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E SUSTENTABILIDADE
NO CERRADO
CONHECIMENTO TRADICIONAL
E EDUCAÇÃO PARA A
SUSTENTABILIDADE
AGROECOLOGIA, SOBERANIA
E SEGURANÇA ALIMENTAR E
NUTRICIONAL
BIODIVERSIDADE E
RECURSOS NATURAIS
Organização
Regina Coelly Fernandes Saraiva
Nina Paula Laranjeira | Tânia Cristina da Silva Cruz
Leonardo Pereira Fraga
SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
Organização:
Regina Coelly Fernandes Saraiva
Nina Paula Laranjeira
Tânia Cristina da Silva Cruz
Leonardo Pereira Fraga
Revisão Técnico/Científica:
Andréa Leme da Silva
Flaviane Canavesi
Renato Caparroz
Apoio técnico:
Jonathas Felipe Aires Ferreira
Revisão de texto:
Leonel Gomes da Silva
Fotos cedidas:
Antônio Felipe Couto Júnior
Francielly Reis (Capa Lobo Guará)
Leciane Moreira da Mata
Nehewane Pankararu Braz
Uakyre Pankararu Braz
Brasília, Brasil
Novembro de 2021
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SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
SUMÁRIO
AGRADECIMENTOS.................................................................................. 5
APRESENTAÇÃO....................................................................................... 7
PARTE 1
CONHECIMENTO TRADICIONAL E EDUCAÇÃO PARA A SUSTENTABILIDADE 12
O desaparecimento
das plantas medicinais do Cerrado: implicações nas práticas de curas de raizeiros(as),
benzedores(as), curandeiros(as) e pajés das comunidades indígenas Pankararu-
Pataxó e Aranã....................................................................................................19
PARTE 2
AGROECOLOGIA, SOBERANIA E SEGURANÇA
ALIMENTAR E NUTRICIONAL................................................................ 54
Do cerrado para a mesa: articulando agricultura familiar com alimentação escolar pelas frutas
nativas..................................................................................................................71
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SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
PARTE 3
BIODIVERSIDADE E RECURSOS NATURAIS................................................90
Áreas de Preservação Permanente estratégicas para os recursos hídricos na APA de Pouso Alto:
panorama, técnicas e custos para restauração..............................................93
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SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
AGRADECIMENTOS
A todos e todas que aceitaram e ou- sobre o Cerrado, sua riqueza natural e
saram participar da experiência de ensi- sociocultural, estão impressos nesta pu-
no e pesquisa tão rica e desafiadora que blicação.
foi a Especialização em Sociobiodiversi- À Nina Paula Laranjeira, diretora do
dade e Sustentalibilidade no Cerrado, Centro UnB Cerrado entre 2011 e 2017,
realizada pelo Centro UnB Cerrado, en- pelo apoio irrestrito para a realização da
tre os anos de 2017 a 2019. Estudantes, Especialização em Sociobiodiversidade
professores, professoras, técnicos e téc- e Sustentalibilidade no Cerrado, desde
nicas da Universidade de Brasília se de- a concepção do projeto do curso e sua
safiaram numa construção coletiva que conclusão na parceria na organização
resulta neste e-book. deste livro. Um sonho sonhado juntas
Ao Centro UnB Cerrado pelo apoio fi- que deu certo!
nanceiro por meio da Chamada Pública À Tânia Cristina da Silva Cruz, que as-
Interna Simplificada no. 001/2020/CER. sumiu a coordenação geral do curso em
Esse apoio tornou possível divulgar o 2018 e levou os(as) estudantes até às
conhecimento feito no e sobre o Cerra- bancas de avaliação, ajudando a fechar
do em um momento de tantos ataques o ciclo de formação tão desejado por to-
à ciência no Brasil. A sensibilidade e o dos(as). Parceria, compromisso e amiza-
compromisso dos pesquisadores e das de são palavras que sintetizam mais este
pesquisadoras e pesquisadoras do Cen- trabalho que realizamos juntas!
tro UnB Cerrado com o saber científico
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SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
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APRESENTAÇÃO
A Chapada dos Veadeiros ocupa uma por-
ção no nordeste do estado de Goiás bastante
peculiar, com presença de Cerrado de altitu-
de, berço das águas, e conta com diversas
unidades de conservação (UCs), com desta-
que para o Parque Nacional da Chapada dos
Veadeiros e a Área de Proteção Ambiental do
Pouso Alto.
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SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
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SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
PARTE 1
CONHECIMENTO
TRADICIONAL E
EDUCAÇÃO PARA A
SUSTENTABILIDADE
Regina Coelly Fernandes Saraiva
Tânia Cristina da Silva Cruz
12
SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
S
ociobiodiversidade é um campo de Em seu caráter sociocultural, a sociobio-
conhecimento relativamente novo. diversidade diz respeito aos povos que se
As primeiras discussões datam dos destinam a viver a vida (social) numa relação
anos 90 e de suas implicações no campo dos de equilíbrio e acolhimento com a natureza
saberes ambientais1. O aprofundamento da e sua diversidade e está fortemente associa-
crise ambiental e a busca pela sustentabilida- da a elementos étnicos e raciais, sendo, por-
de, em suas dimensões ambiental, social, cul- tanto, um campo de saber afeto a povos e
tural, política e econômica, deu a esse campo comunidades tradicionais, povos indígenas
de saber ainda mais importância e premên- (ou originários), quilombolas, camponeses e
cia nos últimos anos, diante da necessidade camponesas, agricultores e agricultoras fa-
de construção de alternativas para modelos miliares, que podemos sintetizar como po-
societários que não dialogam com a vida2. vos do campo. É a partir da tradição, da me-
A palavra sociobiodiversidade é formada mória, da cultura e de seus elementos que
por socio + bio + diversidade. Socio abrange esses povos conservam a biodiversidade3.
os elementos da vida social como a cultura, A tradição do cuidado, da interdependên-
a história, a memória, a ancestralidade. Bio cia e da conectividade com a vida e sua diver-
se refere à vida e a seus aspectos biológicos. sidade (biodiversidade) estão presentes nos
Diversidade quer dizer multiplicidade, plura- modos de cuidar, plantar, colher, manejar e
lidade, abastança; associada aos elementos garantir a vida pelos povos do campo em sa-
da natureza, diz respeito à variedade de es- beres acumulados. Desse modo, constitui-se
pécies e ecossistemas. A sociobiodiversidade o conhecimento tradicional como parte in-
institui o diálogo entre elementos sociocultu- trínseca da sociobiodiversidade e seu univer-
rais e a natureza numa relação de alteridade, so sociocultural.
de encontro, de convivência. Esse campo de conhecimento foi se afir-
mando como parte da valorização de cadeias
produtivas associadas aos biomas brasileiros
e à agricultura familiar. Políticas públicas vol-
tadas para a sociobiodiversidade foram se
configurando no sentido de valorizar e reco-
nhecer o papel de atores e atrizes do campo
e seus diálogos com a diversidade da vida4.
1 Ver Enrique Leff. Saber ambiental. Sustentabilidade, racionalidade, complexidade, poder. Petrópolis, Rio de Janeiro:
Vozes, 2001; e Convenção de Diversidade Biológica (CDB), de 1992, artigo 8(j) que reconhece oficialmente a importância dos
saberes tradicionais para a conservação da biodiversidade.
2 Sustentabilidade surgiu como debate fundamental a partir das questões ambientais nos anos 60 e 70, Significa ações
e processos humanos comprometidos com a garantia e preservação da vida do planeta, seus biomas e ecossistemas. Para
aprofundamento do debate e questões relativas à sustentabilidade ver Leonardo Boff. Sustentabilidade. O que é – O que não
é? Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2012.
3 Ver Victor M. Toledo; Narciso Barrera Bassols. A memória biocultural: a importância das sabedorias tradicionais. São
Paulo: Expressão Popular, 2015.
4 Ver Brasil. Plano Nacional de Promoção das Cadeias de Produtos da Sociobiodiversidade. MDA. MMA. MDS, Julho, 2009.
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SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
Bem viver – Concepção de vida conectado com o planeta para sustentar uma
a prosperidade que não diga respeito somente a prosperidade monetária e mate-
rial, mas tome como base a vida e a biodiversidade. Esse modo de vida deve partir
da reafirmação de elementos culturais, históricos, ancestrais para o desenvolvi-
mento de solidariedades atreladas ao respeito à natureza.
5 Diversidade biológica nas culturas agrícolas. Ver Luiz Carlos Pinheiro Machado. Agrobiodiversidade. In: Roseli Salete
Caldart, Isabel Brasil Pereira, Paulo Alentejano e Gaudêncio Frigotto (Orgs). Dicionário da Educação do Campo. Rio de Janeiro,
São Paulo: Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Expressão Popular, 2012.
6 Ver Stéphane Guéneau, Janaína Deane de Abreu Sá Diniz e Carlos José Sousa Passos. Alternativas para o bioma Cerra-
do: agroextrativismo e uso sustentável da sociobiodiversidade. Brasília, DF: IEB Mil Folhas, 2020.
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SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
7 Ver Maria Helena Ferreira Machado. Os novos movimentos sociais e a emergência da cidadania ambiental. In: Elisa-
bete Matallo Marchesini de Pádua e Heitor Matallo Júnior (orgs). Ciências Sociais, complexidade e meio ambiente: interfaces e
desafios. Campinas, SP: Papirus, 2006
8 ITS BRASIL - Instituto de Tecnologia Social. Caderno de Debates. Série Conhecimento e Cidadania 1, Tecnologia Social,
São Paulo: ITS, 2007, p. 29.
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O desaparecimento
das plantas medicinais
do Cerrado: implicações
nas práticas de curas
de raizeiros(as),
benzedores(as),
curandeiros(as) e
pajés das comunidades
indígenas Pankararu-
Pataxó e Aranã
9 Bióloga, indígena da etnia Pankararu. Atua no Distrito Sanitário de Saúde Indígena no município de Araçuaí (MG);
especialista em Sociobiodiversidade e Sustentabilidade no Cerrado pelo Centro de Estudos do Cerrado da Chapada dos Vea-
deiros (Centro UnB Cerrado) da Universidade de Brasília, em Alto Paraíso de Goiás, Goiás. E-mail: clncsilva19@gmail.com.
10 Antropóloga, doutora em Antropologia Social pela UnB. Professora adjunta da UnB. Atua no Centro UnB Cerrado e na
Faculdade UnB Planaltina. E-mail: celeida@unb.br
11 Bióloga, doutora em Botânica pela UnB. Professora do Centro UnB Cerrado de 2017 a 2019. E-mail: renatacerrado@
gmail.com
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SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
1. O que é a pesquisa?
O
bioma Cerrado abriga rica socio- Quando os colonizadores, chamados pe-
biodiversidade que se adapta e los povos originários de invasores, chegaram
assume características próprias ao Brasil, o território mineiro era dominado
e peculiares. O processo acelerado de ex- por inúmeros povos indígenas como os Ma-
tinção da diversidade de espécies de plan- xakali, Poté, Naknenuk, Pojichá e Aranã. Mui-
tas medicinais é uma realidade trágica que tos registros informam que a colonização ex-
vem ocorrendo em diversos ecossistemas pulsou todos esses povos de seus territórios
que formam o Cerrado (BARBOSA, 2002). originários (SOARES, 2015). Nesse período,
Nesse espaço territorial, vivem vários povos com o violento processo de desterritoriali-
indígenas e uma grande diversidade de po- zação, muitas nações desapareceram, como
vos tradicionais, que fazem uso sustentável exemplo, Poté, Naknenuk (hoje, nomes de ci-
da biodiversidade em uma relação ancestral dades de Minas Gerais) e Pojichá.
com as diversas formas de vida. Entre esses
povos que habitam esse rico espaço, encon-
tram-se representantes dos povos Pankara-
ru e Pataxó, das aldeias Cinta Vermelha-Jun-
diba (Araçuaí), e Aranã, da Fazenda Alagadiço
(Coronel Murta) localizadas na região do Mé-
dio Jequitinhonha, nordeste de Minas Gerais
(MG), em uma área de transição de Cerrado,
Caatinga e vestígios de Mata Atlântica.
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SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
Legenda:
1. Xukuru-Kariri (Caldas), 2. Puri (Araponga), 3. Kaxixó (Martinho Campos), 4. Pataxó
(Itapecerica e Carmesia), 5. Krenak (Resplendor), 6. Pataxó Hã-hã-hãe (Frei Gaspar), 7.
Mokuriñ (Campanário), 8. Maxakali (Santa Helena, Ladainha, Bertópolis e Teófilo Otoni),
9. Aranã (Coronel. Murta), 10. Pankararu (Araçuaí), 11. Xakriabá (São João das Missões)
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SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
P
or meio da vivência e pesquisa par- A sistematização da pesquisa, realizada em
ticipante nas comunidades (BRAN- 2018, demonstrou que as plantas (ervas me-
DÃO e STREK, 2006) emergiu a dis- dicinais) podem ser divididas de acordo com
cussão acerca dos impactos negativos da seu uso, indicação ou recomendação, como:
degradação ambiental e da perda da diver- plantas espontâneas (conhecidas também
sidade de plantas medicinais sobre as práti- como indicadoras ou orientadoras), plantas
cas e processos de cura, física e espiritual, e de uso feminino, plantas de uso masculino,
nos rituais realizados por raizeiros(as), ben- plantas de uso infantil ou em recém-nasci-
zedores(as) e também pajés das comunida- do, plantas de uso em animais domésticos,
des indígenas da Aldeia Cinta Vermelha e da plantas repelentes e plantas ritualísticas
Fazenda Alagadiço. Essa discussão potencia- (benzimento e pajelança). Nos quadros 1 a
lizou-se com a colaboração de dois interlocu- 8, apresentamos uma lista de plantas siste-
tores praticantes da medicina tradicional. A matizadas a partir da pesquisa de campo nas
primeira interlocutora, Toá Kãnynã Pankara- comunidades. Outros estudos auxiliaram no
ru, uma das autoras deste texto, é conside- registro dos usos e indicações das plantas
rada, pela comunidade indígena Pankararu, medicinais utilizadas.12
guardiã da cultura e da espiritualidade do As plantas ritualísticas identificadas neste
seu povo (como todos os Pankararu e Pa- estudo apresentam-se em dois grupos: as de
taxó que moram em Minas Gerais, ela tam- benzimentos e as de pajelança ou de cura.
bém é migrante). O segundo interlocutor, Considerando a dimensão e a complexidade
representante do povo Aranã, residente na do uso, cada uma delas é utilizada em dife-
Fazenda Alagadiço, é considerado o principal rentes espaços e por diferentes praticantes
conhecedor das práticas de benzimentos da da medicina tradicional que conhecem pro-
região e atende não somente os indígenas, fundamente as formas de manuseio adequa-
mas também moradores das áreas circunvi- do e as inúmeras recomendações de uso.
zinhas.
Notam-se algumas diferenças importan-
A região do Vale Jequitinhonha apresenta tes entre o uso dessas plantas. As plantas
uma diversidade de ambientes que acolhe ritualísticas de benzimentos podem ser usa-
as mais diversas ervas e plantas medicinais: das por qualquer pessoa que tenha boas
chapada, capão, tabuleiro, carrasco, caatinga, energias e dons espirituais, de acordo com
brejo, campo (DIAS e LAUREANO, 2009) identi- sua crença e em uma dimensão menos pro-
ficou-se na pesquisa cerca de 70 plantas na- funda. O executor do benzimento estabelece
tivas encontradas em diversos ambientes de uma relação de fé entre o indivíduo e a divin-
áreas de transição do Cerrado ou cultivadas dade e pede benção ou proteção à pessoa
nas hortas, quintais e pomares. necessitada.
12 Na pesquisa, não foi utilizada a nomenclatura científica para o reconhecimento e a identificação da diversidade de
plantas citadas, apenas os nomes populares utilizados por raizeiros(as), benzedores(as) e pajés da comunidade local e da
região.
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SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
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SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
3. Importância da pesquisa
para a sociobiodiversidade e a
sustentabilidade no cerrado
A
perda e a degradação territorial Os impactos são percebidos com muita
que incidem sobre o desapareci- preocupação e resiliência pelas comunida-
mento de algumas plantas (ervas des indígenas Pankararu-Pataxó e Aranã. A
medicinais) usadas nos rituais, bem como capacidade de criar e recriar novas estraté-
preconceitos religiosos externos, que in- gias para manter suas práticas, defender o
terferem violentamente nas práticas e nos Cerrado, suas culturas, suas identidades, re-
processos de cura, nos saberes e nos co- solver novos problemas que afetam a saúde,
nhecimentos, são fatores que impactam a doenças como diabetes e depressão, é o ca-
perda da identidade de benzedores(as), rai- minho que tem sido buscado por essas co-
zeiros(as), curandeiros(as) e pajés e, conse- munidades.
quentemente, no uso das ervas medicinais e A pesquisa demonstrou que é necessário
ritualísticas. e urgente reconhecer o valor da medicina
Análise e reflexões críticas sobre os dados tradicional dos povos do Cerrado, através da
obtidos demonstraram que, além do desa- valorização e do respeito do conhecimento
parecimento das plantas medicinais, ações indígena. Construir, reconstruir e fortalecer
sociopolíticas e religiosas implicam direta e redes ou teias, como fazem raizeiros(as),
indiretamente nas práticas de cura e ritualís- curandeiros(as) e pajés em seus mundos na-
ticas de benzedores(as), raizeiros(as), curan- turais e sobrenaturais.
deiros(as) e pajés, que sofreram e ainda so-
frem impactos importantes desencadeados
pelos modelos hegemônicos e epistemicidas
da atual sociedade capitalista.
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SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
Catuaba Energético
Jurubebinha Fortificante
Hortelanzinho Calmante
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SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
Nome popular
Plantas de Plantas
ritualísticas Uso medicinal/indicação Situação das práticas
benzimentos
Vassourinha-do- Repelir o mal e conexão com os Ausência da prática
Ajuká encantados
campo
Guiné Junco Equilíbrio espiritual Com frequência
Quebra- Equilíbrio e conexão com o cosmo Pouca prática
Aruanda
demanda
Folha-de- Orientação espiritual Prática ausente
Mirra
arara
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SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
REFERÊNCIAS
histórica e arranjos territoriais Pankararu. 1996. Dis- Vale do Jequitinhonha. Revista Expresso Notícias, Cape-
Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio DIAS, J. E.; LAUREANO, L. C. (coord.). Farmacopeia Po-
de Janeiro, 1996. pular do Cerrado. Goiás: Articulação Pacari, 2009.
BARBOSA, A. S. A medicina das comunidades do Cerrado SOARES, G. C. Entrevista: Gera Soares fala sobre os
– PALESTRA: 3º ENCONTRO DE BENZEDEIRAS, PARTEI- índios Pankararu e Pataxó, no Vale do Jequitinhonha.
RAS E RAIZEIRAS DO CERRADO –GOIÂNIA, 2002, ITS/ [Entrevista cedida a] Nayá Fernandes. Diário de Minas,
UCG. p. 10. 2015.
BRANDÃO, Carlos R.; STRECK, Danilo R. (Org.). Pesqui- ZURLO, Cida; BRANDÃO, Mitzi. As Ervas comestíveis:
sa participante: o saber da partilha. São Paulo: Ideias descrição, ilustração e receitas. Coleção do Agricultor.
& Letras, 2006. Rio de Janeiro: Publicações Globo Rural, 1989. Link
de acesso ao trabalho completo: https://bdm.unb.br/
handle/10483/21526
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SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
VOCÊ sabia?
Bioma
Cerrado
B
ioma é um espaço geográfico natu- Os solos têm boa porosidade e os lençóis
ral caracterizado pela semelhança freáticos são permanentes, o que garante
das condições edáficas (relaciona- o suprimento de água a muitas plantas do
das ao solo), climáticas e fitofisionômicas (o Cerrado que têm raízes profundas e podem
“jeitão” que a vegetação do local tem). atingir camadas de solo permanentemente
No Brasil são identificados 6 biomas con- úmidas. Isso também justifica a floração de
tinentais e o Cerrado está entre os mais im- algumas espécies mesmo na época da seca,
portantes, pelo tamanho da área ocupada, como os ipês. É importante lembrar que a
pela riqueza biológica e pela importância parte subterrânea da vegetação do Cerra-
para as águas. do, como raízes, bulbos e rizomas, apresen-
ta biomassa muito mais elevada que a parte
O Cerrado brasileiro é conhecido como a aérea, ou seja, a massa da planta que está
savana com maior biodiversidade no mun- por baixo do solo é bem maior do que aque-
do. É também reconhecido como berço das la que vemos na parte de cima. As árvores
águas do Brasil, por ocupar a região central apresentam raízes profundas, espalhadas
do país, nascedouro das principais bacias hi- em um solo poroso em busca da água, du-
drográficas brasileiras. rante todo o ano – um Cerrado subterrâneo,
O bioma Cerrado é o segundo maior do um berço de vida em associação com mui-
Brasil, localiza-se principalmente no Planalto tos outros seres vivos, que muitas vezes nem
Central do país e se estende por aproxima- imaginamos existir.
damente 1,5 milhões de quilômetros quadra-
dos, com altitudes que variam entre 300m e REFERÊNCIA
1700m. Há duas estações bem definidas: a
MELO, S.de; ZANK, S.; SALGADO, G. O bioma Cerra-
seca, de maio a setembro, e a chuvosa, de
do. IN: ÁGUAS, C. P.; LARANJEIRA, N. P.; SILVA, C. T. da
outubro a abril.
(orgs). Águas e Saberes na Chapada dos Veadeiros.
Juiz de Fora, MG: Editora Águas, 2021. P. 56 a 60. Ca-
pítulo 8. Disponível em: naspaibc.wixsite.com/naspa.
Acesso em: 20 jun. 2021.
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SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
Biodiversidade SOCIOBiodiversidade
B
iodiversidade ou diversidade bioló-
gica é o grau de variação de vida. O
termo pode ser entendido de várias
formas, já que descreve ao mesmo tempo a
variedade e a riqueza de todas as espécies
(diversidade de espécies), a variedade dos
genes contidos dentro de cada indivíduo de
tais espécies (diversidade genética) e tam-
S
bém a variedade de ecossistemas dentro de ociobiodiversidade é um conceito
uma área, bioma ou do próprio planeta (di- que expressa a inter-relação entre a
versidade de ecossistemas). diversidade biológica e a diversidade
Diante das ameaças que vem sofrendo de sistemas socioculturais.
a biodiversidade no planeta, em 1992, du- Entre os sistemas socioculturais conside-
rante a Conferência RIO-92, foi estabelecida rados, estão os sistemas agrícolas tradicio-
a Convenção Sobre Diversidade Biológica, nais (agrobiodiversidade), assim como as di-
por meio de assinatura de um tratado por versas formas do uso e o manejo de recursos
diversas nações. Até os dias de hoje é um naturais, realizados por povos originários,
dos principais instrumentos internacionais populações tradicionais e agricultores fami-
relacionados ao meio ambiente. No Brasil, liares, de acordo com seus conhecimentos e
este tratado foi formalizado pelo Decreto Le- culturas. São gerados dessa forma diversos
gislativo nº 2, de 1994, que, em seu Artigo 2, “Produtos da Agrobiodiversidade”, definidos
define a diversidade biológica: “significa a va- no mesmo documento como “bens e serviços
riabilidade de organismos vivos de todas as gerados a partir de recursos da biodiversida-
origens, compreendendo, dentre outros, os de, voltados à formação de cadeias produ-
ecossistemas terrestres, marinhos e outros tivas de interesse de povos e comunidades
ecossistemas aquáticos e os complexos eco- tradicionais e de agricultores familiares, que
lógicos de que fazem parte; compreendendo promovam a manutenção e valorização de
ainda a diversidade dentro de espécies, en- suas práticas e saberes, e assegurem os di-
tre espécies e de ecossistemas.” reitos decorrentes, gerando renda e promo-
REFERÊNCIAS vendo a melhoria de sua qualidade de vida e
do ambiente em que vivem”
O ECO. Dicionário Ambiental - O que é Biodiversidade.
MDA/MMA/MDS. Plano Nacional de Promoção das
7 agosto 2014. Disponível em: https://www.oeco.org.
Cadeias de Produtos da Sociobiodiversidade. Bra-
br/dicionario-ambiental/28548-o-que-e-biodiversida-
sília, 2009. Disponível em: https://bibliotecadigi-
de/. Acesso em: 01 out. 2021.
tal.seplan.planejamento.gov.br/bitstream/hand-
CONVENÇÃO SOBRE DIVERSIDADE BIOLÓGICA – cópia
le/123456789/1024/Plano%20Sociobiodiversidade.
do Decreto Legislativo no. 2, de 5 de junho de 1992.
pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 01 out.
Ministério do Meio Ambiente (MMA). Disponível em:
2021.
https://www.gov.br/mma/pt-br/textoconvenoportu-
gus.pdf. Acesso em: 01 out. 2021.
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SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
13 Formação, Licenciada em Letras, Pedagogia e Filosofia, atua como professora no Colégio Estadual Moisés Nunes Ban-
deira. Especialista em Sociobiodiversidade e Sustentabilidade no Cerrado pelo Centro de Estudos do Cerrado da Chapada dos
Veadeiros (Centro UnB Cerrado) da Universidade de Brasília, em Alto Paraíso de Goiás, Goiás. E-mail: araikeyans@gmail.com
14 Socióloga, doutora em Sociologia pela UnB. Professora adjunta da UnB. Atua no Centro UnB Cerrado e na Faculdade
UnB Planaltina. Email: taniacruz@unb.br
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SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
1. O que é a pesquisa?
A
educação como ação transforma- Sorrentino et al. (2005) ressaltam que as
dora aciona mudanças de atitudes práticas educacionais voltadas para o meio
e mentalidades em toda e qual- ambiente auxiliam no processo de constru-
quer sociedade que deseja verdadeiramente ção do indivíduo, dando-lhe uma noção de
evoluir. Jacobi (2005) observa que as práticas coletividade importante para que, assim,
educativas devem buscar propostas pedagó- reconheça o seu papel como responsável
gicas que foquem mudanças importantes na pelo mundo no qual vive. Dias (2004) contri-
formação dos indivíduos, como modificação bui para essa visão ao avaliar que é função
de hábitos, atitudes e práticas sociais, priori- da educação ambiental ampliar a forma de
zando o desenvolvimento de competências, percepção individual e coletiva da socieda-
a capacidade de avaliação e a participação de, para que, tanto o sujeito quanto o gru-
dos educandos. Nesse sentido, a educação po, internalize os conceitos fundamentais
ambiental pode ter uma função transfor- de forma consciente e, assim, reconheça a
madora, promovendo um novo desenvolvi- necessidade de agir para mudar, sendo que
mento socioambiental sustentável, ao dar tais ações não devem se restringir somente à
aos sujeitos responsabilidade dentro desse sala de aula.
processo. Entende-se a educação ambiental Entre as competências técnicas em ações
como condição necessária para modificar o de educação ambiental, de acordo com os
quadro de crescente degradação socioam- Parâmetros Curriculares Nacionais para o
biental (JACOBI, 2003). ensino de ciências naturais (BRASIL, 1997),
está a capacidade investigativa do(a) estu-
dante sobre os resultados das intervenções
humanas no meio ambiente, por meio da
circulação e transformações dos materiais e
recursos existentes no nosso planeta, bus-
cando a construção de conhecimentos fun-
damentais que promovam a consciência e
preservação ambiental. Nesse sentido, o(a)
estudante necessita ser estimulado(a) a tra-
çar conexões entre a sua realidade e conhe-
cimento teórico dado em sala.
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SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
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SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
A
pesquisa se fundamentou em uma perspectiva investigativa qualitativa, basea-
da em revisão bibliográfica, levantamento e interpretação de textos. Realizou-
-se pesquisa documental no projeto pedagógico da escola para identificar como
esse projeto dialoga com uma educação pautada para a sustentabilidade da vida. Além
disso, a observação da prática didático-pedagógica, desenvolvida por meio de trabalho
integrado em sala de aula e na realização da Semana de Meio Ambiente do Colégio Moíses
Nunes Bandeira, foi fundamental para atingir o objetivo da pesquisa.
Entre o segundo semestre de 2017 e o primeiro semestre de 2018, dialogaram o corpo
docente (10 professores) e discentes (cerca de 100 alunos) do Colégio Estadual Moisés Nu-
nes Bandeira, do turno vespertino, sobre o tema da pesquisa: a sustentabilidade da vida.
Figura 1: Educação Ambiental como disciplina integradora a partir de linguagens, códigos e suas
tecnologias na Semana do Meio Ambiente – Colégio Estadual Moisés Nunes Bandeira.
35
SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
As ações para a Semana de Meio Ambiente do Colégio Moisés Bandeira (de 4 a 7 de junho de
2018) foram fundamentais para levantar dados e sistematizar dados da pesquisa. Professores
e professoras de Artes, Biologia, Educação Física e Matemática se mobilizaram para a prepa-
ração e a realização da Semana. Músicas foram utilizadas no ensino de línguas; estudos sobre
os Objetivos do Milênio (em inglês), os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e a
Agenda 21 foram discutidos em sala de aula e trabalhados com estudantes durante a Semana
do Meio Ambiente.
As atividades da Semana abrangeram os seguintes objetivos:
36
SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
A
pesquisa e ações realizadas no queremos viver e qual o legado para as
Colégio Moíses Nunes Bandeira próximas gerações.
trouxeram muitas reflexões sobre A pesquisa revelou jovens de Alto Paraíso
a sustentabilidade da vida. Entre elas desta- mais preocupados(as) com uma atitude res-
camos: ponsável e comprometidos(as) em direção
; preocupações com as mudanças climá- às transformações que a sociedade e o pla-
ticas que atingem o Cerrado, bem como neta exigem; uma juventude preocupada em
o desrespeito e perda da biodiversidade aprender para a vida e para contribuir para a
que compõe a vida do planeta. melhoria das condições ambientais locais da
; a necessidade do ser humano se reconhe- cidade de Alto Paraíso de Goiás; a urgência
cer como parte da natureza em ações de da defesa do Cerrado e de sua sociobiodiver-
preservação, conservação e recuperação sidade e o papel de cada um para um mundo
dos biomas e dos ecossistemas, quer se- mais equânime, fraterno e para o bem viver.
jam eles de macro ou microdiversidade, Por fim, a pesquisa demonstrou que a
pois o alerta é a ameaça do fim da vida na construção do conhecimento compartihado
Terra. entre professores, professoras e discentes
; o estudo das línguas tem de fazer sentido em busca de um conhecimento integrado,
na vida cotidiana dos(das) jovens e ir além dinâmico e colaborativo pode formar uma
das regras e da mera utilização gramatical grande rede de saberes compartilhados.
e devem ser utilizadas para a compre-
REFERÊNCIAS
ensão da vida e da sustentabilidade. A
educação para a sustentabilidade atra- BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Es-
vés do estudo de textos, imagens e ações tabelece as diretrizes e bases da educação nacional.
educativas são importantes ferramentas Brasília, DF: Presidência da República, 1996. Dispo-
de sensibilização para gerar mudanças. A nível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/
palavra, o texto e as artes são meios para L9394.htm. Acesso em: 2 jul. 2018.
sensibilizar os(as) jovens.
BRASIL. Ministério da Educação (MEC). Secretaria de
; a importância de interação entre área de Educação Fundamental (SEF). Parâmetros curriculares
conhecimento como linguagens, códigos e nacionais: ciências naturais. Brasília: MEC/SEF, 1997.
suas tecnologias e como elas podem con- Disponível em: https://cptstatic.s3.amazonaws.com/
tribuir para a construção da sustentabili- pdf/cpt/pcn/volume-04-ciencias-naturais.pdf. Acesso
dade para a vida, estimulando jovens a fa- em: 2 jul. 2018.
zer pesquisas e leituras sobre a realidade
CONHEÇA mais sobre o conceito de bem-viver. Rede
local e global.
Mobilizadores, Notícias, 4 jul. 2012. Disponível em:
; os 17 ODS e a Agenda 21 devem fazer http://www.mobilizadores.org.br/noticias/conheca-
parte de constantes discussões, interpre- -mais-sobre-o-conceito-de-bem-viver. Acesso em: 30
tações e análises nas aulas das diversas ago. 2020.
disciplinas, refletindo sobre o mundo que
37
SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
DIAS, G. F. Educação ambiental: princípios e práticas. FOUCAULT, M. Microfísica do poder. Organização e tra-
São Paulo: Gaia, 2004. dução Roberto Machado. Rio de Janeiro: Edições Gra-
al, 1979.
JACOBI, P. R. Educação ambiental, cidadania e susten-
tabilidade. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n. 118, p. PROJETO Político Pedagógico do Colégio Estadual Moi-
189-206, mar. 2003. sés Nunes Bandeira 2014-2018. Alto Paraíso de Goiás:
[s. n.], 2014.SORRENTINO, M. et al. Educação ambien-
JACOBI, P. R. Educação ambiental: o desafio da cons-
tal como política pública. Educação e Pesquisa, São
trução de um pensamento crítico, complexo e reflexi-
Paulo, v. 31, n. 2, p. 285-299, 2005.
vo. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 31, n. 2, p. 233-
250, ago. 2005.
Link de acesso ao trabalho completo:
https://bdm.unb.br/handle/10483/21532
38
SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
VOCÊ sabia?
BEM 17 ODS e a
VIVER Agenda 2030
B
em Viver é uma concepção de vida
O
proveniente dos povos indígenas
andinos e Guarani. Indica uma for- s 17 Objetivos de Desenvolvimen-
ma de vida em harmonia com a natureza, na to Sustentável (ODS) foram ado-
qual esta não é apenas uma fonte de recur- tados em 2015 pela Organização
sos e matérias primas; é um ser vivo! A natu- das Nações Unidas (ONU), em prol de uma
reza é indivisível e intrinsecamente imbrica- Agenda Mundial de Desenvolvimento Sus-
da à vida dos seres humanos; somos parte tentável, que deve ser cumprida até o ano de
da natureza e a ela pertencemos. 2030. Os 17 ODS tratam sobre a erradicação
da pobreza, fome e agricultura sustentável;
(Trecho extraído na íntegra de: <http://www.ihu.uni-
de saúde e bem-estar; educação de qualida-
sinos.br/78-noticias/579449-para-salvar-a-humani-
de e igualdade de Gênero; água potável, sa-
dade-do-desastre-o-bem-viver;>. Acesso em: 25 ago.
neamento e energia acessível e limpa entre
2021).
outros temas.
(Trecho extraído na íntegra de: <https://sgssustentabi-
lidade.com.br/conheca-os-17-objetivos-de-desenvol-
Agenda 21 vimento-sustentavel>. Acesso em: 25 ago. 2021).
A
Organização das Nações Unidas (ONU) realizou, no Rio de Janeiro, em 1992, a Con-
ferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (Cnumad),
mais conhecida como Rio-92. Resultou desse encontro a Agenda 21 definida como
um instrumento de planejamento para a construção de sociedades sustentáveis, em diferen-
tes bases geográficas, que concilia métodos de proteção ambiental, justiça social e eficiência
econômica.
(Trecho extraído na íntegra de: <https://antigo.mma.gov.br/responsabilidade-socioambiental/agenda-21/agenda-
-21-global.html>. Acesso em: 25 ago. 2021.
39
SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
Percepções sobre o
desaparecimento das Sementes
Crioulas na Comunidade do
Sertão – Alto Paraíso de Goiás
Selma de Almeida Bernardes15
Nina Paula Laranjeira16
15 Licenciada em Educação do Campo (LEdoC/UnB Campus Planaltina), atua como professora na Escola Municipal San-
to Antônio da Parida, Sertão, Alto Paraíso de Goiás. Especialista em Sociobiodiversidade e Sustentabilidade no Cerrado pelo
Centro de Estudos do Cerrado da Chapada dos Veadeiros (Centro UnB Cerrado) da Universidade de Brasília, em Alto Paraíso
de Goiás, Goiás. E-mail: selmacerrado@hotmail.com
16 Geóloga, doutora em Geologia. Professora Associada, aposentada pela UnB. Foi diretora do Centro da UnB entre
2011 e 2017, no qual permaneceu até 2019; atua como pesquisadora junto ao NEA/UnB (Núcleo de Estudos em Agroecologia)
e no Interssan/UNESP; membro associada do Instituto Biorregional do Cerrado-IBC, Alto Paraíso de Goiás, onde participa do
Núcleo de Alimentação Sustentável e Produção Agroecológica – Naspa/IBC. Email: ninalaranjeira@gmail.com
40
SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
1. O que é a pesquisa?
O
bservar que a perda da riqueza Na pesquisa, buscamos observar, capturar
e da diversidade de sementes e sistematizar percepções da comunidade
e alimentos na comunidade do rural do Sertão sobre o desaparecimento das
Sertão, no interior do estado de Goiás, ocor- sementes crioulas. E, para tal, foi utilizada a
reu paulatinamente, assim como o desapa- pesquisa etnográfica — método que defende
recimento de variedades de sementes foi a exatamente o convívio do pesquisador com
motivação da pesquisa. O Sertão é um local os sujeitos e seu objeto de estudo, visando
com um contexto sociocultural e econômi- relatar como se organizam e se relacionam
co singulares, devido às riquezas naturais e entre si. Como pesquisadora, moradora do
à forma de cultivo do homem e da mulher Sertão, desde os quatro anos de idade, e fi-
do campo ainda preservados, relacionando lha de agricultores, para Selma de Almeida
os saberes, os fazeres, as relações sociais, o Bernardes foi possível perceber, ao longo do
cultivo agroecológico, a cultura local, a coo- tempo, a importância das sementes para a
peração e a proteção dessa forma de vida. comunidade, mas, ao mesmo tempo, o pro-
A pesquisa se desenvolveu em torno da se- cesso de desaparecimento das variedades
guinte problemática: sendo a comunidade de sementes nos cultivos.
do Sertão composta, em sua maioria, por
famílias de agricultores há várias gerações,
que impactos essa comunidade sofreu ou
sofre com o desaparecimento gradativo das
sementes crioulas?
41
SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
Saberes e fazeres da comunidade têm se cada vez mais perdas. Preocupada com es-
perdido e, para as gerações atuais, perme- sas questões, na LEdoC foi possível voltar os
adas pelos valores do capitalismo, viver no estudos para o currículo escolar e suas re-
campo passa a ser visto como dificuldade. lações com o projeto de vida dos jovens da
As sementes são vistas como pertencentes a comunidade do Sertão (BERNARDES, 2015).
um só dono, e o uso de tecnologias alteram Esse estudo sobre sementes crioulas é parte
as sementes. A falta de descanso da terra, a das preocupações levantadas na graduação
monocultura e o afastamento de coletivos e que foi possível aprofundar na especializa-
de homens e mulheres do trabalho na terra ção em Sociobiodiversidade e sustentabilida-
são os novos valores que vêm substituindo de no Cerrado.
saberes e fazeres tradicionais, provocando
42
SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
A
partir do acúmulo de conhecimen- Das 75 famílias moradoras no Sertão,
to sobre o Sertão, o tema das se- somente uma comercializa seus produtos
mentes crioulas veio como parte na feira ou em comércios na cidade de Alto
do compromisso de revalorizar saberes e fa- Paraíso de Goiás. Ainda falta organização
zeres tradicionais. local e municipal que favoreça todos com a
A pesquisa foi realizada no Sertão, povo- venda de produtos nas feiras do município.
ado rural do município de Alto Paraíso de O comércio local, com poucas exceções,
Goiás, localizado a cerca de 25 km da sede não prioriza a compra de produtos da agri-
do município, com acesso por estrada de cultura familiar para revender em seus es-
terra, a GO-239. Em 2018, havia cerca de 75 tabelecimentos. A prioridade é dada para
residências, conforme dados da Unidade de compra de produtos alimentícios vindos
Saúde da Família (USF), que formam uma po- de outros centros (Ceasa-DF e Ceasa-GO)17
pulação aproximada de 250 pessoas. Essas para abastecer a cidade, tornando a ali-
famílias constituem uma comunidade que há mentação mais cara e industrializada.
várias gerações permanece nessa região.
A comunidade do Sertão é constituída,
em sua maioria, por agricultores familiares,
aposentados e trabalhadores assalariados,
como: gerente de fazenda, tratoristas,
professores e professoras, diretor escolar,
coordenadora escolar, empreiteiros de roça-
da, cabeleireiro, artesãs de tapetes e colchas
de retalho, construtores, pastores, meren-
deira, serviços gerais na escola, diaristas, va-
queiros, pedreiros, eletricistas. Muitas famí-
lias, para complementar a renda, trabalham
com o agroextrativismo de baru, açafrão,
caju, pequi, cagaita, jatobá, mangaba.
43
SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
44
SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
45
SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
Realizamos a análise por faixa etária, a O ponto mais interessante é que, na maio-
partir das respostas às perguntas norteado- ria das respostas dadas, as sementes es-
ras usadas nas entrevistas. Analisamos os tavam sempre ligadas às mulheres. As(os)
pontos em comum e as possíveis divergên- filhas(os), principalmente entre os entrevista-
cias. Em relação ao perfil dos(as) entrevis- dos das faixas etárias de 40 a 42 anos e de 15
tados(as), realizamos uma breve descrição, a 20 anos, ligavam toda a movimentação em
quando havia algum fator que pudesse ser torno da semente às mães — estas separa-
considerado relevante. vam, guardavam, coletavam, armazenavam,
Para a análise e a discussão dos resulta- faziam os utensílios para guardar as semen-
dos, realizamos várias formas de aglutinação tes. Já para as entrevistadas do sexo femini-
das informações das entrevistas, na tentativa no, da faixa etária mais idosa, as sementes
de facilitar a compreensão dos resultados estavam relacionadas aos maridos — eles
encontrados. Como forma de identificar cuidavam, cultivavam. E, em alguns casos, as
as mudanças ao longo da história da mulheres ligaram o desaparecimento das se-
comunidade, realizamos a categorização das mentes crioulas à morte do companheiro.
respostas por faixa etária. A análise das narrativas trouxe muitas in-
O intuito de registrar a narrativa dos(as) formações importantes sobre a agricultura
entrevistados(as) e o enfoque etnográfico familiar na comunidade do Sertão, principal-
resultaram em grande complexidade dos da- mente nas falas dos mais velhos (entre 60 e
dos coletados, principalmente nas entrevis- 88 anos). Para eles, a questão das sementes
tas com os os(as) anciões(ãs). A riqueza e a está ligada a uma tradição, ao modo de vida
complexidade das respostas dadas por cada que foi desaparecendo. A diferença dessa
ancião em suas narrativas impediu que hou- percepção vem da própria forma de viver de
vesse uma linearidade em suas respostas. cada faixa etária. A realidade é que as poucas
famílias que ainda se mantêm na comunida-
Durante as entrevistas, buscamos obser- de não plantam mais como antes. Mudanças
var e analisar as percepções dos(as) morado- ocorreram, desde o uso de insumos agríco-
res(as) pautadas não apenas pela faixa etá- las e uso de veneno, pois muitas famílias não
ria, mas também nas questões de gênero. mantêm uma agricultura orgânica como nos
Para tal, entrevistamos oito homens e nove tempos antigos.
mulheres.
Os guardiões das sementes, em sua
maioria, estão muito idosos e já não conse-
guem praticar agricultura como antes. Toda
a sabedoria no trato e no armazenamento
das sementes está silenciada com eles, pois
sentem que as novas gerações acham que
estão ultrapassados e não valorizam sua sa-
bedoria. Ou seja, o saber tradicional e a cul-
tura agrícola estão sendo perdidos devido às
transformações sociais e tecnológicas que
chegaram ao Sertão.
46
SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
Nas narrativas, foi possível perceber a A variedade das sementes que existia an-
existência do saber tradicional, mas também tes diminuiu muito na comunidade, confor-
como ele vem sendo silenciado pelo tempo e me pode ser visto no quadro 1. Assim como
pelas transformações na comunidade. Sabe- variedades de espécies nativas de animais,
res vislumbrados nas narrativas, quando as peixes, aves e insetos, conforme a percep-
pessoas saem do anonimato, estão expres- ção dos moradores. Ainda assim é possível
sos neste estudo. Os(as) entrevistados(as) observar grande variedade de plantios nos
trazem, muito timidamente, seus saberes e quintais da comunidade, registrado no qua-
fazeres, por meio da cultura e da vida, que dro 2.
não podem ser perdidos. Como na fala de M.
D. (do grupo de 60 e 88 anos): “Às vezes a
gente fica até com vergonha de tá falando”,
quando foi pedido para fazer o “bendito de
chamar chuva”.18
Quadro 1: Registro de sementes que não existem mais, segundo moradores(as) entrevistados(as) no Sertão
Semente Variedade
Mulatinho, feijão mamona, roxinho, roxão, carioquinha, amarelo, fogo na serra, feijão catador,
Feijão de corda, pardinho, rosinha, preto, engope, caboclo, rim de porco e das grávidas
Buapo, preto, agulhinha, bico ganga, mindinho, beira campo, cabo de ovelha, amarelão ou
Arroz pratinha, pratão e barranqueiro
Cará-do ar Cará-do-ar
Guandu Guandu
Gergelim Amarelo
Cana Cana-caiana
Milho de pipoca Dente de alho
47
SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
Mesmo diante dessa “erosão genética”, expressa na perda das variedades das sementes
crioulas, no seio das famílias entrevistadas, ainda existem sementes, pois o pulsar da vida
representado pelas sementes não se separa dos seus guardiões.
Quadro 2: Sementes ainda cultivadas nos quintais dos(as) moradores(as) entrevistados(as) no Sertão
Inhame lebanca, cará-do-ar, mandioca pão, abóbora, jiló, quiabo, açafrão, araruta, chuchu, laranja,
acerola, jabuticaba, mamão, cana-caiana, abacate manteiga, uva, manga, maxixe, jaca, atemoia,
B.T.S. gergelim preto, pimenta-malagueta, jambo roxo e gengibre.
E.M. (I) Banana-prata, quiabo, abóbora cabocla, jiló, tomate cereja e mandioca rio verde.
J.B.F. Banana-prata, jiló, mandioca rio verde, cana-caiana, melancia, jiboia e abóbora-jacaré.
E.M. (II) Fava vermelha, mandioca, mamão, acerola e feijão de corda ou catador.
Inhame lebanca, cará-do-ar, mandioca pão, abóbora, jiló, quiabo, açafrão, araruta, chuchu, laranja,
I.B. acerola, jabuticaba, mamão, cana-caiana, abacate, uva, manga, maxixe, jaca, atemoia, , gergelim
preto, pimenta-malagueta, jambo roxo e gengibre.
M.D.C.M. Banana-marmelo, mandioca rio verde, jiló, araruta, quiabo, açafrão, café, laranja, mexerica e taioba.
48
SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
O resgate dos saberes e dos fazeres as- Com a pesquisa, foi possível perceber que,
sociados às sementes nas comunidades ao romper com o uso tradicional de entrevis-
tradicionais exige o envolvimento das gera- tas baseadas em perguntas e respostas para
ções mais novas. No Sertão, apesar de não coletar os dados necessários e optar pelo
terem vivenciado as experiências dos mais uso do método das narrativas com a história
velhos, na prática, os jovens trazem, em sua oral, os registros foram poderosíssimos, per-
essência, o desejo de continuidade da tradi- mitindo produzir significativo conhecimento
ção familiar. E o interessante é que, mesmo científico sobre os saberes e os fazeres da
tudo parecendo algo distante, alguns desses comunidade do Sertão e as sementes criou-
jovens trazem, no íntimo, o sentimento da las.
necessidade de um resgate do que está se
perdendo, porém não sabem como agir.
49
SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
50
SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
A
s sementes crioulas, em nossa Ao passo que as sementes crioulas, nas
atualidade, possuem, sem ne- comunidades, são praticamente de todos:
nhuma dúvida, um diferencial em quem tem a semente passa para quem não
relação a quaisquer outras sementes mani- tem. O modo de vida dos(as) agricultores(as)
puladas nos laboratórios das empresas. Por familiares tem sustentabilidade, pois trocam
serem patenteadas pelas empresas, as se- não apenas as sementes, mas experiências
mentes de laboratório muitas vezes são de de todo o processo de vida, sejam eles no
difícil acesso para os(as) pequenos(as) agri- plantio, na colheita, no cuidado com o solo.
cultores(as) que não têm disponibilidade de Ou melhor, eles e elas amparam uns aos ou-
comprar os “pacotes agrícolas”. tros falando das experiências que dão certo
e das que não dão. O(a) agricultor(a) familiar
vive em comunhão com seus modos de vida.
51
SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
52
SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
VOCÊ sabia?
Pesquisa
etnográfica Sementes
crioulas
Abrange a descrição dos eventos que
acontecem na vida de um grupo e a devida Sementes crioulas são sementes tradi-
interpretação do significado desses eventos cionais, que foram mantidas e selecionadas
para a cultura do grupo, sempre dando ên- por várias décadas ou gerações, por agri-
fase para as estruturas sociais e o compor- cultores, comunidades tradicionais e povos
tamento dos indivíduos enquanto membros originários do mundo todo. Essas sementes
do grupo (GODOY, 1995). promovem a soberania alimentar das comu-
nidades e ajudam a preservar a sua cultura e
a riqueza genética das espécies vegetais. Por
isso são de vital importância para a sobera-
nia e segurança alimentar no mundo.
Erosão genética
53
SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
PARTE 2
AGROECOLOGIA,
SOBERANIA E
SEGURANÇA
ALIMENTAR E
NUTRICIONAL
Nina Paula Laranjeira
54
SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
O
s textos que se seguem são resul- A ciência, junto com os movimentos so-
tados de pesquisas que tratam da ciais, tem tentado explicar/entender como
agroecologia e da segurança ali- está o estado da SAN de diversos grupos da
mentar e nutricional (SAN). Esses termos têm sociedade, se pode melhorar, e como. Tam-
sido usados tanto pelos movimentos sociais bém tem procurado acompanhar o processo
quanto nas políticas públicas e na academia. do que chamamos de transição agroecológi-
A luta popular dos movimentos sociais li- ca, ou seja, agricultoras e agricultores que
gados ao campo abrange a luta pela terra, plantavam com o uso de produtos químicos,
pelo direito de produzir e de decidir sobre mas que, agora, desejam passar para uma
sua própria alimentação, por sua soberania, agricultura de base agroecológica.
principalmente a soberania alimentar. A maior As políticas públicas, para serem realmen-
parte desses movimentos adotou como ban- te efetivas na melhoria das condições de se-
deira de luta a agroecologia, ou seja, a pro- gurança alimentar, no desenvolvimento rural
dução de alimentos de forma mais harmô- com sustentabilidade, nos processos de tran-
nica com os ambientes naturais, com maior sição agroecológica e no fortalecimento da
respeito aos ciclos da natureza, sem o uso de agroecologia, devem ser baseadas em estu-
agrotóxicos e outros produtos químicos, e dos científicos e na vontade popular, ou seja,
com justiça social, valorização e respeito das de quem está vivendo o problema. Políticas
culturas camponesas, tradicionais e originá- públicas devem propor e apoiar ações que
rias que, há séculos, ou mesmo milênios, se melhorem o estado de segurança alimentar,
dedicam a seus cultivos. de diversas formas, mas acentuamos a im-
portância do fortalecimento da produção de
alimentos de base agroecológica e da agri-
cultura familiar. O direito à terra e o acesso a
políticas públicas que promovam a produção
e sustentabilidade da agricultura familiar são
fundamentais para garantir a segurança ali-
mentar no campo e na cidade.
55
SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
Note-se que esse conceito vai além de ali- Em síntese, compreender o conceito de
mentar-se em quantidade e qualidade: o ali- SAN e a agroecologia é importante para os
mento deve garantir a saúde e os hábitos ali- que querem lutar pelo desenvolvimento ru-
mentares dos diferentes grupos sociais, bem ral com sustentabilidade e pela qualidade de
como também a sustentabilidade (ambien- vida das populações do campo e da cidade.
tal, cultural, econômica e social). Além disso, Movimentos sociais e ciência estão juntos
as demais necessidades básicas devem ser nessa missão.
atendidas, como saúde e educação. O con- Nesse momento de pandemia, por diver-
ceito de SAN, portanto, engloba questões sos motivos, tem ficado clara a necessidade
ambientais, culturais, sociais e econômicas, de refletir sobre o que consumimos. E quan-
e, nesse sentido, a agroecologia surge como do falamos em consumo, em primeiro lugar,
forma mais sustentável de produzir alimen- estão os alimentos, pelo fato de serem de
tos. Daí, a importância do apoio aos proces- consumo diário, algumas vezes por dia — in-
so de transição agroecológica. felizmente, não para todas(os).
A agroecologia, enquanto ciência, tem pre- Boa parte da alimentação mundial está
ocupações que vão além do uso de técnicas baseada no sistema alimentar industrial, ou
sustentáveis para produção de alimentos, seja, no grande agronegócio e no sistema
pois deseja construir conhecimento a par- financeiro. A produção de grãos — soja e
tir do diálogo horizontal entre os diferentes milho, por exemplo — está na base da pro-
conhecimentos, saberes e culturas (incluin- dução de alimentos industrializados. Esses
do diversas disciplinas científicas), na bus- grãos são considerados como commodities,
ca de soluções para a produção sustentá- ou seja, mercadorias negociadas nas bolsas
vel de alimentos. Por isso, é compreendida de valores internacionais. Alimento ou mer-
como uma ciência nova, uma ciência que cadoria? Eis a questão. O Brasil bate recordes
se reconhece como mais uma forma de de exportação de grãos enquanto a fome no
conhecer, assim como tantas outras. Então, país cresce de forma assustadora.
como ciência, está no campo da interdisci-
plinaridade e da transdisciplinaridade, no
qual o diálogo intercultural e interepistêmico
(entre diferentes formas de conhecimento)
é exercitado e fomentado, e a produção de
conhecimento se dá pela práxis: relação
estreita entre teoria e prática, produzindo
conhecimento contextualizado.
56
SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
Um terceiro trabalho, do professor Luciano Rodrigues Campos e Tânia Cristina da Silva Cruz,
nos leva a um giro pela Feira Popular da Agricultura Familiar, que acontece aos domingos e
quintas-feiras, ao lado do Centro de Atendimento ao Turista (CAT). Essa feira foi criada por
um grupo de famílias de três associações do Assentamento Sílvio Rodrigues, com apoio da
Prefeitura de Alto Paraíso, da Secretaria Municipal de Agricultura, do Núcleo de Agroecologia
e Alimentação Sustentável (Naspa) — que, na época, fazia parte da Universidade de Brasília
(UnB) e, atualmente, é parte do Instituto Biorregional do Cerrado (IBC) —, da AmoAlto e da Co-
oper Frutos do Paraíso. Parte das famílias agricultoras que puxou a criação da feira faz parte
das famílias acompanhadas pelo estudo do Sat, enquanto algumas delas fornecem alimentos
para a alimentação escolar, foco do estudo da Claudia Lulkin.
57
SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
Sim, estamos falando sobre os espaços nosso próprio corpo até a escala planetária.
onde a agroecologia e a SAN são fortalecidas, Resgatar a conexão com a teia da vida é fun-
apoiadas, aprendidas e ensinadas. A Feira Po- damental para todas(os) que querem mudar
pular da Agricultura Familiar e a Feira de Se- hábitos e se reconciliar com a origem.
mentes e Mudas da Chapada dos Veadeiros19 Enfim, são muitas questões quando se
são espaços de fortalecimento e empodera- fala sobre esses temas e ainda mais quan-
mento da agricultura familiar e da agroeco- do nos referimos especialmente à Chapada
logia e, por isso, importantes para a garantia dos Veadeiros, território povoado inicialmen-
da SAN de Alto Paraíso de Goiás e região. te por indígenas e, depois, africanos e afro-
O Naspa executou três projetos financia- descendentes, que deixaram forte marca em
dos pelo Conselho Nacional de Desenvolvi- seu povo e sua cultura. Não podemos mais
mento Científico e Tecnológico (CNPq), tendo ignorar que a Chapada é esse território qui-
a agroecologia e a SAN no município de Alto lombola e kalunga, rural, da suça e dos frutos
Paraíso (além de outros municípios) como do Cerrado, da mandioca e do gergelim, da
focos importantes. As pesquisas de Sat e goiana e do goiano do campo, da viola caipi-
Claudia e a criação da Feira Popular da Agri- ra, da cultura tradicional e popular. Precisa-
cultura Familiar foram apoiados por esses mos falar sobre isso, reconhecer os conhe-
projetos, assim como a pesquisa de Selma cimentos e hábitos do lugar, para dialogar e
de Almeida Bernardes, encontrada na parte se misturar. Temos muito a trocar. E isso é
1 desta publicação. agroecologia.
Em síntese, os três artigos a seguir pro- Esperamos que aprecie a leitura dos tex-
metem fazer-nos refletir sobre a transição tos que se seguem!
alimentar, em direção ao alimento agroeco-
lógico, sustentável e com justiça social. Essa
transição significa mudar a base da alimenta-
ção para hábitos alimentares e de consumo
de produtos locais, pouco ou não processa-
dos e sazonais, e, por isso, mais sustentáveis
e também mais saudáveis.
Para que aconteçam tais mudanças de há-
bito, é importante entender a ruptura que
a cultura ocidental (globalizada) promoveu
entre nós, seres humanos, e o planeta Terra,
enquanto morada e provedor da vida. Essa
ruptura nos levou à desresponsabilização
pelo que comemos ou, de forma mais ampla,
pelo que consumimos (e descartamos). Os
resultados são dramáticos, desde a escala do
19 Iniciada pela Cooper Frutos do Paraíso e pelo Centro UnB Cerrado, em 2011, essa feira está viva até os dias de hoje,
ainda que, em 2020, em sua décima versão, tenha acontecido de forma virtual.
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SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
20 Bacharel em Química, mestre em Química Teórica pela Universidade Estadual Paulista (Unesp); Especialista em So-
ciobiodiversidade e Sustentabilidade no Cerrado pelo Centro de Estudos do Cerrado da Chapada dos Veadeiros (Centro UnB
Cerrado) da Universidade de Brasília, em Alto Paraíso de Goiás, Goiás. Coordenador do Núcleo de Alimentação Sustentável e
Produção Agroecológica, do Instituto Biorregional do Cerrado (Naspa/IBC). E-mail: barbosaaltoparaiso@gmail.com
21 Geóloga, doutora em Geologia. Professora Associada, aposentada pela UnB. Foi diretora do Centro da UnB entre
2011 e 2017, no qual permaneceu até 2019; atua como pesquisadora junto ao NEA/UnB (Núcleo de Estudos em Agroecologia)
e no Interssan/UNESP; membro associada do Instituto Biorregional do Cerrado-IBC, Alto Paraíso de Goiás, onde participa do
Núcleo de Alimentação Sustentável e Produção Agroecológica – Naspa/IBC. Email: ninalaranjeira@gmail.com
22 Engenheiro Agrônomo, doutor em Agronomia pela Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (Esalq) da Univer-
sidade de São Paulo (USP). Professor Adjunto da UnB, atua na Faculdade UnB Planaltina. Email: fmpcosta@gmail.com
59
SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
1. O que é a pesquisa?
O
município de Alto Paraíso de Goi- Na região da Chapada dos Veadeiros, e,
ás, localizado na Chapada dos Ve- em especial, no município de Alto Paraíso,
adeiros, mantém ainda diversas muitos(as) agricultores(as) convivem com a
comunidades tradicionais. Desde a década necessidade de atender à crescente deman-
de 1990, o município vem atraindo pessoas da por esse tipo de alimento e estilo de vida,
de vários lugares do Brasil e do mundo, o que além do anseio de estabelecer sistemas pro-
lhe confere uma grande diversidade socio- dutivos que valorizem e respeitem a harmo-
cultural. A maioria desses “chegantes”, como nia e o convívio com a natureza.
são chamados os migrantes que se instalam
na localidade, valoriza a qualidade de vida,
representada, em parte, pelo interesse em
alimentos saudáveis, orgânicos e de origem
agroecológica.
60
SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
61
SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
VOCÊ sabia?
Agroecossistema Agroecologia
S E
ão sistemas criados ou modificados ntendemos a agroecologia como ci-
pelo ser humano, a fim de produzir ência, prática e movimento social,
alimentos. Nesses sistemas obser- pois ela aposta em um novo mode-
vamos relações ecológicas, complexas, entre lo, no qual a sustentabilidade é entendida de
seus componentes que são plantas, animais, forma ampla, com justiça social para os po-
e outros organismos vivos, o solo (parte mi- vos do campo e alimentação saudável para
neral e parte orgânica), os insumos utilizados o campo e para a cidade. Tal transformação
para a produção e também fatores socioeco- nos sistemas alimentares não é trivial, é um
nômicos. processo em construção, inclusive de uma
nova ciência, baseada no diálogo entre dife-
rentes saberes. Em termos de cultivo, a Agro-
ecologia busca reduzir ao máximo os insu-
mos externos e investir na fertilidade do solo
como forma de fortalecimento e saúde das
plantas. Por não usar agrotóxicos e outros
insumos químicos, produz plantas mais sau-
dáveis e representa melhoria para a saúde
de agricultoras e agricultores, e também de
consumidoras e consumidores (LARANJEIRA
et al, 2021, p. 124).
62
SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
63
SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
D
evemos a realização do presente sendo elas: Associação dos Produtores do
estudo ao Núcleo Transdisciplinar Assentamento Sílvio Rodrigues (APSR), União
de Pesquisa em Alimentação Sus- dos Produtores da Fazenda Paraíso (UNI-UP)
tentável e Produção Agroecológica (Naspa), e Associação dos Pequenos Produtores Ru-
na época, vinculado ao então Centro de Estu- rais Unidos e Região (Asprur).
dos do Cerrado da Chapada dos Veadeiros, Na pesquisa, registramos mensalmente
mais conhecido como Centro UnB Cerrado. a diversidade de produtos na feira e calcu-
Criado em dezembro de 2010, o Centro rea- lamos a média, ao longo do ano, para cada
lizou projetos de educação ambiental, agro- agricultor(ra). Para avaliarmos o estágio de
ecologia, segurança alimentar e nutricional transição agroecológica que se encontra
(SAN), sobretudo por meio do Naspa, que, cada família, visitamos e aplicamos um ques-
desde 2019, está vinculado ao Instituto Bior- tionário, registramos as práticas que estão
regional do Cerrado (IBC). em uso em cada parcela, além de outros in-
Em 2014, o Naspa atuou diretamente com dicadores, que serão apresentados adiante.
ações voltadas para a juventude local e um Indicadores são características produtivas
grupo de jovens que desenvolveu projetos de ou de organização comunitária, capazes de
agroecologia junto às suas famílias no assen- refletir o avanço no processo de transição, e
tamento Sílvio Rodrigues, em Alto Paraíso, serão apresentados a seguir.
estendendo depois a outros assentamentos Conhecendo bem as limitações na implan-
rurais da Chapada dos Veadeiros.24 Desses tação e na manutenção das práticas agro-
projetos, identificamos algumas famílias com ecológicas apresentadas aos(às) agriculto-
grande potencial de produção de base agro- res(as), definimos indicadores direcionados
ecológica.25 O trabalho conjunto entre essas à realidade da Chapada dos Veadeiros, es-
famílias do PASR, do Assentamento Mingau e pecificamente para esse grupo de agriculto-
do Naspa resultou na criação da Feira Popu- res(as) do PASR. Esses indicadores foram dis-
lar da Agricultura Familiar de Alto Paraíso de postos em categorias que refletem o nível do
Goiás, no avanço da transição agroecológica, processo de transição agroecológica de cada
no estreitamento de laços familiares, e alguns uma dessas parcelas. Para contribuir na aná-
deles contribuíram, de forma efetiva, para o lise, propusemos três categorias (níveis 1, 2
aumento da produção (BARBOSA et al., 2018; e 3), agrupando os indicadores. Levamos em
LARANJEIRA et al., 2014; LARANJEIRA; BARBO- consideração, entre outros indicadores, a di-
SA; DHELOMME, 2014), bem como no fortale- versidade média de produtos e o número de
cimento e empoderamento de associações, práticas agroecológicas observadas em cada
uma das parcelas.
24 Projeto de Assentamento (PA) Mingau, em São João D´Aliança; e PAs Terra Mãe, Boa Esperança e Córrego do Bonito,
em Colinas do Sul.
25 Algumas famílias já participavam da Feira do Produtor Rural de Alto Paraíso, que ocorre tradicionalmente aos sába-
dos naquela localidade.
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SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
Envolvimento Familiar x x x x x x x x x x
Nota: As parcelas destacadas em azul (74, 10 e 44) foram classificadas na Categoria 1; as demais, devido aos
outros indicadores apresentados nos quadros 2 e 3, foram classificadas em níveis mais elevados.
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SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
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SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
Esse último nível não quer dizer necessariamente que as parcelas já sejam completamente
agroecológicas, mas que o processo avançou a ponto de poderem ser assim consideradas, e
mais, que o processo continua em curso. Mesmo as parcelas avaliadas nessa categoria não
contemplaram todos os indicadores aqui propostos, e mesmo uma das parcelas, a nº 13, que
apresentou elevado número de práticas, não foi assim considerada, por não contemplar ou-
tros indicadores.
67
SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
O mais importante aqui é que, dos sete O presente estudo permitiu ampliar a
feirantes das parcelas pertencentes às cate- compreensão da relação dos processos de
gorias 2 e 3, seis são fundadores da feira, ou transição agroecológica com a SAN na agri-
seja, estão desde o seu início, demonstrando cultura familiar. A diversidade produtiva e
claramente que níveis mais elevados do pro- a transição agroecológica têm garantido a
cesso de transição contribuem diretamente permanência na feira (e retroalimentam-se),
na permanência desses(as) agricultores(as) trazendo sustento para as famílias para além
na feira, e vice-versa, pois também percebe- da alimentação, ou seja, melhorando a SAN
mos que a própria participação na feira pro- delas, e garantindo alimentos saudáveis na
picia uma troca contínua de conhecimentos, cidade.
incentivando os(as) agricultores(as) a conti-
nuarem no processo de transição, incorpo-
rando novos conceitos e técnicas no cami-
nho rumo a uma produção agroecológica
(LARANJEIRA; BARBOSA, 2018).
3. Importância da pesquisa
para sociobiodiversidade e a
sustentabilidade no Cerrado
O
s indicadores de transição agro- para combinar conservação ambiental, pro-
ecológica propostos para as- dução de alimentos saudáveis e inclusão so-
sentamentos da Chapada dos cial de agricultores(as) familiares, contribuin-
Veadeiros, que levaram em consideração do, assim, para a conservação da Chapada
não somente as práticas agroecológicas, dos Veadeiros e do Cerrado, bem como para
como também atividades e comportamento a sustentabilidade de sua população rural.
dos(as) agricultores(as) rumo a uma produ-
ção agroecológica, se mostraram adequados
para o grupo estudado. A pesquisa serve de
incentivo para que os(as) agricultores(as)
continuem participando da Feira Popular da
Agricultura Familiar e avançando no proces-
so de transição agroecológica. Dessa forma,
os indicadores aqui propostos podem servir
como um caminho a ser trilhado pelas famí-
lias em transição rumo a uma produção cada
vez mais diversificada e de base agroecoló-
gica, e mesmo para aquelas que desejam
iniciar o processo. A produção agroecológica
vem se mostrando a cada dia mais essencial
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SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
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SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
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SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
1. O que é a pesquisa?
O
interesse e a curiosidade pelo A expansão da soja está diretamente liga-
uso das frutas nativas do Cerra- da à produção de ração para animais, pelo
do tratadas nesta pesquisa co- aumento da demanda de carne na alimenta-
meçaram em 2004 quando a Secretaria de ção humana. Atualmente, 90% da safra culti-
Saúde Municipal de Pirenópolis, Goiás, en- vada no mundo é destinada às indústrias de
comendou um estudo sobre multimistura — esmagamento, que transformam o grão em
a partir da visão e prática de Clara Brandão óleo e farelo. Esse último, por sua vez, servi-
29
— com a utilização dos alimentos locais. rá de ração para gado, frangos, porcos, entre
Aquela demanda inicial estimulou a busca outros, criados em confinamento. Essa utili-
por informações sobre os usos das frutas do zação explica o crescimento da demanda e o
Cerrado e, desde então, esse tema passou a consequente aumento de 60% da produção
ser central nas pesquisas e atuação político- de soja mundial entre 1995 e 2005 (SCHLE-
-profissional como nutricionista e ambienta- SINGER; NORONHA, 2006).
lista de Claudia Lulkin. A Chapada dos Veadeiros, região onde
O Cerrado é o bioma brasileiro que mais está localizada a cidade de Alto Paraíso de
sofreu alterações com a ocupação humana a Goiás, sofre por um lado grande pressão do
partir dos anos 1970. Com a crescente pres- latifúndio e da monocultura da soja, pelo
são para a abertura de novas áreas, visando uso de agrotóxicos e fertilizantes sintéticos,
incrementar a produção de carne e grãos e de sementes transgênicas. No embate a
para exportação, tem havido um progres- essas práticas, estão agricultores(as) fami-
sivo esgotamento dos recursos naturais da liares, que trabalham com culturas de base
região (BRASIL, 2019). Esse cenário atinge os agroecológica, cultivando feijão, café, milho,
frutos do Cerrado, como pequi, baru, buri- mandioca, batata-doce, amendoim, cana-de-
ti, araticum, cagaita, mangaba. Esses frutos -açúcar, banana, laranja, mexerica, mamão,
vêm diminuindo por meio de derrubada de maracujá, verduras em geral; criando gali-
árvores, para a produção de soja transgêni- nhas e gado, produzindo ovos e leite em pe-
ca, e por meio de queimadas, gerando difi- quena escala. Além dessas práticas, esses(as)
culdades para o uso e o comércio em feiras agricultores(as) comercializam frutos do Cer-
locais, promovendo, dessa forma, a perda da rado — jatobá, baru, pequi, bem como pol-
cultura alimentar tradicional dos frutos do pas de cagaita, mangaba, araticum —, como
Cerrado. parte do agroextrativismo que praticam. São
esses(as) agricultores(as) que fizeram parte
do contexto da pesquisa.
29 Clara Brandão, nutróloga brasileira que se popularizou por promover a ideia de usar uma multimistura, um comple-
mento alimentar contendo sementes, pós de folhas verdes secas e farelos de cereais, que pudesse ser agregado à alimenta-
ção cotidiana, combatendo a desnutrição (BRANDÃO, s.d.).
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SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
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SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
VOCÊ sabia?
Lei no 11.346
74
SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
Desde 2012, a Secretaria Municipal de Educação de (SME) de Alto Paraíso de Goiás havia
compreendido a importância da compra de, pelo menos, 30% dos alimentos provindos da agri-
cultura familiar, prevista na Lei nº 11.947, de 16 de junho de 2009, que criou o Programa Na-
cional de Alimentação Escolar (PNAE), como uma política pública que garante alimentação sau-
dável para os escolares, sustentabilidade financeira para os(as) pequenos(as) agricultores(as) e
agroextrativistas locais e, ainda, manutenção da biodiversidade.
Programa Nacional de
VOCÊ sabia? Alimentação Escolar
O PNAE foi criado pela Lei nº 11.947, de 2009, determina entre outras coisas, que a alimen-
tação escolar deve ser “saudável e adequada, compreendendo o uso de alimentos variados,
seguros, que respeitem a cultura, as tradições e os hábitos alimentares saudáveis” (Art. 2º, I) e
inclui a educação nutricional nas escolas, como forma de incentivar hábitos alimentares e de
vida saudáveis. Além disso, o Programa visa também ao fortalecimento da agricultura familiar,
ampliando oportunidades de comercialização para seus produtos, como forma de melhoria da
segurança alimentar e nutricional, tanto nas escolas, quanto no campo.
Assim, a SME de Alto Paraíso já vinha ar- A partir de 2017, a atuação como nutri-
ticulando agricultores(as) familiares, quase cionista e gerente de merenda escolar pro-
todos(as) ligados(as) à cooperativa Cooper piciou ação prática nas escolas diretamente
Frutos do Paraíso, com sede na zona rural de com merendeiras e algumas professoras,
Alto Paraíso de Goiás, composta por agricul- dando condições para o desenvolvimento da
tores(as) e extrativistas de vários municípios pesquisa.
da Chapada dos Veadeiros e que tem sido de No ano de 2018, foi possível incluir as fru-
grande importância para os programas go- tas nativas na chamada pública de compras
vernamentais de compras para a alimenta- do PNAE. A chamada pública é o procedi-
ção escolar. mento administrativo voltado à seleção de
proposta específica para aquisição de gêne-
ros alimentícios provenientes da agricultura
familiar e/ou empreendedores(as) familiares
rurais ou suas organizações (BRASIL, 2016).
75
SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
76
SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
Figura 1: Livro elaborado pela turma do 5º ano da Escola Municipal Zeca de Faria,
com pequi, doce e castanhas de cajuzinho
77
SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
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SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
As frutas do Cerrado são ricas fontes de ção e a baixa imunidade. O estresse oxidati-
carotenóides, classe de compostos bioativos vo decorre de um desequilíbrio entre a gera-
abundantes em células vegetais. Os carote- ção de compostos oxidantes e a atuação dos
noides atuam nos tecidos e na pele aumen- sistemas de defesa antioxidante (BARBOSA,
tando a resposta imunológica contra agres- 2010), gerando doenças crônico-degenera-
sores causadores de processos inflamatório, tivas, incluindo câncer, Alzheimer, doenças
sendo, então, antioxidantes. O padrão da cardíacas, bem como envelhecimento pre-
alimentação atual é altamente lesivo para o coce. A pesquisa acadêmica sobre os frutos
organismo humano: há o aumento da quan- do Cerrado, mostrando o valor nutricional e
tidade de produtos provindos de animais funcional, como por exemplo as proprieda-
alimentados com grãos produzidos com des antioxidantes, fortaleceu a compreen-
alta quantidade de agrotóxicos, transgêni- são da importância dos frutos e das árvores
cos, além do processamento industrial, que para a manutenção desse bioma e para a
transforma alimentos em produtos alimentí- alimentação. Foi também possível justificar a
cios sem valor nutricional, com alta quanti- inserção desses alimentos nos cardápios das
dade de corantes, flavorizantes, conservan- escolas e nas chamadas públicas para com-
tes artificiais, bem como grande quantidade prar dos(das) agricultores(as).
de açúcar e sal refinados. O resultado desses
processos é o estresse oxidativo ou intoxica- 30 https://naspaibc.wixsite.com/naspa
79
SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
Carotenóides
VOCÊ sabia? Escolar
Aproximadamente 600 carotenóides são encontrados na natureza, constituindo o maior
grupo de corantes naturais, cuja coloração pode variar entre o amarelo claro, o alaranjado e o
vermelho, presentes em frutas, vegetais e flores (SCHALCH, s. d.).
Alguns podem ser convertidos em vitamina A; outros estão associados à redução do risco de
câncer e de outras doenças crônico-degenerativas, sem que estes sejam primeiro convertidos
em vitamina A. Esta função de combate a doenças, tem sido atribuída ao potencial antioxidan-
te dos carotenóides, que são capazes de sequestrar formas altamente reativas de oxigênio e
desativar radicais livres (isso é a capacidade antioxidante) (ROCHA, 2011).
Esses compostos bioativos também fazem a filtração da luz solar, facilitação da comunica-
ção celular e atuação na resposta imunológica do corpo. Destacam-se também algumas asso-
ciações, como a prevenção de doenças crônicas não transmissíveis, incluindo alguns tipos de
câncer (HORST, 2009).
Grande parte das FRUTAS NATIVAS do cerrado são especialmente ricas em carotenóides: o
buriti, o tucumã, o dendê, a macaúba, o pequi, o araticum, o jatobá, a pupunha são fontes po-
tenciais de carotenóides pró-vitamina A (ROCHA, 2011). Eles são responsáveis pela coloração
amarela ou laranja desses frutos.
80
SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
3. Importância da pesquisa
para a sociobiodiversidade e a
sustentabilidade no Cerrado
N
a perspectiva da sociobiodiversidade e da sustentabilidade do Cerrado, a pesquisa
revelou a necessidade do Cerrado em pé, como garantia para a conservação ambien-
tal e uso alimentar.
O estudo Do Cerrado para a mesa demonstrou a importância da conservação das ár-
vores frutíferas do Cerrado, seu papel fundamental na manutenção da biodiversidade desse
bioma, para segurança alimentar e saúde coletiva. Ressalta-se a importância de comunidades
comprometidas com seus usos e conservação, como as comunidades remanescentes de qui-
lombos, raizeiros(as), pessoas com conhecimentos tradicionais sobre as plantas medicinais do
Cerrado, camponeses(as) e agricultores(as) familiares, com seus modos de vida tradicionais, de
baixo impacto ambiental, e seu vasto conhecimento sobre este bioma.
81
SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
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SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
BRASIL. Ministério da Educação. Fundo Nacional de De- ROCHA, W. S., et. al. Compostos Fenólicos Totais e
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Naspa, Universidade de Brasília, 2017. Disponível em:
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https://www.slideshare.net/cerradounb/alimento-tra-
dio-e-sustentabilidade-uso-de-plantas-alimentcias-
-no-convencionais-panc-na-chapada-dos-veadeiros.
Acesso em: 20 jun. 2018.
83
SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
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SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
1. O que é a pesquisa?
A
pesquisa procurou dar visibilidade à Feira Popular da Agricultura Familiar de Alto
Paraíso de Goiás que ocorre no espaço de comercialização de produtos agroecológi-
cos, no município de Alto Paraiso de Goiás. Os objetivos do estudo foram: i) registrar
o processo produtivo, as formas de organização coletiva dos agricultores familiares, processos
e métodos de comercialização; ii) identificar qual o papel das políticas públicas voltadas à pro-
moção da agroecologia e dos mercados locais; e, iii) analisar as discussões que fomentaram o
surgimento e o desenvolvimento da agroecologia como prática agrícola voltada à conservação
da biodiversidade. Realizou-se também uma revisão de concepções sobre a agroecologia.
Em Alto Paraíso de Goiás existem duas feiras de pequenos agricultores. Elas se destacam
por serem relevantes pontos de apoio à comercialização dos produtos da agricultura familiar
de base agroecológica no município. Buscou-se com a pesquisa registrar a Feira que se realiza
no CAT, para um melhor conhecimento do público local dessa feira como alternativa saudável
de aquisição de alimentos locais.
85
SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
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SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
3. Importância da pesquisa
para a sociobiodiversidade e a
sustentabilidade no Cerrado
A
pesquisa analisou as práticas de Em Alto Paraiso de Goiás, tem-se buscado
transição agroecológica dos(as) dar visibilidade a iniciativas voltadas para a
pequenos(as) agricultores(as) da promoção e preservação da biodiversidade
feira. Surgiram questões sobre soberania do bioma Cerrado. A realização da feira de
alimentar e sua relação com as políticas agricultores familiares do CAT é um exemplo
públicas que buscam promover as práticas disso, pois incentiva a criação de empregos e
agroecológicas, a agricultura familiar e os os mercados locais, promove a permanência
mercados locais, como forma de desenvolver na terra das famílias de agricultores(as) e, ao
modelos agropecuários voltados à promo- mesmo tempo, cria espaços onde a comu-
ção da igualdade socioeconômica, do acesso nidade age, participa e contribui para a ma-
à terra e da manutenção da biodiversidade. nutenção de um modelo agropecuário mais
A pesquisa registrou as políticas públicas que alinhada com a manutenção da sociobiodi-
o Brasil e o município de Alto Paraiso de Goi- versidade.
ás vivenciaram, entre 2002 e 2015, voltadas Feiras de agricultores(as) familiares vis-
para incentivar práticas agroecológicas. lumbram uma visão de mundo voltada à
produção de alimentos mais saudáveis. Por-
tanto esses espaços devem ser incentivados
pela sociedade, pois se aproximam da pre-
servação ambiental e da promoção de uma
maior simetria nas condições socioeconômi-
cas da comunidade.
87
SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
REFERÊNCIAS
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SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
VOCÊ sabia?
Crise Revolução
ambiental Verde
Vivemos uma crise ambiental sem prece- A Revolução Verde consistiu na moderni-
dentes na história da humanidade. E tal crise zação da agricultura em escala global, a partir
ambiental seria a responsável por compro- de 1950. Trouxe para o campo as sementes
meter os recursos naturais, extinguir espé- geneticamente modificadas, os maquinários
cies da fauna e flora, levando ao fim as con- agrícolas e os insumos químicos. Apesar do
dições necessárias para a vida. Atribuímos a aparente desenvolvimento, aumentou o de-
origem da crise ambiental ao fenômeno da semprego no campo, desmatamento, com-
economia moderna e ao modelo de desen- pactação do solo, utilização desenfreada de
volvimento capitalista pautado na explora- fontes de água e a poluição causada por pro-
ção irrestrita de recursos naturais. dutos químicos.
(Trecho extraído na íntegra de: https://www.blogs. (Trecho extraído na íntegra de: <https://mundoedu-
unicamp.br/muitoalemdoverde/2018/05/02/criseam- cacao.uol.com.br/geografia/a-revolucao-verde.htm>.
biental/. Acesso em: 25 ago. 2021). Acesso em: 25 ago. 2021).
Agricultura
familiar Agricultura amiliar é a principal responsável pela produção
dos alimentos que são disponibilizados para o consumo da po-
pulação brasileira. É constituída de pequenos(as) produtores(as)
rurais, povos e comunidades tradicionais, assentados(as) da re-
forma agrária, silvicultores(as), aquicultores(as), extrativistas e
pescadores(as). Além disso, o(a) agricultor(ra) familiar tem uma
relação particular com a terra, seu local de trabalho e moradia.
(Trecho extraído com adaptações de: <https://www.gov.br/agricultura/pt-
-br/assuntos/agricultura-familiar/agricultura-familiar-1>. Acesso em: 25 ago.
2021).
89
SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
PARTE 3
BIODIVERSIDADE E
RECURSOS NATURAIS
Leonardo Pereira Fraga
90
SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
A
região da Chapada dos Veadei- O seguinte, “Etnozoologia da comunidade
ros está localizada no nordeste rural do Sertão, em Alto Paraíso de Goiás”,
do estado de Goiás. Apresenta as de Leciane Moreira da Mata e Renata Corrêa
maiores altitudes do Centro-Oeste brasileiro Martins, apresenta interações e usos da fau-
e uma grande diversidade de hábitats que fa- na numa comunidade tradicional da Chapa-
vorecem endemismos de plantas e animais. da dos Veadeiros.
Tais características motivaram a criação, em Os impactos causados por um molus-
1961, do Parque Nacional do Tocantins, cuja co exótico invasor em uma área urbana da
a denominação foi posteriormente alterada Chapada dos Veadeiros são abordados no
para Parque Nacional da Chapada dos Vea- terceiro trabalho, “Estudo do impacto socio-
deiros (PNCV). Em 2017, essa importante uni- ambiental dos caramujos-gigantes-africanos,
dade de conservação do Cerrado foi amplia- Achatina fulica, sobre a população de Alto Pa-
da de 65 mil para 240 mil hectares. raíso de Goiás”, de Lígia Cristina Cazarin Oli-
Além do parque, outras áreas de prote- veira e Maria Julia Martins Silva. A pesquisa
ção ambiental também estão presentes na avalia o conhecimento dos moradores quan-
região da Chapada dos Veadeiros. A Área to aos riscos, formas de manuseio e combate
de Proteção Ambiental de Pouso Alto (APA à espécie invasora.
Pouso Alto) estimula a preservação da fau- A quarta pesquisa realizada por Leonar-
na, da flora e dos mananciais numa extensão do Pereira Fraga e Clarisse Rezende Rocha,
de 872 mil hectares. Criada em 2001, a APA apresenta a problemática do atropelamen-
Pouso Alto também visa à promoção de pes- to da fauna silvestre na APA Pouso Alto. O
quisas científicas em uma região que vem trabalho “Atropelamentos da mastofauna na
enfrentando graves ameaças aos seus ecos- Chapada dos Veadeiros: aspectos ecológicos
sistemas e espécies nativas. e espaciais” destaca espécies de mamíferos
Nesta parte da publicação, apresentamos mais atropeladas e correlaciona os eventos
seis pesquisas que tratam da sociobiodiversi- de atropelamentos com as paisagens da APA
dade, dos patrimônios naturais presentes na Pouso Alto.
Chapada dos Veadeiros e de problemas que
afetam a região. O primeiro trabalho “Áre-
as de preservação permanente estratégicas
para os recursos hídricos na APA de Pouso
Alto: panorama, técnicas e custos para res-
tauração”, foi desenvolvido por Joana Jubé Ri-
beiro Queiroz e por André de Almeida Cunha.
91
SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
92
SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
Áreas de Preservação
Permanente estratégicas
para os recursos hídricos
na APA de Pouso Alto:
panorama, técnicas e
custos para restauração
Joana Jubé Ribeiro Queiroz33
André de Almeida Cunha34
93
SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
1. O que é a pesquisa?
94
SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
95
SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
96
SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
Figura 1: Áreas de preservação permanente com presença de vegetação nativa ou não e sua categorização na
APA de Pouso Alto, Goiás.
Elaborada por Joana Jubé, a partir de repositórios federais, estaduais e TFCA/Funbio/MMA (2017).
97
SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
Os déficits — dentro da área de estudo — 53% da APA também foram avaliados (figura 2,
em vermelho). Ao todo a desconformidade sumariza 5.665 hectares, 4,8% do total de APP. Do
total de desconformidade, 98,5% — 5.581,6 hectares — são APP hídricas; essas áreas devem
ser regularizadas para cumprimento da Lei nº 12.651/2012 e manutenção do sistema hídrico
tanto superficial como subterrâneo. As APP de nascentes participam com 17,8% do total de
degradação, o que equivale a 1.008 hectares de um total de 25.124 hectares.
Figura 2: Déficits de área de preservação permanente dentro da área do CAR da APA de Pouso Alto (2017), Goiás.
Elaborada por Joana Jubé, a partir de repositórios federais, estaduais e TFCA/FUNBIO/MMA (2017).
98
SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
A figura 3 explicita as proporções dos déficits para cada categoria. A proporção nos dois
casos é maior às margens dos cursos mais estreitos que 10 metros (62,4% do total de déficit).
Figura 3: Gráficos das proporções das categorias de áreas de preservação permanente em déficit na APA de
Pouso Alto, Goiás.
O município com maior passivo é Cavalcante, 1.994 hectares. Colinas do Sul tem 1.491 hec-
tares, e Alto Paraíso, 1.277 hectares a serem regularizados. São João d’Aliança, 503 hectares;
Nova Roma, 275 hectares, e Teresina de Goiás, 127 hectares. Na proporção do passivo de APP
em relação à área total do município inserida dentro da APA, São João d’Aliança tem a maior
proporção de suas APP em déficit — 2%. Colinas do Sul, 1%, Nova Roma, 0,8%, Cavalcante e
Alto Paraíso, 0,5%, e Teresina, 0,3%.
Quanto ao melhor método para restauração, a revisão de estudos realizada na área foi fun-
damental. A seguir, apresentam-se alguns aspectos observados nos estudos sistematizados:
99
SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
Tabela 1: Estimativa de custo de recuperação das APP na APA por diferentes metodologias
Regeneração natural
Método Plantio de mudas Semeadura
assistida/aragem
Custo por R$ 3.300,00– R$ 2.100,00− R$ 200,00−
hectare R$ 7.702,39 R$ 3.728,10 R$ 372,81
Custo total para
R$ 18.696.000,00– R$ 11.897.382,00– R$ 1.133.084–
área alvo de
R$ 43.637.274,00 R$ 8.671.813,00 R$ 2.112.125,00
estudo
100
SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
101
SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
CTE. Plano de Manejo da APA de Pouso Alto. Goiânia: REZENDE, R. P. Recuperação de matas de galeria em
Centro Tecnológico de Engenharia, 2016. propriedades rurais do Distrito Federal e entorno. 2004.
Dissertação (Mestrado) − Departamento de Engenha-
DISTRITO FEDERAL. Secretaria de Estado do Meio Am-
ria Florestal, Universidade de Brasília, Brasília, 2004.
biente. Plano Recupera Cerrado – uma avaliação das
oportunidades de Recomposição para o Distrito Fe- RICKLEFS, R. E. A economia da natureza. Rio de Janeiro:
deral, DF, Brasil. Brasília: Sema-DF/Aliança Cerrado, Guanabara Koogan, 2003.
2017.
SAMPAIO, A. B.; HOLL, K. D.; SCARIOT, A. Does resto-
GIOTTO, A. C. Avaliação do desenvolvimento dos com- ration enhance regeneration of seasonal deciduos
ponentes arbóreos e herbáceos na recuperação de áre- forests in pastures is Central Brazil? Restoration Ecolo-
as degradadas na Bacia do Ribeirão do Gama, Distrito gy, v. 15, n. 3, p. 462-471, set. 2007.
Federal. 2010. Dissertação (Mestrado em Ciências Flo-
SILVA, J. C. S. Desenvolvimento inicial de espécies lenho-
restais) − Faculdade de Tecnologia, Universidade de
sas, nativas e de uso múltiplo na recuperação de áreas
Brasília, 2010.
degradadas de cerrado sentido restrito no Distrito Fede-
ICMBIO. Sistema Informatizado de Monitoria de RPPN. ral. 2007. Dissertação (Mestrado em Ciências Flores-
Reservas Particulares do Patrimônio Natural – RPPN. tais) − Universidade de Brasília, Brasília, 2007.
Brasília: Instituto Chico Mendes de Conservação da
VIEIRA, D. L. M. Regeneração natural de florestas secas:
Biodiversidade/SIMRPPN, 2018. Disponível em: http://
implicações para a restauração. 2006. Tese (Doutora-
sistemas.icmbio.gov.br/simrppn/publico. Acesso em:
do em Ecologia) − Departamento de Ecologia, Univer-
15 maio 2018.
sidade de Brasília, Brasília, 2006.
MELO, J. T. et al. Coleta, propagação e desenvolvimento
Link de acesso ao trabalho completo:
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https://bdm.unb.br/handle/10483/21528
DA, S. P.; RIBEIRO, J. F. (ed.). Cerrado: ecologia e flora.
Brasília: Embrapa Cerrados, 1998. v. 1.
102
SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
VOCÊ sabia?
Área de
PNMA Preservação
Permanente
A Política Nacional de Meio Ambiente no Define a Lei n. 12.651/2012, Área de Pre-
Brasil foi criada pela Lei N. 6.938, em 31 de servação Permanente (APP) como uma área
agosto de 1981. O objetivo da PNMA é a pre- protegida, coberta ou não por vegetação na-
servação, melhoria e recuperação da quali- tiva, com a função ambiental de preservar os
dade ambiental propícia à vida, asseguran- recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade
do à população condições propícias para o geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo
desenvolvimento socioeconômico em equi- gênico de fauna e flora, proteger o solo e as-
líbrio com o meio ambiente. Esta Lei reco- segurar o bem-estar das populações huma-
nhece o meio ambiente como patrimônio nas.
público a ser necessariamente assegurado e
protegido pelo poder público, tendo em vista REFERÊNCIA:
o uso coletivo.
https://www.embrapa.br/codigo-florestal/entenda-
-o-codigo-florestal/area-de-preservacao-permanente
Acesso em 13 out. 2021.
Reserva
Legal
A reserva legal é a área do imóvel rural que, coberta por vegetação natural, pode ser explo-
rada com o manejo florestal sustentável, nos limites estabelecidos em lei para o bioma em que
está a propriedade. Por abrigar parcela representativa do ambiente natural da região onde
está inserida e, que por isso, se torna necessária à manutenção da biodiversidade local.
Referência: https://www.oeco.org.br/dicionario-ambiental/27492-o-que-e-reserva-legal/
Acesso em 13 out. de 2021.
103
SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
Etnozoologia da
comunidade rural do
Sertão, em Alto Paraíso
de Goiás
Leciane Moreira da Mata36
Renata Corrêa Martins37
104
SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
1. O que é a pesquisa?
P
or meio de um “mergulho” na rica sociobiodiversidade da Chapada dos Veadeiros,
composta por quilombolas e sertanejos além da cultura indígena (COSTA, 2013), bus-
cou-se nesta pesquisa conhecer percepções do(a) morador(a) local, como observa o
ambiente natural à sua volta e transforma essas observações em conhecimentos. O estudo de
conhecimentos e saberes tradicionais sobre os animais constitui o campo de pesquisa da etno-
zoologia (COSTA-NETO, 2000; DE LIMA; FLORÊNCIO; DOS SANTOS, 2014; RODRIGUES, 2015). A
etnozoologia busca compreender a percepção das comunidades tradicionais quanto às formas
de uso e às influências dos animais nas formações culturais (COSTA-NETO, 2000).
O conhecimento etnozoológico de moradores(as) do Sertão foi o eixo da pesquisa, que teve
como objetivos levantar informações quanto ao perfil socioeconômico da comunidade e as
interações e usos da fauna na comunidade tradicional do Sertão, Alto Paraíso de Goiás, Chapa-
da dos Veadeiros. Além disso, as espécies animais destacadas pelos(as) moradores(as) foram
classificadas biologicamente, quanto ao total de citações, aos fatores de vulnerabilidade e às
citações por categorias de usos.
E
ntre 2017 e 2018, realizaram-se diversas visitas à comunidade do Sertão, distante 30
km do centro administrativo de Alto Paraíso de Goiás. A comunidade está localiza-
da no Vão do Paranã e na zona de amortecimento do Parque Nacional da Chapada
dos Veadeiros (PNCV) (figura 1). Apresenta vegetação composta por matas secas sobre solos
amarelados (por vezes, avermelhados), os quais remetem ao nome da comunidade (figura 2).
Constitui região de importância histórica e cultural do município e possível local de início do
processo de ocupação da Chapada dos Veadeiros (BERNARDES, 2015; LARANJEIRA; GASPARINI;
BERNARDES, 2012)
105
SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
106
SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
107
Tabela 1: Prováveis espécies relacionadas aos nomes vernaculares de animais da comunidade do Sertão, seguida do grupo, família,
espécie, total de citações pelos moradores, fatores de vulnerabilidade e citações por categoria de uso38
AVES
Família/espécie Fatores de Vulnerabilidade Citações por categoria de uso
Tinamidae
Crypturellus Jaó 9 LC2 Sim
undulatus
Cariamidae
Cariama cristata1 Seriema 11 LC2 1 Sim
Falconidae
Herpetotheres Coã 9 LC2 8
cachinnans
108
Icteridae
Gnorimopsar chopi1 pássaro-preto 9 LC2
MAMÍFEROS
Myrmecophagidae
Myrmecophaga tamanduá- 10 VU2, 3 Sim
SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
tridactyla bandeira
Tapiriidae
Tapirus terrestres Anta 11 VU2, 3 1
Cervidae
Mazama veado- 13 LC2 Sim
gouazoubira catingueiro
38 A identificação das espécies ocorreu por meio de pistas taxonômicas (PEREIRA, SCHIAVETTI, 2010; MARTINS, 2008) e detalhes morfológicos dos animais descritos pelos(as) entre-
vistados(as). Para a nomenclatura científica das espécies da ornitofauna utilizou-se a bibliografia de Gwynne et al., (2010) e Piacentini (2015).
MAMÍFEROS
Família/espécie Fatores de Vulnerabilidade Citações por categoria de uso
Canidae
raposa, 20 LC2
1
Cerdocyon thous cachorro-do-
mato
Chrysocyon lobo-guará 10 VU3-NT2 1
brachyurus
Felidae
onça-pintada/ 14 VU2
Panthera onca
preta, canguçu
onça-parda, 11 VU2
Puma concolor
onça-vermelha
Dasyproctidae
109
Dasyprocta sp. Cotia 12 - 2 Sim
RÉPTEIS
Boidae
Boa constrictor Jiboia 9 não consta 5 1 Sim
Viperidae
Crotalus sp. Cascavel 12 - 5 6
A pesquisa evidenciou diversas interações gona sp., Tetragonisca angustula e Apis mellife-
entre os(as) moradores(as) e os animais nos ra). Os domesticados citados foram: galinha
campos afetivos (criação/estimação), sendo (Gallus gallus domesticus), carneiro (Ovis aries)
os psitacídeos (papagaios e periquitos) as e boi/vaca (Bos taurus). A gordura ou banha
aves mais citadas pelos(as) entrevistados(as) desses animais foi a parte mais relatada
como preferidas para estimação. Na catego- como remédio no tratamento de doenças
ria místico/religioso, houve diversos relatos respiratórias principalmente.
entre eles: “O beija-flor, aquele preto com A caça foi pouco relatada e apresentada
verde, quando vem até a gente, traz notícias como forma de obtenção de alimentos no
ruins” (G. P. S., 76 anos); “Pessoas ofendidas passado da comunidade (com caças princi-
por cascavel eram tratadas com benzimen- palmente de tatus e veados). Os usos artesa-
tos” (B. S., 80 anos). nais estão relacionados a subprodutos como
Animais silvestres e domésticos foram ci- penas, utilizadas na confecção de petecas, e
tados para uso em práticas artesanais e me- couro, na montagem de camas e caixas para
dicinais. Algumas das citações envolvem as armazenamento de grãos.
espécies: cascavel (Crotalus sp.), capivara (Hy-
drochoerus hydrochaeris) e abelhas (Scaptotri-
110
SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
3. Importância da pesquisa
para a sociobiodiversidade e a
sustentabilidade no Cerrado
C
om a pesquisa, pretendeu-se reco- fológicos de algumas espécies, informações
nhecer o conhecimento e a sabedo- de interesse para a conservação. Além dis-
ria das pessoas da comunidade do so, o convívio com animais silvestres resulta
Sertão a respeito dos animais silvestres. no enriquecimento cultural, através da for-
O conhecimento tradicional traz informa- mação de crenças e mitos. O conhecimento
ções relevantes sobre os animais silvestres. científico unido ao conhecimento tradicional
Com as tarefas cotidianas, homens, mulhe- complementa os esforços em busca da pre-
res e crianças observam os animais e trans- servação do Cerrado, na Chapada dos Vea-
mitem conhecimentos sobre preferências deiros.
alimentares, aspectos reprodutivos e mor-
111
SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
REFERÊNCIAS
ALBUQUERQUE, U. P.; LUCENA, R. P.; ALENCAR, N. L. DE LIMA, J. R. B.; FLORÊNCIO, R. R.; DOS SANTOS, C. A.
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para a pesquisa etnobotânica. 2. ed. Recife: Comuni- 2014.
graf/Nupeea, 2008. p. 41-72.
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BRASIL. Lei nº 13.123, de maio de 2015. [...] dispõe so- ternational Union for Conservation of Nature, 2017.
bre o acesso ao patrimônio genético, sobre a prote- Disponível em: http://www.iucnredlist.org. Acesso em:
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LARANJEIRA, N. P.; GASPARINI, C. B. G.; BERNARDES,
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Presidência da República, 2015. Disponível em: http://
Brasília: Centro UnB Cerrado/Universidade de Brasí-
www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/
lia, 2012. 32p. (Coleção Riquezas da Chapada dos Ve-
lei/l13123.htm. Acesso em: 2 jun. 2018.
adeiros, v. 2).
BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Portaria nº 444,
PAGLIA, A. P. et al. Lista Anotada dos Mamíferos do
de 17 de dezembro de 2014. Diário Oficial [da] Repúbli-
Brasil / Annotated Checklist of Brazilian Mammals. Oc-
ca Federativa do Brasil: seção 1, Brasília, DF, p. 121-126,
casional Papers in Conservation Biology, Conservation
18 dez. 2014.
International, Arlington, VA, n. 6, 75 p., 2011.
BRAZ, V. S.; HASS, A. Aves endêmicas do Cerrado no
RODRIGUES, A. Conhecimentos etnozoológicos de estu-
Estado de Goiás. FRONTEIRAS: Journal of Social, Tech-
dantes de escolas públicas sobre mamíferos aquáticos
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que ocorrem na Amazônia. 2015. 174 f. Tese (Doutora-
n. 2, p.45-54, jul.-dez. 2014.
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COSTA, V. S. A Luta pelo território: histórias e memórias to, Programa de Pós-graduação em Teoria e Pesquisa
do povo Kalunga. 2013.75 f. Trabalho de Conclusão de do Comportamento, Universidade Federal do Pará,
Curso (Graduação em Licenciatura em Educação no Belém, 2015.
Campo) ‒ Universidade de Brasília, Brasília, 2013.
Link de acesso ao trabalho completo:
COSTA-NETO, E. M. A etnozoologia no Brasil: um pa-
https://bdm.unb.br/handle/10483/21529
norama bibliográfico. Biooikos, PUC Campinas, v. 14,
n. 2, p. 31-45, 2000.
112
SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
VOCÊ sabia?
Etnozoologia Lei da
Biodiversidade
É a ciência que trata do conhecimento zo- O conhecimento tradicional tem proteção
ológico tradicional e visa compreender as jurídica, a chamada Lei da Biodiversidade (Lei
percepções das populações humanas em n° 13.123, de 20 de maio de 2015), que serve
relação aos animais. Como uma ciência da para proteção e uso sustentável da biodiver-
conservação, a etnozoologia inclui o estudo, sidade. Essa lei dispõe sobre bens, direitos
o resgate e a valorização dos conhecimentos e obrigações relativos ao conhecimento tra-
ecológicos locais (De Lima et al., 2014). dicional associado ao patrimônio genético,
relevante à conservação da diversidade bio-
lógica, à integridade do patrimônio genético
recursos do país e à utilização de seus componentes,
faunísticos entre outros assuntos (BRASIL, 2015).
Com a aplicação e a implementação da
As interações e a utilização dos recursos nova lei, espera-se proteger a biodiversida-
faunísticos pelas populações humanas são de, o conhecimento, as comunidades tradi-
campos de estudo da etnozoologia. São cionais e proporcionar o desenvolvimento
exemplos de interações e utilização dos re- sustentável e a diversidade cultural efetiva-
cursos faunísticos: a criação/estimação, prá- mente.
ticas artesanais, medicinais, místicas e reli-
giosas, além da caça e da pesca.
113
SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
Atropelamentos da
mastofauna na Chapada
dos Veadeiros: aspectos
ecológicos e espaciais
Leonardo Pereira Fraga39
Clarisse Rezende Rocha40
114
SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
1. O que é a pesquisa?
E
struturas rodoviárias são elemen- Com a pesquisa, buscou-se monitorar a
tos transformadores da paisagem mastofauna atropelada em trecho de rodo-
e causadores de diversos impactos via localizado na Área de Proteção Ambiental
sobre o meio ambiente (NEUMANN et al., de Pouso Alto (APA Pouso Alto). Mesmo com
2012; SEILER, 2001). A existência de rodo- diversas unidades de conservação presen-
vias na paisagem influencia diretamente o tes, as rodovias da Chapada dos Veadeiros
comportamento e o movimento da fauna possuem poucos meios de proteção para a
silvestre (ANDREWS, 1990). Cruzamentos de fauna silvestre. Assim, também buscou-se,
rodovias com pontos de passagem da fauna por meio da pesquisa: i) identificar pontos de
constituem locais de riscos para vidas huma- atropelamento da mastofauna; ii) relacionar
nas e silvestres (FORMAN, 1998; NEUMANN os atropelamentos com as estações do ano
et al., 2012). (seca e chuvosa); iii) relacionar os atropela-
Os atropelamentos são um dos efeitos mentos com a paisagem do entorno da rodo-
mais visíveis do tráfego de veículos sobre via; e iv) propor medidas de proteção para a
a fauna silvestre (CLEVENGER; CHRUSZCZ; fauna silvestre.
GUNSON, 2001; SEILER, 2001). Para a mas-
tofauna (conjunto de mamíferos de uma re-
gião), os atropelamentos constituem um im-
portante fator de perda da biodiversidade,
principalmente, em populações ameaçadas
de extinção (BEISIEGEL et al., 2013; FORMAN,
1998).
115
SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
Os estudos ocorreram na APA Pouso Alto, região da Chapada dos Veadeiros localizada
no nordeste do estado de Goiás. Monitorou-se um trecho de 34 km da rodovia BR-010, situado
ao sul da APA. O trecho monitorado está compreendido entre a entrada sul da APA (ponte so-
bre o Rio Tocantinzinho) — 14°25’44.53’’S; 47°30’26.64’’O — e o início do perímetro urbano de
Alto Paraíso de Goiás — 14°08’32’’S; 47°31’18”O (ver figura 1).
Legenda:
116
SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
VOCÊ sabia?
A
região do Planalto Central é entrecortada por im-
portantes rodovias federais, as quais partem de
Brasília em direção aos extremos do país. Como
a BR-010, essas rodovias são oriundas de projetos desen-
volvimentistas executados nas décadas de 1950 e 1970.
Ainda hoje, essas rodovias não apresentam infraestruturas
e medidas de proteção para a fauna silvestre.
117
SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
Tabela 1: Mastofauna atropelada nas estações seca e chuvosa na rodovia BR-010, APA de Pouso Alto, Chapada
dos Veadeiros
***
Mamíferos não identificados a nível de espécie devido às condições das carcaças.
118
SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
Com relação à sazonalidade, não se ve- Sementes e sobras agrícolas podem servir
rificaram diferenças significativas entre os de alimento para aves e pequenos roedores,
atropelamentos nas estações seca e chuvosa os quais atraem mamíferos maiores (HAN-
(tanto no conjunto dos mamíferos como em SEN; CLEVENGER, 2005; SEILER, 2001). Grãos
nível de cada espécie). Com relação à paisa- e outras culturas espalhadas nas rodovias,
gem do entorno, registraram-se mais atrope- oriundas do transporte de produtos agríco-
lamentos no subtrecho da rodovia que atra- las, promovem toda uma “cadeia alimentar”
vessa áreas de agricultura intensiva. Nessas nas pistas e acostamentos rodoviários (FOR-
áreas, a rodovia passa por grandes exten- MAN, 2000; SEILER, 2001). Assim, essas ca-
sões de lavouras mecanizadas com práticas racterísticas das áreas agrícolas aumentam
de agricultura industrial. as interações dos mamíferos com as rodo-
vias, o que acaba resultando em maior nú-
mero de indivíduos atropelados.
Figura 2: Mastofauna atropelada na rodovia BR-010, APA de Pouso Alto, Chapada dos Veadeiros
Legenda:
A cachorro-do-mato B lobo-guará C cangambá D raposa-do-campo.
119
SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
3. Importância da pesquisa
para a sociobiodiversidade e a
sustentabilidade no Cerrado
N
a pesquisa, pretendeu-se contri- Assim, esta pesquisa representa uma con-
buir para a visibilidade dos atro- tribuição para a sustentabilidade do Cerrado,
pelamentos da fauna silvestre no uma vez que pretende conciliar a circulação
Cerrado brasileiro. O Cerrado é considerado de pessoas, bens e serviços com a preserva-
um hotspot da biodiversidade mundial, de- ção da vida silvestre. Os animais silvestres
vido à diversidade biológica presente e às realizam diversas funções ecológicas. Além
ameaças representadas pela expansão agro- disso, a vida silvestre também está presente
pecuária, pelo desmatamento e pela cons- na vida cultural de pessoas e comunidades.
trução de estradas (CARVALHO; DE MARCO; Por tudo isso, preservar os animais silvestres
FERREIRA, 2009; MYERS et al., 2000). A maior é preservar a sociobiodiversidade da Chapa-
parte dos modelos agropecuários praticados da dos Veadeiros e do Cerrado.
no Cerrado é integrada ao sistema agroali-
mentar mundial (PIRES, 2000). Nesses mode- REFERÊNCIAS
los, ocorre intensa supressão da vegetação
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SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
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121
SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
VOCÊ sabia?
Vítimas Funções
Silenciosas Ecológicas
Segundo o Centro Brasileiro de Estudos Muitas funções ecológicas desempe-
em Ecologia de Estradas (CBEE), da Universi- nhadas por grupos de animais são vitais
dade Federal de Lavras, Minas Gerais, 15 ani- para o ser humano. Assim, as funções
mais silvestres morrem atropelados, a cada ecológicas funcionam como verdadei-
segundo, no Brasil. Assim, estima-se que são ros “serviços naturais”. São exemplos
vitimados anualmente, nas rodovias do país, de funções ecológicas da fauna silves-
43 milhões de vertebrados de médio porte tre: polinização, dispersão de sementes,
e dois milhões de animais de grande porte controle de pragas, regulação populacio-
(como lobos, antas e onças). No Cerrado bra- nal, conservação da biodiversidade, en-
sileiro, a ampliação da malha rodoviária, a tre outras.
urbanização e a fragmentação dos habitats
naturais ocorrem de maneira acelerada, re-
sultando no risco de extinções locais de es-
pécies (BEISIEGEL et al., 2013; BRASIL, 2014).
122
SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
Estudo do impacto
socioambiental dos caramujos-
gigantes-africanos, Achatina
fulica, sobre a população de
Alto Paraíso de Goiás
Lígia Cristina Cazarin Oliveira 41
Maria Júlia Martins Silva42
123
SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
1. O que é a pesquisa?
E
m 2018, a problemática da presen- Para desenvolver uma campanha de com-
ça do caramujo-gigante-africano em bate a uma espécie invasora, é necessário
Alto Paraíso de Goiás foi identifica- antes conhecer a extensão do problema e
da juntamente com a falta de informações diagnosticar o perfil de ocupação, a fim de
dos(as) moradores(as) da cidade acerca dos utilizar uma medida adaptada à realidade
perigos e do manejo correto desse molusco do local (COLLEY, 2010). Sendo assim, os ob-
invasor. Com isso, identificou-se a necessi- jetivos da pesquisa foram avaliar o impacto
dade de uma campanha de extermínio de socioambiental causado pelo caramujo-gi-
tais caracóis pelos(as) próprios(as) morado- gante-africano (Achatina fulica), aos(às) mora-
res(as), evitando problemas ambientais e so- dores(as) de Alto Paraíso de Goiás; constatar
ciais maiores. o conhecimento acerca dos riscos e proble-
mas causados pelo caramujo exótico inva-
sor; identificar se moradores(as) são capazes
de reconhecer o caramujo e diferenciá-lo do
caramujo-gigante nativo (Megabulimus sp.) e
analisar se conhecem as formas corretas de
combate e manuseio contra a espécie inva-
sor, para então nortear uma ação de educa-
ção ambiental e combate ao molusco inva-
sor.
R
ealizou-se a pesquisa no município Além de cultura mística marcante, a região
de Alto Paraíso de Goiás (14°8’1”S; possui vocação para as atividades antrópi-
47°31’17”O), situado no nordeste cas, tais como expansão agrícola, exploração
goiano, na Chapada dos Veadeiros, com área mineral, extração de plantas nativas, caça e
de 2.593,905 km² e densidade demográfica turismo descontrolado, além da introdução
de 2,65 hab/km². Apenas 45,8% dos domicí- de espécies exóticas. A cidade possui mui-
lios possuem esgotamento sanitário, 91,9% tas pousadas e casas para temporadas, com
das vias públicas são arborizadas e 4,4%, ur- quintais grandes e com algum tipo de planta.
banizadas. A cidade possui muitas pousadas
e casas para temporadas, com quintais gran-
des e com algum tipo de planta.
124
SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
Alto Paraíso de Goiás é a porta de entrada Houve ainda busca superficial por exem-
para o Parque Nacional da Chapada dos plares pelos bairros da cidade e em algumas
Veadeiros, considerado, pela Organização residências. Os moluscos coletados (indiví-
das Nações Unidas para a Educação, a Ciên- duos vivos e conchas vazias) foram conta-
cia e a Cultura (Unesco), como Patrimônio dos, identificados, acondicionados em álcool
Mundial Natural. A região está inserida no a 70% e, depois, levados ao Laboratório de
Cerrado, que se caracteriza pela vegetação Bentos para tombamento na Coleção de Mo-
típica de savana tropical, é cercada de 120 luscos da Universidade de Brasília (CMUnB).
cachoeiras e diversas nascentes. Com 6.885 Marcaram-se as localizações das casas en-
habitantes, a destinação do lixo é feita sem trevistadas e dos locais onde ocorreram as
um tratamento adequado, sendo deposita- coletas por meio de GPS (Garmin Etrex 30).
do em lixão. Utilizaram-se os pontos para diferenciar os
Na pesquisa, utilizaram-se entrevistas se- locais onde houve coleta das amostras dos
miestruturadas gravadas, guiadas por ques- locais onde os moradores informaram ter
tionário não nominal, com a população e encontrado o caramujo-gigante-africano,
com o responsável pela Vigilância Sanitária dos locais em que os entrevistados informa-
de Alto Paraíso. A região do município foi di- ram aparecer o Megalobulimus sp. e daqueles
vidida em cinco zonas, considerando as áreas em que os entrevistados informaram nunca
urbanizadas: Norte, Sul, Leste, Oeste e Cen- ter aparecido nenhum dos caramujos apre-
tro. A região Norte foi composta pelos bair- sentados (figura 1).
ros Centro, Loteamento Residencial Eldora-
do e Vila Bandeira; a Sul, pelos bairros Novo
Horizonte e Monte Sinai; a Leste englobou
os bairros Estância Paraíso, Paraíso Velho e
Vale Azul; a Oeste incluiu os setores Cidade
Alta e Planalto e o Centro, compreendendo o
bairro Paraisinho. Em cada zona, visitaram-
-se dez residências, de forma aleatória, e re-
alizaram-se as entrevistas, juntamente com
a apresentação de duas fotos inseridas no
questionário e duas conchas, uma de Achati-
na fulica e outra de Megalobulimus sp. (espé-
cie de molusco nativa da região).
125
SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
126
SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
As reações diante dos caramujos variaram em desconforto, medo, nojo, jogar para longe ou
no lixo, matar, indiferença e simpatizar com o molusco (gráfico 1). Os(as) moradores(as) que re-
lataram incômodos com a presença do caramujo-gigante foram apenas os que se depararam
com o africano, sendo que 54% dos(as) moradores(as) entrevistados(as) relataram inconve-
nientes (gráfico 2). Mesmo com os problemas relatados, apenas 18 dos(as) entrevistados(as) já
realizaram alguma ação de combate contra o molusco invasor, alguns dos envolvidos alegaram
não ter responsabilidade com o combate e responsabilizaram apenas a prefeitura, enquanto
outros explicaram não ter coragem de matar os animais.
Gráfico 1: Reação dos(as) moradores(as) ao encontrarem o caramujo-gigante-africano
127
SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
A forma de combate variou (gráfico 3), porém alguns dos(das) entrevistados(as) elenca-
ram dificuldade em combate ao molusco como o fato de não encontrar o lesmicida na região,
de nem todos(as) os(as) vizinhos(as) se envolverem no combate a essa espécie invasora e a
prefeitura não estar mais fazendo a coleta desses animais. O manuseio do caramujo (gráfico
4), na maioria dos depoimentos, foi de forma não direta, fosse através de utensílios como pá
ou colher de pedreiro, papelão e madeira, fosse por meio de luvas ou sacos de lixo, porém al-
guns ainda manuseavam diretamente com as mãos.
Gráfico 3: Ações desenvolvidas no combate ao caramujo-gigante-africano
128
SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
129
SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
130
SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
3. Importância da pesquisa
para a sociobiodiversidade e a
sustentabilidade no Cerrado
O
caramujo-gigante-africano perten- O Achatina fulica também é causa de pre-
ce à lista das 100 piores espécies ocupação ambiental, visto que se adapta fa-
exóticas invasoras do mundo, por cilmente a diversos ambientes, colonizando
representar uma praga socioambiental, cau- não apenas cidades, mas também florestas
sando problemas ao meio ambiente, à agri- nativas, bordas das florestas e florestas em
cultura e à saúde humana e animal (LOWE et regeneração (THIENGO et al., 2007). A voraci-
al., 2000); além de ser elencado na estratégia dade desse espécime, aliada ao fácil aumento
nacional sobre espécies exóticas invasoras, populacional, pode diminuir a disponibilida-
com crescente disseminação no Brasil. Nos de de alimento para a fauna nativa da região
locais onde a infestação não foi controlada, e causar alteração na paisagem natural, de-
tornou-se uma praga agrícola, pois ataca cul- vido ao consumo de biomassa, como brotos,
turas variadas e, em especial, a de hortaliças e plantas jovens e o meristema das plantas
de café (FISCHER; COLLEY, 2004). (ESTON, 2006). Tal risco ficou mais evidente
É transmissor de dois vermes perigosos quando moradores(as) relataram jogar os
para seres humanos: Angiostrongylus can- caramujos vivos no lixo, esses animais che-
tonensis, nematódeo parasita causador da gam ao lixão da cidade, que fica dentro de
meningite eosinofílica (ou angiostrongilíase área de proteção ambiental, e, devido à dis-
meningoencefálica); e Angiostrongylus costari- ponibilidade de alimento, encontram abrigo
censis, verme causador da angiostrongilíase e ausência no combate ou predação. Dessa
abdominal (ESTON, 2006; FISCHER; COLLEY, forma, a sua dispersão e possível desloca-
2004; THIENGO et al., 2007). O risco de serem mento para a área de mata nativa apresen-
transmissores acentua-se nas populações de tam sério risco ao Cerrado da região.
caramujo que entram em contato com ratos Sendo, assim, a pesquisa ajudou a iden-
silvestres e urbanos, os hospedeiros defini- tificar a presença dessa espécie invasora,
tivos do A. Cantonensis (FISCHER; COLLEY, mapear sua distribuição e orientar um plano
2004; THIENGO et al., 2010). de combate sustentável, priorizando a cons-
cientização dos(as) moradores(as) da região
acerca dos problemas causados pelo Achati-
na fulica, fornecendo o esclarecimento quan-
to à identificação correta do caramujo-gigan-
te-africano e aos mecanismos certos para o
combate do invasor, bem como ressaltando
a preservação da espécie nativa.
131
SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
REFERÊNCIAS
132
SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
VOCÊ sabia?
Espécies Achatina
exóticas fulica
133
SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
O caso do Parque Nacional
da Chapada dos Veadeiros:
a relevância dos patrimônios
naturais da humanidade e das
reservas da biosfera para a
conservação da biodiversidade
43 Analista internacional, Mestre em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília. Especialista em So-
ciobiodiversidade e Sustentabilidade no Cerrado pelo Centro de Estudos do Cerrado da Chapada dos Veadeiros (Centro UnB
Cerrado), em Alto Paraíso de Goiás, Goiás. E-mail: luanna.s.ribeiro@gmail.com
44 Historiador. Doutor em História pela UnB. Professor associado do Departamento de História da UnB e do Centro UnB
Cerrado. E-mail: jfranco@unb.br
134
SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
1. O que é a pesquisa?
O
Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (PNCV) tem atualmente 240.586,56 hec-
tares e está localizado no estado de Goiás, na microrregião da Chapada dos Veadei-
ros. Na sua atual dimensão, ocupa 0,62% do território do estado. Abrange os muni-
cípios de Cavalcante, Alto Paraíso de Goiás, Nova Roma, Teresina de Goiás e São João d’Aliança,
bem como proximidades de Colinas do Sul. O PNCV foi criado em 1961 com o nome de Parque
Nacional do Tocantins e contava com 625 mil hectares de área protegida (ICMBIO, 2009).
VOCÊ sabia?
Area do
PNCV
O PNCV foi criado em 1961 com 625 mil hectares e perdeu mais de 90% da sua área nas
décadas seguintes. Como a ampliação de 2017, sua área ainda é 60% menor que seu tamanho
original.
135
SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
A área original do parque foi sendo conti- No entanto essa ampliação não se manteve
nuamente diminuída até atingir seu menor por muito tempo. O decreto de ampliação
patamar, de 60 mil hectares, em 1981. A sua foi revogado, e o PNCV voltou ao tamanho
primeira tentativa de ampliação ocorreu no estabelecido em 1990 (65.514 hectares). Ain-
ano 2000, quando o PNCV foi ampliado para da assim, em 2017, o PNCV foi ampliado para
mais de 200 mil hectares e designado como os seus atuais 240.586 hectares. Tendo em
Patrimônio Natural da Humanidade (PNH) vista essas questões, faz-se necessário en-
pela Organização das Nações Unidas para a tender a importância do parque, sua história
Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). No de criação e implementação, os processos
mesmo ano, foi instituída a Reserva da Bios- de alteração de sua área e qual o papel dos
fera (ResBio) do Cerrado – Fase II, da qual o mecanismos internacionais de conservação
PNCV faz parte como uma das áreas núcleo. natural nesse processo.
136
SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
VOCÊ sabia?
Patrimônio Natural da
Humanidade (PNH)
Um Patrimônio Natural da Humanidade é um local de interesse natural estritamente delimi-
tado, com valor universal excepcional do ponto de vista da ciência, da conservação ou de gran-
de beleza cência. Atualmente, existem 23 PNHs em todo o planeta. No Brasil, exixtem apenas
sete áreas listadas como PNH (UNESCO, [202-]).
137
SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
VOCÊ sabia?
Hotspots mundiais
Hotspots são regiões com alta biodiversidade e alta incidência de espécies endêmicas
que estão ameaçadas devido aos impactos ambientais causados pela ação humana. Esse
conceito foi criado pelo ambientalista inglês Norman Myers em 1988 e foi adotado pela
Conservação Internacional (CI) no ano seguinte.
138
SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
da área —, o local tem grande diversidade Todos esses fatores colocam o PNCV em
de fauna. Dentro do PNCV, foram identifica- uma área prioritária para a conservação da
das 20 espécies endêmicas, algumas delas já biodiversidade e, por isso, foi aprovado pela
ameaçadas de extinção. No Atlas da Fauna Unesco como PNH em 2001. Essa aprovação
Brasileira Ameaçada de Extinção em Unida- foi condicionada a um aumento da área do
des de Conservação, de 2011, vê-se que o parque para 235.970 hectares (na época, ain-
PNCV é a segunda unidade de conservação da estava com 65.514 hectares, o que foi con-
do bioma Cerrado com mais espécies amea- siderado insuficiente). Como essa ampliação
çadas registradas, com um total de 22 espé- não ocorreu efetivamente nos anos seguin-
cies. Com a expansão de 2017, esses núme- tes, a Unesco alertou quanto à inclusão do
ros devem se alterar, uma vez que a inclusão parque na lista de PNHs em perigo. A amplia-
de novas áreas trará a listagem de novas es- ção era necessária para viabilizar a proteção
pécies (NASCIMENTO; CAMPOS, 2011). dos ecossistemas já incluídos e de outros
a serem incluídos, como as formações de
mata seca, ameaçadas de degradação. Outro
aspecto importante da ampliação era o es-
tabelecimento de uma maior conectividade
no bioma para evitar a extinção de espécies
causada pela fragmentação de hábitat.
Além disso, em 2000, o parque também
foi designado como área núcleo da Reserva
da Biosfera do Cerrado - Fase II. A ResBio é
um modelo internacional de gestão integra-
da, participativa e sustentável dos recursos
naturais. Alguns de seus objetivos são: pre-
servação da diversidade biológica; promoção
da educação ambiental e do desenvolvimen-
to sustentável; e melhoria da qualidade de
vida das populações (COBRAMAB, 2000).
139
SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
C
om enfoque interdisciplinar das O reconhecimento do PNCV como PNH e
áreas de biologia da conservação, ResBio são importantes instrumentos sim-
história de áreas protegidas e po- bólicos. Porém, ainda que sejam articulados
lítica internacional, realizou-se a pesquisa a em nível internacional, dentro do escopo da
partir de análise documental digital dos re- Organização das Nações Unidas (ONU), e
latórios dos programas, das atas de confe- possam trazer uma abordagem mais técnica
rências e das reuniões da Unesco de 1972 e desdobrar-se em projetos e ações concre-
até 2017, disponibilizadas na base de dados tos, dependem de aprovações e da apropria-
digital da organização; do plano de manejo ção pelos governos nacionais (estaduais e
do PNCV, disponibilizado pelo banco de da- municipais inclusos). Contudo, levando em
dos do Instituto Chico Mendes de Conserva- consideração que as decisões no âmbito da
ção da Biodiversidade (ICMBio); do manual preservação e da conservação (em larga es-
de boas práticas dos patrimônios mundiais, cala) são feitas, sobretudo, no âmbito políti-
disponibilizado digitalmente na base de da- co em diferentes escalas (municipal, estatal,
dos do World Heritage Centre (WHC); dos de- nacional ou internacional), não se pode pre-
cretos de alteração do PNCV, em biblioteca terir a importância desses instrumentos que,
digital do governo federal; além de informa- embora não possuam poder vinculativo ou
ções disponibilizadas em sítios institucionais sancionatório, atuam como uma diretriz su-
governamentais da prefeitura de Alto Para- pranacional. O status que conferem às áreas
íso e de organizações não governamentais protegidas acaba por formar uma “blinda-
(ONGs), como a Funatura e o Instituto Socio- gem” tanto no âmbito internacional como no
ambiental (ISA). Pesquisaram-se também a li- âmbito nacional. Ter parte do acervo natural
teratura acadêmica, sobretudo dissertações reconhecido e inscrito na lista do PNH tem
de mestrado e teses de doutorado no tema efeitos positivos para o orgulho nacional, a
de conservação ambiental, Cerrado e PNCV, autoestima das comunidades, o incentivo ao
bem como outras fontes secundárias em tor- turismo e o acesso a financiamentos interna-
no dos temas centrais da pesquisa. cionais (LANARI, 2003).
140
SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
No entanto a sua efetividade torna-se li- Vale destacar que, em seus 40 anos de
mitada quando o governo e a sociedade não existência, a Convenção do Patrimônio Mun-
percebem a importância dessas estratégias dial tornou-se o mais importante instru-
para a conservação da biodiversidade. Mui- mento internacional catalisador para o re-
tas vezes a própria ideia de conservação é conhecimento dos lugares naturais de valor
questionada. Portanto depreende-se que a especial e oferece reconhecimento interna-
conservação ambiental está intimamente cional a mais de 10% da extensão de áreas
ligada à política e à aceitação civil quanto a protegidas no mundo, detendo uma amostra
sua necessidade e sua viabilidade. Mas, nes- relevante e representativa dos sítios naturais
se sentido, os PNH e as ResBio têm uma im- mundiais. Seu papel seria de catalisadora
portância singular ao proporem ações para e atuaria aperfeiçoando a conservação e a
informar e educar sobre os patrimônios na- gestão de bens, fortalecendo a capacitação
turais e o papel da biodiversidade, além de e reunindo países em nome da promoção do
promoverem o conhecimento das comuni- valor da conservação. Por sua vez, o status
dades desses mecanismos e de incentivar a de ResBio serve de estímulo à adoção de ini-
participação dessa população nas decisões a ciativas conservacionistas em conjunto com
serem tomadas. Os PNH e as ResBio são im- a adoção de alternativas econômicas mais
portantes também para dar um aval “oficial” sustentáveis. E, ainda, abre oportunidades
para a proteção de determinadas áreas em para o financiamento nessas linhas de ação,
detrimento de outras atividades predatórias visando compatibilizar a melhoria da quali-
que possuem um lobby mais forte e atuan- dade de vida das populações locais e a con-
te. E, ainda, demonstrou-se como esses ins- servação do ambiente natural, partindo do
trumentos podem ser utilizados como fer- princípio que são questões complementa-
ramenta de proteção legal em um contexto res e mutuamente alcançáveis (COBRAMAB,
de crescente pressão social e política de uti- 2000).
lização dos recursos naturais de forma não O caso do PNCV, que foi criado com 625
sustentável e focados em ganhos de curto mil hectares, mas que acabou perdendo 90%
prazo. de sua área protegida ao longo de quatro dé-
cadas, ilustra muito bem os tipos de pressões
sofridas pelas áreas protegidas. Levando em
consideração que o PNCV teve sua expansão
assinada em junho de 2017, mês anterior a
reunião da Unesco, fica clara a relação com
sua ampliação, que estava suspensa desde
2003, ou seja, 15 anos sem a devida solução.
É bastante claro como esse argumento teve
um peso considerável para a ampliação do
PNCV. Além disso, o status do PNCV como
PNH, e a inclusão da região da Chapada dos
Veadeiros na ResBio do Cerrado amplia as
possibilidades de atração de projetos e fi-
141
SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
VOCÊ sabia?
Conselhos consultivos
das unidades de
conservação
142
SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
3. Importância da pesquisa
para a sociobiodiversidade e a
sustentabilidade no Cerrado
143
SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
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SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
A estruturação do rol de
oportunidades de visitação no Parque
Nacional da Chapada dos Veadeiros
(GO)45
Thamyris Carvalho Andrade46
André de Almeida Cunha47
45 A íntegra do trabalho foi publicada originalmente na Revista Brasileira de Ecoturismo, v. 13, p. 365-392, 2020. Dispo-
nível em: https://periodicos.unifesp.br/index.php/ecoturismo/article/view/10227/7724.
46 Bacharel em Turismo, Mestre em Turismo pela Universidade de Brasília (UnB), Doutoranda do Programa de Pós-gra-
duação em Geografia da UnB. Especialista em Sociobiodiversidade e Sustentabilidade no Cerrado pelo Centro de Estudos do
Cerrado da Chapada dos Veadeiros (Centro UnB Cerrado), em Alto Paraíso de Goiás (GO). E-mail: thamyris.andrade@mail.uft.
edu.br
47 Biólogo; Doutor em Conservação e Manejo da Vida Silvestre pela Universidade Federal de Minas Gerais. Professor
adjunto da UnB. Atua no Centro UnB Cerrado, no Instituto de Ciências Biológicas (IB) e no Centro de Excelência em Turismo
(CET) da UnB. Email: andrecunha@unb.br
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SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
1. O que é a pesquisa?
A Chapada dos Veadeiros é uma região que visa cumprir um estratégico e importante pa-
pel de conservação do bioma Cerrado, que representa cerca de 22% do território nacional.
Destaque-se que o Cerrado é considerado um dos hotspots mundiais de biodiversidade por
apresentar abundância de espécies endêmicas e por lidar com uma perda elevada do hábitat
anualmente, portanto a sua necessidade de conservação é urgente.
VOCÊ sabia?
Em vista da urgência de serem estabelecidas áreas prioritárias para conservação ambiental
imediata, em 1988, o ecólogo conservacionista Norman Myers foi o primeiro a incluir o conceito
de hotsposts de biodiversidade no meio científico. Os denominados pontos quentes caracteri-
zam-se por abrigar um número enorme da diversidade biológica da Terra além de alto ende-
mismo de espécies, mas, em contrapartida, são também as regiões mais devastadas do plane-
ta (OLIVEIRA; PIETRAFESA; BARBALHO, 2008).
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SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
Nesse sentido, a pesquisa teve por ob- Para alcançar tal objetivo, valeu-se dos
jetivo geral, avaliar o rol de oportunidades seguintes objetivos específicos:
de visitação dos principais atrativos do PNCV
para subsidiar ações prioritárias de planeja-
mento de uso público.
a inventariar as diferentes oportunidades de visitação, através das
atividades existentes e potenciais do PNCV;
Dessa forma, a partir dos objetivos traçados, a pesquisa desenvolve-se de modo a encontrar
caminhos e respostas para amparar a construção de um PUP eficaz e exequível para o PNCV
por meio da aplicação do método Rovuc.
VOCÊ sabia?
Esta abordagem tem por base o conceito de ROS (espectro de oportunidades recreati-
vas), um método consolidado e validado por pesquisadores e gestores desde meados do
século XX, nos parques dos Estados Unidos da América. O ROS ou Rovap pode ser utiliza-
do para diferentes objetivos, como: inventariar, planejar, avaliar ações de manejo e con-
ciliar demandas e oportunidades para a recreação em áreas naturais (CLARK; STANKEY,
1979). Assim, busca proporcionar atividades recreativas específicas para os visitantes, em
diferentes cenários ou ambientes, resultando em experiências e benefícios distintos, em
busca de atender as expectativas e satisfazer os usuários dos parques.
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SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
N
uma perspectiva exploratória e Após a definição de uma lista de atrativos
descritiva, percorreram-se os ca- a ser trabalhada e a identificação das ativi-
minhos da pesquisa qualitativa por dades atuais e potenciais para cada um de-
meio do estudo de caso e de procedimentos les, fez-se a classificação de cada atrativo de
bibliográficos, documentais e de campo. Na acordo com os parâmetros, ou atributos do
busca pela valorização da prática do cam- Rovuc (ICMBIO, 2018).
po, buscaram-se aportes na experiência dos
guias de turismo da Chapada dos Veadeiros
em relação às suas percepções frente à reali-
dade existente no PNCV.
Nas oficinas, coletaram-se dados relacionados a três etapas previstas no Rovuc (ICMBIO,
2018). A seguir, são detalhados os passos metodológicos para cada uma das três etapas.
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SOCIOBIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NO CERRADO
VOCÊ sabia?
Plano de Manejo e
PUP são documentos
diferentes
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Definiu-se a escolha dos atrativos por Nessa etapa, os(as) guias tiveram a opor-
meio de um pré-levantamento realizado pe- tunidade de validar os atrativos selecionados
lo(a) autor(a) em parceria com os(as) gesto- e ainda acrescentar à lista algum outro atra-
res(as) do PNCV/ICMBio. Considerando a tivo considerado por eles/elas de alta perti-
elevada quantidade e diversidade de recur- nência, resultando em 11 locais ou atrativos
sos naturais e de beleza cênica do PNCV, se- ao norte e 16 ao sul do PNCV, conforme o
lecionaram-se apenas os atrativos com uma quadro a seguir. Cabe ressaltar que os dados
perspectiva de implementação no horizonte coletados sobre os atrativos foram obtidos
dos próximos 15 anos. No início dessa eta- a partir da participação e da experiência do
pa, houve uma reunião de alinhamento, an- grupo nas oficinas, não havendo visita in loco
tes das oficinas principais, para que, além de a esses atrativos.
elencar os atrativos a serem trabalhados, a
equipe mediadora, composta por pesquisa-
dores(as) e gestores(as) pudessem compre-
ender a metodologia de aplicação e de coleta
dos dados.
Para facilitar a aplicação do método, di-
vidiram-se os atrativos em relação à sua lo-
calização geográfica. Assim sendo, os atrati-
vos ao sul do Pouso Alto foram validados e
classificados por guias de turismo atuantes
nas cidades de Colinas do Sul e Alto Paraí-
so de Goiás, inclusive na Vila de São Jorge,
e os atrativos localizados ao norte do Pouso
Alto foram validados e classificados pelos(as)
guias de turismo atuantes nas cidades de Ca-
valcante, Teresina de Goiás e Nova Roma. O
convite aos(às) guias de turismo para a parti-
cipação das oficinas de trabalho foi feito por
parte da gestão do PNCV. Após o levanta-
mento inicial, elaborado pelos(as) pesquisa-
dores(as) e gestores(as), os atrativos listados
foram validados pelos(as) guias de turismo
no início das oficinas de trabalho.
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Após a consolidação da escolha dos atra- vuc (ICMBIO, 2018). Além dos atributos pro-
tivos a serem trabalhados em cada uma das postos pelo Rovuc, acrescentaram-se mais
regiões do PNCV (norte e sul), os(as) partici- seis: i) alvos prioritários para a conservação;
pantes das oficinas foram convidados a lis- ii) dificuldade de acesso; iii) grau de aceita-
tar todas as atividades existentes (atuais) e, bilidade de impactos ambientais negativos;
seguindo sua experiência, aquelas com po- iv) prevalência de aceitabilidade de impactos
tencial de ser desenvolvida em cada um dos ambientais negativos; v) grau de aceitabilida-
locais, denominados, aqui, atrativos. Na se- de de impactos sociais negativos; e vi) preva-
quência, os(as) participantes da oficina fo- lência de aceitabilidade de impactos sociais
ram conduzidos a classificar cada atrativo de negativos.
acordo com os atributos, adaptados do Ro-
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3. Importância da pesquisa
para a sociobiodiversidade e a
sustentabilidade no Cerrado
3.1 Potencial de uso público da unidade de conservação
A visitação é uma das atividades de uso Além dos atrativos mencionados, o Plano
público de maior relevância prevista no Pla- de Manejo elaborado em 2009 previa ou-
no de Manejo do PNCV, e vem crescendo tros 16 atrativos, entretanto apenas um foi
constantemente. Até 2013, a visitação era implementado, a Trilha do Carrossel, aberta
condicionada à contratação de um guia de ao público em 2018. Dos outros 15 atrativos
turismo, no entanto, desde 2008, o ICMBio previstos no Plano de Manejo e não imple-
tornou facultativa a presença do guia de mentados, seis estão contemplados neste
turismo (BRASIL, 2008), o que oportunizou, estudo, auxiliando, assim, a tomada de deci-
aos(às) visitantes, a escolha de contratar ou são futura para priorização de ações de pla-
não um(a) guia/condutor(a). Essa nova con- nejamento. Com base na recente ampliação
duta é um dos fatores que pode explicar o do PNCV, a equipe gestora elaborou um novo
aumento do número de visitantes, assim Plano de Manejo, contemplando inclusive a
como o asfaltamento da rodovia (em 2014) área nova, mas este ainda não foi publicado,
que dá acesso à entrada principal do parque. e o PUP, complementar ao plano, ainda será
O Plano de Manejo em vigência é relati- elaborado posteriormente. Nesse sentido, o
vo à área anterior do PNCV, aprovado antes presente trabalho visa contribuir para esse
da ampliação de 2017, e prevê mais de uma planejamento futuro.
dezena de atrativos a serem disponibilizados
à visitação. No entanto, devido à limitação
de recursos financeiros, nem todos foram
implementados. Atualmente, cinco atrativos
estão abertos à visitação, incluindo: Saltos
e Corredeiras; Cânions e Cariocas; Trilha da
Seriema; Travessia das Sete Quedas (único
atrativo que oferece pernoite); e o mais re-
cente inaugurado, a Trilha do Carrossel.
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Sobretudo os resultados indicam uma cada atrativo e com análises adicionais, con-
classificação predominantemente prístina sidera-se que a quantidade e qualidade de
para o conjunto de atrativos do PNCV, que informações sistematizadas aqui represen-
é caracterizada por uma área com a máxima tam um grande avanço e importante subsí-
conservação, mínima intervenção humana dio para a gestão do uso público na unidade
e baixa presença de visitantes, conforme a de conservação. A abordagem utilizada nes-
classificação do Rovuc. te estudo pode ser replicada para outras áre-
Realizaram-se com sucesso a aplicação as naturais no Brasil (ICMBIO, 2018). Dado o
da ferramenta do Rovuc e a identificação de detalhamento desbalanceado entre os parâ-
atividades, de acordo com as etapas estabe- metros de manejo comparado com os biofí-
lecidas para este trabalho. A parceria entre sicos e socioculturais, acredita-se que futuras
pesquisadores(as), gestores e guias locais revisões do Rovuc podem considerar maior
proporcionou aproximação, troca de experi- número de parâmetros biofísicos e sociocul-
ências e de diálogo, bem como fortalecimen- turais. Sobretudo a riqueza de informações e
to para a gestão integrada do turismo de considerações a partir dos resultados alcan-
natureza. Embora as informações resultan- çados reforçam a relevância do presente tra-
tes desse processo possam ser aprimoradas balho, conforme detalhado a seguir.
e detalhadas com trabalhos de campo em
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No somatório das atividades nos 11 atra- A pesquisa científica, amparada por meto-
tivos da região norte, existem 33 atividades dologias participativas, possibilitou a amplia-
existentes, 12 incipientes e 110 com poten- ção dos horizontes de discussão e trabalho
cial para serem realizadas. Já nos 16 atrati- referentes à diversificação de oportunidades
vos da região sul, listou-se um total de 112 de visitação no PNCV. Os resultados aqui al-
atividades e atrativos existentes, 141 poten- cançados são respostas aos objetivos pro-
ciais e 69 incipientes. Essa diferença no total postos no que diz respeito ao inventário das
de atividades por atrativos e na relação de diferentes oportunidades de visitação exis-
atividades existentes e atividades potenciais tentes e potenciais, à classificação desses
reflete o maior tempo de atividade do turis- atrativos, à orientação sobre a diversificação
mo na região sul, assim como o maior tem- da oferta de visitação e ainda ao auxílio na
po de exploração e de conhecimento dos(as) construção e na implantação do PUP da uni-
guias e gestores(as) sobre os atrativos dessa dade.
região. Por outro lado, o potencial da região Por meio do método utilizado, os resulta-
norte, que pode ser ainda maior, a depender dos obtidos foram capazes de identificar e
do maior conhecimento e tempo de explora- avaliar o rol de oportunidades de visitação
ção desses e de outros atrativos. dos principais atrativos do PNCV, para, as-
Por fim, cabe ressaltar que esse exercício sim, subsidiar a construção de um PUP que
preliminar foi feito para alguns atrativos se- traga elementos capazes de diversificar as
lecionados nas regiões nos arredores de Alto oportunidades de visitação de acordo com a
Paraíso, Vila de São Jorge e Cavalcante, com necessidade do público visitante e dos inte-
uma perspectiva de implementação nos pró- resses da unidade.
ximos 15 anos. No entanto diversos atrativos Para além dos objetivos propostos para
podem ser explorados, estimulados e imple- este estudo, observou-se que o trabalho par-
mentados nos arredores das cidades de Nova ticipativo dos(as) guias de turismo, em par-
Roma, Teresina de Goiás, São João d’Aliança e ceria com a gestão do parque, proporcionou
Colinas do Sul, que foram contempladas com maior riqueza e robustez às informações de
a recente expansão do PNCV (BRASIL, 2017). inventário e classificação dos atrativos, bem
Essas regiões possuem belezas cênicas e vo- como no estreitamento dos laços entre os
cações turísticas únicas e complementares atores envolvidos, com destaque para a im-
àquelas já analisadas, e são locais onde uma portância da atuação colaborativa dos(as)
das principais justificativas para a ampliação guias para a gestão da unidade. Mesmo não
do parque foi a chegada ou a ampliação do se aplicando nenhuma pesquisa relacionada
turismo e dos benefícios decorrentes. Logo à satisfação dos(as) participantes em relação
estudos como esse devem ser aprimorados às oficinas, foi possível observar o estreita-
e complementados para essas regiões, como mento dos laços entre os envolvidos e um
subsídio para elaboração do PUP do PNCV. ambiente ainda mais produtivo para o tra-
balho conjunto entre a gestão do PNCV e os
guias de turismo da Chapada dos Veadeiros.
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REFERÊNCIAS
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