidades e também do meio ambiente, justificando plenamente os esforços
empreendidos nesta pesquisa.
REFERÊNCIAS
BARTHOLO, R; SANSOLO, D. G. e BURSZTYN (Orgs.). Turismo de Base
Comunitária: Diversidade de Olhares e Experiências Brasileiras. Rio de Janeiro:
Letra e Imagem, 2009.
BLOS, W. Turismo rural e desenvolvimento local. Santa Maria: Ed. Facos, 2005.
281
MALDONADO, C. O Turismo Rural Comunitário na América Latina: Gênesis,
Características e Políticas. In: BARTHOLO, R.; SANSOLO, D. G.; BURSZTYN, I.
(Orgs.). Turismo de Base Comunitária: Diversidade de Olhares e Experiências
Brasileiras. Rio de Janeiro: Letra e Imagem, 2009.
YIN, R. Applications of case study research. Beverly Hills, CA: Sage Publishing, 1993.
282
YIN, R. Estudo de Caso. Planejamento e Métodos. Porto Alegre: Bookman, 2005.
283
A IMPORTÂNCIA DO INVENTÁRIO DA OFERTA TURÍSTICA PARA O
PLANEJAMENTO DE DESTINOS: O CASO DO MUNICÍPIO DE ILHA
GRANDE, PIAUÍ.
Cintia Carvalho Santos1
Anderson Fontenele Vieira2
Adilson Silva de Castro3
ABSTRACT: This presente article deals with tourism planning, considering the
relevance of this to the development of touristic destinations based on the precepts of
sustainability. In order to do so, we sought to identify the perception about tourism
planning of the actors involved with the elaboration of the inventory project of the
touristic offer at Ilha Grande city, Piauí. The metodology used was based on
bibliographical research, besides the application of structured interviews with the
Secretary of Tourism, his trainee and the Professor of the Federal University of Piauí.
Finally, it was identified the relevance of the elaboration of the inventory of the tourist
offer for the planning of the aforementioned city, in addition to its contribution as a
guide in the development of sustainable tourism and local socioeconomic growth.
KEYWORDS: Planning; Sustainability; Invetory; Tourism.
INTRODUÇÃO
1
Bacharelanda em Turismo pela Universidade Federal do Piauí, cintiacarvalhosnt@gmail.com.
2
Bacharel em Turismo, Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela Universidade Federal do
Piauí, anderson_ufpi@hotmail.com.
3
Bacharel em Turismo pela Universidade Federal do Piauí, adilsoncastro7@gmail.com.
284
pela Organização Mundial do Turismo (OMT) desde a década de 1990 apresenta-se
como um balizador do que se conforma enquanto atividade turística. Porém, ao se
pensar na complexidade do turismo, faz-se necessário estudá-lo tentando compreender,
por exemplo, as relações sociais e consequências destes deslocamentos na Economia
dos países ou regiões receptoras.
285
24) como aquele que “atende às necessidades dos turistas de hoje e das regiões
receptoras, ao mesmo tempo em que protege e amplia as oportunidades para o futuro”.
Em síntese, o turismo sustentável visa suprir as necessidades econômicas, ambientais e
sociais de uma comunidade, sendo que seu envolvimento define o rumo do
planejamento que necessita de sua participação direta.
286
É necessário que ocorra um mapeamento de áreas que sejam passíveis de
utilização para o Turismo, de forma ordenada em razão da garantia da integridade do
meio ambiente. Destaca-se que o desenvolvimento sustentável na prática da atividade
turística é uma premissa fundamental. Para a Comissão Brundtland “o desenvolvimento
sustentável é aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a
possibilidade de as gerações futuras atenderem a suas próprias necessidades”.
(Bruntland, Our Common Future, 1987). Desse modo, o desenvolvimento sustentável
do turismo pode fortalecer a responsabilidade ambiental e social das empresas e órgãos,
colaborando com o equilíbrio dos três pilares da sustentabilidade que são: o social, o
ambiental e o econômico. Para Leff (2002, p. 27):
287
inventário turístico é considerado um imprescindível instrumento de planejamento para
toda e qualquer localidade, porque consiste no “levantamento, identificação e registro
dos atrativos turísticos, dos serviços e equipamentos turísticos e da infraestrutura de
apoio ao turismo como instrumento base de informação para fins de planejamento e
gestão da atividade turística” (BRASIL, 2006, p. 7).
288
pública que está em processo de viabilidade é o Conselho Municipal de Turismo e como
ação está sendo realizado o Inventário da oferta Turística do município.
289
agrícola. Sua vegetação é constituída de Carnaubal, manguezal, frutíceto de restinga,
campo herbáceo. A sua rede hidrográfica é formada pelos rios Parnaíba e os igarapés do
Urubu, do Baixão, dos Morros, do Brejo e do Piriquito formando assim um local de
muita abundância de recursos hídricos de superfície. Expressiva Biodiversidade com
destaque para fauna aquática, de valor econômico (caranguejo e outros crustáceos); a
avifauna, de valor ecológico e a florística, de valor paisagístico e ecológico. Possui
também instabilidade geoclimática, com movimentação de dunas, alteração de relevo,
avanços e recuos do mar, alteração cíclica dos cursos d’água (CPRM, 2004).
METODOLOGIA
Para a coleta dos dados foram aplicadas entrevistas estruturadas e distintas, com
o Secretário de Turismo, com a estagiária da Secretaria de Desenvolvimento
Econômico, Turismo, Meio Ambiente, Pesca e Agricultura do município pesquisado e
um Professor da Universidade Federal do Piauí, envolvidos na elaboração do inventário
da oferta turística. O critério para escolha dos entrevistados se deu pelo envolvimento
direto destes em todo o processo do projeto. Os entrevistados foram o Secretário de
Turismo A.C, a estagiária N.P e o Professor Dr. R.de S.M, a entrevista ocorreu entre os
dias 09 a 10 de fevereiro, na própria Secretaria de turismo do município de Ilha Grande.
As perguntas referiam-se sobre a visão dos atores quanto à inventariação como forma de
planejamento turístico para o município de Ilha Grande, as dificuldades encontradas em
todo processo de implementação, a oferta turística do município, a percepção sobre o
turismo e as políticas públicas do munícipio.
290
a análise de conteúdo, enquanto método, torna-se um conjunto de técnicas de análise
das comunicações que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do
conteúdo das mensagens. Esta se desenvolveu por meio da exposição das falas na
íntegra dos entrevistados, em que os pesquisadores fizeram análises e correlações das
respostas dadas com o objetivo proposto para pesquisa.
RESULTADO E DISCUSSÕES
A ação, de início, foi realizada pela antiga gestão da Secretaria de Turismo, mas
não foi concretizada pela falta de interesse dos antigos gestores, como relata o atual
Secretário A.C. (2017): “já existia uma aplicação de questionário no município com a
ajuda da universidade federal do Piauí, que infelizmente ocorreu uma parada na
aplicação devido à falta de interesse para conclusão desse serviço. ”. Com a mudança da
gestão, observou-se a importância desse mecanismo como ferramenta de planejamento e
deu-se continuação para o processo de aplicação dos questionários, novamente em
parceria com a Universidade Federal do Piauí.
291
perguntas específicas para cada oferta disponibilizada. Foram coletados todos os dados
necessários, em seguida foram analisados e tabulados para a elaboração do inventário.
292
Outro fator essencial que foi questionado aos entrevistados é sobre a
contribuição do INVTUR para o turismo do município, onde se observou o interesse por
parte da nova gestão da Secretaria de Turismo para a implementação desse mecanismo
como ferramenta de suporte ao turista e para o próprio planejamento eficaz do
desenvolvimento turístico de Ilha Grande. Segundo a estagiária N.P. (2017): “O
INVTUR é um mecanismo que repassa informações sobre a oferta turística, além disso,
é uma forma de divulgar os atrativos que o município dispõe, contribuindo
significativamente para turismo. ”
293
ofertados ao visitante infelizmente ainda deixam muito a desejar, alguns por sua
estrutura, outros pela prestação de serviço”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
294
categoria específica, de acordo com os formulários do INVTUR disponibilizados pelo
Ministério do Turismo. A inventariação teve como objetivo catalogar essas informações
a fim de elaborar e planejar estrategicamente a atividade turística de forma organizada e
sustentável e servir como material de pesquisa para Turistas e pesquisadores.
295
REFERÊNCIAS
GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6º ed. São Paulo: Atlas 2008.
ILHA GRANDE. LEI Nº 190, de 05 de dezembro de 2007. Dispõe sobre o Plano diretor
do Município de Ilha Grande – PI, p. 1-27, 2007.
OMT. Previsiones del turismo mundial hasta el año 2000 y después. Madri: 1997.
OMT. Turismo internacional: uma perspectiva global. São Paulo: Bookman, 2003.
296
SILVA, F. dos S.; COSTA, S. R. da.; CARVALHO, C. de. M. B. de. (2013). Políticas
Públicas de Turismo no Brasil: estratégias para administração da atividade no
país. Anais do X SEGeT – Simpósio de Excelência em Gestão e Tecnologia. Rio de
Janeiro. p. 1-10.
297
DIMENSÃO CULTURAL COMO DIFERENCIAL COMPETITIVO DO
TURISMO EM ARACAJU
Joab Almeida Sila1
Viviane Castro2
INTRODUÇÃO
O turismo é inegavelmente um fenômeno que interfere na organização, produção e
desenvolvimento do espaço. As transformações espaciais por ele causadas impactam
1
Professor do Departamento de Turismo da Universidade Federal de Sergipe – UFS,
joab.turismo@hotmail.com.
2
Aluna do Departamento de Turismo da Universidade Federal de Sergipe – UFS,
vivianecastroturismologa@gmail.com.
298
nas paisagens e no uso dos recursos naturais, sua organização prevê a adequação e
instalação de equipamentos públicos e privados para atração de fluxos de visitantes,
podendo alterar a realidade dos lugares onde se processa.
299
METODOLOGIA
Como procedimentos metodológicos que norteiam esta pesquisa, foram adotadas as
seguintes etapas: a) levantamento bibliográfico, em que foram consultados autores que
abordam o tema, como Crouch e Ritchie (1999); Evans e Johnson (1995), Fonseca
(2005), Porter (2003), entre outros; pesquisa secundária, tomando-se como base os
relatórios anuais dos estudos de competitividade do destino indutor do turismo em
Sergipe no período de 2008 a 2013, realizados pelo Ministério do Turismo em parceria
com a Fundação Getúlio Vargas – FGV e Serviço Brasileiro de Apoio às Pequenas e
Micro empresas – SEBRAE; Posteriormente realizamos análise comparativa dos
índices com as demais capitais brasileiras inseridas no projeto quando discutimos a
evolução de atividades culturais por meio de reuniões presenciais com gestores da
Secretaria Municipal da Indústria, Comércio e Turismo – SEMICT, órgão oficial de
turismo no município.
300
O espaço é formado por um conjunto indissociável, solidário e
também contraditório, de sistemas de objetos e sistemas de ações, não
considerados isoladamente, mas como um quadro único no qual a
história se dá. [...] Sistemas de objetos e sistemas de ações interagem.
De um lado, os sistemas de objetos condicionam a forma como se dão
as ações e, de outro lado, o sistemas de ações leva à criação de objetos
novos ou se realiza sobre objetos preexistentes. É assim que o espaço
encontra sua dinâmica e se transforma. (SANTOS, 2002, P.63)
Sendo o espaço turístico o local onde ocorre a atividade turística é preciso
compreender que esta atividade, conforme ressalta Rodrigues (1999, p. 62) “deveria
preservar a sua fonte de lucro e renda; contudo, como todas as atividades do modo e
produção capitalista, destrói as próprias condições de produção. E muitas questões
poderiam ser analisadas a partir do ideário do chamado desenvolvimento sustentável”.
301
Turismo (PNT), onde o foco era a região, agora como área de planejamento da política
nacional e com objetivo de superar a priorização de municípios já estruturados para o
turismo, oportunizando um desenvolvimento descentralizado. Não obstante aos
problemas de cumprimento das suas etapas executivas, o insucesso do PRT pode ser
caracterizado pela dependência, também histórica dos agentes econômicos do turismo
em relação ao Estado, de modo que etapas essenciais como a criação de instâncias de
governança do turismo, geralmente só foram possíveis quando viabilizadas pelo próprio
Estado, consequentemente sendo desarticulada a qualquer tempo em que o Estado não
tivesse interesse na mobilização e articulação dos agentes produtivos do turismo.
302
intangível que pode agregar variados aspectos do lugar, a ideia de objetividade e
parâmetros de comparação é rapidamente superada. Por isso tentamos explicar a
evolução do conceito de competitividade de destinos turísticos e sua aplicação.
Santos alerta para uma possível perda de identidade dos lugares gera pela
competitividade, porque há uma valorização dos elementos econômicos e de mercado,
em detrimento aos elementos humanos e coletivos.
Um exemplo é a cultura. Um esquema grosseiro, a partir de uma
classificação arbitrária, mostraria, em toda a parte, a presença e a
influência de uma cultura de massas buscando homogeneizar e impor-
se sobre a cultura popular; mas também, e paralelamente, as reações
desta cultura popular. Um primeiro movimento é resultado do
empenho vertical unificador, homogeneizador, conduzido por um
mercado cego, indiferente às heranças e às realidades atuais dos
lugares e das sociedades. Sem dúvida, o mercado vai impondo, com
maior ou menor força, aqui e ali, elementos mais ou menos maciços
da cultura de massa, indispensável, como ela é, ao reino do mercado, e
a expansão paralela das formas de globalização econômica, financeira,
técnica e cultural. (SANTOS, 2000, p. 70)
303
de organização, para tanto diversos estudos sobre competitividade turística ganharam
atenção da academia.
304
naturais que podem ser tão diferentes de um lugar para outro. Portanto, uma
competitividade que parte do autoconhecimento, das peculiaridades e originalidades do
lugar, que por si, poderá significar o diferencial tão buscado na competitividade, mas
neste caso, sem tanta dependência de se comparar ao concorrente.
305
Diante de toda essa ramificação da cultura, se um destino é capaz de inventaria-la,
pode promover sua economia criativa à medida em que a insere no turismo,
possibilitando a diversificação de produtos existentes, criando outros e assegurando
competitividade a partir de elementos específicos das manifestações do lugar.
De acordo com Brasil (2015, p.50) entre os aspectos avaliados nesta dimensão que
favoreceram o resultado final, estão a existência de uma associação de artesãos, grupo
artístico de manifestação popular tradicional – fator que ajudam a preservar as tradições
locais. Constata-se também a forte presença de patrimônio cultural, tendo em vista que
abriga bens tombados como patrimônio histórico ou artístico. A maioria destes bens se
constitui em atrativos turísticos para Aracaju. No que se refere à estrutura para a gestão
pública da cultura, o destino integra o Plano Estadual da Cultura mas não foi
identificado um plano municipal. Aracaju participa do Conselho Estadual da Cultura de
Sergipe e conta com um conselho municipal de cultura ativo e com um fundo municipal
de cultura. Por fim, ressalta que o destino integra o grupo dos que aderiram ao Sistema
Nacional de Cultura (SNC).
Capitais Aracaju
Dimensões
2008 2009 2010 2011 2013 2015 2008 2009 2010 2011 2013 2015
Total Geral 59,5 61,9 64,1 65,5 66,9 68,6 52,4 56,4 60,1 62,7 62,8 64,0
306
Infraestrutura 70,5 71,3 70,5 75,8 75,4 76,0 70,7 67,0 66,7 67,7 78,0 81,3
geral
Acesso 66,9 69,9 69,9 74,0 74,9 75,4 63,6 67,9 69,9 72,9 76,5 70,0
Serviços e 56,8 59,4 56,1 64,1 69,1 72,3 39,3 41,8 39,3 60,9 62,4 67,8
equipamentos
turísticos
Atrativos 56,6 58,5 55,8 61,3 62,9 64,0 56,9 58,4 56,9 54,2 53,9 57,6
Turísticos
Marketing 46,3 47,5 46,3 50,0 50,1 53,5 46,8 42,1 46,8 48,4 55,3 47,9
Políticas 55,7 58,7 55,0 61,3 62,1 63,9 59,4 61,9 59,4 75,7 60,0 60,4
Públicas
Cooperação 42,9 47,1 48,6 47,7 44,2 47,6 51,4 52,6 62,7 57,5 47,6 59,2
Regional
Monitoramento 42,1 41,8 41,6 44,3 45,1 44,6 22,5 29,5 22,5 44,8 27,0 33,0
Economia 64,7 67,6 64,7 70,6 75,4 77,2 39,0 49,8 39,0 60,2 61,5 64,5
Local
Capacidade 72,1 78,1 72,1 85,1 86,0 86,7 44,3 81,4 44,3 92,2 84,4 86,8
Empresarial
Aspectos 62,3 63,1 62,5 64,7 63,1 64,2 63,6 62,6 63,6 64,2 57,5 54,3
Sociais
Aspectos 63,8 67,7 62,6 72,7 73,5 74,9 45,8 50,4 45,8 52,1 64,4 70,7
Ambientais
Aspectos 61,4 63,0 60,2 66,2 66,4 73,1 62,0 55,2 62,0 55,7 60,8 62,4
Culturais
Tabela 1: Aracaju, consolidação dos resultados dos índices de competitividade do destino indutor do
turismo no período de 2008 a 2013
Fonte: Adaptado pelos autores com base nos relatórios anuais de competitividade do turismo, 2017.
Baseado na análise dos relatórios analíticos no período de 2008 a 2015 foi possível
observar que o destino Aracaju saiu de um índice geral de 52,4 para 64,0 com destaque
para as dimensões de capacidade empresaria pelo aumento das empresas de serviços
turísticos, aumento de leitos e oferta de cursos de capacitação profissional; na
307
infraestrutura geral pela construção de pontes ligando a capital ao litoral sul do estado e
recuperação de rodovias. Estas dimensões tendem a continuar crescendo em razão dos
investimentos previstos durante a execução do Programa de Desenvolvimento do
Turismo – PRODETUR em fase de contratação de projetos executivos. Ainda assim é
notório que Aracaju possui uma média menor que a das capitais, embora maior que a
média nacional.
309
surpreende, mas não foi identificada nenhuma estratégia de segmentação voltada para a
cultura. Outrossim o uso dos equipamentos culturais nos roteiros turísticos se estabelece
de modo incipiente, permitindo novas formatações e aproveitamento das programações
culturais nos roteiros/produtos turísticos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
310
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARBALHO, A. Política Cultural. Coleção política e gestão culturais. Secretaria de
Cultura do Estado da Bahia: PP5 Edições. 2013.
LARAIA, R. de B. Cultura: uni conceito antropológico. 14. ed. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Ed., 2001.
311
MENEZES ,V. de O.; CUNHA, S. K. da. Meios de Hospedagem e Inovação como
Estratégia Competitiva: Uma Discussão Teórica com Base na Visão de Porter.
Revista Rosa dos Ventos, 2015.
OECD. Centre for Entrepreneurship, SMEs and Local Development. The Impact of
Culture on Tourism. Spanish translation by the Tourism Ministry of Mexico. Paris.
2009.
PETROCHI, M.. Turismo: Planejamento e gestão. 2ª. ed. São Paulo: Pearson Prentice
Hall, 2009.
312
MAPA MENTAL COMO FERRAMENTA DE FEEDBACK IMPORTANTE AO
PLANEJAMENTO DE ESPAÇOS PÚBLICOS DE LAZER E TURISMO
URBANOS
Fernanda da Costa Silva1
1. INTRODUÇÃO
1
EMATER-RS/ASCAR. Rede Metodista de Ensino – IPA. E-mail: fernandacds@hotmail.com.
2
Este artigo apresenta dados que compõem uma pesquisa mais ampla, denominada “Adoções de Espaços
Públicos de Lazer e Turismo Urbanos: do planejamento à percepção dos usuários”. A publicação integral
está disponível no site do Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(http://www.ufrgs.br/propur/index.php?pagina=dissertacoes_interna&ano=2013).
313
O tema será exposto mediante análise de espaços públicos que amparam em
si práticas tanto de lazer como de turismo. O lazer é considerado, nesta pesquisa, como
um fenômeno essencialmente dinâmico (ANDRADE, 2001), sendo, portanto, capaz de
alterar a estrutura dos espaços no qual é desenvolvido. No que tange às práticas de
turismo amparadas nos espaços públicos aqui considerados, tem-se que elas estão no
âmbito do Turismo Urbano.
Em um patamar mais abrangente, objetiva-se discutir a relevância da
percepção dos usuários para o planejamento e a gestão dos espaços de lazer e turismo
urbanos. Mais especificamente, o trabalho visa: elucidar a importância da avaliação pós-
ocupação; e mostrar como os mapas mentais, aplicados aos usuários dos espaços,
podem ser ferramentas importantes nesse contexto de planejamento e gestão para
obtenção de feedback.
A relevância do tema justifica-se, na medida em que o espaço público seria
o resultado dos processos de relação entre o Estado e a sociedade civil (SOUZA, 2008),
configurando-se como importante ferramenta de diálogo entre essas duas esferas. Mais
do que isso, ele está associado às possibilidades de democratização da relação entre
Estado e sociedade (RIBEIRO, 2006), residindo aí a importância da participação da
comunidade na tomada de decisões para o estabelecimento desse espaço enquanto
público. Assim, é imperativo que o Estado conheça as necessidades dos usuários em
relação aos espaços públicos de lazer e turismo.
2. REFERENCIAL TEÓRICO
314
2000). Admite-se, por isso, que sua dinâmica seja capaz de descrever as mudanças e os
valores culturais em uma sociedade, de acordo com as formas de apropriação pelos
usuários (FERREIRA DOS SANTOS; VOGEL, 1981).
Por sua vez, os espaços de lazer e turismo (mais especificamente de
Turismo Urbano) localizados ao ar livre, de fácil acesso, constituem uma possibilidade
de indivíduos identificarem-se e interagirem com diferentes manifestações culturais
(NUSSBAUMER, 2000), desempenhando um papel importante enquanto forma e
atributo de valores de uma cultura. No tocante a tais ambientes, a relação entre
elementos e respectivos significados deve ser observada, em especial porque o lazer
também é responsável pelo bom desempenho ambiental, tal como sugere a Carta de
Atenas (LE CORBUSIER, 1993). Assim, de acordo com Doren et al. (1983), ao não
atenderem funcionalmente às atividades de lazer, as cidades podem ter o campo de
integração social prejudicado.
No que se refere ao turismo, tem-se que especialmente nas últimas décadas
do século XX, com o esgotamento do segmento “Sol e Praia” (DIAS, 2008), o Turismo
Urbano teve expressiva prosperidade, impulsionada pela globalização e consequente
competição entre as cidades pela captação de novos consumidores do espaço (GUNN;
VAR, 2002), investindo-se, contudo, não somente em infraestrutura específica de
turismo, mas em estruturas já existentes para o lazer dos moradores. Como analisam
Gastal e Moesch (2007), o Turismo e o Lazer passam, cada vez mais, a ser relacionados
aos objetivos de desenvolvimento integral das cidades, por proporcionarem repercussão
na estrutura econômica e fortalecerem as empresas de portes variados. Essa conjuntura,
em suma, foi capaz de fortalecer o Turismo Urbano ao longo dos anos, tornando-o um
dos mais importantes no contexto turístico atual.
Especificamente quanto ao planejamento turístico e sua relação com os
consumidores do espaço, Silveira (2005) expõe a analogia direta que há entre a
consideração da percepção espacial para a construção de um planejamento turístico e os
resultados positivos dessa prática. Para este autor, a percepção é uma ferramenta para
gestão de espaços turísticos, pois ela identifica: onde reside a força do turismo; o
comportamento da população local nos espaços turísticos; bem como os pontos fortes e
fracos do setor. Assim, é possível que se alterem, corretamente, estruturas sociais,
culturais e econômicas dos espaços.
Portanto, não basta planejar e estabelecer ambientes públicos de qualidade.
Importa, “[...] indiscutivelmente, o modo como os espaços públicos são geridos”
315
(SHAFTOE, 2008, p. 132), pois a forma de gestão interferirá na avaliação da qualidade
espacial. Por conseguinte, não há razão em se alicerçar um planejamento que não
considerem as impressões dos usuários e suas formas de apropriação dos espaços
ofertados a eles no âmbito do domínio público. É a partir do entendimento dos
processos de percepção desses usuários em relação ao meio ambiente que se poderão
fornecer espaços bem planejados. Assim, ratifica-se o que afirma Lynch (1962), para
quem o planejamento de um lugar é a arte de se conseguir arranjar o ambiente físico
externo para se dar suporte ao comportamento humano.
A urgência da análise de espaços que amparem concomitantemente as
práticas de lazer e turismo também se respalda no fato de que o acesso ao turismo é
importante indicador de qualidade de vida, conclusão alcançada por ocasião da
Conferência de Manila, já em 1980. Nesse âmbito, a percepção de um turismo reservado
apenas a quem disponha de tempo livre e recursos econômicos para praticá-lo deu lugar
à visão de que o turismo é uma necessidade e um direito humano (DIAS, 2008).
316
imageabilidade advém da frequência com a qual o espaço seja identificado e lembrado
pelas pessoas. Ele se consiste na característica de um objeto físico, o qual seja capaz de
conferir alta probabilidade de evocar uma imagem forte em um observador, facilitando,
assim, a criação e o estabelecimento de imagens mentais em relação a um espaço. Essas
identificações e lembranças formam, em cada indivíduo, mapas mentais de espaços com
os quais tenha contato e dos quais faça uso.
Acerca dos mapas mentais é relevante destacar o que estabelecem Golledge
e Stimson (1997), para quem o mapa mental (ou mapa cognitivo) não somente subsidia
o entendimento dos componentes físicos visíveis em um espaço, como também provê
informações acerca de referências que adquirem importância devido a suas
características históricas, econômicas e políticas (LANG et al., 1974). Em adição,
conforme indicam estudos como os de Kaplan e Kaplan (1983; 1989), cada indivíduo
desenvolve variados e distintos mapas mentais. Ao mesmo tempo, esses mapas
relacionam-se de alguma forma entre si, o que sugere haver uma hierarquia na
representação dos elementos dos mapas de cada pessoa. No âmbito do planejamento
urbano, o que interessa quanto à imagem da cidade é a produção de imagem consensual
(ou de imagens consensuais) para um número significativo de observadores. Esse
resultado da percepção espacial dos usuários apresenta-se como importante ferramenta
para planejadores urbanos, cuja preocupação esteja centrada na criação de um ambiente
que venha a ser usado por muitas pessoas (LYNCH, 1960), como os espaços públicos
abertos.
Nessa perspectiva, faz-se necessário observar o grau de legibilidade dos
ambientes atribuído pelos usuários. Por legibilidade, toma-se a definição adotada por
Lynch (1960), na década de 1960, a saber, a qualidade visual de um espaço (uma cidade
como um todo, ou uma área determinada), obtida por meio do estudo da imagem mental
de seus usuários. Em suma, a legibilidade consiste na clareza com que as partes de uma
cidade possam ser organizadas em uma estrutura, ratificando-se aí a importância do
estudo da relação entre usuários e espaço.
O grau de legibilidade espacial e a consequente apreensão das imagens que
os usuários tenham de um determinado espaço dependem de elementos relacionados à
atratividade ambiental. Para aumentar a legibilidade, uma cena necessita ter algum
componente memorável, que ajude na orientação espacial (KAPLAN; KAPLAN;
RYAN, 1998). Como exemplos desses componentes, Lynch (1960) afirma serem os
marcos algumas das mais importantes referências externas físicas. Eles podem ser
317
distantes, de grandes proporções, ou de menores proporções, podendo então ser vistos
somente a partir de certa proximidade, em lugares restritos.
Sob essa perspectiva teórica exposta, tem-se que a inclusão dos usuários em
processos de planejamento das cidades é indispensável no que se refere ao trato do lazer
e do turismo urbanos em espaços públicos. Ademais, considerando-se que os usuários
devam ter papel ativo na percepção do mundo, contribuindo incisivamente para o
desenvolvimento de sua imagem ambiental (LYNCH, 1960), ratifica-se a necessidade
de se apurar a percepção desses atores quanto às políticas de gestão espacial vigentes
contemporaneamente, cuja metodologia empregada para tanto segue apresentada na
seção seguinte.
3 METODOLOGIA
318
sinaliza-se que esse conjunto de motivações turísticas se relaciona diretamente às
características das áreas selecionadas como recorte de estudo nesta pesquisa.
As três áreas analisadas na cidade de Porto Alegre (Figura 1) foram: um
largo, caracterizado como meio ambiente cultural (totalidade do Largo Jornalista Glênio
Peres - LJGP); um parque, caracterizado como meio ambiente cultural (Parque
Farroupilha - PF); e uma orla, caracterizada como ambiente artificial (Orla do Lago
Guaíba - OLG, na extensão pertencente ao Parque Maurício Sirotsky Sobrinho).
Nesta pesquisa, a aplicação do mapa mental é estabelecida como parte
importante para obtenção de um feedback quanto ao planejamento e a gestão de espaços
urbanos de lazer e turismo pós-ocupação e objetivou depreender a imageabilidade e a
legibilidade das áreas estudadas, partindo-se da percepção dos usuários. Em cada área
da pesquisa foram coletados dez mapas mentais, totalizando trinta participantes. O
período de aplicação da ferramenta compreendeu dias úteis e finais de semana, durante
manhãs e tardes3.
Ao todo, houve participação de três idosos (todos no Pq. Farroupilha), seis
adolescentes (dois em cada uma das áreas) e 22 adultos (seis no Pq. Farroupilha; oito no
Largo Jornalista Glênio Peres; e oito na Orla do Lago Guaíba)4. No momento da
abordagem, os usuários estavam, na maioria, praticando alguma forma de lazer ou
turismo.
3
As noites não foram utilizadas para a pesquisa porque os lugares estudados apresentaram segurança
precária nesse período do dia, além de disporem de menor número de usuários em comparação aos
períodos da manhã e da tarde.
4
Buscou-se abranger um grupo heterogêneo de participantes, de forma a se ter uma visão ampla acerca
dos itens investigados pela ferramenta. Ainda assim, não foi possível obter-se proporção exata entre os
diferentes tipos de entrevistados, no que se refere ao gênero, à faixa etária, à ocupação, entre outros
fatores.
319
LJGP
PF
OLG
320
Tabela 1 – Importância de espaços do Largo Jornalista Glênio Peres.
321
Decks de
lancherias do
Mercado Público
Municipal
322
elementos da natureza relacionados ao PF. Em igual proporção, foram apontados como
mais importantes daquele espaço o Colégio Militar (que não faz parte do Parque, mas
está em seu entorno imediato, na Avenida José Bonifácio), o monumento O
Expedicionário e o Brique da Redenção. Em menor incidência foi indicado o Eixo
Principal como sendo o espaço mais importante no Parque. A Tabela 2 relaciona o nível
de importância às justificativas deste tipo de ordenamento feito pelos usuários.
Tabela 2 – Importância de espaços do Parque Farroupilha.
323
No que tange à lembrança dos espaços do Parque, ou daqueles em seu entorno,
independentemente do tipo de avaliação atribuída a eles, também é possível averiguar
que alguns foram mais notados do que outros durante a aplicação dos mapas mentais. A
Figura 4 hierarquiza esses ambientes no mapa do Parque Farroupilha, sendo as manchas
mais escuras as que representam maior grau de referência atribuído pelos entrevistados
(em números absolutos indicados na legenda).
324
A ordem de importância atribuída aos diversos ambientes da OLG foi
semelhante entre os entrevistados. O conjunto da Usina do Gasômetro com a chaminé
foi indicado como mais importante, seguido pela Avenida Edvaldo Pereira Paiva. Em
igual proporção foram mencionados como os elementos mais importantes o Anfiteatro
Pôr-do-sol, a Academia da Terceira Idade, as quadras esportivas (à época adotadas por
investidor privado), o pôr-do-sol e o Lago Guaíba. Quanto ao menor grau de
importância atribuído a determinados ambientes, cabe abalizar que alguns entrevistados
não consideraram, de fato, menos importantes os espaços numerados por último, mas
assim o fizeram por não recordarem de mais lugares dispostos à Orla. A Tabela 3
explicita a organização de importância dos elementos referenciados e as justificativas
dos usuários para tais classificações.
Tabela 3 – Importância de espaços da Orla do Lago Guaíba.
Figura 5 - Organização hierárquica dos elementos da Orla do Lago Guaíba – Parque Maurício Sirotsky
Sobrinho.
Fonte: autora, 2012.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
326
quantitativamente, bem como se extraíram imagens consensuais dos espaços, as quais
são relevantes ao planejamento urbano, como afirma Lynch (1960).
Relativamente ao Largo Jornalista Glênio Peres, os usuários sinalizam ser o
passeio público (“calçadão”) mais importante, seguido pelo Mercado Público
Municipal, ou seja, espaços de fluxo intenso a pé. Em contrapartida, o uso do mesmo
espaço de passagem é avaliado como menos importante, quando se destina aos carros
(estacionamento), evidenciando-se uma possível rejeição a tal uso e, nesse caso,
gerando contribuição relevante à gestão espacial do Largo. Quanto à avaliação do
Parque Farroupilha, elementos naturais foram tidos como mais importantes, mesmo que
formando uma paisagem coesa em diversos pontos, seguidos por construções, as quais
sim representam marcos de proporção maior, como monumentos e edificações. Interessa
observar, também, a dificuldade dos usuários em elencar pontos “menos importantes”
nesse espaço, de forma que ele é visto como sendo coeso, mesmo havendo variação de
elementos que o formam. No tocante à Orla do Lago Guaíba (a exemplo do que ocorreu
com o PF), foram elencados como mais significativos os espaços que possibilitam
grande fluxo/ deslocamento, paralelamente a uma edificação que abarca práticas
culturais e que se apresenta como um importante marco referencial daquele espaço. Em
contrapartida, embora tidos também como marcos referenciais, espaços e mobiliários
sem uso e com manutenção precária foram apontados como menos importantes. Em
suma, ambientes que proporcionam deslocamento, fluxo de usuários facilitado e uso
intenso obtiveram destaque nos critérios de hierarquização e imageabilidade. Assim, tal
como estabelecem Souza (2008) e Ribeiro (2006), este estudo aponta que mapas
mentais podem ser ferramentas de diálogo entre Estado e sociedade civil, para o
planejamento e a gestão dos espaços públicos urbanos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABRAHÃO, Sérgio Luís. Espaço público: do urbano ao político. São Paulo:
Annablume; Fapesp, 2008.
327
DIAS, Reinaldo. Planejamento do turismo: política e desenvolvimento do turismo no
Brasil. 1a. ed. São Paulo: Atlas, 2008.
DOREN, Van; CARLTON, S.; PRIDDLE, George; LEWIS, John E. Suelo e Ocio:
conceptos y metodos en el ambito de la recreación al aire libre. Madrid: Coléccion
Nuevo Urbanismo, 1983.
FERREIRA DOS SANTOS, Carlos Nelson; VOGEL, Arno (Coord.). Quando a Rua
Vira Casa: a apropriação de espaços de uso coletivo em um centro de bairro. 2ª Ed. Rio
de Janeiro: 1981.
GUNN, Clare A; VAR, Turgut. Tourism Planning: basics, concepts, cases. New York:
Taylor Print on Dema, 2002.
JACOBS, Jane. Morte e Vida de Grandes Cidades. São Paulo: Martin Fontes, 2000.
LANG, Jonny; BURNETTE, C.; MOLESKI, W.; VACHON, D. Designing for Human
Behaviour: architecture and the behavioural sciences. Stroudsburg: Dowden,
Hutchinson & Ross, 1987.
MARCUS, Clare Cooper; FRANCIS, Carolyn. People Places: design guidelines for
urban open space. 2ed. New York: John Wiley, 1998.
328
RIBEIRO, Renata M.; SILVEIRA, Marco Aurélio T. Planejamento urbano, lazer e
turismo: os parques públicos em Curitiba - PR. Turismo – visão e ação, Camboriú, v. 8,
n. 2, p. 309-321, maio/ago. 2006.
SHAFTOE, Henry. Convival urban space: creating effective public spaces. Londres:
Earthscan, 2008.
WHITE, Wiliam. City: rediscovering the center. New York: Anchor Books. 1988.
329
TURISMO E CARTOGRAFIA: UMA ANÁLISE DOS MAPAS TURÍSTICOS
PRODUZIDOS PARA A REGIÃO PORTUÁRIA DO RIO DE JANEIRO
ABSTRACT: The present work is a study about the role of different maps in the
elaboration of a tourist route in the port region of the city of Rio de Janeiro. It aims to
identify the different constructions of scripts for the port region of the city and to
evaluate the relevance of the cartography for the tourist phenomenon. Thus, the
proposal is to analyze the port region of the city of Rio de Janeiro, based on three
different cartographic proposals: TuristEye, RioTur and Porto EnCantos. For that, a
brief investigation of tourist maps of different periods was also carried out. They are
geared towards building tourist images and / or information about enjoying the city and
bring a significant amount of data on the history of urban and social evolution. The
analysis sought to consider and compare the incidence of the points of interest
demarcated in each one of the cartographic representations. The results point to a
region, until recently, relegated to oblivion and poorly represented in tourist
cartography.
1
Programa de pós graduação em Arquitetura e Urbanismo – UFF e Senac RJ, e-mail:
anacarol.mo@hotmail.com.
330
quais a realidade turística de um lugar é estabelecida, mantida e negociada (CASTRO
1999). A cidade e a atividade turística possuem uma relação de interação, “às vezes
muda a cidade, muda o turismo; outras vezes, a partir de modificações no mundo do
turismo, introduzem-se alterações urbanísticas na cidade” (CASTRO, 1999, p. 84).
Nesse contexto, os mapas turísticos são como cristalizações das narrativas e das
imagens do turismo em determinado momento. Sobre os mapas, Casco (2009) afirma
que eles
podem servir para mostrar ao colonizador a posse do território, ao
viajante que rumo seguir para chegar ao lugar planejado, ao turista
aonde ir para desfrutar da cidade e conhecer seus atrativos,
peculiaridades, exotismos, ou prestar informações práticas como a
localização de serviços – agências bancárias, hotéis, agências de
correios e telégrafos, terminais rodoviários, estações ferroviárias e
aeroportos etc. – na cidade. (CASCO, 2009, p. 1)
Sendo assim, o presente trabalho é um estudo sobre o papel dos diferentes mapas
na construção de um roteiro turístico na região portuária da cidade do Rio de
Janeiro. Tem como objetivo identificar as diferentes construções de roteiros para a
região portuária da cidade e avaliar a relevância da cartografia para o fenômeno
turístico.
Para tanto, a proposta é analisar a região portuária da cidade do Rio de Janeiro a
partir de três cartografias distintas: TuristEye (colaborativa elaborada por turistas),
RioTur (institucional e oficial) e a proposta pelo Porto EnCantos (com uma
interpretação da região apoiada na música). Assim, foi realizada, primeiramente, uma
breve revisão bibliográfica sobre os seguintes referenciais: turismo, mapas, cidade,
visibilidade, roteiro e o olhar do turista. Dialogando, fundamentalmente, com os
seguintes teóricos: Coriolano, Casco, Santos, Barthes, Gomes, Lynch e Urry.
Em um segundo momento, foi realizada uma investigação de mapas turísticos de
diferentes épocas. Eles são voltados para a construção de imagens turísticas e/ou
informações a respeito de como usufruir a cidade e trazem um número significativo de
dados sobre a história da evolução urbana e social.
CONTEXTUALIZAÇÃO BIBLIOGRÁFICA
Roland Barthes (1985) entende a cidade como um discurso e, para ele, querer
elaborar um léxico de significações para ela é uma tarefa absurda. A um bairro central
(zonas exaustivamente estudadas do ponto de vista sociológico), podem-se atribuir
331
diversas funções, em uma lista que deve ser constantemente completada, enriquecida e,
ainda assim, esta representará apenas um nível elementar das representações da cidade
(BARTHES, 1985). Isso porque “os significados são como seres míticos, de uma
extrema imprecisão, e, num certo momento, tornam-se sempre os significantes de outra
coisa: os significados passam, os significantes ficam” (BARTHES, 1985, p.186).
É importante observar que essas representações surgem da relação de
reciprocidade identificada por La Rocca (2015) entre a cidade e as pessoas. De forma
complementar, ele pontua ainda que “um não pode existir sem o outro e que, se a cidade
molda os indivíduos com a especificidade de seus espaços, os indivíduos, com suas
produções estilísticas e vivências dentro e através do espaço, conotam as características
de uma cidade” (LA ROCCA, 2015, p.173).
Dentre os diferentes significados e usos da cidade, estão os pensados para
turistas e visitantes. Esses dois grupos circulam pela cidade e se esbarram enquanto
influenciam e são influenciados pela sua narrativa. Os mapas são parte dessa narrativa e
orientam os deslocamentos. Sobre eles, Boaventura de Sousa Santos (2001) pondera que
Os mapas são talvez o objecto cujo desenho está mais estritamente
vinculado ao uso que se lhes quer destinar. Por isso, as regras da escala,
da projecção e da simbolização são os modos de estruturar no espaço
desenhando uma resposta adequada à nossa subjectividade, à intenção
prática com que dialogamos com o mapa (...) A incompletude
estruturada dos mapa é a condição da criatividade com que nos
movimentamos entre os seus pontos fixos. De nada valeria desenhar
mapas se não houvesse viajantes para os percorrer (SANTOS, 2001,
p.224)
332
compreender as interfaces desse fenômeno. Coriolano, por sua vez, afirma que o
turismo,
enquanto prática social é também econômica, política, cultural e
educativa, envolvendo relações sociais e de poder entre residentes e
turistas, produtores e consumidores. O turismo é simultaneamente ócio
e trabalho, produto do modo de viver contemporâneo, cujos serviços
criam formas confortáveis e prazerosas de viver, restritas a poucos. (...)
A riqueza do turismo está na diversidade de caminhos para sua
produção e apreensão, nos conflitos e possibilidades de entendimento
desse fenômeno. Ele é, a um só tempo, o lugar das estratégias para o
capital e das resistências do cotidiano para os habitantes.
(CORIOLANO, 2006, p.368)
CONTETUALIZAÇÃO HISTÓRICA
Segundo Castro (1999), o turismo organizado no Brasil começou apenas no
início do século XX, tendo como principal centro a cidade do Rio de Janeiro. Essa
organização se dá no momento em que se descobre que “a imagem urbana é uma
mercadoria que pode gerar grandes lucros, notadamente com o turismo” (ABREU,
1998, p. 4).
O primeiro mapa (Mapa 1) tratam portanto, dessa “Cidade Monumental”, que
vivia sua Belle Époque, um momento em que ocorre a saída da elite da Cidade Velha e é
dado à região do porto um tratamento especial de expansão e de modernização, símbolo
da porta de entrada oficial da cidade alçada no início do século XX à categoria de
metrópole (CASCO, 2009).
334
Havia, desde o final do século XIX, um projeto modernizador descrito por
Abreu (1998), que incluía a rejeição do passado, a abolição dos vestígios e sua
superação. Indo além, ele aponta que isso explica por que “foram tão bem sucedidas, no
século XX, as reformas urbanísticas radicais que tanto transformaram a face de diversas
cidades brasileiras” (ABREU, 1998, p. 4).
335
Mapa 2: Rio: passeio a pé pelo Centro. 1964. Fonte: CASCO, 2009.
336
Mapa 3: Mapa turístico do Rio de Janeiro. 1974. Fonte: CASCO, 2009.
É interessante notar, ademais, como a região aparece nos guias e nos mapas
turísticos da cidade como um lugar inicialmente valorizado e vai, progressivamente,
sendo relegada ao esquecimento. Sobre isso, Arnaut (1984) avalia que essa
é provavelmente a única área que ainda guarda características da
espontaneidade de sua ocupação, iniciada no século XVII. (...) Sem
passar por transformações abruptas, mas evoluindo gradativamente
através dos anos, a área manteve-se, de certa forma, imune à
especulação imobiliária que desfigurou a cidade nas últimas décadas.
Até mesmo o comércio mantém características que o diferenciam de
outras áreas. Sem considerar, é claro, o vigoroso vínculo afetivo que a
população mantém com a região, sedimentado ao longo de diversas
gerações. (ARNAUT, 1984, p. 98)
337
Desde o final dos anos 1980 e meados dos 1990, debate-se a questão da
revitalização dos bairros portuários, e um dos vieses do processo seria a revitalização
através de grandes equipamentos culturais (SILVA; ANDRADE; CANEDO, 2012). É
interessante observar esse tratamento às regiões portuárias como uma tendência em
diversas cidades. Hall (2011) aponta, por exemplo, para as cidades britânicas, no final
dos anos 70, com suas ruínas de fábricas e armazéns que, segundo ele, “aguardavam por
uma reurbanização” (HALL, 2011, p. 415). Nesse sentido, é fundamental observar que
as intervenções recentes propostas para a área portuária do Rio de
Janeiro estão inseridas em uma lógica onde enunciam-se supostos
vazios urbanos, que justificam ações de grande impacto no intuito de
“revitalizar” áreas da cidade. Este discurso desconsidera a vida pré-
existente nestas regiões, e tem como objetivo sobrepor uma nova forma
de viver e habitar a cidade, às custas de seus antigos moradores. Esta
nova forma de viver a cidade está mais relacionada com os interesses do
turismo e das classes mais altas da sociedade, e permite que milhares de
pessoas sejam removidas do local onde moram – sejam favelas,
habitações formais de baixa renda ou ocupações de edifícios
abandonados – para dar lugar a outra população da cidade. (SILVA;
ANDRADE; CANEDO, 2012, p.11)
ANÁLISE
Considerando o breve panorama apresentado, é importante pontuar a capacidade
do fenômeno turístico de apropriar-se dos espaços, dando a eles novos e múltiplos
significados, o que o torna um fenômeno do qual o sentido dependerá sempre do
ambiente onde ocorre e dos objetivos de quem o promove (GAGLIARDI, 2012). Assim,
é possível identificar no fenômeno turístico a capacidade de valorizar o diverso, o
múltiplo, em lugar da história única (GAGLIARDI, 2012).
Assim, enquanto, por um lado, o turismo reforça a dominação e as
desigualdades; por outro, pode promover a revisão de valores históricos e afetivos,
inserindo novos sujeitos na história e considerando aspectos subjetivos e identidades
marginalizadas. Isso mostra que é fundamental refletir em relação aos estereótipos, uma
vez que “as pessoas são muito mais do que simplesmente um rótulo, pois suas vidas se
constituem de uma multiplicidade de histórias e não de uma história única” (FREITAS;
AZEVEDO, 2015, p.72).
Com isso, a cartografia tem um papel preponderante nesse processo, e as três
analisadas na presente sessão têm narrativas bastante diferentes para a região portuária
da cidade do Rio de Janeiro. Nesse sentido, a análise proposta considera a incidência e
distribuição de pontos de interesse turístico demarcados em cada mapa. Avaliando,
338
assim, de que forma essa seleção proposta pelas diferentes representações cartográficas
interfere na orientação de escolha de trajetos por parte dos turistas.
A primeira é a cartografia do TouristEye (mapa 5) e é colaborativa, elaborada
por visitantes e vinculada à empresa Lonely Planet (uma das empresas líderes em guias
de viagem). Ele é uma ferramenta que, através do recurso cartográfico, ajuda a criar
roteiros de viagem, e mostra dicas de quem já passou pelos lugares que você pretende
visitar. Também é possível comentar e avaliar locais.
339
como o Cais do Valongo, com um apelo histórico cultural. Entretanto, ainda é um mapa
que apresenta grandes vazios na região.
Por fim, a terceira cartografia (mapa 6) é parte do projeto Porto EnCantos, que
une música, história e tecnologia aos vários cantos da Região Portuária. Através de pins
demarcados no mapa, é possível assistir aos vídeos, que, além das músicas, apresentam
imagens históricas, entrevistas e relatos, contextualizando a importância daquele lugar.
O traçado e a escolha dos vinte pontos de interesse procuram, então, contemplar uma
região bastante heterogênea, que passa por profundas transformações, em sua maioria,
arbitrárias.
340
Mapa 6: Porto EnCantos. Fonte: printscreens do aplicativo no sistema operacional Android.
2
Para Siqueira (2015) Representações Coletivas “são aquelas testadas e transmitidas de geração em
geração no âmbito de um grupo social e que constituem as visões de mundo do grupo” (SIQUEIRA,
2015, p. 19)
341
que ele o faz, do foco de suas observações e do fio condutor de leitura que for utilizado
por esse observador” (GOMES, 2013, p.197).
Mesmo tendo como base a linguagem musical, no momento em que o
caminhante percorre seus pontos de interesse na região portuária, os diversos sentidos
estão em operação, pois como Lynch afirma, quando caminhamos pela cidade, “quase
todos os sentidos estão em operação, e a imagem é uma combinação de todos eles”
(LYNCH, 1997, p.2).
Como foi visto, a identificação do espaço e dos pontos de interesse tem um papel
fundamental em como dialogamos e nos apropriamos da cidade. Assim, a seleção
elaborada pelos desenvolvedores do projeto Porto EnCantos tem, em certa medida, um
papel nessa linguagem da cidade defendida por Barthes. Kevin Lynch afirma que “se o
ambiente for visivelmente organizado e nitidamente identificado, o cidadão poderá
empregá-lo de seus próprios significados e relações. Então, este se tornará um
verdadeiro lugar, notável e inconfundível” (LYNCH, 1997, p.102).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho procurou investigar o papel dos diferentes mapas na
construção de um roteiro turístico na região portuária da cidade do Rio de Janeiro. Para
tanto, foi fundamental a análise histórica para compreender as mudanças pelas quais a
região passou e que estão cristalizadas nas diferentes cartografias expostas. O diálogo
entre teóricos do turismo, cartografia, cidade, visibilidade, roteiro e o olhar do turista foi
necessário para o entendimento do tema.
A análise das três cartografias contemporâneas promoveu a reflexão sobre as
narrativas turísticas atuais da região portuária da cidade do Rio de Janeiro, destacando
que novas cartografias podem enriquecer, aprofundar e rever discursos dominantes
sobre a cidade, em particular através da música.
O processo de isolamento e marginalização da região portuária foi decisivo na
sua preservação e construção de laços com seus moradores – um “vigoroso vínculo
afetivo que a população mantém com a região, sedimentado ao longo de diversas
gerações” (ARNAUT, 1984, p. 98).
Dessa forma, como Lynch (1997) pondera ainda que uma cidade deve falar de
seus indivíduos, sociedade, tradições e natureza, é urgente a reflexão sobre cartografias
que busquem dar voz à cidade e às suas diversas narrativas, em particular à região
portuária da cidade do Rio de Janeiro.
342
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABREU, M. Evolução Urbana do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: IPP, 2013.
ARANTES, O. B. F. Uma estratégia fatal: a cultura nas novas gestões urbanas. In: A
cidade do pensamento único: desmanchando consensos. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.
BOURDIEU, P.; DARBEL, A. O amor pela arte: os museus de arte na Europa e seu
público. São Paulo: Editora da USP; Porto Alegre: Zouk, 2007.
343
LESSA, C. O Rio de todos os Brasis. 2 edição. Rio de Janeiro, São Paulo, Editora
Record, 2001.
LYNCH, K. A Imagem da Cidade. São Paulo, Rio de Janeiro: Martins Fontes, 1997.
344
TENDÊNCIAS, COERÊNCIAS E OBSTÁCULOS DA GESTÃO PÚBLICA DO
TURISMO NO BRASIL: UM ESTUDO SOBRE O PROGRAMA DE
REGIONALIZAÇÃO NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Bruno Cavalcante Scotelaro de Souza1
RESUMO: Este artigo teve como objetivo analisar os principais aspectos do Programa
de Regionalização e Categorização de municípios no Rio de Janeiro. Verificou-se a
distribuição de municípios nas diversas regiões turísticas do programa e também a
distribuição de verba federal para ações de Apoio a Projetos de Infraestrutura Turística.
Por fim, foram confrontados os dados dos municípios de categoria B com suas
respectivas realidades turísticas, através dos critérios utilizados na categorização e os
dados contidos no CADASTUR. Foram analisadas também as informações contidas no
Relatório de Categorização, fornecido pelo Ministério do Turismo. Verificou-se que
existem desproporções e que os critérios utilizados no processo de categorização
induzem ao erro na análise da economia turística dos municípios, o que gera sérias
distorções no estabelecimento das políticas públicas e da distribuição de renda.
ABSTRACT: This article aimed to analyze the main aspects of the Program of
Regionalisation and Categorization of municipes in Rio de Janeiro. The distribution of
the municipes in the various touristc regions of the program was verified, as well as the
distribution of federal funds for actions to support Tourism Infrastructure Projects.
Finally, the information about the municipes of category B was compared with their
respective touristic realities by confronting the criteria used in the categorization and the
data contained in the CADASTUR. The numerical contained in the Categorization
Report, provided by the Ministry of Tourism, were also analysed. It was verified that
there are disproportions and that the criteria used in the categorization process induce
the error in the analysis of the touristic economy of the municipes, which generates
serious distortions in the establishment of public policies and revenue
1. INTRODUÇÃO
1
Discente do MBA em Gestão de Serviços Turísticos, Universidade Federal Fluminense. E-mail:
scotelarobruno@gmail.com.
345
fazendo com que, majoritariamente, sejam atendidos os interesses da iniciativa privada,
em detrimento dos diversos outros elementos que orbitam a atividade turística.
346
principais características do Programa de Regionalização, analisar os problemas do
programa de regionalização no estado do Rio de Janeiro e apontar possibilidades de
melhorias.
Para atender aos objetivos propostos, optou-se por realizar uma pesquisa de
caráter exploratório, documental e descritivo. Em primeiro lugar, foram estabelecidas as
principais informações à cerca do que é o Programa de Regionalização e a
categorização de municípios. Em seguida, foi apresentada a caracterização do estado do
Rio de Janeiro, foco da pesquisa, frente aos parâmetros do Programa de Regionalização.
Por fim, essas informações foram comparadas com os dados de distribuição de renda do
Ministério do Turismo para o apoio à projetos de infraestrutura turística e analisadas
criticamente. Frente aos resultados obtidos, houve a necessidade de se investigar os
critérios adotados para realizar a categorização dos municípios (base do Programa de
Regionalização). Tal investigação conduziu à obtenção dos dados numéricos das
variáveis da Categorização de Municípios, fornecidos pelo Ministério do Turismo, via
Portal de Acessibilidade, permitindo chegar às principais conclusões à cerca da
pesquisa.
347
"(...) promover, descentralizar e regionalizar o turismo, estimulando
Estados, Distrito Federal e Municípios a planejar, em seus territórios,
as atividades turísticas de forma sustentável e segura, inclusive entre
si, com o envolvimento e a efetiva participação das comunidades
receptoras nos benefícios advindos da atividade econômica”
(BRASIL, 2008).
Sob essa ótica, foi criado o Programa de Regionalização do Turismo que, após
passar por reformulações, foi instituído pela portaria nº 105, de 16 de maio de 2013.
Tem como objetivo apoiar a gestão, estruturação e promoção do turismo brasileiro de
maneira descentralizada e regionalizada e incentiva a criação de instâncias de
governança como espaço de integração e cooperação entre poder público, iniciativa
privada e população. Pensar a atividade turística em uma escala regional pode
potencializar muito sua oferta e gerar inúmeros benefícios para os municípios
envolvidos. Estabelece-se uma relação de mutualismo, através da qual aqueles com
oferta turística melhor estruturada, redistribuem o fluxo turístico para os demais. Em
contrapartida, estes municípios agem como fornecedores de serviços, mão de obra e
matéria prima, fortalecendo os indutores. Dessa maneira, cria-se uma identidade
turística regional, que traz benefícios socioeconômicos para todos os envolvidos.
Ainda assim, é notável a dificuldade para uma gestão pública tomar decisões
estratégicas baseada apenas na macro visão da dimensão regional. A consequente
necessidade de se obter dados da economia do turismo nos municípios inseridos nas
regiões turísticas levaram ao passo seguinte do Programa de Regionalização, a
Categorização dos Municípios. Instituída pela Portaria nº 144, de 27 de agosto de 2015,
consiste, basicamente, em um instrumento que classifica os municípios de uma região
turística em cinco categorias (A, B, C, D e E). Tal classificação é estabelecida através
das seguintes variáveis: número de estabelecimentos formais cuja atividade principal é
hospedagem; número de empregos formais no setor de hospedagem; estimativa de
348
turistas a partir do estudo de demanda doméstica; e estimativa de turistas a partir do
estudo de demanda internacional. A partir desses dados foi realizada uma abordagem
quantitativa utilizando a análise de cluster (ou de grupamento). Esses são dados
secundários, fornecidos pelo Ministério do Trabalho e Emprego e pela Fundação
Instituto de Pesquisas Econômicas - FIPE/MTur, respectivamente.
349
% DE MUNICÍPIOS DO MAPA % DE MUNICÍPIOS DO MAPA
CATEGORIAS
NACIONAL ESTADUAL
A 1,52% 5,43%
B 4,99% 18,5%
C 15,1% 25%
D 55,04% 48,9%
E 23,38% 2,17%
Fonte: Elaborado pelo autor, 2016.
É preciso ter em mente que para estabelecer uma determinada região como
destino turístico, alguns critérios precisam ser seguidos. Smith (1995, apud HALL,
2
Foi identificado que as informações quanto às regiões turísticas do Rio de Janeiro encontram-se
desatualizadas no site da TurisRio - Companhia de Turismo do Estado do Rio de Janeiro – no qual
constam somente 11 regiões turísticas, quais sejam: Metropolitana, Agulhas Negras, Baixada Fluminense,
Caminhos da Mata, Costa Doce, Costa do Sol, Costa Verde, Águas do Noroeste, Serra Norte, Serra Verde
Imperial e Vale do Café. Disponível em: <http://www.turisrio.rj.gov.br/projetos.asp>.
3
Foi identificado um erro gráfico no mapa mais recente da regionalização. A região turística "Águas do
Noroeste" encontra-se nomeada no mapa como "Águas do Nordeste". Disponível em:
<http://www.turismo.gov.br/sites/default/turismo/o_ministerio/publicacoes/downloads_publicacoes/mapa
_da_regionalizacao_novo_2013.pdf>.
350
2001, p. 215 - 216) identificou os seguintes pontos para a identificação de zonas de
turismo:
351
uma identidade e um conglomerado de atrações semelhantes e complementares, mas
também um equilíbrio técnico e econômico do ponto de vista do turismo, para que os
municípios mais desenvolvidos pudessem conduzir os menos desenvolvidos rumo à
evolução de suas políticas socioculturais, espaciais e econômicas.
353
Caminhos Coloniais R$ 129.419,63 1
Caminhos da mata R$ 994.257,99 4
Costa do sol(prioritária) R$ 3.604.181,29 5
Costa Doce R$ 850.881,52 3
Costa verde(prioritária) R$ 0,00 0
Metropolitana(prioritária) R$ 63.802,00 1
Serra Norte R$ 357.335,50 5
Serra verde 3
R$ 1.615.750,68
imperial(prioritária)
Vale do Café(prioritária) R$ 1.826.375,40 6
Fonte: Elaborado pelo autor, 2016.
Também é possível notar que a maior parte das arrecadações foi recebida por
municípios da categoria D, conforme ilustra o gráfico a seguir:
Categoria A
Categoria B
Categoria C
Categoria D
Categoria E
354
Exceto pelos municípios de categoria E, cuja arrecadação foi zero, o volume de
arrecadação mostrou-se inversamente proporcional ao grau de relevância turística
atribuído pela categorização de municípios. O valor destinado ao apoio a projetos de
infraestrutura turística não parece proporcional ao grau de relevância turística das
regiões e dos municípios, cabendo um estudo especificamente voltado a investigar as
razões para isso.
355
Fonte: Cartilha de Categorização dos Municípios, 2015
356
(www.guiademoteis.com.br). "O CADASTUR é o sistema de cadastro de pessoas
físicas e jurídicas que atuam na cadeia produtiva do turismo, executado pelo MTur em
parceria com os Órgãos Oficiais de Turismo das Unidades da Federação"
(CADASTUR, 2016). Sendo assim, foram pesquisados os Meios de Hospedagem
registrados no CADASTUR e comparados com a quantidade de motéis encontrados nos
municípios fluminenses de categoria B:
357
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por fim, recomenda-se que a estruturação das regiões turísticas do Rio de Janeiro
seja revista. Verifica-se pelos dados expostos ao longo deste estudo que há uma
desproporção muito grande na maneira como algumas elas estão divididas. Uma
reestruturação mais estratégica poderia não apenas potencializar as ofertas turísticas
regionais, mas também ampliar o escopo de municípios beneficiados pela atividade
turística, direta ou indiretamente.
358
Está evidente que a presente pesquisa se deparou com questões complexas cujo
aprofundamento fugiria ao objetivo proposto. Espera-se que a continuidade dos
trabalhos possa elucidar essas novas questões e aprofundar o nível das informações.
Ainda assim, considera-se que foi possível estabelecer um panorama dos principais
aspectos que envolvem as aplicações do Programa de Regionalização no estado do Rio
de Janeiro, o que, por si só, deverá contribuir com pesquisas futuras.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Ministério do Turismo. Categorização dos Municípios das Regiões
Turísticas do Mapa do Turismo Brasileiro. Brasília, DF, 2015.
359
MINISTÉRIO DO TURISMO. Portaria nº 144, de 27 de agosto de 2015. Estabelece a
categorização dos municípios pertencentes às regiões turísticas do Mapa do Turismo
Brasileiro, definido por meio da Portaria MTur nº 313, de 3 de dezembro de 2013, e dá
outras providências. Disponível em<http://www.turismo.gov.br/legislacao/?p=822>.
Acesso em: 10 mai2016.
360
A INFLUÊNCIA DO TURISMO NA PRODUÇÃO DO ESPAÇO NA BARRA DA
TIJUCA/RJ – UM ESTUDO DE CASO SOBRE A AVENIDA LÚCIO COSTA
Natan Teixeira Cavalcanti1
ABSTRACT: The present research has as general objective to analyze the influence of
the tourist activity in the spatial production of Lúcio Costa Avenue, located in the
district of Barra da Tijuca in the city of Rio de Janeiro, from 1970 to 2002. The
methodology of data collection was based in the use of secondary sources by means of a
bibliographical and documentary survey of academic works, books, reports and
legislations, as well as fieldwork and informal interviews. The results indicate that until
2002 there was no significant influence of tourism activity on the production of the
space of the Lúcio Costa Avenue, with the presence of few means of accommodation.
The influence was amplified from the years 2000 due to the demand of the real estate
and tourist market, stimulating the construction of new and bigger means of
accommodation, being network hotels and independent hotels.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho, fruto da pesquisa realizada no Programa de Educação
Tutorial (PET-Geografia) e ao Grupo de Pesquisa Sobre Reestruturação Urbana e
Centralidade (GRUCE) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), busca
compreender as dinâmicas espaciais relacionadas com o turismo na Avenida Lúcio
Costa, localizada no bairro da Barra da Tijuca, no município do Rio de Janeiro. O
objetivo geral deste trabalho é analisar a influência da atividade turística na produção
1
Bacharel em Turismo e Especialista em Gestão em Hotelaria pela UFRRJ. Estudante de Licenciatura em
Geografia pela UFRJ. Instrutor de Turismo e Hotelaria do SENAC/RJ e tutor presencial do curso de
Licenciatura em Turismo da UNIRIO. E-mail: natan.turismo@gmail.com
361
espacial da Avenida Lúcio Costa, de 1970 até 2002. Os objetivos específicos do
trabalho são: Compreender as lógicas de produção espacial na Avenida Lúcio Costa sob
a influência da atividade hoteleira; Compreender a espacialidade dos equipamentos de
hospedagem presentes ao longo da avenida; Identificar características e padrões
locacionais dos meios de hospedagem na avenida, no período entre 1970 e 2002.
O recorte espacial pesquisado é o trecho da Avenida Lúcio Costa localizado no
bairro da Barra da Tijuca, que inicia-se no entroncamento com a Avenida do Pepê e
Ayrton Senna até o fim da praia da Barra da Tijuca, no Parque Natural Municipal do
Marapendi. O recorte temporal estabelecido para este trabalho tem início na década de
1970, quando se têm os primeiros registros sobre projetos de urbanização do bairro da
Barra da Tijuca, até o ano de 2002, ano em que o Rio de Janeiro ganhou o título de sede
dos Jogos Pan-Americanos de 2007, dando início ao período de megaeventos esportivos
no município do Rio de Janeiro nos últimos anos.
Esta pesquisa se justifica devido ao contexto dos últimos anos da cidade do Rio
de Janeiro, que tem sido palco de megaeventos, causando a transformação do desenho
urbano de diversos bairros cariocas. A Barra da Tijuca é um bairro que exemplifica esse
processo de produção do espaço urbano e turístico, ao ter passado por diversas
alterações em suas configurações espaciais, visando atender as demandas destes grandes
eventos. Para melhor entendimento da transformação da Barra da Tijuca como novo
centro financeiro e turístico da cidade do Rio de Janeiro, é necessário o levantamento
histórico de sua formação até a contemporaneidade. A relevância deste estudo se
encontra na necessidade do estudo desses novos espaços urbanos que são produzidos
para atender as demandas da atividade turística que ali será desenvolvida, gerando
novas espacialidades, modificando o desenho urbano do bairro e possibilitando que
novas dinâmicas espaciais e turísticas possam se estabelecer na localidade.
Esta pesquisa possui caráter exploratório, pois como metodologia para o trabalho
utilizou-se a coleta de dados pautada na utilização de fontes secundárias por meio de
levantamento bibliográfico e documental de livros e trabalhos acadêmicos de
pesquisadores como o geógrafo Maurício Abreu, o economista Paul Krugman, o
professor Michael Porter, a turismóloga Silvia Thomazi, dentre outros autores. Além
disso, foram utilizadas reportagens, documentos oficiais e legislações, assim como
trabalhos de campo realizados para inventariação e localização dos hotéis na Avenida
Lúcio Costa, e entrevistas informais com colaboradores de alguns empreendimentos. A
partir da coleta de dados, foi realizada uma análise quantitativa e qualitativa para
362
analisar a influência da atividade turística na produção do espaço da Avenida Lúcio
Costa entre os anos de 1970 e 2002.
Com o objetivo de melhor organizar o trabalho, o mesmo foi divido em três
momentos. No primeiro momento é apresentado uma breve caracterização do bairro da
Barra da Tijuca. No segundo momento, é feito um histórico do bairro, desde os seus
primeiros registros até a sua situação atual como novo centro econômico e turístico da
cidade do Rio de Janeiro e no terceiro momento o estudo da Avenida Lúcio Costa
dentro de seu contexto urbano e turístico desde 1970 até 2002.
363
Figura 1 – Regiões Administrativas do município do Rio de Janeiro
Fonte: Portal Prefeitura do Rio de Janeiro, 2011.
364
descrever um breve histórico da formação do bairro da Barra da Tijuca até a
contemporaneidade.
A zona oeste durante muitos anos foi conhecida como o “sertão carioca”. Isso se
deve devido ao termo ter sido utilizado pelo professor Armando Magalhães Corrêa, que
era conservador do Museu Nacional, em uma série de reportagens no Jornal “Diário
Carioca” em 1932. Em suas reportagens, Corrêa faz diversos relatos de seus trabalhos
de campo na zona oeste, com descrições geológicas, de feições geográficas, dados
históricos, dados relacionados a botânica, zoologia, antropologia, dentre outros. Alguns
anos depois, o editor do jornal, Ricardo Palma, o incentiva a sistematizar as
informações e publicá-las em formato de estudo científico. O estudo foi publicado na
Revista do Instituto Histórico e Geographico Brasileiro, no ano de 1936, número 167,
com título “O sertão carioca” (RIHGB, 1936, p.273).
Lúcio Costa cita que a característica “agreste” da área, que foi por muito tempo
um dos seus principais diferenciais e encantos em relação ao resto da cidade, agora
começará a mudar, com a implantação de túneis e viadutos do DER (Departamento de
Estradas de Rodagem), abrindo margem para a urbanização e a especulação imobiliária,
já que a cidade já se encontrava em grande expansão pelas zonas Sul e Norte). O
arquiteto ressalta também a importância de “se estabelecer determinados critérios de
urbanização, capazes de orientar as providências cabíveis no sentido da implantação da
infra-estrutura indispensável ao desenvolvimento ordenado da região” (COSTA, 1969,
p.3).
Abreu (2013, p. 145) cita o intenso processo de especulação imobiliária que o
Rio passava na década de 60, expandindo a cidade para São Conrado e a Barra da
Tijuca, teve grande participação do Estado. No fim da década de 1960 iniciou-se a
primeira fase da construção da estrada Lagoa-Barra, que teve alto investimento, com a
perfuração de vários túneis e a construção de trecho de pistas superpostas encravadas na
rocha.
No Plano Piloto de Lúcio Costa, a baixada de Jacarepaguá seria o que nós
conhecemos hoje como novo CBD (Central Business District), pois era o “verdadeiro
coração da Guanabara” (COSTA, 1969, p.7), sendo o ponto natural de confluência do
eixo leste e o eixo oeste, conforme figura 2. Isso seria possível graças a abertura de vias
365
de acesso para o local, como a BR 101, atualmente conhecida como Avenida das
Américas.
366
delimitação da Zona Especial-5 (ZE-5), tendo também seus limites zonais demarcados
(PREFEITURA MUNICIPAL DO RIO DE JANEIRO, 1976). Entretanto, a
denominação, delimitação e codificação do bairro foi estabelecida por decreto no 3158,
de 23 de julho de 1981, com alterações do Decreto nº 5280, de 23 de agosto de 1985
(PORTAL GEORIO, 2016), onde surge o nome “Avenida Sernambetiba”, sendo um
dos limites do bairro da Barra da Tijuca. Sernambetiba é um terno de origem indígena e
significa "lugar das conchas” (PORTAL REVISTA ÉPOCA, 2010). Em 19 de junho de
1988, no decreto-lei número 16.753, o prefeito Luiz Paulo Conde alterou o nome da
Avenida Sernambetiba para Avenida Lúcio Costa, nome da Avenida na atualidade,
visando homenagear o arquiteto criador do bairro onde está inserida.
Desde o Plano Piloto, Lúcio Costa já considerava a possibilidade do
desenvolvimento do turismo na Barra da Tijuca a partir da urbanização do bairro: “[...]
com os grandes hotéis, já planejados para a praia da Gávea, o turismo na Barra, pelo
menos nesta primeira fase de “colonização”, deverá ser principalmente interno”
(COSTA, 1969, p. 12). A partir deste trecho do Plano Piloto, podemos entender que o
autor do plano sugere que o público que irá visitar a Barra da Tijuca com o objetivo de
turismo nessa primeira época, será principalmente de residentes de bairros próximos.
Como foi visto, no Plano Piloto de Lúcio Costa, a questão turística já era
prevista, sendo feitas também relações com as regras para construções na orla. O
arquiteto cita que: “Apenas na orla litorânea essa disciplina poderá ser quebrada para
permitir a eventual construção de hotéis” (COSTA, 1969, p. 12), já trabalhando com
uma possível flexibilidade na legislação para construção de edifícios na orla da praia da
Barra. Em outro momento do plano ele diz:
367
Este entroncamento da Avenida Lúcio Costa com a Via 11 (atual Avenida
Ayrton Senna), pode ser visualizado na figura 3 conforme abaixo, mostrando inclusive
o baixo nível de urbanização da área na década de 1970:
369
Eventos engloba: “o conjunto de atividades turísticas decorrentes de encontros de
interesse profissional, associativo, institucional, de caráter comercial, promocional,
técnico, científico e social” (MTUR, 2010, p.18). Neste segmento, temos duas
atividades (negócios e eventos) que muitas vezes estão inter-relacionadas. A motivação
do turista desse segmento é a ida para realização de um negócio ou participação em um
evento, ou ambas as atividades.
O turista de negócios pode ser caracterizado pelo turista que se desloca de um
local para outro para a realização ou participação em um negócio. Essa atividade pode
se dar em uma reunião de negócios, uma feira de negócios, missões empresariais, visitas
técnicas, rodadas de negócios, dentre outros. Já o turista de eventos pode ir devido a
diversos tipos de eventos, como o comercial (transações de compra e venda), técnico-
científico (atividades relacionadas a especialidades), promocional (divulgação de
produtos e serviços) e social (visando a sociabilidade) (MTUR, 2010, p. 18-19).
É importante ressaltar que muitas das vezes esse turista tem a possibilidade,
quando há tempo livre da atividade que está realizando, de realizar outros tipos de
turismo, como por exemplo o turismo de sol e praia. Esse segmento é constituído de
acordo com o Ministério do Turismo pelas “atividades turísticas relacionadas à
recreação, entretenimento ou descanso em praias, em função da presença conjunta de
água, sol e calor” (MTUR, 2010, p. 10). O principal elemento que atrai turistas para este
segmento é a contemplação da paisagem natural e o clima apropriado à balneabilidade,
aliados a recreação, o entretenimento e o descanso.
Uma das iniciativas tomadas para desenvolvimento do turismo no bairro foi
incentivar o aumento da oferta hoteleira na Barra da Tijuca, como no caso da Avenida
Lúcio Costa. No recorte espacial estudado há a presença de 14 hotéis, conforme quadro
1, que traz o nome dos hotéis, ano de abertura e o número de unidades habitacionais
(UHs) de cada empreendimento:
370
2004 3150 E Sheraton Barra 292
2005 2630 F Windsor Barra 338
2012 5700 G Brisa Barra 140
2016 5210 H Novotel Barra da Tijuca 248
2016 5400 I Windsor Marapendi 434
2016 5650 J Pestana Rio Barra Beach & SPA 311
2016 9600 K Grand Hyatt Rio de Janeiro 436
2016 1996/10* L Trump Hotel 170
Quadro 1 – Oferta hoteleira na Avenida Lúcio Costa – Praia da Barra
Fonte: BSH International (2014), Pesquisa Direta (2016).
*O Hotel Trump tem sua entrada na rua Professor Coutinho Fróis, 10, com parte do seu edifício voltado
para a Avenida Lúcio Costa, no número 1996.
371
Figura 5 - Distribuição dos equipamentos de hospedagem na Avenida Lúcio Costa
Fonte: Elaborado a partir do Google Earth, 2016.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo da pesquisa, foi possível perceber que a Barra da Tijuca passou por
grandes transformações desde o Plano Piloto de Lúcio Costa, sendo pensado como o
novo CBD do município do Rio de Janeiro e novo bairro para desenvolvimento do
turismo.
Foi possível identificar que houve pouca influência da atividade turística na
produção do espaço da Avenida Lúcio Costa no período de 1970 até 2002, tendo maior
influência a partir dos anos 2000, com a conquista do Brasil e do Rio de Janeiro de sede
para megaeventos esportivos, estimulando a construção de hotéis em aglomerações para
atender esta nova demanda.
Os resultados indicam que até o ano de 2002 existiam quatro hotéis na avenida,
com todos possuindo até cem unidades habitacionais. Esses resultados refletem que não
houve influência significativa da atividade turística na produção do espaço da Avenida
Lúcio Costa no período analisado. A influência foi ampliada a partir do começo dos
anos 2000 devido à demanda do mercado imobiliário e do mercado turístico na área.
Com essa nova demanda, houve um maior estímulo para a construção de novos
empreendimentos, totalizando oito novos hotéis de grande porte, com a maioria
possuindo mais de duzentas unidades habitacionais cada, pertencentes a redes
brasileiras, americanas, francesas e portuguesas, assim como hotéis independentes,
concentrados nesta área de expansão da cidade do Rio de Janeiro.
A maior parte dos equipamentos se concentram no início da avenida e no
término do recorte estudado, havendo maior concentração entre os números 1996 e
5800, onde se localizam sete dos doze meios de hospedagem mapeados na pesquisa,
com hotéis inaugurados antes do ano de 2002 e cinco após o ano de 2002, o que
demonstra uma aglomeração e consequente concorrência entre antigos e novos
empreendimentos por clientes.
Por fim, destaca-se a importância da Barra da Tijuca como novo centro
econômico e com grande potencial de desenvolvimento turístico principalmente a partir
de 2002 até a atualidade, concentrando na Avenida Lúcio Costa muitos dos novos
373
equipamentos hoteleiros presentes na cidade do Rio de Janeiro que surgiram devido aos
megaeventos esportivos dos últimos anos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
374
http://portalgeo.rio.rj.gov.br/bairroscariocas/index_bairro.htm. Acessado em: 20 jul.
2016.
SANTOS JUNIOR, Orlando Alves dos; LIMA, Caio Guimarães Rocha. XXXXXX. In:
SANTOS JUNIOR, Orlando Alves dos; GAFFNEY, Christopher; RIBEIRO, Luiz
Cezar de Queiroz. Brasil: Os impactos da Copa do Mundo 2014 e das Olimpíadas 2016.
Rio de Janeiro: E-papers, 2015. Cap. 3, p. 57-78.
375
<http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=c7f746b7939ba6db>. Acessado em 22
jul. 2016.
376
PARIS N’AMÉRICA: A INFLUÊNCIA DAS CONSTRUÇÕES EUROPEIAS E A
IMPORTÂNCIA DE UMA GESTÃO FUNDAMENTADA DE SEUS
PATRIMÔNIOS PARA A ATIVIDADE TURÍSTICA NA CIDADE DE
BELÉM/PA.
Ana Paula Melo de Morais1
Jéssica da Silva Soares2
INTRODUÇÃO
1
Graduanda em Bacharel em Turismo – UFPA. Paulamelmor@hotmail.com.
2
Graduanda em Bacharel em Turismo – UFPA. Jessicasoares0201@gmail.com
377
consumista. Tais aspectos permeiam a atividade turística a fim de incentivar o
incremento da gestão e do planejamento com o propósito de contribuir positivamente no
âmbito receptor (FIGUEIREDO et al, 2012).
Ademais, o turismo nos últimos anos cresce exponencialmente, entretanto, é
considerado uma atividade desigual, haja vista o acanhado acesso dos agentes base da
sociedade, isto é, aqueles que sustentam economicamente o corpo social de um
determinado lugar, segundo Azevedo (2013). No entanto, auxilia fortemente na
economia de comunidades que possuem como herança um acervo de patrimônios
culturais e naturais, que atraem os olhares curiosos de visitantes. Este processo, aliado
ao modo de gestão e planejamento adequado do espaço e/ou lugar impulsiona a
economia local e facilita o acesso das demais camadas sociais.
Nesse sentido, se faz necessário novos estudos que viabilizem a importância da
gestão de lugares que possuam grande potencial turístico, tendo em vista que estes
alimentam o acervo de pesquisas e contribuem com propostas as quais resultam no
aprimoramento da atividade. Portanto, o presente estudo buscou averiguar a importância
dos patrimônios da Belle Époque para o contexto da atividade turística na cidade de
Belém-Pará, a partir de um recorte que verificou se os patrimônios objetos de estudo
desta pesquisa: Theatro da Paz e o Palacete Bolonha, construídos no período da Belle
Époque, estão inseridos na gestão turística da cidade.
Segundo Figueiredo et al (2012), para que um elemento se transforme em
patrimônio, é importante requisitos que o identifique e o caracterize. O acervo pode ser
observado por meio de elementos que os norteiam e agregam valores em si, como o
caráter especial, a noção de raridade e singularidade, beleza, testemunho do documento,
originalidade e identidade. Contudo, esses elementos classificados a cima, são
característicos para reconhecer o objeto de estudo, haja vista que nem tudo pode ser
considerado sinônimo de patrimônio.
Há ainda o processo de patrimonialização que, para Poulot (2010), é a
representação dos símbolos com características peculiares de tal sociedade, sejam
naturais, sejam culturais, que sobretudo permanecem para o conhecimento das
civilizações. Isso significa que existe um procedimento de transformação do “objeto”
em patrimônio, cujo objetivo é identificar os valores que o cercam, para que possam ser
preservados e conservados, sendo assim transmitidos à posteridade. Em destaque a
outros teóricos, patrimonialização é o processo em que os componentes da cultura e
natureza são adaptados e tornam-se exclusivos, pois localizam-se fora do tempo e, por
378
esse motivo, devem ser transmitidos às sociedades futuras (GARAT; GRAVARI-
BARBAS; VESCHAMBRE, 2008).
Nesse contexto, além do processo de patrimonialização que auxilia na
preservação e conservação do patrimônio seja esse cultural ou natural, se faz necessário
ainda a gestão turística do mesmo, tendo em vista a sua valorização acerca da
interpretação precisa do “objeto”. Desse modo, o presente artigo justifica-se pela
importância do gerenciamento dos patrimônios de uma cidade, principalmente quando
se refere a patrimônio cultural, que, de acordo com Riegl (2003), é a influência do
patrimônio acerca da herança social, que resulta no laço entre a lembrança do passado
com a vivência do homem moderno. No mais, esses elementos refletem positivamente
na identidade da população por meio do sentimento de pertencimento e senso de
respeito dos visitantes frente ao local visitado.
No que tange ao processo de gestão turística, vale destacar que os patrimônios
deixados pelas gerações passadas, se transformam em produto turístico sendo
incorporados como um atrativo para a sociedade moderna (FIGUEIREDO et al, 2012).
Visto isso, identifica-se a importância de um olhar diferenciado para a atividade em
questão, pois, além de transmissão do conhecimento por meio da interpretação do
patrimônio ao visitante, isto é, contextualização e observação do objeto de estudo, será
ainda atribuído um real valor ao mesmo. Cabe então as entidades competentes e aos
responsáveis pelo patrimônio gerir de forma adequada esses procedimentos destacados
acima.
Para auxiliar no processo de análise do presente artigo, vale frisar o método
utilizado em questão pois, o ato de pesquisar, “[...] é um procedimento formal, com
método de pensamento reflexivo que requer um tratamento cientifico e se constitui no
caminho para conhecer a realidade ou para descobrir verdades parciais [...]”
(LAKATOS; MARCONI, 1986, p. 148). Gerhardt e Silveira (2009, p. 12), discorrem
que “[...] pesquisa é buscar ou procurar resposta para alguma coisa [...]”. Já no
entendimento de Gil (1999, p 17), a pesquisa “[...] é marcada por procedimento racional
e sistemático que tem como objetivo proporcionar respostas aos problemas que são
propostos [...]”.
Por ora, o desenvolvimento do presente trabalho utilizou-se o uso de distintos e
complementares procedimentos metodológicos, o levantamento documental e
bibliográfico e a pesquisa de campo do tipo exploratória in lócus. À medida que o
primeiro se ampara em referências teóricas (UNIVERSIDADE ESTADUAL DO
379
CEARÁ, 2002), o segundo procedimento, de acordo com Gil (2002), é desenvolvido
com base na observação e na coleta de dados colhidos diretamente com informantes.
Seguindo o pressuposto do modo de fazer ciência, foi empregado no campo o uso de
questionários, para os visitantes, a fim de coletar dados para análise e posterior
discussão sobre o tema.
380
Quando pensamos no que recebemos de nossos antepassados,
lembramo-nos não apenas dos bens materiais, mas também da
infinidade de ensinamentos e lições de vida que eles nos deixaram. A
maneira de fazer nhoques – que não se resume a receita, guardada com
cuidado no caderno com a letra da nossa querida mãe ou avó -, o modo
como sambamos (algo que nunca estará em um caderninho!), os ditados
e provérbios que sabemos de cor e que nos guiam por toda a vida são
exemplos de um patrimônio imaterial inestimável (FUNARI;
PELEGRINI, 2009, p. 8-9).
Em conjunto com a noção de preservação de elementos com caráter importante para
uma determinada sociedade, tem-se os patrimônios, que podem ser materiais ou
imateriais. Segundo MEIRA (2004 apud CAMPOS 2008), o termo da palavra está
inserido no contexto daquilo que pertence à pátria, do que é paterno, ou seja, representa
o apego de um determinado grupo sobre heranças deixadas por gerações anteriores.
Seguindo esta linha de análise, os autores mencionados ressaltam que, embora tenha
surgido a noção de patrimônio coletivo, não é tarefa fácil torná-lo um bem comum para
uma determinada sociedade, considerando que apesar de estar inserido dentro de um
contexto social, cada integrante desse meio desenvolve suas próprias formas de pensar e
agir conforme vão crescendo dentro de um grupo.
381
Ademais, as diversas sociedades desde os seus proêmios já possuírem a noção
de preservação de seus monumentos históricos, sendo somente a partir do século XIX,
na França, que passa a existir sua institucionalização. De acordo com De Grammont
(2006), tal noção de preservação do patrimônio público foi motivada pelos conceitos
atrelados ao Iluminismo e, ao mesmo tempo, com o objetivo de conter as invasões e as
depreciações ocasionadas pelo período que se passou a Revolução Francesa, que fez
surgir na França, pela primeira vez, a noção de tornar inconstitucional os monumentos
históricos.
Entende-se através desta análise, que a ideia de patrimônio, bem como o ato de tombá-
lo, proporcionou que construções projetadas por gerações anteriores tenham sido
382
mantidas vivas no imaginário e no cotidiano das sociedades, e, bem mais do que isso,
garantiu que as culturas presentes nos diversos grupos sociais, não sofressem
“descaracterização” e, assim, chegassem ao ponto de se tornarem “perdidas” ou
“irrelevantes”. Percebe-se desta maneira, o quanto torna-se importante o ato de
preservar, com o intuito de que aspectos que tangem uma cultura se mantenham
perpetuados.
Belém/PA foi uma das cidades brasileiras que mais recebeu influências
externas, principalmente no apogeu do Ciclo da Borracha (1850-1920), o qual abrigou
integrantes de diversos países da Europa. A extração do látex através das seringueiras,
proporcionou a cidade grande mudança em sua infraestrutura, sendo estes o advento da
energia elétrica e o recebimento de grandiosas construções com características europeias
(teatros, praças, hotéis, mercados, dentre outros), que até hoje recontam a história da
cidade e o marco deste período, que deixa qualquer visitante “deslumbrado com o
glamour da belle-époque de inspiração parisiense” (DUARTE, 2007). Sendo assim,
Belém/PA foi estruturada para receber a elite da época, sendo estes os barões da
borracha e suas famílias. Além disto, a cidade recebeu pessoas de todo o lugar do país,
que buscavam por melhores condições de vida, que acabaram por figurar a mão de obra
barata necessária para a extração da obra-prima, o látex.
383
1920, a capital paraense manteve algumas construções que ainda hoje tentam ser
preservadas, pois, compõem parte de seu legado cultural e histórico.
3 Movimento artístico que, a partir do final do século XVIII, reagiu ao barroco e ao rococó, e reviveu os
princípios estéticos da antiguidade clássica, atingindo sua máxima expressão por volta de 1830.
384
importantes. Até mesmo no período da borracha, possuía como principais visitantes os
pensadores e os senhores da borracha, que se encantavam pelas belezas naturais da
cidade de Belém/PA.
385
RESULTADOS E DISCUSSÕES
Por meio da pesquisa de campo utilizada para este trabalho, entre os dias 13 e
17 de fevereiro e 21 a 23 de abril de 2017, obteve-se o levantamento de dados sobre
dois patrimônios influentes construídos no período áureo do Ciclo da Borracha, na
cidade de Belém/PA, sendo esses o Theatro da Paz e o suntuoso Palacete Bolonha. A
pesquisa pautou-se na captura de imagens dos referidos monumentos e pela aplicação de
questionários junto aos visitantes e aos turistas nestes locais, com abordagens acerca de
como estão sendo utilizados e de que forma estão inseridos numa gestão bem
fundamentada para a atividade turística.
386
No processo de análise dos resultados da referida pesquisa, verificou-se que na
primeira pergunta 93,3% dos entrevistados responderam ter conhecimento sobre o que é
patrimônio histórico e 6,7% afirmaram que não sabiam. Na segunda questão 53,3% não
obtiveram êxito na pesquisa de informações referente ao patrimônio, 30% não
pesquisaram e 16,7% conseguiram informações sobre os horários e dias das visitações
no patrimônio. A terceira questão obteve um resultado positivo com 86,7% dos turistas
que tiveram informações sobre o importante período da Belle-Époque na cidade, e
13,3% responderam não obter informações. Já na quarta questão 80,0% dos
entrevistados afirmaram que Belém/PA não possui uma estrutura adequada para o
recebimento da atividade turística, e apenas 20,0% disseram que possui estrutura para
tal atividade.
No que diz respeito a quinta pergunta, 100% dos entrevistados alegaram não
terem sido abordados por nenhuma empresa de turismo e tampouco receberam
informativos turísticos sobre a região. Considerando a opinião dos entrevistados na
sexta questão referente ao conjunto de bens e serviços oferecidos até o momento, 70%
declararam ser satisfatório e 30% afirmaram que a cidade precisa de segurança,
infraestrutura adequada, sinalização, oferta de serviços turísticos e um site atualizado de
informações necessárias para suprir as necessidades do visitante. Por fim, a sétima e
última questão obteve 100% de respostas sim, isto é, os visitantes retornariam a cidade
e/ou indicariam a mesma para outras pessoas, visto que Belém/PA segundo os
entrevistados é uma cidade acolhedora.
Embora tenham surgido algumas divergências nas respostas, grande parte dos
entrevistados expressou opiniões e experiências semelhantes. Logo, fica evidente que a
boa gestão dos patrimônios históricos, é fundamental para salvaguardar a memória e a
cultura da sociedade que está inserido, uma vez que um mau planejamento é capaz de
proporcionar uma execução limitada e desta forma, resultados pouco satisfatórios.
Mediante a esta análise, um dos entrevistados, Renan, de 33 anos, ao ser questionado se
considera que a cidade de Belém/PA bem preparada para o recebimento da atividade
turística, alegou que “Não, porque as políticas públicas para o setor são precárias,
inclusive a própria secretaria de turismo é um órgão recente. Potencial para o turismo a
cidade possui, porém, a logística para a prática ser funcional ainda parece ser uma
situação futurista”.
387
O entrevistado André, de 28 anos, que ao ser questionado sobre a cidade estar
bem estruturada para o turismo, respondeu que “Não, porque há várias falhas, como a
falta de desenvolvimento de eventos para atrair os turistas, falta de uma boa estrutura e
segurança”. Seguindo esta análise, notou-se que a maioria dos entrevistados demonstrou
descontentamento sobre a estruturação dos referidos patrimônios para a inserção na
atividade turística e muitos reconheceram que a cidade de Belém/PA possui grande
acervo cultural, porém, carece de iniciativas fundamentais de planejamento e gestão,
gerando frustração, pois heranças históricas muitas vezes acabam esquecidas. Segue
imagens 4 e 5 das visitas nos patrimônios.
É importante ainda fazer uma profunda análise entre a teoria e a prática, tendo
em vista o discurso dos autores Figueiredo et al (2012), quando se referem à
necessidade do planejamento e gestão para o real desenvolvimento e crescimento da
atividade turística na região que contribui para o núcleo receptor. E ainda, para
Petrocchi (2001), é importante que o planejador visualize também todos os elementos
que estão fora do alcance da gestão do núcleo turístico.
Considerando que são por meio dos atrativos turísticos que as pessoas se
interessam em conhecer determinados locais, a divulgação é um dos fatores mais
importantes para que exista uma grande demanda de turistas. Sendo assim, quando
questionados se antes de visitarem a cidade de Belém/PA conseguiram informações
relevantes e bem fundamentadas sobre passeios, visitas ou histórico de um dos dois
patrimônios (Theatro da Paz e Palacete Bolonha) em sites, revistas, guias, dentre outros,
a maioria dos respondentes alegou não conseguir informações bem detalhadas sobre
roteiros de visitações nestes lugares, enquanto outros informaram que encontraram
388
pacotes, porém, com valores elevados, considerando suas estruturações. Nesta linha, se
faz importante o marketing turístico que segundo Petrocchi (2001) é um grande aliado
do planejamento turístico o estabelecimento de estratégias de marketing.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A boa execução do turismo e suas vertentes dependem de uma rede de bens e
serviços que precisa estar em constante integralização, considerando que a falha em
algum setor, torna-se capaz de desarticular toda a atividade. Para tanto, faz-se
necessário que exista um planejamento para a gestão turística, principalmente no que
diz respeito aos atrativos mais procurados por visitantes e/ou aqueles mais importantes
num determinado destino. Por meio das análises documentais, bibliográficas e de
pesquisa em campo deste trabalho, foi possível presenciar como está sendo perpetuada a
gestão turística em dois dos patrimônios históricos principais da cidade de Belém/PA,
sendo eles o majestoso Theatro da Paz e o suntuoso Palacete Bolonha, ambos
construídos no período áureo do ciclo da borracha e no momento histórico da Belle
Époque na região norte.
389
apresenta constantes limitações no que diz respeito à gestão do turismo nos espaços
analisados, fator que, reflete na tomada de decisão das visitações das demandas real e
potencial.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICAS
390
e territórios sustentáveis. Unidade 4: A cidade e o desafio do desenvolvimento
sustentável, mar. 2008. Disponível em http://developpementdurable.revues.org/4913.
Acesso em: 28 jan 2017.
391
VIANA, H. História do Brasil. São Paulo: Melhoramentos, 1967. Pág. 194.
392
CIDADES HISTÓRICAS E TURISMO: CACHOEIRA, SÃO CRISTÓVÃO E
PENEDO1
Resumo: O presente trabalho tem por objetivo apreender, analisar e discutir a relação
entretida entre as áreas do Patrimônio Cultural e do Turismo através da observação do
exemplo de cidades históricas brasileiras, nesse caso os exemplos das cidades de
Cachoeira na Bahia, de São Cristóvão em Sergipe e de Penedo em Alagoas, buscando
compreender como estes locais tem procurado resolver os problemas e investir na
positividade dessa relação para proporcionar não só o desenvolvimento local, mas
também a manutenção da identidade e da própria preservação do patrimônio dessas
localidades.
Palavras-Chave: Patrimônio Cultural; Turismo; Preservação; Cidades Históricas;
Desenvolvimento Local.
Abstract: This study aims to capture, analyze and discuss the relationship entertained
between the areas of Cultural Heritage and tourism through observation of the Brazilian
historical cities, in this case examples of cities Cachoeira in Bahia, São Cristóvão in
Sergipe and Penedo in Alagoas, seeking to understand how these sites has sought to
solve the problems and invest in positive relationship to provide not only the local
development , but also the maintenance of identity and the preservation of such heritage
locations.
Keywords: Cultural Heritage; Tourism; Preservation; Historic Towns; Local
Development.
INTRODUÇÃO
393
ecoturismo; culinária diversificada para o desenvolvimento da prática do turismo
gastronômico; de monumentos históricos preservados para o desenvolvimento do
turismo cultural, entre outros) e que possam ser usados e, consequentemente, através
dos ganhos auferidos financeiramente, gerar melhorias e bem-estar aos diversos agentes
envolvidos, entre estes, a própria comunidade residente.
A prática turística não pode ser vista somente como produtora de aspectos
negativos, principalmente, no que tange ao seu caráter desconfigurador das paisagens
naturais, bem como das características que garantem determinada identidade a uma
localidade. Não queremos aqui negar que isso não aconteça ou que possa ser
considerado algo menor frente aos possíveis ganhos financeiros que a atividade venha
garantir. Queremos sim, afirmar que esses problemas podem ser minimizados, ou até,
neutralizados, quando se adota como ponto de partida para a concretização da prática, o
planejamento em todos os seus aspectos, no sentido de buscar evitar problemas e erros
futuros. Nesse sentido, é sempre bom ficar atento para a criação de cenários, processos
de avaliação das medidas implementadas, dados coletados e a avaliação dos mesmos e
necessidades de refazer percursos quando os objetivos não forem conseguidos
satisfatoriamente atendendo as demandas de todos os envolvidos.
O presente artigo, o primeiro de uma série que analisa este aspecto, tem por
objetivo discutir a utilização das cidades históricas como cidades turísticas, buscando
tratar a relevância do planejamento estratégico para a prática turística visando a
preservação do patrimônio cultural existentes nessas localidades a exemplo das cidades
de Cachoeira, na Bahia; São Cristóvão, em Sergipe e Penedo, em Alagoas.
394
Portinari, Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo, Prudente de Morais Neto, Afonso
Arinos de Melo Franco, entre outros.
Ao longo desses oitenta anos de existência o instituto foi responsável, através
das atividades dos seus técnicos e dirigentes, pelo levantamento, seleção e preservação,
através do recurso jurídico do tombamento - prática iniciada com a promulgação do
Decreto-Lei nº 25, de 30 de novembro de 1937 - de diversos monumentos (individuais e
em conjunto, a exemplo de igrejas, palácios, fortalezas e fortes, estatuária, pinturas,
conjuntos arquitetônicos, centros históricos e cidades históricas) por todo Brasil.
Através dos seus pareceres, dos seus registros, da constituição dos seus catálogos, o
IPHAN desde a sua criação vem buscando garantir a salvaguarda e a preservação desse
patrimônio, conforme podemos observar:
4
Considera-se arquitetura pública a arquitetura civil construída pelo Estado ou por entes públicos, como
governo o federal, os estaduais e os municipais.
5
A denominação acerca do patrimônio é dividida em patrimônio material, também conhecido como
patrimônio tangível, consubstanciando-se em edificações, objetos, entre outros e patrimônio imaterial,
também conhecido como patrimônio intangível, consubstanciando-se em festas, celebrações e ritos
religiosos, saberes, entre outras práticas proporcionadoras de identidade a uma determinada coletividade.
395
Museu do Índio da Fundação Nacional do Índio – FUNAI. A lista de bens registrados
pelo IPHAN hoje conta com um total de 30 manifestações culturais conforme vê-se:
Para além das ações aqui citadas, tombamentos e registros, o instituto também
foi responsável pela definição de uma política pública de preservação/conservação do
patrimônio cultural brasileiro, não somente por ter diretorias espalhadas por todo
território nacional protegendo aquilo que é considerado importante mas, principalmente,
porque o seu ideário, as suas práticas, o trabalho desenvolvido pelos seus técnicos e
servidores passou a ser referencial para os entes federativos no momento de definirem
as práticas de preservação a serem adotadas e realizadas por seus órgãos de preservação
396
e, em muitos casos, também servindo de exemplo para os municípios brasileiros no
tocante a proteção dos seus patrimônios culturais.
O TURISMO PRESERVA?
Participação de Todos
(Poder Público, Empresariado,
Turismólogos, Historiadores,
Comunidade Local)
397
Nesse sentido, e como parte importante para um planejamento eficaz e
eficiente, a participação do poder público (principalmente em nível local) torna-se
fundamental e obrigatória, afinal o desenvolvimento local e o bem-estar das diversas
comunidades não podem e não devem ficar na mão, exclusivamente, da iniciativa
privada.
Por sua vez, a iniciativa privada deve participar do ato de planejar, pelo
simples fato de estar contribuindo diretamente com algumas variáveis importantes nesse
processo, afinal os restaurantes, os meios de hospedagem, os meios de transporte, a
produção e venda de souvenires que auxiliam e garantem uma boa estadia ao turista em
visita a um determinado lugar, são os meios de sobrevivência, são os negócios
gerenciados e implementados pelos membros constituintes desse setor.
O planejamento ainda encerra questões importantes que não podem ser jamais
esquecidas e que, se bem trabalhadas, podem garantir não só o retorno do turista ao
local visitado como a indicação do lugar, para o seu círculo de amizade, na chamada
propaganda “boca-a-boca” positiva. Pensando nisso é que se deve observar
rigorosamente os dias e horários de abertura (e nesses dias os lugares devam estar
realmente abertos, pois não adianta ter um monumento fechado nos fins de semana
sendo este o momento de maior visitação), a conservação geral do lugar (limpeza de
áreas a serem visitadas, bem como banheiros e arredores), a segurança dos turistas e dos
próprios moradores do local, a capacidade de carga de visitação (número máximo de
visitantes por vez) para que os monumentos, sítios históricos, edificações, objetos, entre
outros não sejam afetados ou, até mesmo, depredados, mesmo que não intencional.
Por último, mas não menos importante, no momento do planejamento é o
papel, é o envolvimento da comunidade local na construção/definição/utilização dos
atrativos turísticos e, nos casos em análise, dos monumentos. É fundamental que a
comunidade local esteja envolvida com tudo que diz respeito ao seu lugar de moradia,
de vivência, da sua existência, afinal, se para o turista aquele lugar pode ser o exótico, o
diferente, o fotografável, para o residente, para o morador é o lugar onde se
desenvolvem as suas práticas cotidianas de religiosidade, de sociabilidade, de
visibilidade.
Tomemos como exemplo o simples ato de visitação a uma determinada igreja
em uma cidade histórica brasileira, como a cidade de Ouro Preto, por um grupo de
turistas. Fotografa-se, fala-se alto na maioria das vezes, o guia presta informações,
produzem-se risadas e comentários, se dispersa a atenção. Em contrapartida, há
398
moradores calados, circunspectos, a rezarem e professarem sua fé incomodados com
toda aquela balburdia provocada pela excitação da visita. Como conciliar essa situação?
Essa e outras perguntas e situações devem ser pensadas e resolvidas.
CIDADES HISTÓRICAS COMO CIDADES TURÍSTICAS
Faz-se necessário observar que essa relação Cidades Históricas como Cidades
Turísticas não é uma relação tão nova em nossa história. Podemos ter como exemplo as
ações implementadas na década de 1970, derivadas dos eventos denominados I e II
Encontro de Governadores para a Preservação do Patrimônio Histórico, Artístico,
Arqueológico e Natural do Brasil, conhecidos também como Compromisso de Brasília
(ocorrido em 1970) e Compromisso de Salvador (ocorrido em 1971), tendo como um
dos objetivos principais “a possibilidade de utilização desse patrimônio no
desenvolvimento do mercado turístico nos diversos locais em que isso fosse possível”
(OLIVEIRA, 2010, p. 70)
Esses eventos contaram com a presença dos técnicos e dirigentes da Empresa
Brasileira de Turismo – EMBRATUR, que havia sido criada para suprir uma
necessidade existente e é considerada um marco no processo de profissionalização da
prática turística no Brasil. Nesse sentido, estados como a Bahia, Minas Gerais, São
Paulo6, Rio de Janeiro, passaram não somente a desenvolver ações e atividades para a
preservação/conservação do seus respectivos patrimônio, culturais materiais, (exemplos:
Projeto de Revitalização do Pelourinho em Salvador; criação pela Prefeitura Municipal
de Ouro Preto do Departamento Municipal do Patrimônio Histórico e Artístico e de
Casas de Cultura, como a de Mariana) mas também a desenvolver ações conjuntas para
a exploração turística dos seus respectivos patrimônios.
A título de exemplo gostaríamos de elencar dois clássicos da relação
Patrimônio Cultural e Turismo no Brasil: as cidades de Ouro Preto, em Minas Gerais; e
Salvador, na Bahia. A cidade de Ouro Preto foi elevada à categoria de Cidade Histórica
no ano de 1933, ação ocorrida antes mesmo da fundação do IPHAN e é considerada a
primeira ação efetiva de preservação/conservação de uma cidade histórica. Antiga
capital de Minas Gerais foi substituída por Belo Horizonte no ano de 1893 e em
decorrência disso, a antes cidade comandante da busca pelo ouro e por pedras preciosas
6
Gostaríamos de chamar a atenção para a “criação, em 1968, através da Lei 10.247 de 22 de outubro, do
Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turismo do Estado de São Paulo
– CONDEPHAAT. O Conselho tinha por objetivo a proteção não só do patrimônio histórico paulista, mas
já na sua sigla informava a preocupação com o patrimônio turístico”. (OLIVEIRA, 2010, p. 72-73)
399
entrou em declínio, não recebendo afluxos de migrantes vindos de outras partes do
estado para a capital (agora antiga capital) ou pela perda de moradores para a nova
capital, conseguiu manter em grande parte intacto seu casario colonial e suas igrejas
barrocas.
Nessa perspectiva concordamos com Silva (2004) quando diz que:
400
das Américas. Foi edificada para ser a sede do Governo-Geral do Brasil e foi, nessa
condição, que recebeu as principais ordens religiosas e igrejas e conventos, além dos
palacetes administrativos para o exercício do poder real português, majestosos fortes
para a defesa dos interesses da coroa frente aos inimigos e invasores e o seu casario
colonial, todos tão bem representados no Centro Histórico da cidade ou como é mais
comumente conhecido, no Pelourinho.
Vejamos alguns exemplos dos monumentos da capital baiana.
Imagem 04 – Fundação Casa de Imagem 05 – Igreja de São Francisco Imagem 06 – Forte de São
Jorge Amado Fonte: Acervo pessoal do autor. Marcelo
Fonte: Acervo pessoal do autor. Fonte: Acervo pessoal do autor.
A cidade, assim como Ouro Preto, também teve seu Centro Histórico alçado à
condição de Patrimônio Cultural da Humanidade pela UNESCO em 02 de dezembro de
1985, sendo um dos principais destinos turísticos brasileiros. Soma-se ao patrimônio
material preservado uma série de elementos culturais como a música, a dança, a
religiosidade e a culinária baiana, resultado da rica mistura entre os africanos, os
ameríndios e os europeus que construíram a cidade. Destaca-se aí a preservação do
patrimônio cultural imaterial através do registro feito pelo IPHAN, a exemplo do
acarajé (e todos os seus apetrechos e relações de religiosidade), da capoeira e samba de
roda.
Figura 01: Baiana do Acarajé Figura 02: Roda de capoeira Figura 03: Selo comemorativo do
Fonte: Fonte: Registro do Samba de Roda do
https://br.pinterest.com/pin/374572893982 http://blog.millenniumclubfitness.com Recôncavo Baiano.
308063/ Acesso em: 02 mar. 2017. Fonte:
Acesso em: 25 out. 2016. https://www.filatelicaonline.com.br/ind
ex.php
Acesso em: 02 mar. 2017.
401
Para além desses dois exemplos, já bastantemente conhecidos dos turistas
brasileiros e, até, do turismo internacional, gostaríamos de tratar de três cidades históricas
com um potencial turístico muito grande, são elas: Cachoeira – BA, São Cristóvão – SE e
Penedo – AL.
402
ano recebeu o título de “Cachoeira, a Heroica” pela sua participação em tais
movimentos.
Primeiro a riqueza, gerada com a produção do açúcar, do fumo, do comércio e
do porto escoador, do fato de se encontrar em localização privilegiada entre a cidade de
Salvador e o sertão baiano e, com o início do processo de ocupação, do que viria a ser as
Minas Gerais, foi geradora de importante conjunto arquitetônico. Posteriormente, o
declínio da cidade decorrente das crises da indústria do tabaco e da perda considerável
de população em decorrência dessas crises, foi possível a preservação/manutenção desse
importante conjunto caracterizador da cidade, conforme informações obtidas em
relatório do IPHAN e constatadas nas imagens produzidas por nós como forma de
exemplificação.
Algumas imagens:
403
É necessário ressaltar que para além desse patrimônio cultural material de
grande monta existente em Cachoeira, há também um rico patrimônio cultural imaterial
representado principalmente através do sincretismo religioso, pela incorporação de
elementos religiosidade católica e afrodescendente representado pela celebração e
comemoração no dia 15 de agosto do dia devotado a Nossa Senhora da Boa Morte,
organizadas pela Irmandade da Boa Morte.
404
sido iniciados anteriormente com os primeiros atos do Instituto, a exemplo do
tombamento da Igreja e Convento de Santa Cruz ou de São Francisco (como é mais
conhecida) em 1941 e da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Vitória, da Igreja e
Convento do Carmo e a Igreja da Ordem Terceira, também conhecida como Igreja de
Nosso Senhor dos Passos, bem como a Igreja do Rosário dos Homens Pretos em 1943.
Para além dos exemplares religiosos também foram feitas uma série de
tombamentos do casario pertencente à cidade. Em 2010 o Comitê do Patrimônio
Mundial da UNESCO concedeu a Praça de São Francisco o titulo de Patrimônio
Cultural da Humanidade. Podemos observar os monumentos aqui citados e alguns
outros nas imagens a seguir.
Penedo – AL:
405
(bandeiras) para mapeamento e posterior controle do Rio São Francisco. A
denominação Penedo deriva da expressão grande pedra, na qual inicialmente o povoado
foi assentado, na margem esquerda do rio. O povoado foi elevado à categoria de vila em
1636 com denominação de São Francisco, passando a ser conhecida por São Francisco
de Penedo e com a elevação a categoria de cidade em 1842, passou a ser conhecida
somente como Penedo.
A produção açucareira, a exemplo de Cachoeira na Bahia e São Cristóvão em
Sergipe favoreceu a construção de um conjunto barroco-colonial de grande importância
e que tem na Igreja e Convento Santa Maria dos Anjos (Convento dos Franciscanos), na
Igreja de Nossa Senhora da Corrente e na Igreja de São Gonçalo Garcia seus principais
exemplares, além de uma série de outros monumentos espalhados pela cidade, conforme
citação a seguir:
Ou ainda:
Por esses exemplares é que a cidade teve seu conjunto arquitetônico, histórico
e paisagístico de reconhecido valor, tombado pelo IPHAN em 1996, dando início de
forma mais institucionalizada a preservação dos mesmos, principalmente pela
possibilidade de disponibilização de recursos financeiros para as ações de restauro e
conservação de uma série de monumentos protegidos, conforme as imagens a seguir.
406
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A guisa de conclusão, embora parciais pois, como dito no início deste artigo, faz
parte de uma pesquisa que envolve outras cidades históricas, gostaríamos de retomar
algumas questões consideradas de grande relevância.
A primeira delas é a importância e a necessidade do planejamento estratégico
para a preservação do patrimônio cultural. A prática turística como fomentador e
promovedor do desenvolvimento local precisa ser pensada em todas as suas nuances e o
planejamento estratégico pode proporcionar uma visão tanto geral, como especifica
sobre a atividade, buscando compreender e dar respostas as possíveis dificuldades e
problemas que venham a ser encontrados na aplicabilidade do patrimônio cultural como
forma de promoção do desenvolvimento, sem perder as referências identitárias e a
importância do papel desempenhado pela comunidade local.
Em relação especificamente as cidades apresentadas é necessário lembrar o
papel que programas governamentais tiveram no tocante as práticas de preservação e
restauração a exemplo do Programa MONUMENTA, principalmente na perspectiva de
utilização desses exemplares na prática turística com vistas a um maior
desenvolvimento econômico e social das cidades históricas. Desde a retomada da
407
parceria com IPHAN em 2003/2005 até a sua finalização e subsequente implantação do
PAC das Cidades Históricas (iniciada no ano de 2010) é possível verificar os
investimentos em formação e financeiros com essa finalidade.
408
de um planejamento adequado que possa garantir o desenvolvimento local e o bem-estar
dos membros das respectivas comunidades.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AVILA, Marco Aurélio (org.). Política e Planejamento em Cultura e Turismo.
Ilhéus: Editus, 2009.
OLIVEIRA, Almir Félix Batista de. Patrimônio, memória e ensino de história. In:
OLIVEIRA, Margarida Maria Dias de, CAINELLI, Marlene Rosa e OLIVEIRA, Almir
Félix Batista de (Orgs.). Ensino de história: múltiplos ensinos em múltiplos espaços.
Natal: EDFURN, 2008
OLIVEIRA, Almir Félix Batista de. Memória, história e patrimônio histórico. Políticas
públicas e a preservação do patrimônio histórico. Aracaju: Editora da UFS, 2012.
409
SERRANO, Célia; BRUHNS, Heloísa Turini & LUCHIARI, Mª Tereza D. P. (orgs.).
Olhares contemporâneos sobre o turismo. Campinas: Papirus, 2000 (Col.
“Turismo”).
SILVA, Maria da Glória Lanci da. Cidades Turística. Identidades e Cenários de Lazer.
São Paulo: Editora ALEPH, 2004.
SITES
410
A PRESERVAÇÃO DOS BENS CULTURAIS: TURISMO E PLANEJAMENTO
URBANO
______________________________________________________________________
¹ Graduado Licenciatura em Turismo pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro – UFRRJ (2014)
e Pós graduando Turismo Sustentável pelo Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da
Fonseca – CEFET/Nova Friburgo – Rio de Janeiro (2017). Email:
sirley.ferrconsaqua@hotmail.com
411
INTRODUÇÃO
A cidade é o espaço social de convívio, de interação social, conflitos e
competitividade. Também constituído de elementos físicos (elementos naturais e
construído pelo homem), com múltiplos ambientes particularmente de convívio das
pessoas e instituídos de experiências culturais e registros, além de proporcionar fruição
social importante para o desenvolvimento humano, social e econômico.
Da mesma forma, a cidade caracteriza-se como ‘’aglomeração urbana de certa
importância, localizada numa área geográfica circunscrita e que tem numerosas casas
próximas entre si, destinadas a moradias e atividades culturais, mercantis, industriais
entre outras’’ (LENCIONI, 2008, p.113).
Neste contexto, o desafio dos planejadores, promotores territoriais e urbanistas
na organização do espaço urbano é tentar harmonizar o planejamento e ordenação
urbana junto aos bens culturais que fazem parte da vida cotidiana das pessoas. Neste
caso, a cidade analisado como urbano, objeto e fenômeno é indispensável tratá-la
apenas como espaço de convívio e troca comerciais.
No entanto, além das dificuldades no campo do planejamento com relação a
preservação do patrimônio cultural. Os conflitos sociais, as forças externas dos agentes
de mercado e a falta de articulação entre as esferas políticas são desafios enfrentados na
maioria das cidades brasileiras.
Essas considerações são importantes, pois caracterizar a cidade como bem
cultural está sujeito a equívocos, mas devemos qualificá-la pelo fato de ser espaço de
desenvolvimento humano, social, econômico e ambiente de convívio, onde bens
materiais e imateriais se relacionam e as representações reforçam tratar esse ambiente
físico como ‘’bem cultural’’.
Enfim, o artigo consiste na pesquisa bibliográfica e documental como livros,
dissertações e teses acerca do tema e si propõe refletir a cidade como bem cultural
destacando algumas considerações relevantes na valorização do patrimônio. Na segunda
análise, iremos compreender a importância do turismo como mecanismo de
comunicação e valorização do patrimônio cultural, por ultimo tratar o planejamento
como ferramenta que pode contribuir para não destruição dos bens tombado e
fundamental na preservação do patrimônio diante do pretexto da globalização.
412
CONSIDERAÇÕES SOBRE A CIDADE COMO BEM CULTURAL
413
Cabe a nos entendermos que qualificar a cidade como bem cultural é uma forma
equivocada do termo, mas que reforça o seu verdadeiro sentido de lugar de
pertencimento onde todos podem viver de forma democrática, principalmente
demonstrar seus aspectos e valores culturais no espaço acessível para todos. Enfim, essa
qualificação potencializa o patrimônio como elemento fundamental na vida das pessoas
e que deve ser valorizado pelo fato de ser uma ferramenta de intermediação entre as
diferentes culturas.
No campo dos significados, a cidade como bem cultural é dotada de sentidos,
percepções e cognação, de valores e da memória, da ideologia, dos conceitos e das
representações que são elementos fundamentais na identidade local e que não podemos
esquecer que ‘’sem as práticas sociais, não há significados sociais’’ (MENESES, 2006,
p. 37).
A forma de preservar e interpretar a cidade como bem cultural nos remete a
principio, entender seu processo histórico e sócio-cultural. Essa necessidade nos leva a
refletir às dimensões culturais, políticas e técnicas. Que nesse sentido, cabe a nos
compreendermos que:
Sendo assim, a cidade como bem cultural, seus vetores matérias (artefatos,
objetos culturais, patrimônio e etc) estão condicionados aos significados sociais, das
representações e das praticas culturais presentes. Logo, os aspectos materiais de
sentidos e valores são essenciais para compreendermos o real significado de patrimônio,
além disso, esses fatores estão imbricados na dimensão de cidade e que não devemos
isolar. Nesta perspectiva, podemos considerar a cidade como monumento, pois mantém
com ela uma dimensão valorativa dos bens materiais e intangíveis.
Portanto, qualificar a cidade como ‘’bem cultural’’, tal abordagem parece-nos
necessária para compreendermos que precisamos tratar como espaço democrático, de
interação social, lugar de registro e representações das pessoas e que sua trajetória e
414
seus diversos componentes como as expressões culturais devem ser valorizados e que
interpretado desta maneira o patrimônio cultural torna-se um fato social (PAES, 2009).
415
atividade para a população, caso contrário põem em risco os bens considerados
culturalmente expressivos, ocorrendo conflitos sociais e a descaracterização das formas
de representação da própria população local.
Neste caso, a relação do patrimônio com o turismo é possível se houver
participação efetiva da população no processo de desenvolvimento da cidade e no
turismo, aqui incluindo o envolvimento social das instituições e os agentes ligados a
atividade. Sendo assim, a relação pode impactar positivamente na interação do turista
com os bens culturais de forma harmoniosa e o respeito à cultura local (CUNHA, 2006).
É importante que haja relação harmoniosa e sustentável no processo de
preservação dos bens culturais para que não seja colocado o próprio patrimônio cultural
em risco. Nesta perspectiva, considerar o patrimônio como recurso turístico é uma
forma de tratá-lo como fator essencial na vida das pessoas capaz de proporcionar
fruição social entre os atores envolvidos e valorização do próprio bem cultural.
A comunicação turística também pode ser uma ferramenta de tocar as imagens
identitárias de um território, a memória coletiva e social de um povo tornando-se
fundamental na democratização do acesso aos bens culturais e na preservação do
patrimônio. De acordo com Voisin (2006) ressalta que a comunicação é:
416
O patrimônio visto como atrativo turístico, o consumo desse bem deve desdobra-
se em fonte de renda para a manutenção de sua própria estrutura, constituindo uma
relação mutua entre o turismo e bem cultural. No entanto, é cada vez mais voraz a
competição por espaço, da mesma forma, há suposta ‘’necessidade de se proteger de
uma eminente destruição dos objetos considerados representativos de um tempo e de
um espaço, o chamado patrimônio cultural’’(CRUZ, 2012, p. 101).
Que neste caso, podemos dizer que o turismo pode ser sim um mecanismo capaz
de assegurar a preservação do bem cultural como todo. Para tal resultado é fundamental
que as intervenções na cidade sejam realizadas tendo como preocupação mais
importante a qualidade de vida da comunidade local e a preservação dos bens materiais
e imateriais, caso contrario não podemos garantir a qualidade de cidade, e nem tratá-la
como bem cultural.
É importante de fato e fundamental compreendermos que o turismo é capaz de
proporcionar fruição social entre as pessoas, tendo como recurso turístico o patrimônio
e suas características. Da mesma forma, podemos dizer que turismo e patrimônio
consistem numa relação ampla e potencializadora capaz de estimular e dinamizar a vida
cultural da cidade.
De acordo com Silva (2000):
‘’Não podemos negar que o relacionamento entre patrimônio e
turismo se instalou de forma definitiva. Há porém que estabelecer
regras de convivência entre ambos numa perspectiva de rentabilização
económica e de desenvolvimento social. O desafio que se coloca ao
turismo é o de utilizar os recursos patrimoniais numa perspectiva de
desenvolvimento durável, assente em critérios de qualidade, para que
os seus benefícios resultem numa efetiva melhoria da qualidade de
vida dos cidadãos, tanto daqueles que o praticam como daqueles que o
acolhem’’ (SILVA, 2000, p. 221).
Enfim, os bens culturais que a cidade apresenta e o que eles representam para a
população local é a verdadeira vocação do turismo cultural. Daí pode ressaltar o real
valor do patrimônio e de sua valorização para o desenvolvimento do turismo e vice-
versa.
417
A PRESERVAÇÃO DOS BENS CULTURAIS E O PLANEJAMENTO URBANO
418
Ainda com relação ao patrimônio, os planejadores urbanos devem operar tendo
como quadro de orientação o território e seus atributos diferenciais para que possam
planejar de forma consciente e sustentável o espaço urbano, não descaracterizando os
espaços constituídos de história, significados e representatividade (MENESES, 2006).
Da mesma forma, criar-se condições favoráveis de interpretar e ordenar a cidade
da melhor forma, tomando como referencia a abordagem geográfica buscando
‘’compreender a lógica espacial que materializa a rede complexa de relações entre o
território, as atividades turísticas e a identidade cultural’’ (PAES, 2009, p. 2).
O planejamento urbano é o mecanismo fundamental e estratégico capaz de
favorecer e garantir as condições de viabilidade econômica, infra-estrutura, políticas
adequadas de habitação, saúde, transporte e outros para o funcionamento de uma cidade
e garantir a qualidade e o bem-estar da população local.
É importante ressaltar que o planejamento ambiental urbano em primeiro lugar
deve ser pautado no Plano Diretor no Estatuto da Cidade que é o instrumento básico da
política de desenvolvimento e expansão urbana e que tem como função garantir o bem-
estar da população (BRAGA, 2001). Sendo assim, o Estatuto da Cidade² e os Planos
Diretores são instrumentos de gestão capazes de democratizar a política urbana que
deve ser transparente, ou seja, as diretrizes e prioridades do crescimento da cidade
devem torna-se públicas.
Neste contexto, o Estatuto da Cidade e os Planos Diretores ‘’procuram calibrar
instrumentos capazes de promover condições de inclusão social’’ (MENESES, 2006, p.
36). A partir do estatuto da cidade que novos planos diretores são criados e melhores
oportunidades de buscar mecanismos de participação comunitária.
A intervenção sobre os bens culturais deve ser articulada de forma mais
democrática possível com a participação da sociedade, criando ações políticas e
propondo a melhor forma de preservar todos os bens de natureza material e imaterial,
paisagísticos, natural entre outras especificidades.
_____________________
² Em 2001, com a aprovação do Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001), que regulamentou os artigos 182
e 183 da Constituição Federal e estabeleceu as diretrizes gerais da política urbana (BRAGA, 2001).
419
No entanto, a política de planejamento voltado para a valorização do patrimônio
ambiental urbano, hoje, obedece à lei do mais forte. E é nesse ponto que devemos
direcionar nossa atenção, quando se trata do jogo de interesse nas políticas de
planejamento urbano e sua relação com o empresariado diante dos bens culturais e
espaços simbólicos e de pertencimento.
Também é notório nos discursos políticos a falta de transparência dos
governantes quando se trata da valorização dos bens culturais nas cidades históricas
brasileiras. Aliás, muitos planos diretores são abandonados e nem se quer dão
continuidades ou não são aprovados agravando os problemas sociais, culturais e
econômicos da cidade.
Diante dessa realidade é possível garantir a valorização do patrimônio cultural
junto ao seu entorno, desde que haja o dialogo, além disso, a transparência das ações
dos entes envolvidos no processo, ou seja, as propostas das políticas de planejamento e
ordenamento urbano, de proteção do patrimônio e do setor privado devem ser
comunicadas democraticamente a população local.
A democratização é um principio que precisa ser colocado em pauta dentro dos
debates políticos, nas ações públicas e nos meios de comunicação para que a
preservação do patrimônio cultural não se transforme por completo em mero produto de
comercialização, perdendo seu valor cultural e social.
Tal importância da democratização nas políticas de planejamento urbano deve
ser vista como ferramenta necessária na busca de soluções para assegurar e garantir o
bem-estar da população local e a preservação do patrimônio como o todo. Nesse
sentido, é oportuno saber que:
420
campo da discussão a problemática da proteção e valorização dos bens materiais e
imateriais e os espaços de memória e a relação das políticas públicas locais com o
empresariado.
Logo, observa-se que há uma tendência de urbanismo excludente nas cidades
brasileiras valorizando uma determinada parcela da sociedade que privilegia as
intervenções-cenário voltadas ao turismo, onde o patrimônio é o principal atrativo
turístico. Neste caso, é um problema que tende a se agravar devido uma política de
planejamento voltado para atender as reais necessidades do mercado.
Devemos lembrar que a mercantilização da cidade é a forma menos sutil de
privatização do seu interesse cultural, ou seja, este ciclo determina a incessante
continuidade do empresariado impor sua lógica capitalista e tornar a cidade um
verdadeiro produto, pondo em risco a destruição do patrimônio, a desvalorização dos
bens culturais e a perda dos espaços de representação social (MENESES, 2006).
Nesse contexto, a política de planejamento e ordenamento urbano direciona
tratar da forma estética da cidade, apropriando-se de outros modelos urbanos e
segregando cada vez mais os espaços públicos e de representação cultural. Cabe ainda
dizer que essa valorização por meio das políticas de planejamento segue as lógicas de
mercado, colocando também em risco as comunidades consideradas tradicionais.
Isso retorna à afirmação de Meneses (2006), quando se trata da política de
planejamento urbano, que neste caso ressalta que:
421
Portanto, as políticas de planejamento e ordenação urbana e de preservação do
patrimônio devem articular entre si, e com a comunidade local, tornando as ações
democráticas e criando estratégias e soluções para os problemas urbanos, colocando
como um dos pontos principais a proteção dos bens culturais da cidade. Mas, qualificar
a cidade em primeiro plano como bem cultural, a princípio é uma forma de tratar como
espaço de pertencimento, representação das pessoas e que amplia o alcance das políticas
de preservação (MENESES, 2006). Todavia, é preciso estar atento ao jogo de interesse
e os conflitos, no qual põe em risco a conciliação da preservação dos valores culturais e
do desenvolvimento urbano de forma sustentável.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
422
Desde então, diante das incertezas políticas, o mau direcionamento da política
cultural de planejamento pode levar a destruição das características presentes dos
espaços culturais. Alem disso, em certo sentido, podemos perceber que a cidade como o
todo para os próximos anos parece já estar traçado pelas autoridades e os grandes
empresários.
É oportuno chama atenção para que o patrimônio cultural não seja direcionado
para alcançar apenas as necessidades econômicas do mercado perdendo a relação dos
aspectos culturais materiais quanto as práticas sociais, sem essa relação a cidade perde a
sua vida, vira sitio arqueológico, ou pior, parque temático. Nessa conjuntura, é
fundamental pensar no bem maior que é o desenvolvimento social das pessoas por meio
da valorização dos bens materiais e imateriais.
Portanto, através desse artigo pretendemos contribuir e trazer algumas reflexões
teóricas e considerações dos conceitos relacionados a cidade, o patrimônio e as políticas
culturais planejada. Trazendo como objeto de estudo a cidade como ‘’bem cultural’’ e
sua dimensão, na necessidade de refletir como espaço democrático e que os bens
culturais devem ser tratados como elementos centrais nos projetos de ordenamento do
espaço urbano e nas políticas culturais de planejamento. Ainda, é importante considerar
que o planejamento e a legislação como instrumento importantíssimo que agregados a
atividade turística podem preservar a cidade e os seus bens culturais diante a
globalização do capital.
REFERÊNCIA BIBLIOGRAFICA
423
CUNHA, Lúcio. Algumas reflexões acerca da sustentabilidade do turismo na
Região Centro de Portugal. – Universidade de Coimbra: Centro de Estudos Ibéricos,
2006.
LAMY, Yvon (Org.) (1996) L’alchimie du patrimoine, Talence: Ed. De la Maison des
Sciences de l’Homme D’Aquitaine.
424