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Sabrina Jeffries

A Verdade sobre Lorde Stoneville


Os Demônios De Halstead Hall 1

Tradução e Pesquisa:GRH
Revisão Inicial: Ana Mayara
Revisão Final: Ana Julia
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Formatação:Ana Paula G.
Resumo

Oliver Sharpe, marquês de Stoneville, é há anos sendo o


libertino mais célebre de Londres. Farta de seu comportamento,
sua avó ameaça deserdá-lo se não domar sua selvagem conduta
e se casar no prazo de um ano. Indignado, Oliver decide
contratar uma mulher de um bordel para que se faça passar por
sua prometida a fim de demonstrar que não podem forçá-lo a
casar-se.

Quando conhece Maria Butterfield, uma formosa americana que


está procurando seu prometido nos lugares mais insólitos, sabe
que é perfeita para seu plano. Mas não passa muito tempo antes
que Oliver se sinta disposto a arriscar tudo para fazer de Maria
sua… Inclusive seu coração e o sombrio segredo que esconde.

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COMENTÁRIO REVISÃO INICIAL ANA MAYARA
Eu gostei do livrinho. A mocinha é corajosa, divertida e sabe o que quer.
Detalha para o primo dela, que é uma figura! O mocinho é um charme, o
típico libertino pegador que não tá nem aí, que quando conhece a mocinha
fica louco por ela e não consegue nem olhar pro lado. Mas o rapaz sofreu
muito, e, no decorrer do livro vamos descobrindo por que. Os irmãos dele são
muito doidos, e avó então... Uma leitura divertida, com uma ou outra ceninha
hot. Recomendo!

COMENTÁRIO REVISÃO FINAL ANA JULIA


O livro é uma graça, o mocinho tem uma cínica visão dos relacionamentos,
e a mocinha é obstinada e teimosa, e mostra ao mocinho que ele está
enganado. É um livro que te envolve, te emociona, como diz a Ana o primo da
mocinha é uma figura... Boa Leitura.

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Queridas leitoras:
Meu nome é Hester Plumtree, embora quase todo mundo me chame de Hetty.
Desde que faleceu meu marido, encarreguei-me pessoalmente, de dirigir a
destilaria da família e, apesar de haver gente que, devido a isso, se compadece
de mim, sempre digo que, se essas pessoas tiverem tempo para opinar sobre o
que fazem outros, sinal será de que sua vida é muito aborrecida.
Entretanto, quando se trata de meus netos, acredito que, sim, que tenho
direito a opinar e lhes dizer o que têm de fazer. Ao fim, virtualmente, os criei eu,
depois de que seu pai, o marquês, e sua mãe, minha filha, falecessem em um
trágico acidente. E não penso em acrescentar nada mais a respeito, porque as
pessoas já se encarregam de difundir suficientes rumores maliciosos sobre o
que aconteceu.
Para falar a verdade, a única coisa que quero é ter bisnetos. Acaso, é pedir
muito? Em troca, meus rebeldes netos não fazem nada mais que me dar dores
de cabeça. Oliver, por exemplo: posso compreender que um jovem galo de briga
como ele tenha vontades de divertir-se na cidade com uma ou duas bailarinas
metidas, mas Oliver se converteu em um perito na matéria! Entre suas
bebedeiras e suas farras com mulheres de vida alegre, não há coluna de fofoca
em que não saia retratado quase sempre por algum incidente desagradável, no
que está acostumado a ter implicada uma garota seminua e um tonel de brandy
de contrabando. Em minha opinião, a culpa é em realidade, de seu pai, de
quem Oliver adotou essa atitude desmedida depois de sua morte.
E não falemos de meus outros quatro netos! Jarret, com sua fixação pelas
apostas e o jogo; Minerva, e suas luxuriosas novelas românticas; o atrevido
Gabriel, com suas corridas de cavalo; e Celia, incapaz de conter-se para não
disparar em qualquer competidor armado que comece a atirar. Por alguma
razão, os chamam de «os demônios de Halstead Hall»! Não me interpretem mal,

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no fundo, são bons meninos; sempre estão preocupados com minha saúde, me
acompanham a todos os atos sociais e vigiam para que não trabalhe muito. Mas
se negam a abandonar seus hábitos escandalosos, e já estou farta!
Por isso ideei um plano para obrigá-los a sentar a cabeça e se comportarem
como os dignos herdeiros que mereço. Sei que não gostarão, mas os
comportamentos perniciosos serão combatidos com medidas drásticas. E juro
por minha honra: asseguro-lhes que terei bisnetos... E logo!

Cordialmente, Hetty Plumtree

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PRÓLOGO

Ealing, Inglaterra, 1806

Oliver Sharpe, o primogênito do marquês de Stoneville, de dezesseis anos, abandonou os


estábulos de Halstead Hall com o coração na mão. Sua mãe partiu a galope totalmente fora de
si para o pavilhão de caça, e Oliver não estava acostumado a vê-la em tal estado. Quase
sempre se mostrava taciturna, a menos que acontecesse algo extraordinário que a fizesse ir às
nuvens.
Como por exemplo, encontrar seu filho na atitude mais degradante que alguém pudesse
imaginar.
A vergonha o afligia.
«É uma desonra para esta família!», o repreendeu ela, ofendida, movida por um profundo
sentimento de traição. «Comporta-se igual ao seu pai! Nem louca permitirei que ele converta
você em um irresponsável tão depravado e egoísta a sua imagem e semelhança, capaz de
sacrificar a todos em troca de um pouco de prazer! Malditos sejam os dois!»
Oliver jamais ouviu sua mãe amaldiçoar e se alarmou, ao ser consciente de que era ele
quem a incitou a fazê-lo. Falava sério, quando dizia que estava se comportando igual ao seu
desalmado e pérfido progenitor? Só de pensar, lhe gelava o sangue.
Pior ainda, nesse preciso instante, ela cavalgava como uma alma perdida para expor os
pecados de Oliver a seu pai, e ele não podia detê-la, porque sua mãe lhe ordenou que se
mantivesse longe de sua vista.
Mas alguém devia detê-la! A única vez que a viu tão irritada foi no dia em que descobriu
pela primeira vez, a infidelidade de seu pai, quando Oliver tinha sete anos.
Aquele dia, sua mãe fez uma pira no jardim com a coleção de livros eróticos de seu pai.

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Só Deus sabia que danos seria capaz de provocar agora, encolerizada como estava, porque
pensava que seu filho seguia os mesmos passos que seu pai! E justo em meio a uma festa,
com a casa cheia de convidados!
Enquanto Oliver percorria com passo angustiado os muros da casa senhorial parcialmente
fortificada que a família Sharpe usava como segunda residência, avistou uma carruagem
familiar que subia pelo atalho de cascalho e o coração saltou. A avó! Graças a Deus que
chegou! Possivelmente, mamãe se adviria a escutar sua própria mãe!
Oliver chegou à fachada principal justo no momento em que a carruagem se detinha na
esplanada e se apressou a abrir a porta para sua avó.
—Que grata surpresa! — exclamou ela, com um cálido sorriso, enquanto descia — Alegra-
me ver que você não perdeu suas boas maneiras, jovenzinho, como infelizmente acontece
com alguns moleques da sua idade.
Normalmente, Oliver reagia ante tais provocações com um ou outro comentário mordaz, e
ele e a avó iniciavam uma disputa dialética, durante um momento, sem perder o bom humor.
Mas aquele dia, com o medo que o embargava, sentia-se incapaz de seguir o jogo de sua avó.
—Mamãe se zangou com papai. — Oliver manteve a voz baixa, ao tempo em que lhe
oferecia o braço para escoltá-la até a casa. Os criados não deviam inteirar-se do que
aconteceu. A metade do mundo já murmurava sobre os escarcéus amorosos de seu pai, assim,
não havia necessidade de jogar mais isca aos tubarões.
—Isso não é novo, não? — comentou sua avó, com secura.
—Desta vez é diferente! Está muito zangada! Briguei com ela, e saiu disparada a cavalo
para o pavilhão de caça.
—Provavelmente, em busca de seu pai.
—Por isso estou assustado! Já sabe como gosta de provocá-la. Se o encontrar, ela é capaz
de cometer uma loucura.
—Perfeito — a anciã lhe dedicou um sorriso desinteressado — Possivelmente, coloque
fogo nessa ditosa choupana, para que Lewis não tenha onde levar suas putinhas.

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—Maldita seja, avó! Falo sério! — quando ela arqueou uma sobrancelha ante a
imprecação, Oliver mordeu a língua, para não soltar outra rabugice — Sinto muito, mas lhe
asseguro que desta vez é diferente. Tem de ir procurá-la, falar com ela e acalmá-la! É
importante! Não quer nem me ver!
Sua avó apertou os olhos como um par de frestas.
—Acaso há algo que não me contou, jovenzinho?
Oliver ficou avermelhado.
—Claro que não.
—Não minta para sua avó. Por que brigaram sua mãe e você?
Como ia contar, se se angustiava apenas em pensar nisso.
—Não importa. Mas acredite quando digo que ela precisa de você.
A avó bufou aborrecida.
—Sua mãe não precisou de mim desde o dia em que nasceu.
—Mas avó...
—Olhe Oliver — o interrompeu ela, dando-lhe uns tapinhas na mão, como se fosse um
menino pequeno — já sei que está muito unido a sua mãe e que está preocupado porque a
viu alterada. Mas, se lhe der tempo para estar sozinha e refletir, passará seu aborrecimento, já
verá.
—Não! Tem que...
—Já basta! — soltou ela — Foi uma viagem longa e maçante, e estou muito cansada.
Necessito de uma xícara de chá fumegante e uma boa sesta. Não estou com humor para me
colocar no meio de uma briga entre seus pais. — Ante a expressão de desespero de seu neto,
suavizou o tom — Olhe, se não retornar ao entardecer, prometo que irei procurá-la. Já verá
como muito em breve estará de volta, totalmente arrependida por seu comportamento, e, em
um abrir e fechar de olhos, todo este feio assunto ficará esquecido.
Mas sua mãe jamais retornou. Aquela noite, no pavilhão de caça, sua mãe matou seu pai
com um tiro e, em seguida, se suicidou com a mesma pistola.
E a vida de Oliver nunca voltou a ser igual.

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CAPÍTULO 1
Ealing, 1825

Oliver tinha o olhar perdido na paisagem que se via através da janela da biblioteca de
Halstead Hall. O triste dia invernal o deprimia ainda mais, enquanto tentava escapar daquelas
lembranças tão dolorosas que normalmente mantinha afastadas graças a sua inquebrável
couraça. Entretanto, aqui lhe custava mais controlar aquelas emoções do que na cidade, onde
podia distrair-se com prostitutas e com grandes doses de vinho.
Embora a verdade fosse que na cidade tampouco conseguia distrair-se por muito tempo.
Apesar de terem transcorrido dezenove anos do escândalo, ainda podia ouvir rumores às suas
costas.
A avó disse aos convidados, aquela noite, que mamãe foi ao pavilhão de caça para ficar
sozinha e adormeceu, que despertou sobressaltada ao ouvir um ruído e pensou que se tratava
de um ladrão, e, em um ataque de pânico, disparou no sujeito entre as sombras, apenas para
descobrir imediatamente, que se tratava de seu marido. Então, em pleno estado de
consternação e dor, mamãe tirou sua própria vida.
Era uma versão duvidosa que tentava encobrir um assassinato e um suicídio, e os rumores
nunca cessaram desde o momento em que os convidados começaram a especular com
veemência. A avó ordenou tanto a ele como a seus irmãos que não falassem do tema com
ninguém, sequer entre eles.
A avó lhes disse que era para sossegar os rumores, mas Oliver frequentemente se
perguntava se, em realidade, o fazia porque culpava a si mesma pela tragédia. Se não, por que
infringira a ordem nos últimos meses para interrogá-lo a respeito dos motivos da briga entre
ele e sua mãe, naquele fatídico dia? Oliver não lhe respondeu, é obvio. Só de pensar em
confessar a verdade, lhe removia o estômago.

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Oliver se virou subitamente, e se afastou da janela, para perambular com passo
intranquilo ao redor da mesa onde se achavam sentados seus irmãos à espera da avó. Por isso
precisamente evitava ir a Halstead Hall, porque esse lugar sempre o punha excessivamente
emotivo.
Por que razão sua avó decidiu convocar aquela reunião precisamente ali? Oliver manteve a
casa fechada durante anos. Cheirava a umidade e ferrugem; além disso, as estadias estavam
tão gélidas como o Pólo Norte. A única sala em que os móveis não estavam cobertos com
lençóis para protegê-los do pó era o gabinete onde o administrador de Oliver se encarregava
de administrar o imóvel. Na biblioteca tiveram de retirar os lençóis protetores para poder
levar a cabo aquela reunião, um encontro que a avó poderia perfeitamente convocar em sua
casa da cidade.
Sob circunstâncias normais, Oliver teria rechaçado a petição de reunir toda a família
naquela propriedade desabitada. Mas desde o acidente que seu irmão Gabriel sofreu três dias
antes, a relação entre os cinco irmãos e a avó era mais tensa que nunca, algo que evidenciava
o inusitado silêncio dela a respeito do tema que queria abordar na reunião. Seguro que
tramava algo, e Oliver suspeitava que não fosse do agrado de nenhum deles.
—Que tal o ombro? — perguntou a Gabe sua irmã Minerva.
—O que você acha? — resmungou Gabe, a contra gosto. O curativo aparecia por debaixo
de uma enrugada jaqueta negra de montar a cavalo, e seu cabelo castanho cinzento estava
revolto como de costume — Dói como um demônio.
—Bom, tampouco é necessário que fale comigo assim. Eu não sou quem quase se mata
nessa absurda corrida.
Com seus vinte e oito anos, Minerva era a mediana dos irmãos — quatro anos mais jovem
que Jarret, dois anos maior que Gabe, e quatro anos mais velha que Celia, a caçula da família.
Mas, em seu papel de irmã maior, mostrava uma predisposição a exercer o papel de mãe do
clã.
Inclusive, se parecia fisicamente a sua mãe, com a pele branca, o cabelo castanho com
mechas douradas e os olhos de uma tonalidade verde escura como os de Gabe. Virtualmente,

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não existia nenhuma semelhança entre os dois e Oliver, que herdou o aspecto de seu pai, de
ascendência italiana — olhos, cabelo e pele escuros. E um coração escuro combinando.
—Tem sorte de que o tenente Chetwin manobrasse com perícia — atravessou Celia. A
caçula era uma versão um pouco mais pálida de Oliver, como se alguém tivesse acrescentado
umas gotinhas de leite a sua cor natural, e tinha os olhos castanhos — Dizem que o tenente
destaca-se mais por sua intrepidez do que por seu bom senso.
—Por isso, ele e Gabe formam tão bom par — espetou Oliver.
—Não se meta com ele, ouviu? — Jarret censurou Oliver. De todos os irmãos, Jarret era a
mescla mais perfeita de seus pais, com seu cabelo negro, mas com os olhos azul-esverdeados
e sem os traços italianos de Oliver — Não deixou de criticá-lo, desde essa maldita corrida.
Gabe estava bêbado, um estado com o que certamente se sentirá muito familiarizado.
Oliver se virou bruscamente, para olhar Jarret com rosto de poucos amigos.
—Sim, mas você não estava bêbado, e, em troca, permitiu que...
—Não culpe Jarret — atravessou Gabe — Chetwin me desafiou. Acharia que sou um
covarde, se tivesse negado.
—Melhor covarde que morto. — Oliver não suportava semelhante mostra de estupidez.
Nada valia tanto a pena para arriscar a própria vida, nenhuma mulher, nem a honra, nem
muito menos a reputação. Que pena que ainda não fosse capaz de convencer os estúpidos de
seus irmãos sobre essa evidência.
E Gabe, precisamente Gabe, deveria sabê-lo. A corrida da qual participou era a mais
perigosa em Londres. Dois enormes penhascos flanqueavam o caminho, até estreitá-lo tanto
que somente podia passar um carro entre eles, o que obrigava o condutor a manobrar com
uma grande precisão para evitar trombar contra as rochas. Infelizmente, em numerosas
ocasiões, alguns participantes não conseguiam.
O grupinho de amigões valentes de Gabe denominava essa prática tão arriscada «enfiar a
linha na agulha». Oliver chamava de suicídio. Chetwin manobrava com perícia, mas o carro de
Gabe bateu contra uma proeminência de um dos penhascos e uma das rodas se estilhaçou.
Em um abrir e fechar de olhos, a carruagem ficou reduzida a uma massa de madeira, couro e

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metal retorcido. Graças a Deus que os cavalos sobreviveram, e Gabe teve a enorme sorte de
sair virtualmente ileso do pomposo acidente, com tão apenas uma clavícula fraturada.
—Chetwin não só me insultou, e sabe perfeitamente. — Gabe elevou o queixo com
petulância — Disse que não me atreveria a conduzir porque era um covarde como mamãe,
que se dedicava a disparar em objetivos entre as sombras. — Seu tom destilava uma profunda
raiva — Ele a chamou de «a assassina de Halstead Hall».
Aquela calúnia tão familiar fez com que os outros ficassem tensos. Oliver apertou os
dentes.
—Faz anos que mamãe está morta. Não precisa que saia em defesa de sua honra.
Gabe o olhou com olhos gélidos.
—Alguém tem de fazê-lo. E você não o faz.
É óbvio que não pensava fazê-lo. Jamais a perdoaria por fazer algo tão atroz. Nem
tampouco podia perdoar a si mesmo, por permitir que acontecesse semelhante tragédia.
A porta se abriu, e apareceu sua avó, seguida do advogado da família, Elias Bogg. Todos os
irmãos contiveram o fôlego ante a inesperada presença do advogado.
Enquanto Bogg tomava assento, a avó se deteve na cabeceira da mesa com um semblante
absolutamente cansado que acentuava as rugas de seu rosto já de por si afiado. Oliver se
sentiu invadido por um novo tipo de sentimento de culpa. Ultimamente, sua avó envelheceu
muito, até o ponto de aparentar mais dos setenta e um anos que realmente tinha, como se o
peso das responsabilidades curvasse seus ombros e reduzisse seu tamanho.
Oliver tentou convencê-la para que delegasse a um administrador a responsabilidade da
destilaria que o avô fundou, mas ela se negava a fazê-lo. Alegava que gostava do trabalho. O
que ia fazer? Retirar-se ao campo e dedicar-se a bordar? Então, se punha a rir, ante a ideia da
viúva de um cervejeiro dedicando-se a bordar.
Possivelmente, tinha razão para rir. Hester Plumtree — ou Hetty, como todos a chamavam
— era o que muitos definiriam como uma pessoa de «baixa linhagem». Seu pai administrava o
botequim onde ela conheceu seu marido, e os dois converteram a destilaria Plumtree em um
império grande o bastante para poder enviar Prudence, a mãe de Oliver, às escolas mais

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elitistas; um império grande o bastante para que Prudence conseguisse caçar um marquês
sem dinheiro.
Hetty sempre se gabou de que sua filha tivesse a audácia de aparentar-se com uma das
famílias aristocratas mais antigas da Inglaterra. Ela, em troca, jamais pôde ocultar sua própria
origem humilde, como boa filha de taberneiro que era. Suas formas a delatavam nos
momentos mais impensados, como quando lhe ocorria desfrutar de uma jarra de cerveja
durante o jantar ou rir a gargalhadas com alguma piada subida de tom.
Entretanto, estava decidida que seus netos chegassem a ser o que ela não conseguiu: uns
verdadeiros aristocratas. Hetty detestava a tendência que mostrava sua prole a escandalizar à
alta sociedade, cujos membros os viam como o fruto fracassado de um casal escandaloso. Por
seu grande empenho em conseguir convocar à família em um destacado posto social, Hetty
sentia que merecia ver o resultado de seu afã materializado em uns matrimônios
convenientes e uns bisnetos que gozassem do pleno reconhecimento da alta sociedade e a
enfurecia o fato de ver que nenhum de seus netos se mostrava disposto a satisfazê-la.
Oliver supunha que sua avó tinha de certo modo, todo o direito a sentir-se assim. Apesar
de que frequentemente estivesse ausente enquanto eles eram pequenos, imersa na gestão da
destilaria Plumtree depois de que seu marido morreu, ela era a figura mais parecida com uma
mãe que ele e seus irmãos tiveram. Por isso, a adoravam.
Sim, ele também a adorava, quando não se enfiava com ela em uma briga por motivos
econômicos.
—Sente-se, Oliver. — Hetty o perfurou com um afiado olhar de seus olhos azuis — Está me
deixando nervosa de tanto andar de cima para baixo.
Oliver deixou de perambular, mas não se sentou.
A avó franziu o cenho e deu de ombros.
—Tomei uma decisão com respeito a vocês — informou impassível, para lhes demonstrar
que seguia indignada com eles. Examinou a sala e quando voltou a falar, o fez em um tom
mais seco — Já vai sendo hora de que sentem a cabeça. Assim que lhes concedo um ano,
apenas um ano, para que sigam desperdiçando suas vidas tal e como têm feito até agora. Mas,

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a partir desse momento... Não me peçam ajuda, nem mais dinheiro, e isso vai para cada um
de vocês, sem exceção. Inclusive, estou disposta a deserdá-los. — Ela ignorou as cinco
expressões de estupor — A menos que... — Fez uma pausa para despertar mais espera.
Oliver apertou os dentes.
—A menos que o que?
Sua avó se voltou para ele, para olhá-lo diretamente aos olhos.
—A menos que haja casamento.
Oliver deveria ter imaginado. A seus trinta e cinco anos, superava com acréscimo a idade
em que se casava a maioria dos homens de sua fila social. A avó frequentemente, se
lamentava de que ainda não houvesse nenhum herdeiro para o título da família, mas quem
em seu são julgamento quereria ver a continuidade daquela estirpe? Seus pais se casaram por
dinheiro, e o resultado foi nefasto. Por mais que as finanças de Oliver se afundassem, não
pensava em repetir o mesmo engano.
A avó sabia como se sentia, e o fato de que recorresse a tal chantagem que implicava seus
irmãos para assegurar-se de que ele aceitasse seu jogo supunha uma dolorosa traição.
—Seria capaz de deserdar meus irmãos a fim de me obrigar a casar? — espetou Oliver.
—Parece-me que não me entendeu — replicou ela com frieza — Quando digo
«casamento», não me refiro apenas a você, a não ser aos cinco. Quero ver «todos» casados.
— Girou o rosto para olhar seus netos atentamente — E antes que acabe o ano, ou já podem
ir se despedindo de sua herança. E mais, decidi que a partir de agora, rescindirei o contrato de
arrendamento de minha casa na cidade, já que apenas o mantenho porque as garotas vivem
ali. E não contem com nenhum dote jovenzinhas. Além disso, deixarei de pagar a hospedagem
de Gabe e Jarret em Londres e os estábulos para seus cavalos. E isso só será o princípio,
porque, se em um ano não se casarem — e me refiro aos cinco, sem exceção — retirarei
também sua manutenção. A partir desse momento, a responsabilidade recairá exclusivamente
a Oliver.
Oliver bufou zangado. O aborrecível imóvel que herdou não daria o suficiente para que os
cinco pudessem viver amplamente.

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Gabe se levantou da cadeira, indignado.
—Não pode fazer isso! Onde viverão as garotas? E onde viveremos Jarret e eu?
—Suponho que aqui, em Halstead Hall — respondeu a avó sem nenhuma amostra de
remorso.
Oliver a fulminou com um olhar crítico.
—Sabe perfeitamente que isso é impossível. Seria obrigado a pôr em dia este imóvel.
—E isso custaria um montão de trabalho ao pobrezinho! — espetou Jarret, com uma nota
de sarcasmo — Além disso, Oliver poderia viver de sobra ele sozinho com as rendas que gera o
imóvel. Assim, embora o resto dos irmãos acate suas ordens, ele não tem por que fazê-lo, por
isso, façamos o que façamos, sairemos perdendo.
—Estas são minhas condições, jovenzinho — sentenciou Hetty sem piedade — E não são
negociáveis.
Por mais que Jarret desconfiasse de seu irmão maior, a avó sabia que Oliver não deixaria
seus irmãos na rua. Finalmente, encontrou a forma de conseguir que todos a obedecessem a
partir da única constante em suas vidas: o afeto que sentiam entre si.
O plano era brilhante, diabólico, e, provavelmente, era o único que podia funcionar.
Jarret a ignoraria se fosse o único afetado, mas não se atreveria a condenar suas irmãs a
uma vida de solteironas ou instrutoras. Minerva, que conseguia ganhar um pouco de dinheiro
com seus livros, poderia confrontar a avó e tentar viver de seus lucros, mas tampouco se
atreveria a condenar os outros a viver na pobreza.
Cada um deles se preocupava com os outros. E isso significava que todos se sentiriam
obrigados a acatar sua decisão, inclusive Oliver.
—Todos poderiam viver perfeitamente das rendas que gera este imóvel — indicou a avó
— Possivelmente, se repartirem entre os cinco as obrigações que suporta a gestão de um
imóvel... — Fez uma pausa para olhar Oliver com olhos severos — Se seu irmão mostrasse
mais interesse no trabalho, em vez de delegar a gestão a seu administrador e esbanjar os dias
embebedando-se e de farra com fulanas, este imóvel poderia dar o bastante para que todos
vivessem comodamente.

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Oliver se conteve para não replicar com alguma rabugice. Hetty sabia por que ele não
suportava viver ali. Seu pai se casou com sua mãe por seu dinheiro, para poder salvar a
preciosa herança da família, e Oliver seria um tolo se deixasse que aquele maldito imóvel o
destruísse do mesmo modo que fez com seus pais.
—Eu me inteirei — prosseguiu a avó — de que Oliver vendeu a última propriedade que
não formava parte dos bens de herança do título para pagar diversas dívidas que vocês,
cavalheiros, foram acumulando, posto que me neguei a pagá-las. Já não ficam mais
propriedades desvinculadas do título que possam vender. A partir de agora, dependem de
mim para pagar suas dívidas, se querem continuar vivendo comodamente.
Maldita seja! A avó tinha razão. Se não podiam contar com a casa da cidade nem com a
moradia onde se alojavam seus irmãos, não ficaria mais remédio que mudar-se para Halstead
Hall. Inclusive a situação de Oliver era precária: a propriedade em Acton a que a avó acabava
de aludir foi seu lar até fazia pouco. Recentemente, a vendeu e se mudou com seus irmãos,
enquanto decidia o que ia fazer. Mas não planejava que todos eles tivessem que depender das
rendas de seu imóvel, incluídas as futuras esposas e filhos de seus irmãos.
Não estranhava que a avó tivesse conseguido dirigir a destilaria com tanto êxito nos
últimos vinte e dois anos. Era um ser maquiavélico com saias.
—E quem herdará a destilaria Plumtree? — perguntou-lhe — Decidiu que não a deixará
para Jarret, tal e como queria o avô?
—Eu a deixarei a sua primo Desmond.
Jarret bufou, enquanto Minerva intervinha escandalizada:
—Não pode deixá-la para Desmond! Ele a perderá!
A avó se encolheu os ombros.
—E a mim o que importa? Eu já estarei morta. E se não tomarem medidas necessárias
para se assegurar de que permaneça na família, então, a verdade é que não importa em que
mãos acabe, não acham?
Celia se levantou para protestar.

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—Avó, já sabe o que fará Desmond. Contratará meninos para explorá-los até matá-los. —
Celia trabalhava de voluntária em uma associação benéfica que lutava por melhorar as
condições trabalhistas dos meninos; era sua paixão — Veja como administra seus moinhos.
Não pode deixar a destilaria a esse desalmado!
—Posso deixar a quem me agrade, jovenzinha — replicou a avó com uns olhos tão frios
como icebergs.
Seguro que não falava sério. A avó detestava Desmond tanto como o odiavam os cinco
irmãos.
Entretanto, não era uma mulher que gostava de mentir.
—Suponho que já escolheu nossos pretendentes também — espetou Oliver com
displicência.
—Não, isso é sua coisa. Mas é evidente que não sentarão a cabeça a menos que eu os
obrigue a fazê-lo; até agora fui excessivamente benévola. Chegou o momento de que
assumam suas responsabilidades em relação à família, o que significa que têm que engendrar
à próxima geração, para que meu legado tenha continuidade.
Celia se deixou cair pesadamente na cadeira.
—Para Minerva e para mim, não é fácil escolher um marido ao azar. Um homem tem que
declarar-se formalmente. E se não houver nenhum candidato?
A avó esboçou uma careta cheia de chateio.
—Ambas são jovenzinhas adoráveis, e todos os cavalheiros se virão ao vê-las passar. Se
você, Celia, fosse capaz de não desafiar os amigos de seus irmãos para ver quem é capaz de
disparar mais rápido, provavelmente, algum deles se declararia sem demora. E, se Minerva
deixasse de escrever essas novelas românticas tão espantosas...
—Nem sonhe! — protestou Minerva.
—Pelo menos, utilize um pseudônimo, não entendo por que tem de reconhecer
publicamente que é a autora dessas histórias tão vergonhosas, escandalizando todos os
homens que conhece.
Os olhos da avó se posaram em Jarret e em Gabe.

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—Quanto a vocês dois, de vez em quando, poderiam ir a alguma festa da alta sociedade,
não acham? Jarret, não tem que passar cada noite, sem exceção, encerrado nas salas de jogo
da cidade. E Gabe... — Hetty soltou um suspiro de cansaço — Se deixasse de enfiar-se em
apostas cada vez que algum mentecapto o desafia, certamente, ficaria tempo para procurar
esposa. Os três são perfeitamente capazes de conseguir uma mulher respeitável para que se
case com vocês. Nunca têm problemas na hora de se deitar com prostitutas nem com atrizes.
—Por Deus! — murmurou Gabe, enquanto lhe ruborizavam as orelhas. Uma coisa era
deitar-se com uma puta e outra muito distinta era ter de escutar os comentários de sua
própria avó a respeito.
Hetty olhou Oliver com aprumo.
—Além disso, todos sabemos que seu irmão joga com uma considerável vantagem: seu
título nobiliário.
—Sim, claro, e meu pai saiu muito bem com o negócio de vender o título em troca de
dinheiro... — comentou Oliver com um desmedido sarcasmo — Não entendo por que se
empenha tanto em que eu repita a transação.
Quando a dor tingiu o rosto de Hetty, Oliver tentou ignorar a pontada de culpa no peito.
Se ela pretendia obrigá-los para que se casassem, então, teria de assumir as consequências.
As últimas palavras que lhe disse sua mãe ressonaram em sua mente: «É uma desonra
para esta família!».
Oliver notou um rude calafrio nas costas. Com passo firme, avançou até a porta e a abriu
abruptamente.
—Podemos falar um momento em privado, avó?
Hetty arqueou uma de suas sobrancelhas cinza.
—Claro.
Logo que estiveram fora do alcance dos ouvidos dos outros, Oliver a olhou com irritação.
—Não conseguirá mudar nada me obrigando a casar com alguma pobre desgraçada.
—Está seguro? — Hetty sustentou seu olhar, e seus olhos azuis se suavizaram — Merece
algo melhor que a vida sem sentido que leva Oliver.

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Isso já sabia ele.
—Olhe avó, eu sou assim. Já é hora de que aceite. Mamãe o fez.
Ela empalideceu.
—Já sei que você não gosta de falar do que aconteceu aquele dia...
—Assim é — a cortou ele — e não penso em fazê-lo. — Nem com sua avó nem com
ninguém.
—Nega-se a falar comigo, porque me culpa do que aconteceu.
—Isso não é verdade! Maldita seja! — Apenas culpava a si mesmo. Se tivesse seguido
mamãe, quando ela partiu irritada, se tivesse insistido mais com a avó. Se houvesse... Se
houvesse... —Não a culpo de nada no passado. Mas, sim, que a culparei desta decisão e de
suas consequências futuras.
—Estou segura de que inclusive você se dá conta de que a situação é insustentável.
—Por quê? Minerva e Celia se casarão cedo ou tarde, e Cabe e Jarret estão queimando os
últimos cartuchos de suas aventuras como solteiros. Dê tempo a eles e verá como sentam a
cabeça.
—Você não o tem feito.
—Isso é diferente.
—Por que é diferente?
—Por que de repente, se mostra tão obstinada em nos ver todos casados?
—Responda minha pergunta, e eu responderei a sua.
Assim que isso era o que queria, né? Obrigá-lo a confessar seus pecados. Pois ia ficar
esperando! De maneira nenhuma lhe arrancaria esta confissão.
—Algum dia, Oliver — continuou ela, quando ele se defendeu no silêncio — terá que falar
do que aconteceu a sua mãe, embora seja apenas para que possa resolver o tema de uma vez.
—Olhe avó, faz tempo que resolvi o tema. — Oliver se virou tempestuosamente, e
avançou com grandes pernadas para a porta.
Enquanto ele a abria com brutalidade, ela elevou a voz:

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—Não penso em mudar de ideia em relação à herança nem às condições que lhes
comentei. Ou se casam ou perderão tudo. — Quando Oliver ficou gelado com a mão no pomo,
ela avançou até a soleira da porta e varreu com o olhar seus netos que permaneciam sentados
ao redor da mesa.
—Estou farta de que os chamem de «os demônios de Halstead Hall», nas colunas da alta
sociedade. Estou farta de ler que minha neta mais jovem tornou a escandalizar todo mundo
deixando-se ver em algum campeonato de tiro. — Olhou Gabe com reprovação — Ou que
meu neto quase perde a vida em uma corrida absurda. Não podem continuar assim.
—E se nos comprometemos a nos comportar com mais discrição de agora em diante? —
sugeriu Oliver.
—Não é suficiente. Não aprenderão a valorizar nada até que tenham pessoas sob sua
responsabilidade, refiro a esposas e filhos.
—Maldita seja, avó...
—Deixe de amaldiçoar em minha presença Oliver! Acabou a reunião! O senhor Bogg lhes
dará os detalhes de minhas condições, e, logo, poderão lhe fazer todas as perguntas que
considerem oportunas. Agora, tenho que partir; esperam-me na destilaria.
Sem dizer uma palavra mais, Hetty se afastou pelo corredor marcando o passo
energicamente com sua bengala.
Quando Oliver voltou a entrar na sala, seus irmãos se voltaram para o senhor Bogg.
—A avó não falava a sério, verdade? — perguntou-lhe uma.
—Como ia fazê-lo? — comentou outro.
—Por favor, tem de convencê-la para que mude de ideia! — suplicou um terceiro.
Bogg se acomodou na velha cadeira, que rangeu a modo de protesto.
—Sinto muito, mas não há nada que possa fazer. Depois do acidente de lorde Gabriel, sua
avó tomou a firme decisão de não ficar com os braços cruzados enquanto vê como seus netos
perdem a vida antes de cumprir com seu dever com a família.
—Vê o que conseguiu, Gabe? — repreendeu-o Celia — Você colocou tudo a perder!

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—Não se trata de Gabe — atravessou Oliver com um tom abatido — Trata-se de mim. A
avó não quer perder o título e a posição que foi tão difícil de ganhar para sua família. Quer
assegurar-se de que um de nós siga com a tradição.
—Então, por que obriga Celia e eu a nos casar? — inquiriu Minerva.
—Desculpe minha intromissão, milord — interveio Bogg — mas acredito que se equivoca.
Sua avó se preocupa com o bem-estar de seus cinco netos. Quer assegurar-se de que todos
gozem de uma boa posição, antes que ela morra.
Oliver voltou à cabeça bruscamente para o advogado.
—Antes que morra? Acaso está doente? — Aquela possibilidade lhe provocou um nó na
garganta — Há algo que não nos disse? — Isso explicaria a repentina decisão da avó de levar a
cabo seu plano.
Bogg fez uma pausa, antes de sacudir a cabeça.
—Não, sua avó não está doente. Simplesmente se cansou de esperar para ter bisnetos.
Oliver sabia que isso era certo.
Bogg pigarreou nervoso.
—Alguma pergunta mais?
—Só uma — falou Oliver — Seriamente, nossa avó não estipulou com quem devemos nos
casar? — acabava de ter uma ideia genial para aguar aquele disparatado plano.
—Nenhuma estipulação a respeito. Mas há outras condições.
Oliver escutou atentamente, enquanto o advogado as expôs. Uma delas indicava que
tinham de casar-se na Inglaterra e que não valia fugir a Gretna Green para casar-se às
escondidas. Pelo visto, a avó temia que um juiz pudesse invalidar o casamento de um de seus
netos. Felizmente, nenhuma das condições que citou Bogg afetava o plano que Oliver acabava
de ter.
Quando Bogg acabou com seu dever e partiu para deixá-los sozinhos em sua miséria,
Minerva implorou a Oliver:
—Tem que convencer à avó de que isto é um despropósito! Não vejo por que tenho que
concordar em me casar quando estou plenamente satisfeita com minha vida!

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—Eu tampouco estou disposto a me casar Minerva — resmungou Jarret — O próximo que
me pedirá será que me faça cargo dessa ditosa destilaria. E isso é quão último desejo fazer.
—Proponho que nos instalemos aqui e lhe demonstremos que não necessitamos de seu
dinheiro! —exclamou Celia — Poderíamos fazer o que ela sugere: administrar o imóvel entre
todos e...
—Sim, claro, posto que sabe tanto sobre como administrar um imóvel... — recriminou-lhe
Gabe.
—Não obstante, Celia tem razão — interveio Minerva — Se demonstrarmos à avó que
podemos nos valer por nossos próprios meios, possivelmente, reconsidere seus planos. Além
disso, se de todos os modos tivermos que acabar vivendo aqui, será melhor irmos nos
acostumando.
—Que Deus nos ajude! — Jarret olhou para Oliver com olhos severos — Você não quer
que nos instalemos aqui, verdade?
Oliver suspirou.
—Preferiria não ter que pisar nunca mais neste maldito imóvel. Infelizmente, a ideia de
Celia é lógica. Se vivermos aqui, daremos uma lição à avó. Podemos convidá-la a que nos visite
para que veja com seus próprios olhos os resultados de seu insensato plano, se decide seguir
adiante com ele.
Oliver fez um esforço por conter sua repugnância ante o pensamento de viver de novo em
Halslead Hall. Mas isso seria apenas uma medida provisória, até que pudesse executar seu
plano; então, a vida para todos eles voltaria a ser normal.
—Enquanto isso, tenho outro ás na manga — prosseguiu Oliver — É arriscado, mas
possivelmente, consiga obrigar que a avó dê seu braço a torcer. Ela não pensou em todos os
detalhes, e penso em me aproveitar de seu engano. Ainda fica dinheiro da venda dessa última
propriedade, e o que me proponho fazer é...

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CAPÍTULO 2

—Pelo amor de Deus, Freddy! Quer se apressar?


Maria Butterfield apressou seu primo magricelo, enquanto ela trotava pela rua alagada de
barro. O indivíduo diante deles marcava um passo difícil de seguir. Já era um chateio verem-se
forçados a suportar as inclemências do tempo inglês, mas se perdessem de vista aquele
sujeito, não teriam forma de encontrar Nathan Hyatt, e Maria não queria correr esse risco,
não depois da longa viagem que fez desde Dartmouth, Massachusetts, para encontrar seu
prometido.
—Está segura completamente de que esses alforjes são os de Nathan? — perguntou
Freddy quase sem fôlego.
—Têm as iniciais e uma inscrição iguais às que mandei gravar especialmente para ele. E o
tipo que as leva estava na mesma zona do porto, junto à naval London Maritime, onde Nathan
foi visto pela última vez faz três meses. Preciso apenas me aproximar um pouco mais para
estar completamente segura.
—E como pensa em conseguir isso? Nem pense que o farei eu! Não penso me colocar em
confusões com um inglês temerário apenas porque você o diga!
—Pensava que levava a espada para me proteger.
Freddy tinha pendurada a velha espada de seu pai e um sabre ao cinto, no dia que
chegaram a Londres. As armas atraíam a atenção dos transeuntes, já que nesses dias, ninguém
ia armado pela rua.
—Não é para proteger você, a não ser a mim— replicou Freddy — Ouvi que aqui desafiam
a um duelo muito rapidamente. Não realizei esta longa viagem só para exibir minha bonita
espada em uma briga.
Maria bufou.
—Veio porque seus irmãos mais velhos têm que ocupar-se de suas famílias, e tia Rose o
moeria a pauladas se não tivesse me acompanhado. — Quando Freddy ficou avermelhado, ela

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suavizou o tom — Além disso, não haverá necessidade de que se veja arrastado a um duelo.
Convenceremos o tipo para que nos deixe examinar os alforjes de forma pacífica, depois de
averiguar aonde vai. Possivelmente, nos conduza até Nathan.
—Pois espero que nos leve até uma confeitaria. Faz quase três horas que não comemos.
— Como se quisesse lhe dar razão, seu estômago começou a rugir — Não sabia que seu plano
consistia em me matar de fome.
Ela suspirou. Freddy estava perpetuamente faminto. Tia Rose dizia que todos os jovens de
vinte anos comiam como touros, mas nesse preciso momento, Maria teria preferido que seu
primo comesse como um pintinho e brigasse como um touro. Em vistas à rapidez com que
Freddy estava comendo suas economias, não ficava a menor dúvida de que a proteção de seu
primo ia sair bastante cara.
Como desejava que Nathan tivesse ficado nos Estados Unidos! Como desejava que papai
não tivesse morrido...
Embargou-a uma profunda tristeza, justo no instante em que pisava em um atoleiro com
uma fina capa de gelo. Ainda não se acostumou com a ideia de não vê-lo nunca mais.
Ultimamente, papai não mostrou tanta energia como de costume, mas Maria não esperava
que morresse subitamente em seu escritório de um ataque do coração aos sessenta e cinco
anos.
De repente, teve um pensamento rude. Se Nathan não recebeu suas cartas mais recentes,
isso significava que nem se inteirou de que papai morreu. Ele não sabia que estava a um passo
de converter-se no único proprietário da New Bedford Ships, se se casasse com ela, tal e como
concordaram.
E se ao final, decidiu não casar-se com ela? Esse acaso era o motivo pelo que não recebeu
nenhuma notícia dele nos últimos meses? Nathan decidiu romper seu compromisso de
matrimônio?
Qualquer homem se cansaria das incessantes exigências de papai para demonstrar que era
digno de dirigir a empresa, antes de casar-se com a mulher que herdaria a metade da
companhia. Aquelas exigências enviaram Nathan à Inglaterra para negociar a venda de uns

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grandes veleiros com a London Maritime, uma naval inglesa. Possivelmente, quando chegou a
Londres, reconsiderou o compromisso de matrimônio.
Seus olhos se alagaram de lágrimas. Não, ele jamais faria isso. Era um homem honrado.
Possivelmente, sua relação não era tão apaixonada como a de outros casais, mas era certo
que a queria, igual ela a ele. Provavelmente, seu silêncio se devia ao fato de lhe ter acontecido
algo; ele jamais abandonaria suas responsabilidades. Por isso, devia encontrá-lo. Maria não
podia perder papai e Nathan.
Entretanto, aqueles alforjes nas mãos de outro homem pareciam corroborar seus temores
de que possivelmente lhe aconteceu algo grave. Nathan jamais os daria a ninguém. Esse
indivíduo certamente os roubou.
O ritmo acelerado de seu coração parecia seguir o ritmo acelerado de seus passos.
Ao melhor, Nathan jazia morto em algum beco, assassinado por esses ingleses briguentos.
E se ele estivesse morto...
Maria não podia pensar nessa possibilidade, porque temia desmoronar-se.
—Grenhita1... —começou a dizer Freddy em um tom baixo.
—Não me chame assim. Já não somos meninos. —Além disso, Nathan considerava que era
um apelido inapropriado para uma dama. Nathan era muito estrito nessas questões porque
foi educado no pequeno grupo fechado da elite de Baltimorre, antes de mudar-se para o
pequeno povo de Dartmouth, em Massachusetts, seis anos antes, para associar-se com papai.
—Sinto muito, Gren... Maria — murmurou Freddy — mas é que não o posso evitar. —
aproximou-se mais de sua prima — Estava pensando que não deveríamos estar na rua a estas
horas. Começa a anoitecer, e me parece que esta parte da cidade não é muito recomendável.
E essas senhoritas que acabamos de deixar para trás tinham pinta de... De... Bom, digamos
que usavam pouca roupa.
Maria estava tão centrada em não perder o desconhecido de vista que não se fixou em
nada mais. Quando olhou a seu redor, lhe encolheu o coração. Umas mulheres virtualmente

1No original é Greñitas, mas traduzi como Grenhita. Em português, grená significa grenha. Enfim, se refere ao cabelo da mocinha, que é longo
ondulado, etc...

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nuas apareciam pelas janelas sobre suas cabeças, com os seios a ponto de escapar pelo decote
de seus sutiãs. Tinham de estar geladas, mas era evidente que essa questão ocupava um
segundo lugar em seus objetivos.
Maria ergueu as costas instintivamente ante a lembrança do mau momento que passava
cada vez que tinha que ir procurar seu pai em um desses lugares.
—Olá, bonito! — Uma delas chamou Freddy, lhe mostrando seus generosos seios — Tenho
uma xota que te porá o membro mais duro que uma barra de ferro.
—Por só meia libra deixo que me toque a xota o quanto quiser querido — acrescentou
outra.
Maria nunca ouviu antes essas expressões tão grosseiras, mas a julgar pelas sardentas
bochechas encarnadísimas de Freddy, deviam ser mais bem... Luxuriosas.
—Será melhor que retornemos à hospedaria — sugeriu Freddy.
—Ainda não! Olhe! O tipo se deteve! Quão único temos de fazer é dar uma olhada nos
alforjes! É possível que não tenhamos outra oportunidade!
Os dois permaneceram quietos, até que o homem entrou em um edifício. Então se
aproximaram com sigilo. A rua se encheu de gargalhadas estridentes e a alegre melodia de um
violino. Através da porta aberta, Maria avistou vários casais dançando e... Comportando-se de
um modo obsceno.
Enquanto os faroleiros percorriam a rua com suas tochas, os castanhos olhos de Freddy
estudaram o local.
—Não pode entrar aí. Não é um lugar para mulheres respeitáveis.
—Já o vejo. — Maria estremeceu debaixo do casaco negro ante a fria dentada de vento —
Parece um bordel.
—Grenhita! — As bochechas de Freddy estavam tão encarnadas como seu cabelo
despenteado — Não deve falar dessas coisas!
—Por quê? Ambos sabemos que nos sábados à noite, papai ia a um bordel. — virou-se
para olhá-lo — Por que não entra você? Não se fixarão em outro homem. Apenas tem de
encontrar os alforjes e averiguar se são os de Nathan.

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—E se forem? Então, o que?
—Então, enrole o tipo para que saia à porta, e, assim, eu possa falar com ele. Diga-lhe que
sua mãe está do lado de fora e que pensa em entrar se ele não concordar em sair. Nenhum
jovem deseja que o exponham de um modo tão vergonhoso. — Freddy parecia cético, e ela
suspirou. —Se fizer o que peço, comprarei para você tantos bolos quanto quiser.
—De acordo. — tirou a espada e a entregou a sua prima — Será melhor que você a
guarde. Não deveria ficar sozinha no meio da rua desprotegida.
Maria se enterneceu ao ver que ele concordava em emprestar-lhe sua valiosa espada,
embora fosse só por um momento.
—Obrigada. — deu-lhe um carinhoso empurrão — E agora, vá e averigúe se são os alforjes
de Nathan.
Freddy bufou penosamente, e subiu os degraus. Procurando não chamar a atenção, Maria
se escorreu entre as sombras e sufocou uma gargalhada ao ver que Freddy vacilava entre
entrar ou não no local. Qualquer outro menino de sua idade morreria de vontade de entrar
em um bordel, mas para não perder o costume, ele só pensava em comer. Entretanto, por
mais que sempre estivesse comendo, estava tão magro como um palito. Em troca, se ela
cismasse em acrescentar açúcar a suas xícaras de chá durante uma semana, já o notava na
cintura. Não era justo.
Mas claro, a vida normalmente não era justa com as mulheres. Se fosse um homem,
herdaria diretamente a companhia naval de papai. Ele jamais a entregaria a um estranho.
E não era que Maria não gostasse de Nathan. Era inteligente e atrativo, o tipo de marido
pelo que muitas mulheres estariam dispostas a caminhar descalças sobre brasas. E ela tinha
poucas probabilidades de encontrar outro marido similar em Dartmouth. Naquele pequeno
povoado pesqueiro, havia apenas um punhado de homens solteiros com certa formação, e o
passado variado de papai a descartava como candidata para casar-se com um verdadeiro
cavalheiro.
Às vezes se perguntava se Nathan consideraria a possibilidade de casar-se com ela se não
fosse por seu vínculo com a New Bedford Ships.

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Não, isso não era justo. Ele sempre se mostrou muito bom com ela. Não era culpa de
Nathan que os poucos beijos que deram não tivessem sido extraordinários; certamente, ela
cometeu algum engano. Ou, possivelmente, depositou muitas esperanças nesses beijos.
Possivelmente, papai tinha razão. Possivelmente, Maria lia muitas novelas românticas
dessa tal Minerva Sharpe. Depois de tudo, nenhum homem podia ser tão maravilhoso como o
visconde de Churchgrove ou como o heróico duque de Wolfplain. Nem tão fascinante como o
vilão marquês de Rockton.
Maria franziu o cenho. Como podia pensar em Rockton em um momento tão delicado? Já
se reprovava por haver-se alegrado em segredo, quando o marquês escapou da justiça no final
da última novela. A intrusão de um vilão tão perverso em seus pensamentos quando deveria
estar penando apenas em Nathan resultava alarmante.
Possivelmente, não era uma mulher normal. Era evidente que se mostrava mais aberta e
combativa que a maioria das mulheres que conhecia. E adorava ler histórias sobre
assassinatos e intrigas. Papai dizia que isso não era normal.
Soltou um suspiro. Era certo que as outras garotas não pareciam escutar as batalhas que
contavam os homens a respeito da guerra da Independência, nem ficavam absortas na leitura
dos crimes obscuros que publicava a imprensa, nem esquentava os miolos por solucionar um
assassinato misterioso.
Uns repentinos gritos de «Alto! Ao ladrão! Detenham!» provenientes do interior do local a
tiraram de seus devaneios. Oh, não! Seguro que Freddy não se atreveu a... Que não havia...
É óbvio que fez! Freddy nunca pensava duas vezes antes de agir!
Maria subiu atropeladamente os degraus com a espada na mão e entrou no local bem a
tempo de ver como um homem bloqueava o caminho de Freddy, enquanto seu primo aferrava
os alforjes contra seu peito, como se se tratasse de um escudo.
—Já o pegamos ladrão! —gritou o homem.
A Maria lhe encolheu o coração.

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Diante de Freddy, se colocou outro indivíduo, com o rosto vermelho e meio nu, e atrás
dele, outros homens colocaram a cabeça pelo patamar da escada, para ver o que acontecia.
Nesse instante, apareceram algumas mulheres virtualmente nuas.
—Polly! Vá procurar à polícia! — gritou o homem a uma das mulheres.
«Oh, não! Isso não!»
Os dois indivíduos estreitaram o cerco sobre Freddy, enquanto ele não parava de gaguejar:
—Eu apenas que... Queria da... Dar uma olh... Olhada, nada mais!
Maria elevou a espada de Freddy e a brandiu de forma ameaçadora diante do tipo que se
achava mais perto.
—Soltem-no! Se não, juro que os fatiarei como laranjas!
A sua direita, uma voz repetiu:
—Como laranjas? A ameaça vai a sério, gracinha?
O pânico se apoderou dela, enquanto se fixava em um homem alto que acabava de
aparecer em cena. Não levava jaqueta, nem colete nem gravata, e tinha a camisa desabotoada
até a metade do torso, mas seu ar autoritário indicava que era capaz de assumir o controle em
qualquer situação, sem importar sua indumentária. E, além disso, estava se aproximando
muito.
—Para trás! — Maria voltou a brandir a espada, ameaçando o recém-chegado, rezando
para que fosse capaz de utilizar a ditosa arma devidamente. Não sabia que as espadas
pesassem tanto — Só quero recuperar meu primo, senhor, e logo, partiremos sem causar
problemas!
—O primo dela tentou me roubar os alforjes, milord! — gritou o desconhecido que vinham
seguindo desde o porto.
«Milord?» O pulso de Maria se acelerou. Esse indivíduo não tinha a pinta desses homens
elegantes que ela imaginava a partir das novelas da senhorita Sharpe, embora, sim, que
parecia possuir sua arrogância. Mas sua pele era mais escura do que teria esperado, e seus
olhos desprendiam um brilho mortal que lhe provocou um calafrio nas costas. Se ele era um
lorde, então, ela e Freddy se colocaram em uma confusão muito séria.

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—Que tal se encarregar da mulher, e nós do ladrão, lorde Stoneville? — sugeriu outro
indivíduo — Podemos imobilizá-los até que chegue a polícia.
—Não somos ladrões! — Maria brandiu a espada entre os dois indivíduos, arqueando o
braço pelo enorme peso, enquanto não perdia de vista o homem situado junto a Freddy —
Você é o ladrão! Estes alforjes pertencem a meu prometido, não é certo, Freddy?
—Não... Não estou seguro — respondeu Freddy, com um fio de voz — Pensava em levá-los
até o vestíbulo para poder examinar melhor. Mas esse homem se pôs a gritar e não me
ocorreu outra coisa que começar a correr.
—Há! Mentira! — bufou o indivíduo dos alforjes.
—Olhe Tate — interveio lorde Stoneville — se a senhorita... — Quando ele arqueou uma
sobrancelha negra e a olhou com curiosidade, ela respondeu sem pensar:
—Butterfield. Maria Butterfield.
—Se a senhorita Butterfield me entregar à espada, prometo que arbitrarei esta pequena
disputa, para que todo mundo fique satisfeito.
Como ela ia confiar em que um lorde meio nu em um bordel pudesse arbitrar aquela
confusão de forma justa? Os lordes ingleses dos livros sempre encaixavam em duas
categorias: ou eram homens honrados ou eram vilões perversos. Aquele homem parecia
encaixar-se na segunda categoria, e não era tão ingênua para ficar nas mãos de um elemento
de tais características.
—Pois me ocorre outra solução! — Com o coração desbocado no peito, Maria se
equilibrou para diante para apontar diretamente a lorde Stoneville no pescoço com a ponta da
espada — Ou lhes ordena que nos deixem partir, ou não terei nenhum problema em lhe fatiar
o pescoço.
Ele nem pestanejou. Uma perigosa expressão divertida se perfilou em seu rosto, ao tempo
em que fechava o punho ao redor do fio da espada.
—Sinto muito, gracinha, mas isso não será possível. —Ela ficou gelada, com medo a
mover-se por temor a lhe provocar um corte nos dedos. —Escute-me bem, senhorita
Butterfield — prosseguiu ele, em um tom tão sereno que a assustou — de momento, é

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culpada de tentativa de roubo, sem esquecer o delito de ameaça com espada. Ambos os
crimes se pagam com a forca. Minha intenção é ser razoável a respeito ao assalto, mas apenas
se soltar a espada. Em troca, permitirei que se defenda da acusação que pende sobre seu
«primo» a respeito do roubo dos alforjes. — Pronunciou a palavra «primo» com um cético
sarcasmo — Asseguro-lhe que resolveremos este caso da forma mais civilizada possível, e, se
consegue me convencer de que não são ladrões, deixarei partir os dois, entendido?
Maria não tinha escapatória, e era evidente que ele sabia. Se o ferisse, sua vida não valeria
nada naquele país estrangeiro.
Procurando não mostrar o intenso medo que a invadia, Maria disse:
—Jura por sua honra de cavalheiro que nos deixará partir, se explicamos tudo? — Se ele se
mostrasse razoável, então possivelmente, não se tratasse de um vilão. Além disso, não lhe
deixava nenhuma outra opção.
Um leve sorriso curvou os lábios de lorde Stoneville.
—Juro. Por minha honra de cavalheiro.
Maria olhou para Freddy por cima do ombro, que parecia estar a ponto de desmaiar de
um momento a outro. Então, olhou lorde Stoneville diretamente nos olhos.
—De acordo. Aceitamos o trato.

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CAPÍTULO 3

—Perfeito. — Oliver suspirou aliviado. Até esse momento, não estava seguro de se
conseguiria convencê-la. Uma mulher tão valente para ser capaz de ameaçá-lo com uma
espada era completamente imprevisível — Contarei até três, e os dois soltaremos a espada de
uma vez, de acordo? — Ela assentiu e fixou seus olhos azuis na mão com a qual empunhava a
espada. —Um, dois e três — contou ele.
A espada caiu estrepitosamente no chão.
Em um segundo, Porter e Tate imobilizaram o rapaz que ela chamou de Freddy. Quando o
jovem soltou um berro, Maria se virou para eles alarmada. Oliver se inclinou para recolher a
espada e, em seguida, a entregou a Polly, a proprietária do bordel, para que a pusesse em um
lugar seguro.
—Levem-no ao vestíbulo — ordenou Oliver assinalando com a cabeça para a entrada,
enquanto ele pegava a senhorita Butterfiel pelo braço e a obrigava a caminhar na mesma
direção.
—Não é necessário que me faça mal — vaiou ela, embora não ofereceu resistência.
—Senhorita Butterfield, asseguro-lhe que quando me ocorrer fazer-lhe mal, saberá. —
deteve-se em frente a uma cadeira — Sente-se — ordenou empurrando-a para a cadeira — E
procure controlar sua necessidade de atacar alguém pelo menos uns minutos de acordo?
—Eu não...
—Quanto a você — grunhiu ele, dirigindo-se ao companheiro de Maria — Me entregue
esses alforjes que originaram esta discórdia.
—Sim, senhor... Quero dizer, milord.
Oliver arrancou os alforjes das mãos do rapaz, que tinha o rosto completamente pálido.
Era evidente que carecia da ferocidade de sua companheira.

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Pareciam alforjes normais, de couro e com as típicas fivelas de metal. Apesar de conterem
um maço de bilhetes de banco, isso não significava necessariamente, que o moço tivesse
tentado roubá-lo. A maioria dos ladrões ficaria com o dinheiro e logo, se desfaria dos alforjes
para não alertar a ninguém.
—De onde os tirou, Tate? — interrogou-o Oliver.
—Da casa de penhor da esquina. Comprei faz vários meses.
Quando a senhorita Butterfield bufou zangada, Oliver a reprovou com um olhar severo.
—Em troca, você senhorita Butterfield, alega que pertencem a seu prometido.
—Se examinar a inscrição — interveio ela com altivez — verá suas iniciais «NJH» gravadas
em um lado, e as palavras «New Bedford Ships» no outro. Eu mesma me encarreguei de que
as gravassem.
—Seriamente? — Apesar de ela ter razão a respeito das palavras gravadas, isso não
provava nada. Um par de ladrões recém saídos do cárcere de Newgate se fixariam nesse
detalhe antes de tentar roubar os alforjes. Saberiam de sobra o que estava escrito na inscrição
e nas iniciais.
Entretanto, esses dois não pareciam safados recém saídos de Newgate. Iam corretamente
vestidos, com trajes que pareciam indicar luto. New Bedford estava nos Estados Unidos, e
pelo acento, era óbvio que eram americanos.
Possivelmente, isso explicava a má educação da moça. Ele sempre ouviu que as mulheres
americanas eram atrevidas. Mas uma coisa era ser atrevida, e outra distinta era ser o bastante
valorosa para entrar em um bordel e atrever-se a ameaçar um homem com uma espada,
apontando-o diretamente à garganta. Possivelmente, se tratava de um par de ladrões com
muita experiência. Se fosse assim, o fato de vestir de negro era todo um detalhe. Quem
suspeitaria de uma mulher vestida de luto?
Sobretudo, de uma mulher tão bela. Seu adorável rosto ficava emoldurado por umas
mechas de um loiro intenso que se sobressaíam por debaixo de um chapeuzinho negro de
seda e crepe. Tinha o nariz arrebitado, as bochechas sardentas e uma boca feita para seduzir.

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Ele a repassou lentamente, de cima abaixo, com o olhar perito de um homem acostumado a
despir mulheres.
Debaixo do grosso tecido de seu casaco, era evidente que ela tinha um corpo escultural,
com uns quadris generosos e uns seios ainda mais generosos. Exatamente como ele gostava.
« Mmmm...»
Possivelmente, poderia tirar partido daquela situação. Até esse momento, não teve muita
sorte em sua tentativa por encontrar uma prostituta que consentisse participar de seu plano.
Voltou-se para Porter e Tate.
—Soltem o moço e nos deixem sozinhos.
—Um momento milord, não acredito que... — começou a protestar Porter.
—Obterão seu castigo — asseverou Oliver — não terão motivo de queixa, asseguro-lhes
isso.
—E o que acontece com meus alforjes? — insistiu Tate.
—Seus alforjes? — A senhorita Butterfield ficou de pé de um salto — Como se atreve a...?
—Sente-se, senhorita Butterfield! — ordenou Oliver com um olhar inflexível — Se
estivesse em sua pele, morderia a língua para não complicar mais as coisas.
Maria se ruborizou, mas acatou as ordens.
Oliver lançou os alforjes a Tate.
—Pegue-os e vá embora, e você também, Porter. Esperem na rua. Assim que decida o que
fazer com este par de vigaristas, comunicarei a vocês isso.
Pela extremidade do olho, Oliver podia ver a careta de chateio da moça americana, mas se
manteve calada até que os dois indivíduos abandonaram a sala e fecharam a porta atrás deles.
Então, Maria explodiu. Levantou-se irritada da cadeira e olhou para seu interlocutor com
cara de poucos amigos, antes de dizer:
—Esses alforjes são de meu prometido, e você sabe! É evidente que o senhor Tate os
roubou!
—Olhe senhorita Butterfield, faz anos que conheço Tate. Tem seus defeitos, mas não é um
ladrão. Se disse que os adquiriu na casa de penhores, aposto o que queira que é a verdade.

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—Acredita em sua palavra antes que na palavra de uma dama?
—Uma dama? De verdade, estou ante uma dama? — Oliver lhe lançou um olhar de
reprovação, enquanto abotoava a camisa — Irrompe em um bordel, aponta-me diretamente
no pescoço com uma espada e tenta tirar seu companheiro daqui à força. E de verdade,
espera que aceite sua palavra sobre a situação simplesmente porque é uma mulher? —
Assinalou para o pobre Freddy que permanecia paralisado de terror — Deve pensar que sou
tolo, igual a seu «primo».
Maria avançou para ele com as mãos na cintura.
—Quer deixar de pronunciar a palavra «primo» como se fosse um insulto? Freddy não é
meu companheiro nem somos delinquentes!
—Então, por que está com ele, quando se supõe que teria de estar com seu prometido?
—Meu prometido desapareceu! — Ela tentou recuperar a calma, respirando fundo —
Chama-se Nathan Hyatt, e é o sócio de meu pai no negócio familiar. Viemos a Londres para
encontrá-lo. Meu pai morreu depois que Nathan partiu, por isso, é necessário que retorne à
casa para que assuma o controle da New Bedford Ships. Escrevi-lhe várias cartas, mas faz
meses que não responde. Reconheci seus alforjes quando vi que seu amigo os levava perto do
lugar onde Nathan foi visto pela última vez, e decidimos segui-lo, esperando que nos levasse
até ele.
—Ah! — Oliver avançou até a cadeira onde descansava sua gravata, a pegou e a atou ao
redor do pescoço — E espera que acredite nesta mentira porque...
—Porque é verdade! Pergunte aos empregados da London Maritime! Nathan veio aqui faz
quatro meses para negociar com eles a compra de vários navios, mas dizem que depois de não
chegar a um acordo sobre o trato no mês passado, Nathan partiu e não voltaram a vê-lo.
Pensavam que retornou aos Estados Unidos. E o proprietário da hospedaria onde Nathan se
alojava nos disse virtualmente o mesmo. — Maria se pôs a perambular pela sala em um
evidente estado de agitação. —Entretanto, não há registro de nenhuma passagem com seu
nome em nenhum navio. Pior ainda, o dono da hospedaria ainda tem todas minhas cartas...
Sem abrir. —Maria se virou, rapidamente, e o olhou, com expressão consternada. —Acredito

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que aconteceu algo grave, e é possível que seu amigo, o dos alforjes, saiba o que aconteceu.
Nathan jamais se desprenderia desses alforjes. Dei a ele de presente no Natal. Não os
empenharia!
Sua ansiedade era certamente convincente. Oliver viveu toda a vida no centro ou perto de
Londres e viu montões de estelionatários e rufiões. Quase nunca podiam ocultar a dureza
debaixo da fachada caridosa. Em troca, ela...
Oliver se fixou em sua respiração agitada, em seu semblante preocupado. Parecia inocente
em todos os sentidos da palavra. Uma das vantagens de possuir um coração escuro era que
podia detectar uma pessoa inocente de longe.
Provavelmente, essa garota dizia a verdade. Sim, não teria sentido mentir, já que ele
poderia encerrá-la ali, enquanto se dedicava a confirmar sua versão. Mas não tinha intenção
de fazê-lo. Sua triste história a convertia em uma candidata ainda mais perfeita para seu
plano.
Entretanto, antes de lhe propor sua solução tão pouco ortodoxa, devia descobrir no que
estava se colocando.
—Quantos anos tem senhorita Butterfield?
Maria pestanejou desconcertada.
—Vinte e seis. Isso o que tem a ver?
Por conseguinte, era uma moça inocente, mas não era uma menina, graças a Deus. A avó
suspeitaria se ele levava à casa uma adolescente pacata recém saída do colégio.
—E diz que seu pai é o dono de uma empresa naval — repetiu Oliver, enquanto vestia o
colete. Um homem rico tinha contatos; isso poderia ser um inconveniente.
—Sim, assim é. — Ela elevou o queixo com petulância — Chama-se Adam Butterfield. Pode
perguntar a quem quer em qualquer empresa naval desta cidade; todos o conhecem.
—Mas a questão é se conhecem você.
—O que quer dizer?

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—De momento, não me mostrou nenhuma prova convincente que demonstre que você é
sua filha. —abotoou o colete — Tem alguma carta de apresentação para demonstrar o que
diz?
Maria elevou o queixo com ar insurgente.
—Não esperava ter a necessidade de demonstrar minha identidade. Esperava encontrar
Nathan na London Maritime.
—Pode perguntar nos escritórios da naval — interveio o rapaz fracote — Dirão a você em
que navio chegamos a Londres.
—Dirão em que navio chegaram a senhorita Butterfield e o senhor Frederick — o corrigiu
Oliver, enquanto colocava o casaco — Mas, a menos que o capitão confirme quem são, isso
não é nenhuma evidência.
—Acredita que estamos mentindo? — perguntou ela, ao tempo em que seu rosto se tingia
de indignação.
Oliver pensava que não, mas sabia que não conseguiria nada se confessasse.
—Simplesmente, me limito a assinalar que até agora, não me deram nenhuma prova para
que acredite em vocês. Suponho que os Estados Unidos é um pouco diferente da Inglaterra,
em certos aspectos: os proprietários de uma empresa naval possuem um reconhecimento
social. E posto que suponho que seu pai era rico...
—Oh, sim! — interveio Freddy — Tio Adam tinha montões e montões de dinheiro!
—E, entretanto, sua filha não pôde enviar alguém para procurar seu prometido, como
faria qualquer mulher respeitável?
—Estava muito preocupada com ele! — gritou Maria, irritada — E... Bom... De momento, o
dinheiro de papai não se pode tocar, até que se arrumem certas questões legais, e isso não se
pode fazer sem Nathan.
A história ficava cada vez mais interessante.
—Assim, você está virtualmente sozinha, sem dinheiro, apesar de que assegura que seu
pai é rico e que goza de uma boa posição social? — Oliver desejava cravá-la para obter mais
informação — Espera que acredite que a filha de um rico proprietário de uma empresa naval,

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que deveria ser educada para ser cortês e fazer o que lhe ordenam e respeitar as normas do
decoro, embarcaria na aventura de cruzar o oceano em busca de seu prometido, indagando
em um bordel, atacando o primeiro cavalheiro que a questionar...?
—Pelo amor de Deus! — espetou — Já lhe contei por que fiz!
—Além disso — interveio seu companheiro — tio Adam não é... Era como a maioria dos
cavalheiros ricos. Começou sendo soldado raso no corpo da Marinha. Nunca se achou
superior. Sempre dizia que era o filho pobre bastardo de uma criada e que morreria sendo o
filho rico bastardo de uma criada, e que isso era muito melhor que ser um pobre idiota rico.
Maria bufou com irritação.
—Freddy, por favor, não está ajudando...
—Por isso, senhor — continuou Freddy, para grande regozijo de Oliver — Gren... Maria
não é uma dama convencional. É como seu pai; não escuta aqueles que lhe dizem que tem
que sentar-se com as costas erguidas e permanecer calada. Jamais o fez.
—Disso já tinha me dado conta — comentou Oliver com secura. Isso era um ponto a favor
da senhorita Butterfield — E o que me diz de sua mãe? Não ensinou sua prima a comportar-se
devidamente?
—Parece-me que está se excedendo, senhor... — começou a protestar à senhorita
Butterfield.
—Oh! Morreu no parto — explicou o jovem Freddy — Mas, de todos os modos, era filha
de um lojista, como minha mãe, que era sua irmã. Tio Adam nos acolheu depois que meu pai
morreu, para que minha mãe se encarregasse de criar Maria. Por isso, vim até aqui com ela. —
Encheu o peito exageradamente — Para protegê-la.
—Pois vejo que você também está fazendo um esplêndido trabalho — replicou Oliver com
sarcasmo.
—Não se meta com ele — o ameaçou a senhorita Butterfield com os olhos acesos — Acaso
não se dá conta de que Freddy é incapaz de roubar nada? Entrou neste local por mim, para
examinar os alforjes e ver se as iniciais e a inscrição coincidiam. Isso é tudo.

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—E o pegaram enquanto tentava sair daqui com os alforjes. Por isso, há dois homens que
querem pendurá-lo.
—Então isso significa que são uns desalmados. Todo mundo pode ver que Freddy não é
um ladrão.
—Nisso minha prima tem razão. — O rapaz tímido interveio com a intenção de ajudar —
Sou muito desajeitado. Não posso ir a nenhum lugar sem me chocar com tudo o que tenho a
frente. Provavelmente, por isso, me pegaram.
—Sim, mas, nestes casos, os desalmados normalmente se saem com a sua. Esses
indivíduos não se importam com a verdade. Apenas querem ver como penduram seu primo.
O pânico crispou as feições de Maria.
—Por favor, não permita!
Oliver se conteve para esconder o sorriso.
—Poderia interceder por ele, tentar acalmar Porter e Tate, para que vocês dois salvem sua
pele. Sim, poderia fazê-lo se...
Maria ficou tensa, de repente.
—Se o que?
—Se você aceitar minha proposta.
Um sugestivo ardor se estendeu por suas bonitas bochechas.
—Não me peça minha virtude, nem para salvar a vida.
—Quem disse algo a respeito de sua virtude?
Ela pestanejou desconcertada.
—Bom... Não... Mas tendo em conta o tipo de homem que é...
—E se pode saber que tipo de homem sou?
Oliver se divertia com aquela conversa.
—Já sabe. —Maria elevou o queixo com petulância — O tipo de homem que passa as
horas em um bordel. Ouvi um montão de histórias a respeito dos pérfidos lordes ingleses.

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—Eu não pensava em pedir sua virtude em troca. — Repassou aquele corpo tão sedutor e
conteve o fôlego — Embora não digo que a ideia não me pareça tentadora, mas de momento,
tenho outros assuntos mais urgentes dos que me ocupar.
Além disso, nenhum homem de sua fila seria tão insensato para seduzir uma virgem, a via
mais direta para acabar irremediavelmente no altar. E ele preferia mulheres com experiência,
que sabiam como agradar um homem sem acossá-lo com mil e uma perguntas a respeito de
seus sentimentos.
—Possivelmente se surpreenda — prosseguiu Oliver — mas não estou acostumado a ter
problemas para encontrar mulheres que queiram deitar-se comigo. Não preciso forçar uma
bela ladra.
—Não sou uma ladra!
—Para ser sincero, importa nem um pouco, se for. O importante é que se encaixa
perfeitamente em meu plano.
A senhorita Butterfield tinha o mesmo temperamento irascível que as irmãs de Oliver, algo
que incomodava enormemente à avó. E mostrava o tipo de insolência que os americanos
pareciam estar tão orgulhosos e que em troca, os ingleses detestavam. Sua mãe era filha de
um lojista, e seu pai era filho ilegítimo, e além americano! Contra quem lutaram os ingleses na
guerra da Independência, a guerra em que perdeu a vida o único filho varão da avó! Oliver
não poderia encontrar melhor candidata.
E o mais interessante de tudo era que aquela jovenzinha estava metida em uma boa
confusão, e isso significava que não teria que lhe pagar nenhuma fortuna, diferente da
prostituta que planejava contratar. Mas, posto que a conhecesse em um bordel, inclusive
poderia usar aquela situação de forma conveniente para frustrar os planos da avó.
Oliver avançou até ela com passo decidido.
—Verá, minha avó e eu nos encetamos em uma batalha que quero ganhar. Você pode me
ajudar. Em troca, me comprometo a tirar vocês desta delicada situação. Se você concordar em
fazer algo por mim.
Uma expressão de desconfiança se perfilou no rosto de Maria.

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—O que tenho que fazer?
Oliver sorriu ao imaginar a reação da avó quando levasse para casa a senhorita Butterfield.
—Fingir que é minha prometida.

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CAPÍTULO 4

Maria o olhou boquiaberta. Certamente não ouviu corretamente o que lhe acabava de
pedir.
—Que quer que faça o que?
O enigmático sorriso que se desenhou na sensual boca de lorde Stoneville a deixou ainda
mais desconcertada.
—Fingir que é minha prometida durante uns dias. Assim que consiga convencer minha avó
que estou decidido a me casar com você, já não necessitará que siga fingindo.
Maria se sentiu como se acabasse de entrar involuntariamente em uma daquelas novelas
românticas que lia.
—Está louco.
—Não, estou asfixiado, porque minha avó quer obrigar meus irmãos e a mim a nos casar,
para que ela tenha a consciência tranquila a respeito de nosso futuro, e minha intenção é
demonstrar-lhe que sua ideia é totalmente descabelada.
—E pensa em obtê-lo fingindo que se prometeu com uma absoluta desconhecida?
Oliver encolheu os ombros.
—Vim aqui em busca de uma fulana que concordasse em fazer-se passar por minha
prometida. Mas todas me pedem muito dinheiro, e por que escolher uma prostituta, quando
seguro que você caberá no papel? — Repassou-a de cima abaixo, com descaramento — É
exatamente o tipo de mulher que minha avó encontraria inaceitável como esposa de um de
seus netos: uma americana de baixa classe, insolente e de língua incisiva. E o bastante
formosa para convencer minha avó de que, em realidade, estou disposto a me casar.

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Maria sentiu o queixo cair. Não sabia o que era pior: se sua atitude impassível a respeito
de querer contratar uma puta para enganar sua pobre avó, ou os insultos que lhe acabava de
dispensar com uma arrogância insofrível.
—E agora que me ofendeu de todas as formas possíveis, de verdade, acredita que
aceitarei esta loucura?
Os olhos negros de Oliver brilharam com deleite.
—Dado que sua única alternativa é que a entregue a esses tipos que pedem suas
cabeças... Sim, estou seguro de que aceitará. Mas claro, se prefere ser testemunha de como
penduram seu primo... — Sem acabar a frase, saiu para a porta.
—Um momento!
Oliver se deteve com a mão no pomo e arqueou uma sobrancelha em atitude curiosa.
Esse maldito demônio a tinha apanhada, e ele sabia. Ninguém os defenderia naquela
cidade inóspita. Tal e como ele supôs, não conheciam ninguém em Londres. Inclusive, o navio
em que chegaram já havia zarpado. Se os prendessem, as autoridades inglesas provavelmente
escreveriam a tia Rose para confirmar sua versão, mas até que não chegasse à resposta, ela e
Freddy teriam de passar várias semanas no cárcere. Maria não estava segura de que seria
capaz de suportar uma experiência similar, e Freddy não sobreviveria nem um dia no cárcere.
O que estava dizendo? Freddy não sobreviveria nenhuma hora! Entretanto, detestava que
um aristocrata abusado lhe fizesse chantagem e que a obrigasse a fazer o que ele queria.
—Sabe perfeitamente que não somos ladrões. Poderia nos defender se quisesse. Eles
aceitariam sua palavra.
Oliver apertou os olhos como um par de frestas.
—E por que teria de fazê-lo? O que obteria com isso?
—A satisfação de saber que atuou de forma correta.
—Parece-me que é você extraordinariamente ingênua — soltou Oliver arrastando as
palavras.
Maria se ofendeu.
—Acaso não tem nenhum sentido de decência?

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—Não.
E o muito atrevido tinha a impertinência de admitir abertamente! E ainda por cima,
mostrando uma absoluta falta de remorso! Maria não pensava em jogar a toalha.
—Disse-me que se ficasse satisfeito com nossa explicação para demonstrar que não somos
ladrões, deixaria que partíssemos. Jurou por sua honra de cavalheiro.
Apoiando-se no marco da porta, Oliver cruzou os braços sobre seu hercúleo torso.
—Sinto muito, mas não me deixo levar por essas tolices da honra. E não me sinto
identificado com o termo «cavalheiro», absolutamente.
Seu descaramento era revoltante.
—Deveria ter rematado o trabalho com a espada, quando tive ocasião!
Sua reação só pareceu diverti-lo ainda mais.
—Ah, mas então, sim, que a pendurariam. E seria uma pena que enforcassem uma mulher
tão formosa, de verdade.
Maria não fez caso da vaidade feminina que despertou automaticamente em seu interior
ao ouvir a adulação. Provavelmente, esse vadio lançava galanteios a qualquer mulher que
cruzasse em seu caminho.
—Não se estranha que sua avó esteja desesperada com você. Só Deus sabe que
sentimento de impotência deve sentir seus pobres pais!
O risinho malicioso se desvaneceu abruptamente, do rosto de Oliver.
—Por desgraça, meus pais estão mortos, assim, não acredito que meu comportamento
lhes importe.
Soltou a frase com ironia, entretanto, o brilho em seus olhos delatava sua dor.
—Rogo que me perdoe — se apressou a dizer ela, amaldiçoando-se por ser tão impetuosa
— É terrível perder os pais. Sei por experiência.
—Não é preciso que se desculpe. — Oliver se separou da porta — Embora a verdade seja
que levavam anos desesperados comigo, antes que falecessem, assim não está totalmente
errada.
—De todos os modos, sinto muito...

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—Vamos senhorita Butterfield, isto não tem nada a ver com minha proposta. Aceita fingir
que é minha prometida ou não? — Quando ela vacilou, ele continuou com um tom um pouco
mais agressivo — Não vejo por que se mostra tão reticente. Nem que estivesse pedindo que
fizesse algo desleal!
Aquele comentário ridículo conseguiu apagar o momentâneo sentimento de pena e
empatia.
—Está pedindo que minta! Para enganar uma mulher com o objetivo de sair-se com a sua,
sejam quais sejam seus motivos. Isso vai contra todo principio moral e...
—E tentar matar um homem com uma espada, não? — Oliver lhe deu de presente um
sorriso desinteressado — Olhe, interprete isso como um jogo, como se fosse uma atriz. Você e
seu primo serão meus convidados em minha casa, durante uma ou duas semanas, e poderão
fazer tudo o que lhes agrade. — Um escuro brilho iluminou seus olhos — Inclusive, posso lhe
dar de presente uma efígie de minha pessoa, para que possa lhe cravar a espada tantas vezes
quanto deseje.
—Isso sim, soa tentador — replicou ela.
—Quanto a Freddy, poderá sair para cavalgar e caçar e jogar cartas com meus irmãos.
Seguro que será um entretenimento mais ameno do que o que encontraria no cárcere.
—Enquanto me dê comida senhor, estou disposto a segui-lo até o fim do mundo —
declarou Freddy.
—Freddy! — repreendeu-o Maria.
—O que? Essa maldita estalagem em que nos alojamos está infestada de pulgas e faz tão
frio como na cova de uma bruxa. Além disso, leva tanto controle do dinheiro que gastamos
que sempre estou morto de fome. O que tem de mal em ajudar um senhor, se isso significar
que finalmente, poderemos dormir em uma cama decente? Tampouco é que seja para tanto!
Apenas tem de fingir que é sua prometida.
—Já estou prometida, muito obrigado! — espetou zangada — E o Nathan? Enquanto
estamos por aí enganando a pobre avó deste homem, Nathan poderia estar ferido ou em um

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grave apuro. Espera que desista de sua busca, só para que você possa desfrutar de uma
comida como Deus manda?
—E evitar que nos enforquem — lhe recordou Freddy — não se esqueça desse detalhe.
—Ah! O prometido que desapareceu! — interveio lorde Stoneville friamente — já
estranhava que se esquecesse dele.
Maria o olhou com cara de poucos amigos.
—Nunca me esqueci dele. Viemos até aqui precisamente por ele.
—Isso é o que você diz.
Aquela insolência a enfureceu.
—Já tive suficiente, senhor! É você um maldito arrogante, completamente insuportável
e...!
—De acordo. Se tanto insiste em aferrar-se a sua incrível versão, o que lhe parece minha
proposta? Enquanto finge ser minha prometida, contratarei alguém para que procure seu
prometido. Uma condição a acrescentar a nosso trato. Seguro que contratar um desses
detetives da Bow Street me custará menos que contratar uma puta por duas semanas.
—Pelo amor de Deus! Duvida de minha identidade, porque não me encaixo na noção que
tem a respeito da filha de um homem rico, e, entretanto, se mostra suscetível na hora de
considerar o que lhe vai custar contratar uma pessoa? Acreditava que os altivos lordes
ingleses tinham muitíssimo dinheiro.
Oliver suspirou.
—Nem todos. Mas minha situação melhorará quando minha avó entre em razão. E você
me ajudará a conseguir isso, verdade?
Embora ele apresentasse a situação como um pedido, seu olhar confiante demonstrava
que se tratava realmente de uma ordem proveniente de um homem que estava acostumado a
sair sempre com a sua.
Mas lhe estava oferecendo ajuda para encontrar Nathan. Maria não podia evitar esse
detalhe. Se, em realidade, podia confiar nele, claro.

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—Já nos deixou claro que não tem honra e que não é um cavalheiro, assim, como
podemos confiar em sua palavra? Como posso ter a certeza de que quando esta farsa acabe
não nos entregará às autoridades?
—Não pode ter a certeza — replicou ele.
—Então, prefiro provar a sorte com os homens que nos acusam de ser ladrões. — Maria
andou para a porta.
—Um momento! — Quando ela se deteve para olhá-lo, no rosto de Oliver não ficava nem
rastro do sorriso malicioso nem da careta insolente. —E se juro por minha mãe que descanse
em paz que manterei minha promessa? — a olhou fixamente, com uma grande solenidade —
Asseguro-lhe que tomo este juramento muito a sério.
Maria sentiu um calafrio nas costas. Aquele olhar tão penetrante a impressionou. Como se
ele tivesse percebido, ergueu as costas antes de voltar a mostrar aquela expressão de
aborrecimento e descuido que ela tanto detestava, e, por um momento, Maria se perguntou
se não imaginou aquele brilho de vulnerabilidade.
—De verdade, senhorita Butterfiel — prosseguiu ele — não me obrigue a ir ver o juiz nem
a passar várias horas falando com a polícia. Não disponho nem do tempo nem da paciência
para essa absurda atividade; seria um verdadeiro aporrinho a estas horas da noite.
—Faremos isso — se apressou a afirmar Freddy.
—Santo céu, Freddy! — começou a protestar Maria.
—Temos de fazê-lo, Grenhita! Não penso em ir preso por culpa de seus princípios! Além
disso, ele nos ajudará a encontrar Nathan, e isso é precisamente o que quer, verdade?
Ela soltou um suspiro de esgotamento. Freddy tinha razão. Estava cansada de procurar
Nathan, cansada de permanecer em guarda todo o tempo naquela maldita cidade, cansada de
escutar as queixa de Freddy. Possivelmente chegou o momento de pedir ajuda.
Olhou para lorde Stoneville, sem pestanejar.
—Durante quanto tempo teria que fingir esse papel?
—Duas semanas como máximo, embora suspeite que menos.

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Maria devia estar louca por atrever-se simplesmente, a considerar aquela proposta. Mas
ele a mantinha encurralada, e sabia. E se, além disso, contratasse alguém para que procurasse
Nathan...
—De acordo — acertou ela — Duas semanas, nem um dia mais. — Quando ele começou a
sorrir, ela acrescentou — Mas deve jurar por sua mãe que em paz descanse que me ajudará a
encontrar Nathan, tal e como prometeu. E que, uma vez eu tenha completado minha parte,
deixará livres Freddy e eu, e acabaremos de uma vez por todas, com esta ameaça absurda de
me denunciar por roubo.
—De acordo — repôs Oliver com visível apatia.
—Jure! —Seu instinto lhe dizia que ele era franco, quando lhe disse que tomava muito a
sério essa promessa.
Oliver esticou a mandíbula inferior. Logo, assentiu com a cabeça.
—Juro por minha mãe que em paz descanse que farei tudo o que esteja em minhas mãos
para encontrar seu prometido. E que, ao cabo de duas semanas, os dois serão livres e poderão
fazer o que quiserem.
Maria soltou um comprido suspiro.
—Muito bem. Então, aceito sua proposta.
—Perfeito. E agora, não se movam daqui. — Oliver abriu a porta e chamou alguém. Em
seguida, entrou um indivíduo corpulento que Maria já viu antes — Vigie-os até que volte —
ordenou lorde Stoneville e, a seguir, desapareceu no vestíbulo.
Quando o guardião a olhou como se fosse uma presa particularmente deliciosa, Maria lhe
deu as costas tentando não pensar no que lhes ia proporcionar o futuro, agora que estavam
nas mãos de um lorde sem um pingo de decência. Tentou não pensar nas perversas cenas que
leu naquelas novelas, nas que os vilãos encerravam às mulheres em suas casas e lhes faziam
coisas indecorosas.
Os livros não eram muito explícitos nesse sentido, mas Maria deixava voar a imaginação a
partir dos parcos detalhes. Sua tia, que sempre se mostrava tão recatada, lhe contou algo
sobre como se uniam um homem e uma mulher no leito matrimonial, e não precisava de um

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grande esforço para imaginar um vilão como lorde Rockton deitado entre as pernas de uma
mulher e gozando dos prazeres carnais.
Ou um vilão como lorde Stoneville.
Freddy se achava sentado ao seu lado, e, após lançar um olhar furtivo a seu guardião,
baixou a voz para comentar:
—Stoneville parece um tipo bastante decente.
Ela soltou uma gargalhada histérica.
—Oh, sim! Muito decente! Conhecemo-lo em um bordel e está nos chantageando para
que enganemos sua avó.
—Ao menos, não nos entregará às autoridades. E descobriu de onde esse tipo tirou os
alforjes. Poderia nos enviar diretamente ao cárcere, no momento em que soltou minha
espada.
Certo. Havia-os escutado, quando não tinha por que fazê-lo. Mas isso era unicamente
porque ela se encaixava em seus planos.
A porta se abriu, e lorde Stoneville entrou levando vários objetos. Fez um sinal ao homem
forte, que abandonou a estadia sem abrir a boca.
Lorde Stoneville lançou um vestido escarlate e outros objetos de roupa sobre uma
poltrona.
—Terá que trocar de traje. Não posso apresentá-la a minha avó vestida de luto. Isso a
induziria a fazer-lhe mil e uma perguntas sobre sua situação, e eu não gostaria que
descobrisse que tudo é uma tosca farsa.
Maria examinou com receio, os objetos que ele acabava de trazer. As luvas brancas, as
meias, um chapeuzinho decente de crepe branco rematado com uma tira de cetim vermelho
fazendo jogo com uns laços de cetim, mas o vestido era atrevido, para não dizer algo pior.
Estava confeccionado com seda barata e era excessivamente curto.
—Não esperará que vista isso.
—Polly me disse que está segura que lhe cabe, porque você veste o mesmo tamanho que
suas garotas.

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Suas garotas? Polly devia ser a proprietária do bordel. Não a surpreendia que ele
mostrasse tanta confiança com aquela mulher, a julgar pelo que Maria pôde deduzir de sua
personalidade.
—Não tenho nada que dizer a respeito do resto dos objetos, mas este traje é escandaloso
— alegou ela.
—É o único que pude conseguir com tão pouco tempo — replicou Oliver — Já
conseguiremos outros trajes amanhã, mas de momento, usará isto.
Maria se irritava com aquela altivez. Gostaria de desafiá-lo, mas não se atrevia a fazê-lo,
até que ela e Freddy não se achassem muito longe daquele lugar, com o pescoço intacto.
Oliver a olhou com curiosidade.
—E bem, o que espera para vesti-lo?
—Não até que você e Freddy saiam da sala! —exclamou ela, indignada.
—Sinto muito, gracinha. Não posso deixar seu primo aí fora, já que nossos amigos
poderiam reconsiderar sua decisão de deixá-lo partir. Nem tampouco penso em deixar os dois
aqui sozinhos, para que escapem pela janela. — Oliver a olhou com expressão de pouca
paciência — Asseguro-lhe que vi mais mulheres com espartilho e anáguas que as que você
pôde ver em sua vida.
—Disso não me cabe a menor dúvida — espetou ela com petulância — Pelo menos, tenha
a decência de virar-se.
—De acordo. — Oliver lhe deu as costas, e Freddy o imitou — Mas se apresse. Eu gostaria
de chegar a Halstead Hall a tempo para o jantar.
—Faz o que lhe ordena, por favor — se intrometeu Freddy — Estou a ponto de desmaiar
de fome.
—Embora seja apenas por uma vez, Freddy, quer deixar de pensar em seu estômago? —
resmungou ela.
As meias eram de seu tamanho, e conseguiu desabotoar o traje que tinha posto para vestir
o outro. Mas não podia abotoá-lo sozinha, basicamente porque era muito apertado na
cintura. E no busto. Gostasse ou não, ia necessitar de ajuda.

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—Freddy, me ajude fechar o vestido, por favor.
Seu primo ergueu as costas.
—Não posso fazer isso!
—Oh, pelo amor de Deus! — começou a queixar-se lorde Stoneville — Já sabia que os
americanos eram muito recatados, mas isto é absurdo.
Antes que Maria pudesse protestar, ele começou a abotoar o vestido, e ela ficou
horrorizada ao notar um progressivo calor no ventre, quando percebeu o leve aroma de
colônia masculina e a agilidade que demonstravam aqueles dedos com os botões. Isso não
podia ser bom.
—Mostra uma grande destreza na hora de ajudar uma mulher a vestir-se; suponho que
tem muita experiência. — Maria tentou soltar o comentário com um tom impertinente.
—Já sabe como somos os sedutores natos — respondeu ele com secura — Isso se
consegue com muita prática.
Aquele comentário fez com que Maria se questionasse com quantas prostitutas se deitou.
Tocava-lhes as partes mais íntimas, como sua tia lhe comentou que faziam os homens?
Quando as imagens lhe bloquearam a mente, tragou saliva. Custava-lhe muito não imaginar
cenas carregadas de erotismo, quando estava lhe roçando as costas com os dedos. E
tampouco ajudava que demorasse tanto em fechar a parte inferior do vestido.
—Este vestido está muito apertado — se desculpou ela envergonhada.
—Só me falta fechar um par mais destes malditos botões delicados; são muito pequenos
para meus dedos. — Ele respirava sobre sua bochecha, e Maria estremeceu com um calafrio.
Totalmente tensa, decidiu conter a respiração, e isso ajudou Oliver a fechar os últimos
botões. Quando ele acabou, Maria se deu conta de quão escandaloso era aquele vestido.
Expunha uma indecorosa e generosa porção de seus seios, o que se fez ainda mais óbvio
quando ele a rodeou até colocar-se em frente a ela e a repassou com um olhar felino.
—É perfeito.
Apesar da situação, aquelas palavras roucas lhe aceleraram o pulso. E quando os olhos de
Oliver posaram com um interesse desmedido em seu seio parcialmente exposto, ela recordou

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subitamente um dos conselhos que tia Rose não se cansava de lhe repetir a respeito dos
possíveis pretendentes: «Os homens tentarão tocar seus seios. Não permita».
Maria soltou um risinho nervoso, e ele arqueou uma sobrancelha.
—Suponho que não é o tipo de vestido que está acostumada a usar.
—Pois não. A maioria de meus trajes são folgados. Com este vestido, não poderei comer.
Seguro que se como um bocado, o tecido barato do sutiã arrebentará.
Nesse instante, Freddy se virou e lançou um bufido.
—Tampouco irá mal perder uns quantos quilos, Grenhita.
Quando ela o fulminou com o olhar, lorde Stoneville a surpreendeu com seu seguinte
comentário:
—Sua prima está perfeita vestida assim. — Voltou a devorá-la com um olhar apreciativo —
Mais que perfeita.
A Maria sentiu lhe acenderem as bochechas. Não estava acostumada a que os homens lhe
lançassem elogios extravagantes. Papai era muito prático para isso, e Nathan estava muito
absorto em seu trabalho na companhia. Custava-lhe dar crédito às adulações de lorde
Stoneville.
—Quer dizer que estou perfeita para seus planos.
As comissuras da boca de Oliver se curvaram para cima no que pareceu um sorriso
genuíno.
—Isso também é certo. — Ele a observou, enquanto ela preparava um fardo com seu traje
e outros objetos. Logo, a ajudou a vestir o casaco e lhe ofereceu o braço com um gesto
insolitamente cavalheiresco — Pronta?
Maria ficou olhando boquiaberta durante um segundo. Perdeu a cabeça ao pôr suas vidas
nas mãos desse desconhecido? Aquele tipo podia fazer o que quisesse com eles, levá-los a
qualquer lugar inesperado, e eles não poderiam fazer nada por detê-lo.
Mas, ao menos, não acabariam na prisão.
Quando aceitou seu braço, os escuros olhos de Oliver brilharam triunfalmente.

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—Uma sábia decisão, senhorita Butterfield — comentou ao tempo em que a guiava para a
porta — Não se arrependerá.
Por desgraça, ela não estava tão segura.
Quando a carruagem ficou em marcha, Oliver tirou o relógio do bolso e aproximou a
esfera à janela para poder consultar a hora sob a luz das luzes de gás. Eram mais das seis.
Perfeito. Chegariam a tempo para o jantar. A avó jamais perdia o jantar.
Examinou a bela mulher sentada diante dele. Que pena que tivesse posto o casaco,
porque o vestido escondido debaixo realçava sua figura até provocar um efeito espetacular. E
ainda se lamentava mais por não ter permissão para despi-la.
Tinha-o passado mal controlando a necessidade de deslizar os lábios pelas sinuosas curvas
de seu pescoço, enquanto a ajudava a vestir-se. Que sensação mais estranha! Estar tão perto
de uma mulher para poder tocá-la e, entretanto, não ter permissão para acariciar seu corpo.
Oliver estava habituado a obter o que queria das mulheres, ao que elas normalmente, se
prestavam mais que solícitas.
O pescoço da senhorita Butterfield seria um aperitivo delicioso, um prelúdio a um
banquete de aprimoramentos. Apenas seus quadris já manteriam um homem ocupado
durante um bom momento, sem esquecer seus adoráveis seios generosos. Por alguns décimos
de segundo, fantasiou com a ideia de encurralá-la em um canto e beijá-la até fazê-la perder o
sentido e, logo, deslizar as mãos dentro daquele sutiã tão acessível do vestido para...
Afogou uma maldição, enquanto notava que seu membro se punha duro dentro das
calças. Não pensava em iniciar nenhum joguinho de sedução com a senhorita Butterfield.
Deixando de lado o óbvio problema de sua virgindade, seu noivo poderia aparecer a qualquer
momento para complicar a história.
E, embora essa mulher se mostrasse a favor do jogo — o qual duvidava seriamente —
seguro que logo, ela se arrependeria. Oliver podia ofender seus «princípios morais» e induzi-la
a fugir de Halstead Hall em um estado de pânico.
Enquanto Freddy mantinha a vista fixa na janela, com os olhos desmesuradamente
abertos com curiosidade, Maria seguia mostrando sua indignação com um porte altivo e

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ofendido. A suave curva que formava sua boca impedia o mais leve sorriso, e mantinha os
ombros rígidos em atitude defensiva. Decidiu que esse tipo era um sedutor nato, e, apesar de
salvá-los da forca, nada a faria mudar de opinião.
Sua atitude intrigava Oliver.
As mulheres não estavam acostumadas a expressar suas verdadeiras opiniões sobre ele,
sobre seu caráter. As virginais se mostravam muito aterrorizadas para fazê-lo depois de que
suas mamães as prevenissem sobre sua natureza perigosa. As casadas tinham muita vontade
de deitar-se com ele para jogar em seu rosto sua perfídia. Exceto quando falavam dele às suas
costas, contando com avidez os rumores particularmente desagradáveis que envolviam as
mortes de seus pais. Instintivamente, franziu o cenho.
«Rogo que me perdoe. É terrível perder os pais. Sei por experiência.»
A repentina opressão que sentiu no peito o obrigou a erguer as costas. E daí se ela se
compadeceu dele? Ou que sua empatia o pegou despreparado e conseguiu reconfortar um
pequenino pedaço de seu escuro coração?
Sua empatia não significava nada. Ela não estava a par dos rumores. Quando os ouvisse,
iria separar-se dele horrorizada. Não era o tipo de mulher que se deixasse seduzir por uns
rumores sobre sua natureza perigosa; era excessivamente «decente» para isso.
Afastou de sua mente aquele pensamento tão deprimente. Tinha apenas uma hora para
prepará-la.
—Será melhor que lhe conte alguns quantos detalhes antes que cheguemos a minha casa.
— Quando ela o olhou com desconfiança, Oliver disse a si mesmo que era melhor que o
desprezasse, assim lhe resultaria mais fácil manter-se à distância daquela bela mulher — Por
razões óbvias, nosso acordo sobre o fato de que a ajudarei a encontrar seu prometido terá
que ficar entre nós três.
—Eu não direi nenhuma palavra — jurou Freddy, de seu assento ao lado de Oliver.
—Nem eu tampouco, é óbvio — asseverou Maria.
—E tem que fingir que deseja casar-se comigo — adicionou Oliver.
—Entendo.

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—Seriamente? Isso significa que terá que fingir que se sente a vontade comigo.
Para surpresa de Oliver, ela curvou os lábios levemente até esboçar um leve sorriso.
—Acredito que serei capaz de fazê-lo. — Então, como se percebesse que estava se
suavizando, apagou o sorriso de seu rosto — Mas você tem de comportar-se de forma
responsável, também.
—Quer dizer, sem me exceder nas confianças, não é assim?
Maria ficou perplexa.
—Não! Quero dizer, sim... Bom, já comentou que tem outras preocupações mais urgentes.
— O alarme se plasmou em seus olhos — Céus, esquecia que também nos disse que não lhe
importam nem a honra nem a decência!
Oliver levava a metade de sua vida gabando-se dessa falta de princípios, entretanto,
aquela noite, se lamentou de não os ter. Subitamente, a possibilidade de escandalizar uma
jovem dama perdia parte de seu atrativo.
—De todos os modos, senhorita Butterlield, prometo-lhe que sua virtude estará a salvo
comigo. — Quando ela o olhou com ceticismo, ele acrescentou — Não é meu tipo. — Uma
mulher respeitável supunha um tipo de vínculos que não lhe interessavam.
—É óbvio que não. — Maria esboçou uma careta de chateio — Não precisa ser cego para
perceber isso.
Aquele comentário o pegou despreparado.
Ela prosseguiu:
—Um homem que carece de decência não desejará uma mulher que, sim, tem princípios
morais. Nunca lhe permitirá fazer nada perverso.
Freddy tossiu como se engasgasse com algo. Oliver compreendeu o por que. A senhorita
Butterfield tinha uma irritante mania de expor qualquer questão sob seu intransigente ponto
de vista.
—Sim, tem razão — respondeu Oliver, sem poder pensar em uma resposta melhor. Em
seguida, olhou-a com um desmedido interesse e lhe perguntou — Então, o que queria dizer
com isso de que tenho que me comportar de forma responsável?

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—Jurou que encontrará meu prometido, e espero que mantenha sua palavra.
—Ah, claro, seu prometido. — Oliver seguia esquecendo essa questão. Custava-lhe
acreditar que uma mulher fosse capaz de atravessar o oceano em busca de seu prometido.
Nenhuma outra faria nada similar por ele.
Embora tampouco lhe teria feito alguma gentileza, já que isso significaria que alguém o
queria mais do que era prudente, dado seu caráter.
—Fale-me desse tal Nathan — sugeriu, com certa má vontade — Por que era tão
importante que você viesse pessoalmente em vez de enviar alguém da companhia de seu pai?
—Já disse; de momento, o dinheiro de papai não pode ser tocado até que se arrumem
certas questões legais. Meus procuradores se negaram a fazer algo a respeito de Nathan,
alegando que, provavelmente, estava ocupado negociando o contrato dos navios, e eu não
podia custear enviar alguém para que viesse buscá-lo.
—Mas essa pessoa poderia ter vindo no mesmo navio que você; a passagem sairia pelo
mesmo preço.
—Sei, mas uma vez em Londres, precisaríamos de mais dinheiro para viver, enquanto o
buscávamos. Freddy e eu estamos... Mais acostumados a viver com sobriedade.
—Isso é o que você diz — resmungou Freddy Ela o olhou com olhos severos. —Bom, sim,
tem razão — admitiu, finalmente, seu primo — Quando éramos pequenos, meu tio mal
ganhava para nos alimentar, até que apareceu Nathan e se associou com tio Adam, e, então,
as coisas mudaram para melhor.
Oliver começava a compreender.
—Assim que seu pai ofereceu a Nathan Hyatt sua única filha como esposa.
—Tampouco é isso — protestou Maria — Nathan e eu já éramos amigos quando papai
sugeriu que nos casássemos. Posto que papai não tinha nenhum filho varão a quem deixar o
negócio, disse que quando nos casássemos, deixaria sua metade a Nathan. Papai não o
obrigou a me aceitar por esposa, unicamente se limitou a...
—Contribuir a que a proposta fosse mais atrativa — concluiu Oliver, com uma visível
tensão.

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As belas sobrancelhas de Maria se franziram em um gesto de discordância.
—Não é uma proposta tão cruel.
—Ah, não? Hyatt fica com o resto da companhia, e você obtém um marido. Aqui na
Inglaterra é uma prática bastante habitual, também. — Uma prática que o enojava.
—Não é... Papai não... Oh! Como posso explicar-lhe. Você vê tudo com tanto cinismo...
—Ou, possivelmente, falte a você o devido cinismo. — Oliver adotou um tom mais
conciliador — Diga-me, gracinha, se Hyatt tem tanta vontade de casar-se, por que ainda não o
fez?
Maria se ruborizou.
—Porque papai insistiu em que dedicasse mais anos a aprender a dirigir a companhia,
antes que nos casássemos.
—E ele não protestou?
—Queria ganhar a bênção de papai, isso é tudo.
Quantos mais detalhes ouvia a respeito daquele «noivado», mais se irritava.
—Se eu estivesse apaixonado por uma mulher, nada me deteria para me casar com ela,
com ou sem pai.
—Ah, mas você, alguma vez, acata as regras do jogo, não é certo? — espetou Maria.
Nisso tinha razão.
—E o que acontecerá se Hyatt decidir não casar-se?
—Então, poderá comprar a metade da companhia. Se não o fizer, os advogados de papai
encontrarão outro comprador a quem vender. De um modo ou outro, eu receberei minha
parte.
—Assim convém a Hyatt casar-se com você, não é certo? — Por alguma razão, irritava-o
pensar que estavam tratando à senhorita Butterfield como se fosse um mero objeto em uma
troca. Esses acordos nunca saíam bem.
O rosto de Maria se escureceu.
—Não vejo o que tem a ver esta questão com nosso trato.

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—Parece-me interessante que você e eu compartilhemos umas situações similares. Seu
pai planejou tudo para obrigá-la a aceitar sua herança depois de sua morte, e minha avó está
tentando fazer o mesmo, mas enquanto ainda está viva. E nenhum dos dois pensou em nos
conceder uma oportunidade para escolher livremente.
Ela tragou saliva.
—Não compreende. Não quer compreender.
—Compreendo melhor do que acredita.
—Sua situação é diferente. — Maria estreitou os olhos em um par de frestas — Embora
não esteja segura de entender completamente sua situação.
—Então, possivelmente seja melhor que a conte.
—Sim. Eu não gostaria de estragar tudo no meu papel de suposta prometida.
—Não se preocupe. Fará isso muito bem. Se não consigo que minha avó mude de ideia em
um par de semanas a respeito de suas exigências, então, seguro que não haverá nada a fazer.
O êxito de meu plano está garantido.

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CAPÍTULO 5

Depois de escutar a explicação de lorde Stoneville a respeito de como sua avó queria
obrigar seus netos a casar-se antes de um ano, Maria já não estava segura de se
compartilhava com ele seu ponto de vista em relação à questão. Aquela mulher lhe parecia
um personagem formidável.
—E por que se mostra tão resistente a satisfazer suas exigências? — interessou-se — Nem
que sua avó estivesse tentando obrigá-lo a casar-se com determinada pessoa que não fosse de
seu agrado! E todo mundo acaba por casar-se, cedo ou tarde.
—Todo mundo, não. — Seu tom era agora, mais sereno e acessível — Além disso, não é
certo que meus irmãos se vejam obrigados a tomar essa decisão de forma prematura. E se não
encontrarem a ninguém que gostem em um ano? Alguém por quem se sintam realmente
atraídos? Para casar-se sem amor, é melhor não casar-se.
Oliver desviou a vista para a janela. Seus olhos perderam o brilho, repentinamente.
Esteve casado antes? Ou só falava hipoteticamente? Maria queria saber mais, mas
suspeitava que ele não contaria. Além disso, tampouco era de sua incumbência. Se ele decidiu
que não queria casar-se e seus irmãos tampouco, então, não havia nada mais a dizer.
Enquanto mantivesse sua palavra até o final do trato, não importava.
Mas Maria se incomodava que ele fosse tão cínico a respeito de seu futuro com Nathan.
Acaso pensava que ninguém podia casar-se com ela a menos que papai «contribuísse com que
a proposta fosse mais atrativa»?
É certo que, às vezes, ela mesma se perguntava pelos motivos de Nathan, mas sempre
insistia em que se casaria com ela de todos os modos, com ou sem a proposta de papai. Ele
jamais lhe falou de amor, mas tampouco nunca o via flertar com outras mulheres, assim que

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seus sentimentos por ela deviam ser genuínos, embora não os demonstrasse da forma
apaixonada que Maria lia naquelas novelas.
Franziu o cenho. O problema com lorde Stoneville era que ele via o mundo inteiro através
de um denso véu negro. Carecia do sentido da decência, assim, assumia que o resto dos
mortais tampouco tinha nem um pingo de moralidade. Não se estranha que sua avó estivesse
desesperada com ele.
—Nossa! Note nisso, Grenhita! — exclamou Freddy.
Maria seguiu seu olhar através da janela até umas edificações iluminadas ao final da
estrada.
—Como se chama esse povo? — perguntou a lorde Stoneville.
—Não é um povo — resmungou ele, no mesmo instante em que os cavalos entravam em
um comprido atalho que ia diretamente para as luzes — É Halstead Hall. Minha propriedade.
Maria sentiu seu queixo cair.
—Mas como é possível que... Haja tantos telhados e...
—Sim. — Por um momento, ela pensou que ele não ia acrescentar nada mais. Então,
Oliver explicou com má vontade — Foi edificado em uma época em que o costume da gente
rica era ampliar suas casas. Enrique VIII entregou o imóvel ao primeiro marquês de
Stomeeville, a modo de agradecimento por uns serviços prestados. Após pertenceu a minha
família.
Ele não parecia muito contente com essa realidade, o que não fazia sentido. Devia ser
incrível ser o proprietário de um imóvel tão espetacular! E, ainda por cima, que sua família a
herdasse diretamente de um rei!
—Perdoe a curiosidade, mas quantas estadias têm? — aventurou-se a perguntar ela.
—Umas quatrocentas, mais ou menos.
—Mais ou menos? — chiou Maria.
—Ninguém continuou contando a partir da trezentas. Damo-lo por sentado. Quando a
gente chega à quinta esplanada e ao décimo edifício, os números começam a dançar. Sim,
realmente é bastante grande.

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Bastante grande? Mas se era um palácio! Maria jamais imaginou que alguém que não
pertencesse à realeza pudesse viver em um lugar tão impressionante.
—Deve custar uma fortuna mantê-lo — comentou Freddy.
—Não tem nem ideia — respondeu lorde Stoneville — É a primeira vez desde a morte de
meus pais que o vi completamente iluminado. Somente o gasto em velas é... — Franziu o
cenho e resmungou — Maldita seja, os criados acenderam muitas velas; nota-se que a avó
está de visita.
E por que se zangava por essa tolice? Aquela conversa ficava cada vez mais interessante.
—Pois lhe ofereço a solução a seus problemas financeiros — sugeriu Maria — Só tem de
vender o imóvel, e sua família disporá de suficiente dinheiro para viver pelo menos três
séculos mais.
—Sim, eu gostaria de fazê-lo! — replicou ele com amargura — Na Inglaterra temos uma
forma de propriedade vinculada denominada mayorazgo que não permite que nenhum dos
herdeiros venda a propriedade, sequer o primogênito. E isso afeta, inclusive, o conteúdo da
propriedade.
—Mas poderia alugá-lo a uma pessoa importante — sugeriu Freddy.
—Temo que somente um rei poderia pagá-lo. Ninguém aluga uma pilha de edifícios, a
menos que disponha de uma verdadeira fortuna. E, entre os novos ricos, não é costume alugar
este tipo de imóveis: é muito rústica, e todo o mobiliário está antiquado. Asseguro-lhe que já
tentei. —Oliver arqueou uma sobrancelha. —Não é estranha a vida, senhorita Butterfield? A
julgar pelo que me contou, você está quase sem dinheiro. Seu pai possuía uma companhia
naval, e, entretanto, você não possui nada.
—É verdade, mas nunca vivi em um palácio.
—Nem eu tampouco. Virtualmente, vivi toda minha vida na cidade. — Voltou a desviar a
vista para a janela, com ar pensativo — Quase nunca venho por aqui. Até recentemente, o
imóvel estava fechado.
—Por quê?

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O interior da carruagem ficou sumido em um incômodo silêncio, e Maria não estava
segura de se ele a ouviu ou não, até que Oliver comentou:
—É melhor deixar que alguns lugares apodreçam.
As palavras a deixaram estupefata.
—O que quer dizer, milord?
Ele ergueu as costas.
—Nada. E não me chame assim. Esse «milord» é o termo que usam os serventes. Você é
minha prometida, recorda? — Parecia claramente irritado — A partir de agora, será melhor
parecermos mais íntimos. Eu chamarei você de Maria, e será melhor que você me chame por
meu nome de batismo: Oliver.
—Um nome incomum para um lorde inglês.
—Puseram-lhe esse nome em honra ao dramaturgo Oliver Goldsmith?
—Por Deus, não! Puseram-me isso por Oliver Cromwell, o líder político e militar inglês.
—Está tirando sarro de mim?
—Não, temo que não. Meu pai achou que parecia uma decisão muito divertida,
considerando suas próprias... Ahm... Tendências libertinas.
Que Deus tivesse piedade dela! Aquele indivíduo atentava contra qualquer forma de
respeito! Voltou a contemplar o imóvel com interesse e pensou que provavelmente ali se
poderia alojar toda a população de Dartmouth.
De repente, o pânico se apoderou dela. Como ia fingir ser prometida de um homem que
era proprietário de uma fazenda tão espetacular?
—Pois me puseram meu nome em honra ao rei Frederick — gorjeou Freddy.
—Qual deles? — perguntou lorde Stoneville.
— Ah! Não sabia que havia mais de um.
—Pelo menos há dez — respondeu o marquês com secura.
Freddy franziu o cenho.
—Pois não estou seguro em honra a qual deles.
Quando os olhos do Oliver faiscaram divertidos, Maria disse:

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—Acredito que tia Rose procurava um nome que soasse a realeza.
—Isso! — corroborou Freddy — Apenas se refere ao rei Frederick em geral.
—Entendo — disse Oliver solenemente, embora seus lábios não pudessem conter a risada.
Desviou o olhar para ela — E em seu caso, por que lhe puseram Maria?
—Pela Virgem Maria, é óbvio — repôs Freddy.
—Claro — admitiu Oliver, com os olhos brilhantes — deveria havê-lo suposto.
—Somos católicos — acrescentou Freddy
—Minha mãe era católica — o corrigiu Maria — Papai não era, mas posto que a mãe de
Freddy também é, os dois fomos educados sob as crenças católicas.
Embora ela jamais levasse a religião muito a sério. Papai sempre dizia que a religião era
para os tolos.
Um pérfido sorriso se desenhou no rosto de Oliver.
—E, além disso, católica, né? Isto está se pondo cada vez mais interessante. A avó terá um
ataque de apoplexia quando conhecer você.
Cansada de seus comentários insultantes, Maria começou a dizer:
—Olhe senhor...
—Já chegamos — anunciou Oliver, quando a carruagem se deteve em seco.
Maria deu uma olhada pela janela, e lhe encolheu o estômago. De ambos os lados,
Halstead Hall parecia não ter fim, resplandecente como uma magnífica joia sob a luz da lua
invernal. A fachada principal podia considerar-se simples: sem a escada majestosa nem
titânicas colunas, a não ser porque a pedra que a recobria, estava rematada com adornos e
pelas ameias que coroavam os cantos. E também era inesquecível a impressionante porta de
carvalho que começou a abrir para recebê-los. Era como se entrasse na corte do rei Artur.
Mas os criados de uniforme e os cavalariços que saíram a seu encontro eram
decididamente de seu século.
Oliver ficou tenso.
—Pelo visto, a avó trouxe também seus criados. — Um lacaio colocou a escada na
portinha da carruagem, e Oliver desceu, logo, ajudou Maria, lhe oferecendo o braço para que

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ela se apoiasse. —Minha avó já desceu para jantar? — perguntou ao lacaio, no mesmo tom
imperioso que utilizou no bordel.
—Não, milord.
—Bem. Diga ao cozinheiro que conte com duas pessoas a mais para jantar.
Maria se aferrou ao braço de Oliver com força, sentindo-se repentinamente enjoada. Não
é que não estivesse acostumada a ter criados; quando as coisas para seu pai começaram a ir
bem, contrataram vários, mas jamais os obrigou a ir uniformizados. Estes criados em troca,
não paravam de revoar ao redor deles. Um deles pegou seu casaco, e outro os casacos e os
chapéus dos homens, como se fosse uma verdadeira honra servir ao senhor marquês. Isso a
pôs nervosa, sobretudo, ao ver a atitude desdenhosa de Oliver para eles.
A entrada em arco que atravessaram conduzia a uma esplanada de pedra rodeada pelos
quatro lados por paredes nas que havia outras portas. Oliver os conduziu através da
esplanada, até chegar à outra impressionante porta de carvalho, que se abriu diante deles.
Maria se sentia como uma rainha escoltada através de um palácio.
Em seguida, entraram em uma enorme sala que a deixou sem fôlego.
—Esta é a sala principal — explicou Oliver — Já sei que seu aspecto medieval intimida um
pouco.
—É espetacular.
—A avó a adora. É sua estadia favorita.
Maria podia compreender o por que. Duas lareiras de mármore com nervuras rompiam a
monotonia da inacabável parede recoberta com painéis de carvalho, e umas banquetas muito
antigas ocupavam toda a extensão da outra parede. Mas o que realmente captou sua atenção
foi o incrível biombo de carvalho de estilo jacobino que guarnecia o fundo da sala, de seis
metros de altura e o bastante largo para acomodar duas portas, com criaturas fantásticas e
brasões magnificamente esculpidos. Na parte superior, perto das molduras do teto com seus
intricados desenhos, havia uma persiana que surpreendia por sua formosura.
Maria estava tão extasiada com o imenso biombo que não se deu conta do que havia no
outro extremo da sala até que uma voz disse a suas costas:

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—Vejo que conseguiu chegar a tempo para o jantar, Oliver.
Quando ela e Oliver se viraram para a voz, Maria se fixou na majestosa escadaria esculpida
em um estilo rebuscado e pintada de cor dourada que se elevava por cima da velha entrada
do vestíbulo. Com sua pintura talhada em alguns lances, parecia inclusive mais antiga que seu
querido país — os Estados Unidos — e, entretanto, o bastante robusta para sustentar às cinco
pessoas que desciam por ela.
À frente do grupo, pega ao braço de uma adorável jovenzinha, destacava-se uma dama
com o cabelo grisalho cujos olhos escrutinaram Maria com agudo interesse. Atrás delas, havia
dois homens jovens e outra jovenzinha; os três pareciam incômodos.
—Boa noite a todos — saudou Oliver com tom cordial — Permitam-me que lhes apresente
minha prometida, a senhorita Maria Butterfield e seu primo, o senhor Frederick...
Maria percebeu que Oliver desconhecia o sobrenome de Freddy.
—Dunse — murmurou ela.
Oliver a olhou, com o rosto surpreso.
—Seriamente?
Ela assentiu.
—O senhor Frederick Dunse — anunciou ele.
Às suas costas, Maria ouviu Freddy murmurar uma maldição. Não tinha de olhá-lo para
saber que seu primo estava escrutinando a todos com cara de poucos amigos, como se
esperasse que se pusessem a rir ou zombar de seu sobrenome2.
—Maria — disse Oliver — apresento meus irmãos: lorde Jarret e lorde Gabriel; minhas
irmãs: lady Minerva e lady Celia; e minha avó: a senhora Hester Plumtree.
Seus irmãos sussurraram uma saudação formal. A anciã fez uma leve reverência com a
cabeça, embora não afastasse os olhos nem um segundo do escandaloso vestido barato e
excessivamente curto de Maria.
—Estamos encantados em conhecê-la, senhorita Butterfield.

2 Em inglês, dunse se pronuncia como dunce, que significa burro.

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—Para mim, é uma verdadeira honra conhecê-la, senhora. — Maria esperava que sua
resposta fosse correta. E por que diabo Oliver apresentou sua avó como «senhora» e em troca
aos outros os chamou de «lorde» e «lady»?
—Maria e seu primo são americanos — continuou Oliver, tranquilamente — Muito
recentemente que nos conhecemos; a verdade é que o nosso foi um cortejo, mas bem curto.
— Espremeu-lhe a mão — Não é verdade, querida?
—Muito curto — replicou ela, sem estar segura de se era a resposta que ele esperava.
—Posto que os dois se alojavam em uma hospedaria, convidei-os a ficar aqui. — Oliver
pronunciou as palavras como se supusesse uma provocação — De todos os modos, viverá aqui
depois das bodas, e, posto que nos sobram quartos...
Maria quase desmaiou ao ouvir aquela declaração, que incitou um dos jovens a soltar uma
gargalhada que não demorou a afogar ante o severo olhar da senhora Plumtree.
Quando a avó voltou a fixar os olhos em Maria, uma luz estranha brilhou em seus olhos, e
Maria tragou saliva, pensando que era melhor que se preparasse para o pior. Aquela batalha
ia se lutar com umas armas desconhecidas para ela.
Assim que ficou surpresa quando a anciã desceu mais degraus e disse:
—Pedirei que preparem a suíte real para nossos convidados, se lhe parecer bem.
—Não sei por que pede minha opinião — comentou Oliver, com uma voz fria — Pelo
visto, chegou com todo seu séquito de criados sem meu conhecimento nem consentimento.
—Se todos forem casar logo, não podem viver como pobres.
—E as aparências são o mais importante — contra-atacou Oliver
A anciã não fez caso de seu tom sarcástico.
—Falando de aparências, precisaremos enviar um comunicado à imprensa com respeito a
suas bodas. Além disso, é uma sorte que os Foxmoor celebrem sua festa anual semana que
vem. Será a ocasião ideal para anunciar seu compromisso. Ou pensa em se casar antes?
Os dedos do Oliver se crisparam sobre os de Maria.
—Isso depende. Possivelmente, tenhamos problemas para obter uma permissão de
casamento especial, já que Maria é católica.

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A senhora Plumtree acabava de dar um tropeção no degrau, ou o tinha imaginado Maria?
Fosse como fosse, a anciã se recuperou rapidamente, já que seus olhos azuis cintilaram
raivosamente.
—Tem razão. Possivelmente, isso supõe uma ou outra dificuldade, mas o solucionaremos.
—É óbvio — apontou Oliver, com uma formidável calma — Um homem de minha classe
pode fazer geralmente, o que lhe agrade. Disse que queria que todos nos casássemos
depressa, não é assim?
A senhora Plumtree apertou os olhos em um par de frestas.
—E a família da senhorita Butterfield? Não quererá assistir às bodas?
—Seus pais estão mortos. Isso é conveniente para você, já que não acredito que gostaria
que a minhas bodas assistisse a filha de um lojista e o filho bastardo de um criado.
Maria lhe espremeu o braço. Apesar de que se supunha que ela tinha que colaborar para
horrorizar sua avó e conseguir que a anciã renunciasse a suas exigências, a forma com que
Oliver acabava de apresentar seus pais fazia com que sua família parecesse pior do que era. E,
como não, ele não mencionou nada em relação à New Bedford Ships, nem a como papai foi
escalando postos na sociedade até ocupar um lugar de destacada relevância.
A senhora Plumtree fulminou seu neto com um olhar gélido e disse:
—Estarei encantada de receber qualquer membro da família de sua futura esposa que
deseje assistir a suas bodas.
A julgar pelo olhar sombrio de Oliver, não era a resposta que esperava.
—Diga-me, Oliver — se intrometeu o irmão de cabelo escuro — onde conheceu sua
adorável prometida?
O sorriso calculado que curvou os lábios de Oliver desatou todos os alarmes de Maria.
—Alegra-me que tenha perguntado isso, Jarret. De fato, conhecemo-nos em um bordel.

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CAPÍTULO 6

Quando a avó mal pestanejou, mas sim, ao contrário do esperado, relaxou os ombros e
suavizou seus traços até oferecer uma aparência sossegada, Oliver teve de realizar um
verdadeiro esforço por controlar-se e não soltar um rugido de frustração. Minerva e Celia
pareciam mais ofendidas que a avó, pelo amor de Deus!
E de todos os modos, por que se mostravam ofendidas? O que tinham entendido quando
ele lhes disse que procuraria uma prometida absolutamente inaceitável, para que a avó
entrasse em razão? A sutileza jamais funcionava com a avó.
De repente, foi consciente dos dedos que lhe cravavam dolorosamente no braço.
—Rogo que me desculpem, mas preciso falar um momento a sós com meu prometido —
anunciou Maria a seu lado — Há algum lugar onde possamos falar em particular?
Maldição! Esqueceu-se de Maria. Não ficaria mais remédio que enfrentar também a ela,
porque, certamente, não gostou nem um pouco do modo em que acabava de apresentá-la:
como uma prostituta.
Minerva assinalou a biblioteca, e Maria se dirigiu para a porta sem deixar a Oliver
nenhuma oportunidade mais que balbuciar uma desculpa e segui-la.
No momento em que fecharam a porta, ela se virou para ele furiosa.
—Como se atreve! Não me disse nada a respeito a me apresentar como uma prostituta!
Esse não era o pacto!
—Preferiria que a apresentasse como uma ladra? — contra-atacou ele, não disposto a
permitir que ela se encorajasse.
Os olhos de Maria cintilavam com indignação.
—Sabe perfeitamente bem que não sou uma ladra! E me nego a me fazer passar por uma
prostituta!

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—Embora essa negativa supusesse que tenha de enfrentar às autoridades londrinas?
Apesar de ela empalidecer, não deu o braço a torcer.
—Sim. Encerre-nos no cárcere se quiser, mas não penso em seguir este jogo tão
desagradável nem um segundo mais.
Oliver ficou estupefato ao ver que se dirigia decididamente para a porta. Maldição! Essa
fêmea tinha a clara intenção de partir!
Rapidamente lhe bloqueou o passo, agarrando-a pelo braço para detê-la.
—Fizemos um trato, e não escapará tão facilmente.
—Este era seu plano desde o começo, não é assim? Vestir-me como uma prostituta e usar
minha desamparada situação para sua própria conveniência. Acaso pensava que quando me
trouxesse aqui, eu aceitaria sem mais todos seus insultos, só porque tenho medo de suas
ameaças? — Quando ele não respondeu imediatamente, ela o fuzilou com um olhar
beligerante — Sabia! Esse era seu plano! É um maldito canalha...
Uns golpezinhos soaram na porta.
—Vai tudo bem, Oliver? — perguntou a avó.
—Sim, tudo bem! —espetou ele desejando que a avó se afastasse da porta, antes que
pudesse ouvir as queixas iradas de Maria — Agora mesmo saímos!
—Acredito que tenho direito a ouvir os motivos de sua disputa — comentou a avó.
Ao ouvir o ruído da maçaneta ao girar, Oliver renegou a meia voz. Por Deus! A avó ia
entrar!
Em uma desesperada tentativa de deter Maria antes que jogasse tudo a perder, agarrou-a
pela cintura, atraiu-a para si e selou sua boca com um beijo.
A princípio, ela ficou tão surpresa que não conseguiu reagir. Quando depois de um
momento, ele notou que ela lutava para afastar-se, imobilizou-a, agarrando-a pela nuca com
mão firme.
—Ui! Desculpem-me — exclamou a avó, em um tom tenso.

70
Oliver mal ouviu a porta que se fechava às suas costas nem os passos que se afastavam,
mas antes de soltar Maria, notou uma intensa dor em suas partes mais íntimas que o fez ver
estrelas. Maldita fêmea! Essa ferazinha se atreveu a lhe dar uma joelhada nos testículos!
Enquanto se encurvava para frente lutando por não perder o conhecimento, Maria
espetou:
—E isto por fazer ficar como uma vagabunda diante de sua avó!
Maria deu a volta para a porta, e ele gritou:
—Espere!
—Por que ia fazê-lo? —replicou iracunda— Desde que chegamos quão único tem feito foi
me insultar e me humilhar diante de sua família.
Apertando os dentes para conter a dor, Oliver decidiu apostar o único ás que ficava na
manga.
—Se retornar à cidade, o que fará a respeito de Nathan? —Graças a Deus, a pergunta
conseguiu retê-la. Oliver fez um esforço por erguer as costas. —Ainda necessita de minha
ajuda e sabe.
Ela se virou lentamente para ele.
—Até agora não fez nenhuma tentativa genuína para me ajudar — replicou com secura.
—Mas farei. — Oliver tragou ar, procurando controlar a dor. — Amanhã retornaremos à
cidade e contrataremos um detetive. Conheço um que é muito profissional. Poderá contar
tudo o que saiba sobre o desaparecimento de seu prometido, e eu me assegurarei de que faça
um bom trabalho.
—E em troca pede que me faça passar por uma vagabunda.
Ele esboçou uma careta de chateio. Por Deus, era mais que evidente que estava realmente
ofendida. Deveria supor que uma mulher que se atrevesse a empunhar uma espada não se
deixaria tratar injustamente com tanta facilidade.
—Não.
—Não, o que? — exigiu ela.
—Não tem que fingir que é uma puta. Mas não vá. Meu plano ainda pode funcionar.

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—Não vejo como — objetou ela — Acaba de lhes dizer que me conheceu em um bordel.
Tampouco aceitarei que lhes diga que somos ladrões. Não quero que acreditem que o enganei
como a um pobre tolo.
—Já inventarei alguma desculpa, não se preocupe — apostilou Oliver.
—Uma desculpa que me deixe como uma manipuladora perversa de baixos recursos?
—Não. —Maria o tinha encurralado, e sabia. —Asseguro-lhe que só com a história de suas
origens já tenho o bastante para alarmar a avó. Fingiu que não a afeta, mas não consentirá,
sei. Fique por favor. Desta vez, irei com mais cuidado, prometo isso.
Ela afastou o olhar. Seu rosto refletia sua incerteza.
—Não sei se acredito em você. Como posso confiar em um homem que está acostumado a
exigir, em vez da pedir, e a dar ordens a todos os que o rodeiam? Note! Vive como um rei! —
Maria estendeu o braço como se quisesse abranger toda a biblioteca.
Oliver sentiu que seu peito se comprimia com uma sensação de absoluta frustração.
Apesar de que isso fosse certo, nunca considerou que as riquezas de Halstead Hall nem seu
título nobiliário fosse um problema. Qualquer outra mulher se jogaria a seus pés a fim de ter
todos esses privilégios.
Qualquer mulher inglesa, claro; pelo visto, as americanas eram um caso à parte.
Entretanto, ironias da vida, aquela impressionante mansão não era nada, se carecia do
dinheiro necessário para mantê-la, e ela não estava familiarizada com as destrezas da
aristocracia inglesa, para dar-se conta da crítica situação. Ela apenas via o glamour da rançosa
ascendência.
—Olhe — disse Oliver — ambos sabemos que você não quer retornar a Londres a estas
horas. Fique esta noite; jante conosco, durma em uma cama confortável. — Quando ela
elevou o queixo com petulância, ele acrescentou rapidamente — Tente fingir que é minha
prometida, e, amanhã pela manhã retornaremos à cidade. Se esta noite acontecer algo mais
que a desagrade e desejar não seguir com esta farsa, prometo-lhe que amanhã romperemos o
trato.
Os traços de Maria refletiram sua vacilação.

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—Não voltará a me beijar?
—Tendo em conta seu método para me demonstrar seu desgosto? Não, obrigado, não me
sinto atraído pela dor física.
Ela estreitou os olhos.
—E se amanhã lhe digo que não quero continuar com esta farsa, não tentará encerrar a
Freddy e a mim no cárcere?
—Não. Mas tampouco contratarei um detetive para que procure seu prometido. Terá de
se arrumar sozinha. — Endureceu a voz — Mas, se tentar partir esta noite, juro que não
pararei até que obtenha que os processem por roubo.
Oliver tinha realmente vontade de fazer isso, embora apenas para vingar-se da joelhada
em suas partes mais íntimas. Não obstante, também tinha suficiente bom senso para não
deixar-se levar pelo instinto vingativo.
Se conseguisse que ficasse aquela noite, os outros a convenceriam. Seus irmãos podiam
ser encantadores, se se propunham, especialmente, quando lhes revelasse que ela não era
uma puta. E quando Maria soubesse que a avó também exigia que Minerva e Celia se
casassem sem ter em conta sua opinião, seguro que sentiria tanta pena por elas, para
comprometer-se a ajudá-lo. Apesar de não sentir pena por ele.
—Uma noite, e nada mais — advertiu ela.
—A menos que dita que lhe interessa o pacto para seus próprios fins.
Maria desviou a vista para a porta, e Oliver soube que ela estava pensando em seu
desventurado primo. Então, cruzou os braços sobre o peito e disse:
—De acordo. Ficaremos esta noite. E logo veremos.
Graças a Deus. Oliver assentiu, logo, se aproximou dela com certa rigidez.
Ela vacilou.
—Sinto ter sido tão... Contundente.
—Mentirosa — resmungou ele — Não se arrepende nem um pouco.
Os lábios de Maria se alargaram com um ardiloso sorriso.
—Tem razão. Não me arrependo.

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Oliver lhe ofereceu o braço.
—Por certo, onde aprendeu essa técnica?
—Um de meus primos me ensinou a fazê-lo, se por acaso, algum homem se atrevesse a
exceder-se.
Ao menos, a clara determinação por defender a si mesma a manteria afastada dele, e
Oliver não se sentiria tentado a desdobrar seus encantos com ela. Uma mulher que desejava
empregar essa técnica com um homem era perigosa, e ele não pensava lhe dar outra
oportunidade de machucar «as joias da família».
Do outro lado da porta, a família de Oliver seguia congregada na sala principal,
comentando algo entre irados sussurros, enquanto Freddy perambulava com passo nervoso,
na outra ponta da ampla estadia.
Oliver pigarreou para captar a atenção de todos.
—Minha prometida me deixou claro que não aceita minhas brincadeiras pesadas.
—Oliver adora dizer barbaridades para escandalizar as pessoas — argumentou Maria com
voz calma. Quando ele a olhou surpreso de que ela percebesse aquela faceta de sua
personalidade, ela arqueou uma sobrancelha e o olhou com porte crédulo — Estou segura de
que já sabem como é, e considero que isso é um grande defeito de seu caráter.
Pelo visto, o considerava um homem com numerosos defeitos, embora a verdade fosse
que Oliver não podia repreendê-la.
A avó olhou primeiro para Maria e, logo, a seu neto.
—Assim, não se conheceram em um bordel?
—Sim que nos conhecemos em um bordel — aduziu Oliver — mas apenas porque o pobre
Freddy se perdeu e acabou metendo-se em um por engano. Eu estava tentando compreender
o que era o que Freddy procurava, quando Maria entrou precipitadamente muito preocupada
se, por acaso, seu primo se colocou em alguma confusão. Com dois americanos tão singulares
perdidos em uma cidade tão perigosa, duas criaturas tão inocentes expostas a graves
percalços, senti-me impulsionado a ajudá-los. Tenho-lhes feito de guia e de acompanhante
durante a última semana, não é certo, querida?

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Lançou-lhe um olhar doce e um sorriso decididamente falso.
—Assim é querido. E a verdade é que foi um guia excelente.
Jarret arqueou uma sobrancelha.
—Que estranho que depois de conhecê-lo em um bordel, Oliver, a senhorita Butterfield
ainda queira casar-se com você.
—Tenho que admitir que tive sérias dúvidas a respeito — comentou Maria — mas ele me
jurou que os dias de farra já eram história, quando se ajoelhou ante mim para me declarar seu
amor.
Quando Gabriel e Jarret mal conseguiram controlar a risada, Oliver apertou os dentes.
Ajoelhar-se ante ela? Há, há. Pelo visto, estava decidida a pisar em seu orgulho na menor
oportunidade. Provavelmente, pensava que merecia ser ridicularizado de forma implacável.
Oliver só rezava para que a avó jogasse a toalha em seu empenho, antes que ele tivesse que
apresentar essa descarada fêmea a seus amigos, ou Maria conseguiria que todos zombassem
dele durante décadas.
—Temo querida, que meus irmãos têm muita dificuldade em imaginar-me declarando
meu amor a uma mulher — matizou ele com visível tensão.
Com um exagerado ar teatral Maria abriu os olhos desmesuradamente, como se estivesse
surpresa.
—De verdade, não sabem que é um romântico consumado? Terei de mostrar a vocês os
sonetos que me escreveu elogiando minha beleza. Acredito que os deixei no bolso do casaco;
posso ir buscá-los, se quiser.
E a muito brincalhona inclusive, ousou desviar a vista para a entrada!
—Não, agora não — respondeu ele, dividido entre uma irrefreável vontade de rir e uma
irreprimível vontade de estrangulá-la — É hora de jantar. Morro de fome.
—Eu também — interveio Freddy. Ao ver que Maria o olhava com reprovação, murmurou
— Embora possa esperar se for necessário.
—Não será necessário — apontou a avó com um tom jovial — Nós não gostamos que
nossos convidados se sintam incômodos. Vamos então à sala de jantar, senhor Dunse. Será

75
melhor que você faça de anfitrião e encabece a comitiva, posto que meu neto esteja tão
ocupado.
Enquanto todos se encaminhavam para sala de jantar, Oliver inclinou a cabeça para
sussurrar:
—Vejo que está desfrutando, fazendo-me passar por um idiota sem remédio.
Sorriu-lhe, com malícia.
—Sim, a verdade é que estou me divertindo muito.
—Alegro-me. Gostou da minha desculpa sobre como nos conhecemos no bordel?
—Não está mau. — Maria lhe lançou um olhar coquete por debaixo de suas largas
pestanas — Mas nem por um momento pense que me tem no bolso, senhor.
«Pois penso consegui-lo antes que a noite chegue a seu fim», disse Oliver para si.
Não lhe importava o que tivesse que fazer para conseguir; estava decidido a convencê-la
para que ficasse e desempenhasse o papel de sua prometida.
Que Deus tivesse piedade dele!

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CAPÍTULO 7

Quando Maria viu a majestosa sala de jantar com seu teto de gesso ornado e suas paredes
com nichos que albergavam aquelas impressionantes estátuas de mármore, teve um gélido
momento de pânico. A larga mesa estava disposta com taças banhadas em ouro e uma
elegante baixela de porcelana. Os guardanapos de damasco podiam estar desfiados e as finas
tigelas de cristal lascadas, mas na mesa havia uns objetos de prata que ela nunca viu antes,
nem muito menos sabia como usá-los. Enquanto isso, vários criados permaneciam de pé
dispostos a começar a servir o jantar.
Freddy também exibia um rosto como se alguém lhe acabasse de expor um problema
matemático. Como foram meter-se com aquela gente tão sofisticada?
E mais, tendo em conta o que deviam pensar dela. Maria ainda se sentia envergonhada ao
recordar os olhares ofendidos das irmãs de Oliver quando ele anunciou que a conheceu em
um bordel. Jamais o perdoaria por essa humilhação. Não gostava que as pessoas zombassem
dela, sobretudo um homem que parecia pensar que as mulheres só existiam para lhe dar
prazer.
Subitamente, sentiu um intenso calor nas bochechas, ao recordar que ele se atreveu a
beijá-la. Beijou-a, pelo amor de Deus! E por um momento, apenas por um efêmero momento,
ela sentiu o que pensava que alguém devia sentir com um beijo: acelerou-lhe o pulso e
desbocou o coração. Isso era o que mais a indignava.
Devia ser pela forma em que Oliver a beijou. Possivelmente, Nathan era bastante
inexperiente na hora de beijar. Maria assumiu sua própria culpa ante a falta de emoção
quando Nathan a beijava, mas possivelmente, a culpa fosse dele. Ou, possivelmente, a
intensidade de sua raiva por Oliver fez com que ela sentisse algo que em circunstâncias

77
normais não haveria sentido. Sim, devia ser isso. Sua raiva conseguiu despertar outras
emoções apaixonadas.
Desviou a vista dissimuladamente para Oliver, que nesse momento, parecia zangado
consigo mesmo, e não com ela. Com cara de poucos amigos, a conduziu até uma das cadeiras,
que, por sorte, estava justo ao lado da de Freddy, e, logo, ele se afastou para colocar-se na
cabeceira da mesa. Mas não se sentou.
—Já podem começar a servir o jantar — ordenou a avó ao criado que se achava mais perto
dela.
—Ainda não. — Oliver fez um sinal aos criados — Deixem-nos a sós uns momentos.
—Pode-se saber o que...? — começou a protestar sua avó.
—Que jantar tão especial, né, avó? — Oliver esperou até que os criados se fossem e,
então, avançou a grandes pernadas até a mesa auxiliar e levantou as tampas das bandejas
uma a uma — Filé de vitela. Lombo de vaca com molho de vinho. Camarões-rosa e lagosta...
— Fuzilou a avó, com um olhar inflexível — Trouxe seu cozinheiro francês. E pelo que posso
ver, uma impressionante porção dos produtos mais caros que se podem encontrar nos
mercados de Londres.
—Não há motivo para que não se coma bem enquanto estiver aqui — replicou ela com
teimosia.
—Salvo que está em minha casa. — Oliver avançou com passo enérgico para a cabeceira
da mesa — Recordo-lhe que está em minha casa, por isso, enquanto se hospede aqui, comerá
os produtos de meu imóvel: veado, cordeiro e perdiz, como o resto de nós. Não permitirei que
haja mais velas de cera de abelha acesas a todas as horas, e só manteremos abertas as
estadias que necessitemos.
—Vamos, Oliver...
—Meus criados se encarregarão de servir você. Quero que amanhã pela manhã, envie os
seus de volta a Londres. Se não estiver de acordo com estas condições, sugiro que retorne a
Londres com eles.
Os olhos de sua avó jogavam faíscas.

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—Suponho que é sua forma de me castigar pelas exigências que fiz aos cinco.
—Equivoca-se. Para bem e para mau, este é meu imóvel. Até agora, você nunca contribuiu
para mantê-lo com seu dinheiro, e não permitirei que o faça agora. Posso me encarregar
sozinho. — Sua voz se tornou mais dura — Tome-o da seguinte forma: isto servirá para
demonstrar a meus irmãos o que podem esperar exatamente se não cumprir suas exigências.
A anciã lançou a seu neto um olhar desconfiado.
—Há, o que você pretende é que sinta pena por eles e desista de meu plano, não é assim?
—Queria que eu me encarregasse deste imóvel, e é o que estou fazendo. Estas são minhas
condições.
—De acordo, de acordo — o sossegou ela movendo a mão com desdém — Mas esta noite,
nos servirão os meus criados, e o jantar já está preparado, assim sugiro a você que desfrute.
Oliver vacilou um instante antes de concordar com um leve movimento de cabeça.
—Graças a Deus — murmurou o irmão que estava sentado do outro lado de Maria, o mais
loiro, que se chamava lorde Gabriel — Quero muito provar os camarões-rosa.
—Eu também — gorjeou Freddy.
Maria estava ocupada tentando compreender Oliver, por isso, não lhes deu atenção.
Observou como ele chamava os criados para que voltassem a entrar, logo, tomou assento na
cabeceira da mesa com porte rígido. Pelo visto, depois dos últimos comentários
cavalheirescos, era um homem mais orgulhoso do que Maria esperava.
Até esse momento, pensou que ele era somente um pobre lorde malcriado que aspirava
chegar até onde fosse necessário para ganhar seu desejado bem-estar. Mas a raiva que
mostrou a sua avó não se encaixava com essa descrição.
Nem tampouco seu aparente ódio para com esse lugar. Pelo intenso aroma de umidade e
mofo que prevalecia na estadia, sabia que ele não mentiu a respeito de que até fazia pouco,
esse lugar permaneceu fechado, mas por que escolheria alguém deixar que um lugar tão
esplendoroso apodrecesse? Tratava-se de uma questão econômica? Ou acaso tinha algo a ver
com o olhar sombrio que ela viu nos olhos dele em mais de uma ocasião, desde que chegaram
a Halstead Hall?

79
De uma coisa estava segura: o marquês de Stoneville era um personagem mais intrincado
que o que aparentava à primeira vista. E a batalha que lutava com sua avó era mais delicada
que o que Maria imaginou inicialmente.
Com dissimulação, lançou um olhar furtivo para a senhora Plumtree sentada na outra
ponta da mesa. Era tão teimosa como ele e mostrava a mesma tendência a conseguir sair
sempre com a sua. A relação entre os dois era decididamente tensa, e a senhora Plumtree
parecia disposta a não dar o braço a torcer. Inclusive depois da escandalosa forma em que ele
apresentou Maria, sua avó não havia nem se alterado. Mas realmente, o problema entre eles
se baseava apenas nas exigências da anciã? Ou havia algo mais, uma ofensa mais antiga?
E essa ofensa também se estendia ao resto dos irmãos? Maria acreditava que não. Os
outros pareciam perfeitamente satisfeitos com a ideia de jantar com ela. Lorde Jarret, o irmão
que se achava sentado diretamente diante de Maria entre suas duas irmãs, perguntou à
senhora Plumtree como passou o dia. Lady Celia contou uma piada que conseguiu arrancar
umas fortes gargalhadas de sua avó, enquanto lady Minerva observava a cena com um sorriso
indulgente.
Minerva. Que casualidade que a irmã de Oliver se chamasse igual à senhorita Sharpe!
Devia ser um nome muito popular entre as damas na Inglaterra, mas dado que nunca o ouviu
até que descobriu os livros da senhorita Sharpe, sempre supôs que Minerva Sharpe era
simplesmente um pseudônimo. Embora ao melhor não o fosse.
O criado que se aproximou de Maria com uma sopeira lhe perguntou se queria sopa de
enguia, e Maria pestanejou, logo, assentiu. De verdade que essa gente comia enguias? Era
uma excentricidade mais dos lordes ingleses?
E como se supunha que ia comer essa sopa? Havia três colheres ao seu dispor: uma que
parecia uma pá em miniatura, uma muito bonita que tinha umas estranhas gravuras, e outra
mais simples, sem nenhum desenho, do mesmo tamanho que a anterior. Qual era a da sopa?
Não tinha sentido que fosse a pá, mas não estava segura em relação às outras duas. Nenhuma
tinha pinta de ser uma colher sopeira.

80
Estava olhando-as fixamente, com medo a escolher a indevida, quando lady Minerva
pigarreou brandamente. Maria elevou a vista e viu que lhe lançava um olhar significativo,
enquanto ela tomava a colher mais simples e a afundava na sopa.
Maria lhe sorriu agradecida e fez o mesmo. A sopa de enguia estava deliciosa. Voltou a
afundar a colher.
—E bem, senhorita Butterfield, o que a traz à Inglaterra? — interessou-se a senhora
Plumtree.
Maria ficou gelada enquanto tentava processar uma resposta adequada. O que se
supunha que tinha que responder?
—Veio em busca de Nathan — apontou Freddy, alegremente.
—Meu primo — se apressou a acrescentar Maria, ao tempo em que beliscava Freddy no
braço, por debaixo da mesa — O irmão de Freddy. Nathan veio a negócios. Minha tia precisa
que retorne a casa, mas ele não respondeu às suas cartas.
—E o encontrou? — interessou-se a senhora Plumtree.
—Ainda não — disse Maria — Não obstante, Oliver prometeu que me ajudará a procurá-
lo.
—É o mínimo que posso fazer — apontou Oliver.
Continuando, a mesa ficou sumida em uma surda quietude, e Maria se perguntou quantas
vezes mais Freddy se encrencaria antes que a noite terminasse. Quando se concentrava em
comer, seu primo mostrava uma desagradável tendência a perder o mundo de vista.
—Têm irmãos ou irmãs, senhorita Butterfield? — perguntou lorde Jarret.
—Não — respondeu Maria — Somente Freddy e seus três irmãos. Todos nos criamos
juntos na mesma casa.
—Quatro meninos na mesma casa com você? Pobrezinha! Exclamou lady Celia — Eu mal
posso suportar quando meus irmãos devem passar uns dias na casa da cidade. Sempre estão
causando problemas.
—Há, e você nunca quebrou um prato, não? — brincou Oliver — Não, claro, isso se não
mencionarmos o campeonato de tiro no qual, por pouco, não atira em três homens, porque

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não queria usar o rifle que eles lhe ofereciam. Ou o espetáculo que montou quando apareceu
vestida de homem, para que a deixassem participar de outro campeonato de tiro. O...
—Sabe disparar, lady Celia? — Maria se inclinou para diante — Quem lhe ensinou? Eu
sempre quis aprender, mas papai e meus primos se negaram a me ensinar a usar um rifle.
Poderia me ensinar?
—Não! — Oliver e Freddy gritaram ao uníssono. Logo, Oliver acrescentou — De maneira
nenhuma.
Lorde Gabriel se inclinou para diante.
—Estarei encantado de lhe ensinar a dirigir um rifle, senhorita Butterfield.
—Não se meta nisto, Gabe — grunhiu Oliver — Já é suficiente que ensinasse a Celia, Maria
não precisa ter mais arma a seu dispor.
Sua avó arqueou uma sobrancelha.
—A que tipo de armas te refere?
Oliver fez uma pausa e esboçou um lânguido sorriso.
—É óbvio: sua beleza é claro; uma arma suficientemente mortífera.
—A beleza não evitará que um patife maltrate uma mulher — atravessou lady Minerva.
—Como se soubesse algo desses temas! — espetou lorde Jarret — Apenas porque as
heroínas de seus livros sejam maltratadas com uma abominável regularidade, não significa
que com a maioria das mulheres aconteça o mesmo.
Maria ficou olhando lady Minerva com a boca aberta de puro assombro, enquanto notava
como lhe acelerava o coração. Seriamente se achava em presença de...?
—Não será você por acaso a escritora Minerva Sharpe?
Lady Minerva sorriu.
—Em carne e osso.
—Por todos os Santos, senhorita Butterfield! — exclamou lorde Jarret — Não me diga que
lê os horrorosos romances de Minerva!
—Não são horrorosos! — protestou Maria — São uns livros maravilhosos! E sim, li todos
mais de uma vez.

82
—Sim, sim, agora entendo certas coisas — remarcou Oliver — Suponho que tenho de
agradecer a minha irmã pelo espetáculo que montou no bordel me ameaçando com a espada.
Lorde Gabriel pôs-se a rir.
—De verdade, ameaçou nosso irmãozinho mais velho com uma espada? Essa sim que é
boa!
Lorde Jarret bebeu um pouco de vinho.
—Ao menos, o mistério das «armas ao seu dispor» fica resolvido.
—Ele estava se comportando indevidamente — se defendeu Maria com um olhar de aviso
para Oliver. Santo céu! Acaso ele pretendia que se inteirassem de toda a história? — Não me
deixou alternativa.
—Oh, Maria sempre faz coisas pelo estilo — comentou Freddy com a boca cheia de enguia
— Por isso, não queremos lhe ensinar a disparar. Seria perigosa.
Maria elevou o queixo com petulância.
—Uma mulher tem que saber defender-se.
—Estou totalmente de acordo! —Lady Celia elevou a taça de vinho para brindar com
Maria — Não faça caso destes caipiras. O que se pode esperar de um grupinho de homens?
Seguro que prefeririam que nos deixássemos submeter sem opor resistência.
—Isso não é certo — protestou lorde Gabriel — Eu gosto das mulheres com caráter. É
óbvio, não posso falar por Oliver...
—Asseguro-lhe que quase nunca me vi obrigado a submeter uma mulher — respondeu
Oliver, arrastando as palavras com aborrecimento. Seus lábios se curvaram em um sorriso,
enquanto cravava a vista em Maria — Beijei uma ou duas mulheres que não o esperavam, mas
todos os homens fazem o mesmo.
Lady Minerva bufou com irritação.
—Sim, e a maioria recebem um bofetão, mas suponho que você não. Inclusive quando se
leva indevidamente, possui um talento inato para seduzir as mulheres. Se não, como
conseguiria que uma garota que o ameaçou com uma espada acabasse consentindo em ser
sua prometida? Vejamos se a senhorita Butterfield, nos pode explicar isso.

83
Maria não respondeu. Estava tentando recordar uma frase que lhe resultava familiar de
um dos livros de Minerva: «Ele possuía um talento inato para seduzir mulheres, e isso era algo
que a atraía e a alarmava de uma vez».
—Virgem Santa! — Maria ficou olhando para Oliver fixamente — É o marquês de Rockton!
Apenas consciente de que tinha pronunciado em voz alta essa asseveração, os irmãos e
irmãs de Oliver estalaram em uma sonora gargalhada.
Oliver torceu o gesto.
—Não me recorde isso. — Olhou sua irmã com olhos severos e murmurou — Não tem
nem ideia de como se alegram meus amigos de que minha irmã tenha me convertido em um
vilão em seus romances.
—Só se alegram porque ela os converteu em heróis e você não — apontou lorde Jarret,
com olhinhos divertidos — Foxmoor está tão presunçoso que resulta insuportável, e Kirkwood
não parou de pavonear-se desde que se publicou a última novela. Adorou a cena em que
consegue lhe dar uma surra.
—Isso é porque sabe que na vida real, não sairia vitorioso — remarcou Oliver — Embora
não pare de sugerir que deveríamos ter um «duelo rápido» para saber se pode me vencer.
Maria os olhava boquiaberta.
—Querem dizer que o visconde de Churchgrove existe de verdade? E Foxmoor... Céus!
Foxmoor é Wolfplain!
—Sim. — Oliver esboçou uma careta de chateio — Churchgrove é meu amigo, o visconde
de Kirkwood, e Wolfplain é outro amigo, o duque de Foxmoor. Pelo visto, Minerva tinha
problemas para inventar personagens originais.
—Sabe perfeitamente bem que apenas usei uma versão de seus nomes3 — replicou lady
Minerva, sem alterar-se — mas inventei suas personalidades.
—Salvo em seu caso, Oliver — asseverou lorde Jarret — Sem dúvidas, você é parecido com
Rockton.

3 Em inglês, Churchgrove e Kirkwood são sinônimos, e Foxmoor e Wolfplain também.

84
Oh, sim. Igual a lorde Rockton, ele tinha um engenho brusco, uma inteligência sutil e um
rosto de príncipe, embora fosse um príncipe italiano. Sua despreocupada atitude com respeito
à honra cavalheiresca refletia a de lorde Rockton, assim como sua desumana determinação
por obter tudo o que queria.
Mas Maria começava a compreender que não era um verdadeiro vilão. Por um motivo:
preocupava-se com sua família. A forma que falou de seus irmãos e sua alegação de que todos
estavam em seu direito de não casar-se demonstrava que ele decidiu levar a cabo aquela farsa
em nome de todos, e não só pelo seu próprio bem.
E, apesar de que era óbvio que desde o começo, planejava apresentá-la como uma
prostituta para escandalizar sua avó, depois, mudou de ideia com uma surpreendente
agilidade, quando Maria se opôs à ideia. Tendo em conta a joelhada que lhe deu — e onde a
deu — ele poderia ter feito com que a prendessem sem vacilar. Em vez disso, em troca,
reiterou sua oferta de ajudá-la a encontrar seu prometido. Além disso, também lhe concedia
uma saída, prometendo que se à manhã seguinte, ela desejasse partir, aceitaria sua decisão.
É óbvio, Maria não estava segura se podia confiar nele. Era um homem abominavelmente
arrogante e enfurecedor, e possuía um cinismo insofrível. Mas às vezes, quando seus olhos
adotavam aquele olhar sombrio, ela sentia quase... Pena por ele.
O que era ridículo. Sem dúvidas, Maria tinha algum problema sério, se era capaz de sentir
pena daquele animal.
—Rockton não é Oliver, do mesmo modo que Churchgrove não é lorde Kirkwood —
refutou lady Minerva com teimosia.
—Então, por que utilizou meu nome para esse personagem? — inquiriu Oliver.
—Não é exatamente seu nome, irmãozinho mais velho — argumentou lorde Gabriel — e
sabe perfeitamente bem, que Minerva gosta de chatear você de vez em quando.
—Pare de me chamar «irmãozinho mais velho» — resmungou Oliver — Já sabe que me
incomoda.
—Quantos anos têm? — quis saber Maria divertida, ao ver esse arranque de vaidade.

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—Trinta e cinco. — A senhora Plumtree mal falou até esse momento, mas pelo visto, a
conversa despertava todo seu interesse — Uma idade que excede com acréscimo a idade de
casar-se, não lhe parece senhorita Butterfield?
Plenamente consciente de que Oliver a estava olhando implacavelmente, Maria escolheu
as palavras com supremo cuidado.
—Suponho que depende do homem. Meu pai não se casou até que teve quase essa
mesma idade. Estava muito ocupado lutando na guerra da Independência para ter tempo para
cortejar uma mulher.
Quando a senhora Plumtree ficou lívida, os olhos de Oliver brilharam de triunfo.
—Ah, sim, a guerra da Independência. Tinha me esquecido avó, de mencionar que o
senhor Butterfield foi soldado nos Marinheiros Continentais.
A mesa ficou sumida em um incômodo silêncio. Lady Minerva se concentrou em comer
sua sopa, lady Celia tomou vários goles de vinho um após o outro, e lorde Jarret cravou a vista
na tigela da sopa como se contivesse o segredo da vida eterna. O único ruído real que
despontou naquele incômodo silêncio foi quando lorde Gabriel murmurou:
—Droga.
Claramente existia algo na questão da guerra da Independência que Maria não entendia.
Oliver estava olhando para sua avó como um lobo a ponto de devorar sua presa, e a senhora
Plumtree estava indubitavelmente considerando que arma era a mais adequada para manter
o lobo à raia.
—Tio Adam era um heroi — sentenciou Freddy sem dar-se conta da tensão que reinava,
como de costume — Na batalha de Princeton, foi capaz de resistir a dez ingleses até que
chegassem reforços. Estava apenas ele com sua baioneta apunhalando e matando e...
—Freddy — Maria lhe chamou a atenção com os dentes apertados — nossos anfitriões são
ingleses, recorda?
Freddy piscou.
—Ah, é verdade. — Agitou a colher no ar — Mas essa guerra ocorreu há muito tempo.
Seguro que ninguém mais se importa com o que aconteceu.

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Com apenas uma olhada ao rosto rígido da senhora Plumtree, Maria soube que em seu
caso, era justamente o contrário.
—Diria que à avó de Oliver, sim, que lhe importa.
A senhora Plumtree ergueu as costas devagar.
—Meu único filho morreu lutando contra os americanos. Ele também era um heroi, mas
não sobreviveu para contar sua façanha.
O coração de Maria se partiu por pena daquela mulher. Como podia Oliver lhe haver feito
semelhante maldade? Maria o olhou com raiva, mas ele seguia com a vista fixa em sua avó e
mandíbula tensa. Por que essa mulher conseguia tirar o pior dele em todo momento?
A senhora Plumtree o olhou com reprovação.
—Por isso, me vejo obrigada a deixar o negócio familiar e meu dinheiro aos filhos de
minha filha. A este rebanho de ingratos.
Oliver apertou os olhos em um par de frestas.
—Não dizia que pensava nos deserdar avó, se não cumpríamos suas exigências?
Com os lábios franzidos em uma fina linha, sua avó ficou de pé abruptamente.
—Senhorita Butterfield, posso falar com você em particular?
Maria olhou Oliver, que continuava sem afastar a vista de sua avó.
—Por quê? —espetou ele.
—Se quisesse lhe dizer o porquê, convidaria você a formar parte da conversa, coisa que
não fiz — replicou a anciã com secura.
—Maria não teve tempo de comer. Deixe-a em paz — replicou Oliver.
—Não ocorre nada — interveio Maria — Não me importa falar com sua avó. — Ansiava
saber o que acontecia e, com um pouco de sorte, surrupiaria informação à senhora Plumtree,
sem delatar a farsa. Embora parecesse que a avó Hetty já percebeu que se tratava de uma
farsa.
Oliver se mostrou incômodo.
—Maria, não tem que...

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—Disse que não me importa. — levantou-se e depositou o guardanapo na mesa — De
todos os modos, não tenho apetite.
—Eu também tenho que ir com você? — perguntou Freddy com voz queixosa.
—Não, Freddy — disse Maria contendo-se para não soltar uma gargalhada nervosa —
Suponho que não será necessário.
A senhora Plumtree abandonou a sala, e Maria a seguiu. Assim que passaram à estadia
contigua e a anciã fechou a porta atrás dela, virou-se para Maria quase sem poder controlar a
ira.
—Quanto dinheiro quer para acabar com esta comédia?
Maria pestanejou.
—Como diz?
—Vamos senhorita Butterfield — continuou a anciã com frieza — Sei que meu neto lhe
ofereceu dinheiro para fingir que é sua prometida até que eu mude de ideia a respeito de
minhas exigências. Posso lhe dar o dobro do que lhe prometeu. Apenas me diga a cifra.
Por um momento, Maria ficou olhando-a com a mandíbula desencaixada. Por mais que a
oferta da anciã resultasse insultante, Maria considerou a possibilidade de aceitá-la durante
apenas uns décimos de segundo. Com esse dinheiro poderia contratar diretamente alguém
que procurasse Nathan e perder de vista essa família desenquadrada. Não devia nada a Oliver;
até o momento, ele unicamente, se limitou a comportar-se como um verdadeiro cretino.
Salvo que... Salvou ela e Freddy dessa gentinha no bordel. E apesar de que sua avó
provavelmente, se asseguraria de que ele não seguisse adiante com suas ameaças de
conseguir que os prendessem, Maria prometeu manter a farsa como mínimo, durante aquela
noite. Não tinha direito a exortá-lo a respeito de questões morais, se ela não podia manter sua
palavra.
Além disso, incomodava-lhe que aquela anciã pensasse que podia comprar todo mundo.
Acaso não se supunha que a aristocracia inglesa era excessivamente altiva para preocupar-se
de uma nauseabunda troca lucrativa? Pelo visto, eram piores que os grandes mercados
americanos!

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A senhora Plumtree deu uns golpezinhos no chão com a bengala.
—Estou esperando sua resposta.
—Desculpe — Maria elevou o queixo — mas é que fiquei atônita com sua acusação de que
estamos fingindo. Está me dizendo que seu neto não quer casar-se comigo?
—Não zombe de mim jovenzinha. — A senhora Plumtree avançou para ela com uma
surpreendente agilidade por tratar-se de uma senhora de sua idade — Meu neto sabe que
você é exatamente o tipo de mulher com a que eu jamais consentiria que se casasse; por isso
a escolheu. — Deu um golpe seco no chão com a bengala— E não tolerarei! Assim, me diga
quanto dinheiro quer, maldita seja!
Há! A mulher não andava com rodeios! Mas se a senhora Plumtree pensava que Maria se
amedrontaria e fugiria assustada só por um mero vaio, isso queria dizer que não sabia com
quem estava tratando.
—Não quero seu dinheiro. Não quero nada de você. Oliver me escolheu, tal e como você
disse, porque sente algo por mim. — Não o tipo de sentimentos aos que a senhora Plumtree
se referia, mas ao menos, não era mentira — Sinto muito se lhe desagrada minha resposta,
mas posto que eu também sinto algo por ele, não ficará mais remédio que aceitar nossa
relação.
—Assim, admite que está apaixonada por ele? — insistiu a mulher
Apesar de ter feito um trato com Oliver, Maria não podia mentir com tanta desfaçatez.
—Não o conheço o bastante para declarar que estou apaixonada por ele. Mas gosto muito
dele. — Quando ele se comportava de forma genuína e não jogava de ser o vilão aborrecido e
cínico. — Parece que para Oliver, basta com o que sinto por ele, e está mais que disposto a
casar-se, assim que seus sentimentos são o único que importa.
A senhora Plumtree se aproximou ainda mais; seus olhos azuis refulgiam na palidez de seu
rosto surpreso.
—Se acredita que se casando com ele, obterá uma grande recompensa, está muito
equivocada. Oliver possui esta casa e seu conteúdo e pouco mais. Sem meu dinheiro, não
poderá comprar vestidos elegantes nem levá-la a Paris nem nenhuma outra das fantasias que

89
seu pequeno cérebro possa sonhar. E lhe prometo que se meu neto se casar apenas por
despeito a mim, o deserdarei.
Maria apertou os olhos.
—Pensava que disse que tudo isto era pura comédia, que ele não tinha intenção de casar-
se comigo.
—E é. — Um rígido sorriso se perfilou nos lábios da senhora Plumtree — Mas os homens
seguem o que lhes dita seu pênis. — Apesar de Maria ficar sem fala ao ouvir uma dama usar
tal vulgaridade, a senhora Plumtree continuou sem alterar-se — Uma mulher inteligente, e
tenho a impressão de que você o é, é capaz de recorrer a sua beleza e ao contato físico a fim
de caçar um cavalheiro, inclusive um tão ardiloso como meu neto.
—Oliver? Caçá-lo? É óbvio que não conhece bem seu neto, se acredita que ele se deixaria
enrolar para fazer algo contra sua vontade. — Isso era precisamente, o que provocou aquele
enredo de entrada: a estúpida segurança da senhora Plumtree, ao pensar que podia obrigar
Oliver a fazer o que ela quisesse.
—Conheço-o melhor do que acredita. Meu neto tem certa vulnerabilidade que você nem
pode chegar a imaginar.
As palavras ressonaram em seu peito.
—Que tipo de vulnerabilidade?
A senhora Plumtree soprou.
—E acredita que revelarei? Para que possa usá-la para conseguir que meu neto caia em
suas redes? Nem sonhe! — aproximou-se ainda mais com atitude beligerante — Pela última
vez senhorita Butterfield, deseja reconsiderar minha oferta de dinheiro?
Cansada de ser tratada como uma enganadora, Maria a olhou com soberba e respondeu
secamente:
—Não.
—Apesar de que não obterá nem um penique...

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—Não me importa. — Embora não fosse casar-se com ele, não suportava a atitude
prepotente daquela senhora e começava a simpatizar com Oliver a respeito de sua
determinação em frustrar os planos daquela mulher — Não rompo minhas promessas.
—Não permita que Minerva e os outros a enganem. Nunca seria completamente aceita
nesta família, nunca seria aceita na alta sociedade, nunca...
—Se Oliver se não importa, então a mim tampouco Senhora Plumtree, dou por terminada
a conversa. —Maria se virou com determinação e andou para a porta com os dentes
apertados. E ela que pensava que Oliver era insultante! Ao menos, já sabia de quem herdou
esse defeito. Virgem Santa! Que família!
Maria quase sentia pena de Oliver por ter uma avó tão malvada. De repente,
compreendeu por que ele desejava tanto que seu plano tivesse êxito.
E naquele preciso momento, decidiu que tentaria ajudá-lo, de verdade. Se Oliver desejava
enfrentar à vontade de sua avó, ajudaria, sempre e quando ele mantivesse a promessa que
lhe fez e contratasse alguém que se encarregasse de procurar Nathan.
Maria faria isso apenas por Nathan, unicamente por esse motivo. E embora tivesse de lidar
com uma pessoa tão extremamente desagradável como a avó de Oliver, isso não a deteria em
seu empenho.

Hetty teve que realizar um enorme esforço por manter o semblante severo, até que teve a
certeza de que a senhorita Hutterfield se foi. Então sua expressão se suavizou com um
ponderado sorriso.
Dirigiu-se para o decantador de brandy e serviu-se uma generosa quantidade de licor. A
garota era perfeita. Perfeita! Atreveu-se a ameaçá-lo com uma espada? Tinha-o repreendido
porque ele a apresentou como se fosse uma prostituta? E, além disso, rechaçava qualquer
soma de dinheiro para traí-lo?
Hetty tomou um gole de brandy. Ao princípio, temia que essa moça fosse realmente uma
prostituta matreira que esperava obter uma fortuna ao final da farsa, mas depois de falar com
ela, parecia-lhe improvável. Hetty não teria abrido caminho neste mundo se não tivesse

91
aprendido a ser uma boa observadora da gente, e juraria que a senhorita Butterfield era uma
mulher com caráter. Essa jovenzinha não declarava estar loucamente apaixonada por Oliver,
apesar disso, jogava a seu favor. E mostrou bastante orgulho e firmeza para não acovardar-se
ante ela.
Obviamente, Oliver manipulou a pobre moça para que aceitasse o papel naquela comédia;
o comportamento de ambos não deixava dúvidas. Mas isso não significava que a história não
pudesse ter um final romântico.
Basicamente por um motivo: a senhorita Butterfield era o tipo de mulher que Oliver
gostava — loira, com olhos azuis e seios generosos — e era evidente que ele se sentia atraído
por ela. Embora Oliver se sentisse atraído por um bom número de mulheres, no geral, evitava
jovenzinhas virgens, por medo de que tentassem caçá-lo. E aquela moça era decididamente
uma jovenzinha inocente; sua expressão de susto quando Hetty usou a palavra «pênis»
evidenciava isso.
Entretanto, Oliver a escolheu em vez da uma dessas bailarinas metidas ou das mulheres
públicas que frequentava, o que seria mais próprio dele. Era evidente que pensava que a
família imperfeita da jovem empurraria Hetty a admitir a derrota. Pois ia ver! Oliver não
conhecia sua avó. Seria capaz de obrigá-lo a casar-se com a filha de uma lavadeira, se com
isso, conseguia que seu neto sentasse a cabeça.
Mas não pensava permitir que ele soubesse, nem a senhorita Butterfield tampouco. Um
pouco de oposição da bruxa matriarca — esse papel que Hetty tanto gostava de interpretar —
garantiria que esse par unisse suas forças contra ela. E unir forças significava manter
conversas em privado, aprender a confiar um no outro... Inclusive, com um pouco de sorte,
apaixonar-se.
Hetty devia isso a Oliver. Por culpa dos enganos que ela cometeu, seu neto passou muito
tempo erigindo uma couraça para parecer um jovem pervertido, insensível e cínico,
totalmente seguro de que esses defeitos eram a soma total de sua personalidade.

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Mas Hetty sabia que não era certo. Oliver tinha um grande coração, embora por desgraça,
não se atrevesse a indagar em seu interior. A senhorita Butterfield o ajudaria a consegui-lo,
Hetty estava segura.
E nunca se equivocava.

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CAPÍTULO 8

Oliver se achava de pé na esplanada do rei, denominada assim porque era o pátio favorito
de Enrique VIII, quando ainda era o proprietário daquela mansão parcialmente fortificada,
também foi o lugar favorito de Oliver quando pequeno. Sempre que seus pais discutiam, ele
se refugiava no amplo pátio empedrado rodeado pelos edifícios de pedra grosseiramente
esculpida.
Elevou a vista para as estrelas e recordou quantas vezes permaneceu nessa mesma
posição, nesse mesmo lugar, sonhando, afastando-se voando para ser devorado pela fera
chama de uma daquelas estrelas longínquas. Seria capaz de abandonar tudo: o imóvel, seu
papel como herdeiro de um prestigioso título nobiliário... A loucura que desatou o casamento
de seus pais.
Soltou uma amarga gargalhada. Pobre iludido! As pessoas não podiam voar; além disso,
tampouco conseguiria escapar dos enganos que cometeram seus pais com essa absurda ideia
de imolar-se se abrasando entre as estrelas.
Que lástima que isso não fosse possível, porque justo nesse instante, gostaria de
desintegrar-se. Estava furioso consigo mesmo por ter convidado a avó a Halstead Hall. Não
esperava que tentasse enganá-los com suas riquezas, que decidisse esbanjar seu dinheiro no
imóvel, para convencê-los de que dependiam dela muito mais do que já supunham.
Tomou um gole de vinho da taça dourada que sustentava em uma mão. Pois não ia
permitir que se saísse com a sua. Estaria perdido se aceitasse que a avó tomasse as rédeas de
Halstead Hall. Oliver detestava esse lugar, mas ainda era o proprietário e pensava em
administrá-lo da forma que considerava mais conveniente.
—Sua irmã me disse que certamente encontraria você aqui — pronunciou uma suave voz
às suas costas.

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Oliver ficou tenso, logo, tomou outro gole de vinho.
—Pensava que já estaria de retorno a Londres.
—Por quê? — perguntou Maria.
Ele bufou.
—Porque conheço minha avó e sei que tentou subornar você.
Maria se aproximou. Mais que vê-la, Oliver notava sua presença. Ela desprendia uma
fragrância especial de rosas e outro aroma que não conseguia distinguir.
—Esperava que aceitasse seu dinheiro? — perguntou Maria.
Oliver erigiu a couraça de cinismo que sempre lhe permitia sair gracioso de qualquer
situação.
—E por que não o faria? Eu o teria feito, se estivesse em seu lugar.
—E o que obteria com isso? Ameaçou-me com que, se não ficasse esta noite, ordenaria
que encarcerassem meu primo e eu.
—Estou seguro de que a esta altura, já haveria averiguado que minha avó goza de
suficiente influência para evitá-lo.
—Possivelmente tenha medo de arriscar.
Ele bufou de novo.
—Claro, é tão pequena...
Uma suave gargalhada soou a suas costas.
—Há! É a primeira vez que me acusam de ser pequena.
Oliver a olhou de soslaio tentando averiguar seu estado de ânimo.
—Deveria se aliar com minha avó. Com seu dinheiro, poderia seguir o rastro de seu
prometido e poderia se afastar deste maldito lugar. — «E de mim.»
—Tem sorte de que não seja uma mercenária. Prometi que ficaria esta noite e o farei.
A repentina sensação de alívio que Oliver sentiu ao ouvir aquelas palavras o incomodou.
Maria só estava ali para cumprir um papel, nada mais. Podia substituí-la por outra farsante a
qualquer momento.
Entretanto...

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Sob a luz das estrelas, o rosto de Maria oferecia um resplendor angelical, e seu cabelo
trançado e penteado em forma de coroa sobre sua cabeça, dava-lhe um aspecto ainda mais
etéreo, como se estivesse rodeada por um halo.
Oliver bufou. Halos e anjos e estrelas. Podia-se saber que mosca o picou para pensar em
tais sandices?
—Não a culparia se escolhesse partir. Importa-lhe apenas encontrar Hyatt, assim, não me
surpreenderia absolutamente que aproveitasse a ocasião que lhe brindava minha avó para
sair daqui.
—Tem uma opinião muito pobre das pessoas. Mas algumas pessoas gostam de manter sua
palavra. Ainda existem pessoas íntegras no mundo.
Oliver quase esqueceu o significado daquela palavra.
—Pois me alegro por você, senhorita Butterfield. — Elevou a taça em sinal de brinde —
Provavelmente, terá deixado minha avó estupefata. Não está acostumada a topar com gente
que não se deixe comprar com seu dinheiro.
—Seriamente? E quem foi à última pessoa que subornou?
Oliver recordou uma noite escura em que se refugiou nesse mesmo lugar, encolhido,
tremendo de horror, enquanto a avó ia de um lado a outro silenciando os criados, subornando
todo aquele que ousasse pigarrear.
—Ninguém. Esqueça.
—Há! Outro de seus feios costumes!
Ele bebeu o resto do vinho.
—A que se refere?
—À mania de se encerrar em sua carapaça quando alguém tenta dar uma olhada em sua
alma. A tentar sair pela tangente.
—Olhe, se veio me exortar, será melhor que esqueça isso — advertiu Oliver — A avó
aperfeiçoou tanto esse talento que não poderia competir com ela.
—Só quero compreender você.
—Quero ser devorado por uma estrela, mas nem todos conseguimos o que queremos.

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— O que?
—Esqueça. — Oliver se virou e empreendeu a marcha para a porta mais próxima de acesso
a casa, mas ela o pegou pelo braço.
—Por que está tão zangado com sua avó? — interrogou-o.
—Já lhe disse isso. Está tentando destroçar minha vida e a de meus irmãos.
—Exigindo que se casem e tenham filhos? Acreditava que isso era o que se esperava de
todos os lordes e de todas as damas. E os cinco estão em idade de se casar. — Seu tom se
tornou mais gracejador — Inclusive, diria que há um que possivelmente, seja já muito mais
velho.
—Cuidado, gracinha — espetou ele — esta noite não estou de humor para suportar
brincadeiras.
—Por culpa de sua avó? Não é somente sua exigência o que lhe aborrece, não é? Há algo
mais, algo que ocorreu entre vocês faz tempo.
Oliver a transpassou com um olhar.
—E o que lhe importa? Acaso lhe pediu que fique de seu lado e lute por ela?
—Equivoca-se. Sua avó só me disse que «sou o tipo de mulher com a qual ela jamais
consentiria que se casasse seu neto».
Os lábios de Oliver se curvaram com um sarcástico sorriso, ante a soberba imitação que
Maria acabava de fazer da atitude arrogante de sua avó.
—Já lhe disse isso.
—Sim — repôs ela com secura — Ninguém supera nem a você nem a ela quando se trata
de insultar as pessoas.
—É um de meus numerosos talentos.
—Já volta a fazê-lo: levar tudo na brincadeira para evitar falar do que lhe incomoda.
—E por que acha que faço isso?
—O que fez sua avó, além de te dar um ultimato para que se case, que o aborrece tanto?
Maldição. É que essa chata não pensava acabar o tema?

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—E por que acha que me fez algo? Possivelmente me mostre assim simplesmente porque
sou um resmungão contumaz
—É verdade, sim. Mas está zangado com ela por algo mais.
—Olhe, se pretende passar as próximas duas semanas me acossando com perguntas
estúpidas e ridículas que não vêm ao caso, então pagarei para que retorne a Londres.
Ela sorriu.
—Não fará isso. Precisa de mim.
—Certo. Mas já que estou pagando por seus serviços, tenho direito a opinar sobre seu
trabalho. E me envenenar com mil perguntas não faz parte de nosso pacto.
—Ainda não me pagou — replicou ela tranquilamente — pelo que me atrevo a exigir certa
flexibilidade em nossos termos. Sobretudo, porque passei toda a noite trabalhando sem
trégua a favor de sua causa. Acabo de dizer a sua avó que sinto algo por você e que sei que
você sente algo por mim.
—E não deu um ataque de risada fulminante ante tal mentira? — perguntou ele.
—Sinto algo por você provavelmente, não o tipo de sentimentos aos que se referia sua
avó, embora pelo visto, acreditou em mim. Mas se mostrou desconfiada. É mais ardilosa do
que acredita. Primeiro, me acusou de fazer comédia, e logo, quando neguei, acusou-me de
querer me casar com você por seu título e suas riquezas.
—E o que respondeu a essa provocação?
—Disse-lhe que podia ficar com sua preciosa fortuna.
—Seriamente? Daria meu braço direito para presenciar a cena. — Maria estava
demonstrando ser uma caixa de surpresas. Ninguém encarava à avó, exceto aquela fêmea
americana, com suas inocentes crenças na justiça e no sentido do bem e da decência.
Surpreendia-lhe sua coragem, sobretudo tendo em conta quão mau a tratou desde que se
conheceram. Ninguém, sequer seus irmãos, o defenderam nunca com tanta firmeza. A atitude
de Maria estava conseguindo despertar algo em seu interior, algo que levava muito tempo
adormecido.

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Sua consciência? Não, sua consciência não estava adormecida; Oliver não tinha
consciência.
—Agora compreendo por que está tão decidido a frustrar os planos de sua avó —
continuou Maria — Realmente tem um lado detestável.
Oliver cravou a vista na taça.
—Suponho que você interpreta assim. Em troca, ela vê como um amparo.
—E, entretanto, está zangado com ela.
—Pelo amor de Deus! Quer deixar de me amolar? Não estou zangado com minha avó! —
aproximou-se mais de Maria — E se pretende passar toda a noite me envenenando sobre essa
questão, darei a você outra coisa melhor com que ocupar sua boca.
Ela o olhou perplexa.
—Não enten...
Oliver a interrompeu com um beijo. Dava na mesma se ela voltasse a lhe dar uma joelhada
em suas partes baixas ou se o esbofeteasse; isso era melhor que ter de suportar que o
cravasse com questões que não desejava responder. Nem nesse momento nem nunca.
Mas Maria não lhe deu uma joelhada. Ficou muito quieta, como uma estátua, sem
oferecer resistência.
Ele retrocedeu para olhá-la com receio.
—E bem? Não pensa me dar um murro? Ou me apunhalar?
Os lábios de Maria se curvaram com um sorriso.
—Você gostaria, não é? Que o esbofeteasse e que partisse escandalizada, e assim, não
teria que me responder. Mas começo a compreender suas artimanhas, Oliver. Não penso em
deixar de perguntar apenas por que...
Ele voltou a beijá-la, mas antes, lançou a taça ao chão para poder agarrá-la com força, e
tirou vantagem de seu grito sufocado de assombro para afundar a língua em sua doce boca
sedosa, tão cálida e inocente.
Tão perigosa.
Oliver se tornou para trás apressadamente.

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Ela não.
—O que é o que... Acaba de fazer? — perguntou sem fôlego.
O evidente estado de excitação de Maria provocou em Oliver um formigamento no mais
profundo de seu ser. E não gostou disso, absolutamente.
—É outra forma de beijar — Oliver deslizou o dedo polegar pelo lábio inferior dela, incapaz
de controlar-se — uma forma mais íntima.
Maria ouviu sua explicação em meio a um estado de vertigem. Outra forma de beijar?
Céus! Havia mais de uma forma? E essa outra forma tinha por objetivo acelerar o pulso e
disparar o coração? E por que Nathan, nenhuma vez não a ensinou?
Virgem Santa! Nathan! Permitiu que o malvado Kockton em pessoa a beijasse, sem pensar
nem um segundo em seu prometido!
Entretanto, queria saber por que os beijos eram tão distintos com Oliver. Era ela? Ou
acaso era por que Oliver tinha uma vasta experiência que o respeitável Nathan jamais teria?
—Volte a fazer — lhe pediu ela sem poder se conter.
Os olhos de Oliver tão negros como a boca do inferno, resplandeceram sob a luz da lua.
—Por quê?
—Não quer voltar a me beijar? — Maria sentiu seu o coração se apertar. Sem dúvidas, era
ela. Era tão inepta que inclusive um pérfido patife como Oliver não desejava voltar a beijá-la.
—Claro que quero — bufou ele — Mas não desejo que volte a me dar uma joelhada em
minhas partes íntimas.
—Não lhe farei mal. Só quero... Descobrir o que se sente, isso é tudo.
Ele estreitou os olhos.
—Nathan alguma vez beijou você?
—Não desse modo.
—Nenhuma vez?
Ela elevou o queixo com petulância.
—Nem todos os homens são tão desavergonhados e avessos como você.
Oliver não pôde conter a risada.

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—Isso é verdade. — Então voltou a beijá-la, tirando partido de seus lábios levemente
separados para afundar a língua dentro de sua boca.
E resultou em uma experiência gloriosa, mil vezes mais excitante que qualquer beijo que
lhe tivesse dado Nathan. Nunca antes experimentou nada igual; todo seu corpo estava
incrivelmente tenso, notava como se seu coração fosse estalar dentro do peito, e lhe
aguçaram todos os sentidos. O gosto agridoce de vinho no fôlego de Oliver a embriagava, e o
aroma especial que desprendia sua colônia lhe provocava uma sensação de enjoo.
Quando ele afundou mais a língua, investindo-a uma e outra vez, Maria só atinou a
agarrar-se a sua gravata para não desfalecer, segura de que se soltasse, se desintegraria em
um milhão de pedaços. Tentativamente, colocou a língua na boca de Oliver, curiosa por saber
o que se sentia. Oliver afogou um ofego e colou seu tenso corpo ao desacordado corpo de
Maria, estreitando-o entre suas garras de ferro. Então, sua boca se tornou mais voraz, mais
faminta e audaz, mais possessiva.
Maria recordou a si mesma que aquilo era unicamente um jogo para ele, um beijo entre os
milhares que deu a milhares de mulheres. Mas seguia ouvindo a voz da avó de Oliver que lhe
dizia: «Meu neto tem certas vulnerabilidades que você nem pode chegar a imaginar».
Ele afastou um momento a boca para sussurrar:
—Seu prometido deve estar mal da cabeça para partir de seu lado e deixar você a mercê
de outros homens. — E lhe estampou uma fileira de beijos ao longo da mandíbula até o
pescoço — Esse homem não é digno de você.
—E você sim? — Maria bufou pesadamente, enquanto Oliver lhe lambia o oco da
garganta.
—Por Deus, não. A diferença é que não me importa.
—Pelo visto, não lhe interessa... Nada, não?
—Interessa-me isto. — Deslizou a mão até lhe cobrir um seio, e Maria estremeceu quando
ele começou a acariciá-lo, e o mamilo se pôs completamente ereto — Interessa-me fazer
amor com um anjo, sob a luz da lua.

101
Ao notar o intenso desejo que aquelas palavras lhe provocavam, ela ficou paralisada. Fazer
amor? Virgem Santa! O que estava fazendo? Estava lhe acariciando um seio de uma forma
escandalosa!
Maria o empurrou com brutalidade.
—Quererá dizer, fazer amor com uma «mulher» sob a luz da lua, não? Qualquer mulher
vai bem, e olhe em volta, eu sou a que tem mais à mão.
Por um momento, Maria sentiu certa esperança, ao ver a intensa raiva refletida nos olhos
de Oliver. Esperava que fosse protestar, mas de repente, ele estremeceu, e a raiva se
permutou em uma careta cínica.
—Vejo que me conhece muito bem.
—Sim, graças a sua irmã. Estou muito familiarizada com os hábitos de lorde Rockton.
Maria tentava controlar os violentos batimentos de seu coração. Não queria que ele
soubesse as ilusões que tinha de que pudesse sentir algo por ela, porque estava segura de que
o usaria em seu contrário, para machucá-la.
—Então, já saberá que Rockton nunca perde a oportunidade de beijar — disse Oliver lenta
e pesadamente, e fez ameaça de voltar a abraçá-la, mas Maria retrocedeu assustada e cruzou
os braços sobre o peito em atitude protetora.
Ela tinha açulado uma besta adormecida com um pau, e o mais sensato era fugir correndo,
antes que a besta acabasse de despertar.
—Acredito que já tive bastante prática por esta noite, senhor.
Oliver ficou estupefato.
—Prática?
—Em técnicas para beijar, refiro-me. Já que é óbvio, que tenho tanto por aprender antes
de me casar com Nathan, pensei que ninguém melhor que você para me mostrar como fazê-lo
devidamente, sobretudo, depois de que sua irmã apregoou o talento de lorde Rockton com as
mulheres.
Ao ver como lhe esticava a mandíbula inferior, Maria pensou que Oliver não achou graça
em seu comentário.

102
—E minha atuação esteve à altura?
—Ninguém pode superar a ficção, suponho que já sabe.
—Pois eu acredito que posso superá-la — replicou ele com frieza.
—De todos os modos, foi uma lição inegavelmente valiosa, e estou muito agradecida.
Maria não mentia. Oliver a ensinou a não levar nada do que ele dissesse muito a sério,
sobretudo, se pretendia sair com sua virtude intacta.
Já deixou claro que não tinha intenção de casar-se, e apesar de Maria não saber o que
aconteceu com Nathan, tampouco estava pronta para abandonar seu prometido. Por
conseguinte, o mais sensato era ir com cuidado com esse lorde inglês.
—Será melhor que voltemos com os outros, não acha? — sugeriu ela.
—Entre você primeiro — soltou ele — Eu não demorarei.
Aliviada ante a possibilidade que lhe brindava, Maria escapou rapidamente.
Só quando chegou ao salão, percebeu que não respondeu à pergunta de por que estava
zangado com sua avó.

103
CAPÍTULO 9

Oliver observou Maria entrar apressadamente na casa, com seu redondo traseiro
rebolando de tal forma que não o deixava controlar seu grau de excitação. Se essa fêmea
ficasse mais dias, teria de comprar roupa decente que não o incitasse a querer deitar-se com
ela e...
Maldito traseiro! Pelo geral, seus beijos exerciam um efeito tão fulminante que as
mulheres desejavam deitar-se com ele. Em troca, ela se referiu àquele encontro como
meramente, uma «prática», para casar-se com seu prometido aborrecido!
«Ninguém pode superar a ficção.»
Insolente fêmea! Já via que não ficava mais remédio que ler um dos odiosos livros de
Minerva para descobrir que diabo escrevia sua irmã a respeito dele.
Enquanto isso, tinha o membro mais duro que os ladrilhos sob seus pés, sem nenhuma
esperança de poder aliviar logo a tensão. Teria de fingir que cortejava sua prometida até que
sua avó cedesse, e sua avó já se mostrou receosa daquela relação. Não conseguiria convencê-
la se cada vez que Maria o excitasse, ele decidisse fugir rapidamente a Londres para visitar
uma de suas amiguinhas. Estava apanhado.
«A menos que seduza Maria», disse-se.
A Oliver disparou o pulso. Seria uma vingança justa, dado que foi ela quem lhe pediu que
voltasse a beijá-la. Foi ela que abriu sua cálida e tenra boca e o excitou até limites
desconhecidos.
Ficou tenso. Sim, excitado, mas até limites desconhecidos? Ele jamais se derreteu antes
por nenhuma mulher. Eram somente meros passatempos com os que se desafogava até que...
—Até o que?

104
De repente, viu seu futuro claramente ante seus olhos: muitos anos bebendo como um
cossaco para aguentar as noites, muitos anos deitando-se com mulheres às que não voltaria a
ver para não pensar excessivamente nelas, para não acostumar-se a elas.
Que alternativa ficava? Não estava preparado para casar-se, e qualquer mulher com um
pouco de bom senso sabia. Era um patife sem remédio.
«Comporta-se igual ao seu pai!», tinha-lhe jogado na cara sua mãe.
Salvo que seu pai nunca pensaria em flertar com uma mulher como Maria Butterfield.
Pouco depois de assegurar a herança familiar com o dinheiro de mamãe, retomou seus
hábitos de solteiro e não o fez precisamente, com discrição.
Isso humilhou mamãe. Oliver foi testemunha de como ela foi se voltando cada vez mais
irascível, mais ciumenta, mais ferida ante cada novo caso de infidelidade, até que ao final,
acabaram em uma guerra sem trégua, com seus filhos apanhados no meio do fogo cruzado.
Recolheu a taça e contemplou inexoravelmente seu reflexo na superfície dourada. Essa era
a principal diferença entre ele e seu pai: ao viver de menino, os efeitos de um casamento de
conveniência, não estava disposto a infligir o mesmo sofrimento a ninguém mais. A seu modo
de entender, casamento e filhos significavam fidelidade.
E posto que tinha o apetite insaciável de seu pai, negava-se a aceitar alguma mulher em
sua vida. Nem pela avó nem por ninguém, e muito menos para consolidar a dinastia da família
e preservar Halstead Hall. Isso mesmo deveria ter feito seu pai. Ao menos, não destroçaria a
vida de mamãe e as vidas de seus filhos.
Assim que a avó estava louca se acreditava que Oliver seguiria os perigosos passos de seu
pai nesse sentido. Não pensava em casar-se com nenhuma jovenzinha apenas só para agradar
a avó. O que significava que era melhor tirar da cabeça a ideia de seduzir a senhorita
Butterfield. Se havia algo capaz de fazer pedacinhos seus planos de permanecer solteiro, era
aquela endemoninhada fêmea.
Sobretudo, porque mostrava aquela habilidade tão irritante e extremamente perigosa de
erodir suas defesas.

105
«Já volta a fazê-lo: levar tudo na brincadeira para evitar falar do que o incomoda», disse-
lhe. Nem seus amigos se deram conta de que apenas recorria a comentários escandalosos e
flertava constantemente para ocultar como invejava a complacência bondosa deles em
relação à vida em geral.
Por isso, Maria o tentava tanto. Ela zombava dele com a promessa da felicidade. Por mais
que ele dissesse a si mesmo que era uma miragem, que se ela soubesse a verdade sobre ele, o
abandonaria sem contemplações, Oliver ainda revoava a seu redor como uma abelha atraída
pelo néctar. Sua combinação de inocência e curiosidade, de determinação e vulnerabilidade,
enfeitiçavam-no, perigosamente.
Além disso, recordou que ela rechaçou o dinheiro da avó. Que mulher fazia isso? Maria
teve a oportunidade de lhe arrancar o que quisesse e afastar-se dali, mas não o fez. Em vez
disso, permitiu que ele a beijasse.
Oliver puxou o ar, com dificuldade. Beijá-la foi como provar uma fruta proibida: a mulher
respeitável. Foi a experiência mais embriagadora que qualquer outro beijo que tinha
compartilhado com mulheres com mais experiência. Especialmente depois de lhe pedir que a
ensinasse a fazê-lo. Não esperava sentir tanta satisfação com esse tipo de ensinamentos.
Imaginou como seria lhe ensinar outros prazeres, outras carícias. Podia fazê-lo sem cair em
sua rede, não? Não precisava seduzi-la para aproveitar-se da ânsia que ela tinha de «praticar».
Depois de tudo, agradar as mulheres era seu forte. E o pensamento de vê-la excitada, com seu
corpo tremendo de desejo, sua doce boca lhe suplicando mais, provocou-lhe uma forte
pressão no peito. Queria ser ele quem lhe desse o que ela tanto ansiava, quem visse como
esses olhos azuis se obscureciam de desejo, enquanto se derretia entre seus braços, ouvi-la
pronunciar seu nome com aquela voz tão sensual...
Oliver bufou e fez um esforço para afastar aquele pensamento de sua mente. Era uma
loucura considerar aquela possibilidade. Nem sabia se Maria ficaria em Halstead Hall para
passar a noite. E se o fazia, seria um irresponsável se se arriscava a espantá-la para que ela
fugisse apavorada.

106
O melhor que podia fazer era esquecer aquele beijo. E não ia conseguir se ficasse ali
plantado, na esplanada onde aconteceu.
Dirigiu-se para a porta com passo firme. De todos os modos, já ia sendo hora de reunir-se
com os outros. Só Deus sabia que barbaridades devia lhes estar contando Maria, ou pior
ainda, Freddy.
Mas quando entrou na sala de jantar, viu a estadia vazia, exceto por Minerva, que parecia
estar esperando-o.
Oliver ficou desconcertado.
—Onde está todo mundo?
—Jarret e Gabe se retiraram à sala de música para fumar um charuto e tomar uma taça de
vinho. A avó já se deitou. A senhorita Butterfield também disse que estava cansada e insistiu
em que seu primo também fosse dormir, assim, Celia os acompanhou até seus aposentos.
Oliver torceu o gesto, ante a afiada punhalada de decepção que sentiu no peito. Estava se
comportando como um idiota.
—Perfeito, então eu também irei um momento à sala de música.
Enquanto se dirigia para a porta, Minerva ficou de pé.
—Espere Oliver.
—Sim?
Sua irmã se aproximou com o cenho franzido.
—O que pensa em fazer com a senhorita Butterfield?
«Despi-la e beijar cada centímetro desse corpo luxurioso e sedutor», disse para si.
Oliver conteve a vontade de soltar uma maldição em voz alta. Já não decidiu que isso era
impossível?
—Não sei a que se refere — respondeu evasivamente, esperando que sua irmã não
pudesse ler seus pensamentos.
—Parece uma mulher tão agradável e respeitável... Apesar de seu interesse em mostrá-la
como uma desavergonhada. E não sei de onde tirou esse traje tão vulgar, mas...

107
—O traje é minha obra. Ia vestida de luto por seu pai quando a conheci, e não queria que a
avó questionasse como era possível que aceitasse comprometer-se comigo, quando ainda ia
de luto, já sabe, por essas questões de decoro que a avó não gosta de infringir. Assim...
Consegui um vestido para ela no bordel.
—Porque queria apresentá-la como uma mulher fácil— arguiu Minerva com
desaprovação.
Oliver piscou várias vezes seguidas.
—Foi você quem me pediu que me encarregasse de que a avó mudasse de ideia, e isso é o
que estou fazendo. Se você não gosta de meus métodos, convido a que exponha alguma ideia
de sua própria autoria.
Lançou-lhe um olhar confiante.
—Mas eu não sou a única questiona seus métodos, não é assim? Parece-me que à
senhorita Butterfield não sentaram nada bem.
Ele esboçou uma careta de chateio.
—Tampouco há para tanto.
Sua irmã soltou uma risadinha zombadora.
—Tá! Vamos ver, me diga como reagiu quando os encerrou sozinhos na sala?
—Não penso em dizer isso; não preciso que me dê conselhos.
—Que esquivo é! — queixou-se Minerva — Bom, estou segura de que merece qualquer
trato pertinaz que ela poderia lhe dar. E a isso referia precisamente: tenho de confessar que
gosto dessa garota, assim, não me parece justo que a ponha em uma situação em que...
—Possa sair desta história com a virtude arruinada por culpa de um patife como eu. —
Oliver terminou a frase por sua irmã.
—Não fique mais remédio que comprometer-se formalmente com você — o corrigiu ela —
Já sei que você não pensaria em arruinar deliberadamente a dignidade de uma mulher
respeitável, mas tem de admitir que possui o dom de conseguir que as mulheres se
apaixonem por você, para logo lhes partir o coração.

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—Pelo amor de Deus, eu não obrigo as mulheres a fazerem nada! — Oliver depositou a
taça sobre a mesa com brutalidade — O que acontece é que as mulheres não me escutam
quando digo que não estou interessado em me casar.
—Seja como for, não quero que a senhorita Butterfield tenha problemas por sua
associação com você, quando está mostrando tão boa disposição a nos ajudar com a avó. Eu
pensava que fosse contratar alguém que compreendesse a natureza da situação, mas a
senhorita Butterfield é solteira e, provavelmente, tão suscetível aos seus flertes como
qualquer outra jovem dama. Se ela interpretar mal suas intenções...
—Não o fará — a cortou ele — nem tampouco alberga nenhum interesse romântico com
respeito a mim. — «Exceto para "praticar"», recordou-se ironicamente — Tem um noivo
formal.
Minerva o olhou com estupefação.
—Está brincando.
—Não. Recorda que ela antes mencionou um tal Nathan? Pois lhe asseguro que não é seu
primo. Estão prometidos, mas ele desapareceu em Londres. Em troca de sua ajuda com a avó,
prometi que contratarei um detetive para que o procure. Assim, não tem de preocupar-se, se,
por acaso, lhe rompo o coração nem por nenhuma outra tolice similar. Trata-se de um pacto,
nada mais.
Os olhos de Minerva brilharam com interesse.
—Seriamente?
Oliver se esforçou por manter o olhar sem pestanejar.
—É óbvio que sim. Não pensará que realmente quero me casar com essa garota.
—Para ser honesta, nunca sei o que é o que pensa fazer.
—Pois asseguro que não penso em me casar com uma jovem inocente com carinha de
anjo. Mas pelo visto, a avó acredita, por isso, considero que meu plano pode funcionar. A avó
já tentou subornar Maria para que rompa comigo.
O rosto de sua irmã se tingiu de receio.
—Isso não é próprio da avó.

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—Por que não? — Nessa ocasião foi Oliver quem a olhou com desconfiança — Sempre usa
seu dinheiro para conseguir o que quer.
—Mas o que quer é nos ver casados. Você, em particular.
—Quer nos ver casados com pessoas que não sejam de humilde extração. Não é o mesmo.
Minerva encolheu os ombros.
—Se você diz... — Bocejou exageradamente — Acredito que eu também irei dormir. Foi
um dia muito longo.
Quando se virou para a porta, Oliver a chamou:
—Se decidisse ler um de seus livros, emprestaria um exemplar?
Sua irmã se virou para olhá-lo de novo sem poder conter a vontade de rir.
—Sente curiosidade pelo personagem de Rockton?
—E o que espera? — confessou ele, a contra gosto — Converteu-me em um vilão.
—Sim, em três livros. Mas até agora, se negou a lê-los.
Oliver não deu atenção à visível curiosidade de Minerva.
—Estive ocupado, isso é tudo.
—Ah.
Quando ela não disse nada mais, ele espetou:
—Empresta-me um exemplar ou não?
—Deixarei isso em seu quarto antes de ir a dormir. — Minerva vacilou, logo, suavizou o
tom — Já sei que todos brincamos a respeito Oliver, mas a verdade é que... Bom, não me
inspirei em você para o personagem de Rockton, por mais que Jarret e Gabe opinem o
contrário. Quanto a Foxmoor e Kirkwood, é certo que existem algumas similitudes, nada mais.
Pus-lhe o nome pensando em você, porque acreditei que acharia engraçado — Seus olhinhos
brilharam divertidos — E posto que você gosta tanto que as pessoas o adorem acreditando
que é um pérfido patife...
—É que sou um pérfido patife — aduziu ele arrastando as sílabas — se por acaso ainda
não se deu conta.

110
—Como queira. — Minerva se virou de novo para a porta — Mas, por favor, consiga roupa
decente a essa pobre garota. Não pode seguir assim, com esse traje horroroso.
—Sei. E se lhe empresta um de seus trajes?
Minerva se pôs a rir.
—Parece-me que não será possível, já que sou uns quinze centímetros mais alta que ela e
não sou peituda. E Celia está muito mais magra. — Refletiu uns instantes — Custará uma
fortuna vesti-la devidamente. Possivelmente, se pedir à avó...
—Nem pensar!
—Então sua única alternativa serão as lojas de segunda mão. Os trajes estarão fora de
moda, mas é americana. Todo mundo supõe que os americanos vestem-se de forma
antiquada.
—Uma ideia excelente. Obrigado. Será o primeiro que farei quando formos amanhã à
cidade.
—Possivelmente, também deveria contratar um carpinteiro. A escada de serviço necessita
de uma reparação urgente, dado que tornamos a instalar-nos aqui. Algum criado poderia
machucar-se, se não consertar rapidamente.
—Sei, já o mencionou Ramsden a semana passada. Disse-lhe que contratasse esse tipo em
Richmond que reparou o chão da despensa.
—E nosso mordomo lhe disse também que os lavradores querem reunir-se com você para
falar sobre a colheita da próxima primavera?
—Sim, escreveu-me para me comentar isso. Farei tudo na próxima semana.
—Outra coisa: as janelas da sala de música...
—Já me encarreguei pessoalmente. — Olhou-a com curiosidade — Desde quando se
importa o que acontece nesta casa?
—E desde quando importa a você? — contra-atacou ela.
Oliver franziu o cenho.
—Desde que me vi obrigado a viver aqui de novo. — Quando ela o olhou com
incredulidade, ele acrescentou com amargura — Mas não acredite que isso significa nada.

111
Quão único ocorre é que não suporto as correntes de ar, nem que os criados caiam e quebrem
uma perna, porque, então, não poderão me servir.
—Compreendo perfeitamente. — Os olhos de Minerva cintilaram zombeteiramente —
Depois de tudo, é um patife irresponsável que jamais se arrepende de nada.
—Assim é, e será melhor que não o esqueça — resmungou ele irritado, ao ver que sua
irmã se negava a levá-lo a sério.
—Como vou esquecer, se se esforça tanto em nos recordar isso constantemente?
—Maldita seja, Minerva...
—Sei, sei. É meu temível irmão grandalhão. — Moveu graciosamente os dedos de uma
mão para despedir-se — Bom, vou dormir. Não se meta em nenhuma confusão de saias esta
noite, de acordo?
Enquanto se afastava gargalhando, Oliver não pôde evitar sorrir com escárnio. Que Deus
tivesse piedade do homem que se atrevesse a tentar submeter Minerva à sua vontade! Ela o
devoraria vivo e, logo, lamberia os dedos.
Mas o que acabava de lhe dizer o recordou que tinha de consultar os livros de
contabilidade antes de reunir-se com os lavradores. Dirigiu-se para o vestíbulo, mas se deteve
ao ouvir as risadas de seus irmãos na sala de música. Suas responsabilidades o arrastavam
para a direção oposta, para o despacho e os livros de contabilidade que o esperavam.
Oliver ficou tenso. Assim era como a gente começava: primeiro, ocupando-se de uns
assuntos de pouca relevância e, pouco a pouco, assumindo cada vez mais responsabilidades,
até que um dia a casa e todo o concernente o asfixiaria, apanhando-o entre suas ferozes
garras, e ele acabaria comportando-se como papai, disposto a fazer qualquer coisa, a casar-se
com qualquer uma, a fim de manter o maldito imóvel.
Não! Não podia permitir que os espectros de Halstead Hall o arrastassem para a direção
que ele não queria tomar. Os livros de contabilidade podiam esperar até a manhã seguinte.
Tinha ante si uma larga noite de bebedeira e de cartas, e isso era precisamente, o que
precisava.

112
Nesse instante, sua memória resgatou as palavras da avó: «Merece algo melhor que a vida
sem sentido que leva».
Oliver não pôde controlar a gargalhada afogada que lhe escapou da boca. A avó se
equivocava. Ele não sabia o que podia fazer para optar por uma vida melhor, se não fosse
sacrificando sua alma para obter um respeito social.
E nem se estivesse louco pensava em cair tão baixo.

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CAPÍTULO 10

Em sua primeira manhã em Halstead Hall, Maria permanecia de pé em frente ao espelho


de prata deslustrado de seu aposento, brigando com o sutiã daquele horroroso vestido
vermelho.
—Não há nada que possa fazer para subir o decote do vestido, Betty? — perguntou à
criada que lhe estava trançando o cabelo.
—Oh! Esqueci por completo, senhorita! — Betty se afastou a toda pressa para recolher
algo que depositou em uma cadeira, ao entrar no aposento — Lady Minerva me disse que se
quer pode usar sua capa. — Cobriu o sutiã de Maria com o amplo objeto de encaixe e lhe
grampeou o pequeno botão no pescoço — Diz que sente muito não poder lhe emprestar
nenhum vestido que seja de seu tamanho, mas que acredita que isto servirá.
—Que amável por sua parte. —Maria observou sua imagem refletida no espelho e
suspirou— É uma pena que com esta capa o traje pareça apenas um pouco menos vulgar.
—Sim, senhorita. — A criada se ruborizou — Quero dizer, n... Não, senhorita.
Betty era excessivamente nervosa para ser uma criada. Desde que entrou e encontrou
Maria fazendo a cama, mostrou-se incômoda. Não parava de mover-se de um lado a outro,
tentando ajudar Maria a fazer coisas que ela podia fazer perfeitamente sem ajuda de
ninguém; inclusive, se mostrava mais nervosa quando Maria insistia em fazer ela mesma.
—Pode me dar sua opinião sincera a respeito do vestido Betty, não ocorre nada.
—Está muito bonita com esse traje.
Maria bufou.
—O único que opina que fica bem é seu senhor. — E isso era porque aquele pérfido patife
sentia uma clara atração pelos decotes generosos.

114
Não pensava em ir ver um detetive embelezada desse modo, porque sabia que o indivíduo
não levaria seu pedido a sério. E seguro que pensaria que ela e Oliver estavam... Amarrados.
Especialmente, se Oliver continuava lhe lançando esses olhares excitados.
Maria tragou saliva. Nathan sempre a olhava paternalmente, em troca, Oliver a fazia sentir
nua cada vez que a repassava impudicamente com seus olhos escuros. E o pior era que sua
desfaçatez não lhe importava tanto como devia!
E, além disso, estavam esses beijos embriagadores. Acenderam-lhe as bochechas ao
recordar o roce daqueles lábios, a calidez de sua boca fazendo coisas escandalosas que
inclusive agora, lhe provocavam um incontrolável tremor nos joelhos. Por todos os Santos! Por
que não podia parar de pensar nisso? Passou a metade da noite acordada rememorando cada
segundo em seus braços. Era ridículo! Para ele, não tinha significado nada. E não deveria
significar nada para ela. Tinha noivo!
Um noivo que jamais a beijou daquele modo.
Quando Maria franziu o cenho, Betty disse:
—Que pena por sua roupa, senhorita. Lady Minerva nos contou da tormenta no mar que
estragou todos seus trajes. A verdade é que este vestido que lhe emprestou a costureira não
veste muito bem.
Maria se conteve para não rir. Era óbvio que lady Minerva era adepta de inventar todo
tipo de contos. Sentia curiosidade por averiguar que desculpa deu a irmã de Oliver sobre por
que uma costureira lhe emprestou um vestido, mas não se atrevia a perguntar a Betty.
—Lady Celia também disse que pode usar seu cachecol de lã com seu casaco se quiser.
Comentou que ontem, quando você chegou a Halstead Hall, tinha aspecto de estar com frio.
As lágrimas de Maria ardiam seus olhos. As irmãs de Oliver eram muito gentis. Ela não
tinha irmãs, assim, que se sentiu enormemente agradecida de que a tratassem
fraternalmente.
—Agradeça a elas de minha parte, por favor.

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—É óbvio senhorita. — Continuando, a estadia ficou sumida em um incômodo silêncio,
enquanto Betty se concentrava em lhe prender a trança com os grampos. Depois de uns
minutos, acrescentou — Espero que tenha dormido bem, senhorita.
—Sim, muito bem — mentiu Maria.
—Não a incomodou dormir em uma cama tão dura?
Comparada com sua cama em casa, era como estar em uma nuvem esponjosa.
—Não.
—Sei que a estadia cheira a umidade, mas ontem não tivemos tempo para arejá-la
devidamente. Já verá como esta noite estará melhor.
Maria se conteve para não rir. Como era possível melhorar um quarto digno de uma
princesa?
Todo o mobiliário e complementos na estadia eram antigos. As cortinas de linho estavam
desfiadas, as cadeiras rangiam quando se sentava nelas, e a tapeçaria estava deteriorada.
Todos os objetos de prata no quarto estavam enegrecidos e sem polir.
Mas eram de prata, pelo amor de Deus! Marcos de prata, candelabros de prata, um
espelho de prata a jogo com uma penteadeira também ornamentada com prata de verdade.
Os tecidos bordados que rodeavam a impressionante cama com dossel eram de veludo
vermelho e estavam atadas ao dossel com uns cordões de linho feitos de ouro e prata, e ainda
ficavam vestígios de que toda a estrutura de madeira foi antigamente tratada com pintura
dourada. Inclusive o tapete descolorido mostrava uma elaborada cena cortesã. Seguro que foi
tecida pensando em um convidado de uma posição social muito superior que Maria.
Acaso era o motivo pelo que a senhora Plumtree a instalou nessa estadia? Para intimidá-
la? Ou a anciã pensava que aquela visão decadente serviria para reforçar seus comentários a
respeito das dificuldades financeiras de Oliver?
Que pouco imaginava a senhora Plumtree o feliz que se sentia Maria de poder alojar-se
em uma mansão inglesa tão antiga! Do primeiro momento, se apaixonou por Halstead Hall.
Era um imóvel precioso, apesar de seu ambiente tão antigo e decadente, mas com classe,
como uma velha dama soberba cuja elegante estrutura óssea e pele translúcida nunca

116
passavam de moda. Agora compreendia como lady Minerva conseguia plasmar esse tipo de
cenários tão românticos em seus livros, porque tinha a sorte de viver em um deles.
—Deve estar encantada de casar-se com lorde Stoneville — comentou Betty
Não era o primeiro comentário que Betty soltava para tentar averiguar mais detalhes a
respeito daquele súbito compromisso. Por todos os Santos! As criadas sempre mostravam
uma incontível curiosidade. Isso a incomodava, já que não sabia o que criados estavam a favor
de Oliver e contra a senhora Plumtree.
—Sim, estou encantada — respondeu Maria com aborrecimento.
—Nosso lorde é um cavalheiro muito arrumado.
Maria lhe lançou um olhar afiado, perguntando-se se Oliver era um desses homens que
acossavam suas criadas. Mas a expressão da moça não mostrava nada mais que um interesse
genuíno.
—Faz muito tempo que está a serviço de lorde Stoneville? — interrogou-a Maria.
—Sim, senhorita, na outra casa. Depois de que a vendeu todos tememos ficar sem
emprego, mas o senhor nos buscou outras residências onde trabalhar na cidade. Assim,
quando decidiu abrir de novo Halstead Hall e nos propôs que podíamos recuperar nossos
postos, quase todos decidiram vir.
Que estranho que um homem sem um ápice de decência se preocupasse tanto com seus
criados!
—Isso significa que é um bom lorde.
Betty assentiu.
—Muito bom. Sempre nos tratou muito bem. Não faça caso de nenhuma fofoca
desagradável sobre a família Sharpe. São pessoas muito boas, asseguro. Se não fosse por esse
velho escândalo, os da alta sociedade não se mostrariam tão críticos com a afeição pelas
apostas e o jogo de lorde Jarret e os campeonatos de tiro de lady Celia.
—Que velho escândalo? — inquiriu Maria com curiosidade.
A Betty, lhe acenderam as bochechas.
—Peço perdão, senhorita. Pensei que já sabia. Parece que falei mais da conta.

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—Não ocorre nada, mas o que...?
—Bom, já está, o penteado ficou perfeito — a interrompeu Betty, colocando a última
forquilha atropeladamente — Se não necessitar de nada mais, senhorita, acredito que será
melhor que vá atender minhas senhoras. Somos apenas duas para nos encarregar de quatro
damas, agora que partiram os criados da senhora Plumtree.
—Certo, não a entreterei mais.
—Obrigado, senhorita. — Betty realizou uma graciosa reverência e partiu veloz como uma
flecha, enquanto Maria a olhava boquiaberta.
Um velho escândalo. Possivelmente tinha algo a ver com o estranho ultimato da senhora
Plumtree aos cinco irmãos? Devia perguntar a Oliver? Não, porque o mais provável seria que
ele se negasse a responder, como de costume.
Maria lançou um suspiro e abandonou seu aposento para descer ao vestíbulo com a
esperança de encontrar o caminho até a sala de jantar onde iam servir o café da manhã.
Tentou dar atenção a lady Celia, quando na noite anterior, a guiou através do labirinto de
corredores, mas essa mansão era tão ampla que não estava segura de encontrar de novo o
caminho. Felizmente, tropeçou com um criado que a acompanhou até a sala de jantar.
Ao entrar, ficou surpreendida quando descobriu que Oliver já estava tomando o café da
manhã com sua avó, suas irmãs e Freddy. Lady Celia lhe deu a entender que Oliver não
gostava de madrugar, embora pensando-o bem, tampouco era tão cedo. Maria precisou de
bastante tempo para ordenar seu quarto, por isso, certamente já deviam ser quase nove.
—Ah, bom dia, senhorita Butterfield — saudou a senhora Plumtree, enquanto Maria
rodeava a mesa — Oliver estava me contando à tragédia que acabou com suas arcas sob o
mar. Que pena que a costureira não pudesse lhe emprestar um traje mais decoroso!
Ela elevou o queixo com petulância.
—Sim, uma verdadeira pena.
—Estava comentando a avó que se encarregou de que confeccionassem alguns trajes —
interveio Oliver — Disse que hoje estariam prontos, não é, querida?
Maria bufou incômoda.

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—Sim, assim é. — Posto que toda a família parecesse disposta a conspirar com a mentira
dos trajes, o melhor era que seguisse a corrente, sobretudo tendo em conta que Freddy não
mostrava ser de grande ajuda. Seu primo estava muito ocupado devorando um par de ovos no
prato, para dar atenção aos contos que inventavam.
Oliver procedeu a passar manteiga em sua torrada.
—Pensava que poderíamos ir à cidade recolher seus trajes e, possivelmente, comprar
qualquer outra coisa de que necessite. Se te parecer bem.
Os olhos da senhora Plumtree se abriram exageradamente ante a educada sugestão de
seu neto, mas não disse nada.
—Perfeito — respondeu Maria jovialmente.
Freddy elevou a cabeça repentinamente.
—Posso ficar aqui? Odeio ir às compras.
—Tem de nos acompanhar; não posso ir sozinha com Oliver — o repreendeu Maria.
Inexplicavelmente Oliver ficou tenso.
Freddy não pareceu dar-se conta.
—Ah, entendo. Devo levar a espada?
—Eu a devolvi ontem à noite — explicou Oliver em um tom tenso.
—Entendo — respondeu ela. Oliver parecia realmente incômodo com a ideia de ir a
Londres com Freddy. Maria olhou seu primo fixamente — Será melhor que deixe a espada
aqui; estou segura de que Oliver nos protegerá como é devido.
Quando Oliver bufou, ela ficou olhando desconcertada. A tensão parecia haver-se apagado
de suas facções, e agora, Oliver parecia aliviado. De repente, compreendeu que ele esteve
tenso à espera de descobrir se ela pensava em abandonar o barco naquela manhã, tal e como
lhe prometeu que lhe permitiria fazer, se ainda seguia insatisfeita com o trato.
Aquela evidência a impressionou. Desde que manteve a conversa com a senhora
Plumtree, Maria havia sentido uma irreprimível necessidade de ajudar Oliver a frustrar os
planos dessa mulher. A partir desse momento, resolveu que tudo estava já decidido, quando
em realidade, não era assim.

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Durante alguns décimos de segundo, considerou a possibilidade de abandonar o pacto. Se
ficasse, Oliver a ajudaria a encontrar Nathan. Mas provavelmente, também tentaria dar-lhe
mais beijos incríveis. Estava disposta a correr o risco!
Tinha de fazê-lo. Sem sua ajuda não tinha possibilidades de encontrar Nathan. E
certamente poderia resistir a uns quantos beijos, por mais espetaculares que fossem, embora,
só de pensar neles lhe acelerava o pulso e a invadia uma sensação de vertigem.
Virgem Santa! O que indicava essa reação a respeito de sua personalidade? Tinha de
conseguir controlar aquela descabelada fascinação.
O café da manhã transcorreu em um ambiente perceptivelmente tenso. A avó de Oliver
não deixava de envenená-la com perguntas sobre sua família, e Maria não tinha ideia de como
devia responder para cooperar com Oliver. Não gostava de mentir, mas não acreditava que
fosse sensato explicar que provinha de uma família mais acomodada que o que Oliver deu a
entender.
Maria se sentiu tão aliviada quando o café da manhã chegou a seu fim, que nem protestou
quando Oliver colocou a mão na parte inferior de suas costas, enquanto se dirigiam com passo
veloz para a porta principal. Apesar de o contato lhe provocar um calafrio de prazer.
Quando chegaram à esplanada, Oliver inclinou a cabeça para ela e lhe sussurrou ao
ouvido:
—Devo entender que decidiu continuar com o trato?
—Sempre e quando mantiver sua promessa. Ainda tenho de encontrar meu prometido.
—É óbvio — respondeu ele conclusivamente.
—Por que disse a sua avó que tenho que passar para recolher uns trajes na cidade?
Quando retornarmos esta tarde sem nenhum vestido, suspeitará.
—Depois da reunião com o detetive na Bow Street, você e eu visitaremos várias lojas de
segunda mão. Não encontraremos vestidos na última moda, mas serão mais adequados que o
que veste agora.
—Não acredito que possa pagar...

120
—Eu comprarei. Eu ideei esta farsa, assim, correrei com os gastos. Se depois não quiser
ficar com eles, posso dá-los de presente às criadas ou vendê-los. E se quiser ficar, considere-os
como um plus, por me ajudar.
—Se ficar com eles, Nathan lhe pagará isso logo que nos casemos — replicou ela com
evidente tensão.
Oliver a observou com interesse.
—Quer dizer, assim que o encontre, não é assim? Já pensou no que fará se não o
encontra?
—Não. — A papelada legal a qual se veria submetida era um pesadelo muito desagradável
para querer pensar nisso. Tinha de encontrá-lo. Não restava alternativa.
Mas o peso da situação se agravou uma hora mais tarde, quando um empregado os guiou
até o escritório velho e sem janelas do senhor Jackson Pinter. O empregado disse que o
detetive da Bow Street, que foi recomendado a Oliver por uns bons amigos, não demoraria a
chegar, e depois, os deixou sozinhos no escritório.
Enquanto Oliver se acomodava em uma cadeira, Maria começou a perambular acima e
abaixo pela pequena estadia. Nas paredes havia esboços de indivíduos com caras insensíveis
cravados com tachinhas, e em uma vitrine destacava-se uma extensa coleção de armas, que
lembrou a Maria que o trabalho de um detetive costumava consistir em perseguir
delinquentes.
A situação era desesperadora, se devia recorrer a um detetive dos baixos recursos de
Londres para procurar seu prometido. Entretanto, se Nathan tinha problemas, esperava que
aquele detetive fosse capaz de tirá-lo de qualquer apuro.
—A isso eu chamo de espada! — comentou Freddy com assombro, enquanto observava
um impressionante sabre pendurado de um cabide para chapéus perto da porta.
—Não o toque — ordenou Maria — estou segura de que está mais afiado que sua espada.
Como de costume Freddy não fez conta.
—Quantas coisas poderia fazer com um sabre como este! — comentou enquanto
levantava a lâmina.

121
—Até agora não o vi fazer nada com uma espada amigo — remarcou Oliver com secura —
embora trema só de pensar o que sua prima seria capaz de fazer.
Ao ver que Maria reagia fulminando-o com um olhar beligerante, Oliver não pôde conter
uma gargalhada. Enquanto isso, Freddy havia desembainhado o sabre com gesto triunfal.
—Pelo amor de Deus Freddy, deixe isso! — insistiu Maria.
—Que obra de arte! — Freddy brandiu o sabre no ar — A espada que tio Adam me deu
não é assim tão espetacular.
Maria olhou para Oliver com olhos implorantes.
—Faça algo, por favor! Detenha-o!
—E acabar mutilado? Não, obrigado. Deixe que o pobre se emocione.
Freddy o olhou com cara de poucos amigos.
—Se me aproximar com este sabre, seguro que não se atreverá a me chamar assim.
—Não, chamarei você de louco — replicou Oliver arrastando as sílabas — mas convoco
que o tente, e já verá o que acontece.
—Não o provoque, por favor — suplicou Maria a Oliver
De repente, a porta se abriu, e Freddy se virou atrapalhadamente com o sabre na mão e
derrubou um abajur que havia sobre a mesa. O tubo de cristal se fez em pedacinhos, e o
azeite que continha derramou formando um amplo arco, até que alcançou a chama do pavio,
e o fogo se estendeu imediatamente por toda a superfície banhada pelo azeite.
Maria retrocedeu de um salto, ao tempo em que lançava um gritinho de alarme, enquanto
Oliver ficava de pé de um salto disposto a apagar o fogo, primeiro, com suas botas e, logo,
com seu casaco. A estadia se alagou de imprecações, a maioria delas pronunciadas por Oliver,
embora Freddy também tivesse a oportunidade de soltar algumas maldições, enquanto o fogo
lambia suas calças favoritas.
Finalmente, Oliver apagou as chamas, e não ficou nada mais que um círculo chamuscado
no chão de madeira, salpicado por pedacinhos de cristal. Então, os três se voltaram para a
porta e viram um homem com o cabelo escuro que observava a cena com uma expressão de
puro desgosto.

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—Se sua intenção era captar minha atenção, conseguiram — remarcou.
—Ah, o senhor Pinter, suponho! — disse Oliver lançando seu casaco estragado e suas
luvas chamuscadas sobre a madeira chamuscada — Espero que nos perdoe por nossa
desafortunada intrusão. Sou Stone...
—Sei quem é milord — o interrompeu o detetive — O que não entendo é o que fazem em
meu escritório, prendendo fogo a meus pertences.
—Senhor Pinter — interveio Maria muito envergonhada para poder ficar calada por mais
tempo — Sinto muitíssimo pelos transtornos que causou meu primo. Asseguro que lhe pagarei
a reparação do chão e comprarei um abajur novo e ressarcirei qualquer outra imperfeição.
—Sandices! — O senhor Pinter dirigiu o olhar para ela. Apesar de que seus olhos parecia
haver se suavizado, a brutalidade em seu tom provocou em Maria um rude calafrio — Esse
abajur não iluminava bem. Ia comprar outro de todos os modos, e quanto ao círculo
chamuscado no chão, pode-se cobrir facilmente com um tapete. — Lançou a Oliver um olhar
severo — Suponho que lorde Stoneville não se importará de me oferecer um; devem-lhe
sobrar tapetes, agora que vendeu sua escandalosa guarida de solteiro em Acton.
Oliver ficou rígido.
—Já vejo que meus amigos lhe deram informações sobre mim.
—Passo o dia defendendo a lei — aduziu o senhor Pinter encolhendo instintivamente os
ombros — Por isso, uma de minhas obrigações é estar em dia sobre as destrezas da alta
sociedade.
Oliver arqueou ambas as sobrancelhas com receio.
—Por quê? Porque estamos acostumados a infringir a lei?
—Porque, normalmente os aristocratas tendem a mostrar pouco interesse pela lei. Exceto,
quando os afeta de forma direta.
Os olhos de Oliver brilharam maliciosamente.
—Já entendo. Meu amigo lorde Kirkwood sabe que você é tão cínico em relação aos
aristocratas? Ele é quem o recomendou.
O comentário tomou o senhor Pinter por surpresa.

123
—Lorde Kirkwood me recomendou?
—Disse-me que se alguma vez precisasse investigar alguma questão, você era de absoluta
confiança por sua discrição. É certo?
—Bom, depende de qual seja a questão que requeira discrição.
—É um tema que me afeta, e não a lorde Stoneville — interveio Maria. Por alguma razão,
o senhor Pinter não parecia muito disposto a querer fazer entendimentos com Oliver.
Possivelmente se mostraria mais inclinado a ajudar uma mulher de baixa posição social.
—Desculpe por não haver apresentado antes a senhorita — disse Oliver — Apresento
minha prometida, a senhorita Maria Butterfield.
O comentário pareceu surpreender novamente o senhor Pinter.
—Está você prometido?
—Bom, em realidade não é sua prometida — explicou Freddy — Verá, a avó de lorde
Stoneville...
—Vamos, moço — o cortou Oliver bruscamente, ao tempo em que agarrava Freddy pelo
braço com firmeza e o arrastava para a porta — Deixemos que sua prima e o senhor Pinter
falem tranquilamente, não acha? —De caminho à porta Oliver tirou de Freddy o sabre que
ainda sustentava na mão, logo se deteve na soleira e olhou o senhor Pinter. —Dê a ela tudo o
que peça. Pagarei-lhe generosamente por seus serviços.
—Segundo os rumores, você está asfixiado pelas dívidas. Seguro que poderá pagar meus
serviços?
Maria conteve o fôlego. Qualquer outro homem se sentiria insultado, inclusive desafiaria o
injuriante a um duelo, para proteger sua honra. Mas apesar de Oliver afiar com dureza o
olhar, não mostrou nenhum outro sinal de sentir-se ultrajado.
—Vendi minha guarida de solteiro em Acton, recorda? Estou seguro de que ainda ficam
umas poucas libras.
—Meus serviços lhe custarão mais que umas poucas libras. Se aceitar o caso.
De repente Oliver sorriu com desprezo.

124
—Aceitará. Maria pode ser muito persuasiva. — Voltou a pendurar o sabre que acabava de
arrebatar de Freddy no cabide para chapéus e, após piscou os olhos para o detetive — Embora
se estivesse em seu lugar, manteria qualquer arma afastada dela.
Enquanto Maria se ruborizava intensamente, ele e Freddy abandonaram a estadia. O
senhor Pinter avançou com grandes pernadas até a porta e chamou seu empregado para que
varresse as partes de cristal do chão. Enquanto isso, Maria se dedicou a estudar o detetive.
O senhor Pinter era um tipo magricela e devia ter uns trinta anos, um pouco mais jovem
que o que ela esperava. Levava uma jaqueta ajustada e umas calças robustas de sarja negra,
um colete liso de cor cinza, uma camisa branca de linho e um lenço de linho atado ao pescoço.
Sua mandíbula angulosa e suas grossas sobrancelhas negras lhe outorgavam um aspecto de
falcão. Seguro que algumas mulheres o encontravam inclusive atraente... Se pudessem
suportar seus arrepiantes traços inexpressivos.
O empregado acabou de limpar e abandonou a estadia rapidamente; então o senhor
Pinter fez um gesto a Maria para que se sentasse em uma cadeira situada diante da mesa.
Quando os dois se acomodaram, ele se recostou e entrelaçou os dedos.
—Assim, é você a prometida de lorde Stoneville, né?
Os olhos do senhor Pinter, cinzas e afiados como o aço, escrutinaram-na com um olhar
penetrante, indicativo de sua profissão. Graças a Deus que ela levava o casaco. Quem sabia o
que esse indivíduo teria deduzido a partir de seu indecoroso vestido?
—Bom, a verdade é que é uma história bastante complicada. — Durante o trajeto até a
cidade aquela manhã, ela e Oliver decidiram o que diriam ao senhor Pinter. Tinham de
continuar com a farsa, apesar de solicitar ajuda ao senhor Pinter para que encontrasse
Nathan. Obviamente, Freddy não prestou atenção ao plano. O que era muito típico dele.
Maria necessitou de alguns minutos para lhe detalhar os termos completos do testamento
de seu pai. Quando acabou, o rosto do senhor Pinter não mostrava nenhum indício do que
devia estar pensando, o que resultava extremamente desagradável.
—Assim, até que não encontre o senhor Hyatt, meu futuro está por um fio — concluiu ela.
—E que papel desempenha o marquês?

125
Agora, vinha a parte mais difícil.
—Conhecemo-nos enquanto eu procurava Nathan. Uma coisa levou a outra, e ao final
acabamos prometidos. — Isso era de certo modo verdade — Estou segura de que
compreenderá por que é vital que encontre o senhor Hyatt logo que seja possível, para
resolver o assunto.
—Em outras palavras, você tem dois prometidos neste momento. E espera poder-se
desfazer de um deles.
Maria sentiu um intenso calor nas bochechas.
—Por dizê-lo de algum modo.
—Agora compreendo por que lorde Stoneville está tão disposto a pagar meus serviços.
Não poderá por a mão no dinheiro de seu pai até que você não encontre seu prometido.
—Isso não é certo! — Ela não considerou a possibilidade daquele enfoque tão mesquinho.
O senhor Pinter estreitou os olhos.
—Faz muito que conhece lorde Stoneville?
Sem saber se era mais conveniente repetir o conto que OIiver tinha referido a sua avó ou
se contar a verdade, Maria optou pela via evasiva.
—Não muito.
—Assim, não conhece sua fama de mulherengo, não é assim?
Ela elevou o queixo com altivez.
—A verdade é que, sim, que estou a par, mas não me importa.
—Ah. — O detetive se inclinou para frente e a olhou com irreverência — Você encontrou a
forma de apanhar um cavalheiro com um título nobiliário e ficar de uma vez com a fortuna de
seu pai sem ter de casar-se com o homem que seu pai escolheu. Sem dúvidas, o senhor Hyatt
deve ser um tipo velho e feio.
Maria se sentiu ultrajada.
—Equivoca-se. Nathan é um jovem arrumado e elegante; qualquer mulher se sentiria
orgulhosa de poder casar-se com ele.

126
No momento em que as palavras afloraram por sua boca, deu-se conta de seu engano.
Sobretudo, quando o senhor Pinter voltou a encostar-se na cadeira, com aspecto de estar
plenamente satisfeito.
—Você não é a prometida de lorde Stoneville, não é certo?
Virgem Santa! Que mal lhe dava mentir!
—Eu... Bom... Verá... Tudo é muito... Mas que muito...
—Complicado — rematou o detetive com secura — Isso já vejo.
Maria deu uma olhada para a porta entreaberta às suas costas e se inclinou para a mesa e
abaixou a voz.
—Por favor, não conte a ninguém a verdade. É de suma importância que guarde o segredo
até que encontre meu prometido.
—Importante para você? Ou para lorde Stoneville?
—Para os dois. Rogo, senhor...
—Fale-me de seu prometido — pediu ele após bufar de cansaço e pegar um bloco de
anotações — De seu prometido de verdade. Preciso saber onde o viram pela última vez, como
sabe que desapareceu, e qualquer dado que considere que pode ser relevante. — O senhor
Pinter a olhou com olhos inexoráveis — E desta vez quero a verdade. Não aceito nenhum caso
quando as partes implicadas mentem.
Maria abaixou a vista visivelmente envergonhada.
—A verdade. Sim, senhor.
Durante a seguinte meia hora, contou-lhe todas as aventuras que ela e Freddy passaram e
respondeu todas as perguntas com tanta precisão como pôde. Quando o detetive encheu
várias páginas com suas notas, depositou a caderneta sobre a mesa.
—E agora, quero que me conte o que tem a ver lorde Stoneville com toda esta confusão.
Maria sentiu suas mãos suarem.
—Está me ajudando.
—Por quê?
Porque seus amigos acusaram meu primo de roubar uns «alforjes.»

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—Por um motivo que não tem nada a ver com minha intenção de encontrar meu
prometido — replicou Maria com ar obcecado.
O detetive a olhou sem piscar.
—Claro que tem a ver, se uma jovem respeitável decide pagar um preço tão alto pela
ajuda de lorde Stoneville.
Maria compreendeu o duplo sentido imediatamente, e se ruborizou.
—Não terei de pagar nenhum preço, asseguro.
—Diga-me uma coisa, senhorita Butterfield. Sabe algo a respeito da personalidade do
homem em que decidiu confiar para que a ajude?
—O necessário.
—Sabia que sua mãe matou seu pai? E que depois, ela se suicidou com um tiro?
Maria ficou muda de espanto.
«E se lhe juro por minha mãe que em paz descanse que manterei minha promessa?
Asseguro-lhe que levo este juramento muito a sério.»
—Oh, pobre Oliver — sussurrou ela.
—Eu não me precipitaria a me compadecer desse sujeito, senhorita — espetou o senhor
Pinter — Desde esse trágico dia, lorde Stoneville levou uma vida desenfreada. O homem em
que decidiu confiar tem fama de irresponsável; sempre está com bailarinas e meretrizes. Goza
de uma vida luxuosa em Londres, enquanto deixa que Halstead Hall apodreça.
Maria sentiu que não podia respirar por uma súbita pressão no peito.
—Onde aconteceu?
O detetive piscou várias vezes seguidas.
—Como disse?
—O assassinato de seu pai e o suicídio de sua mãe. Onde aconteceu?
—No pavilhão de caça de Halstead Hall. Por quê?
«É melhor deixar que alguns lugares apodreçam.»
Aquelas palavras amargas que Oliver soltou adotaram um novo significado.
—E quantos anos tinha lorde Stoneville?

128
—Dezesseis, acredito.
O coração subiu à garganta.
—Virgem Santa! Mas era apenas um moço! É que você não tem nenhum pingo de
compaixão? Perdeu os pais da forma mais horrível imaginável, e então, se encontrou em uma
idade tão tenra com a obrigação de exercer a função de cabeça de família, com quatro irmãos
menores. Não lhe parece que se lhe acontecesse algo similar possivelmente também perderia
o mundo de vista? Ou que se desviasse pelo caminho do desenfreio?
O senhor Pinter a olhou com olhos severos.
—Não, aprenderia da tragédia e me inclinaria por uma vida mais sóbria, mais reta. Em
troca, ele e seus irmãos passam os dias escandalizando à alta sociedade com seus
comportamentos inaceitáveis.
Maria pensou na família Sharpe, nos adoráveis que eram quando estavam todos juntos, e
na extrema gentileza que mostraram as duas irmãs. Então recordou o que a criada lhe disse a
respeito de como os criticavam injustamente, e se irritou.
Levantou-se da cadeira, atravessou o detetive com um olhar de desprezo e o repreendeu
com severidade:
—Julgá-los a partir de suas próprias deduções, sem conhecê-los pessoalmente! Como se
atreve?
O senhor Pinter também ficou de pé visivelmente ofendido.
—Ainda não lhe contei o pior. Depois de que seus pais morreram, ele herdou tudo. Alguns
dizem que lorde Stoneville sabe muito mais sobre o que aconteceu no pavilhão de caça que o
que realmente admite, que inclusive, é possível que estivesse ali... Não sei se me entende.
Maria notou um calafrio nas costas.
— Não, não o entendo senhor. Não acredito que esteja sugerindo que...
—O senhor Pinter não está sugerindo nada — corrigiu uma voz cáustica às suas costas.
Maria sentiu que lhe oprimia o peito quando se virou e viu o Oliver de pé na soleira.
Levava sua capa de lã negra para substituir o casaco chamuscado. Com o semblante
absolutamente impassível e as pálpebras parcialmente caídas sobre seus escuros olhos,

129
recordou a um enorme gerifalte4 que Maria tinha visto uma vez nos Estados Unidos,
preparado para lançar-se sobre sua presa e apanhá-la com o bico.
A capa de Oliver se agitou violentamente quando entrou na estadia com passo impetuoso.
—O senhor Pinter está expressando sua opinião sobre mim sem nenhum tipo de disfarces.
Sou um canalha e um mulherengo, não sou de confiança, e o que é pior: é possível que
inclusive, tenha matado meus próprios pais.

4 Com mais de 60 cm de altura e com aproximadamente 1,6 kg de peso, o falcão-gerifalte (Falco rusticolus) é um dos maiores falcões. Vive na
tundra e nas montanhas desde a América do Norte até à Sibéria. Ataca aves como galos-selvagens apanhando-os de surpresa. A cor de suas penas
varia de cinzento a branco e os exemplares adultos mais belos são os que possuem pequenos pontos castanhos na cauda e asas, semelhantes a
letras. Estes falcões chamam-se "letrados". Nos filhotes a penugem é marrom.Na Idade Média, o falcão-gerifalte era considerado uma ave real
devido à sua raridade e às dificuldades envolvidas em obtê-lo, assim como à pureza das suas cores. Apenas muito raramente um homem de classe
menor era visto portando tal animal. Os falcões-gerifalte eram aprisionados na Islândia e na Groenlândia e oferecidos pelos monarcas do norte aos
reis do sul da Europa.

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CAPÍTULO 11

Quando Pinter não negou sua acusação, Oliver sentiu vontade de estrangulá-lo. Por que as
pessoas não podiam julgá-lo por como era em realidade, sem ter de inventar mil versões a
respeito de seu passado? Cada vez que pensava que os rumores já tinham cessado, de novo
voltavam a aparecer.
E pensar que Pinter sugeriu que sua família deveria ter «aprendido» com a «tragédia»...
Esse maldito idiota não tinha nem ideia do que estava falando!
Provavelmente, deveria ter entrado na estadia antes e sossegado Pinter, quando da sala
contigua ouviu que começava a criticá-lo. Mas se não ficasse ali de pé escutando, não ouviria
como Maria saltava com tanta coragem em sua defesa.
«É que você não tem nenhum pingo de compaixão?»
Aquelas palavras conseguiram erodir a couraça de pedra que ele mantinha firmemente
selada para proteger seu coração. Nunca ninguém o defendeu, e menos ainda com aquela
profunda convicção.
Mas Pinter não se amedrontou, e sim, tentou destruir qualquer compaixão que ela
pudesse sentir, lhe contando o pior. Maria exibia agora um semblante tão horrorizado que
Oliver sentiu vontade de começar a chiar.
—Não posso acreditar que você realmente acredita que lorde Stoneville esteve
comprometido na morte de seus pais! — Maria repreendeu o senhor Pinter com um tom tão
severo que deixou Oliver impressionado.
Era possível que ela questionasse tais rumores?
—Porque, se for ser assim, então você está claramente apoiando sua opinião em meros
falatórios — continuou ela com voz irada — Em dito caso, não estou segura de que queira
contratar seus serviços.

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Oliver sentiu um nó na garganta. Ela tinha se colocado de sua parte, e não das línguas mal-
intencionadas! Mas por quê? Somente seus escassos amigos de verdade reagiriam assim, e o
fariam porque o conheciam desde menino, muito antes daquela fatídica noite em Halstead
Hall.
—Apoio-me em fatos, senhorita Butterfield — rebateu Pinter com firmeza — Tudo o que
lhe contei é verdade.
Por mais que Oliver detestasse admitir, em certo modo tinha razão. Oliver levava uma vida
desperdiçada e deixou que Halstead Hall apodrecesse. E correram rumores a respeito de sua
presença na cena do crime. Não eram os rumores desagradáveis o que o incomodavam, a não
ser a mesquinha necessidade de Pinter de contá-los a Maria.
—Sim — replicou ela — mas se você chegar a tais conclusões a partir de fatos tão
discutíveis, como vou confiar em que possa levar a cabo um trabalho de investigação
adequadamente?
—Já basta Maria — a cortou Oliver.
Apesar de que Oliver não gostasse da necessidade de Pinter de sujar seu nome e sua
honra em frente à Maria, compreendia esse tipo. E, além disso, era considerado um detetive
de primeira categoria. Pelo bem de Maria, tinha de ser prático e deixar de lado a repulsão que
sentia por aquele indivíduo.
Além disso, o resto dos detetives certamente também conhecia esses rumores, embora
possivelmente não fossem tão diretos como Pinter. E havia outra questão a ter em conta:
Pinter poderia ter tentado enrolar ao significado do que Oliver ouviu, para desculpar-se, mas
não o fez. E Oliver preferia um homem de convicção que um bajulador.
—Como a maioria dos cavalheiros — continuou Oliver — o senhor Pinter deseja salvar a
donzela das garras de um famoso patife do que além se rumoreja que é um assassino. Isso não
é motivo para decidir que não queira contratá-lo. Considero que a atitude do senhor Pinter
demonstra que se esmerará mais na hora de encontrar o senhor Hyatt que qualquer outro
detetive medíocre. — Desviou a vista para o senhor Pinter — Tenho razão ao assumir que
aceitará o caso da senhorita Butterfield?

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—Tem você toda a razão, milord. — O detetive cravou seus inclementes olhos em seu
interlocutor — Mas não aceitarei seu dinheiro. Se encontrar o senhor Hyatt, me pagará ele. Se
não o encontrar, então, não cobrarei nenhum centavo. Prefiro dormir com a consciência
tranquila ao saber que a senhorita Butterfield não está em dívida com você.
—Não compreende... — começou a protestar Maria.
—Deixe que desfrute fazendo o heroi — soltou Oliver com desprezo. Tinha de tirá-la dali,
antes que ela revelasse a verdadeira natureza do pacto. Se Pinter já estava disposto a salvá-la,
o que não faria quando se inteirasse de como a estava utilizando para frustrar os planos de
sua avó? Oliver ofereceu o braço a Maria. —Vamos querida, temos que ir às compras. E
seguro que o senhor Pinter desejará começar hoje mesmo a procurar o senhor Hyatt.
Pinter enrugou o nariz ao ouvir aquela ordem encoberta, mas se limitou a assentir com a
cabeça.
—Que tenha um bom dia, milord. — O detetive suavizou o olhar quando cravou os olhos
em Maria — Eu a manterei informada de qualquer novidade senhorita Butterfield. E se
necessitar de algo...
—Obrigada, mas não, não necessito de nada — respondeu ela, ao tempo em que elevava
o nariz graciosamente — Poderá me encontrar em Halstead Hall. Alojo-me lá, com a família do
senhor Marques.
Só Deus sabia o que Pinter deduziria daquela revelação!
Aceitou o braço de Oliver, e os dois se dirigiram para a porta, mas quando chegaram à
soleira, Oliver se deteve sem poder resistir a pronunciar a última palavra.
—Dá-se conta senhor Pinter, de que ao impor suas condições, agora a senhorita
Butterfield estará em dívida com você? E isso me leva a me expor a seguinte pergunta: Que
preço acabará pagando a senhorita Butterfield por sua ajuda?
Sem esperar obter resposta, atravessou a porta com Maria.
—Maldito pedante — renegou Oliver a meia voz, enquanto se dirigiam para as escadas.
—Não tínhamos de contratá-lo.
—É óbvio que sim. Pelo que ouvi, é o melhor em sua profissão.

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Ela se aferrou a seu braço, enquanto desciam as escadas.
—Mas disse tantas... Barbaridades sobre você... Não sei o que é o que ouviu...
—O suficiente — a interrompeu ele sem atrever-se a olhar seu rosto, por temor a detectar
certa desconfiança em seus olhos. Apenas porque o tinha defendido ante Pinter não
significava que ela não fosse mudar de ideia mais tarde. Embora Oliver estivesse acostumado
a não prestar atenção aos mórbidos olhares de curiosidade ou de absoluta desaprovação, não
estava preparado para suportar o desprezo de Maria. Não depois da coragem que lhe
demonstrou.
—Sinto muito por seus pais — murmurou ela.
A suavidade em sua voz quase conseguiu romper as barreiras de cinismo que Oliver
sempre mostrava com todo mundo.
—Por quê? — Ele manteve a voz serena e neutra, apesar de que precisou realizar um
enorme esforço para não delatar seu nervosismo — Não estava ali quando aconteceu.
—Nem você tampouco. Espero que não pense que acreditei em sua insinuação.
—Pode acreditar no que quiser. Não me importa — mentiu ele.
Chegaram à entrada do edifício. Enquanto Oliver sustentava a porta aberta para que ela
pudesse passar, Maria se deteve ao seu lado e ficou olhando fixamente, o obrigado a olhá-la
nos olhos.
—Sim que se importa. O senhor Pinter não deveria haver dito essa barbaridade.
Por um momento, Oliver não pôde afastar o olhar. Havia tanta compaixão nos olhos de
Maria que desejou afundar-se neles.
Mas de repente, sentiu vontade de fugir correndo e de não voltar a vê-la nunca mais.
Aquela relação não podia funcionar. Como ia funcionar?
Oliver afastou a vista bruscamente, e a convidou a descer os degraus frente à porta
principal.
—Asseguro-lhe que o que disse é apenas uma pequena porção do que poderia ter
insinuado. Poderia lhe relatar o rumor inteiro: que matei meu pai para poder herdar suas
terras e que então, minha mãe tentou me tirar à arma das mãos.

134
Apesar de Maria espremer o braço dolorosamente, Oliver não se calou. Era melhor que ela
soubesse todas as atrocidades que diziam a respeito dele e de sua família, se estava tão louca
para ir por aí defendendo-os.
—Também ouvirá rumores de que meu pai estava com outra mulher e que, por isso,
minha mãe o matou. Ou que a avó pagou a um sicário para que matasse meu pai, porque
minha mãe pediu, mas que o plano saiu mal e os dois acabaram mortos. Faz dezenove anos
que circulam esses rumores a respeito de minha família.
—Isso é terrível! — indignou-se ela.
—Forma parte da natureza humana — comentou ele com voz cansada — Se a verdade é
muito aborrecida, o povo inventa calúnias mais interessantes. Ninguém sabe realmente o que
aconteceu aquela noite, sequer eu. A dedução de minha avó é que minha mãe confundiu meu
pai com um ladrão e disparou nele e que depois se suicidou presa do desespero, quando se
deu conta de seu engano.
—Assim que suas mortes foram simplesmente um trágico acidente.
—Sim.
Não era uma mentira. Isso era o que a avó pensava. Mas ele sabia perfeitamente bem que
tampouco era verdade. Entretanto, não suportava a ideia de que Maria soubesse a verdade,
que apesar de ele não apertar o gatilho, o resultado foi o mesmo. Por sua culpa, seus pais
estavam mortos. E nada do que ele fizesse poderia mudar essa realidade. Nem uma boa dose
de compaixão por parte de uma descarada americana com um coração de ouro.
A carruagem se deteve diante deles e o lacaio baixou o estribo. Mas quando Oliver
ofereceu a mão a Maria para subir, lhe perguntou:
—Onde está Freddy?
Céus! Esqueceu-se do primo de Maria por completo!
—Levei-o a meu clube, que está justo ao dobrar a esquina — explicou enquanto subia à
carruagem atrás dela — Não queria que delatasse nossa farsa ao Pinter, e me disse que de
todos os modos não desejava ir às compras conosco. — Era verdade, exceto que Oliver tentou
livrar-se do primo de Maria porque ansiava ficar a sós com ela.

135
No momento em que deixou Freddy no clube, pensou que cometia uma loucura. Oliver se
sentia muito atraído por ela e passar um momento a sós com Maria não faria mais que piorar
a situação. Com muita dificuldade, conseguiu pregar o olho a noite anterior por culpa dos
recorrentes sonhos eróticos com ela em sua cama, vencendo a escura noite com sua tenra
boca e seus suaves suspiros e seus resplandecentes sorrisos.
Ah, que prazer seria perder-se no quente abraço daquele corpo feminino! Tombá-la sobre
a erva cheia dos jardins que rodeavam Halstead Hall e fazer amor como se se tratasse de uma
ninfa do bosque e ele um deus grego. Possivelmente, assim conseguiriam romper de uma vez
por todas as maldições que pendia sobre aquele lugar.
Oliver apertou os dentes. Embora Maria concordasse, deitar-se com ela suporia lhe dar
permissão para farejar em seus mais recônditos segredos, como um menino dedicando-se a
extrair cuidadosamente as passas de um pudim. E quando ela colocasse as passas em linha e
se fixasse em quão negras eram, se afastaria dele enojada. Deixando-o nu e sozinho, como
sempre, completamente sozinho.
E por que diabo lhe importava se ela o abandonasse? Maldita fosse essa fêmea por tentá-
lo de uma forma tão inocente! E maldito fosse ele por deixar-se tentar!
Desabotoou a capa. De repente fazia um calor insuportável na carruagem, inclusive sem o
casaco e as luvas.
—Recolheremos Freddy quando terminarmos as compras. Ele não pode causar nenhum
desastre em meu clube.
—Fala sério? Não vi ninguém que vá mais rapidamente com a língua que Freddy. Seguro
que a esta altura, já teria revelado a todos os membros do clube a história de nosso falso
compromisso.
—Já tomei as devidas precauções. Disse-lhe que podia pedir o que quisesse ao chef,
sempre e quando não contasse nada sobre nossas atividades. Seguro que não poderá falar
mais da conta com a boca cheia de bife.

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—Você se surpreenderia. Freddy é adepto a todas as coisas que suportem problemas —
lhe dedicou um olhar coquete — Percebe que tentar comprar Freddy com comida pode
acabar lhe custando uma fortuna?
—Não me importa. Ao fim, economizarei a tarifa de Pinter.
Quando o semblante de Maria entristeceu, ele se amaldiçoou por não pensar duas vezes
antes de falar. Quão último queria era lhe recordar a desagradável conversa com Pinter.
—De todos os modos, não tem que preocupar-se com Freddy — falou ela abaixando a voz
— me confundi, e Pinter sabe que nosso compromisso é falso. Sinto muito.
Oliver já deduziu isso pelo comportamento de Pinter.
—Não tem que se desculpar. Seria melhor que ele não soubesse, mas Pinter é um tipo
inteligente, sabe perfeitamente bem o que dizem por aí a respeito de minha reputação, assim,
de todos os modos teria suspeitado. Estou seguro de que não fez de propósito.
—Asseguro-lhe que não. Mas começou a insinuar coisas sobre você e eu, e depois sobre
Nathan e eu e...
—Manipulou você para que lhe revelasse a verdade. Não ocorre nada. É seu trabalho. Isso
demonstra que é um bom detetive. — suavizou a voz — E você não está tão acostumada a
desempenhar um papel falso como eu. É mais nobre.
—Não, não é isso; mas lhe prometi que manteria o segredo.
Oliver encolheu os ombros.
—Pinter será discreto, agora que decidiu proteger você. Enquanto que minha avó não
pense em intrometer-se, tudo irá bem. — A carruagem diminuiu a marcha, quando se viu
momentaneamente apanhada em um engarrafamento de carruagens, e Oliver agradeceu o
tempo extra que lhe concedia essa oportunidade para estar a sós com ela. —O que lhe disse
sobre as probabilidades de encontrar Hyatt? — inquiriu Oliver.
—Não muito. Mas ao menos estou mais perto do que estava antes, e graças a você.
Ele não queria seu agradecimento. Em realidade, Nathan Hyatt podia apodrecer no
inferno. Oliver surrupiou informação de Freddy a caminho do clube. Quanto mais sabia sobre
Hyatt, mais o desprezava. Era evidente que esse sujeito queria Maria por questões práticas

137
que não tinham nada a ver com o generoso coração e a fera lealdade que demonstrava Maria.
Era como vê-la repetir o mesmo engano que cometeu sua mãe. Essa história não podia acabar
bem.
Tinha que lhe abrir os olhos, como fosse.
—Pensa que possivelmente Hyatt não deseja que ninguém o encontre?
Maria tragou saliva com dificuldade e desviou a vista para a janela para observar o vai e
vem dos transeuntes.
—Sim.
—E nesse caso? O que pensa em fazer?
—Não sei. — Voltou o rosto para olhá-lo nos olhos — Por quê? Está se oferecendo para
casar comigo em seu lugar? — Quando as feições de Oliver se franziram, ela se apressou a
acrescentar — Só estava brincando, tolo. É que acaso não sabe distinguir quando uma mulher
zomba de você?
Não. As mulheres quase nunca brincavam com Oliver a respeito da possibilidade de
contrair casamento com ele. Pior ainda, a ideia não lhe resultava tão repulsiva como deveria
ser. Apenas pensar em deitar-se com ela e passar as horas falando naquelas insuportáveis
noites quando não conseguia controlar as lembranças...
—Que pena que seja lamentavelmente virgem! — apressou-se ele a responder tentando
imitar o tom leve de Maria, para que ela não pudesse ver como conseguiu desestabilizá-lo —
Porque, se não, faria a você outra proposta mais indecente.
Maria coroou os lábios com um sorriso zombador.
—Ah sim? Proporia-me que dormíssemos juntos?
Logo que as palavras afloraram por sua boca, o ar entre eles se rarefez. E, de repente,
Oliver se deu conta de que não era capaz de seguir brincando sobre aquele tema.
—Não. — Ele esperou até que ela o olhou nos olhos — Proporia que fosse minha amante.

138
CAPÍTULO 12

Maria pensou que ficava sem ar nos pulmões. Falava sério? Jamais podia estar segura com
Oliver, já que estava acostumado a dizer barbaridades com o único fim de escandalizá-la. No
dia anterior o tinha obtido, mas começava a dar-se conta de que era sua forma de manter as
pessoas a raia para que saíssem de seu caminho. Oliver se gabava de ser um irresponsável,
antes que os outros pudessem expressá-lo em voz alta, porque desse modo acreditava que
ganhava a partida e se sentia plenamente satisfeito.
Parecia muito a como reagia o pai de Maria a respeito de sua condição de bastardo, que
nunca manteve em segredo: oferecia seu pedigree a qualquer que perguntasse, como se o
desafiasse a olhá-lo com desdém por esse motivo. Que curioso que seu pai e Oliver se
parecessem tanto nesse aspecto!
Entretanto, havia uma diferença: seu pai sempre se mostrava beligerante em suas
asseverações, e em troca, Oliver optava por mostrar-se enfastiado, aborrecido.
Salvo nesse instante já que Oliver parecia inclusive surpreso de suas próprias palavras. De
repente, seu olhar começou a acender-se, lhe transmitindo um intenso calor, e nesse instante
Maria se deu conta de que os dois se achavam sozinhos.
—Há, mas dado que sou «lamentavelmente virgem», não será possível — respondeu
esforçando-se para manter um tom neutro.
—Mas imaginemos que não fosse — insistiu ele com uma voz gutural — só a modo de
conjectura. Poderia ficar aqui até que nos cansássemos um do outro, e logo retornar aos
Estados Unidos. Ninguém saberia como teria passado os meses na Inglaterra. Hipoteticamente
falando, claro.
Maria notou um comichão no ventre ante a ideia de que lhe expusesse de forma séria
aquela proposta indecente. Nunca ninguém lhe sugeriu nada similar, em especial uma

139
proposta tão pecaminosamente atrativa. Como conseguia Oliver fazer que uma proposta tão
obscena parecesse tão atrativa?
«Cuidado, Maria — disse a si mesma — este menino demonstra ser digno de sua
reputação.»
—Hipoteticamente falando, faz apenas um dia que nos conhecemos; seguro que precisará
de mais tempo para escolher uma de suas amantes.
—Desejei você desde o primeiro momento em que a vi.
Seu olhar mostrava uma sede tão primitiva que Maria teve a certeza de que não havia
nada hipotético naquela conversa. Lutando por ocultar como a proposta a pegou
despreparada, apressou-se a comentar:
—E que posição ocuparia? Seria a número quinze em sua larga lista de amantes?
Oliver parecia ter tanta dificuldade para respirar como ela.
—De fato, seria a primeira. — Sua voz rouca ressonou no interior da carruagem — Jamais
tive uma amante.
Maria se conteve para não tornar a rir.
—Sim! Acredito!
—É verdade. Sempre preferi manter relações esporádicas com as mulheres.
Aquela confissão não deveria havê-la surpreendido, mas o fez.
—Quer que acredite que alteraria essa preferência por mim? Sempre falando
hipoteticamente, claro.
A carruagem parecia muito pequena para conter os dois. Oliver não se moveu do assento
oposto ao dela, entretanto, sua presença a intimidava.
—Por que não? As pessoas mudam. — Seus olhos se escureceram até adotar um negro
insondável, enquanto ele escrutinava seu rosto — Trataria você muito bem. Não lhe faltaria
nada, prometo-lhe isso.
Maria arqueou uma sobrancelha...
—Exceto respeitabilidade.
—Ao inferno com a respeitabilidade! — bramou ele.

140
—Claro, para você é fácil dizer. Você não perde nada. Eu em troca perderia tudo.
Oliver parecia disposto a devorá-la. Ela mudou de posição na banqueta, visivelmente
incômoda.
—Asseguraria de que vivesse como uma rainha — continuou insistindo ele com uma voz
cada vez mais rouca e profunda — Que tivesse uma casa digna. Quando minha avó abandone
seu absurdo plano, voltará a manter meus irmãos, e eu poderei viver de minhas rendas. Não
precisaríamos de muito, apenas uma casinha em Chelsea. Não teria de recorrer a sua herança;
ao menos, não estaria atada a um desgraçado como Hyatt, que nem teve a cortesia de lhe
enviar uma carta para anunciar que ia mudar de domicílio.
Aquilo foi um golpe baixo.
—Pode ser que não possa fazê-lo — replicou ela expressando seus piores temores.
—Segundo Freddy, despediu-se dos trabalhadores da London Maritime em pessoa. Freddy
também me disse que Hyatt pagou o aluguel da hospedaria onde se alojava quando se
despediu; não parece a história de um homem que desaparece em circunstâncias estranhas.
Maldito fosse Freddy por falar mais da conta! E não queria nem pensar nos outros
segredos que seu primo devia ter revelado a Oliver a caminho do clube!
—Não conhece Nathan. Ele não... Não se atreveria a...
—Desaparecer sem dizer uma palavra? Pois pelo visto, sim, que se atreveu.
Aquelas palavras tão agudas feriram Maria como se alguém lhe cravasse uma estaca em
pleno coração.
—Para que saiba, não preciso nem dele nem de você. Se realmente fugiu porque não quer
casar-se comigo, herdarei o dinheiro de papai e farei o que me agrade.
—Sim, quando finalmente puder desfrutar desse dinheiro. Mas até que apareça Hyatt ou
possa declará-lo morto, seguirá em um deplorável estado financeiro. Poderiam passar muitos
anos antes que se arrumassem os papéis da herança.
—Estou segura de que meu pai tomou as devidas medidas.
—Sim, como, por exemplo, comprar um marido.

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—Não me comprou um marido! — Sua voz se apagou em um sussurro de lamento — Não
o fez.
A dor em seu tom pareceu ativar um instinto de alarme em Oliver. Inclinou-se para frente
com os olhos acesos com um impudico ardor.
—Embora seu pai tivesse tomado as devidas medidas para que você pudesse dispor da
herança sem ter que viver entre as garras do lobo, o que lhe reportaria isso, exceto uma vida
de solteirona casta e respeitável?
—Poderia me casar — se defendeu ela.
—E jamais saberá se os homens que lhe cortejam a querem por você ou por seu dinheiro,
não é verdade?
—Isso não é pior que um homem que unicamente me queira por meu corpo.
—Não é somente um desejo carnal o que eu... — Oliver fez uma pausa visivelmente
agitado pelo que esteve a ponto de revelar — Não pode imaginar o que é viver um casamento
sem paixão, como o de meus pais. A única emoção em seu casamento era o ressentimento;
nunca respiravam o mesmo ar, salvo quando brigavam. —Oliver começou a lhe tirar
lentamente as luvas, enquanto seu olhar a imobilizava. —E agora, vejo que se dirige às cegas
para um casamento com um tipo que pensa encerrá-la em uma vitrine junto com seus outros
troféus, e que apenas tirará você dali quando lhe convier. — Lançou as luvas sobre a
banqueta, tomou suas mãos entre as suas e lhe cravou brandamente os dedos polegares nas
palmas — Bom, isso se é que volta a vê-lo.
As palavras tiveram o efeito de um dardo dirigido diretamente ao ânimo. Revelavam seus
temores a respeito de Nathan: que a desejava apenas porque ela era um peão que ele podia
utilizar para subir no caminho de sua ambição. Maria não queria escutar essa mensagem. Não
queria ter Oliver tão perto, lhe recordando que somente ele conseguia lhe acelerar o pulso e
lhe provocar um comichão no ventre, e que em vez disso, deveria ser Nathan quem
despertasse essas sensações. Não queria que Oliver a tocasse incitando-a a desejar certas
coisas, a adoecer por suas carícias.
Maria afastou as mãos abruptamente, e se pegou à janela para olhar para o exterior.

142
—Falta muito para chegar à loja de segunda mão? — conseguiu perguntar, não sem
dificuldade.
Oliver se interpôs entre ela e a janela para fechar as cortinas, e logo se sentou a seu lado.
Maria ficou rígida, mas não resistiu quando ele deslizou um braço por sua cintura para atraí-la
para seu hercúleo corpo.
—Nem sabe o que perde — disse com uma voz profunda — como o incontrolável
estremecimento, quando um homem a toca. Se soubesse, não se mostraria tão disposta a
afastar essa tentação de seu caminho para procurar a fria comodidade de um casamento
respeitável.
Ela entreabriu os olhos como se pretendesse não ver nem ouvir suas palavras, mas
estavam desenhadas para tentá-la, e conseguiram. O que aconteceu entre eles na noite
anterior, conseguiu apenas despertar sua curiosidade. E nesse momento, aspirando ao
sugestivo aroma da colônia de Oliver e com seu fôlego lhe esquentando a bochecha, Maria
ansiava saber mais, sentir mais.
A voz de Oliver se permutou em um sussurro.
—Deixe que pelo menos demonstre o que perderia.
Ela o sentiu mais que apreciou como ele tirava a capa e ficava em mangas de camisa. Esse
pensamento lhe provocou um delicioso calafrio nas costas.
—Esqueceu que sou «lamentavelmente virgem»? — disse ela tentando recuperar o
controle da situação.
—Não. E seguirá sendo virgem quando acabar. — Estampou-lhe um beijo no pescoço, e
Maria estremeceu de prazer. Logo, lhe desatou as fitas do chapéu e o lançou sobre a banqueta
oposta para poder lhe dar um beijo no cabelo — Só quero lhe oferecer uma pequena amostra
de paixão, o suficiente para que saiba como seria nossa relação
—Oliver... — protestou ela, ao tempo em que se virava para ele para olhá-lo no rosto.
Mas sua reação não foi mais que um engano, já que lhe capturou a cabeça entre suas
mãos e a beijou descaradamente, com uma febril intensidade.

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E Maria não conseguiu unir forças para detê-lo. Céus! Como beijava bem! Mal podia
respirar enquanto a língua de Oliver investia sua boca sem piedade, lhe desbocando o pulso
com frenesi. Agarrou-o pela camisa com dedos crispados, sem estar segura se desejava afastá-
lo violentamente ou pegar-se mais a ele.
Não importava. Oliver a tinha completamente dominada, e ele sabia. Suas mãos varonis a
mantinham imobilizada enquanto enredava a língua com a sua, e seus dedos polegares
começaram a deslizar devagar para lhe acariciar a garganta com uma ternura que contrastava
com o abandono selvagem de seus beijos.
Oliver passou a mão por cima da cabeça de Maria para fechar a outra cortina, e depois a
fez sentar-se em seu colo.
Maria afastou a boca.
—Oliver, não acredito que deva...
—Chis — a sossegou pegando seus lábios aos dela, logo lhe estampou uma linha de beijos
do pescoço até o decote — Deixe que o faça. Prometo que não doerá.
Possivelmente fisicamente não, mas ele tinha a capacidade de feri-la de outros modos
ainda piores. Antes de saber o horrível escândalo em torno de sua família, ela o considerava
um simples patife. Mas agora via o menino furioso dentro dele, zangado com o mundo por
haver roubado a seus pais, desafiando e provocando constantemente às pessoas que se
atrevessem a criticá-lo.
Essa certeza lhe partia o coração. Conseguia atraí-la para ele de um modo incontrolável, o
qual resultava perigoso, com um homem que pensava que as mulheres eram meros objetos
para saciar seus desejos carnais. Entretanto, enquanto Oliver lhe desatava as fitas do casaco,
ela não o deteve. Ele o fez com uma reverência que Maria não esperava, e com uma
respiração deliciosamente agitada e uns olhos que a enfeitiçavam.
—Não é que seja uma absoluta ignorante de... O que ocorre entre um homem e uma
mulher —sussurrou ela para encobrir sua vergonha — Sei algumas coisas.
—Ah, sim? — murmurou ele enquanto terminava de lhe desatar o casaco. De repente lhe
endureceram as feições e lhe perguntou: — Ensinou-lhe isso Hyatt?

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—Não! — Maria soltou a negação com tanta celeridade que Oliver a olhou nos olhos com
um triunfo curioso — Minha tia... Contou-me algo.
—Ah. — lhe dedicando um sorriso desinteressado Oliver afastou o casaco dos ombros e,
em seguida, lhe tirou a capa, deixando seu decotado vestido ao descoberto para poder
devorá-la com seu escuro olhar — E o que lhe contou?
—Disse-me que... — Maria se deteve quando ele inclinou a cabeça para lhe dar um beijo
na parte superior avultada de um de seus seios. Sentiu que o coração dava um salto debaixo
daqueles lábios e que pulsava com mais fúria com cada nova carícia de seus lábios — Disse...
Que os homens... Tentariam me tocar... Certos lugares proibidos.
—Assim? — Oliver elevou a mão e lhe cobriu um peito com ela.
Virgem Santa! Maria notou um intenso rubor nas bochechas, enquanto lhe acariciava o
peito lentamente, de uma forma sensual. Quando lhe esfregou o mamilo por cima do vestido,
pensou que ia morrer de prazer.
—Sim — ofegou — As... Assim. — Não deveria permitir que ele fizesse isso. Mas desejava
saber que coisas pensava em lhe ensinar. Além disso, lhe prometeu que não roubaria sua
inocência, e, embora parecesse estranho, confiava nele.
Oliver baixou os lábios até pousá-los na parte superior torcida de seu outro peito.
—E não disse que um homem desejaria fazer algo mais que simplesmente tocar? —
inquiriu com uma voz rouca. Baixou-lhe o sutiã e chegou às taças do espartilho.
Maria conteve a respiração, enquanto lhe desabotoava o prendedor.
—Não disse que um homem quereria fazer isto? — perguntou arrastando a voz, enquanto
lhe liberava os seios. De repente, sua boca estava em cima do mamilo, lambendo-o,
excitando-a
Um prazer desconhecido e sublime se apoderou dela. Seguro que uma sensação tão
gloriosa devia ser pecado. Entretanto, apesar de que Maria fechou ambas as mãos sobre seu
arbusto de cabelo negro com a intenção de lhe empurrar a cabeça, seu instinto a levou a
acariciá-lo, convidando-o a que seguisse lhe mordiscando o mamilo dessa forma tão
surpreendente

145
Não se estranhava que as mulheres caíssem rendidas aos pés daquele descarado! Por
todos os Santos! Estava-a devorando com sua boca de uma forma que jamais imaginaria que
se pudesse fazer!
—Oliver, está seguro de que não deveria...?
—Você gosta? — murmurou ele pego a seu peito.
—É... Oh, céus...
—Interpretarei isso como um sim. — Convidou-a a tornar-se para trás, com as costas
apoiada em seus braços, até que ficou impudicamente exposta sobre seu colo, com os peitos
ao alcance de suas insaciáveis mãos, a garganta nua ante seus pertinazes lábios — É a primeira
vez que estou com uma virgem, sabia? — sussurrou-lhe junto à garganta — Até agora nunca
senti desejo de estar com uma.
As palavras penetraram até o mais profundo de seu ser, por mais que Maria tentasse freá-
las. Jogou a cabeça para trás para olhá-lo nos olhos, e os viu sonolentos, parcialmente
fechados por umas pálpebras pesadas, como os de um homem que acabasse de despertar de
um muito profundo sono.
Assim, por que era ela a que tinha a impressão de estar meio dormida?
—E por que precisamente comigo? — quis saber Maria.
O olhar de Oliver se voltou tão negro como a noite.
—Não sei. — Voltou a beijá-la com avidez, com uma necessidade primitiva que despertou
nela uma enorme curiosidade, sobretudo quando lhe roçou os peitos com mais cobiça,
acariciando os mamilos úmidos, martirizando-os, até que ela começou a ofegar.
Então Oliver afastou a mão do seio e a deslizou até a saia e a levantou.
Maria afastou a boca assustada.
—O que faz?
—Há outros lugares que um homem deseja tocar em uma mulher — Sua mão desapareceu
debaixo da saia — Embora suponha que sua tia não lhe falou disso.
—Sim que o fez, mas me disse que isso era algo que somente deveria tocar meu marido.

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—Ou um possível amante — apontou ele em tom gutural, ao tempo em que punha a
palma da mão entre suas pernas, ao que ela reagiu as fechando instintivamente — Maria... —
disse Oliver como se seu nome fosse uma palavra sagrada — abra-se para mim; deixe que
acaricie você, meu pequeno anjo.
Anjo? Os anjos não se sentavam no colo de um perverso patife, a menos que fossem anjos
caídos do céu.
—Só desejo acariciar você, nada mais.
Ela não pôde conter uma gargalhada nervosa, enquanto lutava contra o sortilégio sensual
com o que ele a estava enfeitiçando, que lhe provocava um irrefreável desejo de sentir
aquelas mãos precisamente no lugar onde ele queria as pôr.
—Pediria que me prometesse que é o único que pretende, mas sei que não posso confiar
em você, nem quando promete algo.
Oliver parecia dividido entre o impulso de protestar e de tornar-se a rir.
—Façamos um trato — apontou finalmente, ao tempo em que afastava a mão de suas
pernas para acomodá-la melhor sobre seu colo. Então, tomou sua mão e a levou até o vulto
que se sobressaía em suas calças ajustadas — Posto que seja evidente que sabe como fazer
sofrer um homem, deixarei que faça o que quiser, se me atrevo a fazer algo mais que acariciar
você. — Enquanto lhe fechava a mão sobre seu inflamado membro, sua voz se tornou mais
grave: — Embora, para ser sincero, preferiria que me acariciasse enquanto eu a acaricio.
—Não sei como fazê-lo — sussurrou ela fascinada pelo modo em que aquele órgão tão
duro se movia debaixo de sua mão.
—Só tem que esfregá-lo. — Soltou-lhe a mão para reatar o trabalho interrompido debaixo
da saia — Acima e abaixo, em toda sua extensão. —Quando ela obedeceu, Oliver ofegou
pesadamente — Mmm... Sim... Assim...
Enquanto isso, ele encontrava a fenda em suas anáguas e introduzia a mão através do
buraco. Mas desta vez, não se limitou a pôr a palma em cima e deixá-la quieta, mas sim,
começou a lhe acariciar aquele lugar que sua tia chamava «a flor». Quando Maria soltou um
gemido, o olhar de Oliver se acendeu.

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—Muito bem, meu pequeno anjo. Abra-se para mim... Deixe que lhe dê prazer...
Por todos os Santos! O que lhe estava fazendo era... Não havia palavras para descrevê-lo.
Oliver afundou a cabeça para lhe beijar a têmpora, enquanto sua mão seguia ali abaixo,
movendo-se de um modo que lhe provocava uma necessidade de retorcer-se e de elevar à
pélvis.
—Você gosta, não é verdade? — perguntou-lhe arrastando as palavras, movendo a boca
sobre seu cabelo em uma série de beijos leves como plumas.
Maria afundou o rosto em sua camisa.
—Não tem que se envergonhar — sussurrou ele — As mulheres estão feitas para gozar
igual aos homens, por mais que a sociedade puritana alegue o contrário. — Seus
experimentados dedos cobriram os cachos úmidos como se procurassem um tesouro.
Quando começou a estar úmida? Tia Rose não lhe disse nada a respeito disso, apenas que
sua «florzinha» ficaria pronta para um homem, e que então, o homem colocaria dentro seu
«aguilhão».
Entretanto, Oliver não estava colocando dentro seu aguilhão, a não ser seu dedo
brincalhão e curioso, que a acariciava de uma forma tão sedosa que lhe provocava vontade de
gritar. Quem ia imaginar que um dedo pudesse ser... Tão... Prodigioso!
—Por Deus, meu pequeno anjo! Está tão, tão quente... — murmurou Oliver. Sua
respiração se voltou mais pesada, e empurrou seu membro para a mão de Maria de um modo
similar a como ela se pegava a sua palma.
Isso recordou a Maria que se supunha que ela também tinha que acariciá-lo.
Quando o fez, ele procurou sua boca para lhe dar um beijo feroz e apaixonado que a
deixou alucinada. Agora havia dois dedos brincando dentro dela, e com o dedo polegar lhe
acariciava o púbis de uma forma que a voltava louca. As carícias do dedo polegar se voltaram
mais rítmicas, insistentes, arrebatadoras, como se pretendessem arrastá-la dos céus até as
escuras águas que a chamavam para a perdição, que sempre a fascinaram e atraíram.
Antes que se desse conta, começou a afundar-se em um redemoinho com as asas
pregadas, enquanto seu corpo retorcia e se arqueava e caía em picado para aquelas águas

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escuras e misteriosas. E, enquanto se afundava nas profundidades revoltas, sentiu uma
intensa emoção que não se podia comparar com nada que tivesse experimentado antes.
Afastou a boca da de Oliver ofegando, pegando-se por completo a sua mão, com os
joelhos tremendo e o corpo convulsionando, enquanto a assaltavam umas ondas de prazer,
uma atrás de outra.
—Meu Deus, sim... — murmurou ele — Sim... Não pare...
Que não parasse de fazer o que? Ah, claro! Maria seguia lhe esfregando o vulto nas calças,
exceto durante os últimos minutos seguia o mesmo movimento rítmico que ele usava com ela.
De repente, Oliver soltou um surdo ofego, e seu membro rígido explodiu debaixo dos
dedos de Maria. Em tão apenas uns segundos o tecido ficou completamente empapado, e ela
pôde notar a umidade em sua mão.
Assustada, retirou a mão com rapidez, sem estar segura do que era o que acabava de
acontecer. Mas quando ele jogou a cabeça para trás e soltou outro ofego de gozo, Maria teve
a certeza de que gostou. Os lábios de Oliver se expandiram com um sorriso, e suas feições
adotaram uma expressão relaxada.
—Meu pequeno anjo... — Parecia que as pálpebras lhe pesavam enormemente, enquanto
procurava olhá-la sem ceder a gana de fechar os olhos — É... Surpreendente.
«Estou perdida», pensou ela.
Apesar de que ele não a tinha desvirginado, Maria se sentia igualmente perdida, porque
ele estava certo: agora que provou a fruta da paixão, não sabia como suportaria viver sem
voltar a saboreá-la nunca mais.
A carruagem se deteve abruptamente, e o lacaio gritou do assento exterior:
—Chegamos à loja da senhora Tweedy, milord!
Maria ficou gelada, então deu um salto em um visível estado de pânico. Por todos os
Santos! Levava as fitas do sutiã desatadas, e estava escancarada sobre o colo de Oliver como
uma desavergonhada, e o lacaio ia abrir a porta de um momento a outro!

149
—Tranquila — tentou acalmá-la Oliver, enquanto a ajudava a levantar-se de seu colo —
Não há necessidade de que corra. O lacaio sabe que não deve abrir a porta se as cortinas
estiverem fechadas.
Ela precisou de uns segundos para assimilar as palavras, então ficou paralisada. Oliver fazia
essa prática frequentemente; ela não era mais que outra das numerosas garotas que ele
frequentava. As palavras que lhe disse previamente que acenderam sua paixão, e a proposta
de convertê-la em sua amante não eram mais que artimanhas para seduzi-la. Se não fosse
porque já chegaram à loja de roupas de segunda mão, quem sabia o que poderia ter
acontecido!
Oliver se inclinou para ajudá-la com o sutiã, mas lhe afastou a mão com um soco.
—Nem pense! Posso me arrumar sozinha!
Ele ficou perplexo, e por um instante ela duvidou de suas conclusões. Então, viu as
cortinas fechadas e todas as dúvidas se desvaneceram.
—O que acontece? — perguntou-lhe ele em voz baixa e doída.
Maria não podia conter as lágrimas, mas tentou secá-las dissimuladamente, com o dorso
da mão. Comportou-se como uma verdadeira idiota, mas não queria que ele a visse chorar. Ali
não, nem nesse momento... Nem nunca.
—Nada — mentiu.
Graças a Deus que seu penteado se manteve impecável. Enquanto atava o chapéu e
jogava a capa por cima dos ombros, pensou em Betty, a criada que lhe colocou tantos
grampos no cabelo para mantê-lo intacto inclusive em um terremoto, e lhe agradeceu
mentalmente.
Mas quando tentou colocar o casaco sozinha, Oliver resmungou uma imprecação e o
arrebatou das mãos, insistindo em querer ajudá-la.
Enquanto ela tentava atar as fitas com nervosismo, ele pôs uma mão sobre seus dedos.
—Vamos meu pequeno anjo, me diga o que acontece.

150
—Não me chame assim! — escapou de sua mão para acabar de atar as fitas — Não sou um
anjo, e menos ainda «seu» anjo! Embora lhe agradeça a lição sobre paixão, não considero que
seja adequado que a repitamos.
Girou o puxador atropeladamente, e abriu a porta antes que ele pudesse detê-la.
—Maldita seja, Maria! — bramou Oliver, mas se conteve ao ver que o lacaio se apressava
a colocar o estribo.
Só então ela se atreveu a olhá-lo aos olhos. Ele a estava olhando com uma perigosa
expressão felina.
Maria fez um enorme esforço para não prestar atenção à pontada de arrependimento que
sentiu no peito.
—Acredito que será melhor que vá procurar Freddy. Quando retornarem já terei acabado
com as compras. Não necessitarei de muito tempo para escolher os vestidos, e assim você não
terá que ficar aqui e morrer de aborrecimento.
—Não morrerei de aborrecimento — replicou ele.
Maria tinha que conseguir que partisse! Não sobreviveria a outro passeio a sós na
carruagem com ele.
—Peço-lhe isso, por favor. Se ficar, conseguirá que me ponha nervosa. — Suplicou-lhe com
voz implorante.
Sua alegação pareceu surtir efeito.
—Não é recomendável que uma mulher fique sozinha.
—Eu posso ficar. — O lacaio surpreendeu Maria com seu oferecimento. Quando Oliver se
virou para olhá-lo com o cenho franzido, o criado balbuciou — Mas somente se a milord
parece bem, é obvio.
Oliver voltou a desviar a vista para Maria e suspirou.
—De acordo, John — cedeu finalmente — se isso for o que a senhorita deseja, adiante.
Diga à proprietária da loja que pagarei os trajes quando retornar.
Ela ficou tensa. As cortinas fechadas, sua intenção de comprar vestidos... Tudo isso podia
ser aceitável para uma prometida ante os olhos da alta sociedade inglesa, mas ele não seria

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seu prometido por muito tempo. Se seguisse lhe permitindo ter esses detalhes com ela,
acabaria sem dignidade quando decidisse romper o compromisso.
Mas optou por não protestar. Nesse momento, quão único desejava era que Oliver se
afastasse dela.
—Está segura de que não se importa que vá? — insistiu ele com um evidente tom
preocupado.
—Sim. — Maria esboçou um sorriso forçado — De verdade, não há nenhuma necessidade
de que fique, milord.
Ele ficou tenso ao ouvir o trato formal e a palavra «milord».
—Como queira.
Em seguida, Oliver elevou a voz e se dirigiu ao chofer:
—Leve-me a Blue Swan! Rápido!
A carruagem se afastou, e Maria soltou um suspiro. Ao menos, escapou de outro passeio a
sós com ele, no que certamente a teria tentado a fazer mais coisas indecorosas.
Deteve-se alguns instantes em frente à porta da loja para olhar o lacaio.
—Se não se importar John, prefiro que não mencione a questão do pagamento dos trajes
à proprietária da loja. Quero pagá-los eu.
—Mas milord disse que...
—Já sei o que disse — o interrompeu dando de ombros — mas lhe peço que não o faça.
John assentiu, e seu rosto adotou uma expressão estranha.
—De acordo. Mas tem de saber que este lugar não é uma dessas lojas de segunda mão
baratas. A senhora Tweedy se gaba de oferecer unicamente objetos da mais alta qualidade,
assim que lhe advirto que comprar aqui pode lhe sair caro.
Maria só esperava que não fosse excessivamente caro.
A loja destilava um ambiente de distinção. Em alguns varais viu vários chapéus de palha de
cetim e de seda que pareciam bem caros, enquanto que sobre as cômodas e as toalhas de
mesa de linho havia uns refinados trajes de festa ligeiramente dobrados para mostrar sua
grande qualidade, confeccionados com ostentosos brocados. Os trajes de dia se exibiam

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dobrados em umas gavetas parcialmente abertas, e inclusive, esses trajes mais simples
estavam confeccionados com musselinas finas e lã. Havia botas de cano longo e sapatinhos de
baile, echarpes e blusas, tudo o que uma mulher podia precisar para sua vida social.
Certamente, não viu nada parecido em Dartmouth.
Enquanto percorria a loja inspecionando os delicados gêneros, a proprietária se aproximou
e se apresentou. Depois de uma breve conversa em que Maria lhe explicou que necessitava de
alguns trajes, atreveu-se a acrescentar:
—Disponho de uns quantos trajes de luto confeccionados em diversos tecidos e desenhos
que estão virtualmente novos. Interessaria-lhe trocar alguns de seus trajes pelos meus?
A mulher observou o casaco de grande qualidade que Maria usava e respondeu:
—Se forem de boa qualidade senhorita, não terei nenhum inconveniente. Sempre há
damas que necessitam de trajes de luto, e não é fácil encontrar esse tipo de trajes sem que
estejam antiquados.
Maria não gostava de desprender-se deles, mas se disse que quando concluísse o trato
com Oliver, poderia tingir os trajes que adquirisse nessa loja se fosse preciso. Restavam
somente dois meses mais para ir de luto; quando abandonasse a Inglaterra possivelmente, já
não precisaria ir vestida de negro. Além disso, ficou com o traje que vestia quando conheceu
Oliver no bordel.
A proprietária e ela acordaram que um empregado acompanharia John até a hospedaria
onde ela e Freddy se alojaram até o dia anterior para que entre os dois homens pudessem
recolher suas arcas. Antes que John partisse, ela o levou até um canto e lhe disse:
—Agradecerei muito que não comente nada a respeito de meus trajes de luto, em
particular à senhora Plumtree. Sei que lorde Stoneville estará também de acordo comigo.
Tenho um anel que posso lhe oferecer a modo de pagamento...
—Não, senhorita, não aceitarei nenhum pagamento por minha discrição. Meu trabalho é
ser discreto em relação às idas e vindas de meu senhor, e de sua prometida também.
Dedicou-lhe um sorriso de agradecimento.
—Obrigado.

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John levou a mão até a asa do chapéu a modo de reverência, em seguida desviou a vista
para a porta e, logo voltou a olhá-la.
—Diga-me, senhorita, meu senhor fez algo que a incomodou durante o trajeto até aqui?
—Não — mentiu Maria.
John parecia cético.
—Não é próprio de meu senhor fazer mal a uma jovem dama, mas possivelmente se
deixou levar pelas circunstâncias, refiro-me ao feito de que você seja agora sua prometida.
Apenas quero que saiba que se deseja que... Bom, que se posso ajudá-la em algo...
—Agradeço-lhe isso de todo coração — respondeu ela comovida — mas não há motivos
para preocupar-se. Lorde Stoneville se comportou como um cavalheiro.
—Então, perfeito. — Fez outra rápida reverência e se afastou em busca do empregado;
continuando, os dois abandonaram a loja.
Oliver se comportou como um cavalheiro em certos aspectos. Manteve sua palavra e
contratou o senhor Pinter. Ofereceu-se para lhe comprar vestidos, e tratou Freddy do modo
mais indulgente que alguém podia esperar.
Mas suas ações na carruagem não foram cavalheirescas. Entretanto, agora Maria sabia
exatamente o que ia perder se continuasse com Nathan e se conformasse com seus beijos
sem substância.
Enquanto selecionava diversos trajes, disse a si mesma que possivelmente sim, que era
possível que a paixão surgisse entre duas pessoas ao longo de uma relação. Possivelmente
quando estivesse casada com Nathan tudo acabaria por sair bem.
Mas no fundo, na parte mais recôndita de seu ser que despertou com os apaixonados
beijos de Oliver, sabia que estava mentindo a si mesma. Porque nesse preciso instante, o
único homem que desejava beijar outra vez era Oliver.

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CAPÍTULO 13

Enquanto Oliver e Freddy partiam do Blue Swari, Oliver não prestou muita atenção ao
bate-papo do rapaz a respeito de sua espetacular refeição. Quão único ouvia era Maria
chamando-o de «milord», como se não tivesse tremido entre seus braços uns minutos antes.
E a expressão de seu rosto! Sentira-se insultada? Ou é que simplesmente estava
envergonhada? Como diabos conseguiu permanecer tão serena quando ele não podia conter-
se, depois de vê-la gozar de uma forma tão doce entre seus braços? Explodiu, correu dentro
de suas calças, como um adolescente brincalhão sem controle de seu corpo. Agora, tinha de
manter a capa abotoada até que retornassem a Halstead Hall e pudesse trocar de roupa.
Ela reagiu àquilo desatentamente, maldita fosse. «Embora lhe agradeça a lição sobre
paixão.» Acaso não significou nada mais para ela? Pelo visto não, já que rematou a frase com
um: «Não considero que seja adequado que a repitamos».
Apesar de a ideia o chatear, ela tinha razão. Não deveriam se tornar mais íntimos, por seu
bem e pelo dela. Se inclusive, lhe propôs que fosse sua amante! Ele, que nunca teve uma
amante em sua vida! Ele, que sempre zombava com seus amigos de que as amantes traziam
mais problemas que satisfações e de que não valia à pena ter uma, porque uma mulher servia
igual à outra...
Sempre temeu que uma amante o tentasse a baixar a guarda e revelar seus segredos.
Então sua família o abandonaria, e não podia suportar essa ideia.
Inclusive com seus amigos Oliver mantinha a porta de seu coração blindada para proteger
seus segredos. Mas com Maria...
Cravou a vista na janela tentando averiguar em que ponto de sua conversa ele perdeu a
sensatez. Foi quando ela disse que não acreditava nos falatórios a respeito dele? Ou antes,
quando ela censurou Pinter por espalhar esses rumores maliciosos?

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Não. Por mais que lhe surpreendessem aquelas reações, o que o impulsionou a lançar essa
proposta era o olhar perdido em seu rosto, depois de ele comentar que, possivelmente, Hyatt
não desejava ser encontrado. Inclusive agora, podia ver o medo refletido em seus belos olhos,
muito similar ao medo que viu nos olhos de sua mãe, o medo de ser incoerente, de não ser
desejada.
E de repente, apoderou-se dele um irreprimível desejo: o de conseguir que Maria se
sentisse desejada.
Embora, ao que parecia, tinha-lhe saído o tiro pela culatra. Ela deveria sentir-se honrada
com que ele desejasse convertê-la em sua amante. Sua intenção não era insultá-la;
simplesmente, se deixou levar pela ideia deles juntos em uma casinha, em qualquer lugar,
sem que o resto do mundo os alagasse com sua porcaria.
O casamento significava estreitar laços e entregar dinheiro à esposa e educar o herdeiro
para que continuasse com a dinastia. Uma casinha só implicava a ele e Maria.
Que insensato era! Inclusive mulheres como Maria, com escassas relações sociais,
ansiavam mais. E ele não podia dar. O mero pensamento de tentar provocava náuseas, porque
ele nunca poderia fazê-la feliz. Jogaria tudo a perder, e o legado da desgraça continuaria em
sua família.
Mas tampouco estava disposto a ver como Maria se lançava nos braços do néscio do
Hyatt. Ela merecia algo melhor que um prometido indiferente que não tinha ideia de como
acender seus belos olhos com a chama da paixão enquanto tremia de excitação e entregava
sua boca de uma forma tão sensual...
Oliver bufou. Não deveria ter ultrapassado, a assustou. Pior ainda, estava aterrorizado
ante sua própria reação pelo que aconteceu, porque daria o que fosse para repetir a
experiência. Jamais se sentiu assim com outra mulher.
Freddy seguia tagarelando, e, de repente, uma palavra conseguiu captar sua atenção.
—O que disse? —perguntou-lhe Oliver.
—Que o bife de vitela precisava de um pouco mais de sal...
—Não, antes disso — espetou impaciente.

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—Ah, sim! Que havia um tipo no clube que se gabava de ser seu primo. O senhor Desmond
Plumtree, acredito.
O estômago de Oliver se encolheu. Desmond era sócio de um clube tão seleto? Significava
isso que finalmente, conseguiu ser aceito pela alta sociedade?
—Embora, em minha opinião, com familiares como esse tipo, quem necessita de inimigos?
— continuou Freddy — Um homem insultante. Disse-me uma fileira de tolices sobre como
você matou seu pai e que todo mundo sabe. — Freddy bufou com porte indignado — Disse-
lhe que é um inseto e que se não pode ver que você é um bom homem, então está tão cego
como um pregoeiro com um farol quebrado e que tampouco deveria ser membro do Blue
Swan, com todos esses tipos tão simpáticos.
Por um momento Oliver ficou sem fala. Podia imaginar a reação de Desmond ante aquele
pequeno sermão.
—E... mmm... O que disse ele?
—Parecia surpreso, logo murmurou algo sobre jogar cartas e partiu com passo rápido para
a sala de jogos. Alegrei-me por perdê-lo de vista, porque estava comendo todo o macarrão.
Oliver olhou Freddy com a mandíbula desencaixada, e então se pôs a rir.
—O que é o que encontra tão engraçado?
—Você e Maria. Os americanos alguma vez dão atenção aos rumores?
—Sim, bom, se tiverem sentido, sim. Mas o que seu primo dizia não tinha sentido. Se todo
mundo soubesse que você matou seu pai, já o teriam pendurado, e posto que esteja sentado
aqui na carruagem, isso significa que não o fez — Freddy deu alguns golpezinhos em sua testa
com o dedo indicador — É de uma lógica esmagadora.
—De uma lógica esmagadora — repetiu Oliver. Formou-lhe um nó na garganta. Que Maria
o defendesse era uma coisa; ela era uma mulher, e, além disso, era evidente que tinha um
coração de ouro, embora nunca conhecesse nenhuma outra mulher que não mostrasse um
ávido interesse em fofocar maliciosamente sobre ele.

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Mas ver que um cachorrinho tão impressionável como Freddy o defendesse... Não sabia se
devia zombar de sua ingenuidade ou lhe dar uns tapinhas nas costas enquanto o felicitava
com alguma frase típica, como: «Bom menino, assim se faz!».
—Oh, olhe! — exclamou Freddy que parecia disposto a passar ao tema seguinte quando se
aproximaram da loja — Pelo visto, Grenhita já fez suas compras. Que alívio!
Oliver apertou os olhos. Inclusive Grenhita escolhia seus vestidos com mais
despreocupação que a maioria das mulheres, ou era isso ou lhe escapava algo.
Depois de abandonar a carruagem e após manter um pequeno bate-papo com a
proprietária da loja, Oliver se inteirou de que Maria trocou seus trajes de luto a modo de
pagamento pelos novos, o que a deixava com um orçamento inferior ao que precisava. Oliver
podia compreender seu orgulho, mas mostrar tanto orgulho por uma questão tão irrisória
como uns quantos trajes?
—Minha prometida não acabou com as compras — disse à proprietária do
estabelecimento — Ainda necessita de umas quantas coisas mais para completar o enxoval.
—Oliver, por favor — sussurrou Maria entredentes enquanto o afastava dissimuladamente
para um lado — Pensarão que...
Oliver a interrompeu com o único argumento que considerava que poderia convencê-la:
—Que posso pagar os trajes de minha prometida? Isso é o que espero, porque se não,
pensarão que estou mais arruinado do que já se rumoreja por aí. Mas claro, se não lhe
importa que a gente fale sobre mim...
—Claro que me importa! — Maria olhou de soslaio à proprietária e abaixou a voz — Mas
não quero lhe provocar mais gastos, nem problemas dos que já estou causando.
—Agora fala como Pinter.
Ela voltou os olhos rapidamente para ele.
—Não queria...
—Olhe, devo-lhe uns trajes, de acordo? — espetou ele — Não se trata de nenhuma
obrigação, especialmente dado que Pinter se nega a aceitar que pague por seus serviços. —
Além disso, queria vê-la bem vestida, com seus belos olhos azuis complementados por um

158
traje de cetim de seda, com um decote que deixasse entrever seu belo busto de uma forma
decente, para que não sentisse a necessidade de cobrir-se com uma estúpida capa.
Embora tampouco pudesse dizer isso abertamente. Com isso, conseguiria apenas alarmá-
la, estava seguro.
—Ninguém acreditará que seja capaz de me comprometer formalmente com uma mulher
que não tem dinheiro para vestir-se como é devido — prosseguiu — Devemos manter as
aparências. Pensava que minha avó daria o braço a torcer a primeira noite que a apresentasse
como uma... Mulher de decência duvidosa, mas me equivoquei. Quando vir que gasto meu
dinheiro com você, terá que acreditar que vou a sério.
Ao ver que ela se debatia, decidiu insistir um pouco mais, para acabar de convencê-la.
—Se não me deixa fazê-lo, pensarei que a insultei previamente na carruagem.
Maria se ruborizou, abaixou a vista e a fixou no peito de Oliver.
—Não me insultou. Deixei que nos excedêssemos e não deveria havê-lo permitido.
—Não fez nada mau — replicou ele com brutalidade — Fui eu o que passou dos limites e,
para lhe pedir perdão, estou disposto a comprar umas quantas ninharias. — Sem esperar para
ouvir mais protestos, Oliver se dirigiu para a proprietária da loja e anunciou — A senhorita
Butterfield decidiu que necessita de um enxoval mais completo.
—Perfeito, senhor. Disponho de vários trajes e complementos que ainda não os coloquei à
venda. Com os devidos retoques, estou segura de que ficarão perfeitos em sua prometida.
Enquanto a mulher se afastava apressadamente em busca dos objetos, Oliver se inclinou
para Maria e lhe sussurrou ao ouvido:
—Se com isso consigo suavizar seus temores, retiro minha proposta anterior de que seja
minha amante; não queria insultar você e desejo que se sinta cômoda com toda esta farsa.
—Obrigada — respondeu ela, embora não parecesse tão aliviada como ele esperava.
E ele tampouco se sentiu mais aliviado.
Agora teria que ficar para ver como Maria provava uns trajes mais adequados a sua
posição. Mas isso não fez mais que complicar as coisas, lhe recordando que apesar da
facilidade que se entregou a ele, Maria era uma mulher respeitável. De repente, a mulher a

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quem Oliver sentia a imperiosa necessidade de acariciar da forma mais impudica possível,
converteu-se em uma dessas mulheres — as que devia evitar, as virgens intocáveis. Algo que
não podia voltar a esquecer.
Duas horas mais tarde, abandonaram a loja com um montão de trajes e complementos.
Oliver foi capaz de convencê-la para que comprasse vários xales, bolsinhas e sapatos, embora
o irritasse ter de comprá-los em um lugar de tão pouca categoria. A loja da senhora Tweedy
era indubitavelmente, a melhor loja de segunda mão, mas não obstante, seguia sendo uma
loja de segunda mão.
Queria vê-la vestida com luxuosos trajes de seda à última moda e vistosas joias ao redor
do pescoço. Era um desejo desatinado que nunca sentiu antes, já que jamais o importou como
se vestiam suas acompanhantes. Mas a forma risonha com que ela olhava alguns
complementos que sabia que não estavam ao alcance de suas possibilidades, provocou em
Oliver um sentimento de compaixão.
Por isso precisamente, ele nunca teve uma amante. Se uma mulher conseguisse erodir sua
couraça estava perdido, porque o faria dançar ao som de seus desejos como um fantoche, e
dali havia apenas um passo para descobrir seus segredos... E então, todo mundo o odiaria
irremediavelmente.
O trajeto de volta até Ealing transcorreu em silêncio. Ela evitava olhá-lo no rosto, mas em
troca, Oliver não podia evitar olhá-la a todo o momento. Tentou iniciar uma conversa, mas o
anjinho com língua incisiva se esfumou, e ele não sabia o que fazer para voltar a cercar a
relação com ela de novo.
Inclusive Freddy percebeu que algo mudou, porque manteve sua falação ao mínimo.
Quando chegaram a Halstead Hall, Oliver tinha os nervos à flor de pele.
Sentiu-se aliviado, ao poder se desculpar alegando que tinha de encerrar-se para trabalhar
no escritório, para encarregar-se dos compromissos que desatendeu na noite anterior, mas
não conseguiu concentrar-se como era devido. Inclusive depois de estar uma hora passando
páginas e anotando transações, seguia ouvindo os gemidos de prazer de Maria, seguia vendo
seu pícaro sorriso enquanto lhe dizia: «Proporia-me que dormíssemos juntos?».

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Certamente que o proporia!
Alguns golpes na porta tiraram bruscamente Oliver de seu preocupante estado de
fantasia. Deu uma olhada no relógio e ficou surpreso quando se deu conta de que se passaram
duas horas. Jarret entrou e avançou com passo resolvido para o escritório.
—Incrível — disse o irresponsável — Quando o criado me disse que estava trabalhando
pensei que não tinha ouvido bem.
—Muito engraçado. Se tiver que viver aqui durante umas semanas, terei que me
encarregar de alguns assuntos, não acha? — Jogou-se para trás na cadeira e olhou para seu
irmão, ao tempo que arqueava uma sobrancelha — A menos que você queira se encarregar
desta tarefa; dão-lhe melhor os números que a mim.
Jarret virou o livro caixa para lhe dar uma olhada.
—Não sei, tenho a impressão de que não está fazendo isso tão mal. — deixou-se cair
pesadamente na cadeira diante de Oliver — Além disso, amanhã quero ir à cidade passar o
sábado no Blue Swan. O irmão de Kirkwood estará lá, e já sabe que é um jogador consumado.
—Sim, e, além disso, é um bebedor contumaz; por isso se aproveita dele, quando jogam
cartas.
Jarret encolheu os ombros e entrelaçou as mãos sobre seu colo.
—Pensava que não seria uma má ideia tentar provar a sorte, para encher um pouco as
arcas da família
—Então será melhor que jogue cartas com banqueiros e não com advogados. Necessitará
de mais do que Giles Masters pode oferecer para nos tirar deste atoleiro.
—Que interessante que o mencione. Minerva me contou ontem à noite sobre o
desaparecimento do noivo da senhorita Butterlield, assim que esta manhã tive um pequeno
bate-papo com Freddy e me inteirei que a senhorita Butterfield poderia herdar uma
considerável fortuna se não se casar com seu prezado senhor Hyatt. Sabia?
Oliver se serviu uma taça de brandy do decantador que havia sobre a mesa.
—Não sei se será uma soma considerável. Quanto poderia valer uma naval nos Estados
Unidos?

161
—Alguma vez ouviu falar da New Bedford Ships?
—Não, por quê? — Tomou um gole de brandy — Não é o tipo de empresa que me resulte
familiar.
—Pois, para que se inteire, é uma das empresas nas quais invisto quando tenho dinheiro
extra, o que não acontece frequentemente.
Jarret era um excelente jogador e, normalmente ganhava mais do que perdia, mas tinha o
deplorável hábito de arriscar muito, por isso, ao final sempre acabava arruinado. Oliver não
conseguia compreendê-lo; seu irmão parecia disposto a tentar constantemente o destino.
—Fui ao povoado faz um momento para falar com algumas de minhas fontes —
prosseguiu Jarret — para ver que informação obtinha da companhia. Sem dúvidas, a New
Bedford Ships vale um quarto de milhão de libras. Caso lhe toque a metade, herdará a bonita
soma de cento e vinte e cinco mil libras.
Oliver se engasgou com o brandy.
—Brinca?
—Não, nunca gasto brincadeiras quando se trata de dinheiro.
Oliver necessitou de alguns momentos, para assimilar aquela incrível notícia.
—E ela sabe que a companhia vale tanto?
—Não acredito. Freddy especulou que deveria tratar-se de dez mil dólares, no máximo; o
pobre estava convencido de que essa outra cifra era uma enorme quantidade de dinheiro.
Suponho que o pai da senhorita Butterfield devia ser o típico homem de negócios austero e
manteve sua filha desinformada sobre muitas questões referentes à empresa.
Oliver também sabia o por que. Já imaginava que Adam Butterfield tinha querido controlar
a vida de sua filha, inclusive depois de morto e enterrado. Esse tipo devia saber que se ela
fosse consciente da magnitude de sua fortuna, possivelmente poria travas ao marido que lhe
escolheu.
Isso também explicava por que Hyatt aceitou casar-se com ela, apesar de não estar
apaixonado. Se ela escolhesse vender sua metade, ele provavelmente não poderia comprá-la,

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assim que o casamento era, sem dúvidas, um trato mais vantajoso para Hyatt. E menos
vantajoso para ela.
Oliver franziu o cenho.
—Assim já vê meu querido irmão — concluiu Jarret — tem a resposta a nossos problemas
justo diante de seu nariz. Poderia esquecer-se da farsa e se casar com ela. Assim acabariam
todos os nossos problemas.
Oliver sentiu que uma raiva irreprimível se apoderava dele.
—Sim, e assim me converteria em um homem tão cruel e desumano como papai.
—E isso o preocupa?
—É obvio que me preocupa! Foi ele quem arrastou mamãe até a tumba. — Embora Oliver
lhe desse o último empurrão — Não me casarei com a senhorita Butterfield por dinheiro. Nem
sonhe. — Apenas a ideia lhe provocava náuseas.
—Então possivelmente não deveria tentar seduzi-la na carruagem — replicou Jarret com a
voz implacável.
Oliver ficou gelado.
—Não sei de que diabo está falando.
—Sim que sabe. — A rosto de Jarret mostrava agora a expressão rígida que adotava às
vezes, quando ouvia que alguém insultava suas irmãs — John informou que você e a senhorita
Butterfield ficaram dentro da carruagem com as cortinas fechadas e sem a companhia de
Freddy durante uns minutos, parados diante da loja de roupas; também me disse que quando
finalmente saíram, a senhorita Butterfield parecia muito alterada.
A fúria de Oliver encontrou um novo objetivo.
—Parece-me de terei que manter um pequeno bate-papo com o fofoqueiro de meu
criado. Pago-lhe bem para que mantenha o bico fechado.
—Nem com todo o dinheiro do mundo conseguirá silenciar um homem honesto quando
algo ofende sua consciência. Além disso, parece que sente afeto pela senhorita Butterfield. —
Jarret endureceu o tom — Todos gostamos. Sabe perfeitamente bem que não se trata de uma
de suas bailarinas às que costuma usar e, logo jogar fora como trapos sujos quando já não lhe

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servem. Ela é uma mulher respeitável. Se estiver tão decidido a não se assemelhar a papai,
possivelmente deveria recordá-lo da próxima vez que sinta o impulso de pôr as mãos em cima
dela.
A fúria de Oliver se aplacou um pouco, porque Jarret tinha razão.
—Não sabe nada dela.
—Está me dizendo que não é uma mulher respeitável?
—Não disse isso, maldito seja! O que estou dizendo é que... — Aspirou fundo para conter
a raiva que lutava por transbordar — Estou dizendo que o idiota do Hyatt quer casar-se com
ela por seu dinheiro e que ela está se guiando por um sentido do dever para com seu pai ou
por uma insensata esperança de que tudo sairá bem. Primeiro, tenho de convencê-la de que
está cometendo um engano.
—Ocorrem-me outras formas melhores de fazê-lo, em vez de seduzi-la — o repreendeu
Jarret com secura — Que tal se tenta falar com ela? Possivelmente não seja má ideia que
passe mais tempo com ela para conhecê-la. Já sei que não é seu estilo, mas talvez, tenha mais
êxito se a tratasse como a fêmea racional que parece ser, em lugar de como outra de suas
conquistas.
—Não a estou tratando como... — conteve-se para não falar demais — Obrigado por seu
conselho, mas sei me comportar devidamente com Maria.
—Isso ainda está por ver. — Jarret ficou de pé e, depois se inclinou para frente e plantou
ambas as mãos sobre a escrivaninha — Mas quero que saiba uma coisa: nenhum de nós
permanecerá impassível vendo como destroi a virtude de uma jovem apenas para provocar à
avó.
Oliver ficou de pé de um salto. Que seu irmão acreditasse em tal canalhice o enfurecia, do
mesmo modo que ter que suportar que o repreendesse. Nunca aconteceu antes, e não estava
disposto a tolerá-lo agora.
Inclinou-se também para frente por cima da mesa, até que seu rosto ficou a escassos
centímetros do de seu irmão, e bramou:
—E se pode saber que diabo pensa fazer para evitar que faça o que me dê vontade?

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Um pícaro sorriso se desenhou nos lábios de Jarret.
—Poderia tentar roubá-la.
Apesar de que no mais recôndito de sua mente, Oliver estivesse seguro de que seu irmão
dizia isso para provocá-lo, a mera ideia de que Jarret pudesse gozar dos afetos de Maria
destroçou sua moderação habitual.
—Se lhe tocar um só cabelo, Gabe não será o único lesado na família — o ameaçou Oliver.
Com um olhar enigmático, Jarret se separou da mesa.
—De acordo — respondeu sem pestanejar — Mas lhe advirto isso: a intenção do resto da
família é nos assegurar de que você tampouco toque em um só cabelo da senhorita
Butterfield. — Sem esperar resposta, Jarret abandonou a estadia a grandes pernadas.
Oliver ficou tremendo enquanto sofria o açoite implacável da raiva e de outra emoção
indefinível. A impressionante audácia de seu irmão — o muito descarado lhe ordenou o que
tinha que fazer! — era cômico, e pensar que seu lacaio mais leal se atreveu a...
«Nem com todo o dinheiro do mundo conseguirá silenciar um homem honesto, quando
algo ofende sua consciência.»
Oliver franziu o cenho. Sem dúvidas, sua atuação ofendeu a consciência de John, se este
foi capaz de ir a Jarret com o conto. E o fato de que o lacaio adivinhasse o que estavam
fazendo dentro da carruagem fez com que gelasse o sangue de Oliver. Como era possível que
não se deu conta do que seus criados iriam pensar?
Subitamente recordou a expressão no rosto de Maria quando lhe disse que os criados
sabiam que não deviam abrir a porta quando as cortinas estavam fechadas.
Oliver se afundou na cadeira com o olhar fixo no fogo que ardia na lareira. Que diabo
aconteceu com ele? Sentia-se culpado por havê-la insultado e assustado, mas o certo era que
cometeu muitas outras ofensas. Não era de se estranhar que ela atuasse de um modo tão
diferente depois de sair da carruagem! E tampouco era de se estranhar que rechaçasse seu
oferecimento de comprar trajes. Virtualmente, proclamou diante de seus criados que ela não
era mais que outra das meretrizes que usava, e Maria se mostrava muito sensível a respeito
dessa questão.

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E não lhe faltavam motivos, certamente. Ela era uma mulher respeitável. E uma rica
herdeira, uma herdeira muito rica.
Maldição! Oliver não imaginou que sua fortuna pudesse subir a tanto. E se Maria se
inteirasse, seria mais suscetível de pensar que a animália de Hyatt possivelmente queria
apenas aproveitar-se dela.
Oliver terminou o resto do brandy, depois deixou a taça bruscamente sobre a
escrivaninha. Tinha de salvá-la desse tipo; devia isso pela ajuda que estava lhe dando com a
avó.
Quando acabasse toda aquela confusão, a senhorita Maria Butterlield já não se sentiria
coagida por um inseto ambicioso a quem apenas lhe interessava sua fortuna; não se ele
pudesse remediá-lo.

Hetty despertou da sesta com o som de uma porta ao abrir-se. Ia levantar-se da poltrona
para que quem entrou na biblioteca se precavesse de sua presença, quando ouviu que entrava
outra pessoa, e em seguida, ouviu que Minerva dizia:
—E bem? O que opina? Tenho razão sobre Oliver e a senhorita Butterfield?
Hetty se afundou na poltrona colocada em um canto da sala rezando para que não a
descobrissem.
—Acredito que tem razão. — Era a voz de Jarret — Oliver parece sentir algo genuíno por
ela; nunca o vi atuar desse modo com nenhuma mulher. Deveria havê-lo visto, disposto a me
saltar na jugular, quando sugeri que eu também tentaria seduzir a senhorita Butterfield.
—Que argumento mais brilhante! — exclamou Minerva entusiasmada — Já lhe disse que
gosta. E me atreveria a assinalar que ela também se sente atraída por ele. Subi a seu quarto
quando chegaram, e se pôs mais vermelha que um tomate quando lhe perguntei se Oliver se
comportou como um verdadeiro cavalheiro.
—Esse é o problema. Uma coisa é que Oliver goste da senhorita Butterfield, mas outra
coisa bem distinta é que a trate de um modo honrado. Oliver não está acostumado a sair com
uma mulher com a que não pode... Que... Que não pode...

166
—Deitar-se com ela.
Hetty pestanejou várias vezes seguidas.
—Por Deus, Minerva, não diga essas coisas! Não deveria saber nem opinar sobre esses
temas.
—Vamos, homem! De verdade espera que depois de me criar com um pai com fama de
mulherengo e com três irmãos patifes, não tenha ouvido certas coisas?
Hetty teve que agarrar a mandíbula com força, para não tornar-se a rir a gargalhadas.
—Bom, pois pelo menos finja que não sabe, de acordo? — resmungou Jarret — Algum dia
soltará algo parecido em público e dará a todos um desgosto.
—Temos de achar o modo de uni-los — apontou Minerva — Sabe perfeitamente bem que
se Oliver se casar, a avó se esquecerá dessa ideia tão ridícula de que todos temos que chegar
ao altar. Ela apenas quer que lhe dê um herdeiro.
Hetty arqueou ambas as sobrancelhas com estupor. Infelizmente, sua neta ia ter uma
desagradável surpresa.
—E você está disposta a lançar seu próprio irmão às garras do lobo para se salvar, não é
certo? — repreendeu-a Jarret.
—Não! — Quando Minerva voltou a falar, tentou controlar o tom — Ambos sabemos que
Oliver necessita de que alguém o salve de si mesmo, porque se não, irá à pior, seguro. — Fez
uma pausa — Disse-lhe que a senhorita Butterfield é uma rica herdeira?
Isso sim, que conseguiu captar o interesse de Hetty. Não imaginava que a garota tivesse
dinheiro.
—Sim, mas temo que foi um engano. Quando lhe sugeri que se casasse com ela por sua
fortuna, zangou-se muito.
«É obvio que se zangou tonto!», pensou Hetty, enquanto esboçava uma careta de chateio.
Pelo visto, seu neto não conhecia o irmão absolutamente.
—Pelo amor de Deus, Jarret, não tinha que lhe sugerir isso! Supunha-se que devia
incomodá-lo com a ideia de que ela podia ser uma presa fácil para um caça-fortunas.
Ao menos, Minerva demonstrava ter mais luzes.

167
—Maldita seja, tem razão — se lamentou Jarret — Suponho que não deveria ter
exagerado tanto a quantidade.
—Ai, Deus! — suspirou Minerva — Quanto lhe disse?
—Bom... Tripliquei a quantidade.
Minerva soltou uma imprecação inadequada para uma dama.
—Por que fez isso? Agora ele nem se aproximará! É que não percebeu como detesta a
ideia de casar-se por dinheiro?
—Os homens estão acostumados a fazer esse tipo de comentários, mas ao final, somos
práticos.
—Oliver não! Está jogando tudo a perder!
—Não seja tão dramática — a cortou Jarret — Além disso, tenho um plano; ocorreu-me
justo antes de sair do escritório de Oliver. Vamos, quero contar também aos outros.
Precisaremos unir forças para que tudo saia como queremos. — Sua voz se foi atenuando
quando os dois abandonaram a estadia — Se fôssemos capazes de...
Hetty esticou a cabeça para ouvir o que dizia, mas perdeu o fio da conversa. Bom,
tampouco lhe importava.
Sorriu maliciosamente. Pelo visto, ela não era a única que tinha um plano. Agora o único
que teria de fazer era relaxar e ver como Jarret arrumava as coisas com Oliver. Enquanto isso
insistiria com Minerva com a ideia de que encontrar uma esposa para Oliver solucionaria
todos seus problemas; isso faria com que sua neta se esforçasse ainda mais por juntar Oliver
com a senhorita Butterfield.
Não importavam os motivos ou o método para obtê-lo, se ao final entre todos
conseguissem o objetivo. Graças a Deus, seus netos herdaram sua capacidade manipuladora!
Nesse momento se sentia plenamente orgulhosa deles.
Assim, Oliver acreditava que desta vez, ia sair com a sua né? Pois ia ter uma boa decepção,
sim, senhor! Desta vez, não só teria que ver-se com ela, a não ser com a prole completa de
seus irmãos. E ainda por cima, todos estavam a favor da senhorita Butterfield!
Hetty se pôs a rir calorosamente.

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Pobre Oliver! Não tinha nenhuma chance de vencer.

CAPÍTULO 14

Quando Maria saiu de seu quarto com a intenção de descer para jantar, uma voz profunda
disse:
—Vejo que se recuperou de nossa viagem à cidade.
Virou-se depressa e correndo e viu Oliver sentado em uma cadeira perto da porta do
quarto que ela ocupava. A estava esperando?
—Boa noite, milord — o saudou enquanto ele ficava de pé — Que bom aspecto tem.
O certo era que estava muito bonito com aquele traje de gala; ficava melhor que qualquer
homem que conhecia. O branco engomado da camisa e da gravata contrastava
acertadamente com sua pele azeitonada, e o fraque negro com o pescoço de veludo
enfatizava seus belos olhos escuros. Por desgraça, seu colete confeccionado com seda de ouro
lhe recordou que estava longe de sua posição social, por mais que sua situação financeira
fosse deplorável. E as calças negras ajustadas de caxemira esculpiam suas coxas de uma forma
insinuante que lhe recordou...
Não, não devia voltar a pensar no que aconteceu entre eles aquela tarde, não. Tinha de
esquecê-lo.
—Parece uma deusa — murmurou ele enquanto a devorava com o olhar de cima abaixo.
E ela se derreteu como manteiga.
—Obrigada. — Tentou falar com segurança e com um toque de sofisticação — Me sinto
mais cômoda com um vestido que não seja excessivamente justo.
—Exceto onde tem que sê-lo. — Oliver abaixou a vista e a cravou em seu decote.

169
Ao ver a franca admiração que lhe professava, Maria se alegrou de ter se deixado guiar por
Betty em sua escolha do traje para aquela noite. Depois do vestido escandaloso, sentia-se
incapaz de vestir nada que fosse curto, mas o vestido que levava ficava muito apropriado,
embora fosse um pouco decotado. O salmão era uma cor que lhe sentava bem, e o arremate
com adornos de cetim fazia que se sentisse bela e elegante.
—Acredita que é suficientemente adequado para jantar com sua família? — inquiriu
Maria.
—Minha família não é digna de ver você vestida assim. — Seu tom rouco conseguiu que a
ela cortasse a respiração — Como desejaria que você e eu pudéssemos...
—Está encantadora senhorita Butterfield — comentou outra voz. Lorde Gabriel apareceu
por trás de Oliver, vestido completamente de negro, como de costume, e com uma careta
travessa no rosto — Desculpe que tenha me atrasado, mas obrigado, irmãozinho mais velho
por lhe fazer companhia até minha chegada.
Oliver o olhou boquiaberto.
—O que quer dizer?
—Sou o encarregado de acompanhar a jovem senhorita até a sala de jantar.
—Parece-me que disso deveria ocupar-se seu prometido, não acha? — espetou Oliver com
cara de poucos amigos.
—Seu «falso» prometido. Não tem nenhum direito sobre ela. E dado que esteve com ela
todo o dia... — Lorde Gabriel lhe ofereceu o braço — Está preparada, senhorita Butterfield?
Maria vacilou uns instantes sem saber o que fazer. Mas Oliver era um perigo para sua
integridade, e seu irmão, em troca, não; por conseguinte, estaria mais a salvo com lorde
Gabriel.
—Obrigado, senhor — respondeu aceitando seu braço.
—Um momento, um momento... Não pode...
—O que? Não posso me mostrar solícito com nossa convidada? — perguntou lorde Gabriel
com cara de inocente — De verdade, irmãozinho, não sabia que esta relação era tão

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importante para você. Mas se o incomoda ver a senhorita Butterfield pendurada do braço de
outro homem, não terei nenhum reparo em lhe ceder o protagonismo.
As palavras de lorde Gabriel fizeram Oliver repensar, que olhou primeiro para Maria e,
logo para seu irmão, e depois sorriu, embora o sorriso não se estendesse até seus olhos.
—Não, tranquilo, não ocorre nada — respondeu com evidente tensão.
Quando os dois desceram as escadas seguidos de Oliver, lorde Gabriel lançou a Maria um
olhar de cumplicidade. Apesar de que ela não sabia do que ia aquela conspiração, decidiu
seguir o jogo de lorde Gabriel, porque a situação parecia irritar Oliver.
O incidente foi apenas o primeiro de uma série que continuou ao longo de toda a semana.
Quando ela e Oliver ficavam sozinhos, embora apenas por um momento, um de seus irmãos
aparecia para oferecer um plano alternativo: sair para passear pelos jardins, cavalgar até o
povo, ou jogar uma partida de cartas. Cada dia que passava, aumentava a irritação de Oliver,
embora Maria não pudesse compreender o por que.
A menos que...
Não, isso era impossível. Se as flagrantes tentativas de sua família por separá-los o
exasperavam tanto, isso se devia apenas a que Oliver detestava perder uma nova
oportunidade para seduzi-la. Depois de tudo, havia-lhe inclusive, oferecido a possibilidade de
convertê-la em sua amante. Era evidente que não estava apaixonado por ela; não havia
motivos para albergar nenhuma esperança a respeito.
Esperança? De fato, isso era duplamente absurdo, já que Maria não esperava nada dele; já
tinha um noivo de verdade.
O problema era que lhe custava pensar em Nathan estando em Halalstead Hall. Aquele
lugar tão antigo que não parecia terrestre fazia com que cada dia que passava ali imaginava
que tivesse saído de um conto. Um dia, topou com um Rembrandt pendurado de forma
descuidada em um quarto, e no dia seguinte, um rato cruzou sigilosamente seu caminho. A
casa era a viva amostra de opulência e miséria, tudo em um.
E os criados? Todos revoavam a seu redor como abelhas operárias dispostas a servir à
rainha na colmeia! Não podia compreendê-lo; não é que houvesse muitos criados, assim que

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como era possível que ela sempre encontrasse um ou dois ao seu dispor, sobretudo quando
tinha as mãos ocupadas ou se dispunha a mover uma cadeira para um espaço onde havia mais
luz para poder ler melhor ou decidia passar pela cozinha para tomar uma xícara de chá? Não
sabia como a família Sharpe podia suportar aquela constante pressão.
Enquanto isso, os irmãos de Oliver falavam incessantemente sobre a esplêndida festa do
dia de São Valentim que todos os anos organizava a duquesa de Foxmoor. Quanto mais se
aproximava a data, mais nervosa se sentia Maria, já que a senhora Plumtree se emocionava
falando da grande reunião porque ia ser o dia em que Oliver anunciaria seu compromisso
matrimonial. Era evidente que aquela mulher não estava retratando-se com tanta rapidez
como Oliver havia predito.
Por isso, Maria se sentiu aliviada quando no dia antes da grande festa, um criado lhe
comunicou que o senhor desejava falar com ela em seu escritório. Agora teria a oportunidade
de falar com ele a sós. Seguiu para o escritório sem atrasar-se, rezando para não topar com
nenhum dos irmãos de Oliver.
Logo que entrou, ele fechou a porta e lhe fez gestos para que tomasse assento. Então
começou a perambular com passo nervoso pela estadia, visivelmente incômodo. O coração de
Maria disparou. Oliver tinha notícias do senhor Pinter? Tratava-se de más notícias sobre
Nathan?
Ao cabo de um momento, Oliver se deteve atrás do escritório.
—Meus criados a trataram mal?
Ela pestanejou desconcertada. Não esperava essa pergunta.
—É óbvio que não.
—Pois têm a impressão de que o têm feito.
—Não sei por que.
—Dizem que faz sua cama todas as manhãs.
—Claro, é óbvio.
Oliver arqueou uma sobrancelha ante sua resposta.
—E que prepara as torradas e o chá pela tarde.

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—E por que não ia fazê-lo?
Ele estreitou os olhos mostrando um olhar afiado.
—É que acaso não tinha criados em sua casa?
—Sim que os tinha. — Maria elevou o queixo com petulância — Dispúnhamos de um
chofer e um cavalariço e duas criadas que ajudavam minha tia e a mim com a lavagem da
roupa e na cozinha.
Oliver sorriu.
—Parece que começo a compreender o problema.
—Seriamente? Então espero que me explique isso, porque não vejo nenhum problema.
—Os criados na Inglaterra não estão para ajudar, a não ser para fazer tudo.
—O que quer dizer?
Oliver apoiou o quadril na extremidade da escrivaninha.
—Quando você faz a cama, interpretam que você não gosta da forma que eles fazem. E o
mesmo acontece quando prepara as torradas e o chá. Eles desejam servi-la e, quando você os
priva de fazê-lo, pensam que falharam.
—Mas isso é absurdo! Não paro de lhes repetir que não necessito de ajuda.
—Exatamente. E com essas palavras tira deles seu sentido na vida, fere-os no mais fundo
de seu orgulho.
Maria pestanejou incômoda, ao pensar na atitude nervosa que Betty demonstrava sempre
que estavam juntas.
—Entretanto, certamente ninguém tem por máximo objetivo nesta vida ser um criado,
não?
—Na Inglaterra, sim. — Oliver adotou um tom mais conciliador — Já sei que lhe custa
entender isso, mas os criados ingleses se sentem muito orgulhosos do que fazem, da família a
que servem, da relevância de suas posições dentro dessa família. Quando lhes nega a
oportunidade de levar a cabo suas obrigações, faz com que se sintam como se não gozassem
de seu respeito.
O calor se estendeu pelas bochechas de Maria.

173
—Virgem Santa, por isso sempre os tenho pegos a meus calcanhares tentando fazer algo
por mim?
—Sim. Quanto mais responsabilidade adote, mais pensarão que o estão fazendo mal.
Por todos os Santos...
—Eu apenas pretendia fazer a vida deles mais fácil. Dado que os criados de sua avó
retornaram a Londres, e em uma casa tão grande em que sempre há tanto que fazer...
—Sei. Entendo. — Oliver tomou assento atrás da mesa. — Mas se de verdade, quer fazer a
vida deles mais fácil, deixe que façam seu trabalho. Eles estão convencidos de que muito em
breve, se converterá na senhora desta casa e, por isso estão encantados em servir você.
Maria tragou saliva. Precisamente essa era a questão que desejava tratar com ele.
—Falando disso, sua intenção é anunciar nosso compromisso na festa amanhã de noite?
Oliver sacudiu a cabeça.
—Não irei tão longe. Até agora a avó esteve pensando que eu não falava sério, mas não
será capaz de levar essa batalha até o olho público. É muito consciente das consequências que
isso teria para a família. Ao final se retratará, já verá.
—Mas e se não o fizer? Se fizer público nosso compromisso, é possível que Nathan se
inteire...
As feições de Oliver se endureceram.
—Não se preocupe; ninguém se inteirará, porque não penso anunciá-lo.
—Espero que tenha razão. — Nos últimos dias começava a sentir-se culpada a respeito de
Nathan. Maria concordou em casar-se com ele, fez-lhe uma promessa solene, e cada vez que
permitia que Oliver saísse com a sua, ela se comportava de um modo vil.
—Confie em mim. Tudo sairá bem.
Um incômodo silêncio ocupou a sala. Ela se levantou.
—Bem, então se isso for tudo...
—Não vá — murmurou Oliver ao tempo em que também ficava em pé.
Ela o olhou diretamente no rosto. Os olhos de Oliver a devoravam de um modo alarmante,
e, entretanto, Maria não se sentia capaz de virar-se.

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—Por quê?
—Mal tivemos tempo de conversar ultimamente, já que pelo visto, meus irmãos e minhas
irmãs decidiram manter você muito ocupada. — De seu tom se desprendia certo
ressentimento — Sente-se, por favor. Quero falar com você.
Falar? Isso não era próprio de Oliver.
—De acordo. — Maria voltou a sentar-se surpreendida por sua mudança de atitude — Do
que quer falar?
De repente Oliver pareceu totalmente perdido, o que enterneceu Maria. Não se
estranhava que ele passasse a maior parte de seu tempo com mulheres fazendo outras coisas
em vez de falar.
Ela se fixou em um livro que havia sobre a mesa e, com um impulso travesso o pegou.
—Vejo que está lendo a última novela de Minerva.
Para surpresa de Maria, Oliver se ruborizou.
—Pensei que era melhor averiguar o que tramava minha irmã.
—Assim, é sua primeira incursão no mundo romântico de Minerva?
—Sim. — Oliver parecia incômodo com o tema, o que empurrou Maria a insistir sem
mostrar um ápice de clemência.
—Pois fez uma excelente escolha, para ser a primeira vez. O desconhecido do lago é meu
romance favorito.
Ele franziu o cenho.
—Por quê? Porque Rockton recebe seu justo castigo nesse ditoso duelo com espadas?
Um sorriso se desenhou nos lábios de Maria.
—Porque Minerva o deixa viver. Ela está acostumada a matar o vilão de uma forma
espantosa, macabra.
—E você odeia as cenas macabras.
—Não, de fato eu adoro. É terrível, não? Cheguei a tal ponto que nem suas mortes me
parecem o suficientemente espantosas. — Quando ele a olhou com estupefação, ela
acrescentou com um sorrisinho travesso — Em casa tinha uma assinatura do calendário da

175
prisão Newgate. Bom, Freddy tinha a assinatura. Para meu pai, não parecia correta minha
fascinação pelos assassinatos, o sangue e os casos brutais.
—Já o suponho. — Oliver voltou a sentar-se na cadeira e ficou olhando fixamente — Mas
se você gosta das partes mais macabras, por que se alegra de que minha irmã não tenha
matado Rockton?
—Minerva contribui com suficientes detalhes sobre ele para que nós leitores
questionemos por que se tornou tão vilão. E se morrer, nunca saberei a resposta.
Oliver a escrutinou com ávido interesse.
—Possivelmente, é um vilão desde que nasceu.
—Ninguém é um vilão de berço.
—Ah, não? — Oliver arqueou uma sobrancelha — Acredita que quando nascemos todos
somos bons?
—Isso tampouco. Começamos como animais, com as necessidades e os desejos próprios
dos animais. Logo os pais e os professores ou outros bons exemplos nos ensinam a frear essas
necessidades e desejos quando é necessário e conveniente. Entretanto, ainda temos a opção
de escolher entre seguir essa educação ou fazer o que nos agrade.
—Como é que uma mulher que adora os assassinatos e os casos brutais também se
interesse pela filosofia?
—Eu gosto de entender como funcionam as coisas, por que a pessoas atuam do modo em
que o fazem.
Ele dedicou uns instantes a assimilar a informação.
—Pois eu acredito que alguns de nós, como Rockton, já nascem com uma predisposição a
ser perversos.
Maria escolheu as palavras com cuidado:
—Isso proporciona a Rockton uma desculpa conveniente para seu comportamento.
A mandíbula de Oliver se desencaixou.
—O que quer dizer?

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—Atuar segundo a disciplina e a moral requer muita força de vontade. Para ser um
canalha, em troca, não se requer nenhum esforço; simplesmente, tem de fazer todas as
concessões imagináveis aos desejos e impulsos, sem importar se são imorais ou se podem
ferir alguém. Ao alegar que já nasceu com essa tendência a ser perverso, Rockton se assegura
de que não tem que lutar para ser uma boa pessoa; apenas tem que aduzir que não pode
remediá-lo.
—Possivelmente, não pode — remarcou ele.
—Ou, possivelmente, não deseja lutar contra seus impulsos. Por isso, sigo lendo os livros
de Minerva, porque desejo saber o motivo que o move a comportar-se desse modo.
Seriamente Oliver acreditava que nasceu irremediavelmente perverso? Que horror! Isso
apenas conduzia a uma vida sem esperança, o que ajudava a explicar sua busca pelo prazer a
todo custo.
—Posso lhe dizer a razão pela qual Rockton é tão vilão. — Oliver se levantou e se esquivou
da escrivaninha para aproximar-se mais dela, depois apoiou o quadril no extremo da mesa
mais próxima a Maria e se inclinou um pouco para lhe colocar uma mecha rebelde atrás da
orelha.
Maria sentiu um agradável calafrio nas costas. Por que exercia esse efeito hipnótico sobre
ela? Não era justo.
—Ah, sim? — conseguiu balbuciar.
—Rockton sabe que não pode obter tudo o que deseja — apontou Oliver com uma voz
rouca, enquanto lhe acariciava a bochecha com o dorso da mão — Não pode possuir à
heroína, por exemplo. Ela jamais toleraria seus... Impulsos perversos. Entretanto, a deseja, e
esse desejo o consome.
Maria ficou sem respiração. Passaram-se vários dias desde a última vez que a tocou, e se
esqueceu da embriagadora sensação que a invadia ao tê-lo tão perto, dizendo tais coisas...
Lutou por controlar suas voláteis emoções.
—Seu desejo o consome precisamente porque não pode possuí-la. Se ele pensasse que
poderia possuí-la, já não a desejaria.

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—Não é verdade. — Sua voz se tornou mais gutural. Oliver lhe acariciou o perfil da
bochecha com tanta ternura que Maria sentiu que lhe fechava a garganta — Até Rockton é
capaz de reconhecer quando uma mulher é diferente das demais. Sente-se fascinado com a
imensa bondade que ela mostra ante a maldade dele. Inclusive ele acredita que se pudesse
possuir essa deusa, certamente a nuvem escura que empana sua alma se dispersaria, e então,
poderia apoiar-se em algo mais sólido, mais positivo, algo limpo e puro.
—Então se equivoca. —o pulso de Maria tremeu quando Oliver deslizou o dedo indicador
pelo oco de sua garganta — A única pessoa que pode dispersar essa nuvem escura de sua
alma é ele mesmo, somente ele pode salvar-se.
Oliver deixou de acariciá-la.
—Então está condenado para sempre, não?
—Não! — Ela elevou a vista para olhá-lo nos olhos — Ninguém está condenado para
sempre, e muito menos Rockton. Ainda existe esperança para ele. A esperança é o último que
se perde.
Os olhos de Oliver adotaram um brilho incandescente, e antes que Maria pudesse afastar
o olhar, ele se inclinou para beijá-la. Foi um beijo suave, tenro... Delicioso. Alguém ofegou,
embora ela não estivesse segura de quem foi. Quão único sabia era que a boca dele se posou
de novo sobre a sua, adaptando-se a seus lábios, provando seu fôlego, despertando nela uma
sede que muito implacável.
—Maria... — suspirou Oliver. Estreitou-a entre seus braços com força — Meu Deus, desde
aquele dia na carruagem não pude pensar em nada mais que em você.
Sua boca procurou a de Maria de novo, apagando qualquer possível reprovação. Sem ser
consciente do que fazia, ela afundou as mãos dentro de sua jaqueta para segurá-lo pela
cintura. O que lhe passava, por que parecia incapaz de resistir a ele? Que fácil era falar de
moralidade e disciplina, e, entretanto, que difícil era atuar conforme o que pregava! Oliver
conseguia que sentisse vontade de jogar qualquer precaução ao vento com apenas um beijo.
E não só um beijo. A boca de Oliver estava devorando a sua, conquistando seu interior
com umas investidas possessivas. Suas mãos deslizavam por seu corpo como se desejassem

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aprender todas as curvas, todos os pontos sensíveis de sua pele, que parecia incendiar-se sob
seu tato. E Maria se deixou arrastar pela maré de sensações. Oliver era tão impetuoso, tão
distinto ao prudente Nathan...
Incitava-a a querer tocá-lo, a querer explorar cada centímetro de seu corpo. Enquanto
Oliver se dedicava a acariciá-la, ela percorreu seu torso com ambas as mãos por cima da
camisa maravilhando-se dos músculos que se esticavam debaixo de seus dedos. Nunca
cessava de surpreendê-la que ele não fosse um aristocrata indolente e parcimonioso, a não
ser um homem com uma força férrea que controlava claramente tanto seu corpo como sua
mente.
Então por que não controlava sua alma? Por que era incapaz de ver seu enorme potencial?
Para lhe demonstrar o pouco que ele desejava ser melhor pessoa, Oliver lhe capturou o
traseiro e a atraiu para suas coxas até que ela notou a evidência de seu desejo contra sua
suave pele.
Aquela falta de decoro a impulsionou a separar os lábios dos dele.
—Não podemos fazer isto.
Ao ver-se longe de sua boca, Oliver decidiu estampar um caminho de beijos quentes e
sensuais ao longo de seu pescoço.
—Podemos fazer o que nos agrade.
Ela o empurrou para afastá-lo.
—Você pode fazer o que quer. Eu não. Estou prometida, recorda? É verdade que a última
vez que estivemos juntos o esqueci, mas não deveria esquecê-lo de novo.
Maria se virou para a porta, mas ele a pegou pela cintura e a atraiu para si.
—Esqueça o Hyatt! — rugiu bruscamente com uma nota de desespero na voz — Nós dois
sabemos que não é o homem que lhe convém.
—Não importa. Fiz uma promessa e tenho que cumpri-la.
—Poderia fazer com que se esquecesse de sua promessa — replicou ele e, sem dizer nada
mais, colocou uma mão sobre seu seio com uma delicadeza que despertou uma onda de
prazer que se expandiu rapidamente por todo o corpo de Maria.

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Quando Oliver deslizou a outra mão para baixo, para acariciá-la entre as pernas por cima
do vestido, Maria não pôde reprimir um ofego. Oliver a beijou na orelha com uma respiração
pesada, enquanto lhe mordiscava o lóbulo. O amontoado de sensações a excitou tanto que
sem poder remediá-lo, se arqueou para ele como uma gatinha no cio e começou a esfregar o
traseiro contra o vulto endurecido preso debaixo de suas calças.
Oliver bufou, convidou-a a virar-se e voltou a apoderar-se de sua boca enquanto lhe
tocava os seios por cima do tecido do vestido, passando os polegares por cima de seus
mamilos, voltando-a louca de prazer. Ela se aferrou a seus ombros, deixando-se levar pelo
poder de seus robustos músculos enquanto se entregava sem oferecer resistência a aquelas
mãos ávidas de conhecê-la.
Como era possível que Oliver conseguisse despertar nela esses desejos tão ferozes? Como
podia ele tentá-la de tal maneira para fazê-la esquecer o princípio da decência?
Umas batinhas soaram na porta. Os dois ficaram paralisados.
—Quem é? — espetou ele abraçando-a com mais força, quando em realidade deveria
soltá-la.
—Está à senhorita Butterfield contigo, Oliver? — Era a suave voz de Celia.
—Sim! — gritou Maria, que detectou uma oportunidade para escapar dele. E de suas
próprias debilidades.
Apesar de Oliver amaldiçoar a meia voz, soltou-a.
Celia entrou ao cabo de um segundo, e sem mostrar-se intimidada, olhou primeiro para
Maria, depois para Oliver, e outra vez para ela.
—Minerva diz que encontrou os sapatos perfeitos para seu traje para o baile. Gostaria de
prová-lo agora?
—Oh, sim, é obvio; obrigada.
Maria fez um esforço para controlar sua respiração desenfreada; entretanto, não
conseguiu controlar os batimentos desbocados de seu coração.
Seguiu para a porta conforme notava o olhar aceso de Oliver em suas costas. Justo quando
se colocou ao lado de Celia, ele disse:

180
—Espero que possamos acabar nosso debate mais tarde, Maria.
Ela se virou atropeladamente, e viu que ele sustentava o livro de Minerva. Seu rosto exibia
a aparência melancólica do típico heroi das novelas românticas — ou do vilão —tal e como ela
sempre imaginava, mas sua voz era suave como o veludo, a voz da tentação... A voz do
pecado.
—Ainda não chegamos a um acordo sobre os motivos que movem Rockton a ser tão
perverso.
Maria respondeu à abrasiva intensidade daqueles olhos com um olhar de absoluto
desespero.
—Duvido que cheguemos a um acordo sobre essa questão, milord. Nossas filosofias não
coincidem, assim não vejo nenhum sentido em continuar com essa discussão.
Enquanto abandonava a estadia sem afastar-se de Celia, rezou para que Oliver aceitasse
sua negativa por resposta. Porque, quanto mais a tentava, mais se debilitava a resolução de
Maria, e temia que um dia, toda sua moralidade e sua irada defesa de cumprir as promessas
se desmoronassem como um castelo de cartas.
Então, seria ela que estaria condenada para sempre. E isso não podia acontecer.

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CAPÍTULO 15

Oliver jogou o livro para a outra ponta da estadia com exasperação. Não podia ser! Seus
irmãos tinham decidido mantê-la afastada dele!
Passou na semana anterior sumido em uma agonia a que não estava acostumado.
Esperava que sua família se mostrasse hospitaleira com Maria, mas o que acabou por
acontecer era que ela os seduziu com sua franqueza, suas opiniões nada convencionais e seu
hábito de dizer exatamente o que pensava. Em troca, não lhe prestavam a menor atenção; o
deixaram de lado, relegado a vigiar Freddy, para que não provocasse nenhum incidente,
enquanto suas irmãs mimavam Maria, e seus irmãos também.
Um olhar assassino se desenhou em seu rosto. Se pegasse Jarret flertando com ela ou
Gabe fazendo-a rir outra vez, era capaz de estrangulá-los! Provavelmente, Jarret contou a
Gabe sobre sua fortuna, e agora, os dois competiam por obter seus favores, com a perversa
intenção de casar-se com Maria para resolver os problemas econômicos da família. E posto
que Oliver deixou claro que não pensava em casar-se com ela... Fechou as mãos em um
punho. Seus irmãos não podiam casar-se com ela. Nem Hyatt tampouco. Não permitiria! E, de
repente, compreendeu o por que: porque estava ciumento. Que Deus tivesse piedade dele!
Estava com ciúmes de seus irmãos!
Oliver viu vários amigos destroçados pelo ciúme, viu sua mãe adoecer penosamente por
culpa do ciúme. Sempre pensou que estavam loucos por deixar que os ciúmes governassem
suas vidas. Em troca, ele jamais experimentou aquela fatídica emoção com nenhuma mulher,
pelo que chegou a pensar que fosse imune.
Descobrir que não era, que Maria exercia esse incrível poder sobre seus sentimentos,
aterrorizou-o de uma forma impensável. Não podia negá-lo, já que os ciúmes o consumiam de

182
uma forma mais intensa que um licor barato. Tinha de encontrar o modo de controlá-los. E de
manter seus irmãos afastados dela.
«Como pensa em fazer isso? Eles ao menos, lhe oferecem uma amizade respeitável. Você
apenas lhe oferece vergonha.»
Aí estava o problema! Se lhe oferecesse algo mais, a sentenciaria ao mesmo inferno que
sua mãe teve de sofrer. Mas se lhe oferecesse menos e ela aceitasse, então a sentenciaria a
um destino ainda pior.
A única forma de ganhar era deixá-la partir de sua vida incólume. Mas isso significava que
ele teria de concordar que ela se casasse com outro homem ou que herdasse sua fortuna e
retornasse aos Estados Unidos. E tampouco estava disposto a aceitar nenhuma dessas duas
possibilidades.
Esfregou as bochechas com ambas as mãos; sentia-se exausto. Aquela obsessão
desenquadrada consumia suas energias em uma etapa de sua vida em que tinha outras
questões mais importantes nas que centrar-se, como seus urgentes problemas de liquidez. Na
cidade, levara uma vida desenfreada, sem pensar nas consequências, uma vida que o colocou
irremediavelmente em muitas dívidas.
Mas Halstead Hall lhe recordava constantemente que não estava se afundando sozinho.
Sua família se afundava com ele, como seus criados e seus parceiros. E tudo por culpa daquele
maldito imóvel que o arrastava para o abismo, enquanto recordava com nostalgia a vida que
deixou para trás.
Durante a infância, seu pai o ensinou a ocupar-se devidamente do imóvel e de seus
parceiros, a investir corretamente o dinheiro com o fim de que um dia se convertesse em um
honrado senhor. Oliver prometeu a si mesmo que o sacrifício da felicidade de sua mãe para
que seu pai pudesse manter Halstead Hall não seria em vão. Mas então, sobreveio aquela
funesta tarde.
Tinha de escapar daquele maldito lugar; tinha de fazê-lo.
Avançou para a porta a pernadas, abriu-a bruscamente, e chamou John. Logo que
apareceu o lacaio, espetou:

183
—Faça com que preparem minha carruagem. Vou à cidade.
John pestanejou.
—Assim, não estará aqui para o jantar, milord?
—Não, nem para o café da manhã, se posso evitá-lo.
As bochechas de John adotaram uma cor encarnada quando compreendeu o que isso
significava.
—O que tenho que dizer à senhora Plumtree, milord? E à senhorita Butterfield?
Oliver sentiu o peso de sua consciência, mas decidiu não lhe prestar atenção.
—Diga-lhe o que lhe der vontade — bramou — E agora, se assegure de que preparem
minha carruagem!
—Sim, milord. — John partiu veloz para cumprir com sua obrigação.
Aquela vida tão insossa o estava matando. Precisava de uma boa farra com sexo e álcool
que lhe recordasse quem era, o que era. Somente assim, se veria com forças para continuar
com a farsa de seu compromisso matrimonial.
Só assim, poderia conter seu insensato desejo de possuir aquilo que não devia.

Aquela noite, Maria escolheu o vestido com grande esmero para o jantar, apesar de que
sabia que não deveria fazê-lo. Seguia ouvindo o atormentado tom na voz de Oliver, enquanto
lhe dizia: «sente-se fascinado pela imensa bondade que ela mostra ante a maldade dele».
Bondade? Não era certo, embora gostasse da ideia de fasciná-lo, se não fosse porque
estava segura de que ela não era mais que outro capricho para ele. Por isso, tinha deduzido, as
mulheres formosas estavam acostumadas a fasciná-lo, mas apenas temporariamente. Que
probabilidades tinha uma simples americana que sequer sabia como comportar-se com os
criados, de mantê-lo enfeitiçado durante mais tempo que qualquer outra de suas anteriores
conquistas?
Não obstante, enquanto repetia a si mesma que isso era improvável, um fio de esperança
se agitou dentro dela quando entrou na sala de jantar. Até que viu todos, menos ele.

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Maria combateu a necessidade de comentar sua ausência, mas perdeu a batalha quando
tomou assento.
—Onde está o senhor, esta noite?
Os olhares incômodos que trocaram seus irmãos pressagiavam o pior.
—Foi à cidade — ofereceu Freddy com um tom jovial — Já sabe como são estes lordes
ingleses; sempre em busca de um pouco de diversão.
Maria ficou olhando Freddy sem pestanejar, então olhou para lorde Jarret que exibia uma
expressão imutável, enquanto afundava a colher na sopa que o criado acabava de lhe servir.
«Um pouco de diversão.»
Certamente, Oliver não estava...
—Decidiu passar a noite no clube — apontou lorde Jarret com um olhar furtivo para sua
avó — Provavelmente gostaria de jogar umas partidas de cartas.
—Pensava que você disse a lorde Gabriel esta tarde que seu irmão queria ir a um bord... —
Freddy interrompeu a frase com um chiado, e depois, olhou para Celia com o semblante
contrariado — De que veio isso?
— Ui! Sinto muito. Pisei em você sem querer? — perguntou ela, em um tom inocente —
Não era minha intenção.
Freddy ficou olhando com o cenho franzido enquanto se inclinava para esfregar o pé
machucado.
O bordel. É óbvio. A que outro lugar iria Oliver para divertir-se? Maria afundou a cabeça,
lutando por controlar a dor que sentia no peito. Que detalhe que Celia tentasse defendê-la,
mas todo mundo na mesa, exceto sua avó, sabia que Oliver estava em seu direito de ir a um
bordel. Que iludida foi ao esperar que ele sentisse algo por ela! Oliver só pensava no prazer.
Se não o podia obter dela, então estava disposto a ir a qualquer lugar com tal de consegui-lo.
—Se soubesse que pensava em ir a seu clube, pediria que me levasse com ele —
prosseguiu Freddy. Em seguida tomou uma boa colherada de sopa sem preocupar-se com o
desagradável ruído que emitia — Prometeu-me que me apresentaria a seus amigos.

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—Estou segura de que terá outra ocasião, Freddy — o reconfortou Maria rezando para
que sua voz não delatasse sua decepção. Com a firme determinação de ocultar seus
sentimentos feridos acrescentou — Quanto à festa que lorde Foxmoor organizou para
amanhã...
—Não lhe chame lorde, apenas Foxmoor — a corrigiu Gabe com a intenção de ajudá-la.
Quando sua irmã lhe deu uma cotovelada, ele disse — Acaso quer que fique em evidência no
meio da festa? Isso está muito mal por sua parte.
Maria se sufocou de vergonha. Pelo visto, não dava uma dentro.
—Aos duques não lhes chama «lorde», senhorita Butterfield.
Para consternação de Maria, a correção gentil provinha, nem mais nem menos, da avó de
Oliver.
Quando fixou a vista na anciã, a senhora Plumtree pareceu recordar que devia mostrar-se
implacável e endureceu o tom de sua voz.
—Aos duques lhes chama «Sua Muito excelente Senhoria». Nunca «lorde» nem tampouco
se pode antepor «senhor» ao título, já que tradicionalmente, apenas a servidão se dirige a
eles dessa forma: «senhor duque», «senhora duquesa».
—Obrigada. — Maria elevou o queixo com petulância — Há algo mais que deva saber,
antes que faça o ridículo diante de todo mundo, amanhã à noite?
—Fará tudo muito bem, estou segura — a animou Minerva com um sorriso, cheio de
otimismo — Todo mundo estará tão ocupado no sorteio que ninguém se fixará em se
equivocar em algum tratamento de cortesia. Não é, Jarret?
—Ao menos, tentarei não me equivocar. Passou tanto tempo desde a última vez que fui a
uma festa... E ainda por cima, a uma festa de São Valentin! Tinha esquecido o do sorteio. Há
alguma forma de não tirar o nome de alguma senhorita amargurada que mostre um claro
interesse em me reformar? A sorte sempre parece me abandonar nessas situações.
—Assim, aqui também fazem esses sorteios? — interessou-se Maria. — Nos Estados
Unidos, a tradição é que os cavalheiros solteiros escolham um cartão com o nome de uma
dama solteira que se converterá em seu par esse ano.

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—Pois, na Inglaterra, fazemos o mesmo — interveio Celia — bem os Foxmoor integram o
sorteio em sua festa como um entretenimento mais, quando um homem tira o nome de uma
mulher, isso lhe outorga o direito a dançar com ela a última valsa da festa e a sentar-se a seu
lado no jantar que se serve depois.
—Ao menos, é ao final do dia — apontou Freddy — Não haverá um montão de mulheres
perambulando por aí com os olhos fechados chocando-se contra qualquer objeto.
—Freddy! — Admoestou-o Maria em voz baixa — estou segura de que os ingleses não
fazem essa estupidez; provavelmente, seja somente um costume americano.
—De fato, também é um costume aqui — alegou Minerva — ainda há muita gente que
segue essa superstição. Não tem sentido, é óbvio, isso de que a primeira pessoa que uma
garota veja no dia de São Valentim se converta no homem de sua vida, mas não se pode
convencer determinadas pessoas de que é uma simples tolice.
Jarret assentiu.
—Certamente, amanhã pela manhã, todos veremos uma ou duas criadas cobrindo os
olhos com as mãos por medo de ver o homem equivocado antes da sua metade da laranja —
Fez um gesto para Gabe — Este brincalhão desfruta lhes pedindo que recolham algo do chão,
apenas para ver se são capazes de fazer isso com os olhos fechados.
—Está-lhes bem por ser tão insensatas para deixar-se arrastar por essa ridícula superstição
— se gabou a senhora Plumtree — Nunca permiti que nenhuma de minhas criadas fizesse
isso. É um atentado à inteligência.
—Pois me parece uma ideia muito romântica — comentou Celia com expressão risonha —
deixar que o destino escolha o homem de sua vida. As estrelas confabulam, e, de repente, se
encontra com o homem de seus sonhos.
—Ou com o homem de seus pesadelos — espetou Maria pensando em como o destino a
uniu a Oliver uma semana antes — O destino pode ser muito traidor, em minha opinião. Não
confiaria meu futuro ao destino.
Minerva a observou por cima de sua taça de vinho.
—Provavelmente, seja um bom conselho.

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Aquilo acendeu um debate entre os irmãos Sharpe sobre o amor e o casamento e de quão
difícil era encontrar par nos círculos da alta sociedade. A julgar pelos constantes olhares
furtivos que lançavam a sua avó, Maria adivinhou que a discussão tinha por objetivo fazer
refletir à senhora Plumtree. Perguntou-se se a anciã se dava conta. Aquela noite parecia
distraída, provavelmente pela mesma razão pela que estava Maria.
Oliver e seu ditoso afã por divertir-se.
Logo acabaram de jantar e Maria considerou que era aceitável retirar-se, desculpou-se e
subiu para seu quarto. Devia escapar deles para estar sozinha com seus pensamentos. Mas
antes que pudesse chegar a seu quarto, Freddy se aproximou por trás.
Ela se deteve e o olhou.
—O que acontece?
Seu primo parecia preocupado, uma atitude incomum nele depois de encher a barriga com
um jantar tão delicioso.
—Está triste porque me escapou isso de que lorde Stoneville foi a um bordel, não é?
—E por que ia estar triste? Está em todo seu direito de ir aonde queira.
—Mas me equivoquei — protestou — Foi ao clube jogar cartas. Lorde Jarret disse isso.
Maria arqueou uma sobrancelha.
—Lorde Jarret é capaz de dizer qualquer coisa a fim de ocultar de sua avó os pequenos
pecados de seu irmão, mas não tem de desculpar-se comigo. Já sei como é lorde Stoneville.
Quando ela fez ameaça de empreender a marcha e afastar-se, Freddy colocou a mão sobre
seu braço.
—Sinto muito, Grenhita. Estraguei tudo. Não queria ferir seus sentimentos.
—E não o fez, de verdade, estou bem. — A Maria sentiu um nó na garganta — Ambos
sabemos que lorde Stoneville me vê apenas como um meio para alcançar o fim que propôs.
—Isso não é verdade! — replicou Freddy visivelmente afetado — Vi como a olha. É como
estou acostumado a olhar a última parte de bacon frita que fica na bandeja. Gosta.
—Não seja ridículo!
—E você também gosta.

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Maria bufou cansada.
—Eu gosto de Nathan.
—Mas se o senhor Pinter não encontra Nathan...
—Então retornaremos aos Estados Unidos e esperaremos que Nathan não tarde muito em
voltar.
—Poderia se casar com lorde Stoneville — sugeriu Freddy.
Maria deu uma gargalhada histérica. Não, não podia, embora Oliver quisesse, mas de nada
serviria explicar isso a Freddy.
—Não acredito que um homem que vá correndo a um bordel à primeira oportunidade
possa ser um bom marido.
Freddy deixou cair os ombros.
—Não, suponho que não.
—Por que não vai com os cavalheiros desfrutar da sobremesa? Prometo que estou bem,
tão fresca como uma rosa.
Freddy assentiu com expressão de alívio, e depois, desceu as escadas trotando até o
vestíbulo.
Maria o viu afastar-se com o coração compungido.
«E você também gosta», lhe disse seu primo, e era certo. Mas isso não podia seguir assim.
Maria não era tão insensata para perder a cabeça por um homem capaz de beijá-la
apaixonadamente e, ao minuto seguinte ir a um bordel.
Não, não; por mais que lhe partisse o coração ao saber o muito que ele tinha sofrido.

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CAPÍTULO 16

Oliver se achava sentado em sua poltrona habitual bebendo brandy, enquanto uma
sucessão das prostitutas de Polly desfilava diante dele. Sentia...
Nada, não sentia nada. Nenhuma delas conseguia excitá-lo. Seu membro estava
completamente flácido, o que apenas acrescentava uma nota de amargura a seu péssimo
estado de ânimo.
Desde quando as prostitutas de Polly pareciam tão... Tristes? A madame fez todo o
possível para agradá-lo, lhe oferecendo uma boa variedade de garotas para despertar seu
interesse. Entretanto, suas enjoativas palavras, seus corpos luxuriosos e seus gestos eróticos
não lhe causavam nenhum efeito. Pela primeira vez detectou a falsidade em seus sorrisos, o
aborrecimento que tentavam mascarar a todo custo.
Pior ainda, não podia deixar de compará-las com Maria. Seu sorriso jamais era falso.
Custava-lhe sorrir, mas quando Oliver conseguia lhe arrancar um desses esplendorosos
sorrisos, sentia-se como se obtivesse um grande triunfo, precisamente porque era um sorriso
genuíno, porque ela o dava de presente de todo coração.
Que triunfo supunha ganhar o sorriso de uma prostituta, quando era evidente que o único
que lhe interessava era o conteúdo de seu moedeiro?
Jamais albergou a esperança de que elas fossem oferecer deitar-se com ele sem dinheiro,
mas normalmente, podia manter a ilusão tempo suficiente para perder-se em suas carnes.
Afundado em sua própria miséria, habitualmente não prestava atenção a esses corpos.
Agora era quão único podia ver. Pelo visto, em questão de duas semanas deixaram de ser
as companheiras ideais em seus avessos jogos a ser mulheres normais e comuns que levavam
uma vida muito dura em que apenas sobreviviam satisfazendo as necessidades carnais dos
homens. Como as dele.

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«Atuar segundo a disciplina e a moral requer muita força de vontade. Para ser um canalha,
em troca, não se requer nenhum esforço; simplesmente tem de fazer todas as concessões
imagináveis aos desejos e aos impulsos, sem se importar se são imorais ou se podem ferir
alguém.»
Bebeu o resto do brandy com a vã esperança de que o forte licor purgasse as palavras de
Maria em sua mente. O que sabia ela sobre essas questões! E o que lhe importava o que ela
pudesse pensar? Não era de sua incumbência como decidia esquecer seus problemas. Ele
pagava com dinheiro todos seus prazeres, maldita fosse, e ainda por cima, pagava
generosamente!
Enquanto sua propriedade estava em um estado deplorável, enquanto seus lavradores
trabalhavam os campos do amanhecer até o anoitecer; enquanto seus criados dependiam
dele para sobreviver, e seus irmãos depositavam toda sua confiança nele para que os salvasse.
Oliver sentiu um calafrio nas costas que nem o brandy foi capaz de aliviar.
—Milord — disse Polly sentando-se nos braços da poltrona que ele ocupava e lhe
oferecendo um sorriso libidinoso — Possivelmente necessita de algo mais fresco e doce para
tentar seus gostos. — Não era a primeira ocasião em que lhe oferecia uma virgem. Oliver
sempre rechaçou a proposta com educação, mas com firmeza, já que não lhe interessava essa
desagradável parte do negócio: garotas provincianas recém chegadas à cidade com vontade
de ver mundo, que de repente, se viam enroladas e obrigadas a prostituir-se por culpa de
mulheres ardilosas como Polly. Desta vez, a simples ideia lhe revolveu o estômago. Imaginou
Maria vendo-se, de repente, implicada em uma situação semelhante sem ter culpa — às
vezes, a linha entre uma mulher respeitável e uma mulher perdida podia ser muito fina. Ele
sabia melhor que ninguém. Inclusive imaginou suas irmãs no mesmo apuro. «Se alguém se
atrevesse a aproveitar-se dela».
—Não — respondeu asperamente ao tempo em que ficava de pé com uma rude sensação
de enjoo — Por Deus, não.
Abandonou o bordel cambaleando até alcançar a rua.

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Era o brandy, seguro esse maldito brandy barato misturado com seu lamentável estado de
ânimo, que não lhe permitia encontrar prazer em suas habituais correrias noturnas.
Maldição e mil vezes maldição! Encontraria prazer, embora isso acabasse por matá-lo!
Havia outros lugares aos que podia ir, lugares menos sórdidos. Sim, isso era o que precisava.
Chegou à ópera justo quando a última sessão tocava a seu fim. Seguiu diretamente para os
camarins, onde meia dúzia de bailarinas estava entretendo seus admiradores. Eram garotas
engraçadas, sempre com vontade de divertir-se, de sair para desfrutar da noite na cidade. Isso
era precisamente o que Oliver precisava: companhia feminina com vontade de divertir-se.
Entretanto, depois de dez minutos de suportar seus flertes, já tinha mais que suficiente.
Não podia tirar da cabeça a ideia de que qualquer homem podia satisfazê-las, e que se caísse
morto nesse mesmo instante, fulminado diante delas, chorariam sua morte com uma taça na
mão, sem deixar de menear o traseiro, e à semana seguinte, já teriam se esquecido dele.
De repente, isso não lhe parecia suficiente. A reflexão lhe gelou o sangue. Começou a suar
de forma exagerada repentinamente, com um suor frio, e partiu a um botequim, logo a um
clube, e depois a uma festa a qual lhe arrastou um de seus amigões do clube, onde as
mulheres aproveitadoras estavam satisfeitas com os rufiões que as mantinham. Mas aquela
visão só o incitou a beber mais, e ao final, acabou sentindo-se fatal, com vontade de vomitar.
Não havia maneira. Maria o infectou com sua ditosa moralidade. Teria de purgá-la de sua
mente e de seu corpo antes que pudesse reatar suas correrias habituais.
Embora não sabia se seria capaz. Não conseguiu escapar desse pensamento quando
ordenou que avisassem seu chofer para que o levasse de volta a casa.
Casa? Halstead Hall não era sua casa! Isso era o que acontecia por deixar-se apanhar pela
rede de uma jovem virginal. Começava-se a fazer planos sobre o futuro, permitindo que o
peso da responsabilidade afetasse seus atos; começava-se a ter esperanças em relação ao
impossível; começava-se a pensar que possivelmente poderia...
Oliver bufou aborrecido enquanto se acomodava na banqueta da carruagem. Aquela
obsessão com ela o estava desenquadrando. Passou toda a noite na cidade sem conseguir que

192
seu membro reagisse nem um segundo e sem poder afundá-lo dentro de uma prostituta
disposta a tudo; sem sequer sentir desejo de fazê-lo. Que loucura!
Entretanto, foi Maria quem infestou sua mente durante todo o trajeto de volta a casa;
Maria e a luz em seus olhos quando lhe disse que não estava condenado; Maria e seus beijos
inocentes e sensuais, que o faziam sentir-se na glória.
Mas ele não queria sentir! Sobreviveu todos aqueles anos sem sentimentos. Agora todos
os sentimentos que manteve presos em seu coração estavam se esparramando sem remédio
por mais que sua intenção fosse mantê-los trancados sob chave.
Logo que chegou a Halstead Hall atravessou os pátios empedrados até alcançar a escada
que conduzia ao andar onde ela se alojava. Deteve-se um momento, inseguro, até que sua
obsessão por vê-la o estava matando. Iria atrever-se a tentá-lo, apesar da hora?
O dilema se resolveu quando ouviu vozes masculinas provenientes da planta superior.
Seus irmãos estavam lá em cima?
Parcialmente ébrio, subiu as escadas e avistou seus irmãos ajeitados em um par de
cadeiras junto à porta de Maria. Gabe sustentava um ramo de violetas na mão enquanto que
Jarret tinha um pergaminho enrolado na sua.
—Pode-se saber o que fazem um par de descarados como vocês aqui a estas horas da
noite? — rugiu.
—Está a ponto de amanhecer — respondeu Gabe com ironia — assim não é correto dizer
que é de noite, embora suponha que em seu estado de embriaguez nem percebeu.
Oliver deu um passo para eles com cara de poucos amigos.
—De todos os modos, você jamais desperta tão cedo.
Gabe olhou Jarret.
—É evidente que nosso pobre irmãozinho mais velho não recorda que dia é hoje.
—Parece-me que tem razão — respondeu Jarret com um tom condescendente.
Oliver olhou os dois com o cenho franzido ao tempo em que tentava achar um sentido ao
que acabava de ouvir. Quando compreendeu, bufou com chateio. São Valentim, é claro! Sua
bebedeira passou de repente.

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—Isso não explica que diabos fazem aqui plantados junto à porta de Maria.
Jarret lhe lançou um olhar incisivo enquanto ficava de pé.
—E o que lhe importa? Foi à cidade em busca de diversão, por isso, deduzo que está nos
deixando a via livre.
—Assim que os dois pretendem interferir, né? — espetou ele.
—E por que não? — Gabe se levantou e o desafiou com uns olhos perigosos — Já que seu
plano para conseguir que a avó volte atrás não está funcionando, isso significa que não ficará
mais remédio que nos casar com alguém, assim, por que não tentar com a senhorita
Butterfield? É uma rica herdeira, e, além disso, é uma garota muito agradável se por acaso não
percebeu. Se é tão estúpido para renunciar a ela por um punhado de putas e bailarinas, nós
ocuparemos seu posto com muito prazer. Ao menos, nós sabemos apreciar suas deliciosas
qualidades.
Só de pensar que seus irmãos pudessem sentir o mínimo interesse por Maria lhe acendia o
sangue.
—Em primeiro lugar, não renunciei a ela; em segundo lugar, em nenhum momento disse
que lhes deixava a via livre. E certamente, não penso em cedê-la a um par de caça-fortunas
como vocês.
O som de uns passos provenientes das escadas de serviço fez com que os três se
voltassem nessa direção. Betty avançou devagar para eles com uma mão sobre a frente para
cobrir os olhos.
Foi então que Oliver compreendeu o que seus irmãos faziam ali. Seus irmãos estavam ali
por essa estúpida superstição de que o coração de uma donzela ganhava o primeiro homem
no que ela colocasse os olhos no dia de São Valentim.
—Bom dia, cavalheiros — murmurou Betty enquanto se aproximava procurando não olhar
para nenhum deles no rosto.
Um sorrisinho obstinado iluminou o rosto de Gabe.
—Betty, segure! — gritou e lhe lançou uma violeta.
Ela nem moveu um dedo para deter o suave impacto da flor que caiu a seus pés.

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—Espero que me desculpem, mas minha senhora precisa de meus serviços — grunhiu com
tom cortante, logo suspirou com altivez, entrou na estadia de Maria e fechou a porta atrás
dela com uma sonora portada.
—Isso não esteve bem. — Jarret repreendeu Gabe — Sabe perfeitamente bem que Betty e
John estão apaixonados!
—Não é culpa minha que John não tenha aparecido esta manhã antes de mim para que
ela o visse primeiro — replicou Gabe ao tempo em que encolhia os ombros.
—John não pôde fazê-lo, porque estava comigo — ladrou Oliver.
Seus irmãos se viraram e o olharam de novo.
—Ah, no bordel — espetou Jarret com desprezo — Já sabemos, não se preocupe, e ela
também sabe. —Com olhos beligerantes fez um sinal com a cabeça para a porta de Maria.
Uma fúria incontrolável se apoderou de Oliver. Certamente que ela se inteirou de sua
noite na cidade! Os criados mostravam sempre uma aborrecível tendência a falar mais da
conta, e ele foi tão insensato para voltar a ignorar esse matiz. Mas se sentiu tão desesperado
para escapar daquele lugar...
Agora ela o desprezaria ainda mais.
Oliver bufou. De acordo, teria que superar esse contratempo. E estava disposto a fazê-lo.
Não pensava em permitir que seus irmãos se intrometessem e a assustassem. Ele descobriu
Maria! Ele a levou a Halstead Hall e lhe comprou vestidos, e eles não iam desfrutar dos
benefícios de seu esforço. Retorcia-lhe o estômago só de penar nisso.
Sem poder remediá-lo, soltou um grunhido. Já estava outra vez igual, consumido pelo
ciúmes. Era como uma doença venérea que o consumia dia e noite. Havia somente uma forma
de curar-se: deitar-se com ela.
Sim, essa era a resposta. Quando encontrasse a quietude entre seus braços, sua obsessão
certamente desapareceria, e de novo poderia voltar a ser ele mesmo, poderia voltar para sua
vida normal, sem pensar nas consequências de seu comportamento.
Isso era o que devia fazer: caçar ali onde lhe ardia, por mais que sua maldita família
tentasse intrometer-se.

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Já estava farto de seus joguinhos. Tinha-lhes permitido jogar com absoluta impunidade,
levá-la aonde eles desejavam, mas acabou. Ela era dele, somente dele! Quão único tinha de
fazer era convencê-la dessa grande verdade, e se isso significava aceitar uma estúpida
superstição do dia de São Valentim, estava disposto a fazê-lo. Ao inferno com sua família!
—Acabou — anunciou — Vocês dois estão desfrutando muito às minhas custas, mas
acabou.
Com um sorrisinho malicioso Jarret olhou para Gabe.
—Não sei a que se refere. Você sabe?
—Não tenho ideia — replicou Gabe.
—Então possivelmente, será melhor que lhes faça uma demonstração. — Oliver arrebatou
as violetas da mão de Gabe e, em seguida bateu na porta de Maria plantando-se em frente a
ela, antes que seus irmãos tivessem tempo de reagir. Depois de um segundo, a porta se abriu
e ela pestanejou desconcertada.
—Oliver! Pode-se saber o que está fazendo aqui?
Ele não conseguiu dizer nada. Maria levava uma bata branca de algodão sobre uma
camisola de linho, ambos fechados até o queixo de uma forma tão casta como o hábito de
uma monja, entretanto, a visão de Maria com aquele traje conseguiu excitá-lo como nenhuma
das garotas de Polly conseguiu. Quão único desejava era encerrar-se em sua estadia e deitar
com ela até lhe fazer perder o sentido.
Em vez disso, ofereceu-lhe o ramo de violetas.
—É para você. Feliz dia de São Valentim.
Os olhos azuis de Maria adotaram um brilho glacial.
—Dê as flores para suas amigas no bordel; eu não as quero.
—Por favor, Maria! Deixa que lhe explique isso!
—Não me deve nenhuma explicação. — Desviando a vista para Betty, que lhes dava as
costas, mas que estava escutando com ávido interesse, murmurou — Depois de tudo, não sou
mais que sua falsa prometida, assim, se me desculpa...

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—Não! — Se ele não se fixasse no brilho das lágrimas em seus olhos, possivelmente, teria
jogado a toalha, mas seria um verdadeiro idiota se o fazia.
Tinha-a ferido, Oliver jurou que jamais feriria nenhuma mulher, e essa era a razão pela que
não desejava iniciar uma relação formal com ninguém. Se se apaixonasse por uma mulher,
sabia que cairia rendido a seus pés, antes de ser capaz de lhe mostrar sua face mais
desagradável.
E, entretanto, feriu precisamente a mulher que menos desejava fazer mal. Nesse
momento daria tudo, faria o que fosse, com tal de apagar a expressão ferida de seu rosto.
—Sou o primeiro homem que viu hoje — assinalou — assim, oficialmente sou seu São
Valentim.
Maria soltou uma sonora gargalhada.
—Por essa estúpida superstição? Não estou de acordo.
—Porque quero sê-lo — pronunciou ele em voz baixa — e porque você também quer que
o seja.
Ela o crivou um olhar letal.
—De verdade acredita que iria querer um mulherengo bêbado recém saído da cama de
uma prostituta? Nem que fosse o único homem em toda a face da Terra!
Maria lhe fechou a porta no nariz.
Seus irmãos puseram-se a rir, mas ele não fez conta. Não podia culpá-la por estar tão
zangada; deu-lhe uma boa razão para isso.
Entretanto, isso não mudava as coisas. Seria um verdadeiro imbecil se a deixasse escapar.
Cedo ou tarde, Maria Butterfield seria dele. De uma forma ou outra, ela se deitaria com ele.

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CAPÍTULO 17

Maria conseguiu evitar Oliver durante virtualmente todo o dia de São Valentim. Não lhe
resultou difícil, já que ele passou a metade do dia dormindo para se recuperar, algo com o que
ela nem se importava. Aprendeu a lição, certamente. Nem o espetacular buquê de flores que
enviou a seus aposentos ao meio dia mudava nada.
Agora que estava se vestindo para a festa daquela noite, sentia-se orgulhosa por ser
capaz de pensar nele apenas meia dúzia de vezes. «Por hora», acrescentou sua consciência.
—Bom, já está, esta é a última — disse Betty, enquanto cravava outra pluma de avestruz
no elaborado penteado de sua senhora.
Segundo Celia, a última moda aquele ano era levar um montão de plumas pendurando da
cabeça de forma deprimida. Maria esperava que as suas não decidissem acabar repousando
no chão. Betty parecia ter usado um sortilégio mágico para mantê-las em seu lugar, e Maria
não estava segura se permaneceriam impecáveis.
—Está preciosa, senhorita — acrescentou Betty.
—Pois tudo é graças a seu esforço — a adulou Maria.
Betty afundou a cabeça para ocultar seu rubor.
—Obrigada, senhorita.
Era incrível a diferença no comportamento da criada, desde que Maria aceitou o conselho
de Oliver e deixou que a garota se encarregasse de tudo o que ela precisava, desde ordenar
seu quarto até qualquer outra atividade que Maria se sentiria plenamente feliz de fazer. Mas
Oliver tinha razão: Betty resplandecia com orgulho. Maria desejou saber antes como tratar a
todos, mas como ia imaginar que os ingleses gostavam tanto ser tão servis? Isso
desconcertava sua mente democrática americana.
Sem deixar de admirar o vistoso traje de cetim de cor marfim que sua senhora vestia,
Betty disse:

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—Seguro que lorde Stoneville engolirá a língua, quando a vir esta noite.
—Se o fizer, espero que se engasgue — murmurou Maria.
Com um olhar travesso, Betty lhe colocou bem o tule branco drapeado que lhe cruzava o
busto e que ia atado no centro com um broche de cor dourada.
—John disse que ontem à noite lorde Stoneville não tocou em nenhuma das prostitutas no
bordel. Disse que o senhor rechaçou todas as mulheres que a proprietária do local lhe
mostrou.
—Não sei por que, mas me custa acreditar.
Sem lhe dar atenção, Betty continuou com sua campanha a favor de salvar a duvidosa
honra de seu senhor:
—Depois, lorde Stoneville foi à ópera e também saiu sem nenhuma bailarina pendurada
do braço. John disse que nunca fez isso antes.
Maria esboçou uma careta de chateio, embora uma parte dela ansiasse
desesperadamente acreditar que isso era verdade; uma diminuta parte dela, que Maria queria
esbofetear por ser tão iludida.
Betty poliu o broche com a ponta da manga.
—John disse que se embebedou até perder o conhecimento, e que depois retornou à casa
sem ter recebido nem um só beijo de nenhuma mulher. John disse...
—John está inventando todas essas mentiras para desculpar as ações de seu senhor.
—Oh, não, senhorita! John nunca mente! E lhe posso prometer que o senhor nunca voltou
para casa tão cedo como hoje, e certamente, sem... Quero dizer, na casa que tinha em Acton,
estava acostumado a levar uma ou duas prostitutas para... Bom, já me entende.
—Que o ajudassem a engasgar-se com sua própria língua? — espetou Maria enquanto
pegava o leque.
Betty soltou uma gargalhada.
—Isso seria divertido, não? Duas mulheres tentando afogá-lo com sua própria língua.
—Pois eu estaria disposta a lhes pagar uma boa soma de dinheiro para fazê-lo. — Com um
suspiro, Maria se voltou para a porta — Unicamente, decidiu não trazer nenhuma prostituta

199
aqui por respeito a suas irmãs e sua avó. Em Acton, vivia em sua casa de solteiro, aqui é
diferente.
Betty adotou um semblante triste.
—Suponho que tenha razão.
—Mas obrigada por tentar me animar — disse Maria com suavidade — Você me trata
muito bem, e lhe agradeço por isso.
O rosto da criada se iluminou. A verdade é que não era preciso esforçar-se muito para
fazer Betty feliz.
Maria se dirigiu para a escada aliviada ao ver que os outros já se adiantaram e estavam
reunidos no vestíbulo; desse modo, não teria se ficar a sós com Oliver. Se os criados tinham
decidido desculpá-lo, já podia imaginar as desculpas que lhe daria ele. Ou, pior ainda, as
desculpas que não lhe daria. Sabia que não podia lhe exigir nada. E o que, se ele decidisse ir a
um bordel! Não era assunto dela.
Só deveria culpar a si mesma, por sentir que sim que era de sua incumbência.
Oliver elevou a vista e seguiu sua descida pela escadaria com um olhar ardente e intenso
que lhe abrasava o corpo. Que Deus tivesse piedade dela! Estava esplêndido; muito arrumado
para seu próprio bem. Aquela mescla de pecado e de sofisticação incitaria qualquer mulher a
desejar afundar-se com ele em qualquer tipo de degradação, custasse o que custasse possuí-
lo.
Oliver levava uma larga capa de lã azul escuro em cima de um elegante traje de noite
negro, o que outorgava a seu cabelo um atrativo brilho azulado sob a luz das velas. Seus dedos
largos e finos estavam cobertos com luvas brancas de seda, esses mesmos dedos que lhe
acariciaram a bochecha... Minha virgem! E isso aconteceu apenas no dia anterior? Tinha a
impressão de que transcorreu uma eternidade. Não podia deixar de pensar com que ternura
lhe afastou a mecha da fronte.
Maria franziu o cenho ante aquela lembrança traidora. Não se estranhava que as mulheres
caíssem rendidas aos seus pés! Como não iriam, quando ele agia desse modo? E quando ele a

200
olhava da forma como estava fazendo agora, com uma sede que não se preocupava em
ocultar nem diante de sua antipática avó, estava a um passo de deixá-la sem fôlego.
Maldito fosse! Não ia ficar sem fôlego, nem perder seu coração nem nada parecido por
ele! Não depois do que fez a noite anterior.
Oliver se aproximou com um sorriso.
—Um traje tão espetacular merece um complemento a jogo.
Em seguida, tirou uma caixa de veludo e a abriu, lhe mostrando uma gargantilha de
pérolas com um impressionante diamante no centro.
—Parece estar feito expressamente para este vestido — comentou ele ao tempo em que
lhe oferecia a caixa — Era de minha mãe.
Ela olhou para seus irmãos, que ficaram todos com a boca aberta de puro assombro.
Parecia que à senhora Plumtree ia ter uma síncope de um momento a outro.
Maria balbuciou:
—Não acredito que seja adequado...
—É minha prometida. Ninguém considerará inapropriado que lhe dê um presente.
Um presente? Por todos os Santos! Pensava que apenas era um empréstimo para a festa!
—É excessivamente caro. — «Além disso, apenas está fazendo este gesto para que me
esqueça de ontem à noite», disse para si.
—Não acha que já o teria vendido, se fosse tão caro?
Nisso tinha razão. Entretanto, seguro que tinha certo valor, e um grande significado
sentimental, o que resultava absurdo, dadas as circunstâncias.
—Seria mais conveniente que o desse de presente a Minerva ou a Celia.
—Oh, não, para meu gosto pesa muito — comentou Celia airadamente, recuperando-se
com uma surpreendente velocidade da impressão de ver como seu irmão oferecia o colar de
sua mãe a uma mulher virtualmente desconhecida — Pareceria um frango com uma âncora ao
redor do meu pescoço.
—E eu não gosto das pérolas — atravessou Minerva
Maria olhou Minerva nos olhos.

201
—Não percebe que ele apenas tenta comprar meu perdão por seu... Comportamento
inadmissível?
Oliver ficou rígido, e Minerva lançou a Maria um sorriso obstinado.
—Pois ainda com mais razão tem de aceitá-lo. Meu irmão merece pagar por suas
burradas. Embora isso não signifique que tenha de perdoá-lo.
—Será melhor que não se meta nesse assunto, Minerva — interveio a senhora Plumtree,
com voz fria. Quando todos giraram a vista para olhá-la, a anciã adicionou — Depois de tudo,
são as pérolas de minha filha. Se alguém deve decidir quem as herda, sou eu. Pelo menos a
senhorita Butterfield tem a decência de perceber disso.
Enquanto um incômodo silêncio se instalava no vestíbulo, Maria notou que lhe acendiam
as bochechas de pura vergonha. O severo olhar que a senhora Plumtree estava dedicando a
seu neto indicava que não gostava nada que desse uma relíquia tão apreciada da família a
uma completa desconhecida.
Na semana anterior, Maria teve a impressão de que a senhora Plumtree começava a olhá-
la com certa aceitação, mas era evidente que imaginou.
—Este colar é meu, avó — espetou Oliver. Tirou-o da caixa de veludo, colocou-se atrás de
Maria e o grampeou na nuca — E sou livre de dar de presente à mulher que queira.
—Por favor, Oliver — murmurou Maria, ao sentir o grande peso em seu pescoço — Não
quero causar nenhum problema.
—Não há nenhum problema. — Ele se colocou a seu lado e lhe ofereceu o braço, ao
tempo em que lançava a sua avó um olhar inflexível.
Maria observou à senhora Plumtree de soslaio, mas a mulher não parecia disposta a olhá-
la; obviamente, ainda se sentia afrontada pelo desatinado comportamento de seu neto. De
todos os modos, o que importava o que essa mulher pensasse? Esse gesto não implicava que
Oliver tivesse realmente intenções de casar-se com ela. Se a senhora Plumtree a aborrecia,
então, Oliver tinha mais probabilidades de ganhar sua estratégia, e Maria ficaria livre do pacto
de uma vez por todas.

202
Entretanto, sim, que lhe importava. A verdade era que Maria começou a sentir certa
simpatia pela senhora Plumtree. Não podia dizer por que, exceto que os mordazes
comentários daquela dama coincidiam frequentemente com o que Maria pensava.
Nesse momento, duas carruagens se detiveram em frente à porta principal. Freddy
anunciou que desejava ir no primeiro com Jarret e Gabe, que começou a idolatrar, e Celia
disse que também queria ir na primeira carruagem. A jovenzinha sempre parecia mais cômoda
em companhia de homens que de mulheres.
Enquanto Freddy entrava na carruagem, Maria não pôde evitar lhe dar um pequeno
conselho.
—Recorda-o bem, Freddy, note a forma que se comportam os cavalheiros na festa; é
provável que aqui haja algumas coisas distintas que nos Estados Unidos.
Freddy elevou o queixo em atitude beligerante.
—Não sou um menino, Grenhita. Já sei como tenho que me comportar em público.
A primeira carruagem partiu, e Oliver, Minerva, Maria e a senhora Plumtree se
prepararam para entrar no seguinte, Oliver o deu uns tapinhas na mão de Maria.
—Freddy não fará nada indevido, já verá. Eu me assegurarei disso — a reconfortou com
sua voz tão doce como o mel.
Enquanto Oliver oferecia a mão a sua avó para ajudá-la a subir, Minerva soltou uma
gargalhada.
Oliver arqueou uma sobrancelha e ofereceu também a mão a Maria para ajudá-la a entrar,
ao tempo que perguntava:
—Parece que achou muito engraçado, Minerva.
—Sim, claro, sobretudo tendo em conta as confusões que você, Foxmoor e os outros
estavam acostumados a montar quando tinham a idade do senhor Dunse. Não acha divertido?
Era a primeira vez que um membro da família fazia referência à etapa de juventude de
Oliver, e Maria tentou conter sua curiosidade, mas não pôde.
—Suponho que Oliver sempre devia andar metido em encrencas, não é?
Oliver ajudou Minerva a subir, logo ele entrou e se sentou junto a sua irmã.

203
—Tampouco é que fôssemos tão maus — se defendeu ele.
—Não lhe faça caso — declarou Minerva com um brilho zombador nos olhos — Uma tarde
aborrecida, ele e seus amigos se apresentaram em uma festa vestidos com os uniformes dos
lacaios. Beberam todo o licor, flertaram com damas mais velhas, até que conseguiram
ruborizar a todas, e começaram a criticar a viva voz o entretenimento. Quando a senhora da
casa descobriu o engano e os rodeou com um grupo de homens fornidos com a intenção de
jogá-los à rua, eles roubaram um pequeno cupido que a senhora tinha no jardim e lhe
enviaram uma nota em que lhe pediam uma recompensa, se queria voltar a vê-lo.
—Pode-se saber como sabe isso? — exclamou Oliver surpreso — Você tinha apenas...
Onze anos?
—Doze — o corrigiu Minerva — Recordo que os criados da avó não paravam de falar disso.
Entendi que provocaram um bom revoo entre a alta sociedade. O que é o que pediram de
recompensa? Um beijo para cada um de vocês por parte da filha da senhora?
Um leve sorriso se perfilou nos lábios de Oliver.
—E ela jamais pagou. Pelo visto, seus pretendentes tomaram cartas no assunto, e seus
pais também.
—Céus! — exclamou Maria.
—Agora que me lembro, acredito que Kirkwood ainda guarda o Cupido em algum lugar.
Perguntarei a ele.
—É um bagunceiro como Freddy e o resto de meus primos — o repreendeu Maria — Eles
ensaboaram todas as janelas da carruagem do prefeito precisamente no dia em que se
supunha que tinha que encabeçar uma procissão que ia percorrer Dartmouth. Deveriam ter
visto como ficou o prefeito depois, quando descobriu o que aconteceu.
—Era um pomposo idiota? —interessou-se Oliver.
—Um libertino. Tentou roubar um beijo de minha tia. E isso que ele também era um
homem casado!
—Então, espero que lhe pusessem algo mais que sabão nas janelas — sentenciou Oliver.
O comentário pegou Maria de surpresa.

204
—E você, é obvio, nenhuma vez beijou uma mulher casada?
—Não, a não ser que alguma tenha me pedido que a beije — repôs com uma estranha
tensão em sua voz — Mas não estávamos falando de mim; estávamos falando do ruim
prefeito de Dartmouth. O vandalismo de lhe cobrir as janelas com sabão lhe serviu de lição?
—Não, mas o presente que lhe deixaram na carruagem, sim. Obtiveram-no da vaca mais
velha do povo.
Oliver e Minerva puseram-se a rir. A senhora Plumtree, não. A anciã estava tão calada
como uma morta ao lado de Maria. Era evidente que aquela conversa a escandalizava.
—Por que os meninos sempre sentem a necessidade de fazer vandalismos? — quis saber
Minerva.
—Porque sabem que isso nos exaspera — sugeriu Maria.
—Não sei como é possível que Oliver se tornasse tão irresponsável. — A senhora Plumtree
surpreendeu a todos rompendo o silêncio com aquele comentário — Quando tinha quatorze
anos, era todo um cavalheiro: saía para cavalgar com seu pai para visitar os agricultores,
passava horas com o contador aprendendo a quadrar os balanços das contas...
—Não era tão perfeito, avó — resmungou Oliver — Também tinha meus defeitos.
—Nenhum que fosse realmente abominável, até que seus pais...
—Acaso não recorda os problemas que tive no colégio em Eton antes disso? —provocou-a
Oliver.
—Ora! Sandices! Joguinhos de pirralhos depois de que travou amizade com essa banda de
moleques. Quando retornou a casa para passar as férias, comportou-se como um filho
obediente, digno de ser o futuro herdeiro de uma grande propriedade. Dedicou-se a seus
estudos e procurou ajudar nos trabalhos de melhoria da casa. Foi um jovenzinho responsável.
—Não tem ideia de como era em realidade — replicou com irritação — Nunca soube.
As duras palavras ressonaram na carruagem. Maria notou que a senhora Plumtree ficava
mais rígida ao seu lado e sentiu pena por ela. Por mais que a avó de Oliver abusasse
conscientemente de seu poder e que tivesse algumas ideias draconianas sobre como deviam

205
desenvolver as vidas de seus netos, qualquer um podia ver que se preocupava com eles à sua
maneira.
Oliver bufou abatido.
—Perdoe-me — disse com visível tensão — Isso não vem ao caso.
—Nisso tem razão — o repreendeu Maria — Sua avó só estava dizendo coisas boas de
você.
Oliver a olhou sem pestanejar.
—Acredito que se equivoca. Minha avó estava de novo me recordando como falhei com
minha família.
—Se você não gosta de seus comentários, por que não faz algo para deixar de «falhar»
com sua família? — contra-atacou Maria.
—Touché! — exclamou Minerva.
Oliver apertou os dentes e voltou à vista para a janela. Era evidente que nesse momento,
gostaria de estar muito longe de lá. E enquanto se encerrava em si mesmo, Minerva começou
a relatar um grande número de anedotas sobre o Oliver de menino.
Maria não queria encantar-se com essas histórias, mas não pôde evitar. Divertiu-se de boa
vontade com a anedota da vez que caiu no lago de Halstead Hall, enquanto tentava «domar»
os peixes para que saltassem dentro do barco da mesma forma que os indianos domavam as
serpentes para que saíssem de suas cestas. Fez um esforço para não rir, quando Minerva
explicou que, uma vez, Oliver tentou convencer Gabe para que lhe desse sua parte de bolo de
chocolate, com a desculpa de que, possivelmente, estava envenenado, e que, por isso, ele se
oferecia a prová-lo primeiro, no caso de estar.
Mas a história sobre o menino que puxou o cabelo de Minerva, quando ela tinha cinco
anos, e do modo em que Oliver foi em sua ajuda e deu um murro no atacante, conseguiu
enternecê-la, até quase fazê-la chorar. O Oliver que defendeu sua irmã ainda existia, Maria
estava segura, já que de vez em quando o intuía debaixo daquela férrea couraça, assim, aonde
foi o Oliver comprometido com as boas causas? Seus irmãos não pareciam tão ressentidos

206
como ele pelas mortes de seus pais. Devia-se simplesmente a que ele fosse mais velho que os
outros quando aconteceu a tragédia? Ou que acaso havia algo mais que o afligia?
A carruagem diminuiu a marcha, e Maria olhou pela janela. Já tinham chegado à cidade, e
ela nem se deu conta, tão concentrada como estava nas histórias de Minerva. Detiveram-se
atrás de uma fileira de carruagens em um passeio iluminado com luzes de gás cheia de
impressionantes mansões. Devia tratar-se da zona mais luxuosa de Londres.
—Ah — suspirou a senhora Plumtree — virtualmente já chegamos à residência dos
Foxmoor. Deveria haver imaginado que encontraríamos um engarrafamento. — Fixou a vista
em seu neto — Suponho que pensa em escandalizar à alta sociedade anunciando seu
compromisso matrimonial com a senhorita Butterfield esta noite, não?
—É óbvio — respondeu Oliver, com absoluta impassibilidade — A menos que prefira fazê-
lo você, claro. Estarei mais que encantado em lhe ceder o privilégio. Maria e eu nos
limitaremos a assentir e a sorrir enquanto você obtém todo o êxito por conseguir nos casar.
Mais que um convite, Oliver parecia estar desafiando sua avó.
À senhora Plumtree desencaixou a mandíbula, mas não demorou a recuperar a
compostura. Quando voltou a falar, fez com um tom abatido, embora Maria tivesse jurado
distinguir um brilho de vitória nos cansados olhos da dama.
—Sim, possivelmente, será melhor que eu o faça. Quem sabe que tolices você seria capaz
de dizer!
—Perfeito — respondeu ele, embora seus olhos seguissem desafiando-a, como lhe
dizendo: «Vamos ver se se atreve».
Um risinho irônico coroava agora os lábios de Oliver, como se pressagiasse que estava a
ponto de ganhar a partida.
O compartimento da carruagem ficou sumido em um tenso silêncio. Era evidente que
tanto a senhora Plumtree como Oliver estavam esperando que o outro desse o braço a torcer.
Então, a carruagem se deteve em seco diante de uma mansão, e se rompeu o momento de
tensão. Um lacaio se apressou a colocar o estribo e a abrir a porta. Oliver saltou para ajudar às
damas a descer.

207
Quando Oliver tomou a mão de Maria para guiá-la até as escadas frente à entrada, ela
sussurrou:
—Cuidado, está brincando com fogo. É provável que sua avó dita fazer o anúncio oficial.
—Não se atreverá — lhe sussurrou ele — Não conhece minha avó. — Ele lhe deu uns
tapinhas na mão — Jamais fará esse anúncio. Já verá.
Maria observou à senhora Plumtree de soslaio, e lhe encolheu o coração. A mulher tinha
um sorriso enigmático, embora o apagasse de seu rosto no momento em que pegou Maria
olhando-a.
Ui, ui, uuuuuui... Os planos de Oliver não pareciam nada bem.
—Isto... Oliver... — começou a dizer.
—Oliver! Graças a Deus que chegou! — exclamou Celia do alto da escada. Seu rosto
evidenciava uma grande ansiedade — Será melhor que vá resgatar Gabe, antes que cometa
alguma tolice. Chetwin está aqui, e estão a ponto de começar uma briga por culpa dessa
ditosa corrida. Encerraram-se na biblioteca.
—Pelo amor de Deus! Não posso acreditar que Foxmoor tenha convidado esse idiota! —
Oliver acelerou o passo.
Logo que Oliver desapareceu de vista, Celia e Minerva desceram as escadas correndo e
empurraram Maria, enquanto riam como garotinhas travessas.
—Depressa! Antes que volte!
Levaram-na até um canto afastado do vestíbulo, onde as esperavam lorde Gabriel e lorde
Jarret juntos com um grupinho de jovens.
—Lorde Gabriel! — exclamou Maria — Seu irmão acredita que…
—Sim sei. E enquanto não está aqui...
Ele e Jarret lhe apresentaram ao resto dos cavalheiros. Quando Oliver retornou, ela tinha
prometido dançar com todos os amigos de seus dois irmãos.
Oliver franziu o cenho com desconfiança quando viu Gabe no vestíbulo, com porte
impassível. Arqueou uma sobrancelha e olhou para sua irmã.
—Parece engraçado me enganar para que vá em busca de Chetwin?

208
—Confundi-me, isso é tudo — repôs Celia com ar distraído — Enquanto isso, em sua
ausência, dedicamo-nos a apresentar Maria.
—Obrigado por procurar que se sinta cômoda — respondeu ele, sem afastar a vista dos
outros cavalheiros com receio. Logo, ofereceu o braço a Maria — Vamos, quero apresentar
você a nossos anfitriões, antes de lhe tirar para dançar.
—Sinto muito, irmãozinho mais velho — disse Gabe, colocando-se no meio do casal —
mas temo que ela me prometeu sua primeira dança.
Oliver a olhou desconcertado, e depois, seus olhos adotaram um brilho escuro e acusador.
—Não terá sido capaz.
Maria começou a sentir-se culpada, mas então, refletiu. E por que ia sentir-se culpada? Era
ele quem tinha passado a noite em um bordel! Era ele que se obcecou tanto nessa batalha
campal com sua avó que nem se preocupou por lhe pedir que lhe reservasse uma dança. Ele
assumiu que ela estaria ao seu dispor, porque lhe «pagava» por seus serviços. Pois que
aguentasse!
Maria o desafiou elevando o queixo com petulância.
—Você não me pediu isso. Não sabia que queria que lhe dedicasse minha primeira dança.
Oliver franziu o cenho com desconfiança.
—Então, me concederá à segunda.
—Temo que não, porque me prometeu essa — interveio Jarret — Acredito que a senhorita
Butterfield já tem reservado todas suas danças, não é assim, cavalheiros?
O sangue de Oliver ferveu ao ouvir um murmúrio de vozes masculinas, assentindo todas
de uma vez.
—É um corno!
A senhora Plumtree lhe deu um golpe no braço com leque.
—Oliver! Não pode falar assim diante de senhoritas! Estamos em uma festa respeitável!
—Importa-me um nada! Ela é minha promet... — Oliver se conteve bem a tempo — Maria
veio comigo, como mínimo mereço uma dança com ela.

209
—Então possivelmente deveria haver pedido antes que o fizessem outros — atravessou
Celia, com um sorrisinho travesso.
Gabe ofereceu o braço a Maria.
—Vamos senhorita Butterfield — e com ironia repetiu as palavras de seu irmão mais velho
— Quero lhe apresentar nossos anfitriões antes de tirá-la para dançar. — Enquanto ela
aceitava seu braço, Gabe olhou para Oliver e sorriu cruelmente — Será melhor que tente tirar
seu nome no sorteio para a última valsa irmãozinho, porque essa será a única oportunidade
que terá de dançar com ela esta noite.

210
CAPÍTULO 18

—Eu o mato — murmurou Oliver entre dentes, enquanto via como seu irmão se afastava
com Maria pendurada em seu braço. Jarret e o resto dos cavalheiros também seguiram para a
sala de dança com Celia e Minerva, e ele ficou sozinho no vestíbulo com sua avó.
—Nota-se que é americana — comentou a avó, com tom depreciativo — Não sabem como
comportar-se devidamente em nenhum lugar, salvo quando estão em um celeiro de tabaco.
Essa garota não se dá conta de que deveria lhe reservar uma dança. Embora tenha de dizer
que você esbanjou seu tempo em não pedir-lhe antes.
Oliver a fuzilou com o olhar.
—Sou seu prometido.
—Pois a verdade é que não atua como tal. Tendo em conta onde esteve ontem à noite...
As bochechas de Oliver se acenderam.
—Maldita seja, avó...
Ela voltou a lhe dar outro golpe no braço com o leque.
—Não sei onde aprendeu esses maus hábitos, jovenzinho!
—Quer deixar de me bater? — Agarrou-lhe o leque — Juro que às vezes, Maria e você
podem chegar a ser tão abomináveis para empurrar qualquer homem a perder-se na noite.
A senhora Plumtree bufou irada, antes de dar-lhe outro golpe de leque.
—Possivelmente não iria mal se desafogar, mas não de noite a não ser falando com
clareza; desse modo possivelmente, conseguiria aliviar o grande peso de sua alma.
Oliver soltou uma sonora gargalhada.
—Sabe que você e Maria formam um magnífico par? Ela também fala de salvar minha
alma. Alguém deveria lhe dizer que não esbanje o tempo com causas perdidas.

211
—De verdade, acredita que é uma causa perdida? — exortou-o sua avó com tom
conciliador.
As palavras de Maria a respeito de Rockton e seu álter ego, ressonaram em sua mente:
«Ainda existe esperança para ele. A esperança é o último que se perde».
Era tão parecido ao que certamente lhe comentaria sua avó que, sem poder-se conter,
escrutinou-a com curiosidade. Era possível que tivesse suavizado sua antipatia em relação à
Maria?
A avó franziu o cenho.
—Não posso acreditar que tenha dado as pérolas de Prudence a essa cínica.
Oliver relaxou. A avó jamais acharia Maria adequada para ser sua esposa. A verdade era
que inicialmente, sua intenção foi emprestá-las como um acessório para aquela noite. Mas ao
vê-la com aquele vestido, e ao vê-la tão envergonhada ante o trato inadmissível que lhe havia
dispêndio a avó, não pôde conter-se.
«E o que!», disse a si mesmo na defensiva. Que outra forma melhor para convencer à avó
de que ia sério, quando falava de casar-se com Maria? Essa era a única razão pela que lhe deu
o colar.
—Será melhor que vamos saudar os Foxmoor — sugeriu ele — Preciso falar com ele sobre
uma questão. E você tem de falar com sua esposa para preparar o anúncio de nosso
compromisso.
A avó apertou os olhos em um par de frestas.
—Já sabe que não tem de continuar com esta farsa Oliver, poderia acabá-la agora mesmo,
se quisesse.
—Ou você poderia retirar seu ultimato — contra-atacou ele.
—Isso jamais — sentenciou ela.
—Você escolhe. — Olhou-a com ar provocador — Mas se não anunciar nosso
compromisso, farei eu.
Oliver estava muito seguro de que se lhe demonstrasse que não pensava em dar o braço a
torcer, ela jogaria a toalha. Porque, se anunciavam o compromisso diante de todo o mundo, a

212
avó se sentiria obrigada a aceitá-lo para proteger a honra da família, e ela jamais aceitaria uma
americana católica.
Encontraram Foxmoor de pé na entrada da sala de dança recebendo os convidados com a
duquesa, embora se mostrasse mais que disposto a abandonar seu posto uns minutos para
falar a sós com Oliver. Enquanto isso, a avó se aproximou de sua esposa. Oliver sabia que não
estava falando com a duquesa sobre o anúncio de seu compromisso; apenas fingia para lhe
fazer acreditar que, sim, que pensava em fazê-lo.
—Como é que decidiu vir? — interessou-se Foxmoor — Se não recordar mal, o ano
passado prometeu que a única forma de que o víssemos de novo em uma festa de São
Valentim seria dentro de um ataúde. — O duque deu uma olhada por cima do ombro de seu
amigo — E bem, onde está esse famoso ataúde?
—Pode rir de mim tudo o que queira, enquanto me faça um favor: preciso que me ajude a
forjar o sorteio.
Foxmoor franziu o olhar.
—Se acredita que o deixarei usar a festa preferida de minha esposa para fazer uma
brincadeira com um de seus desventurados irmãos...
—Não se trata de uma brincadeira. Quero forjá-lo para que uma garota dance a valsa
comigo.
Foxmoor levou a mão teatralmente ao peito e retrocedeu um passo.
—Você? Você quer dançar com uma mulher solteira? — Escrutinou-o com ávido interesse
— Sabe que as únicas mulheres que participam do sorteio são jovens damas solteiras e sem
compromisso?
Oliver apertou os dentes.
—Sou plenamente consciente disso.
—E, entretanto, quer dançar com uma delas. — Foxmoor se pôs a rir histericamente.
—Oh, pelo amor de Deus! Pode fazê-lo ou não?

213
—Claro que sim — respondeu seu amigo alegremente — Seus desejos são ordens. E
enquanto o faço, pescarei a lua no céu para lhe servir em bandeja durante seu jantar
romântico e procurarei que as estrelas iluminem seu caminho.
—Maldito seja, falo sério! Preciso dançar com ela, de acordo? É importante.
—Então, por que não vai e o pede?
—Já pedi, mas meus irmãos fizeram uma sacanagem comigo. — passou os dedos pelo
cabelo distraidamente — Quando finalmente pude falar com ela, eles convenceram todos os
seus amigos para que lhe pedissem uma dança.
—Há, há... Refere-se a essa jovenzinha tão bonita que Gabe apresentou a Louisa e a mim?
A senhorita... Butter algo? A que se aloja em Halstead Hall?
—A mesma.
Foxmoor o olhou com o cenho franzido.
—Agora entendo por que quer dançar com ela. Está pensando em seduzi-la, não? Ela é seu
tipo, assim, pensa em usar o baile de minha esposa para...
—Maldito seja, Foxmoor! Por uma vez em sua vida, se importaria em fazer o que lhe peço
sem chegar a nenhuma dedução? É tão chato como Maria, com todos seus sermões sobre a
moral e a compaixão e querendo salvar minha alma! Somente estou pedindo um favor: uma
dança com essa maldita fêmea. Vai me negar sua ajuda?
Quando Foxmoor o olhou impressionado, Oliver percebeu que se expressou com excessiva
contundência.
Então o rosto de seu amigo adotou um gesto mais enigmático.
—Chama-se Maria?
—Sim.
—Há, há... E diz que quer que façamos armadilha no sorteio, né? — Foxmoor examinou
atentamente a sala de baile — De acordo. Quando ela jogue o papelzinho com seu nome no
chapéu, retirarei dissimuladamente, e logo o passarei a você, para que possa tirá-lo do
chapéu. Assim, muito simples.
Oliver afiou o olhar.

214
—Já fez isso antes, não é?
Foxmoor sorriu com tédio.
—Uma ou duas vezes. Os homens apaixonados não desejam correr o risco de que outro
tipo escolha sua dama no dia de São Valentim.
—Eu não estou apaixonado — espetou Oliver — assim, se isso é o que pensa...
—Não, é óbvio que não! — Embora o duque não parecesse muito convencido.
Oliver se sentiu tentado a dizer a esse doidivanas que já a seduziu, embora fosse apenas
para apagar esse sorriso panaca de sua cara. Mas não queria arriscar-se a perder a
oportunidade de dançar a valsa com Maria. Aquela podia ser a única ocasião para falar com
ela a sós, posto que seus irmãos estavam fazendo todo o possível para «protegê-la».
Virou-se para a multidão para procurá-la. Maria estava dançando com Gabe, com esse
traje angélico que conseguia que ele se sentisse como um demônio brincalhão com vontade
de despi-la.
Por Deus! Como a desejava! Desejava beijar sua boca de mel, enquanto lhe tirava um a um
os grampos de seu arrevesado penteado. Logo lhe baixaria o sutiã pelos ombros até deixar
seus seios descobertos e os banharia de carícias, lamberia seus mamilos até ficarem eretos.
Queria ver como lhe sorria enquanto lhe levantava as saias e afundava a boca entre suas
pernas para provar aquele delicioso néctar...
Queria ver como lhe sorria de novo? Sim, isso era o que desejava, tanto ou mais que
deitar-se com ela.
Por todos os Santos! Podia-se saber que diabo lhe ocorria? Como podia comparar um
genuíno sorriso com dar uns amassos?
Entretanto, o sangue pulsou desenfreadamente nas veias ao recordar seus sorrisos no
escritório o dia anterior. Queria que lhe falasse como fez então, que zombasse dele e que,
inclusive, o repreendesse. Qualquer coisa, menos esses olhares de desprezo e essa insistência
por evitá-lo. Mas depois de dançar a valsa com ela...

215
Oliver ficou gelado ao pensar nas consequências. Se essa noite ganhasse a batalha com
sua avó, Maria já não teria nenhum motivo para ficar em Halstead Hall. Seu trato estaria
concluído.
De repente, sentiu uma desagradável secura na boca. Não podia permiti-lo, não. Voltaria-
lhe a expor a possibilidade de convertê-la em sua amante, sim, iria seduzi-la para convencê-la;
ela não podia partir, ainda não. Oliver não suportava a ideia de perdê-la.
—Não acha? — perguntou-lhe Foxmoor a seu lado.
Oliver pestanejou incômodo.
—É óbvio — respondeu rezando para que fosse a resposta correta.
—Não pensa em fazer nenhum comentário mordaz a respeito de que o casamento é a
ruína de todo homem? — açulou-o Foxmoor — Essa é sua resposta usual quando se inteira da
feliz união de um casal.
—Esta noite não estou com humor para nenhum comentário mordaz.
—Não estava me escutando, verdade?
Oliver esboçou uma careta de aborrecimento. Foxmoor era muito ardiloso para seu
próprio bem.
O duque sorriu com escárnio.
—Estava falando de Kirkwood, de que esta noite parece um cordeirinho perdido sem lady
Kirkwood a seu lado.
—Acaso a avezinha decidiu levantar voo ou é que brigaram? — perguntou Oliver
estranhamente decepcionado com esse pensamento.
—Ah! Aqui está o Stoneville ao que estou acostumado! Mas não, não brigaram. Está
fazendo repouso. Esperam seu primeiro filho um destes dias.
Inesperadamente, Oliver sentiu uma estranha opressão no peito. Kirkwood ia ser pai?
Nunca acreditou que veria esse dia. Agora todos seus amigos seriam pais... Menos ele.
Franziu o cenho. E o que! Ele não queria filhos. Não podia imaginar um pai mais nefasto
que ele.

216
Assim... Por que, de repente imaginou Maria com uma enorme barriga em que gerava seu
herdeiro? Como era possível que pudesse imaginar a si mesmo sentando no velho bote de
remos diante de um menino com imensos olhos azuis enquanto lhe assinalava os melhores
pontos para pescar no lago de Halstead Hall? Ou imaginando a si mesmo lendo um conto a
uma garotinha com o cabelo negro cacheado que chupava o polegar como estava acostumada
a fazer Celia quando pequena?
Maldição! Todas essas histórias de Minerva a respeito de suas travessuras infantis lhe
encheram a mente, e agora adoecia pela infância idílica que ela pensava que ele teve,
sentindo desejo de poder oferecer os mesmos momentos idílios a seu próprio filho.
Mas não podia.
—Acredito que Kirkwood não queria vir esta noite, mas sua esposa insistiu — comentou
Foxmoor — Disse que queria inteirar-se de todas as fofocas e que lhe encomendava a missão
de ser seu informante. — O duque bufou divertido — Como se Kirkwood soubesse de quem
tem que aproximar-se para inteirar-se de alguma fofoca! É evidente que sua esposa está cega
de amor.
Esse era precisamente o problema: que o amor deixava cego qualquer um, até apanhá-lo
em sua rede. E quando se estava apanhado, via tudo com suficiente clareza para afundar-se
em sua própria miséria.
Oliver era muito inteligente para deixar-se enrolar.
Mas à medida que transcorria a noite, sentiu-se incapaz de afastar os olhos de Maria
enquanto ela dançava com uma sucessão de cavalheiros jovens e arrumados, e começou a
perguntar-se se, em realidade, era tão inteligente como acreditava, porque, ao vê-la com eles
o sangue fervia de raiva... E de ciúmes.
Um desses mequetrefes a fez rir várias vezes — uma transgressão atroz — Outro deslizou
a mão dissimuladamente até sua cintura depois de que a dança chagasse ao seu fim — um
pecado capital — E o último com o que dançou antes do sorteio teve a audácia de lhe
sussurrar algo ao ouvido que conseguiu que Maria se ruborizasse — um crime tão

217
imperdoável que Oliver sentiu desejo de derrubar o sujeito com um murro. Em toda sua vida
jamais sentiu tanta vontade de brigar com tantos homens de uma vez.
Com um enorme esforço conseguiu manter a calma enquanto os cavalheiros se
congregavam para o sorteio. Viu que Maria escrevia seu nome em um pedaço de papel e que
o depositava no chapéu de Foxmoor, mas não conseguiu ver se Foxmoor conseguiu subtraí-lo
sem que ninguém se desse conta. Oliver conteve a respiração durante todo o processo, e só
relaxou quando os cavalheiros começaram a tirar nomes, e Foxmoor deixou cair
dissimuladamente um pedaço de papel no chapéu com um sorriso de cumplicidade justo
quando Oliver tocava provar a sorte.
Oliver tirou o papelzinho e leu em voz alta: «Senhorita Maria Butterfield».
Maria não disse nada e se manteve com uma expressão inescrutável.
Agora teria de dançar com ele a última dança, gostasse ou não, e logo teria de jantar com
ele. Oliver pensava em aproveitar ao máximo esses apreciados momentos.
Maria passou toda a noite sorrindo. Apesar de os amigos de Jarret e Gabe serem uns
meninos agradáveis e educados, sentia-se como se o resto dos convidados não parasse de
cochichar a respeito dela. Os sussurros subiam de tom quando estava com um dos irmãos
Sharpe, e isso que era um baile organizado por seus amigos! Não lhe custava nada imaginar
quão mal deviam passar em outros eventos sociais.
Mas claro, ninguém convidava à família Sharpe a outros eventos sociais. Tinha a impressão
de que Celia e Minerva só dançavam com seus irmãos ou com os amigos de seus irmãos, que
pelo visto, também procuraram encher virtualmente toda a carta de danças das irmãs Sharpe.
Maria viu Minerva de pé só durante mais de uma dança, embora a julgar por sua cara, era
evidente que não se deixava amedrontar facilmente por um punhado de fofoqueiros.
Entre dança e dança, Maria ouviu cochichos sobre «a pobre garota americana... Sim, com a
família Sharpe... Imagina? Que horror!». Uma harpia particularmente desagradável
ressuscitou o velho escândalo com evidente malícia. Por sorte, o par de Maria, um dos
melhores amigos de Gabe cortou as asas à velha com uma réplica feroz.

218
Durante todo o tempo, Maria era plenamente consciente de onde estava Oliver e do que
fazia. Não dançou com nenhuma mulher, o que lhe pareceu curioso. E adulador, embora
soubesse que não deveria sentir-se assim. Oliver passou virtualmente todo o momento
olhando-a, ou melhor, dizendo, devorando-a com os olhos.
Quando não a devorava, fulminava com um olhar assassino seu par de dança. Um deles
inclusive mencionou que lorde Stoneville parecia ciumento.
Coisa que Maria achava improvável.
Entretanto, Maria sentia uma insólita alegria de que ele tivesse tirado seu nome. Depois
de passar toda a noite sorrindo até doer às mandíbulas ignorando comentários maliciosos e
fingindo estar na Inglaterra em busca de Nathan, o primo de Freddy, tinha vontade de estar
com alguém que soubesse realmente como ela era em realidade.
Inclusive com os irmãos de Oliver se sentia obrigada a fingir, a mostrar-se como a criatura
angélica que eles pareciam decididos a proteger. E apesar de que o homem do qual todos
queriam protegê-la estava agora avançando para ela com um olhar tão decidido que
conseguiria intimidar qualquer donzela, Maria sentiu uma ridícula emoção impossível de
conter.
Oliver se deteve ao seu lado, enquanto prosseguia o sorteio. Freddy tirou o nome de uma
jovenzinha muito formosa, a que mal prestou atenção. Um homem chamado Giles Masters
tirou o nome de Minerva. O tipo parecia encantado; Minerva, não.
Então Oliver se inclinou para lhe sussurrar algo ao ouvido, e Maria deixou de ouvir o resto
dos nomes no sorteio.
—Vejo que está indo bem.
—Por que o diz? —sussurrou-lhe ela com absoluta impassibilidade.
—Sorri a qualquer palerma que segura sua mão — resmungou ele.
—E você os mata com o olhar — remarcou ela — Significa isso que o está passando mal?
—Se pudesse, faria algo mais que matá-los com o olhar. Esquece que está prometida?
—Prometida em falso.
—Referia-me a Hyatt.

219
Maria tragou saliva para tentar desfazer o nó de culpa que lhe oprimia a garganta. Mas
então repensou e o olhou com olhos cheios de curiosidade.
—Desde quando se importa em proteger os interesses de um verdadeiro prometido?
Oliver torceu o gesto.
—Só penso que uma mulher que está prometida não deveria respirar os cuidados de uma
massa de imberbes.
Essa foi à gota que encheu o copo.
—E eu acredito que um homem que finge estar prometido não deveria fugir correndo a
um bordel diante do nariz de sua falsa prometida — vaiou ela com porte beligerante.
Oliver fez ameaça de querer dizer algo, mas o sorteio chegou a seu fim, e o organizador
pediu a todos os casais que se dirigissem à pista de dança.
Quando Oliver e Maria ocuparam seus postos, ele disse:
—Tem toda a razão. — Olhou-a fixamente nos olhos, visivelmente arrependido — Foi uma
aborrecível amostra de mau gosto. Não voltará a acontecer.
—Tenho que tomar isso como uma desculpa? — espetou ela.
—Não — replicou ele com voz baixa e profunda — Minha desculpa vem agora: sinto muito
por humilhar você diante dos criados. Sinto ter menosprezado seus sentimentos. E o que mais
sinto é fazer você se sentir como se não fosse importante para mim, já que não é certo.
Maria abaixou o olhar por medo de que ele pudesse ver com que grau de intensidade lhe
afetou suas palavras.
—Não me importa.
Oliver tomou sua mão e a agarrou pela cintura, aproximando-a a seu corpo de uma forma
escandalosa.
—Sim, que se importa — disse repetindo as palavras que lhe disse Maria no escritório do
senhor Pinter.
A música começou a soar, e ele a guiou na valsa com a perita facilidade de um homem
acostumado a dançar. Mas entre seus braços ela não se sentia como outra de suas conquistas.

220
Ele não afastava os olhos dos seus, e sua mão a capturava com um gesto possessivo que a
deixava sem respiração.
—Se servir de consolo, passei uma noite absolutamente desastrosa — murmurou ele.
—Alegro-me; merece isso. — Ela sorriu — Embora tampouco é que me importe.
—Deixe de fingir que não se importa — resmungou ele com voz áspera. — Aos dois
importa o que faz o outro, e sabe. Importa-me muito mais do que possa imaginar.
Maria desejava acreditar, mas como ia fazê-lo?
—Só diz isso para me seduzir, porque quer se deitar comigo.
Oliver sorriu com escárnio.
—Não preciso seduzir uma mulher para me deitar com ela, querida. Normalmente, se
metem sozinhas em minha cama por sua própria vontade. — O sorriso se desvaneceu de seu
rosto — Sabe? É a primeira vez que peço perdão a uma mulher. Até agora nunca me importei
com o que as mulheres opinassem de mim, embora muitas delas tenham tentado alcançar
certa relevância em minha vida. Assim, me perdoe se não o fiz da forma adequada; é uma
situação absolutamente nova para mim.
Estava-a segurando com tanta gentileza, com tanta ternura, que Maria sentiu vontade de
chorar. Cada passo que davam supunha um movimento sedutor: a perna de Oliver avançando,
enquanto a sua retrocedia, a mão dele firme em sua cintura... A valsa marcava um ritmo que a
convidava a dar voltas e mais voltas pela pista de dança sem parar com ele. Sua mente lhe
dizia que deveria resistir a seus encantos, mas seu coração não queria escutar.
Seu coração era um insensato!
Maria desviou a vista por cima do ombro de Oliver.
—Meu pai estava acostumado a ir a um bordel. Nunca voltou a casar-se, assim ia lá para...
Para... Para saciar suas necessidades. Eu me vi obrigada a ir buscá-lo numerosas vezes, porque
meus primos estavam trabalhando e minha tia tinha de atender minha avó, que vivia perto.
Maria não sabia por que estava lhe confessando aquelas lembranças, mas se sentiu
aliviada de poder contar a alguém. Inclusive sua tia e seus primos preferiam fingir que isso
nunca aconteceu.

221
—Para mim era vergonhoso. Ele se esquecia de... Voltar para casa, e às vezes,
necessitávamos de dinheiro por qualquer motivo, assim, tinha que ir buscá-lo.
—Santo céu.
Ela voltou a olhá-lo nos olhos.
—Jurei a mim mesma que nunca permitiria que um homem me pusesse outra vez nessa
humilhante posição. — Elevou o queixo com arrogância — Por isso, me alegro de que Nathan
seja meu prometido; ele é bondoso e cortês e nunca frequentaria esse tipo de lugar.
Os olhos de Oliver faiscaram perigosamente.
—Não, ele se limita a abandonar você aos tenros cuidados de outros homens que, sim,
frequentam bordéis.
Maria sorriu com inapetência.
—Existe mais de uma forma de sentir-se abandonada. Se um marido sempre está metido
em um bordel, sua mulher também se sentirá sozinha. O resultado é o mesmo.
O rosto de Oliver adotou uma expressão taciturna. Olhou-a fixamente uns momentos
antes de desviar a vista.
—Minha mãe nunca teve que ir procurar meu pai em um bordel — disse em um tom
curiosamente apático — mas sabia que ele estava lá. Durante os primeiros anos de seu
casamento sempre brigavam quando ele retornava, e após, ela passava horas chorando,
depois de que ele partisse dando uma portada.
—Como sabia sua mãe que ele estava em um bordel? — sussurrou Maria notando que lhe
partia o coração por aquele menino pequeno obrigado a ver como seus pais brigavam por
motivos tão desagradáveis. Era a primeira vez que o ouvia mencionar algo referente a seus
pais juntos.
—Porque voltava para casa cheirando a perfume barato e a mulher. É um aroma
impossível de esquecer.
Maria ficou olhando fixamente. A primeira hora da manhã quando Oliver apareceu diante
da porta de seu quarto cheirava a licor, mas não a perfume. Era um pequeno detalhe;
entretanto, junto com o que Betty lhe disse, sentiu-se reconfortada.

222
—Quantas vezes desejei poder convencer meu pai para que não frequentasse mais esses
lugares! — continuou Oliver com tom amargurado — Ao final, ela tomou cartas no assunto.
Estava Oliver dando a entender que sua mãe assassinou deliberadamente seu pai? Disse-
lhe que foi um trágico acidente.
—Formamos um par singular, não acha? — apontou ele, e contemplou os casais que
davam voltas junto a eles — Aqui estamos os dois, dançando ao som da música mais parva
que jamais se escreveu, rodeados por centenas de casais que falam de amenidades, e,
entretanto, parece que nós somos capazes apenas de falar de bordéis e de morte.
—Ao menos, é melhor que não falar de nada, não é?
Oliver a olhou com receio.
—Fala igual a minha avó.
—Não me importa. Para que saiba, está começando a me cair bem.
—Eu também gosto, quando não se dedica a me exortar.
Maria o escrutinou com curiosidade.
—Por que resmunga quando está comigo? Os outros homens não fazem isso. E pelo que
pude ver tampouco se mostra tão resmungão com outras mulheres. Por que se comporta
assim comigo?
—Não sei — admitiu ele — Suponho que é porque com você noto que posso ser eu
mesmo, e dado que sou o filho insensato de um pai abominável...
Colocou-lhe um dedo nos lábios.
—Não continue; não é tão depravado como pretende nos fazer acreditar.
Então ao perceber que as pessoas estavam se fixando naquele gesto tão íntimo, afastou a
mão e voltou a colocá-la no ombro de Oliver.
—Pois, antes, não opinava o mesmo — a provocou ele com uma voz áspera. Sua mão
deslizou pela cintura de Maria de forma furtiva, como se fosse incapaz de conter-se para não
acariciá-la.
—Digamos que estou disposta a lhe dar o benefício da dúvida.

223
Acabaram a valsa sumidos em um incômodo silêncio que apenas conseguiu aumentar o
estado de agitação de Maria. Oliver não desviava o olhar de seu rosto, e ela tampouco podia
afastar os olhos dele. Cada passo que davam juntos parecia uni-los mais, até que Maria teve a
certeza de que estavam dançando excessivamente juntos em termos de decoro. Entretanto,
não lhe importava. Sentia-se no sétimo céu.
Era evidente que entre eles existia uma atração absolutamente reprovável, mas Maria se
sentia hipnotizada por seu olhar, pela sensação eletrizante de sua mão na cintura, daquele
corpo movendo-se ao mesmo ritmo que o seu.
Oliver seguia segurando sua mão com firmeza, e seu dedo polegar enluvado começou a
lhe acariciar a curva entre o polegar e o dedo indicador de uma forma tão sensual que Maria
sentiu um delicioso formigamento no ventre. Quando a música cessou, lhe espremeu a mão
antes de colocá-la sobre seu braço para guiá-la até o salão onde ia se servir o jantar.
De repente, Maria se sentiu inquieta e perguntou:
—Há algo que deva saber sobre os costumes dos ingleses à mesa? Não quero envergonhar
você nem sua família.
—Você nunca poderia me envergonhar — pronunciou Oliver sem poder se conter. Então
como se desse conta de que falou mais da conta, acrescentou — Para me sentir
envergonhado, deveria me importar o que o povo opina de mim, e esse não é o caso.
Maria começava a suspeitar que isso não fosse de tudo certo.
O resto dos convidados ia enchendo o salão, mas ela se sentia como se estivesse a sós com
Oliver, como se estivessem agasalhados em sua própria carapaça. Sentia-se ele igual, ou, por
acaso, Maria só estava inventando uma conexão entre eles mais profunda da que em
realidade existia?
Oliver a conduziu com passo firme até uma mesa com duas cadeiras vazias. Uma formosa
mulher lhes cortou o passo no que parecia uma clara tentativa de apropriar-se das duas
cadeiras.
—Sinto muito, Kitty — comentou Oliver em tom conciliador, ao tempo em que segurava o
respaldo da cadeira mais próxima — mas vi estes dois lugares primeiro.

224
—Que estranho ver você por aqui, Stoneville! — remarcou a mulher
condescendentemente, logo repassou Maria de cima abaixo com olho crítico — E quem é sua
nova «amiga»? — Perguntou com tanto desprezo que Maria se ruborizou ante a indecorosa
insinuação.
Pelo visto, Oliver também a captou, já que um músculo se esticou em sua mandíbula.
—Lady Tarley, a senhorita Maria Butterfield. A senhorita Butterlield chegou recentemente
dos Estados Unidos, e é uma convidada de minha irmã.
Lady Tarley arqueou uma sobrancelha.
—É um prazer conhecê-la, senhorita Butterfield — disse em um tom que não casava com
suas palavras. — Vejo que leva um traje precioso. Eu desfrutei muito o vestindo antes de me
cansar dele e o dar de presente a uma amiga que tem uma loja de roupas de segunda mão.
Vejo que colocou o tule drapeado sobre o sutiã exatamente igual o levava eu. Sabe? Fiz
confeccioná-lo expressamente para mim, mas a verdade é que a você também está
fenomenal.
A Maria acendeu as bochechas com um sufocante calor. Deveria supor que ocorreria algo
parecido.
Oliver atravessou lady Tarley com um olhar afiado.
—Certamente se equivoca Kitty. Eu estava sentado justo diante quando a costureira
mostrou à senhorita Butterfield o desenho. Estou seguro de que a costureira usou um modelo
que já tinha utilizado previamente. — Ofereceu-lhe um sorriso desinteressado — Nunca confie
em uma costureira que se assegura que está confeccionando um vestido exclusivo para você,
sobretudo quando não está disposta a pagar o que ela acredita que vale.
Os olhos de lady Tarley refulgiram ameaçadoramente.
—Reconheço o vestido, inclusive me atreveria a dizer que o tule tem um arranhão atrás.
Quando a mulher elevou a mão em uma tentativa de examinar o objeto, Oliver lhe
segurou o braço com firmeza.
—Nem pense em tocar o vestido de minha prometida.

225
Lady Tarley lutou para escapar da garra de Oliver. Em seguida, o desafiou com olhos
felinos.
—Sua prometida? Há, há! Isto, sim, que é uma notícia suculenta.
Maria bufou. Não podia acreditar no que Oliver acabava de fazer.
Pelo visto, ele tampouco. Seu braço se esticou debaixo da mão de Maria.
—Ainda não o anunciamos publicamente, por isso, espero que saiba ser discreta e manter
o segredo.
—Certamente, Stoneville. — levou um dedo à boca — Meus lábios estão selados.
Enquanto a mulher se afastava a toda pressa e se detinha para cochichar com outra dama,
Maria se lamentou:
—Não guardará o segredo, verdade?
—Não — resmungou Oliver — Maldita seja! Sinto muito. Não sei que diabo aconteceu
comigo. Não posso acreditar que tenha esquecido que... — Não acabou a frase. Afastou a
cadeira para que Maria pudesse sentar-se e lhe ordenou — Fique aqui. Farei tudo o que possa
para silenciar essa fofoqueira.
Enquanto se afastava a grandes pernadas para lady Tarley, Maria não pôde evitar sorrir.
Deveria estar furiosa com ele, consciente de que aquela intriga poderia filtrar-se nos jornais
de Londres e que Nathan poderia vê-lo. Assim, por que não estava zangada?
Porque ele o fez para protegê-la de um espantoso mau contratempo, e porque Oliver não
estava acostumado a falar por impulso. Tendo em conta quão resistente era à ideia de casar-
se, parecia-lhe incrível que reagisse desse modo, que tivesse esse grave deslize. Isso lhe dava
esperanças de...
Não! Seria uma verdadeira iludida se albergava esperanças a respeito dele, sobretudo
depois de seu claro alarme por ter falado mais da conta.
A dama com a qual lady Tarley esteve falando se dirigiu rapidamente para a senhora
Plumtree, que lhe ofereceu um sorriso de gatinha satisfeita, depois de que a dama lhe
comentou algo ao ouvido. A senhora Plumtree elevou a vista e olhou para Maria, e Maria ficou
gelada quando viu que a anciã lhe piscava o olho.

226
Tinha-lhe piscado o olho! Maria não sabia o que aconteceu nas últimas horas, mas pelo
visto, a senhora Plumtree deixou de repudiá-la como possível esposa de seu neto a aceitá-la
por completo.
Céus! Invadiu-a uma espantosa sensação de enjoo. Tinha o pressentimento de que aquela
noite não ia culminar como Oliver previa.
E o pior era que uma diminuta parte dela, um ridículo cantinho de seu coração, alegrava-
se com o resultado.

227
CAPÍTULO 19

Oliver seguiu diretamente para Kitty resmungando uma imprecação entre dentes. Como
se atrevia essa criatura vingativa a insultar Maria? Só de recordar a expressão de vergonha no
rosto de Maria, dava-lhe vontade de estrangular essa bruxa.
Kitty o odiava desde que ele rechaçou seus flertes e insinuações na época em que Anthony,
um bom amigo de Oliver, a cortejava. Anthony rompeu com Kitty em pouco tempo, e ela
acreditou que Oliver convenceu seu amigo para que a deixasse. Desde aquele dia, tinha-lhe
pego tanta ojeriza que não podia nem vê-lo.
O que Kitty não sabia era que Anthony chegou por acaso sozinho à conclusão de que essa
mulher não era de confiança. A nova esposa de Anthony a chamava «a devoradora de
homens». Oliver pensava que isso era um insulto às prostitutas.
E agora, graças a ela, Maria se via arrastada ainda mais ao fundo daquela dura batalha que
ele mantinha com sua avó. Kitty se deslocava a grande velocidade em ziguezague pelo salão
como um raio certamente espalhando a notícia
A cada passo alguém detinha Oliver para lhe perguntar se era certo que estava prometido
com «a garota americana». Depois de suas primeiras tentativas de protesto, alegando que
ainda não era oficial, Oliver acabou por desistir. Por então, o rumor já se estendeu por toda a
casa como pólvora. Negá-lo somente avivaria as fofocas.
De repente, avistou sua avó concentrada em uma intensa conversa com a melhor amiga
de Kitty e se sentiu mais aliviado. Sua avó contaria o conto pela raiz. E quando ela tentasse
sossegar os rumores, ele ganhou a partida, porque, então, poderia ameaçá-la enviando a
notícia sobre seu compromisso aos jornais, se ela não se retratasse. Agora, já não ficava
nenhuma saída para sua avó; era evidente que tinha que desdizer-se de seu plano.

228
Exceto... Ela estava atuando como se não tivesse intenção de sossegar os rumores. Estava
falando animadamente com essa mulher e, quando o olhou no rosto da outra ponta do salão e
sorriu de orelha a orelha, Oliver se deu conta de que interpretou mal tudo desde o começo.
Que decepção!
Sua avó o enganou. Todo esse número de querer subornar Maria, os olhares de
desaprovação e os comentários insidiosos... Durante todo o tempo, sua avó esteve
manipulando-o para que ele fizesse o que ela queria. Que Deus tivesse piedade dele!
Com uma cansativa sensação de enjoo, Oliver viu como sua avó se dirigia para a duquesa
para lhe sussurrar umas palavras, então viu que a duquesa se levantava de seu assento e dava
uns golpezinhos no cristal de sua taça com o garfo para solicitar a atenção dos congregados.
Com um sorriso triunfal, sua avó anunciou o compromisso matrimonial de seu neto, o
marquês de Stoneville, com a senhorita Maria Butterfield de Dartmouth, Massachusetts.
Todos os olhos se voltaram para ele, e os murmúrios voltaram a cobrar vida.
Oliver não podia acreditar. Como podia ter estado tão cego? Perdeu a batalha,
possivelmente, inclusive a guerra.
E o pior era que agora, Maria se via surpreendida em meio de todo aquele jogo. Jurou-lhe
que isso não aconteceria, que não tinha de preocupar-se se, por acaso, a notícia chegasse aos
ouvidos de Hyatt. Ela tentou avisá-lo de que, possivelmente, sua avó se atreveria a anunciar o
compromisso, mas ele estava tão seguro de si mesmo que não lhe deu atenção. Agora teria de
pagar por seu crasso engano.
Em questão de segundos, ele e Maria se viram rodeados de um montão de pessoas que os
felicitavam, cada um por seu lado. Nos cantos do salão, os mais fofoqueiros já começavam a
especular sobre por que ele decidiu casar-se com uma mulher de baixa linhagem, uma
completa desconhecida nos altos círculos da sociedade inglesa. Enfurecia-se que por culpa de
sua idiotice, Maria se visse presa às mesmas fofocas mal-intencionadas e desagradáveis que
sua família levava anos suportando.
Oliver necessitou de meia hora para abrir passo até ela, mas antes que pudesse lhe dizer
alguma palavra, Minerva o puxou pelo braço.

229
—A avó quer partir.
—Não me surpreende — resmungou ele — Agora que conseguiu seu objetivo, o mais
seguro é que deseje celebrar seu êxito a sós.
Os lábios de Minerva se esticaram em uma fina linha, em sinal de desaprovação.
—Diz que está cansada, e sei que não mente. Posso ver em seu rosto. Celia e eu a
levaremos a casa.
—De acordo. — Oliver elevou a vista para Maria, que nesse momento, estava falando com
três mulheres, sorrindo com uma clara rigidez, e um estranho desejo de protegê-la se
apropriou dele — Leve Maria também. Parece transbordada. Eu tentarei solucionar esta
ofensa antes de partir, e acredito que será mais fácil se não tiver que estar pendente dela.
Amanhã a notícia aparecerá nos jornais se não fizer algo, e Maria está preocupada de que seu
verdadeiro noivo se inteire pela imprensa.
Embora a verdade fosse que Oliver não se importava nem um pouco, se isso acontecesse.
Hyatt não era digno dela. Mas lhe prometeu que isso não aconteceria e se sentia obrigado a
cumprir sua promessa.
—Como se inteirou lady Tarley de que você e Maria...?
—Não pergunte — a cortou ele com um bufido — De todos os modos, tampouco
acreditaria nisso.
—Dada a reação da avó, parece-me que seu plano não saiu tal e como esperávamos.
—A avó me enganou como um parvo.
—Parece-me que enganou a todos. — Minerva escrutinou seu irmão com cara de
preocupação — O que pensa em fazer?
—E eu que sei! Como mínimo, tentarei evitar que a notícia se filtre à imprensa. Devo isso a
Maria.
Felizmente, Maria concordou em partir com elas, o que facilitou as coisas para Oliver.
Passou a seguinte hora perseguindo a todos os convidados à festa que tinham alguma
conexão com a imprensa, lhes explicando que não queria que seu compromisso matrimonial
fosse anunciado até que ele e Maria pudessem informar à família dela nos Estados Unidos.

230
Quando finalmente ele, seus irmãos e Freddy partiram para casa, estava tão exausto que
com muita dificuldade podia responder com um grunhido às perguntas que seus três
acompanhantes lhe formularam durante o trajeto de volta. Por sorte, Freddy se dedicou a
encher a conversa com um sem-fim de tolices sobre a festa e os esplêndidos trajes dos
cavalheiros e o magnífico jantar.
Logo que chegaram a Halstead Hall, Oliver deu boa noite e se encerrou no escritório para
redigir cartas aos jornalistas com os que não pôde falar na festa. Eram quase duas da
madrugada, quando decidiu retirar-se.
Entretanto, não conseguia conciliar o sonho. Depois da decepção, não trocara uma só
palavra com Maria. Como o tinha tomado ela? Não a culpava, se decidisse odiá-lo.
Tinha de falar com ela. Apesar de que fosse muito tarde, possivelmente ainda a
encontraria acordada. Se esperasse até o dia seguinte, teria que lutar contra sua maldita
família para poder aproximar-se dela. Além disso, não conseguiria dormir até lhe haver
assegurado que não tinha que preocupar-se, que o rumor não se filtraria aos jornais — apesar
de que não tivesse absoluta certeza.
Uns segundos mais tarde, Oliver se plantou frente à porta de sua estadia. Sentiu-se
aliviado ao ver o brilho de uma vela através da fresta da porta. Certamente, ainda estava
acordada. Entretanto, quando chamou não obteve resposta. Oliver vacilou. Não deveria
entrar. Não tinha direito a irromper em sua estadia a essas horas sem sua permissão, mas
tampouco era conveniente dormir com uma vela acesa não?
Entraria só para assegurar-se de que Maria estava bem. Abriu a porta para dar uma olhada
no interior. Na mesinha de cabeceira a vela banhava a figura dormida com uma luz dourada.
Sua juba estava esparramada sobre o travesseiro, e adormeceu com um livro sobre o peito
como uma menina pequena sustentando sua boneca favorita. Exceto que o corpo que se
perfilava debaixo da colcha não era o de uma menina, a não ser o de uma mulher cheia de
curvas, uma mulher que ele desejava com toda sua alma.
Mas devia conter-se. Não entrou ali para isso. Somente pensava em apagar a vela para
evitar qualquer acidente fortuito.

231
Entrou e fechou a porta atrás dele. Quando se aproximou da cama, viu o título do livro: O
desconhecido do lago. Oliver conteve o fôlego. Que curioso que escolhesse voltar a ler o livro
sobre o que estavam falando no dia anterior em seu escritório! Ou, possivelmente, isso não
fosse um bom augúrio, dado que nesse livro Rockton cometia algumas de suas piores
maldades.
Sem dúvidas, Maria decidiu recordar a si mesma os enganos que ele cometia. Oliver ainda
não estava seguro se ela o perdoou por ir ao bordel; esse tema tinha ficado pendente.
«Poderia conseguir que o perdoasse. Poderia se colocar em sua cama e seduzi-la, antes
que ela seja plenamente consciente do que acontece», disse uma insidiosa voz em seu
interior.
Contemplou-a uns momentos, então, sacudiu a cabeça. Não, não podia fazê-lo.
Uma violenta gargalhada batalhou por escapar da garganta. Pelo visto, sim, que tinha
escrúpulos. Quem o teria imaginado!
«Possivelmente não me pareça tanto com meu pai, depois de tudo.»
Ficou parado com aquele pensamento que lhe ocorreu de repente, sem vir a conto. Era
isso possível? Desde que Maria apareceu em sua vida, não havia tornado a ser ele mesmo. Era
ela? Ou eram ambas as coisas? Era possível que com ela, ele pudesse ser... Melhor? Diferente,
de algum modo?
A ideia carecia de sentido.
Entretanto, não fez nada mais que ficar olhando, memorizando a curva de sua bochecha,
sua esplendorosa juba. Como se entrasse em transe alargou a mão para lhe afastar uma fina
mecha que caía sobre a fronte.
Maria abriu os olhos, e ele conteve a respiração. Ela o olhou no rosto e, enquanto o sono
se apagava de seus belos olhos, sorriu candidamente. Um sorriso! Para ele.
Aquele gesto o desarmou por completo.
Com o coração desbocado, Oliver se inclinou e beijou seus lábios perfeitos, incapaz de
conter-se. Ao dar-se conta do que estava ocorrendo, tentou afastar-se rapidamente, mas
Maria o rodeou pelo pescoço com os braços e o atraiu novamente para ela.

232
Oliver se deixou seduzir por aquela boca, entretendo-se com seus lábios como um pobre
homem faminto ao que lhe acabavam de apresentar um verdadeiro festim. Depois de gozar
de uns momentos celestiais, sentou-se na cama, e ela se incorporou um pouco, apoiando-se
nos cotovelos. Isso foi tudo o que Oliver necessitou a modo de convite para estreitá-la entre
seus braços e beijá-la mais apaixonadamente. Ela afundou os dedos em seu cabelo, e ele
lançou um fundo suspiro, enquanto a investia com a língua uma e outra vez, perdendo-se na
cálida suavidade de sua boca.
Ela cheirava a rosas e a um suave perfume, e se perguntou se alguma vez, seria capaz de
ficar satisfeito de seu aroma... De seu gosto... Do tato de seus seios sob sua mão...
Maldição! Havia tornado a fazer!
Oliver se separou bruscamente e ficou de pé.
—Perdoe-me, Maria, eu não queria...
—Acaso não veio para se deitar comigo?
Maria se sentou com as costas retas, mostrando uma grande curiosidade. A colcha
escorregou e deixou descoberto seu corpo parcialmente exposto debaixo de uma fina
camisola, tão fino que podia ver as escuras pontas de seus seios através do tecido. Com a juba
solta caindo em uma bela cascata dourada sobre os ombros, e os olhos sonolentos, era a viva
expressão do sonho erótico de qualquer homem.
O desejo o devorava, erodindo seu autocontrole. Oliver balbuciou uma maldição e
começou a perambular com passo nervoso pela estadia.
—Vim pedir desculpas pelo que aconteceu na festa.
O longo silêncio que seguiu conseguiu pô-lo ainda mais tenso. Ao cabo de um momento,
Maria disse com voz melosa:
—Não ocorre nada. Sei que não fez de propósito.
Oliver escrutinou seus olhos.
—Não está zangada?
Ela encolheu os ombros.

233
—Para ser justa, esperava que fosse Freddy quem estragasse tudo antes de você, embora
não estava segura de se ele diria que estávamos prometidos ou que fingíamos estar
prometidos. Ao menos, não disse nada que tenha dado pé a sua avó a confirmar que tudo era
uma áspera farsa.
Ele soltou uma amarga gargalhada.
—Isso já não importa agora. Minha avó queria que nos comprometêssemos publicamente.
Ela também mentiu, fingindo que não gostava, enquanto que em realidade, desejava este
desenlace.
—Ou, possivelmente, estava disposta a aceitar o único que lhe oferecia.
—De um modo ou outro, você tentou me avisar. — Oliver retornou à cama — Sinto não
ter escutado. Quando partiu da festa, dediquei-me a perseguir a tantos jornalistas como pude.
— Explicou-lhe o que lhes disse e, logo passou os dedos crispados pelo cabelo — Minha
história parece acreditável, mas sei que a imprensa adora as fofocas, e uma fofoca sobre um
futuro casamento está acostumado a ser um de seus favoritos.
—Estou segura de que tentou evitá-lo. De momento, quão único sabemos é que
possivelmente, Nathan nem esteja aqui para ler a imprensa londrina. Enquanto não se inteire,
tudo irá bem.
Sempre era seu adorável Nathan o que a preocupava, seu maldito noivo formal e cortês.
—Espero que sim, que se inteire.
Maria o olhou com reprovação.
—Seriamente?
—Sim. Apesar de que estou obrigado a fazer todo o possível para que não se inteire,
espero que esse maldito idiota leia o jornal e se dê conta do que se deixou perder. Merece
perder você.
Com uma expressão reservada, Maria se levantou da cama e segurou sua bata.
—E o que diz de mim? Acaso, eu não mereço um bom marido?
Oliver lhe arrebatou a bata dos dedos e a lançou no chão,
—É impossível que Hyatt seja um bom marido.

234
—Então, o que sugere, que fique solteira toda a vida?
—Não! — Agarrou-a pela cintura e a atraiu para si — Você se casará comigo.
Justo depois de dizê-lo, Oliver se deu conta de que realmente, isso era o que queria: casar-
se com ela, por mais que a ideia o aterrorizasse.
Pelo visto, também aterrorizou Maria, já que ela ficou olhando-o com cara de susto.
—Por que ia casar-me com você? — sussurrou — E por que você quer se casar comigo?
—É a única forma de que seja minha, não? — Oliver sabia que sua confissão não era a
típica declaração de amor que a maioria das mulheres esperava em uma proposta de
casamento, mas Maria não era uma mulher convencional; Maria o compreendia, seguro.
Ela baixou o olhar.
—Não me parece uma boa razão para que nos casemos.
—Pois para mim é mais que suficiente — alegou ele inclinando a cabeça para beijá-la.
Maria estremeceu e o separou de um empurrão.
—Faz uma semana só me considerava aceitável como amante e, agora quer que seja sua
esposa?
—Uma coisa não tem nada a ver com a outra.
—Não pertenço a sua mesma classe social.
—Não me importa quem eram seus pais ou de onde vem. Jamais me importou. — Quando
ela permaneceu em silêncio, ele insistiu — Desejo você. Desejava faz uma semana e sigo
desejando. Não é esse o motivo pelo que os homens se casam?
A expressão de Maria era inescrutável.
—Os homens se casam pelos mesmos motivos que as mulheres: porque se apaixonam.
—Isso não é mais que uma forma fina de descrever o desejo carnal. — Sempre foi sua
filosofia, e estaria perdido se mentisse para Maria a respeito dessa questão. Acaso, não
bastava que ela tivesse conseguido que virtualmente lhe rogasse que lhe permitisse
compartilhar seu leito?
—Não estou de acordo — respondeu ela com confusão.
—Você está apaixonada por Hyatt?

235
Maria piscou desconcertada.
—Isso é diferente.
—No que? Você estava disposta a se casar com ele por razões práticas, por que não
podemos fazê-lo nós?
Ela soltou uma gargalhada histérica.
—Onde vê o sentido prático de nosso casamento?
—Transcorreram três meses da última vez que teve notícias de seu indiferente prometido,
assim, pode ou continuar esperando a que um dia ele recorde que está prometido com você
para salvá-la de sua destituição, ou pode se casar comigo. Eu estou aqui, ele não. Eu quero
você tal como é. Para ele, apenas se trata de dinheiro.
Os olhos de Maria brilharam obstinadamente.
—Se você se casar comigo porque sua avó não dá o braço a torcer, porque é a única forma
de que sua família herde sua fortuna, então, isso significa que para você também se trata
apenas de dinheiro, ou não?
As duras palavras conseguiram que algo se rachasse no coração de Oliver. Ele acreditava
que ela compreenderia o que lhe dizia, que compreenderia como a desejava, mas era evidente
que Maria não o conhecia. Esteve edificando um castelo de cartas no ar.
—Perdoe-me — disse Oliver com uma grande tensão — Deveria ter me dado conta de que
você o interpretaria desse modo. No futuro, procurarei não incomodá-la mais.
Oliver deu meia volta disposto a partir.

236
CAPÍTULO 20

Maria amaldiçoou seu indomável temperamento, enquanto observava como Oliver se


afastava para a porta. Não queria feri-lo, mas estava cansada de que ele pintasse Nathan
como um caça-fortunas, quando ele também podia sê-lo se casasse com ela.
Mas no fundo, sabia que esse não era o motivo pelo que lhe pediu que se casasse com ele.
Oliver lutou tanto contra o casamento que não o faria se tivesse ido atrás de sua fortuna.
Agarrou-o pelo braço, antes que chegasse à porta.
—Sinto muito, Oliver, não queria ferir você. O que ocorre é que sua proposta me pegou de
surpresa.
O braço permaneceu rígido debaixo de sua mão.
—Está em todo seu direito de me considerar um caça-fortunas. — Oliver mantinha a vista
fixa em um ponto da porta — Mas o que não compreende é que sou provavelmente o último
homem que se casaria com você por seu dinheiro.
—Por quê?
Ele ficou em silêncio durante tanto tempo que ela temeu que não fosse responder.
Quando começou a falar, sua voz era tão fria que a assustou.
—Meu pai se casou com minha mãe porque precisava de uma rica esposa que resgatasse
esta maldita casa, e tudo saiu mal. — Oliver bufou pesaroso — Infelizmente, minha mãe não
compreendeu a natureza da transação até que foi muito tarde. Ela acreditava que ele estava
apaixonado por ela, e ela também acreditava estar apaixonada por ele. Minha mãe acreditava
que estava vivendo um conto de fadas; era um sonho converter-se em marquesa, e converter-
se na proprietária e senhora de um lugar como este.
Os músculos de sua garganta se esticaram convulsivamente.

237
—Mas quando se instalou em seu precioso palácio de cristal, soube a verdade: que meu
pai só a queria por sua fortuna, que ele faria tudo, com tal de casar-se com uma mulher que
pudesse lhe ser útil para seus fins.
A voz de Oliver se voltou mais dura.
—E também soube que ele não tinha nenhuma intenção de trocar sua vida por ela. Com
esposa ou não, pensava seguir saindo com putas. Ao final, foi isso o que os destruiu. Se não
fosse por sua abominável forma de tratá-la e pela desesperada necessidade que minha mãe
tinha de conseguir que ele a amasse, ela jamais haveria...
Quando não terminou a frase, Maria ficou olhando sem pestanejar, consciente de que ele
estava a ponto de dizer algo importante.
—Que ela não haveria o que? — insistiu com suavidade, quase com medo se saber a
resposta, mas com a necessidade de sabê-la.
Oliver lhe soltou a mão e avançou, até colocar-se frente à lareira. Sua silhueta se perfilava
isolada e escura contra as chamas dançarinas de cor laranja.
—Menti para você.
Ela conteve a respiração.
—Sobre o que?
—Sobre como morreram meus pais. Minha avó contou a todo mundo que minha mãe
matou meu pai, porque o confundiu com um ladrão, mas a verdade é que... Matou-o
deliberadamente. E logo tirou a vida.
Maria podia notar como pulsava desbocadamente o coração.
—Como pode estar tão certo? Disse que ninguém sabe exatamente o que...
—Eu estava lá.
O sangue de Maria gelou.
—Foi testemunha do que aconteceu? —perguntou com incredulidade.
—Não. Cheguei depois, quando já era muito tarde.
—Então, não pode saber qual foi à verdadeira intenção de sua mãe.
A histérica gargalhada que soltou Oliver a deixou sem fôlego.

238
—Sim que sei. Ela foi buscá-lo zangada com ele por... Uma coisa que aconteceu. Eu queria
que minha avó fosse atrás dela, porque sabia que sua mãe poderia acalmá-la, mas minha avó
pensou que eu exagerava. Quando se fez de noite e vimos que minha mãe não retornava,
minha avó e eu decidimos ir ao pavilhão de caça.
Sua voz se permutou em um sussurro apenas audível, e Maria se viu forçada a aproximar-
se mais para poder ouvir com clareza sua declaração por cima do incipiente martelar da chuva
que repicava no telhado.
—Não havia nenhuma luz acesa — disse ele — O pavilhão estava inquietantemente em
silêncio. Minha avó me ordenou que esperasse fora enquanto ela ia ver se os cavalos estavam
no estábulo, mas não fiz conta. Não podia. Corri até o interior do recinto. — estremeceu com
um calafrio — Fui eu quem os encontrou.
—Oh, Oliver! — suspirou Maria horrorizada. Seu pobre e adorável Oliver. Mal podia
imaginá-lo irrompendo em uma cena tão violenta, especialmente uma cena em que os
protagonistas eram seus pais. Encolheu-lhe o coração ao pensar nele ali de pé, sozinho, com a
culpa por não sair antes em busca de sua mãe. Como pôde suportar todos esses anos?
Maria se colocou atrás dele e colocou uma mão em suas costas, mas ele não pareceu dar-
se conta.
—Havia sangue em toda parte, do chão até o teto — relatou em voz baixa, pesaroso — Às
vezes, ainda posso ver a cena em meus pesadelos. Minha mãe jazia sobre o tapete com um
buraco no peito. Tinha a pistola a seu lado, junto a sua mão. E o rosto de meu pai...
Voltou a estremecer com um calafrio, e Maria lhe acariciou as costas, ainda sabendo que
com isso, não conseguiria lhe oferecer um grande consolo.
Depois de uns momentos, Oliver prosseguiu com um tom mais cometido.
—Era evidente que não podia fazer nada por ele, mas me equilibrei sobre minha mãe
porque me pareceu que se moveu. Mas não, não se movia. Estava fria quando a elevei entre
meus braços. Fiquei manchado por seu sangue. Assim, me encontrou minha avó, sustentando
minha mãe, embalando-a com desespero, soluçando. Minha avó teve que arrancá-la dos meus
braços.

239
Maria estava chorando agora; chorava pela triste perda dessas duas pessoas tão amadas
por ele, chorava por um jovenzinho que presenciou algo que não deveria ter visto.
Oliver bufou abatido.
—Depois não recordo grande coisa. Minha avó me abrigou com algo e retornamos a casa
como se os demônios do inferno cavalgassem pegos a nossos calcanhares. Durante o trajeto,
perdi a manta ou a capa que ela me colocou sobre os ombros, assim que um par de lacaios me
viram com a roupa manchada de sangue.
«Não importava, mas minha avó sabia o que as pessoas falariam. Depois de enviar uma
nota à polícia local, pediu-me que tirasse a roupa e lhe desse para que a queimasse. Então,
pagou os lacaios por seu silêncio e fez circular o rumor sobre o ladrão. Não me surpreenderia
que inclusive, subornasse a polícia.
Sua voz voltou a adotar um tom frio.
—Mas não conseguiu grande coisa. É verdade que os criados mantiveram seu silêncio, mas
essa noite celebrávamos uma grande festa em casa, e nossos convidados se deram conta da
grande comoção e também de minha ausência. Assim, começaram os rumores.
Maria sentiu uma crescente indignação no peito.
—As pessoas podem ser muito cruéis.
—Sim. — Oliver a olhou no rosto, com os olhos avermelhados pelo sofrimento — Suponho
que agora, compreenderá por que jamais me casaria por dinheiro. E tampouco penso permitir
que você o faça. É uma armadilha, destruirá você.
Um irrefreável impulso se apoderou dele; beijou-a na boca com tanto desespero que
quase a deixou sem fôlego. Maria se aferrou a seus ombros, esses ombros corpulentos com os
que tanto sonhou, e ele a atraiu para seu corpo, pegando-se completamente a ela, beijando-a
com tanta paixão que Maria perdeu o mundo de vista; o único que lhe importava nesse
momento era ele.
Oliver afastou a boca, para lhe sussurrar ao ouvido:
—Diga que se casará comigo. Tem de se casar comigo!

240
Com a triste história de seus pais ainda ressonando em sua mente, Maria temia que ele
quisesse casar-se movido por alguns motivos equivocados.
—Só quer me salvar de Nathan.
—Asseguro-lhe que meus motivos são mais egoístas, mais pessoais. — Beijou-a no
pescoço — Desejo você. Preciso de você. Só Deus sabe o quanto preciso!
Oliver falava de necessidade, mas não de amor. Mas claro, ele não acreditava no amor. E
apesar de que essa verdade resultasse dolorosa, pelo menos era honesto. Ele sempre foi
franco a respeito do que queria.
—Quer dizer que precisa se deitar comigo.
—Não, não se trata apenas de me deitar com você, sabe bem. — Oliver se afastou, com
uma firme resolução em suas feições. Capturou a bela cabeça de Maria entre suas enormes
mãos e a olhou aos olhos com ardor — Demonstrarei isso a você. Diga que se casará comigo e
a deixarei dormir sozinha esta noite e todas as noites, até que nos unamos em matrimônio.
Irei comportar-me como um cavalheiro respeitável. E lhe asseguro que jamais fiz isso por
ninguém.
Maria mal podia controlar seu coração desbocado. Acreditava em Oliver e podia ver seu
rosto iluminado pelo desejo e a esperança, ou acaso era o que ela desejava acreditar?
—Não sei... Até que não encontre Nathan...
—Nathan! — Sua esperança se permutou em raiva, uma raiva escura e tempestuosa —
Esqueça-se de Nathan! Não permitirei que esse tipo saia com a sua! — Seus olhos refulgiam
com uma paixão que parecia refletir a que Maria sentia em seu peito — Não permitirei!
Começou a encurralá-la para a cama em uma inconsciente imitação de seus exagerados
passos sensuais da valsa durante a festa, e Maria sentiu um calafrio nas costas.
—Havia dito que me deixaria dormir sozinha.
—Para que possa pensar nele e no que lhe deve? Uma ova! Farei amor com você antes de
permiti-lo! De um modo ou de outro, penso convertê-la em minha esposa! — Uma primitiva
determinação brilhou em seus duros traços — Embora tenha de arruinar sua honra para
consegui-lo.

241
A intensidade do momento provocou em Maria um formigamento de excitação no ventre.
—Então, não terá que se casar comigo. Darei a você tudo o que deseja de mim.
Escapou de Oliver uma dilaceradora gargalhada.
—Precisaria de toda uma vida para me sentir satisfeito de você, de tudo o que desejo de
você.
Suas palavras conseguiram impressionar Maria. Possivelmente, sim, que ele precisava
dela; possivelmente, sim, que sentia algo profundo por ela.
—Além disso — disse ele, com um irônico sorriso, enquanto tirava a jaqueta e, depois, o
colete — minha família me arrancaria às bolas, se me atrevesse a arruinar sua honra e, depois,
não me casasse com você.
—Eu não aceitei que arruíne minha honra — apontou ela.
Os olhos negros de Oliver brilharam sob a luz da vela.
—Sim, mas fará. — E com essa sentença, baixou a cabeça para apanhar com a boca seu
seio escassamente coberto pelo fino tecido.
Maria entreabriu os olhos e suspirou. Aquele maldito arrogante estava tão seguro de si
mesmo... E não lhe faltavam razões! Oferecia-lhe a maior tentação possível, o mais doce dos
pecados. Como se supunha que ia resistir a aquele incrível estímulo?
Não podia, e muito menos quando ela também o desejava tão desesperadamente.
Oliver lhe mordiscou o mamilo através do tecido, e Maria arqueou mais as costas para
aquela bendita boca. Desabotoou a camisola até a cintura e a abriu para contemplar seus
esplendorosos seios nus. Então fincou o joelho no chão para lhe lamber um mamilo ereto,
enquanto lhe acariciava o outro seio.
—Ohhhhhh..., Oliver! — suspirou ela.
—Eu adoro seus seios — murmurou ele esfregando com a ponta do nariz o mamilo que
acabava de lamber — Cada vez que a vejo desejo lhe abrir o vestido e chupar isso, até que me
peça mais.
—Isso sim que... Despertaria muitos rumores... Que dariam muito que falar. — Maria
conteve uma gargalhada.

242
Oliver brincou com seu outro seio, lhe prodigalizando mil carícias com a boca.
—Eu adoro tocar você; nunca me canso de fazê-lo. — Ela soltou um ofego sensual e lhe
deu de presente um sorriso carnal — Eu adoro os sons que faz, a forma como se entrega à
paixão desenfreada, sem reparos.
Maria se ruborizou.
—Você gosta de ver-me atuar tão libidinosamente como você.
Os olhos dele se escureceram.
—E eu gosto que você acredite que é libidinosa. Não tem ideia do que é uma mulher
depravada. — Seu ardente olhar posou em seus olhos, enquanto acabava de tirar-lhe a
camisola — Mas estarei encantado de lhe ensinar.
Sem mais aviso, inclinou a cabeça para beijá-la entre as pernas introduzindo a língua pela
ranhura das anáguas.
—Oliver! — exclamou ela consternada. Quando sua língua se moveu implacavelmente por
seu púbis para lhe lamber o ponto mais delicado, Maria suspirou — Oliver... Por favor...
—Faz tempo que queria fazer isto — a sossegou ele, ao tempo em que alargava a ranhura
das anáguas, e, depois, voltou a repetir aquelas escandalosas carícias.
Faziam-lhe cócegas, e, quando ela reagiu tentando retroceder para afastar-se de sua boca,
lhe capturou as coxas com firmeza e a arrastou para frente, para poder devorá-la sem nenhum
impedimento.
Maria pensou que ia morrer de prazer ou que não o suportaria e começaria a chiar, das
duas uma. Aquela boca lhe dava de presente o mesmo prazer que sua mão lhe deu na
carruagem, embora, possivelmente, mais intensamente... De uma forma mais... Embaraçosa.
Entretanto, seu desejo superava com acréscimo sua vergonha, assim, quando ele se
afastou um momento para lhe sugerir: «Estaria mais cômoda na cama», e ficou de pé para
guiá-la até o leito, ela não resistiu.
Maria não queria pensar no que estava fazendo, porque sabia que não era nada decente,
nem tampouco queria pensar em sua sensatez, ao entregar-se a um sedutor nato. Porque,
essa noite, Oliver não era esse homem; ao menos, não para ela. Oliver era o jovenzinho que

243
chorou enquanto embalava sua mãe morta entre seus braços, era o jovem que se
desencaminhou pelo caminho da perdição, do álcool e das mulheres, para esquecer o
passado, o marquês que jurou que jamais se casaria por dinheiro.
Ele era o homem que seria seu amante. E sem nenhum preâmbulo, aceitou seu convite de
deitar-se na cama e deixou que lhe separasse as pernas e que se instalasse entre elas.
Depois disso, Oliver começou a lhe dar tanto prazer, com um empenho tão feroz, que ela
apenas conseguiu aferrar-se à colcha e gozar. Quem teria sonhado que um homem pudesse
fazer umas coisas tão incríveis com a língua!
Só quando Oliver viu que se convulsionava, arqueava as costas, ofegava e lhe pedia mais,
levou-a até as mesmas cúpulas celestiais, as mesmas profundidades gloriosas, como fez
aquele dia em sua carruagem. E enquanto ela ainda tremia de prazer e seu coração pulsava
ainda descontrolado, OIiver a contemplou possessivamente, lhe dando a entender que era
dela, apenas dela.
—Eu adoro como chega ao orgasmo — lhe disse em uma voz baixa e sedosa, enquanto
tirava a gravata e a camisa — Eu adoro como alcança o prazer de uma forma tão aberta e
natural, sem se conter.
—Seriamente? — Maria se sentou e levou uma mão até os botões de suas calças — Deixe
que eu faça isso — murmurou, entretendo-se com a visão de Oliver sem camisa.
Os duros músculos de seu peito estavam cobertos por um arbusto de pelo, e também
tinha pelo ao redor do umbigo, um pelo que se fazia mais consistente e grosso à medida que
descia para as calças que ela estava desabotoando. Oliver tinha os mamilos duros como
pedrinhas, tão eretos como os seus, e Maria não pôde resistir à tentação de aproximar-se
mais e lamber-lhe tal e como ele fez.
Oliver ofegou e lhe capturou a cabeça com suas enormes mãos.
—Jamais imaginaria que pudesse ser tão atrevida — bufou enquanto lhe mordiscava um
mamilo.
—Você gosta?
Oliver afundou as mãos em sua juba e sua respiração se acelerou.

244
—Sabe perfeitamente que me deixa louco.
Ela sorriu pega à sua pele. Nunca sonharia que a perversão pudesse ser tão divertida, que
ver como um homem respondia às suas carícias pudesse excitá-la tanto. Com uma enorme
vontade de experimentar suas recém descobertas armas de mulher, moveu os lábios para seu
ventre e lhe estampou uns úmidos beijos nos músculos que se flexionavam com o tato de sua
boca. Mordiscou-lhe brandamente a pele.
—Que Deus tenha piedade de mim — resmungou ele com um fio de voz. Oliver lhe
afastou as mãos e acabou de tirar calças e os calções, para em seguida, lançá-los a um lado,
com um movimento descuidado.
Ela ficou olhando sem pestanejar. Como não ia fazê-lo? Aquele «aguilhão» enorme que ele
acabava de desvelar estava virtualmente lhe saltando à cara, mais escuro e mais grosso e mais
comprido do que Maria esperava. Rodeado por um manto de cachos tão negros como a noite,
tinha duas partes arredondadas que lhe penduravam por debaixo. As bolas.
De repente, seu comprido membro se moveu, e Maria deu um pulo.
—Toque-me — lhe pediu ele — Toque meu membro. — Então, quase como uma reflexão
tardia, adicionou — Por favor.
Parecia uma palavra tão desconjurada, uma amostra tão incongruente de cortesia,
especialmente tratando-se dele, que ela pôs-se a rir.
—Acha engraçado? — murmurou ele — Já vejo que sim. O marquês de Rockton
suplicando...
—Chist! — sossegou-o Maria com um sorrisinho travesso, enquanto pegava seu
«membro» — Você não é Rockton. Você é você. Embora ache engraçado vê-lo suplicar.
Oliver ofegou quando ela o acariciou, fascinada ao ver como reagia o membro sob sua
mão. Ele fechou os dedos sobre os de Maria, incitando-a a exercer mais pressão.
—Assim, sim.
Ela o acariciou pelo que lhe pareceu um breve momento, antes que ele soltasse:
—Não posso aguentar mais. — Afastou-lhe a mão e a convidou a deitar-se na cama —
Quero estar dentro de você.

245
Enquanto Oliver lhe tirava as anáguas, o pânico se apoderou dela.
—É minha primeira vez, sabe? — recordou-lhe, enquanto lhe tirava a camisola por cima da
cabeça.
Oliver sorriu com escárnio.
—Sei querida; sei.
Ajoelhou-se entre suas pernas, e Maria se assustou ainda mais.
—Alguma vez se... Deitou com uma virgem? — chiou ela, completamente tensa.
—Não. — Seus olhos brilhavam divertidos, ao tempo em que levava a mão para o púbis
pegajoso e úmido que acariciou uns momentos antes — Mas não acredito que seja tão
diferente de qualquer outra relação.
Oliver afundou um dedo dentro dela, e Maria conteve a respiração.
—Tia... Tia Rose me disse que a primeira vez dói, e que sai sangue, e que...
Ele a aquietou com um beijo, colando seu corpo ao dela, até que seu peso lhe provocou
um efeito tranquilizador. Mantendo-lhe as pernas separadas com uma mão, acariciou-lhe o
púbis com a outra, enquanto começava a lhe devorar a boca.
Maria o rodeou pelo pescoço com ambos os braços e se entregou a aquele beijo
embriagador. Isso sim que lhe resultava familiar, isso sim que gostava. Gostava da forma lenta
em que ele se apoderava de sua boca, como se ela fosse à primeira mulher que ele beijava na
vida e queria espremer todo o prazer daquele ato.
Estava tão ocupada desfrutando de seus beijos que não percebeu que Oliver substituiu o
dedo por algo um pouco mais grosso, até que algo mais volumoso começou a entrar dentro
dela.
Maria afastou a boca e o olhou com visível nervosismo.
—Relaxe. — Oliver sustentou seu olhar; seu rosto refletia pura excitação — Nossos corpos
estão feitos para realizar este ato, embora pareça estranho. E não importa o que lhe disseram,
é a ação mais natural do mundo.
—Pois não me parece tão natural.

246
—Isso é porque está opondo resistência. — Acariciou-lhe a bochecha com a ponta do
nariz, logo sussurrou — Não resista, relaxe. Prometo que não a machucará mais que o
necessário.
—Não soa muito convincente — protestou ela enquanto ele se afundava um pouco mais
em seu interior.
Oliver sufocou uma gargalhada estampando a boca em sua orelha.
—Quer que lhe conte uma piada, para que não pense no que estamos fazendo?
Maria arqueou uma sobrancelha.
—Uma piada suja, suponho.
—É óbvio.
Quando ele se acomodou um pouco mais dentro dela, Maria voltou a ficar tensa, sem
poder evitar. Resultava-lhe muito estranho, notá-lo dentro dela, tão invasivo, tão rígido.
—De... De acordo.
—Um ancião perguntou a sua filha que tipo de planta era a que crescia com mais rapidez.
Ela respondeu: «Um punho de cadeira de montar». «E como é isso?», perguntou ele. «Porque,
quando ia montada atrás do lacaio, com medo de cair, ele me disse que passasse a mão ao
redor de sua cintura para me aferrar ao punho da cadeira de montar. Ao princípio, quando me
aferrei, não era maior que um dedo, mas quando chegamos a casa, era quase tão grossa como
meu braço!»
Com a evidência desse aguilhão tão volumoso plantado dentro dela, Maria não pôde evitar
começar a rir. E enquanto seguia rindo, Oliver lhe rompeu a membrana da virgindade.
Apesar de que Maria sentiu uma aguda dor, não foi tão horroroso como esperava. E o fato
de senti-lo dentro, unido a ela de uma forma tão íntima, era indescritível.
—Está bem? — murmurou ele, junto a sua orelha, com uma voz tensa.
—Sim — suspirou ela.
—O pior já passou. Verá que a partir de agora se sentirá muito bem.
E sua promessa se cumpriu. Oliver começou a investi-la com suavidade, e Maria notou que
a dor se diluía e se permutava em uma cálida sensação, um calor que, pouco a pouco, foi

247
apoderando-se de todos seus sentidos, embriagando-a e fazendo que todo seu corpo se
derretesse como manteiga.
—Por Deus! — bufou Oliver com uma voz gutural, enquanto seguia investindo-a
ritmicamente — Estar dentro de você é como estar no céu.
Quando ela arqueou de novo para ele em busca da mesma sensação que experimentou
antes, Oliver rugiu:
—Eu adoro como responde seu corpo. — Estampou-lhe um beijo no cabelo — E eu gosto
de seu cabelo, e seu aroma.
Maria o olhou nos olhos.
—Sendo um homem que não acredita no amor, costuma dizer coisas bastante românticas.
Piscou-lhe um olho. Um estranho alarme se estendeu por suas feições. Então se inclinou
para apoderar-se novamente de sua boca.
Maria se reanimou com aquele beijo da mesma forma que uma flor revive na terra ao
chegar à primavera, porque, entre seus braços, sentia que era primavera, como se o mundo se
enchesse de cor, depois da cinza letargia do inverno.
O beijo de Oliver se tornou mais impaciente, como se não pudesse saciar sua sede, e suas
investidas se voltaram mais desesperadas. Afundava-se nela com tanto ímpeto que Maria
acreditou que ia ficar sem fôlego. Sem deixar de beijá-la, Oliver lhe elevou um pouco mais os
joelhos como se tentasse penetrá-la ainda mais fundo, como se pretendesse apoderar-se por
completo daquela parte dela que se derretia por ele de uma forma incondicional.
Maria sentia um fogo abrasador em seu interior, até que começou a perder o mundo de
vista. Cada centímetro de seu corpo parecia fundir-se como a lava de um vulcão.
—Isto é... Ohhh... Céus... Oliver...
—Sim — disse ele com uma voz gutural. O suor lhe empapava a fronte — Agora é minha...
Minha, compreende? Minha. Minha... Minha...
As palavras ressonavam nos ouvidos de Maria, quando ela alcançou o orgasmo; uma
selvagem conflagração de luz e prazer tão ardente, tão intensa, que não pôde conter-se e
chiou a todo pulmão.

248
Com um rugido, Oliver também chegou ao orgasmo e ejaculou dentro dela. E enquanto
seu corpo se convulsionava ao mesmo tempo em que o de Maria, olhou-a nos olhos e
acrescentou pela última vez:
—Minha.

249
CAPÍTULO 21

Oliver permanecia convexo com Maria entre seus braços, com o olhar perdido no teto,
enquanto o pânico se apoderava dele. Pediu em casamento uma mulher respeitável? E depois
a deflorou deliberadamente para conseguir que aceitasse sua proposta? Como pôde
acontecer?
A princípio, só a estava contemplando enquanto dormia placidamente, e jurando a si
mesmo que a deixaria em paz, quando, de repente, se encontrou fazendo amor com ela, com
um desespero como jamais havia sentido. Foi a experiência mais profunda de sua vida.
Essa constatação lhe gelou o sangue.
Não entendia. Deitou-se com um montão de mulheres, mas nunca sentiu nada parecido.
Era ela? Sim, Maria era diferente às demais, e não só porque fosse virgem, mas, sim, por sua
forma de enfrentar a tudo, tão pragmática... Tão fascinante. Maria era inocente e descarada,
doce e deliciosamente libidinosa. Oliver nunca sabia o que podia esperar, e aquele elemento
de surpresa o pegou despreparado.
Pelo amor de Deus! Se inclusive lhe contou o que aconteceu aquela terrível noite no
pavilhão de caça! Tinha perdido o juízo? Esteve tão perto de revelar tudo. Só Deus sabia o que
ela acharia dele, se lhe contasse o resto! Seguro que nunca mais voltaria a acreditar que
existisse a mais remota possibilidade de redenção para ele.
Oliver estava disposto a fazer qualquer coisa, com tal de evitar sua decepção. Tornou-se
viciado em seu tenro e doce carinho, e o aterrorizava pensar que esse carinho para ele
pudesse permutar-se em asco. Maldição! Certamente, estava enlouquecendo.
Mas isso agora, não importava. Tinha-a deflorado, e a única forma de arrumar aquela
ofensa era casar-se com ela.
—Oliver? — sussurrou Maria.

250
Ele abaixou a vista para contemplar seus delicados traços, ainda sufocados pelo esforço
físico, e sentiu o mesmo arrebatamento possessivo que o levou a reclamá-la com toda a
sutileza de um elefante.
«Minha... Minha... Minha.» As palavras ainda ressonavam na cabeça de Oliver, e não podia
escapar delas.
—O que quer querida?
—Fazer amor é sempre assim, uma experiência tão esmagadora?
Para não perder o costume, Maria acertou em cheio. Uma experiência esmagadora, isso
era o que a fazia diferente: até esse momento, quando se deitava com alguma mulher, Oliver
jamais se entregou por completo, sempre se mantinha distante e indiferente.
Pensou na possibilidade de mentir, mas ao ver a forma que ela o olhava, com aquela
absoluta vulnerabilidade em seus olhos, não pôde fazê-lo.
—Não, nem sempre. Ao menos, não para mim.
—Assim, também foi especial para você?
Tinha sido isso e muito mais. E o preocupava aquele sentimento tão profundo.
—Foi incrível, querida.
—Não é necessário que exagere, sabe? Eu... Compreendo. — Maria voltou a rosto para a
parede.
Oliver colocou a mão em seu queixo para obrigá-la a olhá-lo.
—O que é o que entende?
Ela mordeu o lábio inferior com indecisão.
—Bom, você se deitou com tantas mulheres...
—Asseguro-lhe que nunca antes experimentei nada similar, com nenhuma mulher.
O rosto de Maria se iluminou.
—Seriamente?
—Seriamente. — Oliver lhe deu um beijo no nariz. Gostava de seu narizinho arrebitado e
sardento, e sua perfeita pele alabastrina, e seus lábios da cor dos pêssegos amadurecidos que
nunca se cansava de beijar...

251
«Sendo um homem que não acredita no amor, costuma dizer coisas bastante românticas.»
De repente, ficou tenso. Não, isso não significava nada; era apenas uma forma de
expressar-se, nada mais.
—Para falar a verdade, foi um final perfeito para o dia de São Valentim. — Maria o olhou,
de soslaio — Diga, foi por pura casualidade que tirou o meu nome no sorteio?
—Você o que acha?
—Não sei. Celia me disse durante o trajeto de volta a casa que acreditava que era o
destino.
Oliver arqueou uma sobrancelha.
—Só se o assistente do destino é o duque de Foxmoor. Ele forjou o sorteio.
Para sua surpresa, Maria se pôs a rir.
—Teria que se envergonhar de si mesmo! Pensava que tinha visto meu nome por acaso,
mas isso de fazer armadilhas abertamente... Não tem nenhuma gota de vergonha, verdade?
—Não quando se trata de você — respondeu ele.
Maria pareceu gostar daquela resposta. Reafirmada a respeito de sua habilidade por
enfeitiçá-lo, se aconchegou junto a ele como uma gatinha, movendo os seios sinuosamente
debaixo do lençol.
Aquele movimento tão sensual o excitou imediatamente.
—Se eu fosse você, não faria isso, gracinha.
—O que? — Ela o olhava com grande curiosidade.
—Mover-se desse modo tão voluptuoso, ou voltarei a fazer amor com você.
Maria lhe deu de presente um sorriso tímido.
—Seriamente? — se aproximou ainda mais e, com um dedo, começou a riscar uma linha
por seu peito para seu ventre, de uma forma própria da cortesã mais experimentada.
Agarrou-lhe a mão.
—Falo sério, pequena provocadora. Não me tente ou me terá em cima de você, antes que
se dê conta.
—E o que tem de mal nisso?

252
Oliver entrelaçou os dedos com os dela. Por que não podia parar de tocá-la?
—Foi sua primeira vez. Seu corpo necessita de repouso.
—Ah! — Maria franziu o cenho — Suponho que sim, que me sinto um pouco entorpecida.
— Lançou-lhe um olhar zombador — Quem ia imaginar que fazer amor seria tão... Vigoroso?
Ou viciante?
—Não tem ideia. — Seu membro estava tão duro como uma rocha debaixo do lençol —
Mas quando estivermos casados, será um prazer ir somando mais experiências.
O sorriso se desvaneceu dos lábios de Maria. Separou-se dele e lhe deu as costas. Isso não
era um bom sinal. Pior ainda, aquela retração ativou em Oliver um alarme desconhecido em
seu peito. Pensava que a questão do casamento já tinha ficado resolvida, quando Maria
concordou em deitar-se com ele.
—Casaremos — asseverou ele — Não há outra saída. — Oliver se incorporou um pouco
mais para ela e lhe deu um beijo no ombro — A primeira hora da manhã irei à cidade para
obter uma permissão de casamento especial. Com um pouco de sorte, poderemos nos casar
em um par de dias.
—Um par de dias? — protestou ela, voltando o rosto velozmente para ele — Não, Oliver!
Não podemos! É muito cedo!
Ele a olhou, com receio.
—Por que não?
—Primeiro, tenho de encontrar Nathan. Merece inteirar-se de primeira mão de que penso
em romper o compromisso com ele.
Um ciúme irreprimível se apoderou de Oliver.
—Mas já quebrou o compromisso!
—Já sei! — Maria abaixou a vista — Agora que já não sou casta, não seria justo para ele
que nos casássemos.
Oliver bufou com irritação.
—Ele seria muito afortunado de casar-se com você, mas dado que vai romper o
compromisso com ele, não vejo nenhuma razão para esperar. Foi ele quem a deixou, recorda?

253
Maria ficou vermelha. Pegou a camisola e abandonou a cama. Ele a observou sem dizer
nada enquanto ela a punha pela cabeça, logo passou os braços e, por último, esticou o tecido
para as pernas com uns movimentos descaradamente femininos, uns movimentos que ele
presenciou centenas de vezes; entretanto, ela os fez de um modo especial, quase lírico, com a
juba caindo até a cintura como uma cortina de seda amarela como o fogo.
Oliver esboçou uma careta de chateio ante aquele pensamento poético. Por Deus!
Realmente, estava perdendo o juízo.
—Casará comigo, Maria.
Ela o olhou com porte beligerante.
—Primeiro, preciso saber em que tipo de casamento está pensando.
Oliver se sentou com as costas rígidas apoiada na cabeceira acolchoada, visivelmente
desconcertado.
—A que se refere?
—Ontem à noite disse que ir ao bordel foi uma «aborrecível amostra de mau gosto» e que
nunca mais voltaria a acontecer. Falava sério?
Oliver ficou tenso. Era uma pergunta solene.
—Queria dizer que nunca mais a afrontarei desse modo.
Ela estreitou os olhos.
—Em outras palavras, que suas visitas ao bordel serão mais discretas no futuro, não?
—Não! Sim... Por Deus... Não sei! — O pânico se apoderou novamente dele. Maria queria
obrigá-lo a lhe prometer que seria fiel — Quando disse isso, não pensava que íamos casar.
—Assim, que está propondo que tenhamos um casamento ao uso inglês, como o de seus
pais — concluiu ela, com uma voz glacial.
—É óbvio que não! — replicou ele com secura — Maldita seja, Maria! Está perguntando
algo que não posso responder. — Oliver se levantou da cama e pegou os calções. Pela
primeira vez em sua vida, sentia-se vulnerável pelo fato de estar nu —Por que acha que ainda
não me casei? Porque não quero ter o mesmo tipo de casamento que meus pais. E não sei
se... Não estou seguro de se serei capaz de...

254
—Ser fiel?
Ele a olhou fixamente, nos olhos.
—Exato.
Maria tragou saliva com dificuldade, logo se dirigiu à cama e pegou as anáguas.
—Bom, ao menos, é honesto.
Oliver a estreitou entre seus braços, sem poder se conter.
—Não estou dizendo que não possa ser fiel; somente digo que não sei se posso prometer.
Nunca tentei antes.
Os olhos de Maria tinham adotado um brilho exagerado, quando elevou novamente a
vista para olhá-lo.
—Temo que isso não baste.
O sangue de Oliver gelou.
—O que quer dizer?
—Oliver, quando soube que tinha ido a um bordel...
—Mas se não me deitei com nenhuma puta! — interrompeu-a ele — Passei toda a noite
bebendo e nada mais, juro-lhe isso!
—Já sei. Mas nesse momento, não sabia. E por mais que dissesse a mim mesma que não
tinha nenhum direito de esperar que fosse fiel, doeu muito, quase mais do que podia
suportar. Não posso imaginar quanto doeria se estivéssemos casados e tampouco quero
descobrir.
Oliver a olhou sem piscar. Não podia acreditar no que ouvia.
—Se está me pedindo que lhe declare meu amor incondicional ou alguma panaquice
similar...
—Conheço você o suficiente para saber que não posso lhe pedir isso — o cortou ela com
um sussurro doído — Mas sei que mereço algo mais que um marido que somente pode me
oferecer um compromisso pela metade. Foi você quem me ensinou essa lição.
As palavras tiveram o efeito de um murro no estômago.
—Está me rechaçando? — perguntou ele sinceramente, com incredulidade.

255
Maria lhe acariciou a bochecha com uma ternura que o desarmou.
—Admita, em realidade, não quer se casar; nunca o quis.
—Você não sabe o que quero! — Oliver lhe capturou a mão e lhe deu um efusivo beijo na
palma — Quero você!
—São suas condições, e eu não posso aceitá-las. — Afastou a mão e rodeou a si mesma
com os braços pela cintura — Acredito que agora, será melhor que saia. Os criados não
demorarão a chegar.
—Perfeito, nos encontrarão juntos, e, então não ficará outra escolha.
Os traços de Maria se crisparam.
—Sempre terei uma escolha. Mas você me prometeu que não me humilharia mais no
futuro. Pensa em romper essa promessa?
Oliver se sentia péssimo, completamente envergonhado. Era uma emoção tão estranha
para ele que a princípio, não a reconheceu. Pensar que ela não ia casar com ele o encheu de
um desespero que foi se acrescentando em seu peito.
—Maria, por favor... — começou a suplicar.
Então se calou. Maldita fêmea! Era a segunda vez em uma noite que conseguia fazê-lo
suplicar. Nunca antes suplicou nada a nenhuma mulher em toda sua vida.
—Está se comportando como uma verdadeira insensata! — bramou ele e em seguida,
começou a perambular pelo quarto com passo nervoso, recolhendo sua roupa e vestindo-se
com aborrecimento, sem prestar atenção a sua aparência — Irei, mas não estou disposto a
desonrá-la e deixar que sofra as consequências sozinha, e não me importa o que diga! Ambos
estamos cansados. Foi um dia muito longo; continuaremos esta discussão amanhã.
—Não mudará nada.
—Está segura? — Oliver se aproximou e a atraiu para si, para lhe dar um apaixonado beijo
carnal. Quando Maria permaneceu rígida entre seus braços, ele bufou zangado. Era certo que
ela não resistiria por muito tempo — Posso ser muito persuasivo, quando me proponho a isso.

256
Só quando esteve seguro de que conseguiu desestabilizá-la, Oliver se virou e partiu. Mas
as palavras que lhe disse Maria o atormentaram durante todo o percurso até sua estadia:
«Está me propondo que tenhamos um casamento ao uso inglês, como o de seus pais».
Maldição! Isso era precisamente, quão último desejava.
—Mas era capaz de lhe oferecer algo distinto? Porque Maria tinha razão: ela merecia um
marido melhor, um homem que não lhe oferecesse um compromisso pela metade, e Oliver
não sabia se ele seria capaz de converter-se nesse tipo de marido.
Entretanto, estava seguro de que isso não era importante nesse momento. O importante
era que a deflorou, e não pensava em permitir que ela sofresse as consequências de seu
egoísta ato precipitado por mais que a ideia de casar o aterrorizasse.
À manhã seguinte, pensava em ir em busca de uma permissão de casamento especial, e
depois se casariam. Não havia nada mais que falar.

257
CAPÍTULO 22

Depois que Oliver partiu, Maria permaneceu paralisada no mesmo lugar, sem mover-se
durante um bom momento. Seriamente, rechaçou casar-se com o homem que lhe roubou a
castidade? Tinha perdido o julgamento?
«Não estou dizendo que não possa ser fiel; apenas digo que não sei se posso prometê-lo.»
Maria elevou o queixo. Não, não tinha perdido o julgamento. Possivelmente, essas damas
inglesas aceitassem tais termos com tal de poder viver em uma impressionante mansão e
converter-se nas proprietárias e senhoras da casa, mas ela não. Não lhe bastava com um
casamento pela metade.
E não pensava em dar mais voltas ao assunto, nem um minuto mais. Não ia permitir que a
ideia de casar-se com Oliver a tentasse.
Com determinação, começou a lavar seu próprio sangue, logo, lançou a água turva pela
janela com a esperança de que se diluísse com a chuva. Depois, trocou os lençóis da cama,
jogou os velhos ao fogo e contemplou como ardiam. Graças a Deus por ter feito a cama nessa
casa durante os primeiros dias de sua estadia, e saber onde guardavam os lençóis limpos.
Somente depois de esconder todas as evidências de seu pérfido ato com Oliver, sentiu-se
segura para meter-se de novo na cama. Mas de nada lhe serviu. Quando ficou quieta e calada,
começou a pensar de novo no que aconteceu. Ainda podia cheirar o aroma de Oliver em sua
camisola, ainda podia vê-lo movendo-se ritmicamente em cima dela, penetrando-a,
destroçando-a em mil pedaços com a intensidade de sua necessidade.
Maria começou a chorar. Estava deitada na cama da Cinderela, rodeada por todos os
atrativos encantos de Halstead Hall, e chorou até que lhe acabaram as lágrimas, até que ficou
completamente exausta.

258
Depois, cravou a vista no mortiço fogo, recordando como Oliver fazia o mesmo, enquanto
lhe contava o desastroso casamento de seus pais. Parecia tão desesperado... Depois de tudo o
que lhe acabava de contar, como era possível que se atreveu a sonhar com um casamento de
conveniência?
«Assim me encontrou minha avó, sustentando minha mãe, embalando-a com desespero,
soluçando. Minha avó teve que arrancá-la dos meus braços.»
Um forte calafrio lhe percorreu a coluna vertebral. Durante todo o momento em que
esteve contando a tragédia, Maria teve a impressão de que omitia algo.
«Ela foi buscá-lo zangada com ele por... Uma coisa que tinha acontecido.»
O que era o que aconteceu? Algo mais ocorreu aquela noite, estava segura. Podia
entender que a morte de seus pais empurrasse Oliver a afundar-se em uma vida vazia por um
tempo, mas dezenove anos?
Não tinha sentido. Oliver não tinha sentido. Estava cansada de tentar compreendê-lo. E
preocupada com sua crescente fascinação por ele. Acaso, o via como um homem mais
especial do que realmente era? Segundo ele, não era mais que um mulherengo, um
irresponsável consumado.
Maria se negava a acreditar nisso. Mas dadas as amostras de indiferença de Nathan para
ela, era evidente que não tinha muito talento para compreender os homens. Assim, não
estava segura de se podia confiar em seus instintos quanto a Oliver, especialmente quando ele
a confundia constantemente com suas feras seduções que a desarmavam por completo.
Faltava pouco para que amanhecesse, quando por fim conseguiu adormecer. Quando
despertou, o disco solar brilhava muito alto no céu. Sentiu-se tentada a ficar todo o dia na
cama, sumida em sua tristeza, mas não se atreveu. Os outros perceberiam. Tinha de
comportar-se com naturalidade para manter o segredo do que aconteceu aquela noite.
Chamou Betty para que a ajudasse a vestir-se e rezou para que sua nova faceta não se
refletisse descaradamente em seu rosto. Conseguiu responder as atrevidas perguntas de Betty
a respeito da festa e do que aconteceu e de como reagiu o senhor ao vê-la com aquele bonito

259
vestido, mas depois de várias respostas superficiais, Betty compreendeu que sua senhora não
estava de humor para falar e a deixou em um silêncio que Maria agradeceu.
Quando finalmente teve uma aparência apresentável para apresentar-se diante do resto
da família, já era quase meio-dia. Enquanto descia as escadas, ouviu a voz de Celia na planta
inferior:
—Pode-se saber o que está fazendo aqui, senhor Pinter?
O pulso de Maria acelerou.
—Já disse ao lacaio, lady Celia, desejo falar com a senhorita Butterfield.
—Não sei por que.
—Contratou-me para que encontre seu prometido.
—Por favor, não fale em voz alta, insensato! — vaiou Celia justo no momento em que
Maria chegava ao patamar — Minha avó não sabe nada dessa história.
—Não me importa. — A voz do senhor Pinter era dura, quase irritada — E certamente não
desejo formar parte de nenhum desagradável plano perverso que tenha forjado seu irmão.
Apenas quero falar com a senhorita Butterfield.
—Estou aqui, senhor Pinter! — gritou Maria enquanto se apressava a descer as escadas.
Olhou primeiro para Celia, que oferecia um aspecto inusualmente sufocado, e, logo, para o
senhor Pinter, que parecia mais rígido que de costume — Não sabia que se conheciam.
Celia jogou a cabeça para trás.
—Faz uns meses, o senhor Pinter se apresentou em um campeonato de tiro que eu estava
a ponto de ganhar. Comportou-se de um modo absolutamente inaceitável e nos obrigou a
cancelá-lo, antes que tivesse a oportunidade de ganhar o troféu. Nunca o perdoarei.
—Vejo que recorda aquele incidente de um modo bastante distinto de como eu o recordo,
lady Celia. Você não estava a ponto de ganhar; o campeonato acabava virtualmente de
começar. — Deu um passo para a jovem, e seu temperamento geralmente controlado se
acendeu de forma alarmante — E sabe perfeitamente por que não lhes permiti continuar:
você e os amigos de lorde Jarret decidiram organizar esse campeonato em um parque público,
onde poderiam ferir algum transeunte. Como pessoa facultada para manter a ordem pública,

260
não queria que sua insensatez acabasse com uma pobre criatura morta no chão entre os
arbustos, por culpa de um improvisado torneio.
Celia o olhou com ar de superioridade.
—Não havia ninguém no parque; asseguramo-nos disso, antes de começar.
—Isso é o que você diz, mas eu não permito que minhas ações sejam regidas pelas
alegações de uma senhorita temerária e imprudente que não tem nada melhor que fazer com
seu tempo livre que desafiar uma turma de idiotas a disparar a revelia.
—Isso é o que o incomoda, verdade? — espetou Celia — Que eu possa disparar uma arma
com tanta perícia como qualquer homem. E para que saiba, não sou imprudente!
Quando o senhor Pinter fez ameaça de querer replicar, Maria decidiu intervir:
—Tem alguma notícia para mim, senhor?
O senhor Pinter ficou tenso, depois a olhou pesaroso.
—Rogo que me desculpe, senhorita Butterfield. Sim, tenho notícias. Podemos falar em
particular?
—Será melhor que espere que Oliver retorne — sugeriu Celia.
—Saiu? — perguntou Maria — Para onde?
—À cidade; demorará um momento em voltar. — Olhou o senhor Pinter de soslaio — Foi
obter uma permissão especial para que possam se casar, assim, considero que qualquer
noticia sobre o senhor Hyatt...
—Agradecerei que não se intrometa, Celia — a interrompeu Maria — Eu pago diretamente
ao senhor Pinter, assim, que este assunto só incumbe a mim.
Celia a olhou com a mandíbula deslocada. De sua relação durante a semana anterior,
surgiu uma bonita amizade, e Maria jamais falaria com tanta dureza. Mas o fato de que Oliver
tentasse casar-se com ela sem seu consentimento a alarmou.
—Muito bem — respondeu Celia com um tom doído — Deixarei vocês sozinhos para que
possam falar em particular. — E sem dizer nada mais, seguiu para a sala de jantar com passo
indignado.

261
—Por aqui. — Maria assinalou a biblioteca, com um peso na consciência pelo modo que
tratou Celia. Em apenas uma semana, chegou a apreciar sinceramente, à família Sharpe, mas
eles mostravam uma tendência a dar ordens às pessoas que os rodeava, e a Maria não gostava
que lhe impusesse o que tinha de fazer. A busca de Nathan era uma questão muito relevante
em sua vida, assim como a batalha que os irmãos Sharpe mantinham com sua avó.
Enquanto ela e o senhor Pinter se dirigiam para a biblioteca, lhe perguntou em voz baixa:
—Por que foi Stoneville procurar uma permissão especial?
—Forma parte de nosso falso compromisso — mentiu ela.
—Isso vai além do que se espera de uma farsa — comentou ele ao tempo em que
entravam na biblioteca — Se eu fosse você, senhorita Butterfield...
—Mas não é, verdade? — Maria fechou a porta e o olhou com olhos severos — Eu o
contratei para que encontre Nathan, não para que me dê conselhos.
A mandíbula do senhor Pinter se pôs rígida, mas admitiu a recriminação, inclinando
educadamente a cabeça.
Maria voltou a sentir-se afogada pelo peso da consciência. O senhor Pinter a estava
ajudando sem lhe cobrar nada; merecia um trato melhor por sua parte.
—Perdoe-me, senhor Pinter, foi uma jornada muito dura. — Maria quadrou os ombros —
E bem? Encontrou Nathan?
—Sim.
Ela conteve o fôlego. Agora poderia herdar o dinheiro de seu pai. Agora poderia liberar-se
tanto de Oliver como de Nathan, se quisesse. Deveria sentir-se aliviada e, entretanto, se
notava angustiada.
—Não está morto, não? — perguntou, expressando o primeiro temor que lhe veio à
cabeça.
—Não. — De repente, o senhor Pinter parecia incômodo — Não sei como dizer-lhe
senhorita Butterfield, mas pelo visto, seu prometido esteve realizando operações na
companhia de seu pai de forma independente.
—O que quer dizer?

262
—Está em Southampton, que é onde se instalou depois de partir de Londres. Sinto ter
demorado tanto em encontrá-lo, mas ele se esmerou muito em tentar apagar seu rastro.
—Não é possível. Não há homem mais honesto e melhor no mundo que Nathan. Deve
tratar-se de um engano; provavelmente, encontrou outro tipo.
—Um americano chamado Nate Hyatt, que se dedica à venda de navios? Você me disse
que esse era o motivo pelo que veio a Inglaterra, não é assim?
Um calafrio percorreu as costas de Maria.
—Sim — suspirou.
—E o rastro me levou diretamente até ele. — Os olhos do senhor Pinter mostravam uma
clara compaixão — Em Southampton, se apresentou como o proprietário de uma naval
americana chamada Massachusetts Clippers. Manteve reuniões com as navais de
Southampton com a intenção de lhes vender vários veleiros de grande tamanho. O processo
foi longo, mas finalmente encontrou um possível comprador, um tal senhor Kinsley, que
precisou de bastante tempo para verificar os créditos do senhor Hyatt.
—Verificar? Como pôde fazê-lo, se Nathan inventou uma nova companhia?
—Recebeu o apoio de alguém em Baltimore.
O coração de Maria encolheu.
—A família de Nathan é de Baltimore. Suponho que está negociando em nome de sua
família para sair com a sua. — Isso explicava por que ele se desfez dos alforjes; levavam o
nome da companhia gravado. A dor por aquela pequena traição adicional a abateu de um
modo insuportável. —Seus pais estão mortos, mas a família de seu pai estava metida no
negócio dos navios e tinha numerosos contatos. Deve ter coagido um deles para que minta a
seu favor.
—Não descobri de quem se trata, mas seguirei investigando, se você me pedir isso.
—Não se preocupe. — Agora que Maria sabia onde estava, pensava em obter as respostas
em pessoa.
Durante todo esse tempo, esteve se preocupando com ele, e, em troca, ele estava
maquinando às suas costas um plano perverso. Como se atrevia a fazê-lo?

263
Maria não escapou a ironia, que depois de tantos anos de ler com fascinação a respeito de
estelionatários e trapaceiros surpreendidos pelas autoridades, ela fosse à vítima de um deles.
Os delitos perdiam grande parte de seu atrativo, quando acontecia a gente mesmo.
—Há algo mais — disse o senhor Pinter.
Seu tom pesaroso conseguiu que o coração de Maria encolhesse. Não estava segura se
suportaria mais injúrias.
—Sim?
—Segundo os rumores que circulam por Southampton, o dono da naval tem uma filha em
idade casadoira pela que ele mostrou certo interesse. Segundo as intrigas, ninguém
estranharia que, muito em breve, lhe faça uma proposta de matrimônio.
Com o coração pulsando estrondosamente nos ouvidos, Maria avançou até a janela
achinesada que fraturava a luz em pedaços, como ela se sentia fraturada pelas notícias do
senhor Pinter.
Não era que estivesse apaixonada por Nathan. Se estivesse, aquele sentimento não
sobreviveria a tantos meses em silêncio. Certamente, não sobreviveria a sua noite com Oliver.
Mas seu orgulho estava terrivelmente pisado, igual a sua confiança e sua habilidade em
interpretar o caráter masculino. Todo aquele tempo acreditou que Nathan era um homem
honrado, e, entretanto, não era mais que um maldito traidor. Oliver tinha razão a respeito
dele.
—Iria mais longe até me atrever a comunicar a Hyatt as novas a respeito da morte de seu
pai. — O senhor Pinter se colocou atrás dela — Mas você não me deu permissão para fazê-lo,
e pensei que preferia fazê-lo você pessoalmente.
—Certamente. — Com uma incontrolável raiva que ia se incrementando em seu peito, ela
se virou prontamente, e o olhou no rosto — A que distância está Southampton daqui?
—Está na costa, ao sul; com uma boa calesa e o tempo ao seu favor, a viagem pode
realizar-se facilmente em doze horas ou possivelmente menos.
Sem dinheiro para viajar, o mais provável era que Maria demorasse doze anos. Soltou um
suspiro de desespero.

264
—Se me permitir, senhorita Butterfield — prosseguiu o senhor Pinter — estarei mais que
encantado de levá-la até lá. Minha carruagem a espera; já está preparada para uma viagem
longa.
Ela ficou olhando atônita.
Ele sorriu com acanhamento.
—Supunha que ia querer ir solucionar o problema em pessoa.
—Sim, mas... Bom, possivelmente, demorarei bastante tempo em poder lhe pagar por sua
ajuda, e viajar de carruagem pode resultar caro...
—Não se preocupe. Investiguei a respeito de você também, e sei que posso confiar que
me pagará quando puder.
Maria desejava lhe dar um beijo.
—Então, será melhor que partamos sem demora. Irei procurar Freddy e prepararei as
malas.
—Perfeito. Enquanto isso, irei falar com o chofer para confirmar que tudo esteja
preparado para vocês dois.
Ela se voltou para a porta, então se deteve e retornou para lhe dar um efusivo aperto de
mãos.
—Obrigado, senhor Pinter. Não sabe quanto aprecio sua ajuda.
—Não tem que agradecer — respondeu ele com um afável sorriso — Não suporto ver
animais como o senhor Hyatt abusando da boa fé de jovens damas. Merece ser desmascarado
pela fraude que cometeu, e me sinto mais que feliz de poder contribuir a fazê-lo.
Maria lhe lançou outro olhar de agradecimento, antes de sair precipitadamente da
biblioteca. Não chegou ao primeiro andar, quando Minerva se plantou a seu lado.
—Celia me disse que tem novidades.
—O senhor Pinter encontrou meu prometido, e agora mesmo, partiremos para a costa
para nos reunimos com ele. — sentia-se muito envergonhada para admitir o tremendo
desengano a respeito de Nathan e tampouco estava disposta a explicar a Minerva exatamente
aonde iam; não queria que Oliver se intrometesse no assunto.

265
—E o que acontece com meu irmão?
Maria procurou manter a compostura, enquanto seguia avançando para seu quarto.
—O que acontece com ele?
Minerva se apressou para lhe seguir o passo.
—Disse que ia à cidade obter uma permissão especial, assim que deduzi que...
—Pois deduziu incorretamente. — Seu coração podia clamar o contrário, mas desta vez,
não estava disposta a escutá-lo, já que no passado a guiou mal — Não há nenhum acordo
entre nós, apesar da farsa que protagonizamos ontem à noite na festa.
— Mas sabe que ele está apaixonado por você! Não pode ir assim, sem falar com ele!
—Sim, que posso. — Se ficasse até que Oliver retornasse, ele tentaria convencê-la para
que não partisse. Possivelmente, ele desejava apenas um casamento pela metade, mas não
suportava a ideia de que ela se casasse com outro homem, nem de que fosse livre para partir
da Inglaterra sem ele.
Provavelmente, estava atuando como uma covarde, mas sabia que se ele se propunha
convencê-la com todas suas forças, ela acabaria por sucumbir. E era melhor que não o
conseguisse, porque a destruiria. Já tinha estado a ponto de obtê-lo.
Minerva a agarrou pelo braço, para obrigá-la a deter-se no patamar da escada.
—Maria! Não está sendo justa!
—Justa? — Ela escapou de sua garra — Não sabe nada de justiça! Em primeiro lugar,
Oliver me manipulou para que intervenha em um ridículo jogo de que sairão beneficiados os
cinco irmãos, em troca de que eu possa encontrar meu prometido. E, em segundo lugar,
Nathan, o homem com o que acreditava que me ia casar, o homem em quem depositei toda
minha confiança... —Enquanto as lágrimas alagavam seus olhos, percebeu que falou muito.
Lutando por conter as lágrimas, tentou falar com mais calma. —Não importa. Tenho de fazê-
lo, e não posso permitir que Oliver interfira. Isto é entre Nathan e eu.
—Voltará?
—Não há nenhuma razão para que volte. É evidente que sua avó não dará o braço a
torcer, assim que o plano de Oliver fracassou. E eu não posso... Não devo... — Sua longa noite

266
e as más notícias a desarmaram, e as lágrima começaram a rodar livremente por suas
bochechas.
Minerva se alarmou.
—Oh! Pobrezinha! Olhe, importa-me um nada o plano de Oliver. O único que me importa
é você. O que ocorre? O que aconteceu?
Maria secou as lágrimas com o dorso da mão.
—Aconteceram muitas coisas que me superam.
—Oliver fez algo que não deveria ter feito? — perguntou Minerva ferozmente — Porque
se fez, juro-lhe que...
—Não, não fez nada — mentiu Maria — Por favor, deixe que parta. É urgente.
Minerva assentiu.
—De acordo, então a ajudarei.
—Como?
—Sou capaz de fazer malas com mais rapidez que ninguém.
—Obrigada. — Maria suspirou — Mas ainda me ajudaria mais se ajudasse Freddy. Ele
precisa de anos para preparar as malas e sempre se esquece de algo.
Maria se sentiu aliviada quando Minerva disse:
—Está feito!
Em seguida, se dirigiu ao quarto de Freddy. Se Minerva ficasse ao seu lado, Maria se
sentiria tentada a contar-lhe tudo, e isso unicamente complicaria mais as coisas
Por sorte, Betty ainda estava arrumando o quarto de Maria. Apesar de a criada tentar por
todos os meios lhe surrupiar aonde ia e por que, Maria permaneceu em silêncio. Acabou de
fechar um baú e virtualmente já tinham terminado com o segundo, quando ouviram algumas
batidinhas na porta. Pensando que devia tratar-se de Minerva, Maria a abriu.
E ante ela apareceu à senhora Plumtree.

267
CAPÍTULO 23

Maria observou como à senhora Plumtree abria passo e entrava em seu quarto, logo
examinou os baús abertos.
—Os criados me disseram que sai de viagem.
Maria não pôde conter-se e bufou. Esperou poder escapar sem ter que lutar com a avó de
Oliver.
—Sim, senhora. O senhor Pinter encontrou o... O irmão de Freddy, assim, decidimos nos
reunir com ele.
A senhora Plumtree a fulminou com um olhar severo.
—Então, por que está recolhendo seus pertences?
De fato, Maria não estava recolhendo tudo. Ordenou a Betty que guardasse o que Oliver
lhe comprou, e só levava os trajes que trocou pelos vestidos de luto. Mas não podia dizer a
verdade à anciã.
A senhora Plumtree desviou a vista para Betty e com um olhar severo lhe ordenou que as
deixasse sozinhas.
Betty assentiu com uma reverência e partiu voando.
—Senhora Plumtree, não acredito que... — começou a protestar Maria.
—Ponhamos as cartas sobre a mesa jovenzinha. Sei que Oliver esteve forjando um plano,
que você aceitou por motivos pessoais.
—E que você também aceitou por motivos pessoais — a acusou Maria.
—É verdade. — A senhora Plumtree lhe deu de presente um sorriso pícaro — Vi-me
obrigada a fingir com você a primeira noite, por que queria me assegurar de que não
pretendia aproveitar-se dele. Entende, verdade?

268
—Aproveitar-me dele? — exclamou ela com incredulidade — E o que tem que ele se
aproveitou de mim?
—É isso o que fez? — inquiriu a mulher, com um brilho de alarme nos olhos — Por isso
decidiu fugir?
Maria suspirou.
—Não. — Como podia ele aproveitar-se, quando ela se entregou a fazer amor como uma
desavergonhada?
A senhora Plumtree escrutinou seu rosto.
—Por trás dessa fachada de descarado, esconde-se um bom moço, asseguro-lhe isso. E sei
que quer casar-se com você; depois do que aconteceu ontem à noite na festa estou
completamente segura. Assim, aceite sua proposta, pelo amor de Deus. E me dê um par de
bisnetos. Isso é tudo o que quero.
—E o que tem o que eu quero?
—Você quer a ele. Posso ver na forma em que o olha, a mesma forma que posso ver nos
olhos dele cada vez que a olha.
Maria lhe deu as costas com a impressão de que o coração ia escapar do peito de um
momento a outro.
—Oliver não sabe o que quer.
—Possivelmente. — A senhora Plumtree se aproximou e colocou uma mão sobre o ombro
de Maria — E isso é por minha culpa. Permiti-lhe desencaminhar-se durante muito tempo.
Mas por fim, encontrou o caminho de volta. E se agora o abandona...
—Não encontrou o caminho de volta, não vê? — Maria estava chorando quando se virou
para olhar a mulher — Ainda está apanhado na cansativa sensação de culpa pelo que ocorreu
naquela terrível noite no pavilhão de caça.
Os olhos da senhora Plumtree se abriram desmesuradamente.
—Falou a você sobre isso?

269
—Sim, disse que queria ir atrás de sua mãe, mas que você disse que esperasse. Disse que
foi ele quem encontrou seus pais mortos. Disse que ficou coberto de sangue e que você
subornou os criados.
A senhora Plumtree começou a tremer.
—Ele nunca falou sobre isso com ninguém, nunca. Nem comigo, e eu estava lá. Nunca
contou a seus irmãos, nem a seus amigos, pelo que tenho entendido. É a primeira pessoa a
que se atreveu a contar o que ocorreu aquela noite. Isso demonstra o muito que significa para
ele.
Maria tragou saliva.
—Mas não o suficiente para mudar seus hábitos.
—Se lhe der uma oportunidade...
—Para que? Para acabar sumida no mesmo pesadelo em que você colocou sua filha? —
Quando a senhora Plumtree empalideceu, ela se apressou a dizer — Perdoe-me. Não deveria
haver dito isso.
A senhora Plumtree fixou a vista em suas mãos.
—Não, tem toda razão. Deveria ter visto que Lewis não era o tipo de homem apropriado
como marido. Não deveria ter dado meu consentimento para que se celebrasse esse
casamento; não deveria ter animado Prudence para que o perseguisse, nem ele a ela. —
Soltou um suspiro angustiado — Mas acreditei que o amor de Prudence obraria o milagre de
transformá-lo.
—Do mesmo modo que acredita que meu amor mudará Oliver.
Surpreendida, a anciã elevou a vista para a Maria esperançosa.
—Ama-o?
Maria ficou olhando sem pestanejar. Virgem Santa! Amava-o! Não podia fingir que não,
nem diante de sua avó.
Entretanto, estava segura de que ele jamais a amaria. Oliver acreditava que o amor era
uma forma refinada de referir-se à luxúria.

270
As lágrimas nublaram seus olhos, e desejou com todas suas forças poder as controlar. Em
um arrebatamento, capturou as mãos da senhora Plumtree entre as suas e lhe suplicou:
—Por favor! Não o diga! Rogo-lhe! Oliver usaria isso contra mim para obter o que deseja!
—Mas minha querida...
—Jure que não dirá! Pense em sua filha!
—Estou pensando em minha filha. Ela quereria ver seu filho gozando de uma vida melhor
que a que leva agora. — A senhora Plumtree lhe aferrou as mãos com surpreendente força —
Pelo visto, acredita que é como seu pai, mas em realidade, é como sua mãe. Não sei por que
seguiu o caminho de seu pai durante todos estes anos, mas não é seu verdadeiro caráter,
asseguro-lhe isso.
—Como pode estar tão segura? — sussurrou Maria.
Os olhos azuis da senhora Plumtree se encheram de uma profunda tristeza.
—Algo aconteceu àquela noite antes que fosse ao pavilhão de caça. Disse-me que brigou
com sua mãe, e que por isso ela partiu em busca de Lewis. Oliver não me contou do que se
tratava, mas sei que é algo que o feriu profundamente. Depois tentou ignorar a ferida. O que
precisa é que alguém lhe ajude a curá-la. E acredito que você é a pessoa indicada.
—Eu não quero fazê-lo! — Maria retirou as mãos das da senhora Plumtree — Quero
recuperar minha vida, minha vida normal e comum nos Estados Unidos, onde a gente é mais
franca e faz o que... — ficou calada de repente. Inclusive sua vida normal e comum nos
Estados Unidos era uma mentira. Nathan demonstrou isso.
Entretanto, era melhor que a intensa dor que a invadia por amar Oliver sem sentir-se
correspondida.
—Vejo que não posso a convencer de que fique — declarou à senhora Plumtree — assim
não a incomodarei mais. O único que me ocorre é aconselhar que não rompa com ele, não até
que tenha perdido toda a esperança. Acredito que Oliver ainda tem o poder de surpreender
você.
—É óbvio que acredita, é sua avó; mas não posso me permitir ser tão cega.
Maria deu meia volta e reatou o trabalho de encher o baú.

271
A senhora Plumtree avançou até a penteadeira e pegou algo.
—Leva isto, não é?
Maria se virou e viu que a anciã sustentava a caixa que continha o colar de pérolas que
Oliver lhe deu.
—Não, é óbvio que não. Não tenho nenhum direito de ser a proprietária disto.
—Pois eu opino que sim. — A mulher mancou para Maria com a caixa — Era de minha
filha, e quero que fique.
—Desculpe, mas dadas as circunstâncias, não posso aceitar.
A senhora Plumtree sacudiu a cabeça.
—É tão teimosa como ele.
—É o único que temos em comum
—É algo que todos temos em comum. — Um débil sorriso coroou os lábios da anciã — De
acordo. Guardarei até que retorne. — Sua voz se suavizou — Sempre será bem-vinda querida,
aconteça o que acontecer entre Oliver e você.
Maria a olhou desconcertada.
A senhora Plumtree sorriu abertamente.
—Preferiria ter você na família, mas se não puder ser, estarei encantada e será uma honra
que me considere sua amiga.
Maria sentiu que lhe fechava a garganta.
—Obrigado, para mim também será uma verdadeira honra.
—E manterei seu segredo, embora não sei se valerá a pena, suspeito que Oliver não a
deixará escapar tão facilmente como acredita.
—Asseguro que estará encantado de escapar por um fio de um casamento indesejado.
—De verdade, acredita nisso?
—Só sei que se ficar, casará comigo por necessidade. E não quero ser sua esposa por
necessidade.
«Não quando a paixão nubla seu bom senso. E o meu.»
A senhora Plumtree parecia cética quando abandonou a estadia.

272
Maria desejou poder acreditar em Oliver, como o fazia sua avó, mas temia que ele fosse
como qualquer homem a quem lhe acabava de estragar a festa. Seu orgulho estava doído, isso
era tudo; quando se desse conta de que ela se foi e que não podia fazer nada a respeito,
começaria a maquinar outras intrigas, outros planos... Em busca de outra mulher disposta a
casar-se com ele por seu título e pela fortuna de sua avó.
Tentou tragar a dor que sentia. Então recordou a si mesma que a dor seria mais intensa se
lhe via romper os votos do casamento. Era melhor esquecer-se dele agora, que ter de suportar
a triste história de sua infidelidade durante o resto de sua vida.
Por mais que abandoná-lo lhe partisse o coração.

Oliver chegou a Halstead Hall por volta das nove da noite. Precisou de mais tempo do que
o esperado, porque teve de perseguir o arcebispo de Canterbury e, logo vencê-lo para que lhe
outorgasse uma permissão especial. Apenas desejava que Maria não se retirasse cedo para
dormir; ansiava vê-la, com um afã doentio que o surpreendeu.
Minerva saiu para recebê-lo na esplanada principal quando ele irrompeu a grandes
pernadas em direção para o imponente vestíbulo. Sua irmã parecia furiosa.
—Mas se pode saber como é possível que tenha demorado tanto em obter essa maldita
permissão?
—Por quê? O que aconteceu?
—Maria fez as malas e se foi, ela e Freddy, os dois.
Oliver sentiu um asfixiante peso no peito.
—Para onde?
—Não me disse. Quão único sei é que o senhor Pinter veio ao meio-dia com notícias a
respeito de seu prometido. Então ela e Freddy partiram para reunir-se com ele.
—Não posso acreditar isso! Sem falar comigo? — Oliver passou com irritação os dedos
pelo cabelo.

273
—Ela disse que não tinha nenhum motivo para ficar, posto que seu plano para enrolar a
avó não estava funcionando. Disse-lhe que, posto que você foi obter uma permissão especial,
supunha que isso significava que tinham chegado a um acordo, mas ela negou.
Oliver permaneceu com a vista perdida em um ponto longínquo, enquanto seu sangue
gelava nas veias. Ela o rechaçou! Assim que, sim, que tinha sido sincera na noite anterior
quando recusou sua oferta de casamento. Maria não era tola; podia distinguir um mau
candidato por marido quando via um. Ele era o parvo, o insensato, o gastador; comportando-
se como um menino sem experiência com seu primeiro amor.
E passou o dia convencendo a si mesmo sobre a ideia de casar-se com ela! No retorno a
Halstead Hall, não foi capaz de pensar em nada mais que em abraçá-la, beijá-la, convencê-la
de que conseguiriam que seu casamento funcionasse, apesar de ele não estar completamente
seguro. Era evidente que ela estava ainda menos segura!
Apertou os dentes com raiva. Que estúpido foi! Uma palavra sobre seu prometido, e Maria
saía em disparada, feliz em casar-se com um desgraçado americano a quem apenas lhe
interessava seu dinheiro. Pelo visto, preferia um caça-fortunas que um libertino consumado,
inclusive um que conseguiu seduzi-la.
Mas ela não tinha dinheiro. Como ia viajar?
Então se lembrou das pérolas. Poderia vendê-las sem nenhum problema em Ealing e
dispor de suficiente dinheiro para seus deslocamentos. As pérolas eram bastante valiosas,
para poder custear uma viagem a qualquer parte da Inglaterra.
—Deixou alguma nota para mim? — Não pôde evitar perguntar, embora se sentisse como
um verdadeiro doidivanas — Alguma explicação?
—Não. Estava angustiada por algo, mas não consegui averiguar do que se tratava. —
Minerva o observou com curiosidade — Não lhe fez nada indevido, não é?
—Nada que pudesse provocar que fugisse desta maneira. — Exceto lhe roubar a castidade.
E lhe oferecer um tipo de casamento que ela considerava detestável. E desejá-la com uma
intensidade que lhe provocava um enorme nó na garganta ao pensar que a perdeu.

274
Visivelmente abatido, seguiu para seu escritório. Não podia acreditar que Maria partiu.
Não podia acreditar que ele a tivesse afastado.
Já em seu escritório, se deteve em seco ao ver outro dos livros de Minerva sobre a
escrivaninha que lhe ressuscitou um amálgama de lembranças: Maria zombando dele, Maria
debatendo filosofia com ele, Maria olhando-o fixamente, com seus olhos tão claros como um
mar intensamente azul, enquanto lhe assegurava que a esperança é o último que se perde...
Oliver franziu o cenho. Para outros homens possivelmente. Não para ele. Perdeu toda
esperança no dia em que empurrou sua mãe a matar seu pai e, depois, suicidar-se. Tinha
apenas que deixar que Maria reconhecesse sua depravação, uma perversão inata que sua
família estava tão cega para não vê-la.
Minerva o seguiu até o escritório.
—O que pensa em fazer para convencê-la a retornar?
Ele lançou uma ruidosa gargalhada.
—Nada, absolutamente nada. Ela não quer voltar. Se nem me deixou uma nota ou disse
aonde ia...
Não pôde acabar a frase. Desmoronou-se. Tentou obrigá-la a casar-se com ele, e Maria
não era uma mulher que se deixasse intimidar. Não se estranhava que tivesse partido.
—Não pode ficar com os braços cruzados! — protestou Minerva — Tem de ir atrás dela e
convencê-la para que se case com você!
—Por quê? — Oliver olhou para sua irmã com o cenho franzido — Para que você e os
outros possam aplacar a ira da avó? A pobre está bem arranjada com todos nós! E esta... Esta
loucura com Maria foi à última gota que encheu o copo. Possivelmente, será melhor que vá
fazendo à ideia de viver aqui o resto de seus dias, porque a avó não parará até que nos veja
todos casados, e eu não penso em me casar com ninguém.
Se não podia casar-se com Maria, então não o faria com ninguém. Oliver deu as costas à
sua irmã e recolheu a taça perto do decantador de brandy que havia sobre a mesa e a encheu
até a borda. Foi um sonhador ao pensar que sua vida podia mudar, ao pensar que de algum
modo, Maria poderia «salvá-lo».

275
Ninguém podia salvá-lo.
—Importa-me um nada a avó e seu ultimato! — exclamou Minerva — Mas Maria, sim, que
me importa, e ela quer você!
—Então, é que está louca — replicou ele com gravidade — Além disso, se lhe importasse
tanto, não teria ido atrás desse Hyatt.
—Sigo pensando que...
—Já basta Minerva! — Oliver tomou um bom gole de brandy — Ela tomou uma decisão.
Acabou-se.
Sua irmã bufou com chateio e partiu com expressão zangada. Ele ficou de pé bebendo,
tentando alcançar esse agradável estado de embriaguez no qual nada importava, para não
pensar em Maria nem na noite anterior, nem na forma tão doce que lhe entregou sua
inocência...
Tomou o resto do brandy. Foi-se. Maldita fosse! Deveria estar encantado de escapar do
cárcere que supunha o casamento.
—Maldita seja! — Oliver deu um sonoro golpe na mesa com a taça vazia.
—Sim, claro, com isso arrumará a situação — o repreendeu sua avó, às suas costas
Justo o que necessitava: o sermão de outra fêmea. Sem lhe prestar atenção, serviu-se mais
brandy.
—Ela disse que você reagiria deste modo — continuou a avó — que não se importaria que
ela partisse, que se felicitaria por escapar por um fio do jugo do casamento.
Oliver bebeu o brandy em silêncio.
—Eu disse a ela que você não jogaria a toalha tão facilmente. Suponho que me
equivoquei.
A Oliver escapou uma amarga gargalhada do mais profundo de seu ser.
—Desta vez não funcionará, avó.
—O que não funcionará?
Oliver a olhou no roto com resolução.

276
—Suas tentativas para me manipular, para que faça o que você quer. Aprendi de meus
enganos. — E agora, estava pagando o preço desse ensinamento. A dor pela perda de Maria
era insuportável, destroçava-lhe o coração — Pelo visto, Maria também tinha vontade de
escapar do compromisso, já que saiu correndo à primeira oportunidade que teve.
—Partiu, porque tem medo de não poder resistir a você, de não ser capaz de estar perto
de você sem entregar-se sem reservas. De todas as pessoas neste mundo, precisamente você
deveria reconhecer quando uma mulher não confia em si mesma quando está perto de você.
Oliver lutou contra o efeito daquelas palavras.
—Seja como for, abandonou-me. Não penso em ir atrás dela como um estúpido.
—Assim, permitirá que seu noivo americano fique com ela?
Já estava à avó com outra de suas táticas: cravando-o para pô-lo ciumento. Infelizmente,
desta vez, não daria resultado.
Oliver apertou os dentes.
—Se ela quiser Hyatt, então não posso... — Oliver esgotou os olhos — Como sabia o de
seu prometido?
—Minerva me contou isso.
—Como não! — Oliver apurou o resto do brandy e depositou a taça sobre a mesa — É que
não há ninguém nesta maldita casa que saiba guardar um segredo?
—Sim que há uma pessoa: você.
—Não comece de novo, por favor! — rugiu irritado.
—Por que não? Essa é a razão pela que está deixando que ela vá correndo atrás de um
estúpido ianque. Tão pouco se importa?
—Tem razão; não me importa nada, absolutamente — mentiu, embora imaginar Maria
com o imbecil do Hyatt fazia ferver seu sangue — Ela tomou uma decisão. Quão mínimo posso
fazer é respeitá-la.
—Não se preocupa que não tenha dinheiro para viajar?
—Estou seguro de que terá o bom senso de vender as pérolas que lhe dei de presente.

277
—Não acredito. Deixou-as aqui. — A avó avançou coxeando até a escrivaninha e depositou
a caixa de veludo junto ao decantador.
Oliver ficou olhando a caixa fixamente. Como se arrumaria para viajar sem dinheiro?
Provavelmente, seus irmãos lhe deram algo, embora, tampouco, pudesse ser muito. Maria se
veria obrigada a viajar em uma diligência. A ideia dela e Freddy viajando desprotegidos, um
par de presas fáceis para os estelionatários, trombadinhas e hospedeiros sem escrúpulos —
sem esquecer os salteadores de estradas — fez com que o coração de Oliver desse um pulo.
—Não me importa — respondeu incômodo, embora, cada vez custasse mais convencer a
si mesmo.
—Então certamente, não se importará que ela e Freddy tenham ido com o senhor Pinter.
Ele se ofereceu a levá-la até seu prometido.
—E um corno! Não pode ser! — Quando o triunfo brilhou nos olhos de sua avó, ele se
amaldiçoou por ser tão desbocado — Está mentindo.
A anciã arqueou uma sobrancelha chapeada.
Oliver se dirigiu ao vestíbulo com passo irritado e gritou:
—Minerva!
Em um segundo, ouviu uns sapatinhos que desciam as escadas.
—O que acontece? — perguntou ela enquanto se aproximava.
—Com quem partiu Maria?
Sua irmã o olhou com nervosismo, e, logo desviou a vista para sua avó.
—Foi com o senhor Pinter. Ele se ofereceu a levá-los até o lugar onde tinham que ir. Pelo
modo em que falavam, pareceu-me que se tratava de uma longa viagem. A verdade é que foi
todo um detalhe por parte do senhor Pinter...
—Maldito bastardo!
—É um cavalheiro — interveio a avó — assim, suponho que ela estará a salvo com ele.
—Um cavalheiro? Há! — O tipo de cavalheiro que passaria todo o trajeto maldizendo de
Oliver sem parar, relatando suas maldades mais abomináveis, envenenando-a contra ele...
E o que importava? Ela se foi. Não ia voltar. Não deveria lhe importar o que pensasse dele.

278
Mas, sim, que lhe importava.
Pior ainda, Pinter desfrutava desempenhando o papel de cavalheiro galante, e por trás das
palavras nobres, os cavalheiros galantes eram tão suscetíveis de aproveitar-se de uma pobre
presa como qualquer outro. Se Pinter estava investindo seu dinheiro e tempo em transportar
Maria até um lugar remoto, e, ainda por cima, sem lhe cobrar nada, isso significava que
certamente, esperaria algo em troca por parte de Maria.
Nesse momento, ela era uma presa vulnerável, confusa e angustiada. Com apenas Maria
em uma carruagem durante muitas horas, com a única companhia do palerma do Freddy,
Pinter poderia facilmente...
Oliver estrangularia esse tipo se lhe ocorresse pôr um dedo em cima de Maria!
Com uma fúria irreprimível, andou para a porta.
—Quanto tempo faz que partiram?
—Cinco horas — apontou Minerva.
—E para onde foram?
—Não se...
—Southampton — especificou a avó, enquanto fazia um enorme esforço para seguir os
passos de gigante de seu neto. Quando Oliver a olhou, ela acrescentou — Um dos lacaios
surrupiou a informação do chofer do senhor Pinter.
Oliver poderia chegar lá pela manhã, se cavalgasse toda a noite. Viajar à noite no inverno
não era o ideal, mas havia lua cheia, e, dependendo da destreza do chofer e da qualidade dos
cavalos do senhor Pinter, Oliver poderia chegar apenas algumas horas depois deles. Inclusive
com pouco dinheiro, Oliver nunca regulava em seus cavalos.
Quando chegasse a Southampton, teria de averiguar como encontrá-los, e a cidade não
era precisamente pequena. Além disso, logo teria que liberá-la das garras de Pinter, e isso não
ia ser fácil.
—Minerva, ordene ao chofer que se prepare para uma viagem a Southampton! Quero
partir em menos de uma hora!
—Perfeito! — Sua irmã saiu correndo.

279
Enquanto ele se dirigia para as escadas para preparar uma bagagem leve, sua avó o
agarrou pelo braço.
—Você a trará de volta, não é?
Ele ficou olhando o rosto ansioso de sua avó.
—Só se ela desejar voltar. Não posso estar seguro do que quer. — Finalmente, desistiu da
ideia de obrigá-la a casar-se com ele.
Sua avó franziu o cenho.
—Então, por que faz esta viagem?
—Para evitar que o pomposo senhor Pinter se aproveite dela. Sem dinheiro e unicamente
com Freddy como amparo, ela é muito vulnerável. Pinter é só um homem, e que homem pode
resistir a Maria?
—Essa é a única razão pela qual vai atrás dela?
—Sim.
Mas, inclusive quando o dizia, Oliver sabia que era mentira. Ia atrás dela porque o fato de
imaginá-la entre os braços de Hyatt o corroia como um câncer, e porque não podia suportar a
ideia de perdê-la sem antes falar com ela.
E, sobretudo, ia atrás dela porque não queria nem imaginar seu futuro sem ela, só e
chorando sua ausência. E essa perspectiva era excessivamente dolorosa para poder suportá-
la.

280
CAPÍTULO 24

Exausta da noite acordada depois da festa, Maria adormeceu logo que a carruagem
abandonou Halstead Hall. Mas apesar de o senhor Pinter se assegurar de que estivesse o mais
cômoda possível naquela carruagem fria e desmantelada, o estalo continuado sobre os
constantes buracos na estrada não convidava a dormir placidamente. Assim quando
retornaram à carruagem depois de uma parada em uma estalagem para jantar, ela e o senhor
Pinter começaram a falar sobre Nathan.
Freddy tinha ideias claras a respeito.
—Tenho minha espada. Desafiarei-o a um duelo. Se o mato, não terá nenhum problema
com sua herança.
—Não seja ridículo. Você não desafiará ninguém — objetou ela. Apesar de Freddy não se
defender mal com a espada, jamais o perdoaria se lhe acontecesse algo.
—Deveria haver dito a lorde Stoneville que partia — indicou Freddy — Deveria ter insistido
em que a acompanhasse e lutasse contra Nathan.
Maria não deu atenção ao desmedido interesse que o senhor Pinter mostrava naquela
conversa. Durante o jantar, lhe contou o trato entre ela e Oliver — sem mencionar, é obvio
que acabaram por deitar-se juntos e que, depois Oliver pediu para que se casasse com ele.
—Isto não tem nada a ver com lorde Stoneville — replicou ela com firmeza.
—É seu prometido, não? — insistiu Freddy.
—Só era uma farsa para tentar fazer sua avó mudar de ideia, e sabe. Assim, será melhor
que se esqueça dessa questão, de acordo?
—Pois não me parece que era uma farsa — atravessou ele, surpreendendo-a.
—É óbvio que o era!

281
—Segundo o que lady Celia e seus irmãos me contaram ontem à noite, quando
retornávamos do baile, não é certo. Disseram que essas pérolas que ele lhe deu valiam uma
fortuna.
O senhor Pinter se sentou com as costas mais erguidas. Maria deu a Freddy um olhar
irritado.
—Não seja ridículo. Tal e como lorde Stoneville comentou, se fossem tão valiosas, já as
teria vendido.
—Lady Celia disse que ele jamais se desfaria desse colar, que vendeu todas as joias que
seu pai comprou a sua mãe, mas que a senhora Plumtree deu de presente esse colar à sua
filha no dia de sua apresentação à sociedade, e que por isso era tão especial.
A respiração de Maria se cortou.
—Seguro que Celia se equivoca — sussurrou — Seguro que o entendeu mal.
Mas no fundo, ela sabia que não era certo. E isso incrementou seu sentimento de culpa
por partir de Halstead Hall de um modo tão abrupto. Foi uma verdadeira covarde. Oliver
merecia que ela rechaçasse sua proposta de casamento diretamente em sua cara.
Entretanto, já a rechaçou na noite anterior. Oliver simplesmente decidiu fazer caso omisso
de sua negativa. Era um ato covarde fugir, quando faltava coragem para manter-se firme em
suas convicções?
Infelizmente, a revelação de Freddy empurrou o senhor Pinter a perguntar de novo pela
permissão especial. Quando Maria deixou claro que não queria falar mais sobre Oliver, a
conversa cessou, e os três ficaram sumidos em um incômodo silêncio.
O senhor Pinter provavelmente, a considerava uma insensata por tentar proteger um
homem de uma posição social tão elevada como Oliver. Mas lhe dava igual. Cada vez que
pensava em como Oliver sofreu durante todos aqueles anos pela trágica morte de seus pais,
lhe partia o coração.
Quando chegaram a Soutliampton, eram já duas da madrugada. Apesar de que Maria
desejava ir diretamente falar com Nathan, o senhor Pinter lhe aconselhou que não o fizesse,

282
alegando que ela precisava descansar antes de enfrentar seu prometido. O senhor Pinter tinha
razão, já que Maria nunca havia se sentido tão cansada.
Por sorte, encontraram alojamento em uma das estalagens na entrada da cidade, e o
senhor Pinter pagou por duas estadias: uma para ela e outra para ele e Freddy, antes que
Maria se retirasse, levou o senhor Pinter até um canto e lhe pediu que deixasse Freddy dormir
pela manhã e que a despertasse cedo. Não ia permitir que Freddy os acompanhasse para ver
Nathan com sua espada.
Quando alguns golpezinhos na porta a despertaram de um profundo sono, Maria
acreditou que passaram-se somente alguns minutos desde que se deitou. Mas a peneirada luz
que se filtrava pela janela e o penetrante frio do quarto, agora que o fogo se apagou,
indicaram-lhe que se equivocava.
—Senhorita Butterfield? — chamou-a o senhor Pinter através da porta — Disse que
desejava que a despertasse às sete. Trouxe uma criada, para que a ajude a vestir-se
—Obrigada! — exclamou ela ao tempo em que se incorporava da cama de um salto e
cruzava o quarto com os pés descalços. Abriu a porta, e uma jovenzinha com rosto azedo
entrou na estadia. Continuando, Maria apareceu à cabeça pela porta para anunciar ao senhor
Pinter — Não demorarei a descer!
Não havia dúvida de que a criada da estalagem estava acostumada a ajudar viajantes com
pressa, já que ajudou Maria e a vestiu rapidamente em seu traje de luto. Maria sentiu
nostalgia de seus adoráveis vestidos novos, e também de Betty e seu doce bate-papo.
«Esqueça isso já! Ao menos já não vive em uma mentira; de novo volta a ser você
mesma.»
Mas em realidade, era ela mesma, quando seu coração adoecia por estar em outro lugar?
Se estivesse em Halstead Hall agora, despertaria naquela impressionante cama de conto de
fadas e esperaria que Betty lhe trouxesse uma fumegante xícara de chocolate e um par de
torradas para saciar a fome, até que fosse à hora de descer para tomar o café da manhã com a
família. Falariam sobre trivialidades, enquanto Betty a ajudava a vestir-se diante do formoso
fogo que crepitava na lareira. Maria estaria ansiosa por ver Oliver...

283
Não havia maneira! Não podia deixar de pensar nele! Mas tinha de centrar-se no que ia
dizer ao traidor do Nathan quando o visse.
Abandonou a estadia e desceu as escadas apressadamente, enquanto ouvia animação no
andar inferior. Oh, não! Freddy estava acordado.
—Quero ir com a Grenhita — estava dizendo ao senhor Pinter — Já vejo que planejavam
partir sem mim.
—Bobagens — espetou Maria quando se aproximou — O que ocorre é que o senhor Pinter
e eu precisávamos falar de certas questões a respeito de Nathan. Posto que ainda não
tomamos o café da manhã, pensava em despertar para que fosse nos buscar uns bolinhos
nessa loja que vimos na entrada da cidade.
O rosto de Freddy se iluminou com a promessa dos bolinhos. Então estreitou os olhos.
—E por que não tomamos o café da manhã aqui?
Por sorte, não havia ninguém perto que pudesse ouvi-la, quando disse:
—O café da manhã nesta estalagem é muito caro, verdade, senhor Pinter?
—Assim é — conveio ele com secura.
—Será melhor que economizemos dinheiro, enquanto possamos. — Maria buscou em seu
bolsinho e tirou umas moedas que entregou a seu primo com um sorriso triunfal — Assim, se
for procurar esses bolinhos, estarei mais que agradecida.
Freddy a olhou com receio, mas não podia resistir a uns apetitosos bolinhos.
—Bom, está bem — resmungou — Mas voltarei em um abrir e fechar de olhos. Não
partam sem mim.
—É óbvio que não.
Logo que o perderam de vista, Maria empurrou o senhor Pinter para a porta e seguiram
para a hospedaria onde se alojava Nathan, que por sorte, estava na direção oposta à
confeitaria. Dado que Freddy não tinha ideia de onde se dirigiam, Maria supôs que sua
desculpa o manteria afastado — a ele e sua espada — de qualquer possível briga.

284
Quando chegaram à pequena hospedaria, o senhor Pinter perguntou pelo senhor Hyatt. O
proprietário foi buscá-lo e os deixou no vestíbulo onde umas vitrines exibiam várias peças de
porcelana.
Enquanto esperavam, Maria se afastou para a janela para não ficar à vista da porta,
afastando-se do senhor Pinter. Queria pegar Nathan de surpresa.
Entretanto, foi ele que ao entrar a pegou despreparada. Nathan parecia uma pessoa
completamente distinta, quando avançou para o senhor Pinter. Deixou crescer as costeletas
até quase o queixo e levava o cabelo comprido e encaracolado, em vez do arbusto de cabelo
murcho e loiro que estava acostumado a usar. Tinha decidido frisar o cabelo?
E sua roupa? Nathan jamais deu atenção à moda, com um claro ressentimento pela ênfase
que seu pai punha na questão. Entretanto, agora estava ante eles embelezado com um
elegante traje que eclipsaria, inclusive, os melhores trajes dos irmãos Sharpe.
Ao vê-lo com tão bom aspecto, comportando-se como se não ocorresse nada, Maria se
irritou com uma raiva tão irreprimível que poderia fulminar quem quer que se aproximasse.
E o muito miserável ainda não se fixou nela, que permanecia ali de pé!
—No que posso ajudá-lo, senhor? — perguntou Nathan ao senhor Pinter, no típico tom
crédulo de um homem de negócios.
Isso foi à gota que encheu o copo. Antes que o senhor Pinter pudesse responder, ela disse:
—Bom dia, Nathan.
Ele se virou precipitadamente para olhá-la e ficou completamente lívido.
—Maria! O que faz aq...? — calou-se, ao ver seu traje de luto — O que aconteceu?
—Meu pai morreu — espetou ela sem poder conter a raiva.
—Meu Deus! — Nathan parecia genuinamente consternado — Sinto muito. Não sabia
—Sim, isso não necessito que o diga. — As palavras lhe escaparam da boca como dardos
envenenados — Enviei-lhe várias cartas, mas não respondeu. Enquanto isso, os advogados
não podiam fixar os termos do maldito testamento sem você.
Ela se dirigiu diretamente para ele, e sua fúria se incrementou com cada passo.

285
—Tive de recorrer a meus parcos recursos, para viajar até a Inglaterra para procurar você.
Agora sequer posso pagar ao senhor Pinter seus honorários por havê-lo encontrado. E aqui
está você, usando os conhecimentos que meu pai lhe ensinou para levar a cabo uma
negociação que arruinará sua naval!
—Deixe que lhe explique isso — repôs ele com a voz rouca, enquanto também avançava
para ela.
Mas nesse momento, não havia quem detivesse Maria.
—Durante todo este tempo, temi que estivesse morto! — As lágrimas lhe ardiam os olhos,
mas lutou para contê-las — Freddy e eu rastreamos todas as curvas de Londres, seguros de
que foi vítima de alguma fatalidade.
—Oh, querida, eu...
—Nem pense em me chamar assim! — gritou ela encolerizada — Tudo era mentira! A
proposta de casamento, seus beijos...
—Maria — disse Nathan olhando de soslaio ao senhor Pinter — Não me parece apropriado
que mencione...
—Apropriado? — bramou ela sem poder-se conter — O que me diz de mentir a seu sócio e
extorqui-lo descaradamente? É isso apropriado?
Nathan ergueu as costas, visivelmente ofendido.
—Eu jamais extorquiria seu pai. Nunca me atreveria a fazê-lo.
—Seriamente? Então, como é que pretende vender sua frota de navios, como se você
fosse o dono da naval?
Nathan piscou estupefato. Olhou de soslaio ao senhor Pinter e abaixou a voz.
—Importa-se se continuarmos esta conversa em particular?
Não! Maria aprendeu algo nos romances que lia: os manipuladores e estelionatários
sempre se aproveitavam do bom coração de suas vítimas, por isso precisava da sensatez e
firmeza do senhor Pinter, para não cair na rede de Nathan e acreditar em suas mentiras
—Quero que o senhor Pinter esteja presente. Não confio em você.

286
—Não é o que você acha! — Olhou-a com uma dolorosa sinceridade nos olhos — Fiz isso
por nós.
—Por nós? — repetiu Maria com incredulidade. Não podia acreditar que ele estivesse
alegando essa áspera desculpa.
—Não lhe ocorreu que um noivado de quatro anos é excessivamente longo?
—É óbvio, mas papai disse...
—Sei. — Seus lábios se curvaram com desprezo — Seu pai disse que tinha de estar seguro
de que eu podia me fazer cargo da empresa, antes de permitir que nos casássemos.
—Só estava pondo você a prova. Ele sempre acreditou em você. Por que teria deixado a
metade da companhia em seu nome, em seu testamento?
—Seriamente? Disse que o faria, mas eu não podia estar seguro de que fosse cumprir o
prometido. — Tomando-a por surpresa, agarrou-lhe as mãos — Durante quatro anos, a
apresentou como um troféu para mim! E cada vez que eu insinuava a possibilidade de nos
casar, ele me dizia que eu não estava preparado.
Maria o olhou boquiaberta.
—Não é certo!
—Digo-lhe a verdade! — Espremeu-lhe as mãos com frenesi — Comecei a temer que ele
quisesse apenas tirar o máximo rendimento de meu trabalho antes de vender a naval a outra
pessoa.
Ela escapou de suas mãos.
—E por que ia fazer algo assim? Papai não tinha nenhum filho que pudesse herdar sua
empresa. Necessitava de um homem enérgico e ajuizado como você para dirigir a companhia,
quando ele já não estivesse.
—E, entretanto, se negava a dar seu consentimento a nosso casamento. Eu não podia
esperar. Queria uma esposa.
—Assim que partiu para encontrar uma na Inglaterra?
—Não! — esfregou as costeletas com nervosismo. — Disse-me que se fosse capaz de
fechar um trato com uma naval em Londres, aceitaria que nos casássemos. Mas as

287
negociações em Londres fracassaram. Todos me diziam que seu pai era muito velho, que não
confiavam que a New Bedford Ships pudesse lhes subministrar navios, se eu fosse o
proprietário de apenas metade da companhia. No caso de que acontecesse algo a seu pai, eles
se encontrariam em um limbo.
Enquanto Maria o olhava sem dar crédito ao que ouvia, ele suavizou a voz.
—Falei-lhes de nosso compromisso matrimonial, mas eles duvidaram da informação.
Temiam que ao final, decidisse não se casar comigo e vendesse sua metade a outro sócio. Em
que posição ficariam eles, então?
—Mas você sabia que eu não faria tal coisa!
—Sim! Mas eles não sabiam! Assim, pensei que se conseguisse um contrato para vender
os navios em meu nome, como uma companhia independente, poderia retornar aos Estados
Unidos em uma posição mais forte. Poderia ameaçar seu pai dividindo a naval em duas e levar
minha metade — e o novo contrato — se ele não se concordasse que nos casássemos.
Tudo soava tão convincente... Salvo por um detalhe.
—E eu? Enquanto você organizava seu futuro...
—Nosso futuro! — corrigiu-a ele.
—Eu não sabia o que tinha acontecido com você! Não sabia se tinha mudado de ideia
sobre nosso noivado e tampouco sabia se tinha morrido!
—Não restava alternativa! — defendeu-se ele, com o tom de inquietação que sempre
adotava com ela quando falava de negócios. Como era possível que Maria, alguma vez,
percebesse quão impaciente era? — Se lhe escrevesse, seu pai se informaria. Sabe
perfeitamente que ele jamais aceitaria que nos escrevêssemos em particular. Não podia
arriscar que me pegasse.
—Assim, decidiu que meus sentimentos, minhas preocupações, não eram importantes,
não é assim?
Nathan bufou com exasperação.
—É óbvio que eram importantes! Mas pensei que compreenderia quando conseguisse o
objetivo que ambos perseguíamos: nos casar de uma vez por todas!

288
—Se nosso objetivo era nos casar de uma vez por todas, poderíamos ter fugido —
remarcou ela, decepcionada — Mas você não se arriscaria, não é? Papai o ameaçaria em
retirar-lhe a outra metade da companhia.
—Olhe, Maria, sabe perfeitamente, que isso não tem nada a ver com nossa relação — a
repreendeu, com o tom condescendente que começava a deixá-la nervosa.
Maria voltou a se irritar-se.
—Acha que sou estúpida? — rugiu, tentando controlar sua crescente fúria — Ou,
possivelmente, acreditava que estava tão desesperada por encontrar marido que ficaria
pacientemente sentada, esperando que você se lembrasse de que tinha uma prometida? É
evidente que não se preocupava que eu pudesse encontrar outro homem durante todos esses
meses que passei sem nenhuma notícia sua.
Nathan piscou desconcertado.
Os lábios de Maria se curvaram com um sorriso amargo.
—E por que ia preocupar-se? Depois de tudo, quem ia querer casar-se com a descarada
filha de um bastardo? Eu era muito afortunada de que um homem de sua posição social se
adveio a casar-se comigo, não é certo? Eu jamais me arriscaria a perder um tipo como você,
com uma posição social tão destacada. Estou segura de que pensava que o esperaria toda a
vida!
—Isso não é... Eu não o interpretei assim... Maldita seja! Conheço você! Fez-me uma
promessa, e sabia que a cumpriria, porque confiava em você!
Maria combateu a sensação de culpa que aquelas palavras lhe acabavam de suscitar.
—Em troca, você não tinha nenhum remorso na hora de cumprir ou não sua promessa.
—O que quer dizer? — interrogou-a ele, absolutamente confuso.
—Está cortejando a filha do senhor Kinsley, o dono da naval que mostrou interesse em
comprar os navios que não são de sua propriedade.
Nathan se ruborizou e desviou a vista para o senhor Pinter, confirmando com esse gesto,
os rumores que ela ouviu. O coração de Maria se encolheu. Como era possível que não soube

289
ver essa faceta de Nathan antes? Como pôde ser tão cega, para não ver seu egoísmo
recalcitrante, sua mesquinha avidez?
—Suponho que você é o indivíduo que contou essas mentiras a minha prometida,
verdade? — soltou Nathan ao senhor Pinter.
—Sim, transmiti-lhe o que ouvi — repôs o senhor Pinter com frieza — Para isso, me
contratou a senhorita Butterfield. Viram-no passeando várias vezes com a senhorita Kinsley, e
acompanhando a ela e sua mãe a alguns concertos e a outros eventos similares.
Nathan ajustou o nó da gravata com nervosismo, como se estivesse se afogando.
—Só tentava ser educado. Não é incomum no mundo dos negócios.
—Segundo os rumores, você está a ponto de pedir a mão da senhorita Kinsley — apontou
o senhor Pinter.
Nathan voltou a olhar para Maria.
—Você não acreditará nesses rumores, não é?
Ela o olhou sem alterar-se.
—Deveria acreditar?
—Não! — Quando ela se limitou a arquear uma sobrancelha, Nathan ficou ainda mais
avermelhado — De acordo. Admito que tentei ganhar a confiança da família Kinsley para
confirmar o trato, mas...
—Temia isso. — Maria se virou para a porta — Meu advogado entrará em contato com
você. Se ainda deseja comprar minha parte da companhia...
—Maldita seja, Maria! Não seja ridícula! — Agarrou-a pelo braço — Não fiz nenhuma
promessa a essa jovenzinha! Ela não significa nada para mim!
Maria escapou de sua mão.
—Pelo visto, eu tampouco.
—Isso não é certo!
A raiva voltou a apoderar-se dela.

290
—Chorei por você, preocupei-me horrorosamente, por você! Quando não respondeu a
minhas cartas, vim até este maldito país em sua busca! Nem deixou nenhuma mensagem na
companhia a respeito de seu novo paradeiro! Eu mal tinha dinheiro e não sabia o que fazer...
—Então, teria que ter ficado em casa, que é onde deveria estar!
Ela ficou olhando boquiaberta. Começava a ver o verdadeiro Nathan. Durante todos esses
anos, acreditou que ele fosse seu amigo, um homem que compreendia por que ela não era
como as demais mulheres. Mas a verdade era que ele sempre tentava asfixiar tudo aquilo que
lhe parecia impróprio dela. Tinha-o feito pouco a pouco, com uma reprimenda por aqui, um
sorriso de desaprovação por lá... Mas sua desaprovação sempre esteve presente em sua
relação.
Se fosse honesta consigo mesma, Maria tinha de admitir que ele jamais aprovou sua forma
de ser. Apenas Oliver o fazia.
Ao pensar em Oliver, sentiu uma intensa vontade de chorar. Virtualmente, podia ouvir os
comentários cínicos que OIiver fazia a respeito de Nathan, antes de lhe dizer que merecia
casar-se com um homem melhor. Sabia que ele falava com absoluta franqueza, já que, apesar
de todos os defeitos de Oliver e apesar de todas suas evasivas a respeito de seu trágico
passado, jamais mentiu para ela.
—Não sabe o quanto me alegro de não ter ficado em casa — respondeu ela com
suavidade — porque se tivesse feito, não teria me dado conta de que nosso casamento seria
um estrepitoso fracasso.
Ele sacudiu a cabeça.
—Equivoca-se; quão único ocorre é que agora está zangada. — Elevou a mão como se
fosse lhe acariciar a bochecha, mas ela retrocedeu com expressão amotinada — Continuamos
legalmente prometidos; se romper o compromisso por uns estúpidos rumores a respeito da
senhorita Kinsley, me obrigará a apresentar cargos contra você.
Com o pulso pulsando desbocadamente, olhou-o diretamente nos olhos e lhe perguntou:
—O que quer dizer?
Os olhos de Nathan brilhavam com uma estranha determinação

291
—Acusarei você de romper nosso compromisso. O juiz se mostrará muito pormenorizado
quando alegar que seu pai queria que nos casássemos, que você aceitou de bom grado o
compromisso, e que por uns estúpidos rumores decidiu me rechaçar. Referirei todos os riscos
que assumi para levar adiante a companhia. Posso manter as rendas da companhia
imobilizadas pelo juiz durante bastante tempo. É isso o que quer?
—Como se atreve? — rugiu ela enojada, ao pensar que ele fosse capaz de fazer algo tão
ruim — E o que tem seu comportamento fraudulento, fazendo negócios apoiados em uma
fraude? O que acha que dirá o juiz a respeito?
—Nem se alterará — respondeu Nathan com frieza — Não há nada ilegal em que um
homem estabeleça outra companhia. Eu tinha que proteger meus próprios interesses. Direi
que mantive seu pai fora do trato por seu próprio bem, o qual é certo.
—Mentira! Você agiu às suas costas! Isso é o que fez!
—Não pode provar. Ele está morto. Eu poderia alegar que ele tinha dado seu
consentimento ao subterfúgio.
—Sabe perfeitamente que não o fez! — contra-atacou ela surpreendida pela absoluta falta
de ética que demonstrava Nathan — Se pode saber que tipo de homem é?
Os olhos dele seguiam brilhando com a mesma determinação estranha.
—Um homem que deseja uma oportunidade e que ainda a quer por esposa.
As palavras que Oliver lhe disse uma semana antes ressonaram em sua mente:
«Vejo que se dirige às cegas para um casamento com um tipo que pensa encerrá-la em
uma vitrine junto com seus outros troféus e que apenas a tirará dali quando lhe convier.»
—Você não me quer por esposa. Nem sabe como sou. Você quer a filha de Adam
Butterfield, a proprietária da metade da New Bedford Ships.
—Pense o que quiser, mas lhe advirto isso: se decide romper nosso compromisso, se
prepare para uma guerra sem trégua.
Ela o olhou sem pestanejar e replicou:
—Vá ao inferno.

292
Enquanto Nathan a seguia olhando com a mandíbula desencaixada por sua inesperada
imprecação, Maria saiu à rua.
Mas embora felicitasse a si mesma por sua moderação, seu lado mais pragmático lhe dizia
que tudo estava a favor dele. Maria sabia com que facilidade um homem podia manchar a
reputação de uma mulher. E quando o juiz se inteirasse de que ela participou de uma farsa
fazendo-se passar pela prometida de Oliver, qualquer amostra de apoio por ele pelo fato de
que Nathan a tivesse ignorado durante meses se desvaneceria rapidamente.
Maria sentiu um rude calafrio nas costas. Olhou para o senhor Pinter, que a seguia em
silêncio, e lhe perguntou:
—É verdade que pode me acusar de romper nosso compromisso?
—Temo que sim. Conheço outro caso similar nos Estados Unidos, no qual um homem
denunciou sua prometida e ganhou o caso.
—Mas ele não pode ficar com minha parte da companhia, não é?
—É possível. Alegará que confiava em recebê-la, quando se casasse com você, e que ao
rechaçar o casamento que você aceitou inicialmente, privou-lhe do que lhe prometeu.
Maria sentiu um forte aperto no estômago
—Mas quando o juiz se inteirar da fraude que Nathan cometeu, não poderá decidir a meu
favor?
O senhor Pinter enrugou o nariz.
—Tal e como ele disse, você não pode provar se estava atuando ou não em nome de seu
pai.
O desespero se apoderou dela.
—Mas certamente, o caso terá um efeito direto sobre suas negociações com o senhor
Kinsley, quando este senhor se inteirar de que durante todo o tempo em que Nathan festejava
com sua filha, estava comprometido formalmente, com outra mulher.
—Ainda não fecharam o trato, e o senhor Hyatt não poderá fazê-lo, se não possuir a outra
metade da companhia que está em seu poder, senhorita Butterfield, mas temo que o senhor
Hyatt não dispõe de suficiente dinheiro para comprá-la. Assim, se não puder obtê-la mediante

293
uma união matrimonial, seguro que tentará ganhá-la traiçoeiramente. É sua única
possibilidade, se você se negar a casar-se com ele. Esse homem é capaz de sujar seu nome
com tal de obter o que quer.
—E usará meu compromisso público com lorde Stoneville para ganhar o caso.
—Provavelmente, sim. Por desgraça, os juízes costumam sentir pena dos noivos
abandonados.
Caminharam um momento em silêncio.
Maria desejava não ter se fixado nunca no pérfido Nathan Hyatt. Se pai se deu conta da
verdadeira natureza desse sujeito... Bom, pelo menos tinha a satisfação de saber que esse tipo
enganou papai igual a ela.
Ou... Possivelmente não? Papai foi resistente a esse matrimônio. Que pena que tivesse
deixado o testamento intacto!
Ao cabo de um momento, chegaram à estalagem. Surpreendeu-se, ao ver que Freddy não
os esperava no vestíbulo. Seguro que estava muito zangado com eles.
—O que temos que fazer — disse o senhor Pinter, enquanto subiam as escadas — é
retornar o quanto antes a Londres e contratar um advogado sem demora. Estou seguro de
que o testamento de seu pai pode ser emendado de algum modo. Não perca a esperança.
Maria suspirou.
—Obrigado, senhor Pinter, mas acredito que sua generosidade se estendeu além dos
limites aceitáveis. De verdade, não posso lhe pagar seus serviços.
—Bobagens — soltou ele com um gesto leve de seu braço para subtrair importância ao
assunto — Também me convém levar este caso até suas últimas consequências. Interprete do
seguinte modo: se consigo liberá-la do senhor Hyatt, você receberá sua fortuna e será capaz
de me pagar, e suponho que, além disso, me recomendará a todos seus amigos, não é?
—Mas eu não tenho amigos na Inglaterra. — Pensou na família Sharpe com nostalgia, mas
se disse que de nada lhe serviria lhes pedir ajuda. Eles não só tinham seus próprios problemas,
mas também já não seria capaz de olhar no rosto de Oliver, tendo em conta o modo como
partiu de Halstead Hall.

294
O senhor Pinter deu-lhe uns tapinhas no ombro, quando se detiveram frente à porta do
quarto que ele compartilhava com Freddy.
—Tem um amigo, senhorita Butterfield. Tem a mim, recorda?
Maria tentou desfazer o nó que acabava de formar em sua garganta.
—Não entendo por que está fazendo tudo isto por mim. Certamente, terá outros casos
mais interessantes dos que ocupar-se.
Ele a olhou com uma sincera solenidade.
—Uma vez conheci uma mulher que estava metida em uma situação similar à sua.
Tampouco tinha amigos, e essa foi sua perdição. Eu gostaria de acreditar que ajudando a você,
estou fazendo algo que deveria ter feito por ela. — Esboçou um sorriso forçado enquanto
abria a porta com a chave.
O quarto estava vazio.
—Que estranho! — murmurou ela — Freddy já deveria estar de volta.
—Irei buscá-lo na confeitaria enquanto recolhe suas coisas — O senhor Pinter levou a mão
ao chapéu e inclinou a cabeça para despedir-se antes de desaparecer pelas escadas.
Maria se dirigiu a sua estadia. A cada passo, sentia o enorme peso da imensa desilusão.
Não podia acreditar que Nathan fosse, inclusive, capaz de ameaçá-la!
Ao chegar à porta, viu um pacote no chão. Quando o abriu, encontrou dois bolinhos ainda
quentes. Assim, Freddy esteve lá e recentemente. Onde tinha se metido? Sacudiu a cabeça e
abriu a porta.
A voz de Oliver ressonou junto à janela.
—Já era hora de que retornasse.
Os bolinhos caíram no chão pelo susto.
Apesar das escuras olheiras ao redor de seus olhos, Maria jamais se sentiu tão
avermelhada de alegria de ver alguém. Inclusive, com a gravata mal atada, seu cabelo negro
apontando em todas as direções e sua expressão incerta, conseguiu deixá-la sem respiração.
—O que faz aqui? — perguntou.
—Você esqueceu algo em Halstead Hall — respondeu ele, com voz cavernosa.

295
—O quê?
O coração de Maria parecia saltar do peito, quando ele avançou para ela e lhe disse:
—Esqueceu-se de mim.

296
CAPÍTULO 25

Antes que Maria pudesse responder, ele já a estava beijando com uma boca que era um
festim de excessos, enquanto seus braços a estreitavam contra ele, como se quisesse absorvê-
la com seu corpo.
Por um momento embriagador, Maria se entregou a aquele abraço, entretendo-se na
sorte do momento. Então, a abordou a realidade. Apenas porque ele foi procurá-la, não
significava que as coisas tivessem mudado entre eles.
Separou-o de um empurrão. Apesar de os olhos de Oliver adotarem um matiz mais escuro,
soltou-a.
—Como me encontrou? — perguntou enquanto se separava dele.
Oliver não tirava os olhos de cima dela.
—O chofer de Pinter deixou escapar algum comentário enquanto falava com um de meus
lacaios. Quando cheguei à cidade, vi a confeitaria, assim, apenas esperei que Freddy
aparecesse. Então o segui até aqui. — Arqueou uma sobrancelha — Seu primo é incapaz de
resistir a um bom bolinho inglês.
Ela soltou um pesado suspiro.
—Juro, Freddy será minha perdição. — Dolorosamente consciente de sua aparência
desalinhada, tirou o chapéu e o lançou sobre uma cadeira — Mas aonde foi? Não está aqui.
—Nisso, temo que não possa ajudar.
—E como conseguiu entrar em minha estadia?
Oliver encolheu os ombros.
—Enfiei-me pela janela, porque a porta estava fechada. — Seus olhos brilharam com
picardia — Ao longo dos anos, ganhei bastante experiência na hora de subir até as janelas dos
quartos de certas mulheres.

297
Aquela referência recordou a Maria o principal motivo pelo qual o deixou.
—Não deveria ter vindo.
Maria se arrependeu do comentário categórico, quando viu a expressão de dor refletida
no rosto de Oliver.
—Escute Maria, sei que cometi um engano ao tentar obrigar você a se casar comigo. Teria
que lhe dar mais tempo para que pudesse considerar minha proposta, antes de sair correndo
em busca de uma permissão especial. — Oliver fechou as mãos em um punho a ambos os
lados dos quadris — Mas não pode se casar com Hyatt. Embora agora se negue a acreditar em
mim, está claro que se trata de um caça-fortunas...
—Sei.
Ele piscou.
—O quê?
Maria não podia lhe contar toda a história. Era muito vergonhosa, para que ele soubesse
quão iludida foi ao depositar toda sua fé em um homem como Nathan.
—Não penso em me casar com ele. Não tem que preocupar-se por essa questão.
Oliver apertou os olhos em um par de frestas.
—Pois ainda mais razão para que se case comigo. — apressou-se a estreitá-la entre seus
braços — Sei que o único que posso lhe oferecer como marido é meu título nobiliário, mas...
—Não diga isso — protestou ela — Não é verdade.
—Então, por que me abandonou sem sequer se despedir de mim? — perguntou, com uma
voz tão doída que Maria amaldiçoou a si mesma.
—Porque, realmente, você não quer se casar comigo. Faz isso apenas para aplacar sua
consciência por ter me roubado a virtude.
Oliver soltou uma estridente gargalhada.
—É a primeira mulher que me acusa de ter consciência.
—Isso é porque não o conhecem. — Maria notava a garganta ressecada pela tensão.
Elevou a mão para lhe acariciar a bochecha — Mas eu, sim, que o conheço e sei que é um bom
homem.

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Os fortes traços de Oliver adotaram uma expressão taciturna, antes de soltá-la.
—Não minta para si mesma. Quero que seja minha esposa, mas não pretendo convencê-la
de que sou digno de você. Asseguro que não sou.
O coração de Maria se partiu com o tom desencantado de sua voz.
—É um bom homem. Quão único ocorre é que não confia em sua capacidade de se
comportar como tal, e aí está o problema, porque, como vou confiar em você, se você não
confia em si mesmo?
—Essa é a questão: não pode confiar em mim — respondeu ele com desapego — Não
sabe quem sou... O que sou. Se soubesse, nunca mais consideraria a possibilidade de se casar
comigo. Faz muito tempo que demonstrei ser um... — Oliver pronunciou uma maldição em
voz baixa.
Muito tempo? A ela, acelerou o pulso.
—É pelo que aconteceu com seus pais aquela noite no pavilhão de caça, não é verdade? —
Maria colocou a mão sobre seu braço — Ainda se sente culpado. Mas somente porque não
chegou a tempo para detê-la, não significa que você é o causador da tragédia.
—Não, não é por isso que me sinto culpado! — Oliver escapou de sua mão, seguiu para a
janela e fixou a vista na esplanada da estalagem.
—Conta-me — suplicou ela. Pelo visto, a senhora Plumtree tinha razão: ele precisava
desesperadamente falar a respeito daquele câncer que o carcomia vivo.
Sua única resposta foi um longo silêncio.
—Sei que brigou com sua mãe — insistiu Maria — Sua avó me contou isso. Mas não sabe
por que brigaram.
—Graças a Deus — murmurou ele.
—Não pode ser tão horroroso.
Oliver a cravou um olhar abrasador.
—Não tem ideia do que aconteceu.
—Por isso, precisamente, quero que me conte isso, para que possa compreender você.
—É impossível que me compreenda.

299
—Brigaram por causa de seu pai? Trata-se disso?
—Brigamos por que... Porque fiz algo inadmissível que... — Oliver passou os dedos de
forma nervosa pelo cabelo e estremeceu com um calafrio — Não posso contar isso. Se o fizer,
não se casará comigo.
—Ao contrário, asseguro-lhe que não me casarei com você, se não me contar — replicou
ela, com suavidade.
—Maldita seja! — Sua voz era agora, desesperada.
—Falo sério, Oliver.
Ele a olhou fixamente, com os olhos acesos.
—Minha mãe me surpreendeu na cama com uma convidada no dia da festa, de acordo?
Pegou-me em pleno ato sexual, com uma mulher casada.
Maria o olhou sem pestanejar, sem estar segura de como devia interpretar aquela
informação.
Oliver prosseguiu com a voz abatida.
—Foi à última vez que vi minha mãe antes que saísse disparada para o pavilhão de caça
em busca de meu pai. Por isso, o matou.
Maria podia ver que ele estava totalmente convencido daquela sentença, e que aquela
própria condenação o atormentava de um modo insofrível, mas não podia compreender o por
que. Sim, a sua mãe devia lhe ter impactado encontrar seu filho de dezesseis anos na cama
com uma mulher casada, mas isso podia enfurecê-la tanto assim para matar seu marido?
Parecia-lhe certamente improvável.
—Mas por que...?
Oliver soprou aflito.
—Lilith Rawdon era a esposa de um militar. Ela e o comandante Rawdon foram convidados
à festa que meus pais organizaram em Halstead Hall. Quando chegaram, Lilith parecia
preocupada com algo, mas isso não a deteve para que flertasse comigo, quando ninguém nos
via.

300
“Eu me senti adulado. Nessa época, ainda não tinha me deitado com nenhuma mulher.
Beijei uma taberneira ou duas enquanto estudava em Eton, mas nada mais. — Sua voz se
endureceu — Lilith não demorou muito para perceber que eu já estava a ponto para ter minha
primeira experiência sexual. Enquanto virtualmente todos os convidados estavam desfrutando
de uma comida campestre, eu me ausentei, porque não suportava ver meus pais trocando
comentários mordazes sobre qual dos dois era mais ardiloso e mais sofisticado.
Maria não disse nada, por medo de interromper o relato.
—Lilith me encontrou em meu quarto lendo um tomo insosso a respeito de como obter
boas colheitas que meu pai me ordenou que lesse. Estava morto de aborrecimento, assim, já
poderá imaginar minha reação quando ela entrou, fechou a porta e começou a tirar a roupa.
Apesar de Maria se sentir totalmente escandalizada pela flagrante baixeza daquela
mulher, lutou por manter uma expressão neutra.
—Eu não podia afastar os olhos dela. Lilith era uma mulher muito bonita e se comportava
como se me achasse atraente — Oliver sacudiu a cabeça — Por Deus! Que estúpido fui!
Maria queria chorar ao ver o desprezo que Oliver mostrava para si mesmo. Essa maldita
mulher provavelmente o achou atraente. Maria podia imaginar sem problemas Oliver com
dezesseis anos: um Adonis ágil e com a pele azeitonada, com toda a energia e a vitalidade da
juventude. Posto que ela mesma foi testemunha do comportamento de seus primos quando
eram adolescentes, podia entender que Oliver se sentisse deslumbrado pelos cuidados que
lhe prodigalizava uma mulher formosa e mais velha que ele.
Oliver continuou, com a respiração mais acelerada.
—Colocou-se sobre mim e... Bom, já pode imaginar o resto. Eu perdi felizmente minha
virgindade com a experimentada senhora Rawdon, quando a porta se abriu e minha mãe
apareceu na soleira.
Oliver se ruborizou, visivelmente envergonhado.
Pobrezinho! Maria recordou como um de seus primos morreu de vergonha quando ela o
encontrou simplesmente beijando sua futura esposa. No caso de Oliver, a situação deve ter
resultado dez vezes mais vergonhosa para ele.

301
Mas seguia sem compreender o que era o que desencadeou a tragédia.
Oliver mantinha a vista fixa em um ponto, sem piscar, como se estivesse revivendo a cena.
—Em vez de cobrir-se, Lilith se levantou e desafiou abertamente, minha mãe. Compreendi
tudo, quando um sorrisinho depravado se desenhou em seu rosto e minha mãe ficou
completamente lívida. Lilith queria que minha mãe nos encontrasse juntos — que me
encontrasse — naquele estado.
—Por que diabo ia querer uma coisa assim?
—Pelo visto, formava parte de uma doentia necessidade que tinha de fazer mal a minha
mãe. Soube quando minha mãe olhou para Lilith e disse: «Não é suficiente que roube meu
marido? Também tem que me tirar meu filho?».
—Assim, Lilith Rawdon era a amante de seu pai... Virgem Santa!
O rosto de Oliver era uma máscara de repulsão.
—Sempre me perguntei por que os Rawdon passavam tanto tempo com meus pais. Minha
mãe não parecia gostar de Lilith, e meu pai zombava do comandante Rawdon de um modo tão
flagrante que, inclusive, eu podia reconhecê-lo. Mas aquele dia, quando minha mãe me viu...
Oliver fechou as mãos em um punho.
—Por Deus! Havia tanta dor em sua voz. Sua imagem vencida me perseguiu toda a vida.
Minha mãe me disse que desaparecesse de sua vista e virtualmente me jogou para fora do
quarto. A última coisa que vi foi Lilith sorrindo vitoriosamente.
—Mas por que fez isso essa mulher? Se estava atada com seu pai, o que ganhava
provocando sua mãe ainda mais?
—Passei muitos anos tentando compreender. Segundo certos rumores que circulavam
naquela época sobre os Rawdon, seu casamento estava em crise, inclusive, se falava de
separação. O divórcio era impensável, é óbvio, mas possivelmente, Lilith esperava convencer
meu pai para que fugissem juntos. E que outra forma melhor que provocar minha mãe, até tal
ponto para empurrá-la a pedir a separação? Mas minha mãe era uma mulher sossegada e
nunca teria quebrado a família sem um motivo que fosse de todo inaceitável.

302
—Ou, possivelmente, a explicação é ainda mais simples — apontou Maria. —
Possivelmente uma mulher tão depravada como Lilith Rawdon não podia resistir à tentação de
deitar-se com um jovenzinho que achasse atraente. Tentou entrar em contato com você,
depois daquele dia?
—Não. Partiram aquela mesma noite. Tentei vê-la depois para averiguar a verdade, mas
quando me apresentei em sua casa, os criados me comunicaram que ela e seu marido foram à
Índia. Escrevi-lhe, mas nunca me respondeu. Devolveram-me todas as cartas marcadas como
«destinatário desconhecido», assim, suponho que se mudaram de casa.
Oliver olhou Maria fixamente, com olhos atormentados.
—Não obstante, não fica a menor dúvida de que Lilith se deitou comigo
premeditadamente aquele dia, e que eu, com minha estupidez e minha debilidade pelas
mulheres, permiti que me usasse para fazer mal a minha mãe, para incitá-la a...
—Oh, meu amor! — suspirou Maria, lutando contra as lágrimas que pugnavam por
escapar de seus olhos — Não foi sua culpa!
—Ah, não? As últimas palavras de minha mãe enquanto eu tentava ocultar minha nudez
foram: «É uma desonra para esta família! Comporta-se igual ao seu pai! Nem louca permitirei
que ele o converta em um irresponsável tão depravado e egoísta à sua imagem e semelhança,
capaz de sacrificar todo mundo em troca de um pouco de prazer!». Por isso, o matou, para
evitar que fosse uma má influência para mim.
Oh, pobre Oliver! Que horror que essa fosse à última lembrança de sua mãe! Agora,
compreendia por que viveu todos esses anos tentando esquecer o passado. Quem não o faria?
Maria sentiu uma intensa raiva da mãe de Oliver, por colocar essa carrega sobre os
ombros de seu filho.
—Sua mãe não deveria ter pronunciado essas horríveis palavras.
—Mas era a verdade.
—Não era a verdade!
—Maria, desde pequeno vi minha mãe sofrer por causa dos escarcéus amorosos de meu
pai. Ele nunca agia com discrição, e ela, que lhe entregou todo seu coração, foi ficando mais

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frágil à medida que passavam os anos. Minha mãe sempre dizia que nós, seus filhos, fomos
sua única alegria, que a compensávamos por todos os sofrimentos. Então, em um momento
de puro egoísmo, eu lhe cravei uma adaga no coração.
A angústia em seu rosto destroçou Maria. Ela o abraçou com força e o obrigou a olhá-la
nos olhos.
—Você não foi o causador do desatinado ato de sua mãe. Ela tomou sua própria decisão.
Quando lhe disse essas palavras tão cruéis, estou segura de que o fez pela raiva do momento,
porque estava furiosa com seu pai e se desafogou com você, já que você foi a pessoa que
tinha mais à mão e porque ela não podia desafogar-se diretamente com ele.
—Sim, que se desafogou com ele. — Os olhos do Oliver refulgiam, ressentidamente.
—Tem razão, e essa é a tragédia. Mas você não é responsável pelo que aconteceu.
—Vejo que não me compreende — espetou ele.
—Compreendo melhor do que acredita. Minha mãe morreu no parto, recorda? — As
lágrimas voltaram a subir com força por sua garganta, mas Maria as conteve — Durante quase
toda minha infância, senti-me culpada. Estou segura de que pode imaginar o que se sente ao
saber que você deve sua própria existência ao sofrimento e a morte de sua própria mãe.
—Não é o mesmo. — A intensa angústia em seus traços voltaram a partir o coração de
Maria — Você não fez de propósito...
—E você sim? Você sabia que essa má mulher, Lilith, odiava sua mãe? Que estava atada
com seu pai? Que ao se colocar com ela na cama, poderia desencadear uma espantosa cadeia
de acontecimentos?
Oliver tentou escapar dos braços de Maria, mas ela não o soltou. Olhou-a, com desdém.
—É verdade que não sabia que Lilith era a amante de meu pai, mas sabia que estava
casada. Sabia que eu estava fazendo algo indecente, mas me dava na mesma.
—Só tinha dezesseis anos! E, além disso, via seu pai romper as regras diariamente. E sabia
que havia outros homens de sua mesma posição social que se comportavam igual. — As
lágrimas rodavam agora livremente pelas bochechas de Maria, mas não se preocupou em

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contê-las — Diga-me uma coisa: enquanto estava com a senhora Rawdon, lhe ocorreu pensar
em sua mãe e em como ela desaprovaria seu comportamento?
—Não seja absurda!
—Exatamente! Os adolescentes não pensam antes de agir! São impulsivos e egoístas e são
tão quentes como um cabrito. Tenho quatro primos, e, quando eram adolescentes, todo o
ensino moral que receberam haveria se esfumaçado, se uma formosa mulher casada se
despisse em seu quarto e se colocasse em sua cama.
—Não me serve de desculpa.
—Sei. Mas tampouco o faz culpado da tragédia. Uniu esses dois acontecimentos em sua
mente, e já chegou a hora de que os separe.
Oliver lhe agarrou a cabecinha entre suas hercúleas mãos e a olhou aos olhos com uma
raiva irreprimível.
—Esquece que passei a vida demonstrando que minha mãe tinha razão. Sou igual ao meu
pai.
Maria recordou de repente, as palavras da senhora Plumtree «Pelo visto acredita que é
como seu pai, mas em realidade, é como sua mãe. Não sei por que seguiu o caminho de seu
pai durante todos estes anos, mas não é seu verdadeiro caráter; lhe asseguro isso».
A verdade a sacudiu, com uma repentina clarividência.
—Não — replicou ela, brandamente — Você passou a vida ressentido com sua mãe,
furioso com ela por abandonar você e seus irmãos, por obrigá-lo a adotar uma posição
insustentável, ao ter de ocultar o que realmente aconteceu àquela noite. Esteve lutando
contra um fantasma, gritando: «Se não queria que me voltasse como ele, deveria haver ficado
ao meu lado para me ajudar!».
Maria lhe cobriu as mãos com as suas com ternura, antes de prosseguir:
—Mas sua mãe não pode ouvir você, assim que quão único faz foi semear um caminho
que não é o seu, se converter em um personagem grotesco, procurando uma saída para sua
existência, mas com o convencimento de que está destinado a fracassar. Esta não é uma vida
digna para ninguém, sobretudo, para um homem com um potencial tão elevado como o seu.

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Oliver estremeceu com um calafrio e bufou.
—Como é possível que tenha tanta fé em mim? — perguntou, com a voz rouca — Como
pode acreditar em mim, quando não lhe dei nenhuma razão para fazê-lo?
—Deu-me um sem-fim de razões, embora tenha de admitir que há uma que se destaca por
cima das demais: quero você Oliver; não posso evitar. E essa é a principal razão pela qual
confio em você.
Oliver começou a tremer, e seus olhos se iluminaram com o brilho de umas lágrimas que
resistiam a sair.
—Amo você — repetiu ela enquanto o beijava na bochecha — Amo você. — Beijou-lhe a
outra bochecha agora úmida, embora não estava segura se isso se devia às suas próprias
lágrimas ou às dele — Amo você com toda minha alma. — Acariciou-lhe os lábios com os seus.
Oliver a afastou levemente, para olhá-la nos olhos.
—Que Deus a ajude, se não estiver dizendo a verdade — declarou, com voz atormentada
— porque, com estas palavras, acaba de selar seu destino. Agora, sei que não a deixarei
escapar, jamais.

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CAPÍTULO 26

"Amo você"
As palavras seguiam ressonando nos ouvidos de Oliver, enquanto a estreitava entre seus
braços, apaixonadamente. Não percebeu o quanto ansiava escutá-las da boca de Maria, até
que ela as pronunciou, e, agora, ressonavam com cada novo e doce beijo, com cada carícia
que lhe prodigalizava, com cada investida daquela língua dentro de sua boca faminta.
Ele contou-lhe tudo; confessou-lhe seu segredo melhor guardado de seu coração, e,
entretanto, Maria seguia em seus braços, beijando-o, abraçando-o, chorando. A situação era
inimaginável.
Se ela podia acreditar que ele não era o homem desalmado que pretendeu ser durante
todos esses anos, cabia a possibilidade de que Oliver aprendesse a acreditar em si mesmo?
Poderia ele, possivelmente, converter-se no homem que ela queria? O homem que sua mãe
desejou que fosse? Poderia ser capaz de mudar sua vida?
—Amo você — voltou a sussurrar Maria, com a boca colada em seus lábios, e Oliver sentiu
que o coração dava um tombo de alegria.
—Por todos os Santos, Maria; aviva minha alma cada vez que diz isso.
—Não acredita em mim? — Lhe estampou um beijo reverente no pescoço que acelerou o
pulso de Oliver de forma frenética
—Acredito que está louca, isso é o que acredito.
—Não mais que você. Não mais que qualquer outra pessoa que esteja apaixonada.
De novo tinha pronunciado aquela palavra, a palavra que Oliver sempre desconfiava
quando a ouvia da boca de outras mulheres previamente, a palavra que agora o seduzia com
toda a doçura do mel mais cálido. Queria acreditar nessa palavra desesperadamente, queria
fundir-se com Maria nesse mesmo instante, deitá-la na cama e formar um só corpo com ela,

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até que pudesse convencer a si mesmo de que ela era completamente sincera quando dizia
essas palavras.
Mas quando tentou lhe desabotoar os botões do vestido, ela retrocedeu.
—Não, agora, não podemos.
—Sim, sim que podemos — insistiu ele.
—O senhor Pinter retornará em poucos minutos, e não desejo que me encontre...
—Desde quando se importa o que pensa o senhor Pinter? — interrompeu-a, incapaz de
dominar aquele arranque possessivo — Não me diga que se apaixonou por esse tipo?
Os lábios de Maria se curvaram com um sorriso zombador.
—Não me diga que está com ciúmes do senhor Pinter.
—Mas claro que o estou! — grunhiu ele, encurralando-a contra a cama — Estou com
ciúmes de Jarret, de Gabe, de qualquer maldito boneco de pano que a olhe e a deseje.
—Não tem nenhum motivo para ficar com ciúme do senhor Pintier. — Maria o rodeou
pelo pescoço com os braços — Só quero você.
De novo essas palavras, que lhe atiravam um golpe certeiro diretamente no coração.
Oliver tinha coração? Pelo visto, sim.
—Entretanto, fugiu com ele, sem me dizer uma palavra — a acusou Oliver.
—Só porque me disse que não sabia se poderia ser fiel a mim — contra-atacou ela com
suavidade.
Oliver bufou incômodo.
—Era meu medo, o medo de ser igual ao meu pai, o medo de não poder lhe dar o que
precisava.
—Pode-se saber onde está, agora, esse temor? — Quando o olhou fixamente, lhe
implorando com os olhos que lhe dissesse a verdade, Oliver sentiu uma enorme opressão no
peito.
—Desapareceu. O fato de passar um dia sem você bastou para me dar conta de que quero
apenas você. — Deslizou os dedos pelo cabelo de Maria e lhe tirou os grampos; sua juba caiu
então em uma bela cascata sobre seus ombros — Quando entro em uma estadia, quero, vejo

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apenas você. Ontem em Londres, asseguro-lhe que era como se tivesse ficado cego, já que
não vi nem me fixei em nenhuma mulher, juro isso.
Oliver não podia acreditar que estivesse soltando as mesmas argumentações ridículas das
quais tantas vezes riu, quando ouviu seus amigos dizê-las às suas esposas. Até que para ser
sincero, cada vez que ria, havia uma pequenina parte dentro dele cheia de inveja que lhe
recordava quão falsas eram suas gargalhadas. E agora, compreendia como era falsa e vazia
uma vida sem amor.
—Por que ia preferir estar com outra mulher em vez de com a que amo?
Maria era quão única iluminava sua alma, que eliminava sua escuridão. Ela era quão única
via nele o moço que muito tempo atrás, sonhou com um futuro melhor, e também era quão
única via o homem que ainda desejava algo melhor. E Oliver sabia que isso era possível, se ela
estivesse ao seu lado.
O queixo de Maria começou a tremer enquanto seus braços se esticavam ao redor do
pescoço de Oliver.
—Você... Você me... Ama?
Observando seu narizinho arrebitado e as sardas que lhe outorgavam um aspecto de
pequena fada travessa, Oliver notou um nó na garganta.
—Amo você, sim, e quero estar com você em todas as horas do dia, todos os dias de
minha vida. Não posso imaginar um futuro sem você. A ideia de retornar sozinho a minha casa
vazia é um pesadelo insuportável; preferiria antes vagar pelo mundo inteiro pego a seus
calcanhares que estar sem você. Diga-me, isso é amor?
Maria lhe deu de presente um sorriso luminoso.
—Acredito que sim.
—Então amo você meu adorável anjo desbocado e espadachim, quero que seja minha
esposa, quero que presida minha mesa e que me acompanhe a todas as festas e que
compartilhe meu leito. — Uma desconhecida alegria alagou seu peito — E quero ter filhos
com você, muitos filhos, para encher todas as estadias de Halstead Hall

309
O rosto de Maria se iluminou de felicidade. Oliver era tão inteligente para dar-se conta de
que não só devia oferecer a si mesmo, a não ser tudo aquilo que repudiou até então, tudo o
que ele desejava emendar, tudo o que ele precisava emendar.
—Não para encher todas as estadias, espero — brincou ela, sem poder conter as lágrimas
por mais tempo — Pensa que há mais de quatrocentas.
—Então, suponho que teremos de nos pôr mãos à obra agora mesmo — concluiu ele,
adotando o mesmo tom jocoso que ela. Com o coração a ponto de estalar de alegria, voltou a
levar a mão para os botões do vestido de Maria — Não convém deixar estas coisas para o
último minuto.
Enquanto ela soltava uma gargalhada de puro júbilo, começou a lhe desenredar a gravata.
—Tenho a impressão de que será um marido muito voluptuoso, não é assim?
Oliver lhe arrancou o vestido, então, a virou e começou a desabotoar as nervuras do sutiã.
—Não tem ideia — murmurou e encheu as mãos com os seios que acabava de liberar.
Ofegando ela colou seu traseiro a ele.
—Parece que estou começando a entender.
Não disseram nada mais, enquanto acabavam de despir um ao outro. Para Oliver, foi à
experiência mais estranha de sua vida. A parte de seu cérebro que geralmente funcionava
com normalidade enquanto montava uma mulher, a parte que se encarregava de obter o
máximo prazer da experiência, parecia estar de férias.
Sentia-se como um adolescente brincalhão de novo, muito excitado para ser precavido,
muito atordoado com o prazer, para pensar além da simples satisfação de descobrir sua pele
sedosa, do calor de descobrir aquele corpo tão sensual. Em um ataque de necessidade,
lançou-a sobre a cama e ficou sobre ela, desesperado por estar dentro dela, por lhe
demonstrar a intensidade do que sentia.
Mas justo quando se inclinava para beijá-la na garganta, ela lhe deu um empurrão e saltou
da cama.
—Não fechei a porta!
Oliver a agarrou pela cintura e a atraiu de novo para ele.

310
—Ninguém se atreverá a entrar, querida. — Capturou-lhe as pernas entre as suas para
imobilizá-la — E se o fizerem, isso somente acelerará nosso caminho para o altar, o qual me
parece fenomenal.
Maria o olhou com receio e lhe deu outro empurrão no peito.
—Por que sempre tenta me seduzir, quando há possibilidades que nos peguem? Primeiro,
me beija quando sabe que sua avó está a ponto de irromper na sala, logo, me faz coisas
perversas na carruagem em pleno centro de Londres, e logo...
—O que posso alegar? — Oliver soltou um risinho travesso — Já que minha intenção é me
deitar unicamente com você pelo resto de minha vida, tenho que lhe ensinar um montão de
posturas. — Voltou a encher mãos com seus esplendorosos seios — E aqui tem a primeira
lição: faça amor comigo, minha querida prometida.
Ele impulsionou seu membro ereto para frente, a fim de enfatizar sua demanda, e ela
conteve a respiração.
—Não... Não estou segura se entendi.
—Agora que se colocou com tanta desfaçatez em cima de mim, quero que me meta
dentro de você.
Um delicioso rubor se estendeu por suas bochechas.
—Posso fazer isso?
Oliver riu.
—Funciona do mesmo modo que o contrário, asseguro-lhe isso.
A curiosidade nublou os traços de Maria, enquanto ela se sentava sobre seus calcanhares
para contemplar seu pênis a ponto de explorá-lo. Oliver esticou a mão para lhe acariciar a
tenra pele entre as coxas, exultante ao encontrá-la tão quente e úmida.
—Vamos, meu amor, faça amor comigo, antes que me deixe louco.
Com um sorriso inseguro, ela se elevou sobre os joelhos e voltou a descer sobre seu pênis.
—Há! — exclamou, quando esteve completamente acomodada — Que interessante!
—A sim? Mas não se detenha agora — a animou ele.

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Maria começou a mover-se, com seu corpo lascivo ondulando sobre ele e sua juba solta
sobre seus ombros, como uma sedosa cortina dourada com brilhos de cor mogno sob a luz da
manhã. Enquanto Oliver notava que perdia o mundo de vista, cravou os olhos em seu
resplandecente rosto e, finalmente, compreendeu por que se casavam os homens.
Ouviu pronunciar o ritual do casamento numerosas vezes nas bodas de seus amigos, com
as sonoras palavras pronunciadas com solenidade por um padre que tinha aspecto de estar
meio aborrecido. Quando a cerimônia alcançava o ponto em que cada membro do casal dizia:
«Com meu corpo venero você», Oliver começava uma risada irrefreável.
Agora, em troca, não ria. Estava experimentando um momento sagrado, unindo-se em
corpo e alma à mulher que amava. Não havia nem rastro de repulsa no rosto de Maria, nem
de asco. Ela o amava sem reservas. Ela acreditou nele quando ele não confiava em si mesmo,
e sua confiança nele a transformava em um anjo que desceu dos céus para curá-lo, para
fechar suas feridas, para insuflar vida tanto em seu corpo como em sua alma.
Ansioso por correspondê-la, esfregou-lhe os mamilos com os polegares, estampou-lhe
beijos nos braços, deslizou a mão entre suas pernas para lhe acariciar aquele ponto de prazer,
até que ela começou a ofegar. Entreteve-se no calor de seu sorriso, na delicadeza de sua pele,
enquanto Maria cavalgava sobre ele como uma gloriosa deusa, com os olhos brilhantes de
amor, com suas mãos deslizando por seu corpo com umas carícias tão tenras que conseguiram
lhe obstruir a garganta com lágrimas não derramadas.
De verdade pensou que podia lhe ensinar algo a respeito da paixão, aquele dia na
carruagem? Devia estar louco. Apesar de que Maria não tinha experiência nesse sentido, tinha
compreendido o que ele não tinha conseguido entender até esse momento: que a paixão não
radicava no ato em si, a não ser na pessoa com a que alguém compartilhava aquele ato.
A necessidade de explodir o abordou com tanta celeridade que temeu não aguentar até
que ela alcançasse o orgasmo, mas justo no momento em que já não aguentava mais, Maria
jogou a cabeça para trás com um grito e convulsionou sobre ele. Oliver gozou dentro dela,
rezando por semear uma semente em seu ventre. Parecia-lhe que aquele momento glorioso
deveria ficar imortalizado com um filho travesso ou com uma filha revoltosa.

312
Ela desmoronou sobre ele nua e saciada, e Oliver acreditou que seu coração ia estalar de
puro júbilo. Sem poder se conter, soltou uma forte gargalhada. Se não ia com cuidado, essa
fada travessa o converteria em um boneco de pano muito sensível, dos que passam o dia
recitando versos românticos.
Maria arqueou uma sobrancelha e o olhou com receio.
—Pode-se saber do que ri?
—Sou feliz. — Por mais incrível que parecesse, era verdade — E serei ainda mais feliz,
quando pudermos encontrar um padre e usar essa permissão especial.
—E se eu dito rechaçar sua oferta e me converter em sua amante? — brincou ela — E se
prefiro viver às custas de minha herança?
Aquela alegação deixou Oliver pasmo. O que aconteceu, exatamente, no encontro que ela
teve com Hyatt?
—De verdade, é isso o que quer?
—Não — respondeu, brandamente — Quero você.
—Pois que bem, porque o sentimento é mútuo. — Tomando-a por surpresa, encurralou-a
debaixo dele e começou a beijá-la no pescoço — E a desejo aqui, agora mesmo, outra vez
Nesse instante, ouviram algumas batidinhas na porta. Com o rosto alarmado, Maria
colocou um dedo nos lábios de Oliver. Ele o capturou entre seus dentes e começou a lambê-lo
com luxúria, enquanto observava com ávido interesse como Maria se derretia de prazer.
Mais golpes insistentes na porta.
Oliver esboçou uma careta de chateio.
—Quem é? — gritou Maria.
—Está Freddy com você, senhorita Butterfield? Pareceu-me ouvir vozes.
Ao reconhecer a voz áspera do senhor Pinter, Oliver franziu o cenho.
—Não, não está aqui! — Ela se sentou na cama, mas Oliver a empurrou para trás e a
imobilizou com uma perna, para que não pudesse levantar-se, enquanto lhe estampava uma
fileira de beijos pelo pescoço.

313
—Pois tampouco está na confeitaria — comentou Pinter, do outro lado da porta — O
hospedeiro me disse que esteve aqui, mas que tornou a sair. Não sabe aonde foi?
Oliver soltou um bufido de frustração com o rosto afundado no ombro de Maria, e ela
mordeu o lábio, contendo-se para não rir.
—Provavelmente, foi procurar mais comida — gritou ela — Dê uma olhada nas
confeitarias da zona, não pode ter ido muito longe.
—Possivelmente, seria mais conveniente se fôssemos os dois juntos para buscá-lo...
—Não posso! — interrompeu ela — Não me sinto muito bem.
—Deseja que chame a esposa do hospedeiro? — inquiriu o senhor Pinter, com um tom
entre preocupado e desconfiado.
—Não! — gritou ela — Não estou vestida.
—Isso sim, que é uma má desculpa — sussurrou Oliver, ao ouvido.
—Olhe, será melhor que você vá sozinho em busca de Freddy, enquanto eu descanso um
momento — sugeriu Maria — Estou segura de que quando retornarem, já me sentirei muito
melhor.
—Prometo que se sentirá muuuuuito melhor, meu amor — murmurou Oliver e, depois,
lhe mordiscou o lóbulo da orelha.
Ela lhe cravou um olhar severo, enquanto fazia um esforço por conter a risada.
—De acordo — conveio Pinter — Mas eu gostaria de partir da cidade ao meio dia, no
máximo. Precisamos consultar um advogado sobre a melhor forma de denunciar Hyatt, antes
que ele tenha tempo de denunciar você.
O sorriso se desvaneceu dos lábios de Maria.
—Estou segura de que tudo sairá bem — gritou para a porta. — Ocupe-se de encontrar
Freddy, por favor.
Só quando os passos se perderam pelas escadas, Oliver se sentiu livre para perguntar:
—A que se referia Pinter? O que é isso de que Hyatt pensa em denunciar você?
—Não é nada — soltou ela e começou a beijá-lo no peito.
Mas Oliver percebeu que apenas tentava distraí-lo.

314
Maria tinha problemas, e isso era inaceitável. E o primeiro dever de um marido era tirar
sua esposa de qualquer apuro.
—Como que não é nada? Se Pinter está preocupado com você, é sinal de que é
importante. Vamos, me conte o que aconteceu!
—Prefiro não falar disso.
Oliver a capturou debaixo dele e a olhou, sem piscar.
—Eu lhe contei o que você queria saber de mim. Agora, é sua vez, gracinha.
Maria mordeu o lábio inferior, visivelmente angustiada
—Mas tem que me prometer que não fará nada a respeito.
—Não penso em fazer essa promessa, querida. Sabe que não o farei.
—Então, não contarei — declarou ela, com sua típica atitude obcecada.
—Então, terei de pedir para Pinter me contar, não? — Separou-a com um empurrão e se
dispôs a saltar da cama.
—Espere!
Oliver se voltou para ela, com cara de lorde.
—É um maldito arrogante!
—Isso já sei. E, agora, me diga o que aconteceu com Hyatt?
Maria balbuciou uma maldição, logo jogou a cabeça para trás e a afundou no travesseiro,
ao tempo em que cobria seu corpo nu com o lençol.
Enquanto lhe relatava a história de sua triste decepção, Oliver mal podia conter a raiva.
Mas quando lhe contou que Hyatt a ameaçou denunciar por romper o compromisso, o sangue
lhe subiu à cabeça. Saltou da cama e apertando os dentes, trovejou:
—Matarei esse desgraçado com minhas próprias mãos!
—Não! Não o fará! — gritou ela, enquanto o agarrava pelo braço para que voltasse para a
cama — Por isso, não queria contar. Se se meter neste assunto, quão único conseguirá será
piorar as coisas! Não permitirei que Nathan roube a metade da New Bedford Ships, mas
tampouco permitirei que cometa uma barbaridade em um arrebatamento de ira, dando uma
desculpa a Nathan para agir do mesmo modo!

315
—E como pensa em abordar o problema?— cravou-a o
—O senhor Pinter contratará um advogado, para que se encarregue do caso.
Oliver franziu o cenho.
—Como seu marido, tenho direito a opinar.
—Ainda não é meu marido — contra-atacou ela — E não será, até que tenha resolvido
este problema. Não quero implicar nem você nem sua família.
—Parece que isso o temos que decidir nós, não acha?
—É meu problema — disse tão teimosa como de costume — Vocês foram muito bons
comigo, e não quero que se vejam implicados em um grave escândalo. Já têm muitos
problemas para acrescentar um mais.
Oliver a questionou com o olhar uns momentos e, depois, disse:
—De acordo. — Não tinha intenção de ficar à margem, mas era óbvio que ela faria
qualquer coisa, a fim de evitar um confronto entre ele e Hyatt, e Maria podia ser muito
persistente, quando se propunha. Teria de mudar de estratégia: aplacá-la, distraí-la e, quando
estivesse relaxada, Oliver escaparia e se encarregaria desse desgraçado, à sua maneira.
Inclinou-se para beijá-la, mas ela o afastou, olhando-o, com desconfiança.
—Promete-me que não se meterá neste assunto e que deixará tudo em minhas mãos e
nas dos advogados?
Com um grunhido evasivo, ele começou a lhe lamber um seio.
—Oliver... — advertiu ela.
—Prometo-lhe que não o estrangularei, até que me dê permissão para fazê-lo. — Isso era
quão único podia prometer; nada mais.
Enquanto lhe mordiscava o mamilo, esfregou o pênis que estava começando a se pôr duro
contra sua suave pele, e os olhos de Maria se acenderam imediatamente. Nesse momento,
Oliver se sentiu agradecido de sua perita destreza com as mulheres. Assim, poderia ganhar
tempo para fazer o que tinha de fazer, sem ver-se obrigado a mentir para sua amada e sem ter
que enfrentar seu delicado sentido da moralidade.

316
—E promete que não se intrometerá de nenhuma outra forma? — insistiu Maria, embora
seu corpo estivesse respondendo com concupiscência a seus cuidados.
Enquanto deslizava a mão até seu púbis para acariciá-la, Oliver lhe respondeu arrastando
as palavras:
—Olhe querida, sobre todas essas promessas que deseja ouvir de meus lábios... Estarei
mais que encantado de cumpri-las se... Conseguir me abrandar.
—Seriamente? — Maria esboçou um sorriso desconfiado.
—Seriamente. — Oliver lhe levantou os joelhos e a penetrou sem vacilar. Sua rápida
investida conseguiu excitá-la por completo. Ela o recompensou arqueando as costas,
enquanto soltava um gemido de prazer e, logo, se retorceu debaixo dele.
Oliver recorreu a todas as táticas sensuais que conhecia para satisfazê-la, e, quando, ao
final, os dois ficaram deitados de barriga para cima, totalmente exaustos, ele fingiu
adormecer. Maria não demorou a cair sumida em um aprazível sono. Oliver abandonou
sigilosamente a cama, observou-a com atenção, enquanto se vestia, para detectar qualquer
movimento que implicasse que ia despertar. Felizmente, Maria devia ter dormido muito
pouco na noite anterior, e quando Oliver esteve já totalmente vestido, ela seguia dormindo
placidamente.
Um caso de descumprimento de promessa nos tribunais poderia alargar-se por vários
anos, além do que isso suporia implicar Maria e a família de Oliver em um escândalo público.
Chegava a hora de lhe demonstrar que podia ocupar-se dela, que podia ser o homem que ela
queria que ele fosse, um homem digno de seu amor.
Oliver sabia como tratar os homens como Hyatt. Por algo era neto de Hetty Plumtree.
Por desgraça, havia apenas uma forma de assegurar-se de que esse tipo se mantivesse a
margem da vida de Maria para sempre. Oliver apalpou o bolso do casaco para confirmar que
ainda continha a caixa de veludo e, logo, saiu em busca de Nathan Hyatt.

317
CAPÍTULO 27

Maria estava sonhando com seu quarto em Halstead Hall, quando algo a despertou.
Permaneceu deitada, ainda meio dormida, e seus lábios se curvaram em um suave sorriso.
Oliver a amava, amava-a de verdade. Ele demonstrou com cada beijo, com cada carícia, com
cada doce palavra que lhe sussurrou, enquanto faziam amor. Duas vezes. Apaixonadamente e
com uma técnica da mais criativa.
Suas bochechas se acenderam pelo calor. Pelo visto, havia numerosas coisas que não sabia
sobre fazer amor. Mas tinha muita vontade de aprender. Oh, sim! Agora que Oliver confessou
seu passado e que iam se casar, sentia-se incrivelmente ditosa.
Virou-se para dizer-lhe, mas a cama estava vazia. Sentou-se e examinou o quarto. Onde
estava Oliver?
Então ouviu alguns golpes e se deu conta do que a despertou: uns insistentes golpes na
porta.
—Deixe-nos entrar, Grenhita!
Por todos os Santos! Freddy estava do outro lado da porta, certamente, com o senhor
Pinter. E ela estava nua como no dia em que nasceu!
—Dê-me um minuto, por favor! — vestiu a camisola depressa e, correndo, cobriu-se com a
bata e, continuando, apressou-se a recolher a roupa esparramada pelo chão. Não havia nem
rastro da roupa de Oliver. Lançou os objetos atrás do biombo situado em um canto e correu
para abrir a porta.
Enquanto Freddy entrava no quarto com passo firme, o senhor Pinter ficou avermelhado,
quando viu Maria com tão pouca roupa.

318
—Desculpe-me, senhor Pinter, mas adormeci. — Maria se apressou a esconder-se atrás do
biombo, para vestir-se — Viu lorde Stoneville? — Tinha a desagradável suspeita de que sabia
aonde foi Oliver, e isso a preocupava mais que sua reputação.
—Stoneville está em Southampton? — perguntou o senhor Pinter, com evidente mal-
estar.
Ela o olhou, por cima do biombo.
—Sim, veio me buscar. Não o viram pela rua?
—Eu não — respondeu o senhor Pinter — E você, Freddy?
Freddy sacudiu a cabeça.
Sem dúvidas, foi ajustar contas com Nathan.
—Temos de encontrá-lo! Não gostou que eu tenha vindo até aqui para ver Nathan, e temo
que queira enfrentar a ele.
—E você decidiu fazer a sesta, enquanto isso? — repreendeu-a Freddy.
Só lhe faltava que Freddy decidisse repreendê-la nesse momento!
—Não, cabeça-de-vento! O que acontece é que disse para não me preocupar, que
esperaria no vestíbulo, até que você e o senhor Pinter voltassem, e que eu procurasse
descansar. Estava tão fatigada que lhe fiz conta.
Havia-lhes dito quase a verdade, exceto que para convencê-la, Oliver fez amor com ela
apaixonadamente, e que, depois, esperou até que caísse fulminada em um sono profundo
pelo cansaço acumulado nos dois últimos dias. Maldito manipulador!
Seu único consolo era que ele não sabia onde encontrar Nathan, embora seguro que não
demoraria a descobrir seu paradeiro, a julgar pelo pouco que demorou para encontrá-la.
—Freddy, pode avisar uma criada para que ajude a me vestir? — ordenou-lhe, por cima do
biombo.
Freddy trocou um olhar com o senhor Pinter.
—Isto..., Grenhita, há uma senhorita que deseja conhecer você. Suponho que não se
importará em ajudá-la a se vestir.

319
Freddy saiu ao corredor e convidou a entrar uma bonita jovenzinha, com o rostinho
emoldurado por uns chamativos cachos dourados. Maria não deixou de notar a atitude solícita
de Freddy para a desconhecida.
—Olhe Grenhita, antes que as apresente, acredito que é importante que saiba que ela não
tinha ideia do que acontecia, e que está tão surpresa como você, assim...
—Seja direto, Freddy — espetou ela sentindo uma crescente necessidade de encontrar
Oliver o quanto antes.
—Apresento à senhorita Jane Kinsley,
—Quem diabos...? Aaaaahhh! A senhorita Kinsley! A senhorita Kinsley de Nathan.
Freddy se dirigiu à jovem, com as bochechas rosadas:
—Senhorita Kinsley apresento minha prima, a senhorita Maria Butterfield.
—Encantada de conhecê-la — saudou a moça, inclinando a cabeça com cortesia — Não
estamos acostumados ver muitos americanos por aqui; vocês três são os primeiros que
conheço: você, o senhor Dunse e o senhor Hyatt. — Não parecia incômoda, ao estar na
mesma estadia que sua aparente rival, embora, possivelmente, Freddy e o senhor Pinter não
tinham lhe contado toda a história.
—A senhorita Kinsley e eu nos conhecemos na confeitaria — explicou Freddy — Gosta dos
bolos tanto quanto eu!
—Sobretudo, os recheados de maçã — apontou ela — embora tampouco rechaçaria os de
alho-poró.
Ela e Freddy se olharam e estalaram em umas sonoras gargalhadas.
—Bolo de alho-poró! Que bom! — exclamou Freddy, ainda rindo alegremente.
Maria lançou ao senhor Pinter um olhar de desconcerto.
—Asseguro-lhe que é melhor que não pergunte, senhorita Butterfield — respondeu o
senhor Pinter, ao tempo em que esboçava uma careta de cansaço — Pelo visto, seu primo e a
senhorita Kinsley cercaram uma conversa na confeitaria sobre os diferentes tipos de bolos,
quando ela ouviu que ele perguntava pelo senhor Hyatt.

320
—Foi totalmente fortui... fortui...— A senhorita Kinsley fez uma pausa e olhou ao senhor
Pinter, com o cenho franzido — Qual era essa palavra que utilizou?
—Fortuito.
Santo céu! Freddy encontrou uma moça que, ao parecer, era tão obtusa como ele. E que,
ainda por cima, gostava muito de bolos! O desenlace era evidente.
Maria quase sentiu pena de Nathan, ao pensar que a senhorita Kinsley fosse sua nova
escolha por esposa. Embora pudesse entender perfeitamente, por que escolheu essa mulher:
era jovem, bonita, ignorante, e com um pai rico.
Obviamente, Nathan tinha um talento especial para encontrar esse tipo de mulheres.
Embargou-a um sentimento de vergonha, ao pensar que ela também foi sua presa.
Entretanto, por mais vontade que sentisse de lhe dar um bom murro em pleno nariz, tinha
de negociar com ele, o que significava que era necessário deter Oliver, antes que complicasse
mais as coisas.
—Senhorita Kinsley, importaria de me ajudar a me vestir, por favor?
A senhorita Kinsley pestanejou várias vezes seguidas.
—Oh, sim, é óbvio!
Enquanto a moça a ajudava a vestir-se, Freddy e o senhor Pinter começaram a falar. Pelo
visto, Freddy não perdeu tempo, enquanto Maria estava ocupada com Oliver. Não só
conheceu a senhorita Kinsley, mas, sim, além disso, tinha confraternizado com ela. A jovem
ficou pasma, ao inteirar-se de que seu pretendente tinha noiva e, inclusive, ficou mais
surpresa quando soube que Nathan mentiu a seu pai em relação à propriedade dos navios.
Freddy a convidou a ir com ele à estalagem, mas ao ver que Maria e o senhor Pinter não
estavam, deixou os bolinhos na porta e sugeriu à senhorita Kinsley que fossem falar com seus
pais sobre o impostor senhor Hyatt, mas tampouco os encontraram em casa. O senhor Kinsley
estava em uma reunião de negócios fora da cidade, e a senhora Kinsley tinha saído às
compras.
Ela e Freddy decidiram sair em busca de sua mãe, e foi então quando o senhor Pinter os
encontrou perambulando pelas ruas totalmente deslumbrados um com o outro. Posto que

321
não havia nem um minuto a perder, o senhor Pinter os apressou para que retornassem à
estalagem enquanto os punha à par da situação. Era evidente que o senhor Pinter se deu
conta de que, provavelmente, os pais da senhorita Kinsley não se mostrariam tão solícitos a
ajudá-los como sua filha.
Incômoda pelo modo com que Freddy e o senhor Pinter tinham envolvido à senhorita
Kinsley, Maria segurou as mãos da inocente moça.
—Já sei que provavelmente terá sido doloroso, e sinto muito que se inteirasse da
verdadeira natureza do senhor Hyatt de um modo tão brusco.
—Não ocorre nada — respondeu a senhorita Kinsley, alegremente — Para ser justa, já
tinha começado a fazer várias perguntas a respeito dele.
—Assim, não está apaixonada por senhor Hyatt? — insistiu Maria, com a intenção de
assegurar-se.
—Ui! Não! Se mal o conheço! — Seu rostinho adotou uma careta pensativa — Além disso,
sempre diz coisas que não entendo. É muito inteligente para mim. E, quando lhe peço que me
explique isso, trata-me como se fosse uma menina, e não sou uma menina; o que acontece é
que, às vezes, preciso que me expliquem as coisas duas vezes.
—É perfeitamente compreensível — interveio Freddy — Todos precisamos que nos
expliquem as coisas duas vezes, de vez em quando. —O senhor Pinter parecia estar fazendo
um esforço por manter o semblante sério. —Mas ainda não ouviu a melhor parte, Grenhita!
— exclamou Freddy, virtualmente dançando — Conte-lhe senhorita Kinsley! Conte-lhe o
melhor!
Enquanto a jovenzinha relatava «a melhor parte», Maria ficou boquiaberta. Sem dúvidas, a
senhorita Kinsley era tão obtusa como já se figurou previamente. Aquela informação mudava
tudo.
—Se fosse necessário, seria capaz de repetir o que acaba de me contar diante de um juiz?
— perguntou-lhe Maria.
—Não acredito que tenhamos de esperar tanto — atravessou o senhor Pinter — Eu me
atreveria a dizer que podemos usar essa informação agora mesmo.

322
Maria olhou o detetive, sem pestanejar.
— Quer dizer que...?
—Sim, acredito que chegou a hora de voltar a visitar o senhor Hyatt.
—Você se importaria de vir conosco, senhorita Kinsley? — convidou-a Maria — Já sei que,
para você, suporá um enorme esforço, mas...
—Oh, não é nenhum esforço! — A senhorita Kinsley desviou a vista para Freddy, ao tempo
em que se ruborizava — É o correto.
—E eu estarei lá para protegê-las — manifestou Freddy e colocou a mão no punho da
espada.
—Só poderá vir conosco, se deixar a espada aqui — o repreendeu Maria, enquanto
emergia completamente vestida de trás do biombo. Então, ficou um momento pensativa. Se
Oliver encontrou Nathan... — Embora, pensando melhor, possivelmente, sim, que nos será útil
sua espada.
Ela seguiu para a porta, então se deteve um momento para dar um beijo na senhorita
Kinsley.
—Obrigada.
A jovenzinha lhe deu de presente um resplandecente sorriso.
—De nada.
Em seguida, Maria olhou para seu primo.
—E graças a você, Freddy.
Ele adotou um gesto presunçoso, embora lhe ruborizassem as orelhas.
—Não tem que me agradecer nada, Grenhita. Um homem faz tudo o que tenha de fazer, a
fim de proteger sua família.
Mas, às vezes, não ia mal uma pequena intervenção do destino. E se o destino pudesse
manter Oliver afastado de Nathan... Quão último desejava era ver como enforcavam o amor
de sua vida por assassinato.
Infelizmente, quando chegaram à pequena hospedaria, inteiraram-se de que Oliver se
adiantou. O hospedeiro parecia descontente com toda a atenção que estava recebendo

323
aquele homem de negócios americano. Conduziu-os até a sala de estar onde os dois homens
se encerraram escassos minutos antes.
Com o coração compungido, Maria se adiantou. Antes de abrir a porta, entretanto, ouviu
que Oliver dizia:
—É a melhor oferta que terá senhor Hyatt. Aconselho que não a deixe escapar.
Maria se deteve para escutar, ao tempo em que fazia um gesto para que seus
companheiros fizessem o mesmo. Com sigilo, colocou levemente a cabeça pela soleira e viu
Oliver plantado diante de Nathan. Nathan tinha a vista fixa no conteúdo de uma caixa de
veludo que sustentava entre as mãos e que Maria achava familiar.
—E como sei que posso confiar em você a respeito do valor destas pérolas, senhor? —
perguntou Nathan a Oliver.
Oliver pensava entregar o colar de sua mãe a esse animal? Nem pensar!
Maria fez ameaça de entrar na sala, mas o senhor Pinter a deteve, agarrando-a pelo braço.
—Qualquer homem que se aprecie saber distinguir objetos valiosos poderá lhe dizer seu
valor. — A voz de Oliver era agora, condescendente.
Maria sorriu com escárnio. Quando se propunha, Oliver também podia ser muito
impertinente, com esse tom.
—Mas se insiste — prosseguiu Oliver, com o mesmo tom enfastiado — podemos consultar
um joalheiro, para que lhe dê sua opinião.
—Diz que seu valor alcança as cinco mil libras? É uma cifra que terá que ter em conta,
certamente.
Maria conteve o fôlego. Cinco mil libras? A metade de sua companhia valia quarenta mil
libras! Como suborno, era certamente, uma cifra a considerar.
—É mais do que merece — respondeu Oliver, arrastando as sílabas. Quando Nathan o
olhou surpreendido, Oliver acrescentou — Asseguro-lhe que, se insistir em denunciar a
senhorita Butterfield, se arrependerá. Os advogados são muito caros, inclusive nos Estados
Unidos. É muito provável que seus honorários equivalham à quantidade que, possivelmente,
poderia chegar a receber, supondo que ganhasse o caso, claro.

324
Então, prosseguiu com um tom mais ameaçador:
—E os juízes também são muito volúveis. Poderia ganhar o caso, e, mesmo assim, a
publicidade a respeito poderia danificar irreparavelmente, sua negociação com o senhor
Kinsley. Em troca, as pérolas lhe permitirão obter o empréstimo que necessita para comprar à
senhorita Butterfield a metade da companhia. Com os benefícios que obtenha do contrato
com o senhor Kinsley, seguro que poderá estabelecer-se por sua conta sem problemas
Oliver fez uma pausa para olhá-lo, com olhos ameaçadores
—Mas com duas condições: primeira, a senhorita Butterfield jamais saberá nada a respeito
deste acordo financeiro entre você e eu. Dirá a ela que, apesar de que lhe parte o coração,
não deseja uma mulher a que não lhe ilude a ideia de contrair casamento com você.
Nathan elevou o queixo com vaidade.
—Possivelmente, sim, que me parte o coração.
—Já vejo o muito que sofre! — espetou Oliver, com um visível sarcasmo. Quando as
bochechas de Nathan se ruborizaram levemente, acrescentou — E a segunda condição, se
escolhe comprar a metade da companhia que corresponde à senhorita Butterfield, oferecerá
um preço justo. Fica claro?
—Jamais me atreveria a extorqui-la — respondeu Nathan, ressentidamente, visivelmente
intimidado. A família de Nathan podia ter uma boa posição social e muitos contatos, nos
Estados Unidos, mas, na Inglaterra, ninguém os conhecia, e Nathan era consciente disso.
Entretanto, parecia ter averiguado algo mais, já que o olhou com certa curiosidade.
—Acredito que tenho direito a lhe perguntar, milord, por que mostra tanto interesse na
situação de Maria.
—Quando ela e seu primo se acharam em uma situação complicada em Londres, minha
família os acolheu. Então, me apaixonei por ela, e minha intenção é me casar com ela, se me
aceitar por marido, é óbvio.
As palavras, expressas com tanta serenidade e eloquência, deixaram Maria sem fôlego.
Infelizmente, também conseguiram despertar a cobiça de Nathan.

325
—Ah, agora, entendo! Você o que quer é ficar com a fortuna de Maria. E se isso é o que
vai acontecer então considero que poderíamos... Melhorar um pouco mais nosso trato.
Apesar de que um músculo se esticou na mandíbula de Oliver, ele não mostrou sua raiva
de nenhuma outra maneira.
—Em primeiro lugar, a senhorita Butterfield não aceitou casar-se comigo, posto que ela
ainda era sua prometida, quando lhe fiz a proposta. Faço isto por ela, porque não merece ter
de passar por maus momentos em razão de uma denúncia nem sofrer nenhuma humilhação
publicamente. — Oliver tirou uma penugem do casaco feito à medida — E em segundo lugar,
acaso pareço necessitar de dinheiro?
Maria se conteve para não tornar a rir. Parecia-lhe extremamente divertido ver Oliver
extorquindo o estelionatário.
O rosto de Nathan adotou uma expressão de desconforto, ante aquela observação.
—Não — admitiu — mas poderia ter me dado dinheiro em efetivo e, em troca, me
ofereceu uma joia, o que denota que está desesperado.
—Normalmente, não estou acostumado a viajar com grandes somas de dinheiro por
temor aos salteadores de caminhos e aos ladrões — se desculpou Oliver, sem piscar — As
pérolas eram para ela. Mas, se você estiver disposto a retornar a Londres comigo, disporei de
tudo para poder lhe pagar em efetivo. Não obstante, nesse caso, a quantidade será menor,
para me compensar por todos os inconvenientes. Além disso, acredito que não lhe convém
partir de Southampton precisamente agora, já que não desejará que lhe escape a segunda
pomba, uma tal senhorita Kinsley, tenho entendido, não?
Quando a senhorita Kinsley ficou rígida ao seu lado, Maria lhe agarrou a mão e a apertou
com força.
Nathan não parecia excessivamente contente, ao ver que Oliver conhecia muito bem suas
circunstâncias. Olhou com nervosismo para seu interlocutor e, logo para as pérolas. Então,
fechou a caixa com um golpe seco.
—De acordo, milord, trato feito.

326
—Nem sonhe! — gritou Maria, enquanto irrompia na sala como um raio. Mal se deu conta
de que seus companheiros ficaram no vestíbulo.
Nathan parecia desconcertado com sua aparição, e Oliver parecia alarmado.
—Deixe que eu me encarrego disso, Maria — lhe sugeriu Oliver, com uma visível tensão.
—O único modo de que este animal fique com as pérolas de sua mãe será se o estrangulo
com elas! — replicou, irada. Avançou para eles e arrebatou a caixa de Nathan — Além disso,
você me deu de presente, recorda?
—E você não as aceitou — lhe recordou Oliver — Ao menos, isso é o que me disse minha
avó.
—Pois mudei de opinião! Agora, sim, que as quero!
—Em troca de assumir o risco de se afundar em um escândalo por culpa de uma
denúncia? — recordou-lhe ele, enquanto se colocava a seu lado — De permitir que este inseto
a humilhe publicamente? — Oliver baixou a voz — De verdade quer que ele se dedique a
examinar todas as ações que fez estas últimas duas semanas, que as exponha diante de um
juiz?
Maria sabia que Oliver estava pensando em sua aparição magistral no bordel e na
desagradável briga em que derivou aquele incidente, sem esquecer seu compromisso de
casamento feito público na festa dos Foxmoor.
—Certo que não o fará. — Maria guardava um ás na manga.
Estava a ponto de chamar à senhorita Kinsley, quando Oliver disse:
—Hyatt não deixará escapar este assunto sem uma compensação econômica. Com cento e
vinte e cinco mil libras em jogo...
A estrondosa gargalhada de Nathan o pegou de surpresa.
—É isso o que disse-lhe que vale a metade de sua companhia, lorde Stoneville? — gabou-
se Nathan — Agora, compreendo por que um marquês vai atrás dela!
Os olhos de Oliver adotaram uma perigosa tonalidade escura. Agarrou Nathan pelo
pescoço e o estampou contra a parede.

327
—Importa-me um nada quanto vale sua metade da companhia, miserável verme! Maria
poderia casar-se comigo sem contribuir com nenhum dote e não me importaria! Ela vale mais
que qualquer soma de dinheiro, e se você tivesse um pouco de noção, perceberia sua enorme
valia!
Enquanto Nathan se aferrava às mãos de Oliver, tentando respirar, Maria colocou a mão
sobre o braço em tensão de Oliver.
—Prometeu-me que não o estrangularia — lhe recordou ela, embora a verdade fosse que
estava se divertindo com o espetáculo.
Depois de vacilar durante uns segundos, soltou Nathan com expressão de asco.
Maria olhou, então, para a soleira.
—Senhor Pinter?
Quando o senhor Pinter, Freddy e a senhorita Kinsley entravam na sala, Nathan ficou
lívido. Oliver olhou Maria desconcertado e lhe sorriu.
—Oliver, apresento-lhe a senhorita Jane Kinsley. Senhorita Kinsley, o marquês de
Stoneville.
—É uma verdadeira honra conhecê-lo, milord — o saudou a jovenzinha com uma graciosa
reverência, enquanto Nathan a observava, boquiaberto.
—O mesmo digo senhorita — respondeu Oliver, sem compreender o que fazia ela ali.
—Senhorita Kinsley — disse Nathan, depois de recuperar o equilíbrio — Não sei o que lhe
disseram estes indivíduos, mas...
—Nada que me surpreendeu, depois de repensar um pouco. — A senhorita Kinsley o
olhou com a mesma expressão de aversão com que as meninas olhavam às rãs e aos vermes
— Qualquer homem capaz de sugerir a uma senhorita a possibilidade de fugir, em vez de fazer
caso dos conselhos de seu pai não pode ser uma boa pessoa.
—Fugir? — repetiu Oliver olhando para a senhorita Kinsley, com os olhos
desmesuradamente abertos — Este animal lhe propôs que se case com ele?
—Um momento. Vejamos senhorita Kinsley — começou a dizer Nathan, com seu típico
tom condescendente — ambos sabemos que não se tratava de...

328
—Cale-se! — espetou Oliver — Ou lhe juro que nem Maria poderá evitar que o estrangule!
Nathan tragou saliva, com dificuldade.
A senhorita Kinsley bufou, indignada.
—Ontem o senhor Hyatt penetrou em nosso jardim onde eu estava podando as rosas e me
disse que fugíssemos juntos. Papai o proibiu de aproximar-se de nossa casa, porque acreditava
que o senhor Hyatt estava se excedendo com as amostras de confiança, e dado meu
considerável dote...
O rosto do Oliver se iluminou com um sorriso.
—A que se refere, quando diz que seu dote é considerável?
—Não acredito que isso venha a caso — atravessou Nathan.
—Disse que se cale! — rugiu Oliver — Senhorita Kinsley? Você se importaria em me
responder?
—Vinte mil libras.
Oliver olhou para Nathan com o semblante divertido.
—Estou seguro de que o juiz se mostrará muito interessado com estes novos dados. —
Olhou para o senhor Pinter — O que opina senhor? Acredita que um juiz prestará muita
atenção a um descumprimento de compromisso, se a mulher tiver mudado de opinião,
porque descobriu que seu prometido propôs a outra mulher que se casasse com ele?
—Não acredito nem que o juiz considere que o caso possa prosperar — alegou o senhor
Pinter, com um sorriso obstinado — É possível que, inclusive, sugira que a mulher tem direito
a denunciá-lo por descumprimento de compromisso.
O rosto de Nathan ia tingindo-se de pânico.
—Eu não propus à senhorita Kinsley que se case comigo! Não acreditem! Não veem que é
uma desmiolada?
—Como se atreve a insultá-la! — interveio Freddy, brandindo a espada.
—Se eu fosse você, teria mais cuidado, Hyatt — advertiu Oliver, arrastando as sílabas —
Este jovenzinho é capaz de lhe cravar a espada sem pensar duas vezes.

329
—Mas ela interpretou tudo mal! — defendeu-se Nathan — Por que proporia à senhorita
Kinsley que se casasse comigo, se com isso arruinaria todas minhas esperanças de me
converter no dono da New Bedford Ships?
—Possivelmente, porque já tinha perdido todas as esperanças? — sugeriu o senhor Pinter,
olhando-o com rosto de reprovação — Pelo que pude deduzir, o senhor Kinsley decidiu
finalmente, não comprar os navios.
Nathan custava a respirar agora.
—Isso... Não é certo.
—Papai disse! — A senhorita Kinsley interveio, com afã de ajudar — Disse à mamãe que
duvidava de sua habilidade para fechar o trato. Por isso, não queria que viesse mais a nossa
casa.
—E o senhor Kinsley era sua última oportunidade — concluiu o senhor Pinter — Você não
sabia que o senhor Butterfield havia falecido e, se não fechasse o trato no qual depositou
todas suas esperanças, seu futuro com a família Butterfield se afundaria, irremediavelmente.
O senhor Butterfield teria rechaçado que você se casasse com sua filha, e você se veria
encalhado de forma permanente em uma situação indesejada, apenas com a metade da
companhia, o qual não lhe satisfazia absolutamente, mas claro, tampouco podia comprar a
outra metade.
»Assim que sua única saída era casar-se com a senhorita Kinsley e obter suas vinte mil
libras. Infelizmente para você, a senhorita Kinsley é bastante inteligente para não deixar-se
enrolar por suas adulações, já que recebeu uma sólida formação na escola de senhoritas da
senhora Harris.
Quando Oliver estalou em uma sonora gargalhada, Maria perguntou:
—O que tem de especial essa escola?
A senhorita Kinsley ergueu as costas.
—É uma escola que ensina às ricas herdeiras a reconhecer os caça-fortunas.
Constantemente, nos advertiam sobre o engano de fugir. A senhora Harris estava acostumada

330
a dizer: «Se um homem não for capaz de pedir sua mão como é devido, é muito provável que
suas intenções não sejam honestas».
—Ah! — exclamou Freddy, ainda apontando a Nathan com a espada — Então, eu poderia
desafiá-lo a um duelo, senhor, por tentar abusar da senhorita Kinsley.
—Deus me ajude! — murmurou Nathan — Estão todos loucos!
—E, quando a senhorita Kinsley não concordou em fugir com você — prosseguiu o senhor
Pinter — e apareceu à senhorita Butterfield para lhe comunicar a morte de seu pai, então,
decidiu retomar seu plano no ponto onde o deixou.
—Exceto que eu tampouco sou parva — apontou Maria.
—E tentou intimidá-la. — Oliver botava fogo pelos olhos, enquanto se colocava ao lado de
Maria — Não a culparia, se ela decidisse denunciá-lo por não cumprir seu compromisso
matrimonial. É possível que, inclusive, obtenha a outra metade da companhia de seu pai.
Quando os joelhos de Nathan começaram a tremer, Maria disse:
—Não vale à pena esbanjar minhas energias neste caso. Pode ficar com sua metade,
Nathan, porque, ao fim, ganhou isso. Possivelmente, encontre outra rica herdeira que
contribua com a soma de dinheiro que necessita para comprar a outra metade.
Sua voz se endureceu.
—Mas seja qual seja sua decisão, será melhor que a tome rapidamente. Esperei muito
tempo para dispor de meu dinheiro. Se não tiver notícias suas ou de seu advogado a semana
que vem, serei obrigada a contratar um advogado. Pode encontrar-me em Halstead Hall, no
condado de Ealing, que é onde me alojo.
Maria elevou a vista para Oliver.
—E agora, milord, eu gostaria de ir a casa.
—É claro, querida. — Oliver lhe ofereceu o braço e a guiou até o vestíbulo.
Quando todos saíram à rua, Freddy se ofereceu a acompanhar à senhorita Kinsley até sua
casa. Enquanto os dois se afastavam, Maria se voltou para o senhor Pinter.
—Não sei como lhe agradecer tudo o que fez, senhor.

331
—Nem eu tampouco, senhor Pinter. — Oliver a surpreendeu, com aquela amostra de
reconhecimento.
—Limitei-me a encontrar o senhor Hyatt — matizou o senhor Pinter — Foi Freddy quem
descobriu toda a trama.
Os três desviaram a vista para a rua, onde a senhorita Kinsley se afastava pendurada no
braço de Freddy, olhando-o com uma mais que visível devoção.
—Isso, sim, que é encontrar a sua metade da laranja — comentou o senhor Pinter.
—E em uma confeitaria — acrescentou Maria — embora não acredito que o senhor
Kinsley seja o tipo de pai que aceite Freddy como possível pretendente de sua filha.
—Nunca se sabe! — remarcou Oliver. — Depois de tudo, Freddy será o primo de uma
marquesa. Isso poderia inclinar a balança a seu favor.
O senhor Pinter olhou Oliver com olhos solenes.
—Vejo que sua proposta de casamento à senhorita Butterfield era sincera.
—Totalmente sincera. — Oliver cobriu a mão de Maria com a sua — Se ela me aceitar,
claro. Não tenho muito que lhe oferecer, tendo em conta como esbanjei minha fortuna até
agora. Mas a amo.
O detetive da Bow Street esboçou um sorriso.
—Isso é o que importa, não é?
—Certamente — apontou Maria — Logo que receba meu dinheiro, senhor Pinter, estarei
mais que encantada de lhe pagar os honorários que você considere oportunos. E, além disso,
penso recomendá-lo a todos meus amigos.
Oliver lhe espremeu a mão carinhosamente, e, depois, olhou ao senhor Pinter.
—Agora que o penso, eu também desejaria contratar seus serviços, Pinter. Que tal se
passar uma tarde por minha propriedade a semana que vem, para que falemos
tranquilamente?
—Como queira, milord — respondeu o senhor Pinter.
—E, agora, se não lhe importar, desejo dar um passeio com minha prometida pelo parque
— se desculpou Oliver — Nós nos veremos mais tarde, na estalagem.

332
—De acordo — disse o senhor Pinter.
Maria e Oliver passearam relaxadamente, ela pendurada de seu braço e com o peito cheio
de amor. Ainda não podia acreditar nas coisas que disse a Nathan. Era um tesouro que sempre
guardaria em seu coração.
Logo que estiveram entre as árvores, Oliver disse:
—Tenho essa ditosa permissão especial que me queima no bolso, assim, estava pensando
que poderíamos procurar um padre e usá-la de uma vez. Pinter e Freddy poderiam ser nossas
testemunhas. —Olhou-a, com ansiedade. —O que acha?
—Não quer que sua família esteja presente na cerimônia? Pensava que a aristocracia
inglesa adorasse as bodas fastuosas.
—É isso o que quer?
A verdade era que Maria jamais sonhou com umas bodas esplendorosas. As bodas
clandestinas sempre despertaram sua imaginação, junto com um indivíduo perigoso e sinistro
e com destrezas misteriosas. Nesse instante, tinha tudo isso e mais.
Oliver disse:
—Permita que fale com absoluta franqueza: podemos passar um inacabável número de
dias escapando furtivamente para poder nos dar um beijo, acompanhados todo o tempo por
uma dama de companhia, enquanto minhas irmãs e minha avó organizam as bodas do século,
ou podemos nos casar hoje e nos deitar esta noite juntos na mesma cama, como um casal
respeitável de marido e mulher. Eu não desejo esperar, mas o certo é que nunca sei o que
esperar quando se trata de você. Assim, o que acha?
Maria não pôde evitar zombar dele.
—Gosta de castigar sua avó por suas táticas maquiavélicas, e o que melhor que deixá-la
sem sua desejada boda?
Ele sorriu.
—Tem razão. Além disso, não me vejo capaz de suportar as graças de meus amigos. Não
tenho vontade de sofrer horas de tortura durante o banquete de bodas.

333
Oliver se deteve junto a uns matagais que os protegiam de qualquer olhar indiscreto e
acrescentou:
—Mas se quiser uma grande boda, sobreviverei. — Sua expressão se tornou solene,
quando lhe segurou ambas as mãos — Posso suportar qualquer coisa, sempre e quando se
casar comigo e siga me amando o resto de sua vida.
Maria contemplou seu rosto sincero e sentiu uma profunda emoção no peito. Ficou nas
pontas dos pés, para lhe roçar os lábios com os seus, e Oliver a estreitou entre seus braços e
lhe deu um interminável e apaixonado beijo.
—E então? — insistiu ele, com uma voz rouca — Se tivesse um mínimo sentido da
decência, deixaria que consultasse com um advogado as pertinentes questões econômicas,
sobretudo tendo em conta que contribuirá bastante dinheiro a nossa união. Mas...
—Mas não tem sentido da decência — zombou ela. Em seguida, deu uns golpezinhos no
queixo, em atitude pensativa — Ou acaso era que não tinha nem um ápice de moralidade?
Agora, não me lembro.
—Veja, gracinha — a avisou ele, ao tempo em que arqueava uma sobrancelha — Se
pretende me provocar por todas as declarações desatinadas que fiz em minha vida, serei
obrigado a agir como Rockton e encerrá-la em minha imponente e lúgubre mansão para fazer
com você todas as obscenidades mais perversas que alguém possa chegar a imaginar.
—Isso sonha terrivelmente espantoso! — exclamou ela, com um dramático gesto teatral,
contemplando o homem que amava — Quando começamos?

334
CAPÍTULO 28

Já havia passado um mês desde que Oliver se casou com Maria ante o pároco de
Southampton. Tomaram seu tempo para retornar a Halstead Hall e enviaram primeiro, Freddy
com Pinter para que informassem à família a respeito de suas bodas, enquanto eles
desfrutavam de uma lua de mel junto ao mar.
Hyatt retornou aos Estados Unidos, para negociar com os procuradores de Maria. Uma
extensa carta de Oliver detalhava as fraudes que cometeu Hyatt. Com o absoluto
convencimento de que os homens que seu pai designaram para velar por sua fortuna eram
honestos, Maria assegurou a Oliver que se encarregariam de negociar duro com Hyatt a venda
da companhia.
Apesar de que Oliver desejava que assim fosse, não queria correr nenhum risco. Ele e
Maria pensavam em embarcar para os Estados Unidos em poucos dias, para que ela
consultasse em pessoa todas as gestões com seus procuradores e garantisse que sua tia
poderia viver o resto de seus dias comodamente. Freddy e sua nova prometida, a senhorita
Kinsley, também iam viajar com eles, já que ele queria apresentá-la a sua mãe. Mas
unicamente, se trataria de uma curta visita, porque Freddy decidiu viver na Inglaterra e
trabalhar para seu sogro. Oliver se compadecia do pobre senhor Kinsley.
Agora restava apenas uma coisa por fazer, antes que Oliver e Maria pudessem partir em
direção a Massachusetts. Fazia uma semana que retornaram a Halstead Hall, e ele esteve
atrasando a questão tanto quanto pôde
—Está preparada? — perguntou a Maria, junto à porta da biblioteca.
—Totalmente pronta — respondeu ela, com um sorriso veemente.
Oliver compreendia sua ansiedade e a compartilhava. Por um segundo, sentiu-se tentado a
dar meia volta e a afastar-se pelo mesmo caminho pelo qual tinham vindo, subir as escadas
até o quarto principal e passar o resto do dia fazendo amor com sua esposa. Mesmo sendo

335
americana, Maria demonstrava um grande sentido do dever aristocrático. Para sua surpresa,
essa atitude o excitava muitíssimo.
—É consciente de que a odiarão até morte? — comentou ele.
—Duvido — replicou ela — E, se o fizerem, verá como logo passa seu aborrecimento.
Oliver não estava tão seguro, mas abriu a porta e a convidou a entrar.
Seus quatro irmãos estavam sentados ao redor da mesa, mais ou menos igual àquele dia
em que a avó lhes deu seu ultimato, mas hoje, mostravam um humor mais jovial.
—Diga-nos, Oliver, o que acha? — perguntou Jarret enquanto Oliver retirava uma cadeira
para que Maria pudesse se acomodar — Agora que já o caçaram, acredita que a avó retirará
sua ameaça?
—Para que outro motivo teria convocado a esta reunião? — acrescentou Minerva — Já
tem o que queria: Oliver casado e a cargo deste imóvel.
—Embora não dê o braço a torcer — assinalou Gabe — já não necessitaremos de seu
dinheiro, graças à fortuna de Maria, não é certo, Oliver? — O jovem dedicou a sua cunhada
um sorriso radiante — Não sabe como a agradecemos por isso, Maria.
Tinha chegado a hora de aguar a festa deles.
—De fato, minha esposa e eu decidimos destinar uma parte de sua fortuna a ajudar sua
família; já sabem que tem uma tia e vários primos. Quanto à outra parte, irá para uma fundo
para nossos filhos. —O sorriso de Gabe se apagou de uma vez. —E fui eu quem convocou esta
reunião, e não a avó — matizou Oliver.
Nesse momento, sua avó entrou na estadia, golpeando o chão sonoramente com sua
bengala.
—Sinto chegar tarde, mas surgiu um imprevisto na destilaria.
—Não se preocupe; só acabamos de começar — disse Oliver.
Enquanto retirava uma cadeira para que sua avó pudesse sentar-se, teve de esforçar-se
por conter a risada, ao ver a expressão de estupor refletida nos rostos de seus irmãos.
—Muito bem, comecemos — anunciou, ao tempo em que voltava a ocupar a cabeceira da
mesa — Para sua informação, o ultimato da avó segue de pé. Vocês quatro terão de se casar,

336
antes de um ano, se não quiserem que ela cumpra sua promessa de nos deserdar. Eu já
cumpri minha parte, assim que sugiro a vocês que enquanto Maria e eu estivermos nos
Estados Unidos, comecem a procurar seus noivos.
Seus irmãos precisaram de apenas alguns segundos, para assimilar a mensagem.
Minerva foi primeira em explodir.
—Não é justo! Avó, estou segura de que Oliver e Maria não demorarão para lhe dar um
herdeiro, tendo em conta as horas que passam encerrados no quarto. Por que diabo quer
continuar com esta tolice?
—Fui eu quem lhe pediu que continuasse — disse Oliver. Quando seus irmãos o olharam
com a mandíbula desencaixada, ele adicionou — A avó tem razão. Já vai sendo hora de que
ocupemos o lugar que nos corresponde no mundo e deixemos de ser «os demônios de
Halstead Hall». Estivemos vivendo como sonâmbulos por muito tempo, ancorados no
passado, incapazes de saborear uma vida frutífera. Agora que Maria me despertou, quero que
vocês também experimentem a sorte de estarem vivos. Quero que deixem de lutar contra
fantasmas, de se esconder entre as sombras pelo escândalo em torno das mortes de nossos
pais. Quero que encontrem o que eu encontrei: amor.
Oliver olhou sua esposa, que o confortou com uma risada alentadora. Os dois decidiram
que esse era o único caminho para obrigar seus irmãos a despertarem de uma vez.
—Fale por você — contra-atacou Minerva — Eu estou muito cômoda com minha vida;
apenas está usando essa áspera desculpa para se aliar com a avó em sua tentativa de arruinar
nossa vida. — Olhou para Maria, com ojeriza — Assim é como nos agradece que lhe tenhamos
o servido em bandeja?
—Servido em bandeja? — repetiu Oliver.
—Provocando você a todo o momento, para que ficasse com ciúmes, mantendo você
afastado dela... — começou a dizer Gabe.
—E mentindo sobre sua herança — confessou Jarret — Embora, ao final, não tenha saído
tal e como tínhamos planejado.
—Se não fosse por nós, agora, não estariam juntos — adicionou Celia.

337
—Suponho que minha esposa não estará completamente de acordo com sua versão —
repôs Oliver, arrastando as sílabas — Mas dá na mesma; tampouco conseguiremos nos pôr de
acordo. Podem me detestar tanto como queiram, mas a data limite da avó segue a mesma.
Ainda restam dez meses para você se casarem. — deu a eles de presente um sorriso obstinado
— Não obstante, dado que sei que pode resultar uma tarefa difícil, contratei alguém para que
os ajude. —Virou-se para a porta. —Senhor Pinter?
O detetive da Bow Street entrou na biblioteca, visivelmente incômodo, ante a presença da
prole completa dos endemoninhados irmãos Sharpe.
—O senhor Pinter aceitou a ajudá-los: investigará as vidas de seus potenciais noivos. Sei
que pode resultar difícil, especialmente para vocês dois, distinguir um pretendente legítimo de
um caça-fortunas. — Oliver sabia de primeira mão — Assim que o senhor Pinter investigará
qualquer um que mostre certo interesse por vocês. Com isso, conseguiremos agilizar todo o
processo.
—Sim, já, belo sangue-frio — murmurou Celia, entre dentes.
Pinter arqueou uma sobrancelha, mas não disse nada.
—Obrigado, senhor Pinter — disse Oliver — E, agora, se me fizer o favor de me esperar em
meu escritório, por favor? Preciso esclarecer certas coisas com meus irmãos.
Pinter assentiu com a cabeça e abandonou a sala.
Agora, vinha a pior parte. Oliver se virou para fechar a porta e, logo, se colocou ao lado de
Maria. Necessitava da força de sua esposa. Segurou sua mão e a apertou, para lhe infundir
ânimo.
—Nunca lhes contei a verdade sobre o que aconteceu no dia em que mamãe matou papai.
Já chegou à hora de fazê-lo. Vivemos muitos anos com muitos segredos.
A estadia ficou sumida em um silêncio espectral. Oliver ensaiou mentalmente aquele
discurso umas vinte vezes; entretanto, agora que estava lá, não lhe saíam às palavras. Por
sorte, Maria estava ao seu lado, com sua capacidade de perdoá-lo e de compreendê-lo,
fomentando sua coragem.

338
Aferrou-se a essa fé nela, enquanto relatava os acontecimentos daquele horrível dia.
Considerou a possibilidade de não revelar a humilhante confissão de que se deitou com Lilith,
inclusive Maria tentou convencê-lo de que não havia necessidade de passar por aquele mau
momento. Mas, cada vez que tentava imaginar como ia contar a história omitindo aquela
parte, sentia-se muito mal. Sabia que tinha de confessar tudo.
Enquanto relatava os fatos, Oliver não se via com forças para olhá-los no rosto. Já tinha
figurado que não seria fácil lhes confessar que ele era o responsável pela morte de seus pais,
mas tampouco pensava que fosse ser tão difícil.
Maria, sim, que era consciente disso. Em uma tentativa por protegê-lo, lhe perguntou
repetidas vezes se estava seguro do que ia fazer. Mas seus irmãos mereciam saber a verdade
Quando acabou, na sala reinava uma surda quietude. Maria lhe apertou a mão com
dolorosa firmeza, mas Oliver seguia sem ser capaz de olhá-los nos olhos.
Então, falou Jarret.
—Maldita bruxa! — bramou com uma voz cheia de ódio — Deveria ter imaginado o que se
propunha à senhora Rawdon. Ela e o comandante Rawdon partiram depressa e correndo
depois da festa.
Oliver cravou seus olhos atormentados nos de Jarret, que não mostravam nenhum pingo
de recriminação para ele.
—Essa bruxa se dedicou a flertar com todos os homens, inclusive comigo! — continuou
Jarret — E isso que eu tinha apenas treze anos! Essa degenerada poderia ter entrado
facilmente em meu quarto, em vez do seu.
Ao lado de Jarret, Celia chorava em silêncio, e Gabe parecia clamar vingança com seu olhar
aceso. Minerva contemplava Oliver com tanta compaixão que as lágrimas lhe ardiam os olhos.
Oliver não podia entender. Acaso não compreendiam o que acabava de contar? Acaso não
prestaram a devida atenção?
—Pensava que era justo que soubessem que eu fui o culpado de...

339
—Você não foi culpado de nada! — estalou Minerva conforme ficava em pé de um salto —
Quão único ocorreu é que estava no lugar errado, no momento errado e com a pessoa errada.
Isso é tudo.
—Se alguém tem a culpa, sou eu — declarou a avó, junto a Oliver.
Ele se virou para olhá-la. Ela também estava chorando; suas bochechas enrugadas
reluziam úmidas pelas lágrimas.
A anciã elevou uns olhos cheios de remorso e olhou para seu neto.
—Deveria ter feito caso de você quando me disse que era importante que fosse atrás dela.
Sempre lamentei isso. Se eu soubesse...
Oliver depositou a mão sobre o ombro de sua avó.
—Não foi sua culpa. Eu estava muito envergonhado para lhe contar por que tínhamos
brigado mamãe e eu.
—Sua reação foi absolutamente compreensível — interveio Gabe, em um tom cavernoso
— Eu tampouco me atreveria a confessar algo assim à avó. Nem posso imaginar como reagiria,
se mamãe me surpreendesse enquanto... É o pior pesadelo de qualquer rapaz.
Todos assentiram, em sinal de acordo.
—Sabe? — falou Celia, secando os olhos com um lenço — A senhora Rawdon deve ter dito
algo à mamãe, para empurrá-la a entrar em seu quarto no momento preciso. — Quando todos
a olharam desconcertados, ela pestanejou várias vezes seguidas — É que não me parece
próprio de mamãe de entrar na estadia de Oliver, sem antes bater na porta.
—Por desgraça, nunca saberemos. Lilith e o comandante partiram da Inglaterra faz muitos
anos, assim não pude perguntar — o acrescentou Oliver.
A conversa virou para diversas especulações a respeito dos motivos que moveram à
senhora Rawdon e, depois, para as lembranças que tinham de sua mãe e de quão severa, às
vezes, podia chegar a ser. Antes que Oliver percebesse, já estavam todos rindo por uma
anedota que Gabe acabava de contar de sua mãe, sobre um dia em que o perseguiu com o
remo do barco por correr nu pelo pátio às cinco da tarde.

340
Oliver olhou para Maria, com uma genuína expressão de surpresa rosto, e ela o convidou a
sentar-se na cadeira vazia que tinha a seu lado.
—Deixe que riam — sussurrou brandamente — Desse modo, lhes resulta mais fácil aceitar
a realidade. É uma história muito crua para assimilá-la de repente, saber que sua mãe matou
seu pai deliberadamente. Tem que lhes dar tempo para digerir a informação, para que
descubram o que isso significa para eles. Neste momento, quão único podem fazer é rir para
não chorar, além disso, não querem feri-lo mais chorando diante de você.
—Mas deveriam me acusar do que aconteceu. E não fizeram.
—Porque não são parvos — lhe deu de presente um adorável sorriso — Colocam a culpa
onde tem de estar: na senhora Rawdon e em sua mãe. E em seu pai, por ser um patife
desalmado.
A avó colocou uma mão sobre a de seu neto.
—Sua mãe sempre foi uma pessoa sensível, muito sensível, se quer saber minha opinião.
Eu teria açoitado seu pai com uma espada na primeira vez que lhe ocorreu olhar a outra
mulher. — deu-lhe uns tapinhas na mão — Possivelmente não saiba, mas seu avô também
aprontou muito de solteiro. Mas quando se casou comigo, o coloquei na linha.
Oliver a olhou com curiosidade.
—Conhecendo você, imagino que não lhe deu alternativa, não?
—Não, a verdade é que não. — secou os olhos com um lenço — Ainda sinto falta dele, que
Deus o tenha em sua Santa Glória. Às vezes, você recorda a ele; era tão arrumado como você,
e como dançava! Por Deus! Podíamos passar toda a noite dançando!
—Disse-lhe isso — comentou Maria a Oliver — Saiu à família de sua mãe e não a de seu
pai.
Oliver começava a acreditar que possivelmente, ela tinha razão. Com Maria ao seu lado,
não podia imaginar sequer a ideia de olhar para outra mulher, nem muito menos deitar-se
com outra. Suas obrigações em Halstead Hall o mantinham tão ocupado que se perguntou
como seu pai conseguia ocupar-se de uma esposa e um imóvel e que ainda lhe sobrasse
tempo para escarcéus amorosos. Devia estar louco.

341
—Já acabamos? — Minerva tirou Oliver de seu ensimesmamento com aquela pergunta —
Ou tem mais revelações surpreendentes? Porque, se tivermos acabado, subirei para escrever
um pouco.
Oliver olhou a seu redor e viu que os outros aguardavam sua resposta. Esperava um
desenlace completamente diferente e, agora, se sentia mais depravado.
—Sim, acabamos — respondeu Maria, com a intenção de ajudá-lo — Obrigado por serem
tão pormenorizados.
—Então, nos veremos na hora do jantar. — Minerva se levantou da cadeira.
E, assim, o resto da prole se levantou e abandonou a sala.
Minerva se deteve um momento junto à cadeira de Oliver.
—O que mamãe disse foi abominável. Não sabia o que dizia. E sinto muito que sofreu
durante estes anos. — Estampou-lhe um beijo na bochecha — Mas isso não significa que
pense em perdoar você por ficar do lado da avó, traidor!
Oliver não podia parar de rir. Minerva nunca gostou de perder.
Quando seus irmãos partiram, a avó ficou em pé.
—Obrigado por ficar ao meu lado nesta questão — disse a Maria, lhe dedicando um cálido
sorriso — E obrigado por seguir ao lado de meu neto.
Em seguida, ela também abandonou a biblioteca.
Agora que tinham a sala para eles dois, Oliver se voltou para Maria.
—Eu também lhe agradeço, igual tem feito minha avó, por não me abandonar.
—Que conste que estive tentada de fazê-lo — brincou ela — Mas às vezes, pode ser um
tipo tão encantado que desarma qualquer um.
—E, além disso, teve o apoio de meus irmãos — apontou ele — com todas as suas
maquinações para ajudar que nosso romance prosperasse.
Oliver teve a satisfação de ver como sua esposa se ruborizava belamente.
—Que conste que eu não tive nada a ver; não tinha ideia de que eles estivessem tentando
deixar você ciumento.

342
—Sei. Não tem nenhuma gota de malícia em todo seu corpo. Mas eu, sim, que sabia o que
se propunham.
Maria o olhou, com curiosidade.
—Ah, sim?
—Meus irmãos são tão transparentes como essa camisola tão sedutora que você veste à
noite.
—Se sabia, por que não os desmascarou?
—Porque estavam me empurrando precisamente para a direção que desejava ir.
—Que exagero! Mas estou segura de que não tinha intenção de se casar até que...
—No primeiro momento em que a vi, meu amor, soube que tinha me metido em uma
confusão muito grande. Não queria reconhecer, mas houve um momento em que não pude
continuar mentindo a mim mesmo por mais tempo. Quando um homem vê algo que jamais se
deu conta que queria, sabe imediatamente. O que ocorre é que nem sempre sabe como obter.
Ela lhe deu um amplo sorriso.
—Pois me parece que não demorou muito em averiguar como obtê-lo: dedicou-se a me
beijar, até que deixei de dar joelhadas em suas partes íntimas, e, depois, derreti como
manteiga em suas mãos.
—Assim que esse é o segredo, não é assim? — Oliver a convidou a sentar-se em seu colo
— Agora, já sei como passaremos o resto da tarde.
Maria o olhou, com um brilho intenso no olhar.
—Mantendo uma larga reunião com seus lavradores?
—Não, mas lhe dou outra oportunidade para que adivinhe — Começou a lhe desabotoar o
vestido, que convenientemente, se abotoava pela frente.
—Conversando com o carpinteiro?
—Não. — beijando cada centímetro de pele que ia se revelando com cada botão que
desabotoava, começou a levantar a saia com sua outra mão livre.
—Seduzindo sua esposa? — brincou ela, então, conteve o fôlego, quando Oliver deslizou a
mão entre suas coxas, para descobrir que ela estava totalmente excitada.

343
—Exato. Mas se não se importar, acredito que preferiria que pulássemos a parte das
joelhadas em minhas partes íntimas.
E, enquanto ela estalava em uma alegre gargalhada, ele se propôs a lhe demonstrar as
incríveis vantagens de ter se casado com um verdadeiro patife.

344
EPÍLOGO

A primavera em Dartmouth estava sendo deliciosa, com o ar o bastante quente e os ramos


carregados de belos brotos. Maria sabia que aquela paisagem alcançaria seu maior esplendor
em maio, quando as árvores florescessem. Que pena que ela e Oliver já não estivessem lá,
mas ele sentia um grande remorso na consciência, ao deixar o imóvel nas mãos de seu
administrador por mais tempo.
Felizmente, os procuradores de Maria encontraram um indivíduo que estava interessado
em adquirir a metade de seu negócio por um preço justo, assim agora Nathan contava com
um novo sócio que, ao que parecia, era um velho antipático e resmungão sem nenhuma filha
a seu cargo. Maria viu Nathan um par de vezes pela cidade, e não parecia muito contente.
Em troca, ela estava radiantemente feliz, sobretudo depois da notícia que lhe deu o
médico aquela mesma manhã. Restavam apenas uns poucos dias, antes de partir para a
Inglaterra, e ela e Freddy convidaram Jane e Oliver para uma romântica comida campestre.
Até o momento, tudo estava saindo como foi pedido, embora a pobre Jane não parasse de
pular assustada ante o menor ruído. Os irmãos de Freddy, tão brincalhões como sempre,
tinham-na convencido de que os índios selvagens podiam aparecer a qualquer momento, e
nem a impressionante espada de Freddy conseguia acalmar seus temores.
Oliver tampouco lhe servia de ajuda. Fingia ver cabeças com plumas atrás de cada arbusto,
apesar de que Maria o advertia, repetidamente, de que as únicas tribos naquela zona haviam
abandonado as terras fazia muito tempo. Oliver era tão brincalhão como seus primos, que,
desde o primeiro momento, o acolheram com os braços abertos, como mais um membro da
família. Tia Rose enquadrou Oliver de patife adulador desde o começo, quando lhe disse quão
atraente estava com seu chapeuzinho de pavão.
Ninguém podia enganar tia Rose!

345
—Está seguro de que há um lago com peixes por aqui, Freddy? — insistiu Jane, com
ceticismo, enquanto Freddy a levava para o canto mais afastado de uma cabana abandonada.
—Sim, seguro. — Freddy inflou peito, com orgulho — Pesquei mais de uma senhora truta
nesse lago.
—Querer dizer algum pobre peixezinho avoado — comentou Maria a Oliver, que jazia
convexo sobre uma manta ao seu lado, lendo uma carta de Jarret — Nesse lago, nunca vi
nenhum peixe maior que meu dedo polegar.
—Como? —Era evidente que Oliver não estava lhe prestando atenção.
Maria lhe tirou a carta, com delicadeza.
—Como vai Jarret, com a busca de noiva?
—Não diz nada a respeito. — Os olhos de Oliver adotaram um matiz mais escuro — Mas a
avó está doente. Faz uma semana que não sai de sua casa em Londres, e Jarret está
preocupado.
—Então, que sorte que retornemos logo.
Oliver assentiu.
—Também menciona algo estranho.
—Ah, sim?
—Diz que esteve tentando recordar aquele dia em que morreram nossos pais e está quase
seguro de que minhas lembranças do que aconteceu não são de tudo corretas. — Oliver fixou
a vista em um ponto longínquo da pradaria — Diz que mamãe não saiu em busca de papai,
mas sim foi o contrário.
—No que se apoia para chegar a tal conclusão?
—Não diz. Quão único diz é que falaremos mais atentamente sobre essa questão quando
retornar a Inglaterra.
Maria considerou aquela possibilidade por um momento.
—Acaso importa quem foi atrás de quem?

346
—Para mim, sim. Isso quer dizer que minha mãe não saiu para buscá-lo com tanta raiva
para querer matá-lo e, por conseguinte, que possivelmente eu não tenha tanta culpa como
sempre acreditei.
—Você não teve culpa do que aconteceu — o reconfortou ela, com ternura.
Nos lábios de Oliver se desenhou um breve sorriso.
—Isso é o que você diz. Mas não é a pessoa mais objetiva, digamos.
Maria encolheu os ombros.
—Possivelmente, tenha razão. Mas aceitaria me casar com você, se pensasse que você é,
em realidade, um tipo malvado. Nem me arriscaria a ter um filho que pudesse sofrer as
mesmas torturas que você e seus irmãos.
Oliver ficou rígido.
—E esse último comentário, tem algo a ver com sua furtiva saída de casa esta manhã, para
ir ao médico?
Ela ficou olhando, boquiaberta.
—Como soube?
—Acredite em mim, gracinha, sei quando abandona meu leito — gorjeou, com olhos
zombadores — Noto sua ausência, imediatamente. — arrematou levando teatralmente a mão
ao coração.
—Tia Rose não se equivocou com você — resmungou Maria — é um patife adulador e,
pelo visto, também tem a capacidade de ler a mente.
Oliver soltou uma gargalhada.
—O que ocorre é que sua tia é incapaz de guardar nenhum segredo. Mas para ser honesto,
tampouco foi tão difícil fixar-se no pouco interesse que você tem mostrado ultimamente pelo
café da manhã, e as frequentes sestas que toma. Conheço os sintomas de uma mulher
grávida; depois de tudo, fui testemunha das quatro gravidezes de minha mãe.
—Há! Eu que esperava surpreender você! — Maria fez uma cara de gatinha zangada —
Vejo que é impossível surpreender você.
—Isso é porque usou todas as suas surpresas na primeira hora que nos conhecemos.

347
—Seriamente?
—Ma claro! Ameaçando-me valorosamente com a espada de Freddy, aceitando minha
descabelada proposta e, logo, mostrando compaixão pela perda de meus pais. Asseguro-lhe
que poucas pessoas me mostraram tanta bondade.
Maria sentiu se formar um nó na garganta no momento em que o a estreitou entre seus
braços.
—Mas sua surpresa mais impactante veio muito depois, aquele dia na estalagem. — Oliver
depositou a mão sobre seu ventre ainda plano, e sua voz se tornou mais rouca — Quando me
demonstrou que me amava. Asseguro-lhe isso, foi à melhor surpresa de todas.

FIM
Demônios de Halstead Hall
1 – A Verdade sobre Lorde Stoneville
2 – A Hellion in her Bed
3 – How To Woo a Reluctant Lady
4 – To Wed a Wild Lord
5 – A Lady Never Surrenders

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