Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Agosto / 2018
DOCUMENTOS
224
Estudo Prospectivo
Produção de mandioca no Brasil: o desafio do
incremento de produtividade com preservação de solos
ISSN 1809-4996
Agosto/2018
DOCUMENTOS 224
Estudo Prospectivo
Produção de mandioca no Brasil: o desafio do
incremento de produtividade com preservação de solos
Autores
Supervisão editorial
Francisco Ferraz Laranjeira
Revisão de texto
Adriana Villar Tullio Marinho
Normalização bibliográfica
Lucidalva Ribeiro Gonçalves Pinheiro
Editoração eletrônica
Anapaula Rosário Lopes
Foto da capa
Rudiney Ringenberg
1ª edição
On-line (2018)
CDD 633.82
© Embrapa, 2018
Autores
Clóvis Oliveira de Almeida
Engenheiro-agronômo, doutor em Ciências/Economia Aplicada,
pesquisador da Embrapa Mandioca e Fruticultura, Cruz das
Almas, BA
Enfim, esperamos que o documento seja útil para aqueles que buscam os
conhecimentos gerados e/ou analisado por nossa equipe técnica, e que seja
uma contribuição para o desenvolvimento de uma agricultura sustentável,
objeto final de nossa atuação.
Referências................................................................................................... 33
Estudo Prospectivo – Produção de mandioca no Brasil: o desafio do incremento de produtividade... 9
Resumo
Este documento trata de um dos principais problemas associados ao
cultivo da mandioca no Brasil: o conflito entre a necessidade de ganhos de
produtividade com preservação de solos, mediante uma estrutura produtiva e
organizacional da produção pouco favorável às mudanças tecnológicas e ao
desenvolvimento da cadeia produtiva. Embora o Brasil figure entre os cinco
principais produtores mundiais de mandioca, em 2014 ocupou apenas a
31a posição em produtividade, situando-se atrás de países com menor
tradição em Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação Agrícola. Mas, em três
das grandes regiões produtoras de mandioca no País (Sul, Sudeste e Centro-
Oeste), as produtividades médias são comparáveis às obtidas na Tailândia
e na Indonésia, que são, respectivamente, o segundo e o terceiro maiores
produtores mundiais de mandioca. A produtividade média da mandioca no
Brasil, além de muito baixa para os padrões atuais do estoque de tecnologias
disponíveis, também apresentou uma evolução igualmente baixa nos últimos
50 anos. A superação desse desafio passa por uma mudança na estrutura
produtiva e organizacional da produção, de modo a tornar a atividade
mais atrativa, com vistas a motivar a permanência e a entrada no setor de
empreendedores adeptos ao processo de adoção de novas tecnologias.
Esses mesmos empreendedores atuariam, ao mesmo tempo, como agentes
promotores e beneficiadores dessa mudança, mas não seriam os únicos, uma
vez que as mudanças na estrutura produtiva e organizacional da produção
também dependem de outros fatores que extrapolam os limites da unidade
produtiva, casos de exemplos são as condições climáticas da região produtora,
a disponibilidade e o acesso aos recursos naturais e financeiros, as tecnologias
disponíveis, o preço das terras e dos insumos, a política de crédito, o grau
de organização dos produtores e a capacidade empreendedora do agricultor.
Por fim, este documento também aborda as principais oportunidades e
os desafios para o avanço científico, tecnológico e de inovação da cadeia
produtiva da mandioca no Brasil.
Importância da mandioca
no Brasil e no Mundo
A mandioca tem um papel estratégico como base alimentar para uma parcela
considerável da população mundial, especialmente em áreas de insegurança
alimentar localizadas nos países africanos e no Semiárido da região Nordeste
do Brasil. De acordo com Alexandratos; Bruinsma (2012), aproximadamente
34% da produção mundial de raiz de mandioca tem como destino a alimen-
tação humana, número superior a outras raízes e tubérculos, tais como ba-
tatas (11%) e batata doce (30%). Ainda de acordo com a mesma fonte, uma
pequena parcela de países (ou um grupo deles) responde pela maior parte
desse consumo. Os principais países que destinam a mandioca para a alimen-
tação humana são Nigéria e Brasil, com aproximadamente 50% da produção
(ALEXANDRATOS; BRUINSMA, 2012).
Nutrientes
Matéria seca Nutriente / MS
removidos
Cultura
t/ha kg / ha kg / t MS
fresco seco* N P K N P K
Mandioca/raízes 35,7 13,53 55 13,2 112 4,5 0,83 6,6
Milho/grãos 6,5 5,56 96 17,4 26 17,3 3,13 4,7
Arroz/grãos 4,6 3,97 60 7,5 13 17,1 2,40 4,1
Trigo/grãos 2,7 2,32 56 12,0 13 24,1 5,17 5,6
Soja/grãos 1,0 0,86 60 15,3 67 69,8 17,8 77,9
Cana-de-açúcar/hastes 75,2 19,55 43 20,2 96 2,3 0,91 4,4
Fonte: Howeler, 1991.
* Fator de conversão: mandioca - 38% de matéria seca (MS); grãos - 86%; e cana-de-açúcar - 26%.
Tabela 2. Média do conteúdo de matéria seca e nutrientes extraídos nas raízes, has-
tes e folhas de duas variedades de mandioca (Riqueza e Branca de Santa Catarina),
com e sem aplicação de fertilizantes, em Curvelo, MG.
Matéria seca N P K Ca Mg
Parte da planta
t / ha kg / ha
Sem adubo
Raízes 4.409 51 2,1 20 6 3
Hastes 3.034 48 1,8 16 39 8
Folhas 1.139 45 2,1 14 19 3
Soma 8.582 144 6,0 50 64 14
Com adubo
Raízes 11.440 130 9,3 80 15 12
Hastes 7.164 119 6,7 43 81 15
Folhas 1.537 91 6,5 13 13 6
Soma 20.141 340 22,5 136 109 33
Fonte: Paula M.B. de, et al.,1983.
Outro aspecto é que a adição de MO aos solos sob clima tropical sofre intensa
oxidação e sequestra apenas 10 a 20% do C contido no material, resultando
no final do processo em cerca de 1% do C original na forma de substâncias
húmicas (LEHMANN et al., 2006). O húmus é fundamental para estabilizar a
estrutura e a capacidade de troca catiônica dos solos tropicais, mas tem uma
relação C/N igual a 10, um valor difícil de alcançar e de manter no solo. Para
aumentar a taxa de resgate do C no solo, é necessária a adição da palhada,
mas, para chegar às substâncias mais estáveis, como o húmus, também
há necessidade de adicionar N ao solo para a relação C/N ficar próxima de
10 (PARRAS, et al., 2013). Esses problemas estão sendo encaminhados
para resoluções adequadas (plantio direto, fixação biológica de N e cultivos
integrados, entre outros) e as perspectivas são de aumento do resgate do C ao
solo, inclusive por necessidades climáticas. Lal (2010) enfatiza a necessidade
de resolver esses problemas ao afirmar que: quando os resíduos orgânicos são
sistematicamente removidos da área onde foram produzidos, o esgotamento
de nutrientes e a degradação do solo evoluem de forma inexorável.
Desempenho e perspectivas da
produção de mandioca no Brasil
A baixa produtividade da mandioca no Brasil constitui um dos principais
entraves à competitividade e à inserção do país no mercado internacional do
produto. Na Tabela 4, pode ser observado que, em 2014, o Brasil estava entre
os cinco maiores produtores de mandioca do mundo, mas ocupava apenas a
31a posição em rendimento físico; estando apenas a 0,51 desvio padrão (ou
3,52 toneladas/ha) acima da média das produtividades médias dos países
produtores de mandioca em 2014, que foi de aproximadamente 11,31 t/ha.
Entretanto, em três das cinco grandes regiões produtoras de mandioca no
país (Sul, Sudeste e Centro-Oeste), o rendimento obtido nos últimos anos
ficou bem acima da média mundial, tendo a região Sul alcançado índices de
produtividade equivalentes aos obtidos na Tailândia e na Indonésia.
Produtividade Taxa de
Posição em Posição em Escore
País média 1 crescimento
2
produção produtividade padrão
(t/ha) (%)
Nigéria 7,72 10 660W -0,52 0,12
Tailândia 22,26 20 100 1,58 0,65
Indonésia 23,35 30 60 1,74 2,07
Brasil 14,83 40 310 0,51 0,05
Gana 18,59 50 130 1,05 1,58
República
Democ. do 8,10 60 600 -0,46 0,48
Congo
Camboja 25,24 70 50 2,01 1,00
Índia 35,65 80 10 3,51 2,47
Angola 10,11 90 470 -0,17 3,03
Moçambique 6,09 100 780 -0,75 1,09
Malawi 22,50 110 90 1,61 2,21
Fonte: Cálculo dos autores com base nos dados básicos da FAO (2017).
1
Representa o número de desvios padrões acima ou abaixo da média das produtividades médias dos países
produtores de mandioca em 2014.
2
Valor calculado pelo método da regressão.
Estudo Prospectivo – Produção de mandioca no Brasil: o desafio do incremento de produtividade... 21
Período
Taxa de
Produtividade Posição Taxa de
Grande Posição em crescimento da
média em crescimento
região produtividade produtividade
(t/ha) produção da área (%)1
(%)1
Norte 16,31 10 40 1,71 0,82
Nordeste 9,54 30 50 -1,53 -0,14
Sudeste 17,94 4 0
3 0
-0,03 1,05
Sul 23,85 2 0
1 0
-0,45 0,94
Centro-
19,60 50 20 0,92 0,67
Oeste
Fonte: Cálculo dos autores com base nos dados básicos do IBGE (2017).
1
Valor calculado pelo método da regressão.
Período
Nas estimativas de Guanziroli et. al., (2014), com base no censo de 2006, a
participação dos estabelecimentos familiares na produção de mandioca no
Brasil era de aproximadamente 88%. A incidência de importantes pragas e
doenças de difícil controle ocorrendo nas principais regiões produtoras de
24 DOCUMENTOS 224
1
Este item está baseado em Cardoso (2003) e Cardoso et al (2008).
Estudo Prospectivo – Produção de mandioca no Brasil: o desafio do incremento de produtividade... 27
A mandioca ainda pode ter uma maior inserção (direta e indireta) na cadeia de
produção de alimentos, tais como: i) fonte de matéria-prima na alimentação
animal ˗ a mandioca pode participar desse processo como fonte de proteína
(folhas) e de carboidrato (raízes); ii) produtos com maior valor agregado e
mais “convenientes” (como a mandioca pré-cozida e congelada, as farofas
prontas, o pão de queijo, a tapioca, etc.) e para produtos que usam os
derivados da mandioca (fécula nativa e amidos modificados), além de como
insumo industrial no processo de produção de outros alimentos (panificáveis,
molhos, cremes, embutidos etc.); e, por fim, como iii) produtos diferenciados
alinhados com os novos atributos das dietas sem glúten (tapioca).
Para que se possa ter uma maior inserção competitiva da mandioca nos
diversos mercados potenciais, torna-se necessário que a cadeia oferte
produtos de qualidade a preços competitivos. Para tanto, alguns desafios
28 DOCUMENTOS 224
Quadro 1. Continuação.
Eixo de impacto Desdobramentos tecnológicos/Oportunidades
• Desenvolver novos métodos de manejo e controle
Avanços na busca de pragas e doenças, que possam reduzir as perdas
da sustentabilidade na produção e os efeitos potenciais do uso dos pes-
ticidas à saúde humana e ao ambiente.
• Aumentar a oferta de amidos diferenciados naturais,
em substituição aos modificados quimicamente, por
meio da geração de variedades de mandioca com
teores específicos de amilose e amilopectina.
Inserção estratégica e
competitiva na bioeconomia • Aumentar a oferta de produtos alimentícios sem glúten.
• Intensificar o uso de novas ferramentas de prospec-
ção de genes, de engenharia genética e edição ge-
nômica visando à inserção da cultura de forma com-
petitiva nos mercados.
• Participar de políticas públicas de combate à pobre-
za e à segurança alimentar, considerando as carac-
terísticas inerentes da cultura quanto à rusticidade e
à demanda por recursos.
Contribuições para • Participar de programas de fomento à distribuição de
políticas públicas sementes (manivas-semente).
• Disponibilizar informações que potencializem a atu-
alização do zoneamento de aptidão agrícola e riscos
climáticos no cultivo da mandioca no Brasil, em um
cenário de mudanças climáticas e de aguçamento
do déficit hídrico.
• Gerar variedades de mandioca de maior valor agre-
gado: ricas em amidos diferenciados (variedade de
Inserção produtiva e uso industrial) e de melhor qualidade culinária (varie-
redução da pobreza dades de mesa).
• Disponibilizar, sobretudo para os agricultores de pe-
queno porte, práticas culturais de baixo custo.
• Disponibilizar novas ferramentas de prospecção de
Posicionamento na
genes, de engenharia genética e de edição genômi-
fronteira do conhecimento
ca que favoreçam a mudanças na trajetória tecnoló-
gica na geração de novas variedades.
Estudo Prospectivo – Produção de mandioca no Brasil: o desafio do incremento de produtividade... 33
Referências
ALEXANDRATOS, N.; BRUINSMA, J. World agriculture towards 2030/2050: the 2012 revision.
ESA Working paper, n.. 12/03. Rome, FAO, 2012.
ALMEIDA, C. O. de; LEDO, C. A. S. Um caso mais que perverso das elasticidades. Informe
GEPEC, Toledo, Paraná, v. 8, n.2, p. 84-106, 2004.
BABALEYE, T. Can Cassava Solve Africa’s Food Crisis? African Business, v.314, p. 24-25,
2005.
BALOTA, E. L.; LOPES, E. S.; HUNGRIA, M.; DÖBEREINER, J.. Ocorrência de bactérias
diazotróficas e fungos micorrízicos arbusculares na cultura da mandioca. Pesq. Agropec.
Bras.v. 34, n7, p.1265-1276. 1999.
BUAINAIN, A. M.; ALVES, E.; SILVEIRA, J. M.; NAVARRO, Z. O mundo rural no Brasil do
século 21: a formação de um novo padrão agrário e agrícola editores técnicos. Brasília, DF:
Embrapa, 2014.
CRUZ, J. L.; ALVES, A. A.; LeCain, D. R.; Ellis, D. D.; Morgan, J. A. Elevated CO2
concentrations alleviate the inhibitory effect of drought on physiology and growth of cassava
plants. Scientia Horticulturae, v.210, 1. p.22-129, 2016.
HOWELER, R. H. THAI PHIEN AND NGUYEN THE DANG. Sustainable cassava production
on sloping lands in Vietnam. In: INTERNATIONAL WORKSHOP ON SUSTAINABLE LAND
MANAGEMENT IN THE NORTHERN MOUNTAINOUS REGION OF VIETNAM. held in Hanoi.
Vietnam, April 10-12, 2001.
ISHERWOOD, K. F. Mineral fertilizer use and the environment.. Revised Edition. Paris:
International Fertilizer Industry Association 2000. 63p. Tradução ANDA – Associação Nacional
para Difusão de Adubos.
JANSSON, C.; WESTERBERGH, A.; ZHANG, J.; HU, X.; SUN, C. Cassava, a potential biofuel
crop in (the) People’s Republic of China. Applied Energy, v.86, p.S95–S99, 2009.
Estudo Prospectivo – Produção de mandioca no Brasil: o desafio do incremento de produtividade... 35
KREMEN, C.; MILES, A.. Ecosystem services in biologically diversified versus conventional
farming systems: benefits, externalities, and trade-offs. Ecol. Soc. 17, 40. 2012.
LAL, R. Managing soils for a warming earth in a food-insecure and energy-starved world. J.
Plant Nutr. Soil Sci. v.173, p. 4–15, 2010.
LIEBMAN, M.; D. ELIZABETH. Crop rotation and intercropping. Strategies for weed
management. Ecol. Appl. v.3, n.1: p. 92-112. 1993.
NWEKE, F. New Challenges in the Cassava Transformation in Nigeria and Ghana. EPTD
Discussion Paper, n. 118, IFPRI, Washington DC., 2004.
PIMENTEL, D.; HARVEY, C.; RESOSUDARMO, P.; SINCLAIR, K.; KURZ, D.; MCNAIR, M.;
CRIST, S.; SHPRITZ, L.; FITTON, L.; SAFFOURI, R.; BLAIR, R. Environmental and economic
costs of soil erosion and conservation benefits. Science, v.267, p.1117–1123, 1995.
POWLSON, D. S.; GREGORY, P. J.; WHALLEY, W. R.; Quinton, J. N.; Hopkins, D. W.;
Whitmore, A. P.; Hirsch, P. R.; Goulding, K. W. T. Soil management in relation to sustainable
agriculture and ecosystem services. Food Policy, v. 36, p.S72–S87. 2011.
VALENTIN, C.; AGUS, F.; ALAMBAN, R. et al. Runoff and sediment losses from 27 upland
catchments in Southeast Asia: impact of rapid land use changes and conservation practices.
Agr. Ecosyst. Environ. V.128, p.225–238. 2008.
36 DOCUMENTOS 224
WADDINGTON, S. R.; LI, X.; DIXON, J., et al. Getting the focus right: production constraints for
six major food crops in Asian and African farming systems. Food Security, v. 2, n.1, p.27–48,
2010.
CGPE 14493