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Revista Tur smo & Desenvolvimento | n.

o 27/28 | 2017 | [ 899 - 909 ]


e-ISSN 2182-1453

A imagem do Rio de Janeiro no Império e na


República Velha e a nova imagem pós-grandes
eventos esportivos: Porto Maravilha, literatura
e turismo.
The image of Rio de Janeiro in Império and República Velha and the
new image post-major sporting events: Porto Maravilha, literature
and tourism.

MARIA JAQUELINE ELICHER * [maria.elicher@unirio.br]

Resumo | O texto trata da cidade do Rio de Janeiro e mais especificamente de sua zona portuária em
dois momentos distintos – um entre a segunda metade do século XIX e as primeiras décadas do século
XX e outro mais recente, relacionado a realização do projeto Porto Maravilha, desenvolvido no bojo
dos grandes eventos esportivos, Copa do Mundo de Futebol, de 2014 e Jogos Olímpicos de 2016. O
objetivo foi promover uma análise do processo de refuncionalização atribuído a zona portuária da cidade,
a partir de um aporte teórico-metodológico baseado na literatura de João do Rio, autor retratista da vida
social no início do século XX e Lima Barreto, crítico social mais contundente. Ambos os autores nos
permitira, no diálogo com autores contemporâneos como Henri Lefebvre e Milton Santos, refletir sobre a
reprodução das relações sociais de produção no espaço urbano da cidade, e compreender como o turismo
se porta em processos desta ordem, da atribuição de novas cargas simbólicas aos lugares, sobretudo se
atribui às paisagens novos valores e novos usos, com a consequente transformação destas em produto
turístico. Nesta trajetória, coube à literatura fornecer os subsídios necessários à esta compreensão.

Palavras-chave | Rio de Janeiro, turismo, literatura, grandes eventos, Porto Maravilha

Abstract | This paper addresses the city of Rio de Janeiro and, more specifically, its port area in two
distinct moments – the first one between the second half of the nineteenth century and the first decades
of the twentieth century and the second one, more recently, related to the Porto Maravilha project, de-
veloped in the context of the two major sporting events which took place in Brazil, the 2014 FIFA World
Cup and the 2016 Olympic Games. The aim of this study is to analyse the process of refunctionalization
attributed to the port area of the city, through a theoretical-methodological contribution based on the
literature of João do Rio, a portraitist author of social life in the early 20th century, and Lima Barreto,
a strong social critic. Both authors have allowed us, in the dialogue with contemporary authors such as
* Doutora em Geografia pela Universidade Federal Fluminense – UFF, Niterói/Brasil, na área de Desenvolvimento Terri-
torial e Ambiental. Professora Adjunto do Departamento de Turismo e Patrimônio da Universidade Federal do Estado do
Rio de Janeiro – UNIRIO, Rio de Janeiro, Brasil.
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Henri Lefebvre and Milton Santos, to reflect on the reproduction of the social relations of production in
the urban space of the city and to understand how tourism engages with these processes, the attribution
of new symbolic charges to places, especially if new landscapes are given new values and uses, with the
consequent transformation of these into tourism products. During this trajectory, the literature provides
the necessary subsidies to this understanding.

Keywords | Rio de Janeiro, tourism, literature, major events, Porto Maravilha

1. Introdução tamos das transformações mais recentes expressas


no projeto Porto Maravilha, cujos desdobramentos
As últimas décadas têm sido marcadas por uma mostram o patrimônio renovado e transformado
série de mudanças na economia espacial do capi- em novos empreendimentos refuncionalizados.
talismo e sua expressão no urbano. Segundo Scott Para ambos os períodos a literatura aparece
(2012), essas mudanças estão sendo conduzidas como caminho de análise, fazendo-se uso em es-
por um processo constante de expansão de uma pecial do gênero crônica, que segundo Scherer
economia de característica cognitivo-cultural, isto (2008), tornou-se a forma mais adequada para que
é, a da criação do ente cidade-empresa-cultural, se anotassem as impressões cotidianas da cidade,
que têm efeitos peculiares sobres as formas e ca- por inúmeras razões: liga o passado (linhagens me-
racterísticas funcionais da cidade contemporânea. dievais) e o presente (registro do já); não exige ho-
Notadamente, isto pode ocorrer geralmente em mogeneidade temática dos seus autores, media a
grandes metrópoles do globo, a exemplo das trans- literatura e a reportagem; fixa-se na fronteira entre
formações de parte da cidade do Rio de Janeiro, a mercadoria e a arte, entre o jornal e o livro.
Brasil, por ocasião de ter sido sede de grandes Desta forma, a metodologia baseia-se na uti-
eventos esportivos, Copa do Mundo de 2014 e Jo- lização da literatura como aporte teórico stricto
gos Olímpicos de 2016, dentre outros. sensu e as escolhas dos autores João do Rio e
Trataremos em específico da zona portuária da Lima Barreto são justificadas a seguir. João do
cidade, conhecida por Porto Maravilha, cujos espa- Rio se sobressai como autor retratista da vida so-
ços foram renovados e transformados em empreen- cial que despontava na modernidade do Rio de Ja-
dimentos de negócios, turismo, lazer e cultura. O neiro no início do século XX e a caracterizava como
trabalho está organizado a partir de dois vértices: cidade espetáculo, sendo plausível reconduzi-lo à
1) uma leitura da zona portuária nos períodos do cena quando e se realiza a análise do atual pro-
Império e da República Velha, ilustrado no ima- jeto de transformação da zona portuária. Já Lima
ginário literário da época; 2) uma releitura via a Barreto contribui com uma crítica social mais con-
literatura do espaço da zona portuária atual, re- tundente à sociedade da época. Ambos utilizados
funcionalizado, destinado a diferentes formas de na análise atual nos permitem verificar que o atual
exploração, incluindo fins turísticos. porto maravilha dá sequência, em grande medida,
No primeiro momento recorremos à obra de a processos históricos de mais longa duração.
João do Rio e Lima Barreto – ambos observado- Já autores como Lefebvre (1997) e Santos
res críticos do processo de modernização a que a (1980) contribuem para o debate sobre a repro-
cidade era submetida. No segundo momento tra- dução das relações sociais de produção no espaço
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da cidade, entendendo-a não apenas como palco- ção da realidade se insere num debate mais amplo
receptáculo destas transformações, mas também a respeito da relação entre ciência e arte – segundo
como agente ativo e passivo do processo de cons- o autor esta aproximação tem originado bons fru-
trução de novas paisagens. tos no que se refere à leituras mais apuradas dos
fenômenos sócio espaciais.
Vale ressaltar que não se trata aqui de estabe-
lecermos um debate sobre as diferenças entre arte
2. A cidade literária no Império e na Primeira e ciência. A ciência nos auxilia no entendimento
República sobre o cotidiano e todas as formas de represen-
tações coletivas traduzidas nas artes e na litera-
A história da formação da cidade do Rio de tura, que embora sejam aspectos despidos de uma
Janeiro está relacionada inicialmente à imagem de linguagem científica moderna, exercem uma sub-
seu Porto, espaço chave da cidade. Desde o final jetividade imaginativa, remetem ao imaginário do
do século XVI já era de fundamental importân- leitor e promovem como desdobramento novas lei-
cia na vida colonial, embora ainda não existisse turas sobre a cidade.
enquanto equipamento definido, pois os primeiros João do Rio1 em sua obra retratou bem as con-
ancoramentos portuários no interior da baía se ini- dições sub-humanas em que vivia a população do
ciaram e se consolidaram em áreas diferentes da centro da cidade. Tomando a realidade à frente
atual configuração do Porto do Rio. (Mello, 2003). como matéria para sua literatura, enxergava a per-
O movimento de mercadorias e escravos inten- manência do passado de exclusão e desigualdades
sificado pela exploração das minas de ouro na re- e a tragédia de nossa formação social.
gião das Minas Gerais expandiu ainda mais as ati- Ao ser convidado por um delegado de polícia
vidades portuárias da cidade e propiciou um início para uma ronda noturna aos “círculos infernais” da
de especialização do território e no final do século cidade, o escritor se depara com os trágicos asilos
XVIII o Porto do Rio de Janeiro já despontava da miséria, dispersos pelos bairros da Gamboa, da
como o maior do Brasil (Cruz, 1999). Cidade Nova e ruas da zona portuária. Em uma
Optamos para operacionalizar um resgate das hospedarias, pode-se observar as condições em
histórico-geográfico das mudanças na cidade à que vivia a população.
época recorrendo à literatura como fonte. Para Completamente nua, a sala podia con-
tanto nos apropriamos de textos de João do Rio ter trinta pessoas, à vontade, e tinha
de Lima Barreto, que produziram diversos sobre a pelo menos oitenta nas velhas esteiras
cidade, que tinha no seu Porto um espaço físico e atiradas ao assoalho. (...) Parecia que
simbólico de articulação: por ele passavam os es- todas as respirações subiam, envene-
cravos e os cidadãos que configuravam a peculiar nando as escadas, e o cheiro, o fedor,
sociedade capitalista e escravista da colônia. um fedor fulminante, impregnava-se
Acreditamos que a literatura tem com uma de nas nossas próprias mãos, desprendia-
suas grandes virtudes a capacidade de ir do par- se das paredes, do assoalho carcomido,
ticular ao universal, contribuindo para compor o do teto, dos corpos sem limpeza. (...)
cenário da formação sócio espacial carioca. Nesta A metade daquele gado humano tra-
perspectiva, Ianni (1999) entende que a utilização balhava; rebentava nas descargas dos
da literatura como fonte adicional de interpreta- vapores, enchendo paióis de carvão,
1 Joãodo Rio (1881-1921) foi a mais completa tradução da belle époque carioca, tornando sua obra é indissociável do Rio
de Janeiro, pois a retrata como espaço espetáculo.
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carregando fardos. (Rio, 2008, p.179). se demolir a Rua do Núncio (Rio. do,
2008, p. 93).
Caricaturados como “gado” pelas autoridades, os
trabalhadores viviam em condições indignas até Entre os anos de 1904 e 1907, João do Rio pu-
mesmo aos animais, mas a manutenção da mão blicou vários textos que abordavam os problemas
de obra barata era importante para a sustentação sociais do Rio de Janeiro, como a exploração do
da estrutura do trabalho na área central. Por isso, trabalho, a prostituição, a exploração infantil, a
a política pública incentivava a construção de mo- miséria e a fome. No trecho da crônica abaixo os
radias populares no centro, a fim de garantir que a aspectos sociais do trabalho no porto e as con-
massa proletarizada gravitasse em torno do porto, tradições sociais no seu entorno são um retrato
próxima às atividades urbanas. bastante fiel de quais eram as condições de repro-
Concomitantemente, a Reforma Pereira Pas- dução da vida na zona portuária.
sos foi um momento de renovação urbana que
marcou profundamente a cidade, tanto da ordem Às cinco da manhã ouvia-se um grito
da aparência quanto de seu conteúdo. Conforme de máquina rasgando o ar. Já o cais,
Abreu (1988, p. 31), “um fazer e refazer constante na claridade pálida da madrugada, re-
de formas antigas que assumem novas funções, gurgitava num vai-e-vem de carrega-
com novos valores atribuídos a elas pelo conjunto dores, catraieiros, homens de bote e
de forças que estruturam os sistemas econômicos, vagabundos mal dormidos à beira dos
jurídico-político e ideológico de uma sociedade”. quiosques. (...) Nós passávamos entre
Na crônica A Pintura das Ruas, João do Rio as lanchas. Ao longe, bandos de gai-
trata da simplicidade e grandiosidade dos pintores votas riscavam o azul do céu e o Cais
das ruas, numa clara referência à nova cidade, às dos Mineiros já se perdia distante da
mudanças promovidas pelos desejos do progresso, névoa vaga. Mas nós avistávamos um
retratos que dão conta da clareza de que seu povo outro cais com um armazém ao fundo.
tinha das transformações impostas e fazem alusão À beira desse cais, saveiros enormes
ao progresso que se faz visível no espaço. esperavam mercadorias; e, em cima,
formando um círculo ininterrupto, ho-
Estávamos na rua do Núncio. O meu
mens de braços nus saíam a correr den-
excelente amigo fez-me entrar num
tro da casa, atiravam o saco no sa-
botequim da esquina da rua de São Pe-
veiro, davam a volta à disparada, tor-
dro e os meus olhos logo se pregaram
navam a sair a galope com outro saco,
na parede da casa, alheia ao ruído, ao
sem cessar, contínuos como a correria
vozear, ao estrépido da gente que en-
de uma grande máquina. Em sessenta,
trava e saía. Eu estava diante de uma
oitenta, cem, talvez duzentos. Não os
grande pintura mural comemorativa.
podia contar. A cara escorrendo suor.
O pintor, naturalmente agitado pelo
Os pobres surgiam do armazém como
orgulho que se apossou de todos nós
flechas, como flechas voltavam. ( Rio
ao vermos a Avenida Central, resolveu
2008, p. 161).
pintá-la, torná-la imorredoura, da rua
do Ouvidor à Prainha. A concepção A questão do trabalho nas atividades do porto
era grande, o assunto era vasto – o ad- exaltava as contradições sociais, exemplificada na
vento do nosso progresso estatelava-se situação dos trabalhadores e em suas formas de
ali para todo o sempre, enquanto não organização.
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(...) Os homens com quem falava têm putados. Vemos claro e, desde que se
uma força de vontade incrível. Fize- começa a ver claro, o problema surge
ram com o próprio esforço uma classe, complexo e terrível (...). – Os patrões
impuseram-na. Há doze anos não ha- não querem saber se ficamos inúteis
via malandro que, pegado na Gamboa, pelo excesso de serviço. Olhe, vá à
não se desse logo como trabalhador de Marítima, ao Mercado. Encontrará
estiva. Nesse tempo não havia a as- muitos dos nossos arrebentados, es-
sociação, não havia o sentimento de molando, apanhando os restos de co-
classe e os pobres estrangeiros pega- mida. Quando se aproximam das ca-
dos na Marítima trabalhavam por três sas às quais deram toda a vida correm-
mil reis dez horas de sol a sol. Os ope- nos (Rio, 2008, p. 165, 166).
rários reuniram-se. Depois da revolta, Uma crítica mais marcadamente político-social
começou a se fazer sentir o elemento ao período inicial da República foi feita por Lima
brasileiro e, desde então, foi uma longa Barreto2 , especialmente em seu Triste Fim de Po-
e pertinaz conquista. (Rio, 2008, p: licarpo Quaresma. O autor, que se coloca como
165). parte dessa sociedade assume fortes críticas à vida
Segundo Arantes (1996) o caráter ocasional do tra- política da época num tom de sátira ao movimento
balho era uma das principais características da mão político. Seus personagens são exemplares de seg-
de obra portuária e essa forma de contratação aca- mentos sociais, como militares, políticos e funci-
bou por moldar a experiência dos trabalhadores do onários públicos e seu principal personagem, Poli-
porto, principalmente no que diz respeito à organi- carpo Quaresma, é revestido de um senso nacio-
zação do trabalho e às lutas sindicais, inserção que nalista, ufanista, de amor incondicional à pátria:
era permitida, como pode ser observado no trecho Não se sabia bem onde nascera, mas
a seguir. não fora decerto em São Paulo, nem
Que querem eles? Apenas ser conside- no Rio Grande do Sul, nem no Pará.
rados homens dignificados pelo esforço Errava quem quisesse encontrar nele
e pela diminuição das horas de traba- qualquer regionalismo: Quaresma era
lho, para descansar e para viver. Um antes de tudo brasileiro. Não tinha
deles, magro, de barba inculta, par- predileção por esta ou aquela parte de
tindo um pão empapado de suor que seu país, tanto assim que aquilo que o
lhe gotejava da fronte, falou-me num fazia vibrar de paixão não eram só os
grito de franqueza: - O problema so- pampas do Sul com o seu gado, não
cial não tem razão de ser aqui? Os era o café de São Paulo, não eram o
senhores não sabem que este país é ouro e os diamantes de Minas, não era
rico, mas que se morre de fome? É a beleza da Guanabara, não era a al-
mais fácil estoirar um trabalhador do tura da Paulo Afonso, não era o estro
que um larápio? O capital está nas de Gonçalves Dias ou o ímpeto de An-
mãos de um grupo restrito e há gente drade Neves – era tudo isso junto, fun-
demais absolutamente sem trabalho. dido, reunido, sob a bandeira estrelada
Não acredite que nos baste o discurso do Cruzeiro (Barreto, 1991, p. 22).
de alguns senhores que querem ser de- A cidade de Lima Barreto se ambienta, em grande
2O escritor destacou-se entre os mais críticos da sociedade da época (Matta, 2003).
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parte, nos subúrbios do Rio de Janeiro, sob um 3. A cidade dos grandes eventos esportivos:
pano de fundo que exalta os aspectos populares crônicas contemporâneas
do modo de vida dos habitantes das áreas menos
privilegiadas. A vida pacata das ruas da periferia, o O Porto Maravilha se configurou como o pro-
convívio social, as fofoqueiras, os tipos populares, jeto de recuperação da zona portuária do Rio de
assim como o ambiente burocrático das repartições Janeiro, a exemplo do que já aconteceu em outras
públicas, das conversas e gozações. capitais mundiais, como Barcelona, na Espanha.
O contexto da refuncionalização se deu no bojo
(...) é uma alta sociedade muito es-
dos grandes eventos esportivos angariados para a
pecial e que só é alta nos subúrbios.
cidade: a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos
Compõe-se em geral de funcionários
Olímpicos de 2016.
públicos, de pequenos negociantes, de
A criação do Porto Maravilha, em 2009, tinha
médicos com alguma clínica, de tenen-
como proposta a transformação da zona portuária
tes de diferentes milícias, nata essa
da cidade com foco na participação social e mora-
que impa pelas ruas esburacadas da-
dia popular, projeto alavancado pela União (dona
quelas distantes regiões, assim como
de mais de 60% dos terrenos da área) em parceria
nas festas e nos bailes, com mais força
com os poderes estaduais e municipais (Prefeitura
que a burguesia de Petrópolis e Bo-
do Rio de Janeiro, 2014). No entanto, a criação de
tafogo. Isto é só lá, nos bailes, nas
um consórcio público para a reabilitação da área,
festas e nas ruas, onde se algum de
conforme projetado pelo Ministério das Cidades,
seus representantes vê um tipo mais ou
foi descartada e em seu lugar foi adotada a atual
menos, olha-o da cabeça aos pés, de-
proposta, cujas principais diretrizes foram elabora-
moradamente, assim como quem diz:
das e executadas por empreiteiras, tornando-se a
aparece lá em casa que te dou um
maior parceria público-privada (PPP) do país.
prato de comida. Porque o orgulho
A crônica “O Rio Ferve”, de Sandra Moreyra,
da aristocracia suburbana está em ter
escrita para a comemoração dos 450 anos da ci-
todo dia jantar almoço, muito feijão,
dade, em 2015, enumera alguns problemas urbanos
muita carne-seca, muito ensopado –
do centro da cidade, problemas da modernidade,
aí, julga ela, é que está a pedra de to-
vividos no cotidiano de quem a habita, mas su-
que da nobreza, da alta linda, da dis-
postamente compensados pela beleza cênica que
tinção (Barreto, 1991, p. 24).
a cidade possui, já exaltada quando nossos “des-
As obras e autores abordados até aqui auxiliaram cobridores” quando aqui chegaram. Em nosso en-
na construção de uma imagem do Rio de Janeiro tendimento, a autora não está preocupada em re-
que acabou se consolidando como uma das identi- alizar uma análise social, que descortina as con-
dades possíveis daquele período. Ao abordarem de tradições inerentes à ocupação do espaço urbano,
que maneira as transformações advindas da mo- mas apenas exaltar a beleza idílica supostamente
dernidade recriam a cidade imperial e da primeira compensadora das mazelas quotidianas.
república, exacerbada em mazelas humanas quoti-
dianas, representam a cidade que integra o imagi- Da central à Candelária, em Madu-
nário atual. Por outro lado, sedimenta o caminho reira, na Praça Saenz Peña, em toda
para a compreensão da cidade do agora, um cená- a Avenida Brasil, ao longo da linha do
rio urbano que encontramos na atualidade e que trem, é nessa hora que o Rio ferve. Do
veremos a seguir. asfalto sobe um vapor que esfumaça a
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visão. E como tem gente! Trânsito, ter a dinamização do conjunto da cidade (Rovira,
buzinas, muito barulho. Rio cidade 2006). Dinamiza-se o espaço antes degradado
grande. De repente, uma bela pai- refuncionalizando-o com novas ofertas de serviços
sagem se descortina, enche os olhos! centrais ao consumo, tendo a cultura e a paisa-
Grande cidade, esse Rio que é de ja- gem como elementos centrais: centros comerciais,
neiro, que é do verão, das férias, da museus, salas de exposição, passeios a beira mar
praia. Do mergulho gelado pra ame- etc.
nizar o calor. De mar e de monta- Podemos pensar numa nova haussmanização,
nhas que moldaram um povo apaixo- em que a cidade mais uma vez se volta a atender
nado. Em gestos, cantos, curvas, sor- os ideais do embelezamento urbano, distanciando
risos. Cariocas ... somos todos nós, o seu morador da vida cotidiana e o impelindo a
há 450 anos. (Moreyra, 2015). um papel secundário de vivência nos novos espa-
ços da cidade. A exemplo do olhar de Clark (2009)
Por décadas o espaço central da cidade, foi con- sobre a Paris que se moderniza (trecho abaixo),
finado à obsolescência e ao abandono. Por isso, a reformulação da zona portuária do Rio de Ja-
a zona portuária do Rio de Janeiro era a principal neiro do século XXI proporciona mais uma vez a
aposta para solução da falta de moradias em áreas transformação da cidade no espaço do espetáculo,
centrais, além de recuperar a centralidade econô- mimetizada e esvaziada de sentidos.
mica e social que a área teve em tempos passados,
fazia a cidade ser consumida em abs-
reforçando a importância cultural desta parte da
trato, como uma ficção conveniente
cidade e também sua centralidade na questão da
(CLARK, 2009, p. 76). A cidade mo-
mobilidade urbana, já que se trata de nódulo de
derna viria a ser algo que não mais per-
ligação da cidade.
tencia aos indivíduos, que não era mais
O projeto Porto Maravilha hoje segue algumas
uma extensão da vida cotidiana dos ci-
recomendações do Ministério das Cidades, como
tadinos. A cidade se torna uma ima-
a adoção do modelo baseado na comercialização
gem e sua vivência se torna pontual.
de Cepacs (Certificados de Potencial Adicional de
agora ela [a metrópole] lhes pertencia
Construção). Mas a diferença é gritante em rela-
apenas como uma imagem, como algo
ção à ideia original, onda toda negociação para as
ocasional e casualmente consumido
intervenções na área se daria com os poderes lo-
em espaços concebidos para esse único
cais. A União apenas abriria mão dos terrenos para
propósito – passeios, panoramas, pro-
a incorporação imobiliária. De fato, com a PPP do
gramas de domingo, grandes exposi-
Porto Maravilha firmada com a prefeitura, as em-
ções, desfiles oficiais. Ela não podia
preiteiras assumiram serviços básicos que são de
ser apreendida fora disso; não fazia
responsabilidade do município, como a manuten-
mais parte daqueles padrões de ação e
ção e a limpeza dos espaços públicos. Mas, por
apropriação que constituíam a vida co-
outro lado, a população local e de entorno foi ali-
tidiana dos espectadores (Clark, 2009,
jada da participação ativa nos processos de trans-
p. 75-76).
formação.
Processos como este, orientados por atuações Retomamos João do Rio que tão bem retratou a
de cunho urbanístico, embora sejam diversos em cidade do Rio de Janeiro no começo do XX, uma
cada país, consideram a recuperação do centro cidade feita de imagem, feita para a diversão e o
e de seu valor imobiliário como um fim para ob- consumo, marcada pela aceleração dos movimen-
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tos daqueles que a ocupam. Longe de ser o lócus tado ao indivíduo vivenciá-lo sob um sentimento
da política, do diálogo, a cidade se torna o habi- de reserva. O indivíduo tem, no nosso entendi-
tat da vida mundana, o palco para as frivolidades. mento, mais uma informação superficial da cidade
Para o autor a superfície sempre intercambiante da que habita, do que um conhecimento profundo, e
cidade é um lastro da sociedade moderna, carim- visualiza as culturas e artefatos urbanos, sem ne-
bada pela rapidez, pela pressa, pela voracidade do cessariamente vivenciá-los, “uma torrente humana
efêmero e da superficialidade das relações. que apenas deixa indicado os gestos e passa leve
sem deixar marcas, passa sem se deixar penetrar”.
O homem-cinematográfico acorda
(Rio apud O’Donnel, 2008, p. 69).
pela manhã desejando acabar com
O turismo, por sua vez, pensado enquanto ati-
várias coisas e deita-se à noite pre-
vidade econômica se encontra no bojo do empre-
tendendo acabar com outras tantas.
endedorismo urbano e vê em projetos desta or-
É impossível falar dez minutos com
dem aportes para o seu crescimento. Trata-se de
qualquer ser vivo sem ter a sensação
uma estratégia urbana que, a partir da organiza-
esquisita de que ele vai acabar alguma
ção do espaço para transformação da cidade em
coisa... a pressa de acabar! Mas é uma
lugar turístico ou para o aprofundamento destas
forma de histeria difusa! Espalhou-se
relações, justifica a refuncionalização do espaço le-
em toda a multidão. Há nos simples,
vando em consideração a obtenção de lucros e a
nos humildes, nos mourejadores diá-
criação de novos usos. Como bem nos lembra Le-
rios; há nos inúteis, há nos fúteis, há
febvre (1997), o capitalismo não subordinou ape-
nos profissionais da coquetterie, há em
nas setores da vida social já existentes ou ante-
todos esse delírio lamentável. Qual é
riores à sua vigência, mas produziu setores novos
o fato principal em todos nós? Acabar
transformando o que existia, remanejando as or-
depressa! O homem cinematográfico
ganizações e as instituições correspondentes. É o
resolveu a suprema insanidade: encher
que se passa, com a arte, com o saber, com os
o tempo, atropelar o tempo, abarrotar
lazeres, com a realidade urbana e com a realidade
o tempo, paralisar o tempo para che-
quotidiana.
gar antes dele. (Rio apud O’Donnel,
A paisagem cultural torna-se o recurso turístico
2008, p. 70)
em evidência. O patrimônio arquitetônico recupe-
Distanciada do tempo em que a zona portuá- rado (Museu do Rio, que reúne o Palacete Dom
ria se configurava como espaço de realização da João VI, de estilo eclético e outro prédio de es-
vida do trabalho, da vida cotidiana, das relações tilo modernista; os antigos armazéns do Porto) e
de moradia, por décadas vai se configurando como o ícone que representa a modernidade em sua es-
espaço do vazio, do esquecimento social, embora sência (Museu do Amanhã), constituem o pano de
na marginalidade vivam ali milhares de pessoas, fundo que permite valorar a paisagem para dela
não reconhecidas como importantes no novo pro- fazerem uso os setores econômicos de interesse,
jeto de refuncionalização. como o turismo.
A modernidade desenhada em novos símbolos, A transformação em produto turístico só foi
a recuperação do patrimônio histórico, revestido possível por se fazer presente a recuperação do
de uma modernidade aparente, os novos meios de patrimônio, que recuperou em parte padrões de
locomoção sobre trilhos (VLT), os museus de li- forma e função do que era dito tradicional e histó-
nhas exuberantes, retratam o novo modo de vida: rico e refuncionalizou outros. Esse processo nos faz
um passar ligeiro pelo urbano, no qual é facul- pensar na noção de rugosidades presente na teoria
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de Milton Santos, quando a produção do espaço sentimentos e ideias, sob a forma de sentimentos,
é, ao mesmo tempo, construção e destruição de trabalha pela união da espécie; assim trabalhando,
formas e funções sociais dos lugares, ou seja, a concorre, portanto, para o seu acréscimo de inte-
(des) construção do espaço não se refere apenas ligência e de felicidade”.
à destruição e à construção de objetos fixos, mas A rigor toda obra humana possui uma dimen-
também às relações que os unem em combinações são espacial, dimensão esta que não se configura
distintas ao longo do tempo. apenas como espaço-receptáculo da ação humana.
As antigas formas encontradas ainda hoje na Nos descritos literários de paisagens e lugares en-
zona portuária representariam essas rugosidades, contramos aspectos do real, que se entrelaçam de
como espaços testemunhos de um determinado saberes que podem ser compreendidos como o re-
momento de um modo de produção, porque pos- sultado das tramas humanas socialmente espacia-
suem uma memória do espaço construído, das lizadas.
coisas fixadas na paisagem criada. Para San- O turismo tem um papel de extrema relevân-
tos (1980, p.138) “as rugosidades nos oferecem, cia, na medida em que a atividade já não pode
mesmo sem tradução imediata, restos de uma di- ser pensada sem a utilização do patrimônio e, por-
visão de trabalho internacional, manifestada lo- tanto, sua gestão, seja pública ou privada não pode
calmente por combinações particulares do capital, se eximir de refletir sobre este papel. Através do
das técnicas e do trabalho utilizados”. O espaço turismo o patrimônio se torna acessível à visita e
é uma forma durável, que não se desfaz paralela- à fruição, além de possibilitar a sua conservação.
mente à mudança, ao contrário, alguns processos Por isso mesmo, a atividade deve se imbuir de uma
se adaptam às formas pré-existentes, enquanto ou- responsabilidade ética, buscando princípios susten-
tros criam novas formas para se inserir dentro de- táveis para os usos dados aos novos equipamentos
las. e elementos da imaterialidade explorados enquanto
A interpretação da realidade via a literatura produto, de forma a não acarretar desdobramen-
vem da confiança de que esta tem como uma de tos perversos como a mercantilização da cultura
suas grandes virtudes a capacidade de ir do par- e a fetichização do espaço, que tem como con-
ticular em direção ao universal para descortinar a sequência necessária a reificação do mundo e da
história de um lugar, nos trazendo subsídios para vida humana.
compreender as ações humanas sobre o espaço.
Conforme Marandola JR. e Gratão (2010), a lite-
ratura descortina a história de um lugar e os dra-
mas humanos que ali se estabelecem nos conflitos 4. Conclusão
grafados no espaço que
O exercício que propusemos utilizou-se de fon-
não se limitam à trama nos signifi-
tes literárias e geográficas diversas para analisar
cados e sentidos que estão encetados
dois momentos distintos do Rio de Janeiro em
em si próprios. Sua força reside no
torno de uma região característica da imagem da
que aquelas narrativas específicas car-
cidade: a zona portuária e sua refuncionalização
regam do sentido universal de seus te-
que produz novos significados à paisagem. Nessa
mas, conflitos e entendimentos. (Ma-
direção assumimos que ciência e arte podem ser,
randola Jr. & Gratão, 2010, p.07).
desde que tratados com os cuidados e rigores ne-
Ou, como afirmou o próprio Barreto (1961, p.78) cessários a cada um, combinados para a obtenção
“A arte, literatura, tendo o poder de transmitir de elementos que nos ajudem a explicar aquilo que
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chamamos de realidade. A partir da perspectiva di- Barreto, L. (1991). Triste Fim de Policarpo Quaresma. São
alética a análise do real (entendido como síntese de Paulo: Ed. Penguim & Cia das Letras.

múltiplas determinações) não só pode como deve Clark, T. J. (2009) A pintura da vida moderna: Paris na
recorrer à utilização das artes, da literatura, das arte de Manet e de seus seguidores. São Paulo: Compa-
manifestações inconscientes tanto quanto às fon- nhia das Letras.

tes históricas duras. Cruz, M. C. V. (1999). O porto do Rio de Ja-


A utilização de fontes literárias para desvelar neiro no século XIX: Uma realidade de muitas fa-
o espaço da zona portuária e do centro do Rio ces. Revista Tempo. Número 8: Descobri-
mentos e Redescobrimentos do Brasil. Acessado
mostrou-se frutífera, vez que deu vazão às críti-
em 12/08/2016, em http://www.historia.uff.br/
cas a olhares sobre projetos de reordenação urbana tempo/artigos_livres/artg8-7.pdf
que, em alguma medida, mantêm o secular alija-
Ianni, O. (1999) Sociedade e Literatura no Brasil. Org.
mento dos trabalhadores dos processos de decisão
José Antônio Segatto. São Paulo: UNESP.
sobre as formas de ocupação do espaço da cidade.
Podemos concluir que as transformações con- Lefebvre, H. (1997). Estrutura social: a reprodução das
relações sociais. In: Martins, J. de S. & Foracchi, M. M.
cretizadas e outras ainda em curso na zona portuá-
Sociologia e sociedade: leituras de introdução à sociolo-
ria do Rio refletem elementos históricos muito bem gia. Rio de Janeiro: Livros técnicos e científicos.
representados pela literatura, no que concerne aos
Marandola Jr. E. & Gratão, L. H. B. (2010). Geografici-
desdobramentos sócio espaciais: às paisagens cul-
dade, Poética e Imaginação. In: Geografia e Literatura:
turais são incorporados elementos que as caracteri- ensaios sobre geograficidade, poética e imaginação. Ma-
zam enquanto produto turístico, via a recuperação randola Jr. E. & Gratão, L. H. B. (orgs). Londrina:
do patrimônio histórico e sua refuncionalização. EDUEL.

Os usos do espaço da cidade apenas enquanto Matta, C. da. (2003) Rio de Janeiro, solo configurador
mercadoria a ser gerida numa lógica empresarial, da literatura nacional. O Rio de Janeiro na Litera-
para a qual cultura é singular, um pastiche de re- tura. Revista Rio de Janeiro, n. 10, maio-ago. Aces-
sado em 12/08/2016, em http://www.forumrio.uerj.
petições vazias, se reproduz no porto maravilha e
br/documentos/revista_10/10-Carmen.pdf
o turismo ocupa, em alguma medida, o papel de
vilão, o tradicional consumidor das paisagens urba- Mello, F. F. de. (2003) A Zona Portuária do Rio de Janeiro:
nas. Cumpre-nos repensá-lo de maneira a torná-lo antecedentes e perspectivas. Dissertação de Mestrado.
IPPUR. Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e
agente importante da reconstrução e também dos Regional. Março.
usos com responsabilidade e sustentabilidade, con-
ferindo ao fenônomeno um lugar de mais valor e Moreyra, S. (2015). Crônica da cidade. Aces-
sado em 23/01/2016. http://g1.globo.com/rio-
sentido.
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homenagem-aos-450-anos-da-cidade-maravilhosa.html
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