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SINOPSE

Ele é o homem mais poderoso de Ibiza e fará qualquer coisa para me


tornar sua.
Fui criada para ser a perfeita esposa da máfia, mas quando meu casamento
se transforma em um pesadelo horrível, não tenho escolha a não ser deixar
tudo para trás e começar uma nova vida.

Encontro-me sozinha em Ibiza... um lugar que engole vivas garotas


inocentes como eu. Sou assaltada no dia em que chego e só tenho alguns
euros e a roupa do corpo.

Meu desespero me leva direto a Damiano De Rossi. Ele governa esta ilha
com punho de ferro e sob seu rosto incrivelmente bonito reside uma
escuridão perversa. Peço-lhe um emprego. Ele me dá muito mais do que
isso... degradação, ciúme e luxúria arrepiante.

Quando minha resistência a ele praticamente desaparece, um segredo é


revelado e nós desmoronamos como um castelo de cartas.

Eu sei o que tenho que fazer. Correr.

Mas quando tento, descubro... que ele já me prendeu.


AVISO DE CONTEÚDO

Esteja ciente de que este livro contém cenas gráficas destinadas a um


público adulto.
Avisos de gatilho: dub-con, sequestro, descrições de violência, quase
afogamento, agressão sexual (referências ao passado).
CAPÍTULO UM
VALENTINA

Mamãe se casou com um dos mais importantes dons de Nova York


quando tinha apenas dezoito anos. Casamentos como esse nunca são fáceis,
mas todos diziam que ela nasceu para esse papel. Seu estoicismo diante de
todas as lutas que Papà lançou em seu caminho deu-lhe a reputação de ser
confiável, inquebrável e totalmente imperturbável. Até o nome dela, Pietra,
significa pedra em italiano.
Fui criada para ser igual a ela – a esposa perfeita da máfia – mas no
meu casamento com Lazaro, estou desmoronando. Se minha mãe é granito,
eu devo ser pedra-sabão. Todas as noites passadas no porão com meu
marido me atacando.
Em breve, não restará mais nada.
Tiro o olhar da minha aliança de casamento e observo o que me
rodeia. Sempre achei a sala de jantar privada do La Trattoria ostentosa. O
luxo está tão na sua cara que faria corar a maioria das pessoas honestas,
mas, por acaso, poucas delas conseguem passar pelas pesadas portas de
madeira. Paredes forradas de seda azul, teto de estuque, um lustre de três
níveis e aquele chão ridículo. Um intrincado desenho floral feito de granito,
mármore e travertino. O chão por si só vale mais do que a casa da maioria
das pessoas. Pertence a uma sala de estar de um palácio real. Em vez disso,
decora o que é efetivamente a sala de reuniões favorita do Papà.
Dada à frequência com que acontecem suas reuniões, não ficaria
surpresa se aquele andar tivesse visto mais cadáveres do que um necrotério,
mas hoje não há sinais de derramamento de sangue iminente.
Afinal, as mulheres do clã Garzolo estão aqui para um chá de panela...
uma ocasião alegre. Ou o que deveria ser, se Belinda, minha prima e futura
noiva, parasse de chorar em seu prato.
— Vamos continuar ignorando o fato de que ela está chorando? —
Gemma pergunta enquanto tira um pedaço de pão sem glúten de uma
cesta.
Olho para as mulheres sentadas ao redor da mesa... uma variedade de
tias, primas, irmãs e avós. Apenas a mãe de Nonna e Belinda parece notar
sua angústia. Elas trocam um olhar apreensivo uma com a outra antes de
esboçarem sorrisos falsos.
— Não estamos ignorando isso. Estamos fingindo que são lágrimas de
felicidade. — digo à minha irmã.
A mesa pode acomodar confortavelmente vinte pessoas, mas temos
uma família grande e algumas primas distantes que se recusaram
terminantemente a ficar de fora, então somos vinte e seis espremidas lado a
lado.
Estou imprensada entre Gemma à minha direita e Mamma à minha
esquerda. Mamma está lançando seu melhor olhar de mau humor para
Belinda. Se isso não bastasse para comunicar sua desaprovação, o aperto
em sua mandíbula deveria bastar. Eu sei exatamente o que ela está
pensando: está acima das mulheres Garzolo serem tão emotivas.
Mamma odeia chorar, choramingar e reclamar, como filha mais velha,
recebi muita orientação sobre como evitar fazer qualquer uma dessas coisas
a todo custo.
Uma habilidade que tem sido testada com frequência desde que me
casei, há dois meses.
A questão é que a pobre Belinda, de dezoito anos, não teve o mesmo
treinamento e sua reação à situação é compreensível. No próximo mês, ela
se casará com um dos capos mais antigos de Papà, que tem três vezes a
idade dela. Papà providenciou tudo, como descobri, ele não está no ramo de
intermediar casamentos felizes.
— Isso é tão estranho. — diz Gemma. — Prefiro estar em um funeral.
Mamma ouve... como pode não fazer quando está sentada perto o
suficiente para que seu cotovelo roce no meu toda vez que ela pega seu
copo de água... e estica o pescoço para olhar para Gemma. A expressão em
seu rosto não é uma carranca completa, mas quem a conhece sabe que a
pequena linha entre as sobrancelhas com botox significa que ela está
chateada. — Leve Belinda ao banheiro e não saia até que ela se acalme.
O rosto da minha irmã empalidece. — Eu? Como devo acalmá-la? —
Ela me lança um olhar suplicante. — Envie Vale em vez disso.
O olhar de mamma pousa em mim por um momento antes de ela
balançar a cabeça. — Vá, Gemma. Não demore muito. — Há um tom sutil
em seu tom que nos diz que não há sentido em discutir.
Gemma solta um longo suspiro, levanta-se da cadeira e passa as mãos
sobre a saia de linho na altura dos joelhos. — Se eu não voltar em dez
minutos, significa que preciso de reforços.
Sua partida é como um toque num interruptor. A tensão
desconfortável que surgiu entre mamma e eu logo após o dia do meu
casamento se instalou. Minha coluna se endireita. Sua mandíbula funciona.
— Você não acha que sou capaz de aconselhar Belinda sobre seu
casamento? — Eu pergunto. Eu deveria manter minha boca fechada, mas
não consigo. Meu desgosto pela traição dela e de Papà é muito recente.
Como puderam me dar, a filha mais velha, a alguém como Lazaro?
Mamma gira o spaghetti-al-limone no garfo e o tira do prato. — Eu sei
que você ainda está se adaptando.
Um sorriso amargo surge em meus lábios. — É isso que estou
fazendo?
— Espero que sim. Eu preparei você para isso.
Ela tem que saber que é uma afirmação ridícula. — Nada do que você
me ensinou remotamente me preparou para lidar com minha situação atual.
Ela mastiga devagar. Ela engole a comida e vira o rosto para mim. —
Você esqueceu nossas lições?
Aperto minha mão em volta do garfo. — Quais? Não acredito que
nenhuma delas tenha abordado como lidar com o fato de ser forçada a...
— Deixe-me lembrá-la de uma. — ela interrompe. — As mulheres
Garzolo nunca reclamam de circunstâncias que não podem mudar.
Meus pulmões se contraem. — Ah, claro. Isso é um clássico.
— Você é uma mulher casada e tem um marido que deve apoiar da
maneira que ele exigir. Já temos uma criança insolente nesta mesa,
Valentina. Não precisamos de outra.
É ridículo que depois de tudo o que aconteceu recentemente, receber
críticas dela ainda pareça uma dor aguda.
— Você pode enfrentar qualquer desafio que esta vida lhe apresentar.
— ela continua. — Foi assim que eu criei você. Não me insulte com sua
fraqueza.
Encosto os cotovelos. De repente, não suporto a ideia de entrar em
contato com ela. Meu apetite desapareceu. Movo minha comida pelo prato
até mamma exalar de frustração.
— Vá ver como está sua irmã. — ela retruca.
Não preciso que me digam duas vezes.
O banheiro fica no fim do corredor, quando viro a esquina, uma
Belinda, de aparência um pouco mais calma, passa correndo por mim. Ela
me dá um sorriso aguado.
— Onde está Gemma? — Eu pergunto.
— Ela está arrumando a maquiagem.
No banheiro, Gemma está inclinada sobre o balcão para se aproximar
do espelho enquanto reaplica o batom.
— Bom trabalho. — eu digo, dando um passo para o lado dela e
batendo minha bolsa na superfície de mármore. — Belinda parece muito
melhor.
— Eu disse a ela que ele não conseguiria se levantar com a idade dele.
Eu solto uma risada surpresa. — Como você saberia disso?
— Eu não sei. O que mais eu deveria dizer a ela? Nem todo mundo
pode ter tanta sorte quanto você e conseguir um jovem e bonito executor
como marido. Tenho certeza de que Lazaro não tem problemas nesse
departamento.
Um gosto amargo aparece dentro da minha boca. Se ela soubesse que
Lazaro tem pouco interesse em me foder. Além de cumprir seu dever na
noite do nosso casamento, ele não me tocou na cama.
Ele gosta de algo totalmente diferente.
Eu transformo minhas feições em uma máscara, mas é mais difícil
perto de Gemma. Temos apenas dois anos de diferença e sempre fomos
próximas. Ela foi a primeira pessoa a quem contei sobre meu noivado
quando Papà me informou que eu me casaria com seu melhor executor.
Mais tarde, descobri pela mamãe que eu era a recompensa de Lazaro por
descobrir uma grande conspiração para derrubar Papà... uma conspiração
que terminou com um capo e dez de seus soldados mortos. Papà sempre fez
questão de recompensar a lealdade de seus homens, mas essa abordagem
não parecia se estender às suas filhas.
Gemma fecha o tubo do batom e encontra meu olhar no espelho. —
Falando nisso, como vão as coisas? Mal conversamos desde que vocês dois
vieram tomar um brunch há algumas semanas.
Finjo que de repente estou muito interessada no meu próprio reflexo.
— Estou bem. — Minha irmã nunca poderá saber os detalhes do meu
casamento... as coisas que Lazaro faz e me obriga a fazer. Isso destruiria
todas as suas ilusões sobre nossos pais e sobre mim. — Por que Mamma não
trouxe Cleo?
— Cleo não tem permissão para sair de casa, então você terá que ir se
quiser vê-la. — Gemma diz enquanto ajeita uma mecha de seu cabelo.
Ela parece perfeita, como sempre. Seu cabelo é um elegante bob
castanho que emoldura seu rosto oval, hoje ela está usando os brincos de
diamante que eu lhe dei de presente em seu aniversário de dezenove anos,
meses atrás. Ela tem cílios exuberantes, olhos cinzentos deslumbrantes e um
corpo tonificado na perfeição com a ajuda de suas cinco aulas particulares
de Pilates por semana. Ao contrário dela, nunca pratiquei exercícios físicos,
então os poucos quilos extras que carrego na bunda e nos quadris vieram
para ficar.
— O que nossa irmã mais nova fez agora? — Eu pergunto.
— Ela fugiu do guarda enquanto eles estavam no shopping, e quando
ele há encontrou quinze minutos depois, ela estava em um estúdio de
tatuagem. O tatuador tinha acabado de escrever as palavras Nós fizemos
isso nas costas dela.
Fizeram o quê? Ela não poderia estar se referindo a… — Freed
Britney?
Gemma revira os olhos. — Seu ídolo. Papà disse à mamãe que eles
nunca deveriam ter permitido que Cleo fosse a todos aqueles comícios. Ele
acha que ela sofreu uma lavagem cerebral, e agora mamma está decidida a
submetê-la a uma reeducação, seja lá o que isso signifique. De manhã,
passam horas na cozinha. Mamma está ensinando-a a cozinhar pratos
tradicionais italianos. E à tarde há um fluxo constante de tutores entrando e
saindo de casa. Acho que ela a está obrigando a assistir às aulas de etiqueta.
Cleo está reclamando sem parar.
É tão ridículo e não posso deixar de rir. Minha irmã mais nova sempre
foi a mais rebelde de nós três. Isso costumava me preocupar. Agora, espero
que ela não deixe a mamma diminuir essa faísca. — Dou uma semana, no
máximo, até que termine a pena de prisão. Mamma sempre teve uma queda
por Cleo.
— Não sei. — diz Gemma, virando-se para mim. Sua expressão se
transforma em uma carranca. — Algo está acontecendo com Papà. Ele
aumentou a segurança para todos nós. A princípio, pensei que fosse por
causa do que Cleo fez, mas isso não explica por que ele também adicionou
mais homens ao seu batalhão. Ele parece... desligado.
— Você perguntou à mamma sobre isso?
— Ela não vai me contar nada. Diz que devo manter o foco na festa do
mês que vem. — Seus ombros caem. — Querem me entregar para um dos
Messeros, Vale. Eu juro, eles convidaram todo o clã para que possam me
exibir como se eu fosse um pedaço de carne.
Os Messeros governam o norte do estado de Nova York. Pelo que eu
sei, sempre conseguimos coexistir com eles sem muitos problemas. Eles
lidam com extorsão e construção, enquanto o principal negócio de Papà é a
cocaína – sem muita sobreposição. Se Papà quer dar Gemma a um deles,
significa que ele quer formar uma aliança. Pelo quê?
— Você conhece a reputação deles. — diz Gemma. — Os homens
daquela família agem como se ainda estivéssemos na Idade da Pedra. Eu
não conseguiria sair de casa sem acompanhante, mesmo sendo casada.
Tenho certeza de que Papà quer me dar ao filho do Don, Rafaele. Ele é
bonito, mas sua reputação é tão negra quanto possível. Aparentemente, ele
se tornou um homem feito aos treze anos. Treze.
Os Messeros são famosos por suas brutais cerimônias de iniciação.
Eles exigem que os membros aspirantes matem pelo seu capo. É assim que
eles garantem que seus membros não hesitarão em fazer o que precisa ser
feito quando alguém não pagar suas taxas de proteção.
A raiva explode dentro do meu peito. Papà quer fazer com Gemma
exatamente o que fez comigo: casá-la com um assassino. Não sei como
poderei ficar de lado e ver isso acontecer.
A voz da mamma soa dentro da minha cabeça. Você pode não
entender os costumes do seu pai, mas tudo o que ele faz é para proteger a
nossa família.
Todos os dias repito essa frase como uma oração, e todos os dias o seu
poder diminui.
O que acontece quando eu paro de acreditar totalmente? Isso vai
contra tudo que me ensinaram, mas sonho constantemente em fugir de
Lazaro. Seria um verdadeiro escândalo. O fim da minha vida como a
conheço. Eu seria pega e entregue ao meu marido para punição, e ele
adoraria me fazer gritar.
Um arame farpado aperta meu coração ao pensar no que meu marido
faria em retaliação. Se fosse apenas a minha vida em risco, seria uma coisa,
mas ele deixou claro que outros pagariam por qualquer indício de
desobediência que eu demonstrasse.
— Vou falar com Mamma sobre os Messeros. — digo.
Gemma acena. — Não se preocupe. Você sabe que ela não vai ouvir.
Apenas vá para a festa, por favor. Eu realmente preciso de você lá.
Eu concordo. — Devíamos voltar. Elas vão se perguntar onde estamos.
Quando reaparecemos na sala de jantar, nosso primo Tito está lá. Não
há como ele ter sido convidado para o chá. São apenas meninas. Ele está
atrás de onde Nonna está sentada, olhando para a pasta gigante de
mortadela na mesa, mas quando me vê, parece esquecer disso.
— Vim procurar você. — diz ele.
— Está tudo bem?
— Lazaro ligou. Ele me pediu para levar você para casa. — Tito balança
as chaves do carro no bolso.
Sinos de alarme tocam dentro da minha cabeça. — O que aconteceu?
— Ele disse que precisa de você em casa.
O mostrador do grande relógio pendurado na parede marca cinco da
tarde. É cedo. Muito cedo para os jogos de Lazaro. As coisas que ele faz - as
coisas que ele me obriga a fazer - pertencem ao escuro. Mas para que mais
ele poderia me querer?
Eu flutuo pela sala, dando tapinhas nos braços de minhas tias e
beijando suas bochechas. Depois de um rápido adeus a Belinda e um abraço
em Gemma, vou até a saída. Posso sentir o olhar da minha mamma nas
minhas costas. Ela está chateada por eu não ter me despedido dela, mas não
posso lidar com ela agora.
O ar úmido de maio envolve meus ombros como um cobertor assim
que Tito e eu passamos pela porta dos fundos. As poças no chão me dizem
que deve ter parado de chover. Seu carro, um G-Wagon à prova de balas,
está estacionado a poucos passos de distância. Ele me ajuda a entrar no
banco de trás antes de bater a porta e deslizar para frente. — Faz um tempo
que não vemos você.
Eu gosto do Tito. Sempre nos demos bem. Ao contrário da maioria dos
meus parentes homens, ele não fala comigo como se eu fosse uma Barbie
sem cérebro. — Estou me adaptando à vida de casada. — digo.
Tito bufa. — Diga a Lazaro que ele precisa deixar você sair com mais
frequência. Só porque ele não sabe se divertir, não significa que você
também não possa se divertir.
Apesar das suposições de Tito, não é Lazaro que me impede de
participar de eventos familiares. Sou eu que tenho recusado convites
sempre que posso. Simplesmente não tenho energia para fingir que está
tudo bem. Na maioria dos dias mal consigo sair da cama. Hoje vim porque
mamma me disse que não era opcional.
Lazaro não se importaria se eu ficasse fora de casa a maior parte do
dia. Ele é frígido e sem emoção. A única vez que o vi afetado de alguma
forma foi quando...
Não. Não pense nisso.
Eu mudo de assunto. — Como você está, Tito?
Seus longos dedos batem no volante. — Exausto. Há muito trabalho.
— Achei que vocês fossem um bando de viciados em trabalho. —
provoco, lançando lhe um sorriso cansado pelo retrovisor.
Ele me olha por um momento e então seus ombros relaxam um
pouco. — Sim, claro que somos. Você sabe o que eu digo, Vale. Dormirei
quando morrer. Mas uma coisa é me matar pela família, e outra coisa é
obedecer às ordens de alguns idiotas. — Ele enfia um cigarro na boca e pega
o isqueiro do painel. — Não sou cachorrinho de ninguém. — As palavras
saem abafadas enquanto ele acende o cigarro. — E não vou enterrar meu
nariz na merda de ninguém.
Tento descompactar essa afirmação. — Papà quer que você trabalhe
para outra pessoa?
Tito abaixa a janela e solta uma nuvem de fumaça. — Eu, meu pai,
Lazaro, até Vince. Estamos perseguindo coisas que não fazem sentido. Acho
que é tudo uma maldita distração, mas ninguém me escuta.
À menção do meu irmão mais velho, meus ouvidos se animam. Vince
está na Suíça, trabalhando em um dos bancos e administrando grande parte
do capital do clã. Se ele estiver envolvido, significa que algo importante está
acontecendo. Algum tipo de negócio?
— Quem é a outra parte? — Eu pergunto.
Tito dá uma tragada no cigarro e balança a cabeça. — Não se preocupe
com isso. Você já viu aquele novo filme na Netflix sobre alienígenas? É uma
verdadeira foda mental.
Conversamos sobre TV durante o resto do trajeto e tento mascarar o
pavor sufocante que sinto à medida que nos aproximamos da casa de
Lazaro. Eu me recuso a chamá-la de minha casa. Nunca me senti em casa lá.
Para mim, é uma prisão sem saída.
Passamos pelo portão e entramos na longa entrada. Tito me dá um
beijo de despedida na bochecha. — Cuide-se, Vale. E me avise se encontrar
algo bom para assistir.
Eu prometo a ele que vou e passo pela porta da frente.
Meu marido está na cozinha, olhando para o iPad, de costas para mim.
Ele está com uma camisa de botões azul-aço, calça preta e um cinto de
couro, seu traje de trabalho habitual. Meus músculos amolecem de alívio.
Lazaro sempre veste algo mais confortável antes de começarmos. Talvez
nada aconteça esta noite.
— Bem-vinda ao lar. — diz ele, sem desviar o olhar da tela. — Como
foi o chá de panela?
Ele realmente não dá a mínima, mas gosta de seguir em frente. Eu não
sei por quê. Não há ninguém aqui que ele precise convencer de que temos
um casamento normal.
— Tudo bem. — Vou até a pia e pego um copo vazio para encher de
água. — Tito disse que você precisava de mim aqui. — Há uma pequena
mochila de couro no balcão perto da pia. Isso não é meu. Lorna, nossa
governanta, deixou lá?
Lazaro levanta o olhar para mim e observa enquanto bebo. Quando
termino, ele sorri suavemente e me entrega o iPad. O pavor frio se enrola
dentro do meu intestino. Eu conheço esse olhar. Só pode significar uma
coisa.
— Tenho algo especial para você. — diz ele em voz baixa, levando a
mão ao meu rosto. Seus dedos traçam minha bochecha. — Dê uma olhada.
Eu engulo e olho para baixo.
Na tela está a imagem da câmera para nosso porão.
E enrolada em posição fetal no chão frio de concreto está uma mulher.
CAPÍTULO DOIS
VALENTINA

Meu entorno escurece. Há uma camada de suor frio nas palmas das
minhas mãos. Debaixo da minha pele, um milhão de pequenos vermes
começam a resistir e a rastejar.
Sempre que Lazaro traz uma nova vítima, começa sempre assim. A
adrenalina corre pelas minhas veias e me dá vontade de vomitar. Às vezes,
gostaria que meu cérebro e meu corpo simplesmente desligassem.
Eu os chamo de vítimas, embora a maioria deles sejam homens maus.
São ladrões, criminosos e assassinos com currículos tão variados quanto
uma caixa de giz de cera. Mas todos morrem da mesma maneira.
Na minha mão.
— Quem é ela? — Eu pergunto.
Os lábios do meu marido se erguem nos cantos enquanto ele olha para
a mulher na tela. — Uma ratinha Casalese. Talvez possamos ficar com ela
por um tempo.
Eu franzo a testa. O que isso significa? E esse apelido estranho... Ele
nunca chama as pessoas que traz para cá de nomes especiais.
Ele estende a mão. — Vamos conhecê-la.
Ele deve sentir como minha palma está suada na sua mão fria e seca,
mas não diz nada sobre isso. Nunca descobri se ele está apenas fingindo não
notar meu desconforto ou se isso realmente não é percebido por ele. Eu
chorei, gritei, implorei – nada. Seu sorriso suave nunca sai de seu rosto
enquanto ele me dá meus comandos. Ele não muda nem quando ele me diz
o que fará comigo e com Lorna se eu não obedecer.
A saia do meu longo vestido estampado de flores farfalha ao meu
redor enquanto Lazaro e eu descemos para o porão. As solas dos meus
sapatos caros são finas. Posso sentir o frio cortante do concreto através
deles. A mulher no chão deve estar congelando.
Ela aparece e meu coração bate forte. Seu rosto não é visível sob um
véu de longos cabelos loiros. Ela está vestindo uma calça jeans e uma blusa
de botões que está rasgada em alguns lugares.
Onde eles a pegaram e como? Foi Lazaro quem a pegou?
Às vezes suas vítimas são trazidas até nós, e outras vezes ele
desempenha o papel de caçador e carrasco. É por este último papel que ele
é famoso entre os círculos criminosos. Os homens do submundo de Nova
York sabem que se ficarem do lado ruim de Stefano Garzolo, ele só precisa
dizer uma palavra, e meu marido irá atrás deles. E isso é suficiente para
manter a maioria deles na linha.
A mulher se mexe. Há um pequeno movimento, seguido por um
gemido de dor. Ela não está sangrando em nenhum lugar, pelo que posso
ver, mas deve ter sido sedada.
Lazaro se move com propósito. Ele agarra seus pulsos e puxa suas
mãos sobre sua cabeça. Ela começa a lutar lentamente, mas é infrutífera.
Lazaro é forte. Ele não leva mais de trinta segundos para amarrar os pulsos
dela com uma corda grossa. Quando termina, ele a levanta pela cintura e
amarra a corda em um gancho de metal pendurado no teto. A mulher
balança, suspensa pelos braços. Por fim, seu cabelo cai do rosto e vejo seus
olhos castanhos estreitados.
Pressiono a palma da mão sobre a boca. Meu Deus, ela é apenas uma
menina. Não mais que dezoito. Por volta da idade de Cleo. Uma corrente de
náusea atinge meu estômago e o joga de um lado para o outro.
Ela começa a ofegar, mas ainda está bastante fora de si. Sua cabeça
pende de um lado para o outro.
— Porque ela está aqui? — Eu pergunto baixinho. Tem que haver uma
explicação. Tudo o que Papà faz é para manter nossa família segura, então
ela deve ser uma ameaça.
Lazaro dá de ombros. — É apenas um trabalho.
— Um trabalho?
— Alguém a quer. Ela estava em nosso território. Um favor foi pedido,
então nós a levamos, agora eu e você podemos brincar um pouco com ela.
Alguém virá buscá-la amanhã à noite.
Minha respiração fica irregular. Pegá-la viva ou morta? De qualquer
forma, “brincar” é a palavra-código de Lazaro para tortura. Isso está de
alguma forma relacionado com o que Tito me disse antes? — Mas o que ela
fez?
— Nada. Ela nasceu com o sobrenome errado.
Não há gravidade em suas palavras. Nenhuma indicação de que ele
perceba o horror do que acabou de dizer. Meu marido não se importa com o
motivo de alguém acabar em seu porão, mas eu me importo. Preciso de
razões “desculpas” para o que fazemos a essas pessoas. Uso as migalhas que
ele me dá para justificar minhas ações.
Ele era um estuprador e agora está recebendo o que merece.
Ele roubou dinheiro do clã e poderia ter matado Tito se o tiro tivesse
acertado onde ele pretendia.
Ele cortou a cocaína com levamisol suficiente para causar convulsões
nos compradores.
Mas esta razão é tão frágil que nem mesmo pode ser usada por
alguém tão experiente em exercícios mental como eu.
De repente, um grito corta o ar. O efeito do sedativo deve ter passado.
A garota começa a se debater com tanta força que tenho medo que ela
desloque os ombros. Uma veia no pescoço de Lazaro lateja. Ele não está
preocupado que alguém a ouça. O porão é à prova de som e os vizinhos
sabem que não devem meter o nariz nos negócios dele. Mas Lazaro odeia
quando eles gritam sem motivo.
— Quieta agora. — diz ele, puxando uma seringa.
Os gritos da garota se transformam em gemidos. — Não, por favor.
Por favor, não me incomode com isso. — ela diz com um sutil sotaque
italiano.
Meu marido sorri para ela como faria para um entregador. Todos
simpáticos e bem humorados. — Você terminou? Se você prometer ficar
quieta, vou guardar a agulha.
Os olhos da menina passam da seringa para o meu marido e para mim.
Ela sustenta meu olhar por um segundo, confusão passando por sua
expressão. Não pareço uma assassina, especialmente quando estou vestida
para um chá de panela. Ela provavelmente está se perguntando o que
diabos estou fazendo aqui.
— Não vou gritar. — diz ela com uma voz trêmula e suplicante. Seu
peito sobe e desce com suas respirações rápidas e superficiais, mais uma
vez, fico impressionada com o quão jovem ela é. Nem uma única ruga no
rosto, nem um traço de cabelo grisalho.
Essa garota não parece ser do tipo que machuca alguém.
Fecho os olhos enquanto o horror cresce dentro da minha barriga.
— Por favor, isso é um erro. — diz ela, tentando manter a voz calma.
— Não sei quem você pensa que sou, mas sou apenas uma turista. Estou em
Nova York por duas semanas com minha amiga. — Seus lábios tremem. —
Imogen é…
Lazaro enfia as mãos nos bolsos da calça e se recosta na parede. —
Sua amiga está morta.
As feições da garota se contorcem.
O sorriso de Lazaro aumenta e ele balança a cabeça, como se estivesse
contando alguma piada secreta. — Confie em mim, de vocês duas, sua
amiga é a sortuda.
Ela leva um segundo para processar o que ele quis dizer, mas quando
o faz, lágrimas silenciosas escorrem por seu rosto. — Eu não entendo. — ela
balbucia. — Por que isso está acontecendo?
— Não é culpa sua. — ele diz calmamente. — Não se culpe. Realmente
não havia nada que você pudesse ter feito.
É como se ele estivesse tentando mexer com ela. Isso faz parte da
punição, eu percebo. Quem pediu ao Papà para capturar esta menina queria
que ela sofresse.
Meu marido se vira para mim. — Eu vou me trocar. Vocês duas podem
usar o tempo para se conhecerem.
A garota e eu o observamos subir as escadas, então somos só nós. O
fundo da minha garganta começa a doer. Eu sei o que está por vir. Ela vai
implorar. Todos eles fazem.
— Por favor, você tem que me ajudar. — ela resmunga. — Ele está
errado. Ele pegou a garota errada.
Dou um passo em direção a ela. Ela se afasta, obviamente sem saber o
que esperar de mim. Ela tem sardas no nariz redondo e bochechas
rechonchudas.
— Ele nunca está errado. — eu digo. Minha boca está tão seca que
minha língua parece uma lixa.
Ela também deve estar com sede.
— Você quer um pouco de água? — Eu pergunto.
Ela assente.
Pego uma garrafa de água do frigobar e levo para ela. Ela engole a
água enquanto eu faço o meu melhor para despejá-la em sua boca. De
perto, posso sentir o cheiro dela. Limão-verbena, hortelã e areia. Ela até
cheira a inocência. Essa garota não é uma ameaça. Ela não merece sentir
uma dor terrível.
Desvio o olhar enquanto um arrepio percorre meu corpo. Imagens
piscam dentro da minha cabeça como uma antiga apresentação de slides. Os
olhos cheios de felicidade de Lazaro quando eles dão seu último suspiro. A
maneira como suas calças ficam na virilha. O olhar orgulhoso que ele me dá
enquanto estou tremendo no chão com sangue nas mãos.
— Por favor, me ajude. — ela implora.
Sinto uma dor surda na garganta. — Eu não tenho escolha.
Eu gostaria de fazer isso. Gostaria de poder parar de ter tanto medo.
— Sempre há uma escolha. Você pode escolher me ajudar. — Outra
lágrima escorre por sua bochecha direita e escorre pelo queixo até a
camiseta. — Posso ver que você é uma boa pessoa.
Meus dentes cavam meu lábio inferior. Uma boa pessoa? Se eu fosse
uma, encontraria uma maneira de ser corajosa.
Lazaro me disse o que faria se eu parasse.
Ele matará Lorna e me torturará.
Ele me conhece bem o suficiente para saber que meu desejo de
proteger nossa governanta inocente me manteria na linha.
Mas essa garota também é inocente.
Ela sustenta meu olhar, seus jovens olhos brilhando com uma
determinação desesperada que parece muito familiar... Cleo. Ela me lembra
da minha irmã mais nova.
Ela pode ser irmã de alguém também. Uma filha. Talvez uma mãe um
dia.
Como posso tirar isso dela?
E é aí que a compreensão me atinge.
Não posso.
Se houver uma pequena chance de tirá-la disso, tenho que aproveitá-
la.
Meus pulmões se expandem com uma respiração profunda. É o
primeiro que tomo em semanas.
— Você não quer me machucar. — diz a garota em voz baixa.
Não, eu não. Acho que sempre soube que um dia chegaria a esse
ponto. Aguentei o máximo que pude, mas não aguento mais.
Vou tirá-la daqui.
O que significa que preciso de um plano e rápido.
Meu entorno fica mais nítido à medida que chego a um acordo sobre o
que terei que fazer.
Lazaro deve ser neutralizado.
Ando até as gavetas ao longo da parede e começo a abri-las uma por
uma.
— O que você está fazendo? — a garota pergunta.
— Ajudando você. Fique quieta. — Encontro uma faca e a enfio na
parte de trás da saia. Não é difícil encontrar armas aqui, mas seria bom se
houvesse uma…
Pistola. Pego-a no fundo de uma gaveta e verifico se está carregada. Já
estive no campo de tiro três vezes. Papà acha que é uma habilidade básica
que todos na família deveriam saber, até mesmo as meninas. Achei que era
progressista da parte dele, mas isso foi antes de ele me casar com um
assassino sádico.
— O que você vai fazer com isso? — a garota pergunta.
— Atirar nele.
Ela engole. — E então? Como saímos daqui?
Essa é uma ótima pergunta. Se conseguirmos passar por Lazaro, ela
poderá escapar pela entrada dos fundos. Nunca está vigiada quando Lazaro
está por perto. Ninguém é louco o suficiente para tentar atacar o principal
executor de Garzolo no conforto de sua casa. Se ela correr pelo quintal,
poderá atravessar a estreita área arborizada e acabar fora do bairro, na
beira da estrada.
E então o quê? Não, ela precisa de um carro. Mas Michael, o guarda
da entrada do bairro, está na folha de pagamento de Lazaro e soará um
alerta caso veja alguma mulher desconhecida dirigindo um de nossos
veículos.
Ele não o fará se for eu quem estiver dirigindo. Posso dizer que vou ao
supermercado comprar algo para o jantar. Isso nos dará pelo menos uma
hora. Isso é tempo suficiente para eu levar a garota para um lugar seguro?
Troco à faca enfiada na saia pela arma e corro para começar a cortar a
corda que prende suas mãos. Ela está respirando com dificuldade, mas há
um brilho em seus olhos agora.
— Você tem alguém em Nova York que possa ajudá-la? — Eu
pergunto.
— Não. Minha amiga foi a única que veio comigo, mas se eu recuperar
meu telefone, posso ligar para alguém.
— Eles virão atrás de nós rapidamente. — digo a ela. — Você precisa
estar longe antes que eles percebam que você se foi.
Meus pensamentos disparam. Vou colocá-la no porta-malas e ir para o
mais longe possível, mas ela precisa fugir para algum lugar mais longe do
que um carro possa levá-la.
— Preciso ir para o aeroporto. — diz ela, como se sentisse meus
pensamentos. — Eu preciso chegar em casa para...
— Não me diga. — eu interrompo. Se eu for pega, é melhor não saber
para onde ela foi. — Você está com seu passaporte?
— Estava na minha mochila. — diz ela. — Mas eu não tenho mais isso.
A mochila no balcão deve ser dela. — Eu sei onde está. — Termino de
cortar a corda e a garota cambaleia até mim.
— Você vai ficar bem. — murmuro, embora não tenha ideia se isso é
verdade. — Vou nocauteá-lo quando ele voltar, então você precisa me
seguir escada acima. Pegaremos suas coisas e levaremos o carro. Você
entrará no porta-malas. Vou dirigir diretamente para o aeroporto. A partir
do momento em que eu te deixar, você estará por sua conta.
Alívio e ansiedade dançam em seu rosto. — Ok.
A arma está fria, mas queima as roupas das minhas costas. Eu a pego
em minha mão e faço sinal para ela se mover atrás de mim.
Os minutos que esperamos pelo retorno de Lazaro são angustiantes.
Minhas entranhas se movem tão alto que tenho medo que ele as ouça assim
que abrir a porta do porão. Mas também sei que meu marido nunca
esperará isso de mim. Aos olhos dele, sou impotente. Dificilmente uma
ameaça. Posso usar isso a meu favor.
Finalmente, a porta se abre com um rangido abafado. Estamos fora de
vista, então quando ele chega ao pé da escada, é para suas costas que estou
olhando. Não há tempo para hesitações. Não posso permitir que ele
processe o fato de que a garota não está mais amarrada. Meu dedo
pressiona o gatilho e assim que ele se vira, eu atiro.
CAPÍTULO TRÊS
VALENTINA

A arma recua. Lazaro cai. O som do tiro faz vibrar meus tímpanos. O
momento se expande, absorvendo cada vez mais informações até que
finalmente explode e eu pulo em movimento.
— Vamos. — eu digo, agarrando a garota pelo pulso.
— Ele está morto? — Ela pergunta enquanto eu a arrasto escada
acima.
— Não sei. — Não há tempo para verificar onde acertei nele, tudo que
sei é que ele está caído e não se move. O pensamento de que posso tê-lo
matado mal é registrado. Eu duvido. Eu não tenho tanta sorte.
Subo as escadas tão rápido que quase tropeço. De alguma forma,
ainda tenho bom senso suficiente para trancar a porta do porão quando
sairmos. Viramos a esquina e irrompemos na cozinha.
— Aqui. — Eu jogo a mochila para a garota.
Ela vasculha e faz um som frustrado. — Meu passaporte está aqui, mas
meu telefone e carteira sumiram.
Como ela vai pagar o voo? Precisamos de dinheiro. Se eu der a ela
meu cartão de crédito, Papà poderá facilmente localizá-la.
— Venha comigo. — digo a ela enquanto vou em direção ao escritório
de Lazaro no segundo andar. Ele tem um cofre cheio de dinheiro, armas e
outros objetos de valor. Meus sapatos param no chão de madeira polida
quando chegamos ao cofre. É uma coisa poderosa, quase tão grande quanto
uma geladeira.
— Você sabe o código? — a garota pergunta.
Não me preocupo em responder enquanto digito a senha. Assim como
o tempo, as palavras parecem preciosas. Cada som que fazemos é um risco,
uma oportunidade para alguém nos ouvir. Há esta hora a casa está vazia,
Lorna saiu no início da tarde, mas estou paranoica. Olho por cima do ombro
enquanto abro a pesada porta do cofre. Metade de mim espera ver Lazaro
sangrando bem atrás de nós com uma faca na mão, mas ele não está lá.
Entro e pego uma pilha de dinheiro, depois de um momento, pego
meu passaporte também. Não tenho ideia do que farei depois de deixá-la,
mas voltar aqui não é uma opção e não irei longe sem nenhum documento.
Tudo está quieto enquanto caminhamos para a garagem, mas minhas
mãos tremem quando pressiono o botão para abrir o porta-malas.
— Entre. — digo à garota.
Eu modero o desejo de acelerar pela vizinhança. Isso pode alertar
Michael de que algo está errado. Quando estaciono do lado de fora de sua
cabine, esboço meu sorriso mais relaxado, embora esteja hiperconsciente
das gotas de suor acumuladas ao longo da linha do meu cabelo. Michael sai
e faz sinal para que eu abaixe a janela. Sempre fomos cordiais, mas não mais
que isso. Espero que ele não esteja com vontade de conversar.
— Saindo? — ele pergunta, arrastando o olhar para o interior do carro.
Ele está apenas fazendo seu trabalho. Não há nada aqui que deva levantar
suspeitas.
— Sim. Preciso pegar algumas coisas para o jantar no supermercado.
— digo.
Seus olhos se estreitam. — O que é isso na sua bolsa? — Ele pergunta,
apontando para onde minha bolsa está no assento ao meu lado.
Meu coração salta para a garganta. Por uma fração de segundo, acho
que o passaporte escapou e ele está se perguntando por que preciso dele
para ir ao supermercado. Em vez disso, quando olho para baixo, é a faca que
enfiei ali que caiu.
Deixei escapar uma risada envergonhada. — Oh, isso deve ser de
Lazaro. Ele sempre esquece suas coisas no carro.
Michael funga. — Talvez você queira guardar isso no porta-luvas
enquanto você estiver fora.
— Você está absolutamente correto.
Ele me encara enquanto espera que eu faça isso. Droga, eu escondi a
arma lá. Abro o compartimento apenas alguns centímetros e deslizo a faca o
mais rápido que posso.
Ele fareja novamente e depois se afasta do carro. — Vou abrir o
portão.
Prendo a respiração até virar na esquina e ele desaparecer de vista.
Estamos fora. Na verdade, nós conseguimos sair.
Há um breve momento de alívio até que percebo que tenho outro
dilema. Não sei como chegar ao aeroporto mais próximo, Newark, sem o
GPS, o que significa que preciso manter meu telefone ligado, mas isso
significa que os homens de Papà poderão me rastrear assim que souberem
que fui embora. Merda.
Abro o aplicativo de mapas, digito rapidamente nosso destino e
examino a rota. Não é tão ruim. Assim que chegarmos perto do aeroporto,
haverá placas por toda parte. Com uma última olhada, abro o
compartimento do cartão SIM e jogo o chip pela janela. Então desligo meu
telefone.
Meus pensamentos disparam quando entro na rodovia. Tenho um
curto espaço de tempo para decidir o que diabos devo fazer. Michael vai
soar o alarme assim que perceber que estive fora por muito tempo. Será
apenas uma questão de tempo até que os homens de Papà me prendam.
Se Lazaro estiver vivo, eles vão me devolver para ele. Se ele estiver
morto, Papà será o responsável pela minha punição. Aperto minhas mãos
com mais força ao redor do volante. Ele não me tratará bem por interferir
em seus negócios, libertar um de seus prisioneiros e matar um de seus
melhores homens. Papà odeia traidores. Ele não vai me mostrar nenhuma
piedade.
Três batidas fortes vêm da traseira do carro.
Pego a próxima saída e entro no estacionamento de uma Target
abandonada. Essa parada é um tempo que não podemos desperdiçar, mas
temo que ela esteja sufocando ali dentro. Abro o porta-malas e a ajudo a
sair.
— Eu ia vomitar se ficasse lá por mais um minuto. — ela diz enquanto
balança as pernas para fora da borda.
— Precisamos continuar dirigindo. — digo a ela. — Ainda estamos a
cerca de dez minutos do aeroporto. — Pego meu telefone e corro até uma
lata de lixo próxima. Não tenho como ficar com o aparelho. Mesmo sem o
cartão SIM, tenho certeza que eles conseguirão me rastrear assim que eu
ligá-lo novamente. Estou prestes a voltar correndo para o carro quando meu
olhar se depara com minha aliança de casamento. Depois de um momento,
tiro-a do dedo e jogo-a fora também.
A garota se senta ao meu lado e voltamos para a estrada. — O que
vamos fazer quando chegarmos lá? — ela pergunta.
— Você vai comprar um assento no primeiro voo. — digo. — Você
precisa estar em um avião o mais rápido possível.
Na minha periférica, vejo-a acenar com a cabeça. Não consigo
imaginar o que ela está sentindo e pensando. Quanto disso ela se lembrará
quando a adrenalina passar? Ela está se segurando, mas por pouco.
Não que eu esteja muito melhor, para ser honesta.
Dirigimos em silêncio por alguns minutos, mas posso sentir seu olhar
pensativo sobre mim. — Por que você decidiu me ajudar? — ela pergunta.
Apesar dos muitos motivos que imediatamente surgem na minha
cabeça, tenho dificuldade em lhe dar uma resposta.
Porque você é inocente.
Porque você me lembra da minha irmã mais nova.
Porque se eu machucar alguém mais uma vez, posso me matar logo
em seguida.
E eu quero viver, mesmo que não mereça. Por alguma razão, não
estou pronta para dizer adeus a este mundo feio.
— Porque eu posso. — digo finalmente.
Há placas para o Aeroporto de Newark agora. — Deixe-me no terminal
internacional. — diz a garota.
É uma boa ideia sair do país. A influência de Papà vai longe, mas ele
não é onipotente.
— O dinheiro está na minha bolsa. — digo. — Pegue o que você
precisar.
Ela pega a bolsa que está presa entre seus pés e tira o maço de
dinheiro. Então ela conta. — Vou levar quatro mil. Isso será suficiente para
me levar para casa. — Ela continua a contar. — Isso deixa você com seis.
Seis mil, uma faca, uma arma e as roupas do corpo. Isso é tudo que me
resta em meu nome.
— O que você vai fazer? — a garota pergunta.
Correr.
Correr e esperar que eles não me encontrem.
Minhas irmãs não vão entender por que saí porque não sabem nada
sobre os jogos sádicos de Lazaro. Meus pais nunca vão contar a elas, mas
talvez este seja o alerta deles para não fazerem com Gemma e Cleo o que
fizeram comigo. Eu me pergunto como eles explicarão meu
desaparecimento. Cleo ficará cética, não importa o que digam, mas Gemma
pode acreditar neles. Ela é leal. Empenhada. Assim como eu costumava ser.
Antes do meu casamento, Mamma me disse que estava satisfeita com a
forma como eu absorvi todas as suas lições.
Desculpe, Mamma. Estou prestes a me tornar sua maior decepção. Eu
não aguentaria a vida que você queria para mim. Ninguém vai me chamar de
esposa perfeita depois disso.
— Ouviu-me?
Olho para minha companheira. Ela está roendo as unhas. Ela parece
tão assustada. Isso faz uma dor aparecer no meu peito.
Ela vai conseguir sozinha? E se eu atirasse no meu marido só para ela
ser levada por outra pessoa? Não tenho ideia de qual seja a história dela, ou
por que Lazaro recebeu ordem de levá-la. E se ele não fosse o único atrás
dela?
— Não sei o que vou fazer. — digo.
Uma mecha de cabelo emaranhada cai em seu rosto. — Você vem
comigo comprar minha passagem? — Sua voz treme. — Não quero parecer
suspeita para os funcionários da companhia aérea. Você pode dizer que é
minha irmã e que está me comprando uma viagem de última hora.
Não quero saber para onde ela está indo, mas ela tem razão. Ela
parece jovem e está viajando sem bagagem. E se eles acharem que ela está
com problemas e não permitirem que ela embarque?
— Ok, eu vou com você. Assim que passar pela número de segurança,
compre uma muda de roupa e use um chapéu. Não fale com ninguém, a
menos que seja necessário.
— Você acha que eles estão nos seguindo?
— Se ainda não estão, estarão.
O terminal internacional fica bem aqui. Paro em uma zona proibida e
saímos.
— Eles não vão rebocar seu carro? — ela pergunta.
— Seremos rápidas. — Deixe-os rebocá-lo. Eu não vou voltar a isso.
Assim que conseguirmos a passagem da garota, comprarei a minha para
algum lugar longe daqui.
Paramos na tela de embarque e ela aponta para um voo para
Barcelona. — Aquele. Poderei ser pega de lá.
Está saindo em uma hora.
— Vamos. — eu digo e a levo até o balcão.
Apesar de toda a nossa preocupação, a agente não pisca enquanto
emite a passagem para a garota.
Segurando o passaporte na mão, ela se vira para mim. Seus olhos
castanhos encontram os meus.
Resta-me dizer uma última coisa. — Nunca mais volte para Nova York.
Nunca.
Ela suga uma respiração irregular. — Esta cidade pode ir para o
inferno.
Seus tênis Converse de sola rosa batem no chão enquanto ela corre
até a fila de segurança.
Espero até que ela desapareça de vista e depois vou até outro agente.
Quando lhe digo que pegarei qualquer voo que saia na próxima hora
além do voo para Barcelona, ele balança a cabeça. — Todos os outros voos
que partiremos na próxima hora estão lotados. — ele me diz. — Você pode
tentar ir a uma companhia aérea diferente para verificar o que eles têm.
Terminal dois.
Eu cerro os dentes. Não há tempo para correr pelo aeroporto. Papà
pode já estar descobrindo o que aconteceu. — Mas há disponibilidade no
voo para Barcelona?
— Temos um assento restante na classe executiva. — confirma.
A garota Converse conseguiu o último assento na classe econômica.
Comecei a chamá-la assim na minha cabeça, porque é estranho ter vivido o
momento mais intenso da minha vida com alguém cujo nome nem sei. Ela é
a garota Converse de agora em diante.
— Quanto isso custa?
— São três mil quinhentos e dois dólares.
Meus olhos se arregalam. Jesus, é caro, mas é o que ganho por
comprar uma passagem minutos antes do embarque do voo. Não quero ir
para onde ela está indo, mas realmente não tenho escolha melhor. Entrego-
lhe o dinheiro.
Os dois mil e meio que ainda tenho na bolsa não parecem nada,
especialmente porque não sei o que vou fazer quando chegar à Europa.
Quanto tempo isso vai durar para mim? Não tenho ideia de como encontrar
um emprego. O único “trabalho” que já tive foi ajudar mamãe a organizar
eventos de caridade, não precisei fazer entrevistas para isso. Que
habilidades eu tenho? Não acho que guardar segredos, cozinhar uma
lasanha ruim e ter uma aparência bonita grite “contrate-me”.
A voz do agente me salva de um colapso total.
— Aqui está seu cartão de embarque. — Ele me entrega um pedaço de
papel. — Você deveria se apressar para o portão.
Saio correndo pelo aeroporto, passo pela segurança e entro em uma
loja para comprar um moletom e um chapéu. Meu vestido é muito
reconhecível e não quero que a garota da Converse me veja e pense que a
estou seguindo.
No portão, eu a vejo sentada em um dos assentos, então me certifico
de não estar na linha de visão dela. São todas famílias e turistas
entusiasmados pensando, mas cada vez que vejo um único homem, meu
coração dispara. Ele está pegando o telefone na jaqueta? Para quem ele está
ligando? Ele apenas olhou para mim por um segundo a mais?
A paranoia é brutal. Eu me forço a respirar fundo. Não há como Papà
ter me rastreado tão rapidamente. Mesmo que eu apenas causasse um
ferimento superficial em Lazaro e ele se levantasse assim que saíssemos de
casa, ele precisaria de algum tempo para me localizar. Ele não pode saber
para onde eu fui.
A menos que eles tenham rastreado o carro.
Oh Deus. Eu sou tão estúpida. Claro, eles rastreariam o sinal GPS do
carro. Se Lazaro puder ver que deixei o veículo no aeroporto, significa que
ele sabe que estou aqui. Ele provavelmente está a caminho agora. Ele já
pode estar no terminal.
Quando eles começam a embarcar, mal consigo me controlar.
Eu fico para trás até o último grupo e passo pelo procedimento de
embarque atordoada. Meu corpo está firmemente preso no modo lutar ou
fugir, mas sou forçada a esperar em uma fila e depois na próxima. Estou
nervosa e suada. Se alguém perguntar, direi que tenho ansiedade de voo.
Quando entro no avião, vejo a garota Converse em uma das últimas
filas da classe econômica. Ela está com um boné puxado para baixo sobre o
rosto e nem está tentando olhar para ninguém. Bom. Deslizo para o assento
da janela na quinta fileira e viro o rosto para a janela. Sairei do avião antes
dela, então, enquanto eu permanecer na seção de executiva durante o voo,
não há chance de ela me ver.
Quando a porta do avião se fecha e começamos a nos mover, um
gemido de alívio passa pelos meus lábios. Com ele vão os restos da minha
energia. Achei que ficaria nervosa durante todo o voo, mas meu corpo
desliga e caio no sono.
CAPÍTULO QUATRO
VALENTINA

A turbulência me acorda algum tempo depois. Do lado de fora da


minha janela, o céu está pintado com pinceladas magenta e laranja, nuvens
brancas e fofas se estendem abaixo de nós, até onde a vista alcança. A tela
no encosto do banco à minha frente diz que faltam quarenta minutos para
pousar em Barcelona.
Não sonhei, mas agora que voltei à terra dos vivos, imagens explodem
na minha cabeça. Garota Converse enrolada em posição fetal no chão duro
do porão. Minha palma apertou a arma fria. Lazaro caiu no chão, sangue
espesso escorrendo por baixo dele.
Talvez eu tenha conseguido matá-lo.
Esse pensamento me acalma. A calma chega dentro de mim e passa a
residir dentro do meu corpo pela primeira vez em meses.
Cada manhã que eu acordava ao lado de Lazaro marcava o início de
outro dia interminável. Eu tomava meu café da manhã, engasgava com o
almoço e tinha um ou dois ataques de pânico nas horas que antecederam o
retorno de Lazaro.
Eu nunca soube se ele traria alguém com ele naquele dia ou não. Ele
não operava em horário regular, porque o negócio do clã também não tem.
É tudo um caos, governado por sangue e pó branco, quando você pensa que
aprendeu as regras, elas mudam.
Havia dez deles. Uma média de um por semana desde o dia seguinte
ao nosso casamento. Não sei a maioria dos nomes deles, mas lembrarei de
seus rostos para sempre.
Estico os pés frios e doloridos e esfrego as palmas das mãos ao longo
dos braços para fazer um pouco de sangue fluir para as extremidades.
Resisto à vontade de me levantar para usar o banheiro e espiar a garota
Converse. Ela está bem. Ela disse que pode ser buscada no aeroporto, o que
significa que deve ter amigos ou familiares na Espanha. O sotaque dela era
espanhol ou italiano? Agora que penso nisso, pode ter sido qualquer um dos
dois. Se ela souber que estou no avião dela, ela só vai ficar assustada.
A luz acende e o piloto anuncia que estamos prestes a iniciar a
descida. À medida que o avião se enche de sons de cintos de segurança
sendo apertados e conversas sonolentas, as nuvens se abrem para revelar a
terra e o brilho inconfundível do mar.
Quando desço do avião e vou para a ponte de desembarque, sou
atingida por uma onda de calor opressiva. As placas estão escritas em inglês
e espanhol, eu as sigo até a alfândega. Eu só quero sair da zona restrita para
poder descobrir meu próximo passo.
Estive uma vez na Espanha para um casamento em Sevilha. Carolyn,
alguém que conheci desde o ensino médio. A única razão pela qual Papà me
permitiu ir foi porque o pai dela era senador. Foram quatro dias bebendo,
comendo tacos e descansando em belos palácios construídos para antigos
reis.
Meu irmão, Vince, era meu acompanhante, mas ele não ficou muito
tempo depois que outra convidada chamou sua atenção. De qualquer
forma, eu não estava disposta a fazer nada estúpido, não quando já estava
noiva de Lazaro. Eu estava nervosa em me casar com ele, mas não poderia
ter dito não ao papai quando ele me disse que Lazaro seria meu marido.
Assim que as palavras saíram de sua boca, presumiu-se que o negócio estava
fechado. Qualquer indício de desacordo teria sido recebido com severa
disciplina.
O despachante carimba meu passaporte e me devolve. — Bem-vinda à
Espanha. — ele diz e me faz sinal.
O aeroporto de Barcelona é enorme e extenso. Troco meus dólares
por euros, pego um doce e um expresso e sento-me a uma mesinha do café.
Preciso continuar me movendo para ser mais difícil de ser rastreada,
mas para onde devo ir? Não tenho mais telefone, então não posso nem
pesquisar nada online.
Há duas telas gigantes acima de mim que giram através do que parece
ser uma lista interminável de voos. Eu os examino enquanto mastigo, e
assim que consigo ler a lista inteira, um grupo de jovens britânicos se senta à
mesa ao meu lado.
— Mal posso esperar para ver Solomun. — diz um deles,
entusiasmado. — Ele vai tocar amanhã à noite no Revolvr, e todo mundo diz
que é a festa mais louca.
Seu amigo cutuca seu ombro. — Você esqueceu? Já prometemos à
Addie que a veríamos no Amnesia. Ela está trabalhando lá durante o verão
como garçonete.
Isso provoca um coro de vaias de seus companheiros. — Você ainda
está tentando ficar com aquela garota? — um deles exclama. — Esqueça,
cara. Ela está na porra de Ibiza, ela não está pensando em você.
Tomo um gole do meu café expresso e olho de volta para o quadro.
Há um voo para Ibiza em uma hora e meia.
A única coisa que sei sobre Ibiza é o que todo mundo faz. É uma ilha
conhecida pelas festas hardcore. Como a versão europeia de Vegas,
suponho. Um lugar onde as pessoas vêm e vão constantemente. Um lugar
onde pode ser fácil para uma garota se perder...
Tamborilo as pontas dos dedos na borda da mesa. O que tenho a
perder? Não é como se eu tivesse ideias melhores sobre onde ir.
Vinte minutos depois, estou no portão.
O resto da minha jornada é um borrão. Depois de desembarcar do
avião em Ibiza, minha mente registra uma série de imagens: a fila de táxis no
terminal, os outdoors anunciando DJs ao longo da estrada, as palmeiras que
ladeiam as calçadas.
O motorista me leva para Sant Antoni de Portmani... uma cidade que
ele diz ser muito mais barata que o centro de Ibiza. Estou tão cansada que
quando finalmente saio do carro, não penso duas vezes antes de entrar no
primeiro albergue que encontro.
O pequeno saguão cheira a incenso e madeira. Fotos da ilha cobrem a
maior parte das paredes, há prateleiras por toda parte com velas e livros de
viagens à venda. Uma jarra de água está sobre uma mesinha com algumas
xícaras empilhadas ao lado.
Sempre que viajava com minha família, sempre ficávamos em hotéis
cinco estrelas. Pisos de mármore brilhante, tetos altos, concierges em
uniformes bem passados e chocolates em nossos travesseiros. Lembro-me
de ser exigente com as coisas mais estúpidas - a contagem de fios dos
lençóis e a firmeza do colchão.
Agora, estou tão exausta que ficaria bem dormindo em um palete de
madeira.
Peço um quarto privado por duas noites. Isso deve ser suficiente para
eu descobrir o que fazer a seguir.
A recepcionista me olha com curiosidade enquanto digita algumas
coisas em seu computador. Estou preocupada que ela me faça perguntas
que não posso responder, mas além de pedir para ver meu passaporte, ela
segura a língua. Quais são as chances dos gênios da tecnologia que Papà tem
em sua folha de pagamento conseguirem me rastrear no sistema do
albergue? É um tiro no escuro, mesmo para eles.
— Aqui está. — Ela me entrega meu recibo e uma chave presa a um
chaveiro simples de metal. Gravado nele está o número cinco. — Você está
bem no final do corredor. Última porta à direita.
— Obrigada.
Por dentro, meu quarto é simples, mas limpo. Desabo na cama e tento
tirar uma soneca, mas mesmo estando mortalmente cansada, o sono não
vem. A ansiedade de não saber o que vou fazer aqui me atormenta. Minha
carteira fica cem euros mais leve depois de pagar o quarto e não tenho
como reabastecer meu dinheiro.
Sento-me e sinto meu cheiro. Jesus, eu estou fedendo.
Definitivamente não vou encontrar um emprego se parecer que não tomo
banho há dois dias. Arrastando-me para o banheiro, me refresco o melhor
que posso e depois saio para comprar alguns produtos de higiene pessoal e
algumas mudas de roupa.
A cidade se desenrola ao meu redor como uma tapeçaria colorida. Está
um pouco degradada, mas a costa e a água azul-celeste mais do que
compensam.
Ando um pouco, mas à medida que a tarde avança, o mostrador do sol
aumenta. Está incrivelmente quente. A umidade deixa minha pele pegajosa,
e o dinheiro que enfiei dentro do sutiã porque não queria deixar nada no
albergue está me dando coceira. Tiro a maior parte e coloco na minha bolsa.
Há uma pequena área comercial que a recepcionista recomendou e
marcou com um X no meu mapa turístico. Ela disse que eu encontraria tudo
o que precisasse lá, então fui até lá.
Pego três blusas, um short, um vestido leve, um par de tênis, uma
calcinha e uma mochila para guardar tudo. Depois de pagar tudo, passo na
entrada da loja e faço uma contagem rápida do dinheiro que sobrou na
bolsa. Mil oitocentos e trinta e quatro euros, mais o pouquinho que sobrou
no meu sutiã. Está bem. Eu farei isso funcionar.
A esta altura, minha família deve saber que eu parti. Já se passaram
quase vinte e quatro horas. Se o Lazaro está morto, a empregada deve tê-lo
encontrado. Se ele estiver vivo, ele teria contado ao Papà o que aconteceu.
Quando começo a voltar para o albergue, imagens de Lazaro caído no
chão passam pela minha mente. Não sinto um pingo de pena dele. Eu
realmente não sinto nada.
Um arrepio percorre meu corpo. Isso está errado, não é? Eu deveria
ter alguns sentimentos sobre o fato de poder ter assassinado meu marido. E
se algo dentro de mim estiver permanentemente danificado? Este é o meu
castigo? Estar condenada a viver o resto da minha vida entorpecida? Incapaz
de sentir emoções humanas normais, incapaz de empatia ou amor?
Eu ajudei a garota Converse. Isso tem que contar para alguma coisa.
Quando a vi ali, tão jovem e aterrorizada, não consegui. No entanto, esse
ato não compensa as outras pessoas que prejudiquei. Nem mesmo perto. Eu
poderia ter escolhido ajudar qualquer um deles, e não o fiz.
Um corpo colide comigo com força suficiente para tirar o ar dos meus
pulmões.
— Que diabos?
Tudo o que vejo é um turbilhão de roupas pretas e um flash de um
rosto masculino.
— Disculpe! — ele diz, e então ele está fugindo de mim.
Demoro um total de três segundos para entender o que acabou de
acontecer.
Minha bolsa desapareceu.
Eu corro em minhas sapatilhas frágeis com minha mochila nova
quicando dolorosamente na parte inferior das costas e grito atrás do ladrão,
mas a distância entre nós só aumenta.
Ele é mais rápido que eu.
Os transeuntes param e ficam olhando, alguns até tentam agarrar o
homem, mas nenhum consegue. Eventualmente, eu paro, minha respiração
saindo ofegante. Minhas mãos pressionam minhas coxas, e qualquer bolha
de esperança que eu tenha deixado explode.
Meu dinheiro acabou.
Sinto-me doente.
Quando volto para o albergue e conto à recepcionista o que
aconteceu, ela se solidariza.
— Você quer registrar um boletim de ocorrência? — ela pergunta.
— Você acha que isso vai ajudar?
Ela estremece se desculpando. — Honestamente? Não. Nos meus
cinco anos de trabalho aqui, vi cerca de uma dúzia de hóspedes serem
assaltados e apenas um conseguiu recuperar a bolsa. Vazia.
Suspiro e me inclino contra o balcão. Claro, não posso ir à polícia. Não
posso mostrar-lhes o meu passaporte, que ainda tenho porque o guardei na
mochila. Por que diabos não fiz isso com o dinheiro?
Fiquei com algumas notas amassadas dentro do sutiã. O que farei
quando acabar?
Tudo está dando errado.
Estou quase chorando quando a porta que leva ao dormitório
feminino se abre e duas jovens saem. Elas estão vestidas com shorts curtos e
camisetas gráficas. Uma delas, uma loira alta e bonita, com grandes olhos
azuis, me lança um olhar de pena.
— Ouvimos o que aconteceu. — diz ela. — Isso é uma merda.
Sua amiga concorda com a cabeça. — Fui assaltada no ano passado em
Barcelona. Eles pegaram minha identidade, meu telefone, tudo. Foi o pior.
— Ela coloca uma mecha de cabelo escuro e encaracolado atrás da orelha.
Ela é mais baixa que a loira e sua camiseta verde diz Você pode ser o que
quiser.
— Eu deveria ter sido mais cuidadosa. — digo. — Eu baixei minha
guarda.
— Que tal pegarmos uma bebida para você? — a loira pergunta. —
Estávamos prestes a ir a um bar nesta rua.
Álcool. Sim, isso parece muito melhor do que a outra coisa que estou
pensando: pular sob as rodas de um caminhão.
Dou-lhes um sorriso cansado. — Claro, isso vai ser legal.
Elas se apresentam enquanto caminhamos. A loira é Astrid e a morena
é Vilde.
— Qual o seu nome? — Vilde pergunta.
Porcaria. A recepcionista sabe meu nome verdadeiro, então não posso
dar algo totalmente aleatório caso elas usem na frente dela, mas quanto
menos pessoas souberem meu nome verdadeiro, melhor. — É Ale. — eu
digo. Bom o bastante. Em teoria, poderia ser um apelido incomum para
Valentina. — De onde vocês são?
— Suécia. — Astrid abre a porta do que parece ser um bar. Acima da
porta há uma placa que diz Caballo Blanco. — E você? Você está aqui de
férias?
Eu realmente deveria ter preparado minhas respostas com
antecedência, em vez de fornecê-las de improviso. — Eu sou do Canadá.
Apenas viajando por alguns meses. E vocês?
— Somos trabalhadores sazonais. — diz Vilde enquanto nos sentamos
numa mesa livre. — Acabamos de ser contratadas na semana passada.
— Que tipo de trabalho vocês fazem? — Pergunto depois que um
garçom anota nosso pedido de uma jarra de sangria.
— Sou dançarina. — diz Astrid. — E Vilde é bartender. — Um largo
sorriso se espalha por seu rosto. — Já faz algum tempo que sonhamos
passar uma temporada trabalhando em Ibiza.
— Dá trabalho, mas também é muito divertido. — diz Vilde.
Meu humor melhora um pouquinho quando chega a sangria. Eu não
bebia muito antes de me casar com Lazaro, mas durante nosso casamento
consegui uma garrafa de vinho por dia. Jogo o copo inteiro de volta em dois
goles e rezo para que o álcool faça efeito rapidamente. Preciso de algo para
aliviar a tensão.
— Você acha que eu poderia conseguir um emprego aqui? — pergunto
enquanto Astrid enche meu copo. — Eu não sou exigente. Aquele cara
pegou a maior parte do meu dinheiro, e se eu não descobrir como conseguir
mais, não sei o que farei. Preciso economizar um pouco antes de poder ir
para qualquer outro lugar.
Astrid geme e balança a cabeça. — Que pesadelo. Não acredito que
aquele idiota arruinou sua viagem. Mas escute, sempre há trabalho para
garotas bonitas em Ibiza.
Minha coluna se endireita. — Você acha?
— Os clubes contratam muita gente para a alta temporada e isso está
apenas começando.
— Não sei dançar e a única bebida que sei fazer é um martini. —
digo.
— Por favor, você encontrará um emprego. — Astrid dá um tapinha no
meu ombro. — Basta olhar para você e os dirigentes do clube vão comer na
sua mão.
— Ela está certa. — diz Vilde. — Eles passam feito loucos pelas
pessoas, porque muitos trabalhadores festejam demais e simplesmente
deixam de aparecer. Eles estão sempre contratando. Venha ao nosso clube
esta noite. Trabalhamos na Revolvr. Gostaríamos de dar uma boa palavra,
mas como somos tão novas, não contará muito. Você deveria tentar falar
com um dos gerentes.
O que tenho a perder? Não tenho muito a oferecer, mas estou
disposta a aprender.
Porém, há outro problema. — Não sei se tenho permissão legal para
trabalhar aqui.
Astrid tsk. — Você encontrará uma maneira de contornar isso.
— Tive um amigo argentino que trabalhou aqui três verões seguidos
debaixo da mesa. — diz Vilde — Não é incomum aqui.
Trabalhar ilegalmente em Ibiza – uau, a vida com certeza dá voltas
bruscas. Mas se eu conseguir um emprego sem documentos, ficarei
praticamente indetectável.
— Vale a pena tentar. — eu digo.
Astrid me dá um sorriso encorajador. — Chegue lá por volta da uma.
— ela diz antes de rir da minha expressão confusa. — A festa dura à noite
toda e a manhã toda aqui.
Parece que estou prestes a me tornar uma criatura da noite. Poderia
ser uma coisa boa.
Afinal, no escuro há mais lugares para se esconder.
CAPÍTULO CINCO
VALENTINA

Há momentos na vida em que alguém fica livre. As coisas que


consideramos certas são arrancadas de nós. Condições que presumimos
serem permanentes revelam-se tão temporárias quanto um belo pôr do sol.
O familiar desaparece e somos forçados a enfrentar o desconhecido.
Quando abro os olhos, não reconheço nada ao meu redor. As paredes
são amarelas, mas estou acostumada com elas sendo azuis. A cama de
molas é irregular e faz barulho toda vez que me movo. O banheiro cheira a
limão.
— Você está na Espanha. — murmuro baixinho. — Você escapou.
Não parece real. Talvez se eu continuar falando sozinha, acabe dando
certo.
Está escuro lá fora. O relógio barato pendurado na parede diz que é
meio-dia, o que significa que preciso começar a me preparar para o Revolvr.
Tomo banho e coloco o vestido microscópico que comprei depois de
me despedir de Vilde e Astrid. Elas recomendaram que eu usasse algo
vistoso para caber. Tem um corte em V profundo na frente, um ainda mais
profundo atrás, e a bainha mal cobre minha bunda.
Nunca usei nada assim em toda a minha vida. Sinto-me tão
desconfortável com ele que não posso deixar de puxá-lo constantemente
enquanto espero um táxi. Quando o táxi chega, manobro meu corpo dentro
do carro e de alguma forma consigo evitar um escorregão.
As meninas me disseram anteriormente que eu deveria perguntar a
um dos garçons se um gerente estava por perto quando eu chegasse. Não é
exatamente um plano, especialmente porque não sei o que vou dizer,
mesmo que consiga encontrar alguém com quem conversar. Tudo o que sei
é que estou pronta para implorar por um emprego, se for preciso.
— Chegamos. — anuncia o motorista enquanto paramos.
Quando ele me diz a quantia, gemo interiormente. Não confiei em
mim mesma para saber o horário do ônibus no meio da noite, mas parece
que terei que fazer isso no caminho para casa.
Pago ao motorista e saio para dar uma olhada. A praia fica próxima.
Não consigo ver, mas sinto o cheiro do sal no ar. Existem alguns prédios de
apartamentos, nada que chame muito a atenção, exceto por um letreiro de
néon gigante no topo de uma estrutura quadrada que diz Revolvr.
Quando entro na propriedade, meu queixo cai.
É muito maior do que parecia visto de fora. Estou perdida
imediatamente. Passo por pelo menos três bares antes de entrar na área
principal, onde um DJ toca música dançante com baixo pesado. É um espaço
cavernoso com varandas, vários níveis e uma enorme pista de dança. Você
poderia acomodar milhares de pessoas aqui, fácil.
Minha cabeça gira, não apenas por causa das luzes estroboscópicas ou
do desenho animado japonês em ritmo acelerado passando na tela grande.
Eles nunca me encontrarão aqui, percebo com alívio. Se eu conseguir um
emprego no clube, ninguém vai me notar trabalhando nessas massas de
corpos girando e luzes piscando.
Aproximo-me de um pequeno bar encostado em uma das paredes e
tento chamar a atenção de um garçom. — Com licença!
Ele não me ouve. A música que sai do sistema de som está muito alta.
Tento novamente e é desconfortável. Sempre me disseram para ter
fala mansa e recatada, mas não posso mais me dar ao luxo de ser assim.
Literalmente. Se eu quiser sobreviver sozinha, preciso sair da minha zona de
conforto.
O garçom finalmente me nota. — Hola — diz ele, olhando-me de cima
a baixo. — Um centavo.
— Sinto muito, estou procurando um gerente. Há algum aqui esta
noite?
Suas sobrancelhas se franzem. — Um gerente? Não sei, acabei de
começar meu turno. Olha, estamos muito ocupados.
Eu limpo minha garganta. — Quem está no comando esta noite?
O garçom franze os lábios. — O chefe está aqui, então ele está no
comando. Você vê aquele pequeno camarote lá em cima?
Viro-me para olhar na direção que ele está apontando e é aí que o
vejo.
Um homem solitário está em um camarote bem acima da pista de
dança, luzes bruxuleantes dançando sobre sua forma.
Os cabelos da minha nuca ficam em pé.
A voz do garçom chega abafada, como se alguém tivesse colocado um
recipiente de vidro na minha cabeça. — Aquele é o Sr. De Rossi.
Mesmo tão longe, ele é intimidante. Alto, de costas retas e
impecavelmente vestido. Ele está vestindo um meticuloso terno de três
peças que se molda ao seu corpo como se fosse feito de massa. Passei
minha vida perto de homens vestidos com ternos assim e sei o que eles
significam.
Poder. Prestígio. Brutalidade.
Meus olhos se arregalam quando seu olhar escuro desliza em minha
direção.
Pare. Você está exagerando.
Minha mente paranoica ainda vê perigo por toda parte. Ele é dono de
1
um clube, não um made man .
Mas ele está olhando para mim como se eu existisse apenas para seu
consumo. Como se eu tivesse sido comprada e paga por ele, e hoje fosse o
dia em que ele tomaria posse.
Eu afasto o sentimento.
Não estou aqui para ser reivindicada.
— Ele está olhando para você. — diz o atendente, parecendo um
pouco perplexo, como se isso não fosse uma ocorrência normal. — Vocês se
conhecem?
— Não. — eu digo. — Mas eu preciso falar com ele.
Há risadas irônicas atrás de mim. — Boa sorte.
Viro-me para perguntar ao garçom o que ele quer dizer com isso, mas
ele já se foi, servindo uma bebida para outra pessoa. Eu poderia usar um
pouco de coragem líquida, mas não tenho condições de pagar um coquetel
de quinze euros.
Quando olho para o camarote, a atenção de De Rossi está em outro
lugar. Há um homem barbudo com cabelo escuro penteado para trás parado
ao lado dele.
O recém-chegado tem um físico impressionante – forte e musculoso.
Ele tem um walkie-talkie preso ao cinto como os seguranças, mas não está
usando uma camiseta da marca Revolvr como os outros que vi por aí. Ele dá
um tapinha nas costas de De Rossi em uma saudação familiar e diz algo ao
homem. Tenho a sensação de que os dois são amigos.
E se eles saírem juntos para algum lugar? Não posso perder tempo.
Para surpresa de absolutamente ninguém, sou parada por um
segurança ao pé da escada que leva ao camarote.
— Somente funcionários. — diz ele com uma voz monótona.
— Preciso falar com o Sr. De Rossi.
Ele me lança um olhar superficial, funga e balança a cabeça. — E eu
preciso ir para casa e foder minha esposa. Todos nós temos nossos sonhos.
Minhas bochechas ficam vermelhas, mas puxo os ombros para trás. —
Por favor, isso é muito importante.
— Eu duvido.
— Só preciso de alguns minutos.
Seus olhos se estreitam. — Eu disse, apenas funcionários. Você quer
ser escoltada para fora?
Minhas unhas cravam nas palmas das mãos. Merda. O que eu deveria
fazer?
— Deixe-a passar.
Olho na direção da voz. É o cara musculoso que estava conversando
com De Rossi. Ele acabou de descer as escadas e agora está olhando para
mim com olhos curiosos. No lóbulo da orelha esquerda há um pequeno
brinco de prata pendurado.
— Ras. — diz o segurança. — Tem certeza disso?
2
— Ella llamó su atención .
O segurança me lança um olhar zangado, suspira pesadamente e
levanta a corda de veludo. — Vá.
Não posso acreditar na minha sorte. Não tenho ideia do que esse tal
de Ras disse ao segurança, mas isso não me impede de lhe dar um sorriso
brilhante. — Obrigada.
Ele balança a cabeça como se minha gratidão fosse equivocada.
Um calafrio de medo irrompe dentro de mim, mas eu ignoro. Eu
cheguei até aqui. Não vou voltar atrás.
Quanto mais me aproximo de De Rossi, mais forte meu coração bate.
Posso senti-lo batendo no meu pescoço, nos dedos e até nos pés. Se eu
estragar tudo, estou ferrada.
Há uma cabine escondida no camarote que não pode ser vista de
baixo. De Rossi está sentado lá agora, com os braços abertos no encosto do
banco. Ombros largos, cintura fina e alguns centímetros de cabelo solto,
afastados de seu rosto brutalmente bonito. Suas sobrancelhas estão
franzidas enquanto ele observa a multidão. Um clipe brilha em sua gravata.
Eu hesito. É como se De Rossi fosse um rei em seu castelo.
Suponho que seja exatamente isso.
Quando deslizo para dentro da cabine e me sento na beirada, aqueles
olhos voltam para mim. Há uma carga letal sobre ele. Ele tenta esconder isso
sob as linhas nítidas de seu terno e seu comportamento sereno, mas seus
olhos o traem. Eles parecem mais velhos que o resto dele, com pés de
galinha visíveis em seu rosto sem rugas. O que esses olhos viram?
Respiro fundo e me arrependo imediatamente. A colônia deste
homem foi projetada para fazer você querer se deitar sobre ele.
— Posso ajudar? — Seu poderoso tenor desliza sobre minha pele
como um manto de seda. Percebo um sotaque muito suave.
— Olá, meu nome é Ale.
— Ale…?
— Romero.
— O que você está fazendo aqui, Romero? — Ele pega um copo extra
de uma bandeja à sua frente, derrama nele o que parece ser uísque e desliza
o copo para mim.
Eu pego e aperto contra o peito. — Eu precisava falar com você.
Ele toma um gole de sua própria bebida cor de caramelo. Seus olhos
descem para o meu copo e depois passam para o corte revelador do meu
vestido. Seu olhar permanece descaradamente. — Então fale.
Minhas mãos coçam para ajustar minhas roupas, mas me forço a não
fazê-lo e me esforço para encontrar algo para dizer. — De Rossi é um nome
italiano, não é?
Ele concorda.
— Eu também sou italiana. Italo-canadense. — esclareço. — Minha
família imigrou há muito tempo. Faz muitos anos que não volto.
Suas sobrancelhas franzem com a minha divagação.
Ok, hora de explicar tudo. Eu limpo minha garganta. — Estou
procurando trabalho. Eu esperava poder convencer você a me contratar.
Linhas aparecem em sua testa. Acho que consegui surpreendê-lo. —
Você está procurando trabalho?
— Correto. Estou disposta a fazer qualquer coisa. — Minhas
bochechas esquentam quando percebo como isso soou. — Quero dizer,
aceitarei qualquer posição que você tiver disponível.
Seus lábios se contraem, mas leva apenas um momento para ele ficar
severo novamente. — Contratamos todos os nossos funcionários há
semanas.
— Ah. Bem, acabei de chegar. — A perspectiva de ficar sem teto faz o
pavor se solidificar no fundo da minha barriga. Pense, droga. Convença esse
homem! — Este lugar é gigantesco. Tenho certeza de que você sempre pode
precisar de ajuda extra. As pessoas devem ir e vir o tempo todo. — Estou
pescando. Águas profundas.
— O que você quer fazer aqui exatamente?
Aliso as palmas das mãos sobre meu colo. — Para ser honesta, não
tenho nenhuma habilidade específica em si.
— Não diga. — ele interrompe antes de tomar outro gole de seu
uísque.
Finjo que não o ouvi. — Mas eu sou a trabalhadora mais esforçada que
você já conheceu.
Com isso, seu comportamento sério cede e ele dá uma risada.
Se ele não estivesse rindo de mim, eu poderia parar um momento
para apreciar o som estrondoso, mas estou muito ocupada tentando manter
a compostura.
— Porque é que isso é engraçado? — Eu pergunto.
Ele passa a mão sobre a boca e me encara com um olhar direto. —
Principessa, parece que você não trabalhou um só dia na vida. O que você
sabe sobre trabalho duro?
Suas palavras podem muito bem ser um soco no estômago.
Engulo a queimação na garganta por causa do insulto e forço as
próximas palavras a saírem da minha boca. — Isso é uma coisa presunçosa
de se dizer. Você não sabe nada sobre mim.
— Não, mas tenho olhos e cérebro. O que vejo é que você gosta de
exibir seus principais trunfos. — Seu olhar lambe meu peito. — Você parece
pensar que basta isso para que os homens façam tudo o que você diz. Talvez
tenha funcionado em casa, mas infelizmente para você, em Ibiza, mulheres
bonitas custam um centavo a dúzia. Se eu contratasse todas elas, não teria
uma boate. Eu teria um harém.
O constrangimento reveste minha pele com calor. — Isso é injusto.
— A vida é injusta. Se eu estivesse errado sobre qualquer coisa que
acabei de dizer, você já teria aprendido essa lição. — Ele desvia o olhar de
mim, sinalizando sua dispensa.
Uma sensação estranha começa a crescer dentro do meu peito.
De jeito nenhum. Ele não pode me dispensar assim. Eu não vou deixá-
lo. Deixei que outros pisassem em mim durante toda a minha vida, mas isso
acaba agora.
Eu nem sei o que estou fazendo quando bato meu copo na mesa com
um barulho alto para chamar sua atenção de volta para mim. Nunca
enfrentei um homem assim, nunca ousei fazê-lo, mas deve ser meu
desespero colocando minha espinha dorsal no lugar.
— Eu sei que a vida é injusta. — digo com raiva. — É injusto que
homens como você desprezem mulheres como eu por causa das primeiras
impressões equivocadas. Deve ser bom ter o privilégio de cagar nas pessoas
que tentam encontrar um trabalho honesto.
Ele zomba. — Você não precisa de trabalho honesto quando tem um
fundo fiduciário. Essas sapatilhas custam mais de mil euros. Papai se cansou
de pagar suas contas? Talvez você devesse considerar se reconciliar com ele
antes de tentar viver alguma tentativa incompleta de independência na
porra de Ibiza.
— Declaração ousada para alguém que o papai provavelmente
comprou este clube para ele.
A expressão de De Rossi fica tensa. — Meu pai está morto. Este clube
é produto do meu próprio sangue, suor e lágrimas. É por isso que me irrita
quando garotinhas mimadas como você entram esperando que todos lhes
deem exatamente o que querem por apenas exibirem seus peitos.
Eu me levanto. — Você é um porco.
Ele se levanta e entra no meu espaço. — Não, eu sou um lobo. E você
é uma ovelha que vagou pelo pasto errado.
Minhas mãos se fecham em punhos enquanto ergo o pescoço para
olhar seu rosto. Ele acha que pode me intimidar desdobrando-se em toda a
sua altura e elevando-se sobre mim? O que De Rossi não sabe é que vivi
toda a minha vida rodeada de homens muito mais assustadores do que ele.
Fisicamente, posso não ser páreo para ele, mas se ele acha que pode me
fazer encolher apenas com suas palavras, ele ficará muito desapontado.
— Não sou uma ovelha. — digo, pronunciando cada palavra. — E eu
não quero que você me dê nada por simplesmente aparecer. Quero uma
chance justa, só isso. Deixe-me trabalhar aqui por uma semana como teste.
Se der certo, me contrate. Se eu não atender aos seus padrões, irei embora
quando a semana acabar.
Ele arrasta o lábio inferior com os dentes. — Por que eu concordaria
com isso?
— Porque se você não fizer isso, você será apenas um idiota crítico
que gosta de rebaixar outras pessoas. Você não quer saber se está certo
sobre mim? Ou você está com medo de provar que está errado?
— Dificilmente.
— Então aceite o acordo.
O ritmo diminui e a multidão abaixo de nós explode em gritos
entusiasmados, mas De Rossi está imóvel enquanto considera minha oferta.
Eu olho em seus olhos. Agora que ele finalmente fechou essa boca
insuportável, estou mais uma vez ciente de que ele é um homem muito,
muito atraente. Ele realmente não merece aquelas malditas maçãs do rosto
ou aquela testa larga ou aqueles lábios que parecem surpreendentemente
macios ao toque.
Meu estômago se agita.
Uma pulsação constante aparece entre minhas pernas.
Meu Deus, o que há de errado comigo? Não estou aqui para admirá-lo.
Estou aqui para conseguir um emprego para poder manter um teto sobre
minha cabeça.
Seu próprio olhar desliza sobre meu corpo, como se eu finalmente o
convencesse de que mereço uma segunda olhada.
Sua mandíbula tenciona e então ele balança a cabeça. — Muito bem.
Uma semana. Esteja aqui na segunda-feira, às onze da manhã.
Um sorriso lento e triunfante se espalha pelos meus lábios. — Estarei
aqui.
— Tudo bem.
— Ótimo.
Ele me lança um último olhar cansado e depois faz um pequeno gesto
com a mão para alguém atrás de mim.
Ras aparece no topo da escada.
— Ela está pronta para ir embora. — diz De Rossi depois de um
momento.
— Eu vou te acompanhar. — Ras estende a mão na minha direção.
Eu aceito e De Rossi franze a testa. Ele provavelmente já está
arrependido do nosso acordo. Enquanto desço os degraus, posso sentir seus
diabólicos olhos negros abrindo um buraco na parte de trás da minha
cabeça.
Já sei que ele não vai facilitar as coisas, mas sobrevivi a dois meses de
inferno com Lazaro. Posso passar uma semana com De Rossi, não importa o
que ele jogue em meu caminho.
CAPÍTULO SEIS
DAMIANO

Eu não sou eu mesmo esta noite.


O peso no meu peito é pesado. A dor dentro da minha cabeça é do
tipo que não tem cura simples.
Quando fecho os olhos, vejo chamas subindo pelas pernas da minha
mãe enquanto ela está na cozinha da casa da minha infância, nos arredores
de Casal di Principe. Sempre que sinto cheiro de gasolina, penso naquela
noite.
Sempre que sofro uma falha, lembro-me dos gritos que ela deu.
— Você não precisava entrar.
Eu pisco. Ras está sentado do outro lado da mesa. Estamos em meu
escritório, a cerca de cem metros da pista de dança principal do Revolvr,
mas as paredes à prova de som garantem que nenhum som penetre. Como
é que não o ouvi entrar? Cazzo.
— Se eu não estivesse aqui, estaria escalando as paredes de casa. —
digo ao meu braço direito. É verdade. Não tive distrações para me manter
ocupado. O que levanta a questão... por que diabos eu deixei aquela garota
ir embora mais cedo, quando eu tinha toda a intenção de transformá-la em
minha distração esta noite?
Ale Romero. Quando a vi perto do bar, juro, senti arrepios. Nos tempos
antigos, os reis teriam travado guerras por uma mulher como ela. Rosto
requintado, seios bem torneados, bunda apertada e cabelo preto brilhante
que quase chegava à cintura elegante. Eu podia sentir a agitação da loucura
dentro de mim. Eu tinha uma forte suspeita de que ela regularmente
deixava os homens loucos.
Meu mau humor melhorou quando a vi se movendo em direção à
entrada do meu camarote. Eu tinha certeza que ela queria me foder ali
mesmo. Não teria sido a primeira vez.
Na maioria das noites, tudo que preciso fazer é aparecer e as mulheres
aparecem. É assim que funciona quando você possui metade da ilha mais
famosa do mundo... no meu portfólio de clubes, hotéis e restaurantes, o
Revolvr é apenas a joia da coroa.
Em vez disso, ela pediu um emprego.
Isso me surpreendeu, o que não acontece com frequência.
Geralmente sou bom em ler as intenções das pessoas, mas mesmo essa
minha habilidade parecia comprometida depois do show de merda daquela
manhã. Isso me irritou. Eu a queria, mas eu poderia dizer que ela me faria
trabalhar para isso. Normalmente, eu adoraria o desafio, mas esta noite não
estou com humor para jogar.
Eu a ataquei apesar de já ser difícil para ela. Quando ela mostrou um
pouco de coragem em vez de recuar, fiz algo que só poderia atribuir ao meu
estado de espírito agitado.
Eu cedi.
Ras apoia o tornozelo no joelho. — Se você está pensando sobre o que
aconteceu, talvez devêssemos conversar sobre...
— Cansei de falar sobre isso. — eu rosno — Eles limparam a garagem?
— Sim, o corpo desapareceu.
— Bom. Não há mais nada a fazer até obtermos mais informações. —
Ras sabe disso tão bem quanto eu. Hipóteses e suspeitas não são suficientes
para fazer uma acusação contra o nosso don.
Ele me estuda por um momento e depois estreita os olhos. — Então o
que diabos está em sua mente? Você está fixado em alguma coisa.
Eu olho para ele. Às vezes, ele consegue me ler muito bem.
Eu não deveria ter a deixado ir embora. Eu deveria ter me inclinado ao
pensamento perverso que tive quando ela disse que faria qualquer coisa
para conseguir o emprego. Tire esse vestido, suba no meu pau e salte.
Esse visual envia uma pulsação para minha virilha. Parece
particularmente imundo, porque não é assim que contrato meus
funcionários. Minha moral pode ser frouxa para a maioria dos padrões, mas
eu não chegaria onde estou fazendo coisas estúpidas como essa em meus
negócios legítimos. A reputação é tudo em Ibiza.
— É aquela garota, não é? — Ras pergunta, estudando minha
expressão taciturna. — Se você a queria, por que a deixou ir?
— Eu não fiz isso. — eu digo. — Ela estará aqui na segunda-feira.
Isso o confunde. — O que você quer dizer?
— Ela vai fazer um teste para um emprego. Concordei com um teste
de uma semana.
Ras leva os dedos à testa e olha para mim. — Você está falando sério?
— Eu realmente não estou com humor para brincadeiras.
Isso me rende um gemido frustrado. — Que teste? Você sabe que não
tenho tempo para isso com tudo que está acontecendo.
Ras é a única pessoa que pode falar comigo dessa maneira. Sem o
outro, estaríamos ambos mortos dez vezes. Além disso, ele é da família.
Ainda assim, quando lhe dou um olhar sombrio, ele endireita as costas e faz
um pequeno aceno de cabeça. É a maneira dele de reconhecer que agora
não é hora de testar minha paciência.
Ele não está errado. Por que diabos eu concordei com esse teste
estúpido? Posso cancelar, mas não gosto de não cumprir minha palavra. Eu
poderia muito bem me divertir um pouco atormentando Romero do jeito
que a memória dela está me atormentando agora. Ela não durará mais do
que alguns dias. Se ela trabalha duro, então sou um maldito padre.
— Eu não quero que você perca tempo com isso. Entregue-a para Inez.
Ele arqueia uma sobrancelha. — Inez? Se a garota vai trabalhar aqui,
podemos muito bem fazer dela uma dançarina. Ela se dará bem com os VIPs.
A ideia dela dançando na frente de grupos de homens bêbados
espalha uma sensação de queimação em meu peito. De jeito nenhum. — Eu
disse para entregá-la a Inez. Se ela durar uma semana, posso reconsiderar,
embora não espere que isso aconteça.
Ele solta um longo suspiro pelos lábios. — Va bene.
— Você falou com Napoletano?
— Algumas horas atrás. — ele diz. — O projeto de construção recebeu
luz verde do Sal esta manhã.
— Merda. — Sal vai despejar concreto em uma fábrica que fica no
território de outro clã. Nosso don é um idiota. Eu sei disso, Ras sabe disso,
todo mundo sabe disso. E mesmo assim ninguém fala. — Teremos uma
guerra em nossas mãos.
Ras balança a cabeça. — Você já deu sua opinião no mês passado.
Deixe.
Eu não gosto do tom dele. — Você acha que eu deveria ter ficado em
silêncio na reunião?
Ras suspira. — Você sabe que Sal nunca vai ouvir você, mesmo que
você esteja cem por cento certo e ele cem por cento errado. Falar
abertamente só vai piorar as coisas. Você o irritou ao questionar seu
julgamento na frente de todos os outros capos na reunião, e agora temos
Nelo e Vito aqui, metendo seus narizes feios em nossos negócios. Quem
sabe até onde ele está disposto a ir para colocar você na linha?
Nossos olhos se encontram. Sim… a que distância?
Eu me recosto na cadeira e olho para a foto pendurada na parede. Ras,
seus pais, Martina e eu. Teria sido uma foto diferente se Sal não tivesse
matado meu pai e tomado seu lugar como chefe do clã Casalesi, um dos
mais poderosos do sistema Camorra.
Minha mãe ainda estaria viva.
Minha família estaria intacta.
Eu seria o próximo da fila.
— Ele vai transformar nosso clã em pó. — murmuro.
— Eles vão se voltar contra ele antes que isso aconteça.
Eu flexiono minha mão. — Eles precisam atacá-lo mais rápido. —
Poderemos ter uma forma de virar a maré, mas apenas se obtivermos as
provas de que necessitamos.
Ras sabe o que estou pensando. — Eu estou trabalhando nisso.
— Coloque proteção extra em seus pais. — digo enquanto me levanto
para sair. — Apenas no caso de. — Se não fosse pelo pai de Ras, tio Julio, Sal
teria me matado no mesmo dia em que meus pais morreram. Eu tinha onze
anos, ainda era uma criança cujas bolas não tinham caído, mas mesmo
naquela época Sal me via como uma ameaça. Matar-me acabaria com suas
preocupações, mas não seria bem recebido pelos capos. As crianças do clã
geralmente estavam fora dos limites, algo que tio Julio fazia questão de
lembrar a todos na vizinhança de Sal.
Eu fui poupado.
Mas na primeira chance que teve, Sal me mandou embora. Para Ibiza.
Sempre foi um dos redutos estrangeiros do clã... não existe Ibiza sem
as drogas que fornecemos. Ser capo aqui parece bom no papel, até
percebermos que é o equivalente a estar no exílio. Os negócios do clã não
acontecem por telefone ou pela Internet. Acontece pessoalmente, no Casal
di Principe.
E Sal realmente não gosta quando volto para casa.
Despeço-me de Ras e vou até o estacionamento.
— Leve-me para casa. — digo ao motorista enquanto entro no carro.
Além da janela, o céu ainda está escuro, mas logo começará a clarear.
Passamos pela longa fila de táxis verdes em frente ao Revolvr e me pego
procurando Romero na fila. Ela não está lá.
Quando passamos pelo ponto de ônibus, eu zombei. De jeito nenhum
ela pegaria um desses para onde quer que ela estivesse. Que porra ela está
fazendo procurando emprego em Ibiza? Uma parte de mim está curiosa.
Estou noventa e cinco por cento convencido de que ela é apenas uma garota
rica e gostosa que decidiu se rebelar e provar algo para sua família. A grama
é sempre mais verde. Assim que ela vir o que planejei para ela, ela correrá
de volta para o papai com o rabo entre as pernas.
Mas há uma coisa que me faz parar. Dentro de seus olhos, pensei ter
visto um vislumbre de verdadeiro desespero. Talvez até medo.
Do que ela poderia ter medo?
Eu torço um dos meus anéis. Quando alguém nunca esteve
verdadeiramente desesperado, não é preciso muito para provocar esse
sentimento. Deve ser isso. Ela provavelmente só está com medo de ter seu
ego machucado.
Com um suspiro, passo a mão pelos lábios. Por que diabos estou
analisando ela? Suficiente. Não consigo me lembrar da última vez que passei
tanto tempo pensando em uma mulher que meu pau nem conheceu.
Quanto mais nos aproximamos de casa, mais sombrios ficam meus
pensamentos. Não sei ao certo quem está por trás do que aconteceu ontem
à noite, mas a paranoia de Sal está estampada em tudo. Se pudermos provar
que o nosso Don é o culpado, ele não viverá muito.
Um made man fora da linhagem do don sentado pode assumir a
posição estrangulando o don sentado até a morte com as próprias mãos. É
bárbaro, mas sempre foi assim com os Casaleses. É preciso inteligência e
estratégia para entrar na mesma sala que o Don... não há ninguém melhor
protegido. Terei que primeiro trazer alguns de seus amigos mais próximos
para o meu lado, se não fizer isso direito, eles correrão direto para ele.
Preciso mostrar-lhes definitivamente que Sal não está mais apto para
governar.
Eu flexiono minhas mãos. É um padrão alto.
Mas se quero proteger a pessoa mais importante para mim, é o que
tenho que fazer.
As pessoas sempre me disseram que meu equilíbrio é minha maior
força. Não tomo decisões precipitadas. Eu não ajo sem pensar nas
consequências.
Um homem mais fraco já teria ido atrás de Sal, mas eu sei que não é
assim. Vou esperar até o momento perfeito.
E então pegarei de volta tudo o que ele roubou.
CAPÍTULO SETE
VALENTINA

Na segunda-feira, desembarco do ônibus que para do outro lado da


rua do Revolvr às dez e quarenta e cinco da manhã. Os arredores parecem
tão diferentes em plena luz do dia que tenho que me convencer de que vim
ao lugar certo.
Eu estou nervosa. Durante todo o fim de semana, me revirei à noite,
preocupada com a possibilidade de De Rossi mudar de ideia e me colocar de
volta onde comecei. Consegui gastar quase nenhum dinheiro nos últimos
dois dias, sobrevivendo com ramen e café da manhã grátis no albergue, e
aceitando o convite de Astrid e Vilde para me mudar para seu dormitório
compartilhado mais barato. Ainda assim, nenhuma dessas coisas muda o
fato de que estou praticamente falida.
Entro no clube pela entrada principal.
— Por aqui.
Eu me viro na direção da voz. É Ras. Ele está sentado em um
banquinho perto de um dos bares, com uma cerveja suada na mão. Vestido
com uma calça jeans surrada e uma camiseta cinza desbotada, ele quase
parece acessível... isso até eu registrar a expressão cansada em seu rosto.
— Oi. — eu digo com uma voz que sai como um guincho. — Obrigada
por me receber. Eu realmente aprecio esta oportunidade.
Ele parece estar se esforçando muito para não revirar os olhos. — Só
estou fazendo meu trabalho. — ele diz rispidamente. — O escopo
aparentemente continua se expandindo.
— Você não costuma fazer isso?
— Você quer dizer contratar um novo membro da equipe depois de já
termos contratado todos para a temporada? Não. Eu não.
O calor cobre minhas bochechas. — De Rossi concordou com um teste.
— Eu sei com o que De Rossi concordou. Para sua sorte, acabei de
transferir um funcionário para a Laser. Você o substituirá.
Minhas sobrancelhas se unem em confusão. — Laser?
— Mais um dos clubes do chefe.
— Ele é dono de mais de um clube?
— Ele é dono de metade dos grandes clubes da ilha. Junto com mais
hotéis, restaurantes e condomínios do que você e eu podemos contar.
Ótimo. De Rossi é uma espécie de magnata dos negócios de Ibiza. Se
eu estragar tudo, minhas perspectivas de emprego aqui podem desaparecer.
Mordo meu lábio para suprimir um gemido. As apostas ficaram ainda
maiores.
— Você teve sorte. — diz Ras, pulando do banquinho e fazendo sinal
para que eu o siga. — O chefe devia estar com um humor particularmente
gentil quando você o conheceu.
— Você está tentando ser engraçado?
Isso me rende uma risada profunda. — Você não sabia? — A diversão
dança em seus olhos. — Você não estaria aqui de outra forma.
Eu mordo uma réplica. De Rossi pode ter sido rude, mas mesmo assim
está me dando uma chance. Não vou reclamar dele para um de seus
funcionários.
Falando em… — Então o que você faz aqui? — Eu pergunto a Ras.
— Meu cargo oficial é gerente geral e chefe de segurança da Revolvr,
mas faço todo tipo de coisa. — Ele para perto do banheiro feminino, onde
uma faxineira grisalha está mexendo em um carrinho cheio de produtos de
limpeza.
— Aqui estamos — diz Ras — Ale, conheça Inez. Ela é a gerente do
turno diurno da nossa equipe de faxineiras. — Ele dá um sorriso caloroso
para a mulher baixa de meia-idade. — Inez, essa é Ale Romero. Ela acabou
de se juntar à sua equipe.
— Prazer em conhecê-la. — digo sem perder o ritmo e aperto a mão
de Inez. Eu esperava que De Rossi me fizesse trabalhar como uma daquelas
garçonetes, mas a faxina servirá perfeitamente. Eu sei como limpar. Muitas
vezes ajudei Lorna na casa de Lazaro, embora ela me repreendesse por isso.
Este é o melhor que De Rossi tem?
— Ótimo — diz Ras enquanto alcança o carrinho. — Aqui está seu
uniforme. Seu turno começa em dez minutos.
Quando saio vestida com uma combinação de calça azul-celeste e
camisa de manga curta, Inez já está esperando com outro carrinho para
mim.
Ela me olha por cima de um par de óculos de aros transparentes. — Sr.
Ras me disse para colocar você na sala do Manequim.
— Por mim tudo bem. — Não tenho ideia do que é a sala do
Manequim, mas, no que me diz respeito, uma sala é igual a qualquer outra.
— Todos os suprimentos estão aqui. — Ela empurra o carrinho em
minha direção. — Passe pelas portas rosa ali. Se você tiver alguma dúvida,
venha até a sala principal, estarei trabalhando lá.
— Obrigada.
Ela me dá um sorriso - parece um pouco de pena? - e vai embora
mancando levemente.
Assim que entro na sala, seu sorriso de despedida faz muito mais
sentido.
O espaço não é grande, talvez grande o suficiente para cerca de cem
pessoas, mas o chão está coberto de confetes. É mingau nos lugares onde
foi derramada bebida, em um dos cantos, descubro um monte úmido do
que só poderia ser vômito.
É nojento, mas o que De Rossi não sabe é que já vi coisas nojentas
suficientes para endurecer meu estômago.
Preciso trabalhar. O carrinho tem todos os suprimentos que eu
poderia precisar. Primeiro varro o chão e depois pego o esfregão. Quando
abro o frasco de alvejante, o cheiro faz surgir lembranças, mas eu as acalmo.
A voz de De Rossi flutua pela sala. — Mal consigo reconhecer você
com esse uniforme, Romero. Já teve o suficiente?
Eu me viro e pouso meu olhar na forma luxuosamente vestida de De
Rossi. De repente, tenho plena consciência do cabelo grudado na minha
testa úmida e do uniforme mal ajustado feito de tecido que não respira. Ele
me lança um olhar sarcástico, como se achasse que tudo o que precisa fazer
é me cutucar um pouco e eu vou quebrar.
— De jeito nenhum. — eu digo, dando-lhe um sorriso tenso. — Este
foi um ótimo dia até agora.
Seus lábios se contraem e ele olha para o chão da sala. — Você perdeu
um pouco aqui.
— Onde?
— Bem aqui. — Ele aponta. — Qualidade, Romero. Eu não contrato
pessoas que fazem seu trabalho pela metade.
Ele quer me humilhar. Vá em frente. Depois das coisas que fiz pelo
Lazaro, não me resta mais orgulho.
Fico de joelhos na frente de De Rossi, certificando-me de manter
aquele sorriso congelado no rosto. — Obrigada pelo seu feedback. Eu vou
cuidar disso.
Sua expressão muda, por um momento, ele parece meio perturbado.
Ou talvez ele esteja apenas desapontado porque a humilhação não está
surtindo o efeito que ele esperava.
Pego um pano e começo a esfregar o local. Há uma parte perversa em
mim que está gostando de tudo isso. Sejamos francos aqui, quero viver, mas
sei que sou uma escória. Uma assassina, uma torturadora, uma covarde
moralmente falida. Nunca me perdoarei pelo que fiz àquelas pessoas,
criminosas ou não.
Se De Rossi quiser ser ainda mais forte, ele pode ir em frente. Ele não
pode quebrar alguém que já está quebrado.
Sinto um aperto repentino na minha garganta. Eu engulo e me forço a
sair da minha cabeça. É melhor eu me distrair com alguma coisa. — Achei
que coisas como você só saíam à noite. — digo. Ainda estou me
acostumando com minha capacidade de responder a ele. Apesar de ele ter
meu destino em suas mãos, ele não me assusta como Lazaro ou Papà.
— Coisas como eu?
— Demônios, vampiros, dementadores sugadores de almas…
Ele ri. — Eu vejo. Você me elevou a algo sobre-humano. Eu realmente
considero você tão formidável?
— Você consideraria isso um elogio. — resmungo enquanto me
levanto. — Como é isso? Viu algum outro lugar que perdi?
De Rossi passa a mão na gravata. — Tem certeza de que este é o tipo
de trabalho que você deseja fazer?
Mergulho o esfregão no balde antes de espremê-lo na cesta de
plástico. — Este trabalho me cai muito bem.
— Vamos ver se você se sente assim até o final da semana. — diz ele,
tirando uma barra de proteína do bolso e rasgando-a.
Honestamente, estou surpresa. Ele não me pareceu o tipo de lanche,
mas acho que ele precisa manter todos esses músculos de alguma forma.
Por algum tempo, ele fica ali parado, encostado no balcão e me
observando trabalhar enquanto ele come.
Meu estômago emite um ronco alto. Eu estava tão ansiosa esta manhã
que pulei o café da manhã.
De Rossi ouve. — Com fome?
Eu suspiro. — Você não tem outro lugar para estar?
Ele se aproxima e para bem perto de mim. Meu estômago se aperta
quando ele levanta a barra até meus lábios. — Aqui.
Olho para a barra de proteínas. Eu teria perguntado se estava
envenenada se não o tivesse visto dar uma mordida.
Ele levanta uma sobrancelha. — Abra sua boca. Não posso permitir
que meus funcionários desmaiem no trabalho.
— Abrir minha boca? O que você vai fazer, alimentar ungh...
Ele me silencia empurrando a barra pelos meus lábios.
Por um milésimo de segundo, acho que consigo sentir o gosto dele na
superfície. Uísque e chocolate e algo brutalmente decadente.
Afasto o pensamento ridículo. Não importa para mim qual é o gosto
dele.
Ele me observa mastigar, seu olhar caindo em meus lábios por um
breve momento.
Lambo meu lábio inferior para varrer uma migalha. Seus olhos se
estreitam.
— É melhor voltar ao trabalho. — Ele me entrega a barra. Acho que
ele parou de me alimentar como se eu fosse um animal selvagem. — É
melhor que essa sala esteja impecável se você quiser voltar amanhã.
Eu não dignifico isso com uma resposta.
Quando termino, seis horas depois, posso ver meu reflexo no chão em
quase todas as superfícies. Inez vem inspecionar meu trabalho.
— Vale, bien hecho. — diz ela depois de verificar se há poeira nos
cantos com o dedo indicador. — Você fez um bom trabalho.
— Obrigada. O que mais eu posso fazer?
Ela me avalia, e quando seus lábios finos se curvam em um leve
sorriso, sinto um pequeno triunfo. Pelo menos estou conquistando-a.
— Você terminou por hoje. Volte amanhã às onze.
Um dia a menos, faltam mais quatro.
CAPÍTULO OITO
VALENTINA

O resto da semana passa. Mantenho a cabeça baixa e faço tudo o que


Inez me manda: limpar os banheiros, passar pano no chão, polir os espelhos,
passar aspirador na seção VIP e assim por diante. Quando chega sexta-feira,
já aprendi todo o layout do clube, e ele não parece mais tão grande. O
pessoal diurno começa a me reconhecer e até a me cumprimentar.
Depois chega a sexta-feira, com ela, minha tarefa final. Escritório de
De Rossi.
Devo admitir que estou um pouco curiosa para ver onde ele passa o
tempo. Ras me encontra quando chego e me leva por um corredor pelo qual
só passei algumas vezes antes. Paramos em frente a uma porta pesada e ele
bate. Nenhuma resposta.
— Acho que teremos que voltar mais tarde. — digo.
— Eu tenho uma chave reserva. Não toque em nada que você não
deveria. — Ras vira a chave dentro da fechadura e abre a porta para mim.
Bem, é definitivamente muito mais sofisticado do que eu esperava. A
sala me lembra do escritório do meu pai em casa, com prateleiras de
carvalho escuro repletas de livros e uma mesa enorme adornada com pesos
de papel geométricos. Minha atenção fica presa em um porta-retratos
pendurado em uma das paredes. Faço uma anotação para examiná-lo mais
de perto assim que Ras partir.
— Ele quer que tudo seja espanado, que o chão seja varrido e limpo.
Disse algo sobre uma grande teia de aranha no canto atrás da mesa dele.
— Adorável — murmuro — Você trabalha para ele há algum tempo?
Ras assente. — Ele é o único chefe que já tive.
— Como conseguiu o seu emprego? Ele mandou você esfregar o chão
também?
— Não, isso é só para você.
— Eu me sinto tão especial.
— Ele e eu nos conhecemos há muito tempo. — diz Ras vagamente,
claramente tentando encerrar a conversa. — Eu tenho outro lugar onde
preciso estar. Alguma pergunta antes de eu sair?
— Sim, uma.
Ele inclina a cabeça. — Por que tenho a sensação de que não vou
gostar?
Ele está desconfiado de mim. Eu quero saber por quê? O que De Rossi
disse a ele sobre mim? — É sexta-feira. Você acha que passei no teste?
— Você ainda tem um turno sobrando.
— Mas você conhece De Rossi. Para que lado ele está inclinado?
Ras olha para trás de mim. — Você terá que perguntar a ele você
mesma.
Viro-me e vejo De Rossi entrar na sala. Ele dá um tapa no ombro de
Ras ao passar por ele, o que Ras interpreta como um sinal para sair.
— Ras lhe disse o que você precisa fazer? — ele pergunta quando
estamos sozinhos na sala.
— Sim, ele me deu todas as instruções para limpar seu covil.
— Meu covil? — De Rossi pergunta. Ele se inclina contra a mesa e me
dá um sorriso malicioso. — É mais uma câmara de tortura, no que lhe diz
respeito. Se você acha que vou te dar um tempo só porque é sexta-feira…
Suas palavras passam por mim enquanto meu cérebro se fixa na
câmara de tortura. O porão de Lazaro passa diante dos meus olhos. A carne
rasgada e ensanguentada. O brilho da faca que estou segurando na mão. E o
pior de tudo, sua voz penetrando meus ouvidos com comandos cruéis para
infligir uma dor inimaginável. — Segure a mão dele, Vale. Quero que você
corte os dedos dele para mim.
— Ale.
A voz de De Rossi me tira do sério. Ele está muito perto de mim agora.
— Sinto muito — digo enquanto dou um passo para trás. Não posso
deixar meus pensamentos passarem assim, droga. Preciso passar as
próximas horas sem dar a De Rossi um motivo para não me contratar.
Sua expressão é estranha. Se eu não soubesse melhor, poderia pensar
que há uma pitada de preocupação refletida em seus olhos. — Você estava
tendo algum tipo de momento ou estava apenas me ignorando?
— Eu estava ignorando você.
Ele não parece convencido. — Por que você se desculpou?
Por que você se importa? Eu quero gritar. Em vez disso, digo: — Não
consigo me lembrar.
Ele não está impressionado com minha resposta. — Você precisa se
sentar? — ele pergunta, me surpreendendo.
— Estou bem. — Começo a vasculhar o carrinho em busca de um pano
limpo. — Posso começar agora?
De Rossi flexiona o queixo e balança a cabeça, mas ele não sai como
eu esperava. Ele se senta à mesa e me observa enquanto subo a escada e
começo a tirar o pó das prateleiras. Seu olhar aquece minha pele e uma gota
de suor escorre pela minha espinha.
— Deve haver algo mais importante para você fazer. — exclamo
quando não aguento mais.
— Nada mais importante que o controle de qualidade.
— Não me diga que você pode ver uma partícula de poeira errante ali.
— Você quer que eu chegue mais perto?
— Não, obrigada. — Desço a escada e a movo para a próxima estante.
Esse cara tem milhares de livros aqui, principalmente clássicos e não ficção.
Fileiras e mais fileiras de livros sobre negócios, estratégia, marketing…
— Você realmente construiu seu negócio sozinho? — De Rossi parece
bastante jovem para um magnata dos negócios. Não mais que trinta. Como
alguém se torna tão bem-sucedido em tão pouco tempo?
Ele se recosta na cadeira. — Eu tinha um investidor quando comecei.
Dobrei o dinheiro dele em três anos.
— Qual era a empresa?
— Concreto.
Eu bocejo. — Tedioso.
A diversão brilha em seu rosto. — As casas noturnas são muito mais
divertidas.
— Diversão? Tudo o que vejo você fazendo é ficar de mau humor no
seu camarote.
— Você me viu fazendo isso uma vez.
— Tenho certeza de que o veria novamente se voltasse aqui depois da
meia-noite.
— É isso que você está planejando fazer esta noite?
— Não. Vou dormir assim que chegar em casa. Esta semana foi... —
Paro-me. De jeito nenhum vou admitir que estou exausta.
O brilho em seus olhos me diz que ele está atrás de mim. — É melhor
começar logo no chão. É preciso limpar com um limpador de madeira
especial depois de esfregar. — aconselha.
— Claro, Vossa Alteza. Com certeza esfregarei sua madeira do jeito
que você gosta. — Percebo como isso soou no momento em que as palavras
saem da minha boca. Meus olhos encontram os de De Rossi.
Ele levanta o queixo e me dá um sorriso muito masculino. — Você
realmente quer ser um craque em sua semana de teste.
— Você sabe o que eu quis dizer. — resmungo enquanto pego o
aspirador.
— Parecia que você estava me fazendo uma proposta.
— Prefiro propor a um balão vazio.
O som de sua risada se instala em algum lugar dentro da minha
barriga. A sensação não é totalmente desagradável. — Alguém deveria
ensiná-la a falar com seus superiores.
Olho para ele por cima do ombro. — Você ainda não é meu chefe.
Seus olhos brilham. Acho que ele vai me contratar só para me
atormentar um pouco mais. Tenho a sensação de que alguma parte dele
gosta do fato de eu responder a ele.
Começo a aspirar, depois de um tempo, não sinto mais sua atenção
em mim. Ele trabalha em algo em seu laptop e come uma maçã verde
enquanto eu uso o longo acessório do aspirador para entrar em todos os
cantos da sala. Não está tão sujo para começar. Eu me pergunto se foi Inez
quem colocou tudo em ordem antes de mim.
Quando passo pela foto emoldurada, minha curiosidade toma conta
de mim e paro para olhar para ela. É uma família. Um homem e uma mulher
com três filhos. Há um menino – talvez com doze ou onze anos – no centro
da imagem, ele está segurando uma criança pequena. Ao lado dele está um
menino mais velho, com o braço pendurado nos ombros do menor. É uma
foto de família estranha. Ninguém está sorrindo.
Eu olho para o garoto no meio. — Esta é sua família, De Rossi?
Uma caneta clica. — Sim.
— Você tem irmãos.
— Eu tenho.
— Sua mãe é muito bonita.
— Ela é minha tia.
Minhas sobrancelhas franzem quando me viro para ele. — Você disse
que esta era sua família. Presumi que fossem seus pais.
— Meus pais morreram quando eu era jovem. — diz ele calmamente.
— A irmã da minha mãe e o marido dela acolheram a mim e à minha irmã.
Encaro a foto mais uma vez. — Então quem é o outro... — Espere, ele
parece um pouco familiar. — Esse é Ras? Vocês dois são parentes?
— Ele é meu primo.
Ah. Portanto, o funcionário de maior confiança de De Rossi é parente
dele. Talvez, apesar de toda a violência e assassinatos, ser empresário não
seja tão diferente de ser mafioso, afinal.
A imagem do pequeno De Rossi segurando sua irmã toca meu coração.
— Isso deve ter sido difícil. Perdê-los nessa idade.
— Romero, não estou procurando uma terapeuta. Abandone a
audição.
Quem teria pensado que aquele doce garotinho da foto se
transformaria em uma ameaça de um metro e oitenta? Eu olho para ele e
ligo o aspirador novamente.
Quando termino o resto da sala, me aproximo de sua mesa. — Eu
preciso ficar atrás da sua cadeira. Ras disse que há uma teia de aranha.
De Rossi se aproxima apenas o suficiente para eu passar.
Ao passar por ele, inspiro seu cheiro. Por mais que eu odeie admitir,
ele tem um cheiro incrível. Sal, mar e algo esfumaçado, como se ele tivesse
fumado um charuto hoje mais cedo.
Afasto essa linha perigosa de pensamento e fico de joelhos. A teia de
aranha não é tão ruim quanto Ras fez parecer. Eu rastejo para frente para
ver melhor. Há duas moscas mortas presas dentro dela.
De Rossi pigarreia. Eu o ignoro. Talvez ele esteja preparando seu
próximo comentário mordaz. Não gostaria de interromper seu processo
criativo.
Eu tiro a teia com um pano úmido. O sapato de couro polido de De
Rossi está na minha linha de visão, ele está batendo com ele no precioso
piso de madeira, provavelmente espalhando por toda parte a sujeira que
trouxe de fora.
— Preocupado com alguma coisa? — Pergunto-lhe.
Seu pé para. — Só considerando o quão estranho é que você continue
de joelhos perto de mim.
Resisto à vontade de bater em seu tornozelo com o pano. — Isso é o
que acontece quando meu trabalho é literalmente estar no chão. Tire sua
mente da sarjeta.
Ele está olhando para minha bunda? O pensamento de que ele
poderia estar me faz lamber os lábios. E arquear minhas costas.
De Rossi pigarreia e dá uma mordida ruidosa em sua maçã estúpida.
Eu sorrio.
Minha pequena vitória é interrompida quando me movo para me
levantar e acabo caindo de bunda.
— Ai! — Envolvo as palmas das mãos em volta da minha panturrilha.
Maldita câimbra. Deve ser todo o trabalho físico desta semana.
— O que aconteceu? — De Rossi sai da cadeira e se ajoelha ao meu
lado. — Você está machucada?
— Câimbra. — digo enquanto esfrego meus músculos tensos. Lágrimas
brotam dos meus olhos.
— Deixe-me ver. — ele exige.
— Não há nada para ver, só preciso resolver isso.
— Pare de ser teimosa.
O protesto morre na minha língua quando ele envolve as mãos
grandes em volta da minha panturrilha e alisa as costas com os polegares.
Ele é mais forte do que eu, aplica mais pressão e é muito melhor do que
tudo o que eu estava fazendo comigo mesma. A sensação é suficiente para
arrancar um pequeno gemido de mim.
— Como está isso? — ele pergunta em um tom baixo.
— Melhor.
— Hum.
Deixo cair minha cabeça para descansar na borda de sua mesa
enquanto ele continua. Minhas pálpebras abaixam. Está calor hoje, agora
que não estou em movimento, o cansaço se instala. De Rossi não estava
totalmente errado sobre mim quando deduziu que eu não tive que trabalhar
um dia na minha vida. Comida, abrigo e dinheiro sempre foram um dado
adquirido. Não mais. Trabalhei duro esta semana, mais do que nunca, e meu
corpo ainda não teve tempo de se ajustar a isso.
Ele enfia os dedos no lugar certo e eu mordo meu lábio inferior para
conter outro gemido. Uma onda de calor completamente indesejada gira em
meu núcleo. Fiquei atraída por ele antes de ele abrir aquela boca cruel... um
fato que adoraria esquecer. Este é De Rossi, pelo amor de Deus. Ele viu
alguém com dor e decidiu ajudar. Isso não muda nada.
Mas quando abro as pálpebras, a expressão em seu rosto faz com que
faíscas estalem em minha pele. É quase um lobo. Ele encontra meu olhar e o
segura. Eu respiro fundo.
— Não dói mais. — eu sussurro.
Seus dedos ficam lentos, seu toque fica mais suave. — Você
provavelmente está desidratada.
— Um empresário e um médico. Como você encontra tempo?
Ele tira as mãos de mim e se levanta. Um segundo depois, recebo uma
garrafa de água de sua mesa. — Beba isso.
Eu faço isso porquê... Bem, ele provavelmente está certo. Não bebi
nada desde esta manhã. Esqueci como cuidar de mim mesma e ainda estou
tentando lembrar.
— Obrigada. — digo depois de terminar a água. — Dê uma olhada ao
redor. Deixe-me saber se eu perdi alguma coisa.
Ele dá uma olhada rápida ao redor da sala. — Parece tudo bem.
— Tudo bem não é bom o suficiente para você, De Rossi. Precisa ser
excelente.
Acho que vejo um brilho de respeito em seus olhos. Eu dou a ele um
sorriso cansado. — Eu aprendo rápido. E como tentei te dizer, eu trabalho
duro.
Ele inclina a cabeça ligeiramente para o lado, depois de um momento,
estende a mão. — Deixe-me ajudá-la.
Sua mão é quente e firme. Eu me levanto em toda a minha altura,
colocando meus olhos no mesmo nível de suas clavículas. Quando ele
parece não ter pressa em me deixar ir, inclino a cabeça para trás e encontro
seu olhar.
Ele está com uma expressão pensativa. — Conversei com Inez. Ela me
disse que você é uma das melhores funcionárias que ela já treinou.
Meu corpo parece leve de alívio. Inez falou bem de mim? Vou dar-lhe
um longo abraço na próxima vez que a vir. — Ela é boa em explicações.
Ele inspira e depois solta um suspiro resignado. Posso dizer que ele
não está feliz em ter que pronunciar a próxima frase. — Eu admito, posso
estar errado sobre você.
Engulo em seco, tentando tentar minha excitação prematura. — Isso
significa…
Seu sorriso é um mero lampejo. Ele solta minha mão, vai para trás da
mesa e fecha o laptop. — Isso significa que esta não será a última vez que
você limpará este escritório.
Um sorriso toma conta do meu rosto. — Sim, chefe.
— Na segunda-feira, traga seus documentos. Ras providenciará seu
contrato.
Documentos?
Porcaria.
CAPÍTULO NOVE
VALENTINA

Quando volto para o albergue, Astrid e Vilde estão em nosso quarto e


eu digo a elas que consegui o emprego.
— Bem-vinda à equipe. — exclama Astrid. — Devíamos comemorar
esta noite.
— Vocês não precisam trabalhar? — Eu pergunto. De Rossi não me
deu mais do que um momento para desfrutar do meu feito antes de atirar
outro problema na minha cara, por isso não estou com muita disposição
para comemorar.
Não tenho nenhum documento para mostrar a ele na segunda-feira e
não tenho ideia de como vou escapar disso. Ainda tenho meu passaporte
verdadeiro, enfiado debaixo do colchão, mas agora é inútil para mim.
— Nós duas estamos agendadas para o sábado desta semana. — diz
Vilde — E já estávamos planejando aproveitar nosso dia de folga. Uma das
outras dançarinas nos contou sobre um incrível restaurante de frutos do
mar que fica bem na água.
— Não sei. Estou muito exausta depois da semana que tive. — digo.
— Estamos em Ibiza. O objetivo é sair, se divertir e conhecer pessoas.
Talvez eu pudesse transar esta noite — diz Astrid melancolicamente. — Tem
sido muito tempo. Eu terminei com Matthew há dois - não, três - meses
atrás, e depois dele havia aquele cara, mas ele era realmente horrível na
cama. Ele estava bisbilhotando lá embaixo como se eu fosse um controle
remoto de TV ou algo assim.
Vilde e eu fazemos uma careta diante da imagem vívida.
— E você? — Astrid pergunta. — Você tem um namorado no Canadá
sobre o qual você tem mantido silêncio?
O rosto de Lazaro aparece em minha mente. — Sem namorado. —
Apenas um ex-marido psicopata possivelmente morto que só dormiu
comigo uma vez. Passei tanto tempo odiando Lazaro pelo que ele me forçou
a fazer com suas vítimas, que mal considerei as outras maneiras pelas quais
ele me prejudicou. Não sou virgem, mas não estou longe disso. Meu
casamento foi uma farsa horrível em mais de um aspecto.
Minha única interação sexual com Lazaro durou três minutos. Ele tirou
meu vestido, colocou os dedos dentro de mim e depois de alguns segundos
os substituiu por seu pau. Eu me agarrei a ele com força, forçando minhas
lágrimas a conterem, rezando para que a dor entre minhas pernas passasse
rapidamente. Não aconteceu. Não parou até que ele terminou e saiu.
Você sabe o que realmente iria contra tudo que minha família me
ensinou? Sexo casual.
Oh Deus, eles perderiam a cabeça se soubessem que sua filha não
apenas fugiu, mas também se tornou uma prostituta. No clã, ser chamada
de prostituta era a pior coisa que uma mulher poderia ser rotulada. As
prostitutas são desleais. Elas não são confiáveis. Elas certamente não
deveriam ser amadas. Apenas os tolos se apaixonaram por elas, homens que
não saibam de nada.
Papà e Lazaro podem me encontrar a qualquer momento... por que
não aproveitar minha liberdade atual para realmente acabar com aquela
coisa de esposa mafiosa perfeita?
Digo a Vilde e Astrid que elas me conquistaram, algumas horas depois,
começamos a nos preparar.
Astrid me empresta uma de suas roupas provocantes. Ao contrário
daquela primeira noite no Revolvr, decido abraçar a exibição de uma
quantidade generosa de pele.
Quando me olho no espelho, vejo uma estranha. Uma mulher com
cabelos pretos e sedosos presos em um coque na nuca. Ela está com um top
cai-cai azul que é um pouco pequeno para seus seios e uma minissaia azul
combinando. Lábios vermelhos pintados sobre uma tela de pele pálida. Ela
pisca para mim com longos cílios que cobrem um par de olhos cinzentos. Os
olhos parecem familiares, como se pertencessem a alguém que conheci há
muito tempo.
Quando olho para eles por muito tempo, outros reflexos começam a
surgir. Os rostos de todas as pessoas que matei. Uma camada sobre a outra,
até que o produto composto seja eu.
Eu me afasto do espelho.
Astrid e Vilde escolhem o momento perfeito para sair do banheiro e
me distrair. Elas me acolhem.
— Você está muito gostosa. — comenta Astrid, antes de estourar um
chiclete. — Preciso de mais três minutos e depois partiremos.
Saímos do albergue e pegamos um ônibus. O restaurante se chama
Aromata, quando chegamos à nossa parada, vejo que fica bem na praia e
tem vista para uma pequena baía de águas calmas.
O clima é agradável, com ar quente e uma leve brisa. Astrid conversa
com a recepcionista, enquanto eu estico o pescoço para ver além dela e
entrar no restaurante ao ar livre. É movimentado, cheio de conversas e da
batida constante da descontraída música tecno.
A anfitriã pega alguns menus. — Esse caminho, por favor.
Nós a seguimos até a beira do bar, onde há exatamente três cadeiras
vazias. — Está tudo bem? — ela pergunta.
— Aceitaremos tudo o que pudermos. — diz Astrid. — Temos sorte.
Eles parecem completamente cheios. — acrescenta ela depois que a anfitriã
se afasta.
Olho para alguns dos pratos próximos. — A comida parece ótima.
— Aquele bar parece ainda melhor. — diz Vilde enquanto estuda as
garrafas nas prateleiras atrás do bar.
Um barman bonito, com cabelos escuros e encaracolados, se aproxima
para anotar nossos pedidos. — O que posso oferecer para vocês,
senhoritas?
— Uma jarra de sangria de cava, com muitas frutas. — ordena Astrid.
— Você entendeu.
— E nós somos da Revolvr. — diz Vilde.
O barman assente. — Posso ver seus cartões de funcionário?
Eu dou às meninas um olhar interrogativo. — Para que serve isso?
— Oh, temos descontos incríveis aqui porque é um dos restaurantes
do GR. — diz Astrid enquanto entrega seu cartão ao barman. — Grupo De
Rossi.
Meu humor escurece imediatamente.
— Ainda não tenho um. — digo ao barman.
— Sinto muito, mas sem a identificação não posso honrar o desconto.
— Oh, vamos lá. — Astrid choraminga.
— Meu gerente vai cortar minha cabeça. — diz ele com uma careta de
desculpas. — Ele está ficando louco porque o dono está aqui esta noite.
Quer que tudo seja perfeito.
É como se alguém apertasse um parafuso em meu cérebro, fazendo
com que tudo ao meu redor ficasse mais nítido.
Eu exalo alto e giro.
Quatro mesas à nossa frente está De Rossi.
E ele está olhando para mim.
— Você deve estar brincando comigo. — eu digo baixinho.
Ele está em uma mesa com Ras, três outros homens que não conheço
e três mulheres deslumbrantes vestidas com roupas caras e joias finas o
suficiente para fazê-las brilhar.
De Rossi levanta sua taça de vinho tinto e toma um longo gole,
enquanto me absorve com os olhos. Eu o sinto em minhas bochechas, meu
decote... Meus mamilos ficam duros por causa de uma brisa particularmente
forte, e eu tremo.
Vilde me dá uma cotovelada. — Talvez você possa pedir a Ras para
atestar você.
Balanço a cabeça e me viro. — Não se preocupe com isso, estou bem.
Quando o garçom nos entrega os cardápios, meus olhos se arregalam.
Vinte e cinco euros por uma salada? Cinquenta euros por um pedaço de
peixe? Fecho o menu com força e coloco-o na mesa.
As meninas se sentem mal por não terem percebido que eu não teria
minha identidade, então elas gentilmente se oferecem para pagar por mim,
mas eu digo a elas que não estou com fome. Elas têm sido generosas o
suficiente comigo como estão. Eu deveria ter pedido o pagamento pela
semana que trabalhei antes de sair do Revolvr, mas fiquei tão distraída com
a menção de um contrato que me esqueci.
Quando a comida chega, meu estômago começa a roncar, então peço
licença e vou ao banheiro. No segundo em que saio, bato direto em um
corpo duro e quente.
— Oof!
Mãos fortes envolvem minha cintura. Imediatamente, eu sei que é ele.
— O que você está...
— Diga-me, o que você esperava conseguir aparecendo aqui vestida
assim? — ele diz perto do meu ouvido. Perto o suficiente para que sua
respiração acaricie meu pescoço.
Minha pulsação acelera. — O que...
— Se você queria atenção, você conseguiu.
Eu tiro suas mãos de mim. — Você não tem ideia do que eu quero.
— Você gosta de ter os olhos famintos dos homens em você. É isso?
— Acho que você só está chateado porque peguei você olhando.
Minhas palavras fecham sua boca. Acho que ele poderia me deixar em
paz, mas em vez disso, sua mão aperta meu pulso.
— E agora? — exijo enquanto ele me puxa na direção do bar. As
pessoas estão olhando para nós, mas se ele percebe, não se importa. Na
verdade, é quase como se ele quisesse que eles nos vissem juntos. Em vez
de seguir o caminho mais direto, ele me acompanha por toda a sala de
jantar.
— Não preciso de escolta. — digo a ele.
— Você não tem ideia do que precisa.
Chegamos ao bar, quando ele me solta, deixa para trás uma pulseira
de calor enrolada em meu pulso. Astrid e Vilde deslizam dos bancos e
gaguejam alguns olás em pânico, mas ele mal os reconhece. Ele está prestes
a ir embora, mas então percebe que não há nenhum prato para mim na
mesa. Ele me lança um olhar furioso que não consigo compreender e acena
para o barman. O jovem quase tropeça.
— Si, Señor De Ross...
— Coloque a conta delas na minha conta. — ele retruca.
Meu queixo cai. Com licença? Ele acha que sou um caso de caridade?
Não acabei de provar a ele que não preciso de esmolas? — Você não pode
fazer isso. — eu digo.
— Continue me dizendo o que não posso fazer.
O aviso em sua voz é impossível de ignorar. Encontro seus olhos
escuros e engulo. — Não vou pedir nada.
Ele se volta para o barman. — Peça ao chef que prepare o pescado do
dia, o polvo, o ceviche e todos os acompanhamentos. — Então ele se inclina
em meu ouvido novamente. — Se você não comer o que eu pedi, vou voltar
e dar para você. Pense bem se você quer que eu faça isso na frente de todo
o restaurante.
Meu coração bate forte nas costelas e digo a mim mesma que é por
causa da minha indignação e definitivamente não por causa de todos os
outros sentimentos que giram dentro do meu peito. — Você não faria isso.
— Eu fiz, e faria de novo. — Ele se afasta e espera que eu junte as
peças. Droga, ele não está mentindo. Aquela estúpida barra de granola.
— Você é irritante. — sibilo, mas não acho que ele me ouve. Ele já deu
meia-volta e está se afastando.
Astrid e Vilde ficam boquiabertas para mim.
— Eu não pedi para ele fazer isso. — eu digo.
Astrid solta uma risada incrédula. — O que você fez para irritá-lo
tanto?
— Nada. Não tenho ideia do que o possuiu. Talvez ele apenas sinta
uma alegria perversa por mandar em mim.
Quando a comida que De Rossi pediu chega, insisto que elas comam
comigo. Tudo tem um gosto tão incrivelmente bom que minha irritação
diminui. Ainda posso sentir o fantasma de seu toque em meu pulso, e
quando me lembro de como ele me absorveu com os olhos, um calor surge
na boca da minha barriga. Mesmo assim, faço questão de não olhar para a
mesa de De Rossi.
As horas passam. Não demora muito para que Astrid e Vilde se sintam
confortáveis com nossa nova aba aberta, logo estamos todos bem no
caminho da embriaguez. Quando a pista de dança se abre, somos as
primeiras a entrar.
Eles aumentam o volume da música para abafar a maior parte da
conversa. Agora que estou muito tonta e bem alimentada, estou com um
humor surpreendentemente bom. Fui muito teimosa com De Rossi? Tudo o
que o homem queria era pagar pela minha refeição, mesmo que agisse
como um bruto. Talvez eu devesse pelo menos agradecer a ele.
Olho em volta, mas não consigo vê-lo. Assim que tenho certeza de que
ele saiu do restaurante, um braço envolve minha cintura.
Meu sangue corre em minhas veias como lava. — Ainda olhando? —
Eu pergunto por cima do meu ombro.
— Só para você.
Eu congelo. Não é a voz de De Rossi. Por uma fração de segundo, tudo
ao meu redor se anula e o rosto de Lazaro surge em minha mente.
Viro-me e quase rio de alívio. Um estranho alto. Ele tem uma
aparência perigosa. Há uma tatuagem de faca em seu rosto, ao lado do olho
esquerdo, e um nariz que já foi quebrado muitas vezes, mas para mim ele
não é ninguém. O medo me deixa como uma onda em retirada.
Tudo o que ele vê no meu rosto o excita. Ele se aproxima,
pressionando o peito contra meus seios e plantando as palmas das mãos
logo acima da curva da minha bunda. — Qual é o seu nome, bella?
— Eu não dou para estranhos. — digo, tentando me afastar.
— Não seremos estranhos por muito mais tempo. — ele diz a um
centímetro de distância dos meus lábios. Seu hálito está podre. Ele está
movendo meus quadris com as mãos, me apertando em sua virilha como se
eu fosse um brinquedo. Pela protuberância pressionando minha perna, fica
claro o que ele quer.
De repente, tudo parece sujo e doente. O álcool – uma mistura de
vinho, tequila e Deus sabe o que mais – espirra dentro do meu estômago, e
minhas roupas parecem muito apertadas. Estou suada por causa da dança,
um pouco do meu cabelo caiu do coque e está grudado no meu pescoço.
O estranho não me deixa ir e descubro que não tenho vontade de lutar
com ele.
Você queria ser uma prostituta esta noite, uma voz diz dentro da
minha cabeça. É o que você merece.
Seus olhos ficam líquidos de desejo. — Venha comigo, bella. — Ele me
vira na direção do banheiro. Então ele começa a me empurrar naquela
direção, seu grande corpo ativo sobrepujando meu corpo passivo menor.
Olho para o lado, em direção ao bar. Astrid e Vilde estão conversando
com o barman, os três rindo de alguma piada. Talvez eles ainda estejam lá
quando este homem terminar comigo. Talvez eles nunca saibam o que eu
convidei para mim com minha maldade. Quando dias, semanas, meses
depois eles falarem sobre esta noite, será uma coisa na mente deles e outra
na minha. Uma solidão arrepiante envolve todos os meus pensamentos e
aperta com força.
Só então, a maior parte do homem pressionado contra mim
desaparece.
Abro os olhos - devo tê-los fechado em algum momento - e tento me
orientar. O banheiro fica à minha direita, a pista de dança à minha esquerda,
e à minha frente está De Rossi, segurando o outro homem pela gola da
camisa.
— Você ainda está aqui. — eu digo entorpecida.
Ele me ignora. — Ela está bêbada. — ele diz ao homem tatuado. —
Deixa-a.
O estranho zomba. — Foda-se.
— Cuidado.
— Quem é ela para você?
Meu coração acelera.
A expressão de De Rossi é uma máscara vazia. — Ninguém. Mas esta é
a porra do meu território, e você ultrapassou as boas-vindas.
Uma onda de surpresa percorre meu corpo. A palavra território vem
com todos os tipos de conotações da minha antiga vida. Então me lembro de
que é o clube dele, sua propriedade privada.
De Rossi flexiona os punhos. — Não me faça dizer isso duas vezes,
Nelo.
O que quer que Nelo sinta na linguagem corporal de De Rossi o faz
fazer uma careta de impotência. — Eu estava entediado demais nesta merda
de qualquer maneira. — diz ele com uma fungada. Seu olhar frio passa por
mim, antes de balançar a cabeça para De Rossi. — Você deveria encontrar
mais algumas vadias fáceis como ela para melhorar o entretenimento.
Eu suspiro como se tivesse sido atingida.
De Rossi ouve. Ele puxa o punho para trás e quebra o nariz de Nelo.
CAPÍTULO DEZ
DAMIANO

Minha mão dói, mas mal percebo a dor por causa do zumbido dentro
da minha cabeça. A fúria que inundou meu cérebro no momento em que vi
Nelo nela me fez sentir um homem diferente. Não sou um soldado de baixo
nível salivando por uma briga para mostrar a todos o quão durão eu sou.
Lido com meus problemas com uma combinação letal de crueldade,
estratégia e furtividade.
Mas não havia nada de estratégico em dar um soco em Nelo - o cara
que Sal enviou para me espionar - bem na cara.
Eu perdi o controle.
Tudo por causa da Ale.
Meu olhar pousa em sua cabeça de cabelos negros e sedosos, e um
arrepio percorre minha espinha. Então começa. Eu sabia que me
arrependeria de mantê-la perto de mim.
Ela se vira para mim, seus lábios entreabertos em choque.
Lanço um olhar para Nelo no chão, faço um gesto para Ras dizendo
que ele precisa resolver essa merda e pego o braço dela para arrastá-la para
fora do restaurante.
— Você está louco? — Ale exige assim que conseguirmos passar pela
multidão de observadores. — Quem pediu para você se envolver?
— Tudo o que acontece em minhas propriedades é da minha conta. —
digo.
— Você é clinicamente louco. Socar um cliente. Prepare-se para uma
série de críticas contundentes.
— Ele não é um cliente. Ele é meu primo.
Ela levanta a mão. — Outro? Como se isso tornasse tudo melhor.
Estamos no estacionamento. Onde diabos está meu motorista? Ele
precisa levá-la para casa e fora da minha vista. Essa mulher está mexendo
com a minha cabeça, eu não tenho tempo para essa merda com tudo mais
que está acontecendo.
— Oh meu Deus. — Ela começa a se livrar do meu aperto. — Astrid e
Vilde ainda estão lá. Precisamos voltar.
— Não vamos voltar.
— Droga, De Rossi! Eu não posso deixá-las. Você pode ter começado
uma briga.
Soltei um gemido frustrado e tirei meu telefone do bolso da calça. —
Vou dizer a Ras para garantir que elas cheguem em casa em segurança,
certo? Feliz?
— Feliz? Feliz? Não, não estou feliz.
Eu solto o braço dela e envio uma mensagem para Ras. Ela está
exagerando. Não vai haver briga. Nocauteei Nelo e vi com quem ele entrou:
apenas alguns traficantes de baixo escalão, seus novos amigos na ilha. Se ele
estivesse com o irmão, poderia ter sido uma coisa totalmente diferente.
— Por que você interveio?
— O Nelo é um merda. Você não quer se envolver com ele.
Ela ri sem acreditar. — Não preciso que você policie com quem estou
envolvida.
Ela não faz? Será que ela sabe o que provavelmente aconteceria se eu
permitisse que Nelo a levasse para aquele banheiro? É como se ela tivesse
tomado algumas bebidas e de repente perdesse todo o senso de
autopreservação.
— Você quer saber por que me envolvi? — Eu rosno. — Achei que
você talvez estivesse sendo pressionada a fazer algo que não queria. Eu vi
como ele agarrou você, como ele te moveu. Você não me pareceu muito
interessada.
Ela fica imóvel, de repente, não consigo encará-la.
Cazzo. Eu deveria me dar um soco na boca. Eu realmente acabei de
admitir para ela que estava tentando ser um cavaleiro de armadura
brilhante? Eu não sei que merda amorosa estou fazendo quando estou perto
dessa mulher.
— Você não me conhece. — ela finalmente diz, com a voz tão baixa
que mal percebo.
— Não, não quero. — respondo. — Talvez Nelo conheça você melhor.
Talvez ele estivesse certo quando te chamou de... — Fecho a boca com
força.
— Me chamou de quê? Uma vagabunda?
Eu cerro meu queixo em resposta. Ninguém tem permissão para
chamá-la assim. Ninguém.
Ela suspira. — Há coisas muito piores do que ser uma vagabunda, De
Rossi. Você não precisava se ofender tanto em meu nome.
Meu motorista aparece atrás do restaurante.
— Sinto muito, senhor, estava comendo alguma coisa na cozinha.
Viro a cabeça na direção de Ale. — Leve-a para casa. Eu preciso voltar
para lá. — Esta conversa acabou. Preciso limpar minha bagunça, tomar uma
bebida forte e descobrir o que vou fazer com essa mulher.
Ou eu a faço minha ou a apago completamente da minha mente.
Quando volto para o restaurante, vejo que Nelo se foi e os clientes se
dispersaram. A equipe está limpando a noite e ninguém se atreve a olhar
para mim.
Ras vem para o meu lado. — Compensamos as refeições de todos. Um
cara filmou, mas eu o fiz deletar na minha frente. Isso não vai vazar.
Talvez não chegue aos noticiários, mas Nelo reclamará com Sal. Sal
pode começar a fazer perguntas sobre Ale. Perguntas que não posso
responder.
— Eu quero ele e seu irmão fora da minha ilha.
— Depois desta noite, é improvável que isso aconteça. Vamos sair
daqui. A equipe fechará o local.
Entramos no carro de Ras e ele começa a seguir na direção da minha
casa. Quando não digo nada, ele funga e me olha de soslaio. — Importa-se
de oferecer uma explicação?
— Não há nada para explicar.
Ele estala o pescoço. — Meu trabalho é mitigar riscos. Não posso fazer
meu trabalho se você não me contar o que diabos está acontecendo entre
você e aquela garota.
— Eu já te disse que a contratei.
— Da última vez que conversamos, você disse que era altamente
improvável que isso acontecesse.
— Eu não esperava que ela sobrevivesse à semana, mas ela conseguiu.
— A contragosto, tenho que admitir que estava errado sobre ela. Ela teve
uma semana difícil – eu disse a Inez que ela precisava ser dura com ela –
mas Ale encarou tudo com calma. Mesmo as tarefas mais repugnantes não
estavam abaixo dela. — Não havia razão para eu não lhe dar o emprego.
— Um guarda-costas faz parte do pacote de benefícios dela?
Passo a mão no rosto. — Não.
— Então que porra foi essa?
— Nelo estava pedindo isso. — Ele estava, mas isso não significa que
eu tivesse que lidar com isso em público. Se eu tivesse mantido a calma,
poderia ter usado o comportamento dele como desculpa para expulsá-lo de
Ibiza. Agora terei que ligar para Sal e contar uma mentira convincente sobre
o que aconteceu. Se ele achar que tenho uma mulher, usará isso contra
mim. Terei que dizer a ele que Nelo estava assediando um cliente e não
poderia permitir que isso acontecesse em minha propriedade.
— Isso não é típico de você — diz Ras — Você sempre manteve seu
temperamento sob controle.
Porque foi isso que tive que fazer para sobreviver e manter aqueles de
quem gosto em segurança. Desde que me lembro, estive na mira do Don
Casalese. Não sei quantos movimentos errados cometi até que ele decida
puxar o gatilho.
Quando não digo nada, ele se vira para mim. — Essa garota vai ser
mais do que apenas uma funcionária?
Quem é Ale Romero? Desde que apertei a mão dela em meu
escritório, tenho essa pergunta em mente. Eu não sei nada sobre ela. Eu
poderia pedir a Ras para investigar isso, mas isso só alimentaria minha
crescente obsessão.
Preciso manter minha tentativa de paz com Sal até ter o que preciso
para tomar uma atitude real contra ele. Isso significa que o que aconteceu
esta noite não pode acontecer novamente.
— Não. — eu digo. Mas algo me diz que não demorará muito para que
minha convicção seja testada novamente.

Na segunda-feira, estou em meu escritório assinando uma série de


contratos quando alguém bate na porta.
— Entre — eu chamo, levantando o olhar dos papéis.
É ela.
Cazzo. O que ela está fazendo aqui? Eu disse a Inez para não mandá-la
ao meu escritório novamente. Durante todo o fim de semana, me forcei a
não pensar nela. Cada vez que ela aparecia na minha cabeça
espontaneamente, eu fazia cem flexões. Meus braços estão me matando.
Todo esse esforço, para porra nenhuma. O sol entra pela janela,
deixando uma longa mancha de luz no chão, ela entra direto nela. Madonna.
Ela parece irreal. Esse cabelo. O que eu faria para torcê-lo como uma corda
em volta do meu punho enquanto me enterro dentro dela.
Ela tira algo de seu uniforme e me lança um olhar cauteloso.
Abaixo minha caneta. — O que é?
— Queria me desculpar pelo que aconteceu na sexta-feira. Você
estava certo. Eu estava bêbada.
Eu me recosto na cadeira. — Eu não esperava um pedido de desculpas.
— Posso admitir quando estou errada.
Ela pode? Interessante. Com a atitude que ela gosta de me dar, eu
esperava que ela fosse do tipo que se dobra. — É uma qualidade rara.
— Eu não estava me comportando como eu mesma naquela noite. —
diz ela. — E você é meu chefe agora. Eu gostaria de deixar isso para trás.
Meus lábios se contorcem de diversão. Ela quer que eu saiba que ela
não está planejando se meter em outra confusão como essa novamente.
Bom. Ela aprendeu a lição. — Você me surpreende, Romero. Achei que
demoraria muito mais para você se acostumar a me chamar de chefe.
Em vez de entrar em nossas brigas habituais, ela limpa a garganta. —
Você disse na sexta-feira que conversaríamos sobre meu contrato hoje.
— Sim, Ras preparou. — Abro uma gaveta e retiro algumas folhas de
papel presas por um clipe enquanto ela se senta na cadeira à minha frente.
— Dê uma olhada.
Ela folheia sem ler. Então ela encontra meu olhar. — Há um pequeno
problema.
— Que tipo de problema?
— Não tenho meu passaporte.
Meu corpo fica tenso. Ela estava sendo traficada? É a primeira suspeita
que passa pela minha cabeça e azeda meu humor. — Por que isso?
— Fui assaltada quando cheguei aqui. Eles levaram a maior parte do
meu dinheiro e meu passaporte. — diz ela.
Não é uma ocorrência incomum em Ibiza, mas eu não acredito nisso.
Ela não está me contando toda a verdade. Se ela fugiu dos traficantes, não
estará segura aqui. Preciso descobrir quem a levou e ter certeza de que não
a encontrarão novamente.
— Você disse que é canadense.
— Isso mesmo.
— A menos que você tenha um visto de trabalho, você não tem o
direito de trabalhar na Espanha, mesmo com passaporte.
— Pessoas fazem isso o tempo todo.
— Ilegalmente.
— Não tenho certeza. — diz ela.
— Eu sei. — Posso sentir seu pânico enquanto ela murcha diante dos
meus olhos.
— Existe algo que você pode fazer? Eu realmente preciso desse
emprego.
Eu me inclino para frente e coloco as mãos em cima da mesa. Ela se
move sob meu olhar, mais desconfortável do que eu já a vi. — Quero que
você seja honesta comigo. — digo.
— Eu não estou mentindo. Eu fui roubada.
— Você está em apuros?
— Qual problema? Claro que não.
Mais mentiras.
— Por que você está aqui, Romero?
— Por que alguém vem para Ibiza?
— Eu não me importo com ninguém. Estou perguntando sobre você.
Quando ela apenas olha para mim com olhos arregalados e
assustados, decido ser direto. — Alguém trouxe você aqui à força?
Suas sobrancelhas franzem. — Não. Por que você perguntaria isso?
— Às vezes as meninas são trazidas para cá contra a sua vontade.
Ela franze os lábios e balança a cabeça. — Ninguém me trouxe. Eu
escolhi vir para cá.
As palavras soam verdadeiras desta vez. Eu relaxo um pouco. Afinal,
não há necessidade de uma caçada humana.
— Mas por que Espanha? Por que Ibiza? O Canadá não pode ser tão
ruim. Pessoas amigáveis.
— Frio como o inferno.
Sua resposta inexpressiva arranca uma risada de mim e um pouco da
tensão na sala diminui.
Ela suspira. — Você quer honestidade?
— Sim.
— Eu fugi da minha família. Eles não foram bons para mim. Eu queria
colocar o máximo de distância possível entre nós. Um oceano, idealmente.
Então eu vim aqui. Não há muito mais a ser dito.
O que a família dela fez com ela? Eu a estudo cuidadosamente. —
Você está com medo de alguma coisa.
— Não. — A resposta dela vem rápido demais.
— De quem você tem medo? — Eu pressiono.
— Olhe, isso não importa. Às vezes fico paranoica, só isso.
— Se você me disser quem, vou garantir que eles não pisem nesta ilha.
Minha oferta à choca, mas ela só pensa nisso por um momento antes
de balançar a cabeça.
— Obrigada — ela diz. — Mas isso não será necessário. Não há como
eles saberem que estou aqui.
Estou tentado a discutir. Para alguém com recursos, há muitas
maneiras de rastrear uma pessoa. Se eu pedir a Ras para investigar ela,
provavelmente poderei descobrir quem é sua família em um ou dois dias.
Mas não vou perguntar a ele, e é por um bom motivo. Com tudo que está
acontecendo na minha vida, Ale Romero não pode ser minha prioridade.
Ainda assim, não posso chutá-la para o meio-fio quando ela está se
escondendo de alguém. É insustentável.
Entrego a ela minha caneta. — Assine os papéis.
Ela quase o arranca da minha mão. — Obrigada.
— Nem uma palavra sobre isso para ninguém. — digo quando ela me
devolve o contrato.
— Claro. Obrigada novamente. Quero dizer.
Nossos dedos se tocam quando pego a caneta de volta. Desde quando
eu noto coisas assim?
Ela sai e eu passo os dedos pelos cabelos. Há algo em Ale que me atrai
para ela. Algo que não entendo.
Mas é algo que devo aprender a controlar.
CAPÍTULO ONZE
VALENTINA

Minha segunda semana trabalhando no Revolvr é muito mais fácil que


a primeira. Sem o fiasco dos documentos pairando sobre mim, começo a
trabalhar com vigor. Meu corpo começa a se adaptar ao trabalho manual,
quando chego em casa na quinta-feira, tenho energia suficiente para vestir o
maiô e dar um passeio até a praia.
Tiro os chinelos e enfio os dedos dos pés na areia quente. Um menino
passa correndo por mim e grita de alegria com sua pipa colorida. A água
intensamente azul brilha como um enorme véu de pequenos diamantes. É
lindo.
Gemma adoraria se bronzear aqui enquanto bebe um copo de
prosecco gelado e lê um romance de mistério que comprou no aeroporto.
Sempre que voávamos para qualquer lugar, era tradição ela comprar um e
abri-lo no avião. E Cleo ficaria intrigada com toda a vida noturna. Ela me
implorava para obter permissão de Mamma e Papà para levá-la para sair,
quando ela inevitavelmente conseguia o que queria, ela fazia questão de
encontrar as roupas perfeitas para nós. Minha irmã mais nova adora se
vestir bem.
Deus, eu sinto falta delas. O que eu faria para apertá-las e dar um beijo
nas duas.
Em vez de ficar deprimida, coloco minha bolsa de lona no chão, enfio
meu vestido dentro e caminho em direção à água. As ondas frescas lambem
meus tornozelos. Eu mordo a bala e corro para o mar o mais rápido que
posso.
Não vejo De Rossi desde segunda-feira. O fato de ele ter me
contratado apesar da situação com meus documentos, aliado à preocupação
dele comigo na sexta-feira, me faz sentir todo tipo de coisas estranhas.
Talvez ele não seja tão ruim quanto parece. Estou começando a detectar um
ser humano real sob sua casca brutal.
Mergulho a cabeça na água e fecho os olhos com força. Considerei sua
oferta de me proteger por um breve momento em seu escritório antes de
perceber que nunca poderia aceitá-la. Por um lado, não confio nele o
suficiente para revelar minha verdadeira identidade, mas o mais importante
é que não há nada que ele possa fazer para manter os Garzolos fora da ilha
caso descubram que estou aqui. Papà e Lazaro são assassinos implacáveis.
Se souberem que estou aqui, eles matarão qualquer um que estiver no
caminho. Ninguém, nem mesmo De Rossi, seria capaz de mantê-los
afastados.
Preciso ter cuidado perto dele. Ele é um cara inteligente. Observador e
curioso. Esta última é uma característica particularmente perigosa para
homens ricos e poderosos. Se ele decidir descobrir a verdade sobre Ale
Romero, terá ferramentas à sua disposição para causar sérios danos. Ibiza
está começando a dar certo para mim e não quero ser forçada a sair. Eu
deveria manter distância, mas em vez disso, quero vê-lo novamente. Onde
ele esteve à semana toda?
Quando volto para o albergue, a recepcionista acena para mim. —
Alguém está ligando para você.
Meu estômago cai. Imediatamente, presumo que seja Papà. — Quem?
— Um cara chamado Ras. Disse-me para pedir que você ligasse de
volta o mais rápido possível.
Oh! Graças a deus. — Claro, posso tentar agora?
Ela me entrega o telefone e faço uma nota mental para comprar um
celular, agora que devo ter condições de comprá-lo. Ras atende no terceiro
toque.
— Olá? — Eu pergunto incerta.
— Romero, estou ligando para o número que você tem em arquivo há
horas. Onde você esteve?
— Eu fui para a praia.
— Da próxima vez, não desapareça assim. — ele resmunga. —
Precisamos de ajuda esta noite com uma grande reserva VIP. Um grupo de
nossos garçons foi a um restaurante de sushi de merda no lado norte ontem
à noite e contraiu uma intoxicação alimentar. Você pode cobrir?
— Qual é o trabalho exatamente?
— Aceitar pedidos e servir bebidas. Não é ciência de foguetes.
Esta pode ser uma oportunidade para mostrar a Ras que eu me sairia
bem como garçonete. Vilde tem me contado que os garçons nas áreas VIP
são muito bem pagos porque recebem ótimas gorjetas. — Que horas?
— Agora, Romero. Você precisa ser treinada primeiro.
— Caramba, tudo bem. Achei que você disse que não é ciência de
foguetes. Estarei aí em uma hora.
— Encontre Jessa quando chegar. Ela a atualizará. Boa sorte.
Duvido que precise de muita sorte. Servir bebidas para um grupo de
festeiros não pode ser tão difícil. Vilde trabalha no bar do terraço do andar
de cima desde que começou e tem sido tranquilo para ela.
As primeiras palavras que saem da boca de Jessa quando chego ao
Revolvr me fazem reconsiderar. — Prepare-se, querida. Você está prestes a
ver alguma merda maluca acontecer.
Ela é uma pequena garota de 25 anos de Canterbury - uma pequena
cidade na Inglaterra - com um cabelo loiro platinado e expressivas
sobrancelhas escuras. Eles se movem como pequenas lagartas toda vez que
ela fala. — Você tem que manter a cabeça no lugar, certo? Os Werner estão
alugando três seções VIP, esses alemães adoram suas orgias.
Devo ter ouvido errado. — Orgias? Aqui?
— Deuses, não. Não temos a configuração certa. — Ela acena para o
espaço. — Mas este é o terreno de caça deles. Eles convidam quem chama
sua atenção para a área VIP e depois trabalham com eles por algumas horas
para ver se eles virão ao seu iate para a festa.
— E as pessoas vão?
— Claro que sim. Nosso trabalho é servir bebidas com rapidez e
manter todos lubrificados. Eu prepararei as bebidas e você e os outros dois
garçons as distribuirão. Tenha em mente que os Werner gastam uns cem mil
em cada uma dessas noites, então precisamos ter certeza de que todos
estão se divertindo.
Puxo a gola da minha camiseta. — Claro.
Os Werner chegam uma hora depois com uma grande comitiva, seja
qual for a aparência que eu imaginei, não é isso. Eles são um casal
deslumbrante na casa dos trinta. A mulher é uma ruiva curvilínea com
cabelos cacheados abundantes, e o homem é um pedaço loiro de olhos azuis
que parece começar seus dias com horas na academia. Há um ar de
decadência ao redor deles, desde as roupas caras que ambos usam até as
joias brilhantes que adornam os pulsos da mulher.
— O nome da esposa é Esmeralda. — Jessa sussurra para mim. — Ela é
a herdeira de uma enorme fortuna do império siderúrgico de seu pai. O
marido dela é Tobias. Ele é meio alemão meio monegasco.
— Mone – o quê?
— É assim que chamam as pessoas de Mônaco. Eu não sei o que ele
faz. Ele nunca fala sobre isso.
— Você conversou com eles?
A pele pálida de Jessa fica rosa. — Pouco.
Eu levanto uma sobrancelha suspeita para ela. — Você esteve no iate
deles.
Ela fica mais vermelha. — Algumas vezes.
— Como foi?
— Memorável — diz ela, passando as costas da mão sobre a testa. —
Definitivamente memorável. Mas essas memórias são para mim e apenas
para mim. Vá embora.
Mantenho distância dos Werners, permitindo que a equipe mais
experiente os sirva enquanto corro recebendo pedidos dos outros
convidados que começam a chegar.
Algum tempo depois, De Rossi aparece. Percebo que estou prendendo
a respiração enquanto o vejo atravessar a área VIP. Ele está todo vestido de
preto hoje – terno preto, camisa preta, gravata preta – como um deus
sombrio que desceu para caminhar entre seus discípulos. Sua presença
atravessa a sala, atraindo olhares para ele.
Uma sensação de vibração explode dentro da minha barriga. Quero
fingir que sou imune à sua atração, mas toda vez que desvio o olhar, meu
olhar continua gravitando de volta para ele. Os Werner se levantam para
cumprimentá-lo com sorrisos calorosos e se revezam para abraçá-lo como se
fossem velhos amigos.
Eu me pergunto como eles se conhecem. De Rossi se junta a eles em
seu iate? Ele dormiu com Esmeralda?
Eu não deveria me importar, mas me importo. Registro cada olhar e
toque entre ele e Esmeralda, cada um deles parece à picada afiada de uma
faca. Deus, isso me irrita muito.
De Rossi se senta e olha por cima do ombro. Seu olhar escuro pousa
em meu corpo e provoca um arrepio na minha espinha. Esmeralda e Tobias
tomam nota. Ela levanta uma mão elegante e acena para mim com um
movimento do pulso.
Porcaria. Não posso ignorá-la, não quando preciso mostrar a De Rossi
quão boa funcionária eu poderia ser.
Agarrando minha bandeja contra o peito, vou até a mesa.
— O que posso trazer para você? — Meu tom é afável, mas faço o
possível para não olhar para De Rossi. Quem sabe o que ele poderá ver
escrito em meu rosto?
Os lábios de Esmeralda se abrem em um sorriso genuíno e ela joga o
cabelo por cima do ombro. Ao lado dela, seu marido me dá um aceno de
reconhecimento.
— Como você está essa noite? — ela pergunta.
Sinto o cheiro do perfume dela... Opium da YSL. Cleo usa o mesmo. —
Estou indo bem, obrigada.
— Qual o seu nome?
— Ale.
— Não me lembro de ter visto você aqui antes. Você é nova no
Revolvr?
— Eu sou. Comecei a trabalhar aqui na semana passada.
— Bem, você escolheu um ótimo lugar. Eu sei que nosso amigo… — ela
coloca a mão no ombro de De Rossi — …trata seus garçons muito bem.
— Ela não é uma garçonete. — interrompe De Rossi.
— O que ela é então? — Tobias diz antes de tomar um gole de sua
bebida.
— Ale está na nossa equipe de limpeza. Estávamos com poucos
funcionários esta noite, então ela está substituindo.
Tanto para conseguir uma promoção. Faço o meu melhor para não
deixar transparecer minha decepção e me forço a encontrar seu olhar. —
Fico feliz em ajudar como posso.
A frieza em seus olhos me confunde. Eu franzo a testa. O que mudou
desde segunda-feira? Ele aceitou minhas desculpas e me deu um emprego.
Achei que já tínhamos superado tudo isso.
— Você tem uma boa atitude — observa Esmeralda. — Você seria
inteligente em segurar essa aqui — ela diz. — E com um rosto assim, não há
razão para mantê-la escondida. Ela não é linda, Tobias?
— Você se parece com uma jovem Monica Belluci. — comenta o
marido. — É estranho. Tenho certeza que você já ouviu isso antes.
O calor cobre minhas bochechas. — Obrigada, é um elogio muito
gentil.
Um sorriso sedutor aparece no rosto de sua esposa. — Adoraríamos
convidar você para a festa que estamos organizando em nosso ia...
— Não pago minha equipe para ficar por perto e ser admirada,
Esmeralda. — diz De Rossi em tom áspero.
A temperatura cai. Os olhos de Tobias se estreitam e Esmeralda se
mexe desconfortavelmente.
— Ale, pare de ser presunçosa e traga-nos outra garrafa de
champanhe com algumas taças.
Presunçosa? Meu aperto aumenta em torno da bandeja. — Claro. — O
sorriso que dou a De Rossi é mortal.
— Foi um prazer conhecê-la. — diz Esmeralda agradavelmente, mas
sua expressão está perturbada. — Passe por aqui durante a noite.
Já que minhas esperanças de uma promoção estão firmemente na
sarjeta agora, e minha presença parece irritar De Rossi, acho que posso.
Afinal, quem sou eu para dizer não aos seus convidados importantes? —
Com prazer.
Quando volto com o champanhe, ele observa cada movimento meu
enquanto sirvo ele e os Werner. Seu comportamento comigo parece tê-los
alertado para não falarem comigo novamente, mas eles me agradecem
quando eu lhes entrego as taças. Estou prestes a sair quando De Rossi fecha
a mão em volta do meu pulso e me puxa para baixo até que minha orelha
fique alinhada com seus lábios. Uma corrente elétrica irrompe sobre minha
pele. — Não tenha ideias. — Sua voz é como a mordida de um chicote
envenenado. — Essa festa não é para gente como você.
O calor explode em minhas bochechas. Como eu? O que exatamente
isso significa? Uma princesa mimada? Uma vadia preguiçosa? Pensei ter
provado ao De Rossi que ele estava errado sobre mim. O que mais ele quer
que eu faça?
Tiro meu pulso de seu aperto e vou embora sem olhar duas vezes.
Dentro do meu peito, um fogo furioso queima.
Igual a mim.
Talvez ele reconheça exatamente o tipo de escória inútil que você é.
É um pensamento intrusivo e está longe de ser à primeira vez que o
tenho. Tenho pesquisado no Google como me livrar desses pensamentos,
porque a cada dia eles parecem se multiplicar. Imagens de corpos mortos e
ensanguentados. Memórias de seus gritos.
Não, não vou me envolver com isso. Eu salvei uma garota. Levei muito
tempo, mas finalmente fiz a coisa certa. Isso não conta para alguma coisa?
Você assassinou dezenas primeiro.
A voz na minha cabeça passa a ser a de Lazaro. Alguns dias, você ficava
tão calma enquanto fazia isso que pensei que talvez você finalmente tivesse
gostado tanto quanto eu.
Encosto-me em um pilar e solto um longo suspiro. Preciso tirar a voz
dele da minha cabeça.
Vou te encontrar. E quando eu fizer isso, você pagará pela sua traição.
Meu marido ainda pode estar vivo. Ele poderia estar me caçando
neste exato segundo. Quando ele me encontrar... é improvável que eu
sobreviva. E a Lorna? Eu a condenei a uma morte dolorosa?
Minha respiração fica difícil. Está muito quente aqui, muito
barulhento, muito lotado. Eu preciso sair daqui. Agora.
Meus pés me levam até a saída de emergência e passo pela porta. A
pequena área traseira está mal iluminada e completamente vazia. Inspiro o
ar úmido com o entusiasmo de alguém que está se afogando e arranco
repetidamente a camisa da pele.
Por quanto tempo poderei funcionar assim, com o passado me
arrastando para baixo? Preciso de um terapeuta, mas isso está fora de
questão. Meus segredos estão vindo comigo para o túmulo, o que significa
que eu só tenho que engoli-los. Ainda é melhor do que estar de volta à Nova
York. Pelo menos posso prometer a mim mesma que nunca mais
machucarei outra pessoa.
Estou respirando fundo para me acalmar quando a porta de
emergência é aberta.
Quando vejo quem é, me encolho. — Por favor, De Rossi. Agora não.
Meu chefe caminha até onde estou encostada na parede, seu rosto
fica ainda mais brutalmente bonito por causa de sua carranca profunda. Ele
para a alguns metros de distância e ajusta as abotoaduras. — Quero ter
certeza de que nada foi perdido na translação. Você não deve entrar
naquele iate.
— Aquela mulher nem teve a chance de tirar o convite completo da
boca. — digo.
— Eu conheço Tobias e Esmeralda. Quando veem algo de que gostam,
não desistem tão facilmente.
— E por que você deveria se importar se eu fosse?
Seus olhos se estreitam. — Você não vai àquela festa.
A fúria explode dentro de mim. — Oh meu Deus, eu não dou a mínima
para a festa estúpida!
Meu grito o atordoa. Aproveito a rara oportunidade de sua boca estar
fechada para gritar tudo. — Qual é o seu problema comigo? No começo
você estava me testando. Entendo. Mas passei no teste. Você mesmo me
contratou! O que mais preciso fazer para que você me deixe em paz?
Suas narinas se dilatam quando ele dá um passo em minha direção. —
Isso é exatamente o que estou tentando fazer. Deixar você sozinha. É por
isso que estou dizendo para você não ir ao mesmo evento que irei esta
noite.
Algo em meu peito aperta. — Não quer que eu veja você fazendo
sexo? Tem medo de não ficar impressionada?
— Não é disso que tenho medo.
Eu faço uma careta para ele. — Então, o que é?
A frustração contorce sua expressão. — Porra, Ale. Por que você não
pode simplesmente fazer o que eu digo?
Eu empurro a parede. — Você disse que a festa não era 'para gente
como' eu. Afinal, o que isso quer dizer?
Ele está olhando para mim, seu peito subindo e descendo com
respirações rápidas. — Isso significa que você me deixa louco.
— Fazendo o quê?
— Simplesmente existindo.
— Não entendo você.
— Talvez você entenda isso. — Ele me pressiona contra a parede e
cola seus lábios nos meus.
É como se alguém tivesse pressionado a tecla delete. Tudo ao meu
redor se esclarece e minha consciência se concentra na sensação do beijo
dele. A barba áspera de seu queixo. A suavidade de sua boca enquanto ele
estende a língua para lamber meu lábio inferior. Suas mãos estão em mim –
uma no meu cabelo, a outra na minha cintura – e são marcas de fogo.
Quando ele me puxa para mais perto, meus mamilos duros roçam seu peito
poderoso.
Deixei escapar um gemido. Ele aproveita a oportunidade para
aprofundar o beijo, e penso em todas aquelas vezes em que me perguntei
qual seria o gosto dele.
Agora eu sei. Uísque e pecado.
Quando deslizo minhas unhas pelas costas dele, ele emite um som que
nunca ouvi um homem fazer antes. É meio rosnado, meio gemido, e desce
até os dedos dos pés.
Ele interrompe o beijo e sibila entre os dentes. — No momento em
que te vi, pensei que você era a mulher mais irritantemente linda que eu já
tinha visto — ele diz contra meus lábios. — Um olhar foi suficiente para eu
saber que perderia a cabeça por sua causa se não tomasse cuidado. Eu
tentei ser. Eu inventei razões pelas quais deveria ficar longe de você, mas
não consigo fazer com que nenhuma delas se mantenha.
Meu estômago explode com borboletas.
— Eu não preciso de uma distração agora, mas meu autocontrole está
por um fio. — diz ele, arrastando os lábios sobre minha bochecha. — Se eu
vir as mãos de outra pessoa em você, vou quebrá-las. Se você vier à festa, a
única pessoa que tocará em você serei eu.
Parece que alguém está pingando lava quente na minha corrente
sanguínea. Estou queimando. — Eu nem sei seu primeiro nome. — murmuro
como uma idiota, ainda em choque com sua revelação.
— Damiano — ele diz. — Mas não se atreva a dizer isso de volta para
mim. Se eu ouvir meu nome apenas uma vez em seus lábios, sei que ficarei
viciado.
— Você se conhece tão bem?
Ele balança a cabeça. — Eu pensei que sim antes de conhecer você.
Soltei um suspiro irregular e o empurrei para longe de mim
suavemente. Não consigo pensar com o corpo dele praticamente me
envolvendo. Todo o sangue do meu cérebro viajou para outro lugar. — Eu
tenho que voltar.
Ele me deixa passar, mas quando estou a meio caminho da porta, ele
me chama.
— Ale, escolha com sabedoria.
Eu sei que ele pretende que seja um aviso. Mas acho que parece um
apelo.
CAPÍTULO DOZE
VALENTINA

Quando entro novamente no clube, parece que meu cérebro perdeu


algumas de suas principais funcionalidades.
Como minha capacidade de pensar direito.
Ele disse que iria enlouquecer por minha causa, mas parece que posso
tê-lo vencido.
Ele disse que se eu dissesse o nome dele, ele ficaria viciado, mas já
fiquei fisgada depois de uma dose. Estarei repetindo aquele beijo e aquela
confissão feroz em minha cabeça até o dia da minha morte. Quando alguém
lhe diz esse tipo de palavras, você não esquece nenhuma.
Maldito seja.
Vou até Jessa e peço que ela me sirva uma dose. O gosto de De Rossi
ainda está na minha boca e preciso me livrar dele antes de me acostumar
demais.
Jessa me lança um olhar curioso.
— O quê? — Eu pergunto.
— Você causou uma boa impressão. — Ela tira algo do bolso. —
Pegue.
É um cartão preto pesado com uma escrita dourada em relevo.
— É o convite oficial. — diz ela.
— Marina Ibiza, três da manhã. — li.
— É perto daqui. — diz ela.
De Rossi estava certo, os Werner não desistem facilmente. Eles
também não parecem se importar muito com o fato de meu chefe não me
querer na festa deles.
— Você vai? — Eu pergunto a Jessa.
— Não. Estou saindo com alguém. É meio sério.
— Você poderia ir só para passar o tempo.
Ela bufa. — Você não verá muitas pessoas simplesmente participando
desse tipo de festa. Se você decidir ir, é melhor estar pronta para participar.
Imagens piscam dentro da minha cabeça. Suas grandes mãos na minha
cintura. O peso do seu corpo pressionando contra o meu. Aquele perfume
masculino inebriante me envolvendo em todas as direções. Quero tanto
beijá-lo de novo que dói. Eu quero fazer muito mais do que beijar também.
Trinta minutos depois, os Werner se levantam dos seus assentos.
Damiano está com eles, quando eles estão prestes a passar pela saída, ele
olha por cima do ombro e encontra meu olhar.
Arrepios surgem na minha pele.
Se eu vir às mãos de outra pessoa em você, eu as quebrarei.
É uma hipérbole, claro. Tenho que me lembrar de que ele não é como
os homens da minha antiga vida.
Aí me lembro de como ele quebrou o nariz do Nelo.
Mordo meu lábio e ele me observa por um segundo antes de
finalmente sair.
Eu não deveria seguir. Eu realmente não deveria. Mas então eu
percebo uma coisa. Damiano me disse para não ir, mas ele vai. E de acordo
com Jessa, ele não vai lá apenas para passear. Ele vai tentar me tirar do
sistema dele hoje à noite?
Passo a língua pela fileira inferior de dentes e balanço a cabeça. Não,
não é assim que vai funcionar. Damiano disse que não precisava de
distração, mas isso é problema dele. Eu vou fazer o que eu quiser.
Vou entrar naquele iate.
Termino meu turno, tiro meu uniforme e caminho até o cais. O som
abafado da música eletrônica me segue. Já passou do horário nobre na
maioria dos clubes. Minha roupa é o mais casual possível – shorts jeans e
camiseta – mas estou ansiosa demais para chegar à festa para perder tempo
indo para casa me trocar.
Ainda não sei que loucura tomou conta de mim, mas parece que não
vai parar até que seja lá o que for que essa coisa entre Damiano e eu venha
à tona. Ou eu descubro seu blefe e provo para mim mesma que suas
palavras foram apenas um exagero, ou acabo na cama dele.
A antecipação se enrola em meu estômago como uma fita de veludo.
À medida que me aproximo do iate, sou apanhada por um grupo de
outros festeiros que seguem na mesma direção.
Continuamos depois de mostrar nossos convites a um guarda de
segurança corpulento, como a maioria das coisas em Ibiza, este iate é maior
que a vida. Já estive em um iate desse tamanho com minha família uma vez.
Papà teve uma reunião com um de seus parentes distantes da Sicília, então
ele levou toda a família para Palermo para conhecer Fabio, nosso primo de
terceiro grau. Seu iate era enorme, mas cafona. Tudo estava enfeitado com
joias e cheirava a colônia ruim.
Este não é nada parecido. É de bom gosto e moderno. Passo pelo salão
principal, onde alguns casais estão se beijando intensamente e subo as
escadas até o convés da ponte.
O céu aqui está impossivelmente claro. Estou estudando as estrelas
quando alguém aparece ao meu lado. É um jovem que parece ter mais ou
menos a minha idade, completamente bronzeado de longos dias ao sol.
Ele chama minha atenção e me dá um sorriso descontraído. — Incrível,
certo?
— Não me lembro da última vez que vi um céu tão claro. — confesso.
— Passei a maior parte da minha vida nas grandes cidades.
— O mesmo — ele diz. — Eu sou de Chicago.
— Parece que você saiu há muito tempo.
— Eu me apaixonei pela vida na ilha. Agora moro em Mallorca, mas
venho frequentemente a Ibiza a negócios. — Seu sorriso se torna sedutor. —
E prazer. Meu nome é Adrian. Qual o seu nome?
— Ale.
— Você conhece bem Tobias e Esmeralda?
— De jeito nenhum. Eu os conheci esta noite e de alguma forma recebi
um convite para isso. É tudo um pouco opressor.
— Se você quiser relaxar, me avise. Eu posso ter alguma coisa. — Ele
dá um tapinha no bolso da jaqueta.
Estou surpresa. Ele está me oferecendo drogas?
Ele ri um pouco da minha expressão. — Você não está aqui há muito
tempo, eu suponho. Peço desculpas. Eu não deveria ter presumido.
— Presumiu o quê?
Ele levanta um ombro. — Que você está usando produtos químicos
como todos nós.
Olho para a folia acontecendo no salão. Claro, estou ciente de que as
pessoas ficam chapadas aqui. Eu só não esperava que ele fosse tão direto.
Em Nova York, ninguém ousaria oferecer drogas à filha do Don. Em Ibiza,
porém, não sou ninguém. Eu poderia fazer o que quisesse e ninguém
tentaria me impedir.
Ninguém se importaria.
Tenho tantas coisas que quero esquecer. Talvez ficar chapada me
ajudasse a borrar essas memórias até que eu não conseguisse mais entender
os detalhes.
Eu mastigo o interior das minhas bochechas. — Bem...
— Adrian. — Uma voz severa corta o ar entre nós.
Os cabelos da minha nuca ficam retos. Não preciso olhar para De Rossi
para saber como ele está agora... lindo, poderoso e louco.
A expressão brincalhona de Adrian desaparece assim que ele vê quem
é. — Sr. De Rossi. Como vai você?
— Deixe-nos — ele ordena.
— Estamos no meio de uma conversa. — eu digo.
Adrian fala por cima de mim: — Claro. Eu estava apenas me
despedindo.
Eu me viro. — Adrian, você não precisa ir embora. De Rossi, se quiser
falar comigo, terá que esperar pela sua vez.
Há um silêncio atordoante. Adrian está olhando para mim com olhos
arregalados e perplexos que brilham com uma pitada de medo, e a visão
disso me irrita. Era assim que eu ficava quando obedecia humildemente às
ordens de Papà e Lazaro? Dizer não a eles sempre pareceu impossível. Mas
minha vida não está em risco quando se trata de De Rossi, nem a de Adrian.
Por que todos o tratam como se ele fosse um deus? Sério, é só o dinheiro?
Se isso é tudo o que é preciso para exigir esse tipo de deferência, por que
Papà precisava de seus executores?
Adrian diz um lo siento apressado e sai correndo sem olhar para mim.
— Um dia, rezo para entender por que todo mundo ouve você. —
digo.
Ele começa a avançar. — Ele me ouve porque trabalha para mim.
— Claro que sim. — digo, levantando as mãos. — Acho que da próxima
vez que falar com alguém, precisarei primeiro fazer uma verificação de
antecedentes.
— Palavras grandes para uma mulher sem passaporte.
Eu franzo a testa. Ele está apenas me provocando ou isso é uma dica
de que ele está cavando?
Ele para a alguns centímetros de distância, perto o suficiente para me
cobrir com seu calor. Dentro de seus olhos escuros, algo perigoso está se
formando. — Você veio.
A maneira como ele diz isso deixa claro que pensa que estou aqui para
provocá-lo. É melhor eu endireitá-lo. — Nós dois sabemos para que serve
esta festa, De Rossi. Você decidiu que poderia vir, mas eu não podia? Não é
assim que funciona. — Coloco minhas mãos em seu peito duro e tento
afastá-lo.
Ele não se move nem um centímetro. Seu queixo se inclina para baixo,
seu olhar colado em meus lábios. — Eu te avisei.
— E daí? Talvez ninguém nunca tenha lhe dito isso antes, mas você
não é Deus. Só porque você diz algo, não significa que todos tenham que
ouvir. — Eu pressiono com mais força contra seu peito.
Suas palmas envolvem meus pulsos. — Por que você veio?
— Porque eu tive vontade.
— Por quê? — Ele arrasta um polegar calejado pela parte interna do
meu pulso. Sinto aquela pequena carícia até minha barriga. Eu não deveria
ter tocado nele. Quando tento me livrar de seu controle, não há nenhuma
liberação. Ele não está me machucando, mas seu controle é firme.
Eu suspiro. — Pelo mesmo motivo que você fez. Para me divertir.
— Você quer ser fodida, Ale?
Meus olhos se arregalam. Uma onda de excitação me atinge com tanta
força que me esqueço de como respirar. — Com licença? — Eu engasgo.
De Rossi se aproxima mais do meu ouvido. — Você não veio aqui para
olhar as estrelas. — diz ele em voz baixa e sedutora.
Não, eu não fiz. A razão pela qual estou aqui é porque eu não
suportava a ideia de ele transar com alguma mulher aleatória enquanto eu
passava a noite inteira pensando naquele beijo.
Mas não vou dizer isso a ele. — Eu não estou aqui por sua causa. —
Minha voz sai toda ofegante.
Seus lábios se movem contra a minha orelha. — Então por quem você
está aqui?
— Para mim.
— E o que você quer?
Você quer ser fodida? O calor floresce em meu peito. — Não sei.
— Sim, você quer. — ele persuadiu. Sua mão libera meu pulso direito e
desce pelo centro do meu peito antes de parar na cintura do meu short.
Eu deveria pará-lo e acabar com o que quer que seja, mas quando ele
levanta minha camiseta alguns centímetros e começa a acariciar minha
barriga com o polegar, meu corpo canta. Faíscas ganham vida sob minha
pele e viajam até meu clitóris.
— Eu acho que essa sua boceta molhada quer ser fodida com força
esta noite. — ele sussurra. — Acho que quer ser arruinada por um grande
pau.
Perco minha capacidade de pensar. Quem fala assim com uma
mulher? Quem diabos deu permissão a De Rossi para usar a língua inglesa
como método de controle mental? — Você está errado — eu respiro.
Isso me rende uma risada decadente. Seus dedos mergulham na
minha cintura. — Por que você não me deixa verificar?
Ele quer sentir como estou molhada.
Meu Deus, Vale. Acorda. Diga não a ele. Diga ao seu traseiro arrogante
para pular do iate para que ele possa ver como o oceano está molhado.
Abro e fecho meu punho, aquele preso ao pulso que ele ainda segura.
— De Rossi… isso é…
Apenas diga não.
Ele leva minha mão à boca e dá um beijo suave. — Não há necessidade
de ser tímida. — diz ele, passando os lábios pela minha pele. — Não há
necessidade de esconder como seu corpo está reagindo. Você quer sentir o
que está fazendo comigo?
Concordo com a cabeça, porque sou fraca. No momento em que ele se
aproxima, pressiona sua virilha contra minha barriga e me deixa sentir seu
comprimento duro, solto um gemido necessitado. É duro e enorme e
claramente quer estar dentro de mim. Minhas paredes tremulam de
antecipação. Qual seria a sensação de ter De Rossi me fodendo com essa
coisa?
— Sua vez — diz ele, afastando os lábios da minha mão.
Concordo com a cabeça novamente, mantendo contato visual com ele.
Seu olhar escurece com triunfo, sem pressa, ele desliza a mão inteira pelo
cós do meu short e calcinha. Ainda estamos parados no convés. Qualquer
um pode nos ver, embora provavelmente tenha coisas muito mais
interessantes para observar neste iate.
Estou tão molhada que ele pode sentir assim que seu dedo médio
atinge meu clitóris. Sua expressão se derrete de prazer enquanto ele
gentilmente circunda a protuberância dura e me faz contorcer em seu
aperto. — É isso. — Ele empurra ainda mais e sonda minha entrada
encharcada. — Tão quente e úmida. — ele murmura. — Tão perfeita.
Um gemido luta para sair da minha garganta. — Damiano…
Ele fecha os olhos. Um tremor percorre a espessa coluna de sua
garganta.
Só então me lembro do que ele me contou sobre chamá-lo pelo nome.
— Você sempre se lembra do seu primeiro golpe. — ele murmura.
E então ele me beija. O dedo que ainda está dentro de mim se curva
de uma forma rítmica, fazendo minhas terminações nervosas dispararem e
deixando meu corpo fraco até que tudo que posso fazer é segurá-lo para
salvar minha vida.
Ficamos namorando no convés da ponte pelo que parecem horas, até
que fico tonta, prestes a gozar e com um calor insuportável. De repente, ele
interrompe o beijo, tira a mão do meu short e me puxa para seu peito. —
Vamos.
— Onde? — Eu pergunto sem fôlego.
— Para o meu quarto.
— Estamos em um iate.
— Eu possuo o iate. Eu alugo para os Werners durante a temporada.
Por que estou surpresa? A névoa da minha excitação se dissipa um
pouco. — Você já se cansou de se exibir?
Ele me guia pelo convés, com a mão firmemente colocada nas minhas
costas. — Nunca.
No momento em que chegamos à porta do que deve ser o quarto dele,
consegui me recompor. Ainda posso ir embora antes que isso piore ainda
mais. — Não acho que devamos fazer isso. — digo, embora não haja
nenhuma convicção por trás de minhas palavras. A excitação vibra sob
minha pele ao pensar no que ele poderia fazer comigo naquele quarto.
Ele destranca a porta com um cartão e a mantém aberta para mim
com a palma da mão. Seu olhar me derrete de dentro para fora.
— Entre, Ale.
É isso. O momento da verdade. Assim que a porta se fechar atrás de
mim, sei que não irei embora.
Seus olhos estão fixos no meu rosto. Orbes quentes de avelã tornadas
quase pretas por suas íris ampliadas. Dentro de toda essa escuridão há uma
faísca. A chama brilhante de uma vela que queima por mim.
Agarro-me a essas imagens e me convenço de que sou eu quem está
no controle aqui.
E então eu atravesso a soleira.
CAPÍTULO TREZE
VALENTINA

Damiano acende as luzes e seu quarto entra em foco. Há uma mesa


ampla, uma cama king-size, um carrinho de bar em um canto e duas
poltronas estofadas colocadas ao lado de uma pequena mesa de centro. É
sofisticado, arrumado e muito masculino. Nada é chamativo, mas é claro
que cada peça de mobiliário e cada pedaço de tecido aqui foi
meticulosamente escolhido por um profissional.
Eu gravito em torno da mesa de madeira entalhada. — Isso é lindo. —
digo enquanto corro os dedos pela superfície de vidro que protege os
desenhos.
Damiano serve duas taças de vinho e me entrega uma. Seus olhos
caem para a mesa. — É um dos meus bens favoritos. Minha irmã mandou
fazer isso para mim por um artesão de fora de Nápoles. — Uma rara
suavidade surge em sua expressão.
A imagem do pequeno Damiano segurando a criança nos braços
aperta meu coração. — Você são próximos.
— Sim — ele diz.
Gosto que ele goste da irmã. É um vislumbre de uma parte de sua vida
que eu não tinha visto antes e me faz sentir mais próxima dele. Se eu
contasse a ele o quanto sinto falta das minhas irmãs, suspeito que ele
entenderia.
Ele limpa a garganta como se quisesse dissipar quaisquer pensamentos
remanescentes e toma um gole de vinho. Tudo neste homem é atraente, até
a maneira como seu pomo de adão se move enquanto ele engole. O calor
cobre minha pele novamente. Bebo metade do meu copo de uma só vez e o
seguro com as duas mãos.
A temperatura sobe ainda mais quando ele coloca o copo na mesa e
vira o corpo na minha direção. Ele leva a mão ao meu rosto e traça meu
queixo com o polegar. — Como está o vinho?
— Muito bom — eu digo.
— Eu sei que você terá um sabor ainda melhor. — Sua voz se arrasta
pelo espaço entre minhas pernas como uma gravata de seda.
Tenho uma fraqueza séria, eu percebo. Depois do desinteresse de
Lazaro, a ideia de um homem poderoso e lindo me querer é como erva de
gato. Eu quero tanto acreditar que Damiano está sendo afetado por mim,
mas há uma voz carente no fundo da minha cabeça que anseia por mais
convencimento.
— Você me odiava. — eu sussurro, pensando em como ele não me
deu uma única folga naquela primeira semana após nosso encontro.
Damiano tira o copo das minhas mãos e o coloca ao lado das dele. —
Eu nunca odiei você. — Ele move a palma da mão para a minha nuca. — Eu
duvidei de você. Achei que sua força teimosa fosse uma atuação, mas não é.
É real. — A ponta de seu nariz traça minha bochecha. — Você é magnífica.
Meu Deus, se ele soubesse quem eu realmente sou... Ele está errado
sobre eu ser forte, mas fala com tanta convicção que quase acredito nele. É
como se ele pudesse me transformar em outra pessoa apenas com sua força
de vontade.
Ele se aproxima, pressionando todo o seu corpo contra o meu e me
envolvendo em seu perfume inebriante. Quando seus lábios encontram os
meus, gemo em sua boca. Tudo é lânguido e quente, como um sonho
erótico febril.
Eu não estou vestindo um sutiã. Suas palmas encontram meus seios
nus sob a camisa, e a sensação de seus polegares calejados arrastando meus
mamilos os transforma em pontas duras. Ele os torce levemente, depois
grunhe quando começo a resistir contra ele, desesperada para aliviar a
pressão que aumenta entre minhas pernas.
Ele interrompe o beijo, coloca as mãos no meu short e o desce
rapidamente pelas minhas pernas.
Quando ele se ajoelha na minha frente, pressiono as palmas das mãos
contra a mesa. A antecipação do que está por vir faz meus seios doerem e
minha boceta tremer. Ele considera minha calcinha por meio segundo antes
de agarrar uma das tiras e arrancá-la de mim.
Eu grito. — Damiano!
Seu olhar perverso pousa em meu rosto. — Sente-se na beirada da
mesa — ele ordena — E abra as pernas.
Meu batimento cardíaco tamborila dentro dos meus ouvidos. Só fiz
sexo uma vez. Uma vez. Isso já está muito mais carregado do que qualquer
coisa que aconteceu entre Lazaro e eu naquela noite. Engulo em seco e sinto
o sangue subir às minhas bochechas. Eu levanto minha bunda, mas não
consigo fazer minhas pernas se moverem.
Damiano percebe minha hesitação. Uma de suas sobrancelhas se
arqueia. — Tímida?
— Não. — eu digo imediatamente. Ele está me provocando porque
sabe que vou morder.
— Então me mostre essa boceta brilhante.
Eu gemo. Meu rosto parece queimado de sol.
Ele arrasta as mãos grandes pelas minhas coxas nuas. — Você é
tímida.
— Isso é ridículo.
Uma sugestão de sorriso aparece em seus lábios. — Então por que a
hesitação?
— Dê-me um momento, ok?
Seus olhos se enchem de uma ternura sutil que quase me desvenda. —
Você não precisa ser tímida perto de mim, Ale. Não há nada que você possa
fazer para me fazer pensar que seu corpo é menos que perfeito.
Ele passa a palma da mão sobre cada joelho e começa a separá-los
com força suave. Fecho os olhos e respiro. Profundamente. Provavelmente
estou vazando por toda a sua linda mesa.
Quando ele termina de me abrir, ele faz um som áspero com a
garganta. — Porra.
Ele tira o paletó e arregaça as mangas da camisa, parecendo um
homem possuído. Lentamente, ele aproxima seu rosto cada vez mais e
então passa sua língua quente sobre minha entrada.
Essa primeira lambida é tão divina que caio sobre os cotovelos, solto
um gemido desesperado. Ele torce a língua sobre meu clitóris, depois
arrasta os dentes sobre o capuz, me tocando como se fosse um maldito
instrumento. Como ele sabe fazer isso? Todos os homens normais aprendem
em algum momento?
Quando ele levanta minhas coxas e as coloca sobre seus ombros, caio
completamente sobre a mesa. Algo duro crava-se nas minhas costas. — Ai.
Ele olha para mim, sua boca ainda chupando meu clitóris.
— Você não — eu ofego enquanto alcanço minhas costas e envolvo
meus dedos em torno do objeto ofensivo. É uma caneta grossa e cara.
Ele tira isso de mim.
— O que você está fazendo?
Seus olhos escurecem quando ele começa a me foder com a língua.
Sinto a superfície fria da caneta roçar naquele outro buraco e começo a me
contorcer. — Damiano...
Ele empurra a ponta da caneta, molhada com meus sucos, apenas
alguns centímetros, eu suspiro em estado de choque. Minhas coxas tremem,
é como se todo o meu corpo fosse um fio energizado, vibrando com
eletricidade. Ele ainda está me observando, acompanhando cada reação que
vê em meu rosto, e tenho certeza de que, neste momento, ele sabe o que
estou vivenciando melhor do que eu. Estou tão sobrecarregada com novas
sensações que não consigo pensar. Ele substitui a língua pelos dedos grossos
e faz o mesmo movimento de antes. É o suficiente para me levar ao limite.
Enfio os dedos na borda entalhada da mesa. Tudo escurece, exceto pelos
poderosos choques de prazer que irradiam do meu âmago.
Ele me mantém firme enquanto eu surfo nas ondas, quando elas
passam, ele tira a ponta da caneta de mim, fica de pé e pressiona seu corpo
sobre o meu. Ainda estou ofegante, minha respiração soprando sobre seus
lábios molhados enquanto ele diz: — Você tem um gosto tão bom, Ale.
— Eu? — Nunca pensei no meu gosto antes.
— Lamba dos meus lábios.
Ele quer que eu me prove? Não tenho certeza de como me sinto sobre
isso, mas sei que farei qualquer coisa que ele me mandar no momento. Seu
olhar escuro me segura enquanto eu tiro minha língua e a arrasto sobre seu
lábio inferior carnudo. Hum. Não é desagradável. Terroso e um pouco
salgado. Eu o lambo novamente e desta vez ele geme e pressiona sua boca
sobre a minha.
Enrolo minhas mãos em seus cabelos e envolvo minhas pernas em
volta de sua cintura enquanto ele me devora. Posso sentir o desejo que ele
sente por mim, e não apenas por causa da dureza em suas calças, mas por
causa do vigor desesperado por trás de seu beijo.
Este homem me quer. Se eu não tivesse corrido, teria vivido toda a
minha vida sem passar por isso nenhuma vez.
Essa percepção desencadeia algo dentro de mim. Para meu total
horror, começo a chorar. Lágrimas percorrem meu rosto e não quero que
ele as veja, então interrompo o beijo e pressiono meu nariz em seu peito.
Quero inalar sua pele, imprimir sua memória em algum lugar bem no fundo
da minha cabeça.
Mas ele não é estúpido. Longe disso. Ele leva apenas alguns momentos
para perceber que algo está errado.
Ele coloca as mãos sobre a mesa e se levanta para colocar alguma
distância entre nós. Quando ele vê meu rosto, sua expressão fica perplexa.
— O que aconteceu?
— Nada — eu digo com uma voz aguada. — Estou bem.
Ele me ajuda a sentar. — Você está chorando.
— Infelizmente.
— Eu não entendo. Fale comigo.
Deus, por que ele tem que parecer tão preocupado? Isso me faz
chorar mais.
Ele passa a mão na nuca e xinga. — Esta não era realmente a reação
que eu esperava. — Ele tira um lenço de papel de algum lugar e o entrega
para mim. — Aqui.
Passo o lenço no nariz e nos olhos gotejantes e finalmente consigo me
recompor. — Você não fez nada. É só... — desvio o olhar. — Estou
sobrecarregada. Você vê... nunca tinham feito isso comigo.
Seu espanto é enfatizado por uma inspiração profunda. — Você não
teve um homem provando você?
Eu balanço minha cabeça. — Não.
— Eu fui o primeiro.
— Sim.
Ele passa o polegar no lábio inferior e me estuda por um longo
momento. — Você não tem muita experiência com isso, não é?
A vergonha arrepia minhas bochechas. — Não.
Não sei o que espero que ele faça, mas com certeza não é suspirar e
me puxar para seu peito. — Eu presumi coisas. De novo.
— Está bem. Eu... — Eu limpo a garganta. — Estou pronta para
continuar.
— Terminamos por esta noite.
— O quê? Achei que você tinha outros planos.
Ele esfrega a bochecha na minha têmpora. — As coisas que eu disse
para você… O que elas fizeram você sentir?
— As coisas sujas?
— Sim.
— Eu gostei delas.
— Você fez?
— Deus, sim.
Ele faz um barulho de satisfação. — Bom. Tenho tantas outras coisas
que quero lhe mostrar. Para fazer com você. Mas não esta noite.
Ele me levanta pelas coxas, me fazendo enrolar as pernas nuas em
volta de sua cintura, e me leva para a cama enorme. Ele ainda está duro,
posso senti-lo bem entre minhas pernas, mas quando tento me esfregar
contra ele, ele me move de forma que não consigo mais alcançá-lo.
Minhas emoções estão por toda parte. Estou envergonhada e
vulnerável. Eu realmente estraguei tudo e não entendo por que não
consegui conter minhas emoções. É como se minha mente não estivesse
funcionando como deveria, como funcionava antes de tudo acontecer com
Lazaro.
Damiano puxa o edredom e me coloca nos lençóis de seda.
— Estou uma bagunça. — murmuro.
Ele sobe ao meu lado e envolve os braços em volta da minha cintura. A
empatia que ele demonstra no momento é tão inesperada que começo a
questionar toda a minha percepção dele. Quem é o verdadeiro Damiano?
— Durma um pouco. — ele me diz, me segurando perto dele.
Ele acaricia minhas costas com movimentos leves até adormecer.
Quando sua respiração fica mais lenta, inclino a cabeça e analiso seu rosto.
Ele parece em paz.
Infelizmente, não consigo me relaxar. Não vou conseguir pregar o olho
aqui com ele. Meu coração está pulando no peito e meus pensamentos
correm como uma manada de cavalos selvagens. Penso nele ajoelhado entre
minhas pernas e não consigo acreditar que o sexo pode ser isso. É claro que
eu estava ciente de que o que Lazaro e eu fizemos dificilmente poderia
constituir um verdadeiro ato de amor, mas mesmo nas minhas fantasias
mais otimistas, eu nunca poderia ter chegado perto disso. A maneira como
ele me olhava o tempo todo, a maneira como me via, o prazer que ele me
fazia sentir...
Eu aperto meus olhos fechados. Para Damiano, essa foi apenas uma
entre muitas lições. Para mim, uma revelação. Essa assimetria não está a
meu favor e não posso arriscar dar a ele mais poder sobre mim.
Quando tenho certeza de que ele está dormindo profundamente, saio
da cama, visto minhas roupas e saio do iate. Ao chamar um táxi para me
levar de volta ao albergue, tenho certeza de uma coisa, e apenas de uma
coisa.
Isso não pode acontecer novamente.
CAPÍTULO QUATORZE
DAMIANO

Acordo com um pau mais duro que uma barra de aço.


Apesar do peso desagradável em minhas bolas, um sorriso se abre em
meus lábios com as lembranças da noite passada. Fui o primeiro homem a
provar Ale. O primeiro a mergulhar minha língua em sua carne quente e
necessitada. A inexperiência dela é uma surpresa que eu não esperava, mas
desperta algo ferozmente possessivo dentro de mim. Eu vou gostar muito de
ensiná-la todas as maneiras pelas quais podemos nos divertir.
Começando agora. Estendo a mão, procurando um seio farto ou uma
nádega firme, mas tudo que encontro é um lençol de seda frio.
Que porra é essa?
Abro os olhos e não consigo acreditar.
Ela se foi.
Com um grunhido, saio da cama e verifico minha mesa. Nenhuma
mensagem? Nem mesmo um texto?
A frustração cresce dentro de mim enquanto mando uma mensagem
para meu motorista para verificar se ela chegou em casa. Entro no chuveiro
e me masturbo com raiva.
Isso é o que eu ganho por ter sido gentil com ela ontem à noite, mas o
que diabos eu deveria fazer? Fazer sexo com ela enquanto ela estava
chateada? Não. Gosto das minhas parceiras dispostas e entusiasmadas.
Esfrego a esponja nas costas com força suficiente para arder. Aquele
idiota do Adrian. Fiquei louco ao vê-lo flertando com ela. Eu deveria tê-lo
jogado ao mar como queria, mas sabia que isso causaria uma cena e poria
fim aos meus planos para aquela noite.
Ale veio à festa por minha causa. Suas fracas negações não me
enganaram. Mesmo com meu aviso, ela veio, e agora que cruzamos um
limiar, não há como voltar atrás.
Ela já é minha.
Meu telefone está tocando quando saio do chuveiro. Eu pego. — Fale.
— Ela conseguiu voltar para o albergue. — diz meu motorista. — A
recepcionista disse que ela chegou por volta das cinco da manhã.
— Chegou de volta para quê?
— O albergue dela.
— Cazzo. Onde?
— Sant Antoni.
O lado mais barato de Ibiza, onde vivem muitos trabalhadores
sazonais. Tem ficado cada vez mais perigoso nos últimos anos,
principalmente pequenos crimes e roubos, mas também alguns ataques
violentos. Não gosto da ideia dela ficar lá.
— Com o que se parece? — Eu pergunto.
— O albergue? — O motorista solta um suspiro. — Quero dizer, não é
ótimo, mas poderia ser pior.
— Tire fotos e envie para mim.
— Sim, chefe.
Desligo e observo as imagens passarem. Albergue Clandestino. É uma
propriedade mal cuidada em uma rua que sei que não é bem iluminada à
noite.
Ela não vai ficar lá por muito mais tempo.
Ale tem turno no sábado e eu certifico-me de que ela seja designada
para limpar meu escritório. Não me lembro da última vez que estive aqui
durante o dia de fim de semana, mas não tenho paciência de esperar até
segunda para ter a conversa que quero ter com ela. Ao entrar no Revolvr,
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saúdo a equipe do fim de semana e me sirvo de uma hierbas do bar
premium antes de seguir para o fundo. Acabei de me instalar atrás da minha
mesa quando alguém bate na porta.
— Entre.
A porta se abre e lá está ela, com aquele uniforme azul simples e um
carrinho de produtos de limpeza.
Como diabos ela ainda consegue ser a mulher mais linda que eu já vi?
Ela encontra meu olhar e respira fundo. Ela sabe que estou
imaginando-a tão nua quanto estava no meu barco agora? Bom. Uma
olhada para ela e já estou nervoso. Não há razão para que ela deva ser
poupada.
Ela fecha a porta atrás de si e estaciona o carrinho perto da parede. —
Nós precisamos conversar.
O que minha principessa quer dizer? É melhor que seja um pedido de
desculpas por ter fugido no meio da noite. Ela não consegue ir embora
depois de me dar apenas um gostinho. Eu disse a ela que ficaria viciado.
Deixei claro que, uma vez que minha restrição se rompa, ela precisa estar
pronta para tudo o que estou escondendo.
Ela não acreditou em mim? Vou lembrá-la do tipo de homem que sou.
Eu me recosto no assento. — Eu tenho essa fantasia onde eu dobro
você sobre minha mesa, te encho com meu esperma e faço você passar o
resto do dia comigo escorrendo pelas suas coxas.
Não posso deixar de sorrir quando ela solta um gemido impotente. Ela
me abandonou. Ela realmente achava que poderia fazer isso sem
repercussões?
Ela leva um momento para recuperar a compostura. — Tem certeza
que não quer um terapeuta? Ele teria um dia de campo com você. Fantasias
como essa geralmente têm significados ocultos.
— Eu sei o que isso significa.
— O quê?
Eu me inclino para frente e coloco os cotovelos na mesa. — Isso
significa que quero fazer você ser minha.
Seus olhos se arregalam. Há algo realmente satisfatório em fazê-la
corar.
— Você achou que depois de sexta-feira, tudo o que você precisa
fazer é apontar o dedo para mim e eu irei correndo?
— Estou mais interessado em enfiar meu dedo dentro de você. —
digo. — Talvez você não saiba disso, mas tem um lugar especial aí que faz
uma mulher gozar.
Minha alusão à sua inexperiência a faz ficar vermelha como uma
beterraba. — Preciso começar meu trabalho. — diz ela com a voz tensa.
— Ainda não terminamos de conversar.
— Sim, terminamos. — diz ela, pegando o esfregão. — O que
aconteceu naquele iate não vai acontecer novamente.
A frustração se desenrola dentro do meu peito. Ela está oferecendo
resistência. Por quê? Está claro como o dia que ela quer me foder. O que a
está impedindo?
— Por que não? — Eu exijo.
Ela mergulha o esfregão em um balde de água com sabão e olha para
mim.
— Não estou querendo me envolver com ninguém agora.
— Por quê? — Eu repito.
Ela tira uma mecha de cabelo do rosto, parecendo nervosa. Eu sei que
o que quer que saia da boca dela não será toda a verdade.
— Olhe, eu praticamente acabei de chegar e ainda não estou
instalada. Tenho um milhão de coisas em mente.
Um milhão de coisas que eu poderia resolver em um dia se ela me
deixasse.
Vou começar com um.
— Meu motorista me disse onde você mora. — digo.
A confusão estraga suas feições. — Ok. E?
— Você precisa se mudar.
— Por quê?
Meus músculos da mandíbula ficam tensos. — Esse albergue pode
muito bem ser uma casa de recuperação. Eu não quero você lá.
A raiva queima dentro de seus olhos. — Você não me quer lá? Onde eu
moro não é da sua conta.
Tornou-se problema meu no momento em que meus lábios tocaram
os dela. Abro uma gaveta da mesa, retiro um maço de dinheiro e deslizo-o
para ela. — Use isto para um depósito em um lugar agradável.
Ela fica chocada no início, mas não demora muito para que o choque
se transforme em fúria.
— Você está tentando me comprar?
Eu estava prestes a dizer que ela poderia largar o emprego e que eu
pagaria por todas as suas coisas, mas sua indignação me fez voltar atrás
nessa ideia.
— Não. Estou tentando ajudar você. — eu digo. — E também estou
tentando levar você para minha cama de novo, mas essas são coisas
separadas. Pegue.
Ela olha para a pilha de notas e balança a cabeça. — Eu não quero
esmola. Sei que não é o melhor lugar, mas posso esperar para me mudar até
economizar o suficiente.
Claramente, ela não perdeu tempo olhando os preços dos lugares em
Ibiza. — Levará meses para você ganhar o suficiente para um depósito com
seu salário atual.
— Então me promova. — diz ela, levantando o queixo. — Faça-me
uma garçonete.
— Pegue o dinheiro e você pode considerar isso feito.
Ela aperta os lábios e balança a cabeça. — Vou pagar tudo de volta. —
diz ela. — Você pode descontar do meu salário até que eu o reembolse.
Eu movimento meus dedos com desdém. — Minha equipe de folha de
pagamento tem coisas melhores para fazer do que calcular isso.
— Então eu pagarei em dinheiro.
— Claro — digo apenas para apaziguar seu orgulho. Não há chance de
eu tirar um único euro das mãos dela. Meus lábios se curvam em um sorriso.
— Agora, vamos voltar a essa minha fantasia.
— Não entendi — diz ela, largando o esfregão e cruzando os braços
sobre o peito. — Por que você me quer depois de como reagi da última vez?
Ela está com vergonha de chorar? Cazzo, essa mulher realmente não
tem ideia do que faz comigo. — Você chorou porque ficou impressionada
com o quão bem eu fiz você gozar com minha língua. Você realmente acha
que isso é desagradável, Ale?
Suas bochechas ficam rosadas novamente. — Então você está excitado
com a minha inexperiência.
— E por todas as coisas que posso lhe ensinar. Se você me deixar.
Levanto-me da cadeira e fico atrás dela. Ela está muito imóvel
enquanto eu afasto seu cabelo do pescoço e inalo seu perfume delicioso. —
Eu posso ser gentil, Ale. — Meus lábios trilham contra sua pele. — E
paciente. Posso fazer coisas com você que farão a noite de quinta-feira
parecer insignificante em comparação.
Sua respiração acelera. Ela inclina a cabeça para me dar melhor acesso
e solta um suspiro reprimido. — Você disse que não precisava de uma
distração.
— Eu mudei de ideia.
Uma garganta limpa atrás de nós.
Eu olho e engulo um palavrão. É Ras. Ele pode ter um momento pior?
Ale rapidamente se afasta de mim e Ras franze os lábios. — Não tive a
intenção de interromper.
Eu lanço lhe um olhar furioso. — Bata na próxima vez.
— Preciso falar com você sobre uma coisa.
— Vou deixar vocês dois com isso. — Ale diz enquanto sai correndo.
Quando ela passa por Ras, ele lhe lança um olhar cauteloso.
Eu sei que ele não terá vergonha de compartilhar suas opiniões
comigo.
No momento em que Ale está prestes a desaparecer, vejo o dinheiro
ainda na minha mesa.
— Espere — eu grito.
Ela para no meio da porta e se vira.
Eu levanto o dinheiro na minha mão. — Você esqueceu isso.
Sua postura enrijece e a expressão de Ras escurece ainda mais. Quase
espero que ela discuta, mas, em vez disso, ela arranca o dinheiro da minha
mão e sai pela porta.
Parece uma vitória. Nesse ritmo, não demorarei muito para que eu
diminua sua resistência, então, poderei explorar aquele corpo por tudo que
ele tem a oferecer.
Ras cruza os braços sobre o peito.
— O quê?
— Eu a examinei.
— Eu não pedi para você fazer isso.
— Até onde eu sei, Ale Romero não existe.
Desvio o olhar. A notícia não é uma surpresa completa, mas ainda não
gosto de ouvi-la. Agora que ela e eu estamos envolvidos, não posso me dar
ao luxo de fechar os olhos às suas omissões. É hora de descobrir a verdade.
— O que você descobriu? — Eu pergunto.
Ras se senta na minha frente. — Há vinte e quatro mulheres vivas com
esse nome. Verifiquei todas elas e nenhuma delas é ela.
— Então você sabe quem ela não é, mas não sabe quem ela é.
— Ainda não. Queria falar com você antes de dedicar mais tempo a
isso. — Ele apoia o tornozelo no joelho. — Isso é sério?
— Você sabe que eu não levo nada a sério.
— Então o que é?
— Quero mantê-la por perto por um tempo. — digo. — Ela me intriga.
— Desde que ela começou aqui, você passou mais que o dobro do
tempo normal no Revolvr.
Eu franzo a testa. Isso não pode estar certo. — Se o fiz, é porque tenho
trabalho a fazer aqui.
O olhar de Ras é penetrante. — Hum.
Eu levanto. — Examine-a, mas não às custas de outras pesquisas que
você está fazendo.
— Então terá que esperar alguns dias.
— Muito bem.
Como eu disse, posso ser paciente, mas em breve saberei o nome
verdadeiro dela.
CAPÍTULO QUINZE
VALENTINA

Se eu fosse esperta, pegaria o dinheiro que Damiano me deu e correria


para algum lugar longe. Depois que chego em casa, conto o dinheiro
repetidas vezes. Cinco mil euros são suficientes para começar de novo, mas
por alguma razão não consigo pensar num único destino atraente. É como
se, não importa aonde eu vá, corro o risco de deixar um pedaço de mim em
Ibiza.
Na manhã seguinte, a recepcionista do albergue me entregou uma
carta. No interior há um convite para conhecer um apartamento no lado
agradável da ilha. Não há menção ao nome de Damiano na carta, mas não é
preciso ser um gênio para descobrir quem está por trás disso. Eu vou para a
exibição. O local tem vista para a praia, varanda privativa e parece o sonho
molhado de um designer de interiores. Pago o depósito no local e pego
minha chave.
Não importa o quanto eu lute contra isso, só há uma conclusão que faz
sentido. Há uma parte dele que se preocupa comigo. Damiano não me
parece o tipo de cara que desiste das coisas que quer, então me preparo
para mais gestos grandiosos. Não posso deixá-lo desgastar minha
resistência.
Sim, quero dormir com ele. Quem não gostaria? Mas depois da minha
reação no iate, não estou confiante de que conseguirei manter a cabeça no
lugar quando ele me fizer sentir tão bem repetidamente. E se eu disser algo
que não deveria no meu estado vulnerável? E se eu inadvertidamente
permitir que ele se aproxime demais?
Começo minha primeira semana como garçonete. Como agora
trabalho à noite, tenho que ajustar meu horário de sono, o que significa que
passo os primeiros dias me sentindo um zumbi total. Consigo quebrar alguns
copos e derramar um Cosmopolitan em um VIP, mas ele está chapado
demais para notar.
— Todo mundo aqui está drogado? — perguntei a Vilde uma noite,
enquanto estávamos de folga.
Ela ri. — Você levou apenas alguns dias para perceber, hein? Sim. É
por isso que as nossas garrafas de água custam dez euros. Pessoas drogadas
tendem a beber menos álcool, mas precisam se manter hidratadas.
— Como eles conseguem todas as coisas aqui? — Eu pergunto. — Os
seguranças revistam todo mundo, não é?
— Eles estão verificando armas, não drogas, e sempre há alguém
traficando aqui, se você souber o que procurar. — Ela olha ao redor da sala
dos funcionários e abaixa a voz. — Tenho certeza de que o chefe sabe sobre
os traficantes.
Suspeito que ela esteja certa. Duvido que aconteça alguma coisa neste
clube sem que Damiano saiba. Ninguém se torna tão bem-sucedido quanto
ele sem qualquer exposição ao submundo. Ainda assim, é algo totalmente
diferente fazer parte de suas profundezas.
No dia seguinte, Vilde, Astrid e eu estamos escaladas para trabalhar na
área VIP de nível superior. Quando chegamos, Ras está lá. Ele não diz olá,
mas mesmo de longe posso dizer que ele está me olhando com uma
suspeita inconfundível. Tenho que lutar contra a vontade de me contorcer.
Os nervos explodem dentro de mim. Ele sabe de alguma coisa?
A noite começa sem problemas. As recepcionistas acomodam os VIPs
quando eles chegam, então eu ou um dos outros garçons trazemos o serviço
de garrafa. Não posso ter certeza até contar, mas acho que as gorjetas que
consigo coletar em três horas podem ser maiores do que ganhei durante um
turno inteiro de limpeza. E isso não inclui meu salário base. Meu humor
melhora a cada hora que passa. Se as coisas continuarem assim, talvez eu
consiga pagar Damiano de volta mais cedo ou mais tarde.
— Acabamos de acomodar um grupo de quatro pessoas na Mesa A. —
diz Maria, a gerente. — Eles têm uma garrafa de Chivas Regal. Você pode
torná-los uma prioridade?
— Tenho outra mesa primeiro.
— Faça isso mais tarde. — Maria me diz, olhando por cima do ombro.
— Eles são amigos do chefe.
Do Damiano? Olho para a mesa e um olhar é suficiente para fazer meu
sangue ainda estar em minhas veias.
Na maior cabine da área VIP, onde Astrid estava dançando antes de
sair para o intervalo alguns minutos antes, estão três homens que não
reconheço e um que conheço.
Nelo.
Duvido que Damiano se referisse a Nelo como amigo, mesmo sendo
primo dele, mas o fato de Maria o fazer me diz que esta não pode ser a
primeira vez dele no Revolvr. A parte de trás do meu pescoço se arrepia de
desconforto. Damiano sabe que Nelo e sua comitiva estão aqui? Ainda há
um hematoma verde desbotado no rosto do homem onde Damiano lhe deu
um soco. Pelo menos não parece que Nelo esteja tão bêbado quanto
naquela noite no restaurante.
Preparo o serviço de garrafa, viro os ombros para trás e vou até lá.
Nelo me registra quando estou quase na mesa deles. Seus lábios finos
deslizam em um sorriso de escárnio. — Bella — ele me cumprimenta, seus
olhos percorrendo meu corpo.
— Bem-vindos, senhores. — digo, seguindo meu roteiro.
Ele acompanha meus movimentos enquanto transfiro a garrafa para a
mesa deles. — Você trabalha aqui — ele afirma. — Você foi contratada
antes ou depois da noite em que te conheci?
— Antes.
— Não duvidaria que aquele filho da puta contratasse você só para me
irritar.
— Não creio que o Señor De Rossi gaste um segundo de seu tempo
pensando em seus sentimentos.
Os olhos de Nelo se estreitam em duas linhas.
Porcaria. Eu não deveria ter dito isso.
Ele se inclina para frente, aproximando seu rosto do meu. — O que
você sabe sobre como De Rossi passa o tempo?
Nossa conversa finalmente chama a atenção de seus companheiros.
Um por um, seus olhares duros pousam em mim. Todos parecem maus, sem
exceção. Um deles está exibindo um olho roxo desbotado. Outro tem essa
aparência macilenta que só pode ser causada pelo uso excessivo de drogas
ou por uma vida repleta de violência. Eu vi sósias dele em Nova York.
Soldados de infantaria, geralmente. Homens que vivem cada dia como se
pudesse terminar com uma bala na cabeça.
O último parece o mais normal no início, mas então vejo seus olhos, e
um déjà vu desagradável faz meu estômago embrulhar. Seus olhos são
iguais aos de Lazaro. Frio e totalmente vazio de qualquer emoção humana.
— Sei que ele está muito ocupado. — digo, colocando a última garrafa
na mesa. — Isso é tudo que eu quis dizer. Você gostaria que eu lhe servisse a
primeira rodada?
Nelo olha para a garrafa e depois para mim. — Claro, bella.
Ele provavelmente está acostumado a fazer as pessoas tremerem sob
seu olhar, mas minha mão está firme enquanto sirvo uísque para ele e seus
amigos.
O cara do olho roxo diz alguma coisa para ele em italiano. Há muitos
dialetos locais misturados para eu entender. Nelo dá uma risada feia. É um
aviso suficiente para eu saber que não vou gostar das próximas palavras que
saírem de sua boca.
Ele sorri para mim. — Existem outras maneiras pelas quais
gostaríamos que você nos servisse mais tarde.
Colocando a garrafa de volta na mesa, me endireito e finjo que não o
ouvi. — Voltarei daqui a pouco para verificar vocês. Divirtam-se.
O ar fica tenso e desconfortável. É um jogo para eles. Eles querem me
irritar e me mostrar o quão superiores são para mim. A primeira rodada
acabou. Viro-me e volto para o bar principal.
Decido que posso deixá-los por pelo menos trinta minutos enquanto
atendo meus outros clientes. Mas nem dez minutos depois, eles me
acenaram de volta.
— Queremos o que aquela mesa ganhou. — diz Nelo, apontando para
uma mesa que tem uma garrafa de seis litros de edição limitada de Dom
Perignon.
Claro, ele faz. Homens como ele são tão previsíveis. Eles querem o
brinquedo maior e mais brilhante porque acham que isso os deixará bonitos,
mas, na verdade, as pessoas simplesmente olham para o brinquedo
brilhante e ficam olhando para ele. — Ótima escolha. Só para você saber,
são dez mil euros. — digo a ele enquanto olho para a garrafa já vazia na
mesa deles. Mesmo com quatro pessoas, eles passaram rápido.
— Eu não dou à mínima. Você acha que eu olho os preços aqui?
Sua comitiva ri.
Resisto à vontade de revirar os olhos. — Ótimo, vou trazer isso
imediatamente.
— Apresse-se, sua linda bunda. E onde está a porra da dançarina?
Estamos olhando para um espaço vazio desde que nos sentamos.
— Ela deve voltar do intervalo a qualquer momento. — Olho ao redor,
meu queixo tenso. Eu realmente odeio que minha amiga tenha que lidar
com eles. Vejo Astrid do outro lado da sala vindo até aqui. Ela reconhecerá
Nelo mesmo sem nenhum aviso meu.
O sorriso brilhante que ela usa oscila quando ela vê minha expressão.
Ela observa os homens sentados na mesa e posso ver o reconhecimento
brilhar em seu rosto. Mas ela é uma profissional. Ela sobe na plataforma no
centro da cabine e cumprimenta a todos.
Duvido que Nelo a tenha notado no restaurante ou saiba que ela é
minha amiga. É o melhor. É improvável que uma associação comigo faça
algum favor a Astrid com este grupo.
A garrafa chique de Dom é tão grande que preciso da ajuda de outra
garota para levar tudo. Algumas pessoas comemoram quando passamos por
elas. Quando chegamos a mesa do Nelo, seus amigos se juntam à torcida.
— Preciso fazer um vídeo disso. — diz o magro. Ele pega o telefone e
começa a gravar enquanto colocamos o balde na beirada da mesa.
Estou tão distraída com a comoção que não percebo que Astrid não
está dançando até que eu me endireite. Ela não está mais na plataforma. Em
vez disso, ela está bem na minha frente, ao lado de Nelo. Seu rosto está
mais pálido que o normal. Percebo que a mão de Nelo está segurando seu
pulso.
Que diabos.
Os convidados nunca podem tocar nas dançarinas.
Ele a puxa para sentar em seu joelho, como se ela fosse um brinquedo
em vez de um ser humano em pleno funcionamento e começa a sussurrar
algo em seu ouvido. Ela está tentando se afastar dele, mas ele não deixa.
Onde estão os seguranças?
A náusea aparece dentro do meu intestino. — Por que ela está no seu
colo? — Eu exijo.
Nelo sorri. — Você está com ciúmes, bella? Não se preocupe, tenho
outro joelho em que você pode sentar. — Ele solta o pulso de Astrid e dá um
tapinha no joelho livre.
— Você é nojento.
— Você não parecia pensar assim na outra noite.
Astrid tenta se levantar, mas ele não deixa, empurrando-a para baixo
com a palma da mão na coxa nua. Ela visivelmente enrijece. Seus olhos
estão arregalados e assustados enquanto ela olha para os amigos de Nelo.
Astrid não é uma garota fraca, mas esses homens são totalmente
intimidadores, e posso ver que ela está congelada de medo.
— Deixe-a ir. — eu digo. Minha mão está fechada em punho dentro do
bolso do avental, mas não sou De Rossi. Não vou conseguir quebrar o nariz
do Nelo.
Mas quando a mão dele sobe pela coxa de Astrid, percebo que estou
furiosa o suficiente para tentar.
— Ela não está reclamando, está? — ele pergunta em voz baixa, os
lábios perto do pescoço dela, mas os olhos colados no meu rosto. Ele está
fazendo isso para me irritar.
— Ela está apavorada.
— Apavorada? Eu não acho. Eu acho que essa boceta... — ele move a
mão para segurar a virilha de Astrid — ...está agradável e molhada para
mim.
Meus dedos roçam o picador de gelo dentro do meu avental. A fúria
fervilha dentro de mim como uma nuvem escura de gafanhotos. Enrolo a
palma da mão em volta da alça. Não há pensamentos. Eu nem estou
respirando.
Puxo o picador de gelo e enfio-o na mão de Nelo, que está apoiada em
seu joelho.
As aulas de Lazaro com vários objetos pontiagudos finalmente valeram
a pena. Eu sei o quanto preciso forçar o picador para passar pela mão do
Nelo.
Por um momento que se estende pela minha imaginação, Nelo olha
para o cabo que se projeta de sua mão. Então ele empurra Astrid de cima
dele e solta um grito de espanto.
A música ao nosso redor toca tão alto que quase abafa o som. Os
homens de Nelo levantam-se e gritam num italiano raivoso. Alguém agarra
meu braço.
— Ale! — É a Astrid. Nunca vi seus olhos tão arregalados. — Ale, o que
você fez?
Nelo puxa o picador de gelo com um grunhido de dor e sangue escorre
de sua mão, pingando por todo o chão.
Ele se levanta e fixa seu olhar injetado em mim. — Eu vou te matar por
isso, bella.
Respiro pela primeira vez depois de um longo tempo e olho para o
sangue no chão. É como uma obra de arte horrível.
Meu Deus, o que eu fiz? Prometi que nunca mais faria isso.
O cara com olhos mortos tira um canivete da jaqueta.
Astrid suspira. — Ale, temos que ir. — Ela consegue me arrastar alguns
passos antes de sermos paradas por dois seguranças. Atrás deles está Maria.
Ela deve tê-los convocado agora há pouco. Onde diabos eles estavam
momentos atrás quando precisávamos da ajuda deles?
— Voltem, porra. — Nelo diz a eles quando eles se movem para ficar
diante de Astrid e eu. — Temos algumas coisas que precisamos resolver.
— Sentem-se. — diz um dos seguranças, olhando cansado para os
quatro homens. — Señor De Rossi está a caminho.
— Foda-se.
Nelo e seus companheiros começam a lançar insultos aos seguranças,
mas os dois homens estão claramente fazendo o possível para acalmar a
situação, mantendo-se impressionantemente calmos. Astrid aperta meu
pulso e eu viro a cabeça para encará-la.
O que vejo dentro deles me faz cambalear para trás.
Damiano aparece do outro lado da cabine e passa pelos assentos. — O
que está acontecendo aqui? — Ele fica surpreso quando me vê atrás dos
seguranças, então seu olhar percorre a cabine e todas as partes envolvidas.
Se fica chocado ao ver a mão de Nelo, não demonstra. Seus olhos apenas se
estreitam quando ele vê o canivete do outro homem.
— Você trouxe uma arma para o meu clube? — sua voz é mortal.
O rosto de Nelo fica vermelho de raiva. — Essa vadia acabou de me
cortar. — Ele levanta a mão. Está com uma aparência horrível. — Suas
regras não significam mais nada.
Imediatamente, Damiano dá de cara com Nelo. — Cuidado com a
boca. — ele avisa.
— Ou o quê?
Ao nosso redor, outros clientes começaram a notar a comoção, alguns
estão tentando se aproximar para ver o que está acontecendo.
— Meu escritório. Agora. — diz Damiano.
— Não. Acho que deveríamos fazer isso aqui, órfão. Deixe todo mundo
ver quem vai ganhar. — Nelo provoca.
Estou perto o suficiente para ver os músculos das costas de Damiano
ficarem rígidos.
— Vou fingir que todo o sangue do seu cérebro está sangrando da sua
mão, e é por isso que essa frase acabou de sair da sua boca. Talvez você não
esteja pensando direito, mas eu estou. Olhe em volta. Parece uma cena que
Il Becchino gostaria de ver no noticiário amanhã?
O coveiro. O desconforto vibra dentro do meu peito. De quem
Damiano está falando e por que isso soa como os apelidos que Papà deu aos
seus homens? Eles sempre se chamavam de coisas assim. Il grasso, il dente,
il matematico… Cada nome tinha uma história. Il dente perdeu o dente da
frente numa briga quando tinha dezesseis anos e andou assim por algumas
semanas antes de meu avô lhe pagar para consertá-lo. Il Grasso estava
sempre lanchando no trabalho. Il mathematico não me contou quando
perguntei, mas depois soube por Tito que, depois de cada trabalho, ele
sempre contava quantos homens haviam matado e contabilizava os
números em um caderninho que carregava no bolso do terno.
Nelo zomba e balança a cabeça bruscamente. — Tudo bem.
Resolvemos isso em seu escritório.
Damiano empurra os seguranças para fora do caminho, me pega pelo
cotovelo e me leva embora. Torço o pescoço para ver se os outros me
seguem. Eles fazem.
Ras corre até nós. — O que está acontecendo?
— O magro tem uma faca. — Damiano rosna, mas não para de andar.
— Pegue isso dele assim que estivermos dentro do meu escritório e
descubra como diabos ele conseguiu passar pelos caras na porta.
— Ale! Espere! — É a Astrid. Eu a vejo tentando chegar até mim, mas
Ras a impede e diz algo que a faz franzir a testa para ele com raiva.
Damiano me puxa por uma porta marcada como “Privado” e os sons
do clube diminuem.
Percebo que não há mais ninguém atrás de nós.
A plena compreensão do que fiz me atinge naquele momento.
Eu simplesmente... esfaqueei um homem. Derramei seu sangue como
se não fosse nada. Não houve nenhum mestre de marionetes puxando as
cordas desta vez. Foi tudo eu.
As bordas da minha visão escurecem. Eu balanço em meus pés, e o
aperto de Damiano em mim aumenta.
Ele para de nos mover e aproxima seu rosto do meu. — Você está
bem? Eles tocaram em você?
Ele está com tanta raiva que está tremendo. Respiro
desesperadamente e forço uma única palavra. — Não.
Ele exala de alívio. — O que aconteceu?
— Ele agarrou Astrid. Ele a tocou por cima das roupas. Foi doentio, ele
não a deixou fugir.
— Astrid o esfaqueou?
— Não. Eu fiz.
Algo que pode ser orgulho brilha em sua expressão, mas deve ser
minha imaginação, porque não há nada do que me orgulhar nesta situação.
Sim, o Nelo está doente. Mas eu também.
Lazaro realmente me arruinou. E agora Astrid sabe. Eu vi isso em seus
olhos quando ela olhou para mim momentos antes. Ela parecia com medo
de mim. Finalmente, ela entende com quem está morando há duas
semanas.
Um monstro.
CAPÍTULO DEZESSEIS
VALENTINA

— Nelo me reconheceu da noite anterior. — digo a Damiano enquanto


seguimos pelo corredor de serviço mal iluminado até seu escritório. — Ele
disse que vai me matar pelo que fiz esta noite.
— Ele não vai encostar um dedo em você. — Damiano diz com uma
voz áspera. — Vou me certificar disso.
Puxo meu lábio inferior com os dentes. Nelo não segue as regras. Eu
posso sentir isso. De alguma forma, duvido que ele dê ouvidos aos avisos de
Damiano.
— No que ele está envolvido? — Eu pergunto.
A raiva forma uma linha nítida em sua mandíbula. — Ele e sua equipe
são um bando de idiotas. Se eles sequer pensarem em tocar um fio de
cabelo da sua cabeça novamente, não viverão o suficiente para se
arrependerem.
É um exagero, mas ele diz isso com uma confiança tão cruel que quase
acredito nele. Mesmo assim, Damiano é apenas um empresário, e Nelo?
Nelo é perigoso e esta é a segunda vez que provoco problemas entre ele e
Damiano.
Deveria haver outra maneira de ajudar Astrid que não envolvesse fazer
o que eu fiz. Meus instintos imediatamente se transformaram em violência.
É assim que vou resolver todos os meus problemas a partir de agora? Não
consigo nem me convencer de que não vou. Eu não estava pensando
quando enfiei aquele furador de gelo na mão do Nelo. Eu apenas fiz o que
parecia certo.
O pânico começa a crescer na base da minha espinha. A violência
parecia certa para mim. Sério, o que há de errado comigo? Não consigo me
aproximar de ninguém quando estou neste estado. Eu realmente preciso de
terapia. Anos disso. E até então não há saída. Nelo pode ter merecido, mas e
se eu atacar alguém que não merece na próxima vez? Preciso sair e me
isolar. Não vou colocar mais pessoas em perigo porque estou maluca.
— Espere aqui. — diz Damiano quando paramos em frente ao seu
escritório. Ele aponta para uma cadeira encostada na parede a alguns
metros de distância e me ajuda a sentar. — Eu não quero você na sala com
eles. Conversaremos assim que eu terminar. Tudo bem?
— Claro. — eu digo, encontrando seu olhar. Ele está preocupado
comigo, da mesma forma que estava quando chorei em seu iate. Ele acha
que sou alguém que precisa de proteção, em vez de algo contra o qual as
pessoas precisam de proteção.
O som de passos vem do outro lado do corredor, Damiano dá um
aperto rápido em meu ombro. Ele abre a porta para Nelo e sua comitiva,
bloqueando minha visão. Vejo um flash de Ras antes de todos
desaparecerem dentro da sala.
Assim que fico sozinha, me viro e escondo o rosto nas palmas das
mãos. Meu estômago se agita. Parece que algo podre se abriu dentro do
meu estômago e me encheu de veneno.
Eles estão conversando em tons agressivos dentro do escritório, mas
não consigo distinguir uma única palavra através das paredes grossas.
Eu não posso ficar aqui. Vou explodir se eu fizer isso.
Correndo para a saída de emergência mais próxima, passo pela porta.
O estacionamento fica confuso ao meu redor enquanto corro passando
pelas fileiras de carros. Não paro de me mover até chegar à praia. Meus
calcanhares afundam na areia. O céu ainda está escuro, mas a lua está
brilhante e ilumina as ondas que quebram na costa. A água fica sempre mais
agitada durante a noite, brilhando com uma espuma que parece como
dentes brancos.
Estou tão perto da costa que posso sentir a umidade do oceano caindo
sobre meus joelhos nus. Quem sentiria minha falta se eu entrasse direto na
água e nunca mais voltasse? Meus irmãos não precisam de mim. Meus pais
provavelmente me querem morta. Neste momento, se me encontrarem
viva, estarei em desgraça para o resto da minha vida. Papà provavelmente
dará a bênção a Lazaro para me matar pela minha traição. Eu já fui uma filha
ou apenas uma ferramenta para eles usarem? Alguma filha da máfia é mais
do que uma coisa para negociar?
A água está até os joelhos agora e o oceano me dá as boas-vindas. Ele
puxa meus tornozelos, envolvendo suas mãos espumosas em volta da minha
carne e me persuadindo a ir mais fundo.
Lágrimas escorrem pelo meu rosto. Preciso deixar tudo de lado e
começar de novo, mas depois desta noite, não sei se conseguirei. Viver com
medo é a coisa mais exaustiva que já tive que fazer. E agora não são apenas
os outros que temo. Sou eu.
O veneno que Lazaro me encheu não desapareceu. Isso corrompeu
minha mente e apagou meu caráter. Eu não sei quem eu sou.
Eu suspiro quando a água atinge a barra do meu short. Está fria.
Limpa. Talvez possa limpar minha alma. Esse pensamento me faz avançar
cada vez mais. Uma grande onda bate em mim e de repente sou arrebatada.
Caio para trás e minha cabeça mergulha na superfície.
Lave isso de mim. Meu passado, meus pecados, minhas memórias. Eu
quero renascer.
Meus pés se conectam com o fundo do mar. A água não é tão
profunda, posso empurrar e voltar se precisar, mas me desafio a prender a
respiração. As ondas jogam meu corpo para frente e para trás, eu relaxo
nelas, deixando a natureza fazer seu trabalho.
Quando estou completamente sem fôlego, coloco a cabeça acima da
superfície da água e olho para o céu. Não há estrelas visíveis esta noite, a lua
está muito brilhante. Eu gostaria de poder vê-las bem acima de mim, para
servir como um lembrete de quão pequena sou neste grande mundo.
Outra onda quebra contra mim. Um pouco de água salgada entra no
meu nariz e começo a tossir. Outra parede de água me atinge antes que eu
tenha a chance de respirar direito.
Quando a maior onda já bate na minha cabeça, acho que ouço meu
nome, mas o som da água corrente o abafa. Então estou submersa e desta
vez, quando aponto os dedos dos pés, não encontro nenhuma resistência.
Não parece que estou afundando. Sinto-me como se estivesse suspensa no
espaço e no tempo.
O pânico começa a tomar conta. Eu nado, mas está muito escuro e não
sei qual é o caminho para cima. A água não parece mais agradavelmente
fria. É gelada, pesada e espessa como alcatrão. Uma dor aparece dentro do
meu peito e a escuridão se infiltra em meus pensamentos. Não consigo
segurar nenhum deles.
Quando finalmente estou convencida de que estou prestes a morrer,
duas cobras se enrolam em minha cintura. Elas mordem meu estômago,
cravando seus dentes cegos em minha carne.
— Ale. Ale!
Não dentes. Dedos. Mãos. Dois braços.
Eles me apertam repetidamente, até que eu vomite a água salgada do
oceano. Minhas costas batem na areia compactada. Sou empurrada para o
meu lado. Estou tossindo mais forte do que nunca em toda a minha vida.
Quando finalmente abro os olhos, Damiano está se aproximando de
mim, parecendo irado. Ele está encharcado até os ossos, a água escorrendo
pelo seu cabelo e no meu rosto.
— Puta merda. — eu sufoco.
— Quem vai nadar à noite quando o mar está agitado assim? Você
poderia ter se afogado, sua idiota. — ele sibila. Ele parece irritado o
suficiente para me matar. A escuridão nubla seus olhos.
— Desculpe. Eu só queria... me acalmar.
Ele está olhando para mim como se quisesse me desmontar pedaço
por pedaço só para poder ver exatamente onde a natureza errou. — Há Ar
condicionado no clube. Você teria se acalmado se tivesse ficado parada
como eu mandei.
Fecho os olhos e balanço a cabeça. — Não.
— Como assim não?
— Você não entenderia.
Ele agarra meus ombros e me dá uma sacudida forte. — Você não
pode me dizer isso depois que eu arrastei você para fora. Você quase
morreu.
Ele não está errado. Eu poderia ter morrido se ele não tivesse vindo
em meu socorro.
Isso realmente teria sido tão ruim?
Essa teria sido uma maneira de evitar que meus impulsos violentos
voltassem a causar estragos.
Estou realmente pensando em suicídio? Não, não posso desistir. Não
depois de tudo que fiz para fugir.
Um soluço sobe pela minha garganta. Parece horrível.
O aperto de Damiano em meus ombros afrouxa. — Fale comigo.
— Eu o machuquei. — digo enquanto as lágrimas transbordam dos
meus olhos e escorrem pelas minhas têmporas.
— Nelo? — Ele dá uma risada. — Quem se importa com ele? Ele foi ao
médico. Eles vão dar a ele um band-aid e mandá-lo se foder.
Eu me sento e Damiano move a mão para a parte inferior das minhas
costas para me ajudar.
— Você não entende. — A verdade quer se espalhar. Quero contar a
ele todos os detalhes de tudo o que fiz para que ele veja por si mesmo que
não valho nem um segundo de sua preocupação.
Mas quando olho para o rosto dele, percebo que sou uma mentirosa.
Eu gosto da preocupação dele. Eu não quero rejeitá-lo. Quero me
aprofundar mais fundo nisso.
— Eu fui violenta. — murmuro, guardando tudo o que estava prestes a
contar a ele. — E eu nem me senti mal por isso no momento. Que tipo de
pessoa isso me torna?
Damiano exala um suspiro exasperado. — Você agiu por instinto. Você
queria proteger Astrid. Isso faz de você uma boa amiga.
— Meu instinto foi esfaqueá-lo com um furador de gelo.
— Muitos teriam feito pior.
— Eu duvido.
— Eu não. — Ele levanta meu queixo. — Olha, eu sei o que você está
sentindo.
— Você sabe?
— Sim. O que você fez parece violento, mas não foi. Por sua natureza,
a violência é o máximo do egoísmo. O que você fez não foi isso. Você agiu
com o objetivo de defender uma amiga.
— Como você sabe de tudo isso?
— A violência faz parte do meu trabalho.
— Você quer dizer que as pessoas se envolvem em brigas e coisas
assim em seus clubes?
Ele desvia o olhar e coça o canto da boca. — Sim.
— Achei que Ras e sua equipe tivessem lidado com tudo isso.
— A maior parte. Mas às vezes, isso precisa ser resolvido por mim.
Como esta noite. Para lidar eficazmente com a violência, é necessário
compreendê-la. Uma pessoa habitualmente violenta geralmente não é
muito inteligente. Eles não conseguem descobrir como lidar com uma
situação. Eles não conseguem controlar suas emoções e atacam. Quando
você sabe o que procurar, quase todos os atos de violência podem ser
evitados. Às vezes, bastam algumas palavras cuidadosamente escolhidas.
Outras vezes, você só pode pará-lo com sua própria demonstração de força.
Foi isso que você fez esta noite.
— Eu agravei as coisas em vez de impedi-las.
— Você afastou Astrid dele, não foi? Você criou uma distração. Você
fez o Nelo mudar de alvo.
— Para mim.
— Esqueça o que ele disse para você. — diz Damiano — Ele nunca vai
te machucar.
Permito que suas palavras tomem minha pele e penetrem em meu
sangue como uma dose de droga. É tão tentador acreditar nele. — Você não
vai deixar.
— Não. Eu já te disse, não foi? — Ele alcança minha bochecha e
arrasta as pontas dos dedos até meus lábios. — Eu vou fazer você ser minha,
Ale. E eu sempre protejo o que é meu.
Uma onda quebra, atingindo nossos dedos dos pés. Abro minha boca e
tiro minha língua. Ele tem gosto de sal, segurança e desejo.
Eu quero ficar encharcada nisso. Só por uma noite, vou me permitir
acreditar que ele me manterá segura.
Ele vê minha intenção antes que eu possa expressá-la e enfia os dedos
em meu cabelo molhado, trazendo meus lábios aos dele. Deus, é tão bom
beijá-lo.
Mas ele interrompe o beijo e olha para mim novamente. — Cazzo,
ainda não consigo acreditar que você quase se afogou.
— Sinto muito — eu digo. — Foi estúpido.
— Sim, foi.
Passo as mãos por seu peito musculoso e enrolo meus dedos em sua
camisa social. — Faça-me sentir viva novamente.
Seus olhos brilham com calor, então ele está em cima de mim,
pressionando minhas costas na areia e colocando seu corpo poderoso sobre
o meu. Ele me deixa sentir seu peso, como se soubesse o quanto preciso
estar ancorada em alguma coisa agora. Meus dedos mergulham sob sua
camisa e desenho longas linhas em suas costas com as unhas. Isso me
rendeu um grunhido de satisfação e um puxão no lábio inferior.
Ele se afasta de mim e olha minhas roupas encharcadas. — Tire sua
camisa, a menos que queira que eu a arranque de você.
Uma onda de calor se instala dentro do meu núcleo. Provavelmente é
melhor manter nossas roupas intactas já que ainda temos que voltar para o
clube.
Ele me ajuda a tirar o tecido molhado sobre minha cabeça e depois se
aproxima de mim para desabotoar meu sutiã. Assim que meus seios ficam
nus, suas mãos ficam gananciosas, sua boca faminta pelo meu gosto. Ele
coloca um mamilo na boca e puxa-o com os dentes, antes de fazer o mesmo
com o outro. A eletricidade arrepia toda a minha pele e o calor serpenteia
na boca da minha barriga até que estou tão desesperada por mais que o
afasto e rapidamente tiro minha calcinha e shorts.
Damiano olha para minha forma nua. — Foda-se — ele murmura. —
Este corpo foi feito para mim.
Algo vibra dentro do meu peito. Por que parece tão certo quando ele
diz coisas assim?
Ele levanta os olhos para encontrar os meus, como se me desafiasse a
protestar. Quando não o faço, ele me dá uma recompensa.
Sua boca entre minhas pernas.
Eu agarro a areia enquanto ele lambe e chupa meu clitóris. Como ele é
tão bom nisso?
— Merda — eu ofego. Minha visão fica embaçada à medida que a
pressão entre minhas pernas aumenta cada vez mais. Ele me pega pelas
coxas e me coloca sobre seus ombros, como se eu não pesasse nada. E
então ele olha para mim, sua boca ainda colada na minha boceta.
Tudo explode e eu grito. Não importa o quanto eu me contorça, ele
não me solta. Quando começo a descer, ele me fode com a língua e o prazer
nebuloso de tudo isso é irreal.
— Damiano. — eu gemo.
Por fim, ele me coloca de volta no chão e mergulha os dedos dentro
de mim, enrolando-os possessivamente. — Nunca provei uma boceta
melhor. — diz ele com voz rouca.
Arrasto as costas da mão sobre a testa. Jesus.
Quando ele rasteja em cima de mim, deslizo minha mão em suas
calças para encontrar seu pau duro. Ele fecha os olhos quando começo a
acariciá-lo, depois geme quando aperto mais, mas antes que eu possa
experimentar mais, ele rosna: — Chega.
Ele tira minha mão da calça, prende-a acima da minha cabeça e beija
minha garganta. — Eu vou gozar dentro de você. — ele diz contra a minha
pele.
Um arrepio percorre minha espinha quando percebo que é a maneira
dele de pedir permissão. Tomei minha última injeção anticoncepcional na
véspera do meu casamento, o que significa que ainda estou bem por mais
ou menos um mês.
— Ok. — eu respiro.
Ele faz um estrondo de satisfação no fundo da garganta, sai de cima de
mim e começa a tirar a roupa.
Quando ele está completamente nu, ele se ajoelha entre minhas
pernas, seu corpo poderoso iluminado pela lua. É um visual tão marcante
que deveria ser capturado por um pintor, mas a praia está completamente
vazia, exceto nós. Arrasto as pontas dos dedos sobre os músculos definidos
de seu peito e abdômen e tento capturar cada detalhe em minha memória.
Ele agarra meu queixo e coloca seu corpo sobre o meu. A antecipação
do que está por vir faz meus dedos se curvarem. Seu pau está pressionado
contra minha coxa, eu movo meus quadris e o alinho com minha entrada.
Esta é a segunda vez que um homem estará dentro de mim, e já sei que não
será nada parecido com a primeira.
Ele empurra com um golpe suave e solta um suspiro forte. Meus olhos
se fecham com a sensação de estar tão cheia. Cravo minhas unhas em sua
bunda, ele começa a se mover, lentamente no início, depois cada vez mais
rápido, até ficar frenético e desesperado. Posso sentir outro orgasmo
crescendo nas bordas.
De repente, ele sai, me vira e me move até que eu fique de quatro,
com a bunda para cima. Ele me agarra pelos quadris, empurra-me
novamente e rapidamente encontra um ritmo implacável. Meus braços
tremem enquanto luto para me manter de pé.
— Esta boceta foi feita para mim também. — ele rosna por trás
enquanto continua empurrando dentro de mim. — E essa bunda linda. —
Seu polegar roça o outro buraco. — Minha.
Eu me contorço, minha respiração saindo ofegante agora enquanto
chego cada vez mais perto do meu pico. Estou louca de luxúria e adrenalina
e olho por cima do ombro para encontrar seu olhar. — É toda sua.
Sua expressão se derrete de satisfação, e ver isso acaba comigo. Sinto
espasmos ao redor dele, enrolando os dedos na areia e caindo sobre os
antebraços. Ele move as mãos para meus quadris, bombeia mais duas vezes
e explode dentro de mim.
Caímos de lado e ele envolve seus braços fortes em volta de mim. O
céu está mais claro agora. O sol nascerá em breve e apagará a noite.
Depois de algum tempo, ele me levanta e me leva de volta para a
água, tirando a areia das minhas costas e dos meus braços e lavando entre
as minhas pernas. Eu deixei. Permito que essa ilusão de ser cuidada por ele
dure mais alguns momentos.
— Você nunca mais se colocará em perigo. — ele murmura em meu
ouvido. — Ninguém machuca o que é meu, nem mesmo você.
Voltamos para o clube com areia em nossas roupas. É estranho andar
com a palma da mão quente pressionada nas minhas costas em público, mas
não há ninguém prestando atenção em nós. Há esta hora, qualquer pessoa
que encontramos em nossa caminhada está extasiada com as drogas.
— Deixei as chaves do carro no meu escritório. — diz ele. — Nós
vamos pegá-las e eu levo você para casa.
O sol aparece no horizonte. Estou pronta para me envolver com
alguém como Damiano? Ele não é mafioso, mas já sei que sua oferta de
proteção traz consigo expectativas. Ele quer que eu seja dele.
Gosto quando ele me diz o quanto me deseja e como vai usar meu
corpo, porque sei que ele fará questão de que eu também goste. Mas e se
ele quiser mais do que isso? E se ele quiser me controlar como Lazaro e Papà
fizeram?
Não, homens normais não pensam assim. Eles não tentam submeter
às pessoas à sua vontade até que estejam prestes a explodir. Damiano pode
pensar que sou dele, mas quando ele diz essas palavras, sei que as diz como
uma promessa, não como uma ameaça. Ele quer cuidar de mim. É realmente
tão ruim permitir que ele faça exatamente isso?
O que temos não durará para sempre, mas por enquanto, talvez eu
possa gostar de ser dele.
Paramos na porta de seu escritório, mas ele me impede de entrar.
Suas sobrancelhas franzem. — Alguém está lá dentro. Deixei a porta
trancada.
Está aberta, apenas uma fresta.
Ele me coloca atrás dele. — Fique aqui. Vou verificar primeiro.
Nelo e sua turma estão esperando por ele lá dentro? O medo acende
dentro do meu estômago.
Ele desaparece pela porta e ouço vozes abafadas por um minuto ou
mais antes de ele voltar.
— Quem é? — Eu pergunto.
Em seu olhar, detecto uma pitada de calor. — É minha irmã. Ela ficou
preocupada quando acordou e percebeu que eu não tinha voltado para
casa. Ela foi me procurar. Você quer conhecê-la?
— Hum. — Estou perfeitamente consciente do fato de que acabámos
de fazer sexo na praia e que o seu esperma ainda está a pingar de dentro de
mim. O calor cobre minhas bochechas. Devo parecer uma bagunça.
Mas estou curiosa. A versão adulta da garotinha daquela foto de
família está do outro lado da porta. Damiano disse que eles são próximos,
então parece um grande negócio ele estar disposto a me apresentar a ela.
— Tudo bem. — eu digo.
— Vamos. — Ele me pega pela mão e abre a porta. — Martina, há
alguém que eu gostaria que você conhecesse. — ele diz enquanto entra na
sala comigo em seus calcanhares. — Esta é Ale. — Ele se afasta para revelar
alguém empoleirado na beirada de sua mesa.
Minha saudação para abruptamente dentro da minha garganta. Meus
lábios se separam. Tudo ao meu redor fica em branco quando minha visão
se estreita na garota.
A garota.
Aquela que vi enrolada no chão do meu porão através da tela de um
iPad.
Seus olhos se arregalam em reconhecimento.
A realidade parece um castelo de cartas que está a um passo de
desabar.
Ela respira fundo.
E então, ela grita.
CAPÍTULO DEZESSETE
DAMIANO

Quando surgiu a notícia de que alguém sequestrou minha irmã


enquanto ela estava em viagem para Nova York, não entrei em pânico nem
cedi à raiva que senti. Coloquei meus melhores homens para localizá-la, pedi
todos os favores que tinha e marquei um voo para Nova York. Eu estava no
ar quando recebi a ligação de Ras informando que ela havia voltado para a
Espanha traumatizada, mas viva e aparentemente ilesa. Redirecionamos o
avião. Cheguei em casa e segurei minha irmã nos braços por um longo
tempo.
Então chamei o guarda-costas dela e coloquei uma bala na cabeça
dele.
Ras estava lá quando eu fiz isso. Ele pode garantir que não matei o
guarda porque estava emocionado. Não, foi porque dirijo um navio
apertado e não posso me dar ao luxo de ter 250 quilos de carne inútil em
minha equipe. Ele parou de agregar valor e acabou morto.
É essa mesma sensatez que me permite manter minha expressão
neutra enquanto minha irmãzinha grita ao ver a mulher que acabei de
reivindicar como minha.
Mari é adolescente, mas mesmo com todos esses hormônios, essa não
é uma reação normal.
Algo está realmente errado.
Bato a porta do escritório atrás de mim. — Mari.
Minha irmã pula da minha mesa e corre até mim. Seu rosto está sem
sangue e seus olhos estão arregalados. — Dem, eu a conheço — diz ela com
a voz trêmula. — Ela é a esposa do homem que me levou.
Meu sangue vira gelo.
Eu sabia que Ale Romero estava mentindo sobre o nome dela, mas
nunca poderia imaginar isso. Levá-la para minha cama parecia um esforço
mais importante do que descobrir a verdade sobre ela. Afinal, meus próprios
segredos certamente ofuscariam os dela, e eu desprezava ser hipócrita.
Parece que eu estava errado.
Parece que perdi a cabeça por causa de um rosto marcante e um
corpo forjado nas profundezas das minhas fantasias.
Como eu poderia ter permitido isso?
Puxo Mari para o meu lado e inalo seu perfume para moderar a raiva
violenta que me atinge como um trovão. Minhas narinas se dilatam. Mesmo
seu cheiro familiar, o cheiro de casa e de tudo que há de bom neste mundo
miserável, não é suficiente. Lentamente, volto meu olhar para Ale.
Ela está olhando para nós como se tivesse visto um fantasma.
Eu cerro meu punho ao meu lado.
— Eu posso explicar. — ela diz, sua voz é apenas rouca.
Forço um sorriso torcer meus lábios. — Tenho certeza de que tudo
isso é apenas um mal-entendido. — digo, apertando o quadril de Mari para
que ela saiba que estou mentindo. — Vocês duas, sentem-se. Vou pegar um
pouco de água para você.
O rosto de Ale suaviza de alívio. Ela acreditou, o que significa que deve
pensar que sou um idiota crédulo. Por que ela não faria isso? Todo esse
tempo, ela me fez de bobo.
Elas se sentam e eu vou até o carrinho no canto do meu escritório.
Enquanto as duas se olham em silêncio, digito uma mensagem para Ras. —
Escritório. Urgente.
Cazzo. A mulher com quem eu estava há menos de uma hora é casada
“casada” com o monte de merda inútil que sequestrou minha irmã
enquanto ela estava em uma viagem de formatura para Nova York. Casada
com o homem que assassinou a melhor amiga de Mari e levou minha irmã
para um porão para submetê-la ao que suspeito que teriam sido horas de
tortura brutal. Um gosto amargo inunda minha boca. Ale a seguiu até Ibiza
para terminar o trabalho? E eu a levei direto para minha irmã. A culpa
envolve minha garganta como um laço.
Abro uma pequena caixa de metal escondida atrás de uma garrafa de
uísque e tiro um sedativo. Por experiência própria, sei que este fica sem
gosto quando dissolvido. Encho dois copos com água mineral, esmago o
comprimido entre o indicador e o polegar e coloco o pó em um dos copos.
As bolhas mascaram qualquer resíduo.
— Estou tão feliz que você esteja bem, Martina. — Ale diz atrás de
mim.
Tenho que parar e respirar fundo para não dar um tapa na cara dela.
Como ela ousa dizer o nome da minha irmã com aquela boca mentirosa?
Ela olha para mim. Entrego a ela a água drogada e dou outro sorriso.
Juro, cada um me custa um ano de vida. Parece um corte esculpido em meu
rosto.
Estou preocupado que ela cuide do copo por mais tempo do que
consigo me controlar, mas ela me faz um favor ao engolir tudo de uma vez.
Há um leve tremor em suas mãos. Imagino amarrá-las com uma corda
áspera e observá-la sangrar ao lutar contra as restrições.
Mari toma um pequeno gole e vira o rosto para olhar para mim. Ela
está esperando minhas instruções. Minha doce e gentil irmã.
Quando ela voltou para mim, prometi a ela que faria os culpados
pagarem pelo que fizeram com Imogen e ela. Ela não sabia quem a levou.
Eles a nocautearam depois de atirar em Imogen, quando ela acordou
naquele porão, o efeito do sedativo ainda não havia passado
completamente e sua memória do homem estava confusa. Mas ela se
lembrou da mulher. Aquela que parecia cúmplice até atirar no sequestrador
e ajudá-la a escapar.
Mari não sabe por que a mulher a ajudou, mas vivi o suficiente para
saber que em nosso mundo atos altruístas de bondade são tão raros quanto
uma noite tranquila em Ibiza. Ninguém faz algo assim se não for do seu
interesse. Ale deve ter tido motivos ocultos quando libertou minha irmã.
E farei o que for preciso para descobrir isso.
Ale cai contra a cadeira. — Eu me sinto estranha. — ela diz enquanto
suas pálpebras começam a cair.
Já era hora.
Eu fico de cócoras na frente dela e curvo as palmas das mãos em torno
dos braços da cadeira. Não confio em mim mesmo para tocá-la agora.
Martina não precisa ver como seu irmão lida com mentirosos imprestáveis.
— O que está errado? — Eu pergunto.
Sua cabeça pende antes que ela consiga trazê-la de volta. — Não
consigo sentir minhas pernas e braços.
Pela primeira vez desde que Mari gritou, permito que a máscara caia.
Uma carranca lenta se espalha pelo rosto de Ale enquanto ela percebe
minha expressão. — Damiano... o que está acontecendo comigo?
— Há um sedativo se espalhando pela sua corrente sanguínea.
O medo brilha em seus olhos, por um momento, ela parece tão
aterrorizada que sinto uma leve pontada de pena. Mas então me lembro de
quem ela é e esmago aquela pena como uma mosca irritante. — Você me
prometeu uma explicação.
Ela tenta assentir. Seu queixo bate contra o peito. Empurro meus
dedos em seu cabelo e puxo sua cabeça para trás para olhar para mim. — Eu
não preciso de suas mentiras. — eu sussurro. — Vou arrancar de você até a
última gota de verdade.
Seu corpo fica totalmente mole. Atrás de mim, Mari solta um soluço
estrangulado.
Solto Ale, mas quando ela começa a escorregar da cadeira, eu a pego
no colo antes que ela caia no chão. Não porque eu me importe se ela se
machucar, mas porque não posso arriscar que ela bata a cabeça e perca a
memória. Primeiro, preciso descobrir todas as informações em seus limites.
Ras aparece na porta. Seu olhar percorre Martina e eu antes de parar
no corpo em meus braços. — Devo chamar um médico?
Grosso modo, passo Ale para ele. — Não. Acontece que ela é a esposa
do assassino que levou Mari. Leve-a para minha casa e coloque-a na sala
segura.
As sobrancelhas de Ras sobem em sua testa. — Merda.
— Você estava certo. — eu digo. — Eu deveria ter sido mais
cuidadoso, mas agora finalmente descobriremos quem está por trás de toda
a trama.
Ras olha para ela. De repente, quero arrancá-la dos braços dele, mas
afasto a sensação ridícula. Dormimos juntos. Uma vez. Não tenho como
sentir nada por essa mulher que possa comprometer minha capacidade de
interrogá-la.
— O que eu digo as amigas dela? Estão todas agendadas para esta
noite.
Vou até minha mesa. — Diga a elas que ela saiu da ilha.
— Elas não vão acreditar.
— Então faça a porra do seu trabalho e faça-as acreditar.
Encontro o olhar duro de Ras. Ele não está ofendido pelo meu tom. É
pior. Ele está preocupado.
Eu verifico meu relógio. — São quase oito horas. Mari, prometi levar
você para sua aula de dança. — digo asperamente. Pelo canto do olho, vejo
minha irmã se levantar. Ela mal disse uma palavra desde que viu Ale.
— Posso pular isso. — diz ela, com os olhos fixos na mulher
inconsciente que nosso primo está segurando. — Pensei tê-la visto quando
desembarquei em Barcelona, mas estava tão cansada que tinha certeza de
que estava imaginando.
A lembrança do dia em que Mari voltou me atinge. Eu nunca tinha
visto minha irmã tão abalada. Isso me aterrorizou. A ideia de ela não estar
mais viva era tão difícil de engolir que me recusei a pensar nisso, mesmo
naquele dia.
— Eu quero que você vá para sua aula. A Señorita Perez está
esperando por você. — digo. Minha irmã ainda está se recuperando e seu
progresso tem sido morno. Acabei de conseguir convencê-la a voltar às aulas
de dança esta semana.
Mari puxa as mangas da blusa de linho solta, mas sei que ela não
protestará mais. Minha irmã é infalivelmente obediente a mim. — Ok. Eu
irei.
Há uma nota triste em sua voz que aperta meu coração. — Ei. Venha
aqui por um segundo. — Abro bem os braços.
Ela entra em meu abraço e coloca a bochecha no meu peito. — Me
desculpe por ter gritado. — ela murmura. — Eu não conseguia acreditar que
era ela. O que ela está fazendo aqui, Dem?
— Ela trabalha... trabalhou aqui.
— Ela estava procurando por mim?
— Não sei, mas vou descobrir. — Eu beijo o topo de sua cabeça. —
Você está segura agora. Essa mulher não trará nenhum dano a você.
Minha irmã se afasta. — Eu não acho que ela queria me machucar.
Não acho que ela e o marido se davam bem.
Eu fico em silêncio. Minha irmã não precisa saber como é fácil para um
criminoso experiente fingir um ato inocente. Mari nasceu na família mais
mortal do sistema, mas as histórias da brutalidade de meu pai
desapareceram com a morte dele e de minha mãe. Não tenho vontade de
compartilhar essas histórias com Mari. Passei toda a minha vida protegendo
minha irmã daqueles que poderiam machucá-la, e isso inclui os fantasmas
do nosso passado.
— Vamos pela porta dos fundos. — digo a Ras. Ele balança a cabeça e
caminha pela estante que se abre secretamente para minha garagem
particular. Enquanto Mari entra no meu carro, vejo Ras começar a colocar
Ale na traseira do dele.
— Coloque-a no porta-malas. — digo a ele.
— É uma viagem turbulenta.
Bato a porta, para que Mari não ouça. — Bom. E amarre-a para mim,
assim como Mari nos disse que fizeram com ela.
Ras funga e franze os lábios. — Talvez você devesse falar com ela
primeiro.
— Talvez você não devesse questionar seu capo. — Não espero pela
resposta dele antes de sentar no banco do motorista e ligar a ignição.
Antes de tudo isso, eu estava pensando em levar Ale para sair hoje à
noite.
Parece que nosso encontro ficou muito mais interessante.
CAPÍTULO DEZOITO
VALENTINA

Quando abro as pálpebras, pisco algumas vezes para ter certeza de


que não estou sonhando. Meus pensamentos estão confusos, minha língua
está seca e meus pulsos doem muito. Sinto um gosto medicinal estranho na
minha boca que quero cuspir, mas estou com pouca saliva. Balanço a cabeça
para tentar me livrar da névoa cerebral e sou recompensada com uma dor
aguda no ombro.
Oh, isso pode ser porque alguém amarrou meus pulsos com uma
corda áspera e me deixou pendurada pelos braços.
Estou em uma sala quadrada, do tamanho de um quarto. Piso de
cerâmica, paredes inacabadas e uma janela estreita perto do teto que está
quase toda coberta com jornal, mas há luz forte entrando pelas frestas. Ele
está voltado para algum lugar lá fora. Um fio suave de uma música de bossa
nova passa pelo vidro.
O pavor surge mais rápido que minha memória. Onde diabos estou e
como cheguei aqui? Meus dedos dos pés batem no chão. Rapidamente
percebo que se ficar em pé, posso tirar o peso dos braços, então faço
exatamente isso.
E então isso me atinge. Escritório de Damiano. Martina. Seu sorriso
estranho e antinatural quando ele me entregou aquela água.
Ele me drogou.
Há quanto tempo estou fora? A julgar pela dor dos meus braços, já
deve ter passado algum tempo. Eu giro em uma direção, depois na outra. Há
uma porta sem maçaneta. Tento chutá-la com o pé, mas é longe demais
para eu chegar perto de alcançá-la. Em vez disso, perco o equilíbrio e sou
recompensada com mais agonia nos braços.
Raiva e medo lutam pelo domínio dentro do meu peito. Por que ele
me levaria para este lugar e me amarraria como uma espécie de animal?
Inclino a cabeça para trás para olhar minhas restrições.
O reconhecimento frio se espalha sob minha pele. Cordas suspensas
em um grande anzol. Foi assim que o Lazaro amarrou a Martina no nosso
porão.
Não, não, não. Luto contra o pânico terrível e as lágrimas que brotam
dos meus olhos. Isso é vingança. Ele está me punindo.
Eu não entendo. Eu ajudei a irmã dele. Ele acha que eu estava
trabalhando com Lazaro? Por que ele não me deixou explicar?
Explicar o quê? uma voz na minha cabeça pergunta. Você estava
trabalhando com Lazaro.
Meu lábio inferior treme. Eu tinha esquecido a verdade fundamental
sobre mim.
Eu não sou uma boa pessoa.
Nenhuma quantidade de explicações mudará isso.
Uma única lágrima escorre pelo meu rosto, antes que eu possa me
recompor, ouço a porta se abrir.
Meu olhar imediatamente se conecta com o dele.
O empresário organizado se foi. O cabelo de Damiano está
despenteado, em vez do terno habitual, ele está vestindo uma camiseta
preta simples e uma calça jeans rasgada. Ele está olhando para mim como se
eu fosse uma carcaça num açougue. Não há um lampejo de afeto nesses
olhos. Meus pulmões congelam sob seu olhar gelado.
O que ele fará comigo? Ele ama sua irmã. Eu juntei isso. Ele vai me
cortar e me colocar em uma caixa grande e bonita com um laço para ela
abrir?
Eu recolho minha imaginação. Ele pode estar olhando para mim como
se estivesse pronto para me matar, mas só há um assassino nesta sala, e não
é ele.
Seja qual for a penitência que ele planejou para mim, eu mereço. Mas
a necessidade de deixá-lo saber que nunca tive a intenção de machucar
Martina é tão forte que me faz coçar a pele.
— Damiano...
— Cale-se.
Essas duas palavras parecem um tapa. A dor delas afunda em minhas
bochechas. Medo, desgosto e determinação são emoções estranhas para
vivenciarmos juntos.
Seus passos abrem um caminho lento ao meu redor.
Eu mudo meu peso de um pé para o outro. — Por favor, deixe-me
explicar.
Ele coloca a mão no meu cabelo e joga minha cabeça para trás,
arrancando um suspiro frenético de mim. Ele olha para mim com seus olhos
escuros e turbulentos. — Não, deixe-me explicar uma coisa para você.
Quando eu lhe disser para fazer alguma coisa, cale a boca e faça.
Ele está tão furioso que não está agindo como ele mesmo. — Este não
é você. — eu digo.
— Você sabe quem eu sou? — Ele aproxima seu rosto do meu,
procurando algo em meus olhos.
— Eu não entendo.
Ele me solta e solta uma risada seca. — Ah. Então você sabe ainda
menos sobre mim do que eu sobre você.
Eu engulo. Meu olhar se depara com uma tatuagem aparecendo sob a
manga de sua camiseta. As duas vezes que vi Damiano sem camisa estava
escuro demais para eu perceber.
Ele vê o que estou olhando. — Isso não é algo que eu anuncio, mas
como você parece estar confusa sobre o que está acontecendo aqui, abrirei
uma exceção. — Ele vira o braço para mim e levanta a manga da camisa.
É algum tipo de insígnia. Dois ramos de folhas em torno de um castelo
com duas torres. Acima do castelo há uma coroa intrincada. Eu nunca vi isso
antes.
— Este é o brasão de Casal di Principe, a cidade de Campana onde
nasci. — diz ele.
Casal di Principe. Algo cutuca minha memória. Onde já ouvi esse nome
antes?
— É uma cidade de vinte e uma mil pessoas. Três mil delas estão sob
vigilância policial quase constante. Você sabe por quê?
Eu tenho alguns palpites. Os cabelos da minha nuca ficam retos. Por
que Lazaro levou Martina? O que ele disse...
— É porque aquela pequena cidade é o reduto do clã Casalese. Um
dos clãs mais poderosos da Camorra. Tenho a sensação de que você sabe o
que é a Camorra.
A máfia napolitana. Eu puxo minhas restrições, não porque eu pense
que elas possam quebrar de repente desta vez, mas porque algo muito mais
primitivo e amedrontado desperta dentro de mim.
— A polícia acha que houve cerca de mil assassinatos cometidos pelo
clã nos últimos trinta anos. Eles estão errados. Eu sei por que meu pai dirigia
a Casalese e fazia uma contagem precisa.
Ele me pega pelo queixo e me obriga a olhá-lo nos olhos. — O número
real é de dez mil pessoas — ele sussurra. — E se você não me disser quem
você é, seu nome no livro-razão chegará a dez mil e um.
Meu peito sobe e desce com respirações muito rápidas. Eu não posso
acreditar nisso. Ele não é um empresário. Ele é apenas mais uma parte do
mundo cruel do qual pensei ter conseguido escapar.
Eu perdi todos os sinais.
Agora, meu cérebro corre para juntar tudo. Seu pai costumava
comandar o clã – ele usava o pretérito, então presumo que isso signifique
que ele está morto. Damiano é o atual don? É por isso que todo mundo
sempre parece ter tanto medo dele?
Isso muda tudo. Se eu contar a ele quem sou, me tornarei moeda de
troca mais uma vez.
— Ah. Você entende agora. — ele diz enquanto seus dedos cavam
meu queixo. — Quem é você?
Eu aperto meus olhos fechados. A música lá fora muda para outra
música de bossa nova. Quais são as chances de alguém vir me ajudar se eu
gritar? Provavelmente zero. Não tenho motivos para duvidar do que ele
acabou de me contar, o que significa que ele sabe como esconder uma
pessoa que não quer que seja encontrada.
Tiro meu queixo de seu aperto e viro meu rosto para longe dele. — Me
deixe ir.
Há um momento de silêncio e então ele solta uma risada amarga. —
Porque eu faria isso?
— Eu ajudei sua irmã a fugir. Por favor, deixe-me ir.
— Eu não acho. — Ele passa a língua pelos dentes superiores e me
estuda. — Mas talvez eu considere isso se você responder às minhas
perguntas. Por que você seguiu Martina até Ibiza?
— Eu não a segui. Eu não tinha ideia de que ela acabaria aqui.
Estávamos no mesmo voo para Barcelona, mas depois vim para cá sozinha.
— Você espera que eu acredite que é uma coincidência você estar
aqui?
— O que mais poderia ser?
— Uma tarefa.
Meu coração martela contra meu peito. Ele acha que estou
trabalhando para meu pai? — Não estou trabalhando para ninguém, exceto
você. Eu já te contei a verdade. Estou aqui porque queria ficar longe da
minha família.
— Você não sabia que eu era irmão de Martina?
— Não! Eu nem sabia o nome dela até você nos apresentar em seu
escritório.
— Por que seu marido a levou?
Não posso deixar de notar a inflexão em seu tom na palavra marido.
Eu poderia contar a Damiano o que Lazaro me disse sobre Martina, mas
pode ser a única vantagem que tenho. Até que eu tenha uma noção melhor
do que ele planeja fazer comigo, não posso revelar isso a ele. — Não sei.
— Você está mentindo.
Eu olho para longe dele. — Meu marido nunca me contou nada.
— Martina me disse que você atirou nele.
— Não tenho ideia se ele está vivo ou morto.
Ele segura meu rosto com as palmas das mãos e move minha cabeça
até que estou olhando para ele novamente. — Você não parece estar
arrasada com isso.
— Foi um casamento arranjado, não um casamento por amor.
Um fio de suavidade surge no olhar de Damiano. Estou conseguindo
chegar até ele? Talvez eu consiga convencê-lo a me deixar ir, afinal.
— Por que você ajudou Martina? — ele pergunta.
— Porque eu queria. Eu não queria que ela se machucasse.
Ele passa o polegar pela minha bochecha. — Qual o seu nome?
— Ale Romero.
Essa suavidade desapareceu num piscar de olhos.
— Você sabe tão bem quanto eu que Ale Romero não existe. — ele
morde, tirando as mãos de mim. — Qual o seu nome?
— Por que isso Importa? Não estou aqui para causar problemas.
Nunca pensei que veria Martina novamente. Por que você não me deixa ir?
— Porque não vou descansar até que todos os responsáveis pelo que
aconteceu com minha irmã e sua amiga se transformem em fertilizante.
Diga-me seu nome e para quem seu marido trabalhava.
Ele quer se vingar de Papà. Ele já está na metade do caminho por ter,
sem saber, a filha mais velha do Don em suas mãos. Se ele souber quem eu
sou, ele me matará ou me trocará por algo mais valioso.
— Não estou lhe dizendo meu nome.
A escuridão obscurece suas feições. — Achei que você queria explicar
tudo.
— Isso foi antes de eu saber quem você realmente é.
Ele processa minhas palavras por um longo segundo. — Você é
realmente tão leal a qualquer organização a que pertence? Você prefere
ficar aqui do que implicá-los?
Uma risada quebrada escapa dos meus lábios. Ele entendeu tudo
completamente errado. Eu lhe contaria a verdade se achasse que
conseguiria uma promessa dele. Uma promessa de não me trocar de volta
com Papà, aconteça o que acontecer. Mas eu sei que ele nunca vai me dar
isso de verdade enquanto estiver com fome de vingança. Pelo menos se
Damiano decidir me matar, posso ter uma morte rápida.
— Faça o que você deve.
Ele anda ao meu redor até sentir sua presença nas minhas costas. Meu
coração bate forte com o som distante daquela música hipnótica. O que ele
vai fazer comigo?
Ele se aproxima, alinhando nossos corpos. Penteando meu cabelo para
o lado, ele leva os lábios ao meu pescoço exposto. — Diga-me seu nome, ou
juro que farei você gritar.
Um arrepio percorre minha espinha. — Não tenho medo da dor —
digo, mas não soa convincente nem aos meus próprios ouvidos. Na verdade,
tenho medo de me machucar. Depois de ver todo o espectro da dor no
porão de Lazaro, acho que qualquer um que diga o contrário é um
mentiroso.
Se Damiano começar a cortar minha carne, não sei por quanto tempo
poderei ficar de boca fechada.
Uma mão pousa na minha barriga exposta. Respiro fundo quando seus
dedos começam a se mover em círculos sobre minha pele.
Seus lábios tocam a concha da minha orelha. — Tudo o que você me
contou foi mentira?
— Nem tudo — eu digo.
— Você é uma mulher casada. Por que você mentiu para mim sobre
ser inexperiente na cama?
Minha garganta aperta. — Eu- eu não menti sobre isso.
Seus movimentos param por um momento. — Seu marido não te
fodeu?
— Ele cumpriu seu dever conjugal em nossa noite de núpcias, só isso.
Como eu disse, não foi um casamento por amor.
— Por que você decidiu se envolver comigo?
Eu exalo. — Porque eu gostei de você.
Ele passa a mão pelo meu short até chegar ao meu osso púbico. O
calor redemoinha através do meu núcleo. Parece que meu corpo não
percebeu a nossa situação atual e ainda está reagindo a ele da mesma
maneira carente. Ele pressiona todo o seu corpo contra o meu e me deixa
sentir sua ereção contra a parte inferior das minhas costas. — Você gostou
quando eu fiz você gozar? — As palavras ressoam dentro de sua garganta.
Deixo cair minha cabeça para trás, apoiando-a em seu peito. Ele olha
para minha camisa e sei que pode ver o contorno dos meus mamilos duros.
— Sim.
Ele desabotoa os botões do meu short, um por um, como uma espécie
de contagem regressiva. Percebo que só porque menti para ele sobre muitas
coisas, não significa que ele estava mentindo para mim. Até os homens
feitos têm seus momentos de verdade. E se apesar de tudo ele ainda sentir
algum carinho por mim? E se ele não quiser me machucar?
Seus dedos mergulham em minha calcinha e encontram meu clitóris.
— Se você não tem medo da dor — ele diz de uma forma que deixa claro
que sabe que estou mentindo — Então do que você tem medo?
Eu suspiro com o primeiro círculo que ele faz. — Este é um método
interessante de interrogatório.
Ele me belisca com o indicador e o polegar, o prazer aumenta com
uma corrente de dor. Eu grito. A infinidade de coisas que ele está me
fazendo sentir está deixando minha mente entorpecida com uma névoa não
totalmente desagradável.
Ele acaricia meu pescoço com o nariz e provoca um arrepio de cócegas
na minha pele. — Me diga seu nome.
Ele está tentando me confundir. Para me quebrar. Tento puxar as
cordas, mas meus braços estão dormentes de tanto tempo pendurados. —
Não.
Seu outro braço envolve minha cintura e ele me puxa para ele com
força. — Acho que você está mentindo para mim. — ele diz. — Você pode
não ter medo de morrer, mas não quer que isso machuque. E, Ale. — Ele
deixa meu clitóris em paz, agarra meu short com as duas mãos e o puxa até
os joelhos. — Eu posso fazer isso doer.
O primeiro tapa forte na minha bunda é tão chocante que não consigo
reprimir o grito que sai. — Porra!
Não consigo vê-lo atrás de mim, mas a respiração longa que ele solta
me faz pensar que ele está gostando disso. Minha bunda queima e meu
rosto parece que virou fogo líquido. Então ele faz algo muito pior. Ele agarra
a carne latejante e a massageia com os dedos longos, como se estivesse
tentando aliviar a dor. A sensação física me dá vontade de chorar – de
prazer e de dor. Mordo meu lábio. Isso é humilhante, mas bem dentro de
mim, uma excitação lânguida se forma.
— Você está doente. — eu sussurro.
Outra bofetada forte. Eu choramingo.
— Estou — diz ele, enquanto massageia minha carne novamente. —
Vou gostar de deixar essa bunda crua.
Quando ele começa a mover a mão para baixo, tento me afastar, mas
ele coloca uma mão firme em meus quadris e me puxa de volta para ele.
Seus dedos encontram minha entrada e ele faz um barulho de satisfação. —
Cazzo. Não é ainda pior que você pareça estar gostando? Ou é com meu
esperma que você ainda está molhada? — Ele empurra dentro da minha
umidade e enfia os dedos dentro e fora algumas vezes. Fecho os olhos com
força e tento moderar o prazer crescente.
— Posso fazer de você meu brinquedo. — diz ele enquanto mantém os
dedos em movimento. — Eu posso fazer você sentir todos os tipos de dor.
Talvez eu deixe você esperando aqui por semanas, usando você como achar
melhor, até que você esteja pingando meu esperma de cada um dos seus
buracos.
Um gemido sai da minha garganta. Ele se aproxima de mim e começa a
esfregar meu clitóris com a mão esquerda, enquanto a direita empurra para
dentro e para fora de mim em um ritmo perfeito. Imagens da praia passam
por trás das minhas pálpebras. Deus, foi tão bom estar completamente
preenchida com ele.
A música lá fora me enfeitiça. Eu esfrego minha bunda nele e sinto o
quão duro ele está dentro de sua calça jeans. Como é possível que tenhamos
passado daquele momento de ternura à beira-mar para este em poucas
horas?
— Você gosta disso? — ele pergunta. — Você quer ser minha
prostituta cativa? Vou fazer você me usar por dias antes de deixar você me
lavar da sua pele.
— Merda. — Já estou muito adiantada no caminho para a terra
prometida para analisar o que ele está dizendo e por que isso está me
deixando completamente louca. A necessidade de gozar aumenta até que
seja a única coisa que importa no mundo inteiro.
Então tudo para. — Me diga seu nome.
— Não, não, não. — eu ofego — Por favor.
Ele não me deixa moer sua mão. — Nome.
Gemo de frustração à medida que o orgasmo se afasta cada vez mais
do meu alcance. Mas a cada segundo, meu cérebro volta a funcionar. —
Não.
Ele faz um barulho de raiva. — Vou deixar você pensar nisso durante a
noite.
— Por favor, me solte. Meus braços doem.
Ele para na minha frente. Seus olhos estão em chamas, posso ver que
ele ainda está duro, mas sei que não devo pensar que sua atração física por
mim vai fazê-lo ceder ao meu pedido. — Não. — ele diz, zombando da
minha resposta consistente. Seu olhar percorre meus braços e um lampejo
de raiva colore seu rosto, mas depois desaparece.
Observo suas costas largas enquanto ele sai e depois olho para a
janela.
O sol ainda não se pôs lá fora.
Terei uma noite interminável para sobreviver aqui sozinha.
CAPÍTULO DEZENOVE
DAMIANO

Martina está fazendo alguma coisa em seu laptop na cozinha quando


saio da sala segura onde deixei Ale. Seu cheiro terroso está em todas as
minhas mãos, e resisto à vontade de inspirar profundamente antes de lavar
as mãos na pia.
Meu instinto me disse que ela me deixaria louco. Talvez seja hora de
começar a ouvir mais esse órgão em particular.
— Em que você está trabalhando? — Pergunto casualmente, como se
não houvesse uma mulher seminua atualmente pendurada a uns três
metros abaixo de nós.
Ela está lá embaixo, com dor. Só de pensar nisso, uma sensação de
arrepio percorre minha pele.
— Nada — diz Martina.
— Você já encontrou um programa culinário?
Ela balança a cabeça. — Não.
Eu olho para ela enquanto seco minhas mãos. Ela passou quatro anos
tentando me convencer a deixá-la ir para a faculdade no exterior, mas ela
desfez todo o plano após seu sequestro. Ela deveria se mudar para a
Inglaterra no final do verão. Agora, não há chance disso. Mari nem sequer
brigou comigo por isso. Ela não tem sido ela mesma desde que voltou.
Minha irmã tem um coração gentil e a morte de sua amiga a traumatizou,
então sei que ela se sente mais segura ficando aqui comigo. Mas também sei
que a faculdade era um sonho dela.
Eu continuo dizendo a ela para encontrar um bom programa online,
mas cada vez ela me dá de ombros. Estou preocupado. É como se ela tivesse
perdido o brilho. Cozinhar costumava ser sua atividade favorita, mas ela não
fez nada desde que voltou.
Não sei o que posso fazer para ajudá-la a se curar. Mas ter certeza de
que o homem que a levou está morto parece um passo na direção certa.
Vou até o laptop dela e roubo um pedaço de queijo do prato dela. —
Vamos olhar juntos.
— E a mulher?
— Mari, esqueça ela, ok?
Ela olha para as mãos. — Eu só... Bem, ela disse que poderia explicar.
Ela me ajudou, Dem.
— Eu sei que ela fez. Mas isso não significa que ela seja inocente ou
que não esteja ajudando quem te levou. Ale sabe quem é o responsável pelo
que aconteceu, mas ela não me conta. Se ela era inocente e estava fugindo,
por que esconderia essa informação?
Nossa conversa é interrompida por uma batida na porta da frente. —
Provavelmente é Ras. — eu digo.
Ela balança a cabeça e dobra o laptop debaixo do braço. — Estarei no
meu quarto. Nadia deixou o jantar na geladeira, então pensei em esquentá-
lo daqui a pouco. Você vai estar aqui?
— Não sei. Avisarei você assim que falar com Ras.
— Tudo bem. — ela diz. — Talvez possamos levar algo para ela
também. Ela precisa comer.
— Suponho que sim.
Minha irmã acena com a cabeça e sobe as escadas.
Destranco a porta da frente com o leitor de impressão digital. Uma
olhada no rosto de Ras e sei que ele encontrou algo.
— Diga-me. — eu digo enquanto ele atravessa a soleira.
Ele tira um porta-passaporte de couro preto do bolso interno da
jaqueta e me entrega. — Isso estava no apartamento novo dela, escondido
entre os lençóis e o colchão. É o passaporte dela. Aquele que ela disse foi
roubado.
— Isso foi fácil. — murmuro enquanto abro o livreto. Cheira a novo,
como se mal tivesse sido usado. Meu olhar se concentra em seu nome.
— Valentina Conte. — Esse sobrenome não me lembra de nada.
— Casada com Lazaro Conte. Acendeu-se como uma árvore de Natal
quando o examinamos nos bancos de dados.
Só há um homem que pode nos dar acesso a esses sistemas tão
rapidamente. — Napoletano está ajudando você?
Ras encolhe os ombros enquanto caminhamos em direção ao meu
escritório. — Eu trouxe grandes armas porque sei que o tempo é essencial.
Eu dou a ele um olhar agradecido. — Quem é Conte?
— O principal executor do clã Garzolo de Nova York. Eles são uma das
cinco famílias originárias da Sicília. Ela e Lazaro se casaram há alguns meses.
Valentina atirou nele alguns dias depois do aniversário de dois meses de
casamento.
Sinto uma satisfação perversa com isso. — Ai.
— Todo o clã está procurando por ela.
Ras se senta em uma poltrona e eu vou até o frigobar para nos servir
um pouco de uísque. — Lazaro quer sua esposa de volta?
— Não sei se ele está vivo ou não. Ninguém o viu desde o incidente.
— Quem está liderando a busca? — Entrego-lhe o copo.
Ele pega e encontra meu olhar. — Stefano Garzolo. O chefe do clã. Ela
é filha dele.
Bem, porra.
— Você tem uma princesa da máfia.
Bebo meu uísque de um só gole. Esta situação está ficando mais
complicada a cada hora. — Quais são as chances de ela estar aqui a pedido
do pai?
— Zero. Ele não mandaria sua própria filha aqui para trabalhar. Ela é
muito mais valiosa para ele em casa.
Há um sabor amargo dentro da minha boca. Ela não estava mentindo
sobre estar aqui sozinha.
— Acho que ela realmente fugiu com apenas um passaporte e algum
dinheiro em seu nome. — diz Ras — Não havia mais nada dela no
apartamento além de uma pequena quantidade de roupas. A questão é por
quê?
O que te fez fugir, Valentina? — Ela me disse que sua família não era
boa para ela.
Ras faz uma careta. Ele não está acreditando. — Ela nasceu e cresceu
nesta vida. Seria necessário algo drástico para fazê-la deixar tudo e todos
para trás.
— Como ter um executor como marido? Ela deve ter estado perto de
todo o trabalho sujo que ele fez.
— Duvido que ele tenha trazido muitos de seus alvos para casa como
fez com Mari.
— Eu não sei sobre isso. Mari disse que o porão parecia uma sala de
tortura de cinema. — Ela nunca viu os verdadeiros deste lado do mundo.
— Talvez Valentina não tivesse estômago para dormir com um homem
que assassinou pessoas alguns metros abaixo de seu quarto.
Isso poderia explicar por que ela reagiu tão fortemente ao incidente
com Nelo. Isso a lembrou do que seu marido fazia com as pessoas.
— Talvez. — Encho meu copo e sento em frente a Ras. — Então, onde
isso nos deixa? Por que os Garzolos levariam Mari? Eles não têm nenhum
motivo para revelar isso para mim.
Ras parece pensativo enquanto gira seu uísque. — Poderia ter sido um
favor para Sal.
Nosso don ordenou o sequestro da minha irmã? Tenho me feito essa
pergunta desde o momento em que descobri que ela foi levada. Meu
instinto me diz que sim, afinal, ele tinha um motivo. Ele quer me manter na
linha. Mas o envolvimento de Garzolo me faz parar. — Por que eles
concederiam a ele esse favor? Pelo que eu sei, Sal não tem nenhum
relacionamento com eles, seja comercial ou de outra forma.
— Está faltando alguma coisa. — diz Ras — Talvez não tenha sido Sal,
afinal.
Ras tem me alertado o tempo todo para não tirar conclusões
precipitadas. Fiz alguns inimigos durante a minha vida, mas nenhum que
ousasse fazer isso com minha irmã. Sal é o único que teria coragem de
tentar.
Ras coloca o copo vazio na mesa. — Você deveria perguntar a
Valentina o que o marido dela pretendia fazer com Mari. Ela tem que saber
algo que possa esclarecer nossas dúvidas. Ela ainda está lá embaixo?
— Sim. Eu a deixei amarrada lá. — eu digo. A vergonha queima minha
pele.
Ras me lança um olhar acusatório e passa a mão pela bochecha. —
Dem, você não pode deixá-la assim.
— Posso fazer o que eu quiser. — respondo, mesmo enquanto luto
com todo o meu corpo para não marchar até lá e decepcioná-la.
— Claro. — Ras diz cuidadosamente. — Mas você pode tirar mais
proveito dela tratando-a bem. Ela está fugindo, no último mês, você a
ajudou a se recuperar. Ela tem uma queda por você. Explore-a para obter as
informações de que precisamos. Descubra exatamente por que ela fugiu e
ofereça proteção a quem ela teme. — diz Ras.
— Oferecer proteção a ela? — Eu teria que perdoá-la primeiro por
fazer isso. Por que ela não me contou a verdade sobre si mesma quando
perguntei a ela? Ela teve muitas chances de me dizer quem ela era. Dei a ela
um emprego, um apartamento, meu carinho e minha confiança.
Em troca, ela me enganou.
Mas ela também salvou minha irmã.
Pressiono as palmas das mãos contra os olhos.
— Se você não quiser realmente fazer isso, tudo bem. Você só precisa
convencê-la de que a oferta é real. — diz Ras — O momento em que você
fizer com que ela acredite em você é o momento em que ela lhe contará
tudo.
Solto as mãos e olho para o mar do outro lado da janela. Eu poderia
mentir para ela, obter as informações que preciso e então executar minha
vingança. Agora que sei quem ela é, seria fácil. Eu poderia fazer Stefano
Garzolo sentir a dor que senti ao matar sua filha.
A bile sobe até minha garganta. Não. Eu nunca poderia fazer isso. Eu
nunca poderia matá-la.
Mas tenho que fazer o que é certo para minha irmã.
Levanto-me do meu assento. — Eu vou falar com ela. Ver como ela
reage quando descobre que sei o nome dela.
Ele levanta. — Eu vou esperar por você.
— Diga a Mari que você vai ficar para jantar.
Quando desço as escadas e vejo Valentina onde a deixei, um estranho
coquetel de emoções escorre pela minha corrente sanguínea.
Autoaversão, misturada com frustração e luxúria.
Ela está tão absorta em sua tarefa que não me ouve. Seu rosto está
inclinado para cima e ela está puxando as cordas em seus pulsos, sua
mandíbula tensa com determinação.
Eu cerro os dentes. Esse nó é infalível. A única coisa que ela está
conseguindo é se machucar.
Seu short e calcinha escorregaram dos joelhos e se acumularam em
seus pés. Essas malditas pernas. Eu as quero enroladas em minha cintura e
segurando firme enquanto eu bato meu pau dentro dela. Ela estava tão
molhada para mim mais cedo. Não sei como consegui evitar afundar nela.
Passo a mão pela boca. Cazzo. Por que vim aqui? Nunca conheci uma
mulher que me fizesse esquecer de tudo, menos dela, quando ela está na
minha frente.
É uma constatação chocante. Ela me fez negligenciar minha
responsabilidade para com Mari, o que é algo que não pode acontecer
novamente. Meu dever para com minha irmã é a coisa mais importante para
mim. Não posso deixar ninguém me distrair disso.
— A única maneira de você sair dessa é se eu deixar.
Eu a assusto. Ela solta um suspiro e depois segue com um olhar
magoado. Ela está com raiva de mim.
Eu mereço por deixá-la assim.
— Alguma ideia de quando isso pode acontecer? — ela pergunta.
Em vez de responder, vou em direção a ela até invadir seu espaço. Ela
olha para si mesma e cora. Eu sigo seu olhar. Ela está envergonhada por sua
nudez parcial. Decido ter pena dela.
Quando me abaixo, seus lábios se abrem. Ela fica ainda mais vermelha
quando puxo seu short e fecho o zíper.
— Você pode, por favor, me soltar? — ela pergunta. — Meus braços
doem muito.
Seus pulsos estão vermelhos brilhantes onde a corda roçou neles. Ver
isso me faz sentir miserável.
Levanto-me e começo a desamarrar a corda, treinando minhas feições
para esconder todos os indícios da agitação que sinto ao vê-la sofrendo.
O alívio cai em cascata sobre sua expressão. — Obrigada.
— De nada, Valentina.
Ela faz um som engasgado, como se o ar que acabou de inspirar de
repente ficasse denso dentro de seus pulmões.
Eu encontro seu olhar assustado. — Valentina Conte. Devo dizer que
prefiro Valentina Garzolo. Tem um toque nobre.
O nó se desfaz, assim que seus braços ficam livres, ela os envolve. Seu
peito arfa com uma respiração pesada. — Como? — ela sussurra.
— Seu passaporte estava dentro da sua cama. Você não tentou
esconder tanto assim.
— Eu não achei que alguém iria revistar minha casa. — ela diz
fracamente. Eu juro, é como se ela estivesse se encolhendo. Minhas
ameaças não a intimidam, mas o fato de saber seu nome verdadeiro parece
fazê-lo. Por quê?
— Lazaro… ele está vivo?
— Sou eu quem está fazendo perguntas. — digo.
— Por favor, Damiano. — Sua voz falha. — Ele está vivo?
Quando levanto seu queixo, vejo lágrimas se acumulando em seus
olhos. Algo aperta com força minha caixa torácica. — Não sei.
Ela examina meu rosto por um longo momento e então funga quando
parece determinar que estou dizendo a verdade. Uma lágrima escorre por
sua bochecha e eu a seguro com o polegar. — Por que Lazaro levou Mari?
Não me diga que você não ficou curiosa quando seu marido trouxe para sua
casa uma garota que você nunca viu. Comece a falar, Valentina. — eu digo.
Espero enquanto ela pensa no que fazer.
Ela balança a cabeça.
Soltei um suspiro alto. — Tudo bem. Tenho certeza de que conseguirei
arrancar isso de seu pai quando lhe contar que tenho sua preciosa filha.
Minhas palavras atingiram-na com mais força do que eu esperava, e
ela começou a chorar. Lágrimas rolam por sua bochecha e caem em sua
camisa.
Vê-la tão chateada me dá vontade de morrer.
Ela está me destruindo e sei que não posso mostrar isso a ela, mas no
momento não consigo resistir. Eu a puxo para meu peito. Ela resiste contra
mim por um breve momento antes de ceder e chorar na minha camisa.
— Eu não posso voltar. Não posso. — diz ela entre soluços. — Por
favor, por favor, não faça isso.
Estou confuso. Ela está agindo como se mandá-la de volta fosse uma
sentença de morte, mas não tem como isso ser verdade. Ela é filha do capo.
Fugitiva ou não, ela é valiosa para ele. Ele não vai machucá-la.
Preciso descobrir o que estou perdendo.
Quando passo a mão pela sua espinha, ela encosta o rosto no meu
peito. Isso me faz sentir algo... Porra. Não é uma coisa sexual. Pena?
Preocupação?
Eu me afasto. — Conte-me tudo o que você sabe sobre o que
aconteceu com Mari.
Seu rosto choroso me faz me odiar. — Ok. Vou lhe contar o que sei, o
que não é muito. Mas você tem que me prometer que não vai me mandar
de volta para Nova York.
Posso prometer isso a ela? Não sei. Não tenho ideia do que precisarei
fazer depois que ela me contar seus segredos então, por enquanto, não
tenho escolha a não ser mentir. A mentira não é tão fácil quanto eu
esperava. Eu limpo minha garganta. — Se você me der o que preciso, não
vou mandá-la de volta.
Ela me encara, mas meu rosto é uma máscara ilegível. Se ela estiver
procurando por alguma pista de que estou mentindo, ela não vai encontrá-
la.
Finalmente, ela funga e acena com a cabeça. — Meu marido estava
com sua irmã no porão quando cheguei em casa naquele dia. Ela estava
nocauteada quando cheguei lá, mas se recuperou muito rapidamente.
Perguntei-lhe por que meu pai ordenou que ele a levasse. Ele disse que era
apenas um trabalho. Um favor. Ele disse que ela nasceu com o sobrenome
errado.
A luz da sala diminui à medida que o sol se põe no horizonte. Dou um
passo à frente, perto o suficiente para olhar em seus olhos. Ela não está
mentindo. Droga, ela não está mentindo.
— O sobrenome errado? — Eu sussurro. Há uma tensão vibrante em
meu corpo, uma agressão desencadeada por sua dica e aonde ela leva. —
Isso foi o que ele disse?
— Sim. Ele a chamou de ratinha Casalese e disse que ela tinha o
sobrenome errado.
Meus olhos se arregalam.
— Eu juro, não sei mais nada. — diz ela.
Não importa. Ela me deu todas as respostas que preciso.
Eu sei quem é o responsável pelo rapto da minha irmã.
CAPÍTULO VINTE
VALENTINA

Damiano se afasta de mim e olha para o chão, imerso em


pensamentos. Achei que as escassas informações que eu tinha dificilmente
seriam suficientes para ele, mas talvez eu estivesse errada. Para ele, há um
significado oculto no que eu disse.
Limpo a umidade do rosto e minha bexiga lateja.
— Preciso fazer xixi. — digo.
Ele respira fundo e me encara com um olhar contemplativo. Então ele
acena com a cabeça.
— O banheiro fica pela porta atrás de você. — diz ele. Sua voz é
estranhamente monótona.
Meus pulsos estão vermelhos. Começo a esfregá-los e percebo
Damiano me observando. Ele desvia o olhar. — Vá.
Ele não precisa me dizer duas vezes. Entro pela porta, tranco-a atrás
de mim e examino o espaço enquanto esvazio minha bexiga. Porcaria. Não
há janelas. Eu não estava particularmente esperançosa de que houvesse
uma maneira de sair daqui, mas ter minhas suspeitas confirmadas doeu, no
entanto.
Ele descobriu meu nome. Estou com tanta raiva de mim mesma que
quero gritar. Por que deixei meu passaporte em um lugar tão óbvio? Eu
poderia ter escondido melhor.
Não, provavelmente estou apenas me iludindo. Se eu tivesse que
adivinhar, ele mandou Ras procurá-lo, se Ras não o tivesse encontrado no
meu colchão, ele teria desenterrado o apartamento inteiro. Eu deveria ter
me livrado disso quando pude.
É tarde demais para pensar nisso agora. Damiano sabe quem eu sou, o
que significa que estou a um telefonema de ser encontrada. Preciso
encontrar uma maneira de sair daqui antes que Damiano chegue.
Termino meu trabalho e lavo as mãos. Não há espelho aqui, nada que
possa ser usado como uma espécie de arma. Talvez eu pudesse ser criativa
com o papel higiênico. Eu faço uma careta com o pensamento. Duvido que
teria alguma chance contra o homem enorme lá fora, mesmo com um caco
de vidro.
A lembrança do meu pequeno colapso quando ele me disse que ligaria
para o Papà envia uma onda de frustração através de mim. Deus, por que
perdi minha capacidade de me controlar? Todo o treinamento de Mamma
foi em vão. Ele encontrou um ponto fraco quando comecei a gritar. Eu
preciso me manter sob controle. Quanto mais eu mostro a ele, mais
munição ele ganha.
Ele está andando pela sala quando eu saio. Aproveito seu estado
distraído e olho ao redor em busca de uma saída, mas a grade da janela
parece excepcionalmente resistente, ao lado da corda descartada, o lugar
está vazio.
De repente, Damiano para e se vira para mim. — Venha aqui — ele
exige. Sua expressão é estrondosa. Claramente, ele ainda não se livrou de
qualquer informação que lhe foi revelada.
Vou até o canto mais distante dele e cruzo os braços sobre a barriga.
— O que você vai fazer comigo?
Seu olhar escurece. — O que eu te disse sobre seguir minhas ordens?
— Você prometeu que não vai me mandar de volta. — eu o lembro.
— Você acha que minha memória é tão ruim assim? — ele pergunta.
— Você vai ficar aqui por enquanto. Agora pare de discutir e venha aqui.
Quando fico congelada no lugar, ele franze a testa e vem até mim. Nas
mãos ele ainda tem a corda.
— Por favor, não me amarre de novo. — imploro.
Ele alcança meus braços e eu os coloco atrás de mim e subo até que
minhas omoplatas batem na parede.
— Estou falando sério. Meus pulsos doem.
— Você acha que eu me importo com onde você está machucada? —
Sua voz é áspera, mas ele se recusa a olhar nos meus olhos.
Não tenho certeza se acredito nele.
— Eu não vou correr. Eu juro. — eu digo.
— Nós dois sabemos que isso é mentira. — Ele coloca a palma da mão
no meu ombro e me vira, pressionando seus quadris contra os meus quando
tento resistir.
Eu bufo contra a parede. — Maldito.
— Eu não vou machucar você. — ele diz enquanto sinto a lambida
áspera da corda em meus antebraços. Ele amarra mais alto do que antes,
sem tocar a pele em carne viva. — Estamos jantando.
O quê? Minha cabeça gira. — Esta é uma maneira ruim de convidar
alguém para sair.
Ele termina de amarrar meus braços e passa para minhas pernas. — O
que posso dizer? Nosso namoro está evoluindo.
— Não é um namoro. É sequestro.
Quando ele se levanta, ele aproxima os lábios do meu ouvido. — E
ainda assim você parece preferir isso a ser mandada para casa. Quer me
dizer por quê?
A tensão cobre meu corpo. — Não.
Suas grandes mãos cobrem meus bíceps. — Se você me contar, eu vou
desamarrar você.
Mordo meu lábio inferior. Ele quer saber todos os meus segredos, mas
não posso contar esse a ele. Meu passado com Lazaro não tem nada a ver
com Martina, e se eu contar a ele as coisas que fiz, duvido que ele se sinta
obrigado a cumprir sua promessa. Qualquer afeto que ele ainda sinta por
mim desaparecerá num piscar de olhos. — Eu disse não.
Ele se afasta. — De uma forma ou de outra, eventualmente vou
arrancar isso de você. — diz ele com uma convicção sombria. Então, ele
passa um braço em volta da minha cintura e me joga por cima do ombro
como se eu fosse um saco de batatas. — Comporte-se quando chegarmos lá.
Não penso duas vezes antes de começar a enfrentá-lo. — Coloque-me
no chão!
Seu aperto em minha cintura aumenta e ele me dá um tapa forte na
bunda. Eu grito.
— Se você quiser estar consciente para o jantar, pare de se mover
agora. — ele retruca.
— Eu não estou com fome!
Ele me leva até a escada e me faz sentar no terceiro degrau. — Você
vai fingir que está e comer o que minha irmã preparou para nós.
Isso me faz congelar. — Sua irmã vai jantar conosco?
— Sim. — ele diz enquanto procura algo no bolso de trás da calça
jeans.
Uma visão dela enrolada naquele chão frio da minha antiga casa, tão
pequena e frágil, passa pela minha mente e me dá um arrepio na espinha.
Graças a Deus ela conseguiu chegar em segurança.
— Abra a boca.
— Que... mphhf! — Minhas palavras são interrompidas quando ele
enfia algo na minha boca.
Ele revira os olhos diante da minha indignação abafada. — É um lenço
limpo. Relaxe. — Então ele me puxa por cima do ombro novamente e sobe
os degraus.
Ele realmente planeja me apresentar em um jantar assim? Amarrada e
amordaçada? Enquanto ele me carrega pela casa, tento absorver o máximo
que posso do novo ambiente, mas é um pouco complicado quando estou
pendurada de cabeça para baixo. Passamos pelo que considero uma grande
sala de estar e entramos na sala de jantar. Ele me deposita em uma cadeira.
Eu tenho minha resposta.
Ras e Martina estão sentados à minha frente, com os pratos cheios de
comida. O queixo de Martina cai. Ras levanta uma sobrancelha.
— Valentina está se juntando a nós. — Damiano anuncia enquanto se
senta à cabeceira da mesa.
Há um longo silêncio constrangedor enquanto meus olhos passam
pelos três.
— Vamos comer frango assado. — diz Martina finalmente.
— Obrigado ah.
Ela engole em seco e lança um olhar preocupado para o irmão. — Ela
não pode comer assim, Dem.
Meu captor já está comendo sua comida, completamente
imperturbável com esta cena. Nada parece arruinar seu apetite. — Se ela
prometer manter a língua sob controle, a mordaça sai.
Martina move lentamente o olhar do irmão para mim. — Você
promete?
Eu olho para Damiano. Ele nem está olhando para mim. Ele está tão
absorto com sua maldita frango. — Hum.
— Ela disse que sim… eu acho. — diz Martina.
Ras faz menção de sair da cadeira. — Vou tirar isso da sua boca.
— Eu farei isso. — Damiano responde. Ele estende a mão e puxa o
pano entre meus dentes, Ras se senta novamente.
Começo a tossir.
— Dê um pouco de água para ela. — implora Martina, Damiano coloca
água em um copo na minha frente.
Meus braços ainda estão amarrados nas costas. — Não consigo
alcançá-lo.
Ele xinga baixinho em italiano, pega o copo e o leva aos meus lábios.
— Beba.
Tomo um gole. Ele está me olhando tão intensamente que sinto
arrepios na minha pele. — Incline mais. — eu digo.
Quando ele faz isso, um pouco da água escorre pelo canto da minha
boca e escorre pelo meu queixo. Eu me afasto e lambo a água dos meus
lábios. Ele se concentra no movimento e um toque de algo quente passa
pela minha barriga. O momento de repente parece muito íntimo.
Eu me viro e me recomponho.
Ras e Martina voltam para seus pratos, mas de vez em quando eu a
pego me lançando olhares curiosos.
Ela leva alguns minutos para criar coragem, mas então ela diz: —
Quero agradecer por me ajudar.
Eu dou a ela um sorriso fraco. — Estou feliz que você chegou em casa
em segurança. Mesmo que você tenha que viver com um don como irmão.
A temperatura na sala cai, como se alguém tivesse ligado o ar-
condicionado no máximo. Os lábios de Damiano se achatam.
O que é? Ele não é o don? Ele não disse isso explicitamente, mas foi
uma suposição segura depois do que ele me contou sobre seu pai.
É Ras quem me considera digna de uma explicação. — Damiano não é
o Don Casalese. Ele é o capo de Ibiza.
Talvez aqui essas coisas não estejam ligadas à linhagem como
acontece com os Garzolos. Ainda assim, não posso deixar de sentir que há
algo que Ras não disse.
— Você provavelmente está com fome. — diz Martina.
— Estou bem.
— Não precisa ser tímida. — diz Ras, tomando um gole de vinho. — Dê
uma mordida. Eu ofereceria a você um pouco deste Tempranillo, mas parece
que pode ser mais incômodo do que vale a pena. — Ele aponta para o copo
de água meio vazio que Damiano deixou na minha frente.
Sim, eu poderia passar sem derramar vinho em mim.
O frango tem um cheiro celestial. Olho para a ave meio comida. Parece
que está coberta com mel e há rodelas de limão e alecrim no suco da
bandeja ao redor.
— Acho que não consigo comer isso sem as mãos.
— Não vou remover as cordas. — diz Damiano enquanto corta
metodicamente a carne.
Meu estômago decide me trair emitindo um grunhido alto.
Martina me lança um olhar de pena. — Dem…
Parece que ele está prestes a me arrastar de volta para o porão e
acabar com toda essa farsa, mas em vez disso ele arranca o guardanapo do
colo, deixa-o cair sobre a mesa e me puxa da cadeira para seu colo.
— O que diabos você está fazendo?
Ele se aproxima de mim para tirar uma coxa de frango da bandeja e
começa a cortá-la.
Tento sair de cima dele. — Eu não quero sentar em você.
— Pare de se contorcer. — ele diz com um grunhido.
Agradeço que Martina tenha tentado me defender, mas gostaria que
ela mesma tivesse se levantado e me alimentado com frango, porque isso é
muito pior do que ficar com fome.
— Eu não preciso que você me alimente. — sibilo para Damiano, mas
minha vontade de discutir me abandona quando sinto o cheiro do frango de
perto.
Abro meus lábios e ele coloca o garfo dentro da minha boca.
Droga, isso é bom. Faço um murmúrio de agradecimento e tento
mastigar da maneira mais digna que minha posição atual permite. Ele ainda
está olhando para mim quando engulo, então abro a boca novamente para
que ele saiba que estou pronta para mais.
Os lábios de Damiano dão uma sugestão de sorriso. — Para que possa
ser treinada. — ele murmura antes de me alimentar com outra garfada.
Eu aperto o utensílio com os lábios e certifico-me de pegar tudo.
Quem sabe quando ele vai me alimentar da próxima vez? É melhor
conseguir o máximo que puder enquanto a oportunidade se apresenta.
Assim terei energia suficiente para correr.
Ele baixa seu olhar escuro para meus lábios novamente e meu pulso
acelera. Por que é que um olhar dele ainda é suficiente para me irritar? O
que quer que estivesse começando entre nós definitivamente acabou agora,
mesmo que ele estivesse com os dedos dentro de mim, o que parece ter
sido há apenas alguns momentos.
Juro que ele vê esse pensamento refletido em meus olhos, em
resposta, esses mesmos dedos apertam o garfo. Suas narinas se dilatam ao
inspirar. Seu comprimento endurece contra a parte de trás das minhas coxas
e envia uma explosão de calor através do meu núcleo.
Estou prestes a lutar contra ele quando me lembro de onde estamos.
Jesus. Ele é meu captor. Não posso me entregar à atração física
inexplicável que sinto por ele.
Uma cadeira range no chão e quebra o feitiço. — Terminei, então vou
voltar para o meu quarto. — diz Mari.
Damiano tira o garfo da minha boca e o coloca no prato com um leve
barulho. — Dê uma olhada em alguns programas hoje à noite e me mande o
que quiser, certo?
Ele passou de predador a bom irmão mais velho no espaço de um
segundo, isso é desorientador como o inferno.
— Eu vou. Boa noite. — Ela me dá um sorriso incerto. — Boa noite,
Valentina.
— Boa noite — eu digo.
Ela sai e então somos só nós três.
— E agora? — Eu pergunto. — Você vai me servir sobremesa?
As palmas de Damiano envolvem minha cintura. — Não, a menos que
você esteja se oferecendo como uma.
Minhas bochechas ficam vermelhas com sua voz rouca. Este homem
não tem vergonha.
Ras se levanta, sua expressão confusa. — Vou esperar você no seu
escritório. — diz ele a Damiano.
— Tudo bem. — Seu olhar nunca sai do meu rosto. O ar entre nós
estala com eletricidade.
Para minha própria sanidade, preciso acabar com isso.
— Eu quero ir embora. — eu digo tão ferozmente quanto consigo. —
Isso... — inclino meu queixo em direção ao meu corpo — ...está fora dos
limites para você. Para sempre.
Ele me levanta de cima dele com uma risada silenciosa. — Brinquedos
existem para brincar.
— Eu não sou seu brinquedo. — respondo quando ele me coloca de
volta na cadeira. Tento me afastar dele com os pés, mas tudo que consigo é
tombar a cadeira. Justo quando penso que estou prestes a quebrar a cabeça
no chão de madeira, Damiano me equilibra.
— É hora de deixar você fora durante a noite. — diz ele, me
levantando por cima do ombro.
Estou prestes a implorar para ele não me trancar no porão novamente
quando percebo que ele está me levando para cima.
— Onde estamos indo? — Eu pergunto.
Ele para em frente a uma porta no segundo andar da casa e a abre
com o pé. Assim que entramos, ele me deposita na cama.
Sento-me e olho em volta. Parece ser um quarto de hóspedes que não
é usado há algum tempo. Além da cama, há duas mesinhas de cabeceira, um
console e uma cadeira. Está desprovido de quaisquer pertences pessoais. O
mais interessante de tudo isso é a grande janela, até que percebo que há
uma grade de metal do lado de fora.
Damiano volta em direção à porta. — O alarme disparará se você tocar
naquela janela. Não me faça levá-la de volta para baixo.
— Tudo bem. Quanto tempo você vai me manter aqui?
Ele sai sem me dar uma resposta e tranca a porta atrás de si.
Puxo os joelhos até o peito e os abraço. O ar na sala está
perfeitamente parado. Não há um único som vindo através das paredes, fico
apenas com meus pensamentos para me fazer companhia.
Parece que o velho ditado é verdade. Você nunca pode fugir da máfia.
CAPÍTULO VINTE E UM
DAMIANO

Deixo Valentina e decido que não vou pensar nela pelo menos nos
próximos dias. Há um plano se formando dentro da minha cabeça e terei
que manter o foco para ter certeza de que será bem-sucedido. Cada um dos
meus circuitos cerebrais precisa estar funcionando cem por cento, o que
significa que não posso deixar aquela mulher tirar um pingo da minha
atenção.
Ras está olhando para a piscina quando entro em meu escritório.
— Deixe seu telefone aqui. Vamos dar um passeio. — digo a ele.
Algumas conversas são melhores realizadas ao ar livre e sem qualquer
tecnologia, então não há chance de alguém ouvir.
Ele faz o que eu mando e saímos do escritório, passando pela piscina
antes de seguir o caminho de pedra até o jardim. É minha parte favorita da
enorme propriedade que comprei há alguns anos para ser um lar adequado
para Martina e eu. Ela se apaixonou pela sala de estar cheia de luz assim que
passou pela porta da frente, e raramente resisto às oportunidades para fazê-
la feliz.
— O que Valentina disse a você? — Ras pergunta quando chegamos às
oliveiras. O cascalho range suavemente sob nossos pés.
— Temos a confirmação que precisamos. Sal estava por trás disso.
Os passos de Ras diminuíram por um momento. — Tem certeza disso?
— Conte disse a ela que era um favor para alguém. A razão para isso?
Martina tem o sobrenome errado.
— Isso não é definitivo...
— Conte a chamou de ratinha Casalese. De onde você acha que ele
tirou isso?
É o apelido que Sal deu a Martina. Assim que Valentina disse isso, eu
soube.
Ras pragueja. — Ele perdeu a cabeça. Sequestrando-a para manter
você sob controle? Ele devia saber o risco que corria se isso viesse à tona.
— Era apenas uma questão de tempo até que ele fizesse algo assim. —
digo. Eu deveria saber que o homem que assassinou meu pai para assumir o
controle do clã nunca deixaria de se preocupar com a possibilidade de um
dia eu me revoltar contra ele.
Há um banco na beira do jardim com vista para o oceano calmo. Nós
sentamos.
— Ele já tirou tudo de nós uma vez. — eu digo. — Não vou deixá-lo
fazer isso de novo.
Lembro-me de minha mãe parada na cozinha enquanto as chamas
engolfavam seu vestido. Os gritos frenéticos da minha irmã. Os homens
gritando em estado de choque. O cadáver do meu pai ainda quente no chão.
É esse momento, tão claro na minha memória que parece que foi gravado
em resina, que motivou a maioria das decisões que já tomei. Sem isso, eu
seria um homem completamente diferente.
Um homem melhor.
Um homem mais fraco.
Fecho os olhos com força e respiro fundo. — Martina chora em seu
quarto todas as noites desde Nova York. Cada vez que ouço isso, lembro-me
de como falhei com ela. Ela não pode mais ir para a faculdade como queria.
Ela não pode nem sair desta ilha. Nós dois somos prisioneiros aqui.
A mão de Ras cai no meu ombro. — Você sabe que pode contar
comigo.
— Só há uma saída para isso, Ras.
Sua expiração pesada me diz que ele entende.
A água bate nas rochas abaixo de nós. Eu me viro para encará-lo. —
Guerra.
Ele junta as palmas das mãos, os cotovelos nos joelhos, e posso ver
que ele já está analisando nossas opções. — Precisamos reforçar nossa
segurança aqui primeiro para garantir que Mari esteja segura.
— Seria melhor escondê-la em algum lugar até a poeira baixar?
Ele balança a cabeça. — É melhor concentrar nossas defesas em uma
área onde vocês dois estão. Além disso, movê-la tão cedo avisaria Sal de que
algo está acontecendo. Ele observa todos os pontos de entrada. Vou ligar
para Napoletano.
— Peça a ele para vir assim que puder.
— Quanto você quer que eu conte a ele?
— Mantenha isso vago. Ele e Sal têm uma história horrível, mas quero
falar com ele pessoalmente antes de decidir se devemos trazê-lo. Qual é a
sua leitura sobre os últimos sentimentos entre as famílias?
— Difícil de dizer. Terei que ir ao Casal falar com o meu pai. Da última
vez que conversamos, ele aludiu a alguns rumores de Elio. Se for verdade,
vamos querer nos encontrar com ele.
— Que rumores? — pergunto, pensando na última vez que vi tio Elio.
Já se passaram muitos anos.
— Algo sobre casar uma de suas duas filhas com Vito Pirozzi.
— Ambas as filhas são pré-adolescentes.
— Eles vão esperar até ela completar dezoito anos.
A ideia de dar uma daquelas garotas inocentes para alguém como Vito
me deixa doente. Ele é mais esperto que seu irmão idiota, Nelo, mas não
muito. — Essa é uma combinação perfeita, se é que já ouvi falar de uma.
— O patriarca Pirozzi quer que seus meninos se acalmem, e Sal adora
implicar com os De Rossi restantes.
— Se conseguirmos que os dois irmãos do meu pai me apoiem, junto
com os seus pais, isso nos dará uma chance real.
Ras pega um cigarro e acende. — Será um começo. Vou marcar as
reuniões.
— Eu deveria ir para Casal com você.
— Você não pode. Isso irá disparar muitos alarmes.
Levanto-me do banco. Eu quero dizer para o inferno com tudo isso. A
cautela, o equilíbrio, o autocontrole. Desenvolvi todas essas características
por necessidade. Eles eram a única maneira de garantir que eu e minha irmã
sobreviveríamos em meio a um mundo em colapso. Mas por baixo de todas
essas camadas civilizadas vive um bárbaro sedento de vingança. Sinto-o
dentro de mim agora, esticando os braços e pegando o taco enrolado em
arame farpado. Ele quer levantá-lo e bater na cabeça de Sal até que não
reste nada além de polpa sangrenta. — Vou fazê-lo pagar por tudo que fez,
Ras. Tudo.
Ras fica ao meu lado e espia pela beira do penhasco. — E a sua
prisioneira?
Os olhos assustados de Valentina brilham em minha mente. Será que
aquilo de que ela está fugindo pode ser pior do que o problema que estou
prestes a causar? Até que ela me conte toda a sua história, não posso saber
a resposta para essa pergunta, mas pelo menos aqui posso ficar de olho
nela. — Vou mantê-la até descobrir a melhor forma de ela ajudar nossa
causa.
— Ela é valiosa. — diz Ras.
— Quero saber se o marido dela está morto.
— Vou pedir ajuda ao Napoletano, mas não foi o marido dela quem
concordou em levar Martina. Você sabe disso.
Claro que eu faço. Lazaro é apenas um soldado, mas se estiver vivo, é
melhor que esteja contando seus últimos suspiros. Mesmo que ele não
tenha aterrorizado Mari, fica claro que Valentina não gosta dele. Isso é o
suficiente para eu eliminá-lo da face da Terra.
— A ordem deve ter vindo do don deles, o pai de Valentina. — digo. —
Mas foi Lazaro quem colocou as mãos em minha irmã. O don nos
compensará de outras maneiras. — Esfrego a palma da mão no queixo. —
Ele estava disposto o suficiente para conceder um favor a Sal. A questão é
por quê? Garzolo precisa de alguma coisa, e quando descobrirmos o quê,
poderemos ter uma conversa de verdade com ele. Se Valentina souber
alguma coisa sobre isso, vou arrancar dela.
Ras cruza os braços sobre o peito. — Você tem certeza disso? Suas
preliminares no jantar não inspiraram muita confiança em seus métodos de
interrogatório.
Eu faço uma careta. — Isso não foram preliminares. Foi você quem me
disse que eu não poderia deixá-la lá.
— Eu disse que você deveria explorar o ponto fraco que ela pode ter
por você, tratando-a bem, não se entregando às suas fantasias de BDSM na
frente de outras pessoas.
Meu rosto esquenta. — Foda-se.
— Você deixou Mari tão desconfortável que ela correu para se
esconder em seu quarto.
Eu olho para ele. — Tudo bem, chega de jantares em família com
Valentina. Vou lidar com ela em particular.
Voltamos para casa e Ras sai para passar a noite. Eu olho para a hora.
É quase meia-noite e a casa está silenciosa, exceto pelo zumbido suave da
máquina de lavar louça e pelos sons do oceano fluindo pelas portas abertas
do pátio.
Fecho-as, passo na cozinha para pegar um pouco de água e subo as
escadas. Música pop americana está tocando atrás da porta de Mari, mas
ela não está conversando com os amigos no FaceTime como costumava
fazer antes de tudo acontecer. Ela não faz muito hoje em dia além de rolar a
tela do telefone e passear pela casa. De vez em quando chegam pacotes –
roupas, bolsas, acessórios de moda – mas nunca a vi entusiasmada com
nenhum deles. Ela nunca sai.
Estou prestes a bater na porta dela quando paro, com o punho erguido
no ar. A verdade é que não sei como ajudá-la a seguir em frente. Tentei falar
com ela, mas isso nunca leva a lugar nenhum. Há algo dentro dela que a está
destruindo, e ela não quer me dizer o que é. Eu gostaria que ela tivesse
outra pessoa com quem conversar, mas não há ninguém em quem ela confie
o suficiente para compartilhar os detalhes do que aconteceu. Sempre fui seu
confidente mais próximo, mas agora que ela não quer falar comigo, não sei
como trazer seu antigo eu de volta.
Talvez depois que eu cuidar de Sal, ela possa frequentar a faculdade
pessoalmente no ano que vem. Isso a animaria.
Afasto-me da porta dela e continuo até o terceiro andar. Meu quarto
fica no corredor de onde coloquei Valentina. Quando chego mais perto do
quarto dela, digo a mim mesmo para continuar andando, mas então ouço
um som suave e paro.
Pressiono meu ouvido na madeira. Fungando. Ela está chorando.
Cazzo. Agora não tenho uma, mas duas mulheres miseráveis sob meu
teto. Afastando-me, belisco a ponte do nariz.
Talvez eu devesse ter sido mais suave com ela lá embaixo. Seus pulsos
pareciam quase machucados e ela não tinha nada para limpá-los.
Volto para a cozinha e pego o kit de primeiros socorros. Vou enfaixá-la
e tirá-la da cabeça, como disse que faria.
Quando entro, ela está enrolada como um camarão na cama, com
seus longos cabelos negros espalhados sobre um travesseiro. Ela se esforça
para se sentar quando me ouve entrar e puxa os joelhos contra o peito. —
Por que você está aqui?
Seu nariz está vermelho e inchado. Seus olhos estão brilhantes e
úmidos. Uma dor aparece dentro do meu peito.
— Quero dar uma olhada em você. — digo. Sento-me na beira da
cama e estendo a mão para ela, mas ela se afasta de mim. Isso me faz
querer socar a porra de uma parede. O fato de ela ter medo do meu toque
está entre as piores coisas que já aconteceram comigo.
Mostro a ela o kit de primeiros socorros. — Deixe-me ver seus pulsos.
Vou enfaixá-los e ir embora.
Ela estuda a caixa com desconfiança, franzindo as sobrancelhas. Eu
espero. Finalmente, ela dá um pequeno aceno de cabeça e estende os
braços.
As marcas rosadas ficam horríveis em seus pulsos delicados. Pego um
lenço antisséptico e passo suavemente nos pontos onde sua pele está ferida.
Não são muitos, mas ela sibila para cada um que toco. Mordo o interior da
minha bochecha com tanta força que sinto gosto de sangue.
Ela me deixa curar suas feridas superficiais em silêncio, deixando-me
ruminar sobre minhas ações. Ras está certo. Não tenho coragem de
interrogá-la dessa maneira novamente.
Por que ela não quer voltar para casa?
Há algo aí. Uma peça que está faltando. Um segredo que ela ainda não
contou.
Termino de amarrar suas bandagens e encontro seu olhar cansado.
— Tudo feito.
Ela puxa as mãos para trás, deita-se e se afasta de mim.
— Eles parecem melhor...
— Você disse que iria embora.
A ferocidade fria de suas palavras me corta como uma lâmina afiada.
Eu mereci, não foi?
Arrumei minha cama e agora tenho que deitar nela.
CAPÍTULO VINTE E DOIS
VALENTINA

Na manhã seguinte, não perco tempo antes de procurar uma rota de


fuga do meu novo quarto. Não posso ficar aqui sentada enquanto Damiano
decide o que fazer comigo. Seu ato quente e frio deve ser algum tipo de
jogo. Por que outro motivo ele me trataria como lixo no jantar apenas para
brincar de médico algumas horas depois?
Começo pela janela. Quando meu exame minucioso não revela
nenhum fio especial, concluo que Damiano mentiu para mim sobre estar
alarmada e tento abri-la. Não dá um pio, mas a alça não se move, não
importa o quanto eu puxe. Quando esgoto toda a força do meu braço,
decido deixá-la como está por enquanto.
Há uma TV de tela plana, mas não há controle remoto, e não consigo
encontrar nenhum botão na tela para ligá-la. Considero brevemente
arrancá-la da parede e jogá-la na janela, mas não fará nada com as barras de
aço do lado de fora. Por que ele não me deixou o controle remoto? Talvez
ele esteja esperando me torturar com tédio.
Os minutos passam lentamente. Pelo menos presumo que sejam
minutos. Não há relógio. O quarto tem um design elegante, mas não há
literalmente nada aqui. Sem roupas, sem livros, nem mesmo uma caneta.
Eu faço minhas necessidades no banheiro. Pelo menos há uma
tonelada de papel higiênico. Entro no chuveiro e fico lá por um longo tempo,
tentando não ceder ao desespero que está fervendo nas bordas da minha
consciência.
Minhas roupas de ontem estão sujas. Eu suei o que deve ser o
equivalente a alguns baldes, então realmente não quero colocá-las de volta.
Lavo-as com um sabonete disponível e penduro-as no toalheiro. Com um
pouco de sorte, talvez eu consiga colocá-las mais tarde hoje, mas, por
enquanto, enrolo a toalha em volta de mim e volto para o quarto.
Passo muito tempo pensando em várias estratégias de fuga, mas
nenhuma delas faz muito sentido. Se eu tivesse uma faca ou mesmo uma
colher, talvez pudesse começar a desbastar a moldura da janela. Quanto
tempo isso levaria? Tempo suficiente para que Damiano decidisse me
mandar de volta para meu pai, afinal. Ele disse que não, mas não sou
ingênua suficiente para acreditar nele. Gostaria de ter algo valioso para lhe
oferecer, algo que pudesse trocar pela minha liberdade, mas ele tem mais
euros que tenho células no meu corpo, e apesar de ser filha do don, não
tenho nenhuma informação que possa ser valiosa para Damiano. Eu já dei a
ele tudo o que tinha.
Joguei minhas cartas muito cedo.
Eventualmente, minha cabeça começa a doer por causa de todos os
meus planos infrutíferos, então vou até o topo da cama e olho pela janela. O
mar brilha ao longe. Mesmo com essa visão para me fazer companhia, é
incrível a rapidez com que o tédio se instala. Minhas pálpebras se movem
cada vez mais para baixo. Parece que cochilar está prestes a se tornar meu
passatempo favorito.
Algum tempo depois, sou despertada por três batidas na porta. Eu rolo
para fora da cama segurando minha toalha e rastejo até a porta. — Sim?
— É a Martina. Eu trouxe um brunch para você.
Ela vai abrir a porta? Ela tem que abrir. Não há outra maneira de
colocar a comida dentro. Talvez eu possa aproveitar isso e fugir. Pressiono
as costas contra a parede e fico em posição de prontidão, colocando meu
peso na planta dos pés.
— Não tenho certeza do que você gosta, Dem me disse que não posso
trazer talheres para você, então comprei um croissant, queijo, algumas
frutas, ovos cozidos e café.
Parece um café da manhã continental completo. Minha postura
suaviza. Martina está tentando cuidar de mim. E se eu conseguir que ela me
ajude? E de qualquer forma, até onde chegarei usando apenas uma toalha?
— Obrigada. — eu digo enquanto me afasto da parede.
Ouve-se um clique suave e a porta se abre. Martina está do outro lado,
vestindo uma camiseta curta e shorts jeans, equilibrando uma bandeja cheia
de comida na palma da mão.
Pego a bandeja dela e dou um passo para trás. — Isso é muito gentil.
Eu não tinha certeza se seu irmão iria me alimentar.
Ela percebe minhas roupas, ou a falta delas. — Você quer que eu traga
algo para você vestir?
— Isso seria bom.
Ela assente. Atrás dela, vejo um enorme segurança com uma arma
amarrada na cintura.
Ótimo.
É claro que Damiano não a deixaria vir aqui sozinha. Estou surpresa
que ele a tenha deixado, mesmo com o apoio.
A porta se fecha e olho a comida na bandeja. Tudo parece delicioso.
Coloco-a na cama, arranco uma ponta do croissant ainda quente e observo
um pouco de vapor saindo do centro. O sabor é ainda melhor do que parece
- ligeiramente crocante por fora e macio e amanteigado no meio. Martina
cozinhou sozinha? É melhor do que qualquer coisa que já comprei, até
mesmo na minha padaria favorita no Lower East Side.
Ela retorna pouco depois carregando uma pequena pilha de roupas
debaixo do braço. — Você é mais alta que eu. — ela diz. — Mas encontrei
algumas coisas que devem servir.
— Obrigada. — Eu pego a pilha dela. — Eu não sou exigente.
Sua boca se curva em um sorriso tímido. Ela olha para trás e
gentilmente empurra a porta do quarto para fechá-la, mas o segurança
limpa a garganta antes que ela termine. — Porta aberta, senhorita.
Um lampejo de frustração atravessa suas feições delicadas, mas dura
apenas um momento.
— Está tudo bem. — eu digo. — Eles provavelmente pensam que vou
te atacar se ficarmos sozinhas.
Ela pisca para mim. — Você iria?
— Não. — Assim que digo a palavra para ela, sei que é verdade. Ao
contrário do irmão, Martina é inocente e não quero envolvê-la no nosso
drama. Ela já passou por bastante.
Aperto as roupas mais perto do meu peito. — Você se importa se eu
me trocar?
— Vá em frente. — ela diz, indo em direção à porta.
— Você não precisa sair. Vou ao banheiro rapidamente. Então você
pode me dizer quem fez aquele croissant celestial.
Seu rosto se transforma em um sorriso. — Você gostou?
— É o melhor que já comi.
Sua risada tímida me segue até o banheiro, onde rapidamente troco
minha toalha por uma calcinha e um vestido de jersey solto que chega até o
meio da coxa. Sem sutiã. Martina é pequena, então ela provavelmente não
tinha nada que me encaixasse nesse departamento.
Quando saio, ela está sentada na beira da cama, mordiscando um
pedaço de queijo.
— Você me lembra de uma das minhas irmãs. — digo a ela.
— Irmãs?
— Eu tenho duas. Elas são mais novas que eu e sinto falta delas.
Bastante.
— De qual eu te lembro?
— Minha irmã mais nova, Cleo. Algo na parte superior do rosto, como
os olhos e o nariz. É difícil descrever, mas eles são semelhantes. — Sento-me
no canto oposto da cama e pego o último pedaço daquele croissant. — Ela
também adora queijo.
Martina ri. — Quem não gosta de queijo?
— Pessoas que não conseguem provar, claramente. Quando Cleo e eu
ainda morávamos juntas, ela sempre montava aquelas elaboradas tábuas de
queijos com todos os tipos de nozes e geleias. Ela, minha outra irmã e eu
levávamos o vinho para o terraço, enfiávamos uma garrafa de vinho na
adega dos meus pais e observávamos o pôr do sol em Nova York. —
Paramos de fazer isso depois que me casei. Minhas irmãs me convidavam,
mas eu inventava desculpas para não ir, para não ter que passar horas
mentindo na cara delas sobre como estava meu casamento.
— Espero que você as veja novamente em breve. — A voz de Martina
é suave. — Tenho certeza que Dem não vai manter você aqui para sempre.
Mesmo que ele me deixe ir, é provável que eu não veja minhas irmãs,
mas não faz sentido dizer isso a ela. — Quem sabe o que está acontecendo
na cabeça do seu irmão.
Ela fica rígida. Posso dizer que ela se sente desconfortável ao falar
sobre os planos do irmão para mim. Ela provavelmente está preocupada em
trair a confiança dele dizendo algo errado.
Eu dou a ela um sorriso tranquilizador. — Então eu entendo que você
gosta de cozinhar.
Ela parece momentaneamente aliviada com a mudança de assunto,
então seu rosto cai novamente. — Eu costumava. — Ela traça o padrão
bordado no edredom com o dedo. — Eu não faço mais isso, embora Dem
me pergunte o tempo todo.
— Ele não pediu para você cozinhar para mim, pediu?
O sangue corre para suas bochechas. — Não. Eu só queria fazer algo
legal para você. Eu costumava cozinhar a maior parte das minhas refeições e
das do meu irmão. Agora, contratamos alguém.
— Por que isso?
De repente, ela para de traçar e coloca a mão na colcha. — Depois de
Nova York, perdi o interesse por isso.
Eu vejo isso nos olhos dela. Um vazio cheio de dor persistente. Aposto
minha vida que isso não existia até ela conhecer Lazaro, e não importa o
quanto eu queira desviar o olhar, não me permito isso. Isto é o que meu
marido faz com as pessoas se não acabar matando-as. Ele as destrói por
dentro.
Assim como ele fez comigo.
Martina não merece isso. Ela é apenas uma jovem envolvida nos jogos
cruéis do mundo de seu irmão e deve superar o que aconteceu com ela.
Quero ajudá-la a seguir em frente. Eu devo isso a ela.
O segurança está nos observando pela fresta da porta, então não pego
a mão dela, mas movo meus dedos para mais perto de onde os dela estão.
Ela nota o movimento e me lança um olhar questionador.
— Martina, vai melhorar — digo a ela em voz baixa. — Dê tempo a
isso. Você deve ser paciente consigo mesma, mas não pode parar de lutar.
Ela aperta os lábios e respira fundo pelo nariz. Por um tempo, ela não
diz nada, apenas balança a cabeça repetidamente. Acho que ela está
segurando as lágrimas. Meu coração treme por ela.
Finalmente, ela sussurra: — Eu a convenci a ir comigo. Eu... — Sua voz
falha, ela sai da cama. Antes mesmo que eu tenha a chance de pronunciar
outra palavra, ela já saiu pela porta.
As travas se encaixam no lugar. Parece uma vela sendo apagada com
uma respiração frenética.
Passo o resto do dia mexendo na comida e observando o mar pela
janela. Quando o sol está quase no horizonte, a porta se abre e é aquele
segurança mal-humorado de antes. Ele me entrega uma bandeja com meu
jantar e sai sem dizer uma palavra.
Quando termino de comer, decido tomar outro banho e é aí que meu
dia se anima. Percebo que o chuveiro é removível com cinco configurações
diferentes, igual ao que eu tinha na casa do Lazaro. Se Damiano quis me
torturar com um tédio horrível, esta é uma grave omissão de sua parte.
Tiro o chuveiro do suporte, encosto na parede de azulejos e aponto o
jato entre as pernas. Demoro um pouco para encontrar o ângulo certo, mas
então consigo fazê-lo, e querido Senhor, é uma bênção. Em um momento,
esqueço onde estou e apenas me concentro nas suaves pulsações de prazer
que irradiam do meu âmago.
Isso me leva de volta a ontem, quando Damiano me levou ao limite e
me deixou lá. Maldito seja esse homem. Estar amarrada e completamente à
sua mercê não deveria me excitar, mas excita. Lembro-me de como ele
enfiou seus dedos grossos dentro de mim, como seus lábios quentes
roçaram o ponto sensível na minha nuca. O contraste dele totalmente
vestido e eu com meu short nos joelhos. Ele poderia ter virado, me
levantado pelas coxas e me fodido ali mesmo. Eu sei que ele queria. Talvez
tenha sido parado quando o fez porque estava prestes a perder o controle.
Eu gostaria que ele fizesse. Eu gostaria que ele acabasse comigo e depois me
enchesse com seu esperma novamente. Depois, ele deixava-me lá, eu
passava o resto do dia com o seu esperma a escorrer lentamente pelas
minhas coxas.
A pressão explode e mordo o lábio para evitar que o grito saia. Oh
Deus. Ondas de prazer caem em cascata sobre mim, desde a minha cabeça
até os dedos dos pés.
Minhas pernas tremem quando saio do chuveiro, enrolo uma toalha
em volta do corpo e me sento na tampa do vaso sanitário. Quando minha
respiração finalmente diminui, coloco a testa nas palmas das mãos e deixo a
realidade entrar.
Acabei de me masturbar com uma fantasia de Damiano - o capo que
está me mantendo trancada em sua casa - me usando como uma boneca.
Há algo muito errado comigo.
Com esse pensamento deprimente, subo na cama e apago as luzes.
Talvez o chuveiro não seja uma boa ideia, afinal. Amanhã terei que trabalhar
para encontrar outra maneira de me divertir enquanto espero que Damiano
decida o que fará comigo.
Ele não veio me ver hoje. Ele pode já ter ligado para meu pai, e eu não
seria mais útil. Quanto crédito posso realmente colocar em suas promessas?
Eu me reviro na cama até que um sono agitado finalmente me toma.
CAPÍTULO VINTE E TRÊS
VALENTINA

Inesperadamente, Martina me entrega comida novamente na manhã


seguinte. Ela me entrega a bandeja e consigo agradecer antes que ela saia
do quarto.
No dia seguinte, ela não tem tanta pressa de ir embora. Quando a
convido para entrar, ela me dá um sorriso tímido e passa pela porta.
— Tentei algo novo hoje. — ela me diz.
Pego a bandeja das mãos dela. É outra massa, quadrada e escamosa,
com framboesas empilhadas no meio e coberto com uma camada de açúcar
de confeiteiro.
Minha boca fica com água. — Seu futuro marido, seja quem for, será
um homem de muita sorte.
Deixando uma fresta na porta, ela se senta na beira da cama. — Acho
que posso ser assexuada.
Quase engasguei com a primeira mordida. O irmão dela sabe disso?
Quando ela vê minha expressão, ela ri. — Quero dizer, não tenho
certeza. Eu simplesmente nunca conheci um cara por quem me sentisse
atraída.
— E as meninas? — Pergunto com a boca ainda meio cheia.
Ela torce o nariz. — Não.
— Minha irmã mais nova não se sentia atraída por ninguém há muito
tempo. — afirmo. — Ela tem a sua idade, mas só teve sua primeira paixão
quando completou dezessete anos.
— Quem foi?
— Um garoto novo na escola dela que organizou marchas Free Britney
no centro de Nova York. — Posso ver que minha declaração a confunde. —
Minha irmã é um pouco obcecada por Britney Spears. — explico. — Ela era
muito ativa no movimento Free Britney.
— Estou feliz que Britney tenha saído. — diz Martina. — O que o pai
dela fez com ela foi horrível. O que aconteceu com o menino?
— Acontece que ele já tinha namorado.
— Oh. — Martina dá de ombros. — A cena do namoro pode ser difícil,
eu acho.
— Especialmente para mulheres como nós.
Não preciso explicar o que quero dizer. Apesar de todos os seus
defeitos, Damiano parece amar Martina. Com base no que vi até agora, ele
parece mais com o pai dela do que com um irmão. Ele irá trocá-la por
poder? Entregá-la como recompensa?
Ela se ajusta para sentar de pernas cruzadas. — Seu marido… você não
o escolheu?
O pensamento é tão ridículo que não consigo deixar de rir. — Eu não
tive escolha. Meu pai cuidou do casamento e eu nem pensei em questionar
seu julgamento. Achei que ele iria se certificar de encontrar um bom ajuste
para mim.
— Ele não fez isso.
— Não, ele não fez isso.
Martina fica quieta e eu termino o resto do meu bolo em silêncio.
— Estava bom? — ela pergunta.
— Delicioso.
Ela sorri. — Vou fazer outro para você amanhã.
Por que ela está sendo tão gentil comigo? Eu encontro seu olhar.
Irradia melancolia. Se ela se abrir comigo, talvez eu possa ajudá-la.
— Da última vez, você disse que convenceu sua amiga a ir para Nova
York. — digo gentilmente.
Seu sorriso desaparece imediatamente. — Sim. Ela não estaria lá se eu
não tivesse insistido.
Espero que ela continue, sentindo que precisa conversar sobre isso
com alguém.
Ela esfrega os bíceps com as palmas das mãos e olha por cima do
ombro para onde o guarda está, logo depois da fresta da porta. Quando ela
fala em seguida, é um sussurro. — Eu queria ir ao Eleven Madison Park. É
um restaurante.
— Sim, é incrível. Já estive lá antes. Papà levou a família inteira por um
ano para o aniversário da Mamma.
— Sonhei com isso desde que me interessei por cozinhar. Imogen
estava nervosa, seus pais não queriam que ela fosse, mas ela conseguiu
convencê-los depois que eu continuei pressionando ela. Dem nos reservou
um almoço especial privado com o chef. Estávamos saindo do hotel a
caminho de lá quando isso aconteceu. — Sua voz treme como uma corda
dedilhada. — Ela morreu por causa de uma refeição.
Estou prestes a dizer a ela que não é culpa dela, que muitas pessoas
viajam para Nova York sozinhas e voltam para casa completamente ilesas,
mas é como se um pote cheio de palavras tivesse sido derrubado dentro
dela, e agora todas elas estão derramando.
— Estava chovendo muito naquele dia — diz ela com voz rouca. —
Quando os três homens nos emboscaram pela primeira vez, eu estava
lutando com meu guarda-chuva e estava tão desorientada que disse a eles
nossos nomes no momento em que perguntaram. Nem me ocorreu
questionar por que alguém estava perguntando nossos nomes do lado de
fora do hotel. Essa era toda a confirmação que eles precisavam antes de nos
colocarem na van. Eles atiraram em Imogen enquanto ela estava sentada ao
meu lado. Bem no centro da testa. No começo não sangrou, pensei que
fosse uma brincadeira, uma brincadeira de mau gosto que alguém estava
pregando na gente. Eu a balancei. Eu gritei, Imogen, pare com isso! Não é
engraçado. Então o sangue começou a escorrer e ela ficou imóvel. Não foi
uma brincadeira. Foi real.
Eu aperto minha mão sobre minha boca. Isso é tão, tão horrível.
Martina passa as unhas pelo rosto. — Foi terrivelmente egoísta da
minha parte forçá-la a ir. Não há ninguém para culpar pela morte dela além
de mim. Quando Dem e eu fomos ao funeral dela, os pais dela nem olharam
para mim, Valentina. Eles me odeiam agora. E por que não deveriam? Ser
minha amiga foi a pior coisa que já aconteceu à filha deles. É a pior coisa que
pode acontecer a alguém que não faz parte do nosso mundo. Os amigos que
eu tinha antes de Nova York? Não falamos mais. Excluí seus números de
telefone, fechei minhas redes sociais. Ninguém jamais estará seguro perto
de mim, então qual é o sentido de se aproximar de alguém? Prefiro ficar
sozinha a amar as pessoas e vê-las morrer.
Lágrimas silenciosas escorrem de seus olhos, e minha própria garganta
se torce até ficar apertada demais para eu sufocar qualquer palavra. Quero
dar um abraço nela, nessa pobre menina que carrega um fardo muito
pesado nos ombros, mas não posso. Se o segurança me ver tocando nela,
ele a levará embora. Pego a mão dela e seguro-a na minha, esperando que o
ângulo de nossos corpos não permita que ele veja.
— Martina.
Ela está olhando para o colo e as lágrimas caindo sobre a legging cinza,
deixando manchas escuras e redondas.
— Martina, olhe para mim. — Aperto a mão dela.
Seus olhos brilhantes piscam.
— Eu entendo o que você está sentindo. — Eu realmente entendo. Eu
me forço a respirar através do aperto na garganta. — A raiva, a culpa e a
total descrença de que sua vida poderia tomar um rumo tão horrível. Eu
também senti essas coisas depois... de testemunhar o que meu marido fazia
com as pessoas. — Não posso contar a ela toda a verdade. Se ela soubesse o
que fiz com as pessoas, não estaria aqui falando comigo.
— Mas você foi corajosa. — ela sussurra. — Você me ajudou. Eu não
ajudei minha amiga.
— Você não poderia. E sim, eu ajudei você, mas houve outros antes, e
eu não os ajudei. — Eu os matei porque meu marido me mandou. — Eu era
uma covarde até o momento em que conheci você.
— Você se arrepende de não tê-los ajudado?
— Diariamente.
— Como você convive com isso? Alguns dias acordo e penso que não
adianta sair da cama. Não há sentido em nada.
Olho para o chão. — Eu costumava ter esses pensamentos também.
Levará tempo, mas eventualmente eles desaparecerão.
Soltando sua mão, coloco meus joelhos no peito. — Eu conhecia bem
meu marido e seus homens, Martina. Eles são assassinos profissionais. Não
importava o que você fizesse quando eles tivessem você. Não havia nada
que você pudesse ter feito pela sua amiga.
Ela envolve os braços em volta da barriga. — Tenho medo que isso
aconteça novamente. Algo ruim.
— Entendi. Não vou fingir que nenhum relacionamento é fácil neste
mundo. A maioria dos meus amigos eram meus parentes ou eram filhos e
filhas de homens que trabalhavam para meu pai. Isso os tornou mais
compatíveis para amizades.
— Aqui, estamos por nossa conta. São Dem e Ras e todos os seus
guardas contratados. Não há outras famílias grandes na ilha. — Ela fareja. —
É de propósito, para que... — Sua boca se fecha e ela me lança um olhar
cauteloso. Ela estava prestes a dizer algo que não deveria.
Ela é vulnerável o suficiente para provavelmente me contar mais se eu
pressioná-la, mas minha consciência me impede. Em vez disso, dou-lhe um
sorriso. — Eu posso ser sua amiga. Acredite em mim, nossa amizade
dificilmente poderá me colocar em uma situação pior do que essa em que já
estou.
Ela solta uma risada aquosa. — Suponho que seja verdade. —
Suspirando, ela olha em direção à água. — Eu deveria voltar para o meu
quarto. Dem me disse que não posso passar mais de trinta minutos aqui
com você.
Reviro os olhos. — Ele quer que eu morra de tédio.
— Não vou deixar isso acontecer. — diz ela enquanto sai da cama. —
Na verdade, tenho uma ideia.
— Hum?
Ela envolve a mão na maçaneta da porta e olha para mim. — Eu não
quero ter muitas esperanças. Deixe-me falar com ele primeiro. Volto
amanhã.
CAPÍTULO VINTE E QUATRO
VALENTINA

Na manhã seguinte, Martina chega com uma pilha de roupas em vez


da comida habitual. Ela entrega para mim. — Vamos passar o dia na piscina.
— ela anuncia enquanto um sorriso animado ilumina seu rosto.
Em meu choque, consigo pronunciar uma única palavra. — Como?
— Dem concordou em deixar você sair do seu quarto com a condição
de que teremos dois de seus guardas mais assustadores nos vigiando.
Abbott é um ex-lutador de MMA que mordeu a orelha do oponente, e Clyde
meio que se parece com aquele cara de Game of Thrones que interpretou o
Mountain.
Coloco as roupas na cama. — Não vi, mas esse nome por si só já
mostra uma imagem clara. — Guardas assustadores ou não, a perspectiva
de finalmente ver algo diferente de quatro paredes de cor creme ao meu
redor parece o paraíso. Sem falar que é uma oportunidade para eu procurar
possíveis rotas de fuga. Quanto mais Damiano me evita, mais me preocupo
com meu destino. Por que ele não veio me ver nos últimos três dias?
— Vou esperar lá fora enquanto você se troca. — diz Martina.
Procuro nos trajes de banho. São todos biquínis que parecem
pequenos demais para mim. Decido combinar uma parte de baixo preta com
uma parte superior triangular verde neon que cobre um pouco mais do que
as outras duas opções. Não há espelho para eu verificar meu reflexo, mas
suspeito que tudo pareça um pouco vulgar. Com um suspiro, removo as
bandagens antigas dos pulsos, amarro uma fina capa branca na cintura e vou
até a porta. — Pronta.
Martina dá uma olhada em mim e me dá um sorriso encorajador. —
Você parece bem.
Colocando minha blusa no lugar, olho para os dois guardas parados do
lado de fora da porta. Eles são realmente enormes, como dois ursos pardos
cobertos de carne com carrancas combinando.
— Não está vestindo seu calção de banho? — Eu pergunto a eles.
Rapidamente, suas expressões ficam ainda mais sombrias. O de cabeça
raspada se dirige a Martina. — Por que ela está usando isso?
Martina franze os lábios e ajusta sua postura. — Nós vamos para a
piscina.
Parece que os guardas não foram informados desse detalhe.
— Não foi isso que o Sr. De Rossi aprovou. — diz um deles.
— Ele disse que ela pode sair do quarto se vocês dois estiverem perto
de nós o tempo todo.
— Contanto que ela fique dentro de casa.
— A piscina faz parte da casa, não é? — Martina desafia,
demonstrando uma coragem que eu não sabia que ela tinha. — Está
completamente murado.
— Não era isso que seu irmão tinha em mente. Você não pode ir lá.
— Meu irmão vai ficar muito chateado ao saber que você me impediu
de tomar sol. — diz Martina.
Os guardas se entreolham. As narinas do quieto dilatam-se com uma
expiração. Ele se vira para mim. — Se você fizer qualquer coisa imprecisa,
nós o levaremos de volta para cá. Um golpe e você está fora.
— Presumo que vocês não vão se juntar a nós para nadar? — Eu
pergunto, fingindo inocência.
Eles me ignoram e nos acenam para frente.
No primeiro andar, além das janelas do chão ao teto da sala, fica a
piscina. Martina abre uma delas e eu passo pela soleira, sentindo
imediatamente o calor do sol na minha pele. É um dia glorioso em Ibiza.
Algumas espreguiçadeiras estão espalhadas bem à nossa frente,
Martina se senta em uma delas. Estou ansiosa demais para aproveitar meu
pedacinho de liberdade para ficar parada, então vou até a beira da piscina e
olho para baixo. O fundo é coberto por azulejos estampados coloridos.
Equilibrando-me em uma perna, mergulho meu dedão direito na água. Não
está fria, mas é fresca suficiente para ser refrescante.
Eu me viro ao som da voz de outra pessoa. Martina está conversando
com uma mulher mais velha, vestindo uniforme branco e avental amarrado
na cintura.
— Você gosta de rosé ou prefere champanhe? — Martina me
pergunta.
Uma risada incrédula borbulha na minha garganta. Sou uma
prisioneira aqui, mas aparentemente posso escolher qual vinho gostaria de
beber. — Rosé está ótimo.
Olho para a piscina novamente e noto um portão que pode ser uma
saída do complexo, mas, para ser sincera, isso não me enche de esperança.
Os guardas não me deixariam fugir. Provavelmente vou me machucar se
tentar correr, e isso será o fim de qualquer passeio futuro com Martina.
Talvez eu devesse apenas aproveitar o rosé e tentar conversar com
Damiano. Ele tem que ver como está a irmã em algum momento do dia,
certo?
— Seu irmão está por perto? — Pergunto a Martina quando a outra
mulher vai embora.
Ela puxa o vestido solto de verão pela cabeça e o joga em outra
espreguiçadeira. Por baixo, ela está usando um biquíni amarelo brilhante. —
Ele está no Revolvr, mas deve voltar à tarde.
— Que horas são?
Ela olha para o telefone. — Onze da manhã.
Sento-me na espreguiçadeira ao lado dela e olho para o aparelho. Se
eu conseguisse roubá-lo, para quem eu pediria ajuda? O único número de
telefone que sei de cabeça é o de Gemma, não posso arriscar ligar para ela
quando Papà provavelmente está rastreando todas as suas ligações. Ele sabe
que se eu ligar para alguém, será ela.
Chega o rosé e com ele uma tábua de frutas e vegetais fatiados.
Martina e eu comemos a comida e bebemos o vinho, enquanto
conversamos sobre quais programas de TV gostamos. Quando esgotamos
completamente esse tópico, começamos a discutir livros. Ela me mostra o
exemplar de Jane Eyre que trouxe consigo. Em seguida, passamos para o
assunto favorito de todos: comida. As horas passam, quando terminamos
nossa garrafa, estou embriagada, suada e pronta para nadar.
Mergulho na piscina e tento ver até onde consigo chegar sem sair.
Chego na metade do caminho. Nada mal. Meus pensamentos estão lentos
por causa do sol e do álcool, e a água não está fria o suficiente para me
deixar sóbria tão rápido quanto eu esperava. Estou na décima volta quando
uma brisa suave traz uma voz familiar. Eu me viro.
Damiano sai de casa vestido com uma camisa branca impecável, calça
preta e seus habituais sapatos de couro italiano. Seu olhar me encontra
imediatamente, ele olha para mim como se eu fosse um tufo de cabelo que
seu garoto da piscina esqueceu de pescar na água na noite anterior. Acho
que voltamos ao frio. Não deveria haver nada acontecendo dentro de mim
sob aquele olhar examinador, mas em vez disso, algo quente e lânguido se
enrola na boca da minha barriga. Nado até a beira da piscina, coloco as
palmas das mãos no deque e saio da água. Posso sentir seus olhos seguindo
cada movimento meu enquanto pulo sobre as pedras quentes que ardem
nas solas dos meus pés enquanto caminho até as espreguiçadeiras.
Há um homem de terno atrás de Damiano que aparece no meu campo
de visão. Uma boa olhada nele é suficiente para fazer um pouco de sangue
subir às minhas bochechas. Uau, ele é atraente. Estrutura óssea nítida,
sobrancelhas grossas e escuras que parecem estar permanentemente
unidas e olhos azuis penetrantes. Você faz esse tipo de homem sorrir e o
jogo acaba - diga adeus ao seu coração.
Paro em Martina e pego uma toalha para me secar. Ela também está
com o rosto um pouco rosado, seus olhares furtivos na direção do recém-
chegado alto me dizem que talvez ela não seja assexuada, afinal.
— Como está indo o seu dia improvisado na piscina? — Damiano
pergunta à irmã.
— Divertido — ela diz e lhe dá um sorriso.
Sua expressão suaviza por uma fração de segundo antes que ele
perceba o que está na mesa lateral.
Ele tira nossa garrafa de vinho vazia do balde cheio de água. O gelo
derreteu há muito tempo. — Eu posso ver isso. Como você está se sentindo?
Dor de cabeça já está chegando?
Martina se irrita com seu tom. Sinto que ela não gosta que ele a trate
como uma criança na frente de seu lindo convidado. — Claro que não. Esta
não é a primeira vez que tomo vinho.
Seus lábios são finos. — Não é a primeira vez, mas já faz um tempo.
— Tudo está bem.
Ele coloca a garrafa de volta na água e cutuca Martina no ombro. —
Você pegou muito sol. — diz Damiano — Sua pele está prestes a ser
queimada. Talvez seja hora de encerrar o dia.
O homem atrás dele se concentra na impressão digital desbotada
antes de desviar lentamente o olhar. Quando ele percebe que percebi, ele
estreita os olhos para mim como se dissesse que eu deveria limpar minha
memória. Uma onda de gelo passa por mim, mas mantenho seu contato
visual e arqueio uma sobrancelha.
— Eu disse que está tudo bem. — retruca Martina.
Seu tom deixa Damiano surpreso. Ele franze a testa para ela e depois
para mim. — Um dia com minha irmã, e sua atitude já está passando para
ela.
— Melhor a minha do que a sua.
Um músculo em sua mandíbula treme. — Precisamos ter uma palavra.
— Ainda não terminei de me secar. — digo, esfregando a toalha na
barriga.
Ele atravessa a distância entre nós com dois passos longos, agarra a
toalha e a joga fora. — Você terminou agora. Mari, talvez você se lembre do
Giorgio? Vocês se conheceram há muito tempo. Ele lhe fará companhia
enquanto Valentina e eu conversamos. — Ele envolve a palma da mão
quente em volta do meu cotovelo. Deixamos Martina em pânico com o
convidado de cabelos escuros de Damiano e voltamos para casa.
— Se eu achar que o tempo que você passa com minha irmã está
fazendo mais mal do que bem, vou acabar com isso. — diz ele.
Eu solto uma risada. — Você não pode me culpar por sua irmã não
querer ser tratada como uma criança. Ela tem dezoito anos, não oito.
— A idade dela é irrelevante. Mari sempre me escuta.
A irritação pisca dentro de mim. — Não acredito que não vi isso antes.
— Viu o quê?
— Que você é igual ao resto deles. Toda aquela conversa de querer me
fazer sua... É aquele machismo insuportável que todos os mafiosos parecem
possuir. Aqui vão algumas novidades para você: as mulheres da sua vida não
existem apenas para você mandar nelas. Isso inclui sua irmã.
Seu aperto em meu cotovelo aumenta. — Meu relacionamento com
minha irmã não é da sua conta. E pelo que me lembro, você gostava quando
eu mandava em você.
— Estou pingando no seu chão. — informo enquanto atravessamos a
sala, enquanto tento o meu melhor para ignorar o quão bom ele cheira e
como sua mão queima contra minha pele.
— Esse é o menor dos seus problemas.
— Não é um problema para mim. Estou simplesmente apontando um
risco à segurança em sua casa.
Quando chegamos à cozinha, ele manda o cozinheiro embora e me
encurrala contra a parede. Seus olhos brilham quando ele observa meu
corpo quase nu. As pontas dos seus sapatos de couro roçam meus dedos
descalços. — Você está preocupada comigo? — ele pergunta. — E aqui
estava eu pensando que você provavelmente está passando as noites
planejando como me matar.
— Você gostaria que eu passasse minhas noites pensando em você. —
eu digo. Minha voz sai muito ofegante.
Uma gota d'água escorre pelo vale entre meus seios, ele a acompanha
com o olhar. Minha pele ainda formiga por causa do sol, mas a carga elétrica
que corre em minhas veias é toda dele.
Ele mexe a mandíbula, tentando domar algo que quer explodir dentro
dele. Ele parece em conflito.
Então sua palma pousa ao lado da minha cabeça e ele se inclina,
tirando o olhar do meu corpo. Acho que ele poderia me beijar, mas em vez
disso ele pega minha mão e a levanta para estudar as crostas em volta dos
meus pulsos. O fogo em seus olhos diminui.
— Você tirou as bandagens.
— Elas teriam se molhado durante minha natação.
Emoções turbulentas percorrem seu rosto. Muito lentamente, ele
entrelaça nossos dedos e eu paro de respirar. Lá fora, um pássaro canta.
Estou dividida entre querer beijá-lo e querer afastá-lo pela forma
como ele me tratou. A dor floresce dentro do meu peito. Eu contei tudo a
ele. Ele sabe que não tive nada a ver com a captura da Martina. Por que ele
não me deixa ir?
— Por favor, deixe-me ir embora. — eu sussurro.
Ele respira fundo e solta minha mão. — Não.
Coloco as palmas das mãos em seu peito e tento afastá-lo, mas seu
corpo se comporta como se fosse feito de granito. Ele não se mexe.
Ele pega meu queixo e inclina meu rosto em sua direção. Um arrepio
poderoso percorre meu corpo.
— Frio? — Ele olha para o meu biquíni, onde sei que ele encontrará o
contorno nítido dos meus mamilos.
Não posso permitir que ele saiba o efeito que está causando em mim.
— Como venho tentando lhe dizer, estou toda molhada e o ar-condicionado
está ligado.
Ele se inclina para frente e pressiona seu corpo quente contra o meu.
Eu suspiro quando meus seios se conectam com seu peito duro.
— Melhor?
— Não.
Ele passa um braço em volta da minha cintura e coloca a outra mão na
minha nuca. — Como é isso?
Parece que Pop Rocks estão aparecendo por toda a extensão do meu
corpo. — Horrível — eu respiro.
— Mentirosa — ele diz com um sorriso malicioso. Seus olhos brilham
de desejo e o fato de que ele nem se preocupa em esconder isso dessa vez
me diz que ele acha que está ganhando o jogo.
Ele está errado.
— Saia de cima de mim. — eu digo.
— Assim que eu fizer isso, vou levar você de volta para o seu quarto. É
isso que você quer?
Eu mordo meu lábio.
— Ah, então você não quer voltar lá para cima?
— Não. — eu admito.
— Você não gosta do seu quarto? — Ele traça círculos na parte inferior
das minhas costas.
— É uma gaiola. Existem barras literais na janela.
— Pense nelas como sendo para sua própria segurança.
— O que você vai fazer comigo? — Eu pergunto.
Com isso, ele se afasta e olha para mim. — Ainda não sei.
— Quanto mais tenho que esperar?
— Não sei.
Meus olhos se estreitam e a névoa induzida pelo rosé e sua
proximidade desaparece. Estou tão cansada de estar neste limbo. A
incerteza pesa mais sobre mim a cada dia que passa. — Estou pronta para
subir.
Desta vez, quando empurro as palmas das mãos contra ele, ele se
afasta.
Há uma pontada no meu peito. Digo a mim mesma que é só meu
corpo que sente falta do calor físico dele.
Quando estou dentro do meu quarto e ele tranca a porta atrás de
mim, quase consigo me convencer de que é verdade.
CAPÍTULO VINTE E CINCO
DAMIANO

Depois de deixar Valentina descansando em seu quarto, volto para a


piscina e tento esquecer a sensação visceral de suas curvas pressionadas
contra meu peito.
É pior que já a tenha tocado em todo o corpo, porque sei exatamente
quão macia é a sua pele, e como os seus seios cabem perfeitamente nas
minhas palmas. Eu até sei o pequeno som que ela faria se eu puxasse o
pequeno triângulo de seu biquíni alguns centímetros e colocasse seu mamilo
na minha boca.
Por que fui até ela e Mari? Um momento Napoletano e eu estávamos
caminhando para o meu escritório, e no momento seguinte eu estava no
deque da piscina, tentando não gemer audivelmente ao ver aquele corpo
insano emergindo da água.
Acho que deve ter sido o vislumbre de seu cabelo preto e sedoso
através do vidro que me fez mudar de rumo. Eu rosnei alguma coisa para
Napoletano sobre a necessidade de verificar Mari, e ele provavelmente
percebeu isso, o bastardo presunçoso. Nada nunca passa por ele.
Para minha total surpresa, minha irmã começou a assar novamente.
Quando a encontrei amassando massa na cozinha há alguns dias, não pude
acreditar no que via. Durante semanas, tentei convencê-la a fazer alguma
coisa. Qualquer coisa. Ela sempre tinha uma desculpa pronta. Mas um dia
com a nossa prisioneira, e tudo mudou.
Volto para fora e noto que Napoletano e Mari não se moveram nem
um centímetro desde que Valentina e eu saímos. Minha irmã está sentada
com os braços em volta dos joelhos e um livro pendurado em uma das
mãos. Quando ela percebe que voltei, ela me lança um olhar culpado. Ela
deve se sentir mal por ter respondido para mim mais cedo.
Ao lado de sua espreguiçadeira, Napoletano está tão estoico como
sempre, com as mãos nos bolsos, o sol brilhando no mostrador do relógio.
Eles trocaram uma única palavra enquanto eu estava fora? Improvável. Meu
velho amigo não é muito conversador, a menos que seja sobre negócios.
— Terminei. — digo a ele. — Ras está esperando por nós em meu
escritório.
Napoletano acena com a cabeça. Entro, esperando que ele me siga,
mas para minha surpresa, ele recua e diz algo para Mari.
As sobrancelhas da minha irmã se erguem antes que ela enterre o
rosto no livro.
— O que é que foi isso? — Pergunto assim que ele se junta a mim em
casa.
— Estávamos conversando sobre o livro que ela está lendo. — diz ele
com sua voz profunda.
— Que livro?
— Você não leu.
— Como você sabe o que eu li e o que não li?
Sua resposta é uma contração sutil em seus lábios, isso me faz
endireitar os ombros.
— Não responda isso. — eu digo. Ele provavelmente ficou entediado
num domingo e hackeou a câmera da minha biblioteca só por diversão.
Ainda não ouvi falar de um sistema de segurança que seja impermeável a
Napoletano. Ele é o melhor dos melhores. É por isso que ele tem a tarefa de
armazenar grande parte do saque que o clã coletou nas últimas décadas...
joias, belas artes e artefatos históricos de valor inestimável. Eles estão
espalhados por toda a Itália em instalações de armazenamento hiperseguras
projetadas por ele. Se algum dia eu tivesse algo valioso que precisasse
esconder, não duvidaria nem por um segundo que estaria seguro com ele.
Entramos no escritório e nos movemos para ocupar nossos lugares.
Afundo em uma cadeira em frente à Ras. — Você tem a pesquisa que eu
pedi?
Ras pega uma pasta marrom na mesinha de centro ao lado dele. —
Aqui. — Ele joga a pasta para mim.
— Você não deveria deixar rastros de papel. — diz Napoletano — É
assim que os planos são expostos.
Abro a pasta e digitalizo as duas folhas de papel dentro dela. — Quais
planos?
— Seu plano para derrubar o don.
Como ele poderia saber disso? Eu levanto uma sobrancelha para Ras.
— Você contou a ele quando o pegou no aeroporto?
— Eu não contei nada a ele. — diz Ras, parecendo estranhamente
perplexo.
Napoletano estende as pernas à sua frente e as cruza na altura dos
tornozelos. — Você me disse que precisava tornar este complexo à prova de
violação. A menos que você tenha conseguido irritar todos os turistas o
suficiente para tentar invadir este lugar em massa, só há mais uma coisa
com a qual você pode se preocupar.
Ras e eu trocamos um olhar.
— Como você e Sal estão se dando ultimamente? — Eu pergunto.
Nosso convidado tira uma pequena cigarreira de metal de dentro do
paletó e acende um. — Não nos falamos há meses. Eu prefiro muito mais
assim.
Interessante. Se Sal está ficando paranoico como Ras e eu
suspeitamos, por que ele não pediria reforços ao segurança mais esperto do
clã?
— E seu pai? Ele ainda anda pelas ruas de Nápoles todos os domingos?
A fumaça sai de sua boca. — Meu pai fará sua caminhada de domingo
até o dia de sua morte.
4
Esse é o destino dos Submarines do clã, os homens encarregados de
entregar estipêndios aos membros de nível inferior do sistema. O pai de
Napoletano está nesse cargo há quase vinte anos, o que o torna um dos
Submarines mais antigos do clã. Eles não têm muito poder, mas geralmente
têm o melhor controle sobre quaisquer rumores que circulam por aí. — O
que ele ouviu?
Napoletano dá outra tragada no cigarro e olha pela janela. — Os capos
estão ficando nervosos. Há rumores de que Sal ordenou o ataque ao cortejo
fúnebre de Forgione na semana passada.
— O atentado que matou o filho do morto? — O tom de Ras é
incrédulo. — Por que ele faria isso? Os Forgiones não são um problema há
anos.
— Algumas explicações possíveis, mas nenhuma delas é razoável. Não
é o comportamento de um homem racional. Ele não confia em ninguém
hoje em dia.
— Nem mesmo você? — pergunto, embora já saiba a resposta.
— Ele nunca confiou em mim. Ele tende a não gostar dos homens
cujas mães ele matou. — Nossos olhos se encontram e uma compreensão se
solidifica no ar entre nós. Ele quer se vingar de Sal tanto quanto eu, e assim
como eu, ele está ganhando tempo.
Limpo uma partícula de poeira da minha mesa. — Você sabe por que
não tentei sair de Ibiza todo esse tempo?
Napoletano assente. — Sua irmã.
— Achei que ser capo aqui e ficar longe do Casal a manteria segura.
Acontece que esse não é o caso. Ele ordenou um ataque a Martina.
Uma nuvem escura passa por sua expressão. — Quando? — ele
morde.
— Mês passado. Ela conseguiu fugir com a ajuda daquela mulher que
você viu na piscina.
Napoletano olha para Ras. — Aquela que você me pediu para analisar
o sistema há alguns dias. Valentina Garzolo.
— Sim. — eu digo. — Ela nos deu informações suficientes para
confirmar que Sal era quem estava por trás disso. — Resumi nosso
conhecimento sobre o que aconteceu, quando termino, um silêncio
pensativo cobre a sala.
— Ficar à margem não é mais uma opção depois desta escalada. —
digo. — Estou pronto para recuperar o que sempre deveria ter pertencido a
mim.
Napoletano pega o cinzeiro da minha mesa e apaga o cigarro. — Você
decidiu confiar em mim então.
— Sabemos que você não é um homem que perdoa. — diz Ras.
Esperamos que ele expresse seu compromisso. Sem Napoletano isso
será muito mais difícil.
— Faço trinta e dois anos este ano. — diz ele finalmente, tirando um
pedaço de fiapo da perna. — Minha mãe morreu quando eu tinha quinze
anos. Às vezes digo a mim mesmo que é hora de seguir em frente. Não
consigo nem lembrar como era ser amado por ela. Mas lembro-me da raiva
ardente quando vi o corpo dela e da promessa que fiz de fazê-lo pagar.
— Conheço bem o sentimento. — digo.
Ele segura meu olhar e acena com a cabeça. — É hora de mudar. Vou
te ajudar.
A tensão na sala diminui.
Entrego a ele a pasta contendo detalhes sobre nossa segurança no
complexo. Ele folheia. — Vou auditar sua configuração aqui e dar a Ras uma
lista de sugestões. — diz ele antes de colocar a pasta debaixo do braço. —
Quando voltar a Nápoles poderei começar a plantar sementes. Você
precisará dar-lhes tempo para crescer.
— Não apenas o tempo. Precisamos dar fertilizante a elas. — digo. —
Preciso demonstrar às famílias que posso liderar-nos melhor que o Sal.
— Você não pode fazer isso quando é seu cavalo de batalha. — diz
Napoletano. — O fluxo de dinheiro de Ibiza precisa parar.
— Se pararmos de pagar, ele dirá aos seus fornecedores para pararem
de entregar as mercadorias. — diz Ras — Nossa receita será cortada pela
metade durante a noite.
Ainda teremos os negócios legítimos – restaurantes, hotéis, clubes –
mas eles precisam de clientes. E isso vai acabar assim que se espalhar a
notícia de que de repente é difícil encontrar drogas em Ibiza.
Só há uma coisa que podemos fazer. — Precisamos encontrar um novo
fornecedor. Cortar Sal completamente.
— Isso significaria o início do seu fim. — diz Napoletano. — Se os seus
fornecedores descobrirem que ele não consegue controlar o seu capo mais
rico, perderão a confiança. É apenas uma questão de tempo até que o
abandonem e concordem em trabalhar diretamente com você.
— Temos que encontrar o parceiro certo. — murmuro. — Sal está
muito bem relacionado com os marroquinos e os argelinos. Eles não vão se
voltar contra ele até que eu prove meu poder. Eu tenho que ir mais longe.
Os colombianos? Mas por que eles apostariam em mim, especialmente
quando eu só preciso do suprimento deles até que os fornecedores de Sal se
voltem contra ele? Não, preciso de uma solução temporária.
— Você tem uma perto da piscina. — diz Napoletano — O principal
negócio dos Garzolo é a cocaína.
Um pressentimento desliza pela minha espinha.
— Você pode passar pelos americanos. — diz ele enquanto minha
pulsação fica mais alta em meus ouvidos. — Peça a eles algumas remessas
para ajudá-lo. Eles concordarão porque você tem algo que eles querem.
— Valentina — diz Ras.
O nome dela parece totalmente errado saindo de sua boca. Como vou
trocar tudo dela quando nem gosto de ouvir ninguém além de mim
pronunciar o nome dela?
Mas não consigo encontrar nenhuma falha na sugestão de
Napoletano. Funciona e está limpa. Mandá-la para o pai me dará o que
preciso para dar xeque-mate em Sal, quando terminar, terei uma infinidade
de maneiras de fazer Garzolo pagar pelo que fez a Martina.
É um caminho claro para tudo que sempre quis.
Quase tudo.
Levanto-me do meu assento. — Se o pai dela a quiser de volta, ele
encontrará uma maneira de conseguir tudo o que precisamos.

Desde o momento em que descobri quem realmente era Ale Romero,


soube que havia uma boa chance de usá-la como alavanca, mas esse
conhecimento não ajuda em nada a aliviar o peso que sinto ao sair do
escritório.
É o plano perfeito. Tão simples que no papel parece fácil demais, mas
de alguma forma parece a coisa mais difícil que já fiz.
Meus pés me levam até o quarto de Valentina. Não sei por que estou
indo até ela. Duvido que compartilhar a notícia de que pretendo quebrar
minha promessa amenize o golpe, mas por algum motivo, quero fazê-lo de
qualquer maneira. Passamos todo o tempo que nos conhecemos mentindo
um para o outro. A verdade não será doce, mas pelo menos será real.
Tiro do bolso a chave do quarto dela e a coloco na fechadura. Ela vai
chorar quando eu contar o que pretendo fazer com ela. Cazzo. Suas lágrimas
me fazem sentir o homem mais miserável do mundo.
Quando entro, ela não está lá. O chuveiro do banheiro está ligado e o
vapor escorre lentamente por baixo da porta. Vou até a janela que ela tanto
odeia. Há alguns veleiros na água, mas quase não há vento e eles se movem
lentamente. Observo-os navegar por um longo tempo, ainda assim, a água
do chuveiro corre. O que ela está fazendo lá?
Mais alguns minutos se passam e decido ver como ela está. Pelo que
sei, ela está tentando se afogar. O pensamento me impulsiona para o
banheiro.
Vejo sua silhueta através do vidro fosco e me aproximo.
Ah, lá está ela.
Minha boca fica seca quando percebo o que ela está fazendo.
Ela está pressionada contra uma das paredes do chuveiro, com as
pernas bem abertas, uma mão na barra de segurança e a outra segurando o
chuveiro em sua boceta. Seus olhos estão bem fechados. Observo seus
lábios se abrirem em um gemido que é engolido pelo som da água corrente.
Cada gota de sangue dentro do meu corpo corre para o meu pau.
Sinto-me tonto. Não tem nada a ver com o calor opressivo dentro deste
pequeno banheiro, e tudo a ver com ela. Seu abdômen se contrai e ela
agarra a parede enquanto seu orgasmo se aproxima.
Quando sua boca se move, não consigo ouvi-la, mas leio seus lábios.
É meu nome, ela geme.
Um grunhido desumano sobe pela minha garganta. Eu nunca quis
tanto uma mulher em toda a minha maldita vida.
Ela ouve. Seus olhos se abrem e ela me registra ali mesmo. Tento
respirar, mas não consigo. É como se o último pedaço de oxigênio dentro do
banheiro tivesse desaparecido.
Em vez de parar, ela joga a cabeça para trás e termina diante de mim,
seu olhar encapuzado fixo em mim.
— Merda — eu respiro.
Ela treme contra a parede enquanto tento fazer meus dedos
funcionarem corretamente. Nunca odiei camisas de botão antes, mas agora
odeio.
Meus olhos são gananciosos. Eles percorrem seus seios pesados, a
curva de sua cintura, a espessura de suas coxas... Foda-me.
— Por que você está aqui? — ela murmura.
Deixo cair minha camisa no chão e desabotoo o cinto.
— Vim conversar — digo com voz rouca. — Você estava demorando
muito.
Seus dedos apertam a barra de segurança. — Você deveria ir embora.
Minhas calças saem. — Se você acha que sou capaz de sair por aquela
porta agora, você me entendeu errado.
Ela arrasta os dentes sobre o lábio inferior e olha preguiçosamente
para minha cueca boxer.
— Sobre o que você queria conversar? — ela murmura.
Foda-se tudo isso. Não estou pensando nisso agora. Entro no chuveiro,
tiro o chuveiro da mão dela e aperto um botão para redirecionar a água. Ela
cai sobre nós, encharcando meu cabelo e deixando gotas em seus cílios
grossos e escuros.
Ela olha para mim, desejo e dúvida brincando em seu rosto. Eu a quero
tanto que ficarei feliz em cair de joelhos e implorar se isso for necessário.
Mas ela não me faz implorar. Ela respira fundo e passa as pontas dos
dedos sobre minha boxer molhada, tocando a parte de baixo do meu pau.
Quase desmaiei. Batendo as palmas das mãos contra a parede ao lado de
sua cabeça, eu me inclino em seu espaço.
— Você disse meu nome. — eu digo enquanto arrasto meu nariz
contra sua orelha. — Você imaginou que era eu lambendo sua doce boceta?
Ela solta um suspiro lento e constante. — Eu imaginei sufocar você
com isso. — Sua outra mão envolve minha cintura e ela arrasta as unhas
pela curva da minha bunda. Faz aparecer manchas brancas nos meus olhos.
— Essa não é uma maneira ruim de gozar. — eu digo sem fôlego
enquanto moo meu pau em seu abdômen.
Ela me empurra e começa a abaixar minha boxer. — Então eu preciso
ter certeza de deixar você com um caso grave de bolas azuis primeiro.
— Você ainda está brava com isso?
— De jeito nenhum. Isso me deu toda a inspiração que eu precisava
para aproveitar ao máximo meus banhos.
— Você está me dizendo que fez isso consigo mesma durante toda a
semana? — Eu pego um punhado de seu cabelo.
— Sim. Da próxima vez que você decidir me deixar isolada, pense
nisso.
Cada molécula de ar sai dos meus pulmões. Nunca mais vou deixá-la
sozinha. Qual é o objetivo? Não vou conseguir fazer mais nada com essa
imagem passando na minha cabeça.
Quando estou completamente nu, deslizo as palmas das mãos pela
parte de trás de suas coxas e a levanto contra a parede. Ela é tão macia que
não parece real. Eu pego um mamilo entre os dentes e chupo até que ela
começa a se contorcer contra mim, sua respiração ficando mais rápida e
menos uniforme.
— Porra. Damiano.
Eu me afasto e capturo seus lábios.
Ela não me deixa aprofundar o beijo. — Eu quero seu pau, não sua
boca. — Ela ofega enquanto tenta se esfregar contra mim.
— Que pena — eu digo enquanto empurro dentro dela. — Você está
recebendo os dois.
Aproveito seu suspiro para roubar o beijo que ela diz que não vai dar.
Ela muda de ideia sobre isso rápido o suficiente. Nossas línguas se
entrelaçam e começo a empurrar dentro dela. Ela me aperta como se
estivesse com medo de que eu desapareça e crava as unhas em meus
ombros. Deus, espero que ela deixe marcas.
A água chove sobre nós e o vapor é tão denso que mal consigo vê-la.
Eu a pressiono com mais força contra a parede e ajusto a temperatura com
uma mão. Ela geme quando a temperatura cai e o ar limpa.
Seus olhos encontram os meus. — Eu te odeio. — ela sussurra sem
qualquer convicção.
O prazer começa a acumular-se na base da minha coluna enquanto
afundo meu pau dentro dela repetidas vezes.
— Você me amarrou e disse que me usaria como quisesse. — diz ela.
Eu mordo seus lábios. — Uh-huh.
— Você me espancou.
— Sim, eu fiz.
— Alimentou-me como um animal selvagem.
Um sorriso surge em meus lábios. — Minha pequena fera.
— Deixou-me em paz até que fiquei tão entediada que comecei a me
foder com raiva e fantasiar com você.
— Eu realmente nunca vou tirar isso da minha cabeça. — murmuro
enquanto mudo meu ângulo.
Seus olhos reviram. — Eu te odeio tanto. — ela ofega. — Por que você
fez todas essas coisas comigo?
— É realmente por isso que você me odeia? — Movo minha mão entre
suas coxas e encontro seu clitóris.
Ela faz um barulho torturado e pisca para mim. — Não.
Meus movimentos ficam mais frenéticos. Mordo o lugar onde seu
pescoço e ombros se conectam. — Então por quê?
Ela me aperta com tanta força que tenho certeza que estou prestes a
desmaiar. Ela está tão perto que posso sentir isso. Não vou me deixar cair
até que ela passe por cima do meu pau.
Seus calcanhares cravam na parte de trás das minhas coxas e ela solta
um suspiro. — Porque eu ainda quero você e odeio isso. Eu odeio tanto isso.
Meu peito parece que está fraturado. Mas então sinto que ela começa
a gozar e deixo de lado o meu controle. Minha semente derrama dentro
dela e estou levitando.
Nesse momento de clareza pós-orgasmo, percebo uma coisa muito
inconveniente.
Eu a reivindiquei como minha.
E eu nunca vou deixá-la ir.
CAPÍTULO VINTE E SEIS
VALENTINA

Eu sei que fiz uma coisa muito ruim. Eu me permiti ficar confusa. O
Damiano que eu quero é um homem que não existe. Ele não é o empresário
inteligente que me seduziu com suas palavras sujas e super inteligência.
Estendo a mão e desligo a água. À medida que caem as últimas gotas,
é como se a realidade tivesse recomeçado.
O mafioso parado na minha frente passa uma toalha grossa na minha
pele. Ele faz isso suavemente, como se estivesse com medo de que eu
pudesse quebrar com muita pressão. Ele não teve escrúpulos sobre minha
fragilidade quando me investiu momentos antes, mas talvez sua própria
realidade também esteja se estabelecendo.
Seus olhos escuros encontram os meus e sei que estou certa. Isto foi
um adeus. Ele vai me mandar para casa e sabe que nunca vou perdoá-lo por
isso. Tudo isso acabou.
É um final amargo e doloroso para algo que nunca esteve destinado a
ser uma história de amor.
Seco as solas dos pés no tapete ao lado do chuveiro e entro no quarto
com ele logo atrás. Quando subo na cama, ele me segue. Ele não teve o
suficiente? Acho que não conseguiria ter outro orgasmo. Ele arrancou todo
o prazer de mim e agora me sinto vazia. Não tenho mais nada para dar.
Quando me deito de lado, ele passa a palma da mão em volta do meu
ombro e me vira de costas. Ele está apoiado no cotovelo, olhando para mim
com as sobrancelhas franzidas.
Aqui está. Ele está prestes a me dizer que vou voltar para Nova York.
— Eu sinto muito.
Fechei os olhos. Por que eu deveria olhar para ele enquanto ele parte
meu coração pela segunda vez?
— Eu não deveria ter machucado você como fiz. — Seus lábios roçam
levemente meus pulsos. — Cada vez que vejo essas marcas em você, tenho
vontade de me jogar de um penhasco.
Uma dor aparece no fundo da minha garganta. Ele está prestes a me
machucar muito pior do que isso.
Ele deixa meus pulsos em paz e passa o polegar áspero sobre meus
lábios. Então ele suspira. — O que você faria se eu deixasse você ir?
Demoro um momento para processar suas palavras. Quando faço isso,
uma sensação estranha enche meu peito. Isso me lembra de quando abri a
gaiola de um pássaro que guardava quando criança e o vi voar para longe.
Eu pisco para ele. Ele espera pela minha resposta, seu olhar firme em
meu rosto.
— Eu iria para algum lugar longe. — eu digo. — Em algum lugar onde
não haja risco de topar com a máfia.
Os cantos de seus lábios se curvam em um sorriso amargo. — Esse
lugar não existe. O alcance do submundo se estende a todos os cantos do
mundo.
Eu me recuso a acreditar nisso. — Tem que haver algum lugar.
— E se não houver? O que você fará se seu pai te encontrar?
Minha boca fica seca. — Eu não posso voltar.
— Então você continua dizendo, mas ainda não me diz por quê. — ele
diz em um tom pensativo.
Pode parecer catártico contar a alguém o que aconteceu no porão de
uma casa que nunca pareceu um lar. Quem eu me tornaria se confessasse
meu maior segredo e minha maior vergonha? Isso me ajudaria a dormir à
noite? Isso me permitiria curar?
É tão tentador descobrir. Mas no último momento, eu me acovardei.
— Você está me pedindo para compartilhar algo muito pessoal. — digo
suavemente. — Eu quase não sei nada sobre você.
— Você me conhece melhor do que a maioria. — diz ele enquanto
traça um círculo ao redor do meu umbigo.
Uma risada amarga me escapa. — É porque você não deixa ninguém
entrar? Você esquece que passei minha vida cercada por made man. Eu sei
como você se relaciona com outras pessoas.
— Como é isso?
— Com uma arma escondida nas suas costas.
Ele respira fundo e balança a cabeça. — O que você gostaria de saber?
Uma oferta. Ele está perguntando o que será necessário para que eu
me sinta em pé de igualdade com ele.
Uma dúzia de perguntas vêm à mente, mas eu as reduzo às poucas
que me revelarão o verdadeiro Damiano. — Qual é o seu verdadeiro negócio
em Ibiza?
Ele mergulha o dedo dentro do meu umbigo. — Imóveis, restaurantes,
clubes e... drogas.
— Os traficantes das boates são seus?
— Todos eles trabalham para mim. — diz ele, movendo as pontas dos
dedos para roçar a parte inferior do meu seio.
— Todos eles?
— Sim. Mesmo nos clubes que não possuo. Ibiza é meu território e
tenho o mandato de mantê-lo assim, custe o que custar. A concorrência é
tratada de forma silenciosa e rápida.
Ele fala baixinho, como se o simples ato de tocar meu corpo fosse
hipnotizante. Uma dor sutil aparece entre minhas pernas quando ele atinge
meu mamilo direito. Tanta coisa para ser drenada. Acho que ele sabe
exatamente como me preencher.
Preciso manter o foco. Quem sabe quantas perguntas minhas ele
responderá? — Seu pai era o don. — eu digo.
— Hum.
— Por que você não é?
Seus movimentos param e a temperatura no quarto cai alguns graus.
Em seus olhos, vejo uma porta sendo fechada, mas no último momento,
algo dentro dele a força a abrir novamente. Ele me lança um olhar pesado,
doloroso e coloca a palma da mão no meu abdômen. — O poder do meu pai
foi tirado dele da maneira típica de Casalese. Para usurpar um senhor
sentado, você deve estrangulá-lo até a morte. Sal Gallo, um tio distante,
assassinou meu pai e começou a governar quando eu tinha onze anos. Para
me tornar don, terei que fazer o mesmo.
Meu coração acelera e sei que ele está perto o suficiente para
perceber. Isto não é um conto de fadas e Damiano não é um príncipe. Ele é
um made man, não é a ideia de cometer um assassinato que o impede de
fazer sua oferta. — Por que você não fez isso?
Ele inclina a cabeça para trás. — Essa é uma pergunta muito
carregada, Vale.
Esta é a primeira vez que ele me chama de Vale em vez de Valentina
ou Ale, e a familiaridade envia um calor que se espalha pelo meu peito. É
como minhas irmãs me chamam.
Ele tira a mão de mim e passa a palma sobre a boca. Posso dizer que
ele está tentando decidir o que deveria me dizer. — Há uma história que se
tornou uma lenda relativamente recente entre os Casaleses. Apresentam-no
às crianças como uma história de amor e traição, mas na minha opinião, é
um conto de advertência. A história é a seguinte. Uma mulher Casalese
amava tanto o marido que não suportava viver sem ele. Um dia, ele foi
assassinado. Quando cinco homens tentaram devolver-lhe o corpo ainda
quente em sinal de respeito, ela os viu pela janela de seu quarto e soltou um
grito de gelar o sangue. Ao passarem pela porta da frente, ela correu até a
cozinha, abriu a despensa e pegou a lata de gasolina sobrando. Ela se
encharcou com isso. Quando o primeiro dos homens entrou na sala, ela
acendeu um fósforo e ateou fogo em si mesma. O fogo matou todos os
homens e queimou o corpo de seu marido. Dizem que encontraram os
restos mortais do homem e de sua esposa um ao lado do outro, embora
ninguém soubesse explicar como eles acabaram assim. Talvez ela tenha
usado seus últimos momentos de consciência para chegar o mais perto
possível do corpo dele. Para que eles pudessem ficar juntos mesmo na
morte.
O ar ao nosso redor para.
Eu engulo o aperto na minha garganta. — A mulher era…
— Minha mãe. — Ele se senta na cama, sob a luz fraca do fim da tarde,
parece mais velho do que realmente é. — A versão que acabei de contar
omite o que considero uma parte importante. É uma pena, realmente. Acho
que isso torna a história muito mais interessante. O que não contam com
muita frequência é que naquela casa com a mulher estavam seus dois filhos.
Um menino de onze anos e uma criança de dois anos.
O horror engrossa o ar dentro dos meus pulmões até que não consigo
respirar. Minha mão alcança a de Damiano, mas ele não me deixa pegá-la.
Homens como ele não sabem aceitar conforto e talvez não seja hora de
ensiná-lo. Eu dou espaço a ele.
— O menino observou sua mãe despejar a gasolina nas sombras da
sala. Os gritos dela o acordaram e ele desceu correndo para ver como ela
estava. O que ele viu na cozinha... Pensou que ainda estava dormindo, tendo
um pesadelo. Quando o fogo começou a se espalhar, ele correu para tirar a
irmã do quarto e eles conseguiram escapar de casa antes que tudo pegasse
fogo. Eles viram toda a sua vida queimar. É uma imagem que nunca se pode
esquecer.
Eu respiro fundo. — Damiano, sinto muito.
Ele balança a cabeça como se pudesse se livrar da tristeza da
lembrança. — Mal me lembro das semanas que se seguiram, mas algumas
imagens se destacam. Sal me convidando para seu novo escritório - o antigo
do meu pai - e deixando claro que a única maneira de minha irmã e eu
permanecermos vivos seria se eu confirmasse que o corpo de meu pai tinha
marcas de estrangulamento para legitimar a aquisição de Sal. Veja, o código
especifica que deve haver uma testemunha viva, caso contrário a
reivindicação será contestada. Uma foto não é suficiente. Todas as suas
cinco testemunhas morreram no incêndio e Mari era muito jovem para falar.
Tive de ficar na frente de todos os capos - homens que me deram presentes
e jogaram cartas comigo - e descrever lhes como estava o corpo do meu
falecido pai. Eu realmente não conseguia me lembrar, então inventei um
monte de coisas.
— Os pais de Ras nos acolheram - a mãe dele é irmã da minha mãe.
Eles convenceram Sal a manter sua palavra e deixar Mari e eu vivermos.
Disseram-lhe repetidas vezes que eu era muito jovem para conter qualquer
raiva. Mas Sal sempre foi paranoico demais para acreditar nisso. Quando
minha perspicácia para os negócios começou a me dar reputação, ele
decidiu me mandar para cá, onde eu ficaria isolado e incapaz de estabelecer
conexões fortes com os outros capos. Eu concordei, porque proteger Mari
sempre foi mais importante para mim do que me vingar.
Meu Deus, ele não se parece em nada com o Papà. Ele colocou sua
família em primeiro lugar, mesmo que isso significasse sacrificar qualquer
chance real de ganhar mais poder. Não importa o quanto eu tente, não
consigo imaginar Papà fazendo algo assim por mim ou por qualquer um dos
meus irmãos.
— É Sal quem está por trás do sequestro de Martina? — Eu pergunto.
— Sim.
— Você soube disso depois que conversamos.
Ele concorda. — Você disse que Lazaro a chamou de ratinha Casalese.
Ratinha é como Sal sempre chamou Martina. Ele deve ter dito isso ao Lazaro
em algum momento.
— Por que Sal faria isso?
— Para ter algo para me manter na linha. Ele tem feito cada vez mais
decisões ruins nos últimos anos, e comecei a denunciá-lo. Ele precisa que eu
continue ganhando dinheiro para ele, mas quer que eu faça isso de boca
fechada.
Pego sua mão novamente e desta vez ele me deixa pegá-la. Nossos
dedos se entrelaçam.
— O que você vai fazer? — Eu pergunto.
— Reivindicar o que sempre deveria ter pertencido a mim. — O olhar
que ele me dá me faz sentir como se estivesse à beira de um precipício. — E
eu quero que você me ajude a fazer isso.
CAPÍTULO VINTE E SETE
VALENTINA

Minha cabeça gira. — Ajudar você como? — Eu nem sinto que posso
me ajudar no momento.
Ele deixa minha pergunta no ar, balança as pernas para fora da cama e
caminha até o banheiro, me dando uma visão de sua bunda esculpida. Eu
gostaria de estar no estado de espírito certo para apreciar isso
adequadamente, mas estou muito abalada com a nossa conversa.
Não consigo parar de pensar naquela fotografia de Damiano e Martina
que vi em seu escritório. Ele me contou naquela época que os pais deles
haviam morrido, mas agora que sei como isso aconteceu, o vínculo que ele
tem com a irmã faz muito mais sentido. Ele salvou Martina do que seria uma
morte certa para alguém da idade dela e passou a vida inteira protegendo-a.
Ela tem sorte nesse sentido, mais do que provavelmente imagina. Na minha
experiência, é raro que as pessoas que deveriam nos proteger realmente
cumpram isso. Meu pai me condenou, minha mãe me abandonou, meu
marido me arruinou.
Ele desaparece atrás da porta e eu caio de volta na cama, esfregando
os olhos com as palmas das mãos. Não posso acreditar no que ele acabou de
me dizer. Sua mãe se incendiou na frente dele. Como ela pôde fazer isso
com seus filhos? Estou dividida entre ter empatia por ela pela dor de perder
o amor de sua vida e culpá-la por não ser forte o suficiente para superar
isso.
Então me lembro de que também deixei a família para trás quando
fugi. Minhas irmãs precisavam de mim. Elas ainda precisam de mim agora?
Damiano sai do banheiro fechando o zíper da calça, a camisa jogada
por cima do ombro. — Aqui está minha proposta. — diz ele, passando os
dedos pelos cabelos molhados. — Preciso que seu pai concorde em ser meu
fornecedor temporário. Minha ideia inicial era usar você como moeda de
troca, mas depois de refletir melhor, identifiquei algumas falhas nesse
plano.
— Que alívio. — murmuro enquanto me sento e puxo o cobertor até o
peito nu.
— Se seu pai souber que estou com você, suspeito que ele irá direto
até Sal e exigirá que ele devolva você. Sal será avisado de que sei que ele
está por trás do sequestro de Mari e fará um movimento ofensivo antes que
eu esteja pronto para responder.
— Pelo menos você não estava planejando contar ao meu pai que me
mataria se ele contatasse Sal.
— Ele saberia que era um blefe. Você é inútil para mim morta.
— Você continua me demonstrando que é um romântico.
Ele desliza os braços pelas mangas da camisa e arqueia uma
sobrancelha. — Eu prefiro mantê-la viva. O que não há de romântico nisso?
Eu solto uma risada. — Então, qual é o seu novo plano?
— Meu novo plano é abordar seu pai com cenouras, em vez de paus.
Diga-me, seu pai dá muitos golpes em outras pessoas?
O fato de ele pensar que sou alguém que sabe disso me faz revirar os
olhos. — Como diabos eu saberia? Esse é um assunto reservado ao
escritório do meu pai, não à mesa de jantar da família.
— Você era casada com seu principal executor. Você conversou com
seu marido sobre o trabalho dele?
Porcaria. Eu fiz o trabalho dele para ele. Olho para minhas mãos. —
Um pouco.
— Quem eram seus alvos?
Lazaro não levou todo mundo para o porão. Eu não sabia quais eram
seus critérios. Eu nunca perguntei. Meu palpite é que foi baseado no humor
dele e se ele achava que eles mereciam. Mas das pessoas que vi…
— Principalmente associados do clã que roubaram ou foram contra o
clã. Alguns contatos fora do clã que causaram problemas ou não cumpriram
suas obrigações. Provavelmente membros de outros clãs de Nova York
quando houve algum tipo de disputa.
— Mas nunca resultados aleatórios. — diz Damiano.
— Eu não diria nunca. Quer dizer, não tenho ideia. Mas com base no
que... Lazaro me disse, não. Ele era um executor, não um assassino de
aluguel.
— Então deve haver uma boa razão para seu pai concordar com o
pedido de Sal. O que você acha que pode ser, Vale?
— Eu não sei. — eu digo.
Damiano balança a cabeça. — Pense.
Eu estreito meus olhos para ele. — O que você acha que estou
fazendo?
— Você ouviu ou viu algo que parecia fora do comum? Qualquer coisa
que parecesse... estranha?
Uma memória se encaixa. O chá de panela. Esse dia parece ter sido há
muito tempo, mesmo que tenha sido apenas um pouco mais de um mês.
Saio da cama e visto minhas roupas enquanto Damiano me observa
atentamente. — Eu não vi nada, mas minha irmã… — Gemma disse que
Papà aumentou a segurança. O que mais ela disse?
— Sua irmã? — Ele pergunta quando estou vestida.
Em vez de responder, vou até a janela. Sim, alguns comentários
estranhos foram feitos naquele dia. Comentários que não significaram muito
para mim, mas talvez significassem algo para Damiano, como o que Lazaro
me disse sobre Martina significou algo para ele.
Eu tenho algo com que negociar. Ele decidiu não contar ao meu pai
que me tem, mas onde isso me deixa?
Eu me viro e achato minha expressão. — Se eu lhe contar o que sei,
você me devolverá minha liberdade?
Seus olhos brilham com uma espécie de diversão irritada. — Ah,
estamos de volta a este jogo.
— Serei capaz de sair daqui?
— Eu estaria disposto a deixar você vagar pela casa.
— Isso não foi o que eu quis dizer. Você vai me deixar sair?
— Ainda não. — ele diz sem rodeios.
— Por que não?
— Porque você não tem um plano. As chances de você ser pega pelos
homens de Sal quando tentar sair desta ilha são excepcionalmente altas.
— Seu Don não me pegou quando cheguei aqui.
— Provavelmente porque seu pai não tinha intensificado a busca
naquele momento e chamado reforços. Você não teria tido tanta sorte se
tivesse esperado mais um dia.
— Eu vou aproveitar minhas chances.
— Vale, você não vai durar um dia.
— O que mais devo fazer?
— Fique aqui.
— Como sua prisioneira? Não, obrigada.
— Não como minha prisioneira. Como minha convidada. Quando eu
for o novo Don Casalese, você estará sob minha proteção.
Suas palavras me enfurecem tão rapidamente que não paro para
escolher as palavras com cuidado. — Isso de novo não. Vivi toda a minha
vida sob a proteção de um don poderoso. Adivinha? Isso me protegeu de
nada. Aprendi muitas lições importantes com meu pai, e minha favorita é
que homens como você fazem promessas que não têm intenção de cumprir.
São mentiras. Todas elas, sem exceção. Nunca mais colocarei minha vida nas
mãos de um don.
Posso ver que minha explosão é inesperada. Sua pele perde um pouco
da cor e sua expressão escurece. — Eu não sou seu pai. Você não vai me
contar o que ele fez com você, mas sei que nunca voltaria atrás em uma
promessa que fiz à minha filha.
— Isso é porque você ainda não tem uma filha. — respondo.
— Não, mas Martina é praticamente uma filha para mim e fiz tudo que
pude para mantê-la segura.
O que posso dizer sobre isso? Damiano suspendeu suas ambições por
mais de uma década para proteger sua irmã. Papà nunca faria um sacrifício
como esse por mim.
Mas Martina é do sangue dele, e eu não.
— E se eu quiser ir embora quando você se tornar o Don? Você vai me
deixar?
Seus ombros caem e há uma torção sombria em sua boca. Posso ver
que ele odeia a ideia, essa constatação faz algo quente se instalar dentro do
meu peito.
— Não vou mantê-la aqui contra a sua vontade. — ele diz finalmente.
Seria fácil para ele mentir para mim, mas de alguma forma, sei que ele
está dizendo a verdade.
Ele termina de abotoar a camisa. — Pense nisso esta noite e me dê sua
resposta amanhã.
Uma noite não é tempo suficiente, mas eu aceno e ele vai embora.
O quarto de repente parece muito vazio. Eu me sinto muito vazia.
Meus cotovelos encostam-se na cama e jogo a cabeça para trás para
olhar para o teto. Há muito em que pensar.
Os detalhes daquele dia com Gemma lentamente começam a voltar à
minha mente. Teve também aquela conversa com o Tito no carro. Papà
tinha Tito, Lazaro e Vince trabalhando para outra pessoa... Sal? Deve ser.
Mas como isso está relacionado com o aumento da segurança da família? Do
que ele tinha medo?
Gemma sempre se interessou mais pelos assuntos comerciais de Papà.
Quando ela era mais nova, ela escutava do lado de fora da porta do
escritório dele, mas nunca me contava o que ouviu quando eu perguntava.
Naquela época, pensei que ela gostava de guardar segredos. Agora, me
pergunto se ela foi capaz de perceber, mesmo naquela idade, que eu
realmente não queria saber. Preferia pensar em Papà como um protetor
valente, em vez de um bicho-papão, mesmo que este último estivesse muito
mais próximo da verdade.
Quando chega a noite, um guarda me traz o jantar. Descubro que
estou com muita fome, quando penso no porquê disso, imagens de Damiano
todo molhado no chuveiro fazem um calor subir ao meu peito. Bebo o
gaspacho frio e devoro a tortilla espanhola. Quando termino a sobremesa –
uma fatia de cheesecake incrivelmente cremoso – finalmente estou
satisfeita.
E se Damiano me protegesse com a mesma devoção que tem por
Martina? Eu ficaria então? Claro, esse não é um cenário realista. Ele pode
me querer fisicamente, mas ele não me ama. De jeito nenhum eu seria
alguém realmente importante para ele. Mesmo que ele pretenda cumprir as
suas promessas agora, há sempre sacrifícios a serem feitos pelo poder no
nosso mundo. Não há garantia de que um dia eu não seria um deles.
Ainda assim, que opções eu tenho? Se eu não cooperar com ele como
ele quer, o que acontecerá? Ele ainda pode mudar de ideia sobre as
cenouras e voltar aos palitos.
Não, recusar não é uma opção.
Direi a ele o que sei e então, quando ele for o don, irei embora.
CAPÍTULO VINTE E OITO
DAMIANO

Digo a Ras que decidi não devolver Valentina ao pai dela quando nos
sentamos para almoçar no terraço na manhã seguinte.
Quando termino minha explicação, ele coloca os talheres no prato e
cruza os braços sobre o peito. — Isso não vai funcionar.
— Por quê? — Eu pergunto. Faz todo o sentido para mim.
— Porque ela não sabe de nada. A frase sobre a irmã foi apenas uma
estratégia para ganhar mais tempo.
— Não foi.
Ele revira os olhos. — Mio Dio, você perdeu a cabeça por causa dela.
Quando você vai admitir isso?
— Admitir o que, exatamente?
— Que você está apaixonado por ela.
Minha boca fica seca e algo brilha dentro do meu peito. — Isso é um
absurdo.
— Quando ela ainda trabalhava no Revolvr, você começou a passar
muito mais tempo lá. Tudo para que você pudesse estar perto dela.
— Eu tinha trabalho a fazer.
— Você estava conversando com ela ou sonhando acordado com ela
em seu escritório.
— Como você saberia com o que eu sonho? — Eu retruco, não
querendo fazer uma pausa e refletir sobre a verdade em suas palavras.
Ras balança a cabeça. — Pensei que você seguiria em frente depois
que percebemos quem ela era, mas você acabou de se aprofundar cada vez
mais. E agora isso. Você quer trazê-la para o nosso plano. Um plano que
exige que eu, Napoletano e muitos outros homens coloquemos suas vidas
em risco. Você sabe que vou segui-lo até os confins da terra, mas você não
vai ganhar muito respeito dos outros capos se eles virem sua estratégia para
assumir o controle, já que Don tem seu pau como bússola.
Suas palavras acendem o estopim da minha raiva, mas respiro fundo e
apago antes que exploda. — Eu percebi quem ela era. A mulher que salvou
minha irmã. Isso faz dela alguém digna de respeito, meu e seu.
Ele ri. — Oh, eu a respeito. Muito. Ela fez o impossível. Ela deixou você
de joelhos.
Minha mão aperta o garfo. — Então talvez seja respeito por mim que
você está perdendo.
— Você sabe que isso é besteira. — Ele solta um suspiro. — Maldição,
Dem. Você sabe que eu quero que você seja don. E não apenas porque você
é um irmão para mim, mas porque, diferentemente de Sal, você é um
verdadeiro líder.
— Então tenha um pouco de fé. Ela não estava mentindo. Ela sabe de
alguma coisa. — Uma cintilação no monitor de segurança preso à parede
chama minha atenção para ele. — Os guardas acabaram de deixar entrar um
carro. Você está esperando alguém?
As sobrancelhas de Ras se juntam. — Não. É Mari?
Ando até a tela e dou um zoom no carro enquanto a apreensão invade
meu estômago. — Ela está no Mercedes com o motorista. Ela só deveria
voltar de sua viagem de compras dentro de algumas horas. Essa é uma BMW
branca. Por que os guardas deixariam alguém passar sem verificar com
você?
Ele vem ficar ao meu lado no momento em que o carro estaciona em
frente à casa. Observamos enquanto a porta se abre.
Ras pragueja. — São os Pirozzi. Nelo e Vito.
— Que porra é essa.
— Eles têm que estar aqui por ordem de Sal. É a única razão pela qual
o guarda os deixou passar. — O telefone de Ras toca e ele atende. — Fale.
Nem dois segundos depois, Ras desliga. — O guarda acabou de
confirmar.
— Diga ao motorista de Martina para não voltar até que lhe digamos
que está tudo limpo. — digo enquanto pego minha arma no armário mais
próximo e verifico se está carregada. — Eu vou cumprimentá-los. Fique aqui,
a menos que você ache que preciso de reforços.
Enquanto caminho até a porta da frente, a campainha toca. É um bom
sinal que eles a usaram em vez de invadir. Enfio a arma na frente da calça e
abotoo a jaqueta. Não sei por que estão aqui, mas prefiro não começar uma
guerra hoje. Ainda não estamos prontos para isso. Preciso ganhar tempo, o
que significa apaziguar seja lá o que for.
Eles estão parados do outro lado da porta com dois sorrisos de merda.
5
— Ciao, cugino . Estávamos com medo de que você não estivesse aqui
hoje. — diz Vito.
— Meu carro está bem ali. — eu digo, apontando para a Mercedes que
eles estacionaram ao lado. — Você achou que eu fiz uma longa caminhada
para contemplar a paisagem ou algo assim?
Nelo ultrapassa a soleira. Sua colônia está tão espessa que meus olhos
quase começam a lacrimejar.
— Você tem muito que contemplar hoje em dia. — diz Vito enquanto
passa a mão pelo cabelo com gel.
— Mesmo que sempre. O negócio não funciona sozinho.
— Martina está aqui? — Ele pergunta enquanto passa por mim.
Gelo pinga na minha corrente sanguínea. Por que diabos eles estão
perguntando sobre minha irmã? — Não.
Entramos na sala, onde Nelo se dirige imediatamente ao bar para se
servir de uma bebida, e Vito segue os cheiros que vêm da cozinha. A
cozinheira está preparando nosso almoço lá.
6
— Isso é spezzatino di manzo ? — Vito exclama com alegria
exagerada. — Cheira melhor do que o que minha mãe faz.
Paro atrás dele e faço um gesto para a cozinheira que ela deveria sair.
Seus olhos se transformam em pires, mas ela consegue dar um sorriso tenso
para Vito. — Isso é. Quase pronto. Só preciso deixar ferver por mais cinco
minutos.
— Faça uma pausa, Angela. — digo a ela, e ela não hesita em tirar o
avental e desaparecer pela porta dos fundos.
— Acho que ficaremos para almoçar. — diz Vito, me dando um tapa no
peito enquanto volta para a sala. Meus punhos cerram. Eu os forço a abrir.
Eles ficam confortáveis no sofá. Nelo está tomando o que parece ser
uma dose dupla de uísque enquanto estuda o lustre acima de sua cabeça. —
Essa é uma peça linda.
Sento-me na poltrona. — É de Murano.
— Trabalho deslumbrante. Meus copos são de lá. O don me
recomendou a mesma loja onde ele comprou todos os seus artigos de vidro.
Vito apoia o tornozelo no joelho e sorri. — O don é um cara muito
generoso.
— Ele realmente é. Não é, Damiano? Veja tudo isso. — Nelo abre os
braços. — Ele deu tudo isso para você.
Eu não me incomodo em corrigi-lo. Sal não me deu nada. Aumentei o
investimento inicial que o pai de Ras me deu em uma fortuna, foi só depois
de provar meu valor que Sal insistiu em me dar mais capital para investir. Fiz
um favor a ele pegando seu dinheiro e aumentando-o ano após ano.
— Por que vocês estão aqui? — Eu pergunto. Mesmo minha paciência
não é infinita.
Nelo toma um gole de sua bebida. — Lembra o que aconteceu comigo
no Revolvr? Você sabe, realmente não foi grande coisa. — Ele levanta a mão
e me mostra a ferida. — Está quase curado. Eu estava pronto para seguir em
frente e esquecer isso, mas de alguma forma isso voltou para o don...
— Eu me pergunto como isso aconteceu.
— Nenhuma ideia. Suponho que ele tenha olhos por toda parte.
Não tenho dúvidas de que o próprio Nelo lhe contou. Esses dois são os
olhos do Don em Ibiza.
— Ele não estava feliz. — diz Vito encolhendo os ombros. — Ele disse
que quando alguém nos insulta, é como se o estivessem insultando.
— E Sal não gosta de ser desrespeitado. — acrescenta Nelo.
Eles estão demorando para cuspir isso. — O que vocês querem?
O brilho preventivamente triunfante nos olhos de Nelo me deixa em
alerta máximo. — Tive algum tempo para refletir sobre toda a diversão que
tive e acho que já tive o suficiente para algumas vidas. — diz ele. — Estou
pronto para me estabelecer. O don aprovou a ideia. Ele sugeriu que Martina
poderia ser uma boa esposa para mim.
Meus dedos cravam com tanta força nos braços de madeira que sinto
minhas unhas quebrando. O vermelho preenche minha visão. Como ele ousa
sugerir uma coisa tão vil?
Sal ainda está tentando colocar minha irmã sob seu controle. Ele acha
que vou entregá-la a eles depois que a tentativa de sequestro fracassou? Ele
está vivendo na terra da fantasia. Martina nunca será esposa de Nelo. Vou
arrancar a garganta dele antes de deixar esse idiota tê-la.
O que quer que os dois vejam no meu rosto os faz sentarem-se mais
eretos. Vito faz um movimento sutil com a mão, aproximando-a da arma
escondida nas costas. Minha própria arma queima em meu abdômen.
— Ela é sua prima. — eu digo. — Mesmo para você, isso é doentio.
— Somos parentes pela nossa tataravó. — diz ele enquanto coloca o
copo vazio na mesinha de centro. — Vamos lá. Você sabe que isso mal
conta.
— Martina não está procurando um marido.
— Por que não? Ela tem quase dezenove anos.
— Solteira. — diz Vito.
— E linda — acrescenta Nelo — Eu posso vê-la aquecendo meu...
Se ele terminar essa frase, arranco-lhe a língua.
ESTRONDO.
Vito estremece na cadeira. — O que é que foi isso? — ele pergunta,
olhando para as escadas.
Nelo arqueia uma sobrancelha para mim. — Tem mais alguém aqui?
Deve ter vindo do quarto de Vale. Eu cerro os dentes. O que diabos ela
está fazendo lá?
— Achei que você tivesse dito que Martina não estava em casa. — diz
Nelo, olhando para mim enquanto se dirige para a escada.
Eu me levanto e bloqueio seu caminho. — Não é Martina.
— Quem é então?
Cazzo.
— Dê-me um momento — eu mordo. — Tenho um convidado
hospedado comigo.
Sem dar chance a Nelo de me fazer mais perguntas, subo as escadas e
entro no quarto de Valentina.
Ela está de pé ao lado da cama, a bandeja do café da manhã quebrada
a seus pés. Ela está vestindo as roupas de Martina: um short de elastano e
uma camiseta branca. Seus olhos disparam para mim. — Ela escorregou da
cama.
Tranco a porta atrás de mim. — Escute-me. Nelo e Vito estão aqui
farejando. O don os enviou. Você vai descer comigo. Você não sabe nada
sobre quem eu realmente sou, entendeu? Você é apenas uma funcionária
que está dormindo comigo.
Seus lábios se abrem em choque. — O cara que eu esfaqueei está
aqui?
Pego um dos suéteres da minha irmã do chão e jogo para ela. — Põe
isto. Sim. Você ouviu o que eu disse?
— Estamos dormindo um com o outro, entendi. Por que eu tenho que
ir até lá?
— Porque eles ouviram o estrondo. — Eu a agarro pelos cotovelos. —
Não temos tempo para explicações. Apenas siga meu exemplo.
Ela acena com a cabeça e saímos do quarto.
Nelo está esperando ao pé da escada, exatamente onde o deixei, e a
surpresa em seu rosto ao ver Valentina comigo é imperdível.
— Você. — A palavra é uma acusação.
— Eu — Valentina responde.
Quando ele não se move para nos deixar passar, eu lhe dou um olhar
irritado. — Você estava tão curioso para saber quem estava no meu quarto
que pensei em mostrar a você.
Uma veia proeminente aparece em seu pescoço. — Vito, você sabe
quem é?
— Quem? — seu irmão grita de onde ele ainda está sentado no sofá.
— A garçonete que me esfaqueou. — diz ele — Aparentemente, ela
também é a nova namorada de Damiano. — Sua expressão escurece
enquanto ele se afasta.
— Deixe-me vê-la. — diz Vito, vindo até nós. — Ah, que beleza. Não
admira que você pareça tão impaciente para se livrar de nós, cugino. — diz
ele. — Eu também estaria se a tivesse na minha cama.
Valentina mantém a cabeça erguida enquanto Vito olha para ela. Uma
vontade de arrancar seus olhos se solidifica em meu estômago. Eu passo
entre eles.
Por um momento, todos ficam em silêncio. Então Vito funga alto. — O
spezzatino cheira como se estivesse pronto. — Ele inclina a cabeça para
Vale. — Por que não vamos verificar isso?
— Vamos todos — diz Nelo, seu olhar passando entre Valentina e eu.
— Gostaria de conhecer um pouco melhor a nova paixão de Damiano.
Nossas duas reuniões anteriores foram interrompidas, você não acha?
Valentina fica quieta, mas quando Vito começa a ir para a cozinha, eu
a cutuco para me seguir. Não quero nenhum deles fora da minha vista.
Nós três nos sentamos nos bancos de madeira ao redor da ilha da
cozinha enquanto Valentina vai até a panela.
Não gosto da maneira como Nelo olha para ela. É claro que ele está
longe de superar sua lesão embaraçosa, e homens como ele lidam com o
constrangimento de uma maneira.
Violência.
— Ale, é isso? — ele pergunta na nuca de Vale.
— Sim — ela diz sem se virar. Ela pega uma colher de pau que a
cozinheira deixou na bancada e mistura o ensopado.
Ele direciona sua próxima pergunta para mim. — Ela está morando
com você?
Eu sei onde ele está tentando chegar. Ele quer saber se Vale é
importante para mim, o que significa que tenho que mostrar a ele que ela é
tudo menos isso.
— Ela passou a noite.
— Você não traz muitas mulheres de volta aqui, traz? Você deve
realmente gostar desta.
— Só porque você não consegue convencer nenhuma mulher a voltar
com você para sua casa, não significa que outras pessoas tenham esse
problema.
Vito dá uma risada, mas cala a boca rapidamente quando Nelo olha
para ele.
Vale abre vários armários antes de encontrar aquele que contém as
tigelas. Ela pega quatro e começa a despejar o ensopado dentro delas com
uma concha.
— Você está mais quieta do que antes. — observa Nelo. Seu olhar
mergulha em sua bunda, isso me faz querer estrangulá-lo. — O ato sexual de
Damiano foi tão deprimente?
Seus ombros caem. Ela se vira e traz a primeira tigela para mim.
— Obrigado. — eu digo.
— De nada.
O rosto de Nelo fica vermelho. — Você está me ignorando.
Lanço a Vale um olhar cauteloso. Não há insulto pior para um homem
com um ego como o de Nelo do que ser ignorado.
Ela serve a próxima tigela para Vito. — Tenha cuidado, está muito
quente.
— Claro — ele diz.
Uma veia na têmpora de Nelo se contrai enquanto ele observa
Valentina voltar para o fogão. Espero que ele tenha decidido ficar quieto
para se salvar de mais humilhações, mas sei que isso é uma ilusão.
Quando ela se aproxima dele, a tensão na cozinha atinge um nível
febril. A tigela cai na ilha de madeira com um som suave. Ela coloca uma
colher ao lado.
Nelo olha para o ensopado e cantarola alto. — Parece suculento.
Assim como sua bunda gorda, bella. — ele diz enquanto coloca a mão no
traseiro de Vale e aperta.
Forte.
Forte o suficiente para fazê-la estremecer.
Forte o suficiente para fazê-la ofegar de dor.
A cozinha ao meu redor começa a tremer.
Não há como segurar neste momento.
Vacilo. Suspiro.
Isso desencadeia um inferno de raiva.
Eu me movo tão rápido quanto um raio. Minha tigela e todo o seu
conteúdo fumegante acabam na cara de Vito. Ele grita por causa da
queimadura. Bom. Espero que ele fique cego.
Nelo dá um pulo, pegando sua arma. De repente, Ras está lá,
empurrando Vale para fora do caminho e tirando a arma de Nelo de seu
alcance.
Puxo Nelo pelo pulso e bato com a mão que tocou Vale na ilha. A
crosta escura olha para mim por um momento antes de eu cobri-la com o
cano da minha arma.
— Eu realmente pensei que você tivesse aprendido a lição na primeira
vez que a insultou.
Seus olhos selvagens encontram os meus. — Você é maluco. Que
merda...
Vacilo. Suspiro.
Eu puxo o gatilho.
CAPÍTULO VINTE E NOVE
VALENTINA

A última vez que ouvi uma arma disparar foi quando atirei no meu
marido. Lembro-me do silêncio que se seguiu enquanto Martina e eu
olhávamos para seu corpo inconsciente e para a crescente poça de sangue.
Desta vez, o silêncio é substituído por gritos.
Gritos que desencadeiam uma série de outras memórias. Nelo, em
particular, soa exatamente como aquele homem mais velho que Lazaro
comprou para mim. Meu quarto. Ele estava tão barulhento. Era como se ele
pensasse que quanto mais alto falasse, menos doeria.
Quando meu olhar passa pelo buraco na mão de Nelo, começo a
vomitar.
Damiano está com a arma apontada para a cabeça de Nelo. — Tire-a
daqui. — ele grita com Ras.
Ras faz um movimento em minha direção, mas eu balanço a cabeça.
Ele precisa ficar aqui. Vito ainda está enrolado em posição fetal,
choramingando no chão com restos do ensopado grudados no rosto, mas a
dor acabará desaparecendo. Damiano não deveria estar aqui sozinho com os
dois.
— Estou bem. — digo a Ras e saio da cozinha.
Não paro de me mover até voltar ao meu quarto. Pela primeira vez,
gostaria de poder trancar a porta por dentro. As louças quebradas de antes
ainda estão espalhadas pelo chão, quando piso em um caco, uma dor aguda
atinge meu pé. Porcaria.
Afundo no chão e coloco o pé no colo. O pedaço de vidro está alojado
dentro, mas posso dizer que é apenas um corte raso.
O mesmo não se pode dizer de Nelo.
O que Damiano vai fazer?
Ele disse que eles estavam aqui farejando em nome do don, se o clã
deles for parecido com os Garzolos, atirar em um dos homens do don é uma
grande proibição. Dado o que sei agora sobre o relacionamento entre
Damiano e Sal, esta pode ser toda a desculpa que Sal precisa para lidar com
seu problema com Damiano de uma vez por todas. Tanta coisa para evitar
uma escalada.
Ele simplesmente colocou em risco todo o seu plano por... mim.
Ele me defendeu.
Pode ser a primeira vez que alguém da máfia realmente se importa
com o meu desconforto. Não deveria ser bom que ele se importasse o
suficiente comigo para fazer o que fez?
Mas não parece bom. Meu estômago revira.
Estou começando a acreditar que Damiano realmente poderia me
oferecer proteção, mas essa proteção seria desperdiçada comigo, não seria?
Ruídos de comoção irrompem abaixo. Parece que Damiano está
expulsando seus convidados. Considero ir até lá por um momento, mas
rapidamente decido ficar onde estou. Eu só atrapalharia o caminho deles.
Eu deveria tirar o caco, mas não quero ver mais vermelho. Se alguém
algum dia escrevesse a história da minha vida, ela seria escrita com sangue.
Às vezes, quando fecho os olhos, tudo que consigo ver sou eu banhada nele.
Senti empatia pelo Nelo quando ele gritou agora há pouco? Ou eu fiz aquilo
de novo? Aquela em que me tornei tão bem naquele porão úmido...
Os ruídos cessam, apenas para serem substituídos por passos rápidos.
Meus dedos ficam tensos em volta do meu pé assim que a porta do quarto
se abre e Damiano entra.
Ele me encontra sentada no chão e solta um suspiro ofegante. — Vale.
— Oi. — Minha voz é um sussurro.
Ele se ajoelha ao meu lado e deixa seu olhar pousar na sola do meu pé.
Sua respiração pesada faz seus ombros caírem para cima e para baixo
enquanto suas sobrancelhas se juntam. — Você se machucou. Vamos limpar
você.
— Não. — Eu me curvo, escondendo dele meu ferimento.
Ele franze a testa com o movimento e depois suspira. — Eu gostaria
que você não tivesse que ver isso. Deve ter sido um choque. Havia muito
sangue.
Meu corpo estremece.
Afasto-me de Damiano, mas ele não me deixa ir para longe dele. Uma
mão envolve meu ombro. — Fale comigo.
— Não foi muito.
Ele leva um batimento cardíaco para entender. — De sangue?
— Não foi muito. Você deve ter perdido a artéria radial. Se você
acertasse, ele teria sangrado por todo o chão da cozinha. Então, novamente,
se você passou por isso completamente, o corpo pode ter sugado e
interrompido o fluxo.
O ar no quarto é comprimido até certo ponto. — Como você sabe tudo
isso? — ele pergunta lentamente.
Olho para minha mão direita, aquela que sempre segurava a faca.
Manter um segredo não se torna mais fácil com o tempo. O peso disso se
acumula, até que você se depare com uma escolha: desmoronar sob ele ou
deixá-lo ir.
Eu não quero desmoronar.
— Aprendi um monte de anatomia depois que tudo começou. — digo.
— Pensei que talvez pudesse encontrar maneiras de matá-los rapidamente,
para que não sentissem tanta dor. Funcionou para alguns. Aprendi todas as
artérias e cortava a mais próxima em qualquer área que ele me dissesse
para cortar. Ele percebeu e me disse que da próxima vez que eles
morressem cedo demais, ele faria comigo o que eu deveria fazer com eles.
— Lazaro? — Damiano pergunta, sua voz tão baixa que parece um
tremor dentro do meu coração.
— Muitas vezes pensei que o que ele mais gostava era me ver decidir.
Eu seguiria seus comandos? Eu abandonaria minha empatia por outras
pessoas? Não, não abandone, apenas deixe de lado, reduza a zero. Acho que
foi interessante para ele porque sempre me deu a ilusão de uma escolha. Eu
poderia dizer não a ele. Mas foi apenas isso, uma ilusão. Se eu não matasse
quem ele trouxe para mim, ele mataria alguém que eu amava, como Lorna,
nossa governanta. No final do dia, sangue seria derramado.
— Ele fez você matar pessoas?
— Primeiro ele me fez torturá-las. Cortar os dedos das mãos e dos
pés. Marcar sua carne com palavras. Esfole-os vivos. Ele gostava de fazer
isso sozinho, mas por algum motivo gostava mais de me ver fazer isso.
A pele de Damiano perde toda a cor.
Minhas lembranças daquelas noites estão embaçadas. Eu sei o que fiz,
mas meu cérebro tentou esconder os detalhes.
Passo a mão pela lateral do meu pescoço. — Para fazer tal coisa com
uma pessoa, você tem que parar de vê-la como uma pessoa. É preciso
desumanizá-los para que se tornem um saco de ossos e carne. Irreal. Não
pessoas com vidas e famílias, por mais imperfeitas que sejam. Você tem que
fingir que eles são apenas um objeto físico que não pode sentir dor real. Ser
capaz desse tipo de dissociação é algo terrível. Isso também faz com que
você se dissocie de si mesmo.
— Muito rapidamente, parei de me sentir humana. Parei de ver minha
família. Achei muito importante não vê-los, mesmo que eu não conseguisse
explicar o porquê na época. Em retrospecto, foi porque eu tinha medo de
algumas coisas. Eu estava com medo de machucá-los. Eu não sabia como ou
por que faria isso, mas parecia uma possibilidade real. E tive medo que eles
vissem a verdade sobre mim. Eles me olhariam nos olhos e veriam que eu
não tinha mais alma. Eu não queria que eles soubessem disso, mesmo que
fosse verdade.
Ele arrasta a mão do meu ombro até meu pulso. — Vale…
Encontro seu olhar despedaçado. — Ele me fez fazer coisas horríveis.
Ele sentou o primeiro homem que trouxe para mim em uma cadeira do lado
errado. Ele amarrou os pulsos aos tornozelos para que ficasse imóvel. O
homem tinha costas carnudas cobertas de marcas e tatuagens. Lazaro disse
que gostou de uma das tatuagens e queria que eu desse para ele. Eu não
entendi. Ele explicou que queria que eu cortasse para ele.
— Realmente não computou. Fiquei olhando para ele enquanto o
homem na cadeira começava a implorar. Esse cara grande e corpulento com
quem você não gostaria de brigar implorou a Lazaro - e a mim - para não
cortar sua tatuagem. Eu disse ao Lazaro que não poderia fazer isso. Achei
que talvez meu novo marido tivesse um senso de humor sombrio que eu
realmente não entendia, mas ele me deu uma faca e com muita calma me
disse para tomar cuidado, que gostou da tatuagem e queria admirá-la
enquanto a segurava na mão dele.
É difícil forçar as palavras, mas preciso. Tenho que contar tudo ao
Damiano, porque se eu parar sei que nunca mais terei forças para fazer isso
de novo. — Entrei em choque. Acho que ri. Eu disse a ele que não faria isso,
mas ele não aceitou um não como resposta. “Faça isso, ou vou machucar
você, Valentina”, disse ele. Eu disse a ele que ele era meu marido. Ele não
poderia me machucar. Ele riu disso e disse que era o único que poderia me
machucar. Comecei a chorar e ele me pegou pela mão e me puxou para um
abraço, me confortando. Quando me acalmei, ele disse que eu era uma boa
pessoa, que via que eu protegeria alguém às minhas próprias custas, então
facilitaria a escolha para mim. Ele disse que se eu não fizesse o que ele
pediu, ele faria a mesma coisa com Lorna. E ao dizer isso, ele pressionou a
lâmina fria da faca nas minhas costas, no mesmo local onde esse homem
tinha sua tatuagem. Eu peguei a faca. Parecia que era a única opção naquele
momento. Nos meus pesadelos mais loucos, eu não esperava nada parecido.
Tínhamos acabado de nos casar.
Estou tremendo tanto que começo a tropeçar nas palavras. Damiano
se move de modo que fica agachado no chão bem na minha frente, o vidro
quebra sob seus sapatos sociais. — Ele era um homem louco. — conclui. —
Ele colocou você em uma posição impossível. Isso é difícil para você. Você
não precisa me dizer mais...
— Preciso te contar tudo. — digo. Se eu não tirar todo esse veneno,
vou engasgar com ele. — Perguntei ao Lazaro quem era o homem da
tatuagem. Lazaro disse que foi alguém que roubou um dos carregamentos
do meu pai e matou três dos nossos homens. Isso me fez sentir um pouco
melhor, mas assim que cheguei perto dele e ele começou a gritar de novo,
não foi o suficiente. Foi quando eu disse a mim mesma que ele não era uma
pessoa real. Ele era apenas carne. Cortei a tatuagem. Lazaro pegou o pedaço
de carne e admirou-o por muito tempo. Depois de um tempo, ele me
elogiou. Disse que me saí bem pela primeira vez.
— O próximo homem veio uma semana ou mais depois, não me
lembro. O tempo perdeu sentido depois daquela primeira noite. Eu não saía
da cama para nada além de usar o banheiro e pegar comida na cozinha
quando Lorna não estava por perto para trazê-la para mim. Disse a mim
mesma que queria morrer, mas estava mentindo. Se eu quisesse morrer,
não o teria obedecido por dois meses. Eu queria viver e queria que Lorna
também vivesse. Antes de vir comigo para a casa de Lazaro, ela trabalhava
para minha família há mais de uma década. Ela tinha cinquenta e cinco anos,
dois netos de quem falava o tempo todo e era uma boa pessoa que cuidou
de mim enquanto eu estava quase catatônica. Gostaria de saber onde ela
está agora. Rezo para que ela esteja bem.
— Quanto mais tempo eu ficava com Lazaro, mais resignada ficava
com meu destino. Demorou... — Respiro fundo. — Foi preciso que Martina
aparecesse para finalmente me fazer explodir.
A verdade parece uma escultura horrível feita de sangue, carne e
sangue. Isso prende nossa atenção por um tempo. Posso perceber o
pensamento de Damiano. Ele provavelmente está inventando maneiras
apropriadas de me fazer pagar pelos meus pecados. Ele não é como Lazaro.
Ele não adora a violência, mas para mim ele pode abrir uma exceção, agora
que sabe o que eu poderia ter feito com Martina.
Quando seus braços me envolvem, fico completamente imóvel. Ele
coloca um braço sob meus joelhos, o outro nas minhas costas e me levanta
do chão.
— Vamos limpar você. — ele diz rispidamente. — Tenho um kit de
primeiros socorros no meu banheiro.
Ele me leva para fora do meu quarto e pelo corredor até chegarmos ao
que deve ser o quarto dele. Lá dentro é fresco e escuro. As cortinas foram
fechadas. Sua cama está desarrumada e bagunçada, o lençol azul
emaranhado como se ele tivesse lutado com ele a noite toda. A governanta
obviamente não esteve aqui esta manhã. Talvez ele não goste de ter
pessoas em seu espaço, mas mesmo assim me trouxe aqui.
As luzes do banheiro se acendem e Damiano me coloca no balcão de
mármore frio perto da pia. Seu cabelo preto cai sobre sua testa enquanto
ele se abaixa para procurar alguma coisa nas gavetas, quando ele se
endireita com uma caixa de plástico branca na mão, ele não me olha nos
olhos. Ele não aguenta mais me ver. Essa é a reação que eu esperava, mas
por algum motivo ainda me machuca. Sua incapacidade de olhar para mim é
de alguma forma mais terrível do que qualquer intenção assassina que ele
possa ter.
Torço as mãos enquanto ele lava as dele na pia.
— Levante o pé. — ele diz e abre a palma da mão para pegá-lo.
Seu toque é gentil enquanto ele limpa meu ferimento. Quando ele
remove o caco, finjo que não sinto a picada aguda, mas a bola de algodão
embebida em álcool que ele pressiona depois me arranca um silvo.
— Não é profundo. — ele murmura. — Você não vai precisar de
pontos. Isso foi o pior de tudo.
Ele não parece alguém que está se preparando para cometer um
assassinato, mas nunca mais vai me querer sob seu teto com sua irmã, agora
que sabe do que sou capaz.
Quando ele coloca um curativo no corte, não aguento mais. — Eu sei
quem eu sou. Sou um monstro. O pior dos piores. Eu deveria ter te contado
tudo isso antes. O que o Nelo fez não foi nada. Eu mereço muito pior.
O rosnado que sai de sua garganta acalma meus batimentos cardíacos.
Sua mão envolve minha nuca e ele puxa meu rosto para o dele, seu olhar
finalmente fixando o meu. — Você nunca mais vai dizer isso, certo? Você
não é um monstro. Você é uma maldita sobrevivente. Você sobreviveu a
algo do qual a maioria dos homens endurecidos não seria capaz de se
recuperar e colocou seu pescoço em risco para salvar minha irmã. Só há um
monstro na história que você me contou: seu marido. Ele vai pagar pelo que
fez com você, Valentina. Meu Deus, ele vai pagar um preço alto.
Ele pressiona o rosto no meu pescoço e eu paro de respirar.
— E o mesmo acontecerá com todos que não conseguiram estar ao
seu lado. — ele sussurra contra minha pele. — Onde diabos estava seu pai
quando Lazaro estava forçando você a fazer todas essas coisas? Ele sabia?
— Ele sabe — eu digo. — Meu pai e minha mãe sabem que Lazaro não
era normal. Fui criada para obedecer ao meu marido e cumprir sua vontade.
Quando implorei por ajuda, eles me disseram que não seria certo
interferirem em meu casamento.
— E seus irmãos?
— Eles não tinham ideia. Eu não poderia contar a eles. Você é a única
pessoa que sabe toda a extensão disso.
Ele inspira profundamente e se afasta para encontrar meu olhar. — É
por isso que você não quer ir para casa.
Lágrimas inundam meus olhos. Tento afastá-las, mas em vez disso elas
escorrem pelo meu rosto. — Ainda não sei se Lazaro está vivo. Se estiver,
Papà me entregará de volta para ele. Já me afastei dele uma vez, mas sei
que não conseguirei duas vezes. E se Lazaro estiver morto, há uma boa
chance de eu ser forçada a me casar novamente com alguém que pode ser
um tipo diferente de monstro. Não posso fazer isso, Damiano. Você pode
me trancar aqui, mas estar de volta à Nova York me colocaria em uma prisão
muito pior.
Sua mão áspera segura minha bochecha. Ele está olhando para mim
com o tipo de simpatia que pensei que homens como ele não eram capazes
de sentir. — Eu não vou mais manter você aqui. Você está livre para sair se
quiser.
Inclino a cabeça quando um estranho vazio aparece em meu peito. Ele
está me deixando ir. Não era isso que eu queria? Eu deveria estar aliviada
por recuperar minha liberdade.
Mas quando levanto meu olhar para o dele, percebo que a liberdade
não vive além das paredes desta casa. Vive na compreensão refletida em
seus olhos.
Ele pega minha mão. — Mas eu não quero que você vá embora. Fique
comigo, Vale. Fique comigo e você nunca mais terá que travar outra batalha.
Eu lutarei contra eles por você. Eu protegerei você. Vou vingar você.
Eu me inclino em seu toque. O perdão é uma coisa complicada. Tentei
me perdoar muitas vezes depois que cheguei a Ibiza, mas minhas tentativas
sempre pareceram jogar um monte de sementes em solo seco e infértil e
esperar que brotassem. Elas nunca fizeram isso.
As palavras de Damiano parecem chuva.
Elas encharcam a terra empoeirada e chegam até o lugar onde minha
alma estava escondida.
Um dia ainda poderemos ter uma flor.
CAPÍTULO TRINTA
DAMIANO

Ela pressiona o rosto em meu peito e eu seguro sua nuca com a palma
da mão. No espelho do banheiro atrás dela, meu reflexo me encara. Ele
ferve de desgosto e raiva.
Não consigo apagar a imagem dela tremendo no chão do quarto.
Quando a encontrei assim, pensei que era porque ela me viu fazer um
buraco na mão de um homem. Eu me odiei por fazê-la passar por isso. Perdi
o controle perto dela mais vezes do que posso contar. É como se ela ligasse
todos os meus sentimentos até eles explodirem. É assustador o quão vivo
ela me faz sentir.
Passo meus dedos pelos cabelos dela e a puxo para mais perto. Sinto
uma dor surda no meu peito. O fundo da minha garganta dói. Quero
queimar todos que a machucaram, começando pelo marido.
Se ele estiver vivo, não ficará assim por muito tempo.
Meu sangue fica gelado. Justamente quando estou prestes a me
perder em fantasias de violência, ela desliza as mãos pela minha cintura e
pressiona os lábios nos meus.
Tudo derrete. Eu agarro seu cabelo e mergulho minha língua em sua
boca. Ela faz um som suave em resposta, um pequeno gemido tão doce que
dói. A necessidade de protegê-la é tão avassaladora neste momento. Parece
que estou caindo em um abismo. Eu não sou romântico. Eu me recuso a
acreditar no amor. Na minha experiência, é tóxico e leva as pessoas a
fazerem coisas estúpidas e imperdoáveis.
Mas não importa o quanto eu procure, não consigo encontrar outra
palavra para descrever o que estou sentindo.
Cazzo. Fiquei tão mole por esta mulher que estou surpreso por ainda
ser capaz de ficar de pé.
Ela envolve as pernas em volta da minha cintura e meus pensamentos
se voltam para coisas mais básicas. O sangue corre para minha virilha. Puxo
seu lábio inferior com os dentes. Eu quero tanto transar com ela.
Ela parece ter a mesma ideia. Seus dedos puxam meu zíper e ela me
segura com sua palma trêmula.
Por que ela está tremendo?
Eu me afasto e vejo que seus olhos estão vidrados e úmidos. — Vale,
você está chateada.
Ela não responde. Ela apenas começa a me acariciar. Deve ser
confirmação suficiente de que ela quer isso. Seria em qualquer outra
situação, mas não desta vez. Eu a paro. Dói fisicamente, mas eu a impedi. —
Agora não.
Ela suspira e abaixa a testa para descansar no meu peito. Então,
quando estou prestes a perguntar se ela está bem, ela começa a chorar.
Sim, isso vai ter que esperar. Eu me coloco de volta, levanto-a do
balcão e a levo de volta para o meu quarto para colocá-la na cama.
Ela engole o copo de água que lhe dou, o que considero um bom sinal,
por fim, fica quieta. Posso dizer que ela está processando alguma coisa,
então dou-lhe tempo. Ras provavelmente está lá embaixo se perguntando o
que diabos estou fazendo aqui. Ele pode esperar um pouco mais.
Ela coloca o copo vazio na mesa de cabeceira. — Você atirar no Nelo é
um problema, não é?
— Vou precisar ligar para Sal para tentar resolver isso. Se sou capaz ou
não, é outra questão.
— O que isso significa para o seu plano com meu pai?
— Precisamos nos mover rapidamente. — Perdi o luxo de demorar
com isso. Sal ficará em alerta máximo assim que Nelo lhe avisar sobre o
ocorrido. Ele pode ficar curioso sobre a mulher que tenho comigo, se
descobrir que é Valentina Garzolo, saberá que estou ciente do que ele fez.
Ele não vai esperar que eu tome uma atitude antes de enviar seu exército
aqui para me eliminar. Ele valoriza o dinheiro que ganho para ele, mas não o
suficiente para me arriscar a iniciar uma revolta que só pode terminar com
sua morte.
Valentina acena com a cabeça e enxuga o rosto. Quando ela olha para
mim, há uma convicção inconfundível em seus olhos. — Vou te contar tudo
o que sei. Não é muito.
A esperança me inunda. — Pode ser tudo o que precisamos.
Ela parece menos convencida, mas me dá um sorriso suave. — Deixe-
me limpar um pouco primeiro.
— Vá. Preciso verificar Ras. — digo, enquanto nos levantamos da
cama. Quando ela se dirige para a porta, enrolo minha mão em seu pulso. —
Eu quero você na minha cama.
Sua pele se arrepia. — Você?
— Traga suas coisas aqui.
— São coisas da Martina.
— Vou comprar um guarda-roupa novo para você amanhã.
Ela ri suavemente. — E a minha prisão?
— Como eu disse, acabou.
Seu olhar cai em meus lábios. Ela engole. — Vou lhe contar o que sei
sobre os negócios do meu pai, mas não sei se ficarei.
Ela vai, só não sabe ainda. Ela é minha e farei o que for preciso para
que ela perceba isso.
Vou contra meus instintos e solto sua mão. — Entendido. Você ficará
mais confortável aqui enquanto decide.
O alívio que sinto quando ela concorda com um pequeno sorriso é
palpável.
Lá embaixo, Ras está andando pela sala. Ele olha para cima quando me
ouve me aproximar e xinga. — Dem, você precisa falar ao telefone com Sal.
Ainda há uma pequena chance de Nelo não ter conseguido alcançá-lo, já que
provavelmente ele está sendo costurado.
Ele está com raiva de mim. Ele acha que estou estragando tudo por
causa dos meus sentimentos pela Vale.
Mas atirar em Nelo não parece um erro para mim, mesmo agora que
esfriei. Parece justiça.
— Você acha que eu não deveria ter feito isso. — eu digo.
— Não importa o que eu penso. O que importa é que façamos tudo o
que estiver ao nosso alcance para acalmar a situação.
— Ele não deveria ter tocado nela. — eu digo enquanto tiro meu
telefone do bolso. — A cozinha está limpa? Tudo precisa estar em ordem
antes de Mari chegar em casa.
Ras solta um longo suspiro. — Eles estão limpando agora. Eu disse ao
motorista para trazê-la de volta em duas horas.
— Vale vai compartilhar o que sabe sobre o pai. — digo. Isso deveria
ser suficiente para aliviar as preocupações de Ras sobre eu não estar
pensando com clareza neste momento por causa da Vale. Eu sei que é com
isso que ele está preocupado, posso ver isso em seu rosto. Por mais que eu
queira repreendê-lo por duvidar de mim, não posso negar que na minha
família há uma história de pessoas que tomam decisões precipitadas e
destrutivas por causa do amor.
Mas não estou apaixonado por Valentina. Eu não posso estar. Atração
não é amor. Necessidade não é amor. Essa coisa sem palavras que sinto por
ela... Não pode ser amor.
Enquanto disco o número de Sal, sinto arrepios só de pensar em ouvir
sua voz e fingir que não tenho ideia do que ele tentou fazer com minha
irmã. Não posso deixar minhas emoções aparecerem. Ele tem que pensar
que não tenho noção.
7
Depois de alguns toques, ele atende. — Damiano, ragazzo mio . Você
me pegou quando eu estava prestes a começar meu almoço tardio — ele diz
com voz rouca, cortesia de seu hábito de fumar um maço por dia. — Chiara
passou o dia todo comendo risotto alla piscatora.
Ele gosta de fingir que somos melhores amigos, mesmo que todos
saibam que é uma farsa. — Sortudo. Não vou deixar você com fome por
muito tempo.
8
— Eu gosto de ouvir isso. Como está minha topolina favorita? Ela se
recuperou da viagem à Nova York?
Esse maldito idiota. — Ela está se sentindo muito melhor.
— Encontraremos quem é o responsável pelo que aconteceu. — diz
ele. — Essas coisas podem levar tempo, mas a justiça sempre é feita.
Eu não sei disso.
— Houve um pequeno mal-entendido com Nelo e Vito. — digo.
— Oh? Eles visitaram você hoje como eu pedi?
— Eles fizeram.
— O Nelo te contou a boa notícia? Eu acho que ele e Mari formarão
um lindo casal.
Lembro a mim mesmo que o casamento deles tem tanta probabilidade
de acontecer quanto Sal morrer sufocado com seu risoto, mas suas palavras
ainda acendem uma chama de fúria dentro de mim. — Ele mencionou isso.
— eu digo secamente.
— O que você acha?
— Receio que o comportamento de Nelo hoje o tenha desqualificado
como potencial marido para minha irmã.
Há um silêncio prolongado antes de Sal responder com uma risada
sem humor. — O que meu sobrinho fez desta vez?
— Eu tinha uma mulher em minha casa quando ele passou por aqui.
Ele ficou com as mãos.
— Dificilmente uma grande ofensa.
— Ela não era dele para tocar.
Ouço um farfalhar e imagino que Sal esteja inclinado para frente em
sua cadeira. — De quem ela é?
— Minha.
Desta vez, ele dá uma risada alegre. Um novo ponto fraco para ele
investigar. — Você não deve ter ficado feliz com isso.
— Eu atirei na mão dele. Ele vai ficar bem.
— Mio Dio. Eu gostaria de ver essa mulher que o tornou tão
possessivo. Bem, direi ao Nelo que isso não foi bem feito. Afinal, ele era um
convidado em sua casa.
— Eu apreciaria isso. — eu forço.
— O negócio com Mari… Não vamos descartar isso tão rapidamente.
Nelo agirá como um cavalheiro perfeito na próxima vez que estiver por
perto. Você tem minha palavra nisso.
A esta altura, Nelo já sabe que, da próxima vez que aparecer, não sairá
vivo desta casa, mas não me preocupo em discutir isso com Sal. — Se você
diz. Vou deixar você voltar para o seu jantar.
— Diga meu olá para a sua nova amiga. A propósito, qual é o nome
dela?
— Ale Romero. — digo sem hesitação. — Ela é apenas uma
trabalhadora sazonal.
— Talvez eu tenha que passar por aí antes do final da temporada. —
ele reflete. — Adeus, Damiano.
Desligo e subo as escadas para chamar Valentina.
Encontro-a no meu quarto, dobrando as roupas na minha cama. Vê-la
em meu espaço é como uma carícia calorosa. Isso me agrada mais do que
gostaria de admitir.
Ela me ouve entrar e se vira, segurando as roupas nas mãos. — Eu não
tinha certeza de onde colocar isso.
— A empregada vai abrir espaço no closet para você. — digo. — Deixe
isso por enquanto. Ras está nos esperando lá embaixo.
Sua postura endurece. — Você contou a ele sobre Lazaro e eu?
Ela realmente acha que eu compartilharia seu segredo assim que a
deixasse? — Não, e não farei isso se você não quiser.
Ela relaxa. — Obrigada.
Posso dizer que ela ainda está envergonhada. Ela se culpa pelo que o
marido a forçou a fazer, aquele maldito desperdício de...
Não, suficiente. Vou esperar para saber se ele está vivo ou não antes
de contemplar todas as formas brutais que farei com que ele pague.
Descemos para a sala e seguimos para o meu escritório. Ras está
parado perto da estante, com os braços cruzados sobre o peito. Ele inclina a
cabeça para o lado quando me vê ajudando Vale a andar, para que ela não
precise colocar muita pressão no pé machucado. Ela se senta em uma
cadeira e olha para ele. — Não vou desperdiçar seu tempo. Aqui está o que
eu sei.
Um sorriso surge em meus lábios com sua franqueza.
— Na manhã do dia em que Martina e eu escapamos, houve um chá
de panela com todas as mulheres do círculo interno.
— Suas irmãs estavam lá? — Ras pergunta.
— Só Gemma foi. Cleo não sobreviveria. Ela e Mamma tiveram uma
grande briga, então ela não teve permissão de ir. Mamma disse que era
importante eu aparecer.
— Você ouviu alguma coisa interessante?
— Para ser honesta, eu não estava ouvindo muito profundamente. Eu
estava... — Ela esfrega as mãos para cima e para baixo nas coxas. — Eu
estava apenas tentando me manter sob controle na frente de todos.
A carranca de Ras afunda. — Por quê?
— As coisas estavam ruins com meu marido e eu não queria que
ninguém percebesse. — diz ela. — Os detalhes não são relevantes para esta
história. — Ela me lança um olhar. — De qualquer forma, Gemma estava
preocupada com nosso pai. Ela disse algo sobre ele parecer estranho. Ele
tinha acrescentado mais segurança adicionais para toda a família.
— Ele estava com medo de alguma coisa. — concluo.
— Papà sempre foi cauteloso quando se trata de segurança, mas
Gemma não teria exagerado algo que não era real. Ela sempre prestou
muito mais atenção às negociações dele do que eu.
— O que mais? — Ras pressiona.
— Saí da festa mais cedo. Lazaro me queria em casa. Meu primo Tito
me levou e começamos a conversar. Sempre fomos amigáveis. Ele aludiu a
estar frustrado por ter que trabalhar longas horas para algum idiota. Ele não
especificou quem era o idiota. Ele disse que ele, seu pai, Lazaro e meu
irmão, Vince, estavam todos envolvidos.
— Irmão? — Eu pergunto.
— Ele mora na Suíça.
Ras coça o queixo. — Ele é o cara do dinheiro do seu pai?
— Sim. Minha impressão foi que todos eles estavam essencialmente
emprestados a alguém de fora do clã e cumprindo suas ordens.
— Tem que ser Sal. — Ras reflete. — Sabemos que Lazaro estava
rastreando Martina.
— Seu pai tem o hábito de fazer favores?
Valentina puxa o lábio superior entre os dentes. — Não que eu saiba,
mas isso não significa muito. Preferi ficar longe dos negócios dele.
Ras se afasta da parede e se aproxima. — Mas sua irmã está mais
envolvida?
— Eu não diria que ela está envolvida. Apenas curiosa. Quando
éramos crianças, ela escutava do lado de fora do escritório do pai. Ela
gostava de ouvir seus segredos. — Vale cruza as pernas. — Eu não fiz.
Ras e eu trocamos um olhar. Não é muito, como a Vale me avisou.
Estamos mais perto de confirmar que Garzolo tinha algum tipo de acordo
com Sal, mas precisamos de mais detalhes.
— Tem certeza de que não tem ideia de por que seu pai teria
concordado em trabalhar com o don Casalese?
Ela balança a cabeça, sua expressão sombria, então seus olhos se
arregalam. — Oh! Gemma também disse que Papà estava insinuando
entregá-la a um dos Messeros. Eles são outra família em Nova York, mas até
onde eu sei, sempre mantivemos distância deles. Surpreendeu-me que se
falasse em casamento. Não tenho ideia de porque Papà estava procurando
uma aliança com eles.
— E se você pudesse falar com sua irmã? — Ras pergunta. — Veja o
que mais ela sabe. Se ela é intrometida por natureza, não posso imaginar
que seu misterioso desaparecimento a tornaria menos curiosa.
Valentina empalidece. — Falar com Gemma? Mas como? Não posso
simplesmente ligar para o celular dela. Papà sempre monitorou nossos
telefones.
— Se descobrirmos a logística, você falaria com ela? — Eu pergunto. —
Você confia nela para manter seu paradeiro em segredo?
Ela morde o lábio antes de responder. — Acho que sim. Ela sempre foi
leal à nossa família, mas não me trairia. Tenho que torcer para que isso não
tenha mudado.
Eu me viro para Ras. — É a nossa melhor aposta para obter mais
informações. Podemos colocar um descartável nas mãos dela?
— Posso ver quais contatos temos em Nova Y...
— Contatos podem ser comprados. — interrompe Valentina. — Não
quero arriscar envolver minha irmã nisso apenas para que Papà saiba disso
antes de falarmos com ela.
Ras a considera por um momento e depois olha para mim. — Eu posso
ir.
Enviar meu braço direito para fazer o trabalho garantirá que ele será
feito corretamente, mesmo que pareça um exagero para o que deveria ser
uma tarefa bastante simples. Mas o visível alívio de Vale ao ouvir sua oferta
me faz concordar. — Pegue o caminho mais rápido, quero você de volta em
quarenta e oito horas.
— O que sua irmã faz fora de casa? — Ras pergunta, pegando seu
telefone para começar a fazer os preparativos. — Existe algum lugar aonde
ela vai onde seus seguranças lhe dão espaço?
— Sim. Seu estúdio de pilates. Ela está lá quatro dias por semana. —
Vale chega mancando e encontra papel e caneta na minha mesa. — Vou
anotar o endereço e o horário das aulas particulares dela. Por serem só ela,
a instrutora e a recepcionista, os guardas ficam no carro. Se você conseguir
encontrar uma maneira de entrar, poderá encontrá-la sozinha no vestiário.
Ras pega o papel dela e balança a cabeça. — Nova York. Eu odeio
aquela maldita cidade.
Eu dou um tapa nas costas dele. — É uma viagem curta. Tente apreciar
as vistas.
E se Gemma tiver o que precisamos, pode ser a primeira de muitas
vezes que faremos uma visita aos Garzolos.
CAPÍTULO TRINTA E UM
VALENTINA

Damiano tenta me ajudar a subir de volta para seu quarto, mas eu


digo a ele que estou bem e o deixo sozinho com Ras. Eles têm logística para
resolver, e eu tenho que pensar em algumas coisas agora que há uma
chance real de eu conversar com minha irmã nos próximos dois dias.
Há uma estranha combinação de saudade e nervosismo emaranhando
dentro do meu estômago. Claro, ficarei emocionada ao ouvir a voz de
Gemma. Mas como ela reagirá ao receber notícias minhas depois de tantas
semanas desaparecida? Pelo que sei, ela pensa que estou morta.
Ela também pode pensar que sou uma traidora.
Fecho a porta do quarto de Damiano e pressiono as costas contra ela.
Terei que contar a ela a verdade sobre meu casamento para que ela me
perdoe por ter fugido? Passei tanto tempo tentando protegê-la do horror da
minha vida que tudo dentro de mim se rebela com a ideia. Mas ela não
trairá os segredos do Papà a menos que eu lhe explique tudo. Tenho que
convencê-la de que não estou sendo coagida. Caso contrário, ela pode
muito bem correr até Papà e dizer-lhe que estou viva assim que desligarmos.
Ela pode até pensar que está me fazendo um favor.
Não é justo da minha parte mantê-la no escuro. Ela vai ficar noiva em
breve, se não estiver no período em que estive fora, se ela souber o que
aconteceu comigo, poderá lutar mais contra um casamento mal escolhido.
Se eu estivesse lá, poderia lutar por ela. Eu poderia ter certeza de que ela
não foi dada a um monstro.
Sinto uma vontade de voltar correndo ao escritório de Damiano e
exigir que Ras me leve com ele, mas é uma fantasia. Mesmo que eu volte
para Nova York - esse pensamento me faz estremecer, - não há nada que eu
possa fazer por minha irmã quando sou rotulada de pária. Provavelmente
serei impedida de ver meus irmãos e colocada em prisão domiciliar.
Não, é hora de apenas admitir que quando se trata do meu dever
como irmã mais velha, eu estraguei tudo. Adicione isso à lista de muitos.
Não há nada que eu possa fazer além de contar a verdade a Gemma e
implorar por sua ajuda.
Afundando em uma cadeira, viro-me para a janela e vejo meu reflexo.
Damiano me chamou de sobrevivente.
Sim, acho que sou. Ao contrário das vítimas de Lazaro, ainda estou
viva, mas a que custo?
Seria fácil ficar. Aceitar a proteção de Damiano e esperar para ver se
ele consegue retomar seu trono. Eu poderia ser sua mulher mantida. Eu
poderia dividir a cama dele até que ele se cansasse de mim, o que
inevitavelmente aconteceria. Depois, ele provavelmente me colocaria em
algum lugar. Seria uma vida confortável.
E um onde eu passaria meus dias chafurdando em culpa e
arrependimento.
Meu estômago embrulha.
Estou muito adiantada em meu longo caminho para a redenção para
seguir o caminho mais fácil.
Uma batida na porta me tira dos meus pensamentos.
— Sim? — Eu chamo hesitantemente.
— É Mari.
Levanto-me do meu assento. — Entre.
A irmã de Damiano entra no quarto com algumas sacolas de compras.
— Pensei em comprar algumas coisas do seu tamanho para você. — diz ela,
entregando-as para mim.
Os caras de Damiano devem ter conseguido limpar todas as evidências
do que aconteceu com o Nelo antes, caso contrário duvido que Martina
parecesse tão despreocupada.
— Obrigada — digo enquanto aceito as sacolas e espio dentro. — Uau,
Mari. Isso é muito. Você realmente não precisava.
— Se quiser a minha roupa de volta, sim. — ela retruca com um
sorriso provocador.
— Ah, certo.
— Só estou brincando. — diz ela. — Não me importo de compartilhar
com você, mas achei que seria estranho meu irmão ver você com minhas
roupas. — Ela olha ao redor. — Especialmente agora que você... se mudou
para cá.
Eu rio sem jeito. Existe um manual sobre como conversar com a irmã
do seu ex-captor sobre o fato de você estar dormindo com ele?
Não?
Melhor mudar de assunto.
— Eu nunca agradeci pelo dia na piscina. — digo.
Mari sobe na cama e cruza as pernas embaixo dela. — Não se
preocupe, eu sei que Dem realmente não lhe deu uma chance. Eu me diverti
muito. — Ela parece querer dizer mais, mas hesita.
— O quê? — Eu pergunto.
Ela desvia os olhos enquanto tiro minha camiseta e coloco uma nova.
— Aquele homem que veio com ele…
Não estou surpresa que ele tenha permanecido em sua mente. —
Giorgio, certo?
As bochechas de Martina ficam rosadas. — Você acha que ele é...
Arrisco um palpite: — Bonito?
— Não. Quero dizer, é claro que ele é. — ela diz apressada. — Mas
essa não é a minha pergunta. Você acha que ele é uma pessoa má?
Sinos de alarme disparam dentro da minha cabeça. — Por que você
perguntaria isso? Ele fez alguma coisa?
Seus olhos se arregalam. — Ele não fez isso. Foi apenas algo que ele
disse. Você sabe o quê? Esqueça.
— O que ele disse? — Eu pressiono. Giorgio parece ser amigo de
Damiano, mas não pretendo depositar uma fé cega em uma amizade da qual
nada sei nada. Se ele ultrapassou Martina, preciso saber para poder dizer a
Damiano para escolher seus amigos com mais cuidado.
Martina pega uma das minhas camisas novas e começa a examinar a
etiqueta. — Meu irmão disse que ele e eu nos conhecemos e me senti
estranha porque não conseguia me lembrar disso. Eu disse a Giorgio que
não tinha certeza de como ele escapou da minha cabeça. Ele não disse nada
a princípio. Achei que ele estava ofendido, mas depois ele disse que era
melhor eu não me lembrar dele. Ele disse que não é alguém que garotas
como eu deveriam conhecer. O que ele quis dizer com isso?
Resisto à vontade de revirar os olhos. Homens da máfia. Às vezes acho
que eles se sentem bem intimidando mulheres sem motivo, mesmo
mulheres que não têm interesse neles. Provavelmente Martina nunca mais o
verá. — Eu não me preocuparia com isso. — digo a ela. — Homens
verdadeiramente maus não perdem tempo avisando sobre o quão maus eles
são.
Ela tira o olhar da etiqueta, considerando o que eu disse. — Hum.
Você provavelmente está certa.
Brincamos de nos vestir por mais uma hora e descobrimos que
Martina tem um bom olho para estimar tamanhos. Quase tudo que ela
comprou para mim cabe perfeitamente. Quando o sol se põe, descemos
para jantar e descobrimos que Damiano saiu mais cedo e ainda não voltou,
então comemos sem ele. Tento ficar acordada até ele voltar, nem que seja
para me atualizar sobre a missão de Ras, mas logo meus olhos têm
dificuldade para permanecer abertos e subo na cama. Seu cheiro me
envolve e me acalma para dormir.
Um corpo quente deslizando ao meu lado me acorda algum tempo
depois. Do lado de fora da grande janela, está quase escuro como breu, com
nuvens obscurecendo a lua e apenas algumas estrelas brilhando no céu.
Uma mão envolve meu quadril. — Eu acordei você? — Sua voz desliza
pelo meu pescoço e peito e se instala em algum lugar entre as minhas
pernas.
— Sim, mas estou feliz que você tenha feito isso. — Viro de costas e
olho para ele. Na escuridão, tudo que vejo é a linha reta do seu nariz e o
brilho dos seus olhos. — Onde está Ras?
— Ele acabou de me mandar uma mensagem dizendo que chegou em
Nova York.
— Isso foi rápido.
— Ele pegou um voo para Valência e embarcou em um voo fretado de
lá.
— Sal não vai se perguntar para onde ele foi?
— Ras perdeu o rastro no aeroporto de Valência.
— Mas Sal não vai suspeitar...
Ele coloca o dedo indicador em meus lábios. — Vale. Respire fundo. É
um risco calculado, assim como tudo que faço. Ras poderia ter tido muitos
motivos para ir à Nova York por um curto período e conversar com sua irmã
não está no radar de Sal.
Eu expiro e me forço a relaxar. — Você deve estar cansado.
— Sim — ele diz calmamente — Mas nunca estou cansado demais
para você. — Ele desliza a mão do meu quadril para segurar meu seio
direito. Um estrondo de satisfação sai de sua garganta. — Deus, você me faz
bem, Vale. Eu adoro esses peitos.
Ele mergulha a cabeça no meu peito e lambe um mamilo antes de
passar para o próximo. Enterro meus dedos em seu cabelo e o puxo para
mais perto.
Damiano pressiona o nariz contra o vale entre meus seios e inspira. —
Eu estive querendo foder você o dia todo.
— Só hoje? — Eu provoco.
Ele se levanta em seus braços acima de mim e solta uma risada. —
Todos os dias desde que coloquei os olhos em você pela primeira vez. De
alguma forma, você fez até aquele uniforme azul parecer bonito, com sua
bunda para cima enquanto limpava meu escritório.
Eu sorrio. — Eu sabia que você estava olhando.
Ele desliza pelo meu corpo até que seu rosto esteja alinhado com
minha calcinha nova. Ele me lambe sobre eles, provocando meu clitóris só
um pouquinho. — Eu estava sempre olhando para você. — ele diz contra
minha boceta, e parece deliciosamente sujo. — Agora, deixe-me ver.
Levanto meus quadris para que ele possa deslizar minha calcinha para
baixo e depois alargar minhas pernas. Ele respira fundo, murmura aprovação
em italiano e enterra a cabeça entre minhas pernas.
O arranhão de sua barba curta contra minhas coxas me deixa quase
tão louca quanto à sensação de sua língua lambendo meu clitóris. Enrolo seu
cabelo em meus dedos e puxo os fios, mas não importa o quanto eu o puxe
para mim, ele não cede. Uma bobina aperta cada vez mais dentro da minha
barriga, até que estou me debatendo em sua cama enorme, desesperada
por um alívio.
Ele envolve suas grandes mãos em volta das minhas coxas e me
levanta, nunca permitindo que sua boca saia da minha boceta. Justamente
quando penso que posso morrer se não gozar agora, porra, ele leva meu
clitóris em sua boca e chupa. Duro.
Eu explodo. Todo o meu corpo está inundado de prazer. Ele me abaixa
na cama, empurra dois dedos dentro de mim enquanto ainda estou
pulsando com a minha liberação, de alguma forma, inexplicavelmente, me
fode com eles até que estou de volta ao limite novamente.
— Oh meu Deus. — eu gaguejo.
Ele sorri. — Ele não está aqui. Eu estou.
Um arrepio percorre minha espinha. — Acho que posso gozar.
— Boa menina. — ele diz com voz rouca. — Mostre-me o que você
tem.
Ele é implacável, atingindo esse ponto dentro de mim repetidas vezes,
de repente, acontece. Acho que vejo toda a minha vida passar diante de
mim. Arqueio as costas, grito seu nome e me sinto cair daquele penhasco
novamente.
Ele geme. — Foda-me. Baby, você acabou de esguichar.
Apesar da euforia entorpecente, suas palavras são tão chocantes que
perco o juízo rapidamente. — O quê? — Não consigo ver nada, mas quando
me sento e pressiono as mãos contra os lençóis, eles estão molhados. —
Sem chance. — Estou absolutamente mortificada.
— Porra, não acredito que não vi. — Damiano se aproxima de mim
para acender a luz da mesa de cabeceira e depois volta para onde estava.
Achei que ele pareceria perturbado.
Em vez disso, ele parece alguém admirando orgulhosamente seu
trabalho enquanto olha para os lençóis arruinados. Ele parece tão satisfeito,
e isso imediatamente alivia meu constrangimento. Então ele levanta os
olhos para mim e me lança um olhar espirituoso. — Vamos fazer isso de
novo com as luzes acesas.
Eu rio e caio de volta na cama. — Mais tarde, por favor. Não acho que
sobreviverei a outro.
Ele está em cima de mim segundos depois. Sua boca encontra a minha
e ele me beija por muito tempo. Estou desesperada para retribuir o favor,
mesmo tendo certeza de que não serei tão hábil nisso quanto ele foi
comigo. Quando peço para ele se sentar na beira da cama, e ele entende
minha intenção, seu olhar fica confuso.
Eu empurro meu nervosismo de lado e umedeço meus lábios. Não
acredito no que estou prestes a dizer. — Você me disse que preencheria
cada um dos meus buracos com seu esperma. Até agora, você tem
entregado pouco.
Um sorriso preguiçoso se espalha por seus lábios. — Você é imunda,
Vale.
Esfrego uma bochecha contra seu comprimento duro, depois a outra.
Seus dedos se enroscam em meu cabelo, mas ele me permite controlar
meus movimentos. Lambo a parte de baixo de seu pau e giro minha língua
por cima.
Ele geme. — Coloque na boca.
Eu faço isso, vou até onde posso, o que não é tão longe assim. Ele é
grosso e longo, quando minha boca não alcança mais do que a metade do
caminho, envolvo minha mão em torno da base.
Ele parece gostar. Sua respiração fica mais difícil quanto mais eu o
acaricio, e seu controle sobre mim fica mais forte.
— Relaxe sua garganta. — ele diz. — Você pode me levar mais longe,
baby.
Ele tem razão. Empurro minha bunda com mais força contra meus
calcanhares, ele inclina seus quadris para frente, de modo que fique uma
linha reta entre seu pau e minha boca. Atinge o fundo da minha garganta e
meus olhos lacrimejam, mas de alguma forma consigo não engasgar.
— Você está indo tão bem. — ele sussurra. — Porra, Vale. Você é
perfeita pra caralho.
Na próxima vez que ele sai, lembro-me de como foi incrível tê-lo
chupando meu clitóris, então tento fazer o mesmo com ele. Ele faz um
gemido torturado. — Vou encher sua boquinha linda com meu esperma. —
ele ofega. — É isso que você quer, não é?
Não consigo falar, mas aumento a velocidade para mostrar a ele
exatamente o que quero, momentos depois, sinto-o enrijecer ainda mais e
explodir na minha língua.
Esta é a primeira vez que provei um homem. O sabor não é totalmente
agradável, mas, meu Deus, o ato de fazê-lo perder o controle já é delicioso
por si só. Eu caio em minhas mãos e o observo tentando se recompor. Ele
mal está se segurando. Seus cotovelos repousam sobre os joelhos, ele
parece tão exausto, tão esgotado, que isso me enche de orgulho. Eu o fiz
ficar assim.
Ele apoia a testa na palma da mão e olha para mim. — Tenho medo do
que você fará comigo depois de praticar mais.
— Talvez eu amarre você e faça o que quiser com você. — eu digo. —
Eles dizem que o retorno é uma merda.
Ele dá uma risada e me puxa para seu colo. — Acho que vou gostar
desse tipo de vingança.
Eu encosto meu rosto em seu pescoço e sorrio contra sua pele.
Uma sensação de paz toma conta de mim.
Eu gostaria que o sol não nascesse.
Eu gostaria de poder esquecer tudo e ficar assim com ele para sempre.
CAPÍTULO TRINTA E DOIS
VALENTINA

Acordo tarde e encontro Damiano já desaparecido. Depois que


tiramos a cama e trocamos os lençóis no meio da noite, demorei um pouco
para voltar a dormir e agora estou tonta.
Pisco para o relógio pendurado na parede. Diz… meio-dia e meia.
A aula de Gemma é às dez da manhã, considerando a diferença de
fuso horário, posso falar com minha irmã em apenas algumas horas. De
repente, estou muito acordada. O que vou dizer a ela?
Pulo da cama, me visto e desço correndo. Martina está na cozinha
cozinhando, ao ver minha aparência atormentada, me lança um olhar
questionador. — Parece que você está atrasada para uma prova. O que está
acontecendo?
— Seu irmão está por perto?
Ela balança a cabeça. — Ele saiu há algumas horas. Não tenho certeza
para onde ele foi.
Damiano deveria estar aqui quando eu falar com Gemma. Eu preciso
que ele esteja aqui. A rapidez com que ele passou do homem de quem eu
estava tentando fugir para o homem cujo apoio eu anseio.
Martina franze a testa com minha expressão ansiosa. — Sente-se,
Vale. Vou pegar um café para você. — Ela desliza um prato de medalhões de
batata cobertos com ovos e presunto pela ilha. — Huevos rotos. Coma.
Subo em um dos bancos - aquele em que Vito sentou quando ele e
Nelo passaram - e pego um garfo. A comida está deliciosa, como sempre, e
quando Martina me entrega um expresso, bebo de um só gole. — Obrigada.
— eu digo.
Ela se senta no banquinho à minha frente. — O que está incomodando
você?
Movo as batatas em volta da gema. — Vou falar com minha irmã
Gemma hoje.
Martina toma um gole de seu próprio café expresso. — Isso não é uma
coisa boa? Achei que você disse que sentia falta das suas irmãs.
— Sim, eu só... realmente não sei o que dizer a ela. — Encontro o olhar
claro e avelã de Martina. — Sinto-me culpada por deixá-la em Nova York.
— Você não teve escolha — diz ela. — Não houve tempo para você
pegá-la quando estávamos fugindo. Se tivéssemos parado, poderíamos ter
sido pegas.
Cruzo os pés na altura dos tornozelos. — Eu sei. Não havia nenhuma
maneira de eu tê-la tirado de lá naquele momento, mas talvez assim que
levasse você para o aeroporto, eu pudesse ter voltado para buscá-la. — No
momento em que digo isso, percebo que é apenas uma fantasia infantil. Eu
suspiro. — Para ser honesta, não tenho certeza se ela teria vindo comigo. Eu
teria que explicar tudo para ela. Você, Lazaro e tudo que levou a esse
momento. — Meu estômago revira. — Meu marido era um homem mau,
Martina.
— Eu sei. — ela diz baixinho, olhando para sua xícara. Ela está se
lembrando de coisas. Coisas que ela não deveria precisar lembrar por minha
causa.
— Do tipo real, não do tipo que avisa o quão ruins eles são. — eu digo,
aludindo à conversa de ontem e dando-lhe um sorriso suave.
Ela levanta a mão para esconder a risada e balança a cabeça. — Não
me provoque. Eu me sinto tão estúpida pela forma como reagi.
Provavelmente fiquei vermelha como um tomate.
Eu ri. — Não se preocupe com isso. Qual é a probabilidade de você vê-
lo novamente?
Sua expressão escurece. — Não é provável, suponho.
Comemos um pouco antes de Martina pigarrear. — Bem, não me
parece que você pudesse ter feito algo diferente em relação à Gemma. Você
fez o melhor que pôde naquele momento. Tenho certeza que ela vai
entender.
— Talvez. Só não sei como parar de me sentir culpada.
— Ela está feliz em Nova York?
A verdade é que não sei. Não sei o que minha irmã quer,
provavelmente ela também não, porque, assim como eu, ela tem sido uma
marionete do Papà desde que nascemos, e ela tem sido alimentada com
mentiras sobre nossa família há muitos anos. Não posso deixar o Papà casá-
la com um monstro como o Lazaro.
— Acho que vou descobrir em breve. — murmuro e termino meu café
da manhã.
Ficamos na sala e colocamos um filme, mas quase não presto atenção.
Quando Damiano passa pela porta, eu pulo de pé. — Alguma coisa de Ras?
Seus olhos se suavizam quando ele vê Martina e eu. — Ele me mandou
uma mensagem dizendo que conseguiu entrar no estúdio e está esperando
ela chegar. — diz ele. — Vamos ao meu escritório para estarmos prontos
quando ele ligar.
Está realmente acontecendo. Se Ras conseguiu entrar, não deveria
haver razão para ele não encontrar Gemma.
Deixamos Martina no sofá e fechamos a porta do escritório dele atrás
de nós. Ele coloca o celular voltado para cima para que possamos ver o
identificador de chamadas quando alguém ligar e me puxa para seu peito.
Eu afundo nele. É chocante como é fácil aceitar seu conforto, como é natural
ceder ao seu toque. Posso realmente me afastar disso quando chegar a
hora?
Ele cutuca meu queixo com o dedo indicador e me dá um beijo.
Quando ele se afasta, seus olhos se estreitam. — Você está tensa.
— Já faz muito tempo que ela e eu não conversamos.
Ele desliza a mão pelo meu braço. — Ela ainda é sua irmã.
Quando o telefone começa a tocar, nós dois olhamos para ele.
Damiano deixa tocar uma vez e depois coloca no viva-voz.
— Ras?
Por que ele não está respondendo? Ele foi pego? É um dos guardas de
Gemma nos chamando?
— Sim.
Eu respiro fundo. Meu Deus, esse foi o segundo mais longo da minha
vida.
— Ras! Gemma está com você?
Há uma risada tão seca quanto o Saara do outro lado da linha. — Ela
está aqui, tudo bem. Valentina, o que porra, há algo errado com sua irmã?
Damiano e eu trocamos um olhar. — O que você quer dizer? O que
há...
— Dê-me o telefone, seu maníaco!
Essa é a voz de Gemma. Meu peito sobe de alívio. — Deixe-me falar
com ela.
Ras xinga. — Ela tem alguns parafusos soltos. Ela me mordeu.
— Você me apalpou.
— Eu não te apalpei, sua psicopata. Aqui, fale com sua irmã para que
eu possa ficar bem longe de você.
— Foi você quem nos trancou neste armário empoeirado. — Ouve-se
um farfalhar.
— Gemma — eu chamo.
— Vale, é você mesma?
Não acredito que estou falando com minha irmã. Uma bola fica presa
na minha garganta, mas forço as palavras a passarem por ela. — Sim. Gem,
sou eu.
Ela faz um som estrangulado. — Oh, Vale, você está viva. Estávamos
tão preocupadas. Não dormi uma noite inteira desde que você partiu, e Cleo
também não. Você está bem? Onde você está?
— Estou bem. Quanto tempo você tem até a aula começar?
— Esqueça a aula. Eu posso pular isso.
Damiano coloca a mão nas minhas costas e sussurra: — Não, ela não
pode.
— Você não pode faltar à aula. — eu digo. — Ninguém pode saber que
conversamos.
— Você tem cinco minutos. — Ras diz, sua voz saindo um pouco
abafada.
— Como você está? — Preciso saber que ela está bem antes de poder
falar sobre qualquer outra coisa.
— Infeliz desde que você partiu. Mamma ficou ainda mais rígida e Cleo
está constantemente em guerra com ela. Só podemos sair de casa em
passeios pré-combinados e nada que nos coloque perto de muita gente.
Onde você está?
— Estou em algum lugar seguro. — digo a ela. — E os Messeros? Eles
ainda estão falando em casar você com eles?
— Eu estou comprometida.
Meu estômago cai. — Não.
— Com Rafaele. O contrato já está assinado, mas não há data definida.
O desespero parece um frio escorrendo pelas minhas costas. — Como
ele está?
— Eu realmente não sei. Nos conhecemos uma vez naquele jantar de
que lhe falei. Ele estava frio e desinteressado. Não achei que ele me
quisesse, mas depois que você fugiu, Papà fez isso acontecer de alguma
forma.
Levo a palma da mão à testa. — Sinto muito, Gem.
— Não sinta. Estou bem. É o que Mamma sempre disse que
aconteceria. Claro, Cleo já declarou que se ela não gostar do futuro marido,
ela atirará nele como você fez.
Eu bufo divertida. — Ela faria isso, não é?
— Eu disse a ela que era melhor ela ter uma mira mais nítida.
Alfinetadas percorrem meus braços. — O que você quer dizer?
— Lazaro sobreviveu. Você sabe disso, certo?
De repente, sinto-me tonta. Eu balanço por um momento antes de
duas mãos me firmarem na minha cintura.
— Sente-se. — diz Damiano, me levando até uma cadeira.
— Eu não sabia. — sussurro ao telefone.
— Por que você fez isso, Vale?
Não há tempo para longas explicações. Fecho os olhos. — Lazaro
recebeu ordens de Papà para capturar e ferir uma garota inocente, então eu
a ajudei a fugir. Ela e eu corremos juntas. Estou segura agora, mas não posso
dizer onde estou.
— Eu não entendo — diz Gemma. — Papà não pediria a Lazaro para
machucar uma garota qualquer. Não faz sentido.
— Ele faria, e ele fez. Juro pela minha vida que ele ordenou isso. Eu
não poderia deixar Lazaro fazer isso.
Há um longo silêncio do outro lado. — Você tem certeza? Alguém está
fazendo você dizer isso?
Posso ouvir o ceticismo em sua voz. Ela é leal ao nosso pai e está de
guarda alta, mas preciso que ela acredite em mim.
— Lazaro estava abusando de mim — eu forço. — Ele me fez fazer
coisas horríveis, horríveis. Ele é mau, e Papà sabia, mas ele me casou com
ele de qualquer maneira. Aquele ditado que temos sobre o Papà sempre
priorizar a nossa segurança? É mentira. A única coisa que Papà prioriza é o
poder.
A mão de Damiano se enrola na minha camisa. — Três minutos, Vale.
— ele sussurra.
— Por que você não disse nada? — Gemma pergunta. Sua voz treme e
acho que ela está chorando.
— Eu não poderia. Escute-me, um dia te conto tudo, mas não temos
tempo agora. Eu preciso de sua ajuda.
Vamos, Gema. Por favor, me dê uma tábua de salvação.
— Ok. O que você precisa?
Não há tempo para se sentir aliviada. — Naquele dia, no chá de panela
de Belinda, você me disse que algo estava acontecendo com Papà. Ele
aumentou o número de segurança de todos. Aconteceu mais alguma coisa
desde então? Você sabe com o que ele estava preocupado?
Ela respira fundo. — Depois que descobrimos por Lazaro que você
havia partido, Papà perdeu o controle. Ele disse que você cometeu um erro
terrível pelo qual toda a família acabaria pagando. Ele chamou Lazaro de
amador por não conseguir realizar uma tarefa simples que lhe foi confiada.
Papà disse que não conseguirá fechar o grande negócio em que está
trabalhando, o que significa que a trégua vai acabar. Mamma gritou para ele
cuidar da língua na minha frente e na de Cleo, e ele foi embora. Desde
aquela noite, ele quase não falou com nenhuma de nós. Ele passa o dia todo
em seu escritório. Eu nem acho que ele deve dormir.
— Qual negócio?
— Não sei, mas tinha algo a ver com o que Lazaro deveria fazer por
ele.
— Um acordo com Sal — Damiano murmura. — Já sabíamos que eles
estavam trabalhando em alguma coisa.
— Que é esse? — Gemma pergunta.
— Não há tempo para explicar. — eu digo. — Você disse que há uma
trégua? Com quem?
— Com um dos outros clãs “os Riccis”, mas não há mais trégua. Na
semana seguinte à sua partida, eles mataram Tito.
A dor apunhala meu estômago. — Meu Deus, pobre Tito…
— Eles estão retaliando por alguma coisa, mas Mamma não nos dá
detalhes. Mesmo assim, ela não consegue esconder a morte do nosso
primo. Sabemos que algo perigoso está acontecendo. Acho que é por isso
que meu noivado foi tão apressado. Papà precisa de aliados.
— Um minuto — diz Damiano.
— Gem, você tem alguma maneira de descobrir mais? — Eu pergunto.
Posso imaginá-la mordiscando o lábio inferior enquanto considera
minha pergunta. — Papà tem um guarda do lado de fora de seu escritório o
tempo todo, então não tenho conseguido escutar. Mas talvez eu possa
tentar algo para fazer o guarda deixar seu posto amanhã. É um tiro no
escuro, mas posso conseguir alguma coisa.
— Isso é bom. Pegue o descartável, esconda-o bem e ligue para o
número que está nele se conseguir alguma coisa. Ninguém pode saber que
conversamos, ok?
— Não vou contar a ninguém.
— O tempo está quase acabando. — diz Ras.
Lágrimas brotam em meus olhos novamente. — Eu te amo. Eu sinto
sua falta mais do que você possa imaginar.
— Eu também te amo. Na próxima vez que eu ligar para você,
conversaremos mais, ok?
— Ok. Por favor, seja cuidadosa.
Damiano desliga a ligação.
Coloco as palmas das mãos em sua mesa e me inclino para frente.
Meu coração dispara como uma manada de cavalos selvagens. Achei que
conversar com minha irmã me faria sentir melhor, mas estava terrivelmente
errada. Parece que meu peito está prestes a se abrir
Lazaro ainda está vivo.
Meu marido “meu algoz” está em algum lugar agora, planejando como
me encontrar. O medo me envolve e tira todo o ar dos meus pulmões.
Damiano coloca a palma da mão no meu ombro. — Vale, respire.
— Ele não vai parar até me trazer de volta. — eu digo.
Damiano se ajoelha ao meu lado e coloca as mãos nas minhas coxas.
Seus olhos brilham com forte convicção. — Eu prometo pela minha vida que
ele nunca mais tocará em você.
Eu me obrigo a acreditar nele. Talvez com todo o arsenal Casalese à
sua disposição, eu esteja segura.
Mas primeiro ele precisa desse arsenal.
— Ainda não temos informações suficientes. — digo, arrastando as
mãos pelo rosto.
— Não, você se saiu bem. Sabemos que o seu pai está em guerra com
outro clã de Nova York. Isso significa que ele está vulnerável. Podemos
trabalhar com isso.
Suponho que ele esteja certo. — O que Papà poderia querer tanto a
ponto de concordar em atacar Martina?
A expressão de Damiano fica tensa. — No nosso negócio, geralmente
tudo se resume a dinheiro ou poder.
Mesmo sabendo o que sei agora, é difícil para mim aceitar esta
verdade. — Quanto dinheiro é suficiente para matar uma garota inocente?
Damiano franze os lábios. — Provavelmente menos do que você
pensa.
CAPÍTULO TRINTA E TRÊS
DAMIANO

Passo o resto do dia garantindo que todas as novas medidas de


segurança que Napoletano recomendou sejam implementadas. Desde que
Ras se foi, Jax, um de seus técnicos, assumiu a tarefa de configurar todas as
câmeras e softwares extras, ele me disse que deveria terminar tudo nas
próximas vinte e quatro horas.
— Há um problema de conexão na piscina. — diz ele. — Precisamos
de um extensor para o sinal, mas deve ser uma solução fácil.
— Pegue a primeira coisa que puder.
— Você manda, chefe.
A noite que se segue é agitada. Vale se contorce em meus braços e
gostaria que ela falasse comigo, mas tenho a sensação de que ela quer ficar
sozinha com seus pensamentos.
Eu me pergunto no que ela está pensando agora – Lazaro está vivo? O
noivado de sua irmã? Ou talvez ela esteja aceitando quem seu pai realmente
é e as coisas que ele está disposto a fazer.
Parece que ela estava muito mais protegida de suas negociações do
que uma típica mulher Casalese. Por quase uma década, minha mãe
administrou as finanças do clã. Pelo que eu sabia, não havia muita coisa que
meu pai escondesse dela. Ele voltava para casa para jantar, sentávamos à
mesa e ele falava sobre seu dia para todos nós, até para as crianças. Mari
era muito jovem para entender, mas eu engolia cada palavra que saiu de sua
boca. Adorei ouvir sobre as rixas e brigas, que terminaram com ele vitorioso.
Gosto de pensar que herdei dele meu temperamento estável. Em suas
histórias, meu pai sempre foi calmo e calculista, mesmo quando lidava com
traidores. Meu pai era um don brutal, temido pelos inimigos, mas não teria
feito o que Sal e Garzolo tentaram fazer com Martina.
Percebo que a respiração de Vale ficou mais profunda. Ela finalmente
está dormindo. Eu a puxo para mais perto, inalo o cheiro de seu cabelo e
logo minha própria consciência começa a escorregar.
Um ping alto faz meus olhos se abrirem. Demoro um momento para
ultrapassar o véu do sono. Quanto tempo fiquei fora?
Minha palma envolve o telefone e eu o levanto até meu rosto. É uma
mensagem de texto da Gemma. Abro e encontro duas palavras.
Falsificações de luxo.
Eu franzo a testa para as letras.
Mesmo que eu deteste fazer isso, eu cutuco Vale para acordá-la e
mostro a ela a mensagem. Talvez ela possa ajudar a interpretar o que diabos
isso significa.
Ela aperta os olhos para a tela. — Isso é tudo que ela enviou?
— Sim. Seu pai negocia falsificações?
— Não que eu saiba... — Ela move o queixo pensativa. — Espere, os
Riccis fazem.
A família com a qual Garzolo está em guerra? Como as falsificações se
relacionam com o acordo com Sal?
Sento-me e passo a mão pelo cabelo. O clã Casalese controla uma
enorme quantidade de fábricas falsificadas na área ao redor de Nápoles.
Fornecemos a toda a Europa produtos que são impossíveis de distinguir dos
reais, e isso porque as fábricas de luxo também utilizam as nossas fábricas
para a produção das suas mercadorias autênticas. A única diferença entre o
que vendem nas suas lojas reluzentes e o que vendemos no mercado negro
é o preço. É o lado obscuro da indústria da moda que poucas pessoas
conhecem.
Qual é o objetivo de Garzolo? Estaria ele tentando minar os negócios
de seu rival inundando o mercado de Nova York com suas próprias
mercadorias? Ele estava tentando obter suprimentos de Sal?
Merda, pode ser isso.
O telefone começa a tocar.
Valentina se senta e puxa o lençol até o peito. — Quem é esse?
Olho o identificador de chamadas e entrego-lhe o telefone. — É
Gemma.
Seus olhos se arregalam. Ela atende e coloca no viva-voz. — Gemma?
Como foi?
— Olá, Valentina.
A mandíbula de Vale se fecha. Não preciso perguntar para saber a
quem pertence à voz rouca.
— O que deu em você para fazer isso, filha?
Stefano Garzolo percebeu o que estávamos tentando fazer, o que
significa que preciso calibrar minha abordagem.
— Papà — Vale respira. — Onde está Gemma?
— Sua irmã está no quarto dela, sob guarda. É improvável que ela vá
embora logo depois do truque que vocês duas fizeram.
Vale leva a mão à boca.
Faço um gesto para ela ficar quieta. — Garzolo, suponho que é melhor
passarmos às apresentações. Meu nome é Damiano De Rossi e tenho sua
filha em minha posse.
Há uma pausa do outro lado da linha e posso dizer que o que quer que
Stefano Garzolo estivesse esperando, não era isso.
— Seu don me disse que quando sua irmã voltou para você, ela voltou
sozinha.
— Ele mente, especialmente para pessoas que não cumprem suas
ordens. — Preciso semear dúvidas e fazer isso rápido. Garzolo está com
problemas em seu território. Esse é o seu principal problema. Se eu puder
me posicionar como sua chance de resolver isso, conseguirei dele o que
quero.
— Presumo que tudo esteja aberto agora. — diz ele.
— Não foi difícil descobrir quem contratou você depois que Valentina
me contou sua versão da história.
Ele bufa uma risada misturada com decepção. — Claro que ela fez.
Aposto que nem demorou muito. Você tem filhos, De Rossi?
— Não.
— Você vai um dia. Rezo para que o seu não o decepcione como o
meu.
Suas palavras enviam uma onda de raiva através de mim. Não admira
que Vale não quisesse voltar a isso. Ela puxa o lençol até o peito, os nós dos
dedos ficando brancos enquanto suas bochechas ficam vermelhas. Eu a
firmo colocando a palma da mão em sua coxa.
— E agora, De Rossi? Presumo que você não seja um homem que
perdoa.
Ele quer saber se vou atacar Sal. Assim que eu confirmar, esta
conversa terá apenas dois resultados possíveis. Garzolo virá para o meu lado
ou me delatará assim que desligarmos o telefone.
O que é a vida senão uma série de riscos calculados?
— Não sou. — digo a ele.
O homem do outro lado da linha solta um suspiro. — E o que você
planeja fazer com minha filha?
— Isso depende de como for essa conversa. — Olho para Vale.
Quando ela fala sobre Gemma, eu aceno e pergunto: — O que você vai fazer
com Gemma?
— Isso não é da sua conta.
— Papà, por favor, não a castigue. — implora Vale.
— Chega dessa porcaria de Papà. — ele retruca. — Você perdeu o
direito de me chamar assim depois de abandonar sua família. Agora, vamos
direto ao assunto. O que você quer, De Rossi?
Meus olhos imploram a Vale que confie em mim. Posso ver que ela
está prestes a surtar. Assim que eu fechar um acordo com Garzolo,
poderemos fazer mais por Gemma. Finalmente, ela dá um aceno quase
imperceptível.
— Quero lhe dar a oportunidade de corrigir os erros cometidos contra
minha família. — digo. — Sal nunca mais trabalhará com você depois do seu
fracasso, mas eu poderia.
— Você é um capo em uma ilha. Rico, mas isolado. Você não tem nada
que eu queira além da minha filha. — diz Garzolo, com a voz mais áspera do
que antes.
— Não ficarei nesta ilha por muito mais tempo. — digo a ele. É aqui
que preciso blefar. — Tudo já está em movimento.
— Você quer assumir.
— Eu vou assumir. É meu direito de nascença e meu dever. Sal está
destruindo o clã e as pessoas estão percebendo. Eles me veem como um
candidato natural, e é por isso que ele quis levar Martina para me manter na
linha. O dinheiro que ganho em Ibiza representa mais de cinquenta por
cento da receita do clã. Sem mim, ele não é nada.
A implicação é clara. Quando eu for o Don, poderei fazer com Sal
qualquer acordo de falsificação que ele esteja interessado.
— Como posso saber se isso não é apenas uma fantasia? — ele exige.
— O que faz você pensar que terá sucesso?
Terei sucesso se Garzolo concordar em me dar sua cocaína, mas não
posso dizer isso a ele. Ele não pode saber quanta vantagem ele tem. — Sal
fez muitos inimigos nos últimos anos. As famílias estão infelizes e prontas
para uma mudança. Você sabe tão bem quanto eu que todos os grandes
impérios nascem de dentro. Deixe-me ser claro, não preciso de você,
Garzolo. Quando eu me tornar o Don, serei ainda menos indulgente. Temos
uma dívida entre nós. De uma forma ou de outra, será paga.
Ele exala um suspiro. — Que tipo de pagamento você está
procurando?
Apoio os cotovelos nos joelhos. — Um suprimento de cocaína de curto
prazo. Pagarei a você um acréscimo de quinze por cento se você conseguir
levar o produto para Ibiza.
Há uma longa pausa. Vale coloca a mão nas minhas costas enquanto o
pai pensa.
Vamos lá.
— Feito, mas com a condição de assinarmos o acordo, os Messeros e
eu estávamos negociando com Sal.
O alívio cai em cascata através de mim. — Vou ter que dar uma
olhada, a menos que você queira me atualizar agora.
— Os Riccis se tornaram muito poderosos aqui em Nova York. Os
Messeros e eu fizemos uma parceria para derrubá-los e restabelecer nosso
domínio. O principal fornecedor de falsificações da Riccis na China não está
mais operacional. Foi assumido pela Tríade. Então eles foram para o Sal.
Ah, tudo está começando a ficar claro. — E você tentou fazer com que
Sal concordasse em trabalhar com você.
— Quase tivemos nosso acordo assinado. A última condição do Sal foi
o assunto com a sua irmã. Quando não entregamos, ele ficou furioso. Ele
expôs nossos planos aos Riccis. As tensões estão altas. É urgente que
façamos isso.
— Entendido. Será minha principal prioridade depois que a poeira
baixar.
— Bom. Quando você vai mandar minha filha de volta?
Encontro o olhar de Vale. — Ela vai ficar comigo.
— Desculpe-me?
— Você me ouviu. Valentina é minha.
— Ela é uma mulher casada. O marido dela a quer de volta.
— O marido dela nunca mais vai vê-la.
O silêncio se estende.
— Lazaro partiu para a Espanha alguns dias depois de seu
desaparecimento. — diz Garzolo finalmente. — Nós a rastreamos até a
Espanha. Ele está procurando desde então. Quando você me disse seu nome
na ligação, mandei uma mensagem para ele dizendo que Valentina está em
Ibiza. Ele está a caminho.
Valentina solta um suspiro.
— Chame-o. — eu resmungo.
Seu pai suspira. — Isso não será possível. Em nosso clã, nem mesmo o
Don pode interferir no casamento.
Aperto o telefone com mais força com a mão. — Bom. Estou querendo
trocar algumas palavras com ele.
— O negócio com sua irmã foi mal concebido. — diz Garzolo — Eu
entendo se você quiser se vingar.
Como se eu precisasse da permissão dele para matar Lazaro. Ele não
menciona o que aquele canalha fez com Valentina. Ele nem perguntou como
ela está durante todo o tempo em que conversamos.
— Você está bem com ele morto? — Valentina pergunta de repente.
— Achei que ele fosse seu soldado leal.
— Ele era.
— Você me deu a ele.
— Como recompensa por seu bom trabalho anterior, não por seu
fracasso recente.
Ela zomba e balança a cabeça. — Ele não é mais útil para você.
— Não.
Uma lágrima desce por sua bochecha, eu gostaria de poder pegar o
telefone e dar um pouco de bom senso ao homem. Ele ainda não tentou um
pedido de desculpas.
Infelizmente, duvido que ele o faça.
— Adeus, pai. — Valentina desliga o telefone. — Lazaro está vindo
para cá. — ela diz.
Eu encontro seu olhar preocupado. — Ele não sairá vivo, Vale.
Essa é uma promessa que pretendo cumprir.
CAPÍTULO TRINTA E QUATRO
VALENTINA

Pela segunda vez na minha vida, fui negociada em benefício do meu


pai. Nunca alimentei nenhuma fantasia sobre ele se arrepender de como me
tratou quando percebeu que eu fugi, mas experimentar sua crueldade
gelada ainda me parece um chute no estômago.
Ele está certo sobre uma coisa. Ele não é mais o Papà, mesmo esse
simples termo carrega uma conotação de afeto que não sinto mais.
Eu sou um objeto para ele.
Tenho que confiar que sou mais que isso para Damiano, mas confiar
em alguém é difícil para mim hoje em dia. Eu gostaria que ele tivesse se
esforçado mais para obter mais informações sobre Gemma. O que eles vão
fazer com ela? Sua traição será punida. Quão duramente? Não sei. Tudo o
que sei é que sou culpada por colocá-la nessa posição.
Desde que desligamos na cara do meu pai, Damiano e eu estamos de
pé. Ele está resolvendo a logística para levar as drogas do meu pai para Ibiza.
Percorro os corredores e tento identificar por onde Lazaro pode invadir,
embora Damiano tenha me garantido dez vezes que nunca conseguirá
entrar.
Quando ele me vê pairando perto da janela da sala, ele se aproxima e
para atrás de mim. — A polícia tem a foto dele. — diz ele enquanto tira meu
cabelo do pescoço. — Eles foram instruídos a trazê-lo para mim assim que o
virem em qualquer lugar da ilha.
Olho por cima do ombro para ele. — Você está trabalhando com a
polícia?
— Há anos que tenho o chefe no bolso. O que quero dizer é que ele
não vai encontrar você, Vale. Ele estará morto antes de colocar os olhos em
você.
Quero acreditar nele, mas algo me impede. É engraçado como as
coisas podem mudar tão rapidamente. Ontem à noite, quando eu estava em
seus braços, segura e aquecida, teria acreditado em qualquer coisa que ele
dissesse. Se ele me pedisse para ficar com ele, eu teria dito que sim. Agora,
meu mundo parece uma placa de vidro girando em um fino poste de
madeira. Não sei o que fazer comigo mesma. Pensar no futuro me enche de
pavor.
— Onde está Martina? — Eu pergunto.
Ele olha na direção do quarto dela. — Ela ainda está dormindo.
Quando ela acordar, não conte sobre Lazaro, certo? Receio que ela não
aceite bem se souber que ele já pode estar na ilha. Ele matou a amiga dela
e...
— Eu entendo. — Ele não precisa me explicar. Eu sei exatamente o
que Martina está sentindo. — Vou fazer companhia a ela.
Os olhos de Damiano suavizam. — Eu agradeço. Tenho algumas coisas
para revisar, você ficará bem?
— Vá, estou bem.
Ele fecha o punho na minha camisa na parte inferior das minhas
costas, me pressiona contra ele e junta nossos lábios. Dou a ele o que tenho,
mas, Deus, parece tudo errado. Quanto mais perto Lazaro chega, mais penso
no passado e nas coisas horríveis que fiz.
O dia se arrasta mesmo depois que Martina acorda e ficamos
ocupadas na cozinha. Ela me ensina a fazer seu bolo preferido, e passamos
horas assando todas as camadas e fazendo os cremes aromatizados. A certa
altura, tenho que fazer uma pausa e entrar no banheiro para me recompor.
É tão absurdo cozinhar enquanto um assassino provavelmente está a
caminho. Respiro fundo algumas vezes para me acalmar. Depois volto para a
cozinha e me sirvo de uma taça grande de vinho.
Quando chega a noite e o céu começa a escurecer, nos sentamos para
jantar. Estamos na metade do nosso bife de atum grelhado quando a
campainha toca.
Eu pulo da cadeira. É Lazaro? Não, isso é impossível. Ele não tocava a
campainha.
Damiano me acalma com um olhar calmo. — Já volto — diz ele,
tirando o guardanapo do colo e colocando-o ao lado do prato.
— Você está bem? —pergunta Martina, com o rosto cheio de
preocupação.
Percebo que ainda estou de pé, então me sento novamente. — Sim,
tudo bem. Só um pouco nervosa.
Meu batimento cardíaco acelerado só diminui quando Damiano entra
novamente na sala com Ras ao seu lado.
— Você está de volta — eu digo, notando os olhos cansados de Ras.
Eles perdem o cansaço assim que pousam em mim. Ele se aproxima,
balançando a cabeça, como se eu o tivesse decepcionado profundamente.
— Olhe. — Ele estende a mão.
Há uma marca de mordida muito clara no dedo indicador. Meus olhos
se arregalam. — Isso é de Gemma?
Ele arrasta uma cadeira e afunda nela. Seus olhos brilham com uma
curiosidade sombria que eu não tinha visto nele antes. — Eu também tenho
alguns cortes longos nas costas. Eu juro, ela deve passar seu tempo livre
afiando as unhas e transformando-as em facas.
Arqueio uma sobrancelha. — O que você esperava? Você a emboscou
no vestiário feminino. Eu ficaria mais preocupada se ela não resistisse.
Ele dá uma risada. — Nunca tive uma mulher com quem não dormisse
que me agredisse daquele jeito.
Sou só eu ou ele parece um pouco impressionado?
— Você sabe o que seu pai vai fazer com ela agora que ela foi pega
ajudando? — Ras pergunta e olha para o prato que Martina coloca na frente
dele.
— Não. Ele não nos contou.
Damiano encontra meu olhar. — Eu vou descobrir. Só preciso de um
pouco mais de tempo para garantir o acordo.
Ele seria capaz de esperar pacientemente se fosse de Martina que
estávamos falando? Desvio o olhar. Ras também não parece muito feliz com
essa resposta. Ele enfia o garfo no atum e arranca um pedaço.
— Como ela estava? — Pergunto-lhe. — Ela parecia feliz?
Ras me olha por baixo das sobrancelhas. — Ela parecia... bem. — Ele
limpa a garganta. — Não conversamos muito até que ela telefonou para
você.
Tem que haver algo que eu possa fazer pela minha irmã depois da
minha nova posição ao lado de Damiano.
Mas não depende de mim. Depende dele. Ele estará pronto, será a
palavra dele que importa, não a minha.
— Termine sua comida no meu escritório. — Damiano diz a Ras
enquanto se levanta. — Temos coisas para discutir.
Estou tão absorta em minhas preocupações que mal percebo que eles
vão embora. Minha taça de vinho está vazia. Eu reabasteço quase até a
borda.
Por que concordei em envolver Gemma em tudo isso? Eu deveria ter
fugido quando Damiano me ofereceu minha liberdade, em vez de ficar por
aqui e pensar que posso ajudar. Agora criei problemas para ela e não sei
como resolvê-los. É como se tudo em que toco apodrecesse. Damiano pode
não entender isso ainda, mas sei que é verdade.
Eu estou cansada disso. Cansada de ser quem eu sou. Uma covarde,
uma tola e uma assassina.
Levantando-me da mesa, percebo que Martina também se foi. Ela não
estava aqui quando Ras e Damiano foram ao escritório dele?
Uma sensação de mau presságio arrepia minha nuca. Ela
provavelmente subiu para o quarto quando percebeu que eu não estava
com vontade de conversar. Ainda assim, decido ver como ela está. Quando
chego à porta do quarto dela, há silêncio do outro lado. Bato e entro. Ela
não está lá.
Meus pés se movem rapidamente enquanto desço e verifico a cozinha,
o próximo lugar mais provável para ela estar. Está vazia. Pego uma pequena
faca de corte e a coloco no bolso, os alarmes soam dentro da minha cabeça.
Quando volto para a sala, vejo algo se movendo perto da piscina. Ando
cada vez mais perto das portas de vidro que levam para fora. Está escuro lá
fora, apenas as luzes embutidas dão à água um brilho suave, mas não
consigo ver os limites do jardim.
Ligo o interruptor da luz. De repente, tudo se ilumina e é aí que vejo
Martina.
É como se alguém me tivesse jogado num tanque de alcatrão grosso.
Cada movimento parece mais difícil, cada respiração é impossível de
respirar. Ela está nas mãos de Lazaro, a faca dele pressionada contra sua
garganta. O pânico gelado invade meus pulmões até que não consigo
respirar. Como ele entrou? Como isso está acontecendo?
Abro a porta deslizante e corro em direção a eles. — Martina!
Lazaro sorri e a aperta com mais força. Ele raramente sorri com os
dentes, mas desta vez eu os vejo. Parece grotesco em seu rosto, como um
alienígena fazendo movimentos sem entender a emoção por trás disso.
Paro quando estou a poucos metros de distância. — A deixe ir.
Ele olha para mim antes de colocá-lo de volta no meu rosto. — Esposa.
— Deixe. Ela. Ir. Lazaro.
— Terei uma cicatriz para o resto da vida. — diz ele, ignorando o que
eu disse. — A bala atravessou meu peito.
Martina está pálida e rígida de medo. Seu pior pesadelo ganhou vida.
Deus, farei qualquer coisa para afastar Lazaro dela. Eu só preciso de uma
oportunidade.
— Eu gostaria que isso tivesse passado pelo seu coração. — eu
sussurro.
Ele ri secamente. — Eu não te ensinei como usar uma arma ainda. Não
se preocupe, quando estivermos em casa, vou te ensinar tudo o que sei.
Sempre pensei que havia uma chance de ele terminar comigo depois
que eu o traí, mas agora sei que estava errada. Ele não vai me matar. Ele vai
me aceitar de volta, me punir e me fazer matar novamente.
Eu não posso fazer isso. Eu não farei isso.
Passos fortes soam atrás de mim. Não preciso me virar para saber que
são Damiano e Ras.
— Largue a faca ou colocarei uma bala na sua cabeça.
Ouço Damiano, mas não consigo vê-lo. Não quero tirar os olhos de
Martina nem por um momento. Ele deve estar alguns metros atrás de mim.
— Se meu pulso parar por qualquer motivo, eu explodo. — diz Lazaro
simplesmente, apontando para o relógio em seu pulso. Deve estar
monitorando seus batimentos cardíacos.
Meus olhos se arregalam.
Esse sorriso está de volta em seu rosto. — Eu não sou amador,
Valentina. Você conseguiu me enganar uma vez, admito, mas isso nunca
mais vai acontecer.
Eu acredito nele. Uma sensação estranha se materializa dentro da
minha caixa torácica. Eu temia tanto esse momento, mas agora que chegou,
meu medo fica em segundo plano. Encontro o olhar de Martina e sei o que
devo fazer.
— Eu irei com você se você deixar Martina ir. — eu digo.
— Ela vai ficar conosco até que você e eu estejamos no meu barco.
Um barco? Não há praia aqui, apenas uma falésia acentuada que leva
à água. Como ele conseguiu um barco aqui sem ser detectado pelos caras de
Damiano?
Damiano tenta se aproximar, mas saio de seu alcance.
— Vale — ele diz baixinho.
Olho para ele por cima do ombro e balanço a cabeça. Uma dúzia de
emoções passam pelo rosto de Damiano. Fiz muitas escolhas no passado das
quais me arrependo, mas não vou acrescentar outra à lista hoje. Vou levar
Martina para um lugar seguro, mesmo que seja a última coisa que eu faça.
Ele a ama tanto... mais do que meus pais jamais me amaram. Não vou o
deixar perdê-la.
Virando-me para encarar Lazaro, dou um passo à frente. — Olhe — eu
digo enquanto abro meus braços. — Estou desarmada, nem estou com meu
telefone comigo. Leve-me para o barco e deixe-a em paz. Se você disser que
vai libertá-la, eles não vão atirar em mim.
Lazaro olha para os homens atrás de mim. A única vantagem que
tenho aqui é que ele nada sabe sobre meu relacionamento com Damiano.
Pelo que ele sabe, Damiano tem me punido por meu envolvimento no
sequestro de sua irmã durante todo esse tempo.
— Isso está certo? — ele pergunta.
— Vale — Damiano resmunga. — O que...
— Diga a ele que você não vai atirar em mim se ele deixar sua irmã ir.
— insisto. Ele não pode desperdiçar esta oportunidade.
Eu o ouço respirar fundo. — Eu não vou atirar nela.
A faca de Lazaro brilha na luz. — Bom. Vou deixar sua irmã ir quando
chegar a hora. Lembre-se, se você me matar, estaremos todos mortos. Não
nos siga a menos que queira que eu corte a garganta dela.
Ele balança a cabeça para o lado, me dizendo para passar pelo portão
que sai da área da piscina. A fechadura está quebrada. Deveria haver um
guarda aqui, certo?
Ao passar pelo portão, minha atenção se concentra no homem caído
no chão. O guarda está morto. Damiano e Ras não o seguem. Só posso
imaginar a tortura que é para ele ver sua irmã em perigo.
— Não temos tempo para admirar a paisagem, Valentina. — diz Lazaro
atrás de mim. — Ande direto até chegar ao penhasco.
Sigo suas instruções, meu batimento cardíaco acelerado dentro do
peito. Fico olhando por cima do ombro para ver Martina, mas está escuro lá
fora e tudo que vejo são breves vislumbres de seu rosto aterrorizado. Ela
deve estar em choque. Lazaro realmente vai deixá-la ir? Eu rezo para que ele
o faça.
Há uma escada de corda pendurada na beira do penhasco, quando
olho para baixo, vejo uma pequena lancha an corada abaixo. Ela balança
suavemente na água negra. É assim que ele planeja fugir.
— Pegue a escada. — ordena Lazaro.
De jeito nenhum vou deixá-la sozinha com ele. — E quanto a Martina?
Seus olhos azuis encontram os meus. — Desça, Valentina.
Uma gota de suor rola entre meus seios. — Não. Não até que você a
deixe ir.
O ar fica pegajoso e denso enquanto Lazaro me estuda com seu olhar
frio e calculista.
— Ela é a única que já escapou. — ele diz finalmente. — Uma marca
negra no meu histórico perfeito.
Porra. Ele vai matá-la.
Não posso deixar isso acontecer.
Tiro a faca de cozinha do bolso e pressiono-a contra o pulso. — Eu sei
exatamente onde preciso me cortar para sangrar em minutos. Eu farei isso
se você matá-la.
As feições de Martina se contorcem. — Vale, não!
Lazaro respira surpreso. — Você está blefando.
O fato de ele pensar isso mostra o quão pouco ele me entende. —
Deixe-a ir, ou você nunca me terá de volta.
Passei muito tempo com medo de fazer a coisa certa, mas não tenho
mais medo. Desta vez, farei o que é certo, custe o que custar.
Ele faz uma careta. Se eu não o conhecesse melhor, pensaria que ele
ficou realmente magoado com minhas palavras. — Você é minha esposa. —
ele rosna. — Você pertence a mim.
— E você vai me ter de volta assim que a deixar ir.
Seu olhar duro, o olhar que senti em mim tantas vezes antes, penetra
além das camadas até que ele finalmente vê a verdade do que estou
dizendo. Ele estala a língua e empurra Martina com força suficiente para que
ela caia no chão. Ele passa por cima dela e avança em minha direção. —
Largue a faca e desça a escada, ou mudarei de ideia.
Faço o que ele diz, dando uma última olhada em Martina antes de me
abaixar e colocar o pé no primeiro degrau. Ela está chorando
silenciosamente, com o rosto molhado de lágrimas.
A corda range e balança enquanto desço, sua superfície áspera atinge
minhas palmas. Lazaro está na beira do penhasco, observando cada
movimento meu, quando estou quase no fundo do penhasco, ele se vira e
começa a descer.
Meus pés tocam as pedras às quais o barco está amarrado por uma
corda grossa, enquanto tento encontrar o equilíbrio, tropeço em alguma
coisa.
Olho para baixo.
Há uma pedra solta do tamanho de um punho ao lado do meu pé. Sem
pensar duas vezes, me abaixo, pego-a e escondo-a nas costas.
Lazaro salta do último degrau e se vira para mim. Ele balança a cabeça
na direção do barco. — Entre e sente-se.
São apenas dois assentos, lado a lado. Ele desamarra a corda enquanto
eu me sento. Quando ele termina, ele assume seu lugar ao volante.
Coloquei a mão que segura a pedra entre minha coxa e a borda do
barco, escondendo-a de vista. — Onde estamos indo?
Ele gira a chave na ignição. — De volta para casa.
Ele nos conduz para o mar. Está tão escuro que levo apenas trinta
segundos para ficar desorientada. Não tenho ideia de em que direção
estamos indo.
— Nova York não é minha casa. — digo a ele. — Deixou de ser assim
quando me casei com você.
Um músculo em sua mandíbula treme. — Cometi erros com você, mas
vou corrigi-los.
— Erros? Forçar-me a matar por você é mais do que um erro. — digo.
— Isso não foi o que eu quis dizer. Eu deveria ter passado mais tempo
com você. Deveríamos ter começado a trabalhar em uma família.
Eu olho para ele com horror. Era isso que ele achava que fez de
errado? — Eu nunca vou te dar um filho, Lazaro. Vou cortá-lo do meu ventre
antes de trazer sua prole para este mundo.
— Você não sabe o que está dizendo. Mas eu vou consertar você. Vou
te ensinar como ver as coisas do meu jeito. Você nunca mais me deixará,
Valentina. Você é minha esposa. Minha parceira. Esperei muito tempo para
compartilhar minha vida com você e nunca mais vou deixar você ir. Eu te
amo.
Aperto a pedra na palma da mão. — Você não ama nada.
— Você está errada.
— Você realmente tem um explosivo em seu corpo?
Ele concorda. — Nosso seguro caso eles decidam vir atrás de nós.
As nuvens se abrem para revelar um pedaço da lua. É como um olho
celestial olhando para mim e esperando para ver se farei o que preciso
fazer.
Eu respiro fundo.
Eu nunca vou voltar.
Eu me aproximo dele e bato a ponta afiada da rocha em sua têmpora.
Ele grita de dor e me joga de cima dele, mas eu pulo nele novamente. É mais
fácil lutar com ele quando não tenho mais nenhuma autopreservação.
— Pare com isso. — ele ruge.
Eu acerto outro golpe em sua cabeça. Este o derruba. Não espero para
ver se fiz o trabalho certo desta vez, apenas continuo batendo nele e
batendo nele até que minhas mãos fiquem sujas de sangue.
Quando paro, ele geme fracamente e pisca um olho para mim. —
Somos uma equipe. Estamos bem juntos.
— Não, não estamos, porra.
Pego a pedra com as duas mãos e bato bem no centro do rosto dele.
CAPÍTULO TRINTA E CINCO
DAMIANO

O desespero goteja em minha corrente sanguínea. Só me senti assim


uma vez: no dia em que minha irmã desapareceu em Nova York. De alguma
forma, agora é ainda pior. Eu congelei quando vi a cena na piscina. Congelei,
porque naquele momento pensei que teria que fazer uma escolha - Vale ou
Mari - e não sabia como escolheria.
Minha irmã sempre foi à coisa mais importante da minha vida. Minha
alegria, meu espelho, minha família. Disse a mim mesmo que nunca a
abandonaria como minha mãe fez. Julguei minha mãe pela escolha que ela
fez durante toda a minha vida. Eu nunca consegui entender ela se juntar ao
meu pai na morte em vez de viver uma vida conosco.
Mas agora finalmente entendo.
Numa situação impossível como esta, não existe certo ou errado.
Faça o que fizer, a condenação o aguarda.
Minha arma está na mão enquanto espio além do portão da piscina
onde Lazaro, Vale e Martina estão. Eles estão conversando, mas estão longe
demais para que eu os ouça. Quando vejo Vale pressionar uma faca em seu
pulso, meu estômago gela. Eu sei o que ela está fazendo.
Ela está salvando minha irmã.
Ela está fazendo a porra do meu trabalho.
Cazzo. Como diabos isso aconteceu? Eu deveria ter verificado três
vezes todas as câmeras em vez de confiar em meus homens para acertar na
ausência de Ras. A câmera da piscina não está funcionando. Foi assim que
Lazaro entrou.
Uma total consternação toma conta de mim como uma jaqueta
pesada e faz com que meus membros pareçam chumbo. Os gritos da minha
mãe ressoam em meus ouvidos. Não posso perder as duas, mas sou
impotente. Nunca pensei que me encontraria aqui novamente.
Lazaro e Vale param de conversar. A luz da lua reflete na lâmina que
está inclinada contra a pele de Vale, os olhos de Martina estão fixados nela.
Mesmo de tão longe, posso ver o quanto ela está tremendo.
De repente, o impasse termina. Lazaro joga minha irmã no chão e
rosna alguma coisa para Vale. Ela começa a se mover em direção à beira do
penhasco, com Lazaro logo atrás dela. Tenho um tiro certeiro, mas não
consigo. Não quando ele se transformou em uma bomba humana com uma
carga desconhecida.
Assim que Lazaro desaparece no penhasco, corro até minha irmã.
— Dem! — Ela está chorando enquanto eu a tomo em meus braços. —
Ele tem Vale.
— Eu sei. Você está machucada?
— Estou bem. Você precisa ajudá-la. Eles estão entrando no barco
dele.
Entrego-a para um segurança e aceno para Ras. Corremos pela casa e
descemos três degraus de cada vez até chegarmos ao meu cais. Ras pula em
uma lancha comigo logo atrás.
Vale fez isso. Ela salvou a vida de Martina pela segunda vez, mas não
posso deixar que isso aconteça às custas da dela. Eu deveria estar ao lado
dela o tempo todo. Por que a deixei na mesa de jantar? Já nem me lembro
mais sobre o que precisava falar com Ras.
Se eu não a recuperar, o mundo como o conheço acabará. Não haverá
luz sem ela.
Enquanto nosso barco acelera sobre a água, passo os dedos pelos
cabelos. — Mais rápido — eu grito. Não conseguimos ver o barco do Lazaro,
mas eles não podem ter chegado tão longe. Eles têm cinco minutos a mais,
no máximo. Assim que os alcançarmos, com bomba ou não, tirarei Vale dele
e então colocarei uma bala em seu cérebro.
— Lá! — Ras grita enquanto as nuvens se abrem.
Ao longe, vejo a pequena imagem de um barco iluminado pela lua.
Meu peito se expande. — Nós os pegamos. Não diminua a velocidade.
Assim que eu salvá-la, farei dela minha rainha. Vejo isso tão
claramente como se já tivesse acontecido. Minha valente Vale. Ela é perfeita
para mim. Construiremos nosso reino juntos e ela governará ao meu lado.
É quando isso acontece.
Uma bola de chamas aparece na superfície da água, seguida por um
estrondo ensurdecedor.
O mar queima.
E com ele, os restos do barco de Lazaro.
Meu horror se solidifica em uma pedra dura dentro do meu estômago.
Não, isso não pode ser real. Ela não pode estar queimando, porra.
Estendo o braço e enfio os dedos no ombro de Ras. — Continue — eu
falo. — Chegue o mais perto possível. — Ele solta um grunhido cheio de
frustração e acelera de volta, movendo-se na direção das chamas.
A bomba. Lazaro não estava mentindo sobre usar uma.
Ela o matou mesmo sabendo que isso significaria sua própria morte?
Não, Vale não pode estar morta. Ela. Não. Pode. Estar. Morta. Porra. Ela não
faria isso. Ela queria viver, droga. Ela não sabia que eu a rastrearia até os
confins da terra para recuperá-la?
Quando chegamos aos destroços em chamas, meu coração afunda.
Não sobrou nenhum barco. Está em pedaços, despedaçado pela explosão.
— Não. Não! — Eu me viro, procurando por algo - qualquer coisa - na
água que possa ser ela. — Vale!
Ras está virando o barco no lugar para iluminar o máximo possível da
água. É difícil ver alguma coisa.
Acho que vejo um lampejo de pele perto de um pedaço flutuante do
que sobrou do casco. — Aí mesmo, volte. — eu grito.
Ras direciona a luz naquela direção, não há nada lá agora, mas havia...
Estou certo disso. Eu a vi.
Eu pulo do barco. A água lambe meu rosto, o cheiro está corrompido
pela gasolina e pelas chamas. Nado até estar exatamente no local onde
pensei tê-la visto, então mergulho.
Ras mantém a luz focada em mim, que é a única razão pela qual
consigo ver alguma coisa. Nado até não ter mais ar nos pulmões, depois
volto e faço tudo de novo.
Ela tem que estar aqui em algum lugar. Meus pulmões doem e meu
peito parece que está prestes a se abrir.
Tudo fica muito claro nesse momento.
Eu amo essa mulher. Nadarei até o fundo deste mar se isso for
necessário para trazê-la de volta para mim. Por favor, Deus, deixe-me
encontrá-la. Se você fizer isso, eu prometo a você, nunca sairei do lado dela.
Quando saio da água para respirar novamente, ouço uma voz fraca em
algum lugar à minha direita. A princípio, acho que é a falta de oxigênio que
está afetando minha audição e me fazendo imaginar coisas. Mas então eu
ouço de novo.
Virando-me, eu a vejo. Ela está flutuando na água a cerca de dez
metros de distância, com o cabelo grudado no rosto.
Pisco para ter certeza de que não é uma miragem. Ela ainda está lá, e a
onda de adrenalina que se segue me faz sentir como se eu pudesse voar.
— Vale! — Meus braços cortam a água. Vinte pés. Dez pés. Cinco.
Assim que seu corpo está em meus braços, solto um suspiro de alívio.
Minha cabeça parece leve. Ela enterra o rosto na curva do meu pescoço e
chora.

A adrenalina não diminui até que meus pés atinjam o chão sólido.
Saímos do barco e eu a levanto em meus braços. Ras fica para trás para
amarrar o barco e nos dar um pouco de privacidade.
Alguns guardas tentam correr até mim, mas eu os afasto com um
olhar. Preciso de um maldito minuto apenas para abraçá-la. Eles não
entendem que quase a perdi nas ondas?
Vale segura minha camisa encharcada e encontra meu olhar. — Ele
está morto?
— Você o matou, baby. Não sei como, mas você o matou.
Suas feições se contorcem. — Eu bati nele com uma pedra. — ela
choraminga. — Eu bati na cara dele.
Eu a aperto com mais força enquanto a culpa toma conta de mim.
Deveria ter sido eu. — Você fez o que tinha que fazer.
Ela funga e limpa a mão debaixo do nariz. — Ele não achou que eu
conseguiria. Colocar minha própria vida em risco para me livrar dele.
— Você não fez isso apenas para ser livre. Você salvou Mari. — Meu
batimento cardíaco encontra um ritmo irregular. — Nunca esquecerei isso,
Vale.
Quando entramos em casa, minha irmã está nos esperando na sala.
Ela pula do sofá e corre até nós, arregalando os olhos quando percebe
nossas roupas pingando. — Oh! Graças a deus! Você está bem?
Coloco Vale de pé e observo enquanto elas se abraçam. Vê-las juntas
faz algo mudar dentro do meu peito.
Vale passa a mão pelos cabelos de Martina e beija sua têmpora. —
Sinto muito que você tenha passado por isso.
O aperto de minha irmã sobre ela fica mais forte. — Não se desculpe.
Não foi sua culpa. O que aconteceu?
Vale respira fundo. — Eu bati nele com uma pedra que encontrei.
Quando pensei que ele estava prestes a morrer, mergulhei na água. O barco
explodiu acima de mim.
Ela o matou com a porra de uma pedra. Seu olhar encontra o meu,
vejo o horror daqueles poucos momentos refletidos dentro de mim. Ela não
queria mais machucar as pessoas, mas tinha que fazer isso.
Juro por Deus, é a última vez que ela terá que fazer algo assim
novamente.
Saímos de Mari e subimos para nos trocar. Quando Vale vai em
direção ao chuveiro do meu quarto, luto contra a vontade de segui-la. Quero
dar espaço a ela, mas ela olha por cima do ombro e me chama para frente.
Tiramos nossas roupas e entramos no chuveiro.
Quando ela liga a água, não aguento mais. Tenho muito a dizer a ela.
— Eu estraguei tudo. — eu falo rouco. — Prometi que iria mantê-la
segura, e não o fiz.
Ela pega o sabonete e passa no meu peito.
— Eu deveria estar totalmente focado em proteger você, mas em vez
disso, metade da minha mente estava em Sal e em como eu iria derrubá-lo.
Eu falhei com você. — Tiro o sabonete da mão dela e levo as pontas dos
dedos aos meus lábios. — Mas eu nunca vou falhar com você novamente.
Fique comigo. Dê-me outra chance de mostrar como podemos ser bons
juntos.
Ela suspira. — Eu não quero ser sua mulher mantida. Durante toda a
minha vida fui um pequeno bote sacudido por ondas criadas por navios
muito maiores. É hora de definir meu próprio rumo.
Eu empurro seu queixo para cima. — Eu não quero uma mulher
mantida. Eu quero uma parceira. Uma igual ao meu lado. É você. Se estou
prestes a me tornar rei, você será minha rainha.
Ela pisca para mim e posso ver que ela ainda não está convencida. —
Dons não têm parceiras.
— Talvez seu pai não saiba, mas eu não sou ele, os Casalesi têm uma
forte tradição de colocar mulheres em papéis de poder. Você pode fazer o
que quiser. Escolha uma parte do império para governar.
Um pouco de cor retorna às suas bochechas. — Eu sei como as máfias
funcionam bem o suficiente para saber que você não pode simplesmente
trazer uma estranha para um clã e dar a ela todo esse poder.
Eu dou a ela um sorriso suave. — Uma estranha, não. Mas posso dar
para minha esposa.
Sua boca se abre. — Você está me pedindo em casamento?
— Sim.
— Nós nos conhecemos há apenas um mês.
— Meu pai pediu minha mãe em casamento no segundo encontro.
Eles se amavam mais do que qualquer pessoa que já conheci. Pode ter se
passado apenas um mês, mas não há a menor dúvida dentro de mim. Você é
a única mulher que eu vou querer. Eu te amo, Vale.
Seus cílios tremulam e ela baixa o olhar para meu peito. — Eu preciso
pensar.
— Claro. — Não espero uma resposta dela agora. Ela já passou por
muita coisa. Mas todos os dias, trabalharei para convencê-la a ser minha.
CAPÍTULO TRINTA E SEIS
VALENTINA

Passo os próximos dias na cama de Damiano cuidando dos meus


inúmeros hematomas e cortes superficiais. Martina me traz todas as minhas
refeições, Ras faz check-in pelo menos uma vez por dia e Damiano sai do
meu lado por no máximo uma hora. Sinto que ele odeia quando tem que
fazer isso.
Apesar da minha condição física difícil, sinto-me bem. Leve mesmo.
Lazaro nunca mais me encontrará. O controle que ele tinha sobre mim
desde que colocou aquele anel no meu dedo desapareceu.
Tecnicamente, sou viúva, mas nunca me considerarei como tal. Lazaro
não terá lugar na minha história.
Por muito tempo, pensei que ele me prejudicou irremediavelmente,
mas agora não estou tão pessimista. Ao salvar Martina, acho que posso ter
me salvado. Não me sinto mais uma pessoa tão horrível. Quando olho para
trás, para a mulher que fui, aquela que torturou e matou aquelas pessoas,
vejo uma alma quebrada tentando o seu melhor para sobreviver. Foi o
melhor que pude fazer depois de ser traída por aqueles em quem mais
confiava. Meus pais. Eles me colocaram em uma situação horrível, sem
saída.
Eu nunca faria isso com meus próprios filhos.
Meu pai ficou chateado quando Damiano lhe contou sobre Lazaro. Eu
estava na sala enquanto eles conversavam, embora meu pai não soubesse
que eu estava lá. Ele disse que isso tinha que ser feito, mas que havia
perdido um de seus melhores homens.
Quando Damiano lhe contou que fui eu quem matou Lazaro, ele ficou
em silêncio. Acho que nunca conseguirei um pedido de desculpas dele, mas
não preciso de um. Eu me perdoei. Mas nunca vou perdoá-lo.
Do outro lado da enorme janela do quarto está o mar. Saio da cama e
vou para a varanda.
Vim aqui muitas vezes nos últimos dias para olhar a água cintilante e
pensar no que Damiano me disse quando voltamos para casa na noite em
que Lazaro morreu.
Ele quer que eu fique aqui. Para se casar comigo e me tornar sua
rainha. Ele disse que me amava, mas eu não respondi. A lembrança envia
uma onda de calor através de mim, mas é afugentada por uma brisa. Coloco
meus antebraços no corrimão e respiro.
Acordei antes dele esta manhã - uma raridade - e estudei seu corpo e
os contornos de seu rosto. Ele é tão bonito que às vezes dói olhar para ele.
Ele tem uma pequena marca de nascença logo acima do quadril direito,
quando pressionei meus lábios nela esta manhã, ele acordou e fez um som
que nunca esquecerei. Um suspiro feliz, misturado com um gemido
sonolento. Eu queria encaixotar esse som e escondê-lo. Um pedaço dele que
só eu conseguiria guardar.
Achei que ele iria me pressionar para tomar uma decisão, mas ele não
tocou no assunto novamente. Ele vem e me faz companhia. Assistimos
filmes, compartilhamos refeições e conversamos sobre o dia dele. Mais
frequentemente, temos longas sessões de amassos que me deixam confusa
de excitação. Ele insiste que não fará mais nada comigo até que eu volte
cem por cento. Quando faço perguntas sobre Sal ou qualquer coisa
relacionada ao clã, ele me dá respostas honestas, sem esconder nada.
Tudo isso planta ideias dentro da minha cabeça, o que tenho certeza
que é a intenção dele. Ele está me mostrando como seria se eu dissesse sim.
E honestamente? Ele está começando a me conquistar.
É tudo uma loucura. Acabei de escapar de um casamento tóxico com
um made man e agora estou pensando seriamente em dizer sim a outro.
Mas Damiano não é Lazaro, não sou mais obrigada a agir de acordo
com os desejos de ninguém além dos meus. Se eu concordar em fazer isso, a
escolha será minha. Será um casamento entre iguais. Não haverá segredos,
mentiras ou enganação sobre meus olhos.
Quando a porta se abre, sei que é ele. O som de seus sapatos de couro
no chão de madeira já é familiar. Ele vai até a varanda e coloca uma mão
quente nas minhas costas.
Eu me viro para ele. Existem mudanças sutis em seu rosto. As linhas
duras de que me lembro tão claramente naquela primeira noite em que nos
conhecemos suavizaram-se. Seus olhos não são mais tão escuros. Seus
lábios se curvam com uma sugestão de sorriso, e um monte de borboletas
ganha vida dentro do meu estômago.
— O que você está pensando? — ele pergunta com sua voz profunda.
Eu sorrio. — Você.
Sua testa franze e ele desvia o olhar, parecendo nervoso pelo que
deve ser a primeira vez. — Eu deveria estar preocupado?
— Talvez — eu provoco.
— Tenho algo para mostrar que deve marcar alguns pontos a meu
favor.
— Eu já vi seu pau.
Ele bufa uma risada. — Isso não. — Seu braço envolve minha cintura.
— Vamos lá.
Estou ansiosa para sair do quarto dele depois de passar três dias nele,
então o sigo com zelo. Sua mão permanece no meu quadril enquanto
atravessamos o corredor e descemos as escadas.
Quando a sala aparece, fico de boca aberta. Agarro seu antebraço em
busca de apoio. — Gemma?
Minha irmã está sentada no sofá em frente a um Ras carrancudo, mas
quando ela me ouve, ela se levanta e se vira. — Vale!
Eu não posso acreditar nos meus olhos. Como é possível que ela esteja
aqui? Como meu pai permitiu que ela viesse?
Meu olhar encontra o de Damiano. Ele parece muito satisfeito consigo
mesmo.
— Você fez isso? — Eu pergunto a ele com uma voz admirada.
Ele não responde, apenas sorri e me empurra para frente.
É quando eu sei.
Vou me casar com esse homem.

Ao anoitecer, saímos todos para jantar no pátio. A mesa está posta


para cinco. Acomodo-me entre Damiano e Gemma e aprecio a magnífica
pasta preparada pela cozinheira. Tábua de presunto ibérico, pasta de
tomate e pão, salada de folhas com queijo de cabra grelhado, sardinha em
azeite e ceviche de camarão. Tudo parece tão bom que me dá água na boca.
Enquanto Gemma discute com Ras sobre que vinho devemos beber
(não me lembro de ela ter tido opiniões fortes sobre o assunto), Damiano
assume a responsabilidade de encher meu prato com comida.
— Espero que você não esteja planejando me alimentar desta vez.
Ele me lança um olhar malicioso. — Eu precisaria pegar a corda
primeiro.
Minha risada subsequente desaparece quando meu olhar cai sobre
Martina.
A julgar pelas sombras escuras sob seus olhos, ela ainda não voltou a si
mesma. Ras lhe oferece um pouco de vinho e ela concorda. Quando Gemma
sussurra algo para Martina, um pequeno sorriso aparece no rosto da jovem,
mas cheio de tristeza. Ela precisa se curar e isso levará algum tempo. Ela
carrega um peso, assim como eu. É algo que ela terá que enfrentar um dia.
Quando ela estiver pronta, estaremos aqui para ajudá-la.
Assim que Gemma se acomoda ao meu lado, estendo a mão e pego a
mão dela. Ainda é tão surreal que ela esteja aqui. Damiano a trouxe até aqui
em seu avião particular depois de conseguir convencer meu pai a permitir
que ela me visitasse por alguns dias. Em troca, ele ofereceu condições mais
favoráveis para o acordo de falsificação de luxo que eles assinarão quando
Sal sair. Eles iniciaram negociações para que quando Damiano assumir o
poder esteja pronto para entrar em vigor.
Damiano é inteligente... ele descobriu exatamente como manipular
meu pai. Vincule isso aos seus interesses comerciais e ele poderá, de
repente, se tornar um homem muito mais razoável.
Mais cedo, tentei conversar com Gemma sobre seu noivado com
Rafaele Messero, mas ela me ignorou. Parece que isso me preocupa mais do
que a ela. Ela não me deixou insistir no assunto. Em vez disso, ela me
implorou para contar a ela o que aconteceu entre Lazaro e eu.
Eventualmente, eu contei. Eu contei tudo a ela. Choramos juntas, agarradas
uma a outra até que nossas lágrimas secassem. Nunca a vi tão zangada
como quando lhe contei que nossos pais sabiam de tudo e se recusaram a
fazer qualquer coisa. Ela disse que eles nunca mais conseguiriam fazer algo
assim, e acho que ela está certa. Assim que a influência de Damiano estiver
consolidada sobre meu pai, poderei proteger minhas irmãs.
A conversa à mesa flui com facilidade. Conversamos sobre coisas
alegres até que Ras recebe uma ligação no momento em que os pratos estão
sendo retirados para a sobremesa.
Quando ele retorna, sua postura é rígida e seus lábios estão
pressionados em uma linha fina.
Damiano se levanta. — O que aconteceu?
— Recebemos a primeira remessa de Garzolo. É o suficiente para
cortarmos os outros. Eles estão esperando sua aprovação.
Pressiono meu guardanapo nos lábios. Já conversamos sobre o plano
de Damiano com frequência suficiente para que eu saiba que este é um
ponto sem volta. Assim que ele parar de aceitar suplementos do fornecedor
de Sal, Sal saberá que algo está acontecendo.
E então se tornará um jogo sobre quem perde primeiro a confiança
dos principais membros do clã.
Não espero que Damiano se volte para mim, mas ele o faz. — Preciso
falar com você um minuto.
Eu o sigo para dentro até chegarmos ao seu escritório. Ele fecha a
porta atrás de si e fica na minha frente. — Você sabe o que acontecerá
quando eu der essa ordem.
— Eu faço.
Seus olhos procuram meu rosto. — Sei que só se passaram alguns dias,
mas preciso saber o que você está pensando antes de tomar essa decisão.
Se você tem alguma coisa que queira dizer, fale agora.
Levo meus dedos até sua bochecha. — Acho que é hora de você
recuperar o que é seu.
Ele inala. É uma resposta, mas não a que ele procura. — E você?
Um relógio bate alto na parede e isso só me faz perceber o quão
rápido meu pulso está acelerado. — E estarei ao seu lado durante tudo isso.
Como sua esposa.
Damiano fecha os olhos e inclina o rosto para beijar as pontas dos
meus dedos. Ele me puxa para seu peito. — Você não sabe o que isso
significa para mim.
Quando seus lábios encontram os meus e sua língua desliza em minha
boca, sinto como se estivesse voltando para casa.
A primeira casa de verdade que já tive.
— Você sabe o que terei de fazer para me tornar o novo Don. — diz
ele depois de um tempo. — Não será a primeira nem a última vez.
Ele terá que matar Sal com as próprias mãos. Fui criada por um Don e
sei que tipo de vida uma posição como essa implica.
Mas não é a violência que me assusta. São as razões por trás disso,
essa é a diferença entre Damiano e todos os outros. Confio que suas razões
sempre serão justificadas.
— É preciso mais do que isso para assustar as pessoas que amo. —
digo, passando os braços em volta do pescoço dele.
A satisfação se espalha por seu rosto. — E é por isso que você é meu
par perfeito.
EPÍLOGO
DAMIANO

— As flores ficaram presas no trânsito, mas estarão aqui em uma hora.


Não consegui encontrar um padre que fizesse isso em tão pouco tempo,
mas há um cara que conheço no iate clube que está registrado para fazer
casamentos, e eu o tenho no carro. — diz Ras enquanto se inclina no
batente da porta do meu quarto.
Ajusto minha gravata no espelho. Risadas femininas abafadas chegam
até mim do corredor. Do lado de fora da varanda, um violino está sendo
afinado.
— Não é o ideal, mas servirá. — eu digo.
Ras vai até o carrinho do bar, serve uísque em dois copos e me entrega
um. — Como você está se sentindo?
— Como se eu fosse me casar em duas horas. — eu digo.
9
Ele sorri. — Cin cin
Brindamos nossos copos e bebemos.
Meu maior arrependimento é não poder dar a Vale o casamento que
ela merece, e é por isso que eu disse a ela que ela teria dois... um agora,
enquanto sua irmã estiver aqui conosco, outro quando eu assumir meu lugar
como don. Quero vê-la nos degraus da basílica de Nápoles onde meus pais
se casaram.
Há uma foto daquele dia na minha mesa de cabeceira. Eu me movo
para olhar para ela novamente. A maioria das fotos de nossa família
queimou no incêndio, mas ao longo dos anos, o pai de Ras me ajudou a
encontrar algumas.
Sempre que vejo esta foto em particular, fico impressionado com a
aparência normal dos meus pais. Está bem nítida, com apenas a entrada da
basílica ao fundo e nenhum dos convidados à vista. Minha mãe está com um
vestido de renda branca com gola alta e meu pai com um terno de corte
fino. Linda, sim. Mas normal. Sem saber nada sobre o casal, seria fácil
imaginá-los como uma família italiana comum, em vez de um don e donna
do sistema.
O amor um pelo outro os humanizou.
Depois de me apaixonar por Vale, acho que finalmente os vejo como
humanos também. Falhos e imperfeitos, mas capazes de um amor imenso.
Quando chega a hora, saímos do quarto e dirigimo-nos aos jardins
onde será realizada a cerimônia. Casaremos debaixo de um caramanchão
que a Mari criou há alguns anos.
— Parece bom — digo a Ras, examinando o espaço.
— Eu gostaria de receber o crédito, mas é principalmente trabalho de
Gemma.
Minha sobrancelha arqueia. — Vocês dois estão finalmente se dando
bem?
— Como óleo e água. — diz ele, desviando o olhar e enfiando as mãos
nos bolsos.
Eu rio. — Você acha que eu não notei você olhando para ela sempre
que ela não está olhando? Pena que ela está noiva.
Sua resposta nunca sai de sua boca. O violino começa a tocar e a
cerimônia começa.
Minha irmã sai primeiro, seguida por Gemma, ambas com lindos
vestidos azuis. Cada uma delas me dá sorrisos calorosos e toma seus lugares
em frente à Ras.
Quando Vale aparece no final da passarela, meu coração pula na
garganta. Sinto um tremor em minhas mãos e cerro os punhos ao lado do
corpo e me forço a respirar.
Meu Deus, essa mulher.
Ela flutua pela passarela, com os ombros à mostra e um buquê nos
braços. Aquele vestido nela é um sonho molhado, já estou pensando em
quão rápido poderei tirá-lo dela.
Minha. A palavra ecoa na minha cabeça até que ela para diante de
mim e levanta os olhos para encontrar os meus.
O jardim, nossos amigos, até o chão onde estou, desaparecem. Tudo,
exceto ela, fica em branco. Dentro desses olhos há uma promessa de um
futuro que nunca pensei que teria, quando seus lábios carnudos se curvam
em um sorriso sem fôlego, eu sorrio e levanto meu rosto para o céu azul.
Espero que você esteja me observando agora.

ALGUNS DIAS DEPOIS

O cabelo de Vale está enrolado em uma toalha quando ela sai do


chuveiro. Eu pretendia me juntar a ela lá, mas então abri a maldita boca.
Passei os últimos dias na cama, entregando-me completamente à minha
obsessão pela minha esposa. O plano era continuar fazendo isso até o
jantar, mas consegui irritá-la e estragar o clima.
Seu olhar me encontra parado na varanda e ela exala um suspiro
frustrado. — Você realmente achou que eu deixaria você me despachar para
algum lugar dias depois do nosso casamento, Damiano? Não é assim que vai
funcionar. — Ela vai até a penteadeira de maquiagem – uma nova adição ao
quarto desde que se mudou – e bufa enquanto se senta em uma cadeira. —
Eu não posso acreditar em você.
Eu deveria saber que ela reagiria dessa maneira. Ras ainda não deu
ordem para interromper Sal. Eu queria esperar até depois do nosso
casamento antes de causar todo o inferno. Colocar aquela aliança de ouro
no dedo dela se tornou minha prioridade assim que ela disse que se casaria
comigo, mas agora que ela finalmente é minha, o medo de perdê-la é
diferente de qualquer medo que já senti antes.
Passando os dedos pelo cabelo, ando até ficar atrás dela. — Quero ter
certeza de que você está segura.
— Estou segura ao seu lado. — ela retruca. — Nem tente. Eu não vou
embora. A menos que você queira me sedar e me enfiar dentro de um baú,
não vou a lugar nenhum.
Coloco minhas mãos em seus ombros delicados e encontro seus olhos
irritados no espelho. — Não vou enfiar minha linda esposa em um baú. —
murmuro. — De novo não. Foi apenas uma ideia.
— Uma pergunta ruim. — ela retruca. — Eu já não provei para você
que não sou indefesa? Eu não preciso de salvação. Depois destas semanas
em Ibiza, percebi que sou muito mais forte do que alguma vez pensei.
— Vale, você é a pessoa mais forte que conheço. Não é com você
sendo fraca que estou preocupado. Sou eu.
Sua expressão suaviza com a minha confissão. Ela coloca o pente de
volta na penteadeira e coloca a mão sobre a minha. — Se estamos fazendo
isso, estamos fazendo isso juntos. Não vou ficar enfiada em alguma remota
vila italiana enquanto você luta pelo seu trono e arrisca sua vida. Você
precisa de mim, Dem.
Entrelaço seus dedos com os meus. Eu preciso dela. Sua sabedoria, sua
força e sua coragem. Só de olhar para ela me enche de certeza de que só há
uma maneira de isso acabar.
Com a nossa vitória.
Ela se levanta e joga os braços em volta do meu pescoço. — Eu te
amo. Não importa o que aconteça, eu vou te amar apesar de tudo.
O calor se espalha pelo meu peito. Enrolo seu cabelo úmido em volta
do meu punho e trago seus lábios aos meus. Ela tem um gosto tão doce.
Quando nos separamos, encosto minha testa na dela. — Antes de
conhecer você, eu pensava que o amor romântico deixava as pessoas loucas
e fracas. Eu estava certo sobre o primeiro. Cazzo, sou louco por você. Mas o
amor não nos torna fracos. É o contrário. Mostra-nos o que absolutamente
não podemos perder... pelo que vale a pena morrer. Eu morreria por você,
Vale.
Ela me beija novamente. — Eu preferiria que você vivesse para mim.

Uma hora depois, estou sentado em meu escritório. Meu cabelo ainda
está úmido depois que convenci Vale a tomar um segundo banho comigo
assim que terminarmos nossa conversa.
Pego o telefone e ligo para Napoletano.
Ele atende no terceiro toque. — Ouvi dizer que parabéns são
necessários.
— Como você... — Meus olhos saltam para os cantos da sala. — Você
está me observando agora?
— Ras me ligou mais cedo.
Eu me recosto na cadeira e belisco a ponte do nariz. — Certo.
Há uma risada entrecortada. — Como é ser um homem casado?
— Excelente. Está pensando em tentar?
— Não.
Espero que ele diga mais alguma coisa, mas aparentemente é tudo o
que ele sabe sobre o assunto, então, depois de um momento, continuo. —
Estou prestes a puxar o gatilho.
— O momento é certo. Há muito descontentamento nas fileiras.
Acredito que você encontrará o suporte que precisa mais rápido do que
esperava.
— Bom. Ainda assim, tenho que planejar o pior. — Girando minha
caneta sobre os nós dos dedos, solto um suspiro. — Não posso ter as duas
pessoas de quem mais gosto em um só lugar. Vale insiste em ficar, mas Mari
continua... indisposta. Ela não se recuperou totalmente do que aconteceu e
eu a quero em um lugar seguro. Em algum lugar ela será capaz de se curar.
Há um longo silêncio do outro lado da linha que suspeito ser
sublinhado com desgosto. Ele provavelmente está chateado por eu ter
ligado para ele sobre isso, em vez de algo mais adequado para seu conjunto
de habilidades.
— Olha, eu sei que você não é babá. Estou pedindo um favor...
— Eu vou levá-la.
Não há emoção na maneira como ele diz as palavras, mas a fala é
quase monótona. Como se ele estivesse tentando ativamente manter sua
voz neutra.
Uma pitada de desconforto se prende à minha espinha. Eu encolho os
ombros. É quase impossível ler Napoletano quando você fala com ele cara a
cara, muito menos por telefone. O homem é um enigma. É uma das muitas
razões pelas quais ele é tão bom no que faz. Odeio a ideia de mandar Mari
embora, mas além de Ras, ele é o único em quem posso confiar com ela.
— Não sei quanto tempo levará até que as coisas esfriem.
— Ela pode ficar comigo o tempo que precisar.
Deixo cair à cabeça para trás e olho para o teto rebocado. É a coisa
certa a fazer, mas isso não torna as coisas fáceis. — Obrigado. Para onde
você a levará?
— Em algum lugar na Itália. É melhor eu não dizer. Você poderá
manter contato por uma linha segura.
— Tudo bem.
— Vou buscá-la amanhã de manhã.
Isso não me dá muito tempo para dar a notícia a ela, mas sei que ela
não resistirá como Vale fez. Ela pode reclamar, mas irá com Napoletano e
ficará com ele até que seja seguro voltar.
— Eu te devo uma. — eu digo.
— Sim, você deve.
Nós desligamos e eu solto um suspiro.
Uma garantia da segurança da minha irmã para um favor futuro.
Dou de ombros. No papel, é o acordo mais simples que já fiz.
O que quer que Napoletano me peça, valerá a pena para manter Mari
segura.
E agora que isso está resolvido, não há mais motivos para atrasar. É
hora de colocar nosso plano em ação.
Envio uma mensagem para Ras e coloco meu telefone na mesa.
É o som do primeiro dominó caindo.
BÔNUS
A NOITE DE NÚPCIA
VALENTINA

Meu segundo casamento pode não ser tão extravagante quanto o


primeiro, mas o que falta em pompa certamente compensa com alegria.
Acontece que você não precisa de muito para ter a celebração perfeita
quando vai se casar com quem você ama.
Três convidados, um violinista, um cerimonialista que pode ou não
estar com uma leve ressaca, e Damiano parado sob um arco florido em um
de seus ternos de corte perfeito. Quando ele coloca o anel de diamante
incrustado em meu dedo, meu estômago dá uma reviravolta feliz. Quando
faço o mesmo com ele, algo se encaixa dentro do meu peito.
Damiano me disse que me faria dele, mas neste momento, percebo o
quanto desejei torná-lo meu.
Após a cerimônia no final da tarde, dançamos, comemos e rimos por
horas. Já está escuro quando Damiano e eu decidimos encerrar a noite. Ras
fica do lado de fora com Gemma e Mari, já que as duas beberam champanhe
demais e alguém precisa garantir que elas voltem para seus quartos. Nos
despedimos e entramos em casa, a conversa deles desaparecendo atrás de
nós.
Encontro à mão do meu marido enquanto subimos as escadas. Sua
palma quente engole a minha e aperta. Quando a faixa de seu anel afunda
levemente em meus dedos, um arrepio percorre minha espinha. Estamos
casados. Damiano é meu marido. Eu viro essas frases estranhas e
maravilhosas repetidamente dentro da minha cabeça até que elas pareçam
certas.
Chegamos ao patamar do terceiro andar e ele para.
— Por que... — Minhas palavras são interrompidas quando ele me
pressiona contra a parede e coloca os lábios na lateral da minha garganta.
— Que cheiro é esse? — ele murmura contra minha pele. — É novo.
Eu estava com frio há um momento, mas agora minha pele queima
com calor. — É meu perfume favorito, Chloé. Gemma comprou para mim no
aeroporto.
Ele inspira profundamente e grunhe em aprovação. Sua mão direita se
move para segurar meu seio através do vestido. — Isso me faz querer
chupar seu pescoço enquanto eu te fodo bem e devagar.
Arrepios surgem na minha nuca. — Bem aqui?
Seu nariz traça a curva da minha bochecha. — Em todos os lugares.
— Temos que começar de algum lugar. — digo, enfiando as pontas
dos dedos atrás do cinto dele. — Ninguém está por perto.
Ele se afasta para encontrar meu olhar. Seus olhos estão queimando
brasas, enchendo o ar ao nosso redor com um calor decadente. Ele solta
uma risada baixa enquanto segura a saia do meu vestido. — Minha esposa
imunda. Você quer que eu te foda aqui mesmo?
Abro seu cinto. — Sim.
Ele rosna e levanta meu vestido até a cintura. Eu suspiro quando seus
dedos cutucam minha calcinha e traçam minha entrada molhada. — Já está
pronta para mim. — ele diz. — Mas eu te disse, quero te foder devagar.
Quero saborear você, esposa.
Eu engulo. Ele deixa minha saia cair e segura meu rosto, com os olhos
fixos no meu rosto. — Agora, fique de joelhos.
O contraste entre a suavidade de seu tom e a implicação suja por trás
de seu comando me deixa com as pernas fracas. Eu afundo diante dele e
mantenho seu olhar enquanto o tiro da calça. Quando começo a chupar,
ouço a palma da mão dele batendo na parede atrás de mim em busca de
apoio. — Porra, Vale. — ele geme. — Boa menina.
Essas duas palavras enviam uma carga de eletricidade pela minha
espinha que se instala entre as minhas pernas. Eu o chupo com tanto
entusiasmo que saliva e lágrimas logo escorrem pelo meu rosto. Quando
suas bolas apertam, ele emite um som torturado. — Quero que você olhe
para mim quando eu descer pela sua garganta.
Olho para cima e isso o leva ao limite. Ele xinga enquanto derrama
dentro da minha boca e tudo que consigo pensar é em como ele fica lindo
quando está desfeito. Nunca vou me cansar de absorver isso.
— Venha aqui. — ele sussurra e me ajuda a levantar. Ele tira um lenço
do bolso e enxuga suavemente meu rosto. Sua boca encontra a minha e ele
não deve se importar com o gosto em meus lábios, porque ele me devora
por alguns longos momentos. Afundo em seu corpo poderoso e deslizo as
mãos sobre seus ombros esculpidos. Quero deixá-lo nu e aproveitar meu
tempo lambendo todas as minhas partes favoritas - as saliências de seu
abdômen, o comprimento de sua clavícula, a coluna de sua garganta - mas
isso terá que esperar. Ele me disse mais cedo que tem planos para mim esta
noite.
A antecipação ferve na boca da minha barriga. — Serei capaz de andar
amanhã? — Eu pergunto.
Ele me pega no colo em estilo nupcial e nos leva para o quarto. —
Você receberá um lembrete meu a cada passo que der.
Meus dedos dos pés se curvam.
Damiano fecha a porta atrás de nós e me deposita na cama. Percebo
que preciso tirar esse vestido antes que ele fique impaciente e o rasgue em
pedaços. Viro-me de bruços e espio-o por cima do ombro. — Desfaça.
Ele se ajoelha na cama e passa os dedos pela lombada abotoada do
vestido. Termina logo acima da minha bunda. Um por um, ele desfaz os
botões e beija cada novo centímetro de carne exposta. Quando ele termina,
estou tão excitada com a sensação de sua barba curta formigando contra
minha pele sensível que estou praticamente ofegante.
Ele me tira do vestido, me vira e me puxa para frente até que minha
bunda esteja quase pendurada na beirada da cama. Então ele se ajoelha
diante de mim.
Uso os cotovelos para me apoiar na cama e encontrar seu olhar. Um
sorriso malicioso surge em seus lábios. — Tenho uma surpresa para você. —
Ele pega algo debaixo da cama e tira uma caixa de madeira lisa. Minhas
sobrancelhas se juntam. — O que é?
Ele abre a caixa e tira um vibrador. Quando meus lábios se abrem em
surpresa, ele ri. — Eu disse que faria você esguichar de novo para mim.
Minhas bochechas esquentam quando ele coloca a erva-moura e liga a
vibração. Ele abre mais minhas pernas e depois se inclina para lamber meu
clitóris.
Meus cílios tremulam e jogo minha cabeça para trás. — Oh Deus.
Ele lambe e chupa e depois substitui a língua pela vibração,
desenhando pequenos círculos ao redor do feixe de nervos.
Eu suspiro quando ele encontra o ritmo perfeito. Ele aumenta a
configuração, fazendo o aparelho vibrar ainda mais rápido e então enfia os
dedos na minha boceta molhada e latejante.
— Quero suas coxas encharcadas e sua boceta pingando no chão. —
ele rosna.
Quando ele enrola os dedos dentro de mim, eu grito. A sensação da
vibração e de seus dedos é quase demais. Meu prazer é tão intenso que
dança a beira da dor. — Não sei se consigo — confesso a ele com a voz
trêmula.
— Sim, você pode, querida. Olhe para mim.
Com algum esforço, levanto a cabeça da cama. A expressão faminta
em seu rosto envia uma onda de choque de prazer pelo meu corpo e minhas
coxas começam a tremer. — É isso — ele convence. — Você está tão perto,
eu posso sentir isso. Faça isso por mim, Vale. Mostre-me que garota imunda
você é e eu a recompensarei com meu esperma.
Meu controle sobre a realidade desaparece. — Oh Deus, oh fo... — Eu
abro direto. Mal consigo sentir o calor úmido entre minhas pernas, acima da
sensação de todas as minhas terminações nervosas disparando ao mesmo
tempo. Meus músculos se contraem e meu clitóris pulsa em um ritmo forte
e constante. Ele me destruiu. Quebrou-me completamente.
Damiano solta um gemido gutural. — Foda-me. Olhe essa boceta
desleixada. Essa é minha garota. Vou te foder muito bem por isso.
Estou me contorcendo quando ele me leva até a cama, cobre meu
corpo com o dele e entra em mim com um golpe suave.
Ele me fode bem e devagar, como prometeu, na cama, no chão e
depois contra a parede do chuveiro. As fronteiras entre nós desaparecem
até que seu corpo começa a parecer tão familiar quanto o meu. Como foi
que vivi vinte e um longos anos sem esse homem em minha vida? Imaginar
apenas alguns dias sem ele parece impossível agora. Por mais ganancioso
que ele possa ser por mim, sou igualmente gananciosa em resposta.
Quando ele finalmente termina comigo, horas depois, subimos na
cama e ele me aconchega em seu peito. — Minha esposa — ele diz
melancolicamente, pressionando os lábios no meu cabelo. — Minha rainha.
Um sorriso se abre em meus lábios cansados. Nunca fui uma esposa
mafiosa perfeita, mas acho que serei uma rainha muito boa.

FIM
Notas
[←1]
Expressão usada pela Cosa Nostra para definir um membro em pleno direito e efeito na
organização, como “associados” ou “soldados”.
[←2]
Ela chamou sua atenção.
[←3]
Licor de ervas.
[←4]
É o nível mais baixo na cadeia de comando
[←5]
Olá. Primo.
[←6]
Ensopado de carne.
[←7]
Meu garoto.
[←8]
Ratinha.
[←9]
Saúde.

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