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Tim Collins

Diário de um
Vampiro
Banana
Porque os mortos também têm sentimentos

São Paulo 2010


SÁBADO, 1 DE JANEIRO
o

Este ano farei 100 anos, então decidi que já estava


na hora de escrever um diário. Talvez você esteja lendo
isto no futuro quando algum idiota já tiver enfiado uma
estaca em meu coração ou cortado a minha cabeça fora.
Talvez você seja um professor universitário que esteja
estudando a minha poesia. De qualquer maneira, bem-
-vindo ao meu primeiro diário!
Só porque eu disse que vou fazer 100 anos este ano,
não me imagine como um velho ancião. Para
os seus olhos, eu tenho a aparência de 15
anos, porque essa é a idade em que fui
transformado em vampiro pelas pessoas
que chamo de meus pais. Eles me trans-
formaram junto à garota que eu chamo
de irmã, porque eles estavam a fim de
começar uma família. E por acaso eles me
perguntaram como eu me sentia em rela-
ção a isso? É claro que não!
Talvez você pense que ser um morto-vivo
seja uma emoção atrás da outra. Bem, pense
novamente. Hoje foi um tédio dos infernos e eu
ainda tenho que esperar mais um dia antes
de voltar às aulas. Eu não acredito que estou
ansioso para voltar ao colégio. Isso deve mostrar
o quão empolgante estão as coisas por aqui!
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DOMINGO, 2 DE JANEIRO

É bem difícil pegar o jeito de escrever um diário.


Os humanos provavelmente começam dizendo o horário
em que eles acordam, mas eu nunca durmo. Imagino que
devo começar com o que aconteceu da meia-noite em
diante.
Ou talvez definir 4 horas da manhã como limite. Não
vai fazer muita diferença mesmo, já que a única coisa
que eu faço a noite é jogar games no computador.
Se você está se perguntando por que eu não corro
por aí durante a noite sugando o sangue dos humanos, é
porque minha mãe e meu pai têm que fazer tudo isso
por mim. Quando você se transforma em um vampiro, sua
força e sua velocidade deveriam aumentar para níveis
sobre-humanos. Mas adivinha o que aconteceu comigo? Ah,
correto. Absolutamente nada. Se aconteceu alguma coisa,
foi o fato de eu ter ficado ainda mais fraco e devagar
do que antes.
A parte irritante é que eu ainda preciso de san-
gue para sobreviver. Mas como caçar é difícil demais,
eu conto com a minha mãe e meu pai para conseguir
sangue por mim. A cada dois ou três dias, eles via-
jam para uma cidade diferente para arranjar sangue
fresco, porque se eles fizessem isso aqui em Stockfield
mesmo, todo mundo perceberia que nós somos vampiros
e nos colocariam em um zoológico ou coisa parecida.
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Eu detesto ser dependente da minha mãe e do meu
pai, mas não me sinto culpado por obrigá-los a conseguir
o sangue. Afinal, eu não pedi para ser transformado
em vampiro. Eles que me colocaram nessa situação, e
buscar as minhas refeições todos os dias é absolutamente
o mínimo que eles podem fazer.

SEGUNDA, 3 DE JANEIRO

Uma menina nova entrou no nosso colégio. Ela se cha-


ma Chloe e a família dela acabou de se mudar para a
cidade. Ela tem pele pálida, olhos pretos e cabelo escuro
em um rabo de cavalo, exibindo o seu longo pescoço. Ela
sentou sozinha na aula de história, então eu acho que

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ela tem medo de conhecer gente nova. Vai ser inte-
ressante ver se ela vai acabar fazendo amizade com a
panelinha popular, a panelinha durona, ou os góticos.
Eu meio que faço parte dos góticos, mas não ando
com eles fora da escola nem nada. Faço um pouco do
tipo solitário e misterioso, na verdade.
Enfim, fora o fato de a garota nova entrar no co-
légio, foi uma volta às aulas sem nenhuma grande novi-
dade. Tivemos Matemática com o prof. Wilson, ele disse
que nós não estávamos nos concentrando o suficiente
porque ainda estávamos muito cheios de pudim de Na-
tal. Ele tinha feito a mesma piada no ano passado e eu
também não tinha rido. Ninguém gosta de pedir ajuda
ao prof. Wilson porque ele se debruça bem por cima de
seu ombro e o hálito dele tem cheiro de café rançoso.
Dizem que o cheiro de alho é letal aos vampiros. Bem,
acredite em mim, não é nada comparado ao hálito de
café do professor de
Matemática.

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Tomei sangue A positivo no jantar. Estava bem amar-
go. Todos deveriam dizer “abençoada seja a sagrada
força vital” antes de beber, mas eu sou rebelde demais
para me preocupar com a tradição.

TERÇA, 4 DE JANEIRO

Sentei ao lado da Chloe na aula de Arte e pelo


cheiro pude sentir que ela tem sangue tipo O nega-
tivo, o que é raro, mas especialmente saboroso (meu
pai diz que é o Champagne dos sangues). Eu contei
a ela sobre os góticos, os durões e os populares, e ela
disse que não quer fazer parte da panelinha popular
mesmo. Essa garota é das minhas.
Eu lhe contei sobre o boato de que o prof. Byrne
tinha sido milionário antes de perder todo o dinheiro
e ter que virar professor de Português e sobre como
o Darren da nossa turma veio no “Dia Sem Uniforme”
usando a roupa de Educação Física porque ele é tão po-
bre que essas são suas únicas roupas. Ela não riu e disse
que sentiu pena dele, e eu concordei para me passar
por atencioso e sensível.

4h

Estou apaixonado pela Chloe! Sei disso porque tenho


pensado nela desde as 22h30. Não consigo parar de ima-
ginar seus olhos escuros e seu lindo pescoço pálido.
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Já tive quedinhas por
diversas meninas antes,
mas dessa vez é de
verdade. Mesmo se eu
pudesse comer ou dormir,
eu não seria capaz de
comer ou dormir agora!

QUARTA, 5 DE JANEIRO

Sentei ao lado da
Chloe na biblioteca du-
rante o intervalo. Toda
vez que eu olhava para ela, ela olhava para seu livro
em vez de olhar em meus olhos. Para ser justo, eu de-
veria ter fascinado ela com a minha beleza intensa e
sombria, mas não houve nenhum sinal disso.
Basicamente, eu fiquei com o pior negócio do mundo
quando virei vampiro. Todos os outros vampiros na história
desenvolveram um nível sobrenatural de beleza quando se
transformaram. Mas eu não. Quando olho no espelho*, só vejo
um garoto pálido e cansado, de 15 anos e que vai fazer
100, me olhando de volta.
É tão injusto que eu não tenha recebido a beleza
vampírica. Eu acreditava que isso fizesse parte do paco-
te. Como é que vou atrair humanos para me alimentar?
Com minha personalidade radiante?
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Enfim, eu já me resignei ao fato de que não posso
fisgar a Chloe com minha atração vampírica, então vou
ter que fazer isso da maneira mais difícil: por meio da
sedução.

*Sim, vampiros conseguem se ver no espelho. Não acre-


dite em tudo que você assiste nos filmes de terror. Por
que virar um vampiro impediria você de ver o seu re-
flexo? Se vão inventar mentiras sobre nós, elas poderiam
pelo menos fazer sentido.

QUINTA, 6 DE JANEIRO

Um policial mostrou pra gente um vídeo sobre segu-


rança nas estradas durante a assembleia educativa que
tivemos hoje de manhã. Teve muito sangue e alguns dos
alunos mais novos passaram mal, mas só me deu sede. Às
vezes eu sinto vergonha de mim.
No horário do almoço voltei à biblioteca pra sentar ao
lado da Chloe. Queria conversar com ela, mas estava ner-
voso demais. Foi tão humilhante. A minha espécie enche
de medo os corações dos humanos há séculos. Por que eu
tenho de ficar nervoso?
Nem posso pedir conselho aos meus pais. Eles têm
beleza vampírica, então não entenderiam. Eu só queria
que eles tivessem feito o favor de ter passado essa be-
leza vampírica pra mim.
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Hoje à noite perguntei ao meu pai qual é a melhor
maneira de impressionar uma garota e ele disse que é
salvando-a da morte. Mas como é que vou fazer isso sem
força vampírica? Comprar um capacete de bicicleta para
ela? Dar a ela um panfleto antifumo? Como sempre, meu
pai fracassou completamente na tentativa de entender
como são as coisas para mim.

SEXTA, 7 DE JANEIRO

Hoje passei vergonha. Eu


estava sentado atrás da
Chloe na aula de História, e
os meus caninos se alongaram.
Quando você é um vampiro,
seus caninos ficam maiores quando
você está prestes a se alimentar de
um humano. Como eu não caço, isso
não acontece frequentemente. Mas hoje aconteceu quando
eu olhei para a Chloe, o que me preocupou bastante.
Eu estava ficando entediado de ouvir o prof. Morris
falar monotonamente sobre a Segunda Guerra Mundial,
então olhei para a Chloe. Quando prestei atenção nela,
comecei a ouvir o som do sangue bombeando em suas veias
e pensei no alívio que seria se eu pudesse perfurar a
veia do seu pescoço e tomar um golinho refrescante. En-
tão eu passei a língua pelos meus dentes e me dei conta
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de que as minhas presas tinham dobrado de tamanho!
Para deixar toda a situação ainda mais embaraçosa,
o prof. Morris me acusou de não prestar atenção alguma
e me obrigou a responder a uma chamada oral sobre o que
ele tinha acabado de falar. Eu conheço muito bem a Segun-
da Guerra Mundial, porque lembro bem dela, mas eu não
podia falar nada para que ninguém visse as minhas presas,
então ele enlouqueceu comigo.
É oficial, agora até o meu próprio corpo decidiu difi-
cultar as coisas para mim.

SÁBADO, 8 DE JANEIRO

Depois de todo o estresse da semana passada, o que


eu mais queria fazer hoje era deitar na cama e pensar
na Chloe e em seu lindo pescoço. Mas não tive a menor
chance. Meu pai invadiu meu quarto às seis da manhã
e anunciou que íamos fazer uma caminhada.*
Eu detesto os dias de caminhada familiar. Como eu
não tenho força e velocidade vampíricas, fico sempre
tropeçando atrás deles enquanto eles saltam para cá e
para lá como labradores mortos-vivos.
Até a minha irmãzinha corre na minha frente nas
caminhadas de família. Ela tem força e velocidade vam-
píricas, mas boa sorte se for tentar fazê-la confessar
essas habilidades quando os nossos pais quiserem que ela
dê uma ajuda em casa.
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A caminhada de hoje foi pelo interior selvagem ao
norte de Stockfield e eles três ficaram correndo super-
rápido e me contando sobre os lagos, as colinas e as flo-
restas que eu estava perdendo. Como se eu ligasse.
Nós chegamos a um rio largo e eles o atravessaram
com um salto de centenas de metros. Meu pai se
ofereceu para me levar em suas costas, mas eu falei
que esperaria no carro.
E é no Volvo do meu pai onde estou agora, Caro Diá-
rio, pensando em minha doce, doce Chloe. Já estou espe-
rando há três horas, contemplando as nuvens tempestu-
osas e turbulentas voando sobre a paisagem varrida pelo
vento. Então é assim que é estar apaixonado!

*Tecnicamente eles são o meu “clã” e não a minha famí-


lia, e nós vivemos em um “covil” em vez de em uma casa.
Mas eu não vejo sentido em usar esses termos formais.

DOMINGO, 9 DE JANEIRO

Coisas irritantes sobre a minha irmã Parte Um Milhão:


ela decidiu que, de agora em diante, quer beber sangue
animal em vez de sangue humano. Ela diz que está fazendo
isso por “motivos éticos”. Uma de suas amigas deve ter-lhe
ensinado essa frase porque ela a usou umas 50 vezes hoje.
Que motivos éticos? Alimentar-se de humanos não os
mata, a não ser que o vampiro em questão seja tão ga-
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nancioso que drene todo o sangue até a
última gota. Também não vai transfor-
má-los em vampiros se você não misturar
seu sangue com o deles.
A única coisa que acon-
tece é que eles ficam
hipnotizados, são drenados
de uns 500 ml a 1 litro
de sangue, saem um pouco
tontos e precisam ficar
sem trabalhar por alguns
dias. Se você pensar um pouco
sobre o assunto, vampiros são tão
maus quanto um caso de gripe.
Enfim, a minha irmã diz que
só quer beber sangue animal
agora, então hoje todos eles saíram de carro para colher
sangue de vacas e ovelhas. Não preciso nem dizer que me
recuso a fazer parte dessa farsa. A única coisa que minha
irmã vai conseguir, recusando sangue decente, é passar
mal. Contanto que ela não venha chorar para mim quando
estiver fraca de fome, não é problema meu.

OBSERVAÇÃO:

Se você na verdade for a minha irmã e estiver


lendo isso, não ligo se te deixei chateada. Não é nada
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além do que você merece por ler as palavras secretas
dos outros.

ATUALIZAÇÃO:

Decidi que toda noite vou prender um fio de cabelo


na ponta do meu diário. Se o cabelo estiver quebrado,
vou saber se a minha irmã anda olhando aqui.

SEGUNDA, 10 DE JANEIRO

12h20

Estou sentado em frente à Chloe na biblioteca en-


quanto escrevo isso. Ela sempre fica aqui no horário do
almoço. Isso significa que ela ainda não tem nenhum ami-
go ou que ela é uma CDF. Eu espero que ela seja uma
CDF, porque assim nenhum dos outros garotos vai ficar
a fim dela e eu vou ter mais chance. Talvez daqui a
pouco ela olhe para cá e me pergunte o que eu estou
escrevendo.

12h55

O horário do almoço já está acabando e a Chloe ainda


não me perguntou o que eu estou escrevendo. Acho que
preciso ser mais pró-ativo. Eu vou descobrir mais sobre
os interesses dela. Agora ela está olhando um livro sobre
animais, então vou fingir que me interesso por eles, por-
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que a verdade é que eu os odeio. Se eu me aproximar,
nem que seja um pouquinho, eles entram em pânico.

2h

Essa noite, meus pais ficaram tocando marchas fúne-


bres no volume máximo, o que realmente dificultou minha
concentração em aprender curiosidades sobre animais.
Quando eles finalmente foram lá pra cima, deixaram to-
das as velas acesas. Eu já devo ter falado mil vezes que
isso pode causar um incêndio.

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TERÇA, 11 DE JANEIRO

Acho que estou fazendo amizade com a Chloe. Talvez


em breve ela ceda à minha atração imortal.
Hoje, na biblioteca no horário do almoço, eu recitei to-
das as minhas curiosidades sobre animais. Ela me pareceu
bastante impressionada e nós tivemos uma boa conversa.
Mais tarde ela me ofereceu um de seus doces cozidos.
Era para ter gosto de limão, mas como qualquer coisa
que não seja sangue, para mim tinha gosto de carvão
molhado. Quando ela não estava olhando, cuspi o negócio
horrível no lixo. Mas eu guardei a embalagem como uma
lembrança do meu amor.
Quando estivermos casados eu vou contar essa história
para ela e nós iremos rir de tudo isso.
Para tirar o gosto do doce, eu fui para o banheiro al-
moçar. Eu sei que isso pode soar bastante desagradável,
mas essa é a única maneira de me alimentar na escola.
Todo dia, eu levo um frasco de sangue como lanche. Como
não posso exatamente sentar no refeitório com sangue escor-
rendo pelo meu queixo, preciso me trancar em um cubículo
dentro do banheiro para aproveitá-lo. Eu entendo que, em
termos de experiências gastronômicas, isso não deve ren-
der nenhum prêmio, mas é o único lugar seguro para que
eu possa me alimentar. Uma vez tentei almoçar agachado
atrás dos latões de lixo, mas alguém me viu com a boca
cheia de sangue e tive que fingir que eu tinha caído.
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QUARTA, 12 DE JANEIRO

18h
Não consegui encontrar a Chloe no horário do almoço,
então eu fui para os degraus que ficam no fundo do gi-
násio e conversei com os góticos.
Os góticos se chamam Brian, John e Si, e se você os
chamar de góticos eles dizem que na verdade são emos.
Eu acho que o Brian só entrou no grupo porque ele é
gordo e isso não é tão aparente quando usamos preto.
Acho que o Si entrou porque ele é ruivo e consegue
tingir o cabelo de preto. É difícil saber por que o John
entrou já que ele nunca diz nada. Quanto a mim, eu
não ando com eles por opção. É que a minha pele pálida
e minha roupa preta meio que automaticamente me co-
locam na panelinha deles.
O Brian tem uma namorada que estuda em outro
colégio. Eu achei que ele estivesse mentindo até que vi
uma foto dela. Ninguém fingiria ter uma namorada com
uma aparência daquela.

4h

Estou deitado na cama à noite inteira pensando na


Chloe. É normal um vampiro estar tão a fim de uma
humana? Eu gostaria de ter alguém para conversar so-
bre isso..
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QUINTA, 13 DE JANEIRO

Hoje nossa aula de Ciências foi sobre o coração, o pro-


fessor falou sem parar sobre o bombeamento de sangue
pelos átrios e ventrículos. Não preciso nem dizer que fi-
quei com tanta sede que as minhas presas se alongaram
e eu tive que enterrar a minha cabeça no livro, cheio
de vergonha.
No final da aula, nós recebemos folhetos coloridos com
imagens explícitas de corações, veias e células sanguíneas.
Levei o meu para casa e o escondi debaixo do meu colchão.
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Sentei com a Chloe de novo no horário do almoço, e ela
me contou que aceitou ser monitora. As tarefas dela inclui-
rão denunciar pessoas que correm nos corredores ou atrapa-
lham as assembleias. Eu duvido que isso a torne muito popu-
lar, mas eu respeito a sua maturidade e tenho toda inten-
ção de defendê--la daqueles que mexerem com ela por causa
disso. Contanto que eu não precise brigar com ninguém.

SEXTA, 14 DE JANEIRO

Hoje a Chloe caiu e cortou o joelho no caminho para a


biblioteca, e um pequeno fio de delicioso sangue tipo O
negativo escorreu por sua perna. Eu fui tomado de tal
forma pela vontade de lambê-lo que tive que correr até
o banheiro e engolir o conteúdo do meu frasco.
Enquanto eu corria na direção contrária, vi o Wayne
da minha turma socorrer a Chloe. O que ela deve pen-
sar de mim por sair correndo daquele jeito? Por que eu
sou amaldiçoado por esses desejos? Como eu posso me ex-
plicar? Talvez eu deva fingir que tenho fobia de sangue
em vez de sede. De qualquer maneira, ela vai pensar
que eu sou esquisito.

SÁBADO, 15 DE JANEIRO

Hoje eu me ofereci para ajudar meus pais a arrumar


a casa. Nós nos mudamos para cá há apenas seis meses
e já está com cara de um castelo gótico em ruínas. Eu
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sei que eles se sentem mais confortáveis rodeados por
grossas cortinas de veludo, candelabros dourados e pin-
turas a óleo antiquíssimos, mas a casa está sombria e
empoeirada demais.
Eu aposto que o juizado de menores não ficaria muito
contente se eles viessem fazer uma visita.
Meus pais recusaram a minha proposta, dizendo que eu
ia acabar jogando fora alguma coisa cara por engano. Então
o que devo fazer? Esperar que eles mesmos arrumem as
coisas? Digamos que é muito bom que nós temos o resto da
eternidade para isso!
Hoje de tarde minha irmã me perguntou se eu que-
ria jogar futebol com ela no quintal dos fundos. Eu dis-
se que não, igualzinho eu fiz nas últimas mil vezes que
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ela me perguntou. Eu não sei por que ela pensa que
eu vou mudar de ideia de repente.
A única coisa que acontece é que nós revezamos ba-
tidas de pênaltis enquanto o outro fica no gol. É tudo
muito unilateral, graças à velocidade e força da minha
irmã. Eu bato cinco pênaltis, que ela defende se eles
improvavelmente se aproximarem do gol, e em seguida
ela bate cinco pênaltis. Mesmo se eu conseguir pegar a
bola, a força dela me joga para o fundo da rede e ela
conta isso como um gol. Nós até quebramos o solário da
nossa última casa, quando a força de um dos seus pênal-
tis me arrastou por meio dele.
Então mesmo que eu tivesse algum interesse remoto
em futebol, perder para uma garota de 10 anos não é
exatamente a minha concepção de diversão.

DOMINGO, 16 DE JANEIRO

A burra da minha irmã está irritada porque ela


quer mudar de nome e os meus pais não deixam. Ela se
chama Mavis (desde que nasceu em 1916), mas agora
ela está sendo provocada na escola por ter um nome an-
tiquado e quer mudá-lo para algo moderno.
Muito sensatos, meus pais responderam que ela pre-
cisa esperar até a próxima vez que a gente se mudar
em vez de simplesmente declarar à sua turma que ela
mudou o nome. Mas, talvez, eles tivessem aceitado mais
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facilmente se as ideias dela não fossem tão ridículas. A
lista de nomes sugeridos em ordem de preferência foi:
Twist
Princess
Jet
Sailor
Melody
Orchid
Manhattan
Angel

Como se ela não fosse chamar atenção com aquelas


escolhas!
Enfim, meus pais disseram “não” para ela pela primei-
ra vez em um século, agora ela correu irritada para seu
quarto. Eu estou me controlando para não cantarolar o
nome “Mavis” na frente da porta dela, porque eu sou ma-
duro demais para me importar. Mas talvez eu vá lá e o
grite só algumas vezes.

SEGUNDA, 17 DE JANEIRO

Sentei ao lado da Chloe na biblioteca no horário do almo-


ço para poder me desculpar por sair correndo na sexta, mas
ela não disse nada sobre o assunto, então eu deixei passar.
Eu queria conversar com ela, mas toda vez que tenta-
va, ficava com sede e podia sentir meus caninos crescendo
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