Você está na página 1de 4

Notas de Leitura do Livro “A Cidade do Pensamento Único” Capítulo - Uma Estratégia Fatal de

Otília Arantes | Teoria e Crítica - 2023.2 | Professor Marcus Fiorito | Amanda Salerno
Uma estratégia Fatal
O capítulo escrito por Otília Arantes em "A Cidade do Pensamento Único" aborda a lógica da
chamada "terceira geração urbanística". Nessa abordagem, destaca-se o enfoque no
"gerenciamento empresarial" e na "culturalização do mercado" como elementos fundamentais na
configuração das cidades contemporâneas.
Em preliminar a autora oferece um quadro histórico do urbanismo no período que se estende dos
anos 70 até o final do século. Neste período, ocorreram pelo menos duas gerações urbanísticas,
cuja evolução é examinada, com um foco específico no papel da Cultura na produção das cidades
ao longo das últimas três décadas. O estudo confronta um dos grandes paradoxos ideológicos
contemporâneos: a centralidade da Cultura em um processo cada vez mais comandado pelo
Capital.
"Na arena propriamente urbana, revanche contra trabalhadores precarizados,
imigrantes, sem-teto, etc., enfim, todo tipo de classe perigosa que possa ameaçar o sono
dos vencedores de ontem. [...] À medida que a cultura passava a ser o principal negócio
das cidades em vias de gentrificação, ficava cada vez mais evidente que era ela, a
cultura, um dos mais poderosos meios de controle urbano no atual momento de
reestruturação da dominação mundial".
A autora destaca a convergência de dois modelos de produção de uma nova configuração urbana,
a cidade-empresa-cultural, um de origem americana e outro europeu, com raízes em Paris. Isso
representa uma convergência inesperada entre as duas gerações urbanísticas que, até então, eram
consideradas contrapostas: os contextualistas e os empreendedores. A assimilação dessas
abordagens é tão profunda que se torna impossível distinguir dissidentes e integrados.
Ressalta também, uma novidade importante nesse contexto: o "pensamento único" das cidades
contemporâneas não é uma fatalidade da hegemonia global, mas sim algo que está sendo
construído.
A autora identifica uma contradição fundamental nesse novo planejamento urbano. Ela observa
que, apesar de se afirmar como uma ruptura com o formalismo anterior dos modernistas, na
realidade, há uma continuidade. Isso ocorre porque o Planejamento Estratégico incorpora tanto a
ideologia modernista do plano quanto a dimensão cultural do movimento que a precedeu. Essa
contradição levanta uma questão central: é possível planejar estrategicamente políticas urbanas
de matriz identitária? Em outras palavras, é viável calcular e gerenciar elementos culturais,
Notas de Leitura do Livro “A Cidade do Pensamento Único” Capítulo - Uma Estratégia Fatal de
Otília Arantes | Teoria e Crítica - 2023.2 | Professor Marcus Fiorito | Amanda Salerno
identitários e espontâneos, que geralmente estão fora do escopo das considerações tradicionais
de custo/benefício, qualidade/preço, entre outros critérios.
A solução para essa contradição passa pela distorção do conceito de "cultura" dentro do Plano
Estratégico. A cultura é reduzida a uma imagem, tornando-se uma representação e interpretação.
Isso lhe confere a função de moldar uma coletividade e, ao mesmo tempo, de propiciar o
desenvolvimento de um sistema de negócios responsável por fornecer essa cultura convertida em
imagem-produto para o mercado local e internacional. Esse processo é o que dá sentido à
"âncora identitária da nova urbanística" e, ao mesmo tempo, cria uma segunda contradição
notável. A cultura, que em suas origens na Era Industrial era vista como uma esfera autônoma de
valores antimercado, foi absorvida pelo próprio sistema que inicialmente se opunha a ela,
passando a servir aos interesses desse sistema. Nesse encontro entre Cultura e Capital, Arantes
chama de "culturalismo de mercado".
Uma terceira contradição do Planejamento Estratégico é identificada pela autora. Enquanto
anteriormente o Estado desempenhava um papel regulatório e de controle dos usos e espaços
urbanos, a fim de combater a especulação imobiliária, na nova configuração, ele atua no sentido
oposto. Agora, o Estado trabalha na desregulamentação e, em alguns casos, oferece incentivos ao
livre desenvolvimento do mercado especulativo.
O conceito original de Planejamento Estratégico surgiu nos Estados Unidos na década de 1970.
Ele envolveu a adaptação de metodologias empresariais ao planejamento urbano, com o objetivo
de transformar as cidades em "máquinas de produzir riquezas" e, ao mesmo tempo, aplacar os
ânimos de uma população em crise. Um exemplo significativo disso ocorreu em Baltimore após
a morte de Martin Luther King em 1968. A cidade testemunhou inúmeras revoltas devido a más
condições econômicas e preconceito racial. A estratégia adotada pelas autoridades e pela elite
empresarial foi a de "capturar" as manifestações da cultura negra e elevar sua importância como
componente essencial da identidade e diversidade étnica de Baltimore. Isso resultou na
substituição do espetáculo urbano como forma de resistência por um espetáculo que serviu como
meio de controle social. A operação foi bem-sucedida em neutralizar a revolta da população, mas
não resolveu os problemas sociais subjacentes. Além disso, transformou Baltimore em uma
cidade de sucesso comercial e empresarial.
Na década de 1970, um novo tipo de planejamento, inicialmente proposto por Harvey Molotch e
posteriormente desenvolvido por Peter Hall, enfatizou que a cultura se tornava um elemento
Notas de Leitura do Livro “A Cidade do Pensamento Único” Capítulo - Uma Estratégia Fatal de
Otília Arantes | Teoria e Crítica - 2023.2 | Professor Marcus Fiorito | Amanda Salerno
essencial na coalizão de classes e interesses responsáveis pelo crescimento urbano. Essa ênfase
na cultura deu origem ao "orgulho cívico" e ao "patriotismo de massas" associados ao
Planejamento Estratégico.
Essa ênfase na cultura justificou diversas intervenções urbanas de caráter elitista, com a
gentrificação das cidades se destacando como um exemplo proeminente. Embora seja
frequentemente disfarçada com termos como revitalização, reabilitação, revalorização e
reciclagem, a gentrificação é, na verdade, uma forma de revanche social. É importante lembrar
que a palavra "estratégia" tem origens militares e implica uma disputa entre adversários. Nesse
contexto, a elite que adota a gentrificação rivaliza contra trabalhadores precários, imigrantes e
outros grupos considerados "classe perigosa".
A cultura de resistência, que inicialmente se opunha ao status quo e à racionalidade modernista,
passou por uma transformação estratégica. A percepção de que a crise capitalista estava
relacionada a questões culturais levou a uma adaptação no sistema. A "cultura hostil" foi
incorporada ao sistema de valores de troca, transformando os que eram considerados ameaças em
intermediários culturais. Isso marcou uma mudança da sociedade salarial para a sociedade
cultural, com a cultura se tornando um componente essencial do capitalismo culturalista.
Para sustentar a cultura de classe dominante, surgiram arquitetos e artistas renomados que
criaram obras monumentais de celebração do poder que vão compor assim a cenarística da
cidade-espetáculo. Isso se manifestou em várias cidades, incluindo Paris (que substitui o
Estado-Social pelo Estado Empresário Cultural), Barcelona (que sistematiza os conceitos do
Plano Estratégico e o aproveitamento de oportunidades como grandes eventos internacionais na
promoção publicitária das cidades), Bilbao (o paradoxo denuncia: a identidade necessária ao
sucesso da cidade se concretiza na "extraterritorialidade" do museu de Genry, um americano
projetando o marco simbólico do novo país Basco), Lisboa (eventos e mais eventos na capital
europeia da "fracassomania" para a autocontemplação celebrativa: "nada se expõe além da
própria exposição, tudo para anunciar que afinal Portugal é Portugal") e Berlim (que reconstrói a
potente capital europeia, agora integrada, com uma miscelânea inigualável de grifes
arquitetônicas), cada uma com suas variações em torno do mesmo modelo.
Notas de Leitura do Livro “A Cidade do Pensamento Único” Capítulo - Uma Estratégia Fatal de
Otília Arantes | Teoria e Crítica - 2023.2 | Professor Marcus Fiorito | Amanda Salerno
No fechamento do texto, Otília Arantes adverte que, nos países subdesenvolvidos, a adoção das
políticas do Planejamento Estratégico apresenta desafios e problemas ainda mais significativos.
Essas políticas podem resultar na modernização sem desenvolvimento, ou seja, sem a
homogeneização social necessária. Ela destaca a complexidade dessa questão e a necessidade de
uma análise crítica das políticas urbanas em todo o mundo.
"estamos diante da reposição da armadilha clássica do subdesenvolvimento, ou seja, da
modernização sem desenvolvimento, isto é, sem homogeneização social".

Você também pode gostar