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Eloisa James

Louca de Amor

Quarteto Duquesas 2
Fool for Love (2003)
Disponibilização: Soryu
Tradução e Pré-Revisão: Paty Hamdan
Grupo de Revisão: Ady Miranda, Romilda,
Jaqueline Douets, Marcia O²
Revisão Final: Iluska
Formatação: Serenah

Série em Revisão Com o Grupo Pégasus


Lançamentos
ARGUMENTO

Lady Henrietta Maclellan suspira pelo romântico torvelinho


de uma temporada em Londres. Mas como todas as singelas donzelas
do campo, tem que manter escondida sua natureza sensual... Até que
conhece Simon Darby. Simon lhe faz desejar românticos sussurros ao
anoitecer, trocar beijos na varanda, receber ilícitas cartas de amor.
Assim Henrietta deixa sua imaginação voar e escreve...
Uma erótica carta de amor surpreende à sociedade. Todo
mundo supõe que ele a escreveu para ela, mas a verdade não tem
importância diante do escândalo que se desencadeará se não se
casarem rapidamente. E nada preparou Henrietta para a pura
sensualidade de...
Simon jurou que nunca se converterá em um tolo por uma
mulher. Assim, as debutantes desmaiam enquanto ele anda a
pernadas, desdenhosamente, diante das encantadoras damas da alta
sociedade... Até Henrietta. É possível que ele tenha sido um tolo
durante todo este tempo?

NOTA DA TRADURA PATY-

A história é maravilhosa e super romântica. Simon, ao


descobrir que a viúva de seu tio está grávida, resolve ir para Limpley
Stoke e verificar se sua tia está mesmo grávida e conhece Lady
Henrietta Maclellan, uma jovem muito diferente das outras jovens
daquela época. Lady Henrietta Maclellan sabe que não pode casar
por causa de um problema no quadril, o que a impossibilita de ter
filhos e, por isso, sabe que não pode se apaixonar pelo engomado e
metido Simon Darby, que só está à procura de uma esposa rica, que
seja mãe de suas irmãs. Mesmo sabendo que não pode ficar com
Darby, Henrietta não consegue evitar se apaixonar por ele e acaba
planejando com Esme, a tia dele, para que eles acabem se casando. A
narrativa é muito interessante e alguns personagens do primeiro livro
Duquesa Apaixonada aparecem no livro, uma dessas personagens é
Esme que continua sua historia nesse livro.
Amei traduzir.
CAPÍTULO 01

Simon Darby recebe notícias indesejadas


28 Park Lane, Londres

Alguns homens parecem morsas quando se zangam: puro cabelo grosso


e inflado. Outros se convertem em porcos, com as bochechas inchadas e os olhos
pequenos. Simon Darby se convertia em um cossaco1. Torcia o olhar, suas
altas bochechas refletiam várias gerações dos Darby, de traços formidáveis, angulosos e
exóticos. Para Gerard Bunge, aquele homem lhe parecia um autêntico selvagem.
A última vez que Gerard Bunge recordava ter estado tão irritado foi quando seu médico
lhe informou que tinha contraído varíola. Só lembrar‐se disso, o fazia sentir náuseas. Seguia
tendo a incômoda sensação de que aquilo
tinha sido um castigo divino, e isso para não falar do desagradável tratamento posterior.
Mas, menos graça ainda lhe tinha feito inteirar‐se de que sua herança tinha desaparecido.
Depois de tudo, as enfermidades vêm e vão, mas a vida é
muito cara. Inclusive os lenços tinham um preço proibitivo.
Provavelmente, Darby estivesse chocado. Assim Bunge repetiu suas
palavras ‐ Não há dúvida nenhuma a respeito. Sua tia está engordando.
Como Darby seguia sem reagir, Bunge andou próximo à matilha de cães
de porcelana que descansavam no suporte da lareira e voltou a pensar se seria
pior a pobreza ou a varíola.

1 Cossaco- são um povo nativo das estepes das regiões do sudoeste da Europa.
Definitivamente até a sífilis era preferível.
‐Digo‐lhe... Que lady Rawlings está grávida. Sei por que a condessa de Trent a visitou no
campo, e notou que a senhora caminhava como um pato.
Você me ouve, Darby?
‐Certamente, ouviriam‐no até em Norfolk.
Então se produziu um silêncio.
Bunge não suportava o silêncio, mas tampouco era habitual que a um
homem lhe fosse arrebatada sua herança por um bebê que ainda não tinha nascido, justo
diante de seus narizes. Movendo as mãos para trás, empurrou os
cães de porcelana até que estes ficaram ordenados, formando uma fileira.
Devia haver ao menos uns quatorze ou quinze dessas figuras, ajeitadas e pintadas com
bastante mau gosto.
‐Suponho que pertence a alguma de suas irmãs ‐ disse Bunge, por cima
do ombro.
Pensar nas irmãs de Darby fez com que Bunge se sentisse um pouco
incômodo. Depois de tudo, se o filho de Esme Rawlings resultasse ser varão, elas
estariam a ponto de perder seus dotes.
‐Em realidade, esses cães pertenciam a minha madrasta ‐ comentou
Darby.
A taxa de mortalidade era alta na família Darby, refletiu Bunge: pai, madrasta, tio...,
todos tinham morrido em um ano.
‐Eu também desejaria que sua tia não estivesse engordando, que me
crucifiquem se não... ‐ comentou Bunge, fazendo visível um estranho gesto de
generosidade.
Engoliu uma maldição quando a afiada borda daquele engomado
colarinho de linho o beliscou no pescoço. Tinha que lembrar‐se de não girar a
cabeça tão rapidamente. Esses novos colarinhos altos eram o demônio.
‐Dificilmente poderia pensar se que é culpa dela. Deduzo que meu tio e
minha tia tiveram uma aproximação inesperada antes de sua morte.
‐Também me sobressaltou ouvir que ele tinha morrido nos aposentos de
sua tia ‐ Acordou Bunge. ‐ E não é que lady Rawlings não fosse uma mulher linda, mas
seu tio não tinha vivido com ela durante anos. Estava muito cômodo
no bolso de lady Childe quando o vi pela última vez. Eu pensava que Rawlings e sua
esposa nem sequer se falavam mais.
‐Até onde eu sei, raramente faziam. Suponho que se enredaram nisso de
fabricar um herdeiro sem trocar palavra.
‐Há quem diga que esse bebê não é de Rawlings, sabe?
‐Dado que meu tio morreu no quarto de sua esposa, é provável que ele e
ela tivessem algo que ver na criação desse filho. Você me faria um favor se calasse esse
tipo de rumores.
O olhar de Darby tinha recuperado sua habitual expressão divertida.
‐Você vai ter que casar‐se ‐ Ressaltou Bunge ‐ Embora, obviamente, não
lhe resultará difícil apanhar uma mulher enriquecida. Ouvi que há um comerciante de lã
que vai pôr a sua filha no mercado esta temporada, e que já
há quem diga que ela se ocuparia bem de um rebanho ‐ disse, caindo em uma
enorme gargalhada.
Entretanto, os olhos de Darby se endureceram em um gesto de
desagrado.
‐Uma possibilidade pouco apetecível ‐ Disse, inclinando ligeiramente a cabeça. ‐Bunge,
por muito que me agrade sua companhia, tenho uma
entrevista.
" Homem frio, o bastardo", pensou Bunge, mas se permitiu ser educado na soleira da
porta: ‐ Vai contar à suas meio‐irmãs?
‐Naturalmente. Sua querida tia vai ter um bebê. Josephine se alegrará muito.
‐Sabe que o bebê lhe tirará sua fortuna?
‐Não consigo compreender por que os assuntos de uma herança devam
incomodar a uma menina pequena.
‐Claro. Além disso, em realidade, nunca se sabe. Pode ser que lady
Rawlings tenha uma menina.
‐Um pensamento agradável, dadas as circunstâncias.
‐Darby, você é um tipo frio. Não sei o que faria se eu tivesse que apresentar em sociedade
a duas mocinhas e...
‐Faria‐o admiravelmente ‐ respondeu‐lhe Darby, enquanto fazia soar
uma sineta. Fanning, seu mordomo, apareceu com o casaco, o chapéu e a bengala de
Bunge.
Enquanto caminhava para seu escritório Darby apagou o sorriso da rosto.
Engoliu a raiva diante daquela matraca imprudente que se deu o gosto de lhe
informar sobre a gravidez de sua tia. Mas a fúria lhe inchava na garganta.
‐Maldita puta ‐ As palavras lhe queimaram na boca como se fosse
veneno.
Fosse o que fosse o que seu tio estivesse fazendo no quarto de sua esposa, não implicava
fornicação. Rawlings lhe havia dito em julho, justo antes de morrer, que o doutor lhe tinha
proibido os atos conjugais e, como nesse momento, estava um pouco embriagado, tinha
acrescentado que lady Childe era agradável. Não havia necessidade de nomear a sua esposa e não
o fez. Sua
amante, lady Childe, era a única pessoa minimamente interessada na
habilidade de Miles para sacudir os lençóis.
Entretanto, ele tinha morrido nos aposentos de Esme Rawlings uma
semana depois. Sofreu um ataque cardíaco no quarto de sua esposa. E agora a
mulher estava engordando... E inclusive caminhava como um pato? Sem dúvida
o bebê se adiantaria. A festa tinha tido lugar em julho passado e, se o bebê era de Miles,
sua esposa não podia ter muito mais que seis meses de gravidez. Mas
por que a esbelta lady Rawlings estaria caminhando como um pato sem estar
tão avançada a gestação, quando ainda lhe faltavam três longos meses mais para o parto?
Maldita mentirosa. Nunca poderia acreditar‐se que Miles se deitou com
ela. Certamente tinha procriado o bebê com outro homem e tinha atraído Miles,
enganado, para seu quarto tentando confundir o assunto da
paternidade.
Miles nunca mereceu essa esposa libertina com quem se casou. Mas se
manteve fiel a ela e jamais mostrou um gesto de desgosto, apesar de que Esme
Rawlings montasse um escândalo atrás de outro. Inclusive se negou a expô‐la à
possibilidade do divórcio.
Em Londres, havia quem considerasse Darby um homem desconsiderado
e indolente. Freqüentemente lhe consideravam " delicioso", devido à excentricidade e
elegância com que se vestia; também estavam acostumados a
comentar a facilidade com que se desenvolvia nos jogos da alta sociedade inglesa e a fila
de corações partidos que deixava por onde passava, julgando‐o unicamente por rumores de
amigos degenerados e depravados. Dizia‐se que a
única emoção que desdobrava era a vaidade.
Desmentindo as intrigas, Simon Darby fixou o olhar de forma tão feroz no suporte da
lareira que resultou surpreendente que os cães de porcelana não
se desfizessem em pedaços.
Entretanto, o homem que abriu com um empurrão a porta do escritório,
não pareceu adverti‐lo quando entrou no aposento, dando grandes passos e se
deixou cair em uma cadeira em frente ao fogo. Era um tipo de pele azeitonada,
de ombros largos e musculosos, que não mostrava sinais de nascimento aristocrático, com
uma enrugada gravata e um par de botas na moda.
Darby o olhou por cima do ombro.
‐Não estou de humor para agüentar companhia.
‐Cale‐se.
Rees Holland, o conde de Godwin, aceitou uma taça da bebida que o
mordomo com a careta que usava como sorriso servia e a engoliu de um gole,
que interrompeu com uma estrondosa tosse.
‐Será possível... De onde tirou este vinho tão terrível?
‐Preferiria não discutir as exigências da casa. Havia um tom particular na
voz de Darby que fez Rees piscar.
‐Já se inteirou ‐ disse.
‐De que minha tia está engordando? Gerard Bunge acaba de sair. Sugeriu
que me casasse com a herdeira de um boiadeiro para que cuidasse de meu rebanho.
‐Maldito fofoqueiro...
‐Bunge diz que minha tia caminha como um pato. Provavelmente o bebê
fosse concebido quando meu tio ainda vivia se é que é seu de verdade.
Rees dirigiu um olhar para seu melhor amigo. Não se dava bem em
consolar a ninguém e o fato de que conhecia Darby desde que eram crianças piorava a
situação. Sabia o muito que seu amigo resistia à lástima.
Darby ficou diante do suporte da lareira, olhando fixamente para o fogo,
deixando que se iluminasse esse corpo grande, musculoso e que preenchia magníficas
roupas. Tinha aspecto de um lorde, desde seu ondulado cabelo marrom até suas reluzentes botas.
E isso era o que devia ser se herdasse o título e as propriedades de seu tio.
Sem as terras, Darby ficaria tão somente com o que pudesse ganhar
importando tecidos de renda, e isso não seria muito, segundo os cálculos de Rees. Darby
tinha duas jovens meio‐irmãs, que devia criar e educar. Inclusive esta casa, a sua própria,
provavelmente seria atribuída à pequena criatura que crescia na barriga de lady Rawlings.
O próprio Rees, que era um desastre andante, por dizê‐lo com elegância,
tinha três ou quatro casas e mais dinheiro do que nunca poderia chegar a gastar.
Darby se virou para Rees. Tinha um rosto que fazia desmaiar às
mulheres, com umas covinhas pronunciadas em ambas as bochechas que lhe ressaltavam
as maçãs do rosto, olhos profundos e queixo fino. Uma aparência
requintadamente aristocrática e perigosamente masculina.
‐O fundamental é que o bebê que leva Esme Rawlings não seja de meu
tio.
‐Duvido que se trate de uma imaculada concepção. E provar que é
bastardo será de uma dificuldade endiabrada.
‐Então essa criatura herdará as propriedades de meu tio. E só Deus sabe
quem é o pai. Sabia tudo o que Miles, meu tio, desejava, era um herdeiro? Não
lhe pode imaginar isso.
Rees sacudiu a cabeça com força.
‐Nunca falamos de sua descendência.
‐Era a única coisa que realmente queria: um herdeiro. Apesar disso, não
foi capaz de renunciar a sua esposa. Miles era o tipo mais bondoso do mundo.
Não era capaz de levar o contrário a um mendigo descarado, muito menos o ia
fazer com sua esposa.
‐Linda mulher, lady Rawlings ‐ disse Rees. ‐E de agradáveis maneiras, é certo. Nunca
entendi como pode ser uma das melhores amigas de minha esposa, já que falamos de opostos.
‐Sua esposa é uma Santa ao lado dela.
‐Minha esposa é uma Santa comparada com qualquer uma ‐ ressaltou Rees. ‐Mas
conviver com santas é um inferno. Lembra haver dito ao Rawlings
que devia ter jogado a Esme da mesma maneira que eu o fiz com a Helena, em
lugar de permitir que ficasse com a casa.
‐Miles nunca teria se exposto a sério a possibilidade de fazer nada contra
minha tia ‐ disse Darby. ‐Nada, nem o divórcio. Nada.
‐Tem alguma idéia de quem pode ser o pai?
Darby negou com a cabeça.
‐Ela estava em uma festa em casa de lady Troubridge quando morreu
Miles. Pôde ter sido qualquer um.
‐Troubridge? Essa mulher com uma casa no East Cliff que diz ser
entusiasta da arte e que está acostumada a reunir a um punhado de atores e
amadores? Tentou me atrair até ali me esfregando as cantoras de ópera.
‐Suas festas são tão escandalosas que é uma surpresa que encontrem
ninguém nos aposentos de sua esposa ‐ apontou Darby. ‐por que acredita que
Esme Rawlings ficou grávida?
Rees tinha tirado um pedaço de papel do bolso e estava escrevendo
sobre ele. Não olhou para frente.
‐A última vez que ouvi falar disso, até a valsa de dormir podia levar a culpa de que se
gerassem filhos.
‐Maldito seja, Rees. Sério, por que ela quis ficar grávida agora? Essa mulher esteve se
relacionando com meia Londres há dez anos. Por que ficou grávida agora, de repente, quando
todo mundo sabia que a meu tio começava
a falhar o coração?
‐Acredita que o fez para assegurar a propriedade?
‐E se foi assim?
‐Não sei. Teria que provar a ilegitimidade, e isso é virtualmente
impossível. É mais fácil que reze para que o bebê seja uma menina.
Rees rabiscava de novo, certamente esboçando alguma partitura.
‐Não acreditará que foi ela quem acabou com seu tio, verdade? ‐
perguntou, de forma distraída.
‐O que?
‐E que o levou a rastros até sua cama para encobrir a gravidez...
‐Duvido‐o ‐ respondeu Darby, depois de uns segundos. ‐Minha tia é
bastante ligeira de idéias, mas sinceramente não acredito que seja uma viciosa.
Os dedos de Rees voavam sobre a folha de papel, e Darby era consciente
de que tinha deixado de lhe prestar atenção. Cada vez que Rees se deixava levar pela
tentação de uma linha musical, não havia maneira de trazê‐lo de volta até que esta não tivesse
ficado transcrita no papel.
É obvio que Esme Rawlings nunca assassinaria seu marido. Era uma
dama, embora fosse uma rameira. E, embora, de um modo estranho, ela e Miles sempre
se levaram bastante bem. Alguma vez lhe pediu contas de suas
amantes ‐ bom, como poderia?‐ e ele nunca pestanejou diante dos
acompanhantes dela. De fato, parecia que Esme, a sua maneira, estava afeiçoada com
Miles.
Entretanto, certamente não o fazia graça a idéia de perder a
propriedade. Todo mundo sabia que o coração de Miles estava a ponto de parar. Talvez
ela vislumbrasse a possibilidade de ser uma viúva com
propriedades e planejou a gravidez.
Ou possivelmente nem sequer estivesse grávida.
Isso explicaria muitas coisas, como por exemplo, o fato de que Esme se
mudasse para a casa de campo depois do funeral de seu marido. Porque, se a
senhora até então nenhuma vez saíu de Londres, o que estava fazendo em uma
propriedade apertada e abandonada no Wiltshire?
Estará caminhando com uma almofada sob o vestido, isso é o que estará
fazendo. Esfregando‐lhe à vizinhança um bebê que poderia passar por herdeiro
de Miles.
‐E se ela não estivesse grávida, Rees?
Seu amigo não lhe respondeu.
‐Rees!
Por causa do grito a pena de Rees escorregou e salpicou.
‐Maldito seja! ‐murmurou, secando o borrão com a manga.
Darby observou como o punho branco da camisa de Rees absorvia as
manchas negras da tinta.
‐Como as acerta seu mordomo para limpar estas manchas?
‐Não tenho mordomo neste momento. O que havia renunciou em um
ataque de ira faz uns meses, e não me tomei o aborrecimento de contratar a
outro. A ama de chaves comprará umas camisas novas.
Rees voltou a riscar as notas que tinham ficado obscurecidas pelo borrão
e começou a agitar o papel para que este se secasse.
‐O que era o que me gritava?
‐E se Esme Rawlings não estiver grávida de verdade? O que aconteceria
se estivesse fingindo uma gravidez e planejasse aparecer com um bebê que tivesse
encontrado em Wiltshire? Poderia comprar um sem problema, trazê‐lo
e fazê‐lo passar pelo herdeiro de Miles.
As grossas sobrancelhas de Rees se levantaram até encontrar‐se com sua
franja. Habitualmente, estava acostumado a franzir o cenho, nesse momento mostrava
uma careta de cepticismo.
‐É uma possibilidade, – grunhiu ‐ suponho.
‐Do contrário, por que ia estar no campo? ‐ Insistiu Darby ‐ Minha tia é a
personificação de uma grande dama londrina, por muito que goste dos
escândalos. É difícil imaginar‐lhe longe do conforto da casa de chá Gunter's, ou de seu
costureiro. Por que ia estar no campo se não fosse porque está tramando algo?
Sem dar tempo para que Rees lhe respondesse, avançou em grandes
passos para o outro extremo do aposento.
‐Nunca cheguei a acreditar isso de que Miles estava em seu quarto.
Nunca.
‐Mas disse que seu tio queria um herdeiro ‐ ressaltou Rees. ‐por que não
pôde ter tentado ter um com sua esposa, se ela o estava desejando? A gente
não tem que viver junto a uma mulher para ter um herdeiro.
‐Miles não se teria arriscado. O Doutor Rathborne lhe advertiu que devia
evitar as atividades conjugais ou seu coração se debilitaria.
‐Se você o disser...
‐Não ‐ disse Darby, girando‐se para aproximar‐se de seu amigo ‐Esme
Rawlings está planejando algo para ficar com as propriedades de meu tio.
Aposto duzentas libras que não há nada mais que um montão de penas ao redor de sua
barriga.
Rees o olhou e logo disse ‐Vai contratar um mensageiro. Ou se dará conta.
‐Eu mesmo irei a Wiltshire.
Os olhos do Darby brilhavam de ira. A mesma ira que sentia desde que
Gerard Bunge tinha entrado no escritório com seus sapatos vermelhos e suas
desagradáveis notícias.
‐Farei que me conte a verdade. Demônios, se essa mulher estiver
realmente engordando, quero saber quem é o pai. Inclusive embora não me servisse para
demonstrar nada, ao menos quero saber a verdade.
‐Como vai explicar uma visita tão repentina? ‐perguntou Rees.
‐Mandou‐me uma carta faz umas semanas em que falava do ar de
Londres e seus pouco saudáveis efeitos nas crianças. Como me pareceu que à
Josie e Anabel não lhes passava nada, ignorei sua advertência. Mas agora, dadas as
circunstâncias, acredito que todos deveríamos acompanhá‐la no campo.
‐As crianças não são algo fácil de transladar ‐ objetou Rees ‐Por uma parte, vêm com
uma praga de serventes detrás, e isso sem mencionar a roupa,
os brinquedos e coisas assim.
Darby se encolheu de ombros.
‐Comprarei outra carruagem e porei as meninas e a babá nela. Que tão
complicado vai ser?
Rees ficou de pé, guardando seus papéis, já secos, no bolso.
‐Talvez inclusive encontre uma esposa nos cantos selvagens de Wiltshire
‐ disse Darby, caprichosamente ‐Não poderei criar as minhas irmãs sozinho.
‐Não vejo o que tem de difícil em criar crianças. Contrate uma babá para
cada uma. E assim não terá necessidade de se casar.
‐As meninas necessitam de uma mãe. Os serventes dizem que Josie é
uma menina particularmente difícil.
Rees levantou uma sobrancelha.
‐Não posso dizer que minha mãe fizesse muito para me criar. E
tampouco poderia dizer que sua mãe tenha tido muito a ver com sua educação.
‐De acordo, mas em qualquer caso necessitam uma boa mãe ‐ replicou
Darby, impaciente.
‐De todas as maneiras, essa não é razão suficiente para casar‐se ‐ disse
Rees, abandonando o aposento ‐Bom, desejo‐te a melhor das sortes com sua tia. Como a
chamavam? Esme, a infame, verdade?
‐Sim, e pior fama terá quando acabar com ela ‐ disse Darby, de forma resolvida.

CAPÍTULO 02

Doce e picante e tudo normal


Rua Maior, Limpley Stoke, Wiltshire
Ele era a coisa mais linda que ela já tivesse visto. Os olhos enrugavam a
modo de bem‐vinda ao sorrir‐lhe fazendo com que seu coração se deslocasse
lhe provocando uma onda de desejo tão entristecedora que pensou que cairia
ao chão.
‐A! ‐disse ele. ‐A! A!
‐Mas que menino tão bonito... ‐arrulhou‐lhe Henrietta, inclinando‐se. ‐Já
tem um dente, pequeno? Está aqui? ‐perguntou‐lhe, pondo o dedo no queixo
do bebê.
Ele soltou uma gargalhada e deu um passo para ela, repetindo:
‐A!
‐A? ‐perguntou Henrietta, sorrindo.
‐A, a! ‐gritou o bebê.
Uma menina pequena tomou o bebê pelas mãos puxando ele para trás.
‐Ela está tentando te dizer olá ‐ disse a pequena, irritada. ‐Anabel é uma
menina, não um menino. E não é linda. É um pouco calva, se por acaso não o
tenha notado.
Uma menina de quatro ou cinco anos franziu o cenho para Henrietta.
Levava o casaco desabotoado e não tinha postas as luvas, embora não importasse. O
ambiente era quente para ser janeiro e Henrietta também tinha
deixado seu casaco na carruagem. A menina estava com um vestido imundo que muito
certamente tinha sido rosa pálido na primeira hora da manhã, mas
que, evidentemente, já tinha entrado em contato com a rua. De fato, tinha uma leve
mancha de esterco em sua parte dianteira, como se tivesse caído sobre um montão de
excremento.
A menina pegou o bebê, continuando seu caminho. Esse vestido rosa era
de pano fino, embora cheirasse a estábulo.
Henrietta ficou diante dela e lhe sorriu como se lhe estivesse bloqueando
o passo sem querer.
‐Pegou‐me, verdade? Tem toda a razão. Não sei quase nada a respeito de
crianças. Embora, bom... Sim, sei que você é uma criança.
O semblante da menina se endureceu.
‐Não o sou!
‐Não diga isso, deve estar equivocada. Estou segura de que a jovenzinha
de quatro anos veste laços rosa este ano. Estou quase segura.
‐Não sou uma criança e tenho cinco anos. E, agora, se me fizesse o favor
de te mover... Está nos bloqueando o caminho.
Seu olhar de receio fez com que Henrietta piscasse. Nesse momento,
inclinou‐se e lhe perguntou:
‐Como se chama, carinho? E onde está sua babá?
Por um momento, não parecia que a menina fosse responder essas
perguntas. Dava a impressão de que fosse a sair correndo pela Rua Maior, com
sua pequena irmã nas costas.
‐Meu nome é Josie ‐ disse finalmente. ‐Miss Josephine Darby. E esta é minha irmã
Anabel.
‐A! ‐Gritou Anabel ‐A!
Parecia encantada de que Henrietta tivesse descido ao seu nível.
‐Ah ‐ disse Henrietta, observando o bebê com olhos brilhantes. ‐Eu sou lady Henrietta
Maclellan. E me alegro muito de lhes haver conhecido. Josie, você perdeu a sua babá?
‐Acredito que a deixei por outra posição ‐ disse Josie rapidamente com grande
eloqüência.
‐Que a deixou o que?
‐Que a deixei por outra posição ‐ repetiu ‐Isso foi o que disse o cozinheiro
antes de mudar‐se para o outro lado da rua.
‐Ah ‐ disse Henrietta ‐E onde crê que deixou a sua babá?
‐Lá atrás ‐ disse Josie. ‐Mas não retornarei. Não entrarei na carruagem outra vez, não o
farei! ‐Percorreu com a vista a fila de janelas chumbadas que revestiam a Rua Maior ‐
Escapamos e não retornarei. Estamos procurando uma
loja que venda sorvetes e logo caminharemos mais longe.
‐E não crê que essa babá poderia estar preocupada com vocês?
‐Não. É a hora de seu chá da manhã.
‐De todas as maneiras, ela deve estar preocupada. Está no Golden Hind?
‐Não se dará conta ‐ disse Josie ‐Tornou a ter ataques de nervos. Não gosta de viajar.
‐Embora sua babá não se dê conta, seus pais o farão, e estarão muito preocupados se não
puderem lhe encontrar, a você ou a sua irmã.
‐Minha mãe está morta ‐ anunciou Josie. Olhou para Henrietta de uma maneira que
implicava que esse fato deveria ser mais que evidente.
‐OH, Deus ‐ disse Henrietta, fracamente. Logo se recuperou ‐ E o que lhe
pareceria se eu levasse a sua irmã em meus braços e passeássemos de volta, naquela
direção?
Josie não respondeu, mas soltou a mão de Anabel. Henrietta a alcançou
e a menina fez um gesto para abraçá‐la. Era gordinha, rosada e docemente calva.
Toda sua cara se converteu em um sorriso. Acariciou a bochecha de
Henrietta e disse:
‐Mamãe?
O coração da Henrietta se retorceu, infelizmente e como de costume,
deixando que a inveja a invadisse.
‐Minha nossa, ‐ disse‐ como pode ser tão encantadora?
‐A babá diz que é uma lisonjeadora ‐ disse Josie com tom de frustração.
‐Bom ‐ disse Henrietta, tentando levantar‐se com o bebê nos braços‐
acredito que estou de acordo com sua babá. Anabel parece bastante amistosa
com alguém a quem, até agora, não tinha visto alguma vez. Justamente o contrário do que
deveria fazer uma senhorita, não é certo?
Sorriu para Josie e começou a caminhar devagar para o Golden Hind,
rezando para que seu débil quadril resistisse ao peso. Anabel era muito mais pesada do
que tinha acreditado.
‐Anabel faz muitas coisas que eu não faria ‐ comentou Josie.
‐Sim, já imagino ‐ disse Henrietta. Estava concentrada em seus passos sobre a calçada.
Seria desastroso se tropeçasse e deixasse cair o bebê.
‐Eu não vomito, por exemplo.
‐Claro que não. ‐um pouco mais adiante havia uma parte de gelo na
calçada. Henrietta segurou Anabel com força.
‐Uma vez me deixaram sem jantar. Foi durante a Páscoa do ano passado,
porque a babá Peeves disse que eu tinha comido muitas ameixas
caramelizadas. O que era uma mentira, porque só tinha comido sete. Não acredito que
sete sejam muitas, verdade?
‐Não, absolutamente.
‐Anabel, em troca...
Mas apenas um segundo depois se fez evidente a propensão de Anabel
para vomitar. Henrietta tinha conseguido superar o solo pobre, detendo‐se para deixar
passar uma carruagem, com a intenção de cruzar a rua e chegar ao
Golden Hind, quando Anabel tossiu em seco.
‐Cuidado ‐ gritou Josie, agarrando a saia de Henrietta.
Henrietta a olhou confusa.
‐Não se preoc... ‐começou a lhe dizer.
Nesse momento, Anabel vomitou sobre suas costas. Um líquido morno,
não, quente, rodou‐lhe pelas costas sendo absorvido imediatamente pelo vestido.
Um segundo depois, tornou‐se úmido e pegajosamente frio.
De forma instintiva, Henrietta separou Anabel de seu corpo. O que foi um engano
enorme, porque o estômago de Anabel não estava vazio e uma onda de leite ligeiramente pastoso
golpeou Henrietta no peito lhe empapando
de um modo violento toda a parte dianteira do vestido. Ela estremeceu por todos os lados,
mas se preocupou em não soltar o bebê.
Então se deu conta de que Josie estava gritando. Anabel enrugou a cara e
começou a gritar.
‐OH, carinho ‐ disse Henrietta, recolhendo inconscientemente o bebê de
novo para seu peito e seu vestido empapado, e abraçando‐a com o ombro. ‐
Está bem. Não chore. Dói a barriguinha? Não chore, por favor, não chore.
Esfregou‐lhe as costas até que o bebê parou de choramingar e lhe pôs a
cabeça sobre seu ombro.
O coração da Henrietta se desfazia de desejo de olhar aquela pequena cabecinha calva,
com sua pequena orelha rosada. "Deveria fazer algo a respeito
‐ pensou prosaicamente. ‐ Se eu estiver tão embriagada de desejo por um filho, que até
admiro a uma criatura que acaba de vomitar em meu melhor vestido
de passeio, estou ficando louca".
Josie não deixava de mover‐se de um lado para outro diante dela.
‐Lamenta‐o muito! ‐Gritou com uma voz que parecia um chiado ‐
Asseguro que ela lamenta muito! De verdade!
‐Eu também sinto ‐ disse Henrietta, sorrindo ‐Me alegro de não ser feita
de açúcar porque, senão, me derreteria.
A ansiedade que havia no pequeno rosto de Josie desapareceu.
‐Estragou seu formoso vestido ‐ disse, aproximando‐se de Henrietta e
lhe tocando o vestido de passeio de cor âmbar pálido. ‐A babá diz que Anabel
já está em idade de não fazer essas coisas. Depois de tudo, já tem quase um ano e é capaz
de beber de um copo. Mas, ao que parece, não pode evitá‐lo.
Acredito que não sabe como.
‐Parece‐me que está tudo certo ‐ disse Henrietta, aconchegando o fardo
úmido em seu ombro ‐Acredito que deveríamos encontrar a sua babá; tenho a
impressão de que Anabel necessita uma mudança de roupa.
Mas Josie negou com a cabeça.
‐OH, não. Ela não a pode trocar ainda. A babá Peeves diz que deve ficar
com a roupa molhada até que se seque, ou não aprenderá jamais a deixar de
vomitar.
Henrietta franziu o cenho.
‐O que?
Josie repetiu suas palavras e acrescentou:
‐Por favor, poderíamos nos sentar e esperar que o vestido seque? Assim
a babá nunca se inteirará... É que a Anabel não gosta que lhe peguem.
‐Ouvi bem? ‐Disse Henrietta. ‐Não permitirei a sua babá que pegue
Anabel, mas pretendo que lhe troque a roupa imediatamente. Vou falar com sua babá. E
com seu pai.
Ofereceu‐lhe sua mão livre e Josie não só não duvidou em tomá‐la, mas
também trotou a seu lado para cruzar a rua e entrou com ela na estalagem.
Um homem gordinho saía apressado do Golden Hind justo quando elas
iam entrar.
‐Lady Henrietta! Que prazer vê‐la!
‐Bom dia, senhor. Como se encontram você e a senhora Gyfford?
‐Melhor, agora que pergunta, lady Henrietta. E lhe digo o mesmo de
minha esposa. Mas que diabos...? ‐perguntou, assinalando com a cabeça para
as meninas ‐Essa menina tem que lhe pesar muito. De quem é?
‐Posso segura‐la sem problema, senhor Gyfford ‐ respondeu Henrietta.
Isso era mentira; notava como lhe tremiam as pernas. Se não baixasse logo Anabel,
começaria a balançar‐se para os lados, como um navio em meio de uma tormenta. Sujeitou‐a
com mais força ainda.
‐Esperava que me pudesse dizer a quem pertencem estas meninas.
Encontrei‐as perambulando pela Rua Maior. Josie sabe...?
Mas, nesse momento, Gyfford viu Josie e lhe iluminou a cara.
‐Ela é uma das pequenas do senhor Darby. Está acostumado a reservar um salão privado
aqui. Mas como saiu da estalagem, pequena?
‐Eu gostaria de falar com o Mr. Darby ‐ disse Henrietta com firmeza ‐
Estará no salão azul, senhor Gyfford? Também quereria trocar umas palavras com a babá
das meninas.
Imediatamente, o hospedeiro as encaminhou para o arco esculpido que
conduzia ao interior.
‐Bom, senhora, com respeito ao que perguntava, a babá acaba de ir‐se.
‐Foi‐se? ‐Henrietta se deteve na soleira do corredor ‐ Suponho que isso
explica por que estas meninas estavam perambulando sozinhas pela Rua
Maior.
O senhor Gyfford assentiu enquanto abria a porta que conduzia ao salão
azul.
‐Foi recentemente, com sua bolsa, a bagagem e sem maior aviso. Disse
que não ia negociar se ia deixar ou não Londres, que não gostava de viajar. E foi
choramingando, dizendo que as meninas eram muito para ela, que a situação
era um abuso e coisas assim.
Para a Henrietta, a babá devia ser desumana, pela história que Josie, sem
nenhuma malícia, tinha lhe contado sobre o vômito e os vestidos úmidos. O
fato de que a pequena Anabel estivesse adormecida sobre seu ombro e evidentemente
indiferente a sua úmida condição, era um claro exemplo. A menina podia ter desenvolvido uma
inflamação nos pulmões. Mais ainda, dado
que as Regras e instruções para a boa ordem e educação de crianças, de Bartholomew
Batt, asseguravam que uma babá podia influir na vida de um menino para sempre, o pai de
Anabel tinha sido descuidado em contratar essa
pessoa tão desprezível para que cuidasse de suas filhas.
‐Vá em frente, lady Henrietta. Trarei uma xícara de chá. Não pode ter sido fácil levar nos
braços a essa menina por toda a rua.
‐Muito obrigado, senhor Gyfford ‐ disse Henrietta, entrando no
aposento. ‐Um copo de água seria suficiente.
O aposento estava vazio. Uma toalha de mesa azul se estendia de forma
singela. Ela foi até as janelas que davam à praça central de Limpley Stoke.
Henrietta se voltou para perguntar pelo paradeiro do pai das meninas quando
viu que o senhor Gyfford estava fazendo uma reverência ao homem que acabava de
entrar pela porta.

CAPÍTULO 03

Consumido pela tristeza.


O primeiro que pensou foi que ele parecia um deus grego, dos
inteligentes, não dos estranhos ou os dissipados. Mas de ser uma divindade, devia se
tratar do patrão dos alfaiates, porque era com segurança o homem mais elegante que jamais tinha
visto. Em lugar de se vestir de marrom escuro,
como faziam muitos homens quando viajavam, ele levava um casaco cruzado com
lapelas de cor bege e calças em um tom de nata. Suas botas tinham um brilho especial e a parte
superior era curva, ela nunca tinha visto umas botas iguais. Além disso, o pescoço de sua camisa
estava bordado com renda e inflado ao redor de seu pescoço de um modo elaborado.
Os olhos dele deslizaram sobre seu enrugado vestido, e lhe deu a
impressão de que ele moveu quase imperceptivelmente o nariz. Sem dúvida cheirava a
leite rançoso e a vômito. O aroma fazia com que seu estômago se retorcesse.
Mas ele não disse nada, simplesmente concentrou sua atenção em Josie,
cuja carinha franzida era incrivelmente parecida com a de seu papai, com o mesmo
cabelo castanho dourado e as mesmas sobrancelhas arqueadas. Não mostrou maior consternação
frente ao feito de que a pequena claramente tinha medido sua altura tombando‐se no chão.
Em troca, com um ar de ligeira pesquisa, perguntou:
‐Você se sujou tanto brincando no parque, Josie? Henrietta, ardendo
lentamente em ressentimento, interrompeu.
‐Parece‐me difícil de acreditar senhor, que você demonstre
habitualmente tão pouca preocupação por suas filhas como a que presenciei hoje. Estas
duas meninas não estavam brincando no parque, mas tinham caminhado uma grande distância
pela Rua Maior e tinham cruzado duas vias públicas. E em dias de mercado como hoje, há
momentos em que, inclusive eu,
temo por minha própria vida ao cruzar a Rua Maior!
Em seu favor, ele a olhava um pouco consternado.
‐Nesse caso, tenho uma dívida com você ‐ disse‐lhe, fazendo uma
reverência.
Mas, sua pergunta seguinte fez com que ela pensasse que estava diante
do diabo.
‐Dou por feito então, que é Anabel o que leva em braços, verdade? ‐
perguntou.
Henrietta levantou as sobrancelhas com um olhar de desdém.
‐É muito esperar que reconheça a sua própria filha?
‐Não requer muito esforço ‐ ressaltou ele. ‐Esse aroma estranho que a adorna a identifica
como Anabel. Gyfford, não tinha idéia de que fosse você capaz de localizar uma boa babá tão
rápido, apesar de que está seja ‐sorriu fracamente a Henrietta‐ um pouco agitada. Estou seguro de
que poderá controlar estas criaturas, senhorita. Poderia lhe perguntar por seu anterior lugar de
trabalho?

Gyfford e Henrietta falaram com mesmo tempo.


‐Eu não...
‐Ela não é uma babá ‐ disse Gyfford, com tom horrorizado ‐me permita
lhe apresentar lady Henrietta Maclellan, Mr. Darby. Seu pai era o conde de Holkham.
Henrietta semicerrou os olhos enquanto Mr. Darby se inclinava frente a
ela com um ar de elegante abandono. Ela não tinha maior interesse em continuar uma
conversa com esse janota que não reconhecia a suas próprias filhas. Esta versão polida de
homem era igualmente inepta ao resto de seus companheiros de sexo.
O homem nem sequer tinha se dado conta de seu engano.
‐Suponho que Anabel expulsou seu almoço com sua graça habitual ‐
comentou, movendo ligeiramente seu formoso e perfeito nariz. ‐Desculpo‐me
de todo coração, lady Henrietta e... ‐quase parecia sincero‐... Estou muito agradecido de
que tenha resgatado estas andarilhas. Sua babá não se
encontrava bem esta manhã e suponho que escaparam enquanto ela estava histérica ‐
voltou‐se para Gyfford com um sorriso encantador e fez uma reverência. ‐Poderia nos emprestar
a uma garçonete para que nos acompanhe
à casa de minha tia?
Gyfford não fechou a porta em sua pressa por realizar o seu pedido, assim, que Darby
mesmo a fechou. Parecia mover‐se com certa elegância restringida, como um desses gatos que
ela tinha visto no circo. Uma irritação subiu pela coluna de Henrietta. Devia fazer as coisas
muito fáceis nascer assim, com um corpo perfeito, das magras pernas até as largas pestanas.
De repente, ela se deu conta do cabelo que lhe caía pelas costas e das manchas que
salpicavam todo seu vestido. Certamente nunca tinha tido pior aspecto em toda sua vida. Mas o
bebê que trazia nos braços é que importava
verdadeiramente. Estava em frente a um pai negligente e insensível. Por sorte, desde que
tinha se encarregado de abrir uma escola no povoado, ela mesma tinha pedido que lhe enviassem
todos os livros que contribuíssem com conselhos sobre educação infantil.
‐Uma garçonete não serve ‐ anunciou. ‐Deve encontrar a uma pessoa
apropriada para cuidar de suas filhas.
Ele se voltou.
‐Desculpe. Dizia‐me algo?
‐ Você dá a impressão de estar preparado para dar de presente suas filhas a qualquer
mulher que entre neste aposento. Talvez essa garçonete seja
tão descuidada como a babá. Sabia que essa mulher obrigava a Anabel a seguir
levando a mesma roupa empapada devido a uma apreciação bastante
equivocada de que assim conseguiria evitar seus vômitos?
Ele ficou olhando‐a como se uma árvore acabasse de cair em cima.
‐Não, não sabia. E estou de acordo com você que isso nunca resolveria o
problema.
‐As crianças devem ser tratadas com bondade e gentileza, todo o tempo ‐
disse Henrietta, citando sua linha preferida das Regras e instruções para a boa ordem e
governo das crianças. ‐O notável perito em criação, Mr. Batt, diz que...
Mas Mr. Darby já não lhe estava prestando atenção.
‐Josie, por favor, não se encoste em minha perna. Incomodar‐me‐ei
muito se sua imunda condição se transferir para minhas calças.
A menos que Henrietta estivesse equivocada, havia algo malvado e
malicioso no olhar de Josie. Certamente, a pequena começou a esfregar‐se,
deliberadamente, nas calças claras de seu pai.
Ele reagiu previsivelmente, dizendo cortante:
‐Josephine Darby, deixe de fazer isso imediatamente!
Henrietta, em sua mente, desaprovou a ação. Mr. Batt recomendava
tratar as crianças com respeito. Reprimi‐los muito forte simplesmente os faria
reincidentes.
Josie demonstrou ser um exemplo perfeito da teoria de Batt.
Claramente, tinha sido repreendida com dureza no passado e, em
conseqüência, tinha começado a atuar como uma megera, embora fosse
pequena. Ela retrocedeu e colocou as mãos no quadril, simulando a um general
em um desfile:
‐Você levantou a voz para mim!
‐E o farei de novo se não se comportar bem.
‐Não deveria gritar. Sou uma pequena órfã!
‐OH, por todos os Santos, não comece com essas coisas ‐ disse, de forma
desumana. ‐Já sei que é órfã. E se não se acalmar, lhe darei de presente à garçonete.
Não tinha coração! Era um homem carente de sensibilidade, pensava
Henrietta. Josie devia estar de acordo com ela, porque se atirou ao chão e começou a dar
patadas energicamente e a gritar cada vez mais forte.
Mr. Darby parecia ressentido, mas não surpreso. E não demonstrou
inclinação para atender o assunto.
‐Faça algo! ‐recriminou‐lhe Henrietta.
Ele levantou uma sobrancelha.
‐Tem alguma idéia em particular? ‐disse ele em um tom elevado,
esforçando‐se para ser ouvido por cima dos gritos de Josie.
‐Levante‐a do chão!
‐E de que serviria? Está histérica. Alguma vez se perguntou por que se foi
sua babá? Este deve ser o décimo quarto episódio parecido desde que saímos
de Londres faz três dias.
Henrietta sentiu uma pontada de dor na perna direita. O peso de Anabel
estava fazendo‐a balançar‐se de um lado para outro. Seu quadril já não podia
agüentar mais o esforço.
‐Tome‐a!
E pôs o bebê nos braços de seu pai.
Um gracioso olhar de surpresa cruzou seu rosto. Por um segundo, ela se
perguntou se acaso era esta a primeira vez que ele carregava a sua própria filha.
‐Agora ‐ disse Henrietta. Os gritos agudos de Josie lhe estavam fazendo
sentir um nível de irritação injustificado. ‐O que faz você habitualmente nesta situação?
‐Esperar a que ela se cale ‐ disse Darby, atento. ‐Dado que esta é minha
primeira e última vez que viajo com as meninas. Minha experiência se reduz há
estes três dias.
Henrietta elevou o tom de voz.
‐Quer dizer que Josie começou a comportar‐se assim desde que vocês
deixaram Londres?
‐Em realidade, inteirei‐me por sua babá de que se trata de algo bastante
comum. E se a isso, somarmos o estômago débil de Anabel, não posso culpar a
babá por sentir‐se incapaz de continuar com seu emprego.
‐Parece que a menina está consumida de tristeza ‐ disse Henrietta, vendo
Josie no chão. Sentiu uma onda de compaixão, embora mitigada pela crispação
que a assaltava. Havia algo incomodo nos gritos de Josie. Evidentemente, esse
comportamento se devia à negligência de seu pai.
‐Talvez deva pôr mais atenção a sua filha e menos a sua vestimenta ‐
disse, olhando fixamente as lapelas de veludo do pai.
Ele semicerrou os olhos.
‐Se comprasse minha roupa nas lojas de Limpley Stoke, certamente me
sentiria como você.
‐Anabel lhe está mordendo o pescoço da camisa ‐ esclareceu Henrietta,
com um pouco de prazer.
Um olhar cheio de horror cruzou os olhos do homem. Aparentemente,
não tinha a menor idéia de que o bebê tinha despertado e estava esfregando o
rosto contra o pescoço de sua luxuosa camisa. Afastou o bebê dos braços, mas
a peça de roupa tinha perdido todo o engomado e lhe pendurava
languidamente no pescoço, acompanhada de algumas manchas de imundície.
‐Que lástima ‐ disse Henrietta docemente.
‐Já entreguei esta vestimenta ao diabo ‐ disse ele, olhando‐a de cima abaixo. ‐Sugiro‐lhe
que faça o mesmo com seu vestido.
Henrietta abriu a boca para recriminar ao polido londrino que zombou de
sua roupa, mas os gritos de Josie eram tão irritantes que não pôde agüentá‐los por mais
tempo.
Ignorando a dor aguda que lhe atacava o quadril, Henrietta se aprumou e
pegou o pulso de Josie, puxando‐a firmemente para cima. A pequena ficou em
pé gritando como um apito. Henrietta a sustentou nessa posição durante um momento,
mas o ruído não cessava.
‐Deixa de gritar, imediatamente!
‐Não o farei! ‐gritou Josie, lamentando‐se. ‐Não irei à creche! Não
comerei pão e água! Não irei com a garçonete! Sou uma pobre menina órfã!
Sua reação era tão fluída que evidenciava certa prática. Derrubou‐se por
todos os lados e se arrumou para pegar ao seu pai pela perna. Pareceu‐lhe ter
feito mal, embora o gesto de dor que mostrou se deveu mais à mancha que lhe
deixou na bota.
‐Acabaram‐se as tolices ‐ disse Henrietta, elevando a voz por cima dos gritos.
O tom de voz do Josie se elevou. Henrietta sentiu que seu gênio também
subia de escala. Inclinou‐se, olhou para Josie diretamente nos olhos e lhe disse:
‐Se não se calar, terei que fazer algo muito desagradável.
‐Não se atreveria! ‐Disse a pequena gritando a pleno pulmão. ‐Sou uma...
‐Acalme‐se ‐ disse Henrietta com a voz mais ameaçadora que tinha.
Josie tratou de liberar‐se e o conseguiu torcendo o pulso de Henrietta.
Essa foi à gota que encheu o copo. Sem soltar o pulso da Josie, Henrietta tomou a jarra de
água que Gyfford havia lhe trazido e a verteu na cabeça da menina.
Houve um instante, inclusive cômico, de silêncio, interrompido por um pequeno bocejo
de Anabel, que se havia acomodado judiciosamente nos
braços de seu pai.
Josephine a olhou fixamente, com a boca aberta e a água lhe escorrendo
pelo cabelo.
Darby caiu em gargalhadas.
‐Bom, tudo arrumado. Lady Henrietta, devo felicitá‐la. Subestimei‐a por
completo. Acredito que a tomei por uma senhorita afetada.
Henrietta sentia que o estômago lhe caía ao chão.
‐Mr. Darby deve me desculpar. Não compreendo o que me aconteceu!
Envergonho‐me de mim mesma ‐ disse, ofegando. ‐O que acabo de fazer vai contra cada
um dos princípios de educação que eu defendo!
Tinha soltado Josie, que tinha retrocedido para seu pai, olhando
fixamente para Henrietta. Imediatamente, Darby tirou a mão.
‐Josie, se for me transmitir sua úmida condição, deverá sofrer de um pouco mais que de
água. Será melhor que te desculpe com lady Henrietta.
A água gotejava do vestido rosa sujo de Josie. O cabelo lhe tinha formado
pequenos caracóis no rosto. Em resumo, era o epítome de uma menina órfã. O
coração de Henrietta se estremeceu, cheio de recriminações. Como pôde ter perdido os
estribos dessa maneira?
‐Essa senhora me jogou água ‐ observou Josie. Seu tom era mais
instigador que furioso.
‐Mereceu isso ‐ disse Darby, calmamente. ‐Oxalá me tivesse ocorrido.
‐Mr. Darby, não sei como me desculpar por meu comportamento ‐
interrompeu‐lhe Henrietta. Sua voz fraquejava da vergonha. ‐O fato é que tenho um
temperamento deplorável. Deve me permitir reparar a situação.
O levantou uma de suas arqueadas sobrancelhas.
‐Reparar? ‐repetiu. Sua voz era a de um barítono rouco que continha um
traço de risada.
‐Encontrar‐lhe‐ei uma babá apropriada. É o mínimo que posso fazer. Se
for se hospedar na estalagem durante uns dias, por‐me‐ei em contato com o escritório de
empregos de Bath e farei que apresentem candidatas
imediatamente. Asseguro‐lhe que deixando meu péssimo comportamento a
um lado, sou perfeitamente capaz de lhe encontrar uma babá excelente. Eu contratei a
professora da escola e demonstrou ser bastante satisfatória.
Josie puxou a calça de Darby ao igual a alguém que puxasse a corda de
um sino e exigiu: ‐ Necessito um banho.
Mr. Darby a ignorou. Estava ainda observando Henrietta, com uma
sobrancelha levantada, como se a questão das reparações lhe tivesse dado uma idéia.
Uma boa idéia, a julgar por seu amplo sorriso.
‐Lady Henrietta, importa‐lhe que lhe diga que agradável surpresa
resultou ser você?
Josie repetiu, gritando:
‐Necessito um banho, ou terei um acidente.
Por sorte, o senhor Gyfford entrava no aposento nesse instante.
Surpreendeu‐se ao ver que Josie escorria água e se surpreendeu ainda mais ao
ver que Mr. Darby sujeitava Anabel em seus braços .
‐Trouxe a Bessie da cozinha ‐ anunciou. ‐Ela é a maior de seis irmãos e sabe tudo sobre
as crianças pequenas.
Um momento mais tarde, Gyfford e Bessie tinham tirado ambas as
meninas do aposento. Henrietta podia ouvir a voz de Josie com o passar do corredor,
ressaltando o fato de que ela, uma pobre menina órfã, estava empapada por que...
Henrietta encolheu os ombros. Sempre tinha tido bastante caráter, mas
nunca, nunca, tinha‐o descarregado em uma criança. Embora, em realidade, tampouco é
que tivesse estado em contato com crianças, apesar de saber de cor os livros de Bartolomeu Batt.
Talvez, depois de tudo, fosse melhor que não pudesse ter filhos.
CAPÍTULO 04

As verdades de casa rara vezes são prazerosas.

Darby fechou a porta atrás de Anabel e Josie com uma profunda


sensação de alívio. Desde o momento em que partiu de Londres, sua vida tinha
sido um inferno. Josie o tinha obrigado a levá‐la em sua carruagem, devido ao
vômito da Anabel. Foi uma exigência a que ele não pôde negar‐se, dado que a
carruagem das meninas tinha um aroma pestilento. Mas a companhia de Josie
não era precisamente um deleite. Quando não estava se queixando, estirava‐se
no chão da carruagem dando gritos.
Lady Henrietta ainda parecia angustiada. " Deve estar sentindo‐se culpada", pensou ele,
com petulância. Quando a viu pela primeira vez, segurando Anabel, sentiu‐se alarmado: uma
babá tão linda estava destinada a
causar problemas entre os lacaios. Sua segunda reação foi descartar essa possibilidade. A
mulher tinha um rosto lindo, mas se comportava de forma desajeitada, como se não fosse
consciente de sua feminilidade.
Independentemente do que estivesse vestindo. Além disso, estava claro que em matéria
de sentimentos parecia algo varonil. Não era de estranhar que seguisse solteira.
‐Por favor, aceite minhas desculpas em nome da Josie ‐ disse ele. ‐Ambas
se levaram com uma grosseria indesculpável.
E aquela mulher varonil se mordeu os lábios. Eram uns lábios
tremendamente suaves e rosados, para ser de alguém de língua tão afiada.
‐Temo que o mau comportamento de Josie se deva a pouca atenção que
você lhe presta ‐ disse, sem rodeios ‐As crianças que são tratadas com amor e
afeto são doces e dóceis em todo momento.
Não era necessário ressaltar que Josie não encaixava em tal descrição.
Darby nunca tinha participado de uma discussão sobre métodos de
educação, e tampouco tinha o menor interesse de começar a fazê‐lo.
Entretanto, ferido em seu orgulho, respondeu:
‐Não é provável que sua conclusão seja acertada, já que Josie quase não
me conhece. Contratarei uma babá que lhe possa dar o afeto necessário.
Embora me compadeça da pobre mulher.
‐Uma babá não pode substituir um pai ‐ disse ela, de forma severa.
" Talvez sua falta de altura explique sua ferocidade", pensou Darby. Alta ou baixa, esta
mandona que tinha resgatado às meninas tinha uns seios gloriosos. Graças à umidade, o vestido
se colava aos seios, lhe ressaltando cada curva. Qualquer outra mulher em seu lugar teria tentado
fazer ostentação disso ou ocultá‐lo por todos os meios. Mas lady Henrietta nem sequer parecia
haver-se dado conta.
‐O fato é que sua filha quase não o conhece. E isso não é algo que se possa vangloriar,
senhor!
‐Josie é minha meia‐irmã‐ disse Darby, repentinamente ‐Acredito que a vi
umas duas ou três vezes antes de ter que me converter em seu guardião, depois de que
meu pai e minha madrasta morreram em um acidente de
carruagens. Provavelmente minha madrasta a mandasse trazer da creche
durante um Natal quando eu estava ali para que a visse, mas o caso é que não
recordo grande coisa daquele dia.
Desde que se tornou independente, tinha tido que ceder em passar a
época de Natal com sua família, mas o fazia contando as horas que lhe faltavam para
poder sair daquela casa.
Henrietta piscou.
‐Josie é sua meio‐irmã? E Anabel também?
‐Sim.
‐Por que demônios não me disse isso imediatamente?
Ele encolheu de ombros.
‐Se Josie recorda sua condição de órfã, imediatamente começa a gritar.
‐Seu comportamento evidencia claramente sinais de luto pela
inoportuna morte de sua mãe.
‐Ah, mas está guardando luto? Acredito que as raivas de Josie se devem,
mais a uma debilidade de caráter. Sua babá assim acreditava, e estou seguro de que essa
mulher a conhecia muito melhor que eu.
Pôde ver um pouco de incerteza nos olhos de Henrietta, o que
confirmava sua suspeita de que Josie era uma jovem de comportamento algo
masculino. De fato, era uma versão de sua mãe, jovem.
‐Sua mãe morreu faz muito tempo?
‐Fará uns oito meses ‐ respondeu Darby ‐Se servir de desculpa, lady Henrietta,
asseguro‐lhe que terei mais cuidado ao contratar à próxima babá.
Minha tia, lady Rawlings, vive na Casa Shantill, muito perto do Limpley Stoke, e, sem
dúvida, ela será capaz de localizar uma apropriada para as meninas.
Dirigiu‐se para a porta do salão.
Henrietta o seguiu e levantou a mão para despedir‐se.
‐Certamente voltaremos a nos ver, Mr. Darby. Sua tia recebe em casa esta noite e minha
família aceitou seu convite.
O homem se transformou diante de seus olhos em todo um cavalheiro
de alta elegância. Fez‐lhe uma reverencia que teria encantado até mesmo um
rei. Logo, tomou sua mão entre as dele e lhe beijou as pontas das luvas.
‐Isso será um prazer extraordinário ‐Sua voz tomou um tom rouco,
previamente praticado, que prometia deleite.
Henrietta piscou e quase riu, mas se conteve.
‐Você deve ter vivido toda sua vida em Londres ‐ inquiriu, com
curiosidade.
Havia algo na calidez de seus olhos marrons que resultava levemente
inquietante.
‐Raramente venho ao campo ‐ disse ele ‐Acredito que os prazeres
bucólicos não me atraem muito.
A Henrietta não cabia nenhuma dúvida. Inclusive assim, desalinhado e
sujo, depois de seu encontro com Anabel, Darby parecia um peixe fora da água
no Limpley Stoke.
‐Ficará muito tempo?
‐Isso depende... ‐disse ele, com os olhos absortos nos dela‐ ...dos
prazeres do campo. Devo dizer que no momento me vejo... Surpreso.
Henrietta quase riu novamente, mas tratou de conter a risada. Não seria
bom insultar este tipo tão elegante, especialmente quando ele tentava praticar suas
galanterias com ela. Evidentemente, ele não tinha nem idéia de que estava desperdiçando seus
galanteios.
Enquanto retornava de novo à Rua Maior, arrastando a perna direita em
cada passo, sua irmã Imogen desceu atropeladamente as escadas do
armarinho.
‐OH, Henrietta ‐ chamou‐a ‐Por fim lhe encontro! Procurei você por
todos os lados ‐ deteve‐se nesse instante ‐Que diabo lhe ocorreu? A que se deve esse
aroma tão terrível?
‐Não ocorreu nada de extraordinário ‐ disse Henrietta, subindo na
carruagem ‐Salvo que, efetivamente, meu vestido está estragado.
Pressionou com força o quadril dolorido com o punho enluvado. Tal
como lhe doía, previa uma claudicação de vários dias.
‐O que se passa? ‐perguntou‐lhe Imogen ‐Incomoda o quadril?
‐Só estou um pouco cansada. Estive com um bebê e este me vomitou no
vestido.
‐Bom, assim se curará de seu apego pelas crianças ‐ disse Imogen,
alegremente ‐Realmente estragou Henrietta.
Henrietta suspirou. Imogen tomava os seus dezesseis anos como uma
permissão para realizar comentários sinceros que ela considerava
amadurecidos.
‐Deve descansar ‐ continuou Imogen ‐Embora opine que esta excursão
lhe fez bem. Não se vê tão pálida como sempre.
Henrietta sabia muito bem, que normalmente, tinha a cor dos fantasmas
sem que Imogen tivesse que ressaltar. Ao menos isso não tinha nada que ver
com sua enfermidade. Seu pai sempre lhe havia dito que ela tinha herdado a aparência de
sua mãe.
Em pequena, Henrietta passava horas olhando as pequenas miniaturas
da mulher que tinha morrido ao lhe dar a vida, perguntando‐se se sua estranha
variedade de traços poderia chegar a converter‐se, mesmo um pouco, tão delicioso como
o rosto de sua mãe.
O problema é que, agora que sua aparência tinha melhorado, já não
importava. Incomodavam‐na sua claudicação e sua impossibilidade de casar‐se.
Desde o momento em que ficou consciente de sua pessoa, ficou também
de seu quadril. Não era uma questão de dor. Se não caminhasse muito nem carregasse
objetos pesados, não lhe incomodava muito.
Mas sua mãe tinha o mesmo quadril, e ela tinha morrido ao dar a luz.
Henrietta era consciente disso há muitos anos. Se tentasse ter um filho, morreria também,
assim como sua mãe.
Chorou incontrolavelmente quando se inteirou. Um dia, seu pai a
encontrou e lhe perguntou o que lhe acontecia. Quando finalmente se
acalmou, ele a abraçou e lhe prometeu que ela jamais seria afetada por sua enfermidade,
porque ela não se casaria.
‐Ficará em casa comigo. Quem necessita um marido? ‐disse‐lhe, com
tranqüilidade fingida e ela, com seus nove tenros anos, tinha estado de acordo.
‐Nunca irei lhe abandonar, papai ‐ havia‐lhe dito.
‐E nunca lhe abandonarei ‐ disse‐lhe, com ternura, beijando‐a na testa.
Agora tinha vinte e três anos. Seu pai tinha morrido fazia dois anos. Mas,
tampouco, lhe chovia pretendentes todos os dias.
A verdade doía. Sim, seu pai lhe tinha deixado bem claro que nunca lhe
permitiria casar‐se. Mas em qualquer caso, os homens não queriam ter nada que ver com
ela, assim que se inteiravam do problema de seu quadril. Quem quereria uma esposa que
certamente morreria dando a luz, e muito
certamente levaria o bebê consigo? Todos afirmavam que ela mesma tinha sobrevivido
graças a um milagre.
‐Talvez deva renunciar à noitada desta noite se estiver muito cansada ‐
disse Imogen, olhando os cachos em um pequeno espelho que levava em sua
bolsa.
Normalmente, Henrietta estaria de acordo com sua irmã sem pensar.
Mas nessa noite estavam convidadas à casa de lady Rawlings e ali estaria também Mr.
Darby. E não é que ele tivesse demonstrado interesse algum em
vê‐la de novo.
Mas seria divertido assistir a exibição de seus ares e graças diante dos vizinhos. Valia à
pena ter um lugar na primeira fila quando eles se dessem conta que um cisne havia sido preso em
água estagnada

CAPÍTULO 05

Esme, a infame
Casa Shantill, Limpley Stoke

Lady Rawlings não se sentia muito animada. Olhava fixamente os


tornozelos. Ao longo de toda sua vida, seus tornozelos a tinham feito sentir‐se orgulhosa.
Quando jovem, era deliciosamente consciente de que os cavalheiros
apertavam os dentes ao vislumbrar sua fina elegância. Assim, quando chegou às costas
britânicas a primeira pintura de uma mulher francesa com saia um pouco mais curta e aberta de
um lado, Esme não perdeu tempo em começar a
levar as suas assim também.
Mas agora... Tinha os tornozelos gordos e inchados. Moveu‐se para
diante com um pequeno grunhido e tentou tocar‐se com a mão no lugar onde
estavam acostumados a estar seus tornozelos. O dedo afundou na carne fofa.
Era incrível. Embora tampouco tivesse tanta importância, a única parte de seu
corpo em que os outros mostravam interesse era sua barriga, como
demonstrava o fato de que a nomeavam com regularidade: "Que bem vai essa barriga,
verdade, senhora?".
Ninguém lhe tinha mencionado nunca seu ventre até que ela decidiu
embarcar na aventura de ter um bebê. Normalmente, não se falava dessa parte
da anatomia feminina.
Com um suspiro se recostou na poltrona e pôs as mãos sobre a manta que lhe cobria a
barriga. Ao recostar‐se sobre suas costas, o ventre emergiu diante dela, como se fosse uma ilha
em metade do oceano. Um desses finos raios de sol invernal lhe fez brilhar suas pupilas. Debaixo
das mãos sentiu uns movimentos apenas perceptíveis.
"Bom, Miles" pensou, "aqui está seu bebê".
Talvez.
Ao longe, podia ouvir Helena chamando‐a. Mas não tinha ânimo para
responder, assim ficou imóvel, percorrendo com os dedos a morada de seu bebê, tratando
de sentir se não haveria dois em lugar de um.
A anciã que administrava a leiteria situada no caminho do povoado
gostava de dizer que Esme teria dois bebês. A idéia parecia possível porque estava
enorme. E, a diferença de muitas mulheres, ela sabia o momento preciso em que tinha concebido
o bebê. Bom, tinha reduzido o intervalo a duas
noites, uma depois da outra. Isso significava que estava grávida de seis meses; nenhum
mais, nenhum menos.
Entretanto estava maior do que devia. Sua barriga parecia a de uma
mulher a ponto de dar luz, mas ao bebê faltavam ainda três meses para nascer.
A idéia de gêmeos era fascinante e horrorosa ao mesmo tempo. Seriam gêmeos? E por
que não?
"Um menino e uma menina" , pensou. Ou duas meninas. Ou dois meninos. Dançavam
juntos atrás de suas pálpebras fechadas, ao calor dourado
dos raios do sol; pequenas meninas com aventais e laços nos cachos do cabelo,
crianças com o cabelo despenteado.
Não! Acidentalmente tinha imaginado as crianças com o cabelo dourado.
"Não podem ter o cabelo dessa cor" , disse em silêncio. "O cabelo deve ser castanho e
formoso, como o de Miles." Ao menos por um tempo. A seu pai já não ficavam mais que um
punhado de cabelos.
Reorganizou as imagens em sua cabeça. Agora, tinha filhos de rostinhos
doces e redondos, com os cabelos despenteados e castanhos, embora já parecessem ter
pouco apesar de contar tão somente com um ano. Cabelos castanhos, filhos de Miles.
Uma voz fria lhe cortou o sonho. Era sua amiga Helena, ou a condessa do
Godwin, que era como todo mundo a conhecia.
‐Esme, você tem uma visita.
‐Uma visita? ‐perguntou, lutando contra o impulso de afundar‐se em um
profundo sonho diurno.
‐Seu sobrinho chegou inesperadamente.
Havia um tom agudo na voz de Helena que chamou a atenção de Esme.
Lutou para sentar‐se novamente.
‐Darby está aqui? Darby? Sério?
‐Veio em uma carruagem junto com suas irmãs. Parece que viajou
durante dias.
‐Que demônios faz aqui?
‐Diz que as meninas necessitavam de ar fresco.
Esme ficou em pé com um pouco da ajuda de Helena.
‐Esme! ‐ Disse Helena. ‐Não compreende por que Darby faz esta visita, em realidade?
‐Escrevi‐lhe uma carta lhe dizendo que o ar de Londres era pouco
saudável para as meninas. A princípio se negou a transladar‐se, mas suponho que
reconsiderou sua opinião ‐ começou a caminhar para a ladeira que conduzia a casa.
‐Por quê? ‐Exigiu Helena ‐Por que iria Darby mudar de opinião com
respeito a sua visita?
‐Por que o ar de Londres realmente é pouco saudável? ‐perguntou Esme,
bastante confundida.
Ao que parecia, a gravidez lhe tinha enchido a cabeça de lã. Sentia‐se como uma de suas
primas, uma que sua mãe estava acostumada a chamar de
"cabeça de vento".
‐Pensa. Tem suspeita sobre o bebê que está esperando. Darby era o
herdeiro de Miles, não?
‐Ainda o é ‐ disse Esme.
‐Não se você tiver um varão.
Esme se deteve frente a sua amiga. Helena estava vestida com um traje
de lã rosa, com um casaco e luvas que lhe faziam conjunto. O traje perfeito para um dia
de inverno no campo. Tinha o cabelo preso em um elaborado coque trançado que destacavam sua
cabeça como se esta flutuasse, como um
cisne, sobre seus delicados ombros. Com tal imagem, não parecia uma mulher
forte e determinada, mas sem dúvida o era.
‐Já discutimos esse tema ‐ disse Esme ‐Darby é o herdeiro de Miles. Não
aceitarei a propriedade.
‐Tolices! ‐disse Helena.
Como essa era a declaração mais forte que Helena se permitia dizer, Esme se deu conta
de que estava realmente zangada.
‐Se der luz a um menino Esme, ele será o herdeiro das propriedades de
Miles. Tanto desta casa como da casa de Londres em que vive Darby, se não me
equivoco. Não deserdará seu filho. De fato, estou segura de que não poderá fazê‐lo, dadas
as leis vigentes.
Esme enlaçou os dedos sobre sua barriga tentando apoiar de forma
inconsciente a deslealdade que estava a ponto de pronunciar:
‐Acredito que não entende que este bebê poderia não ser de Miles.
‐Isso não sabe ‐ respondeu Helena, cortante.
‐Crê que seria capaz de fazer passar o bebê de outro homem por um de
Miles?
‐Negaria ao filho de Miles sua herança?
‐Claro que não!
‐E como saberá de quem é? ‐demandou Helena.
‐Saberei, simplesmente ‐ Esme podia sentir que os olhos lhe começavam
a arder. Isso era o pior de estar grávida. Ela, que não tinha chorado desde que seu pai a
tinha casado com um homem ao qual não conhecia, agora chorava ao
menos quatro ou cinco vezes ao dia.
‐Inclusive, eu que não sei nada de crianças, sou consciente de quão impossível é
adivinhar quem são os verdadeiros pais de um menino ‐ anunciou
Helena. ‐Recorda todo o alvoroço do ano passado quando o conde de
Northumberland insistiu em que seu primogênito não poderia ser dele porque
ao moço tinham expulsado de Oxford pela quarta vez?
‐Northumberland é um tolo‐ murmurou Esme.
‐Não acredito. A condessa debutou no mesmo ano que eu, depois de
tudo, estou segura de que não sou a única que recorda sua desesperada adoração por um
mero soldado raso. Seu pai a casou rápido para evitar uma mésalliance 2, ou isso disse. Mas seu
bebê nasceu exatamente nove meses após as bodas, talvez se casasse rápido por outras razões.
Esme franziu o cenho.
‐Não posso acreditar que me esteja contando essas intrigas sórdidas,
Helena. Não parece próprio de você.
‐Estou tentando lhe devolver à prudência ‐ disse Helena, cortante ‐Não
há maneira de saber de quem é o bebê que leva consigo. Tem o cabelo negro,

2 Mésalliance - um casamento com uma pessoa de status social inferior combinação ruim
- uma aliança impróprios (principalmente no que diz respeito ao casamento)
Sebastian Bonnington o tem dourado e seu marido o tinha castanho. Embora o
bebê possa nascer com o cabelo castanho, poderia dever‐se a uma combinação
das cores de seu cabelo e do de Bonnington. Esme empalideceu.
Helena pressionou para aproveitar sua vantagem.
‐Não faria justiça a Miles se deliberadamente permitisse que seu filho fosse deserdado. E
não há maneira de assegurar a paternidade.
‐Talvez seja uma menina ‐ disse Esme, fracamente.
‐Isso seria o melhor. Especialmente para Darby.
Esme retomou seu passo para a casa.
‐Esqueci‐me de Darby e das meninas! Onde os acomodaremos?
‐As meninas foram para a creche. Darby chegou sem uma babá, assim
teve sorte de que sua antiga babá já estivesse aqui para lhe ajudar com o nascimento de
seu filho. Parecia contente de ter algo para fazer. Instalamos Darby no quarto azul, no final do
corredor.
‐Oh, não ‐ disse Esme ‐Não é aí que a lareira não funciona bem?
‐Servirá ‐ respondeu Helena com deleite ‐Ele se arrastou até aqui
simplesmente para assegurar‐se de que seu bebê é um bastardo, assim
chamemos ao pão de pão e ao vinho, vinho.
Esme sentiu que seu espírito murchava.
‐Melhor se lhe digo a verdade.
Helena se deteve no instante e a agarrou pelo braço.
‐Não fará tal coisa ‐ disse‐lhe ‐Admitir por um segundo que o bebê poderia não ser de
Miles é desacreditar a memória de seu marido e destruir a
seu filho, que bem poderia ser, verdadeiramente, filho de Miles. Não quererá
fazer isso.
Esme olhou fixamente a sua amiga. Helena parecia estar sempre
convencida de saber o que era correto. Para Esme, todo este assunto era confuso.
‐Agora se recomponha! ‐Advertiu‐lhe Helena ‐ Parece ter esquecido que
tem que atender uma recepção em sua casa esta noite. A metade do condado
chegará aqui dentro de umas horas e olhe como está adormecida no jardim.
‐OH, Deus ‐ gemeu Esme ‐Efetivamente, eu tinha me esquecido da
recepção.
‐Pois será a única ‐ observou Helena. ‐Ainda não entendo por que
desejas escandalizar a todo o condado recebendo convidados em sua casa durante seu
período de luto.
‐É tão somente uma pequena reunião ‐ disse Esme, com debilidade.
Helena estava mordendo o lábio inferior e Esme sabia, graças ao instinto
que cresce com a amizade de muitos anos, que ficava algo por dizer.
‐O que acontece? ‐perguntou‐lhe, resignando‐se às más notícias.
‐Importaria muito se fosse visitar brevemente a minha tia Caroline em Salisbury? Não
iria até depois de sua reunião, é obvio ‐ A tia de Helena vivia muito perto.
‐É obvio que não ‐ disse Esme, sentindo que, na realidade, sim lhe importaria muito. De
fato, sentia que ia começar a chorar de novo nesse mesmo instante.
‐É só que Darby é o melhor amigo de Rees.
‐E o que isso importa? ‐Disse Esme, tentando reunir forças em sua defesa
‐Não é como se seu marido estivesse aqui. Darby tão somente é seu amigo, Helena. Nada
mais que um amigo. Não pode evitar todos os amigos de Rees ‐
disse‐lhe, mas já sabia que de toda maneira Helena iria à casa de sua tia na primeira hora
da manhã. Uma vez que decidia algo, era impossível dissuadi‐la.
‐Não me sinto cômoda com o Darby. Sempre foi o confidente de Rees.
Quando estávamos casados e Rees desaparecia, ao lhe perguntar onde tinha estado,
dizia‐me: "com o Darby". Mas eu sabia que tinha estado flertando com uma cantora de ópera. A
mesma mulher que depois convidaria para viver em
minha própria casa, de fato.
Esme fez uma careta ao escutar o tom agudo de Helena.
‐Isso foi há anos, Helena. Anos. Sabe Deus, possivelmente Darby nem se
inteirasse de que Rees o estava usando como desculpa.
‐Talvez ‐ disse Helena ‐Mas duvido. Sempre estavam juntos, esses dois.
Inclusive agora, enquanto trocávamos a mais curta das saudações, mencionou
algo que Rees lhe havia dito. E eu..., eu não quero ouvir nada que me recorde
Rees.
‐Mas se separou há décadas, Helena ‐ disse Esme, sabendo que era
melhor economizar o fôlego.
‐Dá‐me igual. Não quero ter que ouvir ou pensar a respeito de meu
marido e, infelizmente, Darby me recorda isso constantemente.
‐Só Deus sabe por que esses dois são amigos. Em realidade, são bastante
diferentes, não crê? Darby se desenvolve muito bem em tudo que é
relacionado com as modas, mas Rees...
‐Rees é tão descuidado com sua roupa como o é com tudo ‐ desvelou Helena ‐Tem razão
com respeito a suas diferenças. Darby é invariavelmente discreto, mas Rees pendura sua roupa
suja no Hyde Park.
‐Não poderia, por favor, considerar sua decisão? ‐Perguntou Esme, quase
desesperada ‐ Não lhe pediria isso nunca, mas é que me sinto tão só aqui...
‐Não posso suportar estar perto dele. Apenas de olhá‐lo me dá vontade
de lhe gritar, por haver permitido que Rees levasse essa cantora de ópera para viver em
nossa casa! ‐deteve‐se ‐O que, obviamente, não foi culpa de Darby.
Simplesmente, não posso suportar pensar em meu marido. Deve me desculpar.
‐Não se preocupe. Sinto‐me culpada, inclusive, por haver lhe perguntado
isso ‐ disse Esme, percebendo a dor na voz de sua amiga ‐Habitualmente é tão
serena que tendo a esquecer os fortes sentimentos que lhe provoca seu marido. É algo
indesculpável de minha parte. Estarei bem. Além disso, acredito que tenho feito uma nova
amiga.
‐Lady Henrietta Maclellan? Eu a adoro. No chá de ontem, demonstrou ter
muito sentido comum ‐Esse era o galanteio mais elevado que Helena podia dedicar a
alguém ‐Virá esta noite?
‐Assim espero ‐ disse Esme, enquanto retomavam o passo ‐Ficará esta
noite, Helena? Por favor? Se de verdade estou escandalizando ao condado ao
celebrar uma reunião em minha casa enquanto estou de luto, agradeceria muito ter você
junto a mim.
Helena assentiu com a cabeça, apertando os lábios. Era um gesto que indicava que,
embora preferisse ir, ficaria para passar a noite.
‐Obrigado ‐ disse Esme, beijando a sua amiga na bochecha.
‐Só será uma visita muito breve ‐ disse Helena. ‐Retornarei antes que nasça o bebê.
‐Provavelmente então já não poderá me reconhecer ‐ disse Esme, mal‐
humorada. ‐Já me vejo como um elefante.
Helena sorriu.
‐Um elefante muito pequeno, carinho.

CAPÍTULO 06

A juventude extrema e o desdém são companheiros próximos


Casa Holkham, Limpley Stoke

Simplesmente não posso acreditar que Mr. Darby tenha vindo ao


Wiltshire! ‐Disse‐lhe lady Imogen Maclellan a sua meio‐irmã. ‐Quem o ia pensar? Emilia
Piggleton me contou tudo sobre ele. Coincidiu com ele uma noite no Almack's, embora, é obvio,
ele não mostrou interesse em conhecê‐la.
Acha que devo colocar meu novo vestido, Henrietta? Que chegou ontem. Já sabe qual é,
o de raminhos de musselina da Índia. Salvo que a senhora Pinnock...
Sua mãe apareceu na soleira da porta, interrompendo a conversa.
‐Boa tarde, queridas ‐ disse Millicent Maclellan, a condessa viúva do Holkham
‐Provavelmente deveríamos ir ao jantar.
‐Mamãe, sabe quem escolheu exatamente o mesmo vestido que eu? ‐
perguntou Imogen, nesse modo fingido e algo irritante que tinha adotado ultimamente
‐Nossa queridíssima vizinha, Selina Davenport! Contou‐me isso a
senhora Pinnock.
‐Ai, querida ‐ disse Millicent.
Selina Davenport era o mais parecido a uma pessoa com ambição que
havia no Wiltshire. Estava casada com um cavalheiro ao que lhe importavam mais seus
cachorros que sua própria esposa. Não é que isto fosse incomum, mas se falava que um monte de
cães compartilhava a cama ancestral, e o lugar
no que dormia Selina era objeto de especulações.
‐Que desgraça ‐ disse Imogen, com desprezo ‐Não entendo por que
Selina não pode aceitar o fato de que já é uma senhora casada e deixa de pensar nisso.
Certamente terá mandado ampliar o decote do vestido e se sentará com o sutiã menor que se viu
nesta parte de Londres. Talvez, até insistirá em sentar‐se a meu lado durante toda a noite.
‐Só para compartilhar sua popularidade, querida ‐ disse Millicent ‐E eu não gosto que
seja tão desagradável. As mulheres serão suas maiores aliadas durante esta temporada, a menos
que decidam que é uma garota de língua longa.
Imogen tinha começado a assistir às festas locais e já tinha toda uma corte de meninos
locais reclamando sua atenção. E isso tinha provocado um efeito desafortunado em sua atitude.
‐Ninguém me olhará duas vezes se Selina exibir seu busto ante todos como se tratasse de
uma fundição!
‐Esse é um comentário pouco digno de uma senhorita ‐ recriminou‐lhe
sua mãe ‐por que não coloca o vestido marfim de malha em lugar do violeta de
raminhos?
‐Suponho que sim ‐ murmurou Imogen ‐O que vai usar, Henrietta?
‐Meu vestido italiano de tecido frisado.
Imogen a olhou fixamente.
‐Pensei que estava reservando esse vestido para uma ocasião especial.
‐Mudei de opinião.
‐Lady Rawlings guarda luto, Henrietta. Não haverá nenhuma dança.
Henrietta abriu a boca, mas Imogen se corrigiu.
‐À margem do luto, de qualquer maneira, você não pode dançar. Por que
demônio iria querer pôr esse vestido? Pensei que o estava reservando para a próxima
convenção no Tilbury.
Henrietta encolheu os ombros.
‐E por que deveria? Como disse, não posso dançar. Assim, por que não vou vestir como
me agrado? Em qualquer caso, não fará nenhuma diferença.
‐Ninguém sabe o que lhe proporcionará o futuro, querida ‐ disse
Millicent, posando suas mãos ao redor dos ombros da Henrietta.
Henrietta sorriu afetuosamente a sua madrasta.
‐Em meu caso, de todas as formas, nunca estarão incluídos as danças e
nem os pretendentes.
‐Sempre será mais linda que Selina Davenport ‐ disse‐lhe Imogen, com um pouco de
satisfação.
Henrietta sorriu abertamente.
‐Mas que coisas diz!
‐É a verdade. Nenhuma das garotas desta área te poderia comparar. Se
não fosse manca, nenhuma delas encontraria pretendente. Escutei a senhora Burnell dizer
que te estava voltando perigosamente linda, Henrietta. “Nota: perigosamente linda!”. Ninguém
dirá isso de mim jamais. E menos se sigo levando o cabelo assim.
‐Tolices! ‐Disse Henrietta, sem rodeios ‐ Ninguém se fixaria jamais na cor
de seu cabelo se não pudesse ter filhos.
‐Já sabe que Mr. Gell ouviu que chegou um médico novo ‐ recordou‐lhe
Imogen ‐Um do Swindon que se ocupa de problemas nos ossos. Talvez ele saiba
o que fazer.
‐Papai me levou a todos os médicos dos arredores e todos disseram
exatamente o mesmo. Se ficar grávida, provavelmente mora ao dar a luz e quem sabe o
bebê também. É melhor aceitar a realidade e não seguir sonhando que um novo médico dirá
outra coisa.
Imogen apertou os lábios e por um momento pareceu tão dominante
como uma deusa romana. Ou como seu pai.
‐Não me conformarei com isso ‐ disse ‐Tem que haver um médico que
possa te curar, já verá.
Henrietta sorriu.
‐Não quero um marido.
‐Sempre te cai a baba com os bebês ‐ disse Imogen, soando pouco
convencida.
‐Não é certo ‐ disse Henrietta, um pouco enojada pela imagem de
solteirona. Realmente queria passar a vida brincando com os bebês de outras
pessoas? Um sentimento de desespero que lhe resultava muito familiar lhe rodeou o
coração. Era muito injusto.
Se pudesse ser como essas mulheres que só se preocupam com a moda e
não têm interesse algum em seus filhos... Lady Fairburn se vangloriava de ver
seus filhos somente duas vezes ao ano. Dizia que essa era a melhor maneira de
criá‐los. E o maravilhoso Mr. Darby nem sequer reconhecia a suas próprias irmãs.
Esse era a essência da questão: ela, Henrietta Maclellan, estava maldita
por uma paixão pelas crianças e um quadril que lhe impedia de tê‐los. Fazia tudo o que
podia para convencer a si mesmo de que dirigir a escola do povoado substituiria adequadamente
seu desejo.
E tinha nascido abençoada como tratava de recordar‐se há todas as horas‐
com a inteligência suficiente para dar‐se conta dos tiranos que podiam chegar a ser os
maridos.
‐Se tivesse um marido, minha vida seria profundamente tediosa ‐
ressaltou ‐Teria que fingir que suas conversações sobre furões e cães de caça são
interessantes. Os homens são uns cretinos alienados. Olhem ao tal Darby,
por exemplo. Estava tão inclinado do efeito que pudesse me causar que, de fato, tentou
usar sua galanteria londrina comigo... Comigo!
‐Por isso é que quer te pôr esse vestido ‐ gabou‐se Imogen ‐Devia ter imaginado
imediatamente! É muito arrumado? Emilia me disse que todas as garotas de Londres desejavam
dançar com ele. Ele é muito charmoso, poderia
te converter em uma das garotas mais desejadas de Londres.
‐É um dos homens mais presunçosos que vi em minha vida ‐ disse
Henrietta, desanimada ‐ Oxalá tivesse visto como lhe incomodou dar‐se conta
de que o pescoço de sua camisa se enrugou.
‐Darby deve ter se dado conta do quão encantadora é. Disse‐te algum elogio? Esse é o
motivo pelo que vais pôr seu melhor vestido?
Henrietta arrebentou em uma gargalhada.
‐OH, Imogen! Deixa‐o já! Como demônio ia mudar meu vestuário porque
um pretendente londrino afrancesado tenha vindo a viver em Wiltshire? Esse homem não
tem interesse algum em mim. E, sobre tudo, eu não tenho nenhum
interesse nele. Ontem decidi que poria esse vestido. Como te disse antes, resolvi não
voltar a guardar nada para uma ocasião melhor.
‐Não acredito ‐ disse Imogen, obstinadamente.
‐Meu quadril é em realidade uma bênção oculta ‐ disse‐lhe Henrietta a sua cética irmã ‐
Papai me teria casado no mesmo dia em que debutei...
‐Você não debutou.
‐O teria feito, se não padecesse desta enfermidade.
E me teria casado com o melhor pretendente, certamente um homem
que não pudesse recordar meu nome e que só estivesse interessado no dote de
meu pai, dado que quase tudo está oficiosamente disposto. E a estas alturas seria uma
mulher lamentável e aborrecida.
‐Eu me casei antes de debutar ‐ adicionou Millicent ‐ E não estou nada aborrecida. Tenho
duas das filhas mais adoráveis de toda a cristandade a quem
cuidar e, o que é mais importante, Henrietta, sempre encontrei as conversas de seu pai
bastante interessantes. Não só conversava sobre furões; em realidade
era uma autêntica mina de conhecimento sobre o tema.
Henrietta sorriu a sua madrasta.
‐Encontraria todo isso fascinante só porque é a mulher com o
temperamento mais doce deste país, carinho. Mas eu não poderia suportar uma conversa
sobre caçada de manhã, que só pudesse igualar‐se em tédio quando me recitasse uma lista de
animais executados durante o jantar.
Acredito que meu temperamento provocaria que tirasse o melhor de mim.
‐Isso só se deve a que não te apaixonaste nunca ‐ respondeu Millicent.
‐Seguro que se tivesse debutado te teria apaixonado na primeira
temporada ‐ disse Imogen, sonhando ‐Um duque muito bonito teria te tornado
louca e te haveria desposado imediatamente.
Quando Imogen esquecia de ser irritante, era uma romântica
apaixonada.
‐Não há duques bonitos ‐ disse Henrietta, sorrindo ‐Todos são decrépitos.
Tentou imaginar‐se em Londres, sendo cortejada por um punhado de
cavalheiros anciões. "E por outro punhado de caça fortunas", sugeriu‐lhe uma pequena
voz interior. Depois de tudo, o título de seu pai tinha sido transferido a um primo longínquo, mas
umas pequenas porções de seu dote a tinham convertido em uma herdeira.
Passaria o tempo recebendo flores e presentes e dançando com
cavalheiros tão deliciosos como Darby. Ria só de pensar. Darby era
perigosamente formoso. Quem quereria a um homem assim por marido?
Imogen ainda estava imersa na fantasia que tinha criado.
‐Estaria casada com um duque, Henrietta, sem nada que fazer exceto
assistir a grandes recepções e dançar com seu marido. Talvez com o senhor Darby!
‐Darby não é um duque ‐ objetou Henrietta ‐ E além do mais, nunca quereria me
apaixonar por um homem que se preocupa mais pelo colarinho de
sua camisa que por sua irmã.
Imogen encolheu os ombros.
‐É um cavalheiro londrino, Henrietta. Não é uma pessoa caseira, como você. Somente
imagine que tivesse debutado e tivesse casado com o Darby.
Essas meninas seriam tuas para cuidá‐las!
O coração da Henrietta quase se derreteu ao pensar nisso. Teria filhos, sem arriscar sua
vida nisso. A pequena e calma Anabel e a rabugenta Josie.
‐Ha rumores que não tem nem um centavo ‐ continuou Imogen ‐ Ao
menos não o terá se lady Rawlings der a luz a um varão, porque perderia a herança de seu
tio. Neste momento é tão somente um herdeiro em potencial.
‐Não me agrada esse tipo de intrigas ‐ disse a condessa viúva.
‐Pois não vai vestido com farrapos, precisamente ‐ observou Henrietta.
‐Devo me arrumar o melhor possível ‐ disse Imogen ‐Tão somente pensa
por um momento em quão maravilhoso seria que ele prestasse atenção em mim. Sylvia
Farley morreria de ciúmes. Acredita que deveria pedir a Crace que
me enrolasse o cabelo?
Crace era a criada que compartilhavam as irmãs.
‐Por que demônios faria algo assim? ‐Disse Henrietta ‐ Seu cabelo já se enrola sozinho de
um modo precioso.
Imogen se olhou no espelho e franziu o cenho.
‐Não de forma regular. Os cachos do cabelo da Sylvia caem mais belos, desprendem‐se
ao longo de suas costas. Contou‐me que sua criada o tinha conseguido penteando‐a com uma
prancha.
‐Eu não me incomodaria. Temos que partir em mais ou menos vinte
minutos, e Crace fica de mau gênio quando lhe apressamos. Pode que eu não
tenha debutado ‐ disse Henrietta com um sorriso travesso ‐ mas você o fará na
primavera, Imogen. Talvez Darby se apaixone por ti e se case contigo imediatamente.
Imogen parecia surpreendida.
‐Pareceria excelente poder dançar com ele e eu adoraria receber um
elogio que me lance à fama. Mas eu não gostaria de me casar com ele.
‐Por que não? ‐perguntou Henrietta, imaginando o elegante porte do
Darby e seus amplos ombros.
‐É muito velho. O homem deve estar perto dos trinta, inclusive dos
quarenta! É a idade de mamãe, não a minha. De fato, provavelmente tenha que retirar‐se
a seus aposentos depois do jantar ‐ disse Imogen, enquanto olhava sombriamente a sua mãe, que
tinha cometido o imperdoável crime de
levá‐la baile de gala de lady Whippleseer antes que obscurecesse.
‐Não me pareceu tão velho ‐ disse Henrietta. Mas, ao pensar em sua galanteria ensaiada,
acrescentou ‐ Acredito que tem razão. É muito..., muito libertino para ser um bom projeto de
marido. Despede‐se lhe beijando as pontas dos dedos.
‐Espera até que conheça Selina ‐ disse Imogen com um brilho feliz e travesso nos olhos ‐
A ela lhe arrebentarão as costuras se ele a beijar na ponta dos dedos!
‐Imogen! ‐ Disse‐lhe sua mãe – Comporte‐se!
Imogen sorriu em silêncio.

CAPÍTULO 07

Lady Rawlings oferece uma recepção em sua casa.

A primeira pessoa a que Esme viu ao entrar no salão essa noite foi o seu
sobrinho, Darby, entretido por uma das damas locais, Selina Davenport. A senhora
Davenport estava fazendo a corte ante as grandes janelas ao final do
salão, deixando cair a cabeça para trás de tal maneira que os seios virtualmente lhe saíram
do vestido, tentando agradar ao Darby.
‐OH, Meu deus ‐ gemeu.
‐A senhora Davenport acaba de ir diretamente ao ponto com o Darby ‐
murmurou Helena com um sorriso ‐ Suponho que está decidida a estender uma
armadilha ao elegante cavalheiro que tão oportunamente esta entre nós.
Para irritação de Esme, Darby parecia absorto. Mas era impossível que encontrasse a
conversa da Selina tão fascinante, pois ela só falava de dois temas: ela mesma e sua destreza em
diferentes tipos de atividades. Algumas das quais inclusive aconteciam dentro de um quarto.
‐Darby! ‐disse Esme, aproximando‐se pelas costas.
Ele se deu a volta para ouvir sua voz e lhe beijou a mão.
‐Minha querida tia ‐ murmurou.
Sua voz era fria. "Helena tem razão", pensou Esme. "Veio ver se eu estava esperando um
bastardo".
Selina fez uma reverência que deixou expostos seus seios a todos os convidados, sem lhe
importar que a mesma Esme fosse propensa a mostrar seu
peito. Embora isso fosse antes que se embarcasse na carreira de elefante de circo, é obvio.
‐Minha mãe! ‐ disse Selina com um sorriso arqueado ‐ Espero que não lhe
incomode que lhe diga, querida lady Rawlings, que cada vez está mais..., mais
linda.
Esme lhe dedicou um sorriso frio que tinha afiado durante os oito anos
que teve que nadar nas perigosas águas da sociedade londrina.
‐É muito amável por sua parte ‐ disse, calmamente‐ sem duvida já que conheceu muitas
mulheres lindas nos anos anteriores a que eu debutasse.
O sorriso da Selina desapareceu de repente.
Esme se deu a volta para seu sobrinho.
‐Darby, vamos dar uma volta pelo aposento? Espero que possa ficar
bastante tempo junto a mim e esta é a ocasião perfeita para te apresentar a algumas de
minhas amizades.
Caminharam para o outro lado do aposento.
‐Lady Rawlings espero que não lhes estejamos importunando ‐ disse
Darby ‐ Esperava que as meninas melhorassem um pouco com o ar do campo,
mas não contávamos com tanta hospitalidade.
‐OH, por favor, me chame Esme ‐ disse ela ‐ Estamos longe das
formalidades de Londres e, depois de tudo, somos família.
Ele ficou um pouco desconcertado ante essa afirmação.
‐Claro que sim ‐ murmurou ‐E você deve me chamar Simon.
‐Como está à pequena Josie? Miles me havia dito que teve muita
dificuldade para aceitar a morte de sua mãe, pobre pequena.
‐Disse‐lhe isso? ‐Darby parecia bastante surpreso.
‐Bom, sim ‐ disse Esme ‐ Se via bastante aflito ao pensar nas dificuldades
às que te enfrentaria ao te converter inesperadamente em pai. Eu só espero fazê‐lo tão
bem como você, dado que eu deverei criar a este pequeno sem Miles.
Darby olhou a mão delicada de lady Rawlings, que descansava sobre o grande montículo
do ventre.
Estava grávida, era certo. Nunca tinha visto ninguém tão grávida em toda
sua vida. A elegante líder da sociedade estava tão inchada como alguém que fosse dar a
luz em um par de dias. Devia tratar‐se de um filho ilegítimo. Seguro que Miles não tinha
dormido com sua esposa antes de ir a essa maldita festa
em julho.
Algo em sua cara deve ter o delatado porque Esme o guiou para o
vestíbulo e daí à biblioteca.
‐Por que está aqui, Simon? ‐disse Esme, sentando‐se em um sofá de
veludo. Ele a olhou por um segundo, desconcertado pela mudança de
aparência de sua tia. Recordava‐a como uma deusa sensual, com curvas sedutoras e
cachos negros deliciosos. Agora a via inchada, cansada e absolutamente atrativa.
Antes que ele pudesse responder, ela disse de repente:
‐O filho é de Miles.
Darby fez uma reverência.
‐Isso jamais duvidei.
‐Sim, claro que o fez ‐ Seus olhos brilharam e por um segundo Darby sentiu a atração
dessa gloriosa mulher a que toda Londres tinha chamado Afrodite desde o dia de sua estréia ‐
Não posso te culpar por isso. Mas o bebê é de Miles. Ele queria ter um herdeiro, e você sabe.
‐Sim, sei.
‐Por isso acordamos um encontro, uma aproximação ‐ disse ela,
repetindo inconscientemente as palavras que tinha usado ele com o Gerard Bunge ‐ E não
tinha nem idéia, nem a menor idéia de que seu coração fosse tão
frágil!

Ela o olhou de repente, com os olhos cheios de lágrimas.


‐Tem que me acreditar. Eu nunca teria concordado a..., a gerar um
herdeiro se tivesse sabido que isso ia prejudicar sua saúde.
Darby piscou. Talvez se estivesse equivocando e o bebê fosse legítimo.
Sua tia seguia falando.
‐Embora o bebê fosse um varão, não te deserdarei. Arrumaremo‐nos isso
como podemos. O Miles não teria gostado.
De repente, Darby descobriu através da aura de sensualidade que sua tia
sempre tinha levado uma armadura ao redor. Viu seus olhos ansiosos, escutou
suas palavras, e se deu conta de que não sabia nada sobre o matrimônio de seus tios. A
aterradora verdade era que seu filho podia ser o filho legítimo de Miles.
Sentou‐se e disse, categoricamente:
‐Devo‐lhe uma desculpa, lady Rawlings. Aceito com vergonha que vim
porque duvidei de que Miles pudesse ser o verdadeiro pai. Desculpo‐me profundamente
por ter duvidado de você.
‐Por favor, me chame Esme ‐ disse ela, lhe pondo uma mão sobre a dele ‐
Entendo perfeitamente suas suspeitas. Eu mesma teria duvidado. O fato é que
foi um acerto repentino entre Miles e eu. E não entendo por que ele não me
disse nada sobre seu coração. Sei que estávamos afastados, mas arriscar sua vida dessa
maneira...
‐Estava desesperado por ter um filho ‐ disse Darby ‐ Não lhe parecia excessivo nenhum
preço que tivesse que pagar se havia uma maneira de assegurar um herdeiro.
Esme lhe apertou a mão. Tinha os olhos dolorosamente sérios e ainda cheios de lágrimas,
advertiu Darby alarmando‐se.
‐Realmente acredita nisso? Não posso deixar de pensar que se ele
simplesmente me tivesse informado sobre sua condição física, estaria aqui neste
momento ‐ disse ela enquanto as lágrimas lhe rodavam pelas bochechas.
Darby lhe acariciou o ombro.
‐Está bem ‐ disse‐lhe.
‐Não, não está bem ‐ respondeu ela com uma voz estranha ‐ Não está bem! Estou
completamente segura de que ele forçou seu coração essa noite e
que por isso lhe falhou quando..., quando...
‐Foi uma desgraça que o marquês do Bonnington se equivocasse de
aposento e entrasse em seu quarto. Ao que parece o choque foi à causa do ataque ao
coração. Mas o mesmo Miles me havia dito que o doutor lhe tinha
dado um ultimato.
‐Já sei! ‐uivou ela ‐ Fui ao médico depois da morte de Miles e ele me disse que tinha
vetado Miles de manter..., manter... Mas Miles não me havia dito nada! ‐derrubou‐se no ombro
do Darby.
Que estranho resultava a ele notar o enorme balão que ela tinha por barriga lhe
pressionando a um lado...
‐Não teria feito diferencia alguma que lhe houvesse dito. O doutor lhe tinha informado
que só viveria até finais do verão.
‐Também me contou isso o médico. Simplesmente, não posso acreditar
que Miles não me houvesse dito.
‐Miles nunca teria feito algo assim ‐ disse Darby ‐ Não gostava de pôr às
pessoas triste. Não lhe disse isso porque não queria que se sentisse infeliz.
Isso provocou um novo ataque de lágrimas. Sua voz agora se
desmoronava, e ele só podia perceber pequenas noções do que dizia, sobre o
bom que era Miles com ela, de verdade, e que ela jamais, jamais, haveria... –
algo e...
Ele a consolou em silêncio. Teria podido afirmar inequivocamente que
sua tia e seu tio não tinham um matrimônio de verdade, que dificilmente se falavam e
inclusive com muita dificuldade toleravam sua companhia. Mas estava claro que se equivocou.
Ela chorava a Miles, mesmo que não tivessem vivido juntos como
normalmente está estabelecido, mesmo que ela tivesse paquerado com cada homem
atrativo de Londres. Inclusive e apesar do namorico de Miles com lady
Childe fosse de conhecimento público.
Depois de um tempo de estar acariciado brandamente o ombro de sua
tia, a mente do Darby começou a divagar e a pensar na mulher que tinha resgatado a Josie
e a Anabel, lady Henrietta Maclellan. Estava seguro de que jamais a tinha visto em Londres.
Talvez seu pai tivesse decidido que tinha uma língua muito afiada para casar‐se. Era evidente
que ela o tinha julgado como alguém que se encontrava por debaixo de seu nível. Darby nunca
tinha visto, em toda sua vida, tantas expressões de desdém em uma mulher.
Mas tampouco tinha visto jamais um sorriso tão formoso. No momento
de despedir‐se, com um mero sorriso, ela se voltou deliciosa, de tal maneira que fez que o
coração lhe detivesse: como um pássaro em pleno vôo, delicado
e elegante.
Ao seu lado, Esme se endireitou e secou a última de suas lágrimas com
um lenço.
‐ Sinto muito ‐ disse‐lhe, com um pouco de soluço – Temo que esteja terrivelmente
emocional nestes dias e sinto falta de Miles e é muito, muito...
‐Sei a que se refere ‐ disse Darby, rapidamente, lhe vendo os olhos azuis
cheios de lágrimas outra vez ‐ Quer que chame a sua criada? Temo que os convidados
comecem a perguntar‐se onde está.
Esme piscou.
‐OH, céus. Suponho que terei que usar mais pó de arroz. Passo grande parte de meu
tempo tratando de cobrir as evidências de meu espírito transtornado. Não pode fazer idéia.
Por um momento se olharam um cavalheiro impecavelmente arrumado
com o ombro ensopado e uma mulher gentil, bastante grávida e com os olhos
vermelhos; ambos romperam em gargalhadas.
‐Quando sua esposa estiver grávida, Simon, dará conta do quanto se
chora nesta condição.
‐Espero ansioso esse momento ‐ disse seriamente, beijando‐lhe as
pontas dos dedos.

CAPÍTULO 08

Um jantar leve é servido no Salão Rosa.

Com muito cuidado, Henrietta conseguiu caminhar sem coxear para uma
pequena mesa do Salão Rosa, onde estava sendo servindo um jantar leve. O
aposento era um elegante retângulo, com janelas formosas e arqueadas que davam para
uma estufa. Essas janelas outorgavam à estufa suficiente decência
para que lhe considerasse um lugar adequado, e por este motivo se converteu
em um lugar idôneo para as entrevistas dos casais de amantes. Lady Rawlings
tinha disposto que as mesas estivessem colocadas pelo aposento com
encantadora desarrumação, enquanto que na esquina uma mesa de bufe
estava repleta de delícias. Henrietta acompanhou sua madrasta e sua melhor amiga, lady
Winifred Thompson.
Quando por fim Mr. Darby entrou no salão, todos detiveram
instintivamente suas conversações. Se tinha estado elegante na estalagem Golden Hind,
tinha um aspecto magnífico em seu traje de noite. Seu traje era
de veludo vermelho, com gravata e punhos de renda caindo sobre as mãos. Aos
olhos da Henrietta, era a viva e terrível imagem do luxo.
‐OH, Meu deus ‐ exclamou lady Winifred em um tom desacordado ‐
Lembrava que meu pai vestia grandes punhos de renda que se abotoava a camisa. Mas já
não estava mais acostumada a ver a nenhum homem com eles.
Em princípio, alguém pensaria que já estavam passados de moda, mas não é a
impressão que dão nele, verdade? Acredito que a meu marido pareceria bastante
efeminado ‐ riu ‐Mas meu marido entende tão pouco...
Henrietta esteve de acordo. Posto sobre o senhor Darby, a renda não parecia efeminada
absolutamente. Durante anos, ela tinha dado as boas‐vindas
a garotas que retornavam de sua temporada de debutantes, garotas que retornavam
comprometidas, ou não, mas todas repletas de histórias sobre quão deliciosos eram os jovens
londrinos, o deslumbrante que era suas maneiras, quão gloriosos eram em comparação com o
povo de Wiltshire.
Henrietta sempre pensou que aqueles contos eram exagerados.
Ela tinha imaginado a homens vaidosos e delicados, caminhando
afetados e em cima de seus sapatos de salto sobre os paralelepípedos de Londres. Mas
que distinta parecia ser a realidade... Nunca tinha imaginado que existissem homens assim,
homens com o cabelo tão brilhante sob a luz das velas, e com as bochechas mais altas que as
suas, e com uma elegância lânguida que falava de poder contido, de masculinidade.
A roupa do Mr. Darby , evidentemente, era fabricada em Londres. Mas a
vestia com graça masculina, sem toques que fossem muito vaidosos. Por exemplo, não
levava luvas. E seu o cabelo era muito mais comprido do que os
homens o deixavam em Wiltshire e o recolhia à altura do pescoço com uma fita.
Lady Winifred estava comendo ao homem com o olhar de forma
vergonhosa.
‐Esse é o sobrinho de lady Rawlings, verdade? Acredito que fomos
apresentados em Londres durante a temporada passada. Sabem? Darby era o
herdeiro de Rawlings, bom, ou ao menos até o momento em que lady Rawlings
começou a mostrar sinais de gravidez. Estou segura de que veio ao campo a esperar aqui
até que finalize o parto.
‐Uma interpretação pouco agradável do motivo da visita ‐ disse Henrietta
sem rodeios, enquanto uma multidão de damas rodeava Darby.
Uma mulher, cujo cabelo penteado em forma de torre só podia ser
superado pelo nariz que lhe dominava a cara, jogou‐se em seu caminho como
um iceberg ante uma embarcação.
‐Sou a senhora Barret Ducrorq de Barret Park ‐ anunciou ‐Acredito que nos conhecemos
durante a temporada passada durante a noite musical da senhora Crawshay.
Darby fez uma reverência.
‐Temo que não, senhora, posto que eu não tenha o prazer de conhecer a
senhora Crawshay.
‐Bom, deve ter sido em outro lugar! ‐ gritou nervosamente ‐ Talvez fosse
à casa do Bessie, lady Panton, quero dizer.
Era impossível que aquela mulher conhecesse a Elizabeth Panton. Lady
Panton era tão elegante que vestiria um chapéu de penas para assistir a uma
simples noitada musical; era impossível imaginá‐la respondendo a ninguém que
a chamasse Bessie. Mas para que ia ficar a discutir?
‐Provavelmente tenha razão ‐ murmurou ele, lhe beijando a mão ‐Tenho
que comentar A..., hmmm..., Bessie a próxima vez que a veja.
A senhora Barret Ducrorq arrebentou em uma composição de
conversações, encantada por ter cercado uma relação com alguém importante.
Darby lhe permitiu desfrutar‐se, assentindo nos intervalos apropriados e passeando com
dissimulação seu olhar por todo o aposento. Senhores robustos
e suas mulheres adornadas e estilizadas se sentavam ao redor da sala e se abanavam
vigorosamente. As únicas jovens às que via eram protótipos pálidos
de ombros cansados e narizes úmidos. Também estava à dama lasciva que tinha
conhecido logo que chegou, a senhora Davenport. Bom, e Selina, quem tinha insistido no minuto
em que a conheceu que se ocupasse dela
imediatamente.
Finalmente, pôde ver de esguelha a sua conhecida da tarde. Inclusive do
lugar de onde estava dava‐se conta de que lady Henrietta levava um traje tão
singelo como o que tinha usado horas antes. A cor de seu vestido parecia dar a seu cabelo
uma estranha tonalidade esverdeada. Mesmo assim, ele sentiu um
leve interesse em seguir conhecendo‐a.
A senhora Barret Ducrorq tinha reunido a seu redor várias mulheres,
como se estivesse a ponto de leiloar uma galinha da Guinea, e ia apresentando
Darby como se este fosse seu amigo da alma: a senhora Colville, a senhora Cable (de
onde teria tirado uma estola tão grotesca?), a senhora Gower. Em pouco tempo, Darby ficou
rodeado por um círculo de damas que lhe
perguntavam por todos os "eventos" recentes da cidade e os últimos estilos de moda. Por
desgraça, sua reputação como perito em moda tinha chegado
também até o campo.
‐Temo que não tenha opinião alguma sobre as pérolas ‐ disse Darby,
fazendo uma reverência mais, possivelmente a centésima ‐Botas? Bom,
senhoras, as botas... Sim, esta temporada combinará bem com os casacos.
Nesse momento, Selina Davenport arrumou para entrar no círculo e
inclinar‐se para ele de tal maneira que seus seios saltaram levemente no ar.
‐Mr. Darby, desejo que me conte algumas intrigas de Londres ‐ disse em
tom malicioso ‐devido às enfermidades e às mortes em minha família, visitarei
Londres durante a primavera pela primeira vez em muitos anos.
Abanava‐se vigorosamente, tentando lhe enviar com os olhos um convite
sem palavras através do leque.
‐Estou segura de que pode nos contar magníficas intrigas de Rees
Holland, o conde do Godwin, por exemplo ‐ inclinou‐se para frente e seus seios por
pouco lhe saem do casaco ‐ É certo que instalou a uma cantora de ópera
em sua casa?
‐Rees e eu somos amigos há tantos anos que estamos absolutamente
desinteressados por nossas respectivas vidas ‐ disse Darby ‐Nunca o perguntei.
‐Sua esposa se encontra aqui ‐ Selina moveu a cabeça, jogando um olhar
pelo aposento. Efetivamente, a condessa estava sentada no piano ‐ Insisto em
que compartilhe conosco a verdade sobre sua situação doméstica. Mas
devemos abandonar este lugar para não incomodar à condessa.
E o agarrou pelo braço com firmeza, tirando‐o fora do círculo de damas
falantes.
Maldita seja, quão último desejava era acompanhar a uma mulher lasciva
que lhe oferecia um namorico, não um matrimônio. O que ele pretendia era encontrar
uma esposa.
Sem pensar muito, guiou à senhora Davenport até a mesa em que
estava sentada lady Henrietta.
‐Que prazer encontrá‐la de novo ‐ disse, fazendo uma reverência.
‐É ‐ disse Henrietta ‐Como estão suas meio‐irmãs?
‐Já se encontram a salvo, nas mãos da babá de lady Rawlings, que parece
ser muito competente e pouco partidária de deixar a Anabel com a roupa molhada. Sei
que apreciará isso, lady Henrietta.
E tinha razão. Sorriu‐lhe com um sorriso incrível.
‐Estávamos dando um passeio ‐ disse Selina com um sorriso malicioso ‐
Mr. Darby me prometeu contar intrigas de Londres.
‐Talvez deva levá‐lo a estufa ‐ disse lady Henrietta ‐Certamente o senhor
Darby nunca viu rosas tão excepcionais nesta época do ano.
Ele semicerrou os olhos. Aquela pequena bruxa estava jogando‐o aos
leões. Dirigiu‐lhe um olhar inocente e o mais fingido dos sorrisos. Tinha uns olhos muito
interessantes. Ligeiramente amendoados, estavam adornados
pelas mais lindas e largas pestanas que ele jamais tinha visto. E havia visto muitas.
Deu a volta a Selina, jogando uma rápida olhada a seus magníficos peitos.
A mulher levava um vestido de menina que ficava muito bem. O algodão parecia frágil,
como se estivesse a ponto de arrebentar por culpa daqueles gloriosos seios. Darby sentiu uma
inflamação na zona entre suas pernas. Selina Davenport era linda, sedutora e estava claramente
disponível. Efetivamente, o
vestido de lady Henrietta era de um crepe verde lodo que apagava o tom de seu cabelo. E
mais ainda, não somente lhe ocultava o peito, mas sim o pescoço
era tão alto e tão afetado que quase lhe chegava à altura das orelhas.
Fez‐lhe uma reverência, tomando sua mão.
‐Seu servo ‐ murmurou.

A expressão de seus olhos era tão efetiva como um banho de água fria.
Ela se divertia. Não cabia dúvida. Sabia qual seria exatamente a reação de Darby frente
aos seios de Selina Davenport, tinha‐o catalogado e assim o esperava, e agora simplesmente
desfrutava de que o pequeno cão tivesse saltado através do aro apropriado.
Darby apertou os dentes precipitadamente.
‐Acredito que estou bastante familiarizado com a beleza excepcional.
Mais do que você crê, lady Henrietta ‐ disse com um sorriso de lobo ‐Não há nada que
deseje mais que dar um passeio pela estufa com a senhora
Davenport.
E se foi.
Henrietta estava desiludida. Não havia outra maneira de vê‐lo. Por
alguma razão, ela pensou que Darby reagiria com um pouco mais de
sofisticação frente à evidente trama da Selina. Mas assim que Selina Davenport se
aproximou, ele voou como o faz uma abelha para a flor. Se é que era possível imaginar uma flor
de carne feita com um par de sedosos seios, unidos
precariamente por uma fita violeta. Parecia que até os deliciosos londrinos se convertiam
em gelatina ao ver aqueles montículos inchados que eram os peitos
das mulheres.
Darby não reapareceu no Salão Rosa a não ser passados vinte minutos, e
quando o fez nem sequer olhou em sua direção. Parecia estar imerso em uma
conversa com um cavalheiro de cabelo cinza, embora, é obvio, ela não o vigiou
em todo momento. Logo, de repente, ele levantou a cabeça e seus olhos se encontraram.
Um rápido calor lhe percorreu todo o corpo. De inicio, ela pensou que era vergonha; depois de
tudo, tinha‐a pego olhando‐o. Ele seguiu
olhando e havia algo em seus olhos que a fazia sentir‐se enjoada. Se não tivesse estado
sentada, sua perna provavelmente teria cedido.
Enquanto ainda o estava observando, ele se desfez cortesmente do
cavalheiro com que estava falando e caminhou para ela. Era como se o houvesse
chamando, pensou.
Como se ela ‐Henrietta‐ tivesse o poder de Selina. Logo baixou a cabeça
para olhar o vestido, mas sabia de sobra que seu peito seguia sendo exatamente igual a
essa manhã. Bastante atrativo, a sua maneira, mas nada em
comparação com a exuberância frontal de Selina.
Seu sentido comum lhe dizia que ele não devia saber nada de seu
quadril. Se ele era uma abelha, estava escolhendo a flor equivocada.
Esta não tinha pólen para dar de presente.

CAPÍTULO 09

Sobre Cães de caça e... Outros tipos de Cães.

‐Posso acompanhá‐la?
‐Pode fazer o que lhe agrade, naturalmente.
Darby estava profundamente surpreso pelo que lhe veio à cabeça ao
perguntar‐se o que seria de seu agrado. Não, seria melhor que não. Estava acostumado a
que as mulheres o perseguissem, não a correr atrás delas. E
menos, ainda, atrás de jovens ‐ ao menos na aparência ‐ virgens dotadas de clara
respeitabilidade e de feroz temperamento.
Provavelmente se devia às distintas emoções acumuladas durante o dia.
Tinha‐lhe afetado a conversação que tinha mantido essa tarde com sua tia.
Seria melhor que se retirasse a seu quarto e se recostasse na cama.
Entretanto, se o fizesse, estaria declinando da atenção de pelo menos quinze cavalheiros
que ofereciam a suas estupendas filhas. Filhas que ele devia avaliar por suas qualidades
maternais. Henrietta Maclellan não era uma candidata para esposa, dada sua propensão a verter
água sobre as crianças pequenas. Embora precisamente esses traços recordassem a sua própria
mãe.
Acabou sentando‐se.
Não era que Henrietta não fosse agradável. Tinha‐o olhado com um ar bastante
desenvolto, como se a estivesse acompanhando uma tia que a
vigiasse. Havia traços de ironia em seu olhar, um olhar que o desafiava a determinar ante
as expectativas de masculinidade que Henrietta parecia guardar. Mas não o olhava com o mais
mínimo instinto faminto, esse ao que ele estava tão acostumado.
"Estão‐lhe dando seu castigo", pensou Darby com um pouco de divertimento.
‐Está desfrutando de Limpley Stoke? ‐perguntou‐lhe ela. Talvez ele
pensasse que seus olhos azuis eram claros só porque não havia o menor indício
de ardor neles. Curiosidade inteligente... Mas nada mais.
‐Melhorou graças a sua companhia ‐ disse Darby, dando‐se conta de que
em realidade sim estava desfrutando muito.
‐Suponho que nos considere provincianos, se não algo pior.
‐Até certo ponto.
A tapeçaria estava revestida por montes de ramalhetes, mas não tão
joviais como as fisionomias ao redor. A sociedade do Wiltshire era calorosa, alegre, vivia
interessada na agricultura, no gado e na caçada e, em menor grau, também por Londres e era o
que ali acontecia. O que acontecia em Londres abrangia para eles uma grande variedade de
pecados, do Parlamento até o Regente em pessoa.
‐Bom, ao menos somos acolhedores ‐ disse Henrietta, ligeiramente
ofendida pelo pouco assentimento que ele tinha mostrado à descrição que ela
tinha feito –Pelo o que ouvi, a cidade pode chegar a ser um lugar pouco agradável.
‐Bom, nem todos aqui são amáveis ‐ disse Darby ‐Não tenho o menor
interesse em saber sobre drenagens e terras e temo que muitos dos
cavalheiros me acharam incompreensível...inclusive desprezível.
‐Essa é uma palavra muito forte ‐ disse Henrietta, com a leve suspeita de
que ele tinha toda a razão.
‐Um senhor, Mr. Cable mostrou‐se particularmente surpreso porque eu
gostasse de seu colete.
Henrietta sorriu fracamente.
‐Mr. Cable tem icterícia, temo que isso lhe azede o julgamento. Além disso,
recentemente, sua esposa se converteu a uma enérgica manifestação da
Cristandade, convencida por um padre metodista itinerante, e ultimamente só
fala em versos bíblicos. Acredito que sua vida em casa é bastante incômoda neste
momento.
‐No futuro, acredito que não me pronunciarei sobre seus esforços por ir à
moda ‐ prometeu Darby.
Henrietta ficou fascinada ao dar‐se conta de que o homem tinha uma
particular maneira de rir, sem abrir a boca. Ria mediante a voz e os olhos.
‐O que poderia se esperar de alguém que leva renda ao redor do
pescoço? ‐perguntou‐lhe, dado que ele não parecia perturbado pelo desprezo
dos cavalheiros de Wiltshire. Como podia estar tão seguro de si mesmo e tão
fora do lugar ao mesmo tempo?
‐Eu gosto da renda ‐ disse Darby. Ela tinha razão: era imperturbável ‐ Tem
uma simetria, certa perfeição, que me agrada.
‐Simetria? Eu acredito que a renda é muito feminina ‐ Entretanto, não cabia dúvida de
que a renda não resultava absolutamente feminina quando era
ele quem a levava.
Darby encolheu os ombros.
‐Agrada‐me. A simetria é uma das qualidades da beleza, lady Henrietta.
Por exemplo, você..., você parece agradavelmente simétrica. Tem os olhos perfeitamente
espaçados com relação ao nariz. Sabia que a beleza está intimamente ligada ao espaço que há
entre os olhos?
‐Não, não sabia ‐ disse Henrietta. Para aborrecimento de Darby, ela não
parecia dar‐se conta de que ele estava tentando paquerar. Em lugar de sorrir
com encanto, ela franziu o cenho.
‐Há uma criada no povoado que tem um olho azul e o outro verde, Mr.
Darby. E é considerada linda. De fato, todos os moços do povoado se esforçam
por ganhar sua atenção. Não sugeriria este fato que você se equivoca ao relacionar a
beleza com a simetria física?
‐Acredito que não. Um teorema oposto poderia ter prioridade. A sorte geralmente está
atada aos assuntos assimétricos, como a um trevo de quatro
folhas, por exemplo.
‐Um trevo de quatro folhas é simétrico ‐ ressaltou Henrietta.
‐Também o é um de três folhas. Mas no caso de um trevo de quatro folhas, sua
singularidade o faz assimétrico.
‐Seu teorema é pouco confiável. Minha criada é linda por ser assimétrica,
mas só se forçarmos o término até que este signifique incomum.
‐Retornemos a sua simetria pessoal ‐ disse ele, brandamente.
Mas ela trocou de tema como se ele não houvesse dito nada.
‐Mr. Darby levo umas horas desejando poder me desculpar por ter
presumido que Josie e Anabel eram suas filhas e por ter atuado segundo essa
hipótese. Nunca devia ter lhe falado de forma tão veemente.
‐Por favor, não dê mais voltas. Seus conselhos foram admiráveis. A
agência de empregos de Bath vai enviar duas babás para que as entreviste amanhã pela
manhã, e me assegurarei de lhes perguntar sua opinião sobre vestir objetos molhados.
Ela se inclinou para frente, com os olhos vividos de interesse.
‐Josie necessita uma mulher particularmente amável, Mr. Darby. Estou
segura de que você sabe, mas talvez possa encontrar a alguém que tenha experiência
pessoal quanto à perda de familiares.
‐Josie... ‐interrompeu ele.
‐Parece estar sofrendo muito pela morte de sua mãe.
‐Josie quase não a conheceu. Duvido muito que minha madrasta tivesse
feito algo mais com Josie que saudá‐la no Natal e, talvez, felicitá‐la em seu aniversário.
Inclusive duvido muito este último, dado que o aniversário de Josie tem lugar na época mais
inconveniente do ano.
Ante o olhar inquieto de Henrietta, ele seguiu:
‐Em 16 de abril, justo no início da temporada. Provavelmente, Josie só viu
sua mãe umas quatro ou cinco vezes em toda sua vida, e a maioria delas foram
quando ela era tão pequena que não deve recordar a ocasião.
‐Então por que está tão abatida?
‐Não tenho nem a menor idéia. Talvez lhe tenha causado uma forte
impressão haver‐se mudado a Londres depois da morte de sua mãe.
Darby olhou para baixo e se deu conta de que estava golpeando a mesa
com os dedos. Precisava encontrar uma esposa. Talvez uma viúva com filhos próprios
que soubesse por que Josie se comportava como um animal selvagem.
Parecia que lady Henrietta não sabia mais de crianças que ele próprio.
‐Suponho que é possível que Josie tão somente esteja respondendo às
mudanças. Posso me desculpar novamente pela maneira que me comportei?
Só espero não ter deixado a Josie muito assustada.
Darby gemeu.
‐Não há necessidade de preocupar‐se por isso. Josie passou pelo que
aconteceu melhor que nunca contando aos serventes todos os detalhes do interessante
encontro. Por sorte, não entendeu seu nome corretamente e a chama lady Hebby, com o que
ninguém a indentificará na vizinhança.
O pior de tudo era que os lábios da Henrietta eram escandalosamente sensuais: de um
rosa profundo que não se devia mais que à natureza. Além disso, eram carnudos, suaves e
pareciam preparados para serem beijados. E
isso era o que ele desejava fazer: inclinar‐se sobre a mesa e provar o sabor de lady
Henrietta para esquecer o irritante problema que supunham suas irmãs.
Se ele necessitava uma esposa, por que não desposar a Henrietta?
Parecia estar afeiçoada com as meninas, embora não soubesse muito a
respeito de seu cuidado, e era adorável.
Por alguma razão, só o fato de pensá‐lo o aterrava. Era verdade que necessitava uma
esposa. Mas sempre tinha pensado que as esposas eram um
objeto decorativo que poderia adquirir em algum momento futuro. Esta teria que ser
linda, é obvio. E de bom berço. Mas, além disso, a única condição era
que tivesse um temperamento débil. Já havia visto suficiente em sua juventude
para não confiar nas mulheres escandalosas.
"E não podia dizer‐se que Henrietta não tivesse temperamento", pensou, recordando o
olhar de surpresa na cara de Josie quando a água lhe percorreu a
cabeça, como uma cascata.
De fato, essa era o tipo de coisa que sua própria mãe teria feito.

‐Em pouco tempo, Josie amadurecera e se unirá ao resto da raça humana


‐ disse ele ‐Acredito que o ar do campo já lhe está sentando bem. Posso lhe trazer algo de
comer?
‐Mas, senhor Darby...
‐Lady Henrietta fui indesculpavelmente grosseiro. Devo‐lhe muito por ter
resgatado a Anabel e a Josie esta manhã. Não a aborrecerei com meus problemas
familiares.
Ela piscou ante sua cortante negativa a seguir essa conversa, mas não pareceu haver‐se
ofendido. Até agora, as mulheres sempre se ofendiam
quando ele abandonava algum tema de uma conversa. Henrietta Maclellan lhe
dirigiu o mesmo olhar amável de sempre. Mas logo o olhou por cima de seu ombro.
‐OH, céus. Mr. Cable se está aproximando. Estamos organizando o bazar
da igreja, senhor, e ficam muitas coisas por discutir. Além disso, não posso monopolizar
sua companhia.
Sorriu abertamente, com um formoso sorriso que lhe acendia o olhar, e
logo deu a volta para saudar o senhor Cable.
Desprezado, não teve outra opção que ficar em pé e caminhar.
Os jovens londrinos quase se teriam desacordado se ele lhes tivesse
dirigido um elogio. Lá, todos sabiam que ele considerava que a simetria da natureza era o
presente mais grandioso de todos.
"Não é questão de vaidade", disse. Só tinha posto a atração fora de lugar.
A robusta dama que havia dito ser amiga de lady Panton apareceu detrás
dele.
‐Senhor Darby! ‐gritou ‐ quero lhe apresentar a minha querida,
queridíssima sobrinha, a senhorita Aiken – O tomou pelo cotovelo e o afastou
um pouco, para lhe sussurrar‐ Minha irmã se casou por amor, senhor, por amor!
Obviamente, a irmã da senhora Barret Ducrorq não se casou com um
bom partido.
‐Minha querida irmã faleceu o ano passado, com o que a feliz carga de apresentar a sua
filha à sociedade tem caído sobre meus ombros ‐ continuou
dizendo em um tom verdadeiramente agudo ‐ Ela é a menina mais doce e dócil;
não imagina. E seu pai ‐ baixou a voz‐ bom, é negociante, embora neste momento esteja
ocupando‐se de todos os assuntos relacionados a seus
associados. Mas dispõe de quase um milhão de ativos em circulação.
Darby se inclinou em frente à jovem mulher. Tinha uma pele linda,
dotada de pequenos pontos pálidos que poderiam ter sido sardas, se não tivessem sido
atacadas com aplicações insistentes de suco de limão. Levava o
cabelo, da cor de óxido, penteado em uns grossos caracóis que denotavam de
modo evidente ter sido moldado com ferro de frisar. Contudo, parecia alguém
que fazia tudo o que podia para resultar atrativa no mercado de solteiras.
Ela o olhou de um modo apropriadamente recatado. Mas, atrás do leque
e de suas sobrancelhas, ele pôde ver uma mulher calculadora que estava valorando sua
riqueza e seus bens.
‐A minha sobrinha adora crianças ‐ disse a senhora Barret Ducrorq ‐
Adora‐os. Não é assim, Lucy?
‐Sim, agradam‐me ‐ disse a senhorita Aiken.
Essa resposta incomodou um pouco à senhora Barret Ducrorq, que
obviamente queria ouvir respostas efusivas frente ao peixe gordo que
pretendia pescar para sua sobrinha. Olhou com fúria à senhorita Aiken e acrescentou:
‐Lucy monta a cavalo...
Mas a promoção foi interrompida.
‐Estou segura de que Mr. Darby não está interessado em minhas
habilidades eqüestres, querida tia ‐ disse a herdeira, sorrindo a Darby de uma maneira
frívola. Apenas lhe mostrou seus dentes brilhantes ‐ Tenho entendido
que você se converteu, muito infelizmente, no guardião de suas irmãs pequenas. Que
adorável! Tem que me apresentar, eu adoro as crianças.
‐Estaria encantado ‐ disse Darby, enquanto a imaginava agradando a
Anabel enquanto esta vomitava sobre o vestido de cetim cor nata da senhorita
Aiken e mordiscava sua coroa de rosas.
‐Acredito que se dará conta de que minha sobrinha tem conselhos
estupendos com respeito a suas irmãs ‐ apontou a senhora Barret Ducrorq.
‐Estarei encantado de discuti‐los. Realmente preciso receber conselhos.
Importaria me acompanhar ao salão e me permiti que lhe traga um refresco, senhorita
Aiken?
Era evidente, inclusive antes que tivessem avançado dez passos para o salão, que esta
herdeira não teria inconveniente em trocar seus ativos no mercado. Moveu as pestanas
avermelhadas de um modo que deixou a Darby bem claro que tanto seus bens materiais como os
físicos seriam seus com apenas um pedido.
Darby sabia que devia casar‐se. Todo mundo o dizia. Ele o dizia. Como poderia criar a
duas meninas pequenas sem ajuda feminina? Voltou‐se para a
senhorita Aiken e se encontrou com um ardente olhar de admiração.
Não havia mesas vazias no salão. Sua tia olhou para cima com um sorriso,
lhes convidando claramente a acompanhá‐la, mas ele retornou
obstinadamente ao lado de lady Henrietta, que estava acompanhada por duas
mulheres de meia idade que tagarelavam como um par de periquitos.
Certamente, falavam do bazar da igreja.
Felizmente, a Lucy Aiken não pareceu incomodar que acompanhassem
lady Henrietta. Sentou‐se em uma cadeira e se uniu à conversa sobre o bazar.
Darby se dirigiu tristemente ao outro lado do aposento para servir‐se de um pouco de
comida. Reuniu dois pratos. Lady Henrietta não tinha nada diante dela exceto uma taça de vinho,
e precisava engordar um pouco.
A senhorita Aiken o recebeu de volta com um par de olhos brilhantes que
recordaram aos de uma raposa exaltada por espionar uma suculenta galinha.
Lady Henrietta aceitou o prato de perdiz, surpreendida, agradecendo‐lhe
com um sorriso, e retornou à vivida discussão sobre a conveniência de celebrar os
clássicos jogos com maçãs no bazar.
Darby escutou por um momento, e depois decidiu indagar um pouco
mais sobre sua futura esposa. Depois de tudo, se ia passar o resto de sua vida com essa
malcriada, precisava saber que fazia quando não estava sorrindo.
‐O que faz no povoado para divertir‐se, senhorita Aiken?
Ela se abanou tão forte que um caracol do cabelo de Henrietta se
levantou no ar e lhe aterrissou na bochecha. Tinha uma cor linda como o mel
aquecido pelo sol.
‐Só..., só... Pois de tudo, senhor Darby! Em realidade, eu devo ser alguém
muito alegre... Ao menos isso é o que dizem minhas amigas! Porque me sinto
completamente feliz na estufa, lhes tirando as pétalas às rosas; às murchas, você já me
entende.
‐Que saudável ‐ murmurou Darby.
‐E você, senhor, o que faz? Sei, é obvio que é um cavalheiro londrino, e
que se ocupa de tudo o que revistam fazer os cavalheiros ‐ riu nervosamente‐...
Em Londres.
Poderia estar sugerindo atividades libidinosas? Certamente não.
‐Você boxeia? ‐perguntou‐lhe sem fôlego.
‐Não, não boxeio ‐ respondeu Darby ‐Nunca compreendi a arte de dar
murros a meus semelhantes.
‐OH ‐ Estava visivelmente desiludida, mas se recuperou rapidamente ‐
Tenho lido sobre homens que boxearam com o cavalheiro Jackson, mas
imagino que você passa o tempo em algo igual de glamuroso.
‐Em realidade, não ‐ disse ele, apagado.
Nesse momento, os dois acompanhantes de lady Henrietta a deixaram
sozinha. A senhorita Aiken deu a volta para ela imediatamente, incluindo‐a na
conversa. Parecia ter maneiras impecáveis. Em particular, não demonstrava nenhum
pingo de ciúmes que muitas das mulheres jovens exibiam na presença
de alguém tão formoso como lady Henrietta.
‐Deve estar muito emocionada por sua estréia, Lucy ‐ disse Henrietta.
Era um prazer dar‐se conta de que ele não era o único afetado pelo sorriso de Henrietta. A
senhorita Aiken se animou imediatamente como se fosse uma menina em sua festa de
aniversário.
‐Não pode imaginar lady Henrietta. Todo o vestido está costurado com jóias. E poderei
usar três penas brancas. Imagine três.
Darby bebeu dissimuladamente um pouco da bebida.
‐Vamos mudar‐nos à cidade a princípios de fevereiro. Estará em Londres
para a abertura da temporada? ‐perguntou‐lhe a senhorita Aiken.
‐Estou quase seguro disso ‐ disse ele, tomando um pouco mais da bebida.
Os olhos lhe afiaram. Deixava‐os negros, redondos e brilhantes e o
cabelo definitivamente avermelhado. "Igual a uma raposa", pensou Darby.
‐Não está emocionado pela temporada, senhor?
‐Não, em realidade não.
‐Céus, por que não? Resulta na coisa mais prazerosa do mundo! ‐
Aplaudiu, fechando as mãos em um punho de êxtase antecipado ‐ Dançar no Almack's,
passear em carruagem pelo parque, assistir ao salão de Sua Majestade Real!
‐Eu não gosto de empurrar às mulheres pelo aposento ao compasso de
uma orquestra desafinada. E os únicos homens que passeiam pelo parque são
os modistas ‐ disse.
‐A temporada não é uma experiência tão nova para o senhor Darby como
o é para você, Lucy ‐ disse Henrietta, rompendo o estranho silêncio que tinha
caído na conversa.
Claramente a senhorita Aiken estava fazendo que seu potencial
comprador reformulasse sua inicial luxúria.
‐Por todos os Santos ‐ gritou ‐Devo encontrar a minha querida tia. Estará
perguntando o que me aconteceu!
E partiu, mas não sem antes lançar um olhar a Darby por cima do ombro
que deixou muito claro que se ele queria segui‐la, como um pequeno pônei atirado por
uma corda, não lhe importaria absolutamente. De fato, seria capaz
de passar por cima sua exibição de má educação e falta de entusiasmo pela temporada.
Ele ficou justo onde estava.
‐Isso foi uma tolice ‐ disse Henrietta Maclellan com voz seca.
‐O que?
‐Deixar que Lucy Aiken se fosse assim ‐ respondeu ‐Lucy é uma menina notavelmente
doce, que seria uma boa mãe para suas irmãs. É uma apaixonada
de Londres e ficaria facilmente satisfeita vivendo ali e passeando de vez em quando pelo
parque. Não poderia fazer algo melhor que casar‐se com ela.
Ele piscou. Não sabia que as mulheres não discutiam a disponibilidade a
matrimônio de outras jovens em boa companhia? Em outras palavras, em presença
masculina? Antes de pensá‐lo muito, disse:
‐Acredito que não estou acostumado à idéia de pensar nas mulheres
como mercadoria ‐Como o comentário soou insuportavelmente presunçoso,
acrescentou‐ É obvio, vejo que existe intercâmbio comercial pelos dois lados.
‐Talvez sua consternação seja algo correspondente ao seu sexo. As
mulheres estão, por necessidade, muito mais familiarizadas com o mercado do
matrimônio. Suspeito que o problema não é que você não se viu como parte desse
mercado previamente, mas sim está acostumado a ser um objeto de grande valor, e a feliz
condição de sua tia o tornou um pouco ‐embora só um
pouco‐ mais acessível.
Não havia nenhum tom zombador em seu olhar. E tinha sentido que ela
pensasse que ele devia casar‐se com uma herdeira.
‐Suponho que é isso ‐ disse ele, terminando a bebida ‐É você
notavelmente franca lady Henrietta.
Não podia recordar ter sido etiquetado de "acessível" com antecedência.
‐Temo que é um defeito ‐ concordou ela, muito pouco arrependida ‐
Talvez seja um aspecto da vida em um povoado. A gente não precisa confundir
nem confundir‐se tanto.
‐Como nunca tinha passado uma temporada no campo ‐ disse Darby‐ não
posso discordar de você. Suponho que também lhe chegou o rumor de que vim
para esperar o parto de minha tia e assim poder determinar se o bebê é o herdeiro de meu
tio, verdade?
‐E é certo?
Darby sacudiu a taça de vinho, observando as últimas gotas da líquida cor
rubi apanhadas no fundo.
‐Acredito que encontrará minha resposta bastante escandalosa, lady
Henrietta.
‐Duvido ‐ disse ela, tranqüilamente ‐Um povoado pequeno contém tanta
cobiça como as grandes cidades.
Ele olhou para cima, arqueando sua boca com um sorriso débil.
‐Agora não só sou acessível, mas também ambicioso?
‐Não hei dito isso. E não quis tampouco que o interpretasse assim ‐ Algo
em seus olhos parecia digno de confiança.
‐Sim, vim visitar a minha tia para me inteirar se o bebê de que estava grávida era de meu
tio ‐ disse, olhando para outro lado ‐ Não devia suspeitar de algo assim.
‐Não, não devia fazer ‐ concordou ela.
‐Estava muito equivocado. Sempre acreditei que meus tios eram
estranhos, mas parece que estava equivocado. ‐Não era capaz de entender o matrimônio
de seus tios, mas não negava sua autenticidade.
Sua companheira não disse nada, provavelmente impactada em sua
pequena alma de caipira.
‐O matrimônio é um negócio estranho ‐ murmurou Darby ‐Está tomando
champanha?
‐Sim.
Darby chamou um garçom.
‐Quer outra?
‐Não, obrigado. Quase nunca tomo mais de uma taça. Eu gosto das
borbulhas, mas não seu efeito.
Como alguém que tinha tomado o caminho incomum (para ele) de beber
na mesa ao menos quatro taças desde que herdou crianças pequenas, Darby o
compreendeu. Compreendeu‐o, mas não estava de acordo.
‐Por favor, me traga outra bebida ‐ pediu‐lhe ao garçom‐ e lady Henrietta
tomará outra taça de champanha. Outra taça não a afetará no mais mínimo ‐
disse a ela ‐Eu usarei a minha para conseguir um pouco de coragem e talvez inclusive
aceitar seu conselho e me aproximar de novo à senhorita Aiken.
O que não era sua intenção absolutamente.
‐Acredito que se aproximar de Lucy de novo, a encontrará agradada de falar com você ‐
disse Henrietta ‐Ela não o vê como mercadoria, Mr. Darby.
Lucy é muito jovem. Mas acredito que lhe encantou sua simetria.
Ele a olhou com dureza ao detectar um traço de diversão em seus olhos.
Ao ver o vinho diante dele, tomou um gole, que lhe queimou como fogo
pela língua. Dado que Henrietta era audaz em seu discurso, não se alarmaria se usasse
uma franqueza similar com ela.
‐Então, por que não está você no mercado, lady Henrietta Maclellan? ‐
perguntou‐lhe deliberadamente ‐ Vi que fala com as anciãs, mas nunca com cavalheiros.
‐Não é certo! ‐protestou ela ‐ Lorde Durgiss e eu mantivemos uma longa
conversa sobre as sebes e...
‐Esse é lorde Durgiss? ‐Assinalou com a cabeça a um tipo vestido com um
colorido casaco de cetim ‐ O homem do colete violeta?
‐Não, esse é o filho de lorde Durgiss, Frederick. Frederick tem um gosto
espantoso para os coletes, verdade? Verá, ele acredita ser o próximo lorde Byron. Esteve
escrevendo versos atrozes a minha irmã Imogen durante o último mês.
‐E por que não os está escrevendo a você? Você é muito mais simétrica
que Lucy Aiken, por muito dinheiro que ela tenha ‐ disse‐lhe, aproximando‐se
um pouco, encontrando seus olhos durante um momento antes que ela
desviasse o olhar ‐Você é deliciosa. Tem um cabelo realmente extraordinário e,
entretanto, aqui está estancada nestas águas rurais.
Ele tinha tomado sua mão deliberadamente. Era pequena, diminuta em
sua forma. Então advertiu que seu coração pulsava, uma resposta ridícula dado
que se encontrava simplesmente ante um rosto formoso e umas longas
pestanas negras.
Ela engoliu ar e a garganta lhe esticou. Deus, inclusive sua garganta era
linda.
‐Porque não sou simétrica ‐ disse ela, finalmente.
Tomou um gole de champanha, olhando as borbulhas em lugar de dirigir‐
se a ele.
‐O que quer dizer?
‐Não posso ter filhos ‐ respondeu, levantando a cabeça para olhá‐lo.
Tinha os olhos azul marinho e perfeitamente separados. Era o teorema matemático mais
formoso e perfeito que ele jamais tinha visto:
devastadoramente singelo por fora e fascinante e complicado por dentro.
Em realidade, ele não tinha escutado o que lhe havia dito.
‐Que você não pode... O que?
‐Ter filhos ‐ disse ela, diligentemente, como se esta conversa fosse do tipo que alguém
tem tão logo acaba de conhecer alguém.
Que demônios se supunha que devia responder a isso? Nunca tinha
ouvido que uma mulher da nobreza discutisse esses assuntos em público.
Ela ainda o olhava, e seus olhos mantinham esse brilho de brincadeira outra vez. Ela
afastou a mão e disse:
‐Desculpe‐me se o aterrorizei com minha franqueza, Mr. Darby. Temo
que todo mundo sabe que você deve casar‐se com uma herdeira para poder sustentar as
suas adoráveis irmãs. E efetivamente, eu sou uma herdeira; só que, devido a estas circunstâncias,
não posso estar no mercado.
Ele não entendeu nenhuma palavra do que ela quis lhe dizer.
Ela terminou o champanha e pôs a taça sobre a mesa fazendo um
pequeno ruído. Tinha um sorriso bondoso.
‐Eu não gostaria que tivesse você a equivocada impressão de que vou unir‐me à briga
para adquiri‐lo como marido.
Darby nem sequer riu a não ser até uns momentos depois de que ela se
foi.

CAPÍTULO 10

Henrietta em casa, depois de ter deixado a reunião de Esme.

Era algo incomum para Henrietta sentir‐se inquieta uma vez que se
retirou aos seus aposentos. Habitualmente, apartava sua trança por cima do ombro, rezava
e ia dormir em paz. Bom, sempre havia as noites nas quais o quadril lhe doía. E outras, muito
ocasionais, nas que a idéia de não ser mãe e não ter marido parecia um peso que não podia
resistir e chorava sobre o travesseiro.
Mas tinha amigos, e se sentia valorizada e gostava de sua vida durante a
maior parte do tempo. Com os anos, Henrietta tinha assumido em silêncio as
tarefas de sua madrasta, para sua mútua satisfação. Passava os dias visitando
os doentes e fazendo que certas famílias recém chegadas estivessem
acomodadas adequadamente, ficava com o vigário quando o necessitava e planejava as
várias celebrações que marcavam o povoado com o passar do ano.
Era verdadeiramente feliz, exceto pelos momentos nos que uma pessoa
insensata a questionava e Henrietta tivesse falado com mais franqueza do que
devia. Não lhe incomodava muito não ter participado de uma só temporada.
Por que motivo ia fazê‐lo?
Mas, ao que parece, essa noite, não conseguia tranqüilizar‐se. Rodou por
seu aposento levantando alguns livros de poesia e voltando a deixá‐los em seu
lugar.
Tinha vista gravuras de estátuas gregas no Jornal das mulheres, e ele se
parecia com um deus só no perfil. De frente, era muito inteligente. Suas bochechas eram
nitidamente inglesas, igual aos seus olhos.
Era uma pena que tivesse tido que lhe contar sobre o seu quadril,
embora, se ele tivesse seguido lhe prestando tanta atenção, alguém teria acabado
contando de todas as formas. Ela sabia que ele tinha suspeitado de seu interesse em ajudá‐lo a
encontrar uma babá e ele teria podido descobrir muito facilmente que ela era uma herdeira. Que
cômodo era tudo para ele: uma herdeira e uma mãe, tudo no mesmo pacote. É obvio, ela tinha
tido suas
razões para desenganá‐lo. Não queria que ninguém andasse fofocando.
Suas intenções eram claras. Ela não podia deixar de deleitar‐se com a deliciosa lembrança
de como ele deu a volta e caminhou diretamente a sua mesa. E a maneira em que retornou
escoltado por Lucy. A maneira em que lhe
trouxe um prato de faisão. A maneira em que lhe sustentou a mão...
Ela tinha observado o modo em que homens e mulheres paqueravam
durante anos. Mas nunca se precaveu de quão prazenteiro era encontrar‐se com o olhar de
um homem ao outro lado do aposento e saber que este te deseja. Especialmente quando este
homem é o primeiro cavalheiro londrino a
aparecer em Wiltshire há mais de um ano, desde que lorde Fastlebinder ficou
durante um mês e seduziu à criada da senhora Pidcock. A seu ver, Fastlebinder
estava muito gordo e era pouco atrativo. Mas Darby conseguia que
empalidecessem todos os homens locais.
A própria senhora Pidcock se apressou a aproximar‐se e lhe perguntar com um sussurro
penetrante:
‐Do que estava falando o senhor Darby, lady Henrietta? Eu não gostaria
que te fizesse ilusões por um caça fortunas de Londres. Porque ele o é.
O qual era uma maneira oblíqua de recordar a Henrietta que Darby não
sabia nada a respeito de sua impossibilidade de ter filhos ou de outra maneira não
perderia tempo paquerando com ela.
Henrietta a tinha acariciado brandamente no braço e lhe havia dito, com
estrita confiança, que ela preferia que o senhor Darby estivesse detrás de Lucy Aiken.
Mas a mesma Henrietta não podia parar de sorrir frente ao feito de que
Darby a tivesse considerado como uma esposa em potencial. De outra maneira,
para que tantos elogios? Por que passou tanto tempo em sua mesa? Para que
falar de seu cabelo e sua simetria e lhe sustentar a mão? Para que olhá‐la com esse suave
e fácil sorriso se ele estivesse pensando...?
Por um momento sentiu o mesmo desespero que estava acostumado a
atacá‐la quando era jovem, o desejo de ser uma pessoa normal. De ser uma garota como
qualquer outra, livre para casar‐se e de ter filhos sem necessidade de pôr sua vida em risco.
Mas sabia separar de sua mente os pensamentos dessa natureza, e o fez
nesse instante. Esse não era o fato. O fato era que tinha conhecido a um homem
realmente atrativo que não sabia nada a respeito de sua enfermidade
e que tinha contemplado a possibilidade de cortejá‐la. Como tinha passado toda sua vida
em Limpley Stoke, onde todos sabiam que não podia casar‐se, para ela tudo isto era uma nova
experiência. "E viver novas experiências", disse‐se Henrietta, "sempre é bom".
Aproximou‐se um momento à janela, mas os cuidados prados da casa
Holkham ficavam ocultos sob a escuridão da noite. Se Darby realmente queria
cortejar a alguém, que sorte teria essa mulher. Tinha olhos formosos. Inclusive lhe
pareceu que queriam lhe dizer algo, salvo porque ela não acreditava nessas tolices. Se ele
realmente estivesse tratando de cortejá‐la...
Durante anos, muitas de suas amigas tinham recebido cartas de amor,
habitualmente prévias a uma proposta formal de matrimônio. Uma carta de Mr. Darby
seria muito mais suave e sofisticada que as missivas de um cavalheiro de Wiltshire. Ele
escreveria uma carta doce e cheia de desejo e...
Não. Ele era muito formoso, e claramente estava acostumado a mulheres
que se esforçavam por um pouco de atenção. Ele escreveria uma carta de amor
arrogante, agressiva.
Entretanto, ele não a tinha tratado dessa maneira: como se esperasse que fosse sua esposa.
Tinha‐a tratado como se ele pensasse que havia algo delicioso nela, em seus lábios ou seu nariz
ou..., melhor nem pensá‐lo. Era um tipo de olhar que fazia uma mulher sentir uma espécie de
sufoco.
E essa era uma classe de sentimento que ela, lady Henrietta Maclellan, não havia sentido
jamais. Nunca.
Deixando os sentimentos a um lado, Darby lhe escreveria uma carta que
faria com que uma mulher se sentisse desejada. Linda, embora fosse manca.
Desejável, embora não pudesse ter filhos. Desejável. Ele tinha esse tolo e calculado
sorriso que dizia a uma mulher que era linda. Inclusive pensar nisso fez que Henrietta sentisse
um pequeno tremor pelas costas.
Dirigiu‐se a sua escrivaninha e se sentou. Quase podia ler a carta em sua
mente.
"Minha queridíssima Henrietta", escreveu, e logo se deteve, mordiscando o final da pena
por um momento. Pelo que tinha visto, citar poesia nas cartas
de amor era um pouco de rigueur.
"Deverei te comparar com um dia do verão?" Não é que Shakespeare fosse seu poeta
favorito. Henrietta tinha uma paixão secreta por John Donne.
Mais ainda, Darby era muito vaidoso para adotar a típica atitude autocrítica
shakespeariana. Nunca assumiria em seu querido pensamento que ele era velho ou não muito
belo. Fez uma bola com a folha de papel e a atirou a um
lado.
Darby só escreveria uma carta se estivesse obrigado a separar‐se da
mulher que ama. De outro modo, somente a beijaria.
Começou de novo com outra folha de papel, pensando em seu poema
favorito do John Donne. "Não vou, por estar cansado de ti. Nem tampouco com o desejo
de que o mundo demonstre um amor mecânico por mim". Com olhos
sonhadores, deteve‐se encheu a pena de tinta. Era hora de mover‐se das palavras do
Donne às suas. Ou melhor, dizendo, às palavras de Darby:

"Nunca encontrarei a alguém a quem adorar como a ti. Embora o destino nos tenha
separado cruelmente, entesourarei sua lembrança em meu coração.
Desprezaria a lua e as estrelas para passar uma noite a seu lado...".
Nesse momento, duvidou. A carta teria tal profundidade se Darby tivesse
que abandoná‐la depois de ter passado à noite junto a ela. Quando Cecily Waite fugiu
junto de Toby Dittlesby e seu pai não os encontrou a não ser até a manhã seguinte foi uma
tragédia.
Adicionou uma palavra para que a frase ficasse assim: "Desprezaria a lua
e as estrelas para passar uma noite mais a seu lado. Nunca mais suspirarei...".
Morrerei? Estas cartas eram mais difíceis de escrever do que ela imaginou.
Enviou uma desculpa silenciosa aos cavalheiros cujos esforços literários ela tinha
ridicularizado no passado.

"Nunca conhecerei outra mulher com o cabelo tão iluminado pelas estrelas como o teu,
minha querida Henrietta. A beleza perigosa desses cabelos permanecerá em meu coração para
sempre".

Ficou olhando a cabeça frente ao espelho por um momento. Seu cabelo


era, é obvio seu melhor traço. Exceto por seu peito, possivelmente. É obvio, ela não tinha
usado nunca vestidos tão decotados como os de Selina Davenport, mas em segredo pensava que
seus seios eram iguais de abundantes, sobretudo
se os metia em um prendedor como os que usava Selina.
Introduziu a pena na tinta uma vez mais. Se fosse escrever a si mesma mais cartas, teria
que conseguir tinta verde. A tinta de cores era muito elegante.
Era hora de terminar a carta.

"Não tinha conhecido o amor antes de te conhecer; nunca tinha visto a beleza antes de
verte; nunca tinha provado a felicidade até que provei seus lábios".

Em outras circunstâncias, teria sido encantador participar de uma


temporada e ter recebido cartas de amor. "E as escrever também", pensou com um toque
de malicia. Responder à missiva de um cavalheiro era
considerado imperdoavelmente precipitado, mas se estava comprometida para
casar, poderia trocar um par de cartas sem problema.
"Sem ti, não há razão para seguir". Talvez isso fosse um pouco entristecedor. Mas bom,
tão somente era uma simulação.

"Sem ti, nunca me casarei. Como não pode te casar comigo, querida Henrietta, nunca
me casarei. Os filhos não significam nada para mim; são supérfluos. Tudo o que quero é você.
“Para esta vida e mais à frente”.

As lágrimas brotaram dos olhos da Henrietta. Tudo era muito triste.


Imaginou ao Darby retornando sozinho para Londres e vivendo nessa solidão durante o
resto de sua vida, sem casar‐se jamais, por amor a ela. Tremeu quando uma brisa da janela a
beijou no pescoço.
Logo, o sentido comum veio a seu resgate e um sorriso tolo escapou dos
lábios. Uma imagem do frio e reservado Darby lhe cruzou a mente. O
champanha deve ter lhe subido à cabeça! Esse homem cairia morto se
soubesse desta carta.
Estaria bem empregado. A gente podia dizer, com tão somente olhá‐lo, que Mr. Darby o
londrino nunca se apaixonaria. Era muito egoísta para amar a
uma mulher da maneira em que ela queria que a amassem: com devoção.
Henrietta tinha a certeza de que um dia conheceria um homem que não
lhe importassem os filhos. Que a amaria tanto que isso não seria problema.
Não um caça fortunas como Darby. Um homem que a amasse pelo que era, tanto que o
assunto dos filhos não lhe importasse.
As mãos paralisaram enquanto dobrava a carta que ela mesma tinha
escrito. Era uma pena. Ele era perfeito para ela, pois já tinha os filhos que ela tanto
queria. Mas ele nunca a amaria da maneira que ela merecia. Sua boca se
abriu literalmente de par em par quando lhe disse que não podia ter filhos.
Tinha sido um prazer, em certa maneira, ter turbado o caráter de um elegante
londrino.
Provavelmente ele se casaria com a Lucy Aiken, ou qualquer outra
herdeira, posto que ao que parece Lucy não lhe tinha chamado tanto a atenção. Lucy teria
sido bastante bondosa com Josie e Anabel, embora certamente ela tivesse preferido as deixar no
povoado a cargo de uma enfermeira e uma tutora.
Os olhos da Henrietta se iluminaram ao recordar a doce maneira em que
Anabel a tinha chamado "Mamãe" quando a tinha nos braços. Talvez a nova babá de
Anabel a obrigasse a deixar o vestido molhado lhe causando uma gripe
e provocando assim a morte da menina. Estremeceu só de pensá‐lo.
Isso era absurdo. Naturalmente, Darby não voltaria a contratar a uma enfermeira
partidária de deixar Anabel com a roupa úmida posta. Embora ela
não parecesse ser melhor que o resto... Tinha‐lhe vertido água pela cabeça à pequena
Josie! Inclusive o fato de pensar em sua falta de controle a fez sentir-se doente. Depois de todo o
tempo que tinha passado lendo livros sobre educação e todo o tempo que tinha passado na escola
do povoado...
O que sim podia fazer era ajudar ao Mr. Darby a selecionar uma nova babá no dia
seguinte. Ele não era feito para essas tarefas.
Qualquer um podia dar‐se conta de que não sabia nada sobre crianças. E
agora que já se inteirou de seu quadril, não julgaria sua oferta como atrevida.

Assim escreveu:

Querido Sr. Darby:


Escrevo‐lhe para renovar minha oferta de ajudá‐lo a contratar a uma babá apropriada
para Anabel e Josie. Estarei mais que feliz de acompanhá‐lo a entrevistar as várias delas. Se
não desejar aceitar minha ajuda, entenderei, é obvio.

Sinceramente, Lady Henrietta Maclellan

Henrietta dobrou a carta e a pôs no lugar em que um servente tomaria


para levá‐la a seu destino à manhã seguinte. Não pôde evitar sorrir ao pensar
quão diferentes eram essas duas cartas que tinha escrito. Provavelmente deveria
desfazer‐se da carta de amor. Exceto que era a única carta pelo estilo que jamais receberia.
Deixou‐a sobre a penteadeira. Onde poderia mostrar a Imogen, e poderiam rir juntas dela.

CAPÍTULO 11

Sonho de uma noite no meio do inverno.

Esme estava tendo um sonho. Ele chegava por detrás, em silêncio, e lhe
punha as mãos sobre os ombros. É obvio, ela sabia quem ele era e também sabia que
estavam sozinhos em um dos salões da casa de lady Troubridge.
Depois de tudo, tinha sonhado com isto muitas vezes.
Inclusive, uma vez aconteceu de verdade.
Eram umas mãos lindas, grandes e graciosas. Seria simplesmente
encantador poder recostar‐se contra seu peito, permitindo a essas mãos rodar
sobre os seus seios. Mas tinha que dizer‐lhe. Ao menos desta vez.
Virou‐se e as mãos masculinas se separaram de seus ombros.
‐Você não está disponível, milord. De fato, você está comprometido com
minha melhor amiga.
‐Só nominalmente ‐ respondeu ele, imperturbável. ‐Gina se apaixonou
por seu marido. Até eu posso me dar conta. Espero que amanhã me diga que
não pensa anular seu matrimônio.
‐Também devo ressaltar que eu tampouco estou disponível.
‐Não? ‐O marquês de Bonnington tomou uma de suas mãos entre as dele
e levou a palma à boca. Ela estremeceu com essa pequena carícia.
Maldito seja por sua beleza, pela emoção em seus olhos, pela maneira como suas mãos a
faziam tremer de desejo.
‐Ao que parece eu também retornarei à cama de meu marido ‐ disse ela,
sem rodeios ‐Assim temo que tenha perdido sua oportunidade. Prostituta hoje,
esposa amanhã.
Seus olhos semicerraram.
‐Retornar não implica uma ação imediata ‐ disse‐lhe, pausadamente.
Ela não disse nada.
‐Devo entender que ainda não se reconciliou de todo com o estimado
lorde Rawlings?
Logo que ela assentiu brandamente com a cabeça, ele cruzou os braços
por trás e trancou a porta.
‐Então, seria um tolo se desperdiçasse a pequena oportunidade que
tenho, não é certo?
Deslizou as mãos por seus ombros, lhe deixando um rastro de fogo no caminho. Ela tinha
esquecido algo, esqueceu‐se de lhe dizer algo. Mas ele já havia despido a roupa. Algumas vezes,
no sonho, ela o olhava despir‐se, e outras vezes ele já estava aí, de repente, nu, com sua elegante
figura.
‐Não vai se despir? ‐perguntou‐lhe. Tinha a voz rouca. Seu corpo era moldado, como de
um cavaleiro. Isto a fazia sentir‐se fraca diante do desejo que sentia tão somente por olhá‐lo.
‐Sebastian... ‐disse ela, e fez uma pausa.
Estava experimentando o sonho em dois níveis: como se realmente este
sonho vívido estivesse acontecendo de novo, e sua luta real para advertir Sebastian.
Dizer‐lhe que ela retornaria à cama de seu marido nesta mesma noite. Então, ele não devia ir a
sua cama, nunca. Ele não devia pensar que este..., este encontro era por mais de uma noite.
Ele a beijou no pescoço, e ela sentiu que sua língua lhe tocava a pele por
um instante. Seu cabelo brilhava com a luz das velas.
Ela o olhou diretamente no rosto, tão lindo, familiar e severo. Beijá‐lo era
como beber água depois de ter muita sede. Sua boca era tão doce e tão feroz...
Ela o tinha desejado sempre.
Ela deslizou as mãos por seus braços musculosos, cobertos de pêlos
dourados e por seus amplos ombros.
‐Poderia atuar como o criado da senhora? ‐perguntou ele.
Ela apoiou sua cabeça em seu peito por um instante, saboreando a
beleza do momento, a dureza de seu peito contra sua pele. Ele cheirava a terra e a suor,
como se tivesse acabado de cavalgar. Cheirava a homem, a Sebastian.
Ele começou a lhe desabotoar o vestido com destreza, lhe fazendo
pequenas carícias com os dedos entre cada botão.
‐Lhe incomoda que esta seja a primeira vez que faz isto? ‐perguntou‐lhe
ela, com um pouco de curiosidade.
Ele se deteve por um segundo.
‐Não. O processo parece ser algo simples para a maioria dos homens. Por
que não o seria para mim? A ação que se requer de minha parte não parece ser
complicada ou difícil. ‐Um sorriso se desenhou em sua boca ‐Tenho fama de ser
bom atleta, Esme. Espero não lhe machucar.
No sonho, Esme notou sua arrogância. Será que ao homem não lhe
faltava confiança?
Porém, a Esme real tinha estado em um dos salões da casa de lady
Troubridge com antecedência e já sabia que não lhe falharia, que sua destreza
era enorme, inclusive para ser sua primeira vez, até maior que a de qualquer outro
homem com quem ela tivesse tido intimidade antes.
Arrebatou‐lhe o vestido dos ombros, deixando‐a sem nada mais que uns
poucos pedaços de renda francesa, unidas por uns nós que rogavam
delicadamente para serem desatados.
Seus olhos se obscureceram.
‐É deliciosa.
Ela se separou dele, desfrutando dos passos lentos que dava com o
quadril, que o faziam respirar rapidamente. Elevando os braços, tirou algumas
forquilhas da cabeça até que uma delas acariciou gentilmente sua roupa interior. Logo se
deixou cair na poltrona com um delicioso sentimento de abandono. E estirou a mão.
‐Me acompanharia milord?
Ele já estava ao seu lado antes que ela pudesse respirar de novo. Não parecia gostar de
sua renda francesa, posto que a tirou inteira, até deixá‐la nua, com os pés sobre o tapete.
Nesse momento, olhou‐a.
Quando ele falou, sua voz a fez saltar.
‐Amo‐te, Esme.
Atraiu‐a para seu corpo e a abraçou.
Em alguma parte de sua mente, a Esme verdadeira sabia que o sonho se
desviou da verdade. Sebastian não a amava.
Mas, no sonho, Esme perguntou:
‐Tanto como eu te amo, Sebastian?
Fez‐lhe uma carícia ao longo do quadril e das coxas e a aproximou para
que seus corpos se encaixassem.
‐O que acontecerá com Gina? ‐perguntou ela, consciente de que Gina era
sua melhor amiga e a prometida de Sebastian.
‐Gina está apaixonada por seu marido. Ela se desfará de mim ‐ disse ele,
beijando‐a dos ombros para baixo.
Para ele, tudo era novo, pois Sebastian Bonnington nunca tinha
entendido realmente a insensatez de paquerar com uma mulher e nunca tinha
conhecido a uma mulher que o impulsionasse ao comportamento insensato.
Até conhecer Esme, é obvio.
‐Não pode... ‐titubeou ela. ‐Não deve...
A Esme verdadeira estava esforçando‐se por recordar o que devia lhe
dizer.
Mas ele a estava lambendo, o rastro exuberante da clavícula para
baixo..., estava‐se ajoelhando. E as coisas que lhe estava fazendo com essa boca...
Os joelhos fraquejaram, mas se ela desmaiasse na poltrona, parecia ser exatamente o que
ele queria.
‐Desejo você desde o primeiro momento que lhe vi. Deus, você é tão linda, Esme...
Cada..., cada centímetro. ‐Sua voz era rouca.
Seu corpo estremeceu. Embora suas mãos nunca houvessem tocado
outro corpo feminino, pareciam saber o que fazer exatamente. Estavam lhe abraçando os
joelhos com um toque que parecia fogo.
‐Tenho que lhe dizer uma coisa ‐ sussurrou ela.
‐Agora não ‐ disse ele, baixando de novo a cabeça.
Uma rajada de fogo lhe invadiu todo o corpo, emanando prazer até a ponta dos dedos.
‐Seb‐Sebastian.
Ele não disse nada, e no sonho Esme estava completamente perdida,
arqueando‐se para diante para lhe pôr as mãos sobre seu grande corpo, para
lhe fazer coisas das que ele tinha ouvido, mas nunca havia sentido, coisas que sabia que
existiam, mas que nunca tinha experimentado. O fôlego lhe
bloqueava no peito, incapaz de formar palavras coerentes.
Mas a própria Esme, Esme Rawlings, viúva de Miles Rawlings, estava
girando e contorcendo o corpo em sua cama, e não devido à paixão. Estava apanhada no
sonho, tentando desesperadamente dizer algo para a Esme do sonho, tentando com que esta
fizesse algo.
Então, despertou.
Despertou e estava em seu corpo, não o esbelto e sensual corpo que Sebastian tinha
estado acariciando, a não ser o seu de verdade, redondo e muito incômodo. Uma vez mais ela
despertou antes de poder dizer‐lhe o que
queria.
Uma lágrima desceu pela bochecha. Sabia muito bem por que seguia
sonhando com uma noite de junho passado, uma vez atrás da outra. Bom, havia muitas
razões. Uma delas era que o bebê em seu interior poderia ser o
fruto dessa noite.
A segunda era que esse bebê poderia não ser de Sebastian, porque na noite seguinte ela e
seu marido tinham compartilhado o mesmo leito pela primeira vez depois de muitos anos,
precisamente a fim de produzir um herdeiro.
Procurou desesperadamente com as mãos o vulto em sua barriga.
Parecia que o bebê dormia também. Não havia pequenos chutes nos lados de
sua barriga que a fizessem sentir‐se menos sozinha.
Resultava mortificante que, durante o sonho, sempre dissesse para
Sebastian que o amava, mas nunca pudesse lhe dizer que evitasse seu quarto
no dia seguinte. Nunca conseguiu lhe contar que seu romance devia terminar
na mesma noite em que começou.
E como Sebastian havia voltado ao seu quarto na noite seguinte, tinha‐os
assustado e permitido que Miles pensasse que era um ladrão. Miles tinha tentado
defender‐se e seu coração se deteve.
As lágrimas lhe eram familiares. Eram tão familiares como o sabor do pão. Eram
lágrimas de luto... E de culpa.
Simplesmente, se não tivesse sucumbido diante de Sebastian e não
tivesse traído seu marido. Simplesmente, se tivesse saído do salão no momento
em que ele começou a seduzi‐la. Simplesmente, se não tivesse cedido ao desejo...
Sentou‐se na cama e deixou que os soluços lhe rasgassem o corpo como
se assim fosse ser capaz de expulsar fisicamente seu sentido de
responsabilidade.
E não é que não tivesse sido castigada. Tinha ficado viúva. Tinha ficado grávida. E não
sabia com exatidão quem era o pai.
E além disso, ficou sozinha.
Sempre guardava um monte de lenços ao lado da cama, para poder secar
as lágrimas apropriadamente. Primeiro as despachava e logo lhes prestava contas.
Ela tinha amado Miles, da mesma maneira afável com que ele a tinha amado. Ambos
eram completamente conscientes das debilidades mútuas. Não
tinham vivido juntos durante dez anos, mas dispensavam um carinho mutuo. E,
sentir saudades, constituía parte das lágrimas.
Sentia‐se culpada por sua morte, ah, isso representava outra grande
parte. Não deixava de desejar ter dito para Sebastian que a reconciliação com
Miles era iminente. Claro que ela assumia que isso aconteceria em algum ponto
desconhecido no futuro. Tinha sentido. Todos na festa de lady Troubridge sabiam que
Miles e lady Randolph Childe estavam compartilhando o mesmo quarto.
Quem iria pensar que Miles e ela fossem se reconciliar com o objetivo de
engravidar? Que Miles desejava que o fizessem imediatamente? Sebastian,
provavelmente, tinha pensado que eles se reconciliariam ao retornarem a Londres.
Simplesmente com que... Essas palavras lhe retumbavam na cabeça cada
vez que respirava.
Mais lágrimas, tão profundas que o peito lhe doía com cada suspiro. E
todas essas lágrimas não podiam ocultar o fato de que ainda ficava muita vergonha por
diante e ela sabia.
Sentia falta de Sebastian.
E não da noite que passaram juntos. Sentia falta dele por sua forma de
ser, sólida, cheia de sentido comum e aristocrática. Por todas as coisas incomodas que
enlouqueciam Gina enquanto esteve comprometida com ele:
sua honra, sua rigidez, sua força e seu caráter. Pela maneira como chegava ao
coração dos problemas. Porque sempre era tão controlado e tão prático.
Exceto, pensou Esme com sentimentos de prazer e culpa misturada, exceto quando se
tratava dela. Em sua presença, ele se consumia em paixão, e só por
ela, ele desafiava os convencionalismos sociais.
Sentia falta dele porque se foi. Havia partido para o continente temendo
um grande escândalo. Havia dito a todos que se equivocou de aposento quando o
descobriram no de Esme. Disse‐lhes que acreditou ter entrado no aposento de sua suposta esposa,
Gina.
Mas ele nem sequer estava realmente casado com a Gina. Tinha tentado
enganar a duquesa de Girton com um certificado falso de matrimônio, porque
ele queria deitar‐se com ela, mas não casar‐se com ela.
Assim era o seu adorado e honorável Sebastian, por um lado, tinha
salvado sua reputação e tinha permitido a Gina retornar para seu marido, que
ela realmente amava. Gina navegou para a Grécia com seu adorado Cam, e Esme se
retirou para o campo para guardar luto. E Sebastian, o rígido, correto e honorável Sebastian,
embarcou para o continente, com sua reputação feita em
migalhas. Toda a Inglaterra pensava que ele era um vilão, tão desesperado por
deitar‐se com a duquesa que tentou enganá‐la lhe fazendo acreditar que tinha
uma licença matrimonial especial.
As pessoas da alta sociedade comentaram durante meses sobre a
afortunada fuga da duquesa. Porque se Sebastian Bonnington não se
equivocasse ao entrar no aposento da duquesa de Girton, e não tivesse acabado no
aposento de lorde e lady Rawlings... Ele teria tido êxito em deitar-se com a duquesa sem o
benefício do matrimônio.
Essa era a ironia. Esme era a desencaminhada, aquela cuja reputação
merecia ser arruinada, e também quem deveria estar vivendo no continente, só
e exilada.
Mas Sebastian sacrificou a si mesmo e sua reputação, convertendo‐se em
um pária aos olhos de seus compatriotas. Agora, Sebastian estava em algum lugar do
mundo completamente sozinho.
Ou talvez não completamente sozinho. Agora que tinha conhecido o que
eram o desejo e o prazer, encontraria alguma mulher linda para casar‐se. Uma
mulher que entenderia imediatamente que ele era um homem honrado, e
também por que motivo inventou a história da licença de matrimônio, a história que o
expulsou de sua pátria.
Essa mulher provavelmente sentiria regozijo, porque foi esse escândalo o
que o atraiu para ela.
E se Sebastian tinha alguma lembrança da infame Esme Rawlings, estaria
repleto de receios por sua estupidez, posto que graças a havê‐la seduzido tinha arruinado
sua vida.

CAPÍTULO 12

À manhã seguinte, as lágrimas


E os segredos são os melhores amigos

O salão onde lady Rawlings passava as manhãs era completamente


encantador, e os ocupantes deviam se sentir, se não felizes, ao menos alegres.
Henrietta se deteve por um momento para saborear a maneira como o sol dançava através
das cortinas rosa de chifon, enviando pequenos raios de luz cor de rosa ao chão.
Isso foi antes que visse lady Rawlings. A elegante autoridade da alta sociedade tinha a
compleição pálida e sombras sob os olhos.
‐Escolhi um mau momento para visitá‐la ‐ disse Henrietta. ‐Tinha
oferecido minha ajuda ao Sr. Darby para escolher uma babá, mas facilmente poderei...
‐Não se preocupe! ‐disse a anfitriã tentando sorrir sem consegui‐lo. ‐Por
favor, sente‐se, lady Henrietta. Estou segura de que Simon descerá
imediatamente. Quer um chá?
Henrietta se sentou ao lado da anfitriã, observando‐a enquanto uma
lágrima rolava pelo formoso nariz de lady Rawlings.
‐Quando a senhora Raddle estava grávida ‐ disse ela, querendo iniciar uma conversa‐ seu
marido jurou que nunca lhe permitiria ter outro filho.
Gritava‐lhe todo o tempo, como se fosse uma lavadeira.
‐Sério? ‐Lady Rawlings lhe entregou uma xícara de chá, secando a lágrima
fugitiva com um lenço úmido.
‐Sim, eu mesma escutei ‐ disse Henrietta ‐Pobre senhor Raddle, era um
pouco volumoso, sua primeira esposa o chamava glutão cara de presunto, e logo o acusou
de ter umas nádegas de porco. Isso foi há seis anos, mas nunca
pude me esquecer daquela frase: "nádegas de porco".
Deixou a um lado a xícara de chá. As lágrimas brotavam cada vez mais rápidas nos olhos
de lady Rawlings.
‐OH, querida ‐ sorriu tristemente a anfitriã ‐Temo que se a senhora Raddle era uma
lavadeira, eu devo ser um pano úmido. Para ser sincera, passo
quase todo o tempo chorando. Minha babá diz que farei mal ao bebê.
Henrietta buscou nos bolsos e encontrou um lenço limpo, que usou para
limpar as lágrimas de lady Rawlings. Logo, disse‐lhe:
‐Não tenho a menor idéia do que é chorar em uma condição delicada, mas acredito que é
pouco provável que isso faça mal ao bebê. O que eu acredito é que chorar não é a melhor opção
para a manhã.
‐Por... Por que não? O que poderia ser uma melhor opção? ‐Estava claro
que lady Rawlings não se encontrava bem.
‐As lágrimas salgarão o chá. Tome, beba este. ‐Henrietta tinha
descoberto que essa atividade tendia a cobrir a histeria.
Esme Rawlings bebeu um pouco de chá, mas isso não parecia lhe
evaporar as lágrimas.
‐Imagino que sofre pelo o seu marido ‐ disse Henrietta. ‐Sinto muito.
‐É obvio, tenho saudades... Tenho saudades de meu marido Miles. Claro
que sim.
Havia algo estranho no tom de sua voz. Henrietta sabia, assim como
todos, que Miles e Esme Rawlings não tinham vivido juntos durante anos. Mais
ainda, ela viveu toda sua vida em Limpley Stoke e topou várias vezes com lorde
Rawlings acompanhado de lady Childe. Todos sabiam dessa relação. Mas na noite anterior,
Darby havia dito que seus tios se reconciliaram antes que lorde Rawlings falecesse.
‐Dizem que a dor desvanece com os anos ‐ disse ela, de um modo
estranho.
‐É muito difícil carregar um bebê nestas circunstâncias. E, agora que Darby e as meninas
estão aqui, sinto‐me tão..., tão... ‐A voz se perdeu.
‐Talvez, se pensar no bebê se sentirá melhor.
‐Não posso imaginar, disse lady Rawlings, com certo toque de histeria em
sua voz. ‐Não sei como será meu bebê!
‐Bom ninguém pode sabê‐lo, não é certo? Mas isso não importa. Estou segura de que se
sentirá agradada com sua aparência sem se importar com a
estética que ele tenha. O filho da senhora Raddle é tão gordo como um nabo e,
entretanto, ela nunca o chamou de cara de presunto. E ele o é, lhe asseguro.
Ganhou um concurso de comer bolos a primavera passada, e isso que tão somente tem
sete anos!
Esme Rawlings disse, em um mesmo soluço:
‐Não o entende. Eu não..., eu não..., não estou segura de como será meu
bebê!
Henrietta piscou.
‐Mas, lady Rawlings...
‐Não me chame assim, por favor. Não me chame com esse nome!
Esme estava afundando‐se claramente em um episódio de histeria.
Henrietta olhou ao seu redor. O carbonato de amônia ou as bebidas fortes eram os
remédios indicados para curar este tipo de coisas. Mas ela nunca levava nada disso.
Por sorte, lady Rawlings não parecia estar em perigo.
‐Meu nome é Esme ‐ disse ela com ferocidade, tomando uma colherada
de açúcar e colocando no chá. ‐Por favor, me chame Esme. O problema...
Nesse momento, levantou a delicada xícara de chá e a levou até os
lábios, encontrando os olhos de Henrietta com os seus.
‐O problema é que eu não estou segura de quem é o pai deste bebê.
Graças a um grande ato de vontade, Henrietta disfarçou para não
mostrar‐se alarmada. Levantou sua xícara de chá e tomou um pequeno gole.
‐Ah, há..., há muitos candidatos?
‐Parece minha amiga Gina. A duquesa de Girton. Esse é exatamente o
tipo de comentário que ela faria neste momento. É tão prática... Gina nunca se encontraria
em uma situação como esta... ‐Esme começou a chorar – Me comportei muito mal com ela.
Henrietta tentou pensar em mais comentários práticos e tonificantes.
Mas não pôde, ao dar‐se conta de que não tinha a menor idéia ao que se referia lady
Rawlings.
‐Veja, Gina ia se casar com lorde Bonnington, mas não o fez ‐ explicou Esme ‐E temo
que ele possa ser o pai deste bebê.
Os olhos da Henrietta aumentaram. Ela tinha ouvido, é obvio, sobre o pérfido marquês e
de seu travesso intento de enganar a duquesa de Girton.
‐O mesmo marquês que tentou obrigar à duquesa a que...
‐Não, não. Essa história só era uma tolice. Ele entrou em meu aposento
porque estava procurando... Porque estava me procurando. A mim!
‐E se encontrou com seu marido ‐ disse Henrietta ‐Isso foi má sorte.
Havia algo tão gentil em sua voz que Esme se sentiu acalmada e,
inclusive, um pouco perdoada.
‐Henrietta, poderia lhe chamar Henrietta? ‐Quando ela assentiu, Esme
continuou ‐ Sou uma pessoa miserável. Mas o amo, e se trata de algo tão impossível!
Henrietta estava tratando de entender.
‐Ama lorde Bonnington...
‐Realmente não sou uma mulher perdida, apesar de minha reputação ‐
interrompeu Esme. ‐Passei uma noite com Sebastian, só uma. O que ocorre é
que foi uma noite antes que Miles e eu nos reconciliássemos, devido a nossa decisão de
ter um bebê. Meu marido disse que precisava falar primeiro com lady Childe ‐ olhou para
Henrietta com os olhos inchados. ‐Sabe o que aconteceu a lady Childe?
Henrietta assentiu.
‐Deve pensar que somos um grupo de gente degenerada. Mas em
realidade não é assim. Miles e eu nos casamos por engano e, dez anos depois,
ele encontrou a felicidade junto a lady Childe. Só que ele queria um herdeiro mais que
tudo e, por conseguinte, devia informar a ela... ‐deteve‐se.
‐E a noite anterior você e o marquês, ah...
‐Exatamente ‐ disse Esme, sentindo‐se muito mal.
‐O marquês foi para o continente, não?
Henrietta recordava vagamente, Imogen lhe havia contando excitada
toda a sórdida história do escândalo Bonnington, tal e como se refletiu nas páginas do
Daily Recorder da cidade.
‐Sim. E eu não sei se o bebê é dele ou se é de Miles.
‐Então não tem nenhum problema ‐ disse Henrietta, sorrindo para Esme ‐
porque este bebê é seu e de ninguém mais.
‐Bom, suponho que isso seja certo, mas...
Henrietta lhe pôs uma mão no braço.
‐Digo‐o a sério, lady Rawlings..., Esme. Este bebê é seu. Quando nascer,
será uma pequena coisinha inchada que ninguém, exceto você, amará. Alguma
vez viu um recém‐nascido?
Esme negou com a cabeça.
‐São pouco graciosos. E, escutei que passas um momento horrível
tratando de trazê‐los para o mundo. E logo, quando chegam, fazem‐no sem um
só cabelo e cheios de manchas. Mas será seu bebê. Se assim o quiser, é obvio.
Esme envolveu a barriga com os braços.
‐OH, claro que o quero. Quero este menino. Ou menina.
‐Então, não consigo compreender o problema. Este bebê vai nascer
dentro do amparo do matrimônio.
‐Se só se tratasse de mim, não me sentiria tão horrivelmente culpada ‐
disse Esme ‐Mas é que também há o Darby.
‐Darby é um adulto ‐ disse Henrietta, sucintamente.
‐Sim, mas é que você não entende. Darby era um homem endinheirado
até um ano atrás, mais ou menos. E logo seu pai morreu e Darby se converteu
no guardião de suas duas irmãs. Mesmo assim, era o herdeiro de Miles.
‐O herdeiro aparente. Sinto muito pouca pena por um homem
perfeitamente são como o senhor Darby. Dispõe de via livre para fazer o que
desejar e tenho a certeza de que o acabará fazendo. Tão somente deve casar‐
se com uma herdeira. Por sorte para ele, tem o rosto e a aparência para consegui‐lo.
‐Mas é tão injusto... ‐protestou Esme.
‐Não lhe vejo nada de injusto nisso.
‐Mas é que não entende...
‐Não. Daria o que fosse para ser o Sr. Darby, com duas meninas lindas para criar e
cuidar. Ele pode casar‐se com alguém... Com qualquer uma!
Houve um momento de silêncio.
‐Sinto muito ‐ disse Esme. ‐Sei, é obvio que não pode ter filhos. Mas não
duvidei em lhe incomodar com minha truculenta história. Foi
imperdoavelmente grosseiro de minha parte.
Henrietta lhe sorriu palidamente.
‐Não há nada que lhe perdoar.
‐Sim, há. Estive me queixando por assuntos que são corriqueiros em
relação a suas circunstâncias.
‐É certo que eu adoraria estar em sua situação.
Uma pequena risada escapou de Esme.
‐Entende a classe de escândalo em que me encontro? A esposa tão
terrível que era para Miles? Que, virtualmente, sou responsável por sua morte?!
‐Essa parece ser uma conclusão bastante irracional. De acordo com tudo
o que escutei, o coração de lorde Rawlings se deteve. Por desgraça, sua morte
poderia ter ocorrido em qualquer momento. Tal como parece, ele tem o herdeiro que
tanto queria e você vai ter esse bebê. Vais ter um bebê muito formoso, quase mágico ‐ duvidou, e
logo continuou. –Não há nada demais que
o bebê não tenha pai!
Esme se acomodou e tomou uma das mãos de Henrietta entre as suas.
‐Está completamente segura de que não pode ter filhos?
‐Sim. Mas não quero que pense que isto me aflige, porque, em realidade,
levo bem quase todo o tempo. Entretanto, se alguém me desse um bebê, não
me deteria com ninharias, como as circunstâncias de seu nascimento.
‐Bom ‐ disse Esme, pensativa. ‐Acredito que, provavelmente, é a melhor
pessoa sobre a terra a quem poderia haver contando o meu segredo.
‐Temo que uma das conseqüências de minha enfermidade é que alguém
cresce sendo um pouco cruel. Passo muito tempo observando às pessoas, e essa é a causa
de que minhas opiniões sejam excêntricas. Minha irmã se queixa
constantemente de que sou peculiar.
‐Com toda segurança, a maioria das mulheres que conheço me
pontuariam de monstro pelas coisas que acabo de confessar ‐ disse Esme, olhando com
curiosidade para Henrietta. –Para ser sincera, não posso acreditar que lhe tenha contado tudo
isto.
‐Não o direi a ninguém. E lhe rogo que não pense mais se o Sr. Darby pode ficar
deserdado. É um homem, depois de tudo.
‐Deveria se casar com ele ‐ disse Esme, de repente. ‐Ele tem os filhos que
você quer e você..., você é notavelmente linda, o que é de grande importância
para ele.
‐E por que quereria eu me casar com um homem que usa pescoços de
renda e está obcecado com a beleza?
Agora que Esme punha atenção, deu‐se conta de que o sorriso de
Henrietta era incrivelmente lindo.
‐Ele não é assim, na realidade. Sei que tem reputação de afetado, e sim,
veste‐se cuidadosamente. Mas Darby é bastante sensível. Por favor, ao menos
considere a idéia de se casar com ele!
‐Ele não me pediu isso ‐ ressaltou Henrietta. ‐E não o fará. Os homens querem ter seus
próprios filhos. E eu não me casarei.
‐ Darby, não! Darby se aborrece com crianças. Devia lhe haver ouvido falando do tema
antes de ficar encarregado de suas irmãs. Imagine!
Interessado em uma dessas criaturas calvas e cheia de manchas, como você disse?
‐É difícil de imaginar ‐ disse Henrietta com um sorriso.
Esme voltou à cabeça rapidamente.
‐Aqui vem ele! Darby nos fale o que pensa sobre as crianças?
À luz da manhã Darby parecia muito mais elegante que a noite anterior,
se algo assim era possível. Levava um colete bordado em sua parte dianteira e
uns punhos de renda lhe adornavam os pulsos.
Ele se deteve e fez uma reverência. Até o menor de seus gestos tinha uma elegância
estudada.
‐Se lhes informasse que esta é minha segunda muda de roupa no dia, devido à
desafortunada propensão de Anabel em vomitar seu café da manhã em todas as direções, seria
esta uma resposta suficiente para sua pergunta?
Bom dia, lady Henrietta.
Fez outra reverência para Esme, e Henrietta observou que Darby tinha notado seu rosto
cheio de lágrimas.
‐Talvez se Anabel fosse sua filha, não se sentisse igual ‐ sugeriu Esme.
Darby encolheu de ombros.
‐Temo que não. Não me interessam nem a responsabilidade, nem essas
tarefas pesadas e aborrecidas que associo aos cuidados das crianças. ‐Estava realmente
convencido disto.
Henrietta não pôde evitar sorrir.
‐As crianças não deveriam dar tanto trabalho. A maioria dos pais que apenas se ocupam
de seus filhos, não tem problemas com sua educação.
‐Não ‐ disse ele, com firmeza‐ sinto‐me feliz em poder dizer, com toda sinceridade, que
não tenho interesse algum em me reproduzir.
Se não tivesse o queixo tão definido, Henrietta teria pensado que ele não
era mais que um frívolo. Mas, nesse momento, advertiu a força contida de suas
pernas. As calças não ficavam tão bem nos cavalheiros de Wiltshire!
Esme começou a ficar em pé, e Darby, imediatamente, se levantou para
ajudá‐la.
‐Está bem? ‐perguntou‐lhe.
Esme parecia um pouco envergonhada.
‐Temo que estive contando minha tediosa história para Henrietta. O
mesmo que fiz contigo ontem à noite. Advirto‐lhes isso ‐ sorriu para Darby. ‐
Estes dias não sou mais que um pano úmido.
Ele tinha um sorriso doce, segundo Henrietta.
Esme não parava de manusear seu xale.
‐Creio que irei para meus aposentos por um momento. Não, por favor, não se incomode
em me acompanhar. Retornarei imediatamente, porque as babás chegarão em poucos minutos,
não é certo? E não só isso, a agência de
empregos prometeu enviar também ao menos um candidato para ser o
jardineiro. Por favor, me desculpem. Deixarei vocês sozinhos durante uns minutos.
Logo se abaixou e sussurrou a Henrietta no ouvido:
‐Vê? Não quer filhos!
E se foi.
‐Quer um pouco de chá, senhor? Embora tema que esteja frio.
Darby se sentou no lado oposto a Henrietta e olhou o seu vestido.
‐Não obrigado. O vestido que tem posto foi feito aqui na cidade?
‐Sim, assim é ‐ disse ela. –Sua roupa foi fabricada em Londres?
‐Por parisienses exilados.
‐Nesse caso, não me incomodarei em lhe dar o endereço da senhora
Pinnock. Imagino que encontrará seu francês pouco adequado.
Ele sorriu.
‐Nem seu endereço, nem a de sua mesa de costura. Estou muito
agradecido, lady Henrietta, por me ajudar neste projeto. Sinto‐me pouco preparado para
escolher uma babá.
O mordomo de lady Rawlings, Slope, entrou no aposento e anunciou:
‐As babás estão aqui, Mr. Darby. Faço‐as passar de uma em uma?
Darby olhou para Henrietta.
‐É melhor do que as atender todas juntas, não crê?
‐É obvio.
Slope fez uma reverência e retornou com uma mulher baixa e robusta
com um nariz proeminente e um peito que parecia uma cornija. Ia vestida de
rigoroso negro. A saudação encantadora de Darby pareceu incomodá‐la, fez uma
valoração severa de suas mangas de renda, cheirou os arredores
ruidosamente e saudou lady Henrietta.
Henrietta sabia com tão somente vê‐la, que a senhora Bramble não era a
pessoa adequada. Por isso, só pôs atenção em suas palavras quando se deu conta do que a
babá dizia:
‐Então, verá senhora, acredito que a vida de um menino se deve
organizar e reger sob os melhores princípios cristãos. De fato, como membro de uma das
melhores famílias metodistas do Upper Glimpton, posso‐lhe
assegurar senhora, que...
Henrietta empalideceu ao dar‐se conta de que a senhora Bramble a tinha
tomado pela esposa do Sr. Darby. Devia ter assumido que "lady Henrietta" era a "senhora
Darby", que teria conservado o título de sua família depois de seu matrimônio. É obvio que tinha
assumido isso. Nenhuma moça solteira estaria sozinha no mesmo aposento com o senhor Darby
sem vigilância.
Darby a olhou rapidamente. Seus olhos estavam repletos de diversão.
‐Ah ‐ disse‐, você parece ser o tipo de pessoa que eu estava procurando
para meus filhos, senhora Bramble. Verá, nossa babá anterior tinha tendências
papistas.
A senhora Bramble conteve o fôlego.
‐Sim, de fato ‐ disse ele, enfatizando, ‐ temia pelas almas de minhas meninas.
Henrietta interveio.
‐Senhora Bramble, uma das meninas, Josie, está sendo difícil com o luto
pela morte de sua mãe. Teve experiência com este tipo de caso no passado?
‐De fato, sim, de fato, sim. Estou chorando a morte de minha própria mãe, como podem
ver por meu vestido.
O rosto suavizou, e pela primeira vez Henrietta pensou que talvez a senhora Bramble não
fosse tão rígida como parecia.
‐Sei perfeitamente a angústia que pode supor a morte de um pai ‐ disse,
sorrindo com certa melancolia. ‐Acredito que posso dizer, sem reservas, que lhe seria de
grande ajuda à pequena. Poderíamos compartilhar nossa tristeza.
‐Lamento sua perda ‐ disse Henrietta. ‐Quando morreu sua mãe?
‐Fará cinco anos e uma quinzena na próxima quinta‐feira. ‐A senhora
Bramble se afastou um pouco a saia e disse, dando‐o por sentado. ‐Posso me
mudar no sábado, senhora, e estarei muito contente de cuidar de uma pobre e
triste criatura. Encontraremos resguardo no Senhor.
‐Senhora Bramble ‐ disse Darby, levantando‐se e ajudando‐a a ficar de pé, ‐ foi um
prazer.
Slope retornou dois minutos mais tarde com uma moça de traços
marcados, que parecia recém saída do colégio. Tinha posto um vestido de musselina
impressa, com quatro ou cinco camadas de babados ao redor do final e outras poucas camadas do
mesmo nos braços, para equilibrar o conjunto.
Desta vez Darby foi mais explícito em ressaltar sua relação com as
meninas e o fato de que Henrietta tão somente o estivesse assistindo na eleição da babá.
Mas à senhorita Penélope Eckersall não preocupava sua relação.
Ela explicou, com voz decidida e estridente, que, embora encontrasse a
casa muito agradável, não sabia que estava tão longe de Bath, o lugar aonde se
encontrava a agência de empregos.
‐Simplesmente não posso viver tão longe da cidade ‐ disse sinceramente.
‐Limpley Stoke fica a tão somente dois quilômetros daqui‐ disse
Henrietta.
‐Bom, com respeito a isso ‐ disse a senhorita Eckersall‐ passamos por esse povoado ao vir
para aqui. É muito pequeno, não é certo? Tão somente tem a Rua Maior e uma estalagem, isso é
tudo. Se houvesse um acampamento
militar, ou algo que atrairia... Eu não sei, um pouco de vida para esta região...
Mas o único que vi no caminho foram algumas vacas! Foi terrível!
‐É uma comunidade de granjeiros ‐ acessou Henrietta‐ mas...
Estava a ponto de esclarecer que Darby vivia em Londres, mas ele
interveio.
‐Estou de acordo com você, que o encontre tedioso. Depois de tudo, uma
moça como você gostará de divertir‐se de vez em quando.
‐Exatamente ‐ disse a senhorita Eckersall. Quando assentiu com a cabeça,
os três fios de cabelo que lhe penduravam sobre as costas assentiram também
‐Disse a minha mãe que eu adoraria encontrar um emprego em Londres. Isso é
o que realmente desejo. Mas minha mãe não me permitiria isso, sob nenhuma
circunstância. Por isso não me deixa responder anúncios que sejam na cidade.
‐É uma pena ‐ disse Darby em tom de confidência.
Igual à senhora Bramble, a senhorita Eckersall não parecia muito
impressionada por seu traje. Mas olhou de esguelha as mangas, desviando logo
a vista para outro lado como se acabasse de ver algo embaraçoso.

Sem responder, Darby virou‐se para Henrietta e lhe disse:


‐Porque uma jovem precisa fazer amigos de vez em quando, já me
entende. ‐levantou‐se do assento. ‐Desculpo‐me por lhe haver feito perder tempo, sinto
muitíssimo. Mas estou seguro de que esta oferta não é a correta
para você.
Enquanto Darby fazia soar o sino para chamar o mordomo, a senhorita Eckersall se virou
para Henrietta e lhe disse:
‐Poderia falar um momento com você, milady?
Darby fez uma reverência e se afastou para o canto mais afastado do salão enquanto
Henrietta ficava de pé, assentindo com a cabeça.
A senhorita Eckersall sussurrou a um volume grandemente alto:
‐Não lhe permita contratar à outra senhorita que viajou comigo, milady.
Essa senhora Bramble, ou ao menos assim diz que se chama.
‐OH ‐ disse Henrietta, um pouco incômoda por esta advertência.
‐Sabe que eu não quero este posto, assim não pense que o digo em meu
benefício. Essa senhora Bramble me contou que tinha a mão de sua mãe dissecada, sobre
o suporte da lareira! Sobre o suporte da lareira! ‐Repetiu a garota com um sussurro de suspense.
‐Não acreditei e me disse que era a mão
que tinha o anel de matrimônio. Não é a coisa mais estranha que ouviu?
E se foi, dirigindo‐se à porta de saída.
Darby a olhou com seriedade do outro lado do aposento, aproximando‐
se logo de Henrietta.
‐Suponho que nenhuma das duas candidatas passou na prova, para você,
lady Henrietta.
Os olhos de Darby lhe enrugavam nos extremos e essas rugas fizeram
Henrietta ferver em fogo lento, inclusive quando ela sabia que ele não era mais que um
tipo frívolo.
‐As confissões são boas para a alma ‐ disse ele. ‐Estava à senhorita Eckersall lhe
advertindo sobre mim?
Henrietta piscou.
‐Sobre você?
Ele sorriu.
‐Por seus sérios olhares para meu traje, pensei que ela tinha decidido lhe
advertir que se afastasse de cavalheiros como eu.
Henrietta o olhou deliberadamente dos pés à cabeça.
‐Leva renda? ‐perguntou‐lhe docemente. ‐Não o tinha notado. E não,
devo desiludi‐lo ao lhe confessar que ela não me contava nada a respeito de você. Está
seguro, muito seguro, de que ela se fixou em seu traje? Temo que
devo lhe dizer senhor, que as pessoas dos subúrbios de Londres não dão tanta
importância à moda como você.
Ele soltou uma gargalhada, e isso fez com que o calor que Henrietta sentia lhe chegasse
até as pernas.
‐Ferido por minha própria bomba, não é certo? Acredito que você vai bem a minha
vaidade, lady Henrietta. ‐Lhe sustentou a mão e a levou a boca,
lhe dando um beijo. ‐Você não me considera mais que um pavão.
Ela não pôde resistir lhe sorrir.
‐Talvez não um pavão, a não ser...
‐Uma cabra? Alguém inchado de orgulho?
‐Não estou segura de dominar o jargão da cidade, senhor, dado que eu
jamais fui a Londres. Poderia dizer um enganador?
Ele grunhiu.
‐Acaso me vê vestindo meias cor cereja, lady Henrietta? Como pode me
ferir dessa maneira? Ela levantou uma sobrancelha.
‐Dizem que o autoconhecimento é uma virtude. Você é delicioso,
verdade?
‐Ai de mim! Meus ombros não são o suficientemente avultados, nem
meus saltos o suficientemente altos.
‐Como de avultados são seus ombros? ‐perguntou‐lhe ela com um pouco
de interesse, olhando sua jaqueta para averiguar se tudo o que estava à vista
era verdadeiramente dele.
Darby sorriu fracamente.
‐Eu estaria mais que disposto a satisfazer sua curiosidade com respeito a
minha musculatura, lady Henrietta, mas temo que sua petição seja muito íntima tendo em
conta que o jardineiro nos acompanhará a qualquer
momento. Asseguro‐lhe que jamais me oporei a satisfazer essas curiosidades em privado.
Ela nem sequer piscou.
‐Entendo perfeitamente que você se sinta mais cômodo em círculos
íntimos ‐ disse‐lhe. Maldita seja, como disse, pareceu dar a entender que não
lhe importasse nada mais que os assuntos do aposento, ‐ mas não tenho grande interesse
por sua musculatura. Tão somente era um capricho
passageiro. Ouvimos muito sobre os frívolos de Londres, se podemos usar o termo sem
lhe ofender, senhor Darby, mas em poucas ocasiões pode se ter um
tão perto.
Olhou‐o como se ele fosse uma lagartixa de cores desagradáveis.
Darby sentiu uma inexplicável punhalada de prazer. Não sabia se eram seus comentários
agudos ou seu lindo rosto o que mais lhe atraía. Cada vez que Henrietta baixava o olhar,
sentia‐se deslumbrado pela forma delicada de seu rosto e a protuberância de seu lábio inferior,
que sempre despertava desejos de beijá‐lo. Mas logo ela o olhava e o esmagava como um inseto.
‐Asseguro‐lhe que a maioria das pessoas aprova meu vestuário ‐ disse‐lhe
ele. Que comentário tão tolo. Maldita seja, estava‐lhe fazendo parecer um completo
idiota!
Ela negou com a cabeça.
‐Não sou ninguém para julgar seu vestuário ‐ disse ela, jogando uma olhada a seu próprio
vestido. Tinha um canto bordado com pontos. Olhou para
ele de novo, com um brilho nos olhos. ‐Agora, se você ficar nas mãos da senhora
Pinnock, você poderia ser pontuado de enganador.
‐Tentarei recordá‐lo ‐ disse ele. ‐É a senhora Pinnock a responsável por suas luvas?
Ela olhou suas luvas, confundida.
‐Claro que sim. A senhora Pinnock é o suficientemente boa para fazer algo que embeleze
um vestido. Dessa maneira, uma dama não tem que pensar
em tudo antes de vestir‐se.
Ele encolheu os ombros e logo começou a lhe tirar a luva cor de trigo da
mão direita.
‐O que está fazendo? ‐Perguntou Henrietta, olhando atenta enquanto lhe
aparecia à mão. ‐Certamente já vem Slope em companhia do jardineiro.
Embora devessem mandar chamar lady Rawlings. Não acredito que ela queira
que sejamos nós quem entreviste ao novo jardineiro.

‐Ela me pediu o favor de falar com o homem ‐ disse Darby. ‐Enquanto isso
estou me certificando de que seus dedos não sejam excessivamente finos ou doentes. A
forma de suas luvas me fez preocupar com sua saúde. ‐Acariciou‐lhe
um dos esbeltos dedos. ‐Os dedos inchados são indício de uma enfermidade grave.
Definitivamente, ele estava paquerando com ela. Com ela. Embora lhe
houvesse dito, sem rodeios, que não podia ter filhos. Henrietta não sabia o que fazer a
respeito. Ele se encontrava frente a ela, grande, masculino e formoso, lhe sustentando a mão nua.
‐Verá ‐ disse‐lhe brandamente. ‐Formosos. Dedos esbeltos.
Acariciou‐lhe levemente um segundo dedo.
‐Simétricos? ‐apontou ele, levantando uma sobrancelha. ‐Acredito que
podemos estar de acordo nisso. Não leva anéis?
‐Não estou muito interessada na decoração.
‐Que lástima ‐ disse‐lhe, docemente. ‐Eu mesmo sou uma decoração tão
linda.
Quis dizer o que ela tinha pensado que havia dito? Que ele...? Ela deve
lhe haver interpretado mal. Ele levou seus dedos lentamente para a ponta dos
dela, percorrendo um curto caminho. Logo, uniu sua palma com a dela.
‐Verá ‐ disse‐lhe seriamente‐ há momentos em que os dedos de uma
mulher se embelezam ao lhe somar uma mão masculina.
A palma lhe tremia e isso era absurdo. Ela retirou a mão antes que ele pudesse tocá‐la de
novo e lhe disse:
‐Sr. Darby, minha luva, por favor.
Mas Darby não a devolveu. Olhou‐a com seus olhos cor mel, que
refletiam uma luz travessa e risonha.
‐Há momentos, horas realmente, nas que os lábios de uma mulher
também melhoram ao realizar a mesma soma sobre eles, Henrietta.
Ela piscou. Com que direito ele a chamava...
Ele inclinou a cabeça.
Sua boca era cálida. Essa foi à primeira impressão. Ela ficou rígida, de pé,
perguntando‐se o que devia fazer enquanto ele punha sua boca na dela.
Claramente, estava‐a beijando. Haver‐se dado conta disso foi a segunda impressão. Ele
parecia estar desfrutando. Uma mão grande a agarrou pelo pescoço e a atraiu gentilmente para
ele. Estava‐a desfrutando? Provavelmente,
esse seria seu único beijo. Deveria estar desfrutando‐o mais?
Provavelmente ela deveria afastar‐se dele. Seus lábios se moviam nos
dela e era algo, quase se sentia como...
Ele se afastou.
‐Foi este seu primeiro beijo? ‐perguntou‐lhe.
‐Sim ‐ disse ela, duvidando. Em qualquer caso, sua franqueza não parecia
ter perturbado Darby anteriormente.
‐Os beijos estão algo supervalorizado hoje em dia, não crê? ‐disse‐lhe, sorrindo ‐ Não é
que esteja pondo em dúvida suas habilidades, Sr. Darby. No mais mínimo. A mim tampouco me
deram bem as habilidades físicas.
Ele ficou calado diante disso. Henrietta confiou que ele não tivesse tanta
fama por seus beijos como por suas opiniões sobre moda.
‐Poderia me devolver minha luva, por favor?
Ele a deu.
‐Muito obrigado.
Henrietta não tinha terminado de recebê‐lo quando Slope abriu a porta e
disse:
‐O jardineiro, Sr. Darby. Seu nome é Baring.
Darby nem sequer se voltou. Ficou olhando, com uma expressão a
metade do caminho entre o sorriso e a inquietação que fez com que Henrietta
estremecesse. Sua agitação se devia a incomum circunstância de que um cavalheiro
estivesse lhe prestando tanta atenção. Não havia razão para que seu coração pulsasse tão
acelerado. Nem para encontrar‐se se perguntando se ele
tivesse tentado lhe tirar ambas as luvas. Ou beijá‐la outra vez.
Ela se voltou e saudou Baring. Era um homem grande, tão alto como
Darby. E era bonito, de um modo informal. Tinha cachos loiros e olhos azuis claros e, se
não tivesse uma expressão um pouco estúpida, ela teria pensado que ele era capaz de galgar
umas quantas posições sociais.
Darby se voltou e, por um instante, seu corpo se congelou. Tudo
aconteceu tão rápido que Henrietta se perguntou se tinha imaginado, porque,
em um segundo, ele estava dizendo:
‐Baring, verdade? Lady Henrietta, sente‐se para que discutamos juntos se
Baring tem ou não experiência suficiente em jardins.
Para Henrietta pareceu uma pergunta estranha. É obvio que o homem
devia ser hábil com a jardinagem. Mas o que sabia ela de entrevistar pessoal para a parte
exterior da casa? Sua madrasta sempre deixava esse trabalho ao
encarregado, posto que só se interessasse em contratar as suas criadas pessoais.
Darby acompanhou Henrietta ao sofá e se sentou ao seu lado. Logo se recostou de um
modo informal no respaldo e passou um braço sobre este.
Henrietta se sentou com as costas erguidas, como estava acostumada a fazê‐lo.
Ele estava tão perto que de fato seu ombro tocava o dela. Ela se afastou um pouco.
‐Imagino que a agência de empregos lhe informou que estamos
procurando um perito em rosas ‐ disse Darby.
‐Sim, eles me disseram ‐ respondeu Baring. ‐estive rodeado de rosas
desde que era um menino.
Para Henrietta, lady Rawlings era uma péssima acompanhante. Era
interessante dar‐se conta de que a tarefa de vigiar tinha seu mérito. Os homens
claramente tendiam a beijar a qualquer mulher que se encontrasse a um braço
de distância.
Por sorte, ela parecia não ver‐se afetada por esses beijos. Tinha ouvido muitas conversas
de outras garotas sobre os beijos. Molly Maplethorpe jurou que quando seu marido Harold a
beijou pela primeira vez se derreteu como se
fosse pudim de baunilha. Para Henrietta tinha inquietado essa imagem durante
muito tempo antes de decidir que Molly era extremamente criativa no uso da
linguagem. Embora muitas outras houvessem dito coisas parecidas.
De todas as maneiras, era difícil não sentir prazer, embora ela não se notasse tão líquida.
Tinham‐na beijado! Agora que as garotas compartilhavam
confidências não se sentiria como uma freira velha.
Darby estava perguntando ao jardineiro sobre técnicas de manejo de
chãos. Onde diabos ele teria aprendido tudo isso? Ela sabia que ele tinha vivido em
Londres a maior parte de sua vida. Embora em Londres também
cultivassem rosas, isso ela tinha ouvido, embora lhe parecesse complicado, com toda essa
fumaça de carvão poluente.
‐E como curaria o fungo? ‐ Darby estava perguntando ao jardineiro, com
certo tom de diversão na voz, como se estivesse a ponto de arrebentar na risada. Que
homem tão estranho.
Ela deixou de escutá‐lo e voltou a pensar nos beijos. Tinha que ir ao ponto: por que
Darby a tinha beijado? Deixou‐lhe muito claro que não podia ter filhos, mas ao que parece isso
não o tinha desanimado.
De fato, isso pareceu haver despertado sua atenção. Talvez, pensou ela
confundida, ele realmente não quisesse ter filhos.
Darby e o jardineiro tinham terminado a entrevista. O homem fez um
gesto de despedida com a cabeça e se foi do aposento junto com Slope.
‐Acredita que lady Rawlings se encontrará bem? ‐perguntou‐lhe ela,
olhando‐o fixamente. ‐Apresentará minhas desculpas, por favor, Sr. Darby? É
uma pena que nenhuma das duas babás fosse a apropriada para o cargo. Talvez
devamos enviar uma mensagem urgente à agência de empregos, pedindo mais
candidatas, não crê? Temo que tenho uma entrevista no povoado e devo ir.
‐Não se preocupe com as babás. Temos sorte de ter várias criadas nesta
casa. E contratamos um jardineiro, assim não perdemos a manhã. O sorriso com que disse
isto, fez com que Henrietta se sentisse enjoada. ‐Sua entrevista é no Limpley Stoke? Posso
acompanhá‐la, lady Henrietta, se for tão amável de me levar em sua carruagem. Parece ser uma
pequena vila encantadora. Talvez
possa averiguar se a senhorita Eckersall estava correta quando dizia que lhe faltava um
pouco de vida.
‐Está pensando em ficar muito tempo no povoado? ‐perguntou
Henrietta, sem deter‐se.
‐Não, não pensava ‐ disse Darby, pensativo.
Olhou‐a, oh, de tal maneira! Henrietta não soube como responder. Por um momento lhe
ocorreu perguntar por que diabos a estava paquerando. Mas
embora tivesse tentado ser sincera a maior parte de sua vida adulta, sendo direta cada vez
que lhe era possível, este não era o momento indicado para fazê‐lo.

CAPÍTULO 13

Lady Rawlings entrevista o seu novo jardineiro.

Esme estava descendo pelas escadas quando viu de cima que sua nova
amiga Henrietta e seu sobrinho Darby saíam juntos da casa. Ela desceu cantarolando
melodias e sentindo‐se mais alegre do que se sentia em semanas.
Algo na aceitação calma de Henrietta sobre sua desafortunada situação
era incomensuravelmente consolador. Henrietta tinha razão ao dizer que esse
bebê não pertencia a nenhum homem.
Depois de tudo, Sebastian lhe tinha proposto matrimônio devido a um
estranho sentimento de culpa pela morte de seu marido. E Miles não era absolutamente
um marido exemplar, já que tinha vivido com lady Childe durante os últimos três ou quatro anos.
Por que deveria sentir‐se culpada por
algum deles?
Se Sebastian se incomodou em lhe dizer adeus depois de havê‐la
seduzido nesse salão, deu‐se conta de que ela e Miles estavam em processo de
reconciliação. Mas, em troca, tinha‐a tratado como a prostituta que claramente pensava
que era, visitando seu aposento na noite seguinte, sem perguntar, como se ela devesse estar ali,
disponível para qualquer um.
Uma chama de raiva se acendeu em seu peito. Por que tinha
desperdiçado tantas lágrimas com esse homem? Sebastian Bonnington era um
depravado que se colocou em seu quarto no meio da noite.
O que ele pensava que ela era? Uma mulher de vida alegre, alguém
disponível para um amasso cada vez que ele quisesse? O tolo era ele. Ela não
era esse tipo de mulher. Era certo que ela nem sempre tinha sido fiel aos seus votos
matrimoniais, mas tampouco o tinha sido Miles. Mas isso não queria dizer que fosse uma
cortesã. Não tinha tido um amante durante anos, não até
aquela noite com Sebastian.
E nada, nada desse encontro, dava o direito a Sebastian de acreditar que
aquele quarto fosse sua propriedade.
Instintivamente tocou na barriga enquanto olhava pela janela para o
jardim. Não choraria mais. Tampouco ia falar mais em deserdar seu filho.
Henrietta tinha razão. Nunca seria possível saber de quem era o bebê que ela
estava gerando.
Em troca, ela se asseguraria de que Henrietta se casasse com Darby, para
que este pudesse dispor de uma herança parecida com a de Miles. Na noite anterior, a
senhora Pidcock lhe havia falado uma e outra vez a respeito das propriedades que Henrietta tinha
herdado de seu pai, umas vinte mil libras ao
ano. A senhora Pidcock também tinha balbuciado, é obvio, sobre a
impossibilidade de Henrietta de casar‐se, dado que não podia ter filhos, mas para Esme,
essas eram tolices. Podia ser que essas coisas não fossem aceitas no campo, mas ela sabia de
muitos casais que se abstiveram da possibilidade de ter filhos, que não seguiam a habitual
normativa de "dar luz um herdeiro e passar a vida economizando para ele". Ela, antes de ver‐se
surpreendida por Sebastian Bonnington, nunca tinha estado em risco de ficar grávida.
Havia maneiras... E ela se asseguraria de que Henrietta as aprendesse.
Alguém podia suspeitar que Darby fosse um cavalheiro moldado à antiga.
Um homem grande se movia no fundo do jardim, assim, supôs que Darby
tinha contratado o jardineiro enviado pela agência de empregos.
Talvez o homem fosse capaz de fazer algo pelo roseiral. O velho que tinha
estado a cargo dos jardins tinha renunciado a controlar a natureza há muito tempo.
Quando ela chegou a essa casa o verão passado, cada arbusto tinha no
máximo uma ou duas rosas. Havia brotos, mas cresciam sem abrir, era algo desesperador.
Ela observou com atenção ao homem. Estava se comportando de
maneira estranha. Sem dúvida alguma estava fazendo algo às plantas, mas o que era?
Talvez tivesse uma cura estranha contra o que as afligia.
Tomou uma meia hora para vestir‐se apropriada e calidamente para sair
a caminhar pela colina. Os prados da casa Shantill se expandiam sobre uma pequena
ladeira ao fundo da qual se encontrava o roseiral. Era o lugar favorito de Esme. Os antigos
Rawlings tinham arqueado algumas tabuas em linha reta e
tinham forçado às rosas a crescerem seguindo o caminho. Quando ela se casou
com Miles, dez anos antes, as rosas cresciam juntas, densas e robustas e seu perfume
selvagem era capaz de intoxicar a qualquer um que se sentasse ali. É
obvio que, em pleno inverno a pérgula não era mais que um sujo túnel de ramos e
espinhos. Então o que poderia estar fazendo o jardineiro com as rosas?
Conseguiu caminhar até a colina sem torcer os tornozelos, detendo‐se de
vez em quando para recuperar o fôlego. Levar esse bebê era um exercício muito maior do
que jamais imaginou. Antes da gravidez, tinha a vaga idéia de
que ao bebê simplesmente teria que "transportá‐lo" até que este decidisse nascer... E isso
era tudo. Ninguém lhe advertiu sobre os episódios histéricos de pranto, os tornozelos inchados ou
a impossibilidade de caminhar sem que parecesse que estava rodando de um lado para o outro.
O homem ia caminho da pérgula. Embora estivesse de costas, ela podia
ver o que estava fazendo. Estava lendo um livro.
Que peculiar.
Nunca tinha ouvido falar de um jardineiro interessado em literatura. De
fato, Moisés, o homem que estava acostumado a cuidar dos jardins, deixou muito claro
que não tolerava livros, que não servia para isso.
Mas este jardineiro estava lendo com atenção esse livro.
‐Desculpe‐me ‐ disse Esme no tom mais amável de senhora da casa. ‐
Simplesmente queria...
Mas ficou sem voz.
A pele havia se tornado mais morena. Não estava vestido com o
refinamento usual. Não estava polido, simples e elegante à maneira de um marquês.
Mas não havia dúvida de que o homem que estava à frente dela era
aquele que seus próximos chamavam Bonnington e o resto do mundo,
marquês de Bonnington.
Para ela, era Sebastian.
É impossível saber se os amigos mais próximos de Sebastian o teriam reconhecido tão
rápido como ela o fez. Vestia uma camisa gasta, aberta na garganta, e um avental de couro fino.
Parecia mais musculoso, mais saudável e
mais vivo do que ela jamais o tinha visto.
Esme o reconheceu sem esforço.
‐Estou tendo alucinações ‐ disse ela com um tom agradável, olhando
fixamente para a aparição.
‐Por favor, me perdoe por lhe alarmar.
No momento que ela ouviu aquela voz tão racional, o sangue lhe ferveu
na cabeça e lhe nublou o olhar. Balançou‐se, mas por instinto conseguiu equilibrar‐se
adiantando uma mão para não cair. Sua mão se encontrou com um corpo quente. Ele já estava aí,
recebendo‐a em seus braços, sustentando‐a
contra seu peito. Um segundo mais tarde se sentou no banco de ferro forjado
com Esme nos braços.
Esme nunca desmaiou antes. Evitar os conflitos não estava em sua
natureza. Inclusive nos momentos mais angustiantes de seu matrimônio, nos que tivesse
sido maravilhoso fingir um desmaio, nunca tinha sido capaz de fazê‐
lo.
Mas Sebastian pensou que ela havia desmaiado. Estava a acariciando
brandamente na bochecha, lhe dando pequenas ordens como: "Desperta, por
favor".
Ela decidiu manter os olhos fechados. Que demônios fazia Sebastian em
sua pérgula de rosas? Precisava pensar, embora seu instinto lhe dissesse que se segurasse
à força desses braços e que fingisse por um momento que o mundo
não era um lugar gélido, em que ela era uma viúva com um filho.
‐Esme! ‐Tinha um tom de alarme. Aquele novato...
Ela abriu os olhos para encontrar‐se com o rosto dele. Estava desejando
descobrir se esses olhos ainda tinham o poder de transtorná‐la. Algo nesses olhos
passionais, de cor azul e nesse cabelo loiro fazia com que seu coração pulsasse com força, devia
ser uma mulher muito superficial. Algo em sua rígida expressão e em suas maneiras,
excessivamente meticulosas e formais, fez que
ela desejasse lhe arrancar a roupa e...
Inclusive quando era o noivo de sua melhor amiga. Inclusive nesse
momento. E ainda o seguia desejando.
Um pensamento a desalentou. Quando Sebastian a viu por última vez,
era uma mulher ágil e esbelta. Tinha algumas curvas, é verdade. Nunca tinha sido uma
garota muito magra, como sua amiga Gina, mas suas curvas eram realmente atrativas. Agora não
era mais que um balão, repleta de curvas pronunciadas, sem cintura.
Esse pensamento a trouxe de volta à realidade.
‐O que está fazendo aqui? ‐perguntou‐lhe, de repente, sentando‐se.
Tinha lhe aberto o botão do casaco em um esforço para despertá‐la do
desmaio. Ela o voltou a fechar. Acreditava que o tecido branco dissimulava o fato de que
seu rosto estava tão redondo como um pêssego. Talvez devesse sair de seu colo antes que ele se
desse conta do quanto se tornou pesada.
‐Vim para ver você, é obvio. OH, Deus, Esme. Senti tanto a sua falta.
Pôs as mãos frias sobre as bochechas e a beijou. Assim, sem mais, com
doçura. Como se a quisesse muito e sempre a tivesse querido. Esme piscou.
‐Disse a você que não queria voltar a ver‐lhe jamais ‐ disse‐lhe ela, sem
vontade.
‐Não tem que me ver. Se ficar nesta casa, assegurarei de que nunca tenha que voltar a se
encontrar comigo. Sei que me odeia pela morte de Miles.
Não espero que troque esse sentimento.
Um sorriso de lástima apareceu em sua boca.
‐É só que me encontro obstinado a outro tipo de sentimentos que
tampouco posso mudar.
Ela o olhou fixamente.
‐Pensei que você tinha ido para o continente. Para a Itália.
‐E fui.
‐Bom, e por que...?
‐Tinha que ver você.
‐Pois já me viu ‐ disse ela em tom petulante, resistindo ao impulso de aproximar o casaco
ainda mais de seu rosto. Tinha que se assegurar que ele jamais a visse de novo. Ao menos até
que tivesse o bebê e voltasse a ter a figura que sempre tinha tido. ‐E agora, por que não retorna a
Itália para que nenhum dos dois volte a pensar nisso?
‐Não quero viver na Itália, não enquanto você estiver vivendo aqui.
‐O que queira não é importante, comparado com o fato de que se
alguém descobrir que está nesta parte do país, minha reputação viria ao chão.
‐Ninguém o descobrirá ‐ disse ele.
Essa afirmação tinha a confiança que Sebastian sempre punha em todos
os seus discursos. Parecia saber com precisão a maneira que funcionava o mundo. E,
geralmente, este funcionava a favor de Sebastian, o marquês de Bonnington.
‐Não encontro nenhum sentido para que esteja aqui‐ disse ela, franzindo
o cenho. ‐Como poderá dissimular ser um jardineiro? O que sabe de
jardinagem?
‐Muito pouco. Estou aprendendo, graças a uma monografia sobre rosas
de Henry Andrews. ‐Seu tom era alegre, mas seu olhar não era tanto.
‐Não entendo por que está aqui ‐ voltou a dizer ela. ‐Não mudarei de opinião a respeito de
me casar com você.
Ele a olhava tão intensamente que ela sentia que a pele lhe ia derreter.
‐Estou apaixonado por você, Esme. Acredito que estive desde o
momento em que lhe vi pela primeira vez.
‐Está louco!
Ele negou com a cabeça.
‐Por desgraça, não sou desse tipo de homem que faz as coisas pela
metade.
‐Não pode estar apaixonado por mim. Esteve comprometido com a Gina.
Você e eu tão somente compartilhamos um desafortunado...
Cortou‐lhe a voz. Não estava segura de como explicar a noite que
passaram juntos em um dos salões da casa de lady Troubridge.
‐Estou apaixonado por você ‐ disse com sua voz calma e firme. –Por você,
Esme. Não por Gina. Não sinto esse tipo de amor por Gina, por muito encantadora que
seja. E ela sabia. Eu a quero, mas amo você.
Ele se aproximou tanto que ela podia sentir seu fôlego na bochecha.
‐E a quero para mim, Esme. Não quero outra mulher. Quero você.
Enquanto vivia na Itália, dei‐me conta de que devia ter lhe seqüestrado do lado de seu
marido. Mas estava muito apegado ao meu orgulho e a minha posição.
Agora sei que esse orgulho é vão e não tem sentido.
"Deve estar transtornado pelo remorso", pensou Esme. "Por isso acredita estar
apaixonado por mim. Perdeu a razão depois que Miles morreu".
Clareou a garganta e disse:
‐Há algo que devemos discutir milord.
‐No passado me chamava Sebastian.
‐Isso ficou no passado ‐ disse ela.
Lutando por manter‐se à tona, conseguiu pôr os pés sobre o chão e ficar
em pé. Sebastian a deixou fazer isto a contra gosto, embora estivesse bastante agradecido
de haver tirado o peso das pernas.

Havia algo em Sebastian, na maneira como ele se aproximou que fez com
que as lágrimas quase lhe escorressem dos olhos. Inclusive em roupa de jardinagem,
Sebastian tinha as maneiras mais graciosas de todos os homens que ela tinha conhecido.
Ela se sentou na cadeira de ferro forjado oposta e o olhou à altura dos ombros.
‐O médico me disse que Miles podia ter morrido a qualquer momento ‐
disse‐lhe, sem preâmbulos. ‐Sei que está se culpando por sua morte. Eu teria escrito para
você, mas não tinha seu endereço.
‐Agradeço que me diga isso.
Sentia‐se aliviado? Talvez já soubesse por alguém mais sobre a delicada
condição de Miles.
‐Cometi um engano ao lhe culpar pela morte de meu marido ‐ disse‐lhe,
muito rápida.
Mas as palavras amargas que tinha pronunciado para Sebastian na última
vez que o viu lhe seguiam retumbando na cabeça: “Acredita que me casaria contigo?
Com o homem que matou o meu marido? Não o faria jamais... Nem
que não fosse virgem, ou tão chato e aborrecido!".
‐Não devia te acusar de matar meu marido ‐ disse de novo. ‐Miles podia
ter morrido em qualquer momento. Aparentemente, ele já tinha sofrido dois ataques
naquela semana.
Sebastian permanecia em silêncio. Ela se arriscou a olhá‐lo no rosto, finalmente. Mas ela
não pôde perceber nenhuma expressão. Ele olhava
fixamente as mãos.
Logo ele levantou os olhos e a olhou. Um calafrio atravessou o corpo de
Esme.
‐Eu o teria matado ‐ disse‐lhe em um sussurro. ‐Teria matado sem
dúvida, se acreditasse que assim você se casaria comigo.
Essas palavras ficaram rondando entre eles e o ar fresco.
A boca de Esme formou um pequeno arco repleto de surpresa.
‐Estava comprometido em matrimônio com a Gina ‐ sussurrou‐lhe de
volta.
‐O teria matado pela maneira que ele paquerava com lady Childe na sua
frente.
‐Mas nós não..., ele não...
‐Acredita que ninguém se dava conta? Sei que isso te importava Esme. ‐
Sua voz era lenta e intensa. ‐Vi como se estremeceu quando lhe beijou a bochecha em
público. Vi a maneira que procurava evitá‐lo, a dor em seus olhos
cada vez que o via com ela.
‐Tínhamos um acerto mútuo, asseguro‐lhe isso ‐ disse Esme, tropeçando
com as palavras. ‐Se alguém podia estar ofendido, era ele. Fui eu quem o abandonou, não
o inverso.
Mas ela não podia assegurar que ele a estivesse escutando.
‐Rawlings estava acostumado a te chamar para que se sentasse junto a ele e sua amante,
como se você não tivesse sentimentos.
Esme se consumiu com as lembranças.
‐Doía‐me, mas só porque lady Childe tinha filhos e eu não ‐ sussurrou. ‐
Simplesmente, eu estava sendo um pouco egoísta e ciumenta.
‐Não me importa. Gostaria de tê‐lo matado por lhe haver ferido dessa maneira. Por não
lhe haver cuidado como um tesouro, como devia tê‐lo feito.
Houve um momento de silêncio e logo Esme sorriu, com um sorriso um
pouco torcido.
‐Alegra‐me que não o tenha feito.
Ele assentiu com a cabeça.
‐Também me alegra. Mas tampouco posso pretender ter uma
consciência imaculada.
‐Darby..., Darby me disse que Miles sabia que ia estar morto até o outono ‐ disse Esme,
com o cenho franzindo. ‐Ele nunca me disse isso, Sebastian. Nunca me disse isso!
‐OH, não chore, meu amor, não chore.
Ele estava ali e a tinha nos braços novamente, chorando como se o
coração fosse se partir em pedaços e em busca de um lenço. Mas ele tinha um
nas mãos, um de linho com um emblema, que não parecia pertencer a um jardineiro.
‐Não prestes atenção em mim ‐ disse ela finalmente. ‐Ultimamente estou
sempre assim.
Não lhe disse nada e ela finalmente secou os olhos e soluçou um pouco
mais, olhando para cima. Ele tinha uma expressão muito estranha no rosto. E,
ela percebeu um segundo depois, tinha uma das mãos sobre sua barriga.
‐Jesus ‐ sussurrou.
Esme tentou dizer algo, mas não pôde.
‐Está grávida!

CAPÍTULO 14

A velocidade é um glorioso vício.

Logo que saíram da casa, Henrietta se arrependeu de haver permitido que


Darby a acompanhasse. Como pôde ter esquecido que tinha vindo na
carruagem de dois cavalos? Ninguém gostava de acompanhá‐la quando viajava
nessa carruagem, nem sequer Imogen.
‐Sinto muito ‐ disse para Darby. ‐Trouxe a carruagem equivocada esta manhã.
Darby arregalou os olhos ao ver que um moço trazia para Henrietta dois
garanhões cinza, amarrados a uma pequena carruagem de aros altos e uma pequena
cadeira, que só podia levar a duas pessoas. Tinha um pequeno cabide
para o moço, mas de resto não fazia nenhuma concessão para a condutora.
‐O que opina sobre os meus cavalos? ‐Perguntou Henrietta, acariciando o
focinho do cavalo do lado direito, que estava movendo a cabeça e as patas, indicando que
estava preparado para a ação. ‐Este é Parsnip e o outro é Parsley.
Parsley espirrou ao ouvir seu nome e se moveu o suficiente para fazer com que seu arreio
soasse.
‐Não são formosos? Por desgraça, tive que os curar de uma lamentável tendência a se
descontrolar. Por esta razão, todos os membros de minha família se negam a me acompanhar.
‐São irmãos?
‐Sim, ambos descendem de China Blue e Miracle, se lhe interessa saber
esse tipo de coisas.
‐Não particularmente. ‐Mas um sorriso cruzou a boca de Darby. As rodas
da carruagem de Henrietta estavam pintadas com as corres escarlate e azul escura. O
corpo era escarlate com cós prateado. ‐Comprou a carruagem de Birch?
‐Sim.
‐Dá a casualidade de que no verão passado adquiri exatamente o mesmo
veículo. Se não me engano, a gente podia escolher um estofo escarlate com franjas.
Em troca, a cadeira estava estofada com um tecido marrom.
‐Pareceu‐me que o efeito era muito carregado. ‐Seus olhos brilhavam. ‐
Você escolheu o escarlate, Mr. Darby?
‐Com laço dourado e franja ‐ disse‐lhe.
‐Gosta muito de carruagens?
‐Acreditará que sou insuportável se lhe disser que não, particularmente?
‐É obvio ‐ disse Henrietta, sorrindo. ‐Os cavalheiros com os quais falou ontem à noite
sobre drenagens não aprovariam absolutamente sua atitude.
Ela não devia ter cometido o engano de olhá‐lo nos olhos. Estavam tão cheios de malicia
que ela esqueceu que estava sustentando o freio de Parsnip.
O cavalo se aproveitou dessa situação, movendo a cabeça para cima,
golpeando o ar como a besta selvagem que era.
Darby era notavelmente rápido para alguém que parecia estar
contemplando com preguiça sua carruagem. Agarrou ao cavalo para baixo em
um segundo, ganhando um sorriso de aprovação de Jem.
‐Não sei se lhe disse uma vez, ou mil vezes ‐ disse‐lhe Jem, escoltando Henrietta, com a
familiaridade de um servente de confiança. ‐Estes cavalos são muito irascíveis para tratá‐los
como se fossem gatinhos.
‐Tem toda a razão ‐ disse ela. ‐Temo estar tão concentrada em
apresentar Parsnip que me esqueci de seu temperamento.
Ela caminhou ao redor do cavalo para o pequeno cabide da carruagem.
Darby notou, surpreso, que ela o fazia com uma pequena claudicação. Andava
assim quando se conheceram? Ele não podia recordar havê‐la visto caminhar antes deste
momento.
‐Posso ajudá‐la a entrar na carruagem? ‐perguntou.
‐Não, obrigado ‐ disse ela. ‐Jem e eu estamos juntos há muito tempo, desde minha
primeira carruagem com pônei, e ele está acostumado a me ajudar.
Jem levantou sua pequena ama e a sentou sobre o assento do condutor,
lhe passando as rédeas, uma vez que ela conseguiu acomodar a saia do vestido.
‐Estes cavalos adoram correr, Sr. Darby. Espero que não lhe incomode a
velocidade.
‐Não, absolutamente ‐ disse Darby, subindo à carruagem.
Um momento depois se sentiu com menos confiança. Ou os cavalos
estavam extraordinariamente frescos ou eram amigos do proprio Diabo.
Tomaram o caminho de saída da casa Shantill sacudindo suas respectivas cabeças ao
mesmo tempo.
Com razão Henrietta era manca. Era um milagre que ainda estivesse viva
com esses cavalos. Parecia não estar alarmada pelo fato de que eles estivessem fora de
controle, guiando‐os para a rua principal como se fosse uma carruagem
de brinquedo.
Não foi até o momento em que alcançaram a Rua Maior, que Darby se deu conta de que
estava gemendo como um tolo. Como seu chapéu estava a
ponto de sair voando, o tirou. O cabelo tinha se soltado da fita que o mantinha perto do
pescoço e, preparando‐se para o que ele considerava um passeio pela
sarjeta, estava se queixando. E lady Henrietta Maclellan? Bom, ela estava sentada
erguida, muito na sua maneira, mas enquanto ele a observava ela tomou a ponta do chicote, tão
habilmente como um coríntio em uma
carruagem roubada.
‐Onde diabos você aprendeu a conduzir assim? ‐gritou‐lhe.
Lady Henrietta girou a cabeça e lhe sorriu enquanto conduzia habilmente
a carruagem pela borda da curva de um caminho.
‐Meu pai era membro do clube Fourinhand. Como não tinha filhos
varões, ensino‐me a conduzir.
‐Isso é bastante incomum ‐ comentou Darby.
Ela baixou a velocidade um pouco para girar levemente à direita. Um condutor a saudou
acostumado a ver lady Henrietta conduzir.
‐Meu pai era uma dessas pessoas que subornava aos condutores públicos
para que o deixasse conduzir pela rua, aterrorizando aos passageiros, não tenho dúvida
alguma disso. Amava a velocidade ‐ sorriu para Darby. ‐Temo ter
herdado esse amor, minha família considera que sou propensa a assumir riscos.
Darby riu de novo. Ela era um conjunto de feminilidade afetada, uma pequena mulher
com chapéu e luvas.
Henrietta puxou as rédeas dos cavalos para que fossem a passo mais
lento.
‐Estamos nos aproximando de Limpley Stoke ‐ explicou ela ‐ e não quero
alarmar ninguém. Alguns aldeãos têm a mente muito fechada sobre o que uma
mulher deve ou não fazer. Geralmente, peço ao Jem que me espere à saída do
povoado com minha bagagem.
‐Pensei que havia dito que não tinha habilidades físicas, lady Henrietta ‐
observou Darby, desejando que ela o olhasse.
Já tinham alcançado a entrada do povoado, aonde o caminho se fazia
mais estreito e estava pavimentado. Henrietta deteve sua carruagem enquanto
outra cruzava a rua.
‐Não sou boa nos jogos, lhe asseguro.
‐Alguma vez tentou o arco e flecha?
Ela assentiu com um sorriso.
‐Não tenho pontaria. Temeria por sua vida se estivesse junto a mim
enquanto tento.
‐Sugere que não temo por minha vida neste momento? ‐perguntou ele
com um sorriso travesso.
A carruagem de Henrietta estava parada, enquanto outra cruzava
seguida por uma sucessão de veículos carregados com baús e caixas. Darby olhou para o
ajudante de Henrietta, Jem, e agitou a cabeça.
Jem piscou e perguntou:
‐Quer que segure a cabeça dos cavalos, senhorita?
Quando ela assentiu com a cabeça, Darby saltou para fora e caminhou ao
redor da carruagem para o lado de Henrietta. Elevou os braços.
‐Posso?
Era um sorriso diabólico, o que ele tinha, pensou Henrietta. Ficou de pé,
lhe bloqueando o sol, com o cabelo claro lhe rodando pelo rosto. E esse olhar!
Não havia nada que pudesse fazer a respeito. Ela não podia descer da carruagem sozinha.
Jem ou outro homem, devia levantá‐la da cadeira.
Ela se inclinou para diante e brandamente lhe pôs as mãos sobre os ombros.
‐Muito amável de sua parte, senhor ‐ disse.
Tinha o rosto diante do dela. Pôs as grandes mãos sobre a sua cintura e
Henrietta estremeceu. Havia algo embriagador na maneira como os olhos lhe enrugavam
nos cantos cada vez que ele a olhava.
‐O que pretende com isto? ‐perguntou ela, involuntariamente. Um
segundo depois de dizê‐lo, arrependeu‐se e desejou poder retirar a pergunta,
mas já a tinha traído sua larga experiência em dizer sempre o que pensava.
Ele a deixou no chão muito lentamente, mas não moveu as mãos.
Deixou‐as ali, de uma maneira terrivelmente descarada. Inclusive por debaixo do casaco,
podia ela sentir seus dedos tocando a curva de sua cintura.
‐O que pretendo com o que?
‐Com a maneira como me olha.
‐Suponho ‐disse ele, e sua voz era rouca e escura‐ que estou
considerando suas destrezas físicas, lady Henrietta.
‐OH ‐ disse Henrietta, ficando sem fôlego. Sua elucidação estava muito longe de seus
temas de conversação usuais. E mais ainda, ela se deu conta da
maneira exata como ele a estava olhando.
Como se tivesse fome. Como se estivesse esfomeado, de fato.
Viu que sua cabeça se aproximava e soube que devia ter se movido. Mas
ficou paralisada de pé, simplesmente, quieta como uma rocha, permitindo que
seus lábios se tocassem novamente.
Esta vez foi um pouco mais difícil pensar claramente. Primeiro, ele ainda
tinha as mãos na sua cintura. Parecia que se assentaram na curva de seus quadris, como se
ela fosse de sua posse.
E sua boca era mais dura que antes, menos gentil, menos respeitosa. E
essa língua! Ela definitivamente estava pensando em protestar, assim que a cabeça se
esclarecesse um pouco.
Darby jamais se incomodava em formular pensamentos ou frases quando
estava em mãos do desejo, por isso não sofria tal confusão. Só Deus podia saber por que
estava empenhado em beijar a uma mulher singela que conduzia
pelos caminhos do povoado como o demônio e dizia uma boa quantidade de coisas pouco
apropriadas, conforme lhe vinham à cabeça.
Mas aí seguia a obsessão, impossível de vencer.
Era pequena, estava confundida e cheirava a flores da pradaria. E a inocência. Ele
pressionou ainda mais sua boca contra a dela como se assim pudesse roubar essa inocência e
trocá‐la pelo seu cinismo.
Seu lábio inferior estava inchado e tinha uma doce curvatura. Ele o lambeu e ela
estremeceu. Quando Darby sentiu o pequeno tremor dela,
aproximou‐a mais e voltou a lhe lamber o lábio, aproximando‐a tanto que podia sentir os
seus seios, pressionados contra seu peito.
Um pensamento lhe cruzou a cabeça. Lady Henrietta Maclellan tinha um
corpo de esportista. Seguro que era muito boa nos jogos físicos.
Era certo que ela beijava de forma péssima. Tinha os lábios pressionados
como uma porta de aço. Ele passou a língua em meio desses lábios, tentando‐a,
não..., lhe rogando..., para que os abrisse. Tentou brincar, tentou acariciar.
Tentou inclinar seus lábios contra os dela em uma carícia forte que teria feito que suas
anteriores companheiras se derretessem e caíssem de joelhos aos seus pés.
A única pessoa a quem suas técnicas pareciam agradar era a ele mesmo.
O coração lhe pulsava rapidamente e sua entre perna. Bom, isso escandalizaria
Henrietta se lhe ocorresse olhar para baixo.
‐Henrietta... ‐disse, sentindo‐se morto de calor ao dar‐se conta de que sua voz era um
rouco suspiro.
‐Sim, Sr. Darby?
Ele abriu os olhos só para ver que ela o olhava alegremente, sem que parecesse estar
afetada nem um pingo pela situação. O único que lhe deu um
indício de esperança foi a cor rosa silvestre que tinha nas bochechas. Isso, e o fato de que
ele havia sentido que o corpo dela se estremeceu levemente.
‐Desfrutou deste segundo beijo?
‐OH, sim ‐ disse ela, sem esforço. ‐Fiz por que...
Era justamente isso o que ele estava esperando. Simon Darby estava
muito disposto a usar artes más para conseguir o que queria. Inclinou a cabeça, e bebeu
uma vez mais a inocência desses lábios. Esqueceu que Jem estava sentado a uns poucos metros
de distância, sustentando Parsnip e Parsley, e esqueceu também que estava exibindo‐se junto
com ela para metade da rua.
Esqueceu de tudo. Ela gemeu enquanto ele penetrava sua boca e, OH
maravilha, seu corpo rígido se relaxou um pouco. Momentos mais tarde, um esbelto
braço se enroscou no pescoço.
Dava a impressão de que Henrietta Maclellan, beijando, sentia‐se como
um peixe na água. Longe de manter a boca fechada como se sua função fosse
proteger jóias, sua língua começou a mover‐se com a dele em uma lenta dança
que fez com que o sangue corresse como fogo pelas veias de Darby.
Desapareceu a surpresa que ele quase podia degustar em sua boca, sendo substituída por
um pequeno, mas intenso ofego, um fôlego proveniente de um
peito repleto de desejo.
Quando ele retirou a boca, pensando em lhe provar as bochechas, os
olhos dela não se abriram. Não houve nenhum comentário jocoso. Pelo
contrário, ela fez um pequeno som que denotava desilusão, então ele se lançou
de novo à doçura que lhe oferecia, às deliciosas e inchadas curvas de sua boca.
Era Darby que olhava... Olhava as longas pestanas sobre as bochechas de
Henrietta, tão delicadas como um fio da mais fina seda. A clara forma de seu
rosto, a nata de sua pele, uma covinha na bochecha direita... À sombra da carruagem,
uma de suas mãos se lançou para um pequeno e docemente
arredondado seio, mas imediatamente essa mão se retratou, voltando para a cintura. Ela
gemeu em sua boca, e ele sentiu que ela novamente se estremecia
por todo o corpo.
Alguma parte distante de seu cérebro tinha ouvido que passava por aí uma carruagem,
cujos ocupantes, sem dúvida alguma, deviam estar
completamente intrigados pelo espetáculo que eles estavam oferecendo. Uma
advertência em forma de ameaça lhe rondou a cabeça, lhe recordando que estava beijando
a uma senhorita gentil, filha de um conde, em um dos lados da
Rua Maior.
E como se ela pudesse sentir a faísca do clima quente, Henrietta deixou
rodar o braço que tinha no pescoço de Darby e abriu os olhos. Tinha os olhos
da cor de uma noite do verão, de um formoso azul escuro. Ela o olhou em silêncio. Tinha
os lábios inchados pelos beijos. Mas seus olhos eram realmente surpreendentes.
Onde estava a recatada lady Henrietta, a solteirona de comentários
agudos, que não teme dizer o que pensa e cheia de conselhos alguma vez provados sobre
a educação das crianças?

A mulher que estava frente à Darby parecia completamente entregue ao


desejo, tão sensual como uma jovem à saída da ópera. A nova Henrietta cambaleava
frente a ele sem dizer uma só palavra e ele a agarrou‐a totalmente, sustentando‐a tão forte como
podia.
Até que ela não começou a beijá‐lo, ele não somou dois mais dois. E o que somou foi um
coração latente (o dele), um par de extremidades que se sacudiam (as dele) e uma doce boca (a
dela).
Essas três coisas, combinadas com uma crescente convicção, convicção
que jamais tinha sentido em seus trinta e tantos anos de vida, e que lhe dizia que devia
deitar‐se com a mulher que tinha nos braços. Ou morrer no intento.
Dois mais dois somados e ele tinha o resultado.
Matrimônio.
Esta era sua futura esposa, e se ele não tomasse cuidado, ia desflorar contra um dos lados
de sua nova carruagem.

CAPÍTULO 15

Apanhados no ato.

Uma das coisas que se aprende no mundo civilizado é que as propostas de


matrimônio não devem ter lugar junto a uma carruagem enquanto passam vários carros
ao seu lado. A segunda coisa que um homem aprende é que os familiares das mulheres não
gostam de encontrar as suas filhas em uma situação semelhante.
Darby não tinha terminado de dar‐se conta de que estava beijando a sua
futura esposa quando sentiu uma pontada no ombro e virou para encontrar‐se
com os chamejantes olhos de sua futura sogra.
‐Lady Holkham, que prazer vê‐la ‐ disse ele, separando‐se de Henrietta a
contra gosto.
‐Sr. Darby‐ disse ela, instantaneamente. ‐Henrietta!
Darby se deu conta, com grande satisfação pessoal, que Henrietta tinha o
olhar um pouco aturdido, apesar de seu ego.
‐Meu Deus ‐ disse ela, fracamente. ‐Não sabia que você viria ao povoado,
Millicent.
‐Já me dou conta disso ‐ respondeu sua madrasta em tom severo. ‐Já ia
retornar para casa.
‐Eu a acompanharia, mas tenho uma entrevista com a senhorita
Pettigrew na escola.
Henrietta não olhou para Darby. Ele mesmo advertia um estranho
sentimento de sorte. Sorte alarmante. Nunca havia sentido nada assim em toda
sua vida. Tudo o que sabia era que a mulher que estava diante dele, com o cabelo loiro
recolhido e um pouco despenteado por causa de suas carícias e as
bochechas ruborizadas como a cor das rosas silvestres, por causa de seus beijos, que esse
formoso pedaço de natureza ia ser seu.
Ia ser dele, embora ela não soubesse ou não se importasse com todo o
poder que ele tinha entre as pessoas da alta sociedade. Ela não sabia nada de
suas riquezas e, de fato, pensava que era um mendigo. Que esposa melhor que
essa? Casaria com ele pelos beijos e não por outra coisa.
Ele a olhou, convencido de que ela se dava conta de tudo o que ele estava pensando. Não
havia mais que ver como se ruborizava cada vez mais e o
tão confusa que parecia.
‐Sr. Darby ‐ disse lady Holkham quase dando uma ordem‐ eu gostaria de
lhe pedir que me acompanhe até minha casa.
‐É obvio ‐ disse ele, olhando para Henrietta fixamente. ‐ Nos veremos dentro de... Meia
hora?
As comissuras dos lábios de Henrietta se elevaram levemente.
‐Geralmente falo com a senhorita Pettigrew durante uma hora, senhor.
Seria muito amável de sua parte que me escoltasse depois até minha casa.
‐Sem mencionar que seria um ato muito valente ‐ disse ele, olhando à carruagem. Seu
sorriso fez com que ele sentisse que um calor lhe percorria o estômago.
‐Sim, também valente ‐ disse ela e se virou.
‐Sr. Darby!
Ele se virou para encontrar‐se com os olhos de lady Holkham olhando‐o
com o afeto que sente um caçador de ratos frente a sua presa.
‐Lady Holkham ‐ disse ele ‐ia solicitar uma reunião formal com você tão
logo tivesse deixado Henrietta na escola.
Lady Holkham apertou os lábios no momento que Darby chamou a sua
filha pelo nome de batismo.
‐Eu gostaria de falar com você, Sr. Darby. Veremos‐nos na casa Holkham
dentro de vinte minutos, se for tão amável.
E se foi pela Rua Major sem dizer uma palavra mais.
Ele ficou olhando‐a, desconcertado. Será que lady Holkham estava feliz ao ver que tinha
aparecido um pretendente para Henrietta a quem não lhe importava que ela não pudesse ter
filhos? Logo se deu conta de que ela podia
não saber que ele estava informado de sua enfermidade.
Embora, é obvio, uma vez que ela soubesse que não lhe interessava ter
filhos, ia lhe dar as boas‐vindas.
Um sorriso irônico lhe curvou os lábios. Havia dito a Rees que encontraria
uma esposa nos campos de Wiltshire e isso era precisamente o que tinha feito.
Caminhou para a estalagem Golden Hind e obteve uma folha de papel do Sr.
Gyfford. Logo, escreveu‐lhe uma curta nota para Rees:

Encontrei uma esposa. Casarei com ela, em seguida. Imaginei que você gostaria de ser
o primeiro em saber.

Olhou‐a por um momento e lhe acrescentou um pós‐escrito: “É uma


herdeira”. Dirigiu a Rees Holland, conde de Godwin, e a entregou ao Sr. Gyfford para
que a enviasse por correio quando a carruagem chegasse.
Logo partiu, assobiando, para a casa Holkham. Tudo o que devia fazer era
esclarecer o assunto com a madrasta de Henrietta para logo retornar à escola e
encontrar‐se com sua futura esposa. Proporia matrimônio e prolongaria o momento para poder
lhe roubar um ou dois beijos.

*****
Falar com a diretora da escola do povoado ‐ tarefa que Henrietta,
normalmente, achava um prazer, estava lhe apresentando bastante
dificuldade. Por exemplo, não podia parar de sorrir nos momentos menos apropriados.
A senhorita Pettigrew disse algo sobre a pequena Rachel Pander e
Henrietta lhe respondeu com um sorriso, dando‐se conta de que a professora
estava perplexa. Mas, por mais que tentasse Henrietta não podia seguir o fio da conversa.
Uma vez que ficou claro que o cabelo da Rachel era o habitat de diferentes espécies de estranhas
criaturas, não havia razão alguma para que Henrietta sorrise abertamente.
‐Sinto muito, senhorita Pettigrew ‐ disse finalmente. ‐Não me encontro muito bem hoje.
A senhorita Pettigrew tinha os olhos de um cinza tão claro que
reprimiriam ao mais briguento dos estudantes.
‐Não se preocupe lady Henrietta ‐ anunciou a senhorita Pettigrew.
Henrietta tremeu e agradeceu em silêncio não ser uma menina que
tivesse que ir à escola.
Mas ainda não conseguia prestar atenção. Darby a tinha beijado
exatamente como suas amigas haviam descrito que alguém beijava a quem lhe
fosse propor matrimônio. De fato, não conhecia ninguém que tivesse sido beijada dessa
maneira e que não tivesse recebido uma proposta de matrimônio
imediatamente.
E mais, quando Molly Maplethorpe havia dito que quando a beijavam
sentia que se derretia como um pudim não estava exagerando. De fato, Molly
tinha menosprezado tal experiência. Só de pensar nos beijos de Darby, Henrietta podia
sentir que os joelhos começavam a amolecer como um pudim.
A senhorita Pettigrew a olhou com curiosidade, mas continuou com o
plano de lições da semana seguinte. Henrietta não contribuiu com uma só palavra nessa
conversação. Não podia obrigar‐se a estar interessada em se os
alunos estavam ou não aprendendo os números. O único em que podia pensar
era Darby, estaria esperando‐a na saída da escola dentro de uma hora mais ou
menos e que logo lhe proporia matrimônio.
Ele queria fazê‐lo. Estava mais segura disso do que o tinha estado de qualquer coisa em
toda sua vida. Ela apostaria essa vida que ele não poderia agüentar e lhe proporia ali mesmo, na
carruagem, salvo se Millicent aparecesse de novo pela rua.
Talvez ele esperasse até a noite. Ou talvez ela devesse conduzir a
carruagem para um lugar romântico. Mas como podia ela sugerir tal coisa? E
aonde diabos poderiam ir para que fosse um lugar romântico, com o frio que
começava a fazer?
Henrietta não deixou de olhar pela janela da classe. A menos que ela estivesse
equivocada, uma tormenta de neve estava a ponto de ter lugar dentro de uma hora. Finalmente,
usou a tormenta como uma desculpa para escapar da senhorita Pettigrew.
É curioso, sempre lhe tinha agradado à senhorita Pettigrew. Tinha‐a
honrado pelo compromisso que tinha com as crianças. Mas hoje, a senhorita Pettigrew
parecia uma solteirona solitária e não solicitada. Vestida de cinza, com pescoço alto e o cabelo
amarrado, com sua maneira cortante de falar e carente de humor. Nunca tinha sido beijada. Não
entendia a maneira como funcionava o mundo, tão cinza. Quando Henrietta recordava os dias
antes que
Darby chegasse a Limpley Stoke, e tão cheios de cor o dia de ontem e o de hoje.
O calor líquido dentro do estômago de Henrietta se espalhou um pouco
mais enquanto ela saía da escola e olhava de forma distraída para a rua. Darby não estava
por ali, mas ele lhe havia dito que ia se demorar ao redor de uma
hora. O coração lhe pulsava com força ao pensar nele. Era tão formoso... Era assombroso
imaginar que ele se interessasse por ela. Que ele queria beijá‐la.
O melhor de tudo era que não lhe importava casar‐se com ela, mesmo que não pudesse
ter filhos. Logo que lhe fizesse a proposta de matrimônio, ela correria para a creche de Esme e
começaria a conhecer Josie e Anabel, em qualidade de mãe. Porque isso é o que estaria a ponto
de ser, uma esposa e uma mãe.
Seu coração cantava repleto de felicidade.

CAPÍTULO 16

A biologia não é um tema de conversa cortês.


Mr. Darby, devo compartilhar com você uma informação terrível ‐ disse
lady Holkham seriamente.
‐Estou par de que lady Henrietta não pode ter filhos ‐ disse ele
calmamente. ‐Asseguro‐lhe que isso não me inquieta o mais mínimo. Nunca desejei
descendência e, além disso, já tenho duas irmãs às que criar. Estou seguro de que Henrietta será
uma mãe estupenda para a Josie e Anabel.
‐Não me está entendendo ‐ respondeu lady Holkham. ‐Não é só que lady
Henrietta não possa ter filhos...
Ele franziu o cenho, incapaz de adivinhar o que ela queria lhe dizer. Ela
estava sentada firme e com as costas retas olhando‐o como se lhe tivesse acabado de
contar algo de soma importância.
‐Não é só que lady Henrietta não possa ter filhos... ‐repetiu ele.
‐Isso! ‐disse ela.
‐Lamento‐o ‐ disse ele finalmente‐, mas não posso entender o que tenta
me dizer, milady.
Evidentemente, o assunto não era algo que a condessa viúva queria
discutir em voz alta. Esclareceu‐se garganta.
‐Henrietta não pode levar um filho em seu ventre.
‐Sim, já sei.
‐Não me refiro a que seja incapaz de conceber um filho ‐ disse ela finalmente,
cuidadosamente. ‐O que intento lhe dizer é que se chegasse a fazê‐
lo, esse filho a mataria. E é muito provável que a criatura morrera também. É
um milagre que a própria Henrietta tenha sobrevivido. Sua mãe não teve a mesma sorte.
Ele se engasgou.
‐Como pode você predizer tal coisa? A história de sua mãe é
desafortunada, mas não incomum.
‐Certamente você notou que Henrietta coxeia um pouco, verdade?
Ele assentiu.
‐Sua mãe tinha a mesma enfermidade. A displasia de quadril foi o que fez
que a mãe da Henrietta desse a luz ao bebê que levava no ventre. Todos os médicos aos
que consultamos prognosticaram que Henrietta sofrerá o mesmo
destino.
‐Viram‐na médicos em Londres?
‐Em Londres não, mas sim fomos a bons médicos desta zona. E todos
estiveram de acordo. Isto é minha culpa, em parte ‐ continuou lady Holkham. ‐É
obvio, Henrietta sabe que não deve ter filhos. Entretanto, até hoje não me dava conta de
que ela pode estar passando por cima algumas ramificações de
sua condição. Com seu desinteresse em ter filhos parecia resolver o problema,
mas não tem levado em conta que o matrimônio conduz certas
responsabilidades ‐ pronunciou a palavra responsabilidades com desolada insipidez.
‐referia‐se ao contato sexual, é obvio. Com uma parte de seu cérebro, Darby notou que a aversão
que lhe tinha lady Holkham ao ato marital provavelmente tinha provocado a falta de claridade
nas conversas sobre o tema que pôde ter com a Henrietta. Mas a outra parte de seu cérebro estava
cambaleando‐se pelo choque da notícia, incapaz de aceitar as implicações dessa conversa.
‐O que me está dizendo é que Henrietta não tem a menor idéia de que a
gravidez é produto do ato sexual.
Lady Holkham se viu freada frente à linguagem inapropriada do Darby.
‐Exatamente ‐ levantou‐se. ‐Lamento lhe trazer estas notícias tão
desalentadoras, Mr. Darby. ‐Olhou‐o por cima do nariz. ‐Acredito que
encontrará outras herdeiras nos arredores, se deseja permanecer no Limpley Stoke.
Darby fez uma reverência. O que acabava de acontecer era uma parte
inerente a sua vida durante o último ano. Assim que conhecia uma mulher com
a que desejava casar‐se, sempre resultava que esta era inadequada por algum
motivo. E assim este tema não desafinava com a morte de seus pais, de seu tio
e a inesperada custódia de suas irmãs.
‐Confio em que você possa me desculpar com a Henrietta. Recordei que
tinha esquecido uma reunião e não poderei me encontrar com ela esta tarde.
‐O direi.
Os olhos da mulher estavam repletos de lágrimas, mas ao Darby não
importava o mais mínimo. O que realmente queria era uma taça de brandy bem
carregada.
Ou cinco.
Uma vez que se deu conta disso, não lhe fez falta mais que uma hora para encontrar‐se no
bar rodeado de homens e discutindo o tema indicado: as
esposas.
‐Não é que eu não goste ‐ dizia de forma tranqüila o homem a seu lado.
Era um jovem de cara fresca e corpo de trabalhador e uma tolerância ao álcool
que impressionava a Darby. ‐Eu gosto. Mas me golpeou com uma frigideira.
Quem poderia perdoar tal coisa?
Darby assentiu.
‐Ninguém ‐ disse, bebendo o último gole de brandy. Tinha esquecido
quantos tomou.
‐Nenhum homem poderia perdoá‐la por algo a sim‐ disse o homem,
dando a impressão de que precisasse convencer‐se a si mesmo.
‐Ao menos pôde possuí‐la ‐ murmurou Darby.
‐O que disse amigo?
‐Nada.
Não havia motivo para seguir discutindo tal coisa. E de todas as maneiras,
um cavalheiro jamais falava disso, especialmente quando se encontrava
rodeado de gente aficionada a golpear‐se com utensílios de cozinha.

CAPÍTULO 17

Intimidade conjugal, algumas vezes entendida como união conjugal,


Outras vezes como desnecessária

A senhorita Pettigrew apareceu na porta da escola, colocando um par de


luvas. Logo deu a volta e fechou a porta com chave.
Surpreendeu‐se ao ver a Henrietta de pé a uns poucos metros de
distância, e mais quando ela tinha declarado seu medo à tormenta como uma
razão para interromper a reunião uns dez minutos antes.
Henrietta viu como se afastava a senhorita Pettigrew, com as costas
erguidas e seus movimentos secos, e se sentiu aliviada. Até agora, nunca se tinha dado
conta do quanto era relutante a ficar solteira. Por que ler livros sobre educação infantil, com o
pretexto de ajudar a uma escola, quando o que
verdadeiramente desejava era criar a seus próprios filhos? Resistiria a uma vida sem
filhos e sem marido.
Mas tampouco sabia se devia pensar assim, disse‐se a si mesmo. A
senhorita Pettigrew lhe havia dito uma vez, quando se conheceram, que não lhe via
nenhum sentido a ter marido.
‐Tomam um controle injustificado das circunstâncias pessoais de uma
mulher ‐ havia‐lhe dito. ‐Minha irmã...
Entretanto, tinha apertado os lábios e não tinha contínuo.
Henrietta tinha assentido e tinha estado de acordo, em um intento por encontrar amizade
e companhia em uma mulher com pensamentos similares.
Mas ela já não pensava o mesmo; queria Darby, adorava esses olhos
quentes cor café e suas bochechas angulares, a renda e os objetos deliciosos.
Ela sorriu por dentro, pensando na carruagem cheia de renda dourada e laços
decorativos.
Uns quinze minutos mais tarde tinham muito frio e estava um pouco
preocupada. Grandes flocos de neve tinham começado a cair pesadamente daquele céu
cinza plúmbeo. Muito certamente ia seguir nevando, e Jem ainda a
esperava aos subúrbios do povoado. Devia estar desesperado por ter os cavalos na rua
com esse tempo. Ela mordeu os lábios e esperou outros cinco minutos. A neve cada vez ficava
mais espessa e embora a casa ficasse a poucos
quilômetros, não podia esperar mais. Parsnip e Parsley não eram cavalos de arado e não
estavam acostumados a resistir qualquer tipo de clima. Precisavam
estar comodamente instalados no estábulo quente e suficiente feno.
Finalmente, começou a caminhar pela rua muito devagar, no caso de
Darby a alcançava correndo. Que idéia tão ridícula: Darby correndo?
As sensações que a rodearam ao pensar em Darby fizeram que o que lhe
disse sua madrasta fosse ainda mais complicado de entender.
‐Que diabos quer dizer?
Normalmente, Millicent era uma pessoa calma e plácida. Mas não
deixava de mover as mãos em seu colo e havia sinais de lágrimas em seus olhos.
‐Quero dizer – começou como o tinha feito três ou quatro vezes antes ‐
Refiro‐me a que não pode..., não pode te casar.
‐Darby não quer filhos, Millicent ‐ respondeu Henrietta, paciente ‐ Não lhe importa o
mais mínimo minha impossibilidade de ter filhos. Ele mesmo me
disse que os considera uma incomodo.
‐OH, tudo isto é minha culpa! ‐chorou Millicent –devia ter discutir isto contigo faz muito
tempo! É minha estúpida reticência a ser direta.
Henrietta ficou imóvel. Um sentimento de vazio lhe assentou no
estômago. Colocou as mãos sobre o colo e disse da maneira mais acalmada:
‐Há outra razão pela qual não deva me casar?
‐Sim. Bom, sim e não ‐ disse Millicent, sentindo‐se miserável.
Millicent se via claramente impossibilitada a deixar as coisas claras. Uma
nova e horrível idéia cruzou a Henrietta pela cabeça.
‐Darby te disse que não queria casar‐se comigo? Que me encontrava
pouco apropriada em algum sentido?
Millicent negou com a cabeça. Henrietta piscou sentindo‐se aliviada.
‐Então deve me dizer por que não me posso casar com alguém, inclusive
se esse alguém não deseja ter filhos!
‐Não posso!
‐Sim pode.
‐Não pode devido aos compromissos conjugais. Tem..., tem idéia do que
isso significa? Henrietta semicerrou os olhos.
‐Está falando da intimidade? Millicent assentiu.
‐Entendo ‐ disse, para alívio do Millicent.
É obvio inteligente que era Henrietta, seguro que sabia dessas coisas. Só
as bobas como Millicent chegavam ignorantes de noite de bodas e ficavam horrorizadas.
Mas logo Henrietta fez uma pausa.
‐Ao menos, suponho que entendo. Existe alguma razão pela qual não
possa cumprir tais funções? Pode ser que o quadril me doa ocasionalmente, mas parece
estar bem formada, igual ao teu.
‐Tem razão. Mas a intimidade conduz a ter filhos. Francamente, é por esta razão que as
mulheres acessam a participar deste procedimento. Devia haver lhe explicado isso há muito
tempo.
Henrietta piscou e disse lentamente:
‐Claro, relacionando o que conta com o que vi no palheiro, agora tudo tem mais sentido.
Millicent se ruborizou e olhou as mãos. Estava tão envergonhada pelo tema de conversa
que sentia como se alguém lhe tivesse derramado um balde
de água fervendo no pescoço.
‐Lhe teria explicado isso se tivesse estado a ponto de te casar. O
explicarei ao Imogen na véspera a seu matrimônio e...
‐Então..., então, está‐me dizendo que Darby se nega a casar‐se comigo se
não puder ter essa intimidade? ‐Havia um tom desolado na voz da Henrietta que sua
madrasta detestava ouvir ‐ Apesar de que não deseja ter filhos?
Millicent assentiu incapaz de pronunciar palavra. Tinha a garganta
obstruída com soluços. Por que sua linda enteada de coração nobre e puro devia
enfrentar‐se a esta terrível verdade?
‐Os homens são uns porcos. Uns canalhas! ‐chorou Henrietta. ‐Molly..., Molly
Maplethorpe se referiu a toda a situação da intimidade como
desagradável e dolorosa.
‐Mas necessária para poder procriar.
‐Darby retirou a proposta porque não posso manter relações íntimas com
ele, até sabendo que eu as encontraria dolorosas inclusive na melhor das circunstâncias?
‐Os homens sentem de forma diferente às mulheres ‐ disse Millicent ‐
lhes gosta disso, verdadeiramente. Encontram‐no prazenteiro.
‐Porcos ‐ disse Henrietta.
Millicent tinha começado a mover as mãos de novo.
‐Temo‐me que não o expliquei bem de tudo. Muitas mulheres o vêem
como é: como um procedimento um pouco desagradável que se deve realizar
para poder ter filhos. É doloroso a primeira vez e as vezes a segunda vez.
Depois disso, simplesmente se converte em um incomodo, de verdade. E, OH,
pelos filhos se faz o que seja Henrietta! Depois de que Imogen nasceu, dava‐me conta
disso ‐ interrompeu‐se, dando‐se conta de que o assunto não era apropriado.
Henrietta encolheu os ombros.
‐Sei, é obvio que os homens desfrutam desse lado da vida. Mas, para falar sem disfarces,
não têm seus amantes para essas coisas?
‐Henrietta!
A enteada parecia pouco arrependida do que havia dito.
‐Têm amantes, Millicent, sabe que todos as têm.
‐Não falemos sobre isso.
Mas Henrietta nunca tinha servido para calar o que pensava.
‐Por que Darby não pode simplesmente fazer o mesmo? ‐disse, olhando
fixamente a Millicent ‐ Por quê? Por que Darby não pode ter uma amante para
levar a cabo esses assuntos?
‐Aos homens gosta de ter esse tipo de intimidade com suas esposas ‐
disse Millicent, com tristeza. ‐Seu pai... ‐deteve‐se ‐ Isto é muito complicado.
O olhar da Henrietta era tão firme que podia lhe tirar uma confissão ao
mais profissional dos espiões.
‐Seu pai tinha uma amante. Não sei se o recorda, quase nunca estava em
casa as quintas‐feiras de noite. Algumas outras noites tampouco. Mas isso não
afetava a minha relação com seu pai. Ele se casou comigo porque gostava de
mi..., minha aparência.
‐Recordo‐o. Foi à creche e disse que tinha conhecido à garota mais linda
dos cinco continentes, e que a ia trazer para casa e que a converteria em minha mãe.
Pensei que fosse uma fada, Millicent, de verdade.
‐Obrigado, carinho ‐ disse ela ‐ Em todo caso, quando um homem
desposa a alguém, quer..., quer fazê‐lo..., simplesmente é parte do acordo, Henrietta. Não
posso ser mais clara, simplesmente não posso!
‐Acredito que te entendo. Um homem se casa porque encontra atraente
a uma mulher. ‐Em sua mente, ouvia a voz do Darby, rouca e suave, lhe dizendo que
tinha um cabelo formoso. ‐E por esta razão espera ter esta intimidade conjugal, já o deseje a
mulher ou não. Bom, acredito que isso é estúpido!
‐O que é estúpido?
‐Por que um casal não pode sentir‐se mutuamente agradado e conseguir
evitar esse evento em particular?
‐Os homens se deixam levar. Não posso explicar de outra maneira.
Henrietta tinha os olhos semicerrados.
‐O que foi exatamente o que disse Darby quando lhe informou sobre
minha impossibilidade de satisfazê‐lo?
‐Pareceu um pouco entristecido, querida. Acredito que te tinha um
carinho genuíno. É uma pena.
‐Mas o que disse?
‐Disse que tinha esquecido que tinha uma entrevista e me pediu que o desculpasse
contigo por não poder ir recolher‐te à escola.
‐Foi assim de fácil? ‐disse Henrietta, surpreendida. ‐Desistiu assim fácil?
Não encontrou consolo nos olhos de sua madrasta.
‐Desculpo‐me se alguma vez te dei a impressão de que a um homem
poderia não lhe importar... Sua enfermidade.
‐Que estúpido por minha parte não me haver dado conta de que as duas
coisas estavam conectadas. Pensei que haveria um homem que não quereria filhos ‐
sussurrou Henrietta. O tom desconsolado de sua voz fez que o coração
do Millicent se derretesse.
‐OH, carinho, não chore ‐ disse‐lhe, sentando‐se junto à Henrietta e abraçando‐a com
ternura.
‐Não estou chorando. ‐E realmente não estava chorando, embora tivesse
o rosto branco e tenso.
‐Darby é um tolo por renunciar a ti por essa razão ‐ disse Millicent ‐Tem
razão, os homens são uns estúpidos.
‐Não é tolo ‐ disse Henrietta em tom sombrio. ‐Lascivo, é melhor. Porque
isso é o que significa lascivo, verdade?
Acomodou‐se para encontrar os olhos do Millicent e encontrar a
resposta neles.
‐Um homem não fica contente desflorando a sua amante. Também deve
possuir a sua esposa.
Houve um momento de silêncio, interrompido somente pelo som do
vento.
‐OH, tudo isto teria sido muito mais fácil se o tivesse sabido antes!
‐Parecia que o coração da Henrietta se estava rasgando pouco a pouco.
Millicent procurou em seus bolsos um lenço, mas era ela, e não
Henrietta, a que o estava usando.
‐Sei que Darby parecia um bom partido ‐ disse a viúva, momentos mais
tarde ‐ depois de tudo, não gosta das crianças nem a idéia de tê‐los e suas irmãs não têm
mãe.
‐É certo ‐ disse Henrietta. Não voltou a cabeça para Millicent‐ mas também irá muito
bem sem marido. E, depois de tudo, quase não conheço o Darby. A senhorita Pettigrew ressaltou
quão inútil era um marido na vida de uma mulher. Diz que é um prejuízo.
‐E pelo que sabemos, Darby é um criminoso. Quereria falar sobre isto com o senhor
Fetcham?
Henrietta piscou.
‐Com o senhor Fetcham? Por que demônios quereria eu falar com o
vigário sobre o matrimônio? Sem estar comprometida sequer?
‐Talvez ele possa te ajudar a reconciliar seu infortúnio.
‐Nenhuma conversa sobre a vontade de Deus poderá me reconciliar com
o futuro que vejo ante mim. ‐Sua voz era forte e clara. ‐Devo ser tola, confiava em me
casar em algum momento.
‐Não sabia ‐ sussurrou a madrasta.

‐Pensei que encontraria a um viúvo ou a alguém que não quisesse filhos


ou que já os tivesse criado. Esperava que esse homem se apaixonasse por mim..., que
fosse minha alma gêmea. ‐ Quase arrebenta em uma gargalhada para ouvir quão estúpidas
soavam estas palavras em voz alta.
‐Não posso te assegurar que não vá aparecer um homem
verdadeiramente nobre, alguém menos escravizado com sua natureza.
‐Terei isso em mente ‐ disse Henrietta.
‐Alegra‐me que Darby se moveu tão rápido para anunciar suas intenções.
Dessa maneira, em tão pouco tempo não lhe terá tomado muito afeto.
‐Sim, é obvio. ‐Era incrível ver quão rápido ela havia estado feliz com a idéia de casar‐se
com o Darby. Realmente, ela não sabia nada a respeito dele,
salvo por seu gosto pela renda. Como teria compartilhado uma vida a gosto com um
homem cuja casa estava coberta de renda dourada? E era um caça fortunas, o que não é
precisamente uma base sólida para edificar um matrimônio.
‐Estará melhor assim. Deu‐te conta de sua verdadeira natureza muito
cedo.
‐Sim.
‐Verá ‐ continuou Millicent, em um desesperado tento de demonstrar
seu ponto de vista e fazer que a cara trocasse a Henrietta‐ Darby deve ser uma espécie de
homem... Luxurioso querida. Olhe de que forma te beijou..., em um
lugar público!
‐Sim! ‐disse Henrietta, lhe dando a razão.
‐Tivesse sido um marido pouco conformista, incômodo. ‐Millicent estava
falando de coisas que sabia. ‐Ele..., ele talvez tivesse querido que o acompanhasse mais
de uma vez por semana, querida. E isso tivesse sido verdadeiramente exaustivo, com os anos.
Deve me acreditar.
Henrietta ficou em pé e beijou a sua madrasta na bochecha.
‐Acredito que irei tomar um longo e quente banho. E te prometo que não
falarei mais do senhor Darby.
Millicent descobriu que olhar a sua enteada com os olhos aguados fazia
que seu cabelo parecesse realmente de ouro.
‐Lamento muito ter tido que te dar estas notícias tão desagradáveis.
Rompe‐me o coração te dizer que não pode te casar e ter filhos. ‐As lágrimas
brotaram uma vez mais. ‐É tão lindo, e teriam tido filhos formosos e...
Henrietta se inclinou para ela e lhe secou as lágrimas.
‐É melhor assim, Millie ‐ disse, usando o nome com que a chamava
quando era pequena. ‐Nunca teria podido agradar ao Mr. Darby em muitos aspectos. É
muito elegante e eu sou muito franca. Provavelmente me tivesse cansado dele e tivéssemos
brigado amargamente.
‐Espero que não se sinta muito incômoda quando o voltar a ver.
Com isso, Henrietta sorriu e o sorriso só lhe fraquejou um pouquinho.
‐Por que me sentiria incômoda? Depois de tudo, quase não nos
conhecemos. ‐ E saiu do aposento com a cabeça em alto.
Entrou em seu aposento pensando que esse era o momento indicado
para chorar, mais que nenhum outro. Mas o sentido comum lhe impediu de tombar‐se na
cama e romper em pranto. Logo que conhecia esse homem. Por
que demônio devia chorar por ele?

O que sentiu, principalmente, deu‐se conta, foi vergonha por não saber
que não era elegível para o matrimônio. Era humilhante pensar em quanto tinha
pressionado seu corpo contra o de Darby. Com razão ele pensou que ela
estava no ponto justo para o desenfreio, se é que essa acaso era a terminologia correta.
Embora pensar na experiência lhe fez perguntar‐se sobre a compreensão
do Millicent sobre a intimidade. Parecia‐lhe que Darby podia fazer que esta não fosse tão
censurável. Certamente ele, mais que ninguém, faria prazenteira.
Mas ele não poderia encontrar esse agrado com ela.
Sentou‐se frente à penteadeira. Era uma lástima que ela tivesse herdado
o cabelo e a cara de sua mãe. Se tivesse uma aparência normal, ou inclusive feia Mr.
Darby nem sequer teria notado sua presença.
Esse fato demonstrava quão frívolo era ele, um homem interessado em
seu cabelo cor mel, por dizê‐lo do mesmo modo que ele. Bom, e talvez outras
partes de seu corpo, pensou ela, recordando como e em onde a havia tocado
com as mãos.
Para ser sincera, o pior não era perder ao Mr. Darby. O que fez que seu
coração lhe parecesse uma massa de ferros foi que nenhum homem desejaria
casar‐se com ela, nem sequer um viúvo. Nenhum homem se apaixonaria por ela jamais.
A única carta de amor que receberia era a que se escrito ela mesma.
Todos os sonhos que guardava de encontrar a um homem que não queria ter
filhos não eram mais que pó.
Ela engoliu tudo isso e se animou a não chorar. A carta que ela mesma
tinha redigido estava dobrada sobre sua escrivaninha. Tocou‐a com a ponta dos
dedos. Agora conhecia mais ao Darby que quando escreveu essa carta. Se ele
escrevesse uma carta de amor, seria muito mais banal, e muito mais graciosa.
Mais intensa e amorosa, ao mesmo tempo.
Esteve a ponto de decidir‐se a tomar de novo os objetos de escrita, mas
somente o que obteria se escrevesse outra carta de amor seria prolongar durante uns
momentos uma fantasia de sua própria criação. Por muitas cartas
que escrevesse, nenhum homem quereria casar‐se com ela. Era hora de
abandonar aquelas ilusões infantis nas que um cavalheiro de armadura
chegaria para resgatá‐la. Isso jamais ia acontecer.
Uma lágrima desceu por uma das bochechas da Henrietta. A enxugou
com a mão e fez soar os sinos para chamar a sua criada.
No banheiro, praticou um velho ritual: contar suas benções. Era
perfeitamente feliz antes que Darby chegasse ao povoado, e o seria de novo.
Tinha muito boas amigas que a necessitavam e sentia...
Sentiu outra lágrima rodar pela ponta do nariz, e logo outra.

CAPÍTULO 18

Esme Rawlings descobre que algumas verdades


são difíceis de encobrir

‐Não é teu filho ‐ disse Esme, ficando de pé com alguma dificuldade. ‐É de


Miles.
Sebastian a olhou fixamente sem ficar em pé, o que era sinal de que estava aniquilado.
‐OH, meu deus ‐ sussurrou. ‐Está grávida.
‐O filho é de Miles ‐ repetiu, tentando impor um pouco de autoridade na
conversa.
Como ele não disse nada, ela se abriu a parte dianteira do casaco.
‐Olhe! ‐disse, moldando o tecido do vestido contra sua barriga.
Ele olhou. Ela esperou que ele tirasse as óbvias conclusões.
Como ele não disse nada, ela admitiu a verdade.
‐Se este bebê fosse teu, eu teria seis meses de gravidez, lorde
Bonnington. Dificilmente estaria tão inchada.
Separaram os olhos de sua barriga e a olhou fixamente aos olhos.
‐Acredito que já é hora de que nos chamemos pelo nome, Esme.
Havia algo em seu olhar que ela não queria contradizer, não ao menos quando se tratava
de algo tão corriqueiro.
‐Está bem, Sebastian ‐ disse ela. ‐Em qualquer caso, estou grávida de mais de seis meses.
‐Quando nascerá? ‐perguntou ele. Ela tentou parecer pouco interessada.
‐Talvez o mês que vem.
De repente, ele se deu conta de que ela estava de pé e saltou a seus pés.
Sem dizer uma palavra, olhou‐a da cabeça aos pés. Esme o agüentou. Advertiu
que ele poderia dar‐se conta do inchada que estava. Isso o convenceria de que
o bebê não era dele, mas sim de Miles. E isso era chave, por que..., por que..., ela não
estava segura de por que. E ele perderia esse olhar de amor ao dar‐se
conta de que ela já não era a mulher mais linda da alta sociedade, a não ser uma inchada e
redonda propensa ao pranto sem nenhum rastro de sentido comum na cabeça.
A ele não parecia lhe importar. Sem falar ainda, ele levantou os braços e
lhe pôs as mãos sobre os ombros e começou a acariciá‐los tão brandamente que ela quase
segurou em cima.
‐Bom ‐ disse ela em lugar de fazer isso‐, melhor voltar à casa. Tenho muitas coisas que
fazer. O círculo de costureiras vem amanhã.
Ele sorriu um pouco em tom de brincadeira.
‐É a anfitriã de um círculo de costureiras? Você, Esme a infame?
‐Não me chame assim ‐ disse ela, franzindo o cenho. ‐Sou uma viúva, intento me
comportar como uma mulher respeitável, não te dá conta?
‐E é boa costurando?
Ela não teria tido que lhe responder, mas ele parecia genuinamente
interessado em lugar de ser sarcástico.
‐Não muito ‐ admitiu. ‐Mas tudo o que fazemos é fazer pregas aos lençóis
para os pobres. O vigário às vezes vem a nos dar ânimos.
‐Sonha extremamente tedioso ‐ comentou Sebastian.
‐Mr. Fetcham é um homem doce, em realidade. E bastante atraente ‐
disse com um traço de presunção na voz.
Ele apertou as mãos detrás de suas costas, mas a olhou calmo como
sempre.
‐Um vigário nunca poderia te manter sob controle, carinho.
‐Não necessito que me mantenham sob controle ‐ disse, indignada ‐Em
qualquer caso, Sebastian Bonnington, a realidade é que estou muito ocupada e
feliz. E te estaria muito agradecida se retornasse a Itália. Algumas pessoas que lhe
conhecem assistirão aqui a uma festa na próxima semana ‐ deteve‐se, pensando que não era
muito educado lhe falar de uma festa a que obviamente
não estava convidado.
‐E deve deixar de lado esta tola idéia de ser jardineiro ‐ disse, olhando ao
redor. Por sorte, as velhas vinhas e ramos tinham crescido e se entreteceram tão grossa
entre as tabuas que era pouco provável que alguém pudesse vê‐los
nesse lugar. E ninguém podia pensar que ela tivesse arrumado uma reunião clandestina
com o jardineiro em meio das rosas. Não no inverno, ao menos.
‐Se for ninguém se inteirará de nada. Escreverei à agência de empregos
do Bath pedindo que me enviem outro jardineiro imediatamente.
‐Não irei a nenhum lugar ‐ disse ele. Sua voz era quase casual, como se
não tivesse interesse algum no que ela dizia.
‐Sim, irá! ‐Disse Esme, começando a sentir‐se um pouco zangada. ‐Como
disse, oferecerei uma festa Sebastian. Virá Carola, junto a seu marido Tuppy... E
você conhece a Carola. Helena também virá.
‐Poderia cancelar essa festa ‐Tinha deslizado as mãos por suas costas e a
estava acariciando com pequenos giros que resultavam tão agradáveis, que ela
quase desmaiou a seus pés.
‐É obvio que não. Por que diabo ia cancelar a festa porque você decidiu
retornar da Itália para viver em um lugar no que não é bem‐vindo?
Suas mãos lhe tinham alcançado a cintura, ou o lugar onde esta estava acostumada estar,
e agora ele as estava unindo brandamente pela testa.
‐Isto é pouco apropriado ‐ ressaltou ela. Mas não se afastou nem lhe tirou as mãos.
‐Ah, deus, Esme ‐ sussurrou ele ‐É quarenta vezes mais bela agora, sabe?
Seu corpo é completamente diferente.
‐Isso é verdade ‐ disse ela, em tom sombrio, pensando em seus quadris
esbeltos de antes.
‐A maternidade te senta bem ‐ disse ele. ‐Isto te senta bem.
Ela olhou para baixo fugazmente e viu que um par de mãos bronzeadas
lhe estava acariciando a barriga. Fez sentir uma traiçoeira onda de calidez nos joelhos e
se afastou rapidamente, abotoando‐a casaco.
‐Preferiria que encontrasse outro trabalho ‐ disse ‐Não! O que quis dizer
é: Retornaria, por favor, a Itália o mais breve possível? Deve te dar conta de quão
comprometedor é para mim te ter aqui. Minha reputação se verá
gravemente afetada pelo simples feito de te ter em minhas terras.
Ele ficou de pé, com as mãos aos lados, e lhe sorriu.
‐Não posso ir, Esme ‐ disse‐lhe com doçura ‐Agora mais que nunca não posso ir.
‐Disse‐lhe isso ‐ disse ela, cortante. ‐O bebê é de Miles!
‐Não poderia duvidá‐lo jamais ‐ disse ele ‐Não sei muito destes assuntos,
é obvio, mas sua figura é parecida com a de minha prima quando estava a ponto de dar a
luz.
Ela assentiu.
‐Então, verá, deve ir daqui. ‐Ela engoliu e o olhou com as mãos no coração. ‐Já não quero
ser Esme a Infame, Sebastian. Quero ser simplesmente
lady Rawlings, uma viúva que cria a seu filho. Assim, por favor..., vai‐te.
Ele negou com a cabeça.
‐Não preciso que venha ao jardim a ver‐me, mas ficarei.
‐Arruinará minha reputação! ‐disse ela, em um tom de voz estridente. ‐
Algum convidado da festa poderia te reconhecer.
‐Duvido‐o ‐ disse, calmamente. –Assegurarei de que ninguém me
aproxime. Embora não te asseguro que não vá conhecer outros jardineiros fora
desta propriedade.
Ela tinha que admitir que isso fosse justo.
‐Boa tarde, lady Rawlings ‐ disse à Esme, levantando o chapéu à maneira
em que o faria um jardineiro. Logo, deu a volta e retornou ao livro e aos ramos das rosas.
Slope se apressou a abrir a porta ao ver as dificuldades que tinha sua senhora para
retornar da pérgola de rosas. Lady Rawlings seguia caminhando muito pela propriedade, apesar
de que parecia que ia dar a luz em qualquer momento. Afastou os olhos educadamente já que era
evidente que ela não se
encontrava, uma vez mais, com o melhor ânimo.
Era estranho tantas lágrimas. Nos dez anos desde que se casou com lorde
Rawlings, não tinha visitado essa propriedade mais que duas ou três vezes. Por outro lado
Rawlings vinha sempre com aquela peça de adorno, pois isso era o
que ela era, a que todos deviam chamar lady. Era lady Childe, é obvio. Não estava à
altura de sua senhora.
Dadas as circunstâncias, ele não teria esperado que a senhora se deixasse
ver chorando tantas vezes no corredor principal. "Mais lágrimas do que as que a senhora
Slope mostrará jamais", pensou Slope, melancólico. "Minha esposa provavelmente dançaria em
minha tumba."
A senhora Slope, essa mesma manhã, tinha incorrido na desaprovação de
seu marido ao anunciar que se uniu ao grupo da sociedade para o progresso da
mulher, baseado pela senhorita Pettigrew, a diretora da escola. Todos os homens do
povoado e seus arredores sabiam que essa sociedade não era mais
que uma oportunidade para criar problemas.
Slope recebeu o casaco de sua senhora, e lhe deu um lenço recém
lavado.
‐Obrigado, Slope ‐ disse ela, pausadamente.
‐Quer tomar o chá no salão, senhora?
‐Acredito que irei à creche, Slope.
‐Talvez ali se encontre com lady Henrietta ‐ disse Slope, um pouco rígido.
Encontrar gente adulta visitando freqüentemente a creche não entrava em seu
sentido de decoro. As crianças deviam estar na creche, e os adultos no salão de chá. O dia
em que chegou a casa, Mr. Darby lhe pareceu um modelo de decoro,
mas tinha desenvolvido uma inquietante tendência a rondar a creche nos momentos mais
estranhos.
‐Quer que peça que levem às crianças ao salão, senhora? ‐Isso era algo muito mais
aceitável, a seu parecer.
‐Pedirei eu mesma, Slope.
Ele moveu a cabeça em negação enquanto lady Rawlings se afastava
pelas escadas. Não lhe interessavam as noções modernas. E visitar a creche, bom... Se
isso não era moderno, ou exótico... O que poderia sê‐lo?
Bom, possivelmente também a idéia da senhora Slope tentando
ascender.
CAPÍTULO 19

Meu irmão Simon.

‐Vim a me desculpar contigo, Josie.


Josie olhou para acima, sem nada que dizer. Ninguém se tinha
desculpado jamais com ela. Sempre estave acostumada a ser o contrário.
Mas aí estava lady Henrietta, com as mãos juntas, diante dela, um tanto
ansiosa e culpada. Embora Josie não fosse capaz de dar‐se conta, o olhar nos
olhos de lady Henrietta se parecia muito ao que sempre tinham os de Josie.
‐Nunca deveria haver jogado um copo de água na sua cabeça. Perdi o controle.
Josie sabia muito bem o que era perder o controle. Isso era o que sua antiga babá, a
enfermeira Peeves, estava acostumado a fazer, e logo
repreendia a Josie por havê‐la feito perder o controle. Mais ainda, a enfermeira Peeves
dizia que Josie tinha o temperamento do demônio, e uma disposição a
sê‐lo. Assim Josie se afastou cautelosa, não sabia se lady Henrietta queria golpeá‐la por
ter sido tão malcriada.
Passado um momento, Josie seguia sem dizer nada, pois não sabia muito
bem o que era o que devia dizer. Assim lady Henrietta se agachou e lhe disse:
‐Sei que te ofendi profundamente, Josie. Perdoaria‐me?
Josie o pensou por um momento.
‐Eu também tenho mau temperamento e posso perder o controle ‐disse,
acrescentando sem estar segura‐ milady.
O sorriso de lady Henrietta fez que Josie notasse uma pontada de
felicidade no estômago.
‐Que generoso por sua parte dizer isso. Chamaria‐me Henrietta? Acredito
que as pessoas que compartilham maus temperamentos devem chamar‐se
pelo nome de batismo. ‐Jogou uma olhada ao aposento, decorada com
patinhos. Evidentemente Esme tinha feito que o remodelassem para seu bebê.
‐Esta é uma creche agradável, você gosta?
Josie assentiu vigorosamente. A vida lhe tinha melhorado grandemente
para a pequena Josephine Darby desde que seu irmão a tinha levado para visitar sua tia
Esme.
‐A babá é um anjo. ‐A babá da tia Esme estava acostumada a cheirar a rolos de canela, o
aroma favorito de Josie ‐Não lhe importa que Anabel passe o dia vomitando.
‐Esse é um sinal de verdadeira nobreza, não crer? ‐disse Henrietta.
‐E meu irmão Simon vem nos visitar. Nunca me visitava quando vivíamos
na cidade. Esta manhã brincou de soldadinhos comigo!
“Simon?", pensou Henrietta. "Tinha esquecido que o nome de batismo do Darby era
Simon".
Lady Henrietta parecia um pouco desconcertada e Josie pensou que
talvez não a tivesse acreditado.
‐Ajoelhou‐se justo aqui‐ disse Josie, assinalando o lugar exato para que Henrietta o
tivesse em conta‐ e me mostrou como se faziam os batalhões e me
ensinou a alinhar os soldados. Logo, ficou um pouco resmungão ‐ ou isso lhe disse a
babá‐ porque o chão lhe tinha marcado os joelhos, mas agora sei como
organizar batalhões. A tia Esme também veio brincar um momento, mas ela não pode
ajoelhar‐se porque tem a barriga enorme.
Henrietta se estremeceu com uma pontada de ciúmes ao pensar na
barriga de Esme, mas sorriu à menina que tinha diante. Era estranho o muito
que se parecia com seu irmão.
‐Sabia que seu cabelo é da mesma cor que as folhas de outono, Josie?
Ao Josie não importou esse comentário.
‐Quer ver meus soldados, lady Henrietta? Posso‐te mostrar a maneira em
que meu irmão Simon ordenou os soldados.
‐Josie ‐ disse‐lhe Henrietta. Em realidade, ela preferia não ter que ouvir
nada sobre "meu irmão Simon"‐ Acredito que melhor não quero brincar com soldados
hoje. O que te parece se lhe conto uma história?
O coração do Josie se contraiu um pouco. A verdade era que tinha muitas
vontades de enfrentar a seus soldados em uma batalha. As senhoras
geralmente contavam histórias de gatinhos e patinhos, e esse tipo de histórias não
interessavam a Josie.
‐Claro ‐ disse, educadamente. Porque, quando estava contente, era uma
menina muito educada.
‐Esta é a história de um pequeno par de botas, feitas do melhor couro de
bezerro ‐ disse Henrietta, sentando‐se junto ao fogo. ‐Tinham doze pequenos botões na
parte dianteira, e esses botões eram da cor do chocolate, igual à cor de seu cabelo.
Bom, ao menos as pequenas botas não eram pequenos gatinhos. Josie se
acomodou aos pés da Henrietta.
‐Acredito que jamais viu umas botas assim Josie, porque não pertenciam
a uma menina. Nem tampouco a um menino. De fato, essas botas não
pertenciam a ninguém, porque quando esta história começou, perderam‐se.
Perderam‐se em um bosque espesso e escuro, cheio de sombras e árvores de
ramos grandes e altas.
Josie conteve o fôlego.
‐Como chegaram ali?
‐Ninguém sabe. Um dia se encontraram ali no meio do escuro bosque.
Josie tremeu só de pensar nele.
‐Então, as pequenas botas caminharam pelo bosque, chorando...
‐Estavam chorando por sua mãe? ‐ Josie estava tremendamente
interessada em todo o assunto das mamães.
‐Sim‐ disse lady Henrietta. ‐Como sabia? Isso era precisamente o que estavam fazendo.
À medida que a história avançava, as botas se molhavam. Sentiam frio.
Uma coruja as assustava. Finalmente, encontravam a sua mamãe, embora esta
resultasse ser uma vaca, posto que as botas fossem feitas do melhor couro de
bezerro.
Mas não passava nada porque era inverno, e a mamãe vaca necessitava
umas botas, assim que todos acabaram felizes.
No momento no que a vaca dançava da felicidade com as botas de doze
botões da cor do chocolate postas, Josie estava recostada sobre as pernas da
Henrietta, sobressaltada pelo prazer da história.
‐Outra vez. Contaria essa história outra vez?
‐Não neste momento ‐ disse lady Henrietta. Mas estava sorrindo.
Nesse momento, a tia Esme entrou na creche e disse:
‐Deve dever tomar o chá amanhã, e eu convidarei às meninas ao salão,
Henrietta.
‐Sim, vêem ‐ disse Josie.
‐Estarei mais que feliz de poder vir à creche. Não é necessário
interromper os horários das meninas.
Mas a Esme pareceu quão mesmo a Josie.
‐Tolices ‐ disse, energicamente. ‐Amanhã nos reuniremos com o círculo de costureiras.
Tinha esquecido? Prometeu que iria cuidar de que meus pontos
não saíssem do lençol. É mais, tanto o senhor Fetcham como o senhor Darby prometeram
aparecer um momento e nos tirar do aborrecimento.
Para ouvir isso, Henrietta pareceu querer rejeitar o convite, e o lábio inferior de Josie
começou a tremer. Estava preparada para soltar muitas lágrimas, mas lady Henrietta cedeu e
Josie dançou e dançou dando voltas por
todo o aposento.

CAPÍTULO 20

O jardim das delícias terrenas.

Era impossível não pensar no jardim. Atraía‐a como o norte às bússolas.


Sebastian estava ali nos jardins. Fazendo... o que seja que façam os jardineiros.
O que faziam os jardineiros em janeiro?
Simplesmente era irresistível: a idéia do correto e reto marquês do
Bonnington cavando ocos no solo congelado, ou atando ramos de frutas. Esme
tinha dado voltas ao assunto durante dois dias, perguntando‐se em onde estaria vivendo
Sebastian. Se tinha desistido e se teria ido. Toda aquela situação parecia tão pouco própria dele...
A maioria de suas conversas durante o tempo que esteve comprometido com Gina lhe tinha
conduzido a admoestá‐
la por comportamentos pouco apropriados. Mas o que poderia ser mais
imprudente que o que ele estava fazendo neste momento?
O que tinha sido do moderado e racional marquês, que jamais tomava
uma decisão sem antes consultar a sua consciência? Talvez, ter arruinado sua
reputação o tinha convertido em outro homem e o tinha liberado da carga da
opinião social.
Ela estava frente à janela de seu aposento ‐ não queria pensar na
quantidade de vezes que tinha estado ultimamente ali‐ olhando os jardins traseiros,
quando viu rapidamente a figura de um homem alto e de ombros amplos dirigindo‐se para a
horta. Ela o observou até que desapareceu.
Havia algo profundamente diferente em Sebastian. Poderia ter jurado
que ia assobiando, embora não podia lhe ver o rosto ou escutá‐lo. Caminhava
diferente, não com a rigidez própria de um marquês, a não ser com liberdade.
Isso lhe fez perguntar‐se por outros aspectos dele. Por exemplo, seriam os beijos de um
marquês que seguia as regras diferentes aos beijos de um jardineiro?
Não era que não gostasse dos beijos do Sebastian marquês...,
absolutamente. Mas um pensamento levou a outro: mudaria a maneira em que
fazia amor, se ele estivesse vivendo na cabana de um jardineiro em lugar de dormir sobre
lençóis de linho?
Ainda a fazia sorrir o fato de pensar que ela era a única mulher no mundo
que sabia como fazia amor Sebastian Bonnington. Essa moralidade rígida que tinha era o
que o tinha mantido virgem.
Sebastian tinha chegado à horta e parecia estar cortando vários tipos de
ramos. Era muito tentador. Tinha que ir ver o que estava fazendo. Depois de tudo, a
senhora da casa devia demonstrar preocupação pelo estado do jardim
de sua propriedade.
Devia subir com muito cuidado a ladeira até a pérgola de rosas, pois havia partes de gelo
escorregadio sobre a erva. Já tinha escorregado mais de uma vez, e a única coisa que lhe impedia
de retornar era dar‐se conta de que
provavelmente necessitaria o braço de alguém para fazê‐lo desde essa ladeira.
"Minha senhora é um rouxinol, tão docemente pode ela cantar". Se deteve e cortou outro
ramo da macieira que estava podando. Tinha um tom profundo e barítono. "É tão bela como
Filomela, a filha de um rei".
‐Que formoso! ‐disse ela.
Balançou‐se para os lados com um pequeno sorriso na boca.
‐Milady. ‐Fez um gesto com a cabeça, como de um trabalhador que
saúda seu chefe.
‐Detenha ‐ disse Esme, sorrindo apesar de si mesmo. ‐Te esqueceu de levantar o chapéu.
Ele levantou uma sobrancelha.
‐Só levanto o chapéu com os membros masculinos da casa. Não ando
paquerando com as mulheres que tentam interromper meu trabalho.
‐OH, cala ‐ disse Esme. ‐Sabe mais dessa canção, Sebastian? É lindo.
‐Não é uma canção para uma dama.
‐Sim, é! ‐Esme tinha boa memória, e a cantou alto e com voz clara. ‐"É
tão bela como Filomela, a filha de um rei". Lindo. É essa a canção da corte de Enrique
VIII? Sonha como uma dessas velhas baladas.
Ela nunca imaginou que o tão comedido marquês pudesse parecer tão
travesso. Estava recostado contra o tronco da macieira, com os braços cruzados sobre o
peito. Sua voz se ouvia tão suave como o mel: "É tão bela como Filomela, a filha de um rei. E na
noite escura e espessa, gosta de recostar-se sobre um pênis".
Esme deu um grito sufocado.
Ele sorriu.
‐Imagino que é muito mais recente que Enrique VIII. Aprendi‐a em um bar do povoado.
Quer ouvir outro verso? ‐e sem esperar a resposta, continuou
cantando ‐"Minha senhora brilha como a lua, desejaria poder tê‐la".
Esme se tampou os ouvidos.
‐Não quero saber nada ‐ murmurou.
‐"Ela nunca caminha, mas na noite... – ergue‐se, aproximando‐se de Esme‐... agüenta a
um homem em cima dela".
‐Isso é desprezível!
‐Que parte? ‐Perguntou em tom de conversação ‐ A parte em que ele diz
que poderia ganhar sua senhora? Ou a pergunta sobre o que faz ela de noite.
‐Todo o verso! Não tem nada melhor que fazer que repetir versos
picantes aprendidos no bar? Nunca teria cantado tal canção antes de te converter em
jardineiro! ‐acusou‐o.
Tinha os olhos brilhantes de tanto sorrir.
‐É certo. E tem razão, milady, tenho muito trabalho. ‐levantou o chapéu e
se deu a volta para cortar outro ramo.
‐Deveria estar podando no meio do inverno? ‐perguntou ela suspeita. Ele
encolheu os ombros.
‐Não, mas estas árvores não foram podadas em tanto tempo que
acredito que não fará diferença ‐ estirou‐se para cortar um ramo que estava por cima de
sua cabeça.
Ela o observou ociosamente por um momento, mas descobriu que o que
realmente estava olhando era à maneira em que suas roupas apertavam até a
cintura. E a maneira em que as perneiras enfatizavam o poder e a força de suas coxas.
Ruborizou‐se um pouco ao dar‐se conta e tirou o gancho do casaco, mas
nesse instante o ramo caiu ao chão e ele deu a volta.
Em Sebastian sempre podia lhe ler o rosto. Movia‐se lentamente, mas
com o aprumo que marcava cada um de seus movimentos. Levantou os braços
e pôs as mãos por detrás de sua pequena cintura, atraindo‐a brandamente para ele. Parou
quando a pequena esfera de sua barriga lhe tocou o corpo.
Esme não deixava de olhá‐lo. Sabia que se olhava para outro lado pensaria nisso e não
queria pensar.
Ele inclinou a cabeça e seus lábios tocaram brandamente os dela. Tinha
os lábios quentes e doces. Não exigiam nada.
Uma das mãos divagou para baixo e lhe tocou a barriga tão brandamente
como uma pena caindo ao chão.
‐Desejaria que este fosse nosso bebê, Esme ‐ disse‐lhe sem separar os lábios de sua boca.
‐Não é ‐ respondeu ela, apressadamente.
Mas não se moveu e sua boca se aproximou um pouco mais e, como
sempre, até a menor carícia de seus lábios a fez cambalear‐se. Fazia que suas
resoluções morais se derretessem.
Ela queria afastar‐se. Realmente queria. Mas de algum jeito abriu a boca
e não porque ele o exigisse, mas sim porque ela recordou... e recordou corretamente. O
sabor desses lábios era como se unissem céu e terra.
Suas línguas se encontraram, entrelaçando, e todos seus sonhos
retornaram a ela em um abrir e fechar de olhos. Não era como se fossem amantes reais,
mas ela tinha sonhado tantas variações dessa noite que passaram juntos que sentia como se
tivessem estado juntos durante anos.
Assim de singelo era. Beijaram‐se com a doçura da familiaridade, e as ânsias profundas
de dois amantes separados durante meses. Movia‐se como se
conhecesse cada traço de seu corpo, como se os anos o tivessem
compenetrado com seus desejos.
Ela se estremeceu contra seu peito bem marcado e forte e uma das
grandes mãos dele se moveu em direção aos seus seios, escorregou entre seu
casaco e lhe apertou firmemente os seios. Ela se arqueou para frente, só um pouco mais
próximo de suas mãos.
Ele em realidade não disse mais que seu nome, mas sua voz, usualmente
tão acalmada e normal, soou grossa e rouca.
Nessa crispada sílaba havia uma importante lição. De repente, Esme se deu conta de que
não esteve do todo mal ter subido de peso. É obvio que tinha
algumas curvas antes de ficar grávida, mas se tinha dado conta de que seu peito se
expandiu tão generosamente como o resto de seu corpo. Entretanto,
não foi ouvir esse gemido na voz do Sebastian, e ver a maneira em que se estremecia com
o só contato do pesado inchaço de seus seios, quando lhe viu
um benefício à situação.
Ela se derreteu nele como se o bebê que tinha no ventre não existisse como se estivessem
beijando sobre uma cama. Devolvia‐lhe os beijos, com a boca dura e possessiva, e movia os
dedos sobre seu peito de tal maneira que
ela sentia chamas por todo o corpo, debilitando todas suas promessas ainda mais. Um
anseio isso era a que sentia. Um anseio dele, de Sebastian, uma sede
que tinha crescido durante os seis meses que tinham permanecido separados.
‐Sonhei com isto ‐ disse ele, com a voz nublada de desejo. Deu um passopara trás.
‐Pensei em ti até quase ficar louco, Esme. Retornei porque decidi que era melhor voltar que
suportar um mais destes sonhos.
Essas palavras lhe devolveram um pouco de prudência.
‐Não podemos fazer isto! ‐disse ela, empurrando‐o tão rápido que quase
cai para trás. Ele a segurou.
‐Por que não?
Ela o olhou boquiaberta.
‐O que te passou Sebastian Bonnington? Costumava te chamar "O santo"
quando estava comprometido com a Gina. Algumas vezes pensava que vivia só
para me apanhar em uma indiscrição e me jogar um sermão.
‐O fazia porque queria falar contigo, Esme ‐ disse ele. ‐Queria ver como
se ruborizavam suas bochechas, e como seus magníficos olhos se
concentravam só em mim e em nenhum outro homem. Nunca quis verte
paquerar com ninguém, como por exemplo, Bernie Burdett. Queria que só olhasse a mim.
‐Mas estava comprometido com a Gina.
Ele encolheu os ombros.
‐Fomos amigos durante anos, e parecia ser um matrimônio bastante
razoável.
‐Você estava casada ‐ disse ele, silenciosamente.
‐Sim, em um matrimônio razoável.
‐Acredito que Gina e eu teriamos sido um pouco mais amáveis entre nós
que você e Miles. Amo a Gina e a respeito enormemente.
‐Miles me amava!
Ele levantou uma sobrancelha.
‐Bom, apreciava‐me sinceramente ‐ corrigiu ela.
‐Ele não te respeitava.
Ela olhou para outro lado encolhendo os ombros de forma descuidada.
‐Bom quem poderia? Logo que nos casamos, comportei‐me como uma
prostituta... Mas amava a Miles. É certo que não o amava de uma maneira carinhosa, mas
há poucos casais que se amem realmente hoje em dia.
‐Nunca foi uma prostituta ‐ disse Sebastian, olhando‐a fixamente.
Devolveu‐lhe o olhar. Tinha os olhos de uma cor azul nublada. Como um
dia nublado no verão.
‐Eu não gostaria que interpretasse mal a vida que levei Sebastian, graças
às noções românticas que tenha aprendido na Itália. Só dormiste com uma mulher em
toda sua vida, mas você somente foi um na lista dos diferentes homens que entraram em minha
cama. É certo que esta lista não é muito longa, mas sabe tão bem como eu que há quatro tipos de
mulheres no mundo:
criada, esposa, viúva e puta. Eu diria que interpretei o papel das últimas duas à perfeição.
Tomou o rosto entre suas mãos.
‐Desfrutou da primeira vez que foi infiel ao seu marido?
Ela se engasgou e logo levantou a cabeça.
‐Não, mas em qualquer caso fui infiel. E sim desfrutei das seguintes ocasiões ‐ disse ela,
desafiante.
‐Se Miles tivesse retornado a seu lado, se não tivesse se mostrado
zangado por suas flagrantes seduções públicas, e em troca demonstrasse algum
desejo por te agradar, teria procurado a esses homens?
Houve um momento de silêncio.
Ela levantou o rosto, tinha os olhos cheios de lágrimas.
‐Teria procurado a ti, Sebastian.
Ele não disse nada, tão somente a tomou entre os braços e a abraçou tão
forte como nunca antes o tinha feito ninguém. Cheirava a macieira, como a madeira.
Aproximou o rosto contra um casaco tão desarrumado que um
marquês jamais o poria, e ela ficou obstinada a ele.
Depois de um momento, ele a tomou pelo queixo e lhe deu outro beijo.
Ela engoliu saliva, com força.
‐Tenho que ir.
Ele assentiu.
‐Não digo isto devido a um impulso lascivo, mas pode me encontrar em
qualquer momento na cabana do jardineiro que há ao final da horta de macieiras, Esme.
‐Está vivendo em uma cabana? Você?
Ele assentiu.
‐Desfruto‐o. Mas o importante é que estou aqui para o que necessite. O
que seja.
Ela não podia sorrir de novo porque voltaria a chorar. Ele a olhou em silêncio, e logo lhe
disse:
‐Dou graças a Deus de não me haver casado com a Gina. Inclusive se o tivesse feito,
estaria vivendo ao final desta horta de macieiras. E isso teria sido todo um escândalo.
Ela retornou pela ladeira congelada completamente sozinha.
CAPÍTULO 21

O círculo de costureiras se encontra


na casa de Lady Rawlings.

A tarde seguinte transcorreu muito lentamente. Às quatro, Josie estava tão ansiosa que já
não sabia o que fazer. Correu pela sala de recreação com uma cesta sob o braço, tentando meter
nela todos os soldados, para poder levá‐los consigo.
‐Crê que meu irmão já está no salão? ‐Não parava de perguntar.
A ideia era tão emocionante que não deixava de saltar por todo o
aposento. Esse tipo de comportamento tão pouco feminino teria enlouquecido
a enfermeira Peeves, mas sua nova babá tão somente a acariciava
brandamente e com carinho cada vez que ela passava ao seu lado, lhe perguntando se
precisava usar o banheiro antes de descer.
Sua nova amiga Henrietta estava com sua tia Esme quando entraram no
salão, e Josie estava tão entusiasmada que correu fazendo um pequeno círculo
antes de lhes fazer uma reverência e lhes dizer:
‐Boa tarde ‐ Justo como lhe tinham ensinado.

Logo Henrietta lhe contou novamente a história das botas perdidas e


Josie comeu sete tortinhas de limão sem nem sequer sentir um pingo de mal‐
estar. Quando Anabel teve que subir para a sesta, Josie pediu para ficar ali.
Sentou‐se em silêncio frente à Henrietta e começou a tirar os soldados da cesta, um por
um, para ordená‐los em linhas de combate.
‐Onde encontraste esses brinquedos? ‐perguntou‐lhe tia Esme com uma
voz aguda, como a da enfermeira Peeves quando Anabel lhe vomitava em cima.
Josie a olhou rapidamente, moveu‐se uns centímetros para a Henrietta, e
disse:
‐Estavam lá em cima. A babá disse que podia brincar com eles.
A tia Esme não disse nada mais, e depois de um momento, Henrietta lhe
acariciou a cabeça e lhe disse:
‐Por que não leva os soldados de volta à sala de recreação? Estou segura
de que Anabel sente falta de ti.
Josie sabia igual a todos, que Anabel estava dormindo a sesta. Começou a
guardar os soldados, um por um, muito lentamente. Logo olhou por cima do ombro para
o sofá e viu que a tia Esme estava chorando de novo.
A primeira vez que Josie viu sua tia chorando ficou desconcertada, quase
assustada. Mas agora conhecia a tia Esme o suficientemente bem para saber que ela
chorava com frequência assim Josie guardou na cesta o último soldado
‐de um modo bastante sofrido‐ e fez uma reverência diante de sua tia.
Antes de repetir o gesto frente à Henrietta, sussurrou:
‐Crê que poderá vir a me visitar amanhã para me contar a história das botas perdidas
outra vez?
Henrietta lhe sorriu e disse que talvez, e então à Josie não importou tanto
retornar à sala de recreação.
Assim Henrietta ficou no salão a sós com Esme. Entregou‐lhe um lenço.
Tinha adquirido o costume de levar vários em sua pequena bolsa. Esme estava
em uma etapa em que choramingava tanto que parecia ficar sem fôlego, mas
como Henrietta já tinha visto ao menos dois desses ataques na semana anterior, não tinha
medo de que lhe acontecesse nada grave.
‐Eu sinto ‐ disse Esme. ‐Esses são os soldados de meu irmão, isso é tudo.
A babá deve ter trazido com ela. Não os via há muitos anos.
‐Não sabia que tinha um irmão.
‐Seu nome era Benjamin.
Henrietta ficou de pé e se sentou junto a Esme no sofá, abraçando‐a por
cima dos ombros para lhe dar consolo.
‐Sinto muito.
‐Morreu quando tinha cin‐cinco. Faz muito tempo. Não deveria chorar
por isso. Foi por ver de novo esses soldadinhos. ‐E se dissolveu em soluços sobre o
ombro da Henrietta. ‐Eu nun‐nunca choro ‐ gemeu. ‐Nunca! Nem sequer chorei em seu funeral,
mesmo sendo meu único e querido irmão, meu
querido e ninguém o queria tanto como eu. Era meu irmãozinho.
‐OH, Esme, sinto muito ‐ repetiu Henrietta. Sentiu que os olhos lhe alagavam. ‐Isso é
horrível.
Mas Esme já se estava endireitando.

‐Estou cansada de tanta dor ‐ disse titubeando. ‐Na realidade, não tinha
chorado muito durante minha vida. Sei que provavelmente não vais acreditar,
porque nos conhecemos faz um mês e tudo o que faço é chorar, mas é verdade. Não sou
uma chorona. Ao menos, não em circunstâncias normais.
‐Não há nada impróprio em chorar a memória de um irmão. A morte de
um menino parte a alma de qualquer um.
Esme asoou o nariz, que já estava bastante vermelho, e se esticou para
alcançar uma tortinha de limão, mas Josie tinha comido todas. Henrietta lhe ofereceu a
bandeja de gelatinas.
‐Choro por tudo. Esta manhã derramei o chocolate quente na cama e
quase me ponho a chorar por isso. Tudo o que faço é comer e chorar. Graças
ao céu que pelo menos desfruto com a primeira atividade. Sinto muito, Henrietta. Do que
falávamos antes que isto acontecesse?
‐De nada que fosse realmente importante.
‐Sim, estávamos falando de algo importante ‐ disse Esme. ‐Estava
tentando tirar de você o que tinha acontecido entre você e Darby. Porque na
segunda‐feira deixaram a casa juntos, bastante contentes, mas não tornaram a
se falar estes dias, verdade?
‐Claro que falamos ‐ disse Henrietta com voz razoável. ‐Não temos muito
que nos dizer, mas isso é algo natural quando duas pessoas têm gostos tão diferentes.
‐Não posso entendê‐lo. Sou boa julgando às pessoas. Realmente
acreditava que vocês dois formavam um bom casal, se não te incomodar que o
diga.
A Henrietta importava. Mas como poderia dizer‐lhe.
‐Claro que não me importa ‐ apressou‐se a dizer. ‐Acredito que
simplesmente interpretou mal nosso mútuo interesse.
‐Eu posso não saber costurar uma linha reta, mas sou uma perita
intérprete dos homens ‐ disse Esme ‐E o que é mais: conheço a Darby. Quando
lhes deixei sozinhos no salão, tinha o olhar de um homem que está a ponto de
roubar um beijo. E querida, quando uma mulher pertenceu à alta sociedade de
Londres tanto tempo como eu, e beijou uma quantidade considerável de homens, esse
olhar se reconhece!
Por sorte (ou não, dependendo de como se olhe), Henrietta não teve que
responder a isso porque as damas do círculo de costureiras entraram no aposento, falando
todas ao mesmo tempo. Esme deixou cair seu peso sobre os
pés e fez um gesto a Slope para que recolhesse os pratos vazios que anteriormente tinham
guardado tortinhas de limão. Henrietta ficou em pé para
saudar lady Winifred, à senhora Barret Ducrorq e, para sua surpresa, a sua madrasta,
Millicent.
Henrietta soube imediatamente porque Millicent se uniu ao círculo de
costureiras. Sua madrasta jamais atendia as funções de caridade; tinha‐as declarado
aborrecidas como o demônio fazia alguns anos. Mas a presença de
Darby na casa mudava as coisas. Indubitavelmente, desejava observar seu
comportamento perto de Henrietta. Ou vice‐versa.
A senhora Cable entrou um pouco mais tarde, depois que o resto das senhoras tinham se
acomodado para tomar uma xícara de chá.
‐Olá! Olá! ‐gritou, revoando por todo o aposento, repartindo beijos.
Deteve‐se ante Henrietta e disse:
‐Bom, lady Henrietta!
Henrietta fez uma reverência com a cabeça.
‐Que agradável vê‐la, senhora Cable.
‐Eu te vi, mas você não me viu ‐ disse a senhora Cable maliciosamente,
assinalando Henrietta enquanto movia esse dedo em círculos.
Henrietta sentiu uma pontada no estômago.
‐OH, sim ‐ continuou a senhora Cable, com o agudo prazer de uma
mulher que está a ponto de contar uma intriga. ‐Estava ali.
‐Ali? Onde?
‐Bom, eu ia em minha carruagem ‐ disse a senhora Cable. ‐Íamos visitar
minha irmã, que vive a uns poucos quilômetros, e como meu marido sempre me diz:
"Senhora Cable, vá com conforto sempre que o deseje". Assim que isso é o que faço, querida.
Uso a carruagem de viagem inclusive para distâncias curtas.
Enquanto Henrietta ainda seguia pálida, a senhora Cable continuou:
‐Bom, pois eu ia em minha carruagem de viagem, e se não te importa que o mencione,
verdadeiramente penso que deveria ser mais prudente, lady
Henrietta. Como diz o segundo livro do Titus, uma mulher deve ser discreta, casta e ficar
em casa. ‐ Algo mais faltava a aquela frase. ‐Eu podia estar com uma criança. Uma de minhas
sobrinhas, por exemplo.
‐Temo que não... ‐ Henrietta começou a dizer, mas sua madrasta a
interrompeu.
‐Senhora Cable, está tentando nos contar que foi testemunha do
admirável beijo que Mr. Darby deu em minha filha?
‐Sim ‐ disse a senhora Cable, sentando‐se em uma cadeira. ‐Isso foi exatamente o que vi.
E esse beijo mostrava muito mais que admiração!
Henrietta se sentou rígida no sofá, mas Millicent tinha o controle da situação.
‐O pobre homem pediu sua mão, senhoras.
Todos olharam a Henrietta e logo desviaram o olhar como se ela
estivesse com catapora.
‐Claro que o senhor Darby não estava a par das circunstâncias ‐ finalizou
Millicent.
Lady Winifred, que estava sentada ao lado da Henrietta, acariciou‐lhe a mão.
‐Isso deve ter sido muito difícil para ti, querida. Se tão somente os velhos
costumes prevalecessem, e os cavalheiros tivessem a decência de aproximar‐se
dos pais ou aos guardiões das senhoritas antes de lhes expressar seus sentimentos! Em
minha época, isto nunca teria acontecido.
‐É certo, é certo ‐ disse a senhora Barret Ducrorq, com estridência. ‐
Inculquei a minha querida Lucy que não deve responder a nenhuma
imprudência por parte de um cavalheiro a menos que este tenha falado comigo
e lhe tenha dado meu consentimento.
Henrietta fez um gesto com a boca no que esperava parecesse um sorriso
de alguém que foi importunada contra seus desejos. Agora sabia porque Millicent se uniu
ao círculo de costureiras. Não era para observar Henrietta conversar com Darby. Era para poder
defender Henrietta das consequências desse beijo escandaloso.
Esme se uniu à batalha.
‐Meu sobrinho está devastado pelas notícias ‐ disse em tom convincente.
‐Temo que verdadeiramente entregou o coração a Henrietta. Disse‐me que se
devia a que lhe tivesse feito tão pouco caso. Agora, não seria esta uma boa moral para as
jovens? Como bem sabe, meu sobrinho é bastante respeitado na
alta sociedade. Mas não foi, mas sim até que conheceu a Henrietta, e enfrentou a sua falta
de interesse nele, que desejou pedí‐la em matrimônio.
Millicent assentiu.
‐Posso dizer que foi um momento terrível, quando tive que informar ao
pobre cavalheiro sobre as circunstâncias de Henrietta.
Todas pareceram penalizadas.
‐Acredito que ele se recuperará ‐ disse Esme, tristemente. ‐Mas não
dentro de pouco tempo. Só digo que espero ver um sobrinho neto, ou sobrinha, no que me
resta de vida.
Isso foi muito, ao parecer da Henrietta, mas as senhoras estavam
assentindo.
‐Deve ter sido uma total desilusão ‐ murmurou a senhora Cable. ‐Pela maneira que ele...,
ele sustentava lady Henrietta, era fácil dizer que seu coração já se comprometeu com ela. E tudo
porque não lhe demonstrou interesse algum! É uma lástima que não haja mais jovens que tenham
o recato
de lady Henrietta.
‐Várias vezes tive que dizer a minha sobrinha que seja mais prudente em
suas maneiras ‐ admitiu a senhora Barret Ducrorq, amargamente. ‐Imagine Lucy não
prestou atenção ao senhor Darby. Disse que não lhe tinha parecido excessivamente agradável. Já
vê, sempre fomos uma família muito perceptiva.

Darby se sentou naquela pequena cama, brigando contra sua


consciência. Não havia razão alguma para descer e tomar o chá. O que devia fazer era
retornar a Londres. Tinha ido ao Limpley Stoke para averiguar se sua tia estava grávida de seu
tio, e assim era. De fato, sentiu‐se doído por havê‐lo suspeitado. O fato de que Esme tivesse um
amante em suas terras, dado que
Sebastian Bonnington se estava fazendo passar por jardineiro, não era de sua
incumbência. Não havia nada que o retivesse a este lugar.
O problema é que não podia recordar que nunca tivesse desejado algo tão ansiosamente
como queria Henrietta Maclellan. Parecia que tudo no que pensava nos últimos quatro dias era
que devia ter tomado as rédeas dessa pequena e absurda carruagem para dirigir de volta a casa e
logo..., e logo...
Inclusive o fato de pensar nela fazia que lhe secasse a boca. Recordar a
maneira como ela tremeu quando sua mão lhe percorreu as costas e a sujeitou
fez com que sua virilha captasse toda a tensão. Pensar em seu pequeno grito
gutural quando ele se afastou do beijo o fez estar seguro de que se tivesse podido arrumar
para levá‐la a uma cama, poderia ser sua companheira por toda a vida.
Esse era o inferno. Nunca antes tinha considerado uma mulher para que
fosse a companheira de sua vida. Como ocupante exclusiva de sua cama.
Nunca.
Um cavalheiro jamais discutia esses assuntos, é obvio, mas sabia que Rees e ele estariam
de acordo neste tema. Ambos gostavam das mulheres selvagens e rebeldes. No caso de Rees, as
mulheres deviam ter grandes vozes,
à altura de uns peitos igualmente abundantes; em seu caso, tão somente deviam ter um
fino senso de humor. Uma maneira sensual de vestir. E um olhar
que se encontrasse com o seu no meio de um aposento e lhe dissesse, tão claro
como a luz do sol, "vêm a mim".
Henrietta tinha o senso de humor, mas nada mais dessa lista. Vestia a seda como se fosse
tecido de saco, e se movia como se seu corpo fosse de madeira.
Claro que ele podia fazer outra lista, uma diferente; uma que incluíra uma franqueza que
lhe tirava o fôlego. Uma paixão genuína, mas limitada a gestos sensuais e objetos sedosos.
Uma maneira de rir dele que era tenra e inteligente, que o fazia se sentir
admirado pelo que é e não por seu poder na alta sociedade londrina, nem por
seus atributos físicos. Por ele mesmo.
Pensar em tudo isto fez que Darby sentisse como se formigas
caminhassem por suas costas. Não que ele nunca tivesse pensado em ter uma
esposa. Claro que o tinha feito. Queria uma esposa tanto como o resto dos homens: quer
dizer, de um modo confuso, futuro e que tinha que ver com o compromisso. Tinha a tênue idéia
de que talvez seu matrimônio pudesse ser melhor que o de seus pais. Era melhor sentir um pouco
de afeto pela esposa. E
de ser capaz de desfrutar do tempo em sua companhia.
Entretanto, até conhecer Henrietta, nunca tinha imaginado passar sua
vida com uma mulher. Tampouco tinha considerado apresentar a uma mulher
os prazeres sexuais. Tendia a deitar‐se com mulheres experientes, desenvoltas
nos assuntos da cama como o eram com o pessoal da casa.
Mas com Henrietta... As coisas podiam ser diferentes.
Um golpe forte na porta lhe indicou que Slope trazia uma nota de Esme.

VIRAM‐LHE BEIJANDO HENRIETTA; ACREDITO QUE O MELHOR PARA


TODOS É QUE NÃO DESÇA PARA TOMAR O CHÁ CONOSCO HOJE.

Melhor para todos se voltasse a Londres. Melhor para Henrietta se


jamais voltasse a vê‐la. Salvo porque, como poderia uma mulher tão sensual viver toda
sua vida sem um homem? Uma lembrança de como sua língua dançava com a dele fez que o
corpo lhe endurecesse de novo.
Ao menos, a nota de Esme havia resolvido a questão de se devia descer e
acompanhar o círculo de costureiras. Partiria para Londres logo que preparasse suas
coisas.

CAPÍTULO 22

Conselho de guerra.

As damas estavam juntando suas mesas de costura enquanto Slope


carregava o menor dos montes de lençóis. (Tinha havido muito entusiasmo em
conversar sobre a atitude apropriada para costurar). Henrietta ficou de pé agradecida, mas
Esme a alcançou e tomou pelas mãos.
‐Poderia tomar emprestada a sua sobrinha durante uma ou duas horas? ‐
perguntou lady Holkham.
‐Não! ‐disse Henrietta, mais exageradamente do que tivesse desejado.
‐Não para o jantar ‐ disse Esme, lhes enviando uma mensagem silenciosa
a ambas as mulheres, lhes deixando assim claro que Darby ia estar presente. ‐
Minha querida amiga lady Perwinkle e seu marido nos farão uma breve visita, e
agradeceria muito que Henrietta me ajudasse com os preparativos para um pequeno jantar
em sua honra. É obvio, trataria de um jantar íntimo e sério, posto que estou de luto.
Henrietta pensou em negar‐se de novo, mas Esme levou uma mão à
barriga.
‐É muito difícil encontrar forças estes dias ‐ disse com tristeza.
‐Henrietta te ajudará no que possa ‐ assegurou‐lhe Millicent ‐Farei com que a carruagem
retorne em uma hora para buscá‐la, parece‐te bem assim?
‐Bom ‐ disse Esme enquanto fechava a porta‐ assim Darby e você não têm nada em
comum, não? ‐Tinha os olhos brilhantes da emoção.
‐Não me posso casar com ninguém ‐ disse Henrietta incômoda. Temia
arrebentar em pranto se explicasse a situação.
‐Quis falar disso contigo ‐ disse Esme, deixando‐se cair pesadamente
sobre um sofá. ‐Suspeito que não possa te casar porque não é recomendável ficar grávida
devido a sua enfermidade no quadril, não?
‐Exatamente ‐ disse Henrietta. Uma leve depressão parecia estar
assentando‐se o no peito. Encolheu os ombros. ‐Depois de que minha madrasta
explicou a situação a Darby, ele muito educadamente retirou sua proposta, se é que
alguma vez teve a intenção de propô‐la.
‐Claro que teve a intenção. Os cavalheiros, e Darby é um cavalheiro, não
encurralam uma mulher contra uma carruagem em plena luz do dia a menos que tenham
o matrimônio em mente. Ao menos, se a mulher em questão é uma dama como você.
‐Bom ‐ disse Henrietta, lentamente. ‐Suponho que seja uma façanha que
Darby tenha pensado em casar‐se comigo.
Esme se inclinou para frente.
‐Vou ser completamente franca, Henrietta.
Henrietta assentiu.
‐O que vou te dizer não se ouviu jamais em uma conversa educada, mas
me acredite, pratica‐se com regularidade. Há maneiras de limitar a concepção,
e não me refiro a abster‐se de compartilhar a cama.
‐De verdade?
‐Existem vários métodos. Você se importa que siga te escandalizando?

Com isso, Henrietta sorriu um pouco confundida.


‐Até agora, não te encontrei tão escandalizadora. Vi chorar várias
mulheres antes que mudasse ao Limpley Stoke, sabe?
‐Miserável! Bom, a verdade é que Sebastian Bonnington não foi o
primeiro homem em minha cama, além de meu marido, quero dizer.
‐OH.
Esme se sentiu levemente envergonhada, mas continuou.
‐Quando Miles se foi de nossa casa, eu estava enfurecida. Queria sua atenção e tratava de
consegui‐la como fosse. Flertei com todo homem da alta
sociedade que mostrasse interesse. Não me deitei com eles. Mas dava a entender que o
fazia. Entende Henrietta?
‐Acredito que sim. Estava tratando de incomodar a seu marido. Deu
resultado?
‐Não ‐ disse Esme um pouco triste. ‐Não, não tive êxito. Veja, realmente
não fomos um bom casal. Não combinávamos. Meu pai insistiu que me casasse
com Miles, e Miles sabia que me tinham obrigado a fazê‐lo. Era a pessoa melhor
intencionada do mundo. Meu comportamento só fez com que ele se sentisse mais culpado,
menos indicado para me repreender por meu mau comportamento. Sempre que nos víamos era
extremamente agradável comigo.
‐Suponho que isso te incomodava ainda mais.
‐Sim..., era muito jovem e muito tola. Finalmente, encontrei‐me na cama
de um cavalheiro mais velho que era mais experiente nesses assuntos que eu.
Ele se assegurou de usar um método para evitar a concepção.
Os olhos da Henrietta aumentaram.
‐Um ano mais tarde, estava cansada dos namoricos. Mas durante esse
período usei um objeto chamado preservativo. É muito simples. Para falar a verdade,
acredito que o conselho que recebeu de não te casar é uma tolice.
Dada a existência deste e outros métodos que previnam a gravidez, suas circunstâncias
não são um obstáculo ao casamento. Surpreende‐me que Darby
não tenha falado disto a sua madrasta.
A esperança que tinha brotado no peito da Henrietta se desvaneceu
novamente.
‐Talvez Darby não quisesse casar‐se comigo, em realidade. Seguramente
ele conhece todos estes métodos.
‐Naturalmente. O fato é que o cérebro masculino está constituído de
uma maneira pouco lógica. Suponho que ele pensa que uma mulher da
nobreza jamais tocaria um objeto semelhante. Ou que os sentimentos
femininos são muito delicados para simplesmente escutar falar disto. Mas eu nunca
vacilei em usar o preservativo, e suspeito que outras mulheres nobres o
fazem. Afinal, você não conhece também muitas mulheres que só tiveram um
herdeiro? Claramente, esse método funciona. Funcionou em meu caso.
‐E então por que ninguém me falou dele antes?
Esme tinha um olhar de arrependimento.
‐Talvez só uma mulher que tenha mantido uma vida livre compartilhe tais
segredos. Nenhuma das damas do círculo de costureiras falaria do tema, Henrietta.
Simplesmente, não é algo que se trate dentro de uma conversa educada ‐ disse, duvidando. ‐Além
disso, também há quem acredite que as mulheres não desfrutam fazendo amor, ou até mesmo que
não deveriam
desfrutá‐lo.
‐Sei que é um procedimento incômodo.
Esme riu de repente, saiu‐lhe uma pequena risada gutural que teria feito
que vários homens de Londres até o Limpley ajoelhassem aos pés.
‐Deixarei que meu elegante sobrinho mude sua opinião sobre isso,
Henrietta. Acredite‐me, não é incômodo e é muito prazeroso. Mas se às garotas lhes mete
na cabeça que o ato é desagradável, suponho que logo lhes
resulta difícil admitir que se deite por prazer e não pelo dever de ficar grávidas.
‐Isso parece lógico.
Esme riu de novo.
‐Não posso acreditar que estejamos tendo esta conversa! Minhas amigas
mais próximas estão casadas, mas até recentemente tempo nenhuma delas vivia com seu
marido, com o que não tinha havido lugar para tanta franqueza.
‐Nenhuma de suas amigas vive com seu marido?
‐Eu não vivia com Miles, obviamente. E o marido de minha amiga Gina se
foi do país faz doze anos, logo que se casou com ela. Então ela não só não vivia com seu
marido, mas também nunca consumara o matrimônio ‐ fez uma pausa
e sorriu. ‐É obvio, essa situação mudou. Gina e Cam retornaram juntos da Grécia justo
antes de Natal.
‐Gina é a duquesa do Girton ‐ disse Henrietta, juntando as histórias. ‐A mulher que estava
comprometida com ..., com o marquês do Bonnington.
‐Exatamente. E já te falei da Carola e seu marido Tuppy. Agora estão juntos e chegarão
amanhã para uma curta estadia. Já conheceu a Helena, a condessa do Godwin. Seu marido é
completamente libidinoso ‐ disse fazendo gestos. ‐Rees está agora compartilhando a casa
familiar com uma jovem cantora de ópera. Durante uma época teve seis bailarinas do balé russo
vivendo com ele. OH, e ele é o amigo mais próximo do Darby.
‐Santo céu ‐ disse Henrietta, um pouco desanimada. –Darby é tão
escandaloso em sua vida pessoal como seu melhor amigo?
‐OH, não. Darby é discreto em tudo o que faz. Ele e Rees são amigos desde pequenos. De
verdade acredito que você e Darby formam um bom casal.
Já que estamos sendo francas, ele necessita de sua herança, e Josie te necessita como
mãe. Devo admitir que essa história que contou a Josie sobre as botas perdidas procurando a sua
mamãe, encontrou‐a bastante desconsolada. Quase
choro na metade do conto.
‐Pequena novidade... ‐disse Henrietta com um toque de ironia. ‐Mas,
falando de me casar com Darby, ele nunca me proporá isso. Deve pensar que
sou muito correta, inclusive para considerar este preservativo. Eu nem sequer
posso lhe dizer que estou sabendo disso!
‐O que verdadeiramente importa ‐disse Esme‐ é se você deseja te casar
ou não com ele.
Ela ficou as mãos sobre o colo e esperou. Henrietta engoliu saliva.
‐Claro que queria ser uma mãe para Josie e Anabel. Desesperadamente,
de fato.
Havia uma grande bondade nos olhos de Esme, mas ela não disse nada.
‐E possuo uma fortuna ‐ disse Henrietta confusa.
‐É verdade. Mas o matrimônio é difícil. Mencionar Carola e Helena me fez
recordar. Está segura de que quer te casar com o Darby em particular? Porque
se fosse a Londres durante uma temporada, poderíamos te encontrar um bom
viúvo com filhos. De fato, já posso pensar em um candidato, Mr. Shutts. Deve
ter ao menos três filhos pequenos, e...
Henrietta descobriu, para sua surpresa, que a mera pronúncia desse
sobrenome lhe arrepiava os cabelos, assim seguiu falando.
‐Eu gostaria de me casar com o Darby. Casaria..., eu gostaria de muito me
casar com seu sobrinho.
Esme não parecia surpresa. Um pequeno sorriso lhe desenhou na boca.
‐Nesse caso, necessitamos de um plano.
‐Que tipo de plano?
‐Os homens são fundamentalmente tolos e podem ser facilmente
dirigidos segundo nossos interesses. ‐Esme se esqueceu de Sebastian, que tinha evitado
sua exigência específica de retornar ao continente.
‐Lembram que sua amiga lady Perwinkle paquerava com seu marido, mas
eu não posso fazer isso com o Darby. Não mudaria a situação.
‐Não ‐ disse Esme com uma expressão sonhadora nos olhos. –Pode ser
que não tenha essa possibilidade, mas podemos pensar em outra coisa. Tão somente me
dê um momento.
Henrietta esperou. Esme mordia os lábios.
‐O caso é que ‐disse‐ Darby é um salvador inato. Sabe a que me refiro?
Nunca prestou atenção a suas pequenas irmãs, bom, quem o faria? Mas quando ficaram
órfãs ele as levou imediatamente para sua casa.
‐Tinha outra opção?
‐É obvio. Há várias tias e tios que poderiam prover um lar melhor às meninas do que o
faria um homem solteiro que vive em Londres. Mas Darby não o permitiria jamais.
‐Não vejo como poderia ele me resgatar ‐ objetou Henrietta.
‐A única maneira em que um homem se vê forçado a casar‐se com uma
mulher é se arruinou‐lhe a reputação. Assim Darby deve arruinar sua
reputação.
‐Mas todo mundo já sabe, e mesmo assim, por que iria ele salvar minha
reputação se também for público que não posso ter filhos? Ambas as coisas têm relação!
Esme encolheu os ombros.
‐Em realidade, não. É obvio, todos se escandalizariam só de pensar que
você se comportou de maneira indiscreta com ele, e com isso me refiro a que
tenha te deitado com ele, Henrietta. Mas se te casa rapidamente, não será mais que uma
intriga de poucos dias, e nada mais.
Henrietta engoliu saliva.
‐Como conseguirei que se..., que se deite comigo? ‐sussurrou. ‐Talvez com outro beijo.
‐OH, não precisa chegar tão longe ‐ disse Esme a Henrietta, para seu alívio. ‐Só devemos
fazer os acertos necessários para que sua reputação se veja afetada, se entende o que digo. Logo
Darby entrará e te resgatará! ‐disse sorrindo brilhantemente.
‐E como diabos obteremos isso? Ouvi sobre várias reputações arruinadas
por comportamentos indiscretos, ou algum tipo de evidência, mas...
‐Apresentaremos essa evidência ‐ disse Esme, pacientemente. ‐me
acredite, normalmente há pouca conexão entre a evidência e a verdade. Se por
exemplo apresentarmos à senhora Colby a prova de que Darby e você
passaram a noite juntos, ela lhes terá casado antes que lhes dêem a volta, e não importará
absolutamente que não se vejam em perigo pela questão da concepção. O que lhe importa é que o
escândalo fique amarrado e selado em
pequenos pacotes.
‐Simplesmente não entendo o que podemos oferecer como evidência,
dadas as circunstâncias.
‐OH, uma carta ‐ disse Esme, descuidadamente. ‐Uma carta ou um
poema bastarão. Um poema lhe adicionaria um toque elegante ao assunto, muito típico de
Darby.
Henrietta abriu os olhos e Esme notou esse pequeno movimento.
‐Ele te escreveu!
‐Não.
‐Mas tem algo, não é certo? Algo que poderíamos usar como evidência?
‐Bom...
‐O que é? ‐exigiu Esme.
‐É vergonhoso.
‐Vergonhoso como? Se acabo de te confessar a história de meu sórdido
passado!
Henrietta tinha que admitir que era certo.
‐Escrevi‐me uma carta ‐ disse. ‐Do Darby, não sei se entende o que quero
dizer.
‐Escreveu para si mesma uma carta? Por que não escreveu uma carta ao
Darby se era o que gostava?
‐Pensei que tinha bebido muito champanha. Estava pensando nas cartas
de amor que tinham recebido minhas amigas. E eu, bom..., não é tão provável
que eu receba cartas de amor, entende?
Os olhos de Esme se alagaram.
‐Isso é tão triste...
‐Assim me escrevi uma carta! ‐Disse Henrietta, alegremente, antes que sua amiga caisse
em prantos. ‐E me acredite, foi muito melhor do que qualquer
homem poderia me haver escrito.
Esme, apanhada a bordo de um soluço, sorriu.
‐Não é isso certo? Eu recebi centenas de cartas e nenhuma delas valia o
papel no qual estavam escritas.
Exceto, talvez, a nota que tinha lá em cima, sob o travesseiro, aquela escrita pelo
jardineiro. Que não tinha nenhuma só palavra de amor nela.
‐Tentei que minha carta se parecesse com o que ele poderia me escrever
‐ disse Henrietta, sorrindo. ‐Inclusive citei poesia.
‐A quem citou? Shakespeare?
‐John Donne.
‐Os sonetos de amor do Donne? Alegra‐me ter vindo ao campo e te
encontrar! Não pensei que houvesse alguém neste povoado que gostasse de ler os poemas
de amor do Donne.
‐Bom, eu gosto.
‐E estou segura de que Darby também os tem lido. Espero que a tenha escrito
corretamente e que te tenha referido, talvez, a uma noite que passaram juntos?
Henrietta se ruborizou levemente.
‐Fiz.
‐Bem! Então será fácil. Lançaremos o plano no jantar, naturalmente. O
importante são os convidados e o lugar aonde se sentem.
Sentou‐se por um momento, em silêncio.
‐Convidarei os Cable ‐ disse finalmente.
‐Ao Myrtle Cable? ‐Disse Henrietta, incrédula. ‐Deve estar brincando!
Nem minha madrasta, que é a mulher mais doce deste mundo, convidaria a um
jantar privado. Cada palavra que pronuncia é uma passagem bíblica, não te deste conta?
‐Perfeito ‐ disse Esme, satisfeita. ‐E também convidarei ao vigário. Temos
escassez de homens, posto que Helena retorna amanhã. Como cabeça de
família, Darby estará em uma das pontas da mesa e isso te deixa sem companheiro. O
vigário pode escoltar a sua madrasta. E muito certamente franzirá o cenho ante os sinais pouco
apropriados entre paroquianos.
‐Duvido ‐ disse Henrietta. – Ele não é esse tipo de vigário que intervém.
‐É uma pena ‐ disse Esme. ‐De todas as maneiras, estou segura de que a
senhora Cable fará algo para evitar sua reticência. Quanto à carta, Carola nos será de
grande utilidade. Agora, isto é o que faremos...
CAPÍTULO 23

Uma ilha, uma ninfa e você.

Tinha que planejar o menu. O cozinheiro tinha pedido outra reunião, pois
tinha sido incapaz de conseguir trutas suficientes e o cardápio devia ser outro.
Tinha que repassar a lista de prioridades com o mordomo, e a acomodação com a
governanta. Por que lhe ocorreu trazer convidados a casa?
Supostamente estava reclusa, sem oferecer festas. Mas já era muito tarde para
mudar de idéia. Por causa da solidão durante o primeiro mês depois da morte
de Miles, tinha pedido a Carola que a visitasse logo que o período inicial do luto de seis
meses finalizasse.
Esme suspirou e se recostou na cama de novo, olhando a lista de
convidados. Talvez houvesse tempo para dormir uma pequena sesta. Afinal, Carola não
chegaria a não ser até manhã.
Sua cabeça funcionava com lentidão. Não parecia saber o que fazer com
respeito ao feito de ter recebido uma carta de Rees Holland, o abominável marido de
Helena. Darby deve tê‐lo convidado a ficar, e isso era desastroso, porque Helena chegaria a
qualquer momento. Se Helena não queria ficar na casa porque Darby ia estar ali, não podia
imaginar o que faria quando se inteirasse de que Rees também ia estar.
Talvez devesse dar um passeio pela horta de macieiras. O marquês do Bonnington estava
muito a par das complexidades das personalidades e dos antecedentes.
Ele era a pessoa indicada para questionar tais assuntos. "A menos que esteja ocupado
cavando uma fossa”, pensou ela em tom zombador.
Ele não estava ocupado. Esme encontrou a cabana sem problema.
Parecia ser bastante cômoda e acolhedora, uma pequena estrutura de um só aposento aos
pés dos jardins. Estava construída em madeira lavrada e a fumaça
brotava pela pequena chaminé curvada. Esteve a ponto de não bater na porta.
Bem sabia que a dona da casa não devia visitar o jardineiro em sua morada.
Isso não se fazia. Uma imagem do sisudo rosto de Sebastian antes de converter‐se em
jardineiro lhe passou rapidamente pela cabeça, e ela abriu a porta sem bater.
Ele estava sentado de maneira pouco elegante em uma cadeira rústica
próxima ao fogo, com um braço sobre a cabeça. Estava lendo. Essa imagem se
fixou em sua cabeça: a comodidade e a flexibilidade de seu comprido corpo. A
intensidade com que estava lendo. A felicidade que parecia emanar de cada poro.
‐Uma cena bucólica ‐ disse ela, zombando.
Ele levantou a cabeça, mas não se levantou imediatamente. Em seu
lugar, suspirou e pôs a um lado o livro, e logo balançou os pés até o chão, sem pressa. "O
marquês correto e recatado tinha desaparecido de todo e para melhor", pensou Esme assombrada.
De repente a cabana pareceu muito menor quando o jardineiro ficou em
pé. Ela se controlou para deter‐se e não se jogar contra seu peito para verificar se o que
via através da camisa de trabalho eram músculos bem formados.
‐Esme, que surpresa tão agradável...
‐O que está lendo? ‐perguntou ela, abandonando a idéia de lhe
perguntar sobre os antecedentes. Aproximou‐se da cadeira e se sentou.
Estirou‐se um pouco para tomar o livro, mas era impossível fazê‐lo com aquela
barriga.
‐A ODISSÉIA ‐ disse ele, jogando mais madeira ao fogo.
‐Meu deus, Homero? Por que diabos está lendo algo tão antigo?
‐Não é algo antigo... É só a história de um homem que tenta retornar para casa. Mas não
pára de ser espreitado por mulheres.
Ela o olhou incisivamente. Poderia estar referindo à insinuação que ela leu nessa frase?
Não. Isso seria falta de educação e o marquês do Bonnington
nunca era descortês.
‐Mulheres? ‐perguntou ela. ‐Ulisses, não? Não foi seu navio que se
encontrou com um ciclope? Eu tinha a impressão de que um ciclope era um monstro de
um olho, muito masculino.
‐É certo. Mas eu estava lendo sobre o momento no que ele está preso em uma ilha como
escravo da ninfa Calipso. ‐Ele nem sequer a olhou, estava absorto no fogo. Pôs o braço sobre o
suporte e Esme se deleitou com a força
deste. Deus, era tão formoso...
‐O que estava fazendo na ilha? ‐perguntou ela, enquanto oferecia a si mesma uma
pequena lição silenciosa sobre os pecados da luxúria.
‐OH, parece que era o escravo da ninfa ‐ disse Sebastian, sonhando.
Agora sim a olhou, de uma forma travessa. ‐ Devia obedecer todas suas ordens.
E conforme da a entender Homero, ela desejava sua contínua presença na cama. A gente
poderia imaginar que...
‐Sim ‐ disse Esme, pensativa. ‐Calipso era muito afortunada.
‐Ou o era Ulisses. Afinal, ela era sua amante, e ele não tinha que preocupar‐se com nada.
Seu único dever era agradar os desejos de Calipso. ‐
Tinha a voz manchada com umas tinturas de sorriso e algo mais. Um pouco mais forte e
perturbador que a risada.
‐Bom, melhor ir ‐ disse Esme, ficando de pé. ‐Só queria me assegurar de
que estivesse bem instalado, cômodo, e posso ver que...
Ele ficou diante dela e as palavras morreram em seus lábios.
‐Há algo mais que queria exigir, senhora?
Esme ficou sem palavras. Este bárbaro formoso estava se oferecendo.
Com uma mão, tosca pelo trabalho físico, acariciou‐lhe a bochecha, de um modo tão
suave como a brisa. Logo se afastou e se recostou contra a parede e
esperou.
‐Sebastian – ela começou a dizer e se deteve.
Ele deu a volta e abriu a porta. Estava escuro. Dentro da cabana tudo era
brilhante e quente. A luz brilhava com finas tiras de luz dourada sobre as paredes de
madeira e dançava sobre a mesa, a cama do canto, a cadeira e um
banco. E sobre tudo esse corpo recostado contra a parede.
Um de seus dedos se levantou contra sua própria vontade, riscando o raio de luz que lhe
refletia no peito. Ficou sem fôlego.
Ele se sentiu como ouro líquido com essa carícia.
‐Devo ir!
‐Eu a acompanharei até a casa ‐ disse, serenamente. Tocou o braço
enquanto ela dava a volta para entrar na casa.
‐O que você deseje ninfa.

CAPÍTULO 24

No que a senhora Cable recebe um convite para jantar.

A senhora Cable estava tendo uma manhã maravilhosa.


Pensava que era verdadeiramente escandaloso que lady Rawlings
oferecesse um jantar tão pouco tempo depois da morte de lorde Rawlings.
Como o recordou a sua amiga da alma, a senhora Pidcock, Esme Rawlings estava apenas
no primeiro período do luto.
‐Quando morrer o senhor Cable ‐ assegurou à senhora Pidcock‐, eu
guardarei luto durante um período decente de tempo, e assim o tenho feito saber.
Acredito que tenho uma pequena reputação no povoado de entender as
coisas apropriadamente. Permanecerei dois anos vestida de negro e sem pensar em
oferecer este tipo de entretenimentos.
A senhora Pidcock tinha suas próprias ideias do que faria a senhora Cable
quando seu marido morresse. Provavelmente dançaria sobre sua tumba. Mas não havia
como refutar o sentido do dever de Myrtle. Ela dançaria com laços
negros, não cabia a menor duvida.
Naturalmente, a indignação da senhora Cable não lhe impediria de
aceitar o convite de lady Rawlings.
‐Se for a esse jantar ‐assegurou‐lhe à senhora Pidcock‐ é só para me assegurar de que
nossa querida Henrietta não caia presa das artimanhas desse
Mr. Darby. O homem não tem nada de bom, já que me pergunta isso. Sentirei
muito melhor quando ela tenha uns cinco anos mais, e é um fato.
A senhora Pidcock não compartilhava dessas ânsias. Ela tinha a convicção
de que nenhum homem se casaria só por um rosto bonito quando não existia a
possibilidade de ter descendência.
‐Lady Henrietta é uma mulher inteligente ‐ disse a senhora Pidcock. ‐Não
sucumbirá às tentações de um londrino frívolo.
‐Mas todos dizem que ele está desesperado pelo dinheiro. E sabe que Henrietta está muito
bem dotada nesse aspecto.

‐Não está tão desesperado para casar‐se com alguém que o deixe viúvo.
Sei que esse homem é tão orgulhoso como um pavão. George está fora de si,
falando das rendas de Darby. Mas ele não é tolo. É certo que é uma desgraça
que tenha beijado Henrietta no povoado, onde qualquer um podia vê‐los. Mas
agora que lady Holkham lhe informou a situação, não acredito que ele persista
na espreita.
‐Suponho que tem razão ‐ disse a senhora Cable. ‐E Henrietta disse que
ele estava paquerando com Lucy Aiken.
‐Bom, aí tem. Lady Henrietta é uma senhorita tão bondosa que
provavelmente estivesse preparado o caminho a Lucy. E já sei querida, eu acredito que
Lucy adoraria casar‐se com um frívolo como o senhor Darby.
A senhora Cable estava quase convencida disso. Mas ainda estava mais feliz de poder
controlar ao senhor Darby.

CAPÍTULO 25

Lady Rawlings recebe aos convidados.

‐Não posso acreditar! Está absolutamente esplêndida, e tão maternal...! ‐


gritou Carola Perwinkle. Com seus cachos curtos, dourados e esse rosto pontiagudo
parecendo um arcanjo. Esme sorriu.
‐Me sinto bem em sua companhia ‐ disse, lhe devolvendo o beijo. Estirou
as mãos para o doce e calado marido de Carola, lorde Perwinkle. ‐E como está
você, senhor? É um prazer vê‐lo de novo.
Ele a beijou na mão.
‐Acredito que lhe devo a volta de Carola para casa, madame. Posso lhe dizer o quanto
estou agradecido?
Embora estivesse absorvido pela pesca e não fosse muito falador, Tuppy
Perwinkle tinha uns olhos azuis encantadores. Com razão Carola estava tão apaixonada
por ele.
‐Foi um prazer, senhor ‐ disse ela, passando a mão pelo estômago.
Carola entrou na conversa, sorrindo.
‐Acredito que o prazer foi todo dele!
Tuppy entreabriu os olhos.
‐Não posso mais seguir fazendo comentários indiscretos, lady Rawlings.
Deve nos desculpar.
‐Por favor, me chame Esme ‐ disse ela. ‐Sua esposa e eu somos velhas amigas, sabe?
‐Será uma honra ‐ disse ele.
‐Tuppy, nos deixe sozinhas, por favor ‐ disse sua esposa. ‐Tenho que falar
com Esme. Por que não se assegura de que toda nossa bagagem tenha sido levada para o
quarto?
Esme viu o sorriso que ele lançou para Carola e, de repente, se viu atacada por uma onda
de ciúmes. Havia algo tão sedutor na maneira como eles
cruzaram seus olhares, e ele demonstrava uma mescla tão potente de amor, atração e
luxúria... Ela engoliu a saliva e olhou para baixo em um repentino ataque de autocompaixão.
Carola se deixou cair ao lado de Esme, como se os olhares de seu marido
viessem de um nada e olhou para a barriga de Esme.
Esme também a olhou. Tinha posto um vestido de luto muito na moda,
de tecido de cetim branco, costurado na área dos seios e das mangas com pontos de renda
negra. Inclusive, apesar de o vestido parecer fascinante quando escolheu o modelo, não havia
dúvida o fato de que o cetim fazia sua
barriga parecer maior. Sentada ao lado de Carola, seu estômago parecia um brilhante e
resplandecente montículo que exigia atenção.
‐De onde diabo saiu isso? ‐disse Carola com voz inquisitiva.
Esme sorriu.
‐Se não souber ainda, deixarei a explicação para seu marido.
‐Não me referia a isso! Referia‐me ao fato de que te vi faz só seis meses e
estava tão magra como... um ramo! ‐Disse Carola. ‐Era eu a que se queixava de
minha aparência, lembra‐te?
Seus olhos divagaram pelo corpo de Esme.
‐Se bem recordo, pensava que seus seios eram muito grandes. Bom,
espera até que esteja grávida.
Carola ruborizou e se inclinou para frente.
‐Tenho uma notícia maravilhosa, eu estou grávida!
‐OH, Carola ‐ disse Esme, beijando‐a na bochecha. ‐Estou tão feliz por você e pelo
Tuppy.
‐Ele não sabe ainda. ‐Carola sorriu de forma estranha. ‐Não estive
completamente segura até poucos dias atrás, e estou esperando o momento adequado para
dizer‐lhe. Talvez depois de nossa próxima discussão.
‐Seguem discutindo muito? Pensei que agora tudo era cor de rosa.
Carola encolheu de ombros.
‐Como se pode viver com um homem e não discutir com ele? Na primeira
rixa que tivemos depois que retornei para casa, acabei devastada. Aterrorizada,
realmente. Pensei que ele se fosse, ou que me pediria que me fosse, e eu simplesmente seria
incapaz de suportá‐lo ‐ sua voz tremeu.
Esme lhe pressionou a mão.
‐O que aconteceu?
Um sorriso apareceu na boca de Carola.
‐Saiu zangado e foi para os estábulos e eu estava na sala de estar, sem fazer nada,
tentando não pensar nisso. É que temia que se pensasse nisso, teria que abandoná‐lo, já me
entende.
Esme assentiu.
‐Bom, ele se aproximou ‐ disse ela. ‐Nós ‐ baixou a voz, ‐ nós terminamos
fazendo amor no salão. Alguma vez ouviste algo tão escandaloso?
Esme lhe devolveu o sorriso, mordendo os lábios.
‐Sim ‐ disse.
‐Suponho que não fomos o primeiro casal do mundo a fazer amor em um
lugar assim, mas foi uma revelação para mim. ‐ Lhe suavizaram os olhos só de
lembrar. ‐Acredito que concebi este bebê nesse mesmo dia.
Sua mão divagou por seu perfeito e plano abdômen.
Esme começou a pensar se as salas de estar eram os lugares idôneos para conceber bebês,
mas logo esqueceu o assunto. Seu bebê era de Miles ou,
mais precisamente, dela.
‐Isso é formoso ‐ disse, lutando para soar racional.
‐Sei ‐ disse Carola fazendo uma careta agradável. ‐Tornei‐me bastante aborrecida desde
que Tuppy e eu nos reconciliamos. Não consigo pensar em mais nada do que nele.
‐Bom, tenho algo que poderia lhe interessar ‐ disse Esme. ‐Recorda nosso
plano para conseguir lhe reunir com Tuppy? Tenho uma amiga, Henrietta, que
necessita uma ajuda similar.
Os olhos de Carola brilharam de interesse.
‐Um truque de cama! ‐gritou. ‐Sou uma perita nessa matéria.
‐Não exatamente ‐ disse Esme. ‐É um pouco mais complicado que isso, embora em
essência, trate‐se do mesmo. Precisamos fazer acreditar que um homem comprometeu a virtude
de Henrietta. Precisamos fazer com que lhe seja impossível negar‐se ao matrimônio.
Carola abriu os olhos.
‐Este homem comprometeu sua amiga e agora se nega a casar‐se com
ela? Que canalha!
‐Não exatamente ‐ disse Esme.
‐O que quer dizer com "não exatamente"? Fez ou não o fez?
‐Não o fez.
‐Bom, então é um idiota ‐ disse Carola.
‐Há outro lado no assunto ‐ disse Esme. ‐O homem em questão é meu sobrinho Darby.
‐Darby? Simon Darby? Tem que estar brincando!
‐Não, não estou brincando. Vamos arrumar as coisas para que ele tenha
que casar‐se com Henrietta. Ele a necessita, só que não sabe ainda. Por um lado, meu
bebê, se for menino, o deserdará e Henrietta tem uma fortuna. Pelo
outro, ela seria uma mãe incrível para suas duas irmãs. Sabia que Darby está criando as
suas duas irmãs?
‐Claro, é obvio ‐ disse Carola. –Toda a Londres sabe. Mas, como...
‐Criaremos evidências ‐ disse Esme, serenamente. ‐E, se me permite dizê‐
lo, essas evidências serão irrefutáveis. Tudo o que devemos fazer é as apresentar, e tudo
cairá com o seu próprio peso. Darby terá que casar‐se com
ela.
Carola estava segurando a cabeça, nesse momento Rees Holland entrou
no aposento e as saudou com uma reverencia.
‐Lady Rawlings – disse‐lhe beijando a sua mão com impaciência. ‐É muito
amável de sua parte me receber em seu lar. Onde está Darby? ‐Saudou Carola
com um simples movimento de cabeça.
‐Lorde Godwin, eu apresento‐lhe lady Perwinkle ‐ disse Esme, passando
por cima de sua má educação. Depois de tudo, não era nada pessoal. Ele agia
assim com todo mundo.
‐Encantado em conhecê‐la ‐ disse o conde, fazendo uma reverencia curta
para Carola. ‐Darby não apareceu ainda?
‐Ainda não ‐ disse Esme, controlando sua irritação. Com razão, Helena não pôde seguir
casada com esse homem. Vestia‐se como se lhe tivessem convidado para uma caçada de texugos.
Bom, seu colete não estava mal costurado, e a camisa era branca, mas levava o cabelo ainda mais
comprido que o de Darby. Além disso, tinha manchas de tinta nos dedos.
‐Nesse caso, irei tirá‐lo de seu aposento ‐ disse Rees, com divertimento
na voz. ‐Esse pavão, provavelmente, ainda esteja olhando‐se no espelho, tentando decidir
que colete o deixará mais arrumado. ‐E se foi sem dizer uma
palavra mais.
‐O marido de Helena é terrivelmente grosseiro ‐ disse Carola, zangada. ‐
Posso lhe assegurar que já vi esse homem ao menos seis vezes, e em cada vez
ele age como se não me conhecesse.
‐Não é nada pessoal ‐ observou Esme. ‐A única razão pela qual me
reconhece, é porque sou a tia de Darby.
‐Em que diabos você estava pensando ao convidá‐lo para jantar? ‐
Perguntou Carola. ‐Helena não está aqui, ou está?
‐Eu não o convidei ‐ protestou Esme. ‐Simplesmente anunciou sua
chegada. Assumo que foi Darby quem o convidou para esta casa, mas Darby assegura
que tão somente lhe escreveu uma nota e que nunca o convidou a nos acompanhar.
Carola olhava a seu redor.
‐ Helena já desceu? Ficará de mau humor com a presença de Rees, você
já sabe. É a pessoa mais calma do mundo até que perde os estribos.
Esme tinha lembranças dolorosas sobre uma vez que Helena tinha estado
furiosa com ela.
‐Eu sei ‐ disse amargamente. ‐E nesses casos, ela a olha de uma forma...
Helena tinha se zangado com ela quando se inteirou que Esme havia se
deitado com o noivo de Gina. Foi um dos piores momentos de sua vida.
‐Bom, tentarei lhe proteger ‐ disse Carola, acariciando brandamente a sua mão. Essa foi
uma afirmação absurda. Carola era tão pequena quanto Esme
estava gorda.
‐Acredito que posso arrumar isso, disse Esme. ‐Enviei uma nota ao
aposento de Helena lhe advertindo que seu marido estava aqui.
‐OH, isso está bem ‐ disse Carola. ‐Estou segura de que preferirá jantar em seu aposento.
‐Não pode ‐ disse Esme. –Necessito dela como parte do plano.
Tuppy apareceu ao lado de Carola.
‐Devo mudar de vestido ‐ disse a Esme.
‐Saberá exatamente do que lhe falo Carola, quando acontecer ‐ disse‐lhe
Esme, franzindo o cenho.
Carola tinha esquecido por completo do plano de Esme, posto que seu marido lhe estava
beijando a orelha em público.
‐É obvio! ‐disse rapidamente. ‐Pode contar comigo.
‐Não deve chegar tarde ao jantar ‐ disse‐lhe Esme em tom de
advertência.
‐Não chegaremos tarde! ‐disse Carola, tão seriamente que era claro que
ela e seu marido se retiraram ao quarto uma ou duas vezes antes.

CAPÍTULO 26

Um homem em renda e veludo.

Duas horas mais tarde, lady Holkham e sua enteada chegaram ao jantar.
Slope as conduziu até sua anfitriã, que estava sentada em um sofá.
‐Sente‐se bem? ‐perguntou Henrietta.
‐Sim, simplesmente estou descansando de estar de pé ‐ disse Esme,
sorridente. ‐ Que linda está sua filha esta noite, madame!
Millicent olhou para Henrietta.
‐Isso espero ‐ disse, um pouco zangada. ‐Geralmente, estou acostumada
a ser Imogen a que se atrasa para as festas, mas esta noite Henrietta mudou de vestido ao
menos três vezes!
Esme sorriu para Henrietta.
‐Mereceu o sofrimento. Está maravilhosa.
Henrietta tinha posto um vestido verde pálido de tecido frisado, bordado
ao redor do pescoço. Sentou‐se ao lado de Esme enquanto Millicent ia saudar a
senhora Barret Ducrorq.
‐Acredito que este não é o vestido apropriado. Darby é tão... ‐E lhe cortou a voz.
‐Ninguém pode competir com Darby ‐ disse Esme. ‐Só para que saiba,
está de veludo cor café. Já desmaiaram várias mulheres ao vê‐lo com essa roupa.
‐É impossível ‐ Henrietta olhou para Esme com tristeza. ‐Não entendo por
que pensei que teria a menor oportunidade. Ele é um pavão... E eu não sou mais que um
corvo!
‐Um corvo? ‐disse Esme, sorrindo. ‐Não acredito. Vejamos ‐ olhou para Henrietta dos pés
à cabeça. ‐Espera, devo recordar todas essas ostentosas cartas que me enviaram. Seu cabelo é da
cor dos raios de lua, não, do sol, e reluz com brilhos da cor de mel. Seus olhos são da cor dos
pensamentos, seus
lábios são da cor dos rubis, suas bochechas são como pêssegos com nata...
quer que siga? Estão acabando as cores.
Henrietta entreabriu os olhos.
‐Sabe ao que me refiro. Sou manca, Esme, manca. Não posso ter filhos. E
não estou acostumada a me sentir elegante, bem gostaria de me acostumar.
Ontem vi Darby caminhando pela Rua Maior. É diferente de todos os homens
que conheci.
‐Darby também é diferente de todos em Londres ‐ disse Esme, abanando
brandamente o rosto. ‐Não se engane Henrietta. Londres não está cheia de homens que
vistam renda e veludo. Olhe para Rees, por exemplo.
Ela apontou com a cabeça para o outro lado do aposento onde estava um
homem, cuja gravata parecia ter sido jogada em seu pescoço e amarrada sem
lhe dedicar mais de dois segundos, estava bebendo algo em uma taça.
Como Henrietta ficou um pouco pálida, Esme lhe disse:
‐Rees Holland, conde do Godwin, marido de minha amiga Helena.
Acredito que já a conhece, verdade?
‐É obvio ‐ disse Henrietta. ‐É encantadora.
‐Bom, pois ele não o é ‐ disse Esme. ‐E, evidentemente, a desordem de
seu traje não é nada comparada com a desordem de sua vida pessoal.
‐De todas as maneiras, está sugerindo que um homem que vestia um
casaco rosa...
‐Rosa? ‐perguntou Esme, sorrindo. ‐Darby ia de rosa pela Rua Maior?
Lamento haver perdido isso.
‐Rosa. Minha madrasta o adulou pela cor e ele lhe respondeu que se chamava "ruborizado
de donzela". Como posso me casar com um homem que sabe que certo tom de rosa se chama
ruborizado de donzela, quando eu alguma vez tomo mais de vinte minutos para me vestir?
Por cima do ombro de Esme, Henrietta viu que Darby entrava no
aposento. Estava resplandecente, não havia dúvida. Certamente diria que a cor
de seu casaco era topázio em lugar de café, posto que tivesse um tom dourado.
O que importava a Henrietta era que essa jaqueta ficava perfeita, como uma luva... E que
corpo o que a abrigava! Amplos ombros que se estreitavam na cintura, pernas poderosas, e essa
comodidade tão elegante e insignificante. Ele caminhou para Rees, encarnando a perfeição o
conto de A BELA E A FERA, em
sua versão masculina.
‐Sabe por que deveria se casar com ele? ‐disse Esme, rindo. ‐Porque seus
olhos se tornaram de um azul escuro mais profundo que jamais vi. Você, querida, me
indica que meu sobrinho acaba de entrar no aposento ‐ olhou por
cima do ombro. ‐Aqui está ele, tão elegante vestido, como certamente, o estaria sem
vestir.
‐Esssmeee! ‐disse Henrietta, alarmada.
Ela só riu.
‐Não se preocupe. Não estou tentando imaginar, não o quero. Nunca me
relaciono com homens inteligentes e Darby é muito inteligente para mim.
Henrietta semicerrou os olhos.
‐Suponho que se esqueceu de me dizer que ao marquês de Bonnington
falta engenho.
‐Isso é diferente ‐ disse Esme. ‐Atribuo ao feito de que me despistei por
um momento. Em todo caso, já está na hora, querida.
Henrietta a olhou em modo de súplica.
‐Isto não vai funcionar, Esme.
Esme a ignorou.
‐Vá sentar‐se no canto, Henrietta ‐ disse ela. ‐E lhe dê algum sinal para que vá
acompanhar‐lhe, não?
‐Não posso fazer isto ‐ disse Henrietta, desesperadamente.
Mas Esme se foi cambaleando. Queria ter uma última palavra com Slope
sobre a acomodação da mesa. Tinha escolhido muito cuidadosamente às
quatro pessoas que se sentariam junto a ela. O vigário, Mr. Fetcham, a sua direita e a
senhora Barret Ducrorq a sua esquerda. Barret Ducrorq era suficientemente engomada para
desembrulhar‐se à perfeição no pequeno
papel, sem que ninguém percebesse. Carola, ao lado da senhora Barret Ducrorq e seu
marido no outro lado. Tuppy quase não falava assim ela contava
com uma presença benigna, que estaria disposto a apoiar a sua esposa.
Henrietta estaria sentada ao lado do vigário, com Darby ao seu lado.
Helena se encontraria ao lado de Tuppy, o que deixava Rees no lado oposto, e
lady Holkham entre Darby e Rees. Rees era a carta que não casava com as demais.
Depois de tudo, um homem que abandonava a sua esposa para viver
com uma cantora de ópera, dificilmente podia ser considerado boa companhia,
e tampouco era apto para promover o matrimônio. Mas no curso de sua esbanjada vida
tinha descoberto que as pessoas menos conservadoras
acabavam respondendo com maior rigidez e vice‐versa.
O único que faltava era Sebastian. Vá, que bem ele teria podido
interpretar no rol... Ao menos, o novo Sebastian, que era capaz de rir de si mesmo. Com
sua inflexível propriedade e sua estrita observância das
convenções sociais... Bom, era uma pena que agora ele estivesse na cabana do
jardineiro. Embora, certamente, estivesse muito mais cômodo que ela, estirado
naquela cadeira, tomando um gole de uísque e lendo Homero.
Ela tinha que ir ao banheiro ‐ era a décima quarta vez que tinha que ir essa noite, ‐
sentia‐se muito mais nervosa que de costume devido ao plano.
Administrar um plano de semelhante magnitude não era tarefa fácil. Era muito
mais fácil se Carola organizasse um de seus truques de cama. Carola devia fazer todo o
trabalho sujo.
Mas este plano realmente era uma obra de arte.
Ela se levantou.
‐Poderiam me acompanhar à sala de jantar? A obra estava a ponto de começar.

CAPÍTULO 27

O esplendor da moda não pode


resolver todos os problemas.

Darby estava aborrecido. Aborrecido e irritado, como se essa noite ele não fosse o
mesmo. O que era ridículo, já que o fato de vestir esse magnífico
traje devia fazê‐lo se sentisse melhor.
Por um lado, tinha que lidar com Rees, que tinha se dirigido
precipitadamente para Limpley Stoke em resposta à nota de Darby. Não é que
Darby tivesse pedido essa companhia, mas como Rees lhe tinha explicado laconicamente,
quando um homem anuncia a intenção de casar‐se, cabe ao seu melhor amigo dissuadi‐lo. Bom,
chegou bastante tarde à tarefa de dissuadir, porque casar‐se já não era uma opção.
Por outro lado, Darby era intoleravelmente consciente da presença de
Henrietta no aposento. Estava vestida adequadamente esta noite, embora o verde pálido
não favorecesse muito o seu cabelo. Ficou pensando nisso durante um bom momento e decidiu
que o rubi provavelmente lhe favorecesse
mais.
O vestido verde pálido era de corte reto, como se Henrietta não tivesse
nenhuma só curva no corpo, embora ele soubesse perfeitamente que sim, as tinha. O fato
de pensar nisso lhe obrigou a tomar uma taça de vinho apressadamente, enquanto a imaginava
com o cabelo da cor de mel caindo delicadamente sobre suas costas nuas. E sobre um seio.
‐Acompanharei você amanhã de volta a Londres ‐ disse a Rees. ‐Tenho que me reunir
com meus gestores.
‐Viajará sem as meninas? ‐disse Rees, mostrando‐se particularmente
inclinado a negar‐se.
‐Esme se ofereceu para tê‐las aqui. Acredito que contratarei uma babá decente em
Londres e a trarei na minha volta. Enquanto isso ficará sob o cuidado da babá de Esme, que
parece ser uma boa pessoa. Josie desenvolveu
um interesse pelos pequenos soldados de brinquedo, e já não dá tantos chiliques, graças a
Deus.

Rees ficou de pé.


‐Não poderemos partir muito cedo ‐ ressaltou. ‐Por que não me ocorreu
que Helena estaria aqui? Jesus.
Ambos olharam para o outro extremo do salão, onde sua esposa se
encontrava sentada, ao lado do piano. Helena não o estava tocando, tão somente olhava
as partituras. Dessa distância, ela parecia bastante magra, suas salientes maçãs do rosto lhe
marcavam o perfil e um intrincado jogo de tranças lhe rodeava a cabeça.
‐Talvez ela toque para nós mais tarde ‐ murmurou Rees. ‐Isso seria a única coisa que
poderia melhorar esta reunião.
Jogou uma olhada ao aposento.
‐Não ouvi Helena tocar piano desde que ela abandonou sua casa‐ disse Darby. ‐Como
sabe se ela ainda desfruta a música?
‐A ouvi tocar no ano passado, na casa da senhora Kittlebliss. Acabava de
entrar. Em qualquer caso, touca melhor do que quando estávamos casados. De
fato, tive que sair para resistir à tentação de lhe falar.
Rees parecia impressionado.
‐Não há nada surpreendente nisso. Segundo me recordo, o único
momento em que não discutiam era quando tocavam juntos.
‐Então não recorda bem ‐ disse Rees, rapidamente. ‐Também
discutíamos tocando. Mas essas batalhas eram divertidas. Ela sempre foi muito
crítica com meu trabalho.
Pareceu bastante surpreso frente a tal afirmação.
‐O que? ‐Disse Darby com ironia. ‐Ela criticava o trabalho de um dos mais
importantes compositores de ópera de Londres?
‐Baixa o volume ‐ grunhiu Rees.
‐Verdadeiramente criticava seu trabalho?
Rees assentiu.
‐Assim melhorava, direi isso a seu favor. Helena tem um ouvido perfeito.
Podia distinguir facilmente quando algo estava desafinado.
Henrietta estava em um sofá próximo a eles e Darby tirou o chapéu
olhando como ela ria.
‐O mau do matrimônio é que não se consegue esquecer de tudo da
mulher ‐ disse Rees, abruptamente. ‐Isso foi o que vim para lhe dizer. Os matrimônios se
acabam, mas o que ninguém lhe diz é que a sua esposa é como
um sussurro que sempre está a seu lado. Não pode se desfazer dela.
‐Você fez um bom trabalho ‐ disse Darby, deixando de olhar para
Henrietta. ‐Quanto tempo viveu com a Helena, um ano, mais ou menos?
‐Nem sequer ‐ grunhiu Rees. ‐Não importa. As esposas se metem na sua
pele. Ainda me pergunto o que pensaria ela deste ou daquele verso. ‐Parecia
escandalizado.
‐Hmmm ‐ disse Darby. ‐E então por que não lhe toca um ou dois versos?
E se foi, como se estivesse dando permissão a Rees para ir, quando era
ele mesmo que queria aproximar‐se de Henrietta, mas não o ia fazer.
Ela estava sentada em um sofá acomodada em um ângulo estranho,
quase apanhado no canto do salão. Antes, tinha‐lhe dado a impressão de que
sua claudicação se notava um pouco mais do que o normal. Pensou nisso por
um momento e decidiu aproximar‐se e lhe perguntar amavelmente sobre seu
estado.
Não estava seguro de fazê‐lo até que ela o olhou. Sem prévio aviso, lhe
sorriu.
Pode ser que Henrietta Maclellan não tivesse tido experiência suficiente
em atrair os homens para o lugar em que ela se encontrava, mas isso não queria dizer que
não fosse capaz de fazê‐lo. Darby tinha sido vítima de vários sorrisos que o chamavam e
desfrutava reconhecendo o brilho delas quando as
via.
Ela abriu os olhos um pouco, e logo sorriu. Nem sequer sorriu com a boca. Tudo estava
nos olhos. Naturalmente, ele caminhou para ali como um marinheiro para uma sereia.
Carola Perwinkle estava sentada ao lado de Henrietta. Sempre lhe tinha
agradado, embora fosse uma pequena descarada, e gostou ainda mais quando
ela se levantou enquanto ele se aproximava sorrindo descaradamente, e pavoneando‐se
até a sala de jantar, onde estava seu marido.
Ele se sentou, naturalmente. Um pouco mais perto de Henrietta do que
era necessário.
‐Como se sente lady Henrietta? ‐perguntou‐lhe, finalmente.
Henrietta devia fingir que estava completamente tranqüila, como se
nada do que tivesse passado tivesse perturbado sua amizade.
‐Estou bastante bem, obrigado.
Olhando‐a com atenção, pôde ver que estava nervosa. Mesmo assim,
não se moveu desse lugar. Ele estirou um pouco a perna para que esta tocasse
levemente a dela. Não se preocupou em pensar por que estava paquerando com uma
mulher não disponível. Tão somente queria fazê‐lo, isso era tudo. De
fato, o que realmente desejava era lhe lamber o lóbulo da orelha. Ela tinha o
cabelo preso com alguns cachos soltos sobre as orelhas. Ele os afastaria brandamente e
encontraria sua orelha, assim como alguém procura amoras no
mato.
‐Em que diabos esta pensando? ‐ perguntou ela finalmente.
‐Em comer amoras ‐ disse ele, distraidamente.
‐Sério? ‐Pareceu surpreendida.
‐Em as encontrar em um caminho, quando se tem que as buscar dentro
da mata. E quando morder será azedo se não estiverem amadurecidas, mas um
milagre da criação se o estiverem.
Ela o olhou com suspeita.
‐O que eu queria fazer ‐disse, docemente‐ é ter uma dessas entre os dentes, sabia que é a
melhor maneira de provar se estiverem amadurecidas? ‐
Ele não pôde conter‐se e levantou uma mão e a tocou casualmente na nuca.
Ela moveu a cabeça.
‐Tão somente deixá‐la rodar entre os dentes e enrolá‐la com a língua. Se
estiver amadurecida, encherá a boca de doçura.
Ela engoliu saliva, o que provocou nele uma tremenda satisfação.
‐Acredito que você não está falando de amoras ‐ disse ela, finalmente.
Estava acariciando uma orelha, lhe deslizando os dedos através do magro
pescoço. Graças a Deus que esse sofá estava posto em um ângulo estranho, que fazia
parecer que estavam a ponto de preparar‐se para entrar na sala de jantar.
‐Posso acompanhá‐la até a mesa? ‐perguntou ele. Tinha a voz um pouco
tensa, mas isto se devia a que aquela mulher não disponível lhe tinha causado
um imperceptível vulto nas calças, simplesmente lhe havendo permitido que se
sentasse a seu lado e lhe tocasse o pescoço.
Sorriu com um sorriso tenso, o mesmo sorriso que lhe pôs quando lhe doíam as pernas.
‐Algo anda mal ‐ disse ele, semicerrando os olhos. ‐feriu o quadril ontem?
‐Não, claro que não.
Seus olhos eram sinceros, mas estava esse sorriso. Obviamente, ela não
tinha idéia alguma de quão fácil era de ler.
‐O que acontece então?
Ela começou a ficar em pé, mas ele permitiu que sua mão se deslizasse
por suas costas de uma maneira pouco apropriada. Ele olhou rapidamente para
todos os lados. Já tinham saído todos do salão. Aparentemente, Slope não os
tinha visto concentrado em colocar outro sofá.
E por que não? Ele se inclinou para diante e a provou. Pôs seus lábios nos
dela. Só um pequeno contato.
Mas esse contato... Bom, esse contato fez com que lhe pusesse as mãos
ao redor do pescoço e que lhe deslizasse uma mão pelo pescoço. Esse contato
significou que não escutaram o mordomo de Esme, Slope, até que este emitiu
um forte pigarro justo atrás do sofá.
Ele teria esperado que Henrietta se afastasse, não sem um pouco de ira,
galopando até a sala de jantar. Mas ela o olhou fixamente, e logo levantou uma mão para
lhe acomodar um cacho de cabelo atrás da orelha. E seus lábios formaram outro tipo de sorriso,
muito diferente a anterior.
"Tenho que ir amanhã", pensou Darby intumescido, "estou ficando louco".
‐Lady Henrietta, Sr. Darby ‐ estava dizendo Slope. ‐Temo que os
convidados do jantar já estão esperando na sala de jantar.
Tinha no olhar um certo toque de complacência.
Darby ficou de pé e ofereceu o braço para Henrietta. Logo, pensou de novo e a ajudou a
ficar de pé. Ela ruborizou‐se ainda mais quando ele fez isso.
‐Obrigado ‐ disse ela.
Slope tinha dado a volta e avançava para a porta.
‐Está bem? ‐disse Darby, sustentando‐a. ‐ Pronta para entrar?
Ela assentiu, sem deixar de olhá‐lo.
Dizer que foi uma entrada elegante não faria justiça ao que aconteceu.
Normalmente, Darby gostava de ser o centro das atenções. Sempre pensou que, quanto
mais atenção recebesse, mais tempo se falaria de sua renda nas colunas de moda. Uma coisa
levava a outra.
Mas nunca tinha entrado em um aposento e tinha feito com que as taças
se detivessem em um aposento cheio de vozes e provocasse um absoluto silêncio.
Slope obviamente se divertiu ao acomodá‐los magistralmente na mesa:
‐Lady Henrietta, por favor ‐ disse. ‐Sr. Darby.
Ela estava sentada ao seu lado. Darby se sentou e se deu conta de que
estava em um estado de agitação sexual tão forte como não havia sentido desde que era
um estudante e se apaixonou por sua terceira criada, Molly.
Logo, espiaria pelos corredores, esforçando‐se para que ela passasse em frente a ele e lhe
sussurrasse: "Desculpe‐me, senhor Simon".
Estava vivendo a mesma situação agora. Aproximou sua cadeira para
perto de Henrietta tão lentamente que ninguém se deu conta. No momento em que
serviram o primeiro prato, ele as tinha arrumado para juntar sua perna
a dela.
Quando ela se voltou e o olhou com olhos assustados, ele retirou a perna,
mas um segundo depois tocou seu braço com o dele.
E esse ruborizado..., esse ruborizado em suas bochechas se fazia cada vez
mais intenso. Bom, ela se deixava levar, sentia‐o também. "Vou embora amanhã", pensou
Darby sem descanso, "Vou amanhã e não retornarei".
Estava‐lhe sorrindo novamente. Sorrindo com os olhos. Sorrindo com
uma promessa. Cada vez que ele olhava para sua esquerda se dizia que não se
equivocava ao pensar que Henrietta era deliciosa.
Os lábios de Henrietta se enroscaram em um sorriso que poderia, só
poderia ser sarcástico. Mas essa curva, nesses lábios ruborizados, produzia‐lhe um calor
palpitante entre as pernas, tão forte, que nenhum outro sorriso feminino poderia fazê‐lo.

CAPÍTULO 28

O prazer dos atos de Deus.

A senhora Cable estava encantada com o fato de que lady Rawlings a tivesse sentado ao
lado de Rees Holland, o conde de Godwin. Provavelmente,
ele fosse o conde mais escandaloso da aristocracia, o que queria dizer que ela teria muitas
coisas para contar durante os próximos anos. Sem mencionar o fato de que ela poderia ajudar ao
pobre homem a entender os enganos de seus
atos.
Ela esperou até que servissem a sopa antes de lhe dirigir a palavra.
‐Lorde Godwin, é um prazer vê‐lo, você e a sua querida esposa no
mesmo evento ‐ disse‐lhe, consciente de sua própria imprudência.
Mas, depois de tudo, se a gente pretende tomar seriamente o trabalho
do Senhor, deve ser audaz. Não como o vigário, o senhor Fetcham, que estava
falando com lady Holkham como se não tivesse preocupações. Embora
estivesse rodeado de pecadores.
Rees Holland se virou e a olhou pela primeira vez. Até este momento, tinha estado
ignorando‐a. Tinha os olhos tremendamente negros, esse conde.
Não ficava dúvida de por que o chamavam degenerado. Ele a olhou.
‐Deveria lhe dizer o mesmo senhora..., senhora...
Duvidou, porque evidentemente, tinha esquecido o seu nome. Era o
mínimo que ela esperava.
‐Sou a senhora Cable, senhor. E o senhor Cable me acompanha a todos
os eventos ‐ informou‐lhe.
‐Um homem valente ‐ disse ele. ‐Sempre me impressionou a valentia que
demonstram as pessoas em sua vida cotidiana.
Logo ele trocou a direção dos olhos e tomou um pouco mais de sopa.
A senhora Cable estava segura de que ele a tinha insultado. A ela ou ao
senhor Cable.
‐É um pecado ‐ disse com tom estridente e logo se lembrou do lugar onde estava e baixou
a voz. ‐É um pecado abandonar a cama matrimonial.
Godwin voltou a olhá‐la. Seu olhar era extremamente frio.
‐Cama? Deseja falar de camas? Impressiona‐me, senhora Cable.

Mas os pecadores e suas malvadas piadas não interessavam a Myrtle


Cable.
‐A carta do Paulo aos Coríntios aconselha aos homens amar a suas
esposas ‐ anunciou ela.
‐O também diz que as mulheres devem submeter‐se a seus maridos ‐
disse Godwin.
Parecia aborrecido e irritado, mas isso não interessou à senhora Cable. O
diabo cita as escrituras em seu benefício, recordou‐se, e retornou ao ataque.
‐"Um homem pode ter negócios fora de sua casa, mas ao cair da noite retornará à sua
esposa, Salmo 104" ‐ disse‐lhe.
Ele se deteve por um momento, com a colher a meio caminho.
‐Teria gostado de discutir com você, senhora Cable ‐ disse, em tom
zombador‐, mas não se você alterar os textos. Salmo 104: "Homem, vá trabalhar e a seus
trabalhos, até que caia à tarde".
‐Você conhece os salmos? ‐perguntou ela, estudando‐o mais de perto.
Não parecia ser mais que um insolente e malcriado aristocrata, embora
fosse muito menos elegante que a maioria dos londrinos. Tinha o cabelo muito
comprido e brilhava uma barba de três dias.
‐Fiz uns acertos musicais ao 104 ‐ disse ele. ‐As palavras gloriosas eram:
"Deus fez das nuvens carruagem, e caminha sobre as asas do vento". Quem poderia
esquecer essas linhas?
A senhora Cable estava impressionada. Talvez fosse um anjo cansado.
Algo em sua descuidada arrogância resultava doloroso.
‐Então o homem deixará a seu pai a e sua mãe e deverá coabitar com sua
esposa: e será um mesmo corpo ‐ disse ela. ‐Gênese.
‐Provérbios: É melhor morar numa terra deserta do que com a mulher
rixosa e irritadiça. ‐ disse ele. Ambos olharam instintivamente a sua esposa, sentada
frente a eles.
Para a senhora Cable, a condessa não parecia uma mulher polêmica,
absolutamente. A senhora Cable, é obvio, não valorizava a moda, posto que fosse uma
criação do diabo. Mas tampouco era cega. A condessa tinha um lindo vestido de crepe forrado,
bordado na área dos seios. Era elegante, mas moderado, nada que ver com os sutiãs baixos que as
mulheres usavam agora.
Ainda mais, o cabelo da condessa estava amarrado em pequenas tiras e com tão somente
uma pérola como ornamento. Isso era muito mais indicado que o
que algumas mulheres usavam hoje em dia.
‐Parece uma verdadeira condessa ‐ disse ela ao lorde Godwin. –Virtuosa,
não como outras mulheres jovens de hoje em dia.
Ele comeu um pouco de pescado e disse:
‐OH, ela é virtuosa, de acordo.
A senhora Cable se sentia insegura. Ela tinha exposto seu ponto de vista.
Que mais podia destacar? Talvez ela devesse deixar que agora as sementes do
amor de Deus fizessem seu trabalho naquele coração estéril. Embora, um raio
mais de sabedoria não pudesse lhe fazer dano.
‐Quem pode encontrar uma mulher virtuosa? Pois seu preço é muito
mais alto que o de um rubi ‐ comentou.
Lorde Godwin olhou fixamente e a senhora Cable sentiu uma pontada no
estômago.

Deu a volta para conversar com a outra pessoa que tinha ao lado. Lorde
Godwin era um homem perigoso, e era descuidado, por muito que parecesse
atraente às jovens. Com razão tinha essa reputação. Provavelmente era certa a
intriga de que vivia com uma cantora de ópera.

Slope estava interpretando seu papel à perfeição. Esme esperou até que
tivessem retirado a sopa e todos comessem o pescado. Esperava muito que Helena e Rees
não fossem explodir em uma nuvem de fumaça negra, porque se
não ela teria que improvisar um pouco, mas, além do fato de que para Helena
o pescoço se pôs rígido de tanto evitar os olhares de seu marido, estavam se comportando
bastante bem.
O assado tinha chegado e Esme enviou Slope para procurar mais vinho.
Queria assegurar‐se de que o seu lado da mesa tivesse suficiente licor em cima para
responder instintivamente. A senhora Barret Ducrorq tinha o rosto corado, e estava dizendo
coisas ostentosas sobre o Regente, que acreditava ser bastante dissimulado. Henrietta estava
pálida, mas não tinha abandonado o salão e Darby mostrava sinais de desejar seriamente
Henrietta. Esme sorria em
silêncio.
Tal e como havia pedido, Slope entrou sustentando uma bandeja de
prata. Falando o suficientemente alto para chamar a atenção de toda a mesa,
disse:
‐Me desculpe milady, mas encontrei esta carta. Está marcada como
urgente e, me sentindo um pouco preocupado de haver, inadvertidamente, atrasado a
entrega de uma missiva tão importante, pensei em trazê‐la imediatamente.
Um pouco exagerado, pensou Esme. Evidentemente, Slope era um ator
principiante. Tomou a nota e a abriu.
‐OH, mas Slope ‐ gritou‐, a carta não é para mim!
‐Não havia nenhum nome no envelope ‐ disse Slope‐, assim pensei que estava dirigida a
você, milady. Quer que a reenvie? ‐Ficou em suspense junto a ela.
Era melhor que ela tomasse as rédeas da atuação. Seu mordomo estava
tirando‐a do cenário.
‐Assim está bem, Slope ‐ disse ela. Logo olhou para cima com um sorriso
brilhante. ‐Não parece estar dirigida a ninguém. Isso significa que podemos lê‐
la ‐ deu um sorriso de menina travessa. ‐ Eu adoro ler cartas particulares!
Rees era o único que parecia profundamente aborrecido e continuou
comendo o assado.
‐Não me cansei que ti‐ disse Esme em tom melodioso‐, nem tampouco da
esperança de que o mundo tenha um amor guardado para mim. Eu adoro este
poema, não é tenro?
‐John Donne ‐ disse Darby‐, e lhe faltam às três primeiras palavras. O
poema começa assim: Meu querido amor, não me cansei que ti...
Para Esme estava difícil dissimular seu regozijo. Não teria podido
imaginar um melhor comentário de autoria do que o de Darby. Conhecia o poema em
questão! Não se atreveu a olhar para Henrietta. Já era difícil fingir que era a leitora mais lenta de
Limpley Stoke.
‐Nunca encontrarei ninguém a quem possa amar mais que a ti. Embora o
destino nos tenha separado cruelmente, entesourarei sua lembrança em meu
coração.
‐Não acredito que esta carta deva ser lida em voz alta ‐ disse a senhora
Cable‐, se é que realmente é uma carta. Não é só um poema?
‐Prossiga ‐ disse Rees. Ao que parece tinha desenvolvido um ativo
desagrado por sua acompanhante de mesa. ‐Eu gostaria de escutá‐la por completo. A
menos que esta missiva fosse para você, senhora Cable.
Ela se incomodou com o comentário.
‐Claro que não ‐ disse.
‐Se não o for, por que diabo se importa que um pedaço de poesia sem brilho seja lido em
voz alta?
Ela apertou os lábios.
Esme continuou como em um sonho:
‐Desprezaria as estrelas e a lua para passar uma noite mais. ‐Ofegou, interrompeu‐se e
dobrou a nota, rezando para não haver exagerado.
‐E bem? ‐disse a senhora Cable.
‐Não vais terminar de ler? ‐Disse a senhora Barret Ducrorq. ‐Estava
pensando que talvez eu deva ler algo deste John Donne. Embora não o farei se
seu trabalho é pouco apropriado para as damas, é obvio ‐ acrescentou rapidamente.
‐Acredito que não ‐ disse Esme, deixando cair à carta lentamente a sua esquerda, diante
do senhor Barret Ducrorq.
‐Lerei por ti! ‐disse, jovialmente. ‐Vejamos: Desprezaria as estrelas e a lua
para passar uma noite mais em seus braços ‐ e se deteve. ‐Este Donne é um poeta
sufocante. Deixo‐o assim.
‐Esse que fala já não é John Donne ‐ ressaltou Darby. ‐O autor está improvisando.
‐Hummm ‐ disse o senhor Barret Ducrorq.
‐A carta se refere a uma noite em seus braços? ‐perguntou a senhora Cable, sem estar
segura do que tinha ouvido.
‐Temo que sim ‐ disse Esme, suspirando.
‐Então não devemos ouvir mais ‐ disse a senhora Cable, firmemente,
cortando o senhor Barret Ducrorq no instante em que ele ia continuar com a leitura.
‐Ah, hummm, exato, tem razão ‐ disse ele.
E olhou para Carola, que se voltou para o senhor Barret Ducrorq e lhe tirou brandamente
a folha de papel dos dedos.
‐Acredito que isto se parece com a classe de nota que meu querido, queridíssimo marido
me enviaria ‐ disse, com um tom tão suave como o mel e
os olhos absortos na folha de papel, em lugar dos de seu marido. ‐De fato, estou segura de
que ele me escreveu esta nota, e simplesmente se extraviou.
Esme via que a senhora Cable estava a ponto de arrebentar em sua
cadeira. Henrietta estava bastante pálida, mas ainda não abandonava o salão.
Tuppy Perwinkle se debatia entre a risada e a consternação. Darby parecia medianamente
interessado e Rees não estava absolutamente interessado.
Helena levantou a cabeça. Tinha passado a maior parte do jantar olhando
o prato.
‐Lê a carta de seu marido, Carola ‐ disse. ‐Acredito que sempre é
interessante ver que há maridos que reconhecem a existência de suas esposas.
Esme fez um gesto de dor, mas Rees meteu outro garfo repleto de carne
na boca.
Carola leu obedientemente.
‐Nunca conhecerei outra mulher com o cabelo banhado pelas estrelas
como o seu, minha querida Henrie... ‐deteve‐se.
Todas as olhadas se voltaram para a Henrietta.
‐Sinto muito! Não foi de propósito! ‐Gritou Carola. ‐Realmente pensei que a carta era de
meu marido.
Henrietta manteve uma calma admirável, embora uma agitada cor rosa
substituísse a palidez de suas bochechas.
Para sua enorme satisfação, Esme viu que Darby estava absolutamente
furioso.
‐Quem assina essa carta? ‐perguntou a senhora Cable.
Carola não disse nada.
‐Quem assina essa carta? ‐repetiu a senhora Cable.
‐Temo que é muito tarde para mentir, Carola. Agora devemos nos
preocupar com o futuro de nossa querida Henrietta.
A senhora Cable assentiu.
‐Está assinada pelo Simon ‐ disse Carola, olhando‐o fixamente. ‐Simon Darby, é obvio. É
uma carta bastante poética, senhor Darby. Eu gosto do final, particularmente, se me desculpar
por dizê‐lo.
‐Leia ‐ disse lady Holkham com uma voz implacável.
‐Sem ti, nunca me casarei. Como não pode se casar comigo, querida
Henrietta, nunca me casarei. Os filhos não significam nada para mim, são supérfluos.
Tudo o que quero é você. Para esta vida e mais à frente. ‐Carola suspirou. ‐Que romântico!
Logo Henrietta fez algo que Esme não tinha contemplado, e que foi a melhor de todas as
ações possíveis.
Moveu‐se um pouco à direita e caiu justo nos braços de Darby.
Desmaiou.

CAPÍTULO 29

Os frutos do pecado.

Durante os anos posteriores, Darby nunca pôde recordar a meia hora


seguinte sem tremer.
O desmaio de Henrietta foi imediatamente aceito como um sinal de
culpa. O fato de que desmaiou para a direita ‐em outras palavras, diretamente
no colo de Darby‐ foi outro sinal evidente.
Darby logo tentou abrir a boca quando a madrasta de Henrietta se voltou
para ele e o golpeou na bochecha tão forte que sua cabeça se moveu para trás.
‐Isso é porque meu marido não está aqui para fazê‐lo por mim! ‐gritou‐
lhe Millicent.
Darby duvidava de que seu marido pudesse fazê‐lo melhor. Doía‐lhe toda
a mandíbula.
‐Suponho que você escreveu esta carta abominável antes que eu lhe
contasse sobre a enfermidade de Henrietta e que esta era sua idéia de uma carta de
despedida, certo?
Ela olhou em silêncio.
‐Sedutor de mulheres jovens! ‐Disse com ferocidade. ‐Agora, casará com
a Henrietta. O fará. E seu castigo será que não terá herdeiros nem filhos.
Darby se sentiu como se estivesse enfrentando a Medusa. A mulher que
ele pensava que tinha uma cara doce de mãe se converteu em uma Górgona.
Olhou‐o fixamente, tal como o fariam as mães vingadoras de uma tragédia grega.
Por sorte, Henrietta piscou e pareceu estar recuperando‐se de seu
desmaio. Darby ainda não havia dito uma palavra, não tinha negado ter escrito
a carta ou ter passado a noite com ela. Era como se lhe tivesse paralisado a cabeça.
A condessa viúva pôs toda a atenção em sua enteada.
‐Como pôde fazer isso, Henrietta? ‐sussurrou como o vento.
De repente, lady Holkham se deu conta de que dezessete pares de olhos
a olhavam atentamente, fascinados. Levantou‐se da cadeira e se aprumou corretamente.
‐Senhoras e senhores, é um prazer lhes anunciar o compromisso de
minha queridíssima filha Henrietta com o senhor Simon Darby ‐ disse.
Percorreu com o olhar todo o aposento, deixando algumas queimaduras no caminho.
Esme estava desfrutando no prazer de um bom diretor de teatro, com o
que não duvidou em respaldar a viúva. Deu dois aplausos e fez um gesto para
Slope, que imediatamente começou a desarrolhar o champanha e a enviar garçons ao
longo da mesa.
Millicent deu a Darby um último olhar, lhe prometendo lhe tirar suas partes masculinas
se ele não dançasse ao ritmo de seu oferecimento. Logo, sentou‐se de novo na cadeira, com um
grande peso no peito.
Darby sentiu como se estivesse olhando tudo com os olhos de outra
pessoa e, se estava certo, Henrietta se encontrava em um estado parecido. Por
um momento, duvidou que ela seu tivesse desacordado verdadeiramente.
Salvo se ela pudesse desmaiar com as costas completamente retas.
Ele se inclinou.
‐O que quer que faça? ‐perguntou‐lhe com voz suave.
Ela o olhou, parecia bastante confundida.
‐Juro‐lhe que eu não escrevi essa carta. ‐Por alguma razão, parecia
importante que ela soubesse que ele jamais teria destruído sua reputação.
Ela assentiu.
‐Bom o que temos que fazer é encontrar quem a escreveu ‐ disse ele, com um estranho
sentimento de gratidão. Henrietta obviamente lhe acreditou
sem duvidá‐lo. Era impossível que esses formosos olhos azuis estivessem ocultando algo.
‐Não há nada com que preocupar‐se. É obvio, sua madrasta retirará sua imposição uma vez que
entenda que você e eu não fizemos nada
de mal juntos. Sugiro que nos retiremos do salão e discutamos sobre isto em
particular. Mas tem idéia de quem pôde havê‐la escrito?
Ela assentiu de novo.
‐Quem?
‐Fui eu ‐ sussurrou ela.

CAPÍTULO 30

As confissões são um assunto pessoal.

‐Escreveu uma carta de amor para si mesma?


‐Sim ‐ disse ela, movendo as mãos em seu colo. ‐Sentia‐me sozinha.
Nunca tive uma estréia, evidentemente. Não havia razão para fazê‐lo, dadas as
circunstâncias. Mas isso também significava que nunca fiz amigos, que nunca me
convidavam às festas e coisas assim. Só queria...
‐Uma carta.
‐Não. Uma carta de amor. Como nunca ia receber uma carta dessas,
escrevi uma para mim mesma.
O não podia acusá‐la por isso. Era muito triste, rompia‐lhe o coração, mas também era
algo desonesto.
‐Mas escrevi essa carta para mim ‐ insistiu Henrietta. ‐Como podia saber
que se extraviaria? Era uma ficção.
‐Essa ficção arruinou minha reputação ‐ ressaltou Darby.
Henrietta engoliu saliva.
‐Não acredito que sua vida esteja arruinada ‐ disse ela. ‐Não crê que está
sendo severo? É certo que terá uma esposa, mas a maioria dos homens se casam em
algum momento de suas vidas.
Ele levantou a cabeça e a olhou. A calidez marrom de seus olhos se obscureceu até o
ponto de voltar‐se negra. Uma voz em sua cabeça tinha catalogado a mudança de cor e pensou: é
um bom sinal.
‐A ruína parece ser uma descrição muito forte ‐ persistiu ela.
‐Não estou de acordo. Pretendo me casar em algum momento no futuro,
mas prefiro escolher essa data eu mesmo.
‐Bom, tão mal é casar‐se agora? ‐Ela o olhou suplicante. Nunca havia se
sentido tão doente do estômago.
Ele riu, foi mais um latido que um sorriso, em realidade.
‐Queria me casar ‐ disse enquanto lhe acariciava o cabelo com uma mão,
‐ queria me casar com alguém com quem pudesse me deitar.
Ela se ruborizou.
‐Entende o que quero dizer? Ela assentiu.
‐O que supõe que deva fazer com uma esposa com quem não posso me
deitar? Acredite‐me, eu gosto de pensar que sou alguém que seria fiel a minha
esposa, uma vez que me casasse. Mas assim seria impossível.
‐Sinto muito ‐ disse ela. ‐Escrevi essa carta antes de sabê‐lo. Antes de conhecer todos os
aspectos do matrimônio, incluindo esse. ‐Pensou
desesperadamente em como colocar os preservativos na conversa, mas
simplesmente não era um tema de conversa decente. ‐Deverá continuar
fazendo essas coisas em nosso matrimônio. É a única solução justificável.
Ele riu, sem nenhuma vontade.
‐Uma solução justificável, não é certo? Então, quer que eu tenha uma amante?
‐Não vejo como isso possa importar. Se nos tivéssemos casado em
diferentes circunstâncias, suspeito que não teria sido muito diferente. Muitos homens...
‐duvidou. ‐Muitos homens têm amantes.
‐OH, sim ‐ disse ele. ‐Mas eu não tinha intenção de ser como esses homens.
Aquilo era uma insignificante ninharia para ela. Talvez ele temesse que sua esposa lhe
fizesse uma cena, igual a que lady Witherspoon tinha feito com
seu marido durante o baile do Regente da primavera passada.
‐Nunca armarei um alvoroço semelhante ‐ disse‐lhe, em seu tom mais
consolador. ‐Prometo‐lhe isso, realmente sou uma pessoa muito sensível.
‐Sensível? Você?
Ela se ruborizou.
‐Sou uma pessoa muito sensível. E serei uma boa mãe para suas filhas.
Nunca direi uma palavra sobre sua amante...
‐Inclusive se passeio com ela em frente a você? O que acontece se é uma
mulher de seu círculo de conhecidas? O que acontece se danço com ela antes
de dançar com você?
‐Não posso dançar. E lhe prometo isso, não moverei um cabelo, sem
importar o que faça. Desculpo‐me novamente por ter escrito essa carta. Mas nunca me
ocorreu pensar que alguém mais pudesse lê‐la além de mim.
Inclusive assim, pode que isto seja o melhor para todos nós.
Ele olhou seu rosto docemente oval, emoldurado por um cabelo sedoso,
e desejou sacudi‐la.
‐Não entende nada ‐ disse grosseiramente. ‐Nada!
‐O que é o que não entendo? Entendo que esteja decepcionado...
‐Não existe tal coisa como um matrimônio casto. Não posso viver consigo
sob essas circunstâncias, Henrietta.
Enquanto ele a observava, os olhos dela se encheram de lágrimas. Ela engoliu saliva, mas
nenhuma só lágrima lhe correu pelas bochechas.
‐Minha madrasta me explicou que os cavalheiros esperam coisas na
intimidade ‐ disse ela, finalmente.
‐Não posso me imaginar vivendo contigo sem poder lhe levar para a
cama ‐ disse ferozmente.
‐Entendo. ‐estava mordendo os lábios com força, mas ainda não chorava.
Seu autocontrole o estava enlouquecendo, queria lhe destruir a compostura.
Ele não entendia aonde foi sua própria mesura. Devia engolir a
perspectiva de casar‐se com Henrietta, não o de deitar‐se com ela.
‐Por que não pensou antes de me envolver em seu ridículo jogo de
mentiras? ‐Grunhiu ele, com toda a força de sua confusão. ‐Pensou em alguém
mais além de você mesma?
Ela piscou.
‐Claro que não pensei. Era minha carta, depois de tudo. Não esperava que ninguém mais
a lesse, exceto eu.
‐Quando lady Rawlings a levou para a sala de jantar, podia ter confessado
‐ disse ele. ‐Podia ter me resgatado desta..., desta paródia de matrimônio!
‐Tem toda a razão ‐ disse ela, calmamente. ‐Não disse nada porque fui ambiciosa. Nunca
tive a ninguém para mim, como vê.
‐Sei ‐ disse ele, sentindo‐se esgotado. ‐Assim me escolheu e as minhas irmãs.
Ele viu que ela sujeitava suas pequenas mãos com força entre as luvas.
‐Não lamento ter escrito a carta, e tampouco lamento que tenha
encontrado seu caminho para o público. Amarei suas irmãs. Amarei como se fossem
minhas próprias filhas. Ninguém as amará tanto como eu.
Seu tom era intrépido. Tinha os olhos cheios de paixão. Agora, quando se
tratava das meninas, não dele.
‐Não vejo razão para seguir discutindo ‐ disse ele lentamente. ‐Suponho
que nossa futura vida juntos pode resumir‐se assim: atuará como a babá de minhas irmãs.
Eu manterei relações amorosas fora de nossa casa.
Ocasionalmente nos encontraremos nos corredores ou na hora do jantar.
‐É muito cruel ‐ disse ela.
‐O pragmatismo é o grande defeito de minha família.
‐Não vejo por que não podemos ser amigos.
‐Amigos?
‐Eu gostaria de ser sua amiga, Darby. Eu gostaria de ser muito mais que
uma babá em sua casa.
‐Nunca sou amigo de ninguém que me tenha roubado ‐ disse ele.
Em algum momento Henrietta sentiu uma pontada de raiva na coluna.
‐Parece‐me que está ofendido mais da conta. Depois de tudo, se trabalho
de babá, pagará um salário, mas será com minha herança. A menos que esteja
equivocada, necessita desesperadamente meu dote para poder manter as suas
irmãs. Ao menos, isso era o que tinha entendido.
Ela esperou, tremendo. Estalaria de raiva? Ele..., Ele...
O canto de sua boca formou um sorriso irônico. Ela continuou.
‐Sabe que existe a possibilidade de que o bebê de lady Rawlings seja um
menino. Pode ser que seja só um rumor, mas dizem que a propriedade de seu
pai não era...
‐Não era rentável ‐ disse ele. ‐O rumor é certo e assim o confirmam as dívidas de meu
pai, devidas às apostas.
‐Você terá que se casar ‐ disse, olhando‐o aos olhos. ‐Não terá outra opção.
‐Se tivesse decidido me casar por uma fortuna, gostaria de escolher
minha própria herdeira.
‐Os cavalheiros ingleses freqüentemente se casam para livrar‐se de
dívidas ‐ disse ela, com esse gesto de ironia que caracterizavam suas observações.
‐Certamente teria que se casar com uma mulher cujo pai fosse um comerciante.
Ele encolheu os ombros.
‐Tem toda a razão, milady. Talvez tivesse que casar com alguém de outra
classe social, mas ao menos poderia me deitar com ela.
Isso deixou Henrietta em silêncio.
‐O ponto em que seu rumor desvaira é no que concerne a minha situação
financeira ‐ ressaltou ele. ‐Eu valho aproximadamente o dobro do que vale a propriedade
de seu pai.
Ela o olhou fixamente, boquiaberta.
‐Sou o proprietário da maior parte da renda deste país ‐ disse
gentilmente. ‐Se tivesse pedido renda dourada para sua nova carruagem, esta
teria vindo de mim. A renda de seu lenço foi, sem dúvida alguma, importada por mim, e a
renda da pequena bolsa de sua mãe, foi feita em uma fábrica em
Kent. Minha fábrica, de fato.
‐Mas isso ninguém sabe. Esme não sabe!
Sua afirmação não era pertinente, mas de todas as maneiras, ele
assentiu.
‐Tem razão. Nunca me pareceu benéfico alardear sobre minha fortuna.
As pessoas assumiram que meu tio me dava uma atribuição. A realidade é que
fui eu quem manteve meu tio durante os últimos cinco anos.
‐Nesse caso, tudo é diferente ‐ disse ela, elevando o queixo ainda mais. ‐
Informarei à minha madrasta que já não estou comprometida, e lhe direi que
eu escrevi a carta. Tem razão: ela retirará imediatamente a ordem de que se case comigo.
Ele não disse nada durante um momento. Só a olhou fixamente no rosto.
Como alguém que parece tão delicada pode ser tão intrépida? Ele tinha conhecido
mulheres que pareciam sargentos do exército, e eram tão fracas como um gatinho. Era
estranhamente erótico enfrentar uma mulher que
parecia um gatinho, mas que tinha a rudeza de um soldado.
Ela se levantou.
‐Informarei imediatamente. Ofereço‐lhe minhas desculpas, senhor
Darby.
Ele não se incomodou em levantar‐se, tão somente levantou os braços e
a atraiu de volta para o sofá.
‐Tem razão ‐ disse‐lhe. ‐Estou indignado, mas passará.
‐Isso não é relevante. Se fosse um trato justo, que você necessitasse de
minha fortuna e eu necessitasse de suas irmãs. Mas não há razão suficiente para que
continue este matrimônio se não necessita de minha fortuna. Poderá
encontrar uma mãe para Josie e Anabel tão logo comece a temporada, se não
antes. E logo, como disse, poderá se deitar com sua esposa.
‐Oferecerei outro trato ‐ disse ele. ‐Minhas irmãs por...
‐Não tenho nada que lhe oferecer ‐ disse Henrietta, mais calma. Tinha as
mãos aprisionadas contra o colo. ‐Não posso aceitar uma oferta em que você
perderia muitas coisas que considera importante.
De repente, seu coração começou a emitir um ruído surdo contra as
costelas.
Os olhos dele se obscureceram novamente. "Perigo", pensou ela.
"Perigo". Mas era um perigo de outra classe.
Darby levantou um dedo e o deixou cair por sua testa, por seu elegante
nariz, e se deteve. Deteve‐se em seus lábios.
‐Penso ‐disse ele, e sua voz tinha perdido sua inexpressão‐ que me
deixaria louco se me casasse com você, Henrietta.
Ela estremeceu.
Ele moveu o dedo, de um modo instável, por seu lábio inferior.
‐Entende o que digo?
Ela gemeu um pouco. Esse dedo lhe acariciou o queixo, e ela se viu obrigada a abrir os
olhos. Sentiu um escuro calafrio pelas costas.
‐Não pode sentir isso por mim ‐ disse ela, precipitadamente.
‐Não? Por que não?
O dedo seguiu o caminho até seu pescoço.
‐Acredito que quer dizer que não devo sentir isso. E de fato, não deveria.
‐Mas ele se aproximou um pouco mais. Ela podia cheirá‐lo e cheirava a homem.
De repente, a mão abandonou seu pescoço e lhe acariciou a cabeça.
‐Crer que não devo... por quê?
Henrietta tinha a boca aberta e falou sem fôlego, em uma maneira que
ela detestava.
‐Porque..., porque sou manca.
‐É certo. ‐Ela era deliciosa, intocável, pura.
Ele devia deixá‐la assim.
Ela ia ser sua babá, por todos os céus. Ele nunca se aproximava dos serventes. Uma
defesa débil.
Ela tinha os lábios mais formosos que ele jamais tinha visto: curvos e grandes e ansiosos
para serem beijados. O mau era que ele acabava de se atar
a ela eternamente. De fato, teria que ver eternamente a sua esposa, a sua própria esposa,
com uma sensibilidade tão elevada diante do desejo erótico que quase lhe queimava ao lhe
percorrer as veias.
Sem pensá‐lo muito mais, inclinou a cabeça e pôs os lábios sobre sua boca.
Por um momento, sua lógica permaneceu junto a ele. Ele degustou a
surpresa nesses lábios. Ela ficou muito quieta, ao igual que ficava quando sentia que ia
cair e fazer ridículo.
Então, só com o propósito de relaxá‐la um pouco, passou a mão pelas suas costas. Ela
tinha as costas como a asa de um pássaro: magra, frágil, com
ossos quase de porcelana e de delicada forma. Ele deixou a mão aí, uma mão
imóvel que quase podia lhe abranger todas as costas. Para que o pequeno pássaro não
pudesse escapar.
Logo, ele voltou à cabeça e começou a beijá‐la com ardor. Nesse instante
esqueceu toda sua lógica.
Ela abriu a boca e lhe deu as boas‐vindas. Ele queria lhe dar uma lição.
Mas ela abriu a boca como se ela o desejasse, como se sentisse a metade da
onda de luxúria que fazia com que sua vida fosse miserável cada vez que a via.
Suas línguas se encontraram. O calor correu por debaixo de suas costas.
Ela gemeu contra ele. O calor brotava de seu ventre, trovejava em seus
ouvidos. Ele tomou essa pequena boca como se fosse um novo mundo que esperava ser
conquistado. E ela o permitiu... E de que maneira! Ela gemeu mais. Ele saboreou esse gemido
em sua boca.
Ela ofegou. Roubou‐lhe o fôlego e o mesclou com o seu.
Ele se derreteu em uma luxúria fervente e amalucada, um desejo feroz de prová‐la, de
tocá‐la. Ele abriu a mão em suas costas. Ela não se balançou contra ele, como o faziam outras
mulheres durante os beijos dessa natureza.
Ela ainda estava sentada tão reta como uma estátua.
Consumia o fôlego rapidamente, em pequenos ofegos. Tinha os olhos
fechados. E ainda estava sentada sem tocá‐lo. Nem sequer tinha movido as mãos do colo.
‐Henrietta ‐ disse ele.
Ela abriu os olhos lentamente. Eram da cor do céu na tarde, aturdidos poços de desejo.
‐Ponha suas mãos ao redor de meu pescoço.
Ela piscou e olhou as mãos como se tivesse esquecido onde estavam.
‐É obvio ‐ murmurou. E levantou os braços para lhe rodear o pescoço, como ele tinha
pedido. Suas costas eram tão estreitas que ele podia sentir cada movimento que fazia.
Logo ela o olhou.
Isto era detestável. Nunca tinha desejado tanto a ninguém. Inclusive
agora, ele podia reconhecer seu rosto sem duvidá‐lo: seu nariz magro, o par de olhos mais
inteligentes que jamais tivesse visto em uma mulher, aquelas sobrancelhas que se dobravam
delicadamente, os lábios de um vermelho
profundo.
Normalmente sua pele era de um branco de porcelana. Agora tinha um
pouco de vermelho em cada bochecha.
‐Tenho um... ‐disse ela e logo se deteve.
Beijou o nariz, e deixou que seus lábios lhe beijassem os olhos.
‐Encanta‐me ‐ disse silenciosamente. ‐Isso é o detestável, Henrietta.
Estou condenado contigo e estou condenado sem ti.
‐Esme me contou algo sobre um objeto chamado preservativo ‐ disse ela
com um suspiro.
Ele se deteve por um segundo, e logo seguiu lhe beijando a bochecha.
‐Evitar a concepção ‐ sussurrou Henrietta, bêbada pelos beijos e
mortificada pelas palavras que lhe saíam da boca.
‐Ouvi falar sobre eles ‐ disse ele. Por dentro, tinha a cabeça acelerada.
Henrietta, sua dissimulada e educada Henrietta, estava acelerando o assunto que ele tinha
pensado deixar para o matrimônio. Para o momento indicado de
sua noite de bodas, inclusive se ele tivesse que lhe rogar de joelhos.
‐Ela... ‐Henrietta gemeu. Ele lhe estava lambendo o pescoço, e ela
esqueceu o que ia dizer‐lhe.
‐Tem um preservativo? ‐disse‐lhe, pouco tempo depois. ‐Sabe como usá‐
lo?
Ela se ruborizou muitíssimo mais.
‐Esme me explicará como usá‐lo.
‐Esme, a infame ‐ disse ele.
‐Ela não é infame ‐ disse ela.
‐Mmmm.
Ele usou os dedos para brincar com o pescoço de seu vestido e logo, muito lentamente,
olhando‐a aos olhos, o tirou. Por um momento, Henrietta pensou em protestar, mas cada
centímetro de seu corpo estava celebrando o
fato de que parecia que ele estava cedendo.
Talvez ele se casasse com ela.
Uma mão grande se curvou ao redor de seus seios. Os lábios dele
seguiram aos dedos, que escorregaram além de seu sutiã.
Henrietta estava muito ocupada tentando decidir se ela devia lhe
permitir fazer o sacrifício de prestar tanta atenção. Não é que ela não estivesse a par
dessas mãos grandes que lhe estavam acariciando todo o corpo, mas sua
mente ainda divagava nas implicações do império da renda. Ele não necessitava
de seu dinheiro.
Ele não necessitava dela. Ele poderia encontrar uma mãe, uma babá, em
qualquer lugar. E a mulher com quem se casasse poderia lhe dar alguns filhos.
A tristeza ameaçou tragar‐lhe, mas havia uma dor doce e insistente que
ela não havia sentido ainda.
Darby lhe tinha baixado tanto o sutiã que seus seios, seus seios nus, tinham ficado à vista.
E ele os tinha apanhados entre as mãos, sustentando‐os
como se fossem um par de frutas doces que queria devorar.
Enquanto ela observava, tão impressionada que não podia responder, ele
baixou a cabeça e se internou na superfície sedosa desses seios, massageou um
mamilo, e navegou para o outro lado.
Todo o corpo de Henrietta ficou rígido. Uma onda aguda de prazer
disparou em seu estômago.
Ele se moveu para trás, roçando‐a com a cabeça, e se abandonou
brandamente sobre seu mamilo de novo.
Henrietta se deu conta que estava a ponto de não respirar, mas quando
por fim conseguiu fazê‐lo, emitiu um som terrível, rouco, como se fosse adoecer.
O som pareceu animar Darby. Jogou‐lhe um olhar travesso, divertido,
para acabar movendo sua cabeça para trás e seguir... seguir mordiscando, lambendo o
mamilo até que Henrietta ficou sem fôlego por completo.
Tampouco podia mover‐se. Simplesmente ficou ali sentada, tentando respirar,
sentindo que o prazer se expandia por todo o seu corpo com cada movimento
de seus lábios, com cada contato de suas mãos.
E Darby encontrou seus olhos com os dela. Descobriu que seus peitos tinham a forma
mais deliciosa que tinha visto em sua vida, que ela era tão deliciosa como tinha imaginado.
Escutou, no fundo de sua mente, uma voz dizer: isto é o que você quer. E o alívio floresceu em
alguma remota parte de seu coração.
"Desejo‐te", disse apoiando‐se na brancura de seu peito. "Maldita seja, Henrietta, se eu
gosto". E nesse momento, um diminuto sorriso apareceu naqueles preciosos olhos.
"Casarei contigo", disse, e sua voz soou algo rouca. "Vou me casar contigo".

CAPÍTULO 31

A maternidade é um estado ideal... às vezes.

Henrietta não tinha visto seu noivo desde a festa de Esme, cinco dias antes. A manhã
seguinte tinha recebido uma nota que dizia que obteria uma licença especial do bispo de
Salisbury. Após isso não tinha visto Darby.
‐Darby se está acostumando à comoção ‐ aconselhou‐lhe Esme. ‐Os
homens podem ser tolos quando mudam a rotina. Só recorda que quando estiver casada
precisará mantê‐lo na raia trocando de opinião e de planos ao menos uma vez à semana. Porque
não quererá que siga alimentando esse tipo
de descortesia.

Aquela noite Henrietta estava tombada acordada, pensando em quão


devastado encontrou o rosto do Millicent quando esta se deu conta de que sua
enteada tinha feito algo tão detestável como deitar‐se com um homem sem o
benefício do matrimônio.
Sua madrasta não tinha falado muito sobre o tema após. Na carruagem
caminho a casa, disse:
‐Estou segura de que sabe quão decepcionada estou Henrietta. Não é
necessário ser mais clara neste assunto.
Henrietta dava voltas na cama, pensando em dizer a verdade a sua
madrasta, que tinha que lhe contar a verdade. Mas Millicent acreditava firmemente na
moral, e Henrietta estava segura de que sua madrasta sentiria a
necessidade de informar a Darby da deliberada atuação de Esme com respeito
à carta. Uma coisa era admitir a Darby que ela, Henrietta, tinha escrito essa carta. Mas
outra muito distinta admitir que ela formasse parte de um complô
para forçá‐lo a que lhe fizesse uma proposta de matrimônio. Até esse momento, ele tinha
assumido que a carta se confundiu com a nota que lhe tinha enviado para contratar uma babá.
Era terrível começar um matrimônio com tal falsidade? Mas o que
ocorreria se dissesse a verdade e ele a denunciasse como a uma mulher manipuladora e
recusasse continuar com o matrimônio?
O problema era que ela queria casar‐se com ele desesperadamente.
Desesperadamente. Com cada centímetro de seu corpo, e aquilo não só tinha
que ver com a Josie e Anabel. Tinha que aceitar essa crua verdade durante a noite. Estava
manipulando a um homem para que se casasse com ela porque o
cobiçava, e isso era algo detestável.
"Ele me deseja", pensou, mas ela sabia que era uma defesa débil. Darby ‐
o elegante árbitro da moda entre a gente da alta sociedade‐ nunca se casaria
com uma ninguém do campo se não o obrigassem a fazê‐lo. Se não fosse tão
rico! Tinha poucos problemas com a ética do plano quando ela e Esme pensaram que
Darby não tinha dinheiro, e que ele necessitava a herança dela.
Até tinha pensado, de maneira petulante, que ele tinha que casar‐se para que
Anabel e Josie tivessem dotes. Mas Darby não necessitava sua herança. Não necessitava
a ela.
Tinha escutado uma conversa entre o Darby e seu amigo Rees Holland
que confirmava seu julgamento. Foi depois da festa, quando todos se estavam
pondo seus casacos e preparando‐se para voltar para casa. Estava despedindo‐
se de Esme quando um grito do Holland flutuou da sala de estar:
‐Pelo amor de Deus, por que te vais casar com uma mulher com que não
te deitaste ainda? ‐Não pôde ouvir a resposta do Darby.
Mas o conde não se deteve aí.
‐Não o faça só porque a mulher tem uma maldita fortuna. Eu dou um dote a Josie, e outra
a Anabel.
Henrietta se deteve na ação de ajustar as luvas. Esme levantou as
sobrancelhas, mas ambas ficaram totalmente quietas.
‐Não poderá ‐ A voz do Darby soou desinteressada a Henrietta.
‐Eu não disse que pudesse ‐ respondeu Rees. ‐Disse que faria. Estou acostumado a ser
sincero, não é assim? E como é pouco provável que minha esposa me dê herdeiros...
‐Seus dotes não representam um problema.
‐A propriedade do Rawlings não era de livre disposição?
‐Sem dúvida.
‐Então... pode?
‐Tem caido você também nessa crença tão generalizada de que não sirvo
mais que para me vestir, Rees? ‐Disse‐o com delicadeza, mas também com intenção.
Henrietta se podia imaginar o olhar do Darby.
‐Não seja idiota ‐ respondeu Rees. ‐Acredito que é exatamente o que foste desde que
fomos jovens. Um dandi de rosto bonito e hábil com o florete.
Não me diga que estiveste compondo música. Teria me informado.
‐A renda, Rees, a renda.
‐Pensei que a renda não era mais que um passatempo. Não importava a
maioria da França? Deve ser impossível nesta época.
‐Desde que a guerra cortou os fornecimentos da França, converti‐me no
mais importante importador de renda da Bélgica. Nos últimos cinco anos, estendi meu
domínio. Sou proprietário da Madame Franchon's no Bond Street.
E da Madame do Lac's no Lumley.
‐Franchon's ‐ interrompeu. ‐É dono de um armazém que vende roupa
intimas? Foi fornecedor de punhos de renda e te ganhou uma fortuna, verdade?
‐Exatamente.
‐Diabos, tal e como gastam dinheiro em roupa as mulheres, você deve valer mais que eu.
Você, a mesma vitrine da moda, interessado no comércio.
‐O dinheiro não teria nada que ver com a decisão de me casar ‐ disse Darby, e o silêncio
reinou na biblioteca.
Esme tinha olhado a Henrietta, com os olhos brilhantes pela risada.
‐Rees provavelmente está contemplando o assassinato, só para salvar ao
Darby de si mesmo ‐ sussurrou. ‐Deus..., como odeia o matrimônio!
‐Não acredito que Darby pense muito nisso ‐ resmungou Henrietta.
‐Eu não estaria muito segura ‐ respondeu Esme.
Mas Henrietta sabia a verdade. Darby estava fazendo um mau negócio
com esse matrimônio. Sem crianças. E sem dinheiro, porque não o necessitava.
Aproximadamente quatorze vezes ao dia Henrietta resolvia escrever uma
carta ao Darby para romper seu compromisso, se podia chamar assim.
E quatorze vezes mudava de opinião, metaforicamente lhe mostrava os
dentes ao mundo e dizia: Tomarei o que queira. Já é suficientemente difícil que não possa
ter filhos; mereço ter a Josie e a Anabel. Desejava‐as com uma dor
que lhe afundava até os ossos. Não podia evitar sonhar sobre ensinar Josie a ler, ou cantar
a Anabel uma canção de berço antes de ir‐se dormir. Elas me necessitam, dizia‐se.
Isso demonstrou ser um pensamento relaxante. Josie e Anabel sim
necessitavam uma mãe. E ela estava segura de que ninguém mais as amaria como ela,
porque outra mulher teria filhos próprios. E depois essa mulher poderia descuidar a Josie e a
Anabel, ou favorecer os seus filhos frente a elas.
Só de pensar nisso, Henrietta tremia. Apesar de ter tido a sorte de crescer com uma
madrasta carinhosa, não lhe ocultava que essa situação poderia mudar.
Todos os dias ia a creche de Esme e brincava com as meninas. Anabel era
um querubim perfeito, sempre fazia primeiros passos e os braços se estiravam
por um abraço.
Josie não era um querubim nem que um fosse generosa, mas era
interessante. Dividia o dia entre ter raiva e jogar com os soldados de chumbo
que pertenciam ao irmão de Esme.
O problema é que, enquanto Josie e Anabel necessitavam uma mãe,
Henrietta estava perdendo a confiança em suas próprias habilidades maternais.
Não tinha derramado mais água em cima de Josie. Mas isso não queria dizer que não
tivesse tido o impulso. Tinha‐o pensado. E se tratava de algo terrível.
Estaria melhor Josie com uma mãe diferente?
A babá de Esme tinha uma maneira aprazível de dar um tapinha em Josie
no ombro quando começava a chiar, enquanto lhe dizia: "Falarei quando se sentir um
pouco mais acalmada, tesouro".
Henrietta tentava imitá‐la. Mas sentia que lhe começavam a apertar os dentes quando
Josie começava com a rotina de "Sou uma pobre órfã". E se resultasse ser uma má mãe para a
Josie?
Tinha revisado freneticamente todos os conselhos do Bartholomew Batt
sobre a educação infantil em crianças pequenas, mas era tão frustrante dar‐se
conta de quão inúteis resultavam suas recomendações ante as birras da Josie.
A quem lhe importava que o Sr. Batt pensasse que se as amas tinham tendência a beber
muito transmitiriam tendências alcoólicas às crianças? Ela não era ainda a babá de Josie e já
sentia desejos de dar‐se à bebida.
Josie gostava quando lhe contava contos de fadas. Talvez fosse questão de que se
acostumassem a uma à outra.
Na quinta tarde a partir do jantar, Henrietta estava sentada em um
banco, rodeada de soldados de chumbo em batalhões, tratando de brigar contra as
incursões de um espião inimigo que continuava tentando entrar às escondidas na torre (sua saia)
para atacar às tropas, quando Darby entrou no
aposento.
Tinha posta uma jaqueta de cor salvia com uma fila de botões dourados e
uma calça bege pálida. O colete era de seda verde escura a raias, e levava uma bengala de
cabeça de âmbar, da mesma cor que as calças.
Josie saltou e chiou, “Simon!". Saiu disparada através da creche. Darby parecia muito
aliviado e agradecido ao ver que ela conseguiu deter‐se uma polegada de suas calças.
‐Muito obrigado, Josie‐ disse, e se agachou. ‐Aprecio que te abstenha.
Ela franziu o cenho, sem saber o que fazer.
Com um suspiro, Darby a alcançou e levantou, evitando com cuidado o contato com suas
calças pálidas. Sua irmã parecia mais alta que a semana passada, se isso era possível. Uma perna
desajeitada pendurava frente a ele, uma bota apontava perigosamente para entre suas pernas.
Ela o olhou aos olhos de uma maneira desconcertante:
‐Você é meu irmão Simon ‐ disse.
‐Ambos somos conscientes disso ‐ Darby olhou a Henrietta. Por que não
ia resgatar‐lo? O que ele estava fazendo carregando uma criança? Ele detestava crianças.
De fato, o que estava fazendo na creche?
‐Sou uma pobre menina órfã...
‐Também sei isso ‐ disse, interrompendo‐a.
O lábio inferior do Josie tremeu.
‐Por que necessita uma mãe? ‐exigiu. ‐Tem um irmão.
A testa enrugou enquanto ela tratava de entender se isso era diferente.
Ele podia ver que não.
‐Está bem. Lady Henrietta será sua mãe, que tal isso lhe parece?
Josie voltou à cabeça para ver a Henrietta, que estava sentada na
poltrona, e parecia desconcertada. Embora Darby não soubesse por que estava
surpreendida. Não é que lhe estivesse descobrindo nada.
‐Lady Henny derramou água em cima de mim ‐ recordou‐lhe Josie. Logo
se inclinou para o ouvido do Darby e lhe disse em segredo‐ Não estou muito segura de
que a Anabel caia bem.
Darby considerou a propensão de Anabel beijar estranhos e chamá‐los
"MA".
‐Anabel se acostumará a ela ‐ aconselhou a Josie.
‐Ela me derramou água em cima, Simon. Não te lembra?
‐Merecia‐lhe isso.
‐Por que não faz que a tia Esme seja minha mãe? ‐Sussurrou Josie. ‐A enfermeira diz que
vai ter um bebê. Então teríamos um novo bebê na creche.
Um que não vomite! ‐E jogou um olhar sinistro a Anabel.
Anabel se dirigia ao Darby cambaleando‐se. Parecia limpa, mas nunca se
sabia. Sua faxineira não era muito otimista sobre a eliminação de manchas de
vômito das botas.
‐Bom ‐ disse animado‐ tenho que ir. ‐Pôs a Josie de novo no chão. ‐Que
passem uma boa tarde, meninas. Lady Henrietta, posso falar com você?
Henrietta o seguiu relutante. Ele a escoltou até abaixo na sala, e o único
no que ela pensava enquanto descendiam era se estaria arrastando a perna.
Sustentou‐lhe o braço como se não se dessa conta de seu modo de caminhar.
Assim que entraram na sala, ele disse, sem ser cerimonioso:
‐Obtive uma licença especial. Poderemos nos casar quando desejar.
Mas Henrietta tinha sabido do momento em que ele tinha entrado na
creche, que ela não poderia continuar com o plano.
Ele era muito formoso. Muito formoso. Parecia uma espécie de estátua
grega, e ela não era nada mais que uma camponesa baixa e manca. Só suas maçãs do
rosto, e o modo em que suas bochechas se afundavam, era muito para ela. Muito formoso, muito
dourado, muito perfeito. Não havia traços de claudicação, nem de nada disforme nele.
Precisava encontrar a uma pessoa sem defeitos, justo como ele. Alguém
que lhe desses filhos que tivessem sua elegância, sua magreza e seus olhos profundos.
Sentou‐se erguida no sofá e tentou esquecer a dor que provinha de seu
quadril. Tinha sido um engano sentar‐se no banco para brincar com a Josie.
Mas a dor lhe dava certa claridade mental. Era disforme. Ele não. Esse fato falava por si
mesmo. Ela devia liberá‐lo para que encontrasse a alguém tão perfeito como ele.
‐ Vou dizer a verdade a minha madrasta ‐ disse. Deteve‐se e não disse mais porque seu
tom estava sendo indecoroso.
Ele não pareceu notá‐lo.
‐Isso seria agradável. Sentiria muito melhor se minha sogra não me
grunhisse cada vez que nos vejamos.
‐Quero dizer que lhe direi a verdade, e isso lhe tirará a razão a este matrimônio.
Levantou as sobrancelhas.
‐Temos um acordo. Obtive uma licença especial. Por que está
descumprindo sua palavra, lady Henrietta?
‐Porque não merece isto.
Ele tinha ficado parado sob os últimos raios do sol da tarde que entravam
pelas janelas. Henrietta não queria pensar em sua beleza. Realmente não queria. Era
ridiculamente atraente; bom, ele poderia ir a Londres e encontrar a alguém que fosse adequado a
sua pessoa.
‐Não entendo o que está dizendo ‐ assinalou. Elevou a bengala com
cabeça de âmbar e examinou a parte superior, procurando arranhões. Não havia nenhum.
‐Nós não fazemos bom casal ‐ disse Henrietta.
‐Eu acredito que sim a faremos.
O que ia dizer ela sobre isso? Não disse nada.
Ele se aproximou um modelo de aprumo.
‐Fez um trato comigo, Henrietta. Espero que saiba cumpri‐lo. ‐Moveu a cabeça para
cima. ‐Essas duas criaturas serão tuas desde dia que recitemos nossos votos. Você disse que as
queria: tem‐nas.
‐Talvez queira crianças próprias algum dia.
‐Acredito que eu sou o melhor juiz disso. Decidi que prefiro a relação que
você esboçou. Parece‐me que ambos temos um bom trato. Embora aparente o
contrário, eu quero muito a minhas meio‐irmãs ‐ duvidou.
‐Isso, posso ver.
‐Seremos, suspeito, honestos um com o outro ‐ disse. ‐Minha mãe tinha
um temperamento muito forte, Henrietta. Fez‐se famosa por um ataque de cólera que lhe
deu, enquanto jantava no Buxton, em companhia do Regente, já
sabe. ‐Fez uma pausa como se ela soubesse perfeitamente o incidente ao que
se referia.
Henrietta tratava de ver‐se inquisitiva, mas não muito curiosa.
‐Lançou um pedaço de carne a meu pai. Infortunadamente a carne tinha
rabanete ‐ disse Darby sem nenhuma emoção. ‐O rabanete saiu voando ao olho
de um cavalheiro chamado Penetrei, um dos filhos menores do arcebispo Penetrei. A
visão do cavalheiro sofreu um dano severo durante um tempo.
‐Ah ‐ disse Henrietta.
Darby se recostou para trás nos saltos das botas.
‐Minha mãe era uma maravilhosa pessoa para viver com ela. Não podia
moderar seu mau gênio, e com freqüência lançava objetos pelo aposento.
Aparentemente, isso não incomodava a meu pai, pois pouco tempo depois de
que minha mãe morrera casou com outra mulher com o mesmo mau gênio e
igual de forte. Minha madrasta animou o último natal de sua vida lançando uma vasilha
ao vigário. Estou preocupado por Josie nesse aspecto. Está no caminho de crescer com o mau
gênio de minha mãe.
Henrietta engoliu saliva.
‐Recorde, senhor, que eu sou a pessoa que verteu água em cima da
cabeça do Josie. Duvido que vá poder lhes ensinar docilidade.
‐Ao contrário. Parece que você mantém o decoro sem problema. Poderia
ensinar a Josie uma maneira mais contida de obter o que quer. Fui testemunha
desse gracioso desmaio no jantar, por exemplo ‐ disse e desenhou esse sorriso
lento que a fazia derreter‐se por dentro.
Ruborizou‐se.
‐Parecia apropriado nesse momento.
‐Ensina o a Josie umas técnicas sem ruído. Estarei agradecido se só tenho
que escutar o discurso de "pobre menina órfã" uma ou duas vezes ao ano.
‐Posso tentá‐lo.
Felizmente, Bartholomew Batt acabava de publicar um novo livro, e ela ia
comprá‐lo assim que pudesse. Talvez este fosse um pouco mais informativo no
que se refere a remediar o mau gênio.
‐Bem ‐ lhe iluminou o rosto tão rápido que Henrietta se perguntou se estava, de verdade,
tão desinteressado como parecia está‐lo.
Ela ainda tentava solucionar a situação de um modo justo.
‐Está seguro de que quer te casar comigo, Sr. Darby? Não parece muito
justo contigo. Depois de tudo, ao me casar contigo, ganho as meninas. Mas estou muito
segura de que poderia contratar uma babá para ensinar maneiras
a suas irmãs, e provavelmente faria um melhor trabalho que eu ‐ olhou as mãos. ‐Eu
também tenho um temperamento difícil.
Sentou ao lado dela. Da extremidade do olho ela podia ver como o
tecido das calças rodeava os fortes músculos das pernas.
‐Ah, mas eu também ganho algo deste matrimônio ‐ disse. ‐É
requintadamente bela, inteligente, e inclusive eu gosto dessa honestidade brutal que
mostras às vezes. Deveria me chamar Simon, não crer?
Quando ficou calado, ela o olhou. Seus olhos tinham um olhar tão
travesso que uma onda de calor lhe subia até o pescoço. Como podia desejá‐la?
Ninguém o fazia.
Beijou‐a com a delicadeza com a que um dente de leão voa pelos ares, mas sentiu como
se ardesse. Desejava‐a.

CAPÍTULO 32

O mel... O néctar dos deuses.

Não havia forma. Esme não ia poder dormir. A cama nunca lhe tinha
parecido tão grande nem tão solitária. E tinha fome. Tinha fome todo o tempo,
embora isso não fosse uma grande surpresa. Mas este era o tipo de fome que a
corroia, e lhe assentava na medula e lhe dizia que não ia poder dormir até que comesse
torradas com manteiga.
É obvio, poderia tocar um sino, e isso faria que uma pobre faxineira tivesse que subir e
depois descer até a cozinha para lhe fazer as torradas. Nem sequer sabia por que se incomodava
em discutir com ela mesma.
Tinha um escravo, depois de tudo, não?
Ela era a ninfa Calipso, e lá na ilha, onde estava a cabana do jardineiro...
Bom, pois o jardineiro poderia lhe fazer uma torrada. O não poderia queixar‐se se
despertava, ou dizer que era uma malvada a suas costas. Ele poderia ser evacuado da ilha se ele
se comportasse mal.
Tomou um momento encontrar o casaco à luz de uma só vela, mas Esme
o conseguiu. Foi inclusive mais difícil calçar as botas. Ultimamente permitia que a criada
as abotoasse, já que ela não alcançava a tocá‐los pés. Esta vez as deixou desabotoadas.
Finalmente saiu do aposento. A casa era grande e se ouvia eco pelas noites. Caminhou
pelo corredor até o vestíbulo principal. O mármore branco e
negro brilhava como um fantasma à luz da lua. Viu a porta principal, mas Slope a tinha
fechado de noite. Girou e foi pelo salão rosa, deslizou‐se pela porta do lado até a estufa como se
fosse um camundongo seguindo seu percurso habitual.
Não estava muito escuro fosse, porque a lua brilhava como um limão
disforme. A grama se estirava longe dela, costa abaixo para o roseiral, e parecia bastante
estranho e mágico sob a luz da lua. Em alguma parte um pássaro estava cantando uma canção
irritante, detendo‐se e começando outra vez como se perdesse o fio.
Esme caminhou costa abaixo. Seus sapatos deixavam rastros escuros no
orvalho.
A cabana estava muito escura, é obvio. Por um momento sentiu culpa.
Sebastian provavelmente não estava acostumado a não deixar de lado o trabalho de todo
um dia como jardineiro. Precisava dormir. Mas ela não tinha
ido tão longe para voltar sem suas torradas com manteiga.
Dirigiu‐se à porta e tocou. Não houve resposta. Claro, estava dormido.
Tocou outra vez. Não houve resposta.
Estaria na aldeia? Mas o botequim tinha fechado horas antes. O que
poderia estar fazendo? Semicerrou os olhos. Talvez tivesse encontrado a uma
prostituta que estava ampliando sua educação.
Sem mais espera, empurrou a porta e entrou.
Era alarmante dar‐se conta de como aliviada se sentiu ao não ver uma massa de corpos
sob os lençóis do canto. A luz da lua entrava pela porta aberta sobre seu ombro, e podia ver uma
mecha do cabelo loiro dele sobre aquela manta ordinária, o exemplar de La Odisséia aberto e
posto de barriga para baixo ao lado da cama.
Caminhou mais, sem sequer incomodar‐se em fazê‐lo nas pontas dos
pés.
‐Sebastian ‐ disse. ‐Ai, Sebastian.
As mantas se moveram, mas ele seguia dormido.
Tocou‐lhe o ombro.
‐Sebastian! Acordada, tenho fome!
‐Mmm. ‐Foi tudo o que ele disse. Moveu‐lhe o ombro. De verdade, era pior que despertar
a um menino.
‐Sebastian, acorda!
Finalmente se levantou e piscou sob a luz da lua. Estava dormindo sem camisa, e a lua
mostrava seu peito de músculos perfeitamente definidos. Ela ficou paralisada olhando‐o.
Por sua parte, ele piscou e a agarrou pelo braço levando‐a para onde ele
estava.
‐Ah, bom ‐ disse meio dormido. E sem mais, levantou‐a, com barriga e tudo, até a cama.
Inclinou até ela e deslizou a língua dentro de sua boca antes que ela pudesse fazer algo.
As botas lhe caíram. Algo soou ao cair ao chão. Enrolou‐lhe um braço ao
redor do pescoço.
Claro que não desejava torradas com manteiga. Desejava a ele, seu sabor
defumado, esse peito que lhe pressionava os seios, as mãos calosas que a tocavam por
toda parte como se não pudesse satisfazer‐se. Beijou‐a até que se
retorceu, até que seu corpo estava cheio de desejo, cada nervo desejando estar mais perto
dele.
Logo a afastou e a olhou. Parecia sério, é obvio. Por um momento pensou
que ia dizer algo sobre o decoro, ou o indecoroso, mas este era Sebastian o jardineiro, não
o marquês.
‐Preciso te tirar o casaco ‐ disse ‐Vou sustentar‐te, Esme.
Ele tinha um olhar intenso, e ela sentiu que lhe ardiam as pernas.
‐Vou beijar‐te. Toda ‐ disse, e lhe tirou o casaco em um instante.
Tinha posto das belas camisolas que havia lhe trazido Helena de Londres,
de seda rosa pálido. Ele parecia não dar‐se conta e começou a empurrar a camisola para
cima, como se estivesse tratando de tirar‐lhe por cima da cabeça.
Esme recuperou o sentido.
‐O que está fazendo? ‐exigiu. Não havia maneira de que ela fosse
permitir a Sebastian que visse seu corpo nessas condições. Sustentou a seda à
altura do quadril para assegurar‐se de que ele não pudesse despir seu volumoso corpo.
Ele se deteve.
‐Tenho que verte Esme ‐ tinha a voz rouca. ‐Tenho que... ‐A voz lhe apagou. Estava
olhando os seios, delineados pela seda. Esme sentiu um pouco
de vergonha. A gravidez fazia que os mamilos lhe sobressaíssem como
pequenas rochas, mais que harmonizar com sua pele como passava antes.
Os seios se viam descuidados. Não curvos e com graça como estavam
acostumados a ver‐se em vestidos com decote. Antes, até uma olhada rápida
de seus mamilos rosa pálido garantiria que um homem entrasse em frenesi.
Mas agora seus mamilos estavam vermelho escuro e estava inchados, e saídos
como se fossem os peitos de uma vaca. Nunca poderia contê‐los nessas ligeiras
camisolas que estava acostumada a usar.
Esme engoliu saliva. Que diabos estava fazendo na cabana do jardineiro?
Tinha perdido a cabeça? Era tão vergonhoso. Começou a levantar‐se, mas ele a
deteve com uma dessas mãos fortes.
‐Sebastian ‐ disse tão convencida como era possível. ‐Sinto‐o muito, mas
interpretaste mal minha visita.
‐Cala.
Esme não era uma mulher que gostasse que a mandassem calar.
Começou a brigar. Mas ele tinha estirado a seda que cobria seu peito, e agora
levava a boca sobre ela, sem sequer lhe pôr atenção ao desejo dela de levantar‐se da
cama.
Apesar de si mesma Esme tremeu. A boca dele se fechou sobre seu
mamilo, lambeu‐o e deixou sair um gemido. Levantou a cabeça e a olhou, outra
vez estirou a seda que tampava o mamilo. Agora estava molhado, uma mancha
escura contra um reflexo rosa. A umidade fez que lhe ardessem as pernas. Ele
esfregou um polegar, preguiçosamente, sobre o mamilo dela, olhando‐a aos olhos.
Abriu a boca, mas não recordava o que dizer.
‐Esme? ‐perguntou gentilmente. ‐O que era o que queria...?
Estava‐lhe esfregando o tecido molhado uma e outra vez sobre o seio, fazendo que ela se
sentisse como se lhe saísse vapor da pele. Antes que pudesse pensar em uma resposta, ele voltou
a lhe lamber o mamilo.
A sensação era deliciosa. Ele a estava lambendo, e que agradável era sentir a boca, a
sucção, em combinação com a seda molhada sobre seu mamilo... Deixava louca. Gritou rouca de
prazer, apertada contra ele.
‐Quero te beijar sem a camisola, Esme ‐ disse, e ela notou que tinha a voz
rouca.
Ela não queria pensar, e girou o rosto para não dar‐se conta de que tinha
a camisola cada vez mais acima. Por cima das pernas que estavam
acostumados a ser magras e agora eram robustas e estavam manchadas em vários lugares.
Por cima de sua grande barriga com estrias, essas que tinham aparecido fazia umas semanas.
Para o momento em que lhe tinha tirado a camisola, ela estava rígida da
vergonha e a humilhação. Nunca havia aparecido assim a um homem. Para a reputação
que lhe outorgavam, não tinha tido tantos namoricos, mas em cada
encontro, fosse com seu marido ou outro homem, seu corpo era um objeto sedutor que
oferecia para que o apreciassem. Sempre tinha sido consciente de
que encantava ao homem em questão.
Exceto, agora que o pensava, talvez com o Sebastian, porque ele mesmo
era tremendamente formoso.
Seguia‐o sendo, claro. Estava de joelhos na cama, olhando seu corpo, sem dúvida
arrependendo‐se de encontrar‐se na cama com uma baleia. Esme
engoliu saliva e olhou o corpo dele para não ter que pensar nisso. Não havia um
centímetro extra de carne em seu corpo, não nesse grande corpo
masculino, onde cada centímetro era forte e limpo.
Ele nem sequer se movia. Talvez estivesse tão horrorizado que tentava pensar em como
sair do aposento. Esme jogou um olhar desesperado para o lado. Aonde tinha ido sua camisola?
Poderia ficar ou ir‐se em silêncio, e economizar a ambos a preocupação de sequer discutir o
incidente.
Levantaria, mas as mãos dele descendiam até sua barriga. Havia algo
fascinante sobre essas grandes mãos masculinas lhe tocando a barriga.
‐É belo, Esme. ‐Sua voz era aprazível, reverencial. ‐É bela.
‐Não, não o sou ‐ disse zangada, mas estava a gosto. Inclusive com seu atual ódio por seu
corpo, gostava de sua grande barriga.
‐É sim. Estas parecem estrelas caídas, como raios da lua ‐ disse riscando
as estrias que atravessavam a barriga de Esme. –Importa se as tocar?
‐Claro que não ‐ disse, resignada. Claro que a sedução se converteria em
uma lição de anatomia. O que esperava? Nenhum homem honesto poderia
pensar sexualmente em uma mulher nessa condição.
As mãos dele se deslizaram pela barriga, a pele, estirada pelo bebê, sentia comichões,
sussurros flutuando para a junta de suas pernas que lhe dizia que não lhe importaria fazer algo,
inclusive em sua condição. Estava‐a acariciando gentilmente quando um pequeno vulto
apareceu, justo debaixo da
mão do Sebastian.
O olhar de assombro em seu rosto era tão cômico que Esme riu em voz
alta.
‐Esse é o bebê ‐ disse.
‐Entendo ‐ disse ele, com uma voz que reunia surpresa e alegria, e quase
fazia supor que não estava atraído por seu corpo.
‐Aonde se foi?
‐Foi só um chute ‐ disse, desfrutando contar‐lhe depois de tudo, também
era novo para ela, e até o momento, só Helena tinha sido sua confidente. ‐
Significa que o bebê está acordado.
Esme pôde sentir mais do que o habitual o seguinte chute porque as mãos dele a
rodeavam. Ficaram aí por uns quinze minutos, os três, com Sebastian fazendo círculos sobre a
barriga e tratando de atrair ao bebê para que lhe desse outro chute.
‐Não está pegando a ti, tolo ‐ Esme riu. ‐Parece ser uma pessoa ativa.
Finalmente, o bebê deixou de mover‐se, acalmou‐se (fazendo caso a
Sebastian) pelas massagens. Ele tirou a mão à contra gosto e a olhou.
Surpreendentemente ele se mostrava incomodado.
‐Bom ‐ disse com uma voz tão profunda como o mel escuro‐, onde
estávamos antes que este bebê despertasse?
‐Ah, não ‐ disse movendo a cabeça ‐ Não estávamos em nada.
Em algum momento nos últimos quinze minutos tinha perdido toda
vergonha ante ele, assim que ficou aí deitada com seus seios inchados e suas
coxas robustas.
A mão do Sebastian baixou até um seio, acariciou‐o enquanto com o
polegar lhe apertava o mamilo. A cabeça de Esme imediatamente se sentiu embriagada de
desejo, o que deve explicar por que não se levantou e baixou a
camisola.
O desejo não tinha abandonado ao Sebastian; sempre se encontrava na
mesma situação desesperada e ardente quando estava perto de Esme. Sua linda Esme.
‐Desejo‐te, Esme – sussurrou.
Lambeu‐lhe a orelha, seguiu para suas bochechas e os lábios, assediou seu corpo com as
mãos. Ele sabia pela maneira em que suas línguas se encontravam preguiçosamente, que ela era
dele. Uma vez mais, e só por um momento, mas foi suficiente.
Essa foi uma lição que aprendeu como jardineiro.
Seus dedos lhe acariciavam o cabelo e o atraíam para ela. Finalmente, beijou‐a até o
pescoço e percorreu a distância até seus luxuriosos seios. Não podia deixar de levantar‐se sobre
os joelhos para vê‐los melhor, para alimentar‐se com sua beleza.
‐Está diferente ‐ disse dolorido, justo antes que sua boca clamasse posse.
Por uns minutos estava intoxicado, embriagado com a suavidade sedosa dos seios de
Esme, com aqueles escuros casulos de rosa que rogavam sua atenção,
com os ofegos entrecortados que lhe saíam dos lábios.
As mãos caíram mais abaixo, em seus encantadores quadris, encontrou
uma doce curva em seu traseiro da que um homem poderia agarrar‐se
enquanto se afundava entre as pernas de uma mulher. Só um pensamento conseguiu
penetrar o matagal de seu cérebro, mas era um importante. Como ia
afundar se sem lhe pressionar a barriga?
Um homem neste tipo de situação habitualmente é capaz de pensar em
algo. Rodeou o redondo traseiro de Esme com as mãos e há levantou um pouco, pô‐la ao
final da cama, e voltou para seu lado. Não estava preparado ainda para deixar a um lado a
comida e passar à sobremesa. A mão lhe percorreu uma perna, deslizou‐se entre elas, e agora não
estava muito seguro
de poder parar. Podia sentir o pulso do sangue pelas veias. Dizendo‐lhe que se detivera e
entrasse entre as lindas pernas de Esme, uma e outra vez até que ambos chorassem pedindo
piedade.
Tinha a boca em um de seus seios, e uma mão entre suas pernas, sua respiração era como
fogo sobre seu peito, e suas vísceras clamavam atenção, e
mais... e mais. Uma preocupação lhe encheu a cabeça. Ela não era a mesma, não era a
imperiosa, luxuriosa Esme, a Esme que entrava em um aposento vestindo só um espartilho
francês e o olhava de tal maneira que o levava a ficar de joelhos.
Não era a mesma Esme que lhe dizia onde pôr as mãos, e lhe ensinava como mover‐se e
como tocá‐la, e depois, ao tocá‐lo, ensinava‐lhe como pedir.
Ela não estava vendo seus corpos juntos com esse honesto desfrute que tinha
mostrado a última vez. Tinha os olhos fechados, e embora o fôlego lhe travasse na
garganta, e seu corpo se movia urgentemente sob o tato dele, como se o desejasse, não estava
fazendo muito mais que pôr as mãos sobre o peito dele.
Sustentou‐se sobre ela, inseguro do que fazer.
Logo se fez ao lado, apoiou a cabeça no cotovelo e espero a que ela abrisse os olhos.
Depois de um momento, fez‐o. Olhou ao céu cegamente, e logo para o lado, onde ele estava
deitado. Ele sorriu com o gesto preguiçoso de um animal de caçada.
‐Sebastian? ‐Ele estava encantado de lhe ouvir a voz rouca.
‐Preciso saber seu prazer, OH ninfa ‐ disse seriamente. Ela piscou
confundida.
‐Eu vivo para seu prazer. ‐Tinha a voz profunda e sugestiva, os olhos brilhantes e um
esboço de sorriso ao redor dos lábios. ‐Seus desejos são ordens para mim.
Esme sorriu e levantou o cotovelo, mas quando o fez sentiu o peso de seus seios e se
sentiu outra vez envergonhada.
E isso que ele era bem desejável. Seu grande corpo masculino deitado como o de um
tigre ao lado dela. Os olhos de Esme vagavam por essas fortes
pernas, as coxas. Deus todo‐poderoso tinha esquecido como era Sebastian.
‐Pode tocar ninfa ‐ disse, e havia algo mais urgente em sua voz desta vez.
‐Sou seu escravo. Meu corpo é teu. ‐As palavras ficaram sustentadas no ar da
noite.
Ela alargou a mão. Parecia quase sacrilégio, comparar um corpo tão
formoso como o dele com o dela.
Mas de todas as maneiras alargou a mão, e ele saltou quando o tocou.
Pôs os dedos sobre seus mamilos, e ele grunhiu. Alargou a mão por seu peito
liso, e ouviu sua respiração. Enroscou a mão ao redor de..., tão quente e suave e
masculino.
Ele a olhava, olhava seu corpo, e ela tentava que não lhe incomodasse.
‐É mais bela do que o foi o verão passado. ‐Subiu a mão pela perna dela.
Seus dedos brincaram entre as pernas dela, dançando entre suas curvas.
Devagar, ela moveu a mão, lhe agradecendo em silêncio.
Os olhos dele se fecharam atormentados, as pestanas negras tocavam as
bochechas.
‐Me diga mais ‐ ordenou. Sebastian abriu os olhos.
‐Deve ter visto as mudanças em seus seios, Esme. ‐Em seus olhos ela viu
a verdade. Para um homem, a generosidade de seus seios era melhor que a ligeireza dos
corpos. Era algo que celebrar. Os olhos lhe tornaram azuis escuros enquanto via a pele cremosa
que se inchava ao redor dos dedos.
Ela arqueou as costas, e um som rouco saiu de sua garganta. Seus dedos
se fecharam ao redor do carmesim dos mamilos, e ela gemeu.
‐Mais ‐ exigiu.
‐Necessito uma melhor perspectiva ‐ disse, rodando fosse da cama até o
final.
Ao olhá‐lo, sentiu uma renovação de seu velho poder de sereia.
Preguiçosamente levantou uma perna e posou os dedos sobre sua coxa. A pele
lhe parecia muito suave..., a perfeição. Os olhos dele estavam escuros, famintos.
‐E bem? ‐Provocou‐o, e abriu as pernas um pouquinho.
‐Posso te tocar, OH ninfa? ‐Tinha a voz grosa.
‐Acredito que não ‐ Levava os dedos das curvas de suas pernas para o lugar que mais o
desejava.
Desobedeceu‐a, tomou e posou suas mãos em seu traseiro curvo e firme;
atraiu‐a para o lado da cama.
‐Não me diga que vais perder essas curvas, Esme ‐ disse com voz rouca,
seus dedos ardiam de tocá‐la.
Pensou no fato de que os homens não pensam que um traseiro cheio e
redondo seja algo mau. Embora não lhe sente bem um vestido de cintura alta.
Não parecia lhe importar. Ela abriu as pernas outro pouco como um presente.
Ele parecia tremer.
Tocou‐se ela mesma com os dedos.
‐Algumas curvas nunca trocam ‐ sussurrou.
Mas umas mãos fortes lhe abriram as pernas, e uma cabeça com cachos
dourados substituiu sua mão. Ela não podia pensar, não podia respirar, era um
corpo em chamas.
Em chamas e apaixonada.
Embora lhe colocasse os dedos entre os cachos e atirasse dele para cima
para que sua boca chegasse à sua, ela sabia.
Estava lhe fazendo cantar o coração ao beijá‐la, e lhe apartando as pernas, sem
delicadeza. E logo...
E logo...
Arqueou‐se para tomá‐lo, tomá‐lo tudo, porque essa era a única coisa que importava no
mundo. Estava perdida exceto pelo som obstruído de sua voz
dizendo seu nome, e seu ritmo, Deus, para alguém que logo que sabia como...
Mas esse pensamento se esfumou no calor do momento e a forma em
que a impulsionava... Suas mãos em seus seios, e ela ia gritar, de verdade, embora nunca
o fizesse, pois não era o que faria uma senhorita.
Mas às vezes inclusive uma senhorita rompe as regras.
‐Quão único eu queria eram torradas com manteiga ‐ disse momentos
depois enquanto lhe tocava o abdômen com um dedo.
‐Seus desejos são ordens ‐ disse, e o preguiçoso prazer de sua voz a fez
tremer uma vez mais.
Jogou carvão à estufa e lhe fez as torradas sem vestir‐se, e isso lhe deu o
prazer inestimável de observá‐lo.
‐Os jardineiros não comem manteiga ‐ disse, lhe levando as torradas.
Ela se animou.
‐Geléia?
‐Não podem pagar tais luxos. Porque a senhora desta casa é uma patroa
terrível. Paga a seus trabalhadores uma miséria.
‐O que comem os jardineiros com o pão? ‐perguntou.
‐Mel ‐ disse, e agarrou uma concha de madeira que estava em um frasco,
sacudiu‐a no ar e saiu um magro fio de mel que caiu na torrada.
Comeram torradas, agasalhados na borda da cama. Ele posava uma mão
sobre a barriga de Esme, embora o bebê estivesse dormindo. Como teria conseguido
dormir a última hora era algo que Esme não sabia.
‐Por que está fazendo isso? ‐perguntou finalmente, na comodidade de
um corpo satisfeito e uma torrada com mel.
‐Estou fingindo que é meu ‐ disse Sebastian e sorriu. ‐Não se preocupe,
eu sei que o menino é de Miles. Só estou fingindo. ‐inclinou‐se e lhe beijou a orelha, só
um roçar com seus lábios.
A emoção a fez afogar‐se, e quase não pôde terminá‐la torrada, mas o conseguiu, e logo
teve que pensar uma maneira de ir‐se ou choraria.
Logo, dada sua habitual má sorte dos últimos meses, lhe ocorreu uma idéia que acabaria
obtendo o efeito contrário.
Tirou a mão do Sebastian de sua barriga e o afastou para a cama. Ele o
fez sem protestar, mas com um olhar de surpresa.

E logo alargou a mão para tomar um frasco de barro, que tinha uma pequena concha que
tinha forma de fuso. E sorrindo com esse sorriso infame
de Esme, o sorriso que tinha seduzido ao marquês mais engomado de Londres,
sustentou essa pequena concha no ar.
Gotas douradas de mel que penduravam da pequena concha e caíram
lentamente; caíram a algo suave e quente e masculino.
Era algo bom que sempre tivesse fome. É uma das vantagens da gravidez.

CAPÍTULO 33

O remédio para o pecado e a fornicação.

As bodas ia ser um assunto muito tranqüilo, celebrado na casa Holkham,


que ir ser abençoado em uma pequena capela do século XIV que tinha um pequeno altar e
bancos de respaldo alto. Era um lugar algo lúgubre e úmido, mas lady Holkham insistiu.
‐Não vou ter aos aldeãos como uns tolos te olhando, como aconteceria se as bodas se
celebrassem no Saint Mary ‐ disse.
Millicent não tinha assimilado bem a história da carta, embora parecesse
aliviada de que sua enteada não tivesse atirado todo seu decoro ao lixo.
‐Claro que Darby deve casar‐se contigo ‐ havia dito bruscamente. ‐Não importa qual seja
a verdade do assunto: sua reputação está arruinada.
Henrietta não dormiu mais de um par de horas a noite anterior às bodas.
Estava estendida em uma agonia de indeterminação, segura de que estava cometendo o
engano de sua vida. Mas finalmente chegou a madrugada com o
sentimento mudo de que não havia alternativa.
O primeiro que viu entrando na capela foi a Darby, falando com o senhor
Fetcham. Naturalmente, ele era um modelo de elegância dos pés à cabeça.
Henrietta olhou seu próprio vestido. Tinha um posto vestido de cetim cor creme com uma
saia pregada atrás sobre seda cor cevada. Era seu melhor traje,
embora não tinha intenções de ser um vestido londrino.
Darby lhe beijou a mão e logo parou um momento, observando‐a. Logo
disse:
‐Está preparada, Henrietta?
Ela assentiu, sem poder falar por um momento.
‐Está segura de que quer me acompanhar a Londres diretamente depois
da cerimônia? Preciso retornar, mas não quero te afastar de sua família.
‐Sim, de verdade. ‐Uma parte de sua cabeça desejava participar de um desses modernos
percursos para as noivas dos que lhe tinha falado sua irmã.
Mas eles não eram esse tipo de casal, e, além disso, ela se tinha decidido a não deixar às
meninas até que encontrasse uma babá de confiança.
‐Não tinha idéia de que compartilhasse uma criada com sua irmã ‐ disse
Darby, levantando a sobrancelha.
Henrietta sorriu. Obviamente, Darby nunca compartilharia um servente
da maneira como ela sempre tinha compartilhado a Grace com sua irmã.
‐Tinha pensado que sua criada viajaria com as meninas, já que ainda não
têm uma babá ‐ continuou Darby. ‐De todas as formas, perguntarei lady Holkham se...
‐Eu viajarei com a Josie e com a Anabel ‐ disse Henrietta, decidida. ‐Não
há nenhuma necessidade de pedir emprestado um dos serventes de minha madrasta.
‐Eu sei que quer ser uma boa mãe, Henrietta e isso te honra. Mas os problemas
estomacais da Anabel voltam um quarto fechado em um lugar
muito pestilento. E temo que viajar incomode a Josie.
Henrietta levantou o queixo.
‐Elas serão minhas filhas.
O amigo áspero do Darby chegou. Henrietta ficou cortante.
‐Bom dia, lorde Godwin.
‐Bom dia ‐ murmurou. Logo levou Darby de lado e o levou para a parte
traseira da capela, e Henrietta o ouviu dizer "Ainda não é muito tarde para...".
Henrietta sentiu uma onda de alívio quando ouviu a risada do Darby.
A capela se estava enchendo, embora Millicent tivesse insistido em que
não convidassem a ninguém. Sentaram às meninas na primeira fila, ao lado estava à babá
de Esme, e opostos a eles se encontravam lady Holkham e Imogen. Helena e seu marido, lorde
Godwin, estavam, naturalmente, nos dois
extremos da capela. O vigário, o senhor Fetcham, assentia olhando‐a, e Henrietta
caminhou para a pequena cripta, para um lado. Devia esperar o sinal
antes de sair.
Apoiou‐se em uma lápide e tentou não pensar no que vinha a seguir. A
lápide estava adornada com uma estátua do ocupante, deitado de barriga para
baixo, elevando as mãos eternamente em um gesto de oração. Era
implacavelmente fria. Lentamente, o frio se internou nos ossos da Henrietta e a fez
sentir‐se tão rígida como a estátua.
Finalmente, a porta se abriu, e lorde Godwin ficou parado na entrada, esperando para
escoltá‐la ao altar.
‐Rees é meu amigo mais próximo ‐ havia‐lhe dito Darby. ‐Já que seu pai
está morto, perguntei‐lhe se podia substituí‐lo.
Henrietta teve o fugaz pensamento de que talvez lorde Godwin lhe
dissesse que ainda não era muito tarde, mas simplesmente lhe ofereceu seu braço.
Todos se levantaram quando Henrietta começou a caminhar. O frio tinha
feito seu trabalho: coxeava significativamente. Por que não tinha pensado nessa
caminhada até o altar? Teria sorte se Darby não desse a volta e punha‐se a correr, dado de que
ela se cambaleava no que devia ser o momento mais elegante na vida de uma mulher.
O senhor Fetcham parecia tão animado como se estivesse celebrando um
matrimônio de pecadores, que seguro que era o que pensava de Darby e dela.
‐Estamos reunidos hoje aqui para unir a este homem e esta mulher em
matrimônio.
Henrietta tão somente confiava em que sua família pudesse ouvir as
palavras do matrimônio por cima dos fortes sussurros da Josie.
Ela mudou o peso, perguntando‐se se a perna se derrubaria e a tombaria
ao chão.
O vigário estava esclarecendo que o matrimônio não era para satisfazer
os apetites e luxúrias dos homens, como bestas brutas sem entendimento. Ela
podia ver instantaneamente por que essas frases estavam na cerimônia. Não porque o seu
futuro marido importasse que o matrimônio fosse proposto como
remédio contra o pecado e a fornicação. De fato, fornicação era uma boa palavra para
isso: uma feia e aguda palavra.

O vigário continuou falando, mas Henrietta deixou de escutá‐lo quando disse que o
matrimônio tinha a procriação prescrita. A cerimônia parecia que tinha pouco a ver com ela, ou
com o fato de que tivesse aconselhado a seu marido que tivesse uma amante, e isso sem
mencionar o fato de que eles não
podiam procriar. Em troca, tentou entender o comentário da Josie desde a primeira fila.
Podia adivinhar o que estava dizendo a menina. Josie queria que Esme fosse sua nova mãe, não
lady Henny, que lhe tinha jogada água em cima.
Henrietta tratou de não sentir‐se ofendida. Josie aprenderia a querê‐la.
A perna lhe mandava alarmes de dor até o joelho direita. Darby devia estar notando que
estava mudando o peso de lado, porque se via que tinha o
cenho franzido. Henrietta tratou de ficar quieta.
Quando se afastaram do altar, marido ou mulher teria sido difícil decidir
quem parecia mais incomodado, se Josie ou Rees. Só Esme estava encantada.
‐Felicitações, Darby ‐ disse Rees, e lhe estreitou a mão.
"Suponho", pensou Henrietta, "que já que agora é muito tarde para salvar a seu amigo de
um destino terrível, lorde Godwin decidiu tirar o melhor de si mesmo".
‐Está convencida de que quer viajar com as meninas? ‐Perguntou‐lhe
Darby de novo, depois de ter aceitado as felicitações de todos. ‐Uma carruagem não é o
melhor lugar para reforçar sua relação com a Anabel.
‐Não ‐ disse Henrietta convencida. ‐Não quero que às meninas aos
cuidados de estranhos, e prefiro começar como espero continuar.
‐Nesse caso, talvez deva levar a Rees em minha carruagem. Trouxe uma
carruagem antes de ir de Londres, para que você e as meninas estivessem cômodas.
‐É obvio ‐ disse Henrietta com toda a dignidade que podia reunir.
Suspeitava que Rees passaria toda a viagem aconselhando Darby sobre seu horrível
futuro como homem casado, mas ela não poderia evitá‐lo.
Henrietta jogou um olhar à carruagem, logo foi ver os cavalos. Eram robustos, perfeitos
para arrastar um carro que parecia o suficientemente grande para levar um grupo teatral.
‐Como se chamam? ‐perguntou ao Darby.
‐Não tenho a mais remota idéia ‐ respondeu. ‐Comprei‐os justamente
para este propósito. ‐Estava muito animado, sem dúvida lhe dava a bem‐vinda
ao consolo masculino de sua carruagem.
Levaram a Josie agarrada a saia da babá de Esme; gritava a todo pulmão:
‐Não quero ir! Odeio Londres, odeio Londres, odeio Londres. ‐Logo que viu o Darby,
trocou de tom. ‐Odeio ao Simon! Odeio ao Simon! ‐Tinha o rosto
vermelha e inchado, e parecia que se estava ficando rouca.
‐Vamos um pouco mais rápido que vocês ‐ disse Darby sem prestar
atenção a sua irmã. ‐Tudo estará preparado quando chegarem ao Urso e a Coruja, nossa
primeira parada.
‐Não tenho dúvida de que chegarão antes que nós. ‐Henrietta olhou os poderosos cavalos
atados ao veículo de Rees.
‐Vocês estarão mais cômodas. ‐Os gritos do Josie podiam ouvir‐se
emergindo do carro. ‐Embora talvez quisesse ir fazendo paradas, pois ajudam a
acalmar o estômago da Anabel. Henrietta...
Ela o interrompeu:
‐Viajarei com as meninas.
Ele se agachou e lhe deu um beijo na bochecha.
‐Estou encantado com esta situação.
‐Com " situação" ao que se refere nosso matrimônio ou a seus acertos para a viagem?
‐perguntou‐lhe com um toque de acidez no tom.
‐Ao nosso matrimônio, é obvio! ‐ Depois, com a frieza que todos os homens demonstram
em tempos de crise, fez uma reverencia. ‐Esperarei no Urso e a Coruja.
Já instalada por seu marido no carro, Henrietta se sentou. Josie estava recostada no chão
entre os assentos, chorando desconsolada. Henrietta podia
decifrar alguma que outra palavra, mas ouvia "órfã" e isso a desanimava para averiguar
que mais estava dizendo.
Anabel, por outra parte, estava contente sentada no assento oposto a Henrietta. As
perninhas lhe sobressaíam justo diante dela, e estava encantada
comendo um bolo de carne. Tinha o rosto coberto de recheio. A babá de Esme
pôs uma cesta enorme no chão, entre os assentos, e se voltou para a Henrietta, que ficou
alarmada ao ver a compaixão em seus olhos.
‐Tem uma boa poção de comida aqui, senhora ‐ disse, e baixou a voz. ‐
depois de que a senhorita Anabel acabe o almoço, dormirá uma sesta. Logo está
acostumado a despertar com fome. Há toalhas na cesta, muitas fraldas e
duas mudas de roupa para o bebê.
‐Duas?
‐O senhor Darby disse que ficava mau do estômago muitas vezes no
caminho para Londres, minha senhora. É obvio, poderia estar exagerando, já que é um
homem ‐ sorriu de forma alentadora. ‐É uma lástima que ainda não
tenha uma babá.
Bartholomew Batt disse que, sobre tudo, alguém deve aproximar‐se das
crianças de maneira decidida, firme e amorosa. Sendo esse o caso, Henrietta deveria fazer
algo com a garotinha que estava deitada no chão, entre os assentos.
A carruagem se cambaleou e começou a fazer ruídos no caminho de
cascalho. Estava movendo inclusive mais devagar do que Henrietta tivesse imaginado.
Pensou que os cavalos não estavam sequer trotando. Logo que estavam perambulando.
Josie seguiu chorando, demonstrando uma resistência incrível. Henrietta
se inclinou e disse:
‐Você gostaria de te sentar a meu lado?
Josie levantou o rosto cheio de lágrimas e disse com voz áspera:
‐Quero, quero, quero voltar! Quero voltar para a creche. Amo à babá.
Quero ficar ali.
‐Sinto muito. Também gostava da babá de Esme, muito bem. Quer uma
babá como ela?
Josie fez um olhar de desdém.
‐A tia Esme disse que era única. ‐Outra vez caíram lágrimas de seus olhos.
–Odeio viajar. E eu estava fe‐fe‐feliz na casa de tia Esme. Odeio ao Simon por nos
mudar. Quero ir a casa!
Henrietta nem sequer sabia onde era casa. Provavelmente a creche de
Esme, dado que a pobrezinha logo que poderia estar falando da creche de sua
mãe, já que a odiosa babá Peeves dos objetos molhados tinha estado a cargo
ali.
‐Por favor, sente‐se a meu lado, Josie ‐ disse tão persuasivamente como
pôde. Josie chorava.
Henrietta se perguntava o que faria Batt. Por desgraça, criadas tinham guardado suas
Regras e direções em alguma parte da bagagem. Mas ela já sabia que não dizia nada útil sobre as
birras. Deus sabe que tinha procurado o suficiente.
Inclinou‐se e tratou de guiar a Josie para o assento, mas seu corpo pequeno demonstrou
ser enxuto e resistente. Josie gemeu mais alto.
Finalmente, Henrietta conseguiu agarrar a Josie e levá‐la ao assento.
Infelizmente, teve que apoiar as pernas no piso, o que lhe produziu uma dor tão grande na
perna que ofegou. Isso sim sustentou a Josie. A pequena parecia
que estava perdendo forças, como era lógico depois de meia hora de pranto.
‐Sei que está preocupada com encontrar uma babá amável ‐ disse
Henrietta brandamente. ‐Asseguro que seu irmão e eu faremos tudo o que possamos.
‐Não me cai bem ‐ disse Josie, áspera. ‐Cai‐me mau e não quero que seja
minha mãe.
A carruagem avançava a passo lento enquanto Henrietta elevava a Josie
e se perguntava o que fazer a seguir. Josie resolveu o problema ao afastar‐se dos braços
da Henrietta e dirigir‐se engatinhando para o assento oposto.
Henrietta elevou o queixo e tratou de atuar como se não lhe importasse.
Voltou‐se para olhar a Anabel bem a tempo para dar‐se conta de que parecia um pouco
pálida. Justamente, Anabel tinha uma tosse estranha que Henrietta reconheceu e sem mais,
vomitou os restos do bolo de carne sobre o
chão da carruagem e os sapatos da Henrietta.
Como se fosse um sinal, Josie ganhou forças.
‐Não quero que seja minha mãe! ‐gritou. ‐E Anabel tampouco quer!

CAPÍTULO 34

De cestas de bebês e famílias em carruagens.

Darby e Rees chegaram ao Urso e a Coruja ao redor das três da tarde.


Rees passou a viagem em um canto cantarolando sem cessar fragmentos de canções. Era
suficiente para que qualquer se desse à bebida. E no momento em
que a carruagem se deteve, saiu à rua, resmungando algo sobre um órgão e a
igreja da aldeia.
Darby se encarregou de conseguir estalagem, encontrou uma mulher que
cuidasse da Anabel e a Josie durante a noite, logo voltou outra vez fosse e olhou o
caminho que tinham percorrido. Não tinha nenhum sentimento de culpa pelas horas passadas.
Tinha dirigido mal a viagem. A verdade era que se sentia ferido pela ênfase de Henrietta
em seu matrimônio como conveniência pelo qual ela adquiriria as suas meio‐irmãs, como se
fossem uma herança que lhe tivesse sido dada. De todos os modos, não estava bem deixar a sua
noiva só em uma
carruagem com duas meninas, sem importar o muito que falasse ela sobre querer ser mãe.
Uma babá experimentada não tinha podido dirigir o débil estômago da
Anabel e as birras da Josie. A viagem de Londres tinha sido um inferno: não havia razão
para pensar que a viagem de volta fosse diferente. Com um suspiro
se girou para o hospedeiro e começou a negociar o contrato de um cavalo.
Cinco minutos mais tarde voltou para caminho.
Meia hora depois viu chegar sua carruagem. Vinha tranqüilamente,
parecia precisamente o que era: uma carruagem que continha a família de um
homem. Saudou‐o, amarrou o cavalo e o montou com um medo intensificado
pelo aroma que o saudava. O primeiro que viu foi uma grande cesta entre os
assentos, que levava uma pilha de lençóis e roupa de crianças. Claramente, Anabel já não
vestia a mesma roupa que levava posta essa manhã. Mas depois
de tudo, a que encontraram seus olhos foi uma cena muito pacífica.
Henrietta estava em um canto, Anabel contra seu peito, e ambas
dormiam. Como os olhos da Anabel pareciam inchados inclusive apesar de estar
dormindo, imaginou que provavelmente tinha causado uma tormenta
antes de tomar a sesta. Josie estava sentada no outro assento com uma perna
dobrada, chupando o polegar. Apenas o viu, tirou‐se o polegar da boca e disse:
‐Shhh! Anabel está dormindo!
‐Já o vejo ‐ disse Darby, sentou‐se a seu lado e assentiu ao chofer, que fechou a porta. A
carruagem terminou a lenta viagem. ‐Pensei em ir lhes buscar, no caso de Henrietta necessitava
assistência. Tivestes uma boa viagem?
Algo na maneira delicada em que Josie se estava chupando o polegar e
olhando as botas o fazia suspeitar.
‐Tivestes uma boa viagem, não?
Ela não respondeu.
‐Josie?
Finalmente, sua irmã tirou o polegar da boca e disse:
‐Posso chamá‐la Henrietta, porque se casou com meu irmão.
Darby piscou.
‐Bem.
‐Ela tem seu temperamento ‐ disse Josie de forma deliberada. ‐Olha‐
assinalou uma das lamparinas que estava aderida às paredes da carruagem. A
Darby parecia que estava bem, mas Josie a contemplava com satisfação.
Presumivelmente, o capuz tinha sofrido algum tipo de abuso.
Bom, pensou Darby, minha mãe lançou carne assada. Suponho que
poderia me preparar para abajures voadores. Josie não parecia estar
perturbada. De fato, exibições de mau gênio provavelmente a faziam sentir‐se
em casa. Tinha a vaga sensação de que ela tinha estado presente o Natal anterior ao
último; claro que Josie tinha sido chamada abaixo, mas estava abaixo quando sua madrasta tinha
jogado a molheira ao vigário? Tudo o que seu pai havia dito era:
‐Se isto não é passar‐se da raia...
Posso cultivar a mesma atitude, disse‐se Darby. Agora que tinha estado
na carruagem por uns momentos, logo que podia notar um aroma
desagradável. O cabelo de Henrietta lhe estava caindo da rede, e parecia
excepcionalmente desarrumada, o que lhe recordava que toda viagem tinha seu final, e o desta
seria a noite de bodas.
Os olhos da Josie pareciam cansados, e Darby supôs que dormiria em um
momento. Duvidou um momento, logo levantou a Anabel e a pôs na cesta no
meio do chão. Poderia ter sido desenhada só para esse propósito; a menina logo que
trocava de posição quando dormia. Logo Darby se sentou ao lado de
sua esposa e a atraiu para seu ombro.
Henrietta abriu brevemente os olhos, olhou‐o aturdida e disse:
‐Adverti‐lhe isso! ‐E voltou a dormir.

Então Darby se foi até o canto e viu que Josie tinha dormido. Quando fechou os olhos,
ele tinha decidido sentir prazer e tirar a rede para cabelo que usava Henrietta para recolher o
cabelo. Lentamente, lentamente, começou a lhe tirar as forquilhas que pudesse alcançar sem
despertá‐la. Com razão parecia tão dócil o cabelo. Tinha mais forquilhas do que tivesse suposto
que necessitava uma mulher. Finalmente, conseguiu lhe tirar a rede para cabelo.
Sua esposa não ia vestir‐se como uma avó.
Dois minutos depois, soube por que Henrietta Maclellan recorria a uma
rede para cabelo e mais ganchos do que se via normalmente nas lojas. O cabelo
lhe caía sobre os ombros como a juba de um leão, com reflexos dourados e ambarinos.
Não se encrespava: a palavra enrolado lhe trazia para a mente cachos e meninas pequenas.
Combinava com o fogo, sem regras, sem governo,
até a cintura. Seus dedos acariciavam grandes massas de seda áspera.
Naturalmente, tinha posto um vestido para viajar, desenhado sem
consideração pela figura feminina. Era grosso e as costuras nem sequer caíam
bem. Darby fez um experimento lhe tirando a parte de acima, mas não era capaz de notar
nada. Bom, havia vultos que lhe escondiam os seios, mas sim que podia sentir a forma.
Tampouco o fazia falta tocá‐los para recordar, pensou desalentado. O inchaço dos seios em sua
mão perseguia seus sonhos. Seus dedos percorreram a resistente lã do traje. Debaixo da lã, seus
seios eram da
cor da nata mais fina, e mais suaves. E da nata florescia um mamilo tão escuro como uma
rosa amadurecida.
Josie roncou e Darby ficou quieto. Não era muito cavalheiresco sentir os
seios de sua esposa na presença de crianças, embora estivessem dormidas.
Deixou a mão na morna curva do seio direito da Henrietta, ou ao menos no enrugado
trapo que cobria seu seio, enquanto pensava nisso. Logo deixou de pensar e começou a sentir a
forma de seu corpo com a mão. Era como tentar
adivinhar a forma de uma fruta na escuridão.
Exceto quão único notava eram os objetos de vestir. Podia sentir cada osso por separado
no espartilho, o qual queria dizer que estava vestindo objetos tão restritivos, tão pesadas, como as
que colocavam sua avó.
Ociosamente, ele percorreu as costuras, sentindo as capas de lã. Com razão Henrietta
mantinha as costas tão rígidas. Não tinha outra opção.
Por sua parte, Henrietta estava desfrutando muito do momento para
abrir os olhos. Era estranhamente tranqüilizador despertar para encontrar os dedos largos
de Darby dançando sobre seus seios, tocando‐a pelos flancos.
Quase tremia, sentia‐se muito bem, exceto que isso a delataria. Até através das capas de
lã, do espartilho e a roupa interior, seu corpo sabia que a mão dele estava ali.
Agora parecia estar apalpando seu espartilho. As pálpebras da Henrietta
tremeram e quase se abriram tensos pelo desejo de lhe perguntar o que estava
fazendo. A sensação dos dedos dele sobre seus seios era intoxicante. Só o pensá‐lo fazia
que seu coração emitisse um ruído surdo entre suas costelas, que um tremor lhe baixasse...,
baixasse até a entre as pernas. Era como se ele tocasse a superfície da água, e ela estivesse justo
debaixo. Desejando que ele rompesse a superfície. Seus seios faziam cócegas e quase rogavam
por seu tato.
Abriu os olhos com um ofego. Imediatamente, os dedos se detiveram
relaxados como se não estivessem fazendo mais que sustentar a sua esposa que dormia
algo que tinha acontecido ao cobrir o peito dela com sua mão.
Por um segundo, olhou‐a com olhos ardentes. Logo ela viu, nas
profundidades de seus olhos, o brilho de um sorriso. Ele sabia que ela não estava
dormindo. Tinha‐o adivinhado de algum jeito. Ela nunca podia guardar
um segredo.
‐Está desfrutando, querida? ‐sussurrou e inclinou o pescoço para que seu
fôlego revolvesse os cachos de sua frente.
Ela deveria negá‐lo, deveria pedir que a deixasse dormir, deveria atuar como uma
senhorita. Sentou‐se e pensou no que queria fazer a seguir.
‐Está cômoda? ‐perguntou, e a voz rouca, quase dormida, fez que caísse
sobre seu ombro. Era como se tivesse lido seus pensamentos. ‐por que não te
recosta Henrietta?
Ela nunca se inclinava ou se tornava. "Mantém as costas erguida e sua deformidade não
se notará tanto", tinha‐lhe aconselhado um doutor. Henrietta nunca tinha esquecido esse
conselho.
De repente se levantou.
‐As meninas! ‐ofegou.
‐Ambas estão dormindo ‐ disse Darby, atraindo as costas dela para ele.
Ela perdeu o equilíbrio e caiu justo em seu colo. O fôlego dele acariciou seu pescoço.
‐Que raios aconteceu ao meu penteado? ‐Enquanto se voltava para
segurar a grande queda de cabelo, ouviu o som mais estranho do Darby.
‐Passa algo?
Darby devia estar pensando como responder a isso. Os deuses cruéis que
tinham desenhado espartilhos tinham esquecido cobrir o traseiro da Henrietta.
Arredondava a união das pernas, embriagadoramente redondo, suave e tenro.
Provavelmente não tinha idéia do que tinha entre as pernas.
Mas ela sim notou algo. Movia‐se tratando de encontrar um lugar
cômodo.
Ele pôs suas mãos na cintura dela e a pôs ao lado dele no assento. Sua
esposa estava procurando, perguntando‐se aonde tinha ido parar a rede para
cabelo.
Logo os olhos lhe abriram quando se deu conta de que algo mais fazia falta.
‐Onde está Anabel?
‐Aqui ‐ disse Darby, e levantou a tampa da cesta, orgulhoso. Era uma carruagem para
bebês admirável, se podia dizê‐lo.
‐Pôs a Anabel em uma cesta de piquenique? E logo pôs uma... tampa na
cesta!
‐Não ia se sufocar ‐ assinalou Darby. ‐A cesta é feita de vime tecido, e há
ar suficiente.
Henrietta o olhou com a boca aberta, e Darby estava bastante seguro de
que se tivesse havido um pedaço de carne a seu redor, estaria voando pelos ares para sua
direção. Então se moveu primeiro.
Não a ia beijar.
Era uma advertência para essa noite. Se não sabia por que o colo dele se
converteu em um assento com um vulto, Darby sim sabia. Por uma razão desconhecida,
sua esposa terrivelmente vestida o tinha doendo de luxúria em
uma forma que ele não tinha experiente nem sequer quando fantasiava com a
terceira criada. Era uma necessidade profunda que sentia tão primitiva como a
raiva ou a dor.
Sua língua invadiu a boca dela do mesmo modo em que os cossacos
invadiam pequenas aldeias: primeiro invasão, perguntas depois. Era um beijo que falava
de nudez, de seios sem espartilhos e colos sem calças.
E sua esposa, sua pequena e rígida esposa, entendia bem a mensagem.
Ela apoiou as mãos sobre seus ombros e disse algo incoerente. Uma
admoestação, seguro.
Mas ele não podia saboreá‐la, não saboreava a paixão nela, assim com ela
agarrada aos seus ombros. Apenas a agarrou e a pôs sobre seu colo outra vez,
uma labareda lhe atravessou a virilha quando o traseiro dela se posou em suas
pernas. Logo tomou sua boca, inundaram‐se nas profundidades, as mãos a sustentavam
perto.
De repente sua língua tocou a dele, timidamente, procurando a certeza.
A crua luxúria que lhe balançava o corpo era uma revelação.
Simon Darby nunca perdia a compostura. Nunca. Desde muito jovem,
tinah como certo a idéia de que a emoção crua não era aconselhável nem atraente. Tinha
visto sua madrasta explodir em êxtase de raiva enquanto seu pai, ainda encantado com sua
esposa, quase não se queixava. Depois, Darby viu
seu pai sucumbir à febre do jogo, sem parar de apostar cada vez mais, inclusive com
cartas sem valor. Darby tinha tido êxito em dar as suas próprias respostas sobre as medidas
apropriadas.
Mas agora, ao deixar descansar sua cabeça, Darby era consciente de que
sua própria esposa poderia provar seu mau comportamento. Estava tremendo,
literalmente. Nunca tinha tremido ao sustentar a nenhuma mulher em sua vida. Era
mortificante.
Tinha que falar com ela, lhe explicar que não era...
‐O que está fazendo, Henrietta? ‐disse uma voz do outro lado da
carruagem, com um pouco de interesse.
Sua esposa emitiu um som rouco e se afastou dele tão rápido que quase
cai ao chão.
Darby se endireitou e olhou a sua irmã. Quanto tempo fazia que Josie estava acordada?
Sentou‐se no assento oposto, o polegar na boca, olhando‐os
com uma expressão inquietante.
‐Estava saudando a Henrietta ‐ disse.
Os olhos do Josie se entrecerram.
‐Você nunca me saúda assim‐ disse.
‐Você não é minha esposa.
A boca da Josie imediatamente se afinou. Darby se preparou para uma explosão de
choramingos e gritos, mas Henrietta deteve o grito quando ia aparecer.
‐Recorda o que te disse, querida ‐ disse, e assinalou o abajur com a cabeça.
Para sua imensa surpresa, Josie piscou e ficou quieta. Estava claro que existia uma
terrível advertência que tinha que ver com o abajur.
‐O senhor Darby não quer ser cortante ‐ continuou Henrietta. Estava
movendo seu grande cabelo enquanto falava. Como ia fazer que se mantivesse
sobre sua cabeça sem a rede para cabelo (agora guardada no bolso do Darby)
era algo indecifrável.
Felizmente, a carruagem passou por cima de pedras, um gesto seguro de
que tinham chegado ao Urso e a Coruja‐ Seu irmão e eu estávamos nos saudando ‐disse
Henrietta. Deu‐se por vencida em fazer o esforço de arrumar o
cabelo e colocou um chapéu em cima. ‐As pessoas casadas se saúdam com um
beijo quando se encontram sem esperá‐lo.
Josie não parecia convencida, mas Henrietta sugeriu serenamente que
trocasse o chapéu, já que tinham chegado ao hotel.
Darby tampouco estava convencido. Olhou seu colo. Se isto era apenas uma saudação, o
que tentaria sua esposa durante a noite?
Olhou a Henrietta e agradeceu ver um pouco de cor em suas bochechas,
uma abundância em seu lábio inferior que falava de seus beijos luxuriosos.
Pequenos flocos de neve caíam no arbusto de cabelo da Henrietta.
Desapareciam instantaneamente, queimados, sem dúvida.
‐Não acredito que possamos viajar amanhã ‐ disse Darby, aproximando‐
se de sua esposa enquanto ela dirigia a Josie para a estalagem.
‐Ai, Deus ‐ disse Henrietta e olhou ao céu.
Ele se rendeu a uma doce tentação.
‐Talvez tenhamos que passar o dia na cama ‐ disse, inclinando‐se para a
orelha dela. ‐Só para nos manter em calor, claro.
Ela o olhou, com os lábios inchados pelos beijos, e o surpreendeu de novo. Um sorriso
brilhava em seus olhos, ondulando esses profundos lábios rosa. Flocos de neve lhe caíam no
cabelo e nas pestanas, mas ela não estava precisamente feita de neve, nem era de coração frio.
Silenciosamente, ele a seguiu até a porta da estalagem porque não sabia
o que dizer. A idéia de que apenas um sorriso pudesse fazer que o calor invadisse seu
corpo como uma praga era aterrorizante.

CAPÍTULO 35

Janta para três.

Encontrou o órgão da aldeia interessante, lorde Godwin? ‐disse


Henrietta, tratando de não prestar atenção a seu marido. Estava atuando da maneira mais
tola, pressionando a perna contra ela e sorrindo, como se...
Afastou sua mente desse pensamento.
O hospedeiro entrou, e ele mesmo revisou que retirassem os bifes de robalo e os
trocassem por cordeiro.
‐Não era terrível. ‐Se lorde Godwin não grunhiu, pareceu havê‐lo feito.
Henrietta estava começando a indignar‐se. Tinha estado sentada ali durante meia hora,
fazendo todo o possível por manter uma boa conversa com o homem que dizia ser o amigo mais
próximo de seu marido, e este estava sendo
terrivelmente grosseiro. Essa era a única palavra para descrevê‐lo.
Inclusive agora, ele não estava demonstrando o mínimo de interesse em
continuar a conversa, a não ser em tocar o cordeiro com o garfo como se estivesse cru.
Henrietta tomou um gole de vinho, para não soltar nenhum comentário inapropriado. Não era
problema dela se esse homem era taciturno,
e áspero e de tudo.
Daria outra oportunidade.
‐Lorde Godwin, o que pensa do exílio do Napoleão a Elba? Acredita que
vai se ficar na ilha?
‐Não me importa. Henrietta olhou a seu marido.
‐Nem sequer me incomodaria ‐aconselhou‐ Darby a Henrietta. ‐Rees não
teve uma conversa com uma mulher respeitável em tanto tempo que não recorda a
linguagem.
Mas Henrietta era conhecida por sua persistência.
‐Não foi este ano tremendamente interessante para a França, lorde
Godwin?
‐Para a Áustria, talvez.
‐Áustria?
‐A ópera do Beethoven, Fidélis, foi representada para os delegados do Congresso de
Viena em outono ‐ disse Rees com indiferença. ‐Senhora Darby,
se está tratando de impressionar a seu marido exibindo seu profundo
conhecimento das relações internacionais, poderia, por favor, deixar a demonstração para
sua intimidade? ‐Disse antes de beber sua taça. ‐Asseguro-lhe que estou o suficiente
impressionado por suas habilidades demonstradas para obter seu status de matrimônio atual.
Henrietta semicerrou os olhos. Esse homem claramente queria atraí‐la
para uma demonstração de mau gênio, para comprovar com um comentário estúpido para
Darby sobre o temperamento das mulheres. Sabia que eles terem feito a viagem juntos ia suscitar
problemas.
Pensou nisso por um segundo, logo lançou a Rees um olhar odioso.
‐Que prazer, lorde Godwin, vê‐lo tão surpreendentemente verbal.
Jogou‐lhe um olhar cauteloso. Provavelmente pensou que estava
fazendo um avanço. "Rees é o amigo mais próximo de seu marido", disse‐se.
"Seja amável com ele".
‐Temo‐me que não me tinha dado conta até que Darby me disse justo
agora que era muito complicado para você falar com mulheres casadas.
Embora sim advertisse que teve dificuldades para conversar com a senhora Cable durante
o jantar de lady Rawlings ‐ sorriu amavelmente. ‐vamos fazer isto o menos complicado possível.
Estou segura de que não queria desconcertá‐
lo, especialmente agora que me dou conta de que seus temas de conversa são
tão limitados.
A seu lado, Darby se engasgou.
‐Estou seguro de que estará tenso por ter que falar com uma mulher respeitável. O que
poderíamos discutir para que se você sinta mais cômodo?
Vejamos... Acredito que sua última hóspede é uma cantora de ópera. Que interessante
deve ser isso! Vocês dois discutem sobre o Beethoven
regularmente?
Rees Godwin seguiu mastigando a carne, mas ela pôde ver que tinha
captado sua atenção. Henrietta esboçou um sorriso. Estava sentindo uma rajada de
exuberância.
‐É uma cantora de ópera ‐ Godwin respondeu finalmente. Justo quando
Henrietta viu um olhar calculado em seus olhos, ele acrescentou,
escandalosamente‐ com uma lamentável tendência a cantar na cama.
‐Isso seguro que se deve a sua extrema juventude ‐ respondeu
serenamente Henrietta. ‐Havia uma época em que eu era propensa a cantar quando
despertava. Acredito que Peter Pumpkin Eater era minha favorita. Mas
me deixe ver... qual é a segunda linha do Diddle Diddle Dumpling, My São John?
‐Algo que tinha que ver indo‐se à cama sem vários objetos de vestir, não?
‐disse seu marido. Tinha a voz alegre. ‐"Fui à cama com uma meia posta...", ou não,
acredito que não tinha a meia posta. Não recordo.
‐Espero que essa seja uma queixa que a amiga de lorde Godwin também
tenha sofrido. Ah, que prazer era ser jovem e despertar cantando.
‐Não é tão jovem! ‐grunhiu Godwin, mas Henrietta podia ver um brilho,
só um brilho, detrás desses olhos ásperos.
‐Não há necessidade de desculpar‐se ‐ disse Henrietta tranqüilamente. ‐
Para alguém que sofre tanto durante uma conversa com uma mulher adulta, suporia que a
separação em sua idade era algo positivo. Você deve ter trinta anos mais que sua acompanhante,
não? As crianças são tão divertidas...
‐Não lhe levo trinta anos! ‐Grunhiu Godwin. ‐Eu tenho trinta anos!

Henrietta colocou a mão no coração. Estava‐se divertindo muito.


‐Deus, espero não o ter insultado! ‐Olhou‐o de pés a cabeça. Estava tão
descuidado como nunca, o cabelo lhe enroscava nos ombros e tinha a camisa
manchada de tinta. ‐Está certo, posso ver que não é tão velho. ‐Fez uma pausa, como
duvidando de seus próprios cálculos.
‐Em qualquer caso, o tempo sim tem uma maneira de resolver este tipo
de problemas, milord! Só pense: Em questão do que? Cinco anos ou algo assim? Sua
amiga alcançará a maioridade e você poderá aliviar este assunto difícil da conversa.
Tomou um gole de vinho e lhe ofereceu um sorriso que emanava o
prazer que estava sentindo. Era muito agradável estar comendo com dois homens adultos,
muito mais que com uma meio‐irmã e uma madrasta. Nunca
tinha pensado que estaria trocando alfinetadas com homens. A forma em que
o amigo de Darby a estava olhando era quase suficiente para tornar‐se a rir em voz alta.
‐Temo‐me que lorde Godwin está tendo dificuldades até com seu
pequeno bate‐papo ‐ disse, voltando‐se para seu marido. ‐Darby, colocamos na
mesa um tema ao pobre homem? Agora, lorde Godwin, escute com cuidado, e
talvez poderemos lhe explicar o Tratado de Paris.
Mas Rees interrompeu.
‐Maldita seja se não te tem feito um favor, Darby ‐ disse com um latido
de risada. Logo se inclinou através da mesa e tomou a mão da Henrietta.
Enquanto ela olhava surpreendida, ele a elevou até seus lábios como um cavalheiro, em
uma expressão de cortesia como nunca tinha visto outra. ‐
Surpreendeste‐me. Melhor que me chame Rees, por certo. Não suporto o título.
Retirou a mão e a pôs no coração.
‐Darby, me reviva em caso de que eu desmaie. Posso sentir que me volto
mais jovem cada segundo. O conde me está falando. Acredito que entrei nas honoráveis
filas das cortesãs.
Darby se inclinou para seu ombro.
‐Não acredito que realmente possa obter esse título até esta noite,
querida.
Sua voz profunda a levou do humor impróprio à amabilidade. De fato, podia sentir o rosa
que lhe pintava as bochechas quando o olhava aos olhos.
Eram travessos. Só travessos.
Ao outro lado da mesa, Rees ria.
‐Maldito seja se não sentir inveja de ti, Darby.
‐Hmmm ‐ disse Darby. Tinha a mão da Henrietta na dele, e a levantou até
os lábios. Gracioso, quando Rees lhe beijou a mão, não sentiu mais que um prazer alegre,
mas tudo o que Darby tinha que fazer era lhe roçar os nos do dedo e o estômago lhe apertava de
uma forma confusa, se o fazia um revolto. ‐
Retiramo‐nos, esposa?
Henrietta retirou a mão.
‐Claro que não! Nem sequer havemos... Vem outro prato ‐ disse aliviada.
O hospedeiro empurrou‐lhe porta, ordenando aos serventes que levassem uma
gelatina, bolos de maçã e um prato de pastel.
Rees riu de novo, mas felizmente não comentou nada. Uma vez que a
porta se fechou detrás dos garçons, disse:
‐Suponho que a boa educação dita que comece um tema de conversa.
Henrietta sorriu.
‐Vê o fácil que se volta.
Grunhiu.
‐Como sobreviveste na carruagem? Devo dizer que a mera idéia de viajar
com a Anabel faz que meu estômago se revolva. Visitei a creche justo antes que as
meninas se mudassem a Londres, e vomitou em minhas botas a modo de saudação.
‐Ah, foi maravilhoso ‐ disse Henrietta e se deteve. Realmente não havia
razão para lhes mentir. ‐De fato, foi bastante horrível ‐ disse, e cortou o bolo de maçã em
quatro partes. ‐Josie gritava como uma louca, até que quase lhe arrebentaram os pulmões, se isso
for possível.
A mão morna do Darby tocou a dela.
‐É uma pequena besta ingrata ‐ disse.
‐Não, não o é ‐ disse Henrietta. ‐Só é o bastante, bastante desgraçada. E
não sei como ajudá‐la.
‐Pensei que o problema era o estômago da Anabel ‐ disse Rees. ‐Por que
chorava Josephine?
Henrietta tentava não pensar no calor da mão do Darby em suas costas.
‐Chorou e me recordou que é uma menina sem mãe.
‐Mas como? Diga‐lhe que agora é sua mãe ‐ disse Rees.
‐Mas não sou sua mãe ‐ assinalou Henrietta. ‐Informei‐lhe que, já que me
casei com seu irmão, atuarei como sua mãe. O senhor Bartholomew Batt, um
notável perito no cuidado das crianças, diz que não deve mentir para eles.
‐Isso é uma tolice ‐ disse Darby. ‐Eu escutei muita verdade de minha própria mãe. Só lhe
diga ao Josie que é sua mãe e se acabou.
Henrietta o olhou com cara resmungona, e ele não disse nada mais.
‐Estou de acordo ‐ disse Rees. ‐E depois lhe diga à menina que pare de fazer um
escândalo porque nunca vai conseguir um marido se seguir assim.
Não há nada que odeie mais um homem que uma esposa dramática.
‐Ai, Deus, sim. Devo lhe dizer isso. Os maridos são uma posse tão
invejável, depois de tudo... Não há mais que lhe ver você, milord.
Rees soltou uma gargalhada e se afastou da mesa até levantar‐se. Por um
momento pareceu bonito, ao relaxar o rosto e soltar um sorriso.
‐Lady Henrietta, foi sem dúvida um prazer. Darby arrependo‐me de tudo
o que te disse na carruagem.
No momento em que deixou a aposento, Henrietta se voltou para o
Darby.
‐Já sabia eu que te estava dizendo coisas horríveis nessa carruagem!
Seu marido a pôs de pé antes de responder.
‐Não lhe escutei ‐ disse, olhando‐a aos olhos. Henrietta de repente era consciente de que
estava sozinha com ele. De que ninguém os vigiava. De que
estavam casados. ‐Estava pensando em outras coisas.

CAPÍTULO 36

Uma noite de bodas.

As noites de bodas podem ser entendidas de formas muito distintas: são


temíveis para os que não as querem e passam muito rápido para aqueles que
as querem.
Henrietta tinha lido suficiente poesia, especialmente esses poemas que antecipavam a
noite, para entender o que desejavam as mulheres. Julieta, por
exemplo, falava e falava sobre Romeo deitado em cima dela, como neve nas costas de um
corvo. Claro que Julieta havia dito isso antes que Romeo entrasse em seu aposento, o que
supunha uma diferença importante na cabeça de Henrietta. Julieta não sabia o que significava o
ato marital, enquanto ela, Henrietta, sim.
O problema era que ela, Henrietta, sabia muito sobre a espera. De fato, se
tivesse havido uma escada de corda atada na sua janela, teria descido por ela
em um instante. Embora fosse difícil. Olhava ofegante pela janela, mas não havia nada a
não ser uma parede de tijolos com neve.
‐Só fique quieta ‐ havia‐lhe dito Millicent, nessa mesma manhã. ‐Acabará
mais rápido se ficar quieta. Pensa em algo útil. Eu com freqüência ordenava a
roupa de cama em minha cabeça. Dessa maneira, você não se sente irritada pelo evento.
‐Logo acrescentou detalhes horríveis sobre como lutar com o líquido, algo que Henrietta não
entendeu. Soava como se o procedimento fosse
tão problemático como o da menstruação, que era para Henrietta a parte do mês mais
desagradável. De fato, se tivesse sabido que a intimidade conjugal requeria que alguém tivesse
que pôr compressas no dia seguinte nunca teria concordado em casar‐se.
Mas logo, Anabel a tinha chamado de mamãe quando lhe tinha dado boa
noite. E Josie só tinha chorado um pouco antes de deitar‐se, devido a Anabel lhe ter
vomitado na camisola. Henrietta considerou o vômito uma razão justificável de mau gênio.
Agora as meninas estavam dormindo, acompanhadas
de uma amável babá chamada Jenny que as cuidava. Melhor ainda, Jenny tinha
concordado em acompanhá‐las a Londres.
Tudo isto tinha deixado os recém casados Henrietta e Darby no aposento
maior que A Coruja e o Urso pudesse oferecer. E ela estava sozinha.
Henrietta não era capaz de decidir se iria despir‐se ou não. Não teria uma
criada até que chegassem a Londres e ainda teria que procurá‐la, assim, estava vestindo
apenas um vestido de viagem que podia tirar sozinha. Ao final, banhou‐se (para apagar a
lembrança do jantar de Anabel) e colocou a camisola.
Estava sentada perto da janela, pensando tristemente na habilidade de Rapunzel de
converter seu cabelo em escada, quando a porta se abriu e Darby
apareceu.
‐Boa noite! ‐disse. Segurava uma garrafa de vinho e duas taças. Henrietta
olhou‐o um pouco amargurada. Devia a sua inconveniente luxúria o transe de
estar ali sentada esperando um evento tão desgraçado.
O fato de que ele estivesse tão elegante fazia todo o procedimento mais
vergonhoso. Tinha sido um dia comprido, mas estava impecavelmente vestido.
O cabelo estava arrumado como se o tivessem penteado, e seus dedos eram longos e
elegantes enquanto lutava com a rolha da garrafa. Por que teria que
agüentar dor e sangue quando ele se manteria tão limpo como sempre?
Darby lhe entregou uma taça e tomou um gole. Apesar de tudo, sentia curiosidade de ver
seu marido sem roupa. Um pensamento impróprio, sem dúvida.
‐Estive lá embaixo, e o hospedeiro me confirmou que nevou ‐ disse com o
que parecia uma ênfase desnecessária.
Bebeu mais vinho.
‐Como está seu quadril? ‐perguntou, e se sentou em frente a ela.
Sentiu princípios de rubor. Esta era a vida de casados? Um marido
mencionar sem rubor as partes do seu corpo?
‐Como sempre ‐ disse, sem convidá‐lo a comentar mais.
Darby olhou para sua esposa e se perguntou como diabo devia proceder.
Não era perito em virgens, dado que Molly, a criada, resistiu às suas carícias.
Henrietta estava sentada tão erguida como uma marionete. Tinha as costas perfeitamente
alinhadas com o respaldo da cadeira onde estava sentada, sua cabeça posta como uma bola de
cristal ao final da escada.
Devia ter imaginado que sua madrasta a alimentaria com muitas
mistificações sobre a noite de bodas. Lady Holkham tinha demonstrado seu desgosto pelo
ato. Se ele seguisse sua própria inclinação e lhe tirasse a camisola e levasse Henrietta para a
cama, ela se congelaria.
Mas Henrietta não era lady Holkham. Ela o desejava. Gostava que seus olhos a olhassem,
inclusive nesse instante. Levantou‐se.
‐Despedi meu criado por esta noite ‐ disse, tratando de usar um tom despreocupado. Não
tinha esperado que ela saltasse a seus pés e se oferecesse
para ajudá‐lo, mas nem sequer fez um comentário a respeito. Em troca, ela só
o observou com desconfiança, como se ele quisesse arrancar‐lhe a roupa.
‐Se importaria em começar com seus deveres de esposa? ‐perguntou.
Apesar de sua óbvia preocupação, ele não podia deixar de pensar que era divertido.
Provavelmente, não tinha passado tão bem desde que uma certa Madame Bellini decidiu lhe
mostrar os sete prazeres de Afrodite. Henrietta era uma mescla de contradições: seu cabelo de
leoa (agora penteado
delicadamente em uma trança e que ele queria desfazer o mais breve possível),
seu rosto delicado, a decisão em seus olhos e em seu queixo. A paixão que se
escondia atrás desse corpo rígido. Presumivelmente, não tinha um espartilho posto, mas
estava tão rígida como se tivesse um.
Uma pequena fração de sua alma sentia lástima por ela, mas a verdade era que ela o
desejava. Ele havia sentido esse desejo atravessando seu corpo.
Ela simplesmente não entendia ainda seu desejo. Ou o corpo dele.
‐Deveres de esposa ‐ disse lentamente. ‐Entendo.
Levantou‐se e se tirou a camisola. Mas antes que Darby fizesse mais que
ver um pedaço de um seio através da roupa interior, ela se voltou, subiu na cama e se
cobriu com o lençol. Por um momento, ele parou no centro do aposento, estupefato.
Logo caminhou para a cama e olhou para a sua esposa. Ela estava
bastante branca, deitada, como se estivesse pronta para que a colocassem em
um caixão, com os lençóis até o queixo.
‐Henrietta, o que está fazendo? ‐perguntou.
Ela abriu os olhos.
‐Estou pronta para proceder com meus deveres de esposa, Darby. Pode
continuar ‐ E fechou outra vez os olhos.
‐Pronta ‐ disse ele, saboreando. Isto era delicioso. Ela parecia uma mártir
cristã. Estendeu uma mão e percorreu com o dedo seu pescoço branco, até a
borda do lençol. Ele abriu a mão e lhe tocou um seio. Era tudo o que podia fazer, deixar
sua mão ali. Esperou, sem mover‐se, fingindo que não se deu conta de que estava tomando um
dos seios mais perfeitos que tinha segurado
em sua vida.
Tinha humor, sua Henrietta. Pareceu demorar uma eternidade para que
abrisse os olhos e o olhasse.
Engoliu seu sorriso. Ainda, para recompensá‐la, deixou que seu polegar perambulasse
sobre seu mamilo. Outra vez. E outra vez, até que o pulso na garganta de Henrietta se acelerou, e
urgiu em beijá‐la. Logo se deteve.
Ela piscou. Ele não se moveu, não disse nada. Apostava que Henrietta não
poderia resistir a um comentário, dada a devastadora honestidade dela.
Tinha que afirmar a primeira vez, o que a alegrava imensamente.
‐ Eu deveria estar fazendo algo? ‐perguntou. ‐Tinha a impressão de que você foi
simplesmente ia... proceder.
‐Mas você precisa ajudar.
Olhou com o cenho franzido. Claramente pensou, que tinha que prover
ajuda em algo tão de mau gosto para ela, não era justo.
‐O que você gostaria que eu fizesse? ‐disse resignada.
‐Me ajude a me despir ‐ disse, com o justo toque de patético. Ela o olhou
com desconfiança, mas se levantou da cama. Dada a maneira como se retorceu
sob os lençóis, ele supôs que sua madrasta lhe tinha dado instruções para tirar a camisola
até a cintura. Apostava que a mulher também lhe havia dito que o
marido se lançaria em cima dela como uma besta selvagem.
‐Vê, Henrietta? ‐ disse em tom discursivo‐ os homens não podem fazer seus deveres
conjugais sem um pouco de participação.
Ela piscou.
‐Por que não? ‐Perguntou, inclinando sua encantadora cabeça para os
punhos. ‐Eu pensava que este tipo de coisas era... ‐deteve‐se e arrumou a afirmação‐,que
os homens sempre encontravam prazer nesta atividade. ‐
Henrietta não se incomodou em esconder o mais mínimo desdém em seu tom.
‐Nem todos os homens. ‐ disse ‐ Por que iria ter prazer em fazer mal a minha esposa? ‐O
olhar nos olhos dela o animou. ‐Pensa que quero lhe causar
vergonha? Ou desconforto?
‐Não, claro que não! ‐disse aliviada ‐Sabia que Millicent devia estar equivocada sobre as
intenções de Darby. ‐Um grande sorriso se desenhou por
todo o seu rosto. ‐Tentei lhe dizer que você não era tão... ‐fez uma pausa, sem certeza da
palavra ‐ tão inculto como ela pensava.
‐Não vai me chamar de Simon? ‐Perguntou sem dar atenção à besta em suas vísceras que
sugeria que satisfizesse as presunções de sua madrasta. ‐
Pedi‐lhe isso antes.
Ela ruborizou‐se um pouco.
‐Sinto muito. Minha madrasta se dirigiu a meu pai pelo sobrenome até que morreu. Tal
informalidade parece antinatural.
‐Pode me chamar de Darby em público, se quiser ‐ disse.
‐Então o que devemos fazer em vez disso? ‐perguntou Henrietta.
Claramente tinha saltado à conclusão de que era muito cavalheiro para requerer relações
sexuais. O rosto brilhava de felicidade.
Darby se conteve para não rir.
‐Se pudesse me ajudar a tirar a roupa ‐ disse seriamente‐ poderia me preparar para me
colocar na cama. Não vou lhe pedir ajuda todas as noites, naturalmente. É só porque despedi do
lacaio.
Mas Henrietta estava tão agradada em incumbir‐se de seus deveres
conjugais que teria esvaziado o urinol do quarto, se o tivessem pedido.
‐Temo que a moda me exija que ponha roupas ajustadas ‐ disse.
Ela ficou ao seu lado imediatamente, mordendo seu delicado lábio rosa com
concentração.
‐Meu lacaio simplesmente tira isso ‐ explicou. Começou lentamente a tirar
um braço. As mãos dela caíram em seguida sobre as mangas, ajudando‐o a tirar
a camisa. Ele fingia ser um inepto, roçava os seios dela enquanto lutava para liberar‐se da
jaqueta.
‐Ai ‐ gritou, quando lhe estava dobrando a jaqueta.
‐O que acontece?
‐Devo ter me ferido com um botão ‐ gemeu ‐vamos ter que tirar a camisa
para dar uma olhada. Se pudesse... ‐Deixou que os dedos se movessem preguiçosamente
pelos botões. Ela teve que aproximar‐se muito dele para lhe
tirar a camisa. Ele podia cheirar um pouco de perfume de rosas. Quase o enlouqueceu,
mas conseguiu dirigir sua luxúria e ficar calado enquanto ela descobria que não usava ombreiras,
que não tinha necessidade delas. Ela foi desabotoando a camisa lentamente, roçava‐lhe os dedos
com o peito, e ele ficou olhando para a parede como se estivesse em transe.
Quando terminou de desabotoá‐la, tirou a camisa por cima da cabeça,
deixando‐a a um lado.
‐Onde lhe dói? ‐perguntou lhe olhando o peito.
‐Não estou seguro. Talvez se me tocar por toda parte poderia dizer onde
me dói.
Ela o olhou.
‐Por que raios ia ter que localizar uma ferida em seu peito? Não deve doer
muito, se não sabe onde está.
Ele suspirou, dando‐se por vencido à idéia de que seus dedos lhe
percorressem todo o peito. Em troca, dirigiu‐a para as calças. Os olhos de Henrietta se
abriram, mas começou a tirar obediente da cintura. Seus dedos longos lhe roçaram o estômago, e
ele tremeu. Ela ruborizou, mas estava decidida a continuar. Além disso, pensava que se não o
despisse, ele poderia mudar de opinião e exigir sua satisfação conjugal.
Darby quase grunhiu enquanto ela lutava por liberá‐lo de suas calças diante de uma
obstrução inesperada entre suas pernas. Ele olhou para baixo e
inclinou a cabeça, perguntando‐se se ela teria idéia do que era esse vulto.
Posto que se tivesse ruborizado muito, podia assumir que sim, ela sabia.
Conseguiu lutar até lhe tirar as calças, e se levantou com um ar de ter feito tudo o que
podia para satisfazer seu marido.
Ele a olhou pôr as calças sobre uma cadeira. Podia ver a longa e magra linha de sua coxa
através da camisola.
‐Henrietta ‐ disse gentilmente‐ eu durmo sem roupa.
Ela semicerrou os olhos.
‐Esse é um hábito indecoroso.
Darby tinha que admitir que se ele tinha um grama de consciência em seu
corpo poderia quase, quase, sentir lástima por ela. Encolheu os ombros.
Mordeu o lábio outro pouco, e ela tirou sua roupa interior tão rápido que
se moveu para diante.
‐Maldição ‐ disse, agarrando as jóias da família. ‐Cuidado.
Sua doce esposa estava mudando de humor, disparando a luxúria (ou isso
esperava Darby).
‐Aqueles que são incapazes de se despir sozinhos devem esperar
inconvenientes ‐ disse bruscamente.
Ele riu, não podia evitá‐lo. Logo retirou o punho, lentamente, para que ela
não perdesse nada. Os olhos de Henrietta se abriram.
‐Como pode, ou seja, que você, que essa parte de você esteja de tal maneira? ‐perguntou.
‐Ocorre o mesmo com esta parte de você ‐ disse. Sua mão parecia rodear
de um modo natural seu seio, enquanto seu polegar lhe massageava o mamilo
outra vez. E já estava inchado, esperando‐o. Por um momento não houve outro
som no aposento que o suave roçar de seu polegar contra o mamilo.
‐Está me seduzindo, verdade? ‐Henrietta soava surpreendida. Mas
qualquer idiota podia ver que ela tampouco podia lhe tirar os olhos de cima. Ao menos de
parte dele. Da parte mais importante.
‐É obvio ‐ assentiu, lhe dando ao seio um pequeno apertão. Estava tão cheio de desejo
que, se não o tinha logo em sua boca, não responderia por si
mesmo.
Ela tremeu, e ele a tomou entre seus braços. Encaixavam de um modo tão
adequado como se pertencessem um ao outro, todas as partes delicadas dela e
as rudes e masculinas dele. Inclinou a cabeça e lhe lambeu a orelha, seus delicados
redemoinhos e suas belas curvas, enquanto ela tremia.
‐Vai fazer isso, verdade? ‐perguntou, surpreendendo‐o como sempre com
sua franqueza.
‐E você gosta disso? ‐Manteve seu fôlego quente junto à orelha dela.
Deixou que os lábios se deslizassem pelo magro pescoço dela. Os dedos dançavam por
seus seios, visitando e voltando a visitar a curva próxima aos seus braços.
‐Impossível ‐ disse de maneira tensa.
‐Prometo não fazer nada que você não peça explicitamente ‐ prometeu.
‐Por que iria alguma mulher pedir algo assim? Simplesmente não entendo
o objetivo disso, exceto para ter filhos, claro.
Tinha descoberto uma curva suave debaixo de sua mandíbula.
‐Por prazer ‐ disse. ‐As mulheres podem encontrar prazer nisso, Henrietta.
Houve silencio por um momento, enquanto lhe beijava o canto da boca, pequenos beijos,
tão leves como penas. Ai, ela sabia do prazer, sua Henrietta.
Simplesmente não se dava conta de que sabia. Porque quando os lábios dele se
aproximavam dos dela, tão suaves, ela abria a doçura de sua boca sem duvidá‐
lo, demonstrando que tinha esperado um beijo.
Ela suspirou na boca dele, e suas línguas se tocaram. Ele se inundou, tomando posse,
tornando um gemido em uma escura posse. E estava com ele.
Não se afastou quando ele atraiu seu magro corpo contra o dele e lhe percorreu as costas
com a mão, moldando todas as curvas de seu corpo. Logo
se arqueou contra o corpo dela, lhe mostrando suas intenções e deixou claro seu domínio.

‐Se importaria se fôssemos já para a cama, Henrietta? – e a pergunta saiu


meio afogada.
‐Claro, não me importaria ‐ disse de uma forma que dava a entender que
não se encontrava totalmente cômoda. De fato, ela ainda estava pensando muito. É difícil
sorrir quando está segurando um pacote de feminilidade em seus braços, mas o obteve.
Colocou‐a na cama. O primeiro que fez foi lhe desatar a trança. Liberar seu
cabelo levou algum tempo, já que a trança lhe chegava quase até a cintura.
Darby podia notar o que estava pensando, de modo que a ajudou ao ficar entre
suas pernas, para que tivesse bastante contato com ele.
‐Não fará nada que eu não peça? ‐perguntou, finalmente.
Ele levantou a cabeça. Deu‐lhe um beijo em cada pálpebra.
‐Prometo ‐ disse rouco. ‐Se não me pedir isso, não o farei.
‐Nunca lhe pediria que..., que..., ‐ deteve‐se, claramente insegura de como
expressar a idéia do coito.
‐Entendo. Mas só no caso de que me peça isso, trouxe o preservativo que
lhe deu Esme?
Ruborizou‐se ainda mais.
‐Não o necessito porque é minha primeira vez ‐ murmurou.
‐Está segura?
Assentiu.
‐Esme disse que nenhuma mulher fica grávida em sua primeira noite. E eu
não o usarei; parece que tenho uma obstrução ali ‐ suas palavras morreram claramente
mortificada pelo tema da conversa.
Darby pensou rapidamente. Presumivelmente, o preservativo não serviria
por causa de sua virgindade. Mas, provavelmente, deviam ter um bate‐papo franco antes
que as coisas ficassem muito mais quentes para discuti‐las.
Ele esperou até que acabasse de lhe desatar a trança, e depois deixou que
seus dedos lhe percorressem o sedoso cabelo uma ou duas vezes, só por prazer. Deus era
tão linda... À luz da vela, seu cabelo parecia ouro, tão suave e escorregadio como a manteiga.
Logo tomou uma pequena garrafa de sua bolsa. Sustentou‐a. Henrietta viu
a garrafa de vidro azul e o olhou inquieta.
‐Esta erva parece ser um remédio contra a concepção ‐ disse‐lhe.
‐A que se refere?
‐Pode ficar grávida inclusive usando o preservativo de Esme, tudo o que tem que fazer é
beber esta erva e não haverá gravidez. É por segurança, Henrietta.
Um brilho de cenho franzido se viu no rosto de Henrietta.
‐Eu nunca poderia fazer algo assim. ‐Não temos que pensar nisso ‐ disse acalmado. ‐Não
é fácil ficar grávida se não o fizermos, Darby.
Isso era certo.
Tomou a garrafa e a meteu na mesa de cabeceira.
‐Simplesmente não quis que tivesse medo da intimidade devido a
gravidez, Henrietta.
‐Ah, não tenho medo. Não estou temerosa ‐ deteve‐se. ‐Só estou um
pouco receosa. Eu não gosto da sujeira, Darby.
Ela tinha usado esse término antes, ao referir‐se a seu quadril, pensou ele.
Gentilmente a pôs de costas, elevou‐lhe a camisola e, sem mais, deslizou
por sua cabeça. Instantaneamente desceu os dedos por seus ombros para afastá‐lo, mas os
lábios de Darby encontraram primeiro seu seio, antes que ela pudesse opor mais resistência. Era
deliciosa. Tinha seios perfeitos,
gloriosamente grandes, rodeados de uma suavidade que fazia com que as vísceras de
qualquer homem explodissem.
Podia ouvi‐la protestando, mas era muito tarde. O gatuno tinha entrado na aldeia. Estava
na tênue tenda da camisola, fazendo um festim com seu corpo. Tinha os mamilos inchados e rosa
escuro. As mãos dançavam sobre sua
pele, e em poucos momentos ela tinha deixado de afastá‐lo e começou a retorcer‐se para
lhe oferecer seu seio. Não havia mais protestos, só gemidos voando para a luz da vela.
Ele sorriu. Ao diabo com os sete prazeres de Afrodite, ou os quatorzes, se
for o caso. Não havia outro lugar onde preferisse estar que escondido sob a camisola,
escutando a sua Henrietta descobrir que seu corpo não era sujo, mas
prazeroso.
A presença de Darby sob sua camisola era uma das experiências mais
selvagens da vida de Henrietta. Quando se embrenhou pela primeira vez sob a
camisola, sentiu uma tensão fugaz de terror e violação. Millicent lhe havia dito que seu
marido faria o trabalho sujo sob os lençóis, mas nunca tinha mencionado nada sobre ver o corpo
do outro ou pôr a boca! Certamente esta
era uma nova perversão de Londres, que só os enriquecidos conheciam.
Mas quando desceu a boca até seu seio, perdeu todas as faculdades
lógicas. A sucção violenta a fazia sentir suave e não podia mover‐se. E quanto mais
tempo ficava ali, mais fraca se sentia, até que suas pernas e abdômen acabaram liquefazendo‐se e
foi difícil respirar. Estava tremendo da maneira vergonhosa.
O resultado foi que, ele foi se esgueirando sob a camisola e começava a tirá‐la dela,
centímetro a centímetro, percorrendo sua perna com uma mão forte, ela nem sequer protestava.
Deixava‐o expor suas pernas no ar porque estava muito ocupada tratando de lutar com o
crescente fogo que sentia no ventre, com os impulsos vergonhosos que a invadiam. Mais que
querer recitar
listas de roupa suja, queria tocá‐lo. Ou pior, lhe pôr a boca em cima, sobre a pele
dourada.
Tomou toda a fortaleza mental para não descer às profundidades da
depravação. Deixar suas mãos aos lados, embora desejasse...
‐Parecem iguais, não? ‐disse.
Henrietta levantou a cabeça e descobriu que já não estava com sua
camisola. Seu marido estava de joelhos sobre ela, as pernas bronzeadas e musculosas dele
sobre as pernas brancas dela. Estava‐lhe acariciando o quadril direito com os dedos, acalmando‐a
como se fosse fazer desaparecer qualquer
dor.
Ela não podia pensar com claridade. Seus dedos lhe roçavam a pele uma e
outra vez, o que era suficiente para criar a sensação de abertura entre suas pernas. Era
incapaz de mover‐se. Assim que se recostou e lhe deixou..., bom, lhe deixou fazer o que ele
fazia. Beijou‐lhe o ombro e depois lhe deu beijos nas costelas, e lhe percorreu o ventre com a
língua. Subiu uma mão inquieta por sua perna e inclusive nesse estado de atordoamento soube
exatamente o que
estava pedindo, porque tinha desejado fazê‐lo.
Deixou que as pernas se abrissem para sua mão, e apenas se deu conta de
seu sussurro "Boa garota", porque a estava tocando ali, e se sentia tão bem que se
encontrou arqueada contra sua mão, gemendo em voz alta, do mais profundo de sua garganta.
Mas ele se foi. Parecia estar fascinado com seu cabelo. O estava usando para lhe acariciar
os seios, punha os cachos de cabelo sobre seus mamilos até
que tremia e pedia uma carícia mais firme. Deixou seu seio com uma última pincelada.
‐Não pode ‐ disse aterrada, mas ele já o tinha feito. A sensação era forte, e
suave, e incrivelmente emocionante entre suas pernas, especialmente quando,
de repente, agachou a cabeça para ver como lhe lambia e esfregava todo o corpo.
Agora tinha os joelhos para cima, onde ele os pôs, e nem sequer tinha pensado se lhe
doeria o quadril (não lhe doía), só ficou onde a tinha mordido.
‐Simon ‐ gemeu, sem dar‐se conta de que era a primeira vez que o
chamava por seu nome. ‐Simon, por favor, por favor.
Havia um vazio entre suas pernas, e seus beijos estavam avivando o fogo,
não o apagando. De fato, a fome era tão grande que abriu os olhos e rodeou os
braços ao redor de seu pescoço. Estava apoiado em suas mãos, inclinando‐se para ela, e
ela se deu conta de que ele não parecia sereno, absolutamente.
Tinha o cabelo despenteado, e os olhos selvagens.
‐Esposa... ‐disse com voz rouca. Ela não escutou porque estava muito ocupada
esfregando‐se contra ele, uma e outra vez, como uma gata, tratando
de aliviar um ardor que não entendia por que tinha.
‐Henrietta, peça ‐ ele disse, e a dor de sua voz chegou até ela.
Tomou as mãos dela sobre de seu peito e disse:
‐Sim? ‐Nem sequer parecia sua própria voz.
‐Peça‐me isso Henrietta! ‐Tinha os olhos negros, e se aproximou um pouco
mais para diante. Ela se agarrou em seu braço e se arqueou para frente, se deixando
arrastar pela sensação.
‐Por favor ‐ disse sem esperanças. ‐Ai Deus, por favor.
‐Por favor, o que?
Henrietta Maclellan tinha coragem. Fazia frente ao mundo todos os dias devido ao seu
quadril ferido. Enfrentou mulheres desdenhosas e, uma vez, um
homem bêbado na aldeia. Mas nada se comparava ao momento em que soltou
as mãos do pescoço de seu marido e largou a mão entre as pernas.
‐Dê‐me isso Simon ‐ disse, e a voz se quebrou com o desejo. Pulsava‐lhe,
quente e suave em sua pequena mão. Beijou‐lhe o queixo e a borda do ombro
e se arqueou contra ele ‐ dêem‐me isso.
Soltou a mão e Darby baixou a cabeça em busca de um último beijo
agonizante. Logo, quando estava tremendo, entrou com um comprido e suave
golpe, rezando para manter o controle. Ela era virgem, efetivamente. Ele golpeou a
barreira e se deteve.
Olhou para baixo e beijou a sua doce boca, inchada pelos beijos.
‐Esta parte vai doer ‐ murmurou.
Ela gemeu como resposta, mas não era de dor. Estava agarrando seus
braços tão forte que estes ficariam machucados.
‐O que sente Henrietta? ‐murmurou. Nunca tinha se importado muito de
como se sentiam suas outras companheiras, enquanto se vissem satisfeitas, mas agora não
podia parar de vigiar o rosto de Henrietta. Ela o olhava com puro desejo. Quando se tratava de
sua esposa, queria saber tudo sobre ela.
Abriu os olhos e o que viu o encheu de luxúria. Lançou‐se para diante sem
esperar uma resposta, conteve o grito dela em sua boca e respondeu com um
grunhido.
Houve uma pausa em sua conversa, se podiam chamá‐la assim, enquanto
Darby tratava de ajustar‐se à experiência mais doce e maravilhosa de sua vida.
‐Deus, Henrietta, resulta‐me tão agradável... ‐disse.
‐A mim não. ‐Ele quase riu por sua honestidade. ‐Mas... ‐Ela se moveu um
pouco, e conteve o fôlego no fundo da garganta ‐ Talvez...
Ele se retirou e voltou a introduzir‐se brandamente.
‐Você gosta disso? ‐sussurrou, e lhe deu beijos ligeiros como penas na ponta da boca.
Estava‐lhe ensinando algo. Henrietta o intuía. Quão único podia fazer era
perseguir o sentimento que corria por seu corpo quando se movia. Ela não o descreveria
como prazer. Era muito selvagem para chamá‐lo assim, e abrangia
muito, muito. Isto a fazia sentir‐se angustiada por desejá‐lo.
‐Faz outra vez ‐ gritou. Tinha estado pendurada em seus antebraços, mas
não os sentia o suficiente, nada se fazia suficiente. Deixou que as mãos percorressem suas
costas, seus encantadores músculos e..., o que eram um par
de nádegas em comparação com o que havia tocado? Estas eram musculosas e
firmes e as tinha agarrado com ferocidade, para fazer que seu marido se movesse mais
para ela, até o fundo.
Ele se estremeceu no momento em que ela o tocou. Sutilmente Henrietta
se deu conta de que podia fazê‐lo grunhir, fazê‐lo arder, como ela mesma estava ardendo.
Então o atraiu mais para ela, arqueando‐se até que sentiu cada centímetro
dele, até que esse espaço vazio, ansiado, encheu‐se dele, e também o fizeram
seus braços e seu coração e...
Isso também.

CAPÍTULO 37

Lady Rawlings recorda que o decoro, a decência


e a honra governam a sociedade inglesa
Ele estava sentado perto da lareira, afiando uns equipamentos úteis para
a jardinagem. Surpreendeu‐se quando ela entrou.
‐Esme.
‐Sabia que minha amiga Henrietta se casou com Simon Darby? ‐disse‐lhe
sem preâmbulos, sentando no banco lavrado em frente a ele.
Ele elevou a ferramenta de novo, com olhos cautelosos.
‐Fala‐se das bodas na aldeia.
‐Assistiu alguma cerimônia de matrimônio ultimamente, Sebastian? É
muito formoso – lhe entrecortou a voz. ‐Acredito que não escutei o sermão quando me
casei com Miles. Havia uma parte..., não recordo bem, mas o vigário dizia que o matrimônio era
um remédio contra o pecado, e para evitar,
para evitar a fornicação.
‐Você já não está casada, Esme.
‐Nunca o honrei no matrimônio ‐ disse, e uma lágrima lhe escorreu pela
bochecha. ‐É o mínimo que devo fazer, me comportar com decoro depois de sua morte.
Sebastian deixou a ferramenta de lado. Ajoelhou‐se ao lado do banco
com pouca consciência de si mesmo.
‐Se case comigo, Esme. Por favor. Honre‐me. Eu lhe honrarei como seu marido nunca o
fez. Nosso matrimônio seria um remédio contra o pecado, se é
que alguém se atreveria a chamar de pecado o meu amor.
Ela moveu a cabeça, tinha a garganta cheia de lágrimas.
‐Não posso. Sonhei com Miles ontem à noite ‐ disse, tratando de explicar‐
se. ‐Em meu sonho, ele estava tão feliz pelo bebê... E estava vivo e estava bem.
‐Não posso dizer que eu quisesse que ele estivesse vivo, mas sinto muito
que sua lembrança lhe cause dor.
‐Não é a lembrança, ou não exatamente. Odeio‐me pelo que estamos
fazendo a sua memória. Ainda estou em luto. Em luto! E, entretanto, aqui estamos...
Odeio‐me!
‐Por que se odeia?
‐Estou traindo Miles, meu marido.
‐Não estou de acordo ‐ disse, e esse tom tinha toda a rigidez que estava
acostumada a acompanhar os pronunciamentos do marquês de Bonnington. ‐
Lorde Rawlings está morto. Não tem marido. É uma viúva e eu sou solteiro.
Nossa relação seria pouco adequada, mas não vejo como se pode trair a um morto.
‐Ele segue vivo em meu coração ‐ Esme disse lentamente. ‐Não paro de
pensar nele. E no bebê. Sigo pensando também no bebê.
‐Sinto muito a morte de seu marido. Mas nós não o matamos, Esme.
Tinha um coração débil. Podia ter morrido a qualquer momento. Você mesma
me disse que teve dois ataques em uma semana, e que o doutor só lhe tinha
dado esperanças de vida até o final do verão.
‐Dá igual, Sebastian. Não posso fazer isto. Não posso ser esse tipo de pessoa.
Abriu a boca, mas ela se adiantou.
‐No verão passado, na festa de lady Troubridge, entrou em meu
aposento como se eu fosse uma cortesã, disponível sempre que chamasse. ‐
Não o disse com raiva, simplesmente como um fato. ‐Entrou porque eu atuava
como uma prostituta.
‐Não!
Mas ela o deteve outra vez.
‐Como uma prostituta ‐ repetiu tranqüilamente. ‐Caindo em seus braços
na sala de estar. Com razão você pensou em entrar em meu aposento sem advertência e
você esperava que eu lhe saudasse com os braços abertos. Eu mesma me fiz uma mulher fácil.
‐Surpreendentemente, não estava nem sequer
chorando. Sua dor era muito profunda para isso.
‐Por favor, vai embora Sebastian. Volta para a Itália. Reconheci‐me
prostituta duas vezes. Por favor, não faça com que eu volte a fazer.
‐Nunca diga isso sobre si mesma ‐ disse. Seus olhos tinham a raiva de uma águia.
‐Eu só digo a verdade ‐ disse. ‐Estaríamos defendendo a mentira maior do mundo se
soubessem o que realmente passou entre nós. Sua simples presença aqui, em meu estado, ameaça
que essa verdade se faça pública. E
esse apelativo, prostituta, arruinará o futuro deste menino.
Os olhos de Sebastian eram de cor azul escuro e ardiam ao vê‐la, mas ela
sabia que a estava escutando.
‐Quando Miles e eu concordamos nos reconciliar, era o único que
perguntava. Disse que tínhamos que viver juntos, e que devíamos ser discretos.
Porque era importante para o bem‐estar do menino. Sigo sonhando que ele está ali e que
me pede, roga‐me, realmente, que seja uma boa mãe.
Ela olhou para Sebastian, ajoelhado ao seu lado. Miles não era o único em seu coração.
‐Faz por Miles, se não por mim ‐ disse Esme, e lhe entrecortou a voz. ‐
Deve tanto a seu filho.
Ele pôs a cabeça sobre o braço, foi a primeira vez que Esme lhe viu demonstrar
desespero.
Ela pôs sua mão na cabeça dele, e uma mecha de cabelo dourado se
enredou em seu dedo como tentando mantê‐la ali. Saiu pela porta sem olhar
atrás.

CAPÍTULO 38

As guerras de comida não são para os jovens.


A tormenta de neve durou três dias. O estômago de Anabel rejeitava
várias comidas. Josie teve uma birra em que começou com sua familiar ladainha de "Sou
uma pobre órfã", mas logo deixou de fazê‐lo porque se deu conta de que Henrietta estava
contando uma história para Anabel e ela poderia
perder. Era seu conto favorito, o do abajur furioso que tinha viajado de Paris.
Henrietta fingiu não notar o que quase aconteceu, e deu as boas‐vindas para Josie em seu
colo.
De fato, Josie estava comportando‐se surpreendentemente bem. O pior
aconteceu quando ela lançou uma colherada de purê de batatas em sua irmã,
mas ela não foi a única que jogou a comida durante esses três dias que estiveram no O
Urso e a Coruja.
Por exemplo, na segunda noite, Henrietta e Darby jantaram em seu
aposento particular. Sem aviso, ele tomou um pouco de sobremesa e o jogou
pelo decote do vestido dela.
Henrietta se sentou por um momento com a boca aberta, olhando‐o
enquanto a sobremesa gelada escorregava por seus seios e ficava presa no seu
espartilho.
Ele levantou‐se, tão sofisticado e elegante como sempre.
‐Sofreste um acidente, querida? Vêm, me deixe lhe ajudar. ‐E começou a
lhe abrir os botões do vestido enquanto ela se perguntava se não teria compreendido bem
o ocorrido. Talvez a sobremesa tivesse saltado de sua colher; mas não.
Não foi, ela só percebeu quando ele estava lhe desatando o espartilho e
pôde lhe ver o rosto. Seu cabelo sedoso e dourado lhe caía sobre a gravata e o pescoço.
Era travesso, peralta! Suas mãos a provocavam enquanto desatava o
espartilho, tentando seguir o rastro da sobremesa.
‐Que lástima ‐ disse. ‐Temo que você terá que viajar sem o espartilho.
Ela semicerrou os olhos.
‐Tenho outros, senhor.
‐Mas esta monstruosidade ‐ disse, sustentando‐o no ar‐ é o que esteve te
fazendo parecer com uma marionete, e tem feito com que lhe pendurem os vestidos como
se estas peças preciosas não existissem. ‐Seus dedos deixaram lances de fogo sobre seus seios.
‐Não pode me converter em uma pessoa como você ‐ disse.
‐Que tipo de pessoa? ‐perguntou.
‐Uma elegante ‐ disse Henrietta sem rodeios. ‐Os vestidos nunca vão me
cair bem. Sou manca, além de baixa. Ele riu, manifestando uma genuína distração em sua
voz.
‐A roupa existe para que um homem possa ver através dela e imagine a
mulher sem roupa. A estatura não tem nada a ver com isso, e tampouco seu débil quadril.
‐Darby, a roupa existe para cobrir o corpo decentemente ‐ observou.
‐Ontem à noite você me chamou de Simon. ‐Foi tudo o que disse,
tirando‐lhe a camisa.
Ela ruborizou, inclusive ao pensar na noite anterior.
‐Não era eu mesma.
Sorriu‐lhe, com cara de travessura.
‐A gente diz muitas coisas no calor da paixão, coisas que não deveriam arejar‐se na
manhã.
Tinha encontrado o princípio do pegajoso rastro da sobremesa em sua
clavícula e o estava lambendo. Seguiu baixando e baixando, e sua esposa não
disse uma palavra nem quando estava de joelhos diante dela, ainda
procurando o rastro da sobremesa. Mais abaixo, mais abaixo, procurando onde
estava a parte do bolo. Foi quando lhe dobraram os joelhos e disse: “Simon!
Não estamos no quarto", ele simplesmente se levantou, pôs o ferrolho na porta e retornou.
Mas ela tinha tirado vantagem de sua ausência ao agarrar um prato da mesa. Quando ele
se virou, encontrou‐a aí parada, rindo, com o cabelo caindo
sobre os ombros, seu vestido, espartilho e camisa jogados no chão. Estava nua, mas tinha
posto um chinelo azul pálido e umas delicadas meias até os joelhos.
Nua, era a mulher mais elegante que jamais tivesse visto. Estava sustentando
um prato de sobremesa em uma mão, mas ele apenas o notou.
‐Tira‐me o fôlego ‐ disse lentamente. ‐Não posso acreditar que estivesse
ali para que lhe encontrasse. Até os tocos de Limpley Stoke devem ter visto o
quão deliciosa você é.
Sorriu com esse comentário. Quem não? Baixou o prato por um
momento, desatou‐lhe a gravata borboleta e a colocou de lado. Logo lhe tirou a camisa e
jogou‐lhe em cima uma colherada de sobremesa no pescoço, antes que ele tivesse tempo de
dar‐se conta.
Foi uma comoção terrível perceber que sua vingança era implacável:
dedos frios, que tinham uma doçura fria, em cima do lugar mais doce de seu corpo.
E isso lhe induziu um sentimento de desequilibrio... suficiente para o fazer deitar no chão.

Não foi até que viajaram de volta a Londres e começarem a instalar‐se na


casa de Darby, quando se deu conta o que era, realmente, o matrimônio.
Consistia em ir tirando todas as capas que a cobriam uma a uma, e não se referia somente
a aquelas feitas de tecido. Toda sua intimidade era invadida.
Estava realmente nua diante de Darby.
Seu marido gostava de passear pelo aposento conjugal sem roupa, quem
o teria imaginado? Ele, que geralmente estava bem vestido em seda e renda,
sentia‐se feliz sem um pano no corpo. Mas não gostava simplesmente de estar
nu. Gostava que ela o acompanhasse nesse estado de nudez. E todo o assunto
do preservativo significava outra camada de intimidade.
Falaram disso. Ela nunca imaginou que existia algo assim. O dia que chegaram a
Londres, Henrietta subiu ao quarto depois do jantar e
discretamente empapou o preservativo em vinagre e o inseriu. Não gostava.
Mas tampouco o odiava. De certa forma, apreciava o preservativo, já que lhe
dava a oportunidade de comprometer‐se em maravilhosas intimidades com
Darby.
Mas logo, uma noite, ele a deteve no jantar e ela terminou em seu colo.
Tinha posto um vestido de noite e não tinha espartilho, e seu marido se propôs a sabotar a
sua roupa interior. Foi um pouco estranho para Henrietta advertir
que ela era como cera nas mãos de seu marido. Com um só olhar desses risonhos olhos
marrons, ela, que dirigia uma casa e uma escola desde que tinha dezessete anos, dava‐se a
qualquer exigência que ele impunha.
Estava lhe sussurrando sugestões travessas sobre subir o vestido e
sentar‐se em seu colo, e ela ficou confusa pelo que faziam suas mãos até que,
de repente, se lembrou e lhe afastou a mão.
‐Não, Simon! Meu preservativo!
Afastou‐se de seus braços e correu escada acima. Logo ele se deitou na
cama e disse:
‐Me deixe fazê‐lo hoje.
Ela piscou. Realmente espantada.
‐É obvio que não.
‐Por que não? ‐persuadiu‐a. Seus dedos estavam por toda parte, já tinha
o vestido levantado até a cintura. ‐Estou seguro de que posso colocá‐lo corretamente.
De onde estavam seus dedos, provavelmente poderia. Gemeu
involuntariamente.
‐Não ‐ suspirou. ‐É pessoal.
‐Seu corpo é meu corpo ‐ disse, e se inclinou sobre ela. Tinha as pestanas
tão longas que faziam sombra em suas bochechas. ‐Estamos casados,
Henrietta, recorda? Não escutou o sermão do matrimônio? Devo confessar que
o achei bastante fascinante, especialmente a parte em que o vigário falou sobre os
homens que amam a suas mulheres como se fosse seu próprio corpo.
Ela o olhou estupefata.
Darby tinha um sorriso, irônico e espectador ao mesmo tempo.
"Aquele que ama a sua esposa ama a si mesmo: porque nenhum homem
odiou nunca sua própria carne, sempre a alimentou e a nutriu".
Ele não esperou uma resposta. Deteve‐se e foi até a mesinha onde a nova criada tinha
deixado um pequeno copo de vinagre e o preservativo.
‐Não acredito que seja isto o que signifiquem os votos de matrimônio! ‐
disse. ‐Não há privacidade?
‐Nenhuma! ‐Retornou ao seu lado. Uma de suas mãos estava em um de
seus seios, lhe fazendo difícil falar. E a outra mão..., bom, ele não conhecia tão bem sua
anatomia como pensava.
Mais tarde se deitaram juntos em uma pilha de membros enredados. Ele
riscava uma figura em seu flanco.
‐Dói o quadril quando fazemos amor? Estava dolorida esta tarde, não?
‐Só um pouco ‐ disse, surpreendida. Estava segura de que tinha
escondido. ‐Estava cansada.
‐Você devia ter me dito isso. Madame Humphries está tão alegre de lhe
vestir que a teria deixado de pé a tarde toda.
Henrietta sorriu. Ainda não lhe importava em nada a roupa, mas era
bastante surpreendente descobrir quão diferente parecia com uma roupa que
não tinha sido desenhada e costurada pela senhora Pinnock.
‐Acho interessante que seu quadril doente não se note diferença do
outro ‐ disse Darby. ‐Não entendo por que os doutores acreditam que seria incapaz de ter
um filho, Henrietta. Não há diferença entre o seu quadril ‐
acariciou‐a ‐ e o de outras mulheres.
Henrietta franziu o cenho. Não gostava de pensar nos quadris de outras
mulheres em relação com seu marido. Ele sabia, é obvio.
‐Não é que esteja comparando seu sedutor quadril com o de alguém
mais ‐ disse‐lhe ao ouvido. ‐por que não visitamos um doutor de Londres, Henrietta? Há
um famoso médico na Rua Saint James que também é um
obstetra. Ortolon, acho que esse seja seu nome.
‐Possa vê‐lo ou não, o problema ainda existe. De verdade, foi um milagre
que eu sobrevivesse ‐ disse honestamente. ‐E minha mãe não teve essa sorte.
‐As pessoas eram cruéis contigo quando era menina?
‐Não as pessoas ‐ disse lentamente. ‐ A realidade é que era cruel. Como
cresci em uma pequena aldeia, não havia nada inesperado sobre o futuro de ninguém.
Billy Lent era o menino mau da escola, e todos diziam que teria apuros judiciais. E, claro, assim
foi antes que cumprisse os dezoito. Eu era tola, e todos diziam que nunca me casaria.
Olhou‐o com o esboço de um sorriso.
‐Eu sempre tinha visto meu destino como muito cruel, jamais teria
imaginado alguém como você caminhando pelas ruas de Limpley Stoke. ‐Seu morno
cabelo marrom lhe caía daquela perfeita orelha. A queda dos lençóis sobre seu quadril o fazia
parecer um senador romano.
‐Ou seja, nunca sonhou com o matrimônio? Devia havê‐lo feito!
‐Claro que o fiz. Mas pensava que ia encontrar um homem mais velho, algum dia, talvez
um viúvo com crianças. Alguém que quisesse companhia, não...
Ele elevou a boca de seu seio.
‐Não a um companheiro de cama.
‐Não sabia o que era isso ‐ disse Henrietta.
‐Assim é. Alguma vez tinha relacionado o prazer conjugal e os bebês, verdade?
Moveu a cabeça para os lados e acrescentou, brincando:
‐E ainda não entendo por que é tão importante para os cavalheiros!
‐Provavelmente não tivesse sido importante para o tipo decrépito com
quem pensava em se casar.
‐Não o imaginava decrépito. Mas que outra opção eu tinha?
‐Eu tive sorte de ser o primeiro cavalheiro em entrar nessa aldeia, Henrietta. Não há um
só homem entre os meus amigos que não teria
paquerado com você, com ou sem quadril.
‐Rees não o teria feito ‐ assinalou.
‐Sim, claro que o faria. De fato, está se sentindo mal por assumir o fato
de que acha você divertida, inteligente e linda ‐ disse Darby, seus lábios deixavam traços
na pele dela. –você pôs o seu mundo ao reverso.
‐Não! ‐ofegou Henrietta.
‐Pobre tipo. Chegou muito tarde. Você é minha. ‐Aproximou‐a para si, debaixo de seu
corpo.
Ela se agarrou aos seus antebraços.
‐Mas e o que ocorre com as crianças? Se todos esses cavalheiros de Londres não tivessem
filhos, querido?
‐Não, a não ser que fossem primogênitos ‐ disse Darby, com a cabeça em
outra parte. ‐Eu não tenho uma propriedade para dispor dela livremente. E não
sou o único que está nessa situação, sabe? Agora, se me perdoar, amor...
Ela conseguiu ofegar, quando ele entrou entre suas pernas e apesar da dor que se estendia
por todo o seu corpo.
‐Ainda acredito que tivessem filhos, querido.
Os músculos de seus ombros se sobressaíam. Henrietta lambeu um com a
língua.
‐Importaria um rabanete ‐ disse Darby. ‐Importaria um rabanete se
pudessem estar aqui contigo. ‐Olhou‐a com tal ferocidade que ela sabia que ele dizia a
verdade, ou sua verdade ao menos. ‐Mas não podem ‐ disse‐lhe contra
sua boca. ‐Ninguém nunca lhe terá a não ser eu. É minha Henrietta.
Não pôde evitar lhe sorrir.

CAPÍTULO 39

Conhecer o inimigo.

‐Essa não é a maneira apropriada de fazer avançar suas tropas ‐ disse Josie intransigente,
esticando a mão e detendo o contingente de soldados de chumbo de Henrietta. Ela caiu de bruços
e voltou a pôr os soldados em formação. ‐Se os trouxer para a volta da colina, vai ser vista por
meu vigia. Não pode ser vista. Essa é uma regra.
Henrietta piscou. Não recordava dos jogos com sua irmã serem tão
cheios de regras.
‐Deve me deixar jogar como quero, embora cometa enganos ‐ assinalou.
‐Assim ganhará mais rápido.
As tropas de Josie sempre ganhavam, já que Henrietta sempre tratava de
encontrar a maneira que poderia sacrificar os seus homens mais rápidos para
perder a batalha.
‐Não seria divertido assim. Se trouxer seus homens pelo oeste, podem lhe atacar pela
parte traseira do castelo.
Henrietta suspirou e começou a mover as tropas ao redor de uma
almofada carmesim para o oeste para um ataque por trás. Já era
suficientemente tedioso ter que estar vigiando continuamente o berço de Anabel. Com
certeza a sua sesta da tarde estava a ponto de acabar.
Os soldados de chumbo pareciam mais desgastados do que há uns meses
atrás, quando Josie os encontrou na creche de Esme. Os vermelhos só podiam
identificar‐se por um rosa pálido ao redor da cintura. Os azuis estavam melhores, Josie
não gostava tanto. A alguns ainda se via o uniforme. Não lhes
dava banhos diários, depois de tudo, e não tinham que dormir com seu comandante, como
faziam os vermelhos. Henrietta tinha se acostumado a sentir perto de si o corpo adormecido de
Josie com os vultos de metal dos soldados. Mas pelo que sabia Henrietta, Josie nunca se
perguntava como suas
tropas conseguiam sair da cama à noite.
‐Se atacar por detrás ‐ disse Josie, acomodando a seus homens nos
batalhões do castelo (aliás, a almofada vermelha) ‐ provavelmente te ferverei em azeite.
‐Olhou para cima sinceramente. ‐Não o digo para lhe decepcionar,
mas pensei que talvez devesse ser advertida.
‐Que idéia tão mercenária! ‐Disse Henrietta. ‐Onde raios aprendeu algo assim?
‐Meu irmão Simon me contou isso. Nunca ataca por trás por essa mesma
razão. Mas ele sabe muito de tudo. ‐Josie olhou para Henrietta com lástima.
‐Hummm ‐ disse Henrietta. ‐E quando seu irmão Simon lhe ensinou sobre
a fascinante prática de ferver os inimigos?
‐Esta manhã ‐ disse uma voz profunda, justo acima de sua cabeça.
Henrietta olhou para cima.
‐Não pensei que você soubesse sobre estratégias de batalha ‐ disse,
resistindo o impulso de lançar‐se aos braços de seu marido e beijá‐lo.
‐Há muitas coisas que não conhece sobre mim ‐ disse Darby, ficando ao lado de sua irmã.
‐por que puseste a estes homens em fila dupla, Josie? Se uma flecha em chamas cair sobre os
batalhões, perderá todos os seus homens.
Josie o olhou por um momento.
‐Porei atrás do pilar ‐ disse, assinalando um espaço vazio.
‐Boa idéia ‐ disse Darby, e Josie começou a mover cuidadosamente os soldados.
‐Não poderia pôr nestes pobres homens um pouco de roupa? ‐Perguntou
Henrietta a seu marido sustentando nas mãos um soldado azul. ‐O pobre homem está nu.
‐Você o gostaria vestido de renda? ‐Perguntou Darby. ‐É um homem de guerra, por Deus,
mulher. Além disso, eu não gosto da roupa.
‐Melhor a renda que nada ‐ assinalou Henrietta.
‐Chegou‐me uma nota de Rees que me pergunta se quero assistir a
estréia de sua nova ópera. Deve ser um cumprimento para ti. Nunca me tinha
convidado para assistir a uma estréia.
‐Maravilhoso! Quando é?
‐Esta noite ‐ disse com um sorriso. ‐Tenho a sensação de que se lembrou
de nós, afinal.
O rosto de Henrietta pareceu apagar‐se.
‐Esta noite? Não estou segura de que possa assistir.
Darby levantou uma sobrancelha.
‐Certamente Madame Humphries entregou pelo menos um vestido de
noite entre toda a roupa.
‐Henrietta sente dor nas pernas hoje ‐ disse Josie. ‐Por isso não pôde ir a
nossa caminhada. O azeite já está fervendo.
Era uma chamada pouco sutil para lhe explicar que ia ser fervida.
Henrietta começou a mover os soldados para o lugar onde caíam líquidos ardentes.
Uma grande mão ajudou ao último cordeiro de sacrifício a tomar seu
lugar.
‐Sinto muito que esteja dolorida ‐ disse Darby, sob os gritos de guerra de
Josie. O azeite fervendo estava derramando‐se com grande escândalo.
‐Está bem ‐ disse Henrietta, ajudando Josie a tombar aos últimos homens.
‐Josie, não grite tanto. Não queremos despertar Anabel de sua sesta.
Henrietta ficou de pé com ajuda de Darby.
‐Peço ao Flanning que troque a hora do jantar para que esteja preparado a
tempo?
‐Crê que iria sem você? ‐Havia um curioso exame em sua voz.
Franziu o cenho.
‐Deve ir. Uma noite de estréia é uma ocasião muito importante para Rees,
especialmente porque, é primeira que você está sendo convidado.
‐Crê que queira ir a alguma parte sem minha esposa? ‐Começou a lhe beijar as pontas dos
dedos.
‐Essa não é a questão ‐ disse Henrietta, tratando de ser séria. ‐Deve assistir a noite de
estréia de Rees, porque de outra forma me sentiria mais inválida do que sou.
Foi a vez de Darby franzir o cenho.
‐Deve fazê‐lo ‐ disse firmemente. ‐vou esperar que volte para casa para ouvir se a ópera
foi um êxito.
Ele se inclinou mais para perto.
‐Não se preocupe se dormir. Eu gosto de despertar a uma mulher
dormindo. ‐Com um sorriso nos olhos.
Henrietta se voltou rapidamente.
Umas horas depois, Henrietta acompanhou seu marido na sala de jantar.
Sua única saudação foi uma blasfêmia.
Henrietta olhou para si mesmo com ansiedade. Era um projeto formidável
viver com a magnificência de seu marido, mas na segurança de seu aposento,
onde sabia que a tinha.
‐Você não gosta do vestido? ‐perguntou.
Seus olhos se moveram da cabeça aos pés.
‐Suponho que é o vestido de festa que veio de Madame Humphries.
‐Sim‐ disse. E logo, porque viu algo em seus olhos que lhe deu a coragem,
deu uma volta para que ele a visse. O vestido era curto, sobre umas anáguas de cetim
brancas, e mostrava seus belos tornozelos quando se movia. Mas sem dúvida a melhor parte do
traje era o sutiã rosa pálido. Atava‐se em sua parte
dianteira, e era extremamente decotado na frente e atrás.
‐Maldição ‐ disse outra vez.
‐Quando lhe conheci não tinha idéia de que seu discurso fosse tão
expressivo. ‐ reajustou as luvas brancas para que lhe chegassem justo até o cotovelo. ‐O
que pensa do véu? Madame Humphries me assegura que foi feito
com sua renda. ‐Madame Humphrey tinha usado a renda de Darby em cada vestido que
tinha desenhado para Henrietta. Este vestido em particular não tinha renda, assim criou um véu
que lhe caía atrás da cabeça sobre os ombros.
Aproximou‐se dela. Havia algo felino em seu caminhar.
‐Muito lindo. Eu gosto de como ficam as pérolas.
‐É bastante incomum as encontrar neste desenho, ou isso disse Madame
Humphrey.
‐Vejo que o padrão se repete nas mangas.
‐Se as pode chamar de mangas ‐ disse Henrietta. ‐São as menores que já
tenha posto antes.
‐O sutiã é muito mais ajustado do que qualquer outro objeto que tenha tido o prazer de
ver você vestir.
Henrietta se engasgou ao sorrir.
‐Esse é de renda ‐ assinalou. ‐Vê como o sutiã se ata na parte dianteira.
Percorreu com o dedo a renda sobre seus seios.
‐Posso ver.
‐Parece que você gosta do vestido ‐ disse Henrietta, e seus dedos ficaram
parados na renda. ‐Então, por que a blasfêmia quando entrei?
Tinha a cabeça olhando para baixo, de repente, a levantou e a olhou direto nos olhos.
‐Vendo esse vestido, um homem não pode deixar a sua esposa em casa ‐
disse‐lhe.
A perna lhe doía ao ficar de pé, e Darby parecia sabê‐lo, porque a levantou
e a levou até uma cadeira perto da janela.
‐Sinto muito ‐ disse ela. Não havia maneira de demonstrar quanto sentia
que fosse tão tola de não poder assistir à estréia de Rees. Ou de dizer a seu marido o
ciumento desespero que sentia no coração ao pensar em um teatro
cheio de belas mulheres. Esse ciúme era o que a tinha impulsionado a vestir o
vestido de festa para um simples jantar com seu marido.
Sentou e dobrou o guardanapo em seu colo, como se estivessem
desenhados para estar juntos.
‐Estive pensando, Henrietta, e acredito que o seu quadril não gosta
quando ponho suas pernas sobre meus ombros.
‐Não deve dizer tais coisas em voz alta ‐ disse, sem soar convincente. Já estava se
acostumando ao despreocupado desprezo pelas convenções.
Encolheu os ombros.
‐Esta é nossa sala, querida, e não há nenhum empregado à vista. ‐Seus olhos tinham esse
brilho travesso outra vez. ‐Há muitas outras posições deliciosas que poderíamos provar.
Olhando‐te nessa renda, me agrada que não
me acompanhe à ópera. Não posso suportar a todos os homens de Londres sonhando em
lhe tirar o vestido.
‐Mas nunca serei tão bela como você ‐ disse.
O rubor apareceu em suas bochechas. Quando ia aprender a ter a boca fechada?
‐Por que diabos você diz isso? ‐Tinha seus dedos no peito dela e a olhava
com curiosidade.
Irritava‐a.
‐Nunca parece recordar que sou aleijada. Disforme. Você é perfeito. Não
tem um só defeito no corpo.
‐Tampouco vejo que o seu esteja desfigurado. Ela engoliu a saliva.
‐Não o entende, Darby? Não é só meu quadril. Se uma mulher não pode
procriar, não é nada. Bartholomew Batt diz que as crianças são o maior lucro
de uma mulher.
‐Está começando a me cair mal esse Bartholomew.
‐Bom, pois eu estou de acordo com ele. Ser mãe é..., é... ‐Nem sequer podia pôr em
palavras o que queria dizer.
‐Quando meu pai perdeu a propriedade onde cresci ‐ disse Darby, lhe dando um beijo na
orelha ‐ não podia imaginar o que ia fazer comigo. Depois
de tudo, só estava treinado para administrar uma grande propriedade. Essa propriedade
em particular, em minha opinião, a que tinha estabelecido meu avô. E já não estava disponível.
‐Perdida? Como seu pai a perdeu?
‐Apostou‐a ‐ Os lábios de Darby se afastaram da pele de Henrietta,
deixando uma frieza pouco grata. ‐O jogo. Perdeu nossa casa e nossa terra por
um par de jogos de dados. Ainda os tenho. Levou o par para casa, jurando que
se mataria. Não o fez, mas me despertou, deu‐me o jogo de dados, e me disse
que isso era tudo o que ia herdar dele.
‐Quantos anos você tinha?
‐Quatorze.
‐Ai, Simon, isso é terrível ‐ Henrietta se virou e o beijou. Tinha decidido chamá‐lo de
Simon em momentos íntimos, embora ainda não pudesse fazê‐lo
em público.
‐Mas agora tenho minha própria propriedade ‐ disse. ‐Não é onde vivia meu avô, mas é
minha. E sou feliz aí. É feliz na creche, Henrietta?
Ela piscou.
‐E como está essa pestilenta menina no dia de hoje? ‐Deu‐lhe um beijo na
orelha. ‐Anabel lhe vomitou a comida em cima, ou só perto de ti?
Sorriu ironicamente ao entender a que se referia.
‐As famílias são o que fazemos delas ‐ disse Darby. ‐Tenho dois irmãos, Henrietta, sabia
disso?
Moveu a cabeça para os lados, fascinada.
‐Não tinha idéia. Onde estão agora? E como se chamam?
‐Não pensei que fosse do tipo de mulher que memoriza um romance. Seus
nomes são Giles e Tobias. São gêmeos. Mas quanto onde estão..., ninguém sabe.
‐Como assim? ‐perguntou Henrietta. ‐Onde poderiam estar?
‐O mundo é grande. ‐Seus dedos percorriam os ombros de Henrietta e
perambulavam por suas costas‐saíram da Inglaterra quando tinham dezoito anos.
‐Mas deve ter alguma idéia de onde estão!
‐Nenhuma. Meu pai perguntava todos os anos, e eu continuei com essa prática. Ele estava
seguro de que não se perderam no mar. Eu não sou tão otimista. É uma das razões por que decidi
não ter filhos. Dei‐me conta de que
ninguém sabe o que pode acontecer amanhã.
Henrietta pendurou um braço ao redor de seu pescoço, e lhe esfregou a
bochecha contra o ombro.
‐Sinto muito. Deve sentir muita saudade dos seus irmãos. Espero que não
tenham se perdido no mar.
‐Eu também ‐ disse seu marido. ‐Eu também.
Sentaram‐se comodamente no crepúsculo enquanto Henrietta pensava
sobre os irmãos perdidos e as meninas encontradas. E logo decidiu que o papel
de esposa incluía animar seu marido em momentos de desânimo.
Então se levantou, sorriu para o senhor Simon Darby, e começou a desatar
lentamente a renda que adornava a parte dianteira do vestido de noite de Madame
Humphrey.
Ao final, Simon Darby perdeu a estréia de seu amigo mais próximo na ópera cômica. A
nota que mandou para Rees no dia seguinte dizia que tinha uma doença que o confinaria uns dias
em seu aposento.
Rees leu a nota e soprou. Ninguém acreditaria que Darby tivesse catapora.
E tampouco tinha muitas esperanças que uma invasão de manchas roxas fosse
manter Darby deitado.

CAPÍTULO 40

Sobre as fadas de gelo e outros seres surpreendentes.

Henrietta não estava pensando no término da rotina. Ciclos. Dias do mês.


Mas uma manhã se encontrou deitada na cama, pensando no conselho
matrimonial de Millicent e quão triste era, de verdade, que sua madrasta tivesse achado a
experiência tão desagradável, e que Millicent pensasse nos problemas antes de pensar nos
prazeres.
Pensar em problemas lhe punha rígido todo o corpo. Não tinha tido as suas regras.
Contendo a respiração, começou a contar para trás. Eles se casaram fazia quase quatro semanas.
Isso queria dizer que tinha tido suas regras quase seis semanas antes do casamento. Estava com
um atraso.
Recostou‐se com os braços e as pernas estiradas, e tratou de recuperar o
fôlego. Como podia ter acontecido? Tinha seguido as instruções de Esme com
respeito ao preservativo. Contava e voltava há contar os dias, como se isso pudesse fazer
uma diferença. Apareceu sua criada com um pouco de roupa. E
ela a despediu. Para que vestir‐se quando recebeu uma sentença de morte?
Era uma das piores manhãs na vida de Henrietta. Darby ia se reunir com
seu gestor. As meninas brincavam com uma nova babá.
Nunca se havia sentido tão só na vida. Passou a manhã olhando o dossel
de renda sobre a cama. Não tinha chorado. Só tratava de respirar.
Finalmente, levantou‐se e tirou a camisola e olhou seu corpo no espelho.
Não via nenhuma diferença. Não havia qualquer inchaço em sua barriga. Seus
olhos lhe devolveram o olhar rodeado de olheiras. Até onde sabia a barriga podia
aumentar em qualquer momento. Havia mulheres na aldeia que
pareciam ser capazes de ocultar a gravidez até meses depois, mas para alguém
tão pequeno como ela se notaria desde o começo.
Abriu as mãos sobre a barriga e pensou coisas perigosas. Dentro dela, um
broto tinha começado a crescer. Um bebê. Uma criança própria. Talvez uma pequena
menina com a beleza de Darby. Seu corpo tremeu de desejo com apenas pensá‐lo. Se só...
No momento em que se inteirasse, seu marido perguntaria pela garrafa que lhe tinha dado
na noite de bodas. E Darby estaria certo, pensou, ao tratar de persuadi‐la. Todos pensavam que
era um milagre que ela tivesse
sobrevivido. Daria sua vida, só para perder a vida do bebê no processo? Haveria algo
bom nisso?
Nada bom, dizia‐lhe seu coração. Nada bom. Nada bom. Nada bom.
O sangue pulsava por seu corpo, lhe dizendo com cada pulsação que não
tinha outra opção. Podia ouvir um rugido nos ouvidos. Se Henrietta tivesse sido capaz,
teria desmaiado. Mas em troca, seu coração seguia pulsando e sua cabeça seguia pensando.
Essa noite ela pediu privacidade, fingindo estar resfriada. Darby dormiu em outro
aposento. Perguntou‐lhe o que tinha passado de maneira tão doce que ela quase lhe contou, mas
contar significaria o fim. Não podia fazê‐lo, ainda não. Não tomaria a garrafa, abandonando
assim o seu bebê. Ainda não.
Mais ou menos uma hora depois que ele se retirou para o outro aposento,
ela se deu conta de que quando a vida se conta em meses, passar uma noite só
era uma idiotice. Deslizou na cama para o seu lado em êxtase pela
familiaridade de ter suas duras pernas sobre as dela, pela forma que a acolhia em seus
braços enquanto dormia.
Pela maneira com que se deitavam juntos, em que ela se aconchegava
dentro do círculo de seus braços e ficava ali como uma noz na casca de um ovo.
Teve sonhos incômodos. Primeiro, pensou que ainda seguia em um sonho.
Ele a estava tocando com suavidade e suas grandes mãos lhe roçavam as costas. Meio
dormindo, pensou em protestar, mas havia algo sobre seu marido
que lhe permitia libertinagens. Sua madrasta não aprovaria. Mas então a consciência do
que estava acontecendo a despertou. Não havia privacidade na
vida de casados?
‐Simon Darby! ‐disse e se sentou na cama. ‐O que pensa que está
fazendo?
Sorriu‐lhe.
‐Fiz‐me cargo desse preservativo, meu amor. E agora que temos isso fora
do caminho... ‐Levantou‐a e a levou até a janela com vista para o jardim.
Então ela protestou. O aposento não estava frio, pois havia uma grande lareira com fogo
que ainda estava vivo, mas era inverno e ela estava nua, alguém lhe tinha tirado a camisola
quando estava dormindo.
Mas não lhe pôs atenção, só a levou até o assento da janela e disse:
‐Olhe Henrietta.
A parte de atrás da casa se converteu em uma paisagem de fadas. O
jardim era usualmente um delicado bosque de árvores e roseiras. Mas agora o
gelo brilhava em cada ramo, inclusive nos menores. A luz da lua se refletia e dançava de
um ponto prateado a outro. Até a janela estava decorada com samambaias e flores congeladas.
‐As fadas do gelo estiveram aqui ‐ disse Henrietta, tocando uma flor com
um dedo. ‐Ai, Simon, que formoso.
‐Mmmm ‐ disse, beijando o osso delicado de seu ombro.
‐Me dá vontade de chorar ‐ murmurou. O jardim parecia de fantasia,
como um bolo de bodas decorado para gigantes.
Seu corpo morno se aproximava atrás dela. Já conhecia essa força e se recostou sobre ela,
recebeu‐a como um glutão dá as boas‐vindas a um festim.
‐Chorar me parece uma reação desnecessária para uma noite fresca ‐
disse. Tinha a voz atravessada pelo desejo, e suas mãos estavam sobre os seios dela, sua
cabeça se recostava em seu ombro e um gemido lhe escapou na silenciosa noite.
Esfregou os dedos na janela gelada e logo lhe tocou o mamilo. Ela ofegou.
Sentia‐se muito bem. Esfregou a janela outra vez e lhe pôs gelo na barriga até em suas
magras dobras, que ardiam por ele, resistindo a seus dedos.
Onde seus dedos tinham derretido o gelo, a janela se tornou tão negra como uma cova,
refletindo só a longa linha de seu flanco no aposento.
Ajoelhou‐se no assento da janela, tratando de não despertar a toda a casa enquanto os
dedos gelados dele se deslizavam por toda parte. Pressionou os lábios contra o vidro e logo a
beijou no pescoço, rindo enquanto se retorcia.
Mais tarde, não ouviu mais risada, só o fôlego dele em seu peito, quando
algo morno substituiu os dedos frios. Seu forte corpo se arqueava atrás do dela. Em um
ponto tinha posto a bochecha contra o vidro gelado, mas não tinha se importado porque ela
estava ardendo, seu corpo consumido, sentindo
o dele, com as centenas de pontos de fogo líquido que voavam por seu corpo
quando ele a tocava.
Depois ele levou‐a de volta ao morno ninho de sua cama. Enquanto se enroscou em seu
corpo, sentiu que lhe levantava a barriga novamente. Esticou
a mão para tocá‐lo, para levar essa força e esse calor para ela.
Ele a estava beijando, tomando seu rosto entre as mãos, e beijando seus
olhos, sua boca e suas bochechas.
‐Amo‐te ‐ disse ofegando, entre beijos. ‐Amo‐te, Simon. ‐Sua boca tomou
a dela e lhe afogou a voz, mas seu coração cantava com a verdade.

Sonhou que tinha tido um filho, um menino. Tinha cachos como os dela e
a risada alegre de Anabel. Estava tomando chá com o vigário e as senhoritas do círculo
de costureiras vagavam pelo aposento levando flores para um funeral.
Finalmente, o vigário se foi e ela foi recolher o bebê na creche, mas a babá não o tinha
visto. E Henrietta não podia recordar se o havia deixado lá de manhã.
Começou a correr, procurando em pilhas de roupa, tratando de encontrá‐lo
desesperadamente, mas era muito pequeno. Não podia encontrá‐lo. O coração
lhe golpeava nas costelas. Estava muito assustada para chorar, não sobrava fôlego para
gritar.
Despertou. A falta de ar lhe agarrou as costelas.
Passou a manhã olhando o dossel de renda de sua cama. Escutou um som
de arranhões em sua porta, e se sentou, esperando à nova criada, Keyes, para
um banho quente. Mas não era Keyes. Era Josie.
‐Olá ‐ murmurou a menina em voz alta, e entrou no aposento.
‐Olá! ‐disse Henrietta sorrindo.
‐A babá Millie diz que está doente. Vai faltar ao café da manhã? ‐disse Josie, parada
perto da porta.
Henrietta podia entender a relutância de Josie em entrar. Em apenas um
mês que levava como mãe de Anabel, havia visto suficiente vômito por uma vida inteira.
‐Nem de brincadeira ‐ disse segura, estendendo a mão. ‐Só tenho um
resfriado. Vêm aqui e me conte o que fez ontem.
O sorriso de Josie esquentou os recantos do coração de Henrietta.
‐Vim lhe visitar porque a babá está limpando o que Anabel vomitou depois
do café da manhã. ‐subiu à cama. Henrietta passou um braço ao redor dos ombros de
Josie.
‐Crê que o estômago de Anabel está mais forte?
‐Não ‐ disse Josie, depois de considerar o assunto por um momento.
‐Bom, já se arrumará. Não conheço nenhum adulto com esses hábitos
peculiares.
‐Eu não estaria tão segura ‐ disse Josie com uma solene combinação de comportamento
adulto e uma voz infantil que sempre fazia Henrietta sorrir.
Keyes tocou a porta e entrou, seguida de dois criados com água quente.
Josie puxou a manga de Henrietta.
‐Posso ficar?Por favor, não me mande de novo à creche.
‐Enquanto tomo um banho?
Josie a olhou e o lábio inferior lhe tremeu.
‐Sou uma senhorita. A enfermeira Millie banha a Anabel e a mim juntas porque ambas
somos senhoritas.
Mas Henrietta apenas estava se recuperando da invasão de seu marido no
banheiro.
‐Não acredito que essa seja uma boa idéia, Josie ‐ disse brandamente. ‐As
meninas muito pequenas, como você e Anabel, podem banhar‐se juntas. Mas
as mulheres adultas se banham em particular.
Henrietta terminou banhando Josie. Havia algo tentador em uma tina
vaporosa de água quente, depois de tudo, e uma vez que Keyes tinha vertido
azeite de rosas na água, Josie colocou um pé e rogou poder inundar‐se inteira.
Tinha um corpo enxuto com barriga de menina pequena. Henrietta tentou
lavá‐la, mas se passou todo o tempo salpicando água fora da tina. Mostrou a Henrietta a
cicatriz de seu joelho de quando caiu pelas escadas dos serventes ‐
"A babá Peeves disse que foi minha culpa porque eu não devia descer por essas escadas".
Disse‐lhe três vezes que queria uma cachorrinha mamãe em seu aniversário. Henrietta tratou de
lhe explicar sem êxito a dissonância entre a palavra mamãe e cachorrinha.
Em algum ponto, a babá Millie apareceu, uma vez que descobriu onde se
encontrava a jovem acompanhante que tinha se extraviado. Henrietta se despediu dela
desculpando‐se. Josie ficou na tina até que a água esfriou e lhe formaram rugas na pele. Falava, e
falava e falava.
Inclusive quando Henrietta tirou Josie da tina e a envolveu em uma toalha,
Josie seguia falando. Contou a Henrietta sobre a rã que tinha visto no poço, no fundo do
jardim no verão passado, e os patos que nasciam ali e decidiam viver
no estábulo. Contou a Henrietta todo o jantar de Natal em que,
aparentemente, sua mãe tinha jogado um prato no vigário. Disse a Henrietta que Anabel
parecia um frango depenado quando nasceu, e que sua mãe tinha
enviado o bebê à creche e não havia tornado a vê‐la até ela que tivesse mais
cabelo. Josie adorava essa história, Henrietta a odiava.
Não foi até que Josie se cansou que Henrietta soube exatamente o que devia fazer.
Beberia da garrafa azul, porque Josie e Anabel a necessitavam.
Porque as amava. Tinha responsabilidades, mas não podia pensar em um bebê
próprio, simplesmente não podia. Não havia nada que pudesse fazer por esse
bebê.
Morrer no parto não manteria vivo o seu bebê. Não o faria, não o faria, não o faria.
Talvez se o dissesse mil vezes mais, pareceria real.
‐É hora de voltar para a creche ‐ disse a Josie, quando terminou de lhe pentear o cabelo.
O lábio inferior do Josie tremeu.
‐Não quero.
‐Anabel deve estar brincando sozinha.
‐Não me importa!
Henrietta conhecia todos os sinais de advertência. Dentro de trinta
segundos, Josie iria chorar tão forte que provavelmente a ouviriam à duas ruas de
distância. E seguia com o mesmo discurso: "Sou uma pobre...". O pranto que a rasgava por
dentro se saltou a parte de "... órfã", mas Henrietta sabia que o haveria dito.
De repente se agachou, levantou Josie e a pôs sobre a cama. Já estava bem.
‐Josephine Darby ‐ disse, com as mãos na cintura‐ se tranqüilize e me escute. ‐Josie
nunca prestava atenção a esse tipo de ordens e esta vez tampouco o fez. O pranto voltou mais
forte.
‐Eu sou sua mãe.
Josie seguia gritando.
‐Eu sou sua mãe! ‐gritou Henrietta.
Os olhos de Josie se voltaram tão redondos como uma bola de gude, e ficou calada.
‐Não se deu conta, Josie? ‐exigiu Henrietta. ‐Tem uma mãe, sou eu.
Josie piscou. E olhou.
Henrietta se ajoelhou em frente de Josie e lhe moveu o cabelo molhado do rosto.
‐Quero‐te, Josephine Darby. E vou ser sua mãe, você querendo ou não.
O rosto de Josie estava atordoado. Henrietta tomou a sua mão e começou
a caminhar para a porta.
‐Sou sua mãe e Simon vai ser seu pai. Não tem que me chamar de mamãe,
mas é assim que penso sobre mim mesma.
Josie ainda não dizia nada, e Henrietta seguiu caminhando até a creche.
Quando chegou ao terceiro piso, Henrietta sentiu cheiro de queijo torrado
e Josie, de repente, se virou e correu para a creche.
‐Anabel! ‐gritou. ‐Estive lá embaixo e me deram um banho! ‐correu ao redor da creche
várias vezes como se a conversa não tivesse acontecido.
Henrietta se deteve na porta. O que esperava? Que, de repente, Josie começasse a lhe
chamar de mamãe e tudo ficasse bem?
‐Espero não haver levado muito tempo, Millie ‐ disse a babá. ‐Que
momento tão encantador.
‐Absolutamente ‐ respondeu Millie. ‐A senhorita Josephine sempre está
tratando de escapar e procurá‐la. Era razoável que tivesse êxito uma vez.
‐De verdade?
‐Sim ‐ disse a babá com indulgência. ‐Corre em círculos ao redor de mim,
aborrece‐me até morrer. “Quero ir ver mamãe! Quero ir ver mamãe!". Por Deus, ouvimos
isso todo o tempo. ‐conseguiu apanhar o laço do vestido do Josie enquanto corria. ‐Agora,
sente‐se, jovenzinha, e mostre a sua mamãe que
lhe estou ensinando boas maneiras.
O sorriso que se desenroscava no coração de Henrietta era tão grande, que não lhe cabia
no corpo.
‐Devo ir tomar um banho, meninas ‐ disse. ‐Sejam boas com a Millie.
Josie a olhou de onde estava fazendo uma boa imitação de uma
jovenzinha com maneiras, sentada em um banco diante de uma mesa.
‐Virá para nos dar o beijo de boa noite?
Henrietta sorriu.
‐Sempre o faço.
‐E nos contará um conto?
‐É obvio.
Voltou para seu aposento e pediu outro banho. Ensaboar os braços e as pernas tinha outra
sensação, agora que Simon era seu marido. Ele tinha beijado esse cotovelo, e adorava seus
ombros. Não podia esfregar com uma esponja nos seios sem pensar nele.
Henrietta sempre se orgulhou de suas faculdades lógicas. Podia ver o fundo de um
problema. Mas qual era o fundo deste problema? Havia um defeito no preservativo, isso era
claro. Ela e Darby alguma vez mais fariam amor? Beber da garrafa sem dizer‐lhe parecia ser
desonesto, sem mencionar ser inútil. Se o preservativo não funcionava, enfrentaria ao mesmo
problema no mês seguinte. E não poderia voltar a fazê‐lo sem enlouquecer.
Darby poderia conseguir uma amante. Voltariam para o plano que
concordaram a princípio, no que ela atuaria como uma babá glorificada e ele teria uma
amante, ou várias. Só de pensar em Darby nos braços de outras mulheres lhe revolvia o
estômago.
Darby não agüentaria uma vida de celibato. Ele não era um homem para
viver sem uma mulher. Aprenderia a lhe odiar, pensou. Um raio de angústia lhe
tocou o coração.
Tinha que dispor de uma amante. Devia. Porque se tivesse uma amante,
ao menos ela poderia vê‐lo, viver na mesma casa com ele. E essas migalhas seriam
suficientes, a manteriam viva. Se a odiasse...
Preferiria morrer, pensou Henrietta. Só de pensar fez com que o ar do aposento
desaparecesse.
Era bom que tivesse descoberto que o preservativo era defeituoso, já que
ia ser apresentada à alta sociedade. A estação não estava em todo seu furor, mas Darby
lhe tinha explicado que Londres já estava cheia de gente
importante, e que quase todos assistiriam ao baile oferecido pela duquesa de
Savington essa mesma noite.
Mas agora Darby tentaria fazê‐la ficar em casa. Certamente uma esposa perturbaria a
busca de uma amante. Dada a forma como ele ficaria, noite após
noite, até que (ela corou ao pensar), duas vezes por noite, a madrasta estava
certa. Ele teria que ter duas amantes.
Atormentou‐se por um momento ao imaginar um par de mãos femininas
tocando o suave peito de Darby. Afastou da cabeça esses pensamentos.
CAPÍTULO 41

Outra carta de amor.

Presumivelmente era uma nota de despedida. De despedida e


mencionando que a amava. Esse era o problema com uma carta sem abrir: pode dizer
tudo ou nada.
Esme a girou uma e outra vez e tomou seu tempo para abrir o envelope.
Henrietta fazia um luto de receber só uma carta de amor em sua vida, essa que
ela mesma havia escrito. Esme tinha recebido muitas, talvez inclusive uma centena, mas
esta era quão única importava. Havia‐lhe dito que se fosse, sim.
Mas entesouraria essa carta até que morrera.
Mas nem sequer os desejos podem desacelerar o processo de abrir um
envelope. A carta estava escrita em um papel grosso, do tipo que usaria um jardineiro se
era tão afortunado de saber escrever. A caligrafia era a de um marquês, segura e atrevida. Esme,
dizia no encabeçado. Os olhos lhe fixaram aí.
Nada de Querida Esme?

Esme,
Antes que me voltasse jardineiro, tinha encontrado difícil..., não, melhor dizendo,
impossível negar uma petição a uma dama. Uma das razões pela que
nunca tive uma amante foi porque desdenhava a meus amigos: que se submetiam a
pedidos extravagantes, eram uns tolos. Se não o faziam, não eram cavalheirescos. Agora que já
não sou conhecido como marquês, encontro este problema muito mais fácil de negociar.
Rejeito sua petição, minha senhora. Não vou deixar este emprego
voluntariamente. Sou consciente de que sua reputação periga por minha presença em
sua propriedade. Minha única desculpa é que eu mesmo não tenho uma reputação, e, portanto
sou consciente de seu valor efêmero. A reputação não vale nada.
Não posso te deixar, Esme. Talvez se não tivesse esse menino. ..., mas o tem. E não sou
estúpido, Esme. Lembro cada detalhe da noite que passamos juntos na casa de lady Troubridge.
Você me disse que não te tinha reconciliado com seu marido, e eu tirei partido desse fato.
O menino que leva poderia ser meu.

Se mandares a um mordomo para que me despeça, construirei uma


cabana a suas portas, como ameaça Viola em Noite de epifanía. Isso causaria um
escândalo, sem dúvida. Talvez, depois do escândalo me permitirá te levar comigo e ao bebê.
Encontraremos a ilha de Cerque, e viveremos de toronjas e banana.
Seu Sebastian
Esme tomou ar. Se a gente ia receber só uma carta de amor em toda a vida, certamente
esta era a carta que devia receber. Um sorriso brotou de novo em seu coração. Ele se negava a
ir‐se.
Sebastian se negava a deixá‐la.
Ela não podia forçá‐lo a retornar a Itália. "Sou uma mulher débil", pensou.
Depois leu a carta de amor, sua primeira carta de amor, de novo.

CAPÍTULO 42

Revelações não desejadas durante o jantar.

Essa noite, Keyes lhe pôs um vestido tão leve como uma teia de aranha,
adornada com uma renda tão fina que podia romper‐se com a unha. Henrietta
não tinha posto nenhum espartilho. Darby os tinha atirado todos. Por cima da
camisola, levava umas anáguas muito curtas, bordadas ao longo dos seios com
lantejoulas de prata. O sutiã era de seda e levava o mesmo adorno. Finalmente, o
conjunto levava em cima uma bata de renda branca que caía em leves dobras
até o chão. O vestido estava cheio de graça e era extremamente elegante. Tudo
o que Henrietta não era. Inclusive com sua claudicação, a renda flutuava com
ela de tal maneira que parecia estar deslizando‐se em lugar de caminhando.
Henrietta olhava adormecida enquanto que os dedos destros do Keyes
prendiam o cabelo. Em lugar de prender na ponta da cabeça, como o fazia Henrietta
normalmente, Keyes os prendeu brilhantemente em um rabo‐de-cavalo que lhe caía pelas costas,
adornando‐lhe com um ornamento de prata que combinava com suas lantejoulas.
‐Está segura? ‐Perguntou Henrietta dúbia, lutando para ver o penteado por cima do
ombro. ‐Pensei que a moda era recolher‐se todo o cabelo, deixando só um cacho de cabelo a um
lado.
‐A senhora tem um cabelo tão formoso que deveria ignorar a moda.
Henrietta franziu o cenho para ouvir tal reflexão. A seu parecer, parecia uma calêndula
inchada.
Keyes se inclinou para frente.
‐Seu marido ignora sempre a moda quando de sua renda se trata,
madame.
‐OH, bom, está bem ‐ disse Henrietta, embora essa não lhe parecesse razão suficiente
para que seu cabelo parecesse um calêndula. Mas o que importava? De todas as maneiras, não
podia imaginar que Darby queria mostrar a sua esposa manca em público, dada sua necessidade
latente de encontrar uma amante. De agora em diante, ela seria um pouco mais que a babá. Tal e
como ele o havia dito.
Reconhecer o fato de que ela estava sendo infantil não ajudou. Ela se estava afundando
em um assustador ânimo escuro, que não experimentava desde que era uma menina, e a realidade
de sua situação se fez evidente.
Darby preferia que seu mordomo, Fanning, abandonasse a sala de jantar
durante o segundo prato. Uma vez que Fanning teve fiscalizado atentamente a
mesa e abandonado o aposento, Henrietta tomou um comprido gole de
clarete. Era um vinho muito mais forte do que estava acostumado a tomar e fez
que a cabeça lhe desse voltas. Mas essa noite lhe dava valentia.
Os ânimos escuros a estavam apanhando. Havia dias nos que atuava como
uma menina e se zangava todo o dia com seu destino, quando não podia tolerar a idéia de
suportar uma existência ditada pelos enganos da natureza. O
sentimento era muito mais azedo agora, que conhecia a sorte de estar nos braços do
Darby.
‐Preciso te dizer uma coisa ‐ disse‐lhe.
Ele estava particularmente bonito essa noite. As velas da mesa que se encontravam entre
eles lhe marcavam as covinhas inclinadas das bochechas e
lhe davam uma aparência muito chique, quase como um oriental, não como um fino e
poderoso cavalheiro inglês. Ele levantou uma sobrancelha.
Ela odiava o fato de poder sentir que a olhava fixamente, como se ele fosse o sol e ela
uma flor. Respirou profundamente e tomou outro gole de clarete.
‐Eu também estive querendo te dizer algo, Henrietta. Ontem à noite me disse que me
amava.
Em meio da luz fria da manhã seguinte, ela desejou ter guardado esse sentimento para
ela. Não se tivesse despojado do último rastro de dignidade.
‐Não sei muito sobre o amor. Para ser honesto, duvido que ame a alguém.
Simplesmente não estava sentindo o mesmo. Mas quero que saiba o muito que
valorizo seus sentimentos para mim. Como estou encantado por ter seu afeto.
"Encantador" pensou Henrietta. Ao menos não teria que preocupar com o coração
quebrado de seu marido quando ela não conseguisse seguir sendo sua
companheira de cama. Ele poderia encontrar afeto em outra parte. Seria ela a
que passaria as noites na solidão de sua cama. O sentimento escuro cresceu e
se converteu em ira.
‐Estou grávida ‐ disse, sem rodeios.
Ele estava acariciando brandamente a taça de vinho com os dedos e a olhou com uma
expressão impenetrável, quase como se estivesse desejando que ela dissesse algo alarmante, mas
não isso.
‐O que?
‐Não tive meu período desde que nos casamos ‐ soltou‐o.
‐Casamo‐nos faz três semanas. ‐Amanhã são quatro semanas. E eu estou
acostumado a ser bastante regular.
Houve uma pausa, e logo:
‐Maldito seja o demônio.
Isso também parecia resumir o que sentia Henrietta.
Darby ficou de pé, caminhou para o aparador, e levantou a garrafa de clarete. Logo,
serviu a Henrietta e a ele mesmo outra taça.
A mão da Henrietta tremia enquanto levantava a taça de vinho.
‐Onde está o remédio que te dei? ‐disse Darby. Sua voz era calma, como
se a notícia que tinha acabado de receber não o tivesse perturbado o mais mínimo. O
pequeno ataque de fúria tinha passado como se nunca tivesse existido.
‐Na penteadeira de meu quarto.
Ele a olhou e ela se surpreendeu pela compaixão que viu em seus olhos.
‐Sinto muito, Henrietta. Dado seu amor pelas crianças, este deve ser um pensamento
detestável para ti.
‐Não tenho alternativa ‐ disse ferozmente, tentando ela mesma acreditar
nestas palavras. ‐Comprometi‐me com a Josie e Anabel. E não é algo detestável
para ti também?
Ele piscou.
‐Naturalmente, eu não gosto da idéia de que esteja angustiada.
‐É seu filho! ‐disse ela, em tom agudo.
‐Eu não... ‐deteve‐se. ‐Henrietta, nunca quis ser um homem de família.
Mas estou a par do muito que quer ter um filho. Por que não vamos ao médico
antes de tomar uma decisão? Talvez algum da Universidade Real. Londres tem
os melhores médicos do mundo, ao menos isso dizem.
‐Já visitei vários doutores ‐ disse ela ‐bisbilhotaram meu quadril, e negaram com a
cabeça. Ouviram a história da morte de minha mãe, e me olharam pensando na morte. ‐Sua voz
era alarmantemente, então se deteve.
Ele afastou o prato que tinha diante.
‐Então, sugiro que nos embebedemos e não vamos ao baile. ‐A razão de
tal sugestão era essa pequena garrafa azul.
‐Não! ‐disse um pouco histérica. ‐Não posso tomar uma erva que matará a
um bebê. Não posso fazê‐lo. Prefiro morrer. Quis ter este bebê durante toda minha vida!
‐Eu não. ‐Ele se deteve e começou de novo. ‐Talvez devamos discutir isto
na manhã.
‐Há coisas que devemos discutir agora.
Ele a olhou com calma. Para a Henrietta, a idéia de perder a seu bebê e não voltar a
dormir com o Darby estavam mescladas. Sentia como se um tigre
lhe estivesse rasgando o coração. Mas seu marido parecia imperturbável. Os homens
eram espécies completamente diferentes às mulheres, estava claro.
‐Ao que parece o preservativo não é do todo seguro ‐ esclareceu ela.
‐Sua conclusão parece respaldada pelas conseqüências.
‐O que vamos fazer? –a pergunta‐a lhe saía do coração.
Ele permanecia em silêncio.
‐Simon, o que vamos fazer?
‐Estou pensando. ‐Seu tom era brusco.
A um cavalheiro do status social de Darby desagradaria lhe informar a sua
esposa que foi relegada ao status de babá.
‐Acredito que não temos mais opção ‐ disse ela, seu tom era alto e agudo.
‐Obviamente, devemos cessar as atividades que conduzam a procriar.
Ele encheu a boca de vinho e engoliu. Mas seu rosto ainda não tinha expressão alguma.
‐Deverá procurar uma amante ‐ disse ela, grosseiramente.
‐Eu poderia sugerir outras...
‐Eu te obriguei a se casar. ‐disse.
‐Eu aceitei me casar com total consciência de suas limitações ‐ disse Darby.
‐Não entende ‐ disse ela. ‐Eu escrevi essa carta.
Deteve. Confessar a verdade era horrível. Embora ele não a amasse, e só
estivesse honrando seu afeto. Que bem faria a verdade? Se ele queria uma amante, teria
uma.
‐Sei ‐ disse ele, pacientemente. ‐me acredite Henrietta. Estava muito a par
dos riscos de me casar contigo quando o fiz.
Ela continuou, guiada por uma classe de cega e destrutiva desdita:
‐Não entende o que quero dizer. Eu escrevi essa carta e logo Esme e nós
preparamos tudo para que esta fosse lida durante o jantar.
Sua expressão não mudou e ela continuou: ‐ Não te dá conta? Decidi que
queria me casar contigo e te apanhei. Não tinha outra opção diferente a de te
casar comigo.
Um silêncio inebriante descendeu na sala de jantar, e só foi interrompido
pela entrada de Fanning. Como todos os bons serventes, deu‐se conta de que
necessitavam intimidade e abandonou o aposento imediatamente, sem trazer
o seguinte prato. Darby lhe indicou com um gesto da cabeça que o chamaria se
fosse necessário.
Henrietta se tomou o resto de vinho que ficava na taça.
‐Comprometi‐te deliberadamente.
‐Por que foi tão longe para te casar comigo? ‐perguntou ele, finalmente.
‐Queria às meninas ‐ disse Henrietta. Mas era uma razão fácil e não de todo verdadeira.
‐Queria a ti.
Estava absolutamente cheia de raiva. Sentia raiva com o destino, raiva com seu corpo,
raiva com seu marido e, mais à frente, com ela mesma. Se nunca tivesse feito algo tão estúpido
como casar‐se com ele, não estaria olhando fixamente essa garrafa.
‐Ah ‐ disse ele. Soava um pouco interessado. ‐Por quê?
‐Era diferente dos homens de Limpley Stoke ‐ disse ela. ‐Você me beijou.
Queria a suas irmãs. Você necessitava minha herança. –encolheu os ombros. ‐
Realmente importa?
‐Suponho que não. Posso perguntar de que maneira estas desagradáveis
revelações poderiam afetar a nossa futura vida de casados?
Se ele estava incomodado, ela não poderia adivinhá‐lo pelo tom de sua voz: não havia
raiva, tão somente insipidez. Uma insipidez ampla e desgastada.
Ela tinha um pressentimento horrível, como se estivesse destruindo algo delicado e
precioso, tão facilmente como se destroem os flocos de neve contra
a janela. Mas então o que importaria sua vida de casados, em comparação com
o que ocorreria se ela bebesse essa pequena garrafa azul?
‐Imediatamente depois do jantar em casa de Esme, depois de que falamos
dos preservativos, você sugeriu um matrimônio no que você teria uma amante
e eu atuaria como algo parecido a uma babá para suas irmãs.
‐Segundo lembro foi você a que colocou o tema da amante.
Ela ignorou esse comentário.
‐Deveríamos voltar para essa idéia. Não posso te pedir que faça um
sacrifício, dado que eu te impus este matrimônio por meios fraudulentos. ‐ela o olhou
fixamente, com a cabeça em alto e sem derramar uma lágrima. ‐Depois
de esta noite ‐ e ela se referia a depois de que se bebesse o conteúdo da garrafa‐ já não
compartilharemos o mesmo corpo, como você disse. Meu corpo
será meu de novo.
Isso foi o pior de tudo. Depois de ter experimentando Darby, depois de ter
sido parte dele, não havia maneira de poder retornar à própria pele sem se desesperar‐se.
‐Parece estar incomodada comigo, Henrietta. E me está dando razões para
me incomodar. Por quê?
Ela o olhou e odiou, com toda a alma, sua calma. Por que não estava incomodado com ela
por ter feito miserável o matrimônio? Porque não lhe importava nada, por isso era. Inclusive sem
ter que dormir com ela, já tinha a babá que necessitava.
Henrietta sempre tinha sido terrível com as mentiras. ‐Não estou
incomodada contigo. ‐podia ouvir a raiva em sua própria voz.
‐Minha mãe fazia o possível por atrair a meu pai a desdobramentos de raiva similares aos
dela. Não me mostrarei menos homem que meu pai neste
aspecto, Henrietta. Não dançarei a seu ritmo. Se te ofendi de algum jeito, estarei feliz de
falar sobre essa ofensa.
‐Provavelmente sua mãe estava tentando que seu pai mostrasse alguma
emoção ‐ disse Henrietta, estridentemente.
‐Me parecia que estava tratando de lhe moldar os sentimentos. ‐ brincava
com os dedos com o caule da taça.
"Não há maneira de penetrar essa calma", pensou Henrietta. "Não deve sentir nada por
mim".
‐Não fica dúvida alguma de que ambos devemos nos arrepender de nos
haver casado ‐ disse ela, escutando suas próprias tolices. ‐Eu me arrependo de mi...,
minha imprudência ao ter escrito essa carta. Mas não te armarei nenhuma cena, Darby. Não me
comportarei como sua mãe, asseguro‐lhe isso.
Estou completamente preparada para aceitar que você tenha outra..., que tenha outros
interesses fora desta casa.
Os olhos dele pareciam negros à luz das velas.
‐E o que me diz do amor que professou por mim? Desprezou‐o tão
rapidamente, que pode me ver imparcialmente com uma amante?
‐Alguém diz muitas coisas com o calor da paixão que não deveriam ser arejadas na
manhã. Você mesmo disse isso. ‐seu tom era forte, e ela o soltou
com toda a raiva que tinha na alma.
‐É certo ‐ disse ele, deixando a taça de vinho sobre a mesa. ‐Quer que mande trazer a
carruagem? Suponho que quer te arrumar um pouco antes irmos ao baile.
‐O baile?
‐Naturalmente. Confirmamos nossa assistência.
‐Mas pensei que não queria que eu, dado...
‐Dado que preciso encontrar uma amante? Mas não, querida. Não vejo
razão para te privar do prazer. ‐Ele a ajudou a mover a cadeira, e se tivesse sido outra
pessoa e não Darby, ela teria pensado que havia algo de raiva nesse gesto.
CAPÍTULO 43

Dançando como um tolo.

Lady Felicia Saville sentiu uma pequena sensação de prazer. Por alguma valorização
razoável, ela era a convidada mais importante no baile da duquesa
do Savington. Das sete mecenas do Almack's ‐ as jovens damas que podiam criar ou
arruinar uma reputação‐, ela era única estava em Londres ao início da temporada.
Dependia dela e só dela, criar ou arruinar as reputações das provincianas
que pretendiam entrar na alta sociedade londrina. Até agora, o baile tinha sido bastante
débil, no que concernia a essa açoitadora. Ela tão somente tinha negado a petição de um passe ao
Almack's, o que não incluía o delicado equilíbrio entre as negociações e os favores. A senhora
Selina Davenport tinha negociado com sua pequena fortuna, mas

Felicia não sentiu o menor interesse quando lhe negou a petição do passe.
A mulher não estava bem vestida; o que fariam as outras mecenas não necessitava muita
intuição, jamais lhe outorgariam um segundo passe embora
Felicia tivesse um noivo.
Sua prima atravessou a multidão caminhando para ela.
‐Bunge ‐ disse, estirando a mão. ‐É um prazer.
Realmente não o era, mas o Honorável Gerard Bunge geralmente tinha
notícias difamantes com as que compartilharem e esse fato fazia que fosse a companhia
perfeita.
‐Felicia, querida, Simon Darby se casou!
Ela se abanou ociosamente, como se as notícias fossem velhas. Se sete jovens damas
controlavam o lado feminino da alta sociedade, Simon Darby era
seu competidor masculino. Sua beleza física e delicioso sentido da moda significavam
que sua atenção (ou falta de atenção) por volta de uma jovem era
algo tão cobiçado como Brumell's e servia o mesmo propósito que os vale do
Almack's.
‐Admito que esteja surpreendida. Pensei que Darby tinha decidido faz
muito manter‐se afastado dos assuntos conjugais ‐ disse languidamente.
‐Seguiu meu conselho ‐ disse Bunge com o peito inflado. ‐Disse‐lhe que se
casasse com uma herdeira, e isso foi o que fez exatamente. Não a vi ainda.
Deveria estar aqui esta noite.
‐É obvio! ‐Disse Felicia, fiando encadeando as situações. ‐Sim soube a feliz
condição de lady Rawlings.
‐Exatamente. ‐Bunge girou a nervura de suas meias para que ficassem
retas. ‐As apostas estão setenta a um a que é um menino.
‐Isso é ridículo. Quem pode saber qual será o sexo do bebê?
‐Apostar por quem é o pai desse bebê é muito mais interessante. A última
vez que olhei o registro, o mesmo Rawlings era levemente favorito, e isso que
morreu no aposento de sua esposa!
‐Suponho que Darby não teve que esforçar muito por encontrar um
herdeiro ‐ disse Felicia. ‐É uma pena que não tenha esperado à temporada.
Teria sido um cortejo tão interessante de seguir... Crer que seu novo sogro esteja no
comércio?
‐Sugeri ao criador de lã ‐ disse Bunge estalando em risadas. ‐Mas não. Ele
se casou com a filha do falecido conde do Holkham. Ao que parece, o homem
lhe deixou uma propriedade em Wiltshire.
Felicia considerava que uma parte importante de seus trabalhos como
anfitriã do Almack's era conhecer de cor tudo o que pudesse sobre as famílias
aristocráticas da Inglaterra.
‐Vejamos ‐ disse lentamente‐, deve ser a filha mais velha, a menos que Darby tenha
tirado a menor da escola.
‐Não ouvi nada sobre sua idade ‐ disse Bunge. ‐Mas deve ser a mais velha
porque ela herdou a propriedade.
‐Mas essa garota é disforme ‐ disse Felicia com um gemido. ‐Nunca a trouxeram para
Londres para debutar, sabe?
‐Talvez se apaixonaram ‐sugeriu Bunge. ‐Passou por cima sua deformidade
em nome da paixão. Ou se não foi pela paixão..., foi pelo dinheiro.
‐Deixa de divagar ‐ disse‐lhe Felicia com toda a liberdade de uma prima em segundo
grau. ‐É um hábito tão pouco atraente... Desejaria poder recordar
o que tinha a filha mais velha...
Mas todos estavam voltando‐se para a entrada do baile, em que o
mordomo acabava de anunciar:
‐Lady Henrietta Darby e Mr. Darby.
‐Não posso lhe ver nada de mau ‐ observou Bunge. ‐É uma garota
amadurecida.
Lady Henrietta estava de pé junto a seu marido, com um vestido cujas peças flutuavam
como fio de teia de aranha. Mechas de cabelo dourados lhe enroscavam gentilmente pelo rosto.
Inclusive do outro lado do aposento, era evidente que seus olhos eram de uma cor azul deliciosa.
Bunge podia saborear
a inveja na boca.
‐Sabia que Darby ia aparecer cheirando a rosas.
Lady Felicia se casou jovem e se casou bem, e durante anos, a nata da nata tinha
considerado que era um bom matrimônio. Mas agora todos sabiam
que Henry Saville estava louco de atar. O claro indício foi quando chegou montado sobre
um cavalo à igreja do Saint Paul, insistindo em que esse cavalo
era seu irmão e que deviam batizá‐lo imediatamente.
Então, Felicia olhou ao Darby semicerrando os olhos. Não lhe importava admitir que
encontrasse a companhia de pombinhos felizes um pouco difícil de
suportar. Mas depois de uns minutos olhando aos Darby, a curiosidade substituiu a
agitação.
‐Há algo estranho aqui ‐ disse ao Bunge.
‐O que? O que? ‐Bunge sempre desejava as intrigas, mas era pouco
observador, a seu parecer.
‐Os recém casados ‐ disse, lentamente. ‐Lady Henrietta não parece... olhe!
Darby acaba de deixá‐la para dançar com a senhora Ravensclan. Que afronta tão grotesca
com sua esposa. Não posso acreditá‐lo. ‐Felicia sentiu um pouco
de felicidade. ‐Vêem, Bunge ‐ disse, impacientemente‐ vamos falar com a pobre mulher.
A Darby lhe estava fazendo difícil ignorar por completo a sua esposa de língua afiada.
Tinha uma espécie de plano rudimentar para o momento no que
chegassem ao baile: deixaria sozinha da maneira mais grosseira possível e logo
paqueraria extravagantemente em seu nariz. Isso certamente a faria sentir um
pingo da dor que ele tinha estado sentindo desde o jantar. Como se atrevia a
acreditar que ele era um homem tão pouco honrável para ter uma amante, depois do que
lhe havia dito..., depois do que lhe havia dito. Ninguém podia lhe falar de amor e logo pensar que
ele não tinha honra.
Depois de tudo, ela não o conhecia..., nem o amava. Ele apertou a
mandíbula.
A sua esposa faria bem saber que ele tinha poder entre essas pessoas.
Não era um ouriço de povoado, que pode ser enganado para contrair
matrimônio. Ele era respeitado. Sua influência se sentia em Londres, ou no mundo
civilizado, o que era o mesmo.
Dançou com sua companheira ao som de uma dança popular, olhando
todo o tempo a Henrietta para desfrutar com seu desconforto.
Engoliu uma maldição. Felicia Saville tinha aparecido de um nada e estava
apresentando a Henrietta a esse imbecil, lorde Bellington.
A peça terminou. Talvez devesse retornar ao lado da Henrietta. Não havia
dúvida de que seu comportamento seria notado ao redor do salão, dado que lady Saville
estava fazendo seu trabalho. Ele semicerrou os olhos. Henrietta estava saudando lorde Bellington
com um de seus sorrisos, uma desses que poderia derreter o coração de um homem. Deu a volta
rapidamente e se encontrou frente à peituda Selina Davenport. Ela o saudou com um olhar
provocador e cheio de desejo dos que ele só queria receber de sua esposa.
Uma hora mais tarde, sua esposa se estabeleceu como um êxito
terminante. Conhecidos o felicitavam por sua beleza deliciosa, sua inteligência e seu
sentido da moda. Seus olhos brilhavam maliciosamente quando notavam
que Darby não se encontrava junto a ela.
Gerard Bunge era o pior de todos, suspenso no ar junto a ele, como um inseto, lhe
zumbindo que não podia ter encontrado uma esposa melhor. E todo
esse tempo o pequeno corpo do Bunge tremia com luxúria e com curiosidade
por saber por que Darby estava em um lado do aposento e sua esposa no outro.
Darby podia sentir que sua reputação de fino e cortês estava caindo bem
rápido. Ela o tinha obtido, Por Deus. Ela o tinha convertido em alguém similar a sua mãe.
Seu autocontrole era como uma folha de papel fino.
Em algum ponto da noite, ele tinha começado a beber. Bastante. Rees chegou ao baile
aproximadamente a uma da madrugada e encontrou ao Darby
divagando pela pista de baile, com um copo de uísque na mão.
Posto que conhecia Darby desde que tinha nascido, Rees reconheceu
instantaneamente o olhar de sofrimento nos olhos de seu amigo, como a muito
fastidioso honradez com a que estava rondando a pista de dança. Parecia um
maldito selvagem. A última vez que Rees recordava ter visto o Darby nesse estado foi
quando sua mãe ‐uma completa puta como nenhuma outra‐ olhou‐o
da cabeça aos pés justo antes que ele saísse a seu primeiro baile em Londres, e logo lhe
fizesse um comentário jocoso a seu marido sobre um janota antes de
dar a volta.
Essa noite Darby fazia as reverências tão rigorosas que quase podia cortar
o ar, e logo se embebedou tanto que a noite terminou nos estábulos com Rees
lhe sustentando a cabeça. É obvio, que então tinha somente tinha quinze anos,
e estava tão orgulhoso de suas calças amarelas como ressentido com sua mãe.
A Rees sempre tinha parecido um infortúnio que a mãe do Darby tivesse morrido poucos
meses depois desse episódio.
Com razão era uma mulher que o tinha posto neste estado, uma vez mais.
‐Onde está ela? ‐perguntou Rees, tirando Darby da pista de dança.
‐Minha esposa? ‐Perguntou em voz muito alta. ‐Nem idéia. Rees olhou ao
redor.
‐Esteve falando com o Henry Piddlerton durante há última meia hora ‐
disse Darby, revelando que sabia exatamente o paradeiro da Henrietta. ‐O
pobre bode a esteve olhando diretamente aos olhos, como se estes fossem o
Santo Graal. Também por debaixo de seu vestido.
Rees suspirou e o levou até um pequeno salão de cartas na biblioteca.
‐Que demônios está passando? ‐disse‐lhe, recostando‐se contra a porta
em caso de Darby tentar escapar.
‐Algo bastante comum, em realidade. Devi ter seguido seu conselho e ter
evitado o matrimônio ‐ disse Darby, sem olhá‐lo aos olhos. Atravessou o aposento,
recolhendo bagatelas e as soltando com a força suficiente para rompê‐las. ‐As esposas são uns
demônios.
Rees abriu a porta e enviou a um garçom a procurar uma xícara de um café bem
carregado.
Tomou um bom tempo lhe tirar o estado da situação ao Darby. Só depois
de três xícaras começou a falar coerentemente.
‐Tenho que concorda contigo ‐ disse Rees, lentamente. ‐Ao menos um
perito deveria lhe examinar o quadril.
‐Ela definitivamente quer esse bebê. Acredito que a claudicação de
Henrietta não será um impedimento para tê‐lo.
‐Não tem nem idéia do que fazem as parteiras ‐ objetou Rees.
‐Seus quadris parecem exatamente iguais às de qualquer mulher. E quem
sabe o que aconteceu no parto de sua mãe? Um monte de doutores populares
concluíram que a tragédia era resultado das débeis articulações. Eu não acredito que essa
seja evidência suficiente. Mas ela crer, realmente crer, no que lhe hão dito.
‐Então deve lhe dizer outra coisa.
‐Como? Ela espera que eu me afaste e que tenha uma amante. Decidiu que nos deitar em
um futuro é impensável, e parece que não dispõe nenhum
outro uso para mim! Ela pensa que sou do tipo de homem que a trairia. ‐Darby
se deteve nesse instante. Nunca pensou que confessaria a Rees essa verdade em
particular.
‐Ora ‐ disse Rees, dando a volta para o Darby, com o semblante
carrancudo. ‐É um tolo se crer essas bobagens. Está tão mal como ela.
Certamente lhe hão dito que os homens devem deitar‐se com uma mulher cada hora ou ao
menos morrer no intento, e ela cre; e você te crer que não lhe importará que tenha uma amante.
Os dois são uns tolos. ‐deteve‐se por um momento e logo disse:
‐Nunca tive a oportunidade de ter um matrimônio como o seu. Sabe.
Darby olhou fixamente a seu amigo. Rees parecia um urso grande e
resmungão.
‐Eu não posso com as mulheres, mas se Henrietta fosse minha esposa... ‐
Rees chegou à porta e disse isto, olhando por cima do ombro‐... não...
Deteve‐se, deu‐se a volta e olhou a seu amigo diretamente à cara:
‐Não a perca.
Darby saiu do salão de cartas tremendo. Conhecia Rees desde fazia muito
tempo e nunca o tinha visto assim. Quase..., quase como se estivesse muito sozinho.
Somente lhe levou um minuto localizar a Henrietta. Estava sentada em uma poltrona
redonda no canto da pista de dança, entretida por dois cavalheiros.
Ela olhou para cima quando ele se aproximou.
‐Poderia ter o prazer desta dança? ‐disse, fazendo uma reverência.
Os homens ao redor da Henrietta ficaram boquiabertos e ele recordou
muito tarde que sua esposa era manca; que não podia dançar. Nunca tinha pensado nela
nesses términos.
Ela levantou seu leque, mas ele podia sentir a raiva que se escondia detrás
de este.
‐Talvez o tenha esquecido ‐ disse ela. ‐Eu não danço. Sugiro‐lhe que encontre a outra
companheira de dança. Eu ficarei feliz aqui.
Ela moveu o leque e sorriu amplamente ao Honorável James Landow,
sentado a sua esquerda. O pobre idiota lhe devolveu o sorriso como se lhe tivesse
prometido à lua.
‐Estávamos discutindo sobre a antiga tradição em que uma dama
convidava aos cavalheiros a sua penteadeira para que a ajudassem a vestir‐se.
Henrietta furiosa era uma revelação. Já não existia a ratinha provinciana.
Agora brilhava intensa e sensualmente, sua faísca fazia que qualquer homem lhe
prestasse atenção.
‐Dizia lady Henrietta que era uma tradição digna de ser recuperada ‐ disse
Landow, lhe dedicando um sorriso de cumplicidade ao Darby.
‐OH, não se preocupe com meu marido, senhor ‐ disse Henrietta com um
sorriso rude, ao bater com um toque de Darby no braço. ‐Temos um
matrimônio verdadeiramente moderno. De fato, quase não nos conhecemos.
Acaba de me convidar a dançar! ‐Seu sorriso ecoou, mas não havia nem um só
rastro de humor nela.
Os dois cavalheiros sentados de ambos os lados dela também riram,
embora nenhum dos dois foi capaz de olhar a Darby aos olhos.
‐Ah, milady ‐ disse o conde do Frescobaldi, descendo seu rosto e seu bigode para beijar a
mão a Henrietta. ‐Estou seguro de que seu marido não expressou seus desejos mais profundos.
Como tampouco o teria feito eu, se a
tivesse convidado à pista de dança. ‐Sua voz era profunda e deliciosa, como o
chocolate.
Darby fechou os punhos. Mas qual era o ponto de pegar a Frescobaldi?
Henrietta pareceu um pouco desconcertada. Talvez ela se aproveitasse das implicações
dos desejos mais profundos de Frescobaldi.
‐Acredito que subestima o bem que nos conhecemos ‐ disse Darby a
Henrietta entre dentes.
‐Em que aspecto, querido marido? Explique isso a todos.
Darby olhou fixamente a Frescobaldi e ao Landow e compreendeu que sua
cuidadosamente cultivada reputação de ser calmo estava destroçada. Um
músculo estava pulsando em uma das bochechas. Estava a ponto de rugir. E
não lhe importava nada.
‐Acredito que subestima sua impossibilidade de dançar. ‐Os músicos
tinham começado a tocar uma valsa. Antes que sua esposa se movesse, separou‐a dos
cavalheiros, para seus braços e para a pista de dança.
A princípio, Henrietta estava muito chocada para reagir. Percebeu‐o em seu corpo,
posando rígido junto a ele; e a maneira em que se sustentava. Mas
ele a conhecia. Conhecia seu corpo tão intimamente como lhe tinha permitido.
Ela quase não coxeava esta noite. Havia tão somente uma pequena dúvida antes de dar
um passo. Ela podia dançar maldita seja. Ela podia dançar com seu marido.
Pôs a mão na fina cintura e a incitou a dançar a valsa. Depois de tudo, não
era mais que caminhar. Caminhar ao ritmo de muito belos acordes musicais, caminhar a
um ritmo que se parecia com o de sua cama.
Durante os primeiros minutos, ele nem sequer a olhou. Tão somente a guiou, passo a
passo e dando círculos por todo o aposento, seguindo a música.
Quando finalmente olhou a sua esposa, esta tinha as bochechas rosadas e os olhos
iluminados... Não de raiva, mas sim de assombro.
‐Estou dançando ‐ sussurrou ela, e esse agitado e pequeno suspiro lhe chegou ao coração.
Ele a conduziu a realizar uma série de círculos impressionantes enquanto a
música lhes enchia os ouvidos de sons incríveis.
‐OH, Simon, estou dançando!
A música se reduziu a um silencioso: um‐dois‐e três, um‐dois‐e três.
‐Passaste muito tempo acreditando no que as pessoas te diziam‐ disse‐lhe.
A verdade nessa afirmação lhe pôs um tom de ferocidade na voz. ‐Escutava as
pessoas que lhe diziam que jamais te casaria e que jamais dançaria.
‐Estou casada...
‐Comigo ‐ disse ele, suspirando. ‐Está casada comigo. É minha Henrietta. E
eu sou teu. Entende o que estou dizendo?
‐Simplesmente não pode me jogar ao rio, como se fosse uma truta que não quer ‐ disse
ele, com a voz áspera. ‐Já somos um, Henrietta. É muito tarde.
Não se dá conta?
Não podia lhe ver a expressão no rosto.
‐Eu não..., eu não sou o tipo de homem que trairia a sua esposa ‐ disse-lhe. ‐E não o faria,
jamais. Eu não...
E de repente viu que seus olhos brilhavam repletos de lágrimas.
‐Sou uma tola, Simon ‐ disse‐lhe e lhe tocou a bochecha. ‐Perdoa‐me?
Ele assentiu. Por um momento, perderam‐se juntos, apanhados na
delicada música que fazia mais doce o ar ao redor.
‐Eles disseram que jamais te casaria Henrietta. E está casada.
Ela assentiu, com um trêmulo movimento do queixo. ‐Disseram que nunca
dançaria. E estamos dançando. Havia uma faísca de esperança nesses olhos azuis. Ele
podia vê‐la.
‐E disseram que nunca daria a luz. Mas eu te conheço. Sei que quer ter este bebê.
Visitaremos todos os médicos da Inglaterra se for necessário.
Encontraremos a alguém capaz de te salvar a ti e ao bebê.
‐Sinto como se tivesse lido meu coração ‐ sussurrou ela.
Ele a olhou, com o cabelo escuro sobre a sobrancelha, era o homem mais
formoso que já tinha caminhado pelo mundo.
‐Pode ler o meu então?
Ela engoliu saliva, apanhada em seus olhos, atemorizada porque não
entendia.
‐Amo‐te.
A música chegou a seu final, e eles se detiveram, embora ele não deixasse
de abraçá‐la.
‐Amo a minha esposa ‐ disse seu marido, com os olhos tão emocionados
como sua voz. ‐E Henrietta...
‐Amo‐te ‐ completou ela interrompendo‐o.
Casualmente, lady Felicia Saville estava olhando nessa direção e ficou perplexa. Era uma
pena que já lhe tivesse devotado um passe para o Almack's
alady Henrietta. Antes o tivesse recusado. Verdadeiramente o tivesse feito.
Que tipo de exemplo estava lhes dando lady Henrietta às jovens e
impressionáveis donzelas ao permitir que seu marido a beijasse ante tanta gente?
Embora houvesse algo na maneira em que Darby sustentava a sua esposa,
algo feroz, mas tão tenro, como se ela fosse imensamente preciosa e muito querida, que
fazia Felicia embaçar a visão. Finalmente, deu‐se a volta com um
pequeno gesto de desgosto.

CAPÍTULO 44

Conselho de peritos.

O doutor Ortolon, diziam que ele era o melhor ginecologista de Londres.


Não, no recesso particular da noite, diziam que era o melhor do mundo.
Graduou‐se em Oxford e se especializou na faculdade de Edimburgo. Era o único
ginecologista membro do Colégio Real de Médicos. Estranha vez perdia um paciente: não o
permitiria.
Estava seguro de que sua imponente barriga, sua mandíbula quadrada e sua frente em
forma de ovo (tinha essa forma porque guardava o proeminente
cérebro da família Ortolon) tinham‐lhe servido para convencer a outros de seu
valor no mundo. Mais ainda, estava abençoado com uma voz contundente, que
também lhe tinha ajudado.
‐Os fatos são os fatos ‐ ladrou ao casal que tinha em frente. ‐Os fatos são
quão únicos escuto. Vejo‐o como escrever verdades científicas partindo da ignorância.
Agora, os fatos aqui são muito escassos. O mais relevante é que você, lady Henrietta, está
grávida. Acredito que podemos concluir isso.
A senhora assentiu, obviamente impressionada pela maneira em que essa
voz ressonava no ar ignorante.
‐O fato de que sua mãe tenha falecido dando a luz pode ou não ser de relevância no
assunto. Ela foi desafortunada, se me permite dizê‐lo, posto que seu falecido pai nunca a trouxe
para Londres. Se eu tivesse visto sua falecida mãe, inclusive durante minha tenra juventude, sua
história teria podido ser diferente. Resumindo, ela poderia estar sentada frente ao fogo neste
preciso instante, rodeada de pequenos rebentos.
Ortolon olhou agudamente ao marido da senhora, que estava exibindo
uma tendência a sorrir. De todas as maneiras, ele sabia que os nervos podiam
aparecer de maneiras pouco esperadas e leves. Já o tinha visto antes.
‐Uma ninhada de crianças sob seus pés ‐ repetiu ele, subindo um pouco mais o queixo. ‐O
segundo fato que não vale muito é que você, lady Henrietta,
sofre de uma debilidade no quadril, ao igual a sua mãe, embora isso não seja
necessariamente relevante no assunto de seu falecimento. ‐Ele franziu o cenho, pensativo
enquanto caminhava de cima a baixo uns poucos passos.
‐Pelo exame de seus membros, lady Henrietta, posso afirmar
inequivocamente que, embora tenha uma debilidade nas articulações, não tem
nenhuma má formação óbvia. Não vejo razão alguma pela que não possa dar a
luz a este bebê, sem sofrer não mais que os mesmos riscos que sofre qualquer
outra mulher.
Logo fez uma pausa para assegurar‐se de que sua mensagem tivesse sido
compreendida.
‐É de minha opinião que o infortúnio de sua mãe se deveu a sua vida retirada, não à
organização de seus membros. De fato, terei em consideração o
fato de que você, lady Henrietta, nasceu ao reverso. Eu sou um dos poucos médicos que
podem facilitar tão difícil nascimento, embora haja tentado compartilhar meu conhecimento em
meu recente trabalho O comportamento
das mulheres grávidas, com um tratado sobre o amor, o matrimônio e a descendência.
Darby deixou que sua mente divagasse. O velho ia tomar a Henrietta como
paciente, e parecia ter a experiência suficiente para saber do que estava falando. Ortolon
era de confiar.
De fato, Darby tinha o pressentimento de que este médico não permitiria
que nada acontecesse com Henrietta, pela simples razão de que uma morte arruinaria sua
implacável reputação.
‐Se eu fiscalizar seu parto, lady Henrietta, você não sofrerá de nenhuma enfermidade nem
tampouco o fará o pequeno bebê herdeiro Darby. ‐Olhou‐os
com tal ar de auto‐satisfação, que Darby quase o aplaude.
Henrietta tinha os olhos fixos no rosto do Ortolon como se este fosse o oráculo de Delfos.
Darby adivinhou que Bartolomew Batt e suas Regras e direções estavam a ponto de ser
destronado da mansão Darby por Jeremy Ortolon e seu Comportamento das mulheres grávidas.
Um sorriso saiu da boca
de Darby. Não era que ele quisesse um filho, mas Henrietta sim. E como era um
idiota apaixonado, queria que Henrietta fosse feliz.
Darby não estava tão otimista sete meses depois. À medida que se
aproximavam do final da gravidez sem incidentes, ele tinha cada vez mais um
sentimento de desassossego. Não sabia por que. Os avanços diários de Ortolon
sobre a condição de sua esposa eram excelentes. O bebê estava na posição correta, e
Ortolon não esperava complicações.
O bebê nasceria a qualquer momento. Isso estava claro, se Darby não encontrava a
maneira de deter todo o assunto.
Para ser francos, Darby se tinha dado conta de que tinha sido participante
da pior decisão de sua vida. Nunca devia escutar ao Ortolon. Devia ter rogado a Henrietta
para que tomasse o conteúdo da garrafa azul. Talvez nem sequer devesse ter ido ao Limpley
Stoke. Se a idéia de não ter conhecido a Henrietta
era sombria, a idéia de perdê‐la era insuportável.
Desassossego não era a palavra correta. Não era desassossego o que
sentia, a não ser medo: grotesco, desagradável e feio. Os cavalheiros não
experimentavam esse tipo de sentimento. Não como uma emoção que o fazia
levantar em meio da noite suando e a borda de pegar um tiro.
Sentia como se fosse a arrebentar de desespero de não poder retornar no
tempo. Suas noites estavam marcadas por sonhos nos que ele se encontrava jogando
flores sobre uma sepultura e, uma vez, terrivelmente horrorizado, sobre duas sepulturas: uma
grande e uma pequena. Em seus sonhos,
constantemente revivia o momento no que Henrietta lhe dizia que estava grávida. Uma
vez sonhou que ela ria levemente e lhe dizia que tudo era uma piada. Quase chorou de felicidade.
Começou a olhar a sua esposa tão atentamente como um artista olhe sua
obra, do corredor enquanto ela se vestia, enquanto se banhava quase lhe impedindo de
fazer a viagem sozinha para entrar no banheiro. Ele pretendia que permanecesse a seu lado para
ajudá‐la a levantar‐se das cadeiras e assegurar‐se de que não caísse pelas escadas. Ela soube o
que ele estava pensando. OH, ele pôde notar nesses olhos claros que ela sabia o que ele pensava.
Mas ela o amava, e por isso não dizia nada sobre essas ridicularias.
À medida que o nascimento se aproximava, ele começou a despertar em
vários intervalos da noite a acender uma vela para poder observá‐la dormindo.
Henrietta era mais linda grávida do que ele podia haver imaginado. Ela brilhava com a
pura e deliciosa alegria de uma Madona, como se toda a desesperada espera de sua juventude se
converteu em agradecimento pela nova vida que lhe crescia nas vísceras. Cada dia estava mais
serena, e mais confiante em que o parto não ia apresentar nenhum problema.
Em contraste, Darby não podia ficar quieto nem cinco minutos. Ele
grunhia e gritava tanto na casa que as criadas temiam encontrar‐se com ele pelos
corredores e o olhavam aterrorizadas. Não lhe importava. Esta podia ser
a última semana..., não, o último dia, da vida de sua esposa e parecia que ninguém mais
se dava conta.
Uma noite não pôde dormir. No que tinha estava pensando? Tinha
permitido a Henrietta sacrificar sua vida por uma criatura que poderia não sobreviver. O
que faria Josie sem sua esposa? O fato de não ter mãe tinha feito que a menina se afeiçoasse em
extremo com a Henrietta. Anabel não se tornou
a equivocar nunca e já não dizia a qualquer estranha "mamãe". Sabia exatamente quem
era a que a amava. Poderia as meninas superar a perda de
outra mãe?
Finalmente, deixou de tentar dormir e se sentou. Respirou a verdade com
o vento frio da noite. Imaginar o mundo sem a Henrietta era como pensar em
um mundo sem calidez. Ela estava ao seu lado, com poucas cores por causa da
luz cinza, com a pele branca como porcelana, como se, como se...
Ele a tocou, brandamente, na bochecha. Estava respirando. Com essa
carícia, um sorriso lhe desenhou na boca e ela permaneceu assim um tempo,
dormindo. Assim era Henrietta: amava profundamente a Josie, a Anabel, a ela
mesma, ao bebê em seu ventre, que parecia como se o amor tivesse formado
um fluxo de vida nela.
Henrietta abriu os olhos e abriu a boca, mas se deteve de repente, com a
palavra morta antes de ser pronunciada.
Os olhos do Darby se alarmaram.
‐O que acaba de passar? ‐disse ele, surpreso para ouvir que seu tom foi calmo.
Henrietta lhe sorriu. Ela nunca foi boa para guardar secretos.
‐Isso foi uma contração ‐ disse ele.
‐Talvez.
‐Mandarei chamar o Ortolon ‐ disse Darby, levantando‐se da cama.
Henrietta tentou lhe agarrar o braço.
‐Não, Simon, quero esperar. Quase não hei sentido nada. Tão somente foi
uma pontada.
‐Tolices.
Resultou que não havia nada que pudesse fazer Ortolon. De fato, foi tremendamente
ineficaz do ponto de vista do Darby, pois tão somente disse umas poucas coisas sem sentido
sobre quão bem estava partindo tudo e logo
retornou ao clube.
Darby o levou até a porta e o tirou do braço de uma maneira pouco cortês
e lhe disse:
‐Eu não tomaria nada no clube, Ortolon.
Não lhe importava quão grosseiro estava sendo. Inclusive pretendia que o
médico não abandonasse sua casa.
Ortolon o tirou de cima e ladrou:
‐Controle‐se! ‐E se foi.
Henrietta retornou à cama. Os dores não a incomodavam tanto.
‐Sabe Simon? ‐disse um pouco adormecida. ‐Estou acostumada a viver
com um pouco de mal‐estar.
E dormiu de novo. Ele ficou ao lado dela, olhando‐a. Ela não tinha uma formosura
perfeita. Não tinha o formoso nariz romano clássica.
Mas cada pulso de seu corpo estava unido ao dela: o seu chato nariz inglês, e a esses
olhos azuis que não podiam ocultar o que pensavam.
Cada certo tempo, ela franzia o cenho e a dor lhe tomava o rosto. Em meio da noite, ela
se levantou e disse o nome dele, perdida.
‐Aqui estou.
‐Que demônios faz acordado?
‐Estou pensando no poema que usou nessa carta absurda.
‐O poema do John Donne ‐ disse ela, sorridente. ‐Como poderia esquecer
o poema que usei para te apanhar? ‐apertou‐lhe a mão fortemente. ‐Meu deus, parece que
tenho... OH, já passou.
‐Mandarei chamar o Ortolon.
‐Não há nada que ele possa fazer Simon. Simplesmente devemos esperar.
Por que estava pensando no poema do Donne?
‐Tão somente o recordei. "Doce amor, Não vou, por estar cansado de ti" ‐
disse Darby, aproximando‐a a seu lado. ‐O poeta está preocupado porque tem
que deixar a sua amada: "Quando suspira, não suspira ar, suspira minha alma".
Porque se algo lhe chegasse a passar a ela, a alma dele ficaria junto a ela.
Henrietta piscou.
‐Não me vai passar nada! Não escutaste o que há dito Ortolon estes últimos meses?
Darby a ignorou.
‐Ele diz: "Você é o melhor de mim". E isso é verdade. Você é o melhor de mim.
‐Pensei que era eu a que escrevia as cartas de amor nesta família ‐ disse
Henrietta voltando‐se para que seus rostos ficassem frente a frente.
Sua boca tocou a dela.
‐Diz a seu amante que finja que o tempo que passaram separados tivesse
sido um longo sonho. OH, Deus, Henrietta, se algo te acontecer, minha vida não será
mais que um sonho.
‐Um sonho? Tem um aspecto espantoso, Darby! ‐Olhou‐o atentamente. ‐
Não dormiste?
Ele se passou a mão pela cabeça e disse: ‐ Não.
‐Por que não? ‐Tomou a mão. ‐Santo céu. Estas dores se estão
intensificando. Por que não dormiu? Respondeu brandamente.
‐Porque se dormir perderei uma ou duas horas junto a ti e... ‐Não pôde terminar.
‐Tolices! ‐e o beijou. ‐Nem sequer estou sentindo esta dor horrível do que
se queixam as mulheres. Acredito que é porque estou acostumada a ter dores.
Verdadeiramente penso Simon, que nem sequer sentirei muita dor...
Apertou a mão e piscou.
‐Ahhh!

CAPÍTULO 45

Um comportamento pouco civilizado.

O Dr. Ortolon não sabia o que era mais difícil: se o parto ou o marido. É
obvio isso era algo comum em algumas ocasiões. Como o obstetra mais reconhecido de
Londres, deu‐se conta de que os homens podiam ser iguais de
irritantes que suas esposas. Mas este marido superava a todo o gênero, incluindo os
duques reais, quem combinam teimosia e sentimentos.
O senhor Darby tinha parecido ser um homem lógico durante a gravidez.
Aparentava ser muito racional nas consultas a que assistia, demonstrando um
moderado nível de preocupação por sua esposa.
Mas nas últimas semanas o homem se desequilibrou. De fato, tinha
mudado seu parecer quanto à gravidez.
‐É um pouco tarde para isso ‐ disse o doutor Ortolon com um irônico sorriso. Mas era o
único que ria. O senhor Darby caminhava pelo corredor da
entrada como um animal selvagem, e quando Ortolon se dirigiu ao piso de cima, o
homem caminhou enfurecido ao seu lado declamando ameaças e
comentários pouco educados até entrar na sala de partos.
Lady Henrietta estava bastante desgostada nesse momento, embora
conseguisse controlar‐se bastante bem. Mr. Darby correu ao travesseiro da cama e
começou a falar com sua esposa.
Quando o doutor Ortolon sugeriu que Mr. Darby saísse do aposento para
realizar um exame a sua esposa, o homem lhe devolveu o olhar mais selvagem
que tinha visto no rosto de um cavalheiro.
‐Nem pensar ‐ grunhiu‐lhe.
A Ortolon pareceu gracioso ver a dentadura do senhor Darby e cedeu.
Parecia que o ter no aposento distraía a paciente e isso era bom.
O parto progredia de maneira natural enquanto lady Henrietta repreendia
a seu marido por seu comportamento e indecência por permanecer no
aposento.
Enquanto o parto avançava a uma etapa mais crítica, a paciente se
entretinha gritando a seu marido. Normalmente, as futuras mães tinham a tendência a
fazer isto com o doutor de volta, e Ortolon sempre pensou que isto o alterava mais do que o
normal. "Sim", pensou para si mesmo, "os maridos resultam bastante úteis durante o parto", se a
gente pode desprender‐se do impróprio da situação.
Ao final resultou ser um parto normal. Quase decepcionante. Como um
artista em sua profissão, Ortolon preferia a violenta correria contra a morte que oferecia
um parto complicado.
‐Bastante comum ‐ disse a sua paciente.
Ela levantou o olhar. Era uma cena muito freqüente. Seu cabelo estava escuro pelo suor e
o tinha esmagado contra a frente. Estava pálida e exausta,
com umas marcas negras sob os olhos. Mas esses olhos lhe brilhavam
enquanto olhava à pequena criatura que tinha nos braços, um horrível e machucado
pequeno pedaço de humanidade que já chorava com entusiasmo.
‐Como chamarão o menino? ‐perguntou Ortolon, enquanto lavava as
mãos e se arrumava para sair.
‐Como o chamaremos? ‐disse lady Henrietta, enquanto tocava com
carinho as pequenas orelhas do bebê.
‐John ‐ respondeu o pai do menino. ‐Seu nome é John, como o poeta John
Donne.
Que idéia tão pagã! Nomear a um menino como um poeta. O doutor
Ortolon estava apavorado ao ver que os olhos do senhor Darby brilhavam pelas
lágrimas. Fechou a mala negra e saiu dali o mais rápido possível.

CAPÍTULO 46

Pelo amor do Johnny.

Henrietta podia ouvir as meninas vindo do outro lado do corredor. Suas vozes
retumbavam nas paredes, como fazem vozes das meninas. Anabel
gritava feliz, e depois ouviu que Millie lhes disse:
‐Tranqüilas meninas. Não quererão matar do susto a seu irmãozinho. Só é
um bebê.
O pequeno John tinha bebido tanto leite que seu estomago estava
temperado como um tambor. Descansava nos braços de sua mãe, satisfeito e
bêbado como um marinheiro em alta mar.
Seu pai entrou no aposento vindo do quarto ao lado enquanto Josie e Anabel entravam
pela porta principal. Anabel não era uma corredora muito graciosa, mas o que lhe faltava de
graça o compensava com velocidade. Correu
e chegou à cadeira de balanço antes que mais ninguém.
‐Mamãe! ‐gritou.
‐Não desperte ao bebê! ‐disse Josie, mas era muito tarde.
John Darby abriu os olhos e olhou a seu redor, confuso. Estava começando
a reconhecer os rostos das pessoas. As meninas o rodearam e juntaram as cabeças sobre
ele enquanto o chamavam:
‐Johnny, Johnny! Sorri para mim ‐ E assim o fez. Quem não o faria? Aí estavam suas
duas irmãs, com os rostos brilhando de orgulho e alegria. Tinha a barriguinha cheia. E sua mãe
estava perto. Inclusive ouvia uma voz profunda dizendo alguma coisa, e também podia
reconhecer essa voz.
Abriu a boca pondo um formoso sorriso feliz e sem dentes, e arrotou.
Continuou rindo enquanto uma pequena corrente de leite lhe saía pela boca.
Estava um pouco surpreso quando os dois rostos em cima dele se
afastaram e o ar se encheu de chiados. Mas sua mãe o consentiu.
‐Tão somente é um pouco de saliva ‐ disse ela, e logo a pessoa com a voz
profunda chegou e o levantou.
John tentou enfocar a visão, mas não havia maneira de que um bebê
pudesse perceber a elegância do homem que o estava elevando.
‐OH, Darby, não! ‐Disse Henrietta com um pouco de angústia. ‐Não
quando está tão elegante, sabe que...
‐Tolices! ‐disse Darby, beijando ao seu filho no pequeno nariz inflado. ‐
John acaba de arrotar e vomitar, não? Já não fará mais essas tolices.
‐Duvido‐o ‐ observou a mãe. ‐quis te informar de que tudo isto é tua culpa. Ninguém em
minha família tinha a tendência a vomitar assim.
‐Eu sim! ‐gritou Anabel, saltando de um lado para outro ao redor da cama.
‐Ainda o faz! ‐recordou‐lhe sua irmã.
Insultada, Anabel deu um alarido.
Henrietta lhe sorriu.
‐Embora seu estômago se acalmasse nestes últimos seis meses, não,
Anabel? Esse problema ficou no passado.
‐Anabel já tinha mais de um ano quando seu estômago se acalmou ‐ disse
Josie, demonstrando uma inteligência aguda que já desafiava a sua instrutora. ‐
Isso significa que ao Johnny ficam meses e meses deste comportamento. Que
asco!
Simon Darby sorriu a sua irmã, e se voltou para sua esposa.
‐Tenho‐me que ir ‐ disse. ‐O Regente há...
Mas, nesse momento, John sentiu uma pressão incômoda na garganta.
Piscou e abriu a boca. Ouviu‐se vir uma estranha tosse seca.
‐Simon! ‐disse Henrietta em tom de advertência.
‐Ah, porcaria! ‐ladrou o pai do John.
E saiu o leite, já um pouco talhado. Emergiu com a força de um canhão e
detendo‐se só quando se encontrou com um casaco bordado com fio de ouro.
Sua mãe ria; as meninas gritavam da risada; seu pai blasfemava. O leite escorria do
casaco forrado com seda e orlado com fios cor cereja.
John franziu o cenho. Sentia o estômago vazio. Tinha fome. Suas
sobrancelhas se juntaram novamente e deixou escapar um pequeno grito.
‐Não cre que é um pouco injusto? ‐disse Henrietta.
Darby lhe deu o bebê e levantou uma sobrancelha, enquanto delicadas
gotas de leite lhe escorriam das mangas de renda.
‐Que não é justo? O fato de que meu ajudante acaba de passar quarenta e
cinco minutos me vestindo para ir à corte e agora deve começar de novo?
‐Não. O fato de que John claramente herdou a voz do Josie e o estômago
débil da Anabel.
Seu marido se inclinou e lhe acomodou uma mecha de cabelo detrás da orelha.
‐Tem suas orelhas doces ‐ disse, e lhe deu um beijo.
O coração da Henrietta se acelerou.
‐Amo‐te – sussurrou.
Darby lhe acariciou a bochecha com um dedo.
‐Não tanto como eu amo a ti.

Uma nota sobre o que esperar nos primeiros anos


...de uma criança, cerca 1815

Estava acostumado a pensar que a era dos BESTSELLERS da educação


começava com o doutor Spock. Cresci com a idéia de que Spock era o homem
mais perito em crianças. Uma das muitas histórias que se conta em minha família é a da
noite que meu pai estava em um comício contra a guerra do Vietnam e se encontrou na mesma
cela com o doutor. A lenda familiar diz que
meus excelentes hábitos para dormir se devem a este breve encontro, durante
o qual meu pai extraiu conselhos sobre como fazer que sua pequena fique dormindo.
Mas, de fato, os livros sobre educação infantil do doutor Spock são tão somente uma
pequena parte de uma grande tradição. No que concerne ao Renascimento, houve várias edições
de livros sobre tudo tipo de práticas educativas. O ARMÁRIO DO HOMEM CRISTÃO, do
Barthélemy Batt (repleto de
bons conselhos para os pais), e UM NOVO MÉTODO DE EDUCAR AS CRIANÇAS,
ou REGRAS E INDICAÇÕES PARA O BOM COMPORTAMENTO E MANEJO
DURANTE OS PRIMEIROS ANOS, do Thomas Tyron, fossem dois BEST SELLERS
dentro dessa tradição. Talvez o melhor conselho de todos viesse do dissoluto conde do
Rochester, que viveu de 1647 a 1680: "antes de estar casado", dizia seu relatório, "tinha seis
teorias sobre como criar às crianças. Agora, tenho seis filhos e nenhuma teoria!".
E uma nota final...

Para esses que planeja me aconselhar com respeito ao livro Cuidado de


crianças e de bebês do doutor Spock, digo‐lhes que as crianças não vomitam depois dos
três meses: as aflições da Anabel já se acabaram da vida. Minha filha Anna é uma prova
generosa de que os estômagos débeis podem durar mais de um ano.

FIM

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