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Sol e Lua

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Capítulo 1

Uma Descoberta

- Essa é a menina que você cria? Nossa mas que mudança! Ainda me lembro de
quando a encontrou naquele cesto, era tão pequena e agora está uma verdadeira mocinha!

As palavras de Dona Carmem me causaram uma tontura forte, e quase caí. Sabe
quando você bebe demais, e parece que o chão sumiu? Foi exatamente essa a sensação que eu
tive. E naquele dia eu não tinha bebido nenhum pouco, mesmo porque eu era menor de idade
e não costumava beber na frente de meus pais que eram extremamente conservadores.

Aquela sensação horrível veio, porque naquele exato segundo meu mundo veio
abaixo! Bem no meio daquele mercadinho de cidade pequena. Tive que me segurar na
madeira do lugar aonde as maçãs estavam depositadas para não cair, e levantei a cabeça para
ouvir a resposta que minha mãe tinha para dar áquela odiosa mulher, que havia acabado de
revelar um segredo do qual eu já desconfiava mas não queria acreditar que fosse verdade.

Mas minha mãe também não conseguiu dizer absolutamente nada.

Estava ainda mais pálida do que eu, talvez pelo fato de ela ter a pele mais clara que a
minha, então isso já era de se esperar. Só que ela ficou tão pálida que eu pensei que ela fosse
desmaiar ali mesmo.

Incrível como as coisas mudam de um segundo para o outro, não?

A fofoqueira olhou para mim, e depois para minha mãe, e percebendo a nossa reação
viu que tinha falado mais do que devia.

Só que ela não parecia nenhum pouco culpada de verdade pelo que havia dito, mesmo
quando se desculpou para minha mãe:

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- Ah Violeta, me desculpe. Eu não sabia que não tinha contado nada pra ela. Você
sempre foi do tipo que defendia a verdade sob qualquer circunstância com toda aquela história
de que mentira é pecado. Bem, vejo que falei demais, perdão. Melhor eu me retirar.

E saiu da nossa frente empurrando aquele carrinho de compras cheio em direção ao


caixa do supermercado, enquanto eu fiquei ali parada ainda em estado de choque.

Mas deixe-me explicar uma coisa antes:

Meu nome é Rosa das Flores, na verdade “Rosa” é meu nome e “das Flores” é o meu
sobrenome.

Parece bizarro, e todo mundo na escola me zoa por causa disso. Mas não é assim a toa.
Acontece que na família da minha mãe as pessoas têm uma espécie de costume de botar
nomes de flores nas filhas.

Minha mãe se chama Violeta, é a filha caçula e sempre foi uma mulher muito bonita,
apesar de ser um pouco antiquada. É casada com um homem chamado Ronaldo das Flores,
que é o meu pai.

Eles se conheceram na Igreja que ambos freqüentavam, apaixonaram-se e se casaram.


Embora eu não concordasse com meus pais e não frequentasse a igreja com eles pelo simples
fato de que eu não gostava, nós nos dávamos muito bem e eles eram bons pais.

Me tratavam com carinho, se preocupavam comigo e sempre respeitavam as minhas


escolhas, mesmo não concordando com algumas.

Quando eu disse aos meus pais que não gostava da igreja e que não queria mais ir, eles
simplesmente disseram que respeitavam a minha decisão, e que se algum dia eu mudasse de
idéia poderia ir quando eu quisesse.
Por isso tínhamos um bom relacionamento, baseado em respeito a liberdade de opinião e
escolha.

O que eu gostava mesmo era do esoterismo da minha tia Hortência, que era a irmã
mais velha da minha mãe. Ela não tinha uma religião certa, mas cresci ouvindo as histórias de
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gnomos, fadas e silfos que ela me contava e essas histórias sempre fizeram com que meu
coração batesse mais forte sempre que eu as ouvia.

Tia Hortência dizia que conseguia ver meus olhos brilhando toda vez que eu estava
escutando uma de suas histórias e eu não duvidava disso.
Sim, eu amava muito a minha família, eles eram simplesmente tudo pra mim!

Mas ás vezes eu notava que tínhamos algumas diferenças, que até mesmo alguns
amigos meus já chegaram a comentar.

Minha mãe e meu pai eram loiros, e ambos tinham olhos claros.

Mamãe tinha os olhos azuis puxados pra um tom de violeta que combinavam
perfeitamente com seus cabelos loiros claríssimos, e papai tinha um cabelo loiro mais escuro e
olhos em um tom de mel que no sol chegava a ficar verde.
Até minha Tia Hortência era diferente de mim.

Naturalmente era loira como mamãe, mas gostava de pintar os cabelos de ruivo, o que
ficava muito bem nela. Combinava com sua pele clara e os olhos azuis esverdeados.

Já eu tinha a pele morena e olhos castanhos.

Meus cabelos também eram castanhos em um tom amarronzado, só que eu fazia


mexas loiras nele pra ficar mais parecida com meus pais. E também porque eu achava bonita a
cor dourada.

Eles eram lisos, muito lisos mesmo, o que causava inveja em algumas garotas da
minha sala.

Além disso, haviam diferenças em nossos corpos também.

A maioria da minha família era magra, tipo “mignon” enquanto eu não era gorda, mas
tinha um corpo bem definido, com curvas e vestia tamanho 40.

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E não eram apenas diferenças físicas.

Sempre achei muito estranho o fato dos meus avós paternos não irem muito com a
minha cara, e tratarem meus primos muito melhor do que a mim.

Meus avós maternos não eram assim, mesmo porque eu era a única neta que eles
tinham já que a Tia Hortência não teve filhos, era divorciada e trabalhava muito em uma
oficina de Artes dando aulas de dança do ventre.

Ela dizia que não sentia falta de filhos já que gostava de mim como se eu fosse filha
dela.

E eu também a tinha como uma segunda mãe, embora amasse a minha mãe.

Todo mundo me tratava bem na família paterna, já os pais do meu pai eram um
verdadeiro terror, me olhavam diferente como se eu não fosse neta deles e tratavam a mim e a
minha mãe muito mal.

Era por isso que eu odiava passar as férias em Glicéria, por mais que o lugar fosse
lindo e cheio de Natureza.

O mais engraçado, é que quando eu estava sozinha passeando perto da cachoeira eu


me sentia em casa de uma forma que eu só sentia quando minha tia me levava pra fazer
piqueniques em locais com árvores e natureza como alguns parques e reservas ambientais.

Mas por outro lado era só pisar na casa dos meus avós que eu me sentia como uma
estranha no ninho.

O mais triste é que eu já desconfiei várias vezes que eu era adotada.

Principalmente por causa da minha aparência.

Só que eu nunca tive coragem de perguntar porque eu amava demais a minha família
pra perguntar uma coisa dessas pra eles.

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Mas a grande verdade é que eu tinha medo da resposta, porque no fundo do meu
coração acho que eu sabia que não era filha de sangue deles.

Só que agora eu não tinha mais por onde fugir.

A maldita fofoqueira que minha mãe sempre evitava toda vez que ia até lá dessa vez
havia finalmente dado com a língua nos dentes.

E ali estava eu, parada naquele mercado olhando pra minha mãe enquanto digeria a
verdade.

O silêncio depois de um tempo ficou ainda mais desconcertante. Senti lágrimas


querendo brotar dos meus olhos.

Droga! Eu odiava chorar, porque me fazia parecer fraca, e isso era uma coisa que eu
detestava.

Minha tia sempre me ensinou que nós mulheres não devíamos agir como o sexo frágil
e fazer juz ao preconceito da sociedade que diz que não podemos fazer certas coisas que os
homens fazem e que somos feitas para ter filhos e fazer serviços domésticos.

Mas também nunca foi uma dessas feministas que acha que devemos abrir mão de
sermos femininas e agirmos como os homens.

Ela era da opinião de que podemos fazer tudo o que eles fazem sem deixarmos de ser
femininas, nos arrumarmos e vivermos nossa sensualidade, mesmo se quisermos ser meninas
que jogam bola, ou meninas que praticam luta.

Esse último era o meu caso.

Aprendi a não querer me esconder através de um homem pra ser protegida por ele
quando as coisas ficassem feias, mas não precisei ser um deles pra isso. Eu era vaidosa como
Tia Hortência.

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Só que eu não suportava demonstrações de fraqueza como chorar em público, que me
deixavam parecendo com uma menininha mimada que chora por qualquer coisa. Engoli as
lágrimas e tudo o que consegui dizer foi:

- Por que você não me contou?

Mamãe estava meio trêmula, tanto que cheguei a sentir pena dela por causa da minha
agressividade ao perguntar.

Só que ou era isso ou eu ia abrir o berreiro ali mesmo:

- Perdão, é que pra mim você sempre foi minha filha. Sempre a amei como se fosse do
meu próprio sangue, então não achei que era necessário te contar pra você não ficar com
idéias na cabeça.

Idéias na cabeça? Mas que tipo de idéias ela achou que eu fosse ter em saber a
verdade? Será que ela não percebeu que era muito píor quando algumas pessoas na escola
diziam coisas do tipo:

“Acho que sua mãe pulou a cerca e teve você com o padeiro, porque você não se
parece nadinha nem com ela nem com seu pai!”.

Ou quando eu me olhava no espelho e ficava tentando imaginar com quem eu me


parecia, se seria algum parente distante porque todos na minha família eram muito diferentes
de mim?

E agora eu tinha ficado totalmente sem chão, porque eu simplesmente nunca ia


descobrir, já que segundo a Dona Carmem fofoqueira, eu tinha sido abandonada em uma
droga de um cesto e deixada sabe-se lá aonde!

- Não achou que era necessário? Como não é necessário? Você mentiu pra mim,
escondeu a verdade sobre o que eu sou, sobre as minhas origens! Nunca vou te perdoar,
Violeta!

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E saí daquele supermercado o mais rápido que eu pude com lágrimas nos olhos pra
procurar um canto pra chorar sem ser vista.

Eu sei que fui uma pessoa horrível chamando ela pelo nome dela, ou invés de mamãe.
Como se ela fosse uma estranha qualquer, e ela tinha me criado e me dado tanto amor e
carinho nos últimos dezessete anos de vida que eu tinha.

Mas eu não consegui me controlar.

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Capítulo 2

Significado de família

Andei pelas ruas completamente sem rumo, apenas pensando no que eu havia escutado
e no que eu havia feito.

Desejei ter tia Hortência ali pra me abraçar e cuidar de mim naquele momento.

Toda vez que eu tinha algum problema, fosse amoroso, ou quando brigava com
alguma amiga, eu sempre me sentia melhor quando abraçava ela e sentia seu perfume de óleo
essencial se rosas, que era o seu favorito.

Mas afastei o pensamento da minha mente porque ela também era uma mentirosa!

Mentira pra mim como todos os outros dizendo que eu era sobrinha dela e que me
amava, quando na verdade eu não era.

Pensei então em quem seriam os meus pais? Onde será que eles estariam?

Será que minha mãe havia me abandonado porque não tinha condições de me criar?
Ou simplesmente nem ligava pra mim e era uma dessas prostitutas que fazem filhos e depois
os abandona por aí sem nem se importar se estão vivos ou mortos?

Será que eu tinha irmãos?

Talvez minha mãe tivesse muitos filhos pra alimentar e por isso não podia me criar.
Ou talvez ela abandonasse todos eles também.

Tinha também a possibilidade dela ter sido uma dessas adolescentes assustadas que
têm filhos muito cedo e por medo ou por não saber cuidar acabam abandonando-os.

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Será que ela ainda pensava em mim?

Estaria me procurando?

O pior de tudo era que havia fortes chances de eu nunca saber.

E isso me doeu profundamente.

Quando me dei conta eu havia chegado à cachoeira que eu tanto gostava.

Naquele lugar aonde eu me sentia completamente em casa.

Sentei-me na grama, e fiquei ali olhando pro nada até não ter mais forças pra chorar.

Em um determinado momento tive a impressão de que havia alguma coisa na água,


como se uma força me impelisse pra chegar mais perto e olhar para o fundo naquelas pedras.

Me aproximei devagar e olhei.

Vi meu rosto refletido.

Olhos vermelhos de tanto chorar, e cabelos desarrumados.

Eu parecia uma louca, e agradeci por meu namorado estar a quilômetros de distância
de mim naquele dia.

Porque seria um horror se ele me visse naquele estado.

Não sei por que, mas não consegui desgrudar os olhos da água.

Fiquei olhando fixo até a visão turvar e o reflexo ficar meio embaçado, até que vi
alguma coisa girando feito um furacão ali no fundo.

Quando parou de girar eu vi uma imagem muito bonita, como se fosse uma espécie de
pintura.
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Na pintura havia uma floresta muito bonita, com árvores e uma cachoeira parecida
com aquela em que eu estava.

Tinha a figura de uma mulher morena e de cabelos negros, mas com alguns fios
esverdeados além de algumas folhas em seus cabelos.

As roupas que ela usava também eram feitas de folhas, e ela de alguma forma me
lembrou a história de Morgana das Fadas, de um livro chamado “As Brumas de Avalon” que
certa vez minha tia me deu de presente no meu aniversário, e eu gostei muito de ler.

Nele as fadas eram descritas como pequenas, morenas e magras. Aparência delicada
exatamente como a da moça da pintura.

Do outro lado da floresta, tinha um homem de pele muito clara e cabelos alourados
que o Sol refletia fazendo-os parecerem brilhantes. Ele era grande e forte, bem diferente dela.

O homem parecia estar admirando a beleza da mulher que era de um mundo diferente
do seu, já que ele usava roupas comuns e não feitas de folhas.

Embaixo da pintura havia algo escrito, mas não consegui ler porque a imagem logo se
desfez e levei um susto quando meu celular tocou.

Pelo toque que eu havia colocado no celular, que era uma música hip hop bem
romântica eu soube que era meu namorado Bruno.

Geralmente eu corria pra atender toda vez que ele me ligava, e naquelas férias de Julho
ele quase não tinha me ligado, muito mal deixava recados pelo orkut.

Só que eu não estava com vontade de atender o telefone porque minha voz ficava
muito bizarra quando eu chorava, e eu não queria mostrar pra ele que eu tinha chorado senão
ele ia perguntar o motivo e eu ia ter que dizer que foi porque eu tinha acabado de descobrir
que eu era adotada e porque eu não fazia idéia de quem eram os meus pais, e o que era pior:
Havia descoberto porque a fofoqueira da cidade havia contado “sem querer querendo” como
diria o Chaves daquele programade televisão enquanto ajudava minha mãe nas compras que
ela fora fazer pra sogra dela que ela detestava em pleno mini mercado.
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Tudo bem que ele era meu namorado e eu teria que dizer pra ele em algum momento,
só que eu não queria que fosse naquela hora.

Deixei o celular tocando, aproveitando pra ouvir um pouco a música.

Eu não era tão fã assim de hip hop, mas gostava daquela porque era a minha música
com o Bruno.

Além daquela música eu gostava de algumas outras porque sempre tocavam nas festas
que eu ia com o pessoal da escola.

Mas pra ouvir mesmo no meu mp3 eu preferia músicas new age ou renascentista
medieval como minha tia.

Depois de alguns minutos o telefone parou de tocar, pra começar a tocar de novo, mas
dessa vez começou outra música.

Reconheci o toque e era a música que tocava sempre que papai ligava do celular dele.

Também não quis atender, não sabia nem se ele sabia que eu havia descoberto que era
adotada.

Mas ele não desistiu tão rápido quanto o Bruno.

Ligou insistentemente e quando viu que eu não estava atendendo começou a mandar
mensagens SMS:

“Filha, onde você está? Estamos preocupados com você. Sabemos que está chateada
por termos escondido algo tão sério, mas por favor volte pra casa. Vamos conversar e te
contar tudo.
Papai & Mamãe”

Alguns minutos depois, mandaram outra:

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“Rosa, está escurecendo, é perigoso você andar por aí sozinha mesmo a cidade sendo
pequena e segura. Por favor atenda o telefone, precisamos falar com você. Sua mãe está em
prantos aqui. E também estou preocupado. Precisamos saber se está bem. Nós te amamos.

Papai.

Olhei para o céu, e realmente o Sol já estava se pondo.

Fiquei olhando o pôr-do-sol tão lindo formando cores alaranjadas e soube que
realmente ia escurecer ali.

Meu estômago começou a me incomodar, porque eu estava com fome, e eu sabia que
poderia sobreviver a uma noite ali sozinha, porque tinham árvores com frutas que eu poderia
comer.

Não ia chover, porque estranhamente eu sabia quando ia chover. E não era porque
quando está pra chover as nuvens ficam meio cinzentas não.

Alguma coisa dentro de mim me avisava quando ia acontecer, e minha tia costumava
me dizer que era intuição.

Eu adorava essa palavra.

Aquela noite ia ser tranquila e sem chuvas.

Eu poderia dormir tranquila ali, que o único perigo seria se animais venenosos se
aproximassem e me picassem, mas em geral eu tinha afinidade com tais seres.

Só que ler aquelas mensagens me fizeram lembrar de como mamãe ficava preocupada
comigo quando eu comecei a ir embora da escola sozinha, e ás vezes eu demorava um pouco
porque ficava batendo papo com minhas amigas ou ficando com algum garoto e ela ligava
desesperadamente pro meu celular querendo saber se estava tudo bem com medo de que eu
tivesse sofrido algum acidente, me perdido no caminho de volta ou se alguém tinha feito algo
comigo.
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Com o papai era a mesma coisa.

Sempre que eu ia a alguma chopada com minhas amigas, ele não conseguia dormir
enquanto eu não chegava em casa.

Ficava sentado na sala me esperando, e só ia dormir depois que eu já estava na cama e


ele tinha certeza de que estava tudo bem.

Eles eram assim comigo.

Superprotetores.

Já aconteceu de eu sofrer alguns acidentes como cair de patins e quebrar o braço, ou


escorregar na piscina e abrir o queixo tendo que levar três pontinhos pequeninos que quase
não davam pra notar, e em todos esses pequenos acidentes minha mãe ficou desesperada.

Eu sabia que eles não iam conseguir dormir enquanto não tivessem notícias minhas.

E do jeito que papai era, provavelmente chamaria a polícia pra me procurar.

Sem contar que no dia seguinte a viagem terminaria e iríamos embora daquela cidade.

O que eu ganharia com aquilo, além de tirar a noite do sono das pessoas que me
acolheram e me criaram com tanto carinho?

Por mais que eles tivessem mentido pra mim e eu estivesse com raiva deles, eles eram
os únicos papai e mamãe que eu conhecia. Não conseguia me imaginar fazendo parte de outra
família que não fosse a deles.

Acho que eu simplesmente não me sentiria em casa.

Igual quando agente dorme na casa de alguma amiga, e por mais que lá seje legal e
tudo fica-se com a sensação de que lá não é sua casa.

Eles eram meus pais.


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Eram eles que se preocupavam comigo, era pra cama deles que eu ia de noite quando
tinha medo de dormir sozinha na infância.

Era pra eles que eu fazia queixa quando algum coleguinha do primário me batia ou me
xingava.

Foi papai quem me ensinou a andar de bicicleta.

Foi com mamãe que eu fui no Shopping comprar o meu primeiro sutiã.

De repente não me importava mais quem era a pessoa que tinha me abandonado, por
mais que eu tivesse a curiosidade de saber quem ela era, e por que havia feito isso. Porque ela
não tinha cuidado de mim, e sequer sabia onde eu estava, se eu tinha o que comer ou onde
dormir.

Se eu tinha sido adotada por uma boa família.

Tudo bem que meus pais eram ótimos, mas e se não fossem?

E se fossem dessas pessoas que molestam os filhos, agridem e humilham?

Minha mãe biológica sequer estaria sabendo.

Então deixei o orgulho de lado, peguei meu celular e liguei pro meu pai.

O único pai que eu conhecia, e a quem eu amava.

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Capítulo 3

De volta ao lar

- Alô, papai, sou eu Rosa.

Esperei em silêncio durante alguns segundos até que ele respondesse, e logo pude
ouvir a voz dele que era naturalmente grossa, embora ele falasse em um tom manso e
preocupado:

- Filha, onde você está? Me fala que eu vou te buscar agora mesmo!

Me senti aliviada ao ver que ele não estava bravo, não que ele tivesse motivo já que
tinha escondido a verdade de mim durante toda a minha vida:

- Estou perto da cachoeira.

- Fique onde está, estou indo aí.

E desligou o telefone.

Continuei sentada ali na grama, até que vi os faróis de uma pick-up se aproximando.

Eram do carro do meu tio Roberto, irmão do meu pai.


Assim que eles pararam o carro eu me aproximei, e papai saiu do carro e veio
correndo me abraçar:

- Rosa, não sabe como fico aliviado de saber que você está bem. Vamos, entre no
carro.

E me guiou até a porta de trás da pick-up.

Entrei, e percebi que meu tio ficou me olhando pelo retrovisor.


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Eu detestava tio Roberto porque ele também me tratava da mesma maneira como os
meus avós paternos : com indiferença.

Ele não morava na mesma casa que os pais do meu pai, mas também vivia em Glicéria
em uma outra casa junto com a esposa dele e os dois filhos que com certeza eram muito mais
bem tratados na casa dos meus avós do que eu.

Antes eu ficava meio chateada por eles me tratarem diferente, e achava que era porque
tinham algum problema com mamãe.

Uma coisa de boa agora tinha em saber a verdade. Pelo menos eu não precisava ficar
chateada de ser tratada com indiferença pelos meus avós paternos porque eles simplesmente
não eram meus avós.

Ninguém disse sequer uma palavra naquele carro enquanto dirigiam para a casa deles,
então assim que chegamos lá desci do carro, e dessa vez foi mamãe quem me abraçou bem
apertado, da mesma forma que o meu pai:

- Filha, eu te amo. Não importa o que digam você pra mim é a minha filha de verdade.
Por favor perdoa a mamãe.

Meu pai disse:

- Melhor nós três conversarmos a sós. Rosa,sei que erramos em não ter te contado,
mas quero que saiba que vamos te contar tudo o que sabemos agora. Não vamos esconder
mais nada de você.

Balancei a cabeça afirmativamente, só que eu me sentia cansada e com sono de tanto


que eu havia chorado.

Tudo o que eu queria era um banho quente e uma cama pra dormir.

Mamãe ainda estava arrasada, acho que nunca a vi com o rosto tão vermelho e
inchado.

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Estar ali perto deles e recebendo seus abraços me fez ter certeza de que eles eram os
meus pais de verdade.

Então eu disse:

- Tudo bem, mas agora estou cansada e quero tomar um banho. Amanhã vamos cedo
pra casa, não é? Acho que prefiro conversar lá.

- Também acho que é uma boa idéia filha. Vá tomar seu banho, e se precisar de
alguma coisa pode contar conosco.

Disse o meu pai para mim, e também para mamãe, porque ele também percebeu que
nós duas não estávamos exatamente em condições de conversar naquele momento.

Ambas cansadas da emoção daquele dia, e eu mais do que nunca estava doida pra
voltar pra casa.

Tomei o meu banho e fui dormir.

Tive uma noite de sono tranquila, e assim que acordei tratei de arrumar logo as minhas
malas pra dar o fora dali.

Naquela manhã até meus avós foram legais comigo perguntando como eu estava, se
tinha dormido bem e se despedindo de forma mais afetuosa.

Mas mesmo assim eu estava doida pra ir embora.

Coloquei uma calça jeans um pouco larga, uma blusa branca simples e um casaco por
cima.

Estava sem o menor ânimo pra me arrumar, por isso prendi meus cabelos em um rabo
de cavalo e entrei no carro do Tio Roberto pra que ele nos levasse até a rodoviária.

Tive um pressentimento de que meu dia não seria tão ruim dessa vez.

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Comecei recebendo uma mensagem de texto do meu namorado do tipo bem romântica
como ele raramente costumava me mandar, exceto nos primeiros dias do nosso namoro que
era quando ele mandava com mais frequência:
“Oi Amor,
Já cheguei no Rio.
Estou com saudades de você. Liguei mas você não atendeu.
Vê se quando chegar me liga pra agente fazer alguma coisa.
Beijos na boca.
Bruno.

Ps: Te amo”

Ótimo, meu namorado ainda gostava de mim e estava com saudades, assim que eu
chegasse ia poder marcar de fazer alguma coisa com ele do tipo ir ao cinema assistirmos
algum filme agarradinhos e trocando alguns beijos no escurinho bem á moda antiga mesmo.

Minha melhor amiga Carol não tinha viajado, então com certeza ela ia me chamar pra
ir em algum dos festivais bizarros de anime que ela gostava e a minha outra melhor amiga
Taís ia chegar de viagem três dias depois de mim, que era quando começariam as aulas na
escola, mas eu não estava chateada porque as aulas começariam porque tudo bem que eu ia ter
que estudar matérias chatíssimas. Mas por outro lado eu ia poder rever o pessoal, e tinham as
saídas depois da escola também.

Minhas aulas de artes marciais começariam, então minha vida acabaria se encaixando
por mais que eu tivesse o pequeno probleminha com os meus pais pra resolver.

Coloquei meu mp3 no ouvido, e me despedi daquela cidadezinha tão gostosa ao som
de “Greensleaves” que era uma das minhas músicas favoritas.

A viagem foi longa, mas correu tudo bem, e pra minha surpresa Tia Hortência foi nos
buscar na rodoviária.

Ela estava linda como sempre usando uma calça jeans e uma blusa larguinha florida
em um tom de lilás.

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Os cabelos longos estavam presos em uma trança e como sempre estava muito bem
maqueada usando delineador nos olhos, sombra azul bem forte e um batom vermelho que
ficava muito bem nela.

Na verdade era como se aquela maquiagem só tivesse aquele efeito de mulher sexy e
misteriosa nela. Porque se outra mulher as usasse pareceria com uma prostituta velha.

E falo isso porque já vi gente tentando imitar a maquiagem da minha tia e obtendo
esse resultado.

Ela veio correndo e me abraçou, pude sentir o delicioso perfume de óleos essenciais
que ela tinha.

Não pude rejeitar aquele abraço, por mais que estivesse magoada com ela por ter
compactuado com meus pais e escondido a verdade de mim.

Mas a saudade que eu sentia dela era muito mais forte. Foram 15 dias sem se ver, e eu
não costumava ficar mais do que 3 dias sem vê-la. Sem dúvidas aquelas férias foram longas,
mas ali abraçada á minha tia eu me senti feliz de estar de volta ao lar.

Percebi que ela estava preocupada, porque eu a conhecia só pelo olhar:

- Vocês três já conversaram?

Mamãe balançou a cabeça negando:

- Não, achamos melhor conversar em casa, mas fico feliz que esteja conosco mana.
Almoça lá em casa hoje?

- De maneira nenhuma Vivi. Preparei o prato preferido da Rosa lá no meu


apartamento. Acho que é o melhor lugar para conversarmos, depois de almoçarmos é claro já
que pelo menos eu estou morrendo de fome.

Disse minha tia tentando parecer o mais casual possível.

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Percebi então que ela sabia que eu já estava a par da verdade.

Provavelmente minha mãe tinha ligado pra ela quando eu saí correndo daquele
supermercado.

Elas eram muito ligadas mesmo sendo diferentes.

Papai não gostava muito de ir no apartamento da tia Hortência por causa das imagens
e dos incensos que ela tinha na casa dela. Embora respeitasse, ele dizia que não gostava e por
isso evitava de ir lá embora tratasse minha tia com educação toda vez que ela nos visitava.

Mas naquele dia ele abriu uma exceção e todos entramos no carro de tia Hortência que
era um “Escort” velho mas que ela adorava e fomos até o apartamento dela.

Apesar dela não ter acendido nenhum incenso naquele dia, o cheiro dos incensos
estava presente no ar.

A cachorrinha que ela tinha, que eu dera o nome de “Moon” veio correndo me cheirar
com o rabo balançando. Ela era uma pequena “bacet” que parecia uma salsicha, e eu fiz um
carinho na cabeça dela.

Tinha sentido saudades.

Sentei-me em um dos sofás cobertos por mantas azuis escuras com desenhos de luas e
estrelas que minha tia tinha.

E meus pais sentaram-se ao meu lado.

Havia também um puf na sala, que era o lugar favorito da titia, e por isso ninguém
podia sentar nele, além de mim é claro. Eu era a única pessoa que ela deixava.

Ela foi até a cozinha para preparar a mesa, e eu achei que melhor lugar eu não poderia
ir depois da volta daquela viagem. Nem mesmo em minha própria casa eu me sentiria tão bem
como ali naquele aroma gostoso de incenso e com Moon subindo no meu colo exigindo ser
acariciada.
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O almoço foi delicioso, e enquanto comíamos falávamos sobre besteiras como por
exemplo o fato de que a irmã do meu pai, tia Renata a quem minha mãe e tia Hortência
detestavam estava cada vez mais gorda e mal humorada e coisas do tipo.

Então quando o almoço acabou tia Hortência achou melhor voltarmos para a sala e
conversarmos.

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Capítulo 4

A Verdade

Chegamos na sala novamente, e minha tia perguntou:

- Quer se sentar no puf hoje, Rosa?

Eu sabia que ela estava oferecendo porque a conversa seria tensa, e ela acreditava que
eu precisava de minhas regalias.

Geralmente ela não deixava eu sentar na frente dos outros, só quando estávamos
sozinhas ela abria a exceção.

Mas eu estava doida pra sentar naquele puf tão comfortável e relaxante todo feito de
couro que fiquei feliz e me sentei.

Ela começou a puxar a conversa, já que sabia agir com mais calma e dirigir melhor as
discussões para que elas se tornassem construtivas:

- Muito bem, agora que já almoçamos e já descansamos. Acho que devemos algumas
explicações á Rosa agora que ela já sabe da verdade sobre a adoção. E concordamos por
telefone que ela tem o direito de saber de toda a verdade. Não é mesmo?

Minha mãe começou a tirar um livro da bolsa, mas não pude ver a capa porque ela o
deixou no colo, embora tenha me despertado certa curiosidade já que era difícil vê-la lendo
alguma outra coisa que não fosse a bíblia.

Ela concordou balançando a cabeça afirmativamente e meu pai fez o mesmo.

Então tia Hortência prosseguiu:


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- Rosa querida, você pode estar com raiva de nós por termos omitido a verdade. E
talvez de mim porque sabia e não te contei por mais que nos déssemos bem. Mas quero que
entenda que não era um segredo meu. Esta era uma decisão que cabia á sua mãe, e eu sempre
disse á Vivi que ela deveria dizer a verdade pra você, que não deixaria de amá-la se soubesse.
Mas ela achou melhor omitir isso de você e eu não tinha o direito de contar.

Pela maneira séria como ela falava pude ver que ela estava mesmo sendo sincera, mas
fiquei decepcionada porque eu achava que ela era minha amiga, e não apenas minha tia.
Aquele era um segredo que eu tinha o direito de saber:

- É, mas eu confiava em você. Achei que entre agente não tinha segredos tia
Hortência. Pelo menos eu nunca escondi nada de você.

E isso era a mais pura verdade.

Eu confiava tanto na minha tia, que tinha coisas que eu não contava pra minha mãe
por ela ser mais conservadora, mas não tinha medo de contar pra minha tia.

Como por exemplo quando eu dei o meu primeiro beijo em uma festa, ou quando perdi
minha virgindade com o meu namorado a alguns meses atrás.

Ela sempre me dava conselhos bons sobre como me proteger porque era mente aberta,
e eu sempre a escutava.

Pensei que fosse uma coisa recíproca.

Achei que ela jamais fosse esconder uma coisa de mim.

Dessa vez meu pai pigarreou um pouco como que pedindo atenção para falar, então
disse:

- Acontece que esse não era um segredo da sua tia, e sim um segredo meu e de sua
mãe. Se ela tivesse te contado seria a mesa coisa que você contasse a ela um segredo seu e ela
contasse pra mim e pra sua mãe. Sua tia não teve culpa, Rosa.

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Eu odiava admitir que ele estava certo, mas o pior era que ele tinha mesmo razão.

Colocando dessa maneira seria mesmo uma traição das bravas se ela contasse, quase a
mesma coisa que se ela contasse pros meus pais que eu não era mais virgem, mas mesmo
assim eu não conseguia deixar de ficar chateada mesmo entendo o lado dela.

Só que eu tive que baixar a guarda.

A raiva era puro impulso, mas eu não era mais criança, daqui a pouco eu ia fazer
dezoito anos. Tinha condições de entender perfeitamente o lado dela:

- Sim, eu entendo.

Falei baixo admitindo.

Minha mãe demonstrando um pouco de tensão e com as mãos levemente trêmulas


decidiu falar:

- Mas hoje decidimos contar a você tudo o que você quiser saber sobre... a sua história.
Pelo menos tudo o que sabemos. Erramos em não ter contado desde o começo, porque era
melhor você ter sabido pela nossa boca do que pela boca daquela fofoqueira.

O fofoqueira ela disse quase que trincando os dentes demonstrando o quanto havia
ficado com raiva de Dona Carmem.

- Isso mesmo filha, pode perguntar o que quiser.

Disse o meu pai em um tom de voz mais controlado do que o da mamãe. Então
comecei a perguntar:

- Como foi que vocês me encontraram, e quem são meus verdadeiros pais?

Papai começou a contar a história, já que minha mãe estava muito mais nervosa:

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- Foi em Glicéria mesmo. Em uma viagem de férias que fizemos exatamente como
essa que acabamos de fazer. Sua mãe estava muito triste porque não conseguia engravidar
mesmo com todos os tratamentos que fizemos, sendo que estávamos casados a quatro anos.
Ela queria muito ter um bebê, só que era estéril. A viagem não ajudou muito porque minha
mãe achava que eu tinha que ter filhos naturais, e isso apenas piorou seu estado. Foi aí que
uma coisa mudou nossas vidas: Um bebê foi deixado justamente na porta do sítio dos meus
pais, em um cestinho de vime e foi minha mãe que achou. Ela trouxe pra dentro de nossa casa,
porque por mais que pareça humana ela é durona. Ficou claro que tinha sido deixado por
alguém ali com o propósito de ser achado. Assim que sua mãe bateu os olhos ficou encantada.
Meu pai queria chamar a polícia como era o certo a fazer, mas sua mãe disse que não, porque
achou que se aquela criança tinha sido deixada justamente ali, era um sinal de que era pra ser
a filha que não podíamos ter. Então conseguimos registrar você como filha e você está
conosco até hoje. Somos muito felizes por ter você.

A história era realmente muito comovente, parecia uma dessas histórias de novela que
se vê por aí.

Tudo bem que minha adoção havia sido por meios ilegais, mas fiquei feliz de saber
que tinha sido deixada na porta de uma casa com a intenção de ser achada e não em um lixão
ou coisa do tipo.

O mais legal é que eu era de Glicéria mesmo, e isso explicava porque eu me sentia tão
bem quando andava por lá especialmente na cachoeira.

Minha mãe biológica podia ser qualquer moça que eu já tivesse visto passando na rua,
já que a cidade era pequena.

Então mamãe me tirou de meus devaneios:

- Durante um tempo seu tio Roberto pesquisou pra ver se descobria quem era sua mãe
verdadeira, por ser uma cidade pequena e então todos conhecerem as grávidas do local. Só
que todas as grávidas que tiveram filhos naquela época, até as adolescentes estavam com seus
bebês. O que era muito estranho. Pensamos que talvez fosse alguém de outra cidade que
esteve por lá de passagem. Mas a uns dez anos atrás, no mesmo lugar aonde deixaram você,
alguém deixou este livro em um cesto exatamente igual ao que você estava quando chegou.
26
Quando pus as mãos no livro quase desmaiei de susto.

Acho que se eu não estivesse sentada naquele puf teria caído pra traz na mesma hora.

Isso porque a capa era exatamente igual ao quadro que eu havia visto nas águas da
cachoeira!

E era igual em todos os detalhes mesmo!

27
Capítulo 5

O Livro de fada

Peguei o livro e passei as mãos pela capa que era tão linda!

O título era “Cículo de fadas”, e o autor se chamava Ian Gallagher.

Era um livro pequeno, que podia muito bem ser uma daquelas histórinhas infantis de
fadas, decidi começar a lê-lo naquele momento mesmo e tia Hortência aconselhou meus pais a
me deixarem sozinha lendo o livro um pouco que depois ela me levaria pra casa.

Fiquei aliviada, e assim que nos despedimos ela me deixou ler o livro em paz, então
comecei.

Era a história de um homem cético que não acreditava em histórias de fadas apesar de
ser de origem Irlandesa.

O homem sempre rira de sua tia quando ela lhe dizia para tomar cuidado para não se
perder nos círculos de fadas em seus passeios pelos bosques, e lhe dizia que caso isso
acontecesse ele jamais deveria comer a comida delas.

Mas ele nunca lhe dava ouvidos, pois achava que era maluquisse de sua tia cheia de
crendices.

Só que um dia descobriu que aquilo não era apenas crendice, porque aconteceu de ele
realmente cair em um círculo de fadas e ir para o mundo delas.

Todas eram muito diferentes dele, pois assim como em “As Brumas de Avalon”, as
fadas eram mulheres pequenas, morenas e magras, porém seres muito simpáticos.

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Uma delas o havia notado, e olhou com imensa curiosidade.

O homem também sentiu uma coisa diferente por esta fada, porque seus olhos eram
mais misteriosos que as demais, e ela era também mais bonita do que as outras.

A fada mais velha, e mais esperta lhe ofereceu uma fruta, que era a fruta mais linda
que ele já havia visto na vida e toda dourada.

Ele se preparava para dar uma dentada, mas então a fada misteriosa, que havia ficado
olhando pra ele o impediu, alertando-o para que ele não comesse nada que lhe fosse oferecido,
pois caso contrário não poderia voltar.

Então o homem lembrou-se dos avisos de sua tia, e soube que a fada falava a verdade.

Ela o ajudou a voltar para o mundo dos humanos, mas ele disse que gostaria de vê-la
novamente, e que agora devia um favor a ela já que a fada havia salvo sua vida.

Ela prometeu que o veria de novo, pois sempre quisera conhecer o Mundo dos
Humanos, e ele disse que quando ela quisesse ir ele a receberia em sua casa, e que teria o
maior prazer de lhe mostrar como viviam os de sua espécie.

Ele perguntou como ela se chamava, e ela disse que seu nome era Aurah, e quem
embreve o veria de novo.

Despediram-se com um beijo, e então alguns dias depois ele voltou ao bosque na
esperança de reencontrar Aurah, mas dessa vez com mais cuidado para não cair de novo no
Círculo de Fadas, pois havia aprendido a acreditar nas histórias de sua tia.

Mas não conseguiu encontrá-la, mesmo tendo esperado durante toda a tarde.

Estava quase deixando de acreditar que aquilo realmente havia acontecido e chegando
a pensar que a visita ao “Mundo das Fadas” havia sido apenas sua imaginação quando Aurah
apareceu, dizendo que os animais haviam lhe dito que ele estava perto, então aproveitara para
escapar de seu mundo para vê-lo novamente.

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O homem ficou tão feliz que tratou de levar logo Aurah para sua casa, e ensinou-a
tudo sobre como viviam os humanos.

Durante muitos dias foram felizes juntos, pois estavam apaixonados.

Mas no mundo em que o homem vivia, quando um casal estava apaixonado o correto
era que se casasse com a mulher amada.

Por isso o homem decidiu que queria casar-se com Aurah, mas para isso teria que
ensiná-la a vestir-se a portar-se como as mulheres outras mulheres de seu mundo, pois Aurah
era selvagem, livre e inocente como seu povo.

Gostava de andar nua, ou vestida com folhas, brincava com os animais, comia com as
mãos e nunca usava calçados.

Para pode apresentá-la aos seus colegas de trabalho e suas respectivas esposas, teria
que torná-la iguais as mulheres de seus amigos.

Então começou a ensinar Aurah boas maneiras.

Só que aquilo começou a entristecer Aurah, porque as roupas caras e delicadas de


mulheres humanas eram desconfortáveis e não permitiam que ela corresse pelos campos como
gostava nem que brincasse com os pequenos animais porque rasgavam e sujavam com
facilidade, e sempre que isso acontecia, o homem brigava com ela.

Os sapatos que ele lhe comprara feriam-lhe os pés e faziam bolhas que a machucavam,
além de também serem desconfortáveis. Mas ele ralhava sempre que ela se atrevia a tirá-los.

Comer usando garfos e facas era algo tão trabalhoso, que simplesmente tornava a
comida menos saborosa para Aurah.

Mas mesmo assim seu amor pelo homem era tanto que ela se esforçava por mais que
aquilo lhe causasse agonia.

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Só que um dia, o homem avisou que demoraria a chegar em casa porque tinha coisas
muito importantes para fazer em seu trabalho na Cidade próxima dali.

Então Aurah decidiu tirar as roupas e os sapatos que lhe eram tão incômodos por um
dia e brincar com os animais como fazia sempre.

Na hora de sua refeição comeu utilizando apenas as mãos lambuzando os dedos e a


boca saboreando a comida como a muito tempo não fazia.

Só que o que ela não contava, era que o homem tinha conseguido chegar mais cedo em
casa, e ao chegar deparou-se com a cena dela nua sentada no chão toda suja e com os dedos
lambuzados de comida, e então ele enxeu-se de cólera.

Brigou com a fada, e disse que ela era burra e que jamais iria aprender a ser uma
esposa boa para ele.

Gritou com ela, e feriu seus sentimentos, tanto que pela primeira vez na vida Aurah
chorou.

Quando a viu chorando, ele arrependeu-se de ter sido tão rude, e pediu desculpas.

Ajudou-a a limpar-se, e foram dormir juntos naquela noite.

Só que ele não sabia que a fada tinha um coração sensível, e aquelas palavras e seus
modos haviam machucado de verdade o seu coração.

Aurah realmente se convenceu de que jamais seria uma boa esposa para aquele
humano, e mesmo se aprendesse as lições que ele queria lhe ensinar para agradá-lo, seria
infeliz porque não seria ela mesma.

Então naquela noite enquanto seu amado dormia, ela levantou sem fazer barulho e
voltou para seu mundo.
Quando o homem acordou e viu que Aurah não estava mais lá, ficou muito
arrependido do que fizera, e chorou durante muito tempo.

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Esperou que ela voltasse, mas os dias foram passando e se tornando semanas, e as
semanas foram se transformados em meses e ele não recebia nenhum sinal de Aurah.

Foi ficando triste e abatido, até que um de seus amigos lhe aconselhou que procurasse
outra noiva, porque Aurah não ia voltar.

Então assim fez o homem, tratou de arranjar uma namorada humana, e a viver sua vida
normalmente como seus amigos.

Então certa noite alguém bateu na porta de sua casa aonde ele já vivia com sua nova
namorada, mas quando ele foi atender não encontrou uma pessoa, e sim um pequeno cesto de
vime com uma criança nuazinha chorando.

Era uma menina de aparência forte e saudável, morena como a fada, e no cesto havia
um bilhete com letras garranchadas de quem sabia escrever muito mal:

“Eu salvei sua vida,


Te trazendo de volta ao seu mundo, e em troca você ficou me devendo um favor.
Ela é metade humana e metade fada, mas gostaria que ela fosse criada no seu mundo
e aprendesse a ler, escrever e a se comportar bem como as mulheres do seu povo.
Faça isso por mim.
Aurah.”

E o homem levou a criança pra dentro, decidido a cumprir sua parte no trato e fazer
com que a menina aprendesse tudo o que sua mãe fada queria que ela aprendesse, mas de um
jeito que sua nova noiva não ficasse sabendo que ele tinha uma filha.

E era assim que o livro acabava.

Capítulo 6

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A ameaça na Internet

Terminei de ler o livro, e achei aquela história um pouco triste, porque o homem não
havia aceitado a fada do jeito que ela era, mesmo ela sendo o amor de sua vida.

E ambos haviam seguido suas vidas separados um do outro, ele com outra noiva
considerada adequada, e ela havia retornado para seu mundo, separada dele.

Fiquei imaginando o que teria acontecido com a criança.

Teria ele criado a filha escondido da noiva? Se bem que o livro dizia que ele havia
cumprido o desejo da mãe sem que a noiva ficasse sabendo.

Talvez ele tivesse dado a criança para outra pessoa cuidar assegurando sua educação.

Se fosse assim, então ela teria uma história parecida com a minha.

Eu adorava histórias de fadas, mas achei aquela extremamente perturbadora, ainda


mais pra um livro infantil.

Tia Hortência notou por causa do meu semblante preocupado e se aproximou:

- O que foi Rosinha, ainda pensando nos seus pais biológicos?

Balancei a cabeça afirmativamente, mas disse:

- Isso é uma coisa que acho que vou pensar durante toda a minha vida, porque sempre
vou ter curiosidade titia. Mas meus pais verdadeiros são mesmo Ronaldo e Violeta, os únicos
que conheço e amo.

Ela me deu um beijinho na testa e acariciou meus cabelos:


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- Sim querida, e ainda bem que você sabe disso. Te amam tanto que você nem
imagina. Agora chega de conversa, vamos guardando esse livro porque eu prometi levar você
pra sua casa.

Tratei de me levantar logo e então minha tia me levou pra minha casa.

Agi normalmente, porque eu estava muito feliz por estar de volta.

Tomei um banho bem demorado e relaxante, depois me sentei enfrente ao computador


e pra minha alegria a Carol estava no msn.

Ela falou que queria ir em um barzinho de rockeiros bem legal no Centro da Cidade,
mas não tinha nenhuma companhia, então praticamente me implorou pra ir com ela.

Eu disse que ia pedir pra minha mãe achando que ela não ia deixar, mas acabou que
ela deixou, então tive que ir pra casa dela pra ela me ajudar a me vestir pra eu não ir
parecendo uma patricinha pro bar de rockeiros.

Cheguei cedo demais na casa dela, e ela estava com o computador ligado com uma
página bem grande aberta em um site que falava sobre vampiros.

Ela me viu, ainda não estava arrumada, seus cabelos negros encaracoulados estavam
presos em um coque, e ela estava usando um short jeans com uma camisa do “After Forever”
quando levantou do computador e disse:

- Chegou cedo Rosa, ainda nem tomei banho, olha vou ali tomar uma ducha rapidinho
enquanto isso se quiser pode usar meu pc, desde que não feche a página desse site porque foi
muito difícil achar ele no Google e não tenho saco pra procurar no histórico, tá legal?

Procurar sites sobre vampiros com seus contos e seus mitos era uma das coisas que a
Carol adorava fazer. Esse era seu maior vício e eu, é claro, tinha que respeitar por mais que
achasse os vampiros umas criaturas meio “baixo astral” com aquela coisa de beber sangue dos
outros e andar de noite:

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- Tá legal, mas vê se não demora já que você vai me maquiar também.

Ela foi direto para o chuveiro tomar o banho dela, e eu sentei enfrente ao computador.

Pensei em abrir outra aba pra entrar no meu orkut, mas alguma coisa naquele site me
chamou a atenção, talvez porque ele não se parecia com um daqueles sites cheios de fotos
góticas que a Carol costumava usar, era preto sim, mas as letras eram em branco, e o template
não era feio, tinha fotos de rosas brancas.

Cliquei na parte do site que era o “chat”, que era uma espécie de sala de bate papo
aonde tinha apenas uma pessoa online, cujo nick era “Le Rouge Dragon”. Achei que soou de
uma forma bem gótica, então decidi escolher um nick bem gótico também, do tipo que a
Carol escolheria. Coloquei “The Lady of the Night”.

Definitivamente não combinava comigo, já que eu era uma amante do sol, nas árvores
e da Natureza. Mas eu tinha que parecer como uma daquelas pessoas que curtem essas coisas.

Comecei a conversa:

“The Lady of the Night entra na sala

The Lady: Olá


Le Rouge: Boa noite dama da noite, como vai?
The Lady: Bem, e você?
Le Rouge: Muitíssimo bem também, embora esteja um pouco solitário nesta
caminhada pela eternidade. Já faz muito tempo que você foi abraçada?
The Lady: Como assim abraçada?
Le Rouge: Hum... vejo então que é uma humana, não? É que nós, vampiros de
verdade usamos o termo “abraçado” quando somos transformados.
The Lady: Você só pode estar tirando onda com a minha cara, não tá não?
Le Rouge: Está dizendo que não acredita na existência de seres noturnos como eu?
The Lady: Claro que não, ou vai me dizer que você acha que é vampiro mesmo?
Le Rouge: Não acho que sou vampiro não, eu sou um verdadeiro Filho da Noite.

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The Lady: Hahahaha, conta outra, não sei se você é uma criança querendo chamar a
atenção com essa história de vampiros, ou um tipo de mentiroso doido. Mas pare de inventar
histórinhas porque todo mundo sabe que vampiros não existem!
Le Rouge: Por acaso está me desafiando, garota? Como se atreve a se referir a mim
como uma criança. Não sabe com quem está se metendo?
The Lady: Sei sim, estou me metendo com alguma criancinha mimada que não tem o
que fazer então fica entrando em site de gente maluca e doida fingindo que é vampiro ou
talvez tão doente ao ponto de acreditar que realmente é.
Le Rouge: Sabe garota, acho que a única criança que não sabe com o que está se
metendo aqui é você. E te digo uma coisa. Guarde bem o que vou falar: Vai se arrepender no
dia em que eu cravar as minhas presas nesse seu pescocinho e sugar todo o seu sangue. Aí
vai conhecer toda a fúria de um vampiro centenário de verdade, e veremos quem é a criança
doente aqui.
The Lady: Hahahahaha, só rindo mesmo, senhor Le Rouge. Até parece que você vai
saber aonde eu moro e quem eu sou pra cravar seus dentinhos no meu pescoço, mesmo se
você fosse um vampiro centenário como você mesmo diz.
Le Rouge: Fique sabendo que apesar de eu ser um vampiro centenário sou muito bem
familiriazado com as tecnologias de agora, e pra mim é muito fácil te rastrear pelo IP do seu
computador, mocinha.
The Lady: Ui tô morrendo de medo, pois fique sabendo que mesmo se você fosse lá
algum tipo de hacker da internet eu duvido você me achar, já que não tô na minha casa
mesmo.
Le Rouge: Acredite ma ma chériee, quando um vampiro quer realmente rastrear uma
pessoa, ele consegue. Posso sentir sua aura através desta tela de computador, e confesso que
é uma aura bem peculiar.
The Lady: Estarei te aguardando então, senhor vampiro.

The Lady of the Night sai da sala.”

Saí daquela sala de bate papo, não por medo do suposto vampiro, mas porque a Carol
já tinha saído do banho enrolada em uma toalha, e parou atrás de mim percebendo que eu
tinha continuado no site e ainda por cima tinha entrado naquela sala de bate papo:

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- Pensei que não se interessasse por vampiros e essas coisas “underground”.

Olhei para ela enquanto eu mexia nos meus cabelos jogando-os um pouco pra traz
como era a minha mania e dei um sorriso:

- Não me interesso, apenas fiquei curiosa hoje, e como não tinha coisa melhor pra
fazer resolvi dar uma olhada.

- Hum, sei. E então, falou com algum vampiro de verdade?

Ela me perguntou realmente interessada parando com as mãos na cintura querendo ver
o que tinha na tela do computador. Levantei daquela cadeira esticando um pouco as costas me
espreguiçando:

- Tinha um maluco aí dizendo que era vampiro, mas pera aí, você sabe que eu não
acredito nesse negócio de vampiro de verdade, não é?

- Como não acredira em vampiros se você acredita naquela baboseira de fada e


duende?

Carol sempre tinha respostas para tudo. Acho que ela argumentava mais pelo prazer de
argumentar do que qualquer outra coisa, porque eu duvidava que ela acreditasse de verdade
nesse negócio de vampiros, lobisomens e seres da noite.

Isso porque ela era uma das garotas mais inteligentes da escola, era bolsista e do tipo
nerd mesmo. Não que ela realmente precisasse de alguma bolsa já que os pais dela tinham
condições financeiras tão boas quanto os meus.

Mas mesmo assim ela ganhou bolsa de 70% por causa da inteligência dela, e tinha
vantagem de saber falar três idiomas: Português, Inglês e Japonês!
Enquanto eu muito mal falava o português e sofria pra caramba no meu cursinho de
inglês tentando aprender alguma coisa. Não que eu realmente gostasse do Inglês, mas meu pai
dizia que era bom aprender porque se eu não soubesse falar Inglês não iria conseguir um bom
emprego. Mas na verdade o curso nem era tão ruim assim, pelo menos Língua Estrangeira era
bem melhor do que as terríveis aulas de álgebra da escola que não vêm ao caso no momento.
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- Acontece que fadas e duendes são diferentes de vampiros, Carol. São seres
elementais da Natureza, que vivem em outra dimensão, e que são puros e dotados de energia
positiva que qualquer um que tiver um pouco de tempo pra relaxar em um ambiente tranquilo
perto de alguns recursos naturais e com sensibilidade aguçada é capaz de senti-los.

Expliquei pra Carol, acho que pela milésima vez. Porque pra mim realmente era muito
fácil de acreditar em fadas e duendes quando eu podia sentir aquela sensação boa como a que
eu sentia perto da cachoeira em Glicéria, ou quando minha tia me contava aquelas histórias.

Era como se alguma coisa muito forte envolvesse meu coração em uma sensação
agradável.

E depois que recebi aquele livro que provavelmente tinha sido mandado por um dos
meus pais biológicos aquilo passou a ser mais forte ainda.

Carol não me contrariou, porque ela sabia que eu tinha minha opinião formada a cerca
de minhas crenças em relação aos seres da Natureza e também aos vampiros:

- Tá legal, cada uma acredita no que quiser então. Agora vamos nos arrumar logo
porque não quero sair muito tarde daqui antes que minha mãe comece a implicar.

E assim começamos o nosso processo de arrumação.

Carol colocou um vestido preto muito bonito com um corset azul escuro com os
cadaços pretos que a deixava com um aspecto um pouco medieval, e calçou coturnos que
decidamente tiravam o ar de mulher chique que aquela roupa poderia lhe dar.

Deixou os cabelos soltos, eles eram grandes e muito bonitos.


Ela colocou lentes de contato azuis, que ficavam muito bem nela de um jeito que não
ficavam tão bem em mim. Isso porque apesar de Carol ter olhos castanhos como os meus, sua
pele era branca, exatamente como deveria ser a pele dos seus adorados vampiros da ficção
porque ela nunca pegava sol e sua família era de origem européia.

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Acho que a melhor forma de descrevê-la seria uma verdadeira boneca de porcelana. E
quando ela usava aquelas lentes de contato chegava a ficar parecida com a cantora do
Evanescense, a “Amy Lee”.

Depois de pronta ela escolheu a minha roupa, que era uma calça preta justa, uma blusa
preta que também parecia um corset, só que era de couro e o trançado vinha até a parte de
cima modelando os seios.

Para calçar ela me cedeu um par de coturnos, então começou a mexer no meu cabelo
enquanto reclamava:

- Ai Rosa, não sei porque coloca essa tinta loira no seu cabelo! Gosto muito mais da
cor natural dele. Por causa disso quase não dá pra disfarçar que você não gosta do estilo de
vida “underground”.

Afastei um pouco a mecha do meu cabelo da mão dela e disse:

- É porque eu realmente não gosto desse seu estilo, e você sempre soube disso. Nem
sei porque é que eu vou nesses lugares. Acho que é porque gosto muito de você mesmo. Ah se
você não fosse a minha melhor amiga desde pequena! Eu não ia mesmo!

Apesar do jeito dela colocar medo em algumas pessoas da escola, como garotos que
juravam que se algum dia a encontrassem andando na rua de noite seriam capazes até mesmo
de trocar de calçada já que ela realmente parecia ter saído de um filme de vampiros, eu sabia
que a Carol era um amor de pessoa e pra falar a verdade era a criatura mais meiga e doce que
eu já havia visto:

- Ah é por isso que eu te amo amiga!

Ela falou me abraçando e me dando um beijinho na bochecha de um jeito que ela só


fazia comigo mesmo, porque com os outros ela mantinha as aparências de menina fria e
brava. Costumava dizer que demonstrações públicas de afeto eram “emo” demais, e achava
que isso mancharia sua reputação.

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Capítulo 7

Estranhas Sensações

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Fomos no barzinho dos rockeiros, mas não sei porquê fiquei com uma sensação
estranha como se estivéssemos sendo vigiadas, e aquilo realmente me causava arrepios. Só
fiquei tranquila quando entramos dentro do bar e aproveitamos pra tomar umas cervejas já
que lá felizmente ninguém se deu ao trabalho de pedir nossas carteiras de identidade.

Acho que porque realmente parecíamos mais velhas, como já disse eu estava com
dezessete anos, e isso é quase dezoito, não?

O fato é que bebemos, minha amiga ficou com um cara cabeludo chamado Guilherme
que sentou na nossa mesa junto com um outro amigo dele cabeludo que queria ficar comigo,
mas eu disse pra ele que eu tinha namorado, o que me lembrou que desde que eu havia
chegado ainda não tinha ligado pra ele porque tinha esquecido completamente!

Xinguei mentalmente porque que tipo de namorada eu sou que esquece do próprio
namorado?

Decidi que no dia seguinte assim que eu acordasse, o que provavelmente não seria
cedo já que a Carol estava com cara de que ia ficar até bem tarde ali e eu ia acabar tendo que
dormir na casa dela, então eu ligaria para o Bruno.

Por sorte os rockeiros tinham uma coisa de bom: quando agente dizia que não era não
mesmo. O amigo do Guilherme nem se deu ao trabalho de insistir depois do meu “toco” e foi
pra perto dos outros amigos cabeludos dele pra depois achar uma garota que ficou feliz em
aceitar a companhia dele.

Já eu fiquei bebendo e segurando vela por um bom tempo.

Belo passeio, não?

Pelo menos a música era legal. Sério, tinha algumas que eu não gostava, mas tocou
algumas bandas que eu até achei bem legais.

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Já era bem tarde quando a minha amiga resolveu ir embora, e é claro que ela pegou
telefone, orkut e msn do Guilherme.

O bom disso foi que vi que ele era um namorado em potencial pra ela já que os dois
gostavam da mesma coisa, e a Carol era mesmo uma garota meio sozinha.

Como eu já imaginava acabei dormindo na casa dela mesmo, em um colchão que ela
colocou do lado da cama dela e usando sua camisola preta com desenhos de estrelinhas
brancas que era até bonitinha.

Então de repente eu via a minha outra amiga Taís, a que estava pra chegar de viagem.

Ela estava em um carro com os pais e os irmãos dela, estava todo mundo bem e eles
estavam ouvindo uma musiquinha meio sem graça já que o carro deles tinha um som bem
legal e eu via o irmão dela lá.

O irmão mais velho da Taís era um verdadeiro gato, sem sacanagem. Lindo de morrer,
porque ele era loiro assim como ela, com a diferença de que o cabelo dele era natural
enquanto o dela era pintado assim como o meu, e ele tinha olhos claros bem verdes
exatamente como os dela.

A pele dele era extremamente bronzeada, e sabe aquela famosa “barriguinha de


tanquinho”? Pois é, ele tinha uma assim mesmo.

Ele podia até ser a capa daquela comunidade que diz que “Lugar de mulher é no
tanque”, porque o tanquinho dele era exatamente daquele tipo aonde qualquer mulher gostaria
de estar.

Mas pra infelicidade geral da nação ele tinha namorada, e a garota fazia juz a ele
porque era uma dessas modelos bem magras que ficam excelentes nas fotos mas que
pessoalmente agente acha que não tem nada demais.

Mas claro que isso não impedia agente de “babar literalmente” por ele, não é mesmo?
Porque olhar não arranca pedaço.

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E eu estava olhando pra ele ali, naquele carro, ele estava lindo com o sol batendo nos
cabelos dele, e a Taís também estava lá, como ela não estava afim de ouvir a musiquinha
cafona que os pais dela tinham colocado pra tocar no aparelho de som, fazia o que toda garota
adolescente rebelde faz em uma situação como essa: coloca o mp3 no ouvido.

Tudo estava na mais perfeita paz, eles estavam na estrada quando de repente sentimos
um impacto enorme de alguma coisa batendo na lateral do carro, tudo bem do lado do Tales
(irmão da Taís), e o carro começou a dar voltas como se estivéssemos em uma montanha
russa, mas era muito mais desagradável porque sabíamos que aquilo era um acidente
horroroso, senti muito medo mesmo, achei que íamos todos morrer e então eu acordei
gritando.

Estava outra vez no quarto da Carol, e acabei acordando ela também com os meus
gritos:

- O que hove Rosa? Você teve um pesadelo ?

Esfreguei os olhos me sentindo aliviada por tudo ter sido apenas um sonho ruim, mas
ainda estava assustada porque aquilo parecia ter sido real demais:

- Ai Carol, eu tive um sonho horroroso com a Taís, ela estava de carro na estrada com
a família dela, aí acontecia um acidente horroroso e o carro capotava, e o pior era que alguma
coisa grande tinha batido bem do lado do Tales.

Minha amiga desceu da cama dela e veio sentar no colchão junto comigo:

- Ah amiga, deve ter sido só um sonho ruim mesmo. Amanhã agente podia ligar pra
ela e perguntar como é que ela está, que tal?
- Sim, deve ter sido isso. Amanhã de manhã vou ligar pra ela, e tenho que ligar pro
Bruno também já que eu cheguei e nem falei com ele ainda.

Carol fez uma cara feia porque ela não ia muito com a cara do Bruno, costumava dizer
que ele era só mais um playboyzinho idiota e que eu devia arranjar alguém com mais cérebro.

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Geralmente eu ignorava esses comentários dela, afinal ele era meu namorado e eu
gostava dele, e ela uma das minhas duas melhores amigas.

Eu não tinha uma melhor amiga, porque decididamente eu gostava tanto da Carol
quanto da Taís de forma igual, e eu simplesmente não era capaz de escolher uma das duas pra
ser a número um! Pra mim as duas eram as minhas melhores amigas, escolher era muito
complicado pra mim.

Naquela noite eu fiquei com uma sensação ruim no peito, uma espécie de aperto e eu
não conseguia parar de pensar na Taís. Ao mesmo tempo eu tive uma outra sensação como se
alguma coisa da escuridão estivesse se aproximando de mim, como se houvesse uma espécie
de aura escura pairando no ar, mas como se ela ainda não tivesse chegado.

Decidi não pensar nessas coisas, porque a Carol estava com sono, na verdade eu
também estava porque tínhamos bebido. Nós duas não queríamos encarar uma ressaca no dia
seguinte, e eu não queria voltar pra casa estando um caco e fazer os meus pais acharem que eu
tive um ataque de rebeldia por não aceitar bem a idéia de ter sido adotada.

E isso era outro ponto que eu tinha que discutir com a Carol e a Taís, mas que acabei
esquecendo de comentar com a Carol.

Afinal elas eram minhas duas melhores amigas e sabiam de tudo sobre mim. Aquilo
era uma coisa importante para que elas soubessem:

- Vamos dormir amiga.

Eu falei encorajando-a a subir de novo na cama, e nem precisei insistir muito porque a
coitada por mais atenciosa que fosse estava cheia de sono mesmo.

Mas nem assim consegui alcançar a paz durante o sono, porque comecei a ter um outro
sonho estranho que eu não saberida dizer se era um pesadelo ou não, porque as sensações que
eu tinha durante aquele sonho eram agradáveis, mas era uma cena típica de um filme de
terror.

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Eu estava em um lugar bem luxuoso, parecia ser uma espécie de hotel, o quarto era
enorme, e a noite estava chuvosa, como se estivesse mais frio lá fora e o vento batia.

Mas eu me encontrava completamente aquecida do lado de dentro.

Eu estava usando um vestido vermelho muito bonito, daqueles bem sexy mesmo de
arrasar mas que não ficam bem em qualquer corpo.

Meus cabelos estavam castanhos, da cor natural ou invés do meu loiro de reflexo que
eu adorava usar, e torci o nariz ao me dar conta disso porque era o tipo de coisa que eu achava
que jamais faria.

Por isso fiquei encarando a minha imagem pelo espelho da linda penteadeira que tinha
naquele quarto, e o mais engraçado era que eu me sentia bonita mesmo assim, muito mais do
que o que sinto no meu cotidiano.

Era como se eu fosse mais mulher naquele momento, não me sentia como uma
adolescente comum aprontando e fazendo coisas de adolescente como sair pra beber sem que
os pais soubessem, paquerar, namorar etc.

Então vi o vulto de um homem com cabelos longos todo de preto se aproximando, mas
que não dava pra ver o rosto, como se ver aquele rosto fosse uma porta que não estava aberta
ainda para que eu soubesse o que tinha do outro lado.

Como um segredo que eu saberia mais tarde mas que não era o momento ainda de ser
revelado.

O homem se aproximou de mim afastando meu cabelo do meu pescoço, e então eu


sentia dentes enormes perfurando meu pescoço. Mas o mais engraçado era que a sensação não
era nenhum pouco ruim.
Era sensual e doce ao mesmo tempo, quase como quando se dá uns bons amassos no
seu namorado ou em alguém gostosinho, só que era melhor ainda.

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E ai pela segunda vez eu acordei naquela noite, mas sem gritar e tampouco fazer
escândalo, já que eu estava assustada mas de outra maneira diferente da do sonho com o
acidente.

Passei a mão pelo meu pescoço como que conferindo se ele estava realmente no lugar,
e pra minha alegria não havia nenhuma marca de mordida de vampiro ali.

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Capítulo 8

Descoberta de um Dom

Quando voltei a dormir pela terceira vez naquela noite já o fiz cheia de medo de ter
mais algum sonho bizarro, mas pra minha sorte acabei apagando e não sonhei com mais nada.

Acordei já quase na hora do almoço, por isso Carol achou melhor agente fazer um
miojo pra comer já que os pais dela tinham saído e ela não gostou do cardápio que eles tinham
preparado para aquele dia.

Enquanto ela foi fazer o miojo decidi fazer as ligações que eu tinha prometido a mim
mesma que faria quando acordasse.

Primeiro liguei pra Taís, pra ter certeza de que ela estava mesmo bem e não saberia
descrever a sensação de alívio que foi pra mim ouvir a voz dela do outro lado da linha.

- Oi amiga, que saudades! E aí, já voltou pro Rio?

Ela parecia super animada, e por causa disso eu também me animei na mesma hora
esquecendo de todas as sensações ruins que eu havia tido:

- Sim miga, também estou com saudades, e aí, como estão as coisas aí?

- Ah amiga, aqui tá um tédio só. O chalé estava horrível, cheio de mofo e acabou
atacando a alergia da mamãe. Mas tenho boas notícias, como a mamãe está com o nariz
totalmente entupido e disse que não aguenta mais passar mais um dia sequer aqui, papai
decidiu que agente volta hoje mesmo. Então vamos poder sair amanhã e aproveitar o último
dia de férias!

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Fiquei mais feliz ainda ao saber que eu ia ver a minha amiga e que poderíamos sair
antes que chegasse a segunda-feira na escola. Pensei em fazer alguma coisa nós três, ela,
Carol e eu do tipo ir ao cinema, ou quem sabe ao boliche e ouvir minha amiga falando sobre a
viagem horrível que ela teve, e contar pras duas sobre a minha também e sobre as minhas
descobertas catastróficas.

- Eba! Cara tô tão feliz,tenho tanta coisa pra contar pra você e pra Carol. Eu tô na casa
dela agora porque ontem agente foi pra um daqueles barzinhos de rockeiros que ela gosta. Ela
até pegou um daqueles cabeludos!

Taís começou a rir do outro lado da linha:

- Iaaaa tinha que ser a Carol mesmo, ela e seus cabeludos. Tô com saudades dela.
Manda um beijo pra ela por mim?

- Claro que eu mando né amiga. Ela agora tá na cozinha fazendo miojo pra agente
almoçar, mas se quiser eu passo o telefone pra você falar com ela.

Ofereci sabendo que a Carol ia gostar de falar com a Taís, mas então pude ouvir a voz
de alguém chamando ela ao fundo e então ela disse:

- Ih amiga, nem vai dar porque o mala do meu irmão tá aqui me chamando pra ir logo
pro carro. Mas assim que eu chegar no Rio ligo pra vocês pra agente marcar alguma coisinha
pra amanhã. Beijinhos.

- Beijos pra você também amiga.

E desligamos.

O estranho foi que por mais que eu tivesse ficado animada de falar com ela no telefone
ainda fiquei sentindo um aperto no peito.

O que considerei bobagem já que a minha amiga estava bem e voltando pra casa.

Liguei pro Bruno, e a conversa também foi agradável:


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- Oi amor, que saudades! Achei que não ia mais me ligar, você chegou ontem mas nem
falou comigo, só deixou scrap no orkut.

Cara como namorada eu era realmente uma vergonha! Tinha um garoto lindo, que era
tudo de bom do meu lado, mas ás vezes eu simplesmente esquecia dele. E eu sabia que tinha
que tomar cuidado porque o que tinha de piranhas dando em cima do Bruno! Ai não gosto
nem de pensar:

- Foi mal amor, é que tive uns probleminhas aqui em casa, depois fui pra casa da Carol
e acabei nem te ligando. Mas hoje eu tô livre e com saudades.

Falei com uma voz bem meiga para quebrar qualquer chance dele ficar chateado
comigo por causa da minha falta de atenção:

- Que tal um cineminha lá pelas cinco horas? Posso passar na sua casa pra te buscar.

Sim, ele era um fofo:

- Por mim tá ótimo amor, vou ficar te esperando tá?

- Tá legal.

- Vou indo agora porque tô almoçando aqui na Carol. Beijinhos, até mais tarde.

- Beijos linda, até mais.

E ele desligou.

Fui comer o miojo com a Carol que estava realmente bom, puxa eu adoro macarrão
instantâneo. Tem gente que diz que é ruim, e minha mãe não suporta essa minha mania
porque ela diz que não tem sustância, mas eu adoro, é um dos meus pratos favoritos.

Almocei, depois tomei um banho, Carol me emprestou um short jeans e uma blusa
preta lisa e então fui pra casa.

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Meus pais nem ficaram chateados, minha cara não estava tão ruim assim, mas mesmo
assim tratei de me arrumar pra ir no cinema com o Bruno.

Pintei minhas unhas com um esmalte vermelho daqueles bem bonitos, coloquei uma
saia jeans escura e uma blusinha vermelha de propósito pra combinar com o esmalte porque
eu sabia que aquela cor ficava superbem em mim.

A vantagem de ter cabelos lisos era que eu não precisava ficar horas enfrente ao
espelho fazendo chapinha no cabelo, porque era só lavar e esperar secar que eles já estavam
prontos.

Me maquiei e então o Bruno apareceu na porta da minha casa exatamente no horário


combinado.

Ele continuava lindo como sempre, e fomos juntos para o cinema, no caminho
conversamos:

- E aí, gata, como foi a sua viagem?

Já tinha dito pra ele uma vez o quanto eu adorava Glicéria, mas ao mesmo tempo não
gostava de ir pra lá por causa dos meus avós. Nunca disse que eles me tratavam mal, disse
apenas que eles eram um pé no saco, e ele tinha dito que os avós dele também eram chatos e
que isso era por causa da velhice.

Eu podia contar pro Bruno sobre o que eu fiquei sabendo naquela viagem e sobre o
motivo dos meus avós serem daquele jeito comigo, mas não senti vontade de dividir com ele
esse meu problema porque o Bruno era aquele tipo de garoto que não se interessava mesmo
pelos problemas dos outros.

Fazia pouco caso dessas coisas porque a vida pra ele era mais curtição do que qualquer
outra coisa.

Se eu tivesse contado sobre a história da adoção e tudo mais acho que só conseguiria
fazê-lo ficar entediado, então respondi:

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- Ah foi legal, e a sua?

Então tive que ouvir nos mínimos detalhes como foi legal pra ele poder ir pra um lugar
que tinha praia, surfar e conhecer as boatezinhas do lugar com alguns amigos que ele fez por
lá e tudo mais até finalmente chegarmos no Shopping.

Fomos pra fila do cinema, e eu fui logo perguntando:

- Quer ver que filme?

Ele deu de ombros:

- Por mim tanto faz desde que não seja romance, porque eu detesto romance.

Infelizmente naquele cinema só tinha passando um romance, um filme infantil e um de


ação. Eu não era muito chegada em filmes de ação, mas já que o romance estava descartado e
ver filme infantil seria um saco porque com certeza agente ia querer dar uns bons amassos no
cinema e seria constrangedor com crianças na sala de cinema, acabei escolhendo o filme de
ação mesmo.

O bom foi que eu estava certa, realmente nem prestamos atenção no filme, ficamos foi
aos beijos dentro do cinema o tempo todo dando uns boms amassos.

Minha vida era mesmo bem clichê, exatamente como a maioria das garotas da minha
idade: sair com as amigas, namorar um garoto comum como todos os outros que detesta
romance e que não está nem aí para as coisas sérias da vida, do tipo que só pensa em diversão,
e por último é claro, escola.

Quer vida mais normal que essa?

E eu até que estava feliz com ela justamente por achá-la bem normal, eu não era
nenhuma garota popular e bonitona como as garotas das revistas, não era amiga da escola
inteira nem invejada ao mesmo tempo que odiada, mas também não era nenhuma fracassada
que vive isolada do tipo que não pega ninguém e nem tem amigos.

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Era inteligente mas também não era nenhuma CDF sem vida social, então pra mim
estava ótimo.

Realmente não imaginava que a minha vida estava prestes a mudar.

Depois do cinema fiz um lanche no Mc.Donalds com o Bruno, e então ele me deixou
em casa de novo.

Eu estava satisfeita com o meu dia que tinha sido bom e porque minha vida estava
voltando ao normal quando abri a porta de casa e encontrei minha mãe mais branca do que
papel com cara de assustada.

Fui logo chegando perto dela querendo saber o que aconteceu:

- Mãe que cara é essa? Aconteceu alguma coisa?

Ela segurou meus braços com delicadeza e disse:

- Filha, senta aqui no sofá, mamãe tem uma notícia ruim pra te dar.

E pelo visto a notícia era ruim mesmo, daquelas bem brabas pra ela chegar a mandar
eu sentar no sofá:

- Ai mãe, fala logo, assim eu fico mais nervosa.

Pedi, então ela respirou fundo e disse:

- Filha, acabei de ficar sabendo que a Taís sofreu um acidente junto com a família
dela. Eles estavam voltando mais cedo de carro da viagem que fizeram quando um caminhão
bateu no carro deles e o carro capotou.

Juro que vi a sala girando, me perguntei se eu estava tendo algum tipo de pesadelo de
novo, porque era o que aquilo parecia. Eu tinha sonhado com aquilo, sonhado com aquele
acidente.

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Senti meus olhos se enxendo de lágrimas e um desespero se instalando no meu peito:

- Como ela tá mãe? A Taís tá bem?

Minha mãe achou melhor responder de uma vez, porque sabia que quanto mais
enrolasse ia ser pior:

- Não filha, ela está em coma, e os médicos não sabem se ela vai acordar. Os pais dela
também estão bastante machucados, mas o pior foi o irmão dela, que infelizmente faleceu na
hora porque a pancada foi toda do lado dele.

Comecei a chorar desesperadamente e minha mãe me abraçou tentando me confortar.


Eu sabia que ela estava sofrendo tanto quanto eu porque ela também gostava muito da Taís e
era amiga da mãe dela.

Elas ficaram amigas por nossa causa porque desde quando éramos crianças que
éramos amigas Carol, Taís e eu, e então nossas mães quiseram se conhecer porque quando
agente é nova sempre tem aquela coisa de querer conhecer os pais dos amigos dos filhos. E
com isso elas acabaram ficando amigas também.

Taís vivia indo na minha casa e eu na dela também.

- Eu tenho que ligar pra Carol mãe, e quero ir no hospital ver a Taís, por favor
mãezinha.

Falei enquanto chorava nos braços dela, senti muito medo de perder a minha amiga,
que tinha uma vida inteira pela frente e me senti mal também pela morte do Tales porque
poxa, um garoto tão bonito e tão jovem.

Mas não era só por ele ser jovem e bonito que a morte dele me afetava, e sim porque
era alguém que eu via com certa frequência, e é estranho você imaginar que alguém que
convive com você diariamente mesmo sem ter muita intimidade de repente se foi, e você
nunca mais vai ver a pessoa.

Mamãe acariciou meu rosto:


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- Sim filha, nós vamos lá pro hospital, e a Carol já deve estar sabendo porque a mãe da
Taís já ligou pra ela também. É provável que nos encontremos lá no hospital, sim?

Balancei a cabeça afirmativamente, então peguei uma jaqueta jeans porque a noite
estava começando a ficar mais fria enquanto fui pro hospital.

Carol já tinha chegado lá, ela estava com a maquiagem de gótica toda borrada, estava
sem as lentes de contato que costumava usar sempre vestindo apenas uma calça jeans, um
casaco preto e all stars, assim que me viu ela veio correndo me abraçar:

- Amiga, você sonhou com isso ontem de madrugada, como você sabia?

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Capítulo 9

Estranhezas

As palavras de Carol me deixaram mais atordoada ainda do que eu já estava, nós nos
encaramos durante alguns segundos, e um frio passou pela minha espinha quando percebi que
eu tinha sonhado com aquele acidente exatamente da maneira como ele acontecera:

- Eu não sei, eu só sonhei e... aconteceu.

Carol me puxou para sentarmos em uma das cadeiras da recepção já que primeiro
nossas mães estavam conversando e consolando a mãe da Taís, cheguei a vê-la arrasada com
alguns curativos no rosto e um braço engessado. Minha amiga segurou na minha mão, já que
até quando aconteciam coisas ruins ela tinha mais cabeça fria pra pensar sobre os
acontecimentos:

- Amiga, você sabe o que isso significa, não sabe?

Pestanejei um pouco sem entender direito o que ela queria dizer, porque pra mim o
único significado visível naquela situação era que minha amiga estava em coma quase
morrendo em um hospital e que o irmão gato dela estava morto.

Mas Carol queria falar alguma coisa, e eu sabia que o melhor a fazer era simplesmente
deixá-la falar porque senão ela ficaria frustrada por não dar suas explicações:

- Isso significa que você tem um dom, e que pode ser uma bruxa!

Arregalei os olhos ao ouvir aquela explicação deveras bizarra que a minha amiga
estava me dando. Como é que em um momento desses ela conseguia pensar em uma coisa
dessas?

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- Não Carol, não posso ser uma bruxa, você que é. Bruxaria é uma religião, você
mesma vive dizendo isso. E também é por esse motivo que você usa esse Pentagrama, não?

Ela levou as mãos ao pentagrama de prata que ela usava pendurado no pescoço:

- Depende, olha em primeiro lugar existe a Religião da Bruxaria sim, e eu tenho um


grupo de amigos que conheço fora da escola que pratica. Mas algumas pessoas nascem com
alguns dons especiais da Magia. E no seu caso parece que você tem o dom da profecia, você
sonhou e aconteceu igualzinho! Me diz uma coisa, é a primeira vez que isso acontece?

Na mesma hora lembrei da capa do livro que eu havia ganho de minha suposta mãe
adotiva, que eu tinha visto a imagem dele refletida na água da cachoeira e era igualzinha a do
livro:

- Bem, aconteceu uma vez sim, lá em Glicéria.

Carol de repente pareceu toda animada, como se tivesse esquecido da situação da Taís,
não que ela realmente não se importasse, mas minha amiga era doida pra ver de perto algum
tipo de “atividade paranormal” e lá estava eu com uma de bandeja pra ela:

- Então você tem o Dom da Visão amiga! Isso é super legal. Lembra até aquele livro
que uma vez você me emprestou, qual era o título dele? Sabe um que tinha uma Sacerdotisa
chamada Morgana e tinha o Rei Arthur...

- As Brumas de Avalon.

Respondi na mesma hora lembrando Carol do título, porque aquele era o meu livro
favorito mesmo.

- Isso aí Rosa, olha, agente tem que testar isso aí, eu acho que tive uma idéia. Quando
você voltar pra casa pode tentar ver alguma coisa na água. Que nem a Morgana fazia, sabe?
Assim agente pode saber se o seu dom é daqueles que você pode usar quando quiser ou não.

Ela sugeriu, e eu decidi que iria tentar, afinal não custava nada, e cá entre nós, eu
achava que ter um dom era uma coisa realmente legal, então por que não tentar?
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Concordei com a Carol, e logo em seguida a enfermeira apareceu e disse que
podíamos entrar pra ver nossa amiga, mas uma de cada vez sem demorar.

Como a Carol tinha chegado primeiro deixei ela ir na frente, ela não demorou muito lá
dentro e saiu de lá com os olhos vermelhos e cheios de lágrimas.

Me preparei emocionalmente já que imaginei que a cena podia não ser nada agradável
e eu tinha um estômago meio fraco pra essas coisas de ver pessoas feridas e tudo o mais.

Entrei, mas a cena não foi tão ruim quanto eu havia esperado.

Taís tinha uma perna e um braço engessados, alguns aparelhos enfiados no nariz para
respiração e também soro enfiado na veia.

Mas parecia que estava dormindo feito um anjo tirando alguns pequenos arranhões no
rosto.

Me aproximei dela e toquei seu braço com cuidado deixando algumas lágrimas caírem
e comecei a sussurrar baixinho pra ela me ouvir:

- Ah amiga, por favor acorda logo, vai? Eu e a Carol estamos com tanta saudades de
você. Por favor, levanta daí e abre seus olhos, quero muito ouvir você e zuar bastante contigo
lá na escola, que nem agente sempre faz!

Então fechei os olhos e fiz uma coisa por puro instinto.

Não sei explicar exatamente como foi que eu aprendi a fazer aquilo, mas senti como se
uma bola de energia dourada se formasse na minha mão, e era uma sensação muito boa. Por
puro instinto visualizei aquela bola passando para o braço bom da minha amiga, e sentia que
mais e mais energia passava para ela e abri os olhos para olhar o seu rosto sentindo uma
alegria ao mesmo tempo que um cansaço invadia meu corpo.

Quando parei olhei para o rosto dela, e vi aquele belo par de olhos verdes se abrindo.

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Dei um sorriso sabendo que alguma coisa tinha acontecido, mas então de repente
comecei a me sentir muito fraca, fiquei tonta e caí no chão do hospital.

A última coisa que me lembro depois disso foi de acordar deitada em uma maca de
hospital, e de ter um médico olhando pra mim enquanto minha mãe segurava minha mão
assustada.

- Ela acordou, doutor.

O médico olhou para mim, examinou meus olhos e então disse:

- É, parece que a mocinha aqui teve um desmaio porque se impressionou ao ver a


amiga dela acidentada, mas não foi nada demais, os exames mostraram que está tudo normal e
que sua menina tem uma saúde de ferro.

Eu sabia que tinha sido mais do que isso, porque eu não tinha realmente me
impressionado ao ver a Taís na cama de hospital, isto é, a aparência dela nem era das brabas.

Uma vez uma aMoon da minha tia lá da Oficina de Artes caiu da escada e quebrou a
perna, e eu fui junto com minha tia levar ela no hospital e quando chegou lá vi um cara que
tinha sido baleado entrando com a camisa toda cheia de sangue, e aquilo sim foi
impressionante.

Já a Taís, ela estava dormindo como um verdadeiro anjo, isto é, até eu ver seus lindos
olhos se abrindo, então lembrei na mesma hora de perguntar pra ter certeza de que aquilo não
era um sonho:

- E a minha amiga, doutor? Eu tive a impressão de ter visto ela abrindo os olhos.

O médico deu um sorriso e vi que seus olhos brilharam de felicidade:

- Bem, não vai desmaiar de novo, mas eu tenho uma ótima notícia. Sua amiga acordou
mesmo, e parece que não vai ficar com sequelas do acidente. Claro que quebrou um braço,
uma perna e algumas costelas, por isso vai demorar alguns meses pra voltar a ser como era
antes, mas está fora de perigo.
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Mamãe deu um sorriso e juntou as mãos com nítida alegria:

- Graças a Deus!

Eu também sorri, porque aquela notícia tinha sido simplesmente ótima, e também
fiquei feliz pela mãe dela, porque pelo menos ela teria o consolo de saber que um dos filhos ia
sobreviver.

Naquela noite mesmo ia ser o velório do Tales, e o triste era que a Taís não ia poder ir
no velório e nem no enterro do próprio irmão porque estava de cama ainda por causa dos
ossos quebrados e em observação.

O pior de tudo foi que os pais dela optaram por nem contar a verdade ainda para que
ela não ficasse nervosa por não poder ir ao velório. Disseram pra ela que ele estava internado
também no hospital e que não estava nada bem para ir preparando ela para a possível morte
dele.

Mamãe achou melhor que eu e Carol não fôssemos ao velório dizendo que nós éramos
muito novas, que haveria somente tristeza e gente chorando, além de não haver necessidade
porque nenhuma de nós tinha lá tanta intimidade assim com o Tales, apesar de termos ficado
chocadas com aquela notícia.

Mas também não iríamos passar a noite sozinhas, graças a Tia Hortência que decidiu ir
pra minha casa e a mãe da Carol deixou ela ir dormir lá comigo e no dia seguinte irmos pra
escola juntas.

Isso foi perfeito porque Tia Hortência fez brigadeiro pra nós duas, e eu adorava
brigadeiro. Na verdade eu gostava de tudo que tinha chocolate porque esse era o meu maior
vício. Nada como um chocolate pra consolar você em dias tristes, não é mesmo?

E a minha tia era como uma adolescente porque até resolveu dormir com agente em
um colchão no meu quarto.

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Antes de dormir decici contar pra ela sobre as duas “Visões” que eu tinha tido, e a
Carol manifestou seu desejo de me levar com ela pra conhecer seu grupo de amigos
“Wiccanos”.

Tia Hortência disse:

- Acho que não teria problema nenhum, já que essas Religiões neopagãs lidam com
seres da Natureza e você iria gostar, já que sempre gostou das histórias e livros Pagãos. E
quanto ao seu dom, é uma coisa que deve tomar cuidado e usar com sabedoria, por isso eu
vou pesquisar a respeito para poder orientá-la melhor no meu centro, e também em alguns
livros. Mas não quero que conte nada aos seus pais, porque apesar deles serem legais você
sabe que são religiosos e talvez não gostem muito disso, certo filha?

Ás vezes minha tia me chamava de filha, e eu adorava aquilo:

- Certo tia.

- Muito bem, agora melhor vocês irem dormir porque amanhã é o primeiro dia de aula
de vocês, e depois eu vou levar vocês no hospital pra ver a Taís.... ah, e tenho mais um
convite pra fazer que vai levantar o astral de vocês.

Ela falou com uma cara alegre que indicava que realmente era alguma coisa que
agente ia gostar porque minha tia não era do tipo que colocava agente em furada:

- Pode falar tia.

- Bem, amanhã de noite vamos receber a visita de um pintor francês jovem e super
gato. Vai ter uma exposição com alguns quadros dele e o coordenador promoveu um coquetel.
Como sou professora de lá tenho convites e garanto que vai ser super divertido, e como não
terminará muito tarde por ser dia de semana vocês podem ir comigo!

Adorei a novidade, porque eu nunca tinha conhecido ninguém da França, e quando a


minha tia dizia que alguém era gato é porque era gato mesmo! Fora o fato de que eu apreciava
as Artes de a boa cultura assim como ela:

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- Caramba que legal! Claro que eu quero ir tia.

Carol acrescentou:

- Eu também! Vou pedir para os meus pais e tenho certeza que eles vão deixar.

Minha amiga e eu ficamos super animadas com a novidade.

- Ótimo, então agora vamos todas dormir, porque amanhã teremos um longo dia. Boa
noite.

Titia disse, e nós respondemos animadas:

- Boa Noite tia Hortência.

Falamos ao mesmo tempo, sim, minhas amigas também chamavam Tia Hortência de
tia, e a minha mãe também, assim como eu costumava chamar os pais delas de tios e tias.

Claro que não saíamos por aí chamando todos os adultos que conhecíamos de tios
porque Taís e eu já tínhamos dezessete anos, e a Carol já tinha dezoito. Por isso ficava
ridiculo chamar todos os mais velhos disso. Mas os pais das nossas amigas já eram
conhecidos a muito tempo, desde criança como já disse.

Fui dormir sem procurar pensar nas estranhezas que haviam acontecido naquele dia, e
pra minha felicidade dormi um sono tranquilo e sem sonhos bizarros.

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Capítulo 10

De Volta ás aulas!

Mesmo com nossos odiados uniformes escolares que consistiam em uma calça jeans e
uma blusa verde clara com o emblema de nossa escola, conseguíamos demonstrar totalmente
nossos estilos.

Eu digo odiados uniformes escolares porque eu realmente achava um saco esse


negócio de ter que se vestir igual a todo mundo, e gostaria que as escolas brasileiras fossem
igual nos Estados Unidos em que os alunos não usam uniformes e cada um se veste do jeito
que gosta.

Mas como infelizmente não era assim, agente se virava como podia.

No meu caso eu coloquei uma presilha de florzinha rosa no meu cabelo na parte do
lado, fiz uma maquiagem leve com sombre e batom rosa, coloquei algumas pulseiras de
“svarovski” coloridas e um tênis branco para ir pra escola, e minha mochila jeans com
chaveiro em forma de boneca pendurado mostravam mais o meu estilo que não chegava a ser
uma coisa totalmente paty igual o da Taís, que era basicamente mochila e tênis de marca cor
de rosa, mas também era bem diferente do estilo gótico da Carol que ia pra escola com o
cabelo preso em uma trança enorme, maquiagem pesada e cordão de pentagrama. Sendo que
naquele dia ela resolveu colocar coturnos com a calça jeans enfiada por dentro. Sua mochila
era jeans com uma espécie de pano preto costurado com o nome de uma das bandas que ela
gostava.

Andávamos na rua e algumas pessoas olhavam como que achando bizarro o fato de
pessoas tão diferentes serem amigas, mas eu não estava nem aí.

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Meu primeiro dia de aula começou super mal, não só porque a Taís não estava lá, mas
porque assim que cheguei vi a turma das piranhas se exibindo pro grupinho do meu
namorado.

E uma delas estava justamente parada de frente pra ele levantando a blusa pra mostrar
seu piercing novo de umbigo, e era justamente a que eu mais detestava: Carina.

E pra piorar o Bruno idiota estava olhando pra ela com cara de babaca.

Cara como eu detestava aquela garota. E pior era que a infeliz era bonita. Tinha o
cabelo loiro mais claro que o meu, mas também mais oxigenado porque ela também pintava.

Só que o dela era bem pior que o meu, porque o dela era pintado em casa mesmo na
base da água oxigenada que deixava ele igual a uma palha de aço, que ela tentava alisar com
chapinha mas mesmo assim dava pra ver o espigado.

O problema é que o cabelo dela era a única coisa que ela tinha de feio e maltratado,
epor isso os garotos não se importavam muito já que o resto dela era tudo perfeito. Ela tinha
um corpo de causar inveja em qualquer uma de nós, já que tinha bundão e peitão.

Usava umas calças completamente justas de periguete e o rosto dela era a coisa mais
linda, os olhos eram cor de mel e ela era uma daquelas garotas que têm a boca grande que ela
fazia ficar brilhando com gloss.

As outras amigas dela, que não eram tão bonitas mas que faziam sucesso por serem
igualmente piranhas e que tinham fama de sair por aí dando pra escola inteira também
estavam lá. Uma era mulata de cabelos grandes pintados de ruivo e muito bem alisados
chamada Raquel, e a outra chamada Fay, tinha traços orientais e um cabelo tão liso quanto o
meu.

As duas não chegavam a ser feias, mas tinham alguns defeitos como por exemplo: a
Raquel era cheia de espinhas no rosto e tinha um corpo meio desproporcional já que era muito
baixinha mas tinha a bunda e os seios muito grandes além de ter pernas finas. Já a Fay era
meio reta, quase não tinha peito e nem bunda, era meio magrela e as roupas que ela usava não
ficavam muito bem.
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Claro que isso não era lá nenhum defeito brabo, na verdade todo mundo naquela
escola tinha lá suas imperfeições, mas acho que eu as via feias porque elas eram feias por
dentro na verdade.

Para elas não bastavam todos os garotos disponíveis da escola porque os que elas mais
gostavam de caçar eram os que tinham namoradas.

Era exatamente por esse motivo que a Raquel estava se esfregando no Lucas, que era
justamente o namorado da Taís sem nem ao menos perdoar o fato de que ela estava
hospitalizada e que tinha acabado de perder o irmão. E a Carina se esfregando no Bruno que
era justamente o meu namorado.

Fay pra não ficar muito atrás se esfregou no Caio que não era namorado de ninguém,
mas que andava com o Bruno e com o Lucas.

O que não era um mau negócio já que o Caio era aburdamente lindo dono de cabelos
encaracoulados meio alourados porque ele era surfista e aproveitava pra clarear usando
parafina e tinha os olhos castanhos cor de avelã lindíssimos. O Lucas por sua vez era
exatamente igual ao Caio já que era o irmão gêmeo dele.

Assim que avistamos aquele grupinho, a Carol na mesma hora ficou cheia de raiva:

- Aff que vacas! Se eu fosse você dava uma porrada naquela vadia!

Ela falou se referindo a Carina, que assim que me viu passou a olhar diretamente pra
mim rindo com cara de vitoriosa como se estivesse dizendo abertamente “eu estou dando
mole pro seu namorado e ele está super mega interessado em mim sua chifruda”.

Mas eu não podia seguir o conselho da Carol porque eu fazia artes marciais, então eu
não podia simplesmente sair por aí dando porrada na menina só porque ela estava dando em
cima do meu namorado já que eu tinha que ter disciplina e também pelo fato de que se eu
batesse em alguém assim por impulso podia acabar sendo expulsa da escola e sendo proibida
de praticar minhas artes marciais. Meus pais ficariam bem fulos da vida pra não dizer outra
coisa.

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- Vem, vamos entrar logo na sala.

Fechei a cara pro Bruno ver bem que eu não estava gostando e entrei.

Nem me dei ao trabalho de sentar com ele como ás vezes agente gostava de sentar pra
ficarmos agarradinhos, e nem sequer olhei pra ele durante a aula toda já que eu estava mesmo
com raiva.

Não podia simplesmente admitir levar chifre ainda mais de alguém como a Carina, e
se o Bruno não pedisse desculpas pra mim e ignorasse ela eu iria terminar com ele, mesmo
que aquilo doesse pra caramba no meu coração, e sabendo também que ia ser horrível passar o
resto do ano ali naquela escola vendo ele todos os dias se esfregando naquela periguete.

Por sorte estávamos em Agosto, e eu só tinha mais um semestre de aulas naquela


escola já que estávamos no terceiro ano. Então eu não ia ter que aturar muito tempo mesmo.

Assim que bateu o sinal do intervalo ele veio falar comigo enquanto eu estava na fila
da cantina com a Carol:

- Ei, por que você não falou comigo hoje?

Cruzei os braços e fiz uma baita cara de brava:

- Porque você acha, hein? Será que não era porque você estava super ocupado falando
com as vagabundas da turma?

Tá legal, eu sei que fui super agressiva, além de sarcástica, mas eu não era lá muito
boa em me controlar quando o assunto era ciúmes. Caramba como é que ele ainda tinha
coragem de perguntar, se ele sabia que eu detestava aquela garota, e que morria de ciúmes
dela porque ela já tinha ficado com quase a escola inteira e eu tinha medo que o nome dele
também fosse parar na lista dela!

E o pior de tudo foi o jeito que ele falou comigo:

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- Ai garota, deixa de ser ciumenta, eu só tava conversando com a Carina, tá legal! E
você tá sendo uma infantil!

Serrei os dentes cheia de raiva, e os punhos também.

Carol percebeu minha raiva porque ela me conhecia muito bem, e também tinha ficado
com raiva daquilo que o Bruno tinha falado, ela se meteu antes que eu acabasse fazendo
alguma besteira ali:

- Caraca mas tu é mesmo um playboyzinho de merda hein garoto? Ainda tem coragem
de chamar ela de infantil, e olha só pra você! Melhor sumir daqui antes que...

Ela não terminou de falar, porque ele começou a zuar ela sem dó nem piedade como
ele e os amiguinhos costumavam fazer:

- Antes que você jogue um feitiço em mim? Ai tô morrendo de medo ô sua bruxa!
Devia era fazer um feitiço pra consertar sua cara feia!

E eu pude sentir o quanto minha amiga tinha ficado envergonhada com aquilo já que
todo mundo da cantina ficou olhando pra ela e rindo.

Mas dessa vez ela não respondeu a provocação, fechou a cara e chegou nossa vez de
comprarmos na cantina.

Lanchamos juntas no nosso canto perto da quadra e ela disse:

- Ai Rosa, não sei como você consegue namorar esse babaca. Sinceramente. Caraca o
que você viu naquele traste? Definitivamente o amor é cego.

O mais triste era que eu estava começando a concordar com ela.

Mas claro que não falei nada porque senão ela ia começar um longo sermão sobre as
vantagens que eu teria de terminar com ele, e eu realmente não estava afim de ouvir porque
apesar de eu estar decepcionada e fula da vida com o Bruno eu não queria terminar meu
namoro com ele.
66
Mudamos de assunto e o humor dela rapidamente melhorou quando ela contou que o
Guilherme tinha ligado pra ela, e que eles iam sair juntos de novo pra ir a um festival de
anime que ia ter e que ele curtia anime tanto quanto ela.

Fiquei muito feliz de saber disso.

Minha amiga agora tinha um namorado em potencial enquanto o meu namoro estava
uma bosta.

As aulas naquele dia foram extremamente chatas, e depois eu fui pra casa mudar de
roupa com a Carol pra irmos visitar a Taís de novo.

Agora ela estava acordada, e estava bem falante:

- Ai que chato eu ter que ficar com essa droga de gesso. Pelo menos o médico disse
que vai me liberar pra ir pra casa, e puts, escola é um saco, mas eu preferia mil vezes estar de
volta ás aulas com vocês do que estar desse jeito. Vocês viram o Lucas?

Me senti super mal quando ela perguntou sobre o namorado dela porque ela já tinha
problemas demais como por exemplo ter que encarar dali a pouco tempo a morte do irmão
dela, só que também não quis mentir dizendo que estava tudo bem com ele quando ele estava
praticamente se esfregando na Raquel:

- Ai amiga, desculpa te contar isso, mas hoje na escola a piranha da Raquel estava
dando em cima dele, e pra piorar a Carina tava bem dando em cima do Bruno. Uma droga.

Ela ficou meio chateada, mas ela não era tão apegada ao Lucas assim:

- Ai que filha da mãe, hoje mesmo eu vou ligar pra esse idiota e ter uma boa conversa
com ele. Esses homens são mesmo uns babacas.

Então começamos a rir.

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Fiquei feliz de ver que minha amiga já ia ter alta, mesmo sabendo que ela ia sofrer
quando os pais dela contassem sobre o Tales. Mas pelo menos ela sabia que tinha amigas com
quem ela poderia contar.

Nos despedimos dela, e eu fui pra minha aula no curso pra depois me arrumar pra ir no
coquetel lá na Oficina de Artes que minha tia trabalhava.

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Capítulo 11

Antoine Le Rouge

Escolhi um vestido preto muito bonito daqueles em estilo tomara-que-caia, e coloquei


uma meia calça preta com sapatos de salto baixo já que titia me avisou que seria uma daquelas
ocasiões chics, e que por isso o traje tinha que ser sport fino.

Eu tinha muitas roupas assim que ainda cabiam em mim por causa do “ano das festas
de 15 anos”, que foi o ano em que todas as meninas da escola fizeram suas festas de 15 anos e
como não podíamos repetir as mesmas roupas nas festas já que todo mundo ficaria
comentando, adquirimos cada uma um armário com lindas roupas sport fino que ficavam
guardadas até aparecer alguma ocasião desse tipo.

Era por esse mesmo motivo que apesar de o vestido ser meio velho ele parecia
novinho em folha, estando só um pouco mais justo, o que também era bom porque ressaltava
minhas curvas.

Deixei meus cabelos presos em um rabo de cavalo, me maquiei e fui.

Carol mesmo com trajes sport fino continuou parecendo uma gótica já que seu vestido
era de renda e de manga comprida mesmo estando um calor infernal, e ela colocou os mesmo
acessórios de sempre.

Já minha tia, estava simplesmente chiquérrima com um vestido verde escuro e os


cabelos presos em um coque.

Ela passou na minha casa pra buscar agente e eu estava bem ansiosa já que ela disse
que iria muita gente importante no ramo das Artes.

Assim que entramos, Carol foi logo me chamando a atenção puxando meu braço:
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- Olha lá que Deus Grego, Rosa!

E quando olhei na mesma direção para qual ela olhava simplesmente vi a coisa mais
linda e ao mesmo tempo mais aterrorisante que já tinha visto em toda a minha vida.

Ele era alto e usava um sobretudo todo negro que constrastava com sua pele muito
branca de uma pessoa que não pegava sol a vários anos.

Os olhos eram da cor de mel, e tinham algumas sombras meio escuras envolta como
pequenas olheiras.

Mas mesmo assim ele era lindo, de um jeito que chamava a atenção. Ao seu lado
direito tinha um outro homem também bonito, só que de pele morena e cabelos também
grandes, porém muito negros na altura dos ombros e olhos castanhos. E do lado esquerdo
tinha uma mulher ruiva de pele clara e olhos verdes. A pele da mulher chegava a ser tão
branca quanto a dele.

Todos os três eram aterrorizantes porque era como se eles tivessem uma aura negra
envolta deles.

Alguma coisa que ao mesmo tempo dava medo e era atraente, isso lhes dava um tom
de sensualidade.

Senti que meu olhar havia se cruzado com o daquele homem no momento em que
olhei para ele e aquele olhar meu deu arrepios porque era como se ele não fosse desse mundo
e como se sua energia fosse escura como a noite e misteriosa.

Era como se ele pudesse apenas com os olhos penetrar lá no fundo da minha alma e ao
mesmo tempo em que senti medo dele também senti uma imensa vontade de chegar perto
exatamente como uma criança que quer fazer algo proibido.

Minha tia me tirou de meus devaneios me empurrando justamente em sua direção, a


mim e á Carol pelas costas:

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- Meninas, deixem que eu apresente a vocês o nosso artista dessa noite. Este é Antoine
Le Rouge, o pintor francês de quem eu havia falado. E estes são seus amigos, senhorita
Branwen e Tariq.

Dei um sorriso apesar do meu nervosismo, então minha tia continuou as


apresentações:

- Monsieur Le Rouge, estas são minha sobrinha Rosa e a amiga dela Caroline.

Para meu espanto ele pegou minha mão e senti as mãos dele super frias em contato
com a minha pele, novamente sentindo arrepios. Ele ergueu minha mão e encostou seus lábios
frios nela para logo em seguida sussurrar com um forte sotaque francês:

- É um prazer conhecê-la, senhorita Rosa.

Em seguida fez o mesmo gesto com Carol para depois se afastarem para tirar algumas
fotos.

Carol e eu aproveitamos para nos servimos de vinho já que minha tia liberou uma taça
apenas para cada uma dizendo que vinho fazia bem para a saúde, vantagem dela ser de família
de origens européias, então Carol começou com os comentários em um tom de voz bem
baixo para não sermos ouvidas:

- Amiga você viu só que gato? Caramba, ele beijou a nossa mão e ainda fala português
fluentemente! Não é demais?

- É sim miga, mas sei lá, alguma coisa nele me assusta.

Decidi ser sincera, já que odiava mentir pra Carol.

De repente meu celular começou a tocar, e vi que era o Bruno. Atendi, e ele foi logo
pedindo desculpas todo fofo no telefone de um jeito que nem parecia o idiota que ele tinha
sido na escola:

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- Oi amor, tô ligando pra saber se você ainda está chateada. Mas cara foi vacilo teu ter
dito pro Lucas que viu ele dando mole pra Raquel, o cara nem sabia que a Tatá tava internada
e que tinha sofrido um acidente.

A voz dele estava mais calma e mais carinhosa, por isso decidi ser amável com ele
também:

- Eu não sabia que ele não sabia, mas não justifica vocês ficarem dando em cima
daquelas garotas que são umas retardadas e que já deram pra quase a escola inteira. Poxa você
não ia se sentir assim se me visse com o Guima ou qualquer outro garoto com fama de
pegador?

Falei do Guima porque ele e o Bruno não se gostavam. Guima não era mais da nossa
escola porque vivia arrumando confusão até que acabou sendo convidado a se retirar do
colégio e uma dessas confusões tinha sido com o Bruno. Pra variar ele tinha a maior fama de
pegador, antes de ir embora da escola tinha ficado com todas as piranhas e mais algumas
outras garotas que eu considerava “normais”.

Bruno ficou um pouco pensativo, mas então respondeu:

- Ah cara, mas é diferente, sei lá, eu não tava fazendo nada demais, só conversando
mesmo e o Lucas também não ficou com a Raquel não. Eu juro! Olha gata, eu não pensei que
você odiasse ela tanto assim, mas se te incomoda tanto eu vou evitar ela. Vou ser educado é
claro porque a mina nunca fez nada de mal pra mim, mas não vou mais ficar perto dela, tá
amor?

O que eu realmente queria era que ele desse um baita fora nela na frente de todo
mundo daqueles que deixassem ela bem sem graça, se é que era possível ela ficar sem graça
com alguma coisa já que ela parecia não ter vergonha na cara.

Mas eu sabia que o Bruno não ia fazer isso, então o jeito foi me contentar com aquilo,
que já era grande coisa:

- Tá legal amor, mas olha lá hein?

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- Então tá, amanhã agente se vê então. Minha mãe amanhã nem vai tá em casa, que tal
dar uma passadinha lá. Hein?

Entendi perfeitamente o que ele estava querendo quando disse pra eu passar a tarde
sozinha com ele, e sabia que era sexo. Ainda mais que já tinha bastante tempo que agente não
fazia, eu também não era nenhuma santa e estava com vontade de fazer já que desde antes de
viajarmos que não fazíamos, então eu disse:

- Tudo bem amor, posso dizer pros meus pais que vou fazer um trabalho da escola e
passar na sua casa.

- Já é então linda. Vou desligar agora. Até amanhã.

- Até amanhã amor, beijos.

- Beijos.

Desliguei o telefone, então levei um susto quando vi quem estava perto de mim parado
no pequeno corredorzinho deserto da Oficina de Artes que era o único lugar que não estava
muito barulhento e que eu pude usar para telefonar.

- Estou atrapalhando algo, ma chérie.

A voz dele era tão linda com aquele sotaque tão sexy que por um momento congelei:

- Não, estava apenas falando no telefone com meu namorado.

Pensei que ao dizer aquela frase ele fosse querer voltar para a Sala de Exposições
aonde estava sendo cumprimentado e fotografado, mas ou invés disso ele se aproximou de
mim me olhando como se estivesse me analisando:

- A senhorita é muito bonita, imagino que deva ter muitos namorados, mas creio que a
sua beleza natural a faria sobressair muito mais, já que ficaria como uma verdadeira obra de
arte. Veja.

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E me acompanhou até o espelho levando as mãos até os meus cabelos e soltando-os,
ele passou as mãos pelos meus cabelos e me surpreendi novamente ao ver como suas mãos
eram frias, exatamente quando agente encosta alguma coisa de ferro na nossa pele quente.

Mas a sensação era agradável e aquela proximidade fazia com que eu sentisse toda a
escuridão que estava envolta dele me envolvendo também
Ele me olhava pelo espelho enquanto acariciava o meu cabelo de forma distraída.

Foi aí que Carol chegou e interrompeu:

- Rosa você está aí! Andei te procurando pela Oficina inteira!

Rapidamente Antoine tirou as mãos dos meus cabelos e se recompôs.

Minha amiga ficou olhando com uma cara de quem havia visto um fantasma e Antoine
meio sem graça disse:

- Com licensa senhoritas, tenho que voltar para a exposição.

E se afastou dali andando com delicadeza e graça, como se ele deslizasse pelo chão da
oficina.

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Capítulo 12

Uma pulga atrás da orelha

Assim que ele deu as costas Carol veio correndo na minha direção falando naquele
tom de voz meio animado de quem tem uma baita fofoca pra contar, mas na verdade era uma
fofoca que ela estava querendo saber:

- Amiga! O que foi aquilo? Antoine Le Rouge estava passando a mão nos seus cabelos
e cheio de intimidade! Nossa garota mas como você tem sorte!

Não podia negar que havia sentido uma espécie de atração por Antoine, afinal ele era
um homem lindo, educado e de certa forma fofo e sem contar que ainda era extremamente
talentoso.

Só que ele era mais velho, eu tinha namorado e ele não ia ficar muito tempo no Brasil
já que era estrangeiro, fora a coisa da aura estranha em volta dele. Isso sem contar o fato de
que minha amiga falando daquele jeito de alguém que parecia ser tão errado me deixava
envergonhada ao extremo:

- Que isso amiga, ele só estava falando alguma coisa sobre preferir a cor natural dos
meus cabelos. Papo meio estranho de beleza, talvez ele seja gay.

Falei quase que sussurrando no ouvido dela porque não seria nada legal se eu dissesse
alto pra todo mundo ouvir que o cara tinha tendências homossexuais. Tudo bem que ele não
parecia levar o menor jeito, só que foi a melhor explicação que encontrei para aquele
comportamento de Antoine. Explicação essa que Carol não engoliu:

- Ah tá de sacanagem! O cara não parece levar o menor jeito. Você tem certeza?

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- Certeza eu não tenho, mas hoje em dia eles disfarçam tanto que nem tem como
agente saber direito.

- Bem, se você diz. Que despedício.

Ela falou meio desapontada, não que tivesse algo contra homossexuais, só que era
incrível que os caras que tinham a combinação bonito, educado e que se veste de bem, na
maioria das vezes eram gays.

Claro que tinha os bonitos e trogloditas, os educados mas feios, e os que se vestiam
bem geralmente eram aqueles que tinham uma mulher por trás daquelas bem mandonas que
escolhiam suas roupas.

Antoine era uma combinação dos três, por isso minha teoria sobre sua sexualidade não
podia ser descartada porque ela realmente fazia sentido.

Contei á Carol sobre a minha visita que eu ia fazer na casa do Bruno, e ela como
sempre me olhou com cara de reprovação:

- Pra mim esse idiota só se desculpou porque quer sexo. Não é a toa que dizem que os
homens pensam com a cabeça debaixo. Mas se quer se iludir então nem vou falar mais nada.

Minha amiga conseguia ser tão desmotivadora ás vezes:

- Você só está dizendo isso porque não gosta dele, amiga. E eu confesso que o Bruno
ás vezes é um idiota e me dá raiva dele, tipo eu odiei o que ele falou pra você e tá aí uma
coisa que eu vou falar com ele amanhã. Mas miga ele é meu namorado, é o cara que eu gosto
sabe?

Esse último eu não tinha mais tanta certeza, porque o Bruno ás vezes me parecia uma
pessoa egoísta que só pensava em coisas fúteis como surfar com seus amigos e ir pra
xopadinhas enxer a cara.

Não que as festas não fossem legais, mas isso era um saco quando o único assunto que
a pessoa com quem eu estava era esse.
76
Afastei esse pensamento da cabeça e tratei de mudar de assunto:

- E o Guilherme, te ligou de novo?

Carol deu um sorriso:

- Sim, agente combinou de se encontrar de novo lá naquela lan-house que tem aquele
pessoal que joga RPG. Vai ser bem legal. Se quiser ir com agente....

- Não, de jeito nenhum vou segurar vela pra vocês de novo, e eu também nem curto
muito essas coisas, miga.

Depois que falei isso ela começou a rir, então decidimos entrar pra ver a exposição dos
quadros de Le Rouge.

Achei eles meio perturbadores, a maioria tinha cores vermelhas vivas ou então
retratavam paisagens noturnas com lobos olhando para a Lua Cheia, mas com os olhos
vermelhos bem assustadores.

Nem precisa dizer que a minha amiga adorou os quadros, já que ela adorava coisas
macabras:

- Nossa, esse cara é um gênio miga! Os quadros dele são perfeitos.

Me calei diante do comentário de minha amiga. Senti uma sensação estranha como se
naqueles quadros estivesse uma verdade sobre Le Rouge escancarada, como se fosse um
segredo que ele escondesse, mas que ele revelasse naquele quadro de uma forma que só uma
pessoa que entendesse sobre ele, ou com uma intuição muito aguçada poderia desvendar.

E o mais engraçado é que naqueles quadros eu podia sentir a mesma escuridão que
costumava pairar envolta dele:

- Não sei amiga, esses quadros são meio perturbadores, exatamente como ele...

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A expressão de Carol mudou para uma mais preocupada, tudo bem que ela adorava
essas coisas, e quando se tratava de algo sobrenatural sua mente costumava ir longe. Mas as
coisas que ela dizia naquele momento estavam tendo um fundo de verdade:

- É amiga, pior que você tem razão. Le Rouge parece mesmo um verdadeiro vampiro.

Se fosse em outra situação eu teria achado graça da idéia da minha amiga.

O problema foi que quando ela se referiu a ele como “Le Rouge” na mesma hora
lembrei do cara da sala de bate papos cujo nick era “Le Rouge Dragon”.

Eu praticamente congelei ali naquela Sala de Exposições, olhando para minga amiga
com os olhos arregalados, tentando pensar racionalmente e acreditar que era impossível o cara
que se dizia vampiro naquele site ser o mesmo pintor que estava ali na Oficina de Artes da
minha tia.

Carol me sacudiu pelos ombros:

- Amiga, você está bem? Tá estranha,parece que viu um fantasma.

Tratei de me recompor antes que acabasse chamando a atenção das pessoas que
estavam no local:

- Sim estou, mas miga. Acho que tenho que te contar uma coisa.

E puxei Carol para um canto.

Contei a ela toda a história do cara do site dizendo que era vampiro e sobre o nick dele
ter o mesmo sobrenome do Le Rouge.

- Uau Rosa, parece que temos duas opções então por aqui.

Ela falou e eu fiquei ansiosa para ouvir:

- Quais?
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- Bem, a primeira opção seria que fosse apenas coincidência alguém daquele chat ter
entrado e colocado o nick com o sobrenome dele e te ameaçado. Já a segunda opção é a de
que Le Rouge é o mesmo do site e você falou com um vampiro de verdade! Uau como você é
sortuda!

Ela estava animada, e não apavorada como eu:

- Carol você tá maluca? Como pode achar legal uma criatura da noite que bebe sangue
ter me ameaçado e agora estar aqui bem na Oficina de Artes da minha tia, hein?

Falei nervosa, e áquela altura do campeonato eu já tinha até mesmo esquecido que não
acreditava em vampiros. Le Rouge realmente tinha me deixado com a pulga atrás da orelha, e
o pior é que eu não tinha certeza se queria descobrir alguma coisa sobre ele por medo de saber
da verdade.

-Foi mal amiga, a parte dele ter te ameaçado não foi nada legal, mas é que eu sempre
quis conhecer um vampiro de verdade, e pra ser mais sincera eu sempre quis ser mordida por
um, mas pra ser transformada! Ai seria tão perfeito andar pela noite por toda a eternidade
conhecendo o mundo e sem nunca envelhecer!

Pronto a menina estava surtada.

Pra que fui dar corda logo pra Carol? É claro que eu não pensava assim, tudo bem que
a parte da juventude eterna era bem atraente. Mas isso também significava nunca mais poder
pegar sol na cachoeira maravilhosa em Glicéria, ter que beber o sangue de outros seres vivos
pra sobreviver, estar sempre me mudando e ter que mentir sobre mim para as outras pessoas.

Mas pra que afinal de contas eu estava pensando nos prós e contras de ser uma
vampira? Mesmo que Antoine fosse mesmo um vampiro que garantia eu tinha de que ele
estava ali pra me transformar, e não me matar?

Afastei esse pensamento quando minha tia chegou dizendo:

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- Meninas vocês estão aí, até que enfim achei vocês! Olha já está tarde e as duas
senhoritas têm aula amanhã, por isso vou deixar vocês em casa. Vamos descendo porque já
está na hora.

Carol pareceu meio triste como se quisesse ficar mais um pouco, e eu sabia muito o
porquê.

Mas Tia Hortência tinha razão, estava mesmo ficando tarde e teríamos que acordar
cedo no dia seguinte.

Entramos no carro, e então titia animadamente começou a puxar assunto:

- O que acharam do Le Rouge, meninas?

Eu estava sentada no banco da frente e Carol no banco de trás, olhei pra ela pelo
retrovisor e ela olhou pra mim de forma cúmplice.

Não podíamos dizer pra minha tia que simplesmente achávamos que o cara era um
vampiro sem que ela chegasse a conclusão de que tínhamos sérios problemas psicologicos ou
talvez até psiquiátricos.

Uma coisa era ela acreditar em Magia e nos meus supostos dons.

Outra coisa era ela acreditar que mortos vivos vagavam pela terra chupando sangue de
seres humanos indefesos:

- Ah tia, achei ele legal e é bem talentoso.

Respondi, e ela deu um sorriso:

- É sim, e tenho uma surpresa para vocês que acho que vão adorar.

- Que surpresa, tia?

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Perguntei torcendo para que não fosse mais nada relacionado a Antoine, mas minhas
preces não foram atendidas:

- Antoine e seus amigos vão ficar por aqui este semestre, pois cada um vai dar um
curso na Oficina cujas inscrições começarão na Segunda. Lembrei que você sempre quis
aprender música, e que a Carol adora poesia. Branwen vai dar aulas de piano, já que ela toca
muito bem, e Tariq dará aulas de poesia. Dizem que ele é um excelente poeta.

Não pude disfarçar minha cara de desanimada com a notícia de que eles ficariam 6
meses no Brasil, porque aquilo só fez aumentar o meu terror de que Antoine estava ali por
minha causa, porque eu o tinha ofendido pela internet.

Jurei que nunca mais ia fazer isso. Nunca mais duvidaria de ninguém das salas de bate
papo, ou melhor, nunca mais entraria em uma nem por curiosidade.

Pra minha sorte minha tia não percebeu meu desânimo porque ele foi suprimido pelo
ânimo exagerado da Carol:

- Legal aulas de poesia! Quanto é e quando começa?

- As inscrições começarão depois de amanhã, a tarde. E a mensalidade será de apenas


20 reais, preço bem simbólico para aulas de pessoas tão talentosas.

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Capítulo 13

Namorado idiota

Minha tia me deixou em casa, depois foi deixar a Carol na casa dela e eu não nego que
fiquei pau da vida com a minha amiga por ela querer tanto assim fazer aquelas aulas de
poesia.

Depois de ter visto toda aquela animação, minha tia ia estranhar se eu não fosse fazer
as aulas de piano, ainda mais porque eu vivia dizendo que queria aprender piano, mas meus
pais não me colocavam na aula porque diziam que eu já fazia aulas demais e todas caras de
artes marciais além dos meus cursos e por isso não tinham dinheiro pra mais uma aula que
normalmente era cara, mas na Oficina era praticamente caridade por 20 reais.

Troquei de roupa e fui dormir procurando não pensar em Antoine e nem em nada
daquilo, já que no dia seguinte eu teria aula.

Cheguei na escola, e dessa vez não vi a Carina nem na sala de aula, e nem as amigas
dela.

O Caio também não estava lá, só o irmão dele e o meu namorado, que estavam bem
comportados naquela aula, por isso não ignorei o Bruno dessa vez e me aproximei:

- Oi amor.

Bruno me abraçou e me deu um selinho:

- Oi gata.

Cumprimentei o Lucas por educação:

82
- Oi Lucas, veio sozinho hoje, cadê seu irmão?

- Foi a praia com a Fay.

Ele respondeu até que de forma bem amigável pra alguém que sabia que eu tinha
dedurado ele pra Taís sobre estar se esfragando em uma das piranhas.

Mas achei estranho ele não ter ido á praia com o irmão já que aqueles dois adoravam
uma praia que nem o Bruno:

- Ué, por que você não foi com ele?

- É que só ontem eu fiquei sabendo que a Taís se acidentou, então fiquei de copiar a
matéria pra ela, pra ela poder estudar em casa mesmo e não ficar muito atrasada no ano do
vestibular.

Nossa como ele era fofo! Primeira vez que eu via ele fazendo alguma coisa decente
pela minha amiga.

O professor entrou na sala de aula, e eu fui me sentar ao lado da Carol que estava mais
animada porque o Guilherme estava indo buscar ela na escola.

A manhã passou rápido e na saída todo mundo ficou pasmo de ver que minha amiga
estava com alguém, e Gui foi mesmo um fofo com ela dando beijinho e saindo com ela de
mãos dadas as escola.

Bruno fez o mesmo comigo, mas começou a comentar pelo caminho:

- Nossa, a bruxa emo arrumou um namoradinho grunje, foi?

Odiei o comentário dele e cheguei a conclusão de que estava na hora de ter a conversa
que eu tinha dito que ia ter com ele sobre os comentários maldosos que ele fazia sobre a
minha amiga:

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- Olha Bruno, eu quero ter uma conversa séria com você agora. Escuta, eu odeio
quando você fala assim da Carol porque ela é uma das minhas melhores amigas, é super gente
boa e eu não quero mais que você fale mal dela na minha frente. Tá legal?

Ele não esperava que eu fosse dizer algo assim naquele momento porque eu sempre
ficava calada quando ele fazia aqueles comentários mais por medo de perder o namorado do
que qualquer outra coisa. Mas agora eu via que se fosse para aquela relação continuar do jeito
que estava, era melhor correr o risco de desagradar o senhor troglodita do que aturar aquilo:

- Calma, eu não sabia que você ficava tão chateada por eu falar assim dela. Você sabe
que é só brincadeira, não é?

- Sei sim, mas eu não gosto, tá Bruno? Se fizer de novo eu vou ficar muito chateada
com você.

Falei sério olhando nos olhos dele:

- Tá legal, se isso te deixa bolada eu não faço mais, gata.

Fiquei aliviada por ele ter dito que ia parar, então fomos pra casa dele, enquanto ele
colocou a comida pra esquentar no microondas liguei pra minha mãe e disse que ia ficar
fazendo um trabalho até mais tarde na escola.

Ela ficou toda preocupada querendo saber se eu ia ter dinheiro pra almoçar, falei que
eu tinha, então desliguei com um pouco de culpa de estar mentindo.

Almocei com o Bruno, depois fomos pro quarto dele e começamos a nos agarrar como
a muito tempo não fazíamos, mas não achei mais tão prazeroso como era antes.

Acho que porque não tinha mais o mesmo clima romântico como na primeira vez e
talvez por isso o prazer não foi mais o mesmo, pelo menos não pra mim, já que pra ele parecia
a mesma coisa.

Terminamos nus em cima da cama dele, que era bem grande apesar de ser uma cama
de solteiro, e depois ele levantou e foi até o banheiro.
84
Foi aí que escutei o barulho do alerta de mensagens do celular dele que estava em
cima da cômoda.

Sei que o que fiz foi absolutamente errado, pra não dizer que era um crime. Mas eu
não resisti, afinal que garota nunca teve a curiosidade de olhar as mensagens do celular do
namorado? Quem nunca teve esse desejo que atire a primeira pedra!

Quase morri de raiva quando vi que a mensagem era justamente da Carina. Abri, e
comecei a tremer ao ler o que ela tinha escrito:

“Oi Amor
Já terminou de tirar o atraso com a Rosa? Rsrsrss
Pena que você e o Lucas não tão aqui, porque a praia tá uma delícia.
Parece que o Caio gostou mesmo da Fay hein? *666*
Te vejo amanhã na aula.
Beijinhos onde quiser
Carina”.

Então aquela cadela sabia que íamos transar? Mas como ele teve coragem de falar uma
coisa dessas logo pra piranha da Carina, e depois de me prometer que não ia mais dar tanto
mole pra ela?

Fiquei com tanta raiva dele, que pra não enxer ele de porrada tratei de vestir meu
uniforme e sair daquela casa antes que ele voltasse do banheiro.

Fui quase chorando pela rua de ciúmes e raiva daquele namorado idiota, e quando
cheguei em casa fui direto pro quarto antes que minha mãe visse minha cara pra tomar um
banho e ir pra academia.

Coloquei um short e uma camisa, peguei minhas luvas de boxe e ataduras e saí.

Pra minha sorte o professor mandou treinar no saco de areia.

Assim que comecei a socar naquele saco eu só pensava no Bruno, e também na


Carina.
85
Pra piorar o professor ficou dizendo:

- Soca mais forte! Tá fazendo carinho no saco é?

E aí que eu fui com tudo mesmo até ficar sem fôlego de tanto suor e com as mãos
doendo.

86
Capítulo 14

Vendo através da água

Quando terminei a aula tomei um banho na academia mesmo pra tirar o suor, depois
vesti um short jeans e uma blusinha cor-de-rosa e dei uma olhada no celular antes de sair de
lá, tinha algumas chamadas não atendidas do idiota do Bruno.

Cara minha vontade era de terminar com ele, só que eu não queria nem ao menos
escutar aquela voz agora que eu estava finalmente mais calma.

Pensei em ligar pra Carol, mas lembrei que ela tinha saído com o Guilherme e também
sabia qual o conselho era me daria:

- Dá logo um pé na bunda desse cretino porque ele é idiota demais pra você.

A outra opção era a Taís, pra essas coisas ela tinha um pouco mais de sensibilidade e
também era mais imparcial já que não detestava o Bruno. Só que a menina tinha acabado de
perder o irmão e estava toda engessada por causa do acidente de carro. Por isso sem
condições.

Tinha Tia Hortência também, mas naquela hora ela estava dando uma de suas aulas de
dança do ventre, então o jeito foi ir pra casa e entrar na internet.

A primeira coisa que fiz foi olhar meu orkut, nem quis entrar no msn porque não
estava afim de falar com um monte de gente ao mesmo tempo e também porque o idiota do
Bruno podia estar online e eu queria realmente deixar aquela discussão pro dia seguinte na
escola.

87
Já tinha descarregado todo meu ódio naquele saco de areia, e sabia que quando falasse
com ele a coisa ia ser definitiva. Eu ia terminar com ele porque ele tinha mentido pra mim e
ainda dito coisas particulares nossas para a piranha da Carina.

Abri minha página de recados, e como eu havia pensado o idiota estava online mesmo
e tinha me deixado um scrap:

“Gata,

Que porra foi aquela de sair lá de casa sem avisar?


Vê se atende o celular, não sei que bicho te mordeu hoje mas pelo menos
Fala comigo né?

Beijinhos”

Nem me dei ao trabalho de responder.

Como que ele não sabia o motivo de eu ter saído da casa dele sem avisar? Será que ele
era realmente burro como a Carol dizia?

Porque só sendo idiota pra não somar dois mais dois e ver que eu tinha lido aquela
maldita mensagem de texto.

Apaguei aquele scrap e fui direto ler o debaixo que era da Carol:

“ Oi miga,
Tô aqui na lan com o Gui, e tô passando pra avisar que Sábado agora
Vai ter reunião do Grupo de estudos de Wicca.
Vai ser de manhã cedo e o pessoal resolveu fazer na casa do Michel.
Temos só que levar alguma coisa você de comer e eu de beber pra depois da reunião
Agente fazer um lanche.

Blood Kisses
Carol.

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Ps: Já fez o teste com a bacia com água? ”

Fiquei feliz por minha amiga ter se lembrado de mim mesmo estando se divertindo
com o namorado em potencial dela.

Claro que eu ia na reunião já que minha tia havia dito que podia ser legal e eu também
sabia que Wiccannos gostavam dessas paradas de Natureza e nem todos eram góticos como a
Carol, não que houvesse algum problema em ser gótico já que eu era super amiga de uma.

Decidi fazer o teste da bacia que ela havia me lembrado de fazer e que até aquele
momento eu ainda não tinha feito por estar com outras coisas na cabeça ou pelo menos esta é
minha desculpa pra não dizer que simplesmente esqueci.

Mas também como eu ia lembrar com toda aquela coisa de o Antoine sendo
possivelmente um vampiro, a volta as aulas e ainda os problemas com o Bruno?

Passei para o meu terceiro e último scrap que pra minha alegria era justamente da
Taís:
”Oi miguxa,
Tô passando pra dizer que já estou em casa, nem dá
Pra ficar muito tempo no pc não por causa da mão quebrada,
Mas só de não estar mais naquele hospital já é bem melhor.
Miga tô muito triste mesmo é por causa do que aconteceu com o Tales.
Não pude nem ir no enterro mais tudo bem.
Saudades de você e da Carol.
Não vejo a hora de poder voltar pra escola.
Depois dá uma olhada na homenagem que fiz pro meu irmão no meu álbum.

Beijundas”

Respondi minha amiga dizendo que também estava com saudades dela e que ia passar
na casa dela pra visitá-la assim que tivesse um tempinho.

Passei no álbum de fotos dela do orkut e então fiquei mais deprimida ainda do que já
estava quando vi as fotos do irmão dela lindo exatamente do jeito como eu me lembrava dele
89
antes do acidente que eu tinha presenciado infelizmente através do meu sonho/visão seja lá o
que fosse.

Não fiz nenhum comentário e no orkut dele haviam vários comentários especialmente
de garotas dizendo o quanto estavam tristes com a morte dele e declarações de amor da
namorada e também de meninas que nem ao menos o conheciam direito.

Acho que isso faz parte de ser bonitão e popular.

Antes de sair da internet reparei que a Carina tinha fuxicado o meu orkut, então fui
fuxicar o dela também.

Não tinha nenhum recado do Bruno e no perfil ela tinha colocado uma foto dela de
biquini na praia recém tirada.

Era incrível como ela conseguia ficar com mais cara de piranha ainda com aquele
biquini que deixava quase os seios dela todos de fora.

Acho que se não estivéssemos no Brasil ela teria colocado fotos lá fazendo ”top less”
do jeito que ela era.

Fiz minha lição de casa, assisti a novela com a minha mãe sem dar um pio e depois fui
pro meu quarto de novo.

Antes de dormir peguei uma bacia com água como a Carol tinha dito e então me
concentrei.

No começo não vi nada, mas depois foram se formando algumas imagens na água e
pra acrescentar mais preocupação para a minha lista eu vi Antoine de novo.

Ele caminhava pela noite sozinho usando uma calça preta e uma camisa branca meio
aberta exibindo seu peito branco como uma folha de papel.

Os cabelos estavam presos em um rabo de cavalo e de repente ele se transformou em


uma espécie de lobo todo negro, como um cachorro grande e de olhos vermelhos.
90
Pensei que talvez a Visão estivesse errada, pois ele parecia um vampiro e não um
lobisomem.

Mas o fato era que eu estava vendo alguma coisa, e aquilo significava que ou eu estava
ficando maluca ou realmente tinha um dom como Carol havia dito.

Cansada joguei a água na pia do banheiro e decidi me deitar para dormir, mas o
estranho foi que quando me deitei tive a impressão de escutar uivos altos e bem próximos que
me causaram arrepios.

Procurei pensar racionalmente e pensei que talvez aquele uivo estivesse vindo de
algum cachorro da vizinhança.

Quando acordei me arrumei rápido pra ir até a escola e acabou que nem fui tão
arrumada como sempre.

Prendi o meu cabelo em um rabo de cavalo já que ele estava um pouco desalinhado.
Passei apenas um batom claro nos lábios e coloquei um casaco de moletom cor-de-rosa aberto
por cima da blusa do uniforme porque estava um dia um pouco frio e chuvoso.

Antes de chegar na escola acabei encontrando com o Bruno pelo caminho, ele estava
de bicicleta e foi logo parando na minha frente:

- Oi, e aí, não vai me dizer por que saiu da minha casa sem avisar ontem não?

Sem a menor paciência o encarei me controlando o máximo possível, porque a minha


vontade era de socar aquela carinha linda dele:

- Cara, você é idiota, burro ou o quê? Porque só você sendo uma dessas opções ou
então sendo muito cínico pra ter a coragem de me fazer essa pergunta.

O pior foi que ele não me levou a sério mesmo vendo o quanto eu estava brava:

91
- Ah que isso, poxa eu não sou advinho. Tô vendo que tá chateada com alguma coisa,
mas não tô entendendo ainda o que foi que eu fiz de errado. Caramba eu não tenho como
advinhar se você não me disser.

- Não se faça de sonso, você sabe muito bem que foi porque eu vi a mensagemzinha de
texto da piranha da Carina no teu celular te chamando de amor e ainda por cima dizendo que
você estava tirando o atraso comigo. Agora me diz, como é que você teve a cara de pau de
dizer pra ela o que fomos fazer na sua casa? Hein, me diz?

Despejei de uma vez em cima dele com um tom de voz frio mas sabendo que se eu
fosse branquinha como a Carol ou como meus parentes adotivos eu estaria com a cara
completamente vermelha de raiva.

- Ah era por isso? Pô amor, você sabe que ela tem mania de chamar todo mundo de
amor, não foi nada pessoal não. E eu não contei o que íamos fazer lá em casa não. Eu disse
que não podia ir porque você ia lá em casa e ela já foi logo deduzindo o que agente ia fazer.
Lucas deve ter botado pilha porque tu sabe como ele é. Não tive culpa, te juro!

O pior é que ele parecia convincente, até cruzou os dedos indicadores das duas mãos
em um ”x” e os beijou.

Aquele gesto o fez parecer fofo, e do jeito que a Carina era realmente eu podia
imaginar que ela tinha mandado aquela mensagem justamente pensando que eu podia ler por
acaso e brigar com o meu namorado:

- Tá bem, vou acreditar em você, mas tem uma coisa. Se eu te pegar dando confiança
pra ela de novo tá tudo acabado entre agente. Entendeu? Não vou me estressar com aquela
periguete.

- Claro né amor. Pode deixar que eu mesmo nem dou muita confiança pra ela não. Ela
que é entrona, é sério. Mas já que vamos ficar de bem então me dá um beijo.

Nos beijamos ali e depois seguimos pra escola.

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Capítulo 15

Carol adora procurar problemas!

Entrei na sala de aula e fui logo sentando ao lado da Carol, ela estava com os cabelos
presos em um coque e o lápis de olho bem carregado como sempre. Quando entrei na sala a
professora de Química já estava na aula, e ela era a professora mais chata daquela escola.

Ela estava virada para o quadro escrevendo sobre a Química orgânica com todas
aquelas paradas de alcano, alceno e alcino quando Carol começou a falar comigo, e juro que
bem baixinho porque sabia como aquela professora era:

- E aí amiga, leu meu scrap?

- Li sim, e fiz a parada da bacia d’água.

Respondi a minha amiga e automaticamente lembrei das estranhas imagens que havia
visto na bacia:

- E aí, viu alguma coisa?

- Sim, mas foi bem estranho. Eu vi o Le Rouge outra vez, mas ele virava uma espécie
de lobo, sei lá... bem estranho. Pelo que sei lobisomem é que vira lobo e não vampiro, não é?

Perguntei e minha amiga automativamente ficou toda animada aumentando o tom de


voz sem perceber e fazendo aquela cara que ela sempre fazia quando acabava de ter alguma
idéia e estava prestes a explicar:

- Bem, lobisomens viram lobos quando a lua fica cheia, mas não lobos comuns e sim
uns bem grandes do tamanho de urso pelo que contam as histórias. Mas engraçado que no
jogo Vampiro a Máscara tinha uma espécie de vampiros que eram capazes de se transformar
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em animais. Tudo bem que é jogo de RPG, mas quem garante que não possa ter um fundo de
verdade?
Abri a boca pra responder que o que ela disse até que fazia sentido, mas não pude
chegar a falar porque a professora Liliane se aproximou de nossas carteiras e nos olhou com
aquela cara de megera que só ela tinha:

- Tô vendo que o papo está muito bom aí pra vocês esquecerem de copiar a matéria do
quadro, não é mesmo?

Olhei para a professora e decidi me desculpar já que eu não queria arranjar problemas
com aquela megera.

Era a única que não deixava agente conversar na aula nem quando ela não estava
explicando nada e era exatamente por esse motivo que as aulas da Liliane eram as mais chatas
que tinham naquela escola.

- Desculpe professora, já estamos começando a copiar.

Ela se virou e começamos a copiar mesmo a matéria do quadro calando nossas bocas
durante alguns minutos.

O problema é que éramos garotas cheias de coisas bizarras acontecendo a nossa volta,
e se já era difícil antes daquele semestre começar manter as bocas fechadas naquela aula,
imagine só agora?

Será que a Liliane não entendia que garotas da nossa idade simplesmente tinham
necessidade de falar?

Cinco minutos depois dela ter chamado nossa atenção, Carol pegou um pedaço de
papel e escreveu um bilhetinho em um código que apenas ela, Taís e eu sabíamos porque
tínhamos inventado justamente para as aulas da Liliane.

No bilhete ela dizia:

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“ Miga,

Só pra lembrar você que é hoje que temos que


Fazer a matrícula lá na Oficina de Artes da sua tia,
Eu trouxe o dinheiro e vou lá me matricular, você vai comigo?”

Ela escreveu, não do jeito certinho mas com aquele código que fazíamos com letras e
números.

Peguei minha caneta e respondi no mesmo papel também usando o código:

“Não sei, acho que não é uma


Boa idéia fazermos aqueles cursos não.
E se eles forem mesmo vamps?”

Carol leu o papel, e tornou a responder no verso do pedaço de papel:

“Ah amiga, vamos!


Agente nem tem certeza se eles são vamps de verdade
E se forem o perigoso é o Le Rouge, nãos vamos ter aula com ele.
Por favor, vai?”

Eu sabia que a Carol ia acabar fazendo aquelas aulas sem mim, porque ela estava
decidida mesmo não só porque adorava poesia, e vou confessar aqui que o professor Tariq
também era um gato que nem o Antoine, mas também porque ela ficava maluca com esse
negócio de vampiro.

Qualquer pessoa em sã consciência teria medo e tentaria se afastar, mas Carol parecia
sentir atração por esse tipo de coisa:

“Tá legal, eu vou


Mesmo porque se eu não for minha tia vai estranhar”

Mal ela pegou o papel e leu rapidamente, Liliane apareceu e tomou o papel da mão
dela.
95
Pronto, eu sabia que não ia prestar, porque a Carol era toda sensível com esse negócio
de boa educação e respeito com os alunos.
Ela achava que o professor tinha que respeitar o aluno como pessoa e não sair por aí
tomando bilhetinhos dos outros e lendo, confiscando objetos pessoais etc.

E o pior é que eu concordava com ela, claro que não falava nada pra não instigar, mas
também ficava fula da vida quando isso acontecia comigo porque tinha certeza que eles não
fariam isso com um adulto que estivesse passando bilhetes durante uma aula na faculdade.

Faziam com agente porque éramos adolescentes.

- Dá pra devolver meu papel por favor! Você não tem o direito de tomar nada das
minhas mãos não!

Carol disse levantando da cadeira e com um olhar de ódio que chegava a assustar.

Eu era a melhor amiga dela, mas confesso que ás vezes até eu ficava com medo
quando a Carol olhava daquele jeito porque parecia que ela queria matar a Liliane.

Pra piorar na sala de aula formou-se um maior alvoroço de gente rindo e fazendo
piadinhas, e aquilo só contribuiu pra irritar mais ainda a Liliane:

- Vou devolver pra você, mas lá na coordenação. As duas agora! E quem tiver fazendo
piadinha e dando risinho vai junto com elas!

Pegamos nossas coisas, e fomos para a coordenação.

Só que o diretor já até sabia como a Liliane era e nem passou muito sermão, devolveu
nosso bilhete antes que a Carol tivesse um troxo e disse:

- Meninas, vocês sabem como a Liliane é, que ela não gosta que conversem na aula
dela e nem que passem bilhetinhos. Não custa nada se comportarem na aula dela poxa! Vou
ter que mandar advertências pros pais de vocês assinarem porque não posso dizer que a

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professora estava errada. Se ela não gosta que façam isso na aula dela temos que respeitar já
que cada um é de um jeito. Por isso tentem não irritá-la.
Como ele era um diretor maneiro prometemos que não íamos fazer mais aquilo, e pelo
menos pudemos ficar sentadas batendo papo até acabar a aula da Liliane, sendo que depois
era o recreio, então agente se deu bem.

Minha mãe já estava até mesmo acostumada em assinar as papeletas por causa da aula
dela, e a mãe da Carol também.

Quando terminaram as aulas daquele dia fomos direto pra Oficina de Artes pra fazer a
matrícula naqueles benditos cursos.

Definitivamente a Carol adora procurar problemas

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Capítulo 16

Le Rouge contra a parede

Assim que terminou a aula fomos direto pra Oficina de Artes da minha tia fazer a
matrícula, minha tia nos recebeu porque faltavam apenas alguns minutos pra começar as aulas
de dança do ventre dela e a recepcionista tinha faltado ao trabalho, então ela recebeu o
dinheiro e nos inscreveu, depois disse:

- Ah meninas, por que não aproveitam e assistem essas aulas de dança do ventre com
agente? Vai ser bem legal, e eu tenho lenços extras.

Aproveitamos e ficamos para a aula, mesmo por que eu já ia ter que faltar o curso
naquele dia mesmo, então tivemos um dia bem legal.

Eu adorava dançar com a minha tia sempre que tinha tempo e ela dizia que a dança do
ventre era uma dança sagrada do feminino, por isso Carol e eu nos sentíamos como Deusas
quando dançávamos.

Não tinha nada mais sensual do que aquilo, ou tinha?

No final da aula tia Hortência abriu um espaço para cada uma dançar um pouco
enquanto as outras ficavam em uma roda, Carol foi a primeira e se soltou completamente.
Minha amiga dançava muito bem, mesmo não tendo nenhuma tecnica. Seguia o ritmo da
música apenas e balançava aqueles cabelos enormes que ela tinha.

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Me animei e também me soltei completamente quando chegou minha vez, eu já tinha
um pouco mais de tecnica porque praticamente crescera vendo minha tia dançar, só que fazia
muito tempo que eu não dançava mais por falta de treino mesmo.
Estava apenas com uma calça jeans, um top e um lenço amarrado na cintura que minha
tia havia emprestado, e havia soltado os cabelos mesmo eles estando marcados pelo rabo de
cavalo.

Dancei pra caramba e as alunas da minha tia batiam palmas e faziam a “zaruta”, que
era uma espécie de barulho que se faz com a língua.

Estava muito divertido até que olhei para o vidro da sala de aula, e vi Le Rouge parado
olhando pra mim.

Na mesma hora parei de dançar morrendo de vergonha e minha tia foi logo
perguntando:

- Mas o que houve? Por que parou assim tão de repente?

Não disse nada, estava completamente vermelha de vergonha e querendo me cobrir


porque pude perceber que Antoine olhava para meu corpo, e minha tia logo em seguida
também o viu.

Mas ele saiu logo depois do local ao perceber que havia perturbado a aula, e titia
acabou chamando minha atenção:

- Ah Rosa, não deveria ter parado. Você nunca foi tímida pra dançar. E se estivesse
dançando para uma platéia, hein?

- Desculpa tia, mas é que eu fiquei com vergonha do Le Rouge.

Falei mais envergonhada ainda agora por causa da minha atitude de roceira, como se
eu nunca tivesse visto um homem na vida igual áquelas garotas de novela todas cheias de
pudores.

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Não que eu fosse desavergonhada, mas sabia que não tinha nada demais em dançar e
também não estava desnuda apesar da barriga estar de fora.

Quantas vezes não havia ido á praia de biquini? Só que eu ficava muito tímida mesmo
quando via Antoine.

A aula terminou, e antes de ir ao toilete me trocar titia pediu para que levasse o
equipamento de som para a outra sala enquanto ela atendia mais algumas pessoas na recepção
que haviam chegado para pedir informações.

O equipamento era um pouco pesado, enquanto me virei para pegá-lo com dificuldade
senti uma aura estranha atrás de mim, não me pergunte como mas eu podia sentir a aura das
pessoas quando era muito forte, e o dono daquela aura havia chegado sem fazer qualquer tipo
de barulho.

Na mesma hora me virei e dei de cara com Le Rouge parado atrás de mim, usando
uma camisa branca com as mangas dobradas na altura do antebraço e uma calça preta.

Mas será que ele não percebia como aqueles trajes ficavam esquisitos quando não
estava em nenhum coquetel de traje sport fino?

- Pardon ma chérie, não quis atrapalhar sua aula, mas é que assim que cheguei a vi
através do vidro e a senhorita dança lindamente.

Aquele sotaque era tudo de bom, e ele estava lindo embora parecesse ainda mais
pálido naquela noite e com as olheiras ainda mais profundas:

- Tudo bem senhor Le Rouge. Sei que não teve a intenção.

Virei de novo e comecei a pegar o equipamento, mas ele não permitiu.

Segurou com a maior facilidade como se não fizesse esforço nenhum. Era como se ele
estivesse segurando uma folha de papel, e naquele momento eu não aguentei a curiosidade,
não pensei no quanto era perigoso desmascarar um vampiro, mas queria ter certeza:

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- Senhor Le Rouge, esse equipamento é bem pesado, o senhor não aparenta ser tão
forte assim para segurá-lo.
Ele deu um sorriso, e aproveitei para olhar bem para seus dentes a procura de presas,
mas não vi nada, os dentes eram absolutamente normais, brancos e impecáveis:

- Nem tudo o que parece é, assim como nem tudo o que não parece necessariamente
não o é, ma chérie.

Foi sua resposta enquanto caminhava até a outra sala.

Uma resposta simples, com certeza, mas que não me conhecia. Definitivamente eu
estava ficando obcecada com aquela história de vampiros, talvez estivesse andando demais
com a Carol, não sei o que deu em mim, mas acabei colocando Le Rouge contra a parede:

- Sei disso, senhor Le Rouge. Assim como nas histórias de vampiro, não é mesmo? Os
vampiros aparentam serem humanos indefesos, mas na verdade não são.

Ele de repente tirou o sorriso da face, colocou o equipamento no local e me encarou


com seus lindos olhos cor-de-mel hipnotizantes.

Senti um arrepio percorrendo minha espinha:

- Naturalmente, vejo que aprecia histórias de vampiros, não?

Foi sua pergunta, mas pela maneira com que ficou perturbado eu tive a certeza de que
ele sabia que eu sabia e me arrependi profundamente de ter dito aquilo. Deveria imaginar que
aquilo não daria bom resultado porque se a espécie dele era como nas histórias e preferiam se
manter em segredo, então um humano que soubesse do segredo certamente teria um destino
cruel:

- Não, não são as minhas favoritas. Acho melhor eu ir tomar uma chuveirada.
Tchauzinho senhor Le Rouge.

E virei as costas pra sair dali, mas então senti uma mão fria segurando meu braço com
certa força, não o suficiente para quebrar, mas estava machucando.
101
Olhei para Le Rouge cheia de medo como se eu fosse um bichinho acuado. Senti raiva
de mim mesma porque aonde estava tudo o que eu havia aprendido com minhas artes marciais
naquele momento?

Fechei o punho preparando-me para socá-lo, mas Le Rouge foi mais rápido
imobilizando-me colocando meu braço pra traz e dizendo bem ao pé do meu ouvido:

- Imagino que não seja muito agradável socar uma pedra, porque seria exatamente essa
a sensação que sentiria caso tentasse, ma chérie. E seria complicado explicar para sua tia
como fraturou os ossos de sua delicada mão.

Eu estava tremendo da cabeça aos pés, e senti raiva de mim mesma por estar com
medo, sempre me considerei uma garota corajosa e tinha raiva daquelas garotinhas que
precisavam sempre de um homem pra se defender e agora eu estava naquela situação. Mas
decidi manter a calma, eu tinha certeza de que ele sabia que eu estava com medo por causa da
maldita tremedeira que me denunciava, mas apesar disso tentei demonstrar o contrário:

- Que tal você soltar o meu braço e em troca eu não gritar?

Falei o mais firme possível, já que eu era mesmo capaz de começar a gritar por
socorro ali mesmo se ele não se afastasse de mim. Le Rouge afrouxou o aperto, mas não me
soltou totalmente:
- Como quiser, The Lady of the Night. Eu a deixarei ir, mas é melhor que não conte
nada a ninguém sobre mim, estarei de olho em você.
E me soltou.
Fui direto para o toilete e entrei em uma cabine fingindo estar apertada para ir ao
banheiro para que ninguém percebesse o quanto eu estava tremendo.

Comecei a tomar o meu banho, e quando saí todas as outras alunas tinham ido embora
exceto Carol que ficara me esperando.

Ela reparou logo que havia alguma coisa muito errada comigo:

- O que aconteceu amiga? Parece até que você viu um fantasma?

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Cara, como eu já disse nunca fui de chorar, mas foi mais forte que eu e quando me dei
conta já estava abraçando a Carol e molhando a blusa dela toda com lágrimas:

- Ah amiga, tô ferrada. Antoine sabe que eu sei, e era ele o cara do site. É por isso que
ele está aqui, quer se vingar porque eu o ofendi.

Ela me olhou nos olhos com cara de espanto:

- Como assim quer se vingar? Como você tem certeza?

- Porque ele acabou de confessar, e me chamou de “The Lady of the Night” que foi o
nick que usei naquele site.

103
Capítulo 17

A Reunião

Carol arregalou os olhos e pude ter noção do quanto ela havia ficado aterrorizada.

Ela não era do tipo que se assustava com qualquer coisa, pelo menos não pra uma
garota que adorava coisas de bruxos, vampiros, lobisomens e fantasmas.

Por isso eu sabia que a coisa era séria agora:

- Ih amiga, detesto dizer isso mas você tá ferrada mesmo. Conseguiu irritar um
vampiro de verdade! Uau!

Quando ela falou isso me senti mais desesperada ainda e agarrei nos braços dela:

- Ai Carol, você não tá ajudando pô! E agora, o que eu faço? Esse cara pode estar
querendo me matar! Ai não eu sou jovem demais pra morrer!

Tá legal eu estava agindo feito idiota, mas falando sério qualquer um na minha
situação teria medo, não?

- Calma amiga, vamos pensar em alguma coisa, acho que o melhor seria você tentar se
desculpar com ele. Não sei se vai adiantar muita coisa já que vampiros antigos costumam ser
orgulhosos. Mas acho que o único jeito mesmo vai ser convencer o Antoine a não fazer nada
com você. Agora tenho que ir miga. Qualquer coisa me liga.

E foi embora.

Peguei carona pra casa com a minha tia sem nem mencionar o acontecimento entre o
Antoine e eu, mesmo porque acho que ela não acreditaria naquilo.
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Os dias que se passaram até a chegada do Sábado foram extremamente tranquilos.
Nada de visões, nem de acontecimentos bizarros, não vi nem ouvi falar do Antoine e até a
Carina sossegou e parou de dar mole pro meu namorado que estava simplesmente normal
como sempre.

Então chegou o Sábado e a Carol apareceu lá em casa como sempre toda vestida de
preto usando uma saia preta mais ou menos na altura dos joelhos com uma blusa de corset
também preta e calçada com all stars de cano longo.

Tinha deixado os cabelos soltos, estava usando uma lente de contato azul e tinha um
pentagrama pendurado no pescoço. Ela definitivamente não parecia uma garota brasileira
quando colocava aquela lente, ainda mais por causa do contraste da pele muito branca de
quem não pegava sol com o cabelo preto dela.

Como eu pensei que os amigos Wiccanos dela fossem góticos como ela escolhi uma
blusa preta simples, uma calça jeans e um all star porque sim, eu tinha um par de all star.

Coloquei um arco no cabelo pra disfarçar que as minhas raízes castanhas estavam
aparecendo lembrando que eu tinha que pedir dinheiro á minha mãe pra poder retocá-las antes
que ficassem ridículas e fui de ônibus com a Carol até a casa do Michel levando um prato de
salgadinhos que eu havia fritado já que sempre tinha essas coisas no freezer lá de casa porque
minha mãe costumava fazer salgadinhos pra vender para as festas que o pessoal de Igreja dela
fazia e a Carol levou uma garrafa de vinho.

Quando cheguei lá me surpreendi porque a casa dele era simplesmente enorme. E


quando digo isso é porque era grande mesmo! Tinha até piscina e um terraço incrivelmente
grande com direito a churrasqueira e tudo.

Juro que se eu morasse em uma casa assim, iria aproveitar aquele espaço pra fazer
altas festas e ia viver dentro daquela piscina maravilhosa.

Michel foi atender a porta, eu o conhecia só de nome porque a Carol costumava falar
nele, mas aquela era a primeira vez que eu o estava vendo.

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Ele era alto, mulato de olhos verdes incrivelmente lindo magro e dono de lindos
cabelos cacheados. Estava usando uma camisa preta, calça jeans e all star. Dava pra sentir
também o cheiro de perfume importado que exalava dele extremamente gostoso.

O garoto era tão lindo que pensei que se eu não estivesse com o Bruno adoraria dar um
mole pra ele. Só que infelizmente foi só ouvi-lo falar pra perceber que ele era gay:

- Oi meninas, podem ir subindo, já chegou todo mundo e só faltavam vocês. Nossa


Carol, essa aqui que é a Rosa? Pode entrar querida não precisa ficar tímida eu sou o Michel.

E me cumprimentou dando dois beijinhos no rosto exatamente como as mulheres


faziam. Fui subindo para o terraço junto com a Carol e tinha mais três pessoas ali sentadas no
chão em uma rodinha.

- Ei gente, essa aqui é minha amiga Rosa que veio pra reunião. É ela que tem aqueles
dons legais que eu falei.

Ela disse, e na mesma hora senti minhas faces corando de constrangimento.

O pessoal sem a menor cerimônia começou a se apresentar pra mim, começando por
uma menina de pele cor de chocolate e cabelos cheios de trancinha também vestida como uma
rockeira e muito bonita:

- Oi Rosa, meu nome é Sara. Senta aí já estamos começando.

Carol e eu sentamos na rodinha e Sara apontou pra um menino magrelo ruivo com
sardas e que usava óculos, mas que não tinha o menor jeito de gótico, pelo contrário estava
usando um tênis da nike que parecia caríssimo, uma blusa de azul e uma calça jeans, além de
também estar muito bem perfumado:

- Esse aí é o João Pedro, e essa aqui é a Raíssa, namorada do João.

Falou apontando para a garota ao lado do João Pedro que era bem gordinha e dona de
cabelos lisos e escuros com uma pintada de rosa na franja jogada de lado, mas não era emo

106
porque estava vestida como uma patricinha com uma blusinha rosa com detalhes de rendinha
em cima, uma calça jeans e uma sandália Melissa.

A garota parecia também ter aderido a moda da lente de contato, já que estava usando
uma na cor verde nos olhos mesmo estando de óculos que por sinal tinha a armação cor-de-
rosa.

Eu sabia que seus olhos eram lentes porque já conhecia lentes de contato por causa da
minha amiga. Quem não conhecia podia muito bem se enganar achando que os olhos da
Raíssa e os da Carol eram daquelas cores mesmo, mas eu aprendi a perceber um certo volume
na íris de quem usa lentes de contato e era extremamente observadora.

Qualquer dia também compraria lentes coloridas pra ver se ficava mais parecia com a
minha família, pelo menos foi o que pensei, mas aí lembrei de Antoine falando sobre minha
beleza natural ser única como uma obra de arte e me repreendi mentalmente por estar levando
em conta o gosto dele.

Afastei aquele pensamento, mesmo por que começaram as perguntas. Raíssa foi a
primeira:

- Você tem mesmo Visões? A Carol disse que você consegue prever as coisas antes
delas acontecerem. Conta aí, como é que é isso?

Lancei um olhar de raiva para Carol, mas ela ignorou já que não tinha mesmo
semancol:

- Não é isso, aconteceu uma vez só e foi quando minha amiga teve um acidente, eu
sonhei que o acidente tinha acontecido na noite anterior, nem me passou pela cabeça que
aquilo podia acontecer.

O pessoal ficou impressionado, Michel foi logo dizendo:

- Caramba que legal, não pelo acidente da sua amiga, mas você tem o dom de prever
as coisas, a Sara também, mas através das cartas de tarot né miga?

107
- Ah migo, isso não chega a ser um dom, eu apenas li o livro e aprendi a interpretar
cada um dos arcanos maiores, na verdade é até bem fácil e qualquer um pode aprender.

Sara disse e eu fiquei sem entender nada direito:

- Como assim, arcanjos?

O pessoal começou a rir da minha cara e confesso que fiquei com raiva da minha
ignorância. Carol que começou a explicar:

- Não amiga arcanos, são os nomes que se dão as cartas do tarot. Também estou
começando a aprender a jogar. Você deveria tentar aprender também, se tem o dom da
profecia é capaz de aprender rapidinho e aí vai poder jogar pra mim também.

Pensei no que ela falou, e realmente achei que seria legal aprender a jogar tarot, mas
tive um pressentimento de que embora pudesse aprender, outro instrumento de advinhação
tinha mais haver comigo:

- Acho que seria legal, mas prefiro tentar a bacia com água que nem a Morgana de
Avalon.

Raíssa me olhou com interesse:

- Você consegue ver as coisas na água? Ai tenta ver alguma coisa pra mim por favor?

Ela pediu, mas João Pedro decidiu se manifestar naquela hora:

- Ah que isso, a menina veio aqui pra aprender mais sobre Wicca e você já vai
querendo que ela veja seu futuro pra você? Para com isso.

Mas senti uma energia boa e decidi tentar:

- Não tem problema, acho que posso tentar e depois vocês me ensinam um pouco de
Wicca. Só não prometo nada porque nem sei se vou conseguir ver alguma coisa.

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Michel tratou logo de pegar uma bacia de fundo escuro com água, então comecei a
olhar me concentrando.

Logo imagens começaram a se formar, a primeira delas foi da Raíssa com uma criança
bem pequena no colo, estava diferente mais gordinha ainda e pela expressão do rosto parecia
bem preocupada com alguma coisa.

Carol foi logo perguntando:

- E aí amiga, tá vendo alguma coisa?

Sem tirar os olhos da bacia fui logo respondendo:

- Sim, eu vejo a Raíssa com uma criança no colo, e ela parece preocupada com alguma
coisa.

Então escutei a voz de Sara ansiosa também pra saber algo:

- Dá pra ver alguma coisa pra mim?

A imagem de Raíssa desapareceu com algumas nuvens se formando e depois se


abrindo novamente e vi a Sara entrando em um avião, tinha um sorriso nos lábios parecendo
feliz:

- Vejo Sara entrando em um avião, parece bem feliz com essa viagem.

Michel interrompeu falando com sua voz meio fina:

- Ai vê pra mim também?

Novamente as nuvens se formaram para depois se abrirem, e vi Michel passeando de


mãos dadas com um cara que parecia um pouco mais velho que ele, loiro e de boa aparência:

- Vejo você de mãos dadas com um cara mais velho e loiro.

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Carol olhou para João Pedro, eu ainda olhava fixo para a bacia, mas sabia não faço
idéia como que ela estava olhando para ele enquanto perguntava:

- Vai querer que ela veja o seu também, João?

- Não, melhor ela nem ver.

Ele disse com uma voz de quem estava meio assustado.

Carol disse pra mim em um tom de voz que mostrava que ela estava ansiosa:

- Então acho que é minha vez amiga.

Dessa eu a vi com uma expressão no rosto meio triste e depois tudo tomando uma aura
escura e estranha envolta dela. De repente era como se a imagem dela aparecesse em outro
tempo sem ser o da cara triste, agora ela estava com outras roupas mais normais embora a
pele estivesse mais branca ainda, e sua expressão no rosto era misteriosa de um jeito que me
dava arrepios:

- Vejo você diferente amiga, com outro estilo de roupas e mais mudada.

Ocultei a parte de tê-la visto triste antes para não preocupá-la, mas isso não adiantou
nada porque a garota começou a surtar ali mesmo:

- O quê? Eu mudar o meu estilo? Isso não. Nunca essa visão tem que estar errada
amiga!

Na mesma hora parei de ver e fiquei com uma fraca dor de cabeça.

Para tentar acalmar os ânimos Sara disse á Carol que ás vezes as previsões mudavam,
que nada era 100% certo, não adiantou muita coisa mas ela era boa em mudar de assunto e
rapidinho mudou o rumo da conversa para uma conversa sobre Wicca.

O clima foi voltando a ficar agradável embora eu tivesse notado que Raíssa e João
Pedro não estavam tão participativos e pareciam preocupados. Eles foram embora mais cedo,
110
nem quiseram ficar para o lanche e Carol abriu a garrafa de vinho. Sara tinha levado uma
batida de coco, Raíssa tinha levado bolo e João alguns docinhos de festa de aniversário e
deixaram lá mesmo não ficando pra comer.

Então fizemos a festa, como agora a maioria era rockeira, o João colocou um rock mas
não muito pesado para escutarmos e acabou que o dia foi bem agradável.

Decidi que continuaria fazendo parte daquele grupo e o pessoal ficou muito feliz, até
combinaram de ir um dia ao Jardim Botãncio pra entrarmos em contato com a Natureza já que
aquilo seria bem legal e me animei muito com isso porque eu realmente me sentia bem
quando estava em contato com a Natureza.

111
Capítulo 17

Desilusão Amorosa

Meu final de semana correu super bem, não saí com o Bruno porque minha mãe pediu
pra que eu a ajudasse com uma encomenda de salgadinhos pra uma festa infantil do filho de
uma das amigas dela da Igreja, eu não precisava acompanhá-la na festa, mas ela pediu para
que eu a ajudasse a enrolar os salgadinhos pra ela fritar quando chegasse lá e eu ajudei, eu até
que gostava de fazer isso, até porque ela sempre me dava um dinheirinho quando eu fazia
alguma coisa pra ela, e eu estava precisando pra retocar a raiz do meu cabelo.

Minha mãe não estava muito bem, andava se queixando de dores nas costas, por isso
me pediu:

- Filha, você aprendeu a enrolar os salgadinhos muito bem, até as coxinhas estão bem
feitas. Recebi uma encomenda de salgadinhos pra um casamento que vai ter no Sábado, e
como a quantidade é muito grande não vai dar pra fritar sozinha. Será que dessa vez você
pode ir comigo me ajudar a fritar? Olha se você for vou te dar um dinheirinho bom que vai
dar pra você ir ao salão fazer o seu cabelo e comprar umas roupinhas já que eu sei como você
detesta essas festas.

Era uma droga ter que gastar meu Sábado a noite pra ir a um casamento de gente que
eu nem conhecia direito pra trabalhar, mas minha mãe parecia cansada e com problema de
coluna e eu estava precisando mesmo da grana, sabia que ela ia acabar me dando mesmo se eu
não fosse porque ela era legal assim. Só ia demorar mais uns dias pra me dar, mas eu sabia
que pra ela estar me pedindo era porque estava mesmo precisando:

- Tá bem mãe, mas não se acostuma não porque vai ser só dessa vez.

E ela ficou toda feliz porque eu ia.


112
E aquela semana também acabou sendo bem tranquila.

Comecei minhas aulas de piano com a Branwen, e ela até que era bem legal além de
super talentosa.

Todos os alunos ficavam impressionados com a beleza dela, até mesmo eu e nas
poucas vezes que vi o Le Rouge não cheguei a falar com ele porque estava sempre ocupado,
mas percebia que a Branwen olhava pra ele meio estranho como se gostasse dele.

O mais bizarro era que eu sentia um certo ciuminho quando ela fazia isso e cheguei a
achar que estava ficando completamente maluca.

Como eu podia sentir ciúmes de um homem que nem era um homem e sim um
vampiro, e que ainda por cima havia me ameaçado?

Sem contar que eu tinha namorado, e aquilo era extremamente errado, não podia estar
gostando do Antoine, eu nem sequer o conhecia direito.

Mas cada vez que eu o via sentia uma sensação estranha, uma certa atração por ele e
vontade de provocá-lo mesmo me segurando pra não fazer.

No meio da semana o Bruno me convidou pra ir a uma chopada que ia ter lá da escola
mesmo que o Lucas estava organizando e que ia ser justamente no Sábado.

Expliquei pra ele que eu não ia poder ir porque ia no casamento ajudar a minha mãe, e
ele ficou chateado, mas aí prometi que ia sair com ele no Domingo.

A chopada ia ser na casa do Lucas mesmo e eu estava com vontade de ir já que tinha
um tempão que eu não ficava com o meu namorado e também não me agradava deixar ele ir
numa chopada sozinho aonde com certeza estariam várias garotas. É verdade que eu já não
sentia a mesma atração de antes por ele, mas ainda tinha esperanças de fazer meu
relacionamento dar certo porque poxa, eu estava namorando ele a bastante tempo, foi com ele
que perdi minha virgindade e já cheguei a pensar que talvez algum dia fosse me casar com
ele.

113
Tinha era que colocar os pés no chão e parar de imaginar besteiras com o Antoine já
que eu teria sorte o suficiente de permanecer viva durante alguns anos pra endireitar minha
relação com o Bruno.

O Sábado chegou, e acabei foi tendo uma surpresa, já estava me aprontando para ir ao
casamento fritar os salgadinhos quando minha mãe entrou no meu quarto e disse:

- Filha, tenho uma boa notícia, você não precisa mais ir ao casamento porque a Vitória
vai me ajudar a fritar. Mas como você teve boa vontade e concordou ir comigo vou te dar o
dinherinho pra fazer seu cabelo mesmo assim.

Fiquei muito feliz com aquela novidade e decidi ir para a chopada fazer uma surpresa
pro Bruno imaginando que ele ia ficar super contente.

Me arrumei toda colocando uma blusa vermelha de um ombro só, uma calça jeans
bem bonita com detalhes de pedrinhas, sandálias e arrumei o meu cabelo pranchando só pra
ele ficar mais bonito ainda.

Nem imaginava a decepção que me esperava naquela festa.

Assim que entrei vi logo o Bruno, mas ele não estava sozinho.

Estava encostado na parede perto da porta da boate e beijando justamente a Carina no


maior amasso e na frente de todo mundo.

Não sabia se eu chorava de decepção por estar sendo traída ou de raiva por estar sendo
humilhada na frente da escola inteira porque além de tudo ainda ia ficar com fama de
chifruda.

Dessa vez não aguentei, não ia ser corna mansa pelo menos.

Eles iam me pagar pelo que estavam fazendo comigo, principalmente o Bruno, já que
ele era mais safado ainda porque tinha dito que não tava dando mole pra ela e agora estava se
esfregando na vagaba.

114
Andei até eles e puxei ela pelos cabelos até embaixo dando um susto nos dois.

Ela deu um gritinho e juro que joguei ela no chão só pra tirar ela do caminho e acertar
um soco bem na cara do Bruno.

Acertei bem no olho porque ele estava meio bêbado e não esperava, continuei indo pra
cima dando socos no estômago dele e chutes na coxa enquanto ele tentava me segurar pra se
defender em vão.

Um monte de gente se aglomerou envolta, uns rindo do Bruno por ele ser um
marmanjo apanhando de uma garota, e Lucas resolveu separar a briga me segurando.

Gritei:

- Me larga agora Lucas, tira a mão de mim agora porque eu vou embora pra minha
casa. Já dei a lição nesse patife pra ele aprender que comigo não se brinca.

Falei porque sabia que não ia dar pra bater mais no Bruno já que agora tinha gente pra
me segurar e tudo o que me restava fazer era ir embora mesmo.

Mas pelo menos não fui a única humilhada, posso ter sido corna, mas ele também
passou vergonha porque com certeza ia ficar com um bom olho roxo.

Saí daquela festa e comecei a andar pela rua sem rumo.

115
Capítulo 18

Encontro Inesperado

Comecei a andar pela rua sem a menor noção de pra onde estava indo porque agora
minha maquiagem estava borrada e eu não queria chegar a encontrar meu pai pra ele ficar pau
da vida com o Bruno pelo que ele tinha feito comigo.

Meus pais não precisavam saber que eu era chifruda, e a última coisa que eu queria era
eles começando a meter o malho no Bruno e meu pai dizendo : “Eu avisei que aquele garoto
era desses irresponsáveis de farra.”

A única pessoa pra quem eu tinha vontade de ligar era a minha tia Hortência, mas o
telefone estava sem sinal.

De repente comecei a sentir uma estranha sensação de que estava sendo seguida,
comecei a andar mais rápido pelas ruas que estavam completamente desertas já que era um
Bairro Nobre em uma noite de sábado onde a maioria das pessoas ou estava dentro de casa se
fossem velhas ou em alguma boate no Centro da Cidade se fossem jovens.

Olhei pra traz, e não sabia se ficava aliviada porque meu perseguidor não era um
homem nem uma gangu, ou se ficava mais desesperada porque era um cachorro enorme,
assustador e de olhos vermelhos da cor de sangue.

Comecei a correr por puro instinto ignorando as recomendações que os adestradores


davam naquelas reportagens malucas de televisão nas quais eles diziam para não correr dos
cachorros grandes quando eles ameaçavam nos atacar porque isso só os incitaria a correr mais
ainda atrás de nós e saí em disparada o mais rápido que pude.

116
Corri tão rápido que perdi a noção das coisas, não via mais nada na minha frente além
do desejo de me afastar dali, e olha que eu corria rápido mesmo já que nas minhas aulas de
artes marciais o instrutor costumava mandar agente correr envolta da sala.

Só que o animal corria muito mais rápido e estava me alcançando, até que em um
determinado momento senti algo segurando meu braço, mas não eram dentes afiadíssimos
rasgando minha pele como imaginei e sim uma mão grande, forte e fria enquanto a outra
tapou minha boca:

- Não vou macucá-la, ma chérie. Apenas não grite, só quero conversar.

Arregalei os olhos assim que ouvi aquela voz com aquele sotaque francês tão sensual e
ao mesmo tempo ameaçador. Um frio passou pela minha espinha, mas Antoine não me
machucou, foi soltando as mãos de mim suavemente e não tentei correr porque sabia que ele
me alcançaria.

O jeito era tentar manter a calma por mais que fosse difícil na minha situação depois
de tudo o que eu havia passado:

- O que está fazendo aqui? Veio me matar?

Droga! Eu estava tremendo, e tinha certeza de que Le Rouge percebeu. Estávamos


parados justamente em uma pracinha, e ele se sentou em um banco olhando para mim com
aqueles lindos olhos que agora estavam da cor de mel:

- Non, se eu quisesse matá-la já o teria feito Rosa. Estava apenas observando-a porque
de alguma maneira você chamou minha atenção. Percebi o que aconteceu naquela festa e
quero dizer que aquele rapaz não é digno de suas lágrimas.

Uau! O cara falava como um verdadeiro Dom Juán. Estava sendo simpático e
cavalheiro como uma espécie de príncipe encantado.

Seus cabelos estavam soltos dessa vez levemente cacheados e ele usava uma camisa
branca que estava meio aberta e uma calça cinza escuro com suspensórios de um jeito que os
vovôs costumavam usar, só que nele ficar super sexy por ele ser jovem e gato:
117
- Então está me espionando? O que quer comigo?

Mandei na lata, sei que fui grossa, mas eu já tinha problemas demais e queria saber o
que aquele vampiro pretendia comigo. Porque se era me infernizar a minha vida já estava
infernal o suficiente:

- Bem, confesso que estive mesmo espionando, e peço perdon por isso, mas acontece
que é uma jovem muito interessante, jamais havia visto uma como você pessoalmente.

Ergui uma das sobrancelhas sem entender o que ele queria dizer com aquilo:

- Como assim? Não estou entendendo, pensei que estivesse apenas com o orgulho
ferido porque duvidei de você no site e está aqui para se vingar.

A reação dele me surpreendeu, Antoine começou a rir achando graça do que eu havia
dito, ele estava sentado de forma largada naquele banco exatamente como um adolescente e
não como um vampiro de sabe-se lá quantos anos:

- Hahahaha, vocês humanos e jovens são mesmo muito engraçados, Rosa. Se bem que
você não é lá uma humana comum. Mas ainda assim é muito presunçosa em achar que uma
bobeira como aquela naquele chat pudesse ser o suficiente para eu vir da França até aqui para
me vingar. Faça-me o favor!

Pisquei os olhos algumas vezes incrédula com o que ele havia dito:

- Não está aqui por minha causa? Então...o que veio fazer aqui?

Ele me olhou nos olhos ajeitando-me e respondeu agora sério, mas notava-se que era
sincero:

- Vim para o Brasil passar alguns anos e aproveitando para fazer exposição da minha
Arte. Como vampiro não posso ficar durante muito tempo em um lugar só e tinha curiosidade
de conhecer o seu país, ma chérie.

- Como você sabia então que eu era a The Lady of the night?
118
Perguntei porque ainda não estava convencida de que ele dizia a verdade. Se pessoas
comuns mentiam por que não um vampiro não teria coragem de fazer a mesma coisa?

- É sobre isso que quero conversar com você. Como já deve imaginar nós vampiros
somos seres muito sensitivos e notei uma energia diferente enquanto teclávamos naquele site.
Sei que também sentiu porque percebi que também é sensitiva e reconheci a mesma energia
assim que a vi. Não fui o único a reparar, e Branwen reconheceu o que era essa estranha
energia.

Agora entendia o que ele quis dizer com eu não ser uma humana comum. Senti que Le
Rouge sabia sobre os meus dons. Quem diria que talvez ele fosse a pessoa capaz de explicá-
los?

- Verdade? E o que tem a dizer sobre isso? Quer dizer, eu vejo uma espécie de aura
negra envolta de vocês e algumas coisas acontecem comigo. Você poderia explicar?

Confessei a Le Rouge não sei porquê, mas minhas intuição dizia que eu podia confiar
nele, que apesar dele não ser totalmente bom também não era totalmente mau.

Ele fez sinal para que eu me sentasse, e obedeci sentando-me ao lado dele naquele
banco de praça.

A noite estava escura e negra, não dava pra ver a lua no céu mas era como se Le
Rouge a iluminasse porque estranhamente eu não estava com medo.

Os olhos dele estavam tranquilos e eu sabia que ele não iria me matar e nem fazer
nada de ruim comigo:

- Não sei ao certo, mas Branwen é irlandesa e acha que você pode ser alguma espécie
de fada. Ela disse que já encontrou criaturas como você antes dos cristãos chegarem na
Irlanda, isso já faz muito tempo.

Quando ele disse isso na mesma hora lembrei do livro que supostamente havia sido
deixado por um de meus pais na porta dos meus avós adotivos.

119
O livro contava justamente a história de uma fada e estremeci.

- O que foi?

Ele perguntou percebendo que eu havia estremecido com o que ele havia falado:

- Nada, é que isso que você falou me lembrou uma coisa. É que sou filha adotiva, e
minha mãe biológica deixou um livro na porta dos meus avós adotivos a alguns anos que era
justamente sobre fadas.

Antoine pareceu interessado:

- Poderia trazer este livro, ma chérie? Talvez eu possa ajudá-la a descobrir quem são
seus pais verdadeiros. Imagino que tenha essa curiosidade, pelo menos todos os órfãos que
conheci sempre desejaram saber quem eram seus pais e creio que posso encontrá-los se assim
desejar.

Não pude disfarçar o quanto meus olhos brilharam e meu coração bateu forte com
aquela notícia. Tudo bem que eu tinha me conformado que nunca saberia quem eram meus
pais biológicos e saber que meus pais adotivos me amavam e que eram a coisa mais
importante na minha vida havia me ajudado a aceitar esse fato.

Mas lá no fundo eu ainda tinha a curiosidade de saber de onde vim, conhecer a minha história
mesmo que talvez ela não fosse muito boa.

- Por que faria isso por mim, Antoine?

Perguntei, afinal de contas ele não estava ganhando nada com aquilo, por que me ajudaria
assim de graça? Ele percebeu a desconfiança nos meus olhos misturada ao desejo de saber
quem haviam sido meus pais biológicos.

- Porque me interessei por você e porque realmente quero ajudá-la, Rosa. Faz muito
tempo que não sinto interesse assim em alguém.

Senti minhas faces corando, eu estava sentada bem próxima a ele e de propósito, de
repente eu tinha esquecido dos meus problemas com Bruno e de que Antoine era um vampiro.

120
Ele acariciou meu rosto tocando minha pele com seus dedos frios e nossos olhares se
encontraram.

Toda a minha atração por Antoine estava presente naquela noite, mas ele levantou-se
quebrando aquele clima:

- Está na hora de ir pra casa agora, Rosa. Vou acompanhá-la já que a noite pode ser
perigosa para uma mortal.

E caminhamos em silêncio até chegar na esquina da minha casa, ele despediu-se de


mim com um beijo na mão, mas eu preferia que aquele beijo tivesse sido nos lábios por mais
que sua pele fosse fria e sua aura fosse escura e estranha.

Entrei em casa, e meu pai estranhou o fato de eu ter chegado tão cedo da festa:

- O que aconteceu Rosa? Chegou cedo desse jeito da festa, aconteceu alguma coisa?

Odiava mentir para os meus pais, mas eu não estava com disposição pra contar tudo:

- Não, só estava um saco e decidi voltar pra casa. Vou ficar um pouco na internet, sim?

Pra minha sorte ele estava assistindo um jogo de futebol na televisão e por mais que
fosse um pai preocupado não resistiu quando seu time fez um gol e voltou seus olhos para a
televisão.

Fui direto pro meu quarto aliviada.

121
Capítulo 20

Mudança Radical

Assim que cheguei no meu quarto pensei em Antoine e na sua vontade de me ajudar.
Tive a intuição de que ele realmente planejava isso.

Tirei aquelas roupas e fui tomar um banho bem quente como se pudesse lavar do meu
corpo toda a confusão daquela noite e todo o meu passado com Bruno, e cheguei a derramar
algumas lágrimas ali embaixo do chuveiro.

Não que eu desejasse que Bruno voltasse, ele havia me envergonhado e me traído,
mesmo que eu quisesse depois de ter espancado ele na frente de todo mundo seria meio difícil
ele me querer de volta. Mas ele realmente não me merecia, Antoine tinha toda razão.

Terminei aquele banho, sequei meus cabelos e entrei na internet, tratei de tirar logo o
namorando do meu perfil e também o nick “Rosa S2 Bruno” que eu havia colocado para pôr
apenas o meu nome.

Apaguei todas as fotos em que estávamos juntos no meu álbum e deixei apenas as
minhas fotos com as minhas amigas, assim como também apaguei todos os depoimentos que
ele havia me deixado com versinhos de namorado que eu sabia que ele não havia escrito pra
mim e sim copiado de uma daquelas comunidades de depoimentos prontos.

Saí da internet e fui ler um livro até pegar no sono e acabei tendo uma noite de sono
bem tranquila.

Acordei cedo no dia seguinte, fui tomar café da manhã com a minha família e minha
mãe me deu o dinheiro que ela tinha me prometido pra ir no salão de beleza cuidar dos meus
cabelos.

122
Agradeci a ela com um beijo no rosto, me arrumei e fui.

A cabeleireira perguntou se eu ia apenas retocar a raiz, e foi o que realmente fui fazer
naquele salão, mas assim que sentei naquela cadeira lembrei-me de Antoine soltando meus
cabelos e mexendo neles dizendo :

“A senhorita é muito bonita, imagino que deva ter muitos namorados, mas creio que a
sua beleza natural a faria sobressair muito mais, já que ficaria como uma verdadeira obra de
arte. Veja.”

No dia em que o vi pela primeira vez na Oficina de Artes, e sei que isso pode parecer
loucura, ainda mais porque eu sabia que estava fazendo para agradá-lo. Queria ver se ele diria
alguma coisa quando visse.

- Não, coloque em um tom de castanho mais parecido possível com a cor natural, corte
na altura dos ombros e talvez uma franja de lado também.

Quando a cabeleireira terminou o trabalho eu mesma fiquei surpresa com o resultado.

Tinha ficado bonita e mais parecida com a fada do livro mesmo sendo grandona. Sorri
para o espelho tendo noção do quanto eu estava diferente. Ainda mais que já tinha um tempão
que eu usava o reflexo loiro, na verdade desde quando comecei a ficar com o Bruno.

Paguei a cabeleireira, comprei um guarda-chuva em um camelô na porta do salão


porque tinha começado a chover e eu não queria molhar o meu cabelo novo, depois fui pra
casa olhar a internet.

Juro que meu orkut tinha sido fuxicado mais de 100 vezes e tinha recados da Carol e
da Taís que ficaram sabendo do que tinha acontecido antes mesmo de eu contar. Não era a toa
que meu celular tinha umas 20 ligações não atendidas porque eu tinha esquecido ele em casa
quando fui para o salão de beleza.

123
“Amiga
Que história é essa de que tu terminou com o Bruno e ainda
Deu porrada nele?
Cara tô tentando te ligar feito uma maluca aqui! Pena que eu
Não estava naquela festa.
Poxa tu terminando o namoro e eu começando um novo com o Gui.
Mas te conto então amanhã na escola.

Blood Kisses

Carol”

Tadinha da minha amiga, o sonho dela de me ver terminando o namoro com o Bruno
tinha se realizado e eu nem pra ligar pra ela pra contar.

Que amiga filha da mãe que eu era! Agora eu entendia todos os avisos da Carol sobre
o Bruno não prestar.

Infelizmente ela esteve certa o tempo todo sobre o caráter dele.

Olhei o recado debaixo e era da Taís:

“Miguxa
Poxa, Caio me contou sobre o que aconteceu entre
Você e o Bruno.
Sacanagem dele te trair logo com a Carina.
Como você tá se sentindo amiga?
Por favor, liga pra mim pra marcar de você e a Carol virem na minha casa.
Saudades
Taís”

Olhei o orkut do Bruno só de curiosidade, e o filho da mãe também já tinha colocado


uma porção de fotos dele com a Carina e tirado o namorando de lá.

124
Não o excluí da minha lista de amigos apenas porque eu ia mostrar pra ele que não ia
ficar triste e que aquele término não ia me afetar em nada, por mais que doesse.

Liguei pras minhas amigas, e combinamos de na Segunda almoçar na casa da Taís pra
podermos conversar as três como antes das férias chegarem.

Não demorou muito a semana começou, acabei chegando atrasada na sala de aula
porque meu despertador tinha quebrado, mas por um lado foi bom porque minha entrada foi
triunfal.

Todo mundo olhou pra mim por causa do visual novo. Percebi que o idiota do Bruno
estava sentado do lado da Carina como se fossem dois namorados e ele estava com um olho
roxo bem visível, mas ignorei e fui logo sentando ao lado da Carol.

Assim que ela me viu abriu um sorrisão:

- Uau amiga! Adorei seu visual novo! Caraca seu cabelo ficou demais! Não pinta mais
de loiro não por favor!

- Não vou mais pintar amiga. Vida nova cabelo novo!

Prestamos bastante atenção na aula já que teríamos prova naquela semana mesmo.

Último ano do Ensino Médio era brabo, eles davam um monte de provas e simulados
super estressantes.

Depois da aula no caminho pra casa da Taís passei por um camelô de bijuterias e uma
delas era justamente um colar com um pentagrama em uma corrente prateada.

Não era de prata verdadeira, e era bem barata, mas resolvi comprar mesmo assim.

Pendurei no pescoço e fui pra casa da Taís junto com a Carol.

125
Capítulo 21

Confiança

Assim que chegamos lá fiquei feliz de ver que minha amiga estava bem melhor.

Ela estava ainda com um braço e uma perna engessados, mas mesmo assim estava
fazendo as lições de casa.

A mãe dela serviu um almoço bem gostoso pra gente lá no quarto dela já que ela não
podia ficar muito tempo em pé, por isso ficava a maior parte do tempo deitada na cama dela.

- E aí, fiquei sabendo que a Rosa terminou o namoro e a Carol começou a namorar.
Como foi isso?

Ainda era chato falar sobre o Bruno, mas não tinha jeito, ela era minha amiga e eu
tinha coisas a falar, na verdade não tinha coisas pra falar só pra ela, mas para as duas juntas
também:

- É amiga, eu peguei ele beijando a Carina em uma festa. Mas tudo bem, fiquei um
pouco triste mas também dei uma bela surra nele.

Taís começou a rir e a Carol também:

- É, ele apareceu na escola todo roxo. Tinha que ver como a Rosa deixou a cara dele.

- Isso não tem graça, tá legal?


126
Repreendi a Carol.
Ela adorava falar mal do Bruno, e agora estava tendo o maior prazer de rir da desgraça
dele.

Foi aí que lembrei de uma coisa que eu ainda não tinha contado pra elas e fiz uma cara
séria e meio preocupada.

- O que foi amiga? Que cara é essa de repente?

Taís percebeu, e eu vi que já era a hora de contar algumas coisas para as minhas
melhores amigas, não podia ficar carregando todo o peso das bizarrices que aconteciam
comigo sozinha.

- Gente, eu não contei tudo pra Carol porque queria contar para as duas ao mesmo
tempo. Mas é que na minha viagem á Glicéria eu descobri uma coisa. Lembra que o pessoal
ficava me zuando porque eu não pareço nem com meu pai e nem com a minha mãe e diziam
que eu era filha do padeiro ou do leiteiro?

Minhas amigas se entreolharam.

- Agente lembra sim amiga. Até agente zuava um pouco mas era de brincadeira. O que
houve? Não vai me dizer que sua mãe traiu mesmo seu pai?

Carol perguntou com aquele jeito meio sem noção dela e recebeu uma cotovelada dada
com o braço bom da Taís.

- Não amiga. Minha mãe jamais faria isso. É outra coisa. Eu descobri que eu sou
adotada.

As duas ficaram com o queixo caído quando contei.

Carol veio logo me abraçando:

- Caraca amiga. Nossa que barra! Mas você soube quem são os seus pais biológicos?
127
- Não. Tudo o que minha mãe biológica deixou pra mim foi um livro contando uma
história de fada. Ela me deixou na porta dos meus avós paternos, os adotivos e por isso
ninguém sabe nada sobre ela.

Por alguma razão eu tive a impressão de que aquilo não era o que verdadeiramente
tinha acontecido.

Mas eram os fatos reais, e Taís era extremamente racional.

Até mesmo pra Carol seria difícil acreditar nas minhas suspeitas porque pra ela era
mais fácil acreditar em mortos-vivos sugadores de sangue que vagam pela noite do que na
verdadeira existência dos seres da natureza.

Eu imaginava que minha mãe talvez fosse alguém com a mesma sensibilidade que eu
em relação aos seres elementais.

Talvez eu tivesse herdado os dons dela.

- Puxa, fico imaginando que deve ser difícil não saber quem são seus pais. Mas pelo
menos a tia Violeta e o tio Ronaldo são gente boa.

Taís disse como que querendo amenizar, esse era o bom de se ter amigas, mesmo cada
uma tendo sua própria dor pessoal elas sempre diziam algo legal para aliviar as nossas.

Minha amiga tinha perdido o irmão e estava toda quebrada em cima da cama, mas
ainda tentava dizer algo legal pra mim:

- É verdade, por isso não estou chateada com eles por não terem contado. Mas aí é que
vem outra novidade. O professor de pintura lá da Oficina, o Antoine que a Carol conheceu
disse que vai me ajudar a descobrir quem é a minha mãe biológica.

Falei, já que eu tinha esquecido de contar pra Carol também.

Ela arregalou os olhos e acabou soltando:

128
- O vampiro? Mas por que ele quer te ajudar assim? Achei que ele quisesse chupar o
seu sangue.

Falou sem pensar.

Taís ficou olhando pra Carol como se ela fosse retardada:

- Vampiro? Mas o deu em você, Carol? Andou fumando maconha é? Que história é
essa de vampiros?

Como eu havia metido a Carol nessa e se tínhamos conhecido um vampiro de verdade


a culpa era minha decidi defendê-la:

- É, sei que isso pode parecer loucura, mas o Antoine é mesmo vampiro, que nem nas
histórias. Eu pensei que tivesse irritado ele em uma sala de bate-papos e ele tivesse viajado da
França até aqui pra me comer, mas não foi isso. Parece que foi só coincidência ele ter me
encontrado e reconhecido minha aura.

- Uau! Mas como você descobriu isso? Falou com o Antoine a sós de novo e nem me
falou nada, né sua vaca?

Carol reclamou.

Ela não estava realmente me chamando de vaca no mau sentido, só que ás vezes
agente se tratava assim como uma brincadeira entre amigas.

- Ah miga, desculpa eu acabei não te contando. No dia que eu terminei com o Bruno
eu encontrei o Le Rouge perto de uma praça. Foi bem estranho, ele estava numa forma de
cachorro parecido com lobo, sei lá e com os olhos vermelhos.

Contei vendo minha amiga ficar impressionada.

Mas aí Taís começou a olhar esquisito pra Carol e pra mim.

129
- Olha, vou ser bem sincera com você Rosa. Acho que esse negócio de ser adotada te
subiu a cabeça e você deveria ir procurar ajuda. Carol com essa maluquisse de rockeira não
está te ajudando e você tá viajando total. Olha só, está até usando essas bujuterias malucas
que ela usa. Será que você não percebe o que tá falando? Sei lá, acho que um psicólogo pode
te ajudar.

Eu teria caído na gargalhada se a Taís não estivesse falando sério.

A garota achou que aquilo fosse mesmo um delírio meu e ficou olhando como se eu
fosse louca mesmo.

Fiquei sem saber o que dizer, mas a Carol nos tirou dessa situação de um jeito que eu
nunca pensei que ela pudesse fazer.

- Hahahaha! Você caiu mesmo nessa Tatá! Putz! Nem percebeu que é brincadeira. A
Rosa e eu combinamos pra ver se você ia cair, né Rosinha?

Ela falou de um jeito tão convincente que percebi que minha amiga daria uma ótima
atriz se quisesse.

Comecei a fingir estar rindo também.

Mas depois disso o clima ficou estranho entre nós três.

Almoçamos na casa da Taís e tudo, mas foi como se estivéssemos lá mais por
obrigação falando de coisas banais exatamente como se conversa com uma colega com quem
não se tem tanta intimidade e não se divide segredos.

Fui embora dali com a sensação de que nossa amizade ficaria abalada pra sempre,
porque antes tínhamos confiança umas nas outras e não havia segredo entre nós três.

Mas agora tínhamos um segredo pra Taís, havia algo que ela não podia saber. Uma
coisa que eu só podia compartilhar com a Carol e com mais ninguém.

130
Capítulo 22

A ajuda de um Vampiro

O dia da aula na Oficina chegou logo, e aprendi coisas bem legais na aula da Branwen.

Mas percebi que ela ficou me olhando esquisito durante a aula como se pudesse ver
alguma coisa através de mim.

Lembrei do que Antoine havia dito sobre ela achar que eu era uma espécie de fada, e
idéia pareceu bem gostosa.

Toda vez que eu me imaginava como uma fada sentia uma espécie de paz no meu
peito e alegria como se fosse a coisa certa para mim.

Tive a sensação de que eu seria feliz correndo pelas matas e aprendendo o


encantamento das fadas.

A aula passou rápido, e na saída procurei pelo Antoine na sala dele depois que todos
os alunos de pintura tinham saído.

Ele estava incrivelmente gato usando uma calça jeans, uma camisa branca com as
mangas dobradas até perto do cotovelo e um avental de pintor.

Os cabelos estavam presos em um rabo de cavalo, e fiquei parada contemplando-o


durante um tempo até que ouvi sua linda voz.

- Ma chérie, sabia que viria, entre. Chegue mais perto.

Senti minhas faces ficando coradas e caminhei até ele um pouco tímida.

131
Era uma droga porque eu não costumava ser tímida com mais ninguém.

Fiquei imaginando se ele me veria como uma simples pirralha com poderes especiais,
interessante de se estudar como apenas um rato de laboratório.

A idéia era de entristecer, porque eu queria que ele me visse como uma mulher
atraente mesmo sabendo que ele era bem mais velho do que eu.

- Oi. Eu trouxe o que você me pediu.

Retirei o livro cuidadosamente da mochila e entreguei a Antoine como quem entrega


um tesouro.

De fato aquele livro realmente era um tesouro pra mim por ser a única coisa que eu
tinha ganho dos meus pais biológicos.

Ele pegou delicadamente como que entendendo o significado que aquilo tinha para
mim e começou a folheá-lo.

- Por favor, tenha cuidado. Gostaria que me devolvesse logo. É importante para mim.

Ele balançou a cabeça afirmativamente, retirou um caderninho e uma caneta do bolso


e anotou o nome do livro e o nome do autor.

Depois me devolveu:

- Aqui está, só vou precisar disso por enquanto.

Peguei o livro guardando-o de novo na mochila:

- Obrigado.

Ele sorriu, levantou-se e foi até mim começando a mexer nos meus cabelos como
tinha feito na noite em que nos conhecemos:

132
- Está linda desse jeito, Rosa. Vejo que seguiu o meu conselho. Agora sim está
perfeita.

Seu dedo frio tocou a minha bochecha em uma carícia, e me senti embriagada com o
delicioso perfume que ele tinha.

Como era possível que um morto-vivo cheirasse tão bem?

Depois tirou a mão do meu rosto e fiquei um pouco decepcionada porque estava
desejando que ele me beijasse ali mesmo naquela sala de aula.

Queria tanto saber como era o gosto dos lábios dele!

Me recompus porque senti que tinha que falar alguma coisa, mesmo meu coração
batendo tão acelerado:

- É. Você tinha razão. Também gostei mais assim, e minha amiga Carol também.

Antoine sorriu, e segurou entre as pontas do dedo indicador e polegar o meu


pentagrama novo:

- Sabe o que esse símbolo significa?

- Sim, um Símbolo da Magia, não?

Ele tirou a mão do pingente.

- Simboliza os cinco elementos. Terra, Ar, Água, Fogo e Espírito. Como é um


pentagrama apontando para cima representa o domínio do Espírito sobre a matéria. Claro que
existem outros significados atribuídos a ele.

Aquele conhecimento sobre Magia de Antoine me pegou desprevenida.

O cara entendia mesmo das coisas.

133
- Uau! Então você tem conhecimento sobre Magia? Não sabia que vampiros podiam
ser bruxos também.

Ele riu e não gostei porque me senti muito infantil e inexperiente perto dele.

- Nem todos os vampiros são bruxos. Na verdade existem alguns que são até mesmo
cristãos. Mas acontece que eu já era um bruxo antes de ter me tornado um vampiro. Na
verdade foi justamente por causa disso que me tornei o que sou hoje.

A história de Antoine despertou minha curiosidade.

- Verdade? Como foi? Eu gostaria de saber.

Pacientemente ele tornou a sentar-se no banquinho e começou a me contar.

O engraçado era que enquanto ele falava as imagens passavam na minha mente como
se eu pudesse ver o pensamento dele:

- Isso foi a alguns séculos atrás. Eu nasci em uma cidade chamada Provença na França
e quando meus pais morreram de uma doença que não me lembro direito qual era fui
mandado para ser criado com um tio, esse meu tio era um bruxo. Me ensinou as Artes da
Magia e o Paganismo puro com seus Deuses Antigos e elementos da Natureza. Mas na
adolescência não me conformei com o poder e sabedoria Antigos e um colega me levou para
conhecer um grupo que tentava obter poderes para si próprios. Estudávamos um meio de obter
a imortalidade porque não queríamos passar pelo Ciclo da Morte e do Renascimento sem
saber que não estávamos preparados para o peso da imortalidade no corpo físico. Nossa alma
é imortal, mas ás vezes é um fardo carregarmos tantas lembranças e tudo o mais de uma vida.
Resumindo, depois de muito estudar até mesmo a Alquimia sem obter resultados,
descobrimos que haviam seres da Noite que tinham a nossa tão desejada imortalidade.
Descobrimos que o poder deles estava em seu sangue e em suas energias, assim como
também descobrimos suas fraquezas. E foi assim que nos tornamos o que somos hoje. O final
dessa história não foi dos mais agradáveis, porque uma vez dotados de poderes decidimos
aproveitar o máximo tudo o que tínhamos com a inconsequência dos jovens. Não tínhamos
nenhuma responsabilidade, e foi por causa disso que fui o único do grupo que ainda está vivo.
Os outros se suicidaram, ou acabaram sendo mortos por caçadores. Sim, eles existem.
134
Achei impressionante a história de Antoine.

Uma vez havia ouvido uma história de RPG que a Carol tinha me contado que era
parecida:

- Nossa, mas isso parece uma história de RPG da White Wolf!

Ele começou a rir achando engraçado mais uma vez:

- Bem, os escritores têm que se inspirar na realidade, não? Mesmo por que meu Coven
não foi o único que teve essa idéia. Varios outros grupos de jovens bruxos no mundo fizeram
a mesma coisa. Além do mais te digo que muita coisa que você lê nos livros é mentira, mas
também tem muita coisa que é verdade.

Queria perguntar mais porque aquilo estava aguçando mesmo a minha curiosidade,
mas a porta se abriu e vi uma Branwen com expressão furiosa nos encarando.

- Não creio que seja apropriado ficar por aí trocando segredinhos com uma aluna
menor de idade que nem ao menos é da sua turma, Antoine.

Enxerguei ciúmes nos olhos dela e senti arrepios.

- Rosa e eu já estávamos terminando nossa conversa, Branwen. Está mesmo na hora


do jantar.

Ele disse e depois voltou-se para mim:

- Tenho que ir agora, ma chérie. Mas nos veremos logo.

E saiu acompanhando ela.

Fiquei com raiva da Branwen, e percebi que a raiva na verdade era ciúmes queimando
dentro de mim e me deixando louca.

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Capítulo 23

Descobertas

Agosto terminou, e nada demais aconteceu exceto o fato de que o idiota do Bruno
tinha começado a namorar com a Carina e ela fazia questão de ficar agarrando ele e beijando
o tempo todo na escola como um verdadeiro chiclete só pra me provocar.

Mal sabia ela que eu nem ligava mais pra ele, porque agora era Antoine que povoava
meus pensamentos.

Toda vez que eu ia para minhas aulas de piano eu olhava pra ele e olha que eu estava
detestando aquelas aulas porque sabia que a Branwen não gostava de mim, me ignorava
durante e deixava aquilo muito claro pelo olhar.

Minha vontade era de parar com aquelas malditas aulas porque eu não precisava de
verdade daquilo. Podia muito bem esperar o ano do vestibular passar e ir fazer aulas de piano
em outro lugar.

Mas aí eu não ia ter nenhuma desculpa pra ver o Antoine na Oficina já que o horário
da aula dele não batia com o da minha tia.

Não nos falamos mais depois daquele dia e eu parei de sentir a sensação de que estava
sendo seguida. Aquilo me incomodou profundamente porque pensei que ele tinha perdido o
interesse em mim, o que era uma droga.

Decidi parar de pensar naquilo.

Continuei a frequentar o grupo de estudos sobre Magia com a Carol, e estava


gostando.

136
Tanto que decidi fazer uma tatuagem de triskelion nas costas. Fiz coloridinha e ficou
muito linda.

Pequena sem chamar muita atenção e em um local aonde eu podia esconder dos meus
pais.

Quem fez foi justamente um amigo da Carol era menor de idade também, mas que
sabia fazer tatuagens porque o irmão mais velho era tatuador e havia ensinado a ele como
fazer.

Carol aproveitou e tatuou um dragão vermelho muito lindo que pegava toda sua
cintura de um lado só. A tatuagem dela saiu cara pra caramba, mas ela tinha avisado aos pais
que ia fazer e eles não brigaram com ela nem nada, só ficaram chateados foi quando viram o
tamanho do desenho.

Apesar dessas pequenas mudanças eu não virei uma gótica nem nada do tipo,
continuei usando minhas roupas normais e escutando minhas músicas de sempre.

Apenas comecei a cuidar melhor da Natureza e do jardim lá de casa.

Minha tia gostou muito da minha mudança, e ela acabou achando que o meu término
com o Bruno foi uma boa coisa.

Como disse, minha vida estava correndo em um ritmo bem normal entre aulas e estudo
para as provas e para o vestibular até que no meio de Setembro certo dia cheguei na sala de
aula, sentei na minha carteira normalmente para assistir a aula quando Carol chegou um
pouco atrasada e ficou me olhando esquisito.

- Que foi Carol? Parece que você viu um fantasma.

Falei. Ela continuou séria, parecia que estava com um pouco de medo.

Tirando isso não tinha nada de muito diferente nela, estava bonita com duas marias-
chiquinhas altas no cabelo, maquiagem mais pesada nos olhos, estava usando lentes de
contato verdes e pulseiras de spike.
137
- Amiga, você se lembra de quando fomos na primeira reunião do grupo de estudos
sobre a Wicca e Magia, que você viu aquelas coisas na água?

- Lembro sim amiga, por que?

- É que ontem eu encontrei com a Sara na lan e ela me contou que a Raíssa está
grávida e foi expulsa de casa. Teve que ir morar na casa do João Pedro e tudo. E o pior é que
pelo tempo parece que ela já estava de quatro meses mas estava escondendo de todo mundo.
Sua Visão estava certa.

Ela me contou, e vou confessar que achei legal saber que eu tinha mesmo um dom,
lamentei pela Raíssa porque achei brabo isso negócio de ser expulsa de casa. Que coisa mais
careta! Se eu ficasse grávida é claro que meus pais ficariam chateados, decepcionados e até
envergonhados, mas jamais me expulsariam de casa. Com certeza me apoiariam e fariam de
tudo para que eu e o bebê ficássemos bem.

- Puxa que chato amiga. Ah mas de repente depois eles se arrependem e fazem as
pazes com ela. Esse negócio de expulsar de casa por gravidez está tão ultrapassado. Ela deve
estar bem triste, né?

Carol revirou os olhos:

- Ah amiga. Mas não é esse o problema. A sogra da Raíssa até que é legal e vai cuidar
bem dela. O João Pedro é meio idiota e mauricinho mas também gosta de verdade da Raíssa.
O problema são as suas visões. Você teve uma ruim sobre mim e agora eu tô com medo.

Agora eu entendia porque ela estava fazendo tanto drama, porque eu a tinha visto
diferente e para ela a pior coisa do mundo seria mudar.

Eu entendia bem minha amiga, e decidi dizer alguma coisa mesmo não acreditando
que fosse verdade para acalmá-la:

- Vai ver a Visão que eu tive sobre você estava errada. Relaxa Carolzinha. Pode ter
sido só coincidência.

138
- Duvido. Porque não foi só essa a Visão que você teve que se concretizou. Ai eu não
queria falar nada não, porque o Michel me pediu segredo. Mas ele conheceu um cara loiro
semana passada, e está gostando dele, mas ele não quer que ninguém saiba porque o cara é
estagiário da empresa que o pai dele trabalha.

Meu queixo caiu.

Não pensei que minha Visão pudesse ser tão rápida, duas das coisas que eu havia visto
na água tinham acontecido. Agora só faltavam as outras duas: A viagem da Sara e a mudança
da Carol.

A professora Liliane entrou na sala meio atrasada, e aquilo acabou sendo um alívio
porque foi um motivo pra interromper a minha conversa com a Carol.

Minha amiga acabou esquecendo daquele assunto já que era dia de prova naquele dia e
usamos o recreio pra estudar para a prova que ia ser no último tempo de aula.

A noite finalmente chegou, e eu estava voltando das minhas aulas de Artes Marciais
caminhando pela rua quando comecei a sentir a sensação de estar sendo seguida, mas não tive
medo porque pude sentir aquela aura escura que antes me apavorava agora a minha volta.

Incrível como a apenas um mês atrás eu teria saído correndo dali, mas eu sabia quem
estava me seguindo. Virei e vi o lindo cachorro de olhos vermelhos parado atrás de mim:
- Ah, agora resolveu voltar a falar comigo, é?

Na mesma hora ele assumiu sua forma humana:

- Nunca disse que tinha parado de falar com você, ma chérie. Apenas andei ocupado
pesquisando algo que é do seu interesse.

- Durante o mês inteiro?

Perguntei sabendo estava sendo infantil, mesmo porque eu não tinha nada com
Antoine e mal nos conhecíamos. Tudo bem que eu sabia sobre o segredo dele, e ele sobre o
meu, mas a verdade mesmo era que eu estava com ciúmes dele com a Branwen.
139
- Perdão ma chérie, é que esqueci que um mês para vocês humanos é muito mais
tempo do que é para nós seres da noite. Mas acho que posso me redmir pagando um jantar
para você enquanto te conto as novidades.

Ele ofereceu, e pensei que eu adoraria jantar sozinha com Antoine como se fôssemos
um casal, mas o problema era que eu estava toda soada, com uma camisa preta fedida, um
short que eu tinha trocado antes de ir pra rua e uma mochila pesada nas costas com meus
uniformes de Artes Marciais, luvas de boxe etc...

Sem condições de entrar em qualquer lugar pra comer sem que as pessoas quisessem
trocar de lugar incomodadas com meu cheiro.

- Não obrigada. Como pode perceber acabei de chegar da Academia, então não vai
rolar.

- Nesse caso podemos adiar para outra ocasião, não? Mas como sei que está curiosa
vamos nos sentar ali naquela praça e conto as novidades para jantarmos fora outro dia.

Cara fiquei feliz pra caramba quando percebi que Antoine estava me convidando pra
sair.

Ah se aquela vaca da Branwen soubesse disso! Ia se rasgar toda de ciúmes com


certeza.

- Tá legal.

Falei sentando no banco de praça. Então ele começou a falar:

- Estive em Glicéria, a cidade de onde você veio. E descobri uma coisa muito
interessante. O autor do livro que foi deixado para você, Ian Gallagher morou em Glicéria, e é
descendente de Irlandeses.

- Uau!

Soltei a exclamação!
140
Que coincidência, mas se bem que a história lembrava muito os livros de contos de
fada cujas histórias se passavam na Irlanda.

- Mas se ele morava em Glicéria então deve ser algum tipo de parente da minha mãe,
não? Será que ela também é descendente de irlandeses? Isso pode explicar a afinidade que
tenho com a Natureza.

Falei animada por saber da possibilidade da minha família biológica ser tão legal. Mas
Antoine balançou a cabeça negativamente.

- Não. Eu estive com Ian, atualmente ele mora em São Paulo com a esposa e os filhos.
Ele ficou bem surpreso quando viu que eu também não era um humano comum. Teve um
pouco de medo, mas acabou me contando a história toda. Juro que fiquei na dúvida de que
aquilo era possível, mas devo dizer que é mais pura verdade já que conferi através da hipnose.

- Hipnose?

Franzi a testa e ele sorriu com seus maravilhosos dentes cor de pérola:

- Sim. Como você acha que nós vampiros conseguimos nos alimentar sem
conseguirmos ser vistos? Nós usamos a hipnose para beber o sangue das pessoas e elas nem
se dão conta. Quer dizer, a maioria de nós já que alguns preferem se alimentar de sangue de
pequenos animais, mas não surte o mesmo efeito já que o que realmente nos alimenta é a
energia espiritual das pessoas que está presente no sangue.

Balancei a cabeça indicando que estava entendo, e realmente aquilo fazia sentido.
Porque se de repente fossem encontrados cadáveres com pescoços furados e sem sangue, ou
se os vampiros saíssem por aí mordendo qualquer um certamente a polícia iria estranhar.

A idéia da hipnose até que não era tão ruim já que eles não matavam as pessoas:

- E como vocês fazem com as marcas das mordidas? As pessoas não reparam os furos
dos caninos no pescoço?

141
Perguntei curiosa, já que eu repararia se de repente aparecesse uma marca de mordida
no meu pescoço mesmo se não lembrasse como a havia conseguido:

- Não. O processo de cura é bem rápido porque o mesmo poder de regeneração que
está no nosso corpo e que faz com que se caso agente se machuque está presente na nossa
saliva. Por isso a mordida some antes mesmo que a pessoa volte a si. A única coisa que
acontece com o humano mordido é que ele se sente fraco e sonolento durante um dia ou mais
por causa da perda de sangue e pelo efeito da hipnose. Mas a maioria de nós escolhe pessoas
bêbadas em boates mesmo que sequer notam a diferença depois já que pensam se tratar de
uma ressaca;

Antoine explicou, e depois disso fiquei com um pouco de medo de ir a boates e acabar
virando o lanche de algum vampiro. Podia até já ter acontecido isso e eu nem saber.

- É, vocês são espertos mesmo. Mas voltando ao assunto, qual é mesmo a minha
verdadeira história?

Lembrei que aquilo realmente importava porque estava ficando tarde e eu não tinha
avisado aos meus pais que chegaria mais tarde em casa. Então para que não ficassem feito
doidos ligando pro meu celular e me dando esporro decidi que a conversa tinha que ser mais
rápida por mais que eu adorasse a idéia de ficar perto de Antoine.

Mas deixá-lo me ver também naquele estado depois das minhas aulas na Academia
também era constrangedor já que eu queria parecer sensual pra ele.

Antoine segurou minha mão acariciando-a e brincando com meus dedos.

- Sua história é justamente a história do livro. Seu pai conheceu sua mãe em um
círculo de fadas, eles tentaram viver juntos mas não deu certo. Quando você nasceu ela
entregou você para ele. Só que como ele não podia dizer á esposa, tratou de arranjar uma
família legal pra você e lembrou-se de um casal do Rio de Janeiro que estava em Glicéria cuja
mulher estava sentindo-se triste por não conseguir ter um filho. Sabia que ela iria gostar de
receber você como um presente e que cuidaria bem. Depois ele escreveu um livro contando
sua história, publicou, e deixou um exemplar na casa dos seus avós na esperança de que

142
chegasse até você para que conhecesse a sua história e partiu para São Paulo. Ian Gallagher,
escritor do livro é seu pai biológico.

Ele contou me olhando nos olhos, e juro que achei que ele estava me fazendo de idiota
ou qualquer outra coisa do tipo, porque dizer que eu era filha de uma fada já era demais:

- Pera aí! Você está exagerando não tá não? Não precisava mentir sobre uma coisa
dessas pra mim. Poxa, se não conseguiu saber nada sobre os meus pais era só dizer. Quer
saber, vou indo embora pra minha casa que é a melhor coisa que eu faço.

Falei levantando brava com Antoine.

Ele levantou-se também e com uma rapidez que nunca vi em ninguém na minha vida
se colocou á minha frente tão perto que pude sentir o perfume dele:

- Não estou mentindo pra você, Rosa. Jamais brincaria com uma coisa dessas porque
sei como isso é importante pra você. Imaginei que não fosse acreditar, por isso vou provar que
é verdade. Ian quer conhecer você, e posso te levar até São Paulo para que o conheça. Prometi
isso a ele.

Falou e eu quase me perdi naqueles olhos cor de mel dele.

Cara, eu estava brava mas mesmo assim ainda queria que ele me beijasse.

- Ah tá! Até parece que meus pais vão deixar eu ir pra São Paulo com você! Que é
mais velho que eu e eles nem ao menos te conhecem!

- Eles não precisam deixar. São Paulo fica perto daqui. Podemos ir e voltar no mesmo
dia de jatinho. Diga a eles que vai a uma festa e que depois vai dormir na casa da sua amiga
Carol nesse final de semana que eles nem vão perceber.

Antoine sempre tinha uma solução pra tudo. Era incrível! E a idéia até que era boa,
mas eu tinha medo de mentir assim:

143
- Não sei se vai dar certo. Meus pais são amigos dos pais da Carol. Eles podem ligar
pra casa dela e descobrir que eu não dormi lá. Ainda mais minha mãe que é amigona da mãe
dela.

Expliquei.

Ele deu outro daqueles sorrisos que me derretiam toda:

- Isso não é problema. Posso hipnotizá-los sem que eles fiquem sabendo. Não aceito
não como resposta. Sábado a noite vou te pegar a um quarteirão da rua da Carol. Se você não
estiver lá passo na sua casa para te buscar. Agora tenha uma boa noite, ma chérie.

Beijou minha mão, e depois desapareceu correndo rápido demais para que eu pudesse
vê-lo.

144
Capítulo 24

Hipnose

Antoine me surpreendeu logo que chegou a Sexta Feira, eu tinha saído com meus pais
para ir a uma pizzaria em um passeio em família já que a mamãe estava com vontade de
comer em um rodízio de pizza quando na saída enquanto íamos voltar para o carro no
estacionamento Le Rouge nos parou para me cumprimentar:

- Olha só como esse mundo é pequeno, logo você por aqui, Rosa?

Minha mãe ficou encantada com ele, afinal ele era lindo de morrer e jovem do tipo que
toda mãe adoraria como genro, além de estar bem vestido e demonstrando que tinha dinheiro.
Não que minha mãe fosse mercenária nem nada, ela não era nada do tipo. Sempre falou pra
mim que eu tinha que me casar por amor já que dinheiro não era tudo na vida. Contava
histórias de pessoas que eram riquíssimas, mas extremamente infelizes, por isso se eu gostasse
de algum jovem que fosse pobre porém honesto ela dizia que faria muito gosto da nossa
união. Mas se eu gostasse de alguém que fosse rico o dinheiro seria apenas lucro, afinal
sabíamos que dinheiro não era tudo, mas podendo ter amor e dinheiro era melhor ainda.

Meu pai ficou preocupado por eu conhecer um cara estrangeiro e estranho, já que era
mais protetor. Mas assim que expliquei eles ficaram mais tranquilos:

- É sim professor. Mamãe, papai, esse aqui é o professor de pintura de Oficina de


Artes da tia Hortência, se chama Antoine. Professor, esses são meus pais.

Ele segurou a mão da minha mãe delicadamente beijando-a, depois cumprimentou


meu pai para depois inventar uma historinha que eu sabia que era completamente fajuta:

145
- Desculpe por incomodá-los, mas meu motorista me deixou na mão, e não sei como
faço para voltar para meu apartamento, estou a pouco tempo no Brasil, será que poderiam me
ajudar?

- Claro que sim, Amor, acho que não tem problema deixarmos o professor da Rosa no
lugar onde ele está hospedado, não é mesmo?

Mamãe perguntou á papai, e ele acabou aceitando já que não viu problema nenhum.

Olhei para Antoine de forma interrogativa querendo saber o que ele estava aprontando,
e ele apenas respondeu com uma piscadinha.

Logo o safado foi conquistando meus pais de tal maneira que até os convenceu a
aceitarem uma taça de vinho no hotel onde ele estava hospedado, já que era a única bebida
que era permitida pela igreja dos meus pais, e mesmo assim só em algumas ocasiões.

Subimos para o apartamento dele no Hotel que era enorme e luxuoso, tanto que fiquei
maravilhada apesar de estar um pouco enciumada já que o Antoine não estava dando muita
atenção para mim.

Em um determinado momento, mamãe quis ir ao banheiro, e ficamos apenas papai,


Antoine e eu na sala.

Foi aí que de repente ele começou a olhar para o meu pai nos olhos, e estava diferente
porque as pupilas haviam se dilatado e olhos de Antoine começaram a girar!

Aquilo foi a coisa mais estranha que já vi, um poder estranho e ao mesmo tempo
sedutor emanava dela, e papai estava completamente em transe sem mover se quer um
músculo.

Antoine disse em um tom de voz baixo, mas firme dando um comando:

- Você vai deixar Rosa dormir ficar na casa da amiga dela amanhã, e não vai ligar para
saber onde ela está. Sabe que ela está bem e vai querer aproveitar aque ela está longe no final

146
de semana para se divertir a dois com a sua esposa, talvez dar um passeio e levá-la para jantar
fora a sós. E também não vai perceber que vou levantar daqui para ir atrás dela no banheiro.

Papai parecia débil, tanto que cheguei a me assustar.

Depois Antoine levantou-se e foi ao banheiro atrás de mamãe, escutei quando ele disse
a mesma coisa para ela.

O mais engraçado foi que funcionou e eles não desconfiaram de nada, pareciam até
mais felizes depos da hipnose.

Na minha mente formou-se a imagem de como os vampiros hipnotizavam suas vítimas


para alimentação, e fiquei imaginando que aquele poder que eles tinham era realmente útil
para várias coisas, como evitar de ser caçado, conseguir ter documentos sempre condizendo
com a idade que aparenta mesmo tendo séculos de vida etc.

Quando cheguei em casa liguei pra Carol avisando que eu ia ter que dizer pros meus
pais que eu ia para a casa dela só por precaução, ela quis saber mas eu disse que falaria depois
pessoalmente.

No dia seguinte esperei por Le Rouge na hora e local combinados, e ele veio me
buscar de carro para me levar até o aeroporto.

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Capítulo 25

Viajando com Antoine

No carro como estava constrangida fiquei olhando a cidade pelo vidro da janela
enquanto escutava o meu mp3.

Ele começou a puxar assunto cutucando de leve meu braço:

- O que é isso que você tanto escuta no seu mp3, ma chérie?

Passei um fone de ouvido para ele contendo música Renascentista Medieval que eu
gostava e ele fez uma careta que não esperava já que como ele era velho achei que não
curtisse músicas muito modernas?

- Que foi, não gostou?

- Bem, não é ruim, mas pensei que gostasse de algo mais animado, sabe? Alguma
coisa mais jovem.

Ele disse me passando o fone de ouvido:

- Oras, e eu pensei que você não gostasse de música de jovem. Que tipo de música
você curte por falar nisso?

- Não sei, sou um cara bem eclético, mas quem sabe um pouco de hip hop? Posso ser
um cara bem antigo, mas isso não significa que depois de alguns anos agente não enjoe de
ouvir sempre a mesma coisa e não comece a gostar de coisas mais modernas, não?

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Quando ele falou isso comecei a rir e mudei a faixa para uma outra música hip hop
que tinha mais animada, sem ser aquela que era minha com o Bruno porque eu já tinha até
mesmo deletado ela do meu mp3.

Ainda mais quando fiquei sabendo que ele tinha escolhido a mesma música pra ser a
dele com a Carina. Vi isso no orkut dela, ela tinha feito até um vídeozinho ridículo com fotos
dos dois tocando essa música no fundo.

Antoine gostou de ouvir o hip hop e fomos rindo e cantando até chegar no aeroporto.

Era hilário ver ele cantando em Inglês com sotaque Francês.

Assim que chegamos lá ele me levou até seu avião particular, sentamos um ao lado do
outro nas poltronas e recostei minha cabeça no peito dele.

Ele acariciou meus cabelos e depois distribuiu beijinhos por ele.

Levantei meu rosto para olhá-lo nos olhos, e foi aí que os lábios de Antoine
encontraram os meus e demos nosso primeiro beijo.

A boca dele era tão fria, mas mesmo assim achei tão gostoso.

Nos abraçamos e ficamos ali beijando um tempão.

Depois o avião balançou um pouco em uma turbulência e tornei a apoiar a cabeça no


peito dele.

Nossas mãos ficaram entrelaçadas até a hora do pouso sem dizermos uma palavra, mas
agora eu estava feliz porque ele não me via só como uma pirralha, pois pessoas não saem por
aí beijando pirralhas na boca ao menos que sejam pedófilas ou coisa do gênero.

Quando aterrissamos foi que ele voltou a falar:

- Chegamos, eu marquei com Ian em um restaurante que acho que você vai gostar,
lugar discreto e ao mesmo tempo refinado.
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Dei um sorriso, estava nervosa, principalmente porque nem estava muito bem vestida
assim pra ir a um restaurante chic.

Estava usando uma calça jeans, uma blusinha rosa com alguns detalhes em renda no
decote, tinha levado um casaco também rosa porque dizem que em São Paulo faz frio e meus
cabelos estavam soltos.

Já Antoine estava sempre muito bem vestido, assim como Branwen e Tariq.

Fiquei pensando se todos os vampiros andavam bem vestidos, seria isso uma exigência
da sociedade Vampírica?

Ele me tirou de meus devaneios dano um apertão de leve no meu ombro:

- Você entendeu? Vamos, temos que pegar o táxi ma chérie.

- Claro.

Falei, e fui pegar o táxi um pouco ansiosa, afinal não era todo dia que uma garota ia
conhecer seu pai biológico?

Então veio a dúvida, será que Antoine estava me enganando, ou estava realmente me
levando para conhecê-lo?

Logo minhas dúvidas se dissiparam quando chegamos no restaurante.

O lugar era mesmo chic como ele tinha dito, e me senti um pouco inadequada por
causa das minhas roupas, o restaurante era italiano, o que era bom já que eu adorava comida
italiana especialmente lazanha.

Eu tinha levado o livro, porque queria ter certeza se o cara era mesmo o autor.

Assim que chegamos Antoine apontou para um homem de cabelos grisalhos, mas que
notava-se que tinha sido loiro antes dos cabelos ficarem daquela cor e dono de olhos azuis
bem grandes e bonitos.
150
Não era nada feio pra um sujeito de meia-idade.

- Aqui está ele, vamos. Não precisa ficar tímida.

E fomos até o homem que assim que nos viu levantou e olhou pra mim dando um
sorriso:

- Então é ela?

Perguntou á Antoine enquanto me avaliava:

- Oui. Esta é Rosa.

- Ela se parece com a mãe. Claro que é bem mais alta, e mais forte como os irlandeses,
mas tem os olhos, a pele e os cabelos do Povo Pequeno.

Afirmou, e dei um sorriso porque eu adorava ser comparada ás fadas que eu tanto
amava.

Se antes já gostava daquelas histórias, agora elas tinham se tornado mais importantes
ainda pra mim.

O homem continuou a falar:

- Sabe quem sou, Rosa?

- É a pessoa que escreveu o livro “Círculo de fadas”, não?

Perguntei, e o mais engraçado foi que eu achei aquele homem realmente familiar,
como se eu já o tivesse visto antes.

Ele balançou a cabeça assentindo:

- Sim. Sou Ian Gallagher, mas acho que ele deve ter dito que a história que escrevi não
foi inventada. Não era uma obra de ficação, e sim uma biografia, Rosa.
151
- É, Antoine me falou. Ele disse também que sou a criança do livro, e que aquela
história aconteceu com você, não foi?

Perguntei de forma direta, porque eu era assim.

Estava diante do meu pai biológico, e tinha várias perguntas desconcertantes para
fazer.

- Exato. Parece mentira, mas foi a mais pura verdade Rosa. Você é filha de fada. É um
dos seres híbridos das lendas que minha tia sempre contava.

- Como posso ter certeza de que você não está mentindo nem inventando?

Tá legal, sei que fui grosseira, mas não podia simplesmente deixar a razão de lado por
mais que minha intuição dissesse que eu estava certa.

Tudo aquilo era muito surreal. Vampiros, fadas... o que mais haveria no mundo?

Ian ficou com a expressão séria:

- Imagino que algo de diferente tenha acontecido com você. Sempre ouvi dizer que os
hínridos herdavam alguns dons do Povo das Fadas, talvez uma sensibilidade aguçada,
profecia, cura. Não sei exatamente mas deve haver algo inexplicável que tenha acontecido nos
últimos anos. Não consegue se lembrar de nada?

Na mesma hora me veio a mente todos os acontecimentos bizarros sem explicação


científica que tinham ocorrido nos últimos meses.

As previsões, a cura da Taís no hospital e minhas intuições!

Balancei a cabeça afirmativamente, e Ian deu um sorriso.


O garçom nos interrompeu perguntando o que iríamos pedir, Ian e Antoine pediram
taças de vinho e eu pedi uma latinha de refrigerante.

152
Não estava com fome, mas Ian insistiu para que eu pedisse algo para comer, então
pedi uma lazanha de quatro queijos já que era a minha favorita.

Retomamos a conversa assim que o garçom anotou o pedido, e decidi perguntar logo
tudo o que eu tinha para perguntar:

- Você voltou a ver minha mãe depois da noite em que ela me trouxe?

- Não. Depois que deixei você me mudei logo pra cá com a minha esposa. Sabia que
não poderia seguir enfrente se continuasse lá em Glicéria, porque continuaria pensando em
Aurah, e não seria justo com Amélia. Ela casou-se comigo por amor e com o tempo também
aprendi a amá-la.

Não pude deixar de sentir uma pontadinha de raiva dessa Amélia, acho que porque
todo filho quer ver os seus pais unidos mesmo que seus novos esposos não sejam pessoas
más. Agora eu conseguia entender melhor como se sentiam os filhos de pais separados.

- Mas você não pensa mais na minha mãe nem um pouco?

- Sim, penso nela com carinho. Mas Aurah me deixou. Éramos muito diferentes,
apesar da nossa paixão ela não conseguiu viver no meu mundo. Foi se ressentindo de todas as
regras e das minhas cobranças, por isso jamais seria feliz comigo.

Ele explicou com um pouco de tristeza na voz que me fez perceber que ele não tinha
esquecido minha mãe completamente.

- Eu gostaria de conhecê-la. Pode me falar um pouco dela?

Pedi educadamente, tinha muita coisa que eu queria saber sobre minha mãe. Poxa eu
era filha de fada! Isso era a coisa mais maneira que eu já tinha visto até agora.

- Sim. Ela era bem jovem, bonita e também selvagem. Era pura e inocente em tudo o
que fazia, não tinha noção de certo e errado, porque era como uma criança. E acho que por
isso mesmo ela era mais feliz, não era presa a normas e convenções. Mas ao mesmo tempo era
boa e não suportava ver o sofrimento de outros seres, fosse uma planta ou um animal. Era
153
pequena e delicada, os cabelos eram bem escuros e grandes, e ela gostava de se enfeitar com
folhas e flores. Na verdade ela gostava muito das plantas. Acho que teria gostado do nome
que escolheram pra você. Rosa. Sabe, eu espero que não tenha ficado chateada por eu não tê-
la criado. Acho que lhe devo uma explicação pra isso.

Falou a última frase constrangido.

- Bem, o livro dizia que foi porque você já era casado e não quis que a sua noiva
soubesse da história, não?

- Mais ou menos isso, Rosa. Claro que seria difícil explicar a Amélia que eu era pai de
uma criança cuja mãe havia sido uma fada. Eu não precisava necessariamente contar a história
toda, mas quando você chegou eu já estava com a minha viagem marcada e sentia que
precisava deixar o passado pra traz se quisesse fazer a pessoa com quem eu estava feliz. Você
me lembrava Aurah em tudo. E além disso não sei se eu teria feito um bom trabalho como pai.
Estava me dedicando á carreira, Amélia era muito sensível e ciumenta quando era mais
jovem, talvez por sentir a minha falta de dedicação nos primeiros meses de casados. Achei
que você merecia uma família que pudesse te dar amor, carinho e atenção totalmente. E o
casal “das Flores” era perfeito. Os conheci antes de você aparecer e Violeta era uma boa
mulher, mas triste por desejar muito ter um filho. Ela ficava olhando para as crianças com
ternura e vontade de ter uma para amar e cuidar, e o marido era uma pessoa que amava muito
a esposa, além de ser uma pessoa de bem. Eu quis ter certeza de que você teria tudo o que sua
mãe me pediu que você tivesse, e ainda com uma infância feliz que naquele momento eu não
podia dar.

Achei que aquilo não tinha sido desculpa pra não me criar, porque muitos pais tinham
problemas e nem por isso abandonavam seus filhos. Já havia ouvido falar de vários casos em
que mães são abandonadas pelos parceiros e nem por isso deixam seus filhos e os criam como
podem dando amor e carinho.

Mas não estava ali pra julgar ninguém. Achei Ian um cara meio fraco e talvez fosse
bom mesmo eu não ter sido criada com ele e Amélia. Vai que ela era uma dessas madrastas
ruins estilo Branca de Neve?

154
- Não estou chateada com você. Meus pais são ótimos e eu os amo muito. Fez mesmo
uma boa escolha.

Falei, e Ian sorriu.

O garçom chegou servindo nossos pedidos, e então achei melhor fazer perguntas sobre
ele já que eu queria saber se tinha irmãos e outros parentes.

Ian disse que tinha dois filhos, e até me mostrou as fotos deles que ele tinha na
carteira.

Um era garoto, tinha 15 anos e se chamava Rafael. Era loiro como ele, tinha os olhos
castanhos e era meio gordinho com espinhas no rosto. A outra era uma menina bem novinha
chamada Clarisse de uns 9 anos, tinha cabelos loiros também, olhos verdes e usava óculos.
Parecia ser uma daquelas crianças meio nerds na foto. Eles não eram muito bonitos mas
também não eram feios.

Se pareciam mais com Ian do que eu e vi também a foto da esposa dele. Amélia era
uma mulher comum, loira e de olhos castanhos meio gordinha igual o filho mais velho. Mas
não parecia ser má pessoa também.

- Se quiser posso apresentar você a eles algum dia. Agora acho que não tem problema
minha família saber que tenho uma filha mais velha, não gostaria de esconder você mais,
principalmente porque você já sabe a verdade.

Mas eu não queria conhecê-los. Olhei aquelas fotos, mas não os senti como sendo
minha família. Poxa meu pai tinha me abandonado, com uma ótima família mas mesmo assim
me deixado pra viver com outra mulher e ter outros filhos que não tinham nada haver comigo
mesmo! Como eu podia me sentir parte daquilo?

Eu não tinha nada haver com eles mesmo! Mas não quis ser indelicada também, eu
não ganhava nada em ser mal educada com o Ian:

155
- Sim, talvez outra hora. Mas não precisa dizer se não se sentir comfortável. Tenho que
voltar pra casa, muitos trabalhos pra fazer na escola e não quero que meus pais fiquem
preocupados e nem que saibam que eu conheci você porque pra eles eu sou a filha deles.

Ele entendeu o que eu quis dizer, e ficamos um bom tempo conversando sobre outras
coisas como escola, Ian quis saber como eram meus pais e meus amigos, e notei que ele ficou
com uma certa preocupação em relação a Antoine pela maneira que ele olhava, mas não se
atreveu a colocar em palavras.

Quando ficou tarde nos despedimos, mas na saída do restaurante ele me deu um
abraço e disse:

- Rosa, mesmo você não querendo conhecer seus irmãos agora, saiba que vou dizer á
eles que tenho uma filha mais velha e também á Amélia. Eu gostaria de manter contato com
você pelo menos por telefone ou e-mail pra saber como você está e falar com você de vez
enquando. Sei que não tenho direito de ocupar um lugar como pai na sua vida porque o
Ronaldo é seu pai e fez um ótimo trabalho. Mas gostaria de ser pelo menos seu amigo. Pode
aceitar?

Balancei a cabeça afirmativamente, e trocamos telefone e e-mail.

Nos despedimos, e Antoine me levou até um hotel para passarmos a noite já que
pegaríamos o vôo para o rio de manhã bem cedo.

Eu estava super cansada.

Desejei que pudéssemos ficar no mesmo quarto já que confesso que me imaginei
dando uns belos pegas em Antoine.

Mas infelizmente ele tinha bom senso e alugou quartos separados.

Me arrastei para a cama e dormi.

156
Capítulo 26

Viagem entre os Mundos

A brisa era suave e o clima era meio quente, mas não aquele calor infernal do Rio de
Janeiro, e sim um calor gostoso do tipo que fazia com que eu me sentisse a vontade, a
temperatura era ideal.

Havia muita natureza e muito verde, árvores com frutos que pareciam deliciosos de
dar água na boca, mas tudo ali era muito diferente, até mesmo a cor do céu era diferente, mais
colorida e eu me sentia extremamente à vontade ali como se tudo fosse feito de Magia, uma
com uma energia tão boa que parecia certa para mim. Diferente de quando eu estava perto dos
vampiros, era como se tudo fosse envolto de uma luz dourada que dava uma sensação de
alegria e paz ao mesmo tempo.

Vi alguém correndo entre as árvores e sorrindo.

Decidi correr atrás dela também. Era uma garota que parecia ter a mesma idade que
eu, dona de cabelos longos e negros muito bonitos, mas ela era menor do que eu e mais
delicada.

A pele era morena como a minha, e junto com ela alguns animais corriam, como
cãezinhos de pelo enrolado parecidos com “poodles” em cor de caramelho.

Ela percebeu que eu estava correndo também e sorriu, logo a alcancei porque era boa
nas corridas, claro que ela era mais rápida, mas diminuiu um pouco o passo para que eu
pudesse acompanhá-la correndo ao seu lado, pois era divertido.

Estávamos brincando como se fôssemos duas crianças até que resolvemos parar e nos
sentamos na relva. O sol estava fraco, porém bonito. A cor do céu estava meio rosada e meio
alaranjada como um pôr do sol lindo.
157
E o mais engraçado era que me sentia feliz e em paz ali, como se fosse meu lar mesmo
não sabendo onde eu estava.

Olhei para a garota, e senti algo de muito familiar nela, sabia que ela não era humana,
desde a primeira vez que a vira. Ela se parecia mesmo com uma fada! Isso! Era o que ela era.
Emocionei-me ao perceber isso, aquele lugar tão gostoso e aconchegante era o Mundo das
Fadas! Mas eu não podia estar lá de verdade, estava dormindo, pelo menos tinha certeza de
que havia me deitado na comfortável cama de hotel para tirar um cochilo:

- Isso aqui é um sonho, não é? – perguntei.

- Sonhos também são um portal para o nosso mundo, Rosa. É verdade que adormeceu,
mas isso aqui é real.

Ela disse, e sua voz era extremamente suave e familiar.

Havia um tom de sabedoria ali também. Como se apesar da aparência jovem ela na
verdade fosse alguém muito mais experiente, como uma Divindade.

- Você é uma fada, não é? E esse é o seu mundo. É tudo tão lindo, me sinto tão bem
aqui! – falei como se fosse uma criança inocente, ali eu não tinha censura, podia ser inocente
como uma criança e falar como quisesse, porque eu sentia que podia confiar naquela criatura.

- Esse mundo, também será o seu lar se você fizer essa escolha. Ele está sempre com
você, e poderá achá-lo apenas seguindo seu coração, porque dentro você está o caminho. –
disse a fada, mas fiquei muito confusa com aquilo, achei que ela não dizia coisa com coisa,
não conseguia entender.

- Não entendo. Me sinto bem com você, mas não entendo o que diz, e ainda não sei
quem é você. – confessei.

- O que digo você entenderá na hora, criança. Talvez não se lembre de mim, porque já
faz muito tempo para você desde que nos vimos. Você esteve nos meus braços, você veio de
mim.

158
Então finalmente entendi quem ela era, lembrei-me de um tempo em que eu não sabia
ainda falar, e nem me expressar, mas como me sentia feliz e em paz no colo dela, como eu
gostava de seu cheiro!

Seu rosto foi o primeiro que vi na vida e sei que poucas pessoas têm a chance de se
lembrar de como eram seus primeiros dias de vida ao lado de sua mãe.

- Você é! Aurah, a minha mãe!

Eu disse contente por estar vendo-a ali! Senti uma brisa ainda mais aconchegante me
envolvendo, como se fosse feita pelo amor dela, e me aproximei mais.

Era estranho, porque ela parecia ter a mesma idade que eu. Mas também muito certo
eu ser filha dela!

Ela soube o que eu queria, e também se aproximou de mim abraçando-me. Senti muita
paz e muita felicidade.

- Estou feliz por esse momento ter chegado, filha! Você cresceu bela, e viver no
mundo dos humanos não mudou em você o seu lado fada. Tem amor pela natureza e respeito
pela vida e pelas coisas que nos são Sagradas. Estou orgulhosa de você! – ela falou segurando
minhas mãos entre as dela, mão essas que eram menores que as minhas.

- Senti sua falta, é engraçado porque não vivemos muito tempo juntas, mas acho que
preferia ter sido criada aqui. Eu gostaria de ficar aqui com você.

Sei que esse pedido foi egoísta, não pensei em meus pais e nem nas minhas amigas,
mas foi do fundo do meu coração porque eu não me sentia tão bem em nenhum outro lugar
antes, era lá que eu queria ficar.

Aurah acariciou minhas mãos:

- Já disse que poderá fazer essa escolha, Rosa. Mas ainda não é o momento. Você
precisava conhecer o lado dos humanos também, pois pertence aos dois mundos. Mas poderá
escolher vir comigo se o desejar. Será bem vinda!
159
- Sim, eu quero ficar! – falei já eufórica.

- Se assim desejar você vai voltar. Mas agora deve voltar para o outro Mundo e
terminar algumas coisas que estão pendentes lá. Logo chegará o momento de escolher, te
garanto que será rápido, até mesmo para o tempo do seu mundo.

Eu ia retrucar dizendo que não, que não queria mais voltar, mas tudo desapareceu e
logo eu estava outra vez na cama de Hotel.

160
Capítulo 27

Apaixonada

Levantei da cama um pouco perturbada e abri o frigobar para beber uma garrafinha de
água Mineral mesmo sabendo que teria que pagar depois.
Não queria ficar sozinha, estava um pouco chateada por não ter podido ficar no
Mundo das Fadas e com dúvidas ainda se aquilo tinha sido real, mas meu coração dizia que
tinha sido.

Sentia que havia estado lá, e que havia conhecido Aurah.

Decidi procurar por Antoine no quarto dele, bati na porta mas ninguém atendeu.

Empurrei a porta e ela se abriu, mas não tinha ninguém no quarto dele e a janela estava
aberta.

As malas dele continuavam no Hotel, mas senti um desespero ao pensar que talvez ele
tivesse ido embora e me deixado lá em São Paulo sozinha.

Não tinha dinheiro pra voltar pra casa, teria que ligar para meus pais explicando que
havia viajado com um professor da Oficina mais velho do que eu sem autorização deles e que
havia sido deixada sozinha na cidade com uma conta de hotel para pagar ainda por cima.

Um desespero tomou conta de mim e sentei-me na cama de Antoine tentando pensar


em uma segunda opção. Lembrei que ainda tinha o telefone de Ian, meu pai biológico, e tinha
a opção de ligar para ele também.

Será que ele me colocaria em um avião de volta para a casa dos meus pais sem dizer
nada a eles sobre eu ser a filha que ele havia deixado na porta dos meus avós adotivos em
161
Glicéria? Ou melhor, ele realmente se importaria de pagar a conta do Hotel e me mandar pra
casa em segurança?

Decidi esperar mais um pouco, porque talvez Antoine tivesse apenas saído um pouco
já que vampiros eram seres noturnos, não deviam ter o hábito de tirar boas sonecas durante a
noite.

Mas então, será que ele havia arranjado uma boa companhia? Talvez uma linda
vampira tão refinada quanto ele pra compartilhar uma madrugada de prazer...

A idéia causou um aperto no meu peito e ao mesmo tempo uma mágoa e decepção
inenarráveis.

Não podia suportar uma coisa dessas! Imaginá-lo com outra doía muito, mais até do
que a dor que senti quando peguei o Bruno beijando a Carina naquela chopada.

Isso porque eu não era apaixonada pelo meu ex-namorado, e o que tinha me
incomodado foi a traição, e ainda mais a pessoa com quem ele havia me traído.

Senti raiva dos dois, mas ainda mais dele por ser tão idiota de ter me trocado por uma
piranha.

Já com Antoine era diferente, era como ter meu coração esmagado.

Foi aí que percebi que estava apaixonada por Antoine Le Rouge.

Cara! Definitivamente eu era anormal! Como se já não bastasse ser uma garota meio
fada e meio humana, eu ainda estava perdidamente apaixonada por um vampiro!

Um barulho vindo da janela me tirou de meus devaneios, e vi Antoine entrando, e ele


estava assustador com os olhos vermelhos e a boca cheia de sangue, tanto que levei as mãos
aos lábios para reprimir um grito.

- O que faz aqui? – ele perguntou colocando-se de frente para mim.

162
- Eu... tive um sonho estranho e decidi vir aqui conversar um pouco. Eu é que
pergunto, onde você estava? Fiquei apavorada quando não te encontrei aqui. Pensei que
tivesse ido embora e me deixado aqui sozinha em São Paulo.

Falei com as mãos na cintura e tive a noção de que estava parecendo a mãe dele
falando. Acho que ele pensou a mesma coisa porque caiu na risada e seus olhos foram
voltando a cor de mel original.

- Hahahahaha calma ma chérie. Não sabe que eu jamais a abandonaria? Apenas


precisei fazer um lanche. Não avisei porque não quis deixá-la perturbada.

De repente meus olhos pousaram sobre o sangue em sua boca, e aquela visão me
deixou perturbada. Como tinha prestado mais atenção no fato de que ele havia voltado e que
eu não estava mais sozinha, não parei pra pensar que aquilo era o sangue de alguém e a idéia
de que ele havia roubado o sangue de outra pessoa parecia repugnante:

- Você roubou o sangue de alguém?

Falei com expressão de nojo.

Ele se aproximou de mim segurando minha mão com naturalidade como se não
houvesse problema nenhum com aquilo.

- Rosa, isso é absolutamente normal. Também sinto sede. – disse com aquele tom
irônico que admito que era muito sexy.

- Não acho nada normal sair por aí tirando o sangue das outras pessoas sem que elas
saibam disso, hipnotizando-as e enganando as coitadas. Na verdade acho isso repugnante.

Sinceramente não sei o que deu em mim pra eu ser tão grosseira com o Antoine de
repente.

Provavelmente eu estava de TPM naquele dia. Ou ainda estava sob o efeito da idéia de
ter sido deixada para traz em uma outra cidade sozinha. Ele percebeu minha alteração no
humor e de repente ficou mais sério.
163
- Oras, eu não matei ninguém. Ao contrário de vocês humanos que matam toda vez
que se alimentam.

- Está dizendo asneira! Nós não matamos ninguém para comermos. – respondi, sem
entender o que ele queria dizer.

- Claro que matam. Quando comem carne por exemplo, um animal morreu para que
você pudesse se alimentar. Ao comer uma salada, uma planta perdeu sua vida. Por isso digo
que vocês matam toda vez que se alimentam de alguma coisa. Faz parte da cadeia alimentar
que um ser morra para que outro possa sobreviver. O mesmo acontece conosco. Estamos no
topo da cadeia alimentar, a diferença é que a maioria dos vampiros não mata seres humanos,
apenas bebe uma quantidade de seu sangue o suficiente para deixá-los vivos e por isso, eu por
exemplo, não tiro a vida de ninguém cada vez que faço uma refeição.

Cheguei a abrir a boca para retrucar, mas tornei a fechá-la porque sabia que Antoine
tinha razão. Se eu dissesse que era diferente porque animais e plantas eram diferentes dos
seres humanos estaria sendo hipócrita já que sabia que ambos tinham a mesma importância na
Natureza, pois todos eram seres vivos.

Soltei um suspiro tornando-me a sentar na cama.

- Que seja!

Antoine percebeu que havia algo errado comigo, então sentou-se ao meu lado me
abraçando e acariciando meus cabelos de um jeito que só ele sabia fazer, ou pelo menos só
quando ele fazia eu sentia uma sensação tão boa.

- O que foi, Rosa? Alguma coisa a está incomodando? Diga o que queria vir aqui me
contar.

Disse com sua voz tão deliciosa agora em um tom aconchegante, apoiei minha cabeça
no ombro dele sentindo seu braço agora envolta de mim de forma protetora. O cheiro dele era
muito bom. Tanto que me senti a vontade e comecei a contar.

164
- Tive um sonho, que pareceu ser muito real. Nele eu encontrei minha mãe biológica, e
estava no Mundo das fadas. Lá era lindo e aconchegante. Senti muita vontade de ficar lá.

Expliquei estremecendo um pouco, porque compreendi que se eu tivesse ficado lá no


Reino das Fadas, eu não teria mais Antoine ao meu lado, lá eu não senti a falta dele, mas teria
sentido com o tempo?

- Os sonhos são um portal entre os mundos. Talvez você realmente tenha estado lá,
Rosa.

Disse com a boca bem perto do meu ouvido e fechei os olhos para sentir melhor seu
hálito na minha pele relaxando em seus braços.

Logo ele começou a me beijar ali, descendo para o meu pescoço, mas parou
abruptamente e então puxou-me para seu colo afim de beijar minha boca.

Foi um beijo delicioso e foi maravilhoso ficar assim tão perto dele ali naquela cama.
Eu afundava as mãos em seus cabelos e colava ainda mais meu corpo no dele.

Era uma mistura de amor e desejo, uma coisa forte e intensa, ao mesmo tempo que
doce.

Nos deitamos naquela cama enorme provando um o sabor do outro, e cada toque era
mágico, fazendo com que eu desejasse que o tempo parasse para podermos ficar assim para
sempre.

Nos despimos e aquela foi nossa primeira noite de amor, intensa e ao mesmo tempo
doce. Jamais imaginei que algum dia fosse experimentar tal coisa com um vampiro. Na
verdade sequer imaginei que haveria alguém na minha vida além do Bruno.

165
Capítulo 28

A Possibilidade

Voltei para casa, e como já era esperado meus pais não fizeram nenhuma pergunta, na
verdade estavam bem felizes porque haviam feito o que Antoine havia sugerido durante a
hipnose: Aproveitado o final de semana juntos.

Carol me ligou, mas antes de perguntar onde passei o fim de semana ela foi logo me
contando como tinha sido o dela.

Havia sido bem parecido com o meu porque ela também tinha passado com
Guilherme, o novo namorado dela só que na casa dele já que os pais tinham ido viajar e
aconteceu entre eles a mesma coisa que aconteceu entre Antoine e eu.

- Puxa que legal amiga! Também já estava na hora, né? – falei divertida.

- Pois é. E você, o que andou fazendo no fim de semana?

- Ah amiga, você vai cair pra trás quando souber, mas eu saí com o Antoine, e acho
que estou apaixonada por ele.

Ela ficou alguns segundos calada no telefone e achei aquilo estranho, já que ela não
era de ficar calada quando o assunto era ele.

- Como? Amiga, você e o Le Rouge? Mas então ele não queria se vingar porque você
esnobou ele naquele chat?

- Não amiga. Na verdade o fato de ele estar no Brasil e ter me encontrado aqui foi
mera coincidência. – expliquei.

166
- Uau! Nossa, como você é sortuda então. Sabe o que isso significa, não é amiga?

- Não. O quê?

- Que se ele também está gostando de você, então embreve ele vai dar o “abraço”, e aí
você vai ter vida eterna, e vai embora pra sempre.

Sentei na cadeira pra não cair.

Não tinha pensado nisso até aquele momento, sabia que um dia deixaria a casa dos
meus pais porque era a ordem natural das coisas. Os filhos cresciam e iam embora. E claro
que eu adoraria ficar com Antoine, ainda mais se todas as noites juntos pudessem ser iguais a
que havíamos tido naquela viagem. Mas eu não queria viver eternamente para a noite, ter que
beber o sangue dos outros para sobreviver e abrir mão da Natureza e das coisas que eu tanto
amava. Vampiros tinham uma aura negra, embora nem todos fossem maus.

Eles eram criaturas mágicas como as fadas, mas eram diferentes, outro tipo de
criatura;

- Tem certeza amiga? Ás vezes não. Quer dizer, não quero pensar nisso agora. – falei.

- Bem, querendo ou não você vai ter que começar a pensar. Porque quando um
vampiro se apaixona por alguém ele transforma essa pessoa para ser seu companheiro. E uma
vez que a pessoa é transformada não tem mais volta. Eu não pensaria duas vezes no seu lugar,
já que ser vampira é o máximo. Na verdade eu adoraria estar no seu lugar. Não tem idéia do
quanto é sortuda! Tenho que desligar agora porque minha mãe está chamando. Mas olha,
amanhã na escola temos que combinar as coisas pro seu aniversário. Decidir logo o que vai
fazer já que mês que vem completa dezoito anos e provavelmente vai ser a nossa despedida
né? Quer dizer, se você for virar vamp. – ela disse.

- Mesmo se eu virar uma não vou te abandonar amiga.

- Tá bem. Beijinhos.

- Beijos. Tchau.
167
Desliguei agora com mais uma coisa com o que me preocupar: a possibilidade de
Antoine querer me transformar em uma vampira.

Mas afastei o pensamento da minha cabeça, e decidi me preocupar com minha festa de
dezoito anos. Afinal não era todo dia que uma garota fazia maioridade, né?

168
Capítulo 29

Fazendo 18 anos

Aquele mês passou extremamente tranquilo exceto pelo fato que tive que estudar
muito para as provas.

Continuei saindo com Antoine, claro que ás escondidas e ele criou o hábito de sempre
me acompanhar no caminho da Academia para a casa.

Eu não sabia direito como definir a nossa relação, nós nos beijávamos e nos
acariciávamos sempre que podíamos como se fôssemos dois namorados, mas ele nunca me
pediu oficialmente em namoro. Ás vezes isso me incomodava, porque mesmo sabendo que se
estivéssemos namorando seria escondido, eu queria pelo menos saber que éramos namorados.

Não iria poder colocar isso no orkut pra todo mundo ver igual aos outros casais
normais, mas só de saber que eu era namorada de Antoine em segredo já era suficiente.

O único problema era que eu não tinha coragem de perguntar diretamente.

Meu aniversário era naquele dia, 31 de Outubro e decidi fazer uma festa no
Playground da Taís.

Era bem grande, tinha uma pista de dança legal e o aluguel era barato.

Exatamente do jeito que eu queria: uma festa para jovens onde eu poderia chamar
alguns amigos da minha turma e também colegas.

169
Claro que eu não chamaria ninguém do pessoal que eu não gostava, mas tinha outros
colegas sem ser minhas duas melhores amigas com quem eu falava que resolvi chamar
também, fora o pessoal da academia e também da Oficina.

Carol insistiu que a temática tinha que ser Halloween por causa da data.

Apesar do meu aniversário ser no dia das bruxas, nunca tinha feito uma festa com esse
tema porque meus pais eram da igreja e não gostavam. Mas dessa vez eles resolveram não ir á
festa porque sabiam que ia ser festa de jovens com DJ e tudo e como não gostavam muito
disso decidiram fazer um bolinho pra comemorar comigo em casa antes de eu ir para o play
da Taís.

Mamãe me comprou um lindo vestido púrpura um pouco a cima dos joelhos apertado
na cintura mas com uma saia soltinha e de alças que ficou perfeito no meu corpo, graças a cor
ainda combinava com a temática da festa como se ela tivesse advinhado.

Já meu pai me deu um celular novo de presente, modelo mais moderno com uma
câmera de melhor resolução e tudo que eu adorei.

Abracei os dois muito feliz, depois coloquei meu vestido novo e terminei de me
arrumar para a festa colocando sandálias de salto alto e só depois fui para a minha festa.

Carol cuidou de tudo e a decoração ficou perfeita.

Ela estava linda vestida de vampira com os cabelos presos em um rabo de cavalo alto e
super maquiada.

Guilherme também foi, assim como Sara, Michel e o novo namorado dele, Raíssa e o
João.

Durante a festa comecei a ficar ansiosa por mais que tudo estivesse correndo bem e
todos os convidados tivessem chegando porque um deles que eu queria muito que fosse ainda
não estava lá: Antoine.

Ele não tinha prometido exatamente ir, mas havia dito que ia ver o que poderia fazer.
170
Toda vez que o elevador se abria eu ficava olhando pra ver se ele estava chegando.

Mas nem sinal dele. Nem ao menos uma mensagem no celular dizendo que não viria,
o que me deixou chateada. Disfarcei já que nem todo mundo sabia que eu tinha um caso com
alguém, e fui para a pista de dança com as meninas.

Na metade da festa Taís me chamou dizendo:

- Tem uma pessoa ali no portão querendo falar com você rapidinho. Você pode descer
pra ir falar com ele?

Na mesma hora pensei que podia ser o Antoine e fui toda animada pensando que ele
tinha pedido pra uma amiga falar comigo já que não ia querer ficar na festa mas mesmo assim
tinha decidido dar um “Oi”.

Mas ao chegar lá a surpresa que tive foi maior ainda do que se fosse ele ao encontrar
Bruno!

Me aproximei do portão, a grade nos separava, já que eu não ia mesmo abrir a porta
pra ele e deixar ele entrar na minha festa como se nada tivesse acontecido:

- Tá fazendo o que aqui?

Sim, eu admito que mesmo não gostando mais dele eu ainda tinha um pouco de mágoa
porque o garoto tinha me humilhado me fazendo passar por chifruda na frente da escola
inteira e ainda esfregando aquela Carina na minha cara.

Ele me olhou, esperei que fosse dizer alguma coisa desagradável ou dar uma de
metido, mas ou invés disso falou com humildade:

- Oi. Olha, eu vim aqui porque queria muito falar com você. Pra pedir desculpas
mesmo pelo que eu te fiz. Não tinha noção do quanto eu era idiota e crianção.

Juro que fiquei pasma sem entender.

171
Justamente ele, o Bruno estava me pedindo desculpas e admitindo que tinha sido um
imbecil?

Parecia até alguma brincadeira de mau gosto.

- É, ainda bem que você sabe disso. –falei ainda desconfiada.

- Sabe, eu estou arrependido do que eu fiz. Se te serve de consolo a Carina também me


traiu. Com o Júlio lá da nossa sala. Nunca devia ter feito aquilo que eu fiz. Podemos pelo
menos ser amigos?

Senti a sinceridade das palavras dele e também o quanto era difícil pra ele pedir
desculpas pra alguém.

Não senti nenhuma pena por ele ter sido traído porque já era de se esperar. Carina saía
mesmo com todo mundo, então aquilo era uma coisa que ia acontecer mais cedo ou mais
tarde.

- Tá legal. Entra aí vai. Podemos ser amigos.

Ele sorriu e entrou meio tímido.

Mas logo foi se enturmando com os gêmeos, dançando e bebendo com todo mundo,
mas não da mesma maneira de antes.

Ele estava respeitando até mesmo a Carol e os amigos rockeiros dela sendo simpático
com todo mundo.

Aquela foi uma mudança positiva, pensei que mais cedo ou mais tarde todo mundo
acabava amadurecendo.

Continuei esperando pelo Antoine por toda a noite, a festa estava bombando pra todos
os convidados menos pra mim porque pra ser perfeita só faltava a presença dele.

Mas infelizmente chegou a hora do parabéns e nada de Antoine.


172
Tive que me comformar que ele não viria e parti o bolo entregando dois pedaços ao
mesmo tempo pra Carol e pra Taís, minhas duas melhores amigas embora a Carol naquele ano
estivesse sendo mais melhor amiga do que a Taís.

Depois só nós três ficamos pra arrumar as coisas e por causa disso íamos dormir no
apartamento da Taís mesmo.

Fui varrer um dos lados do play sozinha quando de repente senti um arrepio de uma
pessoa chegando atrás de mim sem fazer barulho e falando ao pé do meu ouvido com um forte
sotaque francês:

- Está linda demais nessa noite para fazer tarefas como varrer o chão. Ma chérie!

Virei-me na mesma hora e o olhei demonstrando que estava brava.

- Isso são horas de aparecer?

- Pardon, mas não quis aparecer na frente de todos os seus colegas de escola. Eles
poderiam estranhar minha presença aqui por eu ser um professor da Oficina. Mas se serve de
consolo, estive observando-a durante toda a noite. Inclusive vi quando falou com aquele seu
ex namorado. Bruno o nome dele, não?

Me afastei um pouco e sentei no muro do playground que naquela parte era mais
baixo. Sabia que era perigoso por causa da altura, mas também duvidava que Antoine fosse
me deixar cair,

Percebi que aquela era a hora perfeita para definir minha relação com Antoine:

- Sim. E vejo que está com ciúmes. – falei.

- E por acaso não deveria?

- Não. Primeiro porque não sinto mais nada pelo Bruno. E segundo porque ainda não
somos namorados até onde sei, afinal você não fez nenhum pedido.

173
Falei de uma vez só.

Esperei que ele fosse dizer que pra ele já éramos namorados ou alguma coisa do tipo,
já que pra um cara com séculos de vida deveria ser diferente o processo de começar a
namorar.

Mas ele me surpreendeu com a resposta:

- Bem, era sobre isso que vim falar com você hoje. Sobre você se tornar a minha
namorada. Eu já deveria ter dito antes, mas achei melhor esperar até que fizesse dezoito anos
para que pudesse tomar a decisão. – deu uma pausa para segurar minha mão – Rosa, você já
deve saber que na minha condição, para que possamos ficar juntos seria necessário que você
se tornasse alguém como eu. Embreve terei que partir, o Rio de Janeiro é uma cidade muito
bonita, mas tão apropriada para alguém como eu viver. Por isso você precisa decidir, meu
amor. Quero escolhê-la para ser a minha companheira porque a amo. Mas não vou forçá-la a
vir comigo. Precisa decidir se quer que eu a transforme em uma criatura da noite como eu.

174
Capítulo 30

Importante Decisão

Bem que Carol tinha me avisado que esse momento chegaria e eu não estava
preparada. Não tinha certeza de nada, tudo o que pude fazer foi pedir um tempo pra pensar,
que era o que acredito que qualquer pessoa no meu lugar faria. Mas para isso também
precisava saber alguns detalhes práticos sobre as consequências da minha possível
transformação.

- Antoine, eu preciso de um tempo pra pensar. Pelo menos alguns dias e tem algumas
coisas que eu gostaria de saber, como por exemplo, como ficariam meus pais? – perguntei.

- Podemos dizer a eles que você vai fazer uma viagem de intercâmbio comigo para
aprender mais sobre Artes. Claro que eles não concordariam sem uma ajuda, mas você viu
como consegui fazer com que eles deixassem você ficar na casa da sua amiga sem perguntas.
Eles ficariam felizes sabendo que você está bem e poderá escrever para eles durante os anos
em que eles estarão vivos, porque não vou negar que daqui a um tempo não precisará mais se
preocupar com eles já que mortais vivem pouco, menos de um século, o que não é nada para
quem tem a eternidade.

Saber que pelo menos eles não sofreriam não tirava totalmente aquele peso das minhas
costas porque eu os amava e me sentia meio ingrata de ir embora assim abandonando-os e
deixando-os hipnotizados pelo Antoine.

Decidi pensar mais um pouco e ele falou olhando nos meus olhos:

- Não se preocupe, você tem até o final de Novembro para dar a resposta. Até o seu
último dia de aula na escola para ser mais exato. Se decidir vir comigo, cuidarei de tudo e
ficaremos juntos, Rosa.

175
Era pouco tempo, 1 mês para decidir toda a minha vida.

Mas fazer o que? Por falta de aviso não foi. Ele se despediu de mim com um beijo já
que Taís estava me procurando e desapareceu na noite.

No dia seguinte, quando voltei pra casa meus pais me chamaram porque queriam
conversar comigo na sala em uma espécie de reunião de família.

Achei aquela atitude muito estranha, pois eles não faziam reuniões ao menos que o
assunto fosse alguma coisa muito séria. Fiquei pensando se teria acontecido algo com algum
parente, ou se tinham descoberto alguma das coisas que eu fazia escondido tipo frequentar
grupo de estudos de Magia ou namorar um professor da Oficina mais velho.

Mas eles pareciam felizes apesar de tensos. Papai começou a falar:

- Sente-se querida, o que temos pra falar é muito importante.

Sentei intrigada, então mamãe começou um discurso:

- Filha, quero que saiba que nós te amamos e que você é a nossa filha mais velha
querida e sempre vai ser. Mas um milagre aconteceu depois de 18 anos eu descobri que você
vai ter um irmãozinho ou irmãzinha mais novo.

Fiquei sem fala durante alguns segundos porque simplesmente não conseguia engolir
essa. Se fosse alguns meses antes de saber que eu tinha sido adotada, acho que teria ficado
feliz com a notícia de que iria ter um irmão ou irmã. Mas saber que o bebê seria o filho
legítimo deles e eu não fez com que eu me sentisse meio magoada, até mesmo enciumada.

- Mas, vocês não ficaram sabendo hoje, né? Por que não me contaram? – foi tudo o
que consegui falar.

- É que era o seu aniversário, e achamos que talvez a notícia fosse te deixar chateada.
Por isso não quisemos te perturbar antes da sua festa. – explicou papai.

- Preferia que tivessem me contado logo. Mas tudo bem, eu não estou chateada.
176
Menti, ou talvez não. O fato era que por um lado eu estava com ciúmes, mas pelo outro
eu não tinha o direito de ficar chateada já que estava prestes a abandoná-los. Pelo menos a
criança seria uma companhia para eles se eu partisse mesmo com Antoine e isso amenizaria
minha culpa.
Mamãe e papai sentaram-se cada um do meu lado e me abraçaram dizendo que eu não
tinha motivos pra sentir ciúmes porque eles me amavam mais por eu ser a filha mais velha e
importante na vida deles, eu soube que eles diziam a verdade por causa de suas auras e
também por causa da minha intuição.
Eu sabia reconhecer quando alguém dizia uma mentira e ali naquela sala eu senti todo o
amor que meus pais tinham por mim envolvendo-me.

Minha outra preocupação era com as minhas amigas, mas eu sabia que podia continuar
sendo amiga da Carol mesmo longe porque ela acreditava em vampiros e ela poderia ser
sempre a minha confidente. Já a Taís com o tempo ficaria mais distante de nós.
Passei várias noites em claro naquela semana pensando se deveria ou não ir com Antoine,
queria tomar logo a decisão.
Ele não estava mais indo me buscar na Academia, acho que para não me pressionar a ir
com ele, queria que eu tomasse a decisão por mim mesma.
Então, quando finalmente decidi, liguei para ele e marquei de nos encontrarmos em um
restaurante.
Quando cheguei ele já estava lá me esperando e parecia nervoso.
Sentei-me na mesa, e ele foi logo perguntando:
- E então Rosa. Você mandou uma mensagem dizendo que queria me encontrar para dizer
qual foi sua decisão.
- Foi.

Ficamos alguns segundos em silêncio apenas nos encarando até que ele decidiu
perguntar:
- E o que decidiu?

- Sim. Eu aceito ser transformada e ir embora com você.

177
Antoine sorriu, vi em seus olhos um brilho de felicidade, e também sorri sentindo-me
mais feliz pela alegria dele do que pela minha em si, pois lá no fundo eu ainda estava com
medo daquela decisão.

178
Capítulo 30
O Acordo.

Nós decidimos que ele iria até a casa dos meus pais para falar sobre a viagem e no
último dia de aula eu partiria com ele. Passaríamos a noite em um Hotel onde ele me
transformaria e depois iríamos embora juntos.
Tudo certo, embora estivesse com medo e incerta sobre aquilo ser realmente o que
eu queria, até que estava animada.
A semana finalmente chegou, até rápido demais e algumas coisas começaram a
acontecer. Eu estava ansiosa e ao mesmo tempo nervosa por causa das provas finais e por isso
marquei de estudar na casa da Carol. Ela me ajudaria nas matérias que eu tinha mais
dificuldade e eu as ajudaria nas que eu sabia mais.
Me arrumei e fui até a casa dela, mas assim que cheguei ela estava com os olhos
inchados de tanto chorar e com uma aparência péssima.
- O que aconteceu, amiga? – perguntei sentando-me na cama dela ao seu lado.
- O Guilherme me traiu, Rosa. Terminei com ele hoje. Poxa eu não dou sorte mesmo
com o amor. E pra piorar não consegui passar no vestibular pra faculdade pública e minha
mãe está com problemas financeiros. Disse que esse ano não vai dar pra pagar uma faculdade
particular. Foi tudo como uma bomba caindo na minha cabeça de uma vez só.

Abracei a Carol sabendo que ela precisava de mim mais do que nunca porque eu
sabia como ela queria fazer aquela faculdade e como era importante pra ela ter um namorado.
Pensei que gostaria muito de poder mudar a sorte da Carol e lembrei que eu a tinha
visto triste na Visão naquele dia na casa do Michel.
Acabei passando a tarde consolando ela e dizendo que tudo ia ficar bem, que ela ia
arranjar outro namorado melhor depois já que ela mesma tinha dito que nem gostava tanto
assim do Guilherme e que no ano que vem ela poderia tentar de novo o vestibular, que era só
estudar mais que ela ia passar.
Saí da casa dela já de noite, e no caminho tive a sensação de que estava sendo
seguida e senti a mesma energia negra que sentia sempre que Antoine estava por perto. Parei
pensando que fosse ele e me virei, mas assim que fiz isso levei um susto ao ver que não era
Antoine, e sim Branwen!

179
- O que você está fazendo aqui? – perguntei dando alguns passos pra traz.
- Precisamos ter uma conversa séria, Rosa. – disse ela de forma áspera.
- Não tenho nada pra falar com você.

Respondi, mas ela não estava disposta a me deixar em paz.


Naquela noite ela estava com os cabelos ruivos soltos e lisos, o vento batendo neles
os fazia balançar. Tentei desviar o olhar dela já que sabia sobre o perigo de olhar nos olhos de
um vampiro ainda mais se fosse um que não ia muito com a sua cara. Mas já era tarde demais,
os olhos dela já tinham começado a girar e me peguei em transe sendo conduzida por ela até
uma casa próxima dali. Minhas pernas simplesmente andavam, e eu não conseguia lutar
contra aquilo.
Senti muito medo, será que Branwen enlouquecida de ciúmes faria alguma coisa
comigo? Será que ela me mataria?
Assim que entramos na pequena casa ela mandou que eu me sentasse e trancou a porta,
o efeito da hipnose havia passado e pensei em maneiras de derrubá-la, talvez lutar contra ela
usando minhas tecnicas de artes marciais, mas eu sabia que mesmo que fosse uma ótima
lutadora não teria a menor chance contra uma vampira.
Ela parou de frente para mim e eu perguntei:
- O que você vai fazer comigo?
- Não se preocupe, eu a trouxe aqui apenas para conversar. Adoraria matá-la para ser
bem sincera, mas Antoine jamais me perdoaria.

Respirei aliviada quando ela disse que pelo menos não me mataria.
- E sobre o que você quer conversar? –perguntei.
- Vou direto ao ponto, Rosa. Sei sobre o acordo que fez com Antoine sobre ele
transformá-la em vampira. Vim aqui para alertá-la sobre os riscos dessa sua escolha,
considerando que ainda está em tempo de você desistir.
Então era isso. Branwen não queria aceitar perder, eu conseguia sentir que ela ainda
queria Antoine, ela era visivelmente apaixonada por ele.
- Já sei sobre os riscos, Antoine e eu já achamos solução para todos os problemas. – falei
de forma mansa, já que eu não queria provocá-la.
- Não me refiro ás questões de ordem prática como hipnotizar seus pais e seus amigos
para que você possa viajar com ele. Me refiro ao que virá depois da transformação. Ou você
não sabe que Antoine já teve outras companheiras antes de você?

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Aquela informação pra mim era novidade, Antoine não costumava falar muito sobre
seus relacionamentos antes de me conhecer. Mas não podia deixar aquela informação me
abalar, nem mesmo se um desses relacionamentos tivesse sido até mesmo com a Branwen
porque tinha certeza de que ele me amava:
- Ele nunca disse nada sobre isso, mas não sou ingênua ao ponto de achar que sou a
primeira mulher da vida dele. Também tinha outro namorado quando o conheci. E pra mim o
importante é que ele me ama agora. – falei com convicção.
- Não duvido que ele a ame, Rosa. Essa não é essa a questão. Antoine a ama infelizmente.
Mas você ainda não entendeu aonde quero chegar com isso. Antoine já amou outras mulheres,
exatamente da mesma maneira como ama você agora mas um dia simplesmente deixou de
amá-las. Já parou pra pensar no que poderia acontecer se você desse sua vida, seus pais, tudo
o que você conhece e ama para ficar com ele e depois de alguns anos ele simplesmente a
deixasse? Tem idéia do arrependimento que pode vir a sentir?

Franzi o cenho. O que ela falava realmente fazia sentido, mas eu tinha que levar em
conta que ela era a mais interessada na minha desistência.

- Sim. Mas por que está me dizendo isso, Branwen? Por acaso você foi o caso que
Antoine tinha antes de me conhecer? Porque se foi não é só porque aconteceu com você que
significa que vai acontecer comigo também.

Sei que fui extremamente grossa, tanto que ela levantou com os olhos vermelhos
flamejantes e achei que ela fosse me atacar ali mesmo, mas ela se recompôs e começou a
falar:
- Você é uma garota muito insolente Rosa, como todas as adolescentes. Sempre
achando que sabe tudo e não dando atenção ao que os mais velhos dizem. Mas lamento
informá-la de que está redondamente enganada. Não foi Antoine quem me transformou. E
nunca tive um relacionamento com ele porque quando o conheci ele era apaixonado por outra
vampira que havia sido transformada por ele chamada Karen.

Agora ela tinha me pego totalmente desprevenida.

181
Capítulo 31
A histótia de Branwen, Antoine e Karen

Senti minha cabeça rodando. Agora eu tinha que saber tudo porque não esperava que
tivesse sido sério ao ponto dele ter transformado outra garota em vampira. Achei que os
vampiros faziam aquilo apenas quando encontravam seu verdadeiro amor e que depois a
pessoa se tornava sua companheira por toda eternidade. Procurei pensar em algumas
possibilidades, será que Karen havia morrido? Porque se tivesse acontecido algo com ela,
talvez ele estivesse tentando substituí-la, ou talvez ele merecesse uma segunda chance de
amar novamente, mas fosse o que fosse eu precisava saber:

- E o que aconteceu com essa Karen? Ela ainda está viva? Por favor me conta tudo. –
pedi.
- Está viva e muito bem. A última coisa que soube sobre ela foi que ela viajou para a
Itália para passar alguns anos por lá. Mas para você entender melhor o que aconteceu talvez
eu deva te contar um pouco sobre como essa história, já que testemunhei tudo.
Ela deu uma pausa como se estivesse voltando ao passado, e então começou a narrar os
acontecimentos calmamente:
- Meu irmão e eu éramos irlandeses e filhos de feiticeiros. Na época em que vivemos lá
a Igreja estava justamente começando sua perseguição contra os bruxos, e por isso tivemos
que fugir da Irlanda antes que fôssemos descobertos. Pegamos um barco para a Inglaterra,
mas no caminho alguns protestantes desconfiaram de nós e pretendia nos prender sob
acusação de heresia e feitiçaria assim que chegássemos em terra firme. Para nossa sorte, um
dos tripulantes era justamente um vampiro interessado em aprender sob as Artes da Feitiçaria.
Gaius nos tirou daquele barco e conseguiu nos salvar. Disse que cuidaria de nós como se
fôssemos seus filhos e nos transformou em vampiros para que pudéssemos ter a vida eterna.
Surante muitos anos foi assim: Meu irmão e ele eram felizes e se davam muito bem, mas eu
não me sentia feliz lá. Gaius ás vezes me assediava e eu não conseguia correspondê-lo.
Durante muito tempo fiquei lá mais por causa do meu irmão, porque ele era minha única
família. Mas aí um dia Gaius conheceu outro vampiro feiticeiro que era justamente Antoine.
Me apaixonei por ele desde a primeira vez que o vi, além de ser muito bonito, ele tinha
carisma, conversamos algumas vezes e ele me inspirou a mudar de vida. Conhecer outros
vampiros me fez ver um mundo de possibilidades que antes eu não havia visto. Soube que
182
haviam coisas que eu tinha vontade de fazer e que eu agora podia, como aprender música,
viajar pelo mundo exatamente como Antoine fazia acompanhado de seu amigo Tariq. Foi
assim que decidi partir para acompanhá-los. Tinha esperança de um dia também conquistar
Antoine, mas infelizmente em uma noite em que estávamos viajando e passando por uma
pequena aldeia, ele parou para salvar uma jovem de ser atacada por lobos. Ela não tinha nem
metade da minha beleza e nem tinha nada de especial. Era uma garota da sua idade e até
parecia com você de certa forma. Se chamava Karen e Antoine acabou se apaixonando por
ela. Ficou na aldeia para tratar de seus ferimentos e para minha decepção, ele a escolheu para
ser sua companheira e a transformou em uma vampira. Ele a amava ao ponto de deixar Tariq
e eu de lado, eram só eles dois o tempo todo. Foi assim durante algumas décadas, mas antes
de Karen completar um século de vida eles começaram a brigar, pois ninguém vive só de
amor por muito tempo. Exatamente como acontece com muitos casais, começaram a perder o
interesse um no outro, então um belo dia Antoine decidiu deixá-la. Ela ficou arrasada porque
havia aberto mão de sua família e de tudo o que amava para ficar com ele mas no final acabou
tendo que se conformar e viajou sozinha para seguir a vida dela.

Achei aquela história triste e impressionante. Cheguei até mesmo a sentir um pouco
de pena da Branwen por ela ter sido rejeitada e trocada por outra. Não conseguia nem
entender direito o porquê de Antoine não ter se interessado por ela, já que ela era linda mesmo
e cheia de classe. Branwen era a mulher mais bonita que eu já tinha visto na minha vida. Mas
eu tinha que agradecer por Antoine não ser do tipo que se impressiona só com beleza física,
porque se fosse o caso tenho certeza de que ela seria a escolhida:
- Puxa, não sei o que dizer. Mas como posso ter certeza de que tudo isso é verdade? –
perguntei.
- Sei que você sabe quando alguém está mentindo. O que sua intuição te diz?
Por mais que odiasse admitir eu sabia que ela estava dizendo a verdade, e aquilo era o
que mais me deixava triste. Mas ela ainda era a maior interessada naquela desistência, por isso
eu não podia confiar totalmente:
- Acho que está dizendo a verdade, mas também o fato de não ter dado certo com Antoine
e Karen não signifique que não vai dar certo comigo. Você não pode ter certeza de nada.
Meus pais por exemplo estão juntos até hoje. – falei.
- Alguns casais dão certo e outros não. Pode ser que você e Antoine dêem certo, mas
também pode ser que depois de alguns anos, talvez séculos se separem ou que você mesma se
arrependa porque a paixão só mantém um relacionamento no começo, depois as diferenças se
tornam mais fortes. Você é meio fada. Acredito que para um ser como você seja difícil ficar
183
longe da Natureza que você tanto ama. Do Sol, da energia pura que o povo de sua mãe tem.
Antoine me falou muito de você. Já parou pra pensar em como se sentiria se abrisse mão de
tudo isso para ficar com Antoine vagando pela noite para depois se não desse certo você
nunca mais poder voltar? Lembre-se da história de sua mãe. De como ela largou tudo para
ficar com seu pai. De como ela abandonou seu mundo por amor para depois descobrir que
amor não era o suficiente para que pudessem viver juntos porque jamais se adaptaria ao
mundo dele. Agora vou deixá-la partir. Creio que não temos mais nada para conversar.

Ela abriu a porta e saiu deixando-me só com meus pensamentos por mais alguns minutos
naquela casa.

184
Capítulo 32
Chegada à hora.

Finalmente chegou o dia combonado, o mesmo em que fui buscar os resultadps das
notas das provas finais na escola enquanto Antoine tratava de hipnotizar meus pais, ele já
havia feito isso com Tia Hortência, o que me causava um aperto no coração. Claro que eu
tinha perguntado pra ele na ultima vez que nos falamos por telefone sobre a história de Karen,
não disse tudo o que Branwen tinha me contado, perguntei apenas se ele já havia tido outra
companheira antes de mim e ele disse que sim, mas que não haviam dado certo porque eram
pessoas muito diferentes e que ele não sentia mais nada por ela.
Não quis ficar perturbando ele por causa disso.
Voltei da escola, e quando cheguei em casa meus pais estavam sorrindo meio
abobalhados felizes porque eu ia estudar no exterior e desejando que eu fosse muito feliz lá
pedindo para que eu escrevesse sempre.
Só mesmo a Magia de Antoine para fazer uma coisa assim, porque do jeito que eles
eram, teriam gritado e tentado me impedir de ir. Não que fosse possível, porque agora eu já
era maior de idade e fazia minhas próprias escolhas. Só não pensei que fossem ser escolhas
tão difíceis.
Abracei meus pais despedindo-me deles e peguei minhas malas.
Antoine me comprou um vestido muito bonito para que eu usasse naquela noite, pois
queria que fosse de forma especial já que seria minha primeira como vampira.
Primeiro me deixou sozinha na suíte do hotel que me pareceu extremamente familiar,
tinha uma penteadeira, uma enorme cama de casal, tudo muito refinado e da melhor
qualidade.
Tomei um delicioso banho na hidromassagem, acariciando meu corpo todo de humana
que eu sabia que dentro de alguns minutos se tornaria mais forte e mais frio exatamente como
o corpo dos vampiros.
Demorei bastante no banho querendo aproveitar meu tempo como humana e depois
vesti um dos roupões do hotel e com um secador de cabelo comecei a arrumá-lo. Fiz uma
maquiagem leve, então comecei a me vestir.
Depois de pronta me vi enfrente ao espelho, eu estava linda.
Percebi que já havia visto aquela cena antes na minha Visão. Pois os minutos que se
passaram depois foram iguaizinhos ao sonho que eu havia tido a alguns meses atrás.
Antoine entrou sorrateiramente no quarto, muito bem arrumado e com seus longos
cabelos soltos e se colocou atrás de mim devagar afastando meus cabelos do meu pescoço.
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Suas presas logo ficaram á mostra, e ele as cravou no meu pescoço. A sensação não foi
ruim, foi até mesmo agradável.
Mas nesse momento senti meu coração se despedaçando, como se aquilo estivesse
errado. Sua aura negra me envolvia, era atraente e sensual, mas não era tudo. O mundo de
Antoine era muito diferente do meu. E meu mundo também não era o dos humanos por mais
que eu tivesse sido feliz ali.
Meu coração desejava outra coisa, lá no fundo. Eu quase podia ver a imagem de minha
mãe Aurah e do Mundo das Fadas na minha mente. Era isso que eu realmente queria. Mesmo
amando Antoine.
Branwen estava certa. Valeria a pena abrir mão de tudo por amor, se o amor não era
tudo? Eu sabia que não iria gostar da vida que Antoine levava, por mais que ela fosse
agradável para ele. Percebi que Branwen também sentia falta de algo da sua outra vida e foi
esse o verdadeiro motivo pra ela ter ido falar comigo, não era só pra me separar de Antoine.
Eu amava a Natureza, a Magia dos Seres Elementais e tudo o que era verde. Antoine
amava a noite e a escuridão. Eu era o Sol e ele era a Lua. Por mais que nos amássemos e
fôssemos seres dotados de Magia éramos muito diferentes, ao ponto de não podermos ficar
juntos.
Finalmente entendi porque Aurah não conseguiu viver no mundo dos humanos e decidiu
partir. Porque por mais que amasse meu pai aquele não era o mundo dela, e ele não podia
aceitá-la como ela era.
- Não!

Gritei saindo dos braços de Antoine com toda a minha força chegando a bater no
espelho e quebrando-o.
Ele ficou sem entender nada e tentou me pegar de volta dominado pelo instinto de beber
o meu sangue, mas desviei dele usando uma força que eu nem ao menos sabia que tinha e um
campo de luz se fez envolta de mim cegando-o.
Antoine levou as mãos ao rosto:
- Mas o que está fazendo? Pensei que tinha concordado em vir comigo.

Fui me acalmando e a luz a minha volta foi diminuindo, então me aproximei dele
tocando sua mão agora que seu instinto de beber sangue havia acalmado:
- Sim, mas mudei de idéia na última hora porque só agora compreendi uma coisa,
Antoine.
- O que? Você não me ama? – ele perguntou.
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- Amo como nunca imaginei que um dia poderia amar alguém. Mas isso não é o bastante.
Não vou ser feliz no seu mundo. Somos diferentes, eu sou meio fada, e sei que não vou ser
feliz no seu mundo porque não é o que eu desejo. Não quero cometer o mesmo erro que meus
pais biológicos. E se quiser ficar comigo terá que me aceitar do jeito que sou.

Falei, e ele ficou impressionado e ao mesmo tempo triste:

- Mas você sabe que não vou poder ficar no Brasil. E mesmo se eu levar você como
humana, vai envelhecer e embora eu não ligue que você acabe parecendo mais velha do que
eu, sua vida será frágil e vai acabar me deixando em pouco tempo porque vai viver pouco.

- Na verdade eu não estava pensando em continuar a viver no mundo dos humanos,


Antoine.

Ele fez uma cara de quem não estava entendo nada quando eu disse isso, então decidi
explicar.

- Lembra que eu disse que tinha tido um sonho com minha mãe biológica, e que nesse
sonho conheci o Mundo das Fadas?
- Sim, eu lembro. – disse ele.
- Nesse sonho eu disse que queria ficar lá, mas minha mãe me disse que eu poderia ficar se
fizesse essa escolha, mas que tinha algumas coisas pendentes ainda por aqui. Só agora entendi
o que ela quis dizer. – expliquei.
- Então você pretende ir embora para a Terra das Fadas? Vai me deixar para sempre?
- Não, quer dizer. Sinto que lá é o meu lugar, e é pra lá de verdade que eu quero voltar.
Mas isso não significa que não vamos mais nos ver. Poderei te visitar sempre através dos
sonhos e quando puder vou vir para o mundo dos humanos para nos encontrarmos. Lá vou
poder aprender muita coisa e também serei imortal, por isso nosso amor não vai morrer com o
passar dos séculos já que passaremos tempos separados e tempos juntos. É isso o que
realmente quero. É o que o meu coração deseja.

Falei colocando a mão no meu coração e com todo meu sentimento, pois eu estava sendo
sincera mesmo. Ele me olhou ainda de forma triste:

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- Não queria me separar de você, mas a verdade é que você tem razão. Se é o que você
realmente quer, então vou levá-la até Glicéria para que você encontre o círculo de fadas. Faço
qualquer coisa para te ver feliz, Rosa. – falou tocando meu rosto.
- Muito obrigado Antoine, é por isso que te amo. Mas tem mais uma coisa que eu gostaria
que você fizesse antes de partir. – disse emocionada.
- O que?
- Gostaria que você levasse Carol com você no meu lugar. Não para ter um
relacionamento com ela e nem nada pervertido, mas ela sim sempre sonhou em ser uma
vampira,e acho que ela seria uma boa aluna, é até divertida.

Ele ficou pensativo, mas acabou concordando para me deixar feliz. Eu sabia que minha
amiga ficaria muito contente quando Antoine aparecesse para transformá-la porque esse era
seu desejo e aquele era o mundo dela e não o meu.

188
Epílogo

Antes de viajar para Glicéria me despedi de Carol ainda naquele hotel.


Me surpreendi assim que ela chegou completamente mudada horas antes naquele hotel
usando roupas normais ou invés de seu antigo visual gótico.

- Mas o que houve? Resolveu mudar de visual agora que virou vampira?
- Não foi porque eu quis. Antoine disse que é melhor usar roupas comuns que não
chamem tanta a atenção para que as pessoas não desconfiem de nós. Parece que existem
mesmo caçadores de vampiros na Europa. – ela explicou de forma alegre.

Tornar-se uma criatura da noite fez muito bem a ela, pois havia avivado seu brilho e
sua beleza naturais. Dei um sorriso:

- Vou sentir saudades.


- Também vou sentir amiga – ela falou enquanto me abraçava.

Logo depois eu parti sem levar nenhuma mala porque eu não ia precisar de nada no
lugar para onde estava indo. Antoine dirigiu até Glicéria,e assim que chegamos na floresta ele
parou de frente para mim.
- Vou sentir sua falta, Rosa. Sabe que se mudar de idéia é só me procurar.
- Também vou sentir sua falta Antoine. E pode deixar que qualquer coisa eu te procuro
– falei dando um sorriso.

189
Ele me envolveu pela cintura e nos beijamos.
Um beijo longo e cheio de saudades antecipadas. Lágrimas caíram dos meus olhos
durante aquele beijo tornando-o salgado, mas era inevitável. Não era só porque a escolha
tinha sido minha que significava que não era doloroso ter que deixá-lo. Mas eu não o estava
deixando para sempre. Nos veríamos de novo, nos encontraríamos de vez enquando para
matar as saudades
- Eu te amo – disse ele quando terminamos o beijo.
- Eu também te amo, e sempre vou te amar.

Respondi, e então virei as costas para partir deixando-o pra traz.


Caminhei para dentro da floresta com o coração meio apertado, agora tinha que me
concentrar em achar o círculo de fadas.
No começo foi difícil porque eu ainda tinha Antoine e os outros que havia deixado na
mente. Chegou a escurecer e pensei em voltar e procurar ajuda para voltar pra casa.
Mas não era isso o que eu queria, não podia desistir. Precisava continuar, mas como?
Lembrei mais uma vez do sonho em que Aurah havia dito que o caminho para o
Mundo das Fadas estava dentro de mim.
Fechei os olhos, e então consegui sentir a direção.
Uma sensação de paz e alegria se formou dentro de mim, e caminhei até que
finalmente achei o portal
Assim que entrei vi várias fadas em festa, todas parecidas com Aurah e uma música
estava sendo tocada ao som de tambores.
Aurah veio na minha direção:
- Seja bem vinda, filha.

E nos abraçamos.
Agora estou dançando alegre envolta da fogueira junto com as outras fadas.
Estou feliz. Estou em casa.

FIM

190

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