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Texto 3

Tenho que agradecer minha mãe, ela parece ter um dom natural de me fazer acreditar que
tudo vai dar certo e de que nada vai dar errado. Ainda estou digerindo o nível de ansiedade
que experimentei nos últimos dias, nunca pensei que organizar uma mudança em um estado
de espírito mais “tranquilo” fosse um desafio tão grande. Confesso que tenho chorado e
sentido cada minuto como uma estação planetária. Só queria me mudar logo e parar de pensar
tanto, pensar em tudo, pensar, pensar, pensar.
Também tive uma daquelas conversas que nós não chegamos a ter, sabe, o motivo de eu ter
saído da casa dela. O medo que meu estado mental depressivo e agressivo deixaram em minha
mãe e minha irmã e como elas me enxergam. Passei tanto tempo querendo fugir de ser o
homem violento e agressivo, como meu pai e irmão e não vi que ter medo não adianta, é
necessário entender. Ter entendimento é o único passo possível para a verdadeira
transformação, agora, o entendimento vem de muitas maneiras, por muitos caminhos e jeitos
diferentes, como se fosse de fato um deus de mil faces.
Mas o que mais me fez bem foi escutar as histórias de minha mãe, eu amo escutar as histórias
dela, inclusive, ela é uma das melhores contadoras de histórias que eu conheço.
Minha mãe é filha de uma família enorme, foram algo entre 11 a 13 irmãos, sendo que um ou
dois faleceram. De fato, meus avós funfuravam muito. Na real, era bem comum que as pessoas
mais pobres tivessem mais filhos. Minha mãe era a segunda filha, mais nova apenas do que
meu tio e a mais velha das mulheres, das 5 mulheres. As histórias de como as meninas eram
atentadas, de como cada uma tinha uma personalidade única e singular e minha mãe era a
chefe da alcatéia, a mais velha e a mais arteira, e também a mais responsável. É como se ela
fosse uma espécie de super-heroina mesmo. Muitas histórias ela conta, de como arriscou a
vida se jogando de um galho pra outro de uma arvore em cima de fossas de esgoto, de como
os vizinhos pegavam em espingardas pra afugentar as crianças atentadas. Conta historia de
pobreza, de escassez, de miséria mesmo, de como dividia pão com os irmãos, de como por
vezes a dieta era macarrão com manteiga, rapadura também, talvez isso justifique o porque do
paladar extremamente doce que ela tem até hoje. Rapadura era o único doce que minha mãe
tinha acesso quando criança.
O mais engraçado é que ela conta com felicidade, todas as histórias são de como ela fez isso,
como ela fez aquilo. Exemplo, uma vez meu tio quase matou minha mãe com a espinguarda de
matar passarinho de meu avô. É, crianças brigam, muito. Ela colocou água em um copo, estava
com sede. Meu tio chegou e bebeu o copo dela, então de raiva ela pegou um outro copo e
jogou nele. Ele ficou doido e pegou a espinguarda pra matar ela. A vizinha viu e gritou doida,
foi no momento que minha avó chegava do rio, estava lavando roupa e meu avó chegava para
almoçar. Não preciso dizer que a surra que meu tio levou foi medonha né?
E minha irmã também. A surra e pisa na casa de minha avó era uma instituição democrática e
popular. Quem se metesse em briga apanhava, apanha quem começou e apanhava quem
terminou, era chinela pra todo mundo.
Por vezes minha mãe e minhas tias ficaram ajoelhadas uma de frente pra outra de castigo, as
vezes no milho. Mesmo assim elas continuavam brigando, se empurrando, se besliscando,
dando língua uma pra outra. Era uma mistura de amor e ódio constante.
A minha tia Dutinha foi por muito tempo a caçula e não comia qualquer coisa, ela não comia
macarrão, só comia arroz branco e não gostava de pedaços pequenos de toicinho, então meus
avós comparavam um kilo de arroz só pra ela e em vez de repartir o toicinho e misturar com a
comida, davam um toicinho grande pra ela. As outras crianças sabiam que se falassem
qualquer coisa nojenta ela não comeria então começavam: Eca bixa sebosa, engoli esse catarro
verde que ta saindo do teu nariz. E pronto, ela não comia mais nem debaixo de pisa.
Claro que eles também queria arroz e toicinho. Eles brigavam muito por comida. Minha mãe
disse que eram como cachorrinhos as vezes, achei a analogia interessante.
Vou anotar aqui algumas palavras aleatórias pra me lembrar no futuro: Vestido de Natal, tia
ivoneide, tia graça, rasgou no prego, tia ivoneide torou a sandália de lurdes, praça padre cicero
e mãe como consciência falante, quardaroupa de mãe, cama de mãe, televisão de mãe,
energia, mãe sempre trabalhou, sempre ajudou meu avo, sempre foi uma mulher forte
demais. Eu sou filho de Josineide.

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