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Anais do II Seminário Nacional de Turismo e Cultura

08 a 10 de maio de 2016

Organizadores:
João Gabriel Nuernberg
Rômulo Duarte
Thaís Costa

Apoio

ESCOLA DE TURISMO
Unirio
S471 Seminário Nacional de Turismo e Cultura (2. : 2017 : Rio de Janeiro, RJ)

Anais [recurso eletrônico] / Organizadores João Gabriel Nuernberg,


Rômulo Duarte, Thaís Costa. – Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui
Barbosa, 2017.

Ebook em formato PDF.


Modo de acesso: <http://culturadigital.br/visiteacasaderuibarbosa/>.

ISBN 978-85-7004-359-7

1. Turismo. 2. Cultura. 3. Patrimônio. I. Nuernberg, João Gabriel, org. II.


Duarte, Rômulo, org. III. Costa, Thaís. IV. Fundação Casa de Rui Barbosa. V.
Título.

CDD 306.4819

3
Sumário
FICHA TÉCNICA _____________________________________________________ 6
SOBRE O EVENTO ___________________________________________________ 7
PROGRAMAÇÃO _____________________________________________________ 9
GRUPO DE TRABALHO 1 – PATRIMÔNIO, MUSEOLOGIA E TURISMO 15
À SOMBRA DO BAOBÁ - LUGAR DE REFLEXÃO SOBRE REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E
MARCOS IDENTITÁRIOS - Marta de Oliveira Chagas Medeiros -------------------------------------- 16

PROJETO JAPARATUBA EM REDE: EXPERIÊNCIAS COMUNITÁRIAS DE CULTURA E


DESENVOLVIMENTO LOCAL NO DO VALE DO COTINGUIBA (SE) – Bruna Távora e
Marcelo Rangel----------------------------------------------------------------------------------------------------- 31

PATRIMÔNIO E CULTURA: A POTENCIALIDADE INFORMATIVA DA COLEÇÃO GRECO


ROMANA DA IMPERATRIZ TERESA CRISTINA DO MUSEU NACIONAL – Tainá Sousa --- 47

A EXPERIMENTAÇÃO DA PERSPECTIVA DO PATRIMÔNIO NAS VIVÊNCIAS DO MUSEU


VIVO DO SÃO BENTO – Tatiane Oliveira ------------------------------------------------------------------ 63

TURISMO E INTERVENÇÕES URBANAS: A ARTE URBANA COMO ATRATIVO


TURÍSTICO – Mariana Alves ----------------------------------------------------------------------------------- 73

HISTÓRIA ORAL, MEMÓRIA E TURISMO CULTURAL: ESTUDO DE CASO COMUNIDADE


QUILOMBOLA LAGOA DAS EMAS - Cláudio Ferreira da Silva Neto, Luiz Antonio Oliveira e
Nara Leticie Vilanova Marque----------------------------------------------------------------------------------- 89

CIDADES MINEIRAS, “CIDADES HISTÓRICAS”, CIDADES TURÍSTICAS: PROCESSOS DE


ATRIBUIÇÃO DE VALORES AOS CONJUNTOS PATRIMONIALIZADOR (1923-1938) – Leila
Bianchi ------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 101

OS VAGÕES DE NOSSAS LEMBRANÇAS: A ESTAÇÃO FERROVIÁRIA DE SOBRAL E OS


ENTRAVES PARA O DESENVOLVIMENTO DO TURISMO CULTURAL NA CIDADE DE
CAMOCIM, CEARÁ, BRASIL - Patrícia de Sousa Ferreira, Maria Beatriz Silva dos Santos e
Amanda Maria dos Santos Silva ------------------------------------------------------------------------------- 113

GRUPO DE TRABALHO 2 – COMUNICAÇÃO, MOBILIDADE E TURISMO


--------------------------------------------------------------------------------------------------- 128
TURISMO NO CENTRO DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO: A PRAÇA DA REPÚBLICA E
AS VIAGENS DE VLT NO TEMPO DOS APLICATIVOS PARA CELULARES - Vera Lúcia
Bogéa Borges ----------------------------------------------------------------------------------------------------- 129

CRISTO REDENTOR – UMA ANÁLISE DOS SERVIÇOS DE TRANSPORTE: TREM DO


CORCOVADO X PAINEIRAS – CORCOVADO – Viviane Lança ----------------------------------- 146

TURISMO E ALBERGUES NAS FAVELAS CARIOCAS: NOVAS POSSIBILIDADES


URBANAS - Sergio Moraes Rego Fagerlande ------------------------------------------------------------- 164

GRUPO DE TRABALHO 3 - CIDADES, GESTÃO E PLANEJAMENTO---- 182


A RELEVÂNCIA DA SOCIEDADE CIVIL PARA O ESTADO NO ÂMBITO DE ESPAÇOS
PÚBLICOS URBANOS DE LAZER E TURISMO – Bruna Schmidt---------------------------------- 183

MEIOS DE TRANSPORTES TURÍSTICOS DA ILHA DE PAQUETÁ: SENSAÇÕES,


DESCOBERTAS E MOTIVAÇÕES - Fátima Priscila Morela Edra e Vínicius Alves-------------- 198

4
ESTRATÉGIAS PARA A ADMINISTRAÇÃO DO PATRIMÔNIO E DA MEMÓRIA: GESTÃO
PARTICIPATIVA NO PROCESSO DE ORDENAMENTO E MUSEALIZAÇÃO DE
TERRITÓRIO DO COQUEIRO DA PRAIA-PI - Gardênia Angelim Medeiros de Oliveira, Edvania
Gomes de Assis e Francisco Pereira da Silva Filho ------------------------------------------------------- 216

TURISMO FERROVIÁRIO E TURISMO DE BASE COMUNITÁRIA: ALGUMAS CONEXÕES


PARA O PLANEJAMENTO E A GESTÃO - Carla Fraga e Vera Lúcia Bogéa Borges ---------- 233

CULTURA E TURISMO EM ESPAÇOS COMERCIAIS DE ARTESANATO - Gabriela Sousa


Ribeiro ------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 249

ANÁLISE TEMPORAL DO DESENVOLVIMENTO ORGANIZACIONAL DO EVENTO


ESPRAIADO DE PORTAS ABERTAS NOS ANOS DE 2008 E 2016 NO MUNICÍPIO DE
MARICÁ, RJ - Tatiana Macedo da Costa; Sérgio Domingos de Oliveira e Débora Neves Gomes267

A IMPORTÂNCIA DO INVENTÁRIO DA OFERTA TURÍSTICA PARA O PLANEJAMENTO


DE DESTINOS: O CASO DO MUNICÍPIO DE ILHA GRANDE, PIAUÍ - Cintia Carvalho Santos,
Anderson Fontenele Vieira e Adilson Silva de Castro ----------------------------------------------------- 284

DIMENSÃO CULTURAL COMO DIFERENCIAL COMPETITIVO DO TURISMO EM


ARACAJU - Joab Almeida Silva ------------------------------------------------------------------------------ 298

MAPA MENTAL COMO FERRAMENTA DE FEEDBACK IMPORTANTE AO


PLANEJAMENTO DE ESPAÇOS PÚBLICOS DE LAZER E TURISMO URBANOS - Fernanda
Costa Da Silva ---------------------------------------------------------------------------------------------------- 313

TURISMO E CARTOGRAFIA: UMA ANÁLISE DOS MAPAS TURÍSTICOS PRODUZIDOS


PARA A REGIÃO PORTUÁRIA DO RIO DE JANEIRO - Ana Carolina Oliveira ---------------- 330

TENDÊNCIAS, COERÊNCIAS E OBSTÁCULOS DA GESTÃO PÚBLICA DO TURISMO NO


BRASIL: UM ESTUDO SOBRE O PROGRAMA DE REGIONALIZAÇÃO NO ESTADO DO
RIO DE JANEIRO - Bruno Cavalcante Scotelaro de Souza --------------------------------------------- 345

A INFLUÊNCIA DO TURISMO NA PRODUÇÃO DO ESPAÇO NA BARRA DA TIJUCA/RJ –


UM ESTUDO DE CASO SOBRE A AVENIDA LÚCIO COSTA - Natan Teixeira Cavalcanti-- 361

PARIS N’AMÉRICA: A INFLUÊNCIA DAS CONSTRUÇÕES EUROPEIAS E A


IMPORTÂNCIA DE UMA GESTÃO FUNDAMENTADA DE SEUS PATRIMÔNIOS PARA A
ATIVIDADE TURÍSTICA NA CIDADE DE BELÉM/PA - Ana Paula Melo de Morais ---------- 377

CIDADES HISTÓRICAS E TURISMO: CACHOEIRA, SÃO CRISTÓVÃO E PENEDO - Almir


Félix Batista de Oliveira ---------------------------------------------------------------------------------------- 393

A PRESERVAÇÃO DOS BENS CULTURAIS: TURISMO E PLANEJAMENTO URBANO -


Sirley da Conceição Ferreira --------------------------------------------------------------------------------- 411

5
FICHA TÉCNICA

Realização Fátima Priscila


Fundação Casa de Rui Barbosa Fred Cascardo
Gabriel Ludolf
Comissão Organizadora Gabriela Faria
Aparecida Rangel Humberto Fois-Braga
João Gabriel Nuernberg João Freitas
Jurema Seckler João Gabriel Nuernberg
Rômulo Duarte Joice Lavandoski
Thaís Costa Juliana Carneiro
Lilian Alves Gomes
Equipe técnica Lohanne Ferreira
Aparecida Rangel Lucas Gamonal Barra de Almeida
Aurélio Santana Marcia Ferreira
Gabriela Faria Maria Amália
João Gabriel Nuernberg Maria Jaqueline Elicher
Jurema Seckler Marina Morettoni
Márcia Ferreira Nayara Cavalini
Mônica Cunha Paula Silva
Nayara Cavalini Paulo Victor Gitsin
Rômulo Duarte Rafael Castro
Thaís Costa Renata Garanito de Abreu
Rômulo Duarte
Pareceristas Telma Basseti
Adonai Teles Telma Lasmar
Aguinaldo Fratucci Thaís Costa
Ana Gabriela Faria Thaís Rosa
André Riani Thiago Allis
Andrea Costa Valéria Guimarães
Aparecida Rangel Vera Borges
Ari Fonseca
Bernardo Lazary Cheibub Editoração dos Anais
Bruna Conti João Gabriel Nuernberg
Camila Moraes Rômulo Duarte
Carla Fraga Thaís Costa
Clarisse Rosa
Claudia Fragelli Parceria
Claudia Moraes Faculdade de Turismo
Débora Falco Universidade Federal do Estado do Rio
Diana Castro de Janeiro

Realizado nos dias 08 a 10 de maio de 2017, na Fundação Casa de Rui Barbosa,


Botafogo, Rio de Janeiro. Informações pesquisa.turismo@rb.gov.br.
Nestes anais estão contidos todos os artigos que foram apresentados oralmente pelos
seus autores durante os grupos de trabalho do II Seminário Nacional de Turismo e
Cultura. Foram excluídos os trabalhos cujos autores não compareceram. Todo o
conteúdo dos trabalhos publicados é de responsabilidade dos autores.

6
SOBRE O EVENTO

O II Seminário Nacional de Turismo e Cultura é fruto de uma demanda do campo que


prontamente atendeu nosso chamado no I Seminário que realizamos em 2016, tendo os
bolsistas de pesquisa do campo do Turismo, do Programa de Incentivo à Produção do
Conhecimento Técnico e Científico na Área da Cultura da Fundação Casa de Rui
Barbosa, como idealizadores do mesmo. Naquele momento ficamos bastante
impressionados com a dimensão que o evento alcançou, sendo necessário encerrar as
inscrições com um mês de divulgação. Recebemos, também, um número bastante
expressivo de trabalhos que nos surpreenderam com experiências inovadoras baseadas
em estudos e pesquisas acadêmicas, em curso por todo o país.

Todo este movimento apontou para a necessidade de continuidade, dada à importância


de estabelecemos na agenda do campo um fórum de debate, compartilhamento de
experiências e espaço de reflexão. E neste sentido, toda a equipe do Museu Casa de Rui
Barbosa abraçou, sem restrições, a ideia da realização deste seminário fornecendo os
recursos técnicos e materiais destacando, sobretudo o apoio fundamental da presidência
da Fundação Casa de Rui Barbosa, da direção do Centro de Memória e Informação e de
todos os setores envolvidos na operacionalização de um encontro desta natureza.

O tema geral eleito para o II Seminário foi “representações sociais e novas tecnologias:
experiências de Turismo e Museologia” e vale ressaltar que a aproximação destes
campos do conhecimento para nortear as discussões é um reflexo dos estudos que vem
sendo desenvolvidos no Museu Casa de Rui de Barbosa/FCRB, no âmbito do Programa
supracitado, que atualmente contempla as áreas da Museologia e do Turismo, tendo em
vista que as conexões conceituais e metodológicas de ambas são capazes de
potencializar a relação institucional com os diferentes segmentos de público que se
apropriam deste espaço em múltiplas dimensões. Algumas questões que perpassam
estas pesquisas balizaram o eixo conceitual do encontro numa tentativa de compreender
a forma como as instituições se relacionam com a experiência da visitação: quais os
instrumentos utilizados para analisar as demandas dos seus públicos; como esses se
apropriam dos espaços e quais as estratégias adotadas para estreitar o diálogo com estas
pessoas?

7
Ulpiano Bezerra de Menezes, usando uma expressão de Mary Louise Pratt, afirmou que
os museus funcionam como zonas de contato, espaços em que sujeitos que estavam
separados no tempo e na geografia, por razões das mais variadas, têm a oportunidade
de se encontrar1. Nesta perspectiva, definir os museus como zonas de contato é
percebê-los como espaços de encontros; casas atemporais, embora localizadas no tempo
e no espaço; locais de criação e inspiração. O Museu permite a aproximação do cidadão
com seus referenciais de memória e identidade, com a cultura local e/ou universal;
estes espaços, como sugere André Malraux, estão entre os locais que nos proporcionam
a mais elevada ideia do homem.

Se traçarmos um paralelo da definição de museu, como zona de contato, em direção ao


Turismo, poderemos afirmar que este campo do conhecimento também funciona como
uma zona de contato, atuando como uma ponte, ligando tempos, pessoas e espaços; a
mesma “função” que possui o museu, permitindo então chegarmos não somente a um
ponto de convergência, como vislumbrar a possibilidade de atuação de forma
simbiótica. Neste sentido, a união de esforços estabelecida pela articulação entre as
áreas é bastante salutar, pois na medida em que a Museologia e o Turismo possuem
como uma das suas ferramentas de trabalho e reflexão o patrimônio desenvolvem
responsabilidade social com os diferentes segmentos de público que se apropriam, ou
deveriam se apropriar, dos elementos que constituem nosso vasto patrimônio histórico,
natural e artístico.

É nesta perspectiva que o II Seminário Nacional de Turismo e Cultura da Fundação


Casa de Rui Barbosa - representações sociais e novas tecnologias: experiências de
turismo e museologia – reafirma seu compromisso com a produção do conhecimento e
consolidação do campo.

Aparecida Rangel
Chefe substituta do museu

Jurema Seckler
Chefe do museu

1
MENEZES, Ulpiano Bezerra de. Para que serve um museu. In: Revista de História da Biblioteca
Nacional. Abril, 2007. páginas 46-51.

8
PROGRAMAÇÃO

DIA 08 DE MAIO – SEGUNDA-FEIRA

09h – 10h: Boas vindas e credenciamento

10h – 10h30: Abertura oficial


Local: Auditório da Fundação Casa de Rui Barbosa
A abertura oficial do II Seminário Nacional de Turismo e Cultura foi realizada com a
presença da Presidente da Fundação Casa de Rui Barbosa, Dra. Marta de Senna, a
diretora do Centro de Memória e Informação da Fundação Casa de Rui Barbosa, Dra.
Ana Lígia Medeiros, a Chefe do Museu Casa de Rui Barbosa, Sra. Jurema Seckler, e
o bolsista do Museu Casa de Rui Barbosa e integrante da comissão organizadora deste
evento, João Gabriel Nuernberg.

10h30 – 12h30: Conferência 1: Novos olhares sobre as experiências dos visitantes de


museus.
Local: Auditório da Fundação Casa de Rui Barbosa
Procurou-se estimular a discussão acerca de como os museus vêm atuando na
experiência da visitação, bem como nos mecanismos de diálogo com o seu público e nas
diferentes formas de apropriação dos espaços. A conferência foi mediada pela Drª.
Aparecida Rangel (FCRB) e as comunicações realizadas pelos seguintes
pesquisadores: o Dr. Vladimir Sibylla (UNIRIO), a Drª. Telma Lasmar (UFF) e a
Drª. Sibele Cazelli (MAST).

12h30 – 14h: Intervalo para almoço

14h – 15h45: Primeira sessão de comunicações


GT1 A - PATRIMÔNIO, MUSEOLOGIA E TURISMO
Local: Sala de cursos da Fundação Casa Rui Barbosa
Coordenação: João Gabriel Nuernberg (FCRB)

Elizabeth Magalhães (UFPI) - TURISMO CULTURAL NO DELTA DO RIO


PARNAÍBA

9
Bruna Távora e Marcelo Rangel (UFS) - PROJETO JAPARATUBA EM REDE:
EXPERIÊNCIAS COMUNITÁRIAS DE CULTURA E DESENVOLVIMENTO
LOCAL EM UMA CIDADE DO VALE DO COTINGUIBA EM SERGIPE
José Luiz Medeiros da S. Júnior (USS) - TURISMO E PATRIMÔNIO CULTURAL
NO VALE DO CAFÉ: CAMINHOS PARA A CONCILIAÇÃO
Marta Chagas (UFF) - À SOMBRA DO BAOBÁ - LUGAR DE REFLEXÃO SOBRE
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E MARCOS IDENTITÁRIOS

GT3 B - CIDADES, GESTÃO E PLANEJAMENTO TURÍSTICO


Local: Auditório da Fundação Casa de Rui Barbosa
Coordenação: Lucas Gamonal (PUC-RJ)
Bruno Cavalcante Scotelaro de Souza (UNISUL) - TENDÊNCIAS, COERÊNCIAS
E OBSTÁCULOS DA GESTÃO PÚBLICA DO TURISMO NO BRASIL: UM
ESTUDO DE CASO SOBRE O PROGRAMA DE REGIONALIZAÇÃO NO ESTADO
DO RIO DE JANEIRO
Joab Almeida Silva e Viviane Castro (UFS) - DIMENSÃO CULTURAL COMO
DIFERENCIAL COMPETITIVO DO TURISMO EM ARACAJU
Cintia Carvalho Santos, Anderson Fontenele Vieira e Adilson Silva de Castro
(UFPI) - A IMPORTÂNCIA DO INVENTÁRIO DA OFERTA TURÍSTICA PARA O
PLANEJAMENTO DE DESTINOS: O CASO DO MUNICÍPIO DE ILHA GRANDE,
PIAUÍ
Fernanda Costa Da Silva (UFRGS) - MAPA MENTAL COMO FERRAMENTA DE
FEEDBACK IMPORTANTE AO PLANEJAMENTO DE ESPAÇOS PÚBLICOS
DE LAZER E TURISMO URBANOS
Ana Carolina Oliveira (UFF) - UMA NOVA CARTOGRAFIA TURÍSTICA DA
CIDADE DO RIO DE JANEIRO

15h45 – 17h30: 2ª sessão de comunicações


GT1 C – PATRIMÔNIO, MUSEOLOGIA E TURISMO
Local: Auditório da Fundação Casa de Rui Barbosa
Coordenação: Gabriela Faria (FCRB)
Patrícia de Sousa Ferreira, Maria Beatriz Silva dos Santos e Amanda Maria dos
Santos Silva (UFPI) - NOS VAGÕES DE NOSSAS LEMBRANÇAS: A ESTAÇÃO
FERROVIÁRIA DE SOBRAL E OS ENTRAVES PARA O DESENVOLVIMENTO
DO TURISMO CULTURAL NA CIDADE DE CAMOCIM, CEARÁ, BRASIL

10
Leila Bianchi (UNIRIO) – CIDADES MINEIRAS, “CIDADES HISTÓRICAS”,
CIDADES TURÍSTICAS: PROCESSOS DE ATRIBUIÇÃO DE VALORES AOS
CONJUNTOS PATRIMONIALIZADOS (1923-1938)
Cláudio Ferreira da Silva Neto, Luiz Antonio Oliveira e Nara Leticie Vilanova
Marque (UFPI) - HISTÓRIA ORAL, MEMÓRIA E TURISMO CULTURAL:
ESTUDO DE CASO LAGOA DAS EMAS

GT3 A - CIDADES, GESTÃO E PLANEJAMENTO TURÍSTICO


Local: Sala de cursos da Fundação Casa de Rui Barbosa
Coordenação: Rafael Castro (CEFET-RJ)
Fátima Priscila Morela Edra e Vínicius Alves (UFF) - MEIOS DE TRANSPORTES
TURÍSTICOS DA ILHA DE PAQUETÁ: SENSAÇÕES, DESCOBERTAS E
MOTIVAÇÕES
Gardênia Angelim Medeiros de Oliveira, Edvania Gomes de Assis e Francisco
Pereira da Silva Filho (UFPI) - ESTRATÉGIAS PARA A ADMINISTRAÇÃO DO
PATRIMÔNIO E DA MEMÓRIA: GESTÃO PARTICIPATIVA NO PROCESSO DE
ORDENAMENTO E MUSEALIZAÇÃO DE TERRITÓRIO
Carla Fraga e Vera Lúcia Bogéa Borges (UNIRIO) - TURISMO FERROVIÁRIO E
TURISMO DE BASE COMUNITÁRIA: ALGUMAS CONEXÕES PARA O
PLANEJAMENTO E A GESTÃO
Gabriela Sousa Ribeiro (UFRJ) - CULTURA E TURISMO EM ESPAÇOS
COMERCIAIS DE ARTESANATO
Tatiana Macedo da Costa e Sérgio Domingos de Oliveira (UFRRJ) - ANÁLISE
TEMPORAL DO DESENVOLVIMENTO ORGANIZACIONAL DO EVENTO
ESPRAIADO DE PORTAS ABERTAS NOS ANOS DE 2008 E 2016 NO
MUNICÍPIO DE MARICÁ, RJ
09 DE MAIO – TERÇA-FEIRA

09h – 10h45: Terceira sessão de comunicações

GT 2 - COMUNICAÇÃO, MOBILIDADE E TURISMO


Local: Auditório da Fundação Casa de Rui Barbosa
Coordenação: Camila Moraes (UNIRIO)
Vera Lúcia Bogéa Borges e Paulo Cavalcante (UNIRIO) - TURISMO NO CENTRO
DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO: A PRAÇA DA REPÚBLICA E AS VIAGENS
DE VLT NO TEMPO DOS APLICATIVOS PARA CELULARES

11
Sergio Moraes Rego Fagerlande (UFRJ) - TURISMO E ALBERGUES NAS
FAVELAS CARIOCAS: NOVAS POSSIBILIDADES URBANAS
Bruna Schmidt (IPA-RS) - PLANEJAMENTO TURÍSTICO: RELAÇÃO ENTRE
ESTADO E SOCIEDADE CIVIL NO ÂMBITO DE ESPAÇOS PÚBLICOS
URBANOS DE LAZER E TURISMO
Viviane Soares Lança, Bianca Assumpção da Silva e Thamires Monteiro Salles
(UFRRJ) - CRISTO REDENTOR – UMA ANÁLISE DOS SERVIÇOS DE
TRANSPORTE: TREM DO CORCOVADO X PAINEIRAS – CORCOVADO

GT1 C – PATRIMÔNIO, MUSEOLOGIA E TURISMO


Local: Sala de cursos da Fundação Casa de Rui Barbosa
Coordenação: Maria Amália (UNIRIO)
Roberta Peixoto - O RIO DE AXÉ DAS RELIGIÕES DE MATRIZES AFRICANAS:
PERCORRENDO MARGENS, TRAÇANDO ROTAS E DESCOBRINDO
CAMINHOS
Tatiane Oliveira (UFRRJ) - A EXPERIMENTAÇÃO DA PERSPECTIVA DO
PATRIMÔNIO NAS VIVÊNCIAS DO MUSEU VIVO DO SÃO BENTO
Mariana Alves (UFJF) - TURISMO E INTERVENÇÕES URBANAS: A ARTE
URBANA COMO ATRATIVO TURÍSTICO
Tainá Sousa (UNIRIO) - PATRIMÔNIO E CULTURA: A POTENCIALIDADE
INFORMATIVA DA COLEÇÃO GRECO ROMANA DA IMPERATRIZ TERESA
CRISTINA DO MUSEU NACIONAL
10h45 – 12h30: Quarta sessão de comunicações

GT3 C - CIDADES, GESTÃO E PLANEJAMENTO TURÍSTICO


Local: Auditório da Fundação Casa de Rui Barbosa
Coordenação: Felipe Félix (CEFET-RJ)
Natan Teixeira (UFRJ) - A INFLUÊNCIA DO TURISMO NA PRODUÇÃO DO
ESPAÇO NA BARRA DA TIJUCA/RJ – UM ESTUDO DE CASO SOBRE A
AVENIDA LÚCIO COSTA
Ana Paula Melo de Morais e Jessica da Silva Soares (UFPA) - PARIS
N’AMÉRICA: A INFLUÊNCIA DAS CONSTRUÇÕES EUROPEIAS E A
IMPORTÂNCIA DE UMA GESTÃO FUNDAMENTADA DE SEUS PATRIMÔNIOS
PARA A ATIVIDADE TURÍSTICA NA CIDADE DE BELÉM/PA
Almir Félix Batista de Oliveira (PUC-SP) - CIDADES HISTÓRICAS E TURISMO:
CACHOEIRA, SÃO CRISTÓVÃO E PENEDO

12
Sirley Conceição (UFRRJ) - A PRESERVAÇÃO DOS BENS CULTURAIS:
TURISMO E PLANEJAMENTO URBANO

12h30 – 13h30: Intervalo para almoço

13h30 – 15h30: Conferência 2: Fluxos e redes nos espaços turísticos brasileiros


Esperou-se estimular o debate sobre as várias relações socioambientais e econômicas
que se estabelecem no espaço turístico por meio da compreensão das articulações em
rede e dos fluxos turísticos que se estabelecem no destino. A conferência foi mediada
pela Drª. Maria Jaqueline Elicher (UNIRIO) e as comunicações realizadas pelos
seguintes pesquisadores: o Dr. Thiago Allis (USP), o Dr. Aguinaldo Fratucci (UFF)
e o Ms. André Daibert (UFJF).

15h30 – 16h: Intervalo

16h – 18h: Conferência 3: Comunicação, informação e diálogos com o turismo em


jardins e parques históricos.
Intentou-se provocar a discussão sobre as várias possibilidades de apropriação dos
jardins e parques históricos pelos usuários, bem como ações que podem influenciar na
experiência e nas possibilidades de uso do espaço, por meio da tecnologia, por exemplo.
A conferência foi mediada pelo Sr. Rômulo Duarte (FCRB) e as comunicações
realizadas pelos seguintes pesquisadores: a MSc. Thaís Mayumi (Museu
Nacional/UFRJ) e a Drª. Carmen Machado (Jardim Botânico/UNIRIO).

10 DE MAIO – QUARTA-FEIRA

09h – 12h30: Minicurso temático


Local: Sala de cursos da Fundação Casa de Rui Barbosa
O minicurso será oferecido pela Drª. Marutschka Moesch e possui o seguinte título:
“O papel do simbólico e do imaginário na construção das viagens imagéticas pela
museologia”.

13h – 14h: Intervalo para almoço

14h – 16h30: Conferência 4: Turismo e Patrimônio Cultural no Brasil e suas


múltiplas representações.

13
Buscou-se incentivar reflexões acerca das variadas formas de representação dos
patrimônios culturais turistificados, sejam materiais ou imateriais, por atores diversos,
como a mídia, a academia e a população local. Consideraram-se, ainda, os
tensionamentos e aproximações existentes entre elas. A conferência foi mediada pela
MSc. Thaís Costa (FCRB) e as comunicações serão realizadas pelos seguintes
pesquisadores: o Dr. Ricardo Freitas (UERJ), o Dr. André Riani (UFPI), o Dr.
Euler Siqueira (UFRRJ) e a MSc. Gabriela Aidar (Pinacoteca/SP).

16h30 – 17h: Encerramento

14
GRUPO DE TRABALHO 1 – PATRIMÔNIO, MUSEOLOGIA E TURISMO

O campo do Patrimônio pode ser visto e interpretado de múltiplas maneiras. As


diversas formas de manifestação do Patrimônio nos compelem a manter um olhar
abrangente e a suster reflexões críticas constantes sobre suas manifestações e usos.
Neste sentido, o II Seminário Nacional de Turismo e Cultura abriu chamada de trabalho
para o grupo “Patrimônio, Museologia e Turismo” objetivando a discussão entre as
diferentes relações existentes entre as disciplinas e os tensionamentos que envolvem o
referido campo.
Com a abrangência da temática, o GT 1 foi o grupo que recebeu o maior número
de submissões de trabalhos. Foram três sessões organizadas de forma a proporcionar um
diálogo entre os artigos aprovados. As apresentações dos trabalhos aconteceram nos
dias 8 e 9 de maio de 2017 na sala de cursos e no auditório da Fundação Casa de Rui
Barbosa e contaram com a mediação do bolsista da Fundação Casa de Rui Barbosa João
Gabriel Nuernberg e da Museóloga Gabriela Faria.
O GT1A contou com a apresentação dos artigos de Bruna Távora (UFS) e
Marcelo Rangel (UFS), Tatiane Olivera (UFFRJ) e Marta Chagas (UFF). Nesse Grupo
de Trabalho a discussão versou sobre os usos, apropriações e ressignificações que
podem ser feitas pelas comunidades e atores envolvidos no uso dos patrimônios.
O GT1B contou com a não presença de um participante. As apresentações dos
trabalhos de Mariana Alves (UFJF) e Tainá Sousa (UNIRIO) suscitaram discussões
interessantes sobre o que é o patrimônio e a musealização.
No GT1C tivemos as apresentações de Patrícia de Sousa Ferreira (UFPI), Maria
Beatriz Santos (UFPI) e Amanda Maria Silva (UFPI), Leila Bianchi (UNIRIO) e
Cláudio Ferreira Neto (UFPI), Luiz Antonio Oliveira (UFPI) e Nara Leticie Marques
(UNIVASF). As apresentações permitiram o debate sobre o patrimônio, história e
turismo e geraram inquietações sobre as temáticas provocando pertinentes discussões
para o campo.

João Gabriel Nuernberg

15
À SOMBRA DO BAOBÁ - LUGAR DE REFLEXÃO SOBRE
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E MARCOS IDENTITÁRIOS

Marta de Oliveira Chagas Medeiros1

RESUMO: trabalho dedicado ao campo das representações sociais, uma análise teórica
e reflexiva que busca examinar o espaço e o acervo do Museu Casa Quissamã,
considerando a vinculação entre tecnologia, museologia e turismo. A partir de olhares
fotográficos, e dos fotografados buscamos registros que guardam o tempo, a memória e
o lugar sob o seu estado de movência. Empreendemos por uma linha de debate com
objetivo em avaliar as (con)tradições de uma paisagem que se manifesta em tonos
históricos e envolvimento pitoresco. Com o passar dos séculos a fotografia registrou
belas formas e variados modos de acionamento do ativismo visual sob questões sociais
e relações de poder. Neste trajeto iconográfico, contido em um espaço narrativo se
baseiam os apontamentos deste artigo.

PALAVRAS-CHAVE: representação social, memória, espaço narrativo, fotografia.

ABSTRACT: A work dedicated to the field of social representations, a theoretical and


reflective analysis that seeks to examine the space and the collection of the Casa
Quissamã Museum, considering the connection between technology, museology and
tourism. From the photographic looks and from the photographed ones we look for
records that keep the time, the memory and the place under its state of movement. We
undertake a line of debate aimed at evaluating the (con) traditions of a landscape that
manifests in historical tones and picturesque involvement. Over the centuries
photography has recorded beautiful forms and varied ways of activating visual activism
under social issues and power relations. In this iconographic path, contained in a
narrative space are based the notes of this article.

KEYWORDS: Social representation, memory, narrative space, photography


.

INTRODUÇÃO

Este artigo é um dos resultados alcançados na parceria realizada entre Museu


Casa Quissamã com o Museu da Vida da Fundação Oswaldo Cruz / RJ que
proporcionou a ida da exposição “O Corpo na Arte Africana”, ao interior do Estado do
Rio de Janeiro. A mostra versava sobre a representação corpo humano nas culturas e
artes africanas, ficando aberta ao público no período de julho à novembro de 2013. A
proposta reflexiva da exposição somada a proposta pedagógica essa interativa que
conjugava a área interna, externa, acervo e visitante do Museu Casa Quissamã tonificou
a (re)contextualização das imagens que contam e retratam a historicidade do lugar, a

1
Mestranda do Programa de Pós-graduação strito sensu em Cultura e Territorialidades – UFF / IACS /
Universidade Federal Fluminense. E-mail: casabenta@gmail.com

16
Fazenda Quissamã2 e da própria região norte fluminense desde o século XIX até os dias
atuais.
No período de montagem da exposição observou-se que a proposta museológica
apresentada, trazia uma nova ordenação dos valores históricos que estavam presentes na
concepção original do Museu: a exposição “O Corpo na arte africana” introduzia por
meio dos seus objetos, a senzala ao interior da casa senhorial essa – de forma artística e
humanizada. A representação instalada era diferente das já propostas até ali, sem
escravizados e grilhões a África se mostrava emancipadora, nobre e sábia, um majestoso
mosaico da diversidade cultural humana. Iniciava a abertura de novos caminhos para se
alcançar debates fundamentados pela colonialidade3 e decolonialidade, entendidas aqui
na definição de Quijano, 2005:

A colonialidade caracteriza-se por um padrão de poder que deriva da


“classificação social da população mundial de acordo com a ideia de
raça, uma construção mental que expressa a experiência básica da
dominação colonial e que, desde então, permeia as dimensões mais
importantes do poder mundial [...]” (QUIJANO, 2005 in Bertagnolli,
2015).

A construção discursiva do Museu Casa de Quissamã, se estabelece no contraste


da representação “alteridade” e da “diferença” e o cenário musealizado reforça essa
dualidade e concorre para a manutenção dessa relação de poder, que se constituiu em
tempos pretéritos, numa estrutura política, econômica, econômica e social bem distinta
da atual. Embora seja possível perceber no dia-a-dia a permanência ou traços dessa
relação de poder que é vivenciado pela população quissamaense, onde os lugares
sociais, estão representados ou simbolizados pelas construções das grandes fazendas
mostrando o fausto da região, pelo conjunto de senzalas, pela exposição permanente do
Museu e também pelo jardim onde convivem lado a lado as palmeiras imperiais que no
município são utilizadas como lastro de poder político e o baobá4, ambos centenários.

2
A Fazenda Quissamã está situada às margens do Canal Campos Macaé, sua casa principal data de 1826,
imóvel rural do Visconde de Araruama, José Carneiro da Silva que passou como herança ao seu filho o
Visconde de Quissamã, José Caetano Carneiro da Silva, na segunda metade do Século XX foi anexada ao
latifúndio da Companhia Engenho Central de Quissamã em 2003, a Prefeitura Municipal de Quissamã
adquiriu parte da Fazenda e transformou a sede em Museu Casa, inaugurado em 2006.
3
Recorremos ao conceito de colonialidade desenvolvido por Quijano (2005), uma interpretação
epistemológica relacionada a dominação do Norte sobre o Sul global.
4
O Baobá da Fazenda Quissamã, identificado por pesquisadores na década de 1990 estima-se que foi
plantado e cuidado por negros na segunda metade do séc. XIX. A árvore especial para as populações
africanas é uma das poucas no interior fluminense.

17
Por meio deste conjunto, é possível perceber a relação direta da colonialidade
num embate com a descolonialidade, essa buscando novos caminhos ou discursos
capazes de ultrapassar a vertente histórica que predomina até hoje e que ajuda justificar
a segregação, ou seja, mantendo no mesmo lugar os negros de Quissamã, anônimos,
representado por número, mão-de-obra disponível, sem histórias, ou pior sua existência
se justifica pela a escravização que foram submetidos e não como agente ou produtor de
histórias, memórias, culturas e formador da sociedade.
A metodologia empregada nesta pesquisa foi dividida em dois planos, o
primeiro consiste em análise bibliográfica e observação sobre o acervo iconográfico do
Museu Casa Quissamã, o segundo focou na paisagem, área que compreende o seu
jardim e o seu entorno, entre o Museu e o Canal Campos Macaé. Considerando nesse
exercício, as imbricações entre a fotografia, a museologia e o turismo. Olhando para
este cenário, buscamos formatar um pensamento teórico e reflexivo sobre os arranjos
sociais e as novas tecnologias na empiria turística e museológica, no âmbito da
representação, apropriação, uso e gestão do patrimônio histórico e natural.
Interessa-nos, sobretudo, perceber o nexo entre a representação social e a forma
utilizada pela museografia para representar a participação africana e afrodescendente
nos pilares sociais da sociedade quissamaense, esta, constituída a partir das grandes
fazendas e sob a influência do transito atlântico afrodiaspórico. Examinamos dezesseis
imagens expostas no salão principal e cinco, na sala dos painéis que demonstram a
historicidade do município. Tomando como referência HALL (2016), investimos:
“como você “lê” a foto – o que ela está dizendo? Nos termos de Barthes5, qual é seu
“mito” – sua mensagem subjacente?”.

Devemos aqui recordar que as matérias-primas do discurso mítico


(língua propriamente dita, fotografia, pintura, cartaz, ritual, objeto,
etc.), no entanto diferem inicialmente, sendo reduzidas a uma pura
função significante assim que são capturadas pelo mito. O mito vê
nelas somente a mesma matéria-prima; a sua unidade provém do fato
de serem todas reduzidas ao simples estatuto da linguagem. Quer seja
a escrita literal ou pictórica, o mito vê neles uma única soma de
signos, um signo global, o termo final de uma primeira cadeia
semiológica” (HALL, 2016, p.122)

A exposição “O Corpo na Arte Africana com seus objetos, textos e cores fortes e
vibrantes despertou a percepção dos mecanismos de marginalidade, reais, operativos e
5
“Mito”, nos termos de Barthes, Stuart Hall anota o padrão tridimensional para decodifica-lo:
significante, significado e o signo.

18
simbólicos presentes na paisagem e no interior do Museu Casa de Quissamã,
exacerbando de forma seminal, o contraste de representações do corpo negro em dois
momentos, no mesmo espaço museal, nesse sentido a arte visual assume um
protagonismo ao revelar essa relação tão complexa que foi naturalizada pela exposição
permanente do museu. Se para Stuart Hall o corpo é um texto que conseguimos ler e a
partir da cor deste corpo, é possível criar diversos discursos, que passam a representar o
sujeito, seguramente a exposição de arte africana elevou à outras dimensões os seus
efeitos e os impactos em relação ao povo negro, que se revelaram através de atitudes e
demonstrações verbais dos visitantes que se expressaram, por meio de críticas de
contrariedade e ou firmamentos de concordância.
Temos no conceito de representação uma centralidade, dentro da visão
construtivista discursiva, que associa a linguagem, a representação social e os processos
de significação, onde o significado é construído através da linguagem e que os sentidos
criados são atravessados pela memória e pelos construtos da cultura. A fala, a imagem, a
escrita, a dança, a expressão corporal, e aqui incluímos também as exposições
museológicas fulguram linguagens que na experiência cotidiana constroem ou destituem
o acesso a chancela de poder. Como nos chama atenção HALL, em sua obra Cultura e
Representação (2016) ao analisar a representação do Negro na cultura ocidental numa
perspectiva histórica, ele mostra e descreve os modos de estereotipagem que se
aglutinam formas de consternação e os processos de mudança, da Idade Média a
contemporaneidade.
Neste sentido, a Exposição “O Corpo na Arte Africana” configurou-se em um
ponto de encontro, principalmente, para estudantes, educadores e pesquisadores, o ponto
de partida, no entanto, permaneceu sendo o jardim histórico e suas representações
sociais através dos tempos, sob a movência dos valores e arranjos de poderes retratados.
Consideramos para este trabalho cinco imagens como resumo essencial das
transformações e permanecias que a fotografia como nova tecnologia, registra e
fundamenta de modo utilitário para diversos fins, servindo à experiência de turismo e
museologia. Ao narrar a história da Fazenda Quissamã, consideramos para o seu
mapeamento, seja por marcos identitários, cartográficos ou históricos, a preocupação
contemporânea com a identidade, as relações raciais e a política de preservação que
perpassam pela responsabilidade perante a criação de símbolos, signos e significantes.

O conceito de representação passou a ocupar um novo e importante


lugar no estudo da cultura. [...] “representação significa utilizar a
19
linguagem para, inteligivelmente, expressar algo sobre o mundo ou
representa-lo a outras pessoas”. [...] Representação é uma parte
essencial do processo pelo qual os significados são produzidos e
compartilhados entre membros de uma cultura. (HALL, 2016, p.31)
No Brasil, a fotografia foi apresentada aos brasileiros no primeiro quartel dos
oitocentos, a novidade tecnológica aportou, trazida por estrangeiros como alternativa
para a reprodução e divulgação da imagem, concorrendo à franca predileção devotada à
pintura e a escultura. Assim, “Se a maneira que a Academia Imperial de Belas-Artes
encontrou de reagir à ameaça do naturalismo/ realismo foi criar condições para absorvê-
lo, a Instituição teve que se posicionar também perante uma outra ameaça: a fotografia”
(CHIARELLI, 2005).
O aparato físico e químico para a produção fotográfica encontrou a partir do
final do século XIX importante avanço científico e no limiar do ato de fotografar ou de
ser fotografado assentou-se as múltiplas dimensões do efêmero em justa posição para o
que se pretende retratar, eternizar ou colocar em exposição, com destaque para a
exploração da imagem de si. A esse respeito, “em pouco tempo esta nova tecnologia de
produção/ reprodução de imagens vai ocupar os espaços antes preenchidos pela imagem
xilográfica e pela gravura em metal e, ao mesmo tempo, criar outras necessidades para
seu uso”, como nos informa (LIBERIO, 2013).
Encampado, sobre os inventos fotográficos SZARKOWSKI (1989) chama a
atenção para a mudança da fotografia, de técnica restrita para um processo de
automação, falando da importância dos pioneiros que se lançaram a experimentos e
conseguiram desenvolver conhecimento que ajudaram na popularização e vulgarização
da fotografia, ele diz:

A fotografia surge como uma forma automática de produzir imagens,


mas é apenas a partir do século XX que começa a se desenvolver um
processo de automação propriamente industrial no campo da produção
e comercialização de equipamentos fotográficos. Antes deste período,
a atividade fotográfica era restrita a técnicos especializados, capazes
de lidar com as complicadas operações químicas necessárias à
produção de fotografias. Os progressos técnicos da fotografia ao longo
do século XIX foram originados a partir das pesquisas individuas de
indivíduos, que partilhavam com outros fotógrafos suas experiências
com diferentes procedimentos e processos químicos, em operações
que seriam vistas hoje em dia mais como 'receitas culinárias' do que
como prática científica (SZARKOWSKI, 1989 in Liberio, 2013).
Se, para ilustrar um livro, divulgar produtos, exemplificar serviços ou acalentar
memórias, a fotografia atendeu e atende ás diversas necessidades do cotidiano. O retrato
fotográfico despontava entre os artigos de luxo da elite agrária fluminense, desde o
20
século XIX como atesta SILVA (2006) “um dos itens em voga para que a elite pudesse
dar visibilidade ao seu modus vivendi era a perpetuação da autoimagem através da
fotografia”. É importante lembrar que a imagem não fala por si só, ela faz parte de
contextos e para compreender o momento gravado na fotografia é necessário formular
perguntas, investir questões e perceber, pela expressividade e ou silenciamento que
estão ali eternizados e imbricados revelando a dinâmica e arranjo social, as narrativas
espaciais e as contingências do seu tempo, inquietável como nos lembra MAUAD,
(1995):"a imagem não fala por si só; é necessário que as perguntas sejam feitas".
Neste sentido, o oficio de historiador é tributário da investigação / interpretação
e não menos, dele se serve, a Museologia e o Turismo, como afirma a pesquisadora),
“(...) o historiador entra em contato com este presente/passado e o investe de sentido
diverso daquele dado pelos contemporâneos da imagem, mas próprio à problemática a
ser estudada” (MAUAD,1995). Este pensamento é complementado pela ideia da
interpretação da imagem que pode produzir ou distorcer realidades, “uma interpretação
da realidade ou uma nova realidade construída” (BARROS 2014). A questão articula a
relação entre o observador e a imagem observada, tatear as intenções diluídas entre
ambos pode resultar na interface com o irreal ou gerar correspondência com a memória,
“o imaginário da ciência sobre a fotografia apresenta-a como um espelho que precisa da
realidade para produzir a imagem, e que tanto pode refletir quanto distorcer a realidade,
como foi demonstrado em outro lugar” (BARROS, 2014).
Ao entender a fotografia como depositária e dispositivo da memória coletiva e
ou individual, atrelam-se sentimentos: aproximações, distanciamentos, pertencimento
ou repulsa. Sendo ativadas a memória e a reminiscência, “a transição da memória
corporal para a memória dos lugares é assegurada por atos tão importantes como
orientar-se, deslocar-se, e, acima de tudo, habitar” (RICOEUR, 2014). Neste
ordenamento, na ponte entre o passado e o presente, o efêmero e a imortalidade, o
esquecimento, este, se mantem no limiar das projeções futuras. A oralidade e as
narrativas são meios para (re)constituir e ou (re)ativar lembranças, a reconstrução do
passado obtém “dados emprestados do presente, que sofreram influências ao longo do
tempo. Quando recorda e revisita sua história, o sujeito a reinterpreta, e as mudanças do
mundo e do homem exigem novas investigações.” (RICOEUR,2014).
No contexto aqui analisado cabe fazer alguns questionamentos. As imagens
possibilitam leituras seja por ausência ou invisibilidade. Qual a relação entre os sujeitos
e o lugar, fotografados? De que maneira pessoas, coisas, lugares e tecnologias,

21
interagem na relação entre o museu e a sociedade? Lugares, lembranças e esquecimento.
De que maneira a fotografia serve à experiência turística?). Sobre a fenomenologia da
memória proposta por RICOEUR (2014) duas perguntas são fundamentais: “De que há
lembrança? De quem é a memória?”.
A fotografia como outras artes e técnicas, é qualificadora e gradiente,
incorporada a vivencia e experimentos cotidianos, mas que opera na singularidade pela
conquista da distância temporal. Atende ao estudo da história, à divulgação turística, à
pratica museológica e principalmente, à fruição, uso e apropriação do patrimônio
histórico, sociocultural e natural. A esta promoção da imagem, delimitamos um quadro
comparativo com a finalidade de perceber e destacar a representação social na
confluência do ser, poder e saber, olhando sempre para os sujeitos e os arranjos, a partir
da formatação museográfica.
Na segunda metade dos oitocentos, o livro-álbum Brasil Pitoresco,
RIBEYROLLES (1859), inaugurou no Brasil a produção literária com a utilização de
fotografias. Victor Frond, retratou panoramas, paisagens, costumes, vistas,
monumentos, nobres, plebeus e escravizados, também retratou a Fazenda Quissamã,
onde observou de modo especial para discorrer textualmente sobre o modo cortês do
proprietário e relatar o que encontrou na produção fabril da Fazenda, pari passu, a
histórica fotografia registrou mais que a imponente arquitetura e colocou para além do
seu tempo a vida engendrada no arcabouço social, à época. Buscava-se oportunizar as
vicissitudes da propriedade senhorial e o quão grandioso era o seu poderio e fidalguia,
atestada pela, escravaria em funcionamento inaudito e alta produtividade fabril. O lugar,
o espaço e os sujeitos aparecem inscritos por RIBEYROLLES (1859), e fotografados
por FROND no livro-álbum, Brasil Pitoresco, assim:

Percorremos também uma dessas importantes fazendas de açúcar onde


se aplicam novos métodos, a do Visconde de Araruama, na freguesia de
Quissamã. O acolhimento fidalgo que se presta ao estrangeiro nessa
grande e antiga casa, onde a hospitalidade é costume de séculos, a
simplicidade verdadeiramente nobre do anfitrião e a cordialidade liberal
de seus filhos permitiram-nos tudo ver, tudo examinar com detalhes,
desde os trabalhos dos campos até as especialidades das usinas, das
oficinas e seus aparelhamentos. (RIBEYROLLES, 1859 in Marchiori,
1987)

22
Figura 1 – Fazenda Quissamã
Fonte: Acervo do Museu Casa Quissamã

O acervo do Museu Casa Quissamã é composto por fotografias de álbum de


família e este conjunto, apresenta para o visitante a genealogia dos Viscondes de
Araruama. A população negra é representada na condição escravizada, sem variação e
sem referência na catalogação das imagens. Figura 1- Observa-se pessoas no trabalho
cotidiano da Fazenda, um grupo de crianças sentadas no chão executando atividade
manual, meios de transporte, habitação e instalação rural. A respeito desta imagem,
nota-se que é recorrente sua exibição pela perpetuação do poder e promoção da imagem
do antigo proprietário:
Talvez a surpresa de encontrar, tão longe da Corte, inesperado nível de
luxo e requinte justifique o entusiasmo do autor, que atribui uma
condição palaciana à residência do Barão. No entanto, a impressão
maior que transmitia era de uma grandiosa solidez, tão significativa
quanto a do seu proprietário, apresentado em documento de época como
o fidalgo mais nobre e rico da província do Rio de Janeiro.
(MARTINS, 2006 in SILVA 2006)

Figura 2 – Escravos do Visconde de Quissamã


Fonte: Acervo do Museu Casa Quissamã
A segunda fotografia, traz um grupo de crianças, no jardim, junto ao chafariz à
disposição do fotógrafo, ao fundo há um segundo grupo, no portão principal e no canto
direito o Visconde de Quissamã e o seu doméstico, compartilham a experiência

23
fotográfica. Esta é a única fotografia do acervo que apresenta breve descrição: “escravos
do Visconde de Quissamã”.
Em Memória visual e afetiva de Quissamã, SILVA (2006) a Professora Ismênia
de Lima Martins, destaca o seguinte: “Numa economia baseada no trabalho compulsório
um dos principais, para não dizer o maior, indicadores de riqueza era o número de
escravos. E o Barão possuía, em Quissamã, centenas deles.”
A terceira imagem, uma fotografia de Victor Frond datada da segunda metade do
século XIX - retrata um homem negro, um trabalhador rural, ilustra o relato histórico da
chegada dos primeiros colonizadores onde está localizado o município de Quissamã e
dá tonos, a origem do nome dado ao lugar:

(...) Em 1634, já então de posse efetiva de seus quinhões, numa


segunda viagem, os capitães encontraram, entre os índios um
negro : “...ficaram perplexos por verem aqule preto, por lugares
incultos, sem moradores; indagaram dele quem era e como veio
parar ali; disse-lhes que era forro; perguntaram-lhe se era
crioulo da terra e ele disse que não, que era de nação
Quissaman; viram que não tinha lugar o que ele dizia;
assentaram ter desertado do seu senhor e desconfiado das
indagações, se sumiu aí mesmo na aldeia e não o viram mais,
por mais diligencias que fizessem, ai deram ao lugar o apelido
de Quissaman[...] ( CARVALHO, 1888, in Marchiori 1987)

Figura 3 – travailler la roca – Victor Frond


Fonte: Acervo Museu Casa Quissamã

24
Figura 4 – painel História de Quissamã
Fonte: Acervo Museu Casa Quissamã

Figuras 5 / 6 - O jardim e a área externa do Museu a partir de 2006 passaram a


integrar o roteiro histórico, principalmente, para o turismo pedagógico regional e o
cenário do jardim é utilizado de forma recorrente para fotografias de usos diversos.
Imagens do jardim, com vista da varanda circulam pelas redes sociais e meios de
divulgação para visitações ou lembranças do lugar.

Figura 5 – Jardim do Museu Casa Quissamã


Fonte: Museus do Rio / http://www.museusdorio.com.br

Figura 6 – O Baobá, as palmeiras imperiais e o Museu Casa Quissamã


Fonte: http://www.museusdorio.com.br
Toda a Casa, mantida conforme o seu passado colonial é guardada pelo jardim
composto entre muros, onde se destacam os pés de fruta pão, característicos das casas
oitocentistas quissamaenses e o chafariz alargado. O portão em ferro fundido, ainda
original, abre para um campo de questionamentos e representações sociais, há muito

25
construído. O imponente renque de palmeiras imperiais representa o alto grau de
amizade e prestigio entre o antigo proprietário e o gabinete nobiliário. As altas
palmeiras formam um longo caminho, verticais e gradientes reforçam os ares de corte
do lugar e ratificam na paisagem a representação política.

Figura 7 – A dança do Jongo no Jardim do Museu Casa Quissamã


Fonte: Foto Gutemberg Brito / http://www.fiocruz.br
Figuras 7 / 8 - O jongo dançado por jovens quilombolas da Machadinha e o
Casal Primordial na Sala do Visconde de Araruama (fotos em destaque) são registros da
noite de abertura da Exposição O Corpo na Arte Africana. A proposta ilustrada nas
fotografias investe pela discussão sobre a dinâmica e representação social, a imagem
como discurso e apropriação, à luz da formulação que examina “o espetáculo do
“outro”, HALL (2016) como a diferença pode ser instigante para o positivo ou o inverso
dele, a dança protagonizada por jovens afrodescendentes no jardim e as esculturas,
simbolizando a ancestralidade e a fertilidade africanas na sala do anfitrião, subvertem o
estereótipo da imagem tradicional, historicamente constituída relacionada a Casa
Senhorial e a população negra.

Culturas estáveis exigem que as coisas não saiam de seus lugares


designados. Os limites simbólicos mantem as categorias “puras “e dão
às culturas significados e identidades únicos. O que desestabiliza a
cultura é a “matéria fora do lugar” - a quebra de nossas regras e
códigos não escritos. A terra no jardim é boa, mas em um cômodo é
“matéria fora do lugar” - um sinal de poluição, de transgressão das
fronteiras simbólicas, de tabus violados. O que fazemos com a
“matéria fora do lugar” é varrê-la, jogá-la fora, restaurar a ordem do
local, trazer de volta o estado normal das coisas. As culturas que “se
fecham” contra estrangeiros, intrusos, estranhos e os “outros” fazem
parte do mesmo processo de purificação (KRISTEVA, 1982 in Hall,
2016)

26
Figura 8 – Casal Primordial na Sala do Visconde
Fonte: Foto Marta Medeiros

Figura 9 – Atividade lúdica e educativa – Exposição O Corpo na Arte Africana


Fonte: Foto Marta Medeiros

Figura 10 – Argola / Baobá da Fazenda Quissamã


Fonte: Foto Marta Medeiros
Figura 10 - A argola presa no tronco do Baobá estimula a produção de
especulações míticas e estereotipadas. No site Mapa de Cultura da Secretaria de Cultura
do Estado do Rio de Janeiro, sobre o Baobá da Fazenda Quissamã encontramos a
seguinte informação: “a mais impressionante (e paradoxal) é uma argola de prender
escravos, que transformou a árvore da sabedoria dos africanos em local de suplício e
cativeiro”. Narrativas locais, no entanto, afirmam que a argola em questão foi colocada
para amarração de cavalos e bois, no período em que a Fazenda foi propriedade da Cia.
Engenho Central e a árvore era usada para apoio na lida cotidiana da pecuária.

27
Figura 11- exemplifica uma das formas mais usuais de interação dos visitantes
com o espaço, o abraço coletivo de mãos dadas no Baobá A paisagem como arquivo
social revela o posicionamento, as trincheiras e os arranjos de poder. O museu, nesse
contexto se configura em um denso lugar denso para reflexões e (des)construção de
mitos, estereotipagem e outras formas de dominação. Ali, contíguo, o centenário Baobá
rompe o assento hegemônico e assegura a representação social por outras vozes, gestos
e formas. Assim, harmônica e paradoxal a paisagem histórica se compromete com seus
agentes e se faz registro do seu tempo, valores e sentidos.

Figura 11 – Visitantes abraçam o Baobá da Fazenda Quissamã


Fonte: http://www.museusdorio.com.br

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Museu é uma célula de educação interdisciplinar, é um local de visões
históricas e promoção das representações sociais. Lugar de memória e também de
esquecimento. As tensões geradas pela desigualdade, pela exclusão e subalternização
entre povos mantem suas escrituras através do discurso mítico e mentalidades
formatadas em modelos simbolicamente sugestionados. Na pauta sobre a globalização o
debate a respeito da lógica colonial é cada vez mais recorrente. O modo pelo qual o
continente africano e as heranças da diáspora continuam sendo representados conferem
o sentido do conceito de colonialidade.
A memória visual e afetiva de uma sociedade compreende a representação dos
sujeitos que ao longo do tempo, por suas práticas, experiências e significados
construíram coletivamente os marcos identitários que os assimilam a um nexo cultural
comum. Nesta engrenagem social, os atores acionam elementos que como elos de uma
corrente perfazem sistemas representacionais de sua cultura gerando inteligivelmente
sentindo para si e para os “outros”.

28
“Os sistemas representacionais consistem nos sons reais que emitimos com nossas
cordas vocais, nas imagens que fazemos com câmeras (...), nas marcas que imprimimos
com tinta em telas, nos impulsos digitais que transmitimos eletronicamente”
(HALL,20016, p.49)
Questionamos o papel do objeto museal e a sua relação com a memória e a
representação social. A tarefa de representar uns poucos não deve ser maior que a
indiferença sobre a existência de muitos. Assim, o Museu, espaço privilegiado para
perceber as mais preciosas referências culturais discorre no limiar de processos de
segregação e silenciamento. A figuração do Baobá na Fazenda Quissamã é um tributo
aos africanos e afro-brasileiros, parte integrante da tessitura histórica e social
quissamaense, à sombra da sua sabedoria, esforços epistemológicos levam para onde a
decolonialidade intervém na representação e novos caminhos levam à relações
emancipatórias.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Cultura/Prefeitura Municipal de Quissamã/IBPC,1991. 2ª edição.

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brasileira. São Paulo, Melhoramentos/ Edusp/ SCCT, 1997.

RICOUER, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Campinas, SP. Unicamp,


2007.

HALL ,Stuart. Cultura e representações. Tradução de William Oliveira e Daniel


Miranda. Editorial: PUC -RIO, RJ, 2016.

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Ouro Preto. In: Anais do ENCONTRO NACIONAL DE HISTÓRIA DA MIDIA.
Minas Gerais. Maio de 2013.

BONI, Paulo César (org.). Fotografia: usos, repercussões e reflexões. Londrina,


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GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2008.

MAUAD, Ana Maria. Através da Imagem: Possibilidades Teóricometodológicas


para a Análise de Fotografias como Fonte Histórica. In: Anais do Seminário
Pedagogia da Imagem, Imagem da Pedagogia, UFF, Faculdade de Educação, junho de
1995.

29
CHIARELLI, Tadeu. História da arte / história da fotografia no Brasil – século
XIX: algumas considerações, vol.3, n6, São Paulo: ARS, 2005.

HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Vértice e Revistados


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SILVA, Leonardo de Vasconcellos (org.). Memória visual e afetiva de Quissamã.


Quissamã, Prefeitura Municipal de Quissamã, 2006.

BERTAGNOLLI, Gissele Leal. Da colonialidade à descolonialidade: diálogos de


ciências a partir de uma “epistemologia do sul” - uma análise de comunidades
quilombolas. 2015. Revista Grifos, n.38/39, p.232-241.

Mapa de Cultura. Disponível em: http://mapadecultura.rj.gov.br acessado em


05/03/2017.

Museus do Rio. Disponível em: http://www.museusdorio.com.br acessado em


11/03/2017.

30
PROJETO JAPARATUBA EM REDE: EXPERIÊNCIAS COMUNITÁRIAS DE
CULTURA E DESENVOLVIMENTO LOCAL NO DO VALE DO
COTINGUIBA (SE)
Bruna Távora1
Marcelo Lima Rangel 2

RESUMO: A partir das reflexões teóricas sobre cultura e desenvolvimento, este artigo
analisa o projeto Japaratuba em Rede: Juventude, Cultura e Cadeias Produtivas. A
ação contou com a participação de 50 jovens atuantes de movimentos culturais e teve
como objetivo construir espaços coletivos de aprendizagem focados na educação
profissional para atuação na cadeia produtiva da cultura da cidade. Dentre uma
diversidade de práticas realizadas, esse artigo apresenta um relato de experiência no que
tange a um escopo de ações do projeto que envolveram, em perspectiva interdisciplinar,
as dimensões de turismo e museologia. Para analisar os dados e interpretá-los, foram
acompanhadas as atividades do projeto durante o ano de 2015-2016, a partir da atuação
na assessoria técnica do mesmo. Os resultados mostram que as ações fomentaram o
desenvolvimento local da cidade, tanto na perspectiva de atuação na etapa de formação
da cadeia produtiva da cultura, quanto confeccionando produtos para comercialização e
geração de renda.

PALAVRAS-CHAVE: Desenvolvimento; Cultura; Japaratuba; Juventude

ABSTRACT: From the theoretical reflections on culture and development, this article
analyzes the project Japaratuba in Network: Youth, Culture and Productive Chains.
The action was attended by 50 young people active in cultural movements and had as an
objective to build collective learning spaces focused on professional education to act in
the productive chain of the city's culture. Among a diversity of practices, this article
presents an experience report on a scope of project actions that involved, in an
interdisciplinary perspective, the dimensions of tourism and museology. To analyze and
interpret data, the project activities were monitored during the year 2015-2016. The
results show that the actions fostered the local development of the city, with a view to
acting in the stage of formation of the productive chain of culture.
KEY-WORDS: Development; Culture; Japaratuba; Youth.

INTRODUÇÃO

O Projeto Japaratuba em Rede: Juventude, Cultura e Cadeias Produtivas foi


realizado na cidade de Japaratuba, município do leste sergipano, localizado a 52km da
capital Aracaju. A ação foi idealizada pelo Instituto Banese, e realizada de 2014 a 2016
com o patrocínio do Programa Integração Petrobras Comunidades Nordeste. As

1
Mestre em Comunicação e Sociedade (Linha: Economia, Cultura e Política de Comunicação) (UFS).
Atuou como consultora pedagógica do projeto aqui analisado.
2
Mestrando do programa de pós-graduação em Comunicação e Sociedade (Linha: Economia, Cultura e
Política de Comunicação) (UFS). Atuou como coordenador geral do projeto aqui analisado.

31
atividades colaboraram com a integração de uma rede local de produção cultural, que
buscou profissionalizar e construir espaços de aprendizagem com cerca de 50 jovens
entre 17 e 29 anos, já participantes de movimentos ou grupos culturais da cidade e seus
povoados. Focado na etapa de formação e educação profissional, buscou estimular a
produção de práticas culturais locais, colaborando para a articulação de uma cadeia
produtiva da cultura capaz de remunerar os seus agentes, movimentar a economia e
sustentar econômica e culturalmente as expressões já existentes na região.

Através de uma metodologia que envolveu o engajamento dos participantes em


atividades práticas divididas em três áreas: produção e criatividade, gestão cultural, e
comunicação & cultura digital, o projeto teve como resultado a formação do Coletivo
Japaratuba em Rede – formado por membros do projeto e outros –, a confecção e o
lançamento de um selo e uma linha de produtos de comercialização, inspirados nas
referências culturais da cidade.

Dentre uma diversidade de espaços de aprendizagem que foram constituídos


para desenvolver o trabalho coletivo, estimulando a ação participativa e em rede, esse
artigo evidenciará as ações que envolvem, de modo interdisciplinar e transversal, o eixo
turismo e museologia, explicitando como estas áreas colaboraram na integração da
juventude participante. Já na perspectiva teórica, a reflexão envolve a importância da
cultura como mediadora do desenvolvimento local de comunidades (FURTADO, 2003;
SEN, 2003).

DESENVOLVIMENTO SOCIAL E EXPERIÊNCIAS CULTURAIS

O papel da cultura no desenvolvimento e no combate à pobreza em cidades


economicamente menos favorecidas tem sido retomado ao debate contemporâneo sobre
cultura, posto que muitas das contradições e conflitos fundamentais dessas regiões
continuam a perdurar. Assim, o tema ganha cada dia mais evidência através de
especialistas e pesquisadores em todo o mundo.

Em 1996, a Comissão Mundial de Cultura e Desenvolvimento da Organização


das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) produziu um
documento chamado Nuestra Diversidad Creativa, que apontou diversas concepções
sobre a questão do desenvolvimento. Como exemplo podem ser citados: a cultura como
maneira de viver em conjunto, a ampliação das possibilidades humanas e seu estímulo

32
ao desenvolvimento justo. Entre vários outros pontos abordados, ressaltou-se o
potencial de crianças e jovens e a necessidade de dar-lhes oportunidades de expressão,
para que possam vir a participar de tomadas de decisões, bem como a preocupação com
sua iniciação na multiplicidade de formas e meios de expressão. Essas iniciativas que
buscaram ser realizadas no projeto aqui analisado.

No prefácio da publicação, o presidente da comissão, o peruano Javier Pérez de


Cuéllar indagava:

Quais são os fatores culturais e socioculturais que influenciam o


desenvolvimento? Que impacto cultural tem o desenvolvimento
econômico e social? Que relação existe entre as culturas e os modelos
de desenvolvimento? Como combinar os elementos de uma cultura
tradicional com a modernização? Quais são as dimensões culturais do
bem estar individual e coletivo? (CUELLAR, 1996, p.4)

Já em 2003, o Escritório Regional de Cultura para América Latina e Caribe da


Unesco lançou uma série de textos compilados no livro Cultura y Desarrolo (2003) que
trazia reflexões em torno da relação entre cultura e desenvolvimento, resgatando artigos
de Celso Furtado e Amartya Sen originalmente publicados em 1997. Na publicação,
Furtado relaciona as variáveis desenvolvimento e cultura, associando ao primeiro a
importância do potencial criativo e o enriquecimento de um universo simbólico e
coletivo de valores. Questões estas que, segundo o autor, não serçao alcançadas se a
acumulação material não envolver o desenvolvimento de potencialidades humanas, em
uma sociedade em que “sus miembros puedem satisfacer sus necesidades, expresar sus
aspiraciones e ejercitar su genio creativo” (FURTADO, 2003, p. 56).

Para o autor, a diversidade cultural deve ser compreendida a partir de noções de


inovação, de seres humanos em equilíbrio com o meio em que vivem. Um meio capaz
de transformá-lo e fazê-lo avançar suas virtualidades e também capaz de promover uma
transformação econômica, através de processos criativos que abarcam tecnologias de
ampliação da sua capacidade de ação (FURTADO, 2003).

Já Amartya Sen contrapõe o conceito hegemônico de desenvolvimento, ligado


somente ao crescimento econômico e ao aumento do Produto Interno Bruto (PIB), a
outra noção gerada a partir de uma liberdade real, na busca dos próprios valores e nos
valores de uma coletividade (SEN, 2003, p. 69). A autora afirma que isto possibilita que
pessoas tenham oportunidades de decidir que modo de vida desejam levar. No entanto,

33
alerta que a pobreza (ou o subdesenvolvimento) é gerado por limitações sociais e
circunstâncias contingenciais que impedem a escolha de outras formas de vida (idem, p.
70).

Assim, para os autores, a concepção de desenvolvimento local não corresponde


apenas ao desenvolvimento em seu aspecto estritamente econômico, mas também
cultural. A cultura cumpre papel fundamental, pois tem um aporte educativo, impacta
naquilo que valorizamos, inclusive nas opções econômicas; Além disso, possui também
um papel instrumental, influenciando formas e valores éticos de comportamento, que se
aplicam na promoção de crescimento econômico e nas noções de qualidade de vida.

No tocante a uma visão mais especifica da contribuição da cultura na luta contra a


pobreza, Martinell (2009) elenca diferentes camadas sobre as contribuições da cultura
para o desenvolvimento e a luta contra esta: a) Contribui para a acumulação de
conhecimento e entendimento humanos (crescimento humano), que são transmitidos às
gerações futuras, b) aprofunda os direitos fundamentais a partir da participação na vida
cultural e defesa dos direitos culturais, individuais e coletivos, c) tem impactos diretos
no desenvolvimento socioeconômico e na geração de renda e bem estar.

Além disso, o autor entende que a prática cultural e o acesso a seus benefícios
permite criar um clima cultural baseado na confiança mútua, na liberdade cultural e em
relações de respeito à diversidade de expressão. Tem ainda função de distinção
simbólica, sendo um dispositivo que permite o reconhecimento social e político, assim
influenciando a capacidade de enfrentar as dificuldades da vida cotidiana e as mudanças
repentinas no ambiente físico e social. Portanto, incide no aumento das oportunidades
sociais das pessoas, influenciando a educação, o emprego e o uso de tempo livre.

É coadunando com a concepção acima apresentada que as ações do projeto aqui


relatadas foram desenvolvidas. A metodologia da análise para construir os dados aqui
apresentados foi a observação e participação dos dois autores deste artigo na execução
do projeto, especificamente entre os anos de 2014-2016.

O objetivo geral, explicitado no projeto técnico enviado a instituição financiadora,


era contribuir com ações no campo da educação e da formação para o mundo do
trabalho cultural, colaborando assim com a estruturação da cadeia produtiva da cultura e
possível geração de renda. Além disso, buscou-se cooperar com o processo de

34
apropriação das políticas públicas e dos saberes próprios e necessários à organização
produtiva, apostando na dimensão cultural como estratégia para o desenvolvimento
local das diversas comunidades participantes (RELATÓRIO, 2016).

No que diz respeito aos jovens agentes culturais de comunidades em situação de


vulnerabilidade social, a realização de ações específicas de formação profissional pode
facilitar a inclusão produtiva em formas mais complexas de produção cultural, através
do acesso a diferentes fontes de financiamento, apropriação de tecnologias de
informação, bem como a formação de redes colaborativas.

Tendo em vista a análise sobre as possíveis contribuições da cultura para o


desenvolvimento, Martinell (2011) avalia ainda que a etapa da formação, elo da cadeia
em que atuou o projeto, pode ser vista como um primeiro nível do processo de
desenvolvimento, uma vez que proporciona o incremento de habilidades fundamentais
aos atores da vida cultural.

O contexto de atuação do projeto

O município de Japaratuba, localizado a 56km de Aracaju, capital de Sergipe, no


nordeste do Brasil, população de 16.874 habitantes (IBGE, 2010), sendo que 53% vive
nas áreas rurais3 com renda per capita média de R$ 74,65. A população pratica uma
agricultura de subsistência e ocupa-se de serviços temporários, sendo a administração
pública responsável pela maior parte de empregos ofertados à população
economicamente ativa (idem).

Quanto aos jovens, apenas 30% dessa população finalizou a matriz educacional
do ensino médio e que a taxa de empregabilidade se concentra, principalmente, nos
serviços informais e na administração pública4.

No entanto, Japaratuba registra a existência de grupos culturais em diversas


áreas: dança, canto, gestos e ritmos, aliados a expressões culturais ligadas à
religiosidade, como as regiões de quilombo e as festas católicas. A cidade guarda em
sua história e tradição muito das culturas indígena, portuguesa e, sobretudo, negra.
Trata-se de um dos mais ricos celeiros de manifestações tradicionais da cultura popular

3
Dados do Sistema de Informação de Atenção Básica de 2010.
4
Atlas de Desenvolvimento Humano do Brasil 2013, realizado pelo Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD).

35
de Sergipe. Apresenta manifestações culturais que reverberam o passado e garantem, no
presente, uma permanente interação entre as gerações, mantendo a memória cultural das
comunidades viva e garantindo a reprodução simbólica de suas culturas (BARRETO,
2013)

O Censo Artístico-Cultural do município (2013) indica a existência de 85 grupos de


expressões tradicionais e artísticas, manifestações tradicionais, teatro, dança, música -
além de 2 bandas filarmônicas, uma delas centenária, a Euterpe Japaratubense - e
dezenas de músicos e poetas.

A ausência de escolas de formação em artes torna parte da produção cultural


precária e pouco qualificada, mas o movimento cultural resiste, ainda que enfrente as
típicas estratégias das indústrias culturais de massa e sua expressão na concepção de
agentes públicos que constroem as tradicionais políticas de balcão e mecenato, sendo
este o tom que rege as políticas culturais.

A cidade ainda apresenta outros festejos tradicionais, momento em que atrai para a
cidade um grande número de turistas, como a Festa das Cabacinhas; é tradição os
festejos a São Benedito e Nossa Senhora do Rosário, em que figuram os grupos de
maracatu, o coco de umbigada, as sarandaias e sarandagens. Destaque vai para as
expressões das quadrilhas juninas, que participam de grandes eventos com
envolvimento de mídias e agências de turismo (VARGAS, 2014).

Recentemente, em 2001, acrescentou-se ainda a figura do hoje o reconhecido artista


Artur Bispo do Rosário como referência simbólica, gerada a partir da transferência de
seus restos mortais para a cidade, por lá ter nascido (idem). O fato provocou a criação
do Festival de Artes Artur Bispo do Rosário, evento realizado no final do ciclo natalino,
nas tradicionais Festas de Reis, época em que ocorreu uma parte das atividades do
projeto aqui descritas.

Além disso, registra-se diversas entidades culturais organizadas atuantes no


município, como o Ponto de Cultura Caatingart, gerido pela Associação Professora
Elizabete, do povoado São José, a Associação de Catadoras de Mangaba do Povoado
Porteiras e uma associação do Povoado Patioba, que recebeu a Certidão de
autorreconhecimento como remanescente quilombola emitida pela Fundação Cultural
Palmares em 06/2006.

36
Em relação, especificamente ao grupo que participou da ação, pesquisa
desenvolvida por VARGAS (2015) atesta que 40% da juventude estava trabalhando
quando participou das ações do projeto. Dentre os trabalhos identificados, destacou-se o
emprego temporário na administração pública, professores, produtores de cultura e
comerciantes. 70% tem outras ocupações além do estudo e, dentre estas, estão: a ajuda
aos pais em seus trabalhos (roça, artesanato, comércio), vendedores de catálogo,
cabelereiros, manicures.

De acordo com as atividades listadas como importantes para os jovens, foram


listadas “a fabricação de vassoura, artesanato de palha, roça e agricultura, bituca
(diarista na lida dos canaviais), casa de farinha, a cultura do coco, olhar a vida dos
outros, ser funcionário público, a indústria do petróleo, o comércio, o Festival Arthur
Bispo do Rosário e o artesanato de bordados” (VARGAS, 2005, p.14)

Nesse sentido, pode-se observar que a realidade em que o projeto atua apresenta
fortes registros de expressão e organização culturais.

No entanto, de um modo geral, cujas razões são diversas, mas podem aqui ser
ilustradas pela escassez de políticas públicas que garantam a existência dessas práticas
sócio-culturais e por uma concepção de desenvolvimento social que integre as
dimensões simbólicas e culturais, estes grupos não situados no cerne hegemônico dos
sistemas industrias de cultura tem dificuldade na permanência de suas práticas e
expressões culturais.

CULTURA EM REDE: ESPAÇOS DE APRENDIZAGEM E


DESENVOLVIMENTO LOCAL

Dentro do contexto acima referido, o projeto Japaratuba em Rede: Juventude,


Cultura e Cadeias Produtivas buscou construir espaços de aprendizagem, interação e
mediação que buscasse colaborar com o desenvolvimento local da cidade. Assim,
buscou-se desde a forma mais evidente de desenvolvimento local, ancorado na geração
de renda - a comercialização de produtos – até outras dimensões do desenvolvimento,
que dizem respeito à construção de trocas simbólicas e espaços de mediação e interação
que constroem saídas coletivas aos problemas enfrentados, provocando ainda espaço de
intercâmbio e construção de relações sociais entre pessoas que apresentam interesses em
comum.

37
Os itens seguintes descrevem as ações.

Cartografia Cultural

Realizada em fevereiro do ano de 2015 na Oficina de mapeamento de identidades


culturais e diagnóstico participativo, a Cartografia Cultural é uma publicação fruto da
oficina em questão e publicada em dois formatos: um folder-cartografia e um e-book,
que sistematizou e caracterizou referências culturais identificadas pelos jovens como
sendo simbólicas e representativas das comunidades e povoados onde moravam. A ação
foi realizada pela pesquisadora Dra Maria Vargas, vinculada à Universidade Federal de
Sergipe, que atua em pesquisas ligadas à dimensão territorial das festas populares
natalinas e do turismo.

O folder teve uma tiragem de 5 mil exemplares, e foi distribuído em diversos locais
(congressos e eventos acadêmicos, científicos e culturais) ajudando e colaborando na
difusão da diversidade cultural de Japaratuba, estimulando o interesse e a visitação da
região. E ainda uma publicação on-line: Cartografia Cultural Patrimônio Cultural e
Identidade dos Jovens do Município de Japaratuba/Se (VARGAS, 2015).

Conforme atesta VARGAS (2015) instrutora e mediadora da atividade, sua confecção

foi realizada por meio de dinâmicas de grupo e rodas de conversa com


os jovens, elaboração e exposição de textos e desenhos, mas também
com exibições de dança, teatro, samba de roda, quadrilha junina,
sentinelas e sarandagem. Entre palmas, muitas palmas, com
reconhecimento e valorização do que fazem e do que são. Chama a
atenção o quanto as expressões tradicionais enraizadas são
importantes para esses jovens, também participantes e produtores de
manifestações ressignificadas e contemporâneas (VARGAS, 2015, p.
13)

A atividade foi a primeira metodologia realizada com/pela juventude e buscou


promover a integração dos participantes, a partir da identificação de referências
culturais, estéticas e simbólicas em comum. Incentivou a troca de experiências, a
valorização de expressões locais e culturais, e se configurou como um mapeamento das
potencialidades das localidades participantes. Entre os resultados, destaca-se a
categorização das atividades em três eixos relacionados à dimensão cultural: uma
herança rural, que sistematizou o saber fazer das comunidades, as tradições ligadas às
festas existentes e, por fim, o eixo contemporaneidade que integrou usos e apropriações
contemporâneas observadas entre os participantes do grupo.

38
Tabela 1. Fonte: VARGAS (2015)

O documento completo, disponível para consulta5, teve o objetivo, do ponto de vista


pedagógico do projeto, de promover uma identificação coletiva das práticas culturais
presentes no cotidiano da juventude e também consolidar a concepção dos participantes
acerca da diversidade cultural e o potencial da região.

A partir de metodologias que envolveram a dimensão afetiva, como por exemplo a


solicitação em trazer para a oficina aquilo que o jovem mais gostava em sua
comunidade, o trabalho possibilitou um levantamento em rede e transdisciplinar sobre o
patrimônio imaterial presente nas relações sociais do grupo participante, mapeou as
referências culturais das comunidades - que foram sistematizadas e documentadas pelos
agentes culturais que lá vivem.

O resultado foi a identificação de símbolos, cores, formatos, temas e expressões


culturais diversas. Estes, constituíram ainda referências estéticas para a produção da
oficina de criatividade, que culminou na confecção de produtos para a linha de
comercialização.

5
VARGAS, Maria Auguta. Cartografia Cultural Patrimônio Cultural e Identidade dos Jovens do
Município de Japaratuba/Se. Aracaju, Instituto Banese, 2015 Disponível em
.http://media.wix.com/ugd/ad4db5_6768b7e86ee94df980c3917ffc6b9250.pdf

39
Imagem 1. Principais festas citadas pela juventude e identificação de seus locais de ocorrência. Fonte: VARGAS
(2015, p.10)

Imagem 2. Tabela com as principais heranças culturais citadas pela juventude e suas localidades. Ilustração também
realizada pelos participantes. Fonte: VARGAS (2015, p.9)

Tanto a imagem 1 quanto a imagem 2 mostram o levantamento feito pelos


próprios jovens em torno das expressões culturais que vivenciavam e que estavam
sendo recuperadas e afirmadas nas atividades em sala.

A produção da cartografia extrapola o momento para o qual foi pensada e acaba por
se configurar como material documental para a produção e planejamento de ações de
cunho turístico, cultural e patrimonial que tenham como objeto a intervenção na cidade
de Japaratuba. Colaborou, antes de tudo, para que a própria juventude que produziu a
cartografia observasse o potencial e a diversidade dos locais onde vivem, estimulando a
importância em se apropriar e gerir coletivamente as já existentes e diversas expressões
culturais da região: seja o artesanato da palha, o bordado tão presente ou as ainda
existentes casas de farinha.

Evidente que as contradições grandes e a ação do projeto torna-se apenas uma das
mediações vivenciadas pela juventude. Esta que convivemcom uma realidade
caracterizada pela baixa remuneração e/ou o baixo valor comercial desses produtos (por

40
exemplo, o artesanato de palha tem valor cultural reconhecido, embora apresente preços
de mercado baixíssimos), ou até mesmo, a um processo propriamente cultural que
difunde visões de mundo que associam essas práticas ao atraso, estimulando um
processo de abandono e rejeição a estas experiências (Vilas Bôas, 2012)

Intercâmbio com a Fundação Casa Grande – Turismo de Base Comunitária

Outra ação que integrou o projeto foi a visita técnica à Fundação Casa Grande –
Memorial do Homem Kariri, localizada na cidade de Nova Olinda, no estado do Ceará.
A visita foi realizada no mês de setembro de 2015 e teve como objetivo conhecer as
experiências desenvolvidas pelas crianças e juventude da instituição, de modo a
provocar um intercâmbio que estimulasse a construção coletiva de saberes.

Dentre as ações, foi realizada uma roda de diálogo e troca de experiências com os
membros da instituição que realizam o trabalho de turismo de base comunitária –
através da Cooperativa Mista dos Pais e Amigos da Casa Grande e da Agência Turismo
Comunitário - grupo responsável pela gestão da hospedagem e alimentação do coletivo
de jovens do projeto. A conversa envolveu informações sobre o comércio e a compra de
bens de consumo e a explicitação dos processos jurídicos que garantem o
desenvolvimento da ação.

Participaram da conversa 4 jovens do projeto que vivem em comunidades onde há


cooperativa de alimentos. Carliene Correia, Danilo Santos e José Neto, da comunidade
de Porteiras, região extrativista de mangaba, e que atuam na Cooperativa de Catadoras
de Mangaba da Comunidade de Porteiras; E Márcio de Jesus, cortador de cana que
auxilia na Cooperativa Mista da Agricultura do Assentamento Caraíbas, ambas
entidades parceiras do projeto. Dentre o destaque da conversa, Carliene Correia
destacou que o mais interessante foi conhecer as estratégias econômicas utilizadas pelo
grupo, como por exemplo “fazer o contato com agências de turismo para conseguir
inserir a passagem pelas cooperativas como uma opção da programação”.6

Além disso, a visita técnica à Fundação Casa Grande envolveu a visita ao Museu do
Homem Kariri, o Museu do Couro (que expõe a obra do artista Espedito Seleiro) e
ainda ao Museu de Paleontologia de Santana do Cariri, administrado pela Universidade
Regional do Cariri (URCA). A metodologia do trabalho de visitação a esses museus foi
6
Depoimento dado aos autores do artigo em 2015.

41
orientada para que a juventude observasse os aspectos icônicos e referenciais que
orientavam a expografia do local, levando a uma reflexão acerca dos objetos escolhidos,
a partir da valorização às referências culturais locais, posto que os museus em questão
estabelecem um forte diálogo com a região onde estão presentes.

Exposição ‘Cultura em Rede’

Realizada entre os dias 05 e 08 de janeiro de 2016, no interior da II Mostra Cultura


em Rede que integrou a programação do XVI Festival de Artes Artur Bispo do Rosário
e das Festas de Reis. A ação aconteceu no Centro Social Dona Janoca, espaço de
interação social da comunidade de Japaratuba, que fica localizado ao lado da Igreja da
Matriz, na região da praça onde ocorre as apresentações dos festejos.

A exposição contou com uma expografia diversificada que envolvia tanto obras de
artistas sergipanos do acervo do Instituto Banese – esculturas de Joubert Moraes,
pintura de Leonardo Alencar- quanto os produtos confeccionados pela juventude do
projeto nas oficinas de Criatividade e inspirados nas referências culturais do município

Para a realização da exposição, houve uma roda de diálogo entre a museóloga do


Museu da Gente Sergipana, iniciativa também realizada pela Instituto Banese, Katiane
Barreto e a juventude participante. A conversa explicitou temas básico de expografia
como a escolha dos artistas e as lógicas que regem essa escolha, colaborando para que
os alunos montassem e escolhessem os objetos por eles confeccionados e que seriam
expostos.

Também como parte da atividade, foi realizado o mini-curso ‘História das Artes
Visuais em Sergipe’ com duração de 4h. Ministrado pelo Prof. Marcelo Uchoa, do
Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Sergipe (CODAP/UFS), a ênfase do
mini-curso esteve na apresentação da história de alguns dos artistas que estavam em
exposição, fazendo um espaço de interação com as obras expostas. Participaram do
mini-curso professores da rede estadual de Japaratuba e cidades vizinhas como Pirambu,
além dos alunos do 6º ao 9º ano da Escola Estadual Senador Gonçalo Rolemberg,
localizada na sede de Japaratuba.

42
A exposição ficou aberta para visitação durante todo o Festival de Artes Bispo do
Rosário, colaborando para a diversificação das atividades culturais oferecidas e
construindo um espaço de fruições das artes plásticas na cidade.

FAM TOUR

Ainda como atividade da II Mostra Cultura em Rede, a juventude da equipe de


comunicação e cultura digital, orientada pela instrutora Aline Braga realizou um fam
tour, atividade que consiste no convite realização de uma visita na cidade de Japaratuba.
Foram convidados cerca de 10 jornalistas e formadores de opinião de veículos
impressos, on-line e de TV. A ação contou com o apoio do Secretária de Cultura do
município e com a orientação de um guia turístico natural de Japaratuba. Os convidados
conheceram a histórias e os pontos turísticos da cidade, acompanharam o Festival de
Artes Artur Bispo do Rosário e a exposição Cultura em Rede, adquirindo assim mais
informações para difundir a cidade e seu patrimônio cultural.

A ação teve como resultado inserção da pauta na mídia local e, além disso,
configurou um espaço de aprendizagem também para os gestores municipais que, a
partir da ação, poderão incorporar a estratégia nas diretrizes de suas políticas públicas,
algo que não havia sido feito antes, conforme destacou Saulo Brito, secretário de
Comunicação do município que participou da atividade.

Lançamento da linha de produtos Japaratuba em Rede e exposição no Museu da


Gente Sergipana

Como conclusão das ações do projeto, sob o patrocínio da entidade financiadora, foi
lançada em agosto de 2016 a linha de produtos e comercialização Japaratuba em Rede
contando com três linhas para a venda: moda, decoração e utilitários. Todos os produtos
confeccionados tiveram como orientação conceitual, estética e simbólica a catalogação
e sistematização das referências culturais e patrimoniais identificadas pela juventude ao
longo de todo o projeto.

Assim, fachadas de igreja, cores e personagens das manifestações tradicionais (como


o Cacumbi e o Reizado), a história de Artur Bispo do Rosário, cabacinhas e mangabas,
Foto 1. Bonecos entalhados de madeira apresentam pe dentre muitos outros, foram os temas que
rsonagens do Cacumbi e do candomblé. Artesã:
Vanessa Souza.Vanessa Souza. orientaram o conceito da confecção dos

43
produtos. Sua consolidação nas linhas acima referidas possibilitou a constituição de
itens de comercialização que tiveram, do ponto de vista metodológico do projeto,
múltiplas funções, dentre as quais importa destacar: a possibilidade de geração de renda
através dos itens comercializados, o reconhecimento da importância dessas expressões
culturais, divulgação do patrimônio cultural da cidade, manutenção das práticas
simbólicas, difusão da cultura (PROJETO, 2016).

A exposição, que ocorreu no foyer do museu também teve como objetivo a


apropriação do espaço simbólico museológico e o diálogo com as expressões culturais
ali apresentadas. Assim, os visitantes do museu visitavam também as barracas de
comercialização dos produtos, que acabou por ser também, uma vitrine e uma exposição
das expressões culturais de Japaratuba.

CONCLUSÕES

A construção de ações e projetos que atuem no desenvolvimento local e


proporcionem a superação das dificuldades encontradas nos pequenos municípios do
Brasil, em especial do Nordeste, é um esforço que tem sido realizado de maneira
coletiva e colaborativa por diversos agentes de diversas áreas sociais, buscando
constituir o desenvolvimento de condições adequadas de existência e sobrevivência à
comunidades rurais e localizadas afastadas de capitais.

Esse relato de experiência registrou as ações do projeto Japaratuba em Rede:


Juventude, cultura e cadeias produtivas que foi desenvolvido na pequena cidade
Japaratuba com o objetivo de contribuir com o desenvolvimento local da cidade, na
perspectiva de atuação na etapa da formação da cadeia produtiva da cultura.

A partir de uma observação das ações realizadas é possível concluir que o projeto
constituiu espaços de mediação e trocas, provocando a articulação dos grupos que
participaram, posto que promoveu o engajamento de jovens de diferentes povoados na
realização das ações acima descritas. Além disso, colaborou com o desenvolvimento
local, através da cultura, pois provocou espaços de aprendizagem em torno de temas
fundamentais ao trabalho na cultura, tanto em sua perspectiva empírica: como a
produção cultural de eventos, organização e venda de itens e serviços culturais, contato
com a imprensa, quanto em sua perspectiva subjetiva, ligado ao conhecimento e ao
acúmulo de referências, em experiências e trocas que foram vivenciadas nas diversas

44
atividades acima citadas.

A experiência aponta, ainda, que há uma necessidade em repensar as formas de


atuação e intervenção nas comunidades, buscando fortalecer vínculos e políticas
públicas que articulem cultura e desenvolvimento local, sobretudo a partir das próprias
comunidades.

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cultural e reconfiguração da hegemonia. In: REBELA, v. 1, n. 3, fev. 2012.

46
PATRIMÔNIO E CULTURA: A POTENCIALIDADE INFORMATIVA DA
COLEÇÃO GRECO ROMANA DA IMPERATRIZ TERESA CRISTINA DO
MUSEU NACIONAL
Tainá de Sousa Santos1

RESUMO: O objetivo deste estudo é destacar como objetos de uma coleção clássica
podem ganhar novos significados e assim tornar-se escopo para discussões sobre a
configuração e dilemas do mundo contemporâneo. Buscamos evidenciar uma
sacralização exacerbada destes objetos causados pela mídia, de modo que são vistos
apenas como uma reflexão do passado com pouca coerência com presente ou futuro.
Para tal lançamos mão de conceitos como coleção, museu, musealização e monumento,
levando em consideração o novo patamar que a instituição museu alcançou dentro da
sociedade. Como objeto de estudo foi utilizada a Coleção Greco Romana da Imperatriz
Teresa Cristina presente no Museu Nacional do Rio de Janeiro. Atestamos que tais
objetos possuem uma vasta potencialidade informativa e que deve ser utilizada.

PALAVRAS-CHAVE: museu, coleção, musealização

ABSTRACT: The aim of the study is to highlight how classic collection objects can gain
new meanings and become scope for discussions about the configuration and dilemmas
of the contemporary world. We pursue to show an exacerbated sacralisation of classic
objects caused by the media that shows it as only a reflection of the past without a
coherence with the present or future. For this purpose we use concepts like collection,
museum, musealization and monument, taking into account the new level that the
museum institution has achieved within the society. Greek-Roman Collection of
Empress Teresa Cristina present in the National Museum of Rio de Janeiro was used as
study object. We attest that such objects has an incredible informative potential that
should be used.

KEYWORDS: museum, colection, musealization

COLEÇÃO E MUSEU
Coleção, uma palavra simples com um significado amplo. Parte do latim
Colligere que significa recuperar, tomar de volta, reunir. Escolher e reunir, diferente da
simples acumulação, colecionar significa estabelecer um significado e um elo com o
objeto escolhido, distinguindo-o dos demais. Segundo Jean Baudrillard (2000), o
escolher colecionar faz o objeto ser abstraído de sua função e ser relacionado ao
indivíduo, quem seleciona o objeto parece perceber sua singularidade, algo de raro e
único nele. Colecionar também parece estar na base para o acervo dos museus, logo

1
Graduada em Museologia. Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO.
tguerrasousa@gmail.com

47
estudar como se deu o processo de coleção até o momento que sua história se confunde
com a da instituição Museu é algo de importante relevância para este trabalho.
De modo geral, uma coleção pode ser definida como um conjunto de objetos
materiais ou imateriais (obras, artefatos, mentefatos, espécimes, documentos
arquivísticos, testemunhos, etc.) que um indivíduo, ou um estabelecimento,
se responsabilizou por reunir, classificar, selecionar e conservar em um
contexto seguro e que, com frequência, é comunicada a um público mais ou
menos vasto, seja esta uma coleção pública ou privada. Para se constituir
uma verdadeira coleção, é necessário que esses agrupamentos de objetos
formem um conjunto (relativamente) coerente e significativo. Seja ela
material ou imaterial, a coleção figura no coração das atividades de um
museu. (COLLIN, 2013, p. 32-34)

A definição acima é a mais atual, considerada e presente no campo da museologia,


é baseada no trabalho do ICOM2 - Conselho Internacional de Museus. Observar a
definição atual auxilia o modo com que trataremos o termo Coleção ao longo deste
artigo, procurando notar não apenas como ela se deu em diferentes culturas através dos
séculos, mas também como evoluiu e trafegou entre ritos funerários, hobby, interesse
acadêmico, representação de poder e status individual ou coletivo. É interessante
também, perceber como em certa parte da história do mundo ocidental, coleção tem seu
caminho cruzado com o Museu e assim se forma uma das instituições mais
significativas e representativas da cultura ocidental.
O simples ato de colecionar é intrínseco ao ser humano, desde que nos tornamos
presentes na história terrestre o colecionismo agiu como forma civilizadora. Se em
determinado momento de nossa história o colecionismo serviu como subsídio de
sobrevivência e, em outros momentos, para a busca da fé, estudo e ostentação.
A partir do neolítico, iniciam-se a formação dos primeiros Estados Nacionais
como a Mesopotâmia e o Egito, evolução possível através dos avanços nos sistemas de
agricultura e pecuária de criação, preservam-se métodos de acúmulo e distribuição onde
se produz, coleciona e distribui. (MARSHAL, 2005). Marshal aqui converge com
Pomian, ao assumir que colecionar ganha uma face diferente, que visa acima de tudo a de
preservação da memória e o acúmulo de conhecimento.
Ao integrar uma coleção o objeto abre mão de qualquer que tenha sido sua
utilidade, já não são mais aquilo que eram, e é por esta perda de valor que o objeto se
consagra como um objeto de coleção. A estes objetos atrelam-se valores além do
sentimental e invisível, possuem valor econômico e muitas vezes podem movimentar

2
ICOM é uma organização não-governamental internacional que se dedica a elaborar políticas
internacionais para museus, criado em 1946 e que possui mais de 27 000 membros de 150 países.

48
mercados, legais ou não. No entanto o próprio Pomian parece concluir que para o objeto
se enquadrar na categoria coleção, este deve estar fora do circuito econômico, protegido
e acima de tudo exposto.
Quando finalmente tenta encontrar uma definição para o termo coleção, Pomian
considera que “...uma coleção, isto é, qualquer conjunto de objetos naturais ou artificiais,
mantidos temporária ou definitivamente fora do circuito de actividades econômicas,
sujeitos a uma proteção especial num local fechado preparado para esse fim, e expostos
ao olhar do público (POMIAN, 1984, p. 53).”, no entanto, não satisfeito ele explica que
tal definição tem apenas caráter descritivo que visa a salvaguarda do objeto para melhor
apresenta-lo ao público. Pomian reconhece que há uma relação de troca de valores, onde
perde-se o valor econômico e utilitário para o representativo assumir seu lugar.
Segundo uma perspectiva histórica, a qual trato de forma breve, para o autor
polonês esses objetos comunicam faces de mundos diferentes e só encontram sentido em
sua função, quando estão expostos. Os objetos poderiam ser expostos aos deuses ou
mesmo em rituais fúnebres, todos em locais especiais. Questiona-se então para quem estes
objetos seriam expostos até concluir-se que, a função das coleções é permitir aos objetos
que as compõem desempenhar o papel de mediadores entre os expectadores e o mundo
invisível. (PLATINI, 2010).
Ao serem elos de comunicação entre os mundos do visível e do invisível, tanto
Pomian quanto Platini concordam que estes objetos são revestidos de valor, e é esse valor
simbólico que atesta seu valor pecuniário e a importância de submetê-las a proteção.
(PLATINI, 2010/POMIAN, 1984). Eles tornam-se assim semióforos, objetos retirados
de seu contexto, não por seu valor, mas por seu significado, perdendo a sua utilidade e
passando a representar o invisível.
O ato de colecionar tomou grandes proporções no período romano, de forma que
algumas construções pensavam em cômodos especiais para coleções: “a moda de
colecionar se difundiu a tal ponto que Vitrúvio previa na planta de casa um lugar especial
para os quadros e esculturas. ” (POMIAN, 1984). No entanto, os objetos de coleções
tinham a única função de engrandecer a fama de seu dono e não necessariamente
representarem algo além da memória de quem as possuía. Nota-se, então, que essas
coleções não diziam sobre si, mas sobre as memórias de quem as juntou, era uma forma
de perpetuar a vida de seu dono e seu caminho de conquistas e obstáculos. Trata-se do
famoso jogo de memória que obedece a interesses individuais ou coletivos, na luta pela
preservação da memória, preserva-se uma história (LE GOFF, 1990).

49
É somente no mundo moderno que colecionar toma outro panorama, em meados
do século XIV. Essa diferenciação ocorre por uma mudança de pensamento do povo
europeu e principalmente por uma mentalidade humanista que enxerga numa série de
descobertas do mundo clássico, uma imagem idealizada que beira à perfeição. Assim a
partir do século XVI colecionar antiguidades vira moda e se difunde em todos os países
europeus, independente do ambiente e da classe social. Dessa forma as ideias
humanistas na valorização e ressignificação do Mundo Clássico irradiam por toda a
Europa criando um grande interesse em todos os objetos tidos como diferentes ou
exóticos.
O museu surge do fato de os Gabinetes de Curiosidades, responsáveis por reunir
diversas coleções de pessoas com alto poder aquisitivo, não darem mais conta de cumprir
sua função. O que culmina no fim dos gabinetes e a criação do museu se passa no
decorrer do século XVII, onde com os processos de investigação e ordenação favorecem
o surgimento de coleções cada vez mais específicas, esse aumento de coleções
demandava um local apropriado para seu acondicionamento (PLATINI, 2010). Junto
têm-se a mentalidade de permanência do Museu, diferente das coleções particulares que
se dividem após a morte de seu dono, o museu sobrevive aos seus fundadores e tem uma
existência tranquila. Somado a isso ainda havia a demanda de outras camadas menos
favorecidas, que queriam ter contato com essas coleções fosse para estuda-las ou apenas
apreciá-las e só o que a Igreja exibia já não era mais o suficiente (POMIAN, 1984). Num
contexto de tantas demandas os museus adquirem força e visibilidade tornando- se
lugares para todos, já que antes só as igrejas possuíam coleções acessíveis a todos. “O
caráter público dos museus exprime-se também pelo facto de, contrariamente às
colecções particulares, serem abertos a todos (POMIAN, 1984). ”
O crescimento de certos grupos das camadas sociais a e a valorização destes
criou a necessidade de deixar as coleções acessíveis a todos, criando assim a
necessidade de divulgar a ciência (PLATINI, 2010). A pressão para a abertura de
museus e bibliotecas mostrou uma exigência fundamental da sociedade, como
enxergou Platini e Pomian, afinal, para permitir a comunicação e coexistência de
todos os grupos é necessário que estes se comuniquem e mais que tudo, tenham
semióforos de um mesmo gênero e acessíveis a todos, assim o invisível que eles
representam se torna uma realidade e não uma ficção, evitando conflitos sociais
(POMIAN, 1984).
O museu surge como uma instituição que cria um consenso sobre o visível e o

50
invisível (POMIAN, 1984). É o local onde a cultura material é elaborada, exposta,
comunicada e interpretada. As coleções representam a acumulação da cultura material
do passado e sua exposição é o principal meio pelo qual o passado é apresentado
publicamente (BREFE, 1994).

TERESA CRISTINA E SUA COLEÇÃO


Teresa Cristina de Bourbon-Duas Sicílias, que mais tarde viria a se tornar
Imperatriz Teresa Crista “Mãe dos Brasileiros”, surge em meio a esse contexto do
mundo moderno. Onde, a partir do século XVI, colecionar torna-se febre e enxergar no
Mundo Clássico um mundo que beira a perfeição é comum.
Através de sua coleção, podemos estudar a sua imagem. A Imperatriz é sem
dúvida uma figura marcante da história do Brasil, no que diz respeito à época do
Império, governando ao lado de seu marido D. Pedro II, ao mesmo tempo é uma figura
muito pouco estudada em comparação com suas antecessoras, Leopoldina e Maria
Amélia. A figura de Teresa Cristina é envolta de misticismo, sob o véu de uma mulher
firme e pouco mutável, que nasceu e cresceu numa cultura num ponto nevrálgico na
história da península Itália, desde a antiguidade quando foi fundada pelos gregos
(AVELLA, 2012). As próprias cidades onde foram achados o acervo, que hoje integra a
coleção Teresa Cristina do Museu Nacional da Quinta da Boa Vista, foram iniciadas em
meados do século XVIII pelos próprios Bourbons, escavando assim cidades como
Pompéia, Herculano, Stabiae e Paestum. Sem falar da importante mudança ocorrida em
grande parte do reinado do irmão de Teresa Cristina, Ferdinando II, a unificação da
península em um único estado e o sucessivo processo de modernização (AVELLA
2012, p. 274/247). Criada nesse vulcão cultural em erupção, ela ainda teria a própria
família engajada em processos de valorização da arte como iniciativa para o
desenvolvimento desse lado intelectual. Dessa forma a futura imperatriz cultivava a
paixão pela arqueologia desde a sua infância. A pesquisadora Eugênia Zerbini (2010)
ressalta que desde cedo a jovem desenvolveu a paixão de seus antepassados que
iniciaram as escavações em Pompeia e Herculano (HORTA, 2012).
Ela ainda teria sido responsável por um manejo cultural sem precedentes que fez
desembarcar no Rio de Janeiro, junto de sua comitiva, uma série de achados
arqueológicos provenientes da região de Veio na Itália, onde os Bourbon coordenavam
escavações arqueológicas. Sem falar de objetos arqueológicos que compunham seu
dote. (HORTA, 2012). E ainda assim, mesmo depois de seu casamento, Teresa Cristina

51
continuou alimentando o intercâmbio cultural enviando objetos brasileiros para a Itália e
recebendo outros, oriundos de sua terra natal, isto sem levar em consideração o alto
incentivo em artes e numa política migratória que fez do Brasil o país com a maior
colônia italiana no mundo.
A coleção de Teresa Cristina faz parte do acervo de arqueologia clássica do
Museu Nacional do Rio de Janeiro, ela conta atualmente com mais de 700 peças, o
número total gira em torno de 778 e 772. São vários vasos de cerâmica, lamparinas,
estatuetas, artefatos de bronze, esculturas de pedra, recipientes de vidro, amuletos fálicos,
painéis de pintura entre outros. De acordo com Sarian (1996, p.25) parte desta coleção
teria vindo com a imperatriz Teresa Cristina para o Brasil como parte de seu dote, em
1843, antes elas estariam no Museu Bourbônico, atual Museu Nacional de Nápoles, e
fora seu irmão, Fernando II de Nápoles, rei das Duas Sicílias quem teria os enviados.
Parte da coleção ainda teria sido proveniente de Carolina Murat, irmã de
Napoleão:
Com efeito, algumas peças fizeram parte da antiga coleção da rainha
Carolina Murat, irmã de Napoleão Bonaparte e esposa de Joaquim Murat,
rei de Nápoles de 1808 a 1815 e permaneceu na cidade até que Fernando I
e Fernando II reafirmasse seu poder no reino das duas Sicílias...
(SARIAN, 1996, p.2)

Essas peças eram oriundas de escavações ou achados em vários sítios


arqueológicos na Itália, na região de Pompéia e Herculano, cidades atingidas pela
erupção do Vesúvio durante o Império Romano, desastre natural que proporcionou uma
ótima conservação desses artefatos. A outra parte dos achados é proveniente da Magna
Grécia, região ao sul da península Itália – em outros temos na ponta da bota e a Sicília –
região colonizada pelos gregos durante a antiguidade. O século XIX é um marco
importante para a história da arqueologia justamente pelas escavações em Pompéia e
Herculano, um campo cujo pensamento fora influenciado pelas ideias iluministas que
enxergavam as descobertas arqueológicas como troféus e exemplo do avanço da
humanidade.
"Dessa época data também o início das escavações em sítios arqueológicos
mais conhecidos, como Pompéia e Herculano, ambas cidades localizadas aos
pés do Monte Vesúvio, na Itália. O intuito maior 68 dos trabalhos ainda
estava direcionado, todavia, à obtenção de peças que embelezassem o palácio
de Nápoles, financiador da pesquisa.[...]No final do século XVIII e início do
XIX a arqueologia recebeu ainda contribuições do Iluminismo europeu,
movimento filosófico associado a nomes como Voltaire, Montesquieu e John
Locke, que se caracterizou pela confiança no progresso e na razão, bem
como pelo incentivo à liberdade de pensamento. A arqueologia fornecia um
excelente suporte à idéia do progresso humano, e os artefatos em pedra que
52
até então tinham sido coletados, de forma dispersa, passaram a ser
relacionados a sociedades européias antigas e anteriores ao conhecimento do
ferro. Iniciou-se, assim, um sistemático interesse em antigüidades como
fonte de dados sobre a condição humana. De qualquer forma, o foco das
atenções continuou sendo dado ao artefato, com raras informações sobre o
contexto em que foram encontrados (ROBRAHN- GONZÁLEZ, Erika
Marion. 2000, p.13)"

O grande interesse da imperatriz pela arqueologia parece algo natural entre seus
hobbys, para Santos (2015) esse interesse estava perfeitamente de acordo com o tempo
em contexto que Teresa Cristina viveu. Sobre a influência do pensamento iluminista, as
grandes escavações e a glorificação do passado europeu, muitas coleções começaram a
se formar, o que despertou um grande interesse nestes objetos.
Dessa forma podemos ver que essa compilação de itens da Imperatriz Teresa
Cristina é bastante vasta com um grande potencial para o fomento de pesquisas. Entre
suas temáticas podemos estudar aspectos da vida do povo daquela época, apesar de ter
uma grande temática feminina nas representações da mulher em ornamentos nos vasos,
na simbologia das esculturas e no grande número de objetos que fazem parte do
cotidiano feminino.
A coleção tem um grande valor científico, através de suas peças podemos analisar
o modo de produção destes objetos e como se deu sua evolução, a forma com que a
decoração exprime a vida daquele povo revelando seus hábitos religiosos e sociais,
analisar como a forma de produção e decoração oriunda da Magna Grécia influenciou a
região da Itália colonizada pelos gregos. Avançando mais ainda nas possibilidades que
seu estudo oferece podemos notar a sua importância para a compreensão da religião e da
sociedade desta época como nas diversas esculturas ex-voto e os valores atribuídos nas
pinturas dos vasos, murais ou mesmo nos objetos pessoais de uso cotidiano. Ou ainda
como defende a própria Sarian:

Há de se considerar os subsídios de interesse capital que oferece esta coleção


para o conhecimento da história da arte clássica. A título de exemplo, basta
lembrar a série importante de vasos pintados, na maioria dele atribuíveis a
centros de produção e oficinas de artistas célebres do mundo clássico; os
exemplares de estatuetas, dignos representantes de uma arte mais nobre que
nos legou a antiguidade greco-romana; os painés de pintura mural de
Pompéia etc. Inerente ao próprio estudo dos objetos, do ponto de vista
essencialmente artístico, estende-se ainda o valor dessa coleção ao
conhecimento de um capítulo da história da arte, o da iconografia que, na
maior parte dos casos projeta-se também no campo da história mítica e
religiosa, uma vez que suas representações, seja na figuração dos vasos, seja
na estatuária, se refere a cenas e personagens do mundo heroico e divino
(SARIAN, 1996, p.13-14).

53
O cenário então muda de foco, há uma riquíssima coleção brasileira cujos
objetos constituem-se como patrimônio arqueológico e patrimônio da humanidade3 por
nos permitir identificar nossas origens. Não obstante, ao ser patrimônio arqueológico é
considerado fonte de documento primário, vestígios da atividade humana que devem ser
pesquisados e protegidos. Ele foi devidamente musealizado, tornou-se patrimônio e
monumento e para tal só encontra sentido, semelhante ao semióforo de Pomian, isto é, ao
ser exposto.
Considerar o objeto como documento e semióforo, o traz para uma categoria
diferente, admitindo que é um monumento e, assim sendo, documento-monumento.
Noção considerada neste trabalho e conceituada por Le Goff (1990) que, trata o
documento como monumento, fato que implica que, este documento, é um montagem
consciente ou não da história, da época e da sociedade que o produziram, porém
também das sucessivas épocas que continuou a viver. E para tal cabe a quem o estudar,
desmitificá-lo e, assim, analisar suas condições de produção
Baseado em todas essas características supracitadas, podemos atestar que, o
acervo da coleção de Teresa Cristina constitui-se como patrimônio, documento e objetos
museológicos, isto é, objetos que uma vez reconhecidas suas características e valores
em perpetuar algo muito além de si próprios, são signos, passíveis de musealização –
estar presente dentro do museu. Como destaca Padilla (2014): "O objeto museológico,
ao ser incorporado pelo museu, possui uma continuidade na construção de sua trajetória
e, por consequência, inicia uma nova história que também deve ser documentada."
Eles são ícones ou objetos que, preenchidos de carga emotiva, servem de âncora
para um grupo social sobre um fato da história que se envolve direta ou indiretamente
com a identidade social deste grupo, um patrimônio, no caso um ícone ou patrimônio
para toda a humanidade, principalmente para a sociedade ocidental. Desvalées (2000)
destaca o patrimônio como “um bem público na qual a preservação deve ser assegurada
pelas coletividades. Um conjunto de bens e valores, matérias ou imaterias, herdados,
reunidos e conservados para serem transmitidos para a geração futura. ”
No âmbito da museologia, eles são caracterizados como descreve Lima (2012),
em “um conjunto de bens simbólicos, relacionado à ambiência cultural e integrado ao
complexo natural, espaço-mundo coletivo dos mais diferentes grupos e coisas”. Assim o

3
ICOMOS, 1990, ICOMOS. CARTA DE LAUSANNE, CARTA PARA A PROTECÇÃO E GESTÃO
DO PATRIMÓNIO ARQUEOLÓGICO, 1990. Cadernos de Sociomuseologia, [S.l.], v. 15, n. 15, june
2009.

54
patrimônio faz parte de um simbolismo unindo o sujeito e o seu modo de pensar uma
cultura e as representações significativas que possam definir ou traduzir essa cultura. O
patrimônio vem a ser um ícone ou uma referência, individual ou coletiva, da natureza ou
da cultura, notada através de algum simbolismo que liga o passado ao pensamento do
presente e a noção de perpetuamento – ou legado – para o futuro.
O ato de tornar algo, patrimônio, na esfera cultural, simbólica, histórica e por
fim, museológica "é um ato que incorpora à dimensão social o discurso da necessidade
do estatuto da Preservação (LIMA, 2012)." Uma forma de custodiar e conservar tais
bens, protegendo sua integridade física e emocional, em outras palavras, salvaguardá-lo.
O bem ao ser patrimonializado torna-se cabível de ser musealizado, uma outra
instância de um processo semelhante, mas que procura institucionalizar o objeto dado
como patrimônio. A patrimonialização eleva o status de algo como herança para a
posteridade e permite que grupos sociais se vejam representados, enquanto
musealização vem de um ato de valoração do objeto, ao elevá-lo não somente como
símbolo, ou signo, mas como documento, capaz de provar algo. Mensch vem a tratar que
“o valor documentário corresponderia à ideia de musealidade4 (MENSCH apud
LOUREIRO e LOUREIRO; 2013; p.5) ”; desta forma é um processo, onde uma coisa
leva a outra.
A Musealização por sua vez age como uma estratégia de preservação que,
segundo Waldísia Rússio (2011), é uma forma de preservação dentro de um cenário
institucionalizado no mundo. Para todos os efeitos, o ato de separar um objeto e colocá-
lo no museu, partindo da compreensão que este objeto é uma forma de testemunho, um
documento.
Cury (1999) parte de um ponto de vista semelhante e defende que a
musealização é a valoração do objeto e que tem início já na seleção deste para integrar
uma coleção. Este termo se basearia, portanto, em ações como: aquisição, pesquisa,
conservação e comunicação.
Nota-se então, que o sentido de musealizar, elege monumentos, objetos com
valores documentais capazes de representar algo muito além de si mesmos, porém
implica não apenas em colocar o objeto dentro de um museu, mas sim documenta-lo e

4
Característica presente em objetos musealizados, "o que expressa a relação entre homem e a
realidade[...]motivada pelo por um esforço de preservar contra a natureza da mudança e extinção os
objetos da realidade natural e social (STRÁNSKY, 1985, p.97-98) ”; ou ainda "o caráter museal das
coisas (STRÁNSKY, 1987, p.289)”.

55
estuda-lo. Estes são, sobretudo, carregados com memória e simbologia, pois essa mesma
memória os auxilia a atestar seu valor documental.
A memória é uma construção social que edifica identidades distintas e
patrimônios de culturas diversas. O que é caro a determinado grupo social é
guardado e transformado em bem, em herança que motiva orgulho, que se
quer preservar e mostrar ao outro. A memória gera interpretações
costumeiras e leituras críticas e, sobretudo, curiosidade em todos aqueles que
buscam conhecer as diferenças culturais (JESUS, 2009, p. 37).

O objeto reconhecido como documento torna-se também fonte de informação, o


que significa que além de lhe dar os devidos cuidados para proteger sua memória e
integridade a museologia também deve se preocupar em continuar a investiga-lo para fins
documentais.
Ser musealizado, isto é, tornar-se objeto de museu é algo além da própria
patrimonização. O processo, no entanto, não é difícil de ocorrer com objetos históricos
provenientes da Antiguidade Clássica que, como visto antes, já estão instaurados neste
patamar. Assim podemos considerar que o ato de separar objetos e coloca-los no museu
reflete o significado de que eles são testemunhos, são documentos e têm fidelidade.
A partir de toda esta reflexão de conceitos e práticos, é seguro dizer que a
coleção greco-romana da Imperatriz Teresa Cristina do Museu Nacional passou, da
mesma forma que qualquer outro objeto musealizado, por um processo de agregação de
valores deixando de serem apenas vasos, utensílios de beleza, objetos decorativos e
quaisquer outras funções que poderiam ter, tornando-se objetos reveladores de
aspectos culturais significativos tanto da sociedade que os produziu, quanto da
sociedade que os encontrou.
Não devemos esquecer que, por serem achados arqueológicos de escavações
custeadas pelos Bourbons nas cidades de Pompéia e Herculano, durante o século XVIII,
estes objetos também se encaixam como Bens Arqueológicos, classificação que segundo
Lima (2010, 2012) “decorrem desse movimento de apropriação pelas áreas do
conhecimento na gama de ‘atributos simbólicos’ do patrimônio que, a partir do século
XIX e alcançando o XXI, vieram a definir os territórios de ação.”; ou seja, partem do
caráter interdisciplinar da museologia de dialogar ativamente com outras áreas como
Ciência da Informação, Antropologia, Arqueologia, História e tantas outras.
O que entra em debate então, não é o seu valor histórico, antropológico ou
artístico, o que merece reflexão é a forma com que todos estes valores podem ser
trabalhados. Diversas mudanças ocorreram na Museologia que implicaram na visão que

56
se tem do Museu e, por sua vez, do objeto de museu, fato que por vezes não ocorre com
objetos provenientes de épocas tão longínquas.
Assim a nova museologia voltada para a relação do homem com a comunidade e
o objeto dentro de um museu nos faz pensar que tipo de critério e processo trás o objeto
para dentro do museu. Pensamento debatido e registrado em eventos como A Mesa
Redonda de Santiago do Chile (1972), Declaração de Quebec (1984) e a Declaração de
Caracas (1992), que são importantes eventos de testemunho dessa mudança de
pensamento da museologia afim de acompanhar a contemporaneidade.
Segundo Lima (2012) o resultado de todos esses encontros destinados a debater
a museologia trouxeram além de princípios básicos de uma nova museologia a ideia de
“Museu Integral, um museu destinado a proporcionar à comunidade uma visão de
conjunto de seu meio material e cultural”. Isso significava que o museu deveria estar a
serviço da comunidade e por tanto participar da formação de consciência do cidadão
daquela comunidade além de propor reflexões à estas pessoas dos problemas atuais.
Sendo assim: “A museologia[...]passa a ser entendida como o estudo da relação que se
estabelece entre o Homem/Sujeito e o Objecto/Bem Cultural num Espaço/Cenário
(PRIMO e REBOUÇAS; 1999). ”
Nascimento e Chagas (2006) vem a completar essa visão:
“Os museus conquistaram notável centralidade no panorama político e
cultural do mundo contemporâneo. Deixaram de ser compreendidos por
setores da política e da intelectualidade brasileira apenas como casas onde se
guardam relíquias de um certo passado ou, na melhor das hipóteses, como
lugares de interesse secundário do ponto de vista sociocultural.
(NASCIMENTO; CHAGAS apud RANGEL, 2011, p.305) ”

Atualmente os museus são agentes de mudanças sociais e desenvolvimento,


relacionando-se com o meio em que se encontram inseridos, que significa a
ressignificação da instituição museu. Tal como Márcio Rangel (2010) destaca ao dizer
que a democratização do museu o faz ser uma ferramenta de trabalho que tem poder de
ser utilizado por diferentes segmentos sociais. Afirmamos assim que todo indivíduo e
comunidade tem direito à memória, a preservação e transmissão desta. Será esta
memória que identificará o grupo, conferindo sentido ao seu passado e definindo as suas
aspirações para o futuro.

57
QUESTÕES ACERCA DE UMA NOVA RESSIGNIFICAÇÃO
A pergunta que se mantém é: como trazer objetos de coleções clássicas para a
atualidade e, a partir do que eles podem oferecer, como trabalhar com questões atuais?
A questão configura-se como um desafio à parte, já que tais objetos são muitas vezes
sacralizados e possuem uma aura imaginária em volta deles, muitas vezes criada pelo o
que a mídia transmite em produções Hollywoodianas ou documentários. Sob tal estigma
quem encara um vaso grego ou romano simplesmente vê um objeto que pouco pode vir a
comunicar por parecer algo muito distante de si, algo que o remete apenas aquele filme
dos soldados romanos ou de gladiadores.
A coleção greco-romana da Imperatriz Teresa Cristina possui um grande
potencial pedagógico, capaz de desconstruir conteúdos imagéticos muito comuns nos
tempos atuais, sejam nos filmes, nos jogos e nas séries televisivas. Suas questões podem
servir de escopo para debates à luz do nosso período. Seus objetos nos permitem refletir
sobre questões passadas que ainda interferem no dia-a-dia da nossa sociedade. Onde,
por exemplo, podemos trabalhar questões de culturas diversificadas dentro de um
mesmo espaço geográfico a partir da imagem dos afrescos do templo de Ísis encontrados
em Pompéia. Em outras palavras, uma deusa egípcia sendo cultuada no centro do
território romano, numa cidade de cultura e economia representativos, podendo introduzir
ao debate de um Brasil multifacetado de várias etnias e religiões, que por sinal também
era uma equação presente no mundo romano.
Não obstante é ainda possível estudar o interesse romano pela culinária, através
das diversas peças de utensílios domésticos que se encontram nesta coleção, são eles,
talheres, panelas, ânforas e objetos para espremer vinho. Sabemos que a culinária é uma
área de interesse da população humana, e que isso não foi diferente para aqueles que
vieram séculos antes de nós, um debate sobre o tema ajuda a construir a ideia de que
tipo de alimento era valorizado e consumido, fazendo-nos notar o que temos em comum
ou não, para que serviam determinados utensílios de cozinha e vasos que, num primeiro
momento, nos fazem imaginar uma centena de utilidades.
Uma ótima abordagem também pode ser feita ao olharmos, em especial, para os
vasos provenientes da região da Magna Grécia onde podemos buscar compreender
como se deu a colonização daquela área e como era o funcionamento daquela sociedade.
Santos (2015), aborda com segurança o tema tendo como objeto de uso estes vasos.
Diante de seu estudo ela constata que a mulher tinha um papel diferenciado naquela
sociedade, fato observado principalmente pela iconografia dos vasos cuja maioria

58
apresenta cenas de mulheres. Este ponto parte do pensamento de que a iconografia dos
vasos faz parte de um contexto social e político Específico da região onde foram
fabricados. Podemos analisar esse espaço em que elas estavam inseridas, que se
relacionada diretamente com a colonização, já que os colonos buscaram através do
casamento com estas mulheres tornarem-se donos por direito da terra onde outrora eram
estrangeiros.
Estudar as mulheres em tempos antigos, em especial aqui, nos ajuda compará-las
com questões atuais. Tendo em vista que esse grupo, as mulheres, ocuparam papel de
coadjuvante nas fontes registradas, logo, quem são essas mulheres que viviam na bacia
do Mediterrâneo e são representadas nos vasos? Por que registrá-las, sabendo que
apenas pessoas com poder econômico razoável tinham condição de ter tais vasos
ornados? Se elas são fruto dessa colonização, esta que se difere dos modos que
conhecemos atualmente pois não existia a relação de dependência entre colônia e
metrópole, como essas mulheres são representadas diferentes e aparecem tanto em vasos
quando comparadas com as outras na costa da Grécia? Os questionamentos e respostas
que podemos alcançar podem ser trazidos para a nossa realidade, buscando analisar o
papel feminino na sociedade, seu grau de liberdade e inserção e como uma espécie de
propaganda pode ditar costumes? Sem deixarmos de lembrar que a iconografia destes
vasos vai refletir atitudes e costumes que se prezavam naquele contexto.
A partir destes objetos, também podemos refletir sobre o papel dos séculos
XVIII e XIX para a Arqueologia e para o próprio Museu. As peças da coleção eram
oriundas de escavações ou achados em vários sítios arqueológicos na Itália, na região de
Pompéia e Herculano, cidades atingidas pela erupção do Vesúvio durante o Império
Romano. O século XIX é um marco importante para a história da arqueologia
justamente pelas escavações em Pompéia e Herculano, um campo cujo pensamento fora
influenciado pelas ideias iluministas que enxergavam as descobertas arqueológicas
como troféus e exemplo do avanço da humanidade. A coleção foi criada na era de uma
corrida arqueológica de grandes expedições, voltadas para a caça de tesouros da
antiguidade, quando havia um grande comércio de falsificações. Os achados
arqueológicos provenientes das posses da Imperatriz Teresa Cristina viriam, pouco a
pouco, fazer parte do Museu Real, este fato está diretamente ligado ao nascimento do
museu nos séculos XVIII e XIX, que relaciona-se com a representação e legitimação da
Nação, sua ligação com a acessibilidade do público, e sua inserção num espaço público

59
de sociabilidade. Uma época em que o museu surge como espaço de encontro e debate, o
novo espaço da vida pública.
Avançando mais ainda nas possibilidades que seu estudo oferece, podemos notar
a sua importância para a compreensão da religião e da sociedade desta época como nas
diversas esculturas ex-voto e os valores atribuídos nas pinturas dos vasos, murais ou
mesmo nos objetos pessoais de uso cotidiano. Não esquecendo que as fronteiras entre
religião e as outras esferas da vida na Antiguidade estão extremamente conectadas.
Onde se preza, com direito a questões burocráticas, o culto dos mortos e a própria ideia
de rituais de magia e maldições (MENDES, 1993).
Dessa forma podemos ver que essa compilação de itens da Imperatriz Teresa
Cristina é bastante vasta com um grande potencial para o fomento de pesquisas. Entre
suas temáticas podemos estudar aspectos da vida do povo daquela época, apesar de ter
uma grande temática feminina nas representações da mulher em ornamentos nos vasos,
na simbologia das esculturas e no grande número de objetos que fazem parte do
cotidiano feminino.

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62
A EXPERIMENTAÇÃO DA PERSPECTIVA DO PATRIMÔNIO NAS
VIVÊNCIAS DO MUSEU VIVO DO SÃO BENTO
Tatiane Oliveira de Assumpção Cordeiro1

RESUMO: Este trabalho visa abordar a inserção e a atuação do Museu Vivo do São
Bento na região da Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro, enquanto uma instituição
que se utiliza da experimentação da perspectiva do patrimônio cultural em associação
com as práticas da educação patrimonial para se pensar e fazer o Museu com vistas a
consolidar a memória, a identidade e a cidadania da região, preconizando a diversidade,
a cultura e as identidades culturais.
PALAVRAS-CHAVE: Patrimônio Cultural, Educação Patrimonial, Museu Vivo do
São Bento
ABSTRACT: This work aims to approach insertion and performance of Vivo São
Bento Museum in the region of Baixada Fluminense, in Rio de Janeiro, while an
institution that uses experimentation from the perspective of cultural heritage in
association with the practices of heritage education o think about and make the museum
With a view to consolidating the memory, the identity and citizenship of the region,
advocating diversity, culture and cultural identities.

KEYWORDS: Cultural Heritage, Heritage Education, Vivo São Bento Museum

CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O Museu Vivo do São Bento pode ser tomado como importante lugar de
recuperação, resgate, resignificação e reinscrição de lugares de sentidos e de memória
da Baixada Fluminense que se vinculam às singularidades e especificidades locais que
vão desde o artesanato e festividades às próprias relações sociais que tecem. O Museu,
hoje, tem ampla inserção entre diferentes grupos sociais da Baixada Fluminense e
através da perspectiva da Educação Patrimonial inscreve um processo importante de
experimentação do próprio Patrimônio Cultural através de atividades, oficinas e projetos
que se voltam para o resgate das ditas singularidades locais.
É uma instituição que promove novas experiências, reflexões e vivências em
torno da perspectiva do patrimônio. Criado em 2008, no âmbito da Secretaria Municipal
de Educação de Duque de Caxias, a partir da reivindicação dos profissionais nas áreas
de Educação e da Cultura do município, e vinculado ao Centro de Referência
Patrimonial e Histórico do município de Duque de Caxias, o mesmo vem

1
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Patrimônio, Cultura e Sociedade da UFRRJ/IM –
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro – Instituto Multidisciplinar Campus Nova Iguaçu. Contato:
oliveiratati93@gmail.com

63
implementando um conjunto de práticas que difundem e renovam a perspectiva do
patrimônio em articulação com a Educação Patrimonial junto à sociedade civil.
O Museu Vivo do São Bento também é conhecido por ser um Ecomuseu que
pensa o espaço da sua localidade a partir de suas singularidades como fundamental para
a construção de cidadania e pertencimento, respeitando o meio ambiente. Também é um
Museu de Percurso, já que para conhecer é preciso percorrer seu território, conhecendo
a História nas diferentes temporalidades, desde o sítio arqueológico dos sambaquis ao
antigo Casarão Beneditino da fazenda São Bento, ambos tombados pelo IPHAN.

O PATRIMÔNIO CULTURAL ENTRE O GLOBAL E O LOCAL


A atuação do Museu Vivo do São Bento ratifica sua função social enquanto
museu, desde sua criação até as atividades desenvolvidas, já que essa instituição se
utiliza da interdisciplinaridade entre cultura e educação e, ainda promove a integração
entre o seu espaço museal, a História, a memória, a comunidade e a identidade local.
Além disso, através de diálogos, reflexões e debates o Museu busca ampliar a noção de
patrimônio cultural através de seus projetos, programas e atividades, além da sua
própria inserção enquanto agente social e político.
Nesse viés é importante destacar que, na atualidade, a perspectiva patrimonial
abre-se cada vez mais a novos processos de experimentação e inserção, especialmente
no campo da cultura. Haja vista que após a Segunda Guerra Mundial tal noção foi
ampliada e hoje se desenvolve um amplo diálogo em torno da noção de patrimônio
cultural levando em consideração as singularidades culturais que contribuem política e
socialmente para a construção ampla e diversificada das mais variadas expressões
culturais da nossa sociedade.
Essa perspectiva preconiza a diversidade, a cultura e a consolidação de
identidades culturais, haja vista que o conceito do patrimônio está associado ao
imaginário e a memória das populações que convivem com determinados bens
patrimoniais (CHOAY, 2006). Por isso, como ressaltado na Carta Patrimonial da
Declaração do México de 1985 na Conferência Mundial sobre Políticas Culturais,
“todas as culturas fazem parte do patrimônio comum da humanidade”. De tal maneira, é
perceptível que o campo do patrimônio cultural além de ser social é também político, já
que pode e deve ser regido em conjunto com os cidadãos (MENESES, 2006), o que
corrobora para o exercício da cidadania e, por isso, como aborda a Declaração do

64
México são necessárias políticas culturais que protejam, estimulem e enriqueçam a
identidade e o patrimônio cultural de cada povo.
Com esse contexto, diante de um mundo cada vez mais conectado, os lugares e
ambientes tornam-se mais padronizados e os parâmetros globais se tornam referências
importantes. Nesse cenário, o patrimônio precisa (re)encontrar seu espaço em conjunto
com as diferenças e diversidades culturais das sociedades. Sendo assim, a noção de
patrimônio e, mais especificamente, da Educação Patrimonial, podem vir a funcionar
como ferramentas para a inserção, através de políticas públicas de projetos e ações que
valorizem as diferenças e as diversidades culturais locais. Tais políticas podem vir a
possibilitar uma interação mais ampla entre a sociedade e a localidade com as suas
especificidades o que favorece a relação de aproximação e construção de identidades
locais ao estimular a constituição de redes de pertencimento.
O fenômeno da globalização também estimula que os fatores econômicos se
tornem mais importantes do que os aspectos e as relações sociais, contribuindo, por
vezes, para segregação de certos grupos, locais e lugares de memória. E, assim,
tangencia as relações sociais, promovendo, de certa forma, um embate entre o
individual e o coletivo que pode vir a dificultar o processo de formação identitária. O
Museu Vivo do São Bento vem contribuindo para viabilizar, a partir da Educação
Patrimonial, mecanismos que ampliam o diálogo entre os elementos globais e as
singularidades e/ou especificidades locais da Baixada Fluminense.
Além disso, os fatores econômicos também influenciam e estabelecem, muitas
vezes, quais patrimônios devem ser preservados e valorizados. No bojo desse processo,
bens patrimoniais ligados às singularidades locais acabam não sendo valorizados,
prevalecendo, dessa forma, padrões mais globais. O Museu Vivo do São Bento, em seus
projetos e ações, trabalha na contramão desse processo, com vistas a evitar que a
construção identitária se torne algo imposto socialmente, ainda que a absorção desse
padrão seja, muitas vezes, apreendida de forma inconsciente, dado ao grau de
naturalização e interação que estabelecemos com certos objetos e/ou fenômenos.
Como demonstra a autora Marcia Chuva “na atualidade, a área do patrimônio
engloba um conjunto significativo de questões de ordem política, de relações de poder,
de campos de força e âmbitos do social” (CHUVA, 2012, p. 152), por isso, é preciso
resgatar as especificidades que permeiam os choques culturais e engendram processos
de resignificação das práticas culturais, assim como resgatar os elementos das memórias
associadas às localidades.

65
E, nesse sentido, pode-se destacar a atuação do Museu Vivo do São Bento no
resgate as memórias associadas à localidade, através da perspectiva do patrimônio em
suas atividades, projetos, programas e exposições com vistas a estimular as memórias,
muitas vezes, silenciadas e esquecidas dos moradores para consolidar a identidade da
região da Baixada Fluminense.

MUSEU VIVO DO SÃO BENTO: A EXPERIMENTAÇÃO DA PERSPECTIVA


PATRIMONIAL E A EDUCAÇÃO PATRIMONIAL PARA SE PENSAR E
FAZER O MUSEU

Os agentes sociais do Museu Vivo do São Bento pregam a museologia2


comprometida com a transformação social com potência política, cultural e pedagógica
que ao transformar o meio transforma a todos. Essa ideia é perceptível desde o nome do
Museu, já que no interior de suas ações, o patrimônio é tomado como algo vivo e,
encontra-se na pluralidade cultural e das experiências pessoais, por isso, Museu Vivo
para afirmar que o mesmo constitui-se por pessoas e que essas são fundamentais na
preservação do patrimônio. Valoriza-se, assim, o conjunto de práticas culturais que
permeiam o cotidiano dos grupos humanos no âmbito das formações históricas.
Portanto,
“(...) ao mesmo tempo que preserva os frutos materiais das
civilizações passadas, e que protege aqueles que testemunham as
aspirações e a tecnologia atual, a nova museologia – ecomuseologia,
museologia comunitária e todas as outras formas de museologia ativa
– interessa-se em primeiro lugar pelo desenvolvimento das
populações, refletindo os princípios motores da sua evolução ao
mesmo tempo que as associa aos projetos de futuro. ” (PRIMO, 1999,
p. 223).

Há que se comentar ainda que, o Museu Vivo do São Bento é uma instituição
interdisciplinar que acredita ser fundamental a articulação entre a cultura e a educação,
exerce assim uma ação política-pedagógica na medida em que torna possível um novo
educar no direito a memória, História e ao patrimônio. Utiliza-se, portanto, da Educação
Patrimonial já que
“a educação patrimonial constitui-se de todos os processos educativos
formais e não formais que têm como foco principal o patrimônio
cultural, apropriado socialmente como recurso para a compreensão

2
No campo internacional da museologia a partir dos anos 1960/70 iniciou-se uma série de debates em
torno dos tradicionais modelos museográficos. Entra em voga o termo nova museologia ou museologia
social, que atribui ao museu o papel de agente com função social a partir de práticas que respeitem a
diversidade cultural e integre, de fato, a comunidade local.

66
sócio-histórica das referências culturais em todas as suas
manifestações, a fim de colaborar para seu reconhecimento,
valorização e preservação.” (CEDUC/IPHAN, 2014, p. 19).

É através das práticas da Educação Patrimonial, que se estimula o


conhecimento, identificação e interação com os bens e as práticas culturais, bem como a
preservação, resignificação e (re)inscrição dos mesmos na sociedade. Como demonstra
Mércia Carréra de Medeiros e Leandro Surya:
“A educação patrimonial é ação fundamental para a preservação do
patrimônio. A não realização repercute de forma negativa, pois se
torna difícil obter o apoio da sociedade para a preservação desses
bens, uma vez que ela, por desconhecimento quanto à importância
deles para a manutenção da memória coletiva, não valoriza e,
principalmente, rejeita as medidas de preservação impostas pelo poder
público. ” (MEDEIROS; SURYA, 2012, p. 300).

As práticas educativas, dessa forma, como ressalta a Coordenação da Educação


Patrimonial (CEDUC/IPHAN), seriam fundamentais para o processo de implementação
das políticas de preservação patrimonial. Haja vista que
Sabe-se que as políticas de preservação se inserem num campo de
conflito e negociação entre diferentes segmentos, setores e grupos
sociais envolvidos na definição dos critérios de seleção, na atribuição
de valores e nas práticas de proteção dos bens e manifestações
culturais acauteladas. (....) Esse quadro acaba por originar um
desequilíbrio de representatividade em termos da origem étnica, social
e cultura, o que provoca, por sua vez, uma crise de legitimidade e uma
baixa identificação da população, em alguns casos, com o conjunto do
que é reconhecido oficialmente como Patrimônio Cultural Nacional.
Nesse sentido, é fundamental conceber as práticas educativas em sua
dimensão política, a partir da percepção de que tanto a memória como
o esquecimento são produtos sociais. (CEDUC/IPHAN, 2014, p. 23).
Dessa forma, como se apreende da inserção e atuação do Museu Vivo do São
Bento será possível que a população tenha acesso ao patrimônio, através dos seus
programas/projetos como ações efetivas que relacionam e integram a sociedade local,
haja vista que investir na perspectiva da Educação Patrimonial é fomentar a construção
de lugares de sentido, e ao mesmo tempo, estimular o fortalecimento da identidade e o
acesso à cidadania. Portanto, suas atividades, projetos e programas recuperam
elementos nas diferentes modalidades vinculadas à produção artística regional, ao
artesanato, a tradição oral e festividades que contam com total interação e integração da
comunidade no fomento a preservação e valorização do patrimônio e das práticas
patrimoniais.
Entre as atividades promovidas pelo Museu, podem-se mencionar os
programas/projetos “Mulheres Artesãs” e o projeto “Jovens Agentes do Patrimônio”.
67
Tais programas/projetos têm como intuito favorecer as trocas culturais e patrimoniais
além de promover a constituição de iniciativas análogas em outras áreas do município e
incentivar a produção artística cultural dos cidadãos da Baixada Fluminense. Dessa
forma, os mesmos acabam contribuindo para a construção de sentimentos de
pertencimento e de coletividade, além de se incentivar a experimentação da perspectiva
da noção do patrimônio cultural, entendendo a sociedade como protagonista no
processo de preservação e valorização do patrimônio para que a mesma faça uso e se
aproprie do patrimônio como parte de sua História, significação e especificidade local.
O projeto “Mulheres Artesãs” é vivenciado por mulheres moradoras da
comunidade local que trazem consigo saberes e experiências que compartilhado com o
coletivo ganham forma e expressão através do artesanato. O coletivo se reúne
semanalmente e suas criações são divulgadas no espaço do Museu e, em feiras e eventos
culturais, algumas de suas artes também são vendidas, contribuindo para a renda das
artesãs. Para os atores sociais do Museu “através de múltiplas linguagens e saberes,
numa ambiência afetiva e reflexiva, elas ensinam e aprendem, trocam destrocam,
acumulam e desapegam, insistem e desistem, experimentam a arte no mistério, nas
conversas, nos desejos, na dúvida, nas diferenças, no coletivo.”3
Cabe mencionar aqui, que para os agentes sociais do Museu Vivo do São
Bento, o patrimônio e sua importância maior está no sentimento e na memória que ele
abriga, que não engloba apenas valores econômicos, mas também e, principalmente,
valores simbólicos. Portanto, para que um bem seja entendido como patrimônio cultural
é preciso que exista, primeiramente, valor e identificação para quem o vivencia
diariamente, pois como comentado por Ulpiano Meneses (2006) “quando se excluem do
universo da cultura o cotidiano e o trabalho (acrescento ainda a comunidade) não há
como mascarar que é o mercado que está dando as cartas, caucionado pelas bênçãos dos
‘usos culturais’ ”. (MENESES, 2006, p. 40).
Sendo assim, a comunidade é quem deve ser a principal produtora de valor
para que o uso e a efetividade do bem sejam em benefício da sua preservação e também
para a própria comunidade. Pois como demonstrado por Françoise Choay em seu livro
“A alegoria do Patrimônio” (2006), torna-se perceptível que nas relações entre a
indústria cultural e o patrimônio, a conservação do mesmo passa, em algumas situações,

3
Retirado do site do Museu Vivo do São Bento, disponível em:
http://www.museuvivodosaobento.com.br/projetos/mulheres-artesas e, acessado em setembro de 2016.

68
apenas pelo interesse econômico-financeiro e, não mais por sua relação com a
identidade social e/ou por sua relevância histórico-cultural.
A partir dessas perspectivas é possível apreender que o patrimônio cultural é
aquilo que possui significação e valor (simbólico, afetivo, cultural, por exemplo), já que
o bem constitui-se pela interação social e cultural. Assim, os processos de
experimentação de patrimonialização, a inserção ampla do campo da cultura, as
referências à identidade, a diversidade e a cidadania corroboram para a constituição do
patrimônio cultural em associação com a memória.
Com esse viés, pode-se mencionar o projeto “Jovens Agentes do Patrimônio”
do Museu Vivo do São Bento que contribui para que os jovens da comunidade local
construam um referencial de valorização e preservação do patrimônio cultural através
de processos de experimentação da própria perspectiva patrimonial, já que entende que
o mesmo não está restrito a uma lista oficial definidora do IPHAN, por exemplo, para se
preservar e conservar o que é ou não é considerado patrimônio. Esses processos de
experimentação são vivenciados através de diálogos, reflexões e debates para se
construir o referencial de patrimônio coletivamente, através da atribuição de valor,
identificação e reconhecimento. Sendo, portanto, necessário no que tange a
patrimonialização, fomentar a preservação e valorização dos bens e das práticas
culturais que são socialmente reconhecidos pela própria sociedade local. Essa ideia
torna-se perceptível no conceito4 criado por esses próprios jovens:
“(...) patrimônio é o caminho das formigas... os botões que a
Jacqueline achou enterrados5, é a tristeza e é a morte6, é a
comunidade7. Todas as coisas ao nosso redor são patrimônio: o que é
importante e o que parece não ser importante8, a conversa com a

4
Esse conceito criado coletivamente pelos jovens, como destaca Mario Chagas, tem uma dimensão
poética de Manuel de Barros (“é no ínfimo que vejo a exuberância”). O caminho das formigas perpassa a
dimensão natural e cultural, e possibilita o repensar caminhos a serem descobertos.
5
A referência textual pode ser vista como uma analogia aos Sambaquis. O Sambaqui do São Bento é sítio
arqueológico na região, que guarda os vestígios das ocupações humanas pré-cabralinas nas cercanias da
Guanabara, destinado à instalação do Museu dos Povos das Conchas.
6
Trata-se de referência aos exemplos de patrimonialização ancorados na dor, tristeza e morte, como as
cidades de Pompéia e Herculano, na atual Itália, destruídas pelo Vulcão Vesúvio.
7
Ressalte-se que, na perspectiva dos jovens participantes do projeto, noção de pertencimento à
comunidade, as relações sociais também constituem a noção de patrimônio.
8
Convém destacar que para os atores sociais do Museu Vivo do São Bento, patrimônio não está restrito
apenas àqueles reconhecidos em caráter oficial seja pelo IPHAN, seja pelo INEPAC, por exemplo.

69
amiga, o dia-a-dia, as pessoas, a vergonha. É um patrimônio saber que
a gente é uma comunidade...” (CHAGAS, 2016, p. 3).

O Museu articula, dessa forma, em suas oficinas e projetos, novos caminhos


para se pensar a noção de patrimônio e inscreve o mesmo como algo natural e cultural,
material e imaterial, e ainda como a própria História e a memória. Suas atividades
promovem conhecimento, reconhecimento e identificação com elementos do cotidiano
que, então, passam a ser apreendidos e vivenciados como práticas culturais e corrobora
para que o conceito de patrimônio não seja construído apenas com base em disputas
políticas e de poder, mas a partir da construção coletiva. Além de fortalecer o
movimento em defesa do patrimônio material e imaterial do território da fazenda
Grande São Bento9 e afirmar o território como lugar de memória e História, o Museu
assegura a importância dos agentes sociais construtores de seu tempo na região e
garante a construção de sentimentos de pertencimento e de coletividade, e, assim
consolida a noção de experimentação do patrimônio.
O Museu vê, assim, o envolvimento da comunidade local, fundamental para
incitar a identificação e resignifação dos bens e das práticas culturais, dessa forma se
estabelece uma relação de proximidade com o patrimônio já que o mesmo passa a ser
visto como parte da sua própria História e, portanto, passa a ser valorizado. Nessa
perspectiva, Marlúcia Santos, diretora do Museu, faz uma reflexão acerca do interesse
do Museu em se preocupar não apenas com a preservação do patrimônio, mas com
quem irá preservá-lo: “O Museu está preocupado com o homem de hoje e não só com
os sambaquianos.” (CHAGAS, 2016, p. 16).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A perspectiva de patrimônio cultural vivenciada no âmbito das ações do Museu
pode ser tomada como mecanismo de continuidade que converge memória em História
ao reinscrever no cotidiano dos grupos humanos da Baixada laços de pertencimento e de
identificação com elementos da localidade. O Museu atua na valorização das
identidades e memórias que compõem o Patrimônio Histórico material e imaterial da
Baixada Fluminense, a partir de atividades, debates, cursos e palestras voltadas para a
noção de patrimônio. E, a partir do desenvolvimento da Educação Patrimonial, contribui

9
O território da fazenda Grande São Bento, foi adquirido pelo mosteiro de São Bento em 1591,
contribuindo para o processo de colonização do Valo do Rio Iguaçu. A construção da fazenda Grande São
Bento, hoje em ruínas, iniciou-se entre os anos de 1754 e 1757 e constitui-se como a fazenda mais antiga
de Duque de Caxias.

70
para que se possibilite o entendimento em torno da importância da apropriação,
salvaguarda e preservação do seu patrimônio.
Para a permanência de um bem ser garantida é necessário que se tenha o
compromisso com a conservação e a preservação de geração a geração, portanto,
integrar a Educação Patrimonial com as práticas de experimentação do patrimônio
cultural é o melhor caminho para tal. Já que ao utilizar-se da premissa de que para
preservar é preciso conhecer essa será possível a partir de experiências no âmbito da
construção do patrimônio cultural e da sua consequente valorização, com vistas à
permanência e continuidade futura do bem e das práticas culturais para a efetiva
consolidação da identidade cultural da sociedade.
O Museu Vivo do São Bento apresenta resultados que podem ser
presentificados no cotidiano para quem o vivencia diariamente e para quem o visita.
Para além do espaço acadêmico ou museal, a sociedade local passa a conhecer a
História da região, interagindo com o espaço do museu e promovendo a própria
comunidade nas festividades, nos eventos e também na História Oral importante para
resgatar a memória e consolidar a identidade. Promove, assim, a diversidade cultural
para a efetiva valorização do patrimônio cultural, resgatando e difundindo as tradições
da comunidade, pensando o Museu a serviço da comunidade, já que é ela quem o
vivencia diariamente, assim como o próprio patrimônio e, por isso é ela quem deve
atribuir valor no bem e na prática cultural para preservá-los.

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72
TURISMO E INTERVENÇÕES URBANAS: A ARTE URBANA COMO
ATRATIVO TURÍSTICO
Mariana Alves Leite1

RESUMO: O desenvolvimento urbano transformou a paisagem das cidades tornando-


as opacas ao olhar, nesse contexto a arte urbana surge como uma alternativa para
conferir distinção aos lugares e compor o seu produto turístico. O artigo aborda a
relação que pode ser estabelecida entre as intervenções urbanas e o turismo
considerando a possibilidade de a arte urbana promover uma experiência turística. Para
isso, foram estudados e debatidos os conceitos de intervenção urbana, cultura, turismo
cultural e experiência turística utilizando como metodologia a revisão bibliográfica,
assim como a possível interligação entre eles gerando uma discussão em torno de dois
critérios relevantes para compreender essa ligação: a possibilidade de as intervenções
urbanas se tornarem um atrativo turístico e as maneiras pelas quais o turista vivencia as
intervenções urbanas.
PALAVRAS-CHAVE: Arte urbana, Turismo cultural, Experiência, Espaço público.

ABSTRACT: Urban development has transformed the cities scenery making them
opaque to look, in this context urban art emerges as an alternative to confer distinction
to places and compose their tourism product. The article deals with the relationship that
can be established between urban interventions and tourism considering the possibility
of urban art to promote a tourist experience. Therefor, we have estudied and discussed
the concepts of urban intervention, culture, cultural tourism and tourist experience using
as methodology bibliographic review, as well as the possible interconnection between
them generating a discussion between two relevant criteria to understand this
connection: the possibility of urban interventions become a tourist attraction and the
ways in which the tourist experiences the urban interventions.
KEYWORDS: Urban art, Cultural tourism, Experience, Public space.

1. INTRODUÇÃO
O turismo assume relações com dois tipos de intervenção urbana: aquelas que
são planejadas para criar atrativos turísticos na cidade com uma motivação econômica,
como pode-se observar em Gomes, C., (2011)2 e as intervenções urbanas que surgem
espontaneamente, fruto da manifestação dos próprios habitantes da cidade e artistas. É
sobre essa modalidade de arte vem ganhando destaque que está orientada esta pesquisa.

1
Graduanda em Turismo pela Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF. E-mail:
mariianinhaalves@hotmail.com.
2
Embora as actividades mais directamente relacionadas com o sector turístico não se mostrem
preponderantes no contexto económico da cidade, o turismo não deixa, ainda assim, de representar uma
estratégia importante nas políticas públicas, tal como revelam os projectos recentes de intervenção urbana
e os discursos dos responsáveis políticos e dos intervenientes na esfera turística da cidade (GOMES, C.,
2011, p.5).

73
As ruas estão cada vez mais preenchidas por essas intervenções e o contato com essas
obras e conscientização de seu significado promovem sua disseminação atraindo cada
vez mais curiosos.
Apesar do aumento do interesse pela arte urbana, esse fenômeno ainda é um
pouco conhecido e estudado. O público reconhece uma obra de grafite ao se deparar
com ela, porém existe todo um universo por trás da obra que é desconhecido por
muitos: a motivação do artista, sua mensagem, a inserção da arte nos espaços da cidade.
O reconhecimento e a valorização do trabalho dos artistas de rua e suas
consequências, que vão desde o despertar do indivíduo para o espaço em que está
inserido até a criação de um atrativo turístico, denotam a importância da produção de
conhecimento sobre o assunto.
A pergunta levantada por essa pesquisa é sobre a possibilidade de haver uma
experiência turística junto às intervenções urbanas em espaços públicos.
O objetivo da pesquisa é investigar a possível experiência turística promovida
pelas intervenções urbanas, para isso faz necessário a construção de uma análise sobre o
conceito de intervenção urbana, bem como a apresentação um breve histórico desse
fenômeno nas cidades, assinalar algumas formas de intervir no espaço público e analisar
o impacto que a intervenção tem na dinâmica da cidade e como esse impacto é sentido
pelo o turismo.
A escolha desse tema está atrelada ao destaque que essa modalidade artística
vem ganhando e a atração de visitantes que tem proporcionado para as cidades e, além
disso, destaca-se que é um assunto pouco estudado.
A estrutura do artigo está assim concebida: na primeira seção discutir-se-á a
conceituação de intervenção urbana, um breve histórico da atividade e algumas
maneiras como ela se reproduz. Posteriormente, são abordados os conceitos de turismo
cultural e experiência turística de forma a caracterizar a ligação desses conceitos com o
espaço urbano e a configuração desse espaço.
A conclusão, baseada em uma visão holística dos principais temas abordados,
revela uma interpretação dos dados levantados e discutidos fundamentada na
interdependência entre esses temas.

74
2. INTERVENÇÕES URBANAS: CONCEITUAÇÃO, BREVE HISTÓRICO E
POSSIBILIDADES
Nesse capítulo será discutido o que é intervenção urbana, como surgiu e se
desenvolveu e algumas formas pelas quais ela se dá.
Para abordar o tema intervenção urbana é necessário fazer uma distinção entre
os múltiplos usos desse termo. O primeiro é referente às intervenções no espaço urbano
através de processos arquitetônicos e urbanísticos, já o segundo trata das manifestações
artísticas de caráter efêmero que alteram o aspecto da cidade.
Esses processos, as intervenções artísticas no espaço público, recebem diferentes
denominações. Deutsche os chamou de “arte pública”, Pallamin usou o termo “arte
urbana” e Ardenne, “arte contextual” (GONÇALVES; ESTRELLA, 2007).
Segundo Souza (2012), as intervenções urbanas são uma forma de inscrição livre
e de caráter temporário nos espaços da cidade de maneira a se apropriar deles e
promover sua transformação. Essas manifestações são fenômenos culturais originados
no interior das sociedades e instituições em que se reproduzem, como determina
Pallamin (2000, p. 46):
Arte urbana foi definida anteriormente, como prática social
relacionada a modos de apropriação do espaço urbano. Enquanto
“espaço de representação”, a obra de arte é também um agente na
produção do espaço, adentrando-se nas contradições e conflitos aí
presentes.

A cidade se torna a plataforma de trabalho onde o artista se expressa, de forma


que a arte é feita na cidade e com a cidade com o intuito de produzir e ocupar o espaço
urbano. Ao tirar a arte do ambiente fechado das galerias, as intervenções urbanas
promoveram a democratização do fenômeno artístico (CARTAXO, 2009).
As intervenções urbanas têm o objetivo de dialogar, questionar e modificar a
forma como os indivíduos vivenciam a cidade. Segundo Gonçalves e Estrella (2007, p.
98), “as intervenções artísticas urbanas funcionam, neste contexto, como práticas sociais
comunicativas, que nos permitem repensar os modos como nos relacionamos com o
urbano e os significados sociais que lhe são atribuídos”.
A arte percorreu um longo caminho até que surgissem as intervenções urbanas.
Segundo Cartaxo (2009), elas têm sua origem junto à arte contemporânea e representam
uma das formas de ruptura com os paradigmas da arte moderna, a qual é marcada pelo
realismo e pelo uso da ciência para interpretar essa realidade.

75
O retorno do subjetivismo à esfera artística coloca fim ao projeto da
modernidade e leva ao expressionismo abstrato, esse, no entanto, se distanciava do
mundo, de forma que, em 1960, artistas em busca não só da estética nas artes, mas de
uma dimensão cultural, social e política deram início à arte contemporânea, na qual o
lugar da arte passou a ser questionado (CARTAXO, 2009). Assim, museus e galerias
foram considerados elementos que distanciavam a arte do público, portanto, na arte
contemporânea, os artistas saem das galerias e tomam as ruas. A inserção de
manifestações artísticas em locais públicos traz consigo uma aproximação entre o artista
e a sociedade e entre a sociedade e a arte.
A arte pública é vasta, rica em representações, na medida em que ela pode
ocorrer na forma de grafite, pichações, performances, instalações ou qualquer outro
meio que o artista utilize para se expressar. Dessa forma, é difícil afirmar com precisão
se determinada obra se trata de arte urbana, assim como quando elas têm início. Essa
imprecisão é fonte de conflitos, já que muitas intervenções urbanas são consideradas
criminosas, mesmo o grafite que foi descriminalizado. Existem muitas variáveis em
torno do assunto, opiniões favoráveis às intervenções defendem que todo apelo visual
que provoque reflexão ou alguma emoção no expectador é arte; opiniões contrárias
questionam a apropriação não autorizada dos espaços públicos pelos artistas, porém não
demonstram a mesma indignação quando essa apropriação se dá pela propaganda.
O grafite é uma das formas mais conhecidas e de maior representatividade entre
as intervenções urbanas, de acordo com Souza (2012, p. 20)

No Brasil, São Paulo foi a primeira cidade a registrar o grafite


contemporâneo. As performances começaram com a vinda de
Vallauri, um etíope com passagem por Buenos Aires e Nova Iorque, e
que surpreendeu os paulistas com a imagem repetida de uma bota
feminina, extraída da fábrica de carimbos Dulcemira Ltda e carimbada
com a técnica da máscara e spray em muros, porta de lojas,
supermercados, entre outros.

Atualmente, pode-se concluir pela disseminação das intervenções urbanas e sua


valorização como instrumento de inserção e representação do indivíduo na cidade e de
construção do espaço urbano e sua história.
“Tecida pela lógica da efemeridade, costuma intensificar a sua presença em
espaços públicos, tanto no sentido de assegurar um grau máximo de visibilidade como
de acionar e intensificar um número mais amplo de espetadores” (DIÓGENES, 2015, p.
687, grifo da autora), a intervenção urbana artística pode acontecer de diversas formas,

76
assim, é necessário discutir algumas formas pelas quais o artista se apropria do espaço
público.
De acordo com Gitahy (1999, p. 11), o grafite tem raízes nos tempos pré-
históricos com as pinturas rupestres. Essas inscrições podem conter a origem do grafite,
porém, são processos muitos diferentes tanto esteticamente como quanto à sua
finalidade.
Segundo Ramos (2007 apud SOUZA, 2012, p. 19), foi na década de 60, na
França, que o grafite começou a se desenvolver para a forma como é conhecido hoje.
Grupos jovens começaram a ocupar espaços da cidade e, entre outras formas de
manifestações, frases eram inscritas nas paredes da cidade, as quais se tornaram, dessa
forma, espaço de comunicação. A partir de então, a prática se desenvolveu e se difundiu
pelo mundo, transformando locais como túneis, muros e viadutos em tela para seus
desenhos.
O grafite, apesar de ter sua origem relacionada à pichação – prática conhecida
por sua clandestinidade e predomínio da escrita sem obrigatoriedade de um traço
estético, se trata de uma assinatura, mais conhecida como tag e corresponde à
identidade do autor (SOUZA, 2012) –, se distingue do picho devido à preocupação
estética em sua produção, pela riqueza dos traços e cores. Como esclarece Souza (2012,
p. 22)
O graffiti, por outro lado, é uma atividade relacionada à apropriação
do espaço urbano para o desenvolvimento de painéis elaborados em
tinta spray ou outros materiais, porém não monocromáticos e nem
com traços econômicos, mas sim extremamente complexos e
coloridos. Está relacionado às artes plásticas, à pintura e à gravura,
com maior preocupação em relação ao desenho e à representação
plástica da imagem.

Segundo Rodrigues (2013), a aceitação dessa expressão artística foi se


construindo ao longo do tempo, até 2011 a prática era ilegal, atualmente o grafitti faz
parte de exposições em galerias, passou a ser visto de outra forma pela sociedade e se
tornou até mesmo forma de revitalização de espaços marginalizados, como é o caso do
projeto Casas-Tela localizado no Rio de Janeiro nas favelas Pavão, Pavãozinho e
Cantagalo.
Com a diversificação das intervenções urbanas, surgiram novas formas de
intervir no espaço urbano conhecidas com pós-grafite, dentre elas estão os conhecidos
sticks e estêncil. Os primeiros são ilustrações em papel adesivo fixadas em paredes,
postes e qualquer outro espaço das ruas com o intuito de se contrapor às propagandas, já

77
o estêncil corresponde à técnica que utiliza um molde com o desenho a ser transferido
para a superfície com tinta (SOUZA, 2012).

3. TURISMO E INTERVENÇÕES URBANAS


Após o esclarecimento sobre o que são as intervenções artísticas no espaço
público, pode-se inferir que elas se relacionam com o segmento cultural do turismo,
após uma breve discussão desse segmento, os atrativos que ele envolve, o papel que o
espaço da cidade tem nessa dinâmica e o conceito de experiência turística realizada
nesse capítulo é possível estabelecer a ligação que ocorre entre turismo cultural e as
intervenções urbanas.

3.1 Turismo cultural

O conceito de turismo cultural possui mais de uma definição. A Organização


Mundial do Turismo, segundo Julião (2013), com o intuito de especificar aqueles que
podem ser classificados turistas culturais para o estudo desse segmento, aborda turismo
cultural como movimentos de pessoas devido a motivações culturais, como visitas de
estudo, performances e tours culturais, viagens para outros países para usufruir de
festivais e outros eventos culturais, visitas a locais e monumentos, entre outros. Turismo
Cultural, de acordo com o Ministério do Turismo (2006), “compreende as atividades
turísticas relacionadas à vivência do conjunto de elementos significativos do patrimônio
histórico e cultural e dos eventos culturais, valorizando e promovendo os bens materiais
e imateriais da cultura”. De acordo com Goidanich e Moletta (1998, p. 9-10),

Turismo cultural é o acesso a esse patrimônio cultural, ou seja, à


história, à cultura e ao modo de viver de uma comunidade. Sendo
assim, o turismo cultural não busca somente lazer, repouso e boa vida.
Caracteriza-se, também, pela motivação do turista em conhecer
regiões onde o seu alicerce está baseado na história de um
determinado povo, nas suas tradições e nas suas manifestações
culturais, históricas e religiosas.

Essas são algumas definições entre as diversas que existem sobre turismo
cultural. Delas, pode-se apreender que esse segmento turístico se diferencia por não
conter a busca estrita de lazer ou repouso, mas por manifestações culturais de
determinado local, podendo essas estarem ligadas à história, religião, gastronomia,
arquitetura ou representações artísticas do local – fatores moldados pela ação do

78
homem, já que cultura seja no sentido antropológico, sociológico ou estético, está
essencialmente relacionada com as criações e obras do homem.
Para este artigo, interessa o turista atraído pela arte. A relação entre turismo e
arte na concepção de Ashworth, (apud GOMES, L., 2012) estabelece a arte como
atração turística para apenas uma parcela dos turistas, uma elite instruída e apta a
compreendê-la que buscam em seus destinos atrativos como galerias de arte, teatro e
museus. Nesse sentido as intervenções urbanas ou arte pública possuem um papel
relevante no sentido de contribuir para ampliar o acesso à arte.
As definições supracitadas de turismo cultural assim como a relação estabelecida
por Ashworth entre arte e turismo são antigas, quando as intervenções urbanas ainda
não tinham a repercussão que possuem atualmente e também quando o turismo cultural
estava se desenvolvendo. Segundo Gomes, L., (2012, p. 24)

A caminhada que se foi fazendo até definir concretamente a existência


de um turismo cultural teve o seu ponto alto nos finais da década de
1970. É precisamente no final desta década que as pessoas viajam já
com o objetivo específico de ter experiências culturais no território
visitado.

Conforme o interesse por esse segmento aumentou, assim como as práticas


artísticas procuradas por esse público se diversificaram, pode-se dizer que o turismo
cultural não é mais o mesmo. A categoria turista cultural foi ampliada, de forma a não
se restringir apenas a uma elite, igualmente os atrativos culturais também se ampliaram
e se tornaram mais acessíveis. As intervenções urbanas tem um lugar importante nessa
transformação, elas são, ao mesmo tempo, um reflexo e um meio de democratização das
artes.

3.2 Turismo cultural, intervenções urbanas e o espaço da cidade

Segundo Gomes, L., (2012), ao observar como se desenvolve o turismo cultural


e a relação entre turismo e cultura, pode-se notar que o espaço urbano é onde se dá essa
relação. A dinâmica da cidade e a intervenção do homem na sua construção a tornam
um espaço rico em elementos culturais e, portanto, o principal destino para o segmento
de turismo referido.
Olsen (apud Coutinho 2009, p. 122) considera que a interação entre o turista e o
espaço da cidade acontece de maneira que
O turista cultural dá atenção a tudo aquilo que distingue a cidade que
visita da sua própria, às particularidades que lhe conferem um aspeto

79
diferente, permitindo-lhes fazer comparações que nunca ocorreriam às
pessoas para quem esta cidade é o espaço do seu quotidiano.

Segundo Pérez (2009), há duas formas de moldar o espaço urbano para a


demanda turística, uma prioriza a atividade e os visitantes deixando os habitantes locais
em segundo plano e outra que integra o turismo a dinâmica da cidade como mais uma
de suas atividades. Muitas cidades turísticas tiveram suas atividades e seu espaço
orientados apenas para o turismo, o que, além de prejudicar os moradores é uma fonte
de conflito entre eles e os turistas. Assim, é possível perceber que a melhor maneira de
implementar o turismo na cidade é incorporando-o as suas demais atividades de forma a
contribuir para a formação de um ambiente satisfatório tanto para moradores como para
turistas.
No caso específico do turismo cultural, Nicolau (2002 apud PÉREZ 2009, p.
289) afirma que “o melhor museu da cidade é a própria cidade”, assim, entende-se que o
investimento na cidade e para a cidade é mais importante que a sua monumentalização,
a arte urbana é um instrumento que contribui com essa finalidade, seja como mecanismo
de denúncia ou como agente transformador da paisagem urbana.
Pérez (2009, p. 292) afirma que
A cidade, enquanto modo de vida e de habitar o espaço, é produto da
história e obedece à articulação entre vários modelos de urbanismo.
Estes modelos são não apenas morfológicos e arquitectónicos, mas
também sociais e culturais.

O que significa que a dinâmica da cidade, a forma como ela é moldada está
condicionada à sua história e à cultura de seus moradores, de forma que cada cidade
possui em seu cotidiano e em sua estrutura um patrimônio cultural. Dentre os elementos
que formam esse patrimônio cultural estão as intervenções urbanas, na medida em que
elas podem ser entendidas como cultura tanto no sentido antropológico, entendida aqui
como a produção de um grupo, seu modo de vida, seus valores e crenças e suas
manifestações como no sentido estético, o qual estaria ligado a atividades como música,
teatro, dança, literatura e artes plásticas (PÉREZ 2009).

3.3 Patrimônio cultural, intervenção urbana e turismo

O grafite é considerado aqui como patrimônio cultural com base nas


formulações propostas por Barretto (2000, p. 11) que classifica como patrimônio
cultural “os bens tangíveis como também os intangíveis, não só as manifestações
artísticas, mas todo fazer humano, e não só aquilo que representa a cultura das classes

80
mais abastadas, mas também o que representa a cultura dos menos favorecidos”, por
Gontijo (2012, p. 6), segundo a qual “a arte é o que o inscreve esse indivíduo na vida
comum, na cidade, esteja ele outorgado ou não pelo Estado, sendo a partir dos próprios
modos de vida artísticos do graffiti e do hip hop que se demonstra ser o grafite cultura,
isto é, patrimônio cultural brasileiro” e pelo Governo do Brasil:

O patrimônio material é formado por um conjunto de bens culturais


classificados segundo sua natureza: arqueológico, paisagístico e
etnográfico; histórico; belas artes; e das artes aplicadas. Eles estão
divididos em bens imóveis – núcleos urbanos, sítios arqueológicos e
paisagísticos e bens individuais – e móveis – coleções arqueológicas,
acervos museológicos, documentais, bibliográficos, arquivísticos,
videográficos, fotográficos e cinematográficos (LINHA DO TEMPO).

Dessa forma é possível concluir pelo interesse dentro do segmento de turismo


cultural por essas manifestações artísticas. Mas, além disso, o grafite se relaciona com a
memória da coletividade em que está inserido, pois representa elementos do cotidiano e
diálogos existentes na sociedade e, por isso, a apropriação dessas intervenções pelo
turismo possibilita o olhar, a apreciação da memória e da identidade de um grupo
através de suas manifestações artísticas.
A partir da dinâmica que se estabelece entre patrimônio cultural e turismo –
patrimônio funcionando como atrativo – se estabelece outra relação com o patrimônio,
esta entre ele e a população local: um sentimento de pertencimento e legitimação, já que
o patrimônio contribui para o deslocamento de pessoas ao local que, beneficiado
economicamente, incorpora a temática (CARVALHO, 2015).
A apropriação do patrimônio cultural pelo Turismo também traz consigo o
benefício de estimular a preservação desse patrimônio que funciona como atrativo e,
portanto, possui importância econômica. Assim pode-se dizer que o turismo estabelece
com o patrimônio uma relação de utilização e preservação.

3.4 Experiência turística e intervenções urbanas

Para tratar da experiência turística associada às intervenções urbanas, é


necessário, antes, esclarecer a experiência turística. Para Turner e Bruner (1986 apud
PEZZI; SANTOS, 2012) numa concepção antropológica a experiência está baseada
numa interrupção da rotina, na mudança de papéis e na sensação de estranhamento
proporcionada. O turismo, como atividade que promove o deslocamento do indivíduo e
o seu encontro com o novo, mobilizando-o de maneiras subjetivas, se constitui em uma

81
experiência e em um gerador de experiências, já que tira o indivíduo de seu cotidiano e
o coloca em contato com o inesperado.
De acordo com Nascimento, Maia e Dias (2013) os anseios do turista atual não
se resumem ao descanso ou diversão em um local diferente de sua moradia, ele busca
uma experiência nova, única. Nesse contexto é possível presumir o aumento do
interesse por culturas distintas, as quais oferecem “uma vivência do diferente fazendo
com que o turista faça parte, se emocione com a história daquele povo, interaja e
experimente sensações inesquecíveis” (SOARES 2009, apud NASCIMENTO et al.,
2013, p 146).
Após definir a experiência turística é possível perceber como as intervenções
urbanas enquanto elementos distintos e subversivos da paisagem urbana despertam a
atenção do turista e constituem parte de sua experiência no local visitado interferindo na
percepção do lugar. A arte urbana possibilita a ressignificação do lugar e a participação
do espectador como integrante da obra (SANTOS 2015).
Num contexto global em que as pessoas são bombardeadas com diversas
informações, mais do que podem reter, e o consequente desenvolvimento do que
Simmel (1973 apud GONÇALVES; ESTRELLA, 2007) chamou atitude blasé e um
processo de intervenções urbanísticas que, segundo Chou e Andrade (2012, p. 3), têm
conduzido à estandartização dos lugares, pois os planos e projetos diretores partem do
mesmo conjunto de informações e exemplos de planos já consolidados e de sucesso
atestado, as intervenções urbanas tem um papel relevante de despertar, promover a
reapropriação do lugar público pelos indivíduos e criar uma identidade legítima para o
local, distinguindo-o dos demais.
De acordo com Santos (2015, p. 158) os artistas “provocam processos de
experiência sensível do mundo através de atos performativos” e o espectador
voluntariamente ou não interage com essas performances.
A arte urbana, enquanto processo ainda pouco conhecido de maneira
aprofundada pelo público geral, pode fazer parte da vivencia turística de maneira
incidental, o turista cultural incidental, de acordo com Ashworth e Turnbridge (1990
apud PÉREZ, 2009, p.125), “é um turista cultural que não apresenta uma motivação
cultural primária em direcção aos recursos culturais do destino turístico”. As
intervenções urbanas podem ser descobertas, muitas vezes, dessa forma, mas isso não as
torna menos importantes na experiência turística já que são percebidas e tem impacto na
percepção do turista sobre o local.

82
4. METODOLOGIA
A pesquisa qualitativa, para Minayo (2001 apud GERHARDT; SILVEIRA,
2009, p. 32),

Trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações,


crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais
profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem
ser reduzidos à operacionalização de variáveis.

Levando em consideração o objetivo desse estudo – analisar as possibilidades de


as intervenções urbanas se constituírem em um atrativo turístico – e a consequente
necessidade de um levantamento de dados para compreender esse fenômeno que não
pode ser quantificado, essa pesquisa se caracteriza por ser uma pesquisa qualitativa de
natureza descritiva – tipo de estudo que “pretende descrever os fatos e fenômenos de
determinada realidade” (TRIVIÑOS, 1987 apud GERHARDT; SILVEIRA, 2009, p.
35).
Essa análise foi possível mediante uma pesquisa bibliográfica, tipo de pesquisa
realizado, de acordo com Fonseca (2002 apud GERHARDT; SILVEIRA, 2009, p.37),
“a partir do levantamento de referências teóricas já analisadas, e publicadas por meios
escritos e eletrônicos, como livros, artigos científicos, páginas de web sites”. Foram
selecionados artigos científicos e livros que abordam as intervenções urbanas – sua
história, tipos e recepção pelo público –, turismo cultural e experiência turística, e o
conceito de cultura. As informações retiradas da literatura consultada foram
examinadas, exploradas de forma a estabelecer correspondências entre esse conteúdo e
o tema proposto pelo artigo, e por último, os dados foram interpretados resultando em
uma discussão acerca de duas categorias importantes para a construção do conteúdo da
pesquisa. Essas categorias são a possibilidade de as intervenções urbanas se tornarem
um atrativo turístico e as maneiras pelas quais o turista vivencia as intervenções
urbanas.

5. DISCUSSÃO

5.1 As intervenções urbanas e a possibilidade de se tornarem atrativos turísticos

Tendo em vista a compreensão de experiência turística debatida anteriormente é


possível afirmar como Miranda (2015, p. 58-59) que “a arte urbana tem todas as

83
características de uma oferta ou de experiência turística dentro de um panorama de uma
sociedade globalizada”. Diante de um novo tipo de turista, o qual está em busca de
experiências, as intervenções urbanas se constituem como uma opção para satisfazer o
desejo desse turista.
Segundo Miranda (2015, p. 27),

O principal “ingrediente” que leva a um turista a viajar é a motivação,


isto é, o motivo pelo qual o turista se desloca ao destino. Esse motivo,
reforçado por campanhas de promoção efectuadas pelas empresas do
sector turístico, leva a que o turista vá à procura de satisfazer a sua
necessidade ou motivações, tornando os desejos em necessidades.

O interesse pela arte urbana tem fomentado o surgimento de roteiros turísticos


específicos para esse público, segundo Braga (2015), surgiram agências especializadas
nesse segmento que, além de contar a história do local, valorizam sua cultura como a
Streets of São Paulo, empresa do grafiteiro Thiago Ritual que leva os visitantes por
bairros da cidade mostrando as obras.
Constatada a existência dessa demanda e também a possibilidade de estimular
nos turistas a curiosidade e o desejo de conhecer roteiros de arte urbana através do
marketing (MIRANDA, 2015) é possível e propício que se estabeleça um planejamento
turístico nas cidades que divulgue essa oferta e que trabalhe com o intuito de
desenvolver nas pessoas esse novo interesse cultural. Os meios de comunicação são
fundamentais nesse processo.
Essa é uma alternativa viável e possível para o turismo urbano, como se pode
observar no caso da cidade de Lisboa:

Em suma, Lisboa enquanto destino turístico tem vindo a quebrar com


metodologias convencionais de promoção, adoptando e criando
atributos identitários visando provocar um hibridismo cultural57 e
recorrendo a uma tipologia de hibridismo artístico ou estético58 que é
o fenómeno da arte urbana (MIRANDA, 2015, p. 56).

No Brasil, o projeto já mencionado neste artigo, Casas-tela, que consiste em um


circuito de casas que tiveram suas paredes grafitadas de forma a contar a história da
comunidade e preservar sua cultura (RODRIGUES, 2012) também demonstra a
possibilidade de as intervenções urbanas se constituírem em atrativos turísticos.

5.2 Possibilidades de experienciar turisticamente as intervenções urbanas

De acordo com Miranda (2015, p. 56),

84
É na componente transversal e transnacional dos conceitos ou práticas
turismo e arte urbana que reside a complexidade das suas deliniações
de comportamentos e de quantificação do impacto que têm na
sociedade atual. A aposta no revestimento da cidade de Lisboa em arte
urbana, e o cariz efémero deste tipo de arte, faz com que a ameaça de
emoções repetidas provocada pela repetição de narrativas, repetição
de observação do mesmo, seja atenuada ou anulada.

Ampliando o contexto da cidade de Lisboa para a arte urbana localizada nas


mais diversas cidades, com essa afirmação, a autora esclarece que as intervenções
urbanas tem a capacidade de proporcionar algo novo ao turista como emoções diferentes
das que ele normalmente vivencia no cotidiano.
Miranda (2015) constata que na busca das cidades por um diferencial que lhes
garanta maior competitividade em relação às outras a arte urbana, sua autenticidade, é
uma ferramenta importante para captar o olhar do turista.
As intervenções urbanas estabelecem uma comunicação com o turista, através
das imagens e frases inscritas na superfície dos espaços públicos o turista tem uma
percepção daquela cidade.
Assim, quanto à relação entre as intervenções urbanas o turista, pode-se dizer
que ele assume uma postura de contemplação diante delas e elas, por sua vez, fornecem
a ele uma perspectiva da cidade,
O graffiti e a street art, são os melhores métodos de apresentação da
verdadeira essência da cidade, conseguindo com que o turista fique
com a memória, não só das vivências das cidades, mas da sua
imagem. A arte urbana é a produção de uma forma de comunicação
visual genuína em que um ser humano através de uma lata ou do uso
de técnicas criativas produz estímulos a partir de uma imagem
(MIRANDA, 2015, p. 59).

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O artigo que, primeiro, faz uma exposição sobre o que é a arte urbana, como ela
surgiu e como ela se efetiva, seguida do debate sobre o conceito de turismo cultural, a
relevância do espaço da cidade para esse segmento e sobre a experiência turística busca,
a partir dessa revisão teórica, relacionar as intervenções urbanas e o turismo.
Com base na exposição sobre arte urbana e sobre cultura, pode-se concluir que
as intervenções urbanas fazem parte da cultura do local onde estão inseridas, sendo
assim, também é possível dizer que elas são parte dos atrativos turísticos de uma região
para o segmento turismo cultural.

85
A noção de experiência turística também foi relevante para entender as
intervenções urbanas como um atrativo. Sendo a experiência – fator almejado pelos
viajantes atualmente – o confronto com o incomum, a intervenção urbana tem muito a
oferecer em termos de experiência para o turista, já que elas têm caráter extraordinário e
surgem de maneira inesperada na paisagem urbana.
Os conceitos de cultura e experiência estão presentes de maneira irrefutável
tanto nas artes como no turismo, e para compreender de que forma a arte urbana pode se
relacionar com o turismo, foi necessário estabelecer uma ligação entre esses dois
conceitos, essa ponte foram os fatores cultura e experiência presentes na arte urbana que
também correspondem a uma demanda no mercado turístico.
Como resposta ao seu objetivo, a pesquisa possibilitou a compreensão de como a
arte urbana pode ser recebida pelo turista. Ela representa para ele, através de imagens, a
dinâmica da cidade, sua identidade e cultura produzindo, dessa forma, uma memória
daquele local.
Também se constatou com a pesquisa, como resposta aos seus objetivos
específicos a capacidade que as intervenções urbanas possuem de modificar tanto a
paisagem como a dinâmica das cidades captando a percepção dos indivíduos e,
relacionado e essa capacidade, o impacto que essas intervenções têm no turismo, visto
que já existem agências e circuitos especializados nesse segmento.
Devido a sua complexidade, o assunto não foi completamente esgotado. A
questão das intervenções urbanas no campo turístico ainda é um assunto pouco
explorado, a pesquisa pretende indicar modestamente existência de uma relação entre
esses dois fenômenos e uma das maneiras como ela pode ocorrer, assumindo a
possibilidade de existirem diversas outras formas como o turismo interage com a arte
urbana.

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88
HISTÓRIA ORAL, MEMÓRIA E TURISMO CULTURAL: ESTUDO DE CASO
COMUNIDADE QUILOMBOLA LAGOA DAS EMAS.

Cláudio Ferreira da Silva Neto1


Nara Leticie Vilanova Marques2
Luiz Antonio de Oliveira3

RESUMO: O presente trabalho teve como objetivo, a partir da memória de moradores


da comunidade quilombola Lagoa das Emas, apontar para as suas potencialidades
turísticas na região em que predomina um turismo arqueológico. A pesquisa de campo
foi constituída por visitas ao local e a realização de entrevistas com os moradores mais
velhos a fim descrever costumes e a história da formação da comunidade. Observou-se
que as possibilidades de instalação do Turismo Cultural na comunidade poderiam ajudar
no trabalho de manutenção e preservação dos bens culturais nela existentes.

PALAVRAS-CHAVE: Comunidade quilombola, Lagoa das Emas, Memória, Turismo


Cultural.

ABSTRACT: The present work had as objective, based on the memory of residents of
the quilombola community Lagoa das Emas, to point out to their tourist potential in the
region where archeological tourism predominates. Field research consisted of site visits
and interviews with older residents in order to describe customs and the history of
community formation. It was observed that the possibilities of installing Cultural
Tourism in the community could help in the work of maintaining and preserving the
cultural assets in it.

KEYWORDS: Quilombola community, Lagoa das Emas, Memory, Cultural Tourism.

INTRODUÇÃO

O surgimento das comunidades rurais negras está ligado a um processo histórico


de ocupação de terras que remonta às lutas contra a escravidão. No sudeste do estado do
Piauí, situado a mais de 500 quilômetros da capital Teresina e a 28 quilômetros do
centro da cidade de São Raimundo Nonato, há um complexo de terras que ocupa uma
área de aproximadamente 60 mil hectares, em processo de reconhecimento como terras
de quilombo. Denominado de Quilombo Lagoas, o território é constituído por cerca de

1
Bacharelando em Turismo pela Universidade Federal do Piauí (UFPI). E-mail:
claudioneto71@gmail.com
2
Bacharelanda em Arqueologia e Preservação Patrimonial pela Universidade Federal do Vale do São
Francisco-(UNIVASF). E-mail: nara.leticiesrn@gmail.com
3
Doutor em Antropologia. Professor na Universidade Federal do Piauí (UFPI) e pesquisador de Estudos
interdisciplinar em Turismo (EITUR) da mesma universidade. E-mail: luizantov@yahoo.com.br

89
118 localidades, distribuídas em uma extensa área, abrangendo seis municípios (São
Raimundo Nonato, Fartura, Bonfim, Várzea Branca, Dirceu Arcoverde e São
Lourenço). Segundo o laudo antropológico realizado em 2010, todo o território conta
com uma população rural de 1.498 famílias e de 5.128 habitantes, constituindo-se na
segunda maior comunidade quilombola do Brasil (CARRION, 2015).

A história das comunidades que formam o Quilombo Lagoas se confunde com a


da colonização da região, sendo originada das trajetórias de vida dos escravos das
fazendas ali situadas que buscavam, juntamente com suas famílias, terras onde
pudessem trabalhar e sobreviver de maneira livre. Assim, estas comunidades rurais
negras estão distribuídas pelas antigas fazendas São Vitor, Sítio da Aldeia, Conceição,
Dois Irmãos, Barrinha, Serra Velha e Fazenda Nova, cujas origens remontam aos
períodos colonial e imperial (MATOS; RODRIGUES, 2010).

Dentre essas comunidades está a denominada Lagoa das Emas que teria surgido,
no ano de 1953, com a chegada da Família de José Pereira Bons Olhos e Maria Pereira
Marques, vindos das fazendas próximas onde trabalhavam.

O passado de lutas da comunidade pela posse da terra é narrado pelos moradores


mais velhos que referenciam os costumes, as tradições e os feitos dos seus ancestrais.
Nas narrativas falam dos rituais, das festas, das novenas em homenagem ao Sagrado
Coração de Maria que ainda acontecem na igreja da comunidade durante o mês de maio,
o Reisado ou “Reis” brincado, geralmente, durante o mês de janeiro, rituais de umbanda
e uma prática, também de cunho religioso, chamada pelos moradores de “esmola”.

É importante destacar que a região onde está situada a referida comunidade é


marcada pelo turismo “arqueológico”, tendo o Parque Nacional da Serra da Capivara4
como seu principal atrativo. Tal condição turística do lugar favorece o interesse dos
visitantes pelo segmento histórico e cultural, no qual se situam as práticas religiosas e a
história da comunidade que irá integrar o segundo maior território quilombola do país.

É importante dizer que o processo de reconhecimento das comunidades como


território quilombola, regularizando a condição fundiária dos moradores, surge para eles
como uma possível forma de independência e fortalecimento coletivos a contribuir para
a manutenção material e simbólica das comunidades. O turismo, desse modo, pode

4
Localizado na região Nordeste do Brasil, o Parque Nacional Serra da Capivara é um parque
arqueológico, inscrito pela UNESCO na lista do Patrimônio Mundial. Fonte: http://www.fumdham.org.br/

90
ajudar neste processo de fortalecimento das práticas culturais locais ao se inscreverem
no mercado de bens e serviços turísticos como um atrativo histórico e cultural, afinal

vive-se atualmente tempos de novos pragmatismos e racionalidades


econômicas fazendo com que a turistificaçao de culturas, etnicidades e
patrimônios, além de fenômeno de mercado, constitua-se também num
instrumento político poderoso na arena das lutas de afirmação
identitária. (OLIVEIRA, 2010, p. 60)
Isto é, por meio do turismo, a comunidade pode desenvolver estratégias de
construção de autonomia e afirmação de sua identidade cultural, posicionando-se,
ativamente, na cena turística local como atrativos.

HISTÓRIA E MEMÓRIA DA COMUNIDADE LAGOA DAS EMAS


A comunidade Lagoa das Emas, parte do território Quilombola Lagoas,
encontra-se localizada no município de São Raimundo Nonato e possui como principal
atividade produtiva a agricultura de subsistência. Assim, o feijão, o milho e a mandioca
que produzem são utilizados apenas para consumo. No artesanato destacam-se os cestos
de cipó, cuja técnica é dominada por moradores da comunidade, além dos vasilhames
cerâmicos, utilizados no dia-a-dia dos moradores.

Figura 1- Mapa do Piauí, localização dos municípios


que compõem o Território Lagoas.
Fonte: www.dnit.gov.br

91
Figura 2- Comunidade Lagoa das Emas.
Fonte:https://olharescruzadosdiversidade.wordpress.co
/lagoa-das-emas/

O passado da comunidade é recontado nas memórias individuais dos seus


moradores que referenciam o processo de desbravamento e ocupação do território. A
memória, assim, serve para criar o sentimento de pertencimento, situando, em um
contexto coletivo, as lembranças de cada um. A este respeito vale lembrar o que diz
Pollak (1992, p.204), ao afirmar que “A memória é um elemento constituinte do
sentimento de identidade, tanto individual como coletiva, na medida em que ela é
também um fator extremamente importante do sentimento de continuidade de coerência
de uma pessoa de um grupo em sua reconstrução de si”.

Este sentimento de continuidade e coerência se faz presente, por exemplo, no


relato de Dona Maria Pereira Marques, de 86 anos, que descreve a chegada dos
primeiros moradores da comunidade.

Em 53, meu pai, minha mãe, comigo e mais oito irmãos – sendo uma
de um mês e vinte dias –, saiu no meio da capoeira. E a sombra que
nós entramos debaixo era uns pau que, na seca, não tem nenhuma
folha. E nós, buscando água no Barreiro dos Porcos, no Recreio, nas
Lagoas. Nós buscava água na cabeça. Mas, de noite era só acender
um ‘foguinho’ e todo mundo ‘arrudiava’ com o pé esquentando no
fogo. Eu não tenho nem vergonha de dizer, nem pano pra embrulhar
não tinha. Minha mãe tinha umas garrinhas de jogar em cima da
menina mais pequena. A coberta era o fogo.

92
Figura 3 – Dona Maria.
Fonte: Cláudio Ferreira da Silva Neto, 2017

O relato da Dona Maria faz referência ao deslocamento de famílias na metade do


século XX para a região, como a de seus pais José Pereira Bons Olhos e Maria Pereira
Marques que saíram da localidade Lagoinha dos Macários, onde trabalhavam.

Com o crescimento da família, houve a necessidade de se procurar um outro


lugar para morar. Seguindo os conselhos de um conhecido e ex-patrão, José Pereira
Bons Olhos comprou um pedaço de terra no que futuramente veio a se tornar a
comunidade da Lagoa da Emas. Dona Maria conta ainda que a origem do nome se deu
pelo fato do local ser habitado por muitas emas nos “anos que era bom de inverno”. Nos
dias atuais, segundo a antiga moradora da comunidade, a ave não se encontra mais pela
região.

Dentre muitas dificuldades que a recém-chegada família enfrentou, uma delas


foi a falta d’água. A região está localizada no semiárido, onde o período de chuvas é, na
maioria das vezes, escasso e o clima seco predomina. Para suprir as necessidades da
família, era necessário buscar água em comunidades vizinhas, prática comum em toda a
região da caatinga. Os “caminhos de água”, como são conhecidos, eram feitos em grupo
e revelam outra característica da comunidade, a produção de vasilhames cerâmicos para
armazenamento da água.

Em seu relato, da Dona Maria fala que:

a vasilha de buscar água era uns potinho de barro [...] lata nesse tempo
não tinha. Balde não tinha. Era cabaça ou vasilha de barro que o povo
mesmo fazia. Depois que eu cresci, eu fiz foi muita. Não fazia muito
bem feita não, mas fazia. E a comadre Raimunda fazia era bonita do

93
jeito que ela queria. Ela fazia ferro de gomar roupa. Ela fazia uma
panela do mesmo jeito de uma panela de ferro, daquelas que tinha de
primeiro. Fazia xícara, fazia o bule. Mas, ninguém dava valor.

Ela fala também sobre a produção de cestaria, afirmando que “ cesto de cipó e
aió5 ainda hoje eu sei fazer. Só basta ter os cipó. Eu fazia de todo tamanho. Fazia
grande, fazia miudinho, fazia aquelas cestinha veia [...] todo ano eu fazia um cesto pra
eu panhar umbu6. As mulheres aí vão pro umbuzeiro leva é sacola. Eu levo é um
cestinho”.

Na fala de Dona Maria, percebe-se que as cerâmicas e a cestaria não tinham


muito valor econômico e que eram basicamente ‘descartáveis’. Entretanto, nos circuitos
em que predominam o turismo histórico e cultural, produtos como estes podem vir a
adquirir valor econômico, apresentando-se, então, como expressão da cultura material
que merece ter seu valor histórico preservado e seu modo de fazer mantido para a
posteridade.

Dessa maneira, o Turismo cultural serviria como uma ferramenta de manutenção


e preservação desses bens culturais. Pois, como afirma Ribeiro e Santos (2008, p. 9),

O turismo cultural pode ser um importante aliado na preservação e na


manutenção da memória viva de manifestações culturais materiais e
imateriais. Sabemos que o turismo como fenômeno social, baseado no
deslocamento humano, se alimenta da cultura ou da diversidade
cultural das comunidades visitadas[...]
A respeito das práticas religiosas da comunidade, Dona Maria diz que “Rezar, as
mulheres rezavam muito nas casas. ‘Ajuntava um bocado’ nas casas e rezava o terço.
Agora, missa, quando eu me entendi, só tinha missa lá no morro do ‘véi’ Alfredo e na
Taboa. E depois começou lá uma vez vim no São Vitor”.

Na comunidade, destaca-se, atualmente, o festejo em honra ao Sagrado Coração


de Maria no mês de maio. Essa tradição levou à construção de uma igreja, resultado da
colaboração de todos. O espaço da igreja ultrapassa a dimensão do sagrado sendo
também utilizado para as reuniões da associação de moradores.

Outra característica religiosa da comunidade é o Reisado, ou festa de Reis.

5
Cestos sem alça utilizados para transporte de objetos ou alimentos.
6
Fruto típico da região nordestina.

94
O reisado é que o povo chega nas casa cantando. Tem uns que usa
(bandeira) mas os daqui nem usa. É só a sanfona ou o violão e o povo
tocando. E quando acabava, quando cantava o Reis, o dono tem que
fechar a porta e ficar lá dentro. Quando eles mandava abrir a porta que
entram e vão dançar. Aí quando tá com um pedaço, vão pra outra casa
[...] De primeiro, Reis era só em janeiro. Mas, agora fazem é todo dia
que quiserem (risos)” (Dona Maria).
A moradora entrevistada continua seu relato dizendo que antes costumava cantar
Reis e “Esmola”, prática comum na região que associava a figura do santo à ideia de
caridade e boa ação dos moradores para com os mais necessitados. “Ali é pedindo, vai
cantando nas casas e o povo vai dando um ‘dinheirinho’. Uns dá, outros não dá.
Enquanto tivesse casa ia andando”.

As práticas religiosas de origem africana, por sua vez, não são manifestamente
assumidas, com alguns de seus moradores evitando falar sobre os terreiros que existem
em todo o território. Apesar disso, pode se perceber o sincretismo religioso presente em
várias de suas manifestações culturais.

Ribeiro (2012) explica que:

O processo de sincretismo religioso acontece com o contato entre


diferentes crenças; para que isso ocorra, é necessária a movimentação
de povos, geralmente causada por eventos de larga escala. É por isso
que, indo a fundo à compreensão do cenário histórico, pode-se
compreender como se deu o processo do contato religioso: qual era
dominante, quem absorveu mais, quem mudou mais, etc.
Nailde Marques, 45 anos, também moradora da Lagoa das Emas, ao contrário da
Dona Maria, fala sobre a importância dos terreiros ou do “bater tambor”, como é
comumente chamada a umbanda pela comunidade. Segundo ela, a umbanda funciona
como um complemento do catolicismo. Assim, o terreiro é procurado quando se está
com um problema de saúde, um problema financeiro ou apenas para “descarregar” as
energias negativas, não sendo assumido como lugar de prática religiosa pela maior parte
da população.

Todos esses aspectos da memória da comunidade Lagoa das Emas podem ser
levados em conta para implantação e desenvolvimento do Turismo Cultural nesta
porção do sertão piauiense, levando em conta o artesanato, a religião, a sua história de
formação, as lutas e o dia a dia dos moradores. Estes seriam atrativos culturais
importantes na região conhecida apenas pela importância dos vestígios arqueológicos

95
deixados pelos seus habitantes pré-históricos, pioneiros na ocupação do continente
americano.

TURISMO CULTURAL E COMUNIDADE TRADICIONAL


O Turismo Cultural “compreende as atividades turísticas relacionadas à vivência
do conjunto de elementos significativos do patrimônio histórico e cultural e dos eventos
culturais, valorizando e promovendo os bens materiais e imateriais da cultura”
(BRASIL, 2010, p. 15). Essa modalidade turística tem se destacado no mercado, pois
muitos turistas têm esse desejo de conhecer culturas diferentes das suas.

O Turismo Cultural segundo o documento do Ministério do Turismo (MTur)


está subdividido em 9 categorias, tendo entre essas categorias o Turismo Étnico. Essa
categoria “Constitui-se de atividades turísticas envolvendo a vivência de experiências
autênticas e o contato direto com os modos de vida e a identidade de grupos étnicos”
(BRASIL, 2010, p. 20).

Então, o Turismo Étnico é uma atividade onde o turista envolve-se com a


comunidade, tendo um contato maior com suas culturas, com seus fazeres diários,
participando dos mesmos ou muitas vezes apenas observando-os. As comunidades, na
maioria das vezes, não modificam suas atividades para a implantação do turismo, mas
buscam, por meio das atividades turísticas, alternativas de sobrevivência para os seus
moradores. Além do retorno financeiro, há a possibilidade de valorização da cultura da
comunidade por meio das atividades turísticas.

O turismo cultural tem a função de estimular aos fatores culturais


dentro de uma localidade e é um meio de fomentar recursos para atrair
visitantes e incrementar o desenvolvimento econômico da região
turística, a qual tem características favoráveis a esse setor de turismo,
sendo apoiado nos princípios do desenvolvimento turístico sustentável
(BATISTA, 2005, p.31).
Para o desenvolvimento do Turismo Cultural na comunidade é necessário seguir
os passos disponibilizados na cartilha “Turismo Cultural: Orientações Básicas”,
publicada pelo MTur no ano de 2010. O primeiro deles “é identificar e avaliar se no
destino ou região existem atrativos culturais significativos, com potencial para despertar
o interesse e motivar o deslocamento do turista especialmente para conhecê-los”
(BRASIL, 2010, p. 53).

Sendo assim, para que haja o desenvolvimento do turismo cultural na


comunidade quilombola Lagoa das Emas, faz-se necessário identificar, de maneira
96
articulada, suas potencialidades aos atrativos existentes na região, isto é, a busca pela
história da origem do homem americano pode ser combinada com o conhecimento das
comunidades e povos tradicionais que hoje habitam aquela região. Para tal identificação
deve-se realizar

uma pesquisa ordenada, que inclui o inventário detalhado com o


descritivo das características e as possibilidades para o
desenvolvimento de atividades turísticas [...] A identificação dos
atrativos culturais requer o conhecimento da história local, e pesquisas
que incluam o levantamento de informações que caracterizem o
destino (inventário), com foco nos aspectos ligados diretamente as
atividades culturais, podem ser uma boa fonte de conhecimento do
segmento” (BRASIL, 2010, p.54-55).
No caso da comunidade quilombola Lagoa da Emas, seguindo o modelo do
Projeto Inventário da Oferta Turística, publicado pelo MTur no ano de 2006, o
levantamento de dados – com observações, entrevistas, questionários e aplicação de
fichas – teria como objetivo precípuo conhecer e identificar os atrativos e as
potencialidades turísticas nela existentes. No referido modelo os atrativos culturais são
definidos como “Elementos da cultura que, ao serem utilizados para fins turísticos,
passam a atrair fluxos turísticos. São os bens e valores culturais de natureza material e
imaterial produzidos pelo homem e apropriados pelo turismo[...]” (BRASIL, 2006, P.
34).

Além disso, para que o turismo cultural funcione é necessário também criarem-
se redes de parcerias, envolvendo diversos “Profissionais como historiadores,
antropólogos, sociólogos, arqueólogos, museólogos, educadores, [que] juntamente com
os profissionais de turismo, podem realizar ações complementares em parcerias [...]”
(BRASIL, 2010, p. 57). Para a criação dessas redes junto à comunidade Lagoa das
Emas pode-se fazer uso das instituições universitárias e de pesquisa já existentes no
município, como a Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf),
Universidade Estadual do Piauí (UESPI), Instituto Federal do Piauí (IFPI). Na
promoção do turismo étnico na região, poderiam, dessa maneira, ser articuladas
diferentes áreas de conhecimento como a arqueologia, a antropologia, a história e a
geografia que, juntamente com profissionais da área do turismo, iriam construir um
olhar mais “holístico”. Tais ações incluem, além do inventário dos atrativos culturais, a
manutenção e a preservação dos bens culturais.

97
A participação da comunidade é de suma importância para o desenvolvimento da
atividade turística cultural, ou seja, os moradores devem participar ativamente da
atividade. “A experiência turística verdadeiramente cultural envolve a comunidade
como protagonista, compreende a dimensão da preservação e da interpretação de bens
culturais (patrimônio cultural), traduzindo seu sentido e valor para quem os visita”
(BRASIL, 201, p. 60). Sendo assim, o processo de turistificação da comunidade Lagoa
das Emas pressupõe a participação dos seus moradores que, a partir das memórias,
tradições culturais e saberes locais, constroem o sentido dos bens culturais a serem
apresentados como atrativos para os visitantes.

Para tanto, deverão ser criadas ações no campo da educação para o patrimônio
com vistas a fazer conhecer formas de se valorar as histórias, os conhecimentos e os
modos de vida da comunidade, fazendo-os se reconhecerem, inclusive, como sujeitos
portadores de direitos. Estas ações de educação patrimonial devem ser contínuas e visar
a provocação, no visitante, do sentido de valorização da cultural local, dadas as suas
especificidades. Neste trabalho de educação e interpretação patrimonial, deve-se

Oferecer aos moradores a possibilidade de (re)descobrir novas formas


de olhar e apreciar o lugar onde vivem. Se a comunidade conhece e
valoriza seu patrimônio, se orgulha do que é, ela se torna um elo
importante na interação com o visitante, contribuindo para sua
interpretação, para conduzir seu olhar e sensações sobre o lugar, bem
como para a sensibilização dos atores comerciais. O envolvimento da
comunidade é uma das premissas para o desenvolvimento sustentável
do Turismo Cultural (BRASIL, 2010, p. 61).
A memória e a identidade da comunidade são de suma importância para o
desenvolvimento do turismo cultural no local, pois, a partir do momento em que os
moradores reconhecem o valor patrimonial de suas memórias, de seus saberes e de seus
fazeres, passam a ter consciência também de sua potencial atratividade, favorecendo os
processos de sua reprodução sociocultural tendo como suporte econômico a sua
inserção no mercado turístico local.

O principal atrativo a ser conhecido, observado e vivenciado, são os


hábitos e práticas seculares desses grupos sociais. É conhecimento
tradicional que deve ser sistematizado e organizado para a informação
ao visitante. A atividade turística, para ser sustentável, deve envolver
direta ou indiretamente todos os moradores, ser inclusiva e geradora
de renda. As melhores experiências estimulam as famílias a receber
visitantes organizados em grupos, a preparar as refeições utilizando a
produção agrícola em base familiar, a desenvolver atividades
artesanais[...] (BRASIL, 2010, p.62).

98
Sendo assim a memória, a identidade, os saberes e os fazeres da comunidade são
os seus maiores atrativos turísticos, fazendo uso, por exemplo, do artesanato existente
na comunidade, de suas tradições e dos próprios processos tradicionais de produção,
como as técnicas de agricultura de subsistência. Vale destacar que este seria “um
momento de excelentes oportunidades para a valorização e preservação do legado
cultural das comunidades tradicionais e de grupos sociais que conseguiram, por força da
sua própria história, manter vivas expressões da identidade e da memória coletiva”
(BRASIL, 2010, p. 62).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Percebe-se que a localização da comunidade Lagoa das Emas, situada em um
lugar de apelo turístico histórico, favorece a sua inscrição no mercado turístico local no
segmento histórico-cultural ou étnico. A memória da comunidade, expressa em relatos
como o da Dona Maria Marques, constitui elemento básico para o trabalho de inventário
das atratividades culturais e étnico-raciais da comunidade que constituirá parte do
segundo maior território quilombola do Brasil.

Ao lado das narrativas arqueológicas que construíram o marketing turístico do


lugar como o “berço do homem americano”, há histórias paralelas que contam o
processo de colonização do Estado do Piauí, referenciando importantes capítulos do seu
passado. Com efeito, a ocupação do território, tanto por meio da criação das fazendas
que possuíam o criatório de gado como principal atividade econômica, quanto através
dos ajuntamentos rurais de comunidades negras, pode vir a constituir um roteiro
turístico importante a explorar não apenas a condição “pré-histórica” do seu passado,
mas também a história mais recente de produção dos limites territoriais do Estado do
Piauí, efetivamente ocupado pela empresa colonial apenas a partir de fins do século
XVII.

Este é um estudo preliminar sobre as potencialidades turísticas do território


Quilombola das Lagoas que enfatizou as narrativas de memória de seus habitantes,
sobretudo as falas de Dona Maria, em um trabalho que se aproxima da perspectiva da
história de vida. Nele pretende-se dar subsídios para desdobramentos investigativos em
torno do potencial atrativo do lugar ocupado pela comunidade como roteiro alternativo
ao da visitação ao Parque Nacional da Serra da Capivara, caracterizado como turismo
cultural, étnico ou ecoturismo.

99
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BATISTA, Cláudio Magalhães. Memória e Identidade: Aspectos relevantes para o


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2008. Rio de Janeiro. Disponível em:
<http://www.seer.unrio.br/index.php/intinerarium/article/download/137/108> Acesso
em: 01 mar. 2017.

100
CIDADES MINEIRAS, “CIDADES HISTÓRICAS”, CIDADES TURÍSTICAS:
PROCESSOS DE ATRIBUIÇÃO DE VALORES AOS CONJUNTOS
PATRIMONIALIZADOR (1923-1938)1

Leila Bianchi Aguiar2

RESUMO: O objetivo desse artigo é apresentar e discutir indícios sobre o processo de


consagração de algumas cidades mineiras, patrimonializadas entre os anos de 1938 e
1941, como “cidades históricas” e atrações turísticas. Tendo como marco inicial, a
criação da Sociedade Brasileira de Turismo em 1923 e, como final, a publicação de um
guia de autoria de Manuel Bandeira sobre a cidade de Ouro Preto, em 1938,
pretendemos investigar algumas das práticas que transformaram cidades como Ouro
Preto, Mariana, Tiradentes, São João Del Rey, Diamantina, Serro e Congonhas do
Campo em destinos turísticos.

PALAVRAS-CHAVE: Cidades históricas; Turismo; Patrimônio; IPHAN

ABSTRACT: The aim of this article is to discusss research possibilities about process
of consecration of some Minas Gerais cities as cultural heritage and tourist attractions.
Starting with the creation of the Brazilian Tourism Society, in 1923 and, as an end, the
publication of an author's guide by Manuel Bandeira about the city of Ouro Preto in
1938, we intend to investigate some of the practices that transformed cities like Ouro
Preto, Mariana, Tiradentes, São João Del Rey, Diamantina, Serro and Congonhas do
Campo in tourist destinations.

KEYWORDS: historic cities; tourism; heritage; Iphan

1
As reflexões aqui apresentadas são fruto de um projeto de um estágio pós-doutoral que está sendo
realizado no Programa de Pós-graduação em História da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)
sob a supervisão da profa dra. Silvana Rubino entre agosto de 2016 e julho de 2017.
2
Professora do Departamento de História, do Programa de Pós-graduação em História da Unirio e do
mestrado profissional em Ensino de História. Email: Leila.aguiar@unirio.br.

101
INTRODUÇÃO
Viagens realizadas por mineiros ilustres como a realizada por Alceu Amoroso
Lima, Afonso de Melo Franco e seu neto, o então jovem estudante Rodrigo Melo
Franco de Andrade às antigas cidades mineiras, em 1916, foram fundamentais para a
defesa da preservação dos monumentos em via de destruição. Em artigo publicado na
Revista do Brasil, “pelo passado nacional”, Alceu Amoroso Lima utilizaria pela
primeira vez a expressão “cidades mortas” para referir-se a algumas das antigas
cidades mineiras, “território heroico das Minas Gerais”. Inconformado com o estado de
abandono e destruição de antigas igrejas e casarões, o influente intelectual católico
afirmava a necessidade de salvar a moldura do nosso passado (Lima, 1916:2). Um ano
antes, Ricardo Severo, proprietário de um dos maiores escritórios de arquitetura de São
Paulo patrocinou viagens empreendidas por pintores e desenhistas como Felisberto
Ranzini e José Wasth Rodrigues a antigas cidades de São Paulo, Minas, Pernambuco e
Bahia a fim de documentar por meio de desenhos, aquarelas e fotografias referências
da arquitetura colonial brasileira que pudessem ser usadas em trabalhos posteriores.
(KESSEL 2002). Já Mário de Andrade, esteve em Ouro Preto pela primeira vez em
1919, e retornou às antigas cidades mineiras, em 1924, em viagem acompanhada do
poeta francês Blaise Cendrars, além de Oswald de Andrade, Gofredo da Silva Telles,
René Thiolier, Tarsila do Amaral e Olívia Guedes Penteado em viagem que se tornaria
conhecida como “caravana paulista”, apontada como divisor de águas para o
modernismo brasileiro e para a trajetória da preservação do patrimônio cultural no
Brasil. (Andrade, 1976; Amaral, 1997).
O interesse de mineiros ilustres e instituições como a Inspetoria dos
Monumentos e o Sphan pela preservação e divulgação do patrimônio cultural das
antigas cidades mineiras ocorre em meio a um processo de consolidação do setor
turístico no Brasil, motivo pelo qual fixamos, como marco inicial da pesquisa, o ano
1923, durante o qual foi criada a Sociedade Brasileira de Turismo.
ORGANIZAÇÃO DO SETOR TURÍSTICO
A Sociedade Brasileira de Turismo, posteriormente touring club do Brasil, que já
atuava na Europa desde fins do século XIX incentivando inicialmente o ciclismo e,
posteriormente o automobilismo, impulsionou atividades como a elaboração de roteiros,
na realização de viagens automobilísticas, a instalação de guichês de informações
turísticas em portos e demais atividades de promoção do turismo que, após o ano 1923,

102
serão gradativamente desenvolvidas no Brasil. O Rio de Janeiro, então capital federal,
foi aos poucos tornando-se um espaço privilegiado para a instalação de hotéis, abertura
de agências de viagens e a produção de guias de turismo (GUIMARÃES, 2012;
PERROTA, 2015; CASTRO, 2005)
A criação da Sociedade Brasileira de Turismo- a qual três anos depois associou-
se a agências internacionais e passou a se chamar Touring Clube do Brasil- em 1923,
pode ser compreendida como uma das primeiras tentativas de organização do setor
turístico no Brasil. À semelhança do que já ocorria na Europa, desde então, passou a
organizar excursões automobilísticas a regiões pouco conhecidas pelo país. O interesse
nessas viagens pelos jornais cresce na medida em que o assunto turismo ou “tourismo”
torna-se frequente nos periódicos da época.
Em termos legais, o Decreto-Lei número 406 de 1938, que dispunha sobre a
entrada de estrangeiros em território nacional, restringia a venda de passagens aéreas e
marítimas às agências autorizadas pelo Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio,
foi a primeira menção legal sobre a atividade turística no Brasil. Tal permissão também
deveria ser obtida pelas operadoras turísticas e estava sujeita à comprovação de um
capital mínimo. Com a criação do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), em
1939, a atribuição de regulamentação de tais agências, antes ligada ao Ministério do
Trabalho, Indústria e Comércio passou para esse novo Departamento, mais
especificamente, para uma divisão criada em seu interior que passou a ser denominada
de Divisão de Turismo (FERRAZ, 1992, p.32).
Paralelamente ao desenvolvimento de legislação e da criação de órgãos
responsáveis pela atividade turística no Brasil, destacamos outro importante marco para
a compreensão da história das atividades turísticas no Brasil, a regulamentação das
férias dos trabalhadores urbanos. O Decreto nº 23.103, de 19 de agosto de 1933
estabeleceu a concessão de férias aos trabalhadores urbanos filiados a sindicatos
oficiais, segundo o modelo de sindicalismo corporativo implantado nesse momento. Tal
decreto foi acompanhado por medidas de incentivo à atividade turística por parte de
algumas associações empresariais que passaram a oferecer a seus funcionários e
familiares a possibilidade de estadas a baixo custo em colônias de férias criadas em
alguns balneários brasileiros, com diárias que poderiam ainda ser financiadas e
descontadas em seus salários em um grande número de parcelas.

103
IMAGENS PERIÓDICAS

A constatação de que as cidades mineiras, patrimonializadas nos primeiros anos


de atuação do Sphan, foram classificadas e tornaram-se nacionalmente conhecidas como
“cidades históricas” direcionou nossa incursão aos periódicos de grande circulação
nacional, disponíveis na hemeroteca digital da Biblioteca Nacional. Em busca de
algumas pistas sobre a origem e disseminação de tal classificação, retornamos às
primeiras décadas do século XX quando tal aposto era raríssimas vezes utilizado para as
cidades aqui analisadas. Foi necessário desnaturalizar e investigar classificações, afinal,
sistemas de classificações, pensados na perspectiva de Bourdieu (1997) revelam
relações de força e podem ser pensados como formas de atribuição de valores e
sentidos.
Iniciamos nossa incursão aos periódicos de grande circulação nacional,
disponíveis na hemeroteca da Biblioteca Nacional, tendo como questão inicial a
investigação sobre os usos do termo “cidades históricas” no Brasil desde inícios do
século XX. O termo cidade ou cidades históricas possui poucas ocorrências para o
período compreendido entre as duas primeiras décadas do século XX. A maior parte das
notícias desse período referia-se a cidades europeias, aqui apresentadas como históricas
como Bruxelas, Toledo, Delft, Haya e Paris, com destaque para os danos causados
durante a primeira guerra e as posteriores ações de reconstrução e recuperação das
antigas cidades e construções destruídas ao longo dos anos de conflito.
Na década seguinte, torna-se mais recorrente a identificação de algumas cidades
brasileiras como cidades históricas. Chama atenção nesse período: um incentivo à
derrubada do morro do Castelo, tendo como exemplo o fato de que mesmo as cidades
históricas europeias também sofreram destruições. Nesse sentido, apesar do artigo
referir-se ao fato de que o Morro do Castelo foi um dos primeiros locais ocupados pelos
portugueses na cidade do Rio de Janeiro, afirma-se que isso não deveria ser suficiente
para impedir sua destruição.
Nos anos de 1920, o termo cidades históricas passa a se referir a cidades
brasileiras como Porto Feliz Cabo Frio, mas ainda são escassas as referências às
“cidades históricas” mineiras. As colunas de Turismo só se tornaram frequentes a partir
dos anos 30. O Jornal do Brasil foi um dos pioneiros nesse sentido e, em 1930, passou a
publicar semanalmente sua coluna Automobilismo – Aviação – Turismo, oferecendo ao
leitor informações sobre excursões automobilísticas organizadas pelo touring clube,

104
acidentes de automóveis, notícias sobre encontros e congressos de turismo, destinos de
viagens e reflexões sobre ações capazes de maximizar essa atividade no Brasil. Já o
Jornal O Imparcial, publicado no Rio de Janeiro desde 1912 foi um dos pioneiros a
dispor de uma coluna semanal sobre turismo a partir de 28 de maio de 1935. Por meio
da análise dos artigos sobre as cidades mineiras patrimonializadas a partir de 1938,
buscamos a construção de um quadro maior capaz de dar conta das representações e
atribuições de valor a esses espaços objetivados, contribuindo para a análise mais ampla
do desenvolvimento do turismo nas cidades históricas mineiras.

OS GUIAS DE VIAGEM: DIRECIONANDO O OLHAR PARA OS


PATRIMÔNIOS

Os roteiros ou guias de viagem impressos possuem uma longa história que


remonta a fins do século XVIII. Inicialmente, sob a forma de diários e obras
memorialísticas, tais obras passaram a direcionar de forma mais incisiva a percepção
dos viajantes com informações sobre os locais a serem visitados, opções de hospedagem
e outras sugestões que poderiam facilitar ou dirigir a jornada dos viajantes, após o
aumento da frequência nas viagens realizadas por europeus abastados a partir de meados
do século XIX.
Em conjunto com os próprios viajantes e os primeiros profissionais que,
posteriormente, receberiam a denominação de guias de turismo, os guias de turismo
formaram as primeiras instâncias consagradoras dos destinos turísticos, indicando o que
deveria ser apreciado nas cidades ou povoados de destino dos viajantes. Direcionavam
inicialmente as viagens, empreendidas pela elite europeia, mas a partir da expansão das
atividades turísticas com a expansão da rede ferroviária e das férias remuneradas, tais
guias passaram a criar e difundir roteiros que, ao longo de todo o século XX, orientaram
as viagens individuais e coletivas.
Escritos por autores românticos, com sugestões de roteiros culturais a serem
seguidos pela elite europeia, os guias de turismo assemelhavam-se às obras de caráter
médico, também publicadas na época, com aconselhamentos sobre viagens a ser
realizadas pelos enfermos com objetivos terapêuticos. Como consequência, observou-se
o aumento da frequência de viajantes que se hospedavam próximos a estâncias de águas
minerais e no alto das montanhas, apresentadas pelos discursos médicos e sanitaristas
como propícias ao tratamento de doenças que haviam se transformado em grandes
epidemias em fins do século XIX e princípios do século XX, sobretudo, a tuberculose.
105
Em sua obra sobre os guias do Rio de Janeiro, Isabela Perrota afirma que “o
turismo é fruto da modernidade e o Rio demorou a tornar-se uma cidade moderna”
(PERROTA, 2015:15). A inclusão dessa atividade na então capital federal e, no Brasil,
como um todo, foi consequência de uma série de transformações dais quais fazem parte
as obras de modernização da cidade, a organização do setor turístico, a regulamentação
das férias dos trabalhadores urbanos e a assimilação de comportamentos e hábitos
europeus.
Em fins do século XIX, surgiram os primeiros guias sobre cidades brasileiras,
tendo tido o Rio de Janeiro maior destaque nesse processo em contraste com as cidades
mineiras que ainda não haviam recebido destaque em publicações que poderíamos
classificar como guias até a década de 1930.
Para esse trabalho, destacamos o guia de Ouro Preto de autoria de Manuel
Bandeira, publicado em 1938 pelo SPHAN. Publicado pela primeira vez no ano de
1938, o Guia de Ouro Preto (BANDEIRA, 1967), tornou-se um guia de referência sobre
a cidade, vendido até hoje em alguns dos principais locais de visitação da cidade.
Assemelhava-se a um conjunto de guias escritos por importantes personalidades
brasileiras, tais como o guia sentimental de Recife e o guia sentimental de Olinda,
ambos de autoria de Gilberto Freyre e o guia sentimental da Bahia de autoria de Jorge
Amado. Conforme o próprio autor descreve, a maior parte das informações da obra
foram conseguidas por intermédio de Rodrigo Melo Franco de Andrade e outros
funcionários do Serviço.
Ouro Preto é descrita ao longo de toda a obra como “a cidade que não mudou”
e o principal motivo para isso seria a crise econômica em que teria mergulhado após a
decadência da atividade de mineração, por suas condições topográficas e pela mudança
da capital em fins do século XIX para Belo Horizonte.

Não se pode dizer de Ouro Preto que seja uma cidade morta. Morta é
São João del Rei. Ouro Preto é a cidade que não mudou, e nisso reside
o seu incomparável encanto. Passada a época ardente da mineração(em
que foi, de resto, um arraial de aventureiros, a sua idade mais bela
como fenômeno de vida), e a salvo do progresso demudador, pelas
condições ingratas da situação topográfica, Ouro Preto conservou-se
tal qual, em virtude mesmo da sua pobreza, aquela pobreza que já por
volta de 1809, segundo Mawe, fazia trocarem-lhe por escárnio em Vila
Pobre o nome de sua fundação em 1711, que era o de Vila Rica de
Albuquerque.(BANDEIRA, M., 1967, p.41)

106
O passado descrito é romantizado, uma vez que as histórias sobre a cidade são
recheadas de casos de amor e atos de heroísmo. Além disso, as grandiosas construções
preservadas são tomadas como exemplo das moradias dos séculos XVIII. Tal visão
permanece muitas décadas após a publicação desse guia, em parte, porque muitas das
casas mais simples desse mesmo período não foram objetos de preservação para os
institutos preservacionistas brasileiros, até meados da década de 70 do século XX, e o
conjunto urbano é formado especialmente por grandes residências.

CONHECER PARA PRESERVAR: AS POLÍTICAS DE PATRIMÔNIO E AS


CIDADES MINEIRAS

O primeiro Congresso do Instituto Pan-Americano de Geografia e História,


criado em 1928, na Cidade do México, foi promovido na cidade do Rio de Janeiro
entre 26 de dezembro de 1932 e 01 de janeiro de 1933. Uma das atividades do
encontro foi a realização de uma excursão de seus participantes a Ouro Preto, que teve
como consequência imediata a solicitação dos representantes das nações americanas ao
governo brasileiro, a transformação dessa cidade em Monumento Nacional. (GUEDES,
2012). Em função de seu ineditismo, a concessão desse título pode ser considerada um
marco na trajetória das políticas de preservação do patrimônio no Brasil. Com a
criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), em 1937,
além das ações de tombamento e proteção do patrimônio cultural brasileiro, houve um
grande esforço na promoção e na divulgação dos bens preservados. Para grande parte
dos intelectuais do SPHAN não bastava apenas proteger esses importantes símbolos da
nacionalidade e da cultura brasileira, era necessário, além disso, promover sua proteção
e divulgação, ampliando a visitação aos conjuntos urbanos preservados e às
instituições culturais de memória.
Como consequência desse projeto, desde fins da década de 1930, o SPHAN
apoiou sistematicamente a construção de hotéis, a abertura de museus e instituições do
gênero3 nos sítios urbanos patrimonializados. Mesmo em um período no qual o mercado
turístico brasileiro ainda carecia de uma maior organização, as políticas de divulgação
do patrimônio cultural brasileiro, elaboradas e executadas pelo SPHAN, incluíam
necessariamente o apoio ao desenvolvimento do turismo nos espaços preservados como

3
Dentre os novos museus criados, durante os governos de Getúlio Vargas, podemos citar o Museu da
Inconfidência em Ouro Preto, em 1938; o Museu das Missões em Santo Ângelo em 1940; o Museu do
Ouro em Sabará em 1945 e o Museu do Diamante em Diamantina em 1954.

107
forma de promovê-los e dar ainda mais legitimidade à atuação do Serviço. Conforme
citamos anteriormente, um passo decisivo nesse sentido seria a encomenda feita por
Rodrigo Mello Franco de Andrade a Manuel Bandeira de um guia sobre a cidade de
Ouro Preto.
Márcia Chuva chama ressalta o papel das viagens nas instituições de
patrimônio como parte das rotinas de trabalho e “etapa organizadora e estruturante das
visões sobre o patrimônio” e para o processo de musealização de objetos encontrados,
que acompanhou frequentemente essa prática (CHUVA, 2016:31).
Após a criação do SPHAN, em 1938, sucessivas obras de restauração dos bens
imóveis dessa cidade foram executadas por esse Serviço que, além de conservar - ou em
alguns casos criar - a unidade estilística colonial de suas construções, buscava ainda
projetá-la nacionalmente. Além de salvar da destruição e restaurar grande parte do
casario urbano da cidade, o SPHAN procurou ainda criar condições para a divulgação
do patrimônio histórico e artístico de Ouro Preto, incentivando dessa forma, o
crescimento do turismo na cidade. Como parte dessas medidas, podemos citar a criação
do Museu da Inconfidência, em 1938 (BRASIL, 1938), que no ano de 1942, recebeu os
restos mortais dos inconfidentes após estes terem sido repatriados segundo a iniciativa
de Getulio Vargas (OFICINA, p.130).
Cabe destacar o envolvimento de “intelectuais do Serviço” na construção de um
hotel em Ouro Preto, capaz de incentivar o turismo na região. A discussão sobre a
construção de um hotel em na cidade, que se intensificou a partir de 1939 está
diretamente ligada à necessidade da cidade abrigar uma melhor infra-estrutura turística.
Nesse ano, identificamos a existência de apenas dois hotéis e três pensões na cidade que
juntos possuíam 82 quartos, conforme indicam o os dados da arrecadação municipal.
Segundo Lúcio Costa (MOTTA, 1987, p.110), a construção de um “hotel moderno”
tornaria ainda mais viva a “sensação de passado” vivenciada por seus visitantes. Esses
não deveriam também ser enganados com uma “imitação perfeita”, referindo-se aqui ao
projeto de hotel neocolonial de autoria de Carlos Leão, que deixou de ser realizado em
detrimento do projeto de Oscar Niemeyer (CARTA, 1939). O olhar do turista já era
uma preocupação crescente entre os gestores do patrimônio, atentos também em
oferecer acomodações aos novos visitantes que viriam à cidade em uma tentativa de
vivenciar o passado. Conforme podemos detectar em correspondências do SPHAN, o
envolvimento desse Serviço com este hotel não ficou restrito a sua construção. Uma
década após sua construção, o então administrador desse hotel pedia a Sylvio de

108
Vasconcellos, então Chefe do 3o. Distrito do SPHAN, uma "costumeira interferência
junto às autoridades competentes para obtermos o abastecimento de água, sem a qual
seremos forçados a fechar o hotel por não termos outro meio de atender aos serviços
principais"(TELEGRAMA, 1948)4.
Mesmo em um período no qual o mercado turístico brasileiro ainda carecia de
maior organização, as políticas de divulgação do patrimônio cultural brasileiro,
elaboradas e executadas pelo SPHAN, incluíam necessariamente o apoio ao
desenvolvimento do turismo nos espaços preservados como forma de promovê-los e
conferir legitimidade à atuação do Serviço. Bens culturais possuem uma economia
específica que escapa do economicismo, mas é possível afirmar que o capital
simbólico das antigas cidades mineiras foi se constituindo ao longo do período
estudado por meio de algumas das ações aqui identificadas. Tal processo ocorre
concomitantemente à organização do setor turístico no Brasil na década de 20 e ganha
corpo com os tombamentos, com as viagens dos intelectuais católicos, modernistas,
neocoloniais e mineiros ilustres noticiadas nos jornais e com as ações de hoteleiros e
agências de viagens que passam a incluir as antigas cidades mineiras como destinos
turísticos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A hipótese mais ampla é que os materiais aqui analisados contribuíram


decisivamente para a transformação das cidades em “históricas” e atrativos turísticos.
Conforme Pierre Bourdieu, analisa, em obras como a Distinção (BOURDIEU, 2008), a
ideia de um olhar puro, capaz de identificar propriedades estéticas inerentes a um bem
cultural ou até mesmo em cidades e seus conjuntos urbanos, é uma “invenção histórica”.
Bens culturais possuem uma economia específica que escapa do economicismo, mas é
possível afirmar que o capital simbólico das antigas cidades mineiras foi se constituindo
ao longo do período estudado como resultado de algumas das ações aqui identificadas.
Tal processo ocorre concomitantemente à organização do setor turístico no Brasil na
década de 20 e ganha corpo com os tombamentos, realizados entre 1938 e 1941.
Indícios sobre as transformações nas viagens e no turismo realizado nas cidades
patrimonializadas em um momento em que essa atividade organizava-se no território
nacional e, durante o qual, cidades como Ouro Preto, Mariana, Tiradentes, São João Del

4
TELEGRAMA de Manuel Rias (administrador do Grande Hotel) a Sylvio de Vasconcelos. Nov,1948.
Arquivo da 13a. Subregional do IPHAN.

109
Rey, Diamantina, Serro e Congonhas do Campo serão consagradas como destinos
turísticos nacionais e internacionais.
Maccanell (1984) acredita que todos os turistas buscam uma autenticidade que
parece poder ser encontrada em diferentes épocas ou lugares, diferentes daquele em que
se vive. Se pensarmos nos sítios históricos como um desses lugares especiais de busca
de um passado mítico nacional, poderemos compreender parcialmente o interesse
despertado por estes, principalmente quando passam a ser legitimados como
‘patrimônios históricos e artístico nacionais”. Ocorre nestes lugares um processo de
sacralização, onde se apresentam “objetos únicos” que merecem ser visitados para a
aquisição de status, já que nas sociedades contemporâneas, cada vez mais, o ato de
viajar e conhecer determinadas localidades passou a significar um “capital simbólico5”.
A ampliação da esfera de atuação das práticas preservacionistas e a transformação
e o aumento do chamado turismo cultural definiram uma nova dimensão para a
construção da memória nacional nos sítios urbanos ou cidades históricas. O crescente
número de visitantes, inclusive estudantes em excursões de caráter educativo, atraídos
pela estética dos sítios urbanos e pelas incessantes propagandas, financiadas por todos
os agentes que lucram com o aumento do turismo, tornam relevante o estudo das
diferentes visões sobre a História nacional, que podem ser apreendidas dos objetos
materiais expostos e também através das formas, segundo as quais, tais objetos foram
ou são apresentados.

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5
Definido por Pierre Bourdieu como “uma propriedade qualquer percebida pelos agentes sociais cujas
categorias de percepção são tais que eles podem entendê-las e reconhecê-las atribuindo-lhes valor” Cf.
BOURDIEU (1997, 107).

110
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112
NOS VAGÕES DE NOSSAS LEMBRANÇAS: A ESTAÇÃO FERROVIÁRIA DE
SOBRAL E OS ENTRAVES PARA O DESENVOLVIMENTO DO TURISMO
CULTURAL NA CIDADE DE CAMOCIM, CEARÁ, BRASIL.

Maria Beatriz Silva dos Santos1


Patrícia de Sousa Ferreira2
Amanda Maria dos Santos Silva3

RESUMO: O presente artigo tem como objetivo reconhecer qual a relação que a
população da cidade de Camocim- Ceará mantém com seu patrimônio histórico e como
essa relação reflete no desenvolvimento do Turismo Cultural da região. Para tanto, foi
realizada pesquisa bibliográfica e de campo com a aplicação de 74 questionários e 4
entrevistas. Foi utilizado como objeto de estudo o prédio da antiga estação ferroviária de
Sobral, escolhido por representar importância histórica já que a ferrovia foi um fator
determinante de avanço econômico para a cidade de Camocim. Através da análise dos
dados coletados, foi possível apreender que boa parte da população da cidade, apesar de
apresentar a estação como um espaço importante para o desenvolvimento
socioeconômico da cidade, mantém uma relação distanciada com o espaço sem dar a
devida importância

PALAVRAS-CHAVE: Estação Ferroviária de Sobral, Patrimônio Histórico, Turismo


Cultural, Camocim.

ABSTRACT: The article aims at acknowledging what relationship the population of


Camocim-CE maintains with its historical patrimony and how this relation reflects in
the cultural tourism development in this region. It was used as object of study the
building of the old train station of Sobral, a building that represents a historical
importance, since railway was a determining factor of economic advance for Camocim
city. Through the analysis of the collected data, it was possible to detect that a good part
of the city population, although presenting train station as a relevant space for city
socio-economic development, keeps a distant relation with the place without giving the
due importance.

KEYWORDS: Railway Station of Sobral, Historical Patrimony, Cultural Tourism,


Camocim.

1
Acadêmica do curso de Bacharelado em Turismo da Universidade Federal do Piauí. Email:
beatrizftn@gmai.com
2
Acadêmica do curso de Bacharelado em Turismo da Universidade Federal do Piauí. Email:
patricia.sousa789@gmail.com
3
Professora Auxiliar do curso de Bacharelado em Turismo da Universidade Federal do Piauí. Email:
amssphb@gmail.com

113
INTRODUÇÃO

É possível entender patrimônio como todos os bens, materiais e imateriais, que


tenham reconhecidos interesses (cultural, histórico, ambiental, etc.) que uma pessoa ou
um povo consegue acumular podendo ser naturais ou construídos. Para Choay (2006)
ele seria, portanto, considerado a herança partilhada entre todos os cidadãos de uma
comunidade. Esta noção de patrimônio provém das relações familiares, das heranças
deixadas, geralmente pelo patriarca.
Os patrimônios são pertencentes à comunidade que os instituiu. Dessa forma,
não se pode imaginar na segurança dos bens culturais se não pensar primeiro no
interesse da devida comunidade. Para garantir esse poder, a comunidade deve obter o
conhecimento sobre o seu patrimônio e dos meios de promover a sua preservação.
Para auxiliar na manutenção da memória, são erigidos monumentos que,
etimologicamente analisados, significam, justamente, relembrar, memorizar (CHOAY,
2006). Segundo RIEGL (1999) o monumento é uma criação deliberada cuja destinação
foi pensada a priori, de forma imediata, enquanto o monumento histórico não é, desde o
princípio, desejado e criado como tal, ele é constituído a posteriori pelo olhar
convergente do historiador e do historiador da arte. Qualquer objeto do passado pode
ser convertido em monumento histórico.
A ideia de monumento histórico associada à ideia de patrimônio histórico
motiva de forma lógica, a conservação do mesmo. A partir da percepção do conceito de
patrimônio entrelaçado com a de monumento, torna-se possível observar o significado
deles para uma comunidade. Kanitz e Serejo (2014, p.42) apontam que “estes
monumentos possuem seu significado alterado quando tratados de forma que sirvam
para rememorar algum feito considerado importante para a sua comunidade e que
também adquiram significado histórico”.
Partindo desse entendimento, este artigo tem como objetivo levantar a
percepção da população de Camocim acerca de seu patrimônio, nesse caso específico, a
Estação Ferroviária Sobral, espaço que possui forte influência na história da cidade.
Para viabilizar esta investigação foi utilizada pesquisa bibliográfica, documental e de
campo. A história oral foi utilizada para trazer à tona as experiências vividas pelos
sujeitos dessa investigação.

114
Pollak (1989, p. 4) ao discorrer sobre a narrativa dos excluídos, dos
marginalizados e das minorias afirma que a “História Oral ressaltou a importância de
memórias subterrâneas, que como parte integrante das culturas minoritárias e
dominadas se opõe à memória oficial”.
Queiroz (1991, p. 21), ao tratar das relações do indivíduo com o coletivo na
História Oral, relata que a individualidade de uma pessoa é excedida por inúmeras
“influências que nelas se cruzam e às quais não pode, por nenhum meio escapar, de
ações que sobre elas se exercem e que lhe são inteiramente exteriores”. A autora ainda
enfatiza que a metodologia da História Oral capta o que sucede na encruzilhada da vida
individual com o social.
Foram realizadas entrevistas com moradores da cidade pelas quais foi possível
perceber a relação com a ferrovia, também foram aplicados questionários, onde 41,90%
dos entrevistados são pessoas que trabalham no prédio da antiga estação, e 58,10%
foram aplicados via internet, através da plataforma google forms.
O artigo apresenta a seguir, uma apresentação do histórico da Estação
Ferroviária de Sobral, a relação deste espaço com o Turismo Cultural e a concepção da
população da cidade de Camocim- Ceará acerca da Estação Ferroviária de Sobral.

A ESTAÇÃO FERROVIÁRIA DE SOBRAL E O TURISMO CULTURAL

É possível observar dois conjuntos de definições sobre turismo cultural. O


primeiro define turismo cultural a partir da demanda (motivos, percepções e
experiências de viagem), enquanto o segundo foca aspectos da oferta (consumo de
atrações previamente classificadas como culturais).
A Organização Mundial de Turismo (OMT) define o Turismo Cultural como
“[...] o movimento de pessoas, devido essencialmente a motivos culturais como:
viagens de estudo, viagens a festivais ou outros eventos artísticos, visitas a sítios e
monumentos, viagens para estudar a natureza, a arte, o folclore e as peregrinações. ”
Em 1976, O ICOMOS – Conselho Internacional de Monumentos e Sítios, na
Carta de Turismo Cultural, definiu Turismo Cultural como “[...] aquela forma de
turismo que tem por objetivo, entre outros fins, o conhecimento de monumentos e sítios
histórico-culturais. ”
No Brasil, a Embratur definiu o segmento, em 1992, denominando-o de turismo
histórico-cultural, como “[...] aquele que se pratica para satisfazer o desejo de emoções

115
artísticas e informação cultural, visando à visitação à monumentos históricos, obras de
arte, relíquias, antiguidades, concertos, musicais, museus, pinacotecas. ”
Para a presente investigação, utiliza-se como referencial a definição do
Ministério do Turismo que caracteriza o Turismo Cultural (2006, p.15) como “as
atividades turísticas relacionadas à vivência do conjunto de elementos significativos do
patrimônio histórico e cultural e dos eventos culturais, valorizando e promovendo os
bens materiais e imateriais da cultura. ”
Faz-se necessário para fins de compreensão da pesquisa, apresentar o conceito
de Cultura. Para Bennett (1995), o termo cultura pode ser usado para indicar um
produto ou processo. No primeiro caso, cultura significa o resultado das atividades
artísticas e culturais, enquanto produtos tangíveis ou não. Assim, a cultura consiste em
edifícios, músicas, danças, pinturas, festivais, entre outros. No segundo caso, a cultura
admite um caráter antropológico, fazendo referência ao modo de vida de uma
determinada população. Neste sentido, pode-se dizer que existem culturas diversas
dentro de um mesmo território.
Partindo dessa definição, torna-se interessante compreender o envolvimento e o
reconhecimento das comunidades com os lugares de memória que constituem os
espaços bem como a sua valorização. Uma das alternativas para a valorização do
patrimônio cultural é o seu reconhecimento por parte de comunidades e visitantes. O
reconhecimento de valores, importância e significados passa, necessariamente, por um
processo educativo, de caráter continuado e permanente. Assim, apresentar o processo
de constituição da cidade de Camocim e a influência da Estação Ferroviária no contexto
local é imprescindível.
A história da cidade de Camocim pode ser dividida em duas partes, antes e
depois da estrada de ferro. Quando se fala da estação ferroviária em Camocim se fala
também do início da cidade, pois o seu desenvolvimento se deu através da construção
do prédio onde funcionava a mesma. A sua construção foi resolvida de 1878 na época
em que Camocim ainda era distrito de Granja-Ceará, por ocasião da grande seca
conhecida como a “Seca dos 3 setes” que foi durante o período de 1877 a 1879.
Santos (2016), foi um dos sujeitos da pesquisa, professor e estudioso da temática
de Camocim, ele afirma que no Nordeste, meio milhão de pessoas morreram de fome e
os socorros enviados pelo governo imperial, devido à insuficiência de estradas com
infraestrutura para o carregamento de alimentos, não chegavam com regularidades aos
lugares mais carentes do interior da província. Por conta disso a economia do Ceará

116
estava completamente assolada e a população sofria a cada dia com a angustiada fome.
Diante da situação que o estado se encontrava, o Conselho de Estado sob a presidência
de João Lins Vieira, resolve pedir a sua Majestade, o imperador D. Pedro II, imediato
socorro relatando toda situação de fome e necessidade que o povo enfrentava.
Por estar situada no extremo norte do Ceará, com uma faixa costeira banhada
pelo oceano atlântico, Camocim era caminho natural e ponto de concentração das
embarcações da quadra de conquista e posse definitiva do território cearense. Vez por
outra, Camocim aportava embarcações de vários tipos e tamanhos com destinos já
traçados. Portanto, pela sua posição estratégica, e ser portal de entrada e saída de
mercadorias de toda região, foi decretada a construção de uma via férrea do porto de
Camocim à princesa do Norte que era a cidade de Sobral, pelo decreto n° 6.918, de 1°
de junho de 1878 com o objetivo de salvar o povo faminto e possibilitar trabalho a
milhares de pessoas.
Camocim poderia ter perdido para a região de Acaraú, entretanto como já
mencionado, Camocim tinha uma ótima localização e possibilitaria a ligação da região
norte com a litorânea, trazendo benefícios à produção de Sobral que estava florescendo,
principalmente na produção de algodão. Portanto o porto de Camocim seria o
escoamento, havendo assim uma troca comercial vasta.
Para a construção da estrada de ferro foi contratado pela extinta Companhia
Cearense de Via Férrea de Baturité, o Dr. José Privat, natural do Rio de Janeiro,
engenheiro reconhecido por construir estradas de ferro pelo Brasil, vendo que Camocim
era um vilarejo de pescadores, Engenheiro Privat além do desenho da estação, também
projetou todo o centro de Camocim, assim nascendo uma cidade a partir desse centro de
uma forma organizada.
A igreja matriz, também teve a planta e direção do Engenheiro José Privat. Por
último, fez o projeto da sua própria casa, um prédio que fica atrás da estação com
estrutura inglesa. Na época tinha uma visão para estação, para as oficinas onde eram
concertados os trens e uma rua para acesso. Hoje em dia o prédio é utilizado como sede
da ACCAL- Academia Camocinense de Artes e letras – é uma associação
privada de Camocim – CE, fundada em 06 de julho de 2001 onde seu objetivo principal
é realizar atividades de associações em defesa de direitos sociais.
Chegaram a Camocim, imigrantes vindos principalmente de Mombaça, de modo
que, no final do século XIX, a população da cidade chegava aos 5 mil habitantes. Nesta
época, a localidade foi elevada à categoria de Vila, por força da Lei Nº. 1849 de 29 de

117
setembro de 1879, sendo desmembrado do município de Granja. Nesse momento da
construção, Camocim sede do porto, tornava-se destino de muitos migrantes tangidos
pela seca em busca de sobrevivência garantida por melhores ares, da possibilidade de
trabalho também nos trapiches, nas salinas e na pesca.
Concluídas as obras da Estrada de Ferro (Camocim/Sobral) em 31 de dezembro
de 1882 com 128,9 Km. Camocim inicia uma nova fase de desenvolvimento
econômico, social e cultural. Na medida em que a estrada de ferro é inaugurada, o porto
de Camocim também começou a se desenvolver. Sem dúvida, o porto juntamente com a
ferrovia foi um fator determinante de avanço econômico para Camocim, já que havia
uma grande arrecadação de impostos. De acordo com a SUDEC (Superintendência do
Desenvolvimento do Estado do Ceará) o porto de Camocim chegou a ter mais
arrecadação de impostos do que o próprio porto de Fortaleza. Esse momento ocorreu
num período em que a junção porto/ferrovia e sua atividade atraíam colonos,
investimentos, e um relevante trânsito de pessoas e mercadorias.
Oliveira (1994) relata em seu livro A Estrada de Ferro de Sobral, que quando o
trem se aproximava da Estação Ferroviária, alguns populares correram daquele
"monstro" de ferro que soltava fumaça pelas narinas. Outros mais valentes enfrentaram
o bicho mecânico jogando paus e pedras que restaram da construção da estação. Com o
tempo todos se acostumaram com as velhas Marias Fumaças.

Figura 1: Estação da estrada de ferro de Sobral em Camocim


Fonte: Estações Ferroviárias do Brasil

118
Bosi (1994, p.55) nos alerta para o fato de que “na maior parte das vezes,
lembrar não é reviver, mas, refazer, reconstruir com imagens e ideias de hoje as
experiências do passado”, dessa forma recordar as histórias, o que se foi vivido naquela
época também é reconstruir. As narrativas da Sra. Francisca Barbosa da Silva são
esclarecedoras quanto essa vivência da população naquela época.

Por volta das 16:30, as pessoas ouviam o apito de longe, juntavam-se


nas plataformas e esperavam a chegada da Maria Fumaça na estação.
Outras pessoas que não iam para a estação, ficavam nas proximidades
da linha para ver o trem passar. Passageiros jogavam retalhos de
tecido vermelho e quem estava observando corria para junta-los
(SILVA, 2016).

O lazer e a descontração da época giravam em torno de uma praça, que era a


grande atração da cidade e ficava localizada a esquerda da estação em frente aos
armazéns que hoje estão desativados no cais, e era um espaço destinado para encontros
e passeios de fim de tarde. Existia uma fonte luminosa que era um atrativo para a
população. Segundo o comentário de Inácio Santos (Colaborador do Jornal in Literário)
havia uma espécie de jardim, com pedras, plantas, etc. Na parte aquática nadavam:
peixes de variadas espécies, 02 peixes-boi, aruanãs, tartarugas, cágados, vários tipos de
marrecos e patos, além de 05 majestosos cisnes. Enquanto na ilha roda central, ficavam
animais de hábitos terrestres, como: garças, seriemas, preás, coelhos, capivaras até um
filhote de jacaré”.

Em frente à estação havia uma pracinha onde tinha uma linda fonte
luminosa com um tanque com peixes, e até marreca e uma radiadora.
À noitinha os jovens saiam de suas casas e iam para a praça, enquanto
as moças ficavam rodeando a praça, os rapazes ficavam sentados com
um cipó na mão. Nas radiadoras tocavam músicas, e Gerardo Brito o
locutor, recitava os poemas pedidos e dedicados a seus amores
(SILVA, 2016).

A Sra. Enedina Barbosa, em entrevista apresenta suas memórias sobre o trem,


seu funcionamento e como as pessoas se comportavam e usufruíam do mesmo.

Existia o chefe de trem que dirigia o mesmo e os guardas freios, que


andavam em cima de carros pulando de um para outro. Hoje em dia os
transportes são movidos a óleo, antigamente o trem era movido a
lenhas. Para isso era necessário um carro para levar os dormentes
(como era chamada a madeira utilizada). Existia também o foguista
que era o responsável para colocar a lenha na boca da fornalha do

119
trem. O foguista jogava lenha para a população, os meninos corriam e
apanhavam, lascava-a no meio para cozinhar os seus alimentos
(BARBOSA,2016).

Tinha horários certos dos passageiros, ás 4 pra 5 horas da madrugada


eles saiam daqui de Camocim para sobral. Nas paradas era vendida
nas janelas, água, peixe assado, tapioca e cuscuz. A viagem era longa
e cansativa, mas era o único meio de transporte. Sou da época em que
Camocim tinha trapiche e recebia grandes e bonitos navios, uma linha
dava acesso para receber direto as mercadorias que eram
desembarcadas (BARBOSA, 2016).

Antigamente tudo era mais difícil, em compensação o mundo era


melhor do que agora, os melhores tempos de Camocim foram quando
o trem funcionava, as pessoas eram felizes naquela época, até que o
trem foi embora e nunca mais voltou (BARBOSA, 2016).

As memórias dos Camocineses são marcadas pela saudade, revolta e uma forma
própria e particular de sentir a desativação da estrada de ferro de Sobral.

De fins de outubro de 1949 a janeiro de 1950, a cidade de Camocim


viveu em constante estado de alerta. Estava em jogo o emprego direto
de quase trezentos ferroviários que viviam a iminência de serem
transferidos para Sobral ou Fortaleza. Foi até instalada “uma sirene de
alarme que indica, por meio de seus apitos, qualquer tentativa de
desmontagem ou retirada das máquinas. Graças a esta sirene o povo
tem evitado que as oficinas sejam transferidas (Jornal “O Democrata”
Ano III, Nº. 915, 21 de novembro de 1949, Fortaleza-CE, p.1.)

Pode-se perceber que a decisão de transferência das oficinas de manutenção e de


operários da Estrada de Ferro, como um começo de uma disputa para tentar
desestabilizar uma ligação ferroviária em proveito dos chamados “tubarões”, que eram
empresários radicais do estado e que lucrariam bem mais com um maior volume de
cargas no porto de Fortaleza do que no porto de Camocim.
A obra Cidade Vermelha - a militância comunista nos espaços de trabalho 1927-
1970 de Carlos Augusto Pereira dos Santos (1998), aponta que entre novembro de 1949
e janeiro de 1950 a população de Camocim viveu um fato inusitado em sua história -
uma greve de ferroviários com reflexos na população e outros setores da cidade que
protestavam contra a saída dos trens e das oficinas de manutenção da cidade para outros
locais. Como grande fonte empregadora de mão-de-obra, a ferrovia chegou a ter cerca
de 800 funcionários no seu quadro distribuídos nas várias seções.
A transferência de funcionários para outras cidades, o sucateamento do material
rodante que não tinha reposição, acendeu o sinal de alerta entre os ferroviários que

120
viram neste conjunto de fatores uma forma de pouco a pouco ir desestabilizando o ramal
ferroviário Camocim-Sobral, o que aconteceria realmente em 1977. No entanto, os
trabalhadores reagiram e escreveram uma página de resistência de seus postos de
trabalho, como mostra a documentação da época.

Os telegramas trocados entre a Associação Commercial, que se achava


em sessão permanente, e a direção da Rede de Viação Cearense eram
analisados pelo povo, que insistentemente ficava de prontidão em seus
arredores. Neles, algumas passagens mostram o caráter resoluto da
população na defesa da manutenção das oficinas e funcionários em
Camocim:
“A cidade, não obstante não haver-se registrado nenhum incidente,
ainda permanece sob intensa exaltação. A massa popular continua
vibrante e entusiasmada, com o propósito de obter o cancelamento da
ordem de saída de qualquer operário. Acredito que somente a vinda do
ministro da Viação conseguirá normalizar a situação... Saudações.”
Capitão Assis Pereira Delegado Especial.
“Em resposta ao seu radiograma, informamos que estamos
empregando todos os esforços no sentido de que a tranquilidade volte
a reinar em nossa terra. O povo, entretanto, continua intransigente,
com o objetivo de conseguir um pronunciamento definitivo do sr.
Ministro da Viação sobre a permanência das oficinas da Estrada de
Ferro, (...) Toda a população, sem distinção de classe ou de credos,
percorre as rua da cidade, numa demonstração evidente de que
pretende fazer valer os seus direitos. Logo mais, daremos melhores
informações sobre os resultados que estamos
empregando. Abraços.”
Murilo Aguiar e Alfredo Coelho.
“Continuamos a empregar grandes esforços no sentido de conseguir
que o povo aceite a solução contida no telegrama do Dr. Hugo
Rocha”. Entretanto, consideramo-nos impotentes, dada a exaltação do
povo. Abraços.
Murilo Aguiar, Alfredo Coelho e José Coelho (Telegramas publicados
em Janeiro de 1950 no Jornal “O Povo”, Fortaleza-
CE. Apud OLIVEIRA, André Frota de. Op. cit., p.105-6).

Santos (1998) descreve que as autoridades comparecem a Camocim,


(Governador do Estado e representante do Ministro da Viação) negociam com a
população em praça pública, atendem a algumas reivindicações, prometem solucionar
outras e o povo sai do movimento com a sensação de vitória. Isso é muito evidenciado
pelo jornal “O Democrata”, mostrando a cidade como exemplo de resistência, coragem
e combatividade de sua população.
Contudo, ocorreu o desmonte progressivo das atividades do Porto e da Ferrovia.
A ferrovia por motivos políticos, pouco a pouco transfere seus funcionários e culmina
em 1977 com o fechamento do ramal ferroviário Camocim - Sobral. O porto padeceria

121
do constante assoreamento do Rio Coreaú, dificultando o acesso das embarcações e sua
drenagem cada vez mais protelada.
A saída da estrada de ferro teve um sentindo fúnebre. Muitas famílias tiveram
seus parentes desempregados e outros foram transferidos pra região de Baturité,
Fortaleza ou Sobral. Tiveram sucessões de motivações para o fim da estrada de ferro,
como fraudes, corrupções e planejamentos.
Tive o prazer de conhecer o último maquinista, ele fez a última
viagem em 1977, Ele relatou que em cada estação que passava desde
Granja, Martinópoles, Uruoca e outras, as pessoas estavam com lenços
pretos na mão e chorando vendo o trem fazer a sua última viagem para
nunca mais voltar (JOSÉ, Paulo. 2017).

Com a confirmação do fechamento da ferrovia o padre da época, Monsenhor


Expedito celebrou uma missa fúnebre ao trem, onde no final da mesma pediu que
tocassem o sinal 33 vezes, fazendo referência à idade de Cristo. As oficinas já não
cumpriam seu papel, os galpões foram depredados pela própria população e por
vândalos, a estação se tornou um abrigo para a prostituição. Políticos aproveitavam a
oportunidade e ganhavam votos prometendo a volta dos trens e dos anos dourados.

Outrora, o reino do trem de ferro, no norte do Ceará, tinha o seu trono


na cidade de Camocim, à beira-mar. Naquela idade de ouro, a
locomotiva e o navio, quais dois cisnes, viviam a nadar felizes, um ao
lado do outro. O navio, no espelho azul das águas daquele mar fluvial,
e a locomotiva, na lâmina dos trilhos da Rede Ferroviária Federal. [...]
Camocim vive curtindo a sede do que já foi, e já perdeu a esperança
de voltar a ser de novo aquela mesma cidade que foi ontem com o
trem dentro de casa, com aquela estação movimentada regorgitando de
gente à espera e à saída dos trens. A ferrovia dinamizava a região
inteira, da praia até o sertão. (XIMENES, 1984, s/p)

Ao final dos anos 1980, a estação é recuperada e tombada pelo patrimônio do


Estado, em 1992 o governo autorizou a reforma no prédio. Transformou-se em casa de
cultura, e posteriormente em campus avançado da UVA (Universidade Vale do Acaraú).
Com a prefeitura em reforma, o prédio da estação já foi sua sede por quase cinco anos.
Atualmente, o prédio é ocupado por dois órgãos públicos a exemplo da secretaria de
educação do município, seu galpão está ocupado por boxes de instituições federais, a
saber: o INSS e a Receita Federal por mais de quatro anos.

122
A CONCEPÇÃO DA POPULAÇÃO DA CIDADE DE CAMOCIM- CE ACERCA
DA ESTAÇÃO FERROVIÁRIA DE SOBRAL

O objetivo principal da pesquisa de campo foi averiguar a concepção dos


habitantes da cidade de Camocim a respeito da estação ferroviária relacionando essa
percepção ao desenvolvimento do Turismo Cultural na localidade. Com isso, foram
aplicados 74 questionários, 31 para pessoas que trabalham no antigo prédio da estação,
e 43 foram respondidos via internet, através da plataforma google forms.
O questionário continha sete perguntas objetivas, das quais duas objetivavam
saber a idade e o sexo do entrevistado, e as outras cinco tinham como finalidade buscar
como os moradores viam o local alvo da pesquisa. As cinco perguntas eram
respectivamente: Se o entrevistado sabia o que era a estação ferroviária de Sobral, se
sabia onde se localiza o prédio da mesma, se já a visitou, a importância da estação para
o desenvolvimento socioeconômico de Camocim, e o que o interrogado achava da atual
utilização do prédio em questão. A pesquisa aconteceu no dia 28 de dezembro de 2016
na praça onde se localiza a estação e entre os dias 26 de dezembro de 2016 a 05 de
janeiro de 2017 via internet.
Os resultados obtidos pelos moradores foram computados na plataforma do
google forms pelas pesquisadoras do artigo. Em ordem crescente a idade dos
entrevistados foram, entre 23 e 28 (equivalente a 37,8%), de 15 a 18 (equivalente a
27%), de 19 a 22 (equivalente a 23%), e outros (equivalente a 12,2%). Foram
questionadas 38 pessoas do sexo masculino (equivalente a 51,4%) e 36 pessoas do sexo
feminino (equivalente a 48,6%). As perguntas sobre a opinião dos entrevistados, foram
objetivas, mas os mesmos poderiam justificar suas respostas se achassem que deviam se
expressar.
Em relação as perguntas destinadas ao conhecimento da estação, 61 dos
entrevistados (equivalente a 82,4%) responderam que sabiam o que foi a estação
ferroviária, enquanto 13 (equivalente a 17,6%) afirmaram que não tinham conhecimento
sobre a mesma.
Sobre a localização do prédio, 65 dos pesquisados, (equivalente a 87,8%)
responderam que sabiam o posicionamento do mesmo, enquanto 9 (equivalente a
12,2%) afirmaram não saber de sua localização.
Referente à visitação do local, 55 dos entrevistados (equivalente a 74,3%)
afirmaram que já visitaram o local (Somente atualmente quando está sendo usado como

123
setores públicos), e 19 desses (equivalente a 25,7%), declararam que nunca visitaram o
mesmo.
Colocando em pauta a opinião dos entrevistados sobre o que foi a estação
ferroviária no desenvolvimento socioeconômico da cidade de Camocim, obteve-se os
seguintes resultados: 34 deles (equivalente a 45,9%) declararam a estação totalmente
importante. Outros 25 (equivalente a 33,8%) disseram que a mesma seria somente
importante. Destes, 6 (equivalente a 8,1%) disseram ser importante por outros motivos
dos quais não estavam disponíveis nas alternativas. 5 (equivalente a 6,8%) revelaram
que a mesma não tinha importante. E em quantidade mínima, totalizando 4 dos
entrevistados (equivalente a 5,4%) confessaram que a estação era totalmente sem
importância para o desenvolvimento socioeconômico da cidade.
Logo, também foi respondida à questão que retratava sobre o entendimento dos
habitantes sobre a atual utilização do prédio. 26 dos entrevistados (equivalente a 35,1%)
deram como resposta, que o prédio está sendo usado de forma incorreta. Seguido por
outros 23 (equivalente a 31,1%) as quais afirmaram que o uso da mesma está totalmente
incorreto. Posteriormente, 14 (equivalente a 18,9%) mencionaram que a estação está
sendo usada de forma correta. Enquanto apenas 6 (equivalente a 8,1%) disseram que as
opções disponíveis não coincidiram com suas opiniões. E novamente em menor
quantidade, totalizando 5 dos entrevistados (equivalente a 6,8%) responderam que a
atual utilização se encontra totalmente correta, e a principal justificativa destes, seria
que por conta do prédio está sendo usado por setores públicos, ele estaria sendo bem
aproveitado.
Diante de todos os resultados mencionados acima, pode-se ter uma concepção
do não reconhecimento da população Camocinense acerca da história da Ferrovia
Camocim-Sobral. É importante citar a existência de projetos para transformar o prédio
da antiga estação Ferroviária em um Centro Artístico Camocinense, podendo ser um
museu, centro de artes, educação ou teatro. O historiador Paulo José, tem um projeto de
trazer de volta a Camocim à última máquina ferroviária, tornando assim o prédio em
museu da estação, colocando-a no pátio da mesma. Já foi conseguida a autorização para
trazer a máquina, porém pelo fato do prédio estar ocupado por órgãos públicos a
máquina conseguida se encontra em Fortaleza.

124
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por meio deste trabalho pode-se perceber que não há uma sensibilidade dos
moradores de Camocim com seus patrimônios históricos e culturais (enfatizando a
estação ferroviária). Porém, com os dados da pesquisa apresentada é possível visualizar
em boa parte, o interesse em reconquistar o espaço da estação para outros fins voltados
ao turismo, contribuindo assim para a valorização da história local.
Dessa forma seria proveitosa a utilização desse espaço como atrativo de
compreensão da história da cidade, buscando a visitação da população em geral. Os
visitantes teriam um entendimento da história e mesmo que não tivesse uma interação
direta, também teriam a curiosidade de conhecê-la.
Pode-se perceber que a amostra investigada desconhece aspectos que dizem
respeito a sua história. Deve-se ir à busca de incentivos para que possa desenvolver a
educação patrimonial, não somente em escolas, mas na comunidade em geral, pois
como consta na pesquisa nem mesmo as pessoas que trabalham no prédio da antiga
estação reconhecem o valor da mesma. A pesquisa também revela que o principal
motivo de visitação do prédio é resolver problemas pessoais nos órgãos que estão
inseridos na mesma.
Portanto, esse trabalho deve servir como um indicativo pela reconquista do
espaço da estação como centro cultural e preservação da história local do município.
Que a sensibilidade política possa ser aliada da artística e possa dar ao espaço,
permanentemente, um destino mais digno culturalmente possibilitando a sua utilização
como produto do Turismo Cultural.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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the end of a tradition. Cultural policy, Amsterdam, v. 1, nº 2, p. 199-216, 1995.

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125
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Entre o porto e a estação: Cotidiano e cultura dos trabalhadores urbanos de
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de Sousa Ferreira. Camocim-CE, 27 de Dezembro de 2016.

JOSÉ Paulo. Entrevista concedida a Maria Beatriz Silva dos Santos e Patrícia de Sousa
Ferreira. Camocim-CE, 9 de Janeiro de 2017.

SANTOS, Danilo. Entrevista concedida a Maria Beatriz Silva dos Santos e Patrícia de
Sousa Ferreira. Camocim-CE, 14 de Dezembro de 2016.

126
SILVA, Francisca. Entrevista concedida a Maria Beatriz Silva dos Santos e Patrícia de
Sousa Ferreira. Camocim-CE, 27 de Dezembro de 2016.

127
GRUPO DE TRABALHO 2 – COMUNICAÇÃO, MOBILIDADE E TURISMO

Os variados deslocamentos dos indivíduos estão intrinsecamente relacionados às


práticas turísticas. O desejo de mover-se e conhecer novos territórios se associa às
conceituações diversas do termo turismo, desde a sua criação na era moderna. E esse
caráter móvel vem se intensificando e se pluralizando na contemporaneidade em virtude
da maior utilização de novos aparatos tecnológicos.
Diante dessa conjuntura, este eixo temático do II Seminário Nacional de Turismo
e Cultura propôs uma discussão sobre os processos comunicativos e as diversas formas
de mobilidades que se relacionem com o turismo na atualidade. Sob a coordenação da
professora doutora Camila Moraes, da Universidade Federal do Estado do Rio de
Janeiro, que tem se debruçado em pesquisas que versam sobre mobilidades em sua
trajetória acadêmica, foram apresentados os seguintes trabalhos.
Os autores Vera Lúcia Bógea Borges e Paulo Cavalcante discutiram no artigo
“Turismo no centro da cidade do Rio de Janeiro: a praça da república e as viagens de
VLT no tempo dos aplicativos para celulares” a relação entre história e turismo a partir
de trajetos do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) no Rio de Janeiro. Bianca Assunção da
Silva, Thamires Monteiro Salles e Viviane Soares Lança debateram a
mobilidade relacionada ao transporte em um dos símbolos turísticos da cidade do Rio de
Janeiro no artigo “Cristo Redentor - uma análise dos serviços de transporte: trem
do Cordovado X Paineiras – Corcovado”. Sérgio Moraes Rego Fagerlande apresentou o
trabalho “Turismo e albergue nas favelas cariocas: novas possibilidades urbanas”, em
que discutiu sobre a visitação turística na favela e suas implicações no cotidiano das
comunidades locais e suas mobilidades comunicativas e corpóreas.
Os trabalhos apresentados demonstram parte do esforço acadêmico que tem sido
realizado em prol do fortalecimento das investigações concernentes a este campo mais
amplo que é o das mobilidades. Dentre os diversos enfoques possíveis, muitos são os
questionamentos que nós pesquisadores nos dedicamos a responder, contestar, refutar. E
essa foi uma oportunidade muito proveitosa para discutir temas tão importantes para o
turismo com pesquisadores qualificados que tornaram este encontro tão proveitoso.

Thaís Costa da Silva

128
TURISMO NO CENTRO DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO: A PRAÇA DA
REPÚBLICA E AS VIAGENS DE VLT NO TEMPO DOS APLICATIVOS
PARA CELULARES
Vera Lúcia Bogéa Borges1
Paulo Cavalcante2

RESUMO: A partir de 2016, o Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) passou a funcionar
com a expectativa de garantir mais mobilidade e integração ao Centro da cidade do Rio
de Janeiro. A circulação nos trajetos de suas duas linhas permitiu que os usuários
pudessem (re)conhecer aquela parte da cidade que oferece tantos atrativos turísticos
com destaque para os de cunho histórico e cultural. No primeiro semestre de 2017, o
novo trecho do VLT deu maior visibilidade à Praça da República e seu entorno.
Considerada a maior área verde do Centro carioca, esse espaço urbano pode ser visitado
por turistas e residentes com o auxílio de aplicativos para celulares. Apresentamos
alguns exemplos neste artigo que debate possíveis interações entre história e turismo
para a compreensão das diferentes temporalidades inscritas na cidade do Rio de Janeiro.

PALAVRAS-CHAVE: – Turismo, VLT, Aplicativos, História, Rio de Janeiro.

ABSTRACT: After 2016, the Light Rail Vehicle (LRV) began operate with the goal to
improve the mobility and integration in downtown Rio. The circulation of two routes
allowed its users to (re) know that part of the city that offers so many tourist attractions
with emphasis on the historical and cultural aspects. Thus, in the first half of 2017, the
new stretch of the LVT gave greater visibility to the Praça da República and its
surroundings. Considered the largest green area of Rio downtown, this urban space can
be visited by tourists and residents with the assistance of mobile applications (apps) and
some examples are presented in this paper that discusses possible interactions with
tourism to understand the different temporalities in the city of Rio de Janeiro.

KEYWORDS: Tourism, VLT, Applications, History, and Rio de Janeiro

INTRODUÇÃO

Na atualidade, a cidade do Rio de Janeiro é percebida como destino turístico


consagrado internacionalmente. Para o turismo, milhares de atrativos podem ser
apresentados e, certamente, na circulação por ruas e avenidas cariocas, suas praças e
jardins despertam a atenção de turistas e residentes que passam por estes locais.

1
UNIRIO, Historiadora e Professor Adjunto, Departamento de Turismo e Patrimônio.
vera.borges@unirio.br
2
UNIRIO, Historiador e Professor Associado, Departamento de História. paulocavalcante@unirio.br

129
O Centro carioca tem sofrido várias intervenções urbanísticas e percorrer seus
caminhos é como viajar pelos diferentes períodos históricos seja o colonial, com
destaque para o aspecto religioso, o imperial e o republicano. O primeiro núcleo da
cidade foi instituído no atual bairro da Urca e, dois anos depois, transferido para um
local estrategicamente mais protegido de possíveis investidas inimigas, isto é, o Morro
do Castelo, que posteriormente foi derrubado na década de 1920. (FRAIHA; LOBO.
1999. p.16-19).

Indiscutivelmente, o Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) é o mais recente


elemento inovador neste cenário e que pode ser pensado pela perspectiva do turismo. O
VLT é um projeto da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro que permite a interligação
de algumas regiões cariocas a partir de duas linhas. De acordo com as informações
oficiais retiradas do projeto original, está prevista o total de trinta e dois trens em
circulação nos dois trechos, vinte e oito quilômetros de trilhos e nove pontos de
interligação com outros meios de transporte. Integrado à operação urbana Porto
Maravilha, o novo modal constitui, tanto para os residentes quanto para os turistas, uma
alternativa de mobilidade urbana no Centro e na região portuária com atrativos culturais
destacados (restaurantes, bares, museus, casas de show, centro histórico) que auxiliam
na compreensão das dinâmicas contemporâneas e históricas da cidade. (VLT-
CARIOCA, 2017.) Em 2016, a inauguração da primeira linha do VLT ligando o
Aeroporto Santos Dumont à Rodoviária Novo Rio ganhou o noticiário da imprensa uma
vez que neste percurso é possível visualizar o Museu do Amanhã, o Boulevard
Olímpico, o AquaRio, o bairro de Santo Cristo e a cidade do Samba. Espaços datados
de renovada importância e merecedores de algumas considerações.

O Museu do Amanhã é uma iniciativa da prefeitura do Rio, concebido e


realizado em conjunto com a iniciativa privada, sendo o prédio um projeto polêmico do
arquiteto espanhol Santiago Calatrava erguido ao lado da praça Mauá. A inauguração
aconteceu em 17 de dezembro de 2015. Em linhas gerais, a proposta do museu é aliar
artes e ciências com destaque para os temas das mudanças climáticas, da degradação
ambiental e da sociedade. Os recursos digitais estão presentes na exposição principal.
(MUSEU DO AMANHÃ, 2017). Com 3,2 quilômetros de extensão, o Boulevard
Olímpico está instalado em um trecho de orla entre a Praça XV e o AquaRio. O mural
Etnias, do grafiteiro Eduardo Kobra, é um dos destaques do Boulevard. Por sua vez, o
Aquário Marinho do Rio de Janeiro, o AquaRio, é um local de visitação pública tido
130
como o maior estabelecimento do gênero na América Latina. No local existem vários
tanques nos quais o público pode interagir com alguns dos animais expostos. Além
disso, na visitação há um grande componente tecnológico, isto é, as instalações do
Aquário Marinho Virtual permitem interatividade de maneira que o visitante tenha
acesso a informações sobre as espécies que não podem ter contato direto com o público.
Por fim, ali há forte componente museológico com a presença do Museu das Ciências
que abriga exposições permanentes e temporárias sobre os mais variados temas
relacionados ao ambiente marinho e aquático com destaque para a preservação de
acervos e coleções científicas. (AQUÁRIO MARINHO DO RIO DE JANEIRO, 2017).

O bairro de Santo Cristo fica no limite daquilo que ficou conhecido


tradicionalmente como o Centro da cidade e abriga em seu perímetro a rodoviária e
muitas avenidas. As modificações e os investimentos impressionam e transformaram
radicalmente a paisagem urbana. Apesar disso, há um contraste a ser destacado. Ao
mesmo tempo em que há modernizações como, por exemplo, as estações do VLT
(Cidade do Samba, Santo Cristo e Cordeiro da Graça), seus casarios estão pouco
conservados e a população que tradicionalmente morava na região não foi
verdadeiramente ouvida nem participou, na condição de residente, das decisões sobre as
modificações ali implementadas. Por sua vez, a Cidade do Samba é um espaço
destinado à concentração dos Barracões das Escolas de Samba do Grupo Especial do
Rio de Janeiro nos quais são construídos os carros alegóricos e confeccionadas algumas
das fantasias utilizadas nos desfiles.

A segunda linha do VLT atende ao trecho entre o Saara e a Praça Quinze e sua
extensão é de aproximadamente dois quilômetros tendo quatro estações e com a
expectativa de ser percorrida em pouco mais de dez minutos. Vale destacar que os
usuários têm uma hora para fazer a baldeação entre as duas linhas do sistema sem sofrer
nova cobrança de tarifa. A localização da nova linha é considerada estratégica, uma vez
que está nas proximidades da Central do Brasil, por onde circulam os trens, e podendo
assim se integrar com o VLT a partir do embarque em frente à praça da República.
Além disso, há outra possibilidade de integração na parada final localizada na Praça
Quinze, isto é, com a estação das barcas que atendem as localidades de Niterói (Praça
Arariboia), Charitas, Cocotá e Paquetá.

131
Os passageiros que embarcarem neste novo trecho do VLT podem realizar um
passeio por áreas históricas do Centro carioca como, por exemplo, a Rua da
Constituição, a praça Tiradentes e a confeitaria Colombo, esta nas proximidades da rua
Sete de Setembro. De acordo com os dados da Secretaria Municipal de Transportes
(SMTR, 2017) e da Concessionária do VLT Carioca (2017), desde suas inaugurações,
as duas linhas do VLT já transportaram mais de três milhões de pessoas. O momento de
maior movimentação ocorreu por ocasião dos Jogos Olímpicos, em agosto de 2016,
com aproximadamente trinta e seis mil pessoas transportadas por dia. Em dias normais,
as cifras oscilam entre vinte e vinte e cinco mil passageiros.

Apesar de frequentemente ser identificado como o charmoso meio de transporte


que caiu no gosto de cariocas e turistas que circulam pelas ruas do Centro do Rio de
Janeiro, é mister perceber a entrada em cena do VLT de maneira mais reflexiva. No
trajeto percorrido é possível visualizar ruas, prédios, construções, praças e demais locais
que constituem marcos significativos da história da cidade. Em paralelo, a tecnologia do
VLT carioca tem sido realçada, destacando-se a sua condição de modelo sustentável de
transporte movido à eletricidade. Assim, é oportuno e relevante buscar caminhos para
permitir a articulação entre história e tecnologia, relacionando-as com o turismo de
modo a identificar e elucidar os diálogos decorrentes da implantação no presente de
meio de transporte símbolo de tudo o que é novo, verdadeiro e contemporâneo embora
carregando consigo inevitavelmente os vestígios do passado que a sociedade tem
desejado reiteradamente superar. Acrescente-se a esses diálogos a utilização de
aplicativos de telefones celulares dinamizadores da experiência vivenciada tanto por
turistas quanto por residentes.

A presente comunicação está dividida em três partes. Na primeira, a


apresentação de traços constitutivos da Praça da República, também conhecida como
Campo de Santana, e sua importância estratégica no crescimento da cidade do Rio de
Janeiro. A maior área verde do Centro carioca, este espaço urbano conquista,
gradativamente, outras marcas que superam em muito as noções cristalizadas de local
de passagem para a Central do Brasil, para o metrô ou para as compras de artigos
populares no Saara e, frequentemente, com relatos de episódios de violência e assaltos
tão frequentes. As diferentes conexões entre as instituições vizinhas que circundam a
praça também são realizadas. A seguir, uma breve análise do VLT carioca a partir do
planejamento e da sustentabilidade pela perspectiva do turismo é delineada com base no
132
itinerário da segunda linha inaugurada no primeiro semestre de 2017. Na terceira parte,
a circulação pela região central por intermédio do VLT pode ganhar importantes aliados
para dinamizar a experiência como, por exemplo, a criação de aplicativos que auxiliem
na localização e deslocamento à Praça da República que modifica a experiência
turística. Desta as novas ferramentas digitais podem ser utilizadas pelos usuários
durante a viagem despertando o interesse e incentivando-os a conhecer outros atrativos
turísticos nos arredores da Praça da República. Neste sentido, em 2016, uma experiência
exitosa é o aplicativo Janelas Abertas para a República, disponível inicialmente na
versão Android, depois na Apple Store. Em linhas gerais, o objetivo desta iniciativa é
estimular a visitação do sitio histórico do Campo de Santana e seu entorno tendo como
base de apoio a Casa Histórica de Deodoro3. Como se vê, as possiblidades são
múltiplas e a própria dinâmica do turismo é capaz de inserir novas demandas, trilhando
caminhos alternativos que são de forma concisa apresentados nas considerações finais.

A PRAÇA DA REPÚBLICA E O CRESCIMENTO DA CIDADE DO RIO DE

JANEIRO

No centro carioca, a Avenida Presidente Vargas liga a Candelária (igreja) à


região da Leopoldina4 com a extensão de pouco mais de três quilômetros e diversas
pistas nos dois sentidos para carros e ônibus. Em grande parte de sua extensão passa o
Canal do Mangue que continua pela Avenida Francisco Bicalho e Baia de Guanabara.
Nas proximidades da Praça Onze e da Estação Central do Brasil (trens metropolitanos),
o canal dá lugar a um calçadão que é muito utilizado e disputado por transeuntes. Esta
avenida é fundamental para o Centro da cidade do Rio de Janeiro, uma vez que permite
o acesso a importantes vias como, por exemplo, a Linha Vermelha e a Avenida Brasil,
no sentido Sambódromo, e avenidas Rio Branco e Primeiro de Março, no sentido
Candelária. Praticamente na metade da Avenida Presidente Vargas há um pequeno

3
A antiga residência do marechal Deodoro da Fonseca, proclamador da República, em 1889, sediou
acontecimentos da história política do país. Afinal, em suas dependências, o primeiro Ministério
Republicano foi montado para citarmos apenas um exemplo. Após a saída de seu morador ilustre e com
passar do tempo, a Casa Histórica de Deodoro teve diferentes ocupações e finalidades sempre ligadas de
alguma maneira ao Ministério do Exército. Em 1987, as instalações, os recursos humanos e materiais e o
Museu do Exército foram incorporados ao patrimônio do Museu Histórico do Exército e Forte de
Copacabana (MHEx/FC). Cf. Casa Histórica de Deodoro. Acesso em 11 de fevereiro de 2017.
4
Estação Ferroviária Leopoldina foi inaugurada em 1926 simbolizando o que havia de mais charmoso no
Brasil sendo inicialmente chamada de Barão de Mauá para homenagear Irineu Evangelista de Souza,
pioneiro da ferrovia no Brasil. Em 2010, a estação deixou de ser utilizada definitivamente para embarque
de passageiros e as pessoas passaram a embarcar na estação Dom Pedro II (Central). Cf. Diário do Rio de
Janeiro. Acesso em 11 de fevereiro de 2017.

133
oásis, o antigo Campo de Santana e atual Praça da República, junto à estação do Metrô,
nas proximidades da estação de trens, das ruas do comércio popular (Saara5) e das vias
de acesso às demais ruas do Centro.

De acordo com os historiadores da cidade do Rio de Janeiro (BRASIL, 2015 e


LIMA,1990) toda a região onde se situa a atual Praça da República, nos tempos
coloniais, era grande pântano que gradativamente foi aterrado. Várias denominações
foram dadas para identificar aquele espaço, com destaque para Campo da Cidade ou
Campo de São Domingos que passou a representar o marco divisório entre a cidade
propriamente dita (centro) e a zona rural. No século XVII, começou a ser usado como
campo de serventia pública e para a pastagem de animais. Já no século XVIII, uma
capela, depois igreja dedicada a São Domingos de Gusmão (frade e santo católico
fundador da Ordem dos Pregadores cujos membros são conhecidos como dominicanos),
foi construída tendo nas proximidades um cemitério no qual eram sepultados os
escravos. A então igreja de São Domingos e seu largo foram destruídos, em 1942, para
a construção da Avenida Presidente Vargas. Por sua vez, onde atualmente funciona a
Estação Ferroviária Central do Brasil, os devotos de Santana começaram a edificar, nas
primeiras décadas do século XVIII, seu próprio templo. Em 1856, em função da
expansão ferroviária, a igreja foi demolida para dar lugar à primeira estação ferroviária
urbana do Brasil, a estação D. Pedro II, no entanto, denominação Campo de Santana
cruzou intacta o tempo.

Ainda no século XIX, em 1873, o lugar ganhou o projeto do paisagista francês


Auguste Marie François Glaziou que mesclou espécies vegetais locais e plantas exóticas
estrangeiras para criar um jardim de grande beleza fazendo com o que o terreno
ganhasse declives, aclives e extensos gramados. Somado a isso, elementos artificiais
como uma gruta, lagos e pontes também foram acrescidos à localidade. (WORCMAN,

5
SAARA. “Formada em 1962 pelas iniciais Sociedade de Amigos das Adjacências da Rua da
Alfândega,, a sigla identifica uma associação fundada pelos comerciantes do mais tradicional setor
comercial do centro do Rio. Seu objetivo principal era impedir que a construção de uma nova avenida, a
Diagonal, que ligaria a Lapa à Presidente Vargas, demolisse o que havia sobrado da região após a
abertura da Avenida Presidente Vargas na década de 1940, com a implantação do plano Agache (...)
Onze ruas – República do Líbano, Regente Feijó, Gonçalves Ledo, da Conceição, dos Andradas, um lado
da Praça da República e as avenidas Passos e Tomé de Souza – que ligam entre si as Ruas Buenos Aires,
a Senhor dos Passos e a Alfândega, formam o único local da cidade do Rio de Janeiro caracterizado
como um reduto étnico, onde reuniram-se, ao longo do último século, além dos portugueses, sírios,
libaneses e judeus, os imigrantes espanhóis, armênios, gregos, chineses e coreanos. “ (WORCMAN,
2000 p. 9-10)

134
2000). A região, como sabemos, foi palco de momentos importantes da história do país
como a celebração do fim da Guerra do Paraguai, a proclamação da República no Brasil
em 15 de novembro de 1889 e os desdobramentos dos protestos da Revolta da Vacina
ocorrida em 1904.

O Campo de Santana é também importante lugar da vida e memória dos muitos


imigrantes que se estabeleceram no comércio da região.

“Na memória dos filhos dos imigrantes que moravam por ali, o
Campo de Santana é o maravilhoso quintal de sua infância. Lá,
corriam e brincavam, pulavam carniça, jogavam futebol como lembra
José Kamache: “No tempo do verão, a gente ficava até meia-noite
andando de bicicleta no Campo de Santana, jogava bola naquelas ruas,
mergulhava nos lagos do Campo. Em São João, fazia-se fogueiras na
Rua da Alfândega, assava batata-doce.” (...) Muitos habitantes se
lembram também da Delegacia de Costumes e Diversão que ficava na
Praça da República e tinha um delegado famoso, o Padilha, que
perseguia quem namorava em público e prendia os “vadios”,
identificados pelo sapato carrapeta e a calça boca fina.”
(WORCMAN, 2000; p. 59/60).

No contexto histórico da abertura da Avenida Presidente Vargas, em 1942, a


Praça da República e seu entorno sofreram impactos em virtude das intervenções
urbanísticas ali realizadas. Inaugurada em sete de setembro de 1944, por ocasião das
celebrações pela independência do Brasil, a Avenida Presidente Vargas destruiu mais de
quinhentas edificações ao longo do seu percurso, além de desalojar centenas de famílias
que moravam na região. Com a construção da Avenida Presidente Vargas, o jardim
original do Projeto de Glaziou, sofreu supressões em seu perímetro até ser confinado ao
atual parque ajardinado cercado por grades. “Atualmente o Parque é designado por
Campo de Santana e a área que o circunda, desde 1964 chama-se Praça da República”
(LIMA, 1990 p. 48).

No entorno da Praça da República, vários edifícios foram erguidos e nos


auxiliam na compreensão histórica da evolução urbana da cidade do Rio de Janeiro.
Para tanto, destacamos a sede do Corpo de Bombeiros do Estado do Rio de Janeiro, a
Escola Municipal Rivadávia Correia, Arquivo Nacional (antiga Casa da Moeda do
Brasil), a Rádio MEC, a faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, a Igreja de São Gonçalo Garcia e São Jorge, a Casa Histórica de Deodoro (do
Museu do Exército), a gafieira Elite, o hospital Souza Aguiar e os casarios que
compõem a Sociedade de Amigos das Adjacências da Rua da Alfândega – a SAARA.

135
É comum que os cariocas passem por estes locais sem se darem conta da pluralidade da
região, em parte por conta do cotidiano agitado vivenciado numa grande cidade ou,
ainda, com a preocupação de cruzar rapidamente o espaço associado à insegurança tão
comumente noticiado pela imprensa. Por sua vez, gradativamente, muitas vezes
acompanhados por guias de Turismo, os turistas passam a circular nesta parte da cidade
que pode ser potencializada pelo Turismo ao fazer parte do percurso da segunda linha
do VLT. Assim, a maneira como a Praça da República e seu entorno são reelaborados
por turistas, guias de Turismo, turismólogos, demais estudiosos do Turismo e, também,
os residentes da cidade do Rio de Janeiro deve ser compreendida com maior atenção.

VLT CARIOCA: PLANEJAMENTO E SUSTENTABILIDADE PELA

PERSPECTIVA DO TURISMO

Em 2016, o Veiculo Leve sobre Trilhos (VLT) passou a circular pelo centro
carioca a partir do funcionamento da Linha 1 (azul) com catorze paradas 6. As estações
inicial e final estão localizadas no Aeroporto Santos Dumont – que recebe voos
domésticos com destaque para o embarque e desembarque de passageiros da Ponte
Aérea ligando Rio de Janeiro e São Paulo – e no terminal rodoviário Novo Rio que são
importantes locais de chegada e partida de visitantes à cidade. Neste percurso, três
outras estações têm intensa movimentação de pessoas que são a Parada dos Museus, em
alusão ao Museu do Rio (MAR) e o Museu do Amanhã, a Parada dos Navios, em
função dos navios que atracam na costa carioca e a Parada Utopia-Aquário onde fica o
AquaRio, os atrativos turísticos deste pequeno trecho fazem com que os turistas e
residentes que utilizam o VLT se concentrem ali e fiquem sem conhecer a pluralidade
da cidade que parece ainda desconhecida até chegar à Rodoviária. È importante destacar
que entre a Parada dos Navios e a Rodoviária há um percurso diferente na volta e,
portanto, outras quatro estações estão no mapa do VLT que são Equador, Pereira Reis,
Providência e Harmonia sendo que estas duas últimas demoram muito para estar
disponíveis aos usuários. Esta pequena modificação no itinerário gera confusão ao
passageiro que tem a expectativa de que a direção entre as estações inicial e final seja
seguida sem alterações nos dois sentidos.

6
As catorze estações são: Santos Dumont, Antônio Carlos, Cinelândia, Carioca, Sete de Setembro,
Candelária, São Bento, Parada dos Museus, Parada dos Navios, Utopia-Aquário, Cidade do Samba, Santo
Cristo, Cordeiro da Graça e Rodoviária.

136
Por sua vez, em 2017, a linha 2 (verde) foi inaugurada e o trecho em
funcionamento é bem menor´, contando com apenas quatro estações abertas, ou seja,
Praça Quinze, Colombo, Praça Tiradentes e Saara. De acordo com o projeto original do
VLT, outras quatro estações estão previstas que são Central, Vila Olímpica, Gamboa e
Santo Cristo. Nesta última, há a previsão de ligação com a linha 1 (azul). Além disso, há
uma expectativa de expansão futura de articulação entre as duas linhas, localizada na
linha azul, entre as estações Candelária e São Bento, em direção à linha verde, sendo
que neste trecho devem existir três paradas que ainda não foram divulgadas ao público.

Após estas considerações preliminares do projeto é importante apresentar


algumas reflexões quanto ao planejamento e às questões de sustentabilidade relativas ao
VLT pela ótica do turismo. Nos últimos anos, muitas cidades europeias e da América
Latina procuraram revitalizar seus centros históricos deixando-os mais contemplativos
para os visitantes e seguindo a tendência ocidental de restringir a circulação de carros e
ônibus movidos a gasolina e diesel responsáveis pela poluição do ar, e dando
preferência para os veículos movidos a eletricidade e similares. Certamente, esta
preocupação ambiental deve ser valorizada por residentes e visitantes que vivenciem
esta experiência e que tenham a consciência da importância da questão ambiental para
planeta na atualidade. No entanto, nenhuma consciência é nata. Consciência, assim
como a Educação, é processo. No caso do meio ambiente, há poderosos interesses que
estorvam sua concretização, para além, é claro, dos entraves burocráticos do Estado e da
incompetência, tanto pública quanto privada. Em síntese, a revitalização do Centro
carioca pode tanto remeter visitantes e residentes para viagens ao passado histórico
quanto preparar a cidadania para os temas relevantes do passado e do futuro próximo e
se tornar o cartão de visitas de uma cidade e servir de atrativo para que as manifestações
das tradições locais aflorem em intensidade.

No projeto do VLT há o seguinte slogan de divulgação: O mais novo patrimônio


carioca. Mais mobilidade e integração para você. Em termos de propaganda, a peça
ecoa, mas, na realidade, a prefeitura e seu arsenal administrativo, responsáveis pela
execução do projeto, parecem atropelar a lei (Constituição, 1988) e o patrimônio
cultural da cidade7 ao destruírem uma rua de pé-de-moleque com tratores para dar
passagem ao VLT. Esse achado na rua da Constituição é considerado uma relevante

7
www.soniarabello.com.br Acesso em 12 de fevereiro de 2017.

137
descoberta arqueológica, como acontecera na área portuária, no Cais do Valongo, objeto
de proposta para seu reconhecimento como patrimônio mundial. De acordo com o artigo
216 da Constituição brasileira de 1988, um bem arqueológico ou é preservado para
pesquisa ou é tombado, mas, neste caso, nenhuma das duas alternativas foi posta em
prática. Rapidamente, as autoridades conseguiram um nada consta do Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) para continuar a obra, apresentou--
se como solução a preservação de um pequeno trecho da rua com poucos metros de
extensão, uma “janela” enganosa e malfeita para o passado. A iniciativa popular de
preservar o bem por meio de um abaixo assinado foi solenemente ignorada e perdeu a
finalidade conforme os tratores da obra do VLT avançavam e suprimiam importante
descoberta sobre o cotidiano histórico da cidade.

As cidades que se preocupam com a preservação das características históricas e


culturais identificando e realçando seus traços certamente podem ter um retorno
significativo e crescente em seu potencial turístico. A cidade do Rio de Janeiro tem
acervo patrimonial considerável, dentre outros motivos, pelo fato de ter sido capital do
Império e da República do Brasil. Entretanto, muitas vezes, este rico patrimônio não foi
devidamente valorizado e, em nome do progresso e do embelezamento da cidade,
acabou abandonado, esquecido e destruído. Durante as obras foram encontrados trilhos
dos antigos bondes e, em alguns trechos, o VLT vai fazer o mesmo trajeto realizado no
passado. Assim, seria importante que estas descobertas referentes à história da cidade
fossem preservadas a partir da formação de uma equipe multidisciplinar (arqueólogos,
historiadores, museólogos, turismólogos, dentre outros) para que o material fosse
identificado, estudado, conhecido, preservado e futuramente aberto à visitação. Sem
dúvida, esta iniciativa poderia dinamizar o turismo cultural na região, mas esta não foi a
opção escolhida pelas autoridades responsáveis pelo projeto.

Apesar de não ser foco do projeto, a sustentabilidade foi levada em consideração


e três aspectos podem ser destacados. Em primeiro lugar, o VLT é movido à eletricidade
e, assim, não há poluição direta do ar por conta do uso de combustível fóssil. Em
segundo lugar, ele é silencioso e foi concebido para minimizar o impacto das vibrações
nas diferentes construções ao longo do percurso das duas linhas. Por fim, em termos
visuais, o VLT conjuga tecnologia com design, por assim dizer, retro-futurista, isto é, a
concretização no presente da imagem que o passado tinha dos transportes futuros. Para

138
ser completo, o VLT deveria levitar... de todo modo, alguns entusiastas chegam a
identificá-lo como o bonde turbinado com tecnologia.

O custo da obra é avaliado em R$ 1,157 bilhão, sendo R$ 532 milhões com


recursos federais do Programa de Aceleração do Crescimento da Mobilidade e R$ 625
milhões viabilizados por meio de uma parceira público-privada (PPP) da Prefeitura do
Rio (Governo da Cidade do RJ, 2017). Independente da percepção em relação ao
projeto, os desafios do VLT agora em funcionamento são enormes como, por exemplo,
a manutenção das faixas e placas existentes para alertar a população da circulação do
veículo na área. Outro desafio é a conscientização dos passageiros na obrigatoriedade
em validar os tickets e as possíveis sanções por parte da guarda municipal ao autuar os
passageiros8 que não pagaram a passagem uma vez que o pagamento da tarifa deve ser
feito pelo próprio passageiro a partir das leitoras magnéticas existentes no interior da
composição. É possível circular sem pagar a passagem, mas os riscos são grandes e os
custos pela infração somados aos aborrecimentos parecem contribuir para uma mudança
de postura mais consciente e cidadã por parte do usuário. Além disso, será preciso
avaliar o momento da retirada dos batedores de motocicleta que seguem à frente da
composição como forma de alertar os transeuntes e demais veículos da passagem do
VLT. Estes desafios apresentados são apenas alguns aspectos do debate que deve ser
enfrentado por autoridades, especialistas no tema, setor turístico e residentes.

NOVAS TECNOLOGIAS: A CRIAÇÃO DO APLICATIVO A PARTIR DA

CASA HISTÓRICA DE DEODORO

A tecnologia do VLT é frequentemente mencionada pelos usuários e realçada


nas matérias veiculadas na imprensa. Certamente, os usuários desta novidade na
mobilidade pelo Centro carioca podem ganhar mais um aliado no universo das novas
tecnologias com a utilização de aplicativos que podem ser baixados por intermédio de
telefones celulares (smartphones). Em novembro de 2016, por ocasião da celebração da
Semana da República, o aplicativo Janelas Abertas para a República foi lançado com o
objetivo de apoiar a visitação à Casa Histórica de Deodoro e estimular roteiros turísticos
na região do Campo de Santana. Inicialmente, foram apresentadas seis propostas:
Presença Militar, Campo de Santana e seu entorno, Arquitetura, Gastronomia,

8
Lei Municipal nº6065/2016 que prevê multa para quem deixar de pagar a passagem e os valores são de
R$ 170,00 a R$ 255,00 em caso de reincidência (multa mais 50%).

139
Patrimônio Afro-Brasileiro e Lugares de Memória. A partir de uma dessas escolhas,
turistas, guias de turismo, residentes e demais interessados encontram disponíveis fotos,
textos explicativos, curiosidades sobre os personagens históricos, as instituições
mencionadas e os mapas de localização. Assim, os usuários do VLT podem ter durante
a viagem uma visão panorâmica da região da Praça da República e ver despertado o
interesse em conhecer um pouco mais determinados atrativos turísticos ali e em suas
redondezas. Após desembarcarem, eles podem realizar, por intermédio do roteiro
selecionado, um percurso que atenda aos seus interesses a partir de uma das seis opções
disponíveis. (JANELAS ABERTAS PARA A REPÚBLICA, 2017)

Vale destacar a experiência anterior do Projeto Passados Presentes – memória


da Escravidão referente à cultura afro-brasileira na formação da cidade do Rio de
Janeiro e que propõe a visita à Pedra do Sal, ao Cais do Valongo e ao Centro Cultural
José Bonifácio no qual funciona o Centro de Referência da Cultura Afro-Brasileira.
Servindo-se da ideia do QR code (código de barras criado na década de 1990), os
usuários aproximam seu aparelho celular de um dos ícones identificados ao longo do
percurso e ali mesmo obtêm informações que foram produzidas por especialistas, além
de ouvir depoimentos de moradores da região. O projeto Passados Presentes também
tem roteiros traçados com as comunidades no Quilombo de Bracuí (Angra dos Reis,
Região dos Lagos), no Quilombo de São José (Valença) e sobre o Jongo na cidade de
Pinheiral (interior do estado do Rio de Janeiro). (PROJETO PASSADOS PRESENTES,
2017).

Cada vez mais a experiência turística entra em sintonia com a mudança dos
tempos e a aceleração do ritmo das transformações. Assim, os turistas têm autonomia
para buscar passagens, hospedagem, programas e, assim, multiplicam as oportunidades
de vivenciar experiências próprias durante a viagem. Ao circular pelo Rio de Janeiro,
tanto os turistas quanto os residentes têm ao alcance de suas mãos as facilidades
proporcionadas por estes pequenos e portáteis computadores que são seus telefones
celulares. Comumente, as pessoas recorrem à Internet para tirar dúvidas ou buscar
informações. Com efeito, um dos desafios iniciais na implantação e gerenciamento
desses aplicativos é sua adequada e contínua divulgação de modo a ampliar o número de
usuários e cumprir seus objetivos. Outra questão relevante é o funcionamento da rede
wi-fi nos locais públicos dos roteiros de forma rápida e confiável. Além disso, a
sensação de insegurança na região da Praça da República e em diversos logradouros da
140
cidade podem afugentar os usuários dos aplicativos pelo simples fato de temerem
circular com seus celulares à vista de todos.

Os problemas sociais de uma grande cidade como o Rio de Janeiro impactam


diretamente no turismo. Por consequência, é importante pensar e aprimorar propostas
como a do aplicativo Janelas Abertas para a República. Em primeiro lugar, as seis
propostas de roteiro poderiam ganhar densidade a partir da participação de alunos de
graduação em Turismo por intermédio das disciplinas do curso relacionadas à
elaboração de roteiros turísticos. Os futuros turismólogos podem ser orientados por seus
professores a pesquisarem a Praça da República e seus arredores e agregarem elementos
constitutivos da história e cultura que permitam conhecer melhor esta região da cidade.
Outra possiblidade é a vinculação de alunos a projetos de extensão universitária que
tenham como objeto o Centro carioca. A partir deste trabalho prévio de pesquisa e
extensão o aplicativo poderia ser alimentado com novo material. A parceria entre a
Universidade e instituições como a Casa Histórica de Deodoro contribuem para divulgar
à sociedade aquilo que é produzido e debatido na esfera acadêmica. Em segundo lugar,
os guias de turismo que concentram seu trabalho no Centro do Rio de Janeiro deveriam
ser convidados a participar trazendo contribuições valiosas provenientes de sua prática e
reflexão e que são indispensáveis ao aprimoramento do aplicativo. Em terceiro lugar, a
Secretaria de Turismo do Rio de Janeiro poderia ter contato com a proposta e contribuir
na divulgação, no investimento de recursos e/ou na articulação de possíveis parcerias
que venham a incrementar a iniciativa. Em quarto lugar, a intensificação da divulgação
do aplicativo nas redes sociais como forma de torná-lo mais conhecido do público pode
ser determinante para ampliar sua visibilidade. Em quinto lugar, seria importante que as
instituições localizadas na Praça da República possam ser ouvidas no sentido de
ponderar sobre suas fortalezas e demandas, contribuindo para sua correta apresentação
ao público. Em sexto lugar, a formação de pequenos fóruns de debate com o intuito de
produzir conteúdos para serem disponibilizados em vídeo nos aplicativos poderia
tornar-se um diferencial precioso. Por fim, o conhecimento do processo de elaboração
do aplicativo com a apresentação dos bastidores e das etapas preliminares (making of)
certamente despertará a atenção dos usuários que tenham interesse nas etapas de
produção.

141
CONSIDERAÇÕES FINAIS

“O VLT trouxe a memória do bonde. Quem andou e teve o privilégio não

esqueceu. Para quem não conhece o assunto voltou. ” é o que afirma a museóloga

Roberta Saragoça (g1.globo.com, 2016). A multiplicação das possibilidades de diálogo

entre o presente e o passado, articulando diferentes espaços e temporalidades, pode ser

observada na exposição permanente promovida pelo Arquivo Nacional, na Praça da

República, a partir do acervo da própria instituição depositária de milhares de

documentos que contam a evolução urbana da antiga capital do país. Esta exposição

intitulada O Rio em movimento: cidade natural, cidade construção foi idealizada por

ocasião da celebração dos 450 anos de fundação da cidade, em 2015. Fotografias,

mapas, plantas, filmes, gravuras e litogravuras ajudam a contar um pouco desta longa

história da cidade que se configura entre as montanhas e o mar, tendo sua paisagem

natural modificada constantemente por demolições e construções. A visitação pode ser

feita de segunda à sexta-feira e a entrada é franca. (AGÊNCIA BRASIL, 2015)

No Rio de Janeiro, em favor do tráfego de automóveis, os bondes saíram de


circulação na década de 1960. Isso era ser moderno então. Atualmente, o VLT com
nova tecnologia passa pelos trilhos que são recolocados e, em alguns trechos, nas
mesmas ruas de onde foram retirados os dos antigos bondes. Este movimento da cidade
em busca constante por um ideal de modernização importado das áreas centrais do
capitalismo contemporâneo pode despertar o interesse de turistas e residentes com
destaque para os usuários da linha 2 que passa pelas praças XV, Tiradentes e da
República. Não por coincidência, as três celebram, cada uma ao seu modo e tempo, o
ideal republicano. No caso da Praça da República, para além do remanescente jardim
afrancesado, há muita história e cultura da cidade pulsando em suas ruas, becos,
instituições e demais locais. Neste sentido, os aplicativos citados, Passados Presentes –
memória da escravidão e Janelas Abertas para a República, podem contribuir para que
mais pessoas tenham conhecimento do que acontece e aconteceu na Praça da República,
permitindo que exposições sejam visitadas, restaurantes frequentados, shows ao ar livre
recebam mais público e assim por diante. Novos aplicativos podem ser criados
envolvendo a participação de estudantes de turismo, turismólogos, guias de turismo,

142
especialistas no tema, residentes e demais interessados. A pesquisa acadêmica feita por
professores a partir da orientação de seus alunos pode estabelecer canais de diálogo com
os guias de turismo. Estes profissionais atuam diretamente com os turistas e têm noção
concreta de suas expectativas em relação a este tipo de visitação, podendo contribuir
para que elementos da história e da cultura da cidade possam ser reelaborados pela
perspectiva do turismo. Além disso, os residentes mais idosos, em torno dos 70 anos,
testemunhas vivas das experiências, interações e contradições daquela antiga cidade e
seus bondes podem contribuir para a formação de uma história oral. Portanto, elos para
diálogos entre diferentes gerações podem ser estabelecidos, por exemplo, entre jovens
estudantes universitários e/ou turistas e os moradores de longa data da cidade. A riqueza
destes diálogos pode ser registrada de diferentes maneiras e disponibilizada em futuros
aplicativos.

A tecnologia do VLT aliada a seu design retro-futurista agrega a esta experiência


a percepção de que o obsessivo olhar na direção do futuro, do novo e do moderno não é
tão novo assim. Por sua vez, a viagem pelo VLT acontece no tempo presente e as
possíveis associações com o bonde do passado parecem incentivar que os marcos
históricos do Rio de Janeiro desde o período colonial sejam explicitados, despertando
em muitos usuários o interesse em conhecê-los. Para tanto, a Praça da República
constitui-se numa exemplificação extremamente rica e que deve ser apropriada
turisticamente. O Campo de Santana (parque) é uma importante referência na memória
de muitos imigrantes que se estabeleceram no comércio da região. Ali, seus filhos e
netos brincaram, celebrações e festas aconteceram e marcaram profundamente suas
vidas.

Por fim, vale destacar que os aplicativos, as exposições, a realização de roteiros


turísticos a pé, as placas de sinalização do trânsito e de informações e os folhetos
informativos devem, gradativamente, ser traduzidos para outros idiomas o que é
imprescindível para a interação com os turistas estrangeiros. Além disso, a abertura de
locais de visitação na praça de República e arredores nos finais de semana podem ser
fundamentais uma vez que nestes dias há maior fluxo turístico. Assim, o reforço no
policiamento da região é essencial para o êxito da experiência. Mas não somente. O
êxito verdadeiro e transformador, atenuante das tensões do trânsito e possibilitador de
maior fruição estética na apreciação da cidade, exige o incentivo do uso de bicicletas e a

143
necessária implantação de mais ciclovias e bicicletários espalhados pelo Centro carioca.
Talvez, essa seja a novidade menos velha e mais revolucionária na vida da urbe carioca.

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144
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do Rio; 12).

145
CRISTO REDENTOR – UMA ANÁLISE DOS SERVIÇOS DE TRANSPORTE:
TREM DO CORCOVADO X PAINEIRAS – CORCOVADO
Bianca Assumpção da Silva1
Thamires Monteiro Salles2

Viviane Soares Lança3

RESUMO: O monumento Cristo Redentor é um dos principais atrativos turísticos da


Cidade do Rio de Janeiro. Por essa condição, atrai turistas de todos os cantos do país e
do mundo. Para o seu acesso, os serviços de transportes são oferecidos por duas
empresas: Trem do Corcovado e Paineiras–Corcovado. Nesta perspectiva, o presente
trabalho buscou retratar a importância do transporte para a existência do turismo e, a
partir disso, apresentar uma análise comparativa dos serviços de transportes que
conduzem ao Cristo Redentor, levantando a hipótese de serem não só um transporte, e
sim parte da atração turística. Através de questionários, foi possível estabelecer o perfil
do turista e o porquê da escolha do serviço, além dos pontos fortes e fracos de cada uma
das empresas.

PALAVRAS-CHAVE: Cristo Redentor, Trem do Corcovado, Paineiras–Corcovado,


Transporte Turístico.

ABSTRACT: The monument of Christ of the Redeemer is the main tourist attract of
the Rio de Janeiro city. For this condition, attracts tourists of all corners of the country
and the world. To access, are two transport services offered to tourists: Train of
Corcovado and Paineiras – Corcovado. Was portrayed the importance of transportation
to existence of tourism and, after that, presented a comparative analysis of these,
hypothesizing that they are not only a transport, but part of a tourist atraction too.
Through questionnaires, was possible establish the tourist profile and the reason of the
choice of service, besides the strengths and weak points of each of the companies.

KEYWORDS: Cristo Redentor, Corcovado’s Train, Paineiras–Corcovado, Turistic


Transport.

INTRODUÇÃO

Eleito uma das 7 maravilhas do mundo moderno (PREFEITURA DO RIO DE


JANEIRO, 2010), o Cristo Redentor foi inaugurado em 12 de outubro de 1931, tendo

1
Bacharel em Turismo – Faculdades São José (FSJ)
2
Bacharel em Turismo – Faculdades São José (FSJ)
3
Bacharel em Turismo – Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRuralRJ); pós-graduada MBA
em Gestão Hoteleira (UFRuralRJ); mestre em Ciências Socias – CPDA (UFRuralRJ); docente do curso
de Turismo - Faculdades São José (FSJ)

146
completado, até a presente data, 85 anos. O monumento confeccionado em pedra-sabão
se encontra no alto do Morro do Corcovado, a 704 metros de altitude, possui 38 metros
de altura, 28 metros de uma extremidade à outra e aproximadamente 1.145 toneladas.

De acordo com a empresa Trem do Corcovado (2012), em 1882, foi concedida,


por D.Pedro II, a permissão para que construíssem e explorassem a Estrada de Ferro do
Corcovado (ESFECO). A obra completa foi concluída em 1885, pelos Engenheiros João
Teixeira Soares e Francisco Pereira Passos. Tendo em vista que o monumento do Cristo
Redentor foi criado em 1931, pode-se perceber que o Trem do Corcovado aparece antes
e, por isso, não exercia o papel de transporte para o monumento, mas operava como o
próprio atrativo em si, passando pelo meio da floresta da Tijuca até o pavilhão de ferro
circular feito no cume do Corcovado, conhecido como Chapéu do Sol.

Atualmente, de acordo com o site oficial do Trem do Corcovado (2016), o


passeio até o Cristo tem duração de cerca de 20 minutos em um trem de fabricação suíça
com capacidade para 115 passageiros. Contribuindo com a preservação do Parque
Nacional da Tijuca, o trem é movido à eletricidade, não poluindo o ar, tendo ainda, parte
da arrecadação da venda de ingressos destinada ao IBAMA (Instituto Brasileiro do
Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) para a conservação da mata.

Além do Trem do Corcovado, há outra empresa que realiza o serviço de


transporte até o monumento: A Paineiras-Corcovado, formada, em 2010, quando o
ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), lançou o edital de
concorrência para a prestação de serviços de acesso e atendimento ao turista no Parque
Nacional da Tijuca. O empreendimento atua com os seguintes serviços: Transporte e
acesso ao Alto Corcovado, Bilheteria e Centro de Visitantes instalado recentemente no
dia 28 de julho de 2016, oferecendo serviços de alimentos e bebidas, loja de souvenir e
também coordena uma exposição cultural com o tema "Floresta Protetora" que ocupa
1.200m² do centro de visitantes e busca impactar o público sobre a preservação da
natureza, despertando o entusiasmo para conhecer outros parques nacionais.
(PAINEIRAS-CORCOVADO, 2016) A corporação de Paineiras realiza serviços de
apoio à visitação – atividades exercidas para atender os visitantes - e execução dos
acessos das linhas de vans, concedida pelo Grupo Cataratas, Bel-Tour e ESFECO -
Estrada de Ferro do Corcovado.

147
Cerceando o Cristo Redentor e os serviços a ele ligados, as autoras deste
trabalho examinaram os serviços prestados pelas empresas ESFECO e Paineiras-
Corcovado, analisando ambos de forma atrativa e não exclusivamente como serviço de
deslocamento. Considerando que a estrada de ferro do Corcovado já existia desde 1884,
e passou a ser eletrificada em 1910, o Trem do Corcovado além de um atrativo natural -
devido a sua passagem adentro à Floresta da Tijuca – pode ser considerado um atrativo
histórico, correspondente a este fato descrito. A Paineiras–Corcovado oferece o serviço
de vans, e as mesmas passam pela estrada de acesso criada por Dom Pedro I em 1824,
que se alastrava de carruagem até o topo para contemplar a paisagem, antes mesmo de
haver o monumento.

Diante dessas ocorrências, este trabalho visa abordar mais especificamente estes
serviços de forma aprazível, considerando-os também como atrativos turísticos, sendo o
Cristo Redentor o objeto final de ambos. Assim, como objetivo geral, buscamos analisar
os serviços prestados ao Monumento do Cristo Redentor através das empresas Trem do
Corcovado e Paineiras–Corcovado. E, como objetivos específicos, traçar o histórico de
ambas empresas; verificar o que leva o turista a escolher uma em detrimento da outra e
o perfil do turista que as escolhem.

Como metodologia para essa pesquisa utilizou-se artigos e textos em sites,


livros, artigos e material gráfico das empresas para adquirir informações precisas e
concernentes ao assunto. Além do que, foram empregados questionários
semiestruturados com funcionários e turistas presentes no local, para que
consequentemente fossem obtidas respostas e resultados específicos a respeito de como
as diferentes empresas atuam em relação ao funcionamento e prestação de serviços.

A escolha do tema foi determinada a partir da experiência adquirida através da


visão que as autoras têm como funcionárias das citadas empresas. Além disso, as
presentes informações exprimem relevante importância para o campo de turismo, uma
vez que permite dispor de uma visão mais clara acerca de qual tipo de serviço melhor
corresponde ao perfil do turista que deseja visitar o Cristo Redentor, além de apresentar
toda a parte histórica, para que se possa conhecer não só o monumento, mas tudo o que
o cerca.

148
1.0 CRISTO REDENTOR: SÍMBOLO DO RIO?

O Cristo redentor foi inaugurado em 12 de outubro de 1931, depois de cinco


anos de obras, por Getúlio Vargas, Cardeal Sebastião Leme e pelo inventor Pedro
Ernesto e tombado como Patrimônio Histórico Nacional, em 1973. A população do Rio
de Janeiro, além de contribuir com dinheiro para a coleta de donativos através da
“Semana do Monumento” organizada pelo Arcebispo Dom Sebastião Leme, também
colaborou para que a estátua tivesse a forma que tem hoje, de braços abertos para a
cidade. Não fossem as críticas, o Cristo carregaria uma cruz e teria um globo terrestre
nas mãos, sobre um pedestal que representaria o mundo. (TREM DO CORCOVADO,
2010)

Como um dos principais pontos turísticos da cidade, o monumento recebe mais


de 900 mil visitantes por ano. Sendo, aproximadamente 600 mil os que chegam através
do Trem do Corcovado. Através do número de passageiros, foi traçado o perfil dos
turistas que visitam o atrativo, sendo 55% deles estrangeiros; 40% brasileiros e, destes,
apenas 5% são cariocas. (TREM DO CORCOVADO, 2010)

Conforme Barroso (2015), o Morro do Corcovado e o Cristo Redentor na Serra


da Carioca, um dos setores do Parque Nacional da Tijuca (RJ) e abriga uma das sete
maravilhas do mundo moderno: a estátua do Cristo Redentor. Este cenário
mundialmente conhecido foi eleito como a melhor atração turística do Brasil, vencendo
o prêmio Traveler´s Choice (2015), na categoria Atrações. O prêmio é baseado nas
avaliações e comentários feitos pelos próprios visitantes.

Já no ranking dos melhores pontos turísticos do mundo, o Corcovado ganhou a


nona posição, ultrapassando marcos como a Torre Eiffel, na França e Ponte Golden
Gate, nos EUA. Na América do Sul, ficou em segundo lugar, atrás apenas de Machu
Picchu, no Peru.

A eleição do Cristo Redentor como uma das novas Sete Maravilhas do


Mundo Moderno é expressiva acerca do papel da mídia na construção
social da identidade nacional, do turismo e do atrativo turístico como
representações simbólicas. Como a mais ‘nova maravilha do mundo
moderno’, a imagem do Cristo Redentor é apropriada por diferentes
atores sociais que dele fazem usos sociais diversos. (SIQUEIRA, 2015,
p.01)

149
Ao observar o comportamento dos visitantes que lá frequentam, é possível
assimilar a atividade turística ocorrida no atrativo com o turismo cultural e de lazer,
dando a entender que o sentimento religioso não traça com tanta clareza o
comportamento dos visitantes. Assim sendo possível afirmar que mesmo sendo
característico do Cristo Redentor a prática do turismo religioso, sua existência não está
exclusivamente vinculada à essa tipologia de turismo. Pois até mesmo os que não
dispõem de vínculos religiosos são capazes de admirar o grande símbolo do
cristianismo lá, em meio pessoas de diferentes realidades culturais, onde o interesse
comum é sobretudo apreciar do alto a cidade do Rio de Janeiro e experimentar a
emoção que isso proporciona (JORNAL CRUZEIRO DO SUL, 2014).

2.0 TREM DO CORCOVADO E PAINEIRAS-CORCOVADO: DE


TRANSPORTES A ATRATIVOS

O capítulo que segue se disporá a discorrer acerca das empresas Trem do


Corcovado e Paineiras-Corcovado, que têm um fatorial comum, não se trata apenas de
levar “Corcovado” no nome, mas sim por ambas oferecerem um acesso intermediário ao
visitante conduzindo-o ao monumento Cristo Redentor. Apesar de serem considerados
meios de transportes, o serviço das duas empresas pode também ser visto como um
grande atrativo turístico, devido à história e produção que carregam. Vale ressaltar que
estes percorrem seus trajetos adentro à Floresta da Tijuca, um setor do Parque Nacional
da Tijuca e um atrativo natural em meio à paisagem nativa e alguns animais silvestres
que podem ser observados pelo caminho.

O Trem do Corcovado atrai seu público através do percurso realizado pela


estrada de ferro no interior da floresta da Tijuca, sendo este um meio de transporte que
já conduzia passageiros desde o século XIX. E Paineiras, além de oferecer o mesmo
trajeto – tendo em conta que a estrada seja divergente ao do trem, porém pode ser
considerada próxima - oferece o centro de visitantes que atualmente também atrai
turistas, através da modernização de seu prédio antigamente exercido como Hotel
Paineiras, em 1880 (RODRIGUES, 2015).

2.1 Trem do Corcovado: informações gerais

A Estrada de Ferro do Corcovado foi a primeira ferrovia eletrificada do Brasil.


Teve sua inauguração em 9 de outubro de 1884, sendo mais antiga que o próprio

150
monumento do Cristo Redentor, inaugurado em 12 de outubro de 1931. Segundo Pina
(2015), relações públicas do Trem do Corcovado, todas as peças para a montagem do
monumento foram transportadas na ferrovia, por quatro anos, a partir de 1927.

Com o projeto Trem é Turismo, uma parceria entre a Associação Brasileira das
Operadoras de Trens Turísticos e Culturais (ABOTTC) e o SEBRAE, a iniciativa tem
como finalidade fortalecer destinos turísticos sobre trilhos, além de apoiar os
empreendimentos localizados no entorno das estações, guias de turismo, hotéis,
pousadas, etc.

O ponto de partida para o passeio pelo trem do Corcovado se inicia na estação de


Cosme Velho, localizada no bairro de mesmo nome, zona sul do Rio de Janeiro. A
empresa possui um espaço chamado de Espaço Cultural do Trem do Corcovado, em
cujo teto estão expostas 107 bandeiras dos principais países do mundo. Ainda no local,
encontra-se estampado um painel de toda a história do Corcovado, desde 1884, lojas de
souveniers, um Café do Trem, e painéis de fotos e reportagens sobre o dia da
inauguração. Há também uma cabeça de quatro metros, em terracota sobre estrutura de
concreto, esculpida em Paris pelo arquiteto e escultor Paul Landowsky, que serviu de
modelo para a estátua do Cristo.

A respeito do serviço oferecido pela empresa, a partir de 1º de julho de 2016, em


parceria com a empresa Ingresso com Desconto (ICD), os visitantes do Trem do
Corcovado não precisam mais enfrentar filas e horas de espera para embarcar no
passeio. Foi feita uma reestruturação pela empresa no site da atração para que todos os
bilhetes possuam hora marcada. Foi ainda criado um aplicativo com o intuito de facilitar
a venda de ingressos para a atração, e espalhados postos de vendas pela cidade do Rio
de Janeiro. Com as mudanças, as bilheterias localizadas na estação foram desativadas,
sendo utilizadas somente para trocas de vouchers. Como instrumento para realizar
reservas, foram instalados totens intuitivos, com os três principais idiomas - português,
inglês e espanhol – para o autoatendimento de turistas brasileiros e estrangeiros.
Em 1 de novembro de 2016, os ingressos sofreram alteração no valor, passando
a ser: Ingresso inteiro (alta Temporada) – R$ 74,00; Ingresso inteiro (Baixa Temporada)
– R$ 61,00; Idoso brasileiro ou residente no país – R$ 24,00; Criança de 6 a 11 anos –
R$ 48,00. É necessário notar que a empresa não oferece meia entrada para estudantes,

151
tão pouco para menores de 21 anos, e que crianças que possuem até 5 anos de idade não
pagam desde que façam o passeio no colo do responsável.

2.2 Paineiras-Corcovado

Segundo informações obtidas em campo, a empresa Paineiras-Corcovado foi


criada em 2010, junto com o ICMBio, para intermediar os passageiros que quisessem
seguir ao Cristo Redentor por outro meio que não o Trem do Corcovado. Esta ação foi
tomada tendo em vista a preservação do Parque Nacional da Tijuca, na intenção de
impossibilitar a entrada de carros no Alto do Corcovado.

Localizada na Estrada das Paineiras, a empresa se desenvolve através do antigo


hotel Paineiras que hoje se denomina como um centro de visitantes. De acordo com
Pantoja (2012), a história do antigo Hotel das Paineiras começa quando Pedro
II concede para dois engenheiros uma área para exploração e construção de uma estrada
de ferro. Essa área, chamada de Paineiras, se localiza entre a Rua do Cosme Velho e o
Alto do Corcovado. Dentre as concessões, constava a construção de um hotel
restaurante. Dá-se então a inauguração do Hotel das Paineiras, juntamente com a da
Estrada de Ferro do Corcovado, no dia 9 de outubro de 1884. O prédio original
possuía 10 quartos no pavimento inferior e 11 no superior, dispostos nos lados de um
corredor central. Apesar do pequeno lucro inicial, a partir de 1892 os hóspedes
começaram a rarear.

Atualmente o Parque Nacional da Tijuca possui um centro de visitantes com


infraestrutura integrada à natureza e com uma série de serviços de referência aos turistas
e moradores do Rio de Janeiro. Este projeto conta com o modelo de compra de
ingressos e embarque para a visita ao Cristo Redentor. Os turistas podem adquirir o
bilhete pela internet ou em totens de autoatendimento disponíveis na frente do centro, e
aguardar o horário de seu embarque por meio de sistema de senhas, não sendo
necessário esperar em filas longas. (GRUPO CATARATAS, 2016)

Ainda de acordo com o Grupo Cataratas (2016), o investimento total no Centro


de Visitantes, em Paineiras, foi de R$30 milhões para reformar. A primeira etapa da
revitalização foi concluída com a entrega do restaurante, bar, lanchonete e loja de
souvenir. A segunda está prevista para continuar e concluir em 2017 com restaurante
panorâmico e sala de eventos.

152
Além de toda história e serviços, o centro de visitantes disponibiliza uma
exposição interativa com o tema “Floresta Protetora”, que busca sensibilizar as pessoas
acerca dos parques nacionais do Brasil e o papel deles para a humanidade. É uma
experiência que contribui para a educação ambiental e informação sobre o turismo
sustentável. Neste lugar, ainda é possível tomar conhecimento acerca de alguns marcos
históricos do Rio de Janeiro e conhecer toda a fauna e flora da cidade. De acordo com
Ernesto Viveiros, chefe do Parque Nacional da Tijuca,

este é o parque mais visitado do Brasil, com mais de três milhões de


visitantes por ano. O centro de visitantes vai garantir mais qualidade,
conforto e informação para as pessoas. Queremos mostrar o parque
para que as pessoas possam valorizar ainda mais este patrimônio. A
exposição Floresta Protetora irá colaborar para mostrar ao cariocas e
turistas a importância deste lugar. (CATARATAS, 2016,p.02)

Há diversas formas de chegar até Paineiras, porém devemos levar em


consideração que o caminho é um tanto longo e possui bastante ladeiras com curvas
acentuadas. O jeito convencional, e supostamente mais simples, escolhido pelos turistas,
é ir de carro particular e deixá-lo no estacionamento. Outra forma é utilizar os serviços
de Car Service – Serviço de transporte alternativo que leva o turista até Paineiras,
cobrando R$ 30,00 por pessoa.

No entanto, o consórcio Paineiras-Corcovado dispõe-se de três pontos


estratégicos de acesso até Paineiras, tendo parada obrigatória no centro de visitantes -
uma forma de marketing para atrair mais visitantes no local. Em Copacabana e no Largo
do Machado os valores são R$57,00, na baixa temporada (de segunda a sexta) e
R$70,00 na alta temporada (sábado, domingo e feriados). O valor para Crianças de 05 a
11 anos é de R$ 44,00. Brasileiros ou estrangeiros residentes a partir de 60 anos é R$
37,00. Na Barra da Tijuca, os valores são R$89,00 na baixa temporada e R$102,00 na
alta temporada. Devido ao fato de a Barra estar localizada na Zona Oeste, é considerável
que a distância percorrida até as Paineiras é maior do que no Largo do Machado e
Copacabana, que se localizam na Zona Sul, e por isso essa diferença de preço. Vale
ressaltar que o ponto Barra da Tijuca foi aberto recentemente na Olimpíada para levar
os atletas que estavam hospedados na cidade dos atletas durante todo o mês de agosto e
setembro. Atualmente a demanda vinda de lá é bem menor, tendo entre 4 a 6
passageiros por dia.

153
Segundo informações obtidas em campo, a demanda de Copacabana e Largo do
Machado é bem maior em comparação à Barra da Tijuca até porque, esses pontos são os
principais da cidade e da empresa, tendo aproximadamente 500 a 600 bilhetes vendidos
num dia de alta temporada, por exemplo.

Para quem decide subir de carro ou taxi até as Paineiras, o valor para o acesso ao
Cristo Redentor é de R$27,00, na baixa temporada (de segunda a sexta) e R$40,00 na
alta temporada (sábado, domingo e feriados) e o valor para crianças de 05 a 11 anos é de
R$ 14,00. Brasileiros ou estrangeiros residentes a partir de 60 anos é R$ 7,00.

2.3 Paineiras e Trem do Corcovado: transportes ou atrativos turísticos?

A atividade de turismo não pode acontecer sem o transporte. No entanto, apesar


da sua notável importância, poucas são as referências bibliográficas que tratam
exclusivamente sobre o assunto. O Transporte e o turismo estão interligados, pois no
conceito básico do turismo, para realizá-lo, a premissa básica é o deslocamento e se há
deslocamento, há o transporte.

No Brasil, a adequação operacional e a qualidade do transporte ainda são


grandes desafios de seus gerenciadores. A maioria das políticas de desenvolvimento e
os próprios investimentos nacionais e regionais, ainda estão voltados à boa circulação
dos automóveis particulares e veículos de carga. Somente em casos isolados são
identificadas tentativas de priorizar o transporte coletivo, buscando democratizar a
mobilidade e a acessibilidade urbana de forma planejada. (GONÇALVES, 2008)

Todavia, cabe dizer que o transporte pode ser definido também como produto
turístico. Segundo Palhares (2002), a própria atividade de transportes é uma experiência
de turismo, como no caso da Rail Europe que realiza um magnífico passeio pela Europa
feito de trem, e a Euroestar que promove a travessia ferroviária submarina mais famosa
do mundo, que interliga a Inglaterra à França (FRAGA, 2013) e até mesmo os navios
cruzeiros.

A mesma situação se aplica ao Trem do Corcovado (Transporte ferroviário) e às


vans de Paineiras-Corcovado (Transporte rodoviário). As duas empresas oferecem o
transporte até o famoso monumento do Cristo Redentor, e, por si só, já são considerados

154
parte do atrativo turístico, pelo fato ter seu trajeto na Floresta da Tijuca - um setor da
Unidade de Conservação Parque Nacional da Tijuca.

A diferença é como o passeio é feito: O Trem do Corcovado dispõe de


locomotivas elétricas, centenárias e que são ambientalmente corretas por não poluir a
mata enquanto executa o seu trajeto através de linha férrea por cremalheiras. Já a
empresa Paineiras – Corcovado realiza o trajeto através de Vans climatizadas, em pista
asfaltada.

A relação entre o modo rodoviário e o desenvolvimento de destinos turísticos


envolve variadas situações que merecem atenção dos pesquisadores e tomadores de
decisão. Dentre as vantagens do uso do automóvel para o desenvolvimento de destinos
turísticos, destacam-se: (FRAGA, 2013)

1. A possibilidade de acesso direto entre origem e destinos turístico quando o


deslocamento não envolve travessias aéreas e marítimas.
2. Flexibilidade de definição de rota pelos viajantes
3. A flexibilidade de horários, o que difere do transporte público regular que tem
horários predefinidos.
4. Maior privacidade para os passageiros.

A van das Paineiras–Corcovado favorece esse lado mais prático ao turista,


principalmente por dispor pontos de acesso em lugares com bastante fluxo hoteleiro
(Copacabana, Largo do Machado e Barra da Tijuca), sendo assim, o turista consegue ter
a flexibilidade de não precisar ir tão longe para ter acesso ao Cristo redentor, sem deixar
de lado todo o conforto e o acesso mais rápido.

Ainda falando sobre acessos, o Trem do Corcovado também apresenta sua


vantagem, pelo fato de ser no mesmo lugar desde que foi inaugurado em 1884, no
Cosme Velho. Desta forma, pode-se afirmar que não há como o visitante não conseguir
chegar na estação, pois há acessos públicos pela cidade que indiquem como chegar.
Todavia, pode ser que pra alguns esse deslocamento não seja positivo devido a razoável
distância dos hotéis e etc.

Segundo pesquisa realizada por Fraga (2004) 89% dos entrevistados consideram
a experiência do uso do trem a própria experiência turística, sendo os três principais
conjuntos de motivos relacionados a isso:

155
(1) a cultura e história, associadas ao fato da Estrada de Ferro do
Corcovado ser centenária, já que foi inaugurada em 1884; (2) a
ecologia, provavelmente por conta do percurso ferroviário contido
dentro de uma área de Mata Atlântica, sendo possível vislumbrar a
biodiversidade local; (3) cênico, em função de o trem apresentar
janelas largas, propícias para se avistar a paisagem em seu trajeto
(FRAGA 2004, p.?).

3.0 RESULTADOS E DISCUSSÕES

Foi realizada uma pesquisa de campo no Alto do Corcovado, no entorno do


monumento do Cristo Redentor, nos dias 13 e 14 de dezembro de 2016. Um
questionário com perguntas abertas e fechadas foi utilizado, para que, com base nas
respostas obtidas, fossem determinados os motivos de escolha e o perfil dos turistas que
utilizaram os serviços de transporte Trem do corcovado e Paineiras – Corcovado.

Foram entrevistados 50 turistas, sendo 26 passageiros do Trem do Corcovado e


24 de Paineiras – Corcovado, escolhidos aleatoriamente entre os presentes no atrativo.
Para que fosse obtida uma analise livre a respeito das respostas, o questionário foi
desenvolvido por conta própria, sem influência de nenhuma das empresas envolvidas.

O questionário continha 12 perguntas, sendo 5 sobre o perfil socioeconômico


dos entrevistados. Em seguida, 1 para que fosse possível identificar qual serviço de
transporte foi utilizado pelo entrevistado; 1 pergunta sobre o porquê da escolha do
serviço, e, por fim, 5 perguntas a respeito de quão satisfeito o turista ficou com o
serviço que lhe foi oferecido. Em função do quantitativo de entrevistados, os resultados
expressos, neste trabalho, não necessariamente implicam no parecer de todos os
usuários dos serviços de transportes ao Cristo Redentor, mas sim, representa um
indicativo de afirmações e discussões antecedentes.

3.1 Trem do Corcovado

Fundamentado nas respostas obtidas, verificaram-se, junto aos visitantes que


usuram o Trem do Corcovado, os dados socioeconômicos descritos nos gráficos abaixo
(figuras 1 a 5).

156
Figura 1 - Gênero dos entrevistados Figura 2 – Estado civil dos entrevistados Figura 3 - Faixa
etária

Gênero Estado civil Faixa etária


00 0 11,5% 26 a 35
3,8% anos
Feminino Casado 11,5% 36 a 45
42,3% 30,8% 34,6% anos
Solteiro 46 a 55
57,7% Masculin 65,4% 30,8%
Viúvo anos
o mais de 65
anos

Fonte: Pesquisa própria (2016) Fonte: Pesquisa própria (2016) Fonte: Pesquisa própria
(2016)

Figura 4 – Entrevistados com filhos Figura 5 – Nacionalidade dos


entrevistados

Filhos Nacionalidade
00
30,7%
42,3% Sim Brasileiros
57,7% Não Estrangeiros
69,3%

Fonte: Pesquisa própria (2016) Fonte: Pesquisa própria (2016)

Quando questionados o porquê de terem escolhido o serviço, 73,1% alegaram


ser pela fama que o serviço tem, enquanto 26,9% responderam que por tradição. Fama
através de sites de opiniões públicas, blogs com dicas de passeio, e por ser um
transporte diferenciado, sendo também parte do atrativo; Tradição por possuir conteúdo
histórico-cultural, ter feito o transporte das peças do monumento Cristo Redentor.

A respeito do ponto negativo do serviço, 55% não viram pontos negativos,


15,3% disseram ser a falta de conforto, 18,7%, a conservação do trem e 11% o valor do
ingresso. A falta de conforto referente às dependências do Trem, como seus assentos e a
falta de ventilação em dias quentes. A falta de conservação, segundo os entrevistados,
refere-se aos trens já terem muito tempo de uso, e por isso não apresentar
funcionamento tão bom quanto esperavam. E relacionado ao preço, está a falta do valor
de meia entrada para estudantes, por não oferecer desconto para moradores da cidade do
Rio de Janeiro, e o desconto para adultos acima de 60 anos valer apenas para brasileiros
ou residentes no país.

157
Quando questionados se o preço pago pelos ingressos era justo, 61,5%
responderam que sim, enquanto 38,5% que não. Os que responderam não, disseram que
pelo preço cobrado, o serviço deveria ser melhor em questão de conforto e segurança.

Sobre os pontos positivos, 46,2% relataram que seria o caminho que o trem faz,
26,9% a hospitalidade dos funcionários e também 26,9% a facilidade de compra. O
caminho, por oferecer o contato com a floresta e vistas privilegiadas da cidade; a
hospitalidade, porque os funcionários são atenciosos e dão informações não só do
passeio ali oferecido, mas também de outros atrativos da cidade; e a facilidade, por
poderem comprar pela internet e escolherem os horários que se adequariam mais ao seu
tempo disponível.

Enquanto 96,2% confirmaram que a experiência com o serviço fora como


imaginavam, apenas 3,8% se disseram insatisfeitos. Insatisfação esta diretamente ligada
aos pontos negativos da empresa, citados anteriormente. Por fim, 92,4% afirmaram que
pretendem voltar e utilizar o mesmo serviço, e 7,6% que não usariam novamente. Não
voltariam por considerar que o valor é alto e que o serviço oferece sempre o mesmo
conteúdo, não apresentando novidades.

3.2 Paineiras – Corcovado

Quanto aos clientes que utilizaram as vans da empresa Paineiras-Corcovado,


verificaram-se os dados socioeconômicos descritos nos gráficos abaixo (figuras 6 a 10).

Figura 6 - Gênero dos entrevistados Figura 7 – Estado civil dos entrevistados Figura 8 - Faixa
etária

26 a 35 anos
Gênero Estado civil Faixa etária
00 45,8% 0 8,7% 0 26,1% 36 a 45 anos
45,8% Casado
46 a 55 anos
Feminino
50% Divorciado 56 a 65 anos
Masculino
Mais de 65
54,2% 4,2% Solteiro 26,1% anos
21,7%

158
Figura 9 - Entrevistados com filhos Figura 10 – Nacionalidade dos entrevistados

Filhos Nacionalidade
00 0 0 12,5%

37,5% Sim Brasileiros

62,5% Não Estrangeiros

87,5%

Fonte: Pesquisa própria (2016) Fonte: Pesquisa própria (2016)

A respeito da escolha do serviço, 58,3% justificaram a resposta com a questão do


conforto transporte, 20,8% pela fama, 16,7% pelo preço e 4,2% pela rapidez. Quando
questionados se o preço pago pelos ingressos era justo, 61,5% responderam que sim,
enquanto 38,5% que não. Os que responderam que escolheram pela fama das vans, se
justificaram de que era porque o hotel em que eles estavam indicavam a eles para que
fossem de van. O mesmo se aplica para a rapidez, já que há um posto em Copacabana,
os turistas acharam mais prático optarem pela van, já que não andariam muito e nem
teriam de pegar algum transporte público para chegar.

Dos pontos negativos do serviço, 62,5% alegaram não perceberem nenhum,


12,5% disseram ser a troca necessária de transporte em Paineiras, pois eles achavam que
a van os deixaria logo acima no Cristo e não que parassem no centro de visitantes em
Paineiras. 8,4% não poder escolher outro ponto de desembarque no retorno do passeio,
pois às vezes quem pegava a van em Copacabana queria voltar pro largo do machado,
pois era mais próximo ao metrô em direção ao centro da cidade e maracanã, e quem
pegava no Largo do Machado muita das vezes queria que o retorno das vans fossem em
Copacabana pois é mais perto da praia. 8,3% ser a falta de informações e o preço e
problemas com o atendimento pelo telefone atingiram 4,2% cada. Quando questionados
se o preço pago pelos ingressos era justo, 61,5% responderam que sim, enquanto 38,5%
que não.

Em contrapartida, quanto ao preço pago, 95,8% afirmaram ser justo e somente


4,2% responderam que não, pois apesar do preço ser alto ele atende as necessidades
básicas do consumidor, garante o conforto e a rapidez necessária para chegar ao
monumento. A justificativa negativa desta ocorrência é bem menor, pois o visitante que

159
respondeu negativamente apenas se justificou que o valor era alto, mas não disse que
não cobria as expectativas através do valor.

Quanto questionados sobre os pontos positivos, 37,5% disseram ser a rapidez do


serviço, 25,1% a facilidade de acesso, 16,6% a hospitalidade dos funcionários, 12,5% o
conforto e 8,3% parabenizaram a organização. 100% dos entrevistados certificaram que
a experiência foi como a esperada e que pretendem voltar e usufruir do mesmo serviço.

3.3 Trem do Corcovado e Paineira-Corcovado: entre semelhanças e


diferenças

Após a análise dos resultados, é possível notar que os dois serviços oferecidos
apresentam um perfil de turista parecido, sendo predominante o de sexo masculino,
casado, com idade entre 26 e 35 anos, com filho(s) e estrangeiros.

Os serviços se mostraram com bastante aceitação dentre os seus clientes, sendo


citados poucos pontos negativos e satisfação com os serviços oferecidos. Acredita-se
que dentro destes pontos negativos, o mais gritante a respeito da Paineiras – Corcovado
é pelo fato de não poder voltar para outro lugar sem ser o ponto de partida inicial.
Todavia, é necessário esclarecer que todos os passageiros são controlados, em termo de
quantidade, para se fazer uma estatística de quantos passageiros embarcaram e voltaram
para aquele destino no dia. Se pudesse voltar para outro destino esse controle seria
perdido. Portanto, a gestão deveria pensar, previamente, uma maneira de quantificar
seus passageiros de forma em que possa trazer esse conforto a mais para os turistas.

Já sobre o Trem do Corcovado, a maior insatisfação é relativamente a falta de


conforto oferecida no transporte. Quanto a isso, a empresa já possui uma resposta, pois,
novos trens passarão a operar em 2018 com maior capacidade e velocidade, com o
intuito de proporcionar ao turista uma experiência ainda mais satisfatória. (O GLOBO,
2016)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

De maneira geral, este projeto retrata a importância do transporte para a


existência do turismo. A ideia principal estimulada inicialmente era examinar as
empresas Trem do Corcovado e Paineiras – Corcovado como não somente transportes
turísticos que pudessem levar o visitante ao atrativo principal, que é o Cristo Redentor,
160
mas também como o próprio atrativo turístico, fazendo assim com que o visitante
pudesse desfrutar do passeio como um todo e não somente quando ele chegasse em seu
destino final.

Consideramos que o turismo é composto por serviços e atrativos e que vem


crescendo a cada ano como consequência da necessidade dos indivíduos em conhecer
novos lugares e culturas. O Transporte e o turismo estão interligados, pois no conceito
básico do turismo, para realizá-lo, a premissa básica é o deslocamento e se há
deslocamento, há o transporte. E se há o transporte, há o turismo. Nesta perspectiva,
ainda considerando as empresas Trem do Corcovado e Paineiras_Corcovado como
atrativos turísticos, podemos considerar que ambos têm total apoio do Parque Nacional
da Tijuca.

Os objetivos puderam ser alcançados graças às pesquisas de campo e aos artigos


referentes encontrados. Foi possível analisar e identificar os serviços prestados ao
monumento do Cristo Redentor e traçar o histórico de ambas as empresas. Além de
identificar o perfil dos visitantes que escolhem cada serviço e seus motivos.

Este tema foi de grande aproveitamento possibilitando observar alguns aspectos


positivos e negativos das empresas aqui retratadas. Neste sentido, acreditamos que
Paineiras não tem sido devidamente divulgado, e por isso, muita das vezes o turista
escolhe seguir de trem ao invés da van. Uma solução bem simples e rápida para isto é
divulgar mais o lugar, nem que seja em forma de comerciais, outdoors ou até mesmo
com promoções e parcerias, pois muitos visitantes não sabem que o centro de visitantes
existe.

Muitos visitantes que já estavam acostumados a ir para Paineiras ficam


admirados em como sua estrutura mudou desde julho de 2016 – que foi quando o centro
de visitantes foi inaugurado- até agora. E muitos que também não tinham o costume
ficam surpresos com o fato de haver um centro de visitantes no intermédio ao
Corcovado. Ou seja, na maioria dos casos o centro de visitantes só é descoberto quando
se chega lá. Vale ressaltar também que isso gera um aspecto negativo muito grande em
relação a gestão local, já que muito foi investido neste empreendimento e claramente
não esta havendo o retorno esperado.

161
Apesar destes fatos, a divulgação mais forte de lá é feito através dos hoteis em
Copacabana que sugerem que o turista vá até Paineiras com a van oficial. Porém, há
casos em que o visitante questiona se quando chega ao Centro de visitantes o próximo
passo é pegar o Trem do Corcovado, atividade esta que não pode ser realizada.
Lembrando que também há casos consideráveis de que o visitante chega ao centro e
acha que o monumento se posiciona ali, mas na verdade tem que pegar mais uma van
para chegar ao topo.

REFERÊNCIAS
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geográficos. Disponível em:
<http://www.riodejaneirohotel.com.br/site/br/ler/287/O_Rio_de_Janeiro/aspectos-
geograficos/> Acesso em: 7 de novembro de 2016.

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Identitárias na Eleição do Cristo Redentor como Nova Maravilha do Mundo
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<http://www.ucs.br/etc/revistas/index.php/rosadosventos/article/view/3756> Acesso
em: 09 de novembro de 2016.

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Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Editora Garamondi, 2005, p.7.

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Maurice Rheims. Paris/ Bruxelles: Bordas, 1981, 320 pp. il. p&b. color.

FRAGA, Carla; CASTRO, Rafael; LOHMAN, Guilherme. Transportes e Destinos


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G1: Água da Baía de Guanabara vira Polêmica em rede social nos EUA. Disponível
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baia-de-guanabara-vira-polemica-em-rede-social-nos-eua.html> Acesso em: 7 de
novembro de 2016.

ICMBio: Guia do visitante. Disponível em:


<http://www.icmbio.gov.br/parnatijuca/guia-do-visitante/21-atrativos.html/> Acesso
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ICMBio: Mais conforto e lazer na Tijuca. Disponível em:


<http://www.icmbio.gov.br/portal/ultimas-noticias/20-geral/8048-mais-conforto-e-
lazer-na-tijuca> Acesso em: 25 de outubro de 2016.

162
JBRJ - Jardim Botânico do Rio de Janeiro: Conveniências. Disponível em:
<http://jbrj.gov.br/visitacao/conveniencias> Acesso em: 8 de novembro de 2016.

MACHADO, Marcelo de Barros Tomé. A formação do espaço turístico do Rio de


Janeiro. In: BARTHOLO, Roberto. Turismo e sustentabilidade no estado do Rio de
Janeiro. Rio de Janeiro: Editora Garamondi, 2005, p.44.

MARTINS, Luciana. O Rio de Janeiro dos viajantes: o olhar britânico (1800-1850).


Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2001, p.28.

MINISTÉRIO DO TURISMO – Mais de 6,4 milhões de turistas estrangeiros


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MTUR – Rio é o destino preferido dos estrangeiros. Disponível em:


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O GLOBO - Cristo Redentor é a melhor atração do Brasil, segundo Trip Advisor.


Disponível em: <http://oglobo.globo.com/rio/cristo-redentor-a-melhor-atracao-do-
brasil-segundo-trip-advisor-19320176#ixzz4ODgrdYGC>. Acesso em: 15 outubro de
2016.

PAINEIRAS-CORCOVADO: Sobre. Disponível em:


<http://www.paineirascorcovado.com.br/paineiras-corcovado/sobre> Acesso em: 25 de
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RIO+20 - PONTOS TURÍSTICOS. Disponível em:


<http://www.rio20.gov.br/clientes/rio20/rio20/rio/pontos-turisticos.html/> Acesso em:
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SOUZA, Suelen; BORGES, Marcos. A imagem do Rio de Janeiro através dos


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<http://www.sindepat.com.br/site/associado.asp?id=12> Acesso em: 07 de dezembro de
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TREM DO CORCOVADO – História e curiosidades. Disponível em:


<http://www.tremdocorcovado.rio/historia.html> Acesso em: 29 de outubro de 2016.

163
TURISMO E ALBERGUES NAS FAVELAS CARIOCAS: NOVAS
POSSIBILIDADES URBANAS
Sergio Moraes Rego Fagerlande1

RESUMO: O turismo em favelas vem apresentando presença crescente na cidade do


Rio de Janeiro. Este trabalho traz resultados preliminares de pesquisa de mapeamento
de albergues (hostels) em favelas da Zona Sul carioca: Cantagalo–Pavão-Pavãozinho,
Babilônia-Chapéu Mangueira, Vidigal, Santa Marta e Rocinha. São comunidades em
que o turismo vem tendo uma participação bastante considerável, e ao lado da visitação
guiada um dos aspectos mais visíveis dessas atividades é o grande número de albergues
encontrados. A partir do estudo da presença desses empreendimentos, sua localização e
a maneira com as atividades vem se relacionando com as comunidades locais, a
pesquisa busca entender a maneira como o turismo em favelas traz novas possibilidades
para essas populações, em geral excluídas do processo urbano e social, e mudanças das
relações com as áreas vizinhas.

PALAVRAS-CHAVE: turismo em favelas, albergues, hostels, Rio de Janeiro, bordas


de favelas.

ABSTRACT: Slum tourism has been growing as an activity in Rio de Janeiro. This
work offers preliminary results from research done to map hostels in the favelas of Rio's
south side (Zona Sul), such as Cantagalo-Pavão-Pavãozinho, Babilônia-Chapéu
Mangueira, Vidigal, Santa Marta, and Rocinha. These are communities where tourism
has been growing significantly and, along with the guided visitations, one of the more
prominent aspects of this has been the big number of hostels found. Based on the study
of the presence of such enterprises, their location and way how such activities have
started to relate to the local communities, the research seeks to understand how tourism
in slums brings new possibilities for the populations of those places, as they are usually
excluded from the urban and social process, and the changes occurred in the relations
with neighbouring areas.

KEYWORDS: slum tourism, hostels, Rio de Janeiro, slum edges.

INTRODUÇÃO

A cidade do Rio de Janeiro tem em sua história o turismo como uma de suas
atividades mais importantes, com reflexos significativos em sua forma urbana, em
especial na Zona Sul, onde a presença de fortes elementos de atração, como o mar e as
montanhas sempre cativaram os visitantes, e onde sempre se localizou o maior número
de locais de hospedagem, devido a esse interesse de quem visita a cidade. Bairros como
Copacabana e Ipanema trazem aos turistas não somente a imagem da cidade

1
Prof, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro / Pesquisador
LAURBAM PROURB FAU UFRJ; sfagerlande@gmail.com .

164
maravilhosa criada no imaginário mundial, mas a possibilidade da oferta de grande
número de hotéis, e mais recentemente, albergues e mesmo apartamentos de temporada
ou ofertas através de sites de hospedagem.

A partir dos anos 1990, após a realização no Rio de Janeiro de um grande evento
mundial patrocinado pela ONU, a ECO 92 (Rio Conference on Environment and
Sustainable Development), surgiu nova movimentação em áreas até então pouco
relacionadas ao turismo: as favelas. Freire-Medeiros (2009, p. 50) conta que o interesse
de um grupo de participantes dessa conferência em visitar essas áreas até então
invisíveis da cidade fez crescer o turismo em favelas na cidade, com a visitação da
favela da Rocinha. A partir desse inicio as atividades turísticas em favelas vem
encontrando novas possibilidades em diversas cidades ao redor do mundo, como falam
Frenzel, Koens e Steinbrink (2012).

Esse artigo traz parte de pesquisa em andamento sobre turismo, mobilidade


urbana e ambiente em favelas da Zona Sul carioca. A partir de uma pesquisa inicial
sobre a importância da instalação das UPP2 e da instalação de equipamentos de
mobilidade em algumas favelas cariocas, relacionadas a uma política de construção de
uma nova imagem para a cidade do Rio de Janeiro visando os grandes eventos
esportivos da Copa do Mundo de 2014 e dos Jogos Olímpicos e paralímpicos de 2016,
foi iniciado um mapeamento das atividades ligadas ao turismo na favela Cantagalo
Pavão Pavãozinho. Ao se verificar o grande número de albergues ali existentes,
chamados por todos das comunidades de hostels, a pesquisa buscou quantificar essas
atividades em outras favelas cariocas. Verificou-se que esses empreendimentos existiam
de maneira mais expressiva em favelas da Zona Sul, sendo então iniciado o
mapeamento nas favelas de Santa Marta, Babilônia Chapéu Mangueira, Vidigal e
Rocinha, além de Cantagalo Pavão Pavãozinho. A pesquisa vem registrando o processo
desde 2008, ano de instalação das UPP, até 2016, ano dos grandes eventos esportivos na
cidade do Rio de Janeiro.

A pesquisa se iniciou com o estudo do turismo em cidades turísticas, através de


autores como Urry (2001), Judd e Fainstein (1999) que mostram a relação entre
mobilidade, turismo e a cidade, e que não descarta o que ocorre em favelas, parte da

2
As Unidades de Polícia Pacificadora – UPP, foram criadas em 2008, sendo a primeira instalada no
Morro Dona Marta, na Favela Santa Marta (RODRIGUES, 2014, p. 22)

165
cidade, mesmo com diferenças importantes. Outros autores, como Freire-Medeiros
(2009) e Frenzel, Koens e Steinbrink (2012) estudam o processo do turismo em favelas,
tanto no Rio de Janeiro como em outras cidades do mundo. A participação da
comunidade se mostra em estudos de Rodrigues (2014), no livro de Silva, Pinto e
Loureiro (2012) que trata do Museu de Favelas (MUF) e o processo de turismo de base
comunitária (TBC), tema de livro de Bartholo, Sansolo e Burzstyn (2009).

METODOLOGIA

O trabalho vem sendo realizado a partir da visitação e registro em mapas e


fotografias desses locais, com o reconhecimento das atividades ali realizadas, e também
de pesquisa em sites de hospedagem, como booking.com (2017), tripadvisor.com
(2017), facebook.com (2017), brazilian.hostelworld.com (2017) e
reservehotelonline.com.br (2017). A pouca informação existente, ainda que já existam
iniciativas nessa direção, como o trabalho do Sebrae com seu Guia de Favelas
(SEBRAE, 2015), e alguns sites ligados a iniciativas locais de turismo nessas favelas,
mostrou que o processo, ainda novo, não foi ainda percebido e estudado em sua
complexidade. Existe ainda a dificuldade de obtenção de dados, o que ainda é parte de
um processo em andamento. Dessa maneira os números de quartos em cada albergue
ainda não são conclusivos, com lacunas nas informações desse artigo.

Uma questão importante na pesquisa é entender que esses albergues nem sempre
se mantém ativos durante muito tempo, e sempre surgem novos estabelecimentos que
podem passar a constar de novas listas posteriores. A informalidade dos
empreendimentos é um fator a ser considerado nesse processo de estudos. Com relação
às datas de inicio de funcionamento de albergues, a pesquisa tem informações também
ainda imprecisas, sendo considerados dados obtidos tanto nas visitas às favelas como
nos sites mencionados acima. Mesmo assim pode ser considerado um dado importante
para se entender as dinâmicas urbanas com relação à abertura de diversos albergues em
áreas de borda, aspecto relevante para o estudo das transformações urbanísticas que o
turismo em favelas tem estimulado nessas áreas de fronteira, entre a favela e a chamada
cidade formal.

166
AS FAVELAS ESTUDADAS

A partir do estudo inicial de duas favelas da Zona Norte, o Complexo do Alemão


e o Morro da Providência, e outras duas da Zona Sul, Cantagalo-Pavão-Pavãozinho e
Santa Marta, a pesquisa verificou a inexistência de albergues nas favelas da Zona Norte
estudadas, ou o fim do que ali era embrionário. No Complexo do Alemão podia se
verificar grande potencialidade no movimento turístico do teleférico (FAGERLANDE,
2015), mas o aumento da violência e a paralisação das atividades do teleférico em 2016
mostraram as dificuldades ali existentes para as atividades do turismo. Na Providência
problemas com a dificuldade de controle da violência, mesmo com a UPP ali instalada
pode ser considerada uma das causas para a inexistência de albergues. Dessa maneira o
estudo passou a se concentrar nas favelas da Zona Sul, já parcialmente estudadas
(FAGERLANDE, 2016), e incluir outros locais, como Babilônia-Chapéu Mangueira,
Vidigal e Rocinha.

A escolha inicial dessas favelas foi devido à presença dos citados investimentos
públicos relacionados aos eventos esportivos da cidade e à presença da UPP, mas no
desenvolvimento da pesquisa foi se verificando que os albergues estavam cada vez mais
se estabelecendo em comunidades junto aos bairros de maior apelo turístico, junto à orla
carioca, e onde já havia maior número de locais de hospedagem, não sendo a presença
de UPP a maior motivação para o desenvolvimento de atividades de turismo. Apesar do
grande número de favelas na cidade, a concentração de albergues nas favelas da Zona
Sul aparentemente reflete o mesmo processo que o turismo vivencia na cidade, com
uma concentração de hotéis nessa região.

167
Figura 1: Localização das favelas estudadas na Zona Sul do Rio de Janeiro
Fonte: Desenho do autor sobre Google Maps, 2017.

Dessa maneira, seja pela proximidade com os atuais centros turísticos da cidade,
seja pela paisagem natural que essas favelas exibem, o estudo buscou localizar onde
estão esses albergues nas favelas e em suas bordas próximas, em um mapeamento
inicial, que buscou estabelecer o número de empreendimentos, o local de cada um deles,
sua relação com a favela e o entorno, o número de hóspedes e se possível verificar a
relação do empreendedor com a comunidade, buscando verificar se os empreendedores
são locais ou não, visando entender como esse processo que vem se desenvolvendo está
trazendo ganhos para seus moradores ou é parte do que Pearlman (2016, p.77) chama de
“expulsão branca”.

SANTA MARTA

A favela Santa Marta, localizada no Morro Dona Marta em Botafogo, foi a


primeira a receber uma UPP, em 2008 (RODRIGUES, 2014, p. 22). O trabalho
realizado pelo governo do estado para estimular o turismo de base comunitária através
do Rio Top Tour teve bons resultados, e os albergues existentes, de propriedade de
empreendedores locais e implantados dentro da malha urbana da favela, mesmo que em
locais em que o acesso é facilitado pela existência do plano inclinado, se apresentado
como exemplo da possibilidade do turismo na favela se relacionando com a visitação e
o empreendedorismo comunitário, base do que se entende como um aspecto positivo do
turismo em favelas (FRENZEL, KOENS, STEINBRINK, 2012).

168
nome endereço Nº hóspedes Data
abertura3
1 Hostel Favela Scene Casa dos Rua da Paciência, 4 10 28/02/2014
Relogios
2 Hostel Bosque Santa Marta Rua da Light n° 57 (Estação 2 do Plano (*) (*)
Inclinado)
3 Favela Top Tour Rua do Coco Verde, 4, 13 25/05/2016
Tabela 1: Lista de albergues na Favela Santa Marta. (*) Dados ainda não obtidos
Fonte: Realizado pelo autor, 2017.

Figura 2: Mapa da Favela Santa Marta, com localização dos albergues


Fonte: Desenho do autor sobre Google Maps, 2017.
Mesmo sendo a primeira favela a contar com UPP e um projeto de turismo
comunitário com apoio governamental, pode ser percebido o pequeno número de
albergues. Uma das razões pode ser o fato de Botafogo não ter o mesmo apelo turístico
dos demais bairros da Zona Sul, inclusive a distância do mar.

CANTAGALO PAVÃO PAVÃOZINHO

O Cantagalo Pavão Pavãozinho é um dos conjuntos de favelas em que o turismo


vem apresentando resultados, por um lado pelo trabalho consistente do Museu de Favela
(MUF), organização não governamental que promove atividades comunitárias
relacionando o turismo, os moradores e a identidade local, através especialmente do
Circuito de visitação das Casas Tela e também pelo circuito ecológico, importante pelo
fortalecimento com a preservação em área remanescente de mata atlântica no alto do
morro (PINTO; SILVA; LOUREIRO, 2012, p. 46).

3
A data de abertura dos albergues é uma informação fornecida por funcionário ou proprietário do
albergue ou se refere à data em que passou a ser encontrado em sites de viagem. Isso se refere a todas as
tabelas apresentadas.

169
O grande número de albergues mostra a possibilidade dessa atividade se
relacionar tanto com a favela como com os bairros vizinhos. O levantamento mostra que
nove albergues levantados se encontram em meio à favela, e doze em suas bordas, nesse
caso na principal rua de acesso, a Rua Saint Roman. Esse fato ao mesmo tempo em que
traz a possibilidade de se ter hospedagem não somente dentro da favela, mas próximo a
ela, mostra um exemplo do que pode ser considerado em termos urbanísticos como uma
“contaminação positiva”, em que ao contrário do que ocorreu anteriormente, quando
essa rua passava por um processo de desvalorização imobiliário, a ocupação com
albergues e pequenos hotéis e pousadas traz um novo momento em que o turismo se
relaciona com a melhoria do espaço urbano da favela e de seu entorno, no caso os
bairros de Copacabana e Ipanema.

nome endereço Nº quartos Data abertura

1 Pura Vida Hostel Rua Saint Roman 20 6 26/07/2011


2 Blue Ocean Hostel /Hostel Rio Pousada Rua Saint Roman 119 5 2013
3 Casa do Estudante Rua Saint Roman 167 14 2011
4 Casa Mosquito Rua Saint Roman 222 5 2011
5 Rio Colinas Hotel Rua Saint Roman 338 28 30/06/2011
6 Abbey of Design Rua Saint Roman 301 4 14/01/2013
7 Casa del Angel (Pousada del Angel) Rua Saint Roman 154 11 20/05/2013
8 Pousada Dona Julia Copacabana Rua Saint Roman 154 30 (*)
9 Copa Green Hostel Rua Saint Roman 127 9 06/10/2015
10 Pension D. Olga Rua Saint Roman 135 (*) (*)
11 Club House Rio Rua Saint Roman 184 3 01/11/2015
12 Caixa Preta Rua Saint Roman 43 7 22/05/2015
13 Pousada Favela Cantagalo Rua Saint Roman 200 10 25/02/2011
14 Chateau Hostel Rio Estrada do Cantagalo 2 23/06/2016
15 Tiki Hostel Cantagalo Estrada do Cantagalo 9 06/08/2014
16 Homestay Girassol Rua Saint Roman 200 (*) 24/06/2014
17 Casa de Cris Rua Ari Barroso 20 1 2012
18 Vizu do Galo Rua Custódio Mesquita 26 (*) 2010
19 Home Hostel Cantagalo Rua Pedro Ernesto 29 8 2013
20 Hostel do Rocha Estrada do Cantagalo 6 2013
21 Simone Home Hostel Estrada do Cantagalo 160 3 (*)
Tabela 2: Lista de albergues na Favela do Cantagalo Pavão Pavãozinho. (*) Dados ainda não obtidos
Fonte: Realizado pelo autor, 2017

170
Figura 5: Mapa do conjunto de favelas Cantagalo Pavão Pavãozinho, com localização dos albergues
Fonte: Desenho do autor sobre Google Maps, 2017

Figura 3: Vista da Favela do Cantagalo-Pavão-Pavãozinho Figura 4: Albergue Homesta Cantagalo


Fonte: Foto do autor, 2014. Fonte: Foto do autor, 2014.

BABILÔNIA CHAPÉU MANGUEIRA


O conjunto de favelas Babilônia Chapéu Mangueira se situa também em encosta
montanhosa próximo a praia de Copacabana, no bairro do Leme. A proximidade da orla
turística e as belas paisagens são fatores importantes para ali ser encontrado grande
número de albergues. A existência de um trabalho participativo dos moradores tanto
através da associação de moradores como pela atividade de cooperativa local, a
CoopBabilônia (http://coopbabilonia.blogspot.com.br/, 2017) reforça a importância do
turismo ter relação com seus moradores, reforçando o conceito de turismo de base
comunitária (BARTHOLO; SANSOLO; BURSZTYN; 2009). Ao lado de um

171
importante trabalho de reflorestamento do morro em que se situa a favela, a organização
não governamental, com apoio da iniciativa privada e do governo municipal tem
realizado essas atividades em outros morros de Copacabana. Esse trabalho de
preservação da natureza possibilita o desenvolvimento de turismo ecológico, com trilhas
que aumentam a possibilidade de renda para os guias locais, estimulando as atividades
turísticas.

nome endereço Nº quartos Data abertura

1 El Misti (virou Le House Ladeira Ary Barroso, 8 16 21/10/2013


2 Toninho House Ladeira Ari Barroso, Casa 56 4 2014
3 Lisetonga Hostel Ladeira Ary Barroso, 42 29 23/08/2011
4 Aquarela do Leme Hostel R S Bento 3 12 31/08/2016
5 Casa Babilônia Ladeira Ari Barroso, 50 9 27/04/2015
6 Chill Hostel Rio Rua Bonfim 7 7 15/03/2013
7 Babilônia Rio Hostel Ladeira Ari Barroso, 35 7 25/06/2013
8 Mar da Babilônia Ladeira Ary Barroso, 15 29 31/01/2013
9 Hostel Carioquinha Rua Boa Vista 8 15 02/12/2014
10 Jardim da Babilônia Rua Santo Amaro 4 (*) 2016
11 Vera Rufino/ Rufino Ladeira Ari Barroso, Casa 56 9 26/01/2017
Hospedagem
12 Hostel Brasil Afro in Favela Rua Bonfim 7 (*) 2014
13 Pousada Estrelas da Babilônia Rua Dona Alexandrina, 91-B 2 07/07/2015
14 Green Culture Eco Hostel Rua Dr João Guerra 8 2013
15 Abraço Carioca Favela Hostel Ladeira Ary Barroso, 66 / R Dr Strofe 2 12/05/2014
8 casa B
16 Chapéu do Leme Guesthouse Ladeira Ary Barroso, 60 6 2013
17 Favela Inn Hostel Rua Dr. Nelson, 32 , Chapeu (*) 2013
Mangueira
Tabela 3: Lista de albergues na Favela da Babilônia Chapéu Mangueira. (*) Dados ainda não obtidos
Fonte: Realizado pelo autor, 2017

172
Figura 6: Mapa do conjunto de favelas Babilônia Chapéu Mangueira, com localização dos albergues
Fonte: Desenho do autor sobre Google Maps, 2017

Da mesma maneira que no Cantagalo Pavão Pavãozinho o acesso se dá por uma


rua da malha urbana formal, no caso a Ladeira Ari Barroso. A presença de antigas casas
agora transformadas em albergues segue a mesma lógica urbana da Rua Saint Roman.
Assim o processo começa a poder mostrar certo padrão de ocupação, com albergues de
melhor padrão nas ruas formais de acesso, como mostra a figura 8 e outros, mais
simples, de padrão construtivo menos elaborado e em geral de propriedade de
empreendedores locais como aparece na figura 9, enquanto os das ruas formais muitas
vezes são de empreendedores externos a favela. Essa favela apresenta sete albergues na
borda e dez no interior da sua malha urbana informal, sendo a maioria (sete) na Favela
da Babilônia e os demais na Favela Chapéu Mangueira. Em geral os albergues dentro da
malha da favela aproveitam a paisagem, como mostra a figura 7, como um diferencial
na atração dos turistas.

Figura 7: Vista de albergue Chapéu do Leme Guest House, na favela Chapéu Mangueira

173
Fonte: Foto do autor, 2016.

Figura 8: Albergue Casa Babilonia Figura 9: Hostel Carioquinha, Favela da Babilônia


Fonte: Foto do autor, 2016. Fonte: Foto do autor, 2016.

VIDIGAL
O Vidigal é um dos casos em que o turismo mais tem encontrado condições de
se desenvolver. A situação em relação à paisagem, com uma visão espetacular do
encontro do mar e da montanha da Zona Sul carioca faz com que essa favela seja onde
se encontra o maior número de albergues entre todas pesquisadas. Os trinta e cinco
empreendimentos apresentam mais uma vez uma localização entre as ruas formais e a
malha informal. São sete unidades junto a Avenida Niemeyer, via litorânea que liga os
bairros do Leblon a São Conrado os demais estão na parte interna da favela. Mesmo
tendo uma via interna aberta dentro do que seria a malha tradicional da cidade, as vias
internas do Vidigal se apresentam sem grandes diferenças, mesmo mais estreitas, mas
também possibilitando acesso de veículos, o que facilita o acesso aos empreendimentos
turísticos. A presença de empreendedores externos mostra um processo de “expulsão
branca” crescente (PEARLMAN, 2016), apesar de existir forte presença local.

nome endereço Nº quartos Data abertura


1 Casa Maravilha Av Niemeyer 318 (*) (*)
2 Vidigalbergue Av Niemeyer 181 3 09/09/2011
3 Farol do Leblon Av Niemeyer 181 30 04/11/2016
4 Ocean Inn Rio Leblon Avenida Niemeyer, 187 44 03/05/2011
5 Castelinho Vidigal Av Niemeyer 295 8 28/11/2016
6 Solar Chácara Hostel Vidigal Estr. do Vidigal, 701 20 08/02/2013
7 Casa da Chácara Estrada do Vidigal, 553, Via Dois 4 07/05/2014
Irmãos, Chácara do Céu

174
8 RDZ Vidigal Hostel Av. Presidente João Goulart, 181 6 10/06/2014
9 Hostel Novo Lar Av. Presidente João Goulart, 325 (*) (*)
10 Aloha Club Hostel Rua Da Matriz, Casa 03 11 19/02/2016
11 Hotel do Vidigal Av Presidente João Goulart 846 (*) (*)
12 Hill Hostel Rua Dr Olinto de Magalhães 76 15 14/10/2016
13 Hostelzinho Vidigal Rua Doutor Olinto de Magalhães 49A 2 11/06/2014
14 D'Angelo Cama & Café Rua Doutor Olinto de Magalhaes, 31/ 1 29/11/2013
04
15 Hostel Bella Mar e Sol Rua Doutor Olinto de Magalhães, 23 5 10/06/2013
16 Cantão Vidigal Bed & Rua Nuno Alvares Pereira, 12 1 29/11/2013
Breakfast
17 Rio Sport Hoste Rua Benedito Calixto, 99/ casa 10 3 13/03/2014
18 Favela Experience Rua Major Toja Martinez Filho, 128 9 26/12/2014
A
19 Hostel Vidigalhouse Rua Major Toja Martinez Filho, 127 - 12 08/01/2013
Casa 2
20 Hostel Sol e Mar Rua Major Toja Martinez Filho 126 1 15/09/2016
21 Jean Pierre Hostel Rua Major Toja Martinez Filho, 121 30 30/06/2014
22 Hostel Rojan - Vidigal Rua Major Toja Martinez Filho 168 - 2 17/07/2014
Casa 14
23 Vidigalbergue Rio Hostel Av. Niemeyer, 314 - Casa2 3 09/09/2011
24 Hostel Vista do Mar Rua 6 de Janeiro, 5 16 14/07/2015
25 Hostel Porto Vidigal Av. Presidente João Goulart, 131 2 2014
26 Varandas do Vidigal Hostel & Rua Madre Ana Coimbra, Casa 3 5 06/11/2013
Lounge
27 Natural Do Rio Guest House Rua 31 de Julho, 7 10 28/07/2015
28 Favela Experience Tamo Junto Av. Presidente João Goulart, 829 3 23/12/2015
Hostel
29 Vidigal Sea View Apartment Rua Frei Henrique, 2 Fundos 4 08/11/2014
30 Pousada Kasa Dos Micos Avenida Presidente Joao Goulart, 8 09/07/2014
1003
31 Vidigal Guest House Rua Samuel Rodrigues Muniz, 15 2 02/09/2015
32 Da Laje Hostel Rua Armando Almeida Lima, 4, 6 16/05/2014
33 Mirante do Arvrão Rua Armando de Almeida Lima, 8 10 07/01/2014
34 Casa Alto Vidigal (antigoHostel Rua Armando de Almeida Lima, 2 4 15/03/2013
& Bar Alto Vidigal )
35 Favela Nova Maison Rua Padre Anchieta, 2 2 04/06/2014
Tabela 4: Lista de albergues na Favela do Vidigal. (*) Dados ainda não obtidos.
Fonte: Realizado pelo autor, 2017

175
Figura 10: Mapa da Favela do Vidigal, com localização dos albergues
Fonte: Desenho do autor sobre Google Maps, 2017

Figura 11: Vista da Favela do Vidigal, ao fundo Ipanema e Leblon


Fonte: Foto do autor, 2016.

Figura 11: Hostel Varandas do Vidigal Figura 12: Hostel Nosso Lar, Vidigal
Fonte: Foto do autor, 2016. Fonte: Foto do autor, 2016.

176
ROCINHA
O caso da Rocinha, a maior favela do Rio de Janeiro e onde se iniciou o turismo
em favelas no Rio de Janeiro em 1992, como já foi citado (FREIRE MEDEIROS, 2102,
p.50), apresenta aspectos bastante semelhantes às demais favelas em estudo. A estrutura
da favela, com a Estrada da Gávea como espinha dorsal viária, faz com que ali se
localize grande parte dos albergues, e mais um aspecto importante é a vista da paisagem
dos albergues, um ponto atrativo que se repete. Da mesma maneira as áreas vizinhas, no
caso algumas ruas do alto da Gávea e outras de São Conrado apresentam também
empreendimentos de hospedagem, aparentemente repetindo o modelo da Rua Saint
Roman, onde residências antigas e de porte passaram a ter menor interesse para a
moradia das elites, que viram sua transformação para a atividade turística como uma
nova possibilidade.

nome endereço Nº Data abertura


quartos
1 Ghetto Rocinha Hostel Travessa Roma 31, Rocinha Apt 401 2 23/05/2016
2 Hostel Rocinha Estrada da Gávea 520 - D 2 16/05/2014
3 Hotel Boa Viagem Estrada da Gávea 447 26 22/03/2013
4 Albergue Fenix Rocinha Estrada da Gávea 306 - 3º pav 2 18/10/2013
5 Hostel Roupa Feliz Rua um 172, Rocinha 8 29/12/2016
6 The gringo house Estrada da Gávea 205 6 20/10/2016
7 Boutique Hotel Gávea Tropical Rua Sergio Porto, 85 6 07/10/2010
8 La Maison by Dussol Rua Sergio Porto, 58, Gávea 5 18/10/2011
9 Luxury Gávea Bed & Breakfast Rua Sérgio Porto 85 A, Rocinha 1 03/11/2016
10 Guesthouse Anita Rua Santa Glafira, 271 4 03/06/2014
Tabela 5: Lista de albergues na Favela da Rocinha.
Fonte: Realizado pelo autor, 2017

177
Figura 13: Mapa da Favela da Rocinha, com localização dos albergues.
Fonte: Desenho do autor sobre Google Maps, 2017

Dessa maneira, ao lado da ainda forte presença do jeep-tour, visitação através de


veículos e bastante alheia ao processo de turismo de base comunitária (FREIRE-
MEDEIROS, 2012, p. 51), a presença dos albergues mostra que a comunidade vem se
fortalecendo com os ganhos da hospedagem, trazendo visitantes não somente para
olharem a favela como um safari, mas permanecendo e vivenciando a vida diária dos
moradores através de uma permanência maior.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao se estudar os albergues nessas favelas da Zona Sul carioca impressiona o
potencial do turismo em favelas nesse período em que a pacificação de favelas foi uma
política pública relativamente promissora. Isso gerou investimentos em grande número
de comunidades, mobilizando não somente empreendedores externos, mas, sobretudo
comunidades que buscaram novas atividades ligadas ao turismo para geração de renda e
incremento de suas identidades locais, seja através da visitação ou criação de
empreendimentos de hospedagem, os albergues (hostels).

O fato de se encontrarem esses albergues em favelas de encostas próximo ao mar


e aos bairros de maior interesse turístico mostra a seletividade desse processo, em que
se mantém o mesmo princípio que norteia a instalação de empreendimentos turísticos na
cidade formal. Mas a possibilidade que o turismo gera tanto no interior das favelas
como em áreas vizinhas, em especial nas vias de acesso, mostra um processo

178
urbanístico positivo para todos, em que essas áreas antes vistas como degradadas
passam a ter um novo potencial de uso, integrando cada vez mais as favelas aos bairros
vizinhos.

Se a favela sempre foi vista como um lugar de degradação e rejeitada pela


cidade e por seus vizinhos, a possibilidade de uma maior integração que essa ocupação
por atividades turísticas, nesse caso por albergues, traz um novo sinal de possibilidades
para a cidade.

Por certo todo esse processo depende da manutenção de condições de segurança


e do incremento de políticas públicas de acessibilidade, pois as favelas com maiores
atividades turísticas e grande presença de albergues pode ter essa situação explicada em
parte pelas condições urbanísticas encontradas, em especial pela facilidade de acesso
por veículos.

O turismo pode ser uma atividade invasiva, e pode propiciar o aumento do risco
da chamada “expulsão branca” de moradores, mas por outro lado isso pode ser evitado
com o estimulo do empreendedorismo ligado ao turismo, com albergues de propriedade
dos moradores locais. Isso já vem sendo percebido, em especial quando se trata de
albergues no interior das malhas urbanas das favelas, e menos em seus entornos, mas a
pesquisa ainda não conseguiu dados definitivos a respeito, necessitando maior
aprofundamento. Muitas vezes é um processo que traz investimentos para as favelas, e
são muitos os empreendedores locais, o que estimula também a visitação e o comércio
em bares e restaurantes nas comunidades.

O estudo buscou trazer um registro desse momento em que o turismo em favelas


teve grande desenvolvimento, devido aos aspectos apresentados, entre 2008 e 2016, mas
levanta a existência de uma grande incógnita com relação ao futuro das atividades. Se
por um lado o interesse e a necessidade das comunidades com relação às atividades
turísticas possibilitam uma esperança de continuidade, a incerteza e insegurança que a
situação das políticas públicas atuais apresentam nos levam a temer por esse futuro.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARTHOLO, Roberto; SANSOLO, Davis Gruber; BURSZTYN, Ivan (Orgs.). Turismo
de Base Comunitária: diversidade de olhares e experiências brasileiras. Rio de Janeiro:
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TripAdvisor, disponível em: http://www.tripadvisor,com. Acessado em 16 de janeiro de
2017.

181
GRUPO DE TRABALHO 3 - CIDADES, GESTÃO E PLANEJAMENTO

O GT 3 estimulou a discussão sobre as diferentes frentes de pesquisa que


relacionam as cidades ao desenvolvimento turístico, nas diferentes esferas
administrativas. Neste sentido, o GT recebeu trabalhos que propuseram pensar os
impactos do turismo, do ponto de vista da gestão pública, a organização do turismo
enquanto uma atividade que fomenta desenvolvimento urbano e que impacta no seu
desenvolvimento.
Além disso, o GT também considerou as políticas públicas pensadas para o
fomento da atividade turística nos destinos turísticos e também para gestão do
patrimônio cultural. O GT também atendeu às questões voltadas para os transportes e
como eles podem ser utilizados como atividades meio e fim dentro do turismo e,
consequentemente, como trazem impactos para o turismo.
O GT foi divido em três seções sendo coordenado pelos seguintes professores-
pesquisadores: o Lucas Gamonal (PUC-RIO), Rafael Castro (CEFET-RIO) e Felipe
Félix (CEFET-RIO). As seções aconteceram nos dois primeiros dias do evento, dias 08
e 09 de maio, tanto no auditório quanto na sala de cursos da Fundação Casa de Rui
Barbosa. As discussões que resultaram das seções foram profícuas no sentido de gerar
questionamentos, inquietações e indicações para futuras propostas de pesquisa na área.

Rômulo Duarte

182
A RELEVÂNCIA DA SOCIEDADE CIVIL PARA O ESTADO NO ÂMBITO DE
ESPAÇOS PÚBLICOS URBANOS DE LAZER E TURISMO
Bruna Schmidt1

RESUMO: O presente trabalho discute o papel da sociedade civil como fonte


colaboradora ao planejamento turístico em âmbito municipal, no que se refere aos
espaços públicos de uso irrestrito, que sirvam ao lazer e ao turismo. A pesquisa aborda a
efetividade da relação entre Estado e sociedade civil a partir da relevância de projetos
concretizados como eventos, substancialmente planejados e realizados pela sociedade
civil; de espaços de realização públicos, de uso irrestrito, que sirvam
concomitantemente ao lazer local e ao turismo; e da efetividade do poder público em
adotar medidas que contribuam no planejamento turístico, a partir dos projetos que
partam da sociedade civil. O trabalho consiste em discussão teórica, ilustrada mediante
exemplos que ratificam a teoria suscitada.

PALAVRAS-CHAVE: Sociedade civil, Estado, espaço público, lazer, turismo.

ABSTRACT: This paper discusses the role of civil society as a collaborative source for
tourism planning at the municipal level, in relation to public spaces of unrestricted use
that serve leisure and tourism. The research addresses the effectiveness of the
relationship between the State and civil society, based on the relevance of projects
concretized as events, substantially planned and carried out by civil society; Of spaces
of public realization, of unrestricted use, that serve concomitantly to the local leisure
and the tourism; And the effectiveness of the public power to adopt measures that
contribute to the planning of tourism, starting with the projects that depart from civil
society. The work consists of theoretical discussion, illustrated by examples that
confirm the theory raised.

KEYWORDS: Civil society, State, public space, leisure, tourism

INTRODUÇÃO

Pode se pensar em cidade, sob o ponto de vista do turismo, como fonte de


atração de subsistemas variados, como produto de oferta, como um enigma a ser
revelado através de sua exploração (WAINBERG, 2001). Castrogiovanni (2001, p. 23)
salienta que “a cidade deve ser vista como uma representação da condição humana,
sendo que essa representação se manifesta por meio da arquitetura em si e da ordenação
dos seus elementos”. Para o autor, a cidade é o espaço apropriado pela sociedade, que
deve ser percebido como uma questão de progresso social, onde nesta esfera se produz e
se multiplica invariavelmente. Ainda para este autor, a visão de uma cidade é variável,

1
Bruna Schmidt é estudante do curso de Bacharelado em Turismo do Centro Universitário Metodista -
IPA de Porto Alegre, e-mail: bruschmidt@hotmail.com.

183
no que se refere a quem a vê, possuindo diferentes significados, tanto na percepção da
sociedade local, quanto na de seus visitantes.

A percepção do ambiente urbano deve atender às demandas, de acordo com a


oferta de seus espaços, considerando questões ambientais, em benefício da sociedade
civil (MOURA, 2007). Sob outra perspectiva, mais precisamente da visão humanística
da geografia, o desenvolvimento turístico de uma cidade pode promover avanços
associados em âmbito econômico, social, cultural, estrutural e ambiental nas cidades
contemporâneas, de maneira que o turismo se torne peça chave de seu progresso,
resultando na qualidade da vida urbana (Idem, 2007).

Nesse contexto, este trabalho trata da importância de se estabelecer uma relação


de diálogo entre Estado e sociedade civil no âmbito do planejamento de espaços
públicos urbanos de lazer e turismo. Objetiva-se evidenciar, em escala mundial, como
movimentos autônomos de usuários de espaços públicos de lazer e turismo são
tendência. Em complemento, objetiva-se indicar a necessidade de o Estado observar e
compreender tais movimentos; assim como evidenciar a importância da teoria que
estabelece os critérios que definem bons espaços públicos e a relação desta com os
movimentos contemporâneos urbanos. Para tanto, a metodologia empregada centra-se
em levantamento de material bibliográfico, o qual elucide tais movimentos em escala
mundial, com ênfase à realidade brasileira.

O estudo justifica-se na medida em que, tal como aponta Rotem (2011), o espaço
público não deve ser pensado ou formulado apenas para um grupo de pessoas, mas deve
servir a todos que o acessam. Este autor alude também que o sucesso dos espaços
públicos está ligado ao estado e à qualidade do ambiente, no que se refere à viabilidade
urbana e vitalidade do espaço.

Além disso, percebe-se uma tendência de participação e intervenção da


sociedade civil no meio urbano, tanto de forma ampla (para o planejamento municipal
em grande escala), como em sistemas específicos de lazer e turismo, tanto em âmbito
mundial como nacional. O que se observa é que tais intervenções são capazes de
contribuir no planejamento de aspectos como lazer, comércio, usos e atividades e
segurança, sendo este conjunto de indicadores diretamente influenciador do movimento
turístico (SERPA, 2007). A esse respeito, Gastal e Moesch (2007) salientam que para o

184
planejamento turístico urbano de uma cidade ser efetivo, de forma positiva, é necessário
o engajamento da sociedade civil com a descentralização das políticas públicas, no que
se refere às tomadas de decisão.

Nesse cenário, considerando a magnitude relevante da participação da sociedade


civil na esfera do planejamento urbano das cidades, em referência à utilização dos
espaços públicos de uso irrestrito e suas transformações no meio urbano, que servem
tanto para o lazer como para o turismo, entende-se importante elaborar este trabalho a
fim de relacionar esta conexão, contribuindo no aprofundamento deste estudo, no
tocante às arestas que ainda existem sobre o referido tema. A relevância do assunto
ainda é pertinente, posto que Gastal2 observa haver, na aérea Acadêmica, poucos
estudos aprofundados quanto aos meios urbanos relacionados ao setor turístico. Isso
porque, na percepção geral, este meio é tido como “dado”, sem enredamentos a serem
ponderados com mais resguardo.

Nesse contexto, para Barretto (2006), por exemplo, perceber o turismo apenas como
atividade econômica, sem ponderar a grandeza das relações sociais, inviabiliza a
compreensão de cultura como atributo, no que diz respeito à atração turística. Dessa
forma, percebe-se a cultura como um elemento do turismo e como consequência da
conexão da sociedade com o ambiente.

2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 ESPAÇOS PÚBLICOS URBANOS BEM-SUCEDIDOS: ATRIBUTOS E A


IMPORTÂNCIA DA PARTICIPAÇÃO ATIVA DA SOCIEDADE CIVIL

O turismo de uma forma geral pressupõe o deslocamento dos sujeitos em


diferentes tempos e espaços, em relação ao seu cotidiano, instiga o novo e proporciona
uma nova experiência, tal como afirmam Gastal e Moesch (2007). Para os autores, no
contexto turístico, as cidades, como potenciais fontes de consumo, constituem-se como
produto turístico a partir de sua infraestrutura e das atividades por elas oferecida.

Corroborando com esta teoria, para Wainberg (2001), o primeiro estímulo para a
procura da oferta turística é fortemente visual. A busca pelo significado e originalidade

2
Opinião proferida pela Profa. Dra. Susana Gastal no 7º Semintur, em Caxias do Sul, em novembro de
2012.

185
de cada espaço remete ao turista o primeiro choque cultural, através do meio urbano, em
contraste com o que não lhe é familiar. Neste contexto, o estranho, tido como produto, é
desvendado por sua exploração, onde todo detalhe é considerável no arranjo do todo.

De forma geral, tratando-se tanto de lazer como de turismo, é imprescindível


salientar, quanto ao meio urbano, que a história das cidades se ambienta
substancialmente na história de seus espaços públicos, sendo estes a síntese de fluxos,
espaços de conexão social e de intercâmbios (ABRAHÃO, 2008), reconhecidos como
os “órgãos” mais vitais das cidades (JACOBS, 2003). Para Castrogiovanni (2001), o
meio urbano, constituído pelas cidades, é a representação fiel de grandes movimentos
sociais e sofre transformações de acordo com interesses políticos e da sociedade civil
que nelas vivem. Nesse contexto, nem sempre estas transformações são favoráveis aos
interesses das políticas de turismo.

Em complemento, tem-se que os espaços públicos são relevantes, pois deixam


transparecer todos os tipos de atividades e detalhes, que por eles podem ser traduzidos,
mostrando visualmente a diversidade e a intensidade de suas cidades. É essa diversidade
percebida na rotina, nos hábitos, costumes, atividades e lazer da sociedade civil, que
estimula o interesse do turista ao meio, portanto, a diversidade do espaço público e as
inter-relações que neles são proporcionadas estão diretamente ligadas ao seu poder de
atração, fomentando o turismo urbano das cidades (JACOBS, 2003).

No contexto dos espaços das cidades, tem-se que o espaço público é criado para
ter uma funcionalidade e esta pressupõe um uso. Sua essência está na configuração de
como o espaço público, sendo utilizado pelos atores sociais, pode inibir ou incitar
atividades (JACOBS, 2003). A apropriação do espaço público se relaciona diretamente
a sua atratividade espacial, sendo o potencial de atração desses espaços um fator
essencial para sua apropriação, considerando um lugar como possuidor de qualidade
espacial quando se expõe atrativo aos indivíduos. Portanto, quanto maior a qualidade do
espaço, mais atrativo ele será aos seus frequentadores (Idem, 2003). Nesse sentido, os
espaços públicos são pontos essenciais do meio urbano, pois permitem a integração da
cidade com a sociedade, possibilitado aos usuários a conexão, enquanto partes
pertencentes e integrantes do movimento no espaço (JACOBS, 2003).

186
Em complemento, acerca da formação do espaço urbano irrestrito, Moura (2007)
afirma que na cidade deve existir uma configuração construída por elementos diversos,
quais sejam ruas, calçadas, praças, travessas, vegetações, entre outros. Contribuindo
com esta teoria, Castrogiovanni (2001) ressalta os seis elementos principais que uma
paisagem urbana proporciona: a forma; a identidade; a função; a estrutura; o processo; e
seu significado, todos estes identificados pela dimensão/individualidade sensorial que o
espaço urbano representa para a sociedade civil e turistas. A interação entre esses seis
elementos confere qualidade aos espaços.

Outro tipo de classificação dos espaços públicos é descrito por Matos (2010).
Para este autor os espaços públicos são de permanência e de passagem. De maneira
geral, tanto espaços de permanência como de passagem são compostos por seus
aspectos físicos, da mesma forma que adquirem relevância nas cidades graças às suas
atribuições simbólicas, presentes na lembrança de seus usuários.

Essa atribuição simbólica está relacionada à dinamicidade que os espaços


adquirem. Nesse sentido, em uma abordagem contemporânea muito relacionada ao lazer
e turismo, Reis (2011) faz alusão ao meio urbano na perspectiva da criatividade. Neste
cenário, a autora esclarece que uma cidade criativa apresenta três particularidades
fundamentais, que são as inovações; a conexão; e a cultura, que abrange outros
tópicos, pois permite a multiplicidade das manifestações dos indivíduos de uma
sociedade. Ainda neste contexto, Matos (2010) salienta a importância dos espaços
públicos urbanos relacionados às cidades criativas, especialmente os de lazer, que
atualmente são alguns dos principais elementos para a revitalização do meio urbano,
sendo fonte de conexão entre seus usuários e que podem ser apropriados por qualquer
sujeito, seja ele residente ou não. Nesse âmbito, Reis (2011) reforça a teoria deste autor,
indicando que a Economia Criativa se desenvolve primordialmente no meio urbano.

Colaborando com a teoria de Reis (2011), Santiago e Heemann (2015) salientam


os aspectos que compõem os espaços públicos bem-sucedidos, tanto para o lazer, como
para o turismo. Estes consistem em espaços onde as celebrações acontecem, as trocas
econômicas e sociais ocorrem, onde os encontros entre os indivíduos são possibilitados,
onde sujeitos de diferentes idades, gêneros e culturas se mesclam, e que servem, por
conseguinte, como um palco para a vida pública. Para as autoras, um espaço público
bem-sucedido, que abrange as duas vertentes (lazer e turismo), possui quatro qualidades

187
de configuração fundamentais, quais sejam: acessibilidade; possibilidade de atividades
e usos variados; conforto; e sociabilidade.

Segundo Santiago e Heemann (2015), o primeiro princípio transformador do


espaço público é a comunidade, pois somente ela é capaz de identificar os talentos e
ativos presentes em seu meio, sendo o maior especialista em vários aspectos, entre eles
o conhecimento da perspectiva histórica do local, o levantamento dos principais
problemas a serem superados e a importância do uso do espaço para os sujeitos locais.
Em adição, tem-se que somente a sociedade civil que ocupa um espaço é capaz de criar
um senso de propriedade comunitária, contribuindo com o desenvolvimento do projeto
em benefício da própria comunidade.

Essa premissa está contida no conceito de Placemaking3 (SANTIAGO;


HEEMANN, 2015), sendo esta uma filosofia e ferramenta de transformação de espaços
públicos, a qual visa estimular interações entre as pessoas e a cidade, promovendo
comunidades mais saudáveis e felizes. O Placemaking possui sua raiz na participação
comunitária, abrangendo o planejamento, desenho, gestão e a programação de espaços
públicos.

É importante ressaltar que o estudo dos atributos de qualidade do espaço


público, bem como da relevância da participação comunitária em tais espaços, remonta,
mais aprofundadamente, aos anos 1960. Já naquela década, Jacobs (2003) sinalizava
que as cidades necessitam de uma diversidade de usos de seus espaços, a qual seja mais
abrangente e coerente, de maneira que se possa viabilizar sustentabilidade contínua.
Ainda segundo a autora, aéreas abandonadas e desvitalizadas em grandes cidades pouco
são percebidas como fontes naturais de diversidade em potencial, de novas iniciativas e
ideias de todas as naturezas. Substancialmente, a autora indica a relevância dessa
percepção, visto que as grandes cidades são também o núcleo econômico natural de
pequenas empresas, onde esta própria diversidade urbana proporciona e fomenta mais
diversidade. Ainda nesse contexto, para Jacobs (2003), o planejamento dos espaços

3
Placemaking, livre tradução para o português como “fazer lugares”. O processo de Placemaking da
Project for Public Spaces (PPS) partiu do trabalho de William Whyte, nos anos 1970, nos EUA, cujo
objetivo era descobrir as necessidades e aspirações de cada frequentador dos espaços, para então
estabelecer estratégias junto à sociedade civil, contribuindo com o desenvolvendo destes espaços
públicos. O trabalho de pesquisa consistia em olhar, ouvir e questionar os usuários de espaços públicos,
percebendo suas necessidades e expectativas para com estes meios (SANTIAGO; HEEMANN, 2015).

188
públicos deve estimular indiretamente seu incremento, visando abranger uma esfera
considerável de pessoas, sempre contando com o auxílio da comunidade, agregando,
então, maior diversidade na utilização destes espaços.

À época (década de 1960), Jacobs citou como exemplo de sua teoria o caso da
Rua 57, Oeste de Nova York, referência de diversidade de utilização do espaço com a
participação efetiva da sociedade civil já no século passado. A narrativa da autora indica
que durante o dia a rua possuía abundante circulação de pessoas devido aos edifícios de
escritórios, lojas e restaurantes. À noite, o local contava com intensa movimentação
devido ao Carnegie Hall, que fez com que conservatórios de músicas, oficinas de teatro
e salas de recitais se instalassem na região. A efetividade do uso do espaço estimulou
também a diversificação do comércio, que agregou à Rua 57 restaurantes, bares, cafés e
lanchonetes com características ímpares, lojas inusitadas, livrarias, lojas de flores,
moedas e chapéus, tornando-se um lugar incomum. Todos estes estímulos se vincularam
com a parte residencial e hoteleira da região, que abrigava todos os tipos de moradores e
hóspedes, mas que era um atrativo principalmente para professores e estudantes de
música.

O exemplo da Rua 57, segundo Jacobs (2003), revela a importância da


diversidade derivada, que se tornou, com o passar do tempo, propriamente um atrativo
do local. Este fato se deve à efetividade da participação da sociedade civil, no que diz
respeito ao planejamento urbano. Isso porque estava nos planos do Município de Nova
York demolir o Carnegie Hall e construir outro edifício comercial em seu lugar, e,
devido à pressão política da população, este prédio histórico de Nova York permaneceu
intacto e atuante conjuntamente com outros atores no sucesso da Rua 57.

Em parâmetro mundial contemporâneo, é possível citar vários exemplos de


espaços públicos bem-sucedidos, expostos por Santiago e Heemann (2015). Esses
espaços recebem o apoio da sociedade civil, em referência ao seu planejamento, à
organização e participação dos agentes sociais em seu meio urbano, e que servem tanto
para o lazer como para o turismo. Nesse cenário, a seção seguinte elucida casos
contemporâneos de espaços públicos que vem sendo bem-sucedidos mediante a
participação ativa dos usuários.

189
2.2 MOVIMENTOS CONTEMPORÂNEOS ESPONTÂNEOS DE USUÁRIOS
EM ESCALA MUNDIAL PARA ADEQUAÇÃO DE ESPAÇOS PÚBLICOS DE
LAZER E TURISMO URBANOS

Já que, segundo Santiago e Heemann (2015), o especialista é a comunidade, para


que o espaço seja singular em seus predicados, o Estado precisa comunicar-se com a
comunidade, recebendo a intervenção desta em seu planejamento e organização. A esse
respeito, Lynch (1960) expõe que o sucesso dos espaços urbanos depende da percepção
do Estado sobre a importância do planejamento e gestão com a contribuição da
comunidade.

Várias são as pesquisas científicas realizadas na área do Turismo que assinalam


que ao se identificar com um espaço de lazer, a comunidade local o transforma em
dinâmico, acarretando em um processo de legitimação e apropriação espacial (KENT,
2004). Dessa forma, o Estado, enquanto planejador dos espaços públicos deve
reconhecer a sociedade civil como agente do espaço do qual se apropria. Da mesma
maneira, no âmbito do desenho turístico urbano em grandes cidades, os planejadores e
gestores precisam corresponder aos princípios gerais que permitem a apropriação do
espaço urbano pela comunidade local, promovendo o processo participativo no que
tange ao planejamento, ao invés de impedi-lo (SERPA, 2007).

No que diz respeito ao planejamento turístico, Schindler (2014) aponta que é


dever do Estado deliberar como o turismo irá se desenvolver, determinando os preceitos
para que a atividade turística se consolide de forma sustentável, organizada e ordenada.
Para este autor, são diversas as responsabilidades do Estado para com o planejamento e
desenvolvimento do turismo. Cabe às autoridades responsáveis a implementação das
políticas voltadas ao turismo, integrando as demais políticas públicas relacionadas, a
fim de proporcionar qualidade nos produtos turísticos ofertados. Neste âmbito,
Schindler (2014) aponta a relevância da colaboração da comunidade para a efetividade
de todas as demandas, no que diz respeito à fiscalização destas.

Um exemplo pertinente em esfera mundial que teve atuação efetiva em seu


planejamento pela comunidade local, citado por Santiago e Heemann (2015), é Perth
Cultural Centre (Figura 1), na cidade de Perth, na Austrália. O espaço serve de ponto de
encontro entre pessoas e grupos, de diferentes idades, gêneros e etnias, refletindo a

190
comunidade em geral e que visivelmente foi planejado para que estas conexões
pudessem se disseminar.

Ainda para as autoras, mais um exemplo de espaço público que proporciona uso
e atividades aos frequentadores é o Park Columbus, nos EUA (Figura 2). Ele
proporciona a diversidade nas inter-relações sociais, onde os indivíduos se sentem
pertencentes ao espaço e ao seu entorno, contribuindo com o turismo urbano local, pois
o sentimento de pertencimento dos indivíduos residentes para com este espaço estimula
os interesses turísticos daqueles que o visitam (JACOBS, 2003).

Figura 1 - Perth Cultural Centre,


Austrália Figura 2 - Park Columbus, EUA
Fonte: PPS (2015) Fonte: Fridlay (2015)

Já na América Latina, tem-se o exemplo da Feira da Praça Matriz em


Montevidéu, no Uruguai, inaugurada em 1851, na Cidade Velha, parte do Centro
Histórico da capital uruguaia. Este atrativo, tanto de lazer como de turismo no contexto
urbano, é relevante, de acordo com a teoria de Barretto (2006), por abrigar feiras. A
relevância das feiras populares reside no fato de que elas consistem em um importante
polo de enriquecimento cultural, proporcionando a troca de experiências, fomentando a
economia local e manifestando sinergia entre o ambiente social e o natural. A autora
também expõe que a Feira da Praça Matriz possui uma ampla variedade de atrativos e
que devido a esta pluralidade de oferta consegue atrair mais diversidade, no que se
refere a quem a utiliza. Nesse contexto, Barretto (2006) salienta a sociedade civil como
importante ator na esfera de desenvolvimento do Turismo Cultural no meio urbano, pois
os feirantes, representados pela comunidade local, exercem suas atividades com
dedicação, harmonia e respeito, envolvendo-se direta e indiretamente com a produção
de turismo para a região.

191
2.2.1 CONTEXTO BRASILEIRO

Segundo a percepção de Tatagiba (2002), a sociedade civil brasileira enfrenta


diversas dificuldades para se tornar voz ativa perante o Estado. Para Dagnino (2002), o
peso das matrizes culturais no processo de construção democrática, enfatizando o
autoritarismo social e as visões hierárquicas e excludentes da sociedade e da política,
são obstáculos cruciais no que se refere ao funcionamento dos espaços públicos.

No turismo, o mesmo pode ser observado mais contemporaneamente. Nesse âmbito,


Braga (2015) destaca um estudo do Ministério do Turismo (MTur) sobre cidades
competitivas. Os dados apontam Fortaleza como sendo a capital que mais evoluiu no
quesito participação da comunidade local no planejamento turístico (em aspectos
sociais) e nas ações integradas com outros municípios da região (cooperação regional).
Em suma, este estudo consiste em medir a competitividade do turismo nacional através
de um índice, o qual permite avaliar o estágio real de desenvolvimento do turismo em
cada município ou destino. Além da questão da competitividade, outra forma de
avaliação da comunidade em relação a projetos em espaços públicos é a observação da
implementação do Placemaking.

Santiago e Heemann (2015) analisam o movimento de Placemaking no Brasil,


onde o cenário de intervenções sociais urbanísticas segue num crescente, no que se
refere às ocupações dos espaços públicos de acesso irrestrito, com o auxílio da
sociedade civil. Em âmbito nacional, pode-se citar como exemplo de reconhecimento da
sociedade civil enquanto fonte colaboradora no planejamento urbano da cidade (então
de uma forma mais ampla) o Mapa Colaborativo da Função Social da Propriedade
(PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO PAULO, 2014). Este tem como objetivo
receber o feedback da fiscalização da população, no que se refere à apropriação e
utilização dos espaços públicos urbanos. Esta ação defende que um imóvel só cumpre
sua função social se seu uso e ocupação, decididos pelo proprietário, estiverem
orientados conjuntamente com os interesses da coletividade, sejam eles econômicos,
sociais, ambientais ou urbanísticos. Partindo desse pressuposto, de acordo com a
Prefeitura Municipal de São Paulo (2014), esta plataforma colaborativa abrange as
opiniões da sociedade civil para a ociosidade ou a inutilização das propriedades, sendo
os proprietários dos imóveis ou terrenos notificados para que possam tomar ações no
período de um ano, dando-lhes uso ao espaço que lhes pertence.

192
Ainda em São Paulo, então na esfera dos espaços públicos de lazer e turismo de
uso irrestrito, como exemplo, pode-se citar o movimento “A batata precisa de você”, o
qual, segundo sua página na rede de relacionamento Facebook4, promove ocupação
regular no Largo do Batata em São Paulo, fortalecendo a relação afetiva da comunidade
com o espaço, evidenciando seu potencial como espaço de convivência.

Já em Porto Alegre, capital do RS, tem-se verificado crescente número de


atuação da sociedade civil, tanto para o planejamento e a gestão, como para novas
formas de ocupação desses espaços. Em uma esfera mais ampla, acerca desta cidade, é
pertinente citar o “Assaltômetro”, que de acordo com Quintana (2016), foi criado pelos
estudantes de Engenharia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). O
Assaltômetro é uma ferramenta de apoio aos estudantes e frequentadores do entorno do
campus, que visa alertar para os principais pontos de crimes e assaltos na região, a fim
de conscientizar a população, intimidar criminosos e chamar atenção do poder público,
para que este tome medidas cabíveis a respeito desse problema (QUINTANA, 2016).

Especificamente sobre a utilização dos espaços públicos de uso irrestrito


mediante novas propostas, segundo Felipe (2016), eventos como Largo Vivo e Arruaça
embasam a complexidade da problematização sobre a questão central do coletivo, da
ocupação de espaços inutilizados, da privatização de espaços públicos de uso irrestrito e
integração social ativada por movimentos de rua. Os objetivos de projetos como estes,
verificados na capital gaúcha, clamam a atenção da administração pública, levando estes
eventos a locais não frequentados ou degradados por falta de incentivo do Estado
(FELIPE, 2016). Ou seja, percebe-se a relevância de participação da sociedade civil em
âmbito mais abrangente da esfera urbana, como no âmbito do lazer local, gerando
reflexo, por conseguinte, no Turismo Urbano.

Também em Porto Alegre é possível citar o projeto “Yoga: Alimento Para a


Alma” (Figura 3). Este projeto, segundo sua página oficial no Facebook5, promove
aulas de yoga gratuitas à comunidade, utilizando o espaço público em ocasião e forma
não convencionais. Essa prática ratifica a consistência da teoria de Lynch (1960), a qual

4
Página do Facebook A Batata Precisa de Você. Disponível em: <https://pt-
br.facebook.com/abatataprecisadevoce>. Acesso em: 06 nov. 2016.
5
Página do Facebook Yoga: Alimento para a alma. Disponível em: <https://pt-
br.facebook.com/yogalimentoparalma>. Acesso em: 06 nov. 2016.

193
indica que os espaços públicos de acesso irrestrito, por serem assim definidos,
possibilitam tanto atividades individualizadas como em grupo.

Outro exemplo de ação relevante na cidade de Porto Alegre, que traduz a


participação da sociedade civil com desenho de mobilização urbana, é o projeto “Tô Na
Rua”, que promove ações de apropriação de espaços públicos (praças, ruas e parques),
trazendo para o meio urbano a diversidade contida nos bazares, shows de música e
gastronomia que apresentam em seus eventos (Figura 4). Este exemplo concretiza a
teoria de Jacobs (2003), que salienta a importância do planejamento dos espaços
públicos, pois esta ação estimula indiretamente seu desenvolvimento, envolvendo um
campo considerável de pessoas, contado com o auxílio da sociedade civil e
acrescentando maior diversidade de uso destes espaços.

Figura 3 - Yoga, Praça da Encol, Porto Figura 4 - Tô na Rua, Rua Sarmento Leite, Porto
Alegre. Alegre
Fonte: Página do Facebook Yoga: Fonte: Página do Facebook Tô Na Rua (2016)
Alimento para a alma (2016)

Todos estes exemplos contemplam a teoria de Beni (2007), que ressalta a


importância de que os planejadores urbanísticos no âmbito do turismo busquem os
predicados dos espaços públicos de acesso livre, por meio de análise das necessidades
percebidas pela sociedade civil em seus espaços de lazer. Isso porque as dificuldades
existentes nas cidades estão diretamente ligadas à qualidade de vida da comunidade
local, tornando-se um problema nocivo ao desenvolvimento turístico da região, caso não
sejam transpostas com a participação da comunidade.

A esse respeito, especificamente quanto ao sistema e às práticas de lazer,


Andrade (2001) salienta que embora ele seja considerado por muitos como fenômeno
inerte, percebe-se que se desenvolvido e estimulado é capaz de transformar a
composição dos espaços, tornando-os essencialmente dinâmicos. Por sua vez, os
194
espaços que são, concomitantemente de lazer e turismo, situados ao ar livre e de acesso
simples, estabelecem a possibilidade de sujeitos identificarem-se e interagirem entre si,
através de manifestações culturais diversas (NUSSBAUMER, 2000), cumprindo
considerável função enquanto forma e qualidade de valores de uma cultura.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pelo exposto, percebe-se haver, contemporaneamente, uma tendência de
participação e intervenção da sociedade civil no meio urbano, tanto de forma ampla
(para o planejamento municipal em grande escala), como em sistemas específicos de
lazer e turismo, tanto em âmbito mundial como nacional. O que se observa é que tais
intervenções são capazes de contribuir no planejamento de aspectos como lazer,
comércio, usos e atividades e segurança, sendo este conjunto de indicadores diretamente
influenciador do movimento turístico (SERPA, 2007).
Nesse sentido, verifica-se a teoria de Gastal e Moesch (2007), para quem o
planejamento turístico urbano de uma cidade é efetivo, de forma positiva, quando há o
engajamento da sociedade civil com a descentralização das políticas públicas, no que se
refere às tomadas de decisão. Nesse cenário, considerando a relevância da participação
da sociedade civil na esfera do planejamento urbano das cidades, em referência à
utilização dos espaços públicos de uso irrestrito e suas transformações no meio urbano,
que servem tanto para o lazer como para o turismo, entende-se que o debate suscitado
por este artigo foi relevante, a fim de relacionar esta conexão, contribuindo no
aprofundamento deste estudo.

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197
MEIOS DE TRANSPORTES TURÍSTICOS DA ILHA DE PAQUETÁ:
SENSAÇÕES, DESCOBERTAS E MOTIVAÇÕES
Vinícius Alves Santos do Carmo¹
Fátima Priscila Morela Edra²

RESUMO: O trabalho aborda a conceituação da experiência turística, apresentando a


vivência da serendipidade durante a prática turística. Em seguida a identificação do
acervo turístico e paisagístico de Paquetá. A pesquisa de campo demonstrou que a
motivação, lembranças e as sensações obtidas pelos turistas durante sua visita à ilha, são
geradas por meio da possibilidade do conhecimento de curiosidades e atrativos naturais
da ilha, realização de passeio cultural com familiares, práticas de lazer e fotos e não
pelo uso dos transportes.

Palavra chave: Experiência, Ilha de Paquetá, Transportes.

ABSTRACT:The work deals with the conceptualization of the tourist experience,


presenting the experience of serendipity during the tourist. Then the presentation of the
tourist and landscape collection of Paquetá. The result of the indicative showed that the
motivation, the memories and the sensations obtained by the tourists during their visit to
the island, are generated through the knowledge of the island's natural knowledge and
attractions, the cultural tour performance, the leisure practices and taking photos and not
by the use of transport.
Key word: Experience, Paquetá Island, Transportation.

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A placidez encontrada na Ilha de Paquetá acabou por inspirar compositores e


escritores, cenários de novelas e a construção de casas de veraneio para governadores do
estado do Rio de Janeiro. Tais fatos, somados às opções de lazer e entretenimento do
bairro, o tornam espaço com potencial turístico. De acordo com Silva (2004), Paquetá
apresenta bens imóveis preservados e íntegros, com edificações permanentes a
arquitetura inicial e com o mesmo traçado urbano, que a leva a pertencer ao grupo de
lugares com traços e características remanescentes do período colonial Brasileiro.
________________________
¹ Graduando do curso de Turismo da Universidade Federal Fluminense.
² Professora adjunta do Departamento de Turismo da Universidade Federal Fluminense. Doutora em
Ciência Política pela Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias - ULHT (Lisboa, Portugal).

198
Ela apresenta modelos de transporte que a torna única e, por conseguinte,
oferece, para a ilha, atrativos turísticos diferenciados em comparação a outros lugares e
campos turísticos. Com isso, o objetivo do trabalho é identificar se os passeios para
lazer em Paquetá com o uso dos meios de transportes influenciam no potencial turístico
da Ilha a partir da análise dos fatores motivacionais que remetem a momentos de vida
dos visitantes durante visita à Ilha.

Tem-se como objetivos específicos indicar hábitos, costumes e traços culturais


revividos pelos turistas ao utilizar o transporte de Paquetá; apontar as possíveis
experiências, descobertas e sensações por meio do uso dos transportes turísticos;
verificar as condições dos transportes como atrativos durante os passeios de charretes
elétricas, Eletro-táxi, Trenzinho, Pedalinho e Bicicleta; e considerar como meios
tangíveis que levam os visitantes a relacionar momentos cinematográficos, literários,
cenários de novelas e lugares.

A pesquisa bibliográfica foi importante para o trabalho, pois, no primeiro


momento, contribuiu na descrição e exemplificação do funcionamento da experiência
turística e, no segundo momento, embasa a possibilidade de viver a experiência a partir
de histórico e conceito em que a Ilha de Paquetá está inserida.

Autores de renome na área de análise estrutural do turismo e experiência


turística, assim como o levantamento bibliográfico histórico e turístico da Ilha de
Paquetá são abordados dando base para o maior entendimento dos transportes da Ilha de
Paquetá. As obras foram estudadas e pensadas para se relacionar com o campo de
pesquisa e fornecer a base para o desenvolvimento da ideia levantada. E para o
entendimento da relação teoria e prática, fez-se pesquisa in loco com visitantes após sua
chegada em Paquetá.

Para dar conta da proposta descrita, o trabalho se divide em cinco partes. A


seção 1, introdução do trabalho (o que se lê), seção 2, onde se define a experiência
turística. Dando prosseguimento a seção 3, apresenta-se Paquetá em conjunto com a
formação de sua identidade e características que a podem defini-la como espaço para
lazer e turismo. A seção 4 que relata a pesquisa realizada, assim como seus resultados.
E, por fim, a seção 5, as considerações finais.

199
2. EXPERIÊNCIA TURÍSTICA E A BUSCA DA NOVIDADE

A serendipidade se caracteriza por meio de descobertas ao acaso dentro da


atividade turística como a arte de viver algo que ainda não foi vivido (SALDANHA,
FRAGA e SANTOS, 2015). A origem do termo está agregada com a lenda oriental “Os
três príncipes de Serendip”, que conta a trajetória de viajantes realizando descobertas
felizes, sem objetivos reais. É uma forma de estado mental, momento cujo o indivíduo
está aberto a experiência, a apuração da imaginação e afirmação do senso de
curiosidade. O sucesso de uma viagem é proporcional ao bem estar pós-viagem do
turista em resposta a monotonia de seu dia-a-dia corrido no mundo contemporâneo
(SALDANHA; FRAGA ; SANTOS, 2015).

Aspecto fundamental da atividade turística é oferecer à demanda uma mudança


de hábito, uma experiência incomum, que não se faz presente na vida diária do turista.
De acordo com Trigo (2010 p: 35), “a viagem precisa superar a banalidade, os aspectos
triviais, estereotipados e convencionais e estruturar-se como uma experiência que nasça
da riqueza pessoal do viajante em busca de momentos e lugares que enriqueçam sua
história”.

Krippendorf (2003) afirma que o indivíduo se torna turista por razão de sua
curiosidade, buscando descobrir e aprender para sair de sua rotina. Esta pode ocorrer
por falta de equipamentos ou infra-estrutura de lazer próximo a sua residência, que o
leva ao consolo externo. Assim, em paralelo com férias e folgas, viajar a lazer pode
impulsionar o descanso e a experiência de estranhamento do seu cotidiano.

O termo usado para personalizar os produtos turísticos, tendo como protagonista


o turista que deseja ir além do que é normalmente comercializado em agências de
viagem e propagandas do destino, que não se acomodam com o que é tradicional do
lugar e que desejam ir até as raízes dos lugares que visitam, denomina-se Turismo de
Experiência.

A compreensão da experiência como um diferencial a ser oferecido


aos consumidores foi um avanço importante em termos
mercadológicos, mas, como em tantos outros estudos e tentativas de
denominação ou classificação na área de gestão e negócios, o termo
caiu em um modismo superficial, que, em boa parte, neutralizou os
avanços conquistados (TRIGO, 2010, p. 29)

200
A experiência é uma maneira de representação do que acontece no cotidiano, na
qual o indivíduo tem o prazer de estar em lugares diferentes ao que é comum na sua
vida rotineira ou no dia a dia. O turismo é gerado como fenômeno composto por agentes
sociais e movimentos de ida e volta, voluntário e a lazer, em busca de novas sensações,
com fim de outra perspectiva cultural (NETTO; GAETA, 2010). A experiência
individual de uma pessoa no espaço, urbano ou natural, é resultado de uma experiência
turística. Tem se constatado que o campo do turismo é uma área ampla para a
investigação de abordagens experienciais. Existem muitas emoções em uma atividade
turística, “dominada por uma busca da felicidade, talvez poucas atividades fossem tão
reveladoras – em todo o seu ardor e seus paradoxos – como nossas viagens” (BOTTON,
2003, p. 17).

Ainda de acordo com Turner (1989), há a necessidade de uma maior


compreensão quanto ao significado do termo “experiência”, para que possa entender o
papel no fenômeno turístico. Sinaliza também a existência de uma dualidade entre “uma
experiência passiva e aceitação dos fatos”. A experiência não tem início e nem fim
facultativo, desprendido de uma ordem temporal cronometrada. A experiência leva o
turista a ter choque de prazer, dor, alegria e sensação de bem-estar ao se deparar com
uma nova paisagem ou um novo cenário visual. O novo, ao dar sentido àquilo que se
enxerga, faz daquele momento uma experiência que unifica passado e presente, sendo
um agente transformador e formador de opiniões, em alguns casos meramente
educativos.

Ao viajar, o deslocamento local gera novas perspectivas no indivíduo. Graburn


(1989, p: 54) afirma que “frequentemente voltamos aos nossos papéis anteriores com
uma sensação de shock cultural”. Após uma experiência, voltamos diferentes se
levarmos em consideração que se passa por rituais, visando um momento livre de
cuidados, preocupações e também rico de novas perspectivas e esperança. Esse rito
transforma o estranho em fato amigável e o esquecimento do que é a sua rotina
(DAWSEY, 2005).

Há três ritos de passagem retratados, que de acordo com Turner (1989), o turista
atravessa momentos durante a viagem e o momento do desfrute do destino. Ele tem a
oportunidade de sair do seu cotidiano durante o lazer, viagem, excursão e voltar para o
cotidiano habitual, como ilustrado na figura 1.

201
FIGURA 1: Rito de Passagem
Fonte: Pezzi; Viana (2013 apud SANTOS, 2011)

A área A representa a margem indicativa do momento de transição do turista


Cotidiano X Não Cotidiano, é onde ele começa a entrar na fase de experimentação da
viagem. A área B é o ponto Não Cotidiano X Cotidiano no qual o turista chega ao ápice
de experimentação da viagem e começa o ritual de retorno. A partir do B, chega-se a
área C, onde o turista volta totalmente para a sua realidade.

A experiência é vivenciada em forma de uma totalidade, por fluxos


momentâneos, concentrados no sujeito, que compartilha momentos por meio de recortes
de sua vida. Todo o passado de sua vida seria remetida para uma experiência em sua
psique, a qual seria possível traçar o início, meio, fim de toda a trajetória, em um curso
de acontecimentos vista por uma experiência cheia de sentidos. Uma sequência seria a
fase da experiência do real, a realidade e a expressão.

O primeiro e o segundo estágio, real e realidade, são considerados semi


momentâneos. A vida como experiência, dentro do seguimento conceitual, relaciona a
contemplação da realidade, ao real já concretizado, já considerando o indivíduo inserido
no fluxo temporal da vida ao experimentar o novo. Dessa forma, a projeção da
realidade seria o real apreendido, vivenciado no momento da experiência e relações a
esse processo, os significados sobre a realidade constituída. Experiência essa inserida no
sujeito que vivencia o novo no ritmo constante de ocasiões não problemáticas.

A realidade pura não é vista por meio de criações de traços simbólicos próprios
dentro do espaço produzido. O ambiente simbólico é base referencial para compreender
o real em meio às relações sociais, dentro de um contexto histórico e sócio cultural. Os
“mapas” temporais são arquitetados em conjunto com a troca cultural, compartilhada

202
pelo contato e se desenvolve de acordo com a forma interligada entre o individuo e seu
entorno. Essa referência subjetiva é costurada por meio de valores, imagens,
representações, estereótipos modelo dos momentos vividos, assim como todo ambiente
cultural.

Os novos significados e acontecimentos da vida exterior, fora do habitual, levam


o indivíduo a uma avaliação de sua consciência e distância da vida, no momento da
atividade turística. Assim, a ocorrência de acasos não recorrentes em sua vida, torna o
indivíduo distante de sua vida temporal, por exigir reflexão. Esse momento exótico,
modificador do real dentro da realidade, sugere o despertar do novo e desconhecido,
fora de sua zona de conforto.

O indivíduo ou turista, estaria imerso ao mundo presente pontuado pelo mover, sem
estabelecer questionamento com a cultura presenciada. Esse indivíduo ao distanciar do
habitual, o incompreendido e o desconhecido, é direcionado à metamorfoses psiques ao
considerar o que é estranho em familiar, o exótico ao natural (LARAIA, 2001).

Do ponto de vista de questões antropológicas, as diferenças temporais


acontecem em razão da dinamicidade processual, instituída numa perspectiva
cronológica na qual o presente seja levado ao “momento passado”. A cultura se
transfere de geração em geração, mudando por meio do caminho histórico. Ao
considerar que o sujeito constitui-se pelo social, ainda assim necessita de autonomia
para transformá-la. Assim, a cultura estaria fincada numa linearidade, mas em
transformação, modificando-se (LARAIA, 2001).

A terceira fase, ou estágio conceitual, é a expressão considerada o molde de


sentidos feitos por meio de reflexões da experiência estruturada. O ponto de vista estaria
relacionado a fatos antigos, que articulados em pedaços, são construídos de sentidos
subjetivos da experiência, a realidade. Levando em consideração o caráter constitutivo
da relação expressão e experiência é dialética, pois experiências constroem expressões
na proporção de bases vividas pelo individuo correlacionada ao seu “mapa”,
influenciador do modo interpretativo da relação mundo e modo de expressão. Em
conseguinte, as experiências conduzem expressões determinantes, além de mapas
simbólicos dos sujeitos. A experiência é culturalmente construída, enquanto o
entendimento pressupõe experiência (BRUNER, 1991).

203
A experiência é posta também em relação ao consumo do produto turístico.
Segundo Ruschmann (2000), as experiências ocasionadas pelo fenômeno Turístico
seriam o resultado dos produtos turísticos. Algumas pessoas possuem a tradição de
guardar como recordação lembranças que representaram momentos vividos. Nesse
sentido, é possível destacar a correlação entre experiência e emoção, pois no momento
em que o passado se torna inesquecível, surge à necessidade de eternizar esse momento.

3. PAQUETÁ, HISTÓRIA E IDENTIDADE

A Ilha de Paquetá, como o próprio nome diz, trata-se de uma ilha, a principal do
arquipélago de Paquetá, situada ao nordeste da baía de Guanabara em uma distância
média de 15 km da praça XV, localizada no Centro da cidade do Rio de Janeiro. Seu
nome foi criado pelos índios Tamoios, onde Pac” (paca) e “eta” (muitas), “Lugar de
muitas pacas”, “muitas conchas” ou “muitas pedras”. Entretanto, escritos afirmam que a
Ilha possui muitas Pacaranas, animais da família das Pacas (GERMINARI e
BUCZENKO, 2012).

Paquetá abrange uma área de pouco mais de 1,2 km², repartida em duas partes,
interligada por um estreito denominada de Ladeira Vicente com cerca de 100 m de
largura que dá à Ilha a forma de um oito visto de cima, direcionando a posterior divisão
em sesmarias do território e marcando a diversidade do cotidiano social entre os dois
campos. No seu perímetro geográfico é possível desfrutar de opções de lazer em
conjunto com a sensação de volta ao passado ao visitante pela amenidade proporcionada
em suas singelas ruas de terra. Local que inspirou compositores1 e escritores2, cenários
de filmes3 e novelas4, pintores e casas de veraneio para governadores (GERMINARI e
BUCZENKO, 2012).

A ilha foi historicamente divulgada como lugar de descanso e lazer pelo mundo
como cenário exótico e exaltação da paisagem. O cuidado com a preservação é visto em
Paquetá ao manter os parques preservados e com a utilização de bicicletas, eletro-táxis,

1
Hermes Fontes, música Luar de Paquetá (anexo I); Braguinha, música Fim de Semana em Paquetá
(anexo II).
2
Joaquim Manoel de Macedo (romance A Moreninha); Vivaldo Coracy.
3
A Moreninha (um em 1915 e outro em 1970, este utilizou a Ilha como cenário).
4
A Moreninha (a primeira em 1965 e uma segunda em 1975, esta produzida pela Globo).

204
trenzinho e as charretes elétricas. A Ilha de Paquetá, embora pequena em espaço
geográfico, apresenta uma diversidade cultural única e variada por toda a região.

A Ilha de Paquetá, “a mais bela da Baía de Guanabara” (LES GUIDES BLEUS,


1955) foi antiga morada de índios e nobres que construíram a história do país. O
primeiro registro que se tem da ilha é de 1555, quando o Frade Franciscano André
Thevet, cosmógrafo5 da expedição de Nicolau Durand de Villegaignon, descobriu
Paquetá em sua missão para fundar à França Antártica, reconhecida pelo rei da França e
registrado em cartório de Paris no ano de 1556. Esse registro é anterior à própria
fundação da cidade do Rio de Janeiro. Em 18 de dezembro de 1556, o Rei da França,
Henri II, reconheceu as descobertas de Thevet e batizou a data como o dia do
nascimento da Ilha (GERMINARI e BUCZENKO, 2012).

No ano de 1565, foi fundada a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, entre
os morros Cara de Cão e Pão de Áçucar, consequência da vinda de Estácio de Sá ao
Brasil para cumprir missão colonizadora que tinha como principal objetivo enfrentar e
derrotar os franceses e se apossar de novas terras. A partir da aliança com indígenas da
etnia Temiminós6, Estácio de Sá venceu os adversários que haviam se aliado a outra
etnia7 Indígena (GERMINARI e BUCZENKO, 2012).

Estácio de Sá doou a Ilha de Paquetá sob a forma de duas sesmarias 8 a dois de


seus companheiros de viagem: Inácio de Bulhões e Fernão Valdez. O primeiro ficou
com a parte norte que teve como marco a formação da Fazenda São Roque, com extensa
área agrícola e criação de gado e hoje denominado bairro do Campo pelos comunitários.
O segundo ficou com a parte sul que teve a colonização mais rápida.Paquetá é curiosa
por não existir carros particulares e muitos frequentadores adéquam-se ao uso dos
transportes para locomoção, transporte de compras e mercadorias que por outro lado o
turismo se agrega desse tipo de transporte e vira atração de aventureiros com
expectativas de novas descobertas e novos ares (MATOS, 2010).

Até por questões de suavidade, Paquetá é a opção para pessoas saírem do intenso
movimento cotidiano da metrópole urbana carioca e cheia de problemas diários, graças

5
Pessoa versada em cosmografia (descrição astronômica do mundo).
6
Instalados, principalmente, no espaço conhecido hoje como bairro Ilha do Governador.
7
Tamoios, habitantes da ilha de Paquetá.
8
Instituto jurídico português que normatizava a distribuição de terras destinadas à produção.

205
à possibilidade de desfrutar da serenidade do local, o clima ameno, sendo alvo potencial
de recomendações médicas por sua quietude e preservar sua saúde psicológica
(GERMINARI e BUCZENKO, 2012).

Segundo o último senso demográfico (IBGE 2010) a Ilha de Paquetá concorre


com Petrópolis e Teresópolis ao atrair moradores como ponto de residência e oferecer
para o cidadão a possibilidade de fugir de congestionamentos, preços inflacionados de
imóveis e violência urbana. É comum presenciar crianças na rua brincando, pessoas nas
portas de casa tarde da noite, sem perigo e registros de algum tipo de violência.

O abandono pelo poder público em serviços básicos e fiscalização em Paquetá


demonstra mais um exemplo de falta de planejamento por parte do município que já está
com processo de favelização avançado e a poluição de suas praias. Entretanto, a afeição
ao espaço é esquecida quando o problema ambiental muda às expectativas das pessoas
no momento da passagem e a percepção de sua identidade com o lugar após encontro
com recantos da Ilha prejudicados pela poluição ambiental. Esse abandono é sentido nas
atividades econômicas como o Turismo ao espantar possíveis turistas de Sol e Praia e
veraneio, pois é comum encontrar casas abandonadas ao longo da Ilha de Paquetá
(MATOS, 2010).

A poluição das praias é bastante questionadas pelos moradores, principalmente


após o vazamento de Petróleo em um acidente da Petrobrás danificar seriamente a vida
e a qualidade das águas para a pesca, fonte de renda para várias famílias que habitam a
Ilha de Paquetá. Também é comum relatos por residentes do abandono do estado no
fornecimento de serviços básicos de infra-estrutura e manutenção da Ilha para
moradores, que de imediato afeta o desenvolvimento e consolidação da ilha como
destino turístico (MATOS, 2010).

A omissão do poder público ao longo dos últimos anos na manutenção dos


patrimônios de Paquetá foi determinante para deteriorar espaços de memórias coletivas,
levando frustração e tristeza para os residentes que possuem alguma identidade com o
lugar e perda de espaço em guias e roteiros turísticos oficiais do Rio de Janeiro
(MATOS, 2010). As últimas reformas de embelezamento na Ilha aconteceram no
governo de Carlos Lacerda, então primeiro governador do estado da Guanabara.

206
4. PERFIL DO VISITANTE

Foi realizada pesquisa in loco com 51 visitantes após utilizarem os meios de


transportes e experimentarem os serviços ofertados na Ilha. Todos estavam deixando a
ilha em direção ao terminal de Barcas da Praça XV. As entrevistas aconteceram no dia
22/09/ 2016 período entre 11h30 e 18h40.

Os visitantes receberam muito positivamente a entrevista. O campo de pesquisa


também facilitou e muito o trabalho, pois se aproveitou o momento em que os visitantes
estavam retornando da visita à Paquetá nas barcas com destino a Praça XV, que tem
duração exatamente de 70 minutos de travessia entre os terminais. Muitos visitantes
abordados, por não estarem ocupados e entertidos com alguma atração no momento da
abordagem, não demonstraram receio e foram bem receptivos durante todo o processo.
Pode-se obter, dessa forma, durante esse tempo livre dos entrevistados mais atenção,
placidez e compreensão para responder todas as perguntas elaboradas para a construção
do trabalho.

A história é capaz de gerar vida, é o que diz Horn e Germinari (2010, p. 118),
onde afirma que o conhecimento local “... desenvolve análise de pequenos e médios
municípios, ou de áreas geográficas não limitadas e não muito extensas”.

O questionário aplicado (Apêndice) na pesquisa continha 10 perguntas no total


que levava em média até 1 minuto/por pergunta para que os respondentes efetuassem a
resposta. O perfil dos pesquisados foi bem variado, tendo pessoas de todas as idades.
Após a abordagem para a pesquisa, era apresentado o modelo de trabalho,
temática e os fins para os quais os dados coletados durante o trabalho seriam utilizados.
O esclarecimento da finalidade da pesquisa foi à tentativa para deixar os respondentes
tranqüilos e serenos para responderem e contribuírem de forma consciente.

Por questões de proximidade geográfica, foi colocado no formulário a região da


Baixada Fluminense, cidade do Rio de Janeiro, os municípios Niterói, São Gonçalo e a
opção “outros” para todos os demais municípios do estado Rio de Janeiro e do Brasil.
No dia da pesquisa alguns grupos de excursões de cidades de outro estado do Brasil
como São Luis-MA, Juiz de Fora-MG, Petrópolis- RJ, Piúma-ES e até da região dos
lagos como Búzios, que estavam em visita, contribuíram com a pesquisa (Figura 2)

207
REGIÃO QUANTIDADE
Baixada Fluminense 2
Niterói 2
Outros 22
Rio de Janeiro (cidade) 24
São Gonçalo 1

Figura 2: Local de Residência

Fonte: Elaborado pelo autor

Durante o período de realização da pesquisa, Paquetá obteve poucos visitantes


das cidades da Baixada Fluminense e São Gonçalo. Quanto ao município do Rio de
Janeiro, muitos eram de bairros do subúrbio carioca como Realengo, Bangu, Campo
Grande que possuem parentes morando em Paquetá ou tiveram residência no passado,
permanecendo raízes de pertencimento a Ilha, segundo os relatos dos entrevistados.

Dentre os visitantes abordados na pesquisa, 24 visitantes que foram à Ilha de


Paquetá eram da cidade do Rio de Janeiro. A Baixada Fluminense e Niterói tiveram
apenas dois representantes cada, enquanto que o município de São Gonçalo apenas um
respondente.

A respeito da renda familiar mensal dos entrevistados, 21 pessoas (41%)


acusaram receber entre 1 a 3 salários mínimos, em segundo lugar 15 pessoas (29%)
disseram receber de 3 a 6 salários mínimos, na terceira colocação 9 entrevistados (18%)
afirmaram estar na faixa de 1 salário mínimo. Em penúltimo lugar, 5 entrevistados
(10%) estariam na faixa de 6 a 9 salários. Por último, apenas uma pessoa (2%) afirmou
receber de 9 a mais salários mínimos (Figura 3).

208
PORCENTAGEM QUANTIDADE

18% 9
29% 15
10% 5
2% 1
41% 21

Figura 3: Renda Familiar Mensal

Fonte: Elaborado pelo autor

Alguns lugares são únicos por seu ambiente natural, paisagístico, atrativo
cultural, história, outros por oferecer turismo de experiência, gerar sensação de
calmaria, oportunidade de sair da rotina diária ou aqueles que já foram roteiro de
viagem de amigos e até lugares que foram cenários da televisão.

Paquetá não foge a esse cenário muito procurado por turistas em busca de
atrativos únicos característicos de um lugar só encontrado por lá, divulgado na mídia e
com constantes fotos como cartão postal que o identifica, incentivando ao turista ter
aquele momento registrado por meio de fotos para posterior divulgação em redes
sociais, compartilhar com a família e guardar como recordação.

Entre as motivações incentivadas por poetas, cronistas, blogueiros e escritores


para visitar a Ilha de Paquetá, 24 pessoas (50%) disseram ter visitado com o desejo de
conhecer a ilha, em seguida 13 pessoas (27,1%) acusaram estar em busca na observação
da paisagem, 12 responderam (25%) estar motivado pela realização do roteiro cultural
em busca dos atrativos culturais da Ilha de Paquetá, 7 disseram (14,6%) estar realizando
piquenique em família, 6 (12,5%) atravessar a baía de barca, 5 (10,4%) realizar
pedaladas, 3 (6,3%) andar de charrete elétrica, 3 (6,3%) ir à praia e 1 pessoa (2,1%)
selecionou estudo e passear de trenzinho, 1 pessoa (2,1%) para realização de estudo e,
por fim, uma abstenção em relação ao passeio de eco-táxi. Nesse quesito os
respondentes podiam responder múltiplas vezes, ou seja, marcar mais de uma opção
(Figura 4).

209
Figura 4: Motivações

Fonte: Elaborado pelo autor

Na Figura 5 pode-se identificar que os entrevistados tiveram uma experiência


que não fora prevista durante o planejamento da visita e descobriram traços e
curiosidades inóspitas, diferente de seu conhecimento cultural. Essa questão é
importante dado estatístico que confirma que Paquetá tem algo sempre peculiar que
foge do conhecimento das pessoas. Caso o visitante não venha a ter vínculo familiar,
residencial, comercial no passado da ilha e não tenha pesquisado o histórico do seu
destino antes da chegada, esse visitante poderá se surpreender ao se deparar com
informações históricas e curiosidades.

Figura 5: Experiências com transportes

Fonte: Elaborado pelo autor

Embora Paquetá esteja necessitando de reparos em sua infra-estutura em razão


de seu abandono, que deixa em condições negativas nas avaliações dos
consumidores/visitantes, é considerável que uma visão interdependente de seus atrativos

210
ambientais, suas cores, aromas e arquitetura podem gerar satisfação e superação de suas
expectativas. A partir da avaliação das pessoas o conjunto macro ambiental do lugar
pode determinar a resposta do cliente ou até influenciar no desejo de retornar ao lugar
visitado. Os problemas em Paquetá do ponto de vista operacional como coleta seletiva,
iluminação pública, segurança e sinalização podem influenciar negativamente no
“desejo de voltar”.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O conhecimento do local deixa a constatação para o visitante de que o todo pode


ser formado por partes que se inter-relacionam e dialogam desenvolvendo um sistema
onde beneficiar uma categoria seria como negar o todo ou tornar o todo superior aos
fragmentos. Há vários problemas que trabalhados pelo poder publico em conjunto com
a comunidade e comerciantes, levariam a potencializar a atividade turística.

A hipótese do trabalho considerava que os turistas frequentam a Ilha de Paquetá


em razão dos seus modelos de transportes tornando única e geravam a maior parte da
demanda para a Ilha, vistos assim como atrativos turísticos diferenciados. De acordo
com a pesquisa in loco dos visitantes, pode-se afirmar a refutação da hipótese, pois os
transportes não são os principais atrativos motivadores da visita à Paquetá. Ainda
constatou-se que os fatores que potencializam a maior parte da visitação são a
possibilidade de conhecer a ilha, realizar passeio cultural com familiares, parentes e
amigos, lazer e fotos.

Embora os tipos de transportes da Ilha de Paquetá são meios que remetem aos
visitantes a relacionar momentos cinematográficos, literários, cenários de novelas e
lugares únicos ao fazerem o uso do serviço durante a visita, alguns dos turistas não
acusaram o cenário de Paquetá com relações históricas, literárias e cenográficas, devido
ao razoável ou pouco conhecimento sobre a ilha. Esse problema seria resolvido se em
Paquetá tivesse pontos de informação turística e mais serviços de visitação,
acompanhado de guias locais para quem não irá fazer os passeios de charretes ou eletro-
táxi nos quais o condutor aborda a história e curiosidades da Ilha. Os entrevistados
acusaram ter experimentado momentos e sensações já passados em suas vidas que
estavam previsto dentro da justificativa de pesquisa.

211
Ainda é bem considerável a característica de tranqüilidade, o que a torna
impecável independente de seus problemas administrativos e operacionais. Afinal, não é
todo destino que oferece para o seu visitante paz, beleza, sol, mar e história,
ingredientes importantes para o turista viver experiências.

Para tornar positivas as condições da Ilha, considerando serviços e infra-


estrutura é fundamental que estabeleçam parcerias com órgãos especializados e com
fins de excelência. Essa ação entrará em prática à medida que políticas públicas saírem
do papel e sejam colocadas em práticas com melhoramentos de serviços, cursos
capacitação e incentivos que devem entrar nas metas da política.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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212
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Ecology and Systematics 20: 171-197.

213
APÊNDICE
PERGUNTAS DA PESQUISA

1. Local de residência: 2. Sexo:


 Baixada Fluminense  Masculino
 Niterói  Feminino
 Rio de Janeiro (cidade)
 São Gonçalo
 Outros

3. Idade 4. Estado civil:


 de 18 a 24 anos  Solteiro
 de 25 a 44 anos  Casado
 de 45 a 64 anos  Viúvo
 65 anos ou mais  Divorciado/Separado
 União estável

5. Nível de escolaridade completo: 6. Renda familiar mensal:


 Sem escolaridade  Ate R$ 880,00
 Ensino Fundamental  entre R$ 881,00 e R$ 2.640,00
 Ensino Médio  entre 2.641,00 e R$ 5.280,00
 Ensino Superior  entre R$ 5.2810,00 e R$ 8.8000,00
 Especialização  entre R$ 8.8000,00 e R$ 10.560,00
 Mestrado
 Doutorado
 Pós-doutorado

7. Motivações para ir à Ilha: 8. Qual tipo de transporte você utilizou?


 Andar na charrete Elétrica  Barcas
 Conhecer a Ilha  Bicicleta

214
 Estudo  Charrete Elétrica
 Atravessar a baía de barca  Eletro-táxi
 Fazer roteiro cultural  Pedalinho
 Ir à praia  Trenzinho
 Observar a paisagem
 Pedalar
 Realizar piquenique em família
 Passear de trenzinho
 Utilizar o serviço de Ecotáxi
 Outro

9. Em relação à experiência com transportes 10. Você voltaria à Ilha de Paquetá?


na Ilha de Paquetá você concorda (C) ou
discorda (D):  Sim

 Lembra algum lugar famoso (País,  Não


Ilha, cidade, bairro)
 Remete e lembra o passado da minha
vida
 Lembra passagens da vida pacata e
campista
 Lembra algum desenho, livro infantil
ou literário, filme, novela e fato
histórico
 Realizei novas aventuras
 Descoberta de novidades

215
ESTRATÉGIAS PARA A ADMINISTRAÇÃO DO PATRIMÔNIO E DA
MEMÓRIA: GESTÃO PARTICIPATIVA NO PROCESSO DE
ORDENAMENTO E MUSEALIZAÇÃO DE TERRITÓRIO DO COQUEIRO
DA PRAIA-PI.
Gardênia Angelim Medeiros de Oliveira9
Edvania Gomes de Assis10
Francisco Pereira da Silva Filho11
RESUMO: O presente trabalho busca mostrar como os processos de planejamento
integrado do ordenamento e musealização do território - desenvolvidos sob as bases dos
princípios da interdisciplinariedade, multiprofissionalidade e gestão participativa –
podem servir como instrumentos de políticas pública, capazes de proporcionar a
preservação do patrimônio natural e cultural de uma cidade. A análise integral dos
elementos que compõem determinado território, por meio de atividades participativas,
permitem identificar as peculiaridades, as demandas e potencialidades do lugar e de
suas gentes e, assim, promover um turismo de excelência, capaz de criar alternativas
diversas para um desenvolvimento urbano sustentável, proporcionando oportunidades
de emprego e renda e, consequentemente, melhoria da qualidade de vida dos moradores
locais.
Palavras-chave: Comunidade; Gestão Pública; Museu de Território; Ordenamento de
Território; Desenvolvimento
ABSTRACT: The present work seeks to show how the processes of integrated
planning of the planning and musealization of the territory - developed under the
principles of interdisciplinarity, multiprofessionality and participative management -
can serve as instruments of public policies capable of preserving the natural and cultural
patrimony Of a city. The integral analysis of the elements that compose a given
territory, through participatory activities, allows to identify the peculiarities, the
demands and potentialities of the place and its people and, thus, promote a tourism of
excellence, capable of creating diverse alternatives for an urban development Providing
opportunities for employment and income and, consequently, improving the quality of
life of local residents
Keywords: Community; Public administration; Museum of Territory; Territory
Planning; Development

9
Advogada, Especialista em Direito Público (CEUT). Arquiteta e Urbanista formada pelo Instituto
Camilo Filho – ICF, Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Artes Patrimônio e Museologia da
Universidade Federal do Piauí – UFPI, Campus Ministro Reis Veloso, Av. São Sebastião, nº 289, Bairro
Ministro Reis Veloso – Parnaíba/PI. E-mail: gardeniaangelim@gmail.com
10
Bacharel em Geografia (UFPB). Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente (UFPB). Doutora em
Geografia - Área de Concentração - Análise Regional e Regionalização (UFPE). Colaboradora do
Mestrado em Geografia da UFPI. Leciona aulas de geografia para alunos do curso de Graduação em
Turismo da Universidade Federal do Piauí..Tutora do Programa de Educação Tutorial - PET (PET
Tuirsmo - UFPI) (atual). Sub-Coordenadora do Mestrado em Artes, Patrimônio e Museologia (UFPI)
(atual). E-mail: edvania@ufpi.edu.br
11
Bacharel em Turismo pela Universidade Federal do Piauí (2011). Especialista em Elaboração e
Assessoria de Projetos Públicos e Privados pelo Centro de Capacitação e Treinamento de Pessoas -
CCTP/Faculdade de Ciências e tecnologia de Teresina - FACET (2012). Mestre em Geografia pela
Universidade Federal do Piauí (2016). E-mail: pereira_ufpi@hotmail.com

216
INTRODUÇÃO

O presente trabalho foi desenvolvido no âmbito do Mestrado Profissional em


Artes, Patrimônio e Museologia, dentro da disciplina de Patrimônio, Turismo e
Sustentabilidade com o intuito de proporcionar reflexões acerca dos instrumentos
políticos utilizados para o planejamento e gestão do território, apresentando o Inventário
Participativo como instrumento importante no processo de musealização e ordenamento
de território.

Na atual conjuntura é de extrema importância discutir sobre a necessidade de se


desenvolver projetos capazes de promover relações de aproximação entre a sociedade e
o seu patrimônio natural e cultural. As políticas de planejamento e de gestão do
território devem ser desenvolvidas sob a égide inicial de análise integral do território
visto em sua multidimensionalidade. Acredita-se que a gestão do território deve ser
realizada de forma participativa por uma equipe multidisciplinar, interdisciplinar e de
forma inclusiva, contando com a participação dos atores que vivenciam o território.
Importante destacar que cada lugar é único e possui uma dinâmica própria com
características peculiares, frutos das relações estabelecidas entre o homem e o meio em
que vive.

Planejar de forma integrada é não desconsiderar as relações entre o território e o


meio ambiente. O sistema capitalista em que vivemos, voltado para produção e
consumo em larga escala, visando a produção de lucros, retira da natureza a matéria-
prima que necessita e, dessa forma, explora os recursos naturais, deixando um saldo
negativo profundo para o meio ambiente. A gestão de um território não pode ocorrer à
revelia dessa problemática, é preciso que se desenvolva políticas sensíveis à paisagem
cultural, que sejam capazes de proporcionar o desenvolvimento econômico sustentável
das cidades, preocupando-se com a conservação das espécies e manutenção do
ecossistema, garantindo a proteção e a biodiversidade do território, bem como,
reconhecendo a diversidade dos agentes que integram e constituem a identidade cultural
do lugar.

No âmbito da Nova Museologia, que nos trouxe a concepção de Museu


Integrado, o território é colocado como museu. Sob esse enfoque, pode-se dizer que o

217
território é o espaço que traduz o patrimônio de maneira mais abrangente. Sob essa
mesma perspectiva, podemos compreender o museu de território como um instrumento
de gestão pública a serviço do homem e de seu desenvolvimento. A gestão de museu,
assim como a gestão do território precisam se preocupar em conhecer o lugar em que
irão se inserir, para tanto, devem atuar de forma participativa, estimulando a
participação e a colaboração da comunidade, aproximando-a do seu patrimônio e da sua
paisagem cultural, posto que estes são requisitos indispensáveis ao desenvolvimento
sustentável do lugar.

No curso do presente mestrado profissional, a proposta final é o


desenvolvimento de um projeto-ação onde se deve apresentar produtos e/ou serviços em
benefício de determinada comunidade, utilizando-se da metodologia da pesquisa-ação.
A pesquisa, em fase inicial, conta com a participação e colaboração da comunidade de
pescadores tradicionais do Coqueiro da Praia, intitulados “co-autores” do projeto. A
Vila de Pescadores do Coqueiro da Praia, como é reconhecida por seus atores, localiza-
se no município de Luís Correia-PI, aproximadamente à 380 km da capital do estado,
Teresina. Esse território possui a maior extensão litorânea do Piauí, contemplando 46
km dos 66 km total pertencentes ao estado piauiense. É uma região turística bastante
procurada por ser propícia para o desenvolvimento de atividades voltadas ao segmento
de sol e praia, principalmente para a prática de windsurf e kitesurf.

Dessa forma, o presente artigo trata de uma revisão teórica e apresentação do


objeto em fase inicial de estudo. Vale ressaltar a dificuldade de se encontrar bibliografia
e/ou trabalhos acadêmicos que tragam informações sobre o território em que se pretende
trabalhar, entretanto, o que por um lado pode ser um “problema”, por outro, pode-se
considerar um ponto positivo para o projeto que se pleiteia desenvolver, justificando a
importância do mesmo e a necessidade da sua execução. Ademais,

Acredita-se que inventariar é uma das melhores ferramentas de pesquisa, coleta


e organização de informações sobre algo que se deseja conhecer melhor (IPHAN,
2016). Portanto, pretende-se iniciar o Inventário Participativo (IP) das embarcações,
artes e artefatos da pesca tradicional do território. Para isso, lançar-se-á mão dos
métodos e técnicas registradas no Inventário Nacional de Referências Culturais (2009),
bem como do Manual de Aplicação de Educação Patrimonial: Inventários Participativos
(2016), ambos elaborados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional –

218
IPHAN. Além disso, utilizar-se-á dos conhecimentos da antropologia, etnografia e,
ainda, do método da história oral, por considera-los instrumentos indispensáveis na
coleta e registro do patrimônio cultural dessa comunidade.

O desafio da pesquisa-ação (Inventário Participativo) é planejar práticas


culturais capazes de despertar, nesses agentes o interesse pela preservação do seu
patrimônio, provocar o desejo pelo reconhecimento e salvaguarda dos modos de vida,
bem como das experiências ancestrais e formas vernáculas dos saberes e fazeres, que
representam a identidade cultural da comunidade local. Ademais, acredita-se que o
material resultante da pesquisa, pode servir como orientador no processo de
ordenamento e musealização de território e para o desenvolvimento de políticas
públicas locais.

UM OLHAR SOB(RE) O COQUEIRO

Segundo o Plano Diretor do Município de Luís Correia, Lei nº 695/2010, a


região do Coqueiro da Praia está localizada, na porção leste do município, dentro da
Macrozona Rural de Interesse Ambiental e Turístico (MRIAT), abrangendo o trecho da
Área de Proteção Ambiental (APA), do Delta do Parnaíba. Este território apresenta uma
infinidade de recursos naturais, apresentando características que se destacam pela
qualidade da paisagem e a riqueza da fauna e da flora local.

Apesar da beleza do cenário cênico e do potencial turístico atrativo, possui um


fluxo de visitantes que se considera baixo frente as potencialidades que a paisagem
apresenta. Atribui-se como fator desse baixo índice de turista, a pouca infraestrutura
disponível para os visitantes.

Segundo o relatório de Avaliação Ambiental Estratégica do PRODETUR


Nacional do Estado do Piauí, ao se referir à Praia do Coqueiro, afirma que:

O território é marcado pela presença de casas de veraneio e muitas das


suas construções encontram-se em situação irregular à beira mar ou
em Áreas de Proteção Ambiental, apesar disso, a orla encontra-se em
bom estado de conservação com instalações de quiosques, ainda que
não façam parte de um projeto de orla marítima. (MINISTÉRIO DO
TURISMO, 2010)

219
A constatação acima descrita, certifica bem a ausência de um plano de
ordenamento do território destinado à aquela localidade, o que compromete a proteção
do meio ambiente e dos recursos naturais disponíveis na natureza, aumentando os riscos
de poluição.

A Constituição Brasileira de 1988, positivou o direito à preservação do meio


ambiente, colocando-o como elemento indispensável à qualidade de vida, atribuindo ao
Poder Público e à sociedade em geral, o “dever de defende-lo e preservá-lo para as
presentes e futuras gerações” (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, art. 225, caput, 1988).

Visando uma preservação mais assistida, a Carta Magna, 1988 fez questão de
ressaltar sobre a nova forma de se pensar a gestão pública. Apresentou a proposta de
descentralização das ações, estabelecendo maior autonomia aos estados e municípios,
conferindo a este último a patente de ente da federação, dando-lhe poder para legislar
assunto de interesse local, inclusive aos referentes a preservação do meio ambiente.
Vale destacar que, na oportunidade, a Nova Carta reconhece as zonas costeiras como
patrimônio nacionais.

O Território do Coqueiro da Praia, surge inicialmente como uma comunidade de


pescadores que desempenhavam a atividade da pesca por meio de instrumentos e
artefatos desenvolvidos artesanalmente pelos próprios pescadores. Essa atividade tem
sofrido sérias ameaças nos últimos anos e está em risco iminente de desaparecer. Um
dos principais fatores desse processo de desaparecimento da pesca artesanal e do seu
ofício, é a pesca predatória que acontece em alto mar, comprometendo a fauna marinha
e interferindo nas outras relações que dependem desse ecossistema para sobreviver.
Além disso, o turismo sol e mar, potencialidade do local, vem crescendo de forma
desordenada e sem planejamento, impactando e trazendo sérias transformações no modo
de vida dos nativos.

A pesca predatória é proibida pela Lei nº 5.197, de 3 de janeiro de 1967, que


dispõe sobre a proteção à fauna, e dá outras providências. Alheio a esse dispositivo, essa
prática é facilmente percebida nos domínios dos litorais brasileiros e, neste caso, do
litoral piauiense. O que, mais uma vez, evidencia a ausência de políticas públicas,
sobretudo de fiscalização dos órgãos competentes, voltadas para preservação do meio
ambiente e do patrimônio cultural local.

220
Ao se pensar em planejamento urbano sustentável é imprescindível a atuação
integral do Estado. O Planejamento é um processo contínuo, e como já mencionado,
necessita de um estudo detalhado do território de maneira que possa contribuir na
elaboração de propostas bem avaliadas e com a participação dos mais variados agentes
locais, como garantia de um desenvolvimento urbano seguro.

A proposta apresentada, que busca inventariar, referenciar, divulgar, valorizar,


salvaguardar e promover o patrimônio cultural e natural da Vila de Pescadores do
Coqueiro da Praia, pode ser visto como um processo de planejamento e gestão
compartilhada de natureza comunitária que permite ao pesquisador compreender, de
forma integrada, o desenho de toda a paisagem cultural do território. É por meio dessa
visão integrada do território, que o pesquisador poderá desenvolver práticas culturais
criativas, primando sempre pela educação patrimonial, promovendo cursos de
capacitação e formação para a museologia que se adeque às necessidades da
comunidade, às demandas e potencialidades do lugar. Todo esse processo de
planejamento descrito até aqui, tem como propósito maior da pesquisa-ação, a criação
de um museu de território, que traduza as experiências do passado para a melhor
compreensão do presente, da vida cotidiana, da identidade e da cultura popular local.
Além disso, esse equipamento cultural promove as relações de trocas de saberes e as
reflexões contínuas sobre a gestão sustentável dos patrimônios.

MUSEALIZAÇÃO TERRITORIAL E GESTÃO PÚBLICA

O processo de musealização do território funciona como uma ferramenta de


gestão pública, uma vez que promove a territorialidade por meio de técnicas da
museologia social que asseguram a preservação da paisagem cultural, e desperta um
olhar cuidadoso sobre o patrimônio cultural, colocando-o a serviço da comunidade, bem
como, assumindo um compromisso social com a inclusão cultural e com o exercício da
cidadania. Entretanto, por meio da pesquisa-ação, é possível perceber que esse
compromisso se fortalece quando acompanhado por uma avaliação teórica e acadêmica
da museologia que permite o pensar sobre as formas de utilizar o conhecimento no
mundo real. Concorda-se com Varine (2014) quando o autor aponta a autogestão como
característica dos museus de território, colocando a comunidade como protagonista na
construção desses museus. Por outro lado, acredita-se na importância dos diálogos entre
pesquisadores e detentores do conhecimento laico. A museologia atual não dispensa a

221
função educativa dentro dos espaços museais, é ela quem traz a inclusão cultural e o
reconhecimento de uma identidade plural.

Os museus contemporâneos podem ser considerados como verdadeiros


laboratórios sociais de intercomunicação entre pesquisadores e comunidade,
conhecimento científico e conhecimento empírico, entre teoria e prática voltada para a
sociedade. Esse exercício deve ser permanente, até mesmo como forma de
reconhecimento da democratização do saber.

Assim como o processo de musealização de território, o ordenamento territorial


também pode ser considerado como estratégia de desenvolvimento local, pois prevê a
necessidade de um diagnóstico completo e integrado do lugar, primando pelo seu
desenvolvimento harmônico, observando-se as peculiaridades do território e das pessoas
que ali habitam.

Pode-se pensar a aplicação dessas estratégias de políticas públicas -


musealização de território e ordenamento territorial – voltadas para o turismo. Partindo-
se somente para esse enfoque, pode se pensar que tais estratégias de gestão estariam
assumindo uma perspectiva reducionista, entretanto, alerta-se que mesmo sendo
utilizada como ferramenta de política pública pontual (voltada para o turismo),
permanece a mesma necessidade da observância de critérios amplos de análise do
território multifacetado e com características plurais.

O ordenamento e a musealização do território, desenvolvidas de forma integrada


e participativa, são estratégias de gestão que permite, sobretudo, pensar o turismo sob
diversas óticas, analisando, inclusive, os reflexos que a atividade pode causar a um
território. É comum se pensar na regulação da atividade turística apenas quando a
mesma adquire visibilidade econômica, ou quando a atividade já chegou ao ponto de
causar grandes transtornos para o local. Na maioria dos casos, o turismo vai se
instalando de forma “natural”, à mercê de uma ordem política estruturada, trazendo
impactos, muitas vezes, definitivos ou de difícil reparação para o território e a
população que o integra.

222
DO CONCRETO AO ABSTRATO: espaço, lugar, território e paisagem cultural

O espaço, lugar, território e paisagem são elementos importantes na constituição


e leitura de determinada região, pois assumem papeis distintos e importantes para que a
leitura e a visão no ordenamento do território e sua implantação seja considerada
efetiva. Neste sentido. Começaremos pelo espaço, entendido, na sua gênese, como o
mundo natural, espaço existencial e não construído, regido por leis próprias e que
independem da intervenção do homem. Nele é inscrito os territórios, lugares carregados
de sentimentos, emoções, vivências que vão atribuindo significados ao espaço e vão
construindo um lugar cheio de sentido e identidade. Segundo Yi-Fu Tuan (1983, p. 83),
“O espaço transforma-se em lugar à medida que adquire definição e significados”.
Corroborando com este mesmo entendimento, aponta-se Cosgrove (1998); Claval
(2004), Andreotti (2008).

Na busca de tentar distinguir os conceitos de espaço e território, encontrou-se na


literatura clássica a contribuição de Reffestin afirmando que “o espaço é, de certa
forma, dado como se fosse uma matéria-prima. Preexiste a qualquer ação. ‘Local’ de
possibilidades, é a realidade material preexistente a qualquer conhecimento e a qualquer
prática”. (RAFFESTINI, 1980, p.144). Ao se referir a território o autor coloca que:

É essencial compreender bem que o espaço é anterior ao território. O


território se forma a partir do espaço, é o resultado de uma ação
conduzida por um ator sintagmático (ator que realiza um programa)
em qualquer nível. Ao se apropriar de um espaço, concreta ou
abstratamente (por exemplo, pela representação), o ator “territorializa”
o espaço. [...] O território, nessa perspectiva, é um espaço onde se
projetou um trabalho, seja energia e informação, e que, por
conseqüência, revela relações marcadas pelo poder. (RAFFESTIN,
1980, p. 143-144).

Não obstante, a todo momento nos referimos ao termo lugar. Destaca-se aqui
como: o espaço e as significações que nele se apresentam de acordo com a organização
que o homem lhes confere. De forma simples, distingue-se do território, posto que este
abarca os comportamentos e as formas de se relacionar com o mundo em que vive.

Dessa forma, pode-se dizer que o homem enriquece a natureza, apropriando-se


do enredo que ela disponibiliza, transformando-a em natureza cultural, atribuindo a ela a
ideia de significação, de afeto e percepção. Assim, atribui-se ao sentido de lugar uma
relação íntima com a paisagem cultural que, conforme Carl Sauer é o objeto de estudo

223
da geografia, e coloca que a “cultura é o agente, a área natural é o meio, a paisagem
cultural é o resultado” (SAUER, 1983, p. 343).

No que tange à paisagem cultural, coloca-se que a mesma pode ser vista como
elemento de identificação do patrimônio cultural, pois ressalta os aspectos de integração
entre o homem e a natureza, entre a materialidade tangível do espaço e a imaterialidade
refletida nos costumes, nas paixões, nos sabores e odores, nas cores, no canto e nos
encantos que dão sentido aos lugares.

Assim, entende-se que a paisagem estabelece relações com o espaço e com o


tempo em que se inserem. Os elementos que a integram, caracterizam-na e podem servir
de alicerce para nortear a musealização ou o ordenamento de um território. Um
território planejado é o pilar na construção de ambientes equilibrados que, por sua vez,
possibilitam experiências de sentidos, provocando mudanças que se refletem e se
transformam nas particularidades do lugar, na sua identidade cultural.

É o espaço e a forma em que ele é vivenciado pelos seres humanos que geram os
significados. A partir das experiências pessoais de cada um, o indivíduo analisa e
percebe esses significados, o que só é possível a partir de suas inter-relações com a
experiência coletiva e que se altera a cada mudança de perspectiva. São essas
experiências, individuais e coletivas, que tornam os lugares visíveis (TUAN, 1975 apud
HOLZER, 1999).

Sobre esses lugares, carregados de significados, é que irão incidir um conjunto


de ações e relações comportamentais nos mais variados campos, sejam eles políticos,
econômico, sociais, culturais que se imprimem no espaço e se traduzem no processo
contínuo de construção do território (REFFESTIN, 1993). São sistemas tecidos e
comandados por princípios hierárquicos capaz de manter uma ou várias ordens e se
revelam naquilo que revestem as relações de poder, muito bem apresentado por
Raffestin:

Em graus diversos, em momentos diferentes e em lugares variados,


somos todos atores sintagmáticos que produzem “territórios"... Todos
nós elaboramos estratégias de produção, que se chocam com outras
estratégias em diversas relações de poder (RAFFESTIN, 1980, p. 152-
153).

224
O território, como se percebe, é instável, depende das relações e escalas do
tempo. É o lugar onde incidem as relações de poderes e que são indissociáveis da forma
como seus atores o habitam e o conhecem. As relações de poder de grupos diversos são
tecidas por atores que não se opõem, mas, ao contrário, buscam manter essas relações
criando redes que utilizam o território como meio e como fim em busca de uma
organização desejada. Daí a importância de se planejar o ordenamento do território, que
deve ser pensado de forma participativa e integrada, a fim de fortalecer os laços do
sistema.

ORDENAMENTO TERRITORIAL E MEIO AMBIENTE

A Carta Europeia do Ordenamento do Território, afirma que o mesmo:

É a tradução espacial das políticas económica, social, cultural e


ecológica da sociedade. (...) É, simultaneamente, uma disciplina
científica, uma técnica administrativa e uma política que se
desenvolve numa perspectiva interdisciplinar e integrada tendente ao
desenvolvimento equilibrado das regiões e à organização física do
espaço segundo uma estratégia de conjunto. (...) O ordenamento do
território deve ter em consideração a existência de múltiplos poderes
de decisão, individuais e institucionais que influenciam a organização
do espaço, o carácter aleatório de todo o estudo prospectivo, os
constrangimentos do mercado, as particularidades dos sistemas
administrativos, a diversidade das condições socio-económicas e
ambientais. Deve, no entanto, procurar conciliar estes factores da
forma mais harmoniosa possível (CONSELHO DA EUROPA, 1988,
p. 9 e 10).

Dessa forma, vê-se o ordenamento territorial como política pública capaz de


coordenar as atividades de gestão administrativa, territorializando políticas pontuais a
exemplo do turismo, buscando manter o equilíbrio regional e a proteção do ambiente.

Quando se intenciona propor um plano de gestão ambiental e territorial de forma


integrada, faz-se necessário esclarecer questões conceituais sobre o que é meio ambiente
e território de forma que se percebe suas inter-relações. O que comumente se observa é
que essas temáticas são, na maioria das vezes, tratadas separadamente, o que dificulta a
integração entre elas. A ampla compreensão do assunto só se faz possível quando as
mesmas são vistas de forma indissociáveis.

Entende-se que o território é um campo complexo, para entende-lo é preciso


compreender sua multidimensionalidade, em razão disso, o planejamento deve ocorrer
225
de forma interdisciplinar e multidisciplinar, a fim de que se consiga observar a
heterogeneidade dos diversos grupos quando da elaboração de projetos.

Neste contexto, o diagnóstico de formação dos diversos territórios possibilita


analisá-los com o intuito de aplicar projetos de desenvolvimento que coadunem com
suas necessidades econômicas, sociais, ambientais, e isso é muito mais que transpor
modelos de desenvolvimento. As experiências aplicadas em outros territórios devem
servir de estudo e experiências para resolver dificuldades e conduzir o desenvolvimento,
o que muito difere de copiar e importar modelos de outro lugar específico.

Cada território possui sua dinâmica e características que lhes são peculiares, em
face disso, o desenvolvimento sustentável de um território deve ser vislumbrado a partir
da elaboração de projetos que identifiquem as características específicas de cada
território, como se prevê que aconteça com o processo de criação de um museu de
território para a Vila de Pescadores da Praia do Coqueiro.

É de extrema relevância se pensar o território de forma integrada, em razão


disso, discutir a relação entre território e meio ambiente é algo que se deve considerar.
As intensas ações humanas, decorrentes do modo de produção capitalista em que
vivemos, acarretam prejuízos inestimáveis ao meio ambiente, é preciso se preocupar
com o desenvolvimento econômico sustentável, observando as peculiaridades e
individualidades de cada território e se afastando do atual modelo de desenvolvimento,
calcado na acumulação de riquezas.

Define-se meio ambiente o espaço terrestre visto na sua essência e sobre o qual
se estabelecem as relações das mais variadas espécies e de suas manifestações de vida
na terra, bem como todos os recursos naturais que alimentam essas espécies. Quando se
fala que devemos preservar o meio ambiente, deve-se pensar em conservar toda a
diversidade de elementos naturais, responsável por manter a sobrevivência das espécies
existentes no planeta.

Quando se discute a sustentabilidade do desenvolvimento econômico territorial,


preocupa-se com a necessidade de racionalizar as ações humanas frente à natureza.
Deve-se considerar o homem como peça integrante desta, é o homem que necessita da
natureza para sobreviver, o que não ocorre com a relação inversa.

226
A década de 1990 foi marcada pelas grandes preocupações e discussões sobre o
meio ambiente em todo o mundo. Viu-se que não mais se podia ignorar as ações do
homem com a natureza, nem como as perspectivas de crescimento ilimitado que se
utiliza os recursos naturais esgotáveis de forma desenfreada, ameaçando sua extinção
e/ou deterioração gerando consequências ambientais catastróficas em todo o planeta
(SANTOS, 2007).

A maneira como a sociedade se relaciona com a natureza, bem como a forma


com que as relações ambientais acontecem e se desenvolvem, são questões que
necessitam de uma avaliação mais atenciosa. No cenário econômico presente, o
capitalismo vem exercendo cada vez mais pressão sobre o meio ambiente e os recursos
naturais ainda existentes. Dessa forma, o grande desafio é promover modelo de
desenvolvimento que inclua os atores presentes em cada território, onde essas relações
acontecem, promovendo atividades voltada para a educação ambiental.

MUSEUS, COMUNIDADES E DESENVOLVIMENTO

Desde o século XVIII que o museu passou a ser visto como uma instituição
pública e assumiu a função socioeducativa baseado na ideia de servir à sociedade
buscando o seu desenvolvimento sociocultural. A partir de então, vem ocupando lugar
de destaque dentro da realidade a qual está inserido, destacando-se como importante
agente das políticas públicas.

Á guisa da Nova Museologia, o museu atual abandonou a tradicional visão:


homem-objeto-museu e incorporou o trinômio mais ousado: território-patrimônio-
sociedade. Assim, baseado nos princípios de interdisciplinariedade e de
transdisciplinariedade, vem buscando propor metodologias para a musealização do
território. Dessa forma, utilizando-se do repertório múltiplo e diferenciado de
experiências ali existente, busca criar atividades que estimulem a participação,
cumplicidade e envolvimento da comunidade de interesse, com o propósito de
desenvolver a construção social do conhecimento com a participação dos diversos
atores locais.

Sob esse enfoque, dentro de um processo de musealização, podemos nos


apropriar do território e, aproveitando-se dos meios que ele nos oferece, preservar o
patrimônio e, estrategicamente, administrar a memória, utilizando-o como instrumento a

227
serviço da comunidade e de seu desenvolvimento. Corroborando com esse pensamento,
Varine descreve:

O museu de território é a expressão do território, qualquer que seja a


entidade que toma a iniciativa e a autoridade que o controla:
associação, mecenas, administração local, instituição científica,
agência de desenvolvimento, programa de turismo cultural, etc. Seu
objetivo é a valorização desse território e, sob esse ponto de vista, é
realmente um instrumento do desenvolvimento em primeiro grau
(VARINE, 2014, p. 185).

Quando se fala em comunidade, parte-se da ideia de um grupo de pessoas que


habitam um mesmo território e que comungam do mesmo modo de vida e da mesma
cultura. Visto sob o olhar mais contemporâneo, chama-se de comunidade um grupo de
pessoas que compartilham de um mesmo objetivo, uma história comum e se interessam
pelas mesmas práticas de desenvolvimento do lugar.

Implantar métodos e técnicas que visem o desenvolvimento do território dentro


de uma proposta sustentável é realmente um grande desafio. O que se observa das novas
experiências desenvolvidas no Brasil, é a busca por essa identificação do território e o
desenvolvimento de projetos que atenda às suas necessidades, respeitando suas
particularidades. Entretanto, acredita-se, cada vez mais, na necessidade de se fazer uma
análise minuciosa do território como forma de reconhece-lo e, assim, desenvolver
atividades criativas que estimula a participação da comunidade. Desta forma, busca-se
montar equipes interdisciplinares que perceba as multifaces dos territórios em que esses
projetos serão implantados, analisando-os com o intuito de alcançar o equilíbrio social,
tentando vencer a pobreza e diminuindo os impactos ambientais.

PLANEJAMENTO E GESTÃO EFICIENTE DAS CIDADES

Cidades que se preocupam com planejamento voltado para o futuro sofrem


menos impactos negativos. Sabe-se que os desafios enfrentados pelos gestores públicos
são grandiosos, além disso, as melhorias não acontecem de forma imediata, o que
confere a necessidade de se planejar o espaço de forma integrada, estabelecendo
conexões entre visão a longo prazo e necessidades imediatas.
Atrair recursos e investimentos capazes de gerar atividades econômicas é algo
sempre percorrido pelos gestores públicos. Quando a administração pública promove
ferramentas que lhe permite obter um diagnóstico integrado sobre a cidade, fica mais

228
fácil identificar as demandas e necessidades locais e, dessa forma, pode desenvolver
projetos de infraestrutura, serviços e outras políticas públicas necessárias, que
correspondam aos anseios da população e que estejam em consonância com a sua
paisagem cultural e natural, garantindo o desenvolvimento sustentável da cidade e a
melhoria da qualidade de vida de seus moradores.

Ademais, o planejamento da cidade deve envolver todos os agentes de interesse.


A participação coletiva permite aos gestores estabelecer contato com o cidadão,
facilitando a prática de seus projetos, vez que mobilizam todos em uma mesma visão,
trazendo a garantia de continuidade desses projetos mesmo que ocorram mudanças de
ciclos políticos. Quando há um envolvimento de todos os agentes, o caminho se torna
mais estável e com maior credibilidade. Os investimentos públicos acontecem, em sua
maioria, a longo prazo, sabendo-se que, o ordenamento de território, assim como o
processo de construção de museus de território preveem uma análise prévia e integrada
do lugar, esses dois modelos se tornam grandes ferramenta de políticas públicas e
ajudam no desenvolvimento de projetos eficientes para a cidade, criando oportunidades
viáveis para uma sociedade comprometida.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A responsabilidade sobre um território demanda de um planejamento urbano


compartilhado, que gere obrigações e direitos para seus diversos atores, e não uma
política discricionária. Para isso, os órgãos públicos envolvidos e toda a sociedade
devem está engajada com o propósito de conciliar a proteção ao meio ambiente e as
políticas de desenvolvimento urbano, atento às especulações imobiliárias e outros
avanços perniciosos que trazem como consequência o desordenamento do território.

Nesse sentido, as ações propostas devem incentivar a conservação e proteção de


áreas ambientais e resguardar áreas de risco, com o intuito de proporcionar uma
infraestrutura básica, necessária ao bem-estar do cidadão, procurando estabelecer uma
harmonia com a paisagem cultural do lugar.

Quando se fala de patrimônio cultural de um lugar, é preciso primeiramente que


se pense em tudo aquilo que permeia os atores dentro do território em que estão
inseridos. Salienta-se que o homem, muito além da sua existência, precisa se perceber

229
no mundo. É a partir dessa percepção e das relações que estabelece com o território, na
sua integralidade, que são criados os laços de identidade capazes de unir determinados
grupos sociais e diferenciá-los dos demais, estabelecendo, dessa forma, uma relação de
alteridade que pode ser usada a serviço da comunidade e do desenvolvimento
sustentável local.

Assim, o Inventário Participativo permite-nos extrair de um território


informações sobre o seu cenário multifacetado, emaranhado no campo do saber fazer.
Além disso, permite estabelecer diálogos com seus atores locais, reconhecendo as
relações e interrelações conjugadas entre a sua paisagem natural e cultural, levando-nos
a compreensão do território de forma integrada e tornando-se uma ferramenta de base
para a musealização e ordenamento do território, que também precisam ser
desenvolvidas de forma participativa.

Dessa forma, uma gestão pública que busca transformações sócias e econômicas
em áreas com grandes potenciais turísticos, devem tomar decisões paltadas em reflexões
críticas e participativas sobre a realidade do lugar, afim de propor intervenções capazes
de gerar receitas e rendas, mas que, sobretudo, sejam socialmente justas e
ambientalmente sustentáveis, assegurando o patrimônio cultural identitários da
comunidade.

REFERÊNCIAS

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Editore, 2008.

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DF, Senado, 1998.

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230
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Disponível em: http://www.revistaterritorio.com.br/pdf/07_6_holzer.pdf. Acesso em 19
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231
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2013.

VARINE, Hugues de. O Ecomuseu. Ciências e Letras, n. 27, p. 61-90, 2000.

232
TURISMO FERROVIÁRIO E TURISMO DE BASE COMUNITÁRIA:
ALGUMAS CONEXÕES PARA O PLANEJAMENTO E A GESTÃO
Carla Fraga1
Vera Lúcia Bogéa Borges2
RESUMO: O turismo ferroviário no Brasil é promissor, o que enseja reflexões sobre
sua relação com a “base comunitária” na perspectiva do envolvimento de atores e
organizações. Foram selecionados dez casos de trens turísticos e culturais para análise
neste estudo exploratório realizado através da consulta a websites. Estes casos são
oriundos de vários estados brasileiros e operados por diferentes tecnologias ferroviárias
(a vapor, eletrificado). Com base na literatura sobre ferrovia e turismo, e turismo de
base comunitária, considerou-se como eixos para a análise do Turismo Ferroviário de
Base Comunitária (TFBC): (1) localização geográfica dos trechos ferroviários; (2)
história como uma representação do passado; (3) memória como um elo vivo entre o
passado e o presente. As principais contribuições alcançadas foram: (1) problematização
inicial a respeito do TFBC; (2) análise de parte do cenário brasileiro.

PALAVRAS-CHAVE: Turismo e Ferrovia; Turismo Base Comunitária; História e


Memória; Planejamento e Gestão.

ABSTRACT: Rail tourism in Brazil is promising, enabling reflections about his


relationship to the "community-based" in a perspective of the involvement of actors and
organizations. In this exploratory study we selected ten cases of cultural and tourist
trains for analysis based on websites research. These cases are from several states in
Brazil and are operated by different railway technologies (steam, electrified). Based on
the literature on railway and tourism, and community-based tourism, it was considered
as axes for the analysis of Community – Based Rail Tourism (CBRT): (1) geographic
location of the rail segments; (2) history as a representation of the past; (3) memory as a
living link between the past and the present. The main contributions were achieved: (1)
initial questioning about the CBRT; (2) analysis of some parts of the Brazilian scenario.

KEYWORDS: Tourism and Railway; Community-Based Tourism; History and


Memory; Planning and Management.

INTRODUÇÃO

O turismo de base comunitária [TBC], enraizado num processo


situado de desenvolvimento, é uma modalidade do turismo sustentável
cujo foco principal é o bem-estar e a geração de benefícios para a
comunidade receptora (BURSZTYN, BARTHOLO e DELAMARO,
2009, p. 86).

1
UNIRIO, Turismóloga e Professora Adjunto do Departamento de Turismo e Patrimônio.
carlota.fraga@gmail.com
2
UNIRIO, Historiadora e Professora Adjunto do Departamento de Turismo e Patrimônio.
vera.borges@unirio.br

233
Como o turismo de base comunitária articula-se com o planejamento, gestão e
desenvolvimento do turismo ferroviário no Brasil? No contexto de expansão da oferta
ferroviária turística brasileira, a cartilha que orienta a proposição de novos projetos de
trens turísticos e culturais no país indica a necessidade de uma série de documentos e
estudos, dentre estes: “(...) benefícios econômico-financeiros decorrentes do
empreendimento [trens turísticos e culturais] contendo a repercussão econômica e social
nas comunidades e na região abrangida, bem como no desenvolvimento turístico e
cultural” (BRASIL, 2010, p.31). O que inspira a problematizar a necessidade da
construção de um novo referencial teórico sobre a relação entre turismo e a ferrovia no
Brasil, isto é, sobre as possibilidades e os desafios para o Turismo Ferroviário de Base
Comunitária (TFBC).

A primeira ferrovia construída no Brasil data de 1854, ou seja, são mais de 160
anos de história da ferrovia e várias etapas que incluem avanços e retrocessos na
extensão da malha ferroviária brasileira. Atualmente são quase 29 mil quilômetros de
ferrovia aproximadamente, e a maior parte desta malha é concessionada a iniciativa
privada, grande interessada no transporte de carga (FRAGA, 2011; FRAGA,2013). De
acordo com o Ministério do Turismo existem 33 trens e bondes para fins turísticos no
Brasil, entre os que estão em operação, os desativados e os que irão ser inaugurados
(BRASIL, s.d.). A Associação Brasileira das Operadoras de Trens Turísticos e Culturais
(ABOTTC) e o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE),
considerando 21 linhas de trens turísticos e culturais no país, apontaram para a meta de
atender em dois anos:

(… ) por meio da melhoria da operação desses trens, cerca de 600


empreendimentos entre lojas, pousadas e hotéis, restaurantes, artesanato
local, serviços de táxis e guias de turismo situados nas imediações das
linhas, além dos próprios funcionários das concessionárias dos trens
(ABOTTC e SEBRAE, 2015, p.1)
A citação instiga a refletir sobre as várias comunidades receptoras que podem
estar envolvidas direta e indiretamente nos roteiros ferroviários turísticos brasileiros e
os seus respectivos papéis para o desenvolvimento desta modalidade de turismo no país.
Como mencionado o TBC é enraizado num processo situado de desenvolvimento,
assim, surge a seguinte questão inicial com vistas a construção de um referencial teórico
sobre o TFBC: Qual é a relação entre o turismo ferroviário e o turismo de base
comunitária?

234
Para responder, mesmo que incialmente e de maneira parcial, a esta questão foi
realizado um levantamento bibliográfico no qual se identificou a ampliação do diálogo
entre ferrovia e turismo, incluindo as questões relativas a “base comunitária”. A partir
deste levantamento bibliográfico notou-se a relevância de aspectos geográficos,
históricos e relativos a memória como eixos para a construção de critérios para a análise
de conexões entre o turismo ferroviário e o turismo de base comunitária. A partir daí,
foram selecionados dez trens turísticos e culturais no Brasil para a análise.

As próximas três seções estão organizadas a fim de dar fluxo ao debate


preliminar sobre a temática, desde o embasamento teórico, até à construção de critérios,
e, posterior análise e discussão sobre resultados encontrados.

1. TURISMO FERROVIÁRIO DE BASE COMUNITÁRIA (TFBC)

As reflexões produzidas sobre o Turismo de Base Comunitária (TBC) marcam


importante conquista para o turismo a partir da perspectiva do binômio da inclusão
social e da discussão sobre participação social das populações locais como protagonistas
do processo turístico. Nesta direção, Irving (2009, p.111) afirma que:

o sentido de comunitário transcende a perspectiva clássica das


“comunidades de baixa renda” ou “comunidades tradicionais” para
alcançar o sentido de comum, e coletivo. O turismo de base
comunitária, portanto, tende a ser aquele tipo de turismo que, em tese,
favorece a coesão e o laço social e o sentido de coletivo de vida em
sociedade, e que por esta via, promove a qualidade de vida, o sentido
de inclusão, a valorização da cultura local e o sentimento de
pertencimento. Este tipo de turismo representa, portanto, a
interpretação “local” do turismo, frente às projeções de demandas e de
cenários do grupo social do destino, tendo como pano de fundo a
dinâmica do mundo globalizado, mas não as imposições da
globalização (IRVING, 2009, p.111).
A globalização está na ordem do dia, uma palavra da moda que se transforma
rapidamente em um lema, um encantamento mágico, uma senha capaz de abrir as portas
dos mistérios sejam estes do presente ou, ainda, do futuro. De forma geral, porém,
globalização parece ser compreendida como destino irremediável do mundo, um
processo irreversível como se todos nós estivéssemos sendo globalizados e isso
significasse basicamente o mesmo para todos. Frequentemente, as palavras da moda
tendem a um mesmo destino, quanto mais experiências pretendem explicar, mais opacas
se tornam. Portanto, no fenômeno da globalização há mais coisas do que se pode

235
apreender a olho nu. Neste sentido, Bauman (1999) alerta-nos para que o foco das
discussões esteja nas raízes e consequências sociais do processo globalizador e que
assim possa ser dissipada a névoa que cerca este termo. Comumente, os processos
globalizadores não têm a unidade de efeitos. Os usos do tempo e do espaço são
acentuadamente diferenciados e diferenciadores. O que para alguns parece globalização,
para outros significa localização, o que para alguns é sinalização de liberdade, para
muitos outros é um destino indesejado e cruel.

Assim, quando trazemos esta discussão para o turismo, e mais especificamente,


o turismo de base comunitária, alguns elementos chave devem ser observados. Em
busca de indicadores de desempenho de turismo de base comunitária na perspectiva da
sustentabilidade, Fabrino et. al. (2012) estabeleceram seis elementos chave do TBC que
estão descritos na Tabela 1:
Tabela 1 - Indicadores de desempenho TBC na perspectiva da sustentabilidade

Dominialidade “refere-se ao grau de domínio da comunidade sobre os aspectos de


organização, controle, propriedade e gestão da atividade turística”.
Interculturalidade “relaciona-se com o intercâmbio cultural e a troca de referências e
experiências estabelecidas entre os turistas e a comunidade local”.
Organização “almeja identificar o modelo e processo de gestão comunitária
Social consolidada em torno do TBC, além de sua interação com o
ambiente externo, por meio da participação em redes, comitês,
conselhos etc.”.
Repartição de “refere-se à existência de mecanismos de distribuição de renda e de
benefícios investimentos, de modo includente, em projetos beneficiando a
comunidade resultante da atividade turística”.
Integração “evidencia a integração do turismo com as atividades econômicas
econômica tradicionais, identificando os novos arranjos produtivos locais
surgidos a partir do seu advento”.
Gestão dos bens “relaciona-se com as instituições internas e articulações externas
comuns promovidas pelas iniciativas comunitárias na gestão e salva- guarda
dos bens comuns. Ressalta-se que as experiências de TBC são
reconhecidas pela alta capacidade de manejo e defesa dos recursos
naturais” .
Fonte: Fabrino et.al. (2012, p.557)

Ainda que o foco deste estudo seja os trens turísticos e culturais, é válido
contextualizar alguns exemplos das possibilidades de ampliação da discussão sobre
turismo ferroviário e suas interfaces e derivações (Rail Trail, Turismo de Draisines,
Rail Biking etc.), pois estas também poderão fazer parte da discussão sobre a “base

236
comunitária”. É evidente que o turismo ferroviário é além da simples relação entre
turismo e ferrovia, pois exige organização, planejamento, políticas públicas para a sua
estruturação e sustentação. A existência do fenômeno turísticos numa dada área
geográfica que apresenta ferrovia não necessariamente originará o desenvolvimento do
turismo ferroviário (FRAGA et.al., 2015).

Os transportes ferroviários enquanto uma tecnologia composta por um conjunto


de elementos (de via, veículo, força motriz e terminal, conforme Palhares, 2002) com
características próprias influenciam e são influenciados por um dado sistema cultural
fluído. Assim, na literatura fica evidenciada a importância de uma discussão sobre
ferrovia e turismo ampliada, nota-se:

(a) a relevância da paisagem ferroviária (ver Fraga et.al. 2015), o que incluí
discussões sobre imagem e o imaginário;

(b) o papel do patrimônio ferroviário (material e imaterial) imbricado nos


desdobramentos da cultura ferroviária (ver Allis, 2002), traduzido por um conjunto de
signos e significados que vão além das vias segregadas (trilhos) em si (ver Fraga e
Frossard, 2014; Fraga, Santos e Ribeiro, 2014);

(c) a história e a memória relacionada aos aspectos ferroviários (exemplo:


aspectos da construção, desenvolvimento e/ou declínio da estrada de ferro etc.) (ver
Borges e Fraga, 2015).

A respeito deste último aspecto, é perceptível que a história e a memória formam


lado a lado um caminho importante para um tipo de turismo que favoreça “o sentido de
coletivo de vida em sociedade (...) [levando] a valorização da cultural e o sentimento de
pertencimento” proposto por Irving (2009) na reinvenção das reflexões sobre turismo de
base comunitária. A seguir isto será mais detalhado.

1.1.Busca por conexões a partir da história e da memória úteis ao planejamento e a


gestão:

As discussões acerca de memória e história já receberam importantes


contribuições de especialistas sobre o tema. Pierre Nora (1993) afirma que a memória
histórica filtra, acumula, capitaliza e transmite, ou seja, a memória coletiva tanto
conserva por um momento a recordação de uma experiência intransmissível quanto

237
também apaga e recompõe ao seu gosto, em função das necessidades de momento e das
leis do imaginário3.

É relevante considerar que memória e história não são sinônimos, pois a


memória deve ser sempre suspeita para a história. A memória é um fenômeno sempre
atual, um elo vivido no eterno presente, a história é uma representação do passado. O
estudo dos lugares de memória cruza dois movimentos que se combinam e se remetem
aos instrumentos de base do trabalho histórico, aos objetos mais simbólicos de nossa
memória. Um é o movimento puramente historiográfico, o momento de um retorno
reflexivo, da história sobre ela mesma. O outro é um movimento propriamente histórico,
ou seja, o fim de uma tradição de memória.

A passagem da memória à história fez com que cada grupo fosse obrigado a
redefinir a revitalização de sua própria história. O fim da história-memória multiplicou
as memórias particulares que reclamam sua própria história. Quanto menos a memória é
vivida coletivamente, mais ela tem necessidade de homens particulares e fazem deles
próprios homens-memória. Nora (1993) conclui que a memória dita o que a história
escreve, afinal, a memória pendura-se em lugares como a história em acontecimentos, e
estes acontecimentos não podem ser separados da identidade local.

Assim, considerando as bases geográficas dos trechos ferroviários


(origem/destino), visitantes (incluindo os turistas) e visitados (os anfitriões) poderão
formar laços de pertencimento em função de uma série de elementos, sendo aspectos
relevantes tanto da história quanto da memória. Na próxima seção são desenhados
critérios e selecionados os casos para o estudo.

2.CONSTRUINDO CRITÉRIOS E SELECIONANDO CASOS QUE PODEM


SER ALVOS DE PLANEJAMENTO E/OU GESTÃO ENVOLVENDO TFBC

Este estudo é exploratório e deriva das aproximações das autoras no tratamento


das disciplinas de “Transportes e Turismo”, “Turismo Cultural Ferroviário” e

3
Conceito polissêmico que ganha constantes re-significações e, desta forma, apresentamos uma possível
definição a partir das reflexões de Sandra Pesavento (1995, p.24): “o imaginário é, pois, representação,
evocação, simulação, sentido e significado, jogo de espelhos onde o “verdadeiro” e o aparente se
mesclam, estranha composição onde a metade visível evoca qualquer coisa de ausente e difícil de
perceber. Persegui-lo como objeto de estudo é desvendar um segredo, é buscar um significado oculto,
encontrar a chave para desfazer a representação do ser e parecer”.

238
“Planejamento do Turismo Histórico Cultural” em Curso de Bacharelado em Turismo.
A definição de critérios (ver Figura 1) foi baseada no levantamento bibliográfico para a
composição de referencial teórico sobre a temática, evidenciada na seção anterior.

Na Figura 1 é nítido que de um lado tem-se o “Turismo Ferroviário (TF) que


pode ocorre independente da “Base Comunitária”, e de outro a “Base Comunitária”
(BC), que também pode existir e não ser incluída no desenvolvimento do “Turismo
Ferroviário”, sendo os critérios definidos por Fabrino et.al. (2012) essenciais ao
aprofundamento desta discussão. Contudo, neste estudo preliminar, os pontos de ligação
construídos neste esquema, que se assemelha a letra “T”, (ver Figura 1) são:

(1) referencias geográficas (origem/destino); e,

(2) as referências históricas e suas vinculações com a memória.

Figura 1 - Critérios Turismo Ferroviário (TF) e Base Comunitária (BC)


Fonte: Elaboração própria
Visando abranger a diversidade da oferta ferroviária turística nacional,
considerou-se os seguintes critérios para a seleção dos dez casos: (1) localização
geográfica variada; (2) tecnologias ferroviárias diversas (ex: locomotivas a vapor, trens
eletrificados etc.).

Com base na oferta ferroviária turística brasileira identificada através do website


do Ministério do Turismo (BRASIL, s.d.) e da Associação Brasileira das Operadoras de
Trens Turísticos e Culturais (ABOTTC) foram selecionados dez casos para

239
apresentação e discussão. A distribuição dos casos por unidades da federação (UF) é a
seguinte: (1) Espírito Santo, (1) Rio de Janeiro, (3) São Paulo, (2) Minas Gerais na
região Sudeste do país; (2) Santa Catarina e (1) Rio Grande do Sul. A seguir são
apresentados e discutidos os dez casos.

3. BUSCANDO CONEXÕES:

O objetivo desta seção é apresentar e discutir os dez casos selecionados. De


acordo com a Figura 1, a Tabela 2 apresenta de um lado dados sobre a oferta de trens
turísticos e culturais que compõem o Turismo Ferroviário (TF) nacional, e de outro,
elementos da história e vinculações com a memória como balizadores para a discussão
de possíveis elos e pertencimentos relacionados a “Base Comunitária”. A última coluna
trata especificamente de possíveis relação entre a comunidade receptora (atores e
organizações) e a operação ferroviária turística que foi identificado a partir da busca em
websites.

Tabela 2 - Turismo Ferroviário (TF) e Base Comunitária (BC)

Turismo Ferroviário (TF)


Base Comunitária (BC)

Identificação Origem/ Acontecimentos Identificação de


do Trem históricos e/ou possíveis relação
Turístico e destino da
N UF memórias entre a comunidade
Cultural viagem
referentes a receptora e a
ferroviária
ferrovia operação
ferroviária turística

Parceria com
empresa de
Viação Campinas/ História das
alimentos e
Férrea fazendas.
1 SP Tanquinho/ bebidas, atuação
Campinas –
História da de grupo de
Jaguariúna Jaguariúna
ferrovia. músicos com
canções brasileiras.
São Paulo História do café e Museu
Trem do da imigração.
2 SP
Imigrante*

3 MG Trem das São Lourenço/ História do Feira de artesanato,

240
Águas Soledade de Império. cantores locais a
Minas bordo,
museus ferroviário,
produtos
(alimentos e
bebidas) locais,
musica sertaneja e
culinária mineira
(local).
Passa Quatro História do Império Exposição
fotográfica,
/Coronel História da
Fulgêncio Revolução feira de artesanato,
Constitucionalista produtos
Trem da de 1932. (alimentos e
4 MG Serra da bebidas) locais,
Mantiqueira cantores locais a
bordo, musica
sertaneja e
culinária mineira
(local).
Rio Negrinho / “históricos carros Museu dinâmico da
de passageiros” (...) Maria Fumaça,
Rio Natal (em
“encontro entre a
São Bento do grupo folclórico,
Trem da natureza e o
Sul)
5 SC
Serra do Mar saudosismo” pratos típicos
(ABOTTC, 2010). poloneses,
existência de
colônia polonesa.
Viana/ Influência Artesanato, doces e
Açoriana. bolachas.
Domingos
Trem das
Ferreira/ Homenagem a
6 ES Montanhas
Maria Leopoldina,
Capixabas Marechal
primeira imperatriz
Floriano
do Brasil.
(Araguaia)
Paranapiacaba História da Atração do Museu
(distrito de primeira ferrovia Funicular de
Trem dos
7 SP Santo André) do estado de São Paranapiacaba,
Ingleses*
Paulo.
monitores contam
parcela da história

241
da ferrovia.
A história da Palestra sobre a
estrada de ferro se história da ferrovia
Apiúna
relaciona com a no pátio da Usina
Colônia Blumenau (final),
fundada em 1850.
alimentos e
Única ferrovia a bebidas,
usar capital e
Estrada de artesanato variado
tecnologia alemã.
8 SC Ferro Santa no embarque, dois
Catarina restaurantes locais
com comida
colonial e pratos à
base de peixe,
artistas locais em
restaurante
próximo ao
embarque.
Bento Sem informação Coral típico
Gonçalves/ específica, embora italiano, teatro,
Trem do existam show gaúcho,
9 RS Carlos
Vinho vinculações com a degustação de
Barbosa/
história e a vinho e espumante.
Garibaldi memória evidentes.

Passeio
[ferroviário]
Ajuda a manter a
turístico mais
Floresta da Tijuca.
antigo do país.
Apresentação de
Rio de Janeiro Inaugurado em grupo de samba no
1884 pelo trajeto.
Estrada de Imperador.
10 RJ Ferro do
Corcovado Primeira ferrovia
eletrificada do país.
“ (...) o passageiro
faz um passeio
através da história
do Brasil”
(ABOTTC, 2010).
*Não é considerado um trem turístico e sim um trem de caráter histórico cultural (ver
ABOTTC, 2010). Fonte: Elaborado pelas autoras com base em BRASIL (s.d.); ABOTTC
(2010).

242
Embora tenha se objetivado extrair ao máximo as informações sobre os critérios
determinados na Figura 1 nas consultas aos websites analisados, destacou-se na Tabela
2 aqueles julgados como mais relevantes para a discussão proposta neste trabalho. De
imediato, nota-se a partir da Tabela 2 que os trens turísticos e culturais estudados (10
casos) são bastante heterogêneos (diferentes entre si) e podem dialogar com vários
segmentos de mercado turístico em função das características que apresentam
relacionados a história e memória, tal como o turismo nostálgico, entre outros. A seguir
o texto é subdivido em duas partes, a primeira trata da localização geográfica, de
aspectos relativos a história e a memória (ver item 3.1.) e a segunda sobre as possíveis
relações que podem ser destacadas entre a comunidade receptora e a operação
ferroviária turística a partir da Tabela 2 (ver item 3.2).

3.1. Localização geográfica, história e memória:

Após a sistematização de dez exemplos brasileiros (ver Tabela 2) que


aproximam o turismo ferroviário da discussão da base comunitária é importante
apresentar as nossas primeiras conclusões sobre o assunto, descritas na Tabela 3:

Tabela 3 – Localização Geográfica, História e Memória

Localização Todos os casos apresentados estão localizados nas regiões sul


Geográfica e sudeste do Brasil.
Os séculos XIX e XX são as principais referências históricas.
História O período do Segundo Reinado (1840-1889), a Primeira
e Memória República (1889-1930) e o governo provisório de Getúlio
Vargas (1930-1934) são as delimitações temporais que fazem
parte deste imaginário que permite trazer à cena turística, os
passeios e itinerários temáticos ferroviários associados à
história e à memória do Brasil.
Fonte: Elaboração própria

Com base na Tabela 3, nota-se que em linhas gerais, o Segundo Reinado foi
marcado tanto pela expansão cafeeira quanto pela formação do Estado liberal
monárquico. Ao mesmo tempo em que a escravidão era a realidade daquela época, a
imigração avançava em terras brasileiras. Na atualidade, o café, a imigração e a ferrovia
são elementos resgatados nos temas históricos e/ou ligados à memória que
potencializam os percursos apresentados. Em linhas gerais, a consolidação do café

243
como principal produto na economia agroexportadora representou um saldo muito
positivo para o desenvolvimento comercial internacional no Brasil Assim, a ascensão da
economia cafeeira repercutiu no imaginário de uma região e, perdurou-se, por
intermédio de gerações que parecem buscar, na atualidade, a fonte de inspiração
baseada no esplendor do século XIX.

Naquele período, a Europa vivia momentos agitados com destaque para os


processos de unificações italiana e alemã e as ações imperialistas que se espalhavam
pelo mundo. Desse modo, muitos imigrantes chegaram ao Brasil com a perspectiva de
ascensão social e, portanto, apresentando diferenças culturais em relação aos brasileiros.
A imigração trouxe consigo vários elementos como, por exemplo, a língua, os
costumes, a música, a dança, os festejos e a culinária que se disseminaram e ganharam
ressignificações pela cultura brasileira.

Cada um a sua maneira, estes traços são retomados em alguns dos trechos
ferroviários que integram os dez exemplos brasileiros selecionados. Assim, as
locomotivas a vapor proporcionam aos turistas uma ambientação histórica e/ou
memorialista marcada pela suntuosidade de um tempo. Vale destacar que, em muitos
casos, a emigração para o Brasil ocorreu para fugir dos tempos difíceis europeus, mas,
certamente, não são as agruras daqueles tempos que se pretende resgatar no turismo
ferroviário na época presente (BATALHA, 2003).

No Brasil, a Primeira República herdou e processou muitos elementos


formativos do país no reinado de D. Pedro II. Desde as últimas décadas do século XIX,
muitas cidades latino-americanas começaram a experimentar alterações não só na
estrutura social, mas também na sua fisionomia. Com a multiplicação e,
consequentemente, o aumento de sua diversidade, além da paisagem urbana, os
costumes também se alteraram, bem como as formas de pensar que influenciavam na
mudança do uso e da constituição do espaço físico. A palavra de ordem parecia ser o
progresso e diante dos olhos atentos da população e dos viajantes europeus, a
metamorfose urbana concretizou-se no espaço de vinte anos finalizado com a
efervescência da década de 1920.

Além disso, a industrialização parecia ser uma das principais marcas daqueles
tempos eufóricos e otimistas. Entretanto, a eclosão da Primeira Guerra Mundial (1914-
1918) e a crise de 1929 e seus desdobramentos colocaram em xeque o Estado liberal.

244
No Brasil, em 1932, as elites paulistas, que eram as mais favorecidas pelo sistema que
vigorou na Primeira República, almejavam, com este movimento, reaver o domínio
político que haviam perdido com a Revolução de 1930. Somados a isto, os revoltosos
reivindicavam por uma nova Constituição e clamavam pela realização de eleições
presidenciais. O governo provisório de Vargas parecia estar com os dias contados. No
imaginário popular, de forma metafórica a “locomotiva São Paulo” parecia puxar os
demais estados da federação e dava insistentemente o seu sinal de partida.

3.2. Percepções sobre laços com as comunidades receptoras:

Após esta contextualização histórica é fundamental discutir a relação entre a


comunidade receptora e a operação ferroviária turística na atualidade. Certamente, o
planejamento e as políticas púbicas são fundamentais para que exista sintonia e
integração entre as partes envolvidas neste processo (LOHMANN, FRAGA e
CASTRO, 2013; FRAGA et. al. 2015).

No presente, quando os residentes reconhecem e valorizam o seu patrimônio


cultural4, eles têm condições de apresentar de forma mais apropriada àquilo que lhes
pertencem e há uma relação direta com a possibilidade de experiências exitosas nos
trens turísticos e culturais. Por fim, a interpretação local do turismo pelo olhar da
comunidade que ali reside é capaz de produzir alternativas importantes para esta
modalidade de turismo.

Como observado na Tabela 3, de maneira geral, a culinária local é um dos


pontos fortes a ser apreciado pelos turistas que embarcam nos trens turísticos e
culturais. Na história da humanidade, os alimentos e bebidas adquirem características
diferenciadas que se transformam em elemento cultural podendo revelar de forma
significativa a população visitada ao proporcionar uma viagem pelos sabores
(POSSAMAI, PECCINI, 2011). Assim, parece que há um espaço em algumas
operações ferroviárias turísticas para ofertar aos turistas os pratos típicos que podem
mostrar elementos históricos que são memoráveis daquela realidade geográfica
específica. As celebrações expressas nas músicas e danças são outras potencialidades
turísticas que merecem integrar o planejamento do turismo ferroviário que busca
conexões com o turismo de base comunitária no Brasil da atualidade.

4
A palavra patrimônio pode assumir sentidos diversos. No caso do patrimônio cultural imaterial ou
intangível pode ser denominado como as práticas, as representações e técnicas que pertencem à
comunidade. (FUNARI, PINSKY, 2012).

245
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste estudo ficou evidente que existem conexões entre turismo ferroviário e
turismo de base comunitária, o que possibilita esboçar nestas considerações finais
aspectos conceituais para o TFBC. Sendo assim, entende-se que o TFBC é aquele no
qual a relação entre a ferrovia e o turismo deve ser organizada e estruturada
considerando os laços sociais entre visitantes (no caso os turistas) e os visitados
(comunidade receptora), levando à experiências permeadas pelo sentimento de
pertencimento, evocadas da valorização da cultura local através de elementos
relacionados a história e a memória.

Embora o estudo não tenha focado na análise da relação entre visitantes


(turistas) e visitados (comunidade receptora), e só tenha enfocado no que é expresso
pela oferta ferroviária turística por websites específicos, ficou evidente que há um
grande potencial para a discussão de “conexões” entre turismo ferroviário e turismo de
base comunitária. Novos estudos poderão ampliar o número de caso alcançando toda a
realidade nacional e estabelecer outros parâmetros para o alargamento da discussão
teórico-conceitual sobre Turismo Ferroviário de Base Comunitária (TFBC),
notadamente incluindo nas discussões e análises os tópicos destacados por Fabrino et.al.
(2012) que merecem atenção.

Para tanto, seria relevante considerar a realização de trabalho de campo


envolvendo construção de questionários e entrevistas com atores e organizações das
localidades. Além disto poderá se considerar o estudo detalhado de dados disponíveis
em websites de cada operadora ferroviária turística.

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gastronomia: uma viagem pelos sabores. Caxias do Sul: EDUCS.

248
CULTURA E TURISMO EM ESPAÇOS COMERCIAIS DE ARTESANATO
Gabriela Sousa Ribeiro1

RESUMO: A partir de pesquisas bibliográficas e documentais e pesquisa de campo em


três espaços comerciais de artesanato em Recife-PE, este artigo busca analisar a relação
entre população local, artesanato e espaços de venda de artesanato da referida cidade,
para discutir em que medida aliar turismo a melhorias urbanísticas para a população
local é benéfico tanto para moradores da cidade como para turistas. Foi possível
perceber que quando as melhorias urbanísticas são voltadas para a população local,
ganham todos. A cultura precisa ser preservada não para o turista, mas para contribuir
para que as pessoas se reconheçam nas suas práticas, no seu mundo. A cidade precisa
ser de e para todas as pessoas. Se ela for boa para a população local, por consequência,
os turistas terão boas experiências no local.

PALAVRAS-CHAVE: espaços comerciais de artesanato, vivências socioculturais,


turismo sustentável

ABSTRACT: Based on bibliographical and documental researches and field research in


three Handicraft commercial spaces in Recife-PE, this article seeks to analyze the
relationship between local population, handicrafts and Handicraft commercial spaces of
the city, to discuss the extent to which urban improvements for the local population is
beneficial to both city dwellers and tourists alike. It was possible to realize that when
urban improvements are focused on the local population, they all win. Culture needs to
be preserved not for the tourist, but to help people recognize themselves in their
practices, in their world. The city needs to be to and from all people. If it is good for the
local population, as a result, tourists will have good experiences on the spot.

KEYWORDS: handicraft commercial spaces, sociocultural experiences, sustainable


tourism

INTRODUÇÃO

Entendemos artesanato como forma de expressão dos aspectos socioculturais da


população de uma localidade que, a partir de matérias primas, mão de obra e
significantes socioculturais locais, os materializa em distintos artefatos, tanto objetos
utilitários como decorativos. Com base em García Canclini (1983), defendemos que há
no artesanato um aspecto comunicador entre artesão-peça-receptor, seja este último um
visitante, um comprador, um membro da comunidade ou o próprio artesão e seus
colegas de trabalho. A partir das peças artesanais, há a possibilidade de representar seus
modos de vida, contribuindo tanto para o fortalecimento de sua identidade sociocultural

1
Doutora em Urbanismo. Professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de
Janeiro (IFRJ). E-mail: gabrielasousaribeiro@gmail.com

249
e de seus pares, como para o entendimento dos aspectos socioculturais daquela região
por visitantes externos.

Essa compreensão, a partir da obra de García Canclini (1983), que indica que o
artesanato carrega e comunica aspectos socioculturais de sua localidade de origem, nos
provoca inquietações em função do contraste com a percepção empírica de que, em
distintas cidades de Norte a Sul do Brasil, basicamente, os mesmos objetos artesanais
são oferecidos à venda. Há um descolamento entre os aspectos comunicacionais
inseridos nas peças artesanais, derivados de seu local de origem, com os locais onde são
colocadas à venda.

Encontramos, por exemplo, na Feirinha de Artesanato da Praça da República, na


capital paulista, boizinhos, aves e bonecos de cerâmica que retratam aspectos da cultura
pernambucana. Bolsas de fibra de buriti, característica do estado do Maranhão, são
ofertadas em lojas de artesanato na capital maranhense, na Feira Hippie, na Praça
General Osório da cidade do Rio de Janeiro, assim como em feirinha de artesanato em
Morretes, no interior do Paraná.

Em Pernambuco, tanto faz estarmos na Feirinha de Boa Viagem, na capital, no


Mercado da Ribeira, em Olinda, ou na Feira de Caruaru, na cidade homônima, que os
mesmos objetos artesanais podem ser encontrados, de distintas partes do estado e de
regiões externas ao mesmo.

Assim como se percebe uniformização dos produtos, os espaços de venda dos


mesmos também tendem para a padronização em função da própria repetição de vitrines
expondo os mesmos artefatos, sejam em barracas de feirinhas de artesanato ou em lojas
de centros comerciais de artesanato. Além da uniformização visual decorrente da oferta
de produtos, percebe-se um incentivo à construção e/ou à transformação de espaços
destinados principalmente ao turismo, nos quais, muitas vezes, a população local fica
segregada desses locais, pois não se adequa à “higiene e padronização” requerida pelo
apelo turístico. Em contrapartida, foi essa mesma população que deu sentido e
significado inicial aos aspectos que fizeram com que houvesse a percepção de que tal
espaço seria interessante ao turismo.

Essa repetição de vitrines e paisagens influencia no poder de atratividade dos


espaços comerciais de artesanato. Espaços esses que figuram na cidade tanto como

250
espaços turísticos quanto como espaços comerciais carregados de valores e símbolos a
serem apreendidos e trocados entre os diversos usuários do local, em função dos
próprios produtos comercializados e dos espaços em si, podendo ser considerados bens
culturais.

Florissi e Valiati (2009) discutem a importância da manutenção dos bens


culturais na cidade à medida que traduzem o modo de vida de um povo, agregando
manifestações de identidade, valores e crenças da sociedade. A validade de um bem
cultural traz benefícios no âmbito econômico e é incomensuravelmente favorável ao
bem-estar da sociedade. Tal argumento corrobora com Miguez (2009) e Yúdice (2004),
que encaram a cultura como recurso para melhoria social, conseguindo, a partir de
projetos de incremento cultural urbano, alcançar o desenvolvimento urbano sustentável.
Assim, os bens culturais, juntamente com seus artefatos, propiciam o usufruto dos
espaços e de seu entorno pela população como um todo, reafirmando, a partir do lugar
de convívio, valor e identidade às pessoas.

Ribeiro (2016, 2013), ao registrar as experiências da população local em espaços


comerciais de artesanato do Recife-PE, identificou a importância das referências
culturais em circulação nesses espaços para a construção das identidades local, regional
e nacional, propiciando que o público mais amplo possa perceber tais espaços de forma
mais abrangente, reconhecendo seus papéis na história e na memória de um povo.

Conforme Florissi e Valiati (2009), é a partir do sentimento de pertencimento de


uma comunidade a algum bem e/ou fazer cultural e a seu entorno que será possível
identificar valor nessa relação, ainda que não necessariamente na perspectiva
econômica. A ocupação do espaço cria vínculos de pertencimento que agregam valor ao
tecido urbano, a partir de locais voltados a práticas culturais como signos de
reconhecimento dos agentes que ali transitam.

Nesse sentido, questionamos: de que maneira o usufruto dos espaços comerciais


de artesanato pela população local pode incrementar a atratividade desses locais para o
turismo?

Objetivamos analisar a relação entre população local, artesanato e espaços


comerciais de artesanato em Recife-PE, para discutir em que medida aliar turismo a

251
melhorias urbanísticas para a população local é benéfico tanto para moradores da cidade
como para turistas.

Para tal, realizamos pesquisas bibliográficas e documentais, além de pesquisa de


campo desenvolvida em três espaços comerciais de artesanato em Recife, sendo eles o
Mercado de São José, o Centro de Artesanato de Pernambuco (CAPE) e a Casa da
Cultura de Pernambuco.

REQUALIFICAÇÃO URBANA A PARTIR DA CULTURA COMO ATRAÇÃO


TURÍSTICA

O segmento econômico “cultura e lazer” é um dos que mais cresce no mundo.


Porém, sua importância extrapola questões puramente econômicas (THIRY-
CHERQUES, 2006). Para Florissi e Valiati (2009), na valorização dos fenômenos
culturais existem dimensões importantes à tomada de decisão acerca da alocação de
recursos por indivíduos e sociedade. Tais dimensões podem ser expressas pela distinção
entre bens tangíveis, dotados de materialidade e formadores de capital físico, humano e
natural, e bens intangíveis, com condição de imaterialidade, formados por componentes
de significado simbólico e de sentido de identidade de grupos sociais ao entorno.

Nos espaços comerciais de artesanato, agrupam-se bens tangíveis e intangíveis.


Os primeiros podem ser medidos pelo valor econômico que os produtos artesanais
movimentam. O setor envolve 8,5 milhões de pessoas e movimenta R$ 50 bilhões por
ano (SEBRAE, 2016). Os aspectos intangíveis concernem às sensações percebidas na
vivência do local, a partir das músicas, dos cheiros, dos sabores, das texturas, das
interações interpessoais, das características de cada ambiente, dos efeitos maximizados
pelas trocas e manifestações socioculturais que podem ser efetivadas nesses lugares,
traduzindo a identidade da localidade. Porém, para isso é necessário que a população
local tenha a sensação de pertencimento aos espaços comerciais de artesanato, cabendo
ao poder público, a partir de seus projetos de políticas públicas, manejar as variáveis
que devem estar presentes nos mesmos ao defini-los e mantê-los.

É no encontro desse entendimento e apoiados em García Canclini (1983) que


defendemos o apelo cultural do artesanato em traduzir os aspectos socioculturais do
povo a partir dos fazeres e materiais implícitos nos artefatos, por isso, ser comum, em
viagens turísticas, levar na bagagem, ao menos, uma “lembrancinha” do local visitado.

252
González (2008) defende que as “lembrancinhas” traduzem a “essência” do local,
tornam tangíveis aos turistas os aspectos intangíveis conhecidos e acontecidos no local
visitado.

Se as peças artesanais têm esse poder de comunicação, os espaços destinados à


sua venda, precisam acompanhar essa possibilidade. É preciso entender, conforme
García Canclini (1983), a cultura como processo, não cabendo analisar o produto
isoladamente. O contexto no qual ele está inserido, em termos de produção, circulação e
recepção, a dinâmica que ele assume enquanto processo é o que conta. “A análise de
uma cultura não pode concentrar-se nos objetos ou nos bens culturais; deve ocupar-se
do processo de produção e circulação social dos objetos e dos significados que
receptores diferentes lhe atribuem” (GARCÍA CANCLINI, 1983, p. 33).

Portanto, é necessário analisar todos os possíveis significados transmitidos


àqueles que interagem com o artesanato, não apenas o artefato em si (a significação que
o artesão almeja passar, a partir de símbolos e signos, quando cria suas peças, o que
transmite às pessoas que interagem com ela), mas também o espaço comercial, a
estrutura urbana que permite ao consumidor chegar a esse espaço e as trocas realizadas
nele entre as pessoas. Pois, pensando nesse espaço enquanto um sistema de valores, de
qualidades, de infraestrutura, esse sistema só estará completo se permitir no mesmo
espaço a convivência da população turística com a população local, permitindo trocas
sociais e culturais mantidas cotidianamente por essa última, e não apenas inventadas,
nos termos de Hobsbawm (1984), e impostas pelo apelo turístico.

Guy Debord (1997), ícone no movimento contra a cultura espetacular, contra a


passividade e a alienação da sociedade, ao discutir o planejamento do espaço, afirma
que o turismo, enquanto subproduto da circulação de mercadorias e de pessoas se
resume ao lazer de contemplar o que já se tornou banal. O fato dos lugares serem
planejados para a demanda turística, com fins econômicos, já é garantia de equivalência
entre espaços. Ele defende a participação ativa dos indivíduos em todos os campos da
vida social e, principalmente, naquele da cultura para minimizar os efeitos da
banalização do cotidiano encarado como mercadoria.

Para Vaz e Jacques (2001), um dos usos da cultura é como instrumento de


desenvolvimento econômico capaz de gerar revitalização urbana. Este processo

253
acontece em um período neoliberal globalizado, em que as questões econômicas passam
a ser prioritárias e defendidas como solução para questões sociais. Mesmo passados 15
anos da publicação das autoras, a agenda neoliberal continua vigente e, cada vez mais a
cultura vem sendo usada como ferramenta para a disputa entre as cidades de qual
consegue ser mais vendável por meio da cultura e, em função disso, ser capaz de atrair
mais investimentos externos.

Em muitos casos, há um esforço pelo poder público em captar investimentos,


capital estrangeiro e turistas à cidade, acarretando em imposições vindas de cima para
baixo que modificam as características do espaço urbano, segregando a população local
e focando apenas no turismo. Além dos casos em que essas mudanças se consolidam na
adoção de modelos de espaços estrangeiros, sem se preocupar em acomodar a vivência
local, contribuindo ainda mais para a padronização dos ambientes e segregação espacial
da população local (RIBEIRO, 2016).

Ao não permitir a convivência da população local com os turistas, estes não


conseguem apreender os aspectos socioculturais da localidade, já que o espaço,
descontextualizado da cultura e da dinâmica social da população da cidade, por focar
apenas no capital turístico, não permite a efetiva troca de valores entre ambos.

Neste mesmo sentido, nesses locais, corre-se o risco de ser instalado um turismo
predatório, em que os visitantes “usam e jogam fora” os espaços sem a preocupação de
preservá-los ou de assimilar algo a partir deles. Por consequência, quando passa a
“moda” daquela cidade ou espaço, o mesmo já está debilitado, fica abandonado no
âmbito turístico e a população local, que já estava segregada, perde ainda mais por,
além de ter na cidade um espaço abandonado, não se identifica com o ambiente e não se
percebe como pertencente ao mesmo.

Butler (1980) explica esse fenômeno ao fazer relação do ciclo de vida do


produto com o ciclo de vida do espaço turístico. Assim como ocorre quando é lançado
um novo produto no mercado, o espaço turístico passa por diversas fases, podendo
variar da ascensão ao declínio.

Primeiro, a fase de exploração, o lugar é descoberto. O número de turistas é


pequeno, há pouco câmbio. A “essência” do lugar ainda está preservada. Depois, há um
período de integração do lugar ao sistema turístico. Ao aumentar o volume de turistas,

254
criam-se novos empreendimentos turísticos para atender a essa demanda. A economia
turística fica mais complexa, a população local é mais envolvida por meio da criação de
empregos oferecidos e/ou o lugar vê a chegada de grandes investidores externos.

Quando o espaço regional está totalmente absorvido pela atividade turística,


assiste-se a uma multiplicação dos lugares destinados a esta atividade, depois à sua
especialização e à sua hierarquização. O “desenvolvimento” corresponde a um período
de importantes transformações físicas do lugar, nem todas aprovadas pela população
local.

A chegada do turismo intenso seria concomitante à espécie de crise do lugar


turístico, até mesmo seu declínio, pois este tipo de turismo modifica consideravelmente
o lugar, degradando-o. Surgem, então, os problemas ligados ao meio ambiente, à
qualidade dos serviços ou a fatores sociológicos, principalmente conflitos com a
população local. A atratividade do lugar declina, o número de turistas também. O lugar,
que foi descaracterizado para atender a população turística, em função disso, perde sua
atratividade. Resta à população local arcar com o prejuízo de conviver com espaços que
não atendem a suas necessidades. O espaço precisa ser reciclado de modo a criar novas
atratividades e atender aos anseios da população local.

Butler (1980) coloca que este ciclo pode ocorrer tanto no âmbito micro, de um
espaço, um objeto arquitetônico, como em escala macro, de uma cidade. Ponderamos
que não são todos os locais que, necessariamente, passam por este ciclo e que, o ideal é
que não passem, sendo necessária cautela no trato turístico da localidade para que este
ciclo não venha a se efetivar.

A economia que gira em torno da cultura e do turismo depende diretamente do


consumo dos espaços e bens culturais e é esse consumismo cultural exacerbado que
seria o responsável pela destruição dos valores destes bens, uma vez que estes são
moldados para o consumo massificado. Hall (2003, p. 75) afirma que “foi a difusão do
consumismo, seja como realidade, seja como sonho, que contribuiu para esse efeito de
‘supermercado cultural’”.

Gomes et al (2006), em relatório que expõem panorama e o potencial turístico de


Pernambuco, traçaram recomendações para ações públicas e privadas ao incremento de
ações futuras possíveis ao turismo pernambucano. Entre as quais destacamos a ênfase

255
que os mesmos deram à possibilidade de permitir ao visitante a vivência de experiências
memoráveis. E defendem que a forma mais usual de criação dessas experiências é por
meio do contato destes com as pessoas das comunidades locais, corroborando o que
defendemos neste trabalho.

MÉTODOS E TÉCNICAS
Foram feitas pesquisas bibliográficas e documentais seguidas de posterior
análise crítica dos dados coletados. Em pesquisa de campo, realizamos observações
assistemáticas e entrevistas semiestruturadas com frequentadores de três espaços
comerciais de artesanato na cidade de Recife-PE: o Mercado de São José, a Casa da
Cultura de Pernambuco e o Centro de Artesanato de Pernambuco. Os três locais,
selecionados em função de sua importância para o artesanato pernambucano, estão
localizados na parte mais antiga da cidade, respectivamente, nos bairros de São José,
Santo Antônio e Bairro do Recife, conforme mapa da figura 1.

Figura 1: mapa com a distribuição dos espaços comerciais de artesanato pesquisados.


Fonte: adaptado do Google Maps pela autora (2017).

RESULTADOS E DISCUSSÕES: A VIVÊNCIA COTIDIANA


INCREMENTANDO A ATRAÇÃO TURÍSTICA

Acreditamos que os turistas, ao visitar determinada região, queiram conhecer a


realidade local, hábitos, costumes, materiais tradicionais, cheiros e sabores. Assim,
englobar população local e turística num mesmo espaço favorece essa troca
sociocultural. Fazemos essa alusão da troca às trocas de informações, de impressões, de
culturas. Um aspecto importante da experiência turística é a interface entre visitantes e
moradores, permitindo que os visitantes se sintam acolhidos pela cidade em função,

256
também, do acolhimento por seus habitantes. E, para que haja essa relação, a cidade
deve permitir o uso dos espaços à sua população.

A partir dos estudos realizados, podemos afirmar que espaços que agregam a
população local em sua vivência cotidiana têm mais chances de se manterem vivos,
enquanto aqueles voltados exclusivamente ao turismo tendem a se tornar obsoletos com
o tempo.

Ao comparar Mercado de São José, Centro de Artesanato de Pernambuco e Casa


da Cultura de Pernambuco, percebemos que os dois primeiros são amplamente
frequentados pela população local, principalmente, o Mercado de São José, por
acomodar em seus espaços além de artesanato tradicional e souvenirs, produtos de
consumo da população local.

O MERCADO DE SÃO JOSÉ

A região na qual se instalou o Mercado de São José, conhecida como Largo da


Ribeira do Peixe, já era ponto de comerciantes de peixes, frutas, verduras e todo o
necessário para o abastecimento da cidade, além de artesanato doméstico e comidas
prontas. Para modernizar e higienizar o local, em 1875, inspirado no Mercado de
Grenelle, em Paris, foi inaugurado o Mercado de São José. Inspiração que lhe rendeu
uma rara arquitetura em ferro (figura 2), típica do século XIX. E, em 1973, por manter
seu estado de conservação original, foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional, IPHAN (GUILLEN et al, 2010). Sendo esse só um atrativo a mais
frente a efervescência sociocultural encontrada no Mercado.

Figura 2: fachada do Mercado de São José, com sua arquitetura em ferro.


Fonte: Prefeitura da Cidade do Recife (2017).

257
Atualmente, conta com “561 boxes cobertos e 80 compartimentos na área
externa, acrescentando-se 24 boxes de peixes, 12 de crustáceos e 80 de carnes e frios,
totalizando 757 pontos de venda” (LINS, 2007, p. 55). Mantendo a diversidade de
produtos ofertados no espaço, no Mercado São José é possível encontrar: alimentos da
semana, sejam frutas, verduras, crustáceos, peixe, carne, grãos, ou, como se diz
corriqueiramente no Recife, para “fazer a feira”; o artesanato pernambucano abrilhanta
ainda mais de cores os corredores do mercado; os mais diversos males podem ser
curados através da oferta de ervas e raízes, sejam no ensinamento de receitas ou por
garrafadas e elixires adquiridos prontos, e aqueles males que os remédios não puderem
curar, no mercado são sanados por artigos religiosos, principalmente de matrizes
afrodescendentes. Os gostos e sabores da culinária típica também estão presentes nos
mercados, tanto de seus doces, com destaque para as cocadas e bolos de rolo, dentro do
mercado para compor a “feira”, como nas bancas de comida em sua área externa, onde a
população se encontra para almoçar, lanchar, jantar ou apenas para tomar uma
cachacinha ou uma cervejinha e “jogar conversa fora”. Além dos que são atraídos pelas
atividades culturais relacionadas a festa, dança e música, principalmente, em datas
comemorativas.

Conforme Guillen et al (2010), ainda que, a partir de 1970, a venda do artesanato


tenha começado a se expandir no mercado, em função da rentabilidade dos produtos
frente aos demais itens oferecidos, os comerciantes afirmam que não dependem
exclusivamente do turismo, já que no local circula um público bastante diverso. Assim,
percebemos que a dinâmica sociocultural do Mercado de São José é enriquecida pela
variedade de público e produtos, possibilitando intensa troca sociocultural no local,
auxiliando que as pessoas o percebam como lugar. As figuras 3 e 4 buscam ilustrar essa
diversidade de oferta de produtos.

258
Figura 3: venda de crustáceos para a feira da Figura 4: oferta de artesanato nos corredores do
semana. Fonte: acervo da autora (2015). mercado incrementando as trocas socioculturais
entre vendedores e compradores.Fonte: acervo
da autora (2015).

CENTRO DE ARTESANATO DE PERNAMBUCO (CAPE)

O Centro de Artesanato de Pernambuco (CAPE) é um espaço de 2.511m², onde


funciona uma loja de 1.000m2, um espaço gastronômico, assim como uma galeria para
exposição, auditório climatizado com 120 lugares e o setor administrativo da unidade. É
considerado o maior do segmento no Brasil. “Tem como objetivo estimular a economia
pernambucana e valorizar o trabalho dos artesãos e artistas populares locais,
comportando-se como um importante equipamento de turismo para o Recife e o estado”
(CAPE, 2013, p. 5).

Inaugurado no fim de setembro de 2012, o Centro teve investimento de R$6,5


milhões (JORNAL DE TODOS, 2012). Faz parte do processo de revitalização atual
pelo qual passa o Bairro do Recife. Compondo um ambiente “gourmetizado” repleto de
bares e restaurantes de grife, o CAPE faz parte da primeira etapa do Projeto Porto Novo
Recife. Alvo de diversas críticas por parte da sociedade, entre as quais as que
conseguiram mais visibilidade foram as lutas em prol do Cais José Estelita, o Projeto
engloba, ainda:

- Armazéns do Porto, primeiro shopping exclusivo de gastronomia e


entretenimento de Pernambuco, ocupando os antigos armazéns 12, 13
e 14, ao lado do Marco Zero, no Bairro do Recife (aberto em outubro
de 2014).
- Empresarial Atlântico, com salas para escritórios, onde funcionava o
armazém 9 (em breve).
- Centro de convenções e negócios substituindo os prédios dos
armazéns 16 e 17 (em breve).

259
- Hotel com padrão internacional, com estrutura para uma Marina,
onde antes havia o armazém 15 e o antigo prédio da CONAB (em
breve) (PORTO NOVO RECIFE, 2016).

Pela descrição dos empreendimentos a serem instalados no bairro, percebe-se


que a prioridade é a economia e não as relações sociais possibilitadas pelo espaço. Essas
serão privatizadas a uma esfera da população com alto poder aquisitivo que terá direito
a usufruir da maravilhosa vista e ventilação. Ao restante da população, restam as
externalidades, o calor decorrente da falta de ventilação e do excesso de concreto, o
trânsito caótico e uma cidade cada vez mais privatizada e gentrificada, onde quem
manda é o poder aquisitivo.

No início da inauguração da requalificação da área que contemplava a Praça do


Marco Zero e seus galpões de alta gastronomia, próximos ao CAPE, houve a inibição de
práticas esportivas, como uso de skate, patins e bicicleta (DIÁRIO DE
PERNAMBUCO, 2014). A partir da pressão popular, o espaço foi liberado para as
práticas esportivas, que contribuem bastante para agregar as pessoas ao local, fazendo-
as voltar a ter a sensação de pertencimento ao local.

O comercio informal também foi reprimido pelas forças do Estado, que queriam
manter a higienização necessária ao encantamento turístico e elitista. Era comum
observar forças de segurança pública e privada reprimindo pessoas “desconexas” ao
local. Porém, vale lembrar que a área se situa numa região próxima à comunidade do
Pilar, uma comunidade pobre que sobrevive, principalmente, do comércio informal.

Ainda que envolto a controvérsias, a qualidade do artesanato oferecido no CAPE


faz com que a população local se sinta atraída a visitá-lo, mesmo que seja só para
contemplar as peças. Dividido em nove setores, classificados, principalmente, pelo
material utilizado: madeira; cerâmica; couro; metal; fios e tecidos; papel e vidro;
souvenir; artesanato contemporâneo e brinquedos populares. São expostas 16.000 peças
de mais de 500 artesãos de todo o estado de Pernambuco. O artesanato tradicional é o
destaque da loja, muito encontrado.

A partir da análise de entrevistas realizadas com artesãos de Caruaru-PE, Ribeiro


(2016) constatou que, com o funcionamento do Centro, essas pessoas passaram a ter
onde vender seus produtos durante todo o ano. Tanto artesãos como gestores do CAPE,
durante entrevistas, relataram que quem define o preço de venda das peças é o artesão,

260
que dá seu preço, em cima do qual é acrescido um valor de 30% para manutenção do
espaço (RIBEIRO, 2016).

A partir de observações assistemáticas e entrevistas semiestruturadas com


gestores do CAPE, Ribeiro (2016) observou que o acréscimo no valor de
comercialização das peças afasta os visitantes da compra, mormente a população local
com menor poder aquisitivo, que tem o espaço, principalmente, para contemplação.
Ainda assim, o encantamento com as peças e a diversidade sociocultural pernambucana
materializada no artesanato, em conjunto com os atrativos do entorno, atraem pessoas
dos quatro cantos do Recife, que saem encantadas com tamanha beleza e reforça os
laços de identidade com seu estado.

Na figura 5, é possível perceber a interação das pessoas com o artesanato. Na


figura 6 é apresentada uma visão interna do espaço, que dá vista para o mar e o Parque
das Esculturas, de Francisco Brennand.

Figura 5: Disposição das peças expostas à venda dentro do CAPE. Fonte: acervo da autora (2015).
Figura 6: Visão de dentro do CAPE para o mar e o Parque das Esculturas. Fonte: acervo da autora (2015).

Dessa forma, apesar de toda a “gourmetização”, ao priorizar o trato direto com


os artesãos, o CAPE consegue agregar valor aos produtos vendidos e melhora, por
consequência, a qualidade de vida dos artesãos que comercializam ali suas peças, assim
como propicia o incremento da dinâmica sociocultural do espaço.

Ponderamos que a revitalização em curso do espaço segue a mesma lógica de


revitalizações anteriores realizadas nessa área, em que eram priorizados o público com
maior poder aquisitivo e o mote turístico, e fizeram que, com o passar do tempo, a
população local perdesse o interesse em usufruir da área, ficando novamente
abandonada, como explicado por Butler (1980) quando se referiu ao ciclo de vida do

261
produto turístico. Ainda assim, acreditamos que o CAPE irá contribuir a propiciar vida e
significado à área, em função do respeito que tem com as peças artesanais e seus
artífices. Os visitantes conseguem perceber isso, ao visitar o Centro. Considerando que
lojas não cobram ingressos para visitação, o CAPE tende a ser um espaço turístico e de
visita atual e frequentado no Recife. Diferente do que percebemos em relação à Casa da
Cultura de Pernambuco.

CASA DA CULTURA DE PERNAMBUCO

Originalmente construída para abrigar a nova Casa de Detenção do Recife, com


8.400 m² de área construída e 6.000 m² de pátio externo, sua construção foi finalizada
em 1867. Inaugurado em 1855, foi concebido segundo o modelo de penitenciária mais
moderno existente na época, na França (CASA DA CULTURA, 2016). Apresenta o
formato de cruz, composto por quatro raios correspondentes aos pontos cardeais, todos
com três pavimentos, que confluem para um saguão central, coberto por uma cúpula
metálica, o mirante (figura 7).

Figura 7: Casa da Cultura de Pernambuco com seu formato de cruz. Fonte: Casa da Cultura (2017).

O prédio funcionou como penitenciária durante 118 anos. Naquela época, os


presos eram integrados à dinâmica da cidade através de trabalhos sociais de
reintegração. Produziam pão, pentes de chifre e coleções de jogos de botão, famosos
pela sua qualidade. Além disso, o primeiro estandarte do Vassourinhas (tradicional
bloco de carnaval pernambucano) foi bordado dentro do presídio. Tais aspectos podem
ter contribuído para que, em 1963, o então chefe da Casa Civil, Francisco Brennand,
imaginasse que aquele local poderia ser transformado numa casa que abrigasse toda a
produção cultural do estado.

O prédio tornou-se um dos maiores espaços comerciais de artesanato de


Pernambuco, a partir de 1976. Tombado em 1980, pela Fundação do Patrimônio
Histórico e Artístico de Pernambuco (FUNDARPE), além das celas transformadas em

262
lojas de artesanato, encontram-se: livraria especializada em Pernambuco, sala de
pesquisa e cursos diversos, teatro, anfiteatro externo, Museu do Frevo e associações de
várias entidades culturais (CASA DA CULTURA, 2016). Porém, ainda assim, a partir
de entrevistas com moradores do Recife, Ribeiro (2013) percebeu que o espaço não faz
parte do cotidiano da população. As pessoas entendem o espaço como primordialmente
turístico e não se sentem atraídas a usufruí-lo.

Não participar dos espaços citadinos é talvez uma forma ativa de participar,
gritando em silêncio, que aquilo que clama por sua participação não interessa a
população, não lhe passa suficiente atração (PARRAMON, 2011). Espaços que não
permitem que a vivência cultural seja efetivada, tornam-se obsoletos na dinâmica
urbana, ainda que a edificação e/ou o espaço tenha atrativo histórico-cultural.

Para Gáti (2013), a Casa passa por uma crise de valoração. Tem valor apenas
como patrimônio tombado, a população não o reconhece como equipamento cultural,
não se apropria do local. A relação afetiva da população com a edificação que geraria o
conceito de pertencimento deixou de existir, entre outros, em função do esvaziamento
habitacional do bairro de São José, em 1973, dado pela abertura da avenida Dantas
Barreto para modernizar a região e, ainda, pela ampla ênfase dada ao comércio de
artigos voltados para o turista, muitos de baixa qualidade e até de fora do estado. A
autora conclui seu pensamento afirmando que, ao passar para uma nova empreitada,
inaugurando, em 2012, o Centro de Artesanato de Pernambuco (CAPE), como parte do
Projeto Porto Novo Recife, que, a partir de diversas obras de requalificação e
revitalização do centro histórico do Recife vão modificando a área, perde-se a
oportunidade de desenvolver um projeto que devolvesse à Casa da Cultura sua
importância e referência de ter sido o primeiro local dedicado ao artesanato da capital
pernambucana, hoje desvirtuado do seu propósito cultural inicial.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O turismo para ser atrativo não deve excluir a população local. Ao contrário, ele
é sustentável e consciente quando a população local não é segregada dos espaços, visto
que é ela um dos maiores atrativos turísticos por ser representante de hábitos, costumes
e tradições materializadas em peças artesanais, culinária típica, manifestações culturais
e trocas socioculturais que dão característica e significado particulares ao local.

263
Vemos como um problema a lógica turística que busca adequações de espaços a
padrões pré-determinados e, muitas vezes, estrangeiros, que tendem a modificar as
características locais, correndo o risco de suprimir aspectos que fizeram com que o
espaço fosse inicialmente valorizado ao turismo. É importante valorizar as
particularidades da região onde está inserido (ser ‘parecido consigo mesmo’ e não imitar
outros locais), mostrando às comunidades e ao poder público que o fato do lugar ser
próprio/único é o que o faz existir e ser atrativo.

Requalificações urbanas que tendem ao desprezo das configurações anteriores,


buscando derrubar características locais pretéritas e imprimir “modernos” prédios com
muito concreto e pouco espaço público vivenciado pela população local se configuram
como um problema urbanístico e turístico. O Projeto Porto Novo Recife é um exemplo,
que busca apagar um dos maiores cartões postais da cidade do Recife com a derrubada
do Cais José Estelita e imprimir muitas externalidades à dinâmica urbana. Em
contrapartida, o mesmo projeto, poderia aprender mais com as benesses da instalação do
CAPE, que valorizando a materialidade de um dos aspectos socioculturais mais
eloquentes de Pernambuco, como o artesanato, dá sinais de sucesso pela valorização da
dinâmica cultural e apropriação da população recifense ao local.

Diante da diversidade cultural recifense, percebemos que o artesanato tradicional


e a culinária típica, com seus materiais, cores, cheiros, sabores e costumes, contribuem
para a apropriação espontânea da população local por espaços, como o Mercado de São
José, percebidos pela população local como seus lugares, traduzindo sua identificação
sociocultural e fazendo-os se sentir “em casa”.

A cultura precisa ser preservada não para o turista, não apenas para se ganhar
dinheiro a partir dela, mas para contribuir para que as pessoas se reconheçam nas suas
práticas, no seu mundo. A cidade precisa ser de e para todas as pessoas, sem
discriminação de raça, cor, características antropométricas, classe social. Se ela for boa
para a população local, por consequência, os turistas terão boas experiências no local, o
contrário nem sempre é verdadeiro.

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EVENTO ESPRAIADO DE PORTAS ABERTAS NOS ANOS DE 2008 E 2016
NO MUNICÍPIO DE MARICÁ, RJ.

Tatiana Macedo da Costa1


Sergio Domingos de Oliveira2

RESUMO: Este artigo aborda o evento turístico “Espraiado de Portas Abertas”, que é
realizado no Município de Maricá – RJ e busca identificar a forma de participação da
população local. Para tanto, descreve-se seu funcionamento, suas características e
práticas sustentáveis, comparando sua operacionalização na origem, em 2008 e em
2016, assim como distingue-se as características do turismo rural e do turismo de base
comunitária, por se tratar de um evento turístico realizado no espaço rural. Para tanto, a
metodologia baseou-se em dados primários, com pesquisa de campo, assim como
secundários, mediante pesquisas bibliográficas e documentais. Com base nestes dados,
concluiu-se que a tipologia do evento evoluiu para um modelo de turismo base
comunitária, pois promove a valorização da identidade cultural local e sua devida
inclusão social.

Palavras-chave: Maricá; turismo rural; turismo de base comunitária; eventos;


Espraiado de portas abertas.

ABSTRACT: This work aims to analyze the Touristic Event


“Espraiado de Portas Abertas” (Espraiado Open Doors), which is located in the city
of Maricá - RJ, seeking to identify the various forms of participation of the local
population, their culture, their know - how, as they participate in the different stages of
the project. We will describe the general functioning and main characteristics of the
activities carried out and their sustainable practices, comparing the way it was
developed from the beginning to the present day. For this reason, this work sought to
make a contextualization between rural tourism and community - based tourism,
because it is a tourism event developed in rural areas. Therefore, the applied
methodology was based on secondary data that were collected, in the bibliographic and
documental. Finally, it was concluded that the implementation of a community-based
tourism provokes the appreciation of the cultural identity of the populations, but must
be treated as an object to be transformed and not with the risk of being eliminated.

Key-words: Maricá; rural tourism; community-based tourism;


events; Espraiado de Portas Abertas.

INTRODUÇÃO
1
Licenciada em Turismo pela UFRRJ – Tatiana Macedo da Costa – tatiana_gnr@hotmail.com.
2
Prof. Dr. dos cursos de Turismo e Hotelaria da UFRRJ – Sergio Domingos de Oliveira –
sedoliveira@gmail.com.

267
O evento turístico Espraiado de Portas Abertas é um projeto criado para
valorizar a cultura do município de Maricá, sobretudo quanto à participação e alcance
dentro da sociedade maricaense com o advento do turismo.

A base do evento é promover a abertura de propriedades rurais para o público.


Estas propriedades, por sua vez, localizam-se no Espraiado, bairro do município de
Maricá situado no estado do Rio de Janeiro. No início, em 2008, o projeto era realizado
no primeiro domingo de cada mês. Posteriormente, foi alterado para cada três meses e
no início de 2013, a Secretaria de turismo passou a se envolver e dar continuidade e,
desde então, passou a ocorrer a cada 2 meses, sendo que o evento foi incluído no
calendário fixo e oficial do município pela secretaria de turismo da cidade.

O evento, em forma de circuito, acontece ao longo dos sete quilômetros da


Estrada do Espraiado, havendo sinalização específica contendo informações sobre as
atividades oferecidas. Em sua proposta inicial, o projeto propunha um maior
engajamento da população para com o desenvolvimento turístico local, sendo formada
pela atuação dos atores sociais do lugar e sua diversidade de atrações.

Dentre os objetivos originais do projeto, destaca-se a preocupação em despertar


um conhecimento amplo de preservação de seu patrimônio cultural material/imaterial e
de suas belezas naturais. Além disso, destinava-se a promover ações sociais e de
educação ambiental conjugadas com atividades turísticas diretamente ligadas à
preservação da natureza, o turismo ecológico e o saber fazer, resgatando os valores
antigos e mostrando a importância da preservação.

Diante deste contexto, este artigo se pautará na análise do projeto Espraiado de


Portas Abertas, fazendo um comparativo entre o início do projeto em 2008 e no ano de
2016. A pesquisa, que apresenta caráter exploratório, baseou-se em dados primários,
mediante coleta de dados no circuito do evento e realização de entrevistas, assim como
dados secundários, que foram coletados em pesquisas bibliográfica e documental junto
ao órgão competente, a Secretaria de Turismo de Maricá e a Associação de Moradores e
Amigos do Espraiado – AMA. Para tanto, adotou-se os princípios do estudo de caso,
visto que sua flexibilidade nas fases iniciais de uma pesquisa exploratória facilitam a
pesquisa de temas complexos e construção de hipóteses através da análise de evidências
de algo que não possui uma solução pré-definida (VENTURA, MAGDA, 2007). Este,

268
por sua vez, envolve o estudo profundo e exaustivo de um ou poucos objetos de maneira
que se permita o seu amplo e detalhado conhecimento (SILVA, MENEZES, 2001, p.
21). Meirinhos reforça as informações acerca das características dos estudos de caso,
justificando sua adoção nesta pesquisa:

O estudo de caso como estratégia de investigação é abordado por


vários autores, como Yin (1993 e 2005), Stake (1999), Rodríguez
et al. (1999), entre outros, para os quais, um caso pode ser algo
bem definido ou concreto, como um indivíduo, um grupo ou
uma organização, mas também pode ser algo menos definido ou
definido num plano mais abstrato como, decisões, programas,
processos de implementação ou mudanças organizacionais
(p.51/52).

Para sua operacionalização, realizou-se entrevista semiestruturada com a


idealizadora do projeto, Sra. Regina, em 2012, sendo que a mesma optou por falar
espontaneamente, sem ater-se ao roteiro previamente estabelecido. Apesar de
solicitação, a Sra. Regina não disponibilizou-se a atualizar a entrevista em 2016. Outra
entrevista foi realizada com o Secretário de Turismo de Maricá, sendo que com nesta
apenas confirmou-se os dados contidos nos relatórios específicos sobre o projeto
pesquisado, obtidos na própria Secretaria e nos quais, segundo o mesmo, não
apresentaram modificações entre os anos de 2013 e 2016, período no qual a Prefeitura
Municipal iniciou sua participação direta no projeto.

Adotou-se, também, a pesquisa descritiva, mediante a observação sistemática e


participante sobre a operacionalidade do evento sob a forma de levantamento, ou seja, a
observação direta de seu cotidiano nas práticas e fazeres desenvolvidos e demonstrados
no projeto, além da captação de imagens. A análise dos dados foi realizada de forma
qualitativa.

TURISMO NO ESPAÇO RURAL X TURISMO DE BASE COMUNITÁRIA

O comportamento do consumidor de turismo vem mudando e, com isso, surgem


novas motivações de viagens e expectativas que precisam ser atendidas. Em um mundo
globalizado, onde se diferenciar adquire importância a cada dia, os turistas exigem, cada
vez mais roteiros turísticos que se adaptem às suas necessidades, sua situação pessoal,
seus desejos e preferências. Como resposta a essa situação, surgem às novas propostas
de alternativas ecologicamente mais benéficas para satisfazer as necessidades do
turismo de massa. (BRASIL, 2010).

269
Para se contrapor aos impactos negativos do turismo e aproveitar os benefícios
da atividade, observa-se que em algumas localidades, de diferentes países, por meio da
mobilização e organização da sociedade civil, surgiram diversas iniciativas
diferenciadas, baseadas nos modos de vida locais. Nestas experiências as dimensões da
sustentabilidade são pré-requisitos para a estruturação da oferta das atividades turísticas,
como as redes de comércio justo no turismo, as ações ligadas ao turismo responsável,
ações de desenvolvimento local endógeno e o fomento a práticas de economia solidária
na cadeia produtiva do turismo (SILVA, 2009), especialmente em áreas rurais.

Esta responsabilidade com as experiências dos turistas, por sua vez, deve ser um
ingrediente base de todos os atores envolvidos quando desenvolve-se roteiros com
atividades de turismo em áreas naturais, pois segundo ponto de vista de Oliveira et al:

os atrativos locais devem possuir características específicas,


valorizando a experiência dos turistas. A infraestrutura, assim como o
planejamento público, são essenciais para se lograr êxito. Nestes
casos, roteiros podem auxiliar não apenas turistas, mas planejadores e
prestadores de serviços (2015, p. 2).

Descrever o conceito de turismo rural, definindo-o e conceituando-o dentro da


literatura existente, ainda é bastante diversificado e em fase de expansão no Brasil. No
entanto, pode ser explicado, principalmente, por duas razões: a necessidade que o
produtor rural tem de diversificar sua fonte de renda e de agregar valor aos seus
produtos; e a vontade dos moradores urbanos de reencontrar suas raízes, conviver com a
natureza, com os modos de vida, tradições, costumes e com as formas de produção das
populações do interior.

Blos (2000), em sua obra, destaca que o turismo no espaço rural é uma forma de
contato direto e personalizado entre turistas e proprietários rurais, além da participação
do visitante nas atividades, nos usos e nos costumes da população local. A relação do
rural com o turismo residiria na demanda das pessoas do meio urbano que, submetidas a
um cotidiano frenético, queiram visitar o campo para recuperar suas forças, por fruição
ou simplesmente para mudar de paisagem, em busca de descanso.

No entanto, Ribeiro (2004), em uma ótica eminentemente cultural, considera que


o turismo no espaço rural se relaciona com o patrimônio cultural como forma de
valorizar as tradições, manter o próprio patrimônio cultural material e imaterial, e
mesmo no uso de técnicas de produção artesanais que recordam épocas distantes.
270
Ocorre que o turismo necessita desta memória ou mesmo, em alguns casos reinventa a
memória como elemento do patrimônio cultural.

Diante destes diferentes, mas complementares conceitos pode-se considerar que


o turismo rural consolida-se mediante a interação de produtores rurais com pessoas de
diferentes meios, principalmente urbanos, no qual estes tem contato com as rotinas
tipicamente rurais ao adquirirem seus produtos ou serviços.

O turismo de base comunitária, por sua vez, é uma modalidade do turismo que
surge em contraponto ao turismo convencional, como alternativa para a exploração das
potencialidades e valorização das especificidades do local por meio da inclusão da
comunidade no desenvolvimento do turismo, além de constituir-se em uma importante
fonte geradora de renda e qualidade de vida. Busca a construção de um modelo
alternativo de desenvolvimento turístico baseado na autogestão, no
associativismo/cooperativismo, na valorização da cultura local e, principalmente, no
protagonismo das comunidades locais, visando à apropriação, por parte destas, dos
benefícios advindos do desenvolvimento do setor.

Diferente do paradigma convencional, o turismo de base comunitária é uma


atividade turística em que as ofertas de serviços, passeios e entretenimentos estão
intrinsecamente ligadas aos valores dos autóctones, preferindo o rústico e não o luxo,
sendo vinculados a atividades que dizem respeito à sustentabilidade socioambiental,
priorizando os valores culturais. Nessa atividade, o turismo não está apenas voltado ao
consumo, mas à troca de experiências, fortalecimento de laços de amizades e
valorização cultural, Coriolano (2009).

De forma complementar, Turisol (2010) define o turismo de base comunitária


como aquele no qual as populações locais possuem o controle efetivo sobre o seu
desenvolvimento e gestão e está baseado na gestão comunitária ou familiar das
infraestruturas e serviços turísticos, no respeito ao meio ambiente, na valorização da
cultura local e na economia solidária. Por sua vez Bartholo, Bursztyn e Sansolo (2009)
(2009), o consideram uma atividade que se apresenta como estratégia de sobrevivência,
de conservação dos modos de vida, de troca de experiências, preservação do meio
ambiente, além de se valer do consumo solidário de bens e serviços, pois o contato

271
direto dos visitantes com o meio natural e cultural é a principal característica do turismo
de base comunitária.
Desse modo, observa-se que o desenvolvimento do turismo comunitário requer
um planejamento ordenado que potencialize os aspectos positivos da atividade e
minimizem os impactos negativos. É importante salientar que, diferentemente do
turismo rural, a comunidade deve apresentar-se participativamente em toda a cadeia
produtiva, de modo que toda renda e lucro permaneçam na comunidade e possibilitem o
desenvolvimento.

Em suma, o desenvolvimento da comunidade em prol do turismo comunitário é


capaz de alavancar a prosperidade com um estilo de vida que preserve os valores
culturais, as belezas naturais e ainda se tornar gerador de renda e bem-estar dos
moradores de cada região.

ESPRAIADO DE PORTAS ABERTAS E O MUNICÍPIO DE MARICÁ

Maricá é um município que pertence à Região Metropolitana do Rio de Janeiro,


no Estado do Rio de Janeiro. O bairro Espraiado, por sua vez, pertence ao 2° distrito de
Maricá e localiza-se a 17 km do centro da cidade. Possui uma área territorial
aproximadamente de 920 ha (novecentos e vinte) hectares, (FIGURA 01) circundado
por mata atlântica, fazendas e chácaras que criam búfalos, cavalos de raça, culinária
típica e é onde acontece o evento “Espraiado de Portas Abertas”.

O nome Espraiado, de acordo com os moradores, vem da época das cheias que
alagavam a região, espraiando as águas por toda sua extensão e pelos riachos que
formam o rio Caranguejo (LAMBRAKI, 2005). O acesso ao município pode ser feito
tanto pela RJ-106, que liga o município às cidades de Niterói, São Gonçalo e
Saquarema, quanto pela RJ-114, que faz a conexão com o município de Itaboraí e as
rodovias RJ-104 e BR-101.

272
Figura 1 –Espraiado de Portas Abertas, Maricá - RJ
FONTE: Google Maps 2017.

O evento Espraiado de Portas Abertas, por sua vez, foi criado e iniciado em
2008. Foi idealizado pela proprietária do Sítio do Riacho junto à comunidade, a senhora
Regina, com objetivo de atrair turistas para a região e despertar interesse do poder
público a valorizar o saber fazer e a cultura local, assim como promover a valorização
das belezas naturais existentes no local.
(...) De 2008 e 2009 o projeto aconteceu todo domingo de cada mês, a
partir de 2010 começou a sentir que faltava apoio público, para
melhoria das estradas, todo mês pedia através de oficio que
melhorassem as estradas, e que era preciso pavimentar, fizemos juntos
com outros colaboradores para providenciar lixeiras.
(...) Posteriormente o projeto foi alterado a acontecer trimestralmente,
porque começou a ficar sobrecarregada e algumas pessoas começaram
a desistir, viram que não estava acontecendo o apoio esperado do
poder público, a prefeitura tinha prometido estrada, pois muitas
pessoas desistiam de participar do turismo local, devido a estrada
ruim, que não queriam colocar seus carros em ruas com muitos
buracos. (trecho retirado da entrevista da idealizadora do projeto,
2016).

Com o advento do turismo no Espraiado, houve uma maior visibilidade do local,


atraindo investidores imobiliários. Observa-se que no ano de 2016, iniciou-se a
construção de uma pousada para atender a demanda turística no local, já que até o
momento não havia nenhum interesse de investimentos imobiliários com este porte no
bairro de Espraiado. Paralelamente com este projeto, surgiu um condomínio para

273
pessoas que estão em busca de uma vida mais tranquila, promovendo processos de
infraestrutura como a colocação de paralelepípedo e asfalto das vias de acesso.

Entretanto, Oliveira (2005) alerta nesta questão ao esclarecer que o crescimento


do turismo pode incitar a especulação imobiliária local por meio da ação de
empreendedores que adquirem, por um baixo custo, terras e imóveis de moradores
locais para a construção de equipamentos turísticos. Muitos destes moradores do bairro
de Espraiado poderão render-se às ofertas realizadas por não saberem o valor que suas
propriedades irão adquirir com o crescimento do turismo e por idealizarem na proposta
de venda uma grande oportunidade de vida, sem compreender, no entanto, que além de
descaracterizar o local, o investimento durará por um curto prazo e não irá gerar uma
renda estável.

PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE LOCAL E FUNCIONAMENTO DAS


ATIVIDADES REALIZADAS

A atividade turística “Espraiado de Portas Abertas”, como visto, valoriza a


identidade local e seu saber fazer, mostrando na prática a tradição e seus atores sociais,
os envolvendo nas atividades e mostrando aos visitantes sua identidade através de seu
patrimônio cultural material e imaterial. Como exemplo, citam-se as tapeçarias feitas
pelas “Tapeceiras do Espraiado”, a tradição da debulhação do feijão guandu e os objetos
confeccionados com fibra de bananeiras, além de suas propriedades rurais, circuito
ecológico e atrativos naturais que fazem parte do roteiro.

A valorização do patrimônio cultural por um grupo social e sua identificação e


sentido de pertencimento em relação a ele ocorre quando, de alguma forma, esse
patrimônio os representa e esse processo é gerado pela memória compartilhada pelo
grupo. Podemos compreender a memória como a capacidade de, no momento presente,
recordarmos o passado e neste reconhecermos nossa história e nosso pertencimento. O
passado, evocado pela memória, serve como uma fonte de experiências que demonstra
como devemos proceder no tempo presente para a formação do tempo futuro
(DELGADO, 2005).

Assim, a cada edição o evento busca resgatar o saber fazer da região, suas
comidas típicas e em uma das edições, foi realizado a debulhação do feijão guandu

274
como parte do projeto. Esta atividade teve como objetivo a preservação de valores
antigos realizados na região. (Figura 2)

Figura 2 – Debulhação do Feijão Guandu/Sítio do Alonso


Fonte: COSTA, 2016.

No ponto que tange a tapeçaria maricaense, que é uma atração única e antiga da
região, são feitas com técnica trazida de Marrocos pela Sra. Madeleine Colaço, nascida
em Tanger, filha de pai Francês e mãe americana e que, por ocasião da 2° guerra
mundial, saíram de Portugal, chegando no Brasil em 1940.

O grupo de tapeceiras do Espraiado, liderado pela Sra. Ilma, se reúne em um


atelier em sua residência, sendo formado por artesãs moradores na região. O trabalho de
confecção é todo artesanal e são desenhadas por um artista plástico e artesão, morador
da região. As tapeçarias são feitas em grupos ou isoladas, onde as artesãs vão
preenchendo os espaços com vários fios: lã, algodão, seda, e até metálicos, tudo
produzido em uma riqueza de detalhes e cores, num trabalho com detalhes minuciosos
que levam meses, dependendo do tamanho da peça e retratam espécies da fauna e da
flora de Maricá, frutas típicas, como: coqueiros, laranjeiras, jabuticabas, mangueiras e
bananeiras.

As peças confeccionadas pelo grupo já foram expostas em várias feiras e


exposições como: Casa Cor, Corcovado, Forte de Copacabana, Feira da Providência

275
entre outras, mostrando e perpetuando a arte da tapeçaria com o ponto brasileiro, legado
deixado na nossa região rural pelas alunas da grande tapeceira Madeleine Colaço que
escolheu o Espraiado para fixar sua moradia e produzir sua arte em belos tapetes (Figura
2 A).

Já o Artesanato é desenvolvido reciclando matéria prima da fibra da bananeira


retirada do tronco, que é descartado após seu o abate. O tronco é desfibrado pelas
artesãs, preparado e secado para iniciar o trabalho de confecção, podendo ser tingidos
ou mantendo-se a sua bela cor natural (Figura 2B).

Figura 2B – Tapeçaria / Tapeceiras do Espraiado e artesanato em fibra de bananeira


Fonte: COSTA, 2016.

Retomando os discursos de Bordenave (1994) e Tosun (2000, 2005, 2006)


evidenciou-se nos casos estudados que a participação ocorre de diferentes formas, ora
mais espontânea, ora mais ativa ou mais passiva, ora intermediada ou construída por
atores externos. Independente disso, o que se percebe é que há um efetivo
fortalecimento da participação dos atores sociais locais no processo de desenvolvimento
da atividade turística, além do empoderamento dos membros locais, ou seja, um
fortalecimento dessas comunidades para que estas consigam alcançar seus objetivos e
resultados. Assim, a participação dos atores sociais deve ser encarada como necessária e
indispensável para atingir um desenvolvimento amplo, justo e descentralizado.

Assim, com base nos dados levantados, realizou-se um comparativo apresentado


a seguir, identificando-se que houve uma significativa diminuição no número de
participantes no projeto em todas as 3 áreas em que se divide o evento. Apura-se a
necessidade de uma maior participação e envolvimento da comunidade local e
investimento do poder público em incentivos, acompanhado por melhorias na região,

276
divulgação do evento, cursos profissionalizantes, entre outros, visto que a melhoria do
projeto é de suma importância não só para a região, como para o Município que terá
como referência seu turismo no espaço rural.
Tabela 1: comparativo de participantes de 2008 X 2016 no Espraiado de Portas Abertas
ATRAÇÕES 2008 ATRAÇÕES 2016
Sítio do Riacho - Exposição no salão de Sítio do Riacho - Trilha até a Cachoeira da
jogos “Arte da Tapeçaria no Espraiado”; Concha, e orientação sobre a importância de
Atividades desenvolvidas: participação com preservar o meio ambiente.
jogos e brincadeiras; Trilha até a Cachoeira
da Concha, e orientação sobre a importância
de preservar o meio ambiente.
Escola Municipal do Espraiado - Serviço
de emissão de carteira de trabalho; Balcão de
empregos; Programa de atenção integral a
saúde da mulher, criança e adolescente
(PAISMCA) –Distribuição de informativos
orientando a importância de preservação das
DST‟s.
Horse Center – Aulas de Equitação
Sitio Esperança - Conhecido como “sítio do
Francês”, demostra aos visitante com a
atração dos animais que atendem pelo nome
dos proprietários.
Feira de produtos da Terra e Artesanato -
Feira com agricultores da região e seus
artesanatos.
Sítio Cantinho dos MM – Pesque Pague -
Comercialização de mel e temperos de ervas;
Pesca Esportiva.

GASTRONOMIA – 2008 GASTRONOMIA – 2016


Armazem Joper – Venda do Sr. João, Cantinho da Dilma- Comidas típicas
Bebidas e tira gosto
- Armazém com mais de 150 anos
Padaria Sabor do Espraiado Bar e Mercearia do Cauby - Comidas
típicas
Bar do Hilário- Farinha da roça e mel. Padaria Sabor do Espraiado - Lanches,
aperitivos, sanduiches
Atelier da Célia – Bar e restaurante. Regina – Doces caseiros
Geleias da Hilma - Geleias caseiras com Ana e Marcio – Tapioca e pão caseiro
frutas da região.
Bar da Margarida – Bar e restaurante Bar do Luciano – Bebida e tira gosto
Bar do Alonso - Bebida e tira gosto Bar do Alonso - Bebida e tira gosto
- Armazém com mais de 100 anos - Armazém com mais de 100 anos
Sítio do Riacho – Boteco do Sítio do Riacho Sítio do Riacho – Boteco do Sítio do Riacho
– Comidas típicas; sobremesa de doces – Comidas típicas; sobremesa de doces
caseiros, cafezinho, licores. caseiros, cafezinho, licores.
Bar e mercearia do Cauby – Bar e Bar do Benedito e Sueli – Bar e restaurante.
restaurante.
Bar Djalma‟s – Bar, restaurante e licores Bar e mercearia da Isabel – Bar e
artesanais. restaurante.

277
Barraca do Açai – Bebidas e tira gosto. Bar da Joana – Bar e restaurante.
Bar da Joana – Bar e restaurante
Bar do Almir – Bebidas, caldos e tira gosto.
Barraca da Cida - Bebidas e tira gosto.
Bar da Sueli e Benedito - Bebidas e tira
gosto.
Bar do Luciano - Bebidas e tira gosto.
Bar e mercearia da Isabel – Bar e
restaurante.
Saloma‟s - Bar e Restaurante.
Cantina da Capela de São João Batista -
Galinha ensopada com aipim ou batata e
bolinho de aipim.
Sítio Cantinho do MM - Pesque Pague –
Bar e restaurante.
Regina - Doces caseiros, biscoitos
amanteigados e bolos em diversos sabores.

ARTESANATO 2008 ARTESANATO 2016


Barraca Fibra bananeira e bijoterias – Barraca Fibra bananeira e bijoterias –
Diversos produtos feitos com fibra de Diversos produtos feitos com fibra de
bananeira; Bijuterias com sementes, bananeira; Bijuterias com sementes,
madeiras, cascalhos e pedras naturais. madeiras, cascalhos e pedras naturais.
Crochê, Patchwork – Crochê, tricô, Crochê, Patchwork – Crochê, tricô,
patchwork, reciclagem, etc. patchwork, reciclagem, etc.
Tapeçaria – Artesanato das tapeceiras. Tapeçaria – Artesanato das tapeceiras.
Sítio do Riacho - travesseiros e Produtos Sítio do Riacho - travesseiros e Produtos
com ervas aromáticas. com ervas aromáticas.
Taboa – Artesanatos feitos com taboa.
Conchas - Artesanatos feitos com conchas.
Fonte: Elaborado por Costa, 2016.

O ordenamento do espaço turístico, por meio das políticas públicas de turismo,


deveria, ao menos na teoria, equilibrar os diferentes posicionamentos existentes e
atender as particularidades e necessidades de cada um dos seus agentes, de forma a
propiciar a formação, em longo prazo, de um espaço democrático e dinâmico. No
entanto, este cenário está longe de se tornar uma realidade. Grande parte das políticas
públicas direcionadas para o turismo ainda priorizam os interesses e, portanto, as
lógicas de apropriação do espaço pelos agentes privados, na forma de grandes empresas
e corporações, deixando de lado as necessidades da população local (FRATUCCI,
2009).

O fato do turismo acontecer no espaço rural nem sempre poderá ser considerado
nesta segmentação. Neste escopo, o projeto Espraiado de Portas Abertas atende aos
fundamentos teóricos de turismo de base comunitária, pois sua principal característica é

278
a valorização das peculiaridades do local, por meio da inclusão da comunidade no
desenvolvimento do turismo como geradora de renda.

Afinal, segundo Bartholo, Bursztyn e Sansolo (2009), o patrimônio comunitário


é formado por um conjunto de valores e crenças, conhecimentos e práticas, técnicas e
habilidades, instrumentos e artefatos, lugares e representações, terras e territórios, assim
como todos os tipos de manifestações tangíveis e intangíveis existentes em um povo.
Através disso, expressam seu modo de vida e organização social, sua identidade cultural
e suas relações com a natureza. Com apoio nessas premissas, o turismo abre vastas
perspectivas para a valorização do acervo do patrimônio comunitário.

Diversas avaliações têm mostrado que, graças ao turismo, as comunidades estão


cada vez mais conscientes do potencial que seus bens patrimoniais, ou seja, o conjunto
de recursos humanos, culturais e naturais, incluindo formas inovadoras de gestão de
seus territórios. Assim, diante do cenário apresentado, percebe-se que o projeto
denominado “Espraiado de Portas Abertas”, por se tratar de um tipo de atividade
turística que engloba modalidades de turismo que não se excluem e que se
complementam, a distinção dessas modalidades se dará pelo grau de atratividade e
originalidade que elas detenham no produto final, além, é claro, do grau de participação
e pertencimento às suas culturas e tradições.

CONCLUSÃO

O desenvolvimento regional promovido pelo projeto “Espraiado de Portas


Abertas” traz vigor à presente pesquisa científica, sobremaneira pela possibilidade de
valorização da população local, que poderá utilizar, à sua maneira, os resultados aqui
obtidos e refletir sobre as ações a serem empregadas para garantir o futuro do projeto.

Detectou-se na pesquisa um equívoco quanto ao direcionamento adotado pelo


município de Maricá quando este aponta que a atividade “Espraiado de Portas Abertas”
esteja ligado ao turismo no espaço rural. No desenvolvimento deste trabalho, percebeu-
se que o enquadramento da atividade está mais próximo das definições de turismo de
base comunitária ou local. Segundo vários autores consultados, entre eles Bartholo,
Bursztyn, Maldonado, Sansolo e Tulik, o contato direto dos visitantes com o meio
natural e cultural é a principal característica do turismo de base comunitária. Vale dizer
que a distinção para o turismo convencional é a dimensão humana e cultural, que tem

279
como objetivo incentivar a comunicação e encontros interculturais entre visitantes e
residentes, buscando conhecer e aprender com os modos de vida das comunidades.

Blos (2000), por sua vez, destaca que o turismo no espaço rural é uma forma de
contato direto e personalizado entre turistas e proprietários rurais, além da participação
do visitante nas atividades, nos usos e nos costumes da população local. A relação do
rural com o turismo residiria na demanda das pessoas do meio urbano que, submetidas a
um cotidiano frenético, queiram visitar o campo para recuperar suas forças, por fruição
ou simplesmente para mudar de paisagem, em busca de descanso.

Os projetos que têm maior correspondência com os princípios de inovação social


apresentados neste trabalho apresentam fragilidades comuns às iniciativas que
objetivam promover um contexto social equânime e justo a partir de ações vinculantes
entre visitantes e anfitriões. Soma-se a isto a falta de planejamento e o pouco
investimento do poder público que gerassem melhorias significativas e permanentes
para a população local, destacando-se a oferta de cursos profissionalizantes, a melhoria
na urbanização sem ocasionar descaracterização do ambiente, como implantação de
redes de água e esgoto, disponibilização de lixeiras e banheiros durante o evento, a
pavimentação das ruas, entre outros.

A abordagem adotada sobre as fragilidades reconhecidas nessas iniciativas não


desprezam a importância dos mecanismos de gestão para a realização das ações
previstas nas propostas, mas procura ressaltar os riscos de uma instrumentalização e
homogeneização que essa gestão pode exercer sobre a riqueza de aspectos culturais,
históricos e políticos da vida comunitária. Ao se pensar o evento promovido por uma
organização, faz-se necessário refletir sobre as diferentes possibilidades de diálogo,
como a criação de uma associação de moradores que desperte o interesse no
envolvimento e engajamento do projeto “Espraiado de Portas Abertas”, pois verificou-
se uma expressiva diminuição de participantes nas distintas áreas de atuação, sendo que
a maioria dos empreendimentos que permanecem são bares e restaurantes, havendo um
único sítio, no qual não são desenvolvidas atividades agrárias.

Portanto, nesta perspectiva, indica-se o desenvolvimento do turismo de base


comunitária para auxiliar na revitalização do evento “Espraiado de Portas Abertas”. Tal
indicação fundamenta-se na conduta de pertencimento daqueles que têm seus interesses

280
voltados para o desenvolvimento ambiental, econômico, cultural e social dos
envolvidos, pois estes reconhecem nas ações no campo do turismo uma possibilidade de
realização de um cenário de vida mais justa, com equidade social e valorização de seus
atributos específicos, favorecendo, através de sua organização, sua perenidade. Tornar a
atividade turística uma ferramenta de desenvolvimento, no qual as responsabilidades e
atribuições sejam claras e participativas, podem propiciar a melhoria da qualidade de
vida das comunidades e também do meio ambiente, justificando plenamente os esforços
empreendidos nesta pesquisa.

Conclui-se, assim, que o projeto, “Espraiado de Portas Abertas” possui os


atributos necessários para representar à altura a cultura deste importante bairro de
Maricá, o que pode propiciar o desenvolvimento ambiental, econômico, cultural e social
de seus participantes, assim como a valorização das comunidades locais, promovendo,
assim, a possibilidade de manutenção de suas tradições mediante o sentimento de
pertencimento dos mesmos. Mas ressalta-se que tal meta só poderá ser atingida no caso
da efetiva participação dos mesmos não apenas como operadores locais, mas também o
seu empoderamento na tomada de decisão no que se refere à originalidade do evento,
nascido e desenvolvida no local.

REFERÊNCIAS
BARTHOLO, R; SANSOLO, D. G. e BURSZTYN (Orgs.). Turismo de Base
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283
A IMPORTÂNCIA DO INVENTÁRIO DA OFERTA TURÍSTICA PARA O
PLANEJAMENTO DE DESTINOS: O CASO DO MUNICÍPIO DE ILHA
GRANDE, PIAUÍ.
Cintia Carvalho Santos1
Anderson Fontenele Vieira2
Adilson Silva de Castro3

RESUMO: O presente artigo trata do planejamento do turismo, considerando a


relevância deste para o desenvolvimento de destinos turísticos baseado nos preceitos da
sustentabilidade. Para tanto, buscou-se identificar a percepção sobre planejamento do
turismo dos atores envolvidos com a elaboração do projeto inventário da oferta turística,
no munícipio de Ilha Grande, Piauí. A metodologia utilizada se deu a partir de pesquisa
bibliográfica, além da aplicação de entrevistas estruturadas com o Secretário, a
estagiária da Secretaria de Turismo e o Professor da Universidade Federal do Piauí. Por
fim, identificou-se a relevância da elaboração do inventário da oferta turística para o
planejamento do município supracitado, além de sua contribuição enquanto balizador no
desenvolvimento do turismo sustentável e sua contribuição no crescimento
socioeconômico local.
PALAVRAS-CHAVE: Planejamento; Sustentabilidade; Inventário; Turismo.

ABSTRACT: This presente article deals with tourism planning, considering the
relevance of this to the development of touristic destinations based on the precepts of
sustainability. In order to do so, we sought to identify the perception about tourism
planning of the actors involved with the elaboration of the inventory project of the
touristic offer at Ilha Grande city, Piauí. The metodology used was based on
bibliographical research, besides the application of structured interviews with the
Secretary of Tourism, his trainee and the Professor of the Federal University of Piauí.
Finally, it was identified the relevance of the elaboration of the inventory of the tourist
offer for the planning of the aforementioned city, in addition to its contribution as a
guide in the development of sustainable tourism and local socioeconomic growth.
KEYWORDS: Planning; Sustainability; Invetory; Tourism.

INTRODUÇÃO

O turismo se configura pelo deslocamento temporário de pessoas, seja individual


ou em grupo, em busca de vivenciar contextos diferentes do seu de origem, motivado
por razões como lazer, negócios, dentre outras atividades. Esse conceito preconizado

1
Bacharelanda em Turismo pela Universidade Federal do Piauí, cintiacarvalhosnt@gmail.com.
2
Bacharel em Turismo, Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela Universidade Federal do
Piauí, anderson_ufpi@hotmail.com.
3
Bacharel em Turismo pela Universidade Federal do Piauí, adilsoncastro7@gmail.com.

284
pela Organização Mundial do Turismo (OMT) desde a década de 1990 apresenta-se
como um balizador do que se conforma enquanto atividade turística. Porém, ao se
pensar na complexidade do turismo, faz-se necessário estudá-lo tentando compreender,
por exemplo, as relações sociais e consequências destes deslocamentos na Economia
dos países ou regiões receptoras.

Portanto, efetivar o turismo enquanto uma atividade desenvolvimentista nos


aspectos da Economia exige dos locais considerados turísticos, ferramentas de
planejamento e gestão capazes de possibilitar o equilíbrio entre o desenvolvimento
econômico e a manutenção dos recursos naturais. Neste sentido, o planejamento
turístico é fundamental para o desenvolvimento da atividade de forma sistêmica e
elaborada. Seu processo envolve pesquisa e identificação da estrutura básica, de apoio e
turística, responsáveis por motivar fluxos de turistas, uma vez que, os atrativos por si só
independente de sua categoria, não tem o poder de motivar estes fluxos.

A OMT (2003, p. 215) corrobora que o planejamento “adquiriu um papel de


maior relevância no desenvolvimento turístico à medida que os governos passaram a
reconhecer não apenas que o sector gera um largo espectro de impactos, mas também
que pode ter um importante papel no crescimento (...). ”. Por essa razão, o planejamento
no turismo deve focar na realidade da localidade e possibilitar o desenvolvimento
estratégico desta atividade proporcionando ao destino um alcance do futuro
desejado sem comprometer seus recursos disponíveis. O turismo é uma
atividade socioeconômica que cresce cada vez mais no País, e por meio desse
crescimento, muitas das vezes desorganizado, pode gerar impactos positivos ou
negativos. De acordo com o Instituto Brasileiro de Turismo (EMBRATUR) (2015) “no
Brasil, o turismo representa, atualmente, cerca de 3,6% do PIB (Produto Interno Bruto),
empregando, direta e indiretamente, mais de 10 milhões de pessoas”.

Diante do desenvolvimento da atividade turística e o grau de importância que


possuí na sociedade, faz-se necessário à construção do conhecimento no campo de
estudo sobre essa prática, que se destaca por sua interdisciplinaridade. Considera-se o
turismo relevante socialmente, pois este consegue envolver profissionais dos mais
diversos setores, como: hotelaria, agências de turismo, entretenimento, dentre outros, na
construção de um destino receptor. Destaca-se que o turismo deve desenvolver-se de
maneira sustentável e planejada. Para OMT considera-se turismo sustentável (2003, p.

285
24) como aquele que “atende às necessidades dos turistas de hoje e das regiões
receptoras, ao mesmo tempo em que protege e amplia as oportunidades para o futuro”.
Em síntese, o turismo sustentável visa suprir as necessidades econômicas, ambientais e
sociais de uma comunidade, sendo que seu envolvimento define o rumo do
planejamento que necessita de sua participação direta.

Em virtude do exposto, apresenta-se o Polo Costa do Delta situado no norte do


estado do Piauí, este é formado pelos municípios de: Parnaíba, Buriti dos Lopes, Luís
Correia, Ilha Grande e Cajueiro da Praia. Ilha Grande, objeto de estudo deste trabalho,
se destaca por suas potencialidades turísticas, tendo em vista sua localização
privilegiada, inserida na maior ilha do Delta do Parnaíba (Ilha Grande de Santa Isabel).
Esta é seu maior atrativo natural, composta por um conjunto de ilhas, ilhotas, dunas,
igarapés, fauna e flora que atraem visitantes, tornado o município supracitado um dos
principais destinos para aqueles que buscam conhecer a região norte piauiense.

Em suma, o referente artigo buscou identificar a percepção sobre planejamento


do turismo de atores envolvidos com a elaboração do inventário da oferta turística, no
munícipio de Ilha Grande, Piauí. Para se conhecer por quem vivenciou a elaboração do
inventário sua real contribuição na gestão do turismo municipal.

PLANEJAMENTO TURÍSTICO LOCAL PARA SUSTENTABILIDADE

A importância do planejamento aplicado ao turismo se revela em inúmeros


aspectos, por exemplo, os impactos gerados durante sua execução que podem ser
positivos ou negativos. Deve se levar em conta, que o planejamento turístico tem como
premissa o levantamento das deficiências e oportunidades de um local e que sua
execução tem que estar inteiramente ligada à necessidade da comunidade e do meio
ambiente. Segundo Ruschmann e Widmer (2000, p. 67), o planejamento turístico é
definido como:

O processo que tem como finalidade ordenar as ações humanas sobre


uma localidade turística, bem como direcionar a construção de
equipamentos e facilidades, de forma adequada, evitando efeitos
negativos nos recursos que possam destruir ou afetar sua atratividade.
Constitui o instrumento fundamental na determinação e seleção das
prioridades para a evolução harmoniosa, determinando suas
dimensões ideais para que, a partir daí, se possa estimular, regular ou
restringir sua evolução.

286
É necessário que ocorra um mapeamento de áreas que sejam passíveis de
utilização para o Turismo, de forma ordenada em razão da garantia da integridade do
meio ambiente. Destaca-se que o desenvolvimento sustentável na prática da atividade
turística é uma premissa fundamental. Para a Comissão Brundtland “o desenvolvimento
sustentável é aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a
possibilidade de as gerações futuras atenderem a suas próprias necessidades”.
(Bruntland, Our Common Future, 1987). Desse modo, o desenvolvimento sustentável
do turismo pode fortalecer a responsabilidade ambiental e social das empresas e órgãos,
colaborando com o equilíbrio dos três pilares da sustentabilidade que são: o social, o
ambiental e o econômico. Para Leff (2002, p. 27):

O discurso da sustentabilidade busca reconciliar os contrários da


dialética do desenvolvimento: o meio ambiente e o crescimento
econômico. Este mecanismo ideológico não significa apenas uma
volta de parafuso a mais da racionalidade econômica, mas opera uma
volta e um torcimento da razão; seu intuito não é internalizar as
condições ecológicas da produção, mas proclamar o crescimento
econômico como um processo sustentável, firmado nos mecanismos
de livre mercado como meio eficaz de assegurar o equilíbrio ecológico
e a igualdade social.
Assim, a inventariação turística apresenta-se como fator representativo no
planejamento do Turismo. Para EMBRATUR (2001) “o Inventário da Oferta Turística é
um instrumento básico para o planejamento estratégico, promovendo o conhecimento
detalhado da Oferta da qual o Turismo dispõe para exercer suas atividades geradoras de
prosperidade. ” Desta maneira é fundamental que órgãos oficiais de turismo possuam o
Inventário Turístico, que contenha as informações viáveis e pertinentes do munícipio.
Desta forma, devem-se identificar os vários elementos presentes nesse inventário e os
pontos chaves de sucesso para o desenvolvimento da atividade, para que ocorra sua
execução de forma adequada.

A OMT reforça a relevância da inventariação turística, entendendo-a como:

[...] um instrumento sumamente valioso para a planificação turística,


tanto setorial como territorial, pois a partir dele podem-se realizar
avaliações e estabelecer as prioridades necessárias para a aplicação
dos meios humanos e econômicos com que se conta para o
desenvolvimento do setor (OMT, 1997).

Como visto, a inventariação turística constitui-se num método para o


planejamento e o desenvolvimento desta atividade (PINTO; MOESCH, 2006). O

287
inventário turístico é considerado um imprescindível instrumento de planejamento para
toda e qualquer localidade, porque consiste no “levantamento, identificação e registro
dos atrativos turísticos, dos serviços e equipamentos turísticos e da infraestrutura de
apoio ao turismo como instrumento base de informação para fins de planejamento e
gestão da atividade turística” (BRASIL, 2006, p. 7).

POLÍTICAS PÚBLICAS NO CONTEXTO DO TURISMO

As políticas públicas são instrumentos que, se bem elaborados, implementados,


monitorados e avaliados são capazes de promover o desenvolvimento social e
econômico, não somente das populações, mas também dos setores da economia ao qual
se destinam. São ações que visam à melhoria do bem-estar social e, portanto, devem ser
elaboradas levando em consideração a participação da sociedade. (SILVA; COSTA;
CARVALHO, 2013). A construção de políticas de incentivo e gestão do turismo nas
localidades é fundamental para o crescimento da atividade no Brasil. De acordo com
Beni (2006, p. 91), “as políticas são orientações específicas para a gestão diária do
turismo, abrangendo os muitos aspectos operacionais da atividade”.

Seguindo essa premissa as políticas públicas fornecem ações cabíveis que


viabilizam a atividade turística sustentavelmente. Segundo a definição apresentada por
Goeldner, Ritchie e MCIntosh (2002, p. 294), política pública de turismo refere-se a:

Um conjunto de regulamentações, regras, diretrizes, diretivas,


objetivos e estratégias de desenvolvimento e promoção que fornece
uma estrutura na qual são tomadas as decisões coletivas e individuais
que afetam diretamente o desenvolvimento turístico e as atividades
diárias em uma destinação.
Ressalta-se o programa de Regionalização do turismo, que contribui para o
progresso do mesmo no Brasil. Salienta-se que, a inventariação da oferta turística entra
como processo significativo, onde integra informações necessárias para o banco de
dados do programa. O fortalecimento da regionalização do turismo no País reforça a
participação dos governos municipais e estaduais no planejamento e gestão da atividade,
garantindo articulação e integração ao planejamento turístico das diversas esferas de
governo (BRASIL, 2007, p. 17).

As políticas públicas que atualmente constituem o munícipio de Ilha Grande são


o Plano Diretor, a Lei Orgânica do Munícipio e o Código de postura. Outra política

288
pública que está em processo de viabilidade é o Conselho Municipal de Turismo e como
ação está sendo realizado o Inventário da oferta Turística do município.

Destaca-se no CAPÍTULO III - Das Diretrizes Gerais e Específicas do Plano


Diretor:

Art. 13 – O Plano Diretor Participativo de Ilha Grande estabelece as


seguintes diretrizes gerais: IV – Promover o desenvolvimento
econômico e social, mediante as diretrizes específicas seguintes: a)
incentivar a instalação de atividades produtivas em torno do turismo
ecológico, de lazer e de eventos;
O município de Ilha Grande possui a Secretaria de Desenvolvimento
Econômico, Turismo, Meio Ambiente, Pesca e Agricultura que vai para sua segunda
gestão e conta com Turismólogos atuando como agentes multiplicadores para a
melhoria da qualidade de vida da coletividade, com sua atuação profissional ou
comunitária.

CARACTERIZAÇÃO DO MUNICÍPIO DE ILHA GRANDE PI

O município de Ilha Grande situa-se no litoral do Piauí, no território da Planície


Litorânea e foi criado pelo ato da Lei Estadual n.º 4.680/1994 de 26 de janeiro de 1994
e instalado em 01 de janeiro de 1997. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE, 2015) compreende uma área de 134,318 km², uma população de
9.242 habitantes e densidade demográfica de 66,36 hab/km².
Ilha Grande está localizada a 350 km de Teresina, capital do estado (cerca de
05h00min.), 490 km da capital do Ceará, Fortaleza (aproximadamente 06h50min.) e a
490 km de São Luís Capital do Maranhão (cerca de 07h30min.). No Percurso
Teresina/Ilha Grande sua via de acesso se dá pela BR-343 até a cidade de Parnaíba,
posteriormente pela PI-210 que permeia a cidade de Ilha Grande até o Porto de Tatus.
No percurso Fortaleza/Ilha Grande suas vias de acesso são as seguintes rodovias: BR-
222, BR-402, BR-343, além das PI-116 e a PI-210. Já no trajeto São Luís/Ilha Grande
constam como via de acesso terrestre as BR-135, BR-222, BR-343, além das PI-116 e a
PI-210.
É um município de clima tropical semiárido quente. A temperatura média é de
22°C, mas a ventilação natural alivia o clima quente. Janeiro a maio existe um
excedente hídrico em contradição aos meses de junho a dezembro que há certa
deficiência hídrica. Destaca-se que 45% da região é formada por areia, argila, depósitos
de Pântanos e Mangues. Apenas uma pequena faixa de terra é apta para exploração

289
agrícola. Sua vegetação é constituída de Carnaubal, manguezal, frutíceto de restinga,
campo herbáceo. A sua rede hidrográfica é formada pelos rios Parnaíba e os igarapés do
Urubu, do Baixão, dos Morros, do Brejo e do Piriquito formando assim um local de
muita abundância de recursos hídricos de superfície. Expressiva Biodiversidade com
destaque para fauna aquática, de valor econômico (caranguejo e outros crustáceos); a
avifauna, de valor ecológico e a florística, de valor paisagístico e ecológico. Possui
também instabilidade geoclimática, com movimentação de dunas, alteração de relevo,
avanços e recuos do mar, alteração cíclica dos cursos d’água (CPRM, 2004).

METODOLOGIA

Para atingir o objetivo proposto, se utilizou da técnica de pesquisa exploratória


com natureza qualitativa. De acordo com Gil (2008), o objetivo de uma pesquisa
exploratória é familiarizar-se com um assunto ainda pouco conhecido ou explorado.
Foram feitos levantamentos bibliográficos em livros e artigos de periódicos que
tratavam dos temas: planejamento turístico, turismo sustentável como princípio básico
de planejamento, políticas públicas no desenvolvimento do turismo e sobre a
metodologia e importância do inventário da oferta turística.

Para a coleta dos dados foram aplicadas entrevistas estruturadas e distintas, com
o Secretário de Turismo, com a estagiária da Secretaria de Desenvolvimento
Econômico, Turismo, Meio Ambiente, Pesca e Agricultura do município pesquisado e
um Professor da Universidade Federal do Piauí, envolvidos na elaboração do inventário
da oferta turística. O critério para escolha dos entrevistados se deu pelo envolvimento
direto destes em todo o processo do projeto. Os entrevistados foram o Secretário de
Turismo A.C, a estagiária N.P e o Professor Dr. R.de S.M, a entrevista ocorreu entre os
dias 09 a 10 de fevereiro, na própria Secretaria de turismo do município de Ilha Grande.
As perguntas referiam-se sobre a visão dos atores quanto à inventariação como forma de
planejamento turístico para o município de Ilha Grande, as dificuldades encontradas em
todo processo de implementação, a oferta turística do município, a percepção sobre o
turismo e as políticas públicas do munícipio.

Ressalta-se que, estas entrevistas coletadas por meio de um gravador, foram


concebidas perante total consentimento das partes envolvidas, os quais se propuseram
em participar e contribuir com transparência, sinceridade e colaboração. Quanto à
análise dos dados, utilizou-se da técnica da análise de conteúdo, segundo Bardin (2009),

290
a análise de conteúdo, enquanto método, torna-se um conjunto de técnicas de análise
das comunicações que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do
conteúdo das mensagens. Esta se desenvolveu por meio da exposição das falas na
íntegra dos entrevistados, em que os pesquisadores fizeram análises e correlações das
respostas dadas com o objetivo proposto para pesquisa.

RESULTADO E DISCUSSÕES

Compreendendo a importância do turismo para a economia local e que seu


desenvolvimento se dá a partir de um planejamento consistente, a Secretaria de
Desenvolvimento Econômico, Turismo, Meio Ambiente, Pesca e Agricultura em
parceria com a Universidade Federal do Piauí (UFPI) e o curso de Bacharelado em
Turismo realizou o Inventário da Oferta Turística no município de Ilha Grande, iniciado
no mês de junho de 2016 concluído em março de 2017.

A ação, de início, foi realizada pela antiga gestão da Secretaria de Turismo, mas
não foi concretizada pela falta de interesse dos antigos gestores, como relata o atual
Secretário A.C. (2017): “já existia uma aplicação de questionário no município com a
ajuda da universidade federal do Piauí, que infelizmente ocorreu uma parada na
aplicação devido à falta de interesse para conclusão desse serviço. ”. Com a mudança da
gestão, observou-se a importância desse mecanismo como ferramenta de planejamento e
deu-se continuação para o processo de aplicação dos questionários, novamente em
parceria com a Universidade Federal do Piauí.

O Processo como um todo ocorreu por meio da parceria entre a Prefeitura


Municipal de Ilha Grande e a Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Turismo,
Meio ambiente, Pesca e Agricultura como os coordenadores do Inventário, juntamente
com a Universidade Federal do Piauí, através dos alunos do Curso de Bacharelado em
Turismo pela coordenação do Professor Dr. Rodrigo de Sousa Melo e com a
participação de uma estagiária da Secretaria, esses atores foram responsáveis pela
visitação in loco para aplicação dos questionários.

A coleta de dados da pesquisa se deu pela aplicação de questionários realizada


pelos 20 alunos de Turismo e estagiários da Secretaria, onde ambos residem no
município. Os materiais utilizados foram disponibilizados pelo Ministério do Turismo
(MTUR), pelo projeto do Inventário da Oferta Turística (INVTUR), todos eles contêm

291
perguntas específicas para cada oferta disponibilizada. Foram coletados todos os dados
necessários, em seguida foram analisados e tabulados para a elaboração do inventário.

O secretário foi questionado sobre a importância da elaboração do inventário


turístico para o município de Ilha Grande. Para A. C. (2017):

Acho que o inventário é fundamental, na verdade não só para o


município de Ilha Grande, mas para qualquer município,
principalmente para que um gestor municipal possa fazer um
planejamento adequado e para que ele possa fazer a implementação de
políticas públicas eficazes, buscando potencializar o volume de
visitação (...).
Diante da fala do Secretário, nota-se que o mesmo possui visão como gestor e
noção a cerca da área de turismo. Ressaltando a importância da utilização de novas
ferramentas de planejamento disponíveis e que sua execução é responsável para
alavancar o desenvolvimento turístico e socioeconômico de um munícipio.

Para o Professor Dr. R.de.S.M. (2017):

O processo de inventariação turística consiste num valioso


instrumento para subsidiar ações de planejamento e gestão do turismo,
pois pode fornecer informações detalhadas sobre a oferta turística e
assim auxiliar na tomada de decisão dos gestores e planejadores do
turismo.
De acordo com a resposta concedida, constata-se como a ferramenta do
inventário é de grande valia para a gestão municipal e consequentemente para o
planejamento estratégico do turismo. Em contrapartida, o projeto não deve ser a única
ferramenta de planejamento implementada, faz-se necessário dar continuidade na
utilização de mecanismos que auxiliem a eficiência de uma gestão.

O projeto inventário da oferta turística não é apenas fundamental para a gestão


de um município, é também crucial para o enriquecimento de aprendizagem dos
bacharelandos em Turismo, pois a participação dos mesmos na elaboração contribui
significativamente para a experiência dos alunos com a realidade do turismo, suas
potencialidades e vulnerabilidade. Como podemos observar na fala do Professor Dr.
R.de.S.M (2017):

O discente pode trabalhar no planejamento e desenvolvido de um dos


projetos prioritários do Ministério do Turismo para o Brasil, aplicou-a
em um dado contexto turístico, e também com o contato direto com os
entrevistados puderam vivenciar a realidade do turismo local. Logo,
almejou-se que eles possam ter desenvolvido sua capacidade crítica
(...).

292
Outro fator essencial que foi questionado aos entrevistados é sobre a
contribuição do INVTUR para o turismo do município, onde se observou o interesse por
parte da nova gestão da Secretaria de Turismo para a implementação desse mecanismo
como ferramenta de suporte ao turista e para o próprio planejamento eficaz do
desenvolvimento turístico de Ilha Grande. Segundo a estagiária N.P. (2017): “O
INVTUR é um mecanismo que repassa informações sobre a oferta turística, além disso,
é uma forma de divulgar os atrativos que o município dispõe, contribuindo
significativamente para turismo. ”

Em relação às dificuldades encontradas pela equipe, nota-se que o único


problema foi conseguir dar continuidade ao trabalho já começado pela gestão anterior,
pelo fato de não ter participado do começo da iniciativa e dos primeiros questionários
aplicados, fora isso os envolvidos não encontraram maiores dificuldades. Conforme o
Secretário:

A questão da dificuldade se da pelo alinhamento com os antigos


gestores municipais, pelo fato do projeto está para quase 3 anos, e pela
falta de interesse da antiga gestão para concluir o inventário. Então
nos procuramos a UFPI, o professor responsável onde nos foi passado
os questionários que já estavam aplicados, identificamos aqueles
equipamentos que tinham surgidos posteriormente essa data e
aplicamos os questionários nos equipamentos que faltavam (A.C.,
2017).
Já pela perspectiva do Professor Dr. R.de.S.M. (2017) “O principal entrave
foram as limitações orçamentárias e operacionais para executar com brevidade o
processo. ” É nesse sentido, que para a eficácia da efetuação do INVTUR é importante
que aja parcerias firmadas, seja no setor de recursos humanos ou no financeiro, pois
estes serão de grande ajuda para na elaboração e execução do projeto.

No que diz respeito à oferta turística do município, observou-se que a prestação


de serviços e os equipamentos ofertados ainda são muito amadores, e que o seu
desenvolvimento está ocorrendo de maneira lenta, principalmente porque o município
não tinha uma gestão pública ativa, no que diz respeito ao desenvolvimento do turismo
como atividade socioeconômica. É nesse sentido, que o projeto da inventariação
turística é imprescindível para a percepção da real proporção oferta turística da cidade.
O Secretário A. C. (2017) relata que: “A oferta turística do município infelizmente
ainda está em processo de construção, os equipamentos ofertados e os serviços que são

293
ofertados ao visitante infelizmente ainda deixam muito a desejar, alguns por sua
estrutura, outros pela prestação de serviço”.

Em se tratando de políticas públicas e ações de turismo, notou-se que existe


engajamento dos atores públicos para o incremento de políticas e execução das ações de
desenvolvimento turístico. Percebe-se que por mais que o Turismo do Município de Ilha
Grande ocorra há muito tempo, ele até então, estava sendo feito sem nenhum
planejamento, em razão disso a gestão pública atual se depara com estas dificuldades,
assim atualmente essa atuação ocorre gradativamente. De acordo com o Secretário A.C.
(2017):

Infelizmente estamos ainda iniciando um processo mais efetivo nessa


linha de atuação, onde realmente nos estamos construindo essas
políticas públicas por meio de decretos municipais, no sentido de
possibilitarem um ordenamento dessa visitação no município de Ilha
Grande. Como a atividade turística no município já acontece há pouco
mais de 20 anos e nunca houve ou pelo menos não se teve ações no
sentido de tentar ordenar essas atividades então nos percebemos que
existem confrontos, que realmente é muito complicado esse processo
(...).
Ainda, segundo o Secretário A.C. (2017):

Nós estamos trabalhando políticas públicas no sentido de divulgar os


atrativos do munícipio, então quando concluímos os questionários do
inventário, conseguimos mensurar o que estava sendo ofertado no
munícipio e os atrativos que estão sendo comercializados no
município, e com isso estamos tentando divulgar essa oferta turística,
por meio de aplicativos, principalmente por meio do Cat – Centro de
Atendimento ao Turista - utilizado o aplicativo chamado QR code
para que a gente possa esta passando essas informações de forma
diferenciada, e não só por meio impressa.
Ao analisar as respostas concedidas, conclui-se que a equipe elaboradora estava
bastante ciente da importância do projeto para o planejamento do turismo local, levando
em consideração que o mesmo está no início do processo de desenvolvimento e que há
muitas vertentes a serem melhoradas. Os integrantes demonstraram estarem engajados
na implementação desse projeto, principalmente por conta do conhecimento técnico da
equipe, que em sua maioria está em processo e formação na área de Turismo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O inventario turístico do município de Ilha Grande registrou os meios de


hospedagens, alimentação, agenciamento, transportes e outros serviços disponibilizados
aos visitantes, como também os atrativos turísticos, e separou cada informação em uma

294
categoria específica, de acordo com os formulários do INVTUR disponibilizados pelo
Ministério do Turismo. A inventariação teve como objetivo catalogar essas informações
a fim de elaborar e planejar estrategicamente a atividade turística de forma organizada e
sustentável e servir como material de pesquisa para Turistas e pesquisadores.

Em suma, com as opiniões e o conhecimento dos sujeitos entrevistados, conclui-


se o reconhecimento que estes fazem do inventário turístico enquanto instrumento de
planejamento do turismo local, ressalta-se isso devido à fala do Secretário de Turismo
“Com o inventário turístico do município de Ilha Grande podemos identificar o que está
sendo ofertado para o turista e posteriormente com esse diagnostico estaremos criando
políticas públicas (...)”.
Indubitavelmente, a realização da inventariação turística do município de Ilha
Grande é um começo importante para o fortalecimento e crescimento da atividade
turística, tendo em vista o grande potencial que a cidade possui, sendo a porta de
entrada para o Delta do Parnaíba. Considerando que a inventariação é apenas uma das
fases fundamentais do planejamento do turismo municipal, é imprescindível a
continuação do diagnóstico das potencialidades turísticas e sua promoção.

Segundo esse estudo, identificou-se como é importante o planejamento para a


realização de um Turismo sustentável, e que existem ferramentas que auxiliam o seu
andamento. É nítido que o inventário da oferta turística contém os mecanismos
essenciais para a promoção turística de um município. O processo de implementação
tem suas fases, desde a coleta de dados com a pesquisa de campo e aplicação de
questionário, a análise e tabulação de dados e por último a correção, revisão e então
publicação desse inventário.

Em virtude dos fatos apresentados, conclui-se o nível de importância da


elaboração de uma inventariação em municípios com potencial turístico, sendo que o
inventário é um dos primeiros passos para um planejamento estratégico e sua
contribuição para o desenvolvimento do turismo sustentável.

295
REFERÊNCIAS

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Janeiro. p. 1-10.

297
DIMENSÃO CULTURAL COMO DIFERENCIAL COMPETITIVO DO
TURISMO EM ARACAJU
Joab Almeida Sila1
Viviane Castro2

RESUMO: Reconhecer o diferencial competitivo de um destino turístico é


indispensável quando se trata de definir estratégia de desenvolvimento e organização
espacial do setor. Partindo dessa perspectiva, o objetivo deste artigo é analisar a
dimensão de aspectos culturais como fator de competitividade do turismo no município
de Aracaju, estado de Sergipe. Para tanto, foram utilizados os índices do estudo de
competitividade do turismo no período de 2008 a 2015, considerando três variáveis:
produção cultural associada ao turismo, patrimônio histórico-cultural e estrutura
municipal para apoio à cultura, conforme metodologia aplicada pela Fundação Getúlio
Vargas, Ministério do Turismo e SEBRAE. Peculiaridades da cultura de Aracaju
sobressaíram nesta análise, permitindo a proposição de atividades de gestão do turismo
em busca de competitividade.

PALAVRAS-CHAVE: Turismo, cultura, competitividade.

ABSTRACT: Recognizing the competitive differential of a tourism destination is


indispensable when it comes to defining the development strategy and spatial
organization of the sector. From this perspective, the objective of this article is to
analyze the dimension of cultural aspects as a factor of tourism competitiveness in the
municipality of Aracaju, Sergipe state. In order to do so, we used the indices of the
tourism competitiveness study from 2008 to 2015, considering three variables: cultural
production associated with tourism, historical and cultural patrimony and municipal
structure to support culture, according to the methodology applied by the Getúlio
Vargas Foundation, Ministry of Tourism and SEBRAE. Peculiarities of the culture of
Aracaju stand out in this analysis, allowing the proposal of tourism management
activities in search of competitiveness.

KEYWORDS: Tourism, culture, competitiveness.

INTRODUÇÃO
O turismo é inegavelmente um fenômeno que interfere na organização, produção e
desenvolvimento do espaço. As transformações espaciais por ele causadas impactam

1
Professor do Departamento de Turismo da Universidade Federal de Sergipe – UFS,
joab.turismo@hotmail.com.
2
Aluna do Departamento de Turismo da Universidade Federal de Sergipe – UFS,
vivianecastroturismologa@gmail.com.

298
nas paisagens e no uso dos recursos naturais, sua organização prevê a adequação e
instalação de equipamentos públicos e privados para atração de fluxos de visitantes,
podendo alterar a realidade dos lugares onde se processa.

Lugares concentradores de fluxos turísticos e equipamentos que os sirvam, quando


organizados, podem criar e manter indicadores de crescimento em escala positiva, mas
frente a este aumento surgem novos conflitos e dúvidas sobre a participação de grupos
empresariais externos junto às comunidades receptoras e a participação destas
comunidades nos empreendimentos e serviços ofertados aos turistas, buscando uma
organização mais endógena, menos influenciada por agentes externos.

Para entender a complexidade do fenômeno turístico é necessário analisar pontos de


convergência entre os principais agentes econômicos envolvidos, as empresas, os
turistas, os governos e as comunidades. Iniciando esta análise pela estruturação de
diretrizes políticas fruto das políticas públicas de turismo no Brasil é possível observar a
descontinuidade metodológica de foco da atuação, ora sendo o município, ora a região,
noutro momento o território, noutro o destino turístico.

Essa incapacidade da política pública organizar um foco de atuação culminou na


falta de planejamento das bases locais, da maioria dos municípios turísticos, que
termina por enfraquecer a expectativa por uma organização mais endógena como
desejado. Destarte, este artigo pretende analisar a capacidade instalada na base local, no
destino turístico, tomando por referência a dimensão cultural como diferencial
competitivo no município de Aracaju, capital do estado de Sergipe. Para tanto, foi
realizada breve contextualização dos conceitos fundantes do turismo, de
competitividade e, influência do turismo na organização espacial, tendo a cultura como
alternativa de diversificação da oferta turística num destino considerado indutor do
desenvolvimento para sua região, o Polo Costa dos Coqueirais.

PROBLEMA DE PESQUISA E OBJETIVO


Na perspectiva de explicar melhorias na organização espacial do turismo e maior
aporte de manifestações endógenas no seu desenvolvimento, a pergunta norteadora
deste artigo é: Aspectos culturais podem servir de diferencial competitivo para um
destino turístico?

Objetivo: Analisar aspectos culturais como diferencial competitivo para o turismo no


município de Aracaju.

299
METODOLOGIA
Como procedimentos metodológicos que norteiam esta pesquisa, foram adotadas as
seguintes etapas: a) levantamento bibliográfico, em que foram consultados autores que
abordam o tema, como Crouch e Ritchie (1999); Evans e Johnson (1995), Fonseca
(2005), Porter (2003), entre outros; pesquisa secundária, tomando-se como base os
relatórios anuais dos estudos de competitividade do destino indutor do turismo em
Sergipe no período de 2008 a 2013, realizados pelo Ministério do Turismo em parceria
com a Fundação Getúlio Vargas – FGV e Serviço Brasileiro de Apoio às Pequenas e
Micro empresas – SEBRAE; Posteriormente realizamos análise comparativa dos
índices com as demais capitais brasileiras inseridas no projeto quando discutimos a
evolução de atividades culturais por meio de reuniões presenciais com gestores da
Secretaria Municipal da Indústria, Comércio e Turismo – SEMICT, órgão oficial de
turismo no município.

A dimensão cultural é analisada a partir de três variáveis apresentadas no estudo


supracitado: produção cultural associada ao turismo, patrimônio histórico-cultural e
estrutura municipal para apoio à cultura. Pretende-se com estas informações colaborar
com agentes públicos e privados do turismo no entendimento do estudo de
competitividade do turismo como ferramenta de apoio ao planejamento do setor. Este
artigo é fruto de atividades desenvolvidas no projeto de Extensão Competitividade do
Turismo de Aracaju, desenvolvido por meio do Departamento de Turismo da
Universidade Federal de Sergipe.

ENQUANTO O TURISMO TRANSFORMA ESPAÇOS, OS GOVERNOS


TENTAM ORIENTAR SUA ORGANIZAÇÃO

O turismo influência o espaço onde se insere, portanto, o desenvolvimento da


atividade deve buscar a preservação deste espaço como um todo, pois é a partir dele que
a atividade se expressa. Explica Mazaro (2006, p. 200) que “Como cualquier otra
actividad practicada en escala, el turismo es potencialmente muy influyente sobre la
sociedad, el ambiente y la economía local”. Desta forma o desenvolvimento deve estar
fundamentado no planejamento e gestão adequados àquela localidade, que irão orientar
ações utilizando os recursos de forma sustentável.

300
O espaço é formado por um conjunto indissociável, solidário e
também contraditório, de sistemas de objetos e sistemas de ações, não
considerados isoladamente, mas como um quadro único no qual a
história se dá. [...] Sistemas de objetos e sistemas de ações interagem.
De um lado, os sistemas de objetos condicionam a forma como se dão
as ações e, de outro lado, o sistemas de ações leva à criação de objetos
novos ou se realiza sobre objetos preexistentes. É assim que o espaço
encontra sua dinâmica e se transforma. (SANTOS, 2002, P.63)
Sendo o espaço turístico o local onde ocorre a atividade turística é preciso
compreender que esta atividade, conforme ressalta Rodrigues (1999, p. 62) “deveria
preservar a sua fonte de lucro e renda; contudo, como todas as atividades do modo e
produção capitalista, destrói as próprias condições de produção. E muitas questões
poderiam ser analisadas a partir do ideário do chamado desenvolvimento sustentável”.

Partindo deste pressuposto, é inegável a necessidade de organização e estruturação


do destino conforme salienta Falcão (1999, p. 65) que “A estruturação e qualificação do
lugar propiciam a sua acessibilidade aos mercados de consumo, sejam elas diretamente
promovidas pelos agentes ligados ao setor por meio de equipamentos urbanos de
transporte ou diretamente, pela infraestrutura e equipamentos urbanos coletivamente
utilizados tais como estradas portos, aeroportos, etc.” Siviero (2005, p. 08) ressalta que
“a organização do espaço turístico requer uma crescente racionalidade, que deve estar
apoiada em um processo de planejamento dotado de ações responsáveis e de objetivos
previamente estabelecidos”.

Considerando o apoio das políticas públicas na organização do espaço turístico,


ainda na década de 1990 o foco também foi o território, com as negociações do
Programa de Desenvolvimento do Turismo (PRODETUR) dirigido inicialmente à
região Nordeste do Brasil, apoiado pela Superintendência de Desenvolvimento do
Nordeste (SUDENE) e, tendo como agente financeiro o Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID). Nesta ocasião foram criados os Polos de desenvolvimento
turístico, numa perspectiva de clusters de turismo, para fins de planejamento chamados
de região turística e circuitos turísticos, mas podem ser caracterizados como territórios
pela apropriação de áreas de função turística, pela presença de equipamentos de apoio
ao turismo, ou por se tratar de lugares concentradores de fluxos turísticos, a estes
territórios foram dirigidos numa primeira fase recursos da ordem de U$S 800 milhões.

Em 2003, com a criação do Ministério do Turismo, surge o Programa de


Regionalização do Turismo (PRT) como macro estratégico no Plano Nacional de

301
Turismo (PNT), onde o foco era a região, agora como área de planejamento da política
nacional e com objetivo de superar a priorização de municípios já estruturados para o
turismo, oportunizando um desenvolvimento descentralizado. Não obstante aos
problemas de cumprimento das suas etapas executivas, o insucesso do PRT pode ser
caracterizado pela dependência, também histórica dos agentes econômicos do turismo
em relação ao Estado, de modo que etapas essenciais como a criação de instâncias de
governança do turismo, geralmente só foram possíveis quando viabilizadas pelo próprio
Estado, consequentemente sendo desarticulada a qualquer tempo em que o Estado não
tivesse interesse na mobilização e articulação dos agentes produtivos do turismo.

Em 2008, sem definição clara de superação da região como área de planejamento,


foi criado o Projeto Destinos Indutores do Turismo no Brasil, conduzido pelo Ministério
do Turismo em parceria com a Fundação Getúlio Vargas (FGV) e com o Serviço
Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE). Ainda que mantendo o
PRT como macro estratégico, notadamente o projeto Destinos Indutores orientou para
as Unidades da Federação uma política onde o foco era o destino turístico capaz de
induzir o desenvolvimento de uma região, produzindo a interpretação de que o foco da
política era novamente o município. Não obstante, as constantes mudanças no
Ministério do Turismo não permitem que a política tenha continuidade, não sendo
possível afirmar atualmente se a decisão da união é por orientar o desenvolvimento por
meio de regiões turísticas ou pela estruturação de destinos indutores de turismo, ou
ainda, pelo melhor cenário que seria a compatibilidade em ambos, considerando que são
historicamente definidos pelo turismo brasileiro.

Esta indecisão de estratégia da política nacional do turismo rebate nos municípios


com a liberdade de escolha por qual caminho seguir, de modo a não cumprirem etapas
básicas de organização do destino como inventariação da oferta, planejamento de ações
e estratégias de promoção e monitoramento do desenvolvimento, com isso, temos
municípios sem foco de desenvolvimento turístico e com fortes tendências ao declínio.

COMPETITIVIDADE DO DESTINO TURÍSTICO

Compreender e explicar a competitividade no turismo é um desafio, primeiro porque


as referências sobre o tema vêm das ciências econômica e da administração sugerindo
melhorar a capacidade de oferta frente aos concorrentes, mas quando se trata de aplicar
esse posicionamento numa atividade que tem como característica de oferta um produto

302
intangível que pode agregar variados aspectos do lugar, a ideia de objetividade e
parâmetros de comparação é rapidamente superada. Por isso tentamos explicar a
evolução do conceito de competitividade de destinos turísticos e sua aplicação.
Santos alerta para uma possível perda de identidade dos lugares gera pela
competitividade, porque há uma valorização dos elementos econômicos e de mercado,
em detrimento aos elementos humanos e coletivos.
Um exemplo é a cultura. Um esquema grosseiro, a partir de uma
classificação arbitrária, mostraria, em toda a parte, a presença e a
influência de uma cultura de massas buscando homogeneizar e impor-
se sobre a cultura popular; mas também, e paralelamente, as reações
desta cultura popular. Um primeiro movimento é resultado do
empenho vertical unificador, homogeneizador, conduzido por um
mercado cego, indiferente às heranças e às realidades atuais dos
lugares e das sociedades. Sem dúvida, o mercado vai impondo, com
maior ou menor força, aqui e ali, elementos mais ou menos maciços
da cultura de massa, indispensável, como ela é, ao reino do mercado, e
a expansão paralela das formas de globalização econômica, financeira,
técnica e cultural. (SANTOS, 2000, p. 70)

Outra perspectiva relevante:


“A composição de um destino turístico (que é formado por várias
empresas encarregadas de desenvolver atividades ligadas ao turismo)
remete a uma situação inerente a qualquer tipo de empreendimento
que possua diversas empresas que busquem um espaço para oferecer
seus produtos e serviços, que é a concorrência, que não será objeto de
estudo neste artigo. Apesar disso, não há como se ignorar o fato de
que quanto maior o número de empresas envolvidas, maior a
necessidade de que estas sejam competitivas para que possam
permanecer ativas no mercado”. (VIANNA; ANJOS, 2012, P.49)
Assim como as empresas, os destinos turísticos também são estimulados pelo
mercado e pela competitividade, dependem de ter êxito diante de seus concorrentes para
serem competitivos. Petrocchi, (2009, p. 03) “Para que um destino de turismo seja bem
sucedido, é preciso estar comprometido com a missão de atrair, encantar e manter
turistas como clientes. ”

Os novos tempos desafiaram o turismo, pois a competitividade passou a definir o


êxito de um destino turístico em se manter no mercado frente aos seus concorrentes.
Nesse sentido fatores como planejamento, gestão e qualificação, poderiam ser
fortalecidos tornando os serviços e produtos turísticos mais competitivos. Para atender a
essa nova demanda de mercado era preciso visão inovadora e com novos procedimentos

303
de organização, para tanto diversos estudos sobre competitividade turística ganharam
atenção da academia.

Buscando o desenvolvimento da atividade os estudos se ramificaram em diferentes


abordagens e a partir de ferramentas de medição da competitividade turística em seus
diversos aspectos.

A competitividade de destinos turísticos pode ser definida, como um


conceito multidimensional, que requer a superioridade em diversos
aspectos para ser obtida. É um conceito dinâmico e para acompanhar o
complexo processo concorrencial, os destinos turísticos são
pressionados pelo desafio de se manterem competitivos frente ao
mercado. (RUIZ; GÂNDARA, 2012, p. 04)
Outros autores verificaram em seu estudo que

Os primeiros estudos sobre competitividade eram voltados para as


empresas, analisando as estratégias das mesmas para desenvolverem a
competitividade (Ritchie & Crouch, 2003; Dwyer & Kim, 2003), com
destaque para o pioneirismo de Porter (1989). Os estudos sobre
competitividade voltados para as destinações turísticas surgiram a
partir de Porter (1989), Beni (1993), Ritchie e Crouch (2003), Dwyer
e Kim (2003) e Mota, Vianna e Anjos (2013), há pouco mais de uma
década. (VIANNA E STEIN, 2015, p. 475)
Autores como Ruiz e Gândara (2012) também fizeram um resumo cronológico da
evolução do estudo sobre competitividade turística onde relatam que no início foi
definido como a capacidade do destino de manter-se no mercado e melhorar com o
tempo, adicionou ao conceito a sustentabilidade e a prosperidade econômica dos
moradores. Os primeiros estudos tinham focos específicos em um ou dois fatores, os
primeiros focaram no preço, outros focaram nos atributos da imagem ou nos atrativos
do destino. Alguns pesquisadores se voltaram a desenvolver metodologias para medição
da competitividade de um destino turístico, outros autores também desenvolveram
sistemas compostos com focos holísticos.

De acordo com Chiavenato (2007, p. 117) na busca pela vantagem competitiva, “a


essência da estratégia reside na criação de uma posição única e valiosa, que envolve a
escolha de um arranjo interno de atividades. Tal arranjo permitirá à empresa diferenciar-
se de seus concorrentes para oferecer algo que eles não conseguem faze”.

Para além de buscar diferenças de oferta em relação aos concorrentes, a


competitividade proposta aqui busca a identificação profunda da oferta de um destino,
mais que equipamentos e serviços, as manifestações culturais e os usos dos recursos

304
naturais que podem ser tão diferentes de um lugar para outro. Portanto, uma
competitividade que parte do autoconhecimento, das peculiaridades e originalidades do
lugar, que por si, poderá significar o diferencial tão buscado na competitividade, mas
neste caso, sem tanta dependência de se comparar ao concorrente.

SINERGIA DA CULTURA E TURISMO GERANDO COMPETITIVIDADE

A cultura é utilizada como elemento de atratividade turística na apreciação do outro


e na experiência humana, apresenta um viés integrador promovendo impacto positivo
nos destinos turísticos desde que a atividade turística promova a sustentabilidade, dado
que o produto a ser consumido neste caso é a cultura, os visitantes só buscarão este
destino se sua cultura possuir peculiaridades e estiver preservada. Para Brasil (2013) “É
sabido que os turistas têm predileção pelo que é original e singular, e que por isso os
bens culturais e naturais exercem sobre eles forte atração. Essa circunstância pode ser
aproveitada para potencializar as expressões culturais locais e conservar as belezas
naturais, desde que o turismo seja também ele sustentável”.

Neste sentido a cultura contribui significativamente para a competitividade de um


destino turístico desde que haja coesão entre atividade turística e a cultura, pois de
acordo com o OECD (2009, p. 24) “Los lugares más exitosos son os que puede crear
uma sinergia positiva entre cultura y turismo. Pero esta sinergia no ocorre
automáticamente: se tiene que crear, desarrollar y administrar.”

O patrimônio cultural de um povo para o IPHAN (2012, p. 12) “é formado pelo


conjunto dos saberes, fazeres, expressões, práticas e seus produtos, que remetem à
história, à memória e à identidade desse povo”.

O Manual de Orientações Básicas para o Turismo Cultural, publicação do


Ministério do Turismo identifica que o patrimônio cultural material

[...] é constituído de bens culturais móveis e imóveis. No primeiro


caso, encontram-se aqueles bens que podem ser transportados, tais
como os livros e as obras-de-arte e, no segundo, os bens estáticos, tais
como prédios, cidades, ruas etc. e possuem instrumento específico de
proteção. (BRASIL, 2008, p. 27)
As novas motivações de viagens na atualidade estão focadas nas experiências e se
materializam em forma de roteiros onde o patrimônio cultural é o atrativo turístico e o
bem mais apreciado pelos turistas. Para Pinheiro (2014, p.03) “o turismo surge como
fator central nas novas dinâmicas identitárias e patrimoniais”.

305
Diante de toda essa ramificação da cultura, se um destino é capaz de inventaria-la,
pode promover sua economia criativa à medida em que a insere no turismo,
possibilitando a diversificação de produtos existentes, criando outros e assegurando
competitividade a partir de elementos específicos das manifestações do lugar.

ANÁLISE DOS RESULTADOS

A análise da dimensão cultural no turismo de Aracaju toma por base o índice de


competitividade do turismo nacional, desenvolvido pelo Ministério do Turismo em
parceria com a Fundação Getúlio Vargas (FGV), atualizado anualmente dede 2008. A
edição 2015 trouxe considerações relevantes sobre o avanço da dimensão aspectos
culturais, rendendo para o destino o prêmio destaque nacional, sobretudo pela
recuperação de prédios do patrimônio histórico para uso turístico.

De acordo com Brasil (2015, p.50) entre os aspectos avaliados nesta dimensão que
favoreceram o resultado final, estão a existência de uma associação de artesãos, grupo
artístico de manifestação popular tradicional – fator que ajudam a preservar as tradições
locais. Constata-se também a forte presença de patrimônio cultural, tendo em vista que
abriga bens tombados como patrimônio histórico ou artístico. A maioria destes bens se
constitui em atrativos turísticos para Aracaju. No que se refere à estrutura para a gestão
pública da cultura, o destino integra o Plano Estadual da Cultura mas não foi
identificado um plano municipal. Aracaju participa do Conselho Estadual da Cultura de
Sergipe e conta com um conselho municipal de cultura ativo e com um fundo municipal
de cultura. Por fim, ressalta que o destino integra o grupo dos que aderiram ao Sistema
Nacional de Cultura (SNC).

Para visualizar o posicionamento do destino Aracaju em relação as capitais do


Brasil, foi adaptada a tabela 1, demonstrando a evolução das treze dimensões
consideradas no estudo de competitividade do turismo, com destaque para aspectos
culturais.

Capitais Aracaju
Dimensões
2008 2009 2010 2011 2013 2015 2008 2009 2010 2011 2013 2015

Total Geral 59,5 61,9 64,1 65,5 66,9 68,6 52,4 56,4 60,1 62,7 62,8 64,0

306
Infraestrutura 70,5 71,3 70,5 75,8 75,4 76,0 70,7 67,0 66,7 67,7 78,0 81,3
geral

Acesso 66,9 69,9 69,9 74,0 74,9 75,4 63,6 67,9 69,9 72,9 76,5 70,0

Serviços e 56,8 59,4 56,1 64,1 69,1 72,3 39,3 41,8 39,3 60,9 62,4 67,8
equipamentos
turísticos

Atrativos 56,6 58,5 55,8 61,3 62,9 64,0 56,9 58,4 56,9 54,2 53,9 57,6
Turísticos

Marketing 46,3 47,5 46,3 50,0 50,1 53,5 46,8 42,1 46,8 48,4 55,3 47,9

Políticas 55,7 58,7 55,0 61,3 62,1 63,9 59,4 61,9 59,4 75,7 60,0 60,4
Públicas

Cooperação 42,9 47,1 48,6 47,7 44,2 47,6 51,4 52,6 62,7 57,5 47,6 59,2
Regional

Monitoramento 42,1 41,8 41,6 44,3 45,1 44,6 22,5 29,5 22,5 44,8 27,0 33,0

Economia 64,7 67,6 64,7 70,6 75,4 77,2 39,0 49,8 39,0 60,2 61,5 64,5
Local

Capacidade 72,1 78,1 72,1 85,1 86,0 86,7 44,3 81,4 44,3 92,2 84,4 86,8
Empresarial

Aspectos 62,3 63,1 62,5 64,7 63,1 64,2 63,6 62,6 63,6 64,2 57,5 54,3
Sociais

Aspectos 63,8 67,7 62,6 72,7 73,5 74,9 45,8 50,4 45,8 52,1 64,4 70,7
Ambientais

Aspectos 61,4 63,0 60,2 66,2 66,4 73,1 62,0 55,2 62,0 55,7 60,8 62,4
Culturais

Tabela 1: Aracaju, consolidação dos resultados dos índices de competitividade do destino indutor do
turismo no período de 2008 a 2013
Fonte: Adaptado pelos autores com base nos relatórios anuais de competitividade do turismo, 2017.

Baseado na análise dos relatórios analíticos no período de 2008 a 2015 foi possível
observar que o destino Aracaju saiu de um índice geral de 52,4 para 64,0 com destaque
para as dimensões de capacidade empresaria pelo aumento das empresas de serviços
turísticos, aumento de leitos e oferta de cursos de capacitação profissional; na

307
infraestrutura geral pela construção de pontes ligando a capital ao litoral sul do estado e
recuperação de rodovias. Estas dimensões tendem a continuar crescendo em razão dos
investimentos previstos durante a execução do Programa de Desenvolvimento do
Turismo – PRODETUR em fase de contratação de projetos executivos. Ainda assim é
notório que Aracaju possui uma média menor que a das capitais, embora maior que a
média nacional.

A dimensão objeto deste artigo, aspectos culturais, apresentou em 2015 a maior


média no período analisado, este resultado considera fatores contributivos indicados no
relatório analítico Brasil (2015) como a presença de culinária típica – dentre os
principais representantes estão a fritada de caranguejo, mangaba, amendoim cozido,
carne de sol com pirão de leite – reconhecida e divulgada no destino; Existência de
manifestações religiosas no destino – Festa do bom Jesus dos Navegantes, Festa de São
João, dia de Nossa Senhora da Conceição, lavagem das escadarias, com as oferendas,
Festa de Santo Antônio com a bênção dos pãezinhos; Presença no destino de órgão com
atribuição de coordenar e incentivar a cultura local – Fundação Cultural Cidade de
Aracaju; Existência de Conselho Municipal de Cultura ativo no destino. Entre os
desafios enfrentados estão: Inexistência de instância de governança do turismo,
inexistência de Política Municipal de Cultura que, entre outros benefícios, poderia
ajudar a manter um calendário de manifestações culturais; ausência de legislação
municipal de fomento à cultura; inexistência de fundo municipal de cultura efetivo.

Para detalhar a análise da dimensão de aspectos culturais, o estudo de


competitividade considera como variáveis: produção cultural associada ao turismo,
patrimônio histórico e cultural e estrutura municipal de apoio à cultura. Para cada uma
destas variáveis foram analisadas as condições presentes no destino Aracaju.

Na variável produção cultural associada ao turismo, é analisada a existência de


expressões culturais em aspectos relacionados com a ocorrência de atividades artesanais
e culinárias típicas e os respectivos reconhecimentos pela comunidade e por guias de
viagem como é o caso da feirinha da Orla Pôr do Sol, Feira da Associação de Artesãos
da Orla de Atalaia e Feira da Associação de Artesanato e Alimentos Típicos da Orla de
Atalaia - Aratip, entre outros. Além desses, apura-se a existência de grupos artísticos de
manifestação popular e o reconhecimento, com base na frequência de suas
apresentações nas esferas regional, nacional e internacional, com destaque para os
grupos de teatro Imbuaça e Raízes, e as bandas musicais Naurêa, The Baggios, Coutto
308
Orquestra e SandyAlê. Outro importante elemento considerado para a avaliação da
competitividade é a existência de eventos culturais tradicionais no destino, associados
ou não ao turismo, de modo a destacar o Festival do Caranguejo, Festejos Juninos com a
Vila do Forró, uma cidade cenográfica montada no período junino, além do Reveillon,
ambos permitindo a interação entre visitantes e população local. Sobre a existência e a
efetividade de tradições culturais evidentes e típicas do território e de manifestações
religiosas preponderantes e evidentes, destaque para a festa de Bom Jesus dos
Navegantes e Nossa Senhora da Conceição. Por fim a existência do Centro de Arte e
Cultura de Aracaju, Galeria de Artes J. Inácio, Galeria de Arte Alvaro Santos, Espaço
Semear. Teatro Atheneu, Teatro Tobias Barreto e Teatro Lourival Baptista, além do
Teatro da Universidade Tiradentes, Biblioteca Pública Epifânio Dória, Estádio Batistão,
Palácio Museu Olímpio Campos, Memorial Zé Peixe, Centro Cultural – Antiga
Alfândega e Museu da Gente Sergipana que além do conceito de interatividade mantém
agenda cultural diversa com atividades durante todo ano.

Na variável patrimônio histórico-cultural, são considerados elementos relacionados


com o patrimônio material (bens, obras, edificações e conjuntos urbanos) e imaterial
(conhecimentos, processos e rituais). Verifica-se a existência de manifestações em
danças como Reisado, Chegança e Zabumba. Conta com significativas construções
históricas em estilos gótico, neoclássico e eclético, duas obras importantes de
recuperação pelo IPHAN são o Complexo Ferroviário e a Praça dos Expedicionários; o
Instituto adquiriu a Casa de Aracaju onde instalou a Superintendência Regional.
Observa-se ainda a efetivação do registro de tombamento (órgãos municipais, estaduais,
ou federal) constituindo-se em atrativo turístico. Em última instância, ainda se verifica
se o destino é detentor de patrimônio cultural da humanidade, reconhecido pela
UNESCO.

Considerando a estrutura municipal para apoio à cultura percebe-se a força da


administração municipal com um órgão executivo para a cultura, Fundação Municipal
de Cultura de Aracaju, mas ainda carente de instância de governança da cultura para o
devido monitoramento do Plano Municipal de Cultura. Integra o Conselho Estadual da
Cultura e tem ações previstas no Plano Estadual da Cultura. Sobre o turismo cultural
ainda é pouco observado nas políticas municipal ou estadual de cultura e turismo,
demonstrando carência de compatibilidade entre os setores. Sob o aspecto de
diversificação da oferta turística, a quantidade de equipamentos e eventos culturais

309
surpreende, mas não foi identificada nenhuma estratégia de segmentação voltada para a
cultura. Outrossim o uso dos equipamentos culturais nos roteiros turísticos se estabelece
de modo incipiente, permitindo novas formatações e aproveitamento das programações
culturais nos roteiros/produtos turísticos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesse contexto da competitividade como a capacidade instalada para gerar negócios


nas atividades econômicas relacionadas ao turismo, fica evidente a necessidade de
diversificação da oferta turística por meio da adequação dos roteiros existentes ou
estruturação de novos. A consequência buscada por esta diversificação é uma
experiência positiva para os turistas. A dimensão cultural se configura como saída para
criar este diferencial, seja pelo patrimônio imaterial representado nas manifestações
locais, pelo patrimônio histórico e artístico ou pela estrutura municipal de apoio à
cultura.

Ao longo do período estudado, Aracaju apresenta pequena evolução na média geral


de competitividade de acordo com o índice de competitividade do turismo nacional
desenvolvido pela FGV e ainda em posição abaixo da média das capitais, todavia é
relevante considerar aspectos peculiares do turismo em Aracaju como sua concentração
de fluxo e de equipamentos, cujo espaço turístico possui o único aeroporto do estado e
cerca de 80% da oferta de meios de hospedagem de todo Estado. O planejamento
estadual do turismo prevê a descentralização por meio da estruturação de destinos
consolidados no litoral sul, litoral norte e sertão por meio do Programa de
Desenvolvimento do Turismo – PRODETUR que no segundo mês de 2017 apresenta
dois novos produtos que corroboram com sua competitividade, a elaboração do plano de
marketing do turismo e a execução do plano de capacitação profissional para o turismo.

O aumento da sua competitividade também depende de aspectos administrativos


como a criação de uma instância de governança do turismo que possa ter a cultura em
sua pauta, a elaboração e execução do plano municipal de turismo, bem como o
constante diálogos entre os órgãos oficiais de turismo e cultura do município. A
transformação dos produtos turísticos de Aracaju pode começar pela inclusão dos novos
equipamentos culturais e das diversas atividades culturais neles desenvolvidas,
possibilitando uma nova experiência ao turista e valorizando o que há de mais rico na
produção espacial do turismo, as práticas culturais do lugar.

310
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312
MAPA MENTAL COMO FERRAMENTA DE FEEDBACK IMPORTANTE AO
PLANEJAMENTO DE ESPAÇOS PÚBLICOS DE LAZER E TURISMO
URBANOS
Fernanda da Costa Silva1

RESUMO: Este artigo discute a relevância da participação dos usuários através do


feedback, no tocante ao planejamento e à gestão de espaços de lazer e turismo urbanos.
Objetiva-se discutir a relevância da percepção dos usuários para o planejamento e a
gestão dos espaços de lazer e turismo urbanos. Mais especificamente, o trabalho visa
elucidar a importância da avaliação pós-ocupação; e mostrar como os mapas mentais,
aplicados aos usuários dos espaços, podem ser ferramentas importantes nesse contexto
de planejamento e gestão para obtenção de feedback. Para tanto, a metodologia consistiu
em levantamento bibliográfico e de campo, sendo este aplicado mediante uso de mapas
mentais. O estudo foi desenvolvido em Porto Alegre-RS, em três espaços distintos. Os
resultados indicam a relevância de tal ferramenta, mediante análise de marcos
referenciais, imageabilidade e legibilidade dos ambientes.
Palavras-chave: planejamento urbano, feedback, mapas mentais, lazer, turismo.

ABSTRACT: This article discusses the relevance of users' participation through


feedback in the planning and management of urban leisure and tourism spaces. The
objective is to discuss the relevance of users' perception for the planning and
management of urban leisure and tourism spaces. More specifically, the paper aims to
elucidate the importance of post-occupation evaluation; and show how mental maps can
be important tools in this planning and management context for feedback. The
methodology consisted of a bibliographical and field survey, being applied through the
use of mental maps. The study was developed in Porto Alegre-RS, in three different
spaces. The results indicate the relevance of mental maps, through analysis of
landmarks, imageability and legibility of the environments.
Keywords: urban planning, feedback, mental maps, leisure, tourism.

1. INTRODUÇÃO

Este trabalho apresenta discussões referentes ao planejamento e à gestão das


cidades. O foco direciona-se para a relevância da participação através do feedback dos
usuários (LYNCH, 1962) e a pesquisa insere a importância dessa prática nos espaços
que se salientem no contexto urbano, especialmente pelo status de ícone de lazer local e
de turismo, adquirido pela validação da própria comunidade anfitriã2.

1
EMATER-RS/ASCAR. Rede Metodista de Ensino – IPA. E-mail: fernandacds@hotmail.com.
2
Este artigo apresenta dados que compõem uma pesquisa mais ampla, denominada “Adoções de Espaços
Públicos de Lazer e Turismo Urbanos: do planejamento à percepção dos usuários”. A publicação integral
está disponível no site do Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(http://www.ufrgs.br/propur/index.php?pagina=dissertacoes_interna&ano=2013).

313
O tema será exposto mediante análise de espaços públicos que amparam em
si práticas tanto de lazer como de turismo. O lazer é considerado, nesta pesquisa, como
um fenômeno essencialmente dinâmico (ANDRADE, 2001), sendo, portanto, capaz de
alterar a estrutura dos espaços no qual é desenvolvido. No que tange às práticas de
turismo amparadas nos espaços públicos aqui considerados, tem-se que elas estão no
âmbito do Turismo Urbano.
Em um patamar mais abrangente, objetiva-se discutir a relevância da
percepção dos usuários para o planejamento e a gestão dos espaços de lazer e turismo
urbanos. Mais especificamente, o trabalho visa: elucidar a importância da avaliação pós-
ocupação; e mostrar como os mapas mentais, aplicados aos usuários dos espaços,
podem ser ferramentas importantes nesse contexto de planejamento e gestão para
obtenção de feedback.
A relevância do tema justifica-se, na medida em que o espaço público seria
o resultado dos processos de relação entre o Estado e a sociedade civil (SOUZA, 2008),
configurando-se como importante ferramenta de diálogo entre essas duas esferas. Mais
do que isso, ele está associado às possibilidades de democratização da relação entre
Estado e sociedade (RIBEIRO, 2006), residindo aí a importância da participação da
comunidade na tomada de decisões para o estabelecimento desse espaço enquanto
público. Assim, é imperativo que o Estado conheça as necessidades dos usuários em
relação aos espaços públicos de lazer e turismo.

2. REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 RELEVÂNCIA DA PARTICIPAÇÃO DOS USUÁRIOS NO


PLANEJAMENTO E NA GESTÃO DE ESPAÇOS PÚBLICOS URBANOS DE
LAZER E TURISMO
As cidades estão inseridas em um processo de compartilhamento efetuado
pelos indivíduos que nelas circulam. Logo, a interpretação do que seja comunicado por
essas visões é imprescindível à análise e ao planejamento, atuando, por exemplo, como
mecanismo cultural de tradução da memória e do imaginário coletivo. De forma geral, a
história das cidades ampara-se substancialmente na história de seus espaços públicos,
sendo estes a síntese de fluxos, espaços de coesão social e de intercâmbios
(ABRAHÃO, 2008), reconhecidos como os “órgãos” mais vitais das cidades (JACOBS,

314
2000). Admite-se, por isso, que sua dinâmica seja capaz de descrever as mudanças e os
valores culturais em uma sociedade, de acordo com as formas de apropriação pelos
usuários (FERREIRA DOS SANTOS; VOGEL, 1981).
Por sua vez, os espaços de lazer e turismo (mais especificamente de
Turismo Urbano) localizados ao ar livre, de fácil acesso, constituem uma possibilidade
de indivíduos identificarem-se e interagirem com diferentes manifestações culturais
(NUSSBAUMER, 2000), desempenhando um papel importante enquanto forma e
atributo de valores de uma cultura. No tocante a tais ambientes, a relação entre
elementos e respectivos significados deve ser observada, em especial porque o lazer
também é responsável pelo bom desempenho ambiental, tal como sugere a Carta de
Atenas (LE CORBUSIER, 1993). Assim, de acordo com Doren et al. (1983), ao não
atenderem funcionalmente às atividades de lazer, as cidades podem ter o campo de
integração social prejudicado.
No que se refere ao turismo, tem-se que especialmente nas últimas décadas
do século XX, com o esgotamento do segmento “Sol e Praia” (DIAS, 2008), o Turismo
Urbano teve expressiva prosperidade, impulsionada pela globalização e consequente
competição entre as cidades pela captação de novos consumidores do espaço (GUNN;
VAR, 2002), investindo-se, contudo, não somente em infraestrutura específica de
turismo, mas em estruturas já existentes para o lazer dos moradores. Como analisam
Gastal e Moesch (2007), o Turismo e o Lazer passam, cada vez mais, a ser relacionados
aos objetivos de desenvolvimento integral das cidades, por proporcionarem repercussão
na estrutura econômica e fortalecerem as empresas de portes variados. Essa conjuntura,
em suma, foi capaz de fortalecer o Turismo Urbano ao longo dos anos, tornando-o um
dos mais importantes no contexto turístico atual.
Especificamente quanto ao planejamento turístico e sua relação com os
consumidores do espaço, Silveira (2005) expõe a analogia direta que há entre a
consideração da percepção espacial para a construção de um planejamento turístico e os
resultados positivos dessa prática. Para este autor, a percepção é uma ferramenta para
gestão de espaços turísticos, pois ela identifica: onde reside a força do turismo; o
comportamento da população local nos espaços turísticos; bem como os pontos fortes e
fracos do setor. Assim, é possível que se alterem, corretamente, estruturas sociais,
culturais e econômicas dos espaços.
Portanto, não basta planejar e estabelecer ambientes públicos de qualidade.
Importa, “[...] indiscutivelmente, o modo como os espaços públicos são geridos”

315
(SHAFTOE, 2008, p. 132), pois a forma de gestão interferirá na avaliação da qualidade
espacial. Por conseguinte, não há razão em se alicerçar um planejamento que não
considerem as impressões dos usuários e suas formas de apropriação dos espaços
ofertados a eles no âmbito do domínio público. É a partir do entendimento dos
processos de percepção desses usuários em relação ao meio ambiente que se poderão
fornecer espaços bem planejados. Assim, ratifica-se o que afirma Lynch (1962), para
quem o planejamento de um lugar é a arte de se conseguir arranjar o ambiente físico
externo para se dar suporte ao comportamento humano.
A urgência da análise de espaços que amparem concomitantemente as
práticas de lazer e turismo também se respalda no fato de que o acesso ao turismo é
importante indicador de qualidade de vida, conclusão alcançada por ocasião da
Conferência de Manila, já em 1980. Nesse âmbito, a percepção de um turismo reservado
apenas a quem disponha de tempo livre e recursos econômicos para praticá-lo deu lugar
à visão de que o turismo é uma necessidade e um direito humano (DIAS, 2008).

2.2 A IMPORTÂNCIA DO FEEDBACK E SUA OBTENÇÃO A PRTIR DE


MAPAS MENTAIS DE USUÁRIOS DOS ESPAÇOS

Na realidade do planejamento e da gestão do meio urbano, mesmo após


ocorrer a tomada de decisões, a construção ser completada e os espaços serem
ocupados, é necessário ter-se um feedback acerca das experiências dos usuários nesses
espaços, de forma que o planejamento possa ser readequado às necessidades reais de
uso (LYNCH, 1962). Essa seria uma das formas possíveis de participação dos usuários
no contexto do planejamento urbano. Tal participação faz-se necessária, na medida em
que o ambiente físico pode inibir ou facilitar comportamentos, afetando a maneira como
os espaços sejam socialmente definidos e utilizados (LANG et al., 1987; WHITE,
1988).
A obtenção do feedback se dá mediante a observação dos processos de
interação dos indivíduos com os ambientes, denominados de processos de percepção
ambiental. A interpretação dessa percepção é fundamental, sobretudo porque é de
acordo com ela que o espaço é criado e adquire significado, constituindo-se em produto
não verbal de normas e expectativas relacionadas às relações sociais (AMADEO et al.,
2008).
Segundo Lynch (1960), as imagens mentais dos indivíduos quanto aos
objetos e ambientes relacionam-se diretamente à imageabilidade espacial. O grau de

316
imageabilidade advém da frequência com a qual o espaço seja identificado e lembrado
pelas pessoas. Ele se consiste na característica de um objeto físico, o qual seja capaz de
conferir alta probabilidade de evocar uma imagem forte em um observador, facilitando,
assim, a criação e o estabelecimento de imagens mentais em relação a um espaço. Essas
identificações e lembranças formam, em cada indivíduo, mapas mentais de espaços com
os quais tenha contato e dos quais faça uso.
Acerca dos mapas mentais é relevante destacar o que estabelecem Golledge
e Stimson (1997), para quem o mapa mental (ou mapa cognitivo) não somente subsidia
o entendimento dos componentes físicos visíveis em um espaço, como também provê
informações acerca de referências que adquirem importância devido a suas
características históricas, econômicas e políticas (LANG et al., 1974). Em adição,
conforme indicam estudos como os de Kaplan e Kaplan (1983; 1989), cada indivíduo
desenvolve variados e distintos mapas mentais. Ao mesmo tempo, esses mapas
relacionam-se de alguma forma entre si, o que sugere haver uma hierarquia na
representação dos elementos dos mapas de cada pessoa. No âmbito do planejamento
urbano, o que interessa quanto à imagem da cidade é a produção de imagem consensual
(ou de imagens consensuais) para um número significativo de observadores. Esse
resultado da percepção espacial dos usuários apresenta-se como importante ferramenta
para planejadores urbanos, cuja preocupação esteja centrada na criação de um ambiente
que venha a ser usado por muitas pessoas (LYNCH, 1960), como os espaços públicos
abertos.
Nessa perspectiva, faz-se necessário observar o grau de legibilidade dos
ambientes atribuído pelos usuários. Por legibilidade, toma-se a definição adotada por
Lynch (1960), na década de 1960, a saber, a qualidade visual de um espaço (uma cidade
como um todo, ou uma área determinada), obtida por meio do estudo da imagem mental
de seus usuários. Em suma, a legibilidade consiste na clareza com que as partes de uma
cidade possam ser organizadas em uma estrutura, ratificando-se aí a importância do
estudo da relação entre usuários e espaço.
O grau de legibilidade espacial e a consequente apreensão das imagens que
os usuários tenham de um determinado espaço dependem de elementos relacionados à
atratividade ambiental. Para aumentar a legibilidade, uma cena necessita ter algum
componente memorável, que ajude na orientação espacial (KAPLAN; KAPLAN;
RYAN, 1998). Como exemplos desses componentes, Lynch (1960) afirma serem os
marcos algumas das mais importantes referências externas físicas. Eles podem ser

317
distantes, de grandes proporções, ou de menores proporções, podendo então ser vistos
somente a partir de certa proximidade, em lugares restritos.
Sob essa perspectiva teórica exposta, tem-se que a inclusão dos usuários em
processos de planejamento das cidades é indispensável no que se refere ao trato do lazer
e do turismo urbanos em espaços públicos. Ademais, considerando-se que os usuários
devam ter papel ativo na percepção do mundo, contribuindo incisivamente para o
desenvolvimento de sua imagem ambiental (LYNCH, 1960), ratifica-se a necessidade
de se apurar a percepção desses atores quanto às políticas de gestão espacial vigentes
contemporaneamente, cuja metodologia empregada para tanto segue apresentada na
seção seguinte.

3 METODOLOGIA

A revisão da literatura foi desenvolvida mediante pesquisa documental em


fontes primárias e secundárias. Efetivou-se o levantamento de campo, quando se
sucedeu o levantamento físico. Também como parte do trabalho de campo foram
empregadas entrevistas norteadoras de mapas mentais.
Embasando-se em critérios da área Ambiente-Comportamento (e.g.
MARCUS; FRANCIS, 1998) foram estudados mais de um ambiente, para se
observarem elementos-chave de avaliação dos espaços, muitas vezes planejados com a
mesma finalidade, mas talvez utilizados de formas diversas. A aplicabilidade do estudo
de caso ocorreu na cidade de Porto Alegre, capital do RS. A escolha desta para o estudo
fundamenta-se, substancialmente, na crescente importância que a cidade vem ocupando
no panorama nacional de análise comparativa turística. Devido às características
socioeconômicas e geográficas de Porto Alegre, prevaleceu e estabeleceram-se na
cidade os segmentos de Turismo Urbano, Cultural e de Eventos.
Em adição, o desenvolvimento do turismo é estreitamente relacionado ao
lazer nesta capital. Isso porque de acordo com estudo da Secretaria Municipal de
Turismo de Porto Alegre (PREFEITURA DE PORTO ALEGRE, 2010) acerca desse
tema, a demanda nacional de turistas avaliou os parques como principais atributos
turísticos da capital, sendo o Parque Farroupilha o atrativo mais mencionado pelos
respondentes da pesquisa. Além dos parques, os atrativos culturais, o comércio e as
áreas naturais foram citados entre os cinco principais motivadores para as viagens
turísticas, importante posição em relação ao ranking geral. Já a partir desses dados,

318
sinaliza-se que esse conjunto de motivações turísticas se relaciona diretamente às
características das áreas selecionadas como recorte de estudo nesta pesquisa.
As três áreas analisadas na cidade de Porto Alegre (Figura 1) foram: um
largo, caracterizado como meio ambiente cultural (totalidade do Largo Jornalista Glênio
Peres - LJGP); um parque, caracterizado como meio ambiente cultural (Parque
Farroupilha - PF); e uma orla, caracterizada como ambiente artificial (Orla do Lago
Guaíba - OLG, na extensão pertencente ao Parque Maurício Sirotsky Sobrinho).
Nesta pesquisa, a aplicação do mapa mental é estabelecida como parte
importante para obtenção de um feedback quanto ao planejamento e a gestão de espaços
urbanos de lazer e turismo pós-ocupação e objetivou depreender a imageabilidade e a
legibilidade das áreas estudadas, partindo-se da percepção dos usuários. Em cada área
da pesquisa foram coletados dez mapas mentais, totalizando trinta participantes. O
período de aplicação da ferramenta compreendeu dias úteis e finais de semana, durante
manhãs e tardes3.
Ao todo, houve participação de três idosos (todos no Pq. Farroupilha), seis
adolescentes (dois em cada uma das áreas) e 22 adultos (seis no Pq. Farroupilha; oito no
Largo Jornalista Glênio Peres; e oito na Orla do Lago Guaíba)4. No momento da
abordagem, os usuários estavam, na maioria, praticando alguma forma de lazer ou
turismo.

3
As noites não foram utilizadas para a pesquisa porque os lugares estudados apresentaram segurança
precária nesse período do dia, além de disporem de menor número de usuários em comparação aos
períodos da manhã e da tarde.
4
Buscou-se abranger um grupo heterogêneo de participantes, de forma a se ter uma visão ampla acerca
dos itens investigados pela ferramenta. Ainda assim, não foi possível obter-se proporção exata entre os
diferentes tipos de entrevistados, no que se refere ao gênero, à faixa etária, à ocupação, entre outros
fatores.

319
LJGP

PF

OLG

Figura 1- Localização em mapa dos espaços de estudo.


Fonte: adaptação de Google Earth, 2017.
4 RESULTADOS

Na primeira lembrança evocada no mapa mental dos usuários do Largo


Jornalista Glênio Peres, o elemento que apresentou mais destaque nos desenhos foi a
passagem da rua que abrange a circulação das pessoas (“calçadão”). Esse resultado não
corresponde diretamente ao esquema hierárquico organizado pelos usuários, visto que o
espaço do Largo sequer foi desenhado em alguns mapas. Isso ocorreu, em alguns casos,
porque os usuários optaram por realizar dois esquemas gráficos separados – por vezes,
em espaços diversos de uma mesma folha e, em outras ocasiões, em folhas diferentes.
Assim, quando solicitados a representar a primeira lembrança do espaço, e, em seguida,
a organizar um esquema de orientação espacial, os usuários não repetiram, nesta
segunda representação, o desenho expresso na primeira ou, a primeira representação não
foi numerada no esquema de hierarquia organizado em um último momento.
Quanto ao nível de importância atribuído aos elementos do LJGP, o
Mercado Público Municipal figurou como primeiro colocado para a maioria dos
participantes, seguido pelos decks das lancherias e pelo Largo em si. A Tabela 1
expressa a importância dos elementos deste espaço, bem como explicita as justificativas
deste tipo de organização feita pelos usuários.

320
Tabela 1 – Importância de espaços do Largo Jornalista Glênio Peres.

Mais Incidênc Justificativas Menos Incidênc Justificativas


importantes ia Importantes ia
Mercado 07 Ponto turístico; Farmácia 03 Não utiliza.
Público local de
Municipal trabalho;
símbolo de
Porto Alegre.
Decks 02 Grande Decks 02 Impedem
(“lancherias” quantidade de (“lancherias”) do exposições da
) do Mercado pessoas; lugar Mercado Público Economia
Público mais visto; Municipal Solidária;
Municipal lugar para impedem
poder olhar a atividades
paisagem. públicas.
Largo 01 Abrange maior Chalé 02 Sem ligação
(“calçadão”) circulação de afetiva com o
pessoas. espaço; porque
tem mendigos
à volta.
Praça Pereira 02 Sem beleza.
Parobé
Largo como 01 Uso indevido
servindo para do espaço.
estacionamento

Independentemente do tipo de avaliação atribuída a determinados espaços,


alguns foram mais lembrados do que outros na aplicação dos mapas mentais. O mapa
síntese do Largo Jornalista Glênio Peres (Figura 3) hierarquiza esses ambientes citados
nesta etapa da pesquisa, sendo as manchas mais escuras as que representam maior
referenciamento atribuído pelos entrevistados (indicação em números absolutos na
legenda).

321
Decks de
lancherias do
Mercado Público
Municipal

Figura 2 - Organização hierárquica dos elementos - Largo Jornalista Glênio Peres.


Fonte: autora, 2012.

No que se refere à primeira lembrança evocada pelo Parque Farroupilha, no


perímetro da Avenida José Bonifácio entre as avenidas Oswaldo Aranha e João Pessoa,
o principal elemento exposto nos mapas mentais foi o conjunto de árvores e a natureza
em geral que o espaço abriga (referência feita por cinco entrevistados durante aplicação
de mapas mentais). Em seguida, a lembrança principal de um número menor de
entrevistados, durante a aplicação de mapas mentais, correspondeu ao Eixo Principal e o
ato de tomar chimarrão (dois entrevistados), sendo este um elemento ligado à
agradabilidade, e o único lembrado como estando mais diretamente relacionado à
apropriação e ao uso do espaço, e não às características físicas deste. Em último lugar,
foram elencados o monumento O Expedicionário e a Igreja do Santíssimo Sacramento e
Santa Terezinha (cada um deles lembrado por um entrevistado), embora esta esteja
localizada nas imediações do Parque (Avenida José Bonifácio) e não em seu interior.
Visando-se identificar os elementos mais e menos importantes que
compõem o PF, de acordo com a percepção dos usuários, os entrevistados por ocasião
dos mapas mentais foram questionados sobre espaços mais e menos importantes
naquele perímetro. Como elementos mais importantes sobressaíram-se o conjunto de
árvores e a natureza em geral, ratificando-se a intensidade de imageabilidade dos

322
elementos da natureza relacionados ao PF. Em igual proporção, foram apontados como
mais importantes daquele espaço o Colégio Militar (que não faz parte do Parque, mas
está em seu entorno imediato, na Avenida José Bonifácio), o monumento O
Expedicionário e o Brique da Redenção. Em menor incidência foi indicado o Eixo
Principal como sendo o espaço mais importante no Parque. A Tabela 2 relaciona o nível
de importância às justificativas deste tipo de ordenamento feito pelos usuários.
Tabela 2 – Importância de espaços do Parque Farroupilha.

Mais Incidênci Justificativa Menos Incidênci Justificativa


importantes a s Importantes a s
Árvores/ 03 Beleza; Nenhum é 04 Os
natureza tranquilidade menos entrevistados
; elemento importante não
natural que quiseram
se destaca em atribuir
meio à menor grau
cidade/ao de
urbano. importância,
mesmo ao
numerar
todos os
elementos.
Colégio 02 Remete a Igreja do 02 Ambiente
Militar conheciment Santíssimo não
o; símbolo de Sacramento e agradável.
Porto Alegre. Santa
Terezinha
Munomento O 02 Referência de Colégio 01 Serve apenas
Expedicioinári encontro; Militar como
o cartão postal referência do
da cidade; Parque e do
muito bairro.
conhecido.
Brique da 02 Ponto de Quadras 01 Sem
Redenção encontro. próximas à referências
Lazer. Avenida João conhecidas.
Pessoa
Eixo Principal 01 Espaço livre Monumento 01 Apenas um
que reúne O ponto de
natureza e Expedicionári referência.
fácil o
visibilidade.
Avenida José 01 Apenas um
Bonifácio (a meio de
via em si) passagem.

323
No que tange à lembrança dos espaços do Parque, ou daqueles em seu entorno,
independentemente do tipo de avaliação atribuída a eles, também é possível averiguar
que alguns foram mais notados do que outros durante a aplicação dos mapas mentais. A
Figura 4 hierarquiza esses ambientes no mapa do Parque Farroupilha, sendo as manchas
mais escuras as que representam maior grau de referência atribuído pelos entrevistados
(em números absolutos indicados na legenda).

Figura 4 - Organização hierárquica dos elementos – Parque Farroupilha2.


Fonte: autora, 2012.
Em relação à primeira lembrança evocada nos usuários pela Orla do Lago
Guaíba, não houve elemento que tenha se destacado substancialmente. O mais citado,
por três usuários, foi o Lago Guaíba e o pôr-do-sol, seguido por elementos naturais em
geral (como árvores, gramados extensos e pássaros, com duas indicações), e, em igual
proporção (uma indicação cada), os seguintes elementos: atracadouro de barcos
turísticos; limite entre Parque Maurício Sirotsky Sobrinho e Marinha do Brasil;
escadaria; escultura Olhos Atentos (em formato de mirante, interditada); e espaços para
atividade de lazer passivo (permanência sentada).

324
A ordem de importância atribuída aos diversos ambientes da OLG foi
semelhante entre os entrevistados. O conjunto da Usina do Gasômetro com a chaminé
foi indicado como mais importante, seguido pela Avenida Edvaldo Pereira Paiva. Em
igual proporção foram mencionados como os elementos mais importantes o Anfiteatro
Pôr-do-sol, a Academia da Terceira Idade, as quadras esportivas (à época adotadas por
investidor privado), o pôr-do-sol e o Lago Guaíba. Quanto ao menor grau de
importância atribuído a determinados ambientes, cabe abalizar que alguns entrevistados
não consideraram, de fato, menos importantes os espaços numerados por último, mas
assim o fizeram por não recordarem de mais lugares dispostos à Orla. A Tabela 3
explicita a organização de importância dos elementos referenciados e as justificativas
dos usuários para tais classificações.
Tabela 3 – Importância de espaços da Orla do Lago Guaíba.

Mais Incidência Justificativas Menos Incidência Justificativas


importantes Importantes
Usina do 03 Principal Escultura Olhos 02 Condições
Gasômetro e referência da Atentos precárias de
chaminé Orla. manutenção.
Avenida 02 Incentivo à Espaço do 02 Pouca
Edvaldo Pereira prática esportiva. Parque afastado iluminação.
Paiva da Orla
(interior)
Anfiteatro Pôr- 01 Espaço para Nenhum lugar 02 Não há lugar
do-Sol shows/ eventos. menos
importante.
Academia da 01 Remete à saúde e Usina do 01
Terceira Idade qualidade de vida. Gasômetro e
(ATI) – Projeto chaminé
Eu Amo Porto
Quadras 01 Porque Anfiteatro Por 01 Falta de
esportivas – proporcionam do Sol policiamento à
Projeto Eu Amo prática esportiva noite.
Porto ao ar livre.
Pôr-do-Sol 01 Sentimento Espaços 01 Pouca
agradável. esportivos iluminação.
Lago Guaíba 01 Paisagem Tendas de 01 Ambiente
agradável. alimentação desagradável.

No que se refere à lembrança dos espaços localizados na Orla ou em seu


entorno, independentemente do tipo de avaliação atribuída a eles, também é possível
averiguar que alguns foram mais notados do que outros durante a execução dos mapas
mentais, sendo que o primeiro e o segundo colocados nesta classificação têm sensível
diferença. A Figura 5 esquematiza a organização hierárquica dos ambientes no mapa do
325
Parque Maurício Sirotsky Sobrinho, sendo as manchas mais escuras as que representam
maior grau de referência atribuído pelos entrevistados (em números absolutos indicados
na legenda).

Figura 5 - Organização hierárquica dos elementos da Orla do Lago Guaíba – Parque Maurício Sirotsky
Sobrinho.
Fonte: autora, 2012.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Alcançou-se o objetivo geral, na medida em que os resultados mostraram


dados relevantes da percepção dos usuários em relação ao planejamento e à gestão de
espaços públicos urbanos de lazer e turismo. O primeiro objetivo específico foi
contemplado, posto que a avaliação pós-ocupação dos usuários (locais e visitantes)
confirmou a teoria de Lynch (1962), por ter indicado percepções acerca de indicadores
importantes de uso dos espaços, como agradabilidade, conforto ambiental e segurança.
Quanto ao segundo objetivo específico, atinente à relevância dos mapas mentais, avalia-
se terem sido importantes nesse contexto para obtenção de feedback. Isso porque foi
através deles que se mapearam possíveis indicadores (GOLLEDGE; STIMSON, 1997;
LANG, 1974; KAPLAN; KAPLAN, 1983; 1989), os quais podem ser trabalhados

326
quantitativamente, bem como se extraíram imagens consensuais dos espaços, as quais
são relevantes ao planejamento urbano, como afirma Lynch (1960).
Relativamente ao Largo Jornalista Glênio Peres, os usuários sinalizam ser o
passeio público (“calçadão”) mais importante, seguido pelo Mercado Público
Municipal, ou seja, espaços de fluxo intenso a pé. Em contrapartida, o uso do mesmo
espaço de passagem é avaliado como menos importante, quando se destina aos carros
(estacionamento), evidenciando-se uma possível rejeição a tal uso e, nesse caso,
gerando contribuição relevante à gestão espacial do Largo. Quanto à avaliação do
Parque Farroupilha, elementos naturais foram tidos como mais importantes, mesmo que
formando uma paisagem coesa em diversos pontos, seguidos por construções, as quais
sim representam marcos de proporção maior, como monumentos e edificações. Interessa
observar, também, a dificuldade dos usuários em elencar pontos “menos importantes”
nesse espaço, de forma que ele é visto como sendo coeso, mesmo havendo variação de
elementos que o formam. No tocante à Orla do Lago Guaíba (a exemplo do que ocorreu
com o PF), foram elencados como mais significativos os espaços que possibilitam
grande fluxo/ deslocamento, paralelamente a uma edificação que abarca práticas
culturais e que se apresenta como um importante marco referencial daquele espaço. Em
contrapartida, embora tidos também como marcos referenciais, espaços e mobiliários
sem uso e com manutenção precária foram apontados como menos importantes. Em
suma, ambientes que proporcionam deslocamento, fluxo de usuários facilitado e uso
intenso obtiveram destaque nos critérios de hierarquização e imageabilidade. Assim, tal
como estabelecem Souza (2008) e Ribeiro (2006), este estudo aponta que mapas
mentais podem ser ferramentas de diálogo entre Estado e sociedade civil, para o
planejamento e a gestão dos espaços públicos urbanos.

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329
TURISMO E CARTOGRAFIA: UMA ANÁLISE DOS MAPAS TURÍSTICOS
PRODUZIDOS PARA A REGIÃO PORTUÁRIA DO RIO DE JANEIRO

Ana Carolina Mendonça Oliveira1

RESUMO: O presente trabalho é um estudo sobre o papel de diferentes mapas na


elaboração de um roteiro turístico na região portuária da cidade do Rio de Janeiro. Tem
como objetivo identificar as diferentes construções de roteiros para a região portuária da
cidade e avaliar a relevância da cartografia para o fenômeno turístico. Assim, a proposta
é analisar a região portuária da cidade do Rio de Janeiro, a partir de três propostas
cartográficas distintas: TuristEye, RioTur e Porto EnCantos. Para tanto, foi realizada
ainda uma breve investigação de mapas turísticos de diferentes épocas. Eles são
voltados para a construção de imagens turísticas e/ou informações a respeito de usufruir
a cidade e trazem um número significativo de dados sobre a história da evolução urbana
e social. A análise procurou considerar e comparar a incidência dos pontos de interesse
turísticos demarcados em cada uma das representações cartográficas. Os resultados
apontam para uma região, até pouco tempo, relegada ao esquecimento e pouco
representada na cartografia turística.

PALAVRAS-CHAVE: Cartografia, Música, Turismo.

ABSTRACT: The present work is a study about the role of different maps in the
elaboration of a tourist route in the port region of the city of Rio de Janeiro. It aims to
identify the different constructions of scripts for the port region of the city and to
evaluate the relevance of the cartography for the tourist phenomenon. Thus, the
proposal is to analyze the port region of the city of Rio de Janeiro, based on three
different cartographic proposals: TuristEye, RioTur and Porto EnCantos. For that, a
brief investigation of tourist maps of different periods was also carried out. They are
geared towards building tourist images and / or information about enjoying the city and
bring a significant amount of data on the history of urban and social evolution. The
analysis sought to consider and compare the incidence of the points of interest
demarcated in each one of the cartographic representations. The results point to a
region, until recently, relegated to oblivion and poorly represented in tourist
cartography.

KEYWORDS: Cartography, Music, Tourism.

O reconhecimento de um local como turístico é parte de uma construção


cultural. Que envolve a criação de um sistema integrado de significados através dos

1
Programa de pós graduação em Arquitetura e Urbanismo – UFF e Senac RJ, e-mail:
anacarol.mo@hotmail.com.

330
quais a realidade turística de um lugar é estabelecida, mantida e negociada (CASTRO
1999). A cidade e a atividade turística possuem uma relação de interação, “às vezes
muda a cidade, muda o turismo; outras vezes, a partir de modificações no mundo do
turismo, introduzem-se alterações urbanísticas na cidade” (CASTRO, 1999, p. 84).
Nesse contexto, os mapas turísticos são como cristalizações das narrativas e das
imagens do turismo em determinado momento. Sobre os mapas, Casco (2009) afirma
que eles
podem servir para mostrar ao colonizador a posse do território, ao
viajante que rumo seguir para chegar ao lugar planejado, ao turista
aonde ir para desfrutar da cidade e conhecer seus atrativos,
peculiaridades, exotismos, ou prestar informações práticas como a
localização de serviços – agências bancárias, hotéis, agências de
correios e telégrafos, terminais rodoviários, estações ferroviárias e
aeroportos etc. – na cidade. (CASCO, 2009, p. 1)

Sendo assim, o presente trabalho é um estudo sobre o papel dos diferentes mapas
na construção de um roteiro turístico na região portuária da cidade do Rio de
Janeiro. Tem como objetivo identificar as diferentes construções de roteiros para a
região portuária da cidade e avaliar a relevância da cartografia para o fenômeno
turístico.
Para tanto, a proposta é analisar a região portuária da cidade do Rio de Janeiro a
partir de três cartografias distintas: TuristEye (colaborativa elaborada por turistas),
RioTur (institucional e oficial) e a proposta pelo Porto EnCantos (com uma
interpretação da região apoiada na música). Assim, foi realizada, primeiramente, uma
breve revisão bibliográfica sobre os seguintes referenciais: turismo, mapas, cidade,
visibilidade, roteiro e o olhar do turista. Dialogando, fundamentalmente, com os
seguintes teóricos: Coriolano, Casco, Santos, Barthes, Gomes, Lynch e Urry.
Em um segundo momento, foi realizada uma investigação de mapas turísticos de
diferentes épocas. Eles são voltados para a construção de imagens turísticas e/ou
informações a respeito de como usufruir a cidade e trazem um número significativo de
dados sobre a história da evolução urbana e social.

CONTEXTUALIZAÇÃO BIBLIOGRÁFICA
Roland Barthes (1985) entende a cidade como um discurso e, para ele, querer
elaborar um léxico de significações para ela é uma tarefa absurda. A um bairro central
(zonas exaustivamente estudadas do ponto de vista sociológico), podem-se atribuir

331
diversas funções, em uma lista que deve ser constantemente completada, enriquecida e,
ainda assim, esta representará apenas um nível elementar das representações da cidade
(BARTHES, 1985). Isso porque “os significados são como seres míticos, de uma
extrema imprecisão, e, num certo momento, tornam-se sempre os significantes de outra
coisa: os significados passam, os significantes ficam” (BARTHES, 1985, p.186).
É importante observar que essas representações surgem da relação de
reciprocidade identificada por La Rocca (2015) entre a cidade e as pessoas. De forma
complementar, ele pontua ainda que “um não pode existir sem o outro e que, se a cidade
molda os indivíduos com a especificidade de seus espaços, os indivíduos, com suas
produções estilísticas e vivências dentro e através do espaço, conotam as características
de uma cidade” (LA ROCCA, 2015, p.173).
Dentre os diferentes significados e usos da cidade, estão os pensados para
turistas e visitantes. Esses dois grupos circulam pela cidade e se esbarram enquanto
influenciam e são influenciados pela sua narrativa. Os mapas são parte dessa narrativa e
orientam os deslocamentos. Sobre eles, Boaventura de Sousa Santos (2001) pondera que
Os mapas são talvez o objecto cujo desenho está mais estritamente
vinculado ao uso que se lhes quer destinar. Por isso, as regras da escala,
da projecção e da simbolização são os modos de estruturar no espaço
desenhando uma resposta adequada à nossa subjectividade, à intenção
prática com que dialogamos com o mapa (...) A incompletude
estruturada dos mapa é a condição da criatividade com que nos
movimentamos entre os seus pontos fixos. De nada valeria desenhar
mapas se não houvesse viajantes para os percorrer (SANTOS, 2001,
p.224)

É fundamental refletir, com isso, sobre os mapas como representações de


lugares, aqui entendidos na concepção de Costa (2007):
O lugar enquanto experiência, espaço vivido, espaço afetado, projeção
do espaço mental interior, onde a imagem, em geral, e a cartografia, em
particular, são formas de aproximação e representação; uma proposta de
geografia da memória que explora os estratos do espaço em busca de
lugares. Descobrir os significados outorgados e construir novos
significados. (Des)construir a cartografia ou construir sobre a
cartografia geométrica uma cartografia do lugar. (COSTA, 2007, p. 24)

Por ser uma atividade social e econômica dinâmica, diversos teóricos e


instituições procuram definir turismo de modo a refletir seu amplo papel na sociedade.
A massificação da atividade turística e seus impactos reforçam, consequentemente, a
importância de se definirem parâmetros e conceitos que ajudem estudiosos, sociedade
em geral, gestores públicos, profissionais do trade turístico e investidores a

332
compreender as interfaces desse fenômeno. Coriolano, por sua vez, afirma que o
turismo,
enquanto prática social é também econômica, política, cultural e
educativa, envolvendo relações sociais e de poder entre residentes e
turistas, produtores e consumidores. O turismo é simultaneamente ócio
e trabalho, produto do modo de viver contemporâneo, cujos serviços
criam formas confortáveis e prazerosas de viver, restritas a poucos. (...)
A riqueza do turismo está na diversidade de caminhos para sua
produção e apreensão, nos conflitos e possibilidades de entendimento
desse fenômeno. Ele é, a um só tempo, o lugar das estratégias para o
capital e das resistências do cotidiano para os habitantes.
(CORIOLANO, 2006, p.368)

Além disso, é importante destacar a característica de fenômeno apropriador


presente no turismo, pois o que quer que se venha chamar de turístico será sempre uma
invenção e, nessa dinâmica, ele pode assumir tantas conotações quantas sejam as
políticas que dele se utilizem. Sua capacidade de apropriar-se dos espaços, dando a eles
novos e múltiplos significados, torna-o um fenômeno do qual o sentido dependerá
sempre do ambiente onde ocorre e dos objetivos de quem o promove (GAGLIARDI,
2012).
Quando consideramos essa infinidade de significados, é importante considerar
também o que Urry (2001) chama de olhar dos turistas que, segundo ele, são um
exército de semióticos. Ao tecer considerações sobre espacialidade e temporalidade, ele
afirma que o deslocamento do turista vai muito além do aspecto simplesmente físico,
ele implica uma reeducação do olhar, que passa a ser direcionado para aspectos
diferentes dos que observamos todos os dias. Assim, quando o visitante percorre a
cidade, ele se depara com uma infinidade de cenas urbanas, que são fundamentalmente
imagens em movimento, experimentadas in loco, em um ambiente urbano carregado
sonora e visualmente.
Levando em conta um turista que percorre a cidade espontaneamente, a
experiência sensível dessa pessoa certamente incluirá a escolha do percurso onde ela
será confrontada com diversos focos potenciais de atenção (comidas, roupas,
movimento de veículos, pessoas, sinalizações, sons etc.). Paulo Gomes lembra ainda
que “as coisas terão diferentes importâncias e chamarão a atenção dependendo do tempo
disponível e, sobretudo, dos interesses particulares e da sensibilidade de cada um”
(2013, p. 203).
O autor acredita, portanto, que o deslocamento espaço-temporal realizado pelos
turistas e por moradores faz surgir recortes espaciais distintos que, ao serem analisados
333
conjuntamente, possibilitam-nos identificar o espaço de modo mais abrangente. Essa
identificação está intimamente ligada ao conceito de visibilidade apresentado por
Gomes (2013), em que três elementos são determinantes: local; público e narrativa.
Assim, é importante observar que “a visibilidade de um fato ou fenômeno muda
segundo as propriedades de sua exposição, segundo a ordem de sua apresentação”
(GOMES, 2013 p. 41). Desse modo, um percurso seguindo um roteiro pré-determinado
tem uma narrativa – e, consequentemente, uma visibilidade – totalmente distinta de um
elaborado de forma espontânea pelo caminhante.
Nesse contexto, a construção de imagens faz parte da narrativa da cidade.
Segundo Barthes, ela “é um discurso, e esse discurso é verdadeiramente uma
linguagem: a cidade fala aos seus habitantes, nós falamos a nossa cidade, a cidade onde
nos encontramos.” (BARTHES, 1985 p.184).
Quando um visitante se insere nesse discurso, ele realiza, então, um exercício de
olhar, uma vez que
tais práticas envolvem o conceito de “afastamento”, de uma ruptura
limitada com rotinas e práticas bem estabelecidas da vida de todos os
dias, permitindo que nossos sentidos se abram para um conjunto de
estímulos que contrastam com o cotidiano e o mundano (URRY, 1996,
p. 17)

E esse direcionamento do olhar, por sua vez,


Implica, frequentemente, diferentes formas de padrões sociais, com uma
sensibilidade voltada para elementos visuais da paisagem do campo e da
cidade, muito maior do que aquela que é encontrada normalmente na
vida cotidiana (URRY, 1996, p. 18)

CONTETUALIZAÇÃO HISTÓRICA
Segundo Castro (1999), o turismo organizado no Brasil começou apenas no
início do século XX, tendo como principal centro a cidade do Rio de Janeiro. Essa
organização se dá no momento em que se descobre que “a imagem urbana é uma
mercadoria que pode gerar grandes lucros, notadamente com o turismo” (ABREU,
1998, p. 4).
O primeiro mapa (Mapa 1) tratam portanto, dessa “Cidade Monumental”, que
vivia sua Belle Époque, um momento em que ocorre a saída da elite da Cidade Velha e é
dado à região do porto um tratamento especial de expansão e de modernização, símbolo
da porta de entrada oficial da cidade alçada no início do século XX à categoria de
metrópole (CASCO, 2009).

334
Havia, desde o final do século XIX, um projeto modernizador descrito por
Abreu (1998), que incluía a rejeição do passado, a abolição dos vestígios e sua
superação. Indo além, ele aponta que isso explica por que “foram tão bem sucedidas, no
século XX, as reformas urbanísticas radicais que tanto transformaram a face de diversas
cidades brasileiras” (ABREU, 1998, p. 4).

Mapa 1: Rio de Janeiro: Central Monumental. 1914. Fonte: CASCO, 2009.

Esse registro (Mapa 1) é, então, o primeiro guia para estrangeiros e apresenta


uma cidade civilizada e seus monumentos. Nesse momento, os festejos carnavalescos já
faziam parte da cidade, quando os ricos brincavam na Rua do Ouvidor ou nos clubes
carnavalescos, e os mais pobres, no carnaval de morro, concentrado no Morro da
Conceição, junto à Praça Mauá e ao Cais do Porto (CASCO, 2009).
O próximo documento (Mapa 2) é importante por ser o primeiro elaborado pela
então Secretaria de Turismo da Guanabara. Além disso, consagra a transferência da
capital e é claramente veiculada à imagem de “capital cultural e turística” do Brasil,
campanha do Governador Carlos Lacerda, que dizia ser o “Rio sala de visitas do Brasil”
(CASCO, 2009).
Nesse momento, ocorre, portanto, a consolidação de imagem pública da cidade
moderna e preparada para acolher o turismo como uma das várias possibilidades do seu
desenvolvimento econômico.

335
Mapa 2: Rio: passeio a pé pelo Centro. 1964. Fonte: CASCO, 2009.

O mapa 2 apresenta sugestões de roteiro a pé pela cidade, onde, no Roteiro B, é


possível ver a identificação do Mosteiro de São Bento e da Praça Mauá como pontos de
interesse turístico. É possível ver, pela primeira vez, que a visão cultural fica claramente
associada ao valor histórico de certas áreas e edificações. Casco (2009) destaca, ainda, a
possibilidade de percorrer a cidade a pé ao mesmo tempo em que a “febre” rodoviarista
se implantava na cidade.
O próximo mapa (Mapa 3) é o primeiro elaborado pela RioTur (Empresa de
Turismo do Município do Rio de Janeiro) e já apresenta a Avenida Perimetral com sua
configuração completa. Assim, os anos 1970-90 serão marcados pela inserção de
valores culturais entre as mercadorias turísticas a serem oferecidas, e todo o potencial
histórico que a cidade preservou passa, então, a ser valorizado e explorado pelo turismo
(CASCO, 2009). Da mesma forma, as manifestações culturais também são valorizadas
e funcionam como um outro atrativo da cidade, que passa a dispor de um calendário de
eventos (CASTRO, 1999).

336
Mapa 3: Mapa turístico do Rio de Janeiro. 1974. Fonte: CASCO, 2009.

É interessante notar, ademais, como a região aparece nos guias e nos mapas
turísticos da cidade como um lugar inicialmente valorizado e vai, progressivamente,
sendo relegada ao esquecimento. Sobre isso, Arnaut (1984) avalia que essa
é provavelmente a única área que ainda guarda características da
espontaneidade de sua ocupação, iniciada no século XVII. (...) Sem
passar por transformações abruptas, mas evoluindo gradativamente
através dos anos, a área manteve-se, de certa forma, imune à
especulação imobiliária que desfigurou a cidade nas últimas décadas.
Até mesmo o comércio mantém características que o diferenciam de
outras áreas. Sem considerar, é claro, o vigoroso vínculo afetivo que a
população mantém com a região, sedimentado ao longo de diversas
gerações. (ARNAUT, 1984, p. 98)

337
Desde o final dos anos 1980 e meados dos 1990, debate-se a questão da
revitalização dos bairros portuários, e um dos vieses do processo seria a revitalização
através de grandes equipamentos culturais (SILVA; ANDRADE; CANEDO, 2012). É
interessante observar esse tratamento às regiões portuárias como uma tendência em
diversas cidades. Hall (2011) aponta, por exemplo, para as cidades britânicas, no final
dos anos 70, com suas ruínas de fábricas e armazéns que, segundo ele, “aguardavam por
uma reurbanização” (HALL, 2011, p. 415). Nesse sentido, é fundamental observar que
as intervenções recentes propostas para a área portuária do Rio de
Janeiro estão inseridas em uma lógica onde enunciam-se supostos
vazios urbanos, que justificam ações de grande impacto no intuito de
“revitalizar” áreas da cidade. Este discurso desconsidera a vida pré-
existente nestas regiões, e tem como objetivo sobrepor uma nova forma
de viver e habitar a cidade, às custas de seus antigos moradores. Esta
nova forma de viver a cidade está mais relacionada com os interesses do
turismo e das classes mais altas da sociedade, e permite que milhares de
pessoas sejam removidas do local onde moram – sejam favelas,
habitações formais de baixa renda ou ocupações de edifícios
abandonados – para dar lugar a outra população da cidade. (SILVA;
ANDRADE; CANEDO, 2012, p.11)

ANÁLISE
Considerando o breve panorama apresentado, é importante pontuar a capacidade
do fenômeno turístico de apropriar-se dos espaços, dando a eles novos e múltiplos
significados, o que o torna um fenômeno do qual o sentido dependerá sempre do
ambiente onde ocorre e dos objetivos de quem o promove (GAGLIARDI, 2012). Assim,
é possível identificar no fenômeno turístico a capacidade de valorizar o diverso, o
múltiplo, em lugar da história única (GAGLIARDI, 2012).
Assim, enquanto, por um lado, o turismo reforça a dominação e as
desigualdades; por outro, pode promover a revisão de valores históricos e afetivos,
inserindo novos sujeitos na história e considerando aspectos subjetivos e identidades
marginalizadas. Isso mostra que é fundamental refletir em relação aos estereótipos, uma
vez que “as pessoas são muito mais do que simplesmente um rótulo, pois suas vidas se
constituem de uma multiplicidade de histórias e não de uma história única” (FREITAS;
AZEVEDO, 2015, p.72).
Com isso, a cartografia tem um papel preponderante nesse processo, e as três
analisadas na presente sessão têm narrativas bastante diferentes para a região portuária
da cidade do Rio de Janeiro. Nesse sentido, a análise proposta considera a incidência e
distribuição de pontos de interesse turístico demarcados em cada mapa. Avaliando,

338
assim, de que forma essa seleção proposta pelas diferentes representações cartográficas
interfere na orientação de escolha de trajetos por parte dos turistas.
A primeira é a cartografia do TouristEye (mapa 5) e é colaborativa, elaborada
por visitantes e vinculada à empresa Lonely Planet (uma das empresas líderes em guias
de viagem). Ele é uma ferramenta que, através do recurso cartográfico, ajuda a criar
roteiros de viagem, e mostra dicas de quem já passou pelos lugares que você pretende
visitar. Também é possível comentar e avaliar locais.

Mapa 4: TouristEye. Fonte: printscreens do aplicativo no sistema operacional Android.

É importante destacar, no entanto, que a cartografia colaborativa elaborada pelos


visitantes apresenta, de forma tímida, os locais de interesse turístico na região portuária
(mapa 4). Os poucos pontos identificados são estes: a Cidade do Samba e a Praça
Mauá. Assim, a cartografia com pontos de interesse demarcados por turistas, para
orientar outros turistas reforça a visitação à locais já consolidados. Deixando de fora
grande parte da região portuária da cidade. É curioso observar, ainda, que a quantidade
de pontos demarcados aumenta consideravelmente a partir da Avenida Presidente
Vargas. Reforçando a percepção apontada na sessão anterior de uma região portuária
relegada ao esquecimento.
A segunda proposta cartográfica (mapa 5) é oficial, elaborada pela Empresa de
Turismo do Município do Rio de Janeiro. É um aplicativo com interface simples, mas
limitada e que não permite, por exemplo, girar o mapa. É possível observar que o mapa
turístico institucional da cidade do Rio de Janeiro introduz novos atrativos turísticos,

339
como o Cais do Valongo, com um apelo histórico cultural. Entretanto, ainda é um mapa
que apresenta grandes vazios na região.

Mapa 5: RioTur. Fonte: printscreens do aplicativo no sistema operacional Android.

De modo similar ao mapa 5, a presente representação cartográfica traz enormes


vazios, resultado de uma região tratada de forma marginal ao longo dos anos. São
porções do tecido urbano tradas como pouco apelativas e/ou desinteressantes sob a
perspectiva turística por parte da empresa responsável pela implementação das políticas
municipais para o turismo.

Por fim, a terceira cartografia (mapa 6) é parte do projeto Porto EnCantos, que
une música, história e tecnologia aos vários cantos da Região Portuária. Através de pins
demarcados no mapa, é possível assistir aos vídeos, que, além das músicas, apresentam
imagens históricas, entrevistas e relatos, contextualizando a importância daquele lugar.
O traçado e a escolha dos vinte pontos de interesse procuram, então, contemplar uma
região bastante heterogênea, que passa por profundas transformações, em sua maioria,
arbitrárias.

340
Mapa 6: Porto EnCantos. Fonte: printscreens do aplicativo no sistema operacional Android.

É importante destacar que a identificação de locais de interesse turístico está


intimamente ligada ao conceito de visibilidade apresentado e também ao diálogo com a
cidade. Gomes (2013) afirma que a visibilidade se apoia em três variáveis: a morfologia
do lugar, o público e a narrativa. Nesse sentido, a ferramenta Porto EnCantos oferece
recursos para uma nova narrativa da região portuária. O recorte geográfico também
desempenha um papel fundamental nessa narrativa, já que Gomes lembra que “espaços
públicos centrais possuem um papel fundamental na definição da esfera de
significações, geram capital simbólico, contaminam leituras, orientam narrativas que se
associam às imagens” (GOMES, 2013, p.270).
Outro ponto relevante é o traço sensível que se estabelece através da música. Há
um apelo às emoções, que, para Siqueira (2015), são elementos constituintes na
construção de representações, reforço de imaginários e produção de sentidos. É
interessante observar ainda a música como um traço da representação coletiva 2 dos
moradores da região, que passa a incorporar o imaginário dos visitantes que realizam o
percurso proposto na ferramenta.
Levando em conta as inúmeras possibilidades de traçado para explorar a região
portuária com a ferramenta, fica a cargo do usuário determinar seus pontos de interesse.
Tendo como fio condutor a música, é estabelecida uma coerência nos trajetos, uma vez
que “a coerência é dada ou construída por aquele que a observa e dependerá da maneira

2
Para Siqueira (2015) Representações Coletivas “são aquelas testadas e transmitidas de geração em
geração no âmbito de um grupo social e que constituem as visões de mundo do grupo” (SIQUEIRA,
2015, p. 19)

341
que ele o faz, do foco de suas observações e do fio condutor de leitura que for utilizado
por esse observador” (GOMES, 2013, p.197).
Mesmo tendo como base a linguagem musical, no momento em que o
caminhante percorre seus pontos de interesse na região portuária, os diversos sentidos
estão em operação, pois como Lynch afirma, quando caminhamos pela cidade, “quase
todos os sentidos estão em operação, e a imagem é uma combinação de todos eles”
(LYNCH, 1997, p.2).
Como foi visto, a identificação do espaço e dos pontos de interesse tem um papel
fundamental em como dialogamos e nos apropriamos da cidade. Assim, a seleção
elaborada pelos desenvolvedores do projeto Porto EnCantos tem, em certa medida, um
papel nessa linguagem da cidade defendida por Barthes. Kevin Lynch afirma que “se o
ambiente for visivelmente organizado e nitidamente identificado, o cidadão poderá
empregá-lo de seus próprios significados e relações. Então, este se tornará um
verdadeiro lugar, notável e inconfundível” (LYNCH, 1997, p.102).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho procurou investigar o papel dos diferentes mapas na
construção de um roteiro turístico na região portuária da cidade do Rio de Janeiro. Para
tanto, foi fundamental a análise histórica para compreender as mudanças pelas quais a
região passou e que estão cristalizadas nas diferentes cartografias expostas. O diálogo
entre teóricos do turismo, cartografia, cidade, visibilidade, roteiro e o olhar do turista foi
necessário para o entendimento do tema.
A análise das três cartografias contemporâneas promoveu a reflexão sobre as
narrativas turísticas atuais da região portuária da cidade do Rio de Janeiro, destacando
que novas cartografias podem enriquecer, aprofundar e rever discursos dominantes
sobre a cidade, em particular através da música.
O processo de isolamento e marginalização da região portuária foi decisivo na
sua preservação e construção de laços com seus moradores – um “vigoroso vínculo
afetivo que a população mantém com a região, sedimentado ao longo de diversas
gerações” (ARNAUT, 1984, p. 98).
Dessa forma, como Lynch (1997) pondera ainda que uma cidade deve falar de
seus indivíduos, sociedade, tradições e natureza, é urgente a reflexão sobre cartografias
que busquem dar voz à cidade e às suas diversas narrativas, em particular à região
portuária da cidade do Rio de Janeiro.

342
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344
TENDÊNCIAS, COERÊNCIAS E OBSTÁCULOS DA GESTÃO PÚBLICA DO
TURISMO NO BRASIL: UM ESTUDO SOBRE O PROGRAMA DE
REGIONALIZAÇÃO NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Bruno Cavalcante Scotelaro de Souza1
RESUMO: Este artigo teve como objetivo analisar os principais aspectos do Programa
de Regionalização e Categorização de municípios no Rio de Janeiro. Verificou-se a
distribuição de municípios nas diversas regiões turísticas do programa e também a
distribuição de verba federal para ações de Apoio a Projetos de Infraestrutura Turística.
Por fim, foram confrontados os dados dos municípios de categoria B com suas
respectivas realidades turísticas, através dos critérios utilizados na categorização e os
dados contidos no CADASTUR. Foram analisadas também as informações contidas no
Relatório de Categorização, fornecido pelo Ministério do Turismo. Verificou-se que
existem desproporções e que os critérios utilizados no processo de categorização
induzem ao erro na análise da economia turística dos municípios, o que gera sérias
distorções no estabelecimento das políticas públicas e da distribuição de renda.

PALAVRAS-CHAVE: Turismo, Políticas Públicas, Regionalização, Categorização de


Municípios, Rio de Janeiro (estado).

ABSTRACT: This article aimed to analyze the main aspects of the Program of
Regionalisation and Categorization of municipes in Rio de Janeiro. The distribution of
the municipes in the various touristc regions of the program was verified, as well as the
distribution of federal funds for actions to support Tourism Infrastructure Projects.
Finally, the information about the municipes of category B was compared with their
respective touristic realities by confronting the criteria used in the categorization and the
data contained in the CADASTUR. The numerical contained in the Categorization
Report, provided by the Ministry of Tourism, were also analysed. It was verified that
there are disproportions and that the criteria used in the categorization process induce
the error in the analysis of the touristic economy of the municipes, which generates
serious distortions in the establishment of public policies and revenue

KEYWORDS: Tourism, Public Policies, Regionalization, Categorization of Municipes,


Rio de Janeiro (state).

1. INTRODUÇÃO

Estabelecer políticas públicas em um país de proporções continentais e de


tamanha diversidade como o Brasil constitui uma tarefa desafiadora. Tal desafio revela-
se ainda maior quando falamos em políticas públicas de Turismo, por se tratar de um
campo extremamente complexo e multidisciplinar. Existe, ainda, uma tendência geral a
classificar o turismo como atividade meramente econômica, ignorando seu caráter
social e cultural. Isso provoca deturpações na gestão de seus diversos desdobramentos,

1
Discente do MBA em Gestão de Serviços Turísticos, Universidade Federal Fluminense. E-mail:
scotelarobruno@gmail.com.

345
fazendo com que, majoritariamente, sejam atendidos os interesses da iniciativa privada,
em detrimento dos diversos outros elementos que orbitam a atividade turística.

Entretanto, é cada vez mais evidente a importância do turismo para a sociedade


como um todo. A Organização Mundial do Turismo (OMT) o classifica como um
elemento chave para a recuperação da economia global, bem como afirma que é de vital
importância para a criação de empregos, diminuição da pobreza, proteção ambiental e
promoção da paz e entendimento multicultural em todo o mundo (OMT, 2015), sendo
improvável e irresponsável que qualquer governo se prive de estabelecer gestões
públicas de turismo.

No Brasil, apesar de inúmeras dificuldades (sobretudo políticas), têm havido


avanços notáveis nesse sentido ao longo dos últimos anos. A Política Nacional de
Turismo atual destaca como um de seus princípios a regionalização, que estabelece o
conceito de que mesmo os municípios com baixa vocação turística podem se beneficiar
da atividade ao fornecerem mão de obra e/ou serviços para atender o turista. Segundo o
Ministério do Turismo (MTur), essa política foi adotada há pouco mais de dez anos
através do Programa de Regionalização e passou por uma reformulação em 2013,
quando foi reestruturado pelo Plano Nacional de Turismo 2013-2016.

O presente estudo intenta analisar brevemente os desdobramentos desse


programa no estado do Rio de Janeiro, verificando a coerência de suas proposições, bem
como obstáculos à sua implementação. A opção pelo recorte do estado do Rio de
Janeiro se deve a limitações de ordem técnica e financeira que inviabilizam realizar uma
pesquisa que abranja todo o país.

Os critérios estabelecidos para a aglutinação de diversos municípios em


diferentes regiões turísticas respeitam as potencialidades e limitações de cada um deles?
A Categorização dos Municípios, instrumento cujo objetivo é permitir "tomar decisões
mais acertadas e implementar políticas que respeitem as peculiaridades dos municípios
brasileiros" (MTur, 2015), é capaz de identificar corretamente cada município dentro do
contexto turístico? Responder a esses questionamentos é o que ambiciona este estudo.

O objetivo geral desta pesquisa é identificar os principais aspectos do Programa


de Regionalização, bem como os principais obstáculos para sua implementação no
âmbito do estado do Rio de Janeiro. Para tanto, estabeleceu-se como objetivos
específicos: identificar a importância da gestão pública no turismo, investigar as

346
principais características do Programa de Regionalização, analisar os problemas do
programa de regionalização no estado do Rio de Janeiro e apontar possibilidades de
melhorias.

Para atender aos objetivos propostos, optou-se por realizar uma pesquisa de
caráter exploratório, documental e descritivo. Em primeiro lugar, foram estabelecidas as
principais informações à cerca do que é o Programa de Regionalização e a
categorização de municípios. Em seguida, foi apresentada a caracterização do estado do
Rio de Janeiro, foco da pesquisa, frente aos parâmetros do Programa de Regionalização.
Por fim, essas informações foram comparadas com os dados de distribuição de renda do
Ministério do Turismo para o apoio à projetos de infraestrutura turística e analisadas
criticamente. Frente aos resultados obtidos, houve a necessidade de se investigar os
critérios adotados para realizar a categorização dos municípios (base do Programa de
Regionalização). Tal investigação conduziu à obtenção dos dados numéricos das
variáveis da Categorização de Municípios, fornecidos pelo Ministério do Turismo, via
Portal de Acessibilidade, permitindo chegar às principais conclusões à cerca da
pesquisa.

2. PROGRAMA DE REGIONALIZAÇÃO NO RIO DE JANEIRO

Embora a atividade turística seja predominantemente exercida pelo meio


privado, é preciso que tal atividade seja regulada adequadamente, já que a maioria dos
bens usufruídos pelos visitantes são públicos e as consequências da atividade turística,
boas ou ruins, são sempre de interesse público. Nesse sentido, cresce cada vez mais a
importância da participação do Poder Público para o desenvolvimento responsável e
sustentável do turismo, sendo impossível dissociar completamente a atividade turística
da atividade política. Dye (1992, apud HALL, 2001, p. 26) define política pública como
"tudo o que o governo decide fazer ou não", evidenciando que, em última instância, o
governo sempre terá a sua parcela de responsabilidade.

Nesse sentido, o Brasil deu um importante passo no estabelecimento de suas


políticas públicas de turismo com a criação da Lei Nº 11.771, de 17 de setembro de
2008.Esta trata sobre a Política Nacional de Turismo e determina as atribuições do
Governo Federal no planejamento, desenvolvimento e estímulo ao setor turístico.
Destaca-se aqui o inciso VI do artigo 5º, que estabelece como um dos objetivos da
Política Nacional de Turismo:

347
"(...) promover, descentralizar e regionalizar o turismo, estimulando
Estados, Distrito Federal e Municípios a planejar, em seus territórios,
as atividades turísticas de forma sustentável e segura, inclusive entre
si, com o envolvimento e a efetiva participação das comunidades
receptoras nos benefícios advindos da atividade econômica”
(BRASIL, 2008).

Sob essa ótica, foi criado o Programa de Regionalização do Turismo que, após
passar por reformulações, foi instituído pela portaria nº 105, de 16 de maio de 2013.
Tem como objetivo apoiar a gestão, estruturação e promoção do turismo brasileiro de
maneira descentralizada e regionalizada e incentiva a criação de instâncias de
governança como espaço de integração e cooperação entre poder público, iniciativa
privada e população. Pensar a atividade turística em uma escala regional pode
potencializar muito sua oferta e gerar inúmeros benefícios para os municípios
envolvidos. Estabelece-se uma relação de mutualismo, através da qual aqueles com
oferta turística melhor estruturada, redistribuem o fluxo turístico para os demais. Em
contrapartida, estes municípios agem como fornecedores de serviços, mão de obra e
matéria prima, fortalecendo os indutores. Dessa maneira, cria-se uma identidade
turística regional, que traz benefícios socioeconômicos para todos os envolvidos.

O Mapa do Turismo Brasileiro foi estabelecido pela portaria nº 313, de 03 de


dezembro de 2013 e teve como critérios de caracterização das regiões: possuir oferta
turística dentre os municípios que as compõem; possuir características similares e/ou
complementares e aspectos que identifiquem os municípios que compõem as regiões
(identidade histórica, cultural, econômica e/ou geográfica em comum); serem limítrofes
e/ou distribuídos de forma contígua. No mapa atual, identifica-se um total de 303
regiões turísticas, contemplando 3.345 municípios.

Ainda assim, é notável a dificuldade para uma gestão pública tomar decisões
estratégicas baseada apenas na macro visão da dimensão regional. A consequente
necessidade de se obter dados da economia do turismo nos municípios inseridos nas
regiões turísticas levaram ao passo seguinte do Programa de Regionalização, a
Categorização dos Municípios. Instituída pela Portaria nº 144, de 27 de agosto de 2015,
consiste, basicamente, em um instrumento que classifica os municípios de uma região
turística em cinco categorias (A, B, C, D e E). Tal classificação é estabelecida através
das seguintes variáveis: número de estabelecimentos formais cuja atividade principal é
hospedagem; número de empregos formais no setor de hospedagem; estimativa de

348
turistas a partir do estudo de demanda doméstica; e estimativa de turistas a partir do
estudo de demanda internacional. A partir desses dados foi realizada uma abordagem
quantitativa utilizando a análise de cluster (ou de grupamento). Esses são dados
secundários, fornecidos pelo Ministério do Trabalho e Emprego e pela Fundação
Instituto de Pesquisas Econômicas - FIPE/MTur, respectivamente.

Evidentemente, conhecer a economia turística de cada município constitui


elemento fundamental para que a regionalização do turismo seja bem sucedida. No
entanto, constitui também um de seus maiores desafios no Brasil, dada sua vastidão
territorial com mais de 5000 municípios, dos quais mais de 3000 se declaram turísticos
(MAZARO, 2014). A figura a seguir apresenta o panorama dos municípios brasileiros
quanto à categorização:

Figura 1 - Caracterização das categorias a partir das variáveis

(Fonte:BRASIL. Ministério do Turismo. Categorização dos


Municípios das Regiões Turísticas do Mapa do Turismo Brasileiro).

No estado do Rio de Janeiro, é possível identificar um enorme potencial


turístico, tendo o Programa de Regionalização como parâmetro. Identifica-se um total
de 12 regiões turísticas, das quais 6 são consideradas prioritárias, contemplando 92
municípios ao todo. Esses municípios se dividem da seguinte forma no programa de
Categorização: 5 municípios de categoria A, 17 de categoria B, 23 de categoria C, 45 de
categoria D e apenas 2 de categoria E. Comparando com a proporção em nível nacional,
temos o seguinte:

Quadro 1: Comparação entre o mapa turístico do Rio de Janeiro e o nacional

349
% DE MUNICÍPIOS DO MAPA % DE MUNICÍPIOS DO MAPA
CATEGORIAS
NACIONAL ESTADUAL

A 1,52% 5,43%
B 4,99% 18,5%
C 15,1% 25%
D 55,04% 48,9%
E 23,38% 2,17%
Fonte: Elaborado pelo autor, 2016.

Em relação às regiões turísticas, temos as seis consideradas prioritárias: Agulhas


Negras, Costa do Sol, Costa Verde, Metropolitana, Serra Verde Imperial e Vale do
Café; bem como outras seis, que compreendem Serra Norte, Baixada Fluminense,
Caminhos Coloniais, Caminhos da Mata, Costa Doce e Águas do Noroeste2,3. Percebe-
se ainda a seguinte distribuição de municípios pelas regiões turísticas:

Quadro 2 - Distribuição de municípios por categoria e região turística

Distribuição de Municípios por


Regiões Turísticas Categoria
A B C D E
Águas do Noroeste 0 1 1 10 1
Agulhas Negras (prioritária) 0 2 0 2 0
Baixada Fluminense 0 2 3 5 0
Caminhos Coloniais 0 0 2 4 0
Caminhos da Mata 0 0 3 2 0
Costa do Sol (prioritária) 2 4 5 1 1
Costa Doce 0 1 2 2 0
Costa Verde (prioritária) 2 1 1 1 0
Metropolitana (prioritária) 1 1 0 0 0
Serra Norte 0 0 0 11 0
Serra Verde Imperial (prioritária) 0 3 1 1 0
Vale do Café (prioritária) 0 2 5 6 0
Fonte: Elaborado pelo autor, 2016

É preciso ter em mente que para estabelecer uma determinada região como
destino turístico, alguns critérios precisam ser seguidos. Smith (1995, apud HALL,

2
Foi identificado que as informações quanto às regiões turísticas do Rio de Janeiro encontram-se
desatualizadas no site da TurisRio - Companhia de Turismo do Estado do Rio de Janeiro – no qual
constam somente 11 regiões turísticas, quais sejam: Metropolitana, Agulhas Negras, Baixada Fluminense,
Caminhos da Mata, Costa Doce, Costa do Sol, Costa Verde, Águas do Noroeste, Serra Norte, Serra Verde
Imperial e Vale do Café. Disponível em: <http://www.turisrio.rj.gov.br/projetos.asp>.
3
Foi identificado um erro gráfico no mapa mais recente da regionalização. A região turística "Águas do
Noroeste" encontra-se nomeada no mapa como "Águas do Nordeste". Disponível em:
<http://www.turismo.gov.br/sites/default/turismo/o_ministerio/publicacoes/downloads_publicacoes/mapa
_da_regionalizacao_novo_2013.pdf>.

350
2001, p. 215 - 216) identificou os seguintes pontos para a identificação de zonas de
turismo:

* a região deve possuir uma série de características culturais, físicas e


sociais que criam uma sensação de identidade regional;
* a região deve dispor de uma infraestrutura turística adequada para
apoiar o desenvolvimento do setor. A infraestrutura consiste em
utilidades, estradas, comércio e outros serviços sociais necessários
para apoiar as empresas de turismo e atender às necessidades dos
turistas;
* a região deve ser maior do que a comunidade e possuir mais de uma
atração;
* a região deve possuir as atrações existentes ou ter potencial de
patrocinar o desenvolvimento de atrações em número suficiente para
atrair turistas;
* a região deve ser capaz de patrocinar um órgão de planejamento
turístico e iniciativas de marketing para orientar e encorajar um
futuro desenvolvimento;
* a região deve ser acessível a uma ampla base operacional. O acesso
deve ser por terra, mar ou ar.

3. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS

Para a realização da pesquisa, optou-se pela coleta e análise de diversos dados, a


partir de documentos e fontes oficiais que foram estruturados em alguns eixos principais
de informação, a saber: Análise do Programa de Regionalização no estado do Rio de
Janeiro, em que buscou-se analisar de forma crítica a maneira como os municípios
foram divididos em suas respectivas regiões e verificar a distribuição (por município e
região turística) de renda do Ministério do Turismo para o apoio à projetos de
infraestrutura turística; e avaliar os critérios adotados para realizar a categorização dos
municípios.

3.1 ANÁLISE DO PROGRAMA DE REGIONALIZAÇÃO

A análise da composição das regiões turísticas do Rio de Janeiro também revela


dados que merecem atenção. Conforme Oliveira (2014, p. 133), "a regionalização
possibilita o aparecimento de destinos locais e pequenos municípios que, talvez, não
seriam considerados em políticas centralizadas de turismo", ou seja, pressupõe-se que
ao compor uma determinada região turística, deveria haver não apenas a formação de

351
uma identidade e um conglomerado de atrações semelhantes e complementares, mas
também um equilíbrio técnico e econômico do ponto de vista do turismo, para que os
municípios mais desenvolvidos pudessem conduzir os menos desenvolvidos rumo à
evolução de suas políticas socioculturais, espaciais e econômicas.

Entretanto, é notório o desequilíbrio existente na formação das regiões turísticas


do Rio de Janeiro. Tomando por base a categorização de municípios, verifica-se que as
regiões turísticas consideradas prioritárias concentram 100% dos municípios de
categoria A, considerados "indutores", e 76,47% dos municípios de categoria B, que
possuem grande potencial indutor de turismo. Os municípios de categoria C, que podem
ser considerados como possuidores de potencial turístico moderado, estão divididos de
forma equilibrada, havendo 52,17% desses municípios nas regiões prioritárias. Porém,
as regiões não prioritárias, concentram 75,55%dos municípios de categoria D,
considerados de baixo potencial turístico, e 50% (01 município) de categoria E, cabendo
ressaltar que existem regiões turísticas compostas exclusivamente ou quase
exclusivamente por municípios de categoria D, como Serra Norte, composta por 11
municípios dessa categoria, e Águas do Noroeste, composta por 01 município de
categoria B, 01 de categoria C, 10 municípios de categoria D e 01 município de
categoria E. Em contrapartida, verifica-se nas regiões prioritárias o exemplo da Região
Metropolitana, composta por apenas dois municípios, sendo eles Rio de Janeiro,
considerado de categoria A, e Niterói, considerado de categoria B.

Embora seja compreensível a existência de regiões prioritárias, devido às


limitações políticas e financeiras, a existência de Regiões com tantos municípios e todos
sendo considerados de baixo potencial turístico, constitui, no mínimo, um contrassenso
aos fundamentos de uma política de regionalização.

Buscou-se analisar, também, a relação existente entre a distribuição de verba


pública federal, em relação às regiões e categorias dos municípios do Rio de Janeiro
contemplados. Para tanto, foi selecionada a análise da ação Apoio a Projetos de
Infraestrutura Turística que pareceu pertinente ao considerarmos o momento que o
país e o estado do Rio de Janeiro vivem no âmbito do turismo. Foram analisados os
recursos disponibilizados pelo Governo Federal para essa ação nos anos de 2014, 2015
e 2016 (até o mês de Abril), utilizando dados disponibilizados no Portal da
Transparência, da Controladoria Geral da União. No quadro abaixo, é possível verificar
a arrecadação anual e total do período, em comparação com suas respectivas categorias:
352
Quadro 3 - Apoio a Projetos de Infraestrutura Turística
RECURSOS EM RECURSOS RECURSOS
MUNICÍPIO CATEGORIA TOTAL
2014 EM 2015 EM 2016
APERIBE D R$ 146.250,00 R$ 0,00 R$ 0, 00 R$ 146.250,00
ARMAÇÃO DE BÚZIOS A R$ 0,00 R$ 962.509,52 R$ 0,00 R$ 962.509,52
BELFORD ROXO D R$ 0,00 R$ 243.750,00 R$ 0,00 R$ 243.750,00
BOM JARDIM D R$ 52.026,00 R$ 0,00 R$ 0,00 R$ 52.026,00
CACHOEIRAS DE MACACU C R$ 92.196,00 R$ 412.363,74 R$ 0,00 R$ 504.559,74
CARDOSO MOREIRA D R$ 190.125,00 R$ 0,00 R$ 0,00 R$ 190.125,00
CARMO D R$ 0,00 R$ 125.000,00 R$ 0,00 R$ 125.000,00
CASIMIRO DE ABREU C R$ 350.076,53 R$ 454.789,79 R$ 0,00 R$ 804.866,32
COMENDADOR LEVY GASPARIAN D R$ 0,00 R$ 129.419,63 R$ 0,00 R$ 129.419,63
ENGENHEIRO PAULO DE FRONTIN D R$ 109.746,00 R$ 203.745,75 R$ 0,00 R$ 313.491,75
ITABORAÍ C R$ 0,00 R$ 95.412,00 R$ 20.700,00 R$ 116.112,00
ITAPERUNA B R$ 22.581,00 R$ 29.230,50 R$ 75.855,00 R$ 126.666,50
MACUCO D R$ 52.503,75 R$ 0,00 R$ 0,00 R$ 52.503,75
MARICÁ C R$ 264.505,00 R$ 96.796,29 R$ 0,00 R$ 361.301,29
MENDES D R$ 21.615,75 R$ 225.108,00 R$ 0,00 R$ 246.723,75
NATIVIDADE D R$ 462.969,00 R$ 0,00 R$ 0,00 R$ 462.969,00
NITERÓI B R$ 0,00 R$ 63.802,00 R$ 0,00 R$ 63.802,00
NOVA FRIBURGO B R$ 90.040,99 R$ 248.400,00 R$ 0,00 R$ 338.440,99
PETRÓPOLIS B R$ 403.156,75 R$ 369.593,20 R$ 0,00 R$ 772.749,95
PIRAÍ C R$ 96.583,50 R$ 0,00 R$ 0,00 R$ 96.583,50
PORCIÚNCULA D R$ 105.787,50 R$ 50.407,50 R$ 0,00 R$ 156.195,00
RIO DAS FLORES D R$ 0,00 R$ 0,00 R$ 327.944,92 R$ 327.944,92
RIO DAS OSTRAS B R$ 0,00 R$ 28.340,91 R$ 0,00 R$ 28.340,91
SANTO ANTONIO DE PÁDUA D R$ 0,00 R$ 487.500,00 R$ 0,00 R$ 487.500,00
SANTA MARIA MADALENA D R$ 98.000,00 R$ 0,00 R$ 0,00 R$ 98.000,00
SÃO FIDÉLIS D R$ 9.126,00 R$ 186.576,00 R$ 0,00 R$ 195.702,00
SÃO FRANCISCO DO ITABAPOANA C R$ 18.817,50 R$ 446.237,02 R$ 0,00 R$ 465.054,52
SÃO GONÇALO C R$ 0,00 R$ 50.251,50 R$ 0,00 R$ 50.251,50
SÃO JOÃO DE MERITI B R$ 2.019.053,08 R$ 750.352,48 R$ 0,00 R$ 2.769.405,56
SÃO PEDRO DA ALDEIA C R$ 662.512,50 R$ 784.650,75 R$ 0,00 R$ 1.447.163,25
SILVA JARDIM D R$ 15.768,19 R$ 665.876,30 R$ 0,00 R$ 681.644,49
SUMIDOURO D R$ 12.928,50 R$ 16.877,25 R$ 0,00 R$ 29.805,75
TANGUÁ D R$ 0,00 R$ 146.250,00 R$ 0,00 R$ 146.250,00
VASSOURAS C R$ 0,00 R$ 765.503,48 R$ 0,00 R$ 765.503,48
VOLTA REDONDA C R$ 43.075,50 R$ 33.052,50 R$ 0,00 R$ 76.128,00
Fonte: Elaborado pelo autor, 2016. Dados disponíveis em: <http://transparencia.gov.br/>.

Os municípios que receberam recursos foram agrupados em suas respectivas


regiões, para que também fosse possível verificar a arrecadação total por Região
Turística nesse mesmo período, uma vez que, pelo princípio de uma política de
regionalização, o investimento voltado para um dos municípios acaba por gerar
benefício aos municípios vizinhos. Dessa forma, temos a seguinte distribuição de renda
por região:

Quadro 4 - Apoio à infraestrutura turística por região

TOTAL DE RECURSOS Nº DE MUNICÍPIOS


REGIÃO TURÍSTICA
RECEBIDOS CONTEMPLADOS
Águas do Noroeste R$ 1.380.580,50 5
Agulhas Negras (prioritária) R$ 0,00 0
Baixada Fluminense R$ 3.013.155,56 2

353
Caminhos Coloniais R$ 129.419,63 1
Caminhos da mata R$ 994.257,99 4
Costa do sol(prioritária) R$ 3.604.181,29 5
Costa Doce R$ 850.881,52 3
Costa verde(prioritária) R$ 0,00 0
Metropolitana(prioritária) R$ 63.802,00 1
Serra Norte R$ 357.335,50 5
Serra verde 3
R$ 1.615.750,68
imperial(prioritária)
Vale do Café(prioritária) R$ 1.826.375,40 6
Fonte: Elaborado pelo autor, 2016.

Diante dessa análise, algumas informações se mostraram particularmente


interessantes. A primeira delas é o fato do que duas das principais regiões turísticas do
estado, Agulhas Negras e Costa Verde, não receberam qualquer recurso de apoio à
infraestrutura turística entre 2014 e abril de 2016, embora todas as outras regiões,
mesmo as que não são consideradas prioritárias, tenham recebido recursos. Ainda nesse
sentido, mostrou-se surpreendente o valor arrecadado na baixada Fluminense, sobretudo
no município de São João de Meriti, que totalizou R$ 3.013.155,56, ficando atrás
somente da arrecadação total da Costa do Sol, com R$ 3.604.181,29. Ainda assim, São
João de Meriti foi o município que mais recebeu esse tipo de verba no período
analisado.

Também é possível notar que a maior parte das arrecadações foi recebida por
municípios da categoria D, conforme ilustra o gráfico a seguir:

Figura 2 - Arrecadação de recursos por categoria de município

Arrecadação para apoio a obras de


infraestrutura turística

Categoria A
Categoria B
Categoria C
Categoria D
Categoria E

Fonte: Elaborado pelo autor, 2016

354
Exceto pelos municípios de categoria E, cuja arrecadação foi zero, o volume de
arrecadação mostrou-se inversamente proporcional ao grau de relevância turística
atribuído pela categorização de municípios. O valor destinado ao apoio a projetos de
infraestrutura turística não parece proporcional ao grau de relevância turística das
regiões e dos municípios, cabendo um estudo especificamente voltado a investigar as
razões para isso.

3.2 ANÁLISE DOS CRITÉRIOS DE CATEGORIZAÇÃO DOS MUNICÍPIOS


A visualização dos dados já expostos provoca reflexões quanto à categorização
dos municípios. Sabe-se que esta é um instrumento para identificar a economia do
turismo nos municípios que compõem uma região turística e tem como principal ganho
pretendido poder subsidiar decisões mais acertadas quanto à elaboração de políticas
públicas de turismo no âmbito federal, bem como tornar a distribuição de verbas do
turismo mais justa e estratégica. Entretanto, verificou-se que municípios com grande
apelo turístico possuem a mesma categoria de municípios que, em princípio, não
apresentam uma economia turística que pareça equivalente. Isso foi verificado,
principalmente, entre os municípios de categoria B. Objetivando aprofundar essa
informação, buscou-se analisar os critérios utilizados no programa de categorização, e
compará-los com o perfil turístico dos municípios de categoria B, em que se verificou o
maior número de possíveis discrepâncias.

De acordo com a Cartilha de Categorização, foram utilizados dados secundários


seguindo quatro variáveis específicas, conforme o quadro:

Figura 5 - Variáveis da Categorização de Municípios

355
Fonte: Cartilha de Categorização dos Municípios, 2015

Os municípios foram agrupados em cinco diferentes categorias, de acordo com a


similaridade do desempenho de suas economias no turismo. Esse desempenho é
avaliado com base nas variáveis apresentadas, havendo, ao que tudo indica, uma média
entre elas. Porém, a escolha das variáveis não parece totalmente adequada, já que nem
toda a atividade de hospedagem está necessariamente relacionada à atividade turística e
não parece haver meios de medir eficientemente as estimativas de demanda doméstica e
internacional em cada município. Além disso, verifica-se que uma das fontes de coleta é
o Ministério do Trabalho, que considera motéis e hotéis que não são necessariamente
turísticos como estabelecimentos formais de hospedagem. Considerando que essas
variáveis geram um índice médio, acredita-se que os municípios com um grande
número desses estabelecimentos possam levar a uma falsa conclusão do desempenho de
sua economia turística. Seguem os dados numéricos das variáveis de categorização dos
municípios de categoria B:

Quadro 5 - Dados numéricos dos municípios de categoria B

Município Região Domésticos Internacionais Estabelecimentos Empregos


Arraial do Cabo Costa do Sol 314.959 11.354 32 186
Barra do Piraí Vale do Café 24.815 0 16 526
Campos dos Goytacazes Costa Doce 404.674 5.677 34 435
Duque de Caxias Baixada Fluminense 106.895 0 14 644
Itaperuna Águas do Noroeste 175.613 0 21 328
Itatiaia Agulhas Negras 99.260 5.677 96 524
Macaé Costa do Sol 385.586 34.061 70 1.032
Mangaratiba Costa Verde 219.517 5.677 20 795
Niterói Metropolitana 251.967 22.707 36 789
Nova Friburgo Serra Verde Imperial 234.787 5.677 64 390
Petrópolis Serra Verde Imperial 211.881 17.031 91 968
Resende Agulhas Negras 139.345 5.677 27 398
Rio das Ostras Costa do Sol 423.762 5.677 51 240
São João de Meriti Baixada Fluminense 40.086 0 17 508
Saquarema Costa do Sol 221.425 5.677 34 138
Teresópolis Serra Verde Imperial 187.066 5.677 48 686
Valença Vale do Café 15.271 0 32 324
Fonte: Elaborado pelo autor, 2016. Dados disponibilizados pelo MTur.

Optou-se por trabalhar também com outros parâmetros de comparação, onde se


buscou utilizar os dados do CADASTUR e também pesquisar a presença de motéis nos
municípios de categoria B, o que foi feito através do portal Guia de Motéis

356
(www.guiademoteis.com.br). "O CADASTUR é o sistema de cadastro de pessoas
físicas e jurídicas que atuam na cadeia produtiva do turismo, executado pelo MTur em
parceria com os Órgãos Oficiais de Turismo das Unidades da Federação"
(CADASTUR, 2016). Sendo assim, foram pesquisados os Meios de Hospedagem
registrados no CADASTUR e comparados com a quantidade de motéis encontrados nos
municípios fluminenses de categoria B:

Quadro 6 - Meio de hospedagem cadastrados/Motéis nos municípios de categoria B

MUNICÍPIOS MEIOS DE HOSPEDAGEM NO CADASTUR GUIA DE MOTÉIS


Arraial do Cabo 11 0
Barra do Piraí 2 4
Campos dos Goytacazes 6 8
Duque de Caxias 3 12
Itaperuna 0 3
Itatiaia 17 0
Macaé 22 5
Mangaratiba 3 0
Niterói 28 9
Nova Friburgo 17 4
Petrópolis 32 3
Resende 1 3
Rio das Ostras 5 1
São João de Meriti 1 13
Saquarema 0 1
Teresópolis 9 0
Valença 1 1

Fonte: Elaborado pelo autor, 2016.

Cabe ressaltar que a Lei do Turismo nº 11.771/2008 obriga que os meios de


hospedagem possuam cadastro junto ao Ministério do Turismo, ou seja, o cadastro é
uma exigência legal para que possam exercer suas atividades. Sendo assim, o fato de
serem utilizados dados secundários fornecidos pelo Ministério do Trabalho em
detrimento da utilização dos dados do CADASTUR quanto aos meios de hospedagem,
denunciam que houve falha na escolha das variáveis ou que não há confiança no sistema
de cadastramento do MTur. Em todo caso, verifica-se que em muitos municípios,
existem muito mais motéis do que hotéis. Embora sejam considerados por alguns como
"meios de hospedagem alternativa", sabe-se que raramente a atividade fim de um motel
tem a ver com a atividade turística, portanto, a inclusão desses estabelecimentos e de
seus empregados na fórmula que determina a categorização, pode levar a sérios
equívocos quanto ao desempenho econômico do turismo nos municípios, conduzindo a
um catastrófico erro no processo de categorização e de todos os processos que nele se
baseiam.

357
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A regionalização e a municipalização são tendências crescentes no turismo


mundial e essa ideia é, de fato, perseguida pelas políticas públicas nacionais de turismo.
Porém, é notável que o turismo ainda encontra-se relegado ao segundo plano, sem que
receba a atenção devida. Além disso, há desencontros na comunicação entre as esferas
federal, estadual e municipal, situação agravada pelo fato de que a divisão de regiões e a
distribuição de renda sofrem influência direta das relações político-partidárias.

O estado do Rio de Janeiro, apesar de possuir um enorme potencial


turístico(onde se verifica que praticamente todos os municípios são considerados
turísticos) não possui uma política estadual de turismo bem desenvolvida. O papel do
estado é fundamental em um processo de regionalização e de municipalização, mas
ainda assim, o Plano Diretor de Turismo estadual possui mais de 15 anos de atraso. Faz-
se necessário e urgente que a esfera estadual tenha maior envolvimento nas políticas
públicas de turismo, sob pena de incorrer em graves prejuízos no desenvolvimento
turístico das regiões e dos municípios.

Sobre a categorização dos municípios, fica evidente a sua importância e


necessidade, podendo-se dizer que constitui o alicerce de uma política de
regionalização, sendo absolutamente fundamental para a definição das estratégias de
desenvolvimento e distribuição de renda. Entretanto, ao identificarmos possíveis
distorções no processo de categorização, percebemos que vários processos passam a
estar comprometidos, desde a estruturação das regiões turísticas, até a distribuição de
rendas federais. É preciso tomar o máximo de cuidado para que não haja falhas no
processo de categorização. Cabe aqui uma expressa recomendação de que os critérios
para a categorização de municípios sejam revistos, uma vez que os parâmetros atuais
induzem a uma visão míope das realidades turísticas municipais.

Por fim, recomenda-se que a estruturação das regiões turísticas do Rio de Janeiro
seja revista. Verifica-se pelos dados expostos ao longo deste estudo que há uma
desproporção muito grande na maneira como algumas elas estão divididas. Uma
reestruturação mais estratégica poderia não apenas potencializar as ofertas turísticas
regionais, mas também ampliar o escopo de municípios beneficiados pela atividade
turística, direta ou indiretamente.

358
Está evidente que a presente pesquisa se deparou com questões complexas cujo
aprofundamento fugiria ao objetivo proposto. Espera-se que a continuidade dos
trabalhos possa elucidar essas novas questões e aprofundar o nível das informações.
Ainda assim, considera-se que foi possível estabelecer um panorama dos principais
aspectos que envolvem as aplicações do Programa de Regionalização no estado do Rio
de Janeiro, o que, por si só, deverá contribuir com pesquisas futuras.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Ministério do Turismo. Categorização dos Municípios das Regiões
Turísticas do Mapa do Turismo Brasileiro. Brasília, DF, 2015.

BRASIL. Lei nº 11.771, de 17 de setembro de 2008. Dispõe sobre a Política Nacional


de Turismo, define as atribuições do Governo federal no planejamento,
desenvolvimento e estímulo ao setor turístico; revoga a Lei nº 6.505, de 13 de dezembro
de 1977, o decreto-lei nº 2.294, de 21de novembro de 1986, e dispositivos da lei nº
8.181, de 28 de março de 1991; e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11771.htm>. Acesso
em: 25 abr 2016.

CADASTUR. Pesquisa de Prestadores. Disponível em:


<http://www.cadastur.turismo.gov.br/>. Acesso em 10 mai 2016.

Guia De Motéis. Disponível em: <http://www.guiademoteis.com.br>. Acesso em 11


Mai 2016.

HALL, G. Michael. Planejamento turístico: políticas, processos e relacionamentos.


São Paulo: Contexto, 2001.

MAZARO, Rosana. Diretrizes políticas para competitividade em turismo e estratégia


brasileira. In: PIMENTEL, Thiago Duarte; EMMENDOERFER Luiz Magnus;
TOMAZZONI, Edegar Luis. Gestão Pública do Turismo no Brasil: teorias,
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MINISTÉRIO DO TURISMO. Disponível em: <http://www.turismo.gov.br/>. Acesso


em 30 abr 2016.

MINISTÉRIO DO TURISMO. Portaria nº 105, de 16 de maio de 2013. Institui o


Programa de Regionalização do Turismo e dá outras providências. Disponível em
<http://www.turismo.gov.br/legislacao/?p=93>. Acesso em: 10 mai 2016.

MINISTÉRIO DO TURISMO. Portaria Nº 313, de 03 de dezembro de 2013. Define o


Mapa do Turismo Brasileiro e dá outras providências. Disponível em
http://www.turismo.gov.br/legislacao/?p=37. Acesso em: 10 mai 2016.

359
MINISTÉRIO DO TURISMO. Portaria nº 144, de 27 de agosto de 2015. Estabelece a
categorização dos municípios pertencentes às regiões turísticas do Mapa do Turismo
Brasileiro, definido por meio da Portaria MTur nº 313, de 3 de dezembro de 2013, e dá
outras providências. Disponível em<http://www.turismo.gov.br/legislacao/?p=822>.
Acesso em: 10 mai2016.

OLIVEIRA, Rafael Almeida de. Descentralização: um paralelo entre os circuitos


turísticos de Minas Gerais e o modelo francês de regionalização do turismo. In:
PIMENTEL, Thiago Duarte; EMMENDOERFER Luiz Magnus; TOMAZZONI, Edegar
Luis. Gestão Pública do Turismo no Brasil: teorias, metodologias e aplicações. 1ª Ed.
Caxias do Sul: Educs, 2014. P. 125 - p. 150.

WORLD TOURISM ORGANIZATION. Why tourism? Disponível em:


<http://www2.unwto.org/>. Acesso em: 30 abr 2016.

360
A INFLUÊNCIA DO TURISMO NA PRODUÇÃO DO ESPAÇO NA BARRA DA
TIJUCA/RJ – UM ESTUDO DE CASO SOBRE A AVENIDA LÚCIO COSTA
Natan Teixeira Cavalcanti1

RESUMO: A presente pesquisa tem como objetivo geral analisar a influência da


atividade turística na produção espacial da Avenida Lúcio Costa, localizada no bairro da
Barra da Tijuca no município do Rio de Janeiro, do ano de 1970 até 2002. A
metodologia de coleta de dados foi baseada em utilização de fontes secundárias por
meio de levantamento bibliográfico e documental de trabalhos acadêmicos, livros,
reportagens e legislações, assim como trabalhos de campo e entrevistas informais. Os
resultados indicam que até o ano de 2002 não houve influência significativa da
atividade turística na produção do espaço da Avenida Lúcio Costa, com a presença de
poucos meios de hospedagem. A influência foi ampliada a partir dos anos 2000 devido à
demanda do mercado imobiliário e turístico, estimulando a construção de novos e
maiores meios de hospedagem, sendo hotéis de rede e hotéis independentes.

PALAVRAS-CHAVE: Barra da Tijuca; Turismo; Avenida Lúcio Costa.

ABSTRACT: The present research has as general objective to analyze the influence of
the tourist activity in the spatial production of Lúcio Costa Avenue, located in the
district of Barra da Tijuca in the city of Rio de Janeiro, from 1970 to 2002. The
methodology of data collection was based in the use of secondary sources by means of a
bibliographical and documentary survey of academic works, books, reports and
legislations, as well as fieldwork and informal interviews. The results indicate that until
2002 there was no significant influence of tourism activity on the production of the
space of the Lúcio Costa Avenue, with the presence of few means of accommodation.
The influence was amplified from the years 2000 due to the demand of the real estate
and tourist market, stimulating the construction of new and bigger means of
accommodation, being network hotels and independent hotels.

KEYWORDS: Barra da Tijuca; Tourism; Lúcio Costa Avenue.

INTRODUÇÃO
O presente trabalho, fruto da pesquisa realizada no Programa de Educação
Tutorial (PET-Geografia) e ao Grupo de Pesquisa Sobre Reestruturação Urbana e
Centralidade (GRUCE) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), busca
compreender as dinâmicas espaciais relacionadas com o turismo na Avenida Lúcio
Costa, localizada no bairro da Barra da Tijuca, no município do Rio de Janeiro. O
objetivo geral deste trabalho é analisar a influência da atividade turística na produção

1
Bacharel em Turismo e Especialista em Gestão em Hotelaria pela UFRRJ. Estudante de Licenciatura em
Geografia pela UFRJ. Instrutor de Turismo e Hotelaria do SENAC/RJ e tutor presencial do curso de
Licenciatura em Turismo da UNIRIO. E-mail: natan.turismo@gmail.com

361
espacial da Avenida Lúcio Costa, de 1970 até 2002. Os objetivos específicos do
trabalho são: Compreender as lógicas de produção espacial na Avenida Lúcio Costa sob
a influência da atividade hoteleira; Compreender a espacialidade dos equipamentos de
hospedagem presentes ao longo da avenida; Identificar características e padrões
locacionais dos meios de hospedagem na avenida, no período entre 1970 e 2002.
O recorte espacial pesquisado é o trecho da Avenida Lúcio Costa localizado no
bairro da Barra da Tijuca, que inicia-se no entroncamento com a Avenida do Pepê e
Ayrton Senna até o fim da praia da Barra da Tijuca, no Parque Natural Municipal do
Marapendi. O recorte temporal estabelecido para este trabalho tem início na década de
1970, quando se têm os primeiros registros sobre projetos de urbanização do bairro da
Barra da Tijuca, até o ano de 2002, ano em que o Rio de Janeiro ganhou o título de sede
dos Jogos Pan-Americanos de 2007, dando início ao período de megaeventos esportivos
no município do Rio de Janeiro nos últimos anos.
Esta pesquisa se justifica devido ao contexto dos últimos anos da cidade do Rio
de Janeiro, que tem sido palco de megaeventos, causando a transformação do desenho
urbano de diversos bairros cariocas. A Barra da Tijuca é um bairro que exemplifica esse
processo de produção do espaço urbano e turístico, ao ter passado por diversas
alterações em suas configurações espaciais, visando atender as demandas destes grandes
eventos. Para melhor entendimento da transformação da Barra da Tijuca como novo
centro financeiro e turístico da cidade do Rio de Janeiro, é necessário o levantamento
histórico de sua formação até a contemporaneidade. A relevância deste estudo se
encontra na necessidade do estudo desses novos espaços urbanos que são produzidos
para atender as demandas da atividade turística que ali será desenvolvida, gerando
novas espacialidades, modificando o desenho urbano do bairro e possibilitando que
novas dinâmicas espaciais e turísticas possam se estabelecer na localidade.
Esta pesquisa possui caráter exploratório, pois como metodologia para o trabalho
utilizou-se a coleta de dados pautada na utilização de fontes secundárias por meio de
levantamento bibliográfico e documental de livros e trabalhos acadêmicos de
pesquisadores como o geógrafo Maurício Abreu, o economista Paul Krugman, o
professor Michael Porter, a turismóloga Silvia Thomazi, dentre outros autores. Além
disso, foram utilizadas reportagens, documentos oficiais e legislações, assim como
trabalhos de campo realizados para inventariação e localização dos hotéis na Avenida
Lúcio Costa, e entrevistas informais com colaboradores de alguns empreendimentos. A
partir da coleta de dados, foi realizada uma análise quantitativa e qualitativa para

362
analisar a influência da atividade turística na produção do espaço da Avenida Lúcio
Costa entre os anos de 1970 e 2002.
Com o objetivo de melhor organizar o trabalho, o mesmo foi divido em três
momentos. No primeiro momento é apresentado uma breve caracterização do bairro da
Barra da Tijuca. No segundo momento, é feito um histórico do bairro, desde os seus
primeiros registros até a sua situação atual como novo centro econômico e turístico da
cidade do Rio de Janeiro e no terceiro momento o estudo da Avenida Lúcio Costa
dentro de seu contexto urbano e turístico desde 1970 até 2002.

BARRA DA TIJUCA: BREVE CARACTERIZAÇÃO

A Barra da Tijuca é um bairro da zona oeste do Rio de Janeiro, situado na XXIV


Região Administrativa (RA) – Barra da Tijuca, que engloba os bairros da Barra da
Tijuca, Camorim, Grumari, Itanhangá, Joá, Recreio dos Bandeirantes, Vargem Grande e
Vargem Pequena. A região tem área territorial de 165,59 km2 (PREFEITURA DO RIO
DE JANEIRO, 2003), inserida dentro da Área de Planejamento 4, sendo a maior Região
Administrativa do município, conforme figura 1.

363
Figura 1 – Regiões Administrativas do município do Rio de Janeiro
Fonte: Portal Prefeitura do Rio de Janeiro, 2011.

O bairro possui uma população de 135.924 habitantes (PREFEITURA DO RIO


DE JANEIRO, 2010), sendo o oitavo bairro mais populoso do município, estando atrás
dos bairros de Copacabana (146.392 habitantes), Jacarepaguá (157.326 habitantes),
Tijuca (163.805 habitantes), Realengo (180.123 habitantes), Santa Cruz (217.333
habitantes), Bangu (243.125 habitantes) e Campo Grande (328.370 habitantes).
Em relação a população, a Barra da Tijuca possui 65.369 domicílios
(PREFEITURA DO RIO DE JANEIRO, 2010), sendo o sexto bairro com mais
domicílios no município do Rio de Janeiro, ficando atrás dos bairros da Tijuca (67.183
mil), Santa Cruz (76.295 mil), Copacabana (81.188 mil), Bangu (83.068 mil) e Campo
Grande (122.414).
A renda per capita da região administrativa XXIV, onde fica o bairro da Barra
da Tijuca, é de R$ 1.694,12, sendo a segunda maior renda do município do Rio de
Janeiro, atrás apenas do bairro da Lagoa e ficando na frente das RAs de Copacabana,
Botafogo e Tijuca (PREFEITURA DO RIO DE JANEIRO, 2000). Além disso, a RA
tem o melhor Índice de Desenvolvimento Humano Municipal da cidade do Rio de
Janeiro, com índice 1,0 (de máximo 1,0), junto com as RAs da Lagoa e Copacabana
(PREFEITURA DO RIO DE JANEIRO, 2000). Em seguida, o presente trabalho irá

364
descrever um breve histórico da formação do bairro da Barra da Tijuca até a
contemporaneidade.

BARRA DA TIJUCA: DE “SERTÃO CARIOCA” A NOVO CENTRO


ECONÔMICO E TURÍSTICO

A zona oeste durante muitos anos foi conhecida como o “sertão carioca”. Isso se
deve devido ao termo ter sido utilizado pelo professor Armando Magalhães Corrêa, que
era conservador do Museu Nacional, em uma série de reportagens no Jornal “Diário
Carioca” em 1932. Em suas reportagens, Corrêa faz diversos relatos de seus trabalhos
de campo na zona oeste, com descrições geológicas, de feições geográficas, dados
históricos, dados relacionados a botânica, zoologia, antropologia, dentre outros. Alguns
anos depois, o editor do jornal, Ricardo Palma, o incentiva a sistematizar as
informações e publicá-las em formato de estudo científico. O estudo foi publicado na
Revista do Instituto Histórico e Geographico Brasileiro, no ano de 1936, número 167,
com título “O sertão carioca” (RIHGB, 1936, p.273).
Lúcio Costa cita que a característica “agreste” da área, que foi por muito tempo
um dos seus principais diferenciais e encantos em relação ao resto da cidade, agora
começará a mudar, com a implantação de túneis e viadutos do DER (Departamento de
Estradas de Rodagem), abrindo margem para a urbanização e a especulação imobiliária,
já que a cidade já se encontrava em grande expansão pelas zonas Sul e Norte). O
arquiteto ressalta também a importância de “se estabelecer determinados critérios de
urbanização, capazes de orientar as providências cabíveis no sentido da implantação da
infra-estrutura indispensável ao desenvolvimento ordenado da região” (COSTA, 1969,
p.3).
Abreu (2013, p. 145) cita o intenso processo de especulação imobiliária que o
Rio passava na década de 60, expandindo a cidade para São Conrado e a Barra da
Tijuca, teve grande participação do Estado. No fim da década de 1960 iniciou-se a
primeira fase da construção da estrada Lagoa-Barra, que teve alto investimento, com a
perfuração de vários túneis e a construção de trecho de pistas superpostas encravadas na
rocha.
No Plano Piloto de Lúcio Costa, a baixada de Jacarepaguá seria o que nós
conhecemos hoje como novo CBD (Central Business District), pois era o “verdadeiro
coração da Guanabara” (COSTA, 1969, p.7), sendo o ponto natural de confluência do
eixo leste e o eixo oeste, conforme figura 2. Isso seria possível graças a abertura de vias

365
de acesso para o local, como a BR 101, atualmente conhecida como Avenida das
Américas.

Figura 2 – Centro Metropolitano da Guanabara


Fonte: COSTA, 1995, p. 347, adaptado por BORGES, 2007, p.138.

Com o início das obras, criou-se o Grupo de Trabalho da Baixada de


Jacarepaguá (GTBJ), conforme previsto como exigência no Decreto-Lei 42 de 23 de
junho de 1969, com o objetivo de analisar e fiscalizar os projetos de urbanização da área
em que Lúcio Costa atuou como consultor. Quem também fazia parte desse Grupo de
Trabalho eram os proprietários de lotes, que influenciavam na decisão do
aproveitamento de suas áreas, assim como os projetos que seriam aprovados para essa
área, tendo em vista que as diretrizes estabelecidas pelo plano são gerais, e vão sendo
mais detalhadas conforme o andamento do projeto.
O decreto “E” no 7118, promulgado dia 25 de junho de 1974, extinguiu o Grupo
de Trabalho para a Baixada de Jacarepaguá e implementou a SUDEBAR
(Superintendência de Desenvolvimento da Barra da Tijuca). Esta superintendência
estava subordinada à Secretaria Municipal de Planejamento e Coordenação-Geral. Tinha
como principal função viabilizar o aproveitamento do local, designando as normas de
ocupação e a implantação do sistema viário, um complexo sistema de estradas, vias
elevadas e túneis (SILVA, 2014, p.5).
Com o Decreto n° 322, de 03 de março de 1976, em seu artigo 1, foi aprovado o
Regulamento de Zoneamento do Município do Rio de Janeiro. Com o decreto, a cidade
foi dividida em oito Zonas Especiais, estando a Barra da Tijuca inserida na área de

366
delimitação da Zona Especial-5 (ZE-5), tendo também seus limites zonais demarcados
(PREFEITURA MUNICIPAL DO RIO DE JANEIRO, 1976). Entretanto, a
denominação, delimitação e codificação do bairro foi estabelecida por decreto no 3158,
de 23 de julho de 1981, com alterações do Decreto nº 5280, de 23 de agosto de 1985
(PORTAL GEORIO, 2016), onde surge o nome “Avenida Sernambetiba”, sendo um
dos limites do bairro da Barra da Tijuca. Sernambetiba é um terno de origem indígena e
significa "lugar das conchas” (PORTAL REVISTA ÉPOCA, 2010). Em 19 de junho de
1988, no decreto-lei número 16.753, o prefeito Luiz Paulo Conde alterou o nome da
Avenida Sernambetiba para Avenida Lúcio Costa, nome da Avenida na atualidade,
visando homenagear o arquiteto criador do bairro onde está inserida.
Desde o Plano Piloto, Lúcio Costa já considerava a possibilidade do
desenvolvimento do turismo na Barra da Tijuca a partir da urbanização do bairro: “[...]
com os grandes hotéis, já planejados para a praia da Gávea, o turismo na Barra, pelo
menos nesta primeira fase de “colonização”, deverá ser principalmente interno”
(COSTA, 1969, p. 12). A partir deste trecho do Plano Piloto, podemos entender que o
autor do plano sugere que o público que irá visitar a Barra da Tijuca com o objetivo de
turismo nessa primeira época, será principalmente de residentes de bairros próximos.
Como foi visto, no Plano Piloto de Lúcio Costa, a questão turística já era
prevista, sendo feitas também relações com as regras para construções na orla. O
arquiteto cita que: “Apenas na orla litorânea essa disciplina poderá ser quebrada para
permitir a eventual construção de hotéis” (COSTA, 1969, p. 12), já trabalhando com
uma possível flexibilidade na legislação para construção de edifícios na orla da praia da
Barra. Em outro momento do plano ele diz:

Entre a preservação no estado, preconizada pela Reserva-Biológica, e


a medida como fôr, adotado o critério “nuclear” de urbanização e uma
vez fixadas as áreas onde é possível construir e o respectivo gabarito,
a atividade turística terá livre o campo de escolha e poderá instalar-se
onde lhe aprouver para atender aos caprichos mutáveis da clientela.
Ao plano-pilôto cabe apenas dizer onde não o poderá fazer, ou seja,
em tôda a extensão litorânea fronteira, ou vizinha, à lagoa de
Sernambetiba, salvo no seu entroncamento com a Via 11. Os hotéis
deverão pois, deverão concentrar-se nos dois extremos, isto é, nos
terrenos a beira-mar dos bairros já definidos e dos centros previstos, e
dispor de área de estacionamento (COSTA, 1969, p.12-13).

367
Este entroncamento da Avenida Lúcio Costa com a Via 11 (atual Avenida
Ayrton Senna), pode ser visualizado na figura 3 conforme abaixo, mostrando inclusive
o baixo nível de urbanização da área na década de 1970:

Figura 3 – Entroncamento entre a Avenida Lúcio Costa e Avenida Ayrton Senna


na década de 1970
Fonte: PORTAL RIO QUE PASSOU, 2006.

Neste trecho, pode-se entender a importância que Lúcio Costa dá para a


legislação imobiliária no local, destacando as áreas passíveis de construção de edifícios
e seus respectivos gabaritos, sendo utilizados para demarcação do bairro e dispor de
estacionamento, exceto no local de encontro com a Via 11 (atual Avenida Ayrton
Senna). Tudo isso deveria ser feito respeitando as áreas ambientais do local.
Em seguida, será abordada a produção do espaço urbano e turístico na Avenida
Lúcio Costa durante o período estabelecido como recorte histórico deste trabalho, desde
o ano de 1970 até o ano de 2002.

A PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO E TURÍSTICO NA AVENIDA LÚCIO


COSTA DE 1970 A 2002

Desde 2008 a XXIV Região Administrativa, especificamente os bairros da Barra


da Tijuca e Recreio dos Bandeirantes, são consideradas Áreas de Especial Interesse
Turístico (AEIT), conforme lei no 4855 de 9 de junho de 2008, sancionada pelo prefeito
César Maia, “visando a realização de intervenções necessárias ao desenvolvimento das
atividades turísticas”. A lei assegura a participação popular por meio de audiências
públicas específicas. A ocupação dessas áreas é prevista na lei de acordo com “índices e
parâmetros urbanísticos e de desenvolvimento da atividade turística determinados para
os locais, sempre respeitados os parâmetros ambientais” (PREFEITURA MUNICIPAL
368
DO RIO DE JANEIRO, 2008). Na lei, ficam estabelecidos critérios para esse
desenvolvimento:

I – a melhoria das condições de limpeza urbana, segurança, transporte,


estacionamento, informação, controle da ordem urbana e sinalização
turística; II – a criação, recuperação e conservação dos centros de
lazer, praças e parques; III – o incentivo à criação de meios de
hospedagem; IV – a criação de meios de combate à prostituição e
exploração infanto-juvenil e à disseminação da população de rua
(PREFEITURA MUNICIPAL DO RIO DE JANEIRO, 2008).

A Avenida Lúcio Costa está localizada na orla da praia da Barra (Barra da


Tijuca), praia do Pepê (Barra da Tijuca) e da Reserva (Recreio dos Bandeirantes). Ela
possui 18,3 km de extensão, iniciando no limite com a Avenida do Pepê e terminando
no Pontal da Barra. Para esta pesquisa, será considerado o trecho onde se localiza a
praia da Barra, com um extremo no entroncamento da Avenida Lúcio Costa com as
Avenidas do Pepê e Ayrton Senna (Condomínio do edifício Ondas do Mar, número 1), e
outro extremo no Parque Natural Municipal de Marapendi, que divide a Barra da Tijuca
e o Recreio dos Bandeirantes na orla (tendo como última edificação antes do Parque o
hotel Grand Hyatt Rio de Janeiro, número 9600), como demonstrado na figura 4. Este
trecho possui cerca de 6,0 km.

Figura 4 – Recorte espacial da Avenida Lúcio Costa


Fonte: Elaborado a partir do Google Earth, 2016.

Nos últimos anos, a Barra da Tijuca vem recebendo um grande investimento do


poder público e privado para o desenvolvimento do turismo de negócios e eventos,
dinamizando o mercado imobiliário da localidade (SANTOS JUNIOR e LIMA, 2015, p.
66). De acordo com o Ministério do Turismo, o segmento de Turismo de Negócios e

369
Eventos engloba: “o conjunto de atividades turísticas decorrentes de encontros de
interesse profissional, associativo, institucional, de caráter comercial, promocional,
técnico, científico e social” (MTUR, 2010, p.18). Neste segmento, temos duas
atividades (negócios e eventos) que muitas vezes estão inter-relacionadas. A motivação
do turista desse segmento é a ida para realização de um negócio ou participação em um
evento, ou ambas as atividades.
O turista de negócios pode ser caracterizado pelo turista que se desloca de um
local para outro para a realização ou participação em um negócio. Essa atividade pode
se dar em uma reunião de negócios, uma feira de negócios, missões empresariais, visitas
técnicas, rodadas de negócios, dentre outros. Já o turista de eventos pode ir devido a
diversos tipos de eventos, como o comercial (transações de compra e venda), técnico-
científico (atividades relacionadas a especialidades), promocional (divulgação de
produtos e serviços) e social (visando a sociabilidade) (MTUR, 2010, p. 18-19).
É importante ressaltar que muitas das vezes esse turista tem a possibilidade,
quando há tempo livre da atividade que está realizando, de realizar outros tipos de
turismo, como por exemplo o turismo de sol e praia. Esse segmento é constituído de
acordo com o Ministério do Turismo pelas “atividades turísticas relacionadas à
recreação, entretenimento ou descanso em praias, em função da presença conjunta de
água, sol e calor” (MTUR, 2010, p. 10). O principal elemento que atrai turistas para este
segmento é a contemplação da paisagem natural e o clima apropriado à balneabilidade,
aliados a recreação, o entretenimento e o descanso.
Uma das iniciativas tomadas para desenvolvimento do turismo no bairro foi
incentivar o aumento da oferta hoteleira na Barra da Tijuca, como no caso da Avenida
Lúcio Costa. No recorte espacial estudado há a presença de 14 hotéis, conforme quadro
1, que traz o nome dos hotéis, ano de abertura e o número de unidades habitacionais
(UHs) de cada empreendimento:

Oferta hoteleira na Avenida Lúcio Costa – Praia da Barra


Ano de Número Ponto na Número
abertura do edifício imagem Hotel de UHs
1982 5800 A Varandas da Barra Hotel Residência 90
1986 2916 B Barra Palace Hotel Residência 45
2001 880 C Sol da Barra Apart Hotel 20
2001 5740 D Promenade Casa Del Mar Residence 61

370
2004 3150 E Sheraton Barra 292
2005 2630 F Windsor Barra 338
2012 5700 G Brisa Barra 140
2016 5210 H Novotel Barra da Tijuca 248
2016 5400 I Windsor Marapendi 434
2016 5650 J Pestana Rio Barra Beach & SPA 311
2016 9600 K Grand Hyatt Rio de Janeiro 436
2016 1996/10* L Trump Hotel 170
Quadro 1 – Oferta hoteleira na Avenida Lúcio Costa – Praia da Barra
Fonte: BSH International (2014), Pesquisa Direta (2016).

*O Hotel Trump tem sua entrada na rua Professor Coutinho Fróis, 10, com parte do seu edifício voltado
para a Avenida Lúcio Costa, no número 1996.

A partir deste quadro, é possível perceber que o surgimento dos hotéis na


Avenida se deu a partir dos anos 2000 com Sol da Barra Apart Hotel e Promenade Casa
Del Mar Residence. O primeiro hotel de luxo na Lúcio Costa surgiu em 2004 (Sheraton
Barra) seguido pelo Windsor Barra (2005), sendo por muitos anos os únicos hotéis de
luxo deste local. A partir de 2012, surge uma nova onda de investimentos em hotéis na
Lúcio Costa, com a abertura do Brisa Barra (2012) e com os hotéis inaugurados em
2016: Novotel Barra da Tijuca, Windsor Marapendi, Pestana Rio Barra Beach & SPA,
Grand Hyatt Rio de Janeiro e Trump Hotel.
A distribuição dos hotéis se encontra especializada abaixo em uma imagem de
satélite da área estudada, com a utilização do programa Google Earth versão 7.1.7.2600
(figura 5).

371
Figura 5 - Distribuição dos equipamentos de hospedagem na Avenida Lúcio Costa
Fonte: Elaborado a partir do Google Earth, 2016.

A partir dos dados do quadro 1 da figura 6, é possível perceber a distribuição dos


equipamentos de hospedagem mapeados no recorte espacial considerado. Pode-se
constatar que a os equipamentos estão distribuídos ao longo da Avenida, tendo maior
presença no seu início e no seu término no recorte especificado. Entretanto, a maior
concentração dos meios de hospedagem está entre os números 1996 e 5800, onde é
possível localizar sete dos doze meios de hospedagem mapeados na pesquisa. Neste
trecho, encontram-se dois meios de hospedagem com data de abertura anterior a 2002 e
cinco com data posterior de 2002, o que demonstra uma aglomeração e consequente
concorrência entre antigos e novos empreendimentos por clientes.
Krugman (1991 apud IGLIORI, 2001, p. 53) aborda a dinâmica de várias
empresas do mesmo ramo, que oferecem produtos do mesmo tipo, mas agregando
diferenciais competitivos, concentradas em uma mesma localidade como uma economia
de aglomeração. Essa concentração de empresas do mesmo ramo em uma localidade
gera uma diferenciação espacial, criando assim espaços com maior e com menor
relevância em determinado segmento. Essa concentração se justificaria por fatores de
demanda, retornos crescentes e custos de transporte. Porter (1999, p. 239 apud
THOMAZI, 2006, p. 22) diz que: “a teoria dos aglomerados focaliza a maneira como a
justaposição de empresas e instituições economicamente interligadas numa localidade
geográfica específica afeta a competitividade”.
A partir desta breve análise, pode-se debater sobre a possível formação de uma
economia de aglomeração turística na Avenida Lúcia Costa, que conforme Thomazi
372
(2006, p. 33) “pode ser considerado em pequenos aglomerados as concentrações em
meios de hospedagem, como também observado pelas vantagens da localização de
mercado”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo da pesquisa, foi possível perceber que a Barra da Tijuca passou por
grandes transformações desde o Plano Piloto de Lúcio Costa, sendo pensado como o
novo CBD do município do Rio de Janeiro e novo bairro para desenvolvimento do
turismo.
Foi possível identificar que houve pouca influência da atividade turística na
produção do espaço da Avenida Lúcio Costa no período de 1970 até 2002, tendo maior
influência a partir dos anos 2000, com a conquista do Brasil e do Rio de Janeiro de sede
para megaeventos esportivos, estimulando a construção de hotéis em aglomerações para
atender esta nova demanda.
Os resultados indicam que até o ano de 2002 existiam quatro hotéis na avenida,
com todos possuindo até cem unidades habitacionais. Esses resultados refletem que não
houve influência significativa da atividade turística na produção do espaço da Avenida
Lúcio Costa no período analisado. A influência foi ampliada a partir do começo dos
anos 2000 devido à demanda do mercado imobiliário e do mercado turístico na área.
Com essa nova demanda, houve um maior estímulo para a construção de novos
empreendimentos, totalizando oito novos hotéis de grande porte, com a maioria
possuindo mais de duzentas unidades habitacionais cada, pertencentes a redes
brasileiras, americanas, francesas e portuguesas, assim como hotéis independentes,
concentrados nesta área de expansão da cidade do Rio de Janeiro.
A maior parte dos equipamentos se concentram no início da avenida e no
término do recorte estudado, havendo maior concentração entre os números 1996 e
5800, onde se localizam sete dos doze meios de hospedagem mapeados na pesquisa,
com hotéis inaugurados antes do ano de 2002 e cinco após o ano de 2002, o que
demonstra uma aglomeração e consequente concorrência entre antigos e novos
empreendimentos por clientes.
Por fim, destaca-se a importância da Barra da Tijuca como novo centro
econômico e com grande potencial de desenvolvimento turístico principalmente a partir
de 2002 até a atualidade, concentrando na Avenida Lúcio Costa muitos dos novos

373
equipamentos hoteleiros presentes na cidade do Rio de Janeiro que surgiram devido aos
megaeventos esportivos dos últimos anos.

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THOMAZI, Silvia. Cluster de Turismo: Introdução ao estudo de arranjo produtivo


local. 1ª ed. São Paulo: Aleph, 2006. 144p.

376
PARIS N’AMÉRICA: A INFLUÊNCIA DAS CONSTRUÇÕES EUROPEIAS E A
IMPORTÂNCIA DE UMA GESTÃO FUNDAMENTADA DE SEUS
PATRIMÔNIOS PARA A ATIVIDADE TURÍSTICA NA CIDADE DE
BELÉM/PA.
Ana Paula Melo de Morais1
Jéssica da Silva Soares2

RESUMO: O turismo em Belém/PA está inserido num contexto pouco fundamentado


no gerenciamento turístico, corroborando para que o acervo patrimonial demonstre
carência de gestão para atividade. A pesquisa objetivou averiguar se há gestão turística
nos patrimônios de Belém-Pa. Para isto, a metodologia utilizada foi pautada em
pesquisas documentais, bibliográficas, bem como atividade em campo in locus, houve
registro fotográfico e aplicação de questionários em dois patrimônios escolhidos: o
Theatro da Paz e o Palacete Bolonha. Os patrimônios enfocados nesta investigação,
encontram-se inseridos no contexto histórico do Ciclo da Borracha (Belle-Époque).
Como resultado, Belém/PA apresenta constantes limitações no que diz respeito à gestão
do turismo. Portanto, evidência-se a necessidade de estabelecer para esses um sistema
de gestão bem mais estruturado para a atividade turística na cidade.
PALAVRAS-CHAVE: Turismo, Gestão, Planejamento, Patrimônio, Belle-Époque.

ABSTRACT: The Tourism in the city of Belém/PA is inserted in a context that is


unfounded, confirming that the patrimonial heritage shows a lack of management for
tourism activity. For this, the methodology used in this article is based on documentary,
bibliographical research and through the activity in the field, which was the capture of
images and the application of questionnaires to tourists who have visited one of the two
major patrimonies of Belém/PA, are they: Theater of Peace and Mansion Bolonha. The
aforementioned focus patrimonies are inserted in the historical context of the Rubber
Cycle and Belle-Époque, which are being demonstrated in their current structures and
demonstrating in this way the need to establish for them a much more manageable
system Structured for the tourist activity in the city.

KEYWORDS: Tourism, Management, Planning, Patrimony, Belle-Époque.

INTRODUÇÃO

Com o apogeu da moderna vida societal, o turismo se tornou uma atividade em


destaque no século XXI, por permitir sucessões de experiências pautadas na vivência do
indivíduo mediante o ambiente, a economia, a memória, a cultura, a gastronomia, a
história, a identidade e o modo de vida da população e/ou lugar. Este fato se configura
devido o advento impulsivo do capitalismo, frente a uma sociedade adjetivada de

1
Graduanda em Bacharel em Turismo – UFPA. Paulamelmor@hotmail.com.
2
Graduanda em Bacharel em Turismo – UFPA. Jessicasoares0201@gmail.com

377
consumista. Tais aspectos permeiam a atividade turística a fim de incentivar o
incremento da gestão e do planejamento com o propósito de contribuir positivamente no
âmbito receptor (FIGUEIREDO et al, 2012).
Ademais, o turismo nos últimos anos cresce exponencialmente, entretanto, é
considerado uma atividade desigual, haja vista o acanhado acesso dos agentes base da
sociedade, isto é, aqueles que sustentam economicamente o corpo social de um
determinado lugar, segundo Azevedo (2013). No entanto, auxilia fortemente na
economia de comunidades que possuem como herança um acervo de patrimônios
culturais e naturais, que atraem os olhares curiosos de visitantes. Este processo, aliado
ao modo de gestão e planejamento adequado do espaço e/ou lugar impulsiona a
economia local e facilita o acesso das demais camadas sociais.
Nesse sentido, se faz necessário novos estudos que viabilizem a importância da
gestão de lugares que possuam grande potencial turístico, tendo em vista que estes
alimentam o acervo de pesquisas e contribuem com propostas as quais resultam no
aprimoramento da atividade. Portanto, o presente estudo buscou averiguar a importância
dos patrimônios da Belle Époque para o contexto da atividade turística na cidade de
Belém-Pará, a partir de um recorte que verificou se os patrimônios objetos de estudo
desta pesquisa: Theatro da Paz e o Palacete Bolonha, construídos no período da Belle
Époque, estão inseridos na gestão turística da cidade.
Segundo Figueiredo et al (2012), para que um elemento se transforme em
patrimônio, é importante requisitos que o identifique e o caracterize. O acervo pode ser
observado por meio de elementos que os norteiam e agregam valores em si, como o
caráter especial, a noção de raridade e singularidade, beleza, testemunho do documento,
originalidade e identidade. Contudo, esses elementos classificados a cima, são
característicos para reconhecer o objeto de estudo, haja vista que nem tudo pode ser
considerado sinônimo de patrimônio.
Há ainda o processo de patrimonialização que, para Poulot (2010), é a
representação dos símbolos com características peculiares de tal sociedade, sejam
naturais, sejam culturais, que sobretudo permanecem para o conhecimento das
civilizações. Isso significa que existe um procedimento de transformação do “objeto”
em patrimônio, cujo objetivo é identificar os valores que o cercam, para que possam ser
preservados e conservados, sendo assim transmitidos à posteridade. Em destaque a
outros teóricos, patrimonialização é o processo em que os componentes da cultura e
natureza são adaptados e tornam-se exclusivos, pois localizam-se fora do tempo e, por

378
esse motivo, devem ser transmitidos às sociedades futuras (GARAT; GRAVARI-
BARBAS; VESCHAMBRE, 2008).
Nesse contexto, além do processo de patrimonialização que auxilia na
preservação e conservação do patrimônio seja esse cultural ou natural, se faz necessário
ainda a gestão turística do mesmo, tendo em vista a sua valorização acerca da
interpretação precisa do “objeto”. Desse modo, o presente artigo justifica-se pela
importância do gerenciamento dos patrimônios de uma cidade, principalmente quando
se refere a patrimônio cultural, que, de acordo com Riegl (2003), é a influência do
patrimônio acerca da herança social, que resulta no laço entre a lembrança do passado
com a vivência do homem moderno. No mais, esses elementos refletem positivamente
na identidade da população por meio do sentimento de pertencimento e senso de
respeito dos visitantes frente ao local visitado.
No que tange ao processo de gestão turística, vale destacar que os patrimônios
deixados pelas gerações passadas, se transformam em produto turístico sendo
incorporados como um atrativo para a sociedade moderna (FIGUEIREDO et al, 2012).
Visto isso, identifica-se a importância de um olhar diferenciado para a atividade em
questão, pois, além de transmissão do conhecimento por meio da interpretação do
patrimônio ao visitante, isto é, contextualização e observação do objeto de estudo, será
ainda atribuído um real valor ao mesmo. Cabe então as entidades competentes e aos
responsáveis pelo patrimônio gerir de forma adequada esses procedimentos destacados
acima.
Para auxiliar no processo de análise do presente artigo, vale frisar o método
utilizado em questão pois, o ato de pesquisar, “[...] é um procedimento formal, com
método de pensamento reflexivo que requer um tratamento cientifico e se constitui no
caminho para conhecer a realidade ou para descobrir verdades parciais [...]”
(LAKATOS; MARCONI, 1986, p. 148). Gerhardt e Silveira (2009, p. 12), discorrem
que “[...] pesquisa é buscar ou procurar resposta para alguma coisa [...]”. Já no
entendimento de Gil (1999, p 17), a pesquisa “[...] é marcada por procedimento racional
e sistemático que tem como objetivo proporcionar respostas aos problemas que são
propostos [...]”.
Por ora, o desenvolvimento do presente trabalho utilizou-se o uso de distintos e
complementares procedimentos metodológicos, o levantamento documental e
bibliográfico e a pesquisa de campo do tipo exploratória in lócus. À medida que o
primeiro se ampara em referências teóricas (UNIVERSIDADE ESTADUAL DO

379
CEARÁ, 2002), o segundo procedimento, de acordo com Gil (2002), é desenvolvido
com base na observação e na coleta de dados colhidos diretamente com informantes.
Seguindo o pressuposto do modo de fazer ciência, foi empregado no campo o uso de
questionários, para os visitantes, a fim de coletar dados para análise e posterior
discussão sobre o tema.

Segundo Cervo, Bervian e Silva (2007), o questionário, enquanto instrumento


de pesquisa, serve para identificar com certa precisão o objetivo desejado. Aliado as
técnicas mencionadas acima, vale destacar ainda a importância do registro fotográfico
para observação e comparação de dados relatados pelos informantes, buscando assim
reafirmar por meio da antropologia visual o qual menciona (OLIVEIRA, 2006, p. 19)
“[...] ser a primeira experiência do pesquisador em campo [...], a domesticação teórica
do seu olhar [...]”. Desse modo, a metodologia aplicada ao estudo e a utilização de
determinadas técnicas auxiliaram na obtenção de contribuições para a formulação
teórica da perspectiva.

PATRIMÔNIOS E SUA CARACTERIZAÇÃO NO CONTEXTO CULTURAL


DOS GRUPOS SOCIAIS
O aparecimento dos meios sociais trouxe consigo o surgimento de diversos
costumes, de acordo com condições de clima, localização, crenças, dentre outros
elementos que em conjunto foram capazes de garantir a integração das sociedades e a
forma como passaram a viver, sendo assim, possibilitou-se a noção de cultura e o seu
“desenvolvimento” ao redor do mundo. Segundo Savoia (1989), a partir do instante em
que o homem entra em contato com o mundo externo, passa a estar integrado em um
determinado grupo social, que já é possuidor de seus próprios costumes, repassados de
uma geração a outra e que se dão por meio de fatores genéticos, bem como os que são
desenvolvidos através das vivências e aprendizados com o meio, compondo assim, as
diversas formas de vida dos determinados grupos sociais.

Acerca do surgimento dos meios sociais e suas diferentes culturas, passa-se a


perpetuar a noção de salvaguardar elementos materiais e imateriais, que possam ser
capazes de “recontar” suas memórias, acontecimentos históricos e suas vivências desde
o princípio, gerando assim grande apego a esses bens, sejam eles de caráter palpável,
com objetos deixados pelos antepassados, sejam os monumentais, representados através
de antigas construções, e dentre outros, que em conjunto possibilitam que a cultura de
cada sociedade permaneça viva em diversas gerações:

380
Quando pensamos no que recebemos de nossos antepassados,
lembramo-nos não apenas dos bens materiais, mas também da
infinidade de ensinamentos e lições de vida que eles nos deixaram. A
maneira de fazer nhoques – que não se resume a receita, guardada com
cuidado no caderno com a letra da nossa querida mãe ou avó -, o modo
como sambamos (algo que nunca estará em um caderninho!), os ditados
e provérbios que sabemos de cor e que nos guiam por toda a vida são
exemplos de um patrimônio imaterial inestimável (FUNARI;
PELEGRINI, 2009, p. 8-9).
Em conjunto com a noção de preservação de elementos com caráter importante para
uma determinada sociedade, tem-se os patrimônios, que podem ser materiais ou
imateriais. Segundo MEIRA (2004 apud CAMPOS 2008), o termo da palavra está
inserido no contexto daquilo que pertence à pátria, do que é paterno, ou seja, representa
o apego de um determinado grupo sobre heranças deixadas por gerações anteriores.

Embora esteja atrelado a objetos e/ou a monumentos pertencentes à família, a


origem de patrimônio também passa a ter caráter coletivo, ou seja, dar-se-á quando
determinada sociedade passa a ter apego e necessidade em valorizá-lo, tornando-o
pertencente ao meio coletivo. Porém, os autores Funari e Pelegrini (2009) analisam que
em um determinado momento do surgimento da sociedade romana, não havia a noção
do patrimônio para toda a sociedade, ou seja, não se pensava em patrimônio público.
Isto ocorreu, pois, em seus primórdios, tal percepção estava atrelada apenas aos setores
privados no princípio do surgimento da sociedade romana, onde estavam englobados
apenas elementos patrimoniais de determinadas famílias, com o intuito de preservá-los:

O conceito de patrimônio, surgido no âmbito privado do direito de


propriedade, estava intimamente ligado aos pontos de vista e interesses
aristocráticos. Entre os romanos, a maioria da população não era
proprietária, não possuía escravos; logo, não era possuidora de
pratimonium¹. O patrimônio era um valor aristocrático e privado,
referente à transmissão de bens no seio da elite patriarcal romana. Não
havia o conceito de patrimônio público. Ao contrário, o Estado era
apropriado pelos pais de família. Nesse contexto, pode-se compreender
que os magistrados romanos colecionassem esculturas gregas em suas
casas. O patrimônio era patriarcal, individual e privativo da aristocracia
(FUNARI; PELEGRINI, 2009, p 11).

Seguindo esta linha de análise, os autores mencionados ressaltam que, embora tenha
surgido a noção de patrimônio coletivo, não é tarefa fácil torná-lo um bem comum para
uma determinada sociedade, considerando que apesar de estar inserido dentro de um
contexto social, cada integrante desse meio desenvolve suas próprias formas de pensar e
agir conforme vão crescendo dentro de um grupo.

381
Ademais, as diversas sociedades desde os seus proêmios já possuírem a noção
de preservação de seus monumentos históricos, sendo somente a partir do século XIX,
na França, que passa a existir sua institucionalização. De acordo com De Grammont
(2006), tal noção de preservação do patrimônio público foi motivada pelos conceitos
atrelados ao Iluminismo e, ao mesmo tempo, com o objetivo de conter as invasões e as
depreciações ocasionadas pelo período que se passou a Revolução Francesa, que fez
surgir na França, pela primeira vez, a noção de tornar inconstitucional os monumentos
históricos.

Ao longo de seu desenvolvimento, o patrimônio passou por diversos processos,


dentre eles o surgimento da noção de “tombamento”. Muitas críticas surgiram nessa
conjuntura, inclusive de que o ato não tombar não garantiria a verdadeira preservação
dos monumentos e possuiria caráter não flexível quanto à sua conversação. Porém,
Fenelon (1992, p. 33) discorda com dessa linha de pensamento quando afirma que “[...]
tombar não significa congelar, cristalizar ou perpetuar modos de organização do espaço
urbano com suas edificações e usos, deve ser um instrumento maleável e articulado com
a dinâmica da cidade [...]”.

Embora as sociedades tenham se desenvolvido e criado seus próprios


costumes, entendendo a necessidade em salvaguardar elementos importantes para
contexto histórico a qual estão inseridas, isto não é suficiente para garantir que os bens
materiais e imateriais permaneçam preservados. Com o intuito de não haver a
descaracterização dos componentes culturais e históricos dos patrimônios, foi criado o
tombamento. O instituto responsável por preservar estes bens, é o Instituto de
Patrimônio Histórico Artístico Nacional (IPHAN), que por meio dos atos de tombar e
registrar, mantém o controle perante a esses patrimônios, como ressaltam os seguintes
autores:

A política hegemônica do IPHAN de sua fundação até final dos


anos 90 privilegiou os tombamentos e a preservação de
edificações em “pedra e cal”, de conjuntos arquitetônicos e
paisagísticos, bem como a proteção a bens móveis e imóveis
considerados de relevo para a nação brasileira, seja por
expressivas características arquitetônicas, artísticas ou históricas
(LIMA FILHO; BELTRÃO; ECKERT, 2007, p. 30).

Entende-se através desta análise, que a ideia de patrimônio, bem como o ato de tombá-
lo, proporcionou que construções projetadas por gerações anteriores tenham sido

382
mantidas vivas no imaginário e no cotidiano das sociedades, e, bem mais do que isso,
garantiu que as culturas presentes nos diversos grupos sociais, não sofressem
“descaracterização” e, assim, chegassem ao ponto de se tornarem “perdidas” ou
“irrelevantes”. Percebe-se desta maneira, o quanto torna-se importante o ato de
preservar, com o intuito de que aspectos que tangem uma cultura se mantenham
perpetuados.

CICLOS DA BORRACHA E BELLE EPOQUE: O APOGEU DA VIVÊNCIA


EUROPEIA NA CIDADE DE BELÉM/PA

O objeto de estudo desta pesquisa está inserido em Belém, cidade situada na


região Norte do Brasil, atualmente capital do Estado do Pará e fazendo parte da grande
extensão da floresta amazônica. Segundo Viana (1967), a cidade de Belém/PA passou
por uma intensa colonização a partir do século XVII, em consequência das disputas por
suas terras, visto que fazia parte dos confrontos das Américas. O conflito se deu
principalmente pelas duas maiores potências econômicas naquela época, Portugal e
Espanha.

Belém/PA foi uma das cidades brasileiras que mais recebeu influências
externas, principalmente no apogeu do Ciclo da Borracha (1850-1920), o qual abrigou
integrantes de diversos países da Europa. A extração do látex através das seringueiras,
proporcionou a cidade grande mudança em sua infraestrutura, sendo estes o advento da
energia elétrica e o recebimento de grandiosas construções com características europeias
(teatros, praças, hotéis, mercados, dentre outros), que até hoje recontam a história da
cidade e o marco deste período, que deixa qualquer visitante “deslumbrado com o
glamour da belle-époque de inspiração parisiense” (DUARTE, 2007). Sendo assim,
Belém/PA foi estruturada para receber a elite da época, sendo estes os barões da
borracha e suas famílias. Além disto, a cidade recebeu pessoas de todo o lugar do país,
que buscavam por melhores condições de vida, que acabaram por figurar a mão de obra
barata necessária para a extração da obra-prima, o látex.

Devido à forte influência europeia na cidade, por meio do apogeu do Ciclo da


Borracha, Belém/PA ficou conhecida como pertencente da Belle-Époque, o qual
demonstrava todo o glamour desta época. Conforme Júnior (2007), o surgimento da
elite da borracha proporcionou à cidade estreitos laços com a influência cultural
europeia, principalmente a francesa. Apesar do declínio da borracha, por volta do ano

383
1920, a capital paraense manteve algumas construções que ainda hoje tentam ser
preservadas, pois, compõem parte de seu legado cultural e histórico.

Como outrora externalizado, para a composição deste trabalho foram


escolhidos dois patrimônios de grande influência monumental e histórica para a cidade
de Belém/PA, construídos em decorrência do Ciclo da Borracha (Belle-Époque), o
primeiro é o “Theatro da Paz”, imagem a seguir, com características do estilo
neoclássico3, que embora tenha sido edificado entre 1869 a 1874, iniciou suas
atividades em 1878. Segundo a autora Souza (2009), tornou-se um imponente teatro
construído para satisfazer a elite da época, o qual realizava regulamente grandiosos
espetáculos e proporcionava encontros entre seus frequentadores, sendo projetado
principalmente para ser um teatro com espetáculos de ópera em sua maioria e
atualmente é reconhecido internacionalmente.

Imagem 1 - Vista Lateral do Theatro da Paz


Fonte: Morais, 2017.

Nas proximidades deste teatro, encontra-se o “Bar do Parque”, também


pertencente ao período da borracha e que ainda hoje está em pleno funcionamento. De
acordo com o historiador Amaral (2010), o Bar do Parque, a partir do ano 1960, foi uma
das principais referências de representatividade da cultura belenense, onde regularmente
recebia frequentadores ilustres, como cantores, escritores, dentre outras figuras

3 Movimento artístico que, a partir do final do século XVIII, reagiu ao barroco e ao rococó, e reviveu os
princípios estéticos da antiguidade clássica, atingindo sua máxima expressão por volta de 1830.

384
importantes. Até mesmo no período da borracha, possuía como principais visitantes os
pensadores e os senhores da borracha, que se encantavam pelas belezas naturais da
cidade de Belém/PA.

Segundo Lobato (2005), outro monumento de grande valor histórico, cultural e


patrimonial da cidade oriundo do Ciclo da Borracha na Amazônia e pertencente às
construções de grandioso valor arquitetônico, são os palacetes, os quais residiam
grandes personalidades, comerciantes e empresários da época. Entre eles merece
destaque o “Palacete Bolonha”, um dos principais patrimônios desse período, projetado
pelo engenheiro civil paraense Francisco Bolonha, nascido em Belém do Pará em 22 de
outubro de 1872 (CRUZ,1967, p. 303). Segundo relatos históricos da família do
engenheiro, o palacete foi construído para agradar a sua esposa, Alice Tem Brink
Bolonha, que não queria deixar a cidade do Rio de Janeiro, capital brasileira naquela
época (LOBATO, 2005, p. 32). Com imagens a seguir, o palácio carrega consigo
grandes características do estilo barroco, neoclássico, dentre outros estilos, tendo grande
influência do período áureo da Belle-Époque, corroborando, ainda hoje, com o
imaginário cultural e histórico da cidade de Belém/PA.

Imagem 2 e 3 - Vista frontal e lateral do Palacete Bolonha


Fonte: Morais, 2017.

385
RESULTADOS E DISCUSSÕES

Por meio da pesquisa de campo utilizada para este trabalho, entre os dias 13 e
17 de fevereiro e 21 a 23 de abril de 2017, obteve-se o levantamento de dados sobre
dois patrimônios influentes construídos no período áureo do Ciclo da Borracha, na
cidade de Belém/PA, sendo esses o Theatro da Paz e o suntuoso Palacete Bolonha. A
pesquisa pautou-se na captura de imagens dos referidos monumentos e pela aplicação de
questionários junto aos visitantes e aos turistas nestes locais, com abordagens acerca de
como estão sendo utilizados e de que forma estão inseridos numa gestão bem
fundamentada para a atividade turística.

Primeiramente o questionário traçou um perfil do turista analisando o gênero, a


idade e a ocupação deste visitante. Constatou-se que, de 60 questionários aplicados,
43,3% são homens e 56.7% são mulheres, a média de idades equivale a 33 anos, e o que
diz respeito a ocupação, 36,7% são trabalhadores de carteira assinada, 13,3% se
consideram autônomos, 18,3% são funcionários públicos e 31,7% são trabalhadores sem
carteira assinada, os quais não se consideram autônomos. Ademais, identificou-se ainda
o nível de escolaridade desses visitantes e foi constatado que 45% possuem ensino
superior completo, 26,7% estão concluindo o ensino superior e 28,3% possuem o nível
médio completo.

Em seguida foram utilizadas perguntas fechadas enumeradas de 1 a 7 cujo


objetivo foi obter resultados concisos acerca do objeto de estudo as quais foram: 1)
Você sabe o que é patrimônio histórico?; 2) Antes de você vir a cidade de Belém/PA,
você pesquisou e conseguiu boas informações para visitação turística neste patrimônio?;
3) Você obteve informações referente ao período da Belle-Époque para o contexto
histórico na cidade de Belém, neste patrimônio?; 4) Na sua opinião a cidade de
Belém/PA encontra-se bem estruturada para o recebimento da atividade turística?; 5)
Desde que você chegou a esta cidade alguma empresa de turismo lhe abordou para
oferecer passeios com visitação aos patrimônios de Belém/PA?; 6) Em sua opinião o
conjunto de bens e serviços oferecidos (transporte, vias de acesso, atendimento, etc.) até
você chegar neste ponto turístico foram satisfatórios?; 7) De acordo com a experiência
turística vivenciada, você pretende retornar e/ou indicar a cidade de Belém/PA a outras
pessoas?.

386
No processo de análise dos resultados da referida pesquisa, verificou-se que na
primeira pergunta 93,3% dos entrevistados responderam ter conhecimento sobre o que é
patrimônio histórico e 6,7% afirmaram que não sabiam. Na segunda questão 53,3% não
obtiveram êxito na pesquisa de informações referente ao patrimônio, 30% não
pesquisaram e 16,7% conseguiram informações sobre os horários e dias das visitações
no patrimônio. A terceira questão obteve um resultado positivo com 86,7% dos turistas
que tiveram informações sobre o importante período da Belle-Époque na cidade, e
13,3% responderam não obter informações. Já na quarta questão 80,0% dos
entrevistados afirmaram que Belém/PA não possui uma estrutura adequada para o
recebimento da atividade turística, e apenas 20,0% disseram que possui estrutura para
tal atividade.

No que diz respeito a quinta pergunta, 100% dos entrevistados alegaram não
terem sido abordados por nenhuma empresa de turismo e tampouco receberam
informativos turísticos sobre a região. Considerando a opinião dos entrevistados na
sexta questão referente ao conjunto de bens e serviços oferecidos até o momento, 70%
declararam ser satisfatório e 30% afirmaram que a cidade precisa de segurança,
infraestrutura adequada, sinalização, oferta de serviços turísticos e um site atualizado de
informações necessárias para suprir as necessidades do visitante. Por fim, a sétima e
última questão obteve 100% de respostas sim, isto é, os visitantes retornariam a cidade
e/ou indicariam a mesma para outras pessoas, visto que Belém/PA segundo os
entrevistados é uma cidade acolhedora.

Embora tenham surgido algumas divergências nas respostas, grande parte dos
entrevistados expressou opiniões e experiências semelhantes. Logo, fica evidente que a
boa gestão dos patrimônios históricos, é fundamental para salvaguardar a memória e a
cultura da sociedade que está inserido, uma vez que um mau planejamento é capaz de
proporcionar uma execução limitada e desta forma, resultados pouco satisfatórios.
Mediante a esta análise, um dos entrevistados, Renan, de 33 anos, ao ser questionado se
considera que a cidade de Belém/PA bem preparada para o recebimento da atividade
turística, alegou que “Não, porque as políticas públicas para o setor são precárias,
inclusive a própria secretaria de turismo é um órgão recente. Potencial para o turismo a
cidade possui, porém, a logística para a prática ser funcional ainda parece ser uma
situação futurista”.

387
O entrevistado André, de 28 anos, que ao ser questionado sobre a cidade estar
bem estruturada para o turismo, respondeu que “Não, porque há várias falhas, como a
falta de desenvolvimento de eventos para atrair os turistas, falta de uma boa estrutura e
segurança”. Seguindo esta análise, notou-se que a maioria dos entrevistados demonstrou
descontentamento sobre a estruturação dos referidos patrimônios para a inserção na
atividade turística e muitos reconheceram que a cidade de Belém/PA possui grande
acervo cultural, porém, carece de iniciativas fundamentais de planejamento e gestão,
gerando frustração, pois heranças históricas muitas vezes acabam esquecidas. Segue
imagens 4 e 5 das visitas nos patrimônios.

É importante ainda fazer uma profunda análise entre a teoria e a prática, tendo
em vista o discurso dos autores Figueiredo et al (2012), quando se referem à
necessidade do planejamento e gestão para o real desenvolvimento e crescimento da
atividade turística na região que contribui para o núcleo receptor. E ainda, para
Petrocchi (2001), é importante que o planejador visualize também todos os elementos
que estão fora do alcance da gestão do núcleo turístico.

Considerando que são por meio dos atrativos turísticos que as pessoas se
interessam em conhecer determinados locais, a divulgação é um dos fatores mais
importantes para que exista uma grande demanda de turistas. Sendo assim, quando
questionados se antes de visitarem a cidade de Belém/PA conseguiram informações
relevantes e bem fundamentadas sobre passeios, visitas ou histórico de um dos dois
patrimônios (Theatro da Paz e Palacete Bolonha) em sites, revistas, guias, dentre outros,
a maioria dos respondentes alegou não conseguir informações bem detalhadas sobre
roteiros de visitações nestes lugares, enquanto outros informaram que encontraram

388
pacotes, porém, com valores elevados, considerando suas estruturações. Nesta linha, se
faz importante o marketing turístico que segundo Petrocchi (2001) é um grande aliado
do planejamento turístico o estabelecimento de estratégias de marketing.

Figura 4 e 5: Visitas guiadas nos referidos patrimônios.


Fonte: Soares, 2017.
Apesar da cidade de Belém/PA ainda apresentar carências administrativas,
principalmente no que diz respeito à atividade turística, quando questionados sobre se
indicariam outras pessoas ou retornariam à cidade, todos os entrevistados responderam
positivamente. Fica evidente desta forma, que apesar de suas limitações, Belém/PA é
uma cidade acolhedora e com costumes sociais, gastronômicos e históricos únicos,
tornando-a capaz de fazer com que seus visitantes se encantem e queiram retornar.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A boa execução do turismo e suas vertentes dependem de uma rede de bens e
serviços que precisa estar em constante integralização, considerando que a falha em
algum setor, torna-se capaz de desarticular toda a atividade. Para tanto, faz-se
necessário que exista um planejamento para a gestão turística, principalmente no que
diz respeito aos atrativos mais procurados por visitantes e/ou aqueles mais importantes
num determinado destino. Por meio das análises documentais, bibliográficas e de
pesquisa em campo deste trabalho, foi possível presenciar como está sendo perpetuada a
gestão turística em dois dos patrimônios históricos principais da cidade de Belém/PA,
sendo eles o majestoso Theatro da Paz e o suntuoso Palacete Bolonha, ambos
construídos no período áureo do ciclo da borracha e no momento histórico da Belle
Époque na região norte.

Compreende-se, por meio da experiência em campo, que Belém/PA é uma das


cidades do país que mais recebeu influências advindas do continente europeu, logo,
têm-se diversas construções oriundas de uma época em que se vivenciou a cultura de
países como França, Portugal, Itália, dentre outros. Conjuntamente com fatores
comportamentais, Belém/PA recebeu suntuosas construções, com teatros, hotéis,
palacetes, mercados, que proporcionaram a cidade grande acervo cultural e histórico,
tornando-a um verdadeiro destino turístico. Através da pesquisa em campo nestes
patrimônios, após a aplicação dos questionários, obtiveram-se as principais opiniões dos
visitantes acerca de suas expectativas e experiências, sendo assim, tornou-se possível
analisar que, embora Belém/PA possua grande acervo histórico e cultural, ainda

389
apresenta constantes limitações no que diz respeito à gestão do turismo nos espaços
analisados, fator que, reflete na tomada de decisão das visitações das demandas real e
potencial.

Para tanto, riquezas culturais e/ou naturais de uma determinada localidade,


embora gere fortalecimento do destino para o turismo, não são suficientes senão estão
inseridos em uma gestão fundamentada para atendimento do fluxo de visitantes e, mais
do que isto, tornar-se capaz de fazer com que estes desejem retornar e indicar
determinado local a outras pessoas.

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392
CIDADES HISTÓRICAS E TURISMO: CACHOEIRA, SÃO CRISTÓVÃO E
PENEDO1

Almir Félix Batista de Oliveira2

Resumo: O presente trabalho tem por objetivo apreender, analisar e discutir a relação
entretida entre as áreas do Patrimônio Cultural e do Turismo através da observação do
exemplo de cidades históricas brasileiras, nesse caso os exemplos das cidades de
Cachoeira na Bahia, de São Cristóvão em Sergipe e de Penedo em Alagoas, buscando
compreender como estes locais tem procurado resolver os problemas e investir na
positividade dessa relação para proporcionar não só o desenvolvimento local, mas
também a manutenção da identidade e da própria preservação do patrimônio dessas
localidades.
Palavras-Chave: Patrimônio Cultural; Turismo; Preservação; Cidades Históricas;
Desenvolvimento Local.
Abstract: This study aims to capture, analyze and discuss the relationship entertained
between the areas of Cultural Heritage and tourism through observation of the Brazilian
historical cities, in this case examples of cities Cachoeira in Bahia, São Cristóvão in
Sergipe and Penedo in Alagoas, seeking to understand how these sites has sought to
solve the problems and invest in positive relationship to provide not only the local
development , but also the maintenance of identity and the preservation of such heritage
locations.
Keywords: Cultural Heritage; Tourism; Preservation; Historic Towns; Local
Development.

INTRODUÇÃO

Um marco bastante significativo da importância que a prática turística tem no


Brasil foi a criação do Ministério do Turismo (MTur), em 01 de janeiro de 2003, através
da Medida Provisória nº 103, posteriormente transformada na lei nº 10.683, na data de
28 de maio de 2003, cujo objetivo seria o de “desenvolver o turismo como atividade
econômica autossustentável em geração de empregos e divisas, proporcionando inclusão
social”3. O Ministério do Turismo foi criado para fomentar políticas públicas com a
finalidade de promover o desenvolvimento dos diversos locais pelo país, com atrativos
diversos (sejam eles praias para o desenvolvimento da prática do turismo de sol e mar;
montanhas e parques para o desenvolvimento da prática do turismo de aventura e do
1
O presente artigo é parte constituinte de um trabalho de maior escopo compreendendo além das
referidas cidades, as cidades de: Marechal Deodoro-AL, Igarassu-PE, Olinda-PE, João Pessoa-PB, Areia-
PB e Natal-RN.
2
Bolsista PNPD CAPES/PPGTUR-UFRN.
3
Disponível em: http://www.turismo.gov.br/institucional.html. Acesso em: 17 out. 2016.

393
ecoturismo; culinária diversificada para o desenvolvimento da prática do turismo
gastronômico; de monumentos históricos preservados para o desenvolvimento do
turismo cultural, entre outros) e que possam ser usados e, consequentemente, através
dos ganhos auferidos financeiramente, gerar melhorias e bem-estar aos diversos agentes
envolvidos, entre estes, a própria comunidade residente.
A prática turística não pode ser vista somente como produtora de aspectos
negativos, principalmente, no que tange ao seu caráter desconfigurador das paisagens
naturais, bem como das características que garantem determinada identidade a uma
localidade. Não queremos aqui negar que isso não aconteça ou que possa ser
considerado algo menor frente aos possíveis ganhos financeiros que a atividade venha
garantir. Queremos sim, afirmar que esses problemas podem ser minimizados, ou até,
neutralizados, quando se adota como ponto de partida para a concretização da prática, o
planejamento em todos os seus aspectos, no sentido de buscar evitar problemas e erros
futuros. Nesse sentido, é sempre bom ficar atento para a criação de cenários, processos
de avaliação das medidas implementadas, dados coletados e a avaliação dos mesmos e
necessidades de refazer percursos quando os objetivos não forem conseguidos
satisfatoriamente atendendo as demandas de todos os envolvidos.
O presente artigo, o primeiro de uma série que analisa este aspecto, tem por
objetivo discutir a utilização das cidades históricas como cidades turísticas, buscando
tratar a relevância do planejamento estratégico para a prática turística visando a
preservação do patrimônio cultural existentes nessas localidades a exemplo das cidades
de Cachoeira, na Bahia; São Cristóvão, em Sergipe e Penedo, em Alagoas.

O PATRIMÔNIO CULTURAL E SUA PRESERVAÇÃO

As ações de preservação do Patrimônio Cultural no Brasil têm sua efetiva


realização já há bastante tempo em nosso país. O marco fundante dessa política foi a
criação do Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, em fins da
década de 1930, precisamente em 13 de janeiro de 1937, completando, portanto, agora
80 anos de existência e serviços prestados na preservação do nosso patrimônio, pelo
então Estado Novo comandado por Getúlio Vargas. A instituição reunia em torno da
figura de Rodrigo de Melo e Franco uma parte bastante significativa da inteligência
brasileira do período, figuras como Mário de Andrade, Carlos Drummond de Andrade,
Manuel Bandeira, Lúcio Costa, Sérgio Buarque de Holanda, Gilberto Freyre, Cândido

394
Portinari, Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo, Prudente de Morais Neto, Afonso
Arinos de Melo Franco, entre outros.
Ao longo desses oitenta anos de existência o instituto foi responsável, através
das atividades dos seus técnicos e dirigentes, pelo levantamento, seleção e preservação,
através do recurso jurídico do tombamento - prática iniciada com a promulgação do
Decreto-Lei nº 25, de 30 de novembro de 1937 - de diversos monumentos (individuais e
em conjunto, a exemplo de igrejas, palácios, fortalezas e fortes, estatuária, pinturas,
conjuntos arquitetônicos, centros históricos e cidades históricas) por todo Brasil.
Através dos seus pareceres, dos seus registros, da constituição dos seus catálogos, o
IPHAN desde a sua criação vem buscando garantir a salvaguarda e a preservação desse
patrimônio, conforme podemos observar:

Em um levantamento feito na Lista dos Bens Culturais nos Livros de Tombos


do IPHAN entre os anos de 1938 a 2012, constatou-se que a maioria dos
tombamentos realizados, desde sua da fundação até início/meados da década de
1970, está dividida entre: 1) arquitetura religiosa (e as construções barrocas
como predominante) contabilizando 349 bens; 2) arquitetura civil (casas,
casarões e engenhos produtores de açúcar) contabilizando 235 bens; 3)
arquitetura pública4 (sedes administrativas, casas de moeda, palácios, fontes,
chafarizes, pontes e arcos) contabilizando 121 bens; 4) conjuntos
(arquitetônicos, paisagísticos, históricos, urbanísticos) contabilizando 78 bens;
5) arquitetura militar (fortes, fortalezas e ruínas) contabilizando 43 bens; e, 6)
objetos (acervos museológicos, esculturas em madeiras, quadros, retábulos de
igrejas, entre outros) contabilizando 33 bens. (OLIVEIRA, 2016, p. 52).

Além da prática de preservação desses monumentos através da realização do


tombamento, recentemente a instituição, através do Decreto nº 3.551, de 04 de agosto
de 2000, passou por meio do Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial a realizar
a proteção e a preservação do chamado Patrimônio Cultural Imaterial 5, tendo como os
primeiros registros realizados no ano de 2004, os seguintes: 1) Ofício das Paneleiras de
Goiabeiras (Vitória/ES), no Livro de Registro dos Saberes, com a proposta sendo
encaminhada pela Associação das Paneleiras de Goiabeiras e pela Secretaria Municipal
de Cultura da cidade de Vitória, capital do Espírito Santo; 2) A Arte Kusiwa – pintura
corporal e arte gráfica Wajãpi (Amapá), no Livro de Registro das Formas de Expressão,
com a proposta sendo encaminhada pelo Conselho das Aldeias Waiãpi (Apina) e pelo

4
Considera-se arquitetura pública a arquitetura civil construída pelo Estado ou por entes públicos, como
governo o federal, os estaduais e os municipais.
5
A denominação acerca do patrimônio é dividida em patrimônio material, também conhecido como
patrimônio tangível, consubstanciando-se em edificações, objetos, entre outros e patrimônio imaterial,
também conhecido como patrimônio intangível, consubstanciando-se em festas, celebrações e ritos
religiosos, saberes, entre outras práticas proporcionadoras de identidade a uma determinada coletividade.

395
Museu do Índio da Fundação Nacional do Índio – FUNAI. A lista de bens registrados
pelo IPHAN hoje conta com um total de 30 manifestações culturais conforme vê-se:

Tabela 1 – Relação dos bens imateriais registrados/protegidos pelo IPHAN

Item Bem Patrimonial Livro de Registro Ano


01 Círio de Nossa Senhora de Nazaré Livro das Celebrações 2004
02 O Samba de Roda do Recôncavo Baiano Livro de Registros das Formas 2004
de Expressão
03 Modo de Fazer a Viola de Cocho Livro dos Saberes 2005
04 Ofício das Baianas de Acarajé Livro dos Saberes 2005
05 Jongo do Sudeste Livro das Formas de Expressão 2005
06 Cachoeira de Iauaretê – Lugar Sagrado dos Povos Livro dos Lugares 2006
Indígenas dos Rios Uaupés e Papuri
07 Feira de Caruaru Livro dos Lugares 2006
08 Frevo Livro das Formas de Expressão 2007
09 Tambor de Crioula do Maranhão Livro das Formas de Expressão 2007
10 Matrizes do Samba no Rio de Janeiro Livro das Formas de Expressão 2007
11 Modo artesanal de fazer queijo de Minas, nas regiões Livro dos Saberes 2008
do Serro, da Serra da Canastra e do Salitre
12 Roda de Capoeira Livro das Formas de Expressão 2008
13 Ofício dos Mestres de Capoeira Livro dos Saberes 2008
14 Modo de Fazer Renda Irlandesa – Sergipe Livro dos Saberes 2009
15 Toque dos Sinos em Minas Gerais Livro das Formas de Expressão 2009
16 Ofício de Sineiro Livro dos Saberes 2009
17 Festa do Divino Espírito Santo em Pirenópolis Livro das Celebrações 2010
18 Ritual Yaokwa do Povo Indígena Enawene Nawe Livro das Celebrações 2010
19 Sistema Agrícola Tradicional do Rio Negro Livro dos Saberes 2010
20 Festa de Sant' Ana de Caicó Livro das Celebrações 2010
21 Complexo Cultural do Bumba-meu-boi do Maranhão Livro das Celebrações 2011
22 Saberes e Práticas Associados aos Modos de Fazer Livro dos Saberes 2011
Bonecas Karajá
23 Rtixòkò: expressão artística e cosmológica do Povo Livro das Formas de Expressão 2012
Karajá
24 Fandango Caiçara Livro das Formas de Expressão 2012
25 Festa do Divino Espírito Santo de Paraty Livro das Celebrações 2013
26 Festa do Senhor Bom Jesus do Bonfim Livro das Celebrações 2013
27 Festividades do Glorioso São Sebastião na Região do Livro das Celebrações 2013
Marajó
28 Produção Tradicional e Práticas Socioculturais Livro dos Saberes 2014
Associadas à Cajuína no Piauí
Fonte: Website do IPHAN – http://portal.iphan.gov.br/

Para além das ações aqui citadas, tombamentos e registros, o instituto também
foi responsável pela definição de uma política pública de preservação/conservação do
patrimônio cultural brasileiro, não somente por ter diretorias espalhadas por todo
território nacional protegendo aquilo que é considerado importante mas, principalmente,
porque o seu ideário, as suas práticas, o trabalho desenvolvido pelos seus técnicos e
servidores passou a ser referencial para os entes federativos no momento de definirem
as práticas de preservação a serem adotadas e realizadas por seus órgãos de preservação

396
e, em muitos casos, também servindo de exemplo para os municípios brasileiros no
tocante a proteção dos seus patrimônios culturais.

O TURISMO PRESERVA?

Até a década de 80 do século XX a resposta para esse questionamento seria


negativa, principalmente, pela existência de empreendimentos que visavam apenas o
lucro e o retorno dos investimentos de imediato, sem se preocupar com a degradação,
seja do patrimônio cultural ou do patrimônio natural.
Na última década o que se tem observado é uma mudança paradigmática em
relação a esses tipos de ações. Tem-se buscado, em contraposição as atitudes do
passado, adotar práticas profissionais para pensar e tratar os problemas diversos e, nesse
sentido, o planejamento estratégico constituiu-se em um aliado fundamental para o bom
desenvolvimento da prática turística.
Tomando o planejamento estratégico como aliado ou como o princípio de uma
boa utilização do patrimônio cultural é possível afirmar que o Turismo preserva. Um
planejamento bem estruturado, observando-se todas as fases constituinte do processo,
sem pular etapas e visualizando-se os diversos cenários que podem vir a se constituir,
definindo-se os pontos fortes (que devem sem amplificados ao máximo) e os pontos
fracos (que devem ser eliminados ou minimizados) e incluindo-se aí a busca por toda
informação necessária, bem como o fornecimento de informações imprescindíveis para
a boa execução do mesmo, é fundamental para que se encontre soluções viáveis de
serem aplicadas e socializadas.

Diagrama 01 – Resumo Papel do Planejamento Estratégico para Preservação do Patrimônio


Cultural.

Cidade Histórica Planejamento Estratégico Utilização e Preservação do


Cidade Turística (Curto, Médio e Longo Prazo) Patrimônio Cultural

Participação de Todos
(Poder Público, Empresariado,
Turismólogos, Historiadores,
Comunidade Local)

Fonte: Elaborado pelo autor.

397
Nesse sentido, e como parte importante para um planejamento eficaz e
eficiente, a participação do poder público (principalmente em nível local) torna-se
fundamental e obrigatória, afinal o desenvolvimento local e o bem-estar das diversas
comunidades não podem e não devem ficar na mão, exclusivamente, da iniciativa
privada.
Por sua vez, a iniciativa privada deve participar do ato de planejar, pelo
simples fato de estar contribuindo diretamente com algumas variáveis importantes nesse
processo, afinal os restaurantes, os meios de hospedagem, os meios de transporte, a
produção e venda de souvenires que auxiliam e garantem uma boa estadia ao turista em
visita a um determinado lugar, são os meios de sobrevivência, são os negócios
gerenciados e implementados pelos membros constituintes desse setor.
O planejamento ainda encerra questões importantes que não podem ser jamais
esquecidas e que, se bem trabalhadas, podem garantir não só o retorno do turista ao
local visitado como a indicação do lugar, para o seu círculo de amizade, na chamada
propaganda “boca-a-boca” positiva. Pensando nisso é que se deve observar
rigorosamente os dias e horários de abertura (e nesses dias os lugares devam estar
realmente abertos, pois não adianta ter um monumento fechado nos fins de semana
sendo este o momento de maior visitação), a conservação geral do lugar (limpeza de
áreas a serem visitadas, bem como banheiros e arredores), a segurança dos turistas e dos
próprios moradores do local, a capacidade de carga de visitação (número máximo de
visitantes por vez) para que os monumentos, sítios históricos, edificações, objetos, entre
outros não sejam afetados ou, até mesmo, depredados, mesmo que não intencional.
Por último, mas não menos importante, no momento do planejamento é o
papel, é o envolvimento da comunidade local na construção/definição/utilização dos
atrativos turísticos e, nos casos em análise, dos monumentos. É fundamental que a
comunidade local esteja envolvida com tudo que diz respeito ao seu lugar de moradia,
de vivência, da sua existência, afinal, se para o turista aquele lugar pode ser o exótico, o
diferente, o fotografável, para o residente, para o morador é o lugar onde se
desenvolvem as suas práticas cotidianas de religiosidade, de sociabilidade, de
visibilidade.
Tomemos como exemplo o simples ato de visitação a uma determinada igreja
em uma cidade histórica brasileira, como a cidade de Ouro Preto, por um grupo de
turistas. Fotografa-se, fala-se alto na maioria das vezes, o guia presta informações,
produzem-se risadas e comentários, se dispersa a atenção. Em contrapartida, há

398
moradores calados, circunspectos, a rezarem e professarem sua fé incomodados com
toda aquela balburdia provocada pela excitação da visita. Como conciliar essa situação?
Essa e outras perguntas e situações devem ser pensadas e resolvidas.
CIDADES HISTÓRICAS COMO CIDADES TURÍSTICAS

Faz-se necessário observar que essa relação Cidades Históricas como Cidades
Turísticas não é uma relação tão nova em nossa história. Podemos ter como exemplo as
ações implementadas na década de 1970, derivadas dos eventos denominados I e II
Encontro de Governadores para a Preservação do Patrimônio Histórico, Artístico,
Arqueológico e Natural do Brasil, conhecidos também como Compromisso de Brasília
(ocorrido em 1970) e Compromisso de Salvador (ocorrido em 1971), tendo como um
dos objetivos principais “a possibilidade de utilização desse patrimônio no
desenvolvimento do mercado turístico nos diversos locais em que isso fosse possível”
(OLIVEIRA, 2010, p. 70)
Esses eventos contaram com a presença dos técnicos e dirigentes da Empresa
Brasileira de Turismo – EMBRATUR, que havia sido criada para suprir uma
necessidade existente e é considerada um marco no processo de profissionalização da
prática turística no Brasil. Nesse sentido, estados como a Bahia, Minas Gerais, São
Paulo6, Rio de Janeiro, passaram não somente a desenvolver ações e atividades para a
preservação/conservação do seus respectivos patrimônio, culturais materiais, (exemplos:
Projeto de Revitalização do Pelourinho em Salvador; criação pela Prefeitura Municipal
de Ouro Preto do Departamento Municipal do Patrimônio Histórico e Artístico e de
Casas de Cultura, como a de Mariana) mas também a desenvolver ações conjuntas para
a exploração turística dos seus respectivos patrimônios.
A título de exemplo gostaríamos de elencar dois clássicos da relação
Patrimônio Cultural e Turismo no Brasil: as cidades de Ouro Preto, em Minas Gerais; e
Salvador, na Bahia. A cidade de Ouro Preto foi elevada à categoria de Cidade Histórica
no ano de 1933, ação ocorrida antes mesmo da fundação do IPHAN e é considerada a
primeira ação efetiva de preservação/conservação de uma cidade histórica. Antiga
capital de Minas Gerais foi substituída por Belo Horizonte no ano de 1893 e em
decorrência disso, a antes cidade comandante da busca pelo ouro e por pedras preciosas

6
Gostaríamos de chamar a atenção para a “criação, em 1968, através da Lei 10.247 de 22 de outubro, do
Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turismo do Estado de São Paulo
– CONDEPHAAT. O Conselho tinha por objetivo a proteção não só do patrimônio histórico paulista, mas
já na sua sigla informava a preocupação com o patrimônio turístico”. (OLIVEIRA, 2010, p. 72-73)

399
entrou em declínio, não recebendo afluxos de migrantes vindos de outras partes do
estado para a capital (agora antiga capital) ou pela perda de moradores para a nova
capital, conseguiu manter em grande parte intacto seu casario colonial e suas igrejas
barrocas.
Nessa perspectiva concordamos com Silva (2004) quando diz que:

A arquitetura e o urbanismo em cidades turísticas desempenham papel


fundamental na cenarização do espaço. Constituindo elementos culturais
atrativos, representam um campo de atuação tanto do mercado quanto do poder
público para o projeto e o planejamento de ações estratégicas para o
desenvolvimento do turismo. (SILVA, 2004, p. 30)

A exemplo disso podemos observar as imagens de Ouro Preto.

Imagem 01 – Museu da Inconfidência Imagem 02 – Casario Colonial


Fonte: Acervo pessoal do autor. Fonte: Acervo pessoal do autor.
Imagem 03 – Igreja de N. S. do
Rosário
Fonte: Acervo pessoal do
autor.

Redescoberta pelos modernistas brasileiros na década de 1920, a cidade passou a


ser cultuada como exemplo da autenticidade e qualidade das construções barroco-
coloniais, trabalhos de artistas como Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho e que só
encontrariam rivais à altura nas construções modernas projetadas por um Lúcio Costa
ou por Oscar Niemayer. Esse culto à cidade e a sua exposição, transformaram Ouro
Preto em lugar a ser visitado, para ser conhecido e experimentado por todos. A cidade
recebeu o título de Patrimônio Cultural da Humanidade (título concedido pela
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO) em
02 de setembro de 1980, ação que só fez aumentar a movimentação turística na cidade.
O segundo exemplo ao qual queremos nos ater é o da cidade de São Salvador
na Bahia. Primeira capital brasileira, permanecendo nessa condição até a transferência
da capital para o Rio de Janeiro em 1763. A cidade foi fundada por Tomé de Sousa no
ano de 1549 contando, portanto, com 467 anos de história e sendo uma das mais antigas

400
das Américas. Foi edificada para ser a sede do Governo-Geral do Brasil e foi, nessa
condição, que recebeu as principais ordens religiosas e igrejas e conventos, além dos
palacetes administrativos para o exercício do poder real português, majestosos fortes
para a defesa dos interesses da coroa frente aos inimigos e invasores e o seu casario
colonial, todos tão bem representados no Centro Histórico da cidade ou como é mais
comumente conhecido, no Pelourinho.
Vejamos alguns exemplos dos monumentos da capital baiana.

Imagem 04 – Fundação Casa de Imagem 05 – Igreja de São Francisco Imagem 06 – Forte de São
Jorge Amado Fonte: Acervo pessoal do autor. Marcelo
Fonte: Acervo pessoal do autor. Fonte: Acervo pessoal do autor.

A cidade, assim como Ouro Preto, também teve seu Centro Histórico alçado à
condição de Patrimônio Cultural da Humanidade pela UNESCO em 02 de dezembro de
1985, sendo um dos principais destinos turísticos brasileiros. Soma-se ao patrimônio
material preservado uma série de elementos culturais como a música, a dança, a
religiosidade e a culinária baiana, resultado da rica mistura entre os africanos, os
ameríndios e os europeus que construíram a cidade. Destaca-se aí a preservação do
patrimônio cultural imaterial através do registro feito pelo IPHAN, a exemplo do
acarajé (e todos os seus apetrechos e relações de religiosidade), da capoeira e samba de
roda.

Figura 01: Baiana do Acarajé Figura 02: Roda de capoeira Figura 03: Selo comemorativo do
Fonte: Fonte: Registro do Samba de Roda do
https://br.pinterest.com/pin/374572893982 http://blog.millenniumclubfitness.com Recôncavo Baiano.
308063/ Acesso em: 02 mar. 2017. Fonte:
Acesso em: 25 out. 2016. https://www.filatelicaonline.com.br/ind
ex.php
Acesso em: 02 mar. 2017.
401
Para além desses dois exemplos, já bastantemente conhecidos dos turistas
brasileiros e, até, do turismo internacional, gostaríamos de tratar de três cidades históricas
com um potencial turístico muito grande, são elas: Cachoeira – BA, São Cristóvão – SE e
Penedo – AL.

AS CIDADES HISTÓRICAS E TURÍSTICAS DE CACHOEIRA – BA, SÃO


CRISTÓVÃO – SE E PENEDO - ALA

Cachoeira – BA: Cidade Heroica

Localizada no Recôncavo Baiano, nasceu como povoado entre os anos de 1595


e 1605. Desenvolveu-se rapidamente tanto que, em fins do século XVII, foi criada a
freguesia de Nossa Senhora do Rosário da Cachoeira e sendo, em poucos anos, elevada
à categoria de vila, nomeada de Nossa Senhora do Rosário do Porto de Cachoeira.
Produtora de cana-de-açúcar e utilizando-se da mão-de-obra escrava nos
diversos engenhos para a produção do açúcar, como quase todas as cidades do
recôncavo, teve na produção do tabaco, chegando a ser a maior produtora de fumo do
continente americano, outro elemento que garantiu a opulência da cidade, demonstrada
no seu rico casario colonial, bem como nas suas igrejas barrocas. O porto fluvial (a
cidade se encontra encravada na margem esquerda do Rio Paraguaçu) era responsável
pelo escoamento de quase toda a produção agrícola feita na região e também era o
contato direto com a capital, Salvador.
No ano de 1837 foi elevada à categoria de cidade. Cachoeira, rica, opulenta e
importante no cenário baiano e nacional, teve participação significativa nas lutas pela
independência do Brasil em 1822 (25 de junho daquele ano), proclamando D. Pedro I,
regente e Defensor Perpétuo e Constitucional do Brasil, transformando-se em sede do
Governo Provisório do Brasil, com direito a batalhas e recrutamento de soldados para
libertar Salvador e concluir o processo de separação em 02 de julho de 1823. Em 1837,
foi mais uma vez sede de um governo provisório, agora de caráter republicano, em
decorrência da Revolta da Sabinada, movimento que reivindicava maior autonomia
política e administrativa para as províncias e era um contraponto ao governo que se
instalara pós-independência e pós-abdicação de Dom Pedro I em 1831. Nesse mesmo

402
ano recebeu o título de “Cachoeira, a Heroica” pela sua participação em tais
movimentos.
Primeiro a riqueza, gerada com a produção do açúcar, do fumo, do comércio e
do porto escoador, do fato de se encontrar em localização privilegiada entre a cidade de
Salvador e o sertão baiano e, com o início do processo de ocupação, do que viria a ser as
Minas Gerais, foi geradora de importante conjunto arquitetônico. Posteriormente, o
declínio da cidade decorrente das crises da indústria do tabaco e da perda considerável
de população em decorrência dessas crises, foi possível a preservação/manutenção desse
importante conjunto caracterizador da cidade, conforme informações obtidas em
relatório do IPHAN e constatadas nas imagens produzidas por nós como forma de
exemplificação.

A área tombada possui, aproximadamente, 670 edificações. O conjunto


arquitetônico - formado na sua maioria por edifícios do século XVIII e XIX -
caracteriza-se pela tendência neoclássica que, no século XIX, influenciou a
construção de novos prédios e reformou os antigos. Este patrimônio também
inclui edificações do século XVII. As formas de apropriação do sítio
transformaram a cidade em um bem de relevantes qualidades paisagísticas.
(IPHAN, http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/112, acesso em 03 de março
de 2017)

Algumas imagens:

Quadro 01 – Imagens de Cachoeira – BA:


Imagem 07 – Igreja e Convento de N. S. do Carmo Imagem 08 – Adro da Igreja e Convento de N. S. do Carmo
Imagem 09 – Corredor do Adro da Igreja e Convento de N. S. do Carmo Imagem 10 – Casario preservado pelo IPHAN
Imagem 11 – Casa da Misericórdia de Cachoeira, antigo Hospital São João de Deus Imagem 12 – Casario preservado pelo IPHAN
Imagem 13 – Casario na Praça da Aclamação, preservado pelo IPHAN Imagem 14 – Igreja Matriz de N. S. do Rosário dos Pretos
Imagem 15 – Sede da Irmandade da Boa Morte Imagem 16 – Museu Regional de Cachoeira, antiga Casa de
Câmara e Cadeia
Fontes: Acervo pessoal do autor.

403
É necessário ressaltar que para além desse patrimônio cultural material de
grande monta existente em Cachoeira, há também um rico patrimônio cultural imaterial
representado principalmente através do sincretismo religioso, pela incorporação de
elementos religiosidade católica e afrodescendente representado pela celebração e
comemoração no dia 15 de agosto do dia devotado a Nossa Senhora da Boa Morte,
organizadas pela Irmandade da Boa Morte.

São Cristóvão – SE:

A cidade de São Cristóvão foi fundada com a denominação de São Cristóvão


de Sergipe d'EI Rei, pelos espanhóis em 1590, durante a União Ibérica, sob comando de
Felipe II, para ser a sede do governo na recém-criada Capitania de Sergipe. Conta com a
peculiaridade histórica de ser a quarta cidade mais antiga do Brasil (seguindo Salvador,
Rio de Janeiro e João Pessoa, também fundada no período da União Ibérica). Invadida
pelos holandeses, durante o período de ocupação do nordeste, foi praticamente
destruída. Liberta em 1645, retorna ao controle português. Retomada a reconstrução da
cidade, a produção açucareira da região dará o tom econômico, mas também aí se
produzirá entre outros produtos, o fumo e o couro decorrente da criação do gado.
A cidade se mantém como capital até o ano de 1855 quando esse papel foi
transferido para a cidade de Aracaju, ação apoiada pelos donos de engenhos da região
que procuravam um local para a construção de um porto maior e que possibilitasse o
recebimento de navios maiores, facilitando o escoamento do que era produzido,
principalmente, a produção açucareira. Além da perda da função de capital, São
Cristóvão ao longo dos anos também foi perdendo áreas territoriais para a nova capital,
a exemplo das áreas de Atalaia e Coroa do Meio permutadas por um gerador elétrico
para iluminar a cidade e, posteriormente, o que restava na cidade de área litorânea a
exemplo de Areia Branca, Náufragos e Robalo, entre outros.
Com a transferência da capital para Aracaju, São Cristóvão passou por um
processo de crise economica e diminuiu o adensamento populacional e,
consequentemente, a diminuição de exploração do espaço urbano possibilitando a
preservação de importante conjunto arquitetônico de caracteristicas barrocas-colonial.
Em 1967 a cidade foi tombada pelo IPHAN, porém os processos de proteção já haviam

404
sido iniciados anteriormente com os primeiros atos do Instituto, a exemplo do
tombamento da Igreja e Convento de Santa Cruz ou de São Francisco (como é mais
conhecida) em 1941 e da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Vitória, da Igreja e
Convento do Carmo e a Igreja da Ordem Terceira, também conhecida como Igreja de
Nosso Senhor dos Passos, bem como a Igreja do Rosário dos Homens Pretos em 1943.
Para além dos exemplares religiosos também foram feitas uma série de
tombamentos do casario pertencente à cidade. Em 2010 o Comitê do Patrimônio
Mundial da UNESCO concedeu a Praça de São Francisco o titulo de Patrimônio
Cultural da Humanidade. Podemos observar os monumentos aqui citados e alguns
outros nas imagens a seguir.

Quadro 02 – Imagens de São Cristóvão – SE:


Imagem 17 – Igreja de N. S. do Rosário dos Pretos Imagem 18 – Igreja e Convento de São Francisco
Imagem 19 – Casario preservado pelo IPHAN Imagem 20 – Igreja e Convento de N. S. do Carmo
Imagem 21 – Adro do Convento de Casa da N. S. do Carmo Imagem 22 – Detalhe do teto da sacristia Igreja de N. S. do Carmo
Imagem 23 – Igreja Matriz de N. S. da Vitória Imagem 24 – Casarão Colonial – Sede da Sec. Mun. De Educação
Imagem 25 – Casario preservado pelo IPHAN
Fontes: Acervo pessoal do autor.

Penedo – AL:

O povoado de Penedo, em Alagoas, foi fundado entre meados e fins do século


XVI, por Duarte Coelho Pereira (primeiro donatário da Capitania de Pernambuco), ou
por Duarte Coelho de Albuquerque (filho e herdeiro do primeiro), dependendo das
leituras dos historiadores e memorialistas, a partir de processos de exploração

405
(bandeiras) para mapeamento e posterior controle do Rio São Francisco. A
denominação Penedo deriva da expressão grande pedra, na qual inicialmente o povoado
foi assentado, na margem esquerda do rio. O povoado foi elevado à categoria de vila em
1636 com denominação de São Francisco, passando a ser conhecida por São Francisco
de Penedo e com a elevação a categoria de cidade em 1842, passou a ser conhecida
somente como Penedo.
A produção açucareira, a exemplo de Cachoeira na Bahia e São Cristóvão em
Sergipe favoreceu a construção de um conjunto barroco-colonial de grande importância
e que tem na Igreja e Convento Santa Maria dos Anjos (Convento dos Franciscanos), na
Igreja de Nossa Senhora da Corrente e na Igreja de São Gonçalo Garcia seus principais
exemplares, além de uma série de outros monumentos espalhados pela cidade, conforme
citação a seguir:

A cidade de Penedo possui um centro histórico de significativa importância,


formado por conjuntos de logradouros públicos e edificações. Sua paisagem
edificada inclui alguns dos mais importantes bens da arquitetura religiosa do
Nordeste – o Convento e Igreja Santa Maria dos Anjos e as igrejas de Nossa Sra.
da Corrente e de São Gonçalo Garcia – e exemplares da arquitetura civil moderna,
como o Hotel São Francisco, dos anos 1960. (IPHAN,
http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/110, acesso em 03 de março de 2017)

Ou ainda:

Há, na cidade, edificações neoclássicas e até exemplares de art nouveau do final do


século XIX, quando ocorreu seu apogeu econômico, com o renascimento da
indústria do açúcar. O conjunto histórico e paisagístico de Penedo, abrange a área
da margem esquerda do rio São Francisco com o prolongamento do eixo das ruas
15 de Novembro, do Amparo, São Francisco, Nilo Peçanha e Ulisses Batinga,
Joaquim Nabuco (antiga rua Santa Cruz), além das avenidas Getúlio Vargas e
Duque de Caxias, entre outras. (IPHAN,
http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/110, acesso em 03 de março de 2017)

Por esses exemplares é que a cidade teve seu conjunto arquitetônico, histórico
e paisagístico de reconhecido valor, tombado pelo IPHAN em 1996, dando início de
forma mais institucionalizada a preservação dos mesmos, principalmente pela
possibilidade de disponibilização de recursos financeiros para as ações de restauro e
conservação de uma série de monumentos protegidos, conforme as imagens a seguir.

406
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Quadro 03 – Imagens de Penedo – AL:


Imagem 26 – Igreja e Convento Santa Maria dos Anjos Imagem 27 – Igreja de Nossa Senhora da Corrente
(Franciscanos)
Imagem 28 – Casa da Aposentadoria Imagem 29 – Catedral Diocesana de Penedo
Imagem 30 – Igreja de São Gonçalo Garcia Imagem 31 – Prefeitura Municipal de Penedo
Fontes: Acervo pessoal do autor.

A guisa de conclusão, embora parciais pois, como dito no início deste artigo, faz
parte de uma pesquisa que envolve outras cidades históricas, gostaríamos de retomar
algumas questões consideradas de grande relevância.
A primeira delas é a importância e a necessidade do planejamento estratégico
para a preservação do patrimônio cultural. A prática turística como fomentador e
promovedor do desenvolvimento local precisa ser pensada em todas as suas nuances e o
planejamento estratégico pode proporcionar uma visão tanto geral, como especifica
sobre a atividade, buscando compreender e dar respostas as possíveis dificuldades e
problemas que venham a ser encontrados na aplicabilidade do patrimônio cultural como
forma de promoção do desenvolvimento, sem perder as referências identitárias e a
importância do papel desempenhado pela comunidade local.
Em relação especificamente as cidades apresentadas é necessário lembrar o
papel que programas governamentais tiveram no tocante as práticas de preservação e
restauração a exemplo do Programa MONUMENTA, principalmente na perspectiva de
utilização desses exemplares na prática turística com vistas a um maior
desenvolvimento econômico e social das cidades históricas. Desde a retomada da

407
parceria com IPHAN em 2003/2005 até a sua finalização e subsequente implantação do
PAC das Cidades Históricas (iniciada no ano de 2010) é possível verificar os
investimentos em formação e financeiros com essa finalidade.

Foi articulada, a partir de 2005, por exemplo, uma ação do


componente de fortalecimento institucional para os municípios, junto
ao Ministério das Cidades. Essa ação, desenvolvida em cooperação
com a UNESCO, abriu a possibilidade de que outros municípios fora
do programa pudessem acessar recursos para o desenho de Planos
Diretores, como aconteceu com Sobral e Vassouras. Foi realizada
Oficina sobre Planos Diretores e Preservação do Patrimônio Cultural
em Mariana, com o Ministério das Cidades, com técnicos das UEPS,
do IPHAN, e Meio Ambiente e equipes municipais, para definição de
termos de referência para elaboração de planos diretores e de
preservação.
Com o Ministério do Turismo foi firmado um convênio para
integração de suas políticas, incluindo ações voltadas para o inventário
de bens e publicação de roteiros das cidades do Programa
MONUMENTA. (GIANNECCHINI, 2014, p. 36)

Em relação ao PAC das Cidades Históricas verificou-se a presença de ações do


programa em duas das três cidades, a exemplo de algumas restaurações como: Teatro
Sete de Setembro, Cine Penedo, Casarão do Montepio dos Artistas, Círculo Operário -
Escola de Santeiros, Casarão da Biblioteca de Penedo, em Penedo e Convento São
Francisco e Museu de Arte Sacra de São Cristóvão, Sobrado do Balcão Corrido, Sede
da Prefeitura Municipal, Antiga Casa de Câmara e Cadeia, Igreja Nossa Sra. do
Amparo, Igreja Nossa Senhora do Rosário, em São Cristóvão.
Mais uma vez evidenciamos a importância do planejamento para a preservação
do patrimônio cultural com vistas à prática turística e, nesse sentido, queremos ressaltar
duas questões observadas nas cidades: 1) a falta de uma sinalização turística adequada
que possibilitasse o acesso e o reconhecimento fácil dos diversos monumentos e 2) a
falta de material promocional. Foi encontrado muito pouco ou quase nenhum material
promocional, cujo argumento para não existência do mesmo eram as mudanças de
gestões das prefeituras e a espera pela produção de novos materiais.
É interessante também observar que a prática turística nessas cidades tem sido
desenvolvida, porém sem a implementação de políticas que possam garantir não só a
preservação desse rico e importante patrimônio cultural material, como também
integrÁ-los com os patrimônios culturais imateriais existentes nessas localidades e
regiões adjacentes. São cidades com um potencial a ser explorado a partir da realização

408
de um planejamento adequado que possa garantir o desenvolvimento local e o bem-estar
dos membros das respectivas comunidades.

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Acesso em 24 Jan. 2017.

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Acesso em 24 Jan. 2017.

410
A PRESERVAÇÃO DOS BENS CULTURAIS: TURISMO E PLANEJAMENTO
URBANO

Sirley da Conceição Ferreira¹

RESUMO: O patrimônio cultural a cada processo socioespacial adquire um forte


protagonismo tanto na vida social como no ambiente cultural, econômico, político e nos
meios de comunicação. Cabe lembrar que a preservação dos bens culturais é direito e
dever de todos e que o acesso aos bens deve acontecer de forma democrática. Neste
caso, refletir as políticas de planejamento e ordenamento urbano voltado para atender as
necessidades de mercado, em que o patrimônio é a verdadeira vocação do turismo
cultural é um dos principais desafios na política de preservação do patrimônio cultural e
da cidade como o todo. Enfim, esse artigo apresenta algumas observações e
considerações sobre a proteção dos bens culturais da cidade e sua relação com o
planejamento urbano, destacando alguns mecanismos de valorização cultural, no caso o
turismo.

PALAVRAS-CHAVE: Patrimônio, Turismo e planejamento urbano

ABSTRACT: The cultural patrimony of each socio-spatial process acquires a strong


role both in social life and in the cultural, economic, political and media environment. It
should be remembered that the preservation of cultural goods is the right and duty of all,
and that valuation actions must take place democratically. In this case, reflecting
planning and urban planning policies geared to meeting market needs, where heritage is
the true vocation of cultural tourism, is one of the main challenges in the preservation of
cultural heritage policies. Finally, this article presents some observations and
considerations about the preservation of the cultural assets of the city and its
relationship with urban planning, highlighting some mechanisms of cultural
valorization, in this case tourism.

KEYWORDS: Heritage, Tourism and urban planning

______________________________________________________________________
¹ Graduado Licenciatura em Turismo pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro – UFRRJ (2014)
e Pós graduando Turismo Sustentável pelo Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da
Fonseca – CEFET/Nova Friburgo – Rio de Janeiro (2017). Email:
sirley.ferrconsaqua@hotmail.com

411
INTRODUÇÃO
A cidade é o espaço social de convívio, de interação social, conflitos e
competitividade. Também constituído de elementos físicos (elementos naturais e
construído pelo homem), com múltiplos ambientes particularmente de convívio das
pessoas e instituídos de experiências culturais e registros, além de proporcionar fruição
social importante para o desenvolvimento humano, social e econômico.
Da mesma forma, a cidade caracteriza-se como ‘’aglomeração urbana de certa
importância, localizada numa área geográfica circunscrita e que tem numerosas casas
próximas entre si, destinadas a moradias e atividades culturais, mercantis, industriais
entre outras’’ (LENCIONI, 2008, p.113).
Neste contexto, o desafio dos planejadores, promotores territoriais e urbanistas
na organização do espaço urbano é tentar harmonizar o planejamento e ordenação
urbana junto aos bens culturais que fazem parte da vida cotidiana das pessoas. Neste
caso, a cidade analisado como urbano, objeto e fenômeno é indispensável tratá-la
apenas como espaço de convívio e troca comerciais.
No entanto, além das dificuldades no campo do planejamento com relação a
preservação do patrimônio cultural. Os conflitos sociais, as forças externas dos agentes
de mercado e a falta de articulação entre as esferas políticas são desafios enfrentados na
maioria das cidades brasileiras.
Essas considerações são importantes, pois caracterizar a cidade como bem
cultural está sujeito a equívocos, mas devemos qualificá-la pelo fato de ser espaço de
desenvolvimento humano, social, econômico e ambiente de convívio, onde bens
materiais e imateriais se relacionam e as representações reforçam tratar esse ambiente
físico como ‘’bem cultural’’.
Enfim, o artigo consiste na pesquisa bibliográfica e documental como livros,
dissertações e teses acerca do tema e si propõe refletir a cidade como bem cultural
destacando algumas considerações relevantes na valorização do patrimônio. Na segunda
análise, iremos compreender a importância do turismo como mecanismo de
comunicação e valorização do patrimônio cultural, por ultimo tratar o planejamento
como ferramenta que pode contribuir para não destruição dos bens tombado e
fundamental na preservação do patrimônio diante do pretexto da globalização.

412
CONSIDERAÇÕES SOBRE A CIDADE COMO BEM CULTURAL

A cidade é um processo construído ao longo do tempo, onde cada elemento


construído pelo homem tem uma história, valor de pertencimento e representação e sua
forma e função podem variar ao longo do tempo. Nesse contexto, a cidade não deve ser
interpretada apenas como artefato socialmente produzido. Mas, as práticas que dão
forma e função a cidade é que o instituem como artefato e que também lhe dá sentido
(CHOAY, 1925).
A cidade como dimensão do espaço geográfico caracteriza-se pelas suas
configurações topográficas, padrões locacionais, das formas arquitetônicas, das
estruturas, dos traços urbanos, dos arranjos espaciais entre outras formas de estrutura,
nesse sentido, ‘’a cidade é uma obra de arte para a qual cooperam gerações de
habitantes acomodando-se mais, ou menos, aquilo que existia antes delas’’ (RIBEIRO,
2006, p. 310).
Nesse contexto, ‘’é no espaço material e da memória que a identidade
permanece enraizada, quando o espaço passa a representar o tempo na memória social
ele torna-se patrimônio e campo conflituoso de representações sociais’’ (LAMY, 1996,
p.14; CANCLINI, 1994). Assim, caracterizar a cidade como bem cultural é uma forma
de qualificar como ambiente de pertencimento e de representações culturais.
É importante atentarmos pelo seguinte fato: a cidade como bem cultural é um
termo vulgar que, a priori, devemos considerar como a melhor forma de caracterizá-la
simbolicamente - bom para todos, benéfica, boa e aprazível. Mas, na realidade, os
graves problemas urbanos como a marginalidade urbana, a violência, as desigualdades
sociais entre outros fatores são contraditórios quando se trata dessa qualificação.
Contudo, Meneses (2006) aponta que:

como pode a cidade ser considerada um “bem”? “Bem” quer


dizer coisa boa, aprazível, benéfica, gratificante, confiável. É o
sentido vulgar, mas não há razão para descartá-lo e ele nos bastará,
aqui. Trata-se sempre de um valor positivo – ao menos no singular já
que, por exemplo, a expressão “homem de bens” t e m m a i s
d e s d o b r a m e n t o s e a m b i g ü i d a d e s q u e “homem de bem”. Seja
como for, cidade, assim como família, universidade, museu, política,
economia, etc., são conceitos que, hoje, parecem imersos em crise
permanente (MENESES, 2006, p.35).

413
Cabe a nos entendermos que qualificar a cidade como bem cultural é uma forma
equivocada do termo, mas que reforça o seu verdadeiro sentido de lugar de
pertencimento onde todos podem viver de forma democrática, principalmente
demonstrar seus aspectos e valores culturais no espaço acessível para todos. Enfim, essa
qualificação potencializa o patrimônio como elemento fundamental na vida das pessoas
e que deve ser valorizado pelo fato de ser uma ferramenta de intermediação entre as
diferentes culturas.
No campo dos significados, a cidade como bem cultural é dotada de sentidos,
percepções e cognação, de valores e da memória, da ideologia, dos conceitos e das
representações que são elementos fundamentais na identidade local e que não podemos
esquecer que ‘’sem as práticas sociais, não há significados sociais’’ (MENESES, 2006,
p. 37).
A forma de preservar e interpretar a cidade como bem cultural nos remete a
principio, entender seu processo histórico e sócio-cultural. Essa necessidade nos leva a
refletir às dimensões culturais, políticas e técnicas. Que nesse sentido, cabe a nos
compreendermos que:

‘’(...) cultural, porque somos nós, homens, no exercício da cultura, que


elegemos o que deve ser preservado, imprimindo uma dimensão
valorativa aos bens materiais ou intangíveis. Técnica, pois devemos
desenvolver saberes, instrumentos e normas para levar a termo o
processo de preservação. Política, porque esta seleção e normatização
dos bens que devem ser patrimonializados envolvem ações e decisões,
resultantes de conflitos de interesses, que devem ser normatizadas – o
tombamento é, assim, uma ação cultural, técnica e política’’ (PAES,
2009, p. 2).

Sendo assim, a cidade como bem cultural, seus vetores matérias (artefatos,
objetos culturais, patrimônio e etc) estão condicionados aos significados sociais, das
representações e das praticas culturais presentes. Logo, os aspectos materiais de
sentidos e valores são essenciais para compreendermos o real significado de patrimônio,
além disso, esses fatores estão imbricados na dimensão de cidade e que não devemos
isolar. Nesta perspectiva, podemos considerar a cidade como monumento, pois mantém
com ela uma dimensão valorativa dos bens materiais e intangíveis.
Portanto, qualificar a cidade como ‘’bem cultural’’, tal abordagem parece-nos
necessária para compreendermos que precisamos tratar como espaço democrático, de
interação social, lugar de registro e representações das pessoas e que sua trajetória e

414
seus diversos componentes como as expressões culturais devem ser valorizados e que
interpretado desta maneira o patrimônio cultural torna-se um fato social (PAES, 2009).

O TURISMO COMO MECANISMO DE VALORIZAÇÃO DO PATRIMÔNIO


CULTURAL
A cidade não é uma obra acabada, ela esta sempre em processo de
transformação, onde os ambientes construídos ganham novas formas e funções,
surgindo novas identidades e representações sociais. Embora, o crescimento
demográfico, a extensão da cidade, a marginalidade social entre outros fatores graves
sejam evidentes no cenário de muitas cidades brasileiras, devem ser encarados como
problemas centrais nas políticas de planejamento e ordenamento urbano percorrendo
todas as esferas de governo.
Neste caso, é importante chamar atenção pelo seguinte fato: É possível preservar
uma cidade ou mesmo os monumentos diante as forças hegemônicas de mercado
mediante o processo de globalização? Nesse sentido, é oportuno propor algumas
considerações que podem contribuir para compreendermos o sentido de valorização dos
bens culturais.
Podemos dizer que o turismo pode nos proporcionar a sintonia da preservação
do passado como o presente e a conciliação de preservar os valores culturais da cidade.
É importante ainda considerar o planejamento e a legislação como instrumentos
importantíssimos que agregados a atividade turística podem conservar a cidade e os
seus bens culturais diante a globalização do capital.
Logo, o impacto da atividade turística é decorrente das cidades modernas vista
como um modelo de desenvolvimento, da necessidade das pessoas em usufruírem do
seu tempo livre em busca de novos atrativos, estilo de vida e culturas diferentes.
Podemos dizer que o turismo cultural é uma das características vigentes na
modernização das cidades.
Percebe-se que o patrimônio é visto como produto turístico pelos agentes de
mercado (oferta e demanda), ‘’tal interação ocorre para que a sociedade possa produzir
um espaço que atenda suas necessidades, visando o funcionamento do ciclo do capital e
da produção humana, sendo uma apropriação do espaço urbano pela sociedade’’ (RUIZ;
GÂNDARA, 2013, p. 261).
No entanto, é necessário que a organização do espaço urbano para atividade
turística seja orientada por política de planejamento capaz de extrair os benefícios dessa

415
atividade para a população, caso contrário põem em risco os bens considerados
culturalmente expressivos, ocorrendo conflitos sociais e a descaracterização das formas
de representação da própria população local.
Neste caso, a relação do patrimônio com o turismo é possível se houver
participação efetiva da população no processo de desenvolvimento da cidade e no
turismo, aqui incluindo o envolvimento social das instituições e os agentes ligados a
atividade. Sendo assim, a relação pode impactar positivamente na interação do turista
com os bens culturais de forma harmoniosa e o respeito à cultura local (CUNHA, 2006).
É importante que haja relação harmoniosa e sustentável no processo de
preservação dos bens culturais para que não seja colocado o próprio patrimônio cultural
em risco. Nesta perspectiva, considerar o patrimônio como recurso turístico é uma
forma de tratá-lo como fator essencial na vida das pessoas capaz de proporcionar
fruição social entre os atores envolvidos e valorização do próprio bem cultural.
A comunicação turística também pode ser uma ferramenta de tocar as imagens
identitárias de um território, a memória coletiva e social de um povo tornando-se
fundamental na democratização do acesso aos bens culturais e na preservação do
patrimônio. De acordo com Voisin (2006) ressalta que a comunicação é:

‘’(...) fundamental nos estudos turísticos, e não apenas pela


importância prática evidente da produção de conhecimento nesse
domínio para a dita “sociedade da informação e da comunicação”
atual, mas também pelas possibilidades de reflexão cultural que sua
abordagem pode proporcionar. Para além das técnicas de marketing,
de propaganda e publicidade, a comunicação turística toca as imagens
identitárias de um território, a memória coletiva e social de um povo:
trata-se aqui de representações difundidas a diversos títulos, e que
deverão ter repercussões significativas sobre o olhar que as
comunidades receptoras dirigem a si mesmas diante dos visitantes’’
(VOISIN, 2006, p. 104).

Portanto, a comunicação turística é uma ferramenta fundamental se for usada de


forma transparente e democrática no fortalecimento da identidade cultural da
comunidade local, dos bens materiais e imateriais. Da mesma forma, a ausência de uma
política de integração social, assim como a utilização de instrumentos jurídicos que
contribuam para a proteção dos atrativos culturais pode conduzir ao desenvolvimento
sustentável da cidade e a preservação dos monumentos.

416
O patrimônio visto como atrativo turístico, o consumo desse bem deve desdobra-
se em fonte de renda para a manutenção de sua própria estrutura, constituindo uma
relação mutua entre o turismo e bem cultural. No entanto, é cada vez mais voraz a
competição por espaço, da mesma forma, há suposta ‘’necessidade de se proteger de
uma eminente destruição dos objetos considerados representativos de um tempo e de
um espaço, o chamado patrimônio cultural’’(CRUZ, 2012, p. 101).
Que neste caso, podemos dizer que o turismo pode ser sim um mecanismo capaz
de assegurar a preservação do bem cultural como todo. Para tal resultado é fundamental
que as intervenções na cidade sejam realizadas tendo como preocupação mais
importante a qualidade de vida da comunidade local e a preservação dos bens materiais
e imateriais, caso contrario não podemos garantir a qualidade de cidade, e nem tratá-la
como bem cultural.
É importante de fato e fundamental compreendermos que o turismo é capaz de
proporcionar fruição social entre as pessoas, tendo como recurso turístico o patrimônio
e suas características. Da mesma forma, podemos dizer que turismo e patrimônio
consistem numa relação ampla e potencializadora capaz de estimular e dinamizar a vida
cultural da cidade.
De acordo com Silva (2000):
‘’Não podemos negar que o relacionamento entre patrimônio e
turismo se instalou de forma definitiva. Há porém que estabelecer
regras de convivência entre ambos numa perspectiva de rentabilização
económica e de desenvolvimento social. O desafio que se coloca ao
turismo é o de utilizar os recursos patrimoniais numa perspectiva de
desenvolvimento durável, assente em critérios de qualidade, para que
os seus benefícios resultem numa efetiva melhoria da qualidade de
vida dos cidadãos, tanto daqueles que o praticam como daqueles que o
acolhem’’ (SILVA, 2000, p. 221).

Enfim, os bens culturais que a cidade apresenta e o que eles representam para a
população local é a verdadeira vocação do turismo cultural. Daí pode ressaltar o real
valor do patrimônio e de sua valorização para o desenvolvimento do turismo e vice-
versa.

417
A PRESERVAÇÃO DOS BENS CULTURAIS E O PLANEJAMENTO URBANO

A preservação compreende-se como as ações do Estado que vise conservar a


história, a memória de fatos e valores culturais nas diferentes esferas políticas e que
deve ser absorvida e agregada pela população local tornando-se parte da cultura comum.
Já o tombamento é o ato administrativo e tem como finalidade a conservação da coisa,
aí entendida como bens materiais, sejam eles móveis ou imóveis (RABELLO, 2009, p.
19 - 24).
Considera-se que a preservação instaura seu próprio objeto, ou seja, o
patrimônio de sentido público e tornando-se abrangente em todos os aspectos. Tanto o
ato de tombamento e preservação de determinado bem cultural deve ser de benefício de
todos. Nesta perspectiva, o tombamento também como ato do executivo deve ser
pautado ao bem comum da população que neste caso, cabe o papel do Estado como
agente divulgador e intermediador do processo de preservação dos bens culturais da
cidade.
Como indicam as Cartas patrimoniais de Brasília (1970) e Salvador (1971), um
dos principais desafios da preservação passou a ser a criação de uma rede institucional –
cabendo a União, Estados e Municípios a responsabilidade na preservação do
patrimônio cultural brasileiro ampliando o raio de atuação (MENESES, 2006).
Desde então, hoje o próprio patrimônio torna-se cada vez mais central nas
esferas públicas e programas do setor. Mas, por incrível que pareça é tratado em amplos
os setores públicos como valor de troca no sentido comercial e político do termo. Logo,
percebe-se que a relação do sujeito com o meio é passível de conflitos, mas que a falta
de articulação dos atores políticos e o setor privado e outros agentes é conseqüência do
jogo de interesse que ainda continua a transcorrer nas políticas publicas direcionadas a
preservação dos bens culturais dos Estados e Municípios.
Devemos ter o conhecimento dos processos sociais dos espaços culturalmente
construídos, de apropriação da natureza, dos registros, representação entre outros, pois
são atributos de valorização do próprio patrimônio. E a partir desses elementos
simbólicos criam-se a priori ações capazes de fortalecer e valorizar os bens culturais e
as raízes de pertencimento.

418
Ainda com relação ao patrimônio, os planejadores urbanos devem operar tendo
como quadro de orientação o território e seus atributos diferenciais para que possam
planejar de forma consciente e sustentável o espaço urbano, não descaracterizando os
espaços constituídos de história, significados e representatividade (MENESES, 2006).
Da mesma forma, criar-se condições favoráveis de interpretar e ordenar a cidade
da melhor forma, tomando como referencia a abordagem geográfica buscando
‘’compreender a lógica espacial que materializa a rede complexa de relações entre o
território, as atividades turísticas e a identidade cultural’’ (PAES, 2009, p. 2).
O planejamento urbano é o mecanismo fundamental e estratégico capaz de
favorecer e garantir as condições de viabilidade econômica, infra-estrutura, políticas
adequadas de habitação, saúde, transporte e outros para o funcionamento de uma cidade
e garantir a qualidade e o bem-estar da população local.
É importante ressaltar que o planejamento ambiental urbano em primeiro lugar
deve ser pautado no Plano Diretor no Estatuto da Cidade que é o instrumento básico da
política de desenvolvimento e expansão urbana e que tem como função garantir o bem-
estar da população (BRAGA, 2001). Sendo assim, o Estatuto da Cidade² e os Planos
Diretores são instrumentos de gestão capazes de democratizar a política urbana que
deve ser transparente, ou seja, as diretrizes e prioridades do crescimento da cidade
devem torna-se públicas.
Neste contexto, o Estatuto da Cidade e os Planos Diretores ‘’procuram calibrar
instrumentos capazes de promover condições de inclusão social’’ (MENESES, 2006, p.
36). A partir do estatuto da cidade que novos planos diretores são criados e melhores
oportunidades de buscar mecanismos de participação comunitária.
A intervenção sobre os bens culturais deve ser articulada de forma mais
democrática possível com a participação da sociedade, criando ações políticas e
propondo a melhor forma de preservar todos os bens de natureza material e imaterial,
paisagísticos, natural entre outras especificidades.

_____________________
² Em 2001, com a aprovação do Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001), que regulamentou os artigos 182
e 183 da Constituição Federal e estabeleceu as diretrizes gerais da política urbana (BRAGA, 2001).

419
No entanto, a política de planejamento voltado para a valorização do patrimônio
ambiental urbano, hoje, obedece à lei do mais forte. E é nesse ponto que devemos
direcionar nossa atenção, quando se trata do jogo de interesse nas políticas de
planejamento urbano e sua relação com o empresariado diante dos bens culturais e
espaços simbólicos e de pertencimento.
Também é notório nos discursos políticos a falta de transparência dos
governantes quando se trata da valorização dos bens culturais nas cidades históricas
brasileiras. Aliás, muitos planos diretores são abandonados e nem se quer dão
continuidades ou não são aprovados agravando os problemas sociais, culturais e
econômicos da cidade.
Diante dessa realidade é possível garantir a valorização do patrimônio cultural
junto ao seu entorno, desde que haja o dialogo, além disso, a transparência das ações
dos entes envolvidos no processo, ou seja, as propostas das políticas de planejamento e
ordenamento urbano, de proteção do patrimônio e do setor privado devem ser
comunicadas democraticamente a população local.
A democratização é um principio que precisa ser colocado em pauta dentro dos
debates políticos, nas ações públicas e nos meios de comunicação para que a
preservação do patrimônio cultural não se transforme por completo em mero produto de
comercialização, perdendo seu valor cultural e social.
Tal importância da democratização nas políticas de planejamento urbano deve
ser vista como ferramenta necessária na busca de soluções para assegurar e garantir o
bem-estar da população local e a preservação do patrimônio como o todo. Nesse
sentido, é oportuno saber que:

‘’(...) o aspecto da democratização é fundamental, pois só ele garante


a transparência necessária das regras do jogo. A democratização
efetiva do planejamento se dá pela participação da sociedade no
processo, o que, pelo menos em tese, é garantido pela Constituição
Federal (no Artigo 29) e, como se verificou, pelo Estatuto da Cidade.
Só a participação ativa das entidades representativas da sociedade na
elaboração do plano diretor garante sua legitimidade e propicia
condições para sua efetiva implementação’’ (BRAGA, 2001, p.98).

Desde então, percebe-se que a falta de condições de implementação dos planos


diretores na cidade devido ao jogo de interesses, favorece a elitização e a privatização e
o favorecimento da exclusão. Essas considerações preocupam e colocam outra vez no

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campo da discussão a problemática da proteção e valorização dos bens materiais e
imateriais e os espaços de memória e a relação das políticas públicas locais com o
empresariado.
Logo, observa-se que há uma tendência de urbanismo excludente nas cidades
brasileiras valorizando uma determinada parcela da sociedade que privilegia as
intervenções-cenário voltadas ao turismo, onde o patrimônio é o principal atrativo
turístico. Neste caso, é um problema que tende a se agravar devido uma política de
planejamento voltado para atender as reais necessidades do mercado.
Devemos lembrar que a mercantilização da cidade é a forma menos sutil de
privatização do seu interesse cultural, ou seja, este ciclo determina a incessante
continuidade do empresariado impor sua lógica capitalista e tornar a cidade um
verdadeiro produto, pondo em risco a destruição do patrimônio, a desvalorização dos
bens culturais e a perda dos espaços de representação social (MENESES, 2006).
Nesse contexto, a política de planejamento e ordenamento urbano direciona
tratar da forma estética da cidade, apropriando-se de outros modelos urbanos e
segregando cada vez mais os espaços públicos e de representação cultural. Cabe ainda
dizer que essa valorização por meio das políticas de planejamento segue as lógicas de
mercado, colocando também em risco as comunidades consideradas tradicionais.
Isso retorna à afirmação de Meneses (2006), quando se trata da política de
planejamento urbano, que neste caso ressalta que:

‘’(...) o planejamento urbano, ao invés de partir de levantamentos


socioeconômicos e de responsabilidades assumidas por um poder
público, hoje, substituído pelo empresariado, deve aproveitar-se de
pesquisa de mercado para formular as imagens que venderão o novo
espaço construído.’’ (MENESES, 2006, p. 52)

Neste cenário, as políticas de planejamento urbano devem ter como instrumento


de orientação o território e tentar adequar suas ações as características locais,
respeitando os espaços instituídos de elementos culturais e tombados. Suas ações devem
ser transparentes e democráticas fazendo com que a população local participe do
processo de organização, da mesma forma, os planejadores e promotores territoriais
devem preocupa-se em conservar a diversidade cultural, o cotidiano de grupos e
categorias sociais que são agentes fundamentais quando tratamos da proteção e
valorização do patrimônio.

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Portanto, as políticas de planejamento e ordenação urbana e de preservação do
patrimônio devem articular entre si, e com a comunidade local, tornando as ações
democráticas e criando estratégias e soluções para os problemas urbanos, colocando
como um dos pontos principais a proteção dos bens culturais da cidade. Mas, qualificar
a cidade em primeiro plano como bem cultural, a princípio é uma forma de tratar como
espaço de pertencimento, representação das pessoas e que amplia o alcance das políticas
de preservação (MENESES, 2006). Todavia, é preciso estar atento ao jogo de interesse
e os conflitos, no qual põe em risco a conciliação da preservação dos valores culturais e
do desenvolvimento urbano de forma sustentável.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Mesmo sujeito a equívocos, qualificar a cidade como bem cultural é a melhor


forma de tratarmos como espaço de pertencimento e acessível a todos. O ato de
valorização dos bens culturais é dever e direito de todos os atores envolvidos e de
responsabilidade do Estado garantir a preservação e o acesso ao patrimônio cultural. O
patrimônio em si não pode ser dissociado de sua dimensão propriamente cultural, pois é
o elemento potencializador que proporciona a fruição social das pessoas em contato
com os atrativos culturais.
Mas, essa qualificação é possível se o Estado garantir as condições mínimas de
infraestrutura básica (saúde, educação, moradia, transporte, saneamento básico), só
assim podemos interpretar e compreender o sentido real de cidade como bem cultural,
aprazível e acessível a todos.
Considerar o turismo como mecanismo de preservação dos bens materiais e
imateriais é fundamental no desenvolvimento social da cidade, no sentido de fortalecer
a relação entre as pessoas e o respeito dos visitantes a cultura local. Desde então, o
turismo pode nos promover a sintonia da preservação do passado com o presente e a
conciliação da preservação de valores culturais e dos espaços de memória.

Nesse contexto, o desenvolvimento social e cultural da cidade depende das políticas


culturais planejada e da relação com o empresariado e demais atores envolvidos no
processo. Devem articular de forma democrática e transparente as ações com a
comunidade no intuito de garantir a valorização dos bens culturais e os espaços de
pertencimento.

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Desde então, diante das incertezas políticas, o mau direcionamento da política
cultural de planejamento pode levar a destruição das características presentes dos
espaços culturais. Alem disso, em certo sentido, podemos perceber que a cidade como o
todo para os próximos anos parece já estar traçado pelas autoridades e os grandes
empresários.
É oportuno chama atenção para que o patrimônio cultural não seja direcionado
para alcançar apenas as necessidades econômicas do mercado perdendo a relação dos
aspectos culturais materiais quanto as práticas sociais, sem essa relação a cidade perde a
sua vida, vira sitio arqueológico, ou pior, parque temático. Nessa conjuntura, é
fundamental pensar no bem maior que é o desenvolvimento social das pessoas por meio
da valorização dos bens materiais e imateriais.
Portanto, através desse artigo pretendemos contribuir e trazer algumas reflexões
teóricas e considerações dos conceitos relacionados a cidade, o patrimônio e as políticas
culturais planejada. Trazendo como objeto de estudo a cidade como ‘’bem cultural’’ e
sua dimensão, na necessidade de refletir como espaço democrático e que os bens
culturais devem ser tratados como elementos centrais nos projetos de ordenamento do
espaço urbano e nas políticas culturais de planejamento. Ainda, é importante considerar
que o planejamento e a legislação como instrumento importantíssimo que agregados a
atividade turística podem preservar a cidade e os seus bens culturais diante a
globalização do capital.

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