03-Maid For The Alien Warrior-At-Ts-Salt

SALT -Só Aliens 2022
MAID
FOR THE ALIEN WARRIOR
Athena Storm-Tara Starr
Intergalactic Fated Mates
Book 03
Não há jeito nenhum na galáxia que o Príncipe Elvion pode me forçar
à servidão.
Sim, eu aceitei um emprego para ser a babá real de sua irmãzinha, não
para servi-lo.
O que mais você pode esperar de um príncipe guerreiro?
Esse é o tipo de cara que saca seu blaster quando ouve um bebê
chorar.
Nada do tipo que aceita não como resposta.
Exceto que é isso que ele vai conseguir.
Sim, ele é fabulosamente rico.
E estou muito falida.
Mas tenho alguma dignidade!

Não estou cedendo aos impulsos que ele traz quando o vejo sem
camisa.
Ou saciar meus devaneios quando ele diz que somos
companheiros predestinados.
E com certeza não estou dando ouvidos ao coração acelerado
quando ele chega tão perto de mim que posso sentir seu cheiro.
Não! Não fomos feitos para ficar juntos.
Isso é um trabalho. Isso é tudo.
Então, por que não consigo parar de pensar nele?
Por que uma parte minha não quer apenas servi-lo...
Mas amá-lo com todo o meu coração?
Nota do autor: Este é um romance completamente autônomo
ambientado no Athenaverso. Mesmo que você nunca tenha entrado
no Athenaverso, poderá desfrutar deste romance de ficção científica
que não tem ganchos ou trapaças e garante felizes para sempre!

GRÁFICO ESTELAR ATHENAVERSE

CAPÍTULO UM
ELVION
— Verus está prosperando e eu também, mãe. — Eu sorrio com carinho
para a holo-imagem na minha frente. — O mesmo da última vez que nos
falamos, há apenas uma semana.
— Bem, não custa perguntar, — contesta a mulher que eu conheço como
mãe, e o resto do mundo conhece como Rainha Ayndessa do Reino Das Copas
das Árvores. — Você não mantém contato suficiente, Elvion. Eu sempre tenho
que perguntar como você está ou nunca vai me dizer!
— Vou me esforçar para fazer melhor, — digo, inclinando a cabeça
ligeiramente. — Mas tenho que confessar que não é exatamente uma ligação
social. Preciso consultá-lo sobre...
— Iyrelle. — Minha mãe solta um gemido menos que real. — Sua irmã já
fez alguma coisa, não foi? O que ela fez?
— Ela colocou besouros de fogo na minha sala de reuniões principal. —
Cerro os dentes, lembrando-me da visão de todos os meus conselheiros
ganindo enquanto os pequenos, mas dolorosos, insetos cor de fogo rastejavam
por suas pernas. — Estávamos há dois minutos em uma sessão importante
quando percebemos que o lugar estava totalmente infestado deles.

— Oh, não. — Minha mãe deixa cair a cabeça em suas mãos. — Eu pensei
que afastá-la de seu pai a faria parar com tudo isso. Achei que educá-la com
você em Verus fosse a resposta.
— Ela afirma que estava apenas tentando manter alguns besouros, como
animais de estimação para observar. Mas isso não explica sua escolha de
localização para esses animais de estimação… ou a grande quantidade deles.
— Aqueles jovens nobres horríveis com quem ela andava por aqui a
ensinaram muito bem, — murmura minha mãe, sua voz sombria. — Esperava
que, com a distância, a influência deles diminuísse.
— Talvez, com o tempo, sim. — Eu balanço minha cabeça. — Realmente
não sei como uma criança de sete anos pode causar tanto caos sozinha.
— Você era uma criança tão fácil, assim como a maioria de seus irmãos,
— resmunga minha mãe. — Não sei o que fizemos de errado com Iyrelle.
— Talvez tenha sido a falta de irmãos, — sugiro. — Surpresa que ela foi,
quando Iyrelle nasceu, Mimyra já tinha dez anos. Iyrelle cresceu sem
companheiros de brincadeiras, então teve que encontrar sua própria
companhia.
— É isso! — Mãe se endireita. — Você deve encontrar alguma companhia
para ela, companhia que você aprova. Antes que ela encontre outra terrível
gangue de amigos.
— Esperava poder devolvê-la a Talarial, – digo, incapaz de esconder o
desânimo da minha voz. — Não há muitas meninas na minha corte. Você seria
mais capaz de encontrar-lhe amigas apropriadas do que eu.
— Não. — A mãe fala com firmeza, como a rainha que ela é. — Colocar
Iyrelle e seu pai no mesmo lugar só causará mais dificuldade.

Abro a boca para protestar, depois a fecho. Eu admiro meu pai e a forma
como sua governança rígida permite que o Reino Das Copas das Árvores
prospere. O rei Tarkon tem uma reputação poderosa em Kiphia por ser um
governante inabalável, confiante em suas ações, mas reservado em sua vida
privada.
As façanhas selvagens de Iyrelle causando constrangimento público à
família devem deixar meu pai louco.
Eu me encolho, imaginando as colisões entre minha irmã teimosa e seu
pai majestoso.
— Entendo, — eu começo, mas não posso desistir sem lutar. — Mas, mãe,
estou à beira da loucura. O fiasco com os besouros de fogo foi apenas a maior
de suas travessuras. Ela criou muito mais bagunça e escapou do palácio uma
dúzia de vezes em menos de uma semana! E não há nenhuma garota da idade
dela aqui! Eu simplesmente não sei o que fazer.
Minha mãe me considera. Posso dizer que ela está surpresa com minha
explosão de frustração. Trabalho duro para imitar o comportamento severo e
digno de meu pai, mesmo com minha família. Como o mais velho, devo
sempre me esforçar para ser um modelo para o resto dos meus irmãos.
— Acho que você deveria encontrar uma empregada dedicada para ela,
— diz minha mãe lentamente. Posso vê-la pensando em tudo enquanto fala. —
Ou, talvez, uma tutora, para saciar sua curiosidade voraz por enquanto.
— Eu não tenho…
— Não interrompa. — Os olhos da minha mãe piscam para mim, um raro
toque de imperiosidade dela. — Você precisa de uma adulta encarregada de
manter Iyrelle entretida, idealmente um que possa melhorar sua mente até

certo ponto. Acostume a criança à supervisão e às lições diárias. Dessa forma,
quando ela for mais velha e estiver pronta para ser treinada para ser uma boa
esposa, não hesitará tanto nessas lições.
Acho que nada impedirá Iyrelle de fazer birra sobre aprender as sutilezas
e a etiqueta exigidas para uma noiva nobre, mas mantenho minha boca
fechada. Afinal, minha mãe tem razão. Se contratar alguém para perseguir
Iyrelle, não terei que me preocupar com ela com tanta frequência.
— Você é sábia, mãe, — eu digo, e ela ri antes que eu possa continuar.
— Não há necessidade de me lisonjear Elvion. — Ela levanta uma
sobrancelha. — Estou bem ciente do meu próprio valor.
— De fato. — Concordo com a cabeça, divertido com suas palavras e
grato, mais uma vez, por minha mãe ser tão diferente de muitas das nobres
Kiphians que conheço. — Tudo o que quis dizer foi que entendo onde você
quer chegar. E, tenho uma ideia. Vou arranjar uma serva para Iyrelle.
— Uma serva? — Minha mãe inclina a cabeça com curiosidade.
— Sim. Não vou presumir que seja o mesmo em Talarial, mas, aqui em
Verus, cada vez mais as famílias Kiphians mais ricas têm empregado mulheres
humanas como cuidadoras de seus filhos. Essas mulheres orientam os jovens,
entretêm-nos e, geralmente, assumem a responsabilidade pelo seu bem-estar.
— Ah. Agora que você mencionou, me lembro de Lady Fristia falando
sobre uma tal fêmea humana, — responde minha mãe pensativa. — Essa pode
ser simplesmente a resposta. Iyrelle ficará curiosa sobre uma humana, o
suficiente para mantê-la interessada, enquanto a serva toma conta da situação.

— Vou perguntar aos meus conselheiros, — eu digo, de repente ansioso
para agir e me aliviar do fardo das travessuras constantes de Iyrelle. — Eles
poderão sugerir alguém adequado para esta posição.
— Excelente. — Minha mãe aperta as mãos, parecendo satisfeita. — E
Elvion? Certifique-se de escolher alguém inteligente e capaz como serva de
Iyrelle. Nenhuma humana tímida intimidada pela realeza Kiphian,
compreende? Vai precisar de uma mulher forte para domar sua irmã. Disso,
tenho certeza.

CAPÍTULO DOIS
ERISA
Meus pés se arrastam pela superfície de madeira da passarela robusta.
Enquanto caminho pelas ruas elevadas de Verus, nem mesmo registro o quão
insanamente alto estou acima do solo, não mais. Fiz esta caminhada muitas
vezes para notar todas as coisas sobre as quais costumava me maravilhar.
Para não mencionar, quase toda vez que ando da mansão Scapius para a
mansão Vogiar, estou morta de cansaço. Afinal, Vogiar é minha quarta sessão
de tutoria do dia. Pelo menos também é o último.
Eu suspiro, e rolo meus ombros. Fazendo uma pausa, respiro fundo o ar
fresco e perfumado. Não importa o quanto esteja exausta, não quero ser o tipo
de pessoa que deixa de notar todas as coisas bonitas ao meu redor. Isso só vai
tornar as coisas mais difíceis para mim a longo prazo, se eu deixar minha vida
se tornar chata e monótona.
A respiração profunda ajuda. Não pela primeira vez, eu tento pensar,
exatamente, como é o cheiro do Reino das Copas das Árvores. Tem indícios de
floresta de pinheiros antigos, como na Terra, mas também algo mais. Eucalipto
também? Ou talvez um tipo incomum de hortelã, como poejo.
Pegando a maneira como minha mente vagueia, tenho que rir de mim
mesma. Toda vez que jogo esse jogo de perfume, acabo com a mesma
conclusão: esta é uma floresta alienígena. Pode ser uma reminiscência das

sequoias da Terra, embora ampliada em dez vezes ou mais, mas ainda é
alienígena. Claro que cheira a algo para o qual não tenho um nome.
O pequeno momento de desfrutar do meu ambiente fez muito para me
aterrar, no entanto. Tento me concentrar no positivo, enquanto retomo a
caminhada.
A sessão de tutoria que acabei de ter com o jovem filho da rica família
Scapius foi bastante decente. O menino é um pirralho, mas inteligente e curioso
o suficiente para, às vezes, se dedicar às aulas. Hoje foi um daqueles dias, e sou
grata por isso.
Melhor ainda, no final da nossa sessão, o pai do menino Scapius apareceu
e me elogiou por meus esforços com seu filho. O nobre kiphian ofereceu-se
para me recomendar a outras famílias ricas, assistência que aceitei avidamente.
Se eu conseguisse mais um ou dois alunos, poderia finalmente largar os
Vogiars. Eles podem pagar bem, mas está próxima aula é a que menos espero.
Risque isso. Esta próxima aula é a que absolutamente odeio.
Na minha experiência, a maioria dos filhos de famílias nobres de Kiphia
deixa muito a desejar. Eles são mimados e arrogantes, e muitas vezes sexistas.
Embora, acho que não posso culpá-las por isso, já que as mulheres Kiphians
não têm permissão para trabalhar, nunca. É definitivamente uma grande
surpresa para alguns deles descobrir que seu novo tutor é uma mulher.
No geral, por mais intitulados que sejam, a maioria dos meninos é
bastante administrável. A exceção é aquele para a qual estou indo diretamente:
Tervit Vogiar. Aquele menino realmente não passa de um merdinha.
Suas esporas ósseas estão chegando agora, como fazem para todos os
machos Kiphians. As pontas ósseas superfortes são uma adaptação para

escalada, pelo que me disseram. Os ossos pontiagudos retráteis emergem da
almofada do pé, para cavar os troncos das árvores para melhor adesão.
Só Tervit quer enfiar suas esporas em mim. O pequeno bastardo tem
tentado me chutar a cada aula desde que seus pequenos pontos ósseos
atarracados apareceram pela primeira vez. Ele até me acertou uma vez, bem
na panturrilha. Felizmente, eles ainda não estão muito desenvolvidos, então
escapei sem muito dano.
Tenho certeza que ele está planejando continuar. A aula à minha frente
será uma combinação de tentar ensinar uma criança relativamente estúpida,
enquanto tento evitar agilmente a manifestação de sua sede de violência.
Enquanto reflito sobre o Lorde Vogiar, entro em um raio de sol. Paro de
repente, suspirando de prazer ao sentir o sol no meu rosto. Os ricos vivem alto
o suficiente para obter os benefícios do sol penetrando no dossel espesso acima.
Não tanto no bairro humano escuro.
Mais uma vez, o abraço suave da natureza me ajuda a relaxar. Digo a
mim mesma que ensinar a todos esses garotos kiphians vai valer a pena.
Dentro de alguns meses terei economizado dinheiro suficiente para comprar
passagem de volta à Terra. Lá, encontrarei um lugar onde possa sentir o sol
sempre que quiser.
Sinto uma pequena pontada ao pensar em deixar Verus, deixar Kiphia,
mesmo sabendo que é a melhor opção. É tão bonito aqui, especialmente agora,
à luz da tarde. É realmente uma pena que as condições para os humanos sejam
tão ruins neste planeta. Servidão de algum tipo é praticamente nossa única
opção de trabalho. Por mais que alguns de nós trabalhem, todos nós
continuamos pobres.

Quando os primeiros colonos humanos chegaram, eles pensaram que
haveria uma vida melhor em Kiphia. E para alguns, esse sonho se tornou
realidade. Mas para muitos, voltar para a Confederação Humana Interestelar
agora parece a melhor opção. Pelo menos para mim parece assim.
Eu me mexo, percebendo onde estou. Minhas reflexões me levaram
direto para a porta de serviço dos Vogiar. Estou um pouco adiantada, mas
talvez eu possa começar a aula de Tervit mais cedo ou mais tarde, e acabar logo
com isso.
Eu bato na porta. Para minha surpresa, o patriarca Vogiar a abre. Um
Kiphian mais velho, os restos de músculos poderosos ainda evidentes em seu
corpo, só sei que é ele porque um dos servos o apontou um dia. Eu nunca falei
com o homem. Foi o mordomo da família ou algo assim que me contratou.
— Erisa Meyers, presumo? — Sua voz é dominante, mas irritante.
— Você está aqui para ensinar meu filho, correto?
— Hum, sim senhor, — eu digo, sem saber como abordar a nobreza
Kiphian. Por que diabos ele está me cumprimentando, e não um dos servos?
— Excelente. Venha comigo, precisamos de algo um pouco diferente de
você, hoje. — Com isso, Vogiar Sênior se vira e entra na mansão. Eu o sigo,
confusa e cheia de dúvidas.
— Eu concordei em ser tutora de seu filho, — eu digo com cautela.
— Qualquer coisa além de aulas, teríamos que discutir.
— Você é necessária no palácio real, — diz Vogiar, sem se virar para olhar
para mim.
— Tervit está lá, por algum motivo? — Corro para acompanhar o alto
Kiphian.

— Apenas venha sem problemas, e prometo que valerá a pena. — A voz
de Vogiar traz uma pitada de frustração, o que me irrita. Eu também estou
frustrada, já que o velho idiota não vai dar uma resposta direta a nenhuma das
minhas perguntas!
No final, porém, decido ir com ele. “Valerá a pena” canta uma canção
sedutora de dinheiro. Talvez, com o que eles precisarem de mim no palácio, eu
consiga sair daqui ainda mais cedo do que planejei.

CAPÍTULO TRÊS
ELVION
Me recosto no pequeno trono da minha sala de recepção, entediado.
Bastou uma menção do meu interesse em uma cuidadora humana para Iyrelle,
e todos os meus conselheiros pularam para dar sugestões. Estive sentado,
observando-os desfilar fêmeas humanas diante de mim por uma hora.
Cada uma delas tem estado tão perturbada. Acho que meus conselheiros
não as avisaram muito antes de trazer as mulheres diante de mim, mas
esperava que elas recuperassem a compostura em algum momento. A maioria
delas era tão quieta e submissa quanto a habitual mulher Kiphian. Talvez elas
pensassem que esse comportamento era o que eu queria.
Bem, não é o que quero. As palavras de minha mãe ainda ecoam em meus
ouvidos. — Vai precisar de uma mulher forte para domar sua irmã. Não sei
muito sobre humanos, mas tenho certeza de que nenhuma das mulheres que
vi até agora poderia lidar com Iyrelle.
Eu suspiro, começando a me perguntar se estou em uma missão tola.
Assim que esse pensamento me ocorre, um criado abre a porta da sala.
— Lorde Uvdil Vogiar e Erisa Meyers, — anuncia o homem de libré.
Eu sufoco um gemido, mantendo minha máscara digna. Uvdil Vogiar é
um dos meus conselheiros menos favoritos. Infelizmente, ele descobriu isso,
recentemente, e tem procurado qualquer oportunidade para bajular meu favor.

Além disso, duvido muito que a mulher que ele me traz seja melhor que as
outras.
Então, eu a vejo.
Eu pisco, surpreso com a beleza incomum da fêmea humana na minha
frente. Seu cabelo castanho cai em ondas sedosas sobre seus ombros esbeltos,
e seus olhos verdes varrem a sala friamente.
Além de sua beleza, essa mulher me impressiona com sua postura. Não
há um tremor para ser visto em seus membros elegantes. Em vez disso, ela
observa a câmara de recepção como se estivesse apenas curiosa para observar
suas características arquitetônicas.
Aqueles olhos esmeralda finalmente balançam para encontrar os meus.
Sinto um choque de estranho reconhecimento. Já conheci essa fêmea humana
antes? Ela é tão familiar e incomum ao mesmo tempo, mal consigo manter
minha curiosidade longe do meu rosto.
— Aqui está minha oferenda a você, meu príncipe, — entoa Lorde
Vogiar, com um sorriso bajulador no rosto. — Esta fêmea humana ensinou meu
filho notavelmente bem, mas seria uma honra sacrificar a educação de meu
filho a serviço da família real. Por favor, aceite Erisa Meyers como um humilde
presente da casa Vogiar.
A mulher, Erisa, se assusta, mas só vejo porque estou olhando para ela
em vez do velho bajulador Vogiar. Ela se recompõe rapidamente. Um olhar
calmo substitui sua breve expressão de perplexidade irritada.
— Eu não posso ser um presente, Lorde Vogiar, — ela diz, sua voz suave,
mas dura. — Como não pertenço a você, não pode me oferecer. Estou aqui por
minha própria vontade.

Vogiar imediatamente bufa, indignado e com raiva.
— Fêmea humana, você deveria estar honrada! Estou apresentando você
a Sua Alteza, Príncipe Elvion de Verus, filho mais velho da ilustre família real
do Reino Das Copas das Árvores! Como você ousa me contradizer?
Erisa afunda em uma reverência, conseguindo fazer com que suas saias
de tecido desgastados ondulassem como se fossem sedas de princesa.
— Príncipe Elvion. — Meu nome em sua boca envia uma onda de calor
totalmente inapropriada por mim. — Estou, é claro, honrada por estar em sua
presença. — Ela segura a reverência por um momento, então se levanta. — No
entanto, mesmo para você, digo que sou livre para escolher o trabalho que
aceito e, como não sei que tipo de cargo oferece, não posso aceitá-lo.
— Que insolência, — grita Vogiar. — Você não tem educação, mulher?
Os olhos brilhantes de Erisa piscam com aviso em sua direção
— Você teve ampla oportunidade de explicar esta situação para mim na
esfera, no caminho para cá, — ela diz, uma corrente de fogo em suas palavras.
— Talvez, se você tivesse feito uma cortesia tão simples, não ficaria tão
envergonhado agora.
Eu quero rir, enquanto a pele alaranjada e aquosa de Vogiar fica escura
de raiva e ele luta para encontrar as palavras. Esta mulher o reduziu a uma
massa balbuciante de temperamento com apenas algumas frases. Tenho que
admirar a eficiência imperturbável.
Vogiar está cuspindo algo sobre lamentar o dia em que trouxe essa
mulher inútil à minha glorificada presença, mas eu falo e minha voz o silencia.
— Você me interessa, Erisa Meyers, — eu digo, e sua cabeça se volta para
olhar para mim. — Qual é a sua experiência com crianças, posso perguntar?

— Eu ensino os filhos da nobreza kiphian de Verus desde que cheguei a
este planeta, há mais de um ano. — Ela abaixa a cabeça, com a quantidade certa
de deferência. — Todas as crianças são diferentes, então, se você tem uma
criança específica em mente, não posso dizer se vou agradá-la. No entanto,
tenho prática em me adaptar às demandas únicas dos jovens.
Eu engulo uma risada. Sim, essa mulher cautelosa e inteligente parece
mais do que capaz de se adaptar às demandas únicas de minha irmã diabólica.
Ela pode, na verdade, ser o ajuste certo para o que preciso.
— Nesse caso, permita-me fazer-lhe uma oferta de emprego. — Eu me
inclino para frente em meu trono, meu queixo no meu punho. — Pagarei
generosamente para você concordar em trabalhar em tempo integral como
serva em minha casa.
— Serva? — Erisa parece surpresa, mais obviamente do que quando
Vogiar a chamou de presente. Suas sobrancelhas se enrugam e ela parece quase
ofendida. — Você quer que eu limpe as coisas?
— Quero que você cuide da minha irmã mais nova, Iyrelle. Ela tem sete
anos e está em um... estágio bastante difícil.
— Oh. — A expressão de Erisa clareia. — Você quer dizer babá. Quer que
eu seja sua babá. — Considero a palavra desconhecida e a descarto como
irrelevante.
— Esse pode ser o termo humano, — eu digo, magnanimamente. — Mais
importante, o que você diz da minha oferta?

CAPÍTULO QUATRO
ERISA
Claramente, terei que encontrar maneiras novas e cada vez mais
inventivas de corrigir esse personagem de Elvion. Eu não me importo com o
quão nobre ele é (aparentemente, quase tão da realeza quanto dá), eu não sou
serva de ninguém.
Ainda assim, minha ira seria muito mais pronunciada se ele fosse
horrível de se ver. Por mais que tente negar, ele é realmente algo para se ver.
Elevando-se mais de dois metros e dez com pele dourada rendilhada com
tatuagens verdes, é difícil não ficar hipnotizada por sua estatura e físico.
Igualmente atraente é o dinheiro que ele está oferecendo. Com esse tipo
de salário, posso estar em uma nave terrestre muito mais rápido do que o
previsto. Mas há algo em tudo isso, tenho certeza. Tem que haver uma
pegadinha.
— Você pode estar se perguntando por que a quantia que proponho é tão
alta, — diz ele, olhando-me atentamente.
Ele pode ler minha mente?
— De forma nenhuma. Eu deveria estar? — Eu tento jogar isso o mais
casualmente que posso.
Por que sim, sempre tenho o hábito de conversar com a realeza, não é?
— Minha irmã mais nova, Iyrelle, pode... não, será difícil, — ele quase
promete. Seus olhos nivelam a mim, tentando avaliar minha reação.

Como não faço ideia do que ele está falando, fiz minha melhor cara de
“estou pensando”. Estou realmente pesando minhas opções, mas quero que
pareça mais sério do que acho que seria em circunstâncias normais.
Nesse momento, um uivo irrompe no espaço e uma torrente de membros
e cabelos aparece, debatendo-se e gemendo. Apesar de meus melhores
esforços, inadvertidamente dou um passo para trás, procurando a saída mais
próxima.
O que é essa coisa?
— NÃO! Não, não, não, não, não! — O redemoinho parece falar. Posso
apenas detectar dois olhos espiando por uma massa de cabelo desgrenhado,
quase emaranhado.
— Isso não diz respeito a você. Você deve…
— Diz! É sobre mim! Eu quero uma palavra! — A criatura planta seus
pés em uma postura de total desafio, empurrando o cabelo para longe de seu
rosto.
Da massa peluda emerge um rosto bonito, sua forma espelhada em
Elvion. Eles estão relacionados, isso é certo, embora seu comportamento e sua
selvageria não poderiam ser mais diferentes.
— Essa deve ser... — Eu nem percebo que estou falando em voz alta
quando Elvion me interrompe. — Iyrelle, sim. Minha irmã mais nova. E sua
nova pupila. Você deve concordar em levá-la.
— Quem disse? — Iyrelle berra para o irmão, o que é uma façanha, dada
a diferença de altura.
— Eu digo. Seu irmão mais velho, segundo na linha de sucessão ao
trono... e, por enquanto, e no que lhe diz respeito, a lei. — Sua voz assume um

estrondo baixo. A criança de sete anos em mim treme por dentro. Iyrelle parece
imperturbável. Ela se afasta dele para me confrontar.
— O que você é? — Ela exige.
— Curiosa, — eu respondo. O jogo de inteligência começou. Só espero
poder enganar essa criatura muito indisciplinada.
— Isso não é uma coisa, — ela retruca. Posso sentir que ela está louca por
uma briga. Estou determinada a não dar a ela.
— Eu discordo, — é tudo o que digo e me afasto dela, fingindo admirar
a sala ao meu redor.
Seu queixo cai um pouco. Como todos os nobres Kiphians, está claro que
não está acostumada a ser ignorada. Ou ter alguém se afastando deles sem ser
dispensado. Estou pisando em terreno muito ralo aqui, mas, do jeito que vejo,
Elvion parece precisar de mim muito mais do que preciso dele. Este pode ser
o mais próximo que chego do poder real neste planeta.
Cuidado, não se empolgue.
— Eu te fiz uma pergunta. O que você é? — Ela me segue, tentando
chamar minha atenção. Eu ando pela sala, fingindo estar fascinada pelo meu
entorno. Elvion, por sua vez, fica incerto, esperando para ver o que vem a
seguir.
Que torna dois de nós.
— E eu te disse. Curiosa. Embora, às vezes, possa ficar frustrada,
indagadora, sonolenta, faminta ou mal-humorada. Mas, há uma coisa que
nunca serei.

Iyrelle para de me seguir como um cachorro louco. Posso dizer que ela
está louca para saber. Ela não suporta não saber. Mas, mesmo aos sete anos de
idade, ela tem um sentimento saudável de orgulho e não quer admitir isso.
Eu, no entanto, não lhe darei a satisfação. Engraçado pensar que o maior
poder que tive desde que cheguei a este planeta estaria na companhia da
família real Kiphian.
Iyrelle ferve. Se fosse possível, o vapor sairia de seus ouvidos. Suas mãos
se fecham e se abrem. Ela praticamente vibra de desagrado. Minhas
perambulações continuam ao redor da sala.
Não tenho certeza de quanto tempo mais posso mantê-lo, mas estou
disposta a tentar.
— O QUE? Qual é a única coisa que você nunca será? — Ela explode.
Respiro fundo e a olho bem nos olhos. Aproveitando o momento, eu a
faço esperar apenas um segundo a mais.
— Rude. Nunca serei rude, — eu digo simplesmente, e continuo minha
caminhada pela sala. Não posso ter certeza, mas acho que ouvi um ronco fraco
escapar de Elvion. Se em desgosto ou temor é uma incógnita.
Há um momento em que Iyrelle absorve minha resposta. Parece aquele
momento entre quando um bebê bate na cabeça e quando começa a gritar…
você sabe o que está prestes a acontecer e não pode fazer nada para impedir.
É então que ouço Iyrelle cair na gargalhada. Ela cai no chão em uma
pilha, segurando em seus lados, gargalhando como uma hiena. Não é bonito,
mas pelo menos não é o que eu esperava.
Elvion funga com desgosto e se move para que um servo venha e a
remova da sala. Quando o servo se aproxima, eu levanto a mão para detê-los.

— Espere. Vou aceitar o trabalho.
Inclinando-me, fico cara a cara com Iyrelle. Sua risada diminui, e posso
dizer que ela está um pouco cansada. Mas há uma compreensão em seus olhos
que não existia antes. Se estou me sentindo ousada, posso até chamar de
respeito.
— Muito bem, então. Ela é toda sua, — Elvion diz, seus braços
encolhendo ao seu lado como alguém que está realmente no limite de seu juízo.
Estendendo a mão, cautelosamente empurro um pouco do cabelo dos
olhos de Iyrelle.
— Olá, eu sou Erisa. Sua nova tutora. Mostre-me ao redor?
Iyrelle morde o lábio enquanto estuda meu rosto. Eu a vejo tomar uma
decisão por trás de seus olhos.
— Claro! Por aqui! — Ela agarra minha mão, levantando-se do chão.
— Até logo, irmão mais velho! — Sua voz sai da sala enquanto eu a sigo,
meus olhos dando a Elvion um último olhar.

CAPÍTULO CINCO
ELVION
Pela centésima vez, leio as palavras diante de mim. Teimosamente, eles
se recusam a fazer qualquer sentido ou causar qualquer tipo de impacto em
meu cérebro. Balançando a cabeça frustrado, afasto a declaração. Eu deveria
ter terminado de lê-lo agora, adicionando minhas notas para revisões, antes de
passar para a próxima pilha de documentos na minha mesa.
O negócio com Iyrelle ocupou muito mais do meu dia do que deveria.
Não consigo afastar a sensação de que a serva humana, a quem confiei minha
irmã, pode não ser a mais adequada.
Afinal, ela é uma fêmea humana, e já mostrou que é determinada. Exceto
por minha mãe, esses traços nas mulheres (Kiphian ou não) não são algo que
eu experimentei com muita frequência.
E ainda assim…
Há algo em seu comportamento que me puxa. Ela não sorriu, se
acovardou ou bajulou como muitos que se encontram na minha presença. Na
verdade, ela fez exatamente o oposto!
E não há como negar o efeito imediato que ela teve em Iyrelle. Em sua
curta estada aqui, eu ainda não tinha visto ninguém acalmar, persuadir ou
mesmo comandar Iyrelle para fazer qualquer coisa que ela não quisesse fazer.
Dentro de momentos, Erisa conseguiu romper as birras, a grosseria e a força
absoluta que é minha irmã e mantê-la sob controle.

Isso não é algo para ser descontado facilmente. Suspirando, eu me inclino
para trás na minha cadeira, olhando com desânimo para a pilha de negócios
ainda a serem concluídos. Tudo teria que esperar.
— Varens? — Grito a sala além do meu escritório espaçoso. Dentro de
momentos, o chefe muito capaz da minha equipe está na porta.
— Sim, vossa graça? — Varens consegue falar pouco acima de um
sussurro, mas posso ouvi-lo do outro lado da sala.
— Envie uma mensagem para a fêmea humana, Erisa, que desejo falar
com ela depois que minha irmã for para a cama. Parece prudente que deva
informá-la sobre os… problemas passados e atuais de Iyrelle. — Termino de
falar em uma agitação, limpando minha garganta.
— Muito bem, vossa graça. Vou me certificar de que ela se encontre com
você. — Com isso, Varens desaparece tão silenciosamente quanto apareceu.
O relógio acima de mim soa seu apito baixo e cintilante. Embora calmo
para os ouvidos, o som me irrita. Perdi uma tarde. Agora, com esse gentil
lembrete, devo sair e comparecer na corte.
Todos os dias, a esta hora, sento-me no tribunal e ouço as queixas do meu
povo. A maioria dos dias consiste em rivalidades mesquinhas que devo
mediar, ou questões espinhosas da governança cotidiana. E, embora haja
momentos em que desejo arrancar meus próprios olhos do tédio, sei que é
importante estar presente para o povo.
Meu pai estabeleceu a prática e a prosperidade de seu reino, em parte,
com base em sua transparência e acessibilidade ao seu povo. Embora seja um
homem difícil de amar, desejo imitar sua liderança. Todos os membros da
realeza que se preze deveriam.

Me preparando, vou para a corte, estabelecendo minhas feições em uma
máscara neutra. Não é uma tarefa fácil, mas venho aperfeiçoando-o há algum
tempo. Curiosamente, apenas as travessuras de Iyrelle foram capazes de
romper isso.
E lá está ela de novo, aquela mulher humana está no meu cérebro.
Ao entrar na sala de recepção principal da corte, fico feliz em ver que a
súmula para os negócios de hoje está mais leve do que o normal. Varens está,
com sua habitual placidez estoica, ao meu lado esquerdo, com uma lista de
petições pronta.
Quando os cidadãos desejam falar comigo, eles primeiro solicitam ao
secretário no portão que registra sua reclamação e designa um horário para
retornar ao tribunal. Apenas um punhado de itens se alinham na programação
de hoje.
Os três primeiros itens são facilmente dispensados, pois dizem respeito
a alocações verticais de fazendas e disputas comerciais. Aconselho a mediação
e o acompanhamento com meus conselheiros e fico feliz em ver Varens retirá-
los da nossa lista.
— O que vem a seguir, Varens?
— O cidadão Garrus, um lojista, deseja falar com você sobre seu filho
desaparecido, — responde Varens, sua voz carregada de preocupação.
— Traga-o para a frente.
Conduzido por um servo, Garrus se aproxima. Ele é um homem magro
com apenas um punhado de tatuagens e uma expressão preocupada. Seus
olhos se movem em uma confusão ansiosa, e ele parece carregar um peso
invisível sobre os ombros.

— Cidadão Garrus, bem-vindo. Por favor, conte-me sobre seu filho —
digo, me inclinando para tentar acalmar o sujeito.
— I... imploro seu perdão, vossa graça, mas estou sempre tão gr...-grato
a você por me ver hoje, — Garrus gagueja, torcendo as mãos.
— Você é muito bem-vindo. Agora, para o assunto em mãos, — eu incito.
— Sim, vossa graça. Minhas desculpas, vossa graça. Bem, v...veja bem,
meu filho, Rebi, ele não tem mais de oito anos, vossa graça, ele desapareceu há
alguns dias. — Garrus olha nos meus olhos e vejo dor e preocupação gravadas
ali.
— Desapareceu? Tem certeza?
— Tenho, vossa graça. Ele nunca foi de se afastar. Ele estava brincando
com seu amigo, Soval, eles são amigos desde que eram bebês… e eles
a...ambos… — Garrus enterra a cabeça nas mãos e não pode continuar.
Varens se inclina para mim.
— Soval é o último item da nossa lista, sua graça. O pai dele também está
aqui para falar com você sobre o desaparecimento dele.
Como se solicitado, um homem Kiphian de constituição maior e mais
volumosa dá um passo à frente. Ele tem mais controle sobre ele, mas seus olhos
também estão cheios de preocupação.
— Meus mais humildes agradecimentos, vossa graça, por ouvir Garrus e
eu falar. Eu sou Talock. Sou vizinho e amigo de Garrus e sua família há anos.
Nossos filhos são inseparáveis. E, três dias atrás, eles... simplesmente
desapareceram.
— E você denunciou o desaparecimento deles às autoridades?

— Nós fizemos, vossa graça, mas parece que eles estão com as mãos
cheias, no momento. Disseram que fariam o que pudessem, mas que a mão de
obra e o financiamento estavam em questão.
Esta é a parte de governar que me faz coçar de raiva. Todas as minúcias
e burocracia de manter a lei e a ordem, e ainda assim as coisas caem pelas
rachaduras.
— Varens, por favor, aconselhe o chefe de polícia Cade a montar uma
força-tarefa dedicada a investigar esses desaparecimentos. Aloque fundos que
considere apropriados para fazê-lo.
— Sim, vossa graça.
— Obrigado, vossa graça. Obrigado. Você é um verdadeiro líder, — diz
Talock, enquanto Garrus, com os olhos cheios de lágrimas, simplesmente
inclina a cabeça em agradecimento.
Eu aceno, concisamente. Fico feliz em ajudá-los, mas me irrito com o
elogio.
Se eu sou um grande líder, por que ainda estou pensando naquela
mulher humana?

CAPÍTULO SEIS
ERISA
— Que tal eu apenas trabalhar nesta parte? — Eu pergunto, ternamente
tentando passar um pente pelo emaranhado de cabelo de Iyrelle. — Se for
muito doloroso, vamos parar, mas acho que uma garota forte como você pode
lidar com isso.
Ela grunhe resignada, mas, milagrosamente, fica quieta. Eu
cautelosamente passo o pente. Seu quarto é surpreendentemente pequeno, mas
confortável, e eu deliberadamente reduzi as luzes para criar uma sensação de
relaxamento, na esperança de prepará-la para dormir.
Se conseguir fazê-la deitar em uma hora, considerarei uma vitória. Tenho
certeza de que estarei na cama logo depois. Foi um dia divertido, mas muito
longo e exaustivo. Enquanto Elvion estava certo, sua irmã é difícil, ela não
deixa de ter seu charme. Ela é inteligente e cativante e, sim, a palavra que
começou tudo, curiosa.
— Conte-me sobre suas partes favoritas, hoje, — murmuro, tentando
tirar sua mente dos nós em seu cabelo.
— Bem, primeiro tenho que lembrar o que fizemos, — ela responde, seu
rosto definido em uma determinação sombria.
— Tenho certeza que pode fazer isso. Diga-me.
— Bem, o passeio pelo palácio foi divertido, mas aqueles servos não
gostam quando eu corro em alta velocidade.

— Eles têm seus motivos. Mas, sim, foi divertido. Especialmente quando
o passeio se tornou “esconde-esconde”. Nunca pensei que te encontraria na
grande sala de recepção.
— Você deveria ter visto o olhar em seu rosto quando te assustei! —
Iyrelle ri ao lembrar de pular de trás de uma estátua.
Isso me assustou muito, mas peguei um vislumbre do meu rosto em uma
janela próxima e até eu tive que admitir que parecia muito hilário.
— Eu vi! E sim, foi uma visão engraçada. Acho que tivemos um primeiro
dia muito bom, — minha aprovação coloca um pequeno sorriso em seu rosto,
e sou capaz de passar o pente por uma mecha inteira de cabelo. Eu diria que é
um triunfo geral.
— Exceto por aquele jantar. Essa comida era eeeccca, — ela faz uma
careta. Embora eu não tenha entendido todos os pratos que foram servidos,
fiquei grata pela comida. Depois de toda aquela atividade, eu estava com muita
fome.
Iyrelle esteve, em sua maior parte, dócil no jantar. Ela devia ter estado
esgotada, também. Apesar de seus protestos sobre a comida, ela pelo menos
ficou em sua cadeira por quinze minutos consecutivos, e eu poderia dizer pelas
reações da empregada que poderia ter sido algum tipo de recorde.
O mais notável foi como ela me disse que estava feliz por ter uma colega
de brincadeiras, agora. Eu não estaria mentindo se um pequeno lampejo de
orgulho e algo mais (afeição, talvez?) brilhou dentro de mim por um breve
momento.
Nosso jantar foi em grande parte solitário, no entanto. Apenas nós com
os servos presentes. Eu pensei que talvez alguém, até mesmo Elvion, se juntaria

a nós, mas, em retrospectiva, essa é uma ideia tola. Por que ele se juntaria à sua
irmã desordeira e a cuidadora humana?
— Pronto. Você está maravilhosa, — eu digo, deixando o pente. Estou
decidida a pentear o cabelo dela em etapas. Qualquer coisa mais rápida
poderia assustá-la. E é verdade, ela parece maravilhosa e de outro mundo,
mesmo para os padrões Kiphians. Sua pele, uma cor rosada dourada, brilha
quente na baixa iluminação, enquanto seu cabelo, um castanho profundo com
sobretons de esmeralda, contrasta e emoldura seu rosto oval.
Um dia, apesar de seus melhores esforços, ela será uma beleza, disso
tenho certeza.
Meu elogio não recebe a reação que eu esperava. Iyrelle faz uma careta
para si mesma no espelho.
— Hmmph, — ela bufa.
— O que? Você não quer ficar bonita?
— Não. É assim que Elvion quer que eu pareça. É assim que todos eles
querem que eu pareça. Quero parecer comigo.
Eu olho para seu reflexo no espelho e nossos olhos se conectam.
— Você acha que, porque seu irmão quer que você tenha uma certa
aparência, isso significa que ele não se importa com você?
— Não sei. Nem sei quem ele é, na verdade. Quando ele veio nos visitar,
em casa, era diferente, — suas sobrancelhas franzem com a memória.
— Diferente, como?
— Era mais divertido, gostava de brincar. Quando está aqui, ele é
estranho e hostil. Eu não o conheço aqui, — sua voz está cercada de tristeza.
Coloco minha mão em seu ombro.

— Sinto muito por ouvir isso. Mas ele tem muitas responsabilidades aqui
que podem dificultar a diversão dele.
— Não tem essa. Ele pode se esforçar mais. Todos podem, — ela está
beirando o mau humor, mas tenho que admitir que há verdade em suas
palavras.
— Os adultos têm seus costumes. Eu sei que é difícil de entender agora,
mas você vai, algum dia, — eu tento acalmá-la o melhor que posso, mas sinto
um toque de falsidade. Quem sou eu para saber sobre os costumes kiphians?
— Eu não gosto dos costumes deles. Quando crescer, vou escolher meu
próprio caminho, — Iyrelle cruza os braços em desafio. Minha mente volta
para o que sei sobre as mulheres Kiphians, e tenho que admitir, é uma imagem
sombria para alguém como Iyrelle.
As mulheres deste planeta realmente só têm três escolhas na idade
adulta: vida religiosa, casamento (e filhos) e, a menos procurada e
provavelmente a menos bem-vinda: guerreira. Iyrelle certamente tem
tenacidade, inteligência e ferocidade para ser uma guerreira, mas duvido que
ela faça bem em ouvir e obedecer a um oficial superior. De alguma forma, isso
não parece se encaixar nela.
Suspirando, dou-lhe outro tapinha no ombro.
— Vamos pensar sobre isso outro dia. Por enquanto, durma. Sim?
Podemos explorar mais amanhã. — Para minha surpresa, ela me deixa levá-la
para sua cama pequena, mas confortável. Eu a coloco e aliso seu cabelo para
trás de sua testa.

Dentro de momentos, seus olhos se fecham e quase posso acreditar,
olhando para ela, que é apenas uma garota normal, e não uma princesa real
que todo mundo deseja apenas esconder.
Saindo do quarto dela na ponta dos pés, eu rolo meus ombros. Não
percebi que estava mantendo tanta tensão neles até agora.
Meus recém-designado quarto de dormir é contíguo ao de Iyrelle. Como
o dela, é simples, mas confortável. Estou ansiosa para subir na cama, pois, se
todos os dias com minha pupila forem assim, certamente precisarei do meu
descanso.
Preparando-me para dormir, noto uma luz piscando que emana do canto
da minha penteadeira. Meu painel de comunicação! Tinha esquecido que eles
tinham me fornecido um. Quem poderia estar me enviando uma mensagem
já? Ninguém sabe que estou aqui.
Clicando para abrir, minha barriga gela.
— Sua Graça solicita sua companhia para discutir mais detalhes.
Responda imediatamente. — Lentamente, temendo o que poderia encontrar,
examino o carimbo de data/hora.
A mensagem foi enviada horas atrás. Mantive o príncipe Elvion
esperando.

CAPÍTULO SETE
ELVION
O relógio faz seu barulho suave, mas insistente, mais uma vez. Tenho
metade da intenção de substituí-lo por algo que realmente faça barulho, em
vez de apenas insinuar. É como ser morto pela bondade.
Apenas continue com isso.
Não estou acostumado a ficar esperando. Geralmente sou eu que faço os
outros esperarem. Além disso, Erisa foi convocada horas atrás. Ela não só está
ausente, como não enviou nenhuma resposta. Onde ela está?
Com a ideia de chamar um empregado para me trazer uma bebida tarde
da noite, a porta do meu escritório de repente se abre. Erisa praticamente
galopa pela porta, trazendo consigo um ar de ansiedade caótica.
Sua respiração é rápida e seus esforços trouxeram uma cor forte às suas
bochechas. Um turbilhão de sentimentos que preferiria não reconhecer se
agitam dentro de mim.
Ela é linda.
É uma serva.
É uma humana.
Todos esses fatos têm o efeito de um balde de água fria… estar atraído
por essa serva humana está além da minha posição e além da minha raça. É,
simplesmente, ridículo.
— Eu sinto muito! — Ela deixa escapar, sem fôlego.

— Achei que as servas eram melhores em pontualidade, — eu zombo,
mal escondendo meu desprezo.
— Primeiro… nada de serva. Uma babá. Segundo… eu dei minhas
desculpas. Não vi a mensagem até agora. Você estava certo, sua irmã é difícil.
Eu só agora a acalmei, — a respiração de Erisa começa a desacelerar, mas sua
resposta desafiadora (visivelmente sem o título honorífico) me irrita.
— Deduzo do seu breve relatório que você está desistindo? — Eu
realmente não quero saber a resposta para esta pergunta, pois não tenho outra
opção, se ela desistir agora.
— Pelo contrário, acho que tivemos um ótimo dia. Há muito com o que
trabalhar. Sua irmã é traiçoeira, com certeza, mas não é um monstro. Nem é
irredimível.
A certeza e confiança na voz desta serva humana é a coisa mais
reconfortante que ouvi durante todo o dia. Também tem uma doçura
particular, já que a oradora é muito bonita de se ver.
Pare com isso.
— Isto é bom de ouvir. — digo, cautelosamente. Aguardo as más notícias.
— Ela me deu um passeio pelo palácio, muito legal por sinal, e tivemos
todo tipo de aventura. Ela tem energia, com certeza, mas quando se concentra,
é insaciavelmente curiosa. Sua curiosidade pode parecer áspera na superfície,
mas, para mim, parece mais uma fome de conhecimento. Ela precisa ser
alimentada. Eu posso trabalhar com isso.
Esta avaliação contundente e sucinta é refrescante de ouvir. Minha irmã
não é uma causa perdida, afinal.
— Alimentada? O que você quer dizer?

— Ela precisa de estrutura, conhecimento e aprendizado focado. Ela já
teve essas coisas? Ou foi mantida como um pássaro exótico e você está
descontente com os resultados até agora?
Minha reação interna imediata a essas perguntas é uma raiva
incandescente por sua insolência e ignorância. Como ela se atreve a fazer tais
implicações? Respirando fundo, tento formular uma resposta. Erisa olha para
mim, com o rosto aberto e à espera. Ela não está acusando. Está realmente
perguntando.
Uma parte minha se maravilha com sua habilidade de ir direto ao cerne
das coisas. Outra parte de minha se arrepia com sua impertinência.
Claramente, ela levará algum tempo para se acostumar.
— Vou desculpar seu modo brusco de questionamento e levá-lo no
espírito que pretendia. Não estou acostumado com servas falando comigo
dessa maneira, — eu começo.
— Babá, — Erisa corrige. — E sim, faço essas perguntas para conhecer
melhor Iyrelle.
— Minha irmã foi... uma surpresa para meus pais. Eles acreditavam que
já tinham passado da idade fértil quando ela apareceu. Até seu nascimento foi
difícil e, ao que parece, está imbuída desse espírito desde então.
— Mas, certamente, isso não é motivo para desistir dela, é? Ela já ganhou
um colega de brincadeiras? Uma babá antes de agora?
— Ela tinha cuidadoras e empregadas. Além disso… não achamos
necessário. Mas, à medida que ela crescia, sua incapacidade de controlar seu
temperamento, de ouvir as autoridades e, o que parece, um traço antinatural
de crueldade nos fez parar. — Eu não me imaginava falando com essa mulher

dessa maneira, mas ela parece ser capaz de tirar informações de mim da
maneira mais direta possível.
— Por que ela está aqui, de todos os lugares?
Ela vai direto ao ponto, não é.
— O comportamento dela se tornou... problemático para meus pais. Meu
pai, principalmente. Todos concordamos que uma mudança de local e, talvez,
algumas novas influências poderiam fazer bem a ela.
— E o que você acha de ela ficar até agora? — Há uma qualidade de
sondagem na linha de questionamento de Erisa que não tenho certeza se gosto
inteiramente, mas me vejo incapaz de resistir a responder.
— Com toda a honestidade, até hoje, achava que ela era uma causa
perdida.
Pronto. Eu disse isso.
— Sua irmã não é uma causa perdida. Posso tê-la conhecido há apenas
um dia, mas já posso ver que há muito pelo que lutar naquela garotinha. E o
que você pode chamar de “comportamento problemático” agora servirá bem
para ela quando ela assumir uma posição mais oficial.
— Você realmente acha que ela será capaz de se comportar como realeza?
— Eu nunca tinha pensado em minha irmã assumindo tais deveres. O
pensamento tinha sido muito absurdo.
— Não “acho” isso. Eu sei isso. Pelo que vi hoje, essa garota é uma líder
nata.
Não era assim que tinha imaginado essa conversa. E não consigo
imaginar minha irmã sendo domesticada o suficiente para cumprir os deveres
reais. Preciso colocar tudo isso de lado.

— Vamos nos ater ao presente, por favor. Eu dificilmente acho que um
dia com ela pode te dizer o futuro, — eu fungo, tentando encerrar essa linha
de conversa. É enervante como Erisa diagnosticou a situação de forma tão
rápida e astuta.
Ou ela pode?
Eu tenho que colocar as coisas de volta nos trilhos.
— Acho que um dia foi o suficiente para eu ver que sua irmã vale meu
tempo e energia. Tenho algumas ideias de como podemos ajudá-la. Gostaria
de ouvi-las? — Ela se senta, seu olhar equilibrado e seguro.
Não posso deixar de arquear uma sobrancelha em resposta.

CAPÍTULO OITO
ERISA
Sento-me em frente a Elvion em seu escritório imponentemente luxuoso,
achando graça que esta parece ser uma entrevista de emprego em
profundidade depois que já fui contratada. Ele mal trocou três frases comigo
antes de me oferecer o cargo! Embora, acho que aceitei o trabalho por instinto,
eu mesma, sem muita informação real.
Dado isso, acho que estou feliz que ele esteja tomando tempo para me
informar, mesmo que insista em me chamar de serva. Não entendo por que a
palavra “babá” é tão difícil para ele… ele é claramente um cara inteligente.
Que seja. Talvez ele e Iyrelle compartilhem mais do que traços faciais, e
ele também gosta de ser desnecessariamente teimoso. De qualquer forma,
aprecio poder conversar com outro adulto que conhece meu novo cargo.
— Estou planejando passar um tempo ao ar livre com Iyrelle todos os
dias, — digo, observando Elvion para ver como ele encara isso. — Levando em
conta o clima, e dentro dos limites do palácio, é claro. Disseram-me que há
muitos jardins para desfrutar.
— Sim, existem. — Elvion parece pensativo. É um olhar que fica bem em
seu rosto... como todos eles, na verdade. Sentada aqui, cara a cara com ele, não
posso deixar de notar novamente como ele é bonito.
— Ela é curiosa sobre a natureza. Plantas, animais, insetos, esse tipo de
coisa, — insisto, tentando fazê-lo se envolver com minhas ideias.

— Estou ciente, — responde Elvion secamente. — De seu interesse em
insetos, especialmente.
— Então você vai entender como estar do lado de fora pode realizar duas
coisas ao mesmo tempo! — Tento fazer meu entusiasmo contagiar. — Um,
cansar Iyrelle fisicamente. Dois, dar a ela estímulo mental suficiente para
impedi-la de recorrer a comportamentos de busca de atenção.
— Comportamentos de busca de atenção? — Elvion se concentra em mim
nisso. Tento não ficar muito envolvida com a intensidade de seus olhos cinza-
tempestade.
— Como você chamaria as travessuras que acabou de descrever para
mim? — Eu levanto minha sobrancelha. — Como nobreza, ela está claramente
acostumada a fazer o que quer. Está acostumada com as pessoas rastejando
para ela e cedendo. Mas não está acostumada com interesse e atenção
genuínos, ao que parece. Tipo, de qualquer um.
Dizer isso é arriscar. Elvion ficará incomodado com minha sugestão
velada de que ele não presta atenção suficiente em sua irmã? Eu quase quero
que fique. Estou começando a perceber que isso me incomoda, como ele fica
sem emoção quando fala sobre Iyrelle.
— Entendo... — Elvion volta a parecer pensativo por um minuto,
voltando seu olhar para dentro. Sufoco um suspiro, o que considero, outro
sinal de sua falta de investimento no que estou dizendo.
Infelizmente, não importa quão frio Elvion pareça, meu corpo traidor
ainda parece estar muito atraído por ele. Observando-o acariciar seu maxilar
forte, tenho o desejo realmente não apropriado de beliscá-lo.
Então, aqueles olhos cinzas voltam para mim. Eu quase pulo.

— Esta é uma teoria interessante que você tem sobre a razão do
comportamento dela. Eu mesmo me perguntei se Iyrelle era solitária, o que é,
em parte, por que queria uma serva como você.
— Babá, — eu digo, a correção quase automática neste momento.
— Sim, sim, — concorda Elvion, acenando com a mão com desdém. —
Mas talvez essa busca de atenção que você descreve seja um elemento dessa
solidão.
— Acho que você está absolutamente certo sobre isso. — Aperto minhas
mãos, animada que ele está se envolvendo mais. — Além disso... algo que
Iyrelle, ela mesma, disse antes de dormir esta noite me deu uma boa ideia de
outra coisa que a está incomodando.
— Oh? E o que foi? — Uma onda de curiosidade toma conta do rosto de
Elvion, seguida por, o que acho, um toque de tristeza. — Ela nunca compartilha
nada comigo.
— Ela está preocupada com quão restritas são suas opções, — explico,
encorajada por este sinal de interesse do príncipe. — Em menos de três anos,
ela terá que decidir o resto de sua vida. E, terá apenas três caminhos possíveis!
Ela já está sentindo a pressão, isso já está claro para mim.
— Ela te disse isso?
— Algo assim, — eu admito, pensando. As palavras exatas de Iyrelle
foram um pouco mais ambíguas.
— O que exatamente ela disse? Ela reclamou especificamente sobre seu
futuro? — A testa de Elvion agora está franzida.
— Ela disse que não gosta dos costumes adultos, e que ela vai escolher
seu próprio caminho, algum dia. — Eu corro minha mão pelo meu cabelo, um

pouco frustrada. — É óbvio que ela está preocupada com sua escolha de vida!
Quero dizer, esposa, sacerdotisa, guerreira? É ridículo esperar que as mulheres
se encaixem em um dos três moldes.
— Talvez seja ridículo você impor sua sensibilidade humana à minha
irmã Kiphian, — diz Elvion, obviamente ofendido com o que acabei de dizer.
— Parece-me que ela não fez mais do que um vago pronunciamento de
insatisfação com os adultos, o que é normal para sua idade.
— Você realmente acha que ser enfiada em uma caixa que não cabe nela
para o resto de sua vida não é uma grande preocupação para Iyrelle? Não é
uma grande preocupação para a maioria das jovens mulheres kiphians, que
perderam o controle sobre suas próprias vidas pela tradição? — Falo com mais
veemência do que deveria com meu empregador, mas fico magoada com seu
tom. Bem quando estávamos chegando a algum lugar, também.
— Acho que você não deve insultar os costumes da terra que a acolheu.
— A voz de Elvion é dura, e ele cruza os braços de forma agourenta.
— Não foi muito acolhedora, — murmuro revoltada, com raiva demais
agora para me conter. — Você viu o bairro humano? É uma complete pocilga.
— Você se atreve a insultar ainda mais meu governo, além das tradições
do meu povo? — Elvion, levanta-se, friamente indignado. — Não vou ouvir
mais. Esta reunião acabou e você está dispensada.
Cada pedacinho da linguagem corporal do príncipe grita que ele está
friamente indignado, e que é melhor eu ir embora se souber o que é bom para
mim. Apesar disso, abro a boca para protestar, mas Elvion já me deu as costas.
Mordendo o lábio, decido ir, fechando a porta silenciosamente atrás de
mim. Não confio em mim para continuar falando com Elvion, especialmente

porque estou estranhamente magoada com a reação dele. Por que pensei que
ele seria solidário comigo e com Iyrelle? Ele é um príncipe deste reino estúpido,
ele está tão envolvido em suas tradições quanto qualquer um.
Fiz asneira, isso está claro. Pelo menos ele não me demitiu.

CAPÍTULO NOVE
ELVION
Raiva ferve em minhas veias enquanto ando pelo espaço do meu
escritório.
Como aquela fêmea humana me irritou tão rapidamente? Me orgulho da
minha impassibilidade, mesmo em negociações difíceis. Pelo bem dos Divinos,
o Reino do Deserto uma vez ameaçou invadir e apenas levantei uma
sobrancelha!
No entanto, por alguma razão, deixei que aquela mulher loucamente
teimosa e distraidamente linda diga uma coisa negativa sobre o meu mundo,
e estou berrando para ela ir embora.
Nada do que ela disse era mesmo novo para mim. Estou ciente de que
algumas mulheres kiphians se irritam com nossas tradições. Se alguém tivesse
me perguntado, eu teria facilmente adivinhado que Iyrelle seria uma delas.
Também sei que a área que meu pai doou para os humanos não era exatamente
uma propriedade muito procurada.
Nada disso deveria ter me surpreendido. Então, por que perdi a
paciência com Erisa assim?
Eu me pergunto se devo demiti-la, mas algo me faz abandonar esse plano
quase tão rapidamente quanto penso nele. Se deixar Erisa ir depois de apenas
um dia de trabalho, isso pode causar ainda mais problemas com Iyrelle.

Minha irmã claramente gostou dela.
Mais do que isso, não consigo me imaginar mandando Erisa embora,
para sempre. Por mais que sua insolência tenha me irritado agora, a cada
momento em sua companhia, a acho cada vez mais atraente.
Ela é sábia, perspicaz e observadora. Ela é enérgica, honesta e
apaixonada. E... ela é linda.
Eu gemo com a minha própria tolice, mas não posso evitar voltar ao
momento em que ela passou a mão pelo cabelo. Imediatamente após isso foi
seu insulto ao meu povo, mas, naquele instante, a curva de seu pescoço branco
e a cascata de seu cabelo castanho eram inegavelmente requintados.
Este não é absolutamente um caminho que possa me permitir seguir.
— Varens? — Aperto um botão no meu painel de comunicação e chamo
meu chefe de gabinete. Mandei todos os servos embora antes do meu encontro
com Erisa, não querendo que nenhum deles ouvisse os negócios da princesa
Iyrelle. Digo a mim mesmo com firmeza que não foi porque queria ficar
sozinho com Erisa.
— Meu príncipe?
— Peça a alguém que me traga uma garrafa de marom, — digo a ele. —
As coisas boas, do Reino do Ocean.
— Imediatamente, alteza, — diz Varens, e solto o botão que me conectou
a ele.
Graças aos Divinos, pelo menos uma pessoa torna minha vida mais fácil.
Quando comparado a Iyrelle e sua serva frustrante, Varens poderia muito bem
ser um avatar dos próprios Divinos.

Um criado aparece com a bebida que mais gosto, quando escolho beber.
Silencioso como um sussurro, ele o deixa e um copo na mesa lateral ao lado da
minha varanda. Eu sirvo um copo, já me sentindo mais relaxado.
Ao sair para a noite amena, as folhas murmurando na brisa, meus
pensamentos se voltam para Iyrelle mais uma vez.
Agora que me acalmei, começo a pensar em como Iyrelle não tem nem
três opções. Erisa estava certa ao dizer que a escolha está antes da maioria das
mulheres kiphians aos dez anos. Como filha da casa real, porém, o caminho de
Iyrelle já está decidido.
Ela está destinada a se casar com alguém rico e poderoso, como todas as
suas irmãs já fizeram. Uma imagem do casamento de Mimyra há dois anos me
vem à cabeça.
Minha segunda irmã mais nova, envolta em uma coroa de trepadeiras de
flores prateadas e filigrana de ouro, estava deslumbrante. Deslumbrante e
nervosa. Ela não queria estar lá? Nunca pensei em perguntar.
Suspiro e tomo outro gole saudável de marom. Se a doce e quieta Mimyra
tivesse alguma hesitação sobre seu casamento com o jovem e belo filho de uma
casa muito respeitada, a selvagem Iyrelle teria dez vezes mais. Uma explosão
de tristeza me percorre ao pensar na energia e alegria da minha irmã-furacão
esmaecida.
— A tradição é importante, — murmuro para mim mesmo, afastando o
sentimento. — Não é como se já tivesse me perguntado se queria crescer para
governar Verus.

Percebo que estou falando sozinho e me silencio com outra bebida. O
aroma amadeirado e profundo do licor salgado entra no meu nariz e faz minha
língua formigar agradavelmente.
Encaro as luzes de Verus. Eles brilham atraentes entre as árvores, muitos
níveis de habitação e comércio suspensos entre os troncos maciços do meu
Reino. Se olhar com cuidado, posso até ver algumas luzes amargas e amarelas
no nível mais baixo, na direção do bairro humano.
A palavra extremamente rude de Erisa volta à minha mente: “pocilga”.
É realmente tão ruim no bairro humano, que ela o compararia a um poço
de esterco? Tento me assegurar de que ela estava exagerando para causar
efeito, mas é difícil. Em apenas nossas poucas interações, Erisa impressionou
como uma pessoa honesta.
Às vezes até demais, penso ironicamente.
Eu me inclino na varanda, respirando o ar da noite. Um perfume floral
inebriante passa por mim. Deve haver uma flor noturna por perto. Nunca
pensei muito em como é maravilhoso viver no alto das árvores, perto o
suficiente da luz do sol para que tantas outras plantas cresçam aqui também.
Ocorre-me que sempre segui o exemplo de meu pai e ignorei os
humanos. Uma vez que revelou-se que os humanos não trouxeram a
tecnologia extremamente avançada que ele e os outros governantes haviam
imaginado, o Rei Tarkon deu a eles o lar que havia prometido, mas nada mais.
Ele me disse que eles eram pequenos e fracos, bons como servos, mas
fora isso uma espécie tediosa. Eu aceitei as palavras do meu pai como verdade,
sem nunca passar muito tempo com humanos, eu mesmo.

Talvez... deva visitar o bairro humano em breve. Pode ser bom me
preocupar com o bem-estar deles.
Afinal, eles, e Erisa, também são meus cidadãos.

CAPÍTULO DEZ
ERISA
A luz do sol matinal brilha através do dossel bem acima de nós. Iyrelle e
eu nos sentamos em um cobertor macio e luxuoso, esticada sobre a plataforma
de madeira coberta de musgo. Posso sentir que o musgo é tão macio embaixo
de nós que mal precisamos desse cobertor.
— Como se chama aquele? — Eu pergunto à criança, enquanto ela
acaricia uma folha azul lisa. A planta à qual está presa está enraizada no tronco
de árvore gigante próxima a nós, crescendo para fora dela. Uma variedade
estonteante de outras plantas o cerca, enchendo o tronco com explosões de
cores e caindo em cascata sobre o musgo também.
— Não sei. — Iyrelle faz beicinho. — Quero saber os nomes de todos eles!
Você as aprende, então pode contá-las para mim.
— Por que você não os aprende? — Cruzo as mãos no colo, observando
a garota. — Poderíamos pedir ao seu irmão, o príncipe, um livro sobre plantas,
talvez.
Desde que o irmão dela, o príncipe, não tenha me banido de sua presença
depois da noite passada, claro. Estou tentando muito não pensar em como ele
terminou nosso encontro abruptamente, mas seu rosto severo continua
aparecendo na minha cabeça a cada oportunidade.
— Argggggh! Sem livros! Arrrgh! Oddeeio ler! — Iyrelle cai para trás,
conseguindo errando a generosa porção de cobertor que ela tem. Em vez disso,

metade de seu corpo cai no musgo, e eu silenciosamente peço desculpas à
lavanderia do palácio pelas manchas com as quais estarão lidando em breve.
— O que você disse? Eu não falo Monstro. — Eu me inclino para trás,
enquanto Iyrelle se senta em um instante.
— Monstro?? Do que você está falando?
— Esses sons que você acabou de fazer só podem vir da barriga de um
monstro, — digo a ela, mantendo meu rosto sério. — Portanto, você deve estar
falando Monstro.
— Eu não sou um monstro! — Iyrelle salta para seus pés. — Eu sou uma
PRINCESA!
— Então, eu acho... isso me torna o monstro!
Eu rujo, e fico de pé. Iyrelle grita e ri, já entendendo o jogo. Enquanto me
aproximo dela, fazendo barulhos ridículos, com os braços estendidos, ela foge
de mim.
O jardim é enorme, embora ocupe uma fatia de tronco que talvez seja
apenas um sexto da enorme árvore. Continuo a admirá-lo enquanto persigo
Iyrelle. A tonalidade verde dos cabelos castanhos profundos da criança a ajuda
a se misturar ao musgo e aos arbustos menores, enquanto sua pele de ouro rosa
iridescente a faz parecer uma flor.
Penso em dizer isso a ela, mas decido por não. Não depois da conversa
“bonita” na outra noite.
— Oh! Olá. Eu sou Iyrelle. Quem é você?
Eu me aproximo de um dos arbustos maiores, artisticamente colocados
no centro do jardim, e vejo que Iyrelle está falando com alguém. Um garotinho

Kiphian em trajes de servo está parado timidamente perto de um canteiro de
flores, um regador pendurado em sua mão.
— Eu sou Belin, — diz o menino, timidamente. — Sou um servo.
Ele aponta para o emblema de Elvion, costurado no lado direito de sua
camisa.
— Venha se juntar ao nosso jogo, Belin! — Iyrelle balança para cima e
para baixo, batendo palmas. — Esta é Erisa. Ela é um monstro agora.
— Um monstro? — Os olhos do menino se arregalam, mas então ele
balança a cabeça. — Devo terminar meus deveres.
— Não, você NÃO deve! Sou uma princesa e, eu digo, seus deveres são
estúpidos.
Sufoco uma risada com a tentativa de Iyrelle de dignidade arrogante. Sua
pose “real” é mais do que boba, mas parece funcionar em Belin.
— Senhora Monstro? — Ele dá alguns passos em minha direção e se
curva muito mais profundamente do que o meu status garante. — Talvez eu
tenha a honra de me juntar a você e a princesa Iyrelle?
— Claro que pode. — Sorrio para ele e dou um pequeno aceno. — Tudo
o que você precisa saber fazer é correr!
Não dando tempo para Belin pensar demais em sua decisão, volto para
o modo Monstro. Eu mantenho meus rosnados um pouco menos intensos do
que quando era apenas Iyrelle. Não quero assustar esse novo companheiro
manso dela.
Corremos um pouco, Iyrelle logo exigindo ser o Monstro, ela mesma.
Mesmo na meia hora que passamos brincando, percebo que Iyrelle e Belin
estão se dando extremamente bem.

— Por que você é um servo? — Pergunta Iyrelle, se jogando no cobertor
ofegante. Belin segue o exemplo, embora se sente cautelosamente em um
pequeno canto do tecido.
— Essa não é uma pergunta muito educada, — digo à minha pupila,
mantendo meu tom suave.
— Não é? — Iyrelle parece confusa. — Por que não posso perguntar a
Belin como ele chegou aqui?
Eu penso por um momento. Quando decido explicar que as pessoas nem
sempre querem compartilhar sua história pessoal, percebo que Belin já está
falando.
— Eu sou órfão, — diz ele calmamente. — Meus pais morreram quando
eu tinha dois anos, ou assim me disseram. Um servo do palácio conhecia meu
pai, então me acolheu e me arrumou um emprego quando eu tinha idade
suficiente.
— Oooh, quantos anos você tem? — Iyrelle ignora a pungência da
história do menino para a coisa que sempre agarra as crianças de sua idade. —
Tenho sete e dois sextos!
Faço uma nota mental para repassar frações com ela em algum momento.
Acreditar que Iyrelle dirá dois sextos, em vez do mais simples “um terço”.
— Acho que tenho oito anos. — Belin dá de ombros. — Mas não sei meu
aniversário.
— Bem, você pode compartilhar o meu, — anuncia Iyrelle. — Podemos
dividir todos os meus presentes!
Minha mão vai para o meu coração, tão tocado estou por essa
generosidade repentina dessa jovem nascida nobre. Antes que possa dizer

qualquer coisa, Elvion caminha até o nosso cobertor. Um choque de
eletricidade passa por mim com sua presença inesperada.
— O que ele está fazendo aqui? — Elvion olha para Belin, parecendo
assustado.
— Estávamos brincando de Monstro, — começa Iyrelle, mas Elvion
balança a cabeça.
— Vá andando, jovem, — ele diz ao menino. — Deixe a princesa Iyrelle
e sua serva em paz.
Abro a boca para discutir com Elvion (não sobre a coisa da serva, para
variar!), mas Belin, envergonhado, já está desaparecendo, como o servo que é.
— Estávamos BRINCANDO, — grita Iyrelle. — Você fez meu colega de
brincadeiras ir embora!
O rosto dela se nubla de raiva, e suas pequenas mãos se fecham em
punhos. Eu me preparo para uma batalha capaz de abalar a plataforma.
— Não é adequado para uma princesa brincar com um servo. De
qualquer forma, é hora de uma pausa no jogo. Mandei levar o lanche para o
jardim, — finaliza Elvion, rígido.
Iyrelle pensa sobre isso, enquanto meu coração acelera ao imaginar
Elvion se juntando a nós para uma refeição. Essa é a intenção dele? Apesar de
nossa discussão ontem à noite, sinto uma emoção ao pensar em passar mais
tempo com ele.
— Tudo bem, — diz Iyrelle. — Monstros ficam com muita fome.

CAPÍTULO ONZE
ELVION
— Vai comer conosco, Príncipe Elvion? — Erisa olha para mim de seu
lugar no cobertor, suas bochechas um rosa atraente e seus olhos brilhantes.
— Eu… sim. — Me viro para olhar por cima do ombro, tanto para parar
de olhar para Erisa quanto para verificar os servos que solicitei.
De repente, a sensatez da minha ideia de almoçar com minha irmã parece
estar em dúvida. Quero verificar Iyrelle, isso é verdade. Mas, poderia alguma
parte de mim também querer ver mais Erisa, apesar de sua grosseria na noite
passada?
Não. Estou preocupado com Iyrelle, e já faz um tempo. No mínimo, eu
deveria estar checando para ter certeza de que Erisa não é uma má influência
para ela. A presença daquele servo menino me deu uma pausa, mas ele saiu
bem rápido.
Os servos começam a arrumar cadeiras e uma mesa flutuante alimentada
por uma pequena pedra de íons em cada um dos quatro cantos. Volto-me para
Erisa e Iyrelle.
— Posso acompanhá-las até a mesa? — Estendo o braço para minha irmã,
mas ela já está de pé e correndo para incomodar os criados sobre o que há para
o almoço.

Sou deixado estendendo o braço para Erisa, que se levanta lindamente
de sua poça de saias. Eu, novamente, noto o tecido pobre do qual suas roupas
são feitas. Resolvo enviar-lhe alguns vestidos novos prontamente.
Ela deve estar impecável, como guardiã da minha irmã.
Uma mulher tão bonita deveria estar vestida com as melhores sedas que
Verus tem a oferecer.
Afasto tal tolice da minha mente, bem quando Erisa coloca sua mão
esbelta no meu antebraço. Sua pele pálida parece luminosa contra o tecido
marinho da minha jaqueta. Tenho mais um pensamento espontâneo,
imaginando como seria a sensação da mão dela contra minha pele nua.
— Obrigada, — diz ela. Automaticamente, começo a guiá-la até a mesa.
Envio um pequeno agradecimento aos Divinos que os humanos não possuem
o poder de ler a mente.
— Tem bulbar frito! — Já sentada à mesa, Iyrelle está sorrindo para mim.
— Sim, — eu confirmo, enquanto Erisa suavemente puxa a mão para trás
e se senta. — Lembrei que era o seu favorito.
Minha irmã pega os pedaços de peixe empanados e fritos assim que o
criado coloca a travessa.
— Iyrelle, cuide das suas maneiras, — eu repreendo, gentilmente. —
Você deve esperar até que todos sejam servidos para comer.
— Por que? — A alegria de Iyrelle sobre o bulbar se dissipa e ela me
encara. Não sei bem como explicar boas maneiras.
— Porque uma parte importante de ser uma princesa é ser justa, — diz
Erisa, me lançando um olhar solidário. — Você não quer ser uma governante
boa e justa?

— Bem... sim, — admite Iyrelle, aquele olhar feio se tornando mais um
beicinho. — Mas, nunca vou ser governante.
— Você poderia ser, em sua própria casa, — sugiro, pensando que estou
sendo inteligente. Em vez disso, ganho um novo olhar de raiva de Iyrelle.
— Eu não QUERO minha própria casa se isso significa que tenho que me
casar, — retruca a criança.
Abro minha boca, depois a fecho. Não quero entrar nessa briga durante
o almoço.
— Iyrelle, seu irmão provavelmente conhece muitos nomes das plantas
sobre as quais você estava curiosa antes. — Erisa fala rapidamente, para evitar
um acesso de raiva. — Por que você não pergunta a ele sobre aquele que você
disse que parece um pé?
— Não, eu disse que cheira a pé, arggggh. — Iyrelle revira os olhos, não
percebendo o sorriso satisfeito no rosto de Erisa. Claramente, ela queria que
isso distraísse minha irmã, e funcionou.
Com a ajuda de Erisa, consigo ter uma espécie de conversa com Iyrelle
sobre plantas. Quando isso começa a enfraquecer, Erisa incentiva Iyrelle a me
perguntar sobre minhas cores favoritas, o que é apenas uma desculpa para
Iyrelle listar todas as cinco dela, incluindo motivos.
Isso leva tempo suficiente para Iyrelle enfiar uma refeição decente em
sua boca. Depois de um aceno meu, Erisa cede ao pedido de sua pupila para
voltar a brincar... o que deixa eu e Erisa sozinhos.
— Ela parece feliz, — eu digo, observando Iyrelle montar seus blocos de
construção com prazer. — Embora, fiquei surpreso ao ver aquele garoto mais
cedo. Você não deveria deixar Iyrelle se misturar com os empregados, sabe.

— Eu não sou empregada? — A voz de Erisa é calma. — Uma “serva”,
como você insiste em me chamar, deve ser semelhante em posição à um
jardineiro e, no entanto, você mesmo colocou Iyrelle sob meus cuidados.
— Isso é... diferente, — murmuro. — Iyrelle não pode confraternizar com
os servos de base.
— Um amigo pode ser bom para Iyrelle. Mas... como você quiser,
Príncipe Elvion. — Erisa inclina a cabeça, e não há um pingo de desrespeito em
sua voz. No entanto, de alguma forma, sinto seu descontentamento da mesma
forma.
Ficamos sentados em um silêncio constrangedor por alguns minutos,
ouvindo Iyrelle alegremente esmagar blocos um no outro.
— Você gosta do jardim? — Eu pergunto, e pareço rígido até para meus
próprios ouvidos.
— É lindo, — responde Erisa. — Mesmo que eu não saiba os nomes de
nenhuma das plantas, para decepção de Iyrelle. — Ela sorri, mas não alcança
seus olhos.
— Os nomes são menos interessantes do que as histórias que vêm com
eles, — eu digo, tentando compensar a Erisa chateada. — A flor de qirille, ali?
É central para o conto folclórico do meu Reino de como o primeiro pássaro
surgiu.
— É? — Erisa se senta mais ereta.
— O conto diz que um frovet colocou um ovo dentro de uma flor de
qirille, enquanto descansava em um galho baixo e largo.
— Um frovet?

— Um pequeno animal peludo, — eu esclareço. Erisa parece apenas um
pouco menos confusa, mas continuo.
— A frovet pensou que seria um lugar seguro para seu ovo, mas mal
sabia ela que a planta sob a flor continuaria crescendo. Para cima, para cima e
para cima, ele cresceu, até que a flor estava tão alta que, quando o ovo chocasse,
o bebê teria que ficar dentro das pétalas para sempre, ou cairia para a morte.
— Erisa está inclinada para frente com interesse, queixo nas mãos.
— A mãe frovet estava doente de preocupação. Ela pairou sob a flor, sem
comer ou dormir. No entanto, quando seu ovo finalmente eclodiu veio… um
pássaro! A flor qirille cuidou do ovo, nutrindo-o para que o bebê dentro dele
crescesse asas e pudesse ter sua liberdade.
— O primeiro pássaro, chamado firille, saiu de sua casa florida e foi
direto para sua mãe frovet, carregando sementes em seu bico para nutri-la de
volta à saúde depois de se preocupar por tanto tempo. E é por isso que, até
hoje, os pássaros frovet e qirille são frequentemente vistos juntos, ajudando
uns aos outros na sobrevivência.
— Isso é lindo, — sussurra Erisa, de repente iluminada por dentro. —
Obrigada por me contar.
Eu sorrio, mas não digo o que está em meu coração.
Nenhuma história poderia ser tão linda quanto você.

CAPÍTULO DOZE
ERISA
Não posso dizer o que é mais quente, os raios do sol ou a plataforma de
musgo abaixo de mim. De qualquer forma, sinto um contentamento se infiltrar
em ambos os lados do meu corpo. Meu cérebro também se acalma, pensando
no conto folclórico de Elvion e na maneira envolvente como ele o contou.
Que mudança em relação ao governante áspero e distante que ele tem
sido! Eu não o achava capaz de uma imaginação tão deliciosa ao contar
histórias. Ele realmente tem um talento especial para isso, e parecia gostar de
nos ver reagir à sua história.
Nós dois ficamos em silêncio, observando Iyrelle pular entre as flores,
cumprimentando-os e gritando várias ordens para elas, aparentemente, elas
agora fazem parte de seu reino de flores. Fico maravilhada com a rapidez com
que as crianças podem se adaptar ao ambiente e criar mundos totalmente
novos a partir de tudo ao seu redor.
Elvion também parece contente. Pela primeira vez desde que o conheci
(isso pode ser apenas um dia atrás, agora?) ele parece relaxado. Seus ombros
tensos afrouxaram um pouco e suas pálpebras têm uma qualidade nebulosa
enquanto ele aproveita o calor do sol.
Não sinto vontade de conversar bobagens com ele. Pareceria supérfluo,
e este momento parece tão delicado que não quero quebrá-lo com conversa

fiada. Ele parece sentir isso instintivamente também, e ficamos em silêncio por
alguns momentos.
Iyrelle decidiu que não há pompa e cerimônia suficientes em seu novo
reino e que deve haver uma coroa. Com os dedos zunindo, ela colhe e tece
várias flores juntas em uma corrente torta. Embora grosseira, ela consegue
montar uma coroa solta cintilante com flores vibrantes em muitos tons
diferentes.
A grande quantidade e variedade de flores aqui é surpreendente. Eu só
gostaria que houvesse um décimo dessa quantidade de cor nos assentamentos
humanos. Seria um longo caminho para levantar o moral…
— Põe isto! — Iyrelle está diante de Elvion e minha atenção volta para o
presente.
— Ah! É claro! Minha coroa! Como pude esquecer? — Elvion sorri e se
inclina para recebê-lo das mãos estendidas de Iyrelle. Iyrelle mostra a língua,
concentrada enquanto a arruma na cabeça nobre de Elvion.
Ele fecha os olhos em reverência ao momento e Iyrelle parece satisfeita
por tê-la honrado com esse respeito. É, afinal, uma coroação solene de um
verdadeiro Monarca.
Eu aperto minhas mãos, totalmente encantada. Nariz a nariz, a
semelhança familiar é palpável, a pele deles tingida de dourado irradiando ao
sol.
Elvion fica de pé e acena para as multidões imaginárias de pessoas/flores
no reino de Iyrelle que vieram para testemunhar este momento histórico.
Iyrelle olha para garantir que todos estejam mostrando a devida reverência ao
irmão.

Nesse momento, um guarda do palácio aparece no jardim, a cerca de sete
metros de distância. Ele claramente deseja convocar Elvion, mas não deseja
interromper. Lançando os olhos para o chão, ele apenas pigarreia para
anunciar sua presença.
Ao ver o guarda, o comportamento de Elvion sofre uma mudança
radical. Foi-se o irmão mais velho brincando de faz-de-conta com sua irmã
mais nova. Rapidamente substituído por um governante sério, ele arranca a
coroa esmagando algumas das flores no processo.
— Ah! Não! Ainda não é hora de tirar a coroa! — Iyrelle protesta. Seus
braços cruzam na barriga amuada.
— Receio que precise atender a alguma coisa. Por favor, deem licença. —
O entusiasmo na voz de Elvion congelou.
— Mas a coroa precisa estar colocada para que o reino tenha poder.
Coloque em Erisa! — Iyrelle ordena e fica claro que ela não será aplacada.
Elvion olha suplicante para mim e depois para o guarda.
— Como você quiser, — ele diz o mais placidamente possível.
Antes que possa registrá-lo, seu corpo imponente está diante de mim,
suas mãos estendidas segurando a coroa. Meu coração está batendo tão forte
que sinto que pode sair de mim. Por que esse simples ato deveria me deixar
tão perturbada?
O que há nesse príncipe que poderia me interessar? Ele é tão reservado,
tão distante. Sem mencionar que viemos de mundos, culturas e posições
completamente diferentes. E eu pareço incomodá-lo/irritá-lo/ofendê-lo com
cada interação nossa.

Atribuindo-o à sua posição e altura, engulo meu batimento cardíaco
furioso e fico calmamente diante dele.
— Você deve coroá-la ou o reino cairá! — Iyrelle avisa. O guarda tosse
outra vez, a cabeça ainda abaixada.
— Parece que vou coroar você, — Elvion diz, suas mãos ainda suspensas
entre nós.
— Parece que sim. Governante das Babás, — eu digo, piscando.
Um leve sorriso dobra sua boca. Pela minha vida, nunca vou entender
como ele não consegue fazer isso direito.
— Ah, sim. Abaixe a cabeça, — ele ordena, uma pequena nota da
brincadeira anterior em sua voz.
Faço isso, meu cabelo caindo além dos meus olhos. Suas mãos avançam,
colocando a coroa na minha cabeça. Enquanto suas mãos se afastam do meu
rosto, seus dedos roçam minhas têmporas. Juro que, naquele momento, um
choque elétrico é registrado em meu cérebro, mas não sinto dor.
Elvion, no entanto, salta para trás alarmado, como se a pequena faísca
que imaginei fosse um raio de eletricidade. Levantando a cabeça, olho para ele
com preocupação. Sua boca está aberta e seus olhos se movem em choque.
— Você está… — eu começo, mas ele me corta.
— Sim, tudo bem. — Ele continua parado ali, com as mãos ainda
levantadas no ar como se estivesse congelado.
— Viva! Viva! — Iyrelle aplaude e dança ao redor de nós dois em um
círculo.
Elvion finalmente sai de sua postura congelada e olha para o guarda.

— Com licença... preciso... ver o que é isso... — ele para, virando-se
abruptamente para longe de nós duas.
— Espere! Você não pode ir ainda! — Iyrelle protesta, toda a sua
felicidade se dissipando.
— Outra hora. Preciso ir. — Ele joga as palavras por cima do ombro
enquanto se afasta de nós.
— Não! — Grita Iyrelle.
Eu me ajoelho ao nível dos olhos dela, a coroa colocada desajeitadamente
na minha cabeça.
— Deixe-o ir, ele deve retornar aos seus deveres.
— Mas, são chatos e bobos, — ela murmura.
— Talvez sim, mas você e eu temos negócios a tratar. — Eu tento manter
minha voz firme e segura.
— Como o quê?
— Eu sou realeza, agora. Devo cuidar do meu Reino. — Eu me levanto e
começo a andar arrogantemente.
Instantaneamente, ela reconhece o jogo e começa a tagarelar sobre meus
novos deveres. Eu a satisfaço, me jogando na brincadeira.
Enquanto Iyrelle corria para buscar mais flores, olho de volta para onde
o guarda estava. Tanto ele quanto Elvion haviam desaparecido.

CAPÍTULO TREZE
ELVION
As bordas da minha visão estão embaçadas e borradas. Fazendo uma
saída apressada, saio da área do jardim, tentando enxergar direito. Depois de
dispensar o guarda, (fui procurado por uma questão menor), de alguma forma,
chego ao meu escritório. Minha cabeça está latejando e minha respiração
parece irregular.
Minha coluna continua a zumbir com as dores fantasmagóricas que a
atingiram apenas momentos antes. Passando por um espelho, até verifico se
minha camisa ainda está intacta. Sinto como se a breve onda de calor das
minhas costas pudesse ter chamuscado o tecido. Não aconteceu, mas eu tinha
que ter certeza.
Tudo isso ocorreu no momento em que toquei a fêmea humana.
Gritando para Varens que ninguém deveria, sob nenhuma circunstância,
me incomodar, ando de um lado ao outro freneticamente, tentando me
acalmar.
Não há possibilidade no mundo onde uma mulher humana… uma serva,
nada menos… possa ser minha companheira predestinada. Certamente, há um
erro em algum lugar. Um neurônio irregular, uma falha de ignição no meu
cérebro. Qualquer coisa menos o que os Divinos dizem, que a espinha de um
macho Kiphian reagirá quando ele tocar sua única e verdadeira companheira.

Eu sou realeza. Ela é uma serva. Não tenho certeza do que é mais
problemático, sua espécie ou sua posição. Como príncipe, devo dar o exemplo
para todos os meus irmãos, especialmente os homens. Minhas irmãs já se
submeteram à tarefa, excluindo Iyrelle.
Em breve, assustadoramente em breve, na verdade, terei que me dedicar
à tarefa de me casar com uma mulher kiphian de boa criação. Uma imagem do
casamento nada diante de meus olhos confusos. As flores, a cerimônia, as
roupas, os discursos, o espetáculo público de tudo isso. Provavelmente estarei
perdido na confusão.
Apenas um príncipe Kiphian cumprindo seu papel predestinado como
marido e criador de similares reais.
Cambaleando na cadeira mais próxima, abaixo minha cabeça entre os
joelhos, de repente assolado com náusea e uma sensação avassaladora de
pavor. Por que deveria me sentir assim? Este sempre foi o meu caminho.
Certamente um toque de relance de uma humana não pode atrapalhar meu
futuro e herança de uma só vez.
Pode?
Inalando profundamente, permaneço curvado por algum tempo. Longo
o suficiente para detectar a linha de luz solar caindo no ângulo de mudança do
tapete. E, tempo suficiente para minha respiração desacelerar, minha náusea
diminuir e meu cérebro diminuir um pouco do pânico abjeto.
Levanto minha cabeça e balanço meu pescoço, agora tenso por manter
minha cabeça de cabeça para baixo por tanto tempo. Engolindo um pouco de
água infundida diretamente da jarra que está sempre pronta, começo a me
sentir mais eu mesmo.

Distração. Isso é o que eu preciso. Não posso começar a analisar meu
relacionamento com Erisa neste momento. É muito próximo, muito imediato...
e muito devastador para compreender agora. Preciso de distância e uma maior
sensação de calma antes de poder confrontar o que tudo isso pode significar.
Meus olhos pegam o majestoso maço de papéis na minha mesa. Do ponto
de vista de quem está de fora, parece um caos, mas eu os organizei, de certa
forma. O grande volume de trabalho ali deixado representa um bálsamo para
minha alma torturada. Pela primeira vez, estou feliz por estar enterrado com
trabalho.
Com energia renovada, sento à minha mesa, determinado a fazer uma
redução considerável na pilha. Selecionando um relatório cuidadosamente
escrito do topo da pilha, vejo que é um despacho de crime. Frequentemente
recebo estes, escritos por um burocrata da polícia escondido nas profundezas
do departamento, cujo único trabalho é catalogar e categorizar
cuidadosamente os vários crimes no Reino Das Copas das Árvores.
Felizmente, a criminalidade é baixa aqui, mas o funcionário, no entanto,
leva seu trabalho a sério e listou meticulosamente todas as queixas, prisões e
crimes recentes. Normalmente, dou apenas uma olhada superficial em tais
relatórios. Crimes hediondos geralmente são relatados diretamente para mim
via Varens, então o relatório parece supérfluo.
Hoje, no entanto, vou ler cada carta. Este relatório será meu método
oficial de procrastinação. Nunca fiquei tão feliz por ter negócios oficiais.
O relatório começa com um resumo mundano de vários crimes
mesquinhos: pichações na praça principal, roubo do jardim botânico, um
epíteto racial lançado contra servos humanos. Nada alarmante ou ultrajante.

Ironicamente, minha respiração fica mais lenta e me sinto um pouco mais
calmo.
Quem diria que os relatórios da polícia poderiam ser tão relaxantes?
Virando a página, meus olhos são atraídos pelo último item listado. Ele
ocupa a maior parte da página e imediatamente percebo o motivo.
De acordo com o chefe de polícia Cade e sob a ordem direta de Sua
Alteza o Príncipe Elvion, uma força-tarefa foi criada para revisar relatórios
recentes de crianças desaparecidas relatadas em todos os limites da cidade.
Todas as pessoas desaparecidas relatadas são crianças (Kiphians) com menos
de dez anos de idade. Total de oito desaparecidos até a data deste relatório.
Todas as crianças são retiradas das áreas públicas em plena luz do dia,
geralmente em grupos distintos de brincadeiras. Desaparecimento reportado
pela família dentro de vinte e quatro horas após o desaparecimento. As
crianças não parecem estar perturbadas ou notaram “dilemas” familiares.
Ao ler esta última frase, minha sobrancelha arqueia. O que esse
funcionário poderia querer dizer com “dilemas”? O palavreado dos burocratas
às vezes é obtuso. Continuo lendo.
Nenhum relato de testemunhas de pessoas suspeitas ou atividades
anteriores ou posteriores a supostos sequestros. Apesar dos esforços recentes,
nenhuma recuperação das referidas crianças foi alcançada. Nenhum inimigo
conhecido ou padrão foi estabelecido. Nenhum perfil, motivo ou suspeitos
estabelecidos. Os esforços da força-tarefa continuam. O departamento de
relações públicas avisou, mas alertou para não distribuir um grande boletim
para não alarmar os cidadãos neste momento.

De repente, meu método de procrastinação parece sujo, desgrenhado e
totalmente errado. As crianças estão desaparecendo. Sob minha vigilância. E
aparentemente não há pistas ou dicas. Eu não posso ignorar isso.
Coloco o relatório na minha mesa, desejando alguma distância entre mim
e as informações que ele contém. Depois de mover minha mão, vejo um
minúsculo pós-roteiro, anteriormente obscurecido pelo meu polegar.
Recentemente, chegou ao conhecimento do departamento de polícia que
crianças do acampamento humano também foram relatadas como
desaparecidas. Os esforços da polícia continuam para validar os relatórios.
Minha cabeça afunda em minhas mãos. Nosso departamento de polícia
não acredita nos pais humanos? A divisão é maior do que jamais soube.
E agora?

CAPÍTULO QUATORZE
ERISA
Oh não, oh não, oh não, oh não, oh não…..
Onde diabos ela está? Não há como ela estar perdida, certo? Tem que
haver um fim para este jardim, sim? Ela não pode simplesmente correr para a
cidade, pode?
Freneticamente, corro pelo jardim procurando por Iyrelle. Alguns
minutos atrás, ela e eu estávamos de volta à plataforma de musgo. Depois de
muita bajulação e suborno (não estou acima disso quando necessário),
consegui fazê-la se sentar para fazer alguns exercícios de matemática.
Apesar de sua aversão aos livros, está claro que ela tem uma mente ágil,
e quero ver como ela responde à matemática, lógica e outros exercícios
semelhantes. Eu sinto que vai focar e concentrar sua mente curiosa.
Posso ter calculado mal. Ou pelo menos foi muito ambicioso. Ou, apenas
descuidado. Depois que ela estava aparentemente apertando os olhos por
causa de um problema de palavras, eu me afastei, brevemente, para admirar
uma flor que ainda não tinha visto. Ela ficou fora da minha vista por talvez
trinta segundos, mas quando voltei, seu trabalho de matemática estava
desordenado na plataforma e ela não estava em lugar algum.
Estou olhando pelo jardim há, o que parece, duas décadas, mas podem
ter sido apenas dois minutos. Ela foi sequestrada? Para onde poderia ter ido?

— Iyrelle? Iyrelle! Se você pode me ouvir, por favor responda! É Erisa! —
Eu posso sentir o suor frio se acumulando na minha pele. Se ela está
desaparecida, como posso enfrentar Elvion? O que posso dizer? Estou no
trabalho há apenas dois dias e já perdi minha pupila? Depois de toda a minha
grande conversa...
— Não! Assim! — Iyrelle instrui Belin.
Ela se agacha na posição de um velocista, faz um som de grito
estrangulado e se lança em uma corrida… direto para uma árvore. No último
segundo, ela pula, estendendo uma perna para fora, seu pé plano. Ele se
conecta com a árvore e ela ricocheteia para trás, caindo de costas. Em poucos
segundos, ela volta a ficar de pé, dando à árvore um olhar de morte.
— Isso se chama Corrida Pula Chuta, — ela diz com orgulho. Belin acena
sabiamente, claramente impressionado.
— Iyrelle! Aí está você! — Praticamente grito de alívio, minha voz muito
alta. Ambos se viram e me olham sem expressão.
— Claro que estou aqui. Onde mais estaria? — Seu rosto é uma máscara
de confusão; ela realmente não tem ideia do caos que ela acabou de criar.
— Você deveria estar de volta na plataforma fazendo seu trabalho de
matemática, — eu repreendo.
— Pfff. Aquilo era chato. Estou mostrando a Belin meus movimentos, —
diz ela com orgulho.
— Você pode fazer isso depois de fazer seu trabalho de matemática, —
eu exorto. Belin olha para o chão, tentando ficar invisível.
— Não, agora. É importante que ele saiba se defender, — ela retruca.
Antes que eu possa impedi-la, ela marcha até Belin e o encara.

— Coloque suas mãos para cima assim, — ela grita, colocando os dois
punhos minúsculos na frente de seu rosto. Belin faz isso, embora sua postura
seja desajeitada e seus punhos pareçam ainda menores que os dela.
— Tente me dar um soco, — ela ordena. Estou prestes a protestar quando
Belin timidamente estende uma mão para a frente. Em resposta, Iyrelle coloca
a mão debaixo do braço dele e faz cócegas na axila. Ele ri alto e cai no chão.
O rosto de Iyrelle brilha com triunfo e prazer.
— Esse é o meu “Movimento de Truque de Cócegas”. Eu inventei, então
você tem que dizer a todos que é meu quando o usar, — diz ela com orgulho.
Belin se levanta, novamente assentindo em compreensão. De minha
parte, tenho que reconhecer que Iyrelle é a mais feliz que a vi até agora. Quem
sou eu para acabar com isso? Só mais alguns minutos, e então tentarei
ressuscitar qualquer pingo de autoridade que possa ter sobre ela.
— Ok, agora você tenta, — ela ordena mais uma vez. Belin coloca seu
rosto em um rosto duro de guerreiro, com as mãos prontas.
— Me dê um soco, — diz ele humildemente.
— Você tem que pedir melhor do que isso, — corrige Iyrelle.
— Me dê um soco!
O punho dela voa, muito mais rápido do que o dele. Ele se conecta com
o ouvido dele e ele engasga de dor.
— Não! Você tem que se esquivar e depois ir para as cócegas! — Ela está
chateada com seu fracasso, mas, ao que parece, também com sua dor.
Belin está dobrado, agarrando sua orelha. Devo intervir? Parece que eles
têm seu próprio mundo aqui, e não quero micro gerenciá-lo.

— Olhe, aqui! Punhos mágicos de cura! — Iyrelle beija o punho que
atingiu Belin e depois estende os dedos para tocar sua orelha.
Surpreendentemente, ele a deixa.
— Pronto. Isso não faz com que se sinta melhor? — Sua pergunta oscila
à beira da ordem, mas Belin parece genuinamente confortado por seu gesto.
Ele assente e agradece a ela.
— Agora, tente novamente. Guerreiros sempre têm que tentar de novo,
— ela adverte, retornando à sua posição de luta.
Belin respira fundo e se prepara mais uma vez para o soco. Desta vez,
seu punho voa em direção a ele. Ele dá um passo corajosamente para o lado,
agarra o antebraço dela e a alcança para fazer cócegas nela. Ela grita e cai no
chão.
— Haha! Sim! É isso! Você é um bom aluno! — Ela volta a ficar de pé,
dando um tapinha no ombro de Belin. Ele sorri timidamente, claramente
orgulhoso de si mesmo.
É então que percebo a hora. Estamos no jardim há horas e é tempo de nos
prepararmos para o jantar. E Iyrelle não está em condições de fazê-lo, por causa
de suas roupas emaranhadas e manchadas e seu rosto suado. Vou ter que
limpá-la antes de podermos comer.
— Iyrelle. Precisamos ir agora. A lição do dia acabou. Você pode ensinar
um novo truque a Belin amanhã.
— Mas! Tenho muito mais para ensinar!
— Percebo isso, mas uma verdadeira professora não revela todos os seus
segredos de uma vez, não é? — Realmente espero que essa psicologia funcione.
Iyrelle aceita e então assente.

— Você tem razão. Amanhã então! — Ela dá um tapinha no ombro de
Belin mais uma vez e se vira para sair.
— Não se esqueça do que te ensinei, hoje. Vamos aprender coisas novas,
amanhã!
— Adeus, Belin. Vejo você em breve, — eu digo. Ele apenas assente em
resposta.
Quando entramos no corredor que leva aos nossos aposentos, vejo Elvion
parado ali. Sua presença me enerva. Ele é uma presença tão grande em um
espaço tão pequeno.
Não estou satisfeita que esteja nos encontrando nesta condição. Iyrelle
está uma bagunça suada. Eu também não estou com a melhor aparência.
Desde quando importa como você se parece a ele?
— Onde vocês estiveram? O jantar será servido em breve, — ele diz
rispidamente.
— Nós... nos perdemos voltando para cá. Ainda estou conhecendo o
palácio, — eu digo hesitante. Nem tenho certeza por que minto sobre isso, mas
algo em meu instinto me diz que é a coisa mais prudente a fazer, no momento.
Sou grata por Iyrelle não me corrigir.
— Qual é a sua agenda para amanhã? — Elvion pergunta. Como sua
irmã, sai mais como uma ordem do que uma pergunta.
— Ainda sendo determinado, mas um passeio pelos jardins e matemática
estão definitivamente em ordem, — arqueio uma sobrancelha para Iyrelle,
lembrando-a de sua promessa. Ela tenta revirar os olhos, mas ainda não
aperfeiçoou essa habilidade.

— Agende algum tempo para uma aula de música. Contratei um
professor.
— É claro. Parece bom, — eu respondo.
— Não! Não quero aprender música! Não quero tocar um instrumento
estúpido!
Chocada, me viro para olhar para Iyrelle. Nos últimos minutos, ela estava
tão quieta e... bem comportada. Por que a birra agora?
Elvion e eu compartilhamos um olhar de exasperação.

CAPÍTULO QUINZE
ELVION
Mais uma vez, lembro-me de que a raiva pode ocorrer nos lugares mais
inesperados. Posso sentar-me em meio às divagações e delírios de conselheiros
e cidadãos furiosos e meu humor pode ser tão sereno quanto um dia de outono.
Mas, no minuto em que essa bagunça desgrenhada de criança com sete
anos começa um acesso de raiva, fico com tanta raiva que posso cuspir
punhais. Por que ela é assim? Por que não pode reagir adequadamente, mesmo
com coisas que a desagradam? Juro, nunca vou entendê-la.
Respiro fundo, tentando neutralizar o caos de membros e gritos aos meus
pés. Erisa, por sua vez, parece perplexa e envergonhada. Pela primeira vez,
não vejo sua confiança assumir, o que me incomoda. Preciso disso agora mais
do que nunca.
— Você deve aprender um instrumento musical. Espera-se que todas as
esposas kiphians nascidas nobres toquem pelo menos uma coisa, — explico
calmamente.
Para minha total surpresa, as contorções e os lamentos param. Erisa e eu
olhamos para ela atentamente. Não sou tão tolo a ponto de acreditar que
minhas palavras a persuadiram magicamente, mas algo claramente ressoou
nela. Tenho um mau pressentimento de que não vou gostar do que acontece a
seguir.

Iyrelle se levanta, afastando o cabelo do rosto. Com as mãos nos quadris,
ela projeta o lábio inferior em uma postura de total desafio.
— Você pode mandar o professor de música embora. Porque não vou ser
uma esposa!
Ah, então é isso. Bem, estamos atrasados para um acerto de contas sério,
ao que parece. Afastando a onda da repulsa anterior que senti ante meu
próprio destino, me nivelo com ela.
— Você é uma filha da casa real. Seu destino é se casar e continuar a
linhagem real. Você deve estar feliz por não ter que se preocupar com o seu
futuro. Está definido para você. — Meu tom é calmo, mas autoritário. Não há
espaço para debate, aqui.
— Você tem tudo errado. Não serei uma esposa. Serei uma guerreira e
todo o reino terá que lidar com isso. Não serei esposa!
Suas palavras me alarmam, principalmente porque ela não grita ou berra.
Ela corresponde exatamente ao meu tom. Posso dizer que estou lidando com
uma oponente formidável, e não apenas uma criança de sete anos irritada.
Minha paciência está realmente sendo testada.
— Isso não cabe a debate. Você fará como todas as suas irmãs fizeram.
Ser uma esposa kiphian de nascimento nobre é honroso. — Posso sentir meu
pulso acelerado enquanto luto para manter a calma.
Erisa recua durante esta conversa. Seu rosto é inescrutável. Recuso-me a
pedir sua ajuda ou opinião. Uma serva humana não pode ter tais pensamentos
sobre os papéis e responsabilidades da linhagem real Kiphian.
— Vou encontrar honra do meu jeito. O caminho do guerreiro, — Iyrelle
é inflexível. Sua teimosia é verdadeiramente um traço de família.

— Isso não vai acontecer. Deveria saber disso agora, — eu respondo.
Estamos em um impasse.
Até que não estamos.
— Eu sei que te odeio. Você deveria saber disso, — ela grita, abrindo a
porta de seu quarto. Em segundos, ela desapareceu em seu quarto, batendo a
porta atrás dela.
Não foi assim que pensei que essa conversa terminaria. Eu bato na
parede frustrado, desviando meus olhos de Erisa, que deu mais um passo para
trás.
A humana tem grandes pensamentos agora? Como ela se propõe a
consertar isso?
Estou perdido aqui.
O corredor de repente parece muito pequeno, muito quente para o meu
gosto. Embora Erisa tenha mantido distância, ela não seguiu Iyrelle até seu
quarto. Todos os meus sentimentos confusos em relação ao nosso confronto
anterior no jardim voltam à minha mente, e eu não sei o que fazer com meus
braços e pernas. Parecem entorpecidos, pesados e sem vida. Espero que minha
espinha fique em silêncio.
Eu tenho que dizer algo.
— O jantar estará pronto em breve, — é tudo o que posso dizer.
Erisa dá um passo em minha direção.
— Sim. Eu tenho que limpá-la. E acalmá-la, — ela responde.
— Sim, acho que sim. — Eu não posso olhar para ela. Uma tempestade
de emoções ziguezagueia pelo meu peito. Raiva, desafio, constrangimento,
fadiga.

Ela caminha em direção à porta do quarto de Iyrelle e para. Um suspiro
escapa dela.
O que aquele suspiro poderia significar? Tenho um desejo de descobrir,
mas também quero me esconder em meu escritório e permanecer ignorante.
— Elvion, acho que devemos conversar mais tarde. Descobrir o que é
melhor daqui para frente. Você concordaria? — Sua pergunta me irrita e me
acalma.
Mais uma vez, ela assumiu o controle da situação e, mais uma vez,
conseguiu me tratar como um igual. Eu sou seu chefe, seu príncipe, superior a
ela em todos os sentidos. Ela poderia, pelo menos, mostrar alguma deferência.
Por que tolero que ela fale assim comigo?
A verdade ressoa dentro de mim rapidamente: não quero que ela fale
comigo como uma criada.
Você não pode ter as duas coisas.
— Sim, eu concordo. Vamos conversar. Esta noite. Encontre-me no
Jardim Noturno.
Não faço ideia de onde vem esta proposta mas, uma vez que sai dos meus
lábios, é tarde demais para voltar atrás.
Por que o Jardim Noturno? Por que esta noite? Por que não em meu
escritório? Eu deveria torná-lo uma reunião real oficial, não um passeio em
uma das partes mais bonitas da cidade.
— Tudo bem então. Esta noite no Jardim Noturno. Encontro você lá
quando ela estiver dormindo. Agora, se me dá licença, tenho algum trabalho a
fazer, — ela sorri enquanto diz isso. Sinto um pequeno relâmpago em meus
ombros.

Ela está me dizendo que as coisas vão ficar bem? Por que deveria buscar
consolo dela? Ela é apenas uma serva.
— É claro. — Dou um passo de lado. Ela acena com um adeus antes de
desaparecer no quarto de Iyrelle.
A porta se fecha e fico ali, sem jeito.
Tomando fôlego, ando pelo corredor em direção à sala de jantar. Meus
pensamentos giram e quebram dentro do meu cérebro.
No que me meti?

CAPÍTULO DEZESSEIS
ERISA
Saio da passagem coberta para o ar livre do Jardim Noturno, e suspiro. É
o lugar mais lindo que já vi.
Flores que desabrocham à noite se entrelaçam ao longo do parapeito.
Mais flores tecem entre amplas plantas com folhas no tronco de árvore marrom
texturizado que sustenta a plataforma, fazendo com que pareça uma parede
viva. Um tipo de grama branca suavemente luminosa cobre o chão,
estendendo-se de onde estou até todos os cantos do jardim.
Olho para cima e vejo esferas brilhantes flutuando na escuridão,
lançando, o que parece, luz de velas sobre tudo. Tudo, incluindo Elvion.
Meu coração falha quando ele percebe minha chegada e se levanta. Ele
parece devastadoramente bonito com pouca luz, os ângulos de seu rosto
sombreados como se fossem desenhados por um mestre. Sua pele dourada
brilha como se alimentada por um calor interior, contrastando elegantemente
com o jardim verdejante atrás dele.
— Erisa. — Ele me faz uma reverência leve. — Bem-vinda ao Jardim
Noturno.

Quando Elvion se endireita, seus olhos cinzentos tempestuosos
encontram os meus. Não sei se é o cenário ou outra coisa, mas sinto como se
pudesse cair neles e ser levada numa nuvem de tempestade.
— É incrível aqui, — eu digo, não tentando esconder minha admiração.
É melhor que ele pense que estou impressionada com as flores do que com sua
presença. — Nunca vi nada assim antes.
— Achei que você ia gostar, já que parecia gostar tanto do Jardim
Superior. — Elvion me observa enquanto atravesso a grama clara, lisa e
almofadada.
— Oh, meu Deus. Quantos jardins existem? — Eu sufoco a pontada que
vem quando penso no bairro humano, tão desprovido desse luxo.
— Quatro, embora muitas varandas menores também tenham plantas
decorando-as. Você vai sentar? — Elvion indica a pequena mesa ao lado dele,
que fica entre duas cadeiras. Um decantador de um líquido âmbar está sobre
ele, com um cálice meio cheio e um vazio de cada lado.
— Obrigada, — murmuro, corando um pouco enquanto Elvion puxa a
cadeira para mim. Ele deveria estar fazendo isso? Ele é um príncipe, destinado
a não esperar por ninguém.
— Você aceita um pouco de vinho âmbar? — Ele se senta em seu próprio
assento e levanta a garrafa. — É uma bebida leve, apenas levemente
intoxicante.
— Então, sim, por favor. Como você sabia que não posso beber muito?
— Um palpite de sorte. — Ele suavemente serve o vinho, sorrindo para
mim como um gato satisfeito. — Agora, sobre o que você queria falar?

Eu pisco por um momento. Todo esse ambiente era tão... tão... parecido-
com-encontro que esqueci completamente que vim aqui a negócios sobre
Iyrelle. Sinto uma onda de decepção, mas afasto severamente o sentimento.
Claro que estou aqui a negócios. Essa é a única razão pela qual Elvion e
eu temos que passar tempo juntos.
— Bem, o que aconteceu com Iyrelle hoje cedo... — Eu paro. Queria
discutir se havia alternativas ao casamento para Iyrelle, mas, da última vez que
esse assunto surgiu, fui dispensada sem cerimônia. Não quero que isso
aconteça de novo, tanto pelo bem de Iyrelle quanto pelo meu.
Posso nunca ver qualquer lugar como este, novamente. E sei que nunca
mais encontrarei alguém como Elvion. Deveria aproveitar este momento
enquanto posso.
— Estou sem saber o que fazer com aquela garota, — diz Elvion, e
percebo que fiquei quieta por muito tempo. Ele coloca a cabeça nas mãos. —
Achei que ela gostaria de aprender algo novo, depois de toda a sua curiosidade
no jardim.
— Você não estava errado. Não acho que foram as aulas de música tanto
quanto a, hum, a razão que você deu para organizá-las. — O rosto de Elvion
fica fechado, então continuo apressadamente. — Acho que ela está entediada,
no entanto. Subestimulada.
— Sim, posso ver isso. — Com um gemido baixo, Elvion toma um longo
gole de vinho. — Mas, não posso exatamente permitir que ela corra por toda
Verus, mesmo com sua excelente supervisão.

Eu mesma tomo um gole de vinho, para esconder meu prazer com o
pequeno elogio. Sua rica doçura enche minha boca, fazendo minhas papilas
gustativas dançarem.
— Entendo, mas estou preocupada que ela vai se cansar apenas de mim
como companhia, — digo a ele. — Sei que esta tarde foi um desastre, mas ela
acendeu quando você se juntou a nós para almoçar no outro dia.
— Eu era uma novidade, tenho certeza. Nada mais, — responde Elvion,
sobrancelhas franzidas.
— Não tenho certeza se colocaria dessa forma, — eu digo
diplomaticamente. — Embora tenha notado que você e Iyrelle não são
exatamente próximos.
— Não. — Elvion medita em seu vinho âmbar. Eu espero que ele diga
mais. Quando estou prestes a desistir e preencher o silêncio, ele fala
novamente, parecendo impetuoso. — Gostaria que fôssemos mais próximos.
Não vou negar que Iyrelle pode ser um aborrecimento, e não gosto de limpar
a bagunça dela. Mas... eu a amo.
— Ela sabe disso, seja qual for o seu relacionamento, agora. — Eu quero
estender minha mão para acalmá-lo, mas me contenho. — Sabe, ela disse que
você brincava mais com ela no palácio dos seus pais.
— Ah. Sim, isso seria verdade. — O príncipe hesita, parecendo não ter
certeza se deveria dizer mais. Então, tudo sai com pressa. — Tento seguir os
passos de meu pai como governante. Ele é um Rei acima de qualquer suspeita
ou dúvida, e é assim que me esforço para ser Príncipe de Verus. Mas um
elemento disso é permanecer firme e distante, então ninguém pensa em
discutir com você.

— As pressões de governar são pesadas, mas você precisa permanecer
firme e distante de sua família? — Estou tocado pela forma como Elvion está
se abrindo.
— Eu sou o mais velho. — Elvion dá de ombros, mas há uma tristeza em
seus olhos. — Posso ficar um pouco mais relaxado na casa do meu pai, pois ele
mesmo a governa, mas, mesmo lá, devo ser um modelo para meus irmãos. É
só… pode ser isolado.
Ao ouvir isso, meu coração é solidário a Elvion. Eu me permito tocá-lo
desta vez. Ousando muito, coloco minha mão em cima da dele.

CAPÍTULO DEZESSETE
ELVION
Olho para a mão de Erisa na minha. Minha espinha vibra, aquecendo
mais lenta e suavemente do que da primeira vez que nos tocamos. É
notavelmente agradável, a forma como o calor irradia pelo meu corpo.
— Entendo por que você fica distante, mas parece que está colocando
muita pressão em si mesmo, — diz Erisa. — Tenho certeza de que sua corte e
seu povo o amariam, não importa o que acontecesse.
— Talvez. — Meu peito se enche com as palavras de apoio de Erisa. Não
sei por que estou me abrindo para ela. Tudo o que sei é que é bom.
— Mesmo que mude meu comportamento para ser mais acolhedor,
ainda sou o príncipe. — Eu suspiro. — A natureza da minha vida ainda é que
estou sozinho.
— Me sentia muito sozinha, recentemente, também, — admite Erisa. —
Entendo como é difícil sair do sentimento de isolamento. Mas sabe, Iyrelle e eu
estamos aqui por você.
Um turbilhão de emoções sobe dentro de mim. Curiosidade misturada
com tristeza por Erisa se sentir sozinha, e alegria com a sugestão de que, além
de minha irmã se importar por mim, Erisa também se importa.
— Por que você se sentia sozinha? Tem pessoas no bairro humano que
você sente falta? — Enquanto as palavras saem da minha boca, sinto o frio

apertando meus pulmões. Separei Erisa de seus entes queridos? Ela tem um
homem entre aqueles entes queridos? Uma onda de ciúmes me atormenta.
— Na verdade não. — Erisa dá de ombros. — Estou menos solitária aqui
no palácio do que no bairro humano, agora que penso nisso. Vim para Kiphia
sozinha, e todos no bairro humano estão muito ocupados tentando sobreviver
para fazer amigos.
— Você veio sozinha? — Concentro-me nisso, em vez da ideia de que o
bairro humano é tão miserável.
— Sim. — Com um olhar melancólico na escuridão, Erisa parece se
afastar de mim. — Eu queria vir e estudar os contos folclóricos de Kiphia.
— É por isso que você gostou tanto da história do pássaro firille! —
Querendo que Erisa fique presente comigo, viro minha mão para que nossas
palmas se toquem. Ela se vira para mim, parecendo surpresa. — É isso que
você fez na Terra, estudar contos populares?
— Hum, sim. — Erisa está olhando para nossas mãos, e um leve rubor
sobe para suas lindas bochechas. Eu tomo isso como um sinal encorajador. —
Era uma acadêmica, reunindo e analisando contos populares de toda a Terra.
Você tem universidades aqui?
— Nós temos. Não muitos, mas os estudiosos e intelectuais que neles
residem fazem grandes contribuições. Todos os tipos de ideias e invenções e...
coisas.
Percebo que a conexão de nossas palmas está começando a me
sobrecarregar e me distrair. Para minha própria paz de espírito, deslizo minha
mão de debaixo da de Erisa e a uso para pegar minha taça para uma bebida

reconfortante de vinho âmbar. Eu sinto a perda de seu toque agudamente, mas
minha mente clareia.
— O que é reunir contos populares? Muita leitura? — Eu consigo
redirecionar a conversa para ser sobre Erisa, novamente.
— Às vezes. — Ela me dá um sorriso malicioso, mas orgulhoso. — Na
maioria das vezes, incluía viagens a lugares muito remotos, para ver
descobertas arqueológicas e conhecer os locais. Fui em tantas aventuras
naquela época. Uma vez, estive em uma caverna por quatro dias seguidos!
Encaro esta delicada fêmea humana com um novo respeito. Há mais nela
do que aparenta, eu vejo.
— Você também ensinava crianças como “acadêmica”, então? Admito
que estou curioso para saber como você consegue ser tão boa com Iyrelle.
Erisa ri, um som melódico que é pego pela brisa e me envolve, me
cativando.
— Por favor, não me demita por admitir que, antes de vir para Kiphia,
eu tinha muito pouca experiência com crianças, — ela responde, com alegria
nos olhos. — Acho que posso saber mais sobre os jovens Kiphian do que os da
Terra, neste momento.
— Estou surpreso ao ouvir isso, — digo a ela. — Você imediatamente
administrou Iyrelle muito bem, lá na câmara de audiência.
— Para ser honesta, acho que me dou bem com Iyrelle porque ela me
lembra um pouco do meu eu mais jovem. — Erisa toma um longo gole de vinho
âmbar, sorrindo constrangida. — Quando era criança, também era vorazmente
curiosa. Eu andava por aí entrando em tudo e deixando todo mundo louco.

Eu tive que sorrir com isso. Isso me divertiu e me aqueceu pensar em
uma jovem e selvagem Erisa, tão diferente da mulher equilibrada, confiante e
deslumbrante na minha frente.
— Na verdade, eu queria propor algo, no interesse de dar a Iyrelle algo
para ter curiosidade, — arrisca Erisa.
— Em vez de deixar Iyrelle encontrar coisas para ficar curiosa, sim,
entendo. — Eu rio e aceno uma mão encorajadora para Erisa. — Prossiga.
— E se a levasse para algum lugar com você? Uma pequena aventura de
algum tipo, fora dos muros do palácio. Ela adoraria ver algo novo e adoraria o
tempo de ligação com você.
— Uma pequena aventura?
— Para a cidade por um dia, ou melhor ainda, leve-a em uma esfera para
ver algumas belezas naturais fora de Verus. Suponho que você tenha áreas
naturais intocadas por aqui?
— Sim... tenho justo no palácio, na verdade. — Sem pensar, estendo a
mão e pego a mão de Erisa novamente, desta vez em ambas as minhas. — Vou
levar Iyrelle, mas só se você vier também.
— Ah, não preciso invadir seu tempo juntos, — protesta Erisa.
— Não estaria invadindo, — eu asseguro a ela. — Acho que você também
gostaria do lugar em que estou pensando para Iyrelle.
— Hum, eu-eu-eu ficaria honrada, — finaliza Erisa, corando. — Isso é
muito gentil de sua parte, Elvion.
Nossos olhares se encontram, e a mão de Erisa começa a tremer
levemente na minha. Encontro-me inclinado para a frente, sem qualquer ideia

do que vou fazer a seguir. Quero beijá-la. Quero me perder naqueles olhos
esmeralda e pressionar minha boca em seus lábios vermelhos.
— Vossa Alteza?
A voz de um servo invade nossa bolha e eu recuo, soltando a mão de
Erisa. Ela baixa o olhar para o colo, e toda possibilidade de beijá-la foge.
Endireitando-me imperiosamente, viro-me para o servo. Provavelmente
foi melhor que ele nos interrompesse. Eu não deveria estar agindo em minha
atração por Erisa.
Então, por que não me sinto aliviado?

CAPÍTULO DEZOITO
ERISA
Estes últimos dias têm sido um espectro de experiências que vão do
mundano ao belo. Iyrelle e eu entramos em um ritmo diário, o que é notável,
dada a propensão de Iyrelle ao caos.
Entre as refeições, a hora de dormir, as aulas e a exploração do palácio,
desenvolvemos até nosso próprio atalho para a comunicação, uma linguagem
secreta que só nós duas compartilhamos.
— Quando digo ky-phee, significa que estou muito feliz, — ela gorjeia
no terceiro dia. Eu aceno em aprovação.
Exploramos os restantes jardins nos terrenos palacianos, todos eles
fascinantes e pacíficos. Mas nenhum detém o fascínio ou intoxicação do Jardim
Noturno. Todas as horas desde a minha visita foram bem gastas, mas todas
têm um brilho ligeiramente diminuído.
Eu tento dizer a mim mesma que é porque o jardim era tão diferente de
tudo que eu já tinha visto antes; que era o vinho âmbar; ou a luz suave que
imbuía tudo de um brilho interior.
A verdade é muito mais complicada. O Jardim Noturno permanece
inebriante em minha mente porque sei, no fundo, que Elvion pretendia me
beijar naquela noite. Era inconfundível em seu rosto, seu corpo e no ar entre
nós.

Aqui é onde as complicações realmente começam: eu não me importaria
com o beijo dele. Apesar de tudo o que existe entre nós, nossa raça, nossas
posições na vida, nossas obrigações, nossa visão de mundo, tenho sentido uma
conexão crescente entre nós. Algo continua nos unindo, independentemente
dos obstáculos.
Isso é totalmente tolo.
Não há mundo em que possamos estar juntos. E não há mundo em que
eu seja apenas o brinquedo de um príncipe. Mas, o que sinto entre nós não é
simples luxúria. Acho que pode ser outra coisa.
Novamente… totalmente tolo… você é uma serva humana. Uma babá (se
é que um dia ele vai acertar).
Não importa quão exausta esteja no final dos meus dias com Iyrelle, esses
pensamentos rodopiam e se chocam dentro de mim todas as noites, me
impedindo de dormir. Estou grata pela nossa aventura de hoje, conforme
prometido por Elvion. Mesmo com sua presença perturbadora, a mudança de
cenário me fará bem.
Meu devaneio é interrompido pelo insistente puxão de Iyrelle na minha
manga.
— Erisa? Erisa? Vamos sair, logo? — Ela praticamente vibra de emoção
em nossa viagem de campo.
— Sim, logo. Seu irmão disse para encontrá-lo aqui e vamos então, — eu
digo, tentando limpar a tempestade de poeira na minha cabeça.
— Belin pode vir conosco? Ele está sozinho e não viu muito e…
— Não, querida. Acho que não haverá espaço. Da próxima vez, sim?

Iyrelle parece que está se preparando para um protesto. Ajoelhando-me
para ficar no nível dos olhos dela, aliso seu cabelo quase completamente
penteado para fora de seus olhos.
— Este vai ser um dia muito especial. E você pode contar tudo a Belin
sobre isso. E, algum dia em breve, você poderá trazê-lo com você e
compartilhá-lo juntos. Isso soa justo?
Ela solta um suspiro e assente. Mesmo com sua forte tendência ao drama,
ela está muito animada para nossa viagem de hoje para arruiná-la.
Dando um tapinha no ombro dela, me levanto. Estamos na plataforma
de musgo, novamente, conforme as instruções de Elvion. Ele nos disse para
sermos pontuais, mas isso era tudo. Não tenho ideia do que vai acontecer a
seguir. Não sei dizer se estou mais empolgada com o mistério de tudo isso, ou
com o fato de Elvion estar aqui em breve.
Essa linha de pensamento é perigosa…
Por alguns momentos, ficamos paradas desajeitadamente juntas,
respirando o ar perfumado. De repente, o ar diante de mim começa a brilhar,
como se tivesse sido infundido com gaze. Eu pisco para limpá-lo, mas só se
torna mais intenso.
Em segundos, o brilho aumenta e, em seu centro, percebo que há uma
figura emergindo. É Elvion. Seu perfil borbulha por dentro, o que posso ver
agora é uma bolha. Com um rosto sereno, ele flutua em nossa direção. Meu
coração pula um pouco com sua aparência, especialmente porque posso ver
que sua máscara oficial caiu.
Devemos estar na companhia de Elvion, o contador de histórias, hoje. Eu
tenho sorte, de fato.

Ao meu lado, posso ouvir Iyrelle emitir um grito de prazer. É tudo o que
posso fazer para suprimir o instinto de bater palmas.
— Bom dia. Confio que vocês duas dormiram bem? — Sua voz baixa salta
ao redor da bolha, fazendo Iyrelle rir.
— Nós dormimos. E você? — Minha voz soa estranhamente monótona e
comum.
— Eu dormi. Você está pronta para a aventura de hoje? — Ele dirige esta
pergunta para Iyrelle. Ela responde pulando para cima e para baixo.
Rindo, ele estende a mão. Ele momentaneamente perfura a bolha, mas
não a quebra. Avidamente, ela pega a mão dele e ele a puxa suavemente para
dentro. Logo, ambos brilham diante de mim.
— Por favor, — é tudo o que ele diz, sua mão estendida para mim.
Colocando levemente minha mão em sua palma aberta, eu dou um passo
para cima e para a frente. A bolha me envolve como um cobertor confortável.
Embora não haja chão sob meus pés, ainda sinto que estou em terra firme.
Nossas mãos se soltam. É a única pontada de decepção que sinto neste
momento.
A bolha é uma maravilha da engenharia moderna.
— Pronta? — Elvion pergunta, apenas direcionando sua pergunta para
Iyrelle. Mais uma vez, ela responde pulando para cima e para baixo, o que é
duplamente estranho, agora, que não há chão visível sob seus pés.
— Vamos embora, — ele respira, iluminando os olhos para o céu.
Suavemente, mas rapidamente, a bolha sobe.
Os tons de vegetação se fundem e se confundem à medida que subimos.

Meus pulmões protestam. Percebo com um sobressalto que estive
prendendo a respiração. Puxando o ar, meus olhos dançam ao meu redor
tentando absorver tudo. Piruetas de Iyrelle, tentando estar em todos os lugares
ao mesmo tempo.
Caleidoscópios de flores verdes e vivas passam diante de nós. Eu poderia
me perder neles e começar a sentir uma calma hipnotizante tomar conta dos
meus sentidos quando estouramos acima da copa das árvores.
Iyrelle para de se mover completamente assim que nos afastamos das
árvores. Além de dormindo, é o mais quieto que já a vi. Ela está completamente
paralisada.
O céu é de um azul impossível, e a estrutura de Verus se desenrola abaixo
de nós em uma onda verdejante e ondulante. Nuvens finas serpenteiam
preguiçosamente, e a frescura do ar é aparente, mesmo com a camada protetora
da bolha.
Capturando os olhos de Elvion, aceno lentamente, verdadeiramente
grata por ser incluída nesta magnífica aventura.
Um pequeno ruído chega ao meu ouvido. É Iyrelle.
— Ky-pheeeeeee, — ela sussurra.

CAPÍTULO DEZENOVE
ELVION
Faz muito tempo desde que fiz esta viagem. Houve um tempo em que
eu, na minha juventude, escapava para os céus acima do dossel. Eu tinha
esquecido como isso pode ser libertador.
Desta vez, porém, a liberdade é passageira. Ao trazer Erisa para a bolha,
tivemos que tocar as mãos, e a onda inconfundível de calor na minha espinha
não poderia ser ignorada.
Uma vez que nossas mãos se separaram, usei toda a minha energia para
avaliar a reação de Iyrelle. Eu não sabia que ela nunca tinha estado aqui antes.
O calor da minha espinha esfria rapidamente por uma sensação de vergonha
por ter negligenciado essa experiência até agora.
Teimosamente, meu cérebro não coopera por muito tempo. Logo, acho
que está voltando a perguntas irritantes. Por que concordei com isso? Por que
pedi a Erisa para se juntar a nós? Isso só atiça as chamas, do que posso dizer
honestamente… é atração.
Isso é tudo que é: atração. Nada mais.
A proximidade no Jardim Noturno foi suficiente para consolidar meus
pensamentos sobre isso. Estou, de fato, atraído por esta mulher humana
sedutora. Seria tolo e ingênuo acreditar no contrário. No entanto, recuso-me a
continuar com esses pensamentos. Não somos, e não podemos ser, destinados.

Não é sempre que questiono a sabedoria dos Divinos, mas, certamente,
até eles já estiveram errados antes?
— Como funciona? A bolha, quero dizer, — Erisa pergunta, seu rosto
colado à vista além. Não posso negar que é ainda mais impressionante do que
me lembrava. O azul tão vivaz que quase poderia ser veludo, o dossel
balançando abaixo de nós ondula languidamente.
— Eu apenas tenho que pensar sobre onde precisamos ir e ele obedece,
— explico.
— Isso é incrível, — ela sussurra. — Qualquer outra maneira de viajar
agora será insignificante em comparação. Então, obrigada por isso, — ela sorri,
seu olhar atrevido não ajudando meus pensamentos distraídos.
Manobrando a bolha horizontalmente, localizo a plataforma de
observação à frente. Construída para se misturar com o céu que a cerca, quase
parece uma miragem. A mecânica de como ela permanece no lugar me escapa,
mas estou feliz que nossa chegada apresentará a oportunidade de criar um
espaço um pouco mais pessoal entre mim e Erisa.
A bolha se infundiu com o que só posso acreditar ser o cheiro dela, e
parece ter permeado cada centímetro do meu cérebro. O ar fresco me fará bem.
— Vamos lá? — Iyrelle sussurra, seu rosto espremido na superfície da
bolha.
— De fato, nós vamos. Prepare-se para a sequência de encaixe, — eu
respondo, seguido por uma série de bipes e bups exagerados que a fazem rir.
— Eeeee, pouso bem sucedido! — Eu aplaudo. Iyrelle se junta a mim,
pulando. Erisa sorri junto conosco.

— Preparar para partir! — Eu grito importunamente, saindo da
membrana protetora. Fortalecendo-me interiormente, ajudo Iyrelle a sair
primeiro, colocando-a firmemente na plataforma, grato por algum engenheiro
kiphian previdente ter pensado em adicionar grades. Em seguida, eu alcanço
a mão de Erisa, ignorando firmemente a onda de calor nas minhas costas.
O mais rápido que posso sem parecer rude, solto sua mão. Extasiada por
seus arredores, ela não parece notar. Solto um pequeno suspiro de alívio.
Juntos, nos reunimos no parapeito da plataforma. Verus brilha em sua
glória abaixo de nós, e sinto uma onda de orgulho por ser governante de um
lugar tão deslumbrante.
— Lá… vocês podem apenas ver as pontas… está a Cordilheira Scathian,
assim chamada, porque os afloramentos rochosos se assemelham aos das lulas
sctha criaturas do Reino do Oceano, — eu aponto para uma forma cinza
nebulosa apenas na borda de nossa visão.
— E, lá, — eu digo, movendo meu dedo para o oeste, — está o Mar de
Dyrenus. Diz-se que muda de cor quando as condições são favoráveis.
Iyrelle diz oohs e aahs com prazer. Este é o mais focada que já a vi.
Quaisquer que sejam minhas dúvidas sobre trazer Erisa, fico feliz em dar a
Iyrelle esses momentos.
— Este é um lugar bonito. Obrigada por nos trazer aqui, — Erisa diz, o
vento pegando fios de seu cabelo castanho, fazendo-os dançar.
— O prazer é meu. Eu costumava vir aqui bastante, mas... a vida
interveio desde então, — eu respondo.
— Você vinha? Sozinho? — Iyrelle olha para mim com intensa
curiosidade.

— Não, — eu rio, memórias agradáveis ressurgindo, — vim aqui com
meus irmãos. Costumávamos jogar um jogo muito bobo, muito divertido... e
muito perigoso. Se nossa mãe soubesse... — Faz tempo que não penso naqueles
dias. Eu rio de nossas travessuras passadas. Quando me sentia mais livre,
mais... vivo.
— Que tipo de jogo? — Iyrelle é toda ouvidos.
— Nós o chamamos de Catch Sphere. O que, percebo agora, não é muito
original, mas éramos garotos.
— Como você joga isso? — Iyrelle agarra o corrimão atentamente. Parte
de mim pode se arrepender de dizer isso a ela.
— Bem, costumávamos vir aqui, a esta plataforma. Um de nós então
levaria a bolha o mais alto que pudéssemos acima da plataforma. Apenas até
que aqueles na plataforma abaixo mal pudessem nos ver. E depois….
— O que? — Iyrelle está pulando de antecipação. Erisa também parece
completamente investida.
— Nós sairíamos da bolha.
— Em pleno ar? — Os olhos de Iyrelle estão arregalados.
— Em pleno ar. Então despencávamos o mais rápido que pudéssemos e
tentávamos nos pegar dentro a bolha antes…
— Antes de bater na plataforma? Uau! Isso é muito perigoso! — Iyrelle
olha para mim com uma sensação renovada de admiração.
— Muito perigoso. Estou surpreso que nenhum de nós tenha se
machucado. Se sua avó soubesse... Por favor, nunca me deixe pegar você
jogando esse jogo, Iyrelle. Você me promete?

Colocando solenemente a mão sobre o coração, ela promete. Eu ignoro o
brilho em seus olhos quando ela diz isso.
— Qual era a sensação? — Ela pergunta depois de pensar um pouco.
— Parecia... liberdade, — eu respondo simplesmente.
Ela balança a cabeça sabiamente, como se, em alguma parte profunda
dela, ela entendesse completamente.
Um pedaço de algo dentro de mim se encaixa, inominável e intangível,
mas presente ao mesmo tempo.
Hoje será um dia memorável. E um dia que realmente me conectei com
Iyrelle.

CAPÍTULO VINTE
ERISA
Fico na plataforma, vertiginosamente alto do chão, com o vento no meu
cabelo. Olhando por cima da grade, parece que posso ver o planeta inteiro
daqui. É além de lindo.
Energia flui através de mim, do tipo que eu não sentia há algum tempo.
O mais perto que cheguei desse sentimento edificante de descoberta são as
poucas vezes que Elvion me tocou.
Falando no príncipe, olho para ele e para Iyrelle com o canto do olho. A
criança está saltando pela plataforma, positivamente radiante de felicidade. Ela
está claramente gostando do novo lugar e da atenção de seu irmão. Elvion
mesmo parece alegre. Ele sorri para sua irmã animada. Eu nunca vi uma
expressão tão descomplicada em seu rosto bonito.
Estou tão feliz por ter pensado nisso. E estou ainda mais feliz que acima
do dossel é onde Elvion pensou em nos levar.
De repente, um grito ensurdecedor rasga minhas reflexões satisfeitas. É
o som de uma folha de metal sendo rasgada em duas, acompanhada pelo grito
territorial de um falcão da Terra.
É assustador.
Eu me viro. Meu coração para.
Pairando sobre nós está uma enorme criatura parecida com um pássaro
coberto de escamas. É do tamanho de um carro, e isso antes de eu adicionar

sua envergadura. A coisa grita novamente, e vejo presas quase tão longas
quanto meu antebraço em sua boca.
Mal compreendi tudo quando o monstro dobra as asas e mergulha. Meus
olhos caem e vejo que Iyrelle está sozinha no meio da plataforma, congelada
de medo. Se ela não se mover, o pássaro horrível vai agarrá-la em suas garras
enormes.
Elvion está correndo para ela, mas estou muito mais perto. Eu me lanço
para frente, dando cinco saltos enormes que forçam os músculos das minhas
pernas. Bem a tempo, consigo me jogar em cima de Iyrelle, achatando-a contra
as tábuas de madeira.
Um trio de chamas desce pelo meu ombro e eu grito de dor. As garras da
criatura me pegaram enquanto caio em cima de Iyrelle, arranhando minha
pele.
— Erisa! — Elvion grita, sua voz cheia de pânico. Então, ouço um
estrondo escaldante.
Eu levanto minha cabeça para ver Elvion atirando seu blaster no pássaro
reptiliano. Ele está entre nós e ele, espaçando seus tiros para que nenhum
caminho de volta para baixo esteja aberto para ele. Uma pequena parte de mim
percebe a habilidade necessária para fazer isso, mesmo quando me forço a me
levantar.
— Você pode levá-la para a esfera? Você está muito machucada? —
Elvion não pode perder um momento para olhar para nós, mas vejo os
músculos de suas costas rígidos de tensão.

— Acho que sim, — eu grito, me levantando. Meu sangue escorre para a
plataforma em salpicos vermelhos. Me sinto tonta ao vê-lo por um momento.
Eu severamente me forço a me recompor.
Meu ombro ferido dói, mas posso mover meu braço. Com ele e o meu
ileso, agarro Iyrelle e começo a correr para a esfera, arrastando a criança em
meu rastro. Por que a esfera tem que ser encaixado na extremidade da
plataforma?
— NÃO! — Iyrelle me choca ao puxar na direção oposta. — Deixa-me
ajudar! Elvion!
— Iyrelle, nós temos que colocá-la em segurança, — digo a ela
desesperadamente, agarrando-me a ela com todo esforço. — Vamos!
— NÃO, — ela grita novamente, seus olhos colados em seu irmão.
O pássaro do horror disparou para um novo ângulo, saindo do fogo de
Elvion o tempo suficiente para cair mais perto dele. Elvion abaixa de uma garra
estendida, acertando o pé escamoso da criatura bem no meio.
Há um silvo e o cheiro acre de queimado. Respingos de sangue viscoso e
amarelo para o convés.
O monstro uiva de raiva, mas Elvion não perde o ritmo. Ele dispara outro
tiro, acertando a articulação entre a asa da coisa e seu corpo. Ele parece
determinado e focado. Seu longo corpo musculoso se move com um instinto
requintado para evitar um novo ataque.
— Eu posso lutar, — uiva Iyrelle, jogando seu corpo de um lado para o
outro em minhas mãos. — Deixe-me ajudar a lutar!

— Não, Iyrelle, — eu grito, mas ela bate com força na frente do meu
ombro ferido. Gemo de dor. Por um segundo, meu braço fica dormente.
Esse segundo é tudo o que Iyrelle precisa.
A criança de sete anos corre diretamente em direção ao pássaro. Ela está
tateando por algo em suas saias, mas isso não a atrasa. Em instantes, ela estará
ao alcance dessas garras perversas.
Eu me forço a deixar de lado a agonia do meu ferimento e corro atrás
dela.
— Iyrelle! IYRELLE! — Grito o nome dela várias vezes, mais para avisar
Elvion do que na esperança de fazer a garota voltar. Miséria e arrependimento
por ser incapaz de controlá-la passam por mim. Ignoro os sentimentos. Agora
não é o momento para eles.
Infelizmente, o barulho que estou fazendo parece chamar a atenção do
pássaro. Ele bate as asas para ficar mais alto. Ele gira no ar e começa o mergulho
de ataque, mais uma vez. Mais uma vez, suas garras estão estendidas na
direção de Iyrelle.
— Iyrelle, volte! — Eu gemo, tendo espasmos de terror por essa criança
que passei a cuidar tão profundamente.
A poucos metros do piso de madeira da plataforma e de Iyrelle, o pássaro
para, abrindo suas asas enormes.
Estou exatamente no lugar errado. A ponta de uma asa gigante estendida
me atinge com força. Sinto o chão desaparecer sob meus pés, enquanto a força
da asa me lança no ar. Há uma reviravolta no meu estômago. Eu voo para trás
e me preparo para bater no parapeito.

Nenhum impacto vem. O pássaro me atingiu com tanta força que subi e
caí pela lateral da plataforma.
Meu corpo erra completamente o corrimão.
Estou caindo.

CAPÍTULO
VINTE E UM
ELVION
Tenho lutado contra o raxiit no estado de calma suspensa que trabalhei
duro para cultivar em situações de batalha. Ganhei meu primeiro duelo de
honra, contra um nobre conivente para desestabilizar meu pai com a derrota
de seu filho. Foi um duelo importante, mas só o ganhei pela graça dos Divinos.
Entrei em pânico, esqueci meus anos de treinamento e cometi erros tolos.
Desde então, me ensinei a ficar sem emoção quando luto. Nada importa, exceto
o alvo.
Tudo isso muda no momento em que vejo Erisa cair do lado da
plataforma. Meu coração racha, assim como meu verniz impassível.
— Erisa! — Eu sinto o grito quando ele sai violentamente da minha
garganta. Instinto e emoção assumem o controle, e me atiro para mergulhar
atrás dela. Talvez, eu possa pegá-la. Talvez a encontre em um galho de árvore
não muito abaixo. Talvez…
Iyrelle. Não posso deixar minha irmã ser comida para o monstruoso
raxiit.
Meus pulmões parecem que foram cortados ao meio por ter que escolher
entre as duas, mas não hesito. Paro minha corrida para a grade e giro para
voltar ao lado de Iyrelle. O que a criança estava pensando, correndo de volta
para mim em primeiro lugar?

O choque me atinge quando vejo a cena na minha frente. O raxiit pousou
na plataforma, suas garras curvas cavando na madeira da estrutura. Lascas
voam por toda parte enquanto a plataforma geme.
O enorme pássaro está coberto, guinchando para os céus.
Não é isso que me choca. O que me choca é Iyrelle. Ela está correndo para
os pés do raxiit, com algo na mão, uma lasca fosca que brilha como metal. Seu
rosto está coberto de lágrimas e ranho, gritando o nome de Erisa enquanto
ataca.
— Fique longe disso, Iyrelle! — Não entendo o que ela está fazendo. Ela
não tem chance contra o raxiit. Os Divinos sabem que eu mesmo mal tenho
chance contra a criatura.
Acerto alguns tiros do meu blaster enquanto corro em direção à minha
irmã. Eu a alcanço ao mesmo tempo que ela estende o braço e esfaqueia o pé
escamoso do raxiit. Sua arma é uma faca de má qualidade, irregular e frágil
como algo que um bandido usaria. Como a criança conseguiu uma coisa
dessas?
Eu carrego Iyrelle em meus braços, mas não antes que ela dê outra
facada. Eu a puxo para longe, deixando sua faca cravada na carne do raxiit. O
monstro grita, mais de irritação do que de dor.
Sentindo o próximo movimento do pássaro, eu me enrolo em volta da
minha irmã. Ela está batendo no meu rosto, me implorando para soltá-la. Eu
não afrouxo meu aperto, nem mesmo quando sinto o bico afiado do raxiit
perfurar meu lado.
Eu grunho enquanto o fogo queima através da ferida. Liberando a mão
que segura meu blaster, atiro suavemente sob meu próprio braço. O raio atinge

o lado da cabeça do raxiit, e ele cambaleia para trás, gritando mais alto desta
vez.
Isso me dá tempo suficiente para apertar Iyrelle no meu peito e correr
para a esfera. Minha irmã está me empurrando, até que sua mão escorrega no
sangue que brota do meu lado. Percebendo que fui ferido, ela, finalmente, para
de lutar comigo.
O raxiit se desprende da plataforma, batendo de volta no ar. Eu o
reconheço se preparando para nos atacar e miro com meu blaster. Solto uma
saraivada de tiros enquanto corremos e tenho sorte.
Dois tiros atingiram o centro da membrana coriácea que compõe a asa
esquerda do pássaro. A membrana esticada é tão fina que os tiros passam
direto. O raxiit uiva e vacila.
Eu sei que essas feridas não vão segurá-lo para sempre, mas ganhei
minutos importantes para nós. A esfera brilha a apenas alguns metros de nós,
prometendo segurança. Eu tomo essa distância restante o mais rápido que
posso, meu lado gritando enquanto empurro meus músculos com mais força.
Abro a lateral da esfera e lanço Iyrelle para dentro. Sigo rapidamente, já
pressionando o botão que fecha a esfera de volta. A porta côncava brilhante se
fecha, bem quando o raxiit pousa em cima de nós. Suas garras não conseguem
segurar o vidro liso e forte da esfera, no entanto.
Minha pulsação ainda está martelando, eu decolo. O raxiit grita de
frustração e tenta nos perseguir, mas somos rápidos demais. Decolo a esfera
rugindo da plataforma, tecendo entre os galhos para que rapidamente nos
escondamos.
— Iyrelle, você está machucada? — Pergunto com urgência.

— N... não, — ela responde, tremendo no canto da esfera. — Estou
b...bem.
Eu sei que a coisa mais sensata seria voltar ao palácio para garantir a
segurança de Iyrelle, mas saber que ela está ilesa me permite ignorar o que é
sábio. Eu desvio a esfera da rota que nos levaria para casa.
Vou na direção que Erisa caiu. É improvável que ela tenha sobrevivido à
queda e é quase impossível encontrá-la. Os galhos são finos e agitados perto
do dossel, dificultando a visão muito à frente da esfera.
É uma missão tola, perseguir Erisa, mas não há mundo no qual eu saia
sem tentar encontrá-la. Se houver a menor chance, vale a pena.
E... algo me diz que ela ainda está viva. Não posso explicar isso. Há
simplesmente um brilho dentro de mim, aceso na primeira vez que toquei em
Erisa. Se ela estivesse morta, aquele brilho seria apagado.
Em vez disso, é forte e insistente. Há um estranho puxão no meu peito,
quase me sobrecarregando com o desejo de ir até lá, por aqui. Decido não
questionar.
Meu coração está trovejando tanto que posso ouvir o estrondo dele em
meus ouvidos. No entanto, mantenho minhas mãos firmes, enquanto guio a
esfera ao longo do caminho que me chama.
Rogo aos Divinos que seja o caminho para Erisa.

CAPÍTULO
VINTE E DOIS
ERISA
Meu corpo inteiro parece uma grande contusão. Eu daria tudo para estar
deitada em uma cama macia, agora. Em vez disso, estou me agarrando a um
galho com todas as minhas forças.
Tenho sorte de ter conseguido agarrá-lo em primeiro lugar. Caí por
ramos suficientes para construir uma maldita casa no caminho para baixo. Por
maiores que sejam as árvores, perto do dossel, seus galhos são mais do
tamanho que conheço na Terra.
O que, eu acho, é uma coisa boa, mesmo que a picada no meu rosto de
um galho particularmente chicoteado implore para discordar. Se os galhos
fossem as coisas enormes e largas que sustentam Verus, eu teria sido
espatifada.
Espero que Iyrelle e Elvion estejam bem. Por mais que queira sacudir
Iyrelle por tolamente me desobedecer, entendo por que ela correu para o
irmão. Foi difícil virar as costas para ele também.
Elvion é inteligente e rápido e, aparentemente, um lutador habilidoso.
Ele salvará Iyrelle e a si mesmo também. Sei que ele vai.
Mas, ele será capaz de me salvar?

Eu me espremo no galho com mais força, tentando não chorar. Quanto
mais penso sobre isso, mais minha pequena esperança de ser resgatada se
esvai. A folhagem é um labirinto denso aqui. Como Elvion iria me encontrar?
Meus braços já doem de lesão e exaustão. A ferida no meu ombro pinga
constantemente. Eu ficaria feliz que minha capacidade de segurar alguma coisa
significasse que o pássaro assassino não danificou nada muito seriamente,
exceto que não faz sentido.
Se poderia ser facilmente curada ou não, se Elvion não me encontrar, eu
vou morrer.
O desespero me sufoca. Apesar de mim, uma lágrima brota e rola pelo
meu rosto. Ele cai, destinado a cair por um longo tempo antes de atingir o chão
tão abaixo.
Um som estranho perfura minha névoa de miséria. Quase soa como...
galhos no vidro. Levanto minha cabeça o melhor que posso e vejo minha
salvação.
A esfera paira a um metro e meio de mim, Iyrelle e Elvion dentro. Através
do vidro, vejo Iyrelle explodir em lágrimas ao me ver, e alívio misturado com
triunfo no rosto de Elvion. Outra lágrima cai dos meus olhos, está de alegria.
Essa alegria dura pouco. Elvion está no meio de dobrar a esfera ao meu
lado quando ouço um guincho agora familiar. Cheia de pavor, inclino a cabeça
para trás e vejo o monstro que me colocou aqui.
Deve ter seguido a esfera. O brilho que achei tão bonito antes teria
entregado a nave facilmente.
A criatura horrível não perde tempo antes de esfaquear seu bico em mim.
A folhagem é densa o suficiente para restringi-la, mas não por muito tempo. O

pássaro começa a quebrar galhos menores com suas garras enquanto tenta
chegar até mim.
A esfera desaparece da minha linha de visão. Estranhamente, não sinto
medo de que Elvion esteja me abandonando. Tenho certeza de que ele fará
tudo ao seu alcance para me salvar.
Esticando a cabeça, vejo que estou certa. Eu tenho um vislumbre da
esfera pairando firmemente abaixo de mim, fora de perigo. Sua porta se abre,
e Elvion balança facilmente para fora e para o tronco da árvore.
Galhos e folhas caem sobre minha cabeça, mas os ignoro. Não é como se
eu pudesse me mover para fugir do pássaro assassino, mesmo que quisesse.
Estou mais focada em assistir Elvion subir, fluido e rápido.
Eu esqueço meu perigo por um momento, vendo-o se mover. Ele parece
inteiramente em casa, mais do que nunca no palácio. Ele se funde com a árvore,
tão confortável em escalá-la que poderia muito bem estar andando em terra
firme. Eu vejo um clarão branco perto de seus pés, e lembro que as lanças de
osso que se estendem de suas solas dão a ele um apoio extra.
Sou puxada de volta para a realidade da minha situação desesperadora
enquanto um grito estridente enche meus ouvidos. Olho para baixo do meu
galho para ver a ponta cruel do bico do pássaro assassino rasgando um pedaço
da madeira. Me errou, mas, se causar muito mais danos ao galho, vou
despencar para a morte.
Um disparo de blaster chia na minha orelha. Elvion fez uma pausa em
sua escalada para atirar no monstro, forçando-o a recuar um pouco. Ele
continua se aproximando de mim, parando a cada poucos segundos para
liberar uma mão e soltar alguns tiros.

Os músculos dos meus braços e ombros estão gritando. Assim como o
pássaro assassino. A criatura grita sua frustração para toda a floresta. No
entanto, percebo que não posso ficar onde estou. Estou muito longe do tronco,
e este galho não vai me segurar nem a Elvion.
Cerrando os dentes, começo a descer o galho. É preciso uma força central
que eu definitivamente não sabia que tinha, mas, pouco a pouco, meus pés se
aproximam do tronco.
Sinto uma mão quente no meu pé, mais cedo do que pensei ser possível.
— Erisa, estou aqui, — diz Elvion, e sua voz é o melhor som que eu já
ouvi. — Continue vindo até mim, se puder.
Eu vou, enquanto o pássaro joga a cabeça para trás através da folhagem
rala para me empalar em seu bico. Fico tensa, esperando o golpe, mas Elvion
permanece frio como gelo. Ele espera, e então dispara um único tiro.
O pássaro assassino grita de dor e recua. Elvion atingiu seu olho, que
agora é uma bagunça preta e borbulhante. Gritando, finalmente, foge.
Eu sinto o braço quente de Elvion em volta de mim enquanto ele me puxa
para fora do meu galho salvador. Ele me aperta contra seu peito. Eu sinto seu
coração martelando tão rápido quanto o meu. Acho que ele não estava tão
calmo quanto parecia.
— Você pode segurar meu pescoço? — Seus olhos cinzentos encontram
os meus, e a ternura me tira o fôlego.
— Eu posso conseguir, — eu sussurro, enrolando meus braços para cima
e sobre seu peito. Nunca estive tão perto dele. Agora, minha pulsação está
batendo por uma razão diferente do perigo com risco de vida.

Eu seguro firme no meu salvador, seus músculos se contraindo debaixo
de mim enquanto ele rasteja pela árvore. Estou cansada, mas quase quero que
nunca acabe. De alguma forma, estar nos braços de Elvion me faz sentir mais
contente do que nunca neste planeta.
Eventualmente, chegamos à bolha, e ele me coloca dentro. Iyrelle se joga
no meu colo enquanto Elvion fecha a porta. Eu tenho que admitir que a simples
segurança também é ótima.

CAPÍTULO
VINTE E TRÊS
ELVION
— Varens! — Chamo meu chefe de gabinete enquanto carrego Erisa para
meus aposentos. Um servo aparece, parecendo confuso. — Encontre Varens
para mim, agora, — eu berro.
— Você pode me colocar no chão, — diz Erisa, de onde ela está embalada
em meus braços. — Eu posso andar, de verdade Elvion.
— Você está ferida, — eu retruco, não quebrando meu passo.
— Sim, — diz Iyrelle, de onde ela trota ao meu lado. — Deixe-o te
carregar!
— Seu irmão também está ferido, — responde Erisa, revirando os olhos.
— Então ele não deveria estar carregando ninguém.
— Estou bem. — Eu me viro para o corredor que leva aos meus
aposentos. — E estamos quase lá.
Varens está vindo pelo corredor até mim, suas sobrancelhas levemente
franzidas. Em seu rosto impassível, essa é uma expressão de séria
preocupação.
— Vossa Alteza. — Ele se curva rapidamente, sem perder muito tempo.
— Posso presumir que você está precisando de um médico?

— Agradeça aos Divinos por você, Varens, e sim, — confirmo. — Consiga
meu médico e nenhum outro. Imediatamente.
— Entendido, meu príncipe. — Varens passa por nós e se afasta em sua
missão. De alguma forma, ele não está correndo, mas está se movendo muito
rapidamente. Estou tranquilo pensando em sua eficiência, e em quanto tempo
ele vai me arranjar aquele médico.
— Vamos para o seu quarto? — Erisa se contorce contra meu peito. —
Príncipe Elvion, isso é completamente desnecessário!
— É Príncipe Elvion, agora, não é? — Eu olho para ela, curvando meus
lábios para cima. — Gostava mais quando simplesmente me chamava de
Elvion.
Erisa cora até as têmporas com isso, mas não é dissuadida de seus
protestos.
— Príncipe Elvion ou Elvion, qualquer um, me coloque no chão! Estou
bem e meus aposentos são mais do que suficientes.
— Adequado não é aceitável, — eu digo, enquanto Iyrelle
pensativamente abre minha porta para nós. — Obrigado, Iyrelle.
— Deixe-o ser legal com você, — minha irmã diz a Erisa, sinceramente.
— Você quase morreu.
Seu rostinho se contrai e as lágrimas saltam nos olhos da criança. Eu
mesmo sinto uma pontada de dor ao ouvir essas palavras, aliviado apenas pelo
fato de Erisa estar bem, e aqui na minha casa.
— Você deve estar confortável, — eu insisto, e coloco Erisa na minha
cama.

Ela suspira e cai de volta nos travesseiros. Parece que a suavidade
luxuosa faz o que não consegui, e a convence a aceitar as acomodações.
— Príncipe Elvion, você me chamou?
Meu médico já está correndo para o quarto. Dispenso um momento para
agradecer o milagre que é Varens e rapidamente informo o médico.
Ele vai direto a questionar Erisa sobre o que dói e onde. Quando ele
começa a cortar as roupas encharcadas de sangue de seu ombro, eu agarro a
mão de Iyrelle.
— Vamos para o seu quarto, Iyrelle. — Eu aperto sua palma. — Erisa está
sendo bem cuidada.
O rosto da garotinha fica nublado, o que eu entendo. Odeio deixar Erisa
também, mas devo cuidar da minha irmã. Posso dizer que ela está exausta pela
terrível excitação do dia.
Para meu alívio, Iyrelle me deixa levá-la para seus aposentos sem muito
barulho. Eu pego um criado no caminho e peço uma refeição quente para nos
encontrar no quarto da criança. Pela primeira vez, Iyrelle veste o pijama sem
reclamar.
— Você quer me dizer como está se sentindo, Iyrelle? — Eu pergunto,
enquanto nós dois nos acomodamos para comer o ensopado que o servo
trouxe.
— Estou bem, — responde Iyrelle, esticando o queixo, corajosamente.
Seus ombros estão caídos, porém, desmentindo suas palavras.
— Então... posso te perguntar uma coisa?
— Ok... — Iyrelle me olha com uma pitada de suspeita enquanto ela
coloca um pedaço de carne em sua boca.

— O que você estava pensando, tentando lutar contra o raxiit? — Percebo
que Iyrelle endurece e seu pequeno punho se fecha sobre a mesa. — Isso não é
uma repreensão, — eu acalmo. — Eu realmente quero saber.
— Eu não quero ter medo, — minha irmã responde, depois de um
momento de silêncio. Ela relaxa de volta em sua cadeira, sua voz ficando baixa.
— Quero ser corajosa e proteger as pessoas.
— Eu entendi aquilo. — Eu me aproximo e coloco minha mão em seu
ombro. — Está tudo bem ter medo às vezes.
— Mas eu não QUERO, — insiste Iyrelle. — Quero lutar contra as coisas
de frente. Não fugir porque estou com muito medo.
— Sabe, nem sempre fugimos porque temos medo, — digo, hesitante.
Tento pensar no que Erisa diria. — Às vezes, fugimos porque amamos as
pessoas. Eu queria que Erisa te pegasse e fugisse porque você é minha irmã e
te amo.
— Mas, você é meu irmão e eu te amo. Não queria te deixar. — Iyrelle
parece infeliz agora, e uma grande lágrima cai em seu ensopado.
— Eu sei. — Eu despenteio seu cabelo, suavemente. — Mas bravura e
sabedoria andam de mãos dadas. Não havia muito que você poderia fazer para
combater o raxiit sem uma arma melhor.
Faço uma pausa, querendo perguntar de onde veio a arma que ela tinha.
Acho também que agora seria um bom momento para impressionar Iyrelle
sobre a futilidade de querer ser uma guerreira.
Mas, não falo, porque seria cruel. Estamos todos abalados, e Iyrelle tem
apenas sete anos. Esta noite, ela precisa de comida e descanso. Podemos ter as
conversas mais difíceis outro dia.

— Você lutou ferozmente, — digo a ela. Quando seus olhos se iluminam,
decido acrescentar pelo menos uma nota de cautela.
— Mas, você se coloca em perigo quando não deveria.
— Eu- eu- eu- sei, — lamenta Iyrelle. Lágrimas de repente escorrem pelo
seu rosto, me assustando. Através de enormes soluços molhados, ela pergunta:
— É minha culpa Erisa estar machucada?
— Não. — Eu respondo com firmeza e puxo Iyrelle para o meu colo,
nosso ensopado esquecido. — A culpa é do raxiit e de mais ninguém.
— Erisa vai ficar bem? — Iyrelle empurra o rosto no meu peito, chorando,
ainda, mas com menos intensidade.
— Ela vai, — eu prometo, acariciando o cabelo da minha irmã. —
Também estou preocupado, mas o Dr. Yiwik vai curá-la em pouco tempo.
— Ok, — funga Iyrelle. — Eu realmente gosto muito dela.
— Eu também, — eu sussurro. — Eu também.

CAPÍTULO
VINTE E QUATRO
ERISA
Dr. Yiwick está guardando seu scanner corporal quando Elvion corre de
volta para o quarto.
— Como ela está? — Ele pergunta, como se eu não estivesse sentada aqui.
— Ela está bem, — eu digo imprudentemente, dando-lhe um olhar. —
Como está seu ferimento, Príncipe Elvion? — Dr. Yiwick olha entre nós uma
vez, franzindo a testa.
— Você também está ferido, meu príncipe? — O médico para no processo
de fechar sua bolsa e olha para Elvion. Ele está vestindo uma jaqueta, mas um
pouco da camisa com crostas de sangue aparece por baixo dela.
— Sente-se, — ordena o Dr. Yiwick. — Você está ferido, eu vejo. Por
favor, remova sua jaqueta e camisa.
— É bom saber que alguém por aqui pode lhe dar ordens, — murmuro,
enquanto Elvion se senta na ponta da cama gigantesca. Ele levanta o queixo e
me ignora.
— Qual é a sua avaliação da senhorita Meyers? — Elvion pergunta,
novamente, enquanto tira os braços da jaqueta.
Eu pisco. Ouvi-lo me chamar de senhorita Meyers soa tão estranho. Não
tenho muito tempo para pensar nisso, porque Elvion está tirando a camisa.

Estou do lado sem o corte do pássaro assassino, o que significa que não
me sinto tão mal admirando a deslumbrante extensão dourada do torso de
Elvion. Eu teria que estar com muito mais dor do que estou para não apreciar
a definição de seus braços nus, ou seu abdômen esculpido. Há músculos ao
longo de seu lado que eu não sabia que existiam. Talvez não, em humanos.
— ... raso, sem danos duradouros, — Dr. Yiwick diz, enquanto eu
sintonizo novamente. — Eu adicionei pomada de sutura aos cortes da Srta.
Meyer. Dei-lhe um bálsamo para acelerar a cicatrização de seus hematomas
também. Ela estará completamente normal em alguns dias.
Tão eficientemente quanto me enfaixou, Dr. Yiwick envolve o lado
lacerado de Elvion. Assim que termina, Elvion veste uma camisa limpa. Eu
sufoco uma pequena onda de decepção. Eu realmente não deveria estar
babando por ele quando ele foi ferido.
— Obrigado, Dr. Yiwick, — diz Elvion, acompanhando o médico até a
porta. — Como sempre, sou grato por seus serviços.
— Obrigada! — Eu grito da cama.
O médico acena para nós dois e se vai.
De repente, percebo que estou sozinha com Elvion. No quarto dele. Na
cama dele, na verdade, pelo que me toca.
— Posso ajudá-lo de alguma forma, antes de deixá-la descansar? — O
tom de Elvion é excessivamente formal, me dizendo que ele também se sente
estranho. Eu me sinto estranha que ele tenha me dado seu quarto e tenha que
encontrar outro.
Mais do que isso, não quero que ele vá embora.

— Francamente, se você não estiver muito exausto, eu adoraria um copo
de vinho e um pouco de companhia, — digo a ele. — Seria bom tirar minha
mente do pássaro assassino que tentou nos matar mais cedo. — Elvion me
surpreende rindo.
— Pássaro assassino? Esse não é um nome ruim para isso, embora seja
chamado de raxiit, — ele me diz.
— Vou ficar com o pássaro assassino, obrigada. — Sento-me mais ereta,
balançando as pernas para fora da cama. — Então... você vai curtir comigo?
— Curtir? — Elvion parece confuso enquanto corre para o meu lado,
colocando um braço em volta da minha cintura enquanto me levanto.
— É uma gíria humana para “passar tempo juntos”, — explico.
— Oh. Então sim. Deixe-me ah… pedir um pouco de vinho.
Mesmo que eu diga que ele não precisa, Elvion me ajuda a sentar no sofá
de veludo no centro de seu quarto, depois de pedir vinho. Eu sei que poderia
andar sozinha, mas a preocupação dele me toca, então não discuto muito.
— Obrigada por me colocar em seu quarto, — eu digo, uma vez sentada.
— É realmente muito generoso de sua parte.
— Não é nada. — Elvion passa a mão no ar com desdém. — Você pode
ser uma serva…
— Babá, — eu corrijo, mas sem qualquer ferroada.
— No entanto, você é importante para minha irmã, — finaliza Elvion,
esfregando a nuca. — E... você é importante para mim.
Uma emoção me percorre com suas palavras. Eu sinto a cor subir da
minha clavícula até o meu pescoço. Registo que, ao me ajudar a sentar no sofá,
Elvion sentou-se bem perto de mim, e nossos joelhos estão batendo.

— Sinto muito, Erisa, — diz ele, inclinando-se para frente e colocando a
cabeça entre as mãos. — Eu deveria saber sobre o raxiit, deveria ter tomado
precauções. Eu sei que é a época de nidificação deles, eu sei...
— Ei. — Eu o paro e coloco minha mão em seu ombro. Com a outra, pego
uma taça de vinho âmbar da bandeja que um criado acabou de entregar
silenciosamente. Eu pressiono o álcool nos dedos de Elvion.
— Você poderia ter morrido, — ele sussurra, olhando cegamente para a
bebida. — Iyrelle poderia ter morrido, e teria sido minha culpa.
— Não, teria sido culpa do pássaro assassino, — eu digo calmamente.
Elvion levanta a cabeça e um pequeno sorriso surge em seus lábios.
— Acabei de dizer a mesma coisa a Iyrelle, — ele confessa.
— Então, você deve ouvir seu próprio conselho. — Tomo um gole de
vinho âmbar, esperando que isso encoraje Elvion a fazer o mesmo. — Você só
estava pensando em mostrar a Iyrelle um lugar bonito. Erros acontecem. Mas,
se você não se importar, podemos parar de falar sobre o pássaro assassino?
— Se você desejar. — Elvion finalmente toma um gole e suspira, a tensão
caindo de seus ombros.
— Eu não quero ter pesadelos, entende. — Eu dou a ele um sorriso
brincalhão. — Na verdade... você gostaria de me contar outro conto popular
de Kiphia? Isso me ajudaria a esquecer o pássaro assassino, e você contou
aquele sobre o firille tão bem.
— Você se lembra disso! — Elvion sorri de prazer, o que, por alguma
razão, faz meu coração bater forte.
— Claro que me lembro. — Eu ouso o suficiente para estender a mão e
colocá-la em seu joelho. — Como poderia esquecer? Você me contou.

CAPÍTULO
VINTE E CINCO
ELVION
— Tudo bem, — eu digo, vasculhando minha mente para encontrar uma
história apropriada. É difícil focar. Erisa tirou a mão do meu joelho, mas a
sensação de seu toque permanece. Limpo a garganta e, para ganhar mais um
momento, tomo um gole profundo de vinho âmbar.
— Isso é muita preparação, — diz Erisa, — é melhor que seja boa.
— É, na verdade, — eu digo, escolhendo uma história para contar. —
Você vai gostar deste conto. É um pouco tabu.
— Ah, você está certo. Já gosto.
— É uma história de amor. — Eu me certifico de não encontrar seus olhos
quando digo isso. — Havia uma fêmea kiphian chamada Lylli. Ela havia
escolhido o momento apropriado para se tornar uma esposa. Isso deixou seus
pais muito felizes.
— Tenho certeza.
— Não interrompa.
— Desculpe.
— Infelizmente, Lylli não era desejada por muitos homens e seus pais
não podiam casá-la. Lylli era linda. Mas era curiosa. Ela costumava fugir
quando seus pais traziam pretendentes. Em vez de estudar os deveres de uma
esposa, ela aprendeu sobre as árvores. Com o tempo, ela se tornou amiga das

folhas. Pois foi gentil com eles e aprendeu a falar a língua deles, que é o som
que eles fazem quando o vento sopra através deles.
— Um dia, em sua curiosidade, ela estava vagando pelo chão da floresta.
Ela encontrou uma árvore que havia sido rachada em uma tempestade.
Estranhamente, era enorme, o tronco exposto era oco. Era grande o suficiente
para até mesmo um grande macho Kiphian entrar.
— Curiosa sobre o que poderia estar dentro, Lylli entrou. Mas a árvore
havia sido amaldiçoada há milhares de anos por uma velha bruxa, que
pretendia capturar algum inimigo dela dentro dele. O tronco da árvore se
fechou e prendeu Lylli dentro.
— Ah, pobre Lylli.
— Agora, ao mesmo tempo, um jovem nobre Kiphian chamado Kier
estava vagando perto da árvore. Kier era um príncipe, filho do rei, na verdade.
Ele também era um músico talentoso. Kier carregava sempre consigo seu
croush, que é um instrumento musical de cordas. Infelizmente, todas as sete
cordas do croush de Kier quebraram naquela manhã enquanto ele tocava
durante seu passeio.
— Pobre Kier.
— Shh. Agora, enquanto Kier vagava pela floresta, ele passou por uma
árvore que havia sido partida em uma tempestade. Kier notou que,
estranhamente, enrolada nas grandes raízes da árvore, havia uma longa linha
de fios dourados. Você vê, quando Lylli se aproximou da árvore, seu vestido
estava emaranhado nas raízes, e uma longa linha de suas vestes se desfiou.
— Kier usou o fio como corda para o croush. Foi a quantidade certa.
Quando ele tocou nessas cordas, algo mágico aconteceu. Suas espinhas

esquentaram. Ele sabia que sua companheira tinha tocado aquele fio. Mas,
onde ela estava? Kier continuou tocando. E, parecia-lhe, as folhas começaram
a falar com ele na melodia que ele soltou.
— Para você ver, as folhas viram sua amiga ficar presa. Eles colocaram
uma imagem de Lylli em sua mente. Kier sabia o que fazer. Ele colocou seu
croush de lado e usou sua espada para cortar a árvore. Como a bruxa estava
morta há muito tempo, a magia era fraca e ele conseguiu passar.
— Lá, ele descobriu Lylli. Os dois sabiam que estavam destinados a ser
o companheiro do outro. Eles casaram. E ela desistiu de seus estudos para se
dedicar como esposa a Kier, que ficou conhecido como o Rei Trovador quando
foi sua vez de assumir o trono. E eles viveram felizes por todos os seus dias.
Meu conto acabou. Eu tinha ficado tão envolvido nisso, eu realmente não
tinha consciência de Erisa. De repente, percebo que ela mudou de posição
durante a minha história. Ela agora se inclina com a cabeça no meu ombro.
Eu devo ir. No entanto, não quero deixá-la fora da minha vista.
Irracionalmente, temo por ela. Não consigo tirar da minha cabeça a imagem
dela caindo da plataforma. Eu devo ir.
— Eu gosto dessa história, — Erisa diz suavemente. Sua voz está
carregada de algo que desperta sentimentos profundos dentro de mim. —
Embora eu desejasse que Lylli continuasse estudando, mesmo depois do
casamento.
— Sim. Bem. — Eu me pego procurando palavras. — Eu deveria ir, — eu
digo, sem convicção.

Viro a cabeça ligeiramente, para olhar para Erisa. Ela ergueu o olhar para
mim. Em seus olhos, vejo a mesma atração que estou sentindo. Não tenho
poder para sair do lado dela.
Então, em vez disso, faço a única coisa racional. Eu a beijo.
Ela responde rapidamente, levantando-se em minha direção, deslocando
seu corpo contra o meu. Eu tomo seu pequeno corpo humano em meus braços.
Ela parece frágil, mas seus beijos e seu corpo são fortes e apaixonados.
Estou cheio de desejo de saboreá-la, de me enterrar na delicadeza dela.
— Eu quero agradá-la, — digo entre beijos.
— Estou bem com isso, — diz ela, enquanto sua boca se move para o meu
pescoço e suas mãos trabalham nos botões da minha camisa.
Depois que ela o remove e expõe minha pele dourada, escorrego do sofá.
Cuidadosamente, lentamente, eu deslizo tirando suas calças. Corro minhas
mãos ao longo de suas pernas lisas. Desço sua calcinha pela pele macia de suas
coxas. Beijo e lambo a pele sobre a qual o tecido passa.
Nossos olhos se encontram. Eu vejo o desejo ali. Ela lentamente abre as
pernas e se expõe para mim. Meus olhos ainda presos nos dela, deslizo um
dedo entre suas pernas. Ela está quente e molhada. Ela quebra nosso contato
visual para rolar a cabeça para trás ao meu toque. Ver a reação dela me faz
querer dar mais a ela.
Deslizo minha língua para dentro de uma coxa até ela descansar contra
seus lábios externos macios. Absorvo o aroma dela, o calor. Começo a explorar
com a minha língua, alternando-a com pinceladas dos meus lábios.
Ela geme. Um sorriso presunçoso curva minha boca, e mergulho de volta
em Erisa.

CAPÍTULO
VINTE E SEIS
ERISA
Sua boca e língua fazem coisas para mim que parecem impossíveis.
Como ele pode ser gentil, mas forte, ao mesmo tempo? As sensações
aparentemente contraditórias estão me dando leves espasmos de prazer.
Minha respiração vem em jatos, então ele muda seu ritmo e eu expiro um longo
gemido.
Eu o sinto deslizar dois dedos dentro de mim. Eles são longos, fortes, e o
movimento que faz com eles me faz contorcer. Me pressiono para frente,
trazendo sua boca mais completamente sobre minha nudez, sua língua mais
profundamente em meu santuário quente.
Gozo rapidamente, completamente, um ataque de som e umidade. Em
vez de me saciar, isso me torna mais consciente do vazio em mim que desejo
que ele preencha. A coceira que estou desesperada para que ele coce.
— Elvion... quero você dentro de mim... — eu ronrono.
Ele se levanta para me beijar. Seus dedos brincam com meu clitóris, para
que eu não seja privada do prazer contínuo.
— Tire suas calças, — digo a ele.
— Só se você não contar a ninguém que estou recebendo ordens da serva.
— Babá, — eu digo, mordendo seu lábio de brincadeira.

Elvion se eleva à sua altura total. E, claramente, mesmo através de suas
calças, todo ele subiu à altura máxima. A promessa de seu tamanho me excita
antes mesmo que ele tire o resto de suas roupas.
Seu pau dourado está como um troféu diante de mim. Sou tomada por
uma fome por ele. Levo-o à boca com a mão e o tomo o mais fundo que posso.
Suas mãos se enrolam no meu cabelo, me encorajando.
— Erisa... Erisa...
Em sua voz e em seu pau ainda inchado, sinto seu desejo crescente.
Lentamente deslizo minha boca de seu membro e me sento. Fico feliz em vê-lo
continuar a se acariciar enquanto tiro minha camisa e sutiã. Eu toco meus seios,
cobrindo-os de vista por um momento, então os revelando para ele novamente.
— Devo ter você, — ele me diz, soltando-se e movendo-se em minha
direção.
— Estava pensando a mesma coisa.
Sua grande estrutura paira sobre mim. Os músculos poderosos de seu
braço flexionam enquanto suportam seu peso. Seu abdômen esculpido ondula
quando ele se acomoda entre minhas pernas. Anseio tê-lo dentro de mim.
Minhas mãos exploram minha umidade em preparação para tomá-lo.
— Nós devemos ser cuidadosos. Seus ferimentos, — ele sussurra.
Com uma natureza delicada que desmente sua força Kiphian, Elvion
começa a beijar minhas feridas e contusões. Há uma leve picada, às vezes. Isso
só aumenta a intensa experiência física que já estou tendo. Mais do que tudo,
há uma natureza carinhosa nesses beijos. Isso faz com que uma onda de
emoção se misture com a paixão primitiva que sinto.

Em resposta, eu corro a mão gentilmente em seu lado enfaixado. Ele
responde ao toque, então responde mais enquanto minhas mãos percorrem
seus músculos peitorais tensos, deslizando sobre seus mamilos dourados. Eu
deslizo minha mão por aqueles abdominais impossivelmente poderosos, então
os envolvo em torno de seu pênis.
Eu o guio dentro de mim. Minhas mãos deslizam para sua bunda firme,
encorajando-o ainda mais.
Ele desliza lentamente. Sinto cada centímetro enquanto me penetra, me
preenche, envia raios de êxtase correndo por todas as minhas veias.
Uma vez que ele está totalmente dentro, ele permanece. A expectativa
entre nós aumenta. Ele enterra o rosto em meus seios. Ele move sua boca em
meus mamilos eretos, disparando novas explosões de excitação em minha pele.
Desejando passar para o próximo nível, giro meus quadris. Ele mantém
a boca no meu mamilo enquanto claramente recebe a mensagem. Ele começa a
empurrar suavemente para dentro e para fora. Cada entrada profunda me
enche de prazer incomparável, cada quase extração traz uma antecipação
faminta, satisfeita mais uma vez com seu próximo mergulho.
— Oh, Deus, — eu expiro.
Ele desliza a língua dos meus seios de volta para a minha boca. Nós nos
beijamos avidamente enquanto nossas metades inferiores continuam a se
mover em sincronia. Eu me sinto subindo cada vez mais alto em direção ao
meu clímax.
Ele é poderoso. À medida que a paixão entre nós cresce, ele se abaixa de
sua posição de apoio e permite que um pouco mais de seu peso caia sobre mim.

Seu peito pressiona contra meus seios e a sensação dele contra mim me faz
gemer de paixão.
— Seu corpo... é tão bom, — digo a ele.
— Não estou te machucando? — Ele pergunta.
Em resposta, eu o beijo apaixonadamente, pressionando minha pélvis
com mais força contra ele. Ele responde com um vigor que faz meu corpo
inteiro tremer.
Quando o prazer é demais para tomar em silêncio, tiro minha boca da
dele e grito. Tenho certeza de que sou ouvida em todo o palácio. Ele grunhe
junto comigo. Os tentáculos de prazer percorrendo meu corpo se unem em um
ponto bem no fundo. Eu me sinto chegando ao clímax.
Eu envolvo minhas pernas firmemente ao redor de seu corpo em
preparação para o orgasmo que está prestes a atingi-lo. De repente, com um
golpe final e profundo, sinto Elvion se liberar em mim. Seu gozo desencadeia
minha própria liberação. Explodo. Eu grito em um deleite que tensiona minhas
cordas vocais.
As réplicas do meu orgasmo continuam por algum tempo. Pequenos
espasmos involuntários de prazer me atravessam.
Elvion me beija suavemente. Ele passa as mãos pelo meu corpo. Seus
dedos brincam suavemente com meus mamilos, enviando novos choques
elétricos pelo meu corpo já formigante.
Ficamos ali juntos, em silêncio, por algum tempo. Nossa respiração
sincronizada lentamente volta ao normal.
No momento em que ele se afasta de mim, já estou consciente do que
falta ao meu corpo.

Ele me carrega para a cama, onde deitamos nus um ao lado do outro.
Com um dedo, traço o contorno de suas muitas tatuagens. Ele acaricia minhas
curvas nuas. Dessa forma, mantemos nossa conexão mesmo depois que a
emoção de fazer amor se dissipa.
Essa paz silenciosa continua por um tempo antes de eu finalmente
adormecer.

CAPÍTULO
VINTE E SETE
ELVION
Quando um relâmpago atinge, é a eletricidade em sua forma mais feroz
e rápida. Pode ser incandescente. Quando é canalizado e controlado, cria luz e
calor. Uma sensação de paz e conforto. Com Erisa em meus braços, minha
coluna se tornou um canal para essa eletricidade. O que antes eram flashes
incandescentes entre nós ao menor dos toques, agora é uma corrente constante,
quente e efusiva me atravessando.
Deitado com nossos braços e pernas entrelaçados, acordo antes dela.
Cachos castanhos se acumulam sob seu queixo. Seus olhos estão imóveis e
serenos. Vários minutos se passam, e não estou com pressa de sair do lado dela
ou perturbar seu sono.
Logo, no entanto, minha paz ao acordar começa a diminuir, quando
percebo as reuniões que estão à minha frente. O dever chama. Devo fechar a
porta na noite passada.
Furtivamente e silenciosamente, eu me liberto de seu corpo quente e me
preparo para o meu dia. Não posso deixar de notar que o ar e a luz têm uma
qualidade diferente neles esta manhã; transparente e leve nas bordas. Recuso-
me a entrar em quaisquer teorias sobre o motivo.
Minutos depois, me acomodo em minha cadeira na cabeceira da mesa,
meus conselheiros se recusando firmemente a notar meu atraso. Internamente,

sou grato pelo tato deles, mas gostaria de estar olhando para o rosto de Erisa
agora e não para o deles.
A reunião começa: uma mistura sólida e costumeira de minúcias,
maquinaria burocrática e tarefas chatas, mas necessárias, que exigem algum
selo oficial de aprovação. Assentindo de vez em quando (e sem levar em conta
o assunto), deixo meus pensamentos vagarem.
A noite passada não foi uma loucura de julgamento ou de luxúria.
Quando Erisa se conectou com meu corpo e minha coluna se acendeu, não
pude mais ignorar os sinais. Ela é minha companheira destinada. Nenhuma
quantidade de negação mudará esse fato.
A questão mais profunda é o que eu faço agora sobre isso? Obstáculos
tão altos quanto montanhas impedem a bênção de nossa união.
Como filho mais velho da linhagem real, não estou acostumado a
decepcionar meus pais. Desde que tive idade suficiente para falar, estive ciente
das grandes responsabilidades que estavam sendo colocadas sobre meus
ombros. Desde aquela época, tenho me esforçado para viver de acordo com
todos os padrões estabelecidos diante de mim.
Não consigo imaginar o olhar de desânimo que minha mãe não fará
nenhum esforço para esconder. Posso imaginar ainda menos a reação do meu
pai orgulhoso, estoico e muito tradicional. Não há mundo em que ele possa
abraçar a união de seu filho mais velho com uma fêmea humana da classe dos
servos.
— Vossa graça? Vossa graça?
Uma voz quebra minha concentração com um estalo. Olhando em volta,
vejo uma sala de conselheiros, todos os olhos apontados em minha direção,

suas bocas solidamente fechadas. Estou ausente deles há muito tempo, meus
acenos não enganam mais ninguém. Aparentemente, a reunião está prestes a
terminar, mas não pode fazê-lo sem a minha aprovação.
— Ah, sim. Suspenso. Assim como vocês, — murmuro, ignorando seus
olhares aguçados de consternação e desânimo. Geralmente, sou um membro
atento dessas reuniões. Hoje, falhei completamente. No momento, porém, eu
não poderia me importar menos.
Os conselheiros saem, e eu converso rapidamente com Varens sobre o
que mais está na minha agenda oficial para hoje. Apesar da montanha de
papelada que inevitavelmente me espera em meu escritório, minha agenda é
felizmente leve.
Dispensando Varens, ando ansioso pelo palácio em busca de Erisa e
Iyrelle. Estar na companhia delas é o único negócio que desejo atender. A voz
baixa e pungente na parte de trás da minha cabeça é rapidamente reprimida
com a desculpa de que só vou checar por um momento antes de retornar ao
meu escritório.
Sim, certo.
Percorrendo os corredores e a sala de jantar, não encontro sinal de Erisa
ou Iyrelle. Um criado relata que elas estavam planejando voltar para os jardins,
e sei exatamente onde encontrá-las.
Aproximando-me da plataforma de musgo, eu as vejo antes que elas
tenham a chance de me ver. Sentadas juntas, seus cabelos quase se tocando, a
luz do sol cria uma profusão de cores. Primeiro, a esmeralda das madeixas de
Iyrelle, depois saltando para o castanho de Erisa. Parece que a névoa

transparente que me recebeu esta manhã envolve Erisa e não posso deixar de
suspirar um pouco com sua beleza.
Ela fica mais bonita pelo fato de não saber que estou olhando para ela.
Seu rosto está relaxado e risonho, enquanto ela e Iyrelle desenham um grande
rolo de pergaminho. Suas vozes voltam para mim quando estou fora de vista.
— É assim que um sctha se parece? Eu quero acertar as montanhas! —
Iyrelle proclama, uma ferramenta de desenho na mão.
— Acredito que sim. Eu mesma só vi desenhos deles. Mas, vamos deixar
nossa imaginação correr solta. As montanhas parecerão certas, não importa o
que aconteça, — Erisa responde, um calor em sua voz quase tão quente quanto
o sol ao seu redor.
— Mesmo quando viajei para Verus, nunca vi coisas assim em toda a
minha vida, — proclama Iyrelle.
— Nunca vi nada parecido. O Mar de Dyrenus pode mudar de cor à
noite! — Explica Erisa.
— Você já viu?
— Não. Eu li sobre isso. Algum dia, talvez seu irmão nos leve até lá.
— Na bolha?
— Espero que sim.
— Mas primeiro, preciso terminar meu desenho! Espero que Elvion
goste. Eu sei que ele viu mais coisas do que eu, mas não meus desenhos!
— Tenho certeza que vai adorar. Será melhor do que qualquer coisa que
ele tenha visto antes.

Iyrelle sorri amplamente e se inclina para frente com profunda
concentração. Erisa olha por cima do ombro, um olhar de orgulho
inconfundível em seu rosto.
Apesar do meu desejo de estar com as duas, não desejo destruir esta cena.
Vê-las juntas me dá uma alegria que eu não sabia que existia. Meu coração fica
aliviado ao saber que, apesar de tudo o que aconteceu, elas escolheram celebrar
as maravilhas daquele dia, e não seus traumas.
Derretendo-me na folhagem, deixo-as à sua tarde.

CAPÍTULO
VINTE E OITO
ERISA
— Quebre ao meio. Assim — instrui Iyrelle, pegando a massa folhada de
Belin. Ele estava arrancando apenas o mais pequeno pedaço e entregando o
gribben (que se assemelha à um croissant humano, para mim) de volta para
Iyrelle. Ela não estava aceitando isso.
Rasgando-o em dois pedaços aproximadamente iguais, ela devolve um
para ele e eles comem felizes em um silêncio incomum.
Isso vem acontecendo nos últimos dias, agora. Iyrelle forçosamente, mas
amorosamente, compartilha seu almoço com o garotinho, que parece estar
esperando a realidade se abater. Até agora, não aconteceu, pelo que tanto Belin
quanto eu estamos muito satisfeitos em ver, tenho certeza.
Eu aprecio esses momentos por duas razões. Um, eu recebo um pequeno
descanso da adorável, mas exigente, energia de Iyrelle. Dois, Iyrelle pode
brincar com alguém de sua idade, mesmo que haja um acordo decididamente
desequilibrado entre eles.
Hoje, porém, meus pensamentos estão um pouco perturbados. Dois dias
se passaram desde que Elvion e eu estivemos juntos e, ao que parece, nada
mais deve ser mencionado sobre isso. Eu o vi desde então, é claro, mas nunca
estamos sozinhos por mais do que alguns momentos.

Depois de cada encontro, minha mente está em chamas, dissecando cada
palavra, cada frase ou olhar perdido em busca de algum indício de significado
ou nuance mais profundo que possa ter perdido. O sono tem sido esporádico
ultimamente, para dizer o mínimo.
— Hora de treinar! — Iyrelle anuncia, levantando-se e sacudindo as
migalhas de seu almoço. Belin segue obedientemente. Ela e Belin se enfrentam
no tapete, suas espadas recém-descobertas prontas. Eu as havia descoberto em
um baú de brinquedos no meu quarto alguns dias antes e eles se tornaram uma
parte preciosa da rotina diária de Iyrelle.
Supus que o baú deve ter sido usado pelos irmãos mais velhos da casa
real, uma vez. De qualquer forma, desde sua descoberta, Belin e Iyrelle
embarcaram em um complicado regime para se tornarem guerreiros. Sua
prática diária é uma estonteante variedade de exercícios e lutas complicadas.
Iyrelle é, claro, a líder destemida. Belin é um soldado leal e atencioso, embora
nem sempre o melhor espadachim.
Agora, que o treinamento do dia começou, eu me deixo escorregar de
volta ao meu devaneio. Levará alguns minutos até que Iyrelle se canse de dar
ordens ao pobre Belin e precise de mim novamente. Com um sorriso decadente
para mim mesma, eu até me deixo deitar no chão, fechando os olhos. A luz
filtra rosa através das minhas pálpebras. Volto aos pensamentos do meu
príncipe.
Ah, ele é?
Elvion tem estado atento cada vez que o vejo. Todas as noites, ele se junta
a mim e Iyrelle no jantar, nos regalando com histórias de seu dia que Iyrelle
rapidamente julga chatas, o que, por sua vez, o faz rir de acordo.

Um punhado de vezes, ele me pegou por alguns segundos doces quando
Iyrelle está ocupada com alguma coisa. Cada vez, ele simplesmente pergunta
como estou me sentindo ou se meus hematomas estão melhorando. Nem uma
vez mencionou o que ocorreu dois dias antes. E, nem uma vez, nossas mãos ou
corpos foram tocados. É como se uma barreira invisível tivesse crescido entre
nós.
— Eu serei o atacante! Eiiiiii… estou indo atrás de você! — Iyrelle solta
um grito de guerra. Belin a persegue, o barulho ao mesmo tempo ensurdecedor
e delicioso.
Eu afundo de volta no tapete, mais uma vez. Corro meus dedos pelas
fibras macias e delicadas. O luxo por aqui nunca deixa de me surpreender,
mesmo com tudo o que está chacoalhando em minha mente.
Naqueles fugazes momentos roubados, desejo, de todo o meu coração,
poder rasgar o véu que nos separa. Anseio dizer-lhe o que realmente sinto por
ele. Não posso mais esconder isso, não de mim mesma. Meus sentimentos por
ele estão crescendo. A cada olhar, a cada palavra e a cada toque, me sinto cada
vez mais conectada a ele.
Nunca me senti assim por ninguém. Especialmente nunca em Kiphia.
Nem mesmo por alguém na Terra. Quando ele entra em uma sala, todo o meu
ser está em alerta, focada para interpretar cada contração muscular e sorriso
perdido. Claro, já tive minhas paixões antes, mas nunca uma tão cativante…
ou confusa. É como se nossa conexão fosse construída por outra coisa que não
nós. Alguma força, ou alguma mão orientadora, nos uniu e somos impotentes
para detê-la.

Como e o que acontecerá a seguir é uma incógnita. Aqui está a parte
irritante: pode acontecer alguma coisa entre nós? Não sou tão tola a ponto de
acreditar que um príncipe kiphian acharia fácil, ou aceitável, entrar em
qualquer tipo de união (ainda que fugaz) com uma babá humana.
— Agora é sua vez! Você me ataca! — Iyrelle passa por mim, sua espada
girando acima de sua cabeça como o cutelo de um pirata. Belin faz sua própria
tentativa de um grito de guerra que sai mais como um gemido de um gatinho,
e a persegue. Eles riem juntos e rolam pela sala como filhotes de urso.
Abrindo um olho para verificar se ninguém se machucou, volto, mais
uma vez, aos meus pensamentos.
Elvion e eu estamos conectados. Isso é certo. Mas me falta o poder de
exigir qualquer coisa dele, ou esperar algo em troca.
Há tantas variáveis desconhecidas aqui. Eles começam a girar e cair em
uma confusão vertiginosa. Minha cabeça começa a doer. A sala de repente
parece muito quente, o tapete nas minhas costas, muito enjoativo.
Eu gostaria de ter algumas respostas! Ou alguma clareza! Ou….
Você só tem certeza de uma coisa.
Estamos conectados. Apesar da lógica, razão ou circunstância. Isso é tudo
o que posso dizer com certeza. E essa conexão não é nada além de
problemática.
Mal deixo esse pensamento despencar no meu estômago, Elvion aparece
na porta.
Eu me levanto rapidamente, não apenas para restaurar a aparência de
estar fazendo o trabalho que deveria estar fazendo, mas também porque sua

presença envia um choque edificante através de mim. Todo neurônio quer
estar acordado em sua presença.
Eu não quero perder nada.

CAPÍTULO
VINTE E NOVE
ELVION
Entro nos aposentos de Iyrelle e sinto minha espinha endurecer. Eu
estava solto, antecipando algum tempo com duas pessoas com quem poderia
ser eu mesmo, não o príncipe Elvion. Em vez disso, estou surpreso ao descobrir
que há um garoto estranho brincando com minha irmã.
Ah, não completamente estranho. Estreito meus olhos quando reconheço
o criado que estava rondando Iyrelle e Erisa no Jardim Superior.
— O que está acontecendo aqui? — Exijo. — Rapaz, eu não lhe disse para
deixar a princesa e sua serva em paz? E Erisa, acredito ter sido claro ao
expressar meus desejos de que minha irmã só se associe com os de sua posição!
Erisa havia se levantado quando entrei no quarto. Ela fica perto de mim
e das crianças. Para minha fúria, ela põe a mão no ombro do criado.
— Belin nos visitou apenas a convite de Iyrelle, — diz ela, como se tudo
fosse muito razoável.
— Iyrelle escolheu mal seus amigos antes. — Cruzo os braços de forma
proibitiva. — Rapaz, saia. Agora.
— NÃO! — Iyrelle grita a palavra como se ela mesma fosse uma raxiit.
— Belin é meu amigo e eu não QUERO que ele vá!
A criança joga o brinquedo que estava segurando no chão. Ele atinge o
tapete grosso com um baque abafado. Eu o encaro, percebendo, para meu

espanto, que é uma espada de madeira. Onde ela conseguiu uma coisa dessas?
Certamente nunca encomendei um brinquedo assim para ela.
— Elvion, por favor, — implora Erisa. — Estou sempre lá para
supervisionar os dois. Eles não estão se metendo em problemas, ou mesmo
tentando.
Meus olhos se movem para ela. Pela primeira vez, eles não permanecem
em seu lindo rosto. Em vez disso, meu olhar cai para o criado, que está atrás
das saias cheias de Erisa, parecendo assustado.
Ele também tem uma espada de madeira na mão.
De repente, minha mente monta o quebra-cabeça. Uma imagem daquela
faca ridícula que Iyrelle tinha quando ela tentou lutar contra a raxiit voa pela
minha cabeça. Iyrelle gritando que não queria aulas de música, queria ser uma
guerreira.
— VOCÊ. — Eu me aproximo do criado, absolutamente irritado. — É
você que está encorajando minha irmã a lutar contra feras gigantes? Você é
quem está dando a ela ideias sobre rejeitar o futuro que sua família escolheu
para ela?
— Elvion, ele só tem oito anos, — objeta Erisa. — Ele não está
encorajando Iyrelle a fazer nada. Belin compartilha…
— Não quero ouvir isso! — Berro, olhando feio para Erisa. Ela dá um
passo para trás, seu rosto perdendo a cor. Sinto um momento de culpa, mas
ignoro. Isso é muito sério. Iyrelle sobreviveu ao encontro com o raxiit, mas
quem sabe em que situação perigosa ela se colocará a seguir?
— Ser guerreira é ideia MINHA, — retruca Iyrelle. — Ninguém pode me
dizer o que fazer!

— Está claro que esse criado está colocando ideias na sua cabeça — digo
à minha irmã com os dentes cerrados. Então, me concentro em Erisa. — Você
não deveria ter permitido que Iyrelle se envolvesse em passatempos tão
inseguros com um pedaço da ralé!
— Belin não é ralé — diz Erisa com firmeza, e pega a mão do menino. —
Ele é um bom garoto e um bom amigo de Iyrelle.
Iyrelle corre para o outro lado do menino e pega sua mão livre. Agora, o
servo está de pé entre as duas mulheres, com a cabeça baixa. Iyrelle e Erisa, por
outro lado, erguem o queixo e me encaram desafiadoramente.
Esse pequeno quadro vivo faz isso. O menino deve ser um mestre
manipulador, e não vou tolerar nenhuma bobagem nem um minuto a mais.
Eu caminho em direção a eles e agarro o braço de Belin, puxando-o para
longe deles. Erisa solta o aperto, mas Iyrelle segura, gritando comigo.
— Rapaz, se você sabe o que é bom para você, vai sair. — Resisto ao
impulso de sacudir o servo que obviamente estava usando minha irmã para
seu próprio divertimento. — Você não é mais um servo do palácio, entende?
Nunca mostre seu rosto aqui novamente.
— S...sim, vossa Alteza, — gagueja o menino.
Iyrelle solta a mão dele para poder se jogar em mim. Soluçando, ela bate
em mim com seus pequenos punhos.
— Não, não, não, não, não, — ela lamenta. Seus golpes são fortes, para
uma criança de sete anos, mas não têm efeito sobre mim.
— Belin é órfão, — grita Erisa, correndo em nossa direção. — Ele não tem
para onde ir, se você o banir. O palácio é sua única casa!

— Então ele deveria ter pensado nisso antes de entrar na vida da
princesa, — eu grito. — E você! — Volto minha raiva para Erisa. — Como ousa
defendê-lo? Como você pôde deixar isso acontecer?
— Eu disse que Iyrelle precisava de amigos, — responde Erisa com
firmeza, mas ela está tremendo.
— Mas, não este, — eu grunho. — Você tolamente encorajou uma
amizade que corrompeu minha irmã real. Isso a colocou em perigo. Estaremos
discutindo isso, marque minhas palavras.
Mais uma vez ignorando o choque de maldade que sinto quando a mão
de Erisa voa para sua boca, me viro, o servo ainda em minhas mãos. Eu arrasto
o menino para a porta do quarto e para o corredor. Há um guarda lá, andando
pelo corredor em seu turno.
— Você, — eu grito. — Tire esse incômodo do palácio, imediatamente!
Iyrelle grita. Quando o guarda começa a marchar com o servo para longe,
ela tenta se atirar atrás deles. Eu a pego facilmente, levando seu corpo lutador
de volta para seu quarto.
— Chega! — A palavra sai em um exalo, enquanto Iyrelle dá um chute
bem cronometrado no meu estômago. Não dói, mas me faz bufar. A criança é
forte, o que eu admiraria, se não fossem as atividades ilícitas que a levaram até
lá.
— Meu dever como seu irmão é protegê-la, — digo à menina chorando
enquanto a coloco no chão. — Você pode me odiar por isso, mas só estou
fazendo o que tenho que fazer, por você. — Incapaz de olhar para Erisa, eu me
viro e saio.

O som do choro me segue por todo o caminho de volta aos meus
aposentos.

CAPÍTULO TRINTA
ERISA
Sento-me do lado de fora do quarto de Iyrelle, sentindo-se miserável. Já
passou da hora de me retirar para meus aposentos adjacentes, mas não quero
ficar muito longe, caso Iyrelle comece a chorar de novo.
Ela está chorando o dia todo, tanto que ela mal consegue ver mais, seus
olhos estão tão inchados.
Espero que ela finalmente chore até dormir. Não ouço o som de soluços
há vários minutos, o que parece um bom sinal.
Eu mordo meu lábio. Agora que posso começar a deixar de lado um
pouco do meu foco em Iyrelle, os eventos da tarde começam a se repetir na
minha cabeça. Gostaria que não.
Esse lado de Elvion... nunca o vi assim antes. Ele estava tão zangado e
tão inflexível. Pior, parecia que nem conseguia ver a situação claramente.
Quando Belin estava encolhido diante dele, como ele poderia pensar que o
menino era um perigo para Iyrelle? No mínimo, Iyrelle era quem conduzia
Belin pelo nariz.
Não, Elvion viu o encrenqueiro que esperava ver, graças ao passado de
Iyrelle. Seu desgosto por aquelas crianças nobres desagradáveis de Talarial
provavelmente não foi mal colocado. Pela minha experiência como tutora de
fidalgos kiphians ricos, eu podia vê-los gostando de colocar uma princesa em
apuros.

Belin, no entanto, não é nada como esses meninos. Me incomoda,
profundamente, que Elvion não pudesse ver a realidade do menino de oito
anos tremendo como uma folha na frente dele. Quero falar com ele sobre isso,
mas tenho medo.
Tenho medo de falar com Elvion. Quando a ideia disso se tornou tão
estranha para mim? Ele é um príncipe e meu patrão, algum nervosismo em
falar com ele seria natural, em teoria. No entanto, em algum lugar ao longo do
caminho, ele parou de ser intimidador. Ele não era o Príncipe de Verus, era
simplesmente Elvion.
Meu amigo e... algo mais.
Eu balanço minha cabeça, tentando desalojar esses pensamentos. Meu
relacionamento com Elvion não importa agora. Preciso pensar em Iyrelle e no
pobre Belin.
Estou tão preocupada com o menino. Ele teve tempo de arrumar suas
coisas? Elvion pensou em dar-lhe algum dinheiro, ou ele está apenas sem um
tostão, vagando pelas ruas? Acho que Elvion nem me notou dizendo que Belin
é órfão.
Aquele homem não sabe as consequências do que fez. Tenho que falar
com ele, mais cedo ou mais tarde, pelo bem de Belin. Meu coração dói ao
pensar naquele doce garoto sozinho no escuro. Mas ele é engenhoso, vai
descobrir e, amanhã, farei tudo o que puder para ajudá-lo.
Eu me levanto, decidida sobre meu curso de ação no momento em que o
sol nasce. Se vou estar no meu melhor, preciso dormir um pouco. Vou dar uma
olhada em Iyrelle para ter certeza de que ela está dormindo em segurança, e
depois vou para minha própria cama.

Abro a porta silenciosamente e vejo um amontoado imóvel na cama, o
que parece promissor. Aproximando-me na ponta dos pés, procuro a
respiração profunda do sono, mas não ouço nada. Confusa, eu me inclino sobre
a cama e percebo… Iyrelle se foi.
Eu puxo as cobertas e encontro um maço de roupas em uma pilha
embaixo delas. Acrobacia infantil clássica. Seria quase engraçado, se o alarme
não ecoasse em minhas veias.
Olhando em volta, vejo que a porta da criadagem está entreaberta. É uma
pequena entrada indescritível atrás de uma cortina, para que os criados
possam entrar e limpar o quarto de Iyrelle sem perturbar os outros quartos.
Belin deve ter mostrado para a garota.
Belin.
Eu gemo. É tão óbvio que não posso acreditar que levei um minuto
sequer para perceber o que está acontecendo. Iyrelle deve ter ido atrás de Belin.
Ela escapou enquanto estive sentada a poucos metros de distância, e agora
quem sabe onde ela poderia estar.
Eu me viro e começo a sair do quarto de Iyrelle. Tenho que ir para Elvion,
ele conhece este palácio como a palma da sua mão e...
Eu paro, sentindo-me enjoada. Ir para Elvion significa confirmar seus
medos sobre Belin. Se ele souber que Iyrelle fugiu atrás do amigo, culpará a
influência do garoto, se esta tarde for alguma indicação.
O que realmente me dá uma pausa é não pensar nos sentimentos de
Elvion, no entanto. É pensar nos de Iyrelle. As poucas vezes em que pude
entender seus lamentos esta tarde, era sobre Elvion sendo cruel. Ela o acusou

de apenas fingir ser legal, recentemente, quando realmente não se importava
com ela.
Ela se sente traída por seu irmão, isso é óbvio. Se correr para ele, agora,
e lhe disser que ela está desaparecida, ela também se sentirá traída por mim.
Até certo ponto, ela já se sente traída por mim, acho.
Com esse jeito de criança, ela acha que eu deveria ter feito mais para
salvar Belin.
Talvez ela esteja certa.
Endireito meus ombros. Talvez eu não tenha lutado o suficiente por
Belin, esta tarde. Agora é minha chance de acertar. Iyrelle não pode ter ido
muito longe, o som do choro só parou dez ou quinze minutos atrás.
Vou atrás dela. Assim que encontrá-la, vamos descobrir como encontrar
Belin. Eu deveria ter sido mais forte e mais insistente esta tarde. Fiquei tão
surpresa com o comportamento de Elvion que vacilei e custei a casa de Belin.
Agora é minha chance de acertar.
Vou para o quarto principal das crianças para pegar minha longa capa.
Ela geralmente me faz rir, esses alienígenas ainda não descobriram roupas
melhores do que capas? Esta noite, sou grata por isso. As dobras escuras me
manterão escondida, o que, para uma fêmea humana sozinha em Verus, só
pode ser uma coisa boa.
Envolvendo o manto ao meu redor, entro pela porta da criadagem. Uma
passagem estreita ao longo da borda da árvore acena. Está escuro e sombrio,
mas não hesito. Fechando a porta atrás de mim, corro para a noite.

CAPÍTULO
TRINTA E UM
ELVION
— Sentindo-se bem esta manhã, Milorde? — Varens me pergunta, de pé
dentro de meus aposentos. Ele consegue ficar fora dos raios de luz que filtram
pela janela. É notável, sua capacidade de mostrar perfeita deferência, até
mesmo ao sol.
— Sim, sim, — resmungo. Estou lutando com minhas abotoaduras, que
parecem não querer prender direito. Meu criado se move para ajudar, mas,
com um olhar maligno meu, ele recua. — Por que, Varens? Não pareço bem?
— Mais que bem, Milorde. — A falta de sarcasmo em sua voz é indicativa
de quão sarcástico ele está sendo. Lanço lhe um olhar de soslaio. Seu rosto, é
claro, não trai nada.
Meu rosto, por outro lado, junto com minha voz e meu comportamento,
traem tudo. Claro que não estou bem. Tudo o que fiz por doze horas foi repetir
minha explosão em Erisa uma e outra vez.
Esperava que uma boa noite de sono aliviasse minha consciência. No
entanto, acordei esta manhã me sentindo tão mal, ou possivelmente pior, sobre
as coisas que disse e fiz na noite passada.
— Aqui. — Eu finalmente desisto das abotoaduras e estico meus pulsos.
O criado faz um trabalho rápido e eu estou ostensivamente pronto para o meu
dia. Eu me observo no espelho. Meu reflexo é na íntegra o príncipe real. No
entanto, o que vejo é a íntegra do idiota real que perdeu a paciência.

— Milorde vai tomar café da manhã aqui nos aposentos ou no escritório?
— Pergunta Varens.
Hesito apenas um momento. Espero que Erisa venha até mim e peça
desculpas por influenciar minha irmã como ela fez? Ela estava errada, afinal.
Ou tento aliviar minha culpa falando com ela e oferecendo algum tipo de
pedido de desculpas, eu mesmo?
Não é uma decisão fácil de tomar. Mesmo que quisesse ser teimoso, seria
inútil cumprir meus deveres, dada a atual fixação da minha mente.
— Vou tomar café com minha irmã e a serva, — digo a Varens.
— Muito bem, senhor. O cozinheiro já preparou três pratos para serem
entregues lá agora mesmo. — Lanço outro olhar para Varens.
— Não fique muito bom em seu trabalho, Varens. Talvez eu tenha que
promovê-lo ao palácio do rei.
— Sim, senhor. Farei o meu melhor para “soltar a bola” de vez em
quando, como dizem os humanos, senhor.
Agora incapaz de reprimir meu sorrisinho, passo por Varens e sigo para
os aposentos de Iyrelle. Enquanto ando pelos longos corredores, tento pensar
em um discurso para dizer. Algo que pode ser tanto um pedido de desculpas
quanto uma justificativa adicional para minha explosão. Afinal, Erisa estava
errada.
Por outro lado, talvez minha família e eu tenhamos empurrado Iyrelle na
direção errada. Se posso ter sentimentos por uma mulher humana, então por
que Iyrelle não pode mudar seu futuro?
Ter sentimentos por uma mulher humana. Ouça a si mesmo, Elvion.

Girando e girando vão meus pensamentos. Estou tão sem noção sobre o
que pretendo dizer a elas quando chego aos aposentos quanto estava quando
comecei a caminhada.
Como se vê, nenhum discurso de minha parte será necessário.
— Onde elas estão? — Eu pergunto, entrando no quarto vazio. Iyrelle e
Erisa não estão à vista. Um criado está estupidamente no meio do quarto. Ele
está segurando uma bandeja cheia de pratos cobertos e jarras de suco. Ele me
encara, piscando.
— Elas... não estão aqui, — diz ele, confuso.
— Posso muito bem ver que elas não estão aqui. Onde estão?
— Eu não… não sei.
— Encontre-as, — eu ordeno. O criado tenta sair apressado enquanto
equilibra a bandeja carregada. — Deixe a maldita bandeja.
Ele a coloca na superfície mais próxima e sai apressado do quarto. Eu
inspeciono o quarto em busca de alguma pista sobre para onde elas foram.
Espero impacientemente por notícias de seu paradeiro, mas meu instinto me
diz que Erisa e Iyrelle não serão encontradas no palácio.
— Milorde! — Chama meu comunicador pessoal.
— Você as encontrou?
— N...não, Milorde. Elas não estão no palácio.
Corto o link. Droga. Isto é minha culpa. Eu as expulsei daqui.
Lide com sua idiotice mais tarde. Corro para fora do quarto e corro para
os portões da frente do palácio. Meus guardas ficam em sentido.
— Você as viu? Minha irmã e sua serva, você as viu?

— Não, Milorde, — o capitão da guarda responde rapidamente. Ele
obviamente sabia que eu viria questioná-los.
— Elas não estão na propriedade. Como saíram?
— Crianças e humanos são sorrateiros, meu senhor, — o capitão zomba.
Com uma fúria repentina, eu o agarro pela frente do uniforme e o levanto
uns centímetros no ar. Seu medo é palpável. Com a mesma rapidez, eu o coloco
em seus pés novamente e corro de volta para o palácio.
Isso não é culpa dele. Nem poderia saber dos meus sentimentos pouco
ortodoxos por Erisa.
Uma vez dentro do palácio, vou para os meus aposentos, chamando
qualquer um por perto pelo meu criado.
Já estou meio despido de minhas roupas quando o encontro em meus
aposentos.
Encontre-as, eu penso. Uma criança e uma mulher humana não estão
seguras sozinhas em Verus.
Claro, Varens também está lá.
— Milorde está saindo para a cidade? — Ele pergunta, como se não
soubesse.
— Sim.
— Milorde vai querer ser irreconhecível?
— Sim.
Varens gesticula para meu criado, que dá um passo à frente com uma
pilha de roupas de plebeu para eu vestir. Desta vez, meu olhar para Varens é
cheio de agradecimentos.

— Eu me certifiquei de que pelo menos um item fosse do tamanho
errado, Milorde. Para que você não tema que eu seja perfeito demais.
Momentos depois, estou vestido como um Kiphian comum do meu
reino. Por fim, pego uma capa e jogo o capuz enquanto saio do terreno do meu
palácio e entro na cidade de Verus.

CAPÍTULO
TRINTA E DOIS
ERISA
Estou nadando em um lago sereno, cercado por árvores verdejantes e
flores. Estou nadando há algum tempo e sinto meus braços e pernas
começarem a cansar. A água, antes quente e convidativa, de repente se tornou
pesada e opressiva. Infiltra-se nos meus pulmões, penetra nas minhas vias
respiratórias. Ela está me sufocando, me invadindo, me dominando...
— Ah! — Acordo e saio do pesadelo. Uma inalação lança ar gelado no
fundo da minha garganta. O frio não fica isolado ali. Meu corpo inteiro está
congelando. Estou deitada em algum tipo de chão de pedra, o cascalho
cravando nas minhas costas. Não há luz e o ar cheira à umidade e mofo.
Há quanto tempo estou deitada aqui? Onde é “aqui” exatamente? Como
cheguei aqui? Segurando minha cabeça em minhas mãos, meus neurônios
relatam que, além de estar com frio, tenho um galo de tamanho saudável na
parte de trás da minha cabeça.
Que…?
Ignorando a dor ali, eu reproduzo as últimas horas de que me lembro.
Lembro-me de ter saído furtivamente do palácio, de como era fácil passar pelos
guardas. Eles nem pareciam me ver. Lembro-me de me maravilhar com as
passarelas e pontes tranquilas de Verus, tão diferentes da agitação das horas

do dia. Lembro-me de escanear freneticamente a área em busca de qualquer
sinal de Iyrelle…
Então, isso me atinge… quase tão forte quanto o que me deu o calombo.
Lembro-me de um homem, um Kiphian, correndo por uma ponte à minha
frente, uma Iyrelle lutando firmemente presa debaixo do braço. Lembro-me
vividamente de Iyrelle brigando. Corri para detê-lo, gritei...
Agora, estou deitada aqui. Fria, ferida e incapaz de ver.
Uma parte esmagadoramente grande de mim deseja afundar de volta na
água dos meus sonhos, mais uma vez, mas não posso deixar isso acontecer.
Tenho que descobrir onde estou. Mais importante, onde está Iyrelle e ela está
bem?
Lenta e deliberadamente, eu tiro meu corpo dolorido do chão e fico nas
minhas mãos e joelhos. A partir daí, fico de pé, esticando as mãos, procurando
por qualquer ponto de referência, qualquer coisa que possa me dizer onde
estou.
As paredes fazem contato com meus dedos. Pelo que posso dizer, estou
em uma cela muito pequena. Paredes úmidas combinam com o chão úmido,
flocos de pedra arenosa se soltando em minhas mãos. Uma pequena porta de
madeira surrada é a única saída. Está trancada. Traçando minhas mãos para
baixo, encontro a parte inferior da porta e coloco meu olho perto dela. Uma
lasca de luz aparece, o que suponho, é o final de um corredor estreito.
Tentando acalmar as respirações irregulares de pânico que ameaçam
explodir dentro de mim, percebo o resmungo baixo de vozes vindo da direção
da luz. Eu troco meu olho pelo meu ouvido, para que possa captar melhor as
palavras.

—... estou lhe dizendo, já temos o suficiente, — diz uma rouquidão nasal.
— Tem certeza de que não podemos colocar pelo menos mais alguns?
São escolhas tão fáceis, — responde outra voz, esta mais um barítono.
— Não sejamos gananciosos. Capturar aquela garota ontem à noite foi
arriscado. Fomos vistos, como você se lembra — retruca a voz áspera.
— Sim, e veja como ficou bom! — Um emaranhado de risadas ressoa em
minha direção. Pelo que posso discernir, há pelo menos quatro ou cinco vozes.
— Atenha-se ao assunto. Os navios escravagistas estão prontos. Vamos
colocá-los a bordo. Quanto mais os mantemos aqui, mais riscos corremos.
Chega de debate, — diz outro, a voz rouca e distante… sem dúvida como seu
coração.
O pânico dentro de mim ameaça brotar novamente. Engolindo em seco,
eu o empurro para baixo. Eu preciso ouvir o que vem a seguir.
— Por mim, tudo bem. Quanto mais cedo nos livrarmos dos pirralhos,
melhor. Não aguento o choro deles. E a que pegamos ontem à noite não fez
nada além de morder e bater, desde então. Boa sorte para quem comprar essa,
— um rosnado agudo desta vez.
Uma onda momentânea de orgulho atravessa meu pânico e medo. Só sei
que estão descrevendo Iyrelle. Então, pelo menos ela estava bem a partir de
algumas horas atrás. Envio um desejo silencioso que continua sendo o caso.
— E a fêmea humana intrometida? — Essa voz também é nova, um som
enjoativo e oleoso.
— Ah, ela fica para trás. Com a gente, — diz a grossa.
— Claro que sim, — concorda a voz de barítono.

— Nós podemos ter nossa própria diversão com essa. Você deu uma
olhada nela? Ela não é ruim de se olhar, para uma humana! Finalmente… uma
vantagem do trabalho! — O riso ressoa novamente, malicioso e repugnante.
Não quero ouvir mais, não quero ouvir mais...
— Além disso, os humanos existem aos montes dúzia no mercado de
escravos. Não vamos conseguir muito por ela. Mesmo uma tão bonita não
valerá os custos de transporte, — voz gutural medita.
— Sim, ela vale mais a pena ao ficar conosco. Podemos encontrar todos
os tipos de maneiras de torná-la útil, — diz a voz estridente, alegremente. Em
minha mente, posso imaginar todos os gestos que ele está fazendo agora para
impressionar seus amigos repulsivos.
O riso mais uma vez ricocheteia em minha direção, mas posso ouvir o
pequeno encontro deles começar a terminar, cada um saindo para atender a
alguma tarefa igualmente horrível.
Mercadores de escravos? Em Verus? Por que eles têm como alvo as
crianças?
E o que eu faço, agora?
Fechando meus olhos, mesmo contra a escuridão que me cerca, meu
peito entra em queda livre momentânea. Estou presa aqui em uma cela sem
janelas, sem ar e sem meios de fuga.
Iyrelle está perto, mas inalcançável, sem dúvida cheia de raiva e medo.
E, ela está prestes a ser enviada para Deus sabe onde para uma vida de miséria
e servidão.
Ondas de pânico e raiva lancinante batem contra minhas entranhas. Eu
me rendo a isso, por apenas um momento. Tenho que fazer isso, só para manter

minha sanidade. Lágrimas quentes caem em cascata pelo meu rosto enquanto
um soluço me escapa.
Iyrelle e eu somos prisioneiras. Ninguém sabe que estamos aqui.

CAPÍTULO
TRINTA E TRÊS
ELVION
Rouco e frenético, paro mais um Kiphian cuidando de suas tarefas diárias
para fazer a pergunta que agora se tornou rotineira e irregular na minha
garganta.
— Você viu uma pequena garota Kiphian, possivelmente acompanhada
por uma serva humana? Longo cabelo castanho-esmeralda, pele rosada?
Eu não tenho certeza se é o desespero em meus olhos ou voz que me faz
ganhar a brusca resposta negativa. O Kiphian segue em frente, feliz por se
livrar de mim.
Vasculhei as passarelas e pontes de Verus, perguntando a todos e a
qualquer um. Ninguém me deu um bocado de informação. A cada “não”, uma
pedra de desespero é adicionada à pilha que se acumula em minhas entranhas.
Como é possível perder minha irmã e minha companheira de uma só
vez?
Não vá por esse caminho ainda.
A voz séria na minha cabeça é a única coisa que me impede de me
dissolver em uma poça de desespero. Mas parece que Erisa e Iyrelle
simplesmente... desapareceram.

Um flash de memória terrível corre através de mim, conectando peças
colidindo no espaço. As crianças desaparecidas em Verus. O relatório da
polícia. Poderia tudo estar conectado?
O medo toma conta de mim, ameaçando causar um curto-circuito em
meus sentidos. Eu não vou deixar.
Tirando meu painel de comunicação, pego os relatórios da polícia. Ao
inserir uma consulta para mapear todos os locais de abduções, uma teia de
pontos aparece. Um pedaço de esperança. Os pontos se reúnem em um padrão
distinto, um raio irregular ao redor do bairro de Glymphus, uma seção
bastante irregular de Verus que poderia precisar de alguma atenção séria.
Poderia ser onde elas foram parar? Vale a pena tentar, já que esgotei
meus planos imediatos. Não desejo envolver a polícia neste momento, por
razões que são obscuras até para mim. Não quero arriscar a vida de Iyrelle se
os sequestradores souberem que estão sendo seguidos. Além disso, não posso
colocar minha mãe em sofrimento indevido, se a notícia chegar a ela de que
sua filha mais nova desapareceu… sob minha vigilância.
Agachando-me em minha capa, corro rapidamente pelas pontes e
passarelas até Glymphus. A folhagem e a qualidade das passarelas começam a
decair à medida que chego lá, outro sinal de que o bairro é considerado uma
parte menos desejável da cidade.
Logo, estou no centro, uma pequena e desolada praça formada a partir
do cruzamento de duas árvores irregulares. Passarelas se ramificam do centro,
repletas de casebres e negócios de ofícios duvidosos.

Não vou empregar meu mesmo método aqui. Os cidadãos de Glymphus
não parecem do tipo que alguém se aproxima perguntando sobre pessoas
desaparecidas. Além disso, quero me misturar aqui, não me tornar um alvo.
Examinando a praça, noto um nó emaranhado em uma das árvores. Fica
na sombra e é um pouco obscurecido por algumas trepadeiras suspensas. Um
local perfeito para assistir e esperar.
Aninhado entre as videiras, recolho meu manto com capuz ao meu redor
e volto minha atenção para os acontecimentos ao redor. Na maior parte, o dia
é mundano. Mercadores e artesãos atravessam a praça, as ferramentas de seu
comércio penduradas em seus ombros ou cintos. Alguns pássaros
esfarrapados bicam as passarelas à procura de restos.
A inatividade está me matando. Quero estar fazendo alguma coisa.
Sentar aqui enquanto Erisa e Iyrelle estão desaparecidas me consome. Elas
estão bem? Estão sofrendo? Elas estão mesmo juntas?
As perguntas me bicam como os pássaros na praça. Mentalmente, afasto
cada uma delas, tentando como um louco justificar meu curso de ação. Os
raptos giram em torno deste bairro. Alguém aqui é responsável. Se (e é um “se”
muito grande) eles ainda estiverem aqui, logo cruzarão esta praça.
É tudo o que tenho para continuar, por mais frágil que pareça. Eu me
agarro a isso, desesperado por qualquer coisa que possa manter como um
plano.
As horas passam, sua lentidão dolorosa como tortura na água. De vez em
quando, fico de pé, para permitir que o sangue circule pelos meus membros,
mas sempre quando a praça está vazia. Não quero que ninguém saiba que
estou aqui.

Assim que me acomodo de volta ao meu esconderijo pela terceira vez,
vislumbro uma figura escorrendo pela praça. “Escorrer” é a única palavra para
descrever os movimentos deste Kiphian. Ele não anda, anda a passos largos ou
anda de um lado para o outro. Ele chama minha atenção imediatamente.
Não acredito muito em auras, ou no campo invisível ao redor de uma
pessoa que emite energia para os outros. Acho que percebemos o que
queremos ver (ou não) nas pessoas. Mas, não há como confundir a aura que
cerca este homem. Sua aura é maligna, morta de apatia e crueldade.
Siga-o.
Não questiono essa voz interior, nem tento protestar. Quando ele passa
além da minha vista, saio silenciosamente das sombras e o sigo à distância.
Furtivamente, ele olha em volta, mas, milagrosamente, não me vê.
Escorrendo adiante, eu o vejo virar em um beco escuro obscurecido por
vegetação antiga e trepadeiras irregulares. Eu não tinha notado antes. Mais
uma vez, a voz na minha cabeça confirma minhas suspeitas de que posso estar
no caminho certo.
Mantendo-me fora de vista, eu o vejo percorrer o beco até chegar a um
banco de videiras. Empurrando-os para trás, ele levanta uma pesada fechadura
de barra de ferro e abre uma pequena porta. Um transeunte nunca veria esta
porta, está tão profundamente escondida.
Agora, chame a polícia.
A voz estava certa, até agora. Quem sou eu para questionar?
Depois que ele desaparece, mando uma mensagem rápida para o
Delegado de Polícia Cade solicitando ajuda imediatamente. Eu envio as
coordenadas do local da melhor forma que posso, dada a localização obscura.

Uma vez enviado, considero, eu não posso esperar por eles. Há muito em
jogo. Devo saber o que está além daquela porta. Ou quem.
Parando por mais um minuto agonizante, me aproximo da porta.
Empurrando as vinhas, agarro a barra de ferro e levanto, puxando a porta para
mim. Apesar de pesada, a porta obedece.
A luz se derrama em uma sala suja e fedorenta. Minha sombra aparece
diante de mim, tornando-me ainda mais alto do que minha altura considerável.
Para meu horror, ela cai sobre vinte pares de olhos, raiados de sujeira e
lágrimas.
Vinte pares de olhos, ligados a vinte crianças, tanto Kiphian quanto
humanos. De pé perto da frente, espio o criado, amigo de Iyrelle entre eles. De
pé ao lado dele, um olhar de raiva feroz escrito em seu rosto, está minha irmã.
Ela é a única sem lágrimas nos olhos.
Por um momento, fico maravilhado com a visão diante de mim. O
orgulho brota da bravura de minha irmã.
Dando um passo à frente, olho em volta, tentando avaliar a situação.
Essas crianças precisam de ajuda, rápido. Eles se encolhem ante a minha
entrada. Eles não sabem que podem confiar em mim. Não posso culpá-los.
— Não tenham medo. Estou aqui para ajudá-lo. Está tudo acabado
agora…
Eu ouço o som do bastão contra a parte de trás da minha perna antes de
sentir a dor disparar pelo meu corpo. As crianças gritam e se encolhem. Eu me
viro, procurando a fonte do golpe. Uma enxurrada de movimento é tudo o que
consigo distinguir na escuridão turva.
Estou sob ataque.

CAPÍTULO
TRINTA E QUATRO
ERISA
Meus planos para fazer minha fuga são interrompidos por um barulho
que, a princípio, não consigo identificar. Estou meio que feliz pela distração.
Revisar minhas opções de fuga me deprime mais do que inspira. As falhas
óbvias em todas as minhas ideias mostram como estou completamente ferrada.
Me esforço para ouvir o que os ruídos significavam.
O que foi aquilo? Que diabos é aquilo?
Grunhidos. Batidas. Berros. Gritos de dor.
Parece algum tipo de briga.
Como para confirmar minhas suspeitas, ouço disparos de armas. Sim,
definitivamente uma briga. Uma grande pelo som dela. Mas quem? E onde?
E sobre o que?
Meu medo inicial é que algum grupo rival de contrabandistas esteja
atacando. Estou apavorada que Iyrelle, onde quer que esteja, possa ser pega
em algum tipo de fogo cruzado e morta. Ou, o que talvez seja pior, que ela
acabe sendo contrabandeada. Imagens desses traficantes de escravos
conhecidos levando-a para longe para algum local desconhecido começam a
encher minha cabeça. Se isso acontecesse, então, mesmo que eu me libertasse
de alguma forma, não teria ideia de como resgatá-la.

Que babá você seria então. Você poderia bem ser uma maldita serva.
Não. Não posso pensar assim. É possível que algum tipo de distração me
dê a oportunidade de salvar Iyrelle, certo?
Se puder encontrar uma maneira de sair desta maldita cela!
Então, atrevo-me a ter esperança. E se for uma invasão? Polícia Kiphian
ou algo assim. Talvez seja mesmo... Elvion?
Improvável. Depois da maneira como ele partiu para cima de nós,
descobrir que não estávamos no palácio provavelmente lhe deu uma sensação
de alívio.
Esse pensamento sombrio me deprime. Eu balanço minha cabeça para
limpá-la. Para limpar todos esses pensamentos inúteis. Especular não vai me
levar a lugar nenhum.
Corro para a frente da minha cela e me esforço para ver qual é a realidade
dessa situação. Por um tempo, nada acontece na minha linha de visão. Apenas
os sons contínuos da violência.
Sons que agora percebo estão se aproximando. As rajadas de fogo das
armas começam a se tornar altas o suficiente para machucar meus ouvidos. Os
grunhidos e gritos e berros de ordens, ataques e dor estão cada vez mais
próximos.
De repente, uma multidão de traficantes de escravos aparece. Do meio
deles, posso ver punhos e pés voando. A luta é uma espécie de borrão, um
emaranhado de corpos Kiphians, sua luta acentuada por grunhidos, suspiros
e gritos de dor.
Enquanto observo, os traficantes de escravos são eliminados, um por um.
Seus corpos caem da aniquilação do corpo a corpo. Alguns são baleados e caem

no chão para sangrar. Outros caem com o pescoço quebrado. Alguns
simplesmente caem como bonecas de pano, inconscientes, seus rostos
ensanguentados e seus cérebros chacoalhando.
Logo, apenas um deles do bando fica de pé. Eu me concentro nele e penso
que devo estar sonhando.
O guerreiro Kiphian de pele dourada olha ao redor. Finalmente, seus
olhos desesperados me descobrem na minha cela.
— Erisa, — Elvion chama.
— Elvion…! — Eu digo, sem fôlego, incrédula.
Ele corre para a minha cela. Noto um hematoma profundo e escuro se
formando na lateral de seu rosto. Suas roupas, por algum motivo ele está
vestido como um plebeu, estão rasgadas e arrancadas em vários lugares. Há
sangue nelas. Parece que muito pouco é dele.
Eu o ouço xingar. Isso me traz de volta à necessidade mais urgente do
momento: fugir!
— A porta está trancada, — Elvion resmunga.
Ele coloca as mãos grandes em torno das barras da porta da cela. Noto
que seus dedos estão inchados e em carne viva.
Ele deve ter tido algum tipo de luta para chegar aqui e me salvar.
Cada músculo de seu corpo se contrai enquanto ele luta para abrir a porta
da cela. Eu empurro contra ela, imaginando que cada pequena quantidade de
força pode ajudar.
Quando paro para respirar rapidamente, vejo movimento nas sombras
atrás de Elvion. Quero gritar, mas só posso ofegar quando um traficante ataca
Elvion com uma faca.

Elvion sente o atacante tarde demais. Ele começa a girar para longe da
porta da cela, mas tropeça em seus próprios pés. Ele cai de costas e o
comerciante de escravos avança, a faca mergulhando direto para o coração de
Elvion…
Então um sapato vem voando do nada e atinge o comerciante de escravos
bem na cabeça. Parece confundi-lo mais do que machucá-lo. Ele olha para a
fonte do calçado arremessado e imediatamente recebe um segundo sapato bem
em seu rosto.
Percebo que a cavalaria chegou na forma da pequena, mal-humorada…
e agora descalça Iyrelle.
— Pegue-o, tio Elvion, — ela grita.
Não há necessidade. Elvion já está de pé novamente. Com um soco, ele
faz a cabeça do traficante de escravos girar. Elvion arranca a faca de suas mãos
e enfia a lâmina profundamente na barriga do traficante de escravos. O
bastardo sujo mal faz um som ao cair no chão, morto.
— Chaves, — grito, apontando para o cinto do Kiphian morto. Há um
anel deles pendurado lá.
Elvion as arrebata. Leva apenas algumas tentativas antes que ele
encontre a certa. O ferrolho da fechadura da porta da minha cela se solta e
Elvion abre a porta com tanta força que quase se solta das dobradiças de metal.
Eu desabo em seus braços. Ele me embala para ele. Seu peito arfa
enquanto ele arqueja pelo esforço de sua luta. Com minha cabeça pressionada
contra ele, posso ouvir e sentir seu coração batendo contra suas costelas.
Coloco minha mão em seu peito, como se meu toque pudesse restaurá-lo à
calma.

Meu próprio coração bate em resposta à proximidade dele.
Uma das mãos de Elvion desliza ao meu redor. Ele abre o braço para
Iyrelle. Ela corre para frente, pulando em seu braço e ele envolve nós duas em
um grande e duradouro abraço.
TRINTA E CINCO
ELVION
— Príncipe Elvion? Devo continuar?
— Hum. Ah, sim, sim. — Fecho os olhos e abro novamente para me
concentrar melhor em Kyrill, meu Chefe da Guarda da Cidade de Verus. A luta
de ontem deve ter me abalado mais do que eu imaginava. Dr. Yiwick chamou
de concussão leve. Está me forçando a trabalhar um pouco mais para me
concentrar no relatório que Kyrill está me dando em meu escritório.
Faço um gesto com a mão para que ele continue. Ele rapidamente
mascara qualquer sinal de preocupação e prossegue em tom profissional.
— Os esforços de limpeza estão indo bem em toda a cidade, meu senhor.
Começamos com o esconderijo central que você descobriu. Esse ataque nos
forneceu inteligência para grande parte de sua rede dentro de Verus. Haverá,
é claro, prisões adicionais feitas à medida que desvendamos os meandros de
sua operação.
— Você vai me manter informado sobre isso.
— Claro, Milorde.
— E as crianças?
— Todas as crianças que você resgatou no esconderijo central foram
devolvidas às suas famílias.
— Isso é bom.

— Infelizmente, estamos descobrindo que nem todas as crianças
desaparecidas ainda estavam em Verus, Milorde. Há vários que não
conseguimos localizar, receio.
— Já foram vendidos, então?
— Essa é a nossa suposição, Milorde.
— Varens, — eu digo. Olho para o meu braço direito que, como tantas
vezes acontece, está literalmente à minha direita. — Vamos entrar em contato
com o Almirante Real Zenir do Reino do Oceano. Peça que ele se junte a nós
na busca de navios de escravos nos mares.
— Imediatamente, Milorde, — diz Varens.
— Algo mais a relatar? — Eu pergunto a Kyrill.
— Nada neste momento, meu senhor. Já dei a Varens uma lista de meus
homens que merecem comodidades por seus esforços.
— Sim, muito bom.
— Embora, devo dizer, Milorde, — Kyrill começa, com um sorriso no
rosto, — as maiores honras devem ser para aquele que descobriu aqueles
traficantes bystks e sozinho eliminou a maioria deles.
— Encontre essas últimas crianças, capitão Kyrill, — eu digo com um
leve aceno de cabeça em reconhecimento ao seu elogio. — Isso será
reconhecimento suficiente para mim.
Kyrill bate os calcanhares, me faz uma leve reverência e diz “Milorde”,
— então dá meia-volta e sai do meu escritório.
Esfrego os olhos, tentando convencê-los a não querer fechar e me forçar
a dormir. A verdade é que mal dormi desde a minha luta. Apesar do meu

cansaço e do zumbido na minha cabeça, estive muito focado em fazer com que
aqueles traficantes de escravos fossem encaminhados, ao invés de dormir.
Sem falar que, sempre que pensava em me deitar, ficava cheio de
preocupação de que, quando acordasse, fosse descobrir que Erisa e Iyrelle
haviam desaparecido do palácio, novamente.
— Bem, Varens? Qual é o próximo? — Pergunto, piscando os pontos que
minha massagem trouxe à vida na minha visão.
— Nada que não possa esperar, meu senhor, — Varens me diz.
Eu sei que isso não é verdade. Mesmo depois de uma crise como a de
ontem, a necessidade de um príncipe ser visto em questões urgentes nunca
cessa. Mas, sou grato por Varens me dar uma saída.
— Muito bom. Estarei em meus aposentos, então, — eu digo, levantando
da minha mesa.
— Excelente ideia, meu senhor. Já enviei aos seus aposentos um chá
curativo recomendado pelo Dr. Yiwick. Deve estar quente e pronto para você
quando você chegar.
E assim é. Assim que o servo derrama o líquido quente e dourado em
uma xícara para mim, eu o dispenso. Enquanto ele fecha a porta dos meus
aposentos, vislumbro os guardas que ordenei posicionados lá 24 horas.
Afinal, meus aposentos agora contêm joias preciosas.
Iyrelle, o criado e, claro, Erisa.
Quando insisti primeiramente para que ela e as crianças não saíssem de
meus aposentos até que eu tivesse certeza de que tudo estava seguro, presumi
que ela recusaria a ideia. Fizesse algum discurso sobre sua independência

feminina humana. Insistisse que, apesar de resgatá-la dos traficantes de
escravos, ela não era, de fato, minha escrava. Algo teimoso assim.
Para minha surpresa, no entanto, ela não ofereceu resistência à ideia. Na
verdade, pareceu feliz em atender ao meu pedido.
Talvez estejamos chegando a algum lugar.
Eu sopro o chá e tomo um gole. Tem um leve sabor azedo.
Provavelmente as ervas “calmantes” que Yiwick insistiu que tomasse. Apesar
do sabor, envia uma vibração de cura pelo meu corpo. Respiro fundo e relaxo
e entro no meu salão, logo ao lado do quarto no meu conjunto de salas.
Iyrelle e o criado estão jogando um jogo de dados e pulando pelos
ladrilhos do chão.
Erisa está sentada em uma espreguiçadeira, com as pernas dobradas sob
ela, observando-os. Ela parece ter recebido o papel de árbitro. Às vezes, ela
chama uma “falta” ou “continuem” em resposta ao pedido de julgamento das
crianças.
O jogo não faz sentido para mim. O riso e a felicidade na sala, no entanto,
são palpáveis e bem-vindos. Parece mais curativo do que o chá de Yiwick.
Erisa percebe minha presença. Ela sorri calorosamente para mim. Em
seguida, levanta as sobrancelhas e assente na direção das crianças. Ela está
indicando que seu Trabalho Muito Importante neste jogo não pode ser
interrompido. Eu curvo minha cabeça em “sóbrio” reconhecimento.
Isso faz nós dois sorrirmos. Erisa desvia o olhar enquanto Iyrelle pede
julgamento sobre uma série de saltos que o menino deu.
Eu suspiro em minha xícara de chá. Apesar de quase não termos nos
separado desde que a salvei, ela e eu não tivemos um momento privado juntos.

Precisamos muito de um. Tanta coisa não foi dita entre nós. Em olhares,
como o que acabamos de trocar. Em toques persistentes. Em nosso namoro. No
entanto, sei que também há palavras que devem ser ditas.
Termino meu chá e coloco a xícara na mesa. Estas palavras não podem
esperar mais. As crianças terão apenas que pausar o jogo.
Os adultos precisam conversar.

CAPÍTULO
TRINTA E SEIS
ERISA
O sorriso secreto que Elvion e eu acabamos de compartilhar desapareceu,
substituído por uma máscara de séria preocupação. Um flash de preocupação
passa por mim. Eu finalmente abusei? Deveria ter protestado mais sobre ficar
em seus aposentos particulares? Ele finalmente ficou enjoado de todos nós e
deseja que voltemos aos nossos quartos?
Achei que tinha me tornado mais hábil em ler seus humores. Seu rosto
estava sereno enquanto observava Belin e Iyrelle jogarem seu jogo de dados,
cujas regras são tão obscuras que, como árbitra, nem pretendo conhecê-las. Eu
simplesmente decido a favor igualmente para que todos sintam que tiveram
uma chance.
Claramente, estive errada. Elvion parece desconfortável e irritado.
Finalmente chegamos ao fim de sua paciência e bondade.
— Iyrelle? Você se importaria se você continuasse seu jogo lá fora na
varanda? Erisa e eu devemos falar, — Elvion diz friamente, até sua voz
mascarada.
— Mas Erisa é a árbitra... — Iyrelle protesta.
— Tenho certeza que vocês dois são tão bons esportistas, que a essa
altura, podem resolver suas disputas entre vocês dois. Você não acha, Belin?

— Elvion volta os olhos, um tanto gentilmente, para o garotinho, que parece
querer desaparecer.
— S...sim, Milorde, — Belin sussurra, querendo se jogar no chão.
— Bom, está resolvido então. Iyrelle, se não se importa, por favor. — Mais
uma vez, há aquela maneira de pedido-que-não-é-um-pedido que todos os
membros da realeza Kiphian aparentemente têm de fazer as pessoas fazerem
o que querem. É uma habilidade que definitivamente me falta.
Resmungando, Iyrelle marcha para a sacada. Belin corre atrás dela,
lutando para levar o jogo e todas as peças do jogo com ele. Depois de algumas
tentativas desajeitadas, os dois conseguem se acomodar na varanda, com vista
para os jardins. Embora você não saiba pela reação de Iyrelle, ser enviada para
esta sacada em particular não é uma punição por qualquer extensão da
imaginação.
Eu os encaro muito tempo depois que a porta da varanda se fecha. Eu
sinto aquela barreira invisível se erguer entre Elvion e eu novamente. Eu não
suporto enfrentá-lo. Depois do resgate, quando Elvion me abraçou com tanta
força, pensei que nos fundiríamos, pensei que a barreira tinha desaparecido
para sempre.
Aparentemente, estava errada. Ele me responsabiliza pelo
desaparecimento e rapto de Iyrelle. Faz sentido, do ponto de vista dele. O
melhor que posso esperar agora é uma demissão silenciosa e um retorno aos
meus clientes de tutoria. Talvez um último pagamento me dê passagem de
volta à Terra...
Elvion se vira para mim. Eu me preparo para a dura realidade que
certamente cairá agora de seus lábios.

Foi divertido enquanto durou…
Sento-me ereta no sofá, enfiando os pés ainda mais embaixo de mim,
como se, ao me tornar menor, pudesse suportar melhor suas palavras. Se
pudesse fechar meus olhos, eu o faria.
Para minha total surpresa, Elvion cai de joelhos na minha frente. Pela
primeira vez, estou mais alta que ele. É uma sensação estranha.
— Erisa, me desculpe por ter forçado este momento a acontecer, mas não
podia esperar mais, — sua voz está tensa, sua emoção mal sob controle.
O que está acontecendo?
— Nos últimos dias, cometi muitos erros. Proibi Iyrelle de brincar com
Belin, forcei meu estilo de vida à minha irmã e muito mais.
Meu corpo inteiro vibra com suas palavras. O que ele possivelmente está
dizendo?
— Quando percebi que você desapareceu, possivelmente morta, mal
conseguia respirar. Você é meu ar. É meu sangue. Por favor, Erisa, — suas
mãos apertam as minhas, — por favor, me perdoe.
Há aquela eletricidade novamente, ela chia entre nós, vívida e viva. Meu
cérebro nada com suas palavras. Perdoá-lo? Pelo que?
— Eu… não sei por que… — eu começo, mas ele me corta.
— Eu sei. Não há razão para que me perdoe, — ele tenta retirar as mãos,
sua cabeça pendendo de vergonha.
— Não! Não sei por que tenho que te perdoar! — Eu seguro suas mãos
nas minhas, a corrente elétrica entre nós restaurada.
Um olhar de alívio perplexo inunda seu rosto, suavizando os lindos
ângulos de seu rosto.

— Por afastá-la. Por fazer você pensar que não tinha outra escolha a não
ser ir embora, — diz ele, simplesmente.
— Você não me afastou. Estava perseguindo Iyrelle. Eu queria trazê-la
para casa, — eu explico.
O alívio no rosto de Elvion floresce ainda mais em todo o seu corpo. Ele
leva minhas mãos à testa, beijando meus dedos.
— Erisa, você não tem ideia de como isso me deixa feliz. Mas preciso do
seu perdão mais uma vez. — Seus olhos travam nos meus.
— Pelo que?
— Por negar uma verdade fundamental para mim mesmo: você é minha
única e verdadeira companheira.
Meu coração bate tão rápido no meu peito que acho que vai sair
galopando pela minha boca. Eu, de alguma forma, encontro fôlego para falar.
— O que... o que isso significa?
— Em Kiphia, acredita-se que todo mundo tem uma companheira
verdadeira. Muitos ficam insatisfeitos porque o par não se encontra nesta vida.
No entanto, se um Kiphian encontrar sua verdadeira companheira, com um
simples toque, a espinha do macho se aquecerá. É um sinal inconfundível e, sei
agora, não pode ser ignorado.
Não tenho palavras. Seu lindo rosto nada diante de mim enquanto minha
visão é obliterada pelas lágrimas.
Alguns momentos passam. Farei com que minha mente e meu coração
trabalhem juntos, para que eu possa formar uma frase.
— Não, não pode ser ignorado. Eu nunca te deixaria.

— Ame-me, Erisa. Esteja sempre comigo, — sua mão alcança meu rosto,
suas palavras tão gentis quanto seu olhar.
— Sempre, meu príncipe. Sempre vou te amar, — enquanto digo as
palavras, o calor entre nós se intensifica como se nossos votos estivessem
queimados em nossos corações. É uma dor doce, que estou feliz em suportar.
Eu estava certa, a conexão entre nós é real. Podemos chamá-lo de algo
diferente na Terra, mas, ao que parece, não somos tão diferentes uns dos outros
como se poderia pensar…

CAPÍTULO
TRINTA E SETE
ELVION
Meu fôlego fica preso na garganta. Este é o melhor tipo de falta de ar.
Erisa me deu seu amor. Eu não poderia estar mais feliz. Calor sobe e desce pela
minha espinha, um calor delicioso que tenho certeza que Erisa pode sentir
através das minhas mãos. O ar ao nosso redor praticamente brilha com ele.
Ambas as minhas mãos acariciam seu rosto requintado. Ainda de joelhos,
eu me inclino para frente, dando-lhe um beijo que traduz todas as minhas
palavras em ação. Ela é minha única companheira verdadeira e eu vou amá-la
e protegê-la por toda a minha vida. Nenhum obstáculo, tradição ou lei pode
impedir isso.
O beijo é longo e terno, puro e profundo. E... interrompido por
risadinhas? Rompendo o beijo, nós dois viramos a cabeça para a porta da
varanda. Dois rostos olham para nós. Os olhos de Belin estão arregalados. Suas
pequenas mãos cobrem a boca enquanto ele tenta, sem sucesso, abafar o riso.
Iyrelle, por outro lado, não faz esse esforço. Ela praticamente parece
maníaca de alegria, seu corpo inteiro zumbindo com risos e excitação. Se eles
pensam que estão sendo furtivos sobre isso, certamente não estão. Mas é muito
divertido para ignorar.
Olho de volta para Erisa. Ela me dá um aceno brincalhão, um que diz
“vamos continuar esse beijo mais tarde” e faz sinal para as crianças entrarem.
Um pequeno salto de excitação me percorre com sua promessa tácita, mas

minha atenção é rapidamente desviada quando Iyrelle irrompe na sala, todo
barulho e caos feliz. Belin, como sempre, recua, tomando cuidado para manter
distância.
— Nós vimos vocês se beijando! Nós vimos vocês se beijando! — Exclama
Iyrelle.
— Você com certeza viu! — Erisa responde, riso em sua voz.
— Isso significa que você será minha cunhada agora? — A voz de Iyrelle
está repleta de esperança e admiração. Devo dizer que compartilho do
entusiasmo dela. Os olhos de Erisa brilham com a pergunta, mas ela mantém
a boca firmemente fechada. Em vez disso, ela se vira para mim em busca de
afirmação.
— Sim, Iyrelle, vai. Erisa será sua cunhada, — eu confirmo, outra
explosão de alegria emanando através de mim.
— Primeiro minha babá, depois uma Rainha do Jardim Superior e, agora,
minha cunhada! — Iyrelle grita.
Erisa dá uma risada profunda e gutural que balança o cabelo.
— Puxa! Não consigo decidir qual título prefiro!
Iyrelle de repente parece muito solene. Aparentemente, este é um
assunto muito sério para uma garota de sua idade refletir. Embora meus olhos
não consigam esconder minha diversão, travo meu rosto em uma aparência de
gravidade para mostrar meu respeito.
— Mmmmm, isso é complicado. Mas, acho que podemos resolver isso.
Afinal, você não tem muitos títulos, não é, Elvion? — Ela se vira para mim,
totalmente séria.

— Eu tenho, de fato. Muitos títulos. E, no entanto, sou apenas uma
pessoa. E Erisa é uma pessoa muito inteligente. Talvez mais inteligente do que
eu. Acho que ela pode lidar com todos os títulos que você pode conceder.
Isso parece satisfazer minha irmã. Ela assente solenemente mais uma vez
e então, como um interruptor sendo acionado, muda instantaneamente de
volta para a garota saltitante e feroz com a qual estou acostumado.
Jogando os braços em volta de nós dois, ela enterra a cabeça entre nós.
— Estou tão felizzzzz! Ky-pheeee! — Sua voz está abafada enquanto ela
grita sua alegria no espaço entre nossos corpos.
— Ky-phee? Não conheço essa palavra, — eu olho para Erisa, confuso.
Ela conhece as palavras kiphians que eu não conheço?
Erisa ri. — Não se preocupe que não conheça essa. É uma palavra
especial. Só para Iyrelle e para mim.
— Entendo.
— É uma coisa boa. Se ela diz isso, significa que ela está muito feliz. Não
é, Iyrelle?
Iyrelle apenas assente, seu abraço ainda continua. Se há uma coisa que
aprendi sobre minha irmã nisso tudo, é que ela não faz nada pela metade.
Erisa também não mostra sinais de parar o abraço. Estou prestes a
mergulhar de volta e ficar lá, possivelmente o resto do dia, quando vejo Belin
parado a alguns metros de distância, parecendo estranho. Ele está tentando,
valentemente, não olhar para o nosso pequeno nó. Eu o pego, no entanto,
lançando olhares desejosos para nós. Seu senso de posição, no entanto,
continua desviando seu olhar.

Naquele momento, entendo exatamente como esse garotinho se sente. O
impulso e o puxão de precisar e querer amor, ao mesmo tempo em que se
apega ao seu dever e responsabilidades. Quem diria que um príncipe e um
criado órfão poderiam ter tanto em comum?
Eu me afasto de Erisa e Iyrelle que olham preocupadas, seus braços agora
desajeitadamente ainda estendidos.
— Belin? — Minha voz o assusta. Ele olha para cima, com as mãos
cruzadas na frente dele.
— Belin. Você não tem família própria, está correto? — Mantenho minha
voz baixa e gentil.
— Sim, Milorde. Nenhum que conheça, meu Senhor. — Seus olhos estão
fixos no chão.
— Então venha. Iyrelle já deixou bem claro que você é família para ela. E
isso significa que você é uma família para mim. Tenho certeza de que Erisa não
terá objeções.
Erisa estende os braços para Belin. — Nenhuma mesmo.
Ele hesita, como se esperasse a pegadinha. Meu coração se parte um
pouco. Depois de todas as decepções e tragédias que esse menino enfrentou,
ele tem medo de enfrentar a boa sorte quando ela aparecer aos seus pés. Não
posso dizer que o culpo. Eu participei dessas tragédias e pretendo nunca mais
fazê-lo sofrer assim.
— Venha, Belin. Junte-se a nós.
Sua cabeça olha para cima. Seus olhos se enchem de admiração e com
lágrimas.
— Você quer dizer... Milorde?

— Sim. Venha. Junte-se a nós. Você é família, agora. — Meu braço se abre
cada vez mais para admiti-lo.
Com uma ferocidade que ainda não vi nele, ele se lança pela sala e bate
em nós três. Não pensei que pudesse haver tanta força em um corpo tão
pequeno. Aprendi muito nessas últimas semanas.
Nosso quarteto agora completo, ficamos de pé por muitos momentos,
nossos braços em volta um do outro. Uma peça que eu não sabia que estava
faltando se encaixa em algum lugar no fundo do meu peito. É um sentimento
que nunca enfrentei antes: o verdadeiro contentamento.

CAPÍTULO
TRINTA E OITO
ERISA
Sou grata por Elvion ter escolhido fazer uma holo-chamada a seus pais
da mesa em seu escritório. Nós dois nos sentamos atrás da vasta extensão de
madeira escura, uma montanha de papéis diante de nós. Pelo menos sentada
desta forma, sou capaz de esconder minhas mãos inquietas por baixo, fora de
vista.
Do peito para cima, estou fazendo o meu melhor para mostrar uma
mistura saudável de confiança e deferência aos pais de Elvion, que também são
o Rei e a Rainha do Reino Das Copas das Árvores.
O rei optou por não atender à chamada, mas a rainha Ayndessa está
sentada diante de nós no holograma, um elaborado cocar e vestido mostrando
que ela é uma governante em cada centímetro. Isso por si só deveria ter me
intimidado, mas a rainha manteve seu lindo rosto uma máscara desde que a
ligação começou. Sob a mesa, minhas mãos torcem e dão nó freneticamente.
— Elvion me disse que você tem muitos talentos. Que tem uma mente
inquisitiva, — diz a Rainha. Eu me repreendo por olhar para ela ao invés de
ouvir suas palavras.
— S... sim, estou muito curiosa sobre o mundo ao meu redor, incluindo
este seu reino maravilhoso, — eu digo. Pretendo que minha resposta seja clara

e honesta, e não uma triste tentativa de obter favores. Não posso dizer pela
expressão dela se alguma coisa foi capturada.
— Vossa Alteza, — a Rainha entoa.
— Desculpe! Sim! Vossa Alteza, — eu respondo humildemente. Pela
minha vida, não consigo me lembrar de acrescentar esse honorífico a cada vez.
Eu certamente nunca usei com Elvion.
— Ela tem muitos talentos, mãe. Como tenho certeza que você vai
descobrir. Estou tão feliz que você tenha tido tempo para falar conosco, — diz
Elvion.
A subserviência de Elvion a seus pais é outro lado dele que ainda não vi.
Eu me pergunto em todos os Elvions que verei em nossa vida juntos. O
pensamento aquece meu coração e me dá um toque a mais de coragem. Preciso
de tudo o que posso conseguir, agora.
— De fato. Certamente não é ortodoxo, mas estou, você pode se
surpreender ao ouvir, satisfeita com sua escolha, — a Rainha diz,
maliciosamente.
Elvion quase engasga sentado ao meu lado. Nenhum de nós previu que
ela diria algo parecido com isso.
— Está?
— Sim, faz alguns séculos desde que a Família Real teve um par
predestinado. Poderíamos discutir sobre como os Divinos escolhem nossos
companheiros, mas fará bem a esta família trazer essa tradição de volta ao
rebanho.
Segurando minha mão debaixo da mesa, Elvion me dá um aperto
reconfortante.

— Isso me deixa muito feliz em ouvir, mãe. Muito feliz.
A sobrancelha da rainha se arqueia mais uma vez. É como uma
cordilheira em sua testa, linda, assustadora e irreconhecível.
— Sim. No entanto, seu pai precisará de mais convencimento. Depois de
saber do seu noivado, ele não ficou satisfeito.
— Vou me esforçar para convencê-lo, Vossa Alteza, — digo,
corajosamente. Elvion me dá um olhar de orgulho.
Bem, essa resposta pareceu boa o suficiente para ele.
— Maravilhoso. Tenho certeza que você vai, minha querida, — a Rainha
responde.
Não tenho certeza se eu a convenci, no entanto.
— Iyrelle manda seu amor, — Elvion interrompe, mudando de assunto
com muito tato. O olhar da Rainha não se move do meu rosto. Claramente, não
me safei ainda.
— Erisa, devo estender meus mais sinceros agradecimentos a você.
Elvion me disse que você fez maravilhas com a minha filha mais nova.
Corando, olho para as espirais profundas de madeira na mesa, desejando
poder escapar para elas.
Qualquer coisa para encerrar esta chamada.
— Eu não as chamaria de maravilhas, Vossa Alteza, mas Iyrelle é uma
delícia. Tão curiosa, tão questionadora; ela tem uma mente rápida e ágil. —
Suspeito que a Rainha respeite essas qualidades, mesmo que estejam em uma
pequena menina Kiphian que tem um conjunto limitado de escolhas de vida
diante dela.

Um pequeno sorriso rompe a superfície de pedra de mármore do rosto
da Rainha. — Ouvi dizer que ela foi bastante feroz durante o infeliz negócio
com os traficantes de escravos.
— Ela foi, Vossa Alteza! Totalmente destemida, — eu concordo.
Finalmente, sinto que estamos chegando a algum lugar.
— Na verdade, mãe, Iyrelle expressou o desejo de seguir o caminho de
uma guerreira quando ela atingir a maioridade, — Elvion diz calmamente. Sob
a mesa, aperto sua mão em pânico como se perguntasse “o que você está
fazendo?”
A fachada se quebra. A rainha parece chocada com esta notícia. Não a
notícia que pensei que iria chocá-la. Aparentemente, a notícia do nosso
noivado chegou ao casal real antes desta chamada.
— Impossível. Uma fêmea Kiphian da linhagem real não pode escolher
ser uma guerreira. Aplaudo vocês dois por seus notáveis esforços em domar o
espírito selvagem nela, mas vocês devem simplesmente agora convencê-la de
que esse caminho não é uma opção, — diz a Rainha, com uma nota tão
definitiva que acho que a ligação pode estar terminando.
— Mãe, no começo, eu mesmo recusei a ideia. Mas Iyrelle não foi feita
para a vida de uma esposa e mãe, — protesta Elvion… baixinho.
— Isso não quer dizer que ela não seja carinhosa e amorosa, — eu
interrompo, — ela é, muito mesmo. Mas seus pontos fortes estão em sua
bravura, sua ingenuidade e sua lealdade. Ela tem muito a oferecer como
guerreira. — Não acredito que acabei de dar um sermão à Rainha.

— Sem falar na felicidade dela. Devemos considerar isso, mãe, — Elvion
fala com tanta sinceridade. Sei que foi uma lição amarga para ele aprender e,
ao que parece, pretende honrá-la.
— Ela foi domada, é verdade, Vossa Alteza. Mas ela só pode ser domada
até certo ponto. Se for forçada a escolher um caminho que não quer, será,
francamente, desastroso para ela. E para seu parceiro. Posso estar exagerando,
mas, como alguém que, a partir de agora, viverá uma vida que nunca pensei
que levaria, não consigo imaginar forçar alguém a viver de outra maneira que
não seja o caminho escolhido.
Lá vou eu de novo, fazendo discursos para a realeza. Quem acho que
sou?
Para minha total surpresa, a Rainha parece fazer um balanço das minhas
palavras. Firmemente fechando minha boca, silenciosamente juro não falar
novamente nesta ligação. Pressionei minha sorte até onde posso ir.
Depois de um minuto agonizante, a Rainha finalmente fala.
— Rei Tarkon vai precisar de algum convencimento. Mas, ao que parece,
há muitas pessoas persuasivas prestes a ajudar com isso, inclusive você, Erisa.
— Estou... honrada, Vossa Alteza, — eu consigo gaguejar. A rainha
parece pensativa.
— Afinal, Iyrelle foi um bebê surpresa. Como tal, ela ainda não foi
prometida a ninguém em casamento. Parece que pelo menos esse
impedimento não está em seu caminho.
— É verdade, mãe. Estou feliz que você possa apreciar isso, — Elvion diz,
sua voz esperançosa.

— Além disso, um diabinho adorável como aquele nunca serviria como
esposa de um nobre. Você pode imaginar? — Um olhar de alegria abre o rosto
da rainha e vejo, pela primeira vez, como ela é verdadeiramente bonita.
Minhas mãos param de se mexer e ficam quietas, uma ainda apertada na
de Elvion. Esta chamada foi muito melhor do que eu imaginava.

CAPÍTULO
TRINTA E NOVE
ELVION
— Adeus, mãe. Falaremos em breve. Por favor, dê meus cumprimentos
ao Pai, — eu digo, e a holo-chamada termina. Um fôlego que não sabia que
estava segurando me escapa. Estou mais do que aliviado que a ligação acabou.
— Achei que correu bem, — diz Erisa, soltando sua mão da minha e
esticando-a. Parece que ela e eu demos um nó nos dedos com força demais.
Uma onda de euforia percorre meu corpo. — Foi melhor que isso. Eu não
poderia ter previsto quão bem isso foi! — Meus ombros caem, um peso enorme
e invisível agora levantado.
— Ela pareceu gostar de mim, sim? — Pergunta Erisa.
— Ela gostou. Muito mesmo. Sei que ela pode ser difícil de ler, mas vi o
respeito em seus olhos. — As bochechas de Erisa registram um toque de cor
com minhas palavras. Ela está mais bonita do que nunca.
— Estou tão feliz, — ela também suspira como se um peso fosse retirado
dela. Embora ainda haja trabalho a ser feito para convencer meu pai, minha
mãe sempre consegue as coisas com ele.
Erisa se levanta e se estica. Seu corpo ágil envia todos os tipos de ideias
para minha cabeça… e outras partes do corpo.
Antes que ela possa se afastar de mim, eu agarro suas mãos. Ela está na
minha frente, seu traseiro sentado na minha mesa.

— Erisa, não posso agradecer o suficiente. Você foi maravilhosa nessa
ligação. E isso me faz perceber a equipe incrível que formamos.
Suas bochechas ficam ainda mais vermelhas. — Se você diz! Mas, não
estava prestes a falar sobre Iyrelle querendo ser uma guerreira, ainda! — Ela ri
enquanto fala.
— Mas é também por isso que preciso de você. Você abriu meus olhos
para isso. Iyrelle ficaria infeliz se todos nós a forçássemos a algo que ela não
pudesse suportar. Obrigado por isso. — Eu beijo suas duas mãos.
Ela se levanta, um pouco mais alta do que eu de seu poleiro na minha
mesa, seus cachos roçando preguiçosamente os topos de seus ombros. Ela
parece boa o suficiente para comer.
— Muito obrigada! Não estou acostumada com esse príncipe Elvion.
Onde está o homem indiferente e distante que não queria nada da minha
insolência? — Seus olhos dançam enquanto ela brinca de zombar de mim.
— A um mundo de distância. Não sei quem era aquele homem, — eu
digo, com toda a sinceridade. Tudo parece uma vida atrás.
— Sou o homem mais sortudo de Kiphia por ter encontrado você.
— Certamente que você é, — ela dá um tapa de brincadeira no meu rosto.
Sua insolência, uma vez tão enlouquecedora, agora é absolutamente sexy para
mim. Apenas minha verdadeira companheira poderia falar comigo dessa
maneira. E eu anseio por mais disso.
— Com você ao meu lado, Verus ficará ainda mais linda e acolhedora
para todos. Seremos a inveja de Kiphia! — Fico admirado com o abandono em
minha voz, a liberdade que sinto ao falar com essa mulher humana. Ela tira

isso de mim, espontaneamente. A única diferença, agora, é que a abraço, em
vez de tentar afastá-la.
— Acho que sim. Eu já tenho tantas ideias, — ela responde, descansando
as mãos nos meus ombros. Uma mão preguiçosamente começa a brincar com
meu cabelo. Isso envia pequenas faíscas pelo meu pescoço.
— Claro que tem. Mal posso esperar para ouvi-las, — digo, meus olhos
começando a se fechar enquanto as faíscas se intensificam.
Erisa ri, mais forte dessa vez. — Que mundo!
Abro meus olhos, surpreso com essa reviravolta.
— O que quer dizer?
— Aqui estamos nós, destinados a ficar juntos, mas a coisa mais louca em
minha mente é que você vai seguir o conselho de uma serva. — Ela ri
profundamente, sua cabeça jogada para trás. Eu rio com ela, mas de repente,
não consigo mais me conter. Ela parece absurdamente linda.
— Vou pegar qualquer coisa que puder, — eu digo, estendendo a mão
para beijar o interior de seu pulso. Meus olhos travam nos dela e sua risada
cessa. Ela lê meus olhos e um pequeno sorriso dobra seus lábios. Ela me diz
“sim” com o menor dos acenos.
Eu continuo beijando seu pulso e parte interna do braço. Sua mão
serpenteia de volta no meu cabelo, suas unhas arranhando meu couro
cabeludo deliciosamente. Enquanto eu continuo subindo em seu braço, ela
volta para a mesa, abrindo as pernas para que eu possa passar entre elas.
Meus lábios alcançam seu pescoço. Lá, eu dou pequenas mordidas em
sua pele tensa. Ela suspira entre seus dentes de prazer. Estendendo a mão,
acaricio um seio, o mamilo ficando duro sob o tecido de seu vestido de linho.

Suas mãos viajam do meu cabelo até minha cintura, puxando minha
túnica. Suas unhas roçam a pele do meu estômago e parte inferior das costas.
Minha coluna vibra de prazer, espigões de lava em erupção cada vez que Erisa
dança com os dedos ao longo dos cumes e vales.
Meu pau pulsa contra minhas calças, intenso com desejo. Mas, não estou
prestes a deixá-lo sair, ainda. Alcançando a boca de Erisa, eu a beijo
profundamente. Nossas línguas dançam e travam como se nos fundíssemos.
Suas mãos me puxam, ansiosas para me ter perto. Eu me abaixo e
empurro seu vestido acima de sua cintura e acima de sua cabeça. Ela se afasta
ainda mais da mesa, mandando papéis voando.
Não era um grande sistema de arquivamento de qualquer maneira…
Enrolando minhas mãos em suas costas, desabotoo seu sutiã e seus seios
caem para fora, cheios e convidativos. Imediatamente, pressiono minha boca
em um mamilo, ouvindo-a ofegar. Minha outra mão trabalha para soltar sua
calcinha sobre os quadris e ao chão.
Dentro de instantes, seu inebriante corpo nu está diante de mim na mesa.
Ela levanta as pernas e posso ver sua umidade esperando lá, apenas
implorando por atenção.
Fico feliz em atender. Apoiando minhas mãos atrás de suas costas, beijo
meu caminho para baixo de seus seios, para baixo em seu umbigo e,
finalmente, para a umidade quente entre suas pernas. Pairando apenas um
momento, posso sentir seu corpo zumbir com antecipação.
Espero mais um segundo, ouvindo sua respiração ficar presa na
garganta. Eu mergulho, minha língua instantaneamente se conectando com

seu clitóris ansioso. Ela grita de prazer, o que só faz meu pau esticar ainda mais
contra as minhas calças.
Agarrando sua bunda, começo a balançar minha língua no ritmo dela.
Ela joga a cabeça para trás, apreciando a sensação. Suas pernas envolvem meu
pescoço, me pedindo para ir mais rápido. Eu sinto suas unhas raspando ao
longo das minhas omoplatas.
Cada vez mais rápido eu movo minha língua para cima e para baixo, seus
quadris combinando com meu ritmo. Minha lambida se torna um borrão
quando, de repente...
— Oh! Sim! — Ela engasga quando atinge o clímax, seu corpo se
contorcendo de prazer. Minha espinha está quente, e queimo de desejo de
entrar nela. Eu demoro mais um momento, deixando seu corpo atravessar os
deliciosos choques posteriores.
Olhando para cima, eu a vejo sorrir.
— Tenho negócios oficiais para você, meu príncipe — murmura ela.
— Tenho certeza que sim — respondo, deslizando minhas calças até o
chão.

CAPÍTULO
QUARENTA
ERISA
Tremores ondulam pelo meu corpo enquanto meu orgasmo desliza
lentamente para longe. Ninguém pode me fazer sentir tão bem quanto ele.
Avançando para frente em sua mesa, levanto a mão para tirar a túnica de seu
corpo.
— Parece que está vestido formalmente demais para esta ocasião. Assim
está melhor, — repreendo.
De repente, minha visão se enche de sua pele dourada, um verdadeiro
banquete. Dançando meus dedos sobre seus músculos que ondulam e
flexionam, eu sorrio vendo sua pele arrepiar. Cada toque é vivo, doloroso e
ansioso.
Eu me aproximo ainda mais, minhas pernas balançando sobre a borda
da mesa. De pé em toda a sua altura, seu pau está em posição de sentido,
faminto por mim. Como ele fez por mim, eu o faço esperar. Sua respiração é
lenta e deliberada, permitindo-me ir devagar.
Ele tem resistência, esse aqui. Isso é certo. Eu arrasto meus dedos pelo
vale de seu estômago, traçando a linha de lá até seu inevitável delta em seu
pênis. Ele cantarola de prazer enquanto eu o acaricio levemente.
Faça-o esperar...
Ele estende a mão para cima e para o meu cabelo, dando um puxão
brincalhão nas minhas mechas. Eu sei o que ele quer.

Acho que vou dar a ele.
Inclinando-me para frente, traço minha língua ao redor da cabeça de seu
membro. Isso envia um choque através dele. Todo o seu corpo balança para
cima. Minha mão trava na base de seu pau e eu lentamente, deliberadamente
o deslizo em minha boca. Ele geme em apreciação, dando outro puxão no meu
cabelo. A leve dor se mistura com prazer, uma combinação linda.
Movendo minha boca com lentidão agonizante, começo a provocá-lo
para cima e para baixo com minha língua e lábios, levando-o para dentro e
para fora em um ritmo suave. Ele balança os quadris languidamente comigo,
como se dissesse que não está com pressa.
Estendendo uma mão ao redor, pego sua bunda na minha mão e dou um
aperto. A pele lisa e a forma firme são tão deliciosas que parte de mim quer
parar o que estou fazendo e apenas mordê-lo.
Calma, calma. Há tempo para tudo isso mais tarde. Uma vida inteira, na
verdade.
O ritmo se intensifica e posso ouvi-lo murmurar de prazer. Mas, ainda
não terminamos. Eu o quero dentro de mim, quero sentir nossos corpos se
misturando como um. Eu preciso dele.
Diminuo o ritmo e paro, olhando para cima enquanto faço isso. Ele sorri.
Por mais feliz que estivesse com isso, ele também quer estar dentro de mim.
Empurrando-o para trás, abro minhas pernas mais uma vez, a umidade
não mostrando sinais de parar. Ele agarra meu rosto com as duas mãos e me
prende em um beijo profundo, cuja intensidade ameaça tirar meu fôlego.
À medida que o beijo se aprofunda, eu o sinto se guiar em minha direção.
Eu inclino meus quadris para cima para recebê-lo e...

— Oh! — Eu suspiro, quando ele entra em mim. Ele me enche, enviando
uma torrente de prazer pelo meu corpo e pela minha cabeça. Mal consigo ver
direito.
Trancando as mãos atrás das minhas costas, ele empurra ainda mais
fundo, sua mandíbula travada em concentração. Ele vai com calma, enviando
fogos de artifício por todos os meus membros.
— Como... no... mundo, sequer… encontrei você? — Ele pergunta,
maravilha escrita em seu rosto. Seu impulso começa a acelerar. Eu o puxo para
mais perto de seus braços, enfiando minhas mãos sob seus ombros.
— Nós... estamos destinados. Isso é... tudo, — eu respondo, cada impulso
enviando ondas de êxtase através de mim. Enquanto ele acelera, finco meus
dedos nas bordas de sua coluna, mais fundo do que já fiz antes.
Sua cabeça se inclina para trás como se ele tivesse sido atingido por
eletricidade.
— Ah! — Ele grita. Ainda não entendo completamente como funciona a
coluna vertebral de um macho Kiphian. Até agora, gosto do que vejo.
Seus quadris começam a acelerar. Eu empurro meus quadris nele,
desafiando-o a ir cada vez mais fundo em mim, como se pudéssemos
finalmente nos fundir um no outro como um.
De repente, seus braços me levantam da mesa e me levantam no ar. Ele
não quebra o ritmo. Ele suporta todo o meu peso enquanto nossos corpos
deslizam para dentro e para fora um do outro. Eu me agarro em suas costas
enquanto ele aperta minha bunda, meu cabelo caindo em seu pescoço.
— Eu... vou... — ele pronuncia.
— Faça isso, — eu ordeno, tal como sua Rainha.

Eu poderia me acostumar com isso.
— Ah! — Seu corpo inteiro fica tenso enquanto ele goza. Eu não estou
muito atrás dele, ondas de prazer vibrando por todo o meu corpo. Por um
breve momento, o mundo inteiro desaparece em seu corpo, enquanto estamos
juntos como um.
Os próximos segundos são preenchidos com o som de nossa respiração
pesada. Eu aninho meu rosto em seu pescoço, cheirando seu perfume e
maravilhando-me com sua pele dourada.
Gentilmente, ele me coloca de volta em sua mesa. Nossos corpos se
separam e, embora exaustos, estou ansiosa para tê-lo dentro de mim
novamente.
Olhando para ele, começo a rir.
— O que? — Seu cabelo está deliciosamente despenteado e ele parece
bêbado de nosso amor fervoroso.
Os papéis estão espalhados por toda parte. É uma tremenda confusão.
— Você tem razão. Eu simplesmente não posso acreditar, — eu respondo.
Eu mesmo me sinto um pouco bêbada. Ele tem esse efeito em mim.
— O que não pode acreditar? — Ele está diante de mim, um olhar confuso
em seu rosto.
— Que encontrei você. Aqui. De todos os lugares. — Tentar descobrir
como nós dois poderíamos ter nos conhecido em qualquer circunstância é
como olhar para o sol. Perigoso e bobo.
— Essa é a beleza disso, no entanto. Não temos que questionar isso.
Apenas me ame. Governe comigo. Vou fazer valer a pena. — Ele se senta em
sua cadeira, sua nudez lânguida tão satisfatória de se ver.

— Sabe, nós humanos não somos tão diferentes dos Kiphians, afinal, —
eu penso.
— Como assim? — Ele pega uma das minhas mãos e beija
preguiçosamente cada dedo enquanto eu falo.
— Aqui, em Kiphia, você tem seus pares predestinados. De volta à Terra,
temos almas gêmeas. Ou, como gosto de chamar, um amor verdadeiro.
Seu rosto, um rosto que vou amar todos os meus dias, sorri amplamente.
— Um amor verdadeiro. Eu gosto disso. Você nunca deixa de me
surpreender.
— Eu não estou prestes a tentar, — eu respondo, caindo em seus braços
rindo.
FIM...

03-Maid For The Alien Warrior-At-Ts-Salt

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SALT -Só Aliens 2022

Não há jeito nenhum na galáxia que o Príncipe Elvion pode me forçar

O que mais você pode esperar de um príncipe guerreiro?

Nada do tipo que aceita não como resposta.

Exceto que é isso que ele vai conseguir.

Sim, ele é fabulosamente rico.

E estou muito falida.

Mas tenho alguma dignidade!

SALT -Só Aliens 2022

Ou saciar meus devaneios quando ele diz que somos

E com certeza não estou dando ouvidos ao coração acelerado

Não! Não fomos feitos para ficar juntos.

Isso é um trabalho. Isso é tudo.

Então, por que não consigo parar de pensar nele?

Por que uma parte minha não quer apenas servi-lo...

Mas amá-lo com todo o meu coração?

Nota do autor: Este é um romance completamente autônomo

ambientado no Athenaverso. Mesmo que você nunca tenha entrado

no Athenaverso, poderá desfrutar deste romance de ficção científica

que não tem ganchos ou trapaças e garante felizes para sempre!

SALT -Só Aliens 2022

SALT -Só Aliens 2022

— Verus está prosperando e eu também, mãe. — Eu sorrio com carinho

para a holo-imagem na minha frente. — O mesmo da última vez que nos

falamos, há apenas uma semana.

— Bem, não custa perguntar, — contesta a mulher que eu conheço como

que perguntar como você está ou nunca vai me dizer!

— Vou me esforçar para fazer melhor, — digo, inclinando a cabeça

social. Preciso consultá-lo sobre...

fez alguma coisa, não foi? O que ela fez?

— Ela colocou besouros de fogo na minha sala de reuniões principal. —

Cerro os dentes, lembrando-me da visão de todos os meus conselheiros

ganindo enquanto os pequenos, mas dolorosos, insetos cor de fogo rastejavam

por suas pernas. — Estávamos há dois minutos em uma sessão importante

quando percebemos que o lugar estava totalmente infestado deles.

SALT -Só Aliens 2022

você em Verus fosse a resposta.

localização para esses animais de estimação… ou a grande quantidade deles.

que, com a distância, a influência deles diminuísse.

— Talvez, com o tempo, sim. — Eu balanço minha cabeça. — Realmente

companheiros de brincadeiras, então teve que encontrar sua própria

— É isso! — Mãe se endireita. — Você deve encontrar alguma companhia

— Esperava poder devolvê-la a Talarial, – digo, incapaz de esconder o

mais capaz de encontrar-lhe amigas apropriadas do que eu.

Iyrelle e seu pai no mesmo lugar só causará mais dificuldade.

SALT -Só Aliens 2022

governante inabalável, confiante em suas ações, mas reservado em sua vida

As façanhas selvagens de Iyrelle causando constrangimento público à

família devem deixar meu pai louco.

Eu me encolho, imaginando as colisões entre minha irmã teimosa e seu

dúzia de vezes em menos de uma semana! E não há nenhuma garota da idade

dela aqui! Eu simplesmente não sei o que fazer.

explosão de frustração. Trabalho duro para imitar o comportamento severo e

— Não interrompa. — Os olhos da minha mãe piscam para mim, um raro

toque de imperiosidade dela. — Você precisa de uma adulta encarregada de

SALT -Só Aliens 2022

esposa, não hesitará tanto nessas lições.

— Você é sábia, mãe, — eu digo, e ela ri antes que eu possa continuar.

— Não há necessidade de me lisonjear Elvion. — Ela levanta uma

sobrancelha. — Estou bem ciente do meu próprio valor.

— De fato. — Concordo com a cabeça, divertido com suas palavras e

— Uma serva? — Minha mãe inclina a cabeça com curiosidade.

humanas como cuidadoras de seus filhos. Essas mulheres orientam os jovens,