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Título original: To Winter at Wildsyde

Girls Who Dare Livro 7

Copyright © Emma V. Leech, 2020

Copyright da tradução©2022 Leabhar Books Editora Ltda.

Editor: Tereza Rocca

Tradução: Hamireths Costa

Revisão: D. Marquezi

Revisão: Regiane Moreira

Diagramação e Capa: Labellaluna Web®

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LADY PRUNELLA ADOLPHUS, DUQUESA DE BEDWIN – membro fundador das
Senhoritas Peculiares e secretamente Miss Terry, autora de “A
História Sombria de um Duque Maldito”.
SRA. ALICE HUNT (NASCIDA DOWDING) – não mais tão tímida como
antes; casada recentemente com o notório Nathanial Hunt,
proprietário do exclusivo clube de apostas Hunters, e irmão de
Matilda.
LADY AASHINI CAVENDISH (LUCIA DE FERIA) – uma beldade estrangeira;
recentemente e escandalosamente casada e feliz com Silas Anson,
visconde Cavendish.
SRA. KITTY BAXTER (NASCIDA CONNOLLY) – quieta e vigilante, até que
não esteja. Recentemente fugiu com seu amor de infância, Sr. Luke
Baxter.
LADY HARRIET ST. CLAIR (NASCIDA STANHOPE) -Condessa St. Clair –
séria, estudiosa, inteligente, puritana e usa óculos. Finalmente
casada com o Conde St. Clair.
BONNIE CARDOGAN – ainda muito franca e sempre em apuros ao
lado de seu marido, Jerome Cadogan..
RUTH STONE
– herdeira e filha de um comerciante rico.
MINERVA BUTLER – prima de Prue; não é tão inútil e vazia quanto
parece; sonha com o amor.
JEMIMA FERNSIDE – bonita e sem um tostão.
LADY HELENA ADOLPHUS – vivaz, controladora, surpreendente.
MATILDA HUNT
– loira, linda, e arruinada por um escândalo do qual
não teve culpa.
1

 
Minha querida Kitty,
Mal sei por onde começar. Saí por apenas uma
hora, mas, nesse breve intervalo, todos parecem
ter enlouquecido.
Lembra-se do desafio de Ruth, ‘Dizer algo
totalmente ultrajante para um homem bonito’?
Bem, diria que ela se superou.

— Trecho de uma carta da Srta. Matilda Hunt


para a Sra. Kitty Baxter.

29 DE OUTUBRO DE 1814. LONDRES.

Ruth tentou não encarar, realmente tentou, mas era


impossível. Depois de uma batalha duradoura, desistiu e olhou para
o assento oposto da carruagem, para o homem que conhecera há
apenas vinte minutos. Um homem a quem acabara de propor
casamento.
Sua luxuosa carruagem devia acomodar quatro pessoas
confortavelmente. Gordon Anderson a fazia parecer como se fosse
de brinquedo. Seu corpo maciço encolhia tudo ao seu redor, e ele
parecia constrangido contra o veludo macio e os adornos dourados
dos assentos confortáveis. Certamente estava se perguntando se
não se precipitara, mas receberia cinquenta mil libras como parte do
negócio. Bem, estava desesperado, a ponto de vir a Londres, atrás
dos parcos cinco mil de Bonnie, então, essa mudança de fortuna
deveria ser algo para comemorar. Claro, ele também tinha Bonnie
como parte do arranjo. Era uma garota escocesa voluptuosa, e
conseguia ser bastante impetuosa, mas, ainda assim, teria sido uma
bela esposa, com quem gostaria de se deitar. Ruth corou ao
considerar como ela seria em contraste.
Ruth não tinha ilusões. Suas amigas eram todas mulheres
bonitas, em maior ou menor grau, e era impossível não estar ciente
dos atributos de uma pessoa quando havia tantos bons exemplos
com quem se comparar. Não que tivesse inveja ou as
ressentissem... bem, talvez sentisse apenas um pouco de inveja,
mas eram suas amigas e as amava de todo coração. Além disso,
conhecia seu próprio valor. Talvez não fosse bela, mas era uma
mulher capaz, mais do que capaz de tornar a vida do marido
confortável e bem-organizada. Dirigia a vasta casa de seu pai,
desde os doze anos de idade, já que sua mãe era uma cabeça-oca,
para dizer educadamente, e um castelo em ruínas nos confins da
Escócia não deveria causar-lhe nenhum terror.
Por que, então, estava tremendo?
Bem, talvez fosse porque tinha acabado de concordar em se
casar com um completo estranho!
Ainda assim, o Sr. Anderson lhe havia dado permissão para
redecorar o castelo como achasse adequado e não impôs nenhuma
restrição. Embora pudesse se arrepender quando visse a casa de
seu pai. Felizmente, não compartilhava do gosto de seus pais, pela
opulência e ostentação. A administração da casa e dos criados
também deveria ser seu domínio e ele não interferiria. Era um bom
começo. Se pudessem ser razoáveis, haveria todas as chances de
fazer seu casamento um pouco convencional.
— Fale-me sobre Wildsyde, Sr. Anderson. Como é?
Ruth ficou aliviada ao descobrir que sua voz estava firme, o
que era inesperado, visto que seu corpo inteiro estava tremendo,
conforme assimilava o que tinha feito.
Um par de olhos cor de uísque, bastante perturbadores, se
voltaram e ela prendeu a respiração. Céus, mas era lindo. Parecia
uma escolha estranha de palavras, talvez, mas era lindo, da mesma
forma que uma paisagem agreste era linda. Intransigente, perigosa
e espetacular.
— Wildsyde está velho e com correntes de ar e, nesta época
do ano, frio o suficiente para congelar suas bolas. —disse, seu olhar
sobre ela plácido, mostrando nada parecido com curiosidade ou
interesse. — Mudou de ideia, moça?
— Não. — respondeu Ruth, um pouco rápido demais, não se
dando tempo para pensar no assunto.
Passou muito tempo pensando e se preocupando com o tipo
de marido que poderia acabar arranjando. Recebeu várias ofertas.
Os cavalheiros apareciam quase semanalmente, já que um dote tão
grande estava em jogo, e nenhum deles foi remotamente tentador.
Seu pai dispensou a maioria, porque não eram ilustres o suficiente.
Seu pai, otimista, parecia pensar que ainda tinha todas as
possibilidades de conseguir um duque, se ela se empenhasse, mas
se contentaria com qualquer coisa, acima de barão. Sendo esse o
caso, uma vez ou outra recebia propostas de nobres desesperados,
à beira da ruína, ou que estavam com o pé na cova. Alguns deles a
tentaram a pensar sobre o assunto, outros simplesmente a faziam
querer chorar.
No entanto, não era uma senhorita frágil e manipulável. Seu
pai, havia muito, percebeu que sua filha tinha uma determinação tão
forte quanto a dele e que nenhum tipo de intimidação ou lisonja a
faria mudar de ideia ou aceitar um casamento que não queria. Este
homem, pelo menos, tinha sido sua escolha, para o bem ou para o
mal. O problema era que não tinha ideia de qual era o mais
provável. Não valeria a pena por um título, Bonnie havia implorado.
Ele não tem um centavo, o castelo está praticamente em ruínas e a
quilômetros de qualquer civilização e, além do mais, é um bruto com
a sensibilidade de uma pedra, e não tem um osso civilizado em seu
corpo.
Apesar de suas melhores intenções, Ruth não pôde deixar de
examinar aquele corpo. Certamente não parecia civilizado. Parecia
viril e poderoso e tão chocantemente masculino, que a fez perder o
fôlego. Seus joelhos estavam a mostra e a forma esparramada que
ele adotara na carruagem fez seu kilt subir e expor alguns
centímetros de suas coxas musculosas. Ruth olhou sem parar,
nunca tendo visto antes nada parecido com pele masculina, além do
que via em rosto ou mãos. A repentina percepção de que estava
sendo observada filtrou seu cérebro atordoado e ela corou ao
perceber que estava certa. Um sorriso brincou em seus lábios.
— Acha que consegue esperar até chegarmos à Escócia?
Ruth prendeu a respiração com sua audácia, mas se recusou
a desviar o olhar dele. Que fosse verdade, talvez a deixasse
envergonhada, mas não o deixaria intimidá-la. Este homem
precisava saber que não seria derrotada, não importa se sua
presença física a fizesse estremecer por dentro. Dificilmente poderia
negar que tinha sido o desejo que a motivou. Claro, ele tinha o título
do qual precisava para satisfazer o desejo de seu pai, por uma
posição firme na sociedade e, mais especificamente, estava
desesperado pelo dinheiro, para concordar em se casar com ela.
Essas coisas estavam no topo de sua agenda, mas não era o único
fator de motivação. Deu uma olhada para ele e o
quis.
Meu, gritou uma voz na sua cabeça e, talvez, fosse a aura
que carregava, de algo não muito domesticado, que despertou uma
parte selvagem que ela desconhecia. De qualquer forma, essa parte
estava acordada e protestando agora, e nenhuma hesitação e
ansiedade foram suficientes para fazê-la ceder.
A carruagem parou diante da luxuosa casa de seu pai, na
Upper Walpole Street, Ruth soltou um suspiro aliviado. Precisava
sair desse espaço confinado e rápido, antes que perdesse
totalmente os sentidos.
O Sr. Anderson desceu e lhe estendeu a mão. Ao contrário
da maioria dos homens da ton, ele não usava luvas e, embora ela
usasse, seu toque pareceu queimá-la como se não as estivesse
usando. A mão dele envolveu a dela, bronzeada e áspera pelo
trabalho, não a mão de um cavalheiro, apesar de ser herdeiro de um
condado.
O mordomo, Garrick, sorriu calorosamente para ela quando
entraram, embora seu sorriso tivesse vacilado, quando viu o homem
que a acompanhava.
— Garrick, papai está em casa? — perguntou, corando um
pouco e evitando seu olhar.
Não que ele fosse comentar. Garrick era um príncipe entre os
mordomos e Ruth gostava muito dele. Dizer que sentiria mais falta
dele do que de seus próprios pais não era um eufemismo. O homem
alto e magro, com cabelo preto bem cuidado, olhos azuis cintilantes
e um ar de certeza absoluta, fora seu aliado por muitos anos.
Aprendeu rapidamente que ela era a força que dirigia a casa e só
recebia instruções dela e não de sua mãe tola, a menos que Ruth
tivesse sancionado o que quer que a criatura frívola tivesse exigido.
Deixá-lo para trás seria um baque e não apenas para ela,
suspeitava. Onde seu pai era um pai amoroso, mas ausente, Garrick
estava lá, desde que ela tinha doze anos.
— Sim, Srta. Stone. Acredito que esteja no escritório.
— Obrigada. — Ruth sorriu para ele enquanto lhe entregava
as luvas e o chapéu.
Estava ciente de que os criados da ton nunca recebiam
agradecimentos, mas considerava tais maneiras impróprias, não
importando se isso mostrasse sua falta de educação. Se os criados
a desprezassem por apreciar seus esforços, tinham a liberdade de
procurar outro lugar onde pudessem ser tratados com menos
respeito.
Assim que Garrick os deixou sozinhos, ela se voltou para o
Sr. Anderson e tentou não ficar boquiaberta com sua imagem: um
Highlander selvagem e com a barba por fazer, em pé, no opulento
saguão de entrada de seu pai. Ruth sabia que a casa era vulgar,
com muito ouro e ostentação à mostra. Tentou o possível para
conter o gosto apavorante de seu pai, mas não havia muito o que
fazer. Era a casa dele. Ver o Sr. Anderson em tal cenário era
chocante, apenas destacava os enfeites e despesas ridículas, era
semelhante a ver um leão rondando o salão do Almacks.
Não era seu habitat natural.
— Santo Deus! — ele murmurou, olhando ao redor, com
admiração.
— Sim, bem, — falou Ruth, um pouco impaciente agora,
porque se sentia estranha... muito estranha. — talvez seja melhor o
senhor esperar aqui enquanto eu... eu…
— Vai e dá a notícia? — Sugeriu secamente.
— Sim. — concordou, não vendo nenhum sentido em fingir
que não era o caso. Embora seu pai certamente ficaria feliz com o
futuro condado, seu novo genro poderia assustá-lo. Precisava
preparar o caminho.
— O seu pai não fará gosto do casamento?
— Fará muito gosto do condado, Sr. Anderson. — disse Ruth,
tentando se concentrar em manter as coisas como negócios. Estava
acostumada a lidar com os associados de seu pai e se mantivesse
as coisas impessoais, pelo menos por agora, poderia passar por
isso sem desmaiar ou ficar histérica. Era o que se podia esperar.
— Até ele descobrir que seu genro é tão aceito na elite
inglesa quanto uma crise de gonorreia? — sugeriu suavemente.
Ruth ignorou sua frase, certa de que estava tentando irritá-la,
embora não entendesse por quê. Que precisava do seu dinheiro,
era óbvio. Achava-a tão pouco atraente, que a ideia de cumprir sua
parte no trato era o suficiente para ele torcer que ela desistisse? A
ideia não podia ser desconsiderada, por mais humilhante que fosse.
— O senhor pode não ser aceito, mas vou me sair bem o
suficiente, não tenho dúvidas. — disse friamente. — Uma condessa
merece uma medida de respeito, não importa quem seja seu
marido. — Embora Ruth não tivesse a menor intenção de permitir
que seu pai a usasse para seus próprios fins. Tinha feito o suficiente
para elevar a família e sua fortuna, e não estava prestes a se tornar
uma mártir pela causa.
Aquilo pareceu calá-lo, pelo menos por enquanto, e então
Ruth pediu um pouco de comida - pois, sem dúvida, um homem do
tamanho dele estaria sempre com fome - e saiu em busca do seu
pai.

— Ora! — Murmurou o Sr. George Stone quando olhou para


seu genro em potencial, apesar de ter sido bem-preparado com
antecedência, para que não o encarasse de boca aberta.
Ruth deu uma cotovelada no pai, que afastou a expressão
um tanto amedrontada e estendeu a mão, dando ao Sr. Anderson o
benefício de um largo sorriso. Um homem prático, o pai dela. Não
demorou muito para perceber que o herdeiro de um condado na
mão era uma opção melhor do que um marquês ou duque mítico,
que ainda não havia aparecido. Sim, o homem era escocês, o que
era lamentável, mas o condado era antigo e venerável, senão
terrivelmente rico. Não que isso importasse. O Sr. Stone tinha
riqueza de sobra e queria que seu neto nascesse com um título. O
conde de Morven se sairia muito bem. Exceto que Ruth podia ver o
cálculo nos olhos de seu pai e a compreensão de que Ruth não
estava exagerando. A entrada na ton não aconteceria nesta
geração, pelo menos não facilmente. Não, a menos que Ruth
tivesse seu marido nas mãos, algo que seu pai parecia acreditar que
era mais do que capaz.
Não sendo idiota, Ruth não se apressou em concordar.
Olhando para o homem agora, duvidava da sua capacidade
de sobreviver à noite de núpcias. Morreria de choque ou de
antecipação. Melhor não pensar nisso. Ainda assim, uma vez que o
entendesse, não tinha dúvidas que poderia controlá-lo, até certo
ponto. Em sua experiência - que, reconhecidamente, se limitava
principalmente a seu pai - os homens ficavam suficientemente
contentes em suas vidas domésticas, se estivessem confortáveis e
bem alimentados, e isso, pelo menos, ela poderia fazer.
Para seu desgosto, a estúpida mãe de Ruth desmaiou ao ver
seu futuro genro. Ruth olhou para a mãe, quando caiu com o
farfalhar de um elegante vestido de seda e uma expressão
impassível. Nem Ruth nem seu pai correram para pegá-la, por
estarem familiarizados demais com a rotina, embora suspeitasse
que o Sr. Anderson o teria feito, se o horror no rosto de sua mãe não
tivesse sido tão flagrante antes de seus olhos revirarem.
— Chame a Sra. Grisham, papai. — pediu com um suspiro,
antes de encontrar um pequeno frasco de sais e balançá-lo sob o
nariz desesperado de sua mãe. Não ousou olhar para o Sr.
Anderson. Não tinha dúvidas de que esse era o tipo de exibição que
não o agradaria.
Assim que sua mãe foi levada para repousar em um quarto
escuro, Ruth voltou sua atenção para os homens.
— Bem, Ruthie, pode sair e deixe-nos discutir os detalhes. —
disse o pai, esfregando as mãos e parecendo satisfeito consigo
mesmo, com a perspectiva da negociação que se aproximava.
Ruth encarou seu pai com um olhar severo, com o qual ele já
estava familiarizado, e que afastou o sorriso de seu rosto. — Não,
papai, este é o meu futuro que estamos discutindo. Vou ficar.
A expressão do Sr. Stone escureceu.
— O senhor deixaria seu secretário acertar os detalhes de
um negócio importante? — Exigiu, cruzando os braços.
— Não sou seu maldito secretário, sua menina atrevida. —
retrucou o Sr. Stone.
— Não, claro que não papai. — Ruth concordou com um
sorriso plácido. — E o senhor também não sou eu.
Sentou-se diante da mesa e esticou o pescoço para o Sr.
Anderson.
— Sente-se, Sr. Anderson. — disse — Papai, por que o
senhor não oferece um pouco de conhaque? Sabe que um trago
sempre ajuda a limpar a mente.
O Sr. Anderson deu-lhe um olhar demorado e severo, que ela
não conseguiu decifrar, mas sentou-se quando ela pediu, e seu pai
serviu-lhe duas generosas doses de conhaque.
— Muito bem então, — disse sorrindo, enquanto os dois
homens se acomodavam. — vamos começar?
2

Hoje, eu deixo minhas amigas para trás e começo


uma nova vida nas Highlands da Escócia. Quando
chegarmos ao Castelo Wildsyde, serei a Sra.
Anderson.
Misericórdia! O que foi que eu fiz?

—Trecho de uma anotação da Srta. Ruth Stone


em seu diário.

30 DE OUTUBRO DE 1814. LONDRES.

— Foi muito gentil da sua parte, concordar em atrasar nossa


viagem, para que visitássemos minha tia, em Tunbridge Wells, Sr.
Anderson. — Ruth disse, atraindo aqueles olhos ambarinos
inquietantes em sua direção.
O Sr. Anderson bufou e ergueu uma sobrancelha. — Não tive
escolha, moça, e a senhorita sabe muito bem. Estava claro que a
senhorita não me daria um momento de paz, se não concordasse
com isso. Não sou tão tolo a ponto de suportar uma viagem para a
Escócia, com uma mulher que guarda rancor.
Ruth franziu a testa por um momento, um pouco irritada por ele
ter que apontar o fato, mas era verdade. — Suponho que seja um
comentário justo, mas minha tia Ethel é vocal em sua desaprovação
de meu estado de solteira.
— E a senhorita quer esfregar o casamento no nariz dela,
certo? — disse, um lampejo de diversão por trás das palavras.
— Aye, quero dizer, sim, sim, se quiser saber a verdade.
Ele deu de ombros e Ruth observou seus ombros enormes se
erguerem e se acomodarem com ávido interesse. — Vai atrasar
nossa viagem por um dia, mas pode considerar isso um presente de
casamento. Não tenho mais nada para dar para a senhorita.
— É um belo presente de casamento. — disse Ruth, com
sinceridade.
Ela estava fora de si de alegria, com a perspectiva de
apresentar este magnífico espécime de masculinidade para sua tia
viúva. A mulher havia dado conselhos demais e ficava deveras
irritada com a incapacidade de Ruth de conseguir um bom partido.
Fez Ruth sentir cada centímetro a grande trouxa, desajeitada e nada
feminino que sempre temeu que fosse. Finalmente, Ruth conseguiu
manter a cabeça erguida.
— Embora... — começou, antes de perder a coragem e fechar a
boca novamente.
— Bem, diga logo. — ele disse, sua voz um ronco agradável,
acima do barulho das rodas da carruagem.
— Bem, — disse, reunindo sua coragem e inclinando-se para
ele, sua expressão esperançosa. — o senhor acha que... o senhor
pode...?
— Se a senhorita está me pedindo para fazer o papel de idiota
apaixonado, Srta. Stone, a senhorita está latindo para a árvore
errada.
Ruth enrubesceu.
— Não sou uma idiota apaixonada, Sr. Anderson. — disse,
tensa. — Mas minha tia não é cega e nem boba, nunca acreditaria,
mas se... se o senhor pudesse tentar... tentar...
— Ser menos bruto? — ele sugeriu.
— O senhor acha que pode me permitir terminar minhas
próprias frases? —  exigiu, irritada, embora ele estivesse certo em
ambos os casos, mesmo que ela talvez não tivesse formulado em
tais termos.
— Se a senhorita parar de ficar pigarreando e hesitando, aye.
Ruth suspirou. — Bem, então, o senhor consegue ser menos
bruto?
O Sr. Anderson olhou para ela, com uma expressão resignada.
— Quanto tempo vamos ficar lá?
Chegaram à casa de tia Ethel ao meio-dia e, no que dizia
respeito a Ruth, poderia ter acrescentado um mês inteiro à viagem e
ainda assim teria valido a pena.
Sua tia era uma mulher de compleição quadrada e boca fina,
eternamente definida em uma linha estreita, e olhos protuberantes,
que corriam o risco de cair da sua cabeça, tão profundo era seu
espanto.
— Noivos? — a mulher repetiu, sua voz fraca, ao passo que
olhava para o Sr. Anderson, como se ele tivesse caído do céu. Ruth
teria feito o mesmo. Era o tipo de figura que deveria ter caído do
céu, trazendo consigo pensamentos de deuses guerreiros e
divindades antigas.
O Sr. Anderson suportou o escrutínio da tia, por cerca de cinco
minutos, quatro a mais do que Ruth tinha pensado, antes de se
desculpar, embora educadamente, e resmungar algo sobre cuidar
dos cavalos. Ruth não se importou. Sua tia o tinha visto, sabia que
ele não era uma invenção da sua cabeça - quem, no mundo,
poderia ter imaginado um homem assim? - e estava
adequadamente sem palavras.
— Bem, eu nunca teria imaginado. — disse tia Ethel, pegando
um leque e agitando-o vigorosamente, embora estivesse envolta em
xales e cobertores. — Minha nossa.
— Nós nos casaremos na Escócia. O Sr. Anderson tem um
castelo lá. — Ruth acrescentou, agora se divertindo bastante. Olhou
em volta, assustando-se quando a tia Ethel estendeu a mão e
agarrou seu pulso.
— Muito bem, Ruth! — disse  com aprovação, deixando Ruth
perplexa. Nunca tinha agradado a sua tia antes. Na verdade, não
tinha certeza se alguém já tinha. — Muito bem escolhido, minha
menina.
— Oh! — Ruth piscou espantada. — Bem, obrigada. — disse,
incerta se o agradecimento era devido nas circunstâncias. Afinal,
era com o dinheiro dela que ele estava se casando, não exatamente
com ela. Não fez segredo desse fato. Qual era o objetivo?
— Nossa, que homem! — Ethel suspirou, agitando o leque com
mais velocidade. — Meu querido Alfred era um sujeito grande,
sabe? — acrescentou, com os olhos cada vez mais nublados. —
Era um homem muito teimoso também. — ela piscou, tinha um
suspiro melancólico em seus lábios. — Oh, deu muito trabalho para
controlar, posso dizer-lhe. Meu Deus, as brigas que tivemos.
Um brilho beatífico iluminou o rosto de sua tia, mudando-o
dramaticamente. Ocorreu a Ruth que ela nunca tinha pensado que
Ethel fosse outra coisa senão uma viúva. Seu marido morrera
jovem, muito antes do nascimento de Ruth, e eles não eram uma
família unida. Agora Ruth se perguntava quanto do mau humor de
sua tia resultava de tristeza, pois estava claro naquele momento que
adorava o marido.
Tia Ethel levantou os olhos, talvez ciente do escrutínio de Ruth.
— Aquele homem a guiará em uma dança alegre. — disse,
parecendo positivamente alegre. — Vai querer matá-lo uma ou outra
vez, guarde minhas palavras. Mas valerá a pena.
— Acha mesmo? — Ruth perguntou, ousando expressar suas
dúvidas para aquela mulher que nunca sonhara confidenciar até
aquele momento. — Porque ele é terrivelmente... bem, ele é muito...
— Sim. — disse Ethel, com um sorriso irônico. — Acredito que
sim. Ele não estará acostumado a uma esposa, ou a seguir os
conselhos de ninguém além dos seus, e eu duvido que ele tenha a
intenção de ceder-lhe um centímetro, então, deve aceitar Ruth. Não
tolere nenhuma bobagem. É uma Stone de ponta a ponta, e nosso
nome é apropriado, digo-lhe. Seu pai pode não ter nascido com
posses, mas ele nunca teria chegado tão longe, sem mim e sua avó
o empurrando, embora ele nunca irá admitir isso. — acrescentou
com uma risada. — Fala do tamanho dele, minha garota, mas se me
perguntar, é mais do que páreo para ele.
Ruth sorriu e soltou um suspiro, sentindo uma onda repentina
de afeto por sua tia, geralmente beligerante. Ela se inclinou e beijou
a bochecha de Ethel. — Obrigada.
Ethel riu e balançou a cabeça. — Não me agradeça. Estou
ansiosa para ver as faíscas voarem, embora à distância. Vai
escrever e me dizer como as coisas estão desenrolando?
Ruth sorriu e acenou. — A senhora pode contar com isso, mas
escreverei apenas se receber conselhos em troca.
— Temos um acordo. — disse sua tia, dando-lhe um sorriso
muito incomum.

Voltaram para Londres naquela noite e, para apaziguar o Sr.


Anderson pelo dia que perdera para encaixar a visita à sua tia,
partiram logo ao amanhecer. As paradas eram breves e raras e,
claramente, mais para o benefício dos cavalos do que de Ruth.
O Sr. Anderson não era um conversador.
A maioria das suas perguntas encontravam grunhidos, que
poderiam ser definidos como positivos ou negativos, mas se ele
tivesse dito mais de dez palavras durante o dia inteiro, Ruth ficaria
surpresa. O fato dele parecer não ter nenhum interesse ou
curiosidade por ela era irritante, mas Ruth não tinha ilusões. Não
tinha uma beleza que chamava a atenção, nem era uma loira e frágil
que precisava ser salva. O Sr. Anderson não a desejava e, além de
cumprir os termos do acordo, não dava a mínima para ela. Bom,
tudo bem. Isso era bom.
Teria uma casa - um castelo na verdade - e teria criados para
administrar e muitos para mantê-la ocupada. Sem dúvida, em breve,
também teria filhos e... e esse pensamento levou sua imaginação
por um caminho bem diferente. Ela se forçou a olhar pela janela e
não para os joelhos descobertos do Sr. Anderson.
Ele se esparramou na carruagem mais uma vez, com os braços
cruzados e os olhos fechados e, apesar de suas melhores
intenções, o olhar dela se afastou da paisagem e voltou para ele.
Era uma visão só sua, tão estranha e impenetrável como qualquer
terreno, repleto de perigos desconhecidos. O que ela suspeitava era
que uma calmaria enganosa se instalara em seu corpo poderoso.
Até a linguagem deste novo mundo era estranha para ela. Ele era
estranho, mas como qualquer lugar desconhecido, exótico e
sedutor, apesar dos perigos. Tudo o que era feminino nela sentia
atração por ele, o desejo de explorar, de tornar o estrangeiro
familiar. Dela.
Seu cabelo era um castanho escuro rico e muito comprido para
a moda. Caia quase até os ombros, com uma onda distinta. Seus
cílios eram ainda mais escuros e tão longos e grossos, que fariam
qualquer mulher chorar de inveja. O contraste com um rosto tão
masculino e ameaçador era grande. Embora tivesse feito a barba,
quando partiram de manhã, agora a mancha escura em sua
mandíbula fazia parecer que ele não tinha feito, como se seu corpo
desafiasse qualquer tentativa de civilizá-lo. O desejo de cruzar a
carruagem se intensificou. Queria o direito de tocá-lo, de acariciar
sua bochecha com a mão e sentir a aspereza de sua barba. O
desejo foi tão repentino e intenso, que Ruth fechou os punhos, como
se pudesse conter o desejo ao segurá-lo firme na palma da mão.
Seus olhos vagaram para baixo, para os braços musculosos,
cruzados sobre o peito, para baixo do xadrez de seu kilt, para a pele
exposta de seus joelhos. Uma perna estava esticada e a outra
dobrada e jogada contra a porta da carruagem. Mais uma vez, seu
kilt tinha franzido alguns centímetros ou mais, dando-lhe uma boa
visão de suas coxas.
Perguntava-se se ele tinha feito aquilo de propósito para
perturbá-la e sentiu uma pontada repentina de desconforto, como se
estivesse sendo observada. Ruth olhou-o de volta, para se certificar
de que seus olhos ainda estavam fechados, mas não conseguiu
afastar a sensação de que ele estava ciente de seu escrutínio. O ar
na carruagem estava frio e Ruth respirou fundo, enchendo os
pulmões e forçando os olhos para o que havia além da janela. Não o
encararia, não se atormentaria pensando que tipo de homem ele
era, que tipo de esposa ela seria para ele. O que será, será, e ela
fará o melhor, com tudo o que acontecesse.

A estalagem em Dunstable era arrumada e limpa, não que Ruth


tivesse notado. Estava exausta demais, com os eventos dos últimos
dias, para fazer qualquer coisa além de engolir um pouco de sopa,
na privacidade de seus aposentos e cair na cama. Uma criada
assustada a ajudou a se despir e se preparar para dormir. Ruth não
gostou dela à primeira vista e não conseguiu esconder, deixando a
garota nervosa e desajeitada. Sua animosidade não se originava na
frustração com a sua incompetência. Para desespero e vergonha de
Ruth, foi instantâneo, quando entraram na estalagem. Ela era bonita
e esguia e fazia Ruth se sentir uma idiota por até mesmo esperar
que o belo homem com quem estava olhasse duas vezes para ela.
Quando a garota olhou para o Sr. Anderson, com uma expressão
que Ruth temia refletir a dela sempre que o olhava, todas as suas
inseguranças vieram à tona. Quando os olhos arregalados da garota
caíram sobre os joelhos do Sr. Anderson, já estava farta. Ruth tossiu
alto e exigiu que ela preparasse o quarto imediatamente.
Sua criada pessoal, Rachel, abandonou Ruth imediatamente,
ao ouvir a notícia de seu noivado. Deu uma olhada no futuro marido
de Ruth e ficou branca como um pudim de leite. O choque, seguido
pela menção do Castelo Wildsyde na Escócia, foi demais. O destino
deles poderia muito bem ser a Torre de Londres, tal era sua óbvia
repulsa. De qualquer forma, era mais do que a mulher podia
suportar. Fez sua opinião sobre viver em uma parte tão remota do
país, e entre pessoas tão rudes, abundantemente clara. Portanto,
sem tempo para fazer arranjos alternativos, Ruth disse ao Sr.
Anderson que ela poderia muito bem cuidar de si mesma e ele não
fez objeção. Se esperava uma palavra de agradecimento, por não o
obrigar a atrasar a viagem enquanto procurava outra criada pessoal,
pelo menos pelo bem do decoro, ficaria desapontada.
Agora, sozinha em sua cama, e olhando para a escuridão, Ruth
se sentia longe de casa, embora só estivessem na estrada por
apenas um dia. Queixo erguido, aconselhou-se severamente. Esta
ideia foi sua, sua chance de independência, de ter a vida que queria.
Ninguém disse que seria fácil.
Poderia mudar de ideia, aconselhou outra voz mais alta em sua
cabeça, que ela silenciou. Impossível. Viajou por um dia em uma
carruagem fechada, sem nenhuma criada para propriedade.
Deveriam se casar agora, ou estaria arruinada. Ainda bem, pensou
com um suspiro, amassando o travesseiro torto e esperando ficar
confortável. Não havia como voltar atrás, então apenas teria que
fazer o melhor possível. Ela se virou de lado, forçou os olhos a
fecharem e se obrigou a dormir.

A viagem continuou da mesma maneira nos dias seguintes. O


Sr. Anderson era uma presença enorme, embora silenciosa, que
consumia a maior parte do espaço disponível na carruagem e na
sua mente. Quando cruzaram a fronteira com a Escócia, chegou a
um ponto de ruptura, sem paciência com as respostas
monossilábicas dele aos esforços que estava fazendo para falar
com ele, e decidiu que era hora deles conversarem, gostasse ele ou
não. Com uma determinação arrebatadora, enfiou a mão em sua
bolsa e pegou um pequeno caderno e lápis.
— Fale-me sobre os criados. — disse, observando o movimento
escuro daqueles cílios exuberantes se levantarem e os olhos cor de
uísque se virarem para ela. — Há muitos trabalhando no castelo no
momento?
Houve um suspiro pesado.
— Cinco. — disse e então bocejou, esfregando a mão no
queixo eriçado.
A raspagem de sua barba a deixava nervosa e seu
temperamento subiu mais um ponto, enquanto esperava que ele
elaborasse, ele não colaborou.
— Apenas cinco? — Franziu o cenho. — Certamente, uma
propriedade do tamanho que o senhor indicou...
Agraciou-a com um olhar de impaciência desdenhosa.
— A senhorita já esqueceu, moça? Não tenho um centavo,
como a encrenqueira da Bonnie disse claramente. Não era mentira.
Ruth acenou com a compreensão.
— Fale-me sobre eles, por favor. — ela pediu, e recebeu
apenas um suspiro irritado em resposta. — Quais são os seus
nomes e funções? — exigiu, as palavras mordidas, enquanto lutava
para manter sua frustração sob controle.
— Vou apresentá-los a senhorita. — disse — A moça vai
conhecê-los em breve.
Ele se espreguiçou, bocejando novamente e esticando os
braços para o teto, estendendo os membros o melhor que pôde no
espaço confinado. Ruth olhou fixamente, cativada
momentaneamente pela movimentação dos músculos sob sua
roupa, antes de captar o brilho divertido em seus olhos. Rangendo
os dentes, olhou para ele.
— Gostaria de aprender seus nomes e funções, antes de
chegarmos.
Sustentou seu olhar, percebendo quão imperiosa soou, quando
uma sobrancelha escura levantou apenas uma fração. Seria melhor
ele se acostumar com isso se fosse ignorá-la. Se estivesse
pensando em testá-la, para ver até que ponto se curvaria à sua
vontade ou como responderia a tal tratamento, não descobriria uma
ratinha dócil como esposa. Ganhou cinquenta mil ao tomá-la, mas
ela o faria ser merecedor de cada centavo.
Olhou-a por um longo tempo, considerando antes de responder.
— Hilda MacLeod é a governanta e cozinheira. Dougal Clugston é o
agente da propriedade. Existem três criadas: Sheenagh Baillie, Flora
Moffat e Jessie Irwin.
Ruth respondeu. — Precisarei contratar mais criados.
— Isso é problema seu. — disse, e cruzou os braços mais uma
vez, fechando os olhos.
Maldito seja, ele estava voltando a dormir.
— O senhor vai convidar alguém para o casamento. Sua
família, talvez?
— Não.
— Por que não?
Sem resposta.
— Por que não, Sr. Anderson?
Silêncio.
— Ora, Srta. Stone, — Ruth disse, adotando um tom coloquial.
— porque meus parentes são barulhentos e tagarelas, e eu temo
que a senhorita não entenderá nada que eles falarem.
— Ora, Sr. Anderson, — ela disse, decidindo que poderia
continuar nos dois lados da conversa. — como o senhor é
atencioso. Vamos ter uma lua de mel, o senhor acha? — fez uma
pausa e pigarreou, tentando imitar seu forte sotaque escocês.
— Não, moça. Estarei muito ocupado, gastando seu dinheiro,
mas a senhorita pode dormir com as feras, enquanto eu deixo o
castelo adequado para a senhora, minha esposa.
Ruth pensou que talvez os lábios dele tivessem se contraído,
mas, fora isso, não fez nenhum sinal de tê-la ouvido.
— Ora, Sr. Anderson, — disse, com um suspiro ofegante,
levando a mão ao coração como uma donzela esvaecida. — que
sorte tenho de ter me casado com um homem assim.
— Sim, moça. — disse, abaixando sua voz e dando um aceno
com a cabeça. — Sim, a senhorita tem mesmo sorte. Sou um
modelo entre os escoceses. — Ruth agitou os cílios para o homem
imóvel em frente dela.
— Estou tão aliviada, — disse, adotando um tom afetado. —
pois estava com muito medo de ter concordado em me casar com
um bruto sem modos, sem um osso civilizado em seu corpo.
Parou quando um olho fulvo se abriu, brilhando na luz fraca do
fim da tarde. O calor flamejou em suas bochechas sob seu
escrutínio, à medida que ela esperava, pelo que, não tinha certeza.
Fúria? Divertimento? Por um momento excruciante, ela se
perguntou se ele a colocaria sobre os joelhos. Então ele grunhiu,
fechou os olhos e voltou a dormir.
 
3

Querido papai,
Esperamos chegar ao Castelo Wildsyde amanhã à
tarde. A viagem foi longa e cansativa e, confesso,
que ficarei feliz em me assentar. A maior parte da
estrada está em mau estado de conservação e
sinto meus ossos ainda sacolejando e
chacoalhando, enquanto tento dormir à noite. O
tempo também não está totalmente bom, mas
tenho motivos para acreditar que amanhã será
melhor. Talvez verei o castelo pela primeira vez à
luz do sol. Escreverei mais e o descreverei em
detalhes, como o senhor me pediu, assim que me
instalar.

— Trecho de uma carta da senhorita Ruth


Stone para seu pai, Sr. George Stone.

6 DE NOVEMBRO DE 1814. CASTELO DE WILDSYDE, NA ESCÓCIA.

Gordy observou a inglesa disfarçadamente por baixo dos cílios.


Tinha ficado em silêncio hoje, as perguntas intermináveis que
insistira em bombardeá-lo desde que partiram, desapareceram. Sua
conversa unilateral também foi interrompida. Uma pena isso. Foi
divertido ouvir seu sotaque inglês, tentando arredondar e suavizar
as palavras, para se aproximar de seu sotaque escocês. Tinha sido
pressionado a não rir, mas estava determinado a que as coisas
permanecessem formais entre eles. Com sorte, ela voltará para a
Inglaterra e sua ideia do mundo civilizado no Natal. O modo como
sua mãe desmaiara, com a simples imagem dele, apenas
confirmava suas suspeitas de que Ruth Stone era boa demais para
sobreviver em Wildsyde, mesmo que ele quisesse, o que não
queria.
Não queria se casar com ela. Bem, não mais do que queria se
casar com Bonnie, ou qualquer outra mulher, criaturas astutas e
enganosas que eram. Não tinha nenhuma dúvida de que lhe
causaria problemas, mas estava pronto para ela, para quaisquer
mentiras, truques e artimanhas, que usaria para envolvê-lo em seu
dedo. Nenhuma mulher tinha conseguido ainda, e ela não seria a
primeira a tentar. Mas cinquenta mil libras? Seu coração ainda
disparava quando pensava na enorme fortuna. Estava rico! Parecia
impossível, improvável na melhor das hipóteses. No entanto, ele
próprio viu o acordo de casamento.
A expectativa latejava sob sua pele, enquanto considerava tudo
o que ele poderia fazer com o dinheiro, tudo o que poderia construir,
consertar e criar. Pela primeira vez na vida, seria capaz de olhar
seus inquilinos nos olhos, sem se sentir oprimido pela culpa e pela
vergonha. As alturas das Highland eram responsáveis pelas famílias
que se deslocaram em direção à costa, em busca de trabalho nas
vilas de pescadores, aos arredores de Wildsyde. Tinha sido
impotente para fazer qualquer coisa antes, apenas a terra fértil ao
redor do castelo os mantendo, ao passo que despejava cada
centavo, tentando consertar o que se desfazia diante de seus olhos.
Mas nunca foi o suficiente. Não importa o quanto trabalhasse para
consertar as coisas, nunca havia dinheiro suficiente para fazer o
trabalho como deveria ser. Agora não. Perguntou-se se esta mulher
tinha a menor ideia do que fez, ao se casar com ele. A opulência
espalhafatosa de sua casa, a enorme escala da fortuna que seu pai
deve ter acumulado para uma exibição como aquela o deixou
atordoado e  sem palavras. Ficou parado no corredor dourado,
agitado, sentindo-se em cada centímetro o pagão que ela, sem
dúvida, acreditava que ele fosse.
Ela o pediu em casamento.
Ainda não podia acreditar. Se ele a tivesse visto na rua, teria
esperado que ela levantasse o nariz para ele, corasse e fugisse,
como muitos de sua estirpe fariam. Foi uma sorte que ela era
diferente, o tipo que olhava para ele por baixo dos cílios e se
perguntava como seria viver na lama por um tempo. Não tinha
ilusões sobre como uma dama inglesa tão boa, o veria, sobre o que
queria dele,  não era uma conversa refinada ou um braço para
acompanhá-la à ópera. Não. Leu o olhar em seus olhos sem
dificuldade. Pois bem, foi um negócio justo. Ele teria o dinheiro dela
e a pagaria com carinho, cumpriria seu dever de marido, até que ela
engravidasse. Isso deveria ser bastante o suficiente para ela ter o
que ele poderia lhe oferecer. Não havia mais nada que ela pudesse
querer. Sabia disso agora.
Embora tivesse lhe dado rédea solta com os criados e o
castelo, não esperava que ela ficasse, e não desejava que ela
ficasse. Quanto mais cedo se cansasse dele e de viver em uma
parte tão remota do mundo e voltasse para sua própria espécie,
melhor. Então ele poderia seguir com sua vida. Teria cumprido seu
dever por seu nome e pelo título que, um dia seria seu, e os dois
poderiam viver como desejassem. Sorriu por dentro, além de
satisfeito com a forma como tudo tinha acontecido. Bem, então, se
ela queria tentar controlá-lo quanto a isso, deixe-a. Logo aprenderia
seu erro. Além disso, ele tinha o que fazer, e pela curiosidade que
queimava em seus olhos, quando ela olhou para ele, se sairia muito
melhor do que ela.
Estudou o olhar extasiado em seu rosto, enquanto ela olhava
para a paisagem acidentada, do outro lado da janela. Pelo menos
era uma moça bonita e de aparência saudável, não uma donzela
frágil. Gostava de sua altura, gostava de não ter que se dobrar ao
meio para ter que beijá-la, e gostava também da generosidade de
seus seios e quadris. Macio, abundante, confortável. Sim. Seu corpo
era harmonioso, robusto e generoso. Cristo, ela precisava ser para
gerar seus filhos. Uma onda de calor aumentou, enquanto
considerava ir para a cama com ela, considerou mostrar a ela para
onde aquele olhar em seus olhos levaria.
Manter distância não foi fácil durante a viagem. Nunca flertou
com aqueles que trabalhavam para ele, nem com ninguém que
pudesse se sentir em dívida com ele, mas isso significava uma hora
e meia - com o tempo bom - de viagem para Wick, para encontrar
uma companheira de cama disposta, e ele tinha pouco tempo para
isso. Agora, porém, tinha uma esposa para manter tais frustrações
sob controle. À mão, disposta, quente e macia. Soltou um longo e
lento suspiro, imaginando-a. Cuidado, alertou-se. Cama apenas.
Não seria bom ficar muito familiarizado, muito acostumado. Ela iria
embora. Sempre iam embora.
Para seu próprio bem, era melhor certificar-se de que fosse
mais cedo do que tarde.
A inglesa soltou uma exclamação, um leve suspiro de
admiração, e Gordy ergueu a cabeça, observando o sorriso que
curvava sua boca. Ela se aproximou da janela, sua respiração
nublando sua visão, e   limpou de uma vez, impaciente. Ele franziu a
testa, perguntando-se por que ela parecia tão encantada e então a
carruagem fez uma pequena curva, mostrando o que ela estava
vendo. Wildsyde. Estava tão perdido em pensamentos, que não
prestou atenção à familiaridade da paisagem, não percebeu que
estavam perto.
Lá estava em ruínas, porém orgulhoso, como um guerreiro
com cicatrizes e exausto, mas disposto a ainda lutar, até a morte.
Uma onda repentina de algo semelhante a orgulho cresceu nele,
calor e prazer que ela aprovava o que via. Sacudiu a cabeça
imediatamente. Ele não precisava nem queria sua aprovação. Ela
não iria ficar.

Ruth olhou fixamente, encantada. A paisagem a fascinava


havia horas. Esquecera a batalha com seu marido e deixou de lado
sua determinação e desejo de falar, que guerreava teimosamente
contra seu silêncio implacável. Lembrou-se da citação de Marco
Aurélio, na época: Seja como o promontório, contra o qual as ondas
quebram e voltam a quebrar na tempestade; ele se mantém firme,
até que as águas tumultuosas se rendem à sua volta e vão
descansar. Para sua frustração, ela se percebeu como a onda
furiosa, e provavelmente continuaria assim, batendo contra aquela
fachada impenetrável. Ela ficou quieta e decidiu que deveria tomar
outro rumo, e então ela viu o que estava ao seu redor e seu
ressentimento se esvaiu, substituído por admiração, por toda a
beleza que a rodeava. Uma terra estrangeira, assim como o homem
diante dela, áspera, bruta e selvagem, e absolutamente de tirar o
fôlego. A paisagem era austera, planícies abertas, que se estendiam
por horizontes distantes de colinas imutáveis. Cada pico e declive
dava uma nova e intrigante vista à medida que rolava e se elevava
ao longe, como aquelas ondas quebrando, ainda congeladas por
alguma divindade terrestre, cobertas de verde e presas sob o solo.
Belíssima.
Então ela viu. Não precisava que o Sr. Anderson lhe dissesse
que era Wildsyde, embora tivesse visto tão pouca vida no trajeto,
que duvidava que houvesse outra habitação, por quilômetros ao seu
redor, certamente não era um castelo. Sua respiração ficou presa,
uma onda estranha, doce e dolorida enchendo seu peito, enquanto
ela olhava para ele. O edifício ainda era altivo, orgulhoso, apesar da
devastação do tempo, e o tempo havia realmente cobrado seu
preço, suavizando bordas antes afiadas, desmoronando pedras e
permitindo que hera se arrastasse pelas paredes. No entanto,
Wildsyde a encarava carrancuda, sozinha, solitária e furiosamente
contra um céu roseado, onde o sol poente pintava cores pastel por
trás. Ela sorriu, imaginando que o castelo dera as costas à bela
cena, recusando-se a olhar, a não ser tentado a amolecer ainda
mais e, assim, apaixonou-se imediatamente e sentiu por um
momento como se tivesse voltado para casa.
Sabia que era tolice, incompreensível, mas o desejo que ela
nutria desde que podia se lembrar - o desejo de ter a sua própria
casa, um lugar para pertencer, ser parte de algo - se parecia com
algo assim. Um castelo em ruínas, nas terras selvagens das
Highlands, dificilmente seria a ideia de lar para a maioria das
pessoas, mas a paz e a beleza que a cercavam falavam com ela
mais alto do que qualquer endereço glamoroso em Mayfair. Embora
nunca tivesse imaginado isso em sua mente com clareza antes,
sabia agora que isso era o que ela queria em seu coração. A hora
havia chegado. Lar.
Sua epifania romântica durou pouco.
Não havia ninguém para receber o senhorio e sua futura
noiva, a menos que contasse três enormes cães cinzentos e
peludos. Eles apareceram latindo e pulando, abanando seus rabos
como chicotes que batiam contra suas saias, enquanto suas unhas
arranhavam as grossas lajotas abaixo deles.
O Sr. Anderson gritou algum comando que ela não entendeu,
e os três se acalmaram imediatamente, suas costas acertando o
chão de pedra como se tivessem sido puxados por uma corda.
Olharam para seu mestre com uma adoração canina que brilhavam
em seus olhos escuros. Agora que a cacofonia havia acabado, Ruth
ousou se aproximar deles e acariciou, apreensivamente, o cachorro
mais próximo. Ele bufou e enfiou o nariz molhado em sua palma e
depois deu uma lambida rápida na sua luva. Ela sorriu.
— Quais são os nomes deles? — perguntou, satisfeita por
ver que o homem tinha, ao menos, carinho para dar a seus cães,
enquanto cumprimentava cada um.
Ele desviou o olhar para ela, achou que ele parecia
cauteloso, como se compartilhar os nomes de seus cachorros
pudesse lhe fornecer algum conhecimento ou dar-lhe algum poder.
Após um longo silêncio, ele virou a cabeça para o cachorro que
estava mais próximo dela.
— Minnie. — ele disse e então apontou para outro cachorro
idêntico. — Morag, e este é o marido delas, Murdo.
Ruth levantou as sobrancelhas. — Duas esposas? — ela
murmurou, divertida. — Como ele é corajoso, alguns cavalheiros
têm medo de lidar com apenas uma.
Ele não aceitou o comentário e se afastou, berrando — Sra.
MacLeod! — a plenos pulmões e com tanta força, que Ruth pulou
assustada. Os cães se levantaram e o seguiram, mas Ruth se
recusou a fazer o mesmo. Ela não iria atrás dele como uma
ovelhinha. Em vez disso, sentou-se em um de seus enormes baús
de viagem, todos carregados sem cerimônia pelos cocheiros, para
dentro do saguão e abandonados ali mesmo.
O som de vozes exaltadas e agitadas chegou até ela, como
se tivesse vindo de uma grande distância. O som aumentou e
aproximou. Ela ouviu uma palavra áspera, que soou muito parecida
com a que o Sr. Anderson usara com os cachorros, e depois houve
um silêncio tenso. Alguns minutos depois, uma mulher robusta, de
meia-idade veio atrás dele. Ela tinha uma carranca prodigiosa na
cara, destacada por sobrancelhas grossas e escuras, sobre olhos
azuis afiados. Seu cabelo também era escuro e puxado para trás,
em um coque austero. Deu uma olhada para Ruth e suas
sobrancelhas se levantaram e ela exclamou em choque, embora
qual exclamação era, Ruth não tinha ideia. A mulher se voltou para
o Sr. Anderson, e eles pareceram retomar a mesma discussão que
ela ouvira de longe. A palavra Sassenach, que Ruth tinha aprendido,
e que significava estrangeira, foi repetida mais de uma vez. Não
soava nada elogioso.
Ruth suportou estoicamente o suficiente, por alguns minutos,
antes de decidir que já estava farta.
— Sra. MacLeod. — chamou com a voz alta e segura, que
ecoou pelo grande salão. O Sr. Anderson e a Sra. MacLeod se
viraram para encará-la, aparentemente indignados com a
interrupção. — Obrigada por sua calorosa recepção. — Ruth deu a
ambos um sorriso sardônico e cruzou os braços. — Como o Sr.
Anderson parece ser incapaz de me apresentar, eu me apresento,
serei a Sra. Anderson. Após nosso casamento, amanhã, a
administração do castelo e dos criados será minha, então, sugiro
que nos acostumemos uma à outra o mais rápido possível. Agora,
porém, estou cansada. Gostaria que alguém me mostrasse meu
quarto. Um quarto de hóspedes será suficiente, pois assumo que
não tenha nenhum outro quarto pronto. Pode mandar um bule de
chá e algo para comer para os meus aposentos, e eu gostaria de
um banho, assim que puder ser preparado. Espero encontrar todos
os cinco criados do castelo neste local em, precisamente, duas
horas, a partir de agora.
A Sra. MacLeod a olhava chocada, como se ela tivesse duas
cabeças. O Sr. Anderson estreitou um pouco o seu olhar, como se
estivesse reavaliando uma situação que não era exatamente como
ele havia previsto. Ótimo, Ruth pensou amargamente. A vontade de
desmoronar e soluçar era um peso em seu peito, um formigamento
quente atrás de seus olhos, mas ela estaria condenada se
mostrasse alguma fraqueza na frente dele, ou falhasse na primeira
dificuldade. Era uma Stone dos pés à cabeça, como sua tia havia
apontado. Já era hora de o Sr. Anderson ter um vislumbre do que
isso significava.
— Há algum problema, Sr. Anderson? — Ruth exigiu,
levantando o queixo. — Se houver, estou disposta a levar meu
dinheiro de volta para Londres.
Ele olhou para ela, sua expressão ilegível. — Nenhum
problema, Srta. Stone. Sra. MacLeod, conheceu sua nova senhora.
Sugiro que faça o que ela diz.
Sem outra palavra nem olhar para trás, ele se afastou, seus
cães o seguindo.
Ruth voltou-se para a Sra. MacLeod e soube que a mulher a
odiava e agora desejava que ela fosse para o inferno. Bem, parecia
que ela tinha uma batalha em suas mãos. Muito bem.
— Pode me mostrar meu quarto, Sra. MacLeod.
O rosto da mulher não era tão difícil de ler quanto o de seu
mestre. Seus olhos azuis brilhavam com desgosto e irritação.
— Um quarto de hóspedes, então. — disse, um leve sorriso
em seus lábios, e a implicação era bastante clara.
Ela não acreditava que Ruth fosse ficar muito tempo.
 
4

Querida Ruth,
Senti que deveria escrever e contar-lhe que
Bonnie e o Sr. Cadogan voltaram para Holbrooke
House e se casaram. Nunca em minha vida fiquei
tão aliviada. Acredito que eles serão felizes juntos,
certamente Bonnie está loucamente apaixonada
por ele. Se o Sr. Cadogan tiver algum bom senso,
logo perceberá a sorte que tem.
Agora, minha querida, minhas preocupações
estão todas voltadas para sua pessoa. Está
casada agora? Peço-lhe que me escreva e me
diga como as coisas estão. Que tipo de homem é
o Sr. Anderson? Ele a trata gentilmente?

― Trecho de uma carta da Srta. Matilda Hunt


para a Srta. Ruth Stone.

6 DE NOVEMBRO DE 1814. CASTELO DE WILDSYDE, ESCÓCIA.

Depois de um banho quente, as três xícaras de chá e uma


tigela de ensopado, que Ruth admitia estava delicioso, fez se sentir
um pouco mais capaz de enfrentar o encontro que se aproximava.
Seu quarto estava limpo, era simples e a temperatura ártica, com
um fogo lúgubre que soltava fumaça em intervalos aleatórios. A
cama estava bem arejada, porém, os lençóis limpos e gastos, mas
cuidadosamente remendados. Ela se vestiu com cuidado, escolheu
um vestido azul simples que Matilda havia garantido ser um corte
lindo e realçava sua altura. Parecia um estilo sensato e de acordo
com o que uma mulher de mente forte deveria usar, ao enfrentar
uma revolta. Deve, pelo menos, parecer forte, mesmo que estivesse
tremendo por dentro, e Ruth não tinha dúvidas de que ela estava
enfrentando algo do tipo, se não uma rebelião total. Em sua
experiência, a governanta estava no centro de tudo. Se ela fosse
contra a patroa e estivesse pronta para dificultar sua vida, o resto
dos criados seguiriam seu exemplo, concordando ou não. Para
ganhar algum respeito em circunstâncias como essa, Ruth sabia
que deveria deixar de lado quaisquer esperanças de um acordo de
trabalho amigável, pelo menos por enquanto. Estava lutando por
seu lugar, e isso significava guerra.
Não era a primeira vez que enfrentava situações parecidas.
Como filha de um homem que se fez sozinho na vida, havia muitos
criados que torciam o nariz para ela e a tratavam com desrespeito.
Eles a consideravam nem uma coisa, nem outra e tentar ser
simpática só piorava as coisas. Agora ela estava lutando contra sua
herança, como uma mulher inglesa também, e a Sra. MacLeod não
parecia ser do tipo de senhora que se deixava levar por algumas
palavras doces e bonitas.
Ruth estava no local escolhido, precisamente às seis e meia,
conforme combinado. Apenas um criado apareceu. Ela manteve o
queixo erguido, recusando-se a mostrar insegurança. Seu marido
permitiria que os criados a tratasse assim depois de casados? Seria
muito bom concordar que ela tivesse o controle da casa, mas, a
menos que ele sustentasse suas decisões, essa promessa era inútil.
Todos eles seguiriam a liderança de seu mestre. Sabia que ele só se
casara com ela pelo dinheiro, mas certamente ele lhe daria algo em
troca? Respirou fundo e foi até o senhor diante dela.
— Senhor Clugston?
— Sim, Srta. Stone. Tenho o prazer de conhecê-la. — disse o
sujeito, arrancando o chapéu da cabeça e estendendo a mão para
ela.
Ruth a apertou, aliviada por descobrir alguém que não
parecia querer seu sangue. Este era o homem de negócios do Sr.
Anderson, porém, então ele não iria querer irritar as penas do ganso
de ouro, antes que colocassem as mãos no dinheiro dela. Era um
pensamento amargo, mas Ruth não via razão para supor que fosse
diferente. Conheceu muitos homens que estavam felizes em
compensar sua fortuna e havia pouco sentido em cobrir a verdade.
Isso não significa que não doía.
O Sr. Clugston era um homem de quase quarenta anos, mas
ainda era forte e vigoroso, com ombros largos e um ar de vitalidade.
Sua cabeça era totalmente careca e um pouco em desacordo com
sua luxuriante barba grisalha, que estava bem aparada. Olhos
cinzentos perspicazes espreitavam sob sobrancelhas igualmente
grossas e Ruth pensou que, talvez, houvesse um toque de humor
ali. Um homem inteligente,  suspeitava,  que ela precisava ao seu
lado.
— O senhor está com o Sr. Anderson há muito tempo? —
Ruth perguntou, mantendo sua voz equilibrada e cuidadosamente
neutra, entre agradável e eficiente.
Este homem precisava saber que ela tinha cabeça para os
negócios e não era uma cabeça de vento. Não precisava que ele
gostasse dela, mas seria um alívio saber que ela tinha um aliado.
— Desde que ele era um menino. — disse o sujeito, com um
aceno de cabeça. — Vivi aqui toda a minha vida e acho que vou
morrer aqui. Achei que o teto cairia sobre minha cabeça, para ser
sincero, mas talvez esse não seja o meu destino, afinal? — Havia
uma cadência divertida na pergunta e uma ligeira curva em seus
lábios.
Ruth sorriu. — Nunca vi uma vista mais gloriosa do que
Wildsyde, quando cheguei, enquanto o sol se punha. — disse,
esperando ilustrar seu desejo de colocar as coisas em ordem aqui e
não exigir festas e vestidos novos quando o lugar estava caindo aos
pedaços. — Dito isso, posso ver que precisa urgentemente de
cuidados, e devo considerar uma honra ser a pessoa que possa
trazê-lo à sua antiga glória.
Achou ter visto um vislumbre de aprovação nos olhos do
homem, mas antes que Ruth pudesse ter certeza, o resto da
criadagem apareceu. Qualquer esperança de que pudesse ter sido
excessivamente pessimista, tendo agora conhecido o Sr. Clugston,
foi rapidamente posta de lado.
Havia quatro mulheres, incluindo a Sra. MacLeod, que
liderava o grupo, e não houve diminuição de sua animosidade, a
julgar pela carranca em seu rosto e a forma como seus braços
estavam cruzados firmemente sobre o peito. Todos tinham
expressões com vários graus de suspeita e beligerância.
Como ninguém parecia ter pressa em se apresentar, virou-se
para o Sr. Clugston, como a pessoa menos hostil presente. — O
senhor poderia me apresentar, Sr. Clugston?
— Er... certamente. — disse ele. — A Sra. Jessie Irwin e a
Srta. Sheenagh Baillie são criadas, fazem de tudo, e a Srta. Flora
Moffat é a lavadeira.
Jessie olhou para ela, tão ressentida quanto a Sra. MacLeod.
Era um pouco mais velha que as outras, talvez na casa dos trinta
anos de idade, com um rosto redondo e uma figura que combinava.
Flora era magra e a mais nova de todas, talvez com apenas
dezesseis anos.
Ruth assentiu e deu o que esperava ser um sorriso
agradável, enquanto voltava seu olhar para a terceira mulher, e
obviamente a mais hostil, Sheenagh Baillie. — É um prazer
conhecê-los.
— Ah, sim, e qual é a sua posição, então? — Sheenagh
olhou Ruth de cima a baixo com um sorriso de escárnio.
Ela era uma garota inegavelmente bonita, embora com um
tom azedo nos lábios.
Independentemente de ter uma boa ideia do que poderia
estar enfrentando, a pergunta ousada pegou Ruth de surpresa e foi
um esforço não reagir. Seus anos de ignorar os comentários vis e
maldosos sobre ela por alguns membros da ton, no entanto, agora a
mantinham em boa posição e ela nem sequer piscou.
— Minha posição é a de ser a esposa do senhorio. — disse,
bastante serena. — E nosso acordo de casamento afirma que a
administração da casa e da criadagem deve ser deixada
inteiramente para mim. Tenho o direito de demitir quem não me
agrada e, se sentir necessidade, vão embora com uma carta de
recomendação. — deixou as palavras pairarem no ar, dando-lhes
tempo para absorver. Não era preciso ser um gênio para descobrir
que havia pouco trabalho a ser feito em uma parte do mundo tão
escassamente habitada. — No entanto, dito isso, gostaria muito que
todos nós nos déssemos bem. É do nosso interesse devolver
Wildsyde à sua antiga glória e estou muito ansiosa e disposta para
fazê-lo. Não tenho nenhuma intenção de perturbar o andamento das
coisas e estou mais do que disposta a aprender o jeito de tudo,  se
vocês me ajudarem. Não me considero uma mulher irracional, e
espero que não me achem assim. Se houver um problema, gostaria
de ouvi-los, e vamos resolvê-lo juntos. Se fizerem seu trabalho, e o
executarem bem, não terei queixas.
Para sua consternação, suas expressões beligerantes só se
aprofundaram. Sheenagh parecia positivamente assassina.
— Ela não vai durar muito tempo. Vai embora antes do Natal.
— a jovem murmurou, alto o suficiente para Ruth ouvir.
Ruth a ignorou. Muito bem.
— Devo informá-los que estou acostumada a administrar uma
casa muito maior e mais grandiosa do que esta, e com uma vasta
equipe. Não há esquemas com o qual eu não esteja familiarizada.
Ignorarei quaisquer infrações menores que tenham ocorrido antes
da minha chegada. Mas tenham a certeza de que não serão
tolerados a partir deste momento.
Flora parecia estar doente, e Ruth se perguntou quanto da
despensa ia para os membros da família Moffat. Não que pudesse
culpar a garota, se a vida era tão difícil quanto ela suspeitava. Bem,
precisaria investigar seus salários e suas situações e ver o que
poderia fazer para ajudar. Esperava que fosse uma maneira de
mostrar a eles que estava ali para melhorar as coisas, não para
piorá-las.
— Agora, preciso de uma criada pessoal. — disse, olhando
as três mulheres, embora já tivesse decidido. — Sheenagh, pode
me atender. Vou me retirar cedo esta noite, pois foi um longo dia e
não precisarei de você por enquanto. Por favor, acorde-me às seis.
Espero uma xícara de chocolate e água quente para fazer minhas
abluções. Isso é tudo por agora.
Ruth se afastou deles, ignorando os olhares de descrença
nos rostos de todos. Poderiam fazer o que quisessem com essa
decisão, mas Ruth reconhecia problemas quando os via, e era
sempre melhor manter isso à vista. Voltou para seu quarto, sem
pressa, sem sombra de dúvida ou desânimo e com a cabeça
erguida. Foi apenas depois de fechar a porta do quarto e se jogar na
cama que  permitiu que as lágrimas tomassem conta, uma violenta
tempestade de soluços que momentaneamente a dominou.
Ruth se acalmou rapidamente, revoltada com tal
demonstração de autoindulgência.
— É feita de material mais forte do que isso, Ruth Stone. — 
repreendeu-se, antes de lavar o rosto na água fria e respirar fundo
algumas vezes. Depois que a tempestade passou, foi até a janela e
passou um longo tempo olhando para a escuridão, do outro lado da
vidraça. Uma deslumbrante exibição de estrelas brilhava na vasta
extensão do céu e, de repente,  sentiu seu peito relaxar. Isso era
certo, esta era sua casa agora, e se tivesse que lutar para
conseguir, que assim fosse. Um calafrio a percorreu e ela se afastou
da janela, estava gelada por tanto tempo parada ali.
— Comece por como pretende continuar. — murmurou para
si mesma, tomando um momento para verificar se o cabelo estava
arrumado e seu vestido não excessivamente amarrotado, por ter se
jogado na cama, como uma criança histérica. Com isso em mente,
desceu as escadas, em busca de seu futuro marido.
Encontrou-o no que supôs ser seu escritório e descobriu que
precisava de um momento para recuperar o fôlego antes de vê-lo, o
que era extremamente irritante. Se tinha alguma chance de lidar
com ele, realmente tinha que superar essa vontade ridícula de
derreter em uma poça toda vez que vislumbrava seus joelhos, pelo
amor de Deus. Ainda assim, nesta ocasião, estava além da sua
capacidade.
Ele estava parado diante da lareira, uma bota apoiada no
guarda-fogo, seu olhar treinado nas chamas saltitantes que
lançavam sua feição em tons brilhantes de ouro e bronze. Vestido
apenas com kilt e camisa, cujas mangas haviam sido arregaçadas
até os cotovelos, Ruth mal sabia o que olhar a princípio. Os joelhos
nus tinham sido um choque suficiente para sua existência protegida,
os antebraços nus, pesados com músculos e polvilhados com pelos
escuros eram quase o suficiente, capaz de fazê-la sentir um pouco
de simpatia por sua mãe. O desmaio era uma tentação à qual  não
cederia, por mais difícil que fosse resistir.
— Sr. Anderson, — disse em vez disso, satisfeita por tê-lo
assustado, pois ele não a notou entrando. Foi bom não ser a pessoa
que fora pega de surpresa pela primeira vez. — se me permite a
pergunta, quando e onde vamos nos casar?
Por um momento ele apenas olhou para ela, e então suas
sobrancelhas escuras se juntaram. — Amanhã à tarde, na igreja de
Canisbay.
— É longe?
— Menos de uma hora.
Ruth esperou, na esperança de que ele pudesse dizer algo
mais, na esperança de que, talvez, ele pudesse ajudá-la a se
acomodar. Boba. — Pois bem, então. Boa noite, Sr. Anderson.
Virou e o deixou. Embora preferisse ter ficado e o provocado,
para que falasse com ela, suspeitava que sua própria paciência e
bom senso tinham se esgotado por um dia. Amanhã ela seria a Sra.
Anderson, para o bem ou para o mal. Só podia rezar para que fosse
o primeiro, embora, por enquanto, não tivesse nenhuma razão na
terra para acreditar nisso.

Gordy observou a Srta. Stone, enquanto ela se afastava.


Cabeça reta, altiva como uma rainha, e com um autocontrole
ferrenho. Por um momento,  permitiu-se considerar a noite de
núpcias e como poderia desmantelar esse controle e ficou alarmado
com o choque ardente de luxúria que subiu diretamente para sua
virilha. Droga, mas ele ficou sozinho por muito tempo.
— Pare com isso, seu grande palerma. — murmurou,
olhando carrancudo de volta para o fogo. Porque ela o desejava –
sim, ela o desejava – provavelmente ainda teria um ataque, quando
ele tentasse tocá-la. Sem dúvida ela não entendia o que implicava
uma noite de núpcias, tendo sido mantida na ignorância como todas
as damas boas. Bem, seria divertido esclarecê-la, pensou, com um
sorriso torto, embora não achasse a ideia tão atraente quanto talvez
devesse. Em vez disso, fora atingido por uma pequena ansiedade,
que percorreu sua espinha. E se ela desmaiasse? E se ela não o
quisesse ou mudasse de ideia? Bem, o que  importa, desde que ele
tenha o dinheiro dela? Isso era o principal, embora precisasse de
um herdeiro. Mordeu os lábios, perturbado pelo pensamento de
tentar colocar um filho numa mulher que não o queria.
Ach, estava sendo um tolo, não havia como ela não o querer.
Tinha visto como ela o olhava, o fogo em seus olhos. Ela o queria, e
ele se certificaria de que fosse bom para os dois, pelo menos. Não
havia maneira mais segura de dobrar uma mulher ao seu modo de
pensar do que agradá-la na cama. Claro, isso funcionava para os
dois lados, mas não permitiria que ela tivesse esse tipo de poder
sobre ele, nem qualquer outro tipo. Apesar de suas melhores
intenções, olhou para o outro lado do escritório, para o retrato
pendurado sobre a parede oposta. Tinha sido pintado antes dele
nascer. Seu pai, sua mãe e suas duas irmãs mais velhas. Os olhos
brilhantes de sua mãe pousaram sobre ele acusadoramente. Eram
felizes antes dele nascer, a prova da sua vergonha.
Culpa dela, repetiu para si mesmo, rangendo os dentes. Era
tudo culpa dela. Não pediu para nascer, pediu? Ela tinha feito isso,
não ele. Ele era apenas o pobre bastardo que estava pagando o
preço.
Gordy virou as costas para eles, assim como elas viraram as
costas para ele. Mulheres; tinham duas caras, eram criaturas
traiçoeiras, que sorriam na sua cara e depois o apunhalavam pelas
costas, e agora ele estava fazendo o que jurou que nunca faria:
estava tomando uma como esposa. Santo Deus. Sentiu como se
tivesse feito um acordo com o diabo. Cinquenta mil libras, no
entanto… Exalou longamente, até seu corpo tremer. Bem, sua alma
não tinha preço, apenas seu nome. Isso era tudo o que ele teria.
Não havia dinheiro suficiente no mundo para tentá-lo a ceder o
quanto quer que fosse. Ele se certificaria de que ela fosse bem
alimentada e bem-vestida, e ela poderia fazer o que quisesse com a
administração da casa. Teria seus filhos e ele nunca levantaria a
mão para ela em momentos de raiva, mas isso era tudo que ele
estava disposto a ceder. Era tudo o que ele podia oferecer. Se a
sorte estivesse do seu lado,  a deixaria grávida mais cedo ou mais
tarde e ela poderia voltar para a Inglaterra e deixá-lo em paz. Uma
vez que ele tivesse o herdeiro necessário e um suplente, ela poderia
fazer o que quisesse, até mesmo ter amantes se desejasse, desde
que discretamente.
Até então, porém... até então ela estaria à sua disposição.
Seu corpo se apertou com antecipação. Amanhã. Amanhã eles se
casariam, e então eles veriam quem estava administrando quem.
 
5

Sra. Anderson.
Sra. Ruth Anderson.
Como esse nome soa estranho. Devo me
acostumar com isso? Devo lembrar que não
importa o nome que carrego, eu sou uma Stone.
Não serei manipulada e moldada à vontade de
outrem, nem ser colocada de lado e esquecida,
empurrada para um lugar escuro, fora do alcance
das pessoas.
Apenas tente me ignorar, Gordon Anderson.
Eu serei a pedra no seu sapato.

— Trecho de uma entrada da Srta. Ruth Stone,


em seu diário.

7 DE NOVEMBRO DE 1814. CASTELO DE WILDSYDE, ESCÓCIA.

Ruth fitava a paisagem pela janela da carruagem. A vista era


preenchida por um mar cintilante, como uma grossa tira de seda
azul no horizonte, que brilhava belamente como uma joia sob o sol.
O sol que atravessava a janela também brilhava quente em seu
rosto, embora o resto do seu corpo estivesse congelado, tão
congelado que doía. Seus dedos dormentes de frio, o tijolo quente
que fora colocado debaixo deles há muito tempo esfriara, perdendo
todo vestígio de calor. Ela se imaginava como uma princesa de um
conto de fadas trágico, que congelaria até a morte. Sentia-se como
gelo, não apenas pela falta de calor, mas como se fosse frágil e
estivesse prestes a quebrar por dentro e por fora, e qualquer
movimento errado a faria cair e despedaçar em mil pedacinhos
pontiagudos.
Senhora Ruth Anderson.
Acordada às seis por uma Sheenagh mal-humorada,
segurando uma bandeja com chá tépido e água similar, Ruth retaliou
dando-lhe uma longa lição sobre uma preparação adequada de chá,
um lembrete de que ela preferia chocolate no café da manhã e
oferecer-lhe uma demonstração de um ou dos dois, se a garota
ainda não tivesse certeza de como fazê-lo corretamente. Pelo
menos os pães de aveia estavam quentes e saborosos. Apesar de
todos os seus defeitos - e Ruth estava disposta a conceder à Sra.
MacLeod todos eles - a mulher sabia cozinhar. Após fazer as suas
abluções, Sheenagh a ajudou a se vestir, sem se submeter ao
desejo de estrangulá-la com suas próprias meias, e até fizera um
trabalho razoável com seu cabelo, então Ruth contou essa parte da
manhã como um sucesso, pelo menos. Mas tudo foi por água
abaixo rapidamente.
O casamento na igreja fora breve e superficial e, além do
bom dia rancoroso, antes de terem deixado o castelo e dos votos
trocados na igreja, seu marido não lhe dissera uma palavra. Maldito.
A raiva, acalorada e inesperada, surgiu dentro dela e o gelo
que a mantinha imóvel desde o momento que deixara a pequena
igreja derreteu. Ele não a ignoraria. Não no dia do seu casamento.
Merecia um pouco de atenção no dia do seu casamento, não
merecia? Poderia não ter sido tão horrível se ele não tivesse ficado
tão magnífico em seu tartan. Não podia reclamar que ele não havia
feito um esforço para ela. Ao vê-lo a primeira vez, sua imagem a
deixou sem fôlego, a ponto de ficar grata por seu silêncio, estava
aterrorizada por balbuciar de nervoso, se tivesse a chance de dizer
alguma coisa. Agora, porém, sua beleza a irritava, e ela se
ressentia, ressentia que ele não estivesse nem um pouco comovido
com sua presença, que ele pudesse ignorá-la com tanta facilidade.
Bem, talvez ele precisasse de um lembrete de com quem acabara
de se casar, então.
Já estavam no meio do caminho para casa, e ela jurou que
não permitiria que ele sentasse o resto do caminho em silêncio,
mesmo que tivesse que esfaqueá-lo com a pequena faca, que
notara enfiada na calça grossa que ele usava. Não que ela
estivesse olhando para as pernas dele novamente. Muito. Virando-
se para o lado oposto da carruagem e do marido, fixou o olhar nele,
sem piscar.
— Devo chamá-lo de Gordon ou Gordy? — perguntou com
pura determinação, a única coisa que mantinha seu tom agradável.
Tudo o que ela queria era agarrá-lo pelo pescoço e estrangulá-lo.
Olhou-lhe por um momento e deu de ombros. — Como
quiser.
— Não tem preferência?
— Nenhuma.
— Tem certeza? — Ruth pressionou, lutando para manter a
irritação longe de sua voz. — Não se importa com a maneira como
eu me dirijo ao senhor?
— Não. — ele retrucou, sem se preocupar em esconder sua
impaciência.
— Excelente. — disse Ruth, dando-lhe um sorriso largo, não
que ele estivesse olhando para ela. — Bem, então, meu adorável
tolinho, acredito ser costume beijar a noiva no dia do casamento.
Sua cabeça estalou, aqueles olhos castanhos arregalaram,
se de indignação, por ser chamado de adorável tolinho ou sua
exigência por um beijo, ela não estava completamente certa.
Ruth mordeu o lábio, atingida pelo desejo urgente de rir,
embora ela temesse que se risse, provavelmente seria o tipo
histérico que levaria às lágrimas, então se absteve de se entregar.
— Um beijo, não é? — ele perguntou, estreitando os olhos
para ela, o teor de sua voz desencadeando uma estranha
combinação de calor e frio sobre sua pele.
Ruth demorou um momento para perceber que não estava
respirando e se forçou a dar uma respirada inconsistente de ar
congelante.
— Sei que isso está longe de ser um casamento por amor,
meu docinho, mas não vejo razão para não haver afeição entre nós.
Nós compartilhamos um objetivo em comum, não é mesmo? Você
deseja ver Wildsyde restaurado à sua antiga glória, e eu desejo
ajudá-lo.
— Se deseja me ajudar, pode me permitir fazer meus
negócios sem obstáculos, e eu não sou seu docinho, nem qualquer
outro nome bobo que pense em me dar. Foi alertada com que tipo
de homem estava se casando, mas agora já é um pouco tarde para
arrependimentos.
— Por Deus, como é dramático. — disse  sorrindo. — Não
me arrependo de nada, meu querido, mas está confuso e isso é de
se esperar. É sem dúvida assustador, encontrar-se finalmente
casado, mas não há necessidade de levar isso tão a sério, meu
coração, vou garantir que tudo corra bem. Agora, — acrescentou,
ignorando seu olhar de incredulidade e horror — sobre aquele beijo.
Ela sabia que havia chegado ao limite dele, mas ai dela se
fosse deixar aquela carruagem sem um beijo. Acabaram de se
casar, maldição! Era pedir muito? Ela não era nenhuma beldade,
sabia disso, mas ela não era tão monstruosa, certamente?
Antes que ela pudesse considerar a sabedoria de seu pedido,
ele se moveu para o outro lado da carruagem para o lado dela. Ruth
soltou um pequeno grito de alarme quando ele a levantou e a
colocou em seu colo com facilidade, como se ela fosse uma boneca
de pano. Antes que ela tivesse um momento para considerar o que
estava acontecendo ou se recompor, uma grande mão agarrou a
parte de trás de seu pescoço e a outra agarrou sua cintura, depois
sua boca alcançou a dela com força. Ela se assustou e ficou em
choque, quando a língua dele entrou na sua boca, quente e
pecaminosa, acariciando o interior, procurando sua língua, enquanto
para Ruth não restava mais nada além de aguentar. Suas mãos
seguravam os ombros dele, e ela tinha a sensação mais estranha
de que cairia se o soltasse, mas o deslizar da língua dele era
sedutor, convidativo, e ela não pôde deixar de retribuir o gesto. Um
pouco assustada, mas determinada, ela tocou a sua língua na dele,
a princípio hesitante, mas depois com mais segurança.
Lentamente, como um estopim, Ruth tirou os dedos do
casaco e os deslizou pelo pescoço, no calor espesso de seu cabelo,
e algo quente e exigente se desenrolou dentro dela. Sim. Isso. Foi
por isso que ela perdeu a cabeça e pediu um estranho em
casamento. Um estranho não mais, disse a si mesma, não importa o
quanto ele quisesse continuar sendo, ela não permitiria, embora ele
parecesse menos inclinado quando Ruth suspirou e se pressionou
para mais perto dele. Um som baixo e selvagem escapou dele, o
que desencadeou uma emoção de antecipação que percorreu sua
espinha. Ela fora a responsável por fazê-lo emitir aquele som. Pode
ter sido sem querer, mas ela fez isso. Uma exaltação a queimou e
ela o beijou de volta com mais confiança, voraz agora, e então a
carruagem parou.
Ele colocou as mãos nos braços dela e a afastou um pouco.
— Cristo! — disse ele, respirando com dificuldade. Olhou
para ela por um momento, como se estivesse desorientado, e então
sua expressão endureceu. — Chegamos. Eu tenho coisas para
fazer, mas não se preocupe, esposa, eu vou cuidar de suas
necessidades esta noite. Não terá do que reclamar, se puder
esperar até lá.
Havia um tom astuto e zombeteiro na pergunta, que Ruth
ignorou. Em vez disso, ela pressionou a boca na dele por mais um
momento e depois se levantou com o máximo de elegância que
pôde, o que não era muito, pois seus joelhos pareciam estar com
defeito e ameaçaram ceder. Ainda assim, ela forçou a cabeça para
cima e devolveu um sorriso frio.
— Parece uma pena desperdiçar toda a tarde esperando. —
disse ela, perguntando-se como se atrevia, e rezando para que ele
acreditasse que o rubor em suas bochechas era apenas a picada do
ar gelado em sua pele. — Mas se precisar de tempo para se
preparar para se deitar comigo, eu não me oporei, ó luz da minha
vida. Eu sei que tudo isso é muito repentino e você deve estar
nervoso. Venha quando tiver reunido coragem suficiente.
Deu um tapinha reconfortante na cabeça dele, como se fosse
um garotinho, o que, nas circunstâncias, era semelhante a dar um
tapinha em um tigre que estava pronto para atacar. Ótimo, pensou,
saindo da carruagem com uma onda de satisfação.
Ignore-me agora, seu idiota cabeça de porco.
Gordy observou sua esposa sair da carruagem e entrar no
castelo com suas saias farfalhando, portando-se como uma maldita
imperatriz, não importa se era a senhora de um maldito castelo
esquecido no meio do nada.
— Que o diabo o carregue, seu tolo maldito. — rosnou,
respirando com força. — Que diabos esperava ao se casar com
uma dama inglesa desse tipo? Não que ele soubesse qual era o tipo
dela, nem o que ele recebera, tinha que admitir. A criatura miserável
continuava  desconsertando-o e o desequilibrou. Ela o surpreendeu
na jornada até o castelo e quase roubou seu fôlego hoje. Era mais
do que tentador pegar o que era dele na viagem de volta ao castelo,
mas ele se recusou a permitir. Não queria tocá-la, muito menos
beijá-la, caso ela tivesse a ideia tola de que ele precisava ou a
queria. Ele deitaria com ela, mas não adiantava deixá-la pensar que
havia algo parecido com afeto envolvido. Parecia que ela havia
entendido a mensagem, em alto e bom som, e enviou uma das
suas.
Ela não suportaria isso.
— Adorável tolinho. — ele murmurou, praguejando
obscenidades enquanto descia da carruagem.
Sim, ela gostava disso, sem dúvida, de tê-lo correndo, jogado
aos seus pés como um de seus cães, implorando por qualquer
carinho que ela se importasse em dar a ele, quando tivesse em
mente ser generosa. Por cima do seu cadáver morto.
— Venha quando tiver reunido coragem suficiente. — ele
repetiu, copiando o sotaque inglês dela e sentindo a necessidade de
bater em algo.
Diabos, ela pagaria por isso.
Gordy foi até o escritório, enquanto seus cães pareciam
cumprimentá-lo e correram na frente. Uma vez dentro, bateu a porta
atrás de si e foi até a mesa e, apoiando-se nela, respirando fundo,
soltando uma expiração lenta. Ele precisava controlar seu
temperamento. Agia sem pensar quando seu sangue subia,  não
podia se dar ao luxo. Esta moça era astuta, mais do que ele
esperava. Presumiu que seria fácil mandá-la de volta para a
civilização, presumiu que teria que sair do caminho ou seria
derrubado na pressa, uma vez que ela visse como realmente seria a
vida com ele em Wildsyde. O incomodava perceber que não tinha
mais tanta certeza. Vislumbrou uma teimosia naqueles olhos
castanhos mais de uma vez agora, e sabia que a havia
subestimado.
Bem, ela mostrou isso mais de uma vez. Deixe-a ferver de
raiva então. Esta noite, pagaria por aquela pequena performance e
ele aproveitaria cada minuto. Ele a fará se ajoelhar e implorar, e
assim que terminasse, contaria algumas verdades duras sobre
como as coisas seriam. Grunhiu, satisfeito com a ideia, até que se
lembrou daquele momento curto na carruagem e o desconforto
transformou um caminho sinuoso em sua espinha.
Ela exigiu um beijo, e ele a obedeceu sem delongas. Não,
maldição. Não para obedecê-la, e sim para ensinar-lhe uma lição.
Estava desesperado para beijá-la, mas não com o pequeno beijo na
boca que ela, sem dúvida, esperava. Fora um beijo quente, intenso
e urgente, suas mãos nela deliberadamente bruscas, e ele esperava
que ela gritasse e lhe desse um tapa. Também estava errado sobre
isso. No momento em que a tocou, foi como jogar uísque nas
brasas, a onda de calor consumindo os dois, em uma explosão
instantânea de desejo. Parou um gemido em sua garganta, quando
se lembrou das curvas dela sob suas mãos, as proporções
generosas de uma mulher de verdade, não uma mulher frágil, que
ele temeria esmagar, se não a segurasse com luvas de pelica. A
Srta. Stone foi projetada para um homem como ele, Deus o ajude,
mas não seria apenas ela que passaria a tarde toda nervosa.
De repente, ele se perguntou por que, diabos,  fingiu que
tinha coisas melhores para fazer do que dormir com ela. Quem
estava tentando torturar, exatamente? Neste momento, o único que
parecia estar sofrendo, era ele. Seu corpo doía, sua pele coçava de
antecipação e frustração, e seu sangue queimava. Maldito seja ele,
e ela também.

A tarde era interminável, assim como seu infeliz marido, sem


dúvida, pretendia. Ainda assim, Ruth se ocupou o melhor que pode.
As primeiras carruagens contendo suas roupas e pertences
chegaram ao meio-dia, e os criados murmuraram e amaldiçoaram
com o suprimento interminável de baús que preencheram todos os
espaços disponíveis no corredor de entrada. E ainda não tinha
acabado. Ruth tinha sido bem-preparada por seu pai, na chance de
conseguir prender um duque. Tudo, de porcelana a tapetes pesados
e baús de linho fino, havia sido fornecido, como parte de seu
enxoval. Como tudo estava intrinsecamente detalhado e listado em
sua maneira meticulosa habitual, não foi tão difícil encontrar os itens
necessários para preparar seu quarto.
O quarto dela, ao lado do quarto do senhorio, não o quarto de
hóspedes em que tinha ficado na noite anterior. Antes de sair
naquela manhã, ela deu instruções para que o quarto fosse limpo e
arejado e a chaminé varrida, antes que o fogo fosse acesso. No
retorno, Sheenagh e Flora a ajudaram a colocar o novo linho na
cama, colocar tapetes, pendurar pinturas e arrumar seus pertences
pessoais.
Assim que tudo estava arranjado ao seu gosto, Ruth pediu
que um banho fosse preparado, ela ficou na banheira por um bom
tempo, com os óleos perfumados caros que comprou, para se
deliciar na sua noite de casamento. Lembrou-se daquela viagem de
compras, das risadas com Bonnie e Minerva, que a provocaram e a
fizeram ruborizar. Na época, duvidava que algum dia pudesse usar
algum dos itens frívolos que comprara naquele dia, mas foi divertido
rir com suas amigas e agir como se tal coisa fosse uma parte
inevitável de seu futuro. Foi Bonnie quem a convenceu a comprar a
camisola também, danada como era.
Agora, sentada em sua penteadeira e escovando seus
cabelos grossos e escuros, Ruth olhava duvidosamente. Era o tipo
de coisa que uma mulher bonita usaria, que estava confiante em
sua capacidade de fazer um homem desejá-la. Seu marido riria dela
se usasse uma peça de roupa tão descarada? Talvez a provocasse
por se esforçar demais. As palavras, um cavalo vestido de seda e
continua um cavalo soaram em seus ouvidos com um som
desagradável de verdade.
Ele a beijou,  lembrou-se desafiadoramente, lembrando-se do
grunhido selvagem de prazer que tremia sobre ela quando se
aproximou dele. Não tinha ilusões sobre sua beleza, mas ele era um
homem e, de acordo com sua tia, os homens tinham necessidades
que deveriam ser atendidas. Esta era apenas uma dessas
necessidades, como uma cama confortável ou uma refeição quente.
Não poderia esperar que ele se apaixonasse loucamente por ela,
mas, talvez, se  lhe mostrasse que poderia tornar sua vida mais
confortável, ele daria um pouco e permitiria que ela participasse.
Ruth poupou um momento para enviar um agradecimento silencioso
para sua tia e sua descrição contundente de última hora, mas
estranhamente reconfortante, do que esperar da sua noite de
núpcias. Ainda bem, pois a sua mãe murmurou algo sobre fazer seu
dever e depois começou a chorar, o que não foi muito útil.
— O que você tem a perder? — murmurou, antes de pegar o
tecido transparente da camisola e vesti-lo. Uma gargalhada de
pânico escapou dela, enquanto considerava o que tinha a perder
aquela noite, caçou o pequeno frasco de conhaque que havia
roubado de seu pai, antes de sair de casa. Tomou vários goles,
tossindo e engasgando, enquanto o álcool descia queimando pela
sua garganta. Ofegante,  segurou a cabeceira da cama, até que
pudesse respirar normalmente de novo, e então olhou para o frasco
com um sorriso, enquanto uma pequena poça de calor crescia na
sua barriga e diminuía em seu sangue.
Pode muito bem se sentir confortável, supôs. Sem dúvida,
seu maldito marido a faria esperar até a meia-noite, antes de se
dignar a mostrar o rosto. Com isso em mente, subiu na enorme
cama, arrumou as almofadas copiosas ao seu gosto e deitou-se
com um suspiro, tomando um gole do conhaque e concentrando-se
em não pensar na noite seguinte. Se pensasse sobre isso, se
rebaixaria a um corpo trêmulo de nervos, se recusava a ser
qualquer coisa, diante de Gordon maldito Anderson. Ela sorriu ao se
lembrar de quantas vezes Bonnie se referiu a ele de tal maneira, e
todas as coisas que disse sobre ele.
— Ele come crianças pequenas no café da manhã, fede a
chiqueiro e tem tanto apelo pessoal quanto um ataque de febre
tifoide. — Ruth repetiu para si mesma em voz alta e depois deu uma
gargalhada, antes de tapar a boca, pois saiu um pouco mais alto do
que esperava.
Com um suspiro de arrependimento, colocou a tampa de
volta no frasco e a jogou dentro da gaveta da mesa de cabeceira.
Provavelmente não seria sábio ser enganada na noite de núpcias.
Compreensível, mas não sábio.
O quarto agora estava quente, o enorme fogo que ela havia
pedido que fosse acesso na lareira finalmente afugentou o frio que
restava. As cortinas grossas eram pesadas o suficiente para segurar
o vento das janelas e uma combinação de conhaque, calor e um
excesso de nervos nos últimos dias conspiraram para fazê-la se
sentir sonolenta. Ruth suspirou e se esticou, depois jogou um braço
sobre a cabeça e virou o rosto para o travesseiro mais baixo.
Provavelmente seria uma boa ideia tirar uma soneca agora,
enquanto ainda podia. Afinal, eram apenas oito horas e o bom e
velho Gordy, provavelmente, ainda não tinha jantado. Não se deu ao
trabalho de se juntar a ele, pois sabia que ele não queria a sua
presença e queria economizar as suas forças. Além disso, estava
muito ansiosa para comer.
Sonolenta, ela se perguntou se o maldito homem a deixaria
esperando até as primeiras horas da manhã, e então adormeceu.
6

Minha querida tia Ethel,


Lembra-se do conselho tático que me prometeu?
Agora seria uma boa hora.

— Trecho de uma carta da Sra. Ruth Anderson


para sua tia, Sra. Ethel Stephens.

7 DE NOVEMBRO DE 1814. CASTELO DE WILDSYDE, ESCÓCIA.

Gordy olhou para a porta que ligava seu quarto ao de sua


esposa. Jantou com toda a graça da besta que ela, provavelmente,
supôs que ele fosse, tomou banho e se preparou para dormir, e
então foi forçado a se sentar, chutando os calcanhares, pois era
muito cedo para se apresentar a ela. Estaria condenado se a
deixasse pensar que estava tão ansioso quanto um menino,
impaciente, embora fosse uma descrição precisa o suficiente. Pela
décima vez em tantos minutos, caminhou até a porta, pairava a mão
sobre a maçaneta, e depois praguejava e se afastava novamente.
Manteve-se fazendo isso por mais meia hora, até decidir que
estava cansado de bancar o tolo. Se ele quisesse dormir com a
esposa, faria isso quando quisesse, e ela poderia fazer o que
quisesse. Isso não tornaria tudo em verdade.
Gordy abriu a porta e entrou sem o apelo bruto e mal-
educado que era, e observou o quarto. Parecia quente e
aconchegante, convidativo e muito diferente da última vez que o viu.
O que ele não viu foi a esposa. Estava  que esperando que ela
caísse em um desmaio, no minuto em que o visse, apesar de muitas
evidências sugerirem que ela era feita de coisas mais duras do que
sua mãe. Se ele esperasse por tal evento, ficaria desapontado. Ela
nem ao menos estava lá! Murmurou uma blasfêmia. Se a moça
pensava em humilhá-lo...
Ele paralisou, de repente ciente de um suspiro suave vindo
das proximidades da enorme cama. As cortinas da cama estavam
parcialmente fechadas, protegendo o colchão da vista. Com alguns
passos hesitantes, ele se aproximou e sua respiração ficou presa na
garganta. A maldita mulher era uma bruxa, tinha que ser. Quando a
viu pela primeira vez, jurava que ela era uma simples dama inglesa
com pouco além de sua fortuna para recomendá-la. Bem, tudo bem,
notou a figura dela, que homem não notaria? Afinal, não estava
morto.
No entanto, ela não era uma beldade, fato que o aliviara um
pouco. A última coisa que ele precisava era de uma bela criatura
causando estragos, enquanto todos os homens locais perdessem o
juízo por ela. Talvez não estivesse ansioso para ser um marido, mas
nunca seria um corno, em plena vista de seus vizinhos, sem
nenhum herdeiro com seu sobrenome.
Agora, no entanto, ele se perguntava se havia sido ofuscado,
embora a magia tivesse obscurecido sua beleza quando se
conheceram, ou destacado agora, não tinha certeza. Ou ele estava
errado, ou algo havia mudado, pois a visão diante dele ficaria
marcada em seu cérebro, até o dia em que  morresse.
Santo Deus, mas ela era adorável.
Com o corpo curvado em uma sinuosa pose de abandono e
um braço jogado acima da cabeça, parecia uma deusa que se
perdeu e adormeceu no mundo mortal. Seus cabelos escuros se
espalhavam em volta de seu rosto, sua pele impecável e tingida
com um suave rubor rosa como o céu havia parecido no último
momento antes do sol se pôr, na noite de sua chegada. O tecido fino
da camisola perversamente indecente era tão delicado que ele se
perguntou se ousaria tocá-la, ou se ficaria presa em suas mãos
calejadas, e lá, na bainha, seus delicados pés arqueados e belos
tornozelos foram expostos ao seu olhar. Um sentimento estranho e
indesejável surgiu em seu peito, enquanto ele observava sua
esposa dormir, algo muito terno e, no entanto, muito feroz para dar
um nome. Furiosamente, ignorou esses sentimentos e balançou a
cama um tremor forte, na esperança de despertá-la.
Ela deu um suspiro luxuoso e esticou os membros longos,
mas não abriu os olhos.
— Esposa. — chamou, sua voz rouca, até mesmo para seus
próprios ouvidos. Por um momento, ele se arrependeu de não ter
dito o nome dela, mas ainda não havia passado por seus lábios e
uma onda de teimosia não o deixaria dizê-lo agora.
Seus olhos se abriram e ela congelou, olhando para ele e
piscando, enquanto o sono se desvaia. Um rubor subiu por seu
pescoço, o tom rosa bonito em suas bochechas brilhando em um
tom mais escuro, mas ela não se afastou nem tentou se cobrir. Em
vez disso, ela retribuiu seu olhar, desafiador, apesar do rubor,
aquele brilho de aço se mostrando mais uma vez.
Gordy olhou para ela, recusando-se a admitir que havia
perdido a compostura mais uma vez e não tinha certeza de como
fazer isso. Desflorar virgens não era algo com que ele tivesse muita
experiência, não desde que ele era um rapaz e não sabia nada
melhor, pelo menos. Desviou o olhar primeiro, embora não porque
ela tivesse vencido qualquer batalha de vontades, mas porque não
havia um homem na terra que fosse capaz de segurar seu olhar,
quando o resto do corpo dela estava disponível para a sua
inspeção.
Sua leitura lenta viajou sobre o corpo dela, permanecendo na
sombra escura entre suas pernas e o lugar onde seus mamilos
estavam a mostra. Finalmente, o olhar faminto dele voltou para o
rosto, assim que ela lambeu os lábios.
Inferno.
Incapaz de apenas ficar de pé e observar por mais tempo,
Gordy levantou a mão e a deslizou em volta do tornozelo dela,
ouvindo a maneira como sua respiração aumentava. Ele olhou para
ela, estudando-a enquanto a palma da mão subia pela perna dela.
Demorou, observando-a, observando a maneira como seus lábios
se separaram e sua respiração acelerou, quando ele alcançou seu
joelho. Demorou um momento para perceber que ela estava
observando-o com a mesma atenção, e era tarde demais para
mostrar um rosto impassível, enquanto ela se movia e abria as
pernas para ele.
A maneira como sua respiração ficou presa foi reveladora o
suficiente, mas ele estava muito consumido com o caminho em que
sua mão estava, para prestar atenção. Aquele convite flagrante
havia destruído qualquer desejo de fingir indiferença. Seu cérebro
derreteu e ele estava todo instinto agora, algo rústico e primitivo no
controle.
Gordy levou a mão para a bainha da camisola e levantou-a,
com um puxão rápido, até a cintura. Ela soltou um som chocado,
mas não protestou, nem se moveu para se cobrir, apenas o
observou, de olhos arregalados, como uma corça pega de surpresa,
em uma clareira da floresta. Ele engoliu em seco, descobrindo que a
sua boca estava seca, reprimiu o desejo de sorrir. Recusou-se a
permitir que o som triunfante que ouviu gritar em sua cabeça
escapasse de seus lábios.
Minha.
Parecia um sonho, não era bem uma realidade quando ele
devolveu a mão à sua carne sedosa e continuou de onde havia
parado, deslizando a palma da mão pelo interior da coxa dela. Sua
respiração estava rápida agora, seus seios subindo e descendo com
velocidade crescente, enquanto ele se movia em direção aos
cachos macios. Ele arrastou os dedos para frente e para trás, pelo
emaranhado sedoso de pelos, beirando um pouco mais a cada
passo, mal encostando no seu sexo e deleitando-se com os sons
silenciosos que ela fazia, toda vez que ele tocava sua pele delicada.
— Mais? — perguntou-lhe, alarmado ao ouvir a rouquidão da
pergunta, mas incapaz de fazer algo a respeito. Mal conseguia
respirar.
Ela assentiu, um movimento brusco, mas explícito. Sua
esposa não era de se esconder, graças a Deus por isso. Ele
duvidava que teria paciência suficiente para persuadir uma noiva
relutante, na melhor das hipóteses, mas esta noite estava se
segurando por um fio. Queria se jogar sobre ela e tomá-la, ter seu
prazer com toda a ferocidade que agora estava presa dentro dele,
mas mesmo ele tinha limites. Tinha toda a intenção de ser um
marido sem amor e indiferente, mas não seria cruel, certamente não
com uma moça, na sua noite de núpcias. Além disso, se ele
quisesse manter a vantagem, era de seu interesse mostrar para ela
o que ele poderia lhe dar e o que ele poderia negar, se quisesse.
Então, ele a acariciou com carinho, tentando-a a se entregar
ainda mais, a mergulhar no prazer e se abandonar à sua vontade.
Ela precisava de pouca persuasão e logo se arqueou para encontrar
o toque dele, exigindo mais, quando seus olhos se fecharam e sua
respiração ficou mais forte e irregular. A dele não era muito melhor,
quando ele deslizou um dedo dentro dela. Meu Deus. Ele imaginou
afundar naquele calor úmido e seu corpo doía e protestava com
tanta violência, que sua mão tremia. Depressa, depressa, ele rezou,
movendo-se mais rápido, precisando derrubá-la, antes que ele
perdesse o resto de sanidade que lhe restava.
— Solte. — ele insistiu, notando a carranca de concentração
que havia puxado suas sobrancelhas escuras. Pelo amor de Deus,
acrescentou silenciosamente, praguejando enquanto ela gemia sob
seu toque. Ele deslizou um segundo dedo dentro dela, querendo
chorar de frustração quando ela ofegou e agarrou os lençóis da
cama. — Sim, sim, assim, mo leannan — ele gemeu baixinho,
desesperado demais para não soar como seu amante, como se ele
se importasse, como se o desejo que havia escapado dele não
significava nada. Não significava nada, só precisava que ela
estivesse pronta para ele. Se a machucasse muito na primeira vez,
ela não ficaria ansiosa para a próxima, e isso não se adequaria aos
planos dele.
Funcionou, louvado seja, e ele não conseguiu conter uma
exclamação triunfante enquanto ela se contorcia e resistia e gritava,
devassa, com uma mão agarrando seu pulso, segurando-o
enquanto ela se deleitava. Maldição, mas ela era gloriosa daquele
jeito. Não havia nada daquela dama inglesa educada e precisa
agora. Ele a derrotou, colocou essa criatura deliciosa e
desavergonhada em seu lugar.
Ele riu baixinho quando ela voltou a si, dificilmente capaz de
encontrar seus olhos quando ela percebeu como acabara de se
comportar. Sim, moça, pensou com satisfação, e não se esqueça
disso. Pois ele também não esqueceria, não antes de seu último
suspiro, era algo que ele não se importava em insistir. Além disso,
ele tinha outras coisas em mente, como tirar as próprias roupas com
a maior velocidade possível. Não que houvesse muita coisa para
dispensar. Sua camisa caiu no chão, seu kilt logo em seguida, e ele
se aqueceu por um momento no calor de seu olhar enquanto ela o
observava.
— Eu atendo às suas expectativas, esposa? — exigiu, as
palavras mais duras do que pretendia, seu tom zombeteiro.
Ela corou, o que o surpreendeu, pois sua pele clara já estava
quase escarlate, com uma combinação de mortificação e prazer.
Outro homem poderia ter se derretido sob esse olhar. Gordy
se mexeu inquieto.
— Céus, — a palavra soou um pouco mais do que um
sussurro. — é ainda maior sem roupas. — disse ela, olhando-o com
evidente admiração.
— Sim, como um touro premiado, não acha? — A amargura
de suas palavras o surpreendeu tanto quanto a ela.
Ela encontrou os olhos dele e ele a viu confusa. — Você é
lindo! — disse, tão sincera que sua sinceridade era óbvia.
Gordy paralisou, ciente do calor subindo pela nuca. — Não
sou uma mulher. — zombou, perturbado pela reverência de suas
palavras e sem saber o que fazer com elas.
— Estou ciente! — ela respondeu secamente. Ele franziu a
testa enquanto ela dava uma leve gargalhada. — A vista do lado de
fora daquela janela também é linda. Dura, fria e implacável, mas
linda mesmo assim.
Olhou para ela, desconfortável com o elogio e a comparação.
Decidindo que faria bem em ignorar os dois, subiu na cama.
— Tire isso! — disse ele, apontando com a cabeça para a
camisola dela e lembrando a si mesmo que tudo aquilo era negócio.
Ela lhe deu dinheiro, ele lhe daria a noite de núpcias que ela
tanto queria, e um bebê para levar para casa com ela. O que isso
fazia dele, não queria considerar, mas fora uma barganha desde o
início e ambos sabiam disso. Não adiantava fingir o contrário.
Ela olhou para a camisola, que agora estava toda amassada,
e ele viu um vislumbre de algo vulnerável em seus olhos.
— Você não gosta da camisola. — disse ela, e ele sentiu, em
cada centímetro, o miserável que ele era quando ouviu a resignação
na voz dela.
— Eu gosto muito, — disse,  impaciente — mas eu prefiro o
que está por baixo dela.
— Oh!
Ela se iluminou de uma vez, muito mais do que suas palavras
concisas justificavam, e ele se sentiu cada vez mais o bruto. Talvez
não o matasse ser um pouco mais gentil, apenas por aquela noite.
— Você está linda! — soou forçado, mas honesto, pelo
menos.
O prazer que iluminou seus olhos com o elogio lamentável,
fez a culpa apertar em seu peito. Cristo, ela estava muito mais do
que linda, ela tirou o seu fôlego, mas ele cortaria a sua língua, antes
de admitir isso.
Observou enquanto ela se sentava e puxava a camisola
sobre a cabeça. Tirou-a e a segurou na frente do seu corpo por um
momento, escondendo-se e olhando para ele, aquele brilho ansioso
voltando aos seus olhos. Então ela levantou o queixo e lá estava o
aço que ele havia observado antes. Jogou a camisola amassada no
chão e se deitou, depois o olhou desafiadoramente, desafiando-o a
encontrar defeitos.
Se havia algum defeito para ser encontrado, Gordy estaria
amaldiçoado se ele pudesse encontrar algum. Tinha as pernas e os
braços longos, suas curvas eram de mulher. Seus seios eram
grandes e cheios, e seu corpo exuberante o cativava com tanta
força, que ela poderia muito bem ter sido uma sereia que o estava 
atraindo para águas perigosas, por toda a vontade que ele tinha de
resistir. Desejo e luxúria surgiram dentro dele, que não conseguiu
conter o praguejo suave que deixara sua boca enquanto a olhava.
— Eu... sinto muito se... se eu não sou do seu agrado. —
disse ela, as palavras todas bruscas e rígidas e faladas com pressa.
— Farei o meu melhor para agradá-lo.
Gordy piscou para ela, perplexo e perdido demais, na
excitação clamorosa em suas entranhas, para entendê-la por um
momento.
— Não é do meu agrado? — repetiu, franzindo a testa, antes
de bufar com essa ideia e subir por cima dela. — Eu gosto de você.
— disse, palpitando um seio e incapaz de conter um gemido
sincero, enquanto abaixava a cabeça e pegava o mamilo dela na
boca e o chupava com força. Ela tremeu e ofegou, e ele levantou a
cabeça, certo de que ela veria a diabrura e o desejo em seus olhos
naquele momento. — Gosto muito disso. — não lhe deu tempo para
responder, mas voltou para satisfazer seu próprio prazer, apertando
e beijando seus deliciosos seios, enquanto encontrava um lugar
entre suas coxas, deslizando seu pênis contra seu sexo com um
gemido de puro êxtase. Deus, ela era perfeita: macia e acolhedora e
forte o suficiente para resistir a ele.
Incapaz de esperar mais um momento, ele entrou nela,
gentilmente no início, e depois com um impulso feroz que a fez gritar
e agarrar seus ombros.
— Devagar. — disse ele, embora como ele falou, quando o
calor do prazer que o havia engolido havia roubado qualquer
fragmento de razão, não sabia. — Calma, vai passar.
Ele voltou sua atenção para os seios dela, o que não foi
exatamente uma dificuldade, apesar de seu corpo tremer com a
necessidade de se mover, com o desejo urgente de mais e mais, e
tudo o que ela tinha para dar. Sentiu a tensão nela diminuir, recuou
e afundou nela novamente, lentamente agora, e depois com
velocidade crescente, quando o seu clímax veio muito rápido.
Procurou a boca dela, desesperado para tomar tudo o que ela tinha,
tomando seus beijos generosos como um homem faminto, que
recebeu um pedaço de pão. O calor de suas mãos deslizando pela
espinha dele o fez estremecer, e então ela levantou as pernas mais
alto, envolvendo-as na cintura dele e inclinando os quadris. Cristo,
mas ele não ia durar muito tempo. Graças a Deus ela era inocente
demais para saber a diferença ou seu orgulho nunca se recuperaria.
Ele estremeceu e tremeu sobre ela, e depois deu um grito de alegria
gutural e bruto, enquanto jorrava dentro dela, tremendo, impotente
com o poder de sua libertação.
Maldição dos infernos, foi seu último pensamento coerente,
antes de colapsar em cima dela e adormecer.
Ruth olhou para o teto, ainda respirando com dificuldade, e
não tinha certeza do que deveria sentir. Todos os sentimentos
inquietantes e primitivos que a haviam agredido ao  colocar os olhos
em seu marido pela primeira vez, agora faziam mais sentido. Aquela
sensação tensa e urgente no fundo de sua barriga, a frustração
rastejante sob sua pele e a dor insistente entre suas coxas, era
disso que se tratava. Essa necessidade primitiva de reivindicar e
receber, e dar também, era para isso. A alegria que ele lhe dera
estava além de tudo o que acreditava ser possível. Naqueles
primeiros momentos, depois que seu clímax diminuiu, ela ficou
horrorizada, envergonhada pelo abandono selvagem que ela exibiu
para ele, mas, então, ela viu o olhar em seus olhos. Ele gostou
daquilo. Também gostava do corpo dela, ou pelo menos tinha prazer
nele. Bom Deus, isso pareceu um eufemismo de proporções
imensas. Um pouco como o próprio homem.
Ela se mexeu, esmagada no colchão, pelo peso morto dele.
Não era muito confortável - mal conseguia respirar - mas também
não era desagradável. Ele ainda estava dentro dela, embora tivesse
adormecido. Seu corpo formigava com a consciência do que
acabara de acontecer, em todos os lugares que não estavam
esmagados de forma alguma. A cabeça dele estava ao lado da dela
no travesseiro, a respiração bufando contra o seu pescoço. Ruth
virou a cabeça e olhou para ele. Ele fez a barba por ela,  notou com
um sorriso. O olhar dela viajou sobre seu belo rosto, observando os
cílios escuros e uma mecha de cabelo grosso, que havia caído
sobre os olhos dele. Seus braços não estavam presos à cama, pelo
menos, e ela estendeu a mão, empurrando o cabelo do rosto dele e
acariciando sua bochecha, sentindo ternura brotando dentro dela
enquanto ele se mexia um pouco e dava um suspiro pesado.
O grande turrão não era um bruto, nem um demônio, apenas
um homem com seus próprios problemas, sem dúvida. Que ele não
quisesse deixá-la fazer parte de sua vida era claro como o dia, que
ele não permitiria que ela tentasse abrir caminho para isso, era uma
certeza. Era mal-humorado, irracional e teimoso, o que era bom,
porque ela também era todas essas coisas, quando tinha justa
causa. Bem, ele era o marido dela, e esta era a casa dela, e ela
pretendia ficar com os dois, quer ele gostasse ou não.
Percebeu que o continuava tocando, enquanto sua mente
vagava e agora encontrava suas mãos acariciando seus ombros
poderosos, sobre seus braços. Ele estava incrivelmente quente,
muito mais quente do que ela, e o desejo se agitou em sua barriga
novamente, enquanto o explorava, deleitando-se nele, em seu calor,
músculo e físico masculino. Seu corpo se apertou ao redor dele e
ela choramingou de frustração. Ruth virou a cabeça para encará-lo e
depois se acalmou, ao encontrar aqueles extraordinários olhos cor
de uísque fixos nela. Ele não parecia nem um pouco sonolento.
Ele fez um som, em algum lugar entre divertimento e
surpresa, e então sua boca estava em seu pescoço, beijando e
mordiscando suavemente. Mordiscou sua orelha e ela estremeceu,
quase ronronando, quando suas mãos quentes voltaram para seus
seios, amassando e acariciando, seu coração começou a disparar
novamente. Enquanto ele se movia dentro dela, sua respiração
prendeu, sua cabeça inclinou para trás quando um suspiro suave de
contentamento escapou dela.
— Mais? — ele perguntou, a pergunta rouca e, ainda assim,
de alguma forma, gentil.
— Oh, sim. — disse ela, envolvendo-se sobre ele mais uma
vez. — Sim, por favor.
Ele bufou e se segurou nos cotovelos, olhando para ela, sua
expressão ilegível. — Valeu a pena esperar?
Ruth riu, não conseguiu evitar. O homem era terrível. —
Certamente. No entanto, acho que devo lembrá-lo que foi você
quem nos fez esperar, não eu. Podemos fazer isso quando  quiser,
no que me diz respeito.
Ele fez um som que ela não conseguia interpretar, embora
parecesse um pouco desesperado e não totalmente feliz. Ignorou e
o beijou em vez disso, colocando as mãos no rosto dele e puxando
a cabeça dele para a dela com insistência. Não que ele parecesse
relutante. Sua boca estava quente e urgente, pegando tudo o que
ela dava e ainda exigindo mais e mais, e, de repente, a emocionante
sensação da reunião que ele havia persuadido com a mão estava
sobre ela novamente.
— Oh! — suspirou, agarrando-se ao corpo dele, querendo-o
mais perto, mais fundo. — Mais, por favor... mais. — ele emitiu um
som áspero, que fez todos pelos do seu pescoço arrepiar, ao passo
que ele se movia com mais força e mais rápido.
— Sim. — ela gritou, cravando as unhas nos ombros dele,
enquanto luzes piscavam atrás de suas pálpebras.
O prazer foi intenso e a atropelou, provocou, prometendo por
mais. Estava além dela reprimir os sons que ele lhe tirava, gritos,
gemidos e exclamações de contentamento, até ela atingir um pico
impossível e sentir como se estivesse quebrando em pedacinhos.
Era como voar, como um fogo de artifício explodindo no céu noturno
de veludo e iluminando-a por um longo momento, e depois ela
estava caindo. Ele também estava caindo, e ela o segurou firme,
enquanto seu enorme corpo estremecia, seus gritos abafando os
dela, embora eles soassem em seus ouvidos, mesmo após a
quietude do quarto.
Desta vez, ele se afastou dela e se deitou de costas, seu
peito largo erguendo, enquanto ofegava. Jogou um braço pesado
sobre os olhos.
— Santo Deus! — murmurou com sentimento.
Ruth mal conseguia ver direito, mas sorriu, sabendo que o
havia surpreendido. Céus, ela se surpreendeu. Ele a surpreendeu
também. Não sabia o que esperar dele, especialmente depois do
tom frio e zombeteiro que ele usou, antes para garantir que ele
cuidaria de suas necessidades e que ela não teria queixas.
Esperava que ele agisse bem mais frio com ela, mas estava errada.
Depois do choque inicial de vê-lo olhando fixamente para ela, a
tratou gentilmente, até mesmo ternamente. Disse que ela era bonita.
Sua mente estudou aquela palavra, examinando-a de todos os
ângulos, apenas no caso de haver algum significado malicioso que
ela não percebera, tornando-a uma provocação. Mas não encontrou
nada. Bonita. Ela sentiu segurar a palavra em seu coração,
mantendo-a segura lá, escondida da vista de qualquer pessoa, seria
trazida à tona, para ser maravilhada, apenas quando estivesse
sozinha, como um bilhete de amor de um amante. Tolo, talvez, mas
ninguém nunca havia dito algo assim para ela antes, nunca pensou
em ouvir isso dos lábios do escocês grosseiro que a carregou para
as Highlands e mal proferiu uma palavra, desde então.
Sua respiração havia estabilizado agora, e ela sabia que ele
dormiria a qualquer momento. Antes que pudesse faltar-lhe
coragem,  aproveitou-se do estado sonolento dele e se aproximou,
colocando-se ao lado de seu enorme corpo e apoiando a cabeça
sobre seu ombro. Ele enrijeceu por um momento, mas depois
respirou fundo e cedeu sem protestar. Ruth sabia que ele estava
muito letárgico para fazer o contrário; ela não estava prestes a se
enganar e pensar que ele era o tipo de homem que abraçava
facilmente. Ainda assim, quando o braço, que outrora estava jogado
sobre seus olhos, se acomodou em sua cintura, ela estava com um
sorriso de triunfo. Com o passar da noite de núpcias, estaria
satisfeita consigo mesma, e toda esperança por ter, finalmente,
encontrado o lar que tanto procurou subiu a alturas impossíveis.
Com um pequeno suspiro satisfeito, Ruth fechou os olhos e
apoiou a mão no peito dele, adormecendo em seguida, com o baque
constante de seu coração.
 
7

O que quer que você faça, não ceda a ele um


centímetro se quer. Não permita que ele a ignore;
em momentos de discussões, não se afaste, mas
também não comece uma briga. Dê-lhe todos os
motivos para ficar. Encontre razões para se
orgulhar do sujeito e diga-lhe que está orgulhosa.
Não há nada melhor do que bajular o orgulho de
um homem obstinado... isso, ou levá-lo para a
cama.
Pensando nisso... leve-o para a cama de qualquer
maneira. Se ele está muito cansado para discutir,
sua vida será bem mais fácil.

— Trecho de uma carta da Sra. Ethel Stephens


para a Sra. Ruth Anderson.

8 DE NOVEMBRO DE 1814. CASTELO DE WILDSYDE, ESCÓCIA.

Ruth se esticou luxuosamente, bocejando e suspirando,


percebendo seus lábios curvarem em um sorriso, enquanto se
lembrava da noite anterior. Seu corpo doía, e ela estava ciente de
partes do seu próprio corpo, que  não notara antes. Quando 
acordou completamente, percebeu que estava dolorida e sensível,
coisas que não lhe haviam ocorrido na noite anterior. Bem, sem
dúvida que isso era normal na primeira vez; ela se acostumaria.
Quase riu disso. Só de pensar de se acostumar com
uma
coisa dessas estava além de sua imaginação. Ruth virou-se de lado,
com a intenção de se aconchegar ao homem que tornara a noite tão
inesperadamente maravilhosa e soltou uma exclamação de
consternação, ao notar a sua ausência.
— Diabos. — disse irritada.
Ora, bem. Não era surpresa que ele evitasse qualquer
intimidade adicional com ela se pudesse, e, sem dúvida, ele tinha
muitas visitas pendentes. Ainda assim,  poderia ter dito-lhe que
sairia cedo. Talvez não quisesse perturbar o sono dela,  pensou,
com mais esperança do que crença. Murmurando e estremecendo
um pouco, enquanto descia da cama e pegava o roupão, caminhou
até as grossas cortinas para abri-las. Para seu espanto, o dia lá fora
estava claro e já passava da manhã. Meu Deus, dormiu por horas.
Supôs que não poderia culpar Sheenagh por não a acordar; não
havia instruído a garota a fazê-lo e, se Gordy não tivesse se
retirado, Ruth não teria agradecido pela interrupção.
Gordy. Bem, ele era seu marido e, quando não o chamava de
seu adorável tolinho, não via por que não podia se dirigir a ele com
aquela versão familiar de seu nome.
Deu um puxão rápido no sino, esperando que Sheenagh não
a fizesse esperar muito tempo por sua água quente e café da
manhã, e sentou-se em sua penteadeira, com papel e pena na mão.
Havia mais coisas que precisavam ser feitas no castelo do que ela
poderia imaginar e, como mal havia investigado todo o lugar,
provavelmente muito mais do que ela desconhecia até agora.
Ainda assim, tinha que começar por algum lugar. Ruth
começou sua lista, cobrindo uma folha de papel e quase
preenchendo outra antes de perceber estar tão ocupada, que uma
hora deve ter passado, sem nenhum sinal de Sheenagh.
Aquilo não era nada surpreendente. Ruth estava ciente que
os criados não a queriam ali e, embora não pudessem desobedecê-
la totalmente, não se esforçariam para fazer o que pedisse.
— Tudo bem. — murmurou, prendendo o roupão um pouco
mais e calçando as sandálias.
Não viu motivo nenhum em tocar a campainha novamente. A
Sra. MacLeod estava tão aconchegada em sua cozinha quanto uma
pérola dentro de uma concha, e relutante em deixá-la. Certamente
teria ouvido o maldito sino, mesmo que ninguém mais tivesse
ouvido. Então, estavam simplesmente esperando para ver o que
Ruth faria a respeito.
Ruth desceu as escadas sem pressa e externamente serena,
embora, por dentro estivesse fervendo. Ao abrir a porta da cozinha,
foi atingida no rosto com uma onda de ar úmido e perfumado, o
delicioso aroma de bacon flutuando tão docemente, que seu
estômago se apertou em antecipação. Só agora se lembrou de que
estava nervosa demais na noite anterior e não jantou e agora estava
faminta.
— Ah, Sheenagh, aí está. — disse, sua voz plácida enquanto
olhava para a garota, sentada na mesa da cozinha, descascando
batatas e olhando-a com uma expressão emburrada. — Não vamos
insultar minha inteligência, fingindo que  todos na cozinha não
ouviram o sino. Esperei que água quente e café fossem trazidos
para o meu quarto, junto contigo. Não recebi nenhum dos itens que
acabei de mencionar.
Silêncio.
Ruth respirou fundo. — Acho que começamos com o pé
errado. Agora, sei que não me querem aqui. Sem dúvida, a chegada
de uma esposa inglesa para o senhorio é a última coisa que
esperavam ou queriam. Eu entendo, eu realmente entendo. No
entanto, pretendo fazer de Wildsyde minha casa. Gostaria que fosse
um lugar em que todos possamos ter prazer, uma casa confortável e
um bom lugar para trabalhar — fez uma pausa, olhando em volta,
para quatro rostos beligerantes, nenhum dos quais havia amolecido
um pouco. Tentando não se sentir intimidada,  continuou. — Há
muito trabalho a ser feito, tanto por dentro quanto por fora, para
transformar Wildsyde nessa casa confortável e, para conseguir
alcançar isso, preciso da ajuda de vocês. Por favor. Tenho certeza
de que se todos trabalharmos juntos...
— Flora, ouviu falar sobre Willy MacTavish?
— Sim, Sheenagh. — respondeu Flora, lançando olhares
ansiosos entre as outras mulheres. — Eu ouvi. Ficou sabendo que o
pobre Willy morreu, Sra. MacLeod?
As bochechas de Ruth arderam, enquanto a conversa
continuava ao redor, como se ela nunca tivesse falado. Como se
não estivesse lá.
Muito bem.
Ruth virou-se para a Sra. MacLeod. — Quem cuida dos
porcos? —  perguntou, sua voz alta o suficiente para interromper a
conversa.
— Como? — A Sra. MacLeod franziu o nariz, confusa com a
mudança na conversa.
— Os porcos, Sra. MacLeod. — Ruth repetiu pacientemente.
— Presumo que a propriedade tenha porcos?
— Sim? — a mulher confirmou, embora obviamente não
estivesse entendendo nada.
— Quem cuida deles?
— É o velho Jock.
— Velho Jock, excelente. — Ruth sorriu para ela. —
Obrigada, Sra. MacLeod.  — voltou sua atenção para Sheenagh,
ciente de que Jessie a observava com intensidade suspeita e Flora
estava olhando ao redor da porta da copa com olhos arregalados. —
Sheenagh, pode ir trabalhar com Jock. — disse, virando-se para sair
da cozinha.
— O que? — a garota exclamou, jogando a batata que estava
descascando, que então espirrou na panela com um estrondo alto.
Ruth se virou e levantou uma sobrancelha para ela. — Os
porcos, Sheenagh. Pode ir trabalhar com os porcos, ou — disse,
sorrindo um pouco. —  pode  trabalhar em outro lugar. Na verdade,
isso serve para todos vocês.
Ruth se virou e saiu da cozinha e subiu as escadas para o
quarto. Seu estômago estava reclamando, e ela estava doente de
fome, mas estava condenada se tivesse pedido um prato do bacon,
na sua saída triunfal. Além disso, se tivesse julgado as coisas
corretamente, tomaria seu café da manhã, em breve.
E dito e feito, vinte minutos depois de voltar para a sua lista, a
porta se abriu e Sheenagh entrou, carregando uma bandeja com
chá e, louvado seja Deus, um prato de ovos e bacon. O rosto da
garota estava uma tormenta, mas Ruth não se importou. A vitória foi
doce, e os ovos e o bacon estavam deliciosos. Sentou-se e devorou
cada pedaço, até mesmo limpou a gordura com uma fatia de pão,
quando Sheenagh foi embora e voltou com um jarro fumegante de
água quente.
— Pode pegar meu vestido verde, Sheenagh, aquele com a
renda rosa. — disse, enquanto se servia de uma segunda xícara de
chá.
— Sim, senhora. — disse Sheenagh, com o humor de um
urso, mas sem reclamar.
Ruth escondeu um sorriso.
Passou o resto do dia investigando o castelo, e o ânimo de
Ruth afundou, quando descobriu vazamentos no telhado, uma
infestação de ratos, chaminés bloqueadas e vidros quebrados nas
janelas. Havia quartos que haviam sido fechados e abandonados
para que apodrecessem, pois os reparos estavam muito além de
uma boa limpeza e arrumação, e não havia fundos para fazer nada
para salvá-los. Até mesmo a cozinha, que Ruth tinha que admitir
que estava imaculada o suficiente para comer do chão, não parecia
diferente do que deveria ter sido, quatrocentos anos atrás.
Na hora do jantar, Ruth tinha uma longa lista de coisas que
precisavam ser consertadas ou substituídas, e uma cegante dor de
cabeça na escala da tarefa diante dela. Que tinha que realizar tudo
isso, com o número beligerante de cinco pessoas, a fez sentir
náuseas. O fato de Gordy ter estado ausente o dia todo não ajudou
seu humor. Não apareceu para o jantar, e quando ela derrotou seu
orgulho, com força suficiente para perguntar aos criados onde ele
poderia estar, responderam com um encolher de ombros: — Não
sei, senhora. — como esta pequena pepita fora falada com um leve
curvar dos lábios, era óbvio que sabiam muito bem que seu marido
não a queria lá mais do que eles.
Às onze horas daquela noite, Ruth tinha que aceitar a
verdade. Gordy tinha desaparecido. Ela não acreditava que ele
tivesse ido embora para sempre. Dificilmente se levantaria e
deixaria sua casa, no momento em que tivesse fundos para
consertá-la. Estava fazendo-se entender, no entanto, e ela seria
uma tola em não enxergar isso. Abandoná-la na manhã seguinte ao
casamento, mostrando a toda a criadagem que ela não era bem-
vinda, prejudicou qualquer progresso que pudesse ter feito naquela
manhã, ameaçando demitir Sheenagh ou colocá-la para trabalhar
com os porcos. Agora acreditavam que seu senhorio os salvaria de
qualquer decisão que Ruth tomasse, e ela sabia que o que esperava
alcançar em Wildsyde, a tomaria dez vezes mais tempo e muito
mais energia do que sentia que tinha naquele momento.
Ainda havia a possibilidade de Gordy estar de volta na manhã
seguinte e colocá-los todos em seus devidos lugares,  assegurou-
se, rezando para que estivesse apenas cansada e desanimada e
esperando o melhor.
Três dias depois, as coisas estavam claras o suficiente.
Gordy ainda não havia retornado, os criados estavam quase rindo
na cara dela, e Ruth estava sozinha, abandonada pelo marido e
zombada por aqueles que deveriam respeitá-la. Todas as
esperanças que nasceram em sua noite de núpcias murcharam e
morreram, e a coisa mais difícil foi manter sua compostura e agir
como se ela não estivesse nem um pouco perturbada na frente dos
criados. Também era impossível usar qualquer um dos conselhos
que sua tia havia enviado, quando seu maldito marido não estava
por perto para usá-los. Queimou de humilhação quando percebeu
que a noite maravilhosa que compartilharam, claramente, não tinha
sido nada especial para ele. O que ela acreditava ser o
compartilhamento de uma conexão extraordinária, obviamente não
foi nada disso. Talvez fosse assim com toda mulher com quem ele
dormiu? Uma fúria e sofrimento lutaram por um lugar em seu
coração, mas  recusou-se a ceder a ambos. Bem, seu marido a
abandonou ao seu destino, e daí? Se ele achasse que era o
suficiente para mandá-la de volta para a Inglaterra, ele estava longe,
muito longe. Só precisou de um pouco de tempo para repensar sua
estratégia.
Precisava de reforços, funcionários que a respeitassem e
mostrassem para o grupo beligerante, ingrato e miserável, quem
atualmente habitava o castelo. Levou muitos anos e muita dor de
cabeça antes que  conseguisse tal equipe para as muitas
propriedades de seu pai, simplesmente, não tinha tempo ou energia
para lutar contra o esnobe por ela não ter sangue azul, suspeita de
seu sangue inglês e tentar colocar seu marido de lado ao mesmo
tempo. Não, precisava de ajuda na forma de um punhado de criados
dispostos. Felizmente, sabia exatamente onde consegui-los.
Gordy olhou para a lista de contas que pagou nas últimas
duas semanas. Sua cabeça estava girando. No entanto, quando
verificou com o banco, a soma surpreendente que sua esposa o
trouxe estava lá, na íntegra. Em comparação, a quantia que ele
acabara de gastar era uma gota em um oceano considerável.
Mesmo agora, carrinhos carregados de ferramentas e materiais
estavam voltando para Wildsyde, ao lado de um exército de homens
locais, prontos e dispostos a receberem as suas ordens. Passou sua
primeira semana fora, fazendo a ronda de seus inquilinos e
informando-os sobre a mudança da sua situação e a necessidade
de homens capazes. Como grande parte do trabalho que ele tinha
em mente eram melhorias nas propriedades dos inquilinos, eles
praticamente arrancaram sua mão. De lá, foi para Wick pedir
suprimentos e depois para Fort William, que era uma cidade muito
maior. O dinheiro estava derramando dele como água, tão rápido
que  se sentiu doente e ansioso, apesar de saber que poderia gastar
cinquenta vezes o valor e mal mudar seu saldo bancário. Estava
muito acostumado com a frugalidade, muito acostumado a esticar o
tanto quanto podia e, em seguida, um pouco mais ainda. Mesmo
que nenhuma de suas compras tivesse sido um pouco frívola, ainda
sentia uma sensação estranha no fundo da barriga, toda vez que lhe
apresentavam uma nova conta.
As únicas coisas remotamente indulgentes que pagou foram
quartos que estavam um pouco acima do que ele normalmente
reservaria. Não que   viajasse muitas vezes para longe de casa. Não
eram os melhores quartos, mas uma cama decente e uma boa
refeição e, em sua primeira noite na cidade, uma bela garrafa de
vinho. Se fosse honesto, até o vinho o deixava desconfortável, 
voltou para a bebida barata depois disso. Para sua consternação,
não conseguia encontrar prazer na safra mais fina. Não quando sua
esposa estava pagando por isso e ele a abandonou, sem dizer uma
palavra.
Não importa quantas vezes dissesse a si mesmo que era o
melhor,  não poderia se livrar de um sentimento perturbador de
culpa por tê-lo feito. Tinha sido cruel, sabia disso. No entanto, era
melhor ser cruel agora, para livrar a mulher de quaisquer
expectativas românticas que a noite de núpcias poderia ter deixado.
Por mais que tentasse, a lembrança daquela noite não o deixaria
ser, a doçura de infectar suas veias como veneno: insidioso,
tentando-o a querer mais. Se ele estivesse sendo honesto, não
apenas a abandonou, fugiu. Que calculou mal o perigo que ela
representava, era tão óbvio, agora que não podia acreditar que não
tinha visto de uma vez. Por que não olhou para ela e viu a força de
seu caráter, a natureza apaixonada de uma mulher, que não
receberia um não e simplesmente aceitaria sua parte?
Se tivesse se casado com Bonnie, saberia o suficiente, para
que sua vida não fosse confortável. Teria sido um milagre se não
tivessem se matado antes de seis meses, mas ele se sentiu capaz
de lidar com isso. Bonnie não tinha mais interesse em ser sua
esposa do que ele em ser seu marido. Ela nunca teria tido nenhum
apego romântico. Meu Deus, o teria acertado nas bolas, se ele
tivesse sugerido ter um casamento adequado entre os dois. Ela teria
sofrido as atenções dele pelos filhos que ela ansiava, mas, fora isso,
teriam vivido como estranhos, e isso seria bom para ele.
Não era isso que Ruth queria. Ela disse que queria ajudá-lo a
restaurar Wildsyde, e ele acreditava nisso, mas ela queria muito
mais do que isso. Queria um marido, em todos os sentidos da
palavra, um pai para seus filhos, um homem para amá-la e cuidar
dela, e ele não era essa pessoa. Ele nunca permitiria que fosse,
pois, eventualmente, ela perceberia que escolheu mal e encontraria
outro homem que lhe convinha melhor. Era o que as mulheres
faziam. Faziam com que vocês importassem e depois te deixavam
de lado. Sabia disso bem o suficiente, e ele não seria o tolo que
ansiava por uma esposa que não se importava com ele.
Praguejando baixinho, colocou as notas em uma pilha e as
colocou de volta em sua bolsa, antes de se servir de um copo de
uísque. Engoliu a primeira dose em uma golada só, antes de se
servir outra. Tornou-se uma espécie de rotina, tomar várias doses
antes de ir para a cama, na esperança vã de que os pensamentos
de sua esposa não o incomodassem. Perguntou-se o que ela estaria
fazendo agora. Estaria deitada em sua cama sozinha, pensando
nele, chorando por ele? Não, mais como se estivesse tramando uma
vingança. Quando ele partiu, o fez com a expectativa de voltar para
um castelo vazio. No entanto, quanto mais ele se afastava dela,
mais claro parecia ver. Não havia possibilidade nenhuma da mulher
recuar de uma luta com tanta facilidade. Mais provável que ela
estivesse se aprontando para atacá-lo, no momento em que ele
colocasse os pés sobre a soleira. Bem, que assim fosse. Estava se
preparando para uma luta. Se ela queria gritar e jogar coisas nele,
que fizesse isso. Essa era uma fúria com a qual poderia lidar, havia
sido criado em um campo de batalha como esse e sabia bem como
responder a um ataque assim.
O que ele não sabia era como se livrar da memória de sua
esposa embaixo dele, flexível e disposta e exigindo mais. Na
primeira vez, ele foi o mais gentil que pôde. Não que houvesse
tempo para ser muito mais, pensou com um rubor mortificado. Tinha
acabado muito rápido. A segunda vez, porém,  teve um gostinho de
sua paixão, o primeiro vislumbre de como as coisas poderiam ser
entre eles. A suspeita de que a natureza dela mais do que
combinava com a dele, que ele poderia deixá-la ir e amá-la tão
ferozmente quanto quisesse e ela só imploraria por mais, era aquela
que fazia seu corpo doer de desejo. Pare com isso, seu idiota, 
aconselhou-se. Uma dama é uma dama. Se ele quisesse que
alguém o tivesse de tal maneira,  poderia pagar pelo privilégio. Não
é a mesma coisa, sussurrou uma voz lamentável em sua cabeça.
Não é a mesma coisa. Ela queria você. Bufou e balançou a cabeça.
Oh, sim, ela o queria. Ela o queria de joelhos e, quando ele
estivesse lá, teria alcançado seu objetivo e se cansaria dele.
Bebeu outra dose de uísque e encheu o copo novamente,
olhando para o líquido dourado como se pudesse encontrar alguma
resposta nele. Não poderia ficar longe para sempre. Estava tubo
bem enviar homens e materiais. Alguém tinha que estar lá para
cuidar do trabalho. Clugston era um homem bom e levaria as coisas
adiante, mas Gordy precisava estar lá para ver o trabalho
caprichado. Sentiu um aperto na barriga, o desejo de ir para casa
emaranhado com o desejo de levar Ruth para a cama novamente.
Não importa quantas vezes ele dissesse a si mesmo que era
normal, que era um homem que tinha sangue correndo nas veias e
que tinha uma mulher disposta com um corpo exuberante ansioso
para aquecer sua cama, não poderia se livrar de uma suspeita
terrível.
Ele queria voltar para casa, para ela.
Olhou em volta, para o som de um suspiro melancólico, e viu
Murdo olhando para ele, com olhos animados da pilha cinza e
desgrenhada diante da lareira. Suas esposas dormiam de cada lado
dele, a imagem da felicidade conjugal.
— Você me contou seu segredo, Murdo. — murmurou Gordy,
antes de bufar e balançar a cabeça.
Não, ele não queria segredos para a felicidade conjugal. Não
era um cão, o que era uma pena, e duvidava que as táticas de
Murdo para um casamento feliz o ajudariam muito. Com um gemido,
esfregou a mão cansada no rosto e tomou uma decisão.
Mais uma semana.
Alívio caiu sobre ele, com a possibilidade de atrasar seu
retorno. Se ficasse longe por mais tempo, não teria que enfrentá-la,
ou qualquer uma das dúvidas terríveis que ele tinha sobre suas
intenções. A ausência de três semanas devia esclarecer o ponto de
vista dele e colocar as coisas em perspectiva para ele... para os
dois. Gordy olhou furioso para a garrafa de uísque e se perguntou
se seu fígado poderia suportar a punição de mais uma semana. Era
melhor ele aguentar.
 
8

Querido Garrick,
Espero que esta carta encontre o senhor e os
criados bem. Espero também que meu pai não
esteja sendo muito exigente e que minha querida
mamãe... bem, suponho que há pouco sentido em
esperar algo sobre esse assunto.
Como estou ciente de que o senhor é, sem
dúvida, o mordomo mais excelente de toda a
Inglaterra - sim, estou melando-o com mel com
um propósito, receio - espero que o senhor possa
me ajudar em minha hora de necessidade. Eu
estou precisando de criados. Na verdade, estou
precisando de apenas uma pessoa, que tenha o
menor desejo de fazer a minha vontade e eu não
terei escrúpulo para dizer-lhe que  estou
desesperada. Mande ajuda, Garrick, eu imploro.

— Trecho de uma carta da Sra. Ruth Anderson


ao Sr. Archibald Garrick, mordomo do Sr.
George Stone, Upper Walpole Street.

18 DE NOVEMBRO DE 1814. CASTELO DE WILDSYDE, ESCÓCIA.

Ruth olhou para a pilha de correspondência sem resposta


que ocupava a mesa. Havia decidido que, como seu marido a havia
abandonado, ela não tinha nenhum remorso em requisitar seu
escritório. Havia dezenas de cartas de vários membros das
Senhoritas Peculiares, e ela não se sentia à altura de responder a
uma única delas. Era miserável da sua parte, sabia, já que todas
estavam preocupadas e implorando-lhe para se certificarem de sua
felicidade. Como, então,  poderia se sentar e escrever mentiras
descaradas para suas amigas? Como poderia admitir que poderia
ter cometido o maior erro de sua vida em não atender aos seus
apelos para repensar sua decisão? Não podia dizer-lhes o quão feliz
estava, quando nunca tinha estado tão miserável. O melhor que
conseguiu administrar alguns dias antes, quando sua culpa atingiu
um pico insuportável, foi uma breve mensagem para Matilda, mas
endereçada a todas elas, garantindo-lhes que ela estava segura e
bem e não lhes dizendo nada sobre sua vida. Isso não as impediria
de se preocupar, mas ela esperava que isso aliviasse suas mentes.
Ruth não sabia o que fazer.
Toda a energia com a qual havia enfrentado o desafio que se
aproximava escorria de seu corpo um pouco mais a cada dia,
enquanto a inimizade dos criados e a enormidade da tarefa
diminuíam sobre ela. Era preciso tanta força para enfrentá-los e
levá-los a fazer a menor das tarefas, em um período de tempo
razoável, que ela não tinha a menor fé em ser capaz de lidar com os
projetos mais assustadores. Qualquer influência que  pudesse ter
sobre seu futuro parecia estar escapando de seus dedos e ela ainda
não tinha recebido a notícia de Garrick, de que tinha sido bem-
sucedido em garantir-lhe novos criados.
Ruth colocou a cabeça entre as mãos e grunhiu, e então
levou um susto enquanto ouvia o tilintar de aderência e o estrondo
de rodas de carruagem, vindo em direção ao castelo. Já imaginou
várias histórias na cabeça, pois parecia que seu marido, onde quer
que estivesse, estava esbanjando o seu dinheiro sem dó nem
piedade. Não que ela pudesse culpar os suprimentos de materiais
de construção e as ovelhas e galinhas gordas e saudáveis, nem
qualquer outra coisa que tivesse chegado no castelo ou para seus
inquilinos. Aparentemente, havia um verdadeiro exército de homens
a caminho também. Até agora, Gordy ainda não tinha feito parte das
entregas, todas as quais foram rapidamente tomadas pelo duvidoso
Sr. Clugston. Aquele homem também fora notável por sua ausência,
e Ruth sabia que ele estava ficando o mais longe possível dela, para
que  não se envolvesse involuntariamente em uma batalha entre
marido e mulher. Não que Ruth fizesse tal coisa com o homem, mas
ele não deveria saber disso.
No entanto, parecia que não havia aprendido sua lição e
correu para a porta da frente, esperando que, desta vez, a figura
imponente de seu marido errante a cumprimentasse. Como
pretendia lidar com ele mudava descontroladamente, entre
esfaqueá-lo com seu próprio punhal e jogar os braços em volta do
seu pescoço, dependendo de quão lamentável ela estava se
sentindo. Hoje o punhal tinha o maior apelo, e ela quase correu em
direção da porta. Em qualquer caso, levaria uns bons dez minutos,
antes que qualquer um dos malditos criados se movessem para
atender a porta.
Atravessou o vasto corredor de entrada, assim que bateram à
pesada porta de carvalho e seu coração afundou. Gordy não bateria
à porta. Ah, bem, mais entregas então. Engolindo sua decepção,
abriu a porta e congelou surpresa.
— Garrick! — exclamou, perguntando-se se a solidão tinha
confundido seu cérebro e ela estava apenas imaginando a visão
intocada de seu fiel mordomo.
— Boa tarde, Sra. Anderson. — disse ele, dando-lhe um
sorriso caloroso, seus olhos azuis brilhando.
Para sua consternação, a garganta de Ruth ficou apertada.
Uma forte emoção a oprimiu ao ver um rosto amigável, em quem ela
sabia que poderia confiar de todo o coração.
— Oh, Garrick! — disse soluçando, cobrindo a boca com a
mão.
 
Embora soubesse que estava pálida, começou a chorar.
— Oh senhorita. — disse Garrick, seu rosto caindo em sua
óbvia angústia e o choque que o fez esquecer que ela não era mais
a Srta. Stone.
Para o seu espanto, estava envolvida em um abraço, tão
breve quanto feroz.
— Agora, então, Sra. Anderson, — disse, e sua voz era uma
estranha mistura de afeto e compreensão enquanto ele se
endireitava. — não deixe que eles vejam.
Ruth assentiu, tomando o significado dele imediatamente,
enquanto enxugava os olhos e se recompunha.
— Não. Não, claro que não, Garrick. Fiquei dominada pela
surpresa por um momento porquê... oh, como é bom vê-lo, mas por
que está aqui? Pensei que fosse enviar criados...  nunca imaginei...
Garrick deu um sorriso carinhoso. — Vamos cuidar para que
eles entrem e se acomodem primeiro, depois eu explico tudo.
Ruth assentiu, imaginando o que, diabos, havia acontecido
com ela. — Oh, que confusão eu estou, Garrick. Vê como me tornei
uma mulher desesperada? Perdi a razão.
— Bobagem. — disse ele rapidamente. — A senhora está
apenas um pouco triste e sei que qualquer outra pessoa teria
corrido, gritando, por semanas. É uma troiana, senhorita... Sra.
Anderson. Eu sempre soube disso e não vou mudar de opinião, mas
estou aqui agora e pretendo ficar. Entre nós, vamos arrumar o lugar
em pouco tempo.
Com essa nota agradável, parecia que Garrick havia
chegado. Se ela não soubesse que isso o mortificaria e ofenderia
sua dignidade, mais do que o breve abraço que, provavelmente, já
tinha, ela o teria beijado.
Neste momento, a Sra. MacLeod, com seus lacaios em
reboque, entrou no salão, eriçada de indignação, enquanto olhava
para doze novos membros da equipe, de lacaios a criadas, incluindo
uma governanta tão severa quanto Ruth já havia visto.
Pela primeira vez, desde que percebeu que Gordy a havia
abandonado com intenção deliberada, as esperanças de Ruth
aumentaram.
— Sra. MacLeod, — disse, saboreando o momento como a
primeira vitória real que teve, desde o incidente Sheenagh e o
porco. — permita-me apresentá-la a Garrick, meu mordomo? Ele,
sem dúvida, lhe apresentará o resto dos criados. Garrick, deixe-me
apresentar nossa cozinheira, Sra. MacLeod.
Garrick, que havia se aprumado em sua altura total e
considerável, lançou um olhar definhante para a Sra. MacLeod, do
tipo que qualquer duque aspiraria. Realmente era um mordomo
magnífico. Sem se mover, Ruth decidiu dobrar seu já considerável
salário. Tal lealdade merecia reconhecimento.
— Ainda não contratei uma cozinheira, Sra. Anderson. —
disse, sua expressão pedregosa, enquanto olhava para a Sra.
MacLeod, como se fosse algo em que ele havia pisado. — Vossa
senhoria não mencionou em sua correspondência, e presumi que
seria um assunto que preferiria supervisionar pessoalmente.
— Certamente. — respondeu Ruth, observando o conjunto
rígido da mandíbula da Sra. MacLeod, antes de amolecer um pouco.
Queria os criados do seu lado, não para aliená-los completamente,
mas tinham que ceder um pouco também. — Na verdade, a Sra.
MacLeod é uma boa cozinheira e estou bastante satisfeita por ela
continuar nessa posição. Quero que todos os criados continuem
aqui. — acrescentou, permitindo que seu olhar descansasse em
cada um deles. — Suspeito que todos sejam muito capazes e só
precisam de um pouco de tempo, para se acostumar com sua nova
senhora. Afinal, mudanças podem ser muito perturbadoras, não
acha, Garrick?
Garrick deu um aceno grave. — De fato, Sra. Anderson.
Ajustes devem ser feitos em todos os lados.
Ruth sorriu para ele, satisfeita. — Contanto que esteja feliz
com a conduta deles. Deixarei o assunto em suas mãos capazes,
Garrick. Sei que  não vai me decepcionar.
— De fato, não vou. — veio a resposta firme.
— Sra. MacLeod, a senhora pode acomodar os criados
devidamente? Eu encomendei suprimentos extras de linho e
requisitos básicos para todos os criados, bem como suprimentos de
alimentos, que precisam ser descarregados. Tenho certeza de que,
se todos nos derem uma mão, podemos arrumar tudo para esta
noite, antes de fazermos arranjos a longo prazo, pela manhã. De
minha parte, estou satisfeita com uma tigela de sopa ou o que quer
que seja para o jantar, para manter o trabalho ao mínimo.
Sheenagh, tomarei chá, para dois, no escritório, em meia hora.
Garrick, espero que se junte a mim na sua conveniência. Temos
algumas coisas para discutir.
Sheenagh estava olhando para Garrick como se ele fosse
algum tipo de besta mítica aterrorizante, mas conseguiu um leve
assentimento.
— Com prazer, Sra. Anderson. — disse Garrick, com tanta
deferência, como se estivesse se dirigindo a uma duquesa.
Ruth reprimiu um sorriso, sabendo que eles geralmente
nunca se preocupavam com tal formalidade e que era tudo exibição.
Acenou  regiamente para ele e depois se retirou, arrastando as suas
saias.
Rodada dois para os Sassenachs.
Não demorou muito para a Sra. MacLeod e os residentes
perceberem que estavam em desvantagem numérica e que foram
manobrados. Isso não significava que eles tinham que gostar.
Fizeram tudo o que lhes foi pedido, em silêncio e sem queixas. Isso
não significava que não sabiam que eles estavam fervendo de raiva,
um fato ilustrado por seus lábios apertados e olhos brilhantes. Ruth
esperava que não durasse. Com sorte, logo perceberiam que ela
estava pronta para ficar satisfeita com eles. Se lhe dessem uma
chance, seria rápida em recompensá-los por seus esforços. Estava
perfeitamente feliz em ganhá-los desde o início, mas se não
cedessem um centímetro, deixariam sua pouca escolha no assunto.
Agora, era a vez deles. Se tentariam trabalhar com ela ou
simplesmente pisar forte, não sabia. Só podia esperar que pudesse
encontrar uma maneira de tranquilizá-los de que não queria ser dura
com eles, se ao menos lhe dessem a oportunidade de ser qualquer
outra coisa.
Quando Garrick se juntou a ela no escritório, seus ânimos
haviam sido restaurados, e ela sorriu para ele com verdadeiro
prazer.
— Não, não se atreva a mover um dedo. — disse, enquanto
ele pegava o bule de chá. — Um mordomo de sua magnificência
servindo chá? Acho que não.
Garrick riu e balançou a cabeça. — Da mesma forma que
acredito que a dona da casa não deveria estar me servindo.
— Ora, bem. Nunca fizemos cerimônia, Garrick, e,
francamente, sou muito grata por ter vindo... — A voz de Ruth
oscilou um pouco e ela fez uma pausa, dando-lhe um sorriso triste.
— Bem, acho que deixei isso bem claro, mas o que  está fazendo
aqui? Certamente sabia que eu só pretendia que enviasse criados
de algumas das outras propriedades?
— Certamente, — respondeu Garrick, pegando a xícara que
ela lhe ofereceu. — mas posso falar claramente, Sra. Anderson?
— Vou ficar muito ofendida se não fizer isso. — disse Ruth,
rindo, enquanto preparava sua própria xícara.
— Lembra-se de quando assumiu o comando da Upper
Walpole Street?
— Bom Deus, sim. — Ruth respondeu fazendo uma careta.
Tinha doze anos de idade e sua mãe estava enlouquecendo os
criados, tentando organizar um baile para quatrocentas pessoas.
Uma semana antes do grande dia, mudou de ideia sobre cada
detalhe que havia sido meticulosamente arranjado e depois ficou
furiosa quando tentaram explicar que pelo menos metade do que ela
queria era impossível em tão pouco tempo. Isso ocorreu em parte
porque ela esperava centenas de buquês de rosas vermelhas,
peônias e cravos em meados de fevereiro, e em parte porque sua
ideia era vulgar e horrível.
— Naquela mesma semana, o Visconde Somerton me
ofereceu um emprego.
Ruth piscou para ele. — Eu não sabia disso.
Garrick assentiu. — Iria aceitar, apesar...
Rute sorriu. — Vamos lá, Garrick. Papai paga muito mais
para manter a equipe que nunca trabalharia para um cabeça de
vento em outras circunstâncias.
Garrick franziu a testa, as sobrancelhas escuras se juntando.
— Eu não teria dito...
— Oh, bobagem. É verdade e nós dois sabemos disso. Vá
direto ao ponto, e não poupe meus rubores, imploro. Sabe que eu
prefiro franqueza.
Deu um sorriso admirador e assentiu. — Isso eu sei. Bem,
para ser franco, Sra. Anderson, se a senhora não tivesse tomado o
controle das coisas, pequena como ainda era, acho que a senhora
teria perdido mais da metade dos seus criados durante esse
desastre. A coisa mais inteligente que seu pai já fez foi colocá-la no
controle da casa, embora eu sentisse que era muito injusto da parte
dele. A senhora cresceu bem mais rápido do que deveria, mas não
tem ninguém de quem mais tive orgulho. Ver uma garota tão jovem
ordenando aquela equipe com segurança é algo que eu nunca
esquecerei,  digo-lhe agora, se não fosse pela senhora, eu estaria
trabalhando com o Visconde Somerton.
Ruth corou um pouco e não precisava que ele apontasse que
o visconde era um rabugento mal-humorado.
— Obrigada, Garrick, mas a casa não foi à falência e à ruína
no pouco tempo em que estive ausente, não é? Não sentiu a
necessidade de fugir, sentiu?
— Não. — admitiu. — Ainda não, mas não é a mesma coisa
sem a senhora, então não pense que fiz um grande sacrifício ao vir
aqui. Fiz isso para me agradar, e se eu puder retribuir pelas muitas
gentilezas que a senhora me fez, muito melhor.
— Você me superou por qualquer bondade, tenho certeza.
Nunca serei capaz de retribuir. — disse Ruth, soltando um suspiro
de alívio — Mas vou tentar. — acrescentou, piscando para ele.

— Eu deveria esperar pelo retorno do Sr. Anderson antes de


iniciar o trabalho  no castelo.
O rosto do Sr. Clugston era a imagem do descontentamento.
Esfregou a mão sobre a cabeça lisa e careca, enquanto discutiam,
de um lado para o outro, no frio de uma manhã gelada de
novembro.
Depois de uma hora infrutífera de busca e seguindo seu
rastro por uma variedade de cômodos negligenciados, ela
finalmente o encontrou no pátio interno.
— De verdade? — Ruth disse, seu tom mordaz. Cruzou os
braços e olhou para ele. A discussão andava em círculos nos
últimos dois dias e ela perdeu os últimos vestígios de sua paciência.
Tinha sido muito boa e compreensiva e mais do que razoável para
começar; assumindo que o Sr. Clugston estaria tão ansioso quanto
ela para começar a trabalhar, quando houvesse materiais e homens
prontos para serem usados. Como o trabalho em questão era tornar
os aposentos da criadagem mais confortáveis, considerava uma
parte crucial de seu plano conquistar os criados escoceses e
conseguir que ficassem do seu lado. Para sua frustração, ele
simplesmente continuou repetindo a mesma linha, sem nada
parecido com um argumento sólido. Ele deveria ter esperado o
senhorio chegar. Bem, já que o marido dela não deu a ninguém uma
pista de quando voltaria, podem esperar até o Juízo Final, e isso era
inaceitável.
Por que razão a Sra. MacLeod e os outros deveriam suportar
telhados com buracos e chaminés quebradas, quando tudo já
estava ali, disponível para resolver os problemas? Então, ela se
agarrou ao Sr. Clugston como uma rebarba em um kilt e
enlouqueceu o pobre homem. Agora, sentiu o primeiro fraquejo da
determinação de seu marido e resolveu ir direto para a matança. —
E quando o Sr. Anderson retornar, supondo que seja em algum
momento deste século, lhe dirá para não consertar o telhado na ala
norte do castelo?
— Não. — ele admitiu. — Mas ainda assim, respondo
apenas...
— Ao Sr. Anderson. — retrucou, reprimindo o desejo de jogar
algo. — Sim, eu sei, mas o senhor sabe que ele quer que a ala norte
seja reformada primeiro, da mesma forma que eu, e se esse
vazamento piorar, causará danos consideráveis. Os aposentos dos
criados estão uma desgraça absoluta, não posso continuar com a
reparação do interior do castelo, antes que o telhado e as chaminés
sejam arrumados e as janelas reparadas. Há uma enorme
quantidade de trabalho a ser feito. O senhor tem todos os materiais,
tem homens à sua disposição...
— Os homens estão trabalhando em outro...
— Então arranje outros! — gritou, o último fio de seu
temperamento se desvaindo. O Sr. Clugston endureceu e Ruth
respirou fundo, ciente de que essa não era a maneira de transmitir
seu ponto de vista. — Perdoe-me, Sr. Clugston, sei que está
fazendo o seu melhor para realizar seu trabalho como achar melhor,
mas estou comprometida em devolver Wildsyde à sua antiga glória,
e achei que um homem que parece amá-lo tanto quanto meu
marido, gostaria de me apoiar em tal empreendimento, não ficar no
meu caminho, enquanto o lugar desmorona diante de nossos olhos.
O Sr.
Anderson não está aqui, —  acrescentou, vendo sua
expressão suavizar um pouco suas palavras e rezando para que ela
tivesse dito a coisa certa. — mas eu estou, e preciso da sua ajuda.
Clugston sugou o ar através dos dentes cerrados e depois
praguejou baixinho. — Ora, para o inferno com tudo isso. Muito
bem, Sra. Anderson. O telhado será consertado, e as chaminés
também. Ainda não tenho os vidros, mas no momento em que
chegarem, os rapazes começarão a colocá-los.
Ruth emitiu um som de prazer e ficou tão dominada por sua
vitória que beijou a bochecha do Sr. Clugston. Clugston corou até as
pontas dos ouvidos. Ruth pensou que sua cabeça careca também
ficou um pouco rosada, mas não tinha certeza. Pode ter sido só o
frio.
— É um príncipe entre os homens, Sr. Clugston, e acabou de
ganhar uma garrafa de uísque. Encontrei uma pilha de garrafas
empoeiradas no porão. Presumo que seja uma boa safra?
Seus olhos ficaram redondos. — Ora, não, senhora, o
senhorio não ficará feliz se a senhora me der o seu uísque. É mais
do que a vida de um homem vale.
— Duvido que valha mais do que a minha. — disse Ruth
secamente, pensando em seu marido em algum lugar, gastando seu
dote e esperando que fosse tudo em materiais e não em mulheres e
vida fácil. — E meu marido não está aqui para se opor, está? Volte
aqui quando terminar o trabalho. O senhor pode jantar comigo e
abriremos uma garrafa juntos, para comemorar.
Ruth se afastou, incapaz de esconder seu sorriso encantado.
O trabalho estava chegando a um ritmo fantástico dentro do castelo.
Se o trabalho no exterior pudesse ser feito no mesmo ritmo, o antigo
lugar deveria parecer muito diferente, de fato, quando seu marido
errante se dignasse a aparecer. O pensamento a agradou muito.
Usou os últimos dias para fazer algumas alterações no
escritório dele. Era um espaço masculino, um pouco desarrumado
quando ele partiu, e ela não pôde deixar de rir enquanto pensava
em como ficaria no retorno dele. Era infantil, sabia disso, mas ele a
abandonou e isso doía. Parecia uma vingança bastante inofensiva
nas circunstâncias. Inofensiva, mas muito clara.
Ela o ensinaria a sair e deixá-la em paz sem dizer uma
palavra.
Oh, sim,  faria isso.
 
9

Querida Ruth,
Faz tempo que não tenho notícias suas. Como
está se dando com o seu marido cabeça dura?

— Trecho de uma carta da Sra. Ethel Stephens


para a Sra. Ruth Anderson.

27 DE NOVEMBRO DE 1814. CASTELO DE WILDSYDE, ESCÓCIA.

Gordy puxou seu cavalo, olhando para sua casa no brilho do


sol de um dia sem nuvens. A grama abaixo estava quebradiça e
branca devido à geada, o frio cortante queimava a sua pele. Era
tarde da manhã e o lugar parecia ser uma colmeia de atividade.
Olhando contra a luz do sol, viu os homens que trabalhavam no
telhado. Não poderia culpar Clugston por continuar com o trabalho,
supôs. Quando disse ao homem para esperar que ele voltasse
antes de começar o trabalho no castelo, não esperava ficar fora por
tanto tempo. Covardia era um motivador poderoso, parecia. Fez
uma careta, horrorizado consigo mesmo, e ainda mais quando seu
estômago contorcia de ansiedade.
— É um homem ou um rato? — murmurou, enquanto seu
cavalo se debruçava sobre ele, percebendo sua inquietação, Murdo
soltou um som bufante, gritou com ele e depois espirrou. — Não
tenho medo dela. — protestou Gordy, enquanto o cachorro parecia
estar olhando para ele enojado. Minnie e Morag dançavam
animadas com Murdo, pulando nele, até que as acalmou com um
grunhido profundo da garganta. Olhou para Gordy, como se
mostrasse silenciosamente como deveria ser feito. Gordy se
perguntou se ele tinha perdido a cabeça completamente, pois o
maldito cão parecia ter mais juízo do que ele.
— Ora, que se dane.
Insistiu com o cavalo, conduzindo a galope em direção ao
castelo. Quando se aproximou, ele se preparou para a próxima
batalha de vontades. Ela ficaria furiosa com ele e tinha consciência
de que ela tinha todo o direito de estar. Isso não significava que ele
cederia um pouco, no entanto. Ela precisava saber que era assim
que as coisas seriam, e se ele tivesse que se esforçar para fazer
isso, que seja. Não que ele quisesse levantar a mão para ela. Nunca
atacaria uma pessoa mais fraca do que ele. Seu pai lhe dera uma
repulsa de tal brutalidade, a valentia física não era seu estilo. Não
que ele estivesse acima de intimidação, se conseguisse o que
queria. Sim, sua esposa estaria em choque se ela pensou em
conseguir qualquer coisa parecida com um pedido de desculpas
dele.
Com essa determinação estabelecida em sua mente,
cavalgou pelo pátio e desmontou, jogou as rédeas para um rapaz
que ele não reconheceu, mas presumiu que havia empregado para
realizar tal serviço. Apressou-se, impaciente para acabar logo com o
confronto, caminhando pelo pátio interno, até a porta da frente, que
se abriu como por magia. Parou na entrada e ficou olhando
incrédulo para um... mordomo.
— Bom dia, Sr. Anderson. — o homem entoou, abrindo-lhe a
porta.
— Quem diabos é você? — exigiu, olhando furioso para o
sujeito e seu sotaque inglês preciso.
Era um tom de voz cortante, que fez todos os pelos do
pescoço de Gordy formigarem de irritação.
— Garrick, senhor.
De algum lugar nos recessos de seu cérebro, Gordy se
lembrou de tê-lo visto antes. Não lhe prestou muita atenção na
época, muito impressionado com a exibição luxuosa de riqueza
respingando de todos os cantos de seu entorno, ao visitar a casa de
sua futura esposa. Gordy franziu a testa para o homem e depois
olhou ao redor do corredor de entrada, surpreso. Parecia diferente.
A mobília era diferente, havia tapetes e móveis agradáveis, havia
exposições florais, feitas de azevinho e perene e alguma flor
amarela pontiaguda para a qual ele não tinha nome. Havia pinturas
nas paredes. Parecia que  havia retornado ao lugar errado.
Parecia... acolhedor.
Naquele momento, uma porta bateu e Ruth apareceu,
ladeada por uma mulher de aparência austera, com cabelos
grisalhos e expressão feroz, que estava rabiscando em um pequeno
caderno, o que quer que Ruth estivesse dizendo. Gordy
experimentou um choque inesperado de alguma emoção
desconhecida, enquanto olhava para sua esposa. Parecia tão
majestosa como sempre, vestida com um vestido verde escuro,
enfeitada com rendas e com... o tartan dele em volta dos ombros,
preso com um broche de cardo prateado. Ele perdeu o fôlego. Uma
onda de algo quente e possessivo surgiu através dele, o que o
irritou além da razão. Agarrou-se à raiva como um homem que, se
afogando, pudesse pegar qualquer coisa para manter a cabeça
acima da água, não importa o quão fraco. Recompondo-se para a
explosão inevitável,  respirou fundo e se preparou.
Então ela o viu.
— Ah, aí está. — disse ela, sorrindo para ele. — Bem-vindo
de volta. Meu Deus, deve estar exausto. Sra. Crust, peça um banho
quente para o senhorio imediatamente, por favor. Está com fome,
meu querido? Ora, que pergunta boba. — ela riu, sacudindo a
cabeça. — Certamente está com fome. Porque não sobe e relaxa
um pouco. Levarei uma bandeja. Sra. Crust, a senhora pode
encontrar algo saboroso para meu marido?
— Imediatamente, Sra. Anderson. — respondeu a mulher, e
deixou o local.
Antes que Gordy percebesse o que estava acontecendo,
Ruth pegou seu braço e o arrastou escada acima.
— Teve uma jornada de sucesso, meu amor? Mas que
esperteza a minha, é claro que sim. Tem havido um fluxo
interminável de materiais e homens quase que diariamente. Deve
estar desgastado. Prometo que não vou assustá-lo até a morte, com
dezenas de perguntas, embora eu esteja morrendo de vontade de
ouvir como se saiu. Agora descanse um pouco. Seu jantar estará
pronto em alguns minutos e, em seguida, um bom banho de
banheira. Você tem um valete, Jenkins. Vai gostar muito dele. Uma
alma tão alegre. Bem, vou parar de falar pelos cotovelos, querido, e
o vejo mais tarde.
Finalmente ela parou para respirar, ficou nas pontas dos pés,
para dar-lhe um beijo suave na sua bochecha e fechou a porta do
quarto na cara dele.
Gordy ficou olhando para a porta por algum tempo,
totalmente perplexo. Mas que diabos acabara de acontecer? Virou-
se com o som de movimento atrás dele, sua mão se movendo
instintivamente ao punho de sua espada.
Um homem jovem e esbelto, de talvez vinte e cinco anos,
barbeado e arrumado, e atualmente branco como um lençol,
congelou de terror, no outro lado do quarto.
— Bom dia, Sr. Anderson. — gaguejou, olhando para a
espada no quadril de Gordy com horror.
Gordy grunhiu e tirou a mão. — Jenkins, presumo? —
perguntou, olhando fixamente para o sujeito.
O jovem se iluminou, reunindo agora a ameaça de morte
iminente que parecia ter recuado.
— De fato, senhor, e posso dizer que é um prazer...
— Não, não pode. — retrucou Gordy, furioso por descobrir
mais um vigarista inglês debaixo do seu teto. — Se quer trabalhar
para mim, converse menos, ouviu, rapaz? Não suportarei você
tagarelando no pé do meu ouvido antes do meio-dia.
O rapaz olhou para ele, mudo e angustiado, até Gordy
perceber que o sujeito não tinha a menor ideia do que acabara de
dizer. Ele suspirou, orando por paciência. — Não fale, a menos que
precise. — aterrou.
— Oh, claro, senhor. Como desejar, senhor…
Gordy praguejou e depois olhou para o quarto e praguejou
um pouco mais. — Mas o que...
Cada peça de mobília tinha sido polida, para um brilho de dar
água nos olhos e com novo estofado. Havia também uma
quantidade de móveis que ele nunca tinha visto antes, além de
tapetes grossos cobrindo o chão, tapeçarias nas paredes e quadros
dourados. Ficou aliviado ao ver que a cama era a mesma, embora
mal fosse visível, atrás das faixas exuberantes de pesadas cortinas
de veludo, em um rico azul escuro, aparado com grossas borlas
verdes, exatamente os mesmos tons de seu tartan. A cama também
estava posta com uma manta de lã em seu tartan, quente e
convidativo, contra linho branco translúcido, uma montanha de
travesseiros e almofadas em vários tons de verde e azul.
— O que aconteceu aqui? — Gordy exigiu indignado. Virou-
se para a lareira, até onde sua cadeira favorita deveria estar. Era
uma cadeira velha, seu estofado rasgado e o tecido gasto e com
uma mola que sempre prendia o seu traseiro, se ele não se
sentasse em um certo ângulo. — Onde está minha cadeira? —
gritou, virando-se contra o infeliz Jenkins com, talvez, mais fúria do
que a situação justificava.
Jenkins empalideceu e deu um passo para mais perto da
porta. — Está ali, senhor. — disse, apontando para uma cadeira
confortável e perfeitamente estofada, perto da lareira. — A S-Sra.
Anderson disse que havia uma mola que...
— Argh!
Gordy pegou a coisa mais próxima da sua mão - uma garrafa
de vidro - e jogou-a contra a parede, onde se quebrou, com um
estrondo satisfatório. Jenkins fugiu. O cheiro avassalador de... de...
algo tomou conta do quarto e fez os olhos de Gordy arderem.
Maldita seja. Estragou tudo.
Andou de um lado para o outro, a mão segurando sua
espada até que seus nós dos dedos ficaram brancos e murmurou
todas as maldições que podia lembrar. Alguns minutos depois, ele
se virou, quando houve uma batida suave e a porta se abriu. Sua
esposa entrou, com um lacaio ansioso a reboque, carregando uma
bandeja carregada.
— Coloque-a ali, por favor, Roberts — disse ela, direcionando
o homem para uma mesa e cadeira diante da janela. — E peça para
alguém vir  limpar esses vidros, antes que meu marido se corte.
Meu Deus, que fedor. Confesso que sempre gostei do aroma do
rum, e pensei que o agradaria, mas em quantidade grande é
positivamente nocivo. Pobre querido, gostaria de se retirar para o
meu quarto, até que tenhamos tudo arejado? — Enviou um sorriso
ofuscante a Gordy, junto da pergunta educada e ele sentiu seu
temperamento subir ainda mais.
— Não. — rosnou, respirando com dificuldade. — Não quero
me retirar para o seu quarto, quero meu antigo quarto de volta!
O lacaio seguiu o exemplo do valete e correu do quarto em
alta velocidade.
— Oh céus. — disse Ruth com um suspiro, sentando-se na
beira da cama — Não gostou?
— Não gostei! — ele trovejou.
Ela assentiu, parecendo mansa e arrependida, o que o
acalmou um pouco. Sim e assim ela deveria, a dama intrometida.
— Perdoe-me. Esforcei-me tanto para deixá-lo como gostaria
e estava bastante orgulhosa dos resultados. Quero dizer, eu ia usar
amarelo nas cortinas da cama, uma cor tão alegre — disse
melancolicamente. — Mas então decidi que talvez não aprovasse, e
me perguntei o que mais gostava, então pensei no seu tartan.— ela
parou, acariciando a lã grossa que cobria a cama, com um sorriso
fraco. — Esqueça. Será o amarelo, então.
Gordy piscou. — Se revestir a cama de amarelo, vou atear
fogo nela. — disse com os dentes, olhando para ela.
— Oh! — disse ela, levantando as sobrancelhas. — Muito
bem, então. É melhor escolher por si mesmo. O que gosta, querido?
Gordy abriu e fechou a boca. — Eu gostava de como as
coisas eram antes de você entrar aqui e se intrometer! —
respondeu.
— Minha nossa! — ela mordeu o lábio. — Havia mais
buracos do que linho na maioria dos lençóis. Acho que os
reservamos para a limpeza, mas, se ainda não foram rasgados, vou
buscá-los de uma vez, se é isso que prefere? Também quer aquele
cobertor de lã, o que os cães mastigaram? Se tem valor sentimental,
eu entendo. Quando eu era criança, tinha um pequeno pedaço de
tecido de algodão desgastado, aparado em cetim, que eu levava
para todos os lugares...
Um nervo começou a pulsar na mandíbula de Gordy.
— Tudo bem. — ele rosnou, sabendo o suficiente quando era
vencido.
— O que foi, docinho, quer que eu vá buscá-lo?
— Eu não quero! — rugiu, caminhando até a janela e olhando
para a paisagem congelante do outro lado.
Um silêncio tenso atravessou o quarto entre os dois.
— Gordy.
Ele ficou rígido. A voz de Ruth era suave e persuasiva, com
apenas um traço de algo que permanecia entre diversão e desgosto.
— Gordy, sinto muito. Não vou mais provocá-lo. Não consigo
deixar de sentir que você mereceu, mas... Bem, realmente espero
que goste do quarto. Você me disse que eu poderia fazer o que
quisesse com o interior do castelo, mas não mudei isso para irritá-lo,
juro. Se preferir algo diferente, farei, prometo. Agora, venha comer,
querido, antes que esfrie. Estarei no meu quarto, se  quiser gritar
mais comigo depois disso.
Ele não se virou, estava olhando teimosamente pela janela,
até que o clique suave da trava lhe disse que ela o havia deixado
em paz. Virou-se e olhou para o quarto novamente, observando o
problema que havia sido tomado com a decoração, com novos
olhos. Enquanto observava com mais atenção, percebeu que todas
as suas coisas ainda estavam aqui, apenas cuidadosamente
dispostas, em vez de deixadas onde caíram, em pilhas aleatórias.
Ainda era um quarto muito masculino, sem quinquilharias ou
babados, que o teriam revoltado. Era acolhedor e confortável e,
assim como ele gostaria que fosse feito, se tivesse a menor ideia de
como fazê-lo. Ela fez isso por ele. Foi um completo idiota e a deixou
sozinha por semanas, sem sequer uma palavra ou mesmo uma
carta, apenas horas depois de tirar sua virgindade, e ela fez isso.
Maldita. Esfregou a mão cansada no rosto, sentindo o ranger da
barba sob a palma da mão.
Houve outra batida e Roberts voltou, enviando-lhe um olhar
ansioso da porta.
— A Sra. Anderson disse para...
— Sim, vá em frente. — murmurou. Qualquer coisa para se
livrar do fedor do rum, ou seja lá o que ela disse que era.
Roberts realizou sua limpeza com velocidade e eficiência, e
recuou aliviado. Gordy se moveu para a bandeja perto da janela e
levantou a tampa, o cheiro do molho fez com que seu estômago
rosnasse, enquanto olhava para o prato carregado diante dele.
Soltou a espada e a jogou sobre a cama e sentou-se para comer.
Uma hora depois, banhado e habilmente barbeado por
Jenkins - apesar da maneira preocupante como a mão do homem
tremia na navalha - Gordy estava se sentindo um pouco mais
civilizado e um pouco envergonhado com sua explosão. No entanto,
não aprovava que sua casa fosse invadida por criados. Sassenachs,
todos eles. Ficou claro que ele precisava ter uma conversinha com
sua esposa sobre o que era e o que não era aceitável.
Decidiu ser magnânimo e perdoá-la pelo que ela havia feito
com seu quarto - ele preferia morrer a se desculpar, e então ela
poderia se considerar sortuda - mas já era hora dele deixá-la
entender o que ele permitiria, e não havia tempo como o presente.
Entrou no quarto dela, depois de uma batida superficial e depois
congelou.
Ela estava usando a camisola indecente novamente.
Por um momento, as palavras que ele exigiu saíram de seu
alcance, escapando como porcos untados, antes que pudessem
serem pegos. — São duas horas da tarde. — ele finalmente
conseguiu dizer, tentando com todas as suas forças arrastar os
olhos da curva de seus seios esplêndidos, e tentando ainda mais
não se lembrar de como se sentiu ao ter as mãos sobre eles.
Ela me deu um sorriso tímido. — Eu sei, mas esteve fora por
tanto tempo, Gordy, senti sua falta. — sua voz ficou baixa e abafada
no final desse pronunciamento e a implicação enviou um raio de
luxúria diretamente para sua genitália, com a força de um
relâmpago.
Gordy bisbilhotou o que restava de seu cérebro, procurando a
razão pela qual ele estava tão determinado a conversar com ela. O
que o deixou tão furioso? Seu olhar fixou-se no lugar onde seus
mamilos protuberavam contra o tecido fino da camisola e seus
pensamentos ficaram cada vez mais nebulosos, enquanto sua boca
lacrimejava e seu membro se contraía. A criadagem. Os criados,
malditos sejam seus olhos. Foco, homem.
— Meu castelo está sendo comandado por ingleses. Sinto
como se estivesse sendo invadido. Suas palavras soaram
beligerantes e irritadas, mas era muito difícil se concentrar, quando
seu corpo estava gritando para aproveitar o que estava sendo
oferecido imediatamente.
— Mas eles trabalham para você. — disse ela, dando-lhe um
sorriso suave e depois dando de ombros. — Além disso, já seria
sorte o bastante conseguir ser alimentada, imagina conseguir
qualquer coisa, se a Sra. MacLeod e os outros criados
conseguissem o que quisessem. — afastou-se dele, traçando a mão
sobre o floral, na cadeira ao lado dela. — Eles não me querem aqui
mais do que você.
Seu peito se apertou com aquela revelação. Não havia um
pingo de reprovação nelas, apenas uma nota melancólica, que era
muito mais devastadora.
— Eu tentei conquistá-los, —  admitiu, olhando de volta para
ele, com um sorriso triste. — mas eu tinha esquecido o quão difícil
era. Mais difícil ainda quando você está sozinha, sem família ou
amigos. Acredito que nunca estive em melhor termos com eles —
franziu a testa, parecendo que estava se repreendendo
internamente. — Tenho andado muito distraída.
Gordy a observou se afastar e considerou como deve ter sido
para ela acordar e não o encontrar, estar sozinha e longe de todos
que conhecia e amava. Ele a envergonhou diante de seu povo, e
para que, para provar um ponto? Não era ela quem deveria se
envergonhar, e ele sabia disso.
As palavras queimavam em sua língua, mas ele não podia
dizê-las. Apenas a observou, notou como seus ombros estavam
rígidos e se perguntou o que lhe custara não se preocupar com ele
e apenas provocá-lo até a morte. Ela também não manteve assim
por muito tempo, antes de colocar seu orgulho de lado e tentar
novamente agradá-lo.
Maldita seja, não era isso que ele queria. Ela não podia ver
que tipo de homem ele era? Não se curvaria, não se submeteria à
vontade dela. Não podia. Ela escolheu mal, garota teimosa que era.
Deveria ter escutado suas amigas, deveria ter escutado Bonnie
acima de tudo. Bonnie sabia o que ele era e onde Ruth estava se
metendo.
Tarde demais, percebeu que estava apenas olhando para ela
em silêncio. Seus ombros caíram e, quando ela falou novamente,
sua voz estava cansada.
— Vou me trocar e o vejo lá embaixo, se preferir.
— Por que acha que eu preferiria isso? — perguntou,
confuso.
Houve um pequeno bufo delicado de escárnio. — Bem,
claramente não há nada de interessante para fazê-lo querer ficar
aqui.
A nota suave e quase melancólica das palavras quase partiu
seu coração e, por mais que ele soubesse que era de seu interesse,
ela acreditava que era verdade, ele não poderia ser tão insensível.
— Ora, sua tolinha. Certamente não acredita nisso? Não
depois de...
— Depois de me deixar sozinha na minha cama, sem dizer
uma palavra, há mais de três semanas?
Foi o primeiro vislumbre de reprovação que ela mostrou para
ele e ele sabia que merecia muito mais.
— Sim, mas deveria saber que isso não era porquê... porque
não a queria na minha cama.
Ela se virou para ele então, sua expressão ilegível. — Não,
era porque não me quer em sua vida ou em seu castelo.
Gordy suspirou. — Maldição, moça, sabia no que estava se
metendo, não sabia?
Ela assentiu. — Sabia, mas o queria tanto, que nada mais
parecia importar.
Santo Deus. As palavras acenderam um fogo sob sua pele e
ele diminuiu a distância entre eles, girou-a e a puxou para seus
braços.
 
10

Querido papai,
Querida Matilda,
Querida
O que devo dizer-lhes? Que tipo de loucura me
possuiu? Sinto que sou duas pessoas totalmente
diferentes, contidas no mesmo corpo.
Acho que posso enlouquecer...

— Trecho de uma carta da Sra. Ruth Anderson,


nunca concluída.

27 DE NOVEMBRO DE 1814. CASTELO DE WILDSYDE, ESCÓCIA.

A respiração de Ruth parou, quando os braços do marido a


envolveram e ele a puxou para perto. A boca dele caiu sobre a dela,
antes que ela pudesse se firmar e ela agarrou a camisa dele
enquanto o mundo girava. Foi tomada por um alívio, seus lábios
afugentando as últimas semanas de sofrimento, mais rápido do que
qualquer pedido de desculpas ou explicação jamais poderia. Tinha
aprendido o suficiente sobre Gordy, para saber que falar palavras
suaves não era da sua natureza, se é que ele conhecia alguma.
Seus lábios eram suaves, porém, e apesar da urgência de seu beijo,
ele era doce, o calor de suas mãos grandes acariciando suas costas
causavam arrepios sobre sua pele.
Ela envolveu os braços em volta do pescoço dele e se
aproximou, calor e necessidade surgindo através do seu corpo. De
alguma forma, não conseguiu se aproximar o suficiente dele e
levantou uma perna, prendendo-a em torno de seu quadril. Ele fez
um som, em algum lugar entre o riso e um gemido, e a segurou,
levantando-a com facilidade. Era uma das coisas mais maravilhosas
sobre ele, ela refletiu. Sua força e tamanho eram tais, que ela não
se sentia tão grande e incômoda quanto com outros homens.
Quando ela tentou se imaginar íntima de alguns dos cavalheiros que
tentaram cortejá-la - atraídos por sua fortuna, é claro - sentiu uma
onda de humilhação, sabendo que era mais alta e, provavelmente,
mais pesada também. Com Gordy, ela se sentia perfeitamente à
vontade em sua própria pele, quase frágil contra seu enorme corpo.
O sexo dela pressionou contra o membro dele, enquanto ela
circulava as pernas em seus quadris e ele gemia, puxando-a com
mais força.
— Ah, moça, pensei nisso todas as noites desde que fui
embora.
— Pensou? — perguntou, mal se atrevendo a acreditar nele.
Recuou e olhou para ela, a cor de uísque de seus olhos
brilhando em âmbar e bronze, escuro de desejo. — Sim, contra
minha vontade e em face da bebida suficiente para derrubar dez
homens.
Ruth sentiu os lábios dela se curvarem em um sorriso e ele
bufou. — Ora, não pareça tão presunçosa. — a alertou. — Agora vai
me pagar por me atormentar tanto, mo leannan.
Apesar do olhar em seus olhos, o sorriso de Ruth só se
alargou, e ela suspirou alegremente, pressionando beijos em seu
rosto. — Oh, sim, Gordy. — disse ela, afundando os dedos no
cabelo dele e puxando. — Faça-me pagar.
Seu marido praguejou, embora ela assumisse que fosse em
gaélico, pois não conseguia entender as palavras, mas o tom era
fácil de interpretar. Não que ela se importasse, quando ele a jogou
sobre a cama, e depois a puxou em sua direção, enquanto ele
pegava as dobras pesadas de seu kilt e o retirava. Antes que ela
pudesse se preparar, ele entrou dentro dela e Ruth viu estrelas. Ela
jogou a cabeça para trás e deu um grito rouco, segurando seus
braços poderosos, enquanto ele os apoiava de cada lado. A enorme
cama sacudiu quando ele investiu dentro dela, fazendo ruídos
brutos e selvagens que só a deixavam ainda mais selvagem.
Gordy agarrou a camisola que ela usava e a puxou para
cima, expondo os seus seios. Uma mão grande segurou, apertou e
acariciou, e depois ele abaixou a cabeça e chupou. Ruth não
conseguiu parar o grito que escapou de sua garganta, ao passo que
uma sensação prazerosa atravessava o seu corpo. Ela afundou as
mãos nos cabelos dele mais uma vez, segurando-o com força,
segurando-o, até que ela não aguentou  e arrastou a boca dele até a
dela.
— Neach-gaoil, mo leannan, mo chridhe.
Ruth mal ouviu as palavras e certamente não as entendeu
enquanto ele as pronunciava contra sua boca, sua pele, mas elas
eram ardentes e ternas e isso era suficiente.
— Oh, Ruth, oh, Cristo...
Isso, para o ouvido dela, era mais eloquente, à medida que
ele se movia cada vez mais rápido. Ela riu, incapaz de conter sua
alegria, puxando a camisa dele para deslizar as mãos pelas suas
costas. A necessidade de ter as mãos na pele dele era como uma
droga, e ela suspirou quando deslizou as mãos pelas suas costas
largas, o toque e a mudança de músculos poderosos sob seu toque
tão requintado que ela nunca mais queria soltá-lo.
— Gordy. — gritou, enquanto seu corpo se apertava,
perseguindo aquele pináculo ilusório, quase ao seu alcance. — Por
favor, por favor... — implorou, incoerente, embora ele entendesse
imediatamente. Ele estendeu a mão entre eles e a tocou e o mundo
inteiro ficou ofuscante. Ruth fechou os olhos e se agarrou a ele,
impotente no aperto do clímax que sacudiu seu corpo. Ela gemeu e
tremeu, segurando-o como se tivesse medo de se soltar.
— Ruth...
Seu nome era um som sufocado e, em seguida, o grande
corpo ao qual ela se agarrou estremeceu indefesamente várias
vezes, enquanto ele se derramava dentro dela.
Por um momento, houve apenas o som de sua respiração,
áspera e inconstante, no rescaldo de sua paixão. Gordy respirou
fundo e soltou novamente, lenta e desigualmente, o fluxo frio de ar
flutuando em sua pele superaquecida, fazendo-a estremecer.
Afastou-se dela e ela ofegou com o afastamento.
Incerta agora, ela observou enquanto ele se afastava e se
limpava, antes de despejar água fresca para ela e trazer um pano
úmido.
— Obrigada. — disse ela, suas bochechas brilhando,
enquanto puxava a camisola para baixo. Ele virou as costas para
dar privacidade, enquanto ela se limpava e, quando olhou para
cima, ele estava olhando pela janela. De repente, a distância que
havia desaparecido quando eles fizeram amor abriu-se como um
desfiladeiro intransponível.
— Não posso te dar o que quer de mim.
As palavras não foram indelicadas, mas também não foram
gentis. Não que a tenham surpreendido.
— Não pode ou não vai? — exigiu, olhando para o conjunto
rígido de seus ombros.
— Faz diferença?
— Acredito que sim.
Ele grunhiu e balançou a cabeça. — As duas coisas, os dois.
— Posso, pelo menos, ter um motivo? — parecia calma,
racional, embora seu coração estivesse batendo forte no peito.
Como ele poderia fazer amor com ela com tanta paixão e depois
rejeitá-la tão sumariamente?
— É uma moça inteligente, — disse, ainda não se virando. —
mais inteligente do que eu, não duvido, mas sou tolo o bastante
para permitir que você mande em mim.
— Mandar em você? — Ruth franziu a testa, perplexa. — Por
que, diabos, eu deveria querer fazer uma coisa dessas? Não
suportaria um homem que não me defendesse; essa é apenas
metade da atração, seu grande palerma.
Ele bufou e balançou a cabeça. — Sim, diz isso, pode até
acreditar no fundo do seu coração, mas não há nenhuma mulher
que esteja satisfeita com isso. Você quer me mudar, quer mudar
tudo. Cristo, olhe ao seu redor! Eu mal reconheço o lugar, e estive
fora por menos de um mês. O que vai fazer comigo, hein? Quais
são seus planos? Acha que vai me ensinar qual garfo usar e como
agir entre suas amigas para que eu não a envergonhe? Não vou
fazer isso. Não farei isso por você, nem por ninguém. Está me
ouvindo?
Sua voz aumentou enquanto ele falava, sua raiva palpável.
Ruth molhou os lábios, abalada por sua explosão, e pelo que
ele havia revelado, uma vulnerabilidade inesperada sob as palavras
furiosas, que fizeram seu coração doer. Ocorreu-lhe, tarde demais,
que talvez ela tivesse mudado demais, sem esperar sua aprovação.
Sim, estava zangada com ele, zangada com sua falta de vontade de
falar com ela, muito menos tratá-la como esposa, raiva por ser
usada e abandonada, mas talvez isso não fosse o suficiente para
que tolerasse tal atitude.
— Eu fiz muitas mudanças. — admitiu, estremecendo um
pouco, enquanto se lembrava do que havia feito com o escritório
dele. — Não vai gostar de todas elas, eu sei, mas você não estava
aqui para eu perguntar e... e eu estava com raiva de você por me
deixar sozinha. Honestamente esperava que você fosse gostar da
maioria das mudanças.
Ele grunhiu e recostou-se na parede, sua cabeça se afastou
dela mais uma vez para olhar pela janela, embora ela duvidasse que
ele visse o que estava do outro lado do vidro.
— Não quero mudar quem  é, Gordy, assim como não quero
mudar o coração de Wildsyde. É lindo para mim, e... e se fizesse
muitas mudanças,  mataria o espírito do lugar e todas as coisas que
já comecei a amar. Estou apenas tentando reparar os danos que o
tempo e a negligência causaram, para torná-lo um lar para você,
para nós.
Ele fez um som impaciente e se afastou da parede.
— Não quero que  transforme o castelo em um lar — rosnou,
sua frustração evidente. — Eu não quero isso, não era óbvio?
Decore tudo o que quiser, eu disse que poderia, mas eu queria o
dinheiro, moça, como você muito bem sabe. Fizemos um acordo,
não importa se foi apenas em voz alta. Sabia que você me
desejava, e você vai me ter até que que fique grávida.
Ruth olhou para ele, para a expressão fria e resoluta que ele
usava, e tentou reconciliá-la com o homem a quem estava agarrada
momentos antes. Aquele homem tinha murmurado palavras que ela
não conseguia entender, mas as entendeu no seu coração mesmo
assim, pois seu coração as reconhecia, mesmo que não soubesse
seu significado.
— E depois? — perguntou, já sabendo a resposta, embora
quisesse gritar e negar, antes que ele a tornasse real. — E como vai
ser depois que conseguir isso?
—  Depois você voltará para a Inglaterra, para ter a criança.
Se for uma menina, pode tomar conta da criação dela. Se for um
menino, ele passará os verões comigo até os doze anos e depois
voltará para cá de vez.
— Entendi. — Ruth controlava a respiração, concentrando-se
na entrada e saída constantes, enquanto sua garganta se fechava e
seus olhos ardiam. — Mas eu não poderei voltar, suponho?
Gordy deu de ombros. — Eu preciso de dois filhos varões.
Quando se sentir capaz, pode voltar para tentar o próximo.
— É claro! — Ruth assentiu, pensando que isso fazia todo o
sentido. — Um herdeiro e um suplente, ela não conseguia evitar a
amargura das palavras.
— Sim. — disse ele, seu tom combinando com o dela,
embora por que ele tinha que ser implacável, ela não sabia.
Era isso que ele queria, não era?
— E se eu continuar produzindo meninas? A família Stone só
produz meninas, você sabe.
Ele olhou para ela e depois desviou o olhar novamente. — Eu
não vou puni-la por isso, se é isso que quer saber, não vou abusar
da sua energia, até que você esteja desgastada. Se não tem
vontade nem saúde para continuar, pode me recusar e eu não vou
culpá-la por isso. Deus sabe que o fim da minha linhagem não será
uma grande perda para o mundo.
— Quão atencioso você é.
Sua voz tremeu, apesar de seus melhores esforços, e Gordy
fechou os olhos.
— Sinto muito, Ruth, se teve esperança de algo diferente.
Deveria ter prestado atenção nas suas amigas.
— Quem casa muito prontamente, arrepende-se muito
longamente. — ela brincou, embora não conseguisse conter as
lágrimas até que uma caiu, deixando uma trilha quente sobre sua
bochecha.
— Ora, não... não chore, moça.
Em outras circunstâncias, sua expressão horrorizada poderia
ter sido divertida. Agora, ela apenas a deixou furiosa.
— Eu não estou chorando. — retrucou, afastando a lágrima
com um movimento rápido e irritado, mas foi rapidamente seguida
por outra.
— Ruth. — disse, um som angustiado em seu nome, que foi
a última gota.
— Saia daqui! — ela disse e pegou uma escova de cabelo
sobre a sua penteadeira e a jogou sem cerimônia contra ele.
Ele riu um pouco quando a escova errou seu alvo por poucos
centímetros e acertou as cortinas da cama antes de cair no chão.
— Ora, moça, — riu,  o que só aumentou sua humilhação.
Como ele podia rir quando estava partindo o coração dela? — Vai
ter que se esforçar mais do que isso...
— Saia daqui, saia daqui, saia! — gritou e ele enrijeceu,
olhando para ela.
— Tudo bem. — ele respondeu, indo em direção à porta, o
que só a enfureceu ainda mais.
— Covarde! — disse nas costas dele, junto com um conjunto
de porcelana que ela arremessou, que estava compassivamente
vazia naquele momento, e ela precisou usar as duas mãos para
arremessá-la.
A porta já estava fechada, mas o coração de Ruth estava em
pedaços e ela sentia que o resto do mundo deveria se juntar a ela.
O jarro explodiu contra o pesado carvalho. Os fragmentos se
espalharam por toda parte, pedaços afiados deslizando sobre o
chão de madeira polida, até parar nas bordas do tapete com franjas.
Ruth olhou, horrorizada com o dano que causou, seu peito
arfando. De repente, não conseguia aspirar ar suficiente para os
pulmões e recuou, até atingir a pedra fria da parede. Um soluço
escapou dela, arrancado de algum lugar no fundo e rapidamente
seguido por outro e outro, até que ela estava chorando muito,
grande, feio, uivos de sofrimento absoluto, que ela não podia
sufocar ou conter. Deslizou pela parede, colocou a cabeça contra os
joelhos e se deixou sofrer pela perda de seus sonhos.
Gordy fechou a porta, incerto sobre o que fazer a seguir. Algo
bateu contra ela, sacudindo a madeira com um golpe violento que o
fez pular. Sua esposa tinha um temperamento que combinava com o
dele, uma vez que inflamasse. Deus o ajude se ela aprender a
disparar uma arma. Gordy resolveu nunca  ensinar.
Ele se levantou, respirando fundo no silêncio que tocava em
seus ouvidos. Tinha que ser feito, ele se assegurou. Cruel para ser
gentil era a melhor maneira. Uma dor aguda agora, para evitar um
sofrimento pior no futuro, e então ele a ouviu chorar. A agonia
angustiante do som rasgou seu coração, e foi a coisa mais difícil
não abrir a porta novamente e correr de volta para ela. Poderia
pegá-la em seus braços e implorar seu perdão, jurar que nunca
mais a machucaria, que a faria feliz... e talvez ele o fizesse, por um
tempo.
Resoluto,  afastou-se da porta e se dirigiu para as escadas,
levando cada passo de pedra gasto em um movimento deliberado
para longe de sua esposa. Ele se forçou a lembrar de sua mãe,
deixando-o sem olhar para trás, deixando-o sozinho com a fúria e a
repulsa de seu pai. Lembrou-se de suas irmãs chorando como se
seus corações se partissem quando a seguissem dois anos depois,
apesar de prometerem que nunca o deixariam sozinho, com seu
progenitor cada vez mais violento. Choraram com muita tristeza,
assim como Ruth estava fazendo, e juraram a ele que voltariam
assim que pudessem. Quando se casaram, voltaram para ele e o
salvaram do pesadelo ao qual sabiam muito bem que o estavam
resignando.
Oh, sim, elas voltaram. Voltaram para o funeral de seu pai,
oito anos depois, eram mulheres elegantes, como sua mãe tinha
sido, com seus belos maridos sofisticados a reboque. Eram
estranhos para ele, estranhos que olhavam para ele como se fosse
selvagem, chocados por suas maneiras bárbaras e a maneira
grosseira de falar. Elas não podiam ter ido embora rápido o
suficiente. Ele tinha dezesseis anos. O novo senhorio de Wildsyde
não tinha um xelim em seu nome, pois seu pai o arruinou como sua
última vingança contra o filho bastardo, que herdaria suas terras. O
homem pode ter cerrado os dentes e o reconhecido como sua
própria carne e sangue, por causa do orgulho e primogenitura. Não
significava que ele tinha que gostar.
A ironia de agora ser o próximo na linha de herdar o título do
conde de Morven não foi perdida para ele. O conde havia perdido
dois belos filhos e três outros herdeiros presuntivos, até que apenas
Gordy restasse. Além dele, apenas os pais do conde e Gordy
sabiam a verdade. O conde era o pai de Gordy. Não que Gordy
também soubesse, se seu pai não tivesse contado a verdade sobre
a traição de sua esposa com seu primo, ao lado de uma onda de
ódio venenoso e um golpe forte o suficiente para derrubá-lo e deixar
seus ouvidos zumbindo por vários dias.
Foi um alívio, verdade seja dita, saber que havia uma razão
pela qual o velho o desprezava. Podia entender a raiva e o nojo de
seu pai, depois de descobrir de onde ele surgiu. O que não
conseguia entender era sua mãe. Como ela poderia ter feito uma
coisa dessas com ele? Como ela poderia fazer dele o sujeito do ódio
de seu pai e depois abandoná-lo? Ela tinha, no entanto. Suportou o
lar da família, por dois anos completos, depois daquela noite terrível,
e conforme os dias iam passando, o ressentimento em relação ao
filho apenas cresceu, enquanto ele favorecia seu verdadeiro pai e
lembrava aos dois de sua vergonha. Todos os dias, a casa que tinha
sido um lugar de felicidade e segurança caiu mais fundo na
incerteza e no perigo.
Sua mãe fora embora sem se despedir. Ele acordou de
manhã, perturbado pelo som das rodas da carruagem abaixo de sua
janela. Ele a viu entrar e sabia que ela estava indo embora. Ele tinha
sete anos. Ela não olhou para trás.
Lembrou-se vagamente do tempo em que sua família o
amava. Uma lembrança distante permaneceu das risadas, de suas
adoráveis irmãs que o mimaram e de um pai que o olhava com
orgulho. Ele também se lembrou de sua mãe, uma linda mulher de
cabelo preto como ébano, que cheirava a perfume caro e cujas
saias farfalhavam quando ela se movia. Ele tinha sido  amado. Fora
amado pelos seus pais e suas irmãs, e depois, de alguma forma,
seu pai descobriu a verdade. Tinha uma memória distorcida do
terror, dos gritos de raiva do seu pai, dos gritos assustados de sua
mãe e do seu choro, implorando por perdão; ele fechou a porta,
trancou aquelas memórias que só lhe traziam dor e arrependimento.
Foi para isso que permitiu que uma mulher entrasse na sua vida. De
uma forma ou de outra, elas traíam você. Talvez elas não tivessem a
intenção, talvez suas lágrimas fossem genuínas, no momento em
que caíam, suas dores poderiam ser honestas; mas isso não fazia
nenhuma diferença. As mulheres eram tão mutáveis quanto as
estações. O amor delas poderia parecer como estar sob a luz do
sol, mas quando elas iam embora, você era deixado para trás com
nada além de uma paisagem estéril de inverno. Não sofreria isso de
novo. Nunca mais.
As emoções tomaram conta do seu coração, e ele as trancou
novamente. Ela era culpada disso, pensou selvagemente.
Despertou toda a velha angústia e desejo. Ele estava bem antes
que ela aparecesse, com suas esperanças e expectativas. Quanto
mais cedo ela fosse embora, melhor.
Ao chegar no corredor, foi direto para o seu escritório, seu
santuário, beberia até que afogar a dor em seu peito, até que não
ouvisse o som assombroso da dor de sua esposa, deixando a
câmara vazia de seu coração.
Atravessou o corredor, abriu a porta do escritório e quase
cambaleou de volta em choque.
— Santo Deus!
Por um momento, não conseguiu absorver tudo. Pelo lado
positivo, isso tirou qualquer outra coisa de sua mente, enquanto
lutava por uma reação.
Estava rosa.
Não, não apenas rosa, era... rosa. Era um tom violento e
irritado, de uma cor que ele sempre identificou ser feminina, e
aquela era agressivamente feminina. Esta era a vingança de uma
mulher que era uma rival digna. Gordy fechou a porta e se inclinou
contra ela, olhando para a monstruosidade que ela tinha feito do seu
cômodo favorito.
A pequena e cruel madame deve ter procurado por cada
cabeça de animal em todo o maldito castelo. Os olhos vidrados dos
veados, cervos e javalis o encaravam de todos os lados, dezenas
deles amontoados lado a lado. Havia até um gato selvagem, sua
boca presa em um rosnado eterno. Isso não foi o pior de tudo, no
entanto. Cada chifre e cada pescoço estava decorado com um laço
de cetim grosso. Um laço de cetim rosa. Era pavoroso.
Para todos os lugares que olhava, alguma monstruosidade
adornada com fita olhava para ele, emoldurada contra a vil parede
rosa. A lareira sobre o fogo, onde antes havia um relógio simples em
uma caixa preta, agora era dominada por uma peça de tempo
ormolu surpreendentemente vulgar, que simplesmente tinha que ter
sido um presente de casamento de seu pai. Parecia que valia uma
pequena fortuna, e ainda mais como se merecesse derreter, por
ofensas de bom gosto.
Gordy cerrou os dentes contra o som que subia em sua
garganta. Cerrou os punhos, respirou fundo e tentou não deixar
escapar, mas não conseguiu evitar. Deu uma risada impotente e
sufocou a boca com a mão, mas ela não seria contida. Um momento
depois, ele estava quase histérico e nem um pouco certo se queria
colocar a esposa sobre o joelho e dar-lhe umas palmadas, até que
ela não pudesse se sentar por uma semana, ou beijá-la, até que ela
perdesse os sentidos. Talvez as duas coisas.
Sua risada desapareceu, quando percebeu que também não
tinha o direito de fazer isso, não agora.
 
11

Minha querida tia Ethel,


Para responder à sua pergunta, sinto que estou
lutando uma batalha perdida, mas afinal sou uma
Stone, e o que fazemos de melhor é suportar.

— Trecho de uma carta da Sra. Ruth Anderson


para sua tia, Sra. Ethel Stephens.

27 DE NOVEMBRO DE 1814. CASTELO DE WILDSYDE, ESCÓCIA.

Não era da natureza de Ruth chafurdar. Uma hora após


Gordy ter saído,  estava lavada e vestida, e havia limpado qualquer
evidência do dano. Uma batida suave na porta a fez respirar fundo,
seu coração pulando atrás de suas costelas, e depois  se
repreendeu. Não era Gordy. Demorou um momento para alisar as
saias, verificou seu reflexo para se assegurar de que não parecesse
que ela tivesse chorado e ordenou ,quem quer que fosse, para
entrar.
Para sua surpresa, Sheenagh entrou, carregando uma
bandeja com chá, pão e manteiga.
— Não comeu nada desde o café da manhã. — disse a
jovem, uma nota defensiva na sua voz. — Não quero que me acuse
de matá-la de fome.
Apesar de tudo, Ruth sorriu um pouco. — Obrigada,
Sheenagh, isso foi atencioso da sua parte.
Sheenagh bufou e se movimentou pelo quarto, endireitando
coisas que não precisavam ser endireitadas.
— Vamos começar a esvaziar os aposentos na torre sul
amanhã, acredito. — disse Ruth, tentando manter sua mente
ocupada com o trabalho. Gostava de separar os móveis, guardar as
melhores peças e decidir o que precisava ser armazenado. Até
gostava de sujar as mãos, limpar e polir. Isso a fez sentir que estava
alcançando algo, não importa o quão pequeno. — Pensei que talvez
pudesse escolher algo mais feminino, pois é um quarto tão
ensolarado. Tons pastel. O que  acha?
Houve uma hesitação, antes de Sheenagh responder. — Sim.
Sempre gostei de amarelo.
— Sim, concordo, seria uma boa escolha. Vamos dar uma
olhada nas amostras de tecido e ver o que eu tenho que pode
combinar, oh, — disse Ruth, fazendo uma pausa ao servir seu chá,
enquanto se lembrava — tenho algo para você, sobre aquela
cômoda ali.
Sheenagh se virou e olhou para a caixa de chapéu
requintada, com uma carranca. — Para mim?
Ruth assentiu. — Comprei para mim, mas ela me deixa com
o rosto muito assustado. Minha aparência simplesmente não
combina com ele. Deve ser usado por uma garota bonita com um
rosto doce. — deu um sorriso irônico. — E esses atributos
certamente não me descrevem.
As sobrancelhas avermelhadas de Sheenagh se uniram e ela
se aproximou da caixa como se contivesse uma besta selvagem.
Ruth observou com interesse, enquanto a garota tirava a tampa e
ofegava, tirando o chapéu de palha do papel de seda que o
protegia. Estava aparado com fitas verdes e cerejas vermelhas
artificiais e Ruth suprimiu um suspiro de saudade que parecia ecoar
na suave exclamação que Sheenagh fez.
— Oh meu Deus, — disse, olhando para o chapéu
maravilhada — nunca vi nada tão fino.
— Fico feliz que tenha gostado. — Ruth sorriu e voltou para a
bandeja de chá.
— Por quê? — a pergunta era dura e fria, e seu tom apenas
um pouco irritado. — A senhora acha que vai me subornar?
O bule sacudiu quando Ruth o colocou na bandeja, a mão
nada firme.
— Não, Sheenagh. — disse ela, incapaz de manter a derrota
longe de sua voz — Não há sentido em fazer isso, não é? Não
posso obrigá-la a fazer algo por mim que não queira. Eu poderia
ameaçar demiti-la, mas, sem dúvida, meu marido irá encontrar outro
emprego e eu realmente não tenho força para uma batalha. Não
agora. Todos deixaram bem claro que não sou bem-vinda. Só não
gosto de desperdício, isso é tudo, e esse chapéu será desperdiçado,
juntará poeira no meu guarda-roupa. Achei que  fosse gostar. Se
gosta, pode pegar. Se não, dê a outra pessoa. Queime, eu não
importo.
Houve um longo silêncio e Ruth se forçou a continuar
preparando seu chá, adicionando leite e açúcar.
Ouviu o farfalhar do papel e, um momento depois, o
levantamento da trava, quando Sheenagh foi até a porta, depois
uma pausa — Meu quarto está muito melhor agora, já que... já que
a senhora mandou consertar a janela e a chaminé. Acendi a lareira,
ontem à noite, e ela não vazou fumaça, nenhuma vez. O novo
cobertor da minha cama deixou o quarto bem aconchegante — Ruth
piscou as lágrimas, exausta demais para falar. — Pedirei ao Sr.
Garrick que envie alguns lacaios para esvaziar a torre sul, para que
possa começar, senhora.
A trava se levantou e caiu novamente, e Ruth se virou e
encontrou o quarto vazio. A caixa de chapéu tinha sumido.
Ela soltou um longo suspiro e se perguntou se poderia tê-los
conquistado, afinal. Não que Sheenagh pudesse ser considerada
uma vitória, mas foi o primeiro vislumbre de esperança de que ela
poderia ter vencido a guerra, se tivesse ficado. No entanto,  não
deveria comemorar essa vitória. Assim que ele soubesse que ela
estava esperando um filho, Gordy a mandaria de volta para a
Inglaterra. Seus dedos apertaram a delicada alça da xícara e ela a
embalou entre as mãos, com medo de quebrá-la. O calor penetrou
em suas palmas, mas não a aqueceu. Sentiu frio, frio de dentro para
fora.
Ocorreu-lhe que ela poderia manter Gordy longe, poderia
recusar a permiti-lo em sua cama, mas isso não alcançaria nada. Se
ela se recusasse a dar-lhe um filho, a mandaria embora
imediatamente. No entanto, ela poderia esconder estar grávida dele,
por um tempo, pelo menos. Ruth mordeu o lábio, considerando.
Apenas Sheenagh notaria, se não tivesse as suas regras. Se ela
conseguisse que Sheenagh ficasse do seu lado, poderia manter seu
segredo por um tempo. Caso contrário, Ruth poderia pagá-la para
ficar quieta. Devido ao tamanho dele, era preciso assumir que Gordy
era viril o suficiente para engravidá-la em pouco tempo, mas mesmo
o mais poderoso dos homens poderia levar meses, até anos para
produzir um herdeiro.
Claro, ela pode já estar grávida. Ruth bufou, perdendo a
respiração. Bem, mesmo assim, pode conseguir alguma coisa em
três meses, antes que ele pudesse ter certeza de que ela estava
carregando seu filho. Uma mulher determinada poderia conseguir
muito nesse período de tempo, certamente?
Mas ele não lhe quer.
Ruth engoliu o nó de emoção preso na sua garganta. Talvez,
mas ele a desejava, isso era claro. Além disso, ele parecia ter
algumas ideias estúpidas sobre exatamente o que ela queria dele. O
que foi que ele disse?
O que vai fazer comigo, eh? Quais são seus planos? Acha
que vai me ensinar qual garfo usar e como agir entre suas amigas,
para que eu não a envergonhe? Pois não vou fazer isso.
Ocorreu-lhe, então, o quão defensivas as palavras dele
soaram, cada uma delas assumindo que ela teria vergonha dele.
Ruth franziu a testa.
Não sou tão tolo a ponto de permitir que mande em mim.
Ruth olhou para o chá, revirando as palavras. Ele parecia
pensar que ela queria tê-los de joelhos, que curvassem à sua
vontade. Que pudesse fazer tal coisa era tão ridículo, que  bufou.
Talvez ele gostasse de dormir com ela, talvez gostasse mais do que
queria, mas a ideia de que ela poderia tocar seu coração, que 
poderia esperar que ele quisesse que ela ficasse, era ridícula. No
entanto, ele parecia temer isso, temer o seu poder sobre ele.
— Homem tolo. — murmurou, balançando a cabeça e depois
parou, considerando.
Ele não teria medo se não houvesse chance de acontecer. Se
não tinha interesse nela, se não se importava e não estava em
perigo de querer cuidar dela, por que deveria estar tão desesperado
para mandá-la embora?
Sua mente se apoderou  e se agarrou à  ideia. Mas por quê?
Por que  estaria tão aterrorizado? Se, ao menos, o conhecesse
melhor. Suspirou, frustrada. Havia pouca chance disso, quando o
homem não lhe dava nem a menor parte de si mesmo. Supôs que
havia todas as possibilidades de que ele desaparecesse novamente
agora, embora se quisesse se livrar dela tão rápido quanto
parecesse desejar, teria que executar seus deveres maritais com
uma certa regularidade.
Desanimada com a ideia de que era apenas um dever para
ele, Ruth decidiu que precisava tomar um ar fresco. Uma caminhada
rápida no frio, antes de escurecer, poderia muito bem restaurar seu
espírito. Correu para se agasalhar com roupas quentes e saiu.
O ar estava cortante, qualquer calor fraco que o sol pudesse
ter dado, se foi há muito tempo. A tarde estava se aproximando e a
claridade já estava desaparecendo, o sol afundando lentamente em
sua jornada de volta ao horizonte.
Ruth quase andou pelo perímetro do castelo, quando uma
voz a chamou e ela parou, virando-se, viu o Sr. Clugston correndo
em sua direção.
— Sra. Anderson, — disse, saudando-a enquanto esperava
que ele a alcançasse. — estava lhe procurando. Pensei em avisar
que o resto dos vidros chegaram hoje. O trabalho terminará na ala
norte em dez dias, acredito, se o tempo se mantiver bom. Não é tão
ruim quanto temíamos, já que tiramos todos os azulejos. A maior
parte raspando musgo e colocando as telhas soltas de volta no
lugar. Iniciaremos a ala oeste a seguir, como a senhora sugeriu, mas
queria falar com a senhora sobre os antigos porões.
Parou, preso pelo sorriso apertado que Ruth lhe deu.
— Fico feliz em saber que o trabalho não foi tão sério quanto
o senhor supôs, Sr. Clugston, mas é melhor fazer qualquer pergunta
ao meu marido. Ele voltou há algumas horas. Aparentemente, não
ficarei muito tempo, então, quaisquer planos a longo prazo...
Para a mortificação de Ruth, sua voz tremeu, e ela se afastou
dele, antes de envergonhar os dois. Respirou fundo e desejou que
as lágrimas que queimavam os seus olhos não caíssem.
— A senhora irá nos deixar? — Havia um tom ligeiramente
acusatório na sua voz, que afastou as suas lágrimas, seguida por
uma irritação, que fez seu temperamento dar um sobressalto.
— Não por escolha, lhe asseguro, mas que mulher tem
alguma escolha no que diz respeito ao marido? Se ele diz que devo
ir, o senhor acha que posso fazer o contrário? — sua raiva e
amargura eram claras o suficiente e o Sr. Clugston ficou em silêncio
por um momento, sem dúvida, desejando que ela morresse, e então
ele pigarreou.
— Sinto muito ouvir isso. — disse  e Ruth sentiu as lágrimas
cravarem novamente no que soava alarmantemente como
sinceridade.
Ela bufou. — Se o senhor realmente sente, o senhor é uma
voz no deserto,  lhe asseguro.
— Não teria tanta certeza.
Havia algo em sua voz que a fez se virar e olhar para ele,
apesar do perigo de suas emoções.
— Oh? — ela disse, piscando com força.
Ele sorriu para ela, um sorriso surpreendentemente quente
também. — Admito, quando a senhora chegou, com todas as suas
roupas e baús elegantes e sendo tão... — acenou com a mão para
cima e para baixo abrangendo o corpo inteiro dela — inglesa —
acrescentou, com um leve tom de pena. — Bem, presumi que a
senhora seria uma criatura boba e mimada, que gostava de festas e
sociedade e só Deus sabia o que mais.
Ruth olhou para ele com indignação e ele esfregou a cabeça
careca, parecendo envergonhado.
— Bem, todos nós achamos, não somente eu. Não é o que
esperávamos de uma herdeira inglesa.
— Sr. Clugston, — disse Ruth com dignidade e sem pouca
reprovação —  detesto festas e, com exceção de minhas amigas, a
sociedade pode ser enforcada, que  não me importo.
— Sim. — disse Clugston com uma risada. Deu-lhe um
sorriso de desculpas. — Bem, não demorei muito para perceber
meu erro, para ser justo, mas acho que é apenas nos últimos dias
que alguns dos outros começaram a perceber também. Trabalhou
duro ao lado da equipe e mostrou muito bom senso no pouco tempo
que esteve aqui. Tomar o tempo e o trabalho para ver os aposentos
dos criados reparados, antes do resto do castelo, foi a coisa mais
prudente que a senhora poderia ter feito. Eles vieram para apreciar
a sua presença aqui, vou lhe dizer. Seriam tolos se não o fizessem.
Ruth deu de ombros. — O lado norte era o pior, e não
acredito que os criados trabalham bem quando são submetidos a
dormir em condições tão terríveis. Não era de admirar que fossem
tão mal-humorados.
Clugston bufou. — Acho que vai ser preciso mais do que um
teto que não vaza, para colocar um sorriso no rosto da Sra.
MacLeod, para ser honesto, mas esperança é a última que morre,
não é?
Apesar de seu desânimo, Ruth sorriu. — De fato, Sr.
Clugston.
Caminharam juntos, em silêncio, por um tempo, o único som,
o crocante quebradiço da grama congelada sob seus pés.
— Quando a senhora vai nos deixar?
— Eu... não tenho exatamente certeza. — respondeu Ruth,
estranha agora, mas parecia que ela não precisava explicar.
— Ah — o rosto do Sr. Clugston ficou amargo — é um
herdeiro que ele está querendo, certo?
— Sim. — Ruth imitou tanto seu sotaque quanto sua
expressão com amargura. — Ele tem meu dinheiro e, uma vez que
essa parte do acordo estiver completa, terei cumprido a minha
utilidade.
— Ora, não diga isso, moça.
Para sua surpresa, o Sr. Clugston colocou a mão sobre seu
braço, acalmando-a. A maneira informal com que ele se dirigiu a ela
a chocou, quase tanto quanto seu toque gentil.
— Por que não? — ela exigiu, mantendo a respiração,
mesmo com dificuldade, quando não queria nada mais do que cair
de joelhos no chão congelado e chorar. — Por que não o dizer? É
verdade, não é? Ele não se importa comigo. Não faz sentido  fingir o
contrário.
— Não somos nós que estamos fingindo.
Ruth piscou, fazendo o possível para permanecer calma e
olhou para o homem diante dela, que se tornara cada vez mais
embaçado.
— O que o senhor quer dizer?
O Sr. Clugston respirou fundo e olhou ao redor, como se
estivesse com medo de que alguém pudesse estar ouvindo.
Praguejou e depois soprou no ar gelado — Venha comigo. — disse,
pegando-a pelo braço.
— Para onde vamos? — demandou ela.
— Eu mostrarei a senhora qual é a verdade, Sra. Anderson, e
talvez, então, a senhora poderá entender o que está enfrentando.
Ruth segurou a língua, embora perguntas queimassem
dentro dela, ansiosas para sair. O Sr. Clugston lhe daria algumas
informações sobre seu marido e ela não estava disposta a arriscar
que ele mudasse de ideia. Então, correu atrás dele enquanto ele a
guiava de volta ao castelo, acendendo uma lamparina no caminho e
depois a guiando por um labirinto de armazéns, alguns dos quais
ainda não havia descoberto quando inspecionou o castelo.
Nos confins de um canto esquecido do labirinto, abaixo do
solo, ele destrancou uma porta pesada de carvalho e empurrou com
força, enquanto gemia em protesto.
— Entre — disse ele, segurando a lanterna e segurando a
mão de Ruth, enquanto ela entrava no pequeno ressinto de luz
dourada. — Acho que é hora de a senhora conhecer a família do
seu esposo.
— A família dele? — ela ecoou, olhando ao redor, para as
formas mal iluminadas, envoltas em panos de saco para protegê-los
da poeira.
— O quê? A senhora acha que ele saiu assim direto das
profundezas do inferno?
Ruth revirou os olhos para ele. — Por Deus, não. Presumi
que os pais dele estivessem mortos, e ele nunca mencionou irmãos
e irmãs, embora suponha que isso não me surpreenda. Não fala
uma palavra comigo se eu não o forçar a isso.
— Bem, aqui está, então.
O Sr. Clugston estendeu a mão e puxou um dos lençóis,
levantando uma onda de poeira, que fez Ruth engasgar e tossir, até
que um pouco de ar ficou preso em sua garganta enquanto ele
levantava a lamparina e iluminava a pintura.
— Ah — disse ela, olhando para o retrato de família.
Era um quadro bonito, pintado com tanta habilidade, que ela
sabia que era uma excelente semelhança. Havia a mãe do marido,
esbelta e elegante, de cabelo preto e olhos verdes, e o tipo de
autoconfiança que todas as mulheres bonitas pareciam possuir, sem
ao menos tentar. Duas garotas belas estavam ao lado dela. Eram
versões em miniatura de sua mãe, prometendo grande beleza, com
a mais velha de talvez doze anos e sua irmã um ano mais ou menos
mais jovem. Atrás delas estava um homem enorme, com cabelos
castanhos escuros e olhos castanhos. Ele segurava a mão de um
menino, que não podia ter mais de dois anos de idade. A expressão
no rosto do homem era de extremo orgulho.
— Gordy! — disse ela, estendendo a mão para tocar a
imagem pintada de seu marido quando criança.
Seu coração doía de saudade, enquanto ela se perguntava
se o próprio filho poderia se parecer com aquele menino, ele era um
garotinho adorável.
— Uma família feliz. A senhora consegue ver com clareza,
não consegue?
Ruth assentiu e depois franziu a testa, virando-se para o Sr.
Clugston. Antes que ela pudesse perguntar qualquer coisa, ele
falou.
— Por que esse lindo quadro está escondido aqui, no
escuro? — ele perguntou, como se lesse sua mente. — Porque foi
onde seu marido o escondeu, quando o pai dele morreu. Foi por
isso que eu trouxe a senhora aqui. Ninguém sabe. Esse quadro
estava guardado e enterrado no escuro, e nenhum dos criados
atuais do castelo estavam aqui quando o velho senhorio morava no
castelo, mas eu sei disso. Não acho que seu marido perceba, mas
não sou cego, e servi a família deste homem e deste menino.
— Diga-me o que aconteceu. — exigiu Ruth, desesperada
para entender o que havia acontecido com a família feliz, na pintura,
diante dela.
O que fez o seu marido se tornar o homem remoto e
insensível que ele queria que ela acreditasse que era?
— O velho senhorio era um homem possessivo e amava sua
esposa além da razão. — começou Clugston, acenando para a bela
mulher capturada à tinta. — Eles também eram felizes, como a
senhora pode ver, mas ela nunca ficou satisfeita com a vida em
Wildsyde. Ela queria fazer parte da sociedade, queria ser admirada
e dançar e se divertir. O pai de Gordy não era sociável, para dizer o
mínimo, mas, para agradar sua esposa, todos os anos iam visitar
seu primo, o Conde de Morven. O conde não é conhecido por sua
generosidade, mas, uma vez por ano, ele dá um baile luxuoso para
parentes, e os Anderson sempre eram convidados. A festa durava
mais de uma semana e era o ponto alto do ano da senhora.
— O que aconteceu?
Clugston bufou. — Não posso dizer exatamente, só sei que
quando Gordy tinha cinco anos, um homem veio visitar. A filha do
homem estava grávida e ele acusou o velho senhorio de ser o pai
do bebê. Todas as pessoas aqui sabiam que o senhorio não era flor
que se cheira e adorava uma criada inocente. Quando ele negou -
embora eu não duvidasse que fosse verdade - o homem contou ao
pai de Gordy algumas verdades. Como ele sabia,  não dei dizer,
mas disse ao senhorio que Gordy não era seu filho.
— Oh, não! — Ruth prendeu a respiração, o instinto dizendo
a ela que essa não era a pior parte da história.
— Aqueles olhos dele, aquela cor fulva, não são incomuns na
linhagem da família, então o pai de Gordy não fez a conexão, até
que o homem lhe disse que o Conde de Morven era o pai de Gordy.
Se visse um quadro do conde, em seus trinta anos de idade,  não
seria capaz de negar. É por isso que Morven nunca levantou um
dedo para Gordy, antes ou agora. Herdeiro ou não, ele não queria o
menino perto dele, para que as pessoas especulassem, muito
menos sua esposa. É melhor mantê-lo enterrado aqui, em Wildsyde.
Ele se virou para o quadro, olhando fixamente para a bela
mulher na pintura.
— Sua mãe tentou negar a princípio, mas ele teve a verdade
dela no final. Implorou por perdão, mas um homem como o senhorio
não suporta ser traído. Certamente não pelo chefe da família. Foi
condenado duas vezes, no entanto, orgulhoso demais, para que
mais gente soubesse a verdade. Ele poderia negar publicamente
que Gordy era seu filho, mas em particular... em particular, ele
deixou seus sentimentos bem claros.
— Mas, certamente, — disse Ruth, sua voz cativante quando
a implicação se tornou clara — ele não podia culpar Gordy? Era
apenas um bebê, não era culpa dele.
Clugston bufou. — Ninguém nunca lhe disse, Sra. Anderson?
A vida não é justa. O velho senhorio nunca poderia perdoar sua
esposa, e ele passou a desprezar Gordy. Por sua vez, sua mãe não
podia suportar olhar para ele, pois  era a prova viva de sua
vergonha e a razão pela qual sua vida estava arruinada. O castelo
tornou-se um campo de batalha, quando o senhorio começou a
beber e a entrar em brigas. Ela resistiu por dois anos e depois fugiu.
— Fugiu para onde? — Ruth perguntou, quase engasgando
com as palavras, enquanto imaginava como deveria ter sido a vida
de Gordy.
— Paris. Foi um sucesso lá, amante de algum nobre francês.
Ela era o brinde da cidade e tinha tudo o que sempre queria. Dois
anos depois,  mandou buscar as suas filhas, que foram morar com
ela. Para dar o devido valor a ela, seu amante fez o melhor por suas
meninas e as duas se casaram bem.
— Mas, quanto a Gordy, — ela protestou, incapaz de verificar
as lágrimas agora, enquanto elas corriam por suas bochechas — foi
deixado aqui sozinho.
— Sim. — disse Clugston, sua expressão sombria — Ele foi
deixado apenas com o homem que desprezava sua companhia.
Ruth cobriu a boca com a mão, como se pudesse forçar o
sofrimento a ficar dentro dela.
— Suas irmãs disseram a ele que o chamariam quando se
casassem, mas acho que a emoção de ser jovem e celebrada, e
todas as delícias de Paris foram suficientes para fazê-las esquecer
que tinham um irmãozinho. Quaisquer que fossem suas desculpas,
nunca voltaram, não até que o velho senhorio estivesse morto, e
então o dano estava feito. Estavam casadas, eram senhoras finas
casadas com cavalheiros elegantes, e Gordy era um jovem
desajeitado de dezesseis anos, tomado por orgulho e raiva. Ficou
claro que suas irmãs ficaram chocadas com o quão grosseiro ele
era, embora, o que elas poderiam esperar quando ele fora deixado à
solta metade do tempo e espancado quando o velho conseguia
pegá-lo... De qualquer forma, Gordy atacava como resposta. Era vil
para elas e vivia de acordo com suas expectativas. Elas não
conseguiram ir embora rápido o suficiente.
Ele olhou de volta para a pintura, para a imagem idílica que
dava de uma família feliz, de amor e segurança, e Ruth viu seus
olhos brilhando à luz da lamparina.
— Fiz o melhor que pude pelo rapaz. Principalmente quando
seu pai estava vivo. — disse Clugston, suas sobrancelhas escuras
se juntando e sua voz áspera de emoção — Mas eu ainda era jovem
e não podia estar com ele todo segundo do dia.
O que ele não disse foi eloquente o suficiente: como era a
vida de um menino pequeno, sozinho em Wildsyde, com um pai
violento que o odiava.
— Ele não confia na senhora, Sra. Anderson, não confia em
nenhuma mulher, mas talvez se ele encontrasse alguém que o
apoiasse, e não fugisse, não importa o quanto ele tentasse fazê-la ir
embora... — deu de ombros e se abaixou, pegando o lençol e
cobrindo o quadro novamente — É pedir muito, eu sei, — disse, sua
boca afinando em uma linha dura — é pedir demais, não duvido. Ele
não a fará feliz, nem irá agradecê-la por tentar ficar.
— Eu não preciso do agradecimento dele, — disse Ruth,
levantando o queixo — mas eu não vou embora. Se ele quiser que
eu vá, terá que me pegar e me arrastar para fora.
O Sr. Clugston bufou — A senhora acha que ele não tentaria?
— Não tenho ilusões, — respondeu Ruth secamente — mas
acho que o entendo muito mais do que antes. Pensei que era só eu
que ele não queria, mas vejo agora que ele não tem razão para
confiar em ninguém.
O Sr. Clugston assentiu e a levou de volta para fora da sala,
trancando-a atrás dele.
— Obrigada. — disse Ruth quando ele se virou para ela.
Ele encolheu os ombros, dando-lhe um pequeno sorriso. —
Não tenho certeza de que lhe fiz algum favor, Sra. Anderson, pois
posso ver que a senhora tem um coração gentil. No entanto, achei
que deveria saber. Ele é um bom homem, do tipo que gastaria sua
última moeda em outra pessoa, se achasse que precisava mais do
que ele, mas ele é um homem duro também. Teve que ser para
sobreviver.
Ruth assentiu e colocou a mão no braço dele — Entendo isso
agora, e agradeço por me contar, de todo o coração, mas quis
agradecer por tudo o que o senhor fez por ele, por não o deixar e...
e por manter seus segredos.
O Sr. Clugston olhou para ela, a garganta apertando, e então
ele deu um aceno afiado e deu um tapinha na mão dela, antes de
conduzi-la para fora.
 
12

Querida Matilda,
Não acredito que estamos quase em dezembro.
Comecei a planejar as festividades e mal posso
esperar para decorar o castelo para o Natal. Estou
cheia de esperança, pois, finalmente, começou a
parecer um lar. Devo dizer que também sou capaz
de fazer milagres, pois fiz alguns pequenos
progressos com o pessoal teimoso do meu
marido. Acho que a atração de um novo fogão
Rumford pode até ser suficiente para suavizar o
coração negro da Sra. MacLeod, veremos...

— Trecho de uma carta da Sra. Ruth Anderson


para a Srta. Matilda Hunt.

6 DE DEZEMBRO DE 1814 SOUTH AUDLEY STREET, LONDRES.

Matilda olhou para a xícara de chá, os dedos esfregando


pequenos círculos ao redor do ponto tenro em suas têmporas.
— Ah, sei exatamente como se sente.
Matilda ergueu os olhos quando Jemima Fernside entrou
para tomar café da manhã. Ela era uma garota bonita, mas estava
muito magra e muito pálida, mais do que o normal aquela manhã,
após irem dormir tarde - na verdade já era manhã, pois  já havia
passado das quatro horas quando voltaram.
— Mas valeu a pena — disse a garota, sorrindo para Matilda.
— Foi uma festa maravilhosa.
— Foi, e Bonnie parecia terrivelmente feliz. — disse Matilda,
suspirando de prazer e pegando uma fatia de torrada.
A coisa boa de ser menos do que respeitável era que
ninguém se surpreendia se fizesse algo chocante, como beber
champanhe. Os efeitos posteriores não eram tão bons se você se
aproveitasse desse fato. Amanteigou a torrada, embora seu
estômago protestasse, e deu uma mordida resoluta.
— Bonnie parecia tão presunçosa quanto um gato, com uma
pena amarela pendurada na boca. — disse Jemima, rindo, e Matilda
não podia negar.
O conde de St. Clair havia dado um baile luxuoso para
celebrar o casamento de Bonnie com seu irmão e mostrar para toda
ton que ele e sua mãe estavam muito felizes pelo casamento. Como
Bonnie não tinha feito nada, desde o momento em que chegou da
Escócia, conseguiu que todos falassem sobre seu comportamento
ultrajante, as velhas alcoviteiras, que se deleitavam em espalhar
boatos e fofocas, esperavam que o conde e sua mãe a renegassem;
ficariam desapontadas.
Depois de um começo um pouco incerto, Bonnie e sua nova
sogra eram como unha e carne e começaram a causar mais
travessuras juntas do que Bonnie jamais ousara sozinha. De
repente, Matilda podia ver claramente como a viúva Condessa St.
Clair havia criado dois filhos tão encantadores e devastadores.
— Meu Deus, que banquete.
Matilda sorriu quando Jemima assentiu para que o lacaio
enchesse seu prato com ovos, salsichas, bacon e tomates fritos.
Embora a própria ideia deixasse Matilda enjoada, suportou o cheiro,
pois estava determinada a alimentar Jemima durante sua estadia.
Embora, por enquanto, Jemima só tivesse concordado em ficar por
uma semana, Matilda esperava persuadi-la a ficar mais tempo.
Matilda mastigou a torrada e depois entregou-lhe sua xícara
de chá, observando com prazer, enquanto Jemima aceitava uma
segunda porção de ovos.
— Meu Deus. — disse a jovem, empurrando uma mecha de
cabelo loiro de seus olhos. — Que gulosa eu sou. Estou prestes a
estourar.
— A refeição lhe fez bem. — observou Matilda, olhando-a
com aprovação. — Suas bochechas estão mais ruborizadas agora, 
fico feliz em ver isso. Está muito pálida e tenho certeza de que não
tem comido.
Baixinho, Matilda dispensou os lacaios e, em seguida,
estendeu a mão para Jemima.
— Agora, então, — disse ela, dando-lhe a expressão severa
que reservava para sibilar a verdade de suas amigas. — diga-me o
que está acontecendo.
A cor nas bochechas de Jemima aumentou, mas a garota
ergueu o queixo, seus traços delicados fazendo pouco para
disfarçar o brilho de orgulho em seus olhos cinza-escuros.
— O que está acontecendo? — repetiu, com uma risada que
estava longe de ser convincente — Ora, Tilda, do que está me
acusando? Acha que eu estou no centro de um escândalo terrível?
Garanto que não estou.
Matilda deu uma bufada de frustração. — É melhor descer
desse cavalinho, é claro que eu não acho nada disso. Acho que...
Ela fez uma pausa, ciente de que, de todas as Senhoritas
Peculiares, era Jemima quem havia se afastado mais delas. Não era
preciso ser um gênio para descobrir que  estava passando por
dificuldades financeiras, mas como ajudar a jovem - cujo orgulho era
tão feroz que nunca aceitaria caridade - era algo do qual Matilda não
tinha certeza.
— Acho que você tem passado por algumas... dificuldades,
de um tipo ou de outro. — disse, esperando que fosse vago o
suficiente para não causar ofensa, mas curioso o suficiente para
obter uma resposta.
Houve um ligeiro endurecimento nos ombros de Jemima, e
sua boca se apertou, enquanto olhava de volta para Matilda. Matilda
esperou, prendendo a respiração, imaginando se havia julgado mal
e ultrapassado o limite. Seu desejo de ajudar os outros estava,
muitas vezes, perigosamente perto de se intrometer e ela vivia com
medo de se tornar uma velha mexeriqueira. Jemima soltou um
suspiro, um brilho triste em seus olhos cinzentos.
— Posso ver porque todas as meninas começaram a chamá-
la de Mama Poule — disse ela, balançando a cabeça.
— Uma mamãe coruja que interfere. — Matilda concordou
com um encolher de ombros. — Não posso negar isso, nem não me
intrometer.
— Ora, bem, sei que é de forma gentil, sei. A verdade, se
quiser saber, é que minha tia morreu há alguns meses.
— Oh, Jemima! — Matilda estendeu a mão para ela mais
uma vez, apertando sua mão firmemente entre a dela. — Minha
querida, por que  nunca contou? Mas...— contendo-se a tempo,
Matilda fechou os lábios, embora seus olhos já tivessem se
desviado para o vestido amarelo pálido que Jemima usava.
Estava desbotada e desatualizada, mas não era preto.
— Ela me proibiu usar preto. — disse Jemima, seu queixo
subindo mais uma vez — Não foi meu desejo nem minha ideia, mas
ela tinha alguma noção boba de que minha vida seria mais brilhante,
se eu usasse cores para ela, n-não...
Sua voz tremeu e Matilda se levantou e colocou os braços
em volta de Jemima, enquanto tentava se estabilizar.
— Perdoe-me. — disse, puxando um lenço e enxugando os
olhos com movimentos rápidos e eficientes.
— Não tem nada para ser perdoado. Sinto muito, Jem. Sei o
quanto eram próximas, mas...
Matilda hesitou mais uma vez, sabendo que deveria ser mais
cuidadosa. Só fez seu coração doer, ao saber que uma de suas
amigas estava passando por necessidade. Ela tinha tanto. A
generosidade de seu irmão - para não mencionar sua culpa - a
tornara uma mulher muito rica. Se Jemima não enxergasse isso
como caridade,  compartilharia essa riqueza com ela.
— Ora, vamos lá, Matilda. — disse Jemima, sua voz
tremendo com uma mistura de risos e lágrimas. — Não se acanhe
agora. Chegou até aqui.
Matilda riu e sentou-se novamente, puxando a cadeira para
mais perto de Jemima. — Sou uma intrometida miserável, Jem, não
há como negar, mas você uma vez me confidenciou que sua tia a
mantinha e agora...
— Tem sido... difícil. — começou Jemima com um sorriso,
antes que seu olhar deslizasse para longe do de Matilda. Ela se
concentrou nos restos de uma torrada, distraidamente colhendo
pedaços dela enquanto falava. — Mas, por acaso, parece que
minha tia me deixou algo. Só tenho que esperar por um tempo, até
que todas as questões legais e chatas sejam resolvidas. A esta
hora, na próxima semana,  estarei muito bem acomodada. Então, 
não deve se preocupar mais comigo.
— Oh! — disse Matilda, soltando um suspiro e se
perguntando o que era sobre as palavras de Jemima que não
haviam aliviado sua mente. — Bem, fico aliviada em ouvir isso.
Ainda terá a mesma casinha adorável?
— Não. — Jemima disse, suas delicadas sobrancelhas loiras
franzindo. — Decidi que a agitação da cidade não é para mim. Vou
comprar uma casa no campo. Um pequeno chalé, com rosas ao
redor da porta. — acrescentou, com uma risada tilintando, o que não
tranquilizou Matilda.
— No campo? — perguntou, espantada. — Mas, certamente,
estará aqui para a temporada? É jovem e bonita e, se  tiver um
pouco de dinheiro reservado...
— Não tenho planos de me casar, Tilda, querida. — disse
Jemima, sorrindo muito brilhantemente. — Por que eu deveria?
Tenho um bom dinheiro e terei minha própria casa, então, não
preciso me preocupar em arrumar um marido, não é?
Matilda a observou com incerteza. Não acreditava que uma
mulher precisasse de um homem para ser feliz. De fato, algumas
mulheres estariam muito melhor sem os homens terríveis com quem
estavam amarradas, e a vida que Jemima descreveu não era sem
um certo apelo. Era uma vida que Matilda poderia acabar vivendo
sozinha. No entanto, algo sobre o sorriso muito brilhante de Jemima
e toda a situação chamou a atenção dos instintos maternos de
Matilda.
— Bem, fico aliviada em saber que tudo deu certo
agradavelmente. — disse, tentando suavizar seus sentidos
formigantes. — Mas espero que permaneça aqui o tempo que
quiser. Estava ansiosa por sua companhia.
— Claro que vou. — exclamou Jemima, seu sorriso suave e
genuíno agora. — No entanto, devo informar que tenho um motivo
oculto. Recebi alguns fundos adiantados, enquanto todos os
negócios da minha tia ficam em ordem, e estou, como pode ver,
desesperadamente precisando de um novo guarda-roupa. Vai me
ajudar, Tilda, querida? Você realmente entende de moda.
— Oh! — Matilda disse rindo. — Minha querida amiga. Nada
no mundo me daria maior prazer.

Minerva suspirou alegremente, enquanto olhava para o


convite almejado. Ainda faltava algumas semanas para a data, mas
o desejo de gritar de excitação era difícil de resistir. Em vez disso, 
contentou-se em pressionar o convite nos seus lábios. Embora, 
dificilmente, fosse o tipo habitual que era convidada para a
conversazione científica de Joseph Banks em sua casa, na Praça
Soho, Minerva havia assegurado um convite, por meios não muito
diferentes de chantagem.
Irritou-se um pouco com a ideia, mas não conseguiu
descartá-la completamente. O Sr. Inigo de Beauvoir ficou tão
perturbado com a ideia de que ela poderia tentar entrar em uma de
suas palestras na Somerset House - e, sem dúvida, causar uma
cena - que decidiu que esse era o menor de dois males. Havia
deixado claro esse raciocínio, enfatizando o fato de que não havia
nenhum romance no convite, escrito com tinta preta pesada.
Minerva sorriu um pouco, imaginando sua irritação enquanto
escrevia o bilhete redigido brevemente, informando-a de que um
convite se seguiria. O pobre homem apenas não sabia o que fazer
com ela, mas, então, mal se lembrou de comer, pelo que Minerva
podia dizer. Ele precisava de cuidados e algo sobre o sujeito
irascível trouxe à tona todos os instintos maternais de Minerva. Ora,
ela não conseguia entender. Ele não era especialmente bonito:
imensamente alto, e muito magro, com um perfil de falcão e cabelo
preto que era demasiadamente longo e rebelde. Parecia mais um
corvo exasperado do que o tipo de herói que ela suspirava em
romances. No entanto, havia algo absolutamente convincente sobre
ele.
Ela não tinha certeza se era simplesmente aquele intelecto
feroz que ardia tão intensamente em seus olhos ou outra coisa,
mas, uma vez que o Sr. de Beauvoir fixasse sua atenção em
alguém, era como ser espetado com um atiçador em brasa. Embora
não fosse totalmente desagradável - pelo menos Minerva não o
havia achado assim - era perturbador.
— Bem, meu querido, simplesmente devo escrever e
agradecer o lindo convite — murmurou, acomodando-se na
pequena mesa em seu quarto e pegando uma folha de pergaminho
limpa.

Caro Sr. de Beauvoir,


Muito obrigada por me convidar para assistir sua
palestra. Estou fora de mim com entusiasmo.
Posso ser ousada a ponto de perguntar sobre qual
assunto o senhor pretende falar? Gostaria que me
desse algumas informações básicas, para que eu
possa entender melhor que o senhor está
estudando. Não tenho dúvidas de que ficarei
perdida em pouco tempo, mas prefiro não parecer
uma tola completa. Se o senhor tiver alguma
sugestão sobre o que ler sobre o assunto, antes
da sua palestra,  ficaria muito grata.
Confesso que suspirei, muito desesperadamente,
por suas garantias de que não acha nada
romântico no convite, mas é claro que um homem
como o senhor tem coisas mais importantes em
que pensar do que beijos roubados. Roubei
aquele, afinal de contas, não roubei? Não posso
fingir o contrário. Sou uma ladra e caí tão longe na
minha vida de crime, que não posso ser redimida.
Então, é melhor o senhor estar em guarda e
preparado para manter seus bens bem trancados.
Haverá uma vilã à solta na Praça Soho, e ela
pretende fazer um roubo ainda maior.
Seu coração.
Com admiração.
Com amor,

Srta. Minerva Butler.


 
13

Senhorita Butler,
Estou chocado e consternado...
Como se atreve...
Que tipo de jogo a senhorita está jogando, sua
garota diabólica...
Quer que eu a arruíne?
Oh, Deus, estou condenado.

— Trecho de uma carta do Sr. Inigo de


Beauvoir para a Srta. Minerva Butler, nunca
enviada.

6 DE DEZEMBRO DE 1814 CASTELO DE WILDSYDE, ESCÓCIA.

Ruth tinha visto pouco de seu marido, desde a tarde de sua


terrível briga. Ele manteve distância, e ela ficou feliz com isso, pois
precisava de tempo para decidir a melhor forma de usar as
informações que o Sr. Clugston lhe dera. Em vez disso,  jogou-se
mais uma vez no trabalho em Wildsyde, apesar de Gordy dizer não
querer um lar ainda zumbindo em seus ouvidos. Poderia pensar que
não queria um lar, mas era perfeitamente óbvio que era o que ele
precisava, acima de tudo. Para seu alívio,  teve suas regras no final
de novembro e não estava grávida. Ainda tinha tempo, embora
tempo para fazer o que exatamente,  não tinha ideia.
Como se não tivesse desafios suficientes, Ruth decidiu que já
era hora de enfrentar a Sra. MacLeod. Assim começou sua guerra
de atrito. Iniciou em pequena escala, elogiando a Sra. MacLeod por
sua comida magnífica. A mulher era uma cozinheira muito boa, uma
vez que se incomodava em produzir algo mais complexo do que
ensopado e batatas. Aparentemente, era o favorito do senhorio e, se
era bom o suficiente para o senhorio, era bom o suficiente para todo
mundo. Ruth segurava a língua com dificuldade, contra o desejo de
destacar que ele poderia descobrir uma nova comida favorita, se
tivesse a chance de tentar qualquer outra coisa.
Embora ela soubesse muito bem que poderia simplesmente
empregar outra cozinheira - até mesmo um chef francês sofisticado,
se quisesse - a Sra. MacLeod era um desafio, e Ruth pretendia
conquistá-la.
Então foi com subterfúgio em mente que ela se acomodou na
mesa da cozinha, com alguns grandes livros de culinária e um
catálogo de um fogão Rumford. Sua governanta, a redutível e com o
nome apropriado, Sra. Crust, estava sentada ao lado dela, em vez
da sala de estar da governanta, que era, ainda, inutilizável. A Sra.
Crust havia aceitado, de bom coração, quando Ruth explicou que
tinha todas as conveniências e luxos modernos inéditos em sua
posição anterior, se ao menos fosse paciente o suficiente para
suportá-los enquanto o castelo passasse por sua reforma.
A Sra. Crust tinha sido magnífica, fazendo com que um
desfile interminável de trabalhadores percorresse a casa, com botas
sujas, melhor do que Ruth sentia que tinha o direito de esperar.
Também entendeu bem a necessidade de Ruth, de conquistar a Sra.
MacLeod, sabendo muito bem que, com sua capitulação, o resto
dos criados escoceses a seguiria.
Então, com a parceira do crime ao seu lado, Ruth tomou um
gole de chá e suspirou arrependida sobre o livro de receitas.
— É uma pena, com o Natal chegando. — disse, com uma
voz baixa, não baixa o suficiente para a Sra. MacLeod não ouvir
enquanto, sovava uma massa.
— É, mas a verdade é que a senhora não seria capaz de
produzir uma comida tão sofisticada, não... bem, não com a forma
como a cozinha está equipada no momento. — disse a Sra. Crust,
embora com tal tom estivesse claro que havia um significado mais
profundo em suas palavras.
— Bem, talvez, uma vez que o novo fogão tenha sido
instalado. Não que haja uma esperança disso antes do Natal, mas
para a Páscoa talvez...
A Sra. Crust bufou e pegou sua xícara de chá. — A senhora
não verá algo assim sendo produzido nesta cozinha, Sra. Anderson,
essa é a mais pura verdade.
Ruth assentiu, não tendo que fingir sua consternação,
enquanto olhava para uma receita de Pains à la Duchesse. Os chás
que ela providenciava para as Senhoritas Peculiares eram próximos
do lendário, mas a cozinheira da Upper Walpole Street era
inigualável. Olhou para a Sra. MacLeod com dúvida e suspirou.
— Suponho que esteja certa. Ainda assim, meu marido
gostou muito da comida, quando ficou na casa da minha família, em
Londres, mas ela é uma cozinheira superior. Ela tem uma mão leve
para massa.
— A senhora está sugerindo que minha massa é pesada,
Sra. Anderson?
Ruth saltou, sem necessidade, e fingiu surpresa, enquanto a
Sra. MacLeod estava em pé sobre seus ombros, os braços floridos
cruzados e seus olhos azuis brilhando, indignados.
— Pesada? — Ruth repetiu, piscando para ela. — Oh, n-não,
Sra. MacLeod! Eu nunca sugeriria tal coisa. Aquela torta de maçã
que a senhora serviu outra noite estava divina, a massa era leve e
derretia na boca, assim como deveria ser, mas Pains à la Duchesse
é uma receita complexa e...
A Sra. MacLeod girou o livro de culinária em sua direção,
com um dedo farinhento, e olhou para ele.
— Não parece tão complicado. — disse, com uma fungada
de desprezo.
Ruth e a Sra. Crust trocaram um olhar.
— É a execução que é difícil, não os ingredientes. — disse a
Sra. Crust sabiamente. — É um desafio até para um bom chef, mas
aqui... nesta cozinha? Impossível. — disse, um olhar presunçoso em
seu rosto, precisamente calculado para enfurecer a Sra. MacLeod.
Ruth poderia tê-la abraçado.
— Não existe nenhuma receita que alguma cozinheira
sofisticada inglesa faça, que eu não possa fazer. — respondeu a
Sra. MacLeod, seu rosto corado de indignação.
— Oh, mas Sra. MacLeod, nunca duvidaríamos de suas
habilidades. — disse Ruth suavemente. — Só que seria injusto da
nossa parte, esperar que a senhora produzisse algo mais do que
seu repertório habitual, quando essa cozinha está tão fora de moda.
Como se tivesse sido combinado, uma onda de fumaça
flutuou pela chaminé e, por um momento, a Sra. MacLeod e Jessie
estavam ocupadas, abrindo portas e trabalhando o fole no fogo,
para empurrá-lo para dentro.
A Sra. MacLeod olhou por cima do ombro, sua expressão era
de consternação. — Sim, bem, é verdade que a cozinha poderia
passar por uma pequena mudança, suponho. — disse com má
vontade.
— Honestamente, Sra. MacLeod, não sei como a senhora
produz uma mesa tão boa quanto a sua. — disse Ruth, balançando
a cabeça de admiração e se perguntando se talvez ela estivesse
pegando muito pesado. Os lábios da Sra. Crust se contraíram, mas
ela permaneceu em silêncio — Digo-lhe agora, se esta cozinha
fosse apresentada à nossa boa cozinheira de Londres, ela se
retiraria para seu quarto histérica e não sairia mais de lá.
A Sra. MacLeod bufou de desgosto. — Não tenho tempo para
essas birras.
— Oh, eu sei que a senhora nunca abandonaria seu posto,
nem deixaria de colocar comida na mesa. Apesar de nossas
diferenças, sempre soube que a senhora poderia ser confiável para
nos alimentar. — Ruth sorriu para ela, decidindo que a manhã em
que eles propositadamente não trouxeram seu café da manhã
estava esquecida.
A Sra. Crust engasgou com o chá e colocou a xícara no pires
com um chocalho. Ruth não conseguia olhar para ela.
— Suponho que a senhora esteja querendo alguma coisa
extravagante para ser servida no Natal?
— Oh! — disse Ruth, como se essa ideia não tivesse ocorrido
a ela. — Bem, devo admitir que sempre adorei o Natal. Em casa nós
costumávamos fazer...
Ela parou abruptamente e mordeu o lábio.
A Sra. MacLeod estreitou os olhos para ela, depois para a
Sra. Crust e deu um suspiro de resignação. Puxou uma cadeira e
sentou-se, sacudindo a cabeça para o livro de receitas.
— O que a senhora tem em mente? — demandou.
Ruth sorriu, sentindo-se  vitória. — Bem... — começou e
mergulhou de cabeça em todas as ideias esplêndidas, que estava
explodindo para compartilhar a semana toda.

Gordy se lavou e trocou de roupas, seus movimentos rígidos


e mecânicos. Descobriu no caminho que havia ganhado uma grande
variedade de camisas novas e roupas íntimas - entre outras coisas -
e que seu valete havia pedido muitos itens que  sentia que o
senhorio precisava, segundo a opinião da Sra. Anderson. Cansado
demais para protestar que  não precisava de camisas novas, apesar
das evidências dizerem o contrário, Gordy apenas vestiu o que
estava disposto para ele e dispensou Jenkins. Traçou a linha ao
permitir que nenhum garoto, mal saído das fraldas, o ajudasse a se
vestir, como se fosse um bebê. O sujeito fazia uma boa barba, tinha
que admitir, e o linho fino da camisa era macio e confortável, e
cheirava bem também.
Estando pronto, desceu as escadas para o jantar. Trabalhou
duro a semana toda, trabalho pesado, e agora se sentia desgastado
e desanimado. Ruth o estava evitando, o que disse a si mesmo ser
o melhor, embora precisasse dormir com a mulher, ou nunca haveria
um herdeiro e ele ficaria preso a ela. Foi até a porta do quarto dela,
várias vezes durante a semana, apenas para voltar, as lembranças
de suas lágrimas devastadas eram muito frescas em sua mente.
Como poderia usá-la assim, sem nenhum cuidado ou ternura,
depois de tratá-la tão mal? Estava atormentado com sonhos de seu
corpo sobre o dele à noite, e pensamentos de suas mãos sobre ele,
também o perturbavam durante o dia, fazendo seu sangue queimar
de desejo. No entanto, estava desconfiado de se aproximar dela,
com medo de não ser tão frio e remoto quanto deveria. Não ajudaria
a nenhum dos dois se a tratasse com muita gentileza, se parecesse
que ele se importava, mas não era miserável o bastante para fingir
completa indiferença quando a levou para a cama.
Frustrado e abatido, não estava preparado para encontrá-la
esperando por ele na sala de jantar. Ainda não tinham
compartilhado uma refeição junto. Durante a viagem para o norte,
ele propositadamente a evitou e, desde que chegaram a Wildsyde,
não a convidou nenhuma vez para que se juntasse a ele, e ela não
pressionou o assunto.
Encontrá-la vestida para o jantar e esperando por ele era,
portanto, o suficiente para colocá-lo em guarda. Seus instintos lhe
disseram para dar um breve aceno de cabeça e depois ignorá-la,
mas seu corpo não estava prestando atenção, fascinado com a
visão diante dele. Ela estava usando um vestido de veludo azul
profundo, o decote baixo, aparado com uma linha delicada de
rendas brancas finas e, mais uma vez, ela usava o tartan dele, desta
vez uma faixa estreita, que apertava logo abaixo de seus seios, as
pontas soltas se arrastando para as dobras de suas saias. Algo
quente e possessivo surgiu dentro dele e sufocou esse sentimento,
incapaz de fazer qualquer coisa, mas olhando-a cautelosamente.
— Boa noite, Gordy. — disse suavemente — Espero que não
se importe que me junte a você, mas a Sra. MacLeod tem algo
especial planejado para esta noite e eu queria mostrar-lhe o quanto
apreciei seus esforços  — sorriu um pouco, mas sua expressão
vacilou, enquanto ele continuava a observá-la sem comentários. —
Se prefere que eu coma em outro lugar, basta me dizer.
As palavras foram educadas, mas ele viu a ligeira rigidez de
seus ombros, a maneira como ela se preparou para sua rejeição.
— Pode ficar se quiser — disse ele, ciente de que era rude e
rancoroso, e lembrando-se de que era assim que ele deveria ser
com dificuldade, lamentando a maneira como a deixou sozinha e
incerta. Sentou-se sem dizer mais nada. Por que se importava se
ela se sentia estranha, puxando sua própria cadeira?
Um lacaio apareceu naquele momento e fez isso por ela.
Ruth agradeceu ao homem com um sorriso caloroso e Gordy sentiu
uma explosão de irritação. Por que  se preocuparia com ela? Não
era como se estivesse fingindo ser um cavalheiro. Nunca havia
fingido antes, e não estava prestes a começar agora...  parecia uma
criança chorona.
Fez uma careta quando o mordomo inglês esnobe apareceu
e serviu o vinho, supervisionando a mesa, enquanto o lacaio
organizava o primeiro prato. Gordy geralmente tinha uma tigela de
sopa e pão, seguidos de algum tipo de ensopado, e ele olhou
furioso para a variedade de pratos dispostos agora.
— O que é isso tudo? — rosnou, olhando para a mesa como
se alguém tivesse lhe servido uma torta de lama.
Sua esposa hesitou e ele podia sentir sua ansiedade, mas ela
ergueu o queixo e identificou cada prato. — Há frango assado
recheado com damascos, pudim de amêndoas, frincandeau de
vitela, e esses são linguados, fritos e grelhados.
Gordy olhou furioso para ela. — O que é um fricandeau?
— Significa fatia, da perna. A Sra. MacLeod fez um
maravilhoso molho de cogumelos para acompanhar. Aqui... — disse,
gesticulando para o lacaio servir seu marido.
Gordy observou em silêncio, enquanto o lacaio lhe servia
uma seleção dos pratos diante deles, sob as instruções de sua
esposa. O prato fora colocado diante dele que percebeu que Ruth
estava prendendo a respiração, enquanto ele franzia a testa. A
beligerância e a irritação o incitaram a dizer-lhe que ele não
precisava de todo esse absurdo sofisticado e que um pouco de sopa
e uma boa tigela de ensopado era bom o suficiente, obrigado... e
depois, o aroma perfumado de carne e ervas e um molho rico, que
brilhava com vinho e manteiga, o envolveram. Apesar de suas
melhores intenções, pegou sua faca e garfo e esfaqueou uma fatia
macia da vitela no molho, cortou-a ao meio, com um movimento
rápido e irritado, e enfiou-a na boca.
Não gemeu em voz alta, mas foi algo próximo disso. A carne
era macia e suculenta, e o molho era a coisa mais deliciosa que ele
provara desde... bem, se ele fosse honesto, desde a noite em que
jantou na casa de Ruth. Estava muito nervoso para apreciar a
comida, mas não negou que tinha sido melhor do que qualquer
coisa que ele já provara antes. Até agora.
Ciente de que Ruth estava lançando olhares sub-reptícios
para ele, por baixo de seus cílios, arrumou sua expressão em algo
que não lhe diria nada e limpou o prato. Embora fosse tentador
deixar metade - apenas para provar um ponto - estava com muita
fome e tudo estava muito delicioso. Parou apenas para pedir que lhe
fosse servida outra porção. Além disso, se a Sra. MacLeod fosse
capaz de tais feitos de brilho culinário, poderia continuar
alimentando-o da mesma maneira, quando Ruth voltasse para a
Inglaterra. Ele pode muito bem encorajar a mulher.
A mesa estava limpa, e o próximo prato chegou.
— Estamos esperando companhia? — ele perguntou,
surpreso com outra exibição.
— Não. — respondeu Ruth, e ele percebeu que ela ganhou
confiança com a devoração do primeiro prato. — Mas a Sra.
MacLeod está praticando suas habilidades, e esse é o tipo de
refeição que se esperaria em um lugar como Wildsyde. Não há
necessidade de comer assim o tempo todo, se não quiser, mas
cozinhar é uma forma de arte, e os artistas precisam de desafios.
— Está chamando a Sra. MacLeod de artista? — Gordy
zombou, as sobrancelhas erguidas de espanto. Bufou e depois deu
uma gargalhada.
Ruth se irritou. — Você poderia ter produzido essa variedade
de pratos? O Sr. Clugston, Jessie ou Sheenagh poderiam? Não, não
poderiam, porque não têm as habilidades nem o conhecimento.
Você faz um desserviço, esperando que ela não faça nada além de
fornecer ensopado todas as noites, por anos a fio. Não é de admirar
que a pobre mulher seja mal-humorada; deve estar entediada.
Gordy olhou para ela, ardendo para que ela o culpasse pela
falta de imaginação da mulher. — Não exigi que ela cozinhasse a
mesma coisa todos os dias.
— Não, mas já  agradeceu ou se interessou um pouco pelo
que ela cozinhava para você?
Havia um desafio em seus olhos e ele estava
momentaneamente distraído, pela maneira como brilhavam para
ele, a natureza apaixonada de sua esposa se mostrando na rápida
ascensão de seu temperamento. Pensou em dizer ao lacaio e ao
mordomo para irem aos diabos, e a levarem junto. Poderia tomá-la
ali mesmo. Ela não o recusaria, tinha certeza disso. O calor
formigou em sua espinha, e seu corpo se mexeu, mas ela desviou o
olhar dele, sem se preocupar em esperar sua resposta, enquanto
instruía o lacaio a encher seu prato novamente.
Atormentado pela fome de um tipo diferente, Gordy se
dedicou ao jantar, na esperança de se distrair, e encontrou seu prato
recarregado, enquanto sua esposa o alimentava com uma variedade
de pratos deliciosos. O curso final a ser trazido à mesa não era
menos impressionante do que os dois primeiros, e ele não podia
conter uma exclamação.
— Bom Deus, a mulher deve ter trabalhado o dia inteiro!
— Ela trabalhou. — concordou Ruth, sorrindo satisfeita. — E
eu nunca a vi com um humor melhor. Ela tem ensinado a Jessie
alguns de seus segredos, e até permitiu que alguns de meus criados
a ajudassem. Finalmente, está se tornando amante de seu próprio
domínio, da maneira como deve ser feito, e não importa o que
pense de mim ou dos meus esforços, se não for contar-lhe como
tudo estava maravilhoso, eu nunca vou perdoá-lo.
Essas últimas palavras foram ditas em silêncio, mas com
tanta força que Gordy ficou surpreso.
— Bem — disse, incerto sobre como responder a isso.  —
Honras a quem as merece, não é?
— Acho que sim. — sua esposa respondeu com um aceno, 
enquanto instruía o lacaio mais uma vez sobre o que o servir e
depois o dispensou.
O mordomo encheu os copos e saiu, deixando-os sozinhos.
Gordy comeu tudo o que tinha diante dele e depois empurrou seu
prato vazio para longe, rezando para que ela não o enchesse
novamente. Estava pronto para explodir.
Olhou-a com cautela. — Foi uma boa refeição, embora se eu
comer assim todas as noites, não conseguirei subir as escadas. —
murmurou, esfregando a barriga com um suspiro.
— Um homem trabalhador como você não deve ter
problemas em manter o peso. Embora eu tenha certeza de que
poderíamos encontrar alguma atividade extra para você se sentir a
necessidade.
Olhou-a, o calor escaldando a parte de trás do pescoço,
enquanto a implicação de suas palavras afundava. Ela olhou para
ele, ousada e com excesso de confiança e tomou um gole de vinho.
— Ora, Gordy, está corando. — disse, as palavras quentes
de diversão, enquanto abaixava o copo novamente.
— Não seja tola. — ele murmurou, jogando o guardanapo
sobre a mesa. — E se está querendo que eu a leve para a cama,
por que não diz logo?
Ela deu de ombros, seu olhar ainda muito direto, e ele lutou
para encontrá-lo. — Você é quem quer que eu reproduza e saia de
debaixo dos seus pés, mas não o vejo há mais de uma semana.
Ele desviou o olhar dela, ciente de que havia uma armadilha
ali, mas  esperaria muito, se estivesse esperando por um pedido de
desculpas, ou para que ele admitisse que tinha vergonha de voltar
para ela. Ela sabia, de qualquer maneira, maldita seja.
— Pode vir até mim esta noite, se quiser. — disse ela,
dobrando seu próprio guardanapo e colocando-o sobre a mesa.
Levantou-se e Gordy sabia que ele deveria se levantar também, por
respeito. Na verdade, era a coisa mais difícil manter sua bunda na
cadeira, mas alguma parte antagônica dele não permitiria o
contrário.
Observou enquanto sua esposa deixava a mesa, suas costas
retas, com a cabeça erguida, parecendo uma maldita imperatriz e
fazendo-o se sentir como o idiota que sabia que era. Maldição,
deveria tê-la defendido, no mínimo. Não era tão ignorante, a ponto
de não ter boas maneiras. Não sabia o que o levou a fingir que era
tão mal-educado. O velho senhorio esperava que ele soubesse
como um  cavalheiro deveria agir e o punia se cometesse um erro.
Aprendeu suas lições o suficiente. Apenas se esforçou para usá-los,
como se o velho miserável tivesse vencido de alguma forma. Era
estúpido e não fazia nem um pouco de sentido, mas era verdade
mesmo assim.
Gordy se levantou, levando a taça de vinho com ele, de volta
ao escritório. Abriu a porta e estremeceu, quando o rosa o atingiu
novamente. Não importa quantas vezes entrasse no escritório, o
choque o atingia todas as vezes. Ainda não a havia confrontado por
isso, embora não tivesse certeza do porquê. Mentiroso. Ele merecia,
era por isso, e embora ela nunca o tivesse punido de outra forma, 
ele pensou que o mínimo que poderia fazer era viver com isso, pelo
menos por um tempo. Nem tinha tocado nas malditas fitas. A
verdade é que elas o faziam sorrir.
Olhou para o horrível relógio por um momento e depois se
apoiou na lareira, chutando um tronco com a ponta da bota. Faíscas
brilharam e voaram pela chaminé, e ele se lembrou do brilho nos
olhos de Ruth. Ela queimava tanto quanto as brasas na lareira,
quente o suficiente para consumi-lo, se ele não tomasse cuidado.
Gemeu e encostou a testa no braço, sentindo o calor esquentar
suas pernas e seu rosto. Qualquer outra mulher teria olhado para
Wildsyde e fugido gritando. Diabos, qualquer mulher com algum
juízo nunca teria chegado a Wildsyde. Teriam corrido gritando dele,
se tivessem um pingo de noção de autopreservação. Não Ruth.
Ruth o queria desde o primeiro momento em que o viu, e ela
também amava Wildsyde. Deveria estar louca, mas ele sabia que
era verdade. Era óbvio.
Suspeitava que qualquer um com olho para a cor, poderia
decorar um cômodo bem o suficiente, mas para torná-lo um lar, isso,
certamente, era um dom. Todos os dias ele voltava, curioso para
saber o que ela estava fazendo, ansioso para investigar, mas muito
teimoso para permitir que ela notasse seu interesse. Em vez disso, 
espreitava-se pelo castelo, tarde da noite, inspecionando seu
trabalho. Durante o dia, passava seu tempo longe de Wildsyde, com
seus inquilinos, consertando telhados e consertando cercas,
trabalhando até que estivesse cansado demais para fazer qualquer
coisa além de cair na cama, rezando para estar cansado demais
para sonhar com ela. Nunca funcionou, e ele se rebaixava a andar
por aí, espionando o que ela estava fazendo. Toda vez que
descobria algo novo, algo que ela havia alterado ou melhorado,
queria se enfurecer com ela e exigir que parasse, mas percebeu que
não podia.
Apesar da mudança que havia feito no lugar, em tão pouco
tempo, não havia, de forma alguma, diminuído ou estragado o que
ele amava em Wildsyde; só o fez brilhar mais. Ele também adorava.
Independentemente do sofrimento da sua infância, lutou com unhas
e dentes para manter o lugar, para segurá-lo e tentar impedir que
caísse aos pedaços ao seu redor, e em algum momento durante
essa luta, passou a amá-lo por si mesmo.
Que as memórias vão para o inferno. O castelo fora lar de
vários senhorios, de vários amores e desgostos, vida e morte, e
ainda estava aqui, e era uma parte dele. Ele pertencia a Wildsyde, e
a única coisa que as mudanças o faziam temer, era que Ruth
também estivesse criando raízes no lugar. Onde quer que olhasse,
lá estava ela; se eram os malditos bustos com suas guirlandas
berrantes, ou a maneira como ela arrumava as cadeiras e tapetes,
de forma que convidava as pessoas a se sentarem perto de uma
fogueira e descansar, ou o cobertor de tartan em sua cama, que o
fazia ansiar para jogá-la sobre ele. Ainda seria a casa dele quando
ela fosse embora?
Estava ciente de uma sensação desconfortável em suas
entranhas, e ele não achava que poderia culpar a Sra. MacLeod ou
exagerar na indulgência por isso, embora tentasse. Maldita seja a
mulher. Por que, de todas as mulheres com quem poderia ter se
casado, se casaria com a única que não ficava assustada?
Praguejando, chutou o enorme tronco na lareira novamente e
depois praguejou ainda mais, quando uma faísca se instalou em sua
panturrilha, queimando-o. Já chega disso. Não se esconderia nesta
sala horrível, quando havia uma mulher disposta, esperando por ele
lá em cima. Já era hora de sua esposa começar a reproduzir, e ele
não conseguiria isso passando seu tempo naquele purgatório rosa,
como o havia nomeado.
Ela estava pronta para cumprir seu dever com ele, o mínimo
que ele poderia fazer era retribuir o favor.
14

Querida Ruth,
Tenho tanto para lhe dizer que mal sei por onde
começar, mas espero que tenha ouvido o que
aconteceu desde que nos deixou. Eu me sinto
terrível por não ter lhe escrito antes e espero que
me perdoe. Fui uma péssima amiga, mas foi tão
boa comigo, quando precisei de você. Minha vida
passou de sofrimento para uma felicidade imensa,
e, apesar de ser lembrada de como é perder,  sei
que sou muito abençoada. Tenho um marido
maravilhoso, uma família que me acolheu de
braços abertos, e amigas que significam o mundo
para mim.
Sinto sua falta, Ruth, e penso em você todos os
dias. Por favor, minha querida, permita-me ser sua
amiga, assim como foi minha. Se há algo que eu
possa fazer para ajudá-la, só precisa me dizer.
Acredite, se quiser que eu corte o coração negro
do seu marido com uma colher, ficarei muito feliz
em fazê-lo.
Basta me pedir.

— Trecho de uma carta da Sra. Bonnie


Cadogan para a Sra. Ruth Anderson.

6 DE DEZEMBRO DE 1814 CASTELO DE WILDSYDE, ESCÓCIA.

Ruth olhou para o seu reflexo, no espelho de corpo inteiro.


Depois da reação de Gordy à camisola branca, que ela percebeu
ser positiva, não perdeu tempo em encomendar mais, em uma
variedade de cores. Chegaram aquela manhã, e essa era a primeira
chance que teve de experimentá-las. A que usava no momento era
preta, e ela não tinha certeza se combinava com ela ou não. Sua
pele parecia muito pálida nela, mas ela se agarrava às suas curvas
de uma maneira agradável, então talvez isso não importasse.
Não teve tempo de considerar mudá-la para a rosa claro, pois
houve uma batida concisa na porta de conexão e Gordy entrou. Ele
estava descalço, vestido apenas com uma camisa que dava até a
coxa e Ruth se esforçou para não ficar com os olhos fixos nas suas
pernas nuas. Como da última vez, congelou do lado de fora da porta
e olhou para ela.
Ela levantou o queixo, sentindo-se estranhamente
desafiadora.
— É como a outra, mas preta. — disse ela, afirmando o
óbvio.
— Estou vendo. — ele murmurou, seu olhar viajando sobre
ela e deixando uma pitada de calor para trás.
— Você prefere que eu tire?
Seus olhos voltaram para encontrar os dela por um momento,
e então ele balançou a cabeça.
Ruth esperou, imaginando o que viria a seguir, mas ele não
se mexeu e ela se sentiu cada vez mais nervosa sob o escrutínio
dele. — Bem, — perguntou, exasperada — o que quer que eu faça?
Devo deitar-me na cama?
Ele pareceu considerar aquilo, depois balançou a cabeça
novamente. Ruth respirou fundo, mas pelo menos ele se mexeu
desta vez, pegando a cadeira da penteadeira e colocando-a no
centro do quarto. Ela observou, enquanto ele dava uma volta na
cadeira e depois se sentou, sua presença era intimidadora, a
maneira como o quarto encolheu no momento em que ele entrou.
Pelo menos a cadeira era resistente. Mandou guardar qualquer
coisa que parecesse não suportar seu peso, nos quartos de
hóspedes.
— Venha aqui.
Seu coração bateu erraticamente, mas ela se forçou a
permanecer calma - externamente - e se moveu em direção a ele.
Quando ela se aproximou, ele pegou a mão dela e puxou.
— Sente-se.
Ela fez isso, sentou-se nas pontas dos seus joelhos,
enquanto ele balançava a cabeça para ela — Não, moça.
Lançando lhe um olhar frustrado, ela ficou de pé novamente e
permitiu que ele a girasse de frente para ele. — Agora sente-se. —
disse, algo diabólico queimando em seus olhos coloridos, cor de
uísque.
Ruth franziu a testa por um momento e percebeu o que ele
queria. O rubor aumentou ao longo de sua garganta,
surpreendendo, quando ela já sentia que sua pele estava em
chamas. Talvez ela o queimasse e o livrasse de sua presença
agravante. Porém, o desejo prevaleceu sobre qualquer modéstia, e
ela levantou as saias e sentou-se sobre seu colo, com uma perna de
cada lado. O canto da boca dele levantou, só um pouco. Se ela não
estivesse tão perto dele, não teria notado.
— Aproxime mais.
A palavra foi soprada em vez de dita, um estrondo através de
seu corpo que a fez estremecer. Ela se contorceu mais um
centímetro, mas ele balançou a cabeça.
— Mais.
Desta vez, ela o olhou nos olhos, agarrou seus ombros e
pressionou contra ele, encontrando seu membro, quente e duro
através do linho de sua camisa. Ele fez um som baixo na garganta e
Ruth estremeceu novamente. Ele levantou as mãos e segurou os
seus seios, acariciando e moldando-os através do tecido fino da
camisola, antes de abaixar a boca para chupá-los, mordendo seu
mamilo suavemente e provocando com a língua. Ruth choramingou,
segurando seus ombros com mais força. Ele recuou e soprou um
fluxo frio de ar sobre o material onde sua boca deixara úmido e o
deixara agarrado ao peito dela. Sua pele foi tomada por arrepios.
Havia um brilho satisfeito em seus olhos e Ruth suprimiu um sorriso,
satisfeita com o prazer que ele encontrou em agradá-la. Para
recompensá-lo, ela puxou a fita no decote da camisola, afrouxando-
a para que caísse de seus ombros. Mexeu  os braços, para que o
material caísse, juntando-se à sua cintura.
— Faça isso de novo. — ela pediu, estendendo a mão e
puxando o cabelo dele.
— Você é muito imperiosa, esposa. — observou, embora ela
achasse que ele parecia satisfeito com sua demanda.
Ruth enterrou o rosto dela contra os cabelos dele enquanto
ele abaixava a cabeça, para esconder o sorriso dela. Ela amava o
timbre profundo de sua voz e o rolar do ‘r’ puxado. Também amava
a ligeira peculiaridade de seus lábios, quando ele não conseguiu
suprimir seu divertimento, como se ele não devesse ser pego
apreciando sua companhia. Lá estava o perigo, ela sabia. Amava-o
demais, para sua própria sanidade. Sua ousadia o encantou, no
entanto, disso estava certa.
— Está aqui para cumprir seus próprios planos. Não vejo por
que  não possa me agradar enquanto faz isso.
Era difícil manter as palavras curtas e impessoais quando ela
queria ser carinhosa, mas fez o seu melhor.
Ela suspirou quando o calor da boca dele se fechou sobre
ela, os dedos puxando os cabelos dele, segurando-o firmemente
contra ela.
— Isso a agrada? — A pergunta era pouco mais do que um
barulho, calor vibrando contra o peito dela enquanto ele falava.
— Sim, não pare.
Ele fez o que ela ordenou, até que ela estivesse sem fôlego e
se contorcendo em seu colo.
— Tire isso! — Ruth puxou impacientemente sua camisa e
ele se recostou na cadeira, tirando-a, devagar o suficiente, para que
ela pudesse se deleitar com sua força, enquanto ele flexionava os
braços, levantando-os sobre a cabeça, para puxar a camisa. Ela
soltou um suspiro irregular, as mãos deslizando sobre os grandes
ombros dele, sobre a ondulação de bíceps e pelo antebraço, grosso,
com cabelos crespos, enquanto seus dedos o seguiam.
— Tão lindo. — ela respirou, impressionada de novo pela
visão de músculos e poder que a abraçava tão suavemente.
Ele bufou, dando-lhe um olhar estranho. — Deve estar louca
da cabeça, moça.
— Não estou. — insistiu, tocando-o reverentemente,
colocando as mãos no rosto dele e olhando em seus olhos
castanhos.
Pretendia permitir que ele mantivesse distância, e conseguir
atraí-lo aos poucos, mas era impossível. Via o dano nele, com muita
clareza agora, queria muito consertá-lo, embora soubesse que não
era tão simples quanto pagar três homens para correr como
formigas em Wildsyde, consertar janelas quebradas e substituir
madeiras podres. Seu marido escondia as suas partes quebradas
de uma maneira que o castelo não podia.
— Eu lhe vejo, Gordon Anderson. — disse, ferozmente,
enquanto olhava para ele. — Vejo o bom homem que está tentando
desesperadamente esconder de mim.
Ele se acalmou, sua expressão ficando escura, afastando-a.
Ela hesitou, sabendo que estava se aproximando de um
território perigoso. — Eu não sou como sua mãe, nem suas irmãs.
Não farei promessas que não cumprirei.
— O que, diabos, quer dizer com isso?
Ruth fez uma pausa, sabendo que deveria agir com cuidado.
— Encontrei o quadro e... e bem, perguntei a alguns dos moradores
sobre a família. — disse, não querendo colocar o Sr. Clugston na
lama. — Sei que elas te deixaram, Gordy, e não o culpo por assumir
que farei o mesmo, mas não farei. Serei uma esposa adequada para
você, se me deixar.
Ele bufou, sua expressão de desgosto. — Eu me saí bem o
suficiente sem elas, e vou me sair bem sem uma esposa adequada.
Só porque tem algumas ideias românticas idiotas sobre casamento,
não as tornam reais. Nunca concordei com isso.
Ruth assentiu, sabendo que era verdade. — Sei. Você queria
o dinheiro, e eu tive que decorar e brincar de casinha, mas nunca
me disse que eu não podia ficar, Gordy. Isso não fazia parte do
acordo, assim como o romance, mas eu poderia fazê-lo feliz se me
desse uma chance. Gostaria de tentar. — persistiu — Você não vai,
pelo menos, me deixar tentar, antes de me fazer ir embora?
Ele balançou a cabeça, mas não disse nada, recuando em
silêncio e fechando a porta sobre a possibilidade de deixá-la entrar.
Bem, ela não ia desistir dele e se essa fosse a única conexão
que  compartilhavam, ela a usaria para se aproximar. Para mostrar a
ele como ela se sentia. Ruth se moveu, deslizando o corpo muito
deliberadamente contra o dele. A respiração dele engatou, as mãos
dele apertando os quadris dela, segurando-a no lugar, enquanto se
esfregava contra ela.
— Você é lindo. —  insistiu, respirando a palavra contra a
orelha dele, antes de beliscá-la, puxando o lóbulo macio com os
dentes.
Ele rosnou e a levantou, posicionando-se e empurrando para
dentro. Ruth ofegou, envolveu os braços em volta do pescoço dele e
segurou firme. Ele não se moveu, permitindo que ela o aceitasse por
um momento, antes de levantá-la, suas mãos deslizando por baixo
de seu traseiro.
— Já passou da hora de você fazer um pouco do trabalho, já
que tem tanta intenção de encontrar sua própria satisfação.
As palavras foram um desafio, seu tom grosseiro e seus
olhos intransigentes enquanto ele recuava, por trás do prazer físico.
Transformaria isso sobre sexo, sobre a pechincha deles, se ela
permitisse.
Ela permitiu que a guiasse, para ajudá-la a encontrar o
caminho, a ascensão e a queda, enquanto ela se levantava dele e
sentia o deslizar do seu membro enquanto ele entrava, sem parar.
Era fácil se soltar, se contentar com o físico, atender a sua
necessidade. Era bom assim, ela percebeu, ser a única no controle,
ver sua expressão se transformar em uma de agonia, enquanto ela
desacelerava, atormentando-o com poucos movimentos, enquanto a
transpiração corria em sua testa. Ele permitiu, no entanto, nunca
exigindo que ela fizesse nada além de usá-lo como quisesse.
Só poderia durar por um certo tempo, sua própria
necessidade tão frenética quanto a dele, seus próprios gritos tão
altos e desesperados quanto os dele, enquanto ela caminhava em
direção ao alto vertiginoso que acenava, e o clímax tomou conta do
seu corpo. Seus braços ao redor dela estavam tão apertados que
ela lutou para respirar, enquanto ele se despedaçava em mil
pedacinhos, derramando dentro dela em movimentos frenéticos e
bruscos que faziam até a cadeira resistente ranger e gemer em
protesto.
Ruth desabou contra ele, os braços ao redor do seu
pescoço,  enquanto suas mãos o acariciavam, movendo-se sobre
seus cabelos, sobre sua pele úmida, o calor dele queimando sob
suas palmas. Senhor, mas ele estava sempre tão quente. Ela nunca
mais teria frio, não importa o quão feroz fosse o inverno, se ele
apenas se dignasse a ficar com ela, a abraçá-la durante a noite,
não  a deixar sozinha antes de acordar. Mesmo quando permitiu o
pensamento melancólico, sentiu o frio se instalando entre eles,
sentiu-o se afastar dela.
Não foi apenas o simples ato físico de seu corpo deixando o
dela, mas a maneira como ele recuou, pondo fim à intimidade, a
qualquer esperança de encontrar seu caminho, atrás das paredes
que ele ergueu ao seu redor. Ao contrário de seu castelo, cujas
bordas se suavizaram ao longo do tempo, as paredes ao redor de
seu coração pareciam impenetráveis, em excelente reparo, graças à
sua manutenção constante. Não havia pedra para se soltar,
nenhuma fenda em suas defesas - ou, pelo menos, era isso que ele
queria que ela acreditasse.
Colocou as mãos na cintura dela, o gesto sem palavras
convidando-a a se levantar, para que pudesse deixá-la, agora que
cumpriu seu dever. Teimosamente, Ruth se recusou a se mover.
Com inspiração repentina, soltou um suspiro pesado e fingiu dormir,
soltando seu peso sobre ele. Ele paralisou e Ruth respirou, lenta e
profundamente,  imaginando o que ele faria agora, mas determinado
a fazê-lo ficar.

Gordy praguejou. Bem, maldição, por que ele não pensou em


ir dormir? Afinal, era seu trabalho, ter o prazer dele e depois roncar,
sem se importar com o mundo. Embora esta cadeira implacável não
fosse um lugar onde ele quisesse passar uma noite inteira. Seu
traseiro já estava dormente. Da próxima vez, prometeu a si mesmo,
da próxima vez, ele a tomaria na cama, se viraria e dormiria, até que
fosse seguro sair sem ter que falar com ela. Era muito perigoso
fazer o contrário, nos momentos que persistiam depois do sexo. Não
era exatamente o miserável que precisava ser, para se defender da
perigosa chama de emoção que subiu à superfície, quando ele tinha
seu prazer com ela. Não importa como tentasse fazer nada mais do
que uma troca física, ela grudava na sua pele, com a mistura
sedutora de ternura e demanda feroz, que ela trazia para a união
dos dois. Nunca conheceu nada parecido, como ela.
— Eu vejo você, Gordon Anderson.
Acreditou nela naquele momento, e o medo passou por ele.
Pensou que ela tinha visto a criatura lamentável e desesperada, que
escondeu com tanto cuidado; muito carente, com muito medo de ser
deixada sozinha novamente. Por Deus, não. Não teria pena dela,
não a deixaria ter esse poder sobre ele. Se precisasse dela, o
dominaria e ele não teria paz novamente. Seria muito pior do que o
desejo de sua família, de qualquer um, de se importar. Seria a
humilhação final, e mais do que seu orgulho poderia suportar.
— Vejo o bom homem que está tentando desesperadamente
esconder de mim.
Quase riu de alívio, forçando todos os tendões a não reagir.
Moça tola. Isso pelo menos era um conforto. Era seu próprio
coração que seria danificado, se ela persistisse em tais ilusões
imprudentes. Talvez não fosse cruel o suficiente, para usá-la
insensivelmente, mas não era nada mais do que simples bom
senso, nem ternura, nem carinho. Não havia prazer em ficar presa
com um parceiro de cama infeliz. Era mais fácil agradá-la, isso era
tudo, para que pudesse continuar voltando até que sua semente se
enraizasse. Então, diria a ela para ir, e isso seria o fim.
A vibração suave de sua respiração sussurrou contra ele,
resfriando sua carne superaquecida e fazendo-o tremer. Bem, não
podiam ficar assim a noite toda,  refletiu, recusando-se a reconhecer
que não seria difícil mantê-la em seus braços até de manhã. Ficaria
aleijado se se sentasse nesta maldita cadeira desconfortável mais
um minuto. Com um grunhido de esforço, deslizou as mãos sob as
coxas dela e a elevou, enquanto se levantava. Ela estava quente e
flexível, suspirando e acariciando seu pescoço, enquanto ele se
movia para a cama. Sua respiração prendeu e, apesar de ter
acabado de tomá-la, seu corpo se mexeu novamente.
Rangendo os dentes com resolução,  deitou-a, franzindo a
testa de consternação, quando as mãos dela se recusaram a soltar
seu pescoço, forçando-o a se curvar sobre ela. Ele estendeu a mão
para trás, desatando o aperto e pressionando-os firmemente contra
o colchão, enquanto se inclinava para baixo da cama, em busca das
cobertas.
— F-frio — ela murmurou, tremendo.
— Em breve vai esquentar. — disse rapidamente, precisando
se afastar dela.
Ela se enrolou em uma bola, segurando os braços em volta
do corpo. Antes que ele tivesse tempo de se preparar contra a
visão, ela abriu os olhos e o olhou, apelando sob seus cílios. Algo
cambaleou em seu peito, interrompendo sua retirada.
— Está congelando, Gordy. Não vá... Por favor.
Ele olhou para ela, querendo ir, querendo ficar. Hesitou por
muito tempo, tornando sua incerteza óbvia. Irritado por essa
demonstração de indecisão, suas palavras foram concisas e
impacientes.
— Vá para o outro lado.
Murmurando baixinho, apagou as velas restantes,
observando-a se contorcer pelo colchão, sob a luz ofuscante, e
depois deitou atrás dela. A cama afundou, rolando-a contra ele, que
puxava as cobertas sobre eles com puxões afiados, para ilustrar seu
descontentamento. Sua esposa parecia alheia, escavando contra
ele, enrolando-se em torno dele, como uma hera ao redor de uma
árvore. Grunhiu com essa comparação. Era apto o suficiente, pois a
forma como a hera se enrolava cada vez mais, enfraquecendo até
mesmo o mais forte dos carvalhos, pois danificava o antigo tronco e
bloqueava a luz com suas próprias folhas. Será que a árvore
acolheu sua própria morte, perguntou-se, desejando que não fosse
tão bom deitar ali com ela. Será que o poderoso carvalho apenas se
deleitou com o contato de outra coisa viva, depois de tanto tempo
sozinho, luxuriando no toque e companheirismo, mesmo quando
murchou e morreu por isso?
Bem, ele não. Não seria derrubado, não de novo. No entanto,
seu corpo estava cansado depois de ter trabalhado tão duro, e
estava terno e confortável, e o cheiro reconfortante dela se enrolava
em torno dele tão insidiosamente quanto qualquer videira rastejante.
Em instantes, dormiu.
 
15

Querida Bonnie,
Como fiquei feliz em receber sua carta, embora
não tenha ideia do que  tem que se desculpar.
Chorei por sua perda e desejo, mais do que
qualquer coisa, que eu possa ter sido um pouco
de conforto para você, mas vejo que está muito
bem cuidada e está feliz. Era óbvio que o Sr.
Cadogan a adorava e estou muito feliz por sua
felicidade.
Não há necessidade de se armar com uma colher,
minha querida amiga, nem qualquer outro
utensílio no momento, embora eu esteja tocada e
animada pelo sentimento. Admito que tive vontade
de pegar vários itens domésticos, tendo em mente
cometer violência nas últimas semanas e tenho
certeza de que não preciso explicar minha
motivação. Resisti - principalmente - e juro que
apenas um punhado sofreu o impacto do meu
temperamento, infelizmente nenhum deles
encontrou seu alvo. Ele é mais rápido do que se
pode imaginar de um homem tão grande, ou
talvez eu, simplesmente, precise de mais prática.
No entanto, apesar das rupturas, descobri um
segredo sobre Gordon Anderson que ele
escondeu muito bem de nós duas. Seu coração
não é tão amargo quanto ele quer que
acreditemos.

— Trecho de uma carta da Sra. Ruth Anderson


para a Sra. Bonnie Cadogan.
ESCRITÓRIOS DO SR. GERALD BRIGGS, ADVOGADO. 9 UPPER
7 DE DEZEMBRO DE 1814.
GOWER STREET, BLOOMSBURY, LONDRES.
O relógio na lareira tocou, indicando que era sete da manhã.
Era muito cedo para que o escritório de Briggs & Norton estivesse
aberto, mas nem o Sr. Briggs nem Jemima desejavam que seus
colegas interrompessem essas negociações delicadas. A ruína de
Jemima era eminente, mas o Sr. Briggs não era um homem que
geralmente lidava com assuntos tão maliciosos, e seu desconforto
era palpável.
Jemima olhou para a mesa imponente, mas não conseguiu
encontrar os olhos do Sr. Briggs, fixando sua atenção no botão
superior de seu colete. Era um colete bastante incomum para um
advogado, bastante frívolo, mas o Sr. Briggs não era totalmente tão
respeitável quanto ela acreditava. Pelo menos, assumiu que a
maioria dos advogados não fazia propostas a jovens damas, em
nome de seus amigos.
Era um conforto que ele pareceu estar tão mortificado por sua
posição atual quanto ela. Era um homem mais velho, com cabelos
brancos e sobrancelhas grossas, sobre olhos azuis inteligentes.
Achou que ele deveria estar perto da aposentadoria, então, porque
ele se atreveu a fazer a oferta escandalosa, ainda não conseguia
entender. Não é verdade, ela se repreendeu. Se havia uma coisa
que Jemima não permitiria era negar a verdade de si mesma. De
outros, certamente, mas não de si mesma. Enfrentaria a vida de
cabeça erguida, veria do que se tratava, sem o benefício de
qualquer romantismo. Havia perdido a capacidade de ver o mundo
de nenhuma forma, exceto o brilho da realidade, nos últimos meses.
Seu mundo havia sido reduzido a quinquilharia e o valor de cada
item que ela podia vender, até que nada restasse, nada além de si
mesma.
O Sr. Briggs tinha visto o inevitável tão claramente quanto
ela. Ele sabia, tão bem quanto ela, que havia trabalhado, nos
últimos meses, em seu nome, resolvendo os assuntos de sua tia,
sem esperança de pagamento. Foi mais gentil do que ela poderia
esperar, dadas as circunstâncias. Não que ele tivesse mencionado
algo tão vulgar quanto as dívidas dela com ele. O médico inútil, que
não conseguiu salvar sua tia, pegou o pouco que restava de suas
economias patéticas. Pelo menos  tinha comido nos últimos dias,
graças a Matilda, embora escapar da casa de sua amiga tão cedo
pela manhã não passou despercebido. Uma desculpa teria que ser
pensada.
Ela se lembrou de seu último encontro aqui, quando o Sr.
Briggs comentou, provisoriamente, sobre o cavalheiro que ele
conhecia, aquele que estava procurando uma jovem discreta para
fazer-lhe companhia. A palavra permaneceu no ar, com todas as
suas conotações. Quase as sentiu envolvendo seus pulsos e
tornozelos, como um manequim da vida real a ser posicionado à
vontade. A fome a roeu naquela manhã, fazendo-a se sentir tonta e
dando ao encontro uma qualidade estranhamente onírica. Quando
comeu pela última vez, antes daquele dia? Era difícil se concentrar
em quando tinha sido, ou o quê. A vaga lembrança de um pedaço
de queijo, de cortar os pedaços verdes com resignação, a fez
estremecer. No entanto, havia dito ao Sr. Briggs o que achava de
sua oferta e saiu do escritório com a cabeça erguida. Tola. O
orgulho era muito bom, mas você não podia comê-lo, nem o
queimar, nem encontrar muito conforto, quando estava com frio,
com fome e sozinha.
Esta era sua última chance, então, a menos que ela gostasse
de albergues, e tudo o que precisava fazer era entregar sua honra e
autoestima. Era mais fácil do que se poderia supor, quando as
alternativas eram tão duras, ou talvez fosse apenas mais fácil de
corromper do que a maioria. Para ela, não havia opção, nenhuma
oportunidade remanescente de salvação. Não duvidava que um
albergue fosse mais humilhante do que ser encontrada na cama de
um homem, mas talvez ela fosse ingênua. Não era como se
soubesse muito sobre qualquer um, apenas que um albergue a
assustava mais, que seu destino parecia inevitável, uma vez que
colocasse os pés em tal lugar.
Então essa foi sua escolha. Não tinha habilidades que
pudesse recomendá-la, não era muito boa em costurar e sua
capacidade para idiomas era pífia. Seu conhecimento de geografia
era lamentável e, embora história a interessasse, além livros de
qualquer tipo, duvidava que tivesse uma profundidade de
compreensão, digna o suficiente, para tentar ensinar. Tinha algum
talento com lápis e tinta, mas isso dificilmente era suficiente para
encontrar trabalho como preceptora, mesmo que houvesse alguém
disposto a aceitar uma mulher sem família e sem referências para
recomendá-la. Embora o orgulho fosse sempre seu pecado, não se
jogaria na caridade de suas amigas, pois onde isso pararia? Talvez 
emprestassem o suficiente, para passar por esse momento difícil,
mas e depois? Deveria permitir que a sustentassem até ficar velha?
Não, melhor encarar isso agora, de cabeça erguida. Deve aceitar
que perderá suas amigas quando os rumores começarem e sua
inevitável queda aparecer. Ela deve aceitar a vergonha que se
seguiria quando se soubesse que ela era amante de algum homem,
pois isso se tornaria conhecido. Era inevitável e tolo acreditar no
contrário.
— Fale-me sobre ele.
Não vale a pena fazer rodeios. Ambos sabiam por que estava
lá, que ela estava desesperada.
O Sr. Briggs ajustou os óculos e pigarreou, evitando o olhar
dela e encarando os papéis sobre sua mesa.
— Eu conhecia o pai dele, e o filho é tão honrado quanto seu
progenitor. Ele é um homem de meios e bem-educado, de trinta e
um ano de idade e boa saúde, embora sofra de crises de
melancolia. Acredito que ele é considerado bonito, não vai encontrar
nenhuma falta em sua pessoa ou em seus modos.
Jemima retornou um olhar cético. — Por que, diabos, esse
cavalheiro deveria recorrer a um arranjo dessa natureza?
Esperou enquanto o Sr. Briggs limpava a garganta
novamente e se sentava um pouco mais reto. — Uma guerra ruim.
— disse ele, sua expressão escurecendo — Não fica à vontade
quando em companhia, na verdade, não seria um grande exagero
dizer que é uma espécie de eremita.
Jemima digeriu essa informação. — Não seria mais fácil para
ele contratar os serviços de uma... —  engoliu em seco, imaginando
por que a palavra ficou presa em sua garganta. Havia eufemismos
suficientes para recorrer, certamente, qualquer um dos quais
poderia ser nivelado contra ela em breve.
— Meu cliente é um homem exigente, Srta. Fernside, como
acredito ter mencionado. Apesar, aparentemente... apesar desse
arranjo ser um pouco...
Era a vez do Sr. Briggs hesitar, sua pele ruborizou. Jemima
notou um ponto em sua bochecha, onde havia perdido alguns
bigodes brancos, enquanto se barbeava; eles se destacaram em
forte alívio contra o clarão de constrangimento.
— Sórdido? — Jemima sugeriu como um adjetivo pertinente.
Ele corou um tom mais escuro e esfregou a mão cansada no
rosto. — Por favor, acredite em mim, Srta. Fernside, quando lhe digo
que acho todo esse caso muito desagradável. Eu nunca deveria ter
considerado expressar a possibilidade de tal acordo, se suas
próprias circunstâncias não fossem tão desesperadas. Com toda a
honestidade, sinto que é justo dizer-lhe que o meu cliente... meu
amigo... também está enfrentando a vida com algo perto do
desespero. Ele é um homem bom, Srta. Fernside, mas temo por seu
futuro, se ele não encontrar alguma coisa parecida com amizade,
companheirismo. Sei quais são os seus requisitos, e que eles se
concentram na... natureza física deste arranjo, mas eu também
conheço este homem. Vai tratá-la bem e de forma justa, até mesmo
gentil, e eu espero... Não posso evitar e pensar...
Jemima sentou-se, olhando para ele, alerta para a real
preocupação por trás de suas palavras, e sua óbvia angústia com a
situação em que se encontrava. — Sr. Briggs, o senhor está
esperando algum tipo de resolução romântica para esse arranjo
ultrajante?
O Sr. Briggs sentiu por sua pessoa, procurando um grande
lenço branco, que ele esfregou no rosto, antes de guardá-lo.
Quando ele encontrou os olhos dela novamente, sua expressão
tinha uma qualidade incerta, desconfiada de sua reação.
— Ele é um homem bom. — repetiu, quase desafiadoramente
— Não é totalmente fácil, não desde a guerra, mas não é alguém
que mereça ser deixado sozinho para... chafurdar na solidão e
desperdiçar sua vida — respirou fundo, aquecendo sua ideia central.
—  Srta. Fernside, a senhorita não merece o que o destino está lhe
aprontando. A senhorita enfrentou cada provação que fora colocada
à sua frente com dignidade e muita força de caráter, eu... consigo
sentir que a senhorita pode ajudar esse homem a recuperar o que a
guerra tirou dele e que ele, por sua vez, pode ajudá-la a sair de suas
dificuldades atuais.
Certamente parecia sincero, o que era algo. Claro, não
poderia ser nada mais do que uma atuação. Pelo que ela sabia,
Briggs & Norton era uma fachada para a aquisição de jovens
mulheres, em dificuldades desesperadas. Repreendeu-se por ser
tão melodramática. Briggs era advogado do tio há anos e ela sabia
que a firma era respeitada. Esse era um dilema que Briggs havia
enfrentado, pois sua aversão e mortificação tornavam óbvia.
— Ele pode não gostar de mim. — disse, levantando o
queixo.
— Acho isso improvável. — o Sr. Briggs lhe deu um leve
sorriso — Se eu fosse um homem mais jovem, Srta. Fernside, teria
uma solução muito diferente e honrosa para esse dilema em
particular, mas, dadas as circunstâncias, acho que minha esposa
não aprovaria.
Jemima olhou para ele com espanto, sem palavras.
— Não quis soar desrespeitoso. — disse ele com pressa,
parecendo horrorizado.
— Não me ofendi, pode ficar tranquilo. — respondeu Jemima.
Sentiu que havia passado do ponto de constrangimento, indo
muito além da capacidade de ficar chocada com qualquer coisa,
agora. Sem dúvida, a vida provaria que ela estava errada em pouco
tempo, mas o senso de irrealidade persistiu, e ela ficou mais do que
grata por isso.
— Será organizada uma reunião entre os dois, em algum
lugar discreto, naturalmente. Assim podem passar um tempo juntos
e ver se combinam. Caso contrário, a senhorita receberá a soma de
dez libras pelo seu tempo e inconveniência. Há um adiantamento
aqui, para que a senhorita tome todos os preparativos que julgar
adequados.
O Sr. Briggs deslizou uma bolsa sobre a mesa, em sua
direção e Jemima olhou para ela, sabendo como Eva deve ter se
sentido, quando aquela maldita cobra a ofereceu uma maçã.
— E se o cavalheiro aprovar? — perguntou, sem tirar os
olhos da bolsa.
Estava pesada com moedas, com mais dinheiro do que ela
viu há muito tempo.
— Então, este será o acordo entre vocês.
O Sr. Briggs passou os papéis pela mesa — É o tanto que
discutimos. O seu benfeitor irá fornecer-lhe uma propriedade
confortável, convenientemente situada. Todas as suas contas serão
pagas, incluindo os valores indicados no contrato, além de um
subsídio mensal, para suas despesas pessoais. Se, após um
período de cinco anos, decidir se separar, receberá uma quantia
fixa, com a qual poderá viver confortavelmente,  pelo resto de sua
vida.
— E se eu quiser sair antes dos cinco anos?
— Isso dependeria das circunstâncias e seria negociável
através de mim, mas tenha certeza de que a senhorita não seria
tratada injustamente. Eu mesmo cuidarei disso, a senhorita tem a
minha palavra.
Jemima assentiu. — O senhor tem sido muito gentil, Sr.
Briggs.
O advogado deu uma bufada enojada. — Não estou tão certo
disso. Na verdade, nunca me senti tanto como o diabo, lhe garanto.
No entanto, tenho certeza de que esse cavalheiro nunca a
machucará, e estou inclinado a acreditar que ele a protegerá, se a
senhorita permitir.
— Então isso é muito mais do que qualquer experiência que
já tive com homens até o momento, Sr. Briggs, considero isso uma
gentileza. Estou certa de que muitos deles se recusariam a
trabalhar, quando seu dinheiro tivesse acabado. Devo muito ao
senhor.
— A senhorita não me deve nada. — disse ele, claramente
horrorizado com a ideia. — Só rezo para que eu tenha feito a coisa
certa, e que Deus perdoe meus pecados, quando minhas intenções
tiverem sido para o bem de vocês dois.
— Tenho certeza de que não há nada para perdoar. —
Jemima sorriu, falando sério.
Suas próprias crenças foram abaladas nos últimos anos.
Agora, se recusava a acreditar em um Deus que pudesse condenar
um homem por não permitir que ela apodrecesse em um albergue,
mesmo que ele estivesse organizando sua queda.
Uma mulher perdida.
Revirou as palavras em sua mente. Ah, bem, é melhor pular
do que esperar o empurrão — Posso saber o nome do cavalheiro de
quem devo ser companheira, agora que os arranjos estão todos em
ordem?
O Sr. Briggs olhou para ela — A senhorita decidiu aceitar,
então?
— Sim, decidi.
As palavras soaram no silêncio de seu escritório e Jemima
quase sentiu poder vê-las, eram pesadas com finalidade, com
destino.
— Nesse caso, sim, a senhorita pode. — disse o Sr. Briggs, e
Jemima esperou, sentindo como se o nome do homem finalmente
cortasse a estranha sensação distorcida de que isso não estava
realmente acontecendo. — O cavalheiro em questão é Solomon
Weston, o Barão Rothborn.
 
16

Querido Lorde Rothborn,


Todos os arranjos de que falamos foram feitos
como o senhor pediu, e a transação acordada. Os
detalhes do local e da hora da sua reunião
também estão em anexo. Espero que receba sua
aprovação, também espero não ultrapassar a
marca, ao deixar uma coisa muito clara. A
senhorita em questão é uma dama. As
circunstâncias a trouxeram a este ponto sem sua
culpa, tenho certeza de que posso confiar no
senhor para se lembrar disso. Espero que o
senhor me perdoe por falar tão francamente e
acredite em mim quando eu digo que eu nunca
teria considerado conseguir um arranjo como
esse, se houvesse qualquer outra opção viável
para o futuro dela, ou se eu não estivesse tão
firmemente convencido de seu caráter e
intenções.

— Trecho de uma carta do Sr. Gerald Briggs -


de Briggs e Norton, Advogados - para Lorde
Rothborn.

7 DE DEZEMBRO DE 1814. CASTELO DE WILDSYDE, ESCÓCIA.

Ruth acordou tarde e franziu a testa, ao descobrir a cama


vazia ao lado dela. Ainda estava quente, percebeu, o que a animou
um pouco. Não devia ter passado muito tempo, desde que Gordy
saiu. Isso era um progresso, certamente? Virou-se de costas e
suspirou, sorrindo, ao se lembrar de ter adormecido nos braços do
marido. Sua determinação em garantir que fosse seu destino esta
noite e todas as noites que se seguiriam só cresceu quando ela se
lembrou da irritação que ele havia mostrado, quando insistiu que
ficasse com ela. Ele não queria ficar, mas ficou. De alguma forma, 
não pôde deixar de acreditar que ele não teria feito isso, se,
realmente, quisesse ir embora. Havia uma parte dele que queria o
que ela poderia lhe oferecer, sabia disso, mas ele não confiava nela.
Por que deveria? Casou por causa do dinheiro dela e sabia pouco
de seu caráter, embora ela pensasse que, talvez, ele estivesse
entendendo a ideia.
Ocorreu-lhe se perguntar por que ele não havia mencionado
o que havia feito com seu escritório. De todas as coisas que mudou,
essa foi a única que fez expressamente para irritá-lo. Afinal, ele
havia lhe dito que poderia mudar o interior como quisesse e não
colocar nenhum dos cômodos fora dos limites, mas mesmo assim,
não poderia estar preparado para isso, mesmo tendo visto a casa do
pai dela. No entanto,  sequer se referiu a isso, nem de passagem.
Enquanto se esforçava muito para tornar o quarto dele tudo o que
ele quisesse que fosse. Ruth mordeu o lábio, imaginando isso.
Talvez fosse hora de fazer uma visita a ele, em seu covil, e ver se
reagia, então.
A porta do quarto se abriu com um estrondo e Sheenagh
entrou, carregando sua bandeja de café da manhã.
— Bom dia! — disse Ruth, levantando as sobrancelhas.
— Se a senhora diz, madame... — Sheenagh murmurou,
abaixando a bandeja, para que a porcelana sacudisse em protesto.
— Algum problema?
Sheenagh caminhou até a janela e agarrou as cortinas,
abrindo-as — Certamente não cabe a mim dizer.
— Tenho certeza de que não, — respondeu Ruth, puxando o
envoltório e observando a jovem com diversão — no entanto, acho
melhor você desabafar, antes que quebre algo. Essa é minha
prerrogativa, por favor.
Estava ciente de que os criados estavam todos agitados,
desde o dia em que usara seu marido para praticar tiro ao alvo.
Sheenagh olhou para ela por um momento e depois bufou —
Então é verdade, a senhora arremessou o jarro no senhorio?
— Bem, não na cabeça dele, mas sim, eu arremessei. —
confessou Ruth, não vendo razão para negar — Uma escova de
cabelo de prata também. Não estava realmente tentando acertá-lo,
mas...
— Sim, — disse Sheenagh, cruzando os braços e olhando
para Ruth com interesse indisfarçado — mas quando eles são tão
teimosos, dá vontade de quebrar as coisas. Melhor arremessar
coisas no senhorio, acho,  não duvido que ele merecesse.
— Oh, ele mereceu! — respondeu Ruth, prestes a se mover
em direção à bandeja e se servir de uma xícara de chá, mas para
sua surpresa, Sheenagh chegou primeiro. Pela primeira vez, até fez
como Ruth gostava.
— Ele a ouviu depois?
Bufou e balançou a cabeça — Infelizmente não — respondeu
ironicamente.
Sheenagh suspirou e balançou a cabeça, antes de lhe
entregar seu chá — Ah, bem, sempre há uma próxima vez.
Ruth deu uma gargalhada e Sheenagh sorriu — Amei o que a
senhora fez com o escritório dele. Entrei para dar uma espiada,
quando não tinha ninguém olhando. Nunca vi nada tão medonho na
minha vida. Não posso acreditar que o senhorio não ralhou com a
senhora por causa disso.
A jovem balançou a cabeça maravilhada e Ruth não pôde
deixar de rir. Embora Sheenagh não devesse falar com seu
empregador com tanta ousadia, Ruth descobriu que gostava
bastante.
— Acredito que ele tem medo de represálias, — respondeu
Ruth, antes de tomar um gole de seu chá — afinal, eu poderia
redecorar o quarto dele.
A garota parecia encantada com isso e Ruth sentiu uma onda
de triunfo, e então se lembrou de que Sheenagh estava de mau
humor quando entrou.
— Mas me diga, Sheenagh, o que foi que a irritou esta
manhã?
A expressão da garota escureceu,  cruzou os braços, um
brilho mais familiar de beligerância em seus olhos agora — É aquele
maldito cara de porco sorrateiro. —  murmurou.
— Qual maldito cara de porco em particular? — Ruth
perguntou, ciente de que Sheenagh não estava falando com
nenhum dos criados ingleses.
— O da cara comprida.
— Ah, Garrick. — Ruth supôs, já que o mordomo era
certamente o mais alto de sua equipe.
— Sim, — disse Sheenagh, seu tom azedo — ele.
Ruth se acomodou na cadeira em frente à bandeja e levantou
a tampa do prato e encontrou manjubinhas fritas, empanadas com
aveia,  e suspirou. Nunca gostou muito dos peixinhos, mas
descobriu que eles eram muito comercializados na região, os
“queridinhos”, sendo uma parte importante da economia local e
agora devem se tornar uma parte da renda da propriedade. Gordy
havia fornecido cinco barcos de pesca para as famílias de inquilinos,
que viviam em sua terra, na costa. Decidiu que seria melhor adquirir
gosto por aquelas coisinhas miseráveis.
— O que, em particular, acha tão censurável sobre Garrick?
— perguntou a Sheenagh, dando uma mordida determinada no
peixe e mastigando.
— Ele está sempre no caminho. — respondeu Sheenagh
exasperada — Eu me viro e lá está ele, olhando para mim e
exigindo se eu fiz isso e aquilo e aquilo outro.
— E quando ele pergunta, é capaz de responder
o
que
fez?
Sheenagh corou e cruzou os braços, um pouco mais forte.
Ruth escondeu um sorriso e gesticulou para Sheenagh se
sentar. Depois de uma breve hesitação, a garota parou na beira da
cama, observando Ruth com uma expressão cautelosa.
— Garrick e a Sra. Crust, assim como a Sra. MacLeod, têm a
responsabilidade de ver a casa ser administrada corretamente,
Sheenagh. Todos que vivem e trabalham em Wildsyde, inclusive eu,
fazem parte do esforço para garantir que o castelo seja uma
propriedade eficiente e bem administrada, que forneça trabalho e
abrigo para todos nós. Você é uma parte importante desse esforço.
Se falhar,  refletirá mal nos outros criados e, portanto, em mim.
Sheenagh bufou com essa ideia.
Ruth largou a faca e o garfo. — Não acredita em mim?
— Se eu fosse importante, ele não olharia para mim como se
eu tivesse rastejado de dentro de um queijo.
Mordendo o lábio contra a reação a essa descrição
esclarecedora, Ruth continuou — Sheenagh, você tem alguma ideia
de quão cobiçada é a criada pessoal de uma dama de posição? Em
Londres, a maneira como uma dama é transformada, pode fazer ou
acabar com a sua reputação. Ela está inteiramente nas mãos da
mulher que a veste e faz o seu cabelo, e a habilidade ou falta dela
pode ter consequências terríveis.
Os olhos de Sheenagh se arregalaram com essa ideia.
— Ora, mas não é o mesmo aqui em Wildsyde. — retrucou,
descartando essa ideia com irritação.
— Não, — Ruth permitiu. — não no momento, mas tenho
amigas que, provavelmente, nos visitarão, uma delas, inclusive, é
duquesa, e, sem dúvida, as visitarei também. Pode haver ocasiões
que precise que eu volte a Londres. Você vai me envergonhar diante
de todos, por não desenvolver seu trabalho como deveria? Devo
talvez mandar chamar uma criada inglesa para assumir o cargo, que
entenda a importância de seu papel?
Observou Sheenagh lançar um olhar de total repugnância, e
depois ficando de pé — Bem, por que não? A senhora vai de
qualquer maneira. Não é como se a senhora fosse querer me levar
para lugares tão finos, pois vou envergonhá-la, com a minha
ignorância, sem dúvida.
Ruth a olhou, segurando seu olhar, e não se impressionou
com sua explosão — Você ficará sentada e manterá sua boca
fechada. — disse  friamente, desafiando a garota a desobedecê-la.
Sheenagh fez o que lhe foi dito, embora sua relutância em
obedecer não estivesse escondida enquanto ela se afundava e
ficava de mau humor.
— Não tenho intenção de demiti-la, não se fizer o trabalho
como deveria ser feito. — Ruth disse, mantendo o tom nítido — Não
vou aturar a beligerância e o mau humor, é um aviso. Acho que
poderíamos nos dar muito bem, se me desse uma chance. Não
deseja continuar, Sheenagh?
— Claro! — a garota explodiu, sua exclamação tão feroz que
Ruth pulou — Mas eu não posso!
Ruth respirou fundo, alarmada com o sofrimento em seu rosto
— Por que não?
Esperou, enquanto a garganta de Sheenagh trabalhava,
consternada ao vê-la lutando para controlar seu sofrimento óbvio,
segurando os braços em volta de si mesma e parecendo totalmente
desolada.
— Porque eu não sei como, é por isso. O que sei sobre moda
e penteados, muito menos como ajudá-la a se vestir como deveria?
Não sei como cuidar de todos os vestidos requintados, nem mesmo
o que metade dos meus deveres são, nem os executar. Não sirvo
para a senhora, e ele sabe disso. É por isso que  me despreza
tanto.
— Ah, isso é tudo? — Ruth perguntou aliviada, rindo um
pouco, enquanto Sheenagh a encarava com indignação.
— Tudo? — demandou.
Ruth suspirou e deixou o café da manhã de lado, sentando-
se ao lado de Sheenagh na cama. Pegou a mão da garota e a
apertou.
— Você é uma jovem muito capaz e sei que me deixará
orgulhosa. Não... não me interrompa. — avisou, apertando os dedos
da garota, antes que ela pudesse falar o que quer que pairou em
sua língua — Vou lhe ensinar o que precisa saber, embora eu a
alerte, agora, para não ouvir uma palavra que eu diga sobre
questões de moda. Tornou-se óbvio para mim que você tem um olho
muito melhor para o que me convém do que eu mesma. Minhas
amigas se desesperam pelo meu senso de moda, posso muito bem
lhe dizer.
Sheenagh fez uma pausa para considerar isso.
— Aquele vestido laranja é realmente chocante. — permitiu,
balançando a cabeça.
Ruth suspirou — Eu sei, mas adorei a cor.
Sheenagh olhou para ela como se fosse deficiente mental, e
Ruth riu.
— Pronto, viu só? Serei uma triste provação para você.
Agora, — disse ela, levantando-se e abrindo uma das gavetas de
cabeceira. Levantou uma pilha espessa de revistas, incluindo as
últimas edições de La Belle Assemblée,
Ackerman’s Repository, The
Lady’s Monthly Museum e Journal des Dames et des Modes —
estas revistas são para você. Sugiro que se aplique a estudá-las.
Também encontrarei algo que lhe dará instruções precisas sobre
seus deveres, mas, enquanto isso,  pode confiar em mim como sua
guia. Pergunte-me, se não tem certeza ou precisar de orientação.
Sheenagh olhou para a pilha que Ruth ergueu em seus
braços. —  Realmente me ajudaria?
— Claro! — disse Ruth, balançando a cabeça impaciente —
Não deve pensar que sou tão tola, a ponto de dispensá-la, por não
ter conhecimento de um trabalho, para o qual você  foi treinada. Que
tipo de pensamento é esse? Acrescentaria ainda mais se
entendesse que Garrick e a Sra. Crust são uma mina de
informações úteis e que estarão mais do que dispostos a ajudá-la.
De fato, se  pedir respeitosamente, suponho que os deixará
contentes por fazerem o que puderem por você.
— Não sei sobre isso. — a garota murmurou, claramente não
convencida.
— Eu a desafio. — disse Ruth, sorrindo para ela. — Peça
desculpas ao Sr. Garrick. Diga-lhe que aprenderá a fazer seu
trabalho da melhor maneira possível e que ficaria grata por qualquer
ajuda que ele possa lhe oferecer. Aposto que  ficará emocionado.
Se eu estiver errada, pode ficar com o vestido laranja e fazer o que
quiser com ele.
— A senhora está falando sério? — Sheenagh perguntou,
com as sobrancelhas erguidas.
— Nunca digo coisas que não quero dizer, Sheenagh, é
melhor se acostumar com essa ideia agora.
— Sim, — disse a garota, sorrindo um pouco — acho que
isso é verdade.
— Muito bem, então. — disse Ruth, voltando para o café da
manhã, com menos entusiasmo do que o normal. — É melhor se
mexer. Quero água quente, por favor. Preciso me vestir. Há
assuntos que devo resolver.
— Sim, senhora. — disse Sheenagh, fazendo uma reverência
e parecendo quase respeitosa — Agora.
Quando Ruth estava vestida, estava se sentindo muito
satisfeita consigo mesma. Sheenagh levou suas palavras a sério e a
apimentou com perguntas sobre seus deveres e perguntas sobre
seu guarda-roupa atual, incluindo algumas observações mordazes
sobre algumas das roupas que não aprovava. Foi agradável
encontrar a garota tão entusiasmada, embora um pouco
desgastada. Ruth não queria fazer nada para diminuir seu prazer
genuíno, na perspectiva de aprender seu trabalho, então  respondeu
suas perguntas o mais completa e pacientemente que pôde.
— Bom dia, Garrick.
O mordomo olhou e sorriu quando ela desceu as escadas.
— Bom dia, Sra. Anderson.
— O senhor falou com Sheenagh esta manhã? — perguntou,
observando o rosto dele com interesse.
Os olhos de Garrick brilharam com aprovação.
— Ah, — disse ele, sorrindo — isso confirma o que eu
suspeitava. A senhora conversou com a jovem.
— Conversei.
— Graças a Deus por isso, se a senhora desculpar a minha
franqueza. Não sabia o que fazer com ela. Confesso, se não fosse
por suas instruções expressas sobre a criada escocesa, eu a teria
demitido.
Ruth assentiu, sem surpresa com isso. Garrick comandava
um navio apertado, embora, ao contrário de muitas famílias, não
aprovava a intimidação e gostaria que todos os criados fossem bem
tratados. Mesmo assim, na rotina habitual, tal grosseria teria
resultado em demissão instantânea.
— E muito justificadamente, tenho certeza. No entanto,
acredito que chegamos a um entendimento. Pelo menos, espero
que sim, e imploro que ajude a garota onde puder. Acredito que
grande parte de sua beligerância vem da falta de confiança.
Algumas palavras encorajadoras suas ajudariam muito.
Garrick parecia um pouco cético, mas sua resposta foi
instantânea — A senhora pode confiar em mim.
— Ah, eu sei, Garrick. — disse Ruth com uma risada. —
Assim como eu sempre fiz.
— É meu privilégio, eu lhe asseguro, Sra. Anderson.
Ruth sorriu para ele — Quanto disparate. Vai inflar minha
opinião de mim mesma e eu ficarei insuportável, e depois vai se
arrepender. Agora, onde posso encontrar meu marido, a esta hora
do dia, eu pergunto?
— Acredito que ele esteja no escritório. — disse Garrick, sua
expressão cuidadosamente neutra.
Perfeito.
Ruth lançou um olhar travesso, ao qual o mordomo fez o
possível para não reagir.
— Que oportuno. — murmurou, e correu para confrontar
Gordy, no pesadelo que ela fez de seu santuário.

— Pode entrar.
A resposta concisa à sua batida confirmou que Gordy não
estava de bom humor, o que, dificilmente, seria uma surpresa. Não
tinha certeza se Gordy tinha um bom humor, embora permanecesse
teimosamente otimista.
Preparando-se para o que quer que estava por vir, Ruth abriu
a porta e encontrou o marido em sua mesa, olhando fixamente para
uma pilha de correspondência. Ele olhou para cima e ela registrou
um vislumbre de surpresa ao ser procurado.
— Bom dia, meu querido, — disse ela, favorecendo-o com
um sorriso caloroso. — espero que tenha dormido bem.
O olhar furioso de Gordy escureceu — Não dormi nada bem.
Você puxa os cobertores.
— Puxo? — Ruth perguntou, desejando não estar tão
propensa a corar, enquanto suas bochechas esquentavam —
Perdoe-me. Preciso de mais prática em compartilhar —
acrescentou, determinada a não o deixar ter a vantagem.
Ele bufou com isso e voltou sua atenção para os papéis em
sua mesa.
Ruth lançou um olhar desconfortável sobre o cômodo.
Honestamente, tinha esquecido o quão terrível era. Quase se sentiu
culpada por isso. Quase.
— Admirando o seu trabalho?
— Eu estou. — disse, lançando  um sorriso brilhante — É
inspirador, não acha?
— Sim, está quase me inspirando a abrir uma veia. — ele
retrucou, olhando para as paredes e estremecendo — Não consigo
me livrar da sensação de estar sendo observado.
Embora ela tenha tentado o seu melhor para segurar, Ruth riu
e cobriu a boca com a mão — Peço perdão! — disse novamente,
não significando nada.
Gordy se recostou na cadeira e cruzou os braços — Ria disso
— disse ele, estreitando os olhos para ela. — Deveria desfrutar de
sua vitória, suponho. Eu não tinha noção de que minha esposa era
tão vingativa.
— Ah, isso não é nada! — respondeu Ruth, segurando o
olhar e falando sério.
— Isso é uma ameaça? — ele exigiu.
Deu de ombros, movendo-se para endireitar a fita caída nos
chifres de um veado de olhos vítreos — Talvez.
Ele olhou para ela, parecendo realmente alarmado, não que
ela o culpasse, só estava na sala há alguns minutos e isso já a
estava deixando enjoada. Todos aqueles olhos contra a chocante
parede rosa realmente eram perturbadores.
— O que você quer?
— O que quero? — repetiu, toda inocente, afastando-se do
cervo com alívio — O que quer dizer?
— Sabe muito bem. Veio até a boca do leão, não veio?
Ruth lançou um olhar penetrante para as paredes cor-de-rosa
e mordeu o lábio.
— Sim, e não tenho dúvida de que teria colocado uma
cabeça de leão nas paredes, se tivesse encontrado uma, maldita.
Foi necessária uma concentração considerável para não rir,
mas ela segurou o olhar dele, tentando parecer arrependida e foi
presa por algo que poderia ter sido admiração em seus olhos.
— Receio ter sido uma provação terrível para você. — disse
suavemente — Sinto muito, Gordy. Vou mudar de novo para que
possa relaxar. O que  quiser, prometo.
Ele bufou com isso — Ora, justo é justo. Não posso ser o que
quer em um marido.
Ela sorriu então, incapaz de manter a ternura de sua voz — É
aí que está enganado, mas não vou envergonhá-lo, tentando dizer
coisas que não deseja ouvir.
Dificilmente era uma surpresa que ele desviasse o olhar dela,
mas ela se sentia despojada. Ele embaralhou os papéis em uma
pilha limpa e os colocou na gaveta da mesa.
— O trabalho parece estar indo em ritmo acelerado. — disse
ela, esperando não o ter afugentado tão rapidamente. Deveria saber
que não deve dizer tais coisas a ele — Está satisfeito com tudo o
que conseguiu?
— Sim. — disse ele, a resposta resmungando quando se
levantou.
— Os barcos de pesca foram um sucesso? A captura foi tão
abundante quanto esperava?
— Sim.
— E em Freswick? Os reparos em que tem trabalhado estão
completos agora?
— Não.
Ruth respirou fundo, segurando seu temperamento, ciente de
que ele estava tentando frustrá-la de propósito — Ainda há muito
trabalho a fazer?
— Sim.
Ela tomou um rumo diferente — O que acha de violeta, meu
querido raio de lua?
Gordy franziu a testa para ela, um brilho desconfortável em
seus olhos — Violeta?
— Sim, doçura, violeta. Como a cor. — deu um sorriso
ofuscante, que o fez parecer vagamente horrorizado.
— Você é uma diaba desprezível e calculista! — ele rosnou,
embora ela pensasse que talvez aquele vislumbre de admiração
fosse visível mais uma vez.
— Sim, meu coração, mas eu sou sua desprezível e
calculista diaba.
Ele grunhiu com isso, balançando a cabeça e deu um suspiro
pesado — Muito bem. — foi falado com a resignação e com o
queixo apertado. — Estou otimista com os barcos, embora seja a
estação certa para contar com qualquer certeza. Mas deu trabalho
aos homens, e as mulheres estão ocupadas, salgando o peixe e
levando-o para Wick. Não saberei ao certo, até que o cardume
comece em julho, mas se for tão bem-sucedido quanto espero,
comprarei mais barcos. Tenho todas as expectativas de que será um
empreendimento lucrativo. As casas de campo em Freswick
estavam em pior reparo do que eu esperava, mas o trabalho está
bem encaminhado, e tenho mais habitações planejadas, assim que
as reformas forem feitas, pois o sucesso dos barcos trará mais
inquilinos para mim.
— Estou tão orgulhosa de você, Gordy. — disse, não
tentando esconder a pegada em sua voz — Verdade, está fazendo
muito bem.
Para seu espanto, ele corou, e ela viu a confusão em seus
olhos, antes que ele se afastasse novamente. Ficou olhando pela
janela, de costas para ela — Você é a mulher mais controversa que
eu já conheci.
Ela riu disso — Eu não duvido disso.
Ele olhou por cima do ombro, franzindo a testa, obviamente
sem saber o que fazer com ela.
— Gostaria de ver meu novo projeto, Gordy?
Sua expressão ficou cautelosa mais uma vez.
— Isso vai me dar pesadelos? — ele perguntou, seu olhar se
desviando para os olhos sem visão que os observavam de todos os
cantos do escritório.
Ela hesitou, e ele fez um som de angústia — Santo Deus, o
que fez agora?
— Ah, não. — disse ela, balançando a cabeça, mas incapaz
de esconder sua inquietação — Não é nada parecido... assim, mas,
bem... Não faço ideia de como se sentirá sobre isso. Quero dizer,
sei o que vai dizer, mas suspeito que o que  diz e o que realmente
sente não são a mesma coisa.
Olhou para ela — Você fala em enigmas.
— Não, não falo. — disse, segurando o olhar dele — Você
me entende bem o suficiente. Venha, quero ouvir a sua opinião.
Ruth estendeu a mão para ele que se adiantou, mas não a
pegou, abrindo a porta para ela e gesticulando para que liderasse o
caminho. Ela não se ofendeu, ciente de que ele  estava permitindo
aquilo, sabendo que ela não poderia pressioná-lo  muito
rapidamente.
Levou-o de volta às escadas, imaginando se estava
cometendo um grande erro, mas agora era tarde demais. Não havia
muito para ver, quando chegaram ao quarto. Fora despojado e
limpo, a chaminé e o vidro da janela reparados e as paredes de
pedra recém rebocadas. Ruth prendeu a respiração, quando os
olhos de Gordy, imediatamente, encontraram o item que ela o
trouxera aqui para ver, simbólico de tudo o que ela estava tentando
dizer a ele. Ruth fechou a porta atrás deles, observando-o
atentamente, seu coração batendo forte.
Sua cabeça estalou, olhando para ela — Você está...
— Oh, não! — disse ela rapidamente, muito rapidamente,
percebendo o que ele havia assumido — Ainda não.
Ela pensou que, talvez, sua postura relaxasse uma fração,
mas era impossível ter certeza.
— É um quarto adorável, não acha? Bonito e alegre. Gostaria
de saber se talvez... talvez gostaria de me ajudar a escolher
algumas coisas para mobiliá-lo? O berço foi um presente da minha
tia. — acrescentou com um sorriso triste.
Ele ficou em silêncio, enquanto atravessava a sala e olhava
para o berço. Era feito de jacarandá e projetado para combinar com
pedra. A cabeceira foi esculpida com cestas cheias de flores. Gordy
cutucou com um dedo e ele balançou, para frente e para trás.
Parecia fazer algo incrivelmente pequeno, quando visto contra a
figura imponente de seu marido. Quando ele finalmente falou, as
palavras não foram uma surpresa.
— Você não vai ficar, moça. Não muda nada! — havia uma
finalidade na afirmação de que ela teria sido tola em não prestar
atenção, mas Ruth ergueu o queixo.
— Eu vou ficar. Nunca me disse que me faria ir embora assim
que eu estivesse grávida e eu quero ficar. Quero ficar com você.
Quero que sejamos uma família, a família que nunca teve. Sei que
nós dois estamos fazendo uma bagunça. Sei que eu estou
bagunçando as coisas, mas nunca fiz isso antes, Gordy. Preciso da
sua ajuda. Preciso de você! — prendeu a respiração, sabendo que
havia falado demais, mas sabendo que precisava. Se estivesse com
muito medo de dizer o que pensava, ele nunca entenderia o que
estava sentindo. Ele não disse nada, não se virou para olhar para
ela e ela tentou novamente, desejando que ele cedesse apenas um
pouco — Esta é a minha casa e você é meu marido. Não vou deixá-
lo, quer haja ou não uma criança.
Ele endureceu com as palavras dela, a tensão correndo por
seu corpo perfeitamente visível agora, enquanto ele ficava muito
imóvel. Houve um silêncio tenso antes que ele olhasse para ela —
Claro que vai.
Havia amargura ali, tão óbvia que seu coração doía por ele.
Ela o observou se virar para sair, mas Ruth correu para a
porta, de pé na frente dele, impedindo sua partida.
— Não pode me fazer ir embora.
Houve um bufo desdenhoso com essa ideia.
— Pode me forçar a entrar em uma carruagem, — disse, tão
teimosa quanto ele — mas não pode me impedir de voltar. O que vai
fazer? Barricar o castelo, me fazer dormir no chão frio, do lado de
fora dos portões? Eu vou, você sabe.
— Não está certa, moça. — disse ele, olhando-a com pena.
— Você não me assusta, seu grande palerma! — Ruth deu-
lhe um empurrão, que era tão inútil quanto empurrar as paredes do
castelo.
— Então é mais tola do que eu supus. — ele rosnou, olhando
para ela.
Ela bufou, achando o olhar dele tão intransigente quanto o
dela — Você late, mas não morde. Rosna como um cão com um
osso, e depois vem para minha cama e faz amor comigo, e desfaz
todo o seu bom trabalho.
Ele riu da declaração — Não deve confundir o desejo de um
homem de desfrutar dos prazeres da cama, com carinho, moça.
Nunca me importei com uma amante relutante e, se eu quiser ter um
filho com você, não adianta lutar comigo.
— É mais do que isso! — ela insistiu, embora a dúvida a
picasse de qualquer maneira — Sei que sente algo por mim.
— Sim, sinto que você é um maldito aborrecimento, e vou me
livrar de você, assim que estiver se reproduzindo,  vou me livrar de
você. Talvez eu a mantenha comprometida, até que o bebê nasça,
para me certificar de que você não retorne quando não é bem-vinda.
Foi cruel, intencionalmente assim, e Ruth piscou as lágrimas.
Ele está fazendo de propósito, ela se lembrou. Não confia em você;
acha que o deixará, como todo mundo o deixou. No entanto, era
uma coisa difícil de lembrar, diante de palavras tão dolorosas.
— Você me prenderia por amá-lo? — ela perguntou, sua voz
quieta, e, ainda assim, as palavras pareciam ecoar pela sala como
um tiro. Ele olhou para ela, sua inspiração aguda revelando tudo o
que sua expressão, cuidadosamente neutra, mantinha escondida
dela.
— Não me ama. — disse, desdenhoso agora, embora ela
visse aquele lampejo de confusão, de vulnerabilidade, antes que ele
pudesse escondê-lo — E a novidade de viver na natureza com seu
brutal Highlander vai diminuir em breve, mas tenha coragem, vou te
dar histórias suficientes para trocar com suas amigas. Devo tomá-la
aqui, contra a parede? Ou talvez devesse arrastá-la para os
estábulos pelos seus cabelos e me aproveitar de você sobre o feno?
Gostaria disso?
Apesar de saber o que ele estava fazendo, reduzindo seus
sentimentos por ele a nada mais do que luxúria, não podia lutar
contra o rubor que traía seu desejo.
Ele riu baixinho e ela odiava o som disso, a maneira como
dizia a ela que suas suspeitas haviam sido confirmadas.
— Eu quero você. — disse ela, reconhecendo suas palavras,
segurando seu olhar, embora fosse a coisa mais difícil de fazer —
Sem dúvida, isso me torna menos uma dama, mas nunca fui uma
dama, Gordy, de verdade. Sempre estive do lado de fora, não era
boa o suficiente para casar, não tinha boa educação, não era
feminina o suficiente. Falta-me sangue azul, nasci do comércio.
Também sou muito grande, muito franca, muito bem-sucedida. Por
que, diabos,  acha que eu ainda estava solteira, apesar daquele
vasto dote, que você estava tão feliz em colocar as mãos? — Ruth
piscou com força, desejando afastar as lágrimas, lutando para
manter a voz firme — Sei que sou difícil e temperamental e prometo
me esforçar mais, Gordy, se  me encontrar no meio do caminho.
Não tenho ilusões. Sei que nunca sentirá o mesmo por mim. Devo
estar muito longe da bela esposa que queria, mas eu entendo de
lealdade. Sei o que é ser fiel a uma promessa, e não importa o que
acredite dos meus sentimentos por você, lhe fiz uma promessa
diante de Deus e pretendo cumpri-la. Não vou deixá-lo, Gordy.
Nunca vou deixá-lo. Então, fale comigo com crueldade, se isso o faz
se sentir melhor, mas não vou a lugar nenhum.
Não ficou para ver o efeito que suas palavras tiveram nele.
Seus olhos estavam embaçados de lágrimas e sua compostura
estava muito perto de se quebrar, então se virou, tateou cegamente
pela maçaneta da porta e fugiu.
 
 
17

Minha querida Ruth,


Como fiquei feliz em receber sua carta e ouvir
todo o progresso que fez em Wildsyde. Parece um
lugar terrivelmente romântico e sua descrição das
vistas do castelo e da vasta extensão de estrelas
no céu noturno me deixa sem fôlego. Anseio vê-la
um dia, em breve. Espero que esteja tão feliz
quanto sua carta implica e que seu marido esteja
tão ciente de sua boa sorte quanto todas sabemos
que ele deve estar.
No entanto, não consigo entender o que quer
dizer com seus comentários velados. Na verdade,
não estou correndo atrás do Sr. de Beauvoir! Na
minha opinião, é mais um cerco.

— Trecho de uma carta da Srta. Minerva Butler


para a Sra. Ruth Anderson.

14 DE DEZEMBRO DE 1814. CASTELO DE WILDSYDE, ESCÓCIA.

Ruth saiu, protegendo a cabeça contra o vento gelado que


picava seus olhos e os deixava aguado. O vento a golpeou,
agarrando sua capa e fazendo-a ondular como uma vela, mas ela
segurou firme, recusando-se a permitir que a forçasse a desviar do
caminho. Deve estar fora de si, lutando contra os elementos, bem
como contra seu marido cabeça de porco, embora sentisse
equivaler à mesma coisa.
Pelo menos encontrou um pouco de paz, um retiro, onde
poderia se esconder longe do castelo e o que parecia ser um fluxo
implacável de pessoas. Em circunstâncias normais, adorava a
agitação de uma casa movimentada e gostava do desafio de manter
uma grande propriedade bem administrada, embora Wildsyde fosse
uma fração do tamanho das várias propriedades de seu pai.
Envolver-se em todos os aspectos de administrar uma grande casa
era o que ela havia nascido para fazer, treinada, com o objetivo de
se tornar a duquesa que seu pai excessivamente ambicioso sempre
esperava. Em comparação, Wildsyde não era um grande
empreendimento, mas, na semana passada,    sentira- se cansada,
desigual à tarefa e ao desfile interminável de trabalhadores e
criados, que pareciam precisar de instrução incessante. Poderia ter
deixado tudo para Garrick e a Sra. Crust, é claro, mas isso não seria
típico, e então Garrick saberia que algo estava errado e ela teria que
se esforçar ainda mais para esconder sua infelicidade.
Gordy ficou fora de seu caminho, desde a briga que ela
provocou, sobre como a segurou, e ela ainda estava se
amaldiçoando por sua estupidez. Ainda a visitava à noite, mas
enquanto suas mãos não eram menos gentis, ele se afastava,
forçando uma distância emocional entre eles que ela não sabia
como romper. Era inútil continuar amaldiçoando sua própria idiotice,
mas fez tudo da mesma forma. Sabia que seria melhor lidar com
isso aos poucos, sabia que venceria essa batalha por incrementos,
não em ondas de confronto. Por que, então, o encurralou? Ela o
havia prendido naquele quarto, sem opção, a não ser encará-la e
ouvir o que estava lhe dizendo. Não era de surpreender que ele
tivesse rosnado e se tornado cruel em resposta. A situação exigia
paciência e compreensão e, embora Ruth sentisse entender - tudo
muito claramente - a paciência nunca foi seu forte.
Sabia que ele não confiava nela, nem queria tentar, mas não
sabia como mostrar-lhe que era confiável. A única maneira que
podia ver era manter sua palavra e ficar com ele, mas não a deixava
fazer isso. Parte dela queria confessar toda a história para suas
amigas, especialmente as casadas, e implorar por conselhos, mas
Gordy odiaria isso. Odiaria que sua história se tornasse assunto de
conversa e seria uma traição à confiança do tipo que ele, sem
dúvida, temia. Então teria que continuar se esforçando, bagunçando
as coisas e esperando não arruinar nenhuma chance que pudesse
ter com ele.
Olhou para cima, quando as ruínas do Castelo Bucholie
apareceram. Pássaros gritavam acima, seus gritos estridentes
perfurando até mesmo sobre as ondas que batiam abaixo e que
pareciam ecoar pelo seu corpo. Era um lugar estranho. Descobriu
enquanto caminhava, algumas semanas antes, e achou
terrivelmente romântico. O castelo havia sido construído no
promontório e era difícil de distinguir da face rochosa do precipício,
construída com as mesmas lajes lisas, como se os penhascos
tivessem levantado as paredes por conta própria. Foi-lhe dito pelo
Sr. Clugston que um pirata nórdico chamado Sweyn o construiu no
século XII. Restava pouco agora, apenas a parede oeste e partes
irregulares do lado sul. Ela suspeitava que grande parte dos
escombros havia sido roubada há séculos e seria encontrada nas
paredes de Wildsyde. A vista aqui, e por quilômetros em todas as
direções, era tão selvagem quanto o resto da paisagem. Além da
silhueta escura de Wildsyde à distância, as ruínas eram o único
ponto alto por quilômetros, como se desafiassem as tempestades a
dar-lhe o seu pior. E davam. As planícies planas se estendiam sem
parar, diante das ruínas, assim como o mar se estendia até o
horizonte, nas costas, terra e mar se espelhando, enquanto o vento
gritava sobre a extensão aberta.
Ruth estremeceu e se encolheu contra as paredes, desviando
das piores rajadas de vento, enquanto suas orelhas ressoavam com
o frio gelado. Riu, o som se afastou em um instante, carregado com
os pássaros marinhos que enfrentavam o bufão enfurecido, seus
próprios gritos soando como um tipo maníaco de diversão. Foi
emocionante, fazendo seu coração bater mais rápido quando se
aproximou da queda, sentindo o vento puxando sua capa,
ameaçando levá-la até o limite. Muito abaixo dela, o mar colidia
contra a rocha, espumando branco quando a acertava. O jato de sal
formigou sobre seu rosto, um choque de gelo frio quando recuou
novamente, admirando o brilho do sol sobre o azul sem fim. Sentia-
se pequena aqui, seus problemas encolhendo, diante do que
sempre fora e ficaria quieto, muito depois que ela se for. Estranho
como uma paisagem tão intransigente deveria lhe trazer conforto,
mas sempre acalmava o constante círculo de seu cérebro. Os
problemas que pareciam intransponíveis dentro das paredes de
Wildsyde tornaram-se coisas que não precisavam de nada mais do
que a passagem do tempo para resolver, e ela sempre voltava se
sentindo mais calma, como se o espancamento feroz do vento e do
mar tivesse domado algo selvagem em submissão.
Ficou por uma hora, talvez, olhando para o deslumbrante mar
azul, até ficar gelada nos ossos, mas a violência de sua própria
frustração se acalmou. Sentindo que estava em um estado de
espírito melhor para enfrentar o resto do dia, ela se virou e começou
a caminhada de volta para Wildsyde. Apesar do frio gelado e do
vento que fez sua pele queimar, ela sorriu. A paisagem aqui havia
capturado seu coração. Era difícil, indomável, resolutamente
selvagem e ainda sedutor, rico, com uma estranha magia negra, que
a chamava a alguma parte anteriormente esquecida de sua alma.
Adorava as histórias que as pessoas contavam, histórias de
fantasmas e histórias supersticiosas de bruxas, fadas e changelings.
Havia algo inegavelmente antigo aqui, alguma conexão com o
passado distante, que a fazia se sentir sólida e enraizada, de uma
maneira que ela nunca conhecera antes. Em Londres, sempre se
sentiu à deriva, como se ocupasse seu lugar na sociedade na ponta
dos dedos. Aqui não. Aqui estava inteira e real, de uma forma que
ela não conseguia esclarecer. Considerou tentar explicar isso a
Gordy, mas sabia que nunca encontraria as palavras para dizer-lhe
como se sentia. Ele, sem dúvida, estaria cada vez mais convencido
de que ela não estava bem da
cabeça.
— Sra. Anderson!
Ruth cumprimentou o Sr. Clugston quando ele veio
cumprimentá-la.
— Exatamente a mulher que eu procurava. — disse ele,
dando-lhe um sorriso caloroso. — A senhora poderia vir e dar uma
olhada? Eu estava pensando sobre o que a senhora disse, usar a
pedra da torre em ruínas...
Ruth sorriu e assentiu, ouvindo o Sr. Clugston falar com
entusiasmo. Ela fez uma pergunta ou deu sua opinião quando surgiu
a necessidade. Havia um ar de otimismo no homem, que estava
ausente em sua chegada e ela sentiu uma sensação de ter feito
algum bem.
— A senhora está satisfeita? — O Sr. Clugston perguntou,
interpretando corretamente o sorriso que ela não conseguia evitar
se curvar sobre os lábios.
Ela assentiu, olhando para o castelo. O exterior ainda estava
cheio de andaimes, como se Wildsyde fosse uma espécie de ouriço
enorme, enrolado em uma bola para se proteger. Os homens se
moviam sobre ele, ocupados como formigas, aglomerando ainda
mais  o pátio externo, de um lado para o outro, com carrinhos de
mão e ferramentas, assobiando alegremente ou brincando, sua
respiração soprando fumaça no ar gelado.
— Fico feliz em ver que fiz algo de bom aqui, ou pelo menos
que meu dinheiro tenha feito. — acrescentou, não querendo que o
Sr. Clugston pensasse que ela levaria o crédito pelos esforços de
Gordy. Ela corou, embora duvidasse que ele tivesse notado, pois
seu rosto já estava vermelho de frio. Que vulgar mencionar uma
coisa como dinheiro, pensou tarde demais. Uma dama nunca teria
feito isso.
O Sr. Clugston dava-lhe um olhar curioso, e ela sentiu seu
estômago se mover, da mesma maneira que sempre fazia em um
baile, quando dizia ou fazia algo igualmente grosseiro em frente da
ton.
— A senhora não pode pensar que é apenas o seu dinheiro
que fez isso? — ele disse, sua voz surpreendentemente suave.
— Não, claro que não. — falou apressadamente e
mortificada. — O Sr. Anderson deve levar o crédito por fazer tudo
acontecer. Ele conseguiu muita coisa. Estou muito orgulhosa dele.
Ele deu uma gargalhada e balançou a cabeça — Sim, o
senhorio fez um bom trabalho, mas não é o que eu quis dizer. A
senhora fez uma grande mudança em Wildsyde, e naqueles que
trabalham aqui. Comentei que muitos dos criados ingleses
retornaram às propriedades de seu pai, e mais do povo local tomou
seus lugares. Vejo também a forma como a Sra. MacLeod e
Sheenagh e os outros falam da senhora, com respeito. A senhora
está aqui há tão pouco tempo, e as pessoas já veem que receberam
um presente.
Ruth fechou a boca com dificuldade, de repente ciente de que
estava espantada e bastante perdida. A opinião dele importava,
percebeu, a dele e de todos os outros criados. Significava muito
para ela, e ouvir sua aprovação, aprovação deles, falar com o tom
áspero e sem sentido do Sr. Clugston era quase o suficiente para
reduzi-la a lágrimas.
— Eu não vou embora. — disse ela, com determinação
silenciosa.
— Eu sei. — sua voz era afetuosa, seus olhos azuis cheios
de admiração.
Ela assentiu e engoliu em seco, tendo que forçar as palavras
a saírem. — Ele tentará me obrigar. — para sua consternação, sua
voz tremeu, e ela engoliu em seco novamente, tentando manter a
calma que a caminhada até o castelo lhe dera.
Se acreditasse que essa conversa fosse o maior choque que
receberia hoje, estava enganada. O Sr. Clugston estendeu a mão e
pegou as mãos dela. Segurou-as, apertando os dedos com força
silenciosa.
— A senhora não está sozinha, moça. — disse, uma
expressão resoluta fixada nela que deu peso à sua crença — A
senhora tem amigos aqui que ficarão do seu lado. Mais do que
pensa. Espero que possa me considerar um deles.
Ruth fez um pequeno som em algum lugar entre uma risada e
um soluço, mas ela sorriu para Clugston, esperando que ele
pudesse ver o quão profundamente sua garantia a havia tocado,
pois ela não conseguia pronunciar uma palavra sem chorar. Como
era, controlava suas emoções com dificuldade. A cena notavelmente
terna foi abruptamente destruída.
— Tire as mãos da minha esposa.
Ruth deu um pulo, quando a voz furiosa de Gordy soou de
trás dela. Tentou retirar as mãos, mas o Sr. Clugston as segurou um
pouco mais, mantendo o movimento. Ele tirou os olhos de onde eles
se concentraram em Gordy e voltou para ela.
— Não se esqueça, Sra. Anderson. — disse, tomando seu
tempo para soltar as mãos e fazer uma reverência cortês, antes de
acenar educadamente para Gordy e ir embora.
— O que, diabos, ele quis dizer com isso? — Gordy exigiu.
Ruth olhou para ele, para a maneira como seu olhar seguia o
Sr. Clugston pelo pátio. Ciúmes, percebeu, surpresa. Ele estava
com ciúmes. Se ela tivesse sido outra mulher, poderia ter usado
isso, talvez fosse tola, mas não desejava causar sofrimento ao
marido. Além disso, o simples conhecimento de que ele era capaz
de tal emoção, afugentou qualquer desejo de puni-lo.
— O Sr. Clugston teve a gentileza de me agradecer pelas
mudanças que foram feitas em Wildsyde. — disse, falando com ele
com o tipo de tom calmante que ela poderia usar em uma criança
instável. — Expliquei que foi tudo você e que só forneci o dinheiro
para tornar isso possível, mas ele foi muito gentil.
O marido bufou com isso e lançou um olhar curioso para ela.
— Sim, você não fez nada para melhorar as coisas, não é, esposa?
Você me acha um idiota? Acha que eu não vejo como meus criados
procuram por você para instruções, em vez de mim?
Ruth endureceu com a frustração por trás das perguntas,
com o ataque oblíquo que ela não havia previsto. — Você me disse
que eu deveria fazer o que quisesse com o interior do castelo,
Gordy, e nas ocasiões em que busquei sua opinião, se recusou a
oferecer uma. Não é verdade?
— Sim. Reconheço isso. — ele admitiu, honestamente, pelo
menos.
— Eu fiz algo errado, Gordy? — perguntou, suavizando a voz
e desejando que ele só falasse com ela.
Um músculo em sua mandíbula se mexeu, enquanto ele
lutava com ele — Não. — disse, embora ela não fosse surda à
maneira relutante em que foi proferida.
— Tem certeza? — pressionou, frustrada por ele não apenas
dar uma opinião, mesmo que isso revelasse que odiava tudo o que
ela havia feito.
Olhou para ela por um longo momento, depois se virou e foi
embora sem dizer uma palavra.
Gordy voltou para o castelo. Estava inexplicavelmente
zangado e  nervoso. Qual é o problema com ele? Foi tudo culpa
daquela maldita mulher, ele se enfureceu interiormente, tentando o
seu melhor para focar sua raiva nela. Era ela quem estava minando
sua autoridade, dando a ascensão constante ao refrão, oh, mas a
Sra. Anderson já cuidou disso, ou, a
Sra. Anderson disse que seria
melhor assim, ou mesmo, eu já discuti isso com a Sra. Anderson e
decidimos...Ruth estava certa, ele a autorizou a fazer o que queria,
então ele não tinha o direito de ficar indignado agora. Daria uma
chance, pois a explicação alternativa para sua raiva o incomodava
um pouco mais. Por mais que tentasse, sua frustração escapou e
realmente não foi essa indignidade que fez sua cabeça bater forte
junto com seu coração. A verdadeira emoção, um emaranhado
desagradável de raiva, ciúme e medo, floresceu, ao ver Clugston
segurando as mãos de Ruth, a admiração óbvia nos olhos do
miserável e o sorriso de resposta nos lábios de sua esposa.
Lembrou-se de todas as coisas que ela lhe dissera naquela
noite, no berçário, sua promessa de que ficaria, de que nunca o
deixaria, não importava o que acontecesse, mas ela disse um monte
de bobagens naquela noite. Murmurou sobre não ser uma dama,
sobre não ser feminina ou ser muito grande, ou alguma alegação
ultrajante. Por Deus, certamente ela não esperava que ele
acreditasse em tais coisas? Não poderia haver um homem vivo, que
pudesse olhar para ela, e não ver que tinha o porte de uma rainha,
uma imperatriz. Teria que ser cego para olhar para sua paisagem
exuberante de curvas e considerá-la qualquer coisa menos
feminina; feminina e madura e tão perigosa para um homem com
pulso, quanto o chamado de uma sirene, atraindo-o para águas
profundas.
Qualquer homem iria querer tal prêmio.
Ela vai deixá-lo. Sabe que vai. Por que ficaria com você?
Afastou a pergunta, não querendo pensar nisso. Ótimo. Ele
queria ir embora. Esse não era o problema. Precisava de seu
herdeiro e um suplente e não queria dúvida de que as crianças eram
dele, isso era tudo. Ela não teria um amante, antes que ele tivesse
seus dois filhos. O pensamento de que ela poderia fazer o que
quisesse, depois que ele a mandasse embora, ficou preso em sua
garganta, alojado desconfortavelmente e impossível de engolir. Uma
vez que ela estivesse de volta a Londres, poderia ter qualquer
número de amantes e ele não seria mais sábio. A fúria quente
tingida com algo insuportavelmente como o medo subiu em seu
peito. Não. Ela não teria amantes; ele não permitiria.
E o que vai fazer sobre isso, seu tolo maldito? Se a mandar
embora, ela não olhará para trás.
No entanto, tinha que mandá-la embora, tinha que mandá-la,
antes que ela partisse por conta própria e tomasse cada pingo de
orgulho conquistado que ele havia conseguido com ela. Sobreviveu
quando sua mãe virou as costas para ele, sobreviveu quando suas
irmãs foram logo em seguida. Sobreviveu à aversão e determinação
de seu pai em vê-lo reduzido à sarjeta, e à determinação de seu
verdadeiro senhor, em fingir que ele não existia. Agarrou-se ao
maldito castelo como vingança, com um desejo furioso de mostrar a
todos que ele não precisava delas, não as queria, e agora... agora,
quando estava tão perto de poder recuar e se gabar de sua vitória,
ela estava tirando o poder dele de novo. Era intolerável, mas ele não
sabia como pará-lo, e sentiu uma fúria doentia por sua própria
impotência.
Embora quisesse mandá-la embora, para que ela não
pudesse mais incomodá-lo, não podia, até que ela estivesse
carregando seu filho. Embora  quisesse usá-la como se ela não
passasse de um vaso para sua progênie, não podia, pois ansiava
por seu toque, sonhar com as mãos dela sobre ele. Embora se
recusasse a passar a noite com ela novamente, cada vez que saía
da cama dela era mais difícil convocar a vontade de fazê-lo. Ansiava
pelas palavras suaves que ela lhe proferia, pelas pequenas
gentilezas que ela dava tão facilmente, querendo ficar ao lado dela
como um vira-lata, implorando pelos restos de seu carinho, e ele se
desprezava por sua fraqueza.
Bem, teria que se esforçar mais.
 
18

Está certa, é claro, um homem tratado tão


abominavelmente por sua família continuará
fugindo, em vez de arriscar confiar em alguém
novamente. Está conquistando algo bárbaro,
Ruth. Deve pensar nele de tal maneira, como
domar um lobo, ensinando-lhe que nem sempre
há algo ruim esperando por ele, se ele se permitir
aproximar o suficiente para tocar.

— Trecho de uma carta da Sra. Ethel Stephens


para a Sra. Ruth Anderson.

14 DE DEZEMBRO DE 1814. BAILE DE NATAL DO DUQUE E DA DUQUESA DE BEDWIN.


BEVERWYCK, LONDRES.
Minerva olhou ao redor do vasto salão de baile, apreciando o
espetáculo de todos os convidados vestidos com suas roupas finas.
Os grandes pilares de mármore haviam sido adornados com
espessas faixas de fita vermelha e verde, dando um ar festivo, e o
brilho de centenas de velas cintilava em inúmeras joias, enquanto as
belas damas da ton giravam e circulavam nos passos de uma dança
campestre. Apesar da atmosfera de convívio e do prazer que
encontrou em seu novo vestido,  sentiu-se inquieta e insatisfeita.
Olhou para baixo, alisando as mãos sobre o tecido brilhante, um
amarelo de cor viva e alegre. Era sua cor favorita,  sabia que
realçava a sua beleza, desencadeando os brilhos dourados em seu
cabelo loiro pálido. No entanto, qual era o ponto, se o único homem
que ela desejava ver não estava ali?
Claro que ele não estava ali. Este era um evento para os
mais importantes da alta sociedade, a ton em todo o seu esplendor.
O Sr. Inigo de Beauvoir pode ser muitas coisas - um cavalheiro, um
estudioso, uma das mentes mais brilhantes do país, e o homem em
quem ela não conseguia parar de pensar - mas não conseguiria
entrar em um baile como este. Não que ele quisesse.
Tentou imaginá-lo aqui e falhou completamente. Em vez
disso, tentou imaginar uma vida em que nunca mais colocasse os
pés em tal evento e sentiu uma leve pontada de arrependimento,
mas não de perto do horror que alguns poderiam esperar dela com
a ideia. Qualquer um que a observasse neste momento, sem
dúvida, suporia que era como o resto das jovens, aparentemente
insípidas, que aglomeravam esses eventos. Provavelmente eram
tão inteligentes quanto os homens, provavelmente mais do que a
habilidade necessária para dançar, uma linha entre fingir estupidez e
manter o interesse de um homem. Todas foram cuidadosamente
ensinadas a ser agradáveis a um cavalheiro, a nunca se aventurar
em uma opinião, mas a concordar com o que quer que aquele
cavalheiro dissesse, a rir de suas piadas e lisonjear seu ego e,
geralmente, fazer o que ele quisesse. Minerva foi uma delas. Estava
entre as virgens mais famintas e ansiosas, desesperadas para
ganhar um título. Pensou, como eles provavelmente pensaram, que
não havia outra escolha. No entanto, havia mudado.
Tinha que agradecer à prima, sabia. Foi Prue quem se
preocupou em perguntar a Minerva o que ela queria para si mesma.
Foi um choque perceber que as ambições de sua mãe para um
título eram apenas isso, de sua mãe, e as próprias esperanças de
Minerva, aquelas que enterrou profundamente, considerando-as
impossíveis, eram muito diferentes.
Apesar de saber que sua mãe teria uma apoplexia se tivesse
a menor ideia de seus pensamentos, Minerva permitiu que sua
mente vagasse, para se lembrar da primeira vez que colocou os
olhos no Sr. de Beauvoir, na livraria em Tunbridge Wells. Lembrou-
se dos olhos dele, daquela estranha mistura de cinza e verde, e da
inteligência feroz que parecia brilhar dentro dele, consumindo-o. Seu
coração sentia uma ternura estranha e dolorida, sempre que ela
pensava em seu corpo magro e roupas mal ajustadas. Ele havia
claramente perdido peso recentemente e ela considerou o quão mal
ele cuidava de si mesmo. Que era o tipo de homem era viciado em
seu trabalho e que se esquecia de comer, era óbvio. Perguntou-se
como seria ser o motivo de seu foco, a coisa que o fascinava, em
detrimento de todo o resto. Seria tão obsessivo, em um caso
amoroso, quanto era com seu trabalho? A ideia a fez estremecer,
embora fosse o calor que deslizava sob sua pele. Soltou uma leve
gargalhada, ao perceber que a obsessão estava toda do seu lado. O
Sr. de Beauvoir estava fazendo o possível para ignorá-la e ainda
não havia respondido à sua última carta. Ele não era totalmente
impassível, no entanto, ela tinha certeza disso. Lembrou-se da
sensação de sua boca na dela, no momento muito curto em que se
atreveu a agarrar a chance oferecida e o beijou. Meu Deus, mas ele
ficou indignado! Quando continuou a lhe escrever, garantiu que ele
estava seguro, pois ela não podia testar suas artimanhas com mera
tinta no papel. Sua resposta a deixou sem palavras e esperançosa.
Não subestime sua habilidade de escrita.
Minerva sorriu e desejou poder vê-lo novamente agora, esta
noite, em vez da espera interminável, para assistir à palestra.
Lembrou-se de seu desafio, de ir a algum lugar que não deveria ir, e
se perguntou o quão difícil seria descobrir o paradeiro de seu
laboratório e visitá-lo, sem que sua mãe descobrisse.
— Por que está com esse olhar tão nostálgico?
Minerva saiu de seu devaneio com um pulo e viu os olhos
verdes imperiosos de Lady Helena Adolphus estudando-a com
interesse.
— Olhar nostálgico? O que quer dizer com isso? — Minerva
retrucou.
Helena a favoreceu com um olhar impaciente, tomou um gole
de sua bebida e fez uma careta. — Sabe exatamente o que quero
dizer, e vou tomar uma taça de champanhe hoje à noite, mesmo que
isso me mate. A limonada está repugnante.
— Está apenas triste porque seu Sr. Knight não está aqui.
Um olhar verde e frio tomou conta dela e Minerva se lembrou
que Helena era filha de um duque.
— Ele não é meu Sr. Knight, — disse, seu tom preciso e
cortado, e então seus lábios se curvaram, seus olhos brilhando com
travessuras — ainda.
Minerva riu — Pobre homem, não tem nenhuma chance.
Helena riu em resposta, um som surpreendentemente
gutural, de uma forma tão feminina. — Não, — concordou, sorrindo
amplamente agora. — não tem. — ela tomou um segundo gole de
limonada e fez uma careta. — Mas não se preocupe com ele,
quando você vai me dizer por quem está suspirando?
Houve um longo silêncio, enquanto Minerva considerava isso.
Só se tornou amiga de Helena, porque Prue se casou com seu
irmão, o duque, e embora gostassem muito uma da outra, não havia
intimidade real entre as duas, até recentemente.
— Juro que pode confiar em mim, — disse Helena, e Minerva
viu sinceridade em seus olhos — somos basicamente irmãs agora,
você sabe. É parte da família.
Minerva bufou — Minha mãe ficaria fora de si de felicidade,
ao ouvir você dizer isso.
Houve outra gargalhada, quando Helena reconheceu a
verdade disso — Você não pode ser culpada por sua mãe, querida,
e além disso, eu gosto dela. Ela é ambiciosa e inequívoca sobre
isso. Respeito isso.
— Você não tem que viver com ela. — murmurou Minerva e
depois deu um suspiro pesado e aceitou o braço que Helena lhe
ofereceu, enquanto davam uma volta pelo salão.
— Bem?
Minerva revirou os olhos, ciente de que Helena não seria
desviada. — Duvido que o conheça. Dificilmente andam no mesmo
círculo.
— Veremos.
— Sr. Inigo de Beauvoir.
As sobrancelhas de Helena se ergueram — O filósofo
natural? — riu da surpresa óbvia de Minerva — Não sou totalmente
inútil, querida, e além disso, meu irmão é fascinado por ciência.
Assiste as palestras e fala por horas durante o jantar, se o deixar.
Acredito que o trabalho do Sr. de Beauvoir seja um dos seus
interesses.
— Oh! — Minerva absorveu e se perguntou como tal
informação poderia ser usada para seus próprios fins.
— Agora, então, — Helena respondeu, e então ecoou o
pensamento não dito de Minerva quase precisamente — como essa
informação deve ser transformada em seu benefício?
Parecia estar pensando seriamente no assunto e Minerva se
inclinou e deu um beijo espontâneo na bochecha dela.
— Estou tão feliz que Prue se casou com seu irmão.
— Eu também. — Helena concordou solenemente, embora
seus olhos estivessem dançando de alegria — É muito mais
divertido ser perversa, quando se tem um parceiro no crime.
Continuaram sua volta pelo salão de baile e Minerva expôs
todas as muitas e várias razões pelas quais o Sr. de Beauvoir havia
capturado seu coração. Helena ouviu com toda a simpatia e
compreensão que Minerva poderia ter esperado, e então se virou
para ouvir os planos de Helena, para deixar o Sr. Knight de joelhos.
— Oh veja. — disse Helena, parando e apertando o braço de
Minerva.
Minerva seguiu seu olhar para o salão de baile, para onde
Matilda estava dançando com o Sr. Burton.
— Ah, meu Deus. Não sabia que ele estava de volta.
— Acha que ela está feliz em vê-lo?
Minerva os observou, registrando o sorriso no rosto de
Matilda e o brilho possessivo nos olhos do Sr. Burton. Na superfície,
pareciam um casal feliz e bonito, mas em uma inspeção mais
detalhada, Minerva pensou que os ombros de Tilda pareciam rígidos
e seu sorriso educado, em vez de alegre.
— Não totalmente, não. — disse, imaginando o que Matilda
faria com o Sr. Burton.
As duas olharam em volta, quando um sussurro de vozes
aumentou, do tipo que acompanhava a entrada de um convidado
importante. Quem quer que fosse, chegou tarde. Quando Minerva
olhou para cima, a agitação foi facilmente explicada.
— Bem, isso não fará com que sua noite seja mais fácil,  é
certo.
O tom de Helena estava seco, enquanto observavam o
marquês de Montagu entrar no salão de baile.
— Oh, espere até que ele os veja. — Minerva sussurrou,
agarrando-se firmemente ao braço de Helena, prendendo a
respiração.
O olhar frio de Montagu varreu o salão, sua expressão
totalmente entediada. Não mudou, nem parou, quando chegou a
Matilda e ao Sr. Burton, mas continuou, e então ele se virou para
cumprimentar sua anfitriã, enquanto Prue lhe dava uma recepção
gelada.
— Ela faz o papel de duquesa notavelmente bem.
Helena sorriu, enquanto Prue era escandalosamente formal e
precisa em sua saudação, cada nuance lembrando a Montagu que
ela o superava em posição. Claro, ambos sabiam que ela fez isso
porque queria proteger Matilda, e não porque  tinha um osso esnobe
em seu corpo.
— Ela ficou furiosa por ter que convidá-lo. — observou
Helena.
— Então por que o convidou?
— Robert disse que ela deveria. — Helena respondeu com
um encolher de ombros. — Alguns interesses comerciais ou outros
em comum, acredito. Ele não é o tipo de homem de quem se pode
desprezar e se safar disso.
— Mas seu irmão é um duque, — protestou Minerva. —
certamente...
Helena devolveu um olhar de pena. — Querida, Montagu é
poderoso. Não importa se o título dele é menor. Sua criação é
irrepreensível e reforçada com dinheiro e mais influência do que
qualquer um ousa considerar. É um coletor de informações, sabe
coisas que ninguém mais sabe. Dizem que até Prinny tem medo
dele.
Minerva considerou a figura austera, parado, sozinho agora,
enquanto examinava o salão de baile e tremia. — Pobre Matilda.
Helena concordou. — De fato.

Matilda fez uma reverência quando a música terminou e o Sr.


Burton deu um sorriso caloroso — É tão bom vê-la novamente,
embora, infelizmente, eu esteja na cidade apenas por uma semana,
pois prometi à minha família que voltaria para as festas de Natal.
Tenho me sentido frustrado com um pouco de má sorte ultimamente,
pedidos que se desviam e problemas que continuam surgindo por
todos os lados. — franziu a testa, sua expressão intrigada e depois
olhou para cima e balançou a cabeça — Além de alguns novos
negócios, que me mantiveram muito ocupado, mas parece
extremamente promissor. Mas isso me manteve longe da cidade por
muito mais tempo do que eu tinha planejado. No entanto, estarei de
volta no novo ano. Tenho muitos interesses aqui, que prendem a
minha atenção e... — parou e deu-lhe um olhar muito direto. — E
planos que, espero, se concretizem.
— Tenho certeza de que todos ficaremos felizes com a sua
companhia, Sr. Burton. — disse Matilda com cuidado, ignorando a
implicação óbvia de suas palavras e permitindo que ele a guiasse
para fora da pista de dança.
Ela o olhou de soslaio. Tinha sido tudo o que era charmoso e
solícito aquela noite, lembrando-a de todas as razões pelas quais
considerara seu interesse nela atraente. O cão possessivo com um
osso na boca que estava desconfortavelmente ciente durante a
festa na casa de Lorde St. Clair estava visivelmente ausente, tanto
que ela se perguntou se havia imaginado tudo.
— Talvez eu possa visitá-la na próxima semana? — ele
perguntou, tal entusiasmo juvenil em seus olhos, que Matilda não
pôde deixar de retribuir um sorriso.
— Ficarei feliz em recebê-lo. — respondeu, ainda incerta se
ela queria aquilo ou não, mas sabendo que devia dar-lhe uma
chance.
Não era como se  tivesse pretendentes formando fila por sua
mão.
Ele fez uma reverência respeitosa, seu olhar segurando o
dela, quente e abertamente cheio de admiração por ela, antes de se
despedir. Ela o observou recuar entre a multidão, uma figura esbelta
e masculina, que qualquer mulher poderia se orgulhar de chamar de
sua.
— A senhorita ainda mantém seu cachorrinho na coleira, pelo
que vejo.
Matilda enrijeceu, seu coração imediatamente acelerando em
dobro. O pânico aumentou em seu peito e, com ele, a necessidade
de escapar. Antes que ela pudesse pensar em suas ações,  afastou-
se sem se virar. Como ele estava atrás dela,  não era tão ousada -
ou imprudente - quanto dar o corte direto ao Marquês de Montagu,
mas mesmo que ninguém mais soubesse que ela havia feito isso,
ele sabia.
De alguma forma, chegou ao outro lado do salão de baile,
movendo-se cegamente entre as pessoas e pegando uma taça de
champanhe de um garçom que passava pelo caminho. Tomou um
grande gole e quase engasgou com as bolhas, respirando devagar e
profundamente para acalmar os nervos. Assim que pensou que os
tinha sobre controle, olhou para cima e viu Montagu caminhando
diretamente em sua direção. Desta vez, não podia fingir que não o
vira, e não era tola o suficiente para tentar o mesmo truque
novamente.
Ele parou na frente dela que fez uma reverência negligente,
não do tipo que um homem de sua posição esperaria. Montagu
inclinou a cabeça, mas não disse nada, seu olhar para ela era frio e
atento.
— Correndo com medo, Srta. Hunt?
A mandíbula de Matilda apertou — Com medo do senhor? —
deu um bufo muito desagradável e ergueu a taça de champanhe,
tomando um gole muito grande.
— Não, não de mim. — havia diversão em sua voz e Matilda
olhou para ele.
— Ah, entendi, — disse. — o senhor acredita que tenho
medo de estar perto, por medo de ser dominada pela luxúria. — deu
um sorriso apertado — Por favor, não se preocupe por minha causa,
milorde. Acredito que há pouco risco de eu rasgar minhas roupas e
exigir que o senhor me tome aqui na pista de dança.
— Pouco risco. — ele repetiu, balançando a cabeça, como se
ela tivesse dito algo de grande interesse — Como eu não tenho
nenhuma expectativa de que alguém mais faça uma coisa dessas, a
senhorita continua sendo a mais propensa a me favorecer com uma
exibição tão atraente.
Matilda abriu a boca e a fechou novamente — Não foi isso
que eu quis dizer, e o senhor sabe disso. Pare de ser tão pedante.
— Mas estou enfeitiçado, Srta. Hunt, lembra? Não consigo
não levar qualquer coisa que a senhoria fala ao pé da letra.
— Ah, então parece que tenho dois cachorrinhos na coleira.
— disse, sorrindo para ele — Embora o senhor seja o único me
seguindo pelo salão de baile.
Uma sobrancelha loira ergueu-se apenas uma fração, os
olhos cinza-prateados sob ela. A própria ideia de comparar Montagu
a um filhote era como comparar um gatinho com um tigre dentes de
sabre. Ela sabia muito bem que ele não a seguia como um
cachorrinho, e que esse desgaste lento e cuidadoso era muito mais
calculado e predatório. Seria uma tola em não estar ciente disso, ou
da força de sua intenção, ou do fato de que ele estava certo; ela
tinha medo de seu próprio desejo perverso por ele.
Procurou-o aquela noite. Apesar da fúria que sentiu na última
reunião, da raiva que ele trouxe à tona, procurou-o e ficou muito
desapontada ao descobrir que ele não estava lá. Ela soube, no
momento em que ele chegou, estava tão ciente de sua presença
quanto ela de uma sensação de vitória por ele descobrir que ela
dançava com o Sr. Burton.
— Espero que a senhorita tenha guardado uma dança para
mim.
Matilda balançou a cabeça. — Receio que não.
Sem dizer uma palavra, ele pegou seu cartão de dança e,
como ela mal podia começar um cabo de guerra com ele, Matilda o
soltou.
— A senhorita parece ter várias danças em branco. —
observou, levantando os olhos do cartão para os dela.
— Não, — ela cuspiu, embora tivesse a sensação enervante
em seu estômago, não estava sendo totalmente honesta com ele ou
consigo mesma. — eu simplesmente não estou com disposição para
dançar esta noite.
— Eu também não. — disse ele, e ofereceu-lhe o braço.
— Não vou a lugar nenhum com o senhor.
O fato de ela ter falado as palavras com um desprezo
enojado parecia tê-lo confundido.
— O Sr. Burton está vindo para cá.
Seu olhar estava plácido.
Ela espiou por cima do ombro dele e viu que ele estava certo,
e o cão com o osso estava firmemente de volta aos olhos do Sr.
Burton.
— Oh, maldito seja. — Matilda amaldiçoou e agarrou seu
braço, permitindo que ele manobrasse, sem esforço, através da
multidão.
Não era como quando ela tentou negociar o salão sozinha,
isso era certo. As pessoas simplesmente saíam da frente dele,
deixando um caminho aberto. Ficou tão encantada com o
espetáculo, que demorou um momento para comentar sobre o fato
de que eles haviam saído do salão de baile.
— Aonde o senhor está me levando? — exigiu, puxando o
braço dele e tentando não reconhecer um pouco de emoção,
enquanto sentia o músculo duro sob o tecido fino.
— Apenas para uma caminhada. — respondeu ele,
imperturbável. — Olha, há muitos outros casais escapando do
barulho e do aperto. É bastante respeitável.
— Se o senhor está envolvido, eu duvido. — murmurou, mas
teve que admitir que ele estava certo, pois várias pessoas saíram
para um pequeno descanso e estavam andando pela longa galeria,
conversando e aproveitando os assentos fornecidos.
— O que eu fiz para merecer tal censura? — ele perguntou,
baixando a voz e acenando com a cabeça para outro casal,
enquanto passavam na direção oposta — Eu só tentei beijá-la uma
vez, e não forcei o ato quando a senhorita se opôs.
Matilda franziu a testa, não gostando nada das águas
perigosas que a conversa havia virado — O senhor não precisa
fazer nada, milorde. O senhor fala, insinua, e, às vezes, fala muito
claramente. O senhor deixou suas intenções perfeitamente claras.
— Eu sou um sujeito simples. — ele respondeu suavemente.
Matilda deu uma gargalhada.
— A senhorita discorda?
Matilda olhou para ele incrédula, desejando que não fosse
tão bonito quanto olhar para ele fez algo em seu peito doer. Era
quase impossível olhar para o rosto de um anjo e lembrar que a
personalidade por trás dele era controladora, gelada e perversa até
os ossos. Enquanto falava, seu olhar caiu junto com a sua voz,
quase recatado, o olhar prateado escondido, por um momento, uma
varredura de longos cílios dourados e pálidos. Seu cabelo brilhava
como dourado prateado quando captou a luz e foi um esforço
manter o tom mordaz em sua voz.
— Eu não tenho a menor dúvida de que sua mente é um
labirinto e tão cheia de torções quanto seu caráter.
— Ora, ora, Srta. Hunt, — disse ele, claramente divertido,
quando abriu uma porta e a conduziu por ela — não sou a sua
pessoa preferida esta noite.
— O senhor nunca foi. — ela retrucou, exasperada.
Tarde demais, ela olhou em volta, para descobrir que os
outros casais não estavam mais visíveis. Onde quer que
estivessem, não era a longa galeria. Estavam sozinhos. Ela olhou
ao redor de uma sala tomada por uma sombra da lua e depois o
olhou, com pânico aumentando em seu peito.
— Nunca? — ele inclinou a cabeça um pouco, enquanto
olhava para ela, curiosidade em sua expressão.
— Nunca.
Sua voz era firme, e Matilda deu vários passos para longe
dele, movendo-se para ficar perto da janela e sentindo uma onda de
alívio quando ele não diminuiu a distância. Ele não baixou o olhar,
porém, seus olhos brilhando na meia luz, e o coração de Matilda
acelerou. Disse a si mesma que era terror, e talvez isso fizesse
parte, mas não tudo.
— Nós deveríamos voltar. — disse ela, desejando que isso
não tivesse soado tão sem fôlego — Não desejo ser encontrada
sozinha com o senhor.
Ele sorriu — Receio que agora seja tarde demais. — disse, e
pela primeira vez não houve zombaria ou crueldade nas palavras.
Não precisava haver, elas eram verdadeiras.
— Minha posição na sociedade é equilibrada na ponta de
uma faca, como o senhor bem sabe. Precisaria de pouca coisa para
acabar de vez com ela.
Ela o observou considerar suas palavras e se mover em sua
direção. O tempo foi suspenso quando ele se aproximou, e então,
para surpresa dela, ele estendeu o braço novamente. Ela soltou um
suspiro, incerta se estava aliviada ou desapontada, mas deslizou a
mão sobre a manga do casaco mais uma vez. Ele se virou, como se
eles voltassem imediatamente pelo caminho que viriam, mas depois
fez uma pausa.
— A senhorita não cansa de fingir? — ele perguntou.
Sua voz era baixa, carinhosa, e Matilda olhou para ele,
desejando imediatamente que ela não tivesse. O preto e branco de
seu traje noturno combinavam com ele, combinavam com as linhas
afiadas de maçãs do rosto altas e estrutura óssea impecável e
aqueles olhos prateados enervantes. Ela fitou, imaginando como ele
se sairia se tivesse um equilíbrio tão precário para manter e quase
riu. Não havia nada precário ou incerto sobre este homem. Estava
totalmente seguro de si mesmo, de seu valor, seu lugar na
sociedade, e que todos os outros estavam abaixo dele. Por um
momento, ela o desprezou e depois se perguntou como seria essa
vida.
— O senhor se sente solitário? — A pergunta estava fora de
sua boca, antes que ela pudesse considerá-la ou mantê-la de volta.
Talvez tivesse sido o luar suavizando seus traços severos, ou
suavizando seu juízo e seu coração, mas ela tinha o desejo
repentino e desesperado de saber, pois tinha muita certeza da
resposta.
Não houve reação dele, nem mesmo o piscar de uma
pálpebra, e ela se perguntou se isso era revelador.
— Não me falta companhia.
Não havia inflexão em sua voz, nada nas palavras que lhe
davam o que ela procurava.
— Não foi isso que eu perguntei. — ela pressionou,
determinada a ter uma resposta honesta dele, mas sua atenção
havia sido tomada, seu olhar focado em sua boca.
— Quero beijá-la.
Ela ouviu a verdade, da maneira como ele falava, ouviu algo
quente e urgente em sua voz.
Matilda parou, ciente da mudança abrupta na qualidade do ar
entre eles, a atmosfera carregada, que parecia crepitar. Tinha a
expectativa repentina de ver faíscas brilhando entre eles se ele
ousasse colocar a mão nela.
— O senhor não pode. — disse ela, embora as palavras
fossem instáveis e sua voz mal passasse de um sussurro.
Sua mandíbula se apertou, e ele a encarou por um longo
momento, antes de soltar um suspiro áspero.
— Venha, então. — disse ele, avançando mais uma vez,
enquanto a puxava de volta, pelo caminho que eles haviam
percorrido.
Matilda ousou olhar para ele, imaginando se ele estava com
raiva agora, mas ela não conseguia ler sua expressão, certamente
não, apenas de seu perfil. Ele não parecia zangado, mas havia uma
tensão atravessando o seu corpo, como uma música. Ela podia
sentir, como a última nota de uma ópera, que fazia arrepios
escorrerem pela sua espinha.
Um barulho abafado lá fora chamou a atenção deles, e então
veio um grito repentino de risada, seguido por uma risada muito
masculina e a maçaneta da porta sacudiu e se abriu. Eles estavam
muito longe da saída, para sair antes que, quem quer que fosse,, os
encontrassem. Antes que Matilda pudesse reagir, Montagu a
agarrou e a empurrou de volta para a janela, encobrindo-os com as
cortinas. Felizmente, havia um pequeno recesso, mas não foi
suficiente para que ambos se encaixassem confortavelmente. Ele a
empurrou ainda mais contra a janela, suas saias espumando em
torno de suas pernas, até que ela não tivesse mais para onde ir,
mas era o bastante. Matilda estava instantaneamente ciente do
vidro congelante a sua frente e da parede de Montagu sólida nas
suas costas. Em pânico, ela balançou, enquanto seus joelhos
batiam no parapeito da janela, desequilibrados, e ele a firmou, antes
que ela caísse contra o vidro, um braço serpenteando em torno de
sua cintura. Ambos congelaram.
Matilda mal se atreveu a respirar, embora seu coração
estivesse trovejando, como se tivesse corrido uns quilômetros. Ela
só esperava que, quem quer que fosse que buscou aquele cômodo
escuro para seu tête-à-tête, desaparecesse em breve. Ouviu,
orando para ouvir novamente a abertura e o fechamento da porta,
mas ela ficou estranhamente silenciosa.
— O que eles estão fazendo? — ela sussurrou, muito ciente
do calor do corpo masculino duro na sua cintura, e da noite gelada
de dezembro do outro lado do vidro. Um gemido feminino respondeu
sua pergunta com muita clareza. Ela olhou por cima do ombro,
incrédula, e viu os olhos dele fecharem com algo que parecia dor.
— Maldição! — ele murmurou.
— Isso é... eles estão...? — começou indignada, as palavras
morrendo em sua garganta, quando o homem falou.
— Oh, minha querida, pensei que fosse enlouquecer. Levante
suas saias para mim, preciso tê-la agora, agora, agora, oh, Deus,
oh, sim...
Os olhos de Matilda ficaram redondos, sua respiração
prendendo e bochechas flamejando, quando as coisas ficaram ainda
mais claras.
Seguiram-se muitos suspiros abafados, gemidos e palavras
de amor murmuradas e, em seguida, o baque rítmico de carne sobre
carne à medida que os gritos se tornavam mais altos.
Montagu estava rígido de tensão, o que a surpreendeu. Ela
pensou que ele poderia achar aquilo divertido, sendo homem e não
tendo nada a perder; sem mencionar finalmente ter as mãos sobre
ela.
— Cristo. Isto é intolerável.
Matilda olhou novamente para o praguejo murmurado de
Montagu, percebendo que ele não estava nada feliz com a situação.
Ela não conseguia entender o porquê, mas isso a divertia.
— O senhor quer dizer que isso não era o que tinha em
mente? Suponho que o senhor só queria me corromper, não
manchar meus ouvidos com a prova da luxúria de outras pessoas?
— sugeriu, mantendo a voz baixa, embora suspeitasse que uma
banda pudesse atravessar o cômodo e o casal amoroso atrás deles
não moveriam um dedo.
— Se bem me lembro, a senhorita me recusou, e eu honrei
seus desejos. — ele parecia um pouco conciso agora. Matilda
observou enquanto ele olhava fixamente,  pela janela, na noite além.
— Oh, Harold, sim, sim...oh, Harold!
Matilda mordeu o lábio, mas não estava à altura da tarefa, e
uma risada escapou dela.
A mão de Montagu cobriu sua boca, a cabeça abaixando
para falar ao seu ouvido — Silêncio! — disse, embora fosse mais
como um rosnado — A senhorita quer que eles nos ouçam?
O problema era que a situação era tão ridícula, que Matilda
não conseguia se conter. Sabia que, à luz do dia e com um humor
racional, esse seria um estado de coisas absolutamente terrível. A
probabilidade de descoberta por si só era horrível. Ser pega ali com
Montagu, era seu pior pesadelo, ou, se não fosse descoberta, seu
sonho mais deliciosamente perverso. Talvez fosse o braço forte
agarrado à sua cintura, segurando-a com força contra ele, o calor de
seu corpo atravessando o seu vestido, ou a pressão de sua palma
contra seus lábios que a fez perder a cabeça. Era tão provável que
fosse isso quanto sua reação aos gritos da moça excitada, do outro
lado da cortina, que estavam se tornando cada vez mais exigentes e
mais altos.
— Oh, sim, assim, mais forte, mais forte, oh, Harold...
— Gosta disso? Quer mais um pouco?
— Sim, sim!
Gemidos e ruídos altos pontuaram aquela troca de conversa
rápida, quando a risada borbulhou dentro de Matilda, e embora ela
lutasse para segurá-la em seu corpo tremia de hilaridade silenciosa.
— Pelo amor de Deus, pare com isso. Fique quieta! —
Montagu demandou, com a respiração quente e urgente em seu
ouvido. Uma emoção a percorreu, a consciência de quão perto ele
estava, do calor dele brilhando em seu vestido, da perversidade
vertiginosa de toda a situação.
— Oh, Jenny, você é tão deliciosa, está tão quente, tão
molhada.
Matilda cobriu a mão de Montagu com a sua, como se isso
ajudasse a conter sua hilaridade, mas estava tremendo agora,
dissolvendo-se com risadas e com algo brilhante, brilhante e
completamente fora de controle.
— Pare com isso! — Montagu sibilou, uma nota desesperada
em sua voz, mas Matilda não conseguia parar, era muito ultrajante.
— Senhorita Hunt! — ele murmurou contra o ouvido dela, seu tom
cada vez mais agitado. — Estou tentando me comportar como um
cavalheiro, mas não há muito que um homem possa aguentar. A
senhorita não sabe o que está fazendo comigo.
Era avassalador. A cabeça de Matilda caiu contra o peito dele
e ela se inclinou , enquanto as lágrimas escorriam por seu rosto.
Ouviu a respiração aguda de Montagu e, tarde demais, percebeu o
que ele estava tentando dizer-lhe. Ela sentiu a pressão dura de seu
membro nas suas costas, e a risada morreu em sua garganta
enquanto ela ofegava. Ficou muito imóvel, enquanto o calor a varria
e deixou cair a mão que havia coberto a dele, até que agarrou o
braço que a circulava na cintura.
O casal do outro lado da cortina estava cada vez mais
entusiasmado e cada vez mais explícito, sentindo a necessidade de
descrever como sentiam e o que exatamente eles queriam fazer a
seguir. Com o corpo de Montagu, quente e duro e obviamente
disposto a mostrar-lhe o motivo de todo o alvoroço, Matilda estava
queimando com uma combinação de constrangimento e o desejo
urgente de permiti-lo. Suas emoções estavam a flor da pele e ela
estremeceu, quando a mão dele se moveu de sua boca, deslizando
pela garganta, para descansar na base do seu pescoço.
— Seu coração está batendo muito rápido. — ele observou, e
com o que restou de seu cérebro, ela notou que ele estava sem
fôlego.
— O seu também. — ela rebateu, ciente dele batendo nas
suas costas.
Ele arrastou os dedos para frente e para trás sobre a pele
dela, perto da clavícula, cada passo levantando arrepios e se
movendo para baixo, em direção ao inchaço de seus seios. Algum
pingo fraco de autopreservação permaneceu, no entanto, e Matilda
reconheceu o perigo em que estava. Queria esse homem, queria
muito, mas tê-lo significava que ele teria vencido, ela teria rendido
todas as suas esperanças e sonhos, por nada mais do que desejo.
O desejo desapareceria, essa necessidade que ele tinha de possuí-
la passaria, quando ele se cansasse dela, e ela seria deixada de
lado.
Montagu abaixou a cabeça para acariciar o pescoço dela, o
calor de sua respiração e o mais leve toque de seus lábios tocou a
sua pele.
— Não.
Ele paralisou e Matilda balançou a cabeça para reforçar o
comando.
— Por favor.
O apelo parecia ter sido arrancado dele, em carne viva e
tingida de desespero.
Matilda balançou a cabeça novamente, incerta de que as
palavras certas deixariam sua boca, se ela tentasse falar. Não
queria que ele parasse, queria se inclinar de volta, pressionar mais
contra ele, e foi um momento antes que ela percebesse que o
pensamento havia se tornado ação.
Montagu soltou um som áspero, suas mãos caindo em seus
quadris e segurando-a contra ele, seu membro excitado flagrante
agora, pressionada contra sua pele macia.
— Isso foi cruel. — ele murmurou, e mordiscou sua orelha.
Matilda soltou um gemido, a pequena pontada de dor dos
dentes disparando inesperadamente para lugares mais íntimos e
florescendo em prazer.
— Harold? O que foi isso?
Ambos congelaram, horrorizados, e Matilda se amaldiçoou
por ser uma tola tão imprudente, mas, mesmo agora, à beira da
descoberta, seu corpo estava vivo de necessidade, de consciência,
de querê-lo.
— Não é nada, Jenny. Foi algo lá fora, sem dúvida, esqueça.
— Você realmente...Oh. Oh... oh, sim.
Os sons grosseiros se tornaram mais altos e cada vez mais
urgentes, sugerindo que o pico estava próximo e não havia nada a
fazer, além de aguentar. Matilda se esforçou para manter as
imagens lascivas, que a conversa de amor ilustrativa do casal criou
de sua mente, mas era impossível. Graças a Deus, Montagu tinha
mais força de caráter e honra do que ela poderia ter imaginado, se
suas mãos tivessem se desviado agora, ela não achava que teria
força suficiente para detê-lo. Em vez disso, ele ficou totalmente
imóvel, respirando com dificuldade, sua cabeça apoiada na dela.
Finalmente, interminavelmente, com gritos misturados de
êxtase, o ato chegou ao fim. Houve o som de roupas sendo
ajustadas, uma conversa murmurada sobre quando os dois amantes
poderiam se encontrar novamente, e, finalmente, a sala ficou em
silêncio. Um segundo depois da porta ter se fechado, Montagu abriu
a cortina e deu uma espiadela rápida, antes de se afastar dela.
Matilda ficou repentinamente congelada, tremendo de frio e
com desejo enervado. Privada de seu calor e força,  sentiu-se fraca
e colocou a mão na parede, firmando-se. Montagu caminhou até a
porta pela qual haviam entrado e a abriu, observando por um longo
e silencioso momento. Ele se afastou e se virou para ela.
— Vá. —  sua voz fria.
Matilda avançou, as pernas tão trêmulas e incertas quanto as
de um potro recém-nascido. Fez uma pausa quando chegou à porta,
levantando o olhar para o dele e sugando o brilho dos seus olhos,
seus centros escuros iluminados por uma fina lasca de prata.
— Vá. Agora. — as palavras foram cortadas. — Ou não vá.
Matilda fugiu.
 
 
19

Querida Minerva,
Espero que tenha gostado do baile de ontem.
Estava adorável naquele vestido amarelo. É uma
pena que o Sr. de Beauvoir não o tenha visto.
Ficaria chocado, certamente.
Lembra-se da conversa que tivemos
recentemente, sobre ele e sobre M, aquele
cavalheiro que você acreditava ter capturado
minha atenção? Minerva, venha me visitar.
Preciso urgentemente de uma confidente. Acho
que fiz algo incrivelmente estúpido.

— Trecho de uma carta da Srta. Matilda Hunt


para a Srta. Minerva Butler.

20 DE DEZEMBRO DE 1814. CASTELO DE WILDSYDE, ESCÓCIA.

Ruth sentou-se à mesa da cozinha, com a testa franzida. Os


criados haviam se acostumado com sua presença lá e não piscaram
uma pálpebra com o fato de que ela estava fazendo algo tão servil
quanto polir a prata. Os poucos criados ingleses restantes
pensavam que ela era excêntrica, na melhor das hipóteses, mas os
criados escoceses pareciam olhá-la com aprovação e até falavam
de forma encorajadora, agora que sabiam que não seriam
demitidos. Ela gostava da descontração e da agitação das cozinhas
e não era avessa a provar os deliciosos petiscos que surgiam como
uma questão de curso naquele momento. A confiança da Sra.
MacLeod crescia diariamente, assim como sua equipe, pois permitia
que mais pessoas entrassem em seu santuário, para serem
treinadas sob seus olhos de águia.
Ruth sabia que o grande jantar que planejara para o dia de
Natal seria um triunfo. Se ao menos houvesse alguém para jantar
com ela.
Gordy começou a fazer as suas refeições no seu escritório, e,
nas últimas duas noites não visitara a sua cama. Na verdade, ela
não o via e não sabia mais o que fazer; não sabia como poderia
alcançá-lo, mas tinha que encontrar um caminho. Pegou outra
colher e a poliu furiosamente, como se aquele objeto fosse uma
lâmpada mágica e um gênio pudesse lhe dizer como fazer seu
marido se importar com ela. Enquanto o pedaço de pano polia a
colher, ela tentava arrancar uma resposta de seu cérebro, em vez
da de um gênio amigável.
No entanto, uma nova ansiedade que estava tentando ignorar
avançou e chamou sua atenção. Não teve suas regras no dia
anterior. Era muito cedo para pensar nisso, mas se ela estivesse
grávida, suas chances de sucesso estavam prestes a diminuir
consideravelmente. No momento em que Gordy soubesse, a tiraria
de lá.
Embora o que ela dissesse fosse verdade, não tinha intenção
de ir embora, e se fosse obrigada, continuaria voltando; a realidade
de se humilhar diante dos criados de tal maneira não era algo que
ela gostava.
Não insista nisso, aconselhou-se.
— Não sobrará colher de sopa se a senhora continuar assim.
Ruth levantou a cabeça e viu que a observação irônica havia
sido feita por Sheenagh. Voltando sua atenção para a colher,
descobriu que, de fato, já estava brilhando e a colocou de lado.
Antes que pudesse pegar outra, Sheenagh afastou os talheres
restantes e arrancou o pano de limpeza de suas mãos.
— Chega disso, senhora. A senhora está acordada desde
madrugada e não comeu nada desde o café da manhã, e vi que só
comeu um pouco de peixe. Não é o suficiente para mantê-la de pé.
Além disso, a senhora me prometeu que ouviria minhas ideias para
seu guarda-roupa.
— Eu prometi. — disse Ruth, sorrindo para ela e tirando as
luvas brancas macias, com as quais protegeu as mãos.
— Há chá e bolinhos em seu quarto, esperando pela
senhora. Subirei assim que  termine de comer.
— Perfeito. — disse,  levantando-se. — Obrigada, Sheenagh,
é exatamente o que eu preciso.
Sheenagh assentiu, como se isso tivesse sido perfeitamente
óbvio, e Ruth deixou a cozinha, feliz por ser mimada e intimidada ao
mesmo tempo. Como prometido, chá e bolinhos, tanto salgados
quanto doces, a aguardavam e Ruth apreciou os dois, bebendo seu
chá e aquecendo os pés ao lado da lareira. Um estômago cheio, no
seu quarto aconchegante - e muito pouco sono das noites
passadas, se preocupando com o palerma do seu marido -
conspiraram contra ela e seus olhos se fecharam. Confortável e
sonolenta,  quase não percebeu o barulho do outro lado da sua
janela, ou o estranho e inquietante estrondo de metal, assumindo
que eram os trabalhadores fazendo seus trabalhos. No entanto, algo
sobre o teor dos gritos não estava certo, a camaradagem usual,
perceptível entre os trabalhadores, estava ausente e havia uma
forma brutal nos sons abafados.
Começando a acordar, Ruth correu para a janela e olhou para
baixo. Daquele lado, seu quarto dava para o pátio interno e ela
soltou um pequeno grito, alarmada, ao ver dois homens, cada um
deles empunhando uma grande e maldita espada. O choque de
metal soou através dela agora, reconhecido pelo perigo que
realmente era e seu coração parecia dar cambalhota em seu peito,
enquanto identificava os dois combatentes.
Gordy e Sr. Clugston.
Os dois homens estavam lutando e não era de brincadeira,
se fosse alguma juíza da força furiosa em exibição ao passo que as
lâminas gritavam e cantavam juntas a cada ataque.
— Oh, Meu Deus!
Ela se levantou e saiu correndo, voando pelas malditas
escadas intermináveis, nenhuma das quais era em linha reta, e que
a faria voar de fato, caso pisasse em falso.
— Garrick! — ela gritou segurando a bainha das saias e
voando pelo corredor, até as portas que davam para o pátio interno.
Garrick olhou para ela atordoado por um momento, antes de
fazer algo chocantemente fora do caráter de um homem de sua
dignidade e correu atrás dela.
Ela parou nas pedras do lado de fora, atordoada pelo choque
de metal, enquanto os dois homens içavam as enormes espadas
largas. O som, quando  faziam contato, era terrível, amplificado de
alguma forma pelo coração de Ruth que estava batendo em seus
ouvidos.
— Parem! — ela gritou, correndo em direção a eles,
acenando. — Parem com isso imediatamente, seus idiotas!
Embora ela soubesse que era imprudente, na melhor das
hipóteses, e possivelmente letal, Ruth correu para eles,
aproveitando a distração momentânea, para forçar seu caminho
entre os dois.
— Saia do caminho. — disse Gordy, obscuramente e furioso.
— Não vou. O que, diabos,  pensa que está fazendo?
Explique-se imediatamente!
Imprudente ou corajoso, uma vez que ela estava entre eles,
seu temperamento inflamou, enquanto considerava o dano que
poderiam ter causado um ao outro.
Gordy olhou para ela, sua raiva evidente no brilho de seus
olhos. Os dois homens haviam se despido até a cintura para o
combate e Ruth tentou não se distrair com a impressionante
extensão de peito poderoso e músculos escorregadios de seu
marido. Voltando-se para o Sr. Clugston,  sentiu-se um pouco
surpresa, ao descobrir que o homem não era nem um pouco flácido,
como se poderia esperar. Na verdade, ele parecia estar em boa
forma, um pouco consideravelmente acima de seu próprio peso.
— Não se preocupe, Sra. Anderson, — disse Clugston, sua
expressão sombria. — decidi que era hora de alguém contar ao seu
marido algumas verdades e ensiná-lo algumas boas maneiras.
— Cale sua maldita boca. — Gordy rosnou — Não falará com
minha esposa novamente, nem olhará para ela. Pode se considerar
dispensado dos seus serviços.
— Na verdade, não. — respondeu Ruth, cruzando os braços
e olhando fixamente para o marido, sua própria fúria crescendo a
cada momento. — Gordon Anderson, esse homem é leal a você,
desde que era um bebê, e se pensa em retribuir essa lealdade de tal
maneira, nunca vou perdoá-lo. Além do mais,  também não se
perdoará, depois que as coisas acalmarem e perceber o quão idiota 
está sendo.
— Ora, mas ele não trabalha para mim, não é, Ruth? Ele
trabalha para você agora, e ele acha que isso lhe dá o direito de
comentar sobre meu casamento.
Ruth gemeu por dentro e lançou um olhar exasperado para o
Sr. Clugston, que se mexeu todo inquieto, sua espada ainda
segurava uma pose defensiva. Seus olhos dispararam entre ela e
Gordy, como se pesasse a maior ameaça.
— Ele não a trata bem, Sra. Anderson. Todos nós podemos
ver isso claramente. Sua única desculpa é que não teve o tipo de
pai, capaz de explicar essas coisas para ele, então, percebi que já
era hora de alguém colocá-lo na linha.
Ruth o encarou — Sr. Clugston, por mais gentil que suas
intenções claramente sejam, agradeceria se o senhor não
interferisse no meu casamento.
— Sim. — Gordy rosnou — Ou enfrente as consequências.
— E quanto a você! — Ruth se virou para o marido, com as
mãos nos quadris e mais furiosa do que nunca. — Como se atreve a
começar uma luta, com espadas, pelo amor de tudo o que é mais
sagrado! Se tiverem que lutar, não poderiam, simplesmente,  bater
um no outro? O que teria feito se ele tivesse sido gravemente ferido,
ou mesmo morto? De todas as ideias imbecis e idiotas.
Sinceramente, achei que  tivesse mais juízo, mas parece que
superestimei sua inteligência.
Gordy parecia um pouco surpreso — Agora, espere um
minuto...
— Não! — Ruth retrucou. — Espere o senhor um minuto. Isso
é ciúme, puro e simples. Tem alguma noção tola de que há algo
entre mim e o Sr. Clugston e se convenceu de... de, não sei o quê,
mas é totalmente ridículo! — jogou as mãos no ar em frustração,
antes de se aproximar de Gordy, segurando sua cabeça com as
duas mãos e beijando-o profundamente. — Eu o amo, seu homem
desatencioso, egoísta e cabeça dura!
Recuando, experimentou uma onda de calor, quando
descobriu que todo o castelo havia se esvaziado, para que todos
fossem apreciar o espetáculo.
— O que, diabos, estão olhando? — ela exigiu e deu um
aceno curto de sua mão. — Voltem ao trabalho.
Todos obedeceram de uma vez, um momento depois, o pátio
estava vazio, exceto ela e os idiotas que estavam brigando com
espadas. Ela deu a volta.
— Vão se desculpar e conversar seriamente, ou nunca mais
falarei com nenhum dos dois novamente.
Ressaltou suas palavras com um olhar ártico para cada um
dos dois e depois entrou no castelo, com um movimento furioso de
suas saias.
Uma vez que passou pelas portas, a adrenalina passou e ela
respirou trêmula, incerta sobre o que fazer a seguir.
— Pronto, Sra. Anderson, venha. — olhou para cima,
atordoada, e viu que a Sra. MacLeod segurava firme seu braço  e
Garrick o outro. — Ajude-me a levá-la para a cozinha, onde
podemos ficar de olho nela. Sheenagh, traga um pouco de uísque
para a patroa. Na verdade, traga a garrafa. Acho que ela vai
precisar de mais do que um gole.
— Sra. Anderson, — disse Garrick, seu tom baixo e um
pouco espantado — eu nunca, nunca em todos os meus dias...
— Sim, acho que há um pouco de Gallowglass em seu
sangue.
Este comentário enigmático da Sra. MacLeod ganhou um
murmúrio de aprovação de alguns dos outros criados, enquanto a
acomodavam em uma cadeira, perto do fogo na cozinha. Ela estava
inquieta, as almofadas foram colocadas nas suas costas e um xale
em volta dos seus ombros, enquanto a Sra. MacLeod pressionava
uma generosa dose de uísque na mão.
— Gallowglass? — murmurou fracamente.
— Guerreiros, moça. — disse a Sra. MacLeod, com um
sorriso. — O mais feroz de todos. No mínimo, acho que  tem um
pouco de sangue escocês em suas veias, pois tem temperamento
para isso.
— Viu o olhar do senhorio, quando a senhora lhe deu o
sermão? — Sheenagh, disse rindo.
— Sim, — a pequena Flora se levantou, encontrando sua voz
pelo menos uma vez — ele não sabia o que o atingiu.
Ruth tomou um gole de uísque, sentindo a queimadura
deslizando por sua garganta — Já chega.
Todos paralisaram e olharam para ela.
— O que acontece entre mim e o Sr. Anderson  é assunto
nosso. Não vou tolerar fofocas, nem tomada de partido. Ele tem sido
bom para todos,  devem a ele sua lealdade. Nunca vou colocá-los
em uma posição onde  devem escolher entre nós, e nem ele.
Ela esperava que isso fosse verdade, mas, dadas as
circunstâncias, não estava nem um pouco certa. A lealdade do Sr.
Clugston a ela quase terminou em derramamento de sangue.
— Ouviram a senhora, — disse Sheenagh, acenando para o
restante dos criados — façam seus trabalhos. Não têm coisa melhor
para fazer com seu tempo?
— Obrigado, Sheenagh. — disse Garrick, dando à jovem um
aceno de aprovação que a fez corar.
Ruth suspirou e bebeu seu uísque, respirando fundo
enquanto deixava um rastro de fogo na barriga. A Sra. MacLeod a
estudou por um momento, antes de pegar a garrafa e encher o copo
novamente. Ruth agradeceu e tomou um gole determinado. Poucos
momentos depois, pegou outro, e depois mais um. De verdade, o
uísque não era tão ruim. Era ilegal, é claro, mas dificilmente
esperaria que um escocês se importasse com isso. Havia uma
agradável poça de calor florescendo dentro dela. Afugentou toda a
tensão que estava crescendo no seu âmago e isso, decidiu, era uma
coisa boa. Uma coisa muito boa. Terminou o copo.
A Sra. MacLeod deixou a garrafa do lado dela e voltou ao
trabalho. Na verdade, todos haviam voltado ao trabalho e pareciam
muito ocupados. Ruth respirou fundo. Sheenagh apareceu, olhando-
a de forma ansiosa.
— Vou mandar preparar um banho para a senhora. Está
muito pálida.
— Obrigada. — disse Ruth secamente.
— Bem, é verdade, e não me espanta, depois de um choque
como esse.
Ruth fez um gesto para Sheenagh voltar para o quarto com
ela e depois hesitou. Lançando um rápido olhar ao redor da cozinha,
descobriu que todos ainda estavam ocupados, pegou o uísque e
saiu correndo com ele, escondido nas dobras de suas saias.
Felizmente, Sheenagh não percebeu, enquanto se mantinha
à frente dela, durante todo o caminho de volta para as escadas, ou,
se o fez, foi sábia o suficiente para manter a boca fechada. Ruth
colocou o uísque em sua penteadeira, como uma garrafa de
perfume enorme, e permitiu que Sheenagh a ajudasse. Uma vez
que seu banho foi preparado, para a satisfação de Sheenagh, ela a
deixou sozinha. Ruth olhou para a água fumegante e perfumada e
desfez as amarras de seu roupão. Então ela olhou para a garrafa de
uísque.
Sempre que os homens estavam melancólicos, tendiam a
ficar loucamente embriagados. Bem, seu marido não tinha o
monopólio do comportamento ridículo,  pensou, com uma explosão
de irritação. Se ela quisesse se comportar mal e ficar bêbada, era 
problema seu. Parecia, naquele momento, uma ideia muito atraente,
e não era como se Gordy se importasse. Esse pensamento de
rebaixamento foi suficiente para selar seu destino. Agarrou a garrafa
e afundou na água quente, com um respingo desagradável.
Ocorreu-lhe então que tinha deixado o copo na cozinha, mas estaria
condenada se um pequeno detalhe como esse fosse frustrar seus
planos. Arrancando a rolha da garrafa com os dentes, cuspiu-a na
lateral da banheira, sacudiu a garrafa e tomou um grande gole.
Erro. Seus olhos lacrimejaram e sua garganta queimou,
quando tossiu e cuspiu, lutando para respirar. Demorou alguns
minutos para que a sensação de queimação, asfixia e morte
diminuísse, mas, então, a queimação tornou-se em algo agradável e
um zumbido agradavelmente entorpecido passou por seu cérebro.
Um pouco mais cautelosa depois disso, só tomou pequenos goles.
Pequenos goles frequentes. Decidiu que gostava bastante de
uísque.
20

Querido Sr. de Beauvoir,


Prometi a mim mesma que não escreveria
novamente, mas parece que não tenho
autocontrole no que diz respeito ao senhor. Por
que não respondeu à minha última carta? O
senhor tem alguma ideia de como é enfadonho
ficar esperando por uma resposta que nunca
vem?
Estive em bailes, jantares e festas, fiz
intermináveis visitas sociais e estou entediada.
Usei o mais glorioso vestido amarelo, outra noite e
todos me disseram que eu estava muito bonita,
não me importei nem um pouco, porque o senhor
não estava lá. Seus elogios não significaram nada
para mim. Prefiro ouvi-lo repreender minha
maldade por beijá-lo do que suportar outro poema
dedicado aos meus olhos. O senhor não irá, ao
menos, responder e me dizer que aborrecimento
miserável sou?

— Trecho de uma carta da Srta. Minerva Butler


ao Sr. Inigo de Beauvoir.

20 DE DEZEMBRO DE 1814. CASTELO DE WILDSYDE, ESCÓCIA.

Gordy se mexeu no fardo de feno em que estava sentado,


tentando desalojar o que quer que fosse que o estava cutucando
suas nádegas. O Sr. Clugston sentou-se ao lado dele, igualmente
melancólico.
— Dê-me isso. — Gordy murmurou, pegando a garrafa de
uísque da mão de Clugston. Tomou um grande gole e limpou a boca
antes de devolvê-la.
— Não sabe o que tem, Gordy, rapaz. — disse Clugston,
balançando a cabeça. — Ela é o tipo de mulher que não se encontra
duas vezes na vida.
Gordy olhou furioso para ele. Clugston estava monopolizando
a garrafa e tomou muito mais do que Gordy.
— Acha que  não sei disso? — Gordy murmurou, irritado.
Ficou surpreso quando sua esposa saiu correndo do castelo,
os olhos escuros brilhando, prontos para lutar com dois homens
armados. Seu estômago se remexeu, enquanto considerava o que
poderia ter acontecido se não a tivessem notado, muito envolvidos
em sua própria luta para se conter em tempo. Afastou esse
pensamento, antes que isso pudesse perturbá-lo ainda mais. Gordy
olhou de volta para Clugston, que havia torcido a garrafa de uísque,
sua garganta se mexendo firmemente.
— Vai se arrepender disso amanhã. — observou Gordy.
— Sinto muito por hoje. — disse Clugston, sombriamente.
Gordy suspirou — Sim, bem... eu… posso ter dito algumas
coisas que não quis dizer. — franziu a testa quando seu
companheiro bufou e o favoreceu com um olhar estreito.
— É um idiota.
— Acho que já mencionou isso. — pegou a garrafa de volta.
— Não estou tentando roubar sua esposa, seu maldito idiota.
Não poderia, nem se quisesse, pois ela está apaixonada por você,
embora só Deus saiba por quê! — Clugston acrescentou com
desgosto.
Gordy devolveu um olhar igualmente sombrio — Ela não está
apaixonada por mim — murmurou, esforçando-se para ignorar a dor
que a verdade abriu em seu coração — O que ela poderia ver em
mim?
— Droga, como se eu soubesse! — respondeu Clugston, sua
voz cada vez mais grossa — Se eu fosse você, perguntaria a ela.
Respondeu, e o cheiro azedo de uísque floresceu entre eles.
Gordy fez uma careta e devolveu a garrafa ao companheiro. Pensou
em perguntar a Ruth e rejeitou. Não queria falar com ela. Conversar
com Ruth sempre terminava em... sentimentos, muitas das malditas
coisas, deixando seu peito apertado e contorcido. Era como aquela
sensação quente e desconfortável, que  tinha quando era menino e
sabia que seu pai iria bater nele, por nenhuma outra razão, além de
sua existência, fato que deixava o homem furioso.
Perguntou-se quais eram as chances de a esposa permitir
que ele fosse para a sua cama, após o comportamento daquele dia.
Não que ela já tivesse negado seus direitos a ele, que tinha sido
muito horrível com ela antes. A sensação quente e contorcida se
instalou em seu peito mais uma vez e ele se ressentiu. Irritado, 
levantou-se. Se  quisesse levar a esposa para a cama, isso era
direito dele, não era? Além disso, ela gostava, provavelmente sentiu
falta dele nas últimas noites. Considerou essa ideia atraente, se
perguntando se ela tinha pensado nele, se ela ansiava que ele
viesse até ela tão mal quanto ele queria ir.
Maldição.
— Diga a ela que a ama.
Gordy revirou os olhos e não dignificou a sugestão arrastada
com uma resposta, mas se afastou de um Clugston cada vez mais
embriagado, voltando para o castelo. Sentindo-se brutal e agressivo,
não foi para o quarto  para se lavar e se apresentar, mas foi direto
para o quarto de Ruth. Deu uma batida superficial e entrou,
fechando a porta atrás dele e depois passou um minuto inteiro se
perguntando por que não poderia entrar pela maldita porta, sem ter
o fôlego arrancado.
Ela estava no banho, o cheiro de óleos perfumados flutuava
pelo ar úmido. Sua cabeça estava inclinada para trás e ela estava
cantando, doce e macia, com uma garrafa de uísque aninhada entre
seus seios nus. Era o sonho de todo escocês de como seria o céu.
— Minha nossa, moça, o que está tentando fazer comigo? —
ele sussurrou em desespero.
Olhos sonolentos e com pálpebras pesadas vagavam
vagarosamente em sua direção e, em seguida, um sorriso sereno se
curvou sobre sua boca deliciosa — Gordy, — disse ela em um
suspiro. — que adorável vê-lo. Voxê quer uíxque? Extá muito bom!
— ela se atrapalhou com a garrafa, que caiu, com um respingo na
banheira — Oops.
Gordy olhou para ela e seus lábios se viraram devagar,
impotente e inextricavelmente para cima. — Moça, está bêbada.
Ela lançou um olhar imperioso, aquele que geralmente o fazia
sentir como se tivesse seis anos de idade, mas foi menos eficaz
esta noite, pois ela estava tendo problemas para se concentrar nele.
— Não estou.
— Ah, não? Prove.
— O senhor, é um idiota! — disse, enunciando cada palavra
com muito cuidado, enquanto acenava o braço em sua direção.
— Não vou discutir com você, mo leannan — disse
ele,
incapaz de manter o carinho de seus lábios. — Mas ainda tem que
me mostrar o quão sóbria  está. Então, vamos levantar. A água não
está muito quente, pelo que vejo. — um fato que seus mamilos
franzidos pareciam testemunhar  o desejo de colocar a boca neles,
de aquecê-la com seu corpo, era difícil de resistir, mas ele não era
tão bastardo a ponto de tirar proveito de sua esposa naquele
estado.
Observou enquanto ela levantava o queixo, um gesto
desafiador que ele bem reconheceu, e então tentou se levantar.
Houve um respingo, e ela caiu de volta, afundando. Gordy saltou em
sua direção, agarrando-a e puxando-a enquanto ela tossia a água.
— Gordy! — ela disse, piscando para ele, seus cílios cheios
de gotas de água — Que adorável vê-lo.
— Ah, Ruth. Que adorável vê-la.
Ele não podia fazer nada além de sorrir para ela, algo duro e
inconsistente se movendo em seu peito, suavizando e
tranquilizando, apesar de todos os esforços para manter seu
ressentimento e orgulho. Ela iria embora, o deixaria, e isso o
quebraria como nada mais jamais conseguiu.
Não iria pensar nisso agora. Não naquele momento. Ele
nunca tinha visto Ruth assim antes e havia algo vulnerável e
confiante nela, que ele sabia que provavelmente nunca mais veria.
Era tão forte, sua esposa, mais forte do que ele, e só por uma vez
foi bom se sentir como o único no controle.
Gordy a segurou com uma mão e pegou uma toalha com a
outra, envolvendo-a. Ela arrancou a camisa encharcada dele,
franzindo a testa.
— Está todo molhado. — disse, balançando a cabeça em
consternação — Caiu dentro de uma poça?
— Não, moça.
— Tire essas coisas molhadas. — aconselhou, e então
soluçou — Vai pegar um resfriado.
— Eu vou ficar bem. — disse ele, sua voz calmante,
enquanto tentava secá-la sem soltá-la. Duvidava da sua capacidade
de ficar sozinha.
Ela estendeu a mão e pegou o rosto dele entre as mãos e
olhou para ele. — Não. Não vai. Não, não, não. Pobre Gordy. Meu
pobre amor. Todo quebrado. — disse ela, balançando a cabeça para
ele. — Todo quebrado por dentro. Eu queria consertá-lo. Tentei. Eu
tentei.
Para seu horror, uma lágrima gorda rolou por sua bochecha.
— Não sou o que quer. — disse ela tristemente, enquanto
outra lágrima seguia a primeira — Eu n-nunca sou o que as pessoas
querem.
— Ruth! — disse ele, horrorizado por ela poder pensar tal
coisa. — Ruth, não diga essas coisas. Não é verdade. Você é...você
é mais do que eu mereço, mais do que qualquer homem merece.
Ela balançou a cabeça e mais lágrimas seguiram, cada uma
seguindo após a anterior até que ela estava soluçando.
— Não chore, moça. — ele implorou, com o coração cheio de
miséria. — Não valho suas lágrimas. Certamente, por Deus, pode
ver isso?
— Você não gosta de mim. — ela soluçou, agarrando-se à
camisa encharcada dele.
Gordy a pegou em seus braços, sem saber o que fazer com
ela — Gosto de você, Ruth. Muito, muito. — disse, carregando-a
para a cama. Secou-a o melhor que pôde, enxugou o cabelo dela
com a toalha e depois puxou as cobertas sobre ela, mas ela apenas
se encolheu em uma bola e estremeceu, fazendo pequenos sons de
soluço enquanto chorava. Ele causou isso, pensou enojado.
Reduziu sua bela e forte esposa a uma tremenda carcaça de
sofrimento. Deveria ser chicoteado.
Subiu na cama e a puxou para ele, cobertas e tudo,
enrolando o corpo em volta das costas dela. — Quieta, agora,
neach-gaoil, mo chridhe. Não deve chorar por mim. Sou um sujeito
miserável, não sou digno de suas lágrimas.
— É digno! — ela soluçou, as palavras todas deslizando
juntas quando álcool e emoção conspiraram contra ela — Eu o amo.
Gordy fechou os olhos e deu um beijo na cabeça dela,
segurando-a com mais força — Vai passar, moça. Não é o tipo de
emoção que permanece por muito tempo. Não posso manter as
pessoas perto de mim, mas a culpa é minha e não delas.
— Sempre, — ela murmurou, sua voz cansada agora —
sempre o amarei. Não vou contar sobre o bebê — ela pressionou
um dedo nos lábios e fez um som de silêncio. — É segredo.
— Bebê? — Ele ficou muito quieto e, de repente, tudo o que
podia ouvir era os batimentos em seus ouvidos. Um bebê. Seu
bebê. Ela estava esperando um filho seu. Sua respiração veio muito
rápido e algo quente e desconfortável picou seus olhos. Ele piscou
furiosamente e engoliu em seco. Bem, então. Era isso. Ele fez seu
trabalho e Ruth estaria livre dele. Quanto mais cedo ela estivesse
longe da presença tóxica dele, melhor.
Gordy olhou para baixo e viu que ela estava dormindo, sua
respiração profunda e uniforme, suas bochechas ainda molhadas de
lágrimas. Havia algo amarrado em seu peito, apertado e
desconfortável e o desejo de segurá-la, de mantê-la aqui, com ele,
lutava contra o terror de ser deixado para trás novamente. Não
conseguia pensar nisso, não neste momento, não com Ruth
calorosa e confiante em seus braços. Então ele se enrolou em torno
dela, como se pudesse protegê-la de qualquer coisa que pudesse
machucá-la, mesmo sabendo que o que a machucaria mais era ele
mesmo.

21 de dezembro de 1814. Castelo de Wildsyde, Escócia.


Ruth acordou e sabia, sem sombra de dúvida, que estava
morrendo. Não havia esperança de recuperação. Ninguém que se
sentia tão mal assim poderia sobreviver.
— Ah, aí está. — disse uma voz vingativa e alegre. — Pensei
que dormiria o dia todo.
Com um esforço hercúleo, Ruth abriu um olho, o ferrão da luz
do dia queimando seu cérebro terno com tanta força que o fechou
novamente.
— Sheenagh, — Ruth resmungou, sua voz enferrujada e
estranha. — atire em mim.
Houve um bufo de diversão, que Ruth achou mais insensível,
quando sua criada se aproximou da cama — Não, senhora. A
senhora não pode morrer, por mais que eu ache que a senhora
queira. A senhora teve um dia cheio, não é?
— Sim. — Ruth gemeu, colocando as duas mãos na cabeça
e incerta se  estava tentando mantê-la presa ao pescoço ou
esperando arrancá-la.
— Eu tenho uma coisa para a sua cabeça, então sente-se.
Ruth fez um som lamentável do qual, em circunstâncias
normais, teria ficado completamente envergonhada. Como era,
choramingou, enquanto Sheenagh a ajudava a se sentar, com as
almofadas inclinadas atrás dela. Uma vez  em pé - embora pela
maneira como o quarto estava girando,  não estava totalmente certa
de que estava em pé - Sheenagh estendeu-lhe um copo.
Ruth olhou para ele. Depois olhou para Sheenagh.
— O que é isso? — perguntou, profundamente desconfiada,
pois seu estômago estava ruim e parecia provável que se opusesse
a qualquer coisa que  colocasse nele.
— Uma coisa das Highlands.
Ruth apertou os olhos para o vidro, sua suspeita se
aprofundando ainda mais.
— Ora, é bom para o que a aflige, senhora. Meu pai jura que
sim. É apenas leitelho engrossado com farinha de milho, sal e
pimenta. — Sheenagh suspirou — Não há razão para enrugar seu
nariz desse jeito. Vai fazer a senhora se sentir menos como se o
ceifador estivesse parado na porta, prometo.
Com pouco entusiasmo, Ruth pegou o copo, forçada a
segurá-lo com as duas mãos que tremiam.
— Beba. — disse Sheenagh, sorrindo para ela. Ruth olhou
furiosa, divertindo os pensamentos sombrios de assassinar sua
criada e fez o que lhe foi dito.

Para ser justo com Sheenagh, cinco horas depois, o desejo


de sua própria morte iminente passou, e Ruth sentiu apenas
totalmente terrível, o que era uma grande melhoria. Passou o dia se
escondendo em seu quarto, alternadamente tentando ler e
borrifando perfume. De alguma forma, o cheiro de uísque parecia ter
mergulhado no próprio tecido das paredes, e isso a fez querer
vomitar.
Uma batida suave na porta anunciou a chegada de Sheenagh
para examiná-la. Estava indo e vindo, em intervalos regulares, com
xícaras de chá e qualquer coisa que ela achasse que poderia tentar
Ruth a comer.
— Está se sentindo melhor? — perguntou.
— Maravilhosa! — respondeu Ruth, impassível.
Sheenagh devolveu um olhar simpático e depois fez uma
careta, cruzando os braços. — Bem, ele pediu para vê-la. Disse-lhe
que a senhora, provavelmente, não estava bem o suficiente, mas
ele me pediu para vir e verificar. Devo lhe dizer para ir e pular de um
penhasco?
Ruth bufou com a nota esperançosa na pergunta, não tendo
problemas para identificar o ele em questão — Isso não será
necessário.
Ela suspirou e largou o livro. Mastigando o lábio por um
momento,  considerou se deveria descer. Embora não tivesse
certeza de que queria ver Gordy, era mais para a segurança dele do
que qualquer preocupação dela. Sentia-se mal-humorada e irritada
e, somada a uma dor de cabeça e a todo o resto, duvidava de sua
própria capacidade de manter uma língua civilizada em sua cabeça.
Bem, era o funeral dele.
Desceu as escadas com cuidado e foi recebida
calorosamente por Garrick. Tranquilizando-o de que se sentia
melhor do que parecia - o que era uma mentira descarada - foi para
o escritório. Pegando uma folha do livro de Gordy, deu uma batida e
entrou, quase recuando, quando foi confrontada com as paredes
rosa vingativas. Estremecendo contra a dor da repulsa, ela se
endireitou. Seus cães estavam prostrados diante da lareira e Murdo
se levantou, deslizando em direção a ela e balançando o rabo, como
se soubesse muito bem que seu mestre estava em apuros e queria
fazer as pazes por procuração. Ela coçou a cabeça dele e depois
olhou para Gordy, que estava olhando pela janela. Ele se virou
quando ela fechou a porta e Ruth suspirou por dentro, enquanto
observava a expressão distante e fria em seu rosto.
Uma memória abriu caminho livre da névoa que pairava na
noite passada, a sensação de seus braços em volta dela.
Você é...você é mais do que eu mereço, mais do que
qualquer homem merece.
Como ela não conseguia se lembrar de muito depois de
entrar no banho,  revirou as palavras duvidosamente em sua mente.
Ele esteve lá? Havia dito isso? Ela considerou a possibilidade e
disse a si mesma que era uma tola, enquanto olhava para ele agora,
para o abismo entre eles, que ilustrava o quão pouco ele queria
permitir que se aproximasse dele. Sem dúvida, foi um sonho cheio
de uísque.
— Queria me ver?
Ele assentiu, olhando para ela e, por um momento, ela
pensou ter visto arrependimento em seus olhos, mas então sua
mandíbula se apertou e sua expressão endureceu — Queria saber
se estaria bem o suficiente para viajar amanhã?
— Viajar? — ela repetiu, perplexa, embora uma pequena
lasca de gelo tivesse perfurado seu coração, o frio se espalhando,
enquanto considerava o que ele poderia estar planejando.
— Eu sei sobre o bebê, Ruth. Nosso acordo chegou ao fim. É
hora de  ir para casa.
Ruth olhou para ele, sem saber qual erro corrigir primeiro —
Esta é a minha casa. — ela revidou, pois parecia ser a mais
relevante.
— Não, moça. Esta é a minha casa, só fica aqui se eu quiser.
Você serviu ao seu propósito.
A dor a atravessou com a crueldade daquelas palavras —
Não tem bebê nenhum. — disse, as palavras faladas em silêncio,
enquanto tentava manter suas emoções sob controle. Não choraria.
— Pedirei a Sheenagh para fazer as suas malas. Ela pode ir
com você se ela escolher e você desejar.
— Gordy, eu não estou grávida. — disse novamente, seu
coração batendo muito rápido. Ela se sentiu enjoada e tonta. — De
verdade.
— Se há coisas que quer que sejam enviadas depois,  pode
escrever e me dizer, cuidarei disso.
Ruth engoliu em seco, sentindo-se como se estivesse presa
em algum sonho terrível. Ele ia mandá-la embora, não importa o que
ela dissesse. Simplesmente não a ouvia, não ouvia a verdade desse
simples fato.
— Gordy, por favor, — disse, sua voz quebrando — juro, não
estou grávida.
Um olhar de irritação impaciente cintilou em seus olhos. —
Não minta para mim, Ruth. Você mesma me disse...
Ruth franziu a testa com isso, como ele poderia
possivelmente... mas a acusação de ter mentido sobre tal coisa
rompeu qualquer pensamento racional. Talvez ela pudesse ter
adiado dizer a verdade, mas nunca teria mentido sobre a existência
de uma criança, se ele tivesse perguntado. Uma calma estranha e
furiosa se instalou sobre ela e ela abriu a porta do escritório.
— Fora.
Gesticulou para os cães, que olharam para ela, depois para o
mestre, e então saíram correndo pela porta, um após o outro, com o
rabo entre as pernas. Garrick apareceu no corredor, observando os
cães e olhando para ela.
— Garrick, — disse — não entre neste escritório, não importa
o que aconteça.
Fechou a porta para ele, ignorando a carranca de confusão
de Gordy. Tinha que ouvi-la, e, de uma forma ou de outra, ela iria
chamar a atenção dele. Se não conversassem, se ele não ouvisse o
que ela tinha a dizer, teria que chocá-lo. Seu coração estava
batendo em seus ouvidos, enquanto caminhava até a lareira,
pegava o relógio ormolu vulgar, que ela detestava com paixão, e o
esmagava no chão. O estrondo espetacular ilustrou muito bem seu
estado de espírito atual.
Gordy se assustou quando o relógio acertou o chão e deu um
passo para trás.
Ruth olhou em volta do escritório, seus olhos caindo em um
busto de gesso de Robbie Burns. Perfeito. Com uma calma
enganosa, o tirou da estante e  jogou no chão. O busto explodiu, em
um estrondo de lascas brancas, deixando um padrão de explosão
estelar de pó branco e polvilhando a bainha do seu vestido.
— Ruth... — Gordy disse, com os olhos arregalados de
choque e estendendo uma mão, seu tom cauteloso — Ruth,
podemos falar sobre isso como pessoas civilizadas?
Seus olhos se fixaram em uma garrafa de uísque.
— Isso não! — Antes que ela pudesse pegar a garrafa, Gordy
a pegou, embalando-a protetoramente contra seu peito. — Ruth, isto
é loucura! Não acha que deveria se acalmar. Não é bom para o
bebê. — insistiu, parecendo tão razoável que ela queria gritar.
— Loucura, não é? — ela disse, dividida entre lágrimas e
histeria total — Céus, se for, você me levou a isso. Por que não me
ouve?
Ele pousou o decantador de uísque e estava parado no meio
do escritório, as mãos estendidas, como se estivesse se
aproximando de um cavalo nervoso — Tudo bem, vamos falar sobre
isso. — disse, olhando para ela com preocupação em seus olhos.
Talvez ele realmente a internasse. Ela lhe deu razão suficiente
agora, sem dúvida.
— Falar? — ela disse, segurando o pouco que restava de sua
compostura e determinada a não chorar — Muito bem. Eu falarei, e
desta vez, ouvirá. Eu não vou ter um bebê, Gordy. Eu estava
enganada. Minhas regras desceram esta manhã. Tenho certeza de
que Sheenagh pode fornecer evidências satisfatórias do fato, se
minha palavra não for suficiente.
Ele franziu a testa, obviamente perplexo.
— Mas ontem à noite...— ele começou,  com pressa, as
memórias voltaram para ela.
Gordy a ajudando a sair do banho, a maneira como sorriu
para ela quando descobriu que estava bêbada, o brilho suave em
seus olhos.
Você é...você é mais do que eu mereço, mais do que
qualquer homem merece.
Algo irritado e afiado caiu então, e ela soltou um suspiro
inconstante, chocada, e desejou não ter reagido tão violentamente.
— Oh Gordy.
— Realmente... não está grávida? — ele perguntou, hesitante
e incerto, pela maneira como falava.
— Não. — disse, sua voz apertada — Não, não estou.
Ele soltou um suspiro e, pela primeira vez, ela viu o alívio em
seus olhos, viu seus grandes ombros caírem, e a verdade de
repente ficou tão óbvia quanto a luz do dia. Parecia que ele não
queria que ela fosse embora. Olhou para ele que ficou rígido de uma
vez, aquela expressão fria e defensiva deslizando no lugar como
uma máscara, mas era tarde demais, ela tinha visto.
— Bem, — disse ele, sua voz dura mais uma vez — isso não
importa. Suponho que seja só uma questão de tempo.
Ela olhou para o marido, para a figura enorme e intimidadora
que parecia ocupar cada centímetro de espaço em qualquer
cômodo em que entrasse e não viu nada além de um menino
assustado, determinado a não deixar os adultos verem que estava
ferido. Ruth soltou um longo e lento suspiro e saiu de trás da mesa.
Ele olhou furioso quando ela se aproximou, mas ela estava
destemida.
— O que está...?
As palavras pararam abruptamente, quando ela envolveu os
braços em torno dele e segurou firme, deitando a cabeça no peito
dele. Podia ouvir seu coração batendo forte, batendo contra sua
caixa torácica e traindo tudo o que ele estava se esforçando, para
manter escondido dela.
— Eu o amo! — disse, sua voz suave, mas firme. — Sei que
não estou fazendo um bom trabalho, Gordy, mas estou tentando
entender. Sinto muito pela birra, mas não tem ideia de como é
frustrante quando me exclui, quando não ouve uma palavra do que
digo. — ele respirou fundo, o ar entrecortado. — Sei que ainda não
acredita, mas eu o amo. Não vai nos dar uma chance, por favor? —
estendeu para pegar a mão que estava pendurada ao lado dele,
pois ele não se moveu para abraçá-la. Ruth as levantou até os
lábios e beijou a palma da mão.
Então ela o deixou e caminhou até a porta.
— Aonde está indo? — ele perguntou. Sua voz parecia
estranha, trêmula.
— Vou apenas tomar um pouco de ar fresco. —  virou-se
para olhá-lo e deu um sorriso trêmulo — Volto em breve. Depois
talvez, poderíamos... conversar? Prometo que não quebrarei mais
nada, nunca. — acrescentou, sentindo-se miserável pela destruição
que causou.
Fechou a porta atrás de si e se inclinou contra ela, soltando
um suspiro instável. Enquanto olhava para cima, encontrou Garrick
e Sheenagh parados, juntos, olhando para ela com preocupação.
— Sra. Anderson? — ele disse, sua voz suave.
— A senhora está bem? — Sheenagh estava pálida e
ansiosa.
Ruth sorriu, balançando a cabeça, com mais certeza do que
sentia — Está tudo bem. Garrick, por favor, garanta que meu marido
não seja perturbado. Haverá necessidade de alguma... limpeza,
assim que ele sair do escritório.
— Claro, Sra. Anderson.
— Meu chapéu e casaco, por favor, Sheenagh. Sairei para
dar uma volta.
Sheenagh fez uma reverência e voltou um momento depois,
remexendo-se, enquanto empacotava Ruth e insistindo em enrolar
um xale de tartan ao redor dela, sobre o casaco.
— Obrigada. — disse, dando à garota um sorriso caloroso.
— O prazer é meu, senhora. — respondeu Sheenagh, e
impulsivamente Ruth pegou sua mão e deu um aperto, antes de sair
pela porta.
 
 
21

Querida Ruth,
Como vão as coisas? Já faz algum tempo, desde
sua última carta. Aquele maldito homem está mais
perto de perceber a sorte que tem? Devo
empacotar a minha colher?

— Trecho de uma carta da Sra. Bonnie


Cadogan para a Sra. Ruth Anderson.

21 DE DEZEMBRO DE 1814. CASTELO DE WILDSYDE, ESCÓCIA.

Ruth olhou para o horizonte. Como era grande. Embora


fossem apenas três da tarde, o sol estava se pondo, o mar se
transformando em ouro líquido diante de seus olhos. O céu estava
em chamas, cheio de nuvens cor de canela e âmbar que, de alguma
forma,  lembravam os olhos de Gordy. Sob ela, as ondas surgiram,
batendo contra as rochas.
Seja como o penhasco contra o qual as ondas quebravam
continuamente; mas permanece firme e doma a fúria da água ao
seu redor.
Sorriu. Embora tivesse esquecido aquele pequeno conselho
aquela tarde, o seguiu agora. Uma Stone por completo, assim como
sua tia lhe dissera, ela seria a rocha de Gordy, e, eventualmente, ele
perceberia que ela era o objeto imóvel, a única coisa em que
sempre poderia confiar. Eventualmente, sua fúria e medo se
desgastariam e ele confiaria nela, que  manteria a sua palavra.
Enchendo os pulmões com o ar limpo e gelado, caminhou
pelas paredes desmoronadas do Castelo Bucholie, esperando por
um tempo sob o que restava de uma porta arqueada. O vento
estava muito pior e ela se encostou nas paredes antigas, sentindo
novamente aquela profunda sensação de conexão com seu entorno,
de paz e contentamento, apesar do tumulto dos últimos dias. Talvez
a Sra. MacLeod estivesse certa; talvez houvesse algum sangue
escocês nela em algum lugar, e era por isso que parecia muito com
voltar para casa.
Com um suspiro de arrependimento, Ruth reconheceu que
logo estaria escuro,  ela ficou fora por mais tempo do que pretendia.
Também estava muito frio. Seu nariz e bochechas provavelmente
estavam vermelhos. Uma imagem nada atraente. Aconchegando
mais o tartan,  virou-se para voltar pelo mesmo caminho. Ao fazer
isso, um coelho apareceu de repente, fazendo-a gritar assustada
com o movimento repentino. Tentou se equilibrar ao tropeçar, mas a
grama estava congelada e escorregadia, fazendo com que caísse,
escorregando por uma pequena inclinação. Mais uma vez com os
pés errados, seus braços tentaram alcançar alguma coisa, enquanto
tentava encontrar seu equilíbrio. Ruth pisou em falso e perdeu o
equilíbrio, torcendo o tornozelo de forma dolorosa. Praguejando
baixinho, tentou dar um passo, mas o chão cedeu. Caindo sobre
uma queda de rocha solta, deslizou sobre a borda do penhasco com
um grito aterrorizado e pousou com um baque pesado.
Ruth ficou parada, espantada por ainda não estar caindo, a
respiração superficial e rápida do terror de esperar o impacto nas
rochas e na água gelada que nunca veio. Ouviu as pedras soltas
descendo pelo lado do penhasco até o mar, e o som de seu próprio
batimento cardíaco batendo em seus ouvidos. Com cautela, tateou
ao seu redor e descobriu, para seu grande alívio, que estava em um
grande e sólido recuo na rocha. Sentou-se, de costas para o
penhasco, e olhou por cima da borda. Seu estômago revirou quando
notou a queda abaixo dela.
— Não olhe para baixo! — aconselhou-se severamente e
olhou para cima.
Não caíra muito, talvez pouco mais de dois ou três metros.
Deveria conseguir subir de volta com facilidade, exceto que, ao
tentar se levantar, uma dor tomou conta do seu tornozelo. Ruth
gritou e ficou imóvel, observando para o que agora parecia um
desafio muito maior.
— Maldição.
Não havia nada a fazer, além de esperar que alguém viesse
procurá-la. Exceto que não disse a ninguém para onde estava indo.
Os criados  não perceberiam sua ausência antes de pôr-se a
procurá-la. Ruth era cautelosa sobre seu destino, sempre que saía
para caminhar. Isso, agora conseguia ver, não era sábio.
— Idiota.
Isso não parecia descrever adequadamente sua situação
atual, tendo em mente que logo escureceria e que o tempo já estava
congelando e ela estava enfrentando uma noite desconfortável, à
beira de um penhasco.
— Sua imbecil, sua idiota — ela emendou.
Arrumou as saias firmemente em torno dos tornozelos e se
encolheu no xale, lembrando da sua bela cama aconchegante e um
jantar provavelmente delicioso que a Sra. MacLeod estivesse
preparando em seus pensamentos.
Tirando tais ideias atormentadoras de sua mente, mordeu o
lábio, quando percebeu que Gordy ficaria ansioso por causa dela.
Apesar de todas as evidências dizerem o contrário, ele se importava
com ela e queria que ficasse. Talvez não fosse amor, talvez nunca
fosse amor, mas precisava dela, mais do que queria que  soubesse,
precisava de alguém em quem confiar, precisava saber que havia
alguém para cuidar dele. Ficaria preocupado quando ela não
voltasse para casa. Bem, ao menos, sabia que alguém daria por sua
falta, isso era algo, e também sua dor de cabeça fora embora.
— Sempre olhe pelo lado bom das coisas. —  murmurou, e
observou o último raio dourado de luz do sol afundando no mar.

Gordy olhou para a devastação ao redor. Havia pedaços de


gesso e pedaços de relógio quebrados e uma abundância de vidros.
A necessidade desesperada de uma bebida fez com que se
movesse e fosse até o decantador de uísque, voltando para sua
mesa. Graças a Deus, conseguira salvar isso da destruição.
Sentou-se em sua mesa e serviu um copo de uísque, tomou
um gole e soltou um suspiro lento, enquanto o calor inundava suas
veias, aliviando a tensão em seus músculos. Não foi o suficiente
para entender o que havia acontecido, mas ajudou. Ficou sentado,
olhando para o copo vazio por um bom tempo, tentando entender o
que ela havia dito, o que ele sentia. Balançou a cabeça. Pegou o
decantador e serviu outra dose, mas se forçou a tomar seu tempo
com este, tentando fazer um balanço de tudo o que ela havia dito e
feito. Ela o marcou com seu beijo, a palma da mão ainda formigava
com o toque de seus lábios. Ainda sentia a sensação de seus
braços segurando-o, embora ela tivesse deixado o escritório há
algum tempo.
Considerou as palavras dela.
— Sei que não estou fazendo um bom trabalho disso, Gordy,
mas estou tentando entender.
Foi tomado por uma vergonha. Ela estava tentando... Mais do
que  desejava, isso o deixou louco... ela não desistiu. Ela continuou
tentando. Não importava o que ele fizesse, não importava quantas
vezes  a rejeitasse, ela fora firme. Oh,  mostrou-lhe, em termos
inequívocos, o que pensava do comportamento dele, fazendo-o se
sentir como um menino malcomportado, mas ela sempre voltava
com a mesma resposta. Eu o amo. Não vou deixá-lo! Estava com
muito medo de acreditar nela, de sequer tentar ouvi-la, ou encontrá-
la no meio do caminho.
E se a amar e ela mudar de ideia? Elas sempre mudam de
ideia. A voz em sua cabeça parecia em pânico e beligerante, mas,
então, outra voz mais alta se fez ouvir. E se ela o ama e você a
mandar embora? E se essa for sua única chance?
Perdeu o fôlego. E se fosse verdade? Certamente, depois de
tudo o que  fez, depois da crueldade que  lhe mostrou, se ela fosse
deixá-lo, por que já não teria feito isso? Por que estava tão
obstinadamente determinada a ficar com ele?
— Sei que ainda não acredita, mas eu o amo. Não vai nos
dar uma chance, por favor?
É tarde demais, de qualquer maneira. Essas palavras o
atingiram com força, como a verdade sempre fazia. Era tarde
demais. Mandá-la embora não ajudaria; a dor de perdê-la seria tão
feroz quanto, e o desejo por ela nunca o deixaria. Não agora. Ele
sabia disso, na noite anterior e tentou ignorar, mas a verdade não
seria ignorada, e foi estúpido acreditar no contrário.
Não vai nos dar uma chance, por favor?
Sim. Não podia deixá-la ir. Ela ainda pode ir embora. Apesar
de suas promessas, achava difícil acreditar que ela ficaria com ele,
mas seria melhor aproveitar ao máximo, viver todos os dias que
tivesse com ela, ao máximo, para dar-lhe um motivo para ficar.
Gordy pousou o uísque e correu para a porta.
— Garrick! — gritou, sua voz soando do outro lado do
corredor vazio — Garrick!
Maldito seja o homem, estava sempre por perto, quando não
precisava dele, mas quando precisava, desaparecia.
— Senhor? — Garrick apareceu da porta que levava às
cozinhas.
— Onde está minha esposa?
Uma expressão esvoaçou nos olhos de Garrick, que Gordy
não gostou nem um pouco.
— Na verdade, Sr. Anderson, não temos certeza. Eu estava
prestes a vir até o senhor, para sugerir que alguém deveria...
— O que, diabos,  quer dizer? Faz uma hora ou mais, desde
que ela saiu. Logo escurecerá. Aonde ela foi?
Garrick engoliu em seco e ficou branco — A Sra. Anderson é,
muitas vezes, um pouco vaga, sobre onde exatamente fará suas
caminhadas. Valoriza sua privacidade.
Gordy olhou pela janela, para os últimos vestígios de luz do
sol atravessando o céu escuro.
Não. Não, não, não.
— Quero todos os homens disponíveis aqui, agora!
— Imediatamente, senhor! — Garrick correu, enquanto Gordy
se dirigia para a porta e em direção aos estábulos. Ao chegar,
encontrou Clugston selando seu cavalo.
— Dougal,  viu Ruth?
O homem balançou a cabeça — Não a vi. Garrick disse que
ela ainda não voltou, então, eu estava saindo para procurar. Ela
mencionou, certa vez, que gostava de caminhar pelas ruínas
antigas.
— O castelo? — O coração de Gordy parecia se mover em
seu peito, uma sensação fria e aterrorizada surgindo através dele.
— O castelo. — confirmou o Sr. Clugston, seu rosto sombrio.
—Tenho certeza de que ela está bem apenas... apenas me
preocupei que talvez...
— Dê-me seu cavalo, homem. — Gordy exigiu, não
esperando por uma resposta, mas pulando nas costas do animal e
tomando as rédeas. — Organize um grupo de busca e siga em
frente, traga uma corda e cobertores no caso... no caso...
Ele descobriu que não podia falar o resto da frase, mas
Clugston apenas assentiu.
— Eu cuidarei disso. Vá e a encontre, está bem?
— Sim.
Gordy insistiu com o cavalo e gritou, encorajando o animal a
avançar, cascos batendo nas pedras, até que estivessem fora do
castelo, cavalgando com força. O frio cortante ardeu seus olhos e
ele amaldiçoou o sol, que havia se posto de vez no horizonte. A luz
do dia se fora, substituída pelo brilho prateado da lua, e seu terror
só aumentou. Os penhascos podem ser perigosos, as bordas
instáveis. Se ela tivesse se aventurado muito perto...
— Por favor, Deus, não. — Ela não pode ter sido arrancada
dele. Desperdiçou tanto tempo tentando fazê-la ir embora e agora a
ideia de nunca mais vê-la, de nunca mais contar-lhe o que estava
em seu coração, era terrível demais para contemplar.
Deus, me perdoe. Deus, me perdoe. Por favor, permita que
ela esteja bem.

Ruth suprimiu um arrepio e assoprou as mãos, tentando


aquecer os dedos, através das luvas de couro. Nunca tinha sentido
tanto frio em toda a sua vida. O vento apertou um pouco e, de vez
em quando, uma fina onda de respingo marinho a alcançava com a
brisa, pequenos respingos de água gelada, que deixavam as suas
roupas úmidas e faziam com que sua pele ardesse. Tenha
pensamentos positivos, Ruth. Pelo menos tinha uma bela vista, isso
era algo. Era realmente glorioso, também, com a lua cheia,
brilhando na extensão escura de veludo diante dela por todos os
lados. Lindo, e muito, muito frio.
Gordy viria, disse a si mesma. Aconteça o que acontecer,
Gordy viria. Acreditou nisso e então não entrou em pânico. No
entanto, isso não significava que ela estivesse de bom humor. Pode
levar horas para ele descobrir onde ela estava. Havia muitas
direções que ela poderia ter ido para fazer sua caminhada, e se
ninguém tivesse notado sua saída, esta não seria, necessariamente,
a primeira escolha de lugares para procurar. Não duvidou, nem por
um momento, que ele a estivesse procurando, no entanto.
Provavelmente ele havia despertado todo o castelo, mas - por mais
reconfortante que fosse esse pensamento - isso não a mantinha
aquecida, nem desviava sua mente da pulsação monótona em seu
tornozelo.
O vento soprava, criando um estranho ruído uivante,
enquanto chicoteava, ao redor dos penhascos e das paredes
arruinadas. Era um som de gelar o sangue, provocando
pensamentos de espectros e trazendo à mente todas as histórias
assustadoras que ela já ouvira.
— Ora, é sério isso? — Ruth gaguejou irritada. — Agora
tenho que lutar com fantasmas e cavaleiros sem cabeça? Como se
essa situação não fosse ridícula o suficiente.
Como se tivesse levantado a criatura fantasma de seu
túmulo, com seus comentários sarcásticos, o som de cascos atingiu
seu ouvido e seus batimentos cardíacos aumentaram um entalhe.
— Ruth! — A voz de Gordy, forte e urgente, soou sobre o
vento e as ondas que batiam, e o coração de Ruth parou de tremer,
como o coelho causador de sua queda e parecia pular em seu peito
ao som. — Ruth! Ruth, querida, está aqui?
— Gordy! — gritou, exultante com a chegada dele. — Gordy,
aqui embaixo!
— Ruth? Onde, amor? — ele exigiu, sua voz se aproximando,
sua ansiedade audível. — Onde está? Está ferida?
— Aqui! — disse novamente. — Estou aqui embaixo.
Olhou para cima, quando um barulho aproximou dos seus
ouvidos e soltou um suspiro aliviado quando o rosto de Gordy
apareceu no topo do penhasco.
— Ruth! Santo Deus. Está ferida, mo leannan?
Ruth apenas olhou para cima, tão feliz em vê-lo, que não
conseguiu falar por um momento.
— Ruth? Minha querida, está ferida? Diga-me.
— Estou bem. — disse, tendo que piscar com força em
resposta ao carinho, falou tão facilmente e ficou surpresa com o
medo em seus olhos. — Eu... torci o tornozelo, mas não é nada
sério. Não consegui subir.
— Cristo, Ruth! — disse, olhando para ela e esfregando a
mão trêmula no rosto. — Quase me matou de susto. Eu pensei...eu
pensei que não a veria novamente.
Apesar de tudo, Ruth bufou. — Não vai se livrar de mim tão
facilmente, Gordon Anderson.
Ele deu uma risada inconsistente — Sim, e graças a Deus
por isso. Embora o que, diabos,  está fazendo aqui nesta velha pilha
de pedras?
— Eu gosto daqui. — disse, um toque desafiador. — É
romântico.
— Romântico? — Ele parecia completamente revoltado com
a ideia. — É uma armadilha mortal, isso é o que é. Eu a proíbo de
voltar aqui novamente e, além disso, acho que precisamos ter uma
conversa séria sobre suas ideias sobre romance.
— Você me proíbe? — Ruth olhou para ele que ficou muito
imóvel, esperançosamente ponderando a necessidade de repensar
essa afirmação.
— Eu preferiria que não viesse aqui de novo. — disse com
cuidado, as palavras um pouco mais ponderadas.
Ruth cruzou os braços e olhou para ele.
— Ora, pelo amor de Deus, mulher. Pelo menos trará alguém
com você e me dirá para onde está indo? — exigiu, soando como se
estivesse no fim de seu laço.
— Muito bem. Parece razoável.
Ele soltou um suspiro de alívio, murmurando algo sobre
mulheres obstinadas, e Ruth reprimiu um sorriso. Observou
enquanto ele se contorcia sobre sua barriga, para tentar alcançá-la.
— Pegue minhas mãos, amor.
Ruth estendeu a mão, movendo-se para fazer o que ele
disse, até que lhe ocorreu que ela tinha uma oportunidade.
— Não! — disse, cruzando os braços.
— O que quer dizer? — ele perguntou, perplexo.
—  Não, até que esclarecemos algumas coisas entre nós. —
Ruth ergueu o queixo e olhou para ele.
—  Quer falar sobre isso agora? — exigiu e ela quase riu da
indignação que brilhava em seus olhos. Parecia terrivelmente bonito
ao luar. Um verdadeiro herói romântico das Highland. — Não seja
tola, moça. Vai pegar um resfriado. Vamos para casa para se
aquecer, e depois...
Ruth lançou um olhar severo, que todas as mulheres da
família Stone aperfeiçoaram, muito antes do seu décimo sexto
aniversário. A versão de sua tia era particularmente eficaz.
—  Tenho sua atenção total e nem quebrei nada. É uma
oportunidade boa demais para perder. Fico feliz em saber que agora
é a minha casa também. Não muito tempo atrás, era apenas sua e
eu estava lá sofrendo.
Gordy se apoiou nos cotovelos, olhando para ela, as
sobrancelhas escuras franzidas. — Ora, Ruth, eu não... —  gemeu e
pressionou as palmas das mãos sobre os olhos, por um longo
momento. Quando olhou para ela em seguida, havia determinação
em sua expressão. —  Ruth, eu... Posso ter dito coisas, palavras
que... que...
— Sim?
— Que não deveria ter falado.
— Verdade? —
Sua voz estava seca como poeira e Gordy
baixou o olhar, afastando-se dela, envergonhado e desajeitado.
— Eu sinto... sinto muito — disse, antes de olhar para ela
novamente.
Seus olhos estavam cheios de incerteza, e era como se as
palavras tivessem sido arrastadas para fora dele, de algum lugar
enterrado há muito tempo, como se fossem estranhas e antinaturais
e ele não tinha certeza de que estavam corretas.
— Sente mesmo, Gordy? — ela perguntou. Sua voz era
suave, pois tudo dentro dela derreteu ao som daquelas palavras,
pois sabia o quão difícil tinha sido para ele falar.
Ele soltou um longo e frustrado suspiro — Sabe que eu sinto.
Não duvido que sabia dos meus sentimentos desde o início. Fui um
tolo e um maldito covarde, e sinto muito por isso, sinto muito por não
ter sido melhor, ser o que merece.
— Oh, Gordy, — disse, balançando a cabeça —  juro,  não
sabia de nada disso, e eu também sinto muito. Comportei-me de
forma horrível. Nunca deveria ter feito aquela cena. Juro que não
acontecerá de novo. Só espero que possa me perdoar por ser tão
insistente e pelo meu maldito temperamento.
— Não tenho reclamações sobre seu temperamento, moça.
Odiava aquele maldito relógio de qualquer maneira.
Ele deu uma risada inconsistente. — Eu também.
— Vai voltar para casa agora? Por favor. — estendeu a mão
para ela novamente, mas Ruth hesitou.
— É a minha casa também, Gordy, para sempre? Não vai
tentar me mandar embora quando... quando...
— Não vou. — disse, sua voz firme. — Cristo, não poderia
fazer isso, certamente sabe disso? Quero você perto de mim, Ruth.
Sempre.
— Sempre. — repetiu ela, a palavra falada em um suspiro
trêmulo, em algum lugar entre risos e lágrimas.
Desta vez, quando ele a alcançou, ela ergueu os braços para
ele, que a ajudou a se levantar.
— Coloque seus braços em volta do meu pescoço e segure
firme.
Ruth fez o que lhe foi dito e ele a ergueu, segurando seu
corpo com seus braços fortes e puxando-a para cima da borda, até
que desabassem juntos na grama gelada. Gordy não a soltou,
segurando-a com tanta força, que mal conseguia respirar, não que
ela se importasse.
— Sinto muito sobre o bebê. — disse, colocando a mão na
bochecha dele. — Fui um pouco precipitada demais em presumir...
— Não, não sinto nem um pouco. — ele respondeu, parando
seu pedido de desculpas — Vamos ter que continuar tentando.
Ele a beijou então, um beijo feroz, urgente e possessivo que
enviou uma emoção de desejo perseguindo-a, apesar do frio.
— Gordy! Sra. Anderson!
Ambos olharam para cima, quando vozes e cascos se
aproximaram e Gordy deu um último beijo nela.
— Vamos levá-la para casa onde está quente, moça.

Duas horas depois, Ruth estava tomada banho e fora


colocada na cama, seu tornozelo dolorido enfaixado e uma tigela
vazia de sopa diante dela. Deu um suspiro feliz.
O castelo estava em alvoroço quando Gordy voltou com ela,
e a tocou ver o quão genuinamente chateados e preocupados todos
estavam. Sheenagh estava em lágrimas, e a Sra. MacLeod até
deixou o santuário de sua cozinha para repreender Ruth por ser tão
imprudente, a ponto de vagar pelos penhascos sozinha, antes que
sua compostura rachasse junto com sua voz. Ela correu de volta
para seu reino com um lenço preso no rosto, acenando para
qualquer um que tentasse falar com ela com uma aba concisa de
seu avental.
— Quer mais um pouco de sopa, senhora?
Ruth olhou para Sheenagh, que estava se preocupando com
ela e ordenando a todos, como um general encarregado de tropas
recalcitrantes. Safou-se, por enquanto, mas Ruth suspeitava que
estaria abusando da sorte se tentasse novamente, uma vez que sua
ansiedade óbvia se acalmasse.
— Não, obrigada. Isso é tudo.
Sheenagh tirou a bandeja do seu colo e sorriu para ela. —
Estou tão feliz que esteja a salvo, senhora. Estava com muito medo
pela senhora. Todos estávamos.
Ruth piscou com força. Toda essa felicidade a estava
transformando em um pote de água miserável. — Obrigada,
Sheenagh. É bom estar em casa. Onde está...?
— Seu marido está fazendo um buraco no tapete, do outro
lado daquela porta, — disse Sheenagh antes que pudesse terminar
a pergunta — Ele está desesperado para entrar, mas pensei que
precisava de um pouco de paz para comer e descansar, antes de
poder dar-lhe uma boa bronca.
— Por que eu o repreenderia? — Ruth perguntou, perplexa
— Ele me resgatou, não foi?
— Sim, mas ele é um homem. — disse Sheenagh
sombriamente. — Não duvido que tenha sido tudo culpa dele, de um
jeito ou de outro. É melhor deixá-lo pensar que sim, de qualquer
forma.
Ruth deu uma gargalhada. — Oh, eu tenho pena do seu
pobre futuro marido, Sheenagh, e eu pensei que eu era difícil.
— Ora, mas veja bem, — Sheenagh respondeu com um
arremesso atrevido de sua cabeça — sempre há compensações. —
ela piscou e se afastou para a porta com a bandeja — Vou dizer ao
senhorio que ele pode entrar agora.
Ruth ainda estava rindo quando a porta se abriu, um
momento depois, e Gordy entrou. Parecia estranho, parado no pé
da cama, uma grande mão presa na parte de trás do pescoço.
— Está bem, Ruth?
— Muito bem, graças a você. — ela sorriu e ele se
movimentou, baixando e levantando a mão até a nuca para esfregá-
la. O pobrezinho estava nervoso, ela percebeu.
— Venha aqui. — disse ela, estendendo a mão para ele.
Ele se moveu para o lado da cama e depois franziu a testa —
Não quero tocá-la, se...
— Pare de se preocupar. Não sou feita de vidro, e se não vier
e me der um abraço, serei forçada a me levantar e então Sheenagh
ficará zangada com você.
Ele bufou com isso — Sheenagh já está zangada comigo. Na
verdade, acho que todos os criados querem a minha cabeça,
embora não possa dizer que os culpo por isso.
— Não seja tolo. — disse ela,  puxando a mão dele .
Ele subiu na cama e o colchão afundou um pouco, embora
ele tentasse o seu melhor para ter cuidado. Ruth virou-se para ele,
enterrando o rosto no seu peito e suspirando enquanto seus braços
a rodeavam.
— Eu o amo. — ela falou.
Ele inalou bruscamente e depois soltou novamente em um
suspiro com um riso — Não tenho a menor ideia de porquê me ama.
Ruth estendeu a mão e puxou seus cabelos e ele desceu na
cama, até que seus rostos estivessem nivelados, virando-se de lado
para ela. — Porque vale muito a pena apaixonar por você. — disse 
— É um homem bom, você se preocupa com as pessoas daqui,
com suas vidas, e porque não tem ideia de quão amável  é.
Ele bufou e balançou a cabeça. — Amável? Moça, deve estar
louca.  Amável eu? — murmurou, resmungando de desgosto.
Ruth o beijou, pressionando a boca suavemente na dele,
observando, enquanto ele fechava os olhos. Ela recuou e ele
suspirou, mas demorou muito para que seus cílios se levantassem
novamente. Não disse mais nada, apenas olhou para ele. Gordy a
observou e, em seguida, levantou a mão, acariciando sua bochecha.
— Você é adorável. Meu coração dói quando olho para você,
sabia disso?
A respiração de Ruth ficou presa, atordoada por suas
palavras, pela verdade  brilhando em seus olhos. Ele queria dizer
aquilo. Não foi apenas um elogio ocioso. Gordy não era adepto de
coisas tão bonitas, e nunca seria. Se disse tal coisa para ela, quis
dizer isso.
— Eu não sabia disso. — disse, lutando para evitar que sua
voz tremasse.
Eles apenas ficaram ali, olhando um para o outro, abraçados,
e Ruth ficou quieta, sentindo que havia mais coisa que ele queria
dizer, mas não sabia como.
— Você se arrepende?
— Do quê? — ela perguntou, franzindo a testa.
— De se casar comigo.
Ruth soltou uma gargalhada e tentou se aproximar dele,
deslizando a mão sobre o peito dele. — Está procurando por
elogios?
— Não! — ele respondeu, parecendo alarmado com a ideia.
— Claro que não.
— Acho que você está. — provocou. — Deve estar, pois
qualquer criado dirá que sua esposa está apaixonada por você.
Acho que me apaixonei no momento em que entrou por aquela
porta, gritando, no topo de seus pulmões, por Bonnie. Não havia
como deixar mais ninguém o ter.
Ele riu, um som profundo e estrondoso, que vibrou em seu
peito e a fez sorrir de prazer — Isso não era amor. Era luxúria.
Admita. É o kilt, não é? Teve um vislumbre dos meus joelhos e caiu
quente em luxúria comigo.
Isso foi tão perto da verdade, que as bochechas de Ruth
arderam.
— Ha! Eu sabia! — ele cantou, sorrindo para ela.
Ruth enterrou o rosto no peito dele, ele a pegou e levantou o
seu rosto para um beijo. Ela suspirou, enquanto a boca dele
brincava suavemente sobre a dela, macia e suave, dezenas de
pequenos beijos se fundindo em uma longa e luxuosa troca.
Ele recuou e Ruth sorriu para ele, mas sua expressão mudou,
toda a risada desapareceu de seus olhos, substituída por outra
coisa, algo que a deixou com o peito apertado.
— Não vai mesmo me deixar, Ruth? — As palavras eram
cruas, expondo seu coração, dolorosamente vulnerável.
Ruth acariciou seu rosto, segurando seu olhar. — Nunca, —
prometeu, falando sério com todo o coração —  nunca o deixarei,
enquanto quiser que eu fique.
Ele abaixou a cabeça, enterrando-a na dobra do pescoço
dela e puxando-a para mais perto. — Quero que fique, moça.
Morrerei se  me deixar.
— Não vou deixá-lo. — disse novamente, atordoada com as
palavras dele e dominada pela emoção. Acariciou o cabelo dele,
sorrindo, impotente e lutando para falar através das lágrimas — Eu
o amo.
— Tha gaol agam ort — ele murmurou em seu cabelo.
Ruth o segurou com mais força até que ele olhou para cima,
e ela o viu respirar, preparando-se.
— É gaélico, para eu... te amo — disse, constrangido agora.
— Eu sei — disse, tocando os dedos nos lábios dele e
traçando sua forma.
— Eu a amo. — sua expressão ficou cada vez mais séria,
como se precisasse ser esclarecida.
Ruth assentiu, acreditando nele — Nunca me deixe, Gordy.
Ele sorriu então, seus olhos de uísque quentes e cheios de
esperança.
— Nunca. — disse ele.
 
Querida Matilda,
Esta é apenas uma pequena nota para agradecer
a você e a todas as Senhoritas Peculiares pelas
muitas cartas e amáveis desejos que têm me
enviado, desde que deixei Londres. Elas têm sido
um grande conforto para mim, embora eu tenha a
consciência de que tenho sido uma terrível
correspondente. O problema é que aconteceu
tanta coisa desde que cheguei à Escócia, que mal
sei por onde começar. Sendo assim, por enquanto
vou simplesmente dizer isso...
Estou maravilhosamente feliz. Meu marido é um
Highlander cabeça-dura, teimoso que prefere
inferir-se uma lesão grave em vez de expressar
seus sentimentos, mas, oh, Tilda, quando
expressa, significa muito mais.
Eu o amo. Eu o amo tanto, que sinto que posso
explodir. Mais surpreendente do que isso, ele me
ama! Graças a Deus por esses desafios bobos.
Se não fossem por eles, eu poderia não ter sido
tão ultrajante, a ponto de propor a um estranho,
porque me apaixonei por seus joelhos. (Receio
que seja verdade.)
Escreverei mais em breve, mas, por enquanto, por
favor, deseje a todas as Senhoritas Peculiares um
Feliz Natal e enviem-lhes meus cumprimentos e
felicidades de Wildsyde.

— Trecho de uma carta da Sra. Ruth Anderson


para a Srta. Matilda Hunt e as Senhoritas
Peculiares.
25 DE
DEZEMBRO DE 1814. CASTELO DE WILDSYDE, ESCÓCIA.

Ruth examinou a vasta mesa e os restos da luxuosa festa,


com um suspiro de aprovação. Como previsto, a Sra. MacLeod e
sua força de trabalho se superaram. Embora os próprios criados
tivessem lutado contra a ideia e desaprovado imensamente, Ruth
estava feliz por ter persuadido todos a se juntarem a ela e Gordy à
mesa. Afinal, havia lhes dito que era seu primeiro Natal em Wildsyde
e, se quisesse convidar seus criados como agradecimento por
ajudá-la a ser bem-vinda e por todo o trabalho árduo,  tinha o direito.
Sem dúvida, as belas damas e cavalheiros da ton zombariam
dela, por fazer algo tão estranho, mas aqui, nas Highland, essas
coisas não a incomodavam mais. Era a senhora de sua própria
casa, suas próprias terras, e com Gordy ao seu lado, não queria ou
precisava da aprovação de mais ninguém.
Olhou para o outro lado da imensa mesa e sorriu quando
Gordy ergueu o copo para ela,  retribuiu o gesto.
— Dougal, aquele seu violino está fácil?
O Sr. Clugston sorriu em resposta à pergunta de Gordy. —
Por acaso, está.
— Vamos dançar, então?
Uma alegria tomou conta da mesa e todos saíram para o
corredor, onde o enorme tronco de yule estava queimando
alegremente na lareira. Alguns dos outros homens trouxeram uma
variedade de violinos e cachimbos e logo um ceilidh estava em
pleno andamento, com uma pitada de alegria e gritos de boa índole,
enquanto os criados escoceses tentavam iniciar os ingleses em
algumas das danças tradicionais. Ruth agarrou-se ao seu lado,
muito animada e dando risadas, ao ver Garrick permitir que
Sheenagh o levasse a dar alguns passos de dança das Highlands.
— Está feliz, moça?
Ruth olhou para cima e encontrou Gordy ao lado dela, seus
olhos brilhando de prazer enquanto ele olhava para ela. Pegou o
braço dele e se aproximou.
— Precisa mesmo perguntar? — respondeu, incapaz de
afastar o coração de sua expressão.
Ele devolveu um sorriso, que era notavelmente tímido e
satisfeito, antes de abaixar a cabeça para beijá-la. Os criados
assobiaram e aplaudiram quando avistaram os dois e, para deleite
de Ruth, Gordy corou até as pontas de seus ouvidos, antes de dizer
a todos para se segurarem, o que, presumiu, significar calar a boca.
Ele pegou a mão dela, afastando-a da alegria e da
privacidade de seu escritório. O rosa vicioso havia desaparecido,
substituído por um verde escuro com cortinas azuis, presente de
Ruth para ele no Natal. Havia removido todas, exceto uma das
cabeças troféu, a de um grande veado, que os encarava com
carranca da parede.
Gordy sorriu para ela quando fechou a porta do escritório.
— Tem certeza de que gosta? — ela perguntou, gesticulando
para a nova decoração.
— Não é ruim, — disse, apertando os lábios. — embora...
— Embora? — ela repetiu.
— Embora não possa evitar sentir que há algo... faltando.
Ruth franziu a testa, olhando para o quarto e corou. — Ah, 
quer dizer Robbie Burns? — disse, mortificada. — Perdoe-me,
Gordy, eu nunca deveria ter...
Ele pressionou um dedo na boca dela para silenciá-la e
depois a substituiu por seus próprios lábios, beijando-a suavemente.
— Não é Robbie que estou pensando.
— Oh? O que, então?
Gordy estalou os dedos — Já sei.
Ruth observou enquanto ele caminhava até a cabeça do
veado e alcançava seu esporão. Virou as costas para ela e
estendeu a mão, e Ruth cobriu a boca, sufocando um riso, enquanto
ele amarrava uma fita rosa berrante em um dos chifres, depois no
outro. Recuou, inclinando a cabeça, de um lado para o outro,
enquanto admirava seu trabalho.
— Pronto. — disse, satisfeito. — Agora me sinto em casa.
— Oh, Gordy, — disse, indefesa com risadas agora. — se
tivesse dito que gostava do rosa, eu teria deixado.
Ele bufou e balançou a cabeça — Acho que assim é o
suficiente. Todo o castelo sabe que estou em seu poder, moça, não
há necessidade de esfregar na minha cara.
Ela o observou caminhar de volta para ela e jogou os braços
em volta do seu pescoço. — Seu grande palerma idiota. — disse
carinhosamente, enquanto ele a erguia como se não pesasse nada.
Foi uma sensação maravilhosa, ainda melhor quando ela envolveu
as pernas em volta da cintura dele.
— Sim. — ele respondeu. — Mas sou seu grande palerma
idiota.
— Sim, você é. — ela murmurou, beijando um caminho pelo
pescoço dele.
Ele estremeceu e ela sorriu contra a pele dele.
— Eu te quero. — disse ele, as palavras pesadas de
promessa fazendo-a tremer também.
— Sou toda sua.
Beijou-a, segurando-a perto e depois a levando para o chão,
em frente ao fogo. Ruth riu enquanto ele rolava de costas, puxando-
a com ele. Inclinou-se sobre ele, olhando para o rosto que se
tornara o mais amado de todos. Contorceu-se para trás, fora de seu
alcance e sentou-se sobre suas canelas, considerando a paisagem
impressionante de um grande macho vestido de kilt e camisa, seu
casaco já havia sido descartado há muito tempo.
— Estava certo, — disse, como se estivesse considerando a
pergunta — definitivamente foi o kilt.
Gordy bufou, e ela sorriu, antes de se abaixar e deslizar as
mãos pelas pernas dele, sob a bainha do tartan. Sua respiração
prendeu quando ela deslizou as palmas das mãos mais para cima,
apreciando a maneira como os músculos poderosos em suas coxas
se contraíram e flexionaram sob seu toque. O xadrez do tartan foi
acumulando, empurrou-o cada vez mais para cima, expondo-o ao
seu olhar ganancioso, até que seus polegares alcançaram a pele
macia, no ápice de cada coxa.
Ele estava respirando com dificuldade agora, e ela sorriu,
ansiosa por ele.
— Toque-me, mo chridhe. —
ele implorou, e foi o melhor
presente de Natal, vê-lo desesperado e indefeso, embaixo dela,
melhor até do que o belo anel de claddagh com o coração de rubi
que ele lhe dera aquela manhã.
Então, ela fez o que ele pediu, deleitando-se com o calor e o
peso de seu membro, acariciando-o, enquanto seus olhos ficavam
escuros à luz do fogo.
— Ah, Ruth, está me matando. — ele gemeu baixinho.
Mais do que satisfeita com essa resposta, ela se perguntou
qual seria o seu limite e se inclinou em direção a ele, ouvindo sua
respiração ficar inconsistente e sentindo o enorme prazer de seu
grande corpo, enquanto o levava até a boca. Suas mãos eram
punhos no chão, seus músculos travados, enquanto ela deslizava a
boca, para baixo e para cima, sem parar, arrancando um som tão
alto dele que ela repetiu o gesto, muito satisfeita com sua reação
para se conter. Ele começou a murmurar em gaélico, palavras
urgentes que ela não precisava entender, seu prazer era óbvio o
suficiente.
— Ruth! — ele implorou, depois que ela o atormentou até o
limite da razão — Ruth, por favor. Preciso entrar em você.
Ela não precisava ser persuadida, sua própria excitação era
uma coisa viva, pulsando através dela, ao lado de seus batimentos
cardíacos. Levantando as saias, ela se moveu para cima dele,
inclinando-se para beijá-lo, enquanto ele a puxava para mais perto,
encontrando seu lugar e fazendo-a gritar, quando se afundou dentro
dela em um impulso forte.
— Diga-me! — ele exigiu, enquanto o prazer aumentava
dentro dela, rápido e urgente.
— Eu o amo! — disse, sabendo o que ele queria ouvir.
Virou-a de costas, apoiando-se em seus braços, enquanto se
movia cada vez mais forte e mais rápido e ela se agarrou a ele,
sentindo a atração de seu clímax esvaecendo os seus sentidos,
empurrando-a para cima para um pico, em um ritmo imprudente.
— Mais uma vez. — exigiu, olhando para ela.
— Eu o amo, eu o amo. — disse, rindo agora, afundando as
mãos nos cabelos dele e segurando, puxando a boca dele de volta
para a dela.
— Eu a amo! — disse ele, as palavras duras contra os lábios
dela nos momentos antes de ele derramar dentro dela, seu corpo
impotente quando o poder de sua liberação surgiu através dele.
Ele a segurou como uma âncora, gritando, enquanto o prazer
o derrubava, jogando-a sobre a borda com ele, até que se deitaram
juntos, desossados e saciados, lutando para respirar.
— Oh, Deus! — murmurou em uma gargalhada. — Isso foi...
você é... você é o presente mais maravilhoso, bonito e delicioso,
que um homem já teve.
Ruth riu — Bem, diz isso agora — disse, enquanto ele se
virava de lado para olhar para ela, sorrindo, embora seus olhos
estivessem solenes.
— Estou falando sério. Sabe que sim, cada palavra. Sou
abençoado, Ruth. Não vou esquecer isso.
— Feliz Natal, Gordy. — disse, levantando a mão e
acariciando a bochecha dele.
Ele se virou para ela,  beijando a palma da mão dela. — É um
Feliz Natal, moça. — disse  suavemente — O primeiro que eu já
tive, mas agora sei que não será o último.
Ruth sorriu, sabendo que ele finalmente acreditava nela, ela
tinha tudo o que sempre quis.
 
 
DAMAS OUSADAS, LIVRO 8

 
Uma atração que ela não pode ignorar...
Minerva Butler está cansada da ambição de sua mãe, de vê-
la casada com um duque, seguindo os passos de sua inteligente
prima Prue. Linda, loira e com um dote admirável, graças à
generosidade de sua prima, parece que Minerva pode, finalmente,
escolher entre os cavalheiros elegíveis da ton. Então, naturalmente,
é este o momento em que ela fica apaixonada pelo brilhante e pobre
filósofo natural, Inigo de Beauvoir.
Uma mulher que ameaça sua paz de espírito...
Inigo de Beauvoir é um homem motivado, consumido por seu
trabalho, em detrimento de todo o resto, até mesmo da sua própria
saúde, até que uma bela dama da alta sociedade começa uma
guerra sedutora contra sua crença de que o amor não é nada mais
do que luxúria com um anel em seu dedo.
Uma ligação perigosa...
Aparentemente, a Srta. Butler é a única que tem tudo a
perder, mas Inigo logo percebe que experimentar o desejo
representará uma ameaça real para seu coração.
 
Continue lendo para uma espiada no próximo livro da série
Damas Ousadas...
.

1
Prometi a mim mesma que não escreveria
novamente, mas parece que não tenho
autocontrole, no que diz respeito ao senhor. Por
que não respondeu à minha última carta? O
senhor tem alguma ideia de como é enfadonho
ficar esperando por uma resposta que nunca
vem?
Estive em bailes, jantares e festas, fiz
intermináveis visitas sociais e estou entediada.
Usei o mais glorioso vestido amarelo na outra
noite e todos me disseram que eu estava muito
bonita, não me importei nem um pouco, porque o
senhor não estava lá. Seus elogios não
significaram nada para mim. Prefiro ouvi-lo
repreender minha maldade por beijá-lo, do que
suportar outro poema dedicado aos meus olhos. O
senhor não irá, ao menos, responder e me dizer
que aborrecimento miserável sou?

— Trecho de uma carta da Srta. Minerva Butler


ao Sr. Inigo de Beauvoir.

20 DE DEZEMBRO DE 1814. CHURCH STREET, ISLEWORTH, LONDRES.

Inigo olhou para a carta em sua mão e lembrou-se da


promessa que havia feito.
Não responderia.
Seu coração deu um baque inconstante e ele amaldiçoou a
Srta. Minerva Butler. Desejar que nunca tivesse colocado os olhos
na criatura provocadora era tudo bem, mas não resolvia o problema,
e ela era um problema.
A ameaça que ela havia escrito, com sua bela e extravagante
caligrafia, na carta anterior a   esta, fez seu sangue esfriar.
Confesso que suspirei muito desesperadamente
por suas garantias de que não acha nada
romântico no convite, mas é claro que um homem
como o senhor tem coisas mais importantes para
pensar, do que beijos roubados. Roubei aquele,
afinal de contas, não roubei? Não posso fingir o
contrário. Sou uma ladra e caí tão longe na minha
vida de crime, que não posso ser redimida. Então,
é melhor o senhor estar em guarda e preparado
para manter seus bens trancados. Haverá uma
vilã à solta na Praça Soho, e ela pretende fazer
um roubo maior.
Seu coração.
Nunca deveria tê-la convidado para participar de uma de
suas palestras; só o fez porque ela ameaçou aparecer sem ser
convidada e encenar algum tipo de escândalo. Suas palmas ficaram
úmidas só de pensar nisso. Tinha trinta anos, era um homem da
ciência, respeitado e admirado por seu trabalho, não devia ficar
nesse desarranjo, por uma garota loira e muito pequena. Sabia
disso. Que sabia disso, e ainda assim não mudou nada, apenas o
deixou furioso.
Se Harriet Stanhope - agora a condessa St. Clair - não
tivesse sido vítima de luxúria e tivesse se casado com outro homem,
ele poderia estar a salvo de ataques como esses. Teriam tido um
casamento perfeitamente satisfatório, baseado na admiração mútua
da inteligência e das capacidades um do outro. Claro, Harriet
gostaria de se apaixonar. Inigo bufou de desgosto. Como uma
mulher tão inteligente poderia cair naquela velha armadilha, estava
além dele. O amor não era nada além de uma série de reações
químicas e uma profunda necessidade biológica de procriar, com o
único fim de manter a humanidade progredindo. O desejo de
acasalar era tão instintivo para homens e mulheres quanto para
cães, pássaros, insetos e qualquer outra criatura do reino animal.
Atribuir algo mais significativo a isso era tão ridículo quanto sugerir
que as galinhas sentiam qualquer apego romântico por um galo.
Inigo admitiria que os seres humanos eram criaturas muito
mais complexas, que sentiam a necessidade de explicar todos os
aspectos de suas vidas, seja inventando deuses que exigiam
sacrifícios, ou usando a abordagem racional da qual Inigo era
escravo. Entendia o desejo de explicação, podia aceitar totalmente a
necessidade de saber por que as coisas funcionavam, mas tal
compreensão exigia pensamento e julgamento frio e, claro, não
emoção. Infelizmente, sua capacidade de permanecer friamente
crítico e objetivo parecia murchar e morrer, sempre que a maldita
jovem se aproximava dele.
Não, era pior que isso. Ela nem precisava estar perto dele.
Essas malditas cartas eram suficientes, cheias de flerte e admiração
e um desejo óbvio de provocá-lo e fazê-lo perder a maldita cabeça.
Deveria estar presa, para sua própria segurança, se não a sanidade
dele. A criatura tola estava brincando com fogo. Era um homem,
afinal das contas, de carne e osso e uma provável vítima da luxúria.
Se esquecesse as regras da sociedade, regras que  nem mesmo
acreditava, poderia simplesmente agir de acordo com seus desejos
e aceitar tudo o que ela estava oferecendo. Estava pedindo para ser
arruinada e, não importava quantas vezes a alertasse,  não lhe daria
ouvidos. A única coisa que o controlava era sua crença idiota de que
havia sentimentos românticos envolvidos. Seria perverso tirar
vantagem de uma garota, tão obviamente iludida quanto às
realidades da vida. Se ela continuasse, no entanto, teria que abrir os
olhos dela para a verdade.
Ele tinha que encarar isso, então parecia justo. Por que
deveria ser o único sofrendo tal tormento? Não conseguia dormir,
pois pensamentos sobre ela invadiam seus sonhos. Não conseguia
se concentrar em seu trabalho, pois a memória do beijo que ela
havia roubado permanecia lá. Sua mente, tão hábil em se
concentrar em detalhes, agora estava obcecada com a suavidade
de seus lábios, o azul impossível de seus olhos e o cheiro de
jasmim e baunilha que o intoxicavam mais potentemente do que
qualquer bebida.
Ai Deus! Estava condenado.
Murmurando uma maldição, amassou a carta e caminhou até
o fogo, e então praguejou, por mais tempo e com profanidade
crescente, quando percebeu que não poderia queimá-la. Em vez
disso, cerrou os dentes e pegou uma folha de papel limpa. Inigo
mergulhou bem a pena na tinta e escreveu com determinação quase
febril, apesar de sua promessa de não responder. Ela receberia uma
resposta. Também teria o choque de sua vida, quando lhe
explicasse as coisas. Sem dúvida, ela desmaiaria ou choraria, ou
teria um ataque histérico ou o que quer que essas damas da
sociedade eram propensas. De qualquer forma,  perceberia o quão
errada estava sobre ele e o deixaria em paz. Depois do primeiro
parágrafo, sua pena pairou sobre a página, algo perturbadoramente
como arrependimento fazendo seu peito parecer estranho e vazio.
Não.
Tinha que se livrar dela. Estava afetando o trabalho dele, e
isso era intolerável. Com sua determinação renovada, terminou a
carta e a leu, um sorriso amargo curvando seus lábios. Deixe-a
encontrar o romance nisso, se puder.
Senhorita Butler,
A senhorita tem o convite que procurou. Se a
senhorita tem um pingo de preocupação com a
sua reputação ou sua felicidade futura, imploro
que deixe por isso mesmo. Estou certo de que sua
amiga, a Condessa St. Clair, é capaz de guiá-la,
se a senhorita tiver qualquer necessidade
adicional de material de leitura ou deseja
continuar seus estudos.
Resumindo, Srta. Butler, deixe-me em paz. Se a
senhorita não fizer isso, pode descobrir que as
coisas podem tomar um rumo para o qual não
está preparada. Meu coração não está em perigo,
lhe garanto. Não acredito no amor. Não acredito
em casamento ou mesmo monogamia. Acredito
que homens e mulheres são iguais e devem ter
seu prazer como e quando quiserem, sem a
necessidade de se amarrarem para a vida inteira.
Como homem, posso ter tais opiniões. A senhorita
não pode. Por favor, não continue a enganar-se
persistindo com essas ilusões românticas. Se
quiser acreditar em algo, acredite nisso: estou
perfeitamente disposto a lidar com meu próprio
prazer e seguir em frente sem olhar para trás, sem
qualquer pingo de culpa.
Espero que mantenha isso em mente.
De Beauvoir.

Minerva olhou para a carta, sua boca curvou em um pequeno


‘o’ de choque. Bem, certamente o agitou desta vez. Não era
surpreendente. Estava provocando deliberadamente o pobre
homem há algumas semanas. Se fosse honesta, ficaria surpresa por
ele ter durado tanto tempo. As palavras da carta eram certamente
contundentes e diretas, mas pareciam revelar muita coisa que ele,
talvez, não quisesse que ela soubesse. Em primeiro lugar, ficou
encantada e intrigada com a afirmação dele de que homens e
mulheres eram iguais. Embora Minerva não tivesse uma grande
opinião sobre sua própria inteligência,  surpreendeu-se ultimamente,
ao descobrir que não era a tola que acreditava ser, e conhecia
algumas mulheres brilhantes. Aquelas mulheres eram muito mais
inteligentes e capazes do que a maioria dos homens que  conhecia.
Parecia razoável supor que havia mulheres inteligentes e estúpidas
e homens inteligentes e estúpidos também. Porém, os homens
tinham todo o poder e mantinham as coisas de modo que mesmo as
mulheres mais inteligentes tinham pouco ou nenhum controle sobre
suas vidas. Descobrir um homem que acreditava que isso era
errado era... fascinante.
Releu a carta novamente, parando sobre a parte em que ele
disse que não acreditava no amor, casamento ou monogamia. Bem,
aquilo era... na verdade, aquilo era bastante trágico. A vida era difícil
o bastante, mas passar por ela sem esperança de se apaixonar e
encontrar alguém para te amar em troca... seu coração se encheu
de compaixão por ele. Quão solitário deve ser, e como poderia um
homem tão inteligente ser tão estúpido? Minerva balançou a
cabeça, maravilhada. Embora  tivesse se elevado acima de uma
tola, sabia que a mente do Sr. de Beauvoir era muito superior.
Alguns diziam que ++era a mente mais brilhante da geração deles.
Então, como poderia ser tão cego, tão intencionalmente ignorante
com relação a tudo sobre ele?
Minerva parou, quando um movimento do lado de fora da
janela chamou sua atenção, viu sua prima Prue e seu marido
andando no jardim. O inchaço do estômago de Prue era visível
agora, e Minerva não conseguiu manter o sorriso de seus lábios,
quando Robert colocou a mão ali, um olhar tal, que Minerva sentiu
sua garganta apertar. Ele se inclinou para beijar sua esposa e
Minerva se virou, não querendo interpretar o voyeur, mas incapaz de
negar a dor em seu coração. Como queria isso. Queria ser amada
com tanta devoção e amar com paixão. Mais do que tudo,  queria
ensinar ao Sr. de Beauvoir que ele poderia ser um brilhante filósofo,
mas que havia uma coisa ou duas que poderia aprender com ela,
se, ao menos,  a escutasse. Sua carta sugeria que tentar tal coisa
era convidar o desastre, mas, assim como sua ciência poderia
obcecá-lo, ficou obcecada com a ideia de que ele precisava de
alguém. Cada vez que o via, parecia mais assustado. Perdeu peso,
isso era óbvio. Era um homem grande, mas suas roupas pendiam
sobre seu corpo, e, muitas vezes, os botões estavam pendurados
por um fio. A última vez que ela o viu, parecia ter dormido nelas.
Seu cabelo estava muito grande, e ele estava pálido e tinha olheiras
sob os olhos. Estremeceu quando se lembrou dos olhos dele. Verde
e cinza e tão convincentes, como se houvesse uma faísca brilhando
em algum lugar dentro dele, procurando algo para acender. Era
óbvio que ele não se incomodou em substituir a governanta que
assustara, a pobre mulher ficara aterrorizada por um de seus
experimentos. Bem, Minerva deveria lembrá-lo que precisava ser
feito, caso contrário, morreria de fome, ou ficaria doente.
Com um suspiro, dobrou a carta e a escondeu, com a outra
correspondência dele no fundo falso de sua caixa de joias. Se sua
mãe descobrisse que ela se correspondia com um homem solteiro,
teria uma apoplexia. Se ela visse a última carta, provavelmente
desfaleceria imediatamente. Sua querida mãe ainda era da opinião
de que Minerva poderia conseguir um título, se ao menos se
concentrasse nisso. Minerva não teve coragem de dizer a ela que
havia decidido que não queria um título, então certamente não
estava prestes a admitir uma paixão por um filósofo sem um tostão
no bolso. Pobre mamãe ficaria tão desapontada.
Falando nisso, Minerva tinha que ir para casa. Sua prima
Prue era muito querida e a convidava para ficar com ela com
frequência, sabendo que Minerva precisava de uma pausa do
casamento e dos falatórios de sua mãe, de vez em quando, ou 
enlouqueceria. Então ficou por alguns dias, mas agora suas coisas
estavam arrumadas e ela estava pronta para voltar para casa.
Suspirou. Ainda assim,  tomaria chá com Matilda aquela tarde. Isso,
pelo menos, era algo que esperava ansiosamente.

— Minerva, querida, que adorável vê-la, e que vestido


elegante. Decerto está mais encantadora, toda vez que a vejo.
Minerva riu e girou um pouco para Matilda — Obrigada, Tilda.
Vindo de sua parte, tomo isso como o maior elogio, pois estamos
todas a copiando sem vergonha, como tenho certeza de que bem
sabe.
— Lisonja não vai levá-la a lugar nenhum, querida. — disse
Matilda, pegando o braço de Minerva, depois de dispensar seu
chapéu e casaco. — Na verdade, isso é mentira. Não pare.
Minerva sorriu para ela — Jemima ainda está ficando
contigo?
Por um momento, o sorriso de Matilda vacilou — Ela está, —
disse, suas sobrancelhas loiras se juntando — mas não está aqui no
momento. Parece que foi deixada uma herança generosa por sua tia
e ela está sempre fazendo coisas. Acredito que foi para o campo por
alguns dias, para encontrar um lugar para morar.
— Sozinha? — Minerva perguntou, um pouco chocada, agora
entendendo por que Matilda parecia perturbada.
— Não exatamente. Contratou uma acompanhante, e
acredito que terá uma criada.
— Oh, bem, está tudo bem, então. — Minerva soltou um
suspiro. Embora considerasse fascinante a afirmação do Sr. de
Beauvoir, de que homens e mulheres eram igualmente fascinantes,
e concordasse inteiramente, ele também estava certo de que havia
uma regra para os homens e outra para as mulheres. Uma mulher
que vivesse sozinha, estaria aberta a todo tipo de especulação e
fofoca, nada disso era agradável.
— Sim. — disse Matilda, acenando, embora ainda houvesse
um vislumbre de ansiedade em seus olhos — Sim, está tudo bem,
então. Agora, eu tenho a mais decadente seleção de bolos de
creme aqui, e espero que esteja com muita fome, para que eu possa
acompanhá-la. Não me decepcione.
— Pode confiar em mim. — disse Minerva com firmeza,
seguindo sua amiga até a sala de visita.
Uma vez que uma quantidade impressionante de bolos de
creme foi descartada, e três xícaras de chá cada, Minerva conduziu
a conversa até o ponto de sua visita, pois a carta de Inigo não era a
única que recebera ultimamente.
— Sinto muito por não ter podido vir antes. — começou,
pousando a xícara de chá — Tenho ficado com Prue e Robert, mas
em sua carta, disse que precisava urgentemente de uma confidente
e que tinha feito... tinha feito algo...
— ...notavelmente estúpido. — Matilda a abasteceu com um
sorriso irônico. — Sim. Lembro-me.
— Minha nossa! — Minerva torceu os dedos, tendo uma ideia
justa do que, ou melhor, com quem sua amiga tinha sido estúpida —
Montagu?
O rubor de Matilda era surpreendente e vívido, mas ela
segurou o olhar de Minerva e deu um aceno tenso.
— Oh, meu Deus! — disse Minerva novamente, sabendo que
isso não foi nem um pouco útil. Respirou fundo e endireitou a
coluna, mantendo o tom vivo — Bem, parece que o que quer que
tenha acontecido, ninguém sabe sobre isso, então não há mal
nenhum.
Matilda gemeu e levou as mãos à cabeça.
— Oh meu Deus, alguém viu...?
— Não! — Matilda balançou a cabeça e olhou para Minerva
entre os dedos — Ninguém viu, mas não posso admitir que nenhum
dano foi feito.
Minerva se eriçou de fúria. — Ele...? Por Deus, Matilda,
aquele homem miserável...?
— Não! — Matilda exclamou, ficando ainda mais ruborizada,
mas balançando a cabeça com vigor. — Não, ele não fez nada de
errado. Bem, ele me guiou até um lugar onde poderíamos ficar
sozinhos, o que nunca deveria ter feito, mas estávamos prestes a
sair - a meu pedido - quando alguém entrou e não tivemos escolha a
não ser nos esconder.
— Entendo.
— Não, — respondeu Matilda, miserável agora. — não
entende! As circunstâncias eram um pouco perigosas, e nosso
esconderijo era minúsculo. Fomos forçados a nos aproximar muito
e... e...
— E ele se aproveitou desse fato, suponho?
As sobrancelhas de Minerva se ergueram, quando Matilda
balançou a cabeça mais uma vez. — Não, não exatamente. —
disse, claramente mortificada. — Bem, talvez um pouco, mas... mas
quando eu pedi para que parasse, ele parou. Não... o problema foi...
foi eu.
— Matilda! — Minerva exclamou, embora mais com prazer do
que com choque — O que fez? O que aconteceu?
Com bochechas ardentes e gaguejando, Matilda descreveu o
que havia acontecido com Montagu. Quando terminou, a pobre
mulher parecia pronta para chorar de vergonha.
— Oh, Matilda, — Minerva se levantou e se sentou ao lado
dela, pegando suas mãos — Montagu é um homem muito bonito,
não há como negar, e a persegue há meses. Não é surpresa que o
tenha desejado, afinal, é apenas um ser humano.
— Sim, mas ele não é. — Matilda se opôs, enxugando uma
lágrima. — Ele é... ele é frio e manipulador e eu devo ser a maior
tola que existe. É como se apaixonar por uma serpente.
Minerva suspirou e se inclinou para ela — Se é uma tola, não
sou melhor. Voltei a escrever ao Sr. de Beauvoir, que respondeu
esta manhã. Foi bem direto ao ponto.
Descobrindo que era sua vez de corar, Minerva deu a Matilda
um breve resumo da carta.
— O que é que se passa conosco? — Matilda exigiu,
levantando as mãos — Por que não podemos nos apaixonar por
homens bons e comuns?
Minerva deu de ombros — Qual a graça disso?
Matilda deu uma gargalhada, embora parecesse um pouco
histérica.
— O que vai fazer com Montagu?
— Não sei. Tentar evitá-lo? — Matilda respondeu, embora
parecesse indiferente à ideia — E você? Vai ter cuidado, Min,
querida? Parece que ele está muito disposto a seduzi-la e deixá-la
de lado se o perseguir.
Minerva assentiu — Eu sei, é por isso que tenho que ser a
responsável pela sedução.
— O que? — Matilda exclamou horrorizada.
— Oh, não assim! — disse Minerva, rindo um pouco — Não
exatamente assim, de qualquer maneira. Vou seduzi-lo para que se
apaixone por mim.
 
 
Emma V. Leech
9786599019845
 

DAMAS OUSADAS - LIVRO 1


 

Dentro de cada jovem tímida e isolada pulsa o coração de uma


leoa, uma pessoa apaixonada disposta a arriscar tudo pelo seu
sonho, se puder encontrar a coragem para começar. Quando essas
jovens ignoradas fazem um pacto para mudar suas vidas, tudo pode
acontecer.
Dez mulheres - dez desafios inesperados. Quem se atreverá a
arriscar tudo?
Desafiando um Duque
Sonhos de amor verdadeiro e felizes para sempre.
Sonhos de amor são todos muito bons, mas tudo o que Prunella
Chuffington-Smythe quer é publicar seu romance. O casamento a
custo de sua independência é algo que ela não considerará.
Experimentou o sucesso escrevendo sob um nome falso na revista
semanal The Ladies, onde seu álter ego está alcançando
notoriedade e fama, a qual Prue gosta bastante.
Um dever que tem que ser suportado...
Robert Adolphus, o duque de Bedwin, não tem pressa em se
casar, ele já fez isso uma vez e repetir esse desastre é a última
coisa que deseja. No entanto, um herdeiro é um mal necessário
para um duque e não pode se esquivar disso. Uma reputação
sombria o precede, visto que sua primeira esposa pode ter morrido
jovem, mas os escândalos que a bela, vivaz e rancorosa criatura
forneceu à sociedade não a acompanharam. Devia encontrar uma
esposa. Uma esposa que não seria nem bonita nem vivaz, mas
doce e sem graça, e que com certeza ficasse longe de problemas.
Desafia a fazer algo drástico
O súbito interesse de um certo duque desprezível é tão
desconcertante quanto indesejável. Ela não vai jogar suas ambições
de lado para se casar com um canalha assim como seus planos de
autossuficiência e liberdade estão se concretizando. Se mostrar
claramente ao homem que ela não é a florzinha que ele procura,
será suficiente para dar fim às suas intenções? Quando Prue é
desafiada por suas amigas a fazer algo drástico, isso parece ser a
oportunidade perfeita para matar dois pássaros.
No entanto, Prue não pode deixar de ficar intrigada com o
ladino que inspirou muitos de seus romances. Normalmente, ele
desempenhava o papel de bonito libertino, destinado a destruir sua
corajosa heroína. Mas será realmente o vilão da trama desta vez, ou
poderia ser o herói?
Descobrir será perigoso, mas poderá inspirar sua melhor
história até o hoje.
**** Atenção: Este livro contém uma seleção cuidadosa de
determinação silenciosa, boca firmemente fechada e níveis (quase)
intransponíveis de tensão. Embora acoplado à presença de
encontros sexuais ocasionalmente descritivos, temos o prazer de
destacar que este livro - e série - não está de modo algum próximo
da erótica. ****
 

Emma V. Leech
9786588382103
 

DAMAS OUSADAS - LIVRO 2


 

Dentro de cada jovem tímida e isolada pulsa o coração de uma


leoa, uma pessoa apaixonada disposta a arriscar tudo pelo seu
sonho, se puder encontrar a coragem para começar. Quando essas
jovens ignoradas fazem um pacto para mudar suas vidas, tudo pode
acontecer.
Dez mulheres - dez desafios inesperados. Quem se atreverá a
arriscar tudo?
Roubando um Beijo
O desejo de arriscar e arrebatar a felicidade.
Ser ousada e beijar um homem ao luar é uma boa ideia, mas os
homens e o luar não caem do céu à vontade.
Até aconteça.
Sob instruções de uma amiga, a monótona Alice Dowding
permanece sozinha numa varanda iluminada pelo luar. Não é o
curso de ação mais sensato para uma jovem geralmente sensata.
No entanto, sendo sensata, Alice ganhou um lugar entre as isoladas
e sua única chance provável de se casar, é com um homem que
acha repulsivo.
Tinha que fazer algo.
Uma consciência culpada e um homem mau.
Quando a irmã de Nathaniel Hunt implora por um favor, ele
dificilmente pode recusar. Nathaniel, coproprietário de uma das mais
escandalosas casas de apostas em Londres, é responsável pela
reputação destroçada de Matilda, e ela sabe que ele não está em
posição de lhe negar nada.
Ela implora para que ele beije sua amiga tímida em uma noite
de luar. No entanto, uma série de eventos aos quais nenhum deles
poderia ter previsto é desencadeada.
Quando um pequeno favor incendeia um inferno.
Incendiada por um beijo que lhe rouba a alma, a tímida,
sensível e enfadonha Alice, está soltando faíscas por onde quer que
seus pés passem, e tudo o que Nathaniel pode fazer é rezar para
que ele não se queime.
 
Emma V. Leech
9786588382295
 

DAMAS OUSADAS - LIVRO 3


 

Dentro de cada jovem tímida e isolada pulsa o coração de uma


leoa, uma pessoa apaixonada disposta a arriscar tudo pelo seu
sonho, se puder encontrar a coragem para começar. Quando essas
jovens ignoradas fazem um pacto para mudar suas vidas, tudo pode
acontecer.
Dez mulheres - dez desafios inesperados. Quem se atreverá a
arriscar tudo?
Quebrando as regras
Um enigma irresistível...
A senhorita Lucia de Feria é possivelmente a mulher mais
bonita do mundo e, sem dúvida, a mais bonita que o visconde de
Cavendish já viu.
No entanto, essa beleza misteriosa está tramando algo, algo
que convenceu Cavendish de que seus motivos são menos do que
puros.
O visconde não precisa de mais motivação para passar seu
tempo na companhia adorável de Lucia, mas desejo e intriga criam
tentações profanas.
Um amante perigoso...
Lucia não é tudo o que parece ser. Ela tem segredos...
segredos pelos quais um homem a mataria.
Agora, com a vingança em seu coração e uma fortuna em jogo,
ela está perto de ter tudo ou perder a vida.
Mas, em cada curva, o Visconde Cavendish está lá, com o seu
sorriso de pirata e aqueles olhos azuis perversos.
Um círculo ousado de amigos...
Quando um incomum clube do livro traz para sua vida damas
peculiares, Lucia fica encantada e atraída por sentir, pela primeira
vez, que pertence a algo. Entre suas novas amigas e um homem
pelo qual corre o risco de se apaixonar, seus planos começam a dar
errado.
Essa linda Senhorita passou a vida inteira desejando vingança,
mas nunca esperou encontrar ao longo do caminho, algo com o qual
se importaria mais.
Lucia não poderia se permitir distrações, amigos ou um nobre
desconfiado. No entanto, de repente, ela tinha os três.
Talvez fosse a hora de quebrar suas próprias regras.
Emma V. Leech
9786588382486
DAMAS OUSADAS - LIVRO 4
 

Dentro de cada jovem tímida e isolada pulsa o coração de uma


leoa, uma pessoa apaixonada disposta a arriscar tudo pelo seu
sonho, se puder encontrar a coragem para começar. Quando essas
jovens ignoradas fazem um pacto para mudar suas vidas, tudo pode
acontecer.
Dez mulheres - dez desafios inesperados. Quem se atreverá a
arriscar tudo?
Seguindo seu Coração
Um amor perdido ...
Kitty Connolly passou toda a última temporada assegurando
que seu tio tem tentado encontrar um marido, mas há um problema
que ele desconhece.
Ela já tem um.
É verdade que tinha apenas onze anos quando a cerimônia foi
realizada na presença do cão de sua família, e seu noivo tinha
apenas treze anos. No entanto, os votos foram trocados e, no que
diz respeito a Kitty, uma promessa é uma promessa. Luke Baxter
prometeu amá-la até que a morte o separasse e ele não vai escapar
disso.
Os problemas não param por aí, no entanto, pois Luke
desapareceu de sua vida apenas semanas após seu casamento
secreto, e Kitty nunca mais o viu.
Até agora.
As esperanças reacenderam ...
Quando Luke aparece do nada na festa na casa de verão do
Conde de St. Clair e anuncia seu noivado com a bela herdeira, Lady
Francis Grantham, Kitty fica atordoada ...
... e a honra deve mencionar o problema.
Um coração determinado ...
Todo caos se instala quando Kitty ameaça processar por quebra
de promessa e ela tem uma questão de dias para convencer Luke
de que sua namorada de infância vale mais do que a fortuna da
Srta. Grantham.
Mas este Luke não é o menino despreocupado de sua infância,
e lembrá-lo do que significa viver por amor, pode significar arriscar
mais do que apenas seu coração.
 
Emma V. Leech
9786588382776
DAMAS OUSADAS - LIVRO 5
 

Dentro de cada jovem tímida e isolada pulsa o coração de uma


leoa, uma pessoa apaixonada disposta a arriscar tudo pelo seu
sonho, se puder encontrar a coragem para começar. Quando essas
jovens ignoradas fazem um pacto para mudar suas vidas, tudo pode
acontecer.
Dez mulheres - dez desafios inesperados. Quem se atreverá a
arriscar tudo?
Apostando um Amor
Gato escaldado...
Harriet Stanhope é inteligente e séria, o tipo de moça que lê
Platão e gosta de longas caminhadas na chuva. Não é adequada
para salões de baile e flerte e acha a temporada uma horrível perda
de tempo. No entanto, certa vez se apaixonou, confiou seu coração
a um homem que a beijou e sussurrou doces palavras... e depois riu
com um amigo sobre ter feito isso.
Com o coração partido e humilhada, Harriet jurou que usaria
seu cérebro no futuro e nunca mais confiaria em seu coração
estúpido.
 

Uma paixão não correspondida...


 

Jasper Cadogan, O Conde de St Clare, está irremediavelmente


apaixonado, por uma mulher que o odeia.
O amável Jasper é bonito, charmoso, simpático e amado pela
Ton, o homem mais elegível no mercado de casamentos, mas não
consegue corrigir o problema com sua amiga de infância Harriet
Stanhope. Embora já tenham sido próximos, Jasper sabe que há
alguns anos fez algo que endureceu o coração de Harriet contra ele,
mas, pela sua vida, não consegue se lembrar do que foi.
Jasper sabe que Harriet acredita que é, na melhor das
hipóteses, um idiota frívolo, e, deslumbrado com seu cérebro
superior, Jasper está lutando para provar o contrário. Determinado a
descobrir o que foi que afastou Harriet dele, usará de meios
honestos, ou desonestos, para chegar à verdade.
Uma aposta que arriscará seus corações.
A Dama peculiar Harriet ousa apostar algo que não quer perder
e quando sua amiga de boca grande, Kitty, conta a Jasper, ela
reconhece que está em apuros.
Teimosa demais para recuar, Harriet aceita a chocante aposta
de Jasper e mergulha ambos em um escândalo que arriscará tudo,
inclusive a dois corações.
Emma V. Leech
9786580754267
DAMAS OUSADAS - LIVRO 6
 

Dentro de cada jovem tímida e isolada pulsa o coração de uma


leoa, uma pessoa apaixonada disposta a arriscar tudo pelo seu
sonho, se puder encontrar a coragem para começar. Quando essas
jovens ignoradas fazem um pacto para mudar suas vidas, tudo pode
acontecer.
Onze mulheres - dez desafios inesperados. Quem se atreverá a
arriscar tudo?
Dançando com um Diabo
Uma jovem desesperada para escapar de seu destino.
 

O tempo de Bonnie Campbell está quase acabando. À luz de


ofertas melhores, seu tutor, o conde de Morven, a está forçando a
se casar com seu primo, Gordon Anderson. A vivaz Bonnie não terá
outra opção a não ser obedecer, condenando-se a passar o resto de
sua vida na selva das Highlands escocesas, longe de seus amigos e
de qualquer possibilidade de diversão. Durante suas últimas
semanas de liberdade, no entanto, ela viverá como se estes fossem
seus últimos dias na terra e encontrará a coragem de mostrar ao
homem que ama de verdade, como se sente.
 

Um jovem determinado a provar que seu irmão mais velho


estava errado.
Jerome Cadogan, irmão mais novo do conde de St. Clair, é um
canalha jovial. Sua aparência, com belos cabelos loiros e olhos
azuis, não é minimamente prejudicada por seu nariz quebrado, sua
reputação de encrenqueiro, nem sua predileção por se apaixonar
por mulheres inadequadas. Recuperando-se de um sermão
doloroso proferido por seu irmão, o conde, Jerome corre o risco de
ter sua mesada cortada se não ceder e mudar seus modos.
Determinado a provar que pode ser tão maduro e sensato quanto
St. Clair, Jerome promete parar de beber e se embriagar e não se
meter em mais em encrencas.
 

Um escândalo em busca de um lugar para acontecer.


 

Infelizmente, sua querida amiga Bonnie tinha outras ideias.


Cambaleando de um desastre para o próximo, Jerome estava
arrancando seus cabelos e sabia que devia terminar sua amizade,
antes que seu irmão acabasse com ela.
No entanto, a montanha de um homem aparece para reivindicar
Bonnie, e Jerome, que deveria respirar aliviado pelo livramento,
acaba descobrindo algo imperdoável: seu maldito coração se
apaixonou pela mulher mais inadequada de todas.
A
LENDA FRANCESA DOS VAMPIROS LIVRO 1

A verdade pode te matar.


Tirada quando criança de uma vida onde vampiros, Faes e
outras criaturas míticas são reais e traiçoeiras, a bela jovem bruxa,
Jéhenne Corbeaux, fica totalmente despreparada, quando retorna à
França rural, para viver com sua excêntrica avó.
Jogada de cabeça em um mundo que ela não conhece,
procura entender a verdade sobre si mesma, descobrindo os
segredos mais chocantes do que qualquer coisa que ela poderia ter
imaginado, além de, também, descobrir que não é, de forma
alguma, impotente para proteger aqueles que ama.
Apesar das terríveis advertências de sua avó, ela é
inexoravelmente atraída pela figura sombria e aterrorizante de
Corvus, um antigo vampiro e mestre da vasta família Albinus.
Jéhenne está prestes a encontrar suas respostas e descobrir
que, não só Corvus é muito mais perigoso do que ela poderia
imaginar, mas que detém muito mais do que a chave para o seu
coração...
 
Confira a emocionante série de fantasia de Emma, elogiada
por Kirkus “Uma série de fantasia encantadora, com uma heroína
agradável, intriga romântica e uma narrativa inteligente que
floresce.”
 
Obrigada, é claro, à minha maravilhosa editora Kezia Cole e
a Alison Wilson, nativa das Highlands, que proporcionou todas as
informações escocesas!
Para Victoria Cooper, por todo o seu trabalho duro, sua obra
de arte incrível e, acima de tudo, a sua paciência interminável!!!
Muito obrigada. Vocês são incríveis!
A minha melhor amiga, assistente pessoal, líder de torcida
pessoal e portadora de chocolate, Varsi Appel, pelo apoio moral,
aumento da confiança e pela leitura do meu trabalho, mais vezes do
que eu. Eu te amo muito!
Um enorme obrigada a todos os membros do Clube do Livro
de Emma! Vocês são os melhores!
Estou sempre muito feliz em ouvi-los; portanto, enviem-me e-
mails ou mensagens :)
 
Para meu marido Pat e minha família... Por sempre se
orgulharem de mim.
PELA AUTORA:

Comecei essa incrível jornada em 2010 com A


chave para o Erebus, mas não tive coragem de publicá-lo até
outubro de 2012. Para quem já passou por isso sabe que publicar
seu primeiro trabalho é uma coisa assustadora. Ainda fico nervosa
quando um novo trabalho é lançado, mas, agora esse terror
diminuiu um pouco. Hoje o meu pavor é quando minhas filhas
tiverem idade o suficiente para lê-los. 
Que horror! (para ambas as partes, suponho)
2017 marcou o ano em que fiz minha primeira incursão em
Romance Histórico e no mundo do Romance da Era Regencial, e
meu Deus, que ano! Fiquei encantada com a resposta a esta série e
mal posso esperar para adicionar mais títulos
Sou muito influenciada pelo belo interior da França onde vivo.
Apesar de ser nascida e criada na Inglaterra, moro no sudoeste
francês há vinte anos. Minhas três filhas lindas são todas bilíngues e
a mais nova, de apenas seis anos, está mostrando sinais de seguir
os meus passos após produzir The Lonely Princess totalmente
sozinha.
Um passarinho me disse que o livro dois estará disponível em
breve...
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Table of Contents
Folha Rosto
Direitos Autorais
Membros do Clube do Livro
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Epílogo
Próximo na Série
Mais Damas Ousadas
A Chave para Erebus
Agradecimentos
Sobre a Autora
Informações Leabhar

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