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Louca de Amor
Quarteto Duquesas 2
Fool for Love (2003)
Disponibilização: Soryu
Tradução e Pré-Revisão: Paty Hamdan
Grupo de Revisão: Ady Miranda, Romilda,
Jaqueline Douets, Marcia O²
Revisão Final: Iluska
Formatação: Serenah
1 Cossaco- são um povo nativo das estepes das regiões do sudoeste da Europa.
Definitivamente até a sífilis era preferível.
‐Digo‐lhe... Que lady Rawlings está grávida. Sei por que a condessa de Trent a visitou no
campo, e notou que a senhora caminhava como um pato.
Você me ouve, Darby?
‐Certamente, ouviriam‐no até em Norfolk.
Então se produziu um silêncio.
Bunge não suportava o silêncio, mas tampouco era habitual que a um
homem lhe fosse arrebatada sua herança por um bebê que ainda não tinha nascido, justo
diante de seus narizes. Movendo as mãos para trás, empurrou os
cães de porcelana até que estes ficaram ordenados, formando uma fileira.
Devia haver ao menos uns quatorze ou quinze dessas figuras, ajeitadas e pintadas com
bastante mau gosto.
‐Suponho que pertence a alguma de suas irmãs ‐ disse Bunge, por cima
do ombro.
Pensar nas irmãs de Darby fez com que Bunge se sentisse um pouco
incômodo. Depois de tudo, se o filho de Esme Rawlings resultasse ser varão, elas
estariam a ponto de perder seus dotes.
‐Em realidade, esses cães pertenciam a minha madrasta ‐ comentou
Darby.
A taxa de mortalidade era alta na família Darby, refletiu Bunge: pai, madrasta, tio...,
todos tinham morrido em um ano.
‐Eu também desejaria que sua tia não estivesse engordando, que me
crucifiquem se não... ‐ comentou Bunge, fazendo visível um estranho gesto de
generosidade.
Engoliu uma maldição quando a afiada borda daquele engomado
colarinho de linho o beliscou no pescoço. Tinha que lembrar‐se de não girar a
cabeça tão rapidamente. Esses novos colarinhos altos eram o demônio.
‐Dificilmente poderia pensar se que é culpa dela. Deduzo que meu tio e
minha tia tiveram uma aproximação inesperada antes de sua morte.
‐Também me sobressaltou ouvir que ele tinha morrido nos aposentos de
sua tia ‐ Acordou Bunge. ‐ E não é que lady Rawlings não fosse uma mulher linda, mas
seu tio não tinha vivido com ela durante anos. Estava muito cômodo
no bolso de lady Childe quando o vi pela última vez. Eu pensava que Rawlings e sua
esposa nem sequer se falavam mais.
‐Até onde eu sei, raramente faziam. Suponho que se enredaram nisso de
fabricar um herdeiro sem trocar palavra.
‐Há quem diga que esse bebê não é de Rawlings, sabe?
‐Dado que meu tio morreu no quarto de sua esposa, é provável que ele e
ela tivessem algo que ver na criação desse filho. Você me faria um favor se calasse esse
tipo de rumores.
O olhar de Darby tinha recuperado sua habitual expressão divertida.
‐Você vai ter que casar‐se ‐ Ressaltou Bunge ‐ Embora, obviamente, não
lhe resultará difícil apanhar uma mulher enriquecida. Ouvi que há um comerciante de lã
que vai pôr a sua filha no mercado esta temporada, e que já
há quem diga que ela se ocuparia bem de um rebanho ‐ disse, caindo em uma
enorme gargalhada.
Entretanto, os olhos de Darby se endureceram em um gesto de
desagrado.
‐Uma possibilidade pouco apetecível ‐ Disse, inclinando ligeiramente a cabeça. ‐Bunge,
por muito que me agrade sua companhia, tenho uma
entrevista.
" Homem frio, o bastardo", pensou Bunge, mas se permitiu ser educado na soleira da
porta: ‐ Vai contar à suas meio‐irmãs?
‐Naturalmente. Sua querida tia vai ter um bebê. Josephine se alegrará muito.
‐Sabe que o bebê lhe tirará sua fortuna?
‐Não consigo compreender por que os assuntos de uma herança devam
incomodar a uma menina pequena.
‐Claro. Além disso, em realidade, nunca se sabe. Pode ser que lady
Rawlings tenha uma menina.
‐Um pensamento agradável, dadas as circunstâncias.
‐Darby, você é um tipo frio. Não sei o que faria se eu tivesse que apresentar em sociedade
a duas mocinhas e...
‐Faria‐o admiravelmente ‐ respondeu‐lhe Darby, enquanto fazia soar
uma sineta. Fanning, seu mordomo, apareceu com o casaco, o chapéu e a bengala de
Bunge.
Enquanto caminhava para seu escritório Darby apagou o sorriso da rosto.
Engoliu a raiva diante daquela matraca imprudente que se deu o gosto de lhe
informar sobre a gravidez de sua tia. Mas a fúria lhe inchava na garganta.
‐Maldita puta ‐ As palavras lhe queimaram na boca como se fosse
veneno.
Fosse o que fosse o que seu tio estivesse fazendo no quarto de sua esposa, não implicava
fornicação. Rawlings lhe havia dito em julho, justo antes de morrer, que o doutor lhe tinha
proibido os atos conjugais e, como nesse momento, estava um pouco embriagado, tinha
acrescentado que lady Childe era agradável. Não havia necessidade de nomear a sua esposa e não
o fez. Sua
amante, lady Childe, era a única pessoa minimamente interessada na
habilidade de Miles para sacudir os lençóis.
Entretanto, ele tinha morrido nos aposentos de Esme Rawlings uma
semana depois. Sofreu um ataque cardíaco no quarto de sua esposa. E agora a
mulher estava engordando... E inclusive caminhava como um pato? Sem dúvida
o bebê se adiantaria. A festa tinha tido lugar em julho passado e, se o bebê era de Miles,
sua esposa não podia ter muito mais que seis meses de gravidez. Mas
por que a esbelta lady Rawlings estaria caminhando como um pato sem estar
tão avançada a gestação, quando ainda lhe faltavam três longos meses mais para o parto?
Maldita mentirosa. Nunca poderia acreditar‐se que Miles se deitou com
ela. Certamente tinha procriado o bebê com outro homem e tinha atraído Miles,
enganado, para seu quarto tentando confundir o assunto da
paternidade.
Miles nunca mereceu essa esposa libertina com quem se casou. Mas se
manteve fiel a ela e jamais mostrou um gesto de desgosto, apesar de que Esme
Rawlings montasse um escândalo atrás de outro. Inclusive se negou a expô‐la à
possibilidade do divórcio.
Em Londres, havia quem considerasse Darby um homem desconsiderado
e indolente. Freqüentemente lhe consideravam " delicioso", devido à excentricidade e
elegância com que se vestia; também estavam acostumados a
comentar a facilidade com que se desenvolvia nos jogos da alta sociedade inglesa e a fila
de corações partidos que deixava por onde passava, julgando‐o unicamente por rumores de
amigos degenerados e depravados. Dizia‐se que a
única emoção que desdobrava era a vaidade.
Desmentindo as intrigas, Simon Darby fixou o olhar de forma tão feroz no suporte da
lareira que resultou surpreendente que os cães de porcelana não
se desfizessem em pedaços.
Entretanto, o homem que abriu com um empurrão a porta do escritório,
não pareceu adverti‐lo quando entrou no aposento, dando grandes passos e se
deixou cair em uma cadeira em frente ao fogo. Era um tipo de pele azeitonada,
de ombros largos e musculosos, que não mostrava sinais de nascimento aristocrático, com
uma enrugada gravata e um par de botas na moda.
Darby o olhou por cima do ombro.
‐Não estou de humor para agüentar companhia.
‐Cale‐se.
Rees Holland, o conde de Godwin, aceitou uma taça da bebida que o
mordomo com a careta que usava como sorriso servia e a engoliu de um gole,
que interrompeu com uma estrondosa tosse.
‐Será possível... De onde tirou este vinho tão terrível?
‐Preferiria não discutir as exigências da casa. Havia um tom particular na
voz de Darby que fez Rees piscar.
‐Já se inteirou ‐ disse.
‐De que minha tia está engordando? Gerard Bunge acaba de sair. Sugeriu
que me casasse com a herdeira de um boiadeiro para que cuidasse de meu rebanho.
‐Maldito fofoqueiro...
‐Bunge diz que minha tia caminha como um pato. Provavelmente o bebê
fosse concebido quando meu tio ainda vivia se é que é seu de verdade.
Rees dirigiu um olhar para seu melhor amigo. Não se dava bem em
consolar a ninguém e o fato de que conhecia Darby desde que eram crianças piorava a
situação. Sabia o muito que seu amigo resistia à lástima.
Darby ficou diante do suporte da lareira, olhando fixamente para o fogo,
deixando que se iluminasse esse corpo grande, musculoso e que preenchia magníficas
roupas. Tinha aspecto de um lorde, desde seu ondulado cabelo marrom até suas reluzentes botas.
E isso era o que devia ser se herdasse o título e as propriedades de seu tio.
Sem as terras, Darby ficaria tão somente com o que pudesse ganhar
importando tecidos de renda, e isso não seria muito, segundo os cálculos de Rees. Darby
tinha duas jovens meio‐irmãs, que devia criar e educar. Inclusive esta casa, a sua própria,
provavelmente seria atribuída à pequena criatura que crescia na barriga de lady Rawlings.
O próprio Rees, que era um desastre andante, por dizê‐lo com elegância,
tinha três ou quatro casas e mais dinheiro do que nunca poderia chegar a gastar.
Darby se virou para Rees. Tinha um rosto que fazia desmaiar às
mulheres, com umas covinhas pronunciadas em ambas as bochechas que lhe ressaltavam
as maçãs do rosto, olhos profundos e queixo fino. Uma aparência
requintadamente aristocrática e perigosamente masculina.
‐O fundamental é que o bebê que leva Esme Rawlings não seja de meu
tio.
‐Duvido que se trate de uma imaculada concepção. E provar que é
bastardo será de uma dificuldade endiabrada.
‐Então essa criatura herdará as propriedades de meu tio. E só Deus sabe
quem é o pai. Sabia tudo o que Miles, meu tio, desejava, era um herdeiro? Não
lhe pode imaginar isso.
Rees sacudiu a cabeça com força.
‐Nunca falamos de sua descendência.
‐Era a única coisa que realmente queria: um herdeiro. Apesar disso, não
foi capaz de renunciar a sua esposa. Miles era o tipo mais bondoso do mundo.
Não era capaz de levar o contrário a um mendigo descarado, muito menos o ia
fazer com sua esposa.
‐Linda mulher, lady Rawlings ‐ disse Rees. ‐E de agradáveis maneiras, é certo. Nunca
entendi como pode ser uma das melhores amigas de minha esposa, já que falamos de opostos.
‐Sua esposa é uma Santa ao lado dela.
‐Minha esposa é uma Santa comparada com qualquer uma ‐ ressaltou Rees. ‐Mas
conviver com santas é um inferno. Lembra haver dito ao Rawlings
que devia ter jogado a Esme da mesma maneira que eu o fiz com a Helena, em
lugar de permitir que ficasse com a casa.
‐Miles nunca teria se exposto a sério a possibilidade de fazer nada contra
minha tia ‐ disse Darby. ‐Nada, nem o divórcio. Nada.
‐Tem alguma idéia de quem pode ser o pai?
Darby negou com a cabeça.
‐Ela estava em uma festa em casa de lady Troubridge quando morreu
Miles. Pôde ter sido qualquer um.
‐Troubridge? Essa mulher com uma casa no East Cliff que diz ser
entusiasta da arte e que está acostumada a reunir a um punhado de atores e
amadores? Tentou me atrair até ali me esfregando as cantoras de ópera.
‐Suas festas são tão escandalosas que é uma surpresa que encontrem
ninguém nos aposentos de sua esposa ‐ apontou Darby. ‐por que acredita que
Esme Rawlings ficou grávida?
Rees tinha tirado um pedaço de papel do bolso e estava escrevendo
sobre ele. Não olhou para frente.
‐A última vez que ouvi falar disso, até a valsa de dormir podia levar a culpa de que se
gerassem filhos.
‐Maldito seja, Rees. Sério, por que ela quis ficar grávida agora? Essa mulher esteve se
relacionando com meia Londres há dez anos. Por que ficou grávida agora, de repente, quando
todo mundo sabia que a meu tio começava
a falhar o coração?
‐Acredita que o fez para assegurar a propriedade?
‐E se foi assim?
‐Não sei. Teria que provar a ilegitimidade, e isso é virtualmente
impossível. É mais fácil que reze para que o bebê seja uma menina.
Rees rabiscava de novo, certamente esboçando alguma partitura.
‐Não acreditará que foi ela quem acabou com seu tio, verdade? ‐
perguntou, de forma distraída.
‐O que?
‐E que o levou a rastros até sua cama para encobrir a gravidez...
‐Duvido‐o ‐ respondeu Darby, depois de uns segundos. ‐Minha tia é
bastante ligeira de idéias, mas sinceramente não acredito que seja uma viciosa.
Os dedos de Rees voavam sobre a folha de papel, e Darby era consciente
de que tinha deixado de lhe prestar atenção. Cada vez que Rees se deixava levar pela
tentação de uma linha musical, não havia maneira de trazê‐lo de volta até que esta não tivesse
ficado transcrita no papel.
É obvio que Esme Rawlings nunca assassinaria seu marido. Era uma
dama, embora fosse uma rameira. E, embora, de um modo estranho, ela e Miles sempre
se levaram bastante bem. Alguma vez lhe pediu contas de suas
amantes ‐ bom, como poderia?‐ e ele nunca pestanejou diante dos
acompanhantes dela. De fato, parecia que Esme, a sua maneira, estava afeiçoada com
Miles.
Entretanto, certamente não o fazia graça a idéia de perder a
propriedade. Todo mundo sabia que o coração de Miles estava a ponto de parar. Talvez
ela vislumbrasse a possibilidade de ser uma viúva com
propriedades e planejou a gravidez.
Ou possivelmente nem sequer estivesse grávida.
Isso explicaria muitas coisas, como por exemplo, o fato de que Esme se
mudasse para a casa de campo depois do funeral de seu marido. Porque, se a
senhora até então nenhuma vez saíu de Londres, o que estava fazendo em uma
propriedade apertada e abandonada no Wiltshire?
Estará caminhando com uma almofada sob o vestido, isso é o que estará
fazendo. Esfregando‐lhe à vizinhança um bebê que poderia passar por herdeiro
de Miles.
‐E se ela não estivesse grávida, Rees?
Seu amigo não lhe respondeu.
‐Rees!
Por causa do grito a pena de Rees escorregou e salpicou.
‐Maldito seja! ‐murmurou, secando o borrão com a manga.
Darby observou como o punho branco da camisa de Rees absorvia as
manchas negras da tinta.
‐Como as acerta seu mordomo para limpar estas manchas?
‐Não tenho mordomo neste momento. O que havia renunciou em um
ataque de ira faz uns meses, e não me tomei o aborrecimento de contratar a
outro. A ama de chaves comprará umas camisas novas.
Rees voltou a riscar as notas que tinham ficado obscurecidas pelo borrão
e começou a agitar o papel para que este se secasse.
‐O que era o que me gritava?
‐E se Esme Rawlings não estiver grávida de verdade? O que aconteceria
se estivesse fingindo uma gravidez e planejasse aparecer com um bebê que tivesse
encontrado em Wiltshire? Poderia comprar um sem problema, trazê‐lo
e fazê‐lo passar pelo herdeiro de Miles.
As grossas sobrancelhas de Rees se levantaram até encontrar‐se com sua
franja. Habitualmente, estava acostumado a franzir o cenho, nesse momento mostrava
uma careta de cepticismo.
‐É uma possibilidade, – grunhiu ‐ suponho.
‐Do contrário, por que ia estar no campo? ‐ Insistiu Darby ‐ Minha tia é a
personificação de uma grande dama londrina, por muito que goste dos
escândalos. É difícil imaginar‐lhe longe do conforto da casa de chá Gunter's, ou de seu
costureiro. Por que ia estar no campo se não fosse porque está tramando algo?
Sem dar tempo para que Rees lhe respondesse, avançou em grandes
passos para o outro extremo do aposento.
‐Nunca cheguei a acreditar isso de que Miles estava em seu quarto.
Nunca.
‐Mas disse que seu tio queria um herdeiro ‐ ressaltou Rees. ‐por que não
pôde ter tentado ter um com sua esposa, se ela o estava desejando? A gente
não tem que viver junto a uma mulher para ter um herdeiro.
‐Miles não se teria arriscado. O Doutor Rathborne lhe advertiu que devia
evitar as atividades conjugais ou seu coração se debilitaria.
‐Se você o disser...
‐Não ‐ disse Darby, girando‐se para aproximar‐se de seu amigo ‐Esme
Rawlings está planejando algo para ficar com as propriedades de meu tio.
Aposto duzentas libras que não há nada mais que um montão de penas ao redor de sua
barriga.
Rees o olhou e logo disse ‐Vai contratar um mensageiro. Ou se dará conta.
‐Eu mesmo irei a Wiltshire.
Os olhos do Darby brilhavam de ira. A mesma ira que sentia desde que
Gerard Bunge tinha entrado no escritório com seus sapatos vermelhos e suas
desagradáveis notícias.
‐Farei que me conte a verdade. Demônios, se essa mulher estiver
realmente engordando, quero saber quem é o pai. Inclusive embora não me servisse para
demonstrar nada, ao menos quero saber a verdade.
‐Como vai explicar uma visita tão repentina? ‐perguntou Rees.
‐Mandou‐me uma carta faz umas semanas em que falava do ar de
Londres e seus pouco saudáveis efeitos nas crianças. Como me pareceu que à
Josie e Anabel não lhes passava nada, ignorei sua advertência. Mas agora, dadas as
circunstâncias, acredito que todos deveríamos acompanhá‐la no campo.
‐As crianças não são algo fácil de transladar ‐ objetou Rees ‐Por uma parte, vêm com
uma praga de serventes detrás, e isso sem mencionar a roupa,
os brinquedos e coisas assim.
Darby se encolheu de ombros.
‐Comprarei outra carruagem e porei as meninas e a babá nela. Que tão
complicado vai ser?
Rees ficou de pé, guardando seus papéis, já secos, no bolso.
‐Talvez inclusive encontre uma esposa nos cantos selvagens de Wiltshire
‐ disse Darby, caprichosamente ‐Não poderei criar as minhas irmãs sozinho.
‐Não vejo o que tem de difícil em criar crianças. Contrate uma babá para
cada uma. E assim não terá necessidade de se casar.
‐As meninas necessitam de uma mãe. Os serventes dizem que Josie é
uma menina particularmente difícil.
Rees levantou uma sobrancelha.
‐Não posso dizer que minha mãe fizesse muito para me criar. E
tampouco poderia dizer que sua mãe tenha tido muito a ver com sua educação.
‐De acordo, mas em qualquer caso necessitam uma boa mãe ‐ replicou
Darby, impaciente.
‐De todas as maneiras, essa não é razão suficiente para casar‐se ‐ disse
Rees, abandonando o aposento ‐Bom, desejo‐te a melhor das sortes com sua tia. Como a
chamavam? Esme, a infame, verdade?
‐Sim, e pior fama terá quando acabar com ela ‐ disse Darby, de forma resolvida.
CAPÍTULO 02
CAPÍTULO 03
CAPÍTULO 05
Esme, a infame
Casa Shantill, Limpley Stoke
2 Mésalliance - um casamento com uma pessoa de status social inferior combinação ruim
- uma aliança impróprios (principalmente no que diz respeito ao casamento)
Sebastian Bonnington o tem dourado e seu marido o tinha castanho. Embora o
bebê possa nascer com o cabelo castanho, poderia dever‐se a uma combinação
das cores de seu cabelo e do de Bonnington. Esme empalideceu.
Helena pressionou para aproveitar sua vantagem.
‐Não faria justiça a Miles se deliberadamente permitisse que seu filho fosse deserdado. E
não há maneira de assegurar a paternidade.
‐Talvez seja uma menina ‐ disse Esme, fracamente.
‐Isso seria o melhor. Especialmente para Darby.
Esme retomou seu passo para a casa.
‐Esqueci‐me de Darby e das meninas! Onde os acomodaremos?
‐As meninas foram para a creche. Darby chegou sem uma babá, assim
teve sorte de que sua antiga babá já estivesse aqui para lhe ajudar com o nascimento de
seu filho. Parecia contente de ter algo para fazer. Instalamos Darby no quarto azul, no final do
corredor.
‐Oh, não ‐ disse Esme ‐Não é aí que a lareira não funciona bem?
‐Servirá ‐ respondeu Helena com deleite ‐Ele se arrastou até aqui
simplesmente para assegurar‐se de que seu bebê é um bastardo, assim
chamemos ao pão de pão e ao vinho, vinho.
Esme sentiu que seu espírito murchava.
‐Melhor se lhe digo a verdade.
Helena se deteve no instante e a agarrou pelo braço.
‐Não fará tal coisa ‐ disse‐lhe ‐Admitir por um segundo que o bebê poderia não ser de
Miles é desacreditar a memória de seu marido e destruir a
seu filho, que bem poderia ser, verdadeiramente, filho de Miles. Não quererá
fazer isso.
Esme olhou fixamente a sua amiga. Helena parecia estar sempre
convencida de saber o que era correto. Para Esme, todo este assunto era confuso.
‐Agora se recomponha! ‐Advertiu‐lhe Helena ‐ Parece ter esquecido que
tem que atender uma recepção em sua casa esta noite. A metade do condado
chegará aqui dentro de umas horas e olhe como está adormecida no jardim.
‐OH, Deus ‐ gemeu Esme ‐Efetivamente, eu tinha me esquecido da
recepção.
‐Pois será a única ‐ observou Helena. ‐Ainda não entendo por que
desejas escandalizar a todo o condado recebendo convidados em sua casa durante seu
período de luto.
‐É tão somente uma pequena reunião ‐ disse Esme, com debilidade.
Helena estava mordendo o lábio inferior e Esme sabia, graças ao instinto
que cresce com a amizade de muitos anos, que ficava algo por dizer.
‐O que acontece? ‐perguntou‐lhe, resignando‐se às más notícias.
‐Importaria muito se fosse visitar brevemente a minha tia Caroline em Salisbury? Não
iria até depois de sua reunião, é obvio ‐ A tia de Helena vivia muito perto.
‐É obvio que não ‐ disse Esme, sentindo que, na realidade, sim lhe importaria muito. De
fato, sentia que ia começar a chorar de novo nesse mesmo instante.
‐É só que Darby é o melhor amigo de Rees.
‐E o que isso importa? ‐Disse Esme, tentando reunir forças em sua defesa
‐Não é como se seu marido estivesse aqui. Darby tão somente é seu amigo, Helena. Nada
mais que um amigo. Não pode evitar todos os amigos de Rees ‐
disse‐lhe, mas já sabia que de toda maneira Helena iria à casa de sua tia na primeira hora
da manhã. Uma vez que decidia algo, era impossível dissuadi‐la.
‐Não me sinto cômoda com o Darby. Sempre foi o confidente de Rees.
Quando estávamos casados e Rees desaparecia, ao lhe perguntar onde tinha estado,
dizia‐me: "com o Darby". Mas eu sabia que tinha estado flertando com uma cantora de ópera. A
mesma mulher que depois convidaria para viver em
minha própria casa, de fato.
Esme fez uma careta ao escutar o tom agudo de Helena.
‐Isso foi há anos, Helena. Anos. Sabe Deus, possivelmente Darby nem se
inteirasse de que Rees o estava usando como desculpa.
‐Talvez ‐ disse Helena ‐Mas duvido. Sempre estavam juntos, esses dois.
Inclusive agora, enquanto trocávamos a mais curta das saudações, mencionou
algo que Rees lhe havia dito. E eu..., eu não quero ouvir nada que me recorde
Rees.
‐Mas se separou há décadas, Helena ‐ disse Esme, sabendo que era
melhor economizar o fôlego.
‐Dá‐me igual. Não quero ter que ouvir ou pensar a respeito de meu
marido e, infelizmente, Darby me recorda isso constantemente.
‐Só Deus sabe por que esses dois são amigos. Em realidade, são bastante
diferentes, não crê? Darby se desenvolve muito bem em tudo que é
relacionado com as modas, mas Rees...
‐Rees é tão descuidado com sua roupa como o é com tudo ‐ desvelou Helena ‐Tem razão
com respeito a suas diferenças. Darby é invariavelmente discreto, mas Rees pendura sua roupa
suja no Hyde Park.
‐Não poderia, por favor, considerar sua decisão? ‐Perguntou Esme, quase
desesperada ‐ Não lhe pediria isso nunca, mas é que me sinto tão só aqui...
‐Não posso suportar estar perto dele. Apenas de olhá‐lo me dá vontade
de lhe gritar, por haver permitido que Rees levasse essa cantora de ópera para viver em
nossa casa! ‐deteve‐se ‐O que, obviamente, não foi culpa de Darby.
Simplesmente, não posso suportar pensar em meu marido. Deve me desculpar.
‐Não se preocupe. Sinto‐me culpada, inclusive, por haver lhe perguntado
isso ‐ disse Esme, percebendo a dor na voz de sua amiga ‐Habitualmente é tão
serena que tendo a esquecer os fortes sentimentos que lhe provoca seu marido. É algo
indesculpável de minha parte. Estarei bem. Além disso, acredito que tenho feito uma nova
amiga.
‐Lady Henrietta Maclellan? Eu a adoro. No chá de ontem, demonstrou ter
muito sentido comum ‐Esse era o galanteio mais elevado que Helena podia dedicar a
alguém ‐Virá esta noite?
‐Assim espero ‐ disse Esme, enquanto retomavam o passo ‐Ficará esta
noite, Helena? Por favor? Se de verdade estou escandalizando ao condado ao
celebrar uma reunião em minha casa enquanto estou de luto, agradeceria muito ter você
junto a mim.
Helena assentiu com a cabeça, apertando os lábios. Era um gesto que indicava que,
embora preferisse ir, ficaria para passar a noite.
‐Obrigado ‐ disse Esme, beijando a sua amiga na bochecha.
‐Só será uma visita muito breve ‐ disse Helena. ‐Retornarei antes que nasça o bebê.
‐Provavelmente então já não poderá me reconhecer ‐ disse Esme, mal‐
humorada. ‐Já me vejo como um elefante.
Helena sorriu.
‐Um elefante muito pequeno, carinho.
CAPÍTULO 06
CAPÍTULO 07
A primeira pessoa a que Esme viu ao entrar no salão essa noite foi o seu
sobrinho, Darby, entretido por uma das damas locais, Selina Davenport. A senhora
Davenport estava fazendo a corte ante as grandes janelas ao final do
salão, deixando cair a cabeça para trás de tal maneira que os seios virtualmente lhe saíram
do vestido, tentando agradar ao Darby.
‐OH, Meu deus ‐ gemeu.
‐A senhora Davenport acaba de ir diretamente ao ponto com o Darby ‐
murmurou Helena com um sorriso ‐ Suponho que está decidida a estender uma
armadilha ao elegante cavalheiro que tão oportunamente esta entre nós.
Para irritação de Esme, Darby parecia absorto. Mas era impossível que encontrasse a
conversa da Selina tão fascinante, pois ela só falava de dois temas: ela mesma e sua destreza em
diferentes tipos de atividades. Algumas das quais inclusive aconteciam dentro de um quarto.
‐Darby! ‐disse Esme, aproximando‐se pelas costas.
Ele se deu a volta para ouvir sua voz e lhe beijou a mão.
‐Minha querida tia ‐ murmurou.
Sua voz era fria. "Helena tem razão", pensou Esme. "Veio ver se eu estava esperando um
bastardo".
Selina fez uma reverência que deixou expostos seus seios a todos os convidados, sem lhe
importar que a mesma Esme fosse propensa a mostrar seu
peito. Embora isso fosse antes que se embarcasse na carreira de elefante de circo, é obvio.
‐Minha mãe! ‐ disse Selina com um sorriso arqueado ‐ Espero que não lhe
incomode que lhe diga, querida lady Rawlings, que cada vez está mais..., mais
linda.
Esme lhe dedicou um sorriso frio que tinha afiado durante os oito anos
que teve que nadar nas perigosas águas da sociedade londrina.
‐É muito amável por sua parte ‐ disse, calmamente‐ sem duvida já que conheceu muitas
mulheres lindas nos anos anteriores a que eu debutasse.
O sorriso da Selina desapareceu de repente.
Esme se deu a volta para seu sobrinho.
‐Darby, vamos dar uma volta pelo aposento? Espero que possa ficar
bastante tempo junto a mim e esta é a ocasião perfeita para te apresentar a algumas de
minhas amizades.
Caminharam para o outro lado do aposento.
‐Lady Rawlings espero que não lhes estejamos importunando ‐ disse
Darby ‐ Esperava que as meninas melhorassem um pouco com o ar do campo,
mas não contávamos com tanta hospitalidade.
‐OH, por favor, me chame Esme ‐ disse ela ‐ Estamos longe das
formalidades de Londres e, depois de tudo, somos família.
Ele ficou um pouco desconcertado ante essa afirmação.
‐Claro que sim ‐ murmurou ‐E você deve me chamar Simon.
‐Como está à pequena Josie? Miles me havia dito que teve muita
dificuldade para aceitar a morte de sua mãe, pobre pequena.
‐Disse‐lhe isso? ‐Darby parecia bastante surpreso.
‐Bom, sim ‐ disse Esme ‐ Se via bastante aflito ao pensar nas dificuldades
às que te enfrentaria ao te converter inesperadamente em pai. Eu só espero fazê‐lo tão
bem como você, dado que eu deverei criar a este pequeno sem Miles.
Darby olhou a mão delicada de lady Rawlings, que descansava sobre o grande montículo
do ventre.
Estava grávida, era certo. Nunca tinha visto ninguém tão grávida em toda
sua vida. A elegante líder da sociedade estava tão inchada como alguém que fosse dar a
luz em um par de dias. Devia tratar‐se de um filho ilegítimo. Seguro que Miles não tinha
dormido com sua esposa antes de ir a essa maldita festa
em julho.
Algo em sua cara deve ter o delatado porque Esme o guiou para o
vestíbulo e daí à biblioteca.
‐Por que está aqui, Simon? ‐disse Esme, sentando‐se em um sofá de
veludo. Ele a olhou por um segundo, desconcertado pela mudança de
aparência de sua tia. Recordava‐a como uma deusa sensual, com curvas sedutoras e
cachos negros deliciosos. Agora a via inchada, cansada e absolutamente atrativa.
Antes que ele pudesse responder, ela disse de repente:
‐O filho é de Miles.
Darby fez uma reverência.
‐Isso jamais duvidei.
‐Sim, claro que o fez ‐ Seus olhos brilharam e por um segundo Darby sentiu a atração
dessa gloriosa mulher a que toda Londres tinha chamado Afrodite desde o dia de sua estréia ‐
Não posso te culpar por isso. Mas o bebê é de Miles. Ele queria ter um herdeiro, e você sabe.
‐Sim, sei.
‐Por isso acordamos um encontro, uma aproximação ‐ disse ela,
repetindo inconscientemente as palavras que tinha usado ele com o Gerard Bunge ‐ E não
tinha nem idéia, nem a menor idéia de que seu coração fosse tão
frágil!
CAPÍTULO 08
Com muito cuidado, Henrietta conseguiu caminhar sem coxear para uma
pequena mesa do Salão Rosa, onde estava sendo servindo um jantar leve. O
aposento era um elegante retângulo, com janelas formosas e arqueadas que davam para
uma estufa. Essas janelas outorgavam à estufa suficiente decência
para que lhe considerasse um lugar adequado, e por este motivo se converteu
em um lugar idôneo para as entrevistas dos casais de amantes. Lady Rawlings
tinha disposto que as mesas estivessem colocadas pelo aposento com
encantadora desarrumação, enquanto que na esquina uma mesa de bufe
estava repleta de delícias. Henrietta acompanhou sua madrasta e sua melhor amiga, lady
Winifred Thompson.
Quando por fim Mr. Darby entrou no salão, todos detiveram
instintivamente suas conversações. Se tinha estado elegante na estalagem Golden Hind,
tinha um aspecto magnífico em seu traje de noite. Seu traje era
de veludo vermelho, com gravata e punhos de renda caindo sobre as mãos. Aos
olhos da Henrietta, era a viva e terrível imagem do luxo.
‐OH, Meu deus ‐ exclamou lady Winifred em um tom desacordado ‐
Lembrava que meu pai vestia grandes punhos de renda que se abotoava a camisa. Mas já
não estava mais acostumada a ver a nenhum homem com eles.
Em princípio, alguém pensaria que já estavam passados de moda, mas não é a
impressão que dão nele, verdade? Acredito que a meu marido pareceria bastante
efeminado ‐ riu ‐Mas meu marido entende tão pouco...
Henrietta esteve de acordo. Posto sobre o senhor Darby, a renda não parecia efeminada
absolutamente. Durante anos, ela tinha dado as boas‐vindas
a garotas que retornavam de sua temporada de debutantes, garotas que retornavam
comprometidas, ou não, mas todas repletas de histórias sobre quão deliciosos eram os jovens
londrinos, o deslumbrante que era suas maneiras, quão gloriosos eram em comparação com o
povo de Wiltshire.
Henrietta sempre pensou que aqueles contos eram exagerados.
Ela tinha imaginado a homens vaidosos e delicados, caminhando
afetados e em cima de seus sapatos de salto sobre os paralelepípedos de Londres. Mas
que distinta parecia ser a realidade... Nunca tinha imaginado que existissem homens assim,
homens com o cabelo tão brilhante sob a luz das velas, e com as bochechas mais altas que as
suas, e com uma elegância lânguida que falava de poder contido, de masculinidade.
A roupa do Mr. Darby , evidentemente, era fabricada em Londres. Mas a
vestia com graça masculina, sem toques que fossem muito vaidosos. Por exemplo, não
levava luvas. E seu o cabelo era muito mais comprido do que os
homens o deixavam em Wiltshire e o recolhia à altura do pescoço com uma fita.
Lady Winifred estava comendo ao homem com o olhar de forma
vergonhosa.
‐Esse é o sobrinho de lady Rawlings, verdade? Acredito que fomos
apresentados em Londres durante a temporada passada. Sabem? Darby era o
herdeiro de Rawlings, bom, ou ao menos até o momento em que lady Rawlings
começou a mostrar sinais de gravidez. Estou segura de que veio ao campo a esperar aqui
até que finalize o parto.
‐Uma interpretação pouco agradável do motivo da visita ‐ disse Henrietta
sem rodeios, enquanto uma multidão de damas rodeava Darby.
Uma mulher, cujo cabelo penteado em forma de torre só podia ser
superado pelo nariz que lhe dominava a cara, jogou‐se em seu caminho como
um iceberg ante uma embarcação.
‐Sou a senhora Barret Ducrorq de Barret Park ‐ anunciou ‐Acredito que nos conhecemos
durante a temporada passada durante a noite musical da senhora Crawshay.
Darby fez uma reverência.
‐Temo que não, senhora, posto que eu não tenha o prazer de conhecer a
senhora Crawshay.
‐Bom, deve ter sido em outro lugar! ‐ gritou nervosamente ‐ Talvez fosse
à casa do Bessie, lady Panton, quero dizer.
Era impossível que aquela mulher conhecesse a Elizabeth Panton. Lady
Panton era tão elegante que vestiria um chapéu de penas para assistir a uma
simples noitada musical; era impossível imaginá‐la respondendo a ninguém que
a chamasse Bessie. Mas para que ia ficar a discutir?
‐Provavelmente tenha razão ‐ murmurou ele, lhe beijando a mão ‐Tenho
que comentar A..., hmmm..., Bessie a próxima vez que a veja.
A senhora Barret Ducrorq arrebentou em uma composição de
conversações, encantada por ter cercado uma relação com alguém importante.
Darby lhe permitiu desfrutar‐se, assentindo nos intervalos apropriados e passeando com
dissimulação seu olhar por todo o aposento. Senhores robustos
e suas mulheres adornadas e estilizadas se sentavam ao redor da sala e se abanavam
vigorosamente. As únicas jovens às que via eram protótipos pálidos
de ombros cansados e narizes úmidos. Também estava à dama lasciva que tinha
conhecido logo que chegou, a senhora Davenport. Bom, e Selina, quem tinha insistido no minuto
em que a conheceu que se ocupasse dela
imediatamente.
Finalmente, pôde ver de esguelha a sua conhecida da tarde. Inclusive do
lugar de onde estava dava‐se conta de que lady Henrietta levava um traje tão
singelo como o que tinha usado horas antes. A cor de seu vestido parecia dar a seu cabelo
uma estranha tonalidade esverdeada. Mesmo assim, ele sentiu um
leve interesse em seguir conhecendo‐a.
A senhora Barret Ducrorq tinha reunido a seu redor várias mulheres,
como se estivesse a ponto de leiloar uma galinha da Guinea, e ia apresentando
Darby como se este fosse seu amigo da alma: a senhora Colville, a senhora Cable (de
onde teria tirado uma estola tão grotesca?), a senhora Gower. Em pouco tempo, Darby ficou
rodeado por um círculo de damas que lhe
perguntavam por todos os "eventos" recentes da cidade e os últimos estilos de moda. Por
desgraça, sua reputação como perito em moda tinha chegado
também até o campo.
‐Temo que não tenha opinião alguma sobre as pérolas ‐ disse Darby,
fazendo uma reverência mais, possivelmente a centésima ‐Botas? Bom,
senhoras, as botas... Sim, esta temporada combinará bem com os casacos.
Nesse momento, Selina Davenport arrumou para entrar no círculo e
inclinar‐se para ele de tal maneira que seus seios saltaram levemente no ar.
‐Mr. Darby, desejo que me conte algumas intrigas de Londres ‐ disse em
tom malicioso ‐devido às enfermidades e às mortes em minha família, visitarei
Londres durante a primavera pela primeira vez em muitos anos.
Abanava‐se vigorosamente, tentando lhe enviar com os olhos um convite
sem palavras através do leque.
‐Estou segura de que pode nos contar magníficas intrigas de Rees
Holland, o conde do Godwin, por exemplo ‐ inclinou‐se para frente e seus seios por
pouco lhe saem do casaco ‐ É certo que instalou a uma cantora de ópera
em sua casa?
‐Rees e eu somos amigos há tantos anos que estamos absolutamente
desinteressados por nossas respectivas vidas ‐ disse Darby ‐Nunca o perguntei.
‐Sua esposa se encontra aqui ‐ Selina moveu a cabeça, jogando um olhar
pelo aposento. Efetivamente, a condessa estava sentada no piano ‐ Insisto em
que compartilhe conosco a verdade sobre sua situação doméstica. Mas
devemos abandonar este lugar para não incomodar à condessa.
E o agarrou pelo braço com firmeza, tirando‐o fora do círculo de damas
falantes.
Maldita seja, quão último desejava era acompanhar a uma mulher lasciva
que lhe oferecia um namorico, não um matrimônio. O que ele pretendia era encontrar
uma esposa.
Sem pensar muito, guiou à senhora Davenport até a mesa em que
estava sentada lady Henrietta.
‐Que prazer encontrá‐la de novo ‐ disse, fazendo uma reverência.
‐É ‐ disse Henrietta ‐Como estão suas meio‐irmãs?
‐Já se encontram a salvo, nas mãos da babá de lady Rawlings, que parece
ser muito competente e pouco partidária de deixar a Anabel com a roupa molhada. Sei
que apreciará isso, lady Henrietta.
E tinha razão. Sorriu‐lhe com um sorriso incrível.
‐Estávamos dando um passeio ‐ disse Selina com um sorriso malicioso ‐
Mr. Darby me prometeu contar intrigas de Londres.
‐Talvez deva levá‐lo a estufa ‐ disse lady Henrietta ‐Certamente o senhor
Darby nunca viu rosas tão excepcionais nesta época do ano.
Ele semicerrou os olhos. Aquela pequena bruxa estava jogando‐o aos
leões. Dirigiu‐lhe um olhar inocente e o mais fingido dos sorrisos. Tinha uns olhos muito
interessantes. Ligeiramente amendoados, estavam adornados
pelas mais lindas e largas pestanas que ele jamais tinha visto. E havia visto muitas.
Deu a volta a Selina, jogando uma rápida olhada a seus magníficos peitos.
A mulher levava um vestido de menina que ficava muito bem. O algodão parecia frágil,
como se estivesse a ponto de arrebentar por culpa daqueles gloriosos seios. Darby sentiu uma
inflamação na zona entre suas pernas. Selina Davenport era linda, sedutora e estava claramente
disponível. Efetivamente, o
vestido de lady Henrietta era de um crepe verde lodo que apagava o tom de seu cabelo. E
mais ainda, não somente lhe ocultava o peito, mas sim o pescoço
era tão alto e tão afetado que quase lhe chegava à altura das orelhas.
Fez‐lhe uma reverência, tomando sua mão.
‐Seu servo ‐ murmurou.
A expressão de seus olhos era tão efetiva como um banho de água fria.
Ela se divertia. Não cabia dúvida. Sabia qual seria exatamente a reação de Darby frente
aos seios de Selina Davenport, tinha‐o catalogado e assim o esperava, e agora simplesmente
desfrutava de que o pequeno cão tivesse saltado através do aro apropriado.
Darby apertou os dentes precipitadamente.
‐Acredito que estou bastante familiarizado com a beleza excepcional.
Mais do que você crê, lady Henrietta ‐ disse com um sorriso de lobo ‐Não há nada que
deseje mais que dar um passeio pela estufa com a senhora
Davenport.
E se foi.
Henrietta estava desiludida. Não havia outra maneira de vê‐lo. Por
alguma razão, ela pensou que Darby reagiria com um pouco mais de
sofisticação frente à evidente trama da Selina. Mas assim que Selina Davenport se
aproximou, ele voou como o faz uma abelha para a flor. Se é que era possível imaginar uma flor
de carne feita com um par de sedosos seios, unidos
precariamente por uma fita violeta. Parecia que até os deliciosos londrinos se convertiam
em gelatina ao ver aqueles montículos inchados que eram os peitos
das mulheres.
Darby não reapareceu no Salão Rosa a não ser passados vinte minutos, e
quando o fez nem sequer olhou em sua direção. Parecia estar imerso em uma
conversa com um cavalheiro de cabelo cinza, embora, é obvio, ela não o vigiou
em todo momento. Logo, de repente, ele levantou a cabeça e seus olhos se encontraram.
Um rápido calor lhe percorreu todo o corpo. De inicio, ela pensou que era vergonha; depois de
tudo, tinha‐a pego olhando‐o. Ele seguiu
olhando e havia algo em seus olhos que a fazia sentir‐se enjoada. Se não tivesse estado
sentada, sua perna provavelmente teria cedido.
Enquanto ainda o estava observando, ele se desfez cortesmente do
cavalheiro com que estava falando e caminhou para ela. Era como se o houvesse
chamando, pensou.
Como se ela ‐Henrietta‐ tivesse o poder de Selina. Logo baixou a cabeça
para olhar o vestido, mas sabia de sobra que seu peito seguia sendo exatamente igual a
essa manhã. Bastante atrativo, a sua maneira, mas nada em
comparação com a exuberância frontal de Selina.
Seu sentido comum lhe dizia que ele não devia saber nada de seu
quadril. Se ele era uma abelha, estava escolhendo a flor equivocada.
Esta não tinha pólen para dar de presente.
CAPÍTULO 09
‐Posso acompanhá‐la?
‐Pode fazer o que lhe agrade, naturalmente.
Darby estava profundamente surpreso pelo que lhe veio à cabeça ao
perguntar‐se o que seria de seu agrado. Não, seria melhor que não. Estava acostumado a
que as mulheres o perseguissem, não a correr atrás delas. E
menos, ainda, atrás de jovens ‐ ao menos na aparência ‐ virgens dotadas de clara
respeitabilidade e de feroz temperamento.
Provavelmente se devia às distintas emoções acumuladas durante o dia.
Tinha‐lhe afetado a conversação que tinha mantido essa tarde com sua tia.
Seria melhor que se retirasse a seu quarto e se recostasse na cama.
Entretanto, se o fizesse, estaria declinando da atenção de pelo menos quinze cavalheiros
que ofereciam a suas estupendas filhas. Filhas que ele devia avaliar por suas qualidades
maternais. Henrietta Maclellan não era uma candidata para esposa, dada sua propensão a verter
água sobre as crianças pequenas. Embora precisamente esses traços recordassem a sua própria
mãe.
Acabou sentando‐se.
Não era que Henrietta não fosse agradável. Tinha‐o olhado com um ar bastante
desenvolto, como se a estivesse acompanhando uma tia que a
vigiasse. Havia traços de ironia em seu olhar, um olhar que o desafiava a determinar ante
as expectativas de masculinidade que Henrietta parecia guardar. Mas não o olhava com o mais
mínimo instinto faminto, esse ao que ele estava tão acostumado.
"Estão‐lhe dando seu castigo", pensou Darby com um pouco de divertimento.
‐Está desfrutando de Limpley Stoke? ‐perguntou‐lhe ela. Talvez ele
pensasse que seus olhos azuis eram claros só porque não havia o menor indício
de ardor neles. Curiosidade inteligente... Mas nada mais.
‐Melhorou graças a sua companhia ‐ disse Darby, dando‐se conta de que
em realidade sim estava desfrutando muito.
‐Suponho que nos considere provincianos, se não algo pior.
‐Até certo ponto.
A tapeçaria estava revestida por montes de ramalhetes, mas não tão
joviais como as fisionomias ao redor. A sociedade do Wiltshire era calorosa, alegre, vivia
interessada na agricultura, no gado e na caçada e, em menor grau, também por Londres e era o
que ali acontecia. O que acontecia em Londres abrangia para eles uma grande variedade de
pecados, do Parlamento até o Regente em pessoa.
‐Bom, ao menos somos acolhedores ‐ disse Henrietta, ligeiramente
ofendida pelo pouco assentimento que ele tinha mostrado à descrição que ela
tinha feito –Pelo o que ouvi, a cidade pode chegar a ser um lugar pouco agradável.
‐Bom, nem todos aqui são amáveis ‐ disse Darby ‐Não tenho o menor
interesse em saber sobre drenagens e terras e temo que muitos dos
cavalheiros me acharam incompreensível...inclusive desprezível.
‐Essa é uma palavra muito forte ‐ disse Henrietta, com a leve suspeita de
que ele tinha toda a razão.
‐Um senhor, Mr. Cable mostrou‐se particularmente surpreso porque eu
gostasse de seu colete.
Henrietta sorriu fracamente.
‐Mr. Cable tem icterícia, temo que isso lhe azede o julgamento. Além disso,
recentemente, sua esposa se converteu a uma enérgica manifestação da
Cristandade, convencida por um padre metodista itinerante, e ultimamente só
fala em versos bíblicos. Acredito que sua vida em casa é bastante incômoda neste
momento.
‐No futuro, acredito que não me pronunciarei sobre seus esforços por ir à
moda ‐ prometeu Darby.
Henrietta ficou fascinada ao dar‐se conta de que o homem tinha uma
particular maneira de rir, sem abrir a boca. Ria mediante a voz e os olhos.
‐O que poderia se esperar de alguém que leva renda ao redor do
pescoço? ‐perguntou‐lhe, dado que ele não parecia perturbado pelo desprezo
dos cavalheiros de Wiltshire. Como podia estar tão seguro de si mesmo e tão
fora do lugar ao mesmo tempo?
‐Eu gosto da renda ‐ disse Darby. Ela tinha razão: era imperturbável ‐ Tem
uma simetria, certa perfeição, que me agrada.
‐Simetria? Eu acredito que a renda é muito feminina ‐ Entretanto, não cabia dúvida de
que a renda não resultava absolutamente feminina quando era
ele quem a levava.
Darby encolheu os ombros.
‐Agrada‐me. A simetria é uma das qualidades da beleza, lady Henrietta.
Por exemplo, você..., você parece agradavelmente simétrica. Tem os olhos perfeitamente
espaçados com relação ao nariz. Sabia que a beleza está intimamente ligada ao espaço que há
entre os olhos?
‐Não, não sabia ‐ disse Henrietta. Para aborrecimento de Darby, ela não
parecia dar‐se conta de que ele estava tentando paquerar. Em lugar de sorrir
com encanto, ela franziu o cenho.
‐Há uma criada no povoado que tem um olho azul e o outro verde, Mr.
Darby. E é considerada linda. De fato, todos os moços do povoado se esforçam
por ganhar sua atenção. Não sugeriria este fato que você se equivoca ao relacionar a
beleza com a simetria física?
‐Acredito que não. Um teorema oposto poderia ter prioridade. A sorte geralmente está
atada aos assuntos assimétricos, como a um trevo de quatro
folhas, por exemplo.
‐Um trevo de quatro folhas é simétrico ‐ ressaltou Henrietta.
‐Também o é um de três folhas. Mas no caso de um trevo de quatro folhas, sua
singularidade o faz assimétrico.
‐Seu teorema é pouco confiável. Minha criada é linda por ser assimétrica,
mas só se forçarmos o término até que este signifique incomum.
‐Retornemos a sua simetria pessoal ‐ disse ele, brandamente.
Mas ela trocou de tema como se ele não houvesse dito nada.
‐Mr. Darby levo umas horas desejando poder me desculpar por ter
presumido que Josie e Anabel eram suas filhas e por ter atuado segundo essa
hipótese. Nunca devia ter lhe falado de forma tão veemente.
‐Por favor, não dê mais voltas. Seus conselhos foram admiráveis. A
agência de empregos de Bath vai enviar duas babás para que as entreviste amanhã pela
manhã, e me assegurarei de lhes perguntar sua opinião sobre vestir objetos molhados.
Ela se inclinou para frente, com os olhos vividos de interesse.
‐Josie necessita uma mulher particularmente amável, Mr. Darby. Estou
segura de que você sabe, mas talvez possa encontrar a alguém que tenha experiência
pessoal quanto à perda de familiares.
‐Josie... ‐interrompeu ele.
‐Parece estar sofrendo muito pela morte de sua mãe.
‐Josie quase não a conheceu. Duvido muito que minha madrasta tivesse
feito algo mais com Josie que saudá‐la no Natal e, talvez, felicitá‐la em seu aniversário.
Inclusive duvido muito este último, dado que o aniversário de Josie tem lugar na época mais
inconveniente do ano.
Ante o olhar inquieto de Henrietta, ele seguiu:
‐Em 16 de abril, justo no início da temporada. Provavelmente, Josie só viu
sua mãe umas quatro ou cinco vezes em toda sua vida, e a maioria delas foram
quando ela era tão pequena que não deve recordar a ocasião.
‐Então por que está tão abatida?
‐Não tenho nem a menor idéia. Talvez lhe tenha causado uma forte
impressão haver‐se mudado a Londres depois da morte de sua mãe.
Darby olhou para baixo e se deu conta de que estava golpeando a mesa
com os dedos. Precisava encontrar uma esposa. Talvez uma viúva com filhos próprios
que soubesse por que Josie se comportava como um animal selvagem.
Parecia que lady Henrietta não sabia mais de crianças que ele próprio.
‐Suponho que é possível que Josie tão somente esteja respondendo às
mudanças. Posso me desculpar novamente pela maneira que me comportei?
Só espero não ter deixado a Josie muito assustada.
Darby gemeu.
‐Não há necessidade de preocupar‐se por isso. Josie passou pelo que
aconteceu melhor que nunca contando aos serventes todos os detalhes do interessante
encontro. Por sorte, não entendeu seu nome corretamente e a chama lady Hebby, com o que
ninguém a indentificará na vizinhança.
O pior de tudo era que os lábios da Henrietta eram escandalosamente sensuais: de um
rosa profundo que não se devia mais que à natureza. Além disso, eram carnudos, suaves e
pareciam preparados para serem beijados. E
isso era o que ele desejava fazer: inclinar‐se sobre a mesa e provar o sabor de lady
Henrietta para esquecer o irritante problema que supunham suas irmãs.
Se ele necessitava uma esposa, por que não desposar a Henrietta?
Parecia estar afeiçoada com as meninas, embora não soubesse muito a
respeito de seu cuidado, e era adorável.
Por alguma razão, só o fato de pensá‐lo o aterrava. Era verdade que necessitava uma
esposa. Mas sempre tinha pensado que as esposas eram um
objeto decorativo que poderia adquirir em algum momento futuro. Esta teria que ser
linda, é obvio. E de bom berço. Mas, além disso, a única condição era
que tivesse um temperamento débil. Já havia visto suficiente em sua juventude
para não confiar nas mulheres escandalosas.
"E não podia dizer‐se que Henrietta não tivesse temperamento", pensou, recordando o
olhar de surpresa na cara de Josie quando a água lhe percorreu a
cabeça, como uma cascata.
De fato, essa era o tipo de coisa que sua própria mãe teria feito.
CAPÍTULO 10
Era algo incomum para Henrietta sentir‐se inquieta uma vez que se
retirou aos seus aposentos. Habitualmente, apartava sua trança por cima do ombro, rezava
e ia dormir em paz. Bom, sempre havia as noites nas quais o quadril lhe doía. E outras, muito
ocasionais, nas que a idéia de não ser mãe e não ter marido parecia um peso que não podia
resistir e chorava sobre o travesseiro.
Mas tinha amigos, e se sentia valorizada e gostava de sua vida durante a
maior parte do tempo. Com os anos, Henrietta tinha assumido em silêncio as
tarefas de sua madrasta, para sua mútua satisfação. Passava os dias visitando
os doentes e fazendo que certas famílias recém chegadas estivessem
acomodadas adequadamente, ficava com o vigário quando o necessitava e planejava as
várias celebrações que marcavam o povoado com o passar do ano.
Era verdadeiramente feliz, exceto pelos momentos nos que uma pessoa
insensata a questionava e Henrietta tivesse falado com mais franqueza do que
devia. Não lhe incomodava muito não ter participado de uma só temporada.
Por que motivo ia fazê‐lo?
Mas, ao que parece, essa noite, não conseguia tranqüilizar‐se. Rodou por
seu aposento levantando alguns livros de poesia e voltando a deixá‐los em seu
lugar.
Tinha vista gravuras de estátuas gregas no Jornal das mulheres, e ele se
parecia com um deus só no perfil. De frente, era muito inteligente. Suas bochechas eram
nitidamente inglesas, igual aos seus olhos.
Era uma pena que tivesse tido que lhe contar sobre o seu quadril,
embora, se ele tivesse seguido lhe prestando tanta atenção, alguém teria acabado
contando de todas as formas. Ela sabia que ele tinha suspeitado de seu interesse em ajudá‐lo a
encontrar uma babá e ele teria podido descobrir muito facilmente que ela era uma herdeira. Que
cômodo era tudo para ele: uma herdeira e uma mãe, tudo no mesmo pacote. É obvio, ela tinha
tido suas
razões para desenganá‐lo. Não queria que ninguém andasse fofocando.
Suas intenções eram claras. Ela não podia deixar de deleitar‐se com a deliciosa lembrança
de como ele deu a volta e caminhou diretamente a sua mesa. E a maneira em que retornou
escoltado por Lucy. A maneira em que lhe
trouxe um prato de faisão. A maneira em que lhe sustentou a mão...
Ela tinha observado o modo em que homens e mulheres paqueravam
durante anos. Mas nunca se precaveu de quão prazenteiro era encontrar‐se com o olhar de
um homem ao outro lado do aposento e saber que este te deseja. Especialmente quando este
homem é o primeiro cavalheiro londrino a
aparecer em Wiltshire há mais de um ano, desde que lorde Fastlebinder ficou
durante um mês e seduziu à criada da senhora Pidcock. A seu ver, Fastlebinder
estava muito gordo e era pouco atrativo. Mas Darby conseguia que
empalidecessem todos os homens locais.
A própria senhora Pidcock se apressou a aproximar‐se e lhe perguntar com um sussurro
penetrante:
‐Do que estava falando o senhor Darby, lady Henrietta? Eu não gostaria
que te fizesse ilusões por um caça fortunas de Londres. Porque ele o é.
O qual era uma maneira oblíqua de recordar a Henrietta que Darby não
sabia nada a respeito de sua impossibilidade de ter filhos ou de outra maneira não
perderia tempo paquerando com ela.
Henrietta a tinha acariciado brandamente no braço e lhe havia dito, com
estrita confiança, que ela preferia que o senhor Darby estivesse detrás de Lucy Aiken.
Mas a mesma Henrietta não podia parar de sorrir frente ao feito de que
Darby a tivesse considerado como uma esposa em potencial. De outra maneira,
para que tantos elogios? Por que passou tanto tempo em sua mesa? Para que
falar de seu cabelo e sua simetria e lhe sustentar a mão? Para que olhá‐la com esse suave
e fácil sorriso se ele estivesse pensando...?
Por um momento sentiu o mesmo desespero que estava acostumado a
atacá‐la quando era jovem, o desejo de ser uma pessoa normal. De ser uma garota como
qualquer outra, livre para casar‐se e de ter filhos sem necessidade de pôr sua vida em risco.
Mas sabia separar de sua mente os pensamentos dessa natureza, e o fez
nesse instante. Esse não era o fato. O fato era que tinha conhecido a um homem
realmente atrativo que não sabia nada a respeito de sua enfermidade
e que tinha contemplado a possibilidade de cortejá‐la. Como tinha passado toda sua vida
em Limpley Stoke, onde todos sabiam que não podia casar‐se, para ela tudo isto era uma nova
experiência. "E viver novas experiências", disse‐se Henrietta, "sempre é bom".
Aproximou‐se um momento à janela, mas os cuidados prados da casa
Holkham ficavam ocultos sob a escuridão da noite. Se Darby realmente queria
cortejar a alguém, que sorte teria essa mulher. Tinha olhos formosos. Inclusive lhe
pareceu que queriam lhe dizer algo, salvo porque ela não acreditava nessas tolices. Se ele
realmente estivesse tratando de cortejá‐la...
Durante anos, muitas de suas amigas tinham recebido cartas de amor,
habitualmente prévias a uma proposta formal de matrimônio. Uma carta de Mr. Darby
seria muito mais suave e sofisticada que as missivas de um cavalheiro de Wiltshire. Ele
escreveria uma carta doce e cheia de desejo e...
Não. Ele era muito formoso, e claramente estava acostumado a mulheres
que se esforçavam por um pouco de atenção. Ele escreveria uma carta de amor
arrogante, agressiva.
Entretanto, ele não a tinha tratado dessa maneira: como se esperasse que fosse sua esposa.
Tinha‐a tratado como se ele pensasse que havia algo delicioso nela, em seus lábios ou seu nariz
ou..., melhor nem pensá‐lo. Era um tipo de olhar que fazia uma mulher sentir uma espécie de
sufoco.
E essa era uma classe de sentimento que ela, lady Henrietta Maclellan, não havia sentido
jamais. Nunca.
Deixando os sentimentos a um lado, Darby lhe escreveria uma carta que
faria com que uma mulher se sentisse desejada. Linda, embora fosse manca.
Desejável, embora não pudesse ter filhos. Desejável. Ele tinha esse tolo e calculado
sorriso que dizia a uma mulher que era linda. Inclusive pensar nisso fez que Henrietta sentisse
um pequeno tremor pelas costas.
Dirigiu‐se a sua escrivaninha e se sentou. Quase podia ler a carta em sua
mente.
"Minha queridíssima Henrietta", escreveu, e logo se deteve, mordiscando o final da pena
por um momento. Pelo que tinha visto, citar poesia nas cartas
de amor era um pouco de rigueur.
"Deverei te comparar com um dia do verão?" Não é que Shakespeare fosse seu poeta
favorito. Henrietta tinha uma paixão secreta por John Donne.
Mais ainda, Darby era muito vaidoso para adotar a típica atitude autocrítica
shakespeariana. Nunca assumiria em seu querido pensamento que ele era velho ou não muito
belo. Fez uma bola com a folha de papel e a atirou a um
lado.
Darby só escreveria uma carta se estivesse obrigado a separar‐se da
mulher que ama. De outro modo, somente a beijaria.
Começou de novo com outra folha de papel, pensando em seu poema
favorito do John Donne. "Não vou, por estar cansado de ti. Nem tampouco com o desejo
de que o mundo demonstre um amor mecânico por mim". Com olhos
sonhadores, deteve‐se encheu a pena de tinta. Era hora de mover‐se das palavras do
Donne às suas. Ou melhor, dizendo, às palavras de Darby:
"Nunca encontrarei a alguém a quem adorar como a ti. Embora o destino nos tenha
separado cruelmente, entesourarei sua lembrança em meu coração.
Desprezaria a lua e as estrelas para passar uma noite a seu lado...".
Nesse momento, duvidou. A carta teria tal profundidade se Darby tivesse
que abandoná‐la depois de ter passado à noite junto a ela. Quando Cecily Waite fugiu
junto de Toby Dittlesby e seu pai não os encontrou a não ser até a manhã seguinte foi uma
tragédia.
Adicionou uma palavra para que a frase ficasse assim: "Desprezaria a lua
e as estrelas para passar uma noite mais a seu lado. Nunca mais suspirarei...".
Morrerei? Estas cartas eram mais difíceis de escrever do que ela imaginou.
Enviou uma desculpa silenciosa aos cavalheiros cujos esforços literários ela tinha
ridicularizado no passado.
"Nunca conhecerei outra mulher com o cabelo tão iluminado pelas estrelas como o teu,
minha querida Henrietta. A beleza perigosa desses cabelos permanecerá em meu coração para
sempre".
"Não tinha conhecido o amor antes de te conhecer; nunca tinha visto a beleza antes de
verte; nunca tinha provado a felicidade até que provei seus lábios".
"Sem ti, nunca me casarei. Como não pode te casar comigo, querida Henrietta, nunca
me casarei. Os filhos não significam nada para mim; são supérfluos. Tudo o que quero é você.
“Para esta vida e mais à frente”.
Assim escreveu:
CAPÍTULO 11
Esme estava tendo um sonho. Ele chegava por detrás, em silêncio, e lhe
punha as mãos sobre os ombros. É obvio, ela sabia quem ele era e também sabia que
estavam sozinhos em um dos salões da casa de lady Troubridge.
Depois de tudo, tinha sonhado com isto muitas vezes.
Inclusive, uma vez aconteceu de verdade.
Eram umas mãos lindas, grandes e graciosas. Seria simplesmente
encantador poder recostar‐se contra seu peito, permitindo a essas mãos rodar
sobre os seus seios. Mas tinha que dizer‐lhe. Ao menos desta vez.
Virou‐se e as mãos masculinas se separaram de seus ombros.
‐Você não está disponível, milord. De fato, você está comprometido com
minha melhor amiga.
‐Só nominalmente ‐ respondeu ele, imperturbável. ‐Gina se apaixonou
por seu marido. Até eu posso me dar conta. Espero que amanhã me diga que
não pensa anular seu matrimônio.
‐Também devo ressaltar que eu tampouco estou disponível.
‐Não? ‐O marquês de Bonnington tomou uma de suas mãos entre as dele
e levou a palma à boca. Ela estremeceu com essa pequena carícia.
Maldito seja por sua beleza, pela emoção em seus olhos, pela maneira como suas mãos a
faziam tremer de desejo.
‐Ao que parece eu também retornarei à cama de meu marido ‐ disse ela,
sem rodeios ‐Assim temo que tenha perdido sua oportunidade. Prostituta hoje,
esposa amanhã.
Seus olhos semicerraram.
‐Retornar não implica uma ação imediata ‐ disse‐lhe, pausadamente.
Ela não disse nada.
‐Devo entender que ainda não se reconciliou de todo com o estimado
lorde Rawlings?
Logo que ela assentiu brandamente com a cabeça, ele cruzou os braços
por trás e trancou a porta.
‐Então, seria um tolo se desperdiçasse a pequena oportunidade que
tenho, não é certo?
Deslizou as mãos por seus ombros, lhe deixando um rastro de fogo no caminho. Ela tinha
esquecido algo, esqueceu‐se de lhe dizer algo. Mas ele já havia despido a roupa. Algumas vezes,
no sonho, ela o olhava despir‐se, e outras vezes ele já estava aí, de repente, nu, com sua elegante
figura.
‐Não vai se despir? ‐perguntou‐lhe. Tinha a voz rouca. Seu corpo era moldado, como de
um cavaleiro. Isto a fazia sentir‐se fraca diante do desejo que sentia tão somente por olhá‐lo.
‐Sebastian... ‐disse ela, e fez uma pausa.
Estava experimentando o sonho em dois níveis: como se realmente este
sonho vívido estivesse acontecendo de novo, e sua luta real para advertir Sebastian.
Dizer‐lhe que ela retornaria à cama de seu marido nesta mesma noite. Então, ele não devia ir a
sua cama, nunca. Ele não devia pensar que este..., este encontro era por mais de uma noite.
Ele a beijou no pescoço, e ela sentiu que sua língua lhe tocava a pele por
um instante. Seu cabelo brilhava com a luz das velas.
Ela o olhou diretamente no rosto, tão lindo, familiar e severo. Beijá‐lo era
como beber água depois de ter muita sede. Sua boca era tão doce e tão feroz...
Ela o tinha desejado sempre.
Ela deslizou as mãos por seus braços musculosos, cobertos de pêlos
dourados e por seus amplos ombros.
‐Poderia atuar como o criado da senhora? ‐perguntou ele.
Ela apoiou sua cabeça em seu peito por um instante, saboreando a
beleza do momento, a dureza de seu peito contra sua pele. Ele cheirava a terra e a suor,
como se tivesse acabado de cavalgar. Cheirava a homem, a Sebastian.
Ele começou a lhe desabotoar o vestido com destreza, lhe fazendo
pequenas carícias com os dedos entre cada botão.
‐Lhe incomoda que esta seja a primeira vez que faz isto? ‐perguntou‐lhe
ela, com um pouco de curiosidade.
Ele se deteve por um segundo.
‐Não. O processo parece ser algo simples para a maioria dos homens. Por
que não o seria para mim? A ação que se requer de minha parte não parece ser
complicada ou difícil. ‐Um sorriso se desenhou em sua boca ‐Tenho fama de ser
bom atleta, Esme. Espero não lhe machucar.
No sonho, Esme notou sua arrogância. Será que ao homem não lhe
faltava confiança?
Porém, a Esme real tinha estado em um dos salões da casa de lady
Troubridge com antecedência e já sabia que não lhe falharia, que sua destreza
era enorme, inclusive para ser sua primeira vez, até maior que a de qualquer outro
homem com quem ela tivesse tido intimidade antes.
Arrebatou‐lhe o vestido dos ombros, deixando‐a sem nada mais que uns
poucos pedaços de renda francesa, unidas por uns nós que rogavam
delicadamente para serem desatados.
Seus olhos se obscureceram.
‐É deliciosa.
Ela se separou dele, desfrutando dos passos lentos que dava com o
quadril, que o faziam respirar rapidamente. Elevando os braços, tirou algumas
forquilhas da cabeça até que uma delas acariciou gentilmente sua roupa interior. Logo se
deixou cair na poltrona com um delicioso sentimento de abandono. E estirou a mão.
‐Me acompanharia milord?
Ele já estava ao seu lado antes que ela pudesse respirar de novo. Não parecia gostar de
sua renda francesa, posto que a tirou inteira, até deixá‐la nua, com os pés sobre o tapete.
Nesse momento, olhou‐a.
Quando ele falou, sua voz a fez saltar.
‐Amo‐te, Esme.
Atraiu‐a para seu corpo e a abraçou.
Em alguma parte de sua mente, a Esme verdadeira sabia que o sonho se
desviou da verdade. Sebastian não a amava.
Mas, no sonho, Esme perguntou:
‐Tanto como eu te amo, Sebastian?
Fez‐lhe uma carícia ao longo do quadril e das coxas e a aproximou para
que seus corpos se encaixassem.
‐O que acontecerá com Gina? ‐perguntou ela, consciente de que Gina era
sua melhor amiga e a prometida de Sebastian.
‐Gina está apaixonada por seu marido. Ela se desfará de mim ‐ disse ele,
beijando‐a dos ombros para baixo.
Para ele, tudo era novo, pois Sebastian Bonnington nunca tinha
entendido realmente a insensatez de paquerar com uma mulher e nunca tinha
conhecido a uma mulher que o impulsionasse ao comportamento insensato.
Até conhecer Esme, é obvio.
‐Não pode... ‐titubeou ela. ‐Não deve...
A Esme verdadeira estava esforçando‐se por recordar o que devia lhe
dizer.
Mas ele a estava lambendo, o rastro exuberante da clavícula para
baixo..., estava‐se ajoelhando. E as coisas que lhe estava fazendo com essa boca...
Os joelhos fraquejaram, mas se ela desmaiasse na poltrona, parecia ser exatamente o que
ele queria.
‐Desejo você desde o primeiro momento que lhe vi. Deus, você é tão linda, Esme...
Cada..., cada centímetro. ‐Sua voz era rouca.
Seu corpo estremeceu. Embora suas mãos nunca houvessem tocado
outro corpo feminino, pareciam saber o que fazer exatamente. Estavam lhe abraçando os
joelhos com um toque que parecia fogo.
‐Tenho que lhe dizer uma coisa ‐ sussurrou ela.
‐Agora não ‐ disse ele, baixando de novo a cabeça.
Uma rajada de fogo lhe invadiu todo o corpo, emanando prazer até a ponta dos dedos.
‐Seb‐Sebastian.
Ele não disse nada, e no sonho Esme estava completamente perdida,
arqueando‐se para diante para lhe pôr as mãos sobre seu grande corpo, para
lhe fazer coisas das que ele tinha ouvido, mas nunca havia sentido, coisas que sabia que
existiam, mas que nunca tinha experimentado. O fôlego lhe
bloqueava no peito, incapaz de formar palavras coerentes.
Mas a própria Esme, Esme Rawlings, viúva de Miles Rawlings, estava
girando e contorcendo o corpo em sua cama, e não devido à paixão. Estava apanhada no
sonho, tentando desesperadamente dizer algo para a Esme do sonho, tentando com que esta
fizesse algo.
Então, despertou.
Despertou e estava em seu corpo, não o esbelto e sensual corpo que Sebastian tinha
estado acariciando, a não ser o seu de verdade, redondo e muito incômodo. Uma vez mais ela
despertou antes de poder dizer‐lhe o que
queria.
Uma lágrima desceu pela bochecha. Sabia muito bem por que seguia
sonhando com uma noite de junho passado, uma vez atrás da outra. Bom, havia muitas
razões. Uma delas era que o bebê em seu interior poderia ser o
fruto dessa noite.
A segunda era que esse bebê poderia não ser de Sebastian, porque na noite seguinte ela e
seu marido tinham compartilhado o mesmo leito pela primeira vez depois de muitos anos,
precisamente a fim de produzir um herdeiro.
Procurou desesperadamente com as mãos o vulto em sua barriga.
Parecia que o bebê dormia também. Não havia pequenos chutes nos lados de
sua barriga que a fizessem sentir‐se menos sozinha.
Resultava mortificante que, durante o sonho, sempre dissesse para
Sebastian que o amava, mas nunca pudesse lhe dizer que evitasse seu quarto
no dia seguinte. Nunca conseguiu lhe contar que seu romance devia terminar
na mesma noite em que começou.
E como Sebastian havia voltado ao seu quarto na noite seguinte, tinha‐os
assustado e permitido que Miles pensasse que era um ladrão. Miles tinha tentado
defender‐se e seu coração se deteve.
As lágrimas lhe eram familiares. Eram tão familiares como o sabor do pão. Eram
lágrimas de luto... E de culpa.
Simplesmente, se não tivesse sucumbido diante de Sebastian e não
tivesse traído seu marido. Simplesmente, se tivesse saído do salão no momento
em que ele começou a seduzi‐la. Simplesmente, se não tivesse cedido ao desejo...
Sentou‐se na cama e deixou que os soluços lhe rasgassem o corpo como
se assim fosse ser capaz de expulsar fisicamente seu sentido de
responsabilidade.
E não é que não tivesse sido castigada. Tinha ficado viúva. Tinha ficado grávida. E não
sabia com exatidão quem era o pai.
E além disso, ficou sozinha.
Sempre guardava um monte de lenços ao lado da cama, para poder secar
as lágrimas apropriadamente. Primeiro as despachava e logo lhes prestava contas.
Ela tinha amado Miles, da mesma maneira afável com que ele a tinha amado. Ambos
eram completamente conscientes das debilidades mútuas. Não
tinham vivido juntos durante dez anos, mas dispensavam um carinho mutuo. E,
sentir saudades, constituía parte das lágrimas.
Sentia‐se culpada por sua morte, ah, isso representava outra grande
parte. Não deixava de desejar ter dito para Sebastian que a reconciliação com
Miles era iminente. Claro que ela assumia que isso aconteceria em algum ponto
desconhecido no futuro. Tinha sentido. Todos na festa de lady Troubridge sabiam que
Miles e lady Randolph Childe estavam compartilhando o mesmo quarto.
Quem iria pensar que Miles e ela fossem se reconciliar com o objetivo de
engravidar? Que Miles desejava que o fizessem imediatamente? Sebastian,
provavelmente, tinha pensado que eles se reconciliariam ao retornarem a Londres.
Simplesmente com que... Essas palavras lhe retumbavam na cabeça cada
vez que respirava.
Mais lágrimas, tão profundas que o peito lhe doía com cada suspiro. E
todas essas lágrimas não podiam ocultar o fato de que ainda ficava muita vergonha por
diante e ela sabia.
Sentia falta de Sebastian.
E não da noite que passaram juntos. Sentia falta dele por sua forma de
ser, sólida, cheia de sentido comum e aristocrática. Por todas as coisas incomodas que
enlouqueciam Gina enquanto esteve comprometida com ele:
sua honra, sua rigidez, sua força e seu caráter. Pela maneira como chegava ao
coração dos problemas. Porque sempre era tão controlado e tão prático.
Exceto, pensou Esme com sentimentos de prazer e culpa misturada, exceto quando se
tratava dela. Em sua presença, ele se consumia em paixão, e só por
ela, ele desafiava os convencionalismos sociais.
Sentia falta dele porque se foi. Havia partido para o continente temendo
um grande escândalo. Havia dito a todos que se equivocou de aposento quando o
descobriram no de Esme. Disse‐lhes que acreditou ter entrado no aposento de sua suposta esposa,
Gina.
Mas ele nem sequer estava realmente casado com a Gina. Tinha tentado
enganar a duquesa de Girton com um certificado falso de matrimônio, porque
ele queria deitar‐se com ela, mas não casar‐se com ela.
Assim era o seu adorado e honorável Sebastian, por um lado, tinha
salvado sua reputação e tinha permitido a Gina retornar para seu marido, que
ela realmente amava. Gina navegou para a Grécia com seu adorado Cam, e Esme se
retirou para o campo para guardar luto. E Sebastian, o rígido, correto e honorável Sebastian,
embarcou para o continente, com sua reputação feita em
migalhas. Toda a Inglaterra pensava que ele era um vilão, tão desesperado por
deitar‐se com a duquesa que tentou enganá‐la lhe fazendo acreditar que tinha
uma licença matrimonial especial.
As pessoas da alta sociedade comentaram durante meses sobre a
afortunada fuga da duquesa. Porque se Sebastian Bonnington não se
equivocasse ao entrar no aposento da duquesa de Girton, e não tivesse acabado no
aposento de lorde e lady Rawlings... Ele teria tido êxito em deitar-se com a duquesa sem o
benefício do matrimônio.
Essa era a ironia. Esme era a desencaminhada, aquela cuja reputação
merecia ser arruinada, e também quem deveria estar vivendo no continente, só
e exilada.
Mas Sebastian sacrificou a si mesmo e sua reputação, convertendo‐se em
um pária aos olhos de seus compatriotas. Agora, Sebastian estava em algum lugar do
mundo completamente sozinho.
Ou talvez não completamente sozinho. Agora que tinha conhecido o que
eram o desejo e o prazer, encontraria alguma mulher linda para casar‐se. Uma
mulher que entenderia imediatamente que ele era um homem honrado, e
também por que motivo inventou a história da licença de matrimônio, a história que o
expulsou de sua pátria.
Essa mulher provavelmente sentiria regozijo, porque foi esse escândalo o
que o atraiu para ela.
E se Sebastian tinha alguma lembrança da infame Esme Rawlings, estaria
repleto de receios por sua estupidez, posto que graças a havê‐la seduzido tinha arruinado
sua vida.
CAPÍTULO 12
‐Ela me pediu o favor de falar com o homem ‐ disse Darby. ‐Enquanto isso
estou me certificando de que seus dedos não sejam excessivamente finos ou doentes. A
forma de suas luvas me fez preocupar com sua saúde. ‐Acariciou‐lhe
um dos esbeltos dedos. ‐Os dedos inchados são indício de uma enfermidade grave.
Definitivamente, ele estava paquerando com ela. Com ela. Embora lhe
houvesse dito, sem rodeios, que não podia ter filhos. Henrietta não sabia o que fazer a
respeito. Ele se encontrava frente a ela, grande, masculino e formoso, lhe sustentando a mão nua.
‐Verá ‐ disse‐lhe brandamente. ‐Formosos. Dedos esbeltos.
Acariciou‐lhe levemente um segundo dedo.
‐Simétricos? ‐apontou ele, levantando uma sobrancelha. ‐Acredito que
podemos estar de acordo nisso. Não leva anéis?
‐Não estou muito interessada na decoração.
‐Que lástima ‐ disse‐lhe, docemente. ‐Eu mesmo sou uma decoração tão
linda.
Quis dizer o que ela tinha pensado que havia dito? Que ele...? Ela deve
lhe haver interpretado mal. Ele levou seus dedos lentamente para a ponta dos
dela, percorrendo um curto caminho. Logo, uniu sua palma com a dela.
‐Verá ‐ disse‐lhe seriamente‐ há momentos em que os dedos de uma
mulher se embelezam ao lhe somar uma mão masculina.
A palma lhe tremia e isso era absurdo. Ela retirou a mão antes que ele pudesse tocá‐la de
novo e lhe disse:
‐Sr. Darby, minha luva, por favor.
Mas Darby não a devolveu. Olhou‐a com seus olhos cor mel, que
refletiam uma luz travessa e risonha.
‐Há momentos, horas realmente, nas que os lábios de uma mulher
também melhoram ao realizar a mesma soma sobre eles, Henrietta.
Ela piscou. Com que direito ele a chamava...
Ele inclinou a cabeça.
Sua boca era cálida. Essa foi à primeira impressão. Ela ficou rígida, de pé,
perguntando‐se o que devia fazer enquanto ele punha sua boca na dela.
Claramente, estava‐a beijando. Haver‐se dado conta disso foi a segunda impressão. Ele
parecia estar desfrutando. Uma mão grande a agarrou pelo pescoço e a atraiu gentilmente para
ele. Estava‐a desfrutando? Provavelmente,
esse seria seu único beijo. Deveria estar desfrutando‐o mais?
Provavelmente ela deveria afastar‐se dele. Seus lábios se moviam nos
dela e era algo, quase se sentia como...
Ele se afastou.
‐Foi este seu primeiro beijo? ‐perguntou‐lhe.
‐Sim ‐ disse ela, duvidando. Em qualquer caso, sua franqueza não parecia
ter perturbado Darby anteriormente.
‐Os beijos estão algo supervalorizado hoje em dia, não crê? ‐disse‐lhe, sorrindo ‐ Não é
que esteja pondo em dúvida suas habilidades, Sr. Darby. No mais mínimo. A mim tampouco me
deram bem as habilidades físicas.
Ele ficou calado diante disso. Henrietta confiou que ele não tivesse tanta
fama por seus beijos como por suas opiniões sobre moda.
‐Poderia me devolver minha luva, por favor?
Ele a deu.
‐Muito obrigado.
Henrietta não tinha terminado de recebê‐lo quando Slope abriu a porta e
disse:
‐O jardineiro, Sr. Darby. Seu nome é Baring.
Darby nem sequer se voltou. Ficou olhando, com uma expressão a
metade do caminho entre o sorriso e a inquietação que fez com que Henrietta
estremecesse. Sua agitação se devia a incomum circunstância de que um cavalheiro
estivesse lhe prestando tanta atenção. Não havia razão para que seu coração pulsasse tão
acelerado. Nem para encontrar‐se se perguntando se ele
tivesse tentado lhe tirar ambas as luvas. Ou beijá‐la outra vez.
Ela se voltou e saudou Baring. Era um homem grande, tão alto como
Darby. E era bonito, de um modo informal. Tinha cachos loiros e olhos azuis claros e, se
não tivesse uma expressão um pouco estúpida, ela teria pensado que ele era capaz de galgar
umas quantas posições sociais.
Darby se voltou e, por um instante, seu corpo se congelou. Tudo
aconteceu tão rápido que Henrietta se perguntou se tinha imaginado, porque,
em um segundo, ele estava dizendo:
‐Baring, verdade? Lady Henrietta, sente‐se para que discutamos juntos se
Baring tem ou não experiência suficiente em jardins.
Para Henrietta pareceu uma pergunta estranha. É obvio que o homem
devia ser hábil com a jardinagem. Mas o que sabia ela de entrevistar pessoal para a parte
exterior da casa? Sua madrasta sempre deixava esse trabalho ao
encarregado, posto que só se interessasse em contratar as suas criadas pessoais.
Darby acompanhou Henrietta ao sofá e se sentou ao seu lado. Logo se recostou de um
modo informal no respaldo e passou um braço sobre este.
Henrietta se sentou com as costas erguidas, como estava acostumada a fazê‐lo.
Ele estava tão perto que de fato seu ombro tocava o dela. Ela se afastou um pouco.
‐Imagino que a agência de empregos lhe informou que estamos
procurando um perito em rosas ‐ disse Darby.
‐Sim, eles me disseram ‐ respondeu Baring. ‐estive rodeado de rosas
desde que era um menino.
Para Henrietta, lady Rawlings era uma péssima acompanhante. Era
interessante dar‐se conta de que a tarefa de vigiar tinha seu mérito. Os homens
claramente tendiam a beijar a qualquer mulher que se encontrasse a um braço
de distância.
Por sorte, ela parecia não ver‐se afetada por esses beijos. Tinha ouvido muitas conversas
de outras garotas sobre os beijos. Molly Maplethorpe jurou que quando seu marido Harold a
beijou pela primeira vez se derreteu como se
fosse pudim de baunilha. Para Henrietta tinha inquietado essa imagem durante
muito tempo antes de decidir que Molly era extremamente criativa no uso da
linguagem. Embora muitas outras houvessem dito coisas parecidas.
De todas as maneiras, era difícil não sentir prazer, embora ela não se notasse tão líquida.
Tinham‐na beijado! Agora que as garotas compartilhavam
confidências não se sentiria como uma freira velha.
Darby estava perguntando ao jardineiro sobre técnicas de manejo de
chãos. Onde diabos ele teria aprendido tudo isso? Ela sabia que ele tinha vivido em
Londres a maior parte de sua vida. Embora em Londres também
cultivassem rosas, isso ela tinha ouvido, embora lhe parecesse complicado, com toda essa
fumaça de carvão poluente.
‐E como curaria o fungo? ‐ Darby estava perguntando ao jardineiro, com
certo tom de diversão na voz, como se estivesse a ponto de arrebentar na risada. Que
homem tão estranho.
Ela deixou de escutá‐lo e voltou a pensar nos beijos. Tinha que ir ao ponto: por que
Darby a tinha beijado? Deixou‐lhe muito claro que não podia ter filhos, mas ao que parece isso
não o tinha desanimado.
De fato, isso pareceu haver despertado sua atenção. Talvez, pensou ela
confundida, ele realmente não quisesse ter filhos.
Darby e o jardineiro tinham terminado a entrevista. O homem fez um
gesto de despedida com a cabeça e se foi do aposento junto com Slope.
‐Acredita que lady Rawlings se encontrará bem? ‐perguntou‐lhe ela,
olhando‐o fixamente. ‐Apresentará minhas desculpas, por favor, Sr. Darby? É
uma pena que nenhuma das duas babás fosse a apropriada para o cargo. Talvez
devamos enviar uma mensagem urgente à agência de empregos, pedindo mais
candidatas, não crê? Temo que tenho uma entrevista no povoado e devo ir.
‐Não se preocupe com as babás. Temos sorte de ter várias criadas nesta
casa. E contratamos um jardineiro, assim não perdemos a manhã. O sorriso com que disse
isto, fez com que Henrietta se sentisse enjoada. ‐Sua entrevista é no Limpley Stoke? Posso
acompanhá‐la, lady Henrietta, se for tão amável de me levar em sua carruagem. Parece ser uma
pequena vila encantadora. Talvez
possa averiguar se a senhorita Eckersall estava correta quando dizia que lhe faltava um
pouco de vida.
‐Está pensando em ficar muito tempo no povoado? ‐perguntou
Henrietta, sem deter‐se.
‐Não, não pensava ‐ disse Darby, pensativo.
Olhou‐a, oh, de tal maneira! Henrietta não soube como responder. Por um momento lhe
ocorreu perguntar por que diabos a estava paquerando. Mas
embora tivesse tentado ser sincera a maior parte de sua vida adulta, sendo direta cada vez
que lhe era possível, este não era o momento indicado para fazê‐lo.
CAPÍTULO 13
Esme estava descendo pelas escadas quando viu de cima que sua nova
amiga Henrietta e seu sobrinho Darby saíam juntos da casa. Ela desceu cantarolando
melodias e sentindo‐se mais alegre do que se sentia em semanas.
Algo na aceitação calma de Henrietta sobre sua desafortunada situação
era incomensuravelmente consolador. Henrietta tinha razão ao dizer que esse
bebê não pertencia a nenhum homem.
Depois de tudo, Sebastian lhe tinha proposto matrimônio devido a um
estranho sentimento de culpa pela morte de seu marido. E Miles não era absolutamente
um marido exemplar, já que tinha vivido com lady Childe durante os últimos três ou quatro anos.
Por que deveria sentir‐se culpada por
algum deles?
Se Sebastian se incomodou em lhe dizer adeus depois de havê‐la
seduzido nesse salão, deu‐se conta de que ela e Miles estavam em processo de
reconciliação. Mas, em troca, tinha‐a tratado como a prostituta que claramente pensava
que era, visitando seu aposento na noite seguinte, sem perguntar, como se ela devesse estar ali,
disponível para qualquer um.
Uma chama de raiva se acendeu em seu peito. Por que tinha
desperdiçado tantas lágrimas com esse homem? Sebastian Bonnington era um
depravado que se colocou em seu quarto no meio da noite.
O que ele pensava que ela era? Uma mulher de vida alegre, alguém
disponível para um amasso cada vez que ele quisesse? O tolo era ele. Ela não
era esse tipo de mulher. Era certo que ela nem sempre tinha sido fiel aos seus votos
matrimoniais, mas tampouco o tinha sido Miles. Mas isso não queria dizer que fosse uma
cortesã. Não tinha tido um amante durante anos, não até
aquela noite com Sebastian.
E nada, nada desse encontro, dava o direito a Sebastian de acreditar que
aquele quarto fosse sua propriedade.
Instintivamente tocou na barriga enquanto olhava pela janela para o
jardim. Não choraria mais. Tampouco ia falar mais em deserdar seu filho.
Henrietta tinha razão. Nunca seria possível saber de quem era o bebê que ela
estava gerando.
Em troca, ela se asseguraria de que Henrietta se casasse com Darby, para
que este pudesse dispor de uma herança parecida com a de Miles. Na noite anterior, a
senhora Pidcock lhe havia falado uma e outra vez a respeito das propriedades que Henrietta tinha
herdado de seu pai, umas vinte mil libras ao
ano. A senhora Pidcock também tinha balbuciado, é obvio, sobre a
impossibilidade de Henrietta de casar‐se, dado que não podia ter filhos, mas para Esme,
essas eram tolices. Podia ser que essas coisas não fossem aceitas no campo, mas ela sabia de
muitos casais que se abstiveram da possibilidade de ter filhos, que não seguiam a habitual
normativa de "dar luz um herdeiro e passar a vida economizando para ele". Ela, antes de ver‐se
surpreendida por Sebastian Bonnington, nunca tinha estado em risco de ficar grávida.
Havia maneiras... E ela se asseguraria de que Henrietta as aprendesse.
Alguém podia suspeitar que Darby fosse um cavalheiro moldado à antiga.
Um homem grande se movia no fundo do jardim, assim, supôs que Darby
tinha contratado o jardineiro enviado pela agência de empregos.
Talvez o homem fosse capaz de fazer algo pelo roseiral. O velho que tinha
estado a cargo dos jardins tinha renunciado a controlar a natureza há muito tempo.
Quando ela chegou a essa casa o verão passado, cada arbusto tinha no
máximo uma ou duas rosas. Havia brotos, mas cresciam sem abrir, era algo desesperador.
Ela observou com atenção ao homem. Estava se comportando de
maneira estranha. Sem dúvida alguma estava fazendo algo às plantas, mas o que era?
Talvez tivesse uma cura estranha contra o que as afligia.
Tomou uma meia hora para vestir‐se apropriada e calidamente para sair
a caminhar pela colina. Os prados da casa Shantill se expandiam sobre uma pequena
ladeira ao fundo da qual se encontrava o roseiral. Era o lugar favorito de Esme. Os antigos
Rawlings tinham arqueado algumas tabuas em linha reta e
tinham forçado às rosas a crescerem seguindo o caminho. Quando ela se casou
com Miles, dez anos antes, as rosas cresciam juntas, densas e robustas e seu perfume
selvagem era capaz de intoxicar a qualquer um que se sentasse ali. É
obvio que, em pleno inverno a pérgula não era mais que um sujo túnel de ramos e
espinhos. Então o que poderia estar fazendo o jardineiro com as rosas?
Conseguiu caminhar até a colina sem torcer os tornozelos, detendo‐se de
vez em quando para recuperar o fôlego. Levar esse bebê era um exercício muito maior do
que jamais imaginou. Antes da gravidez, tinha a vaga idéia de
que ao bebê simplesmente teria que "transportá‐lo" até que este decidisse nascer... E isso
era tudo. Ninguém lhe advertiu sobre os episódios histéricos de pranto, os tornozelos inchados ou
a impossibilidade de caminhar sem que parecesse que estava rodando de um lado para o outro.
O homem ia caminho da pérgula. Embora estivesse de costas, ela podia
ver o que estava fazendo. Estava lendo um livro.
Que peculiar.
Nunca tinha ouvido falar de um jardineiro interessado em literatura. De
fato, Moisés, o homem que estava acostumado a cuidar dos jardins, deixou muito claro
que não tolerava livros, que não servia para isso.
Mas este jardineiro estava lendo com atenção esse livro.
‐Desculpe‐me ‐ disse Esme no tom mais amável de senhora da casa. ‐
Simplesmente queria...
Mas ficou sem voz.
A pele havia se tornado mais morena. Não estava vestido com o
refinamento usual. Não estava polido, simples e elegante à maneira de um marquês.
Mas não havia dúvida de que o homem que estava à frente dela era
aquele que seus próximos chamavam Bonnington e o resto do mundo,
marquês de Bonnington.
Para ela, era Sebastian.
É impossível saber se os amigos mais próximos de Sebastian o teriam reconhecido tão
rápido como ela o fez. Vestia uma camisa gasta, aberta na garganta, e um avental de couro fino.
Parecia mais musculoso, mais saudável e
mais vivo do que ela jamais o tinha visto.
Esme o reconheceu sem esforço.
‐Estou tendo alucinações ‐ disse ela com um tom agradável, olhando
fixamente para a aparição.
‐Por favor, me perdoe por lhe alarmar.
No momento que ela ouviu aquela voz tão racional, o sangue lhe ferveu
na cabeça e lhe nublou o olhar. Balançou‐se, mas por instinto conseguiu equilibrar‐se
adiantando uma mão para não cair. Sua mão se encontrou com um corpo quente. Ele já estava aí,
recebendo‐a em seus braços, sustentando‐a
contra seu peito. Um segundo mais tarde se sentou no banco de ferro forjado
com Esme nos braços.
Esme nunca desmaiou antes. Evitar os conflitos não estava em sua
natureza. Inclusive nos momentos mais angustiantes de seu matrimônio, nos que tivesse
sido maravilhoso fingir um desmaio, nunca tinha sido capaz de fazê‐
lo.
Mas Sebastian pensou que ela havia desmaiado. Estava a acariciando
brandamente na bochecha, lhe dando pequenas ordens como: "Desperta, por
favor".
Ela decidiu manter os olhos fechados. Que demônios fazia Sebastian em
sua pérgula de rosas? Precisava pensar, embora seu instinto lhe dissesse que se segurasse
à força desses braços e que fingisse por um momento que o mundo
não era um lugar gélido, em que ela era uma viúva com um filho.
‐Esme! ‐Tinha um tom de alarme. Aquele novato...
Ela abriu os olhos para encontrar‐se com o rosto dele. Estava desejando
descobrir se esses olhos ainda tinham o poder de transtorná‐la. Algo nesses olhos
passionais, de cor azul e nesse cabelo loiro fazia com que seu coração pulsasse com força, devia
ser uma mulher muito superficial. Algo em sua rígida expressão e em suas maneiras,
excessivamente meticulosas e formais, fez que
ela desejasse lhe arrancar a roupa e...
Inclusive quando era o noivo de sua melhor amiga. Inclusive nesse
momento. E ainda o seguia desejando.
Um pensamento a desalentou. Quando Sebastian a viu por última vez,
era uma mulher ágil e esbelta. Tinha algumas curvas, é verdade. Nunca tinha sido uma
garota muito magra, como sua amiga Gina, mas suas curvas eram realmente atrativas. Agora não
era mais que um balão, repleta de curvas pronunciadas, sem cintura.
Esse pensamento a trouxe de volta à realidade.
‐O que está fazendo aqui? ‐perguntou‐lhe, de repente, sentando‐se.
Tinha lhe aberto o botão do casaco em um esforço para despertá‐la do
desmaio. Ela o voltou a fechar. Acreditava que o tecido branco dissimulava o fato de que
seu rosto estava tão redondo como um pêssego. Talvez devesse sair de seu colo antes que ele se
desse conta do quanto se tornou pesada.
‐Vim para ver você, é obvio. OH, Deus, Esme. Senti tanto a sua falta.
Pôs as mãos frias sobre as bochechas e a beijou. Assim, sem mais, com
doçura. Como se a quisesse muito e sempre a tivesse querido. Esme piscou.
‐Disse a você que não queria voltar a ver‐lhe jamais ‐ disse‐lhe ela, sem
vontade.
‐Não tem que me ver. Se ficar nesta casa, assegurarei de que nunca tenha que voltar a se
encontrar comigo. Sei que me odeia pela morte de Miles.
Não espero que troque esse sentimento.
Um sorriso de lástima apareceu em sua boca.
‐É só que me encontro obstinado a outro tipo de sentimentos que
tampouco posso mudar.
Ela o olhou fixamente.
‐Pensei que você tinha ido para o continente. Para a Itália.
‐E fui.
‐Bom, e por que...?
‐Tinha que ver você.
‐Pois já me viu ‐ disse ela em tom petulante, resistindo ao impulso de aproximar o casaco
ainda mais de seu rosto. Tinha que se assegurar que ele jamais a visse de novo. Ao menos até
que tivesse o bebê e voltasse a ter a figura que sempre tinha tido. ‐E agora, por que não retorna a
Itália para que nenhum dos dois volte a pensar nisso?
‐Não quero viver na Itália, não enquanto você estiver vivendo aqui.
‐O que queira não é importante, comparado com o fato de que se
alguém descobrir que está nesta parte do país, minha reputação viria ao chão.
‐Ninguém o descobrirá ‐ disse ele.
Essa afirmação tinha a confiança que Sebastian sempre punha em todos
os seus discursos. Parecia saber com precisão a maneira que funcionava o mundo. E,
geralmente, este funcionava a favor de Sebastian, o marquês de Bonnington.
‐Não encontro nenhum sentido para que esteja aqui‐ disse ela, franzindo
o cenho. ‐Como poderá dissimular ser um jardineiro? O que sabe de
jardinagem?
‐Muito pouco. Estou aprendendo, graças a uma monografia sobre rosas
de Henry Andrews. ‐Seu tom era alegre, mas seu olhar não era tanto.
‐Não entendo por que está aqui ‐ voltou a dizer ela. ‐Não mudarei de opinião a respeito de
me casar com você.
Ele a olhava tão intensamente que ela sentia que a pele lhe ia derreter.
‐Estou apaixonado por você, Esme. Acredito que estive desde o
momento em que lhe vi pela primeira vez.
‐Está louco!
Ele negou com a cabeça.
‐Por desgraça, não sou desse tipo de homem que faz as coisas pela
metade.
‐Não pode estar apaixonado por mim. Esteve comprometido com a Gina.
Você e eu tão somente compartilhamos um desafortunado...
Cortou‐lhe a voz. Não estava segura de como explicar a noite que
passaram juntos em um dos salões da casa de lady Troubridge.
‐Estou apaixonado por você ‐ disse com sua voz calma e firme. –Por você,
Esme. Não por Gina. Não sinto esse tipo de amor por Gina, por muito encantadora que
seja. E ela sabia. Eu a quero, mas amo você.
Ele se aproximou tanto que ela podia sentir seu fôlego na bochecha.
‐E a quero para mim, Esme. Não quero outra mulher. Quero você.
Enquanto vivia na Itália, dei‐me conta de que devia ter lhe seqüestrado do lado de seu
marido. Mas estava muito apegado ao meu orgulho e a minha posição.
Agora sei que esse orgulho é vão e não tem sentido.
"Deve estar transtornado pelo remorso", pensou Esme. "Por isso acredita estar
apaixonado por mim. Perdeu a razão depois que Miles morreu".
Clareou a garganta e disse:
‐Há algo que devemos discutir milord.
‐No passado me chamava Sebastian.
‐Isso ficou no passado ‐ disse ela.
Lutando por manter‐se à tona, conseguiu pôr os pés sobre o chão e ficar
em pé. Sebastian a deixou fazer isto a contra gosto, embora estivesse bastante agradecido
de haver tirado o peso das pernas.
Havia algo em Sebastian, na maneira como ele se aproximou que fez com
que as lágrimas quase lhe escorressem dos olhos. Inclusive em roupa de jardinagem,
Sebastian tinha as maneiras mais graciosas de todos os homens que ela tinha conhecido.
Ela se sentou na cadeira de ferro forjado oposta e o olhou à altura dos ombros.
‐O médico me disse que Miles podia ter morrido a qualquer momento ‐
disse‐lhe, sem preâmbulos. ‐Sei que está se culpando por sua morte. Eu teria escrito para
você, mas não tinha seu endereço.
‐Agradeço que me diga isso.
Sentia‐se aliviado? Talvez já soubesse por alguém mais sobre a delicada
condição de Miles.
‐Cometi um engano ao lhe culpar pela morte de meu marido ‐ disse‐lhe,
muito rápida.
Mas as palavras amargas que tinha pronunciado para Sebastian na última
vez que o viu lhe seguiam retumbando na cabeça: “Acredita que me casaria contigo?
Com o homem que matou o meu marido? Não o faria jamais... Nem
que não fosse virgem, ou tão chato e aborrecido!".
‐Não devia te acusar de matar meu marido ‐ disse de novo. ‐Miles podia
ter morrido em qualquer momento. Aparentemente, ele já tinha sofrido dois ataques
naquela semana.
Sebastian permanecia em silêncio. Ela se arriscou a olhá‐lo no rosto, finalmente. Mas ela
não pôde perceber nenhuma expressão. Ele olhava
fixamente as mãos.
Logo ele levantou os olhos e a olhou. Um calafrio atravessou o corpo de
Esme.
‐Eu o teria matado ‐ disse‐lhe em um sussurro. ‐Teria matado sem
dúvida, se acreditasse que assim você se casaria comigo.
Essas palavras ficaram rondando entre eles e o ar fresco.
A boca de Esme formou um pequeno arco repleto de surpresa.
‐Estava comprometido em matrimônio com a Gina ‐ sussurrou‐lhe de
volta.
‐O teria matado pela maneira que ele paquerava com lady Childe na sua
frente.
‐Mas nós não..., ele não...
‐Acredita que ninguém se dava conta? Sei que isso te importava Esme. ‐
Sua voz era lenta e intensa. ‐Vi como se estremeceu quando lhe beijou a bochecha em
público. Vi a maneira que procurava evitá‐lo, a dor em seus olhos
cada vez que o via com ela.
‐Tínhamos um acerto mútuo, asseguro‐lhe isso ‐ disse Esme, tropeçando
com as palavras. ‐Se alguém podia estar ofendido, era ele. Fui eu quem o abandonou, não
o inverso.
Mas ela não podia assegurar que ele a estivesse escutando.
‐Rawlings estava acostumado a te chamar para que se sentasse junto a ele e sua amante,
como se você não tivesse sentimentos.
Esme se consumiu com as lembranças.
‐Doía‐me, mas só porque lady Childe tinha filhos e eu não ‐ sussurrou. ‐
Simplesmente, eu estava sendo um pouco egoísta e ciumenta.
‐Não me importa. Gostaria de tê‐lo matado por lhe haver ferido dessa maneira. Por não
lhe haver cuidado como um tesouro, como devia tê‐lo feito.
Houve um momento de silêncio e logo Esme sorriu, com um sorriso um
pouco torcido.
‐Alegra‐me que não o tenha feito.
Ele assentiu com a cabeça.
‐Também me alegra. Mas tampouco posso pretender ter uma
consciência imaculada.
‐Darby..., Darby me disse que Miles sabia que ia estar morto até o outono ‐ disse Esme,
com o cenho franzindo. ‐Ele nunca me disse isso, Sebastian. Nunca me disse isso!
‐OH, não chore, meu amor, não chore.
Ele estava ali e a tinha nos braços novamente, chorando como se o
coração fosse se partir em pedaços e em busca de um lenço. Mas ele tinha um
nas mãos, um de linho com um emblema, que não parecia pertencer a um jardineiro.
‐Não prestes atenção em mim ‐ disse ela finalmente. ‐Ultimamente estou
sempre assim.
Não lhe disse nada e ela finalmente secou os olhos e soluçou um pouco
mais, olhando para cima. Ele tinha uma expressão muito estranha no rosto. E,
ela percebeu um segundo depois, tinha uma das mãos sobre sua barriga.
‐Jesus ‐ sussurrou.
Esme tentou dizer algo, mas não pôde.
‐Está grávida!
CAPÍTULO 14
CAPÍTULO 15
Apanhados no ato.
Encontrei uma esposa. Casarei com ela, em seguida. Imaginei que você gostaria de ser
o primeiro em saber.
*****
Falar com a diretora da escola do povoado ‐ tarefa que Henrietta,
normalmente, achava um prazer, estava lhe apresentando bastante
dificuldade. Por exemplo, não podia parar de sorrir nos momentos menos apropriados.
A senhorita Pettigrew disse algo sobre a pequena Rachel Pander e
Henrietta lhe respondeu com um sorriso, dando‐se conta de que a professora
estava perplexa. Mas, por mais que tentasse Henrietta não podia seguir o fio da conversa.
Uma vez que ficou claro que o cabelo da Rachel era o habitat de diferentes espécies de estranhas
criaturas, não havia razão alguma para que Henrietta sorrise abertamente.
‐Sinto muito, senhorita Pettigrew ‐ disse finalmente. ‐Não me encontro muito bem hoje.
A senhorita Pettigrew tinha os olhos de um cinza tão claro que
reprimiriam ao mais briguento dos estudantes.
‐Não se preocupe lady Henrietta ‐ anunciou a senhorita Pettigrew.
Henrietta tremeu e agradeceu em silêncio não ser uma menina que
tivesse que ir à escola.
Mas ainda não conseguia prestar atenção. Darby a tinha beijado
exatamente como suas amigas haviam descrito que alguém beijava a quem lhe
fosse propor matrimônio. De fato, não conhecia ninguém que tivesse sido beijada dessa
maneira e que não tivesse recebido uma proposta de matrimônio
imediatamente.
E mais, quando Molly Maplethorpe havia dito que quando a beijavam
sentia que se derretia como um pudim não estava exagerando. De fato, Molly
tinha menosprezado tal experiência. Só de pensar nos beijos de Darby, Henrietta podia
sentir que os joelhos começavam a amolecer como um pudim.
A senhorita Pettigrew a olhou com curiosidade, mas continuou com o
plano de lições da semana seguinte. Henrietta não contribuiu com uma só palavra nessa
conversação. Não podia obrigar‐se a estar interessada em se os
alunos estavam ou não aprendendo os números. O único em que podia pensar
era Darby, estaria esperando‐a na saída da escola dentro de uma hora mais ou
menos e que logo lhe proporia matrimônio.
Ele queria fazê‐lo. Estava mais segura disso do que o tinha estado de qualquer coisa em
toda sua vida. Ela apostaria essa vida que ele não poderia agüentar e lhe proporia ali mesmo, na
carruagem, salvo se Millicent aparecesse de novo pela rua.
Talvez ele esperasse até a noite. Ou talvez ela devesse conduzir a
carruagem para um lugar romântico. Mas como podia ela sugerir tal coisa? E
aonde diabos poderiam ir para que fosse um lugar romântico, com o frio que
começava a fazer?
Henrietta não deixou de olhar pela janela da classe. A menos que ela estivesse
equivocada, uma tormenta de neve estava a ponto de ter lugar dentro de uma hora. Finalmente,
usou a tormenta como uma desculpa para escapar da senhorita Pettigrew.
É curioso, sempre lhe tinha agradado à senhorita Pettigrew. Tinha‐a
honrado pelo compromisso que tinha com as crianças. Mas hoje, a senhorita Pettigrew
parecia uma solteirona solitária e não solicitada. Vestida de cinza, com pescoço alto e o cabelo
amarrado, com sua maneira cortante de falar e carente de humor. Nunca tinha sido beijada. Não
entendia a maneira como funcionava o mundo, tão cinza. Quando Henrietta recordava os dias
antes que
Darby chegasse a Limpley Stoke, e tão cheios de cor o dia de ontem e o de hoje.
O calor líquido dentro do estômago de Henrietta se espalhou um pouco
mais enquanto ela saía da escola e olhava de forma distraída para a rua. Darby não estava
por ali, mas ele lhe havia dito que ia se demorar ao redor de uma
hora. O coração lhe pulsava com força ao pensar nele. Era tão formoso... Era assombroso
imaginar que ele se interessasse por ela. Que ele queria beijá‐la.
O melhor de tudo era que não lhe importava casar‐se com ela, mesmo que não pudesse
ter filhos. Logo que lhe fizesse a proposta de matrimônio, ela correria para a creche de Esme e
começaria a conhecer Josie e Anabel, em qualidade de mãe. Porque isso é o que estaria a ponto
de ser, uma esposa e uma mãe.
Seu coração cantava repleto de felicidade.
CAPÍTULO 16
CAPÍTULO 17
O que sentiu, principalmente, deu‐se conta, foi vergonha por não saber
que não era elegível para o matrimônio. Era humilhante pensar em quanto tinha
pressionado seu corpo contra o de Darby. Com razão ele pensou que ela
estava no ponto justo para o desenfreio, se é que essa acaso era a terminologia correta.
Embora pensar na experiência lhe fez perguntar‐se sobre a compreensão
do Millicent sobre a intimidade. Parecia‐lhe que Darby podia fazer que esta não fosse tão
censurável. Certamente ele, mais que ninguém, faria prazenteira.
Mas ele não poderia encontrar esse agrado com ela.
Sentou‐se frente à penteadeira. Era uma lástima que ela tivesse herdado
o cabelo e a cara de sua mãe. Se tivesse uma aparência normal, ou inclusive feia Mr.
Darby nem sequer teria notado sua presença.
Esse fato demonstrava quão frívolo era ele, um homem interessado em
seu cabelo cor mel, por dizê‐lo do mesmo modo que ele. Bom, e talvez outras
partes de seu corpo, pensou ela, recordando como e em onde a havia tocado
com as mãos.
Para ser sincera, o pior não era perder ao Mr. Darby. O que fez que seu
coração lhe parecesse uma massa de ferros foi que nenhum homem desejaria
casar‐se com ela, nem sequer um viúvo. Nenhum homem se apaixonaria por ela jamais.
A única carta de amor que receberia era a que se escrito ela mesma.
Todos os sonhos que guardava de encontrar a um homem que não queria ter
filhos não eram mais que pó.
Ela engoliu tudo isso e se animou a não chorar. A carta que ela mesma
tinha redigido estava dobrada sobre sua escrivaninha. Tocou‐a com a ponta dos
dedos. Agora conhecia mais ao Darby que quando escreveu essa carta. Se ele
escrevesse uma carta de amor, seria muito mais banal, e muito mais graciosa.
Mais intensa e amorosa, ao mesmo tempo.
Esteve a ponto de decidir‐se a tomar de novo os objetos de escrita, mas
somente o que obteria se escrevesse outra carta de amor seria prolongar durante uns
momentos uma fantasia de sua própria criação. Por muitas cartas
que escrevesse, nenhum homem quereria casar‐se com ela. Era hora de
abandonar aquelas ilusões infantis nas que um cavalheiro de armadura
chegaria para resgatá‐la. Isso jamais ia acontecer.
Uma lágrima desceu por uma das bochechas da Henrietta. A enxugou
com a mão e fez soar os sinos para chamar a sua criada.
No banheiro, praticou um velho ritual: contar suas benções. Era
perfeitamente feliz antes que Darby chegasse ao povoado, e o seria de novo.
Tinha muito boas amigas que a necessitavam e sentia...
Sentiu outra lágrima rodar pela ponta do nariz, e logo outra.
CAPÍTULO 18
CAPÍTULO 20
A tarde seguinte transcorreu muito lentamente. Às quatro, Josie estava tão ansiosa que já
não sabia o que fazer. Correu pela sala de recreação com uma cesta sob o braço, tentando meter
nela todos os soldados, para poder levá‐los consigo.
‐Crê que meu irmão já está no salão? ‐Não parava de perguntar.
A ideia era tão emocionante que não deixava de saltar por todo o
aposento. Esse tipo de comportamento tão pouco feminino teria enlouquecido
a enfermeira Peeves, mas sua nova babá tão somente a acariciava
brandamente e com carinho cada vez que ela passava ao seu lado, lhe perguntando se
precisava usar o banheiro antes de descer.
Sua nova amiga Henrietta estava com sua tia Esme quando entraram no
salão, e Josie estava tão entusiasmada que correu fazendo um pequeno círculo
antes de lhes fazer uma reverência e lhes dizer:
‐Boa tarde ‐ Justo como lhe tinham ensinado.
‐Estou cansada de tanta dor ‐ disse titubeando. ‐Na realidade, não tinha
chorado muito durante minha vida. Sei que provavelmente não vais acreditar,
porque nos conhecemos faz um mês e tudo o que faço é chorar, mas é verdade. Não sou
uma chorona. Ao menos, não em circunstâncias normais.
‐Não há nada impróprio em chorar a memória de um irmão. A morte de
um menino parte a alma de qualquer um.
Esme asoou o nariz, que já estava bastante vermelho, e se esticou para
alcançar uma tortinha de limão, mas Josie tinha comido todas. Henrietta lhe ofereceu a
bandeja de gelatinas.
‐Choro por tudo. Esta manhã derramei o chocolate quente na cama e
quase me ponho a chorar por isso. Tudo o que faço é comer e chorar. Graças
ao céu que pelo menos desfruto com a primeira atividade. Sinto muito, Henrietta. Do que
falávamos antes que isto acontecesse?
‐De nada que fosse realmente importante.
‐Sim, estávamos falando de algo importante ‐ disse Esme. ‐Estava
tentando tirar de você o que tinha acontecido entre você e Darby. Porque na
segunda‐feira deixaram a casa juntos, bastante contentes, mas não tornaram a
se falar estes dias, verdade?
‐Claro que falamos ‐ disse Henrietta com voz razoável. ‐Não temos muito
que nos dizer, mas isso é algo natural quando duas pessoas têm gostos tão diferentes.
‐Não posso entendê‐lo. Sou boa julgando às pessoas. Realmente
acreditava que vocês dois formavam um bom casal, se não te incomodar que o
diga.
A Henrietta importava. Mas como poderia dizer‐lhe.
‐Claro que não me importa ‐ apressou‐se a dizer. ‐Acredito que
simplesmente interpretou mal nosso mútuo interesse.
‐Eu posso não saber costurar uma linha reta, mas sou uma perita
intérprete dos homens ‐ disse Esme ‐E o que é mais: conheço a Darby. Quando
lhes deixei sozinhos no salão, tinha o olhar de um homem que está a ponto de
roubar um beijo. E querida, quando uma mulher pertenceu à alta sociedade de
Londres tanto tempo como eu, e beijou uma quantidade considerável de homens, esse
olhar se reconhece!
Por sorte (ou não, dependendo de como se olhe), Henrietta não teve que
responder a isso porque as damas do círculo de costureiras entraram no aposento, falando
todas ao mesmo tempo. Esme deixou cair seu peso sobre os
pés e fez um gesto a Slope para que recolhesse os pratos vazios que anteriormente tinham
guardado tortinhas de limão. Henrietta ficou em pé para
saudar lady Winifred, à senhora Barret Ducrorq e, para sua surpresa, a sua madrasta,
Millicent.
Henrietta soube imediatamente porque Millicent se uniu ao círculo de
costureiras. Sua madrasta jamais atendia as funções de caridade; tinha‐as declarado
aborrecidas como o demônio fazia alguns anos. Mas a presença de
Darby na casa mudava as coisas. Indubitavelmente, desejava observar seu
comportamento perto de Henrietta. Ou vice‐versa.
A senhora Cable entrou um pouco mais tarde, depois que o resto das senhoras tinham se
acomodado para tomar uma xícara de chá.
‐Olá! Olá! ‐gritou, revoando por todo o aposento, repartindo beijos.
Deteve‐se ante Henrietta e disse:
‐Bom, lady Henrietta!
Henrietta fez uma reverência com a cabeça.
‐Que agradável vê‐la, senhora Cable.
‐Eu te vi, mas você não me viu ‐ disse a senhora Cable maliciosamente,
assinalando Henrietta enquanto movia esse dedo em círculos.
Henrietta sentiu uma pontada no estômago.
‐OH, sim ‐ continuou a senhora Cable, com o agudo prazer de uma
mulher que está a ponto de contar uma intriga. ‐Estava ali.
‐Ali? Onde?
‐Bom, eu ia em minha carruagem ‐ disse a senhora Cable. ‐Íamos visitar
minha irmã, que vive a uns poucos quilômetros, e como meu marido sempre me diz:
"Senhora Cable, vá com conforto sempre que o deseje". Assim que isso é o que faço, querida.
Uso a carruagem de viagem inclusive para distâncias curtas.
Enquanto Henrietta ainda seguia pálida, a senhora Cable continuou:
‐Bom, pois eu ia em minha carruagem de viagem, e se não te importa que o mencione,
verdadeiramente penso que deveria ser mais prudente, lady
Henrietta. Como diz o segundo livro do Titus, uma mulher deve ser discreta, casta e ficar
em casa. ‐ Algo mais faltava a aquela frase. ‐Eu podia estar com uma criança. Uma de minhas
sobrinhas, por exemplo.
‐Temo que não... ‐ Henrietta começou a dizer, mas sua madrasta a
interrompeu.
‐Senhora Cable, está tentando nos contar que foi testemunha do
admirável beijo que Mr. Darby deu em minha filha?
‐Sim ‐ disse a senhora Cable, sentando‐se em uma cadeira. ‐Isso foi exatamente o que vi.
E esse beijo mostrava muito mais que admiração!
Henrietta se sentou rígida no sofá, mas Millicent tinha o controle da situação.
‐O pobre homem pediu sua mão, senhoras.
Todos olharam a Henrietta e logo desviaram o olhar como se ela
estivesse com catapora.
‐Claro que o senhor Darby não estava a par das circunstâncias ‐ finalizou
Millicent.
Lady Winifred, que estava sentada ao lado da Henrietta, acariciou‐lhe a mão.
‐Isso deve ter sido muito difícil para ti, querida. Se tão somente os velhos
costumes prevalecessem, e os cavalheiros tivessem a decência de aproximar‐se
dos pais ou aos guardiões das senhoritas antes de lhes expressar seus sentimentos! Em
minha época, isto nunca teria acontecido.
‐É certo, é certo ‐ disse a senhora Barret Ducrorq, com estridência. ‐
Inculquei a minha querida Lucy que não deve responder a nenhuma
imprudência por parte de um cavalheiro a menos que este tenha falado comigo
e lhe tenha dado meu consentimento.
Henrietta fez um gesto com a boca no que esperava parecesse um sorriso
de alguém que foi importunada contra seus desejos. Agora sabia porque Millicent se uniu
ao círculo de costureiras. Não era para observar Henrietta conversar com Darby. Era para poder
defender Henrietta das consequências desse beijo escandaloso.
Esme se uniu à batalha.
‐Meu sobrinho está devastado pelas notícias ‐ disse em tom convincente.
‐Temo que verdadeiramente entregou o coração a Henrietta. Disse‐me que se
devia a que lhe tivesse feito tão pouco caso. Agora, não seria esta uma boa moral para as
jovens? Como bem sabe, meu sobrinho é bastante respeitado na
alta sociedade. Mas não foi, mas sim até que conheceu a Henrietta, e enfrentou a sua falta
de interesse nele, que desejou pedí‐la em matrimônio.
Millicent assentiu.
‐Posso dizer que foi um momento terrível, quando tive que informar ao
pobre cavalheiro sobre as circunstâncias de Henrietta.
Todas pareceram penalizadas.
‐Acredito que ele se recuperará ‐ disse Esme, tristemente. ‐Mas não
dentro de pouco tempo. Só digo que espero ver um sobrinho neto, ou sobrinha, no que me
resta de vida.
Isso foi muito, ao parecer da Henrietta, mas as senhoras estavam
assentindo.
‐Deve ter sido uma total desilusão ‐ murmurou a senhora Cable. ‐Pela maneira que ele...,
ele sustentava lady Henrietta, era fácil dizer que seu coração já se comprometeu com ela. E tudo
porque não lhe demonstrou interesse algum! É uma lástima que não haja mais jovens que tenham
o recato
de lady Henrietta.
‐Várias vezes tive que dizer a minha sobrinha que seja mais prudente em
suas maneiras ‐ admitiu a senhora Barret Ducrorq, amargamente. ‐Imagine Lucy não
prestou atenção ao senhor Darby. Disse que não lhe tinha parecido excessivamente agradável. Já
vê, sempre fomos uma família muito perceptiva.
CAPÍTULO 22
Conselho de guerra.
Tinha que planejar o menu. O cozinheiro tinha pedido outra reunião, pois
tinha sido incapaz de conseguir trutas suficientes e o cardápio devia ser outro.
Tinha que repassar a lista de prioridades com o mordomo, e a acomodação com a
governanta. Por que lhe ocorreu trazer convidados a casa?
Supostamente estava reclusa, sem oferecer festas. Mas já era muito tarde para
mudar de idéia. Por causa da solidão durante o primeiro mês depois da morte
de Miles, tinha pedido a Carola que a visitasse logo que o período inicial do luto de seis
meses finalizasse.
Esme suspirou e se recostou na cama de novo, olhando a lista de
convidados. Talvez houvesse tempo para dormir uma pequena sesta. Afinal, Carola não
chegaria a não ser até manhã.
Sua cabeça funcionava com lentidão. Não parecia saber o que fazer com
respeito ao feito de ter recebido uma carta de Rees Holland, o abominável marido de
Helena. Darby deve tê‐lo convidado a ficar, e isso era desastroso, porque Helena chegaria a
qualquer momento. Se Helena não queria ficar na casa porque Darby ia estar ali, não podia
imaginar o que faria quando se inteirasse de que Rees também ia estar.
Talvez devesse dar um passeio pela horta de macieiras. O marquês do Bonnington estava
muito a par das complexidades das personalidades e dos antecedentes.
Ele era a pessoa indicada para questionar tais assuntos. "A menos que esteja ocupado
cavando uma fossa”, pensou ela em tom zombador.
Ele não estava ocupado. Esme encontrou a cabana sem problema.
Parecia ser bastante cômoda e acolhedora, uma pequena estrutura de um só aposento aos
pés dos jardins. Estava construída em madeira lavrada e a fumaça
brotava pela pequena chaminé curvada. Esteve a ponto de não bater na porta.
Bem sabia que a dona da casa não devia visitar o jardineiro em sua morada.
Isso não se fazia. Uma imagem do sisudo rosto de Sebastian antes de converter‐se em
jardineiro lhe passou rapidamente pela cabeça, e ela abriu a porta sem bater.
Ele estava sentado de maneira pouco elegante em uma cadeira rústica
próxima ao fogo, com um braço sobre a cabeça. Estava lendo. Essa imagem se
fixou em sua cabeça: a comodidade e a flexibilidade de seu comprido corpo. A
intensidade com que estava lendo. A felicidade que parecia emanar de cada poro.
‐Uma cena bucólica ‐ disse ela, zombando.
Ele levantou a cabeça, mas não se levantou imediatamente. Em seu
lugar, suspirou e pôs a um lado o livro, e logo balançou os pés até o chão, sem pressa. "O
marquês correto e recatado tinha desaparecido de todo e para melhor", pensou Esme assombrada.
De repente a cabana pareceu muito menor quando o jardineiro ficou em
pé. Ela se controlou para deter‐se e não se jogar contra seu peito para verificar se o que
via através da camisa de trabalho eram músculos bem formados.
‐Esme, que surpresa tão agradável...
‐O que está lendo? ‐perguntou ela, abandonando a idéia de lhe
perguntar sobre os antecedentes. Aproximou‐se da cadeira e se sentou.
Estirou‐se um pouco para tomar o livro, mas era impossível fazê‐lo com aquela
barriga.
‐A ODISSÉIA ‐ disse ele, jogando mais madeira ao fogo.
‐Meu deus, Homero? Por que diabos está lendo algo tão antigo?
‐Não é algo antigo... É só a história de um homem que tenta retornar para casa. Mas não
pára de ser espreitado por mulheres.
Ela o olhou incisivamente. Poderia estar referindo à insinuação que ela leu nessa frase?
Não. Isso seria falta de educação e o marquês do Bonnington
nunca era descortês.
‐Mulheres? ‐perguntou ela. ‐Ulisses, não? Não foi seu navio que se
encontrou com um ciclope? Eu tinha a impressão de que um ciclope era um monstro de
um olho, muito masculino.
‐É certo. Mas eu estava lendo sobre o momento no que ele está preso em uma ilha como
escravo da ninfa Calipso. ‐Ele nem sequer a olhou, estava absorto no fogo. Pôs o braço sobre o
suporte e Esme se deleitou com a força
deste. Deus, era tão formoso...
‐O que estava fazendo na ilha? ‐perguntou ela, enquanto oferecia a si mesma uma
pequena lição silenciosa sobre os pecados da luxúria.
‐OH, parece que era o escravo da ninfa ‐ disse Sebastian, sonhando.
Agora sim a olhou, de uma forma travessa. ‐ Devia obedecer todas suas ordens.
E conforme da a entender Homero, ela desejava sua contínua presença na cama. A gente
poderia imaginar que...
‐Sim ‐ disse Esme, pensativa. ‐Calipso era muito afortunada.
‐Ou o era Ulisses. Afinal, ela era sua amante, e ele não tinha que preocupar‐se com nada.
Seu único dever era agradar os desejos de Calipso. ‐
Tinha a voz manchada com umas tinturas de sorriso e algo mais. Um pouco mais forte e
perturbador que a risada.
‐Bom, melhor ir ‐ disse Esme, ficando de pé. ‐Só queria me assegurar de
que estivesse bem instalado, cômodo, e posso ver que...
Ele ficou diante dela e as palavras morreram em seus lábios.
‐Há algo mais que queria exigir, senhora?
Esme ficou sem palavras. Este bárbaro formoso estava se oferecendo.
Com uma mão, tosca pelo trabalho físico, acariciou‐lhe a bochecha, de um modo tão
suave como a brisa. Logo se afastou e se recostou contra a parede e
esperou.
‐Sebastian – ela começou a dizer e se deteve.
Ele deu a volta e abriu a porta. Estava escuro. Dentro da cabana tudo era
brilhante e quente. A luz brilhava com finas tiras de luz dourada sobre as paredes de
madeira e dançava sobre a mesa, a cama do canto, a cadeira e um
banco. E sobre tudo esse corpo recostado contra a parede.
Um de seus dedos se levantou contra sua própria vontade, riscando o raio de luz que lhe
refletia no peito. Ficou sem fôlego.
Ele se sentiu como ouro líquido com essa carícia.
‐Devo ir!
‐Eu a acompanharei até a casa ‐ disse, serenamente. Tocou o braço
enquanto ela dava a volta para entrar na casa.
‐O que você deseje ninfa.
CAPÍTULO 24
‐Não está tão desesperado para casar‐se com alguém que o deixe viúvo.
Sei que esse homem é tão orgulhoso como um pavão. George está fora de si,
falando das rendas de Darby. Mas ele não é tolo. É certo que é uma desgraça
que tenha beijado Henrietta no povoado, onde qualquer um podia vê‐los. Mas
agora que lady Holkham lhe informou a situação, não acredito que ele persista
na espreita.
‐Suponho que tem razão ‐ disse a senhora Cable. ‐E Henrietta disse que
ele estava paquerando com Lucy Aiken.
‐Bom, aí tem. Lady Henrietta é uma senhorita tão bondosa que
provavelmente estivesse preparado o caminho a Lucy. E já sei querida, eu acredito que
Lucy adoraria casar‐se com um frívolo como o senhor Darby.
A senhora Cable estava quase convencida disso. Mas ainda estava mais feliz de poder
controlar ao senhor Darby.
CAPÍTULO 25
CAPÍTULO 26
Duas horas mais tarde, lady Holkham e sua enteada chegaram ao jantar.
Slope as conduziu até sua anfitriã, que estava sentada em um sofá.
‐Sente‐se bem? ‐perguntou Henrietta.
‐Sim, simplesmente estou descansando de estar de pé ‐ disse Esme,
sorridente. ‐ Que linda está sua filha esta noite, madame!
Millicent olhou para Henrietta.
‐Isso espero ‐ disse, um pouco zangada. ‐Geralmente, estou acostumada
a ser Imogen a que se atrasa para as festas, mas esta noite Henrietta mudou de vestido ao
menos três vezes!
Esme sorriu para Henrietta.
‐Mereceu o sofrimento. Está maravilhosa.
Henrietta tinha posto um vestido verde pálido de tecido frisado, bordado
ao redor do pescoço. Sentou‐se ao lado de Esme enquanto Millicent ia saudar a
senhora Barret Ducrorq.
‐Acredito que este não é o vestido apropriado. Darby é tão... ‐E lhe cortou a voz.
‐Ninguém pode competir com Darby ‐ disse Esme. ‐Só para que saiba,
está de veludo cor café. Já desmaiaram várias mulheres ao vê‐lo com essa roupa.
‐É impossível ‐ Henrietta olhou para Esme com tristeza. ‐Não entendo por
que pensei que teria a menor oportunidade. Ele é um pavão... E eu não sou mais que um
corvo!
‐Um corvo? ‐disse Esme, sorrindo. ‐Não acredito. Vejamos ‐ olhou para Henrietta dos pés
à cabeça. ‐Espera, devo recordar todas essas ostentosas cartas que me enviaram. Seu cabelo é da
cor dos raios de lua, não, do sol, e reluz com brilhos da cor de mel. Seus olhos são da cor dos
pensamentos, seus
lábios são da cor dos rubis, suas bochechas são como pêssegos com nata...
quer que siga? Estão acabando as cores.
Henrietta entreabriu os olhos.
‐Sabe ao que me refiro. Sou manca, Esme, manca. Não posso ter filhos. E
não estou acostumada a me sentir elegante, bem gostaria de me acostumar.
Ontem vi Darby caminhando pela Rua Maior. É diferente de todos os homens
que conheci.
‐Darby também é diferente de todos em Londres ‐ disse Esme, abanando
brandamente o rosto. ‐Não se engane Henrietta. Londres não está cheia de homens que
vistam renda e veludo. Olhe para Rees, por exemplo.
Ela apontou com a cabeça para o outro lado do aposento onde estava um
homem, cuja gravata parecia ter sido jogada em seu pescoço e amarrada sem
lhe dedicar mais de dois segundos, estava bebendo algo em uma taça.
Como Henrietta ficou um pouco pálida, Esme lhe disse:
‐Rees Holland, conde do Godwin, marido de minha amiga Helena.
Acredito que já a conhece, verdade?
‐É obvio ‐ disse Henrietta. ‐É encantadora.
‐Bom, pois ele não o é ‐ disse Esme. ‐E, evidentemente, a desordem de
seu traje não é nada comparada com a desordem de sua vida pessoal.
‐De todas as maneiras, está sugerindo que um homem que vestia um
casaco rosa...
‐Rosa? ‐perguntou Esme, sorrindo. ‐Darby ia de rosa pela Rua Maior?
Lamento haver perdido isso.
‐Rosa. Minha madrasta o adulou pela cor e ele lhe respondeu que se chamava "ruborizado
de donzela". Como posso me casar com um homem que sabe que certo tom de rosa se chama
ruborizado de donzela, quando eu alguma vez tomo mais de vinte minutos para me vestir?
Por cima do ombro de Esme, Henrietta viu que Darby entrava no
aposento. Estava resplandecente, não havia dúvida. Certamente diria que a cor
de seu casaco era topázio em lugar de café, posto que tivesse um tom dourado.
O que importava a Henrietta era que essa jaqueta ficava perfeita, como uma luva... E que
corpo o que a abrigava! Amplos ombros que se estreitavam na cintura, pernas poderosas, e essa
comodidade tão elegante e insignificante. Ele caminhou para Rees, encarnando a perfeição o
conto de A BELA E A FERA, em
sua versão masculina.
‐Sabe por que deveria se casar com ele? ‐disse Esme, rindo. ‐Porque seus
olhos se tornaram de um azul escuro mais profundo que jamais vi. Você, querida, me
indica que meu sobrinho acaba de entrar no aposento ‐ olhou por
cima do ombro. ‐Aqui está ele, tão elegante vestido, como certamente, o estaria sem
vestir.
‐Esssmeee! ‐disse Henrietta, alarmada.
Ela só riu.
‐Não se preocupe. Não estou tentando imaginar, não o quero. Nunca me
relaciono com homens inteligentes e Darby é muito inteligente para mim.
Henrietta semicerrou os olhos.
‐Suponho que se esqueceu de me dizer que ao marquês de Bonnington
falta engenho.
‐Isso é diferente ‐ disse Esme. ‐Atribuo ao feito de que me despistei por
um momento. Em todo caso, já está na hora, querida.
Henrietta a olhou em modo de súplica.
‐Isto não vai funcionar, Esme.
Esme a ignorou.
‐Vá sentar‐se no canto, Henrietta ‐ disse ela. ‐E lhe dê algum sinal para que vá
acompanhar‐lhe, não?
‐Não posso fazer isto ‐ disse Henrietta, desesperadamente.
Mas Esme se foi cambaleando. Queria ter uma última palavra com Slope
sobre a acomodação da mesa. Tinha escolhido muito cuidadosamente às
quatro pessoas que se sentariam junto a ela. O vigário, Mr. Fetcham, a sua direita e a
senhora Barret Ducrorq a sua esquerda. Barret Ducrorq era suficientemente engomada para
desembrulhar‐se à perfeição no pequeno
papel, sem que ninguém percebesse. Carola, ao lado da senhora Barret Ducrorq e seu
marido no outro lado. Tuppy quase não falava assim ela contava
com uma presença benigna, que estaria disposto a apoiar a sua esposa.
Henrietta estaria sentada ao lado do vigário, com Darby ao seu lado.
Helena se encontraria ao lado de Tuppy, o que deixava Rees no lado oposto, e
lady Holkham entre Darby e Rees. Rees era a carta que não casava com as demais.
Depois de tudo, um homem que abandonava a sua esposa para viver
com uma cantora de ópera, dificilmente podia ser considerado boa companhia,
e tampouco era apto para promover o matrimônio. Mas no curso de sua esbanjada vida
tinha descoberto que as pessoas menos conservadoras
acabavam respondendo com maior rigidez e vice‐versa.
O único que faltava era Sebastian. Vá, que bem ele teria podido
interpretar no rol... Ao menos, o novo Sebastian, que era capaz de rir de si mesmo. Com
sua inflexível propriedade e sua estrita observância das
convenções sociais... Bom, era uma pena que agora ele estivesse na cabana do
jardineiro. Embora, certamente, estivesse muito mais cômodo que ela, estirado
naquela cadeira, tomando um gole de uísque e lendo Homero.
Ela tinha que ir ao banheiro ‐ era a décima quarta vez que tinha que ir essa noite, ‐
sentia‐se muito mais nervosa que de costume devido ao plano.
Administrar um plano de semelhante magnitude não era tarefa fácil. Era muito
mais fácil se Carola organizasse um de seus truques de cama. Carola devia fazer todo o
trabalho sujo.
Mas este plano realmente era uma obra de arte.
Ela se levantou.
‐Poderiam me acompanhar à sala de jantar? A obra estava a ponto de começar.
CAPÍTULO 27
Darby estava aborrecido. Aborrecido e irritado, como se essa noite ele não fosse o
mesmo. O que era ridículo, já que o fato de vestir esse magnífico
traje devia fazê‐lo se sentisse melhor.
Por um lado, tinha que lidar com Rees, que tinha se dirigido
precipitadamente para Limpley Stoke em resposta à nota de Darby. Não é que
Darby tivesse pedido essa companhia, mas como Rees lhe tinha explicado laconicamente,
quando um homem anuncia a intenção de casar‐se, cabe ao seu melhor amigo dissuadi‐lo. Bom,
chegou bastante tarde à tarefa de dissuadir, porque casar‐se já não era uma opção.
Por outro lado, Darby era intoleravelmente consciente da presença de
Henrietta no aposento. Estava vestida adequadamente esta noite, embora o verde pálido
não favorecesse muito o seu cabelo. Ficou pensando nisso durante um bom momento e decidiu
que o rubi provavelmente lhe favorecesse
mais.
O vestido verde pálido era de corte reto, como se Henrietta não tivesse
nenhuma só curva no corpo, embora ele soubesse perfeitamente que sim, as tinha. O fato
de pensar nisso lhe obrigou a tomar uma taça de vinho apressadamente, enquanto a imaginava
com o cabelo da cor de mel caindo delicadamente sobre suas costas nuas. E sobre um seio.
‐Acompanharei você amanhã de volta a Londres ‐ disse a Rees. ‐Tenho que me reunir
com meus gestores.
‐Viajará sem as meninas? ‐disse Rees, mostrando‐se particularmente
inclinado a negar‐se.
‐Esme se ofereceu para tê‐las aqui. Acredito que contratarei uma babá decente em
Londres e a trarei na minha volta. Enquanto isso ficará sob o cuidado da babá de Esme, que
parece ser uma boa pessoa. Josie desenvolveu
um interesse pelos pequenos soldados de brinquedo, e já não dá tantos chiliques, graças a
Deus.
CAPÍTULO 28
A senhora Cable estava encantada com o fato de que lady Rawlings a tivesse sentado ao
lado de Rees Holland, o conde de Godwin. Provavelmente,
ele fosse o conde mais escandaloso da aristocracia, o que queria dizer que ela teria muitas
coisas para contar durante os próximos anos. Sem mencionar o fato de que ela poderia ajudar ao
pobre homem a entender os enganos de seus
atos.
Ela esperou até que servissem a sopa antes de lhe dirigir a palavra.
‐Lorde Godwin, é um prazer vê‐lo, você e a sua querida esposa no
mesmo evento ‐ disse‐lhe, consciente de sua própria imprudência.
Mas, depois de tudo, se a gente pretende tomar seriamente o trabalho
do Senhor, deve ser audaz. Não como o vigário, o senhor Fetcham, que estava
falando com lady Holkham como se não tivesse preocupações. Embora
estivesse rodeado de pecadores.
Rees Holland se virou e a olhou pela primeira vez. Até este momento, tinha estado
ignorando‐a. Tinha os olhos tremendamente negros, esse conde.
Não ficava dúvida de por que o chamavam degenerado. Ele a olhou.
‐Deveria lhe dizer o mesmo senhora..., senhora...
Duvidou, porque evidentemente, tinha esquecido o seu nome. Era o
mínimo que ela esperava.
‐Sou a senhora Cable, senhor. E o senhor Cable me acompanha a todos
os eventos ‐ informou‐lhe.
‐Um homem valente ‐ disse ele. ‐Sempre me impressionou a valentia que
demonstram as pessoas em sua vida cotidiana.
Logo ele trocou a direção dos olhos e tomou um pouco mais de sopa.
A senhora Cable estava segura de que ele a tinha insultado. A ela ou ao
senhor Cable.
‐É um pecado ‐ disse com tom estridente e logo se lembrou do lugar onde estava e baixou
a voz. ‐É um pecado abandonar a cama matrimonial.
Godwin voltou a olhá‐la. Seu olhar era extremamente frio.
‐Cama? Deseja falar de camas? Impressiona‐me, senhora Cable.
Deu a volta para conversar com a outra pessoa que tinha ao lado. Lorde
Godwin era um homem perigoso, e era descuidado, por muito que parecesse
atraente às jovens. Com razão tinha essa reputação. Provavelmente era certa a
intriga de que vivia com uma cantora de ópera.
Slope estava interpretando seu papel à perfeição. Esme esperou até que
tivessem retirado a sopa e todos comessem o pescado. Esperava muito que Helena e Rees
não fossem explodir em uma nuvem de fumaça negra, porque se
não ela teria que improvisar um pouco, mas, além do fato de que para Helena
o pescoço se pôs rígido de tanto evitar os olhares de seu marido, estavam se comportando
bastante bem.
O assado tinha chegado e Esme enviou Slope para procurar mais vinho.
Queria assegurar‐se de que o seu lado da mesa tivesse suficiente licor em cima para
responder instintivamente. A senhora Barret Ducrorq tinha o rosto corado, e estava dizendo
coisas ostentosas sobre o Regente, que acreditava ser bastante dissimulado. Henrietta estava
pálida, mas não tinha abandonado o salão e Darby mostrava sinais de desejar seriamente
Henrietta. Esme sorria em
silêncio.
Tal e como havia pedido, Slope entrou sustentando uma bandeja de
prata. Falando o suficientemente alto para chamar a atenção de toda a mesa,
disse:
‐Me desculpe milady, mas encontrei esta carta. Está marcada como
urgente e, me sentindo um pouco preocupado de haver, inadvertidamente, atrasado a
entrega de uma missiva tão importante, pensei em trazê‐la imediatamente.
Um pouco exagerado, pensou Esme. Evidentemente, Slope era um ator
principiante. Tomou a nota e a abriu.
‐OH, mas Slope ‐ gritou‐, a carta não é para mim!
‐Não havia nenhum nome no envelope ‐ disse Slope‐, assim pensei que estava dirigida a
você, milady. Quer que a reenvie? ‐Ficou em suspense junto a ela.
Era melhor que ela tomasse as rédeas da atuação. Seu mordomo estava
tirando‐a do cenário.
‐Assim está bem, Slope ‐ disse ela. Logo olhou para cima com um sorriso
brilhante. ‐Não parece estar dirigida a ninguém. Isso significa que podemos lê‐
la ‐ deu um sorriso de menina travessa. ‐ Eu adoro ler cartas particulares!
Rees era o único que parecia profundamente aborrecido e continuou
comendo o assado.
‐Não me cansei que ti‐ disse Esme em tom melodioso‐, nem tampouco da
esperança de que o mundo tenha um amor guardado para mim. Eu adoro este
poema, não é tenro?
‐John Donne ‐ disse Darby‐, e lhe faltam às três primeiras palavras. O
poema começa assim: Meu querido amor, não me cansei que ti...
Para Esme estava difícil dissimular seu regozijo. Não teria podido
imaginar um melhor comentário de autoria do que o de Darby. Conhecia o poema em
questão! Não se atreveu a olhar para Henrietta. Já era difícil fingir que era a leitora mais lenta de
Limpley Stoke.
‐Nunca encontrarei ninguém a quem possa amar mais que a ti. Embora o
destino nos tenha separado cruelmente, entesourarei sua lembrança em meu
coração.
‐Não acredito que esta carta deva ser lida em voz alta ‐ disse a senhora
Cable‐, se é que realmente é uma carta. Não é só um poema?
‐Prossiga ‐ disse Rees. Ao que parece tinha desenvolvido um ativo
desagrado por sua acompanhante de mesa. ‐Eu gostaria de escutá‐la por completo. A
menos que esta missiva fosse para você, senhora Cable.
Ela se incomodou com o comentário.
‐Claro que não ‐ disse.
‐Se não o for, por que diabo se importa que um pedaço de poesia sem brilho seja lido em
voz alta?
Ela apertou os lábios.
Esme continuou como em um sonho:
‐Desprezaria as estrelas e a lua para passar uma noite mais. ‐Ofegou, interrompeu‐se e
dobrou a nota, rezando para não haver exagerado.
‐E bem? ‐disse a senhora Cable.
‐Não vais terminar de ler? ‐Disse a senhora Barret Ducrorq. ‐Estava
pensando que talvez eu deva ler algo deste John Donne. Embora não o farei se
seu trabalho é pouco apropriado para as damas, é obvio ‐ acrescentou rapidamente.
‐Acredito que não ‐ disse Esme, deixando cair à carta lentamente a sua esquerda, diante
do senhor Barret Ducrorq.
‐Lerei por ti! ‐disse, jovialmente. ‐Vejamos: Desprezaria as estrelas e a lua
para passar uma noite mais em seus braços ‐ e se deteve. ‐Este Donne é um poeta
sufocante. Deixo‐o assim.
‐Esse que fala já não é John Donne ‐ ressaltou Darby. ‐O autor está improvisando.
‐Hummm ‐ disse o senhor Barret Ducrorq.
‐A carta se refere a uma noite em seus braços? ‐perguntou a senhora Cable, sem estar
segura do que tinha ouvido.
‐Temo que sim ‐ disse Esme, suspirando.
‐Então não devemos ouvir mais ‐ disse a senhora Cable, firmemente,
cortando o senhor Barret Ducrorq no instante em que ele ia continuar com a leitura.
‐Ah, hummm, exato, tem razão ‐ disse ele.
E olhou para Carola, que se voltou para o senhor Barret Ducrorq e lhe tirou brandamente
a folha de papel dos dedos.
‐Acredito que isto se parece com a classe de nota que meu querido, queridíssimo marido
me enviaria ‐ disse, com um tom tão suave como o mel e
os olhos absortos na folha de papel, em lugar dos de seu marido. ‐De fato, estou segura de
que ele me escreveu esta nota, e simplesmente se extraviou.
Esme via que a senhora Cable estava a ponto de arrebentar em sua
cadeira. Henrietta estava bastante pálida, mas ainda não abandonava o salão.
Tuppy Perwinkle se debatia entre a risada e a consternação. Darby parecia medianamente
interessado e Rees não estava absolutamente interessado.
Helena levantou a cabeça. Tinha passado a maior parte do jantar olhando
o prato.
‐Lê a carta de seu marido, Carola ‐ disse. ‐Acredito que sempre é
interessante ver que há maridos que reconhecem a existência de suas esposas.
Esme fez um gesto de dor, mas Rees meteu outro garfo repleto de carne
na boca.
Carola leu obedientemente.
‐Nunca conhecerei outra mulher com o cabelo banhado pelas estrelas
como o seu, minha querida Henrie... ‐deteve‐se.
Todas as olhadas se voltaram para a Henrietta.
‐Sinto muito! Não foi de propósito! ‐Gritou Carola. ‐Realmente pensei que a carta era de
meu marido.
Henrietta manteve uma calma admirável, embora uma agitada cor rosa
substituísse a palidez de suas bochechas.
Para sua enorme satisfação, Esme viu que Darby estava absolutamente
furioso.
‐Quem assina essa carta? ‐perguntou a senhora Cable.
Carola não disse nada.
‐Quem assina essa carta? ‐repetiu a senhora Cable.
‐Temo que é muito tarde para mentir, Carola. Agora devemos nos
preocupar com o futuro de nossa querida Henrietta.
A senhora Cable assentiu.
‐Está assinada pelo Simon ‐ disse Carola, olhando‐o fixamente. ‐Simon Darby, é obvio. É
uma carta bastante poética, senhor Darby. Eu gosto do final, particularmente, se me desculpar
por dizê‐lo.
‐Leia ‐ disse lady Holkham com uma voz implacável.
‐Sem ti, nunca me casarei. Como não pode se casar comigo, querida
Henrietta, nunca me casarei. Os filhos não significam nada para mim, são supérfluos.
Tudo o que quero é você. Para esta vida e mais à frente. ‐Carola suspirou. ‐Que romântico!
Logo Henrietta fez algo que Esme não tinha contemplado, e que foi a melhor de todas as
ações possíveis.
Moveu‐se um pouco à direita e caiu justo nos braços de Darby.
Desmaiou.
CAPÍTULO 29
Os frutos do pecado.
CAPÍTULO 30
CAPÍTULO 31
Henrietta não tinha visto seu noivo desde a festa de Esme, cinco dias antes. A manhã
seguinte tinha recebido uma nota que dizia que obteria uma licença especial do bispo de
Salisbury. Após isso não tinha visto Darby.
‐Darby se está acostumando à comoção ‐ aconselhou‐lhe Esme. ‐Os
homens podem ser tolos quando mudam a rotina. Só recorda que quando estiver casada
precisará mantê‐lo na raia trocando de opinião e de planos ao menos uma vez à semana. Porque
não quererá que siga alimentando esse tipo
de descortesia.
CAPÍTULO 32
Não havia forma. Esme não ia poder dormir. A cama nunca lhe tinha
parecido tão grande nem tão solitária. E tinha fome. Tinha fome todo o tempo,
embora isso não fosse uma grande surpresa. Mas este era o tipo de fome que a
corroia, e lhe assentava na medula e lhe dizia que não ia poder dormir até que comesse
torradas com manteiga.
É obvio, poderia tocar um sino, e isso faria que uma pobre faxineira tivesse que subir e
depois descer até a cozinha para lhe fazer as torradas. Nem sequer sabia por que se incomodava
em discutir com ela mesma.
Tinha um escravo, depois de tudo, não?
Ela era a ninfa Calipso, e lá na ilha, onde estava a cabana do jardineiro...
Bom, pois o jardineiro poderia lhe fazer uma torrada. O não poderia queixar‐se se
despertava, ou dizer que era uma malvada a suas costas. Ele poderia ser evacuado da ilha se ele
se comportasse mal.
Tomou um momento encontrar o casaco à luz de uma só vela, mas Esme
o conseguiu. Foi inclusive mais difícil calçar as botas. Ultimamente permitia que a criada
as abotoasse, já que ela não alcançava a tocá‐los pés. Esta vez as deixou desabotoadas.
Finalmente saiu do aposento. A casa era grande e se ouvia eco pelas noites. Caminhou
pelo corredor até o vestíbulo principal. O mármore branco e
negro brilhava como um fantasma à luz da lua. Viu a porta principal, mas Slope a tinha
fechado de noite. Girou e foi pelo salão rosa, deslizou‐se pela porta do lado até a estufa como se
fosse um camundongo seguindo seu percurso habitual.
Não estava muito escuro fosse, porque a lua brilhava como um limão
disforme. A grama se estirava longe dela, costa abaixo para o roseiral, e parecia bastante
estranho e mágico sob a luz da lua. Em alguma parte um pássaro estava cantando uma canção
irritante, detendo‐se e começando outra vez como se perdesse o fio.
Esme caminhou costa abaixo. Seus sapatos deixavam rastros escuros no
orvalho.
A cabana estava muito escura, é obvio. Por um momento sentiu culpa.
Sebastian provavelmente não estava acostumado a não deixar de lado o trabalho de todo
um dia como jardineiro. Precisava dormir. Mas ela não tinha
ido tão longe para voltar sem suas torradas com manteiga.
Dirigiu‐se à porta e tocou. Não houve resposta. Claro, estava dormido.
Tocou outra vez. Não houve resposta.
Estaria na aldeia? Mas o botequim tinha fechado horas antes. O que
poderia estar fazendo? Semicerrou os olhos. Talvez tivesse encontrado a uma
prostituta que estava ampliando sua educação.
Sem mais espera, empurrou a porta e entrou.
Era alarmante dar‐se conta de como aliviada se sentiu ao não ver uma massa de corpos
sob os lençóis do canto. A luz da lua entrava pela porta aberta sobre seu ombro, e podia ver uma
mecha do cabelo loiro dele sobre aquela manta ordinária, o exemplar de La Odisséia aberto e
posto de barriga para baixo ao lado da cama.
Caminhou mais, sem sequer incomodar‐se em fazê‐lo nas pontas dos
pés.
‐Sebastian ‐ disse. ‐Ai, Sebastian.
As mantas se moveram, mas ele seguia dormido.
Tocou‐lhe o ombro.
‐Sebastian! Acordada, tenho fome!
‐Mmm. ‐Foi tudo o que ele disse. Moveu‐lhe o ombro. De verdade, era pior que despertar
a um menino.
‐Sebastian, acorda!
Finalmente se levantou e piscou sob a luz da lua. Estava dormindo sem camisa, e a lua
mostrava seu peito de músculos perfeitamente definidos. Ela ficou paralisada olhando‐o.
Por sua parte, ele piscou e a agarrou pelo braço levando‐a para onde ele
estava.
‐Ah, bom ‐ disse meio dormido. E sem mais, levantou‐a, com barriga e tudo, até a cama.
Inclinou até ela e deslizou a língua dentro de sua boca antes que ela pudesse fazer algo.
As botas lhe caíram. Algo soou ao cair ao chão. Enrolou‐lhe um braço ao
redor do pescoço.
Claro que não desejava torradas com manteiga. Desejava a ele, seu sabor
defumado, esse peito que lhe pressionava os seios, as mãos calosas que a tocavam por
toda parte como se não pudesse satisfazer‐se. Beijou‐a até que se
retorceu, até que seu corpo estava cheio de desejo, cada nervo desejando estar mais perto
dele.
Logo a afastou e a olhou. Parecia sério, é obvio. Por um momento pensou
que ia dizer algo sobre o decoro, ou o indecoroso, mas este era Sebastian o jardineiro, não
o marquês.
‐Preciso te tirar o casaco ‐ disse ‐Vou sustentar‐te, Esme.
Ele tinha um olhar intenso, e ela sentiu que lhe ardiam as pernas.
‐Vou beijar‐te. Toda ‐ disse, e lhe tirou o casaco em um instante.
Tinha posto das belas camisolas que havia lhe trazido Helena de Londres,
de seda rosa pálido. Ele parecia não dar‐se conta e começou a empurrar a camisola para
cima, como se estivesse tratando de tirar‐lhe por cima da cabeça.
Esme recuperou o sentido.
‐O que está fazendo? ‐exigiu. Não havia maneira de que ela fosse
permitir a Sebastian que visse seu corpo nessas condições. Sustentou a seda à
altura do quadril para assegurar‐se de que ele não pudesse despir seu volumoso corpo.
Ele se deteve.
‐Tenho que verte Esme ‐ tinha a voz rouca. ‐Tenho que... ‐A voz lhe apagou. Estava
olhando os seios, delineados pela seda. Esme sentiu um pouco
de vergonha. A gravidez fazia que os mamilos lhe sobressaíssem como
pequenas rochas, mais que harmonizar com sua pele como passava antes.
Os seios se viam descuidados. Não curvos e com graça como estavam
acostumados a ver‐se em vestidos com decote. Antes, até uma olhada rápida
de seus mamilos rosa pálido garantiria que um homem entrasse em frenesi.
Mas agora seus mamilos estavam vermelho escuro e estava inchados, e saídos
como se fossem os peitos de uma vaca. Nunca poderia contê‐los nessas ligeiras
camisolas que estava acostumada a usar.
Esme engoliu saliva. Que diabos estava fazendo na cabana do jardineiro?
Tinha perdido a cabeça? Era tão vergonhoso. Começou a levantar‐se, mas ele a
deteve com uma dessas mãos fortes.
‐Sebastian ‐ disse tão convencida como era possível. ‐Sinto‐o muito, mas
interpretaste mal minha visita.
‐Cala.
Esme não era uma mulher que gostasse que a mandassem calar.
Começou a brigar. Mas ele tinha estirado a seda que cobria seu peito, e agora
levava a boca sobre ela, sem sequer lhe pôr atenção ao desejo dela de levantar‐se da
cama.
Apesar de si mesma Esme tremeu. A boca dele se fechou sobre seu
mamilo, lambeu‐o e deixou sair um gemido. Levantou a cabeça e a olhou, outra
vez estirou a seda que tampava o mamilo. Agora estava molhado, uma mancha
escura contra um reflexo rosa. A umidade fez que lhe ardessem as pernas. Ele
esfregou um polegar, preguiçosamente, sobre o mamilo dela, olhando‐a aos olhos.
Abriu a boca, mas não recordava o que dizer.
‐Esme? ‐perguntou gentilmente. ‐O que era o que queria...?
Estava‐lhe esfregando o tecido molhado uma e outra vez sobre o seio, fazendo que ela se
sentisse como se lhe saísse vapor da pele. Antes que pudesse pensar em uma resposta, ele voltou
a lhe lamber o mamilo.
A sensação era deliciosa. Ele a estava lambendo, e que agradável era sentir a boca, a
sucção, em combinação com a seda molhada sobre seu mamilo... Deixava louca. Gritou rouca de
prazer, apertada contra ele.
‐Quero te beijar sem a camisola, Esme ‐ disse, e ela notou que tinha a voz
rouca.
Ela não queria pensar, e girou o rosto para não dar‐se conta de que tinha
a camisola cada vez mais acima. Por cima das pernas que estavam
acostumados a ser magras e agora eram robustas e estavam manchadas em vários lugares.
Por cima de sua grande barriga com estrias, essas que tinham aparecido fazia umas semanas.
Para o momento em que lhe tinha tirado a camisola, ela estava rígida da
vergonha e a humilhação. Nunca havia aparecido assim a um homem. Para a reputação
que lhe outorgavam, não tinha tido tantos namoricos, mas em cada
encontro, fosse com seu marido ou outro homem, seu corpo era um objeto sedutor que
oferecia para que o apreciassem. Sempre tinha sido consciente de
que encantava ao homem em questão.
Exceto, agora que o pensava, talvez com o Sebastian, porque ele mesmo
era tremendamente formoso.
Seguia‐o sendo, claro. Estava de joelhos na cama, olhando seu corpo, sem dúvida
arrependendo‐se de encontrar‐se na cama com uma baleia. Esme
engoliu saliva e olhou o corpo dele para não ter que pensar nisso. Não havia um
centímetro extra de carne em seu corpo, não nesse grande corpo
masculino, onde cada centímetro era forte e limpo.
Ele nem sequer se movia. Talvez estivesse tão horrorizado que tentava pensar em como
sair do aposento. Esme jogou um olhar desesperado para o lado. Aonde tinha ido sua camisola?
Poderia ficar ou ir‐se em silêncio, e economizar a ambos a preocupação de sequer discutir o
incidente.
Levantaria, mas as mãos dele descendiam até sua barriga. Havia algo
fascinante sobre essas grandes mãos masculinas lhe tocando a barriga.
‐É belo, Esme. ‐Sua voz era aprazível, reverencial. ‐É bela.
‐Não, não o sou ‐ disse zangada, mas estava a gosto. Inclusive com seu atual ódio por seu
corpo, gostava de sua grande barriga.
‐É sim. Estas parecem estrelas caídas, como raios da lua ‐ disse riscando
as estrias que atravessavam a barriga de Esme. –Importa se as tocar?
‐Claro que não ‐ disse, resignada. Claro que a sedução se converteria em
uma lição de anatomia. O que esperava? Nenhum homem honesto poderia
pensar sexualmente em uma mulher nessa condição.
As mãos dele se deslizaram pela barriga, a pele, estirada pelo bebê, sentia comichões,
sussurros flutuando para a junta de suas pernas que lhe dizia que não lhe importaria fazer algo,
inclusive em sua condição. Estava‐a acariciando gentilmente quando um pequeno vulto
apareceu, justo debaixo da
mão do Sebastian.
O olhar de assombro em seu rosto era tão cômico que Esme riu em voz
alta.
‐Esse é o bebê ‐ disse.
‐Entendo ‐ disse ele, com uma voz que reunia surpresa e alegria, e quase
fazia supor que não estava atraído por seu corpo.
‐Aonde se foi?
‐Foi só um chute ‐ disse, desfrutando contar‐lhe depois de tudo, também
era novo para ela, e até o momento, só Helena tinha sido sua confidente. ‐
Significa que o bebê está acordado.
Esme pôde sentir mais do que o habitual o seguinte chute porque as mãos dele a
rodeavam. Ficaram aí por uns quinze minutos, os três, com Sebastian fazendo círculos sobre a
barriga e tratando de atrair ao bebê para que lhe desse outro chute.
‐Não está pegando a ti, tolo ‐ Esme riu. ‐Parece ser uma pessoa ativa.
Finalmente, o bebê deixou de mover‐se, acalmou‐se (fazendo caso a
Sebastian) pelas massagens. Ele tirou a mão à contra gosto e a olhou.
Surpreendentemente ele se mostrava incomodado.
‐Bom ‐ disse com uma voz tão profunda como o mel escuro‐, onde
estávamos antes que este bebê despertasse?
‐Ah, não ‐ disse movendo a cabeça ‐ Não estávamos em nada.
Em algum momento nos últimos quinze minutos tinha perdido toda
vergonha ante ele, assim que ficou aí deitada com seus seios inchados e suas
coxas robustas.
A mão do Sebastian baixou até um seio, acariciou‐o enquanto com o
polegar lhe apertava o mamilo. A cabeça de Esme imediatamente se sentiu embriagada de
desejo, o que deve explicar por que não se levantou e baixou a
camisola.
O desejo não tinha abandonado ao Sebastian; sempre se encontrava na
mesma situação desesperada e ardente quando estava perto de Esme. Sua linda Esme.
‐Desejo‐te, Esme – sussurrou.
Lambeu‐lhe a orelha, seguiu para suas bochechas e os lábios, assediou seu corpo com as
mãos. Ele sabia pela maneira em que suas línguas se encontravam preguiçosamente, que ela era
dele. Uma vez mais, e só por um momento, mas foi suficiente.
Essa foi uma lição que aprendeu como jardineiro.
Seus dedos lhe acariciavam o cabelo e o atraíam para ela. Finalmente, beijou‐a até o
pescoço e percorreu a distância até seus luxuriosos seios. Não podia deixar de levantar‐se sobre
os joelhos para vê‐los melhor, para alimentar‐se com sua beleza.
‐Está diferente ‐ disse dolorido, justo antes que sua boca clamasse posse.
Por uns minutos estava intoxicado, embriagado com a suavidade sedosa dos seios de
Esme, com aqueles escuros casulos de rosa que rogavam sua atenção,
com os ofegos entrecortados que lhe saíam dos lábios.
As mãos caíram mais abaixo, em seus encantadores quadris, encontrou
uma doce curva em seu traseiro da que um homem poderia agarrar‐se
enquanto se afundava entre as pernas de uma mulher. Só um pensamento conseguiu
penetrar o matagal de seu cérebro, mas era um importante. Como ia
afundar se sem lhe pressionar a barriga?
Um homem neste tipo de situação habitualmente é capaz de pensar em
algo. Rodeou o redondo traseiro de Esme com as mãos e há levantou um pouco, pô‐la ao
final da cama, e voltou para seu lado. Não estava preparado ainda para deixar a um lado a
comida e passar à sobremesa. A mão lhe percorreu uma perna, deslizou‐se entre elas, e agora não
estava muito seguro
de poder parar. Podia sentir o pulso do sangue pelas veias. Dizendo‐lhe que se detivera e
entrasse entre as lindas pernas de Esme, uma e outra vez até que ambos chorassem pedindo
piedade.
Tinha a boca em um de seus seios, e uma mão entre suas pernas, sua respiração era como
fogo sobre seu peito, e suas vísceras clamavam atenção, e
mais... e mais. Uma preocupação lhe encheu a cabeça. Ela não era a mesma, não era a
imperiosa, luxuriosa Esme, a Esme que entrava em um aposento vestindo só um espartilho
francês e o olhava de tal maneira que o levava a ficar de joelhos.
Não era a mesma Esme que lhe dizia onde pôr as mãos, e lhe ensinava como mover‐se e
como tocá‐la, e depois, ao tocá‐lo, ensinava‐lhe como pedir.
Ela não estava vendo seus corpos juntos com esse honesto desfrute que tinha
mostrado a última vez. Tinha os olhos fechados, e embora o fôlego lhe travasse na
garganta, e seu corpo se movia urgentemente sob o tato dele, como se o desejasse, não estava
fazendo muito mais que pôr as mãos sobre o peito dele.
Sustentou‐se sobre ela, inseguro do que fazer.
Logo se fez ao lado, apoiou a cabeça no cotovelo e espero a que ela abrisse os olhos.
Depois de um momento, fez‐o. Olhou ao céu cegamente, e logo para o lado, onde ele estava
deitado. Ele sorriu com o gesto preguiçoso de um animal de caçada.
‐Sebastian? ‐Ele estava encantado de lhe ouvir a voz rouca.
‐Preciso saber seu prazer, OH ninfa ‐ disse seriamente. Ela piscou
confundida.
‐Eu vivo para seu prazer. ‐Tinha a voz profunda e sugestiva, os olhos brilhantes e um
esboço de sorriso ao redor dos lábios. ‐Seus desejos são ordens para mim.
Esme sorriu e levantou o cotovelo, mas quando o fez sentiu o peso de seus seios e se
sentiu outra vez envergonhada.
E isso que ele era bem desejável. Seu grande corpo masculino deitado como o de um
tigre ao lado dela. Os olhos de Esme vagavam por essas fortes
pernas, as coxas. Deus todo‐poderoso tinha esquecido como era Sebastian.
‐Pode tocar ninfa ‐ disse, e havia algo mais urgente em sua voz desta vez.
‐Sou seu escravo. Meu corpo é teu. ‐As palavras ficaram sustentadas no ar da
noite.
Ela alargou a mão. Parecia quase sacrilégio, comparar um corpo tão
formoso como o dele com o dela.
Mas de todas as maneiras alargou a mão, e ele saltou quando o tocou.
Pôs os dedos sobre seus mamilos, e ele grunhiu. Alargou a mão por seu peito
liso, e ouviu sua respiração. Enroscou a mão ao redor de..., tão quente e suave e
masculino.
Ele a olhava, olhava seu corpo, e ela tentava que não lhe incomodasse.
‐É mais bela do que o foi o verão passado. ‐Subiu a mão pela perna dela.
Seus dedos brincaram entre as pernas dela, dançando entre suas curvas.
Devagar, ela moveu a mão, lhe agradecendo em silêncio.
Os olhos dele se fecharam atormentados, as pestanas negras tocavam as
bochechas.
‐Me diga mais ‐ ordenou. Sebastian abriu os olhos.
‐Deve ter visto as mudanças em seus seios, Esme. ‐Em seus olhos ela viu
a verdade. Para um homem, a generosidade de seus seios era melhor que a ligeireza dos
corpos. Era algo que celebrar. Os olhos lhe tornaram azuis escuros enquanto via a pele cremosa
que se inchava ao redor dos dedos.
Ela arqueou as costas, e um som rouco saiu de sua garganta. Seus dedos
se fecharam ao redor do carmesim dos mamilos, e ela gemeu.
‐Mais ‐ exigiu.
‐Necessito uma melhor perspectiva ‐ disse, rodando fosse da cama até o
final.
Ao olhá‐lo, sentiu uma renovação de seu velho poder de sereia.
Preguiçosamente levantou uma perna e posou os dedos sobre sua coxa. A pele
lhe parecia muito suave..., a perfeição. Os olhos dele estavam escuros, famintos.
‐E bem? ‐Provocou‐o, e abriu as pernas um pouquinho.
‐Posso te tocar, OH ninfa? ‐Tinha a voz grosa.
‐Acredito que não ‐ Levava os dedos das curvas de suas pernas para o lugar que mais o
desejava.
Desobedeceu‐a, tomou e posou suas mãos em seu traseiro curvo e firme;
atraiu‐a para o lado da cama.
‐Não me diga que vais perder essas curvas, Esme ‐ disse com voz rouca,
seus dedos ardiam de tocá‐la.
Pensou no fato de que os homens não pensam que um traseiro cheio e
redondo seja algo mau. Embora não lhe sente bem um vestido de cintura alta.
Não parecia lhe importar. Ela abriu as pernas outro pouco como um presente.
Ele parecia tremer.
Tocou‐se ela mesma com os dedos.
‐Algumas curvas nunca trocam ‐ sussurrou.
Mas umas mãos fortes lhe abriram as pernas, e uma cabeça com cachos
dourados substituiu sua mão. Ela não podia pensar, não podia respirar, era um
corpo em chamas.
Em chamas e apaixonada.
Embora lhe colocasse os dedos entre os cachos e atirasse dele para cima
para que sua boca chegasse à sua, ela sabia.
Estava lhe fazendo cantar o coração ao beijá‐la, e lhe apartando as pernas, sem
delicadeza. E logo...
E logo...
Arqueou‐se para tomá‐lo, tomá‐lo tudo, porque essa era a única coisa que importava no
mundo. Estava perdida exceto pelo som obstruído de sua voz
dizendo seu nome, e seu ritmo, Deus, para alguém que logo que sabia como...
Mas esse pensamento se esfumou no calor do momento e a forma em
que a impulsionava... Suas mãos em seus seios, e ela ia gritar, de verdade, embora nunca
o fizesse, pois não era o que faria uma senhorita.
Mas às vezes inclusive uma senhorita rompe as regras.
‐Quão único eu queria eram torradas com manteiga ‐ disse momentos
depois enquanto lhe tocava o abdômen com um dedo.
‐Seus desejos são ordens ‐ disse, e o preguiçoso prazer de sua voz a fez
tremer uma vez mais.
Jogou carvão à estufa e lhe fez as torradas sem vestir‐se, e isso lhe deu o
prazer inestimável de observá‐lo.
‐Os jardineiros não comem manteiga ‐ disse, lhe levando as torradas.
Ela se animou.
‐Geléia?
‐Não podem pagar tais luxos. Porque a senhora desta casa é uma patroa
terrível. Paga a seus trabalhadores uma miséria.
‐O que comem os jardineiros com o pão? ‐perguntou.
‐Mel ‐ disse, e agarrou uma concha de madeira que estava em um frasco,
sacudiu‐a no ar e saiu um magro fio de mel que caiu na torrada.
Comeram torradas, agasalhados na borda da cama. Ele posava uma mão
sobre a barriga de Esme, embora o bebê estivesse dormindo. Como teria conseguido
dormir a última hora era algo que Esme não sabia.
‐Por que está fazendo isso? ‐perguntou finalmente, na comodidade de
um corpo satisfeito e uma torrada com mel.
‐Estou fingindo que é meu ‐ disse Sebastian e sorriu. ‐Não se preocupe,
eu sei que o menino é de Miles. Só estou fingindo. ‐inclinou‐se e lhe beijou a orelha, só
um roçar com seus lábios.
A emoção a fez afogar‐se, e quase não pôde terminá‐la torrada, mas o conseguiu, e logo
teve que pensar uma maneira de ir‐se ou choraria.
Logo, dada sua habitual má sorte dos últimos meses, lhe ocorreu uma idéia que acabaria
obtendo o efeito contrário.
Tirou a mão do Sebastian de sua barriga e o afastou para a cama. Ele o
fez sem protestar, mas com um olhar de surpresa.
E logo alargou a mão para tomar um frasco de barro, que tinha uma pequena concha que
tinha forma de fuso. E sorrindo com esse sorriso infame
de Esme, o sorriso que tinha seduzido ao marquês mais engomado de Londres,
sustentou essa pequena concha no ar.
Gotas douradas de mel que penduravam da pequena concha e caíram
lentamente; caíram a algo suave e quente e masculino.
Era algo bom que sempre tivesse fome. É uma das vantagens da gravidez.
CAPÍTULO 33
O vigário continuou falando, mas Henrietta deixou de escutá‐lo quando disse que o
matrimônio tinha a procriação prescrita. A cerimônia parecia que tinha pouco a ver com ela, ou
com o fato de que tivesse aconselhado a seu marido que tivesse uma amante, e isso sem
mencionar o fato de que eles não
podiam procriar. Em troca, tentou entender o comentário da Josie desde a primeira fila.
Podia adivinhar o que estava dizendo a menina. Josie queria que Esme fosse sua nova mãe, não
lady Henny, que lhe tinha jogada água em cima.
Henrietta tratou de não sentir‐se ofendida. Josie aprenderia a querê‐la.
A perna lhe mandava alarmes de dor até o joelho direita. Darby devia estar notando que
estava mudando o peso de lado, porque se via que tinha o
cenho franzido. Henrietta tratou de ficar quieta.
Quando se afastaram do altar, marido ou mulher teria sido difícil decidir
quem parecia mais incomodado, se Josie ou Rees. Só Esme estava encantada.
‐Felicitações, Darby ‐ disse Rees, e lhe estreitou a mão.
"Suponho", pensou Henrietta, "que já que agora é muito tarde para salvar a seu amigo de
um destino terrível, lorde Godwin decidiu tirar o melhor de si mesmo".
‐Está convencida de que quer viajar com as meninas? ‐Perguntou‐lhe
Darby de novo, depois de ter aceitado as felicitações de todos. ‐Uma carruagem não é o
melhor lugar para reforçar sua relação com a Anabel.
‐Não ‐ disse Henrietta convencida. ‐Não quero que às meninas aos
cuidados de estranhos, e prefiro começar como espero continuar.
‐Nesse caso, talvez deva levar a Rees em minha carruagem. Trouxe uma
carruagem antes de ir de Londres, para que você e as meninas estivessem cômodas.
‐É obvio ‐ disse Henrietta com toda a dignidade que podia reunir.
Suspeitava que Rees passaria toda a viagem aconselhando Darby sobre seu horrível
futuro como homem casado, mas ela não poderia evitá‐lo.
Henrietta jogou um olhar à carruagem, logo foi ver os cavalos. Eram robustos, perfeitos
para arrastar um carro que parecia o suficientemente grande para levar um grupo teatral.
‐Como se chamam? ‐perguntou ao Darby.
‐Não tenho a mais remota idéia ‐ respondeu. ‐Comprei‐os justamente
para este propósito. ‐Estava muito animado, sem dúvida lhe dava a bem‐vinda
ao consolo masculino de sua carruagem.
Levaram a Josie agarrada a saia da babá de Esme; gritava a todo pulmão:
‐Não quero ir! Odeio Londres, odeio Londres, odeio Londres. ‐Logo que viu o Darby,
trocou de tom. ‐Odeio ao Simon! Odeio ao Simon! ‐Tinha o rosto
vermelha e inchado, e parecia que se estava ficando rouca.
‐Vamos um pouco mais rápido que vocês ‐ disse Darby sem prestar
atenção a sua irmã. ‐Tudo estará preparado quando chegarem ao Urso e a Coruja, nossa
primeira parada.
‐Não tenho dúvida de que chegarão antes que nós. ‐Henrietta olhou os poderosos cavalos
atados ao veículo de Rees.
‐Vocês estarão mais cômodas. ‐Os gritos do Josie podiam ouvir‐se
emergindo do carro. ‐Embora talvez quisesse ir fazendo paradas, pois ajudam a
acalmar o estômago da Anabel. Henrietta...
Ela o interrompeu:
‐Viajarei com as meninas.
Ele se agachou e lhe deu um beijo na bochecha.
‐Estou encantado com esta situação.
‐Com " situação" ao que se refere nosso matrimônio ou a seus acertos para a viagem?
‐perguntou‐lhe com um toque de acidez no tom.
‐Ao nosso matrimônio, é obvio! ‐ Depois, com a frieza que todos os homens demonstram
em tempos de crise, fez uma reverencia. ‐Esperarei no Urso e a Coruja.
Já instalada por seu marido no carro, Henrietta se sentou. Josie estava recostada no chão
entre os assentos, chorando desconsolada. Henrietta podia
decifrar alguma que outra palavra, mas ouvia "órfã" e isso a desanimava para averiguar
que mais estava dizendo.
Anabel, por outra parte, estava contente sentada no assento oposto a Henrietta. As
perninhas lhe sobressaíam justo diante dela, e estava encantada
comendo um bolo de carne. Tinha o rosto coberto de recheio. A babá de Esme
pôs uma cesta enorme no chão, entre os assentos, e se voltou para a Henrietta, que ficou
alarmada ao ver a compaixão em seus olhos.
‐Tem uma boa poção de comida aqui, senhora ‐ disse, e baixou a voz. ‐
depois de que a senhorita Anabel acabe o almoço, dormirá uma sesta. Logo está
acostumado a despertar com fome. Há toalhas na cesta, muitas fraldas e
duas mudas de roupa para o bebê.
‐Duas?
‐O senhor Darby disse que ficava mau do estômago muitas vezes no
caminho para Londres, minha senhora. É obvio, poderia estar exagerando, já que é um
homem ‐ sorriu de forma alentadora. ‐É uma lástima que ainda não
tenha uma babá.
Bartholomew Batt disse que, sobre tudo, alguém deve aproximar‐se das
crianças de maneira decidida, firme e amorosa. Sendo esse o caso, Henrietta deveria fazer
algo com a garotinha que estava deitada no chão, entre os assentos.
A carruagem se cambaleou e começou a fazer ruídos no caminho de
cascalho. Estava movendo inclusive mais devagar do que Henrietta tivesse imaginado.
Pensou que os cavalos não estavam sequer trotando. Logo que estavam perambulando.
Josie seguiu chorando, demonstrando uma resistência incrível. Henrietta
se inclinou e disse:
‐Você gostaria de te sentar a meu lado?
Josie levantou o rosto cheio de lágrimas e disse com voz áspera:
‐Quero, quero, quero voltar! Quero voltar para a creche. Amo à babá.
Quero ficar ali.
‐Sinto muito. Também gostava da babá de Esme, muito bem. Quer uma
babá como ela?
Josie fez um olhar de desdém.
‐A tia Esme disse que era única. ‐Outra vez caíram lágrimas de seus olhos.
–Odeio viajar. E eu estava fe‐fe‐feliz na casa de tia Esme. Odeio ao Simon por nos
mudar. Quero ir a casa!
Henrietta nem sequer sabia onde era casa. Provavelmente a creche de
Esme, dado que a pobrezinha logo que poderia estar falando da creche de sua
mãe, já que a odiosa babá Peeves dos objetos molhados tinha estado a cargo
ali.
‐Por favor, sente‐se a meu lado, Josie ‐ disse tão persuasivamente como
pôde. Josie chorava.
Henrietta se perguntava o que faria Batt. Por desgraça, criadas tinham guardado suas
Regras e direções em alguma parte da bagagem. Mas ela já sabia que não dizia nada útil sobre as
birras. Deus sabe que tinha procurado o suficiente.
Inclinou‐se e tratou de guiar a Josie para o assento, mas seu corpo pequeno demonstrou
ser enxuto e resistente. Josie gemeu mais alto.
Finalmente, Henrietta conseguiu agarrar a Josie e levá‐la ao assento.
Infelizmente, teve que apoiar as pernas no piso, o que lhe produziu uma dor tão grande na
perna que ofegou. Isso sim sustentou a Josie. A pequena parecia
que estava perdendo forças, como era lógico depois de meia hora de pranto.
‐Sei que está preocupada com encontrar uma babá amável ‐ disse
Henrietta brandamente. ‐Asseguro que seu irmão e eu faremos tudo o que possamos.
‐Não me cai bem ‐ disse Josie, áspera. ‐Cai‐me mau e não quero que seja
minha mãe.
A carruagem avançava a passo lento enquanto Henrietta elevava a Josie
e se perguntava o que fazer a seguir. Josie resolveu o problema ao afastar‐se dos braços
da Henrietta e dirigir‐se engatinhando para o assento oposto.
Henrietta elevou o queixo e tratou de atuar como se não lhe importasse.
Voltou‐se para olhar a Anabel bem a tempo para dar‐se conta de que parecia um pouco
pálida. Justamente, Anabel tinha uma tosse estranha que Henrietta reconheceu e sem mais,
vomitou os restos do bolo de carne sobre o
chão da carruagem e os sapatos da Henrietta.
Como se fosse um sinal, Josie ganhou forças.
‐Não quero que seja minha mãe! ‐gritou. ‐E Anabel tampouco quer!
CAPÍTULO 34
Então Darby se foi até o canto e viu que Josie tinha dormido. Quando fechou os olhos,
ele tinha decidido sentir prazer e tirar a rede para cabelo que usava Henrietta para recolher o
cabelo. Lentamente, lentamente, começou a lhe tirar as forquilhas que pudesse alcançar sem
despertá‐la. Com razão parecia tão dócil o cabelo. Tinha mais forquilhas do que tivesse suposto
que necessitava uma mulher. Finalmente, conseguiu lhe tirar a rede para cabelo.
Sua esposa não ia vestir‐se como uma avó.
Dois minutos depois, soube por que Henrietta Maclellan recorria a uma
rede para cabelo e mais ganchos do que se via normalmente nas lojas. O cabelo
lhe caía sobre os ombros como a juba de um leão, com reflexos dourados e ambarinos.
Não se encrespava: a palavra enrolado lhe trazia para a mente cachos e meninas pequenas.
Combinava com o fogo, sem regras, sem governo,
até a cintura. Seus dedos acariciavam grandes massas de seda áspera.
Naturalmente, tinha posto um vestido para viajar, desenhado sem
consideração pela figura feminina. Era grosso e as costuras nem sequer caíam
bem. Darby fez um experimento lhe tirando a parte de acima, mas não era capaz de notar
nada. Bom, havia vultos que lhe escondiam os seios, mas sim que podia sentir a forma.
Tampouco o fazia falta tocá‐los para recordar, pensou desalentado. O inchaço dos seios em sua
mão perseguia seus sonhos. Seus dedos percorreram a resistente lã do traje. Debaixo da lã, seus
seios eram da
cor da nata mais fina, e mais suaves. E da nata florescia um mamilo tão escuro como uma
rosa amadurecida.
Josie roncou e Darby ficou quieto. Não era muito cavalheiresco sentir os
seios de sua esposa na presença de crianças, embora estivessem dormidas.
Deixou a mão na morna curva do seio direito da Henrietta, ou ao menos no enrugado
trapo que cobria seu seio, enquanto pensava nisso. Logo deixou de pensar e começou a sentir a
forma de seu corpo com a mão. Era como tentar
adivinhar a forma de uma fruta na escuridão.
Exceto quão único notava eram os objetos de vestir. Podia sentir cada osso por separado
no espartilho, o qual queria dizer que estava vestindo objetos tão restritivos, tão pesadas, como as
que colocavam sua avó.
Ociosamente, ele percorreu as costuras, sentindo as capas de lã. Com razão Henrietta
mantinha as costas tão rígidas. Não tinha outra opção.
Por sua parte, Henrietta estava desfrutando muito do momento para
abrir os olhos. Era estranhamente tranqüilizador despertar para encontrar os dedos largos
de Darby dançando sobre seus seios, tocando‐a pelos flancos.
Quase tremia, sentia‐se muito bem, exceto que isso a delataria. Até através das capas de
lã, do espartilho e a roupa interior, seu corpo sabia que a mão dele estava ali.
Agora parecia estar apalpando seu espartilho. As pálpebras da Henrietta
tremeram e quase se abriram tensos pelo desejo de lhe perguntar o que estava
fazendo. A sensação dos dedos dele sobre seus seios era intoxicante. Só o pensá‐lo fazia
que seu coração emitisse um ruído surdo entre suas costelas, que um tremor lhe baixasse...,
baixasse até a entre as pernas. Era como se ele tocasse a superfície da água, e ela estivesse justo
debaixo. Desejando que ele rompesse a superfície. Seus seios faziam cócegas e quase rogavam
por seu tato.
Abriu os olhos com um ofego. Imediatamente, os dedos se detiveram
relaxados como se não estivessem fazendo mais que sustentar a sua esposa que dormia
algo que tinha acontecido ao cobrir o peito dela com sua mão.
Por um segundo, olhou‐a com olhos ardentes. Logo ela viu, nas
profundidades de seus olhos, o brilho de um sorriso. Ele sabia que ela não estava
dormindo. Tinha‐o adivinhado de algum jeito. Ela nunca podia guardar
um segredo.
‐Está desfrutando, querida? ‐sussurrou e inclinou o pescoço para que seu
fôlego revolvesse os cachos de sua frente.
Ela deveria negá‐lo, deveria pedir que a deixasse dormir, deveria atuar como uma
senhorita. Sentou‐se e pensou no que queria fazer a seguir.
‐Está cômoda? ‐perguntou, e a voz rouca, quase dormida, fez que caísse
sobre seu ombro. Era como se tivesse lido seus pensamentos. ‐por que não te
recosta Henrietta?
Ela nunca se inclinava ou se tornava. "Mantém as costas erguida e sua deformidade não
se notará tanto", tinha‐lhe aconselhado um doutor. Henrietta nunca tinha esquecido esse
conselho.
De repente se levantou.
‐As meninas! ‐ofegou.
‐Ambas estão dormindo ‐ disse Darby, atraindo as costas dela para ele.
Ela perdeu o equilíbrio e caiu justo em seu colo. O fôlego dele acariciou seu pescoço.
‐Que raios aconteceu ao meu penteado? ‐Enquanto se voltava para
segurar a grande queda de cabelo, ouviu o som mais estranho do Darby.
‐Passa algo?
Darby devia estar pensando como responder a isso. Os deuses cruéis que
tinham desenhado espartilhos tinham esquecido cobrir o traseiro da Henrietta.
Arredondava a união das pernas, embriagadoramente redondo, suave e tenro.
Provavelmente não tinha idéia do que tinha entre as pernas.
Mas ela sim notou algo. Movia‐se tratando de encontrar um lugar
cômodo.
Ele pôs suas mãos na cintura dela e a pôs ao lado dele no assento. Sua
esposa estava procurando, perguntando‐se aonde tinha ido parar a rede para
cabelo.
Logo os olhos lhe abriram quando se deu conta de que algo mais fazia falta.
‐Onde está Anabel?
‐Aqui ‐ disse Darby, e levantou a tampa da cesta, orgulhoso. Era uma carruagem para
bebês admirável, se podia dizê‐lo.
‐Pôs a Anabel em uma cesta de piquenique? E logo pôs uma... tampa na
cesta!
‐Não ia se sufocar ‐ assinalou Darby. ‐A cesta é feita de vime tecido, e há
ar suficiente.
Henrietta o olhou com a boca aberta, e Darby estava bastante seguro de
que se tivesse havido um pedaço de carne a seu redor, estaria voando pelos ares para sua
direção. Então se moveu primeiro.
Não a ia beijar.
Era uma advertência para essa noite. Se não sabia por que o colo dele se
converteu em um assento com um vulto, Darby sim sabia. Por uma razão desconhecida,
sua esposa terrivelmente vestida o tinha doendo de luxúria em
uma forma que ele não tinha experiente nem sequer quando fantasiava com a
terceira criada. Era uma necessidade profunda que sentia tão primitiva como a
raiva ou a dor.
Sua língua invadiu a boca dela do mesmo modo em que os cossacos
invadiam pequenas aldeias: primeiro invasão, perguntas depois. Era um beijo que falava
de nudez, de seios sem espartilhos e colos sem calças.
E sua esposa, sua pequena e rígida esposa, entendia bem a mensagem.
Ela apoiou as mãos sobre seus ombros e disse algo incoerente. Uma
admoestação, seguro.
Mas ele não podia saboreá‐la, não saboreava a paixão nela, assim com ela
agarrada aos seus ombros. Apenas a agarrou e a pôs sobre seu colo outra vez,
uma labareda lhe atravessou a virilha quando o traseiro dela se posou em suas
pernas. Logo tomou sua boca, inundaram‐se nas profundidades, as mãos a sustentavam
perto.
De repente sua língua tocou a dele, timidamente, procurando a certeza.
A crua luxúria que lhe balançava o corpo era uma revelação.
Simon Darby nunca perdia a compostura. Nunca. Desde muito jovem,
tinah como certo a idéia de que a emoção crua não era aconselhável nem atraente. Tinha
visto sua madrasta explodir em êxtase de raiva enquanto seu pai, ainda encantado com sua
esposa, quase não se queixava. Depois, Darby viu
seu pai sucumbir à febre do jogo, sem parar de apostar cada vez mais, inclusive com
cartas sem valor. Darby tinha tido êxito em dar as suas próprias respostas sobre as medidas
apropriadas.
Mas agora, ao deixar descansar sua cabeça, Darby era consciente de que
sua própria esposa poderia provar seu mau comportamento. Estava tremendo,
literalmente. Nunca tinha tremido ao sustentar a nenhuma mulher em sua vida. Era
mortificante.
Tinha que falar com ela, lhe explicar que não era...
‐O que está fazendo, Henrietta? ‐disse uma voz do outro lado da
carruagem, com um pouco de interesse.
Sua esposa emitiu um som rouco e se afastou dele tão rápido que quase
cai ao chão.
Darby se endireitou e olhou a sua irmã. Quanto tempo fazia que Josie estava acordada?
Sentou‐se no assento oposto, o polegar na boca, olhando‐os
com uma expressão inquietante.
‐Estava saudando a Henrietta ‐ disse.
Os olhos do Josie se entrecerram.
‐Você nunca me saúda assim‐ disse.
‐Você não é minha esposa.
A boca da Josie imediatamente se afinou. Darby se preparou para uma explosão de
choramingos e gritos, mas Henrietta deteve o grito quando ia aparecer.
‐Recorda o que te disse, querida ‐ disse, e assinalou o abajur com a cabeça.
Para sua imensa surpresa, Josie piscou e ficou quieta. Estava claro que existia uma
terrível advertência que tinha que ver com o abajur.
‐O senhor Darby não quer ser cortante ‐ continuou Henrietta. Estava
movendo seu grande cabelo enquanto falava. Como ia fazer que se mantivesse
sobre sua cabeça sem a rede para cabelo (agora guardada no bolso do Darby)
era algo indecifrável.
Felizmente, a carruagem passou por cima de pedras, um gesto seguro de
que tinham chegado ao Urso e a Coruja‐ Seu irmão e eu estávamos nos saudando ‐disse
Henrietta. Deu‐se por vencida em fazer o esforço de arrumar o
cabelo e colocou um chapéu em cima. ‐As pessoas casadas se saúdam com um
beijo quando se encontram sem esperá‐lo.
Josie não parecia convencida, mas Henrietta sugeriu serenamente que
trocasse o chapéu, já que tinham chegado ao hotel.
Darby tampouco estava convencido. Olhou seu colo. Se isto era apenas uma saudação, o
que tentaria sua esposa durante a noite?
Olhou a Henrietta e agradeceu ver um pouco de cor em suas bochechas,
uma abundância em seu lábio inferior que falava de seus beijos luxuriosos.
Pequenos flocos de neve caíam no arbusto de cabelo da Henrietta.
Desapareciam instantaneamente, queimados, sem dúvida.
‐Não acredito que possamos viajar amanhã ‐ disse Darby, aproximando‐
se de sua esposa enquanto ela dirigia a Josie para a estalagem.
‐Ai, Deus ‐ disse Henrietta e olhou ao céu.
Ele se rendeu a uma doce tentação.
‐Talvez tenhamos que passar o dia na cama ‐ disse, inclinando‐se para a
orelha dela. ‐Só para nos manter em calor, claro.
Ela o olhou, com os lábios inchados pelos beijos, e o surpreendeu de novo. Um sorriso
brilhava em seus olhos, ondulando esses profundos lábios rosa. Flocos de neve lhe caíam no
cabelo e nas pestanas, mas ela não estava precisamente feita de neve, nem era de coração frio.
Silenciosamente, ele a seguiu até a porta da estalagem porque não sabia
o que dizer. A idéia de que apenas um sorriso pudesse fazer que o calor invadisse seu
corpo como uma praga era aterrorizante.
CAPÍTULO 35
CAPÍTULO 36
CAPÍTULO 37
CAPÍTULO 38
CAPÍTULO 39
Conhecer o inimigo.
‐Essa não é a maneira apropriada de fazer avançar suas tropas ‐ disse Josie intransigente,
esticando a mão e detendo o contingente de soldados de chumbo de Henrietta. Ela caiu de bruços
e voltou a pôr os soldados em formação. ‐Se os trouxer para a volta da colina, vai ser vista por
meu vigia. Não pode ser vista. Essa é uma regra.
Henrietta piscou. Não recordava dos jogos com sua irmã serem tão
cheios de regras.
‐Deve me deixar jogar como quero, embora cometa enganos ‐ assinalou.
‐Assim ganhará mais rápido.
As tropas de Josie sempre ganhavam, já que Henrietta sempre tratava de
encontrar a maneira que poderia sacrificar os seus homens mais rápidos para
perder a batalha.
‐Não seria divertido assim. Se trouxer seus homens pelo oeste, podem lhe atacar pela
parte traseira do castelo.
Henrietta suspirou e começou a mover as tropas ao redor de uma
almofada carmesim para o oeste para um ataque por trás. Já era
suficientemente tedioso ter que estar vigiando continuamente o berço de Anabel. Com
certeza a sua sesta da tarde estava a ponto de acabar.
Os soldados de chumbo pareciam mais desgastados do que há uns meses
atrás, quando Josie os encontrou na creche de Esme. Os vermelhos só podiam
identificar‐se por um rosa pálido ao redor da cintura. Os azuis estavam melhores, Josie
não gostava tanto. A alguns ainda se via o uniforme. Não lhes
dava banhos diários, depois de tudo, e não tinham que dormir com seu comandante, como
faziam os vermelhos. Henrietta tinha se acostumado a sentir perto de si o corpo adormecido de
Josie com os vultos de metal dos soldados. Mas pelo que sabia Henrietta, Josie nunca se
perguntava como suas
tropas conseguiam sair da cama à noite.
‐Se atacar por detrás ‐ disse Josie, acomodando a seus homens nos
batalhões do castelo (aliás, a almofada vermelha) ‐ provavelmente te ferverei em azeite.
‐Olhou para cima sinceramente. ‐Não o digo para lhe decepcionar,
mas pensei que talvez devesse ser advertida.
‐Que idéia tão mercenária! ‐Disse Henrietta. ‐Onde raios aprendeu algo assim?
‐Meu irmão Simon me contou isso. Nunca ataca por trás por essa mesma
razão. Mas ele sabe muito de tudo. ‐Josie olhou para Henrietta com lástima.
‐Hummm ‐ disse Henrietta. ‐E quando seu irmão Simon lhe ensinou sobre
a fascinante prática de ferver os inimigos?
‐Esta manhã ‐ disse uma voz profunda, justo acima de sua cabeça.
Henrietta olhou para cima.
‐Não pensei que você soubesse sobre estratégias de batalha ‐ disse,
resistindo o impulso de lançar‐se aos braços de seu marido e beijá‐lo.
‐Há muitas coisas que não conhece sobre mim ‐ disse Darby, ficando ao lado de sua irmã.
‐por que puseste a estes homens em fila dupla, Josie? Se uma flecha em chamas cair sobre os
batalhões, perderá todos os seus homens.
Josie o olhou por um momento.
‐Porei atrás do pilar ‐ disse, assinalando um espaço vazio.
‐Boa idéia ‐ disse Darby, e Josie começou a mover cuidadosamente os soldados.
‐Não poderia pôr nestes pobres homens um pouco de roupa? ‐Perguntou
Henrietta a seu marido sustentando nas mãos um soldado azul. ‐O pobre homem está nu.
‐Você o gostaria vestido de renda? ‐Perguntou Darby. ‐É um homem de guerra, por Deus,
mulher. Além disso, eu não gosto da roupa.
‐Melhor a renda que nada ‐ assinalou Henrietta.
‐Chegou‐me uma nota de Rees que me pergunta se quero assistir a
estréia de sua nova ópera. Deve ser um cumprimento para ti. Nunca me tinha
convidado para assistir a uma estréia.
‐Maravilhoso! Quando é?
‐Esta noite ‐ disse com um sorriso. ‐Tenho a sensação de que se lembrou
de nós, afinal.
O rosto de Henrietta pareceu apagar‐se.
‐Esta noite? Não estou segura de que possa assistir.
Darby levantou uma sobrancelha.
‐Certamente Madame Humphries entregou pelo menos um vestido de
noite entre toda a roupa.
‐Henrietta sente dor nas pernas hoje ‐ disse Josie. ‐Por isso não pôde ir a
nossa caminhada. O azeite já está fervendo.
Era uma chamada pouco sutil para lhe explicar que ia ser fervida.
Henrietta começou a mover os soldados para o lugar onde caíam líquidos ardentes.
Uma grande mão ajudou ao último cordeiro de sacrifício a tomar seu
lugar.
‐Sinto muito que esteja dolorida ‐ disse Darby, sob os gritos de guerra de
Josie. O azeite fervendo estava derramando‐se com grande escândalo.
‐Está bem ‐ disse Henrietta, ajudando Josie a tombar aos últimos homens.
‐Josie, não grite tanto. Não queremos despertar Anabel de sua sesta.
Henrietta ficou de pé com ajuda de Darby.
‐Peço ao Flanning que troque a hora do jantar para que esteja preparado a
tempo?
‐Crê que iria sem você? ‐Havia um curioso exame em sua voz.
Franziu o cenho.
‐Deve ir. Uma noite de estréia é uma ocasião muito importante para Rees,
especialmente porque, é primeira que você está sendo convidado.
‐Crê que queira ir a alguma parte sem minha esposa? ‐Começou a lhe beijar as pontas dos
dedos.
‐Essa não é a questão ‐ disse Henrietta, tratando de ser séria. ‐Deve assistir a noite de
estréia de Rees, porque de outra forma me sentiria mais inválida do que sou.
Foi a vez de Darby franzir o cenho.
‐Deve fazê‐lo ‐ disse firmemente. ‐vou esperar que volte para casa para ouvir se a ópera
foi um êxito.
Ele se inclinou mais para perto.
‐Não se preocupe se dormir. Eu gosto de despertar a uma mulher
dormindo. ‐Com um sorriso nos olhos.
Henrietta se voltou rapidamente.
Umas horas depois, Henrietta acompanhou seu marido na sala de jantar.
Sua única saudação foi uma blasfêmia.
Henrietta olhou para si mesmo com ansiedade. Era um projeto formidável
viver com a magnificência de seu marido, mas na segurança de seu aposento,
onde sabia que a tinha.
‐Você não gosta do vestido? ‐perguntou.
Seus olhos se moveram da cabeça aos pés.
‐Suponho que é o vestido de festa que veio de Madame Humphries.
‐Sim‐ disse. E logo, porque viu algo em seus olhos que lhe deu a coragem,
deu uma volta para que ele a visse. O vestido era curto, sobre umas anáguas de cetim
brancas, e mostrava seus belos tornozelos quando se movia. Mas sem dúvida a melhor parte do
traje era o sutiã rosa pálido. Atava‐se em sua parte
dianteira, e era extremamente decotado na frente e atrás.
‐Maldição ‐ disse outra vez.
‐Quando lhe conheci não tinha idéia de que seu discurso fosse tão
expressivo. ‐ reajustou as luvas brancas para que lhe chegassem justo até o cotovelo. ‐O
que pensa do véu? Madame Humphries me assegura que foi feito
com sua renda. ‐Madame Humphrey tinha usado a renda de Darby em cada vestido que
tinha desenhado para Henrietta. Este vestido em particular não tinha renda, assim criou um véu
que lhe caía atrás da cabeça sobre os ombros.
Aproximou‐se dela. Havia algo felino em seu caminhar.
‐Muito lindo. Eu gosto de como ficam as pérolas.
‐É bastante incomum as encontrar neste desenho, ou isso disse Madame
Humphrey.
‐Vejo que o padrão se repete nas mangas.
‐Se as pode chamar de mangas ‐ disse Henrietta. ‐São as menores que já
tenha posto antes.
‐O sutiã é muito mais ajustado do que qualquer outro objeto que tenha tido o prazer de
ver você vestir.
Henrietta se engasgou ao sorrir.
‐Esse é de renda ‐ assinalou. ‐Vê como o sutiã se ata na parte dianteira.
Percorreu com o dedo a renda sobre seus seios.
‐Posso ver.
‐Parece que você gosta do vestido ‐ disse Henrietta, e seus dedos ficaram
parados na renda. ‐Então, por que a blasfêmia quando entrei?
Tinha a cabeça olhando para baixo, de repente, a levantou e a olhou direto nos olhos.
‐Vendo esse vestido, um homem não pode deixar a sua esposa em casa ‐
disse‐lhe.
A perna lhe doía ao ficar de pé, e Darby parecia sabê‐lo, porque a levantou
e a levou até uma cadeira perto da janela.
‐Sinto muito ‐ disse ela. Não havia maneira de demonstrar quanto sentia
que fosse tão tola de não poder assistir à estréia de Rees. Ou de dizer a seu marido o
ciumento desespero que sentia no coração ao pensar em um teatro
cheio de belas mulheres. Esse ciúme era o que a tinha impulsionado a vestir o
vestido de festa para um simples jantar com seu marido.
Sentou e dobrou o guardanapo em seu colo, como se estivessem
desenhados para estar juntos.
‐Estive pensando, Henrietta, e acredito que o seu quadril não gosta
quando ponho suas pernas sobre meus ombros.
‐Não deve dizer tais coisas em voz alta ‐ disse, sem soar convincente. Já estava se
acostumando ao despreocupado desprezo pelas convenções.
Encolheu os ombros.
‐Esta é nossa sala, querida, e não há nenhum empregado à vista. ‐Seus olhos tinham esse
brilho travesso outra vez. ‐Há muitas outras posições deliciosas que poderíamos provar.
Olhando‐te nessa renda, me agrada que não
me acompanhe à ópera. Não posso suportar a todos os homens de Londres sonhando em
lhe tirar o vestido.
‐Mas nunca serei tão bela como você ‐ disse.
O rubor apareceu em suas bochechas. Quando ia aprender a ter a boca fechada?
‐Por que diabos você diz isso? ‐Tinha seus dedos no peito dela e a olhava
com curiosidade.
Irritava‐a.
‐Nunca parece recordar que sou aleijada. Disforme. Você é perfeito. Não
tem um só defeito no corpo.
‐Tampouco vejo que o seu esteja desfigurado. Ela engoliu a saliva.
‐Não o entende, Darby? Não é só meu quadril. Se uma mulher não pode
procriar, não é nada. Bartholomew Batt diz que as crianças são o maior lucro
de uma mulher.
‐Está começando a me cair mal esse Bartholomew.
‐Bom, pois eu estou de acordo com ele. Ser mãe é..., é... ‐Nem sequer podia pôr em
palavras o que queria dizer.
‐Quando meu pai perdeu a propriedade onde cresci ‐ disse Darby, lhe dando um beijo na
orelha ‐ não podia imaginar o que ia fazer comigo. Depois
de tudo, só estava treinado para administrar uma grande propriedade. Essa propriedade
em particular, em minha opinião, a que tinha estabelecido meu avô. E já não estava disponível.
‐Perdida? Como seu pai a perdeu?
‐Apostou‐a ‐ Os lábios de Darby se afastaram da pele de Henrietta,
deixando uma frieza pouco grata. ‐O jogo. Perdeu nossa casa e nossa terra por
um par de jogos de dados. Ainda os tenho. Levou o par para casa, jurando que
se mataria. Não o fez, mas me despertou, deu‐me o jogo de dados, e me disse
que isso era tudo o que ia herdar dele.
‐Quantos anos você tinha?
‐Quatorze.
‐Ai, Simon, isso é terrível ‐ Henrietta se virou e o beijou. Tinha decidido chamá‐lo de
Simon em momentos íntimos, embora ainda não pudesse fazê‐lo
em público.
‐Mas agora tenho minha própria propriedade ‐ disse. ‐Não é onde vivia meu avô, mas é
minha. E sou feliz aí. É feliz na creche, Henrietta?
Ela piscou.
‐E como está essa pestilenta menina no dia de hoje? ‐Deu‐lhe um beijo na
orelha. ‐Anabel lhe vomitou a comida em cima, ou só perto de ti?
Sorriu ironicamente ao entender a que se referia.
‐As famílias são o que fazemos delas ‐ disse Darby. ‐Tenho dois irmãos, Henrietta, sabia
disso?
Moveu a cabeça para os lados, fascinada.
‐Não tinha idéia. Onde estão agora? E como se chamam?
‐Não pensei que fosse do tipo de mulher que memoriza um romance. Seus
nomes são Giles e Tobias. São gêmeos. Mas quanto onde estão..., ninguém sabe.
‐Como assim? ‐perguntou Henrietta. ‐Onde poderiam estar?
‐O mundo é grande. ‐Seus dedos percorriam os ombros de Henrietta e
perambulavam por suas costas‐saíram da Inglaterra quando tinham dezoito anos.
‐Mas deve ter alguma idéia de onde estão!
‐Nenhuma. Meu pai perguntava todos os anos, e eu continuei com essa prática. Ele estava
seguro de que não se perderam no mar. Eu não sou tão otimista. É uma das razões por que decidi
não ter filhos. Dei‐me conta de que
ninguém sabe o que pode acontecer amanhã.
Henrietta pendurou um braço ao redor de seu pescoço, e lhe esfregou a
bochecha contra o ombro.
‐Sinto muito. Deve sentir muita saudade dos seus irmãos. Espero que não
tenham se perdido no mar.
‐Eu também ‐ disse seu marido. ‐Eu também.
Sentaram‐se comodamente no crepúsculo enquanto Henrietta pensava
sobre os irmãos perdidos e as meninas encontradas. E logo decidiu que o papel
de esposa incluía animar seu marido em momentos de desânimo.
Então se levantou, sorriu para o senhor Simon Darby, e começou a desatar
lentamente a renda que adornava a parte dianteira do vestido de noite de Madame
Humphrey.
Ao final, Simon Darby perdeu a estréia de seu amigo mais próximo na ópera cômica. A
nota que mandou para Rees no dia seguinte dizia que tinha uma doença que o confinaria uns dias
em seu aposento.
Rees leu a nota e soprou. Ninguém acreditaria que Darby tivesse catapora.
E tampouco tinha muitas esperanças que uma invasão de manchas roxas fosse
manter Darby deitado.
CAPÍTULO 40
Sonhou que tinha tido um filho, um menino. Tinha cachos como os dela e
a risada alegre de Anabel. Estava tomando chá com o vigário e as senhoritas do círculo
de costureiras vagavam pelo aposento levando flores para um funeral.
Finalmente, o vigário se foi e ela foi recolher o bebê na creche, mas a babá não o tinha
visto. E Henrietta não podia recordar se o havia deixado lá de manhã.
Começou a correr, procurando em pilhas de roupa, tratando de encontrá‐lo
desesperadamente, mas era muito pequeno. Não podia encontrá‐lo. O coração
lhe golpeava nas costelas. Estava muito assustada para chorar, não sobrava fôlego para
gritar.
Despertou. A falta de ar lhe agarrou as costelas.
Passou a manhã olhando o dossel de renda de sua cama. Escutou um som
de arranhões em sua porta, e se sentou, esperando à nova criada, Keyes, para
um banho quente. Mas não era Keyes. Era Josie.
‐Olá ‐ murmurou a menina em voz alta, e entrou no aposento.
‐Olá! ‐disse Henrietta sorrindo.
‐A babá Millie diz que está doente. Vai faltar ao café da manhã? ‐disse Josie, parada
perto da porta.
Henrietta podia entender a relutância de Josie em entrar. Em apenas um
mês que levava como mãe de Anabel, havia visto suficiente vômito por uma vida inteira.
‐Nem de brincadeira ‐ disse segura, estendendo a mão. ‐Só tenho um
resfriado. Vêm aqui e me conte o que fez ontem.
O sorriso de Josie esquentou os recantos do coração de Henrietta.
‐Vim lhe visitar porque a babá está limpando o que Anabel vomitou depois
do café da manhã. ‐subiu à cama. Henrietta passou um braço ao redor dos ombros de
Josie.
‐Crê que o estômago de Anabel está mais forte?
‐Não ‐ disse Josie, depois de considerar o assunto por um momento.
‐Bom, já se arrumará. Não conheço nenhum adulto com esses hábitos
peculiares.
‐Eu não estaria tão segura ‐ disse Josie com uma solene combinação de comportamento
adulto e uma voz infantil que sempre fazia Henrietta sorrir.
Keyes tocou a porta e entrou, seguida de dois criados com água quente.
Josie puxou a manga de Henrietta.
‐Posso ficar?Por favor, não me mande de novo à creche.
‐Enquanto tomo um banho?
Josie a olhou e o lábio inferior lhe tremeu.
‐Sou uma senhorita. A enfermeira Millie banha a Anabel e a mim juntas porque ambas
somos senhoritas.
Mas Henrietta apenas estava se recuperando da invasão de seu marido no
banheiro.
‐Não acredito que essa seja uma boa idéia, Josie ‐ disse brandamente. ‐As
meninas muito pequenas, como você e Anabel, podem banhar‐se juntas. Mas
as mulheres adultas se banham em particular.
Henrietta terminou banhando Josie. Havia algo tentador em uma tina
vaporosa de água quente, depois de tudo, e uma vez que Keyes tinha vertido
azeite de rosas na água, Josie colocou um pé e rogou poder inundar‐se inteira.
Tinha um corpo enxuto com barriga de menina pequena. Henrietta tentou
lavá‐la, mas se passou todo o tempo salpicando água fora da tina. Mostrou a Henrietta a
cicatriz de seu joelho de quando caiu pelas escadas dos serventes ‐
"A babá Peeves disse que foi minha culpa porque eu não devia descer por essas escadas".
Disse‐lhe três vezes que queria uma cachorrinha mamãe em seu aniversário. Henrietta tratou de
lhe explicar sem êxito a dissonância entre a palavra mamãe e cachorrinha.
Em algum ponto, a babá Millie apareceu, uma vez que descobriu onde se
encontrava a jovem acompanhante que tinha se extraviado. Henrietta se despediu dela
desculpando‐se. Josie ficou na tina até que a água esfriou e lhe formaram rugas na pele. Falava, e
falava e falava.
Inclusive quando Henrietta tirou Josie da tina e a envolveu em uma toalha,
Josie seguia falando. Contou a Henrietta sobre a rã que tinha visto no poço, no fundo do
jardim no verão passado, e os patos que nasciam ali e decidiam viver
no estábulo. Contou a Henrietta todo o jantar de Natal em que,
aparentemente, sua mãe tinha jogado um prato no vigário. Disse a Henrietta que Anabel
parecia um frango depenado quando nasceu, e que sua mãe tinha
enviado o bebê à creche e não havia tornado a vê‐la até ela que tivesse mais
cabelo. Josie adorava essa história, Henrietta a odiava.
Não foi até que Josie se cansou que Henrietta soube exatamente o que devia fazer.
Beberia da garrafa azul, porque Josie e Anabel a necessitavam.
Porque as amava. Tinha responsabilidades, mas não podia pensar em um bebê
próprio, simplesmente não podia. Não havia nada que pudesse fazer por esse
bebê.
Morrer no parto não manteria vivo o seu bebê. Não o faria, não o faria, não o faria.
Talvez se o dissesse mil vezes mais, pareceria real.
‐É hora de voltar para a creche ‐ disse a Josie, quando terminou de lhe pentear o cabelo.
O lábio inferior do Josie tremeu.
‐Não quero.
‐Anabel deve estar brincando sozinha.
‐Não me importa!
Henrietta conhecia todos os sinais de advertência. Dentro de trinta
segundos, Josie iria chorar tão forte que provavelmente a ouviriam à duas ruas de
distância. E seguia com o mesmo discurso: "Sou uma pobre...". O pranto que a rasgava por
dentro se saltou a parte de "... órfã", mas Henrietta sabia que o haveria dito.
De repente se agachou, levantou Josie e a pôs sobre a cama. Já estava bem.
‐Josephine Darby ‐ disse, com as mãos na cintura‐ se tranqüilize e me escute. ‐Josie
nunca prestava atenção a esse tipo de ordens e esta vez tampouco o fez. O pranto voltou mais
forte.
‐Eu sou sua mãe.
Josie seguia gritando.
‐Eu sou sua mãe! ‐gritou Henrietta.
Os olhos de Josie se voltaram tão redondos como uma bola de gude, e ficou calada.
‐Não se deu conta, Josie? ‐exigiu Henrietta. ‐Tem uma mãe, sou eu.
Josie piscou. E olhou.
Henrietta se ajoelhou em frente de Josie e lhe moveu o cabelo molhado do rosto.
‐Quero‐te, Josephine Darby. E vou ser sua mãe, você querendo ou não.
O rosto de Josie estava atordoado. Henrietta tomou a sua mão e começou
a caminhar para a porta.
‐Sou sua mãe e Simon vai ser seu pai. Não tem que me chamar de mamãe,
mas é assim que penso sobre mim mesma.
Josie ainda não dizia nada, e Henrietta seguiu caminhando até a creche.
Quando chegou ao terceiro piso, Henrietta sentiu cheiro de queijo torrado
e Josie, de repente, se virou e correu para a creche.
‐Anabel! ‐gritou. ‐Estive lá embaixo e me deram um banho! ‐correu ao redor da creche
várias vezes como se a conversa não tivesse acontecido.
Henrietta se deteve na porta. O que esperava? Que, de repente, Josie começasse a lhe
chamar de mamãe e tudo ficasse bem?
‐Espero não haver levado muito tempo, Millie ‐ disse a babá. ‐Que
momento tão encantador.
‐Absolutamente ‐ respondeu Millie. ‐A senhorita Josephine sempre está
tratando de escapar e procurá‐la. Era razoável que tivesse êxito uma vez.
‐De verdade?
‐Sim ‐ disse a babá com indulgência. ‐Corre em círculos ao redor de mim,
aborrece‐me até morrer. “Quero ir ver mamãe! Quero ir ver mamãe!". Por Deus, ouvimos
isso todo o tempo. ‐conseguiu apanhar o laço do vestido do Josie enquanto corria. ‐Agora,
sente‐se, jovenzinha, e mostre a sua mamãe que
lhe estou ensinando boas maneiras.
O sorriso que se desenroscava no coração de Henrietta era tão grande, que não lhe cabia
no corpo.
‐Devo ir tomar um banho, meninas ‐ disse. ‐Sejam boas com a Millie.
Josie a olhou de onde estava fazendo uma boa imitação de uma
jovenzinha com maneiras, sentada em um banco diante de uma mesa.
‐Virá para nos dar o beijo de boa noite?
Henrietta sorriu.
‐Sempre o faço.
‐E nos contará um conto?
‐É obvio.
Voltou para seu aposento e pediu outro banho. Ensaboar os braços e as pernas tinha outra
sensação, agora que Simon era seu marido. Ele tinha beijado esse cotovelo, e adorava seus
ombros. Não podia esfregar com uma esponja nos seios sem pensar nele.
Henrietta sempre se orgulhou de suas faculdades lógicas. Podia ver o fundo de um
problema. Mas qual era o fundo deste problema? Havia um defeito no preservativo, isso era
claro. Ela e Darby alguma vez mais fariam amor? Beber da garrafa sem dizer‐lhe parecia ser
desonesto, sem mencionar ser inútil. Se o preservativo não funcionava, enfrentaria ao mesmo
problema no mês seguinte. E não poderia voltar a fazê‐lo sem enlouquecer.
Darby poderia conseguir uma amante. Voltariam para o plano que
concordaram a princípio, no que ela atuaria como uma babá glorificada e ele teria uma
amante, ou várias. Só de pensar em Darby nos braços de outras mulheres lhe revolvia o
estômago.
Darby não agüentaria uma vida de celibato. Ele não era um homem para
viver sem uma mulher. Aprenderia a lhe odiar, pensou. Um raio de angústia lhe
tocou o coração.
Tinha que dispor de uma amante. Devia. Porque se tivesse uma amante,
ao menos ela poderia vê‐lo, viver na mesma casa com ele. E essas migalhas seriam
suficientes, a manteriam viva. Se a odiasse...
Preferiria morrer, pensou Henrietta. Só de pensar fez com que o ar do aposento
desaparecesse.
Era bom que tivesse descoberto que o preservativo era defeituoso, já que
ia ser apresentada à alta sociedade. A estação não estava em todo seu furor, mas Darby
lhe tinha explicado que Londres já estava cheia de gente
importante, e que quase todos assistiriam ao baile oferecido pela duquesa de
Savington essa mesma noite.
Mas agora Darby tentaria fazê‐la ficar em casa. Certamente uma esposa perturbaria a
busca de uma amante. Dada a forma como ele ficaria, noite após
noite, até que (ela corou ao pensar), duas vezes por noite, a madrasta estava
certa. Ele teria que ter duas amantes.
Atormentou‐se por um momento ao imaginar um par de mãos femininas
tocando o suave peito de Darby. Afastou da cabeça esses pensamentos.
CAPÍTULO 41
Esme,
Antes que me voltasse jardineiro, tinha encontrado difícil..., não, melhor dizendo,
impossível negar uma petição a uma dama. Uma das razões pela que
nunca tive uma amante foi porque desdenhava a meus amigos: que se submetiam a
pedidos extravagantes, eram uns tolos. Se não o faziam, não eram cavalheirescos. Agora que já
não sou conhecido como marquês, encontro este problema muito mais fácil de negociar.
Rejeito sua petição, minha senhora. Não vou deixar este emprego
voluntariamente. Sou consciente de que sua reputação periga por minha presença em
sua propriedade. Minha única desculpa é que eu mesmo não tenho uma reputação, e, portanto
sou consciente de seu valor efêmero. A reputação não vale nada.
Não posso te deixar, Esme. Talvez se não tivesse esse menino. ..., mas o tem. E não sou
estúpido, Esme. Lembro cada detalhe da noite que passamos juntos na casa de lady Troubridge.
Você me disse que não te tinha reconciliado com seu marido, e eu tirei partido desse fato.
O menino que leva poderia ser meu.
CAPÍTULO 42
Essa noite, Keyes lhe pôs um vestido tão leve como uma teia de aranha,
adornada com uma renda tão fina que podia romper‐se com a unha. Henrietta
não tinha posto nenhum espartilho. Darby os tinha atirado todos. Por cima da
camisola, levava umas anáguas muito curtas, bordadas ao longo dos seios com
lantejoulas de prata. O sutiã era de seda e levava o mesmo adorno. Finalmente, o
conjunto levava em cima uma bata de renda branca que caía em leves dobras
até o chão. O vestido estava cheio de graça e era extremamente elegante. Tudo
o que Henrietta não era. Inclusive com sua claudicação, a renda flutuava com
ela de tal maneira que parecia estar deslizando‐se em lugar de caminhando.
Henrietta olhava adormecida enquanto que os dedos destros do Keyes
prendiam o cabelo. Em lugar de prender na ponta da cabeça, como o fazia Henrietta
normalmente, Keyes os prendeu brilhantemente em um rabo‐de-cavalo que lhe caía pelas costas,
adornando‐lhe com um ornamento de prata que combinava com suas lantejoulas.
‐Está segura? ‐Perguntou Henrietta dúbia, lutando para ver o penteado por cima do
ombro. ‐Pensei que a moda era recolher‐se todo o cabelo, deixando só um cacho de cabelo a um
lado.
‐A senhora tem um cabelo tão formoso que deveria ignorar a moda.
Henrietta franziu o cenho para ouvir tal reflexão. A seu parecer, parecia uma calêndula
inchada.
Keyes se inclinou para frente.
‐Seu marido ignora sempre a moda quando de sua renda se trata,
madame.
‐OH, bom, está bem ‐ disse Henrietta, embora essa não lhe parecesse razão suficiente
para que seu cabelo parecesse um calêndula. Mas o que importava? De todas as maneiras, não
podia imaginar que Darby queria mostrar a sua esposa manca em público, dada sua necessidade
latente de encontrar uma amante. De agora em diante, ela seria um pouco mais que a babá. Tal e
como ele o havia dito.
Reconhecer o fato de que ela estava sendo infantil não ajudou. Ela se estava afundando
em um assustador ânimo escuro, que não experimentava desde que era uma menina, e a realidade
de sua situação se fez evidente.
Darby preferia que seu mordomo, Fanning, abandonasse a sala de jantar
durante o segundo prato. Uma vez que Fanning teve fiscalizado atentamente a
mesa e abandonado o aposento, Henrietta tomou um comprido gole de
clarete. Era um vinho muito mais forte do que estava acostumado a tomar e fez
que a cabeça lhe desse voltas. Mas essa noite lhe dava valentia.
Os ânimos escuros a estavam apanhando. Havia dias nos que atuava como
uma menina e se zangava todo o dia com seu destino, quando não podia tolerar a idéia de
suportar uma existência ditada pelos enganos da natureza. O
sentimento era muito mais azedo agora, que conhecia a sorte de estar nos braços do
Darby.
‐Preciso te dizer uma coisa ‐ disse‐lhe.
Ele estava particularmente bonito essa noite. As velas da mesa que se encontravam entre
eles lhe marcavam as covinhas inclinadas das bochechas e
lhe davam uma aparência muito chique, quase como um oriental, não como um fino e
poderoso cavalheiro inglês. Ele levantou uma sobrancelha.
Ela odiava o fato de poder sentir que a olhava fixamente, como se ele fosse o sol e ela
uma flor. Respirou profundamente e tomou outro gole de clarete.
‐Eu também estive querendo te dizer algo, Henrietta. Ontem à noite me disse que me
amava.
Em meio da luz fria da manhã seguinte, ela desejou ter guardado esse sentimento para
ela. Não se tivesse despojado do último rastro de dignidade.
‐Não sei muito sobre o amor. Para ser honesto, duvido que ame a alguém.
Simplesmente não estava sentindo o mesmo. Mas quero que saiba o muito que
valorizo seus sentimentos para mim. Como estou encantado por ter seu afeto.
"Encantador" pensou Henrietta. Ao menos não teria que preocupar com o coração
quebrado de seu marido quando ela não conseguisse seguir sendo sua
companheira de cama. Ele poderia encontrar afeto em outra parte. Seria ela a
que passaria as noites na solidão de sua cama. O sentimento escuro cresceu e
se converteu em ira.
‐Estou grávida ‐ disse, sem rodeios.
Ele estava acariciando brandamente a taça de vinho com os dedos e a olhou com uma
expressão impenetrável, quase como se estivesse desejando que ela dissesse algo alarmante, mas
não isso.
‐O que?
‐Não tive meu período desde que nos casamos ‐ soltou‐o.
‐Casamo‐nos faz três semanas. ‐Amanhã são quatro semanas. E eu estou
acostumado a ser bastante regular.
Houve uma pausa, e logo:
‐Maldito seja o demônio.
Isso também parecia resumir o que sentia Henrietta.
Darby ficou de pé, caminhou para o aparador, e levantou a garrafa de clarete. Logo,
serviu a Henrietta e a ele mesmo outra taça.
A mão da Henrietta tremia enquanto levantava a taça de vinho.
‐Onde está o remédio que te dei? ‐disse Darby. Sua voz era calma, como
se a notícia que tinha acabado de receber não o tivesse perturbado o mais mínimo. O
pequeno ataque de fúria tinha passado como se nunca tivesse existido.
‐Na penteadeira de meu quarto.
Ele a olhou e ela se surpreendeu pela compaixão que viu em seus olhos.
‐Sinto muito, Henrietta. Dado seu amor pelas crianças, este deve ser um pensamento
detestável para ti.
‐Não tenho alternativa ‐ disse ferozmente, tentando ela mesma acreditar
nestas palavras. ‐Comprometi‐me com a Josie e Anabel. E não é algo detestável
para ti também?
Ele piscou.
‐Naturalmente, eu não gosto da idéia de que esteja angustiada.
‐É seu filho! ‐disse ela, em tom agudo.
‐Eu não... ‐deteve‐se. ‐Henrietta, nunca quis ser um homem de família.
Mas estou a par do muito que quer ter um filho. Por que não vamos ao médico
antes de tomar uma decisão? Talvez algum da Universidade Real. Londres tem
os melhores médicos do mundo, ao menos isso dizem.
‐Já visitei vários doutores ‐ disse ela ‐bisbilhotaram meu quadril, e negaram com a
cabeça. Ouviram a história da morte de minha mãe, e me olharam pensando na morte. ‐Sua voz
era alarmantemente, então se deteve.
Ele afastou o prato que tinha diante.
‐Então, sugiro que nos embebedemos e não vamos ao baile. ‐A razão de
tal sugestão era essa pequena garrafa azul.
‐Não! ‐disse um pouco histérica. ‐Não posso tomar uma erva que matará a
um bebê. Não posso fazê‐lo. Prefiro morrer. Quis ter este bebê durante toda minha vida!
‐Eu não. ‐Ele se deteve e começou de novo. ‐Talvez devamos discutir isto
na manhã.
‐Há coisas que devemos discutir agora.
Ele a olhou com calma. Para a Henrietta, a idéia de perder a seu bebê e não voltar a
dormir com o Darby estavam mescladas. Sentia como se um tigre
lhe estivesse rasgando o coração. Mas seu marido parecia imperturbável. Os homens
eram espécies completamente diferentes às mulheres, estava claro.
‐Ao que parece o preservativo não é do todo seguro ‐ esclareceu ela.
‐Sua conclusão parece respaldada pelas conseqüências.
‐O que vamos fazer? –a pergunta‐a lhe saía do coração.
Ele permanecia em silêncio.
‐Simon, o que vamos fazer?
‐Estou pensando. ‐Seu tom era brusco.
A um cavalheiro do status social de Darby desagradaria lhe informar a sua
esposa que foi relegada ao status de babá.
‐Acredito que não temos mais opção ‐ disse ela, seu tom era alto e agudo.
‐Obviamente, devemos cessar as atividades que conduzam a procriar.
Ele encheu a boca de vinho e engoliu. Mas seu rosto ainda não tinha expressão alguma.
‐Deverá procurar uma amante ‐ disse ela, grosseiramente.
‐Eu poderia sugerir outras...
‐Eu te obriguei a se casar. ‐disse.
‐Eu aceitei me casar com total consciência de suas limitações ‐ disse Darby.
‐Não entende ‐ disse ela. ‐Eu escrevi essa carta.
Deteve. Confessar a verdade era horrível. Embora ele não a amasse, e só
estivesse honrando seu afeto. Que bem faria a verdade? Se ele queria uma amante, teria
uma.
‐Sei ‐ disse ele, pacientemente. ‐me acredite Henrietta. Estava muito a par
dos riscos de me casar contigo quando o fiz.
Ela continuou, guiada por uma classe de cega e destrutiva desdita:
‐Não entende o que quero dizer. Eu escrevi essa carta e logo Esme e nós
preparamos tudo para que esta fosse lida durante o jantar.
Sua expressão não mudou e ela continuou: ‐ Não te dá conta? Decidi que
queria me casar contigo e te apanhei. Não tinha outra opção diferente a de te
casar comigo.
Um silêncio inebriante descendeu na sala de jantar, e só foi interrompido
pela entrada de Fanning. Como todos os bons serventes, deu‐se conta de que
necessitavam intimidade e abandonou o aposento imediatamente, sem trazer
o seguinte prato. Darby lhe indicou com um gesto da cabeça que o chamaria se
fosse necessário.
Henrietta se tomou o resto de vinho que ficava na taça.
‐Comprometi‐te deliberadamente.
‐Por que foi tão longe para te casar comigo? ‐perguntou ele, finalmente.
‐Queria às meninas ‐ disse Henrietta. Mas era uma razão fácil e não de todo verdadeira.
‐Queria a ti.
Estava absolutamente cheia de raiva. Sentia raiva com o destino, raiva com seu corpo,
raiva com seu marido e, mais à frente, com ela mesma. Se nunca tivesse feito algo tão estúpido
como casar‐se com ele, não estaria olhando fixamente essa garrafa.
‐Ah ‐ disse ele. Soava um pouco interessado. ‐Por quê?
‐Era diferente dos homens de Limpley Stoke ‐ disse ela. ‐Você me beijou.
Queria a suas irmãs. Você necessitava minha herança. –encolheu os ombros. ‐
Realmente importa?
‐Suponho que não. Posso perguntar de que maneira estas desagradáveis
revelações poderiam afetar a nossa futura vida de casados?
Se ele estava incomodado, ela não poderia adivinhá‐lo pelo tom de sua voz: não havia
raiva, tão somente insipidez. Uma insipidez ampla e desgastada.
Ela tinha um pressentimento horrível, como se estivesse destruindo algo delicado e
precioso, tão facilmente como se destroem os flocos de neve contra
a janela. Mas então o que importaria sua vida de casados, em comparação com
o que ocorreria se ela bebesse essa pequena garrafa azul?
‐Imediatamente depois do jantar em casa de Esme, depois de que falamos
dos preservativos, você sugeriu um matrimônio no que você teria uma amante
e eu atuaria como algo parecido a uma babá para suas irmãs.
‐Segundo lembro foi você a que colocou o tema da amante.
Ela ignorou esse comentário.
‐Deveríamos voltar para essa idéia. Não posso te pedir que faça um
sacrifício, dado que eu te impus este matrimônio por meios fraudulentos. ‐ela o olhou
fixamente, com a cabeça em alto e sem derramar uma lágrima. ‐Depois
de esta noite ‐ e ela se referia a depois de que se bebesse o conteúdo da garrafa‐ já não
compartilharemos o mesmo corpo, como você disse. Meu corpo
será meu de novo.
Isso foi o pior de tudo. Depois de ter experimentando Darby, depois de ter
sido parte dele, não havia maneira de poder retornar à própria pele sem se desesperar‐se.
‐Parece estar incomodada comigo, Henrietta. E me está dando razões para
me incomodar. Por quê?
Ela o olhou e odiou, com toda a alma, sua calma. Por que não estava incomodado com ela
por ter feito miserável o matrimônio? Porque não lhe importava nada, por isso era. Inclusive sem
ter que dormir com ela, já tinha a babá que necessitava.
Henrietta sempre tinha sido terrível com as mentiras. ‐Não estou
incomodada contigo. ‐podia ouvir a raiva em sua própria voz.
‐Minha mãe fazia o possível por atrair a meu pai a desdobramentos de raiva similares aos
dela. Não me mostrarei menos homem que meu pai neste
aspecto, Henrietta. Não dançarei a seu ritmo. Se te ofendi de algum jeito, estarei feliz de
falar sobre essa ofensa.
‐Provavelmente sua mãe estava tentando que seu pai mostrasse alguma
emoção ‐ disse Henrietta, estridentemente.
‐Me parecia que estava tratando de lhe moldar os sentimentos. ‐ brincava
com os dedos com o caule da taça.
"Não há maneira de penetrar essa calma", pensou Henrietta. "Não deve sentir nada por
mim".
‐Não fica dúvida alguma de que ambos devemos nos arrepender de nos
haver casado ‐ disse ela, escutando suas próprias tolices. ‐Eu me arrependo de mi...,
minha imprudência ao ter escrito essa carta. Mas não te armarei nenhuma cena, Darby. Não me
comportarei como sua mãe, asseguro‐lhe isso.
Estou completamente preparada para aceitar que você tenha outra..., que tenha outros
interesses fora desta casa.
Os olhos dele pareciam negros à luz das velas.
‐E o que me diz do amor que professou por mim? Desprezou‐o tão
rapidamente, que pode me ver imparcialmente com uma amante?
‐Alguém diz muitas coisas com o calor da paixão que não deveriam ser arejadas na
manhã. Você mesmo disse isso. ‐seu tom era forte, e ela o soltou
com toda a raiva que tinha na alma.
‐É certo ‐ disse ele, deixando a taça de vinho sobre a mesa. ‐Quer que mande trazer a
carruagem? Suponho que quer te arrumar um pouco antes irmos ao baile.
‐O baile?
‐Naturalmente. Confirmamos nossa assistência.
‐Mas pensei que não queria que eu, dado...
‐Dado que preciso encontrar uma amante? Mas não, querida. Não vejo
razão para te privar do prazer. ‐Ele a ajudou a mover a cadeira, e se tivesse sido outra
pessoa e não Darby, ela teria pensado que havia algo de raiva nesse gesto.
CAPÍTULO 43
Lady Felicia Saville sentiu uma pequena sensação de prazer. Por alguma valorização
razoável, ela era a convidada mais importante no baile da duquesa
do Savington. Das sete mecenas do Almack's ‐ as jovens damas que podiam criar ou
arruinar uma reputação‐, ela era única estava em Londres ao início da temporada.
Dependia dela e só dela, criar ou arruinar as reputações das provincianas
que pretendiam entrar na alta sociedade londrina. Até agora, o baile tinha sido bastante
débil, no que concernia a essa açoitadora. Ela tão somente tinha negado a petição de um passe ao
Almack's, o que não incluía o delicado equilíbrio entre as negociações e os favores. A senhora
Selina Davenport tinha negociado com sua pequena fortuna, mas
Felicia não sentiu o menor interesse quando lhe negou a petição do passe.
A mulher não estava bem vestida; o que fariam as outras mecenas não necessitava muita
intuição, jamais lhe outorgariam um segundo passe embora
Felicia tivesse um noivo.
Sua prima atravessou a multidão caminhando para ela.
‐Bunge ‐ disse, estirando a mão. ‐É um prazer.
Realmente não o era, mas o Honorável Gerard Bunge geralmente tinha
notícias difamantes com as que compartilharem e esse fato fazia que fosse a companhia
perfeita.
‐Felicia, querida, Simon Darby se casou!
Ela se abanou ociosamente, como se as notícias fossem velhas. Se sete jovens damas
controlavam o lado feminino da alta sociedade, Simon Darby era
seu competidor masculino. Sua beleza física e delicioso sentido da moda significavam
que sua atenção (ou falta de atenção) por volta de uma jovem era
algo tão cobiçado como Brumell's e servia o mesmo propósito que os vale do
Almack's.
‐Admito que esteja surpreendida. Pensei que Darby tinha decidido faz
muito manter‐se afastado dos assuntos conjugais ‐ disse languidamente.
‐Seguiu meu conselho ‐ disse Bunge com o peito inflado. ‐Disse‐lhe que se
casasse com uma herdeira, e isso foi o que fez exatamente. Não a vi ainda.
Deveria estar aqui esta noite.
‐É obvio! ‐Disse Felicia, fiando encadeando as situações. ‐Sim soube a feliz
condição de lady Rawlings.
‐Exatamente. ‐Bunge girou a nervura de suas meias para que ficassem
retas. ‐As apostas estão setenta a um a que é um menino.
‐Isso é ridículo. Quem pode saber qual será o sexo do bebê?
‐Apostar por quem é o pai desse bebê é muito mais interessante. A última
vez que olhei o registro, o mesmo Rawlings era levemente favorito, e isso que
morreu no aposento de sua esposa!
‐Suponho que Darby não teve que esforçar muito por encontrar um
herdeiro ‐ disse Felicia. ‐É uma pena que não tenha esperado à temporada.
Teria sido um cortejo tão interessante de seguir... Crer que seu novo sogro esteja no
comércio?
‐Sugeri ao criador de lã ‐ disse Bunge estalando em risadas. ‐Mas não. Ele
se casou com a filha do falecido conde do Holkham. Ao que parece, o homem
lhe deixou uma propriedade em Wiltshire.
Felicia considerava que uma parte importante de seus trabalhos como
anfitriã do Almack's era conhecer de cor tudo o que pudesse sobre as famílias
aristocráticas da Inglaterra.
‐Vejamos ‐ disse lentamente‐, deve ser a filha mais velha, a menos que Darby tenha
tirado a menor da escola.
‐Não ouvi nada sobre sua idade ‐ disse Bunge. ‐Mas deve ser a mais velha
porque ela herdou a propriedade.
‐Mas essa garota é disforme ‐ disse Felicia com um gemido. ‐Nunca a trouxeram para
Londres para debutar, sabe?
‐Talvez se apaixonaram ‐sugeriu Bunge. ‐Passou por cima sua deformidade
em nome da paixão. Ou se não foi pela paixão..., foi pelo dinheiro.
‐Deixa de divagar ‐ disse‐lhe Felicia com toda a liberdade de uma prima em segundo
grau. ‐É um hábito tão pouco atraente... Desejaria poder recordar
o que tinha a filha mais velha...
Mas todos estavam voltando‐se para a entrada do baile, em que o
mordomo acabava de anunciar:
‐Lady Henrietta Darby e Mr. Darby.
‐Não posso lhe ver nada de mau ‐ observou Bunge. ‐É uma garota
amadurecida.
Lady Henrietta estava de pé junto a seu marido, com um vestido cujas peças flutuavam
como fio de teia de aranha. Mechas de cabelo dourados lhe enroscavam gentilmente pelo rosto.
Inclusive do outro lado do aposento, era evidente que seus olhos eram de uma cor azul deliciosa.
Bunge podia saborear
a inveja na boca.
‐Sabia que Darby ia aparecer cheirando a rosas.
Lady Felicia se casou jovem e se casou bem, e durante anos, a nata da nata tinha
considerado que era um bom matrimônio. Mas agora todos sabiam
que Henry Saville estava louco de atar. O claro indício foi quando chegou montado sobre
um cavalo à igreja do Saint Paul, insistindo em que esse cavalo
era seu irmão e que deviam batizá‐lo imediatamente.
Então, Felicia olhou ao Darby semicerrando os olhos. Não lhe importava admitir que
encontrasse a companhia de pombinhos felizes um pouco difícil de
suportar. Mas depois de uns minutos olhando aos Darby, a curiosidade substituiu a
agitação.
‐Há algo estranho aqui ‐ disse ao Bunge.
‐O que? O que? ‐Bunge sempre desejava as intrigas, mas era pouco
observador, a seu parecer.
‐Os recém casados ‐ disse, lentamente. ‐Lady Henrietta não parece... olhe!
Darby acaba de deixá‐la para dançar com a senhora Ravensclan. Que afronta tão grotesca
com sua esposa. Não posso acreditá‐lo. ‐Felicia sentiu um pouco
de felicidade. ‐Vêem, Bunge ‐ disse, impacientemente‐ vamos falar com a pobre mulher.
A Darby lhe estava fazendo difícil ignorar por completo a sua esposa de língua afiada.
Tinha uma espécie de plano rudimentar para o momento no que
chegassem ao baile: deixaria sozinha da maneira mais grosseira possível e logo
paqueraria extravagantemente em seu nariz. Isso certamente a faria sentir um
pingo da dor que ele tinha estado sentindo desde o jantar. Como se atrevia a
acreditar que ele era um homem tão pouco honrável para ter uma amante, depois do que
lhe havia dito..., depois do que lhe havia dito. Ninguém podia lhe falar de amor e logo pensar que
ele não tinha honra.
Depois de tudo, ela não o conhecia..., nem o amava. Ele apertou a
mandíbula.
A sua esposa faria bem saber que ele tinha poder entre essas pessoas.
Não era um ouriço de povoado, que pode ser enganado para contrair
matrimônio. Ele era respeitado. Sua influência se sentia em Londres, ou no mundo
civilizado, o que era o mesmo.
Dançou com sua companheira ao som de uma dança popular, olhando
todo o tempo a Henrietta para desfrutar com seu desconforto.
Engoliu uma maldição. Felicia Saville tinha aparecido de um nada e estava
apresentando a Henrietta a esse imbecil, lorde Bellington.
A peça terminou. Talvez devesse retornar ao lado da Henrietta. Não havia
dúvida de que seu comportamento seria notado ao redor do salão, dado que lady Saville
estava fazendo seu trabalho. Ele semicerrou os olhos. Henrietta estava saudando lorde Bellington
com um de seus sorrisos, uma desses que poderia derreter o coração de um homem. Deu a volta
rapidamente e se encontrou frente à peituda Selina Davenport. Ela o saudou com um olhar
provocador e cheio de desejo dos que ele só queria receber de sua esposa.
Uma hora mais tarde, sua esposa se estabeleceu como um êxito
terminante. Conhecidos o felicitavam por sua beleza deliciosa, sua inteligência e seu
sentido da moda. Seus olhos brilhavam maliciosamente quando notavam
que Darby não se encontrava junto a ela.
Gerard Bunge era o pior de todos, suspenso no ar junto a ele, como um inseto, lhe
zumbindo que não podia ter encontrado uma esposa melhor. E todo
esse tempo o pequeno corpo do Bunge tremia com luxúria e com curiosidade
por saber por que Darby estava em um lado do aposento e sua esposa no outro.
Darby podia sentir que sua reputação de fino e cortês estava caindo bem
rápido. Ela o tinha obtido, Por Deus. Ela o tinha convertido em alguém similar a sua mãe.
Seu autocontrole era como uma folha de papel fino.
Em algum ponto da noite, ele tinha começado a beber. Bastante. Rees chegou ao baile
aproximadamente a uma da madrugada e encontrou ao Darby
divagando pela pista de baile, com um copo de uísque na mão.
Posto que conhecia Darby desde que tinha nascido, Rees reconheceu
instantaneamente o olhar de sofrimento nos olhos de seu amigo, como a muito
fastidioso honradez com a que estava rondando a pista de dança. Parecia um
maldito selvagem. A última vez que Rees recordava ter visto o Darby nesse estado foi
quando sua mãe ‐uma completa puta como nenhuma outra‐ olhou‐o
da cabeça aos pés justo antes que ele saísse a seu primeiro baile em Londres, e logo lhe
fizesse um comentário jocoso a seu marido sobre um janota antes de
dar a volta.
Essa noite Darby fazia as reverências tão rigorosas que quase podia cortar
o ar, e logo se embebedou tanto que a noite terminou nos estábulos com Rees
lhe sustentando a cabeça. É obvio, que então tinha somente tinha quinze anos,
e estava tão orgulhoso de suas calças amarelas como ressentido com sua mãe.
A Rees sempre tinha parecido um infortúnio que a mãe do Darby tivesse morrido poucos
meses depois desse episódio.
Com razão era uma mulher que o tinha posto neste estado, uma vez mais.
‐Onde está ela? ‐perguntou Rees, tirando Darby da pista de dança.
‐Minha esposa? ‐Perguntou em voz muito alta. ‐Nem idéia. Rees olhou ao
redor.
‐Esteve falando com o Henry Piddlerton durante há última meia hora ‐
disse Darby, revelando que sabia exatamente o paradeiro da Henrietta. ‐O
pobre bode a esteve olhando diretamente aos olhos, como se estes fossem o
Santo Graal. Também por debaixo de seu vestido.
Rees suspirou e o levou até um pequeno salão de cartas na biblioteca.
‐Que demônios está passando? ‐disse‐lhe, recostando‐se contra a porta
em caso de Darby tentar escapar.
‐Algo bastante comum, em realidade. Devi ter seguido seu conselho e ter
evitado o matrimônio ‐ disse Darby, sem olhá‐lo aos olhos. Atravessou o aposento,
recolhendo bagatelas e as soltando com a força suficiente para rompê‐las. ‐As esposas são uns
demônios.
Rees abriu a porta e enviou a um garçom a procurar uma xícara de um café bem
carregado.
Tomou um bom tempo lhe tirar o estado da situação ao Darby. Só depois
de três xícaras começou a falar coerentemente.
‐Tenho que concorda contigo ‐ disse Rees, lentamente. ‐Ao menos um
perito deveria lhe examinar o quadril.
‐Ela definitivamente quer esse bebê. Acredito que a claudicação de
Henrietta não será um impedimento para tê‐lo.
‐Não tem nem idéia do que fazem as parteiras ‐ objetou Rees.
‐Seus quadris parecem exatamente iguais às de qualquer mulher. E quem
sabe o que aconteceu no parto de sua mãe? Um monte de doutores populares
concluíram que a tragédia era resultado das débeis articulações. Eu não acredito que essa
seja evidência suficiente. Mas ela crer, realmente crer, no que lhe hão dito.
‐Então deve lhe dizer outra coisa.
‐Como? Ela espera que eu me afaste e que tenha uma amante. Decidiu que nos deitar em
um futuro é impensável, e parece que não dispõe nenhum
outro uso para mim! Ela pensa que sou do tipo de homem que a trairia. ‐Darby
se deteve nesse instante. Nunca pensou que confessaria a Rees essa verdade em
particular.
‐Ora ‐ disse Rees, dando a volta para o Darby, com o semblante
carrancudo. ‐É um tolo se crer essas bobagens. Está tão mal como ela.
Certamente lhe hão dito que os homens devem deitar‐se com uma mulher cada hora ou ao
menos morrer no intento, e ela cre; e você te crer que não lhe importará que tenha uma amante.
Os dois são uns tolos. ‐deteve‐se por um momento e logo disse:
‐Nunca tive a oportunidade de ter um matrimônio como o seu. Sabe.
Darby olhou fixamente a seu amigo. Rees parecia um urso grande e
resmungão.
‐Eu não posso com as mulheres, mas se Henrietta fosse minha esposa... ‐
Rees chegou à porta e disse isto, olhando por cima do ombro‐... não...
Deteve‐se, deu‐se a volta e olhou a seu amigo diretamente à cara:
‐Não a perca.
Darby saiu do salão de cartas tremendo. Conhecia Rees desde fazia muito
tempo e nunca o tinha visto assim. Quase..., quase como se estivesse muito sozinho.
Somente lhe levou um minuto localizar a Henrietta. Estava sentada em uma poltrona
redonda no canto da pista de dança, entretida por dois cavalheiros.
Ela olhou para cima quando ele se aproximou.
‐Poderia ter o prazer desta dança? ‐disse, fazendo uma reverência.
Os homens ao redor da Henrietta ficaram boquiabertos e ele recordou
muito tarde que sua esposa era manca; que não podia dançar. Nunca tinha pensado nela
nesses términos.
Ela levantou seu leque, mas ele podia sentir a raiva que se escondia detrás
de este.
‐Talvez o tenha esquecido ‐ disse ela. ‐Eu não danço. Sugiro‐lhe que encontre a outra
companheira de dança. Eu ficarei feliz aqui.
Ela moveu o leque e sorriu amplamente ao Honorável James Landow,
sentado a sua esquerda. O pobre idiota lhe devolveu o sorriso como se lhe tivesse
prometido à lua.
‐Estávamos discutindo sobre a antiga tradição em que uma dama
convidava aos cavalheiros a sua penteadeira para que a ajudassem a vestir‐se.
Henrietta furiosa era uma revelação. Já não existia a ratinha provinciana.
Agora brilhava intensa e sensualmente, sua faísca fazia que qualquer homem lhe
prestasse atenção.
‐Dizia lady Henrietta que era uma tradição digna de ser recuperada ‐ disse
Landow, lhe dedicando um sorriso de cumplicidade ao Darby.
‐OH, não se preocupe com meu marido, senhor ‐ disse Henrietta com um
sorriso rude, ao bater com um toque de Darby no braço. ‐Temos um
matrimônio verdadeiramente moderno. De fato, quase não nos conhecemos.
Acaba de me convidar a dançar! ‐Seu sorriso ecoou, mas não havia nem um só
rastro de humor nela.
Os dois cavalheiros sentados de ambos os lados dela também riram,
embora nenhum dos dois foi capaz de olhar a Darby aos olhos.
‐Ah, milady ‐ disse o conde do Frescobaldi, descendo seu rosto e seu bigode para beijar a
mão a Henrietta. ‐Estou seguro de que seu marido não expressou seus desejos mais profundos.
Como tampouco o teria feito eu, se a
tivesse convidado à pista de dança. ‐Sua voz era profunda e deliciosa, como o
chocolate.
Darby fechou os punhos. Mas qual era o ponto de pegar a Frescobaldi?
Henrietta pareceu um pouco desconcertada. Talvez ela se aproveitasse das implicações
dos desejos mais profundos de Frescobaldi.
‐Acredito que subestima o bem que nos conhecemos ‐ disse Darby a
Henrietta entre dentes.
‐Em que aspecto, querido marido? Explique isso a todos.
Darby olhou fixamente a Frescobaldi e ao Landow e compreendeu que sua
cuidadosamente cultivada reputação de ser calmo estava destroçada. Um
músculo estava pulsando em uma das bochechas. Estava a ponto de rugir. E
não lhe importava nada.
‐Acredito que subestima sua impossibilidade de dançar. ‐Os músicos
tinham começado a tocar uma valsa. Antes que sua esposa se movesse, separou‐a dos
cavalheiros, para seus braços e para a pista de dança.
A princípio, Henrietta estava muito chocada para reagir. Percebeu‐o em seu corpo,
posando rígido junto a ele; e a maneira em que se sustentava. Mas
ele a conhecia. Conhecia seu corpo tão intimamente como lhe tinha permitido.
Ela quase não coxeava esta noite. Havia tão somente uma pequena dúvida antes de dar
um passo. Ela podia dançar maldita seja. Ela podia dançar com seu marido.
Pôs a mão na fina cintura e a incitou a dançar a valsa. Depois de tudo, não
era mais que caminhar. Caminhar ao ritmo de muito belos acordes musicais, caminhar a
um ritmo que se parecia com o de sua cama.
Durante os primeiros minutos, ele nem sequer a olhou. Tão somente a guiou, passo a
passo e dando círculos por todo o aposento, seguindo a música.
Quando finalmente olhou a sua esposa, esta tinha as bochechas rosadas e os olhos
iluminados... Não de raiva, mas sim de assombro.
‐Estou dançando ‐ sussurrou ela, e esse agitado e pequeno suspiro lhe chegou ao coração.
Ele a conduziu a realizar uma série de círculos impressionantes enquanto a
música lhes enchia os ouvidos de sons incríveis.
‐OH, Simon, estou dançando!
A música se reduziu a um silencioso: um‐dois‐e três, um‐dois‐e três.
‐Passaste muito tempo acreditando no que as pessoas te diziam‐ disse‐lhe.
A verdade nessa afirmação lhe pôs um tom de ferocidade na voz. ‐Escutava as
pessoas que lhe diziam que jamais te casaria e que jamais dançaria.
‐Estou casada...
‐Comigo ‐ disse ele, suspirando. ‐Está casada comigo. É minha Henrietta. E
eu sou teu. Entende o que estou dizendo?
‐Simplesmente não pode me jogar ao rio, como se fosse uma truta que não quer ‐ disse
ele, com a voz áspera. ‐Já somos um, Henrietta. É muito tarde.
Não se dá conta?
Não podia lhe ver a expressão no rosto.
‐Eu não..., eu não sou o tipo de homem que trairia a sua esposa ‐ disse-lhe. ‐E não o faria,
jamais. Eu não...
E de repente viu que seus olhos brilhavam repletos de lágrimas.
‐Sou uma tola, Simon ‐ disse‐lhe e lhe tocou a bochecha. ‐Perdoa‐me?
Ele assentiu. Por um momento, perderam‐se juntos, apanhados na
delicada música que fazia mais doce o ar ao redor.
‐Eles disseram que jamais te casaria Henrietta. E está casada.
Ela assentiu, com um trêmulo movimento do queixo. ‐Disseram que nunca
dançaria. E estamos dançando. Havia uma faísca de esperança nesses olhos azuis. Ele
podia vê‐la.
‐E disseram que nunca daria a luz. Mas eu te conheço. Sei que quer ter este bebê.
Visitaremos todos os médicos da Inglaterra se for necessário.
Encontraremos a alguém capaz de te salvar a ti e ao bebê.
‐Sinto como se tivesse lido meu coração ‐ sussurrou ela.
Ele a olhou, com o cabelo escuro sobre a sobrancelha, era o homem mais
formoso que já tinha caminhado pelo mundo.
‐Pode ler o meu então?
Ela engoliu saliva, apanhada em seus olhos, atemorizada porque não
entendia.
‐Amo‐te.
A música chegou a seu final, e eles se detiveram, embora ele não deixasse
de abraçá‐la.
‐Amo a minha esposa ‐ disse seu marido, com os olhos tão emocionados
como sua voz. ‐E Henrietta...
‐Amo‐te ‐ completou ela interrompendo‐o.
Casualmente, lady Felicia Saville estava olhando nessa direção e ficou perplexa. Era uma
pena que já lhe tivesse devotado um passe para o Almack's
alady Henrietta. Antes o tivesse recusado. Verdadeiramente o tivesse feito.
Que tipo de exemplo estava lhes dando lady Henrietta às jovens e
impressionáveis donzelas ao permitir que seu marido a beijasse ante tanta gente?
Embora houvesse algo na maneira em que Darby sustentava a sua esposa,
algo feroz, mas tão tenro, como se ela fosse imensamente preciosa e muito querida, que
fazia Felicia embaçar a visão. Finalmente, deu‐se a volta com um
pequeno gesto de desgosto.
CAPÍTULO 44
Conselho de peritos.
CAPÍTULO 45
O Dr. Ortolon não sabia o que era mais difícil: se o parto ou o marido. É
obvio isso era algo comum em algumas ocasiões. Como o obstetra mais reconhecido de
Londres, deu‐se conta de que os homens podiam ser iguais de
irritantes que suas esposas. Mas este marido superava a todo o gênero, incluindo os
duques reais, quem combinam teimosia e sentimentos.
O senhor Darby tinha parecido ser um homem lógico durante a gravidez.
Aparentava ser muito racional nas consultas a que assistia, demonstrando um
moderado nível de preocupação por sua esposa.
Mas nas últimas semanas o homem se desequilibrou. De fato, tinha
mudado seu parecer quanto à gravidez.
‐É um pouco tarde para isso ‐ disse o doutor Ortolon com um irônico sorriso. Mas era o
único que ria. O senhor Darby caminhava pelo corredor da
entrada como um animal selvagem, e quando Ortolon se dirigiu ao piso de cima, o
homem caminhou enfurecido ao seu lado declamando ameaças e
comentários pouco educados até entrar na sala de partos.
Lady Henrietta estava bastante desgostada nesse momento, embora
conseguisse controlar‐se bastante bem. Mr. Darby correu ao travesseiro da cama e
começou a falar com sua esposa.
Quando o doutor Ortolon sugeriu que Mr. Darby saísse do aposento para
realizar um exame a sua esposa, o homem lhe devolveu o olhar mais selvagem
que tinha visto no rosto de um cavalheiro.
‐Nem pensar ‐ grunhiu‐lhe.
A Ortolon pareceu gracioso ver a dentadura do senhor Darby e cedeu.
Parecia que o ter no aposento distraía a paciente e isso era bom.
O parto progredia de maneira natural enquanto lady Henrietta repreendia
a seu marido por seu comportamento e indecência por permanecer no
aposento.
Enquanto o parto avançava a uma etapa mais crítica, a paciente se
entretinha gritando a seu marido. Normalmente, as futuras mães tinham a tendência a
fazer isto com o doutor de volta, e Ortolon sempre pensou que isto o alterava mais do que o
normal. "Sim", pensou para si mesmo, "os maridos resultam bastante úteis durante o parto", se a
gente pode desprender‐se do impróprio da situação.
Ao final resultou ser um parto normal. Quase decepcionante. Como um
artista em sua profissão, Ortolon preferia a violenta correria contra a morte que oferecia
um parto complicado.
‐Bastante comum ‐ disse a sua paciente.
Ela levantou o olhar. Era uma cena muito freqüente. Seu cabelo estava escuro pelo suor e
o tinha esmagado contra a frente. Estava pálida e exausta,
com umas marcas negras sob os olhos. Mas esses olhos lhe brilhavam
enquanto olhava à pequena criatura que tinha nos braços, um horrível e machucado
pequeno pedaço de humanidade que já chorava com entusiasmo.
‐Como chamarão o menino? ‐perguntou Ortolon, enquanto lavava as
mãos e se arrumava para sair.
‐Como o chamaremos? ‐disse lady Henrietta, enquanto tocava com
carinho as pequenas orelhas do bebê.
‐John ‐ respondeu o pai do menino. ‐Seu nome é John, como o poeta John
Donne.
Que idéia tão pagã! Nomear a um menino como um poeta. O doutor
Ortolon estava apavorado ao ver que os olhos do senhor Darby brilhavam pelas
lágrimas. Fechou a mala negra e saiu dali o mais rápido possível.
CAPÍTULO 46
Henrietta podia ouvir as meninas vindo do outro lado do corredor. Suas vozes
retumbavam nas paredes, como fazem vozes das meninas. Anabel
gritava feliz, e depois ouviu que Millie lhes disse:
‐Tranqüilas meninas. Não quererão matar do susto a seu irmãozinho. Só é
um bebê.
O pequeno John tinha bebido tanto leite que seu estomago estava
temperado como um tambor. Descansava nos braços de sua mãe, satisfeito e
bêbado como um marinheiro em alta mar.
Seu pai entrou no aposento vindo do quarto ao lado enquanto Josie e Anabel entravam
pela porta principal. Anabel não era uma corredora muito graciosa, mas o que lhe faltava de
graça o compensava com velocidade. Correu
e chegou à cadeira de balanço antes que mais ninguém.
‐Mamãe! ‐gritou.
‐Não desperte ao bebê! ‐disse Josie, mas era muito tarde.
John Darby abriu os olhos e olhou a seu redor, confuso. Estava começando
a reconhecer os rostos das pessoas. As meninas o rodearam e juntaram as cabeças sobre
ele enquanto o chamavam:
‐Johnny, Johnny! Sorri para mim ‐ E assim o fez. Quem não o faria? Aí estavam suas
duas irmãs, com os rostos brilhando de orgulho e alegria. Tinha a barriguinha cheia. E sua mãe
estava perto. Inclusive ouvia uma voz profunda dizendo alguma coisa, e também podia
reconhecer essa voz.
Abriu a boca pondo um formoso sorriso feliz e sem dentes, e arrotou.
Continuou rindo enquanto uma pequena corrente de leite lhe saía pela boca.
Estava um pouco surpreso quando os dois rostos em cima dele se
afastaram e o ar se encheu de chiados. Mas sua mãe o consentiu.
‐Tão somente é um pouco de saliva ‐ disse ela, e logo a pessoa com a voz
profunda chegou e o levantou.
John tentou enfocar a visão, mas não havia maneira de que um bebê
pudesse perceber a elegância do homem que o estava elevando.
‐OH, Darby, não! ‐Disse Henrietta com um pouco de angústia. ‐Não
quando está tão elegante, sabe que...
‐Tolices! ‐disse Darby, beijando ao seu filho no pequeno nariz inflado. ‐
John acaba de arrotar e vomitar, não? Já não fará mais essas tolices.
‐Duvido‐o ‐ observou a mãe. ‐quis te informar de que tudo isto é tua culpa. Ninguém em
minha família tinha a tendência a vomitar assim.
‐Eu sim! ‐gritou Anabel, saltando de um lado para outro ao redor da cama.
‐Ainda o faz! ‐recordou‐lhe sua irmã.
Insultada, Anabel deu um alarido.
Henrietta lhe sorriu.
‐Embora seu estômago se acalmasse nestes últimos seis meses, não,
Anabel? Esse problema ficou no passado.
‐Anabel já tinha mais de um ano quando seu estômago se acalmou ‐ disse
Josie, demonstrando uma inteligência aguda que já desafiava a sua instrutora. ‐
Isso significa que ao Johnny ficam meses e meses deste comportamento. Que
asco!
Simon Darby sorriu a sua irmã, e se voltou para sua esposa.
‐Tenho‐me que ir ‐ disse. ‐O Regente há...
Mas, nesse momento, John sentiu uma pressão incômoda na garganta.
Piscou e abriu a boca. Ouviu‐se vir uma estranha tosse seca.
‐Simon! ‐disse Henrietta em tom de advertência.
‐Ah, porcaria! ‐ladrou o pai do John.
E saiu o leite, já um pouco talhado. Emergiu com a força de um canhão e
detendo‐se só quando se encontrou com um casaco bordado com fio de ouro.
Sua mãe ria; as meninas gritavam da risada; seu pai blasfemava. O leite escorria do
casaco forrado com seda e orlado com fios cor cereja.
John franziu o cenho. Sentia o estômago vazio. Tinha fome. Suas
sobrancelhas se juntaram novamente e deixou escapar um pequeno grito.
‐Não cre que é um pouco injusto? ‐disse Henrietta.
Darby lhe deu o bebê e levantou uma sobrancelha, enquanto delicadas
gotas de leite lhe escorriam das mangas de renda.
‐Que não é justo? O fato de que meu ajudante acaba de passar quarenta e
cinco minutos me vestindo para ir à corte e agora deve começar de novo?
‐Não. O fato de que John claramente herdou a voz do Josie e o estômago
débil da Anabel.
Seu marido se inclinou e lhe acomodou uma mecha de cabelo detrás da orelha.
‐Tem suas orelhas doces ‐ disse, e lhe deu um beijo.
O coração da Henrietta se acelerou.
‐Amo‐te – sussurrou.
Darby lhe acariciou a bochecha com um dedo.
‐Não tanto como eu amo a ti.
FIM