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Índice

Direitos autorais
Para Ana,
Sinopse
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Epílogo
Agradecimentos
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Direitos autorais © 2020 Gilmara Vieira Lacerda Machado

Todos os direitos reservados

Os personagens e eventos retratados neste livro são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas reais,
vivas ou falecidas, é coincidência e não é intencional por parte do autor.

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Para Ana,
o Léo não seria isso tudo sem você.
Sinopse
Leonardo Veiga, dono do jornal "A coluna Portuguesa", sabia que
casamentos arranjados não estavam entre as coisas mais fáceis da vida. Mas
após perder a noiva para o seu melhor amigo e estar desesperado com um
golpe que sofreu por um de seus parceiros comerciais, ele cede à chantagem e
se casa com a filha do golpista.
A senhorita Ermelinda Guimarães de Bivar passou boas horas de seus
últimos bailes olhando para um dos solteiros mais cobiçados de Lisboa, mas
jamais imaginava que o pai estava chantageando o homem. Assim que
Leonardo aceitou se casar com ela para manter o jornal, a jovem passou a
odiá-lo. Se passava para todos a ideia de ser tímida, era apenas para evitar
reprimendas do pai, caso se mostrasse em público como a dama vivaz e de
língua afiada que realmente era.
Quando Leonardo e Ermelinda se isolam do mundo a fim de viver uma
lua de mel e se conhecerem melhor, ambos terão que aprender que nem tudo
é o que parece.
Prólogo

Não havia se passado uma hora que Henry havia deixado


Leonardo. Sentado em uma das poltronas de seu escritório, mirava o tapete
enquanto pensava nos últimos acontecimentos de sua vida. O empregado
chegou com a encomenda: uma garrafa de conhaque comprada às pressas.
Céus... ainda era dia e ele iria se embebedar. E o pior, no trabalho! Leonardo
agradeceu ao empregado de forma sincera, pois sabia que não estava entre as
atribuições do homem comprar bebida para o patrão. Além disso, Leonardo
bebia pouco e raramente. Aquele era um ato de um homem chegando ao
fundo do poço.
Em um momento ele estava noivo de uma dama deslumbrante,
amiga querida de sua irmã. Agora a dama era na verdade uma ex-prostituta,
apaixonada pelo seu melhor amigo. Henry merecia ser feliz e ao que tudo
indicava, ele a amava também. Como Leonardo poderia ousar se manter entre
os dois? Ou ousar se ressentir de algum deles? No coração não se mandava.
Era melhor um noivado desfeito do que um casamento fracassado.
Ele se serviu de uma dose generosa de conhaque. Ardeu a boca,
queimou a garganta. Adélia ficaria chateada. A irmã adoraria ter a amiga na
família, mas Leonardo tinha certeza de que o segredo de Lilian estava bem
guardado e elas poderiam continuar a amizade quando a nova baronesa de
Forrester voltasse para Portugal. Ele, porém, tinha mais uma coisa para
resolver. Gonçalo o cobrou novamente. Um dos parceiros mais rentáveis e
praticamente um dos pilares do seu jornal, ameaçava desfazer qualquer tipo
de parceria que tivessem e se aliar ao seu principal concorrente. O motivo?
Puro capricho. O homem o adulou deixando bem claro que gostava tanto dele
a ponto de lhe oferecer a filha e quando Leonardo riu e disse de forma
despreocupada que não pretendia se casar até os trinta e cinco anos, percebeu
claramente que havia dado a resposta errada.
Leonardo fechou os olhos e apoiou a cabeça no encosto da
poltrona. Quando ele havia visto a filha daquele homem? Só conseguiu se
lembrar de um baile e mesmo assim, ela era apenas uma figura quieta em um
canto do salão. Deveria ser tímida ou então era uma criatura incrivelmente
sem graça. Aquelas memórias mostravam que a jovem era bonita, mas em
momento algum conseguiu se lembrar de alguém sequer tirá-la para dançar.
Não se lembrava admirador algum a rondando.
“Devo me casar com ela?”, ele se perguntava repetidamente.
Adélia teria uma cunhada de índole impecável, o jornal estaria salvo e ele...
bem, ele próprio estaria se sacrificando. Não sabia sequer o nome da moça e
se o ouviu em alguma ocasião, não fez questão de memorizar.
Leonardo terminou de beber sua dose de conhaque e guardou a
garrafa. Não iria se embebedar. Atipicamente, foi para casa pouco tempo
depois, deixando ainda horas de expediente a serem cumpridas.
Adélia assumiu uma expressão de preocupação assim que viu o
irmão chegar. Não era do feitio de Leonardo sair do trabalho mais cedo.
-Está se sentindo bem?
Leonardo tentou sorrir para tranquilizar a irmã, mas se sentia tão
tenso que não a convenceu.
-Precisamos conversar.
A convivência de Adélia e Leonardo permitia que os irmãos fossem
sinceros por completo um com outro. Confidentes e conselheiros, eles
conversaram por quase uma hora. Mesmo assim, Adélia manteve o tempo
todo a mesma postura diante dos fatos que o irmão lhe apresentou.
-Se o casamento será a sua decisão, respeitarei. Porém, gostaria que
se casasse com alguém que fosse especial para você e não para o jornal.
-Depois de você, o jornal é a minha vida.
Leonardo estava sendo sincero. Criou o jornal com seu sangue e
seu suor. A vida que levava agora era fruto da época em que não tinha tempo
para comer direito e sequer dormir, trabalhando arduamente para que as
pessoas notassem e aceitassem receber um exemplar de “A coluna
Portuguesa” nas suas casas. Os homens que trabalharam ao seu lado naquela
época de privação são hoje seus funcionários nos melhores cargos, colhendo
junto com ele os frutos do trabalho árduo. Era graças ao seu empreendimento
que Adélia era praticamente uma dama e desfrutassem de uma vida
confortável. Sim. O jornal era sua razão e sua chance de manter uma boa vida
para a irmã.
-Se eu escolher essa jovem como noiva e salvar tudo o que
construímos, acredito que serei feliz.
Adélia suspirou. Não estava convencida disso de forma alguma. Ela
havia tentado conversar com a senhorita Ermelinda ao menos uma vez e a
moça mal lhe deu atenção. Foi um choque perceber que o irmão pretendia se
casar com uma mulher de quem nem se lembrava o nome.
-Lembre-se irmão: eu só serei feliz se você estiver feliz.
Leonardo assentiu e beijou a mão da irmã de forma carinhosa.
-Ótimo. Encomende um belo vestido, minha irmã, pois haverá um
casamento em breve.
Capítulo 1

-Como pode fazer isso? -O grito chocado em uma bela voz de


mulher ecoou pela casa dos Bivar.
Após receber um recado de Leonardo Veiga, o senhor Gonçalo de
Bivar informou à filha que logo chegaria um pretendente. Ao saber de quem
se tratava, Ermelinda sentiu o coração quase dançar de alegria. Infelizmente,
ao entender o motivo pelo qual o pai conseguiu fazer com que o homem
cogitasse a ideia de se casar com ela, se sentiu enojada.
-Também sou uma negociação para o senhor?
Verdade seja dita, Gonçalo não era um homem muito paternal.
Mesmo assim, nunca a usou daquela forma antes e nem a havia pressionado
em momento algum sobre casamento. Agora estava ali diante dela falando
que havia comprado um marido. Claro que o pai não havia usado exatamente
essas palavras, mas elas estavam ali, dançando diante de seus olhos. Que tipo
de homem Leonardo seria para se permitir ser chantageado daquela forma?
Onde estava a sua honra?
Ermelinda se lembrava muito bem da primeira vez que viu o senhor
Leonardo Veiga. Chegou a pensar que estava a ponto de desmaiar. Ele não
era o homem mais lindo de Portugal, mas aos seus olhos, o conjunto da obra
era perfeito. Tinha porte, charme, traços em perfeito equilíbrio que o
tornavam um homem mais do que atraente. Como não foram apresentados,
sabia que ele nunca a tiraria para dançar. Além disso, o fato de ser filha de
Gonçalo fazia com que praticamente homem algum se aproximasse dela.
A senhorita Ermelinda Guimarães de Bivar fora criada para ser uma
dama e isso implicava que deveria ser gentil e ponderada. Uma brisa
agradável para a sociedade. Porém, ela tinha suas próprias opiniões e uma
tendência a não tolerar certos pensamentos a respeito do papel da mulher, que
mesmo sendo ainda amplamente aceitos, aos seus olhos se mostravam
obsoletos e degradantes. A fim de não envergonhar o pai, se mantinha
distante de tudo e todos, para que não corresse o risco de mostrar que os anos
de educação e refinamento não surtiram efeito quase algum. Infelizmente,
todos os esforços da filha pareciam não ser o suficiente para o pai. Desde que
perdera a mãe ainda na infância, Ermelinda queria ser a melhor filha, mas seu
pai estava longe de ser uma pessoa capaz de reconhecer isso.
Ermelinda, não se importava de parecer esnobe. Alguns a tinham
como tímida. Sendo filha de seu pai, poderia ser muito bem qualquer coisa do
tipo, mas o importante era mostrar que mesmo assim era uma dama. Damas
esnobes existiam aos montes nos salões e as tímidas, bem, elas existiam
mesmo que poucos as notassem. Elas estavam sempre por ali, nas bordas dos
salões, quase atrás dos vasos e estátuas decorativas, rezando para que fossem
deixadas em paz. Ermelinda optou por se misturar a elas.
Com o tempo descobriu que as bordas dos salões ofereciam uma
visão privilegiada e quase ninguém reparava no que ela fazia ou para onde
olhava. Assim, olhou para Leonardo Veiga por várias noites enquanto ele ria,
bebia, conversava e flertava. Ela se pegava pensando em como seria estar nos
braços dele para uma dança e até mesmo chegou a bisbilhotá-lo uma vez em
que ele ousou escapar rapidamente para o jardim com uma mulher. Não... ao
que tudo indicava, Ermelinda jamais poderia considerar aquela pessoa uma
dama novamente. Não depois do que mais ouviu do que viu naquele jardim.
Ela chegou a ficar trêmula pensando em como seria estar na escuridão com
Leonardo no lugar daquela que o acompanhava. Ah! Seria um escândalo do
qual o pai não se recuperaria tão cedo. Pensar assim até lhe fez sorrir. Ela se
mostraria menos enfadonha de uma forma maravilhosa, pois provavelmente
nos momentos em que a dama gemia baixo ela iria gritar maravilhada.
Sempre que o via, ela o seguia com os olhos. Por uma única vez se
deliciou com o olhar de Leonardo em sua direção, mas Ermelinda nem
saberia dizer se ele realmente a viu. Outra vez, a irmã dele tentou conversar
com ela, mas era o momento mais impróprio. Os rumores de que Leonardo
estaria cortejando uma dama deixou Ermelinda com um humor tão sombrio
que ela temia explodir com a jovem sem o menor esforço. Sendo assim,
acabou se portando de forma distante e respondendo apenas com
monossílabos. Claro que isso fez com que a senhorita Adélia rapidamente se
afastasse.
De certa forma, sabia que não fora discreta enquanto olhava para
Leonardo, mas já estava acostumada a ninguém reparar em suas ações. Saber
que o pai havia percebido o que estava acontecendo foi um choque.
-Sua mal agradecida. Ele será um bom marido! Sabe o retorno que
aquele jornal pode proporcionar? Você manterá sua vida de luxo!
Ermelinda engoliu em seco. Seu pai não havia reparado nada. Foi
uma mera coincidência que o homem que lhe interessava também interessava
aos planos financeiros do pai.
-É uma pena que não tenha mais filhas para deixá-lo mais rico. – A
amargura era evidente na voz.
Gonçalo deu de ombros.
-Escolhi bem seu marido, menina. Melhor do que isso, só alguns
nobres. Estará mais bem casada do que certas viscondessas.
Ermelinda ficou sem palavras. Se falasse tudo o que queria com
certeza levaria um tapa do pai. O homem não era a criatura mais calma do
mundo e ela não pretendia falar nenhuma amenidade, sendo assim, as coisas
ficariam desagradáveis rapidamente.

Quando Leonardo chegou na casa Gonçalo, não viu sequer a


sombra da dama que se tornaria sua noiva. O homem, pelo contrário, sorria
de um jeito que Leonardo nunca tinha visto e se ele queria parecer simpático
ou satisfeito, estava tremendamente equivocado. Tudo o que parecia era um
homem interesseiro e um tanto intimidador.
-Vejo que caiu em si. Fez a melhor escolha, meu rapaz. Ermelinda
será uma excelente esposa!
Leonardo quase praguejou. O homem sequer disfarçava o golpe
que havia arquitetado. Esperava sinceramente que a filha fosse melhor que o
pai.
-Com isso o senhor irá deixar meus negócios em paz?
Gonçalo ficou boquiaberto. Leonardo sempre foi um homem de
negócios, mas extremamente educado. A pergunta direta e sem amenidades o
pegou desprevenido.
-Mas é claro que sim. Mais do que isso, sempre o ajudarei. Seremos
uma família, afinal.
Leonardo desconfiava se aquele homem sabia exatamente o
significado de ser família para alguém, mas mesmo assim continuou resoluto.
Eles ficaram um bom tempo no escritório de Gonçalo discutindo os termos e
prazos do casamento. Ficou decidido que em cinco dias fariam um jantar de
noivado, escolhendo a dedo os convidados. Poucos, mas o suficiente para
fazerem a notícia de espalhar em pouco tempo, de forma que ninguém
julgasse ser um casamento às pressas quando acontecesse dali a dois meses.
-Senhor, isso não parece rápido demais?
-Enquanto não estiver casado com a minha menina, não
contribuirei com o jornal.
Maldito. Dois meses seria muito até. Leonardo tinha bom controle
financeiro, mas o homem astuto esperou um momento de investimentos no
jornal para ameaçar tirar sua ajuda.
-Então dois meses é mais que o suficiente. – Leonardo confirmou,
mesmo se odiando por isso.
Gonçalo se levantou, satisfeito.
-Acredito que agora queira ver sua bela noiva, não é?
Leonardo não teve tempo de responder. Gonçalo já estava gritando
a criada para que chamasse a senhorita Ermelinda. Ele se sentiu aliviado. Não
teria coragem de perguntar o nome da jovem da qual já estava com
casamento arranjado e aquele escândalo do futuro sogro foi providencial para
evitar um desastre ainda maior.
-Ela irá para o jardim. Venha, eu lhe mostro o caminho.
Leonardo acompanhou Gonçalo por um longo corredor que
chegava aos fundos da casa. O homem indicou a ele uma fonte protegida por
um muro de cercas vivas.
-Lá vocês terão mais privacidade. Ela já deve estar descendo.
Mais privacidade? Leonardo se perguntou se aquele homem era
realmente o pai da noiva ou um cafetão. Como permitiria que a filha
conhecesse o noivo em uma parte tão escondida do jardim? Sozinhos? A
única conclusão que ele podia tirar é que Gonçalo tinha certeza de que
Leonardo era honrado o suficiente para não fazer nada de errado e também
não desfazer o trato. Quanto à reputação de Ermelinda, parecia que o pai
pouco se importava.
Gonçalo esperou Leonardo começar a descer as poucas escadas que
o levariam até o jardim e voltou para dentro de casa. Encontrou a filha no
início do corredor e mesmo que tenha olhado na direção da jovem, pensando
em assegurar que ela não permitisse qualquer avanço por parte do noivo,
Ermelinda sequer pareceu notar o pai. Ainda estava com raiva da situação.
Bem, se o senhor Leonardo tentasse algo, Gonçalo tinha certeza de que a
filha saberia lidar muito bem com ele.
Leonardo admirava a fonte quando ela chegou. Sua memória não
havia feito jus à figura da senhorita Ermelinda e ele com certeza tinha olhado
para ela rápido demais. O cabelo castanho estava preso em um coque frouxo,
que muitos diriam ser sinal de desmazelo, mas os fios soltos e rebeldes a
deixavam com uma aparência de energia. Os olhos castanhos não tinham
nuances diferenciadas. Eram totalmente comuns. Porém, a forma como ela
olhava para ele, mesmo parecendo irritada, lhe conferiam força. A baixa
estatura não fazia com que o porte de rainha passasse despercebido. Ela era
uma jovem extremamente comum e ao mesmo tempo, dona de uma presença
única. Leonardo concluiu que tinha uma noiva linda.
-Senhorita Ermelinda, é um prazer finalmente conhecê-la.
Ele se aproximou e segurou a mão dela, a fim de dar um leve beijo
no dorso. O cheiro de canela que ela exalava o lembrou da infância. Sua mãe
sempre fazia biscoitinhos nos dias chuvosos e os polvilhava com açúcar e
canela. Eram seus favoritos e depois que se viu só com a irmã no mundo,
nunca mais encontrou aquele sabor que lhe lembrava os dias felizes.
Ermelinda sentia ódio. Aquele poderia ser um momento de
felicidade, mas tudo estava acontecendo pelos motivos errados. Ver um
homem que admirava e que realmente poderia considerar para um casamento
se vendendo ao pai dela era nauseante. Ele já era praticamente seu marido e
ainda ousava dizer que finalmente a estava conhecendo. Depois de tudo
arranjado.
-Pensei que seria prudente conhecer o produto antes de adquiri-lo,
meu senhor. Creio que fez as coisas na ordem errada.
Ela puxou a mão que Leonardo ainda segurava e ele a olhou
estupefato. Não imaginava que uma dama fosse agir de forma tão cáustica a
algo que era costume entre muitas famílias.
-Bem... isso... Eu lamento, mas seu pai não me deixou escolha.
Ele realmente parecia envergonhado, mas Ermelinda se ofendeu
ainda mais. Ele lamentava um casamento arranjado ou o fato de que a noiva
era ela? Ele era um homem sem escolha, coitado. Ela seria a imagem que o
atormentaria. Algo imposto claramente contra a sua vontade. Ermelinda teve
vontade de praguejar, mas não se rebaixaria tanto diante de um homem que
não era melhor do que seu pai.
-Compreendo. Creio que as escolhas também foram tiradas de mim,
meu senhor. Bem, agora que nos apresentamos neste cenário tão discreto e
romântico, devo retornar aos meus aposentos e preservar minha reputação.
Creio que uma noiva perfeita faça parte do acordo.
Antes que Leonardo pudesse se recuperar das palavras afiadas da
jovem, ela fez uma curta e breve reverência e se afastou a passos largos. Ele
ficou atônito e ela só sentiu a raiva se transformar em ódio. Ah! Como ousou
alguma vez olhar para aquele homem?
Leonardo ainda ficou por alguns instantes parado como um perfeito
idiota. Ao término de sua reflexão, teve certeza de que alguns casamentos por
conveniência eram grandes desafios, mas o dele seria praticamente uma
guerra.
Ermelinda teve que ouvir sua criada elogiando o porte e a beleza do
homem com quem sua senhora se casaria. Não deveria ser tão ruim ser
esposa de um homem jovem. Pior seria se Gonçalo encontrasse entre seus
amigos de mesma idade alguém rico o suficiente para despertar sua ambição.
Não havia como negar que existiam situações muito mais infelizes, mesmo
assim, Gonçalo não era um homem com problemas financeiros. Não era
necessário vender sua única filha. Isso era o que a deixava revoltada. Saber
que o pai chantageou um homem até deixá-lo sem saída a não ser desposá-la.
Seu pai gostava mais de dinheiro do que dela.

A noite do jantar de noivado chegou rapidamente. Leonardo havia


se dedicado ao trabalho evitando pensar muito na situação. Ele apenas se
dignou a pensar no seu compromisso quando foi ao joalheiro escolher um
anel para sua noiva. Para isso, contou com a ajuda de Adélia e juntos
escolheram um anel com um discreto rubi e pequenos diamantes de cada
lado.
Leonardo tinha certeza de que mesmo que escolhesse uma joia
digna de uma rainha, o coração de Ermelinda não iria se aquecer. A raiva que
ela sentia não era injustificada, mas era injusto que fosse direcionada de tal
forma a ele. Mesmo sabendo que poderia agir de forma mais honrada e
rejeitar a proposta de Gonçalo, ele foi tão manipulado quanto a jovem.
Mesmo assim, Adélia insistiu que o irmão deveria usar todas as
oportunidades para construir sua felicidade.
-Você gostaria de ganhar um anel assim quando ficar noiva?
O sorriso gentil de Adélia não permitiu que o irmão visse a tristeza
que sentia. Já queria estar casada. Queria um bom homem que lhe desse um
filho e uma casa onde seria a senhora.
-Eu adoraria, meu irmão.
Depois de adquirido o anel, a caixinha foi relegada a um canto nos
aposentos de Leonardo e só resgatada no momento em que ele já estava
pronto para levar a irmã até a casa do futuro sogro.
A criada de Ermelinda havia cuidado de sua senhora com esmero.
O vestido de noite azul celeste tinha detalhes e rendas com apliques de
pequenos botões em cetim. O decote recatado, mas atraente, era a aposta de
que o noivo só teria olhos para ela. Os longos cabelos castanhos foram
trançados e arrumados no alto da cabeça de forma sofisticada.
Ermelinda sabia muito bem que aquilo era um grande teatro.
Independente do que usasse, o rapaz diria que ela estava linda ou então não
diria nada. Não haveria diferença, pois sendo ela o que fosse, aquele homem
seria seu marido. Inevitável se não quisesse cair em desgraça. Pensou em
vender suas joias e fugir, mas não seria uma atitude inteligente. O mundo era
um lugar perigoso demais para mulheres viverem sozinhas. Além disso, por
mais forte que julgasse ser, Ermelinda sabia muito bem que viveu protegida e
não saberia como lidar com a luta diária pela sobrevivência daqueles que não
possuíam uma vida com tantas facilidades como a sua. Suas criadas eram
exemplo disso. Vez ou outra contavam como era a vida real, sem os luxos e
vantagens. Eram mulheres admiráveis, mas a jovem tinha certeza de que não
era justo que ninguém vivesse daquela forma.
Havia também a possibilidade de ser encontrada pelo pai. Ela seria
deserdada, espancada, humilhada de alguma forma que se arrependeria
amargamente. A única solução menos terrível encontrada era se casar e fazer
com que o marido a renegasse de tal forma que ficaria mais do que satisfeito
em deixá-la em uma casinha bem longe dele. Isso ela poderia aceitar até
mesmo com alegria. Se ele tivesse amantes, melhor ainda. Poderia deixá-la
livre de suas obrigações.
-Senhorita, por que está com essa carinha? Hoje é a noite do seu
noivado.
Ermelinda se levantou e deu um sorriso fraco para a criada.
-Eu agradeço pelo trabalho que teve para me deixar bonita, mas o
meu noivo não desistirá de mim independente de como eu esteja. Na verdade,
não importa quem eu sou. Só de quem eu sou filha.
Como se fosse invocado, o pai dela entrou no quarto e olhou
satisfeito.
-Está uma princesa hoje, minha querida.
Ermelinda bufou.
-Me sinto mais uma oferenda para um sacrifício.
Ela não saberia dizer como aconteceu, mas quando deu por si o pai
segurava seu braço e dizia em voz baixa e perigosa:
-Escute o seu pai, mocinha. Você vai descer, ficar o tempo todo ao
lado do seu noivo e se mostrar a mulher mais feliz do mundo. Todos estarão
de olho em você e eu quero que cada convidado que a veja saiba que este não
será um casamento de fachada. Você sempre foi tão boa para esconder suas
travessuras, convença-os de que tudo está como deveria ser.
Dito isso ele saiu deixando a filha com mais raiva do que já sentia.

-Aqui está ele!


Gonçalo sorriu e foi em direção a Leonardo e Adélia.
-Senhorita Adélia, é um prazer recebê-la em minha casa.
O homem fez uma mesura mais graciosa do que a jovem julgava
possível e logo o trio estava em uma conversa animada. Adélia até chegou a
pensar que o futuro sogro de Leonardo não era um homem terrível como
todos, inclusive o irmão, falavam. Mesmo assim, ela percebia Leonardo tenso
ao seu lado o tempo todo e ela tinha certeza de que isso não tinha ligação
alguma com o noivado em si.
Quando Ermelinda se juntou a eles, Leonardo engoliu em seco. Sua
futura esposa estava extraordinária. Dois meses, ele pensou. Era fato de que
não sentia amor por aquela mulher, mas a atração que ela exercia sobre ele
era mais que satisfatória.
Sentindo o olhar quente de Leonardo em si, Ermelinda se sentiu
ainda mais ofendida. Como parte envolvida em uma negociação, ela se sentia
um objeto vendido. Porém, o olhar daquele homem e sua posição como
marido faria dela algo pior. Ela seria uma forma dele obter prazer e filhos.
Ela estremeceu. Seus filhos teriam os traços dele. Traços de um homem
bonito que teve que ficar com ela para que o pai não afetasse seriamente seus
negócios. Será que ele também diria que lamentava ter filhos com ela? Ela já
ouvia as frases ecoando na sua mente. Lamento, mas temos que consumar o
casamento. Lamento, mas precisamos de um filho. Ela fechou as mãos
tentando se controlar e sentiu as unhas afundarem na carne macia das palmas.
Apenas quando sentiu duas mãos delicadas em seu braço voltou para a
realidade.
-Oh, venha, senhorita Ermelinda. Vamos deixar os homens e seus
assuntos tediosos. Você terá muito tempo para conversar com meu irmão
mais tarde.
Ermelinda se deixou levar por Adélia e tratou a jovem com
gentileza. Adélia não tinha culpa alguma e talvez mais cedo ou mais tarde se
tornasse uma vítima também. Enquanto isso, os homens se reuniam no
escritório de Gonçalo.
O homem ofereceu uma bebida e indicou uma poltrona confortável
para o futuro genro.
-Você tirou a sorte grande, meu rapaz. Minha filha será uma boa
esposa.
Leonardo apenas assentiu e bebeu o que Gonçalo havia lhe
oferecido. Ainda estava aturdido com a aparição de Ermelinda. Ele esperava
contornar a mágoa que a jovem carregava por conta do acordo de casamento
e permitir que a atração se desenvolvesse até ser transformada em algo
duradouro.
-Além disso, apenas nós sabemos como as coisas aconteceram.
Acho melhor que os outros convidados pensem que o enlace é sincero. Já
alertei minha menina para agir como uma mocinha apaixonada, então conto
com você para fazer a sua parte.
-Ela não está apaixonada por mim.
Gonçalo fez uma careta.
-Ora, eu sei. E também está bem claro que não está apaixonado por
ela, mas os outros não precisam saber, não é? Façam um teatrinho essa noite
e garanto que evitarão muitos comentários maldosos pelos próximos anos.
-Não sou bom em fingir.
-Pense que a vontade que tem de levá-la para a cama é amor. O
resto acontece naturalmente.
Leonardo ficou terrivelmente constrangido e antes que pudesse
falar algo, o homem prosseguiu com um tom conspiratório.
-Eu vi como olhou para ela e reconheço a beleza de minha filha.
Enquanto os homens entravam em uma conversa cada vez mais
incômoda para Leonardo, as duas moças conversavam sobre amenidades.
Pelo menos até Ermelinda ser vencida pela curiosidade.
-Quem é o senhor Leonardo?
-Como? – Adélia ficou desconcertada. – O que quer dizer?
-Senhorita Adélia, acredito que eu saiba o motivo pelo qual o seu
irmão precisa se casar comigo.
Ermelinda poderia ter explicado de outra forma. Poderia dizer que
Leonardo queria se casar com ela, mas na verdade ele apenas precisava. Ela
poderia querer se casar com ele em uma outra situação, mas naquelas
circunstâncias era impossível estar satisfeita com a situação.
-Eu entendo. – Adélia disse baixinho. – Eu não esperava que ele
ficasse noivo novamente em tão pouco tempo.
Ermelinda teve que fazer um grande esforço para não praguejar.
Primeiro, porque damas não praguejavam. Segundo, porque ela tinha que se
lembrar a todo o tempo de que Adélia não tinha culpa dos atos do irmão. A
resposta de sua futura cunhada confirmou os rumores que tinha escutado, mas
mesmo assim achou melhor esclarecer perfeitamente.
-O que aconteceu? Quero dizer, também era um acordo?
Adélia balançou a cabeça em negativa. Não deveria estar contando
isso para a nova noiva do irmão, mas ela parecia genuinamente interessada.
Um casal não deveria começar uma vida sem segredos? Era o que ela
acreditava.
-Na verdade não. O interesse de meu irmão era genuíno, mas a
dama já estava interessada em outro.
Ermelinda fechou os olhos por um instante. Aquilo era um desastre.
Pior do que ser parte de um acordo comercial era se casar com um homem
abandonado por outra mulher. Quando ele a tomasse na noite de núpcias com
certeza pensaria na primeira noiva. Ah, fugir começou a parecer tentador. A
mão de Adélia sobre a sua de forma tranquilizadora a trouxe de volta para a
realidade.
-Não se chateie com isso. Fará meu irmão esquecer o que sentiu por
ela rapidamente. Se Leonardo for bom marido como é bom irmão, ouso dizer
que a senhorita tirou a sorte grande.
-Senhorita Adélia, seu irmão só vai se casar comigo para evitar que
o jornal dele passe por problemas.
Adélia suspirou.
-Eu sei, mas eu prefiro pensar que esse acordo todo seja na verdade
apenas uma forma que o destino encontrou de seguir seu caminho.
Destino. Ermelinda suspirou. Nunca foi uma jovem muito
romântica e agora parecia que o pouco de ilusão que possuía não existia mais.
Mesmo assim, gostaria de acreditar que o destino não queria humilhá-la
daquela forma.

O jantar transcorreu com tranquilidade, mas tanto Leonardo quanto


Ermelinda sentiam os olhares curiosos dos convidados. Quando todos
terminaram a refeição, Gonçalo ordenou que fossem servidas taças de
champanhe aos convidados e Leonardo se pôs de pé para fazer o pedido.
Ermelinda aceitou com um sorriso que ofuscou tudo ao redor e os aplausos e
brindes duraram um bom tempo.
Diante daquele sorriso, Leonardo não precisava fingir que estava
enfeitiçado por aquela que agora era sua noiva. Sem tirar os olhos de
Ermelinda, eles seguiram os convidados para a sala, mas tomaram o cuidado
de se manterem um pouco afastados.
-Eu prometo ser bom com você, minha cara.
Ermelinda apenas assentiu. Havia corado, sim. De raiva. Aquele
teatro, aquelas palavras falsas... tudo era mentira. Quando sua vida havia se
transformado em algo tão sem sentido?
-Quer dar uma volta no jardim? Acredito que seu pai não se
importaria.
-É melhor não. Não quero correr o risco de manchar minha
reputação logo às portas do casamento.
Ser a moça honrada. Isso tinha que bastar. Se Leonardo a levasse
para o jardim, que tipo de liberdade tomaria? Agora que era seu noivo
poderia muito bem se sentir à vontade para tomar certas liberdades que ela
não estava nem um pouco interessada em conceder. Sendo assim, não
permitiu que ficassem sozinhos em momento algum e quando todos os
convidados foram embora, ela se despediu de Leonardo deixando bem claro o
que pretendia.
-Nos vemos no casamento, meu senhor.
Leonardo voltou para casa com Adélia tendo a certeza de que seu
casamento seria o maior desafio que iria enfrentar. Talvez fosse mais fácil
reerguer “A coluna Portuguesa” sem o apoio de Gonçalo do que construir
uma vida com a filha dele.
Capítulo 2

Em muitos aspectos, dois meses pareceram dois dias. Em outros,


pareceram dois séculos. Enquanto Leonardo trabalhava como nunca no jornal
e treinava dois de seus melhores funcionários para organizar as coisas
enquanto ele estivesse em lua de mel, Ermelinda tratava de organizar o
casamento. Gonçalo dava o dinheiro, mas todas as decisões eram da jovem.
Ah! Como sua mãe fazia falta em um momento como aquele!
Organizar o casamento em si era cansativo, mas deixava Ermelinda
feliz. Qual mulher não sonhava em se casar? Infelizmente ela estava se
comprometendo pelos motivos errados, mas não iria destruir o seu momento.
Na verdade, ela sentia um certo prazer em gastar o dinheiro do pai. Um
homem tão ambicioso ficaria ligeiramente menos rico depois dos excessos da
filha.
Foi apenas com muito chá que o sono venceu Ermelinda na sua
última noite na casa do pai. Só de pensar que na noite seguinte estaria
dividindo a cama com o marido, chegava a ter calafrios. Como era o corpo nu
de um homem? Como ele seria? Ah, o que ele faria?
Na véspera do casamento, a donzela deveria receber informações
passadas pela mãe sobre como agir na sua primeira noite, mas Ermelinda não
teria aquilo. Sua única informação veio de sua criada que sorria de forma
maliciosa e dizia estar com inveja dela. A jovem tinha corado praticamente o
corpo todo, mas conseguiu pensar em uma resposta ousada.
-Se acha que tenho tanta sorte assim, eu permito que passe a noite
com ele. Deixando as velas apagadas duvido que ele note alguma diferença.
Para sua frustração, a criada gargalhou.
-Senhorita, a única coisa que pode fazer é aproveitar por nós duas.
Aproveitar. O que ela teria para aproveitar? Ela o odiava, isso sim.
Pensar que ele iria tocá-la como provavelmente nem ela mesma se tocava
fazia com que seu corpo arrepiasse. Aquilo só podia ser asco. Com isso, o
sono se foi. Bebeu a primeira xícara de chá, logo veio a segunda e a terceira.
É fato que depois de adormecer mesmo que a casa caísse ela não acordaria,
mas Ermelinda acabou dormindo menos do que queria. Por sorte, o
casamento seria apenas no início da tarde.

Mais chá. Ermelinda precisava de mais chá.


-Mas senhorita! E se cair alguma gota no seu vestido? – A criada
perguntou horrorizada.
-Não adianta uma noiva impecável e histérica. Mais chá, por favor.
A jovem estava pronta. O vestido servindo com perfeição e os
cabelos presos com grampos enfeitados com pérolas. O banho foi tão
perfumado que Ermelinda tinha certeza de que ficaria com cheiro de flor de
laranjeira pelos próximos cinco anos.
Enquanto Leonardo estava na igreja teve tempo de sobra para
pensar como sua vida havia mudado. Pouco tempo atrás poderia jurar que
estaria ali esperando por Lílian. No entanto, ela já estava casada com seu
amigo Henry, do outro lado do oceano e ele estava ligando sua vida a uma
mulher desconhecida para salvar seu meio de sobrevivência. Não poderia
mentir. Sempre havia pensado que decidiria se casar de forma racional e
aquela era uma forma bastante apropriada. Mesmo assim, gostaria de fazer
com que sua esposa fosse feliz e isso envolveria muito tempo até que ela se
sentisse menos ultrajada com a forma como o compromisso foi decidido.
Foi com a intenção de começar a vida com Ermelinda da melhor
forma possível que decidiu ter a lua de mel. O jornal não poderia parar e ele
ficava em agonia só de pensar em se afastar por uma semana do trabalho.
Mesmo assim, em respeito à sua futura mulher, Leonardo se organizou para
passar um mês com ela em uma casa cedida pelo próprio pai da noiva.
Orientou aos funcionários que estariam em seu lugar a enviarem relatórios
diários e que se alguma coisa saísse do controle, não deveria haver hesitação
em chamá-lo. Também sentiria falta de Adélia. A irmã garantiu que adoraria
morar com o irmão e a cunhada, mas ao menos por um mês ela estaria
sozinha.
Como queria que Henry e Lílian estivessem ali! O amigo sempre
lhe deu bons conselhos e Lílian jamais deixaria Adélia se sentir só.
Um amigo de Leonardo o tirou de seus devaneios.
-Ei, homem! Pare de sonhar com a lua de mel e volte para a
realidade. A noiva chegou.
E então tudo foi um borrão. Para ambos.
As lembranças de Leonardo sobre a cerimônia do casamento se
resumiam a pensar que Ermelinda era um anjo, caminhando em sua direção
com os raios do sol a tornando extraordinária. Sua própria voz estranha e
rouca demais quando falava seus votos e um instante de bom senso ao beijar
a esposa na testa diante de todos ao invés de tornar realidade alguns dos
pensamentos indevidos que o tomavam.
Ermelinda se lembraria do pai a entregando para seu novo dono.
Ele a olhava como se fosse se jogar sobre ela. Bem, se ele fizesse isso, ao
menos ali na igreja alguém iria resgatá-la. Os votos foram repetidos de forma
automática, sem qualquer emoção. Já a voz dele fez com que aqueles votos
parecessem promessas sensuais a deixando corada em pleno altar! Revolta,
com certeza. Quando ele colocou a aliança em seu dedo, ela não escutou o
som do órgão da igreja e sim um martelo de leiloeiro. Feito! Negociação
concluída! Se ele a beijasse... ela morderia aquele lábio carnudo e
provavelmente muito macio dele. Não sabia nem beijar, mas não deveria ser
difícil morder. Por sorte, ele a beijou na testa. Ótimo. Ela tinha acabado de
ganhar um irmão. Afinal, não era melhor só ter acontecido um beijinho na
testa? Enquanto ainda tentava se entender, Ermelinda foi guiada para fora da
igreja pelo homem que agora era seu marido. Ele a ajudou a entrar na
carruagem e pela primeira vez, entendeu o peso da expressão “enfim sós”.
O trajeto de poucos minutos pareceu durar uma vida inteira. O
silêncio pesava entre eles e Ermelinda resolveu fechar os olhos como se
estivesse se preparando para adormecer.
-Está cansada? – Leonardo se arriscou a perguntar.
-Não exatamente.
Silêncio.
-Está me evitando então. – Ele insistiu.
-Não exatamente.
Leonardo suspirou e entendeu que era melhor deixar as coisas
como estavam. Se ele contrariasse a esposa com a recepção ainda por vir, as
coisas ficariam mais difíceis para ambos. Durante a lua de mel poderia
debater, discutir e fazer o que mais fosse necessário. Por enquanto, por mais
incômodo que fosse, o silêncio era a melhor opção.
A recepção foi grandiosa. Leonardo ficou feliz por ver como a irmã
aproveitou o momento em companhia de algumas amigas. Ele ficou o tempo
todo ao lado da esposa como deveria e quando o casal começou a se despedir
para poder iniciar a viagem de lua de mel, ele deixou Adélia com o coração
apertado.
-Qualquer coisa que precisar, qualquer coisa que acontecer, me
chame.
-Meu querido, agora você tem uma esposa.
Leonardo abraçou Adélia.
-Mas primeiro tenho uma irmã. Sempre será assim, entendeu?
Ela assentiu e sentiu o irmão beijar seus cabelos.
Quando Adélia abraçou Ermelinda, disse baixinho no ouvido da
cunhada:
-Cuide do meu irmão. Ele é tudo o que eu tenho.
Aquelas palavras aplacaram um pouco a agitação da noiva, mas
tudo o que ela mais queria era devolver o marido.
-Ele sempre estará com você.
Sob vivas de todos os presentes, Leonardo guiou Ermelinda para a
carruagem novamente e após muitos acenos, deixaram a festa para trás indo
em direção ao desconhecido.
Leonardo se lembrava da convivência dos pais, mas era pequeno
quando os perdeu e sabia que a postura de sua esposa era totalmente diferente
da de sua mãe.
Ermelinda não tinha experiência alguma com o tipo de casamento
que queria para si. Seu pai e sua mãe não eram exatamente um sinônimo de
felicidade conjugal e se ela tinha aprendido algo era exatamente o que não
fazer. Devido aos seus anos de experiência, a lista era enorme.
-Para onde vamos? – Ela perguntou depois de um tempo olhando as
ruas.
-Seu pai não lhe contou?
Ela não se deu ao trabalho de olhar para o marido.
-Não. Eu não sou mais problema dele.
Leonardo se empertigou. A esposa ainda estava muito ofendida. Ele
nunca precisou lidar com mulheres temperamentais. Adélia tinha excelente
temperamento e a proximidade dos dois fazia com que pudessem conversar
abertamente. As outras mulheres não tinham tempo para se chatearem com
sua presença. Tudo era rápido e proveitoso para ambas as partes.
-Seu pai permitiu que passássemos a lua de mel na casa de campo
dele. Pelo que eu entendi é um local que você gosta de visitar.
Ermelinda bufou.
-De fato, era. Até descobrir que meu pai se encontrava com a
amante lá.
Leonardo não sabia o que falar. Não duvidava das palavras da
esposa, mas jamais pensou que estaria naquela situação.
-Bem, se eu soubesse... Podemos parar em uma hospedagem ou
procurar um hotel luxuoso para essa noite. Minha casa é grande e Adélia não
se importará de voltarmos.
Essa noite. Aquelas palavras a deixaram mais afogueada. Era raiva,
definitivamente.
-Não se preocupe, meu senhor. Ao contrário do que o meu pai fazia
naquela casa com uma mulher qualquer, somos abençoados por Deus e pela
sociedade.
Como se quisesse terminar aquele assunto, Ermelinda fechou os
olhos e tentou dormir. Dessa vez, Leonardo não insistiu em tentar conversar.

Ela não queria de fato adormecer. Tudo o que Ermelinda desejava


era parar de ouvir a voz grave de Leonardo. Parecia que tudo nele a irritava
profundamente e para não querer jogá-lo para fora da carruagem e ficar
viúva, mesmo que fosse muito conveniente, achou melhor fazer de conta que
ele não estava lá. O que ela não contava era que o seu corpo havia escolhido
o balanço não tão confortável da carruagem para se render ao cansaço dos
últimos acontecimentos. Quando voltou a si, já estava no destino, sendo
carregada escada acima.
Ela piscou reconhecendo o caminho para os quartos. A sensação
nova era o corpo forte e quente que a carregava. O cheiro de sabonete com
um leve ar de uísque a fez olhar para o rosto da pessoa que a carregava. Seu
marido a olhava de volta.
-Tentei não acordá-la, mas já chegamos.
Leonardo hesitou por um tempo se deveria tentar acordar a esposa
ou não para tirá-la da carruagem. Pensando que ela ficava mais adorável
adormecida do que acordada, optou por pegá-la nos braços e fazer tudo ao
seu alcance para que Ermelinda dormisse até o dia seguinte se fosse possível.
A noite de núpcias que fosse mandada às favas. No estado de espírito em que
ela se encontrava, não permitiria que ele a tocasse e jamais forçaria a jovem a
nada.
Ermelinda se mexeu nos braços dele e ambos se retesaram. Se ela
queria se mostrar incomodada, só piorou as coisas fazendo com que as curvas
do seu corpo deslizassem junto a ele. Leonardo tentou segurá-la com mais
firmeza na esperança de que Ermelinda parasse de se mexer.
-Pode me colocar no chão, por favor.
-Tem certeza?
-Tenho.
Leonardo soltou a esposa com cuidado e assim que os pés tocaram
o chão, ela começou a andar pelo corredor que já conhecia tão bem. Diante da
porta do maior quarto da casa, uma criada estava à espera.
-Meu senhor, minha senhora, o quarto está pronto.
Ermelinda passou pela criada como se não a tivesse escutado.
-Ficarei no meu quarto.
Leonardo respirou fundo, mas não se conteve.
-Mas agora o seu quarto será este. Comigo.
Ela se virou e analisou o marido dos pés à cabeça.
-Eu já tinha um quarto nesta casa antes de saber da sua existência.
Ficarei nele.
-Mas agora é uma mulher casada!
-Na verdade, meu senhor, sou uma mulher entregue de bom grado
como parte de uma negociação. Prepare-se, pois além dos termos do meu pai
o senhor em breve conhecerá os meus.
Ela abriu a porta, entrou e a fechou com tamanha violência que a
criada praticamente deu um pulo assustada com o estrondo.
Leonardo suspirou.
-Onde ficam as bebidas?
A criada, ainda confusa, informou que traria o que o senhor
precisasse para o quarto. Incapaz de ficar no cômodo depois daquela recusa,
Leonardo achou melhor ir beber em outro lugar e logo foi indicado o uso do
escritório. Ele aceitou de bom grado.
Ermelinda se recostou na porta e escutou o marido se afastar. Ainda
tremia. Nunca foi a pessoa mais submissa e calma do mundo, mas sabia que
tinha agido de uma forma que ninguém aprovaria. Claramente rejeitou o
marido e por mais que estivesse com raiva de toda a situação, nunca sentiu
prazer em ofender as pessoas. Mesmo assim, tinha que garantir seu espaço e
deixar tudo bem claro desde o início. Lembrou dos pensamentos românticos
em que sonhava que o seu marido era um homem perdidamente apaixonado.
Ele tiraria seu vestido de noiva com gentileza e lhe diria coisas bonitas.
Quando ele a beijasse, ela sentiria estar no céu e todos teriam inveja de sua
alegria como mulher. Bem, as coisas seguiram outro rumo.
Leonardo deixou a bebida queimar sua garganta. Desde que havia
decidido se casar percebeu que estava bebendo mais do que o usual. Mas
quem iria culpá-lo? Sua esposa estava agindo como uma megera sem sequer
ter o trabalho de conhecê-lo. Com certo incômodo, admitiu que também não
tentou conhecê-la antes do noivado ou mesmo durante ele. Modéstia à parte,
ele acreditava que Ermelinda poderia ter maridos piores, mas isso não seria
um argumento válido para amolecer o coração da moça. Como fazer o
casamento ser tolerável para ambos? Ao menos tinha que ser consumado. Se
Gonçalo acreditasse que algo estava errado entre o casal, poderia tentar
manipular Leonardo novamente e ele só poderia reclamar se estivesse com
todas as suas obrigações em dia.
Pensando na mulher que estava trancada no quarto, Leonardo se
pegou imaginando se conseguiria consumar o enlace. Com certeza.
Ermelinda era uma mulher muito bonita e aquelas roupas pediam para serem
retiradas. Porém, ela não o aceitaria facilmente e ele não era covarde a ponto
de forçá-la. Tinha que ao menos tentar conversar, mesmo que isso jogasse
seu orgulho por terra. Adélia saberia o que fazer, mas ela não estava
disponível no momento. Com um suspiro resignado, terminou sua bebida e
foi bater na porta do quarto de sua esposa.
As batidas tiraram Ermelinda dos seus pensamentos. Sequer havia
retirado o vestido ainda. Os grampos do penteado a incomodavam
intensamente e ela havia removido alguns, mas como os cabelos pareciam
não querer ceder, desistiu de continuar a soltá-los. Provavelmente alguma
criada decidiu vir ajudá-la a sair de todo aquele tecido e retirar os terríveis
grampos.
-Entre!
Sem nem ao menos pensar, ela se virou de costas para a porta e
começou a tagarelar.
-Ah, finalmente! Me ajude com esse vestido. Essa coisa pesa uma
tonelada.
Leonardo parou por um instante, mas optou por retomar o passo.
Ela não percebeu que era ele quem entrava no quarto. Sabia que a esposa iria
se irritar como nunca, mas aceitou fazer o papel de criada. Fechou a porta e
começou a tentar decifrar como tirava aquele vestido. Ao contrário da maior
parte das roupas femininas que conhecia, o traje era preso for fitas e laços em
um estilo romântico e nada daquela fila interminável de botões com um ou
dois ganchos escondidos. Por um breve instante ele se pegou imaginando
como seria agradável desfazer aqueles laços com os dentes.
Ermelinda estava tão acostumada com sua criada que notou
imediatamente que era outra pessoa a despindo. Ah, por que não a trouxe
para a lua de mel? As mãos firmes demoraram um pouco mais do que ela
julgava ser necessário, mas não havia nada a reclamar. Tudo o que queria era
tirar aquele traje e se puder, remover junto com ele um pouco daquela
sensação de revolta que lhe acompanhava. Ao perceber que as mãos
deixaram o vestido e nada mais fizeram, ela se virou.
-Vamos terminar de tirar isso, n...
A palavra ficou presa na garganta. Não havia criada nenhuma no
quarto e sim o seu marido.
-Como ousa?
Leonardo sabia que poderia ser assassinado naquele momento. Se
antes os olhos dela brilhavam de raiva, agora era ódio que ardia neles.
Ermelinda segurava o vestido sobre os seios evitando que o tecido
escorregasse até o chão enquanto tentava acreditar no que estava
acontecendo.
-Eu vim conversar com você, mas parecia tão incomodada com o
vestido. – Percebendo que ela ainda continuava lívida, prosseguiu. – Eu abri
o vestido para você, mas não vou tirá-lo. Sequer encostei em você.
-Devo agradecê-lo então?
Leonardo encolheu os ombros em uma atitude que ela achou
debochada demais.
-Creio que não é um pecado o marido ajudar a esposa com seu
vestido de noiva.
Ermelinda bufou.
-Claro. Afinal, tenho um marido muito apaixonado, não é? O que
devo fazer agora? Me deitar na cama e esperar que se deite por cima de mim?
Ela estava corada de raiva, mas aquelas palavras a deixaram ainda
mais vermelha. O corpo de Leonardo reagiu diante daquelas palavras e ele
percebeu que ao menos desejo não seria problema entre eles. Como ele
conseguia desejar aquela mulher com ela cuspindo fogo daquela forma? Isso
era um mistério.
-Podemos conversar?
-Eu não vou conversar seminua com o senhor!
Leonardo poderia argumentar que ela estava longe de poder ser
considerada uma mulher em tal situação, mas entendeu que aquilo não iria
adiantar.
-Vou chamar uma criada para terminar o serviço e depois voltarei
para conversarmos.
-Eu não tenho nada para conversar com o senhor.
-Ermelinda, eu....
-Linda. – Ela o interrompeu.
-Perdão?
Ela deu de ombros.
-Não gosto do meu nome. Isso foi coisa do meu pai. De agora em
diante, responderei apenas por Linda.
Ótimo, ele pensou, a esposa era uma mulher caprichosa. De
qualquer forma, o nome era dela e poderia decidir como gostaria de ser
chamada. Ele, porém, percebeu que deveria tentar manter seu espaço e sua
parte na liderança da vida de casados ou aquela mulher iria devorá-lo.
-Esposa, ainda hoje vamos discutir os termos desse casamento.
Assim como seu pai e você optaram por impor vontades, saiba que eu
também tenho meus pontos e defenderei cada um deles.
-O seu ponto é manter o seu jornal.
-O meu ponto é manter a minha vida e goste ou não você agora faz
parte dela.
Sem dar chance para que Ermelinda pudesse responder, Leonardo
saiu do quarto e chamou uma criada. A mulher ficou um longo tempo no
quarto de sua senhora enquanto ele estava de pé no corredor esperando.
Aguardava por ela e pela sua paciência que havia desaparecido desde que
aquela mulher impossível se trancou dentro do quarto errado.
A criada ajudou Ermelinda com o vestido e os cabelos e logo ela
estava em um roupão confortável enquanto a mulher escovava os longos fios
cor de chocolate.
-Minha senhora, se me permite, não é bom brigar tanto na noite de
núpcias. Essa é a noite mais importante de um casamento, a lembrança mais
forte que terá.
Ermelinda bufou. De todos os lugares, aquele era o pior para uma
lua de mel. Era muita audácia de seu pai oferecer a casa para eles ficarem.
-A lembrança mais forte que tenho dessa casa é o meu pai levando
a amante dele para o quarto em que viveu com a minha mãe. Foi naquele
quarto que eu nasci e é exatamente lá que o meu marido me espera. Eu não
consigo.
A criada suspirou.
-Ah, minha senhora... isso foi há tanto tempo...
De fato, foi. Mas para Ermelinda parecia ter acontecido naquela
mesma manhã. Daquele dia em diante a relação dela com o pai ficou
estremecida e com o casamento arranjado, finalmente ruiu.
Com a morte da mãe, Ermelinda tinha se apegado ainda mais à casa
onde nasceu e passou seus primeiros anos. Infelizmente o pai não sentia tanto
a perda da mulher. Ainda durante o luto, ela presenciou o pai e a amante
naquela casa. Anos depois ela entendeu que só tinha visto por ter achado a
brincadeira com os vizinhos chata e ter voltado para casa mais cedo, mas
mesmo assim ela não entendia como o pai poderia ser tão insensível.
-O meu casamento não será melhor do que o dela. Meu pai arranjou
isso. Chantageou esse homem para se casar comigo.
A criada deu de ombros e continuou escovando os cabelos da
senhora.
-Tente tirar o melhor disso tudo. Ele ao menos lhe deu um marido
jovem e bonito. E esse marido pode lhe dar filhos. Seus filhos a amarão com
todo o coração, assim como a senhora ama sua falecida mãe.
Ermelinda suspirou. Filhos também faziam parte dos seus sonhos
românticos. Queria muitos para compensar sua existência solitária, mas agora
se perguntava se gostaria de olhar para eles e ver algum traço do seu marido
em seus rostinhos. Isso era algo que precisaria de tempo para refletir.
-A minha casinha ainda existe?
A criada riu. A pedido da mãe de Ermelinda, Gonçalo mandou
construir nos limites do jardim uma casa de um único cômodo para que a
menina pudesse brincar. A pequena Ermelinda passava horas e mais horas
todos os dias se divertindo ali. Talvez aquele fosse o único lugar naquela casa
onde poderia pensar em abaixar a guarda.
-É claro, minha senhora. Ainda existem brinquedos seus guardados
na casa.
Pela primeira vez naquele dia, finalmente ela sorriu de forma
sincera.
-Amanhã irei até lá.
Quando a criada terminou o seu trabalho, deixou Ermelinda
sozinha. Ao sair, disse para Leonardo que a senhora o esperava.
Entrando novamente no quarto, Leonardo encontrou sua esposa
sentada diante da penteadeira. Ela indicou uma pequena poltrona para ele,
que aceitou de imediato.
A visão era cômica. Um homem com aparência viril sentado em
uma delicada poltrona cor de rosa na qual mal cabia. Porém, salvo a poltrona,
apenas a cama estava disponível e ela jamais permitiria que ele se sentasse
ali.
-Senhor Leonardo, não posso fingir grande ignorância sobre o
assunto, mas gostaria que fosse totalmente sincero comigo. Quero ouvir do
senhor o que o meu pai fez para conseguir esse casamento.
Leonardo quis se mexer um pouco naquela poltroninha, mas seria
ainda mais desconfortável se o fizesse. Estava confinado naquela coisinha cor
de rosa. Era mais que evidente que aquele móvel não era apropriado para
alguém do seu tamanho, mas ao menos por enquanto não iria se levantar. Não
mentiria para a esposa e isso lhe dava a certeza de que ela ficaria ainda mais
ultrajada. Que Deus o ajudasse.
-Gonçalo é um dos maiores parceiros do meu jornal. A
popularidade dele atrai novos leitores, patrocinadores e credibilidade. Obter
essas coisas é uma luta constante para qualquer jornal e todos podem garantir
que o alcance de “A coluna Portuguesa” é admirável para algo tão recente.
Meus funcionários e eu nos matamos de trabalhar no começo e só agora
estamos realmente colhendo os bons frutos. Seu pai ameaçou parar de nos
apoiar.
Ermelinda tamborilava os dedos na penteadeira. Era bem o estilo
do pai conseguir o que queria usando seu poder sobre os outros. Ela conhecia
a fama do jornal de Leonardo assim como a fama dele próprio. Havia
suspirado por aquele homem sempre que o via em algum evento, mesmo que
nunca fosse notada.
-E o senhor não poderia buscar uma forma de se reerguer sem
aceitar esse acordo?
Leonardo teve vontade de questionar se o casamento deles
atrapalhou algum plano que ela poderia ter de se casar com outra pessoa. Na
verdade, ele tinha várias perguntas, pois queria conhecer a mulher com quem
se casou. A vida inteira era tempo demais para estar com alguém infeliz ao
lado, mas aquele era o momento em que ela perguntava. A vez dele chegaria
em breve. Sendo assim, se limitou apenas a responder.
-Eu conseguiria facilmente resolver a minha situação, mas isso
traria perdas para os meus funcionários. Aqueles homens possuem esposas e
filhos. Todos eles trabalham com dedicação e lealdade. Como eu poderia
demitir um homem que acabou de saber que a mulher está grávida? Eu não
conseguiria olhar para eles e vê-los apreensivos pensando quem seria o
próximo que eu iria dispensar.
Leonardo respirou fundo. Conheceu seus funcionários mais
próximos quando todos ainda não tinham compromisso algum e em pouco
tempo conseguiram prosperar e construir uma família. Teve um que até
mesmo deu o nome do patrão para seu primeiro filho! Eles eram sua
responsabilidade.
-Além disso, preciso pensar no futuro de Adélia. Um irmão lutando
para não falir não é o tipo de cunhado que os cavalheiros procuram.
Ermelinda assentiu de forma distraída.
-O senhor parece ser um bom irmão.
Não era uma pergunta e mesmo assim, Leonardo sentiu que deveria
responder de alguma forma.
-Eu quero ser o melhor irmão, mas sei que estou longe disso.
Aceito e cumpro o meu papel cuidando de Adélia da melhor forma possível.
Esposa, eu sei que assumi um compromisso imenso com você e também
quero fazer o meu melhor.
-O melhor que poderia fazer neste caso era me dar a chance de
escolher e isso, definitivamente, não tive.
Essa era a questão. Ermelinda queria se sentir livre para escolher.
Teria se casado com ele de bom grado se o pai não tivesse se intrometido,
mas sabendo que Leonardo apenas a aceitou por ser a única alternativa, seu
ultraje ultrapassava qualquer simpatia que poderia nutrir pelo marido.
-Dentro das possibilidades, - ele prosseguiu. – lhe darei escolhas.
Ermelinda sabia que ele acreditava em cada palavra, mas ela tinha
certeza de que na prática aquilo não ia acontecer.
-Posso ter meu próprio quarto?
Leonardo pigarreou. Ela apostava alto.
-Meus pais dividiam o mesmo quarto. Acredito que se quisermos
ter alguma chance de fazer esse casamento dar certo, o melhor é estarmos
próximos.
Ermelinda resistiu ao desejo de revirar os olhos. Ele disse que daria
escolhas a ela, mas parece que não daria nada.
-Não vou me deitar com você.
-Se posso dizer algo a meu favor, saiba que eu não ronco.
Ela corou. Aos olhos dele, ficou mais bonita.
-Quero dizer, marido, que não vou permitir que me toque.
Intimamente.
Leonardo piscou confuso.
-Está se referindo à noite de núpcias?
-Estou me referindo a várias noites. Não tenho interesse no
momento de viver com o senhor de forma tão íntima.
A mente de Leonardo repetia a todo o momento que não tocaria a
esposa sem a permissão dela, jamais a forçaria a se entregar. Porém, ela
queria sinceridade e isso ele daria sem hesitar.
-Esposa, estamos na casa do seu pai. Todos esses criados, por mais
que a adorem, são pagos por ele. Se por acaso não acreditarem que o
casamento foi consumado, ele logo saberá. Então cumprirá a ameaça da qual
tentei escapar com esse casamento e você ficará presa a mim de qualquer
forma.
-Posso pedir a anulação do casamento se isso acontecer. – Ela
sentiu uma pontinha de esperança surgir.
-Seu pai nunca mais a consideraria como filha.
Ermelinda suspirou. Ele estava certo. Gonçalo preferia dizer que a
filha morreu do que assumir que ela havia anulado o enlace. De qualquer
forma, por mais que pensasse não se via junto a Leonardo naquela noite.
-Não irei consumar o casamento. Porém, acredito que o senhor
possa me explicar como agir para que todos acreditem que aconteceu.
Felizmente não é mais necessário haver testemunhas durante o ato.
Leonardo riu e percebeu que isso a fez quase queimá-lo com o
olhar. Aquela poderia ser uma forma de tornar as coisas interessantes. Nunca
foi um sedutor, mas a inocência dela poderia ser uma aliada caso ele pecasse
em algo. Tinha certeza de que uma noite de luxúria não salvaria casamento
algum, mas tudo o que ele precisava era que aquela mulher parasse de querer
guerra contra ele. Se tivessem a chance de se conhecerem, se divertirem,
poderia haver o tempo de cortejar e talvez construíssem algo bom juntos.
Naquele momento, ele poderia mostrar a ela um pouco de como poderia ser
bom sussurrar ao invés de gritar.
-É claro que posso explicar passo a passo. Porém, terá que me dar
algumas liberdades. Existem coisas que não podem ser colocadas em
palavras.
Ermelinda cruzou os braços e deu um sorriso lindamente cínico.
-Duvido muito. Tudo pode ser posto em palavras. Caso contrário,
como eu mesma poderia explicar caso me perguntassem algo?
-Algumas coisas não são ditas. Mulheres ao falar de certos assuntos
devem corar, por mais que gostem de falar a respeito. Isso, só memórias
podem fazer por você de forma convincente.
-Você é traiçoeiro como o meu pai.
Leonardo não considerou aquilo um elogio de forma alguma, mas
se ele conseguisse fazer o que queria assim como Gonçalo fez, já era o
bastante.
-Eu prometo que não farei nada desnecessário. Ensinarei tudo o que
precisa, mas se não cooperar, qualquer progresso será perdido e os criados
vão ver que era só uma farsa.
-É claro que posso cooperar desde que o senhor não tente ser
esperto.
Leonardo se levantou e ofereceu a mão para ela.
-Vamos para o outro quarto.
-Não gosto daquele quarto.
Leonardo respirou fundo tentando não ficar nervoso diante da
teimosia daquela mulher.
-O outro quarto tem uma cama muito mais reforçada do que esta.
Se ficarmos aqui, a cama irá nos atrapalhar.
Ermelinda olhou para sua amada cama de ferro. A cama do outro
quarto era de madeira.
-Antes de me decidir, posso saber o motivo que faz a cama do outro
quarto ser melhor do que essa?
Leonardo deu um sorriso e foi até a cama onde tentou balançar um
pouco a cabeceira. O móvel rangeu de forma estridente. Ele forçou mais um
pouco e a cabeceira praticamente dançou na mão dele. Voltando para perto da
esposa, ele não se importou em medir as palavras.
-Essa cama pode ser boa para uma donzela dormir, mas se eu
realmente te amasse sobre ela, teríamos que jogá-la fora pela manhã.
Ermelinda estremeceu. “Se eu realmente te amasse sobre ela.” O
que significava ser amada por um homem? O que aconteceria se fosse amada
por aquele homem? Ora, amor e desejo eram coisas distintas. Seu marido
apenas fez um jogo sensual com as palavras. Ele não a amaria, apenas a
possuiria para saciar o desejo que os homens podem ter com qualquer
mulher.
-Eu tenho muita estima por essa cama. Se for assim, creio que
prefiro jogar fora a outra.
Aquela pequena primeira vitória de Leonardo já lhe deu um pouco
de alívio. Estendeu novamente a mão na direção da esposa.
-Então, vamos para o nosso quarto e eu lhe conto como é uma noite
ao lado de um homem.
Ermelinda não gostava de pensar que era covarde, mas naquele
momento teve vontade de colocar o marido para fora do quarto e se trancar
ali. Porém, depois de tudo o que disse não havia uma forma digna de recusar.
Se ele quisesse transformar a teoria em prática, teria que arrumar um jeito de
se defender, pois não cederia a ele mesmo que a voz daquele homem, seu
marido, parecesse a voz da tentação quando ele a convidou. Segurando a mão
que ele estendia, se deixou guiar para fora do quarto e seguiu em direção ao
local onde aconteceria sua primeira aula.
Leonardo não estava imune ao delicioso cheiro de flores que ela
exalava ou muito menos ao fato de que ela estava com um roupão. Por mais
grosso que fosse o tecido, a dúvida sobre o que havia debaixo daquela roupa
era enlouquecedora. Ele não amava a esposa, mas a desejava. Pensar que
tinha permissão para tê-la através do matrimônio o fazia querer mandar
aquele trato pelos ares e seduzi-la até ela ordenar que a possuísse. Devagar,
pensou consigo mesmo. Em um mês ele esperava poder fazer com que ela o
aceitasse e, quem sabe, ele sentisse algo mais do que vontade de ser o homem
a ocupar a cama dela.
Ao chegarem no quarto, Leonardo trancou a porta sob o olhar
ansioso de Ermelinda.
-Precisa trancar?
Ele a olhou achando a pergunta divertida.
-Está pensando em fugir? Teme que a aula seja muito intensa?
Ela sabia que tinha corado da cabeça aos pés.
-Com a porta trancada terei que lhe acertar antes de sair caso tente
algo indevido.
Leonardo se virou para a esposa e colocou a chave sobre uma
mesinha, um lugar de fácil alcance.
-Muitas coisas indevidas irão acontecer, mas manterei minha
palavra quanto à sua pureza. A porta deve ficar trancada, pois se realmente
acontecesse algo creio que não ia querer correr o risco de uma criada entrar e
nos pegar nus na cama... em pleno ato.
Ermelinda sentiu o rosto queimar, mas sabia que não estava mais
vermelha do que antes pois isso era impossível.
-Entendo.
Leonardo sorriu.
-Não, minha querida, ainda não.
Tentando manter um último fio de dignidade diante daquele ataque
quente de palavras, o máximo que Ermelinda conseguiu foi parecer uma
criança teimosa.
-Não sou sua querida.
Leonardo estava fechando as cortinas e apagando algumas velas.
Não podia se dar ao luxo de permitir que algum criado visse uma sombra ou
qualquer movimento que estragasse a farsa dos dois. Por mais frustrado que
ficasse fisicamente, no fundo iria se divertir um pouco. Era uma ideia
perversa, mas não podia negar que se sentiu humilhado por Ermelinda
algumas vezes, recebendo dela um ódio que deveria ser direcionado apenas
ao pai.
-Ah, mas ao amanhecer do dia será. A noite de núpcias deixa o
casal íntimo de tal forma que se quiser parecer satisfeita, me chamará de
querido e eu te chamarei de minha preciosa.
Ermelinda se sentia como um animal indo para o abate. Seu algoz
se preparava com calma e ela temia ser contagiada de tal forma que iria para
os braços dele sorrindo, mesmo estando assustada.
Quando o marido se aproximou novamente, não manteve uma
distância respeitosa. Ele estava a poucos centímetros, seu hálito quente a
envolvendo.
-A partir de agora terá que confiar em mim.
-Tentarei, mas não ouse me enganar.
Leonardo ficou tão sério que ela não viu nada além de sinceridade
naqueles olhos.
-Jamais. Com o tempo irá perceber que eu sou muito diferente do
seu pai.
-Apenas faça o que tem que fazer. – Ela falou mais ríspida do que
pretendia.
Leonardo riu. O sorriso se espalhou aos poucos pelos lábios dele e
pela primeira vez se sentiu um libertino. Sua esposa jamais saberia que ele
enquanto a ensinava, também estava aprendendo. Claro que tinha sua
experiência, mas sempre com mulheres que estavam dispostas a fazer tudo.
Aquela era a primeira vez que ele tentava convencer uma mulher a um dia se
deitar com ele.
Ele ergueu a mão e deixou os dedos se enroscarem nos cabelos da
nuca de Ermelinda, que o olhou à beira do pavor. Ele se aproximou, mas ela
não se moveu. Menina corajosa.
-Na primeira noite de uma mulher com seu marido, ele a beija
como se o toque das línguas fosse a forma de se manterem vivos.
Ermelinda fez uma careta.
-Línguas? Eca, isso é tão nojento assim?
O sorriso voltou para os lábios dele, agora tão próximos ao seus.
-Não é nojento. Você ficaria sem ar, sentindo o corpo arder de um
jeito que pensaria não suportar, mas desejaria de bom grado que o tempo
parasse ali.
Até aquele momento, Ermelinda tinha que admitir que o coração já
estava descompassado. Medo, pensou. Tinha que ser medo. Ele estava a um
passo de romper os limites e ela teria que lhe dar um tapa e nunca gostou de
ser violenta. A voz de Leonardo era quase um sussurro. Se voz pudesse ter
temperatura, ela diria que naquele momento, quase na penumbra, a voz de
Leonardo era quente e acariciava sua pele como veludo.
Leonardo deixou os dedos se deleitarem no cabelo macio da esposa
e inclinou a cabeça antes de continuar a falar.
-Então os lábios não seriam mais suficientes e o marido exploraria
a pele do pescoço da esposa, beijando sem pressa. Ao descobrir um ponto
onde ela iria se arrepiar, provavelmente perto da orelha delicada, daria uma
pequena e indolor mordida.
Ele passou o braço livre pela cintura dela.
-Nesse momento a esposa poderia se sentir fraca, arrebatada por um
desejo recém-descoberto, então o marido a apoiaria, segurando pela cintura
enquanto os beijos chegariam até a gola do roupão.
Ermelinda fechou os olhos. Ela sentia tudo o que ele falava e quase
se sentiu agradecida por ele a segurar pela cintura. O único ponto contra era
que agora estavam com os corpos colados demais. Ela sentia a força e o calor
do corpo de Leonardo e receava o que realmente iria sentir se ao invés de
falar ele estivesse fazendo aquelas coisas. Temia não resistir. Tinha que falar
algo, mas o que?
-E fica tanto tempo assim... com beijos?
Leonardo riu próximo ao pescoço dela e Ermelinda sentiu aquela
vibração tomar seu corpo inteiro.
-Mas vejam só. Parece que a minha esposa é do tipo impaciente.
Ele voltou a se afastar para olhá-la nos olhos.
-Isso depende. Muito desejo tende a resumir as coisas, mas na
primeira vez, o homem precisa se segurar. Ele precisa ter certeza de que a
mulher está pronta para o ato. Alguns homens podem não se preocupar com
isso, mas o seu marido é do tipo que pretende tornar esse momento
maravilhoso para você.
Ermelinda se empertigou.
-Eu só preciso saber a teoria. Podemos ir direto ao assunto?
Leonardo assentiu, tentando parecer inocente.
-Claro. Seu desejo é uma ordem, minha querida. Digamos que
nossa luxúria foi tão intensa que dispensamos parte das preliminares.
Mais rápido do que Ermelinda pudesse notar, Leonardo a pegou
nos braços e levou para cama. O grito de surpresa explodiu no quarto
silencioso.
-Mas o que pensa que está fazendo?
Leonardo gostou do grito. Isso daria aos criados algo em que
pensar, afinal, sabia que sempre existia um ou outro que ficaria atento a fim
de fazer a fofoca no dia seguinte entre os demais. Mantendo a voz tranquila,
ele a deitou na cama.
-Quando os beijos e as mãos passando por todo o corpo enquanto
os dois estão de pé não são mais o suficiente, o marido leva a esposa para a
cama. A primeira vez de uma dama deve ser assim, confortável.
-Não precisa ser só na cama?
A sensualidade deu espaço para o divertimento.
-Por Deus, não! Seria terrivelmente entediante fazer a mesma coisa
da mesma forma o resto da vida! Existe uma infinidade de possibilidades,
mas... estamos falando da primeira vez. Se achar útil, podemos discutir
variações em um outro momento.
-Ainda falta muito?
Leonardo tentou parecer um pouco exasperado, mas na verdade
estava se divertindo – e se excitando – muito.
-Depende de quantas vezes mais vai interromper seu professor.
Ermelinda bufou.
-Ah, claro. Aposto que dormiu com metade de Lisboa. Espero que
pelo menos não tenha uma doença dessas que se pega em casas de diversão
masculinas.
Ele não resistiu. Jogou a cabeça para trás e riu até os olhos ficarem
úmidos. Quando se controlou, a esposa ainda estava obedientemente deitada,
mas era nítido o misto de ultraje e irritação na face delicada. Se ele pudesse
ao menos lhe dar um beijo... algo lhe dizia que seria fácil trocar aquela raiva
por uma aparência bem mais excitante.
-Acho que também depende de quanto tempo o senhor vai ficar
rindo de mim. – Ela disparou com rispidez.
Leonardo fez um grande esforço para se controlar até conseguir
voltar para a aura de sedução que tentava criar.
-Tem razão, minha querida. A partir desse momento, eu adotaria o
nome de que tanto gosta e só a chamaria de Linda, pois é exatamente isso o
que é. Minha curiosidade e desejo seriam tão grandes que abria o seu roupão
a fim de vislumbrar o que foi guardado todos esses anos para mim.
A voz dele se tornou rouca e Ermelinda sentiu o corpo aquecer. Ao
falar o nome que ela gostava, parecia que a boca de Leonardo foi feita apenas
para isso: chamá-la. Foi bom estar deitada e apenas se deixar levar por
aquelas sensações estranhas. Tudo fruto da ansiedade e do choque, é claro.
-A pergunta é: tem algo embaixo desse roupão?
Ela corou e ele deu um pequeno sorriso.
-Não precisa responder. Já entendi.
Leonardo levou a mão até a faixa que prendia a veste ao corpo de
Ermelinda e deixou os dedos deslizarem pelo tecido até a ponta sem puxá-la.
-Eu abriria esse roupão e então a convidaria a me despir.
Ele pegou as duas mãos de Ermelinda e colocou sobre os botões da
camisa dele. Assim que ele as soltou, a esposa retirou as mãos imediatamente
como se a roupa estivesse pegando fogo.
-Se ficasse muito atrapalhada, eu poderia ficar impaciente e então
eu mesmo arrancaria minhas roupas antes de me juntar a você.
Leonardo tirou os sapatos e as meias antes de subir na cama e se
sentar ao lado dela. Por um tempo, se esqueceu o que estava fazendo e ficou
admirando Ermelinda, ou melhor, Linda. Ele a chamaria assim, pois ela
merecia.
Ao perceber que o marido havia parado, ela se apoiou nos
cotovelos e perguntou baixinho:
-E depois? Creio que ainda tem mais alguma coisa para fazer.
Leonardo voltou ao presente a assentiu.
-Com certeza.
Ele se debruçou sobre Ermelinda e ela se deitou novamente,
sentindo o corpo ser tomado mais uma vez por arrepios.
-A atenção dada ao seu pescoço perfumado deixaria o resto do
corpo clamando por atenção. Então eu beijaria... todo o resto.
Leonardo notou que ela engolia em seco.
-E mordiscaria um pouco, sugaria com certeza. Nada disso iria
doer, mas ia te dar sensações que a fariam gemer. Já gemeu alguma vez na
vida, minha Linda?
Gemer? Ermelinda arfou. Seria o fim da sua boa educação fazer
aquilo.
-Bem, uma vez eu realmente torci o pé e doeu como um castigo.
Leonardo assentiu.
-Gemer por beijos é muito melhor do que gemer de dor. Sua voz é
perfeita para gemidos, acredite em mim.
Assustada com as reações do próprio corpo diante daquela conversa
escandalosa, ela percebeu que deveria acabar logo com aquilo.
-Vamos nos ater ao que interessa. E depois?
Sim, isso interessa. Leonardo se colocou sobre ela e Ermelinda
arfou.
-Shh... calma, estamos vestidos. Depois de todo esse ritual que a
minha querida esposa achou longo e enfadonho, eu me certificaria de estava
pronta para me receber.
-E como se sabe isso? – Ela não resistiu.
Leonardo deu um sorriso malicioso.
-Eu iria conferir pessoalmente o quão úmida estaria entre suas
pernas.
Ermelinda arfou novamente. Ele não desistiu, o despudorado.
-Por acaso... será que está úmida agora? Apenas com a teoria?
Por Deus, que ele não ousasse verificar! Ermelinda chegou à beira
do pânico, mas até aquele momento ele se mostrava mais instrutivo que suas
criadas e menos ousado que um marido de verdade em uma noite de núpcias
real.
-É teoria. Isso... isso não vem ao caso.
Leonardo assentiu parecendo satisfeito com a resposta.
-Tem razão. Voltando ao assunto principal, se tudo estivesse bem,
nesse momento você receberia meu corpo no seu. O mais importante é
entender que na primeira vez o normal é doer, mas só na primeira vez.
Depois seu corpo conhecerá o meu e me aceitará melhor. Portanto, é
importante que pareça estar dolorida amanhã ou ao menos com algum
incômodo entre as pernas, entendeu?
Então era verdade. Ermelinda pensou que algumas coisas que
escutou poderiam ser exagero.
-Sangra, não é?
Leonardo suspirou. A pergunta quebrou um pouco da sensualidade
do momento.
-Dizem que sim. Creio que infelizmente é algo comum.
-Já aconteceu antes com você?
Ele riu.
-Linda, homens não sangram e nunca estive com uma jovem pura.
A mulher que me aceitar como seu primeiro é aquela se que tornará minha
esposa. Parece que nunca serei o primeiro de ninguém, mas se eu fosse ter
uma inocente, seria apenas você.
Uma pontinha de satisfação surgiu em Ermelinda com aquelas
palavras, mas tudo virou ansiedade quente e intensa quando ele se deitou por
completo sobre o corpo dela. Seu peso e seu calor a desorientando.
-A partir da união, nós nos movemos, juntos. Podemos gemer, suar
e gritar, até o chão sumir e o mundo parar de girar.
Leonardo se deixou cair ao lado dela e a puxou para os seus braços.
Ermelinda deixou o rosto afundar no peito dele a fim de que o marido não
visse o pavor ou outra coisa em seu rosto.
-Então, - ele prosseguiu. – ficaríamos assim por um tempo e eu
deixaria meus dedos se perderem no seu cabelo perfumado até meu corpo a
querer outra vez e você me aceitar novamente.
Isso a fez erguer o rosto.
-Outra vez?
-Claro. Isso pode ser feito quantas vezes conseguirmos. Depois que
você aprende o caminho do paraíso não quer mais se afastar dele.
Leonardo piscou para ela, bem-humorado e Ermelinda se sentou na
cama com rapidez. Aquele homem falava tão bem... a aula foi esclarecedora,
mas parecia de fato que nenhuma teoria seria boa o bastante diante da prática.
Ah! Aquele sedutor! Olhando ao redor, se lembrou do que ele havia falado da
cama.
-E por que essa cama é melhor que a outra?
Leonardo se sentou ao lado dela e deu um sorriso malicioso.
-Digamos que os movimentos do ato envolvem muito vigor.
Aquela velha cama de metal ia ranger até se desmontar. Essa cama, pelo
contrário, é firme. Então podemos dizer que aconteceram muitas coisas aqui
sem ninguém escutar os rangidos.
-E... e quanto aos gemidos? Bem, você disse que podem acontecer
também.
Leonardo piscou para a esposa.
-É só dizer que eu devorei todos os sons que saíram da sua boca a
cobrindo com a minha. Isso é muito bom por sinal.
Ermelinda já sabia de tudo, não é? Bem, poderia sair dali. Na
verdade, deveria sair dali correndo como se o quarto estivesse em chamas, o
que não estava muito longe da realidade.
-Acho que isso é tudo, não é?
Leonardo ponderou por um tempo e acabou assentindo.
-Em teoria, sim.
Ele ajudou a esposa a se levantar e depois começou a desarrumar a
cama.
-Pequenos detalhes. Uma cama que serve como ninho de amor
tende a ser mais bagunçada do que a cama onde alguém apenas adormece.
Irei dormir aqui, mas se não fizer esse pequeno caos, não parecerá
convincente.
Ermelinda observava hipnotizada o marido se mover e andar de
forma tão firme, quando suas próprias pernas ainda pareciam ter a firmeza de
um pudim. Ela viu Leonardo pegar sua caixa com itens de higiene e encontrar
a navalha. Fazendo um pequeno furo no dedo, ele fez uma manchinha
vermelha no lençol. Depois de guardar a navalha e chupar o ferimento do
dedo por um instante, ele sorriu para a esposa.
-Está oficialmente consumado o casamento, minha querida Linda.
Agora será aos olhos de todos a minha mulher.
Ela deveria ficar feliz, mas parecia levemente frustrada. O que ela
queria, afinal? Que ele a seduzisse de verdade? Que ele a tomasse contra sua
vontade como um bruto? Ah, aquilo a mostrou que as coisas poderiam ser
boas. Leonardo era quente, vigoroso... morreria de vergonha de vê-lo nu, mas
realmente gostaria de correr esse delicioso risco.
Leonardo passou por ela e destrancou a porta do quarto antes de se
aproximar novamente.
-Se alguma criada estiver no corredor, o que eu acredito que esteja,
peça para ela um pano. Se limpe, sem que ela veja. Durante o ato não é só
você que se molha... lá. Eu deixo um pouco de mim lá também, então uma
dama deve se limpar.
-Ah... entendi.
Não havia entendido muito bem, mas pensar em uma parte de
Leonardo entrando nela e deixando um pouco de si... era escandaloso e ao
mesmo tempo... capaz de fazer o coração dela acelerar outra vez. Ela já
estava se virando para sair do quarto quando ele a segurou pelo pulso.
-Esqueci de uma coisa! Uma mulher quando se deita com um
homem não consegue ficar tão alinhada quanto está agora, minha querida.
Com um único puxão, ele trouxe Ermelinda para junto de si e
prendeu o corpo macio dela entre a parede e o corpo dele. Os lábios se
uniram e ele não se importou se aquele era o primeiro beijo dela. Tinha fome.
O gosto doce dos lábios da esposa era mais insano do que julgava possível e
ele os devorou enquanto seus dedos despenteavam aquele cabelo tão bem
escovado. Ela arfou e Leonardo aproveitou o momento para enfiar a língua na
boca dela mostrando que o nojo jamais seria parte daquilo e, por fim, ela
gemeu.
Satisfeito com o resultado e levemente saciado da única coisa que
poderia ousar obter naquela noite, Leonardo se afastou e aproveitou para se
deleitar com a imagem de sua mulher. Corada, ofegante, maravilhosamente
descabelada.
Ermelinda não sabia definir aquilo, mas era hora de fugir. A jovem
saiu do quarto correndo e como ele previra, uma dama estava
coincidentemente por ali.
-Preciso de água e uma toalha.
Só Deus sabia como ela conseguiu dar aquela ordem. Ainda
atordoada, andou até o quarto e se deixou cair na cama temendo não
conseguir dormir nunca mais.
Capítulo 3

O dia seguinte trouxe uma surpresa maravilhosa para Ermelinda,


além das olheiras pela noite em claro: Glória, sua criada, a esperava com o
café da manhã. Diante do olhar incrédulo da senhora, a criada riu.
-Creio que o seu pai ainda tem salvação, minha senhora. Ele
mesmo pediu que eu lhe fizesse companhia.
Ermelinda bufou.
-Não adianta ele estar com a consciência pesada agora.
A criada se aproximou e colocou a bandeja com o café da manhã
sobre uma mesinha.
-Pelo seu semblante, creio que realmente é tarde demais. Parece
que a senhora não dormiu muito essa noite.
O olhar malicioso de Glória fez Ermelinda corar. Ah, se ela
soubesse!
Houve uma época em que Ermelinda sonhava com sua noite de
núpcias. Ao contrário de tudo o que aconteceu, o marido estaria apaixonado e
ela permitiria que a noite se tornasse real. Verdade seja dita, deveria
agradecer Leonardo por não forçá-la, mas estar com um homem que abria
mão tão facilmente de seus direitos também deixava bem claro que ela não
era desejada. Isso ofendeu ainda mais seu tão fragilizado ego.
-... eles disseram que seria um desastre, mas eu tinha certeza de que
daria certo.
A criada tagarelava enquanto Ermelinda não prestava atenção
alguma nas palavras até que a mulher se colocou diante dos olhos da senhora
e perguntou claramente:
-Devo passar a levar o café da manhã para o quarto do senhor?
Sabe, não precisa ficar aqui agora que é uma mulher casada.
-Eu gosto desse quarto. – Ela se limitou a dizer.
Glória suspirou.
-Oh, céus! Não deu nada certo, não é?
Ermelinda corou.
-Deu certo o suficiente.
A criada resolveu não perguntar mais nada e deixar a senhora se
alimentar em silêncio. Glória sabia como conseguir as informações que
precisava com os outros criados da casa e não hesitou ao decidir que era
exatamente isso o que faria.
Naquele dia Leonardo acordou cedo. Mesmo tendo dormido pouco,
não aguentava mais ficar na cama. A quem iria enganar? Sua esposa era uma
mulher bonita e foi tão receptiva ao beijo que ele realmente gostaria de ter
consumado aquele casamento. Queria ter acordado com ela ao seu lado,
dividindo a cama, começando uma vida. Mesmo que o casamento não tivesse
começado por vontade de ambos, poderiam construir uma boa vida juntos,
desde que tivessem boa vontade.
O relatório diário do jornal ainda não havia chegado e ele resolveu
sair para cavalgar. A brisa fresca da manhã ajudou a organizar os
pensamentos ainda confusos desde a noite anterior quando Linda saiu do
quarto. Linda. Haveria definição melhor para ela? Leonardo não estava
apaixonado, mas tinha uma bela esposa que o atraía como se fosse Ícaro
desejando o sol. Se ela possuísse um temperamento mais calmo... Mas como
iria culpá-la? Casamentos por conveniência não era incomuns, mas não era
erro algum a mulher se opor.
Com certo peso na consciência, sabia que ele próprio deveria ter
declinado. Não poderia ter se deixado abalar daquela forma. Tinha que
reservar recursos para as adversidades que surgissem de forma a manter “A
coluna Portuguesa” e todos que dependiam do jornal em segurança até as
coisas melhorarem. Ele falhou na administração do negócio, caso contrário,
Gonçalo não teria conseguido manipulá-lo e ele não se encontraria naquela
situação.
Com certo desgosto, assumiu ser uma impossibilidade olhar na
direção de Linda com interesse durante um baile no passado. Ela era um dos
muitos rostos que ele encontrava em um salão e logo se esquecia. Damas
como ela não eram o tipo de companhia que um homem como ele procurava
já que o casamento, até recentemente, não fazia parte dos seus planos. Além
disso, ela realmente parecia tímida. Quem diria que aquele rostinho escondia
uma mulher tão intensa? Mesmo que até o momento conhecesse unicamente
a fúria de Linda, Leonardo tinha certeza de que aquela mulher seria quase
uma leoa em todos os sentidos e ocasiões.
Quando voltou da cavalgada, estava mais calmo e foi informado de
que o primeiro relatório do jornal havia chegado.

Ermelinda aproveitou o sol e caminhou pelo jardim em direção a


sua pequena casa. Ah! Como amava aquele lugar. Talvez fosse a única coisa
boa que o pai lhe proporcionou que não fazia exatamente parte das
obrigações paternas. Pois sim, no quesito obrigações de um pai, Gonçalo não
deixava faltar para ela. Em solteira teve um belo quarto, roupas caras, joias e
comida. Porém, o quarto era organizado de acordo com as instruções da
governanta, as roupas seguiam as vontades dele e não necessariamente a
moda. Por isso, os vestidos eram sempre comportados demais. Talvez este
fosse um dos motivos que a faziam sumir no salão com facilidade. Ninguém
notaria uma jovem vestida como uma freira. A maior parte de suas joias eram
de sua mãe, algumas até de sua avó, mas Gonçalo apenas permitia que ela
usasse as mais discretas. Foram poucos que a olharam realmente durante seu
tempo de solteira e agora nem sabia se queria que o marido olhasse para ela.
Ermelinda sabia muito bem que haveria momentos em que
Leonardo iria desejá-la. Fazia parte da sua natureza como homem. Caberia a
ela colocá-lo em seu devido lugar e isso seria muito difícil. Não queria
permitir que o marido fizesse algo com ela, mas então teria que suportar saber
das buscas dele por outras mulheres. Mais cedo ou mais tarde ele faria isso,
assim como o seu pai fez ainda no período de luto.
Se lembrando da noite anterior, Ermelinda estremeceu. Ela ainda
podia sentir os lugares onde Leonardo a tocou e nunca imaginaria que a boca
de um homem pudesse ter um gosto tão bom. Mesmo assim, era o homem
que teve que se casar com ela por dinheiro e isso era insuportável. Seu pai a
incluiu em uma transação, mas ela não se venderia. Não poderia desistir de si
mesma assim. Submissa? Nunca.
Leonardo era um libertino vestido como bom moço aos olhos da
sociedade. Ermelinda se lembrava muito bem do que tinha visto entre as
sombras no jardim. O que Leonardo fez com aquela mulher tendo apenas a
lua e uma jovem curiosa como testemunhas não seria repetido com ela. Na
época, ela daria tudo para estar no lugar daquela mulher, mesmo que aquilo
fosse sua ruína, mas agora não se sujeitaria.
A casinha ainda estava lá, como a criada havia dito na noite
anterior. As flores ao redor ainda eram as mesmas e após o estalo da
fechadura, a porta rangeu baixinho enquanto era aberta. O cheiro de poeira e
coisas guardadas era forte, mas para Ermelinda aquilo era cheiro de saudade.
Ali ela brincou e viveu a época mais feliz de sua inocência. Abrindo as
janelas para os raios do sol e o ar fresco entrarem, percebeu que o lugar
estava razoavelmente limpo e perdeu totalmente a noção do tempo. Chamou
todas as bonecas pelo nome, revirou o baú, encontrou um velho livro de
fábulas. Tudo tão igual e ao mesmo tempo tão diferente! As bonecas tinham
as roupas levemente desbotadas, o baú estava empoeirado, o livro tinha
começado a amarelar. Será que ela teria desbotado também enquanto crescia?
Como um jovem dama, teria que desabrochar. Porém, Ermelinda acreditava
que a melhor parte de sua vida já havia terminado.
Ao retornar para casa, Ermelinda disse estar cansada e se refugiou
no quarto. Dali só saiu no dia seguinte após ver o marido sair da casa e
caminhar até o estábulo. Será que ele gostava tanto assim de cavalgar? Foi
com certo amargor que assumiu não conhecer hábitos ou gostos de Leonardo.
Eram completamente estranhos um para o outro.
No dia anterior, Leonardo havia encontrado uma cachoeira não
muito longe dali e resolveu tornar aquele lugar uma espécie de refúgio. Ali
ele poderia pensar e relaxar longe dos olhos dos criados e da esposa. Ali se
sentia mais ele mesmo. Passou um longo tempo escutando o som da água e
vendo o fluxo correr para longe. Quando o estômago o lembrou que já devia
ser a hora do almoço, resolveu voltar.
Ao início do terceiro dia, Leonardo e Ermelinda ainda não haviam
trocado mais do que meros cumprimentos. As refeições eram silenciosas e
durante o resto do tempo se evitavam. Ermelinda acreditava que cada instante
de paz que pudesse conseguir era válido, enquanto Leonardo sentia que
precisava ficar sozinho para se manter calmo e pensar em uma saída. A
situação estava confortável por enquanto, mas logo se tornaria insuportável.
-Para onde você acha que ele vai todas as manhãs?
Ermelinda perguntou sem rodeios para Glória, enquanto a criada
fazia o penteado de sua senhora.
-Eu não sei, minha senhora. Por acaso, já pensou em perguntar para
ele?
A jovem fez uma careta.
-Se eu apreciasse tanto conversar com o meu marido ele não
precisaria sair para cavalgar.
-Então já imagina o que pode ser que ele está fazendo por aí.
Pensar era uma coisa, mas falar em voz alta era humilhante. Porém,
sempre que pensava no motivo que fazia Leonardo passar as horas da manhã
sozinho longe de tudo e todos, não encontrava outra saída. Ele já devia ter
conseguido uma amante e gastava durante a manhã o vigor que lhe consumia
ao longo da noite.
-Não é cedo para ele... você sabe.
Glória fixava os grampos nos fios sedosos da patroa. Como
entender aquela menina? Ela poderia ser inexperiente no amor, mas deveria
saber que na vida quando alguém rejeita algo sempre haverá outra pessoa
pronta para recebê-lo.
-Bem, para alguns homens pode ser cedo. Para outros pode parecer
uma eternidade. Isso depende do vigor de cada um. Além disso, seu marido é
muito jovem e com certeza deve estar frustrado por não poder desfrutar da
sua companhia.
Ermelinda bufou.
-Duvido muito.
Glória suspirou e segurando com delicadeza nos ombros da
senhora, colocou Ermelinda alinhada olhando para o espelho.
-A senhora é uma jovem muito bonita. Só isso já tenta o seu
marido. Se permitisse se mostrar como realmente é, ele veria seu lado gentil e
então ficaria de joelhos. Diga-me, senhora, ele não foi ousado em momento
algum?
Ermelinda tinha a resposta na ponta da língua. Um “sim” em forma
de sussurro, mas seu rosto corou antes e Glória recebeu aquilo como resposta.
-Como queria que houvesse um criado disponível tão bonito quanto
o senhor Leonardo. Com todo o respeito, minha senhora, mas eu com certeza
chegaria atrasada no seu quarto todas as manhãs. Ah, eu não o deixaria
escapar.
Enquanto as duas mulheres conversavam, Leonardo estava com as
calças arregaçadas até os joelhos, molhando os pés nas águas da cachoeira.
Finalmente teve uma ideia para tentar amolecer o coração da esposa e
precisava montar sua estratégia antes que os pensamentos se acalmassem em
sua mente. Sem se importar em voltar mais cedo para casa do que pretendia,
Leonardo saiu da água e logo estava a caminho.
Ao chegar, Leonardo encontrou o caminho livre até o escritório.
Conseguiu sobre a ampla mesa de madeira algumas folhas, pena e tinteiro
para começar a escrever. Se Linda temia que ele fosse como Gonçalo, o que
ele acreditava ser a raiz dos maiores temores da esposa, caberia a ele buscar
formas de fazê-la entender que não era e jamais se tornaria semelhante.
Nervosa como ela com certeza ainda estava, Leonardo se viu obrigado a
descartar uma conversa com a esposa. Tinha que provar por atos. Adélia
poderia ajudá-lo, mas não havia como convidar a irmã para passar a lua de
mel com eles. Sendo assim, a jovem foi cortada do plano.
A ideia de Leonardo era conquistar. Provar para todos que
estivessem menos resistentes a aceitá-lo como uma pessoa de bem, que
poderia ser um bom marido para Linda. Traçando a ordem de suas ações no
papel, resolveu começar naquele mesmo instante, indo procurar a esposa.
Esperando apenas o tempo necessário para a tinta secar, dobrou o papel e o
guardou no bolso antes de ir à procura de Linda.
Ao chegar no quarto da esposa, Leonardo foi informado pela criada
que a senhora estava passeando pelo jardim, o que não era de todo ruim, ele
concluiu. Talvez pudesse pular a primeira parte do plano e seguir para a
próxima que se resumia a conquistar a confiança da criada de Linda.
-Você deve ser a criada e dama de companhia de minha esposa.
A mulher assentiu achando um pouco estranho o interesse do novo
senhor que, ao invés de ir atrás da esposa, ainda estava ali.
-Sim, meu senhor. Sirvo a senhora Ermelinda há muitos anos.
Leonardo assentiu e depois disse em um tom mais ameno.
-Ontem à noite minha esposa disse que pretende ser chamada
apenas Linda. Me pareceu que ela não gosta muito do nome.
A forma como a mulher riu mostrou para Leonardo que aquele era
um impasse antigo.
-Ah, meu senhor. Ela sempre faz isso quando está nervosa com o
pai ou com qualquer coisa que tenha relação a ele. O senhor Gonçalo
escolheu o nome da menina e ele tem muito orgulho disso. Então uma das
formas que ela o ataca é afirmando que não gosta do nome.
Leonardo riu.
-Ela é sempre assim? Quero dizer, sempre em posição de ataque?
Assumo que durante nosso período de noivado ela esteve irritada todo o
tempo e agora ainda não melhorou.
A criada devia respeito ao seu senhor, mas por lealdade a sua
senhora, deveria defendê-la.
-Meu senhor, com todo o respeito, mas onde quer chegar?
Leonardo deu de ombros.
-Você conhece minha esposa melhor do que eu.
A criada assentiu diante do fato que não poderia ser discutido.
-De fato, mas acredito que como marido terá que mudar isso.
Se a mulher quis informar ou atacar Leonardo, ele não saberia
dizer. Aquela era a oportunidade que precisava.
-Eu concordo plenamente. Por isso preciso saber se ela prefere
rosas ou margaridas, se devo lhe presentear com joias ou roupas. A propósito,
ela tem amigas com residência próxima daqui? Pensei em convidar algumas
para virem fazer uma visita, mas não sei exatamente quem convidar.
A criada alternou da dúvida para a incredulidade ao ouvir o marido
de sua senhora. Se o interesse dele fosse sincero, Ermelinda teria tirado a
sorte grande naquele casamento, mas ainda era cedo para saber. Mesmo
assim tinha que admitir que o homem estava fazendo mais do que muitos
outros maridos.
Leonardo percebeu que realmente poderia haver uma forma de
conseguir a cooperação da criada e redobrou seus esforços.
-Com certeza a pessoa mais indicada para me ajudar é você.
-Eu sou apenas uma criada, meu senhor.
Leonardo balançou a cabeça devagar, em sinal de negação.
-Uma criada tão próxima, servindo a mesma dama há tantos anos,
já é uma amiga. Tenho certeza disso. Minha irmã se apegou à criada dela em
poucos dias.
A criada teve vontade de bufar de frustração.
-Se sabe disso, por que acha que eu poderia trair a confiança e
correr o risco de magoar os sentimentos da minha senhora?
Leonardo não hesitou. Estava negociando e isso ele sabia fazer
bem. Hesitar não era permitido durante uma negociação ou qualquer avanço
poderia ser anulado.
-Porque você é a minha melhor chance de fazer esse casamento dar
certo. Eu sei que não há amor, mas se Linda não baixar a guarda e eu não
tentar algo, nunca haverá.
-Meu senhor, sou apenas uma criada. O casamento é de vocês e me
desculpe a ousadia, mas não tenho nada a ver com isso.
-Ajude-me a saber quem é a minha esposa.
Ele era teimoso! A criada percebeu que nunca sairia dali se não
desse o que ele queria. Por mais que gostasse de estar junto da sua senhora
novamente, pensou que Gonçalo poderia ter demorado um ou dois dias para
enviá-la. Ou um mês.
-E o que eu ganho com isso? -Disse por fim.
Leonardo se conteve para não sorrir. Sem emoções era melhor,
afinal, o negócio não estava concluído.
-Manterei seu posto como criada de Linda na minha casa.
Leonardo não riu, mas a criada riu e não foi de uma forma
simpática.
-Meu senhor, garantir por simpatia um emprego que posso manter
por capacidade não é ganho algum para mim.
Leonardo assentiu. Sua proposta inicial realmente foi patética.
-Bem, levando em conta sua devoção por minha esposa, posso
pensar em uma bonificação. Se me proporcionar algo realmente digno de
fazer com que eu possa conhecer Linda o suficiente, lhe darei uma quantia de
cinco vezes o valor do seu salário.
A criada pensou por um instante e depois disse com clareza.
-Dez.
Leonardo riu. A mulher era esperta, porém ele aprendeu muito bem
a não aceitar a primeira contraproposta. Não fazia isso no seu jornal e não
faria isso naquele instante.
-Sete. – Ele respondeu.
A criada não hesitou.
-Nove.
Leonardo suspirou de forma exagerada.
-Lamento. Com essa quantia eu consigo negociar com todos os
outros criados da casa de Gonçalo e talvez consiga até mais informações.
Por um instante ele pensou que a mulher ia praguejar.
-Tudo bem, meu senhor. Oito?
Estava começando a ficar interessante. Leonardo decidiu que sete
seria o máximo e partiu para o tudo ou nada.
-Acho que você não entendeu. Estou querendo fazer sua senhora
feliz. Isso a deixará com um humor melhor e tratará você melhor. Estou tendo
que pagar por algo quando eu poderia agir como alguns por aí e ordenar que
você falasse. Agora eu pagaria no máximo uma bonificação seis vezes maior
que o seu salário, mas sei que é pouco para os seus padrões.
A mulher coçou a cabeça e suspirou
-O senhor chegou a dizer sete.
-Perdi a vontade. Seis é o máximo que pagarei.
A criada sorriu.
-Se pagar sete, como havia dito, lhe darei algo muito precioso.
Leonardo deu um suspiro teatral e fingiu ponderar.
-Tudo bem, sua espertinha. Sete vezes então.
Mexendo cuidadosamente nas coisas da senhora, a criada pegou
algo parecido com um livro bastante gasto e mostrou a ele.
-Muitas das respostas que procura estarão aqui, meu senhor.
Leonardo pegou o livro e foleou com cuidado. Uma letra bonita
estava em todas as páginas junto com desenhos, pedaços de tecido e flores
secas.
Aproveitando que o senhor ainda estava distraído com o material
que tinha em mãos, a criada continuou falando.
-Este é o diário da senhora Ermelinda. Ela coloca a vida nessas
páginas então espero que respeite e faça bom uso disso. Mesmo assim,
preciso que o senhor me devolva antes do anoitecer para que eu possa
devolver com segurança ao lugar antes que ela dê falta.
Isso não dava muito tempo para Leonardo estudar o diário. Não era
certo. Aquilo era algo totalmente errado, pois invadia a privacidade de Linda
muito além do permitido e Leonardo nunca tinha feito algo assim. Nem com
a própria irmã. Sabia que Adélia tinha seu próprio diário, mas ele nunca se
permitiu invadir assim a intimidade da irmã.
-Eu não deveria ler isso.
A criada deu de ombros.
-É o caminho mais rápido, meu senhor. A senhora Ermelinda pode
teimar por anos até conseguir se dar por vencida. Aconselho que nunca diga a
ela que sabe da existência desse diário e aproveite ao máximo o tempo que
tem para ler.
Leonardo se deu completamente por vencido. Ele tinha um mês
para percorrer um longo caminho que Linda havia preparado com várias
armadilhas. Tudo o que ele pudesse usar para melhorar o casamento tinha que
ser válido.
-Se este é o caso, começarei meus estudos desse material...
intrigante.
A criada riu e fez uma mesura.
-Bom estudo, meu senhor.
Leonardo se refugiou no quarto. Se Linda não gostava daquele
lugar, seria um local seguro, apesar de acreditar que ela evitaria até mesmo os
corredores da casa onde ele pudesse estar. Quando pensou que deveria
decidir seu casamento de forma racional, pensava que a noiva seria racional o
bastante para não odiá-lo. Algumas poderiam ser assim, mas não a mulher
que se casou com ele. Sendo assim, se sentou na cama e começou a
desvendar aquela encadernação que tinha em mãos.
Em menos de cinco minutos, Leonardo pediu papel, tinta e pena. O
que ele tinha em mãos não era um mero diário. Os escritos eram organizados
de forma a fazer daquilo um verdadeiro dossiê sobre Linda. As primeiras
páginas listavam seus gostos e preferências, desejos, sonhos... Agora
Leonardo entendia como ela o odiava.
Linda queria visitar um campo repleto de lavandas em floração e,
se tivesse sorte, ter um lugar no jardim de sua casa reservado para elas. Ela
anotou em um cantinho da página que Gonçalo reclamava que a planta tinha
um cheiro muito forte, então teria que conseguir isso apenas quando fosse a
dona da casa. Linda adorava tons de verde e haviam pequenas tiras de tecido
em variados tons dessa cor em uma página onde ela dizia querer vestidos
assim, pois o pai dizia que uma donzela deveria usar cores mais suaves e
delicadas. Queria ter filhos. Muitos filhos. Leonardo suspirou. Se ela não
queria ser tocada por ele, devia lhe doer ter esse sonho correndo o risco de
não se realizar.
Leonardo parou a leitura e ficou fitando o nada. Ele queria ter
quantos filhos? Não havia pensado nisso. Um, talvez, fosse de bom tamanho.
Agora percebia que Linda não seria feliz com uma criança só.
O diário continha a lista de amigas da esposa, todas ordenadas entre
grandes amigas, boas amigas, aquelas que fingiam ser amigas e aquelas das
quais ela nunca gostaria de ser nem conhecida. Com algum espantou
percebeu que o nome de Adélia estava ali. Felizmente classificada entre as
boas amigas.
Não se lembrava de Adélia falar de Linda, mas boas amigas
também poderia significar conhecidas. Quem sabe? Ela poderia gostar de
Adélia, mesmo que a agenda social nem sempre coincidisse. Leonardo
pensou em como se lembrava de Linda nos salões. Antes de conversar com
ela no jardim, sempre pensou que fosse uma jovem tímida. Talvez ela fosse
assim com pessoas desconhecidas e isso poderia dificultar iniciar amizades.
Não havia tempo para divagar. Tinha que ler e anotar os pontos mais
importantes.
Após as páginas bastante específicas, Leonardo mergulhou em
todos os bailes que Linda frequentou desde que foi apresentada para a
sociedade. Ali, a cada página, ele percebia claramente a mágoa que a esposa
tinha do pai. O homem parecia não gostar de nada que a filha adorava e
poucos eram os momentos em que a acompanhava. Nas descrições Linda
sempre colocava o nome da dama que a acompanhou durante a noite.
Geralmente uma viúva amiga da família ou uma tia solteirona.
Exceto pausas para anotações ou alguma breve reflexão, Leonardo
devorava a vida de Linda colocada naquelas páginas. Com certo desconforto
encontrou uma flor seca do primeiro buque que ela recebeu de um admirador.
Pegou a flor e a admirou por um instante. Linda dava valor aos pequenos
detalhes. Detalhes estes que ele negligenciou totalmente. Nunca levou flores,
nunca a convidou para um passeio. Devia ao menos ter conversado com ela
antes de aceitar a proposta de Gonçalo. Focado em salvar o jornal, esqueceu
todos os sentimentos da mulher que fez parte do negócio. Naquele momento
Leonardo teve certeza de que foi um péssimo noivo, um péssimo marido e
merecia todo o ressentimento de Linda.
Chegando aos relatos do último ano, Leonardo leu e releu uma
passagem do diário da esposa, enquanto sua mente parecia chocada demais
para entender aquelas poucas e simples palavras.

Essa noite conheci o senhor Leonardo Veiga, um dos homens mais


bonitos de Lisboa.

Quando foi que Leonardo havia visto Linda pela única vez que se
lembrava? Seis meses, no máximo, isso ele tinha certeza. Voltando sua
atenção novamente para as anotações da esposa, começou a ver seu nome
repetidas vezes nos bailes seguintes. Linda fazia um resumo interessante dos
eventos aos quais compareceu, mas sempre havia ao menos uma linha
dedicada a Leonardo desde então. Céus! Ele realmente não notara que
estiveram em tantos eventos em comum.
Em um relato que datava oito meses antes, Leonardo encontrou o
maior texto referente a uma mesma data. Era um baile, mas além do evento
em si, Linda escreveu sobre o escandaloso ato de seguir Leonardo até o
jardim. Uma mulher em verde esmeralda... Leonardo tentou se lembrar, mas
não conseguiu. Não era um hábito tão raro escapar para o jardim com alguma
beldade bem disposta. A novidade era saber que havia um par de olhos
bastante atento e curioso a ponto de segui-lo. Ler aquele relato fez com que
ele se sentisse muito envergonhado. Expôs uma jovem inocente a um
momento íntimo com outra mulher. Jamais imaginou que isso poderia
acontecer e claro que não teria permitido se ao menos desconfiasse do que
estava acontecendo, mas agora se sentia culpado por aquilo. É claro que ela
ficaria chateada com ele.

Gostaria de saber como seria estar no lugar daquela mulher.

Leonardo devorou as próximas páginas, motivado por aquela única


frase. Ela queria estar no lugar de uma mulher com quem Leonardo teve uma
aventura no jardim? Ah, menina impossível. Ela poderia ser a aventura de
toda uma vida.
Nas páginas seguintes, Leonardo conheceu a admiração de Linda
por ele e sua decepção ao saber que estava noiva por meio de um acordo do
pai.

E de todos os homens, o escolhido foi aquele a quem eu nunca poderia


aceitar senão por meio de sentimento sincero. Porém, para ele, sou apenas a
condição para que o meu pai o deixe em paz.

Mais do que nunca, Leonardo sabia que precisava de um plano e


iria seguir com o seu a fim de abrandar a revolta de Linda. Não era algo
infundado e agora ele a conhecia bem melhor. Felizmente, gostou muito do
que descobriu. Linda se mostrou vibrante e verdadeira através daquelas
páginas. A raiva e o amargor haviam transformado aquela mulher em alguém
bastante difícil de lidar, mas ele conseguiria reverter isso.
Guardou as anotações com cuidado, foi até o jardim e fez questão
de colher algumas flores que entregou para a criada junto com o diário.
-Coloque em uma jarra no quarto de minha esposa. Queria entregar
a ela pessoalmente, mas como não a encontrei, deixei com você.
A criada apenas assentiu e seguiu para o quarto da senhora com os
itens antes que algo saísse errado.

Ermelinda e Leonardo se encontraram apenas no jantar. Já estava se


tornando rotina que durante o dia cada um desse uma desculpa para se manter
afastado, mas ele insistiu que compartilhassem a última refeição do dia.
Ermelinda apareceu deslumbrante em um vestido que antes
Leonardo sequer ousaria olhar. O decote modesto não era agradável aos olhos
de um homem, mas aquela era a sua esposa. Tudo dela deveria ser agradável
e ele se esforçaria para isso. Na verdade, nem precisava se esforçar tanto em
relação à beleza, mas sobre o atual estado de humor... poderia ser uma guerra.
E ele era o inimigo.
Como o silêncio tomou conta e tudo o que se ouvia era o som dos
talheres, Leonardo resolveu tentar um diálogo.
-Soube que passou a maior parte do dia no jardim.
-Soube que passou a maior parte do dia no quarto, exceto pela
cavalgada de manhã. – Ela respondeu de pronto.
-Sim, é verdade. Chegou o relatório do jornal e eu precisei resolver
algumas situações.
-Um marido não precisa se explicar para a esposa.
Leonardo deixou a comida de lado e olhou para Linda, que não
ergueu o olhar em momento algum.
-Eu discordo, minha querida. Marido e mulher precisam saber o
que o outro fez, onde esteve. A princípio pode parecer um tipo de dominação,
mas garanto que é um cuidado.
-Eu dispenso esse cuidado.
Leonardo observou a esposa por mais um tempo e depois voltou a
comer.
-E qual cuidado aceitaria vindo do seu marido?
O som dos talheres de Linda cessaram, mas Leonardo continuou
jantando tranquilamente.
-Sou uma mulher adulta, meu senhor. Posso me cuidar sozinha.
Leonardo riu.
-Devo então dispensar suas criadas?
Ermelinda tinha vontade de se levantar daquela mesa. Como ele
ousava ser tão irritante? Ela adoraria deixar seus cinco dedos marcados
naquele rostinho bonito. Quem sabe isso acabaria com o sorriso insolente
dele? Mas não. Ela era uma dama e não seria um casamento ruim que
mudaria isso.
-Faça como quiser.
Se o sorriso de Leonardo era insolente, o som do riso se tornou
quase insuportável.
-Minha querida, suas criadas são pagas para cuidar de você. Eu
quero fazer isso e não é por dinheiro. Por que me rejeita?
Ermelinda decidiu que já havia comido demais.
-Porque o senhor se casou comigo por dinheiro. Ou melhor, o
senhor queria o apoio do meu pai para manter o seu jornal e eu fui uma mera
cláusula.
Sem se dar ao trabalho de aguardar uma resposta, Ermelinda saiu
rumo ao seu quarto, onde se trancou e só saiu no dia seguinte.
Capítulo 4

Linda se recusou a tomar o café da manhã junto ao marido e


Leonardo saiu novamente para cavalgar. O ar fresco da manhã era um
calmante poderoso e bem mais saudável do que o álcool. Ele não imaginava
que a esposa o observava se afastar da casa através da janela do quarto.
-Será que ele já conseguiu uma amante por aqui?
Glória parou de arrumar os lençóis da cama de sua senhora e olhou
para a dama com curiosidade. Ela estava com ciúmes do marido?
-Disse alguma coisa, senhora?
Ermelinda parou de olhar com certa relutância antes de se virar
para a criada.
-O homem que se casou comigo. Ele cavalgou ontem pela manhã e
hoje também. Me pergunto se ele não arrastou alguma amante para cá.
Glória deixou os lençóis e colocou, mas mãos nos quadris.
-E ele estaria errado?
Ermelinda não ocultou o ultraje. Até Glória? Como a criada ousava
dizer isso?
-Sim, é claro que estaria! Ele é um homem casado.
Glória suspirou e voltou para o seu trabalho. Era mais fácil dobrar
todos os lençóis do mundo do que fazer aquela criatura ser menos teimosa.
-Até onde percebi, o senhor é um homem casado, mas sem esposa.
A senhora agora tem responsabilidades e uma delas é manter seu marido
satisfeito. Sinceramente, senhora, ele é um homem bonito e ao que tudo
indica também é gentil. Sabe o que alguns homens fazem por aí com
mulheres que os rejeitam? Céus... não gosto nem de pensar.
Ermelinda viu a criada estremecer e tinha uma vaga noção do que
poderia ser. Por vez ou outra escutou alguns sussurros nos salões quando
alguma dama aparecia com roupas que cobriam mais o corpo ou quando
exageravam no uso do pó de arroz. Sem querer, estremeceu também.
-Se o meu pai me casasse com um monstro assim eu teria fugido!
A criada deu um sorriso.
-Felizmente esse não é o caso. Minha senhora, seu marido não
deveria estar cavalgando tão cedo. Os dois deveriam estar ainda trancados
naquele quarto.
-Glória! – Ermelinda corou em uma velocidade impressionante.
A criada esticou a colcha sobre a cama com cuidado
-Ele é um homem bonito e acredito que saiba muito bem cuidar de
uma mulher. Quando realmente se tornar mulher dele ouso duvidar que
manterá esse mau humor.
A mulher arfou em um misto de choque e vergonha.
-E-e-le é remédio por acaso?
A criada juntou a roupa de cama suja e começou a caminhar em
direção à porta.
-Ele é, minha senhora. E um dos bons, ouso dizer.
Ermelinda engoliu em seco. Lembrava muito bem como se sentiu
quando esteve sozinha com o marido no quarto em que deveria ter
consumado o casamento. O fato era que se sentiu doente, febril e não
saudável ao lado dele. Não que a experiência foi ruim, mas poderia ser
definida como algo inquietante. E como se isso não bastasse, agora Glória
começou a falar através de enigmas. Excelente.
Leonardo chegou atrasado para o almoço e, como já esperava,
almoçou sozinho. O início da manhã foi gasto na busca pelas amigas de
Linda e três delas haviam confirmado que tinham a tarde do dia seguinte livre
para visitar a amiga. O fato do marido ter feito o convite pessoalmente já
deixou as moças bastante sorridentes. Afinal, que marido sairia por aí
convidando as amigas da esposa para uma visita surpresa? Acharam o gesto
muito atencioso e se Leonardo fosse sincero consigo mesmo deveria admitir
que estava ansioso para ver a reação de Linda.
A reação inicial não tardou. Após a refeição, Leonardo estava no
escritório onde lia o relatório enviado por seus funcionários, quando Linda
entrou.
-Minha querida, a que devo a honra?
Ermelinda devia ter se controlado. Porém, já estava desconfiada
desde antes da conversa com Glória. A criada apenas forneceu mais
combustível para as dúvidas da senhora e assim que soube do retorno de
Leonardo decidiu que iria confrontá-lo.
-Será que pode ao menos ser discreto?
A confusão no rosto de Leonardo serviu apenas para deixar
Ermelinda ainda mais nervosa. Ele iria se fazer de inocente? Ah! Os homens
nunca eram inocentes.
Leonardo olhava para aquela mulher, sua esposa, sem saber o que
ela realmente queria dizer. Mais discreto? Ele sequer sabia que estava agindo
de forma escandalosa. Ao menos ainda não.
-Adoraria, minha querida, mas precisa ser mais específica. Gostaria
que eu fosse mais discreto em que aspecto?
-Não sou sua querida.
Linda quase rosnou e Leonardo segurou o riso. A mulher queria
matá-lo por algo que ele nem sabia do que se tratava e mesmo assim, a
achava adorável. Por mais amor que tivesse a própria vida, ele se levantou e
contornou a mesa para ficar mais próximo da esposa.
-Você é minha querida sim. Minha esposa. – Leonardo segurou a
mão de Linda e deu um beijo demorado no pulso macio e perfumado. – E se
eu tiver alguma sorte nessa vida, definitivamente será minha mulher.
Linda afastou a mão do toque de Leonardo como se ele estivesse a
ponto de matá-la.
-Para que vai precisar de mim se já tem mulheres o suficiente para
satisfazê-lo? Não serei mais uma.
Aquela conversa fazia cada vez menos sentido. Do que ela estava
falando? Leonardo podia sentir a raiva emanando do corpo de Linda
enquanto os olhos definitivamente queriam fazer com que um raio caísse
sobre ele.
-Você não é mais uma. É a única. A levei ao altar, prometi ser
apenas você diante de Deus e dos homens.
Ela bufou. Ah, Leonardo queria fazer aquela mulher produzir sons
bem mais melodiosos do que aquilo. Ela o atraía, isso era verdade.
-Eu sei que um homem tem as suas... necessidades. Só seja
discreto. Todos estão comentando das suas saídas pela manhã.
-Eu estava cavalgando!
-A manhã toda? O cavalo não estava sequer suado quando
retornaram!
O que ela estava pensando? Leonardo não imaginava que Linda
estava tão atenta a ele. Poderia até parecer... Não, seria cômico demais. Ele
cruzou os braços e fitou a esposa.
-Está com ciúmes?
A reação dela foi adorável. Boquiaberta, chocada. Linda.
-Mas é claro que não! Estou ultrajada que um homem com menos
de uma semana de casado já tenha uma amante, isso sim!
Leonardo ficou olhando para a esposa sem saber o que dizer. De
todas as possibilidades, por que aquela mulher estava pensando que ele tinha
uma amante? Ele nunca se envolveu com duas mulheres ao mesmo tempo,
mesmo quando foi mais inconsequente durante a juventude. Aquela suspeita
abalou sua paciência.
-Eu não sei de onde tirou isso, mas não é verdade.
Percebendo que finalmente aquele sorrisinho irritante desapareceu
do rosto do marido, Ermelinda continuou.
-É mesmo? E por que está saindo todos os dias pela manhã? Sei
muito bem que não tem esse hábito.
-Sabe? O que pensa que sabe sobre mim? Não parece ter interesse
algum em conhecer o homem com quem se casou.
A vida atual de Leonardo o privou de muitos prazeres que
desfrutou quando tinha menos responsabilidades. Porém, o dinheiro
proporcionou prazeres novos. Ele abriu mão de uma casa simples no campo
onde trabalhava muito para poder viver na cidade. Enquanto o trabalho mal o
deixava dormir, no campo às vezes era difícil comer, mas como era lindo ver
o sol nascer e se pôr! Agora ele vivia trancado em salas trabalhando, fazendo
reuniões, mas não se esquecia das cavalgadas em meio à natureza ou como
gostava de um banho de cachoeira.
Batidas na porta fizeram com que Ermelinda não tivesse tempo
para responder.
-Entre. – Ela disse em alto e bom som.
O criado entrou no escritório e fez uma pequena mesura.
-Senhor, chegou uma carta de sua irmã.
Adélia! Leonardo se levantou imediatamente e foi até o criado
antes mesmo que esse pudesse fazer a entrega do envelope. Teria acontecido
algo?
Ermelinda percebeu as feições do marido se transformarem
rapidamente. Isso a fez entender que ambos agiam de forma diferente um
com o outro. Enquanto ela tinha uma postura beligerante, ele oscilava entre
ataque e defesa.
-Gostaria de ler a carta da minha irmã sozinho, minha querida.
Deixando aqueles pensamentos de lado, Ermelinda apenas assentiu
e saiu do escritório. O lado irmão de Leonardo se mostrou tão claro a ela, que
a fez perder até mesmo a vontade de retrucar.
Leonardo abriu o envelope com urgência. O que a irmã queria? Do
que estava precisando? Sabia que ela não iria entrar em contato durante a lua
de mel por um motivo bobo, de forma que sua mente já pensava em mil e um
problemas. Se fosse preciso, partiria imediatamente para vê-la.
De acordo com que lia, a preocupação desapareceu. Sua querida
irmã Adélia dizia estar tudo bem, salvo as saudades que sentia dele. Nunca
tinham se separado assim. Imediatamente Leonardo começou a escrever uma
resposta e prometeu que escreveria com frequência para irmã. Se possível,
enviaria presentes ou desenhos também. Isso poderia deixá-la menos infeliz e
ele com a consciência e o coração mais leves.

Ermelinda estava em seu quarto, sentada diante da janela,


observando o belo céu azul daquela tarde. Batidas na porta interromperam
seu momento de sossego e logo após sua permissão, um criado entrou.
-Senhora, chegaram suas visitas.
-O que disse? – Ela não estava esperando visitas.
O criado pareceu brevemente confuso, mas logo explicou da forma
mais clara que conseguiu.
-As senhoritas Virgínia, Maria e Joaquina chegaram, minha
senhora. Disseram que foram convidadas para uma visita.
Ermelinda parecia não compreender o que o criado dizia. Três
amigas vieram visitá-la? Juntas?
-Obrigada. Irei imediatamente.
-A senhora irá em dois minutos. – A voz de Leonardo chegou até
ela e estava claro que ele não deixava espaço para reclamações.
Ermelinda tentou com todas as forças matar o marido apenas com o
olhar. Lá estava o infame de pé na porta do seu quarto. O que ele queria?
-Não vou deixar minhas amigas esperando.
O criado fez uma mesura e saiu. Não era seguro permanecer ali por
mais tempo.
Leonardo entrou no quarto sem nenhuma cerimônia até ficar frente
a frente com a esposa. Os últimos dias foram extremamente silenciosos e ele
sabia que precisava estar cada vez mais próximo. A sedução era um jogo
muito excitante que precisava de grande dedicação. Ainda mais quando a
dama se cercava de tamanha frieza.
-Estou com saudades.
Ermelinda bufou.
-Não acredito no senhor.
Leonardo segurou a mão da esposa e dei um beijo no pulso
perfumado.
-Pois acredite. Imagino que vamos conversar no almoço, depois
acredito que possamos rir de algo que aconteceu durante o dia enquanto
jantamos e por fim, acho aquela cama grande demais para mim.
A cada frase, ele beijava um pouco mais acima, explorando o braço
de Linda, quando na verdade queria conhecer aquele corpo por completo.
Amor ainda poderia ser uma ausência entre eles, mas o desejo estava lá forte
e denso ao redor dos dois. Um rápido olhar no semblante de Linda e
Leonardo sabia muito bem que não estava se envolvendo sozinho naquela
trama, pois ela também o desejava.
-V-vou solicitar uma cama menor para o senhor. – Ela se odiou
pela forma como sua foz parecia carente.
Um sorriso surgiu nos lábios de Leonardo e cresceu de forma tão
atraente que ela não duvidava que aquele era um gesto calculado. Uma forma
de seduzir.
-Por que não vem dormir comigo? Prometo que vou me comportar.
Precisamos manter as aparências, lembra-se? Nenhum casal fica sozinho
apenas na noite de núpcias.
-Podemos ser um casal atípico.
-O seu pai não gostará de saber disso e com certeza algum criado
fará o favor de reportar tudo o que está acontecendo entre nós para ele.
Ermelinda não duvidava nem um pouco. Não custava nada o pai ter
cedido a casa para a lua de mel do casal a fim de poder acompanhar tudo de
perto. Se antes tinha apenas o pai como senhor e acreditava que esse controle
seria passado ao marido após o casamento, tudo levava a crer que agora tinha
dois senhores. O pensamento minou qualquer tranquilidade que ela tinha para
aquela tarde.
Tirando o braço do alcance das mãos e dos lábios de Leonardo,
Ermelinda tentou se recompor. Parecia que o toque dele deixara sua pele em
chamas. Por que aquilo a irritava? De onde vinha aquela frustração? Ela já
tinha motivos em quantidade suficiente para querer distância daquele homem,
mas sempre permitia que ele se aproximasse de alguma forma e logo se sentia
à beira de um abismo.
-Não acredito que ousa me chantagear com base nas fofocas que os
criados podem ou não fazer para o meu pai.
Leonardo deu de ombros. Como ousava parecer tão à vontade
diante dela?
-Um homem como o seu pai é inteligente o bastante para ter um ou
dois espiões nessa casa.
-Ótimo. – Ela respondeu. – Assim eles também irão reportar que o
senhor desaparece todos os dias pela manhã. Posso dizer que isso não me
anima a dividir a cama com o senhor durante a noite.
Leonardo riu. Se deixou permitir imaginar que ela estava com
ciúmes. O que aquela cabecinha estava imaginando que ele fazia quando não
estava em casa?
-A noite sempre vem antes da manhã, minha querida. Se eu saio
pela manhã é porque a noite não foi tudo o que podia ser.
Então ele assumia! Ermelinda sabia que se ficasse ali mais um
instante, logo perderia a compostura. Traidor, cafajeste... Ah! Que homem
horrível! Sedutor de quinta categoria!
-Fui criada por um homem da sua laia, meu senhor. Mulher alguma
satisfaz um libertino sem escrúpulos. Acho que já o conheço bem o
suficiente.
A primeira aproximação do dia foi um fiasco, Leonardo admitiu.
Linda estava sempre nervosa e ele acaba por falar coisas que só deixavam a
situação ainda mais delicada. Aproveitando que estavam próximos, deixou a
mão deslizar pela cintura de Linda enquanto se colocava atrás dela. Apoiou o
queixo no ombro da esposa e sussurrou.
-Só queria dizer que não, você ainda não me conhece, meu bem.
Mas saiba que eu ficaria mais do que feliz em me apresentar totalmente a
você.
Ela se moveu tão rápido que Leonardo riu. Ah, ele realmente a
afetava de alguma forma. Isso era promissor. Em um instante ela saiu e o
deixou contando o tempo para poder aparecer na sala e seguir para a próxima
etapa do seu plano: conquistar a simpatia das amigas de sua esposa.
Ermelinda se arrependeu de ir direto para a sala de estar. Três pares
de olhos a examinaram da cabeça aos pés e os risinhos vieram logo em
seguida. Aquelas eram três amigas queridas e por isso a conheciam tão bem.
Ver a amiga recém-casada aparecer corada despertaria comentários que com
certeza ela não queria ter que ouvir. Mesmo que soubesse estar corada de
raiva.
-Ah, querida! Como é bom vê-la!
Virgínia, a mais carinhosa do quarteto, se adiantou para abraçar
Ermelinda.
-Que surpresa maravilhosa a visita de vocês! – Não precisava agir
de forma educada ou forçada. Realmente estava feliz por poder encontrar as
amigas.
Joaquina riu baixinho.
-Viemos porque fomos convidadas, minha querida. Não
interrompemos nada importante, não é?
Ermelinda piscou, confusa. Convidadas? Adorou ver as amigas,
mas tinha certeza de que não convidou nenhuma delas.
-Não interromperam nada, eu garanto. Vou providenciar um chá.
Como se fossem invocadas, duas criadas entraram na sala com
bandejas de chá, café e quitutes. Pelo jeito elas realmente eram esperadas.
Ermelinda se sentou entre as amigas e assim que as quatro estavam
novamente sozinhas, Maria começou a tagarelar. Na verdade, ela tinha se
segurado de maneira surpreendente uma vez que era a mais falante de todas.
-Agora conte-nos tudo! Ah, sua sortuda, nem acredito que se casou
antes de nós! E ainda com um homem tão bonito! Como se conheceram?
Quem começou a flertar primeiro? Como ele fez o pedido?
Ermelinda olhou para as outras duas amigas em busca de socorro,
mas tudo o que conseguiu foi perceber como a expectativa do trio era grande.
-Bem... uma pergunta de cada vez, eu acho.
A jovem começou a enumerar nos dedos a sua situação sem graça.
Sabia que podia confiar nas amigas e elas não a julgariam pelo que
aconteceu.
-Em primeiro lugar conheci o senhor Leonardo em um baile. O vi
de longe e foi assim até que o meu pai comprou ele para mim. Portanto,
segundo: não houve flerte. Ele se distraía com as mulheres bonitas. Terceiro:
não houve pedido. Foi só um contrato assinado entre ele e o meu pai. Eu fui a
consequência.
As três moças fizeram uma careta.
-Nossa... alguém está muito desgostosa. – Resmungou Virgínia.
-Eu definitivamente não acredito que o seu pai se rebaixou a tanto.
– Maria quase praguejou.
Joaquina ficou em silêncio por um tempo e depois deu de ombros.
-Casamentos arranjados acontecem todos os dias. O que o seu pai
fez?
Ermelinda pegou um biscoito e começou a comer.
-Disse que não ia mais apoiar o negócio do senhor Leonardo. Isso
praticamente o levaria à falência. Se quisessem manter a parceria, ele teria
que se casar comigo.
Maria assentiu, resignada.
-Isso é muito comum.
Virgínia bufou.
-Pelo menos seu pai teve a decência de conseguir um marido jovem
para você. Imagina se fosse um velho bêbado?
Joaquina fez uma careta e estremeceu.
-Pior ainda se fosse um daqueles velhos sebosos. Sempre são
pervertidos.
Ermelinda suspirou.
-Velhos pervertidos são apenas jovens pervertidos que
envelheceram. Acho que meu marido não é tão diferente.
Maria disse baixinho.
-Mas neste caso vocês dois pelo menos vão envelhecer juntos.
Ermelinda viu as três amigas assentirem em concordância. E que
diferença isso faria? Ele iria se cansar dela. Iria traí-la com a mulher que
desejasse e sua vida seria miserável da mesma forma.
-Não sei como isso muda alguma coisa.
Batidas na porta interromperam a conversa e as quatro jovens
olharam Leonardo entrar no cômodo com um largo sorriso.
-Senhoritas! Como é bom vê-las novamente!
Ermelinda observou chocada as três amigas praticamente se
derretendo pelo seu marido. Ele ousou seduzi-las? Ele as convidou? Logo
estava pensado se as amigas ajudariam a acobertar um assassinato. Pela
forma que admiravam a possível vítima, era mais provável que ela fosse
sentenciada pela simples menção de fazer algo contra o sorridente e atencioso
senhor Leonardo. O biscoitinho que havia comido começou a fazer seu
estômago embrulhar.
-Senhor Leonardo, boa tarde! – Maria quase suspirou.
Ermelinda queria pular da janela, o que não seria um grande risco
já que estavam no térreo. O importante era ir para longe daquela cena
irritante.
Joaquina deu um largo sorriso.
-Ela realmente não sabia, não é?
Leonardo riu com gosto e deixou as jovens hipnotizadas. Ermelinda
queria ter dez anos novamente para fazê-las voltar à razão com o velho e
eficiente puxão de cabelo. Sempre funcionava. Não que se importasse com o
marido, mas independente da situação do seu casamento aquelas jovens
estavam embasbacadas por um homem casado! Isso era muito errado.
-Gostou da surpresa, minha querida? Pensei que uma tarde com
suas amigas seria um momento agradável.
Leonardo se aproximou e beijou a testa da esposa. Ermelinda corou
imediatamente.
-Ah... foi você.
-Tudo para fazê-la feliz. -Leonardo piscou.
Ah, aquilo era divertido. O rostinho de Linda controlando a
tempestade que sentia era algo que Leonardo faria questão de se lembrar por
muito tempo.
Fazê-la feliz... Ermelinda poderia sugerir muitas coisas. O que acha
de se afogar em um lago? Por que não decide fazer uma filial do jornal nas
Américas? Oh, pelo amor de Deus, que se alistasse como soldado e fosse
passar um tempo na guerra! O que ele estava fazendo com os pensamentos de
Ermelinda? Por que ela se tornou tão hostil? Nunca tinha desejado nada de
ruim a ninguém, exceto o pai, e agora só conseguia pensar em várias formas
de se livrar do corpo do marido. Corpo esse atualmente vivo e quente, sendo
minuciosamente avaliado por suas amigas. Coradas! Traidoras, ela pensou.
Ermelinda observou o marido cumprimentar uma a uma as suas
amigas falando claramente o nome e dando um beijo educado nas mãozinhas
mais que disponíveis. E aquele ainda foi só o início.
Leonardo percebeu que estava muito à vontade com a situação. As
amigas de Linda eram agradáveis e quando deu por si estava se
empanturrando de café e biscoitos enquanto conversava com elas. Apenas
quando percebeu o olhar assassino, não havia outra definição, que sua esposa
lhe dava resolveu sair.
-Senhoritas, me perdoem a falta de atenção. A conversa estava tão
agradável que esqueci que não devo participar desse encontro. Com certeza,
como uma típica mulher casada, minha linda esposa deve querer reclamar de
mim.
-Ah, de forma alguma. O senhor é marido da nossa amiga, então se
tornou nosso amigo também. – Maria quase arrulhou.
Ermelinda começou a olhar esperançosa para a janela. Quantos
passos precisava dar até chegar e pular?
-Fico honrado com a consideração. Por favor, venham mais vezes.
Ficaremos ao menos mais três semanas aqui.
-Mas vocês estão em lua de mel. Creio que não devemos voltar
novamente. – Joaquina disse corando enquanto as outras duas pareciam
concordar.
Ermelinda tentava se lembrar a distância da janela até o estábulo.
Será que conseguiria uma estalagem para ficar? Porque não poderia se
refugiar na casa de nenhuma das suas amigas... todas traidoras.
Leonardo se levantou e olhou de tal forma para Ermelinda que
qualquer um, menos ela, poderia dizer que era um homem totalmente
apaixonado.
-Pretendo viver em eterna lua de mel com a minha esposa, mas não
vamos nos privar do mundo. Portanto, será uma alegria recebê-las aqui ou em
nossa casa quando quiserem. Aposto que minha irmã vai adorar conhecê-las.
A voz de Virgínia parecia dançar de alegria.
-O senhor tem uma irmã?
Leonardo assentiu com simpatia.
-Sim e tenho certeza que todas podem ser amigas. Ela se chama
Adélia.
E então Leonardo se viu respondendo várias perguntas a respeito da
irmã para as três moças simpáticas e curiosas. Ermelinda sentiu que poderia ir
dar uma volta no jardim, nunca mais voltar e mesmo assim não faria
diferença alguma. Apenas quando Leonardo pareceu não ter mais o que falar
ele finalmente se foi e as amigas resolveram dar atenção novamente para ela.
-Vocês não passam de um trio vil de traidoras.
As reações das jovens seriam cômica, se Ermelinda não estivesse
magoada. Maria e Virgínia ficaram boquiabertas enquanto Joaquina corou e
mordeu o biscoitinho que segurava havia quase meia hora. Como uma pessoa
extremamente comunicativa, Maria se recuperou primeiro.
-Acho que está terrivelmente equivocada. Tanto sobre nós quanto
sobre seu marido. O senhor Leonardo não é só bonito, mas também muito
simpático. Sinceramente? Quem me dera ter um marido assim, caso precise
me casar através de um acordo.
Enquanto isso Maria ainda mastigava, mas não deixou de assentir
para concordar. Joaquina não se conteve.
-Por acaso ele não tem um irmão? Mesmo que seja um irmão mais
novo?
Ermelinda bufou. Quando ela pensou que não poderia ficar pior...
-Não. Apenas a irmã.
-Um primo, talvez? – Maria havia finalmente engolido e
encontrado novamente a voz.
Ermelinda arfou, chocada.
-Vocês três realmente são minhas amigas? Acabei de ser vendida
pelo meu pai e ousam ficar do lado do meu comprador?
Joaquina suspirou e olhou para a amiga casada.
-Céus! Você sempre teve uma inclinação para o drama, mas
assumo que agora está quase fora de controle. Diga-nos, o que lhe incomoda
tanto? Seu marido ser bonito? Ser gentil? Ou ele não é assim com você?
Como Ermelinda iria explicar? Antes de tudo aquilo também era
uma jovem suspirando por Leonardo, mas assim que se viu naquela situação
arranjada, perdeu todo e qualquer interesse por ele. Mesmo assim, por mais
rude que ela fosse, Leonardo se mantinha pacífico.
-Ele é exatamente assim, pois somos desconhecidos e não temos
sentimento algum um pelo outro. É uma situação forçada. Não estamos nem
um pouco satisfeitos com isso.
-Tem certeza? – Joaquina resolveu alfinetar um pouco. – Ele
parecia bastante à vontade. Tem certeza de que não está repelindo seu
marido?
Ermelinda apenas deu de ombros.
-Isso faz diferença? Mais cedo ou mais tarde ele terá uma amante.
Então por que me esforçar?
Ela ouviu o som irritante de três suspiros, quase sincronizados.
-Sabe, acho que o seu casamento está na sua mão. Minha mãe
sempre diz que uma mulher tem todos os dons e mistérios para seduzir um
homem. – Disse Virgínia.
-Ah! Já sei! - Maria começou a falar com grande empolgação. Mau
sinal, as outras três pensaram. – Eu vou enviar para você a salvação do seu
casamento!
As jovens olharam para a aquela que parecia ter descoberto a
receita da imortalidade. Os olhos de Maria brilhavam e o sorriso dela era
mais perigoso do que confiável. Sempre falando mais do que devia, Maria era
impulsiva nos momentos menos apropriados.
-E o que seria isso? – Ermelinda perguntou sabendo que se
arrependeria.
-O livro da Mademoiselle Florence!
Virgínia perguntou curiosa:
-As lições do amor?
-Esse mesmo! – Maria respondeu exultante.
Joaquina resolveu comer mais um biscoitinho e ficar quieta. Já
Ermelinda gemeu, frustrada. O livro intitulado “As lições do amor”, foi um
sucesso absoluto de vendas em Portugal e isso era um mistério, pois raras
eram as damas que admitiam ter adquirido um exemplar e mesmo assim as
prateleiras das livrarias ficavam vazias rapidamente. É claro que havia a
possibilidade das damas receberem seu novo sonho de consumo no conforto
de suas casas e a partir da segunda edição a capa se tornou extremamente
discreta, fazendo com que a leitura tida por muitos como escandalosa
passasse de forma despercebida. Havia grande descrença de que a autora
fosse de fato uma francesa, mas isso também se tornou secundário quando os
relatos de que certos casamentos feitos às pressas fossem frutos das lições
preciosas de Mademoiselle contidas no livro.
Se aquelas lições eram preciosas ou não, Ermelinda não se
importaria. Não iria usá-las com Leonardo. Se suas amigas pudessem achar
algo interessante em ensinamentos de uma mulher vulgar que provavelmente
se passava por francesa, que fossem aplicar os conhecimentos adquiridos em
suas próprias vidas.
-Agradeço a preocupação, mas acho que Mademoiselle Florence
não pode me ajudar.
Maria riu de forma que poderia convencer alguém que entendia
algo sobre sedução, quando na verdade ela e as amigas faziam parte de um
grupinho bastante comportado.
-Não tenha tanta certeza. O livro é fabuloso! Conheço umas cinco
moças que se casaram depois de lerem.
Ermelinda respirou fundo para não perder a paciência de vez
-Mas eu já me casei.
Virgínia bufou.
-Na verdade não. Casamento tem que ser mais do que a cerimônia e
carregar essa aliança no dedo. Se fosse só isso seria fácil demais.
-E sem graça demais também. – Joaquina sussurrou.
As três moças riram. Ermelinda não.
Com a postura da anfitriã diante das tentativas das amigas em
ajudá-la, o assunto logo desviou para outros temas antes que Ermelinda as
expulsasse da sala. Mesmo assim, quando as três partiram, Maria fez questão
de lembrar que encontraria um meio de presentear a amiga casada com o
livro infame. Ermelinda assentiu e tentou ao menos parecer educada para
agradecer, mas pensava que o livro ficaria lindo longe da prateleira e dentro
da lareira. De preferência quando esta estivesse acesa.
Leonardo percebeu que as jovens haviam partido quando escutou
passos no corredor indicando que alguém caminhava em direção à porta do
escritório. Ele estava sozinho, observando o jardim através da janela
enquanto saboreava uma taça de vinho. Ele não era de forma alguma um
perito em sons, mas aqueles passos decididos só podiam ser de sua esposa, a
mulher que abria a porta e entrava como um furacão dirigindo a ele todo o
seu ódio.
-O que o senhor quer?
Leonardo bebeu um pouco mais do vinho e analisou Ermelinda
com atenção. O olhar faiscando, o rosto corado, as mãos fechadas ao lado do
corpo enquanto respirava com rapidez. Muito nervosa e ao mesmo tempo,
muito bonita. Os lábios bem delineados em uma linha fina, os cabelos
lutando para escaparem do penteado.
O vinho acabou falando mais alto.
-Eu quero você.
Ermelinda ergueu a mão exibindo o dedo com a larga aliança de
ouro.
-Isso o senhor já conseguiu. Não se lembra? Me aguentar como
esposa é o preço para manter seu jornal.
Leonardo deu um sorriso torto, aquele que às vezes usava com
certas damas, enquanto deixava a taça de vinho sobre a mesa.
-Ainda não consegui, mesmo que os criados comecem a pensar que
está tudo bem. – Antes que Linda pudesse responder, ele prosseguiu. –
Precisamos pensar melhor sobre isso, a propósito. Recém-casados são mais
próximos.
Ermelinda bufou. Não queria passar a imagem de esposa feliz para
ninguém.
-Existe algo em que pensar. Onde estava com a cabeça em trazer as
minhas amigas até aqui?
-Queria conhecê-las.
Parecia que quanto mais ele falava, mais a raiva de Ermelinda
aumentava. Ousado, desrespeitoso, baixo... aquele homem era tudo o que ela
odiava.
-Por quê? Se quer uma amante, saiba que felizmente nenhuma das
minhas amigas é inocente ao ponto que aceitar tal posição.
Ela estava delirando? Como ousava acusá-lo de tentar seduzir uma
donzela entre as amigas de sua própria esposa? Leonardo jamais aceitou
tamanha ofensa de ninguém.
-Eu não sou um cafajeste, minha querida. Não sei de qual sonho ou
pesadelo tirou essa ideia. E faça o que quiser, eu jamais lhe darei o gostinho
de dizer que é uma mulher traída pelo marido. Posso nunca tocar em um fio
de cabelo seu, o que será um grande desperdício, mas a única mulher que virá
para a minha cama é você.
-Eu não irei.
Leonardo contornou a mesa e começou a caminhar em direção à
porta. Se não saísse, poderia perder a compostura. Sentia raiva, estava
ofendido e ao mesmo tempo queria fazer aquela mulher atrevida engolir cada
palavra que havia pronunciado, empurrando sua língua dentro da boca dela e
outras coisas em outro lugar também, se tivesse alguma sorte. Infelizmente,
sabia que ela não permitiria isso agora por mais que ele acreditasse que
algumas ondas de êxtase seriam capazes de remover por completo aquele
amargor.
-Então tranque a porta do seu quarto quando for dormir. Posso ir
visitá-la de madrugada e carregá-la nos braços até os meus aposentos e
ninguém me fará parar até você gritar de prazer. Já cansei de ouvi-la gritando
de raiva.
A porta se fechou e Ermelinda estava só. Se deixou apoiar na mesa
ao perceber que estava trêmula. Era raiva ou expectativa? Olhando ao redor
viu a taça de Leonardo. Ainda restava um pouco de vinho e ela não pensou
duas vezes antes de beber tudo em um gole. Era gostoso. Olhou a taça
imaginando onde a boca dele havia tocado e se por acaso ela teria bebido no
mesmo lugar. Era bem difícil tamanho sincronismo, mas não era impossível.
As lembranças da primeira noite de casados a invadiram mais uma
vez e o gosto do beijo voltou à sua boca. Quanto mais ela parecia odiá-lo,
mais ele parecia disposto a seduzi-la. Que Deus a ajudasse ou Leonardo
realmente iria conseguir isso.
Capítulo 5

Pouco antes do jantar, um mensageiro entregou um embrulho


endereçado a Ermelinda. O formato e a embalagem discreta só podiam
significar uma coisa: Maria havia cumprido sua ameaça, ou melhor, sua
promessa.
Com nenhuma empolgação, a jovem se trancou no quarto e
desembrulhou o exemplar de “As lições do amor” que a amiga lhe enviou.
Pela rapidez, Ermelinda teve certeza de que aquele era o exemplar que Maria
havia comprado para si e o pensamento a fez duvidar da inteligência da
amiga. Não eram tão incomuns livros voltados ao público feminino
ensinando o que as damas deveriam fazer nas mais diversas atividades de
suas vidas: como ser educada, como ser refinada, como agir, como não agir,
como agarrar um marido, como criar os filhos, como manter o marido e até
mesmo sobre como transformar um libertino em um marido dedicado.
Parecia que tudo era responsabilidade das mulheres, mesmo que o mundo
afirmasse que o progresso da humanidade era resultado da dedicação dos
homens.
Logo na primeira folha do exemplar, a letra da amiga exibia uma
dedicatória ousada:

Aprenda a agarrar o homem glorioso que a vida lhe deu. Espero em


breve conseguir um para mim também. Sua amiga mais bonita, M.

Aquilo a fez sorrir. Um sorriso sincero. Será que Maria estava


tentando seduzir alguém? Ah, ela gostaria de ver isso. Não que soubesse
como ajudar, mas algo lhe dizia que seria divertido ver a amiga caçando um
marido.
Olhando a capa, Ermelinda riu mais uma vez. Aquela era a primeira
edição do livro, ainda com a capa audaciosa que tornava impossível a leitura
em locais públicos. O que se passava pela cabeça de Maria para comprar tão
rapidamente um livro daqueles? Será que ela teria outros? Um pensamento
triste surgiu em sua mente: será que Maria queria tanto assim se casar? Será
que desejava tanto assim ser amada por alguém?
Ermelinda suspirou. E ela? Não queria ser amada? Será que as
pessoas iriam invejá-la por ter se casado com Leonardo Veiga? Com certeza.
Ela mesma não acreditaria se alguém dissesse que iria se casar com aquele
homem. Ele era bonito, mais atraente e charmoso do que o juízo de uma
mulher aguentaria. Apenas sua mágoa pelo casamento de conveniência a
mantinha firme diante dos avanços dele. E para piorar, aquele não era um
homem que jogava limpo.
Mesmo sem acreditar que aquele livro pudesse ser de alguma ajuda,
Ermelinda começou a ler.
A leitura era rápida com cada página contendo um título e uma
breve descrição. Vez ou outra a autora incluía dicas que complementavam a
descrição. Os homens deveriam ser realmente tolos se aquelas poucas dicas
fossem capazes de amarrá-los a um casamento. Não era novidade que um
beijo ou uma carícia mais ousada com testemunhas também chegava ao
mesmo resultado final, mas se a dama quisesse atrair um homem que não
estava interessado, parecia poder fazer isso sem grande esforço.
Imediatamente Ermelinda percebeu que estava fazendo exatamente o
contrário do que o livro dizia.
Com a desculpa de estar devorando o livro com o qual foi
presenteada, Ermelinda se ausentou do jantar daquela noite, pediu que o
almoço do dia seguinte fosse servido no quarto e só apareceu para jantar com
o marido pois o mesmo havia enviado um convite que não permitia recusa.
Para sua surpresa, o jantar correu com tranquilidade e silêncio absoluto, pois
cada um estava focado em sua comida e em seus próprios pensamentos.
Leonardo estava mais do que satisfeito com o resultado da visita
das jovens amigas de sua esposa. Era verdade que esperava que Linda ficasse
irritada, mas tinha que manter a esperança de que sairia vitorioso. Se agisse
como um marido ruim, além de destruir sua própria consciência, Linda
gritaria aos quatro ventos que tinha razão em não querer se casar. Se agisse
como um bom marido, ela sempre daria um jeito de atacá-lo. Por que era tão
difícil torná-la sua? Linda perderia toda sua vivacidade se fosse uma jovem
dócil demais, submissa, mas se tornava cansativo tentar abater a leoa em
todos os momentos em que se encontravam. Ela poderia desconhecer, mas se
permitisse, Leonardo a ensinaria a utilizar toda aquela energia de forma muito
mais prazerosa.
Ermelinda estava interessada apenas em se alimentar e assim que o
prato estivesse vazio, iria para o quarto. Para o seu quarto. Porém, ao levar a
última porção do jantar até a boca, escutou a voz do marido pela primeira vez
desde aquele momento no escritório.
-Gostaria da sua companhia por um instante.
Ela queria negar. Nada a impediria de se levantar e sair, mas
haviam criados que perceberiam que algo estava errado. Depois do que
passou na noite anterior era melhor manter a aparência de um casamento
confortável. Se eles parecessem brigar o tempo todo, com certeza a situação
chegaria aos ouvidos de Gonçalo e seriam obrigados a encenar uma
reconciliação. Isso exigiria mais tempo em um quarto com aquele homem e o
controle e curiosidade de Ermelinda possuíam limites.
Após aceitar o pedido do marido apenas assentindo com um sutil
movimento de cabeça, Ermelinda observou Leonardo se levantar e ir até ela
para lhe oferecer o braço. Em momento algum parecia nervoso ou ressentido.
Leonardo caminhou até sua esposa sem desviar o olhar, sem apressar o passo.
-Vamos até o jardim por um instante. A lua cheia torna a vista
fantástica.
Ermelinda uniu seu braço ao do marido e se deixou guiar. Sabia
muito bem como era linda a noite enluarada naquele jardim, pois observar a
lua banhando toda a paisagem de prata era uma das coisas que mais amava
fazer naquela casa. Pensar que tinha esse gosto em comum com o marido era
perturbador, mas quem não amava a luz da lua? Ainda mais um homem tão
conhecedor de jardins e atividades que aconteciam com pouca ou nenhuma
luz.
As lembranças da noite em que bisbilhotou Leonardo no jardim a
tomaram e ela estremeceu. O que ele estava planejando?
-Está com frio? Pensei que acharia a noite aqui fora agradável. – A
voz de Leonardo a trouxe de volta para a realidade. Já haviam atravessado a
porta e chegado ao jardim.
Não estava frio. Estava maravilhoso. A brisa fresca dava um leve
movimento para as folhas e apenas a natureza ao redor produzia som.
Ermelinda viu sua pele se tornar prateada junto a tudo que estava exposto ao
luar. Ao olhar para o marido, o rosto era um misto de sombra e luz. Era assim
que as amantes dele o enxergavam durante os encontros? Era de tirar o
fôlego.
Diante do silêncio de Linda para sua pergunta, Leonardo se
permitiu passar o braço pelos ombros da esposa para tentar aquecê-la um
pouco. Se Linda era bela a qualquer momento e em qualquer lugar, o luar a
deixou magnífica.
Não haviam nichos no vasto e aberto jardim da casa, mas as árvores
lançavam sombras aqui e ali. As roupas escuras de Leonardo combinavam
bem com o vestido verde musgo de Ermelinda. Ambos poderiam se camuflar
em algum lugar com sombras se quisessem. Leonardo poderia sonhar? Trazê-
la até ali foi mais fácil do que imaginava, mas algo lhe dizia que não deveria
brincar com a sorte.
-Existe algum propósito no que estamos fazendo? – Ela perguntou.
Leonardo queria dar muitas respostas. Adoraria explicar
detalhadamente seus pensamentos, mas não sabia ao certo se Linda teria
paciência para escutar. Era mais provável que o deixasse falando sozinho.
Sendo assim, optou por colocar seus propósitos em poucas palavras
-Casais gostam de jardins e da luz da lua. Isso dará aos criados algo
em que pensar. Além disso, achei que seria melhor conversarmos longe dos
pares de ouvidos ávidos.
Ermelinda riu, chocada, mas para ele o som foi tão envolvente que
gostaria de saber o que havia dito de tão engraçado para que pudesse fazê-la
rir com mais frequência.
-Acha que é melhor os criados pensarem que estamos fornicando
no jardim do que estarmos no escritório conversando como duas pessoas
civilizadas?
Ermelinda sentiu a mão do marido pressionar levemente seu
ombro, trazendo seu corpo mais para perto do corpo dele. O calor atingiu sua
pele rapidamente, mesmo que para isso tivesse que atravessar uma
quantidade significativa de camadas de tecido.
-Minha querida esposa, onde aprendeu esse palavreado? Somos
casados. Eu nunca faria uma coisa dessas com você. Faríamos amor e eu te
daria o céu, te faria alcançar as estrelas durante um beijo. Faríamos nossos
filhos e eu iria venerar com tudo o que sou cada centímetro do seu corpo.
Ela estremeceu. Deus foi bom por fazer com que suas pernas ainda
a sustentassem. Como ele ousava fazer aquilo? Suas palavras tinham o som
do pecado, no tom exato do desejo. Ermelinda engoliu em seco e sua
respiração acelerou. Agitada era o mínimo que se podia usar para definir.
Fazer amor com aquele homem. Fazer filhos com aquele homem. Ter o corpo
venerado por aquele homem. O calor vinha em ondas e ela se esforçou para
organizar as palavras em sua mente e conseguir respondê-lo.
-Não estou interessada. – A resposta tinha tão pouca convicção que
o silêncio seria muito melhor.
Leonardo riu e não havia sombra capaz de ocultar aquele sorriso.
Ao soltar o corpo da esposa, Ermelinda julgou que a noite estava fria demais.
O ar fresco a envolveu com tamanha rapidez que ela quase pediu para
Leonardo passar o braço por seus ombros novamente e isso seria a maior
besteira que poderia fazer.
Marido e mulher estavam diante um do outro, sob a luz da lua,
totalmente sozinhos naquele jardim. Era um cenário romântico, mas cada um
tinha um motivo específico para estar ali. Leonardo queria conversar,
precisava conversar. Mesmo que prosseguisse com o plano de conquistar a
esposa de alguma forma, o diálogo era algo que apreciava muito e não abriria
mão disso. Não permitiria que Linda se acostumasse a ficar longe dele,
dividindo cômodos distintos em uma mesma casa ao longo dos anos.
Ermelinda, por sua vez, só não queria que fosse delatada ao pai.
-Então já que não me permitirá desfrutar isso em sua companhia,
podemos ao menos conversar?
-Claro.
O absurdo é que não era tão claro assim para Ermelinda. Ela nunca
teve problemas em dialogar com pessoas por quem tinha simpatia ou não,
salvo o pai. Agora também não sabia se suportaria conversar com Leonardo
por muito tempo. E se ele dissesse mais alguma coisa tão... sedutora? Até
quando iria conseguir manter o marido longe da sua cama? Mais cedo ou
mais tarde ia acontecer. Como iria viver dali a poucas semanas junto com a
cunhada e manter aquela farsa? Com certeza Adélia conhecia o irmão com
tamanha completude que perceberia em um instante que algo estava muito
errado com o casal. E como ela ficaria depois de se entregar? Ermelinda
ficaria feliz ou apenas encararia aquilo como um dever cumprido? Se sentiria
usada ou plena? Só saberia se cumprisse suas obrigações matrimoniais, mas
não era o medo do que viria depois que a estava impedindo?
Leonardo a convidou a se sentar em um banco. Ermelinda conhecia
a localização de cada um dos bancos espalhados pelo jardim. Já havia lido,
dormido e refletido sobre algum assunto em cada um deles durante sua vida.
Assim que ambos estavam sentados lado a lado, Leonardo voltou a falar.
-Creio que sabe que pouco tempo atrás eu estava noivo de outra
mulher. Sendo sincero em cada palavra, não pretendia pensar em casamento
tão cedo e isso vale tanto para o meu passado quanto para o meu presente. No
caso do meu passado, eu realmente pensei que poderia dar certo. Agora, no
presente, preciso que dê certo ou nós dois viveremos de forma miserável.
Não estou me referindo ao dinheiro, é claro...
-Eu sei o que quer dizer. – Ela o interrompeu.
Porém, logo o silêncio se avolumou entre eles e Leonardo
continuou.
-Por isso gostaria que fosse sincera: eu atrapalhei algum outro
cavalheiro? Seu ressentimento comigo está relacionado a algum homem por
quem se apaixonou?
Ermelinda suspirou. A pergunta fazia sentido, mas a resposta não
iria satisfazer a curiosidade do marido. Não havia ninguém. Nunca houve
ninguém. Havia um ou outro homem como ele, bonito e atraente, que se
destacava nos eventos em que ela comparecia. Porém, nenhum se aproximou
para que algo mais pudesse surgir. Se fosse sincera consigo mesma, entre
todos os destaques, Leonardo era o mais interessante. Ela o sentia antes de
enxergá-lo nos salões em que compareciam. Gostava de ver como ele estava
sempre tão leve, tão à vontade consigo mesmo e com todos ao redor.
Mesmo quando os dois estavam juntos depois do casamento, por
mais que ela tentasse tirá-lo do sério, Leonardo parecia sempre o mesmo: um
homem disposto a ser o dono da situação na primeira oportunidade.
Além disso, nunca sentiu vontade de bisbilhotar outro homem. Não
que ela considerasse o momento no jardim como isso. Era apenas um
esclarecimento de suas curiosidades, já que acreditava ser praticamente
impossível ter a sorte de escapar com um cavalheiro para um nicho escuro.
Mas como era Leonardo quem estava ali com uma mulher, ela queria ver
tudo. Onde as mãos dele estariam? O que os lábios dele fariam? Ah! Naquela
noite foi difícil dormir e sua imaginação a colocava nos braços daquele
homem com uma facilidade alarmante.
Ermelinda olhou para a lua, a única testemunha daquele momento.
Mesmo ali, casados, estar com Leonardo em um jardim não era romântico.
-Não há ninguém no meu coração. Esse não é o meu impasse com o
senhor.
-A minha aparência não inspira nenhuma simpatia?
Ermelinda não quis rir e sim gargalhar. Leonardo era desejável da
cabeça aos pés quando estava em silêncio. Falando, era quase um canto de
sereia. Simpatia era apenas algo quase insignificante perto do turbilhão de
emoções que ele poderia despertar. “Te faria alcançar as estrelas durante um
beijo.” Sedutor. Ele quase a fez ir para o inferno pensando coisas que
desconhecia.
-A sua aparência não é problema algum. O número de amantes e
admiradoras que teve deve deixar isso bem claro. Qualquer mulher teria ao
menos simpatia pelo senhor tendo como base sua aparência.
-Então, o que é?
Bonito e absurdamente obtuso. Muito mais do que um dono de
jornal deveria ser.
-O senhor não é meu marido. É meu dono. Eu não sou sua esposa.
Sou uma moeda de troca. O senhor precisa ficar comigo para manter de pé o
que realmente ama.
Leonardo ponderou aquelas palavras duras e sinceras por um
tempo. Depois assentiu.
-Então é isso. O acordo de casamento.
Ermelinda concordou.
-Existem poucas coisas mais ultrajantes.
-Isso é muito comum, sabia? Muitos enlaces são assim e a esposa
não tenta matar o marido em pensamento todos os dias.
-Eu não tento matá-lo! – A voz escandalizada de Ermelinda estava
carregada de sinceridade, mesmo assim, Leonardo pareceu não acreditar
naquela resposta.
-Entenda uma coisa: se de um lado está uma mulher que não queria
se casar, do outro lado estava um homem que entre todas as possibilidades
percebeu que o casamento era a única saída. Enquanto você estava alheia ao
que acontecia, eu tentava de todas as formas nos livrar desse compromisso.
Eu falhei comigo e com você.
Um homem assumindo um erro? Aquilo era novidade para
Ermelinda. Parecia ver os olhos do marido brilhando, transbordando
sinceridade enquanto falava, mas nunca vivenciou tal experiência. Seu pai era
um homem que tomaria banho na areia se decidisse que aquilo era água e
ninguém ousaria contradizê-lo.
-Um homem não tem tanto a perder com um casamento arranjado
quanto uma mulher. – Ela teimou. Céus... pelo jeito teimosia era um traço de
família. Seu pouco humor esvaiu ao perceber que tinha algo em comum com
o pai.
-Depende. Eu perdi o mesmo que você.
-É claro que não! Ainda poderá frequentar os bordéis onde ia,
carregar mulheres para os jardins. Pode me evitar o tempo que quiser, terá o
apoio da sociedade para me usar e me deixar quando quiser. Porém, não
pense que terá a minha submissão. Agora, se tudo der errado e um dia eu
precisar de um homem ao meu lado, só posso recorrer ao senhor ou então
serei crucificada pelos mesmos motivos para os quais a sociedade fechará os
olhos se for o senhor.
Aquele foi o discurso mais apaixonado que escutou da esposa e
naquele breve momento, Leonardo percebeu os medos e anseios daquela
jovem. Ela temia perder. Seu medo estava em perder sua moral, sua virtude,
sua pouca liberdade. Temia se perder de si mesma ao conviver com um
homem que não a amava e que tinha permissão para se divertir. Linda temia o
abandono e a traição. Como ela pensava mal dele!
-Eu sei que existem muitos homens assim, mas não quero ser um
deles. Eu realmente abri mão dessa vida. Agora sou um homem casado e se
não tiver minha esposa, não terei mais mulher alguma. Eu prometi isso diante
de todos e irei cumprir cada palavra.
Antes que Ermelinda pudesse responder, percebeu que Leonardo se
aproximava e logo os lábios quentes e macios do marido estavam em sua
testa.
-Jurei protegê-la.
Em seguida, ele beijou a ponta do nariz.
-Jurei respeitá-la.
A última frase, quase um sussurro, veio antes que ele beijasse seus
lábios.
-Que Deus me ajude a aprender, mas jurei amá-la.
Ermelinda sentiu o hálito quente em sua pele e o beijo durou muito
pouco. Apenas um leve roçar de lábios, um toque com respeito como uma
dama merecia. Se pegou pensando se aquele não era o momento em que suas
fantasias antigas com Leonardo em um jardim poderiam acontecer. Depois
ela explicaria que foi levada pelo romantismo do momento com a luz da lua
misturada ao vinho que bebeu durante o jantar. Porém, Leonardo não foi
além.
-Eu sei que não temos sentimento algum um pelo outro para
sustentar esse casamento, mas me recuso a fazer desse compromisso um
tormento. Podemos com só mais um passo nos transformarmos em amigos e
se você deixar seu coração aberto, eu encontrarei um caminho que chegue até
ele. Enquanto isso, lhe mostrarei como alcançar o meu.
A voz de Leonardo era baixa, envolvente e Ermelinda se sentiu
tentada. Com certeza conseguiria. A quem queria enganar? Estaria na cama
dele antes da próxima hora. Era amor? Claro que não! Mas se o padre disse
que eram um do outro e não era mais errado, por que se negar?
-O senhor diz isso agora, quando deve ter pouco tempo desde a
última vez que aproveitou a noite como um homem solteiro. Com o passar do
tempo irá enjoar da mesma cama, da mesma mulher. Então voltará sedento
para a vida que tinha.
-Não me conhece para afirmar algo assim. Lhe garanto que serei
fiel.
Ermelinda sorriu, mas não havia alegria alguma.
-Eu tenho experiência com isso, meu senhor. Vi um homem levar a
amante para o quarto que dividia com a esposa quando vivia o primeiro mês
de luto.
-Pelos céus, Linda! Já disse que não sou o seu pai!
Ermelinda se levantou do banco imediatamente.
-Sei exatamente disso, meu senhor, caso contrário teria me atirado
no mar se fosse preciso para escapar de tamanho infortúnio.
Deixando Leonardo completamente chocado com aquela resposta,
ela o deixou sozinho na tranquilidade do jardim enluarado. O ambiente
íntimo e romântico não conseguiu fazer com que ambos se enxergassem
como deveria ser. Leonardo havia dado passos importantes com aquela
conversa, mas os receios da esposa ainda a mantinha firmemente envolvida
por uma armadura. O jeito era continuar com o plano e correr contra o
relógio. Se não conseguisse avançar e transformar aquilo em um casamento
de verdade onde ambos pudessem ser felizes antes de voltar para casa,
Leonardo se consideraria fracassado novamente.
Ermelinda foi direto para seu quarto de solteira enquanto Leonardo
passou pelo escritório para uma última dose de álcool. Era um vício
desagradável, mas não via outra forma de extravasar a frustração durante a
noite. De manhã, manteria o hábito de cavalgar, mas à noite não havia muito
o que fazer.
Quando se aproximou da porta do seu quarto, reparou que uma
jovem criada estava de guarda ali. Ele se lembrou depois de uns instantes que
o nome dela era Laurinha.
-Boa noite, meu senhor. – A jovem fez uma mesura graciosa
deixando os fartos seios em destaque. – Estou esperando para preparar seu
quarto.
Leonardo achou estranho, mas não se importou quando a criada
entrou junto com ele. O quarto estava escuro e Laurinha tratou de acender as
velas e fechar as janelas de forma eficiente. Por fim, foi afofar os
travesseiros.
-Precisa de algo mais, meu senhor?
-Por hoje não.
Leonardo não queria chamar criado algum para lhe ajudar com as
roupas, então assim se se viu só começou a se despir e logo estava deitado.
Quando iria dormir era algo muito difícil de saber.

Tanto Leonardo quanto Ermelinda não tocaram mais no assunto


que foi dito no jardim. Quando se encontravam, falavam de amenidades, se
necessário. Depois da conversa que tiveram, ficou totalmente claro para ele o
quanto a esposa havia sofrido com as atitudes do pai ao longo da vida.
Mesmo assim, ele não era como Gonçalo. Queria seduzi-la não por ser mais
um libertino, mas sim por querer ser o marido dela. Se Linda não abria o seu
coração, ele se aproveitaria de um momento de luxúria para mostrar como os
dois poderiam dar certo juntos. Ah, ele faria com que fosse bom de uma
forma que ela jamais poderia sonhar.
Apenas dois dias depois, Glória, a criada de Ermelinda, procurou o
senhor.
-Tenho uma informação que pode te interessar, meu senhor.
Leonardo, que àquela altura estava aceitando toda e qualquer ajuda,
não hesitou em largar o relatório do jornal e dar atenção para a mulher.
-Pois diga.
Glória pareceu hesitar um pouco, antes de lançar um olhar
significativo para Leonardo. Ele suspirou de forma enfadonha, mas por
dentro se divertia.
-Claro que lhe darei uma pequena recompensa por isso e manterei
essa conversa em total sigilo. Qual é a preciosa informação?
Glória deu um largo sorriso.
-Como o senhor sabe, a senhora Ermelinda ganhou um livro de
presente. – Glória esperou Leonardo assentir para prosseguir. – O que muito
me intrigou foi o conteúdo do livro. Parece que as amigas da senhora
consideram o senhor um marido mais do que aceitável.
Leonardo sorriu. Sabia que as amigas de Linda tinham gostado
dele, mas ouvir aquilo de outra pessoa era uma confirmação muito agradável.
Além disso, ser procurado pela criada da esposa mostrava que ele havia
conseguido, mesmo que através de dinheiro, conquistar alguma lealdade
daquela mulher.
-O que as adoráveis amigas da minha esposa fizeram?
Glória retirou o tecido que cobria o exemplar e o entregou nas
mãos de Leonardo.
-Lhe deram um livro sobre como seduzir um homem. – A criada
disse exultante.
Leonardo olhou a capa berrante do livro onde se lia em uma letra
rebuscada “As lições do amor”. Ao ler o nome da autora, ele gargalhou. Com
certeza uma falsa francesa estava conseguindo algum dinheiro às custas de
jovens solteiras e ingênuas.
-Céus... que Adélia nunca se interesse por um livro dessa categoria.
A criada riu.
-Pelo que escutei, meu senhor, esse livro foi um sucesso de vendas.
Alguns cavalheiros foram definitivamente fisgados com esses ensinamentos.
-E minha esposa estava... bem... estudando esse material? – Ele deu
bastante ênfase no verbo.
-Posso afirmar que ela leu todo o conteúdo. Agora que já aprendeu
tudo, o guardou em um lugar discreto, mas eu o encontrei. Acredito que pelos
próximos dias ela não irá precisar dele.
Leonardo olhou da criada para o livro. Abriu o exemplar em uma
página aleatória e leu rapidamente sobre “Como dançar com seu escolhido”.
Definitivamente aquele livro não estaria entre as obras literárias do século,
mas deveria possuir algum crédito para as jovens se arriscarem comprando
um para si.
-Realmente essa é uma informação muito interessante. Irei atualizar
a quantia do seu próximo ordenado, não se preocupe. Agora acho que preciso
estudar um pouco para saber se serei vítima da lição 15 ou da lição 22.
Leonardo Veiga, a que ponto havia chegado? Lendo um livro
indecente voltado para o público feminino, com dicas duvidosas e um
propósito escandaloso. As moças casadoiras se tornavam cada vez mais
assustadoras. Felizmente, ele parecia estar livre daquela perseguição, mas
sabia que sua atual situação não era menos arriscada. Guardando o livro na
gaveta, voltou ao trabalho dando sua total atenção para o relatório do jornal.
Mais tarde, depois de trabalhar, iria se dedicar aos ensinamentos de
Mademoiselle Florence.
Por mais absurda que fosse aquela leitura, Leonardo não podia
dizer que foi tediosa. Era um tanto cruel pensar no quanto uma dama
precisava se preocupar para levar um homem ao altar quando apenas um
decote ousado garantiria que o mesmo homem estivesse disposto a levá-la
para a cama. Ele mesmo conhecia um ou dois que de tanto desejar uma
mulher, aceitaram o altar para poder saciar sua necessidade com a pessoa
certa. Felizmente, o desejo não os cegou e permitiu que algo mais duradouro
surgisse.
Leonardo suspirou. Será que ele teria essa chance? Ao fim da
execução do seu plano haveria a chance de conseguir tomar Linda para si
como era de direito e descobrir que poderiam ser felizes juntos? Ela o odiava
com tanta força e nada que estivesse ao seu alcance mudaria a forma como as
coisas começaram entre eles. Se ela não aceitasse um recomeço deixando
tudo o mais para trás, seria impossível conquistar algo no casamento além de
uma eterna guerra.
Naquela noite, Ermelinda foi agraciada com uma refeição tranquila.
Pela primeira vez o marido resolveu não se juntar a ela. Sendo assim, comeu
sem precisar se preocupar com nada. Se Leonardo estivesse presente, ela
ficava ansiosa pensando quando ele iniciaria algum assunto e qual seria o
tema da conversa. Além disso, poderia ousar convidá-la para outro passeio
noturno e ela mal havia se recuperado do primeiro.
A quem queria enganar? Se não fosse aquele terrível acordo de
casamento, facilmente seria uma mulher muito feliz. Se Leonardo a tivesse
escolhido, Ermelinda teria certeza do desejo e carinho dele por ela. Porém,
ela era a condição necessária para ele manter sua vida financeira em ordem.
Ele não a escolheu e sim a aceitou. Vendida a quem sequer tinha o interesse
de comprá-la. Havia pouco mais de uma semana que tinham se casado e
nesse tempo poucos foram os avanços.
Ermelinda tinha que admitir que o marido tentava procurá-la.
Acreditava que se permitisse continuar ao lado dele após um beijo, logo ele
estaria fazendo o que não conseguiu na primeira noite. Será que o faria por
amor? Definitivamente não. Era cedo para haver amor e se ele a amasse
depois de tudo o que ela lhe disse, ao contrário de ficar feliz deveria ter medo
daquele homem.
O que faria nascer o amor? Após o jantar, Ermelinda voltou para o
quarto pensando naquela pergunta. Se ela quisesse que o marido a amasse,
deveria ser menos beligerante. Mas ao se livrar de suas defesas era provável
que Leonardo apenas desse a batalha como vencida. Eles estavam casados!
Que homem se daria ao trabalho de cortejar a própria esposa? Ele só iria
querer o que já era seu direito. Não era preciso ter trabalho algum.
Ermelinda suspirou. Todas as suas ilusões de ter um cavalheiro
apaixonado tentando conquistá-la até que ela permitisse que o pedido oficial
fosse feito ao pai caíram por terra. Nunca viveria esse momento. A alegria de
dizer sim e jurar no altar amor pelo homem a quem havia dado o seu coração
também ficaria apenas em seus sonhos. Um dia, por acaso, se Leonardo a
amasse seria depois de a desejar e a possuir, destruindo totalmente a ordem
de seus sonhos e anseios românticos.
Mademoiselle Florence não tinha nenhuma orientação quanto a
isso. Ela também acreditava que as jovens mereciam um tempo de corte. Se
ao menos durante o noivado Leonardo tivesse aparecido para visitá-la,
poderia acreditar que ele queria fazer as coisas darem certo. Porém, antes do
altar, só o viu em dois momentos: no dia em que o acordo foi firmado e no
dia em que noivado foi oficializado diante de poucos amigos e muitos
fofoqueiros. Nas semanas seguintes ela se viu tendo apenas o ultraje e a
mágoa como companheiros.
Ermelinda tinha muita mágoa, mas não teria saúde e energia para
viver naquele estado de ódio por toda a vida. Antes de casar adoraria que o
marido a esquecesse em uma casa de campo ou propriedade menos visitada,
mas agora tinha dúvidas de que suportaria uma rejeição. Ser uma mulher
vendida já era ruim o bastante. Pensar que o comprador não estava satisfeito
era como pensar que não era boa o bastante. E ela era. Ermelinda acreditava
que seria a esposa perfeita para um homem que a visse como uma mulher de
verdade e a quisesse de forma sincera. Leonardo era insistente, isso ela tinha
que admitir.
Querendo afastar aqueles pensamentos ruins, decidiu pegar
novamente o livro. Talvez havia algo que poderia ajustar para sua realidade.
Ermelinda pegou a chave que ficava dentro do seu porta-joias e
destrancou a gaveta do criado mudo. Tateando o fundo da gaveta, só
encontrou seu diário e uma pintura da mãe, que sempre levava consigo. Algo
estava errado, pois tinha certeza que havia guardado o livro naquela gaveta.
Tentando se manter calma, olhou cuidadosamente outros locais do quarto
onde ele poderia estar e não obteve sucesso. Sem outra explicação plausível,
concluiu que alguém o roubou.
A ansiedade surgiu e Ermelinda tentava imaginar o que teria
acontecido. Isso era um fato inédito. Nunca teve algo levado por quem quer
que fosse. Todos os criados da casa eram confiáveis, exceto... aquele que não
era um criado. Ah! Se ele ousasse invadir o quarto da esposa e mexer nas
suas coisas, Leonardo seria um homem morto! A vontade que tinha era de
invadir o quarto dele imediatamente e revirar tudo em busca do livro, mas
não iria agir de forma imprudente. Poderia estar irada ao entrar de livre e
espontânea vontade no quarto do marido, mas ele encontraria um jeito de
assediá-la e algo desastroso poderia acontecer. Raiva e ousadia, com um
toque de desejo se tornaria uma mistura perigosa. Ermelinda poderia desejar
colocar as duas mãos no pescoço de Leonardo e no fim teria as mãos dele em
todo o seu corpo. Estremeceu. Mas por que raios ela sempre estremecia
quando pensava nele?
Capítulo 6

Leonardo ansiava pelo amanhecer desde a noite anterior. Pela


primeira vez desde que estava com Ermelinda, havia optado por jantar
sozinho. Após ler todos os conselhos de Mademoiselle Florence, ele não
entendia o que a esposa queria aprender. Ela se casou com ele sem esforço
algum e se não fosse tão arredia já teria uma vida bastante satisfatória.
Leonardo iria garantir que ela fosse uma mulher muito requisitada pelo
marido, com toda certeza. Ele não era o tipo de amante bruto ou egoísta. Ver
o desejo nos olhos de uma mulher era uma das coisas mais excitantes que
existia. Fazer com que a mulher que lhe oferecesse o corpo estivesse tão
saciada quanto ele era o mínimo que gostava da fazer ao se deixar levar pela
paixão.
Algo lhe dizia que ainda era cedo para ela esperar amor e dadas as
circunstâncias, salvo um desenfreado amor à primeira vista, era normal a
ausência de tal sentimento. Porém, isso não era algo que iria surgir com ela
deixando tão claro o quanto o odiava. Porque uma mulher como ela estava
lendo um livro como aquele o fez perder o sono.
Leonardo saiu para cavalgar assim que os primeiros raios de sol
surgiram e nem horas na cachoeira foram capazes de acalmar seus
pensamentos a fim de chegar em uma conclusão.
Ao voltar para casa se surpreendeu ao ver que Linda o esperava
para almoçar. Aparentemente tranquila, o acompanhou durante a refeição
sem nenhum atrito. Até mesmo perguntou se ele não tinha achado o ar da
manhã um tanto frio para cavalgar. Mal ele sabia que enquanto estava fora,
Ermelinda havia revirado o quarto dele e o escritório a fim de encontrar o
livro. Se todos os criados eram de confiança e um furto era um fato inédito na
casa, ela tinha certeza de que a culpa era dele.
Foi com um sorriso de triunfo que ela encontrou o bendito livro na
gaveta da mesa do escritório. Ah, aquele homem pagaria caro por ousar
mexer e surrupiar suas coisas. Não que perder o livro fosse algo irreparável,
já que o exemplar era quase uma perda de tempo, mas Leonardo não tinha
aquele direito! Portanto, Ermelinda decidiu ser o silêncio que precede a
tempestade, que também seria personificada por ela após o almoço. Ela
terminou a refeição e aguardou o marido ir para o escritório, onde o relatório
do jornal o esperava.
Mesmo que convivessem a pouco tempo e ainda estivessem em lua
de mel, Leonardo já possuía uma rotina naquela casa passando a manhã
inteira fora e chegando apenas no horário do almoço. Depois da refeição,
ficava no escritório até a hora de se preparar para o jantar e por fim ia para o
quarto ou vagava sozinho pela casa.
Cinco minutos... dez minutos... quinze minutos... Ermelinda
esperou até se passar meia hora antes de entrar no escritório. O olhar que o
marido lhe deu não deixava claro se ele estava satisfeito ou surpreso com sua
presença. Geralmente os olhares irritados partiam dela e não para ela.
-Precisa de algo, minha querida?
Ermelinda deu um largo sorriso, como se estivesse satisfeita por
estar ali. Se fosse sincera, estava satisfeita, de fato. Leonardo sempre dizia
que não era como Gonçalo, mas agora ela tinha a prova de que um não era
tão diferente assim do outro. Parando de frente para ele, esticou a mão na sua
direção.
-Eu quero o livro que desapareceu do meu quarto. Aposto que está
com o senhor.
Leonardo não deixou transparecer nenhuma reação, mas mesmo
que ela tentasse matá-lo não iria negar. Pelo jeito a criada não estava jogando
de um lado só. Ela poderia ter recebido mais por parte da senhora para forjar
aquela situação? Ou foi apenas uma infeliz coincidência? Linda poderia ter
simplesmente decidido pegar o livro novamente. Ele não deveria ter relaxado.
Planejava devolver o livro no dia seguinte, mas devia ter pensado duas vezes
antes de decidir.
-Aquele livro me deixou curioso, assumo. Está lendo para aprender
a me conquistar? Já está casada comigo, minha querida. O resto podemos
descobrir juntos sem a senhorita Florence entre nós.
Ermelinda ficou boquiaberta com a audácia.
-Assume que surrupiou o meu livro?
-Assumo que no momento ele está comigo. Porém, não respondeu a
minha pergunta.
-Como o senhor mesmo disse, não preciso aprender a seduzir
ninguém, pois sou uma mulher casada.
Leonardo abriu a gaveta e tirou o livro que entregou para a esposa
que ainda mantinha o braço estendido em sua direção. Ela agarrou o livro e o
segurou contra o peito como se quisesse esconder a capa. Leonardo se pegou
pensando que gostaria de ser o livro naquele exato instante.
Percebendo o olhar demorado do marido em seu corpo, Ermelinda
tentou chamar a atenção dele novamente para algo mais decente, como o
rosto.
-Se o senhor ousar mexer nas minhas coisas novamente, seja
pessoalmente ou através de algum criado, saiba que não encontrará mais nada
seu nessa casa em condições de uso.
-Isso inclui minhas roupas? – A voz dele saiu baixa e
estranhamente calma.
-Isso inclui tudo o que é seu. Roupas e até mesmo esses relatórios
que tanto ama. Mandarei tirar inclusive os cavalos das baias.
Ermelinda viu os lábios de Leonardo formarem aquele sorriso
ousado e não havia nenhum ar de irritação nele. O homem tinha a mente
afiada para seduzir e ela só percebeu a forma ingênua como o respondeu
quando ele falou novamente.
-Eu não me importaria de ficar sem roupas. Sem a cavalgada da
manhã e os relatórios da tarde, meus dias ficariam extremamente tediosos. Eu
só teria a sua presença para me alegrar. Estando nu, prefiro que sua
companhia aconteça enquanto nós dois estivermos na cama, enrolados entre
os lençóis. A não ser que queira estar enrolada apenas em mim.
Ermelinda corou imediatamente. Sentia o corpo vibrar de raiva,
ultraje, expectativa. Sua mente construía a imagem vívida de um homem e
uma mulher enlaçados entre os brancos e perfumados lençóis de uma grande
cama. Eles se moviam como Leonardo lhe disse na primeira noite e a cama
não rangia. A mulher quase cantava entre gemidos, como aqueles que ela
ouviu no jardim. Leonardo sabia fazer uma mulher perder a razão. Céus! Ele
a fazia perder o juízo com meras e abusadas palavras! Se colocasse as mãos
nela estaria perdida! Seria o fim, mesmo que parecesse delicioso.
-Como ousa falar comigo nesses termos? O que pensa que sou?
Uma rameira como aquelas que você paga?
Leonardo engoliu em seco. Se lembrou de Lílian, a mulher que
seria rotulada como rameira por tudo e todos. A mulher com quem se casaria.
Exceto aquela palavra que a trouxe novamente em seus pensamentos, Lílian
se tornou uma lembrança de séculos atrás. Como poderia algo que parecia tão
importante ter se perdido daquela forma?
Lílian era esperta e inteligente. Suas conversas eram revigorantes e
seu temperamento era mais do que agradável. Linda era uma mulher muito
inteligente, com certeza, mas enquanto estivesse disposta a se tornar viúva
por seus próprios atos era difícil saber o quão maravilhoso seria viver com
ela.
-Você ainda as paga, não é? Continuará pagando mesmo depois de
casado. Mulheres experientes que vão se deitar com você com um sorriso no
rosto enquanto suas moedas caem ao lado da cama em que elas trabalham. –
A amargura era evidente na voz dela. Ah, Linda, quanto rancor do passado
ainda há no seu coração?
Leonardo se levantou e contornou a mesa devagar. Sua vontade era
abraçar aquela mulher e falar para que parasse de sofrer. Ela se machucava
pensando em todas as formas que o marido poderia magoá-la, quando tudo o
que ele realmente queria era fazê-la feliz.
-O que eu preciso fazer para que acredite em mim? Não irei traí-la.
Ermelinda sorriu, mas era mais amargura que humor marcando o
seu rosto.
-Sei que não sou bonita. Entendo perfeitamente que não sou
tentadora. De acordo com o meu pai e um vasto número de homens, uma
mulher bem criada não pode oferecer tudo o que um homem precisa para se
satisfazer. Ela só serve para satisfazer o que a sociedade espera de uma
esposa.
Leonardo suspirou.
-Por que não para de dar ouvidos aos outros ou até mesmo a esse
livro idiota e me escuta? Por que não tenta me conhecer?
A disputa verbal, mesmo que agora mais amena, mantinha um
olhando diretamente nos olhos do outro. A distância desapareceu restando
poucos centímetros. O calor os envolveu e enquanto Linda vibrava de raiva e
ressentimento, Leonardo explodiu em desejo.
-Eu sei o bastante sobre você. – Ela falou entredentes.
-Você ainda precisa saber mais.
As mãos de Leonardo envolveram Linda segurando-a pela nuca e
pela cintura enquanto uma boca faminta cobriu a dela. A surpresa foi
tamanha que ela sequer teve tempo de fechar a boca e a língua quente e
atrevida de Leonardo a invadiu. Alguma parte de sua mente registrou o som
do livro caindo no chão. Os pensamentos sobre amantes e rameiras se
dissiparam e uma urgência ocupou o lugar. Ela queria enroscar os dedos nos
cabelos de Leonardo sem saber ao certo se era para mantê-lo ou para afastá-
lo. As pernas enfraqueceram e ela precisou passar as mãos ao redor do
pescoço do marido para se apoiar.
Em um instante ela estava de pé e no instante seguinte sentiu
Leonardo içar seu corpo. Sentiu pânico, só podia ser. Percebeu que foi
colocada sentada sobre a mesa de madeira maciça e o marido aproximava seu
corpo amassando a saia do vestido. Ermelinda sentia claramente enquanto
Leonardo se colocava entre suas próprias pernas abertas. Ela queria gritar,
queria ao menos conseguir respirar melhor, mas tudo aquilo aconteceu sem
que as bocas se afastassem.
Ermelinda se sentiu ainda mais desesperada quando um gemido
escapou dos seus lábios. Desde quando fazia um som assim? Era tão...
vergonhoso! Não podia ser bom. Ela ouviu aqueles sons no jardim tempos
atrás saindo da boca de outra mulher e naquela época queria estar em seu
lugar, mas agora tudo o que queria era ter forças para sair dali. Forças que
Leonardo drenou totalmente. Ela estava fraca, necessitada de algo que não
sabia o que era e o medo do desconhecido só a fazia querer fugir daquele
homem. Um sedutor. Ela não podia se render aos encantos dele. Eram
muitos, mas tinha que haver uma saída. Se sentiu beijando o sorriso do
marido. O patife havia gostado de ouvir o gemido.
Não era intenção de Leonardo atacar a esposa daquela forma, mas a
personalidade rebelde de Linda o atraía. Conviver com a irmã era sempre
calmo e agradável, mas a mulher que estava ali não era calma e ele agradecia
a Deus por não ser sua irmã. Ela parecia exercer algum poder sobre ele, pois
mesmo o atacando e ofendendo de forma que poucos fizeram, tudo o que ele
queria era mostrar a ela o quanto estava enganada.
Leonardo queria paixão e entrega, desejo e permissão para tomar de
uma vez o que era seu por direito e por vontade, assim como se daria
igualmente.
-Linda... chega de brigas...
A voz de Leonardo chegava embargada de desejo e quando ele
voltou os lábios para o pescoço dela, Linda tentou realmente falar algo. O que
havia acontecido com a sua voz? Os pensamentos estavam desconexos
demais para conseguir formular uma frase sequer.
Leonardo chegou ainda mais perto, fazendo o tecido da saia se
esticar ao máximo para comportar seu corpo entre as pernas dela. As mãos
roçaram levemente a forma dos seios e Linda quase deu um pulo.
Longe demais... está indo longe demais... Um sentimento de medo
e urgência começou a se sobressair ao desejo que ela sentia de forma quase
insuportável pela primeira vez na vida.
Batidas na porta assustaram ambos e Leonardo conseguiu colocar
Ermelinda de pé, mesmo que apoiada na mesa e se afastar a tempo do criado
não ver nada ao abrir a porta.
-Senhor, senhora, chegou um convite.
Antes que o homem pudesse sequer se aproximar para entregar o
envelope, Ermelinda saiu aos tropeços do escritório sem dizer uma só
palavra.
Leonardo pegou o envelope e agradeceu ao criado. Que tipo de
convite os encontraria ali em plena lua de mel? Ao ler as poucas linhas do
papel elegante, soube que haveria um jantar na casa da senhorita Joaquina e
ela gostaria que o casal comparecesse. Linda iria gostar de estar com as
amigas mais uma vez, Leonardo pensou. Além disso, ele adoraria dividir uma
carruagem durante a noite com a esposa.
Ermelinda literalmente se trancou no quarto e desabou na cama.
Ainda arfando, sua mente se recusava a se concentrar em algo, pois todos os
seus esforços estavam em reviver aquele momento confuso no escritório.
Leonardo a tirou do mundo por um instante e ela ainda não tinha
conseguido retornar completamente. Abraçou o travesseiro e ficou olhando
para o teto. Os lábios ainda pulsavam deixado bem evidente o exercício que
realizaram.
Então era assim... estar nos braços dele. Já desconfiava, mas agora
entendia bem o sorriso largo das beldades quando Leonardo escolhia uma
para lhe fazer companhia. Enquanto ela estava uma confusão, ele sabia onde
colocar os lábios e as mãos em perfeita sincronia. Aqueles lábios atrevidos!
Eram tão mais úteis se movendo sobre sua pele do que livres falando
besteiras.
Leonardo havia reduzido Ermelinda a uma mulher fraca e febril,
com o raciocínio tão abobalhado que nem se alguém dissesse que o céu era
azul, ela conseguiria compreender de imediato. Como seria passar uma noite
com ele? Teria que ser ressuscitada no outro dia.
“Chega de brigas.” A voz de Leonardo ecoava rouca, baixa... tão
sensual que parecia um pecado. Se as brigas acabassem, será que ele gostaria
de fazer aquilo com ela novamente? Ou continuaria a fazer com outras? Ah,
como um casamento arranjado era confuso! Quando seria possível perceber
que o homem estava genuinamente interessado?
Ermelinda se deixou perder em pensamentos e lembranças, sem
imaginar como Leonardo estava após aquele momento de paixão.
Novamente sentado diante da mesa no escritório, Leonardo estava com o
convite aberto, mas era incapaz de enxergar as letras. Diante dos seus olhos
só havia a imagem de sua adorável esposa se rendendo aos seus toques.
Na pressa para sair, Linda deixou o livro para trás e com ele uma
desculpa para que Leonardo a procurasse novamente. Além disso, agora
também havia a motivação. Se tudo em Linda dizia que ela odiava o marido,
o beijo provou exatamente o contrário. Talvez ela fosse inocente demais para
perceber, mas transbordava de desejo e Leonardo iria aproveitar aquela
fraqueza, aquela fresta ardente na fortaleza que insistia em separá-lo da sua
mulher.
Decidindo deixá-la em paz por enquanto, Leonardo não veria a
esposa até o dia seguinte. A noite foi longa demais para um homem que se
antes já desejava, agora ardia de desejo pela mulher com quem havia se
casado e que estava a alguns metros em outro quarto. Nem mesmo o banho
gelado que pediu a Laurinda o acalmou.
A jovem Laurinda era uma criada muito prestativa, que às vezes
aguentava o senhor resmungando pelo quarto enquanto ela realizava as
últimas tarefas do dia. Talvez a casa tivesse ficado tempo demais sem
moradores e os criados estivessem ainda se adaptando à nova demanda. Por
mais eficiente que Laurinda fosse, ela sempre estava por ali quando Leonardo
chegava para dormir. Na verdade isso nunca o incomodou, pois sempre
conversava com os criados e não conseguia entender a ideia de que os
serviçais deveriam ser invisíveis aos senhores.
-Seu banho está preparado, meu senhor. Deseja mais alguma coisa?
Leonardo estava de costas para o quarto e observava a noite através
da janela. A voz da criada fez com que ele se virasse para olhar diretamente
para ela.
-Não, obrigado. Isso é tudo.
Laurinda deu um sorriso meigo e fez uma reverência. Leonardo
julgava aquilo exagerado, mas não era realmente o senhor daquela casa e não
poderia alterar a forma de trabalho daqueles criados.
-Devo avisar para a senhora Ermelinda que o senhor já está no
quarto?
O semblante da criada era totalmente inocente e aquela era a
primeira vez que ela dizia algo sobre Linda. Os criados perceberam que algo
está errado, ele pensou.
-Não, obrigado. Eu mesmo irei até ela essa noite.
-Boa noite, meu senhor. – Laurinda fez uma reverência e saiu do
quarto, deixando Leonardo com seus pensamentos.
Durante o banho, Leonardo pensava em como convencer Linda a
dividir o quarto com ele. Era provável que a esposa o expulsasse da cama.
Uma coisa tinha que admitir: nunca pensou que o casamento fosse tão
complicado. Olhando as coisas daquela forma, estava certo quando disse que
deveria se casar apenas aos trinta e cinco, pois com certeza estaria mais sábio
e tolerante em relação aos acontecimentos.

No dia seguinte, durante o almoço, Leonardo pediu que todos os


criados deixassem ele e a esposa a sós.
Ermelinda observou um a um todos saírem da sala de refeições e a
porta ser fechada suavemente. O que o marido tinha em mente para precisar
fazer aquilo quando poderiam conversar tranquilamente após a refeição?
-Creio que existem ouvidos atentos do outro lado da porta, então
poderíamos conversar em um tom mais ameno?
Ermelinda fitou o marido enquanto ainda tentava entender o que
estava acontecendo.
-Não poderíamos conversar depois do almoço?
Leonardo apenas balançou a cabeça discretamente, negando.
-Vamos dar a eles o que pensar. Por que o senhor e a senhora estão
sozinhos durante a refeição? O que está acontecendo lá dentro? Isso nos
mostra como um casal imprevisível.
Ermelinda riu.
-E o que poderíamos fazer aqui além de comer nossas refeições?
Assim que ela percebeu os lábios de Leonardo formarem um
sorriso, aquele sorriso indecente, teve certeza de que havia dito algo inocente
demais.
-Devo lhe mostrar? – Ele sugeriu.
Nem se alguém acendesse uma fogueira ao lado de Ermelinda ela
teria se aquecido tão instantaneamente.
-N-não, obrigada.
A pouca comida que ainda restava no prato de Ermelinda se tornou
tão interessante que ela não ergueu o olhar dali de forma alguma. Leonardo
observou a esposa corar e se permitiu pensar em como seria usar a sala de
jantar para algo que não estivesse relacionado com a comida. Bem, até
poderia ter algumas iguarias, mas não era uma refeição propriamente dita.
-Seu cabelo ficaria lindo espalhado sobre essa mesa.
-Meu senhor! – Ermelinda ficou tão chocada que quase gritou.
Leonardo riu e ergueu as mãos como se estivesse se rendendo.
Bem, se fosse para conseguir transformar seus pensamentos em realidade,
poderia se render facilmente.
-Eu não lhe mostrei nada, só fiz um comentário.
-É sobre isso que quer conversar?
-Na verdade, não.
Leonardo deixou os talheres e usou o guardanapo antes de
prosseguir. Como era provável que Linda fosse brigar outra vez, era melhor
estar totalmente atento a ela. Poderiam ter conversado depois, mas tirar os
criados daquele cômodo de forma inesperada poderia fazê-los pensar que os
senhores estavam bastante entrosados naquele momento. Claro que para fazer
a ideia dar certo, precisaria da cooperação da dama ali presente.
-Os criados já perceberam que não somos um casal. Precisamos nos
esforçar um pouco mais ou seu pai não ficará nada satisfeito.
-Pensei que minha vida conjugal não fosse problema do meu pai.
De fato, Leonardo pensou. Mesmo assim, não duvidava de que
Gonçalo iria ao menos tentar se intrometer ao saber que as coisas não
estavam como deviam ser. Isso geraria mais uma discussão desnecessária.
-Pensei que conhecesse o seu pai. Se nos desentendermos com ele,
não duvido que ele volte a ameaçar tirar o apoio do jornal e aí, não só minha
irmã e eu, mas você também estará em apuros financeiros.
-Está me chantageando?
-Estou pedindo sua cooperação. Quanto menos problemas tivermos,
menos veremos seu pai. Além disso, acho que merecemos uma vida
agradável. Não acredito que queira passar a vida toda brigando comigo.
Ermelinda suspirou. Poderia passar a vida toda infernizando aquele
homem, mas sabia que o preço seria alto. Sua saúde, sua felicidade e sua
honra estavam em jogo. Se Leonardo estivesse agindo de má fé, faria com
que ele se arrependesse amargamente. Porém, se negasse a si mesma ao
menos uma chance de saber como seria ter aquele homem ao seu lado,
poderia perder a única oportunidade de ter um casamento feliz.
-Qual tipo de cooperação o senhor tem em mente?
Leonardo já esperava um embate, mas a reposta da esposa o deixou
esperançoso.
-Primeiro, precisamos fazer mais vezes o que estamos fazendo
agora. – Diante do olhar confuso da esposa, ele prosseguiu. – Dispensarmos
os criados, sairmos do campo de visão deles. Quando nos verem novamente,
não podemos estar totalmente alinhados. Eles precisam entender que ficamos
sozinhos para nos divertirmos.
As feições de Ermelinda foram se transformando de acordo com
que compreendia o sentido daquelas palavras. Os criados iam pensar que
eles... ali? Céus...
-Não quero parecer um animal no cio, meu senhor, desaparecendo
pelos cômodos da casa a qualquer momento do dia. Isso não é certo.
Leonardo se esforçou para segurar o riso. Não estava rindo
propriamente da esposa, mas sim da inocência que ela possuía.
-Casais em lua de mel são assim, minha querida. Alguns
permanecem assim mesmo após um longo tempo depois das bodas.
Ermelinda fez uma careta.
-Isso manterá meu pai longe?
-Até ele resolver exigir netos, sim.
Ermelinda assentiu.
-Pagarei um médico para dizer que sou estéril. – Ela disse antes que
pudesse pensar nas palavras.
Estéril. Era isso mesmo o que queria? Se fosse, era algo para
conformar, mas se pudesse gerar uma criança, abria mão disso?
Provavelmente não.
Leonardo suspirou. Um passo de cada vez, teve que lembrar a si
mesmo.
-Aconselho a pensar nisso quando chegar a hora. A propósito,
gostaria que dividisse o quarto comigo algumas noites.
-Eu disse que não ficaria naquele quarto. – Ermelinda respondeu
imediatamente.
-Entendo sua resistência, mas não estou convidando para se
entregar a mim. Pode ir com sua camisola mais sem graça ou durma até de
calças se quiser. Estarmos no mesmo quarto já é o suficiente e não fará
sentido algum eu ir para o seu.
A pequena cama de ferro. Claro. Os dois não caberiam na mesma
cama sem colarem no corpo um do outro. Pensando por esse lado, até mesmo
a cama de casal seria pequena, mas ainda satisfatória. Ermelinda não tinha
como discutir sobre aquele argumento.
-Precisamos realmente dormir? Não pode ser como na primeira
noite?
-A primeira noite foi diferente. Você poderia ter saído do quarto
por ainda estar assustada com o que aconteceu ou eu pedi que fosse com
medo de não me controlar enquanto você pudesse estar dolorida dos nossos
recentes esforços.
-Oh. – Não havia o que falar sobre aquilo também. O homem havia
pensado em tudo.
-Posso contar com sua cooperação? Creio que nós dois possamos
sair ganhando.
Ermelinda deu um pequeno sorriso. Ironia ou desespero, ainda
assim conseguiu sorrir.
-Que bom que o meu marido é um homem tão experiente. Eu não
saberia por onde começar arquitetar essa trama.
Ela não estava elogiando e sim chamando descaradamente o marido
de libertino. Como recompensa, recebeu um sorriso que um libertino daria
para praticamente paralisar sua presa.
-Em breve pretendo lhe ensinar tudo o que sei. Por mim, já teria
começado.
Sem querer ficar atrás, como se isso não fosse o que realmente iria
acontecer, Ermelinda se empertigou.
-Comecei a aprender na primeira noite. Aceito aulas teóricas.
Leonardo se levantou e começou a andar na direção da esposa que
estava praticamente petrificada na cadeira imaginando o que ele planejava
fazer. Sempre que se aproximavam demais um terminava com a boca
atacando a boca do outro. Não que isso fosse ruim, mas Ermelinda tinha cada
vez menos controle diante das investidas de Leonardo e não pretendia fazer
nenhuma besteira sobre a mesa de refeições.
-Algumas coisas só se aprende na prática, minha querida. Posso lhe
contar todos os detalhes sobre como fazer algo, mas seu aprendizado só se
torna real quando a prática acontece.
Leonardo segurou as duas mãos da esposa e levou até seus cabelos.
-Mostre-me como eu ficaria depois que você deixasse seus dedos
brincarem nos meus cabelos.
Ermelinda tirou as mãos como se o cabelo dele fosse fogo.
-Que despropósito é esse?
Leonardo riu e fez o trabalho por ela, passando as mãos pelos fios
antes arrumados e conseguindo ficar ainda mais atraente.
-Não podemos sair alinhados dos nossos encontros.
Depois começou a afrouxar e amassar o lenço que estava ao redor
do pescoço, assim como soltar um pouco a camisa.
-Isso é realmente necessário? – Ermelinda questionou sem
conseguir tirar os olhos dele.
-Seria melhor se fosse real, mas já que não há outro caminho, é o
que deve ser feito.
Leonardo segurou novamente a mão de Linda e a fez se levantar.
-A senhora ainda está muito imaculada. Como sei que não me
deixará fazer isso, peço que amasse um pouco suas saias e seu cabelo
definitivamente precisará ter fios soltos.
Ermelinda se sentiu ultrajada, mas não questionou. Entre Leonardo
e Gonçalo, percebeu que preferia o marido. Quando ambos estavam
desalinhados o bastante para convencer os criados, saíram da sala atraindo
todos os olhares. Leonardo deu um sorriso convencido para a esposa ao
mostrar que o plano tinha dado certo e logo se separaram para seguir com a
rotina do dia.
Por mais que precisasse se concentrar na leitura do relatório do
jornal, a mente de Leonardo estava focada no que aconteceria naquela noite
se Linda aceitasse ir para o quarto dele. Ah, seria difícil se controlar.
Passando a mão com carinho na madeira daquela mesa, as lembranças do
beijo voltaram em plenitude e ele quase conseguiu sentir o gosto da esposa
novamente. Ele a queria intensamente.
Quando a noite chegou e ficou bem claro que dormiria sozinho
novamente, pediu para Laurinda levar alguma bebida até o quarto. Se Linda
não estava ali, o álcool faria companhia por mais desagradável que fosse.
Apenas ao terminar a segunda dose, Leonardo percebeu que
Laurinda ainda estava no quarto.
-Por hoje não preciso de mais nada, obrigado.
A jovem ainda afofou os travesseiros mais uma vez ou ainda não
tinha feito aquilo? Leonardo não havia reparado o bastante para ter certeza.
Quando estava sozinho novamente, deixou a bebida fazer o efeito e
adormeceu.

Os dias se passaram e Ermelinda orientou Glória para que caso a


criada escutasse alguma fofoca maliciosa sobre o senhor e a senhora, ela era
autorizada a dizer que os incômodos mensais da jovem duravam vários dias e
por isso o senhor, gentil como era, a estava respeitando.
Leonardo teve que admitir que a esposa era realmente inteligente,
mas isso o deixava ainda mais frustrado e começando a se acostumar a beber
todas as noites antes de dormir. Se antes Laurinda apenas levava a bebida,
agora ela fazia questão de servir o senhor mantendo o copo dele sempre
cheio. Antes que as paredes do quarto começassem a girar, Leonardo
dispensava a criada.
Enquanto isso, Glória, a criada de Ermelinda, não fazia questão
nenhuma de esconder da senhora o quanto estava incomodada com a
situação. Por vezes a criada questionava onde a senhora queria chegar
fugindo do marido daquela forma. Ninguém suspeitava que Leonardo estava
se comportando como um homem paciente, mas paciência não é algo eterno e
mais cedo ou mais tarde as coisas seguiriam por um rumo desastroso.
Segundo Glória, os homens calmos eram os piores quando finalmente
deixavam a raiva tomar de seu espírito e antes que isso acontecesse naquela
casa caberia a Ermelinda se decidir.
Verdade seja dita, ela realmente pensava no que fazer o tempo
todo. Tinha consciência de que mais cedo ou mais tarde Leonardo teria
amantes ou então a obrigaria a ir para a cama com ele. Nenhuma das
experiências seriam agradáveis.
Por duas noites, Ermelinda chegou a abrir a porta do seu quarto
disposta a ir dormir com o marido, mas percebeu uma criada jovem e bonita
saindo do quarto dele. Naquele horário os criados já estavam nos seus
dormitórios e não vagando pela casa. Qual necessidade Leonardo teria para
precisar daquela criada tão tarde? Se tinha alguém que poderia descobrir isso,
esse alguém era Glória e Ermelinda não pensou duas vezes antes de recrutar a
criada para descobrir informações sobre aquela moça. Segundo Glória, a
jovem era uma contratação recente e nunca atendeu Ermelinda diretamente de
forma que não tinha a mínima noção de quem era.
No dia seguinte após fazer a solicitação para Glória, Ermelinda foi
surpreendida pela criada logo pela manhã, enquanto a primeira escovava os
cabelos da senhora.
-A criada que frequenta o quarto do senhor se chama Laurinda,
minha senhora.
-Nossos nomes são bem parecidos.
-De fato, uma coincidência.
-Será que meu marido nos confunde? Talvez ele aproveite o quarto
com ela pensando que está comigo. Ah, que situação desagradável.
-Não é impossível. – Glória admitiu. – Ela tem dezoito anos e é
realmente bonita. Os criados ficam se exibindo para ela. Soube que trabalhou
em outra casa antes de ser aceita aqui e foi demitida pela senhora anterior
depois de saber que a criada frequentava a cama do senhor.
Ermelinda praguejou e fez Glória ficar boquiaberta. Desde quando
a senhora falava algo daquele tipo?
-Se aquele homem pensa que pode me convidar para o quarto dele
enquanto recebe a criada, está totalmente enganado. Além disso, Laurinda
deveria ser menos ousada e saber qual o seu verdadeiro lugar. Nada de bom
pode vir de romances com homens casados, sejam eles senhores ou criados.
Glória suspirou.
-Deve ser difícil dizer não a um homem como o senhor Leonardo.
Ele é charmoso e bem apessoado...
Glória se interrompeu após perceber Ermelinda se virar para
encará-la.
-Mas até você, Glória?
A criada se empertigou.
-Sei o meu lugar, minha senhora, mas o senhor Leonardo é o tipo
de homem que chamaria a atenção de qualquer mulher.
Ermelinda voltou a olhar para o espelho e Glória continuou
trabalhando nos cabelos para fazer um penteado. Depois que soube da
senhora saindo descabelada do salão de jantar, passou a deixar Ermelinda
cada dia mais bem vestida e bem produzida.
-Sei que não me pediu, mas darei minha opinião. Se está
desconfiada sobre o que acontece no quarto do senhor, apareça de surpresa.
Vá antes que Laurinda saia. Esteja preparada para ver qualquer coisa, é claro,
mas é melhor ver a verdade do que se deixar corroer pelas dúvidas.
Depois de um tempo pensando em silêncio sobre as palavras da
criada, Ermelinda concordou. De que adiantaria ficar presa no quarto?
-Tem razão. Essa noite irei saber o que realmente acontece entre
aqueles dois.
Dito isso, Ermelinda sentiu cada minuto do dia passar. Havia
tomado duas decisões: primeira, iria entrar no quarto do marido e saber o que
estava acontecendo; segunda, se realmente não estivesse acontecendo nada
entre os dois, ela passaria a noite com ele.

Mais um dia se passou e Leonardo não teve avanço algum com


Ermelinda. Ele havia explicado, contava com a cooperação dela, tinha a
aprovação das amigas e até algum apoio da criada mercenária, mas nada
disso deu resultado. Ela se afastava assim que as refeições terminavam e ele
finalizava o longo dia bêbado e sozinho no seu quarto.
Novamente Laurinda estava ali. Aquela criada era muito jovem e
bonita. Deveria estar andando por aí com um namorado ou então
descansando do dia árduo, mas noite após noite ela tinha toda a paciência e
disposição de lhe fazer um pouco de companhia. Praticamente não
conversavam, mas ela mantinha a taça de Leonardo cheia e a cama era
arrumada de forma primorosa. Além disso, ela sabia a quantidade ideal de
sais para deixar a água do banho perfeita. Mesmo jovem, era uma criada
extremamente atenciosa.
Dando o primeiro gole no vinho, Leonardo sentiu imediatamente
que o sabor da bebida era diferente.
-A outra garrafa acabou?
Laurinda se aproximou e sorriu.
-O senhor está tomando uma garrafa inteira a cada noite, meu
senhor. Este é de uma safra diferente. Devo escolher outro?
Leonardo bebeu um pouco mais tentando se acostumar com o
sabor. A bebida era um pouco mais amarga do que normal, mas não era
desagradável.
-Não é preciso.
Percebendo que a taça estava mais vazia do que cheia, Laurinda se
adiantou e trouxe a garrafa para uma nova dose. Leonardo hesitou por um
momento enquanto ponderava se devia beber apenas uma taça naquela noite,
mas Laurinda pareceu não ter reparado e a encheu novamente.
-Dizem que vinho é uma bebida boa para a saúde. Talvez por isso o
senhor tenha uma aparência tão saudável.
Leonardo riu. Ao dar um novo gole a bebida parecia estar ainda
mais amarga.
-Eu não gosto de beber. Na verdade, acho que nunca bebi tanto em
minha vida como nesses últimos dias, mas a ocasião determina isso.
Leonardo não havia percebido o quanto estava exausto. As
pálpebras estavam pesadas. Após mais um gole, a vista pareceu começar a
ficar turva. Era hora de parar e ir dormir.
Ao tentar se levantar da poltrona o quarto girou e ele precisou se
apoiar. Em um instante Laurinda estava ao seu lado.
-Senhor, está se sentindo bem?
Leonardo assentiu, mas não se importou quando ela pegou o braço
dele e pôs nos ombros a fim de ajudá-lo a ir para a cama.
-Acho que esse vinho é um pouco forte.
Laurinda pareceu intrigada.
-Isso é uma pena. Essa safra era muito apreciada na casa onde
trabalhei antes de vir para cá. Pensei que o senhor iria gostar.
Leonardo se deixou cair na cama de tal forma que quase levou
Laurinda junto.
-Não... tudo bem... o vinho não é ruim. Eu só... estou... cansado...
Laurinda sorriu e disse de forma doce.
-Não se preocupe. Eu cuidarei do senhor.
Diante do silêncio de um Leonardo bêbado e adormecido, Laurinda
retirou os sapatos e as meias do senhor antes de começar a afrouxar as
roupas. Não seria nem um pouco confortável dormir com aquelas vestes e
pela dose de bebida que ele havia ingerido, com certeza iria dormir por um
longo tempo.
Com Leonardo bem mais confortável na cama, Laurinda soltou os
cabelos e se deitou ao lado do senhor. Não se importava se a porta estava
trancada ou não, pois aquilo não devia ser segredo. Se sentiu atraída pelo
senhor Leonardo assim que o viu e era revoltante ver a forma como a esposa
o maltratava. Se ela tivesse um homem como aquele para chamar de seu com
certeza seria mais grata e muito mais disponível. Duvidava seriamente que
aquele casamento fosse algo real. Era provável que a senhora ainda fosse
intocada. Independente do que os dois tentavam mostrar, eram tão raros os
momentos de intimidade e tão desencontrados pela forma indiferente como se
trataram, que Laurinda quis ousar. Desejou e planejou ter aquele homem para
si.
Que ele continuasse casado com a fria esposa, Laurinda seria quem
aqueceria suas noites. No dia em que ele realmente quisesse um filho, ela lhe
daria e se a sociedade se chocasse com a audácia, saberia citar ao menos
outra meia dúzia de homens casados que eram mais felizes com suas fiéis e
desejosas amantes do que com suas distantes esposas.
-Acho que ainda não está confortável o suficiente, meu senhor.
Ela desabotoou o casaco e com algum custo o removeu juntamente
com a camisa. O torso atraente de Leonardo exposto a deixou muito excitada.
Lindo.
Laurinda se debruçou sobre aquele corpo e deixou a língua
percorrer o pescoço forte do homem que seria seu. O sabor da pele era
inebriante. Leonardo resmungou algo que ela não conseguiu entender e
felizmente não se moveu. Laurinda entrelaçou os dedos aos dele e levou a
mão forte até seus próprios cabelos fazendo os dedos de Leonardo se
perderem entre os fios longos que ela mantinha presos durante todo o dia por
causa do trabalho.
-Tão lindo... tão maravilhosamente lindo...
Ao passar a língua nos lábios entreabertos conseguiu sentir o gosto
do vinho. Quase não acreditou quando encontrou a garrafa de vinho ideal
para a mistura que sabia fazer. Uma taça derrubaria um homem, mas ele
ainda foi forte o bastante para aguentar mais. Era uma pena que ele estivesse
adormecido. Laurinda preferia tê-lo ao menos um pouco consciente para que
realmente se divertisse naquela noite. Com Leonardo naquele estado, só
poderia fingir que algo aconteceu.
Ela o beijou e o corpo adormecido não ofereceu resistência. Ainda
segurando a mão de Leonardo junto aos seus cabelos, Laurinda escutou a
porta do quarto se abrir, mas fingiu não ter escutado. Aguardou alguma
reação, pois ainda estava beijando o senhor da casa, um homem casado. O
cheiro enjoativo de canela chegou até suas narinas e ela teve certeza de quem
estava ali. Sem se importar com o amanhã, moveu a cabeça com mais
entusiasmo, como se estivesse envolvida em um beijo intenso e apaixonado,
quando na verdade era apenas uma boca macia e inerte que a recebia. Ao
ouvir a porta se fechar, Laurinda retirou as próprias roupas e se deitou ao lado
de Leonardo, adormecendo em seguida.
Ermelinda voltou para o quarto sentindo o corpo gelado e trêmulo.
Parecia estar à beira de um precipício. A chance de ter seu marido acabou.
Nunca, nem em mil anos, esqueceria a imagem daquela mulher sobre
Leonardo, o beijando. Ela sabia como era o beijo dele e o que aquilo fazia
uma mulher sentir.
Minutos antes quando saiu do seu quarto com seu roupão e
camisola mais bonitos, tinha a esperança de que a criada nem estivesse no
quarto.
Imaginando Leonardo sentado na poltrona lendo ou pensando em
algo, Ermelinda se deixou sonhar que ele ficaria feliz em vê-la. Iria rir da
desconfiança infundada da esposa e a tomaria para si quando ela finalmente
dissesse que havia decidido parar de brigar. Ela queria uma vida feliz, pois de
infelicidade e privações bastava o tempo com o pai. Se Leonardo fosse
diferente de Gonçalo, Ermelinda estaria naquele instante na cama com o
marido ao invés de estar ali em seu quarto de solteira chorando aos soluços
por saber que uma criada recebia toda a paixão do homem que era para ser
seu.
Por mais que cogitasse ou mencionasse a infidelidade do marido
em algum momento, nunca pensou que sentiria tamanha dor ao finalmente ter
certeza. Doía mais do que se fosse apenas posse. Era pior do que se fosse
apenas pelo status de ser esposa daquele homem. Era a menina que se sentia
novamente traída por um homem em quem queria confiar desesperadamente,
assim como foi sobre o seu pai anos atrás, quando havia perdido a mãe.
A noite se foi e a madrugada chegou até Ermelinda poder se
acalmar. Mesmo assim, não tinha condições de pensar no que faria quando
precisasse encontrar o marido traidor novamente. Depois de se arrastar até a
cama, Ermelinda esperou pelo sono que tardou, mas quando veio a fez
mergulhar em um mundo sem sonhos. Apenas silencioso e vazio.
Capítulo 7

A claridade do dia incomodou Leonardo até que ele acordasse. O


peso e o calor em um lado do seu corpo o assustou. Com a cabeça latejando
como se fosse explodir, ele fez um esforço para abrir os olhos e se viu
coberto de longos cabelos castanhos avermelhados. Um corpo jovem,
curvilíneo e nu estava junto ao dele. Santo Cristo! O que havia acontecido?
O corpo se moveu e um rosto bonito se mostrou sorrindo.
-Bom dia, meu querido. Dormiu bem? – Ela parecia envergonhada.
– Assumo que ainda estou cansada.
-La-laurinda?
Mas como isso era possível? Ela deu um sorriso tão envergonhado
que Leonardo queria que o mundo acabasse naquele instante. Mais agitado a
cada segundo, Leonardo se afastou de Laurinda bruscamente e deixou o
lençol todo para ela.
-O que aconteceu? – O desespero já havia feito com que a dor de
cabeça ficasse em segundo plano.
Laurinda não se cobriu. Pelo contrário, se sentou na cama exibindo
o belo corpo nu. Leonardo desviou o olhar.
-Acho que não preciso explicar. O que aconteceu ontem foi...
perfeito.
O que aconteceu? Por favor, que alguém devolvesse a memória
para Leonardo pois ele não se lembrava de absolutamente nada. Todas as
evidências apontavam para uma coisa, mas ele não tinha lembrança nenhuma.
Em toda a sua vida, mesmo na afoita adolescência, nunca havia traído uma
mulher. Por que começaria com isso agora? Era a bebida? O vinho tinha um
gosto diferente, mas não fazia sentido que só o vinho o fizesse perder a
cabeça daquela forma.
E se aquela menina fosse inocente? Sem cortesia alguma, Leonardo
começou a mexer nos lençóis enquanto procurava na cama algum sinal de
sangue. O olhar curioso de Laurinda o acompanhava.
-O que está procurando?
-Por favor, diga-me que essa não foi sua primeira noite com um
homem.
Laurinda se doeu com a rejeição. Nas vezes que apelou para aquele
truque, mesmo que o homem ficasse aturdido a princípio, logo aceitava a
ideia e até mesmo deixava a especulação se tornar real. Leonardo era rico e
lindo, o homem perfeito para ela. Tentando se manter amável, ela esticou os
braços na direção dele.
-Essa foi a nossa primeira noite, meu leão. Nunca pensei que um
homem tivesse tanto vigor. Pensei que não teria forças para sair dessa cama.
Leonardo sentiu o estômago revirar. Logo com ele? Justo agora que
estava casado? Era estranho... isso nunca tinha acontecido antes. Segurando
as mãos de Laurinda para evitar que ela o tocasse, Leonardo tentou se
acalmar.
-Vista-se e não me toque.
Laurinda parecia estar à beira do choro.
-Depois de tudo? É assim que vai me tratar? Eu sei que ela não o
quer! Eu sei que ela o fez sofrer! Leonardo, meu amado Leonardo, não há um
centímetro do meu corpo que não te pertença. Eu não posso simplesmente
apagar o que vivi nessa cama!
Leonardo já havia deixado Laurinda sozinha e andava pelo quarto
até encontrar a garrafa. Olhou as inscrições do rótulo.
-Eu já bebi desse vinho antes. - Ao olhar para a criada que insistia
em ficar na cama, acrescentou. – Eu já bebi meia garrafa desse vinho antes e
me lembro de cada instante.
Laurinda engoliu em seco. Uma brilhante atuação de jovem
maculada e abandonada.
-Eu estava saindo do quarto. Como sempre perguntei se precisaria
de mais alguma coisa e você veio em minha direção, me envolveu nos seus
braços. Como eu poderia resistir ao seu ardor?
Leonardo massageou as têmporas. Sua cabeça com certeza ia
explodir. Se isso não acontecesse, Ermelinda iria decapitá-lo. De qualquer
forma, nenhum dos desfechos era agradável. Uma batalha de cada vez, ele
pensou enquanto tentava se acalmar.
-Laurinda, eu sou um homem casado. Eu não faria isso com você.
-Mas fez! – Laurinda começou a chorar e deixou Leonardo à beira
do desespero. Se ela começasse a gritar, logo a casa toda iria saber que algo
muito errado aconteceu. Bem, que algo muito errado parecia ter acontecido,
pois ele ainda achava aquilo estranho.
-Eu nunca perdi a memória por causa do álcool.
Laurinda ainda chorava.
-Pergunte para a sua esposa. Ela sabe!
A resposta foi tão inesperada que Leonardo olhou para a moça sem
se importar com o estado em que ela se encontrava.
-Como disse?
-Senhora Ermelinda viu.
Se o desespero pudesse alcançar proporções maiores, aquele era o
momento. Ermelinda! Definitivamente o seu casamento havia terminado sem
que tivesse a chance de começar. Pegando as roupas amassadas que usou na
noite anterior, Leonardo começou a se vestir com pressa. Ao ver que
Laurinda ainda estava parada apenas observando, Leonardo usou a voz que
menos gostava para se dirigir a uma mulher:
-Você, vista-se imediatamente! Não ouse falar disso com ninguém.
Tenho um compromisso e já estou atrasado para ele. Conversamos à noite.
Sem saber se foi a voz ou a promessa de continuar o assunto
durante a noite, Leonardo observou Laurinda começar a sair da cama. Ele não
ficaria olhando aquela mulher nua e logo deu um jeito de ficar de costas para
ela. Quando finalmente se viu sozinho no quarto, lavou o rosto repetidas
vezes e chamou um criado de confiança para que trocasse a roupa de cama.
-Verifique se não há alguma mancha.
-Que tipo de mancha, meu senhor?
-Qualquer mancha. Se algo líquido molhou esse tecido, preciso
saber imediatamente.
O criado pareceu confuso por um instante, mas assentiu e saiu do
quarto levando toda a roupa de cama que foi usada.
Leonardo tinha que encontrar Ermelinda. Como ela estaria?
Magoada? Nervosa? Ele sequer sabia explicar o que havia acontecido, mas
toda a sua atenção seria dela e descobriria um jeito de resolver aquela
confusão.
O primeiro lugar em que a procurou foi no quarto, mas não havia
ninguém. Enquanto rumava para a biblioteca, um criado o deteve:
-Meu senhor, há alguém lhe esperando no escritório.
Leonardo agradeceu e seguiu para o local onde era esperado. Com
certeza Ermelinda estava lá. Provavelmente com o pedido de anulação do
casamento em mãos. Estaria errada? De forma alguma. Por mais que
acreditasse não ter cometido erro algum na noite anterior, sua mente ainda era
um grande vazio ao procurar por essas memórias.
Ao entrar no escritório, a imagem de uma Ermelinda furiosa foi
substituída por Gonçalo alegre e sorridente.
-Aí está o meu genro!
Leonardo se deteve por instante enquanto assimilava a situação. A
visita do sogro era o que faltava para tornar o desastre algo irreversível.
-Aconteceu alguma coisa? Admito que não esperava sua visita.
Gonçalo piscou para Leonardo, como se fossem camaradas de
longa data. Ao que parecia a postura de parceiros de negócio se foi e agora
estavam em família. Céus... que as coisas parassem de piorar.
-Deixe minha menina respirar um pouco, meu rapaz! As mulheres
tendem a suportar menos que nós.
Gonçalo gargalhou achando que aquilo era uma boa piada.
Leonardo deu um sorriso de quem estava à beira do desespero. Se o sogro
soubesse...
-A propósito, onde ela está? – Gonçalo olhou ao redor como se
esperasse que a filha se materializasse ali. Depois deu um sorriso malicioso. –
Ela ainda está se vestindo?
Leonardo entendeu os motivos pelos quais Linda tinha certo rancor
do pai. Gonçalo realmente não sabia ser menos rude? Se achava que era um
piadista, na verdade estava desrespeitando a própria filha.
-Eu pensei que depois de se conhecerem melhor, ela estivesse com
menos ódio de mim. – Gonçalo confessou. – Ela ficou fora de si com o
acordo de casamento, sabe? Mas sei que fiz uma boa escolha. Você é o tipo
de homem que a minha menina merece e pelos céus, sei que vivo brigando
com ela, mas odeio passar todo esse tempo sem fazer as pazes.
Leonardo suspirou.
-Ela ainda está nervosa, pelo menos comigo, deixando bem claro
que acha que foi negociada como um objeto qualquer.
Gonçalo bufou e se jogou em uma poltrona.
-Bobagem! Mulheres se casam dessa forma desde que me entendo
por gente e nem por isso fazem todo esse drama. Ela só pode ter puxado essa
rebeldia da mãe.
Leonardo olhou para o sogro com certa curiosidade. Gonçalo não
era um homem que tinha o hábito de falar da falecida esposa. Mesmo que
vivesse a vida, não havia se casado novamente e evitava tocar no assunto
sempre que possível.
-Acho que ela entenderia isso como um elogio.
-De certa forma é. – Gonçalo deu de ombros. – Minha falecida
esposa era uma mulher magnífica. Nunca encontrei outra como ela e como
você e todos sabem, tenho procurado bastante.
-Talvez tenha procurado nas mulheres erradas.
O homem mais velho riu.
-Claro que sim. Procuro para não enlouquecer, mas mulher alguma
estará à altura. Espero que ela não fique muito brava comigo quando nos
encontrarmos novamente, sabe? Fui um bom marido, mas sou um péssimo
viúvo.
A conversa tomou um rumo tão inesperado que Leonardo não
conseguia acreditar. O intragável Gonçalo confessando seus pecados para
ele?
-Ouso dizer que sua filha compreendeu isso cedo demais.
-Eu sei. – Gonçalo respondeu de imediato. – Por isso, ao menos
uma vez na vida tentei fazer algo pela minha menina, mas ainda assim foi do
jeito torto. Você é um homem bom para ela e sei exatamente o quanto ela
ficava te olhando. Decidi que daria um jeito de dar a ela o que tanto queria.
Se Ermelinda se achava uma mercadoria vendida, agora Leonardo
se sentia da mesma forma. Então não foi por causa do jornal. Muito menos
um mero capricho sem fundamento. Gonçalo sabia que Ermelinda de alguma
forma tinha interesse em Leonardo e por isso achou que deveria unir os dois.
Atitude nobre, mas feita de uma forma desastrosa.
-Ela não me queria nesses termos.
Gonçalo olhou para o genro e reparou pela primeira vez que ele
parecia abatido.
-Ela ainda está dificultando as coisas?
Leonardo respirou fundo. Tinha pensado em esconder do sogro e
ter a oportunidade de tentar resolver as coisas com a esposa, mas vendo toda
a boa fé de Gonçalo, não teve como esconder a situação.
-Eu estraguei tudo. Linda é diferente de todas as mulheres que
conheci e nada do que eu faço é o suficiente. Quanto mais tento me
aproximar, mais ela foge. Por acaso ela já sabe que está aqui?
A postura despreocupada de Gonçalo se foi e Leonardo nunca
havia visto o sogro parecendo tão velho e cansado.
-Ainda não. Gostaria de conversar com você primeiro, filho.
-Por favor, senhor. Não sou seu filho. Não mereço ser.
Honestamente, acho que o melhor a fazer agora é dar para Linda a liberdade
que deseja. Entendo que não será fácil para ela, mas se ela aceitar, darei de
bom grado a anulação do casamento.
Gonçalo ficou em silêncio por um longo tempo antes de perguntar:
-O casamento ainda pode ser anulado?
Leonardo assentiu. Linda estava intocada, exceto alguns beijos. Ela
com certeza o odiava e não iria obrigá-la a viver de forma tão dolorosa.
-Em todas as cláusulas possíveis.
Alguém bateu na porta do escritório. Por um breve instante
Leonardo pensou que fosse Linda, mas se realmente fosse era provável que
ela entraria sem bater. Não estaria calma para fazer uma entrada civilizada.
-Entre.
O criado que havia levado a roupa de cama estava ali. Fez uma
reverência para cada homem presente no cômodo.
-Meu senhor, fiz o que me solicitou.
Leonardo levantou rapidamente e começou a caminhar em direção
ao homem.
-E então?
-Não encontrei nada, meu senhor. Nem uma gota de suor.
Aquelas palavras deixaram um misto de confusão e alívio em
Leonardo. Sem marca alguma... não fazia sentido. Exceto se a cama não foi
usada. Sempre havia uma possibilidade daquela noite ter acabado com seu
casamento.
Gonçalo escutou a conversa, mas não entendeu exatamente do que
se tratava. Depois de Leonardo agradecer e dispensar o criado, era hora de
saber o que estava acontecendo.
-O que estava pesquisando?
Leonardo se sentou novamente e apoiou um cotovelo sobre cada
joelho.
-Um fato perturbador que aconteceu essa noite. Até o momento não
tive a oportunidade de conversar com minha ainda esposa, mas sei que ela
está com ódio de minha pessoa. Por isso, afirmo desde já que aceito a
anulação do casamento, libertando Linda para que ela seja feliz. Além disso,
aceitarei qualquer atitude sua. Tire seu apoio do meu jornal, voltarei de bom
grado para o ponto de onde comecei se for necessário.
Gonçalo não gostou daquele tom, pois indicava que algo estava
muito errado. Havia se enganado em relação a Leonardo? Duvidava muito.
Podia não ter jeito para lidar com pessoas, mas conseguia conhecer a índole
de cada um que cruzou seu caminho.
-Conte-me tudo o que aconteceu.
Leonardo se permitiu ficar um instante em silêncio desfrutando o
último momento de calmaria que iria viver naquela casa.
-Ando frustrado sobre como as coisas estão. Com isso, tenho
bebido mesmo odiando tal hábito. Todas as noites uma criada prepara meu
quarto e a noite passada não foi diferente. O problema foi que acordei com a
mulher nua ao meu lado na cama dizendo que Ermelinda viu o que fizemos
juntos. A questão é: eu não me lembro!
Gonçalo não poderia dizer que estava satisfeito, mas antes de ser
um pai furioso defendendo a honra da filha, optou por ser racional.
-E o que você bebeu, filho? Para esquecer de uma mulher é preciso
uma dose extra de álcool.
-Eu bebi vinho! Na segunda taça já estava bêbado.
Gonçalo não se importou em parecer intrigado.
-E que vinho é esse? Me diga, pois quero passar longe dele.
- Offley. – Leonardo admitiu com certo desgosto. Estava mais do
que acostumado a beber daquele vinho, uma vez que seu amigo, o barão de
Forrester tinha garrafas e mais garrafas disponíveis.
-Offley não faz isso. Delicioso, mas com álcool na dose certa.
-Por isso pedi que o criado analisasse a roupa de cama. Tinha que
haver alguma evidência.
-E ele disse que não havia. – Gonçalo respondeu, sem se importar
em mostrar que havia escutado a conversa.
-Não.
Gonçalo riu.
-E você não se lembra de nada?
-Absolutamente nada.
Não era preciso olhar uma segunda vez para Leonardo. O rapaz
estava dizendo a verdade.
-Bem, meu rapaz, estamos entre homens aqui e não entre santos.
Sei que criadas podem ser bem tentadoras, então não irei julgá-lo. Diga-me:
sente algum desejo por essa criada? Acha que realmente pode ter acontecido
algo?
Leonardo balançou a cabeça, incapaz de acreditar que estava tendo
aquele tipo de conversa com o sogro.
-Sinceramente? Não consigo lidar nem com a minha esposa. Não
aguentaria ter que lidar com outra mulher. Nunca traí mulher alguma na
minha vida.
Alguém havia caído em um dos golpes mais velhos do mundo.
Gonçalo realmente havia julgado mal uma das muitas características do
genro. Pensava que a forma como Leonardo era nos negócios também se
refletia em sua vida pessoal, mas ao que tudo indicava, ele ainda era ingênuo
em alguns aspectos.
-Pode me dizer o nome da criada? Eu acho que preciso ter uma
conversinha com ela.
Leonardo acreditava que Gonçalo poderia intimidar a jovem ou até
mesmo comprar seu silêncio. Se estivesse em sua própria casa, não diria o
nome da jovem, mas Gonçalo era o dono ali.
-Ela se chama Laurinda.
A compreensão atingiu Gonçalo instantaneamente. Laurinda era
uma mocinha bonita e fogosa, capaz de deixar um rastro de problemas por
onde passasse. Por que havia se esquecido totalmente dela quando mandou a
filha e o genro para aquela casa? Claro que ela se interessaria por um homem
jovem.
-Definitivamente é um tolo, meu rapaz. Cair na lábia daquela
mocinha? Vou te contar exatamente o que está acontecendo: eu contratei essa
menininha para mim, entende? Mas ela foi esperta para querer aproveitar um
homem jovem.
Leonardo ficou boquiaberto.
-Ela armou isso?
-Não só armou como espera conseguir um bom resultado. Pelo que
entendi, ela só encenou que aconteceu algo. Se minha filha já sabe, isso quer
dizer que você será expulso da cama de sua própria esposa e então irá afogar
as mágoas com a criada que tanto lhe espera. Ah, aquela menina impossível!
Gonçalo se levantou e começou a andar de um lado para o outro.
-Não aceito a anulação do casamento, mesmo que Ermelinda
queira. Ela está magoada, fará algo do qual se arrependerá depois. Além
disso, irei colocar aquela criada indecente no seu devido lugar.
Leonardo não acreditava haver esperanças, mas se o próprio sogro
o absolveu, deveria ao menos tentar. Diante da possibilidade de perder Linda,
entendeu que não tinha vontade nenhuma que isso acontecesse. Havia
descoberto prazer no jogo de seduzi-la e mesmo nervosa, ainda era a sua
Linda. Ele ainda a queria ao seu lado.
-Acho que devo procurá-la então.
Gonçalo parou de andar e concordou.
-Sim, faça isso. Resolva com a minha filha enquanto eu resolvo
com a criada. Você foi ingênuo, mas não traiu a minha menina e não pode ser
culpado por isso.
Os homens se despediram e enquanto Leonardo ainda tentava
imaginar onde sua esposa estaria, Gonçalo não tardou em encontrar a criada.
A conversa não foi fácil, já que a moça era mais esperta do que
muitas mulheres bem mais vividas. Porém, Gonçalo não era considerado
intratável por poucos motivos. Depois de um teatro digno de prêmios,
Laurinda finalmente admitiu que gostaria de consolar o jovem senhor que
vivia negligenciado pela esposa. Perdendo a oportunidade de ter uma amante
jovem, Gonçalo a demitiu de imediato. Após fazer o que devia ser feito, se
permitiu andar pelos corredores da casa até alcançar os jardins. Ah, ali
estavam as lembranças de seus melhores anos. Enviou a filha e o genro para
aquela casa na esperança de que construíssem juntos a alegria conjugal que
ele próprio viveu no seu tempo.
Gonçalo foi arrebatado pela esposa na primeira vez que a viu e
agarrou com unhas e dentes a oportunidade de se casar com ela. Cada dia em
que viveram juntos, se esforçava para que seu amor nunca fosse questionado
e foi devotado até o último suspiro da esposa. Depois, se viu só com uma
filha pequena que tinha os mesmos traços da mulher por quem queria chorar
dia e noite. Então se lançou no mundo procurando prazeres, tentando
esquecer o que era inesquecível. Se tornou cada vez menos amoroso,
protegendo o que sobrou do seu coração. Claro que havia tomado as decisões
erradas, mas diante do desespero da perda, fez o que estava ao seu alcance.
A breve caminhada o levou até a porta da pequena casa que
mandou construir para a filha. Ali a menina era dona de um mundo e ele teve
certeza de que a Ermelinda adulta também gostaria de se refugiar naquele
lugar quando o mundo ficasse pesado demais. Após mais dois passos, bateu
na porta e esperou.
Ermelinda havia saído do quarto e se refugiado na sua casinha
assim que o dia clareou. Ao passar diante da porta onde o marido dormia, a
dor que sentia fez seu peito queimar. Como ele ousou fazer aquilo? Em plena
lua de mel? Ela sabia que ia acontecer mais cedo ou mais tarde, mas como
queria que fosse mais tarde! Ainda não tinha desenvolvido para Leonardo a
mesma indiferença com a qual conseguia lidar com as faltas do pai.
Dentro de sua casinha, isolada do mundo, Ermelinda tentou chorar.
Que outra alternativa teria para aliviar o abandono que sentia? Mesmo assim,
parecia que as lágrimas haviam secado por completo e só restava aquele
acúmulo de dores e amarguras que carregaria por toda a vida. Deveria ter
fugido e talvez ainda houvesse tempo para isso. Com certeza não suportaria
manter aquele casamento por nada nem por ninguém. Apenas ao perceber a
extensão da dor que sentia, finalmente entendeu o quanto queria se apegar e
se entregar ao marido. Tola.
As horas se passaram e até mesmo as batidas na porta pareceram
ecoar de outro mundo. Deveria ser Glória. A criada pediu que a senhora
comesse ou bebesse algo para se acalmar, mas ela sabia que não aguentaria
colocar nada na boca. Mesmo sem saber quanto tempo estava ali, tinha
certeza de que a criada estava preocupada.
Foi um choque quando Ermelinda abriu a porta e viu o pai. Queria
ter gritado com ele. Perguntado o que ele estava fazendo ali ou onde estava
com a cabeça quando a casou com um cafajeste. Mas naquele momento, tudo
o que ela queria era não se sentir só e por isso se jogou nos braços dele.
-Ah, papai! Eu não aguento mais!
A única vez em que Gonçalo viu a filha tão abalada antes daquele
momento foi no funeral da mãe, época em que ele também não estava nem
um pouco bem. Saber que ela estava sofrendo daquela forma por Leonardo o
fez se sentir culpado, mas também lhe deu a certeza de que escolheu o
homem certo. Mesmo que Ermelinda não quisesse admitir, estava claro que
amava o marido de alguma forma. Envolvendo a filha em um abraço
totalmente desajeitado, Gonçalo se permitiu desfrutar daquele momento.
Sabia que ela estava sofrendo, mas havia muito tempo que esperava por
aquele abraço.
-Minha menina, ainda bem que cheguei na hora certa.
-Eu não posso mais. Anule esse casamento! Não quero ver aquele
homem nunca mais!
-Curioso. Seu marido também optou pela anulação. Além disso,
afirmou que posso desfazer qualquer tipo de parceria com ele. Sabe o que
isso significa, não é?
-Não me importo.
-Mas deveria. Ele vai voltar a ser alguém lutando
desesperadamente para sobreviver, pois sei que vai passar fome antes de
precisar despedir um dos seus funcionários.
Ermelinda fungou.
-Pois ele merece isso e muito mais.
Gonçalo suspirou. Quando Ermelinda nasceu, ele queria um
menino, mas aos poucos caiu de amores pela filha.
-Você pode ser a cara da sua mãe, mas o temperamento é igual ao
meu. Pobre rapaz...
Ermelinda se afastou um pouco e olhou para o pai sem disfarçar
sua revolta.
-Vai ficar do lado dele mesmo depois de tudo o que aconteceu?
-Eu conversei com a criada.
-E eu vi os dois! Juntos!
Gonçalo respirou fundo. Não sabia mais ser alguém paciente.
-E o que foi exatamente que você viu?
Ermelinda desviou o olhar, mas não parou de falar. Se o pai ficasse
chocado, melhor ainda. Tudo para acabar de uma vez com aquele casamento.
-Ela estava deitada sobre ele na cama o beijando como se não
houvesse amanhã.
Gonçalo bufou.
-Aquela sem vergonha... Eu conversei com ela. Aquela menina é
mais experiente que qualquer meretriz que conseguir encontrar em Lisboa.
Tudo o que você viu era parte do plano dela para fazer seu marido de amante.
Leonardo bebeu alguma coisa que ela colocou naquele maldito vinho e não
conseguiria tomar uma mulher nem mesmo se sua vida dependesse disso.
Ah! Como era criativo! Seria bom acreditar que o marido e ela
foram vítimas de uma mulher sem escrúpulos, mas não poderia se expor a
sofrer daquela forma novamente.
-Eu não acredito.
Gonçalo bufou.
-A garrafa de vinho está guardada. Beba você mesma e veja como
vai se sentir. Vai acordar só amanhã após uma taça. Aquela menina foi
demitida de outra casa pelo mesmo truque.
-E contratada para esta casa exatamente por este motivo. –
Ermelinda não conseguiu evitar o amargor na voz.
-Exatamente. Seu pai é um arrogante imoral que não pode ver uma
saia. Pode pensar o pior de mim, mas eu lhe digo: não vou deixá-la estragar
sua chance nessa vida.
-Vai realmente me obrigar a manter esse casamento por causa de
uma parceria comercial?
-É claro que não! - Gonçalo já estava quase gritando. Droga. Lá se
foi a pouca paciência que tinha. – Sua mãe morreu. Por mais que eu queira
estar com ela, ela foi tirada de mim. Seu marido está vivo e eu sei muito bem
que a última coisa que ele quer é perdê-la. Acha que eu não sei que você
ficava babando por ele nos bailes? Eu já pensava que Leonardo daria um bom
marido e os seus atos me deram a certeza.
Ermelinda arfou. Como seu pai sabia? Ah... Glória. Inocente como
era, confidenciou tudo para a criada. Talvez ela tenha dito apenas querendo o
bem, mas tudo saiu do controle. Diante da mudez da filha, Gonçalo
prosseguiu.
-Eu sei que era muito criança quando sua mãe se foi, mas se
conseguir se lembrar de quem eu era, acho que hoje conseguirá me entender.
Ela levou tudo e só me deixou você. Eu não sabia lidar com uma menininha
por mais que quisesse. Sua mãe foi uma santa por me amar, pois sei que ela
me amava de verdade. A última coisa que queria agora era prejudicá-la
novamente, mas sei que ela está sofrendo ao ver como você está. Eu falhei
novamente com as duas. Converse com o seu marido. Se depois disso decidir
pela anulação, não lhe negarei nada.
-Não quero conversar com ele. Quero a anulação.
-Ainda não. Não irei aceitar nenhuma decisão que tome movida
pela raiva. Essa é a pior conselheira que pode escolher, minha menina. E
lembre-se, ele não a traiu.
-E o que será feito da criada?
-Demitida.
Sem alongar o assunto, Gonçalo se despediu da filha e saiu. Sua
pretensão era fazer uma visita rápida e tentar se entender com a filha, mas
ficou grato por chegar a tempo e realmente poder fazer algo por ela.

Leonardo tentou cumprir o que disse ao sogro e procurou a esposa


por um longo tempo, mas não obteve sucesso. Glória, a pessoa mais indicada
para ajudá-lo, também parecia ter desaparecido. Os outros criados foram de
pouca ajuda e era fácil notar que todos ali ainda estavam tentando entender o
que aconteceu antes, durante e depois da visita do verdadeiro dono da casa.
Ao que tudo indicava, Laurinda também foi discreta ou disse algo que havia
forjado, pois ninguém se negava a ajudar já que nada tinham a oferecer.
As horas se passaram e quando Leonardo pensou que talvez
encontraria a esposa apenas durante o almoço, uma criada o informou que a
senhora Ermelinda aguardava o marido no quarto.
-Ela solicitou sua presença no quarto de casal, meu senhor.
Leonardo ainda fez a criada falar o recado uma segunda vez,
incapaz de acreditar que aquela era a informação correta. De todos os
lugares... tudo o que o seu instinto dizia era que ele deveria passar longe
daquele lugar se quisesse ter uma chance de resolver a situação com a esposa
de uma forma positiva. Porém, ela armou a emboscada primeiro. Agora tudo
o que restava a ele era seguir rumo ao perigo, torcendo para que pelo menos
uma coisa desse certo naquele encontro.
Ermelinda refletiu várias vezes cada palavra que o pai disse durante
o breve encontro que tiveram. Quando finalmente criou coragem para sair do
seu refúgio, se obrigou a entrar naquele quarto que agora lhe trazia uma
segunda lembrança ruim. O que era pior? O pai com uma amante ou o seu
marido deitado junto com outra mulher? Tudo naquele quarto, exatamente
naquela cama que estava a centímetros dela. Até mesmo Glória lhe disse para
não anular o casamento, pois a fama da criada era ruim o bastante para que
realmente fosse possível que Leonardo não tivesse culpa. Ela ficou tentada a
experimentar o vinho, mas isso atrasaria a conversa. Pior, poderia lhe tirar a
coragem.
Desde que havia iniciado sua lua de mel desastrosa, Leonardo
realmente tentou seduzi-la. Fez até mesmo a surpresa de convidar suas
amigas para uma visita e foi encantador. Todos os medos e receios que tinha,
iniciados por coisas que Leonardo não tinha culpa alguma, fizeram com que
desejasse manter distância daquele homem de todas as formas. Mesmo assim,
se fosse sincera, o que mais queria era estar junto dele. Como perder a
sensação de ser uma mercadoria? Como não se sentir mais parte daquele
acordo que Leonardo apenas aceitou para manter seu padrão de vida e
daqueles que dependem do jornal? Deveria viver tendo seu orgulho ou sua
felicidade como objetivo? Bem, ela havia dado o primeiro passo. Dadas as
condições, considerava mais um salto do que um passo e agora cabia a
Leonardo satisfazer as expectativas.
Quando a porta do quarto se abriu, Leonardo hesitou. Deveria
entrar? Linda estava ali, como a criada havia dito, olhando para ele. Não
conseguia definir o que dizia a expressão no rosto da esposa, mas ela parecia
mais calma do que ele imaginava.
-Entre, precisamos conversar.
Leonardo fez o que ela pedia e resolveu fechar a porta para tentar
evitar que algum criado escutasse a conversa. Com certeza toda a casa estava
mais do que curiosa sobre os últimos acontecimentos.
O casal ocupou duas poltronas posicionadas de forma que uma
ficava de frente para a outra. Leonardo não sabia exatamente como começar,
mas isso nem seria necessário, pois Ermelinda continuou a falar.
-O que eu vi não condiz com o que eu ouvi até o momento. Diga-
me, marido, qual é a sua versão sobre o que aconteceu noite passada neste
quarto?
Leonardo repetiu, pontuando o que sabia e a partir de qual
momento não lembrava de nada. Era incômodo olhar para a esposa enquanto
explicava a noite e um sentimento de culpa o tomou. Mesmo que a traição em
si não tivesse ocorrido, como ele havia permitido manter uma mulher em seu
quarto? Mesmo que fosse uma criada, era uma mulher. Fazer a esposa sofrer
era um tipo de traição que ele poderia ter evitado.
Ermelinda escutava palavra por palavra com atenção, por mais
difícil que fosse. Queria manter a postura de mulher digna e forte, depois de
horas e horas se permitindo sofrer abertamente.
-Diga-me, marido, alguma vez me viu em um dos eventos onde
coincidentemente comparecemos?
Graças ao que havia lido no diário da esposa, Leonardo saberia
exatamente o que dizer para agradá-la. Mesmo assim, não tinha a intenção de
mentir. Naquele momento ele se sentia farto de mentiras e artimanhas e se ela
estava ali em busca de algo, tudo o que conseguiria dele era a verdade.
-Uma noite apenas. Estava afastada de todo o movimento do salão.
Assumo que pensei que fosse tímida.
Claro, ela pensou. Tímida, dócil, submissa. Por mais estranho que
fosse, naquele momento Ermelinda se sentiu feliz por ser exatamente como
era. Intratável como o pai.
-Esse pensamento facilitou na hora de aceitar a proposta de meu
pai? Era esse o tipo de mulher que desejava?
-Não sei o tipo de mulher que queria. Casamento era algo que eu
não queria pelos próximos anos e então foi só cogitar uma vez e acabei tendo
duas noivas quase ao mesmo tempo. Eu só queria acreditar que tanto eu
quanto você quiséssemos fazer isso dar certo.
-Ao menos viu alguma beleza em mim? – A pergunta surgiu baixa
e hesitante, mas fez Leonardo olhar imediatamente para ela com mais
atenção.
-Não há dúvida alguma a respeito de sua beleza. Na época eu
apenas sabia que era distinta demais para que eu pudesse ousar me
aproximar, já que casamento não era algo que eu desejava. Nessas últimas
semanas, percebi que há muito mais o que admirar em você.
Ermelinda respirou fundo. Leonardo poderia deixá-la desorientada
quando se dispunha a tentar seduzi-la, mas era em momentos como aquele,
quando tirava toda a ousadia e deixava apenas a sinceridade gentil que ele era
mais irresistível. A dor não desapareceu, mas reduziu consideravelmente.
-O que vê em mim, senhor Leonardo?
Ele não entendeu onde Linda queria chegar com aquela pergunta,
pois poderia responder por diferentes aspectos. Via aquela mulher como sua
esposa, uma mulher forte e tão determinada que era capaz de fazer um santo
perder a calma, ousada e inocente sem saber o quão sedutora se mostrava a
cada vez que defendia sua honra.
-Eu vejo a mulher com quem eu me casei.
-Será fiel à esta mulher? Sem criadas, amantes, flertes ou qualquer
coisa do tipo?
-Sem criadas, amantes, flertes ou qualquer coisa do tipo. – Ele
repetiu as palavras dela, percebendo o que isso significava. O perdão veio
com um alívio tão forte que até então, Leonardo não havia percebido que o
que temia não era o ódio de Linda, mas sim perdê-la através da anulação do
casamento.
Ermelinda deu um pequeno sorriso, percebendo que tanto ela
quanto o marido pareciam hipnotizados, incapazes de desviarem o olhar um
do outro. Era possível se perder ao observar o abismo sedutor que as orbes
criavam, mesmo que ao estarem juntos, a sensação era de um reencontro
muito esperado. Erguendo a mão em direção ao marido, Ermelinda a ofereceu
para um beijo.
-Pois então, recomecemos. Meu nome é Ermelinda Veiga, mas por
favor, me chame de Linda. Me apresento como sua esposa, mesmo que não
sejamos ainda marido e mulher de fato. O senhor jurou me proteger, então me
proteja da desonra. O senhor jurou me respeitar, então respeite meus valores
e crenças. O senhor jurou me amar, então não ouse amar mulher alguma que
não seja eu.
Leonardo segurou a mão que a esposa lhe oferecia e escutou cada
palavra que ela proferiu sendo tomado por um misto de assombro e
admiração. Por fim, sua mão tremia. Após beijar levemente cada um dos
dedos de Linda, ele também se apresentou.
-É um prazer conhecê-la, minha cara esposa. Me chamo Leonardo
Veiga, mas me chame como preferir, afinal sou seu. Protegerei seu nome,
seus sonhos e seu futuro. Respeitarei seus pensamentos, desejos e princípios.
E jamais serei de outra mulher enquanto eu viver. Só peço que se entregue da
mesma forma que estou disposto a me entregar.
Ermelinda corou. Sabia que ele estava se referindo também a um
ponto delicado do relacionamento, mas que deveria ser alcançado para que o
casamento realmente pudesse ser pleno. Mesmo assim, cada juramento a
encheu novamente de esperança. Como seus sentimentos eram volúveis em
relação àquele homem! Se horas antes ela queria estar longe dele, agora tinha
certeza que a última coisa que queria era se afastar.
Como Leonardo ainda segurava sua mão, Ermelinda a libertou
devagar e se levantou.
-Vou pedir que Glória traga as minhas coisas para esse quarto. A
partir de hoje, iremos dividi-lo.
Leonardo deu um sorriso que quase abalou as vontades de
Ermelinda ir devagar com algumas partes do casamento. Ele era sedutor
mesmo quando não tinha a intenção.
-Realmente fará isso?
Ermelinda assentiu e tentou falar com naturalidade, mesmo se
sentindo um pouco envergonhada.
-Acho que se alguma mulher deve deitar na cama do meu marido,
não será outra além de mim.
Leonardo sentiu o coração disparar como se ainda fosse um
estudante diante de sua primeira experiente e exuberante mulher. Engoliu em
seco.
-Faça isso então. Por acaso... gostaria de cavalgar hoje?
-Podemos ir amanhã? Vou me concentrar na mudança de quarto
por enquanto.
-Ah... sim. Claro. Tem toda razão. Amanhã então. Hoje apenas se
concentre em vir para o meu lado, seu lugar de direito.
Recuperando um pouco o controle e a malícia que gostava de usar
estando perto da esposa, Leonardo segurou a mão de Linda e a puxou para
perto, fazendo uma leve carícia no rosto que corou sob seus dedos.
-O lugar do qual nunca mais quero que saia.
Se ele não fosse tão rápido, Ermelinda até poderia ter respondido
algo gentil, mas os lábios já estavam se encontrando em um beijo que ela
julgava impossível acontecer. Ela sentia o gosto de alívio e desejo que
deixavam seu próprio corpo em chamas. Se aquela era a forma de Leonardo
selar um acordo de paz, talvez nem fosse tão ruim vez ou outra declarar uma
pequena guerra.
As mãos de Leonardo deslizaram pelas costas de Linda e fizeram o
corpo suave e curvilíneo se moldarem contra o corpo masculino e ela deixou
os dedos se perderem entre os cabelos macios mantendo o rosto do marido
perto para que o beijo não fosse interrompido. O tempo pareceu parar e
ambos se esforçavam para manter aquele toque necessitado e febril, as
línguas se tocando e se provando, como se a interrupção daquela carícia fosse
causar algo catastrófico.
O beijo só foi interrompido quando Ermelinda sabia que perderia
totalmente o juízo. Foi sublime enquanto durou, mas não estava pronta para
começar a lua de mel naquele momento e então ela se afastou murmurando
algo sobre procurar Glória e saiu. Depois disso, Leonardo ainda ficou um
longo tempo tentando entender o rumo inesperado de sua vida com aquela
mulher e só queria agradecer pela nova chance que não desperdiçaria.
Um casamento anulado iria deteriorar a reputação de Linda e a de si
próprio, além do sentimento de perda e fracasso que iria invadi-lo assim que
perdesse Linda para sempre. Não havia encontrado ainda uma forma de
explicar, mas sabia que não queria se afastar de Linda. Havia algo nela que o
atraía e o deslumbrava, algo precioso que ele não iria permitir ir embora.
Enquanto as horas do dia se passavam, Leonardo ouvia os sons que
indicavam a mudança dos pertences de Linda para o quarto que iriam dividir.
Por ter recebido um relatório maior do que o esperado, ficou um bom tempo
no escritório e só viu a esposa novamente durante o jantar.
Era extraordinária a mudança no ambiente e nenhum dos dois
ousaria reclamar disso. A comida parecia ter mais sabor, o assunto surgia
ocasionalmente e era natural, sem aquela sensação de cordialidade forçada.
Ao término da refeição, tudo o que Leonardo desejava era ir para o
quarto e descobrir se Linda havia preparado uma nova e agradável surpresa
para ele. Porém, ela tinha planos de ficar algum tempo na biblioteca.
Era mais simples planejar do que executar. Tomada pela vontade de
ser feliz e salvar seu casamento do desastre que ela mesma teve grande
participação para criar, Ermelinda havia decidido dividir a cama com o
marido. Porém, agora que o momento se aproximava, um misto de euforia e
pânico crescia dentro dela. Não estava pronta para tanto. Ao menos por
enquanto. Ir para a biblioteca foi a primeira coisa que passou pela sua mente
e felizmente o marido não se importou com isso, mas ela sabia que naquele
exato momento ele estava no quarto à sua espera.
Quando não podia mais adiar, Ermelinda foi se arrumar para
dormir. Ela havia pedido para Glória separar algo simples para poder se
trocar sozinha. Com receio fazer isso em algum lugar que estivesse ao
alcance do marido, sua camisola e o roupão estavam no quarto que ocupara
até aquela manhã. Aquelas eram as únicas peças de roupa deixadas para trás.
A questão foi qual camisola e qual roupão foram deixados.
Ermelinda sempre confiou nas escolhas da criada e ambas se
conheciam bem o suficiente para que não houvesse nenhum grande erro. Ela
havia deixado bem claro: uma camisola confortável para noites frias e um de
seus roupões mais discretos. Porém, por mais que olhasse aquelas duas peças
sobre a cama, não encontrava nem conforto e nem discrição. Honestamente,
nem reconhecia aqueles itens como seus. Diante dela havia uma camisola
branca demais com tecido de menos. O roupão tinha bordados lindos nas
mangas, mas o tecido era tão fino que ela jurava que as duas peças não
seriam o suficiente para formar uma. Jamais poderia entrar no quarto usando
apenas aquilo! Antes que o pânico a tomasse, Ermelinda saiu em busca de
Glória, mas a criada havia se escondido bem. Traída por aquela que
considerava ser sua mais fiel protetora! O jeito seria ir até o quarto e pegar
sozinha as roupas. Tentaria agir com a maior dignidade possível, sem fazer
com que o marido desconfiasse que algo a perturbava. Sim, era isso que iria
fazer.
A serenidade de Leonardo estava por um fio. Desde que fora para o
quarto depois do jantar, a cortina havia tremulado exatamente dez vezes por
conta da brisa noturna. Além disso, o assoalho e algum ou outro móvel já
tinha estalado cinco vezes, fazendo o som se destacar no silêncio. A espera o
fez até mesmo acompanhar a luz da lua deslizando pelo quarto. Seria tudo
muito bonito e poético se ele não estivesse ansioso para saber o que iria
acontecer. Queria banhar Linda naquela luz prateada, fazendo com ela que se
arrepiasse mais do que se sentisse a brisa e os sons... ele queria que o único
som viesse daquela cama e alternasse com gemidos deliciosos que ela com
certeza emitiria.
Passos apressados no corredor o fizeram entrar em alerta. Seria ela?
Por que aquela ansiedade? Por que queria tanto aquilo? Seria realmente por
saber que aquela mulher era sua esposa? Leonardo não gostava de pensar que
era movido por um sentimento de posse e de permissão no que dizia respeito
a mulher que desposara. Queria que algo realmente digno guiasse seus atos.
Mas se não fosse dever, posse, seria um sentimento romântico. Ele tinha algo
assim por Linda? Aquela pergunta o perturbou.
Assim que viu a jovem Ermelinda, Leonardo notou sua beleza.
Com o intuito de ter uma vida feliz, resolveu que tentaria viver bem com a
esposa, mas quando isso se tornou uma necessidade imperiosa de tê-la em
seus braços? Por que desejava tanto beijá-la e era tão excitante tentar seduzi-
la sempre que tinha oportunidade? Os pensamentos se confundiram quando a
própria entrou no quarto com a dignidade de uma rainha. Algo a incomodava,
Leonardo percebeu, mas ela deixava bem claro que não queria deixar isso
transparecer tão facilmente. Sendo assim, optou por ser cavalheiro e se deixar
enganar.
-Terminou sua leitura? – Ele perguntou tentando parecer tranquilo
enquanto a esposa tentava abrir o roupeiro.
-Ah, sim. Estava tão interessante que li rapidamente. Isso... está
trancado?
Leonardo percebeu que a esposa forçava a porta do roupeiro e foi
até ela, abrindo com facilidade as portas que estavam ao lado.
-O meu lado não fica trancado. Será que sua criada está com a
chave?
Ermelinda estremeceu. Glória, sua traidora. Dadas as
circunstâncias não duvidava nem um pouco de que a criada poderia ter
escondido a chave. Ela sabia muito bem que a senhora tentaria trocar as peças
indecentes escolhidas para aquela noite e o único jeito de obrigá-la a usar
aquilo era privá-la de qualquer outra vestimenta. Se optasse por dormir com
aquele vestido com certeza Leonardo não iria culpá-la. Poderia alegar que
não haviam roupas disponíveis. Porém, não tinha ânimo algum para enfrentar
uma noite mal dormida com aquelas vestes totalmente inadequadas para se
deitar.
-De fato, é possível. Glória por vezes é bastante esquecida.
Enquanto o senhor se prepara para dormir, eu irei atrás das chaves.
Antes que ele pudesse dizer qualquer coisa, Linda já estava
fechando a porta ao sair do quarto.
Leonardo riu. Ao que tudo indicava, ele não era o único com os
nervos à flor da pele.
Ermelinda voltou para o outro quarto e após imediatamente fechar
a porta, deixou o corpo se apoiar na madeira enquanto esperava as batidas do
seu coração voltarem a um ritmo seguro. Definitivamente Glória havia
arquitetado aquilo. Sabia que não adiantava tentar procurar a criada, pois com
certeza não encontraria sequer a sombra dela. Encarando novamente as
roupas sobre a cama, a mente desesperada de Ermelinda formulou uma ideia.
Não era algo maravilhoso, mas talvez a ajudasse.
Após trancar a porta, Ermelinda se aproximou da cama e começou
a se trocar. Com certo assombro percebeu que a camisola não tinha quase
peso algum e ousou se olhar no espelho.
Ermelinda nunca se achou feia, mas aquele pequeno pedaço de
tecido a realçou de tal forma que nunca havia percebido que poderia parecer
tão curvilínea. Tão mulher. O decote generoso, a fenda indecente revelando
as pernas... Se Leonardo visse aquilo, ela seria atacada. Com certeza. A não
ser que ele não se sentisse atraído por mulheres, o que ela sabia ser
exatamente o contrário. Mesmo discreto e tido como bom moço, Leonardo
com certeza era um amante experiente e seduzia mulheres debaixo do nariz
da sociedade com grande destreza.
Após se enrolar no roupão, não se sentiu nem um pouco mais
segura. O tecido era quase transparente em contato com a pele. Com certeza
aquilo fazia parte do enxoval que ela não se deu ao trabalho de escolher.
Apenas pediu que a modista fizesse o que uma mulher casada precisaria e
então ela lhe deu aquilo para deixar qualquer homem de joelhos. Bem, ao
menos era reconfortante saber que outras mulheres também se vestiam
daquela forma e continuavam a ser damas decentes.
O jeito seria seguir com o plano. Sendo assim, pegou a colcha da
cama e se enrolou nela e pegou todos os travesseiros que seus braços
conseguiram segurar. Destrancar e abrir a porta foi um exercício de
persistência, mas depois de algum tempo conseguiu voltar para o quarto onde
o marido estava.
Leonardo demorou um instante para entender o que estava entrando
no cômodo. Um monte de pano e travesseiros fofos irrompeu pela porta e se
aproximou colocando parte do que era sobre a cama. Ele se aproximou e viu
a esposa construindo uma barreira de travesseiros dividindo a cama ao meio.
-Está fazendo um muro de travesseiros, minha querida?
Até para ele foi fácil perceber a decepção na voz ao questionar a
esposa. Em se tratando de Linda, sabia que era cedo comemorar a
reconciliação e que dormirem no mesmo quarto já era um grande passo, mas
mesmo assim... era necessário fazer aquilo? Linda ficou em silêncio e
continuou seu trabalho.
-Preciso realmente dizer que não pretendo atacá-la enquanto
dorme? – Ele insistiu. – Nunca forcei dama nenhuma a nada e garanto que
não começarei a agir assim agora.
Ermelinda sorriu e tentou falar de forma tranquila.
-Eu acredito no senhor. O problema é que eu... bem, eu tenho o
sono muito inquieto. Isso é para que nós dois possamos dormir bem, acredite.
Amanhã pela manhã o senhor me agradecerá.
Batalha perdida naquela noite, Leonardo concluiu.
-Como quiser então.
Enquanto Ermelinda conferia o resultado do seu trabalho, Leonardo
deu a volta na cama e se aproximou pegando a mão da esposa do meio
daquele monte de pano no qual estava literalmente embrulhada.
-Tenha uma boa noite, esposa. Acredito que não conseguirá me ver
ao seu lado, graças ao seu talento de engenharia, mas se precisar é lá que
estarei.
Após um ato de grande autocontrole, Leonardo apenas deu um
beijo na testa da esposa e voltou para o lado da cama que lhe pertencia. Se ela
não iria vê-lo através dos travesseiros, então ele poderia dormir exatamente
como gostava.
Ermelinda tinha achado que tudo foi fácil demais e logo temeu o
que estava por vir. Ela aproveitou que o marido havia ficado de costas e se
livrou da colcha e do roupão rapidamente para se deitar tendo o cuidado de
deixar apenas o rosto descoberto.
De costas, Leonardo desabotoava a camisa e olhava atentamente o
reflexo do espelho. Que coincidência esplêndida a forma como a esposa e o
objeto se alinhavam! No último instante se lembrou que não poderia dizer
nada, mas não negaria que sentiu uma vontade enorme de parabenizá-la pela
escolha da camisola. Agora ele entendia a razão pela qual ela parecia tão
envergonhada. Porém, ela deveria se sentir orgulhosa e até mesmo agradecer
a modista, pois Leonardo nunca vira tamanha obra de arte feita em tecido. Ela
o havia deixado com água na boca.
Enquanto isso, Ermelinda estava com a boca seca. Leonardo despiu
a camisa e ela não conseguia desviar o olhar daquelas costas largas nem que
sua vida dependesse disso. Quando ele se virou, os olhares se encontraram e
ele deu aquele sorriso malicioso que a deixava com as pernas fracas. Era algo
bom estar deitada naquele momento.
-Gosta do que vê?
Ermelinda segurou o cobertor com mais força para que suas mãos
não ousassem querer tocar o corpo do marido.
-Acho que devo gostar, já que é o que terei pelo resto da vida, não
é?
Leonardo riu. A resposta rude foi muito satisfatória.
-Pode tocar se quiser.
Ermelinda se virou de costas para o marido e puxou o cobertor até
cobrir as orelhas.
-Não estou interessada no momento, obrigada. Boa noite.
Leonardo já havia fechado as janelas. Após apagar as velas, se
deitou e se cobriu percebendo que realmente a barreira de travesseiros era
eficiente ao ponto de pensar que estava sozinho no quarto. Se não fosse o
perfume dela... Linda estava completamente silenciosa.
Ermelinda sentiu cada vibração da cama enquanto o marido se
deitava. Ela ainda se lembrava bem da sensação de ter aquele corpo sobre o
seu e teve que segurar ainda mais o cobertor, se envolvendo como em um
casulo a fim de se conter para não fazer todos aqueles travesseiros serem
arremessados para longe. Para se distrair, começou a fazer pequenas listas.

Lista 1 – Motivos para esquecer que estou na cama com meu


marido
1- Ele não pode me ver com essa camisola
2- Se ele me ver com essa camisola vai querer tirá-la
3- Se ele tirar a minha camisola estarei perdida
4- Parar de pensar nessa lista ou eu mesma tirarei essa camisola

Definitivamente, não deu certo. Melhor tentar outra lista.


Lista 2 – Motivos pelos quais não insisti na anulação do casamento
1- Minha reputação ficaria arruinada
2- Eu seria motivo de pena e de risos ao mesmo tempo
3- Nunca mais veria meu marido
4- Meu marido nunca mais me beijaria
5- Eu não saberia como é o meu marido sem camisa
6- Como é o meu marido sem as calças?

Céus... existia um jeito de não pensar? Ermelinda desejava um


estado em que a mente ficasse apenas em silêncio. O corpo então seria
embalado pelo sono e ela só se preocuparia com aquela situação no dia
seguinte. Afinal, digam o que quiserem, a principal função de uma cama era
ser um lugar de repouso e por enquanto era apenas para isso que ia servir.
Leonardo se mexeu na cama, provavelmente para se virar em
alguma direção e Ermelinda sentiu novamente cada movimento reverberando
em seu próprio corpo. Depois do que pareceu uma eternidade, cada um
adormeceu sem sequer tocar na barreira que os separava.

Leonardo despertou quando antes do amanhecer. A respiração leve


ao seu lado indicava que Ermelinda ainda dormia. Encorajado pela certeza de
que não seria pego, ele espiou além dos travesseiros.
Seria uma visão engraçada se não estivesse tão atraído por aquela
mulher. O cobertor estava praticamente enrolado cobrindo apenas uma parte
do corpo e os cabelos haviam se espalhado cobrindo quase todo o rosto e o
travesseiro. Os braços de Ermelinda formavam ângulos que não pareciam
muito confortáveis. Porém, o que mais lhe chamava a atenção eram os lábios
rosados, entreabertos para ajudar na respiração suave, assim como a gloriosa
camisola que surgia quando sua dona não estava em condições de cobri-la.
Os movimentos durante o sono fizeram o tecido ficar um pouco torto sobre o
corpo e ela se tornou ainda mais reveladora do que deveria.
Definitivamente, Linda iria enlouquecê-lo. Leonardo podia
entender muito bem os receios de uma primeira noite e que precisaria deixá-
la à vontade para confiar plenamente nele, mas por Deus, que isso não
demorasse.
Observando melhor a esposa, parecia que Linda estava em um sono
profundo e ele resolveu testar isso.
Leonardo pegou um travesseiro e o arremessou longe. Nada. Ela
nem se mexeu. Perfeito, ele pensou. O que se seguiu foram travesseiros
voando em todas as direções do quarto até que só restaram aqueles que eram
realmente necessários.
Observando o resultado do seu trabalho, Leonardo se sentiu
satisfeito. Agora observava a esposa adormecida por completo, mesmo
estando deitado. Queria cobri-la, suspeitando que ela estivesse com frio, mas
temia acordá-la. A última coisa que poderia acontecer era Linda perceber que
Leonardo acordou antes dela em algum momento. Para todos os efeitos, os
travesseiros foram expulsos da cama por ambos enquanto dormiam. Nada
mais que isso.
Com a consciência nem um pouco pesada, Leonardo se permitiu
adormecer novamente.
Algumas horas mais tarde, Ermelinda acordou. A cama estava
quente e agradável e... Ela chegou a prender a respiração. Algo muito, muito
errado havia acontecido. O calor vinha de algo no qual ela se abraçava e não
necessariamente da coberta. Flexionando levemente os dedos, ela sentiu
pelos. A tranquilidade da manhã desapareceu quando o pânico do que estava
acontecendo a dominou.
Abriu os olhos para o inevitável e viu Leonardo dormindo
tranquilamente. Durante a noite os malditos travesseiros de nada, ou melhor,
quase nada adiantaram. Ela estava com o braço sobre o peito largo do marido,
enquanto um braço dele a envolvia com a mão forte descansando sobre o seu
ombro. Ermelinda sentia o calor de cada um dos dedos e por mais forte que
parecesse, o toque era suave. Como se não bastasse, até mesmo suas pernas
estavam enlaçadas, criando uma sensação de que foi ela quem procurou o
calor do corpo dele durante a noite.
E se fosse verdade? A pergunta surgiu em meio aos outros
pensamentos. Seria tão condenável assim dormir junto ao homem com quem
se casou? Se ela havia decidido recomeçar junto a ele, muitas outras coisas
iriam acontecer. Mesmo não se sentindo pronta para todos os seus deveres
conjugais, salvo o susto inicial que teve ao acordar, era bem agradável sentir
o corpo do marido daquela forma.
Ermelinda olhou mais uma vez para o rosto de Leonardo. Ele era
realmente muito bonito e saber que não iria tentar seduzi-la enquanto o
observava era bom. Não que as táticas de sedução fossem irritantes.
Ermelinda só temia pelo momento em que ele finalmente iria vencer. Tinha
medo de saber no que iria se transformar se deixasse o desejo a dominar.
Dificilmente ela seria sedutora como as mulheres experientes que o marido
havia conhecido. Ela poderia fazer algo errado ou até mesmo estragar o
momento com a sua inexperiência.
O movimento da respiração de Leonardo fazia com que o peito dele
subisse e descesse lentamente. A visão era quase hipnótica. Ermelinda sentia
o coração dele batendo logo abaixo da mão que mantinha espalmada ali
enquanto os pelos macios pediam para serem acariciados.
Apenas quando o outro braço de Leonardo a envolveu enquanto ele
suspirava alto, Ermelinda percebeu que o marido havia acordado.
-É muito bom acordar assim. – Ele quase ronronou enquanto
mergulhava o rosto nos cabelos da esposa.
Leonardo estava acordado haviam vários minutos, mas saber que
Linda estava acordada e ainda não havia gritado ou saído correndo permitiu
que ele ousasse ficar quieto por um tempo. Porém, ao se mover, todo o
encanto foi quebrado.
-O-o que será que houve com esses travesseiros?
Ermelinda puxou o cobertor para se cobrir e olhou ao redor em
busca da sua muralha agora totalmente dispersa pelo chão do quarto.
Leonardo acompanhou o olhar da esposa, tentando manter o
semblante mais inocente possível.
-É mesmo... acho que você realmente tem um sono bastante
inquieto, minha querida.
Ermelinda sempre soube que não era do tipo que ficava imóvel
quando dormia, mas o quarto parecia ter sofrido uma guerra de travesseiros
durante a noite. Ainda tentando entender o que havia acontecido, sentiu a
mão de Leonardo envolvendo a sua.
-Está tudo bem. É assim que um casal deve acordar. Juntos.
Aquelas palavras a aqueceram mais do que cobertor e ao olhar para
o marido, percebeu um brilho perigoso em seus olhos. Leonardo queria algo.
O sedutor estava plenamente desperto.
-A propósito, tenho vontade de ir agradecer pessoalmente o
empenho da sua modista. Essa camisola é tão maravilhosa que tenho vontade
de tirá-la de você.
Ermelinda corou e puxou ainda mais o cobertor.
-Sabe que isso não faz sentido, não é? Se uma roupa é bonita o
correto é que ela fique no corpo de quem a usa.
Ele sorriu. Lentamente os lábios se curvaram e Ermelinda queria
saber como ele conseguia transformar um sorriso em um gatilho para deixá-la
louca por um beijo.
-Algumas roupas são feitas para serem tiradas. Elas são a promessa
do que está por vir.
Ermelinda sentia o coração bater cada vez mais rápido. Tinha que
pensar, tinha que arrumar um jeito de escapar daquela cama. Ao menos se
não estivesse tão trêmula... e o pior é que não era por medo.
-E-eu não fiz promessa alguma.
Leonardo levou a mão da esposa até os lábios e começou a beijar
cada um dos dedos lentamente.
-Fez sim. Estamos recomeçando.
-D-devagar.
Ele sorriu. O sedutor terrível sorriu e logo voltou a beijar os dedos.
-Sim. Essa é a fase da corte, mas como já somos casados, podemos
substituir o sofá pela cama. O que acha?
Ermelinda suspirou. Sabia que o marido tinha uma paciência
incomparável, mas ela também sabia que não iria atender todas as
expectativas dele.
-Acho que o máximo que posso te dar é um beijo de bom dia. – Ao
ver a satisfação no rosto dele, completou rapidamente. – No rosto.
Leonardo puxou a mão de Linda e a trouxe para seus braços.
-Eu sei, minha querida. E a boca fica exatamente no rosto, sabia?
Ermelinda sequer teve tempo de responder, pois Leonardo lhe dava
o melhor beijo de bom dia que uma mulher poderia receber. Com certeza
estava plenamente desperta e se agarrou a ele no reflexo de se equilibrar
quando foi puxada. O cobertor ficou para trás e ela sentiu boa parte de sua
pele encontrar o corpo do marido.
O beijo terminou e ambos ficaram enlaçados ainda por um tempo,
se tocando e se sentindo, com os olhares presos um no outro.
-Eu não quero esperar mais, Linda. Não sei como consegui me
segurar até agora. Só por respeito à você...
As palavras trouxeram Ermelinda de volta à realidade.
-Agradeço a gentileza e lamento ter que exigir tanto do senhor.
-Não me chame de senhor. – Ele disse de pronto.
-Temos... temos o jantar de Joaquina essa noite. Ah! Preciso
procurar Glória para resolver a situação das minhas roupas!
-Não íamos cavalgar hoje? – Leonardo perguntou sem esconder a
decepção.
-Eu o acompanharei amanhã. Sem falta. Eu havia esquecido
totalmente do compromisso de hoje.
Ermelinda se soltou dos braços do marido e correu para procurar o
roupão. Leonardo não deixou de desfrutar da visão da esposa naquela
camisola indecente pelos poucos instantes em que foi possível, mas realmente
teria apreciado muito a oportunidade de cavalgar com ela.
Capítulo 8

-Você está do lado de quem afinal?


Ermelinda estava de braços cruzados, ainda com aquele roupão
indecente, fuzilando a criada com o olhar.
-Estou do lado que for melhor para a senhora. – Glória respondeu
de forma petulante.
-E o melhor para mim é me entregar em sacrifício no altar da
luxúria do meu marido? Saiba que não gostei dos trajes ritualísticos.
A criada deu um sorrisinho e disse em tom conspiratório.
-Mas foi bom, não foi? Ah... o senhor parece saber muito bem o
que fazer.
Ermelinda corou sem saber se era de vergonha ou de raiva.
-Está assediando o seu patrão? O meu marido?
Glória fez o seu melhor para parecer arrependida. Ter a liberdade
de falar daquela forma com a senhora era apenas um meio para saber se o
plano havia dado certo ou não. Ainda era cedo para ter certeza de que o
casamento realmente foi consumado, mas a forma como Ermelinda falou já
foi o suficiente para que a criada percebesse que o casal começava a se
entrosar.
-Me perdoe, minha senhora, mas eu vejo vocês dois distantes
quando seriam tão mais felizes se aceitassem e cuidassem do casamento. Não
irei me intrometer mais, eu prometo.
-Mantenha o roupeiro destrancado e para essa noite quero uma
camisola que me cubra dos pés até as orelhas.
A criada assentiu e acompanhou sua senhora até o quarto de vestir.
Depois de perceber que Ermelinda não voltaria para lhe fazer
companhia, Leonardo se arrastou para fora da cama. Naquele dia, não teve
vontade alguma de cavalgar e logo após o desjejum, foi para o escritório.
Enquanto o relatório do jornal não chegava, Leonardo se permitiu
pegar as anotações que havia feito sobre o diário da esposa. Leu e releu cada
frase percebendo que um pouco daquela mulher já estava surgindo depois que
ambos decidiram recomeçar.
A armadura de Linda não apagava completamente o quão
deslumbrante era, mas naquela manhã quando acordou com ela em seus
braços, percebeu o que ambos estavam perdendo por causa daquela
resistência. Mesmo que o casamento com Linda não tenha ocorrido de forma
romântica, ele tinha certeza de que ambos poderiam ser felizes juntos. Tinha
cada vez mais certeza de que ela o queria e estava disposto a descobrir o
motivo pelo qual parecia ter tamanha necessidade daquela mulher.
Leonardo estava lendo a anotação sobre o dia em que sua esposa
ousou testemunhar um encontro furtivo no jardim quando ergueu os olhos do
papel e encontrou a própria de pé diante da mesa o observando com
curiosidade.
-O que é tão engraçado, marido?
Leonardo pigarreou e tentou dobrar os papeis discretamente.
-Nada. Era só uma observação no relatório de hoje.
Pelo olhar de Linda, ele não a convenceu. A esposa estreitou os
olhos e fez uma carranca enquanto descruzava os braços e mostrava para ele
um envelope.
-Que interessante... como é possível o senhor ler um relatório que
ainda está na minha mão?
Maldição. Leonardo ficou impassível, mas tinha certeza de que já
estava condenado. Tentando tirar a atenção da esposa da gafe que acabou de
cometer, prosseguiu sem mostrar apreensão.
-Acho que ainda estou com sono. Foi difícil dormir bem com uma
mulher seminua me envolvendo.
Leonardo percebeu que a esposa corou, mas lá estava a armadura
novamente. Ela dobrou novamente os braços, escondendo o envelope.
-Mostre-me o que é. – Exigiu.
Insista na distração. Leonardo deu um largo sorriso e piscou para a
esposa. Ela ficou ainda mais vermelha e crispou os lábios de um jeito
perigoso.
-Parece estar com ciúmes.
Ermelinda queria realmente saber do que se tratavam aqueles
papéis que faziam o marido sorrir. Não seria mentira dizer que ainda passava
pela sua cabeça que poderia ser a carta de alguma amante antiga, mesmo que
não fizesse sentido algum algo desse teor naquela casa. Leonardo poderia ter
suas correspondências guardadas em casa, mas ali estava apenas
temporariamente. Porém, aquele era um dos momentos em que a
racionalidade não funcionava muito bem. Ela segurou nas extremidades do
envelope e começou a forçá-lo devagar.
-Fique então com esses papéis. Vou rasgar esses aqui.
-Não ouse! – Leonardo se ergueu de imediato. Era o seu trabalho!
Cada linha poderia ser monótona, mas ele precisava saber de tudo o que
acontecia. E se exatamente naquele dia houvesse o relato de um
acontecimento que merecia sua atenção?
Leonardo se levantou rapidamente, soltando as folhas que segurava
e Ermelinda foi igualmente rápida, avançando e recolhendo os papéis antes
de soltar o envelope.
Ao ver que a esposa pegou os papéis, Leonardo sentiu toda a paz da
manhã desaparecer. Pensar que Linda ficaria irada seria pouco.
Ermelinda sentiu um gostinho agradável de vitória ao conseguir
pegar as folhas do marido. A letra firme e bonita só podia ser dele e... todas
aquelas anotações eram sobre ela! Eram a vida dela! Olhando rapidamente
para o marido, percebeu que ele estava tenso e realmente tinha todos os
motivos para estar. O infame foi pego em flagrante!
-Como conseguiu isso?
Enquanto esperava a resposta de Leonardo, Ermelinda começou a
olhar as folhas seguintes e percebeu que ali estava a ordem perfeita e um
resumo das anotações do seu diário. Não havia outra forma de explicar
aquilo. Ah, não! Havia até mesmo a anotação da noite em que ela viu
Leonardo e uma mulher aos beijos e carícias no jardim durante o baile! O que
ele devia pensar a seu respeito depois de descobrir tal coisa? Na última folha,
havia uma pequena lista em um formato totalmente diferente.

1 - Convencer os criados de que está tudo bem


2 - Conquistar a confiança da criada pessoal
3 - Conquistar a aprovação das amigas
Se nada der certo
1 - Fazer ciúmes
2 - Seduzir

Então era isso. A criada. Glória com certeza havia participado dos
planos de Leonardo desde o princípio e fornecido seu precioso diário. Em
quem ela poderia confiar? As amigas... Ciúmes... Sedução... Ela sentiu
vontade de agarrar o pescoço do marido de uma forma nada romântica, mas
tudo o que conseguiu fazer foi rir.
-Como ousa manipular tudo ao meu redor dessa forma?
Pelo menos ele se deu ao trabalho de parecer arrependido.
Leonardo havia se deixado cair novamente na cadeira.
-Eu só estava tentando me aproximar.
-Comprando minha criada? Tentando me manipular através da boa
fé das minhas amigas?
Leonardo respirou fundo e assentiu.
-De qualquer forma desde que conseguisse tirar de você essa
armadura impenetrável. Eu admiro sua determinação, Linda, mas não a use
para me manter longe de você. Estamos recomeçando, não é? Eu fiz isso
quando ainda tentava entender seu ódio por mim.
-Quer dizer que isso não tem mais valor?
Leonardo assentiu com veemência.
-Avise isso para a traidora da minha criada. Se isso fosse passado
ela não teria deixado aquela camisola indecente para ser usada. Teria ao
menos me obedecido!
-Eu gostei da camisola.
-Então use-a você mesmo!
Ermelinda rasgou os papéis e os jogou para o alto, criando uma
breve chuva de pedacinhos antes de sair do escritório. Não estava apenas
ofendida, sentia vergonha por ter sua intimidade revelada daquela forma.
Pelos céus, aquilo era um diário! Diários eram coisas íntimas demais,
deveriam permanecer em segredo.
Leonardo sequer teve tempo de responder. Ela havia saído do
cômodo o deixando sozinho. Com um suspiro resignado, optou por aceitar
uma batalha por vez. Naquele momento, iria se concentrar no relatório do
jornal, o verdadeiro, já que a esposa deveria estar brava demais para
conseguir qualquer entendimento com ela a respeito do que aconteceu.
Antes mesmo que Leonardo conseguisse abrir totalmente o
envelope, Linda estava de volta, como se tivesse esquecido de falar algo.
-E não ouse me fazer ciúmes!
Ah, como ele adoraria abraçar aquela mulher e beijá-la até que toda
aquela raiva se transformasse em um desejo quente e avassalador! O
escritório tinha superfícies mais do que suficientes para que os dois pudessem
resolver aquilo.
-Ciúmes é algo despertado quando algo ou alguém que desejamos
pode ser tirado de nós por uma outra pessoa. – Leonardo se levantou e
caminhou até ficar a poucos centímetros da esposa. – A questão é: eu
conseguiria fazer você sentir ciúmes de mim?
-Somos casados. – Ermelinda respondeu tentando manter a
compostura. – Não pode me ofender dessa forma.
Leonardo ficou alguns instantes em silêncio, como se ponderasse as
palavras antes de assentir, concordando.
-É claro que não faria esse joguinho com você. Essas táticas não
são mais necessárias, pois concordamos em recomeçar. Esse recomeço é o
início da nossa felicidade e que homem em sã consciência vai querer outra
mulher depois de acordar com você nos braços?
Ermelinda começou a sentir os típicos sintomas da proximidade de
Leonardo. Primeiro, o coração acelerava e depois quase se esquecia de
respirar. A força abandonava o corpo e ela ficava desejando aquelas mãos
fortes segurando sua cintura, afinal, precisava se apoiar em algo sem perder a
dignidade.
-Isso não faz diferença. Não aconteceu nada.
-Isso faz toda a diferença para mim. – Leonardo insistiu. – Eu vou
esperar e terei você só para mim.
A voz dele era uma carícia ousada e Ermelinda não entendia o que
havia naqueles olhos que a prendiam de tal forma que era impossível desviar
o olhar. O único problema daquele estado era saber que sua própria voz se
perdia e sempre era um esforço enorme conseguir pronunciar algo. Mesmo
assim, tinha que responder. Leonardo não poderia ter a última palavra ou
então as coisas poderiam se tornar ainda mais intensas e isso geralmente
terminava com um beijo de tirar o fôlego.
-E o que eu terei de você, marido?
Leonardo, que havia tentado se comportar até aquele instante,
segurou a esposa pelos ombros enquanto acabava com a distância entre eles.
Inclinando a cabeça em direção ao pescoço delicado, inspirou o perfume
suave de canela que já adorava tanto.
-Tenho pouco a oferecer. Apenas eu mesmo. Irei trabalhar para que
nada lhe falte. Serei todo seu com minhas virtudes e defeitos. Deixe a
armadura de lado, minha Linda, e eu saciarei todos os seus desejos.
A pele de Ermelinda arrepiou e ela sentiu os lábios de Leonardo
traçando um caminho incendiário do seu pescoço até a clavícula. Nunca havia
imaginado que aquela área fosse tão sensível ou que apenas o roçar dos lábios
poderia causar uma sensação tão maravilhosa. Ela estava nervosa pelo que
havia descoberto, mas era impossível manter a raiva diante da onda
implacável de desejo que a tomou. Quente, intensa, devastadora.
Enquanto Leonardo deixou as mãos descerem pelos braços da
esposa até alcançarem sua cintura, Ermelinda precisou se apoiar no marido.
Se não fizesse isso com certeza iria se transformar em uma poça de desejo.
Era possível alguém derreter? Pois essa era a sensação que tinha naquele
exato momento. Seu corpo queria muito mais do que sua mente estava
disposta a permitir, mas em um ato de rebeldia a cabeça inclinou e facilitou o
acesso de Leonardo ao pescoço sensível e já carente da carícia que acabara de
descobrir.
Ermelinda sentiu os lábios de Leonardo se moverem contra a pele,
sussurrando seu nome e aquilo foi sua perdição. Recuando lentamente para
fazer o marido olhar para ela, pela primeira vez na vida, Ermelinda Veiga
buscou o beijo do marido.
Leonardo ficou paralisado por um breve instante, mas logo
correspondeu o gesto que rapidamente se transformou em um beijo faminto,
onde cada um buscava saciar e desfrutar como se fosse a última
oportunidade. Permitiu que suas mãos explorassem o corpo da esposa com
liberdade e ela não o afastou. Um gemido suave escapou dos lábios dela e
Leonardo o devorou. Não ia se importar em tomá-la pela primeira vez no
tapete daquele escritório se ela estivesse disposta a isso.
Ermelinda nunca se sentiu tão viva e saber que foi ela quem
começou aquele beijo arrebatador lhe deu uma sensação maravilhosa de
liberdade. Não era uma libertina, pois estava beijando o próprio marido, mas
descobriu que era bom tomar a iniciativa. Seriam os beijos roubados irritantes
por esse motivo? Ela acreditava que começar um beijo ou qualquer outra
carícia era algo tão típico dos homens que não achava que seria bom agir
daquela forma. Até que decidiu agir exatamente assim. O calor das mãos de
Leonardo no seu corpo parecia fazer o vestido incomodar como nunca e ao
sentir os botões se abrindo, ela estremeceu. Ali? Não... ainda não.
Ao perceber a esposa estremecer Leonardo parou de mexer no
vestido e interrompeu o beijo. Queria olhar o rosto dela. Ambos estavam
ofegantes e o desejo que viu nos olhos de Linda o deixaram desesperado para
saciar aquela mulher enquanto finalmente se libertava do castigo que era não
tê-la.
-Vamos para o quarto? – Ele sussurrou e se espantou com o quanto
sua própria voz estava rouca.
-Você precisa trabalhar. – A voz de Ermelinda não estava melhor
que a do marido. – E... eu preciso preparar as coisas para essa noite.
A noite... Leonardo deu um pequeno sorriso. Ela queria esperar
anoitecer. Ele poderia esperar mais algumas horas para que sua esposa ficasse
confortável.
-Claro, eu entendo. – Leonardo a soltou e deu um último beijo
rápido nos lábios da esposa. – Vamos esperar até a noite.
Ermelinda sorriu ao perceber que ambos estavam falando de
assuntos diferentes ao que tudo indicava.
-Estou falando sobre o jantar na casa de Joaquina.
Leonardo piscou algumas vezes, confuso. Jantar? Não era sobre
uma noite de amor que ela estava falando? Ah, ele se tornou um tolo por
completo nas mãos daquela mulher.
Diante da confusão do marido, Ermelinda sentiu a necessidade de
perguntar:
-Por acaso não iremos? Eu realmente gostaria de ir.
Leonardo assentiu, ainda um pouco distraído.
-Iremos, claro.
-Ótimo! – O sorriso que ela deu quase fez a frustração do marido
diminuir um pouco. – Vou providenciar tudo, então não se preocupe com
nada além do seu trabalho.
Ermelinda saiu bem mais satisfeita do escritório e Leonardo se
arrastou até a mesa novamente. Como iria conseguir concentrar em algo? Ele
definitivamente sabia que Linda era uma mulher muito inocente, pois se ela
soubesse o sofrimento pelo qual o marido passava cada vez que ela se
afastava depois de toda aquela paixão, jamais ousaria atacá-lo de outra forma.
Qualquer que fosse a punição que merecia, ele já havia recebido.

A casa onde Joaquina vivia com a família era uma construção de


tamanho considerável com dois andares e pequenas varandas nos cômodos
superiores. Ao seu redor, um vasto e colorido jardim davam ao ambiente a
sensação de um lugar tranquilo habitado por uma família próspera e feliz.
Graças a algumas flores, até mesmo o ar da noite era perfumado.
Ermelinda estava tão bonita e empolgada para ir ao jantar que
Leonardo não teve coragem de tentar nada na carruagem ao longo do
caminho. Qualquer toque seria capaz de estragar seu penteado delicado e o
vestido não poderia aparecer com nenhum amassado. Mesmo assim, a
situação não foi tão incômoda, pois ambos conversaram todo o tempo e já
que ele sabia tudo do diário, Ermelinda não hesitou em contar como havia
conhecido as amigas e lembrado de um ou dois incidentes engraçados que
aconteceram ao longo dos anos de amizade.
Desde o dia anterior, Leonardo estava descobrindo uma outra
mulher. Linda sabia ser alegre e delicada, por vezes também era muito gentil.
O senso de humor de ambos parecia combinar e permitiu que ele arriscasse
uma ou duas piadas inocentes. Ali estava o casamento que ele gostaria de ter.
Bem, ao menos uma parte dele. Quanto ao que faltava, ele pretendia resolver
ainda naquela noite quando ambos estivessem sozinhos no quarto.
Leonardo saiu primeiro da carruagem e ajudou a esposa a descer.
Os anfitriões os receberam logo na entrada da casa e ambos perceberam que o
jantar seria um pouco mais elaborado do que esperavam.
Joaquina abraçou a amiga sem esconder o contentamento.
-Ah, que bom que vieram! Maria e Virgínia também já chegaram.
Ainda se lembra como andar dentro dessa casa?
Poucas foram as vezes que Ermelinda visitou a amiga na nova casa
da família. A distância entre as residências das duas e a aversão que ela havia
criado em relação a casa de campo, fizeram com que as amigas usassem
constantemente cartas ao invés de visitas para manter a amizade.
Diante da hesitação da amiga, Joaquina acompanhou o casal até
uma sala ampla onde os convidados aguardavam o jantar ser anunciado.
Não foi necessário localizar Maria e Virgínia, pois as jovens vieram
imediatamente ao encontro do trio.
-Posso persuadi-lo a conhecer e conversar um pouco com o meu
primo, senhor Leonardo? – Joaquina perguntou sorrindo.
-Eu adoraria deixar as damas terem alguma privacidade. –
Leonardo respondeu deixando bem claro que entendia o motivo pelo qual
estava sendo dispensado.
Olhando para a esposa, Leonardo teve a audácia de piscar.
-Tente não falar muito mal de mim, minha querida. Apenas o que
eu mereço.
Ermelinda corou e ele se afastou junto com Joaquina até onde
estava o seu novo amigo. Algo lhe dizia que as jovens não devolveriam sua
esposa tão cedo.
-Certifique-se de que ele tenha ao menos um primo solteiro. –
Maria sussurrou para a amiga assim que as duas ficaram sozinhas.
As duas riram e quando Joaquina retornou, a conversa ficou
animada e todas perderam a noção do tempo.
Leonardo admitiu para si mesmo após cinco minutos conversando
com o senhor Gabriel Lima que o primo de Joaquina era uma pessoa
agradável. Ambos conversaram com facilidade, tendo interesses em comum e
o que parecia uma forma de garantir que Linda ficasse à disposição das
amigas também se tornou agradável para Leonardo. Honestamente, ele
preferia ficar perto da esposa, mas antes uma companhia boa de conversa do
que alguém enfadonho.
As possibilidades de uma noite agradável foram reduzidas
drasticamente quando o tio de Joaquina chegou. Leonardo não conhecia o
homem, mas sabia muito bem quem era sua bela acompanhante.
Ofélia Abreu era uma jovem viúva próspera, inteligente e sedutora
como o pecado. O homem que a acompanhava tinha facilmente o dobro da
sua idade, mas devia ser uma companhia generosa para conquistar o apreço
daquela mulher. Dois anos atrás, Ofélia poderia ir acompanhada de qualquer
homem a um evento na sociedade, mas haviam noites agradabilíssimas em
que era o nome de Leonardo que ela gemia. Seus encontros foram encerrados
no dia em que Leonardo se afastou, temendo que a viúva se apegasse demais
aos momentos de diversão que tinham juntos. Ela chegou a procurá-lo
algumas vezes na esperança de reatarem e ele negou. Leonardo chegou a
sentir falta da disposição da mulher por um tempo, mas a vida seguiu seu
rumo.
Naquele instante, Ofélia olhava para Leonardo de uma forma que
ele conhecia bem. “Quero você”, os olhos de esmeralda diziam claramente.
Por vezes, ao receber aquele olhar, Leonardo pensava que poderia
ter se permitido mais um ou dois encontros com a viúva. Surpreso, percebeu
que naquele momento aquele olhar só lhe causou apreensão. Ofélia era o tipo
de mulher que gostava do sabor da vitória e sempre tentava conseguir o que
queria. Porém, agora ele era um homem casado com uma mulher capaz de
incendiar meio mundo se ficasse nervosa. E ele a queria mesmo assim. Ofélia
era bela e atraente, mas agora era Ermelinda quem deixava Leonardo cego de
desejo, dolorido pela necessidade de prazer. Mulher alguma seria capaz de
saciar aquela vontade, isso ele já havia compreendido. Sendo assim, deu toda
a atenção para a conversa com Gabriel e não desviou o olhar. O mundo ao
redor não era mais importante, exceto, se Linda chamasse por ele.
-Ah, não... não acredito que ele fez isso...
Joaquina resmungou e as amigas olharam para ela com curiosidade
e preocupação.
-Ele quem?
A jovem suspirou.
-Meu tio. Tivemos que convidar ele, mas realmente pensei que ele
não traria aquela mulher.
Tanto Virgínia quanto Maria olharam para os recém-chegados
enquanto Joaquina ainda falava
-Ela é uma viúva que nunca está só. Qualquer um que a conhece
diz que teve mais amantes do que possui fios de cabelo.
-Isso é impossível. – Virgínia sussurrou.
Ermelinda continuava olhando a mulher. Ainda jovem e
extremamente bonita, a viúva olhava insistentemente em uma direção que
não coincidia com as pessoas com quem conversava. Acompanhando o olhar,
percebeu que Leonardo e o primo de Joaquina estavam dentro do campo de
visão da mulher.
Uma sensação nada agradável a fez pensar que aquele olhar
insistente era para o seu marido.
-Ela está olhando para o Gabriel... mesmo acompanhando seu tio. –
Ermelinda disse baixinho, torcendo para que as amigas concordassem.
Joaquina fez uma careta.
-Gabriel é ruivo. Ela gosta de homens de cabelos escuros.
Ao perceber quais eram os dois únicos homens na direção em que
Ofélia olhava, Joaquina pareceu bastante desconfortável.
-Ah, querida, me desculpe. Realmente acho que ela está olhando
para outra pessoa, mas não se preocupe. Seu marido não é esse tipo de
homem.
Ermelinda suspirou.
-Todo homem solteiro ao menos uma vez já foi esse tipo de
homem.
-Acha que eles se conhecem? – Maria perguntou transbordando
curiosidade.
Ermelinda respirou fundo. Era realmente muito insegura em relação
ao marido. Ele poderia jurar pelos céus e pela terra, mas sempre que outra
mulher desse sinais de interesse, ela pensaria em traição. Mesmo assim, a
lembrança da dor que sentiu duas noites atrás ainda era vívida demais para
que ela pudesse se expor a algo parecido novamente.
-Espero que não.
Em pouco tempo o jantar foi anunciado e Leonardo se aproximou
da esposa a fim de acompanhá-la. Pareciam mais tensos do que ao chegarem,
mas não houve qualquer pergunta quanto a isso. Conversaram brevemente e
Leonardo pode comentar que o primo de Joaquina era agradável, assim como
Ermelinda se mostrou satisfeita por poder se reunir com as amigas.
O salão de jantar era composto por uma longa mesa de madeira,
mas haviam outras duas mesas menores, provavelmente colocadas ali
excepcionalmente para aquela noite.
Para a sorte de Leonardo, ele e a esposa ficaram em uma das mesas
menores e a viúva foi acomodada na mesa principal, junto com seu
acompanhante que era parente direto dos anfitriões.
A grande surpresa da noite foi a abertura das portas que levavam ao
salão de baile. O cômodo não era muito amplo, mas decorado com extremo
bom gosto e estava iluminado de maneira esplêndida, proporcionando a
claridade necessária enquanto criava um jogo de luz e sombras nas laterais,
mantendo alguns nichos sedutores. Três músicos aguardavam o sinal do
senhor da casa para que começassem a tocar e mesmo que os convidados não
estivessem muito dispostos a dançar após a refeição, o som que os envolveu
logo fez os casais começarem a se formar.
Leonardo se aproximou um pouco mais de Linda e sussurrou junto
aos cabelos macios da esposa:
-Me daria a honra de uma dança?
Ermelinda sorriu e aceitou, permitindo que o marido a guiasse. Se
aquela mulher indecente estava realmente olhando para ele, coisa que
Ermelinda tinha quase certeza, agora ela veria um casal de verdade. Todos
naquele salão deveriam ter a certeza de que independente da forma como o
casamento aconteceu, agora eles eram um casal apaixonado. Se eles
realmente eram apaixonados um pelo outro, bem, isso era algo que Ermelinda
descobriria com o tempo, mas não deixaria que ninguém suspeitasse desde já
de sua felicidade conjugal. Se aquela mulher deslumbrante conseguisse se
aproximar de Leonardo, tudo estaria perdido.
Leonardo olhava a esposa com admiração. Não sabia explicar o que
havia acontecido com Linda, mas ela estava brilhando no salão.
-Algum motivo para estar tão feliz?
Linda sorriu.
-Estou achando engraçado seu pudor me segurando a uma distância
segura. Pensei que se sentisse um pouco mais atraído por mim.
Leonardo deu um sorriso atrevido e a trouxe para perto. Muito mais
perto do que ela pensou que chegaria. As pessoas poderiam se chocar o
quanto quisessem, Ermelinda pensou. O importante era Ofélia não se
aproximar.
-Assim está bom?
Ermelinda assentiu.
-Está perfeito.
-Está tentando me seduzir, esposa?
Não sentindo necessidade de mentir, Ermelinda respondeu ao
marido sem hesitar.
-Estou tentando mostrar para uma determinada viúva que o meu
marido não está disponível para ela. Mesmo que ele por um breve momento
fique tentado a isso, eu não permito.
Ermelinda observou as reações que tomaram o rosto bonito do
marido. Primeiro, curiosidade. Depois, uma breve confusão. Por último,
aquele sorriso largo lentamente tomou os lábios dele e se não estivesse se
esforçando para manter o controle, Ermelinda o teria beijado ali mesmo.
-Não se preocupe, minha querida.
Ele se aproximou e inspirou o delicioso perfume de canela.
-Sou seu.
Ermelinda acreditou naquelas palavras completamente e desfrutou
a dança com o marido até a música terminar e eles voltarem para a margem
da área de dança.
-Ora, ora... Senhora Ermelinda, que surpresa agradável!
A voz quase asmática do tio de Joaquina fez Ermelinda estremecer.
-É um prazer revê-la tão... crescida. – O homem fez uma mesura. –
Como está o seu pai?
Ah, claro. Gonçalo conhecia todos os homens ricos e incapazes de
respeitar uma saia. A mulher, Ofélia, estava agarrada ao braço do homem e
sorria de maneira quase angelical. Naquele momento, ela analisava
Ermelinda como se a jovem fosse uma criatura fascinante.
-Ele está bem, obrigada. Conhece meu marido? Meu amor, esse é
Fidélio, tio de Joaquina.
Leonardo sentiu um grande contentamento ao perceber como Linda
estava possessiva. Meu amor? Desde quando? Ele deu seu melhor sorriso e
cumprimentou o homem.
-É um prazer, senhor.
-Ora, o prazer é todo meu. Lembro dessa menina ainda agarrada as
bonecas. O senhor é um homem de sorte. Ah, creio que já foram apresentados
em algum momento para a adorável senhora Ofélia.
Ofélia fez uma mesura. O decote generoso ficou quase obsceno
com o movimento e tanto Leonardo quando Ermelinda retribuíram o gesto de
forma educada.
-Estou encantada por conhecê-la, senhorita Ermelinda. Senhor
Leonardo, há quanto tempo. Vejo que está melhor do que nunca.
Fidélio riu, totalmente alheio ao real significado do jogo de
palavras, enquanto Ermelinda cravou as unhas no braço do marido, tentando
manter uma aparência calma. Que mulher abusada! Queria deixá-la pior do
que nunca, isso sim. Tirar aquele sorriso cínico do rosto bonito, arrancar
aqueles grampos com a força necessária para deixá-la com enxaqueca por
uma semana. Ah! Que o corpete dela estivesse apertado a ponto de não
conseguir respirar!
Leonardo não vacilou.
-De fato. Agora vejo que deveria ter me casado mais cedo, porém,
apenas se fosse com a mesma pessoa.
O olhar que Leonardo lançou para Ermelinda fez com que o ódio
dela desaparecesse totalmente. Pela primeira vez ela não reclamaria de forma
alguma sobre o jeito galante do marido.
Ofélia deu um pequeno sorriso. Estava acostumada a homens que
faziam o papel de marido apaixonado na frente da esposa e depois a
procuravam. Tornavam as coisas até mais divertidas.
-Oh! Vão tocar mais uma música. – Ela se virou para o
acompanhante. – Acho que devemos dançar.
-Claro que sim, minha flor. Mas veja, estou diante da filha de um
amigo meu. Senhor Leonardo, posso ousar convidar sua esposa para uma
dança?
Ermelinda pensava em qual desculpa poderia dar, mas o marido foi
mais rápido.
-Eu não me oponho, senhor, mas minha esposa se mostrou um
pouco indisposta ainda durante nossa dança. Por isso não dançamos
novamente.
Fidélio assentiu, mesmo que não tivesse tato para entender
indisposições femininas.
-Bem, será que devo felicitar meu amigo por um neto que virá?
Ah... isso seria bom. Neste caso, deixarei vocês. Melhoras, minha cara
senhora Ermelinda.
Ele se foi arrastando Ofélia que olhou uma última vez para
Leonardo antes de conferir para onde o homem a levava. Ninguém iria
perceber o quanto a viúva estava frustrada, mas ela havia se esforçado muito
para estar ali naquela noite e ver com seus próprios olhos que o homem que
ainda queria como amante estava realmente casado. Mesmo com aquela
mulherzinha sem graça ao lado, ele teve a chance de uma dança e a
dispensou. Poucas vezes se sentiu tão ofendida em toda sua vida. No dia que
a novidade acabasse e ele viesse de joelhos até ela pedindo apenas mais um
momento juntos, ela negaria. Nunca mais olharia para aquele homem que não
sabia aproveitar as oportunidades da vida. Ele a dispensou duas vezes e não
permitiria que houvesse a terceira.
-Vamos embora. – Linda disse assim que ficaram sozinhos
novamente.
-Tem certeza?
Ela apenas assentiu. A noite estava agradável, mas agora ela tinha
certeza de que adoraria evitar qualquer ambiente onde aquela outra mulher
estivesse. Com uma rapidez impressionante, Ermelinda localizou as amigas
assim como os anfitriões e logo após as despedidas seguiram para onde a
carruagem esperava. Foi quase uma fuga, mas Ermelinda não se importava e
Leonardo, que pensou em passar uma noite agradável em casa, estava
satisfeito por sair dali.
Ele nunca teve uma amante inconformada com o término. Elas
sabiam bem como as coisas funcionavam e geralmente preferiam que o
relacionamento não se estendesse muito. Ofélia, por algum motivo, era uma
cruel exceção. Mesmo com a má fama da viúva, Leonardo entendia que ela
tinha alguma solidão profunda que homem vivo algum poderia cuidar. Ela
escolhia seus amantes a dedo e no dia que se encontraram na casa dela foi
fácil descobrir o motivo. A pintura do falecido marido, mesmo que parecesse
esquecida em um canto da sala de estar, refletia bem as preferências da
mulher. A cor dos olhos, a cor e o corte dos cabelos. Foi incômodo perceber
aquilo, mas ele compreendia.
Quando o rompimento aconteceu, ele se foi sem olhar para trás,
mas ela ainda o perseguiu por um tempo. Vê-la naquela noite tão próxima de
Linda o deixou temeroso. Ofélia foi um momento de prazer e nada mais.
Linda era preciosa demais, atemporal demais para poder ficar perto daquela
mulher.
O interior escuro da carruagem proporcionava o ambiente que
Ermelinda queria. Se corasse, se chorasse, se perdesse um pouco que fosse da
compostura, a escuridão a protegeria do olhar do marido.
Leonardo sentia a apreensão da esposa, mas optou por ficar em
silêncio e dar a ela o tempo que fosse necessário. Quando ela quisesse falar,
ele escutaria. Se quisesse bater nele, com certeza se defenderia e ainda
beijaria aqueles lábios que o deixavam com a boca seca. O que fosse, ele
estaria preparado.
-Ela é sua amante.
A voz da esposa estava fria. Maldição. Mentir? Mudar o rumo do
assunto? Não podia fazer nem uma coisa e nem outra.
-Ela foi. Tempos atrás.
-Acho que ela não foi avisada.
-Essa noite ela percebeu, eu lhe garanto. Não a veremos mais.
Ele percebeu que Linda se mexia. Ela havia se abraçado. As coisas
realmente não estavam seguindo um bom caminho. A vontade que tinha era
trazê-la para seus braços, mas temia que isso a afastasse de vez naquela noite
e ele tinha tantos planos...
-O senhor tem bom gosto para amantes. Podem não ser mulheres
respeitáveis, mas ao menos são belíssimas.
-Nenhuma é mais bela do que você.
Silêncio. Um longo e incômodo silêncio.
-Não tenho interesse de ouvir mentiras. – A voz de Ermelinda
falhou.
Ela estava magoada. Realmente não é uma coisa agradável ver
alguém com quem o cônjuge já esteve tão intimamente relacionado. Mesmo
que não se conhecessem naquela época.
-Vai ser estranho. – Ela insistiu.
-O que?
-No dia em que você... em que nós... você sabe. Vou pensar que
tudo o que fizer comigo, você fez primeiro com ela. Talvez ela tenha até lhe
ensinado algo e você fará comigo. Me sinto... desconfortável com isso.
-Eu vou fazer com que você não pense nela. Vou fazer com que
não pense em nada ou ninguém além de mim e do prazer que eu vou lhe dar.
Leonardo ergueu a mão na escuridão até encontrar o rosto da
esposa. A pele úmida da bochecha mostrava que Ofélia e ele próprio haviam
feito sua mulher chorar. A noite pela qual a esposa esperava e estava tão
animada se transformou em um fracasso.
-Linda, eu não posso dizer que não tive um passado, mas prometo
que não haverá ninguém entre nós.
Ela não disse nada, mas Leonardo sentiu a cabeça da esposa se
mover em sinal de concordância.
-Venha aqui, sente-se comigo.
Leonardo deixou a mão descer pelo braço de Linda até chegar na
mão delicada. Sua mão a envolveu e puxou levemente. Linda não ofereceu
resistência e veio se sentar ao lado do marido, mas no último momento foi
puxada para o colo dele.
Naquele instante o desejo estava sob controle e Leonardo se
contentou em envolver a esposa em seus braços e a embalar como se fosse
uma criança ferida. Sua menina inocente, tão corajosa e bravia, agora frágil
em seus braços. Naquele momento, mais do que nunca, Leonardo teve
certeza de que queria e iria proteger aquela mulher para sempre.
-Desde que eu coloquei essa aliança no seu dedo, só existe você
para mim. Vou aprender com você como posso te fazer feliz.
-Não ouse, nunca, quebrar suas promessas.
Leonardo beijou o rosto úmido de Linda com carinho.
-De forma alguma. Jamais ousaria deixar brava a mulher que divide
a cama comigo. Não quero o risco de que ela se vingue do meu corpo
adormecido e indefeso.
Como uma benção dos céus, um som fraco de riso tomou o
ambiente e Leonardo se sentiu orgulhoso por ter causado aquilo.
-Não sabia que o meu marido era um homem dramático.
-Eu só quero viver muitos e muitos anos, minha querida. Quero
aproveitar cada dia com você ao meu lado. Sem essas lágrimas.
-Mas eu não estou chorando!
Foi a vez de Leonardo rir.
-Curioso. Não sabia que estava chovendo e muito menos que essa
carruagem tinha furos.
Ermelinda começou a se debater para sair do colo do marido, mas
Leonardo encontrou seus lábios e a vontade de se afastar se tornou uma forte
necessidade de se aproximar. O máximo possível.

Quando a carruagem parou diante da casa de campo, Leonardo e


Ermelinda entraram em casa como um retrato da decência. Ambos pareciam
calmos e alinhados, salvo alguns fios soltos do penteado da senhora e o lenço
do senhor levemente amassado.
Desejaram boa noite aos criados que encontraram pelo caminho e
ao chegarem no quarto, Ermelinda solicitou que Gloria a ajudasse com as
roupas e o cabelo.
No quarto de vestir, Ermelinda observou que a camisola indecente
da noite anterior foi substituída por um modelo em seda bastante ousado, mas
capaz de cobrir um pouco mais de seu corpo. Depois do que aconteceu na
carruagem, ela realmente torcia para que a criada não tivesse lhe dado
ouvidos outra vez. Mesmo que horas antes quisesse a camisola sem graça de
inverno, agora estava febril demais. Leonardo disse que ela era linda. De
verdade. As poucas palavras trocadas entre os beijos dentro daquela
carruagem a fizeram querer ser linda, deslumbrante, apenas e sempre para
ele.
Leonardo chegou no quarto e arrancou o lenço do pescoço. Com a
mesma urgência, retirou as roupas e colocou um roupão. Cuidou de apagar
algumas velas e distribuir as restantes pelo quarto deixando a cama na
penumbra. Ele queria tudo. Queria vê-la, mas temia deixar a esposa tímida.
Aquela noite era dela e eles teriam muitas mais. Teriam o próprio amanhecer
para que um pudesse admirar o outro por completo.
Ermelinda tremia dentro do roupão rendado e quando entrou no
quarto quase não reconheceu o ambiente. Luz e sombras se mesclavam
destacando o homem alto que estava de pé no meio do cômodo. Seus olhares
se encontraram. Por que havia cedido tão facilmente na carruagem? Durante
os beijos avassaladores do marido, ele pediu que ela se entregasse. “Seja
minha essa noite”, ele sussurrou naquela voz enlouquecedora e ela, tonta pela
paixão, assentiu. Agora tinha vontade de sair correndo.
Leonardo se aproximou devagar e segurou as duas mãos da esposa.
-Eu sei que está desconfortável, mas logo irá perceber que não
precisa ficar assim.
Ermelinda engoliu em seco. O conflito que sua inexperiência
gerava era realmente perturbador. Só de olhar para o marido, sentia desejo.
Isso era um fato. Mas ao pensar em se entregar a ele, ficava tão ansiosa que
tinha certeza que não daria certo. Mesmo assim, ali estava ele, insistindo. Ela
não se sentia forçada, mas sim incentivada a viver aquele momento ao seu
lado.
-Realmente quer isso?
O sorriso que Leonardo deu como resposta deixou Ermelinda sem
ar.
-Desde que entramos nessa casa não tenho conseguido pensar em
muitas coisas além disso.
Ermelinda sentiu o coração acelerar. Sempre escutou das criadas
como os homens eram dispostos a levar uma mulher para a cama e por vezes
se ressentiu, pensando que aquilo beirava a irracionalidade. Porém, se
Leonardo tinha olhos apenas para ela, que fosse assim todos os dias.
-Eu o fiz sofrer?
Leonardo riu baixinho. Sua esposa estava flertando com ele?
-Eu fico insone... Acordo no meio da noite chamando pelo seu
nome... Imagino como é o seu corpo... Como são os seus gemidos... Como
será quando eu puder te mostrar como podemos ser bons juntos.
Ermelinda sentia cada palavra como uma carícia. A voz de
Leonardo era um sussurro sedutor e ela aceitaria qualquer coisa dita naquele
tom envolvente. Como ele conseguia transformar qualquer conversa em um
jogo de sedução?
-E o que devo fazer? – Ela perguntou.
-Não fugir de mim essa noite.
Leonardo se inclinou e fez uma trilha de beijos no rosto da esposa
enquanto passava o braço ao redor da cintura, o que Ermelinda achou
providencial, já que as carícias a deixavam fraca. Como era possível que dois,
três beijinhos fossem capazes de lhe deixar tão vulnerável?
Sentindo que Linda estava se entregando ao momento, Leonardo a
pegou nos braços, levando a esposa até a cama. O movimento a pegou de
surpresa, mas como dizer que não era uma surpresa agradável?
Ermelinda sentiu a maciez da cama sob seu corpo trêmulo, mas sua
atenção estava nos olhos de Leonardo. Ali era possível ver o desejo e tantas
promessas desconhecidas que ela quase esqueceu como respirar. Cada fibra
do seu ser gritava que o queria, mesmo sem saber o que fazer.
Leonardo segurou novamente a mão da esposa e beijou o pulso
com devoção enviando um arrepio e um calor únicos para o corpo de Linda.
Ele ouviu um suspiro doce e usou a mão livre para fazer a manga do belo
roupão de renda deslizar expondo a pele que protegia, enquanto seus lábios
seguiam até o cotovelo. Após aquela carícia deliciosa, percebeu que a esposa
estava com os olhos fechados. Linda, ele pensou.
Ermelinda sentiu cada carícia com uma intensidade perturbadora.
Seu corpo estava entregue e desejava o marido de uma forma que sua mente
não conseguia racionalizar. Sentindo Leonardo segurar novamente suas duas
mãos e as levar até o nó do roupão que ele estava usando, Ermelinda abriu os
olhos assustada e percebeu que suas mãos eram usadas para desfazer o nó.
Ao olhar para o rosto do marido, sentiu o coração acelerar ainda mais
notando que ele parecia tão nervoso quanto ela.
-Pode me ajudar a tirar isso?
Ermelinda respirou fundo e tentou manter as mãos firmes enquanto
as levava até os ombros de Leonardo e fazia o roupão cair, exibindo a nudez
do marido até a cintura. Lindo, ela pensou.
Leonardo sentia as pontas dos dedos frios da esposa, a expectativa
e a aprovação tímida em seu olhar diante do corpo de um homem.
-Gosta do que vê?
Ela apenas assentiu, incapaz de confiar na estabilidade da própria
voz para falar.
Leonardo se debruçou sobre Linda e desfez o laço do roupão da
esposa.
-Quero ver você também. – Ele sussurrou fazendo seus lábios se
moverem sobre os da esposa antes de um beijo apaixonado.
Era como se Leonardo possuísse todos os seus sentidos. Ermelinda
deixou as mãos se deliciarem, deslizando pelos ombros largos e as costas
quentes do marido enquanto ele abandonava sua boca e explorava seu
pescoço, o decote da camisola, o próprio tecido que ele afastava com os
dentes. Aquele leve roçar fazia a pele de Ermelinda se arrepiar, deliciada com
a atenção. Todos os receios desapareceram, pois ela queria experimentar,
desejava conhecer os segredos de uma cama ao lado do homem com quem
tinha se casado.
Por mais que Leonardo soubesse o que estava fazendo, escolhendo
cada toque a fim de fazer tudo com delicadeza, admitia que estava inseguro.
E se não fosse bom o bastante para fazer Linda desfrutar aquele momento?
Era a primeira noite dela. Suas amantes nunca reclamaram de nada, mas eram
mulheres experientes, interessadas no prazer e capazes de falar exatamente o
que queriam. Ele tinha aprendido muito, mas duvidava que certas coisas eram
apropriadas para aquele momento. Linda era inteligente, mas estava
desfrutando da sua primeira vez. Tinha que ser perfeito.
Leonardo envolveu Linda em seu abraço e ergueu o corpo da
esposa, dando-lhe um beijo profundo e sensual enquanto uma de suas mãos
puxava o roupão. A peça era muito bonita, mas seu tempo de uso durante
aquela noite havia terminado. Desfazendo os laços que mantinham a camisola
no corpo da esposa, passou a beijar o pescoço, o ombro e o colo enquanto
Ermelinda sentia o corpo se render e arquear, permitindo que os lábios do
marido tocassem qualquer parte.
-Posso ver você? – Leonardo sussurrou contra a pele da esposa.
Ermelinda respirou fundo e assentiu. Sabia que não havia uma
forma de prosseguir se não deixasse que aquelas coisas acontecessem.
Mesmo que nunca tivesse se mostrado a um homem, queria confiar em
Leonardo. Enquanto sentia ele retirar a peça de roupa, não desviou o olhar do
marido. Eles não se tocavam, mas um mergulhava nos olhos do outro,
incapazes até mesmo de piscar. Quando a camisola se juntou ao roupão,
percebeu que Leonardo também terminou de se despir. Mais uma vez ele se
debruçou sobre a esposa, fazendo com que ela se deitasse e admirou o corpo
feminino por um instante. Com um prazer comedido, Ermelinda percebeu
que ele realmente a admirava, ao invés de analisar. Temia ser comparada com
amantes do passado, mas era fácil perceber que o marido realmente olhava
para ela e nada além disso.
Com assombro, sentiu a mão de Leonardo em seu rosto e percebeu
que ele tremia. De alguma forma, aquilo a tranquilizou muito mais do que
qualquer palavra que ele pudesse dizer.
-O que fiz para merecer uma esposa tão bonita?
Mesmo na penumbra, Ermelinda corou. Sentindo-se cada vez mais
à vontade, sorriu.
-Talvez isso seja para compensar que a sua esposa é muito brava.
Leonardo respondeu com um daqueles sorrisos amplos e
audaciosos que ele sempre usava com ela.
-Curioso... pois isso é uma das coisas que mais admiro em você.
Daquele momento em diante Leonardo fez suas mãos conhecerem
todo o corpo da esposa e os lábios beijavam a pele perfumada e macia.
Ermelinda não conseguia pensar. Tudo o que existia no mundo era Leonardo,
aquele homem ousado e experiente que parecia conhecer profundamente
todos os desejos que ela mesma desconhecia em si. Ele sabia onde tocar, o
que fazer e ela simplesmente se contorcia, incapaz de ficar parada durante
aquele momento sublime. Verdade fosse dita, deveria ter feito aquilo antes.
Algo lhe dizia que ainda faltava muito para acontecer, mas era de longe a
coisa mais prazerosa que havia experimentado na vida.
Ao sentir a mão de Leonardo tocar no seu ponto mais íntimo,
ofegou. Fitando o rosto do marido percebeu que lá estava aquela satisfação
inebriante.
-Você realmente me quer. – Ele sussurrou.
Não era obrigação, era vontade, Leonardo teve certeza. O corpo de
Linda respondia a tudo o que ele fazia de forma tão apaixonada que ele temia
não conseguir durar muito. Se colocando entre as pernas dela, Leonardo
beijou a esposa mais uma vez até que ela suspirasse.
-Por favor, Linda, confie em mim.
Ermelinda piscou algumas vezes, confusa.
-O que quer dizer com... ah!
Leonardo já havia voltado a beijar todo o seu corpo, ousando nos
mamilos, fazendo uma trilha de beijos até o umbigo, mordiscando as coxas
cada vez mais afastadas até que ela sentiu a língua dele lá. Podia isso? Ela
tentou fechar as pernas, envergonhada, mas ele a deteve.
-Se você não gostar, prometo não fazer nunca mais. Ao menos me
deixe tentar uma vez.
Ainda acanhada, Ermelinda fechou os olhos e tentou relaxar.
Aquela era a experiência mais imoral de toda a sua vida, mas assim que
Leonardo voltou a beijá-la intimamente, foi como se estivesse a caminho do
céu. Intenso, ousado, entregue... Leonardo explorava o lugar mais secreto do
seu corpo com destreza e paixão, ávido demais para que ela ousasse hesitar
novamente. E então seu corpo convulsionou e seus gemidos se tornaram
gritos enquanto sentia algo indescritível. Era possível morrer de prazer?
Ainda trêmula, sentiu Leonardo se mover sobre ela e seus lábios se
tocaram em um beijo intenso, onde sentiu seu gosto misturado ao gosto dele.
-Foi bom? – Era impossível não perceber a satisfação na voz do
marido.
-O que você fez?
-Prazer.
Uma única palavra e Ermelinda se sentia derreter por aquele
homem. Sentindo o corpo dele de encontro ao seu, percebeu que a noite ainda
não havia terminado.
-Essa primeira vez, vai doer. Não sei o quanto, mas darei o meu
melhor para que seja bom para você.
Se Ermelinda fosse sincera, deveria dizer que seu ânimo com tudo
aquilo diminuiu um pouco, mas era só Leonardo se aproximar um pouco
mais, fazer uma simples carícia e tudo estava esquecido. Além disso, os olhos
dele mesmo tomados por desejo estavam tão carregados de carinho e
preocupação que não havia formas de negar nada a ele.
Leonardo não sabia como lidar com uma virgem. Deveria ir
devagar ou tomá-la em um único movimento? O que seria menos doloroso?
Mais prazeroso? Decidiu começar a tomá-la devagar, com movimentos
constantes, sentindo o corpo de Linda o receber de forma deliciosa.
Era fato que Ermelinda não estava preparada para a dor e só não
gritou porque Leonardo manteve sua boca bastante ocupada enquanto seu
corpo recebia a intrusão. Bem, era um tipo de intrusão, mas ela sequer
conseguiu se concentrar no que estava acontecendo, pois logo ele começou a
se movimentar devagar o prazer voltou a surgir até que a envolveu
completamente.
Era arrebatador. Tudo parecia ser demais de suportar. O rosto de
Leonardo tomado pelo prazer, os movimentos do corpo dele enviando prazer
e calor da maneira mais intensa, as gotículas de suor que começavam a surgir
na pele de ambos enquanto o corpo se preparava para algo indefinível.
Se amaram sem pressa e com delicadeza, até que Leonardo
precisou se mover mais rápido e Ermelinda ficou fascinada percebendo que
ele gemia com o mesmo abandono que ela e aquele som foi tão maravilhoso
que logo ela perdeu o controle sendo tomada por uma onda tão avassaladora
de prazer que quis gritar. Seu corpo ondulava com espasmos enquanto
Leonardo arremeteu poucas vezes mais e desabou sobre ela, suado, arfante e
plenamente saciado.
Ermelinda nunca se sentiu tão leve. Pensou que poderia adormecer
imediatamente, mas não queria. Tudo o que precisava naquele momento era
beijar seu marido e deixar os dedos deslizarem pelos cabelos macios que ele
tinha. Ficaram juntos, se acariciando sem se preocupar com o tempo.
Leonardo ergueu a cabeça e fitou o rosto corado e satisfeito da
esposa.
-Fui um bom marido?
Ermelinda sorriu.
-Depois que a dor passou, foi bom.
Ela sentiu Leonardo a apertar em seus braços com carinho.
-Céus, Linda, você é maravilhosa. Quando dominar isso, não sei o
que será de mim para conseguir lhe agradar, mas eu não quero sair dessa
cama nunca mais.
O riso da esposa tomou o quarto. Ele estava falando a verdade?
Será que ela poderia ser tão boa assim?
-Vou providenciar algo para amarrá-lo, marido.
Ermelinda sentiu os dentes de Leonardo roçarem seu mamilo e ela
gemeu baixo. Ainda estava muito sensível com aquilo tudo e era inebriante
sentir qualquer prazer que ele pudesse proporcionar.
-Só me amarre se estiver junto a mim. Ou podemos começar a
explorar novos cômodos e superfícies.
Ermelinda arfou e calou o marido com um beijo. Não deveria falar
de uma coisa daquelas logo após a primeira experiência e muito menos
quando ainda estavam se recuperando do que os arrebatou.
Felizmente para ambos, Leonardo mostrou que se recuperava
rápido e ficou mais do que feliz em amar a esposa mais uma vez antes de um
sono saciado os envolver.
Capítulo 9

Quando o dia amanheceu e Ermelinda abriu os olhos, percebeu


que estava novamente emaranhada ao corpo do marido. Dessa vez não havia
motivos para se afastar. Enquanto admirava as partes nuas e expostas de
Leonardo, percebeu como havia sido injusta com ele. Se viu vendida para um
homem, de fato, mas era um homem que a encantou tempos atrás. Com o
passar dos dias e semanas, ele se mostrou paciente e não perdeu a compostura
por mais que ela troçasse dele. Leonardo a respeitou, a esperou e a seduziu de
formas deliciosas que culminaram naquela noite inesquecível. Um amante
formidável, mesmo que não houvesse como comparar. Ermelinda percebeu
que não queria saber como era estar com outro homem. Leonardo era tudo o
que ela precisava.
Como se estivesse realmente olhando para o marido pela primeira
vez, Ermelinda percebeu que não era só beleza, desejo ou alguma admiração.
Ela o amava. Amava aquele jeito sedutor e debochado, a forma como ele
olhava e sorria, a forma como ele a beijava e agora também amava a forma
como era tratada quando faziam amor.
Leonardo se mexeu e abriu os olhos, obrigando Ermelinda a deixar
aqueles pensamentos de lado. Afinal, ela teve certeza de seus sentimentos,
mas ainda não tinha como saber o que se passava no coração do marido.
Mesmo assim, o sorriso sonolento dele era uma coisa linda de se ver.
-Bom dia, Linda. Dormiu bem?
Linda. Desde o momento em que ela disse que queria ser chamada
daquela forma Leonardo não pronunciou Ermelinda em momento algum,
pelo menos que se lembrasse.
-Sim. E você?
Leonardo apenas assentiu, enquanto se remexia um pouco
esticando o corpo.
-Dolorida?
Ela sentiu o rosto esquentar. Não havia reparado em diferença
alguma no corpo, mas faria sentido estar dolorida depois daquela noite.
-Talvez... ainda não senti nada de diferente.
Leonardo olhou para a esposa de uma forma tão maliciosa que o
coração de Ermelinda acelerou no mesmo instante.
-Devo tentar fazê-la sentir algo?
O choque com as palavras foi imediato.
-Mas acabamos de acordar!
-Minha querida, só podemos fazer isso se estivermos acordados.
-Não vai querer sair para cavalgar hoje? – Ermelinda tentou mudar
o assunto para distrair o marido. Céus... ela já começava a ficar ofegante.
-Não. Hoje será você quem vai cavalgar. – Ele puxou a esposa para
cima do seu corpo e a beijou enquanto despertava por completo. – Em mim.

Fazia mais de meia hora que Leonardo olhava para o relatório do


jornal sem conseguir ler uma letra. Linda tomava todos os seus pensamentos.
O que havia vivido nas últimas doze horas fez todo o seu esforço valer a
pena. Se pudesse, iria atrás da esposa imediatamente, mas ela o afastaria e
não estava nem um pouco errada por isso. Precisava acostumar-se com a
nova situação e o seu corpo também necessitava daquele descanso específico.
Ele não queria machucá-la ou causar qualquer desconforto. Sabia que ela
ainda ficaria tímida por um tempo, mas isso só a deixava mais adorável.
Desde que havia se casado, aquele era o primeiro dia que acreditava
realmente que as coisas dariam certo.
O sorriso de Ermelinda e a desordem da cama deixaram Glória em
um estado de satisfação incapaz de ser disfarçado.
-Acho que finalmente posso lhe dar os parabéns pelo casamento,
minha senhora.
Ermelinda corou imediatamente, mas tentou se manter tranquila
enquanto a criada fazia o penteado que havia solicitado.
-Não sei do que está falando, Glória, mas acho que prefiro não
saber.
A criada deu um sorriso discreto.
-A senhora está sorrindo e o senhor parecia flutuar enquanto
caminhava para o escritório. A propósito, ele não cavalgou hoje.
Não, ela pensou. Leonardo não havia cavalgado, mas ela em
compensação... todas as memórias do que havia acontecido retornaram de
forma tão vívida que Ermelinda estremeceu.
-N-não percebi. É mesmo?
Glória riu.
-Minha senhora, não deve ter vergonha da sua felicidade.
Ermelinda bufou e se virou para olhar diretamente para a criada.
-Saiba que eu não tenho, mas não ousarei sair por aí exibindo
minha vida conjugal em tantos detalhes.
-E a senhora está certíssima em agir assim.
-Até mesmo com você.
Ermelinda percebeu que Glória desanimou no mesmo instante.
Definitivamente sua criada era muito indiscreta.
-Creio que deva viver suas próprias aventuras, Glória. Não precisa
gastar seu tempo com as minhas.
Glória apenas assentiu e voltou a trabalhar no cabelo da senhora
enquanto Ermelinda tentava pensar em algo que não fosse o marido e os
momentos que passaram juntos.
Não tardou para que Ermelinda encontrasse uma desculpa para ir
até o escritório. Leonardo provavelmente estaria tratando dos assuntos do
jornal, mas ela arrumou alguns biscoitos e improvisou um lanche para ele.
O entrar no escritório, vislumbrou o marido debruçado sobre os
papéis. Era assim em todas as manhãs, mas ela não tinha reparado até então
como ele se concentrava. Leonardo não se trancava ali por horas apenas para
ter paz e ficar longe dos acessos de raiva que ela tinha, mas porque o jornal,
seu patrimônio, precisava dele. Pensando melhor, se tornou claro o quanto ele
amava o que fazia e o quão cuidadoso era diante de suas responsabilidades.
Seria ele tão atencioso assim com as pessoas? Claro que seria. Leonardo
trabalhava para dar conforto à irmã, manter as famílias de seus funcionários
de forma digna sem explorar o trabalho de nenhum deles.
Alheio aos pensamentos da esposa, Leonardo terminou de ler uma
frase antes de tirar os olhos dos papéis e ver quem havia chegado. Ao ver
Linda vindo na sua direção, afastou a cadeira e fez um sinal para que ela
fosse até o lado dele.
-A que devo a honra da sua visita, minha flor?
Ermelinda corou. Parecia que iria conhecer um Leonardo piegas ao
longo dos próximos dias.
-Eu vim trazer algo para você comer.
Após observar a esposa colocar a bandeja em segurança sobre a
mesa, Leonardo a puxou para o seu colo.
-Prefiro que traga algo que eu possa beijar.
Ao ver a esposa corar de forma tão atraente, ele prosseguiu:
-Espero que possamos passar um bom tempo juntos dentro desse
escritório.
O olhar de Leonardo não deixou dúvida alguma em relação ao que
estava se referindo. Ermelinda olhou ao redor pensando sobre como aquilo
poderia ser feito ali.
-Você não ousaria...
-Com você? – Ele riu. -Eu ousarei sempre.
Sem tempo sequer para responder, Ermelinda foi surpreendida por
um beijo do marido.
Leonardo simplesmente não conseguia ficar perto da esposa sem
querer tocá-la. Não que antes de Linda ele fosse um homem desinteressado
em uma companhia feminina, mas também não se considerava alguém que
perdia a razão por conta do desejo. Porém, tudo parecia diferente quando se
tratava de Linda. Mesmo que ela ainda fosse muito inocente, era inebriante e
Leonardo simplesmente não conseguia tirá-la da cabeça. A princípio pensava
que aquela atração era sua determinação de fazer com que o casamento fosse
real. Depois, decidiu que provavelmente era o resultado do tempo em que se
absteve de uma mulher, mesmo que a esposa estivesse na mesma casa que
ele. Agora não tinha como definir o que estava acontecendo e tudo o que
sabia era que se pudesse não sairia da cama, não deixaria Linda sair dos seus
braços e um iria nutrir o outro de beijos e paixão por horas. Infelizmente isso
não era possível e ao que tudo indicava, os planos iniciais para aquela noite
seriam suspensos.
-Recebemos o convite para um baile na casa de Abelardo
Gonçalves. Já ouviu esse nome antes?
Ermelinda pensou por um tempo. Não era um nome totalmente
desconhecido, mas não conseguia se lembrar do rosto da pessoa.
-Talvez já tenha escutado algo... um amigo do meu pai? Acho que
nunca o vi.
-Provavelmente eles são amigos sim. Abelardo é o editor da revista
feminina de maior circulação no nosso país. Moda não é o perfil do meu
jornal, mas alianças sempre são bem-vindas. Se eu não comparecer a esse
baile, a primeira vez em que sou convidado para algo diretamente por esse
homem, as chances de uma parceria diminuem consideravelmente.
Ermelinda se admirou ao perceber que não tinha intenção alguma
de deixar de comparecer ao baile. Faria o seu melhor para ajudar Leonardo a
convencer Abelardo de que uma parceria entre eles daria um excelente
resultado. Amar o marido seria amar tudo o que ele mais prezava e o jornal
fazia parte disso. Com um certo pesar, percebeu que não teve tamanha
consideração pelos negócios do próprio pai, deixando tudo ser ofuscado pela
indignação que os atos dele lhe causavam.
-Quando será o baile?
-Essa noite.
Bem, se ele foi ao jantar de Joaquina, o que impediria Ermelinda de
acompanhá-lo a um baile durante a lua de mel?
-Vou pedir para Glória preparar meu melhor vestido.
Ela percebeu quando o marido relaxou diante da resposta.
-Obrigado, minha flor.
-É importante para você, não é?
Ele não ia mentir.
-Muito.
-O que é importante para você, agora também é importante para
mim.
Percebendo que havia falado demais, Ermelinda saiu da posição
escandalosa que estava, levantando-se do colo do marido e tentando mudar
de assunto.
-A propósito, acho que deixei meu livro em algum lugar por aqui.
Leonardo riu.
-Ainda quer aquele livro?
Desconcertada com o olhar que o marido lhe lançou e temendo que
se deixasse levar, Ermelinda cruzou os braços e tentou olhar para ele de
forma exasperada.
-Mas é claro! Não se pode fazer pouco caso de presentes. Se as
meninas souberem que perdi o livro com certeza ficarão chateadas comigo.
Admitindo sua derrota, Leonardo abriu uma gaveta e pegou o
exemplar de “As lições do amor”.
-Insisto que esse livro é a maior baboseira que já existiu.
Ermelinda pegou o exemplar e o abraçou.
-Mesmo assim. É um livro.
-Um gasto de tinta e papel. – Ele retrucou. – Creio que podemos
escrever algo bem melhor que seja mais instrutivo e capaz de surtir melhores
resultados. Poderia ser um sucesso de vendas.
-Escrever um livro sobre sedução? – Ermelinda corou.
-Um livro dividido em duas partes onde as moças saberão
exatamente o que fazer para encantar um homem, que tipo de homem é mais
confiável e o que não fazer durante o processo.
Ermelinda bufou.
-Já sei. Eu escreveria a parte do que não fazer, mesmo que na
verdade eu estivesse explicando o que fazer, não é?
O sorriso de Leonardo a desarmou totalmente.
-Esse é o seu charme, minha flor. Você tentou ser a pior esposa de
todos os tempos e se eu fosse um homem fraco de espírito teria realmente
desistido. Apenas eu não resisto a esse seu olhar beligerante e sua língua doce
e afiada. Acho que carrego em mim o antídoto para o seu veneno.
Ermelinda não podia se deixar suspirar por aquelas palavras. Ela?
Venenosa? Ele queria fazer um elogio ou ofender? Seu marido era um patife.
O patife mais sedutor e impossível de odiar, agora que conhecia melhor.
-Acho que nós dois temos outras coisas para fazer. Te vejo no
almoço, marido.
Por um instante Leonardo pensou em se levantar e concordar com a
esposa de que os dois, juntos, tinham muito o que fazer. Mas decidido a não
parecer um pervertido, se contentou em observá-la deixar o escritório. Seria
no mínimo mais meia hora tentando se concentrar antes de realmente
conseguir voltar ao trabalho.
Até o momento em que o casal entrou na carruagem ambos tiveram
um dia agradável. Por vezes se encontravam coincidentemente pelos
corredores, ao contrário do que aconteceu em todos os outros dias. Porém,
ambos não estavam nem um pouco confortáveis naquele lugar confinado e
mal iluminado. Ermelinda estava muito ciente da presença do marido e
Leonardo se via inebriado pelo perfume feminino que havia tomado conta do
interior do veículo.
-Conte-me mais sobre nosso anfitrião dessa noite. – Ermelinda
pediu.
Leonardo começou a falar de Abelardo e os dois tentaram manter a
conversa o mais longe de si mesmos quanto fosse possível. Isso poderia
ajudar a distraí-los até o momento de saírem dali. Falando de negócios, a voz
de Leonardo assumia um tom profissional que Ermelinda admirou e começou
a questionar tantas coisas que ele ficou surpreso pela perspicácia da esposa.
Sabia muito bem que Ermelinda era muito inteligente, mas parecia possuir
uma visão para negócios que o surpreendeu muito.
Quando a carruagem parou diante do palacete de Abelardo
Gonçalves, o casal desceu da carruagem tranquilo e composto, como ambos
temiam que não fosse possível. Leonardo havia despertado um lado de
Ermelinda que ela mesma não acreditava possuir. Desejava viver mais e mais
vezes as intimidades com o marido e pensava naquilo com uma frequência
que temia ser considerada como uma pervertida se as pessoas soubessem. O
calor do braço de Leonardo no qual sua mão estava apoiada, o perfume, o
tom da voz... tudo a atraía. Depois de tanto tempo olhando Leonardo Veiga
de longe nos salões, agora ela estava ao lado dele. Era a esposa daquele
homem impossível. O homem que ela havia seguido até o jardim e que agora
só estaria com ela.
O esplendor da casa de Abelardo Gonçalves não era algo para ser
ignorado. Ouro, prata e bronze reluziam desde a entrada até o salão. Musas
adornavam o teto e vitrais multicoloridos davam ao ambiente uma nobreza
indescritível. Leonardo realmente precisava do apoio daquele homem.
Quando Ermelinda pensou que publicações para damas poderiam deixar um
homem tão rico? Não diziam que eram os homens que moviam o mundo?
O anfitrião era um homem tão alto quanto largo, de meia idade,
com cabelos começando a ficarem prateados. A voz grave e a fala bem
articulada mostravam que ele sabia tirar o melhor de si e dos outros para ter
sucesso em suas empreitadas.
Abelardo se aproximou do casal e os cumprimentou com
entusiasmo. Ermelinda teve a ligeira impressão de que ele havia segurado sua
mão por um tempo mais longo do que deveria, mas como Leonardo parecia
não ter reparado, concluiu que estava enganada. Como muitos convidados
ainda estavam chegando, o anfitrião não poderia dar atenção para ninguém
por muitos minutos e logo se despediu para continuar com os cumprimentos.
Assim que Abelardo os deixou, Leonardo fingiu soltar uma mecha
de cabelo do brinco da esposa e sussurrou em seu ouvido:
-Eu sei que não podemos causar nenhum escândalo essa noite, mas
eu realmente adoraria poder dançar com a minha esposa.
Ermelinda sentiu o olhar intenso de Leonardo e teve vontade de não
sair do lado do marido por toda a noite. Queria viver naquela noite tudo o que
pensou nos bailes que apenas o observou de longe. Mesmo assim, sabia que
os negócios logo iriam exigir a atenção do marido e que não deveria se
importar pelo tempo que ele precisasse dedicar a isso. Com sorte encontraria
um ou dois rostos conhecidos com quem poderia conversar enquanto
estivesse sozinha. Além disso, tudo indicada que tanto a comida quanto a
bebida oferecidas seriam muito interessantes.
-Podemos dançar ao menos uma vez. -Ela ponderou. – Qual dança
gostaria?
Os olhos de Leonardo brilharam.
-Uma valsa.
Ermelinda sentiu o rosto corar, mas ela estava tão feliz por viver
aquele momento que não se importou.
-Será um prazer, meu marido.
Leonardo fez os lábios se curvarem lentamente em um sorriso largo
e sedutor.
-O prazer será mais tarde. Para nós dois.
Ermelinda sorriu e olhou alarmada ao redor para se certificar de
que ninguém tinha escutado.
-Alguém pode escutar! – Ela praticamente sibilou para o marido.
-Não me importo com pessoas que tenham inveja de mim.
Ah! Homem terrível! Era impossível ralhar com ele. Aquele
sorriso, aquela língua atrevida.
Leonardo acompanhou a esposa ao longo do salão procurando por
conhecidos e pessoas com quem seria uma boa oportunidade de travar algum
conhecimento. Negócios exigiam contatos e bailes eram oportunidades para
abrir algumas portas que nem sempre se abriam com facilidade. Citar que
esteve em determinado evento onde determinada pessoa esteve como
convidada ou foi a anfitriã era uma forma de mostrar em qual círculo da
sociedade se está encaixado. Isso pode gerar oportunidades interessantes.
Porém, assim que os músicos se prepararam para executar uma valsa,
Leonardo deixou tudo para acompanhar sua esposa até a área reservada para a
dança.
O casal era um perfeito exemplo de educação e decoro, dançando
suavemente, mantendo uma distância respeitosa e conversando baixo o
bastante para não serem ouvidos. Mesmo assim, isso não significava que algo
realmente decoroso estava acontecendo entre eles. Ermelinda sentia quando a
saia do seu vestido tocava as pernas do marido e isso já era uma sensação
deliciosa que a deixava febril. Leonardo olhava dos olhos para os lábios de
Linda pensando em quantas vezes queria beijá-la antes que a noite
terminasse. Os dedos das mãos unidas se moviam discretamente se
acariciando. Para o casal, nada mais existia naquele salão. No mundo. Tudo
se resumia a eles e a uma música suave e envolvente.
Mesmo sabendo que era arriscado, Leonardo se lembrou de uma
das muitas anotações que fez a respeito do diário da esposa e resolveu fazer
um convite.
-Gostaria de me acompanhar até o jardim?
-Acho que não devemos. – Ermelinda respondeu no mesmo
instante.
Ah, como havia desejado estar em um jardim com Leonardo!
Porém, não queria correr o risco de estragar aquela noite. Haveria inúmeras
outras oportunidades nas quais poderiam escandalizar desaparecendo e
desfrutando da escuridão de um jardim. Além disso, havia uma carruagem
escura e uma cama quente e macia esperando por eles. Se Leonardo estivesse
correto, vários outros locais também. Foi interessante perceber que não sentia
mais inveja alguma da mulher que estava nos braços do marido quando os
observou muitas noites atrás. Seus devaneios foram interrompidos pela voz
do marido, carregada de desejo e urgência:
-Linda, se eu não te beijar agora em algum lugar discreto, terei que
chocar o salão. Aqui ou no jardim?
Ele não devia estar falando, foi o primeiro pensamento de
Ermelinda. Mas aqueles olhos... ela devia confiar neles.
-N-no jardim então.
Eles foram o primeiro casal a parar de dançar, com os acordes
finais ainda ecoando. Se dirigiram para uma das laterais do salão como se não
tivessem pressa alguma e sorriam para deixar bem claro que estava tudo bem.
Do ponto de vista de um casal, estava tudo maravilhoso. Do ponto de vista da
etiqueta para eventos, estavam à beira da irracionalidade.
Leonardo não sabia dizer o que havia dado nele, mas dançar com a
esposa foi o limite para sua civilidade. Linda era a parceira perfeita para ele
tanto na cama, onde o enlouquecia, quanto na área de dança. Ela flutuava e
ele se sentiu nas nuvens. Mesmo assim não estava imune aos encantos que
ela possuía e a desejou de tal forma que ao menos um beijo era necessário
para que ele conseguisse aguentar até deixarem aquela casa. Esperava que a
carruagem fosse forte o bastante para aguentar o caminho de volta diante do
que ele pretendia fazer lá dentro. Lembrar a informação do diário de Linda
foi essencial, pois sabia que ela o acompanharia ao jardim sem maiores
problemas. Seria um desafio deixar aquele penteado intacto e quase
lamentável manter o vestido imaculado, mas ambos sabiam que aquela era
uma noite importante. Tomando nota mentalmente de que a esposa havia
trazido uma capa, decidiu que não seria problema algum caso alguns botões
se perdessem durante o trajeto de volta para casa.
A poucos passos da porta o casal ouviu a voz do anfitrião enquanto
ele se aproximava.
-Aqui estão vocês! Senhora, me permite conversar por um
momento com o senhor Leonardo?
Ermelinda assentiu e Leonardo se perguntou qual era a graça do
destino em pregar uma peça daquelas. Se Abelardo tivesse esperado dez
minutos, ambos teriam tudo o que queriam.
-Consegui reunir algumas pessoas que você precisa conhecer. –
Abelardo insistiu.
-É claro. Querida, nos vemos em breve. – Leonardo disse com
carinho antes de sair de perto da esposa e seguir o anfitrião.
Ermelinda observou os homens se afastarem envolvidos em uma
conversa que soava interessante. Era isso o que Leonardo queria e com
certeza conseguiria o apoio daquele homem. A brisa fresca vinda do jardim
atravessou a porta e chegou até ela. Tão perto e tão longe. Seria bom que
Leonardo não se esquecesse do jardim quando retornasse da sua reunião de
negócios. Enquanto isso, ela iria conversar com uma conhecida e talvez
conseguir algum aperitivo.
Abelardo apresentou Leonardo a alguns dos homens mais
influentes que estavam no baile aquela noite. Era claro que o homem tinha
grandes expectativas quanto ao que “A coluna Portuguesa” poderia
acrescentar aos seus projetos e como isso iria impactar na sua fortuna.
A conversa que seria breve se estendeu por mais de meia hora e
quando todos se deram por satisfeitos, tudo o que Leonardo queria era voltar
para perto da esposa. Na verdade, seus pensamentos estavam divididos entre
as negociações e a preocupação constante com Linda sozinha no salão. Não
queria deixá-la sozinha por tanto tempo e acreditava que já havia exigido
demais que comparecessem naquele baile quando finalmente estavam
iniciando sua lua de mel.
-Vou pegar uma bebida apropriada para nosso brinde, senhores. -
Abelardo anunciou.
Enquanto Leonardo seguiu o anfitrião até uma sala essencialmente
masculina onde os outros já estavam, com poltronas escuras, caixas de
charutos e cinzeiros, percebeu que não havia nenhum criado por ali. Parecia
que Abelardo gostava também de adular as pessoas, servindo-as mesmo
quando todos esperavam que ele fosse servido.
Não tardou para que o anfitrião retornasse com taças com borda de
ouro quase transbordando com uma bebida cor de mel de aroma delicioso.
-Uma iguaria para animar essa noite.
Feito o brinde e após todos terem provado e aprovado a bebida, a
conversa recomeçou e Abelardo fez com que as atenções fossem todas
voltadas para Leonardo. Quando a conversa tornava impossível que o
convidado saísse dali tão cedo, Abelardo saiu novamente informando que iria
solicitar mais músicas para o baile ao invés de servir a refeição da noite que
estava marcada para dali a poucos minutos.
Os homens pareciam tão interessados nos planos de Leonardo que
ele percebeu que poderia conseguir mais do que uma parceria naquela noite e
prometeu a si mesmo que faria tudo o que pudesse para que Linda o
desculpasse por sua ausência prolongada.
Enquanto isso, Ermelinda não poderia dizer que estava de fato se
divertindo. Após conversas rasas e breves, se viu em um canto do salão como
sempre acontecia antes do casamento. Mesmo que aquela fosse uma situação
que já conhecia muito bem, queria a companhia do marido. Entendia a
importância de estarem ali e de Leonardo precisar se afastar dela. Chegou até
mesmo a pensar se todos os eventos que comparecessem seguiriam aquele
formato. Interesses, reuniões e a esposa jogada em um canto do salão. Não,
ele não faria isso com ela. Aquela definitivamente deveria ser uma exceção.
Foi um alívio quando viu o senhor Aberlado Gonçalves vindo na
sua direção. Se ele já estava ali significava que a reunião havia terminado e
que Leonardo logo se juntaria a ela. Porém, sua alegria evaporou quando o
anfitrião chegou perto o suficiente para conversarem.
-Lamento afastar seu marido da senhora, mas garanto que é por um
bom motivo. Nosso caro senhor Leonardo ficará ainda alguns minutos em
reunião, visto que muitos se interessaram pelo seu jeito visionário, mas ousei
vir lhe fazer companhia.
Ermelinda não sabia muito bem como reagir. Abelardo agia de
forma gentil, mas ela preferia continuar sozinha esperando pelo marido.
Porém, não seria nem um pouco educado dizer aquilo.
-Por favor, não há motivos para se incomodar, senhor Abelardo.
Compreendo que o senhor também está atarefado, já que é o anfitrião.
Esperarei meu marido o tempo que for necessário.
Abelardo sorriu e seu rosto até então simpático ficou marcado por
curvas de uma forma um tanto intimidante.
-Uma dança, senhora Ermelinda. Como anfitrião, creio que posso
me dar ao menos a esse luxo.
Ao ver que ele estendeu a mão na sua direção, Ermelinda teve a
certeza de que recusar não era uma opção viável. Sendo assim, se permitiu
ser conduzida de volta para a área de dança por aquele homem desconhecido
enquanto torcia para que Leonardo não demorasse muito.
-Creio que ele ainda vá demorar um pouco, mas não se preocupe,
senhora Ermelinda. Está entre amigos. – Abelardo disse com tranquilidade ao
perceber que a jovem olhava ao redor em busca de algo.
Ermelinda assentiu, mas não se sentia confortável. A postura de
dança de Abelardo a colocava mais próxima a ele do que quando havia
dançado com o próprio marido.
-Devo admitir que é admirável a forma como vocês dois se portam
diante da sociedade, mas pode ficar à vontade comigo. Sei das circunstâncias
do casamento.
Ermelinda tinha que admitir que Abelardo, apesar do porte
gigantesco, dançava bem. Seu maior problema era que falava demais. Ela se
sentiu insultada diante daquelas palavras e mesmo assim, por Leonardo,
tentaria manter a situação sob controle.
-As circunstâncias do meu casamento são bastante comuns e
acredito que foi uma excelente escolha.
Aberlado assentiu e sorriu daquela forma estranha novamente.
-É claro. Seu marido é um bom homem e a senhora já deve
compreender que casamentos feitos através de acordos perduram por toda a
vida. Cada dia surgirão novos acordos entre vocês e os segredos de um não
irão incomodar o outro.
Ermelinda sorriu, quando na verdade queria dar um tapa no rosto
daquele homem.
-Como está tão bem informado, deve saber que ainda estamos em
lua de mel. Este evento foi uma exceção, sinal de que meu marido o tem em
alta estima.
Abelardo riu.
-Minha cara, não é estima. É ambição. Ele quer chegar a um
patamar e eu posso ser aquele que vai ajudá-lo. Mas isso tudo depende de
alguns fatores, já que não tenho o hábito de ajudar ninguém pela mera
bondade de meu coração.
Ermelinda escolheu as palavras com cuidado, temendo falar tudo o
que queria. A única coisa que não queria dizer a respeito de Abelardo
Gonçalves era que aquele homem pudesse ser considerado uma boa pessoa.
-Acredito que ambos conseguirão chegar a um acordo favorável.
-Com certeza. Apesar que imagino um acordo muito mais
vantajoso com a senhora. Claro que se chegarmos a um acordo favorável, o
senhor Leonardo conseguirá o que quer de mim.
Ermelinda sentiu uma onda de asco a tomar rapidamente. Tinha que
sair dali. Tinha que parar aquela dança e tudo o que mais queria era ir para
casa junto com Leonardo. Gonçalo poderia ajudar Leonardo ainda mais e
então não seria necessário o apoio daquele canalha.
-Não trato de negócios, meu senhor. Todos os seus acordos só
dizem respeito ao meu marido e ao que ele pode lhe oferecer.
Ermelinda sentiu a mão de Abelardo deslizar um pouco pelas suas
costas, o que lhe deu náuseas. O que aquele homem fez ao longo da vida para
chegar onde chegou? Quanto ele ofereceu para destruir as pessoas?
-Infelizmente, o que eu quero não cabe ao seu marido oferecer. Sou
um homem discreto, minha senhora e sei muito bem como agradar uma
mulher com padrões altos.
-Então arrume uma para você!
A voz de Leonardo foi quase um rugido e fez tanto Ermelinda
quanto Abelardo olharem para um homem visivelmente raivoso. Antes que
Abelardo pudesse registrar o que estava acontecendo, um soco de Leonardo o
atingiu em cheio, fazendo-o soltar Ermelinda automaticamente enquanto
tentava recobrar o equilíbrio.
-Nunca mais ouse se aproximar da minha esposa! Além disso, não
faço parcerias com homens de moral duvidosa como você.
Segurando o braço de Ermelinda, ainda chocada com o que havia
acontecido, Leonardo a puxou para fora do salão.
Era uma sensação de vertigem. A náusea causada pelas palavras de
Abelardo, o choque por ver Leonardo tão fora de si. Céus... aquele
acontecimento seria comentado por anos na sociedade. O que aconteceria
com Leonardo? Como ficaria o futuro do jornal?
Quando atravessaram as portas da casa, Leonardo ainda estava em
silêncio e achou que seria melhor procurar a própria carruagem ao invés de
ficar parado esperando. Se Abelardo fosse atrás deles, o que ele duvidava
muito, não se esquivaria do combate. Ver sua esposa dançando com o
anfitrião era um pequeno incômodo, mas ao ouvir a conversa e o tipo de
proposta que ele fazia para a sua Linda o fez ter sede de sangue. Maldito.
Abelardo o enganou para conseguir ter um tempo a sós com Linda.
Ainda movido pela raiva, pegou a esposa no colo e nem chegou a
escutar os protestos chocados que ela lhe dizia.
-Não estou no melhor dos humores, Linda. É melhor cooperar.
Isso foi o suficiente para silenciá-la.
Ermelinda se permitiu ser carregada no colo em meio às dúzias de
carruagens paradas enquanto Leonardo gritava o nome do condutor. Após o
terceiro grito veio a resposta e em poucos instantes, ambos estavam dentro da
carruagem a caminho de casa.
-Reze para que eu nunca mais encontre aquele homem ou então
meus punhos o farão perder a consciência.
Ermelinda ainda estava assustada com aquele lado do marido que
ela desconhecia totalmente. Compreendia a reação, mas admitiu para si
mesma que aquilo era algo que não gostaria de ver mais.
-Já passou, marido. Não vale a pena um escândalo por causa
daquele homem nojento.
As palavras deveriam servir para tranquilizar Leonardo, mas tudo o
que fizeram foi reavivar a raiva dele.
-Já passou? Aquele idiota estava querendo você! Por isso ele fez
aqueles homens me encherem de perguntas sobre o meu jornal! Aposto que
todos eles se renderam aos caprichos daquele verme.
Leonardo respirou fundo e prosseguiu, tentado parecer mais calmo.
-Me perdoe por essa noite.
Ermelinda segurou a mão do marido e tentou sorrir. Não conseguiu.
-Você não sabia que isso ia acontecer. Não fez nada de errado para
precisar ser perdoado, eu lhe asseguro.
Leonardo ergueu a cabeça e fitou a esposa.
-É claro que fiz! Eu a deixei sozinha. Se eu tivesse ficado ao seu
lado, que é o lugar de um marido, isso não teria acontecido.
Ermelinda suspirou. Queria brigar com aquele marido teimoso, mas
sabia que não deveria fazer isso. Ao menos naquele momento.
-Não haveria como você negociar o que queria comigo ao seu lado.
Não é tão incomum marido e mulher se separarem momentaneamente durante
um baile.
Ermelinda observou Leonardo fechar as mãos novamente, ainda
muito mais nervoso do que deveria.
-Se ele tivesse feito algo... se aquele idiota tivesse tocado em você
por mais tempo...
Ela sabia o que fazer, mesmo sentindo que não era ousada para
tanto. Leonardo precisava de uma distração. Precisava dela.
Ermelinda hesitou por alguns instantes, mas sabia que tinham ainda
um caminho a percorrer até chegarem em casa e possuía a quase escuridão da
carruagem a seu favor. “Tudo bem, você consegue”, repetiu mentalmente
várias vezes até encontrar uma coragem que não sabia possuir e se sentar ao
lado do marido.
Segurando as mãos de Leonardo, Ermelinda as levou até sua
própria cintura.
-Ele não vai fazer nada. Nunca mais. Mas eu quero... eu quero que
você faça.
Leonardo parecia hipnotizado, olhando do local onde a esposa
havia colocado suas mãos até seus olhos. Estava escuro demais para poder
vê-la da forma que queria, mas conseguia imaginar perfeitamente como
Linda olhava para ele naquele momento. Sim, ele poderia fazer tudo com
aquela mulher, pois ela era a sua mulher. Pensar em qualquer homem se
aproximando dela era enlouquecedor, mas ele precisava se lembrar que a
única pessoa que poderia ter Linda nos braços era ele. Abençoado por Deus e
com a permissão dos homens, ela era sua mulher e ele era totalmente dela.
Totalmente? Não... não era hora de pensar naquilo. Tudo o que precisava era
mergulhar os dedos nos cabelos macios, se fartar naqueles lábios e naquela
pele que ele tanto adorava. Cada suspiro e gemido seriam música para os seus
ouvidos. E foi exatamente isso o que ele fez.
Quando a carruagem parou diante da casa de Gonçalo, Leonardo
jogou o terno sobre o vestido desajustado da esposa e foram juntos para o
quarto dispensando todo e qualquer criado que encontraram pelo caminho. Se
tivessem sorte, não precisariam de nada ou ninguém até o almoço do dia
seguinte.
Aquele lado de Leonardo era interessante, Ermelinda decidiu.
Intenso e apaixonado, totalmente entregue. Não havia tempo para sedução,
pois ele estava sedento e necessitado de algo que só ela poderia proporcionar.
Ah, uma mulher poderia muito bem viver se sentindo importante daquela
forma. Ela se sentia única aos olhos dele. Se fosse sincera consigo mesma, se
sentia tão necessitada quanto ele. Queria se esquecer as mãos de Abelardo,
das palavras nojentas... Queria sentir apenas o gosto de Leonardo na sua
boca, o cheiro dele na sua pele.
Ao chegarem no quarto, Ermelinda sequer conseguiu respirar antes
que Leonardo jogasse longe o terno que a cobria e com um único e experiente
puxão no laço que ainda estava atado, fez o vestido cair aos seus pés.
Ermelinda escutou o tecido cedendo e a libertando.
-Esse vestido nunca mais vai encostar na sua pele.
Ermelinda ficou feliz por não estar usando um de seus preferidos.
Entendia perfeitamente do que o marido se lembraria ao vê-la novamente
com aquele vestido. Além disso, era provável que ela mesma não suportaria
usá-lo novamente. Em um instante se viu nua dia diante do marido e sentiu os
olhos dele perderem qualquer sinal de raiva antes de se transformarem em
poços de desejo.
Com seu próprio desejo desperto, as mãos de Ermelinda
começaram a despir Leonardo com uma destreza que ela mesma desconhecia.
Precisava dele por completo, sem demora.
Ao notar que a esposa tinha a mesma urgência que ele, Leonardo
não ficou parado e a ajudou, fazendo um ou dois botões se soltarem diante da
necessidade de se ver livre de tudo aquilo e esquecer do mundo nos braços de
Linda.
Quando finalmente ambos estavam livres de qualquer vestimenta,
Ermelinda segurou a nuca do marido e o trouxe para perto desejando beijá-lo,
mas Leonardo a deteve a poucos centímetros de distância. Ele queria olhar
em seus olhos, queria falar tudo o que estava o incomodando.
-Eu prometo, Linda, que vou proteger você. Ninguém mais vai te
ofender ou abusar como essa noite. Ninguém vai te perturbar. Eu não vou
deixar que nada nem ninguém lhe faça mal outra vez.
Ermelinda sorriu e ele acabou com a distância que impedia o beijo.
Em um instante estavam na cama entre beijos e sussurros,
apagando as memórias ruins com o prazer mais intenso que conseguiram
produzir. Leonardo tomou a esposa em um movimento rápido e profundo,
que a fez gemer tão alto que corou.
Leonardo parou os movimentos e a observou, fascinado.
-Eu adoro ouvir você.
Ermelinda ainda estava envergonhada, mas naquelas poucas
palavras ele lhe deu uma confiança incomensurável.
-Não pareço vulgar?
Ele riu. Aquele sorriso devasso, capaz de acabar com o juízo de
qualquer pessoa.
-Você parece deslumbrante. A mulher que eu sempre quis.
Naquela noite, Ermelinda conheceu um amante intenso, um homem
que queria lhe deixar marcada de amor para sempre. O prazer que ele lhe
proporcionou era algo tão surreal que ela temia morrer de paixão e mesmo
sabendo que nada o faria parar até se sentir exaurido de todas a forças, ela
pensou que morreria feliz. O êxtase era uma forma magnífica de estar no
paraíso e não havia lugar melhor para alcançá-lo do que estando nos braços
do marido.
Quando Leonardo finalmente dormiu, as cores da noite começavam
a ceder anunciando a aurora. Mesmo estando exausta, o sono de Ermelinda
não veio e ela ficou observando o marido dormir. Depois de todo o tormento
pelo qual ambos haviam passado, as feições de Leonardo estavam leves e
tranquilas. Virando-se para cobrir o marido adormecido, Ermelinda sentiu o
corpo protestar. Definitivamente estava exausta e dolorida, mas faria tudo
outra vez se fosse possível. Foi com um sorriso nos lábios que pensou em
tudo o que havia vivido desde que o baile da noite anterior começou.
Tanto ela quanto Leonardo estavam dispostos a fazer possível para
conseguir uma parceria vantajosa para o jornal, mas não esperavam encontrar
um homem sem escrúpulos pelo caminho. Por um bom tempo Ermelinda se
ressentiu pelo marido ter se casado com ela pelo bem do jornal, mas na noite
anterior ele colocou “A coluna Portuguesa” em segundo plano. Mesmo que
tenha sido vendida para o casamento, Leonardo deixou bem claro que a
queria apenas para si.
Na primeira noite, Leonardo a amou com carinho e cuidado, um
perfeito cavalheiro instruindo uma donzela na arte do amor. Porém, nesta
noite, ela a marcou definitivamente como sua, mostrando o que era o prazer
supremo, as inúmeras ondas que o êxtase poderia formar. Ermelinda foi
tomada por um homem à beira do desespero, um homem tão necessitado e
intenso que não poderia ser nada menos que um homem apaixonado.
Assim que terminou de cobrir o marido, Ermelinda percebeu que
Leonardo estava olhando para ela.
-Eu o acordei?
Ele deu um sorriso sonolento.
-Parece que ainda não estou muito exausto.
Ermelinda corou. Será que ele queria mais? Ah... talvez ela não
aguentasse.
-Passamos a noite em claro, marido.
Leonardo assentiu.
-Parece que fechar os olhos é incômodo demais. Preciso vê-la para
saber que está tudo bem.
O coração de Ermelinda se aqueceu de uma forma tão
aconchegante, que ela sorriu.
-Está tudo bem.
Leonardo se mexeu, envolvendo a esposa em seus braços
aconchegando-a junto ao seu corpo.
-Eu quero que saiba que ontem durante aquele baile descobri duas
coisas. A primeira é que “A coluna Portuguesa” pode sobreviver sem um ou
dois parceiros influentes. A segunda, bem, eu não sei se sobrevivo sem estar
com você.
Ermelinda arfou e Leonardo a abraçou com um pouco mais de
força.
-Está chocada?
-Não pode estar falando sério.
Após um beijo rápido nos lábios macios da esposa, Leonardo
prosseguiu.
-Eu tive receio quanto ao que seria desse casamento, mesmo que
desejasse que tudo desse certo. Por vezes, pensei que seria um desastre.
Sentir atração ajuda, mas não é tudo. Mas a cada momento em que estamos
bem, eu percebo que quero ainda mais. Mais do seu sorriso, mais dos seus
beijos, mais da sua paixão. Vê-la com aquele homem ontem me fez perder a
cabeça. Eu a estimo muito, minha Linda. Ouso dizer, com toda a certeza, que
eu a amo.
Ermelinda sorriu. Não havia lugar para choque, apenas admiração e
uma alegria tão contagiante que fazia seu coração disparar.
-Compreende exatamente o que está falando?
Leonardo assentiu.
-Sim, meu amor. Mesmo assim, não irei pressioná-la sobre isso. Se
um dia eu for digno dos seus sentimentos, serei o homem mais feliz do
mundo, mas por enquanto me contento em ser feliz por ser seu marido. Vou
cuidar bem de você todos os dias, eu prometo.
Ermelinda sentiu os olhos ficarem marejados. Alegria ou sono,
achou melhor não tentar descobrir.
-Eu o amo, Leonardo. Não me importo com o que tem, mas com o
que é. Definitivamente é um dos homens mais honrados que conheço.
Leonardo presenteou a esposa com aquele sorriso lento e
contagiante que ela tanto adorava, mas que havia ganho uma nova nuance.
Mais do que sedutor, agora era realmente um sorriso pleno de alegria.
Epílogo

Leonardo e Ermelinda passaram os últimos dias da lua de mel sem


se preocupar com nada além de si mesmos. Ermelinda acompanhou o marido
em algumas cavalgadas, as horas que ele passava no escritório diminuíram e
quando chegou o momento de voltar para casa, ambos se pegaram pensando
quando estariam longe de tudo e todos novamente.
Em um jantar na casa do sogro, Leonardo percebeu que Gonçalo e
Linda também haviam se reconciliado e as visitas se tornaram cada vez mais
constantes.
Adélia e a cunhada se afeiçoaram com uma rapidez impressionante
e quanto Lílian se juntou a elas, o clima não mudou. Leonardo percebeu
como o destino foi feliz por tirá-lo do caminho que desejada trilhar ao lado de
Lílian e Ermelinda compreendeu que não devia se preocupar com o passado
do marido. Tudo o que importava era o futuro.
Certa noite, Adélia encontrou o irmão na biblioteca e o abraçou por
um longo tempo.
-Obrigada por aumentar nossa família.
-Ainda não aumentei o tanto quanto quero, irmãzinha.
-Será?
Travessa, Adélia saiu tão rápido do cômodo, assim como havia
entrado e fez com que Leonardo precisasse correr atrás da irmã e da esposa
para pedir maiores explicações.
O jornal “A coluna Portuguesa” prosperou, mesmo com os boicotes
que Abelardo iniciou após o incidente no baile. Todos os convidados
comentaram sobre o escândalo do anfitrião ter levado um soco de um
convidado que se sentiu ofendido e muitos entenderam perfeitamente o
motivo. Por mais que Abelardo de considerasse discreto, o número de ofertas
indecentes que fazia era vergonhoso e isso incomodava muitos homens
casados. Porém, nem todos tinham a presença de espírito do jovem Leonardo
Veiga. Mesmo assim, junto com o escândalo veio a admiração por parte de
alguns e se Leonardo havia perdido um parceiro comercial de renome,
ganhou vários outros de boa índole e com força de vontade para cooperar.
O livro escandaloso de Mademoiselle Florence, “As lições do
amor”, continuou sendo uma febre secreta entre as moças casadoiras, fazendo
com que sua fama o levasse até outros países. No segundo livro dessa
duologia, haverá uma jovem astuta e muito disposta ao casamento que
receberá um exemplar, confiando que ele será capaz de mudar sua vida. Será
que dessa vez o livro terá alguma serventia?
Agradecimentos
Não é possível terminar um livro sem agradecer à você, leitora, pela
oportunidade de poder apresentar este romance e seus personagens. Quem é
leitor sabe que a lista de livros é muito maior do que o tempo disponível,
então é uma alegria muito grande saber que você viveu um pouco da sua vida
através do Léo e da Linda.
O Leonardo apareceu pela primeira vez em um romance chamado
Lílian, onde a protagonista capturou sua atenção, mas o romance não evoluiu.
A fim de curar o coração partido do nosso querido personagem, escrevi esse
livro para ele. Não foi fácil chegar ao final feliz, mas não posso dizer que ele
não se divertiu ao longo da história.
Espero que possamos nos encontrar novamente no segundo e último
livro dessa série, onde o livro "As lições do amor" chegará nas mãos de
Carolina, uma personagem cativante que roubou a cena em "Para você todas
as minhas frases de amor".
Desde já considere-se convidada para aparecer a qualquer momento nas
minhas redes sociais para podermos conversar. Adoraria poder conhecer sua
opinião sobre a história, além de podermos esclarecer pontos, traçar teorias e
possibilidades. Além disso, a sua opinião é muito importante. Se possível,
seria uma honra e eu ficaria muito grata se pudesse deixar sua crítica na
Amazon ou no Skoob. Além de ajudar uma escritora iniciante a ter ânimo
para continuar seu trabalho, muitos leitores buscam essas opiniões na hora de
decidir sua próxima leitura.
Sempre devo agradecer também ao meu anjo da guarda, Ana, por me
ajudar a encontrar o melhor caminho para desenvolver a história.

Muito obrigada a todas!


Excelentes leituras!

Gilmara.
Livros deste autor
O dever e a paixão
Seguindo um costume infeliz de sua família a jovem Manoela se casará em
breve com seu primo Francisco, futuro marquês de Queluz, a quem ela
conhece desde sempre e nutre uma grande amizade. Ambos estão
conformados com seu destino até que um dia Francisco conhece a doce
senhorita Cecília e Manoela passa a ser admirada pelo atrevido Matheus,
futuro conde de Piratini. Será que um casamento arranjado poderá se tornar
um relacionamento feliz depois que ambos tiveram seus corações tocados por
outras pessoas ou os sentimentos nunca serão esquecidos? Amor, amizade,
dor e recomeço se entrelaçam e tecem a história de Manoela dividida entre o
dever com a família e a paixão despertada por um desconhecido.

O presente de Natal de Madalena


Enquanto Madalena tenta melhorar de vida e superar o luto pela perda da
mãe, Carlos, o futuro visconde de Entre-Rios está cumprindo tarefas
espinhosas dadas pelo pai. Entre elas, está a missão de expulsar Madalena da
casinha onde mora de favor. Após conhecer um pouco da história da jovem e
por não ter herdado o coração de pedra do pai, Carlos se compadece e resolve
ajudar Madalena. Porém, como falar de assuntos tão complicados às vésperas
do Natal? Tentando amenizar um pouco a tristeza da jovem, que passará seu
primeiro Natal sozinha após a morte da mãe, Carlos resolve dar algumas
alegrias a ela. O que ele não esperava era que o presente dado poderia
retornar para ele na forma de algo muito mais precioso e duradouro.
Venha conhecer esse mágico e romântico conto de Natal!

Minha querida Catarina (As netas do Barão Livro 1)


“E se o último pedido de uma das pessoas mais importantes para você fosse
algo capaz de mudar a sua vida? ” A autora de "O dever e a paixão" e "O
presente de Natal de Madalena", agora apresenta sua primeira trilogia.
A morte do barão de Cruz Alta trouxe grande tristeza para a sociedade, mas
principalmente, para as netas que agora se viam sozinhas no mundo.
Pensando em como poderia ajuda-las mesmo não estando mais presente, o
barão fez dois testamentos: o tradicional voltado para os seus bens e um
testamento de desejos, onde deixava para cada uma das jovens um pedido a
ser atendido. Marieta e Emília, as irmãs mais novas, receberam pedidos que
desejavam e ficaram imensamente felizes com a bondade do avô. Porém,
Catarina recebeu a notícia de que um casamento arranjado a esperava. Além
do casamento não ser um desejo seu, ela sequer conhecia o noivo. Petrus, o
noivo, era conhecido como o devasso mais famoso da região. Após anos na
Europa quando suas façanhas atravessavam o oceano, ao chegar no Brasil as
mulheres já o desejavam enquanto os homens o admiravam. Totalmente
contra o casamento, ele tentar encontrar formas de anular esse acordo. O seu
maior problema foi não imaginar que a noiva poderia ser tão atraente. Venha
conhecer as netas do barão e como um último pedido pode ser capaz de
mudar todo o rumo da vida de uma pessoa.

Quatro noites para se apaixonar


Vossa senhoria está convidada para cair na folia!
Neste maravilhoso conto de carnaval você passará uma noite na luxuosa casa
do Visconde do Bom Conselho, depois se divertirá no baile do Barão da
Graça. Já está cansada(o)? Espero que não pois ainda temos a divertida
guerra de farinha no baile do Barão de Alfenas e para fechar com chave de
ouro, o baile de despedida na casa da Marquesa de Santos. Ao longo de
quatro noites de folia, Efigênia, a última filha solteira do barão de São
Miguel, está disposta a se divertir como nunca pois ao que tudo indica, ficará
noiva em breve. Sendo provavelmente seu último carnaval solteira, Efigênia
usará as máscaras para se soltar como nunca e estar preparada para fazer a
transição de solteira para casada sem arrependimentos. Caia na folia na época
do império e aproveite essas quatro noites de alegria e sedução.

Lílian: Spin-Off de Minha Querida Catarina


[ ATENÇÃO ] Contém uma cena de violência sexual. Livro recomendado
para maiores de 18 anos.
Lílian foi do amor ao abandono e se tornou uma dama da noite. Com a ajuda
de seu cliente e improvável amigo Petrus, ela recebe uma nova chance na
vida indo para Portugal como uma dama respeitável. Seu anfitrião e protetor
do outro lado do oceano era ninguém menos que o belo e reservado barão de
Forrester. O plano do barão era simples: apresentar a dama à sociedade, casá-
la e voltar para sua rotina tranquila. Porém, não foi com tranquilidade que
percebeu o quão bonita era a jovem e não foi nada agradável ver seu plano
dar certo quando seu amigo Leonardo foi seduzido pelos encantos de Lílian.
Será que o barão conseguirá manter seu plano?

Henrique: Spin-Off de O dever e a paixão


Aproveitador ou apaixonado? Marcado pelo passado ou focado no futuro?
Henrique habitou as páginas de "O dever e a paixão" e sua passagem pela
história levantou dúvidas a respeito de seu caráter. Além disso, quem é a
misteriosa senhorita Amália? Sua breve passagem pelas páginas do romance
foi decisiva para o destino dos personagens principais. A fim de esclarecer
todas as dúvidas, o romance "Henrique" foi escrito contando todos os fatos
que antecederam assim como aqueles que aconteceram depois do fatídico
encontro de Manoela e Amália.
Um romance de época para falar sobre feridas, destino, redenção e claro,
amor.

Para você todas as minhas frases de amor


O maior desafio da vida de Antônio, filho do barão de Pindaré, é se sentir à
altura da jovem Isabel, a melhor amiga de sua irmã Carolina. O trio cresceu
junto, mas o Antônio adolescente se achava deselegante demais para merecer
as atenções da menina bonita que sempre estava na sua casa. Anos depois, ele
retorna para a família após concluir a faculdade de advocacia e inicia um
plano para conquistar aquela que sempre foi seu maior amor: se passar por
um admirador secreto. Todos os dias Isabel recebe uma carta anônima
acompanhada de uma rosa. É possível se apaixonar por alguém através de
palavras? Até quando Antônio conseguirá seguir com esse plano? Como será
quando Isabel descobrir que o homem sem rosto na verdade é uma das
pessoas com quem mais conviveu na vida? Um conto romântico que promete
suspiros e sorrisos neste dia dos namorados te espera no Brasil do século
XIX.

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