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CONQUISTANDO O

DUQUE

Jariane Ribeiro
Sinopse
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Epílogo
Copyright © Jariane Ribeiro, 2020

Todos os direitos reservados. É proibido o armazenamento, cópia e/ ou


reprodução de qualquer parte dessa obra ― física ou eletrônica ―, sem a prévia
autorização do autor.
Esta é uma obra de ficção, qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos
ou situações da vida real terá sido mera coincidência.

REVISÃO: Barbara Pinheiro


CAPA E DIAGRAMAÇÃO: Amorim Editorial

Esta obra segue as regras do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.

Copyright © Freya Editora, 2021.


ISBN: 978-65-87321-24-0
Sinopse

Solteironas não deveriam sonhar com o amor...


Lucy sabia disso, do mesmo jeito que tinha noção de que não era bonita, mas
isso não a impediu de sonhar com uma vida que jamais teria e viver de sonhos
até passar a ser obrigada a casar com um velho barão.
Sem esperanças de dias felizes, ela vai até Nicholas, o famoso Duque
Inconquistável, e pede que ele a desonre, pois só estando na ruína poderá se
livrar do enlace enfadonho.
Será que Nicholas Beaufort estará disposto a arriscar tanto a fim de libertar
uma mulher que, até então, só tinha visto mofando nos cantos dos salões de
bailes?
Capítulo 1

Residência do conde de Richmond


Londres, 1813

Ela estava perdida.


Total e completamente perdida.
Não existia outra forma de descrever os dias sombrios que o
futuro lhe reservava. Por Deus, dentre todas as coisas ruins que
poderiam acontecer, incluindo a morte do pai há cinco anos, esta
com certeza era a pior delas.
Jamais pensou que tamanha traição viesse de alguém que
deveria protegê-la. Da mesma pessoa que jurou ficar ao seu lado
quando se sentiu perdida e sem rumo ao ser cruelmente ignorada
pela sociedade que só a tolerava pelo título de nobreza de sua
família.
Como Michael tivera coragem de planejar isso durante meses
por suas costas, enquanto ela pensava que não precisaria se
preocupar com o futuro porque, apesar do gênio terrível, o irmão iria
apoiá-la e jamais imporia uma união indesejada?
Estava tolamente enganada e isso doía tanto quanto ser
considerada sem graça e terrivelmente enfadonha.
— Michael, não — Lucy sussurrou, o ouvido encostado na porta
do escritório onde Michael, seguido do odioso barão de Oxford e
dois advogados, tratavam do seu futuro como se ela fosse uma
simples mercadoria a ser entregue.
Ela levantou e correu escada acima quando percebeu que a
reunião estava acabando. Entrou em seu quarto e se jogou na
cama, se permitindo chorar por tudo o que ouviu.
Sabia que, com vinte e seis anos e um status de solteirona
quase consolidado, não deveria mais sonhar com um casamento
por amor, ainda mais por não ter recebido nenhuma proposta em
quase oito temporadas na sociedade londrina, mas isso não queria
dizer que merecesse casar-se com aquele barão velho que só a
queria para gerar um herdeiro. Por Deus, o homem tinha sessenta e
sete anos e até mesmo cochilava nos bailes!
Lucy imaginou como seria seu futuro e isso fez com que
chorasse ainda mais porque sempre sonhou em ter um casamento
carregado de amor e felicidade como o de seus pais. Não foi criada
para aceitar um enlace de conveniência porque poderia muito bem
esperar pelo homem certo, até seu irmão, atual detentor do título e
chefe da família, fechar um acordo de casamento por suas costas.
Será que sua mãe sabia? Não, provavelmente não. A condessa
viúva não seria capaz de segurar a língua se soubesse de algo
assim, não era considerada a maior fofoqueira de Londres sem
motivo.
Pensou em recorrer à mãe e implorar que convencesse Michael,
mas sabia que a matriarca jamais iria de encontro ao filho mais
velho pela gratidão que sentia por tudo o que ele vinha fazendo
pelas duas, ele até havia abandonado as libertinagens pelas quais
ficou tão famoso e se tornado um chefe de família exemplar.
Margareth Lennox era uma mãe querida, gentil e extremamente
amorosa, mas também muito apegada a todas as convenções
sociais e dizia que levou a sorte de amar o marido escolhido por seu
pai. Provavelmente pensaria que Lucy poderia ser feliz, mesmo que
o futuro cônjuge fosse um forte candidato a deixá-la viúva.
Lucy perdeu a noção de quanto tempo chorou e só levantou da
cama quando Annie, sua criada pessoal, entrou no quarto e a olhou
com os olhos castanhos arregalados.
— O que foi, querida?
A forma carinhosa de chamá-la se devia aos anos em que Annie
esteve com Lucy, primeiro como babá e depois como criada
pessoal. Tinham um enorme carinho uma pela outra e não foi
surpresa quando Lucy se atirou nos braços da mulher mais velha e
chorou a ponto do seu corpo sacudir e o tecido do vestido de Annie
ficar encharcado por suas lágrimas.
Em meio ao choro, Lucy contou à Annie tudo o que tinha ouvido
e percebeu na expressão da outra o quão triste era sua situação.
— Não quero isso — choramingou ao agarrar o lenço que lhe
era oferecido. — Não posso aceitar. Eu sei que sou feia e que nunca
chamei a atenção de um nobre, mas não conseguirei viver ao lado
de um homem que é tido como rude e que só me quer para ter um
herdeiro. Só de pensar em deixá-lo me tocar, sinto que irei vomitar.
— Algumas moças não podem se dar ao luxo de dizer não, lady
Lucy.
— Eu sei. Sinto-me culpada por amaldiçoar o meu futuro
quando tenho noção de que muitas mulheres possuem a obrigação
de encontrar um nobre que salve a situação financeira da família,
mas Michael ao menos poderia ter me preparado para tudo isso.
Annie concordou com um aceno e Lucy apertou o lenço entre os
dedos finos, lembrando-se de todas as vezes em que foi deixada de
lado nos bailes e tendo dançado apenas como o duque de
Somerset, inicialmente pensou que fosse por bondade de lorde
Somerset, mas logo descobriu que ele e seu irmão eram inimigos
desde a universidade, então não foi difícil supor o verdadeiro motivo
do duque ao querer dançar com ela.
Pensar em Nicholas Beaufort fez com que o coração de Lucy
ficasse acelerado de expectativa. O duque havia trocado poucas
palavras com ela, mas o suficiente para deixar claro o desdém que
sentia por sua família e o profundo desprezo que designava a
Michael.
— Annie — ela chamou a criada, que a olhou cheia de pesar. —
Preciso que me ajude.
— Em que, Lucy?
Assim que ouviu as palavras dela, Annie se deixou cair na
cadeira e levou a mão ao peito. Que Deus tivesse piedade de Lucy-
Anne Lennox!
Capítulo 2

Nicholas estava sentado em uma poltrona confortável na


biblioteca. O maior jornal de fofocas de Londres amassado e caído
aos seus pés e um entediante livro sobre agricultura em suas mãos.
A raiva que estava sentindo fazia com que apertasse a capa de
couro até os nós de seus dedos ficarem brancos.
Duque Inconquistável. Era assim que as mães tolas, de moças
mais tolas ainda, estavam se referindo a ele e que foi ouvido pela
víbora que reproduziu cada palavra naquele folhetim de quinta que
circulava e era devorado com a mesma rapidez com que as fofocas
surgiam.
Ele odiava ver seu nome no meio de mexericos e sabia que
estava sendo tratado como o grande prêmio da temporada de 1813
por estar com trinta e um anos e não ter demonstrado nenhum
interesse pelo casamento. Que culpa tinha se as damas
consideradas os diamantes das temporadas não possuíam nada
além de vento na cabeça?
Com um suspiro frustrado, Nicholas deixou o livro de agricultura
de lado e cruzou os braços, afundando os pés descalços no tapete
macio da biblioteca, um hábito que com certeza seria censurado por
sua mãe que, por Deus, estava tão aficionada por vê-lo casado
quanto todas as outras mães malucas.
Ainda estava remoendo o que havia acabado de ler, o jornal de
fofocas e não o terrível livro sobre agricultura, quando uma batida
soou e em seguida Jeffrey entrou, com a expressão impassível de
sempre. O homenzinho foi mordomo de seu pai e era um tanto
quanto presunçoso, mas leal à família Beaufort.
— Lady Lennox está aqui para vê-lo, senhor. Temo que seja de
grande urgência pelo estado avançado da hora.
Nicholas ficou atordoado diante do anúncio. Lady Lennox? O
que alguém da família do imbecil do Richmond teria para fazer na
casa dele àquela hora?
— Peça para que entre — disse, vencido pela curiosidade.
Richmond e Nicholas sempre foram inimigos, mas a culpa com
certeza era do conde. O intragável que enfiou a cabeça dele dentro
de um penico no primeiro ano em Eton e colocou peixes mortos em
sua cama.
Os dois competiam em tudo, pelas mulheres mais bonitas, os
cavalos mais velozes e em qualquer aposta em que um poderia ser
superior ao outro.
Ainda estava pensando no tolo do Richmond, quando uma
figura pequena e envolta em uma capa escura surgiu em sua
biblioteca.
— A que devo a honra? — questionou, apoiando os braços no
encosto da cadeira, em uma posição preguiçosa.
— Desejo uma conversa a sós.
Nicholas fez um gesto para o mordomo que, após um olhar
reprovador, se retirou em silêncio. Assim que a porta foi fechada, a
criatura minúscula se livrou da capa e se revelou uma mulher mais
jovem do que a que ele esperava. Estava trajando um vestido verde
recatado e os cabelos loiros e longos estavam soltos, o que era
completamente inadequado, pois as damas passavam horas tendo
o cabelo arrumado e apenas na privacidade do quarto podiam
deixá-lo livre.
— Lady Lucy-Anne? — Nicholas questionou, estreitando os
olhos na direção dela.
— Si... sim.
Não passou despercebido a forma como ela estava retorcendo
as mãos e a ausência de luvas, deixando à mostra os dedos
pequenos e delicados.
— O que deseja?
Nicholas notou que ela engoliu em seco e as mãos tremeram
ainda mais. Lucy era a irmã mais nova do conde de Richmond e
todos a chamavam de terrivelmente tímida e sem graça, sem falar
que era pequena e com sardas espalhadas pelo rosto, incapaz de
manter um diálogo. Possuía a incrível habilidade de fazer com que
os cavalheiros corressem para longe. Nicholas dançou com ela
algumas vezes por pena e para irritar Richmond.
— Temo não ter a noite toda, lady Lucy.
Ela balançou a cabeça diante das palavras dele e olhou para
seu rosto, revelando olhos tão azuis quanto o céu em um dia de
verão.
— Me... meu irmão quer que eu case com... com o barão de
Oxford.
— Meus parabéns, mas não vejo o que isso tem a ver comigo,
querida.
A forma como ele a chamou fez com que Lucy corasse e
engolisse em seco, parecendo escolher as palavras.
— Ele... ele tem mais de sessenta anos.
— Então provavelmente não será um marido muito ativo —
Nicholas disse em meio ao riso. — E, mais uma vez, questiono o
que eu tenho a ver com isso.
— Eu... eu não quero me casar com ele.
— E veio me pedir em casamento? — Nicholas se levantou e
colocou a mão no peito.
— Na... não.
— Que bom. Eu teria de recusar educadamente a proposta. Ser
pedido em casamento feriria meu orgulho.
— Eu vim pedir para que me desonre.
Nicholas engasgou-se e começou a tossir, olhando para Lucy-
Anne.
— O quê?
— O que acabou de ouvir. Vim pedir para que me desonre.
Nicholas se deixou cair na cadeira e olhou para ela,
completamente sem palavras. Não era um santo e cultivava a
reputação de ser um sedutor, mas essa era uma proposta capaz de
surpreender até o mais devasso dos homens, ainda mais vindo de
uma dama respeitável.
— Você está louca, lady Lucy?
— Não. — Ela balançou a cabeça, ainda parecendo
envergonhada. — Se me desonrar e destruir minha reputação,
então serei exilada no campo e poderei viver em paz e sem o risco
de alguém querer se casar comigo.
— Veio atrás de mim porque quer ser rechaçada pela
sociedade?
Lucy balançou a cabeça afirmativamente e Nicholas se
levantou, indo até o aparador e enchendo um copo com uísque,
tomando metade de conteúdo em um gole.
— Por que eu?
— O senhor odeia o meu irmão. Pensei que me desonrar e
enfurecê-lo seria divertido.
Nicholas olhou melhor para ela. Nunca conversou muito com
lady Lucy, mas a vendo desta forma, parecia uma garota inteligente
e, ao mesmo tempo, estúpida.
— Sem falar que é um libertino conhecido — ela continuou,
parecendo mais segura. — Então gosta de conquistar.
— Você sabe o significado do que está me pedindo?
— Sim — ela afirmou e voltou a retorcer os dedos. — Sei o que
um homem e uma mulher fazem quando casados, mas que alguns
também podem fazer antes do casamento e, neste caso, sem
casamento algum.
A forma inocente como ela expressou o ato de fazer amor fez
com que Nicholas sorrisse, achando Lucy uma criaturinha muito
interessante.
Nicholas abandonou o copo em cima do aparador e se
aproximou dela, tanto que Lucy arregalou os olhos e ele pôde sentir
o cheiro de flores que emanava de seus cabelos e o de sabão
impregnado em sua pele. Ele teve que abaixar a cabeça para olhar
seu rosto, vendo as sardas salpicadas por cima do nariz e
bochechas e os lábios pecaminosamente fartos e rosados.
— Então achou que vindo até aqui, tarde da noite, me faria
desonrá-la porque odeio seu irmão e arruinar os planos dele me
deixaria feliz?
Lucy balançou a cabeça e passou a língua nos lábios,
chamando mais a atenção dele para aquela parte de seu rosto.
— E tudo isso porque você quer viver no campo?
— Sim.
— Fazendo o quê?
— Sendo livre — ela afirmou e olhou para ele, fazendo com que
Nicholas notasse o brilho em seus olhos. — Quero poder andar ao
sol sem me preocupar com as sardas em meu rosto, ler os livros
que gosto e, quem sabe, escrever um livro mesmo que ninguém
jamais venha a lê-lo.
A simplicidade contida no desejo dela para o próprio futuro
surpreendeu Nicholas, que acabou percebendo o quão injusto era
para uma mulher se casar com um homem que não desejava e ter o
destino sempre nas mãos de alguém que não ela mesma.
— Nada de amor? — ele perguntou, ainda próximo demais,
sabendo que todas as mulheres desejavam isso.
— Eu tenho vinte e seis anos e sei que não sou bonita. Amor
não é para alguém como eu. Já me conformei com isso. Quero
apenas viver em paz na casa em que fui feliz antes de ser arrastada
para Londres e mofar nos cantos dos salões de bailes.
Nicholas segurou o queixo dela, sentindo o calor da sua pele na
ponta dos dedos.
— Você é bonita — ele disse e surpreendeu a si mesmo com a
constatação.
— O senhor é um conquistador que sabe usar belas palavras,
mas não precisa desperdiçá-las comigo. Eu me entregarei a você se
quiser, não precisa mentir.
Nicholas circulou o polegar pela pele macia da bochecha de
Lucy, fazendo com que ela estremecesse.
— Ao menos já beijou um homem?
— Não — ela respondeu com sinceridade. — Mas não precisa
me beijar se não quiser. Eu sei que não sou desejável. Espero
apenas que sua vontade de ganhar de Michael em tudo faça com
que se esqueça da minha aparência para que me desonre como se
deve.
Nicholas não gostou da forma como ela se referia a si mesma.
Alguém deveria ter falado muita bobagem para que ela acreditasse
não ser digna de um elogio.
— Eu ainda não aceitei seu pedido — ele sussurrou e seu hálito
tocou o rosto dela.
— E está inclinado a aceitá-lo?
Nicholas pensou no idiota do Richmond obrigando a irmã a se
casar com um velho estúpido feito Oxford e na forma detestável
como o conde sempre agia, querendo conquistar Londres e
ganhando todos com sua boa lábia. Ainda assim, isso não era o
suficiente para que ele concordasse com a ideia maluca de Lucy.
Olhou mais uma vez para o rosto da garota e viu esperança em
seus olhos e se lembrou das suas palavras sobre liberdade e ficar
longe de toda a sociedade que a fez acreditar que não era bonita.
— Sabe que é um pedido completamente inadequado e que não
tem como voltar atrás, não é?
— Sei.
Nicholas suspirou e segurou o rosto dela com as mãos.
— O que posso fazer? Nunca nego o pedido de uma mulher,
ainda mais das que precisam de mim desesperadamente.
Capítulo 3

Lucy estremeceu com o toque tão ousado e íntimo de Nicholas.


Nunca ficou tão perto de um homem antes, nem mesmo nas poucas
vezes em que dançou, pois tal proximidade era extremamente
indecorosa.
Ela conseguia sentir o cheiro de uísque vindo dele e o perfume
sedutor que emanava de sua pele. Não sabia o que aconteceria a
seguir, mas tinha noção de que provavelmente doeria. Já ouviu
muitas conversas impróprias vindas das criadas.
Quando surgiu a ideia de pedir para que Nicholas a desonrasse,
não pensou que seria capaz de chegar até o final, mas com o auxílio
de Annie, seguido de muitos comentários sobre como ela estaria
perdida se fosse descoberta, pegou uma carruagem de aluguel e
chegou a imponente mansão Somerset localizada no coração de
Mayfair.
E agora estava ali, em frente ao homem mais lindo que já vira e
com medo do que fariam a seguir. Nicholas era muito alto, tinha
ombros largos e cabelos escuros, seus olhos eram de um verde
profundo capaz de fazer qualquer dama corar e as mais fracas
ficarem com falta de ar.
— Você está com medo — ele observou gentilmente, ainda
segurando o queixo dela.
Lucy pensou em negar, mas abaixou a cabeça, se
surpreendendo com os pés descalços do duque.
— Querida, você não pode fazer uma proposta tentadora a um
homem e então tremer de medo.
— Sinto muito — ela disse baixinho. — Não estou voltando
atrás, apenas não sei direito o que esperar.
Nicholas fez com que Lucy erguesse o rosto e quando ela olhou
para ele, viu que seus olhos estavam surpreendentemente gentis.
— Eu realmente odeio seu irmão, doçura, mas isso não se
estende a você.
— O que quer dizer?
— Que eu lhe darei o plano perfeito para resolver o seu
problema, se conseguir executá-lo e aguentar as consequências.
— Eu consigo.
Ele sorriu diante da determinação dela e apontou para o sofá
em que estava antes. Desta vez, Nicholas sentou-se ao lado de
Lucy e, em uma voz baixa incrivelmente sedutora, a ensinou como
faria para se livrar do casamento indesejado.
— Acha que isso pode mesmo funcionar? — ela questionou,
não se sentindo mais tão tímida na presença dele.
— Eu, mais do que ninguém, sei o poder de uma fofoca, lady
Lucy.
Ela balançou a cabeça e, em um gesto que surpreendeu a
ambos, pegou a mão dele entre as suas. A pele bronzeada de
Nicholas contrastando com a clara de Lucy, seus dedos longos e
grandes envolvendo a pequena mão dela.
— Muito obrigada, Vossa Graça — ela disse, apertando os
dedos dele de forma gentil. — Você está me salvando, não da forma
que eu achei que seria, mas ainda assim livrando-me de um destino
cruel.
Nicholas sorriu diante do agradecimento sincero e Lucy engoliu
em seco, sabendo exatamente o motivo de muitas mulheres se
perderem com ele. O duque era lindo e de um jeito completamente
sensual.
— Tome cuidado quando for pedir algo tão ousado, lady Lucy.
Outro homem não seria tão complacente com sua situação.
— Jamais me passou pela cabeça procurar outro além do
senhor.
— E por quê?
— Porque sempre me viu mofando nos cantos dos salões e
dançava comigo, mesmo eu me recusando a falar e sendo
terrivelmente enfadonha.
— Vou ser sincero e dizer que na maior parte das vezes foi para
irritar Richmond.
— Então também serei sincera e direi que gostava muito, pois
ver meu irmão perder a pose arrogante era bem divertido.
Lucy levantou e soltou a mão do duque, que mexeu os dedos,
parecendo pensativo antes de se levantar e andar ao lado dela até a
porta.
— Pedirei a um dos criados que providencie uma carruagem
para levá-la até em casa, lady Lucy.
— Obrigada.
Com um sorriso, Nicholas se despediu de Lucy e ela mais uma
vez o agradeceu, tendo esperanças de um futuro melhor.

Quando Lucy chegou em casa, encontrou Annie a esperando


nos jardins. Apesar de fazer frio, a criada a aguardava envolta em
uma grossa capa e quando viu a patroa, respirou de forma aliviada.
As duas não falaram nada e se esgueiraram através da casa
escura, evitando ao máximo fazerem barulho até estarem seguras
no quarto de Lucy.
— Levou o plano até o final? — Annie questionou ao ajudá-la a
se despir.
— Não, mas graças a Somerset conseguirei atingir meus
objetivos.
Annie não gostou do rumo que as coisas estavam tomando,
mas ainda assim ouviu tudo o que sua menina tinha a dizer,
prometendo ajudá-la no que fosse preciso, mas sentindo que as
coisas dariam errado. Seus anos ao lado do conde lhe mostraram
que ele não seria vencido por algo tão simples.

Lucy sentia um misto de aflição e ansiedade que a fazia andar


de um lado para o outro em frente à porta do escritório do irmão.
Apenas um dia havia se passado desde aquela noite em que ela foi
até Somerset e apesar de tudo continuar aparentemente igual, ela
podia sentir que nada seria como antes.
A maior prova era que o irmão tinha solicitado sua presença no
escritório e a mãe continuava ávida em deixá-la bonita para o
tradicional baile oferecido pela condessa de Hereford.
Não conseguindo mais protelar, Lucy bateu à porta e ao ouvir a
voz do irmão, entrou no escritório escuro e com móveis sóbrios que
um dia havia sido do seu pai. Lucy não gostava de pensar nele
porque seu coração doía e não conseguia evitar a saudade e o
pensamento de como as coisas estariam se o pai tivesse se
recuperado da doença que o acometeu após ter pegado uma forte
chuva.
— Sente-se — Michael disse de um modo rude, apontando para
a cadeira em frente à mesa. — Serei rápido.
Lucy fez o que o irmão pediu e não conseguiu evitar comparar
as feições duras de Michael com o rosto gentil do pai. Eles eram tão
parecidos fisicamente, mas a semelhança acabava exatamente
neste ponto.
— Consegui um bom casamento para você — seu irmão
informou, sem parar de mexer nos papéis à sua frente, como se
Lucy não fosse importante.
— Posso saber com quem? — ela perguntou, mesmo já
sabendo a resposta.
— Lorde Oxford. Ele é um bom homem e com uma fortuna
considerável.
Lucy abriu a boca, mas não soube muito bem o que dizer.
— É o melhor que pude encontrar. — Ele finalmente olhou para
ela, seu rosto inexpressivo. — Oito temporadas não é algo que seja
bem-visto, Lucy-Anne, e com a sua aparência, deveria ficar
satisfeita de ao menos conseguir ser uma esposa.
As palavras dele a feriram e Lucy respirou fundo, não querendo
demonstrar o quão magoada havia ficado.
— Não acha que ele é muito velho para mim, irmão?
— Não ouviu quando eu expliquei que Oxford foi o melhor que
eu pude encontrar? Prefere continuar mofando nos salões?
— Na verdade, sim.
Michael arregalou os olhos diante da resposta dela. O rosto
pálido de Lucy adquiriu uma coloração rosada e os lábios finos se
transformaram em uma linha, quando o conde dirigiu a ela um olhar
de puro desprezo.
— E eu devo ficar carregando você pelo resto da vida? Não
preciso do peso de ter uma irmã solteirona, Lucy-Anne. Como seu
responsável, já decidi seu futuro e será casada com Oxford.
— Mas...
— Não estou pedindo que opine — ele a cortou —, mas sim
informando que em breve ele iniciará a corte e quero que seja
perfeita. Oxford detesta mocinhas tagarelas, se é que posso me
referir a você como uma moça tendo quase vinte e sete anos. Pelo
menos, você tem a vantagem de conseguir ser insuportavelmente
silenciosa também.
Os lábios de Lucy tremeram diante de palavras tão cruéis e ao
ver as lágrimas escorrendo pelo rosto dela, Michael apenas apontou
para a porta, indicando que a conversa terminara.
De cabeça baixa, Lucy deixou o escritório e foi até seu quarto,
onde encontrou a mãe sentada em sua cama e olhando para um
vestido azul que Annie segurava.
— Ah, Lucy, estava dizendo à Annie o quanto ficará linda...
A condessa parou de falar quando viu a filha chorando e sorriu
de uma forma triste, já sabendo do que se tratava.
— Sinto muito, querida — ela disse e se levantou, parando na
frente da filha e fazendo um carinho desajeitado em seu rosto.
— Vai deixar eu me casar com alguém que não amo, mãe?
— Infelizmente, esse poder está nas mãos dos homens.
Aconteceu o mesmo comigo e posso garantir que ainda amo seu
pai.
— Meu futuro marido é mais velho do que papai seria se
estivesse vivo.
— Vai dar tudo certo, Lucy. Agora vista-se, porque nada é mais
enfadonho do que uma dama que se atrasa para tudo.
E, sem conseguir mais olhar para a filha, a condessa saiu do
quarto, deixando Lucy ainda mais desolada ao ver a mãe que um
dia havia sido tão enérgica parecer tão conformada.
— Irei colocar o plano em prática hoje — Lucy disse à Annie
depois de se acalmar, enquanto estava sendo vestida para o baile.
A mulher apenas concordou, não querendo deixar a jovem
dama ainda mais triste ao informar que as coisas poderiam não sair
tão bem quanto ela planejara.
Capítulo 4

Lucy não estava animada para o baile mais disputado de toda


Londres, culpa do seu irmão, porque, para ser sincera, e geralmente
ela era, adorava o ambiente intimista e cheio de conversas e
paixões que alguns bailes proporcionavam, o da condessa de
Hereford era famoso exatamente por oferecer tudo aquilo e ainda
mais um pouco.
Muitos casais se formaram nos labirintos do jardim de Hereford
e vários escândalos tiveram início nas balaustradas da mansão e
mesmo que Lucy soubesse que jamais estaria em um encontro de
amantes ali, ou dançando no grande salão de baile, se contentava
em observar a vida ao seu redor.
Muitas vezes, só restava à Lucy sonhar com o que sua vida
poderia ter sido se a aparência não fosse algo tão importante, ou se
tivesse chegado a ser a beldade que seu pai imaginou que ela seria,
mas naquele dia, sonhar não lhe interessava porque talvez aquele
fosse seu último baile.
O barão de Oxford não era conhecido por ser um frequentador
assíduo de eventos sociais. Sua única esperança era o plano, e que
Deus a ajudasse, porque já sentia como se estivesse se despedindo
de tudo o que conhecia.
— Mesmo que já tenha um noivo, deveria sorrir e ser receptiva
para que os outros cavalheiros também a notem.
As palavras, sussurradas em um tom cansado, foram ditas por
sua mãe, que se abanava com um leque mesmo que o clima
estivesse fresco. Lucy suspirou, incapaz de rebater as tentativas
casamenteiras da mãe. Será que era tão difícil para a condessa
entender que Lucy não era como as outras?
Foi enquanto estava escolhendo as palavras certas para não
magoar a mãe que ela o viu se aproximar. Nicholas Beaufort, duque
de Somerset, libertino convicto e o melhor partido de toda a
Inglaterra, segundo os sussurros das jovens apaixonadas. Lucy não
deixou de observar que as pessoas abriam espaço para que ele
passasse e as damas se colocavam em seu caminho em tentativas
infrutíferas de conquistarem a atenção dele.
Lucy arregalou os olhos quando o duque parou na frente dela e
da mãe, fazendo uma mesura educada e sorrindo para elas como
se realmente quisesse vê-las.
— Poderei ter a honra da próxima dança, lady Lucy?
Ela olhou para a mãe, que se abanava ainda mais com o leque,
e a condessa concordou com um aceno afetado, parecendo tão
encantada com o duque quanto todas as outras moças. Todas as
vezes que Somerset se aproximava para dançar com ela por pena,
a mãe agia como se fosse a melhor coisa do mundo, até mesmo
esquecia o quanto o filho odiava o duque.
Bem no momento que Lucy concordou, uma nova valsa teve
início e ela acompanhou Nicholas até o meio do salão, não deixando
de observar os olhares maldosos e os risinhos em sua direção.
Todos sabiam que o duque sentia pena dela e nem tentavam
disfarçar.
— Já colocou seu plano em prática?
— Perdão?
Nicholas sorriu diante da confusão dela e repetiu a pergunta.
— Esta noite — Lucy afirmou em um sussurro, sentindo que seu
coração começava a martelar as costelas. — Michael me informou
hoje sobre o noivado.
Ela olhou para baixo, mesmo sabendo não ser adequado. Não
conseguia ter outra atitude ao se lembrar das palavras cruéis do
irmão, como se ela fosse um peso do qual ele queria se livrar
desesperadamente.
— Se não mudar sua expressão, poderão pensar que estou
dizendo coisas cruéis à senhorita.
Lucy se esforçou para melhorar, engolindo em seco e olhando
para o rosto bonito de Nicholas.
— Perdoe-me.
— Espero que o plano tenha o resultado esperado, lady Lucy.
Ela apenas balançou a cabeça e terminaram a valsa em
silêncio. Como foram parar do outro lado do salão de baile, Nicholas
ofereceu o braço à Lucy e ela andou ao lado dele, recebendo mais
uma vez olhares carregados de desdém.
— Odeio isso — sussurrou tão baixo que imaginou que ninguém
pudesse ouvi-la.
— O quê?
Lucy acabou tropeçando e foi habilmente amparada pelo duque,
que gentilmente a olhou, esperando pela resposta.
— Os olhares de escárnio em minha direção — confessou,
envergonhada. — Fazem com que eu me sinta completamente
inadequada.
— A maioria das pessoas são tolas, milady.
Ele disse isso quando chegaram até o destino dela e, para
completo espanto de Lucy, deu um beijo completamente inadequado
em sua mão, encostando os lábios quentes em sua luva e dando
uma piscadinha em seguida.
— Ele é extremamente gentil — comentou Margareth.
Lucy não contestou a mãe, sentindo a mão formigar onde o
duque havia beijado. Por Deus, ele era devasso até com as
desprovidas de beleza como ela.

Algumas horas depois, Lucy chegou em casa e assim que


entrou em seu quarto, encontrou Annie à sua espera.
— Tem certeza de que irá colocar esse plano em prática, Lucy?
— É minha única alternativa.
Annie balançou a cabeça e começou a ajudá-la a se despir,
trocando o vestido do baile por uma camisola branca e cheia de
bordados, abotoada até o pescoço. Dedicou-se a escovar os longos
cabelos de Lucy pelos minutos seguintes, observando como a moça
estava nervosa, retorcendo os dedos sem parar e mordendo o lábio.
Lucy levantou quando Annie colocou a escova de cabelos em
cima da penteadeira e segurou as mãos da mulher que era sua
melhor amiga e, em alguns momentos, mãe.
— Vá em frente, Annie. — O pedido foi feito em meio a um
suspiro entrecortado.
Lucy ficou de costas para ela e a criada tirou um pequeno frasco
de dentro do vestido. Cuidadosamente, Annie sujou a camisola dela
com o líquido.
— Está feito — disse baixinho.
— Não se esqueça da segunda parte.
Annie concordou e ajudou Lucy a se deitar, apagando a vela e
saindo do quarto, não conseguindo evitar a sensação ruim no peito.

Lucy não conseguiu dormir, a ansiedade fazia com que fechar


os olhos fosse muito difícil. Ela pensou em tudo o que poderia dar
errado e também nas infinitas possibilidades de uma vida tranquila
no campo, caso tudo desse certo como o planejado.
E assim, virando de um lado para o outro e com o cansaço lhe
pesando os olhos, mas incapaz de adormecer, o dia amanheceu e
ela finalmente ouviu passos no corredor.
Demorou ainda para que ouvisse uma batida e a porta do quarto
fosse aberta por Annie, que não hesitou ao abrir as pesadas
cortinas, deixando um raio de sol não muito forte entrar no quarto.
Foi enquanto Annie estava próxima à janela que Harriet, uma
das arrumadeiras mais fofoqueiras da casa, entrou no quarto
segurando uma cesta com lençóis limpos. Lucy havia planejado
para que tudo acontecesse exatamente no dia em que sabia que
seriam trocados os lençóis.
Simulando ter passado uma boa noite de sono, ela levantou da
cama e se virou propositalmente para a porta.
— Quer que eu prepare suas toalhinhas, senhorita?
A pergunta foi feita por Harriet e Lucy se virou em direção à
mulher, simulando estar distraída.
— Ainda não, Harriet. Não está naquele momento do mês...
E então se interrompeu, tapando a boca com a mão e pensando
em uma situação bem vergonhosa para corar, pegando em seguida
a camisola e olhando para os pingos de sangue na parte de trás.
Annie foi rápida em correr até Lucy e a envolver com o robe
branco.
— Deixe-nos por um momento, Harriet — pediu Annie, seguindo
o plano à risca.
Lucy viu no rosto da arrumadeira a compreensão do que achava
que tinha acontecido e a vontade inquieta da mulher fofocar, mas,
obedecendo ao que lhe foi pedido, Harriet saiu do quarto e fechou a
porta.
— Acha que dará certo? — Lucy questionou, se voltando para
Annie.
— Penso que é muito tarde para voltar atrás, menina.
Lucy concordou e rezou para que tudo ocorresse como o
planejado.

O plano que Nicholas ofereceu à Lucy era muito simples e
consistia em ela sujar suas roupas íntimas com sangue e simular
que havia sido desonrada para que alguém visse, ressaltando que
nada podia com o poder de uma boa fofoca.
A princípio, Lucy pensou que algo tão simples não poderia dar
certo, mas logo se lembrou de que os criados adoravam fofocar
sobre a vida dos patrões e que embora a família fingisse não se
importar, acabavam sabendo de muita coisa através das criadas,
principalmente Harriet que era a principal fonte de fofoca da própria
condessa.
Então a ideia de se sujar de sangue e fingir constrangimento foi
posta em prática justamente no dia em que Lucy sabia que Harriet
estaria por perto. Agora, tantas horas depois do ocorrido, ela
esperava que a fofoca já estivesse espalhada pela casa e chegasse
aos ouvidos do irmão.
Lucy estava em seu quarto, tentando se distrair com um livro,
quando sua mãe adentrou o ambiente, pálida e parecendo prestes a
desmaiar.
— Lucy-Anne — a condessa falou, quase engasgando. — Diga-
me que não fez o que eu ouvi que...
Mas a condessa jamais pôde terminar de dizer o que queria,
porque Michael irrompeu o quarto, empurrando a própria mãe para o
lado e parando na frente de Lucy, o rosto vermelho de raiva e os
punhos cerrados.
— O que você fez? — perguntou aos berros, atraindo a atenção
dos criados que passavam pelo corredor e pararam para olhar o que
estava acontecendo, embora já desconfiassem.
— Não sei do que está falando — Lucy tentou disfarçar, embora
estivesse tremendo.
— Não se fala em outra coisa que não o fato de ter sido
desonrada — Michael disse em um tom mais baixo, carregado de
raiva.
— Eu...
— Você foi desonrada, Lucy-Anne?
A pergunta foi feita pela condessa, que estava sentada na
cama, parecendo ainda mais pálida.
— Sim — Lucy afirmou a mentira, sentindo os lábios tremerem.
— Quem? — Michael se aproximou dela e a levantou da cadeira
apertando seus ombros fortemente. — Quem a desonrou?
— Não... Não irei falar.
O aperto dele em seus ombros se tornou mais forte e Lucy, que
jamais imaginou que o irmão pudesse ser violento, ficou com medo.
— Não vai falar? — ele questionou, o rosto próximo ao seu. —
Está tentando ser arruinada para não se casar?
Lucy não conseguiu falar porque as mãos do seu irmão saíram
de seus ombros e se apertaram em torno da sua garganta.
— Vou perguntar novamente: quem a desonrou?
— Solte-a, Michael!
A condessa se levantou da cama e se interpôs entre os filhos,
fazendo com que o conde soltasse a irmã. Lucy começou a tossir e
a buscar ar desesperadamente, segurando a garganta que ardia
como se estivesse pegando fogo.
— Não percebe, mãe? Ela está fazendo de tudo para não se
casar! — Michael gritou e olhou mais uma vez com ódio para a irmã.
— Isso é verdade, Lucy?
Ela olhou para a mãe, sentindo as lágrimas quentes escorrerem
por seu rosto.
— Não quero me casar — ela admitiu baixinho, a voz rouca
devido ao aperto do irmão. — Podem me exilar no campo e serei
feliz.
— Você é uma parasita! — Michael gritou, perdendo
completamente a compostura. — Não irá para o campo e continuar
dependendo de mim! Amanhã um médico vai examiná-la e irá se
casar de qualquer maneira.
— Eu não quero! — O grito irrompeu de Lucy antes que
pudesse evitar e seu apelo não sensibilizou o conde, pelo contrário,
o enfureceu ainda mais.
Michael desviou da mãe, que havia se deixado cair na cadeira
em frente à penteadeira, e chegou à irmã, não hesitando em erguer
a mão e esbofeteá-la, tão forte que Lucy caiu de lado no chão,
sentindo o rosto todo arder.
— Você vai se casar, entendeu? — ele perguntou, se abaixando
para ficar ao lado dela. — Sua tentativa infantil de colocar sua
reputação na lama não vai funcionar.
Lucy chorava, a dor e a mágoa fazendo com que fosse difícil se
controlar e piorou quando ela olhou para a mãe e viu a dor nos
olhos dela, mas ainda assim Margareth não saiu do lugar.
— Entendeu?! — Michael gritou mais uma vez e então segurou
os cabelos de Lucy com força, fazendo a cabeça dela pinicar.
— Eu te fiz uma pergunta, Lucy-Anne.
Lucy se forçou a balançar a cabeça, as lágrimas de dor e
humilhação inundando seus olhos.
— Saia, mãe — Michael pediu ao se levantar.
— Não acha que sua irmã já fui punida o suficiente? —
Margareth questionou, a voz embargada pelo choro contido.
Michael ignorou o questionamento da mãe e ergueu Lucy-Anne
do chão com força, apertando seu braço a ponto de ela deixar
escapar um gemido de dor.
— Vai ficar aqui neste quarto até que eu arranje um médico
decente — Michael disse, a voz pontuada pela raiva. — Não ouse
me desobedecer.
E, com mais um empurrão violento, ele a jogou na cama e fez
um gesto para que a condessa saísse. Margareth lançou um último
olhar para a filha e deixou o quarto.
Michael pegou a chave e trancou a irmã, a deixando caída na
cama e com o corpo sendo sacudido por soluços sofridos. Lucy
jamais imaginou que um dia chegaria a apanhar de alguém, ainda
mais do irmão que ficou com o dever de protegê-la.
Encontrando forças, Lucy cambaleou para fora da cama e foi
até a janela, percebendo que o dia já estava chegando ao fim, mas
não foi o sol se pondo que chamou sua atenção, mas sim outra
coisa.
Capítulo 5

Nicholas estava em seu escritório, alguns livros de contabilidade


espalhados à sua frente e uma xícara de chá intocada ao seu lado.
Geralmente conseguia passar várias horas absorto em fazer contas
e, para ser sincero, gostava da forma como a matemática era
sempre exata e não abria espaços para dúvidas, diferente das
entediantes aulas que teve sobre filosofia com um tutor há muitos
anos, quando ainda tinha o pai e não sabia ficar muito estável em
cima de um cavalo.
Ele ainda estava pensando no pai, e na paciência que o velho
duque teve para ensinar tudo que um cavalheiro precisava saber,
quando ouviu uma batida na porta, sendo seguida pela entrada de
Jeffrey. Ele se surpreendeu ao ver o mordomo porque era a primeira
vez que o via demonstrar emoções.
— Lady Lucy-Anne Lennox está aqui para vê-lo, senhor. A
conduzi para a sala de visitas privativa do segundo andar.
Nicholas arregalou os olhos, completamente surpreso com a
atitude de Jeffrey. A sala de visitas do segundo andar era reservada
apenas para a família e Lucy não deveria visitá-lo novamente, ainda
mais em um horário onde poderia ser vista por todos e também
porque deveria estar colocando o plano que ele havia feito em
prática.
— Perdoe minha insubordinação, senhor, mas é que nas
condições de lady Lucy-Anne, será melhor que ela não seja vista.
Nicholas não entendeu a preocupação do mordomo, mas ainda
assim se levantou e saiu do escritório, subindo rapidamente as
escadas que levavam ao segundo andar.
Ele entrou na sala e parou, completamente estupefato com o
que viu. Lucy estava com um vestido amarelo simples, a saia suja
de barro e rasgada, mas não foi esse o fato surpreendente, mas sim
as marcas roxas em seu pescoço e, por Deus, os lábios dela
estavam cortados e inchados e uma enorme mancha azulada se
formava no lado direito do seu rosto. Os cabelos com o penteado
desfeito e as mechas grossas escondiam as marcas arroxeadas que
começavam a se formar em seus ombros.
— O que houve? — ele questionou, andando até ela
rapidamente.
Lucy abriu a boca para falar e Nicholas percebeu, ao vê-la tão
perto, que estava muito machucada.
— O que aconteceu, lady Lucy? — ele questionou novamente
ao notar que ela estava tremendo.
— Temo... Temo que o plano não tenha dado certo.
E, após essa pequena frase, Lucy desabou, caindo no chão na
frente dele e cobrindo o rosto com as mãos, o choro alto fazendo os
ombros dela sacudirem. Antes que pudesse pensar no que estava
fazendo, Nicholas se abaixou na frente dela e, com extrema
delicadeza, segurou as mãos de Lucy.
— Quem a machucou desse jeito? — Nicholas indagou,
tentando não deixar transparecer a raiva que estava sentindo da
pessoa que a tocou.
— Foi... foi Michael — respondeu em um sussurro.
Nicholas respirou fundo, sentindo a raiva gelar seu sangue.
Somente alguém canalha como Richmond seria capaz de bater na
própria irmã com metade do tamanho dele. Covarde. Era isso que
Richmond e todos os homens que ousavam bater em uma mulher
eram.
— Com licença, senhor.
Eles foram interrompidos por Jeffrey trazendo uma pesada
bandeja contendo lanches e itens para que os machucados de Lucy
fossem limpos. Com uma mesura, o mordomo saiu tão
silenciosamente quanto havia entrado, fechando a porta atrás de si.
O duque se levantou e, com gentileza, segurou o cotovelo de
Lucy e praticamente a ergueu do chão, conduzindo-a até o sofá em
frente à mesa e se sentando ao seu lado.
Olhar para o rosto dela tão machucado e os olhos tão tristes fez
com que Nicholas sentisse vontade de ir até Richmond e espancá-lo
de uma forma ainda pior do que ele foi capaz de fazer com a própria
irmã, mas ele respirou fundo e tentou se controlar, não querendo
deixá-la com mais medo.
— Consegue me contar o que aconteceu? — ele perguntou e
pegou um lenço da bandeja, o molhando na água e se aproximando
do lábio machucado de Lucy.
— Eu fiz como o combinado — ela começou a contar baixinho,
estremecendo quando ele tocou em seu rosto machucado. — E a
fofoca se espalhou. Fiquei esperançosa, mas então Michael entrou
em meu quarto e começou a gritar coisas realmente ruins para mim
e quando eu falei que não queria me casar, ele disse que chamaria
um médico para...
Ela parou de falar, sentindo o rosto arder.
— Para comprovar se ainda era virgem? — Nicholas perguntou,
afastando o cabelo dela do rosto e vendo mais um machucado
próximo à orelha.
— Sim, e então ele me bateu e exigiu que eu concordasse com
o que faria.
Ela piscou e mais lágrimas escorreram por seu rosto. Nicholas
percebeu que os olhos dela eram de um azul intenso e os cílios
dourados como os cabelos, mas não foi isso que fez com que ele
secasse suas lágrimas, mas sim a tristeza que escapava com cada
palavra proferida.
— Ele... ele me chamou de parasita. Disse que não quer me ter
como um peso a vida toda.
Nicholas mordeu o lábio e pegou o emplastro dentro da
bandeja, se tratava de um composto de ervas da cozinheira que era
muito eficaz para machucados que ficavam arroxeados. Ele, quando
mais jovem, havia brigado e fora cuidado com o mesmo emplastro
pela mãe, enquanto ouvia um interminável sermão sobre se portar
como um cavalheiro.
— Isso não é verdade — Nicholas disse baixinho, pegando a
mão dela e molhando o lenço no emplastro, passando gentilmente
nas marcas arroxeadas de seu pulso.
— Ele me trancou no quarto em seguida — Lucy prosseguiu,
parecendo alheia às palavras que ele lhe disse. — E eu fugi pela
janela. Sinto muito por ter vindo até aqui neste estado, mas não
conheço mais ninguém e, na verdade, nem sei direito o que vim
fazer aqui, mas estou com tanto medo. Não quero apanhar
novamente e nem me casar, mas sei que Michael irá me bater se
descobrir que menti. Jamais pensei que ele pudesse ser violento,
mas agora só consigo pensar nele e no fato de que teve coragem de
me agredir, mesmo sabendo que papai jamais aprovaria...
Lucy parou de falar assim que mencionou o pai e Nicholas
percebeu que ela sentia falta do antigo conde, que foi um homem
gentil e muito querido pela sociedade.
— Se papai estivesse aqui — Lucy sussurrou, olhando para a
mão que ele havia soltado. — Ele jamais teria me batido, muito
menos me obrigaria a casar. Queria que meu pai estivesse aqui,
assim eu não me sentiria tão desprotegida e sem rumo.
Ela ergueu a cabeça e olhou para Nicholas após dizer as
palavras e ele se identificou com a dor dela, pois sentia-se da
mesma forma em relação ao próprio pai. Não era fácil perder quem
se amava, a maior prova era que a mãe foi para a Escócia ficar com
as irmãs por não suportar as lembranças que a Inglaterra guardava
do marido.
— Eu sinto muito pelo que aconteceu — Nicholas disse com
sinceridade e tirou o lenço do bolso da casaca, entregando a ela. —
Não pensei que o plano poderia ter consequências tão desastrosas
para a senhorita.
— Não é sua culpa — ela negou rapidamente. — Apenas fez
seu melhor para me ajudar. Eu que fui tola ao pensar que Michael
poderia ser dissuadido da ideia por algo tão simples. Sinto muito por
ter vindo até aqui e o importunado com meus problemas. Vossa
Graça não tem nada a ver com isso.
Nicholas olhou mais uma vez para o rosto machucado de Lucy e
a forma como ela parecia completamente frágil e perdida o tocou.
— O que pretende fazer? — ele perguntou e pegou seu outro
pulso, onde as marcas arroxeadas estavam um pouco piores.
— Eu... eu não sei. Desci através da treliça e gastei minhas
últimas economias pagando pela carruagem de aluguel. Michael não
costuma me dar dinheiro e o que eu tinha era da época em que
papai estava vivo, então não poderei fugir para algum lugar. Sei que
tenho que voltar para casa e encarar tudo, mas estou tão cansada e
sinto tanto medo. Gostaria de ser forte, mas acho que sou como um
daqueles pássaros que não sabem voar.
Ela sorriu, o tipo de sorriso triste que fez com que Nicholas
ficasse sem reação por alguns segundos, segurando a mão dela
como um tolo.
— Talvez casar com o barão não seja tão ruim — ela disse e
soltou a mão dele, se levantando e tentando ajeitar a saia
amarrotada e suja do vestido. — Ele não pode ser pior que Michael.
Lucy-Anne, a que todos consideravam sem graça, estava se
revelando uma mocinha com muita força. Mas Nicholas sabia que
aquela força não seria suficiente para lidar com Oxford que era pior
que o irmão dela. O barão ficou conhecido por ser um jogador hábil
e um bêbado violento e só de imaginar a delicada Lucy-Anne nas
garras daquele homem, sentiu como se seu estômago estivesse
virando do lado contrário.
Nicholas levantou, ficando de frente para ela, mas antes que ele
pudesse dizer algo, Lucy cambaleou, seu rosto se tornando muito
pálido.
— Estou me sentindo um pouco zonza — ela murmurou e
Nicholas só teve tempo de ampará-la e a segurar contra seu corpo.
Com cuidado, ele colocou Lucy no sofá, encostando o rosto dela
no tecido macio e vendo que suas pálpebras tremiam. Ela havia
desmaiado devido às situações que passou. Olhou para a bandeja e
percebeu que Jeffrey colocou os sais ali e sem demora os passou
embaixo do nariz de Lucy.
Ela demorou um pouco para abrir os olhos e Nicholas percebeu
que os lábios dela estavam arroxeados e as mãos frias. Olhou ao
redor e não encontrou nada para aquecê-la, então tirou o casaco e o
colocou em cima dela.
— Tenho... tenho que ir embora — Lucy disse, olhando para ele
e parecendo fraca.
— Apenas descanse um pouco, milady.
— Oh, mas isso é completamente inadequado.
Ele sorriu diante do comentário dela e ajeitou melhor o casaco
em cima do corpo pequeno de Lucy.
— Tenho certeza de que posso listar um milhão de outras coisas
mais inadequadas.
Lucy sorriu e fechou os olhos. Nicholas ficou a observando até
que percebeu que ela adormeceu e, sem querer pensar muito sobre
o que estava fazendo, se aproximou e a ergueu com facilidade nos
braços.
Olhou para a cabeça de Lucy aninhada em seu ombro, os
cabelos dourados caindo em cima de sua camisa e sentiu um
carinho inexplicável por aquela garota ferida.
Capítulo 6

Lucy abriu os olhos e demorou um pouco para se localizar,


percebendo que estava em um quarto diferente do seu e em uma
cama que com certeza não era a sua pelo perfume que emanava
dos travesseiros, um cheiro masculino e muito bom.
Olhou através da janela e percebeu que já era dia e fez um
esforço para se sentar, sentindo que seu corpo estava dolorido e
que o cansaço ainda a dominava.
— Sente-se melhor?
A voz, já familiar, veio de uma poltrona próxima à cama e Lucy
não ficou surpresa ao ver Nicholas, que a olhava atentamente.
— Acho que sim — Lucy mentiu e sentiu que o rosto
esquentava.
Estava extremamente envergonhada de ter aparecido na casa
do duque com o vestido rasgado e cheia de machucados, alguns
por ter pulado a janela do quarto e outros provocados pelo próprio
irmão. Pensar em Michael fez com que os olhos de Lucy se
enchessem de lágrimas e ela as secou com as costas da mão,
sabendo que era um gesto extremamente deselegante.
— Sinto muitíssimo por incomodá-lo, milorde.
Nicholas se levantou e parou ao lado da cama, pareceu hesitar
por alguns instantes antes de sentar-se na ponta.
Lucy se encolheu, sabendo que deveria estar horrenda com as
manchas roxas espalhadas por sua pele clara, como se já não
bastasse ter sardas salpicadas pelas bochechas.
— Não está incomodando, lady Lucy — Nicholas disse com
delicadeza, ainda olhando para o rosto dela. — Percebo que não
teve alternativa a não ser recorrer a mim.
— E sequer nos conhecemos tão bem e eu estou no que parece
ser a sua cama. Se minha mentira já não estivesse me arruinado,
minha situação de agora já seria o suficiente. — Ela parou de falar e
suspirou. — Michael com certeza me baterá o dobro quando souber
que fugi.
Lucy sentiu o corpo gelar com a última frase. O irmão com
certeza já estaria procurando por ela àquela altura.
— Quanto tempo eu dormi? — Lucy questionou e jogou as
cobertas para o lado, se levantando rapidamente e ficando um
pouco zonza.
— Por mais de dez horas — Nicholas explicou e se levantou, a
apoiando e impedindo que caísse.
— Preciso ir para casa e... — Lucy parou de falar, percebendo
que não sabia muito bem o que deveria fazer e isso foi o suficiente
para que se deixasse cair na cama, se desvencilhando do duque. —
Estou perdida — murmurou para si mesma. — Se voltar, serei
castigada e forçada a me casar e se não voltar... não existe esta
opção, já que não possuo dinheiro algum.
Antes que pudesse pensar muito sobre o que estava fazendo,
Nicholas se ajoelhou em frente à Lucy e segurou suas mãos
geladas.
— Lady Lucy — a chamou baixinho, fazendo com que prestasse
atenção nele. — Acho que tenho uma solução para os seus
problemas.
Lucy arregalou os olhos e olhou para suas mãos unidas às de
Nicholas, assimilando as palavras que ele havia acabado de
pronunciar.
— E qual seria a solução, Vossa Graça?
Lucy percebeu que ele mordeu o lábio e então respirou fundo,
focando toda sua atenção nela.
— Case-se comigo e seja minha duquesa.
Lucy arquejou, por mais deselegante que tal ato fosse, ela não
conseguiu evitar e por alguns momentos achou que não tinha
ouvido direito.
— Casar-me com o senhor?
— Sim. Enquanto você dormia, pensei na sua situação e no fato
de que um dia terei de me casar, então não seria de todo mal se
fosse com a senhorita.
— Eu...
— Eu sei que não quer se casar com quem não ama, mas não
terá de conviver o tempo inteiro comigo, lady Lucy. Poderá ficar na
minha casa de campo e ler quantos livros quiser, garanto que não
me importarei com o que faça. Futuramente teremos que ter
contato, mas prometo que não será nada além do necessário. Eu
lhe darei a liberdade que quer dentro das minhas possibilidades.
Lucy ficou olhando para o duque, encarando o belo homem que
era considerado o melhor partido da temporada por ser lindo e muito
rico. Não conseguia acreditar que estava ouvindo uma proposta
exatamente dele.
— O... o senhor está com pena de mim? Eu não vim até aqui
para que se sentisse obrigado a fazer este tipo de proposta — Lucy
começou a balbuciar, se sentindo nervosa, envergonhada e, talvez,
esperançosa. — Eu sei que pode se casar com qualquer outra moça
da temporada e o senhor odeia meu irmão, Alteza.
Nicholas sorriu diante das palavras dela, qualquer outra mulher
estaria pulando pelo quarto, mas, pelo visto, lady Lucy tinha um
senso de moral elevado.
— Eu sinto pena da sua situação, mas não foi isso que me
compeliu a pedi-la em casamento — ele explicou, apertando os
dedos gelados dela. — Enquanto dormia, eu pensei que daria certo
uma união entre nós. Você é uma mulher inteligente e determinada
e estas são qualidades que apreciarei em uma esposa, além do
mais, iria me sentir muito bem por saber que a livrei de um destino
cruel ao lado de um homem violento como Oxford e desumano
como seu irmão.
— O senhor tem certeza?
— Claro que tenho, milady. Poderemos ser amigos futuramente.
Nunca pensei que iria me casar, e sei que a senhorita queria se
casar por amor e sinto muito que não possa realizar esse sonho,
mas é a solução que eu encontrei para que não a veja mais neste
estado.
Lucy engoliu em seco e olhou para o homem gentil que ainda
estava ajoelhado na sua frente. Se voltasse para casa, iria ter um
destino cruel e se casasse com o barão, pela informação que
acabou de lhe ser passada, poderia vir a sofrer o mesmo tipo de
violência.
— Vai me deixar mesmo viver no campo? — questionou
baixinho.
— Sim. Tenho certeza de que gostará de Heartsease. A
biblioteca é bem ampla e poderá comprar novos livros, se quiser.
Não a importunarei muitas vezes, já que tenho obrigações em
Londres. Em alguns momentos, terá que cumprir com o seu papel
de duquesa, e participar ao meu lado de alguns eventos, mas na
maioria do tempo poderá viver o seu sonho de um futuro tranquilo.
Lucy se imaginou na vida que Nicholas estava descrevendo e,
por Deus, parecia o paraíso. Estaria casada com um homem
respeitável e cercada pelos livros que tanto amava, e poderiam ter
filhos. Lucy sentiu o coração acelerar ao imaginar uma criança
correndo ao seu redor e parecida com o duque.
— Seria um sonho, Vossa Graça — ela admitiu com um sorriso.
— Mas não acho que Michael seja capaz de aceitar...
— Eu me entendo com Richmond, não precisa se preocupar
com isso.
Lucy balançou a cabeça e então pensou nas palavras que ouviu
do irmão mais cedo.
— Não quero ser uma parasita para o senhor — disse baixinho,
afastando suas mãos das dele.
— E jamais será, lady Lucy — Nicholas afirmou e segurou o
queixo dela, fazendo com que o olhasse. — Se aceitar, será minha
companheira e amiga, jamais lhe direi palavras cruéis, ou erguerei a
mão para a agredir. Vou protegê-la.
Lucy sentiu os olhos se encherem de lágrimas quando o duque
prometeu que a protegeria. Era tudo o que queria desde que perdeu
o pai.
— Prometo ser uma boa esposa, Vossa Graça.
— Tenho certeza de que será.
Nicholas sorriu e Lucy-Anne sentiu que realmente seria
respeitada e protegida pelo duque e isso era muito mais do que
poderia sonhar.
Capítulo 7

Nicholas olhou para Lucy-Anne sentada à sua frente na


carruagem e sentiu uma inesperada vontade de sorrir diante da
estranha situação que estavam enfrentando. Para ser sincero, até o
dia de hoje, ele não havia pensado em se casar, talvez em um ou
dois anos, mas não naquele momento.
E, para continuar sendo sincero, ele se sentia um pouco melhor
por saber que estava prestes a desposar alguém que realmente
precisava dele e não uma qualquer que estava apenas atrás de um
título, não que todas as damas fossem assim, apenas a grande
maioria.
Nicholas tinha certeza de que Lucy seria uma boa esposa. Ela
era silenciosa, tranquila e provavelmente viveria com o rosto enfiado
em algum livro. Proporcionar a vida que ela sonhava era um
incentivo e tanto para ele, principalmente agora que sabia do que
Richmond era capaz.
— Por que está me olhando desta forma, Vossa Graça?
Ele balançou a cabeça, a voz receosa dela o despertando de
seus devaneios.
— Estava simplesmente pensando que fiz uma boa escolha,
milady.
— Não sei se Michael pensará da mesma forma.
Por um momento, Nicholas havia esquecido que estavam a
caminho da casa dela e que ele teria que ter uma conversa bem
desconfortável com o violento Richmond. O duque queria saber se
ele teria a mesma coragem, ou se só sabia gritar e erguer o braço
para quem era menor e não sabia se defender.
Assim que a carruagem parou em frente à mansão Richmond,
Nicholas percebeu que Lucy empalideceu, as horrendas marcas
roxas em seu rosto ficando mais destacadas.
— Ficará tudo bem. Não deixarei que nada de ruim lhe
aconteça.
Ela forçou um sorriso ao mesmo tempo em que a porta da
carruagem era aberta. Por ainda ser cedo, a rua não estava
movimentada e ele gostou que fosse assim. Não queria que as
pessoas olhassem para Lucy na situação que ela se encontrava.
Queria apenas que a vissem como uma futura duquesa e não
alguém que foi covardemente agredida, embora alguns homens
achassem normal agredir mulheres.
Nicholas saiu da carruagem e ajudou Lucy-Anne, que tomou o
braço do duque como se ele fosse sua tábua de salvação. Mal
chegaram à porta e esta foi aberta por um mordomo muito surpreso.
— Quero falar com Richmond.
O homem arregalou os olhos diante das palavras enraivecidas
do duque, mas não pôde falar mais nada porque neste instante foi
ouvido um grito estridente e a condessa viúva literalmente correu
através da sala, para total espanto da filha que nunca havia visto a
mãe sequer levantar a voz, ou fazer a mínima coisa que não fosse
elegante.
— Lucy! — ela deu um grito estrangulado, empurrado Edmund,
o mordomo estupefato, para o lado e puxando a filha para si, a
livrando do braço protetor de Nicholas. — Ah, Lucy! Pensei que
tivesse fugido, ou então que algo realmente ruim havia acontecido.
— Pior do que ser covardemente agredida?
Margareth se afastou da filha, parecendo somente naquele
instante se dar conta de quem estava à sua frente. O rosto da
condessa ficou muito pálido e ela agarrou a mão de Lucy.
— Lorde Somerset!
Nicholas olhou para ela com desdém, um pouco zangado pela
mulher, que aparentava estar tão preocupada, não ter feito nada
para defender a filha.
— Quero falar com Richmond — ele repetiu, sua voz imperiosa
soando no ambiente e aumentando o cochicho entre os criados que
os espreitavam.
Como que se tivesse sido convocado, Michael Richmond
apareceu, os cabelos em desalinho e as roupas amassadas. O olhar
dele foi da irmã, encolhida atrás da mãe, para o duque ao lado dela.
— O que está fazendo aqui? — ele perguntou a Nicholas e
então se voltou para Lucy. — E onde você estava, seu pequeno
diabo?
Nicholas cerrou os punhos.
— Ela estava comigo e reveja a forma de se referir à minha
futura duquesa.
Margareth Lennox arregalou muito os olhos, azuis como os da
filha, e levou a mão ao peito. Nem em seus melhores sonhos
poderia imaginar que sua tímida filha poderia agarrar um duque,
ainda mais um que tinha o apelido de inconquistável.
— Só em sua cabeça que irá se casar com ela — revidou
Michael, para grande espanto da mãe, que estava quase
desmaiando de emoção.
— Sugiro que tenhamos esta conversa longe das damas —
disse Nicholas calmamente, apertando a mão de Lucy e lhe dando
um sorriso tranquilizador.
Michael bufou, parecendo muito com um touro bravo, mas
acabou concordando e indicando seu escritório. Não queria mais
falatórios entre os criados, que só sabiam cochichar o fato de Lucy
ter sido desonrada e fugido na calada da noite.
Assim que entraram no escritório, Nicholas notou a profusão de
papéis desalinhados e copos sujos de bebidas. Disfarçando o olhar
de desdém, ele sentou na cadeira em frente à mesa de Michael,
esperando que o conde fizesse o mesmo.
— Fui eu que desonrou sua irmã — Nicholas disse calmamente,
pouco se importando com o olhar assassino do outro. — Portanto,
irei reparar meu erro e iremos nos casar.
— Ela já está noiva de alguém.
— Noivados são desfeitos todos os dias.
Michael cruzou os braços e olhou com nojo para Nicholas.
— Quer mesmo se casar com aquela coisinha insignificante? —
Ele fez um gesto em direção à parte de onde haviam saído. — Ela
nem mesmo é bonita, então deixe que seja de Oxford.
Nicholas sentiu a raiva fazendo seu sangue ferver. Como um
irmão tinha coragem de se referir a uma irmã mais nova e que
precisava dele daquela forma cruel?
— Lady Lucy é perfeita para mim — Nicholas disse entredentes.
— E não vejo nada de errado com ela.
— Além do fato de ser uma tola que vive com o nariz enfiado
em livros e que pouco fala?
Sem poder se controlar, Nicholas deu um soco na mesa,
fazendo Michael arregalar os olhos.
— Não se refira à minha futura duquesa desta forma!
— Eu falo do jeito que eu quiser. Ela nunca será sua futura
duquesa. Tenho um acordo com Oxford.
— Desfaça o acordo. Será mais vantajoso para ela se casar
comigo.
— Nem se pudesse, poderia descumprir minha promessa.
— E posso saber o motivo?
— Não é da sua conta. Apenas esqueça Lucy e eu calarei a
boca dos empregados sobre a sua presença — advertiu Michael.
— Não farei isso. Já está decidido que ela será minha esposa.
— Eu sou o responsável por ela e digo que não irão se casar.
Ela está prometida a Oxford.
— Está mesmo cogitando entregar sua irmã mais nova para
aquela ser desprezível, Richmond? Ele é um bêbado que vive se
metendo em confusões e há boatos de que a primeira esposa dela
faleceu por maus-tratos sem nunca dar a ele o tão almejado
herdeiro. Comigo Lucy será uma duquesa e nunca faltará nada a
ela.
— Nada disso me fará mudar de ideia.
— Isso é pelas nossas desavenças da juventude? — Nicholas
passou a mão nos cabelos, tentando manter a compostura e a
paciência. — Você é tão desprezível que prefere colocar o próprio
ego na frente da felicidade de Lucy?
— Eu não queria fazer isso! — Michael explodiu. — Mas não há
outra opção. Eu a perdi em um jogo estúpido de cartas. Pensei que
poderia ganhar daquele imbecil e recuperar todo o dinheiro que
havia perdido. Ele sugeriu que eu apostasse Lucy.
— Como é que é?!
— O que acabou de ouvir. Estávamos jogando, meu dinheiro
acabou e eu apostei Lucy e perdi, agora ela pertence a ele. A não
ser que eu pague uma grande quantia e não estou disposto a perder
mais dinheiro porque isso me levaria à ruína.
Nicholas não conseguiu se controlar, quando percebeu estava
segurando o conde pelo colarinho, o rosto de Michael muito
vermelho devido ao aperto.
— Você teve coragem de apostar sua própria irmã, seu
desgraçado?
Michael tentou dizer alguma coisa, mas Nicholas o estava
segurando muito forte.
— Você é desprezível — o duque disse, jogando Michael de
volta à cadeira. — Sequer merece ser chamado de cavalheiro.
O conde começou a tossir, esfregando a garganta, e Nicholas
se deixou cair na cadeira, passando a mão no rosto, sabendo que
nunca havia sentido tanta raiva em toda a sua vida. Aquela mulher
só queria ser protegida após perder o pai que tanto amava e ficou
em poder de alguém sem escrúpulos que, na verdade, deveria
apenas cuidar dela.
— Eu pagarei sua dívida, Richmond — Nicholas disse, sua voz
soando rouca. — E irei me casar com a sua irmã.
— Acha que ela vale todo o dinheiro que irá gastar? — Michael
perguntou sem fôlego. — E conquistar um inimigo como Oxford?
— Pouco me importa você e aquele fóssil do Oxford. Eu pagarei
a dívida por lady Lucy e quero que não conte a ela o que foi capaz
de fazer.
Michael cruzou os braços e olhou com desdém para o duque.
— Eu poderia continuar dizendo não, mas você vai assumir
minha dívida e a parasita da minha irmã. Com certeza, terá muitas
mulheres, porque Lucy-Anne não...
Michael não terminou de falar porque Nicholas se levantou e
desferiu um belo soco no rosto do conde.
— Cale a maldita boca, Richmond!
E, diante do olhar surpreso do outro, Nicholas saiu do escritório
e o que viu no corredor fez com que seu coração perdesse algumas
batidas. Lucy estava sentada ao lado da porta, abraçando os joelhos
e parecendo muito pequena.
Nicholas se abaixou ao lado dela e percebeu que ela havia
escutado tudo. Os olhos dela, de um azul intenso, estavam cheios
de lágrimas.
— Ele... ele...
Ela tentou formar uma frase, mas a dor pelo desprezo do irmão
e por ter sido apostada como se não valesse nada a impediu de
falar.
— Ficará tudo bem, lady Lucy — Nicholas a assegurou,
pegando sua mão pequena entre as suas. — Eu cuidarei de tudo.
Ela apenas balançou a cabeça e Nicholas, olhando para aquele
rosto machucado e os olhos tão tristes, prometeu a si mesmo que
faria de tudo para que aquela mulher fosse feliz. Ele mal a conhecia,
mas ainda assim a queria sorrindo e não afundada em tamanha
tristeza.
Capítulo 8

Nicholas desceu da carruagem assim que chegou a St. James’s


e entrou no White’s com um sentimento de raiva que parecia
comprimir seu peito. Cumprimentou os conhecidos com apenas um
aceno e se dirigiu para as salas localizadas nos fundos porque sabia
que a pessoa desprezível que iria encontrar sempre ficava
enfurnada em uma delas.
A porta estava entreaberta e a iluminação dourada banhava o
lugar, mas ainda assim seu oponente estava imerso nas sombras,
rodeado pelo aroma de tabaco, bebida e, infelizmente, sujeira.
O duque abriu a porta e entrou sem se anunciar e o barão de
Oxford, jogado de maneira deselegante em frente a uma mesa que
continha cartas e copos de bebida, ergueu a cabeça e estreitou os
olhos.
— A que devo tamanha honra?
A voz do homem era carregada, passando do nível rouco, e sua
pele amarelada feito um papel amassado e velho. Os lábios finos
possuíam uma coloração esbranquiçada que contrastava com os
dentes amarelados feito madeira.
Quem o visse pela primeira vez, imaginaria uma criatura frágil
devido ao corpo excessivamente magro e as mãos nodosas, mas
Nicholas não se enganava, sabia da maldade que corria pelas veias
do barão.
— Vim tratar de um assunto importante — finalmente disse e
sentou na cadeira do outro lado da mesa, ficando de frente para o
barão. — Quero saldar a dívida de Michael Lennox.
Oxford se endireitou e apoiou os braços na mesa, franzindo a
testa.
— Não tenho nenhuma dívida a ser saldada com o conde. Já
nos acertamos e eu me casarei com a irmã dele.
Nicholas cerrou os punhos. Jamais deixaria aquele homem se
aproximar de Lucy.
— Ela vai se casar comigo. Por isso estou aqui, para acertarmos
o valor que ele deve.
O rosto amarelado de Oxford adquiriu uma horrenda coloração
avermelhada e ele bateu o punho em cima da mesa, fazendo o
líquido âmbar que preenchia os copos balançar.
— Como ousa vir aqui querendo roubar a minha noiva,
Somerset?
— Ela não é sua noiva mais — Nicholas contrapôs calmamente.
— Apenas me diga quanto Richmond deve e vamos encerrar o
assunto. Não acho que vá querer um inimigo como eu.
O barão estreitou os lábios até que estes formassem uma linha
fina e inclinou o corpo ossudo para frente.
— O duque poderoso era seu pai, não você. Não me venha com
ameaças. Eu preciso de uma noiva e a irmã de Richmond irá me
servir e gerar um herdeiro. O que vai querer com uma criatura gorda
e feia?
Nicholas sentiu o sangue ferver ao ouvir o insulto e teve que se
controlar muito para não voar no pescoço de Oxford.
— Diga-me seu preço — pediu entredentes.
— Não vai desistir, Somerset? Vai me dizer que desonrou a
feinha e quer reparar o erro?
— Controle a boca, Oxford, ou eu irei te destruir.
O barão começou a rir como se tivesse ouvido a coisa mais
engraçada do mundo.
— Não deveria me ameaçar. Você quer uma coisa que me
pertence.
— Então fale o que quer de uma vez, homem!
— Tem que ser algo que vale muito a pena, já que está
querendo roubar minha noiva.
— Triplico o valor da dívida de Richmond.
— Isso não vai me dar o herdeiro que eu tanto preciso.
— Talvez devesse deixar o título passar para outro.
Oxford cruzou os braços e pareceu pensativo.
— Isso é problema meu. Só vou aceitar que quite a dívida com
uma condição.
Nicholas fez um gesto para que o outro continuasse e temeu
que o barão quisesse outra noiva. Não seria capaz de jogar
qualquer jovem para os braços dele, não depois das coisas horríveis
que Oxford fez com a primeira esposa. Existem pessoas tão cruéis
que merecem a solidão.
— Quero que jogue comigo e me vença.
— E se eu não quiser?
— Então não aceitarei que quite as dívidas de Richmond e
assistirá ao meu casamento com a irmã dele.
Nicholas engoliu em seco. Não podia acreditar que o destino de
Lucy mais uma vez estivesse no centro de uma maldita mesa de
jogos.
— Não há muitos jogos que eu conheça — admitiu a
contragosto.
— Deixarei que escolha o que preferir.
O duque encarou o monte de cartas na mesa e sentiu uma
súbita vontade de beber, mas precisava estar racional para isso.
Não podia perder. Havia dado esperanças para Lucy e não queria
ser mais um daqueles que a decepcionavam. Lembrou-se dos
inúmeros machucados espalhados pelo rosto dela e tomou uma
decisão.
— Sei jogar vinte e um — falou ao barão.
— Serve. Vamos estipular nossas próprias regras.
Oxford não conseguia esconder a satisfação, muito menos a
confiança de que ganharia.
— Uma única rodada — prosseguiu ao pegar o monte de cartas
e começar a embaralhar. — Quem chegar à somatória desejada,
ganha. Dê-me sua palavra de cavalheiro de que irá aceitar o
resultado.
— Aceitarei, assim como você.
Oxford fez que sim e Nicholas sentiu um gosto amargo na boca.
Se perdesse, não seria apenas um jogo, ou a reputação, mas a vida
de Lucy.
Esticou os dedos e os estralou, se concentrando nas cartas que
eram distribuídas. O barão fazia tudo com extrema segurança e
Nicholas sabia que ele era um bom jogador. Sempre conseguia
arrancar dinheiro dos mais jovens e tolos e se apostou tudo em uma
única rodada, era justamente por ter confiança de uma vitória
garantida.
As cartas foram distribuídas e Nicholas sentiu que as mãos
tremiam conforme encarava as três cartas em sua mão. Em silêncio,
Oxford começou deixando uma carta na mesa e pegando uma do
monte. Nicholas sentia que o coração iria escapar do peito a
qualquer momento quando foi sua vez.
Pegou a carta do monte e abandonou uma em cima da do barão
e encarou os resultados em sua mão.
Com excesso de confiança, Oxford prosseguiu e Nicholas
mordeu o lábio e então abaixou suas cartas na mesa.
— Vinte e um — disse baixo.
Oxford esbugalhou os olhos, parecendo não acreditar e conferiu
as cartas do duque e em seguida as que estavam em sua mão.
— Isso é roubo! — gritou enfurecido. — Você disse que não
sabia jogar.
— Eu falei que não conhecia muitos jogos, foi diferente.
— Mas... Mas...
— Honre sua palavra de cavalheiro. Quitarei a dívida de
Richmond e quero as promissórias.
— Mais uma rodada — exigiu o barão.
— O trato foi apenas uma.
— Você ganhou por sorte.
— Não interessa — Nicholas afirmou ao se levantar. — Eu
ganhei.
— Mas...
O duque perdeu a compostura e em dois passos estava na
frente do homem. Nicholas o ergueu pelo colarinho da camisa e
pouco se importou com a diminuta altura do outro, ou os pés do
barão que balançavam no ar.
— Eu ganhei — afirmou e sacudiu Oxford. — Então seja um
cavalheiro e aceite a derrota. Vai querer o que mais, um duelo ao
amanhecer?
O barão apenas grunhiu e balançou os braços inutilmente.
— Sou um excelente atirador — Nicholas disse entredentes. —
Vai querer continuar?
Oxford conseguiu dizer que não e foi jogado na cadeira como se
não passasse de um peso morto.
— Fique com a feinha, já que é isso o que tanto quer — falou
enquanto massageava a garganta.
Nicholas perdeu o resto de paciência que lhe restava e desferiu
um golpe direto no estômago do outro.
— Cale a maldita boca, Oxford.
Era a segunda vez, em menos de vinte e quatro horas, que
agredia alguém e não se orgulhava de tais atos, mas para dar a
liberdade de Lucy, faria de novo quantas vezes fosse necessário.
Capítulo 9

Nicholas bateu à porta da casa dos Richmond na tarde seguinte


munido de duas importantes coisas e a primeira delas envolvia o
imbecil do Michael.
— Quero ver Richmond — anunciou em alto e bom som para o
mordomo de expressão entediada. — Eu sei que ele está vadiando
em casa e não precisa me anunciar que conheço o caminho.
Com um leve empurrão, passou pelo homem que se achava o
melhor mordomo da Inglaterra e se dirigiu ao escritório do conde
sem ao menos se importar em bater na porta.
— Mas que diabos! — Michael esbravejou ao tomar um susto.
— Agora entra na casa dos outros sem ser convidado, Somerset?
— Infelizmente, me unirei à sua família, então não acho que
precisaremos de rodeios.
— O que quer?
— Isso.
Nicholas atirou as promissórias no rosto do outro e se
aproximou a ponto de apoiar ambas as mãos no tampo de madeira
escura.
— Por sua causa, tive que jogar com um homem decrépito e
nojento que provavelmente espancaria a sua irmã até ela adoecer,
se esse casamento tivesse acontecido e, por sua causa, temi perder
e deixá-la nas mãos dele.
Michael arregalou os olhos e pegou os papéis, Nicholas se
surpreendeu ao ouvir o suspiro de alívio do outro.
— Então você conseguiu.
— Não graças a você — o duque retrucou. — E se realmente
existir o inferno, espero que você queime nele pela eternidade.
— Eu não me orgulho do que fiz.
A confissão do conde não surpreendeu Nicholas, provavelmente
nada vindo do outro teria esse poder sobre ele.
— Não acredito em você — Nicholas retrucou. — Você é um
homem sem moral e escrúpulos.
— Eu errei em apostar Lucy.
— Você errou ao humilhá-la diversas vezes, fazer com que se
sentisse diminuída e pecou quando ergueu a mão para ela. Um
homem que bate em uma mulher e não a protege como deve, só
merece o desprezo e eu espero que você sofra muito mais do que a
fez sofrer.
Nicholas pensou que Michael iria retrucá-lo, mas este ficou em
silêncio por um longo momento.
— Não espere que eu abençoe e aceite sua união com a minha
irmã — disse, por fim.
— Só espero o pior vindo de você e se me preocupasse com a
sua aprovação, não estaria aqui.
— Nunca facilitarei a sua vida — anunciou Michael.
— Pouco me importa.
Nicholas virou as costas e saiu do escritório, por pouco não
esbarrando em Lucy, que olhou para ele com os olhos azuis
arregalados e os lábios rosados entreabertos.
— Boa tarde, Vossa Graça.
O duque sorriu e com delicadeza pegou a mão dela, a
afastando do escritório do irmão e andando pelos corredores sem
saber qual direção tomar.
— Não acho que seja correto andarmos sozinhos — Lucy disse
baixo.
— Entre nós não tem mais o decoro, lady Lucy — Nicholas falou
de um jeito brincalhão. — Mas saiba que faltou uma coisa para
concretizar nossa união.
— O senhor quer o dote, não é? Sinto muito, mas ouvi dizer que
meu irmão perdeu a maior parte do dinheiro da família em coisas
indevidas.
Nicholas fez que não e mexeu no bolso da casaca.
— Não quero o seu dote, lady Lucy — afirmou de um modo
delicado. — Nada dessas convenções valerá entre nós.
E, para enorme surpresa dela, mostrou uma pequena caixinha e
dentro desta tirou um lindo anel com uma pedra oval de um azul
vivo e cintilante circundada de pequenas pedras de diamante.
— É uma pedra chamada lápis-lazúli — explicou diante do
encantamento dela. — Combina com a cor dos seus olhos e quero
que seja este anel que simbolize o nosso noivado.
Lucy sorriu para ele e Nicholas percebeu que ela tinha uma
beleza angelical e mesmo com tantos machucados na pele clara,
ainda assim continuava bonita.
— Dê-me sua mão.
Ela estendeu a mão a ele e Nicholas sorriu ao perceber que
Lucy não usava luvas. Com extrema delicadeza, o duque deslizou o
anel pelo dedo anelar dela e em seguida beijou sua mão, fazendo
com que ela corasse de um jeito adorável.
— Enviarei flores a você todos os dias até nos casarmos —
Nicholas disse de repente e sabia que não era um simples impulso,
mas sim um reflexo das atitudes do próprio pai, que incontáveis
vezes havia contado a um pequeno Nick como cortejara sua mãe
com flores, poemas e declarações sinceras de amor. Ele não sentia
nada disso por Lucy, mas faria o seu melhor para que ela se
sentisse acolhida e respeitada.
— Obrigada — Lucy falou com os olhos nublados de lágrimas.
— Sabe que não precisa fazer estas coisas.
— Eu quero fazer tudo isso por você, lady Lucy. Não nos
casaremos por amor, mas haverá respeito e cumplicidade entre nós
e quero que receba todas as flores que merece. É um ato simples
perto de tudo o que viveu.
O sorriso que ela deu a ele foi trêmulo e Nicholas ficou
emocionado ao entregar à futura esposa o lenço que sempre ficava
em seu bolso.
— Quero que as lágrimas que derrame ao meu lado sejam de
felicidade.
— Estas são de gratidão — Lucy admitiu ao enxugar
delicadamente os olhos. — Creio que as verá muito a partir de
agora e desejo que sejamos bons amigos daqui para frente, Vossa
Graça.
Nicholas fez que sim, mas antes que pudesse falar algo, ouviu
passos no corredor e a condessa viúva surgiu, usando um vestido
espalhafatoso e com os olhos tão arregalados que pareciam prestes
a saltar do rosto.
— Não é adequado que se encontrem furtivamente e pelos
corredores — ela os repreendeu. — Ainda tem uma reputação,
Lucy.
— Vim presentear minha noiva — Nicholas respondeu sem se
abalar.
Nunca era rude com mulheres, mas a condessa tinha certa
tendência a despertar este lado dele, principalmente por ver a filha
sofrer e não fazer nada para mudar a situação dela. A mãe sempre
havia lhe dito que as mulheres deveriam ser unidas, mas Margareth
Lennox não parecia sequer colaborar com a própria filha.
— É um lindo anel — a condessa disse, por fim. — Estou feliz
por vocês, mas se encontrem na sala de visitas e acompanhados a
partir de agora.
Ambos fizeram que sim e Nicholas, respondendo a um diabinho
interior, puxou Lucy para perto e deu um beijo na testa da noiva.
Sentindo o calor da pele dela passar para ele.
— Espero vê-la em breve, minha querida.
E, diante do olhar surpreso de Lucy e do escandalizado da
futura sogra, deixou a mansão se sentindo muito melhor do que
quando havia entrado. As coisas finalmente estavam indo como
queria.
Capítulo 10

Lucy-Anne e Nicholas se casaram em uma manhã chuvosa, três


semanas depois que ela descobriu que Michael a apostou em um
jogo de cartas. Foi uma cerimônia simples com apenas os amigos
mais íntimos, na qual a duquesa viúva não pôde comparecer por
estar cuidando da irmã doente na Escócia, porém mandou uma
carta desejando felicidades para a mais nova integrante da família,
reiterando o quanto o casamento do filho era algo que desejava.
A relação entre Lucy e Michael estava desagradável e o irmão a
levou ao altar com uma expressão tão carrancuda que nas semanas
seguintes o que se ouviu por toda a Londres era que o conde não
aprovava a união e que o casamento às pressas era em decorrência
de uma gravidez.
Lucy e Nicholas pouco se viram nos dias que antecederam o
casamento, mas ele cumpriu a promessa e enviou flores todos os
dias com bilhetes educados, desejando que ela tivesse dias felizes e
Lucy, que nunca havia recebido flores, as colocou em seu quarto e
sorria a cada vez que olhava os arranjos. Não era um casamento
por amor, mas ainda assim era o melhor que podia querer para si.
Após o café da manhã especial do casamento, Lucy e Nicholas
partiram para Hampshire, pois passariam a lua de mel em
Heartsease, a casa de campo, um lindo local cercado de caminhos
arborizados, com bosques e uma vista linda do rio Itchen.
Lucy se despediu da mãe com lágrimas nos olhos e viu que a
condessa também estava emocionada com a partida da filha, muitos
diriam que foi o fato de Lucy ser uma duquesa que a fez chorar, mas
Margareth chegou a pensar que moraria numa casa próxima ao mar
somente com a filha solteirona e é claro que a atual realidade de
Lucy estava ainda melhor do que em seus sonhos.
E foi assim, depois de semanas de ansiedade e falatórios sobre
o que um duque como Beaufort viu nela, que Lucy se encontrou
sozinha na carruagem e de frente para seu marido. Seria difícil para
ela se acostumar ao fato de que agora era uma duquesa.
Lucy suspirou, olhando para o vestido de casamento marfim que
ainda estava usando, com certeza um dos vestidos mais bonitos do
seu guarda-roupa e Deus sabia o quanto ela e a mãe tiveram que
gastar para completar seu enxoval.
Lucy segurou o medalhão preso ao seu pescoço, a pedra azul
contrastando com sua pele clara. Um presente dado pelo pai que
gostaria que a filha tivesse uma joia que combinasse com seus
belos olhos. Ela o usou porque queria que o pai estivesse com ela
em um dia tão importante.
— Tem exatamente a cor dos seus olhos.
Ela levantou a cabeça ao ouvir a voz rouca de Nicholas,
encontrando-o sorrindo de uma forma amistosa.
— Foi presente do meu pai — explicou em voz baixa. — Acho
que é a coisa mais importante que tenho.
Eles ficaram em silêncio, somente o barulho dos cascos dos
cavalos se chocando com a estrada se fazia audível e Lucy
suspirou, sabendo que tinham longas horas pela frente.
— Ficarei com você no campo até passar o período de lua de
mel, então estará livre de mim.
Lucy se surpreendeu com as palavras de Nicholas.
— Por que está me dizendo isso, milorde?
— Acho que agora pode me chamar apenas de Nicholas, certo?
Ela balançou a cabeça, concordando, e sentiu as bochechas
corarem. Era tão estranho estar casada com alguém com quem
sequer tinha intimidade. Esperava que com o tempo as coisas
deixassem de ser tão estranhas. Lucy faria de tudo para ser uma
boa esposa porque Nicholas a havia salvado de um triste destino e
merecia o melhor dela.
— Mas, respondendo à sua pergunta, lembro-me de que deixou
claro que queria viver no campo sozinha e não pretendo impor
minha presença a você, Lucy.
A forma como ele disse seu nome, com a voz gentil e carregada
de respeito, fez com que ela abaixasse a cabeça, completamente
envergonhada.
— Quero que saiba que eu sou muito grata a você, mi...
Nicholas.
Lucy mordeu o lábio, sentindo que poderia morrer de vergonha
naquele instante, mesmo que fosse por algo tão simples quanto
usar o nome de batismo do seu marido.
— E eu sou ainda mais grata por ter tentado me poupar de
saber que meu irmão havia me apostado em uma mesa de jogos.
Foi muito gentil da sua parte.
Era a primeira vez que eles tinham a chance de conversar e ela
queria deixar claro o quanto estava grata por tudo o que ele fez,
sem ao menos conhecê-la.
— Tive que me controlar muito para não bater com a cabeça do
barão na parede quando fui quitar a dívida. Você com certeza não
merecia se casar com aquele homem desprezível.
Lucy sorriu e se sentiu estranha ao fazer isso. Fazia muito
tempo que não sorria de verdade, apenas aqueles sorrisos forçados
que era obrigada a dar às pessoas por cortesia.
— Você fica bonita quando sorri — Nicholas observou. —
Espero que sorria mais de agora em diante.
Ela não teve coragem de olhar para ele, mas o elogio aqueceu
seu coração, pois nunca haviam dito que ela tinha algo de bonito,
apenas ressaltavam seus defeitos com uma fingida cortesia, como
se ela pudesse mudar tudo de si para agradar aos outros.
— Acho que irá gostar de Heartsease, Lucy — Nicholas disse
alguns momentos depois. — É minha propriedade favorita e a
biblioteca é gigantesca, claro que pode me pedir os livros que quiser
e irei providenciá-los para que fique o mais confortável possível.
— Obrigada, Vossa Graça.
— Nicholas.
Ela acabou rindo baixinho com a correção e ao olhar para ele,
percebeu que também sorria e, por Deus, Nicholas era ainda mais
bonito sorrindo, os olhos verdes parecendo mais vivos e brilhantes
em contraste com os cabelos castanhos com um corte um pouco
mais curto do que a moda ditava, mas que combinava perfeitamente
com ele.
Lucy se recostou melhor e fechou os olhos, achou que ficaria
assim apenas por alguns momentos, porém estava muito cansada e
acabou adormecendo profundamente.

Eles pararam apenas uma vez para trocar os cavalos e como


Lucy ainda estava dormindo, Nicholas apenas a cobriu com uma
manta e continuaram a viajar, pois ele queria chegar a Heartsease
rápido para que enfim pudessem se livrar do burburinho da cidade e
descansar.
Quando a carruagem parou em frente à linda casa de campo,
Nicholas olhou para o lugar onde havia crescido de forma saudosa e
até mesmo feliz. Era uma construção de três andares de pedra com
flores se ramificando nas paredes e no meio de um campo muito
verde, com trilhas de cascalhos e um dos jardins mais lindos de
Hampshire.
Respirando o ar do campo, Nicholas olhou para a esposa
adormecida à sua frente, os cabelos dourados se soltando dos
muitos grampos e emoldurando o rosto bonito em formato de
coração. Lucy parecia tranquila e ele ficou por alguns segundos
apenas admirando o rosto tranquilo dela, pensando que agora
finalmente ela teria a paz que merecia. Ele cerrou os punhos,
lembrando-se do estado em que ela chegou à sua casa. E assim,
sem ao menos perceber o que estava fazendo, ele prometeu que a
faria feliz da melhor forma que pudesse.

Lucy acordou com um toque gentil em seu braço e assim que


abriu os olhos, viu o rosto de Nicholas próximo ao seu e se
assustou, sentando muito ereta e provocando risos nele.
— Chegamos — disse baixinho e saltou da carruagem. —
Venha, irei apresentá-la aos criados.
Ainda trôpega de sono, ela aceitou a ajuda dele e saiu da
carruagem, percebendo que já era quase noite. Piscou algumas
vezes, tentando clarear as ideias, e aceitou o braço que Nicholas
oferecia, entrando ao lado dele na casa e vendo uma fila de criados
que foram apresentados a ela por Patience, a governanta de sorriso
gentil e modos impecáveis com um nome que tinha um significado
meio engraçado, ao menos para Lucy que estava lutando para
manter os olhos abertos.
Assim que as apresentações chegaram ao fim, Nicholas subiu
ao lado de Lucy e a levou para um quarto amplo com uma cama
grande com dossel. A decoração era feminina e as paredes pintadas
de um bonito tom de azul.
— O quarto é ligado ao meu por aquela porta — o duque
explicou a ela e deu um passo para trás. — Deixarei que descanse
agora, Lucy.
Com um sorriso, ele saiu do quarto e ela sentou-se na cama,
pousando as mãos no colo e somente então assimilando tudo. Os
quartos eram interligados, então significava que iriam dormir juntos.
Ela sufocou um gritinho, tapando a boca com a mão. Como era
tola, lógico que teriam de dormir juntos, pois só desta forma o
casamento seria consumado e validado.
Como que para elucidar a natureza de seus pensamentos, ouviu
uma suave batida na porta e então entrou uma criada de aparência
jovem com cabelos fartos e escuros e um sorriso bonito que deixava
claro que fazia isso com frequência.
— Serei sua criada pessoal enquanto estiver aqui, lady Beaufort
— a garota disse de um modo educado, fazendo uma mesura. —
Sou Sally.
Lucy arregalou os olhos diante do tratamento, lembrando que
teria de se acostumar com seu novo título.
— Ficarei agradecida — ela disse de um modo distraído.
Sally sorriu, decidindo que gostava muito da nova senhora, pois
era raro entre os nobres um agradecimento e a duquesa parecia
nervosa, portanto, faria de tudo para que ela ficasse à vontade.

Sally preparou o banho da duquesa com muito empenho,


deixando a água perfumada e a auxiliando a tirar o pesado vestido.
Por alguns momentos, Lucy se permitiu relaxar na água quente, até
que viu a criada mexendo em seus baús e pegando a camisola
preparada para a noite de núpcias de um tom bonito de azul com
detalhes em renda e certa transparência que fez a modista dar
risinhos divertidos ao entregar as roupas de dormir a ela.
Lucy saiu do banho e vestiu a roupa separada por Sally, vendo
que a camisola era completamente indecente e abraçava cada
curva sua. Envergonhada, rapidamente colocou o robe, mas este
não teve muito efeito, pois tinha as mangas longas e esvoaçantes
que deixavam ainda mais em evidência seus seios.
— Está linda, senhora.
Lucy olhou para seu reflexo no espelho da penteadeira e viu
Sally escovando seus longos cabelos, as ondas douradas caindo ao
redor do seu rosto e chegando até sua cintura fina.
A criada se retirou assim que terminou de penteá-la e Lucy se
olhou mais uma vez no espelho, envergonhada de todas as formas
possíveis e sabendo que não poderia mais protelar o momento.
Havia muitas coisas que ela não sabia sobre o que um homem
e uma mulher faziam depois de casados, os livros não ensinavam
tudo e a mãe não teve a famosa conversa com ela por julgar que a
filha já soubesse de tudo.
Engolindo em seco, Lucy levantou e se aproximou da porta que
Nicholas indicou antes. Havia chegado a hora.
Capítulo 11

Nicholas já tinha terminado de se banhar quando ouviu uma


batida suave na porta que ligava seu quarto ao de Lucy, mesmo
aposento usado por seus pais muitos anos antes, ainda que eles
jamais tenham dormido em camas separadas por se amarem muito.
Ele dispensou o criado com um aceno e passou as mãos nos
cabelos molhados, sentindo o cansaço e a tensão dos últimos dias
tomarem conta do seu corpo. Ele percebeu que tudo o que
precisava era de uma ótima noite de descanso e de dias tranquilos e
preguiçosos no campo.
Ainda estava pensando sobre o que faria nos próximos dias,
dividido entre os cães de caça e a possibilidade de cavalgar, quando
abriu a porta e deu um passo para trás, ficando completamente sem
fôlego diante da visão de sua esposa.
Lucy estava parada do outro lado, o rosto muito corado, mas
não foi isso que o fez ficar sem palavras, mas sim o fato de que ela
estava usando uma camisola de seda azul que deixava em
evidência os seios fartos e as curvas generosas do seu corpo, as
ondas douradas caindo ao seu redor como um convite sensual para
que as enrolasse entre os dedos.
Ele engoliu em seco, incapaz de desviar o olhar dela, os lábios
carnudos e rosados como se tivessem sido pintados. Nicholas sabia
que ela também havia acabado de sair do banho, sentia o cheiro de
flores que emanava dela e isso o deixou completamente arrepiado.
Piscou algumas vezes, tentando não olhar para ela e não
pensar no que tinha através da fina camada de tecido da camisola
que cobria sua pele. Lucy deve ter percebido o olhar dele, pois se
encolheu e puxou mais o robe ao seu redor.
— O que deseja, Lucy? — ele perguntou com voz rouca, se
forçando a olhar para o rosto dela, vendo as sardas douradas
salpicadas em sua pele clara como se fosse uma pintura feita por
um anjo.
— Milorde... Nicholas... creio... creio que — ela parou de falar,
engolindo em seco convulsivamente — ... creio que precisamos
consumar nosso casamento.
Nicholas engasgou. Não era um santo, tinha uma boa reputação
de libertino e já esteve com tantas mulheres que sequer conseguia
contar. Alguns nobres apenas cultivavam a fama, mas o duque fazia
jus a ela, e ainda assim acabou se surpreendendo com as palavras
inocentes da sua esposa.
É claro que ele sabia que dormiriam juntos algum dia e que
provavelmente teriam filhos para herdar o título, mas não imporia
isso, pelo menos até que fosse necessário. Mas Nicholas não era o
tipo de homem que se contentava com uma mulher só e seria o
mais discreto possível quando sentisse necessidade.
— Consumar o casamento? — ele repetiu baixo.
Lucy balançou a cabeça e ele percebeu que ela estava com as
mãos trêmulas pelo nervosismo e com toda a razão, pois era
virgem, disso ele tinha certeza.
— Si... sim.
Ao ouvir a confirmação, ele acabou sorrindo e se aproximou,
percebendo como a respiração dela se tornou mais ruidosa.
— Não faremos isso hoje, querida — ele disse de um modo
carinhoso, não conseguindo evitar de pegar uma das mechas
sedosas do cabelo dela entre os dedos. — Não se preocupe,
ninguém irá tirá-la de mim.
— Eu... eu... eu pensei que todos os homens quisessem a noite
de núpcias.
Nicolas deslizou a mão livre pelo ombro dela, a puxando para
perto.
— É claro que sim, doçura, mas não vou forçá-la a dormir
comigo. Teremos muito tempo para consumar o casamento, apenas
quero que fique feliz, Lucy.
Ela balançou a cabeça, estremecendo diante do toque sensual
dele, mas também não entendendo as palavras do marido, que a
achou adoravelmente confusa.
— Agora vá descansar, querida — Nicholas disse e se
aproximou, pousando os lábios na testa dela e aspirando seu
perfume suave. — Durma bem.
Lucy concordou e tropeçou ao se afastar, fazendo com que o
duque sorrisse diante do embaraço dela e Nicholas ainda sorria ao
fechar a porta e ir se deitar, surpreso por descobrir que a esposa era
mais bonita do que julgara a princípio.

Lucy andou pelo quarto por alguns minutos, pensando no que


havia acabado de acontecer e a forma como seu corpo pareceu
ganhar vida ao olhar para Nicholas com os cabelos molhados e não
usando nada além de um roupão de seda.
Não era tola, sabia que entre um homem e uma mulher poderia
existir desejo e provavelmente fora isso o que sentiu ao olhar para
alguém tão bonito e que claramente não foi afetado nem um pouco
por ela.
Ela suspirou, não sabendo identificar exatamente como se
sentia. É claro que sentia medo da noite de núpcias e estava
preparada para isso, mas então seu marido a rejeitara com uma
delicada cortesia e Lucy percebeu que Nicholas não a achava bonita
e que provavelmente a considerava tão sem graça quanto todos os
outros que compunham a alta sociedade londrina.
Foi um casamento por piedade.
Ela lembrou isso a si mesma, tentando afastar a sensação ruim
que passou a dominar seu peito. Nicholas foi bom para ela, então
faria vista grossa para sua rejeição e futuras indiscrições, pois
também sabia que a maioria dos casamentos arranjados era
permeado por traições da parte do marido que buscava se satisfazer
com cortesãs, ou então em manter uma amante. Seu marido era
rico o suficiente para manter muitas mulheres com joias e roupas
caras.
Conformada com a nova situação e sabendo que era
infinitamente melhor do que estar com o irmão agressivo, ou um
barão decrépito, Lucy foi se deitar, apagando a vela ao lado da
cama e abrindo um pouco a cortina, deixando a luz do luar entrar no
quarto.
Não pôde evitar de pensar nos inúmeros livros de romance que
já havia lido e na forma como a paixão parecia dominar cada linha.
Teria de se acostumar ao fato de que não fora feita para ser amada.
Guardou essa pequena informação no fundo da mente e deixou
que se acomodasse em seu coração, junto da cicatriz por não ter se
tornado a beldade que foi criada para ser.
Lucy não se sentia triste ao adormecer, apenas conformada
com a sua nova realidade.
Acordou na manhã seguinte com a luz fraca do sol tocando seu
rosto e não demorou a jogar as cobertas para o lado, prestes a
levantar, quando ouviu uma batida na porta.
Deu autorização para que entrassem e viu uma sorridente Sally
pronta para auxiliá-la.
Fez a higiene matinal e deixou que a criada escolhesse um
vestido diurno de algodão rosa e erguesse seus cabelos em um
elaborado coque que deixava alguns cachos loiros caindo ao redor
de seu rosto.
Não pôde deixar de se lembrar de Annie e do fato de que o
irmão, como uma punição, não permitiu que trouxesse a fiel amiga.
— Parece triste, senhora.
O comentário, feito em um tom baixo, fez com que Lucy
encontrasse os olhos escuros de Sally através do espelho da
penteadeira.
— Estava apenas me lembrando de Annie, minha antiga criada.
Ela foi minha babá quando eu era criança, acho que nunca ficamos
separadas — Lucy admitiu em voz baixa.
— Não está gostando dos meus serviços, senhora?
— Está sendo ótima, Sally. Não se preocupe, estou apenas
saudosa de uma amiga querida que é quase uma segunda mãe.
Sally sorriu diante do elogio e avisou que o café da manhã já
estava posto, saindo com uma mesura do quarto. Lucy suspirou e
decidiu sair e explorar um pouco a mansão após o café da manhã.
Deixou o quarto e olhou para o amplo corredor, não sabendo
muito bem para que lado ir, não prestou muita atenção pelo caminho
que fez no dia anterior. Olhou para ambos os lados e escolheu o
direito, passando por uma longa fileira de quadros que mostravam
os antigos duques de Somerset, alguns completamente
carrancudos, apenas o pai de Nicholas parecia sorridente em seu
retrato e ela não deixou de notar as semelhanças entre o pai e o
filho.
Olhou para o outro lado e viu as antigas duquesas. Eram
mulheres lindas e que esbanjavam elegância, principalmente a mãe
de Nicholas com seus cabelos escuros e bochechas coradas. Lucy
suspirou baixinho ao pensar que a tradição seria quebrada quando o
retrato dela fosse colocado na galeria. Seria considerada a duquesa
feia.
Ainda estava refletindo consigo mesma quando chegou à
escada e, por estar tão distraída, acabou pisando em falso e virando
o pé no primeiro degrau, a sapatilha escorregando com o impacto.
Tentou se afirmar no corrimão, mas não deu tempo para que o
alcançasse e fechou os olhos, se preparando para cair, só que ao
invés de se chocar contra os degraus, sentiu que era puxada de
encontro a algo maciço e quente e que cheirava levemente à hortelã
e sândalo.
Abriu os olhos, se sentindo zonza, e viu o rosto de Nicholas
acima do seu, os braços dele estreitados firmemente ao seu redor,
mantendo seus pés acima do chão e impedindo que caísse.
— Deveria olhar por onde anda, Lucy — ele disse de um modo
zombeteiro, a colocando novamente no corredor.
Assim que firmou os pés no chão, Lucy percebeu duas coisas. A
primeira é que havia perdido um sapato e a segunda era que seu pé
estava doendo. Muito.
Nicholas se abaixou e pegou a sapatilha dela, se aproximando
para colocar o sapato em seu pé, mas assim que ele tocou seu
tornozelo, Lucy acabou dando um gritinho de dor.
— Acho... acho que me machuquei.
Nicholas se levantou e em um único movimento a pegou nos
braços, fazendo com que Lucy arregalasse os olhos.
— Vamos cumprir a tradição tardiamente, querida.
E, diante do olhar espantado dela, começou a caminhar,
carregando-a facilmente nos braços.
Capítulo 12

Lucy passou os braços ao redor do pescoço de Nicholas, de


repente muito consciente de cada parte do corpo forte dele
encostado ao seu e sentiu as bochechas arderem, a deixando muito
quente.
Ela pensou em dizer algo conforme ele a carregava através do
largo corredor, mas todas as palavras se perderam no instante em
que olhou para o rosto bonito do marido.
Quando entraram no quarto, acabaram surpreendendo a
arrumadeira, que saiu rindo baixinho imaginando que eles estariam
desfrutando da lua de mel. Isso aumentou o constrangimento de
Lucy que, ao ser colocada na cama, olhou para o lado oposto em
uma tentativa de se recompor.
Não durou muito, pois sentiu a mão de Nicholas ao redor do seu
tornozelo e quando olhou, ficou escandalizada por ele estar
erguendo a barra do seu vestido e a tocando de uma forma tão
íntima, os dedos se enroscando em sua meia de seda e a
deslizando por sua perna em algo que a deixou envolvida em uma
bruma de vergonha e sensualidade.
— Vossa Graça? — ela gaguejou quando a peça delicada caiu
no chão e os dedos quentes dele envolveram seu tornozelo.
— Nicholas, ou apenas Nick — ele a corrigiu. — Pelo visto, terá
que ficar de repouso por alguns dias.
Ela olhou para o pé inchado e suspirou. Será que isso era um
indício de azar?
— Pedirei que tragam seu café da manhã e se ficar entediada,
poderá me chamar que a carregarei até a biblioteca.
Ela arregalou os olhos e quando ele a olhou, os olhos verdes
com minúsculas pintinhas douradas, Lucy engoliu em seco,
pensando que deixariam os criados escandalizados se ele a
carregasse através dos corredores da casa.
— Isso não seria um comportamento escandaloso demais,
Vossa... Nick?
Ele sorriu diante do apelido e se sentou na beira da cama,
arqueando uma sobrancelha e lançando a ela um olhar insolente.
— Somos recém-casados, meu bem.
Lucy mordeu o lábio, sentindo as bochechas queimarem.
Nicholas achou adorável a forma como ela corava, sua pele
clara assumindo um lindo tom rosado que deixava suas sardas com
o aspecto mais dourado. Nunca pensou em uma garota com sardas
como atraente, mas estava começando a questionar esse
pensamento ao olhar para a esposa.
Ele estava prestes a fazer mais uma brincadeira com ela,
quando uma criada entrou segurando uma pesada bandeja, se
aproximou pelo lado oposto da cama e a deixou próxima à Lucy, em
seguida a mulher saiu do quarto com uma reverência.
Nicholas se levantou e foi para o outro lado, pegando o bule de
porcelana.
— Como gosta do seu chá? — perguntou a ela.
— Não seria melhor eu servi-lo?
Nicholas apenas arqueou a sobrancelha e Lucy se obrigou a
dizer que gostava do chá com leite e dois torrões de açúcar.
— Prefiro chá apenas com leite — ele disse ao lhe entregar a
xícara e se servir.
Ela balançou a cabeça, pensando que existia muita coisa sobre
ele que não sabia.
— O que foi?
Lucy olhou para o duque e percebeu que ele a observava.
— Estava pensando que tem muita coisa sobre você que eu não
sei — admitiu e escondeu o rosto atrás da xícara, pois ainda se
sentia envergonhada perto dele.
— O que quer saber?
Nicholas lhe estendeu um pratinho com pãezinhos e biscoitos
amanteigados.
— Eu... eu não sei.
Ele acabou sorrindo diante do embaraço dela e mordeu um
biscoito, pensando no que diria.
— Gosto de ler livros sobre agricultura quando estou sem sono
— ele admitiu, lembrando que ela gostava de ler e até mesmo
pensava em ser escritora. — São entediantes o suficiente para que
eu durma, ou então algum sobre construções de pedras.
Lucy acabou rindo diante da nova informação e Nicholas
percebeu que o som da risada dela era bonito e que provavelmente
foi a primeira vez que a viu sorrir de um modo tão tranquilo.
— Também gosto de cavalgar — ele prosseguiu e acabou
mudando de posição, sentando-se ao lado dela e recostou-se na
cabeceira da cama, tomando o cuidado de colocar a bandeja de
café da manhã entre eles. — Sou péssimo em jogos de cartas, mas
provavelmente um cavalheiro não deveria admitir isso.
Lucy riu novamente, ficando mais confortável na presença dele
e oferecendo um dos pãezinhos, percebendo que ele os destinou
somente a ela.
— Eu gosto de desenhar — Nicholas disse mais baixo. — Mas
não faço isso desde que meu pai faleceu, era algo que tínhamos em
comum.
Ela olhou para Nicholas, observando que ele ficou mais sério de
repente e viu nos olhos dele um espelho da dor que ela mesma
sentia.
— Meu pai era meu melhor amigo — Lucy disse após tomar um
gole de chá. — Não dá para dizer isso de todos os pais, mas o meu
queria o melhor para mim e me consolava ao final de cada baile
quando eu era deixada mofando nos cantos. Ele dizia que a maioria
dos homens eram tolos por não me verem...
Lucy parou de falar, percebendo que talvez houvesse ofendido o
duque sem querer.
— Provavelmente ele tinha razão — Nicholas disse de um jeito
risonho.
— Pensei que Michael seria como ele. Gentil, bondoso e que
me protegeria das coisas ruins, mas não aconteceu nada disso.
— O que ele fez ainda a machuca?
— Todos os dias. Em alguns momentos, penso que eu o
provoquei criando toda aquela situação e o fiz chegar ao limite até
que não tivesse alternativa que não a de...
— Não — Nicholas a interrompeu e acabou segurando sua mão
livre. — Nada justifica a violência, Lucy. Você não o provocou, muito
menos fez com que chegasse ao limite. Não se culpe por algo que
não estava sob seu controle e quero que entenda que nada justifica
o fato de um homem erguer a mão para uma mulher.
Ela balançou a cabeça, sentindo os olhos cheios de lágrimas.
— E se eu tivesse aceitado me casar com... com o barão? —
ela questionou baixinho. — Será que não foi infantil da minha parte
não...
— Não, Lucy. Seu irmão a perdeu em um jogo de cartas. Não
queria tocar mais neste assunto, mas não a quero triste por causa
de Richmond. Se não fossem as atitudes dele, não teria que se
casar comigo para poder ter o mínimo de liberdade. Eu quero que
seja feliz, entendeu? Eu sou rico, tenho títulos, terras e farei o que
estiver ao meu alcance para que tenha uma boa vida. Quer saber
minha única condição?
Lucy balançou a cabeça em sinal afirmativo, pensando que
provavelmente pediria para ela fazer vista grossa para futuras
indiscrições.
— Eu quero que pare de se culpar pelo que aconteceu. Apenas
isso. Sua felicidade será a minha recompensa.
— Por quê?
Ele olhou para ela diante da pergunta e pareceu ponderar por
alguns momentos.
— Eu não sei — respondeu com sinceridade. — Você chegou
até mim parecendo um passarinho com a asa quebrada e eu senti
que deveria fazer de tudo para que voltasse a voar.
— Mas e se eu nunca tiver sequer voado?
— Então eu a ensinarei a voar.
Ele a olhou e Lucy sentiu o peito ficar quente diante das
palavras doces dele e, sem saber exatamente o porquê, acreditou
em cada uma delas e em um gesto inesperado, segurou a mão de
Nicholas.
— Serei eternamente grata — disse baixinho.
Nicholas sorriu e Lucy sentiu que poderia se perder naquele
sorriso.
Capítulo 13

Estava entediada.
Terrivelmente entediada.
Catalogou mentalmente cada móvel do quarto e quantos
vestidos ainda faltavam para chegar de Londres e completar seu
guarda-roupa.
Fazia apenas um dia desde que acabou se distraindo e
torcendo o tornozelo, apesar da dor latejante em alguns momentos,
não conseguia evitar os suspiros que deixavam claro seu tédio.
Sally arrumou seu cabelo com mais esmero em uma tentativa
de distrair a patroa, mas Lucy deitou e logo alguns cachos
escaparam do elaborado coque.
Tentou ler o livro que Patience, a governanta com um nome
terrivelmente inoportuno, trouxe, mas era tão entediante e com uma
protagonista tão sem graça que Lucy desistiu depois de poucas
páginas.
Nicholas apareceu em algum momento após o almoço e lhe
lançou uma piscadela desejando melhoras. Uma piscadela! Isso fez
com que ela corasse e se repreendesse por corar por qualquer
gesto mínimo do marido, mas pelo menos durante uma hora se
sentiu tola e não entediada.
Agora estava mais uma vez olhando o teto, vendo os últimos
raios de sol sumirem e darem lugar à noite fria, mesmo que
estivessem na primavera.
Cansada de não fazer nada, Lucy olhou para a cadeira ao lado
da cama e viu uma bengala que Sally deixou mais cedo,
aconselhando que a chamasse para ser melhor auxiliada, caso
decidisse se levantar.
Sem vontade alguma de chamar a sorridente criada, Lucy se
levantou e pegou a bengala, se firmando e testando dar alguns
passos. Apesar de dolorido, não era impossível.
Foi então que olhou para a escrivaninha e pensou em escrever
para a família, contar como estava indo seu segundo dia de casada,
mas ainda se sentia tão magoada com o irmão e apesar de querer
muito escrever para a mãe, não achava que tinha algo de realmente
útil para contar. Annie era uma boa ideia, mas isso apenas a faria
sentir ainda mais falta da amiga.
Lembrou-se das palavras de Nicholas desejando que ela fosse
feliz e mordeu o lábio, decidindo não ficar nostálgica por algo que
sequer estava ao seu alcance e lembrando-se da biblioteca que
disseram que havia na casa.
Lucy precisava de um bom livro, com a dose perfeita de
romance e aventura que a faria esquecer o tédio, só esperava
encontrar romances porque nada a motivaria mais do que uma linda
história de amor. Lembrou-se de Grace Hunter, a famosa e
misteriosa escritora que escandalizava a sociedade com seus
romances picantes e protagonistas audaciosas que desafiavam as
convenções sociais. Era de um livro dela que necessitava.
Decidida, se firmou melhor e caminhou mancando enquanto
tentava se acostumar com a bengala. Saiu do quarto e seguiu pelo
corredor que levava à escada em que se machucou no dia anterior.
Desta vez, procurou não se distrair com os retratos e prestou
atenção no lugar em que pisava, encarou o dilema de como
desceria as escadas assim que chegou em frente a elas.
Talvez se trocasse a bengala pelo corrimão, conseguisse se
firmar até chegar à ampla sala, ou então poderia descer sentada,
mas isso seria o cúmulo da deselegância...
— Vejo que saiu do quarto.
Ela olhou para trás assim que ouviu a voz dele, surpresa por já
estar familiarizada o suficiente para reconhecer o timbre da voz de
Nicholas.
— Estou à procura da biblioteca — ela explicou, posicionando
melhor a bengala para se apoiar.
— Deveria ter me chamado. Eu disse que a ajudaria.
— Não queria importuná-lo com algo tão simples.
Nicholas sorriu e mesmo com a luz do final do dia e algumas
velas de cera de abelha sendo acesas por empregados que os
olhavam com curiosidade, ela conseguiu perceber os brilhantes
olhos verdes do duque e seus lábios carnudos e rosados. Lucy
nunca reparara na boca de um homem antes, mas a dele com
certeza era linda. Será que eram macios e...
— Lucy?
Ela sacudiu a cabeça, sentindo o rosto queimar e tentou se
concentrar nas palavras dele, mas não sabia sobre o que estavam
falando, ou melhor, sobre o que ele estava falando.
Nicholas deu de ombros e se aproximou dela, a erguendo nos
braços e fazendo com que derrubasse a bengala, dando um gritinho
tipicamente feminino que o fez rir.
— Os criados! — Lucy sibilou, tentando ajeitar a barra do
vestido, não querendo mostrar os tornozelos.
Nicholas apenas sorriu, aquele mesmo sorriso libertino que
havia feito Mary Hopkins desmaiar de modo nada delicado no baile
dos Smiths.
— Não se importe com a opinião dos outros, milady — Nicholas
disse em um tom divertido. — Você é a dona desta casa agora.
Lucy acabou rindo, apertando os braços ao redor do pescoço
dele, sentindo o cheiro do sabão que estava em sua pele quente.
Constatar isso fez com que uma onda de calor passasse por seu
corpo e de repente não era mais uma noite fria, e sim quente, muito
quente.
Nicholas chutou a porta da biblioteca, que bateu na parede com
um estrondo e fez com que Lucy arregalasse os olhos, mas tudo o
que seu marido fez foi rir e continuar a conduzi-la até uma
confortável poltrona, onde a depositou com cuidado.
— Apresento-lhe a biblioteca — o duque disse e, com um floreio
exagerado, abriu os braços e mostrou as inúmeras prateleiras
carregadas de livros, até mesmo uma escada que levava ao
segundo andar com mais livros.
Lucy sorriu, o tipo de sorriso verdadeiro que deu aos seus olhos
azuis um encantador tom de violeta que fez com que Nicholas
ficasse sem fôlego, admirando os cabelos dourados da esposa
caindo de forma displicente ao redor do rosto e o modo como ela
ficava linda sorrindo.
Ele sacudiu a cabeça com a constatação, ainda incapaz de
desviar os olhos dela.
— Tem livros de romance? — A voz dela soou baixa, até mesmo
tímida.
Nicholas coçou a nuca, não sabendo exatamente se tinha
romances ali, pois ele não era de ler livros daquele gênero, apenas
os de agricultura para afastar a insônia.
— Irei procurá-los — ele respondeu e então olhou para a mesa,
se lembrando de algo que havia encomendado um dia antes de
partirem de Londres. — Mas primeiro isto.
Lucy olhou para ele com curiosidade e Nicholas sorriu ao ir até
a mesa e pegar o embrulho simples e pardo amarrado com um
barbante grosso. Ele o entregou à esposa, sentando-se no
banquinho, que mal comportava seu peso, na frente dela e
esperando para ver que reação teria.
Lucy olhou para ele e então, com delicadeza, soltou o barbante,
fazendo o embrulho pardo cair em seu colo e revelar um livro com
capa de couro e o nome dela gravado em dourado, como se fosse
um dos inúmeros exemplares que preenchiam a biblioteca.
Curiosa, ela o abriu e percebeu as páginas amareladas
formadas por papel de excelente qualidade, mas sem nada escrito.
Olhou para Nicholas e ele sorriu, fazendo com que o coração dela
errasse uma batida.
— É um presente — ele disse de uma forma gentil, até mesmo
tímida. — Para que você escreva sua própria história. Lembro-me
de quando me contou que queria viver tranquila para escrever seu
livro.
Lucy abriu a boca, tocando o presente com as pontas dos
dedos, mas não encontrou as palavras corretas para agradecê-lo,
completamente surpresa por Nicholas se lembrar do que ela lhe
disse há tantas semanas.
— Eu... — ela balbuciou e então pigarreou. — Muito obrigada,
Nick. É a coisa mais gentil que já fizeram por mim.
— Espero que seja o incentivo certo para que comece a
escrever.
— Não acha que seria escandaloso uma duquesa escrever uma
história de amor?
Ele olhou para ela e lentamente sorriu.
— Só seria escandaloso se eu não pudesse ler antes.
Isso fez com que ela sorrisse, um sorriso sincero e do fundo do
coração. Há quanto tempo ela não sorria assim?
— Não se preocupe com convenções sociais — Nicholas falou,
tocando em seu joelho. — Apenas escreva o que seu coração
mandar.
— Eu ainda não sei sobre o que escrever.
— Um dia saberá e, por agora, saiba que eu a apoio
completamente.
E, com um tapinha gentil em seu joelho, ele levantou e começou
a procurar pelos tais livros de romance, passando a empilhá-los em
seus braços e resmungar algo sobre histórias sentimentais que
provocou uma crise de risos em Lucy.
Por fim, quando já tinha cerca de dez livros embaixo do braço,
Nicholas voltou até ela, mostrando os títulos que encontrou. Tomou
um susto quando a esposa deu um gritinho feliz e bateu palmas.
— O primeiro livro de Grace Hunter — ela explicou a ele, as
bochechas coradas de animação. — Sempre quis lê-lo, mas não o
encontrei em nenhuma livraria.
Grace Hunter? Ele já ouviu aquele nome... ah, claro. A escritora
misteriosa e que escrevia histórias terrivelmente impróprias e
adoradas pelas damas da sociedade, em segredo, é claro, porque
nenhuma dama bem-nascida admitiria que lia as cenas picantes e
inadequadas da senhorita Hunter.
— Quer dizer que gosta desse tipo de história? — ele
questionou quando ela pegou o livro de suas mãos como se fosse
um tesouro. — Terrivelmente impróprias e com cenas picantes?
Nicholas percebeu o instante em que ela registrou suas
palavras, as bochechas adquirindo um tom rubro que ia além do que
ele já a tinha feito corar.
— São... são boas histórias.
— Acho que terei de lê-las para descobrir o que anda passando
pela cabecinha da minha esposa.
Lucy registrou o tom brincalhão dele e sorriu, balançando a
cabeça em sinal afirmativo.
— Irei adorar ter com quem conversar sobre isso. — Então ela
abaixou o tom de voz, se aproximando dele. — Mamãe achava
terrivelmente impróprio que eu lesse esse tipo de livro. Acho que
pensa que o escândalo do nosso casamento é culpa deles.
— Por Deus, então terei mesmo que os ler — Nicholas disse de
forma conspiratória.
Lucy gargalhou e quando ele percebeu, estava sentado ao lado
dela, na segunda poltrona mais confortável da biblioteca, e lendo um
dos livros da senhorita Hunter, coisa que jamais imaginou que faria.
Para enorme surpresa de ambos, devoraram as palavras de
Grace Hunter, no mundo sensual que ela levava ao leitor, mas
também confortáveis um com o outro, conversando ocasionalmente
sobre o que estavam lendo e rindo quando algo era muito fora da
realidade dos salões londrinos que abrigavam a alta sociedade.
Foi em meio aos sorrisos que ele percebeu que gostava da
esposa e que ela não era sequer parecida com a moça sem graça
que descreviam e terrivelmente quieta e enfadonha como o irmão
havia ressaltado. Lucy-Anne desabrochava ao se sentir confortável
com alguém e Nicholas concluiu, surpreso, que ela sentia isso ao
lado dele.
Capítulo 14

Nicholas estava realmente surpreso por ter estabelecido uma


rotina com Lucy.
Eles tomavam café da manhã juntos, ele saía para cavalgar até
o horário do almoço e, após almoçarem juntos, passavam à tarde na
biblioteca, mesmo que agora ela não precisasse mais da ajuda dele,
já que seu pé estava completamente recuperado.
A cada dia que passava, descobria que ela tinha um senso de
humor notável e uma inteligência acima da média e mesmo que já
fizesse quase três semanas do casamento, ainda não sentia
vontade de deixá-la no campo e voltar para Londres, pois não se
sentia descansado o suficiente e já estava farto da vida tediosa na
cidade com seus bailes quentes, limonada aguada e os mexericos
sem fim sobre quem acabaria se casando com quem.
Estava lendo o terceiro livro da tal Grace Hunter, um romance
improvável entre um baronete e uma garota de taberna com seios
gigantes, quando olhou para Lucy, sentada na poltrona ao seu lado,
e viu que ela estava com o rosto muito vermelho e mordendo o lábio
inferior, parecendo estar deliciada com o que lia.
Nicholas fechou o livro e sorriu, pronto para importunar a
esposa, mas primeiro precisava ver qual cena ela estava lendo.
Com um movimento lento, esticou o pescoço e leu o último
parágrafo do livro.
O conde puxou Anelise para si, fazendo os seios nus dela se
chocarem contra seu peitoral, os bicos sensíveis em contato com a
pele quente dele fazendo com que ela gemesse de prazer em uma
bruma sensual que pulsava no ponto secreto entre suas pernas.

— Vejo que chegou nas cenas quentes, minha querida,


Lucy tomou um susto tão grande com o que ele disse que jogou
o livro para cima, o pobre objeto caiu atrás da poltrona com um som
abafado. Nicholas começou a rir e deu um tapinha na mão dela.
— Não sabia que era uma libertina, Lucy.
Ela engasgou e começou a tossir, a ponto de ele dar tapinhas
em suas costas.
— Perdão?
Ela olhou para Nick, o rosto muito vermelho deixando as sardas
salpicadas em suas bochechas ainda mais lindas.
— Estou verdadeiramente surpreso com o que as cenas
quentes provocam nas mulheres. Está explicado o sucesso da
senhorita Hunter — ele observou em um tom zombeteiro.
Ela piscou muito rápido, os olhos azuis se desviando dos dele.
— Estou brincando — Nicholas disse, embora estivesse se
divertindo ao deixá-la sem graça. — Não resisti. Você estava muito
corada.
E então ele chegou à constatação de que, na verdade, Lucy-
Anne deveria estar excitada com o que estava lendo e que embora
ela fosse virgem, ainda assim deveria estar curiosa sobre o que
acontecia entre um homem e uma mulher na cama.
Isso fez com que o corpo de Nicholas ficasse tenso e ele
colocasse o livro exatamente no lugar correto para esconder sua
ereção pungente. Não adiantou muito quando ele olhou para ela e
percebeu a pele clara acima do decote recatado do vestido.
Questionou se ela também teria sardas naquela parte exclusiva do
corpo feminino. Como ele pôde ignorar o tamanho dos seios dela?
— Nick?
Ele engoliu em seco, a forma dela dizer seu nome o deixou
ainda mais duro e ele olhou para o teto, tentando não pensar nos
seios dela, ou em outras partes da anatomia da esposa que
desconhecia.
Não queria assustá-la, muito menos a obrigar a se deitar com
ele quando só agora estava passando a se sentir confortável ali. Em
alguns momentos, via a tristeza em seus olhos e sabia que ainda
precisava de tempo para assimilar tudo. Era um casamento sem
amor, mas nem por isso precisava ser ruim.
Nicholas se levantou rápido, tomando o cuidado de ficar de
costas para ela.
— Preciso resolver algumas coisas no escritório.
Então saiu da biblioteca, querendo muito mergulhar em um lago
gelado.

Lucy observou Nicholas sair rapidamente da biblioteca e passou


as mãos nas bochechas. Será que ela havia exagerado por ler algo
tão picante assim na presença do marido? Mexeu-se
desconfortavelmente na poltrona, sentindo calor no meio das
pernas, exatamente como a personagem do livro que jogou atrás de
si.
Certos livros precisavam ser lidos na privacidade do quarto,
portanto passaria a ler coisas mais enfadonhas e nada vergonhosas
na presença de seu marido. Decidida, levantou-se e saiu da
biblioteca.
A casa estava banhada pela luz dourada do sol de primavera e
Lucy saiu por uma porta lateral, chegando ao amplo jardim com uma
infinidade de flores coloridas e bem-cuidadas, mesmo em um mar
de cores, conseguiu identificar as rosas vermelhas e se aproximou,
passando os dedos nas delicadas pétalas.
Nunca pensou que fosse ter uma vida tão tranquila, morar em
um lugar tão bonito e ter um marido bem apessoado, limpo,
inteligente e que nos últimos dias a estava deixando sem fôlego com
suas palavras travessas. Uma vez devasso, sempre devasso, não
é?
Sabia que logo seria deixada sozinha na enorme casa e
subitamente surgiu na sua mente a imagem de Nicholas com
amantes na cidade. Talvez uma cantora de ópera, ou então uma
atriz, quem sabe uma viúva atrevida?
Sacudiu a cabeça, não queria se importar com isso, mas então
por que sentia como se seu estômago estivesse muito embrulhado?
Não poderia ser tola e passar a ter sentimentos por ele, isso pioraria
as coisas e sua vida tranquila não seria mais a mesma.
Mordeu o lábio e se afastou das rosas, andando por um
caminho margeado de cascalhos e de pequenas flores amarelas e
só parou ao chegar a uma fonte bonita com a estátua de um jarro
cheio de rosas. Com certeza, uma bela obra de arte.
Lucy sentou-se na mureta que contornava a fonte e deslizou os
dedos pela água gelada, ainda se recriminando pelo rumo dos seus
pensamentos.
— O que está fazendo sozinha aqui desse jeito, menina Lucy?
Ela arregalou os olhos ao ouvir a voz familiar e se colocou em
pé, procurando a origem do som. Seu coração disparou ao ver a
figura conhecida se aproximando dela, trajando o mesmo vestido de
lã e com os cabelos escuros presos em um coque firme na nuca.
Lucy deu um gritinho de felicidade e correu para os braços de
Annie, abraçando a amiga apertado e sentindo os olhos marejarem.
— O que faz aqui? — ela perguntou dando um passo para trás
e apoiando as mãos nos braços de Annie. — Michael não queria
que viesse...
— Não há nada que um duque não possa exigir que não seja
atendido, ainda mais envolvendo uma simples criada.
Lucy arregalou os olhos diante das palavras de Annie.
— Nicholas pediu que viesse?
— Ouvi da governanta, que ouviu do mordomo que seu irmão
recebeu uma missiva exigindo que a criada pessoal de sua esposa
fosse enviada imediatamente a Hampshire.
— Ah, Annie!
As duas se abraçaram novamente, dando risinhos de felicidade,
e então deram os braços, caminhando lentamente ao redor do
jardim.
— Fico muito feliz que tenha vindo, Annie.
— E eu abandonaria você, menina? — A criada parou e então
olhou para Lucy. — Será que eu deveria me referir a você como
Vossa Graça?
Lucy sacudiu a cabeça e sorriu, negando. Não estava
acostumada com a nova forma de tratamento, ainda mais vindo de
alguém que a viu nascer e crescer.
— Vejo que já se encontraram.
Lucy olhou para trás ao reconhecer a voz de Nicholas e viu que
ele estava sorrindo para ela. Não pôde se conter, se afastou de
Annie e correu para o marido, se atirando contra ele, que abriu os
braços, surpreso com tamanha demonstração de afeto.
— Muito obrigada — Lucy falou, passando os braços ao redor
dele. — Não encontro palavras para agradecê-lo pelo que faz por
mim.
Nicholas a abraçou também e então lentamente afastou Lucy,
segurando o rosto pequeno e em formato de coração dela entre
suas mãos grandes.
— Tudo para vê-la feliz, meu bem.
E então deu um beijo rápido em sua testa, se retirando do
jardim com um sorriso e a deixando completamente estupefata.
Lucy levou a mão ao peito, sentindo o coração acelerado e
martelando contra suas costelas.
— Seu marido a adora.
Ela olhou para Annie, que estava sorrindo de um jeito malicioso.
— Eu...
— Há coisas piores do que vir a gostar do próprio marido.
Lucy engoliu em seco, sem encontrar as palavras necessárias
para negar os próprios sentimentos, emocionada pelos
acontecimentos.
Capítulo 15

Nicholas andou de um lado para o outro através da ampla sala


ricamente decorada com móveis do século XVIII e muito bem-
conservados. Ela estava atrasada. Lucy-Anne nunca se atrasava
para nada e ele gostava disso nela.
Na verdade, ultimamente vinha descobrindo que gostava de
muitas coisas em Lucy, principalmente os olhos azuis que muitas
vezes assumiam um tom de jacinto-uva que o deixavam sem fôlego.
O que mais o surpreendia é que havia recebido um convite do
conde de Mortdale para irem a um bordel local e com lindas
mulheres e apesar de não fazer sexo desde antes do casamento,
não teve a mínima vontade de sair, ao invés disso pensou em Lucy
e em como ela se sentiria se ele fosse mais um dos homens que
deveriam protegê-la e que acabaram por magoá-la.
No primeiro dia de casamento, tinha pensado em ser discreto
com uma futura amante, agora a ideia sequer lhe passava pela
cabeça, ao invés disso se pegava pensando na esposa tarde da
noite e no fato de ela estar logo ali atrás da porta, usando
provavelmente seda. Imaginar isso fazia com que o corpo dele
ardesse de desejo e tivesse que usar a própria mão para se
satisfazer.
Ainda estava pensando em como as coisas mudaram nas
últimas semanas quando olhou para a escada e a viu descendo.
Lucy estava com os cabelos dourados presos em um penteado
diferente e que fazia com que um cacho caísse em seu ombro, além
de estar usando um vestido azul diurno que combinava
perfeitamente com seus olhos, as mangas eram bufantes e o decote
mais revelador do que ele se lembrava de já tê-la visto usar.
— Perdoe minha demora — ela disse de um modo doce ao
parar na frente dele. — Annie insistiu em me mostrar cada um dos
vestidos novos que vieram de Londres.
Nicholas sorriu, pensando que exigir de Richmond que
mandasse a criada de Lucy foi uma coisa boa, principalmente se
envolvesse mais vestidos como o que não conseguia parar de olhar.
— Que tal passearmos ao invés de irmos à biblioteca?
Ela balançou a cabeça em acordo e com um sorriso tomou o
braço que ele estendia, os delicados dedos dela na dobra de seu
cotovelo, o deixando muito ciente da proximidade.
Caminharam em silêncio para fora da casa, andando através do
gramado e tomando um caminho que ela não conhecia e que levou
a um jardim com vários jacintos-uvas onde dava para ouvir o
barulho do rio. Estava um dia bonito e ensolarado e ele observou
Lucy sorrir ao levantar o rosto em direção ao céu, as sardas se
tornando mais visíveis.
— Era assim que imaginava sua vida? — Nicholas perguntou,
não conseguindo desviar o olhar do sorriso bonito dela.
— É muito melhor — Lucy disse de um jeito animado, se virando
para ele e pousando a mão em seu braço. — E você, Nick, está
achando muito entediante estar ao meu lado?
Ele piscou várias vezes e percebeu que para ela a resposta era
muito importante, principalmente por saber o que diziam a seu
respeito.
— É melhor do que eu pensei que seria. Você é fascinante,
Lucy.
Ela sorriu novamente e Nicholas sentiu a pele ficando arrepiada
e um sentimento de superioridade por saber que era o responsável
por fazê-la feliz e deixá-la à vontade, o suficiente para mostrar uma
personalidade cativante e revelar uma beleza singular que o
fascinava.
Sem ao menos se dar conta, foi para mais perto dela,
percebendo o momento em que a respiração de Lucy se tornou
mais rápida.
— Você é linda — afirmou baixinho, passando o braço ao redor
da cintura fina dela e a puxando para si, sentindo as mãos
pequenas baterem em seu peito forte. — Não sei como, ou quando,
mas não consigo olhar para você e não a achar incrivelmente
atraente.
As bochechas dela assumiram um tom rosado que fez com que
Nicholas sorrisse.
— Eu não sou...
— É sim. Eu não sou um mentiroso, Lucy. Apenas disse o que
estou percebendo todos os dias.
— Mas as outras...
— A maioria das pessoas são tolas. Deve ouvir seu marido.
Ela acabou rindo do raro momento de posse de Nicholas e
finalmente tomou coragem para olhar para ele, vendo seu rosto
másculo com lindos olhos verdes e um queixo quadrado com a
sombra da barba começando a aparecer e os lábios... aqueles
lábios rosados e incrivelmente fartos que a faziam perder a linha de
raciocínio.
E em meio à troca de olhares, ela sentiu vontade de ser beijada
por ele. Já havia ouvido sussurros das criadas e lido inúmeros livros
que falavam sobre beijos, mas ainda assim nunca sentiu desejo de
ser beijada por alguém, até aquele momento.
De repente, Lucy se tornou muito consciente do quão próxima
estava dele e de que bastava um pequeno passo para que sua
curiosidade fosse saciada, mas é claro que não poderia fazer isso.
Nicholas não a desejava, poderia achá-la linda, porque tinha certeza
de que ele não era mentiroso, mas os homens eram estranhos.
Podiam achar alguém bela e ainda assim desejarem outra mulher,
esse tipo de coisa acontecia o tempo todo.
Se ele a desejasse, então já teriam consumado o casamento,
mas ele não mostrava nenhum interesse nesta parte do matrimônio.
Imediatamente, Lucy se sentiu culpada. Ele era muito bom para ela,
então não deveria estar reclamando, mesmo que em pensamento.
Sentindo-se mal, se afastou dele e deu alguns passos em
direção às flores.
— O que houve?
Ela escutou os passos dele se aproximando e acabou cruzando
os braços, de repente sentindo frio.
— Na... nada.
— Lucy, eu a conheço o suficiente para saber que está
mentindo para mim.
Ela se virou para ele, mas permaneceu olhando para o chão.
— Conte-me o que a está incomodando.
Ela começou a retorcer as mãos e imediatamente Nicholas as
segurou, fazendo com que seu corpo reagisse ao toque inocente do
marido.
— Eu... eu...
Ela engoliu em seco e respirou fundo.
— Estava pensando em como você é bom para mim.
— Este é o motivo do seu semblante triste?
— Não... claro que não. Apenas me senti culpada por desejar
além do que já me dá.
— E qual é o seu desejo? — Com a pergunta, a voz do duque
se tornou rouca e seus olhos ficaram mais escuros.
— Não seria adequado dizer isso em voz alta.
— Somos casados, minha querida. Não deve ter vergonha do
seu marido.
— Eu apenas gostaria que me desejasse o suficiente para
consumar nosso casamento, milorde.
Nicholas arregalou os olhos, pego completamente de surpresa
com as palavras dela, que não poderiam estar mais longe da
verdade. Ele ardia de desejo por ela, tarde da noite, pensava no
quão próximo estavam e em como o corpo dela parecia perfeito
para se encaixar no dele. Não era falta de desejo, mas excesso de
zelo.
Lucy ficou extremamente envergonhada com suas palavras e a
falta de resposta do marido indicava que ele estava chocado. Não
deveria dizer essas coisas para ele. Estava sendo tola.
— Devo sair agora para me encontrar com minha criada,
milorde. Perdoe minha falta de tato e, por favor, esqueça minhas
palavras.
E, sem dar a chance dele se pronunciar, Lucy saiu correndo,
deixando Nicholas extremamente pensativo e inebriado com o
perfume da esposa e suas palavras corajosas e cheias de segundas
intenções.

Lucy entrou no quarto e fechou a porta, se encostando na


madeira e sentindo o coração muito acelerado.
— O que aconteceu, Lucy?
Ao som da voz de Annie, ela levou a mão ao peito, somente
então vendo a criada parada ao lado da penteadeira.
— Oh, Annie — Lucy disse e foi se sentar na cama. — Acho
que falei palavras indiscretas para Nicholas.
Annie sorriu, achando a situação da outra inusitada e também
romântica.
— E que palavras seriam estas?
— Eu questionei a consumação do nosso casamento —
confessou, quase engasgando ao proferir palavras tão íntimas. —
Sei que ele se casou comigo por pena e está sendo solícito pelo
mesmo motivo, então deveria me contentar com o que me é dado.
Annie arregalou os olhos diante da revelação e se abaixou em
frente à Lucy, tomando as mãos dela entre as suas.
— Não acho que ele tenha pena de você.
— Eu não deveria estar reclamando — Lucy afirmou, se
desvencilhando de Annie com delicadeza e levantando-se. — Ele
me salvou de um destino cruel. Tenho de ser grata.
— Não há nada de errado em desejar o próprio marido.
Lucy parou de andar, assustada com o que a outra disse. Será
que ela desejava Nicholas? Era por isso que se sentia magoada por
não terem consumado o casamento? Lembrou-se das inúmeras
tardes passadas ao lado dele e da forma como conversavam sem
reservas e riam de qualquer coisa, fazendo a vida de casados ser
leve e divertida.
Quando a noite chegava, cada um ia para o próprio quarto e
Lucy se sentia solitária. Queria a companhia dele, mas não exigiria
isso. Esta tarde havia sido diferente. Nicholas disse que ela era
bonita. Bonita! Logo ela que sempre se sentiu inferior às outras
mulheres.
— Eu... eu sinto gratidão por tudo o que ele fez — Lucy disse
baixinho, sabendo que estava mentindo, mas também não querendo
descobrir o que sentia por ele.
Gostar de Nicholas faria tudo ser pior. Logo ele voltaria a
Londres e continuaria com sua vida como se nada tivesse mudado e
ela ficaria no campo. Não poderia sentir a falta dele. Não deveria
sentir algo assim. Estava tendo a vida de seus sonhos.
— Pedirei desculpas a ele por tamanha indiscrição — ela disse,
engolindo em seco e ainda se sentindo agitada. — Nicholas me
trouxe você, Annie. Não ficarei sozinha quando ele for embora.
— O que quer dizer com isso, querida?
— Não foi um casamento por amor — Lucy ressaltou, virando
de costas. — Nós sabemos disso e combinamos que eu ficaria aqui
no campo. Eu estou casada, mas não terei meu marido.
Annie não soube o que dizer diante de palavras tão tristes,
então simplesmente se aproximou de sua menina e a abraçou,
desejando que a vida fosse gentil com Lucy-Anne.

Nicholas estava na biblioteca e não parava de encarar a porta,
esperando que a esposa tivesse se recuperado do súbito arroubo de
vergonha e viesse ler ao seu lado. Também não conseguia esquecer
as palavras ditas há pouco.
Será que Lucy imaginava que ele não a achava desejável por
ainda não terem consumado o casamento?
Ainda estava andando de um lado para o outro quando viu
Annie passar em frente à porta. Sem nem mesmo pensar, foi atrás
da criada e a interceptou a caminho da cozinha.
— E Lucy? — questionou, não querendo demonstrar o quão
interessado estava no paradeiro dela.
— Está tirando um cochilo, Vossa Graça. Creio que esteja um
pouco cansada.
Ele estranhou a resposta, mas ainda assim fez um gesto,
dispensando a criada.
Lucy nunca dormia à tarde e estava sempre com um livro na
mão, andando pelos jardins e descobrindo novos cômodos na casa.
Será que ele a havia ofendido de alguma forma?
Era meio estranho admitir, mas Nicholas não tinha muita
experiência com damas respeitáveis e Lucy não era como as outras,
possuía sua própria maneira de encarar a vida.
Decidido a consertar a situação, ele subiu as escadas e parou
em frente à porta do quarto dela. Pensou em bater, mas a casa era
dele e se anunciasse sua presença, talvez ela não o recebesse.
Com delicadeza, abriu a porta e a viu deitada na cama, a luz do
sol tocando seus cabelos dourados e a deixando ainda mais bonita.
— Lucy? — a chamou baixinho, dando passos lentos em sua
direção.
Ao não obter resposta, parou ao lado da cama e percebeu que a
criada não mentiu, a esposa realmente estava dormindo.
Ficou parado a olhando, assimilando a delicadeza de seus
traços e os cabelos espalhados no travesseiro, os contornos suaves
do seu rosto e a boca pequena e rosada que o deixava ávido por
beijá-la.
Ele a desejava e teria de deixar isso claro, confidenciar que a
demora para fazerem amor era porque não queria apressá-la em
nada, e fazer com que se sentisse confortável e confiasse nele.
Olhou para o móvel ao lado da cama e viu várias folhas em
branco espalhadas e então soube a forma correta de colocar um fim
naquele mal-entendido.
Capítulo 16

Lucy acordou e assim que se virou, ouviu o som de papel sendo


amassado. Abriu os olhos e viu uma folha no travesseiro ao seu
lado. Sentou-se e não reconheceu a caligrafia.

Querida Lucy-Anne,
Estive aqui para esclarecer um pequeno mal-entendido, mas a
encontrei dormindo e não quis, de forma alguma, atrapalhar seu
descanso.
Sei que poderia dizer-lhe tais palavras, mas creio que ficará
mais confortável se as ler.
Não menti em nossa conversa no jardim mais cedo. Realmente
a acho linda, mas acredito que ressaltar sua beleza não irá apagar
os anos em que a insultaram e não perceberam a linda mulher que
é.
Eu mesmo nunca notei e espero que perdoe este tolo com
quem se casou e saiba que não há um único dia em que não
percebo a enorme sorte que tive ao conseguir o seu sim.
Nunca desejei o casamento, apenas sabia que teria de
encontrar uma esposa, mas estas semanas com você me fizeram
entender que estar casado com uma mulher inteligente, bem-
humorada e linda era o que eu precisava e não sabia.
Se ainda não a procurei para consumarmos o casamento era
porque estava esperando que se sentisse confortável. Nunca quis
impor minha presença a você, pois sei que já sofreu demais e por
agora merece a felicidade de uma vida tranquila e sem a
preocupação de se ver obrigada a estar com alguém que ainda não
conhece.
Estou descobrindo coisas sobre você que me encantam e me
fazem enxergar que você é como uma flor que floresce diante da
gentileza. Serei gentil e paciente com você, querida Lucy.
Poderá falar sobre qualquer coisa comigo e eu a ouvirei e se
não tiver coragem, receberei todas as cartas que me escrever e
escreverei outras centenas, caso seja necessário.
Espero-a para o jantar.
Com adoração,
Seu Nicholas.

Lucy terminou de ler a carta com os olhos marejados e, com


delicadeza, tocou a letra bonita e elegante de Nicholas. Nunca
alguém, além de seu querido pai, havia sido tão gentil e paciente
com ela.
O zelo de Nicholas e o respeito que ele tinha por sua
personalidade reservada era algo louvável e ela não pôde evitar
olhar para o céu e agradecer a Deus por tê-la abençoado depois de
julgar, erroneamente, que tinha sido esquecida.
Com a energia renovada, ela chamou Annie e pediu que a
ajudasse a se preparar para o jantar.
— Vejo que se acertou com seu marido — a criada observou
enquanto Lucy se banhava.
— Ele é muito gentil, Annie.
A mulher a olhou de um jeito misterioso, não querendo deixar
transparecer que estava achando engraçado o enlace improvável do
duque inconquistável e da tímida Lucy-Anne, que parecia outra
mulher agora que era tratada com carinho e estava se tornando
segura.
Annie escovou o cabelo de Lucy várias vezes, os erguendo em
um penteado intricado que deixava os cabelos dela com vários
cachos tocando a pele alva dos ombros, revelados pelo decote
ousado do vestido carmim que escolheu com esmero e que seria
destacado pelas luzes das velas.
— Será que não estou exagerando? — Lucy perguntou ao se
olhar no espelho, surpresa com o quão bonita estava se sentindo.
— É uma mulher casada, pode se dar ao luxo de usar as roupas
que mais a deixam bonita, menina.
Lucy concordou, ainda incapaz de desviar os olhos do espelho.
Será que se fosse vista pela alta sociedade, alguém ainda a acharia
sem graça e enfadonha? Provavelmente, sim. O que falam sobre
alguém nos salões de baile acaba valendo mais do que a imagem
real daquela pessoa.
— Por que ficou pensativa, querida?
— Estava pensando se ainda me achariam feia — Lucy
respondeu e se levantou, alisando a saia do vestido em um gesto de
ansiedade.
— A opinião deles não importa muito agora que é uma duquesa,
não é?
Lucy acabou sorrindo do orgulho que Annie tinha demonstrado
e estava rindo quando deu o braço à amiga e juntas começaram a
andar em direção à sala de jantar.
— Acho que não seria bem-visto uma duquesa de braços dados
com uma mera criada.
— Agora eu sou uma duquesa, acho que posso me dar ao luxo
de andar com minha querida amiga.
Lucy não percebeu, mas Annie ficou com os olhos marejados
pelo amor que sua menina lhe dedicava e que era retribuído de igual
maneira.

Ela o viu à sua espera no final dos degraus e sentiu como se


seu coração começasse a bater de uma forma diferente. Não
conseguiu desviar os olhos dele, do seu corpo forte, dos ombros
largos e dos cabelos ainda molhados e um pouco revoltos. Nicholas
exalava elegância e o sorriso que dirigiu à Lucy fez com que ela
ficasse de pernas bambas.
Annie já havia ido para a cozinha e ela se firmou melhor no
corrimão, não querendo parecer deselegante, ou desastrada. Já
jantaram juntos inúmeras vezes, mas sentia que depois daquela
carta, o clima entre eles estava diferente, quase como se promessas
pairassem no ar.
— Desculpe-me pela demora — Lucy disse quando apoiou a
mão na dele.
— Pode demorar todos os dias, se for para vir linda desse jeito.
Lucy corou e abafou um risinho. Um risinho! Logo ela que se
orgulhava de não ficar afetada por um cavalheiro, mesmo que o
cavalheiro em questão fosse seu marido há um mês.
Lentamente, eles foram até a grande mesa de madeira e Lucy
sentou-se na cadeira ao lado da de Nicholas, sua mão esbarrando
na dele algumas vezes e a fazendo corar. Os criados observavam a
interação dos dois com evidente interesse, mas também tocados
pelas singelas demonstrações de afeto, pois o duque e a duquesa
eram gentis e afáveis com todos e a fama de que eram bons patrões
já estava por toda Hampshire.
— Em breve, chegará o lançamento de Grace Hunter.
Encomendei-o para você assim que soube que já estava nas
livrarias.
Lucy olhou para os olhos verdes de Nicholas e sorriu, aquele
tipo de sorriso que chega aos olhos e faz com que qualquer
ambiente se torne mais iluminado.
— Muito obrigada, Nick. Adoro as aventuras presentes nas
páginas dos livros, e os da senhorita Hunter são deliciosos.
— Como sabe que ela é uma senhorita?
Lucy percebeu que ele estava zombando dela e sorriu ainda
mais, dando um tapinha na mão dele.
— Ora, uma senhora casada não escreveria nada tão
escandaloso.
— Que pena. Pensei que, a minha senhora, escandalizaria toda
Londres com seus livros pecaminosos.
Lucy mordeu o lábio, sentindo calor, muito consciente da
proximidade dele.
— Acha que eu deveria escrever coisas tão ousadas quanto as
da senhorita Hunter?
— Claro. E deixe bem claro que toda a inspiração veio do seu
marido.
— Não acredito! Quer me usar para continuar mantendo a fama
de devasso?
Nicholas começou a rir do assombro dela e delicadamente
tocou sua bochecha.
— Nem todos os boatos são verdadeiros, querida.
— Então, quer dizer que nunca fugiu da casa de uma dama
casada no meio da noite e sem as botas?
— Acha que um cavalheiro admitiria isso?
— Para a esposa, talvez?
O sorriso que ele deu em resposta fez com que o estômago de
Lucy desse uma cambalhota.
— Admito que é mentira. Nunca me envolvi com damas
casadas.
Lucy arregalou os olhos, não querendo demonstrar o quão
satisfeita ficou com a resposta.
Continuaram a jantar entre brincadeiras e risos e quando o
último prato começou a ser retirado da mesa, Lucy lamentou e se
perguntou se não deveria ter comido mais lentamente. Estava
apreciando a companhia de Nicholas, seus gracejos e o toque dele
em sua mão.
— Eu a acompanho — Nick disse ao se levantar e estender a
mão para ela.
Dessa vez não ficaram de braços dados e lentamente os dedos
dele se enroscaram aos dela, fazendo com que uma onda de calor
varresse o corpo de Lucy, que mordeu o lábio, muito consciente da
presença dele e imaginando como se sentiria se os toques se
tornassem mais ousados.
Fizeram o caminho até a porta do quarto dela em silêncio e
então ele se afastou, encostando-se na parede e a olhando com
evidente expectativa. Lucy não sabia se o convidava a entrar, ou se
continuava parada como uma tola.
— Você leu minha carta? — ele finalmente perguntou.
Ela engoliu em seco, suas expectativas para algo que sequer
conhecia despencando.
— Sim. Suas palavras foram lindas e fico emocionada por ter
tanto zelo comigo.
Nicholas balançou a cabeça e se aproximou, mais perto do que
jamais esteve. Seu peito encostando no dela e suas testas se
tocando.
— Não é sacrifício algum eu ser paciente, Lucy — ele disse e
seu nariz esbarrou no da esposa.
— O... obrigada.
— Hoje percebi que tem uma coisa que ainda não fizemos.
— E... e... e o que seria?
— Isso.
Ele passou o braço ao redor da cintura fina dela e a trouxe para
si, fazendo o lento caminho até sua boca, raspando seus lábios nos
dela por um segundo antes de sua mão livre se infiltrar por baixo
das ondas macias dos cabelos de Lucy, soltando alguns grampos e
livrando as mechas sedosas do penteado.
Lucy suspirou e isso fez com que Nicholas cobrisse a boca dela
com a sua, desvendando os mistérios de seus fartos lábios com a
ponta da língua para só então aprofundar o beijo e espalmar a mão
no traseiro dela.
— Beije-me de volta — pediu, arfando.
— Eu não sei.
— Apenas me beije.
E ela o fez, sem saber como, mas o imitando e suspirando
quando as línguas se encontraram e os corpos passaram a
compartilhar o mesmo calor. Era a ânsia por descobrir o novo. O
sentimento de posse que ele sentia ao apertá-la de encontro a seu
corpo rijo e a emoção que permeava o coração de Lucy ao descobrir
algo tão ousado e que até então só havia lido nos livros.
Ela o abraçou, as pontas dos dedos tocando os cabelos macios
de Nicholas, que sussurrou o nome dela em evidente reverência,
tomando tudo o que lhe era oferecido, saboreando aqueles lábios
que estavam tirando seu sono, descobrindo os vales do corpo
sensual evidenciado pelo lindo vestido que abraçava cada curva da
mulher e deixava pouco para sua imaginação.
Perderam a noção do tempo enquanto se beijavam, mas ela
teve a certeza de que ainda era cedo demais quando Nicholas se
afastou e ela se viu agarrando o tecido da camisa dele.
— Tenha uma boa-noite — ele disse com voz rouca, segurando
delicadamente a mão dela antes de se afastar e entrar no próprio
quarto.
— Boa-noite. Ela entrou no quarto e se encostou na porta,
tocando os lábios inchados com as pontas dos dedos e então
sorrindo. Beijá-lo era o paraíso.
Capítulo 17

Ele estava flertando com ela de forma descarada e, também,


encantadora.
Lucy sentia que poderia derreter a cada vez que ele pegava sua
mão, ou que sussurrava algo completamente normal em seu ouvido,
a respiração dele fazendo cócegas em seu pescoço.
Ela sorria ao pensar que ele não precisava fazer isso porque já
estavam casados e até mesmo perguntou a Nicholas, uma noite
após o beijo que a deixou de pernas bambas, o motivo de estar se
esforçando tanto.
— Eu não tive o tempo necessário para cortejá-la de forma
correta, querida.
E, após palavras tão sinceras, tomou a mão dela na sua e a
beijou de forma lenta, fazendo o corpo dela arder de desejo e Lucy
imaginar como seria quando Nicholas finalmente entrasse em seu
quarto e a tomasse para si.
Quando entrou em seus aposentos, sentiu que estava solitária e
apesar de passar boa parte do dia com o marido, o queria também à
noite, não apenas para consumarem o casamento, mas porque
queria muito saber como era adormecer ao lado dele.

Lucy despertou com o coração acelerado, como se tivesse tido


um pesadelo, mas não fosse capaz de identificar as partes
assustadoras. Sentou-se na cama e colocou a mão no peito,
sentindo as batidas apressadas na ponta dos dedos.
Quando um estrondo balançou as estruturas da casa e um
clarão se infiltrou através das cortinas, ela entendeu o motivo do seu
medo. Estava chovendo e não era a chuva típica do clima inglês,
mas uma tempestade em plena primavera, algo corriqueiro para as
outras pessoas, mas apavorante para ela.
Engoliu em seco e se levantou, os pés descalços tocando o
chão frio e fazendo um arrepio percorrer seu corpo. Lentamente se
aproximou da janela, espiando pela abertura e vendo que a luz do
dia era encoberta pelas pesadas nuvens de chuva e que
relâmpagos surgiam segundos antes de trovões sacudirem o céu.
— Não quis acordá-la por conta da tempestade, menina.
A voz de Annie era suave, mesmo assim assustou Lucy.
— Que horas são? — perguntou com a voz trêmula.
— Já passa das onze da manhã. Bem no momento que iria
despertá-la, a chuva começou e sei o quanto odeia tempestades.
Pensei que seria passageira, pelo visto, me enganei — Annie disse
em um tom suave, se aproximando de Lucy e a conduzindo até a
penteadeira, fazendo com que esta se sentasse, apoiando as mãos
em seus ombros trêmulos. — Está tudo bem, querida Lucy. Já pedi
para trazerem seu chá favorito e, enquanto isso, que tal se arrumar?
Lucy-Anne concordou, se deixando levar pela amiga, mas
sentindo aquele medo sufocante que sempre surgia quando
tempestades chegavam, a lembrando que foi graças à chuva que
seu pai adoeceu.
— E Nicholas? — perguntou, retorcendo as mãos e pensando
que a companhia dele poderia ser o que precisava para passar por
esse difícil momento. Não iria contar sobre seu medo, não queria
parecer infantil, mas o marido sempre a fazia se sentir segura,
mesmo que estivesse apenas ao seu lado.
— Deve estar na biblioteca — a criada respondeu rapidamente.
— Acho que irei encontrá-lo daqui a pouco.
Annie balançou a cabeça, seus lábios franzidos se tornando
mais finos, e tentou distraí-la enquanto a vestia e penteava seus
cabelos, mas Lucy apenas respondia com monossílabos, imersa
naquela nuvem de medo e querendo ficar pronta de uma vez e ir
para o lugar da casa que mais gostava e ficar com a pessoa de
quem mais gostava também.
Não demorou para Sally entrar no quarto segurando uma
pesada bandeja, sendo seguida de perto por Patience, a gentil e
solícita governanta. Lucy estranhou ter tanta gente em seu quarto.
— Aqui, senhora — Sally disse e lhe serviu o chá. — Coloquei
bastante açúcar para acalmá-la.
Lucy estranhou a forma nervosa da criada e olhou para Annie,
tentando descobrir se ela tinha contado aos outros sobre seu medo,
mas a outra estava parada, olhando para a governanta de um jeito
preocupado.
— O que está acontecendo? — Lucy questionou, observando as
três mulheres.
— Talvez seja melhor que Vossa Graça tome um pouco de chá
— sugeriu Patience de uma forma delicada.
Lucy não quis ser indelicada e dizer que a maneira como as três
estavam agindo a deixava mais nervosa, então tomou um grande
gole do chá, não demonstrando que sua língua havia queimado no
processo.
— Por favor, me digam o que está acontecendo.
Annie se ajoelhou na frente de Lucy e pegou as mãos frias da
duquesa entre as suas.
— Não precisa se preocupar, menina. É apenas uma demora
diferente da usual.
— Demora?
— O duque saiu para cavalgar antes da tempestade e ainda não
voltou!
Sally deu um gritinho ao proferir tais palavras e receber um
beliscão da governanta.
— Não é nada para se preocupar — Annie garantiu. — Estamos
apenas falando porque estava perguntando pelo duque.
Provavelmente, ele está na vila, aguardando a chuva passar.
— Pe... pensei que ele estava na biblioteca.
— Não queria assustá-la sem necessidade, Lucy.
Patience e Sally não entendiam direito o zelo de Annie ao
passar a informação para a senhora, mas a criada pessoal da
duquesa deveria saber algo que elas desconheciam, por isso estava
sendo tão delicada.
Lucy mordeu o lábio e então se levantou, sentindo o peito doer.
Não queria fazer drama em frente a elas e queria mesmo que fosse
apenas uma sensação ruim, mas não conseguia evitar de comparar
os fatos do dia de hoje com os da época em que seu pai também
estava em meio à tempestade. Será que o destino seria cruel com
elas duas vezes? Não podia ser. Provavelmente, Nicholas estava na
vila. Ele saía para cavalgar todas as manhãs e muitas vezes ouvia
os pedidos dos moradores e fazia de tudo para ajudar. Cumpria sua
função com muita dedicação e às vezes voltava até com galinhas
para casa, por não querer ser indelicado.
— Ele deve estar na casa de alguém — Lucy disse baixinho, se
aproximando da janela. — Não devemos nos preocupar.

Lucy não quis almoçar, ao invés disso ficou na sala, andando de


um lado para o outro e, por fim, parando em frente às janelas,
desembaçando o vidro com as pontas dos dedos e esperando
Nicholas.
Annie vinha a todo momento perguntar se ela precisava de
alguma coisa, mas Lucy estava inquieta. A chuva só aumentava e
ela sentia, no fundo do coração, que algo tinha acontecido ao
marido.
— Ele está demorando muito — Lucy disse à Annie quando as
primeiras horas da tarde passaram. — Já mandaram algum criado
ao encontro dele?
— Sim, menina. Em breve, teremos notícias.
Lucy não disse nada e uma única lágrima escorreu por seu
rosto. O som da chuva forte aumentava seu medo e ela sentia que
poderia acontecer tudo outra vez. Colocou a mão na janela fria e
espiou novamente, vendo dois vultos se aproximando.
Seu coração acelerou e ela correu em direção à porta, dando
um pequeno empurrão no mordomo e saindo para o tempo frio e
nebuloso a tempo de ouvir os trotes dos cavalos se aproximando.
— Saia da chuva, senhora!
O grito de Annie não foi o suficiente para pará-la e Lucy deu
mais alguns passos, esperando os cavalheiros se aproximarem.
— Nicholas? — ela questionou, elevando a voz acima da chuva
que já começava a deixá-la molhada.
Ele pulou do cavalo e rapidamente o cavalariço que tinha ido ao
seu encontro pegou o animal, indo em direção aos estábulos.
— O que faz na chuva, Lucy?
Ele tirou o chapéu e se aproximou da esposa, se assustando
quando Lucy se jogou contra ele e o abraçou com força.
— Pensei que tivesse acontecido alguma coisa, Nick.
— Eu...
Nicholas não concluiu a frase, seu corpo sendo sacudido por um
acesso de tosse.
— Vamos entrar — ela disse com urgência, pegando a mão
dele. — Peçam que preparem um banho quente e um chá.
As ordens foram dirigidas a um mordomo estupefato e à Annie,
que olhava a cena dividida entre a preocupação dos dois estarem
no mau tempo e o sorriso de quem sabia bem o que estava
acontecendo.
— Precisa se trocar também, senhora — Annie disse à Lucy ao
ver que ela estava pingando.
— Mas...
— Eu já a encontro — Nicholas garantiu com um pequeno
sorriso. — E então poderá me fazer quantas perguntas quiser.
Lucy concordou, seguindo Annie, mas ainda preocupada com
toda a situação.
Capítulo 18

Lucy não estava preocupada com a própria aparência e ficou


muito inquieta enquanto trocava o vestido cheio de adornos que
vestiu cedo por um mais simples de musselina rosa. Não teve
paciência para ter os cabelos arrumados e Annie se obrigou a deixá-
los soltos.
Assim que ela se viu livre das mãos da criada, correu para a
porta que separava os quartos e bateu com urgência, os nós dos
dedos ardendo por causa da força que ela empregou no gesto.
Lucy estava com medo, não, medo seria um modo muito
simples de descrever o pavor que crescia em seu peito. Ela
precisava ver Nicholas, se certificar de que estivesse bem, ficar ao
seu lado e impedir que... que qualquer coisa ruim pudesse
acontecer.
— Entre.
A voz dele soou rouca e Lucy não esperou nem mais um
segundo para entrar no quarto, percebendo que Nicholas já estava
devidamente vestido e deitado embaixo de uma grossa coberta.
— Você está bem? — ela indagou indo até a cama e tocando na
testa dele, sentindo que estava muito quente. — Talvez seja melhor
que eu chame o médico.
— Eu fico tocado com a sua preocupação, Lucy, mas eu apenas
tomei chuva por ter agido de forma imprudente. Não é algo grave,
querida.
— Todas as coisas ruins não parecem graves a princípio.
Nicholas sorriu diante de tamanha preocupação e segurou a
mão dela, fazendo com que se sentasse na cama.
— Eu saí logo cedo e não percebi que teria uma tempestade,
quando a chuva começou, quis ir para a casa de caça no meio da
propriedade, mas acabei me perdendo por um longo tempo e só fui
encontrado há pouco. Foi apenas um descuido.
Lucy suspirou, sentindo suas mãos trêmulas. Observou o rosto
dele, percebendo que estava pálido e com as bochechas coradas,
além das mãos frias. Um sinal claro de que estava ficando febril.
— Não importa que pareça algo banal, Nicholas. Precisamos...
Preciso me certificar de que esteja bem, de que nada de ruim
aconteça.
Ele não teve tempo de tentar desvendar as palavras da esposa,
porque Lucy tocou a sineta e chamou uma criada, dando instruções
claras de que preparassem um caldo quente e apressassem o chá
do duque, além de trazerem um xarope para gripe.
— Querida, temo que esteja exagerando em tantos cuidados.
As palavras foram ditas em um tom gentil e quando Lucy se
voltou para Nicholas, ele percebeu que ela estava com os olhos
marejados e pálida, parecendo prestes a desmoronar.
— Lucy?
— Pois não?
— Venha até aqui.
Ela andou até o marido e sentou-se na ponta da cama,
pousando as mãos delicadamente no colo, o tremor sendo visível
para Nicholas.
— O que está acontecendo, Lucy?
— Meu pai... — ela confessou, parecendo perdida no tempo. —
Ele tinha apenas ficado molhado no caminho de casa..., mas então
adoeceu. Ficou doente em uma sexta-feira e na segunda, logo
depois do raiar do dia, parou de respirar. Ele me deixou e por conta
de uma tempestade.
Ela piscou, as lágrimas escorrendo por seu rosto bonito.
Nicholas então entendeu a atitude de Lucy, sua preocupação
excessiva e o nervosismo que não conseguia disfarçar.
— Está com medo de que aconteça o mesmo comigo? — Ele
fez a pergunta em um tom baixo e Lucy ergueu o rosto, seus olhos
muito azuis encontrando os verdes dele.
Ela pareceu constrangida com a pergunta e suas bochechas
ficaram coradas.
— Você é tudo o que eu tenho, Nicholas. Quando eu soube que
tinha saído em meio à tempestade, tive consciência de que é meu
tudo.
— Por que depende financeiramente de mim? — questionou,
tentando disfarçar a emoção que fazia com que um caroço se
formasse em sua garganta. — Porque se for isso, saiba que se um
dia algo me acontecer, não ficará desamparada.
Lucy sacudiu a cabeça e seus lábios tremeram.
— Não... não estava pensando em dinheiro, Nick. Jamais me
passou pela cabeça que eu ficaria na miséria, o que ficou em minha
mente foi o fato de que eu poderia te perder e meu coração ficou
partido com a possibilidade de não o ver nunca mais. Sei que em
breve voltará para sua vida em Londres, e que isso faz parte do
nosso acordo, mas é diferente de perdê-lo para sempre. Em
Londres, eu sempre poderei te encontrar.
Nicholas sentiu os olhos ficarem marejados. Não era um homem
dado a fortes emoções e não gostava muito de sentimentalismos,
mas as palavras dela, ditas de uma forma tão singela, fizeram com
que ele tivesse noção do quanto gostava de Lucy e do quanto era
importante para ela.
— Eu não te deixarei, Lucy. Ouviu? Eu não vou a qualquer lugar
sem você e uma tempestade não será capaz de me levar. Eu ficarei
exatamente aqui, ao seu lado. Com a minha esposa.
— Ah, Nicholas!
Ela se jogou nos braços dele, o abraçando com força, chorando
de alívio por ter finalmente dito as palavras que estavam presas em
seu coração.
Ele a afastou gentilmente e secou suas lágrimas com os
polegares, traçando as sardas de seu rosto com as pontas dos
dedos e o contorno bonito da sua boca rosada. Tudo em Lucy-Anne
era lindo. Seus olhos cor de jacinto-uva, sua delicadeza e a forma
como dizia seu nome.
Nicholas não sabia dizer em que momento passou a admirá-la
tanto, ou em que dia o sentimento de proteção passou a ser algo tão
maior.
— Eu estou me apaixonando por você, querida — ele confessou
em voz baixa, adorando a forma como as bochechas dela ficaram
coradas.
Lucy mordeu o lábio, encantada com a força das palavras dele.
— Eu sempre achei que o amor era como um raio que atingia a
gente do nada e mudava tudo — ela disse em voz baixa. —, mas
hoje eu entendo que se apaixonar pode ser lentamente e depois de
um casamento sem expectativa alguma.
Eles sorriram um para o outro e Nicholas sentiu que estava no
lugar certo e com a pessoa certa.
Foram interrompidos com a chegada de duas criadas trazendo
tudo o que Lucy havia solicitado. Eles se afastaram rapidamente, ela
corando e Nicholas rindo de um jeito zombeteiro.
Ele não se sentia doente, apenas cansado e com frio, mas
deixou que Lucy cuidasse dele, porque sabia que apenas isso a
deixaria em paz e afastaria o fantasma da perda que teve.
Aceitou beber o xarope horroroso e permitiu que ela lhe desse o
caldo quente na boca, rindo da forma como ela corava ao tocá-lo.
Por fim, quando a noite estava avançando, ele bocejou, quase
se entregando à exaustão.
— Irei para o meu quarto. Pode me chamar, se precisar...
— Não vá. Fique aqui comigo.
Nicholas olhou para o espaço ao seu lado e Lucy seguiu seu
olhar.
— Vou esperar que durma, então.
Ele sorriu do elevado senso de moral dela e chegou mais para o
lado, ouvindo o barulho dos sapatos da esposa caindo no chão e
então ergueu a coberta para ela.
— Eu iria dizer que isso era impróprio, mas somos casados.
Lucy começou a rir ao se acomodar ao lado dele e Nicholas
passou o braço ao seu redor, rindo junto com ela.
Ele a puxou de encontro a seu peito e fechou os olhos, se
sentindo confortável com o corpo dela colado ao seu. Queria fazer
muitas coisas com Lucy, mas por aquela noite, bastava a companhia
dela.
— Você está bem? — ela perguntou em um sussurro.
— Acho que nunca estive melhor.
Lucy sorriu, suspirando aliviada, e o abraçou também, fechando
os olhos e percebendo que nunca esteve em um lugar melhor do
que os braços de Nicholas.
Capítulo 19

Lucy acordou com a agradável sensação de estar aconchegada


a Nicholas, o braço dele estava por cima de sua barriga e a cabeça
descansava em seu pescoço, os cabelos macios fazendo cócegas
em sua bochecha e então no nariz, quando aspirou o cheiro de
sândalo que as mechas exalavam.
Delicadamente tocou a testa dele e suspirou de alívio ao
perceber que não estava febril.
— Eu te disse que não fico doente fácil.
Lucy se assustou com a fala dele e isso fez com que o marido
começasse a rir, rolando e apoiando a cabeça em seu braço, a
olhando de um jeito intenso, os olhos verdes brilhando.
— Não teve graça.
Mas antes mesmo que terminasse de falar, já estava rindo junto
com ele, aliviada de tantas formas que sequer conseguia descrever.
Assim que o riso cessou, ela se deu conta de que deveria estar
completamente desmazelada e isso foi o suficiente para que saísse
da cama, tropeçando na barra do vestido ao tentar correr para o
quarto ao lado.
— Onde é o incêndio? — Nicholas questionou, deitando-se de
costas e colocando os braços atrás da cabeça, parecendo ainda
mais lindo com os cabelos revoltos e a camisa aberta.
— Eu preciso me recompor — disse com urgência, tocando os
cabelos e então lembrando que não os havia prendido no dia
anterior. — Devo estar horrorosa.
Nicholas sacudiu a cabeça em sinal negativo e se levantou,
andando lentamente até parar na frente dela.
— Nunca esteve mais linda para mim, Lucy — falou baixinho,
sua voz rouca deixando a pele dela arrepiada. — Tão linda que,
pela primeira vez, em anos, sinto vontade de voltar a desenhar.
— Fico muito feliz, Nick, mas não seria melhor me desenhar
quando eu estiver com os cabelos penteados e não parecer tão
amassada e...
Lucy não teve tempo de terminar de falar, porque os braços
fortes do seu marido a puxaram para junto do seu corpo quente e
sua boca sedenta encontrou a dela. Ela estava sendo beijada pela
segunda vez por aqueles lábios macios e quentes e se sentia no
paraíso.
Lucy suspirou de encontro a boca de Nicholas, passando os
braços ao redor do pescoço dele e ficando na ponta dos pés, unindo
seus corpos e correspondendo aos toques de forma inocente, mas
entusiasmada.
Ele afastou a boca da dela e distribuiu beijos molhados por seu
pescoço, segurando firme o emaranhado de cachos e fazendo com
que ela inclinasse a cabeça para trás, expondo a pele clara
salpicada de sardas.
Ela gemeu quando a ousadia dele chegou ao decote simples de
seu vestido, e os beijos se tornaram mais lascivos, fazendo o corpo
dela arder de desejo.
— Nicholas — disse em meio a gemidos, puxando os cabelos
dele, não sabendo se para afastá-lo, ou se para que continuasse a
beijá-la desse jeito tão escandaloso e ao mesmo tempo delicioso.
— Eu quero você — ele admitiu, sua respiração acelerada e o
corpo duro de desejo, beijando o rosto dela repetidas vezes,
passando pelas bochechas, a ponta do nariz e em cima das
sobrancelhas, arrancando risos dela e suspiros em igual medida. —
Eu te quero nua, embaixo de mim e gemendo meu nome desse
jeito.
Lucy corou com a sinceridade das palavras dele, entregue a
seus toques.
— Eu também o quero, mas não sei nada...
— Eu a ensinarei.
Com um último beijo em sua boca, Nicholas se afastou e ajeitou
a frente do vestido dela.
— Teremos nossa noite de núpcias hoje — proferiu, tentando
disfarçar a excitação evidente. — Quero você com aquela camisola
linda da primeira noite.
— Você... você gostou?
— Eu amei, pode ter uma coleção delas, de todas as cores, se
assim desejar.
Lucy riu e balançou a cabeça várias vezes, deixando-o
admirado com sua delicadeza e evidente empolgação.
— À noite, então? — questionou com certa timidez.
— Se esse for o seu desejo.
— Acho... acho que essas coisas só se fazem à noite.
— Querida, eu a farei descobrir que poderemos fazer amor na
hora que desejarmos. — Ele se aproximou dela, deixando a boca
próxima de seu ouvido. — E em outros lugares além da cama, mas
por hoje farei o que deseja.
Lucy quase se engasgou diante de palavras tão luxuriosas, mas
manteve a compostura e concordou com um breve aceno,
praticamente correndo até seu quarto e ouvindo o riso dele ao
fechar a porta.

Lucy ficou ansiosa durante o dia, não conseguiu se concentrar


na leitura e corava a cada vez que Nicholas a olhava de forma
maliciosa, como se seus olhos verdes a lembrassem do que fariam
ao cair da noite.
Queria conversar com alguém, perguntar a forma como deveria
se portar, mas não podia, nem mesmo com Annie porque era algo
indecoroso demais e sua timidez não tinha evaporado em apenas
um mês.
Sem conseguir aguentar a expectativa, deixou Nicholas na
biblioteca e foi para o quarto, pensando que passou a amá-lo com a
mesma rapidez com que adquiriu confiança nele.
Amar? Será que ela amava o marido? Como alguém sabia se
estava apaixonada por outra pessoa, ou então a amando?
— Por que está tão inquieta, Lucy?
Parou de andar pelo quarto e observou Annie. Desta vez não
hesitou ao se aproximar da amiga e lhe segurar as mãos.
— Como poderei saber se estou apaixonada?
Annie sorriu de uma forma carinhosa.
— Não tem como saber, menina.
— Não? — Ela parecia desapontada ao continuar olhando para
Annie, a ansiedade visível em cada gesto. — Não há um sinal, ou
um sentimento específico como nos livros?
— Creio que não, mas se está tão preocupada com isso, acho
que é um sinal de que não o vê mais da maneira de antes, quando
era apenas seu salvador.
Lucy pensou nas palavras de Annie cuidadosamente e soube
que não via mais Nicholas como seu salvador, mas sim como o
homem com quem queria passar o restante da vida e construir uma
família.
Lentamente um sorriso surgiu, fazendo os olhos azuis dela
brilharem.
— Tem razão. Creio que não sou mais a mesma de antes.
— É que você aprendeu a voar, menina.
E Lucy não pôde negar. Não temia mais que alguém levantasse
a voz, não precisava esconder seus livros e aguardar a permissão
de nada. Lucy-Anne nunca foi tão livre e feliz e por que não,
apaixonada?
Capítulo 20

Quando anoiteceu, Lucy se banhou em uma água perfumada de


rosas e pediu para que Annie escovasse seus cabelos até que as
ondas estivessem caindo de forma delicada até sua cintura. E vestiu
a camisola que era para ter sido da noite de núpcias.
Estava envergonhada pela transparência das vestes, mas
deixou a vergonha de lado assim que a criada se retirou do quarto.
Não sabia se era a hora certa para fazerem “aquilo”, mas não
conseguiria esperar até depois do cerimonioso jantar. Poderiam
fazer a refeição no quarto, ou não...
Por Deus, ela estava tão nervosa que sentia todo o corpo tremer
conforme se aproximava da porta, sabendo que o encontraria ali e
que seria completamente de Nicholas.
Respirou fundo e bateu, esperando ouvir o som da voz dele,
mas sendo surpreendida quando Nicholas abriu um pouco a porta
usando apenas um roupão de seda preto, os cabelos escuros e
molhados caindo de forma desordenada na testa.
— Eu... — Lucy não sabia direito o que falar e ficou parada.
Nicholas a olhou lentamente, seu olhar percorrendo o corpo
dela de um jeito que fez com que a pele de Lucy ficasse ainda mais
corada.
— Não vai querer jantar primeiro?
— Estou nervosa demais, não conseguiria comer. Será que
podemos deixar o jantar para depois?
— É claro, espere um pouco.
Nicholas fechou a porta e ela o ouviu dispensar o criado que o
vestiria e ordenou a ele que informasse à cozinheira que jantariam
depois no quarto. Em seguida a portinhola que dividia o quarto foi
aberta e Nicholas deu passagem para que Lucy entrasse no quarto.
— Você está nervosa? — ele perguntou de um jeito gentil.
— Um pouco — ela admitiu, trocando o peso de um pé para o
outro. — Eu... eu não sei bem o que fazer.
Ele sorriu diante do embaraço da esposa e pegou a mão dela, a
conduzindo até a cama e então sentando-se ao seu lado,
acariciando de forma lenta as costas da mão de Lucy.
— Aprendemos sobre o amor vivenciando cada segundo dele,
querida — Nicholas disse, conforme se aproximava dela, beijando
sua bochecha macia e então encontrando os lábios entreabertos de
Lucy, que lentamente saboreou até ouvir os seus suspiros.
Passou o dia todo pensando no encontro deles. Ardeu de
desejo ao lado dela na biblioteca e pensou que seu membro
romperia as vestes quando ela o deixou sozinho. Por várias vezes
quis possuí-la de encontro à parede, ou em cima da mesa, jogando
todos os livros no chão, mas se segurou. Era o momento de Lucy e
faria de tudo para que ela apreciasse a união completa deles.
— Espero que a partir de agora não tenhamos mais que dormir
em camas separadas — ele comentou ao mesmo tempo em que
abria o robe dela, expondo a camisola e as finas alças que
deixavam seus ombros à mostra.
— Eu quero muito isso — Lucy admitiu em um sussurro,
inclinando a cabeça para trás e dando a ele livre acesso ao seu
pescoço.
Nicholas beijou a pele sensível, retirando o robe e então
abaixando as alças da camisola, fazendo com que Lucy se deitasse
na cama, expondo seus seios fartos e com mamilos rubros.
Ela tentou se esconder, mas Nicholas afastou suas mãos,
beijando os nós de seus dedos para então fazer Lucy erguer os
braços.
— Levante seus quadris, querida — ele pediu gentilmente e
Lucy o obedeceu. E com um único movimento puxou a camisola e a
deixou nua.
Ele sentou e a observou, vendo o rubor que coloria suas
bochechas e então as sardas que se espalhavam por sua pele clara,
como se fosse um salpicado de pequenas estrelas douradas.
— Você é perfeita — disse com evidente reverência. — Tão
linda que eu me sinto um tolo por não ter notado isso antes.
— Acho que talvez tenha sido por não ter me visto sem roupas.
Lucy fez o comentário ousado de olhos fechados e teve como
resposta a risada de Nicholas, que estava muito feliz por estar
vendo a doce mulher com quem se casou se revelar ainda mais
encantadora.
— Ou talvez tenha sido porque não tinha me mostrado esse
humor formidável, querida.
Lucy abriu os olhos e o viu próximo, sorrindo e parecendo
encantado com toda a nudez que a deixava envergonhada.
— Acho que seria bom você também tirar a roupa.
— Seu desejo é uma ordem, amor.
Nicholas levantou e tirou o roupão lentamente, seu corpo bonito
e másculo se revelando. Os ombros largos e a barriga torneada,
seguida de coxas poderosas e entre elas seu membro rígido.
Lucy engoliu em seco, não sabendo como a anatomia deles
iriam se encaixar. Será que...
— Não pense tanto, amor. Essas coisas simplesmente dão
certo.
E então, com uma lentidão que a deixou ainda mais ansiosa,
Nicholas se aproximou dela. Lucy esticou os braços, querendo ser
beijada, mas ele fez o caminho inverso, abaixando a cabeça e
distribuindo beijos quentes e molhados por seu pescoço, chegando
ao espaço entre os seios e então segurando um de seus mamilos
entre o polegar e o indicador.
Lucy gemeu com o toque e Nicholas aprovou aquela reação.
— Gosta disso? — indagou, levando a boca ao seio que ainda
não tinha sido tocado, circulando a pequena aréola com a língua e
então sugando o mamilo intumescido.
Lucy não conseguiu responder. Agarrou os cabelos dele ao
sentir o espaço entre suas pernas pulsar conforme Nicholas sugava
seu seio, esticando o brotinho além do limite.
— Nick — ela disse o nome dele entre gemidos, se arqueando
quando ele tomou o outro seio na boca, beliscando o mamilo que
havia acabado de libertar. — Isso é bom.
Ele sorriu de encontro à pele dela, se afastou e então pegou os
pesados seios em suas mãos, acariciando a pele sensível e vendo a
luxúria nos olhos de sua inocente esposa.
— Eles são lindos — constatou, chamando a atenção dela para
sua ereção pungente. — E somente meus.
— Sou sua.
Nicholas sorriu com a declaração e deslizou a mão pela barriga
dela, chegando ao amontoado de cachos entre suas pernas, de um
tom mais escuro que os cabelos que se espalhavam de forma
sedutora pelo lençol.
Lucy fechou as pernas, escandalizada com a ousadia dele.
— Deixe-me tocá-la aqui, querida — pediu. — Será gostoso.
Lucy abriu as pernas, envergonhada e se sentindo exposta.
Fechou os olhos quando sentiu o toque dele e ficou arrepiada
quando Nicholas tocou a pequena elevação de seu sexo, fazendo
uma sensação gostosa surgir.
— Está molhada e pronta para mim — ele comentou ao tocá-la
mais intimamente, sentindo a umidade dela na ponta dos dedos. —
Vai doer, mas eu prometo ser cuidadoso.
Ela balançou a cabeça e Nicholas se acomodou melhor,
beijando a boca da esposa e a estimulando com os dedos, pegando
para si os gemidos surpresos que Lucy deixava escapar.
Ao ver que Lucy estava relaxando com o beijo, ele enfiou um
dedo em sua abertura, a estimulando e sentindo o quadril dela se
inclinar em direção à sua mão. Tocou o ponto de prazer dela com o
polegar e ouviu um gemido mais alto, indicando que ela estava
gostando.
— Continue — implorou quando Nicholas afastou a mão. — Não
entendo o que é, mas preciso... preciso.
Ele entendeu o pedido urgente e a beijou, sua língua tocando a
dela e mostrando sua posse. Com um toque em seus joelhos, fez
com que Lucy abrisse as pernas e se acomodou entre elas.
— Toque-me — pediu e apoiou as mãos ao lado do corpo da
esposa.
— Eu... eu não sei como.
— Apenas me toque.
Lucy acariciou o rosto bonito dele com as pontas dos dedos,
traçou o contorno da boca carnuda de um jeito tão lento que ele se
ouviu resmungando e então ela o abraçou, puxando seu peito duro
de encontro à sua maciez.
Nicholas mordiscou o pescoço dela, se movimentando
minimamente e sentindo seu pau roçar no lençol. Esforçou-se para
continuar se firmando e com um beijo no pulso dela, a afastou.
— Prometo ser gentil.
Lucy balançou a cabeça e o observou segurar seu membro, o
aproximando de sua entrada. Fechou os olhos, sentindo o toque
estranho, mas ao mesmo tempo gostoso.
Nicholas começou a suar, usando todo seu autocontrole para ir
devagar, nunca tinha ficado com uma virgem antes, mas queria que
a primeira vez deles fosse inesquecível e boa para ela.
Apertou os mamilos dela conforme a penetrava lentamente,
vendo a expressão de prazer da esposa e trincando os dentes para
não ir muito rápido.
Lucy fechou os olhos, completamente entregue a Nicholas, que
a tocou naquele lugar mágico outra vez, fazendo com que ela se
mexesse de encontro a seu toque, querendo mais, precisando de
mais.
Pouco a pouco ele foi entrando nela, chegando à barreira que
simbolizava a inocência de Lucy.
— Vai doer. Queria que não, mas...
— Apenas continue.
Nicholas tocou gentilmente o rosto dela e então a beijou, ao
mesmo tempo em que a penetrou de uma vez. Lucy choramingou
contra a boca dele.
— Desculpe — disse e lhe deu outro beijo, vendo uma lágrima
escorrer por seu rosto. — Está doendo muito, quer que eu pare?
— Não... estou feliz por ser completamente sua.
Nicholas ficou emocionado com as palavras dela e gentilmente
a tocou nos seios, estimulando seu prazer e lentamente se
movimentando, fazendo com que Lucy se acostumasse ao seu
tamanho.
Colocou a mão entre seus corpos e a estimulou de outra forma,
sentindo que ela estava relaxando. Continuou a penetrá-la, ouvindo
os murmúrios de prazer dela e sendo surpreendido quando Lucy o
abraçou com as pernas.
— Continue — implorou, pegando na mão dele. — Faça mais
disso.
Nicholas a penetrou mais rápido, pressionando-a com o polegar
e percebendo que ela estava quase chegando ao ápice.
O corpo de Lucy ficou tenso ao seu redor e ela se arqueou, as
pernas estremecendo.
— Oh, meus Deus!
O gemido soou um segundo antes dela explodir ao redor dele,
fazendo com que Nicholas fosse mais rápido, em busca do próprio
alívio e a puxando de encontro ao seu corpo, abraçando-a.
Ele gemeu o nome dela, metendo mais forte e finalmente
derramando sua semente. Caiu em cima de Lucy, sentindo o
coração acelerado e uma emoção que não saberia descrever.
Ficou alguns minutos apenas parado, sentindo o corpo dela
contra o seu, e então rolando para o lado e a puxando para si,
acariciando seus cabelos macios e beijando as pálpebras dela.
— Sinto muito que tenha sentido dor — disse com a voz
entrecortada, dando um beijo em sua têmpora.
— Eu gostei. Foi bom. E você?
— Eu sinto que estou no paraíso.
Lucy riu e o abraçou com força, sentindo um leve incômodo
entre as pernas, mas feliz por ter se entregado a ele.
— Acho que você finalmente me ensinou a voar, Nick.
Nicholas sorriu, sentindo que fez a escolha perfeita ao se casar
com aquela garota perdida, que agora tinha se tornado uma mulher
encantadora e a dona do seu coração.
Epílogo
Londres, 1814
Baile anual do conde e da condessa de Hereford

Lucy saiu discretamente do salão abafado de baile, deixando


para trás as conversas frívolas e as falsas cortesias que lhe eram
dirigidas por agora ser uma duquesa e participar ativamente da
sociedade ao lado do marido.
Estava radiante ao andar pelos corredores da mansão Hereford,
feliz por ter sido muito bem-recebida pelo conde e a condessa e
também por saber que era o baile mais aguardado e cobiçado do
ano. Podia sentir as histórias de amor acontecendo, tal qual a que
escrevia todas as tardes e que era lida à noite para Nick, antes de
fazerem amor apaixonadamente.
Um ano antes, Lucy cruzou os mesmos corredores, com medo
do que o futuro lhe reservava e com apenas um plano como rota de
fuga, e agora ali estava ela, entrando nos caminhos intrincados do
lindo jardim da condessa e sentindo o perfume das rosas ao seu
redor.
Não pôde evitar de sorrir conforme andava tocando
delicadamente as flores e então olhando para o céu, sabendo que
seu querido pai estava olhando por ela e que com certeza Nick foi
um presente vindo dele.
Apressou os passos ao chegar à linda fonte no centro do jardim
e olhou ao redor, esperando por ele.
Levou um pequeno susto ao sentir os braços de Nicholas à sua
volta, o perfume familiar dele invadindo seus sentidos.
— Quer dizer que teremos um encontro clandestino esta noite,
amor? — ele perguntou em seu ouvido.
— Sempre quis um encontro nestes jardins. Sabia que é aqui
que todas as histórias de amor acontecem?
Nicholas riu baixinho e a virou para si, tocando o rosto bonito da
esposa e sentindo o peito cheio de amor por aquela linda mulher
que fazia sua vida maravilhosa. Um ano de casados e estava a cada
dia mais apaixonado.
— Está muito romântica esta noite, amor.
Lucy sorriu do gracejo e ficou na ponta dos pés, segurando o
rosto dele entre suas mãos e então o beijando, sentindo que o amor
deles florescia como as flores ao redor. Tinha casado sem
expectativa alguma e agora Nicholas coloria sua vida. Lucy não
mudaria uma vírgula de sua história porque cada caminho tortuoso a
tinha levado até ele.
— Não está preocupada que alguém possa nos ver? — ele
questionou e beijou o pescoço dela.
— Somos casados. Qual escândalo isso poderia gerar?
— Não sei, mas irão continuar nos chamando de casal mais
apaixonado de Londres.
— Posso viver com esse título.
Lucy deu um gritinho quando Nicholas a abraçou, tirando os pés
dela do chão e a girando, rindo da maneira como ela parecia
radiante por estar no jardim Hereford.
— Você me disse que tinha algo importante para me falar —
Nick indagou ao colocá-la no chão. — Finalmente decidiu o título da
sua história?
— Ah, isso? Minha história irá se chamar Conquistando o
duque.
— Fico honrado com tamanha homenagem, minha senhora. —
Nicholas fez uma reverência elegante. — Mas por sua expressão,
não era isso o que queria me dizer.
Lucy balançou a cabeça e sorriu, se aproximando dele e
encostando a boca em sua orelha.
— Em breve, seremos três, meu amor.
Nicholas arquejou e então a segurou pelos ombros, olhando
para Lucy e querendo saber se era mesmo verdade.
— É sério?
— Sim.
Ele ficou com os olhos marejados e a abraçou, sentindo o
perfume dela para, em seguida, olhar para o ventre de Lucy.
— Eu te amo — disse emocionado, beijando a boca dela. — E
irei amar muito o fruto desse amor.
— Eu queria te dar a notícia neste jardim. O lugar das histórias
de amor. Obrigada por ter me escolhido, Nicholas. Saiba que
ninguém jamais irá te amar como eu te amo. Você me deu a
liberdade, o amor e agora a família que eu sempre sonhei.
Nicholas a abraçou, seus olhos transbordando de emoção.
— Você é meu tudo, Lucy-Anne.

Fim

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